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O CODIGO PENAL
INTERPRETADO
SEGUNDO AS FONTES, A DOUTRINA E A JURISPRUDENCIA E COM
REFERENCIAS AOS PROJECTOS DE SUA REVISÃO
PARTE ESPECIAL
PELO
Deputado federal, ex-magistrado e lente cathedratico de direito criminal e militar na
Faculdade do Recife
2017 -
901
RIO DE JANEIRO
IMPRENSA NACIONAL
1901
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DO AUTOR
Leis judiciarias annotadas etc.— Recife 1877.
Ensaio de Direito Penal.— Recife, 1884 (esgotado).
A Lucta pelo Direito (trad. de R. von Ihering) — Recife, 1885.
Nova edião oficial do Codigo Criminal. Ante-Projecto, etc. (inedito)
Recife, 1889.
Codigo Criminal Brasileiro.— Commentario Philosophico Scientifico em relação
com a Jurisprudencia e a legislação comparada Recife, 1889 (esgotado).
Codigo Penal Brasileiro commentado theorica e praticamente, 2 tomos,
Rio de Janeiro, S. Paulo, Recife — 1896-97.
Direito Penal do Exercito e Armada, Rio de Janeiro 1898,
Brasilien Unter Benutzung von Mitteilungen des Dr. João Vieira de Araujo
bearbeited von Dr. Georg Crusen Berlin, 1893, Otto Liebmann (in Dic
Strafgesetzgebung der Gegenwart in rechtvergleichen der Darstellung. Bd. II:
''Das Strafrecht der aussereuropätchen Staaten").
A Revisão dos Processos Penaes, segundo a doutrina, a jurisprudencia e a
legislação comparada — Rio de Janeiro, 1900.
Diversas outras publicações em revistas e jornaes nacionaes e estrangeiros.
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O CODIGO ACTUAL E O FUTURO CODIGO
O codigo penal commentado theorica e praticamente escripto em 1894 e
só publicado em 1896-1897 em doas volumes, é, menos o capitulo da «
satisfação do damno» que supprimi, uma nova edicção do meu
commentario de 1889 ao codigo anterior de 1830, mas adaptada ao
codigo vigente.
E' um livro novo, porém, porque recebeu novos accrescimos,
tendo sido mesmo completada a parte geral, incompleta no anterior.
Entretanto, comprehende a parte geral, porque a parte especial
que faz parto dovolume sè reduz, por assim dizer, á uma especio
de programma da vasta materia, apontando apenas a bibliographia
geral o as especiaes e referindo-se quanto ao mais a exposão de mo-
tivos do projecto de 1893 que tive a honra de redigir na Camara dos
Deputados.
O presente livro é um tratado da parte especial do direito criminal,
a mais importante, porque é mais util, se referindo ao
defeituosíssimo codigo que temos, porque é a lei que deve ser
applicada e a obra visa, não só o aspecto ideial, philosophico ou
theorico; como tambem o real, positivo ou pratico do direito criminal.
Abrangendo hoje o estudo desse ramo do direito nas Faculdades
respectivas officiaes e livres dous annos de curso e comprehendendo
pela nova legislão todas as materias do mesmo direito, é intuitiva a
vantagem para os estudantes d'um livro que realize o desideratum
dum curso geral e completo do mesmo direito.
Assim a minha obra sobre a parte geral ficará completa para o
curso geral com a publicação da presente, servindo a do direito militar
para estudo dos princípios geraes deste direito.
Finalmente a legislação comparada, a jurisprudencia, o os pro-
jectos como trabalhos preparatorios do futuro codigo nos serviram de
constante subsidio, referindo-nos mesmo ao direito processual toda a
vez que o estudo completo do assumpto assim o exigia.
Referimo-nos, quanto á revisão do codigo, especialmente ao pro-
jecto que chamaremos de 1899, porque neste anuo foi depois de emen-
dado e approvado remettido no Senado.
IV
buo prêsí
O plano do "presente livro visando o estado do nosso direito criminal
actual constituium commentarlo antecipado do futuro código nesta
parte, sí porventura, o Senado converter em lei o referido projecto.
Não cremos, porém, que isto tão cedo aconteça, preterindo-se
outras exigências da tarefa legislativa, inclusive a do código civil que
é obra muito mais urgente.
A nossa ideia de commsntario antecipido, agora, já a extervamos
a propósito d'outro livro nosso e poderá ter até certo ponto sua reali-
sação também.
-
« Devemos dizer antes de tudo que escrevendo o presente livro,
não só tivemos em vista tratar d'um assumpto inexplorado nas lettras
jurídicas entre s, como principalmente fazer um commentario ante-
cipado da lei, ora em projecto.
E o facto não é sem precedentes illustrados e animadores.
Roguin, notável professor na universidade do Lausanne, diz em
condições menos opportunas e menos favorecidas que aquellas em
que nos achamos :
« O interesse da nossa obra augmentou em consequência das vota-
ções, pelos dous conselhos legislativos da Confederação, em 10 e 17 de
abril de 1891, das disposições principaes de um projecto de lei
federal..,
« O presente livro servira de commentario antecipado d lei futura,
etc. '
« Nós estudamos o assumpto para justificar e discutir o projecto
na Gamara dos Deputados, fazendo a critica tão completa quanto foi
possivel às nossas foas, da legislão existente e fundamentando as
novas disposições projectadas na doutrina, na legislação comparada •
na jurisprudência especialmente nacional.
Assim, o livro pode, sem immodestia, assumir o papel de explica-
dor da nova lei, si fôr votada definitivamente, tendo o livro e a lei o
mesmo autor.» *
A benevoncia manifestada no paiz e no estrangeiro por trabalhos
e estudos anteriores me animará a esforcar-me quanto possivel no
desempenho desta nova tarefa, sem duvida a mais vasta e diflieil do
que todas as outras.
Capital Federal, 5 de Abril de 1901.
i Roguin, COJJÍUTB BES Loia SUISSES, Lausanne, 1891 „Vl. ^ I * Do autor
: A REVISÃO nos PROCESSOS PENAES, etc, Rio de Janeiro, 1900. Notas finaes,$g. 557.
i
INTRODUCÇÃO
1. K' indispensável quando se tem de tratar da parte especial do
direito penal, ou de qualquer digo, expor o systema de classificação
adoptado. *
Em um tratado, ou em umdigo, a primeira parte, chamada com-
mummente parte geral, se reduz, em summa, a estabelecer os princí-
pios ou regras geraes que devem dominar a Imposição e execução das
penas.
O systema ou classificação aqui, isto é, nesta primtira parte, ó a
de todos os factos puníveis em geral tratados ou codificados, que ora
o definidos somente por uma expressão, ora por duas, ou três, cor-
respondendo aos systemas da unidade, bipartão, ou tripartição dos
crimes; nesta parte não se cogita de infracção alguma particular ou
essencial, falla-so de infracção, crime, delicto, contraveão, transgres-
são, eto.
Ao contrario, na parte de que vamos nos oceupar e que d a mais
vasta e importante, o autor ou a lei tem de expor ou determinar cada
infracção e estabelecer ou Indicar a pena que lhe deve corresponder
para ser applicada.
Antes de tudo couvém notar, que ao menos para aquellos que
adoptam o systema tripartido das infracções, elle não pode correspon-
der exactamente á classificação da parte especial, porque nesta os
crimes o delictos são enumerados englobadamente.
Só as cantiatençõ$$ é que ticam separadas, adopte-se a bipartão
ou tripartão, versando a classificação sobre os crimes ou delictos,
palavras synonimas para nós, conforme o código vigente e anterior
que não seguiram o francez.
Segundo nota Pessina, nas antigas legislões nunca houve uma
classificão dos crimes, enumerando-se umas depois do outras sem
ordem systematlca as varias espécies de crimes.
As diversas Leges, que no direito romano previam as diflerentes
espécies de delictos, não apparecoram todas juntas, como suecedeu
multo depois com os códigos, mas com o andar dos tempos.
VI
foi obra da sciencia em relação ás jurisdicções e ao processo ju-
dicrio construir uma dupla divio dos delictos, a dos crimina publica
e delicia privata e a dos crimina ordinária e crimini extraordinarií.
Os delictos públicos eram aquelles que davam logar ao julgamento
publico propriamente dito; os delictos particulares eram aquelles que
davam logar somente ao julgamento do pretor, de que resultavam con-
sequências puramente pecuniárias.
Mas, com o surgir das guaestiones perpetua?, assim como com a
exteno das leges, gras ás constituições posteriores dos imperadores,
só ficou em vigor a distincção dos crimina publica e dos delida privata
comoffundamento de classificação, não mais no sentido do processo, mas
do valor jurídico das acções criminosas. '
Esta divisão fundamental se conservou DO direito penal interdio
como dogma commum por obra dos juristas, mas teve uma significão
um pouco diversa, porque aos delictos públicos se ligou o significado
de factos puníveis ex-officio pela autoridade do Estado e o nome de
delictos privados ou particulares foi dado aquelles puniveis mediante
querela do particular offendido ou damniflcado pela aão criminosa.
S. Tratando do assumpto, Oarraud observa que é na parte
especial do direito penal que se acham catalogadas as escies e va-
riedades de infracções, com as penas que lhes são applicaveis. Si é a
parte mais praticx, é, ao mesmo tempo, a mais anti^i e a mais variável
das legislações positivas.
O espirito humano não estréa pela abstracção: por isso, esse
catalogo de factos puniveis é o objecto quasi exclusivo dos códigos
primitivos.
Estes códigos prevêem e punem á proporção e á medida que o
observados os actos de natureza a prejudicar a ordem social. Não
sonham ainda em approximal-os e grupal-os, para destacar delles certas
regras geraes que os expliquem e dominem.
Pôde-se seguir assim, no desenvolvimento mesmo dos factos
puniveis, o desenvolvimento das necessidades sociaes e dos diversos
interesses que a lei penal deve proteger.
Depois, esses factos são systematisados e grupados: si os classi-
fica em diversas categorias que sob denominações geraes, como as de
furto, falsidade, homidio etc, comprehendem uma serie do factos
puniveis.
' Vide Ferrini, apud Cogliofo, Completo Trattato di Diritto Penalc, -
Milano, 1888-1890 vol. I
o
, parte 1», pag. 12S.
VII
Eno os digos se dividem em duas partes bem distinctas: uma
que
abraça as disposições corarauns e que se qualifica deporia geral;
outra que define os factos puníveis, que estabelece a pena ligada a
cada um desses factos e que se chama parte especial.
Quando este trabalho de synthese esterminado é que surgem as
varias questões que o problema suscita para o legislador, a saber, si
se deve limitar a enumerar os factos puníveis sem classiflcal-os, ou ao
contrario, si se deve preoccupar com a adopção d'uma exposão syste-
matica e neste ultimo caso qual é a que deve ser adoptada.
O problema tem uma face dupla, porque de ser encarado sob o
aspecto das codificões positivas esob o aspecto dos tratados soien-
tiflcos sobre essa parto do direito e da legislação penal.
Debaixo do primeiro ponto de vista, para faltar dos códigos
mais modernos, o trancei, que ó o velho modelo de todos ó o primeiro
documento a estudar como typo de classificação, por assim dizer, o
primeiro élo da cadeia que se prende desde o direito romano as
codificações posteriores a que serviu de fonte.
A primeira grande divio feita pelo cod. francez, na opino de
Garraud não corresponde absolutamente á classificão das infracções
em delidos de direito natural e transgressões de policia feita por alguns
códigos modernos, como oliollandez e os húngaros, classificação que é
certamente a mais cientifica de todas quantas teem sido propostas ou
ensaiadas, mas de que é difflcil trar exactamente os limites.
Para repartir as infracções na cathegoria dos crimes e dehctos ou
na das contravenções, o legislador francez de facto o sepreoccupou
directamente com a natureza intnseca das infracções, mas com a gra-
vidade respectiva das penas que lhes tinha comminado.
Acham-se realmente algumas transgressões de policii entre os crimes
e os cleliotos e alguns delictos de direito natural entre as contraveões.
A gravidade das penas se mede com effeito não somente pela ím-
moralidade do facto incriminado, mas ainda pelo prejuízo social que
este facto tenha podido causar.
Sob este ultimo ponto de vista ha transgressões do polida que
devem ser punidas mais severamente do que muitos delictos de direito
natural em razão do mal quo ellas causam e dos interesses que ellas
lesam. . . . -
A medida da penalidade não ô, pois, sempre um cntenum certo da
gravidade subjectiva da infracção.
E como o código francez classifica as infracções segundo a pena
que as leis lhes applicam é exclusivamente sobro sua gravidade e o
sobre sua natureza quo é baseada esta divisão de factos puníveis.
VIII
Entre os criminalistas italianos, nem Carrara, nem Pessina agitam
essa questão.
Mas a theoria de Garraud tem importância séria, si se attender ao
fandamento*da outra de Oarofalo sobre o delicto natural. I
Aoomprebensão delia evitaria os erros do classificação que se nota
no nosso digo vigente collocan Io entre os crimes ou delietos verda-
deiras contravenções v. g. as dos arts. 265 e 282 o entre estas verda-
deiros delietos, por exemplo, os dos arts. 366, 373 e 380.
Garraud cita bem, como a mais scientifica que tenha sido feita
tal classificão, exemplificando-a com o cod. hollandez e os dous hún-
garos, aos quaes podemos juntar o da Itália. '
Em consequência, a primeira cousa a fazer num bom tratado ou
numa codificação e a melhor divisão possivel entre os crimes ou
delietos e as contravenções.
3. A importância do problema, porém, cresce quando se trata da
classificação dentro da categoria mesma dos crimes ou delietos
exclusivamente.
A variedade por isso mesmo é extraordinária, quer nas obras,
quer nas leis positivas.
O nosso ponto de partida, que é a fonte commum dos actuaes, se
ainda o código francez, mesmo porque delle é também oriundo o
nosso excellente código de 1830, que aliás preciosas originalidades
contém.
No cod. francez o livro que cora prebende os crimes e os delietos
se divide em dous titulos, abrangendo um «os crimes e delietos contra
a cousa publica» e o outro os «crimes e delietos contra os parti-
culares» .
A primeira categoria se subdivide em três classes: crimes e
delietos contra a segurança do estado, contra a constituição, contra a
paz publica; a segunda categoria comprehende duas espécies, crimes
e delietos contra as pessoas e crimes e delietos contra as propriedades.
Muito igual ao francez é o código do Principado de Mónaco. '
Zanardelli cita como do mesmo typo osdigo parmenses de 1820,
o dinamarquez e o de S. Marino de 1865, assim como não idênticos,
mas semelhantes os projectos inglezes de 1878 e 1880. *
* Oarofalo, Criminologia, pag. j, cap. I.
1
Garraud, Droit Penal Frwicais, Paris, 1838—96, 2° vol., n. 484 n.
291.
3
Ooãe pena .Mónaco, 1875, liv. 3
o
.
* Relazione ministeriakooã, penale, Roma, 1888 ,pag. 6, not. 1.
IX
lato mesmo podem w dizer do nosso código de 1830, ora abolido,
que divide os crimes e delictos em públicos e particularss, dividindo
e subdividindo cada uma dessas grandes categorias nas classes e
espécies oomprehendidas nos titulo,, capítulos e secções das suas
respectivas segunda o terceira partes.
Os digos citados, pois, inolusive o nosso anterior, representarão
um typo subordinado a um systema ques podemos chamar synthetico,
porque adopta no arranjo das classes de crimes vastas divisões.
Ainda modernamente o projecto de revio do código do Jao
adoptou o systema do código francos, ao menos em suas linhas
geraes. '
O typo diametralmente opposto a esse, que se poderia chamar da
enumeração ou systema analytico é justamente aquolle que, descru-
zando os agrupamentos numerosos na classifloão e tamm os me-
nores, o coordena os factos puveis em famílias ou classes, mas flui
delles minucioso Inventario.
E* fora de duvida que este systema se tem generalisado moderna-
mente, do que offoreoem exemplos o código allemão, que é dividido em
89 secções, o ngaro, que tem 43 catulos e o hollandez, que tem 31
títulos.
Nostos códigos essas são as dlvisCos das suas part ;s espooiaes, ape-
nas subdivididas ou em artigos ou em paragraphos.
A esses digos Junta Swinderen muitos dos Estados Unidos da
America do Norte e contra a opinião do Zanardelli, os projectos logle-
zes d« 1878 e 1880.
B, finalmente, como tendo seguido o mesmo systema, po lemos
citar tamm O «Ante-Projecto do digo Penai suisso, modificado
conforme a opino da respectiva commlssão do perito. Este projecto
tem 15 capítulos sublivldldos em artigos. '
O terceiro o ultimo typo é um systema ecléctico, raixto ou um
melo termo entro os dous e, no ditar ainda de Zinardelll, adoptado
pelo maior numero de legislações, consistindo por sua própria natureza,
em o seguir nem as divisões muito vastas do primeiro, nem o par
cellamento oxuggerado do segundo, classificando os factos puveis sob
um numero de tulos maior do que o daquelle e menor do que o deste-
embora adopte subdivisões em capítulos e seccõjs, quando a varie lade
das espécies o exige.
i ttoiuonade, #*o>* WrW, ele. Tokio, 188rt, pag. «5.
* «Yoremwurf ia einem Schweiaarlaohen Sratfgeseh
BwchlOuen der Experíonkommission • Berilo 1990, pag. M.
XI
Seguiram esso systema os códigos italianos das Duas Sicilias e
sardos, todos os projectos anteriores ao vigente, dlfferentes digos
allemâes, digos e projectos do cantões da Suissa e os códigos belga,
hespanhol, portuguez, uruguayo, argentino e muitos outros.
Este ultimo typo, diz-se, realiza em summa a harmonia, tanto
quanto é possível, entre o systema pelo qual oa factos são estudados
pela Bciencia e a ordem ou methodo que deve presidil-os na legislão
positiva.
O digo Hrazileiro vigente de 1890 seguiu o mesmo systema, si
bem que consagre na parte especial numero de títulos desnecessário,
soindindo sem razão matérias connexas, como as dos títulos 1 e II, VII,
VIII e IX e XII e XIII, além de haver aberto um titulo para conter um
artigo sobre o contrabando, que aliás não comprehende todas as
modalidades que lhe attribue o direito fiscal!
Entretanto esta parte especial está dividida apenas em nove tulos
nos projectos de 1893,1898 e 1897, ora om discussão no Congresso Na-
cional, não tendo sido porém mantida no projecto approvado na Ca-
mará dos Deputados e remettido ao Senado, que contém 10 títulos.
4.- Agora consideremos ligeiramente a questão sob outro ponto
de vista, isto é, a do methodo no estudo da sciencia sem nenhuma
preoceupação legislativa ; pois que ainda aqui as opiniões variam.
Assim,Carrara, considerando o probletna,reconhece,antes de tudo,
que os deliotos podem ser reduzidos a duas grandes classes, conforme
elles apresentam no seu resultado ou no desígnio do agente a lesão
ou perigo, quer de um direito universal, quer de um direito particular.
Essas duas classes ello distribuo em duas secções, a dos delictos
nitwraes, que o aquelles que tém por objecto um direito attribuido ao
individuo pela mesma lei da natureza; e os delictos sociaes que elle
nao define; aquelles sem duvida que teem por objecto um direito
attribuido ã sociedade ou antes ao Estado nella organisado considerado
em si mesmo sob o ponto de vista dos interesses collectivos.
Entretanto a objecção que elle mesmo previne, mas não resolve,
é que rigorosamente uns e outros o delictos naturaea em sua maior
parte. '
Pessina não se preoceupa com a questão, dividindo os crimes em
crimes contra o direito individual e crimes contra o direito social,
começando por aquelles e terminando por estes. '
i Carrara, Programma, Pane Spcciale, Lucca, 1681-83, vol., I
o
§1079-
85, vol. 5» § 2465-2475.
« Pessina, Dirilto Penale, Napoli, 1882-85, 2
o
e 3
o
vol».
Entretanto as subdivisões não sio impeècaveis o sub-classes, quo
pareciam tal vai ostar melhor n\ primeira classe ou divisão estão na
segunda e vice-veria.
Daremos em ultimo locar a opinião em resumo de von Liszt e a de
vftn Swlnderen.
O primeiro diz que o direito existo por causa do homem. Seu fim ó a
protecção de interesses da vida humana oo de homens TÍVOS. A essência do
direito o a protecção de interesses; a idéa do fim a força que engendra o
direito. Os interesses protegidos pelo direito são chamados por nós bens
jurídicos. Por bem Jnridico. pois, se deve entendes o interesso protegido
juridicamente. Todos os beos jurídicos são interesses da vida, quer do
Individuo, quer da sociedade. N'So o a ordem jurídica que engendre o
Interesse, è a vida; todavia a protecção juri-dion oleva o Interesso da vida à
classe de bem jurídico. Os interesses da vida emanam das relações da vida
dos Indivíduos entre si e dos indivíduos com o Estado e a sociedade e
Inversamente. Afim de manter a pas, a ordem, ó necessário que se tracem
limites entro os diflorentes interesses, que um estado de paz exista. E' a
vont ido geral elevada acima do individuo que se encarrega desta
obrigação; ella a resolve na ordem jurídica, na divisão dos interesses entre
aquellcs quo toem direito a existir, a sor protegidos e equelles quo não o
toem. As normas da ordom jurídica, ou, om outros termos, as disposições
legaes imperativas ou probibitivas, proscrevendo uma acção determinada ou
defendendo-* sob certas condições, são os baluartes dos bens jurídicos. A
protecção jurídica, que a ordem jurídica presta aos interesses da vida, o a
protecção dai normas. Mas o direito o é somente um estado de pas, mas
ao mesmo tempo também, conformo sua essência mais intima um estado de
guerra, de luta. Afim do poder preencher a sua missão, elle tom necessidade
da força que subjugue a vontade individuai recalcitrante. Esta força se
manifesta, se realisa na autoridade do Estado.
Trata-se, pois, aqui do constrangi mento, que se manifesta sob três
Ibrmas dlfTetvntes, a saber: a execução judiciaria, as perdas e damnos e a
punição do indócil, das quaes a ultima não acha sqa appli-cação sinão
quando as duas primeiras não bastam para* manter o direito.
Para dar uma idea clara, diz van swioderen, da appllcaçãn da theoria
do autor à classificação das infracções, mo parece bastar in* dicaraa
divisões principaes que elle recommenda.
São M »eg Jlntes : I, Infracções contra os beos jurídicos indivi-dunes,
subdivididas em infracções contra a integridade corpórea, contra
XII
direitos judicos incorpóreos, contra direitos de propriedade e em In-
fracções caracterisadas por meio de ataque; II, infraões contra os bens
jurídicos da communidade, subdivididas em infracções contra o Estado,
contra o direito dos povos, contra a autoridade do Estado e contra a
administração do Estado. *
C*. Por sua parte, van Swinderen nota que, ainda quando não se
possa põr em duvida que cada divisão e classificação se resente do U-\
bitrario, o que se explica pela difflculdade de assignar à cada Infracção
seu logar no systema, o é menos verdade que a divisão e classifica-
ção adoptadas não o indlfforentes. Em seguida elle explica-se, allu-
dindo á opinião que acabamos de registrar.
A divio e classificão, que me parecem se reccmmendar, o
aquellas que repousam sobre o direito lesado e que são reconhecidas
por quasi todos os autores 5 donde segue-se que eu não poderia
concordar com a classificação consagrada pelo professor von Ltttt.
« A divisão e a classificão que eu segui, diz elle, repousa sobro as
seguintes considerações.
O jurisconsulto que se funda sobre os prinpios do cnristianismo
positivo, attribue um alto valor a personalidade, ao Individuo e pois
que sobre o terreno jurídico não poderia haver questão sinão do
homem e que o direito abraça as relações dos homens entre si, o
homem individual deve ser o ponto de partida sobre o terreno do di-
reito em geral e sobre o do direito penal em particular.
A personalidade humana ô, pois, o factor principal de que se trata
aqui. Ella tem direitos tão longo tempo quanto, ella existe, ou, em
outros termos, tão longo tempo quanto sua vida se mantém durante
esta economia terrestre, por conseguinte desde seu nascimento até â
sua morte. São, pois, as infracções contra pessoas determinadas que
abrem a serie das infracções subdivididas naqueilas contra sua vida,
seu corpo, sua liberdade, sua paz, sua honra e sua boa fama, de sorte
que è um erro grave pretender que a honra é o bem supremo. Aquelles
mesmo que avançam esta theoria são inconsequentes quando se trata
de sua applicação, porque elles prescrevem penas mais fortes para
multas outras infracções, que cão para aquellas affectando a honra.
Em segundo logar se devem collocar as infracções contra a propriedade
1 F. E. von Liszt, Lthrbuch des Deutschen Slmfrechts, Berlin 1891,
pag». 8 6 sega. e 312 a sega,
XIV
sobre este ponto importante, de sorte que sobre elle é impossível saber
qual é a opinião delles. »
Esta ultima observação ó real; mas o facto justifica-se menos por]
conveniência do-methodo, do que por necessidades praticas.
E' assim que Borner, dando o merecido valor ás classificações scien-j
tiflcas e alludindo a critica de Zacbariae e sobre a sua obra tão notável,
accentua bem isto e que não repelle outros systemas como o da lei po-
sitiva no tratado da parte especial e eflectivãmente segue nesta a
ordem do cod. allemão. *
Também o Dr. Rivarola, que discute o plano do código argentino
que não adopta, segue-o, entretanto, na sua obra.
a
Entretanto, pondo de parte alguns dos fundamentos que dá, em
geral, a opinião que segue Swinderen, tem sido acceita pelos tratadistas,
entre os quaes podemos citar Garrara e Pessina, si bem que podendo
haver divergência nas subdivisões, na divisão geral, aquelles, assim como
outros, tratam em primeiro logar dos delictos chamados naturaes ou
contra o direito individual e em segundo logar dos delictos sociaes ou
contra o direito social.
Mas a theoria de Swinderen não é acceitavel, desde que elle mesmo
se confessa individualista puro ou antes exagerado.
E aqui vem a propósito lembrar a opinião de Ferri sobre um dos
pontos cardeaes da nova escola de direito criminal.
Como temos visto que a escola clássica surgia em nome do indivi-
dualismo para reivindicar os direitos exageradamente sufTocados pelo
Estado na idado média, assim a escola positiva procura agora pôr um
limite á preponderância, á sua vez exagerada deste individualismo e
tende a restabelecer o equilíbrio entre o elemento social e o elemento
individual. *
E esso pensamento tem raizes mais profundas e vistas mais
geraes.
Effec ti vãmente, a orientão de todo o pensamento contemporâneo
que conscientemente ou o dirige a maioria dos pensadores, está em
uma contra-reacção ao individualismo explodido com a Revolução
Franceza e exagerado depois pelo doutrinarismo politico c social que
a seguiu.
i Van Swinderen, Esquine du droit pinai mluel dana In Payt Ba» et à
rp.trangtr, Groningue, 1891-94, 2" »of. pag.3. •
» Berner. Uhrbueh elo., par», especial. pr. ,__
Ammm
,
Rm
* Rivarola,
Expoaietón y criltea dei código penal. Buenos Ayres, WJV,
tomo 2°, pag. 1. ._
» Ferri, Sociologia Crtminale, Tonno, 18'.*, pagina 25.
XV
Foi assim por toda pari': na economia poliika como ao direito criminal,
DO direito administrativo como ao direito constitucional, etc. Ao socialismo
empírico exagerado da idade média saccede a reacção do individualismo
doutrinário, isto é, apriorístico, de I7"<9 em diante, depois se tom opor&Io
uma contra-reacçâo, que no? socialistas puros é também exagerada e
aprkmstica, porque torna a afogar o individuo no co>mos social, mas nos
sociólogos, ao contrario, ó positivista e indi-a uma orientarão do equilíbrio
entre individualismo o socialismo, entro homem 0 sociedade. '
Sondo assim, nada jattidoaria alterar o systema actual dos eo-digos,
desde que elles se teem mantido até aqui como o. nio obstante,) a
exageração das theorias individual isticas o pois seria retardar na evolução
aquolla phase do equilíbrio voltar aquellas idees, conforme Swindoren
pretende.
EuVctivamonte,ã excepção do Cod. Penal da Baviera de 1813, não
conhecemos ontre os contemporâneos, ao menos de primeira ordem, um
que mio trate antes dos crimes contra o direito social, e depois contra o
direito individual.
Seguiremos, pois, também essa ordem, isto é, a do projecto appro-vado
na Gamara dos Deputado; e remettido ao Senado em 1809, que •fias é a
dos anteriores ds 1893, 1898 e 1897, sentindo entretanto, qoe o* seja*
melhor a ordem das Ululo* do coi. vigente, alias de| 1890, e menos om
partea distribuição daí matérias por elles feita, DO que| teremos algumas vezes
de qao nos aditar, remedianlo a desordem do texto pelo methodo na
exposição, consignando do pois em um sum-mario a correspondência entro
um e outra. Isto é, entre os artigos de código e meros do tratado 00
ootnmentario.
• Kerh, SoeMhtwt» « ofimin >. T<wU»->, 1S33, pag. 57.
" ''"
PARTE ESPECIAL Dos crimes,
contravenções e penas em partioalar
LIVRO i
Dos crimes e sua punição
TITULO I
DOS CRIMES POLITICO*
CAPITULO I
DOS CRIttKS CONTRA A SKUURANÇA DA REI-tnUCA
SECÇÃO l
M« MUMM eOSTM A UI»Cr«X»a.*CM, l*TE«ai»«M B t>K.5iIDApt. DV rvtlUA
CODIOO
I Ari. 87. Tentar, directamente «per frsa: da
Repabltat, ou parte deito, no domini r-:r:i|
enfraqusesr a M independoucia o inleartdad
I 1 .* Entregar da facto ao inimigo interne
porção da tarrtiorto pcaaoido, o*) oc u ; paia nua a
tn*MBa tenha dootaio, ou passe, dispod de dpffsa
o rts-úst .- ,
§ 2." Amiliar ai na naçã > inimiga a faj mettsr
!;. --'.i; i .!•"! -.!r:a a Rspabtk-a, .' . -dinheiro,
uni;.!..•> e m doe éa Uaa«(«rta;
§ 3.* Reretar é luçin minm, u a seta i ticos ou
milhares, eeac«ra«etea è sag*nr»aci pátria;
conmuaisar outras
Informações «| Vu*s t»
'.>[-ric" > .. 1 ' opsrar«ai
eontra laia
0 «.* Dar antred*
dados a espiar as sp como
taea:
pena —» de prisão ceilular for cinco a 15 ani
Wf-W
sujeitar o territotío
iio; quebrantar ou
i extsmo, qualquer
.ã". ia cousa sobre
*tumVientss matos
guerra, ou a -ora-
k>lne gente, arma».
»!-<*, S'r-'.:s poll-
4 stitegn !.»!• da
piam •, diannoa a
paMicar documentos,
«w<jsV> ao Material da
da Republica ou !
isaaaaai;
uxtho a sspiflss ou erou
Bes de guerra da Repi
Art. 88. Provocar, directamente e por Factos, uma nação ostran-
geira a mover hostilidade.? ou a declarar guerra á Republica :
Pena —de prisão cellular por dous a quatro ânuos.
§ 1.° Si seguir-se a declaração de guerra :
Pena — de prisão cellular por cinco a 15 annos.
§ 2." Si para não se verificar a guerra, declarada em conse-
quência da provocação, a Nação tiver de fazer algum sacricio em de-
trimento de sua integridade ou de Feus interesses:
Pena — de prisão cellular por cinco a 15 ânuos.
Art. 89. Tomar armas o cidadão brazileiro contra a Republica,
debaixo de bandeira inimiga :
Pena — de prisão cellular por dous a quatro annos.
Art. 90. Commetter, sem ordem ou autorização do Governo,
hostilidades contra súbditos de outra Nação, de maneira que se com-
prometia a paz, ou se provoquem represálias :
Pena — de prisão cellular por dous a quatro annos.
Art. 91. Seduzir, em caso de guerra externa, no território em que
tiverem logar as operações do exercito federal, nas guardas, nos
quartéis, nos arsenaes, nas fortalezas, nos acampamentos, nos postos
militares, nos hospitaes, ou em outros Iogares, as praças que fizerem
parte das forças do Governo, tanto de terra como do mar, para que
desertem para o inimigo:
Pena — de prisão cellular por cinco a 15 annos.
Paragrapho único. Si a deserção não for para o inimigo c
Pena — de prisão cellular por dous a 10 annos.
Art. 92. Seduzir, no caso de guerra externa, pelo modo e nos
Iogares mencionados no artigo antecedente, as praças, afim de que se
levantem contra o Governo ou contra oi seus superiores:
Pena — do prisão cellular por cinco a 15 annos.
Art. 93. Si es crimes dos dous precedentes artigos forem
eommettidos em tempo de paz, e em qualquer logar do território
nacional:
Pena — de prisão cellular por dous a seis annos.
Paragrapho único. A pena será applicada com augmento da terça
parte, si a deserção for para paiz estrangeiro.
Art. 94. Dar, em tempo de guerra, asylo ou transporte a deser-
tores, conhecentlo-os como taes:
Pena— de prisão cellular por três a nove annos.
Si em tempo de paz :
Pena — de prisão cellular por seis mezes a um anno.
Art. 95. Comprar às praças, que fizerem parte das forças do ex-
ercito federal, peças de armamento, fardamento, equipamento, ou mu-
nições de guerra:
Pena de prisão cellular por seis mezes a um anno e multa do
decuplo do valor dos objectos comprados.
Art. 96. Transgredir as ordens e decretos do Governo, que prohi-
birem, no território onde tiverem logar as operações de guerra, publi
cações e reuniões que puderem favorecer ao inimigo, ou excitar a des
ordem: _.
Pena — de prisão cellular por dous a seis mezes.
Art. 101. Comprometter em qualquer tratado, ou convenção,
a honra, a dignidade, ou os interesses da Nação; tomar compromissos
em nome delia, ou de seu governo, sem estar devidamente auto
rizado: »
Pena — de prisão cellular por um a seis annos.
'
No plano deste comrnentario, que é o do projecto de 1899
e dos anteriores, inclusive*os nossos dousde 1893 e 1897, esta
parle especial está dividida em dous livros, comprehen-dendo-
se no I os crimes, e no II as contravenções.
Já nos referimos ádifferença entre os crimes e as con-
travenções, e quando occuparmo-nos destas, additaremos
algumas considerações *.
Uma observação geral deve ser logo feita, ê que o código
vigente, assim como os projectos posteriores, tiveram como
fonte commum o italiano e por isso os respectivos interpretes
são os guias mais seguros do nosso direito penal de 1890 para
cá.
E desde logo vem aqui a propósito uma observação de
Majno, rererindo-se ao ministro Zanardelli, o autor do cod.
italiano:
No estudo dos caracteres differenciaes entre os delidos e
as contravenções notamos que aquelles se classificam segundo
o direito offendido, e estas, segundo o bem que o legislador se
propõe obter punindo-as.
E este conceito inspirou-se na distribuição das matérias,
especialmente dt-ste livro:—«entre os dotes precípuos de um
código penal, dizia o relatório ministerial sobre o projecto
italiano de 1887 (n. LXXIII) está a exacta classificação dos
crimes, a qual, além da ordenada distribuição da matéria,
contribúe também para mais fácil e exacta observância da lei.
Com este intento, o projecto, seguindo as pegadas dos
precedentes, funda a classificação sobre o conceito da obje-
ctividade jurídica do facto, o que imporia dizer sobre a espécie
do direito, a existência ou o exercício do qual constitue o
objecto tido cm mira pelo crime».
E por isso, o legislador, começando pelos delictos que
mais directamente interessam o organismj politico e civil da
sociedade, classificou os delictos em dez categorias, cons-
tituindo outros tantos títulos deste livro os quaes terminam
com aquelles que ferem immediatamente direitos ou interesses
particulares, isto ê,a pessoa e os haveres
2
.
Nos projectos de 1893, 1896 e 1897, este livro contém
nove títulos, mas na redacção finai approvada pela Camará ha
dez, porque incluiu-se o contrabando com um artigo, como
se havia feito no código vigente, que aliás não se referiu a
todos os aspectos daquelle crime, antes um delicto fiscal do
que commum.
O código vigente contém neste livro treze títulos, o que
censuramos, respondendo á defesa delle por seu illustre e
pranteado autor e á critica do nosso projecto de 1893.
i CODIOO PENAL COMMESTADO, ete. do autor. Ri o de Janeiro, 1896-97, pag. 23,
i° vol; pag. 429, 2» vol.
1
Majno, COMMBNTO AL CÓDICE PENALE, Verona, 1890-99, I
o
vol. pag. 332, D.
586.
m
— 5 —
lato posto, ainda faz-se mister algumas considerações
prellralimresegeraes para boa tatóHigeocto dos ortigas do
código, que nos servem de texto e desta secção dos projectos
posteriores.
** O conceito do crime politico tem praticamente dous
effellos: primeiro, servir de base á competência da Justiça
federal, conforme a respectiva disposição constitucional;
a ^!n «^
0 primeiro ponto de vista ê puramente processual.
Sobre o segundo, additaremos considerações is que
fizemos, commentando a parte geral do código, onde nos
occupamoa da theoria da extradição '.
!•'.' uma queso que continua a ser multo controvertida, quer
nos domínios da diplomacia, quer nos da doutrina, a da saber
si s negativa da extra liça deve soflrer restricçOes nos crimes
políticose qunes ellos sejam.
O Gongreaso Juridico Americano, inaugurado nesta Ça-
litnl Federai em 8 de moto de 1900, para soiemnisar o JV
Centenário do Descobrimento do Brazll, havia proposto sobre
aquelle problema a seguinte questão entra as do direito
publico:
«IX. Devc-se restringir o direito de osylo nos crimes
políUcos T Qual a formula da restricçfio f »
A forma da pergunta nflo prima peia clareza. I
Cmstgnoremos aqui que ocoorreu sm relação â dis-etissSo
peia Oussa pane | n s, podendo-ee recorrer aos trabalhos do
Congresso (na sua máxima parte ainda in-o lu-t. >s) para
melhor i stud • da questflo.
B c imo a <p stSo foi considerada por tiOs por uma face
inteiramente nova, da qual o parece ter cogitado a these
que suscitava o nosso próprio direito pubUco moderno da
Uepublica Federativa, repetiremos aqui os princípios que alll
expuzemos, por ; nos ra > servir de guia no apre-ciaçfto do
novo aspecto ntludido, Isto é, o da extradição ,;./ 'd-' noa
crimes políticos.
Antes, pois, de tudo, repetiremos as considerações gera es
que externámos, tendo era vista a solução de questões m .iii -ni
«saa a cooneaas diapertadaa saai discussão da
C SR. JuAo VIKIRA declara que subscreva a concluo da
primeira quentão, ratatada pelo iltuetre Dr. Joio Monteiro,
extenso a «• Itlamente, Kxttrtiarn depois o ronda-
do Sábio Con-L consideradas
0 seu aspecto - -temático.
1 **» Ttotf», «». rwi* «XUTIM, • v.-.. p»§. IS, eap, Vlí, t «ti.
1
F
em
i;....!
e
Assim., particularizando a ideia e cxem.piificando, dirá
que Q_ Congresso votou em sua sabedoria que « admittido o
principio da unidadedodireito privado, noa é justificável o
System a de diversidade de processo, cabendo á Unifio è aos
Estados a competência para legislar sobre este assumpto se-
gundo regras preestabelecidas na Constituição Nacional»*
Pois bem. si na organisaçfio politica brasileira é uma
anomalia legislarem os Estados sobre o processo, maior ano-
malia para o systema geral representativo e que se considerem
soberanos os Estados, neganda-lhes ao mesmo tempo legislar
sobre o direito, quer substantivo, quer adjectivo.
. Essa mutilação ô mais grave do que recusar a União
legislar sobre o processo nos Estados.
O Congresso parece que, para ser lógico, deve rejeitar a
conclusuo do relatório ou votar outra em sentido contrario^ que
por ventura seja apresentada por emenda.
Agora o seu voto:
Quem diz Estado pôde nfio dizer Constituição, mas quem
diz Constituição, diz Estado.
A soberania não é mais do que o poder da sociedade
concretisada no Estado como organisaçfio politica.
Nfio se comprehende, nem Estado, nem soberania, sem a
plenitude dos poderes executivo, legislativo e judiciário.
A unidade que se suppõe destruída na Unifio, porque nfio
legisla sobre o processo, fica destruída, a seu turno, no Estado
porque se lhe nfio consente que legisle nem mesmo sobre o
processo.
A doutrina contraria nfio está mesmo isenta de duvida,
mas nfio nega tudo aos Estados federados.
O seu voto é que o Estado ô soberano, como soberana é a
Unifio e no rigor dos princípios assim é pela lettra do art. 63 da
Constituição Federal.
A estranheza de alguns neste ponto é devida á pre-tençfio
de quererem accommodar os novos institutos nos velhos
moldes, ou pretender que o direito domine os pheno-menos
quando deve ser dominado por elles.
Ainda o misoneismo, a força da inércia, gera taes illusões
puramente subjectivas que resistem ã realidade da vida.
O direito de intervençfio (art. 6
o
) e a extradição (art. 94 n.
32 e art. G6 § 4°), por exemplo, são institutos que presup-
põem a soberania aos Estados.
E si se apurar muito essa preferencia ou preeminência
entre a Unifio e os Estados, ainda o art. 64 da Constituição
nfio dará argumento para affirmar que sendo o território dos
Estados, o domínio imminente, em virtude do principio da
soberania, é delles e nfio delia ?
Esta razão obsta que se considerem os Estados como
simples territórios habitados por aggregados, nfio con-
3. Tendo nos manifestado por esse modo, alludindo a
extradição, em sessfio posterior discutimos a these relativa,
suscitando a duvida concernente á extradição inter-es tadoai
nos crimes politicos commettidos contra os Estados
propriamente e nfio contra a Uniõo.
A these é a que já acima inserimos.
« Confessa que o seu estudo na queso IX do direito
publico nfio pôde ir além do conciso, mas interessante relatório
do illustre professor, seu collega Dr. Paula Ramos.
O quesito é de difficil interpretaçfio ea prova está na
divergência entre o honrado relator e o illustrado Sr. Dr.
Ubaldino do Amaral.
O orador se limitará a suscitar duvidas sobre a pouca
extensõo das restricções contidas nas conclusões do relatório e
enfrentar a questfio sob uma face nova, de que nfio parece,
aliás, ter cogitado o quesito.
Primeiro ponto:
A segunda conclusfio do relatório inclue a restricçfio do
direito de asylo quando elle for concedido na embaixada ou
legação que gozar da exterritorialidade.
Assim, parece-Ihe que o douto relator quer que o asylo
deva ser dado propriamente no território.
E' sabido que a expressão território, no direito publico e
no direito criminal, ou antes no direito penal internacional, é
tomada muitas vezes não no sentido physico ou geo.-| graphico,
mas no sentido politico.
Se assim é, porque nfio estender a restricçfio a casos
análogos como, v. g., o navio de guerra, o consulado com
poderes de policia, o território estrangeiro occupado mili-
tarmente, etc?
Limita-se a fazer as interrogações; nfio fará emendas ás
conclusões do relatório, porque, em geral, acha que o honrado
relator interpretou bem o quesito.
Pensa que nfio se trata no caso de extensfio ou restricçfio
do direito de asylo em relaçõo aos crimes.
Si assim pensasse, lembraria que a formula crimes po-
líticos e connexos com os crimes politicos nfio satisfaz, tanto
que o Instituto de Direito Internacional já no Congresso de
1880, em Oxford, declarava que se poderia attender para os
effeitos da extradição os crimes communs connexos com os
politicos que pudessem ser considerados como praticados de
accôrdo com os usos e costumes da guerra, etc.
Hoje ha outras soluções...
Acha que o crime politico tem o mesmo caracter fun-
damental dos crimes communs, salvo elementos differenciaes
de importância secundaria.
As duas formas do crime são a violência ou a fraude, ou
ambas, sendo bem conhecida e bem repetida pelos autores a
.sentença de Cicero : duobus modis Jit injuria, auiviaut fraude.
— 10 —
A questão, nfio ficou, ahi; foi renovada em seguida no
mesmo Congresso, tomando orientação diversa a discussão
porque entoo compreheiideu o extradição em relaçfio a na-
tureza do crime commettido; limitando-nos, porém, desta vez a
justificar concisamente a conclusão lembrada antes.
« O Dr. JoSo Vieira sente nSo poder acccitar a conclusflo
proposta pelos seus doutos collegas os Srs. Ubaldino do
Amarai e Carvalho Mourflo. Quanto á 1» e 2* partesda mesma
conclusão, nota simplesmente que nfio ha necessidade de
incluir nesta parte o regicídio e crimes congéneres, desde que
se der certa generalidade á fórmula da restricção procurado, e
virtualmente o coso está incluído na 3
a
parte da conclusão.
Assim, por exemplo, se o código italiano considera o
regicídio um delicio contra os poderes do Estado, a Justiça
não o deixará de considerar como verdadeiro assassinato c
assim figura elle em todos os tratados de extradição.
Quanto a primeira parte da conclusão, o conceito ê vago e
não satisfaz.
Conforme esse conceito, poder-se-hia justificar o asylo
nos crimes mais estupendos, porque achar-se-hião em corre-
lação necessária com o crime politico, de meio para fim, e ao
contrario, negar-se em delictos de menor gravidade, que nfio
se achassem em tal correlação.
A admittir-se uma formula a que falte a necessária lucidez
para orientar bem a pratica, então seria preferível dal-a de
accordo com os princípios da escola positiva.
O asylo não comprehende os crimes mixtos ou com-plexos
praticados por criminosos natos ou instinçtioos, isto ê,
temíveis,perigosos, aosquaes falta ou é escasso o senso moral.
A 3
a
parte da emenda não offerece duvida, mas é dis-
pensável por isso mesmo e porque o está coordenada com
outras regras acceitaveis.
Em conclusão, pensa que ê preferível para não tornar
interminável esta discussão confirmar pura e simplesmente
a resolução tomada pelo Instituto de Direito Internacional
em suas sessões de 6 a 10 de setembro de 1880 no Congresso
de Oxford. . v
A' autoridade do sábio Congresso póde-se addicionar a de
Bluntschli sobre a questão.
Eis a conclusão que me parece preferível neste rrçomento
de tantas duvidas e incertezas:
Conclusão — O Congresso acceita e confirma sobre a
questão o voto do Instituto de Direito Internncional no Con-
gresso de Oxford em 6 a 10 de setembro de 1880. Dr. João
Vieira.»
l
1
CONGRESSO JURÍDICO AMERICANO, no Jornal eit. n. 135, de 16 de maio
de 1900.
— fl —
Esta conclusão foi considerada prejudicada p> »rquc foi
opprovoda outra que pro >u coneil ir JI j !a c >nciusõo
com o formula ?u -- • de i
v
-tj.
No tocante aos tecias p tliticos, a extradição deve ser
pérmittido, e
t
c msegulntemcnt< d- gado o direito de asyto,
ainda que Q agente ai - - .- motivoou Um politico, se o acto
em yírlude do qual Kw pedida a extradição constituir prin*
cipíilmeuie un cri11 c immum.
0 Estado exlredilor decidira, em espécie, antro a nato
reza do acto deilciuoep, haaeaodo-èa nas eircumslanctas que
o constituírem a devendo, pare apreciar a natureza ena
factos 'vim;. em uma rebeluAo i tica, InsurreicAo
ou guerra civil, Indagar se eWea aio ou ngo j> toados pelos usos
da guerra. sala das sessões do Congresso Jurídico
Americano, 16 de mato de 190D. / Drmmmond,
Carcalho Mourão,» *
Approvada esta conclusflo apresentámos ao Congresso o
segimitf:
« Declaração de voto — Votei contra a eonclualo doa Srs.
Uma Drumnvmd e Carvalho Mourão, proposta para a questão f\
de Direito Publico:
i" porque a redeflo da conclusão altera oa lermos,
desloca pro; ; Interdependentes e mutila n «iisp isiça >
da lei auisM de IS da Janeiro de 1803, em que aa fundou e CUJO
tetto é fedi verificar : Wolf, / IM. •*, ete. (pu-Micoçâo orneia!)
Lausanne, W, »• vol.; pag. Ml.
w> porque a formula da citada disp «• • è Ifio inconci-
liável com a da reaomváo do Qingreaaode Oxford da 1840, que,
por iasomesmo» uma aat asoptada aipi dispo-nunca mais
se lhe poderia edditsr uma «mire regra da dita
também l, o relatório do Conselho l ral de »ide
maio de Isuti, que serviu de exposição de motiviA ao projecto
convertido na citada W, quasi aem alteraofiu. Pwuile
r d I Stusse, l*a>, 111, «16, *H: De Solis trml de Coral,
I e iirotí F> 'd/ SuiMae, Herno, I i - 1*0, •• *• ;•■■-.*.
v\ u. 1181 — C-mg âs • Jurídico, 17 de n t
;
""-
Ur. «raio Vé*m»9*
A d >; - leisutasa éesta :
Ali. 10. \ extrndkjAo nAo aere concedida por lufr -coes
politicas.
d« un». a»
woo
12
« Ella será concedida, ainda mesmo que o culpado al-
legue um motivo ou um fim politico, si o facto pelo qual ella é
pedida constituir principalmente um delicto coinmum.
« O Tribunal federal apreciará livremente, em cada caso
particular, o caracter da infracção, conforme os factos da
causa.
« Quando a extradição for concedida, o Conselho Federal
o fará sob a condição que a pessoa cuja extradição é pedida
não se nem processada nem punida por. um crime politico
nem mesmo por um motivo ou fim politico.»
4
A resolução de 1880 em Oxford é a seguinte:
« XIV. O Estado requerido aprecia soberanamente, se-
gundo as circumstancias, si o facto em razão do qual a ex-
tradição é reclamada tem ou não um caracter politico.
Nesta apreciação elle deve inspirar-se nas duas ideias
seguintes:
a) Os factos que reúnem todos os caracteres de crimes de
direito commum (assassinatos, incêndios, furtos) o devem
ser exceptuados da extradição em razão somente da intenção
politica de seus autores;
b) Para apreciar os factos commeltidos no curso de uma
rebellião politica, d'uma insurreição, ou d'uma guerra civil, é
mister indagar si elles seriam ou não excusados pelos usos da
guerra.»
2
Franz von Liszt acha impor Lante a formula da lei suissa
sobre a extradição e ao contrario duvidosa a do referido
Instituto de 1892, em Genebra:
« o se consideram crimes políticos os actos delictuosos
que attentam, não simplesmente contra um Estado determinado
ou uma determinada forma de governo, mas contra as bases de
qualquer ordem social
3
Resta-nos emittir a nossa opinião sobre a questão de saber,
si os Estados federados como os nossos podem recusar a
extradição dos accusados de crimes políticos contra elles.
4. A questão realmente é de difficil solução.
« Nos Estados confederados e nos Estados federados, diz
um autor russo, a extradicçSo reciproca dos criminosos po-
líticos pelos membros da confederação ou da federação é
admittida, atlendendo que os adversários da ordem politica
existindo nos Estados separados o perigosos para a União
inteira, vistos os laços íntimos que unem o todo ás partes
separadas.
4
' P. Wolf. Lo» USUELLES DE LA CONPEDKRATION SUISSB, Lausanno 1898, V rol.,
pag. 314.
* Stieglitz, I/EXTUADITION, Paris 1883, App. pag. 216.
* Franz von Liszt (trai. do Dr. José Hygino) TRATADO DE DIREITO
PENAL, Rio de Janeiro. 1899, !• rol. pag. 174.
* Stieglitz, Obr. cit. pag. 93.
— 13 —
Entretanto, de parte a sua doutrini
depois, um outro escriptor,
allemfio, èx]
sobre um exemp ações dos
Estados
h, foram,
ela lei de
dum o
aos crimes, mesmo j* ' D >S, cummeuiuos
tensSo da Allemaoba, as regras grraes relst
commettidos sobre o território nacional fni\
tilo de saber si a extradição deve ser cciuosi
infracções politicas desappareceu assim por si
mesma.»
Vé-se daqui que era relaçflo é doutrina nfio pode ser
decisiva a razfio que si a it\ a que, quanto ao que dls
Lammasch, a solução é determinada peta tronslbrmaçfio
radical, porque pass ! a confederação germânica unifi-
cando sob o novo Império o seu direito especialmente
processual,dlfferento para o nosso caao.
Paul Berna rd num ih-
tratando do* ' tetos
políticos entn Balado* confedera - formula de modo mais
geral em retaçlo É eYiutrina a ^oostâo de saber, • se a
I convencional em tovordos
Japi
entra os diversue
-
pa^rie^STiiií^wi
Gonfederaçfio f »
Ktiti recorda que no direito antigo todos oa Estados que
dependiam da nu sina siucranla, deviam u extradão ao
suzerano.
Oepoia (az considerações para demonstrar que a solida-
riedade especial de tolerasses que Ugam os diflerculae Esta-
dos» membros de uma Coi r ;fio nfio se equipara á
solidariedade geral que tende a approximar aa nações entre
ÉL aam um laco daauella natureza, para concluir que ai a
!•• eomprotneOtda, si a enarchia reina lu:i
doa Estados, o poder da Coofede-
(< >ltl
de Rst
commui
'1- * O CISO HO
to por uma
Nota
também >
optaram
essa
mesmo autor opa haveria (alta abso-
Ipruca entre ue Esladua at uns recusas-
tooaos poiltiecs de outros, podendo
ser
111 MM*IMII itrt J»IIti*i*
f
*fi '' 11tu criminoso
província sujeita á aoberaiiia geral e
st OS ! - i >s Unidos da America do
thtvir na sua Coo>
[
* do me^uv>
wrr o*E-wa>r ai N Arrufei AIS aáuvs touixw-M.
«
c
isai
durn
i appoeavets
toda a ex-| i
aos crimes
>. e n quês-
em razão de
6
(íxrejM^íV)
introdu/.iua pelo dir
acetinados
por crimes poli tia
i los. ftti
ordem conatituc
a ameaça
disso
rfi * diminue.
14 —
i F
modo que os autores citados e outros cita o exemplo ôutfora da
Allemanha:
« Depois dos tratados de 1815, a dieta germânica de 1819
estabeleceu em Mayença uma commissão central tendo plenos
poderes para requerer a extradição dos indivíduos indiciados
em movimentos revolucionários nos differentes Estados da
Confederação Germânica. Em 1832 e em 1836 a Prússia
estipulou com outros Estados allemões a entrega de seus
refugiados políticos e uma decisão federal germânica de 10 de
agosto de 1836 submetteu á mesma medida todo individuo
presumido culpado de ter participado de uma manobra tendo
por fim um attentado contra um dos soberanos allemães, ou
contra a existência, a integridade, a Constituição ou a
segurança de um dos Estados confederados.» *
Pensamos que a solução das duvidas neste ponto é antes
uma questão de exegese da nossa Constituição Federal, do que
da applicação á fortiori d'uma theoria geral da extradição entre
Estados confederados ao nosso direito.
Como dissemos e dêmos acima os motivos, a lei ri. 39 de
30 de janeiro de 1892, que « regula a extradição de criminosos
entre os Estados do Brasil », o cogitou do caso, mas
defendendo o projecto nella convertido, de que tivemos a
honra de ser autor, na camados deputados, ahi dissemos em
discurso o quanto é bastante para nos servir agora de elemento
de interpretação ; assim como annos antes o havíamos feito
discutindo no Congresso Nacional Constituinte o projecto da
Constituição actual em relação á espécie.
A nossa Constituição Federal dispõe :
« Art. 34. Compete privativamente ao Congresso Na-
cional:
« 32. Regular os casos de EXTRADIÇÃO entre os Estados.
«Art. 66. E' defeso aos Estados :
«4.° Denegar a extradição de criminosas, reclamados
pelas justiças de outros Estados, ou do Districto Federal,
segundo as leis da União, porque esta matéria se reger (art. 84,
n. 32 )».
No Congresso Nacional .Constituinte, em discurso sobro
as matérias crimlnaes contidas no projecto da Constituição
Federal, diziamos nós :
« Outras emendas, que vou apresentar se referem ú re-
dacção do art. 33 n. 30 e art. 05 n. 4 e tratam do que o projecto
denominou de extradição.
Penso que no art. 33 n. 36 se deve dizer : « regular o
processo da requisição, prisão c entrega de criminosos
* Bernard, I/JSXTUADITION, Paris, 1890, 2
o
vol., pag. 302.
15
ktados - 6 no àrt. A o.4é mister declarar : n
priso^ e entrega de criminosos, < ...o
DQ modo
>la
«Ta. conform MÍ. êa do i-r •-:>. OBfistadoe nfio
podem celebrar entre si ajustes e convenções de caracter
politico.
Mas a extradflo é um acto de caracter ai mento
politico, f- nod. > ter tosar por % MIUH . e uús
d Idas emendas.
Neste ponto, e conslUuiçflo argentina, embora em-
pregue a mesma palavra, nfio do nenhum togar á duvidas
no seu mi. 8 quandodis - e a extradição d s orimiiiososò de
obrigação reciproca entre todas as provindas*»
A i: : do Norte, porém, sio falia de
I'\II'ÍM| .' . >: no art» -i n. É que «todo
Individuo aceusado em qualquer Betado de Inibão, felonia j
ououtrocr ■■. que escapar das mãos da Justiçae Iftr cn-
oontrado em outro Estado» serA, é requi - *io da sutorklade
ao Estado que teuaa Jurlsdicça > sobre o crime
A l BSl '. [U-'
•• legislação federal estatua sobre a extradição aceusadus
de um cano para outro : todavia a extra*! > não pôde se
tornar obrigatória para os deUctos politicas e éê imprensa
»•
Mas alem de que os nomos delicies politicas sflo da
alçada da justiça federal, soirmíB que es cantões suissos
podem concluir tratados excepcionalmente ( srt. 9* da
Const. Fod.) de caracter politico 'in Estados estrangeiros,
o que nfio permitia o projecto em discussão.
OonHegulntemenls uso podV- -»ter no caso extradição,
no uso oommum da linguagem jurídica. *
Discutindo depois o projecto de lei de extradã dis-
semos:
A emenda que na sessão constituinte SS rei 8 no
sentido de es eliminar da - . u> a palavra esrtre 'lo, que
í- ~; ' ideias capasse delízer levantar ns pratica muitas
duvidas, nflo foi approvada.
nos JNIKHÍ ih Ompixii: „Y ,;..• . ntutUvintt,
— 16 —
O Congresso Constituinte manteve a palavra com a dis-
posição do projecto primitivo. *
». Do exposto resulta que a nossa Constituição Federal
neste ponto nflo teve como fonte a Argentina, e menos a
Americana do Norte, mas a da Suissa.
Na Suissa ha três leis federaes sobre a extradição inter-
cantonal: a lei principal, de 24 de julho de 1852, modificada
pelas de 24 de julho de 1867 e de -2 de fevereiro de 1872,
sendo que estas duas ultimas nflo se referem ao ponto
questionado.
A lei de 1852 está de nccordo com a Constituição de 1874,
art. 67 citado, porque esta apenas reproduziu a Constituição de
1848, art. 55.
A simples leitura-da lei de 1852 leva-nos a pensar que a
nossa lei de 1892 tem uma lacuna que urge preencher relativa
aos crimes políticos, a que nem siquer allude pelos motivos
que demos no Congresso Jurídico e acima mencionamos.
Nota-se antes de tudo na lei de 1852, que, apezar da dis-
posição constitucional de 1848, na execução da qual ella foi
promulgada, logo no começo, em termos geraes,com relação
aos criminosos extraditáveis, ella se exprime assim:
«Art. 1.° Os Cantões são reciprocamente obrigados a
promover a prisão e a extradição dos indivíduos conde m-
nados ou juridicamente processados por um dos crimes ou
delidos mencionados no art. 2
o
.»
Já a nomenclatura feita no art. 2° exclue v. g. lesões
corporaes leves, damnos pouco graves e outros, como é fácil
verificar.
2
[' Diz ainda o citado art. 1°, 2
a
parte:
« A extradição de jurisdlccionados (ressortissants) dum
Cantão ou de indivíduos que ahi estão estabelecidos pôde
todavia ser recusada si este Cantão se obriga a fazel-os julgar
e punir na conformidade das suas leis ou a fazel-os cumprir as
penas já decretadas contra elles.»
Vè-se, pois, que apezar da disposição constitucional que
exceptua expressamente os delictos politicos e os de im-
prensa, a extradição nem abrange todos os crimes com-muns,
e a respeito dos que abrange, pôde ser recusada nas condições
figuradas.
A lei repete a excepção expressa das duas Constituições
de 1848 e 1874 :
« Art. 3.° Não tem logar a extradição nos delictos
políticos e nos de imprensa (art. 55 da Constituição Federal),
1
.Discurso do autor nos Annues da Camará dos Deputados, em 7 de outubro
de 1891; 4° vol., pag. 170 e seguintes. » Wolf, OBR. OIT.,2
o
vol. pag. 305.
P
B
poiSjjM ma, c
pj(
direito de recusara extradição nos
Na Saiam innumeros nrest >s citados por Blonay raan-
teem aquella doutrino. •
B' \ .-Iode que Bemard lomhra que vivas críticas tendo
"euniAo da s-.x-i doa Juristas sulss -s. n Itseda em
Berna o 27 e 28 de setembro de 1080, sub a pivs t neta de M.
kueuif.
Nenhuma decisAo foi tomada, mas a despeito dn d i ver*
sidode de vistas que se manifestaram. o sentido uue parece
destacar-se da discussfi é :' •.-.... é exir çfio.
Chegou-se a reconhecer que os motivos pelos quaes
foi rejeitada a npplicaç&i desta instituição aos •: « poli-
ticos nflo podem ser invocados no direito suisso interean-
' mal, pela razão de que todos os cantões o interessados
solidariamente na manutenção da ordem publica legal de
cada um delies a que conviria, em \$ct\< darão
'Mimai f ral o conhecimento dos rfWirfo* p* -\
commt itii »s ns confederação, ao menos quando os aceu-
sados reclamem eata garantia.
Conforme Beruara, a autoridade Judiciaria somente
deveria conhecer da extradioto, tanto no Cano requerido,
como no requerente. Mas» por excepção, o recurso de cas
sação, de qualquer ou ■■■ que emanasse a decisão
;
*. deveria asr levado unJcameot** o tribunal
redcnil • *
I Tai doutrina, contraria ao direito suisso vigente,| nêo
se aecommoda ao noss pio só porque trata-se de delícl s
poliUous contra os estados a nfl - contra a União, como
lambem porqua ê Justiça daquellea a nfio á desta, compete
conhecer de tacs de cl s.
« Também estes dettetos po ticos, propriamente ditos,
afio hoje subtrahldos a extradição nêo somente na mas em
( 4 os Estados. O motivo desta e\ .&k> reside
r um pouco por toda parte ».
liei. dl. do COIÍ
Federal.
Trata*se, ('• verdade, de ura urine • de dir > inter*
as^im dizer no noss > moderno direito publico, porque si os
n, í ' '-:-! .
Knlre
IM
J
'' " do h
>sso, ôpara ir
-18 —
Estados nãosflo soberanos, o contrario pensamos, são auto-
nómicos e independentes, cada um de per si, em relação aos
outros.
Em relaçSo mesmo á União, a Constituição Federal é
formal, quando, salvando as excepções a que depois
alludiremos, diz :
« Art. 6.° O Governo Federal não poderá intervir em
negócios peculiares aos Estados, salvo, etc.
A nossa lei n. 39, de 30 janeiro de 1892, sobre extradição
interestadual, si não veda, ou não faculta a recusa da ex-
tradição em taes crimes, também não a concede ou não a torna
obrigatória.
A jurisprudência fornece elementos para a mesma
solução.
Nos primeiros tempos do nosso regimen republicano, que
foi um período de phases de agitação e revoltas, embora
parciaes quanto ao território em que se moviam e muita vez
sem relação com o governo da União, entendeu-se que todos
os crimes políticos eram da competência da justiça federal,
embora dirigidas unicamente contra um Estado e isto talvez
porque a Constituição Federal diz :
« Art. 60. Compete aos juizes ou tribunaes federaes
processar e julgar:
i) os crimes políticos. »
Eis um aresto conforme á nossa opinião :
« Habeas-corpus n. 297. Conspiração no Estado de
S. Paulo. .
« A' justiça federal compete conhecer e julgar somente os
crimes políticos que affectam a existência e segurança da
União ; aos juizes e tribunaes dos Estados cabe o conheci-
mento dos demais crimes políticos.
« E' illegal o constrangimento ordenado pela autoridade
federal, sendo os pacientes indiciados autores de um crime
politico que, quando provado, perturbaria apenas o governo
autonómico e a constituição peculiar de um Estado.
Intelligencia da Constituição Federal, art. 60, lettra í); Decr. n.
848 de 1890, art. 15 letra i) cod. penal, art. 115. Sentença de 20
de abril de 1892 do Supremo Tribunal Federal. No mesmo
sentido dessa, referente a uma conspiração no Estado de S.
Paulo, outra relativa ao mesmo caso, no do Maranhão : O
Direito, vol. 65, pags. 65 e 313.
« Queixa dada contra Governador de Estado.
« A competência privativa da justiça federal, estabelecida
no art. 60, lettra i) da Constituição da Republica restrin-ge-se
implícita e explicitamente aos crimes políticos com-mettidos
contra a União ou contra sua intervenção constitucional nos
Estados.
« Intelligencia do art. 60, lettra í) da Constituição: art. 83
da lei n. 221, de 20 de novembro de 1894, e arts. 113
19
e 114, Uv, 2", tlt. cap 3° do ood. penal. Sentença
f
l"
Supremo Tribunal Federal de í de maio de 18» O
Direito, vol. 67» p _-. 3 9.
Km contrario: Aceordâo da Relaçfio de Kictueroy de
27 de dezembro de 1892.» •
0 exemplo da Allemanha como confederação nao serve
ao noss > caso, porque é ssbèdo que s partir de 18» é que
começou o d< senvoivimenlo do principio du nao extradição
dos criminosos polittoise pi r issi > tiQo admlr i nue ora ooe
tratadoa, ura por actos l' -
,:
. - as estados germanicus entiv
-«win reciprocamente os seus criminosos em taes condições
em 18ltf, 1832, 1836 o tê 18» e 1870. em que se opera a
lidade do direito i i li, inclus • o processual.
B todos oi pri aobraos quaes repousa o dogma
Inviolável da nao extradição dos criminosos políticos, con-
sagrado pelo direito Internacional moderno e pela quasi una-
nimidade dos public •' historiadores e jurisconsultos, na
phrase de Berna rd, op I m-se, diremos noa, ao menos á
(acuidade de recusar s extradição entre iv : .- federados ou
A nossa -;*:; i i j
desde que exciúe l
aquellee que, psreo
ullbll . ,:: - tio.
que 4 .'
forme o ert. 6*:
« í. psri :• s t.«
Para n ' s ::."
Para rsssj
l|. K, ;'l I
ou de um 1--' I
mas por contra golp
Parcce-nos que outra nfl pode ser i
tituto.
Os Estados podem recusar s extradição de pessoas cu l-1
padas de crimes políticos contra qualquer E l ido.
<k Panemos sfora A matéria dos artigos do texto do
código nesta secção.
Sob o ponlo de viste anthropologioo e sociológico se
pôde d- ir o crime i tlm rnmlnmhrmn e I aorhi: todo
!««« «do violento contra o mi ismo politico, rvlifioso,
I >* 9 .
ti, Cvá. PM «O. ti:.. iol. *l
IH" W Ml'-' PIM1.I, CBUI -"IWlll
crimes que podem
aflectar a 1
p por era causa som . o ]
mimo,
L
r
uiao
e
l^rrauie a imcrv <
tes era
»,
cou
-
-"»... de um Ralado cm
s ttrma republicana fedrratl*
eeer a ordem e a tranqutllidc
outro;
tde
us respectivos governos.»
•Ytnmente s segurança do
F.stAd
o
' * .'' #
wr
— 20 -
Ou «toda lesão violenta do direito constituído pela maioria
para manutenção e respeito da organisação politica, social ou
económica por ellá querida ». *
H Esta definição constilue o conceito objectivo do direito lesado
e dissipa duvidas suggeridas por Morin, Ortolon, "Grippo e
Mecacci, que pretendem ser crime politico todo crime tendo
escopo politico: a pesquiza do escopo serviráj para conhecer a
natureza ou objecto do direito lesado, mas não basta para
constituir o crime.
Podem haver crimes communs, cujo autor vise um escopo
politico.v. g.,o homicídio sectário* anarchistico, como o
assassinato de Sadi-Carnot; mas, quando a ordem politica não
é affectada, elle não passa de um crime commum; e a paixão
politica que armou o braço do culpado servirá para medir a sua
punibilidade, em confronto com crimes movidos por paixão
mais ignóbil, mas nunca para elevar aquelle a crime contra o
Estado.
R Ao inverso, um crime eflectivamente politico, como é o j da
entrega de planos militares ao inimigo e semelhantes (art. 87, §
3
o
), pôde ter unicamente um e-copo de lucro, mas o crime não
deixa por isso de estar comprenendido entre os politicos,
porque attinge o Estado, pondo em perigo a sua segurança, e a
medida do perigo sendo maior, maiores devem ser as penas e as
precauções preventivas.
Em alguns casos a linha divisória entre uns e outros não é
muito nitida e dahi a origem dos chamados crimes misetos e a
questão de saber si o crime commum deve prevalecer sobre o
politico ou vice-versa.
Os citados autores lembram I Iaus que, ignorando ainda as
conclusões da anthropologia criminal, suggeria o justo
conceito de considerar, nas insurreições, como crimes politicos
os actos autorisados pelos ubos da guerra, e como crimes
communs, ao contrario, todos os attentados contra as pessoas e
as propriedades, inspirados pelo udio, pela vingança, pela
cubica, em uma palavra, por impulsos criminosos.
2
Um principio fundamental deve dominar este ponto.
O elemento intencional no caso ê tudo, porque delle pelo
estudo do criminoso deve derivar a sua temibiUdade e á esta
deve ser adaptada a pena.
O impulso será o guia seguro, único para assignalar,
conforme Brusa, as duas categorias de crimes mediante o
estudo anthropologico do criminoso.
1
Lombroso e Laschi, II SELITTO POLITICO £ LF. REVOLUZIONI, Torino, 1890,
pag». 37 e 437.
1
liaus, PRÍNCIPES OBNERAUX DE DROIT PENAL BBLOE, Paris, 1879,1° vol.,| pags.
261, m, 355 e 355.
li
— 21 —
E* perigoso appellar porá QB princípios de liberdade,
~|o i politica è umé hon leira que cobre muita carga
punir curo ' >r e com f ruins com m uns
suspena e Imped
muitos crimes ai
Por outro lado,
muitos desses cri
roupagens pol is ato
comroettidos po
now« naíoê, os mais
perigosos á segud
tom msnot
repugnância, tanto
que seus
companheiros no mal e
a Indulgenc pellidos
multa ves pai em todo indiciado | S oo
contrario] de meado crimines [ um meio
de attingii ctorisado p »r este.
_ Outra questão:
Sempra por um mol entendido conceito de liberalismo,
alguns escriptores Inglezes e americanos preb em ; -• nal
definição do crime politico prevaleçam somente as circum-
tanclosem que elleécommettido; assim para StuartMIll nao
é crime p >! « a oflensa ; itioa commetUda no
curso de uma guerra civil, de Insurrt • ou de commoçãea
politicas». 3
i ombros® • I-oschl combatem com razfio essa opinião.
Rro tomp is e \pciona nflo ha duvida que ta«>s crimes
s8o mais perigosos a dahi os rig*»res usados do etiotto sv
sitio s do ''I • mas nflo ha rozAo para decl
os Impunes ou deixar de sujeitai* A a preceiliA qus osi
reprimam, sem • xogi r •. mas tambeai sem . wis,
tutelando os direitos da maioria politica
1' li
-
ms i, i-; i untores. ; . t i . t'' <*erto Douto
com Careib na necest* >le ds rei>r i- .-. mais . . ~. -menta
nos tampos anormaes. negam, entretanto, qus eifes tenham
um earactar da excepcionalidade; mas, como altas teero d >
mesm » modo que os oommuns o caracter ds tasAo sot
direitos do cidadão, por isso as clrcumatancias ex-
1
ternas
qut os scompanliam podam servir somente para medir a
respectivo responsabilidade. '
I deve ser, pois, o critério domlnanta na blitic
>: elle caractarisa as violações dl-im mi >
politico dos cidadôos, nas quses, ur o crime,
devem concorrer os dous
ões ss manl-
Tona», ISW, (S *tt{*o.
***4n
')Ç»ÍH.X!I. MC. 31?,
S coiDmunscom
rdadéiros crimi-
I social e que se
_Ju- '• ' - iis|>er-|
da. taato que eocontrnm apoio nos
mal e a indulgência dos h >i stos, im-
wnatism. i irtídario • • - um martyr
|tnpuiso para deilnquir apparece isento
i crime commum nflo e mais do que
i escopo politico e o crime sert cara
-
0 direito
UAnlnfln
I
,
ara cou
: ii.;
***T
— 22 —
íestam e com o damno que delias deriva — e da intenção do
culpado, manifestada com actos executivos externos.
A base da impulabilidade do crime politico ê o direito
da maioria dos cidadãos á manutenção da organisação
politica por elles querida o crime que consiste exacta
mente na lesão deste direito. 3
Neste ponto os autores citados se afastam de Garofalo
quando opina que ha um delicto politico natural que lesa o
sentimento de piedade quando tenha por objecto a vida do
soberano ou dos funcclonarios do Estado; e convencional, que
viola o sentimento do patriotismo, como quando se revolta,
v. g., contra a segurança do Estado. *
Os elementos constitutivos do crime politico são a vo-
luntariedade- e a violência, ou a fraude.
A intenção é indispensável, porque uma acção externa
executiva, sem intenção de atacar a organisação politica,
perderia o caracter de criminalidade politica para entrar nas
lesões ordinárias.
Por outro lado, a acção deve ser violenta, ou fraudulenta,
porque não são criminosas as manifestações que se manteem
no terreno especulativo e se limitam a propaganda das ideias,
embora com escopo de combater a organisação politica
existente.
Isto é obra e missão dos partidos, mesmo dos phi-
losophos, e os cidadãos que em taes discussões se empenham
podem dizer nostra res agitur.
E' o direito excepcional de resistência, a resistência legal,
na phrase do publicista italiano Orlando, dentro da respectiva
constituição, muito differentc daquilio que Tissot resume neste
conceito : todo acio de natureza tal a perturbar a ordem, a crear
um estado de soffrimento e fraqueza ê, nada mais nada menos
juridicamente, um acto culpável.
7". O objecto do crime politico é a organisação politica
querida da maioria.
Toda organisação politica comprehende um território, em
cujos limites deve desenvolver-se, uma forma de governo e
pessoas que a encarnem e actuem.
D'ahi uma dupla classe de crimes que podem atacar a
organisação politica.
A primeira comprehende todos aquelles actos violentos ou
fraudulentos que visam attingir a integridade do Estado,
diminuindo ou alterando os seus limites, rendei-o a discrição
de um Estado inimigo, expôl-o a guerras que possam
comprometter a sua independência ou simples segurança e
que constituem os chamados crimes contra a pátria.
1
Oarofalo, CRIMINOLOGIA, Torino, 1885, pag. 18.
A segunda classe comprebende as offensas é organisa,
çflo politica eiWwte, teto é, os actos violentos contra a M^J'
4
*
rno
* ou que tendam «Impedir o exercido doa direitos e
dev s qoe li cumbem aoa N •• p deres do Es-tado ou qua
apjam diriítfdue contra as peeaoaa á (rente do governo,
ecuja aupprrsafto ou sin> es lesto iv.Ivam tal damno
material ou moral para o Estado* de se fazer necessário
garantir o respeito delias sob a especial imputação de crime
politico, como, por exemplo, no código italiano; a estes
todos afio os chamados crime* cernira w poderes
Além disto, ha hoje entre os Estados clvllteados toes
relações que os obr. m a exercer reciprocamente uma
tuteia ao menos aobre a Integridade physica dos soberanos
ou chefes <le governo qua se achem sobre o térritoi da um
outro Estad >.
K, ' Imente, ha crimes políticos imdircctoe que visam
impedir aos cidadãos o exercido da soberania popular, onde
esta constitue a base do Estado, a afio os crimes chamados
eleitora**.
Certas condições espaclaes podem aggravar estes cri
mes: quando para conseguir um dos escopos l içados
haja o concurso de duas ou mais n> "lea (cot >ioj ou
taça por i nuis a em armas, r. g. a ia> 'rciçâo OU rebel
m
Mo a a recõtttt, ' I
O código ooctipo-ea, nos arts. 87 a 117 a US a 178, dos
erimua . o*, sive os factos eleitora** puníveis,
r ' ' > - ainda Incluir bl o art. 126, qua a uma disposl-
çfiocommuni aos crimes pi»: >:m propriamente ditos.
Tendo a Constituição, art. m, letira I. attribuldo aos
juizes* e Ir fcderaes procaasar a Julgar as crime*
politico*, nenhum conceito destes resalta de d sposiçao
alguma daquella. I
A sessão ooostiliUnta do Congresso nflo é fonte que
esclareça ns duvidaa neste puoto.
Par© qua muito pouco se disse, mesmo assim indi-
rectamente subre o assumpto.
Na aaaato de 5 da Janeiro de 1801, o Sr. eenedor José
llygino, mais tardo ministro da Justiça, proferiu estas pa-
lavras:
* i\*stiv* fiuc í i mna i
1
c
*a federal os hit *narios e
empregados da lo, qua >ron rera crimes de
responsahiii i ide. nio podam ser processados a Julgados
sínflo pelo j ; leral.»
1
Carvlli, otr» cliaiU, fg- 3tS.
— 24 —
Na sessão de 23 de fevereiro, o Sr. deputado Leovigildo
Filgueiras dizia:
« Com relão ao direito criminal, também assignarnm
emendas e por ellas votaram para que fossem leis federaes
as relativas aos crimes políticos, aos de falsificação de
moeda e dos títulos públicos da União, aos communs
commettidos no alto mar, aos attentados aos direitos das
gentes e a pirataria.»
Effectivamente na sessão de 26 de janeiro, os Srs.
deputados Adolpbo Gordo e outros de S. Paulo aprezentaram
uma emenda definindo por extensa nomenclatura os cri-
mes políticos.
Mas, esta emenda foi regeitada na seso de 9 de feve-
reiro, assim como o foram todas sobre este ponto.
Aos annaes da Constituinte de 1890-1891 se reporta este
parecer. * yk
Ficaram sem definição as expressões crimes politicou.
Entretanto, o decreto do Governo Provirio, n. 848, de
11 de outubro de 1890, que—organisa a justiça federal, no
art. 15, lettra i, diz:
« Os crimes politicas classificados pelo digo Penal no
livro 2°, titulo I
o
, e seus capítulos e titulo 2
o
capitulo 1°.»
Si na existência desta disposição o seu conceito pre-
valeceu no Congresso confirmando o dos autores do pro-
jecto da Constituição, que foram os mesmos do citado
decreto, é o que parece razoável.
Não se contesta como erróneos os conceitos contidos
nas emendas alludidas, salvo sua maior ou menor extensão,
e nem a opinião dos citados oradores e outros, quasi todos
ou todos juristas.
#
Releva notar que o mesmo conceito figura no art. 15
n. 9 do regimento interno do Supremo Tribunal Federal,
reproduzindo o citado decreto.
A noção do crime politico em contraposição a crime
commum, muito obscura no direito francez, não le servir
ao nosso caso, porque é antiquada e a disparidade da forma
unitária e federativa a torna inapplicavel, nfio podendo os
seus interpretes nos trazer luz alguma. *
Isto posto, o projecto de 1893 compilou o titulo I sob a
rubrica crimes políticos para agrupar as espécies
contidas nos tulos citados do digo Penal vigente, remo-
delando algumas formas e additando-lhes as escies seme-
lhantes.
i CONGRESSO NACIONAL CONSTITUINTE: Annoet 1891, vol, U, pags, 65
e"479. vol. 3» pags. 85 eS60.-« ......
» Garraud, DROIT PENAI, ÍRANÇAIS, Pavia 1888-89, vol. 2
o
pag, 488,
25
Outros crimes, n8o p rtUicos, da competência da justiça
federal, ex•- -'ro, mas nem opro o para awrrupal-oa todos
poderia destruir o própria classificação 9ci< ics, nem a lei
substantiva pôde conter dtosdcões apontando crimes dl
competência de justiças diferentes, quando se elabora um
código unitário para a federal c a estados!, desde que o
direito criminal «' unitário. '.
numerando os crimes da iulgame • do jury federal, sem
qna . .,. :. ~ .-,••:. - . n, •- - -'. no n. 1 a i --lie
artigo, as citadas disposições do cod. penal.
A lei até destacou para as disposições dos ns. IX e XII,
final do a ri. 2 '. os factos eltitoraea que, coroo vimos, afio
crimes» / 'tico» l
Assim essa lai ainda diz menos para a soluçfoda quesito
e referindo st outros crimes, nio quer dizer que estes
também sejam p" coe, porque a justiça federal nõ > julga |
sô os crimes poli tico*.
Nos projectos de 1893 e 1897 do cod. penal, os crimes
el< iioi ■■ - ticoram neste titulo coroo vao adeante no cep. II.
m umo causs celebre, o nosso Supremo Tribunal Fe
deral deu nm conceito do crime -odaeoroi» i da
juatiç» /«julgou-! -ntre nosorey nao
t crim ' . i s o resumo do \
«l *i aio crimes /* - de competência doa juizes e
tribuna**» Itrar» («ri. 60 i)da C> Udçêo Federais art. 15
do dècret . a. 848, de 11 de outubro de 1800)
-. !•;-. 87 a ft£i do cod. penal, •
«ris. 47 a 55 da lei n. 35 de 38 de janeirode l$92.
«S>° AVI» é ' 'do de na' 'za - 'ftc<> o attenlado
contra « pe**w« do Presidente da Republica em cartão
j «Vr ~<i SAI" " «m que ac adiasse exer ido QM<
das suas attribuiçnea constilucimess» tax • mente decls*
rodas no «ri. 4a e paragrapnos Goo
v
> federai.
o 3. Embora seja politico o #»• densa attenlado,não
deste um crime potttico, poiso movei *d qualifica o delicio
f
.
f;
_
L
• -'•' «'^f" '*code aua respctlve í-
ntçflv legal.a
Acrdtlo do Supremo Tribunal Federal, de 16 de feve-
reiro da 1898. *
A decisão no caso oceurrente : i{ jurid-co; mas não
concordamos f* totum com certos princípios emittidos no
" Em primeiro togar, os crimes previstos nos sris. 113 a
123 (aj imento toe sedição) nao -" nem
* R>
— 26-
em face doa princípios geraes do direito, nem do decr. n. 848,
de 1890, embora a lei q. 221, de 1894, art. 20 n. II, considere]
da competência do jury federal a sedição.
Em segundo logar, ainda mesmo no momento de exercitar
as suas attribuições constituclonaes, o crime contra] a pessoa
do Piesidente da Republica, isto ô, contra a sua vida ou
integridade physica, e psychlca não ê crime politico. pelo
cod. anterior o regicídio não era crime politico.
O terceiro principio pôde ser acceito nos devidos termos,
desde que se attender á doutrina que acima expuzemos (ns. 3
e6.)
Si na espécie da causa se tivesse julgado que a tentativa de
assassinato do Presidente da Republica era um crime connexo
com o de conspiração ou com outro qualquer politico como o
do art. Ill do cod. penal, nflo se daria a hy-pothese que figura o
Accórdão, porque o crime commum de tentativa de assassinato
devia e podia ser punido com as penas do homicidlo,
qualificado previsto no art. 294, § 1° combinado com o art. 63.
Antes de concluir este ponto, convém notar que o novo
código eliminou o crime de rebellião, que nflo figura absolu-
tamente no seu quadro.
Figura agora nos projectes posteriores com aquelle nome
do código de 1830 e o seu synonimo — insurreição — como é
conhecido em muitos códigos, tendo desapparecido a outra
forma de criminalidade a que o ultimo vocábulo era appltcado,
isto é, a insurreição de escravos. *
No projecto approvado pela Gamara e pendente de dis-
cussão no Senado, a nova redacçfio pouco alterou as figuras
deste titulo do projecto de 1893; o mesmo não aconteceu com
as penalidades.
O substitutivo de 1897 restabeleceu o projecto, e notamos
antes de tudo, que a nova redacção voltou a formulas equi-
vocas do Código de 1830, para conceituar certos crimes
políticos, sem attender As duvidas levantadas por autores
nossos.
a
A alteração feita na 3
a
secção, cap. I deste titulo, apezar de
justificada, não tem razão de ser, porque a idéa do dispositivo
do primeiro artigo está comprehendida no ultimo, reproduzido
do projecto; entretanto, supprimiu-se uma das figuras da
mesma secção, agora restabelecida.
Os conceitos da rebellião e da conspiração, que parecem
ser os dos arts. 117 e 125,o Inacceitaveis por deficientes.
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS de 1893, pag. 10.
* Thomaz Alves, ANNOTAÇÕES AO OODIGO CRIMINAL 2
O
vol. pag. 39;
Carlos Perdigão, MANUAL DO CÓDIGO PENAL, 1° vol. pag. 323.
— 27 —
O substitutivo de 1897 preferiu \ jectoprimitivo lambem,
porque csteõõnãígrmFSuõs "apertes de pena de prisão: a
prisão proprfam* 8 dlla e a
ncSo.
B^dereitu --:
;
. distribuirão deata matéria no cort _
penal que nêo gunrdoo methodo < im na cbi
nem systema na coôrdei das disj siçt - em reIa«;Qo ás
epigraphea respectivas,
Ass ii, pelo próprio texto, -se que a matéria deste
titulo nflo c >rn -;' «ie aos artigos do código • nal, porque
Ao pa» ie o titulo I deste Uno II do ifoeompre-
que nêo trata de •• tneaaob '*« propriamente ditos, mas
d- >s «"i iui' - n dos contra a ordem ; -
1
-
:
".v>,
como muitos outras, se quU crimes políticos ' / -1
prioa, na phraae de Puglia.
Os crimes eieitorae», que soo peio menos uma -ctossr
doa políticos, foram deatecadoa para o titulo IV, formando
o seu capitulo I e comprehendidoa entre erimea wdo p tia
como sfio os crimes contra o livre exerc > doa direltoa
Indivtduaes» em gerai, oo «cri sg contra a liberdade pes-
soal como outros os denominam.
No projecto da 1883, arte. til a 161, laca criou ílguram
todot no titulo I da Parte Especial, eassim no \>- «to de
18U7ort. t tS, ao que já nua referimoa.
lato pelo que toca A orov lo o- . das disposic/Va*
I ^ e ci': iiiA eno e ma no cooi. t^pv*-i»ini
comparando a com aa doacitadoe proj< «. Asa ii no
titulo I, si o capitulo t* abrange OS erimea contra a pátria,
comprehende ao meamo tampo oa erimea contra oa estados
estraogeiros a aeus representantes que oonatltuem pe*»
menos orna subdivio do assumpto.
Nos projectos, dias iormaro uma aacçêostcsrada. _-^
Bntrv tanto, s
o
separaçfio entre crimes contra a eonsiiti a oa poden-a
politicas. Nos projectoe ellee (stfio reunidos cm uma 86
SBCÇAO.
A emêpir. ruro em um capitulo especial, quando o
|obj<vt deaae Instituto e ds outros conaUluea matéria de
(iisi. us vários crimes politicaseesnim figure
nos !•:•' . - de MB e 1887.
Ni. mopr. to,i- m,are>< nmçr irece prevista
1
EarvwiçX* M atamos 4o p* »* l*W, paf. 8.
—- 28 -
o projecto não reproduz, supprimindo o nomen júris que podia
guiar o interprete!
®. Os crimes de que noa occupamos podem revestir
differentes formas que entretanto se podem reduzir com
Pessina a três figuras fundamentaes : a traição, crime de lesa
nação ou contra a pátria e as aggressões contra a
Constituição ou os poderes políticos do Estado, ou a duas na
phrase de Garraud, crimes de leso-gooerno ou de lesa-nação. *
Carelli critica a impropriedade dos termos «crimes contra
a pátria», porque ta es crimes podem também ser com-mettidos
por estrangeiros.
Nosso cod. penal neste ponto, como em muitos outros, é
lacunoso e por isso sobre as suas respectivas disposições
exclusivamente nfio pôde assentar uma theoria completa do
assumpto.
Majno, porém, observa que as expressões «crimes contra a
pátria» tomadas no sentido objectivo, como s8o no código ital.
são exactas.
2
O nosso cod. no cap. I do Tit. I do livro é que inclue
taes crimes.
Elles constituem o grupo mais importante dos crimes
políticos, porque o seu objectivo é a existência jurídica ou antes
natural do Estado : cod. art. 87 e § 1°. pi . A redacção é ma e foi
substituída nos Projectos de 1893, art. 111 e de 1897, art. 114.
A mesma figura está no art. 90 do Projecto de 1896.
A penalidade aqui, como a do cod., art. 87, é irrisória em
relação á de outros crimes.
Defendendo aquelle primeiro projecto disse: allude-se ao
rigor da penalidade que se reconhece inspirada no cod. de
1830, mas se desconhece que elle é clássico nas leis dos povos
cultos, quando se trata de crimes gravíssimos contra a forma de
governo no interior ou a pátria no exterior.
3
O código e o projecto de 1896 consagram as formulas
viciosas do cod. anterior a que nos referimos- e que cau-
telosamente evitaram os outros projectos de 1893 e 1897,
seguindo o exemplo do cod. italiano, como notam Carrara e
outros. *
1
Pesai na. DIBITTO PENALE, Kapoli, 1882-85, 3
o
vol. pag. 4; Qar-RAUP, DROIT
PENAL FKANCAIS, Paris, 1888-96. 2
o
vol pag. 507: Pessina,| MANO ALE DEL DIRITTO
PENALE. Mi lano. 1893-96. Part. 2» paa- 89.
* Majno, COMMENTO AL CÓDICE PENALE, Verona, 1890-99, vol,
art. 104. ^ p" 1
3
O PROJECTO DO COD. PENAL e a Faculdade de 8. Paulo, Recife 1895, pag. 49.
» Carrara, COMMENTO AL. CÓDICE PENALE, Roma, 1839, ayt. 104 pag. 74.
— 20 —
Com a definiçto do cod. Italiano que seguimos, si os
actos preparatórios DSO podem aer punidos, entretanto basta
iltlfi *!* OCtO t?Xi*CHilVO '1 C«'' íf* O cr *'« 9£IT) 11^**
cessidade de exigir que efie tenha chegado A phase da ten-
tativa ou do crime frustrado.
Tratando dos crimes de lesa-naçflo, diz Pessina, que a
personalidade da nação pode ser objecto de lesto ou
oflensas por quatro modos : Estes soo, attentar contra a
Tida do Estado, fumar armas contra a própria naçAo, inn-
chlnar contra o Esl ido nacional em vantagem de ssus Inl-
mig « externos a todo e qualquer facto que indirectamente
odbnda s personalidade do Estado nacional, sem sor afta
traição.
Quanto ao primeiro crime, é evidente que ha alguns
direitos do Estado essenclaea n sua subsisienda como per-
sonalidade no convívio das nações. A unidade nacional,
indivisível aberrante de qualquer sclsflo, desmembramento
ou separatismo, s integridade inviolável do território c imo
esphera ds actividade superior do espirito da nação a a
autonomia ou independência* afio a vida mesma do Estado.
\ lai pois faltando de facto dirigido amtrs algum destes di-
reitos supremos entende, nto apenas «quelle operar que se
resolve numa pura aspiração, embora perversa, para le-sai-
os, uiiis sim uma acçflo criminosa que possa ser fatal A
existência do Estado, uma acçflo que se dirigindo s alguns
dsquellea fins contrsdlctorios do Direito do Estado, seja apta
para attlngll-o, si bem que nflo se chegue de facto s con-
seguir a acelerada meta do malefício. *
i'*.' sabido que s diOerença entre crimes contra a segu-
rança durma a contra a segurança externa do Estado e
clássica.
Entre os que costumamos chamar publicou, diz Pacheco,
porque nto ferem perfeitamente tal ou qual pessoa, mas a
sociedade mesma em teus interessas geraes ainda que em
segundo logar possam sem duvida recahlr sobre aquellas.
encontramos â frente de quantos se possa condemnar
prever os que atacam a segurança exterior do Estado, amea-
çando, oumpromettendo, dirigindo as s vulnerar s acabar
com a sua existência- Evidentemente nto ha nenhum como
estes contra a ordem publica; svldentemente drreaa ser
eoitocadoa â cabeça de lodos, como os maia repugnantes
em ai meara ©, como os mais perniciosos em feus efiettos.
Ma sem duvida attentar interiormente contra a forma
do pprio Estado. M > 6 atteotar contra s sua l onstitufio.
Mto é dlrigir-se contra a pessoa collocada no solto que per-
• PMBÍM, h .«• «M» muu, Muta», IS», «H. Mi, Hff.
>l«M«>; Pu*, í* M. 9%.
— 30 —
sonifica sua unidade e seus interesses geraes. Graves e severos
castigos se devem edictar contra os que se levantam contra ta
es objectos.
Mas, sem embargo, ainda nesses factos mesmos pôde não
faltar o amor e o reconhecimento da pátria e obrar-se em razão
antes de um extravio do que por uma perversidade
imperdoável. Mais alto que o rei, a constituição, toâas as
formas de governo social, está a pátria mesma; e não quer dizer
que se peque de intenção contra ella, quando são aquelles sós
os termos da acção criminosa.
Mas o que deiinque contra a segurança exterior do Estado,
destróe a existência da pátria mesma; e lacera não os
accidentes, sim a essência, o seio da sociedade que o viu
nascer. Attentandocontra sua independência ê um parricidio
publico que commette, para o" que difficilmente encontrará,
não diremos, justificação, ou attenuaçâo, mas uma explicação
qualquer que salve seu propósito ou sua honra. *
Carelli a seu turno, demonstra que os crimes contra os
poderes do Estado têm um caracter temporário, accidental,
dependente das condições do paiz, das suas convicções poli-
ticas, do seu estado intellectual e económico.
Nos crimes contra a Pátria não se trata da pesquiza do
movei sempre o; nos outros, desde que o seu fundamento
não é a simples razão de Estado, a indagação do movei
determinara o gráo da repressão, conforme se tratar da paixão
politica ou do escopo de lucro e do baixo interesse.
Depois taes ©rimes políticos por paixão são sempre prati-
cados por jovens.
2
E' esta a explicação do art. 87 § 1° do código, embora a
formula seja imperfeita para exprimir as três configurações
previstas, isto é, de sujeitar no todo ou em parte o território
nacional ao domínio estrangeiro, abater a independência da
União ou dissjlvel-a.
A figura do § I
o
, entretanto, além de servir de formula
explicativa que nada explica, parece ao mesmo tempo ser uma
outra formula diversa mais attenuada do mesmo crime, ahi
enxertada para obscurecer a disposição com a ideia duma das
espécies do mesmo crime por meio de omissão ou inacção.
A disposição é deficiente, porque não allude ao systema
federativo, sob o aspecto da União e dos Estados.
E' a razão da redacção differentedos projectos posteriores.
Ea questão tem sua importância de modo geral, porque é o
nosso regimen politico, e pode originar duvidas na pratica.
Pacheco, EL CÓDIGO PENAL, CONCORDADO T COMMBRTADO, Madrid. 1888,
2o vol. pag. 56. Viada j Vilaseca, CODIOO PKNAL REFORMADO ETC. Madrid,
1890, TOÍ.. 2» pag. 5.
* Carelli, OBR. crr. pag. 320.
— 31 —
Uai.
coromeUe i «Tiros previsto quem tentar converter e i essa
Republica
toderatica em Estado unitário.
-'•- linda tom uma lacuna preenchida noa pr> y >»
posteriores, que nao p< am no crime do mesmo art. 87, crime Idêntico
praticado em relação aos Estados da Unlflo entre ai.
afta* 87 | _. 89 e 108.
Eatoa artigos aa relacJooam com as seguintes dtep «içõvs
da Const. Fed. quando diz:
H
« Art. 71. Os direitos de cidadão brasileiro:
• S -•" Perdem m:
o) por /Í. lo o:TI palz ' >;
6) por aceitação de emprego ou pensão de governo es-j
/'«" ""o, aem licea do Poder Executivo Federal.» Ari.
73:
m S SM i', .! IH. .i i
V
-1 -!.. ....... .. rui A,, r.,,, . I
M
run<- > religiosa,
::> ;
privado 4s seus dl-
nem mrtmir-ae do cumprimento da
O II
, #ea qm* *! i tarem coo*
tcos et*ii
' «s /'
Zfl! .1 II
Cai
amor d
I á de
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Ireitos
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s
Ott
ca
mor
nes da
a
,
n
* I- mi, • (' -.TO TÍATTATO M MMTTO M**U, Miiano
I4&*. voi. í\ Pftrl. 1, f«f SI.
* hlM, m. • «ol. cit. ftff. ».
Mfl
— 32 —
pátria — a lei pode punir a falta de sentimento, mas não a falta
de virtude ou de heroísmo. *
Viada y Vilaseca opina com Pessina.
3
Sobre oeod. ital. ort. 105, disposição paraliela as do nosso,
este nota que a lei admittiu uma distincçâo fundada nas
exigências da justiça.
Não se pôde confundir aquelle que tem perdido a cida-
dania por ter entrado no serviço militar dum fistad" estrangeiro
com aquelle que a tem perdido por qualquer outra causa. No
caso, a penaé a mesma que tem logar para qualquer outro
nacional que antes de perder a cidadania tome armas contra o
próprio estado de origem. Mas, no 2* caso, o nacional que tem
perdido a cidadania por qualquer outra causa diversa da de
entrar no serviço militar d'»ma potencia estrangeira, sem
permissão do próprio Governo, é punido com pena menor. *
Os projectos posteriores ao nosso cod. adoptam uma
formula simples neste ponto.
O cod. nos arts. 89 e 103 emprega a palavra — cidadão
a exemplo do italiano.
Mas no art 87 § 2
o
, parece não referir-se ao cidadão
somente, mas também aos estrangeiros.
Em todo caso a doutrina dos autores italianos pôde servir
a interpretação da nossa lei; menos quanto á attenuantes que o
nosso cod. não prevê como o italiano, distinguindo este os
motivos de perda da cidadania.
Interpretando taes disposições, observa bem Carrara que
ellas comprehendem o caso de entrar no serviço estrangeiro,
sem ser para logo combater effectivamente, v. g. ser utilizado
num serviço de guarnição.
Também o art. 89 só se refere ao tempo de guerra.
E' a solução do direito italiano fonte do nosso.
4
O. Passemos a outros artigos do cod. As machinações em
damno, quer do próprio Estado, quer também de um Estado
estrangeiro, quando este esteja alliado ao nosso, tenham logar
para a guerra ou em tempo de guerra, é um outro grupo de
crimes do mesmo género, abrangendo diversas íiguras.
A I
a
é a collusâo ou o conluio com o estrangeiro que se
desdobra em outras hypotheses mal esboçadas nos arts. 87 §
2
o
, 88 e 90 do nosso cod.
A 2
a
é a revelação de segredos de Estado, que o cod.
prevê no art. 87 § 3° e 96, que os projectos posteriores cara-
1
Carelli, OBR. CIT. paga. 334 e 341.
1
Viada y Vilaseca, CÓDIGO PENAL, CONCORDADO y COMENTADO. Madrid,
1890. vol 2° pag. 6.
3
Pessina, MANUALE CIT. pag. 95. 2
tt
part.
* Carrara, COMMENTO ETC. CIT. art. 105, pag. 75.
— 33 —
cietisam com as varias modalidades, graduando as penas, o
que riflo raz o cod., e distinguindo o tempo de paz do tempo
de guerra, lacunas que supprlram os projectos, seguindo o
exemplo da França com a lei de 18 de abril de 1888, da
Altemanlia fcod. f 92), ds Áustria ($ 67), da llollanda (j$ 98
e 102) e a Itália, que punem a espionagem independente
mente do tempo de guerra. I
Sflo elementos deste crime: 1°, que deve ser communi-
cudo o segredo é pessoa que nao estava legitimamente au-
turistida a obter o conliccimeuto delle; t*
f
é mister que se
trate de segredo; 3°, que este segredo, de natureza civil ou
militar, deve ser li! que respeite á segurança do Estado ; •i",
s por ultimo, que o crime se verifique por meio de com-
municaçfi i ou publicação de documentos, ou factos, dese-
nhos, plantas ou outras Informações concernentes ao ma-
terial, és fortincoçAes ou As operações militare ou com
qualquer outro melo de auxiliar o c mhecimenlo. *
A 8* ô s espionagem ou « <•'.• < '(«. muito
mal e deiicientemoule esracterisada no srt. 87 % A
9
do cod.
e cuja figura restrictissimo ainda se desdobra com multas
palavras e poucas ideias nos arts. 91 s 98.
Nos projectos posteriori s a espiam está bem for-
mulada, em geral, nos artigos correspon U
v espi :. igem pode ser verdadeira ou ppria e presu-
mida.
A primeira consiste no (acto ds iutroduxlr-se o indi-
viduo em certos Jogares, cujo secesno 6 vedado por exigên-
cias dos meda de dei • para segurança do Estado.
A segunda caracteris - por cios positivos, como e.f»
levantar plantas, photographar logsress cousas, etc...* I
Oood.nsm comi. hen leas m ui.;, ledes da espionagem, nAo ss
podendo também discernir si ss refere a uma e a outra no jf
4* do arl. 87 e sinda DOS hypoUwses dos arts. M a 98, que
parecem c instituir o caso de auxiUos diversos so Inimigo.
A 4* forma do crime é a injl fade do mandatário,
Imitindo os interessas nsctonaea gitimoa nas negociações
diplomáticas, que é a Apure do art. 101 do cod. cuja matéria
neste ponto é muito delicada. Os elemeul « constitutivas do
crime, slo: i|us ss torne culpado delle quem lenba sido
encarregado peio Qovernode tratar com um governo estran-
geiro negócios de Estado; que bojo o animo ds trahlr o
próprio mandato, o qus A multo diverso ds bater ss com
pouca habiiida le em exequil-o, e que s traição se verifique
PCMÍM, M4RVAUI «rr. ff té.
M»JM>, 0» r.. L« «Tirl 110.
— 34
A redacçflo do texto, como quasi sempre, não prima,
nem pela clareza, nem pela precisão. Os projectos corrigt-
ram o cod. y,j
A 5
n
forma do crime é, em uma palavra, todo auxilio] ao inimigo, que
o cod. prevê ainda no art. 87 § 2° e nos arts. 91 a 95, algumas de cujas
disposições ou sfio meras ^contravenções, ou mais próprias de um
código militar e nas
^iaes ora se distingue, ora nfio, o tempo de paz do de guerra. J
projectos eliminaram algumas e mantiveram outras com
formas mais racionaes.
Entretanto, rigorosamente taes comminações subenten-
dem o estado de guerra e por isso os seus elementos são :
esto estado, que se trate de fornecimento de meios de au-
xilio que possam favorecer o inimigo, sendo indifferente que
o tecto seja commetlido por nacional ou estrangeiro e que
o auxilio seja directo ou indirecto.
Ha outras espécies de crimes diversas daquella da trai'
ção d pátria ou ao Estado nacional e o cod. as prevê
incompleta, diffusa e obscuramente nos arts. 88, 93, 97, 100
e 102.
As disposições correspondentes nos projectos as melho-
raram.
Conforme o cod. italiano, fonte do nosso, e principal dos
projectos, as alludidas figuras consistem :
1.° Em expor o Estado, nas hostilidades contra uma
nação diversa da própria, ao perigo da guerra ou a repre- j
salias ou a perturbar as relações amigáveis do Governo
nacional com um governo estrangeiro, e o que se pode
reduzir a três hypotheses : o) expor o Estado, com arro-
lamentos ou outros actos hostis, nfio approvados pelo Go-
verno, sejam praticados no paiz ou no estrangeiro ao perigo
de uma-guerra (cod., arts. 88 e 97); 6) expor o Estado ou os
habitantes delle com actos nfio approvados pelo Governo,
ao perigo de represálias (cod., arts 90 e 102); <Ô perturbar
com estes actos as relações amigáveis do Governo do paiz
com os estrangeiros.
Outra figura e o ultrage a bandeira ou emblema na-
cional (cod., art. 100), e cujos elementos sfio, o animo de
insultar o Estado; o facto material de arrancar, estragar ou
desacatar a bandeira ou emblema; a publicidade do facto,
isto é, em logar publico ou aberto ao publico. *
O cod. neste capitulo esqueceu-se de uma figura, esta-
belecida no projecto de 1893 e reproduzida nos posteriores,
e conforme a qual é punido o cidadão que aceitar honras,
pensões ou quaesquer vantagens de um Estado estrangeiro
em guerra com o Brazii.
• Pessina, M.VNUALE CIT., Parte 2», pg. 98.
S
— 85 —
E' tanto roais Indesculpável a lacuna, quanto n Gonst.
Fed. arts. 71 f 1* a 71 $ 19 commina a perda da cida-
dania, Jâ dos direitos políticos em casos muito menos
I io. O código, arts. 104 a 106, no fim deste capitulo, trota
da piratt a.
Os projectos de 1893 e 1897 mantiveram-na lambem
neste lugar.
Censurado por isto aquelte projecto, dissemos :
Nenhuma dependência necessária tem a pirataria com
os crimes p líticos no sentido restrícto e aqui equivoco, em
que o empregou o illustre censor, confiando assim nas
armas qtie maneja.
A Exposição de motivos explicou o sentido em que em-
pregou as expressões crimes políticos compreben-
dendo desde aquelles até os factos elelloraes, de
accordo com o n 'V" direito republicano.
A pirataria estava incluída nelies o o projecto nflo fez
mais do que adoptar es disposições dos exiigos anteriores.!
A diversidade de n «;"•-. dada é palavra e a sua con-l
nexflu ou nflo com os crimes poiilicos nada toem que ver
com o projecto, que nflo podia supprimlr as disposições re-
lativas A pirataria, sem uma lei especial que s reprimisse. '
O project >de 1893 andou mal avisado nesta matéria.
Sobre a pirataria a exposição de motivos diz :
A eommisslo j' »u mais coherente abrir um capitulo
novo no c -!~ parse pirataria, pois que esta, muito em-l>
»ra c institua um crime de caracter todo especial, pode
oomtudo se comparar ao roubo commettido é moo armada
em terra, e ser appel lidada —em todo o cas>-o banditismo
do mor.
B* bem verdade que a pirataria deve ser classificada
em o numero das iafracça** eonmutna mtre iMçdra, mftsj
Isto significa apenas que ia é assumpto de Interesse para
todos os povos Indistlnctamente.
A sua natureza de ottentado contra s propriedade, po-
rem, nflo desnpparece. nem se extingue.
A c «nmissao c «íesso — que a maioria dos códigos es-
trangeiros nfi • contém disposições sobre esse crime exce-
1
peional que, em regra, é previsto s punido por legislação á
tiv.
1
• Ite nUt: QPKV
1883* #••• SP.
„tí„fe
0
36 —
os artigos referentes á pirataria, que por ser um verdadeiro
crime fica de certo bem collocada no código.»
No projecto de 1897 restabelecemos nesta parte o de 1893,
dizendo :
« Houve equivoco nesta parte da nova exposição de mo-
tivos, porque o que a commissão fez foi reduzir as figuras da
pirataria restabelecidas agora no substitutivo e scindir a
matéria, ficando parte nos crimes políticos e outra parte como
capitulo separado no titulo dos crimes contra a propriedade.
Dessa classificação e distribuição defeituosas resultaram
antinomias e a impraticabilidade das duas series de disposições
sobre o mesmo facto punido em uma mesma configuração, ora
com penas diversas, ora com as mesmas, mas subsistindo as
repetições inúteis.
Apenas se muda a nome de inimigo pelo de pirata.
O conceito de que o pirata é o ladrão do mar é um con*
ceito vulgar, porque tal crime é do direito das gentes, como o
consideram, entre outras nações, a Inglaterra e a America do
Norte. *
E competindo aos juizes e tribunaes federaes processar e
julgar as questões de direito criminal ou civil interna-; cional
iGonst., art. 60), letra H); realmente o logar mais próprio para
taes factos é este titulo mesmo.
O código hollandez abre o titulo especial para elles de
delictos relativos á navegação.
3
A illustre commissão parlamentar esforça-se em vão por
combater a nossa critica, dizendo:
« Referindo-se a pirataria, na « exposição de motivos», a
Commissão deixou bem justificada a causa por que a incluirá
no projecto.
Nem colhe a injusta arguição de ter sido mutilado o
respectivo titulo do projecto primitivo.
Si, a exemplo do Código hollandez, o projecto contivesse
um titulo com esta epigraphe delictos relativos á naoe- \
gaçâo, seria razoável que se comprehendessem ahi todas as
figuras do crime, a que o substitutivo allude; fora disto, não.
Bastaria á commissão, para enveredar por este caminho o
facto de competir á justiça federal o processo e julgamento das
questões de direito criminal e civil internacional t
* Van Swinderen, DROIT PJÍNAI. ACTBEL datis les Pays llat et a CE-
tranger. Grouiiigue, 1891-1894, pag. 2(55.
* EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS do projecto-de 1897, pag. 8.
— 37 -B* preciso attendef
— mie o natureza do
ordosu
Por
cada oo prc
siibordinãd'1 /"''
<**•
Pífio ha :. 8 ir que p r itai >, •• rd id .> banditismo no
mar, é análoga ao roubo em terra, coroo pensa Garra tid.
O digo alterna >, bem como o .ri de junho de
1960, e todas aaoutras ;•
ideraro~na «.í«*i *?* t \« > deaae mesmo modo procede
a legisloçíi >amer piraeu ia robttery on lhe high sca.»
'
Antes de tudo, eonrem notar que d $
250, n, 6*, faz é aggravar o furto violento guan-i >m-|
meltido no alio mar como em um curso de agua navegava!
etc.
E' o que f»/, também > lei sueca de 20 de junho de]
1890, § 7* a o QodT"
O «11Ir». IV i- ;
iissp.se
no primeiro ir
Is. 101 • 10» — arts. 345 o
(«I- •- c oneres, roa em tudo. menus nas pen que
é deplorável, porqiM Insolúveis.
A diflerença utuoa 1 declina a no decimo ne
! roesroo assim alli aa tetk
radíi no or'. I '•• do pro*)*
Este nrt. LOS o tm do mesmo modo
mie o primeiro os arts. :US a t
U<loa t«S
o. tM.
n
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de
I í 1
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assim:
ao
•...!:., , ,,l I.,.,,,•
ntar nfio
igooomo
de 181*9,
escies
icropo o
decimo
ISti* diIflS
lelhantcs
i •?>, o
i seriam
firo nfio se
de
pirútú
,'
dentes no
titulo
38
Mos, as outros figuras teem correspondentes recíprocos,
variando as penas respectivas, como tudo s <vê dos textos
dispostos parallelamente, assim :
TIT. I
Art. 104. Entregar ao inimigo
embarcação brasileira é cuja
aquipagem pertencer:
Pena: prisão com trabalho por
2 a 6 annos.
Art. 106. Oppòr-se por ameaça
ou violência a que o com-
mandante ou tripolação de
embarcação brasileira a de-
fenda, si ella fôr atacada por
inimigo.
Pena: prisão com trabalho por
4 a 12 annos.
O mais que pudemos oppôr no assumpto é o que vamos
dizendo, commentando a pirataria, sendo flagrante a repetição
das figuras e a variação das penas entre dous textos de um
projecto.
Poderiam surgir duvidas também, si o caso occorresse
sobre a competência da justiça federal, cujas leis alludem á
esta parte do código vigente.
n. Conforme o direito inglez, diz Seymour Harris, a
palavra pirataria comprehende, tanto o crime de pirataria
segundo o direito commum, como certos crimes previstos e
punidos por Estatutos especiaes.
A pirataria, segundo o direito commum, consiste em actos
de latrocínio e depredação, commettidos em alto mar, os
quaes, si fossem commettidos em terra, importariam crime.
Qualquer Estado tem direito de reprimir este crime com as
penas estabelecidas nas suas leis respectivas.
E' a hypothese dos arts. 104, § I
o
e 105, § do nosso
código.
A depredação deve ser provada como nos casos ordinários
de roubo e deve verificar-se que não foi autorisada por
qualquer soberano ou Estado, isto porque, uma nação não pôde
ser julgada como ré de pirataria.
E' o caso figurado também no nosso código, art. 104, §§
2
o
e 6
o
, sobre o abuso de carta de marca ou de corso e
TIT. X
Ar.t. 346. Na pena do ar
tigo
antecedente também in
correrá
:
III.
Aquelle que entregar a
pirata
navio brasileiro á cuja
equipagem pertencer. (A pena
do ant. art. 345 é de
4 a 12
annos de prisão com trabalho.
I.
Aquelle que se oppuzer
com ameaça ou violência a
que o commandante ou tri-
polação de embarcação bra-
sileira a defenda, quando ella
atacada por piratas.
(Aqui a pena é a mesma.)
39
aohre accelte desta sem autoriaaçao, e art. 105, SS e 2»,
sobre corsário sem carta ou navegando com bandeira de
governo que nfio lhe deu carta de corso.
SI os súbditos de um mesmo Estado commettem latro-
cinio ura contra o outro ha pirataria * por exemplo, na
hypothese • <i t« do art. 104.
si ao contrario, o aggredido a o offensor (orem da Es-
tados differentes, o caracter da acefi > depende da condição
«las relações entra os dous Esta 1 s Assim, ai entre estes ha
amizade, bave pirataria; maa nflo haverá, si os Estados)
estio em guerra, porque A regra geral que entra inimigos
nêo poda haver pirataria e qualquer depred entra ellea
considera-se como aimplra aclo de hostilidade.
O nosso código, art. 104, $ 1 e art. 106, S 'sdoptou
tsses princípios.
Note-saque a Declarnçflo de Paris em 1856 continha a
clausula da que os corsários sa entendia abolidos, a a mesma
accederam a Rússia, Turquia, Inglaterra, franca, Itália,
Áustria a Prússia a noa, Infeliz a Inep ' - também*
O elemento car c r st co do crime é o togar onde o mesmo
foi com meti Ido, lalo A, no mar alto.
A pirod ria, > ■■■lo o» l:a tos, wii a ser que, em virtude de
Estatutos particulares, certos factos rspeclaes afio
considerados como actua da pirataria* Toes silo os sc-
Um sulidlto lnglez que em alto mar oommette acto de
hosti •!• contra outro súbdito ds Rainha, asa virtude da
carta da corso obtida de potencia estrangeira, ou, em tempo
da ..• '■■ra, auxilia o Inimigo no msr.
Sao ca»« semelhantes aos do nosso código, art. 104, |
$$ I • a 2°.
Um commandanle ou mestre de embarcação ou qual-
quer marinheiro que Ioga com s eml r içO • on carga ou
nitartamanta as entrega a um pirata; ou aconselha ou
instiga uma das pessoas supra Indicadas a commetter actos
da tal natureza, ou conduz propualas por parte da piratas
Inimigos ou rebeldes, ou constrange o commandanle a nflo
combater, ou foz ou promova uma revolta no navio.
Estos aio casos Iguaes aos previstos no nosso código,
art. 10*. « . .
tv
Qualquer que tem commarclocom piratas ou presta-lhes
assistência, ou aborda um navio marcante a dsslrôe ou
lança • mar o carregamento delle, no todo au em parte.
A primeira hypolhese esta ex
s
prevista no
nosao código, art. 103, f J»; aa outras acham- comprehen-
didas nas regras gerara d • arta. 101 *$ !• e - e tOa> I I*.
I Ainda conforme O direito lo*r s pena da pirataria
,'••> a nru- i a de morta. Haia. o rao A -<--•.-; da aer-
— 40 —
Mas, n pirataria acompanhada de vias de Facto com
Intenção homicida, ou de ferimentos, ou de perigo de vida
de qualquer pessoa pertencente ao navio, é ainda hoje
punível com a morte.
Entretanto, o nosso código nflo edicta penas rigorosas,
mesmo para as hypolheses occorridas em tempo do guerra. *
0 projecto de digo do Japão, em um capitulo especial
« doa crimes a delidos contra o direito das gentes con-
sagra nflo poucos artigos á esta matéria, sem duvida me-
lhorada nas respectivas disposições, algumas com certa
originalidade.
Assim, desvlando-se do direito inglez e outros, uma das
disposições, considera pirataria os actos daquelles que em
um navio com bandeira japonesa ou estrangeira commetter
pilhagens ou factos de banditismo, nfio no mar alto, como
também e aqui está a difierença, no mar territorial do
Japfio, e com maioria do ra/flo nos ancoradouros, portos e
enseadas Japonezes, nflo excluindo sinfio os mares torri-
toriaes estrangeiros.
Si a pilhagem tara logar num rio japonez, as regras
ordinárias retomariam sua applicaçfio : o lacto nfio seria
punido sinfio como roubo', nfio seria mais um crime contra o
direito das gentes.
Isto mesmo mostra qufio divorciado está doa princípios
o projecto da 1896, considerando roubo actos de verdadeira
pirataria.
Si ao contrario, ainda conformo o mesmo direito, o
flicto tem logar em alto mar, a competência pertence ao pai/,
captor ou apprehensor ; porque ô um principio do dl- -rei to
das gentes moderno, que a policia dos mares compete a lodo
navio de qualquer Estado que encontra um pirata.
E* em consequência do mesmo direito de policia dos
mares, que nfio ha logar para distinguir, si os navios
vi-ctimas da aggressfio são japonezes ou
estrangeiros.
Mas o que a lei nfio permitte ô julgar piratas nfio captu-
rados, julgnl-os á revelia : seria multo diflicil constatar,
sem captura, a natureza e a gravidade dos factos incrimi-
nados e a identidade dos culpados.
A lei ainda gradua as penalidades, segundo a impor-
tância e o gráo da participação de cada um dos culpados
na infrneçflocommet tilda.
A confiscaçfio do navio e da carga ó de direito commum:
o navio é o instrumento, a carga o produeto do crime.
1
Soymour llairis. PIIINCIPI.ES or TM CRIMINAL LAW (trad. da Berlola) Verona
18t>t>. paff 86. Vide lambem Arolibold's PUCAPINO AND EVIDENCE IN CRIMINAI,
CASES, Lóndon, 1878, pag. 405; St«*|>hen, A DIOEST OK TIIE CRIMINAL LAW,
London, 1894, pa§. 78, ar ta. 108 e seguintes.
09
— 41 —
A lei pune principalmente com fortes multas os actos!
preparatórios, de que alias offerece tombem exemplas o
nomo código art. t"."-, II* e art. HJ6» # !• a 8**
A competem o suscita duvida em dons pontoa.
A captura previne a júris»! io de um pati dado, mas si
o pirata é ai - »l \ por falta de provas depois capturado
de novo, outro pai/, nêo pôde julgo l-o pelo mesmo facto.
Taml<em nenhum palz, gozando do privilegio de exter-
ritoriedade pnra julgar os seus súbditos, no Japão pode alie-
g i]-.i paro jul. " a pirataria, desde que a competência
resulta exclusivamente do facio ds captura, tornando-ss
assim juiz o captor.
Botssonade, cuja opinião resumimos muito, observa de
modo geral sobre o novo direito japonês, que as penali*
dades propalas no projecto são menos rigorosas que a da
maior parte dos outros paiaes, porque ellas sao graduadas
conforme a gravidade dos factos puníveis, o que nao tem
sido sempre observado nesta matéria. '
SECÇÃO 11 I
a* NMM a* vaOe • eaa aet«»at
OODIOO
\i 9V. Ulioiar, -PI» nutorfrnçao ilo 'iovtTiin, gente para o ser-|
vii.o multar ée an ptii „• r-:
H l*«'ii.i '(? jTií.i ..-:; :!.i j-1 WBI B rtni i nntirn
Art. 107. Tentar, dlircUm. I a r : 5 •>. >.ur por Sfli vtolenb * a
CoatUtoKÀO paHU a da Rapaw a. oa a Eo ma «le foterno estttbt'kn«ida:
Peoa d-» banimento, aoa cabeçea; aos co-réos, a da reclusão
por «taro a 10 aaaoa.
\rt. 108, TeoUr. pelos me* mos nwioa, rondar algum dos artigo»
da Coeatttatcao: *J
Paaa da reclusão por dous a eats annos.
K-.i.ur...::. - — os que tiveram deltb^ra-ln, excitado as
AH. i ' -, alga ira, directamente e por (actos, à •lecoçio
das lata o ásaref os ée I' - resao:
• !.• ■■ ::-" a par ' •' <. a reanilo do Coegrcsso;
do Goajrrao.
v
.:-.!. por meto da força ou ameaçai de rkdeneta, a
•. ,ee -•« ao eaaa sexAt »• Iate», eia. TeUe,
ia»>. M« -.a.
— 42 —
propor ou deixar de propor alguma lei ou resolução; ou influir na
maneira de exercer as suas fuucções constitucionaes:
Pena—de reclusão por dous a quatro annos. § 3.° Si qualquer destes
crimes for praticado contra as assembléas legislativas dos Estados:
Metade da pena. I
§ 4." Si contra as intenncias ou conselhos municipaes:
A terça parte da pena.
Art. 110. Usar de violmeia, ou ameaças, contra qualquer mem-
bro das camarás do Congresso no exercicio da suas funcoCes :
Pena — de prisão oellular por um a dous annos.
§ 1.° Si este crime for praticado contra qualquer membro das
assembléas legislativas dos Estados:
Metade da pena.
§ 2.° Si contra qualquer membro das intendências ou conselhos
municipaes:
A terça parte da pena.
Art. 111, Oppôr-se alguém, directamente e por factos, ao livre
exercio dos poderes executivo e judicrio federal, ou dos Esta los, no
tocante as suas attribuições constitucionaes; obstar ou impedir, por
qualquer modo, o effeito das determinações desses poderes, que forem
conformes á Constituição e às leis :
Pena —de reclusão por dous a quatro annos.
Art. 112. Usar de violência, ou ameaças, contra os agentes do
poder executivo federal, ou dos Estados, para os forçar a praticar ou
deixar de praticar um acto offlcial:
Pena — de prisão cellular por um a dous annos.
Art. 113, Usar de violência, ou ameaças, para constranger algum
juiz, ou jurado, a proferir, ou deixar de proferir, sentença, despacho
ou voto ; a fazer ou deixar de fazer algum acto offlcial :
Pena — de prisão cellular por um a dous annos.
Art. 114, Levantar motim, ou excitar desordem, durante a sessão
de um tribunal de justiça ou audiência de juiz singular, de ma* neira
a impedir, perturbar ou determinar a suspensão do acto :
Pena — de prisão cellular por dous a sus mezes. Art. 224. Arrogar-se e
effectivãmente exercer, sem direito, emprego ou funeção publica,
civil ou militar:
Penas—de prisão cellular por seis mezes a dous annos e multa
igual ao dobro dos vencimentos que tiver recebido.
I
COMMENTARIO
iâ. A outra classe de crimes políticos chamada de leso-gooerno,
é contra a Constituição ou forma de seu governo e contra os poderes
da União, e dos Estados, matéria muito deficientemente
comprehendida e mal distribuída no texto dos capítulos 2° e 3° deste
titulo do livro 2° do Código Penal, tendo, além disto, sido deslocado
o art. 224 para o tit. 5
o
; de tudo o que, porém, trataremos nesta
secção por exigências de methodo.
I
- w
Aqui se trata do crimes, cujo objectivo è a organisoçSo
i,-o do Estado e entre nos da Uiufio, dos Estados e Mum-
_ípods*i_ O
Código Penal ml
optando outras Impol
guindo quasi litteralm
P«IA mntnrin CU r.
oomo crim
compelem
militar. L_
Os projectos posteriores ao digo couocaram devida-
mente aqui essa figura de crime.
Os arts. 107 e 108 punem o attentado directo
6 por factos para mudar por m - violentos a
Constituição politica da Republica, sua f >i ma de governo,
ou algum dos artigos da mesma Omstitulçfio.
Conforme o fonte do código, oart. 118, n. 3 do italiano,
para lie lo ao no^si neste ponto, o extremo oo crime •avio»
>a, podendo,entretanto, por tal iMiWu^kr-^o a c;u-;!''i
i.i ira Mw nu>i<t ila k' ..-:IJ !!
itemdter
. tos, se refere A mudança da I
remo; roas» noa arts. 100 e se-l
factos is I sontra o Uvra os, que
alguns collucsm entre os lo publica, s ksso tncompleta-»
complexos, msls graves contra os raBfvssnlsjMss
foprsssQSj «i Unlao e das Estados, coraoos presidentes
e governadores, o supreiíw i riouiiut '
rsl ctOi iÁ
O oroiecto de 1893 art* 126 e os posteriores, grupam
como Crimes gravtaslroos o atteutado para nustar* "j *|
governo, a**èm como impedir as njncçoes ao
o Cowrresso ou qualquer de suas Camarás e o Supremo
Tri «I K«*-
«pecies, sfto punidos os mesmos factos com
no dos Estados ou municípios.
:-v. «a». «»., t* *ft.
trt. IIS.
1
li apenas algumas expressões, ad
-
j
pelo advento da
Republica, se-\ o Código Qriminal de 1830. Jdlda no projecto
de 1883, arts. 126 !•■■ seguintes. r--i»ro!!i/ii • filos
posteriwes que se lhe seguiram de 1896, 1897 s 1899.
O código no art. 97, punindo quem « alllclar, sem au-
torissçfi do Governo, gente para o serviço militar de um
pais estrangeiro •,o pune esse E ict > como crime contra a j
*atrte, como o claasiflca too mal o código, mas
poderes da
Unia >, somente aos quaes
pao e emprego da P >rça publica
ou
intra . .w
o
consti
'• n.. arts. i
MI
forma de
factos*
111. 111..
lr:
— 44 —
Os artigos seguintes dos projectos é que correspondem aos
arts. 109 a 114 do código, menos o art. 97, que aqui devia
figurar, sobre arrolamentos militares, como figura, no projecto
de 1893, art. 134, e de 1897, art. 137, ao contrario dos de 1896
e 1899, que conservaram no mesmo logar impróprio, que o
código.
Outra figura gravíssima é a do art. 185 do projecto de 1893
e 138 do de 1897, e 117 dos de 1896 e 1899, que punem a
rebelliSo, eliminada pelo Cod. Penal!
A rebellião é o meio de attingir o escopo da mudança da
Constituição, forma de governo ou da autoridade e poderes da
Republica.
O Cod. Crim. anterior a definia no art. 110 como sendo a
reunião de uma ou mais povoações, com prebendei ido mais de
vinte mil pessoas (2o.000) para se perpetrar certos crimes
políticos.
Não ha necessidade e antes inconveniente de precisar o
numero.
Basta que sejam forças numerosas, organisadase armadas
adequadamente para combaterem as tropas regulares
incumbidas de manter a ordem e as Instituições legaes.
Qualquer aggrupamento poderá ser um ajuntamento il-
licito, uma sedição, um bando armado, mas não uma rebelliSo
ou insurreição.
K promoção da rebellião é menos punida que a reali-
sação da rebellião.
Oarl. 136 do projecto de 1893 e 139 do de 1897 consagram
uma espécie que o Cod. Pen. destacou para o art. 224 quando
trata dos empregados públicos a respeito de um crime que pôde
ser commettido por qualquer particular e ê| um crime politico.
Os projectos de 1896 e 1899, art. 206, também collocaram
mal a mesma disposição.
13. Releva notar, como algures fizemos, que tendo a
Const. Fed., art. 72, § 20, declarado: « fica abolida a pena
de galês e a de banimento judicial; e sendo o banimento a
pena dos cabeças, isto ê, «dos que tiverem deliberado,
excitado ou dirigido o movimento », (art. 108) previsto no art.
107; não tendo sido substituída a pena por nenhuma lei
posterior, aos autores principaes do crime não se pôde impor
pena alguma ! Nulla poena sine lege.
O nosso código, nos arts. 109 e seguintes reproduz uma
série de disposições do código de 1830, quasi sem alteração,
para adaptal-as ao nosso novo regimen federativo, podendo,
entretanto, ter aproveitado como fonte aqui os códigos das
republicas da America latina, algum dos quaes chegou a tomar
por modelo de disposições geraes.
Esses códigos agora renovados tiveram como fonte có-
digos hespanhóes, um dos quaes parece ter sido a fonte do
— 45 —
nono de 1830, aproveitada ainda ao vigente, tendo servido
de fonte ao portuguez d** tflM, o nosso anterior*
Entretanto, sendo eaaes os códigos qos mais ss asse
melham aos nossos, o subsidio que nos podam prestar os
seus Interpretes A qoasi nullo, porque todas as dispi «Medes
de uns e outros divergem entre si, a nos conceitos e dãtt-
nlçAas, suppondo As veass como elemento dos crimes figu
rados, o motim, sssuada, srdicfto, s que o nosso código nfto
aUudaeatsa tnsuirelcêo e rebellifto, ligo supprimlu.
1
>m estas reservas, sobre crimes perecki «s, mas nfto
ídentic -. diz Pacheco, que <) casos que o srt. 167 do
codioo h.- ;>.ii ! ude. ainda uue nfto _
!
ilmito
criminosos, em sua opinião, aso todos elles de sunima tto-
^ortancls e sxigsm castigo rigoroso* Na espher i dos de- I
lotos políticos aso certamente dos mais graves e carãeto-
I Atacando os pessoas ou corporaoOes que exercem o Su
premo poder (nosso digo, arts. 109 a IU>, causando trans
tornos de lemauho entidade os constituição ou na vtda do j
povo, nfto se pôde estranhar que os colluque o lei á cabes»,
deste género de crimes, nem que reserve para elles uma
repressão severa. * I
Ainda com relaçfto As disposições dos arts. 109 s til»
parábolas atA certo pooto às do nosso código anterior o ao
'1
m LOOS, £>UTH i
» l i <«»» i'tmu vim «| >". ci«« w«^.« -
inotinadoou revoltado nunca podo
iomar U«gar da justiça dos repre-
A insurrelçso triumphante, diz
egitima<la polo soccesso; mas a In*
a sempre um acto criminoso,
irtugura. porque alem incriml-
iprehends s stnjrular, o que alias fez
digo no art.
ItOb diz o mesmo autor, que, si A
iludo a
í*ta nfto deva
In Uva de
ssr cunssterado esmo de rebaUtfto,
proposição que leam todos os mem-
diretto os voto» a Importância rola*
esse voto, deveriam fazer
considerar > As mesmas camarás
todo impedl-ualmente em relaçfto
ao exercido
de mneçoee parlamentares. •
i .-vV Jordão acerear» qus, si as camarás afta o com-
plexo dos representantes da naçfio, st nellas se tratam e ss
i |'A
C
h- •. * «ma— IN» > n—ria li f umaià, mén*\. I8S3-40, •
- »Wr > • amm PIMI toVMvu, *tc Ut^M, IS1A-57. *wl l\
r
— 46 -
discutem os negócios desta, impedir a sua reuniSo ou a sua
deliberação, é concorrer para embaraçar o andamento dos
negócios públicos, além de envolver um desacato ao poder
legislativo, que de^e ser o respeitado como qualquer outro
poder. *
Uma disposição semelhante figura no código do Uruguay,
art. 119, dizendo sobre ella Vasquez Acevedo, ainda que "o
1
artigo o o diga expressamente, deve entender-se, segundo
sua opinião, que os actos a que se refere devem ser reali-sados
com um levantamento publico, circumstancia que caracterisa a
rebelliâo, na qual está comprehendido o caso. Baseia elle a sua
opinião na disposição análoga de outros códigos,
particularmente, o chileno donde foi tirado o preceito.
a
O código argentino se refere a ataques ou attentados
contra os poderes ou governo das províncias e não da
Republica, objecto de lei especial.
A propósito, o Dr. Rivarola faz longos commentarios. »|
Os arts. 112 a 114 do código conteem outras figuras de
crimes semelhantes, mas menos graves.
No art. 112 nota-sea lacuna de não incluir os agentes do
poder executivo ou governo municipal.
No art. 113 nota-se a difficuldade de harmonizal-o com o
art. 111, que também se refere ao poder Judiciário, cujos
órgãos são os tribunaes e os juizes singulares.
O art. 114 6 de fácil comprehensão e muito justificável
porque pune uma violência que envolve desacato contra os
juizes e tribunaes.
O art. 224, cujo lugar é aqui mesmo eo onde o código e
o projecto de 1896 o collocaram, é um facto que importa
ataque ou offensaaos poderes constituídos.
A usurpação da força militar do Estado independente-
mente de poder ser comprehendida na insurreição, de que aliás
não cogitou o nosso código, é crime por si mesma, atten-dida a
intrínseca illegitimidade da usurpação do commando de
qualquer funcção cioil ou mililar, como quer o código.
Os elementos do crime são a falta de direito por parte do
usurpador ou intruso e assumir e effectivamente exercer o
posto ou commando.
A pena do código é irrisória.
Os projectos posteriores melhoraram muito esta secção,
supprindo-lhe as lacunas e fazendo exacta distribuição da
matéria, cuja fonte foi o projecto primitivo de 1893.
1
Levy Jordão, COMMENTAUIO AO CÓDIGO PENAL PORTUGUEZ. Lisboa, 1853-
54, art. 171, 2" vol., pag.. 154.
1
Vasquez Acevedo, CONCORDÂNCIAS Y ANOTACIONKS dcl código penal.
Montevideo, 1893, art. 119, pag. 131.
* Dr. Rivarola, EXPOSICION Y CRITICA dei Cod. Penal, Buenos Ayres, 1890, 3
o
vol.. pag. 1, n. 909 e segs.
— 47 —
Sobre a espécie «lo ort. llldesta seõo correspondente «o
nrt. 98 do codlco criminal de 1830 o \;_-.. ..-, ;.. houve
d resem ; , foram juir- . « e oondemnedos
os bispos D. Autoaio de Mocedo GosUt. da diocese do Pa o
I). Frei Vital Maria Gonçalves da Oliveira, da diocese de
Olinda (Pernambuco).
Õ fhcto c insisti i em terem os bispos executado bulias do
Popa nflo /'• lua peto povern > a nflo executarem as de-
cwnea do mesmo governo, dando provimento aos reeuraot é
coroa dosados dos bispos, que prohlblram que pertencessem
âs Irmandades de qual*píer igreja os maçons.
AsopJnlflrsdividiam-se entdo, pensando alguns que os
bispos nflo h-ivinm oommettldo crime algum, ou, quando
muito, o de des ibedienclo, art. 185.
l
Outros, pom, opinaram que o crime fora mol clo*si*
ficado a devera ter akto dassirtcado nos a rts. 79 a 8t do digo
criminal antigo, correspondente o primeiro ao art. 103 do
digo vigente, nfto tendo esta correspondente do art. 81, pelo
facto da seperecêo, com o advento do Republica, entre o Es-
tndo «• fi !''r.' *
Os sccordflos condemnatorios do Supremo Tribunal de
Justiça teem a data de 21 de fevereiro e de Ide Julho de 1874,
teu <>/>. toi< - .$.»
Nada adduztremoa acerca dessas arestos que so teem
interesse puramente histórico, perturbando a soluçflo da
qn. .o a uotflo aybride antflo extolente entre a Igreja a 0
listado.
Entretanto, este n'um regimen de.- ' ••>
outro
cousa nflo tinha a faaar alnflo dHenderae.
\ . <sa terminou pela amnistia aus bispos,concedida por
decreto o. 5BKI, da 17 da setembro da 187S.
Sobra o art. ai do texto: Para existência judica do crime
do art. 221 do código ornai nflo baste uelolado objectivo a
usurpaçõ ><i i emprego
4er a
i exteriores ipn» >uiuam»ine i
fardôo da Relação de Minas Ú
1807.
l
— r.-i-:,,. • xw, 0»». ••* «•»»•, SJ» a* J*M
, 1" ir'. SB» ••%« M.
« i n i - <•«*. ert„ bwn. 4\ p*f. t-'
» > «MM. **•T7Vtkmr \ |«f. Ui.
— 48 —
SECÇÃO III
BOB CRIMES CONTRA 08 ESTADOS ESTRANOEIROS K 8KU8 RKI-RE8BNTANIM
CÓDIGO
Art. 98. Violar tratados legitimamente feitos cora as nações es-
trangeiras:
Pena de prisão cellular por seis mezes a quatro annos.
Art. 99. Violar a immunidade dos embaixadores ou ministros
estrangeiros:
Pena de prisão cellular por um a doas annos.
Art. 100. Dilacerar, destruir, ou ultrajar em logar publico, por
menosprezo ou vilipendio, a bandeira ou qualquer outro symbolo de
nacionalidade de alguma não estrangeira, ou a bandeira nacional:
Pena de pris&o oellular por seis meses a um anno.
Art. 102. Entrar jurisdicclonalmente em paiz estrangeiro, sem
autoridade legitima:
Pena de prisão cellular por seis mezes a quatro annos.
COMMENTARIO
14. As figuras dos crimes comprehendidas nos arts. 98, 99
e 102 constituem um artigo nos projectos de 1893 e 1897;
ao contrario a figura do art. 100 está dividida em dous artigos
conforme se trata de desacato á bandeira nacional, ou
estrangeira.
No projecto de 1893, arts. 137 a 139, taes crimes estão
collocados em uma secção especial com a epigraphe acima no
capitulo intitulado «dos crimes contra a segurança da
Republica».
O código penal é deficiente neste ponto, apezar de ter tido
como fonte geral o código italiano, cujas disposições prin-
cipaes correlatas elle não reproduz, limitando-se quasi a repetir
as velhas disposições do código criminal de 1830, apenas com
o accrescimo da nova figura do art. 100 sobre o uítrage da
bandeira estrangeira.
Os citados projectos, porém, aproveitaram as velhas fi-
guras do código anterior e as compilaram ou consolidaram
com as novas nas respectivas disposições.
Aqui também vê-se que o código deixou em silencio os
crimes contra os chefes de Estado e seus representantes, limi-
tando-se a espécie única neste género do art. 99.
O projecto de 1899 suppriu a lacuna indo além dos ante-
riores de 1893 a 1897, que deixaram ao direito commum a
punição dos attentados commettidos no nosso território contra
os chefes dos Estados estrangeiros. Em vez, porém, da
hypothese restrícta do art. 99 sobre a violaçfio das im-
munidadesdos embaixadores, todos os projectos consignaram
Hi
— 43 —
de cr '>scom-
no is
migos o
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de tratar figurem n
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I Cllitli.
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1111
íroe I i jment e outros, o código Ualiono, nas
tes aos direito ítorti * e te rclaçA» eu'
kjft. ' >tii t. •>>. rir* -4 uro»
il
re
50 —
Era assim que justificava o ministro Zanordelli o código
italiano no seu relatório ao parlamento. *
A ultima é a razão do art. 100 do código penal, que entre-
tanto ahi andou muito mal avisado, porque comprehendeu
também a bandeira nacional, equiparando-a ô estrangeira e por
isso todos os projectos de revisSo, de 1897, arts. 124 e 141; e
de 1899, arts. 101 e 121, as distingue em dispositivos
differentes, diversificando a puniçõo, que se torna mais
rigorosa, quando se trata do emblema da nossa nacionalidade.
As disposições dos arts. 99 e 100 desta secção são por-
ventura as que mais se salientam, ou por seu caracter especial,
ou porque o seu sentido é mais fácil de apprehender, talvez,
pela maior possibilidade de realização pratica.
A figura do art. 98 sobre a violação dos tratados legi-
timamente feitos com uma naçfio estrangeira e que appa-rece
nos códigos e nos projectos de revisão estava estabelecida no
código de 1830, que parece ter tido como fonte o código da
Baviera, semelhante aos do Hanover e Darms-tadt; porque, no
código francez, principal fonte do nosso anterior, esta matéria,
como diz Garraud, está em estado embryonario e não cogita da
espécie.
Convém notar que tal crime não é fácil de caracterisar,
parecendo poder ter logar em geral por motivo ou por
occasião de maneio de relações diplomáticas de paiz a paiz.
Entretanto, desde que o tratado constituo lei obrigatória
para todos, súbditos ou concidadãos das altas partes con-
tratantes, a sua infracção deve ser punida com tanto mais rigor
quanto a violaçSo pôde comprometter a paz externa e acarretar
para o Estado do violador prejuízos, humilhações e até uma
guerra.
A espécie do art. 102 presuppõe o facto de penetrar
autoridade nossa em território estrangeiro para qualquer fim
sem autorização do poder ou da autoridade desse território, o
que constitue uma offensa á soberania do Estado estrangeiro,
além de poder occasionar conflictos e perturbações que a lei
sempre previne como nos casos mais graves dos arts. 88e90.
Assim também no citado art. 102 do texto, porque nos
casos raros em que as autoridades de um paiz podem penetrar
além das fronteiras de outro afim de assegurar interesses, por
exemplo, fiscaes ou aduaneiros, ou judiciários, devem fazôl-o
na forma determinada nos ajustes, ou conforme os usos
internacionaes, o que é o mesmo que dizer com autoridade
legitima.
1
Zanardelli, RKI.AZIONE, etc. II, J>ag. 35.
fc**
— 51 —
O iii !s © iiivesflo abusiva, <IU6 O Kstotlo cstruiu ro pre
dicado pôdi- n razOo repeti força e o Estado ssor
c deve i' nir com rigor nos termos do art. 108 do
slo*
um
nneiro, com Uras de espingarda, arrombamento de
»m •! i i algum is r fer-en ;-.- -a á bandeira
emblema que symboliae a nossa nacionalidade oti
i iiisniíri uma bandeira ou emblema publicamente
flèud* o Estado que por esses objectos é sj m-
afio o svmbolo da pátria, oomo dizia Luccliinl, a eate
deve achar o teu lojcur :Í «s chmea contra a
ementos são o togar
:
st*ud p
Intenção de vilipendiar ; i toai
ou estrawruiro.
Í federal de S. Paulo, 11 de utj
si>• lo l?
ntSP I'-. - ' • • > • ; " V" » .NTSCI • •• •-
CODIOO
Art. ItB. E* orlme «te eonsj>ira«ao concertarem-*» vinte ou
Taater, dlraoUntot* • por factos, éMtnilr O J
* .*. , I
M,,,
n
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facto
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ommettido
outro crime,
por
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aoretaçoea
landeira e
-
r>. i
-
di' uma
<ç4 do
l
1896.
i
— 52 —
§ 3.° Tentar, directamente o por factos, a separação de algum
Estado da União Federal;
§ 4.° Oppor-se, directamente e por factos, ao livre exercício das
attribuições constitucionaes dos poderes legislativo, executivo e judi-
ciário federal, ou dos Estados;
§ 5.° Oppor se, directamente e por factos, á reunião do Congresso
e á das assemblóas legislativas dos Estados :
Pena de reclusão por um a seis ânuos.
Art. 116. Si os conspiradores desistirem dosou projecto, antes
de ter sido descoberto, ou manifestado por algum acto exterior, dei-
xará de existir a conspiração, e ficarão isentos de culpa e pena.
Art. 117. Qualquer dos conspiradores que desistir do projecto
criminoso, antes de descoberto ou manifestado por algum acto ex-
terior, não será pissivel de pena, ainda que a conspirão continue
entre os outros.
Art. 126. Provocar directamente, por escriptos impressos ou
lithograpuados, que se distribuírem por mais de 15 pessoas, ou por
discursos proferidos em publica reunião, a pratica de crimes especi-
ficados nos capítulos 1° e 'd° deste titulo e nos diversos capítulos do
precedente :
Pena de prisão cellular por um a três mezes. I
COMMENTARIO
ies. A matéria do texto desta secçSo, isto é, do Cap. I, do
tit. do cod. pen., estratada, como sempre, de modo muito
deficiente, sendo a collocaçOo dos artigos injustificável, porque
a conspiração pôde ter como objectivo a segurança extern a,
conforme resulta mesmo do art. 115 e entretanto esto collocada
em capitulo inseripto—da segurança interna.
Também a figura do art. 126, que está no texto, estava
perdida em um capitulo, o da resistência, crime contra a ordem
publica, que nada tem que ver com os politicos.
A mesma matéria está comprehendida em secção separada
de disposições communs ás antecedentes no projecto de 1893,
que correspondem, completando-os, nos arts. 115 a 117 e 126
do Código Penal, porque além da matéria do código o projecto
comprehende a formação de bandos armados para commetter
certos crimes políticos importantes, o que escapou ao código e
que não admira, porque elle esqueceu também até o crime,
muito mais grave, da rebellião.
Taes disposições acham-se também nos projectos de 1897,
arts. 143 a 148, e de 1899, arls.' 123 a 126.
Os bandos armados nos termos dos projectos de revisão do
código são um preparo para a insurreição ou rebellião,
facilitam-na e podem encorajal-a e por si sós constituem um
perigo manifestado com caracteres efficientes de exterioridade
e alarma para merecerem sancçfio penal no intuito de prevenir
males e desastres mais sérios.
As disposições dos projectos conteem as modalidades do
crime, as suas aggra vantes, dirimentes, assim como os
-
— 53 —
de auxilio aos bando* nrmad>is que não puderem
Passemos asora a tratar especialmente da matéria do o
do oodigo nesta parta.
Repetimos: os factos corapretoendidoB nesta secção flgu-
i nos códigos. Inclusiva o Uai. >, fonte do n<>sso em
aos no
IV
titulo - ucsio livro do couígo vc-so o f|ue
initr.
nas/iraçm) con-•
a em seguida
(Içados contra a
o digo no con-<
certa de 20
rior.
Os proj.vi.w de 189
>>. nem
ã,. do d
idos. - i w,
trata ndo-se
exigido para soa
Ssoae izerdis-
s;»mMo as actoa
ir -'• riho à ver*
crime de conapi-
lida : ire varias
picados na dispo-
Irig do para aquelle
verdadeiras e únicos
acercada
..:• ."i ».
exi
ínlios,
' l' *rr :r», CWti.iW crT. fcrt. I *J. W
p ir
-
se
das
uir, eis
— 54 —
Tudo isso póde-se applicar perfeitamente á interpretação
do nosso código, art. 115 e seus §§.
A' conspiração reserva elle os a ris. 115 a 117.
Os projectos de 1896 e 1899, art. 125, occultando o nome/i
júris conceituam de modo muito obscuro e exquisito a con-
spiração.
Os projectos, porém, de 1893, art. 143 e de 1897, art. 146,
definem a conspiração concisamente, comprehendendo no
segunda parte a dirimente nos termos em que ella pôde ser
efflcaz.
O código penal entretanto, no art. 115 define a conspira-
ção conforme seu systema casuístico nesse artigo e seus cinco
paragraphos.
Enosarts. 116 e 117 contém a dirimente do crime em
phrases supérfluas, sem evitar as deficiências do costume.
Os defeitos imperdoáveis do código penal resaltam da
analyse do objecto dos artigos.
Nos crimes contra a segurança do Estado, sem se cahir
nos exaggeros de punir a simples resolução criminosa, ou
responsabilisar os suspeitos, ha meio de organisar a repressão
de modo efficaz entre a resolução, facto interno da con-
sciência e a tentativa, facto externo punível.
Assim o código francez, fonte geral do anterior e do
actual, pune :
I 1°, a proposição feita e não aceita de formar uma
conspiração;
2
o
, a conspiração mesma ;
3
o
, os actos materiaes tendentes a preparar a eatecução da
conspiração ; por ultimo, o attentado, isto ô, a tentativa
próxima ou remota, f
Conforme a melhor doutrina, para constituir a conspiração
é necessário que duas ou mais pessoas tenham concertado e
estabelecido commetter algum de certos crimes políticos.
Mas, a conspiração não se deve confundir com um sim-
ples desejo e nem mesmo com um projecto que tenha deixado
a vontade indecisa.
A resolução dos conspiradores deve ser firme e positiva:
precisa além disto que todos ellesse tenham posto deaccòrdo
sobre o fim e sobre os meios de execução; que cada um tenha
recebido e acceitado o próprio papel no drama com-mum, que
toda difficuldade tenha sido eliminada, toda dissidência tenha
desapparecido.
2
Não obstante, o código penal, no art. 115, nos noções
muito diffusas do crime e exige para elle, ao contrario do
1
Garraul, OBR. CIT . vol. 2\ pag. 546 e segs. * Majno
OBR. CIT. Part. I. art. 131, n. 707.
íw —
direito
italiano,
Francez, h«
spanhol
o
outros, o
20 ou roais pcnpiioo. rcpctii
Kiò
assim
sem
lo o art.
do
velho
codigode 1830.
"s
arts. 116
e
117
ai
o também a reprt
rtuoçaodos
«ris.
106 e 109 do
código
à
nterlor. B
^H
S'*'
r
llUii ) 1 »!»,> f|i tfft 1
armoB do
ort.
89, a
coi«DÍrecâo
tendo por fim os crimes j
nenclonados
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f%.
M e
existe desde que a resoluçl
o de agir ô
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duas (t nflo
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-
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mais pessms.
Desde então
[uakiuer que seja o
seguimento
ou resultado, é
attingido
pc
si lei penal.
No direito francez, ha d
oua
gr los
na
SI a
propôs ç5o
ou pr
itia
nflo Ibl
seguida do
acto
algum,
cim
> para pre
-
lupiraçflo
nfl
>
-
dnda
s tifio
no
seu
primeiro pen
-
wo.
nfto importa seoflo
a pena de
detenção. L
Ello nttingê tau gao mais elevado, st é seguida duml acto
commetlTdo ou começado para preparar a sua ex-ccuçflo;
a neste caso punida com a deportaçflo.
Além dotwa phasa, o facto deixaria de ser uma conspi-
ração, etle se tornaria um attentado e Incorreria na pena
desta. *
lo. Conforme Pesslno. commentando os códigos ita-
liano» anteriores, cuja fonte fól o franoez, commum com
aa ooaaoa anterior a actual, na matéria, exige-se como
elemenloe do crime de conspiraçAo:
i*. unidada de aacoponoa pretensos conspiradores, sem
o que nflo é pnaelvel o c : ri nem a remltiçao sobra os
meies a empregar; - . que aa trato ao im-oca da duas
pessoas) 3*. que o concerto receia sobra aa meius de agir,
o que elgutrtca que aquellas operaçOea que devem formar
ou constituir, na sua apparlçflo m iterial, a oggr- ssfio â soba*
rente do Esta •. seja na penca que a representa, aéia na sua
lei fundamental, tenham devido constituir matéria de
exame commum doa conspiradores; -t". emfli
mie ao concerto corresponda a resolução aol oe agir,
de aorta que, preparado e
completad
dos vários actos o eu
conspiradores, outra i
ecuçao material doa
Kecen temente, ac
o crua» de teta*
tido. MT"
PKATWM M* ia MM Hui. PM*. Itti
wgnio
IH
doe
a ex-
te
por t<!
iflo falte
01'fi*
1
— 56 —
politico. Os partidos são a vida mesma das sociedades civi-
lisadas, são idéas tornadas aspirações communs de muitas
pess is lutando entre.si pelo triumpho, e constituem, ex
actamente encarnadas em multidões vivas, as varias con
vicções em cuja coexistência se nutre a liberdade mesma, e
do embate dos quaes emerge como força resultante Ia
que engendra um movimento de progresso para o destruir, e
de conservação, para nfio petrificar a sociedade mesma.
Aquelles que pertencem a um partido querem a victoria das
suas idéas. mas se limitam a querer para tal mister que as suas
idéas, graças á propaganda e á discussão se tornem convicção
geral.
A conspiração presuppõe a direcção determinada da
actividade para alguma cousa que se crê realisavel proxi-
mamente e por meios diversos daquelles que pode consentir O
desenvolvimento ordenado e pacifico da civilisação nacional.
Antes de proseguir, devemos resolver uma questão sobre o
momento consumativo da conspiração e não poderíamos,
melhor, fazel-o do que referindo-rios á opinião do notável
criminalista belga Adolpho Prins:
« Quando nada tem impedido o autor nos actos exteriores
de execução da infracção, esta considera-se consumada.
Todavia, é mister evitar a confusão da consumação da
infracção com a obtenção do resultado que o autor tinha em
vista.
No sentido do direito positivo, a consumação existe desde
que acham-se reunidos todos os elementos materiaes da
incriminação, exigidos pelo código para que o crime, o delicto
ou a contravenção sejam puníveis.
Não é, pois, sempre necessário, para que haja infracção
consumada, que o autor tenha altingido seu fim.
Em cada caso, convém recorrer ao texto da lei, e o artigo
do código penal que definir a infracção, nos indicará com
precisão o que o legislador tem querido incriminar. 0
Dando vários exemplos, diz:
«c) Ora, emfim, a infracção é consummada, abstrahindo-
se de todo e qualquer resultado.»
A conspiração é consumada desde que a resolução de agir
tem sido impedida, ainda mesmo que ella se houvesse
completamente mallogrado (art. 110 do código penal belga).
A opinião de Prins accentúa no ponto questionado a
mesma solução que aliás resulta da theoria, que expuzemos, de
Garrara, Pessina, Mejno e outros. *
1
Adolphe Prins. SCIEXCB PÉXALK ET DROIT POSITIF. Bruxelles, 1899, pag.
150, na. 244 e 245.
I
I— 57 —'
ir. Quanto é
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e
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n !»•! cot io a imiMiii le -
:
corto crimino** antes ;• - |
e ante-,!•> ado qm
O nosso codigo.nos artlgd
valentes as expressões a d
manifestado por algum acto ei
A dirimente c mti 11 oesj
desde que nfio ha ainda começo de
execução do cri - a antes de iniciado qualquer proa nenlo
criminal, conforme oe projectos da 1893, art. 113, da 1897,
art. 14'.
Os projectos da 1896 a 1899, art. 125, julgaram mais com
modo snpprimlr a dirimente, o que nfiosecommenta.
Os projecta de 1893 a da 1897 seguiram o c >digo liai.; mas
o ultimo projecto de 1899. st trata da consignação, "no parece
no seu art. 125, umittlu o princi », como d ssemoa.
\ commiaBao parlamentar, no parecer que precedeu â reda
•. i iinal do projecto, diz:
« Quanto aos conceitos dâ cow>
açõo ej
prebendai o autor d i hm os arts. 117, 123
iiur ~" tatle.
i
qu <*inízi]
d*aglr», diz Garraud.
Este o motivo por que" a
emenda, que lambem fbl ofl
/• de cos-
econcert/quelaloiln-
ppe, c est la resolutlon
B Gomrobwao aceitar
iri. %i do pro-
- •: mesmo É
o.»*
oelto de tal crime insistimos s»»brc
rniente das fcrmulas a que se.
• F«s«ina, h. mwn CWOT MMWti r . *t-s. I3J, r • • » '•',*•*•
Bl^^B S«c. p»- MS; BLonati m M»rm v ««« »
* ii
los
arts. 116 e 117, Pessina diz,
a <
KT proc ortigas é restringida
sem
•m
do con
-
> do delicio,
o». •
i c >m>> equl-
scoberto ou
tatitutivo
PS
o.
58 —
«Iludimos referindo-nos a autores nossos (n. 7). Essas formulas
são as das figuras do principio deste titulo sobre *j crimes contra
a pátria, empregadas pelo código anterior, repetidas pelo vigente,
mudadas pelos projectos de 1893 e 1897 e mantidas até final nos
projectos de 1896 e 1899.
A mesma questão aqui suscitada por autores nossos teve
lugar na Itália, dando lugar â correcção no código vigente que
haviamos seguido.
Nos precedentes projectos, diz Garrara, definindo este
crime (projecto de 1899, arts. 90, 91 e 118), fazia-se uso da
palavra attentado, a qual, além de ser uma locução imprópria
para determinar o crime, era uma fonte de muitas incertezas na
jurisprudência. Taes incertezas nõo se referiam somente ao
sentido da applicaçâo da palavra attentado, isto é, ao seu
sentido etymologico, ou jurídico, mas reflectiam também nos
elementos necessários para constituir o crime. Para obviar taes
inconvenientes tinha sido preciso juntar ao respectivo artigo
uma disposição análoga que explicasse qual era o conceito do
legislador relativamente aquella palavra.
Com a definição dada do crime pelo código actual todas
estas anomalias desappareceram, e na phrase fatto [direito,
facto tendente, etc. (dos nossos projectos) se demonstrou
claramente que com ella se attinge um principio qualquer de
execução do crime mesmo.
Pessina diz também que a denominação de attentado dava
lugar a múltiplas questões. * I Quanto a jurisprudência sobre a
conspiração :
« E' um dos elementos essenciaes do crime de conspiração
— o concerto criminoso entre vinte ou mais pessoas »: Acc. do
Supr. Trib. Federal, 8 de abril 1899. O Direito, vol. 80, pag. 99.
A disposição do art. 126 tem sua semelhante no art. 135
do código italiano e sobre ella diz Garrara, que mira a
excitação para delinquir nesta classe especial de crimes. Para
que, porém, tal propaganda delictuosa constitua um crime, ê
necessário que seja feita publicamente, porque assim
assume os caracteres de meio indirecto, destinado ao escopo
de attenlar contra a soberania ou a constituição politica do
Estado.
Pessina entre outras observações diz que o código não
estabelece aqui presumpçõo de cumplicidade resultante do
evento. EUe incrimina por si mesmo o facto da publica
excitação. Mas nem sempre o effeito verificado apresenta
aquelle ligame intimo e accorde com os discursos ou factos
1
Carrara, COM MESTO CIT. art. 104, pag. 74; Pessina II HUOVO CÓDICE CIT., art.
104, pag. 140.
— 59 —
fridococll
s
ua eflieí
Inclua. '
do texto do noaeo código contra o qual ha s notara exigência
de circulação, por roais de quinze pessoas, dos escriptos im-
pressos, coroo si estas nsoliiBseni : .ospnmctr' •romais
possível : ô uros rera tis * do vstuo código de 1830.
O ultimo pr '!••' > repele a exigência<r •«* anteriores
eliminaram, gra<
Iimnoo ii «nmo memor o
-
^ penas e cara-
ctertsando o crime sem i■■ o .' m os regras geraesda
cumplicidade.
0 nosso código penal neste ort. 128 do texto trata da pro
vocação s certos crimes; roas basta
' d-o coro os
projectos da 1803, nrt. 144 c ds 1897, srt. 117 para *sr
iiun a dispusiçfl ora vigente ssrvlu»se mal das suas fontes,
listo é, as correspondentes o os arts. 93,» a 119 do velho
código anterior.
O i|. to Driticiml .-.','! ,-i i»fl i <•....!... Aia vtirifis mo*
da idml - : ,:' •-
>ouex
: . .' spor
com que as pode re*< ir s provocação
'
meio ds imprensa ou discursos em sKftfútfa,
publicas •',•.
M
Os projectos de 1893 s 1890, art. 118, ainda d
desejar, porqus sto defeituosossm parte, nAoconoj n
mot lauda le pr <•> ''ote da diversidade ou gravij
crimes a que se refere.
CAPITULO
li
DO* CNtUSl COTTfRA 0 UVRK KtBHClCIO DOS MSnTOfl KMJ
vote
Pena de prUlo oellular por
»** i oní
forma de operar delictuosa <iue
o, pelo j . ig » geral que nelta se
11111 lu I m
em cc
Ait.
186. liuMdir. ou obstar d > qualquer maneira qa
-
j
o eleitor
— 60 —
Art. 166. Solicitai*, usando de promessas ou de ameaças, votos
para certa e determinada pessoi, ou para esse fim comprar votos,
qualquer que seja a eleição a que se proceda :
Penas de prisão cdlular por três mezes a um anno e de .pri-
vação dos direitos políticos por dous annos.
Art. 167. Vender o voto :
Penas -- de prisão cellular por três mezes a um anno e de pri-
vação dos direitos políticos por dous annos.
Art. 168. Votar, ou tentar votar, com titulo eleitoral de outrem:
Penas — de prisão cellular por um a seis mezes e multa de 100$
a 300$000.
Nas mesmas penas incorrerá :
§ 1." O eleitor que, fornecendo o seu titulo, concorrer para essa
fraude;
§ 2.° O que votar mais de uma vez na mesma eleição, aprovei-
tando-se do alistamento múltiplo.
a
Art. 169. Impedir ou obstar, de qualquer maneira, que a mesa
eleitoral ou ajuntaapuradora.se reúna no logar designado, ou obrigar
uma ou outra a dispuráar-se, fazendo violência ou tumulto :
Penas — do prisão cellular por seis mezes a um anno e multa de
500$ a 1:500$, além das mais em que incorrer pelos crimes a que der
causa a violência.
Art. 170. Apresentar-se alguém nas assembléas eleitoraes com
armas ou traze-las occultas :
Penas — de prisão cellular por um a três mezes e multa de 100$
a 300$000.
Art. 171. Violar de qualquer maneira o escrutínio, rasgar ou
inutilisar livros e papeis relativos ao processo eleitoral :
Penas de prisão cellular por um a três annos o multa de
1:000$ a 3:000$, além das penas em que incorrer por outros crimes.
Art. 172. Extraviar, ocoultar, inutilisar, confiscar ou subtrahir de
alguém o seu titulo de eleitor :
Penas — de prisão cellular por um a três mezes e multa de 100$
a 300$000.
Art. 173 Falsificar, em qualquer eleição, o alistamento dos elei-
tores ; alterar a votação, ler nomes diversos dos que constarem das
listas, accrescentar ou diminuir nomes ou listas; falsificar as respe-
ctivas actas:
Penas de prisão cellular por um a quatro annos e multa do
1:000$ a3:000$000.
Art. 174. Reunir-se a mosa eleitoral, ou junta apuradora, fora do
logar designado para a eleição ou apuração :
Penas — de prisão cellular por seis mezes a um anno e multa de
500$a'l:500$000.
Art. 175. Deixar a mesa eleitoral de receber o voto do eleitor
que se apresentar com o respectivo titulo:
Penas de privação dos direitos políticos por dous annos e de
multa de 40u$ a 1:200$000.
Art. 176. Alterar o presidente e membros da mesa eleitoral, ou
junta apuradora, o dia e hora da reunião, induzindo por este ou por
outro meio os eleitores a erro :
Penas de privação dos direitos políticos por dous annos e de
multa de 500$ a 1:500$00.
— 61 —
Ari. 177. Fazer parla, oa concorrer par» a formação, do mos» eleitoral ou de
juste aparadora iil-.-: tuna :
Pena* — eV ração ..»• dire politk s por dous annoa o multa de 300$ s
1.OOO^
II
OO.
Alt. 17t. Deixar de comparecer sem causa participada, para formação os masa
eieitural :
Posse do privação do direitos politicas por dos* asnos o mslii do 200$ a
6O0Í0OO.
Parsgrspbo único. Si por essa falta nlo se pudor formar mesa:
Pena •— s mesma em dobro.
LEI
TITULO III
DlSPuSIÇfVs* PKNAES
Art. 47. Além 'los denoidoa no Coligo Penal, serio considera-los
ertsjss eootrs o livre exercio dos direitos políticos es factos nen-
ekmséos not artigos seguintes.
.\rt. 48. Deixar qualquer cidadão, investido das funeoSss do
governo municipal ou chamado s exercer ss attritraieSes deftaMsj ss
prestais lei, do cumprir rcstnctamesto os devores que lhe sio im-
postos s nos pratos prescriptos» tem causa justificada:
Posa:
Suspensão dos âlfsll i políticos par osse s quatro asses.
I Art. 49. Deitar sstéadAs, * f»zer parte das com m lesões
és alirtasiistn sn ! ' . . 4tssttsrf>sat*se detartsioeçOes és lei so
prazo si ta ssissidn. qssr ss tasaola asesretco qss lhe é stigtéa, qser no
•|ti» d is reopeit» as garantia* IJU > devs éi»pens»r Soe sllstandos ou
eleitorrs, sem motivo Jottideséo:
Pena:
Su* nsio ées éirettoe poUtleoa por dosa s quatro annos.
Alt. 80. Deixar qual |tiei dst wissros és mesa eleitoral de ru-
bricar a còpls és nota da afeição. Unais pelo fiscal, qsaaéo isso los
for exigido:
PSBS:
I Do dous a seis met*s de priass.
£_ j
Art. 61. A fraude, és qualquer
••*». praticada pela mesa
el< itoral, ou pela Junta spurudors, sert punids com a seguinte
Pena:
Da seis meses s sa asso é> prisio.
Paragrasso ew -erio Isento» desta psaa oa membros da janta aparadorass
sssssslsitsrsl, qu» oostrsa frauda protestarem no acto.
Art. Bs. O etdadio qss usar de documento fUtsõ para ser inclaido no
alistamentos
Pea
De prisio nr éous a quatro meies. I Art. 83. O etéssss s,oe.
em virtude éas dia. -ias és pesasses li, f .; eondemoado ss peoa és
iu*pen*io éos direit pudiUãuS, sao
62 —
poderá, emquanto durarem oa eífeitos da pena, voíar nem ser votado
em qualquer eleição do Estado ou município.
Art. 54. Os crimes definidos na presente lei e os de igual ca-
tureza do digo Penal serão'de acção publica, cabendo dar a denuncia
nas comarcas das capies dos Estados, ao procurador da Republica 011
seccional, perante o juiz seccional e nas demais comarcas, aos pro-
motores blicos perante a autoridade judiciaria competente.
§ l.
u
A denuncia por taes crimes poderá igualmente ser dada
perante as referidas autoridades por cinco eleitores, em uma petição.
§ 2.° A forma do processo de taes crimes se a estabelecida na
legislação vigente para os crimes de responsabilidade dos empregados
públicos.
§ 3.° A pena será graduada, attendendo-se ao valor das circum-
stancias do delicto.
Art. 55. Será punido com as penas de seis mezes a um anno do
prio o suspensão de direitos políticos por três a seis annos, o mesariol
quesubtrahir, accrescentar ou alterar células eleitoraes, ou ler nome
ou nomes differentes dos que foram escriptos.
(Lei n. 35 —de 26 de janeiro de 1892.)
COMMENTARIO
is. A primeira forma de delinquir contra a actividade
jurídica do Estado é aquella que ataca esta mesma num dos
seus primeiros e mais essenciaes fundamentos, isto é, na
participação delia pelo povo mesmo, graças á liberdade po-
litica, sem a qual nfio haveriam instituições populares.
Dahi a regra geral de direito que impõe a um ou mais
cidadãos o exercício dos próprios direitos políticos. Mas 6 esta
maneira de delinquir se refere com maior especialidade de
determinações o delicto eleitoral.
O ser próprio do estado livre é o systema representativo.
Os melhores, os fortes pelo intellecto devem reger o Estado Dor
natural direito de império; mas é mister que para tal missão os
designe a confiança das multidões que por livre suffragio lhes
confiram o mandato eminente.
A verdade racional da aristocracia e da democracia, con-
sideradas ao mesmo tempo, está exactamente na eleição como
a mais pura investidura do poder.
Esta lei governa o organismo da União e estende-ee aos
organismos dos Estados e das Municipalidades e a todos oa
outros organismos sociaes que vivem a vida livre do palz livre.
A soberania popular acha a sua actuação concreta no
suffragio eleitoral; e na renovação periódica das eleições se
retempera e rejuvesneoe perennemente, ao mesmo tempo que
com os resultados da urna, o seu juizo de fiscal supremo
sobre o programma politico do governo e sobre a economia
dos organismos singulares interiores, dos quaes se alimenta o
vida da nação inteira.
63 —
a veroaoe oa
runfi
lativo
e
do
Poder
Assim» t ! i cti
líber ie [> ca a
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do Indispensav
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Ao mesmo
i de ha mulado
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(mi . .."ali i.inv matéria dos crimes relativos
%; negi " H' íade oo eleitor ou oo com ehl-
ti>ral'. sâo os crlmas do texto do cod. pan. arts. iro, its»a
!7t a 175. ___ .. .
a», a ''• :-'na olaècâo. quer no roío. quer oo -'-utinUn
cod. pen. arts. 168,17* W, m e 177 e lei n. 35» arts. 51,
3°. a cormpeã eleitoral: cod.,erU». 166 a 167.
Outras disi -urram, o côa. pen. T. g.a ao
m-t. 178, e a W n. 35, arts. « • *
)
- "
<
*
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oun
\ '' .'- - .'.. íLli ..-.MÍ r .'abolido
riai. «*W I MSttal •. OH. en. «*t. I* Par» l"f»
tlM
— 64 —
pondo a enumeração de disposições detalhadas sobre os factos
eleltoraes. *
O novo cod. italiano consagra apenas o art. 139 sobre o
caso; referindo-ss ás leis especiaes, como se tem feito noutros
paizes nos respeciivos códigos.
O projecto de 1893, arts. 146 a 164 reproduziu as dis-
posições do cod. pen. e da lei n. 35 coordenando-as devi-
mente; os projectos, porém, de 1897, art. 149, e de 1896 e
1899, art. 127, adoptaram o systema do código italiano.
Qualquer, porém, que seja o systema seguido na matéria,
os factos delictuosos eleitoraes reduzem-se á violência, fraude,
corrupção, de funccionarios, cidadãos, eleitores e candidatos,
ou & falta de exacçSo no cumprimento de deveres por parte
dos que interveem nas funcções eleitoraes.
Feitas estas considerações geraes, históricas e philoso-
phicas ao mesmo tempo, passemos especialmente a matéria da
secçfio, quanto aos artigos do cod. pen. e da lei n. 35 que
constituem o texto a explicar.
10. O cod. pen. além de dispersar as figuras dos delidos
eleitoraes, pois que delles tratou em dous títulos, e 5
o
(art.
207, ns. 15 a 17), destacou os artigos do texto daqui para o
referido titulo 4
o
, seguindo nisto o cod. italiano que neste
ponto não classificou bem taes crimes ou antes delictos
congéneres.
Sobre o projecto de 1893, dissemos que: em um capitulo
ficaram sob o mesmo titulo os factos eleitoraes, cujo caracter
politico não se lhes poderá negar.
Assim os considerou a lei n. 35 de 26 de janeiro de 1892,
á vista do seu art. 54.
Si a lei, porém, podia commetter jurisdicção federal ás
justiças dos Estados, é o que parece contrario ao art. 60, §
da Constituição.
Mas é uma questão constitucional e processual, cuja falta
de solução não prejudica o proseguimento da nossa tarefa.
a
Em relação ao projecto de 1896, dissemos justificando o
de 1897:
Ao contrario, é acceitavel o alvitre de reservar para as leis
especiaes a punição dos factos eleitoraes criminosos, mas
neste caso a disposição única do Gap. II precisa fazer allusão a
isso e ser mais comprehensiva como é a do Cod. italiano, por
um lado, e por outro restringir os factos do Código aos de
violência ou ameaça, etc.
3
1
Vid. Pessina, ELE MENTI DI DIRITTO PENALE . Nnpoli, 1832-83, vol. 3°
pag. 37 e segs.
3
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS do projecto de 1893, pag. 10.
3
IDEM idem de 1897, pag. 9.
— 65 —
esse systeraa, attenta a ira mesmo na
parte penal.
Assim, apezar do nosso em 1891, salvo para o
DM em 90 de dezembro de 188 lhe addltava
disposições
nos o ris. 47 a•' SOD o seu que
fez parte do texto.
Attendendo a « ase ro-ítivo, «
tema do Código Italiano sobre n
ml
Entretanto ha diflerença enl
project »s. porque estes compra ao
passo que o art. 199 daqui mente do
parte os dellctos eleitora
O art. 189. diz Majno. ss •
exercido de direito» políticos ÍI raes—
quaes seriam o direito de camarás, de
que tratam os arls. 89 a67 do tutçflo).
*
Assim lambem Carrara. O nosso
código artlrulow fusamente a
maioria, ainda acerescentada pela lei
\ jurisprudência aqui é quaai
nulla e pel própria reza das cousas
variável, como é a dos parlamente verll caçfio de poderes de
seus membros, porque os I eldtoreee violentos ou fraudul* -* r -
un-se —-uipre sob os mais variad.* a*;> •« desde o
altatament» de eleitores até o rer>»nhecimeuto tlual e
definitivo dos eleitos, paro na funeçoes necionae*, •' : . •.
ou munlcr •-;.
Diz Puglla, que a figura roa» grava do delido contra a
■■ rdadt e a que viola o tlir H> . pois qua o Estado,
para servlr-nos das expr - de rastua, nèo pode di/er-se
livre na sua actividadesem a verdade da /**«•• ' <»/.
aro que a soberania do povo psren' nerite sa afllrma, nêo
como fonte das representações communaes e provlndaes, mas
sobretudo como fbnte da representação nacional na
constituição do Parlamento* *
Os delidos eleltoraes podem reduxir-se a Ires formas
fundamentara: a r ot mde e a corrupção.
~~|'.'•«'« pôde vei de dous modos,
ou coroo
pra o eleitor individualmente, ou coroo vi . cia la da
olira ou dos actos doa comidos el t i-aes, is por um
parti» r ou por um í -ion •> ou
Una,, (lai
e»o
». v- |ií» p.*-
t. Ma>. rol-. pae. 4t.
le 1897 hl
leda legisf
içflo eleitoral,
léV> a vigorar
que começou
anno de 1892
le janeiro que
"loce^sual,
penaes —
minai, p»
1
iii— disposiçy
os foi adoptado o sys
-
BHO.
este código a os nossos
idem maioria eleitoral, »
código deixa inteira-
f somente ao impedido
i eteito-
fiçéo as
(CODStl-
I >uípro*
feitorai.
i IlíllU-
ntos na
s idos
dos diii
~|e o di
i ,.,.. ?.
— 66 —
autoridade. O nosso código no texto, como vulgarmente se diz
e frequentemente nelle se vê, misturou aqui alfios com
bogalhos, confundindo ás vezes no mesmo artigo a violência e
a fraude e separando na ordem da collocaçâo figuras seme-
lhantes.
Entretanto offerecem exemplos de violência individual ao
eleitor praticada por um particular, o código nos arts. 165, 166,
172. I A mesma forma de crime violento por parte daquelles
que exercem qualquer funcção ou autoridade nfio es
comprehendida em figura alguma do código neste capitulo, mas
pôde ser figurada como facto da mesa eleitoral semelhante
áquelles commettidos por particular.
A perturbação violenta da liberdade nos comidos elei-toraes
pôde realizar-se em via de tumultos ou outras violências
quaesquer que sejam, que impeçam o livre exercício dos
direitos eleitoraes, ou perturbem a liberdade do voto. Ha
exemplos desta forma no código, arts. 169 e 171.
A esta figura sfio connexas as de entrar sem direito no
recinto da mesa eleitoral durante o processo : causar desordem
no edifício ou lugar da eleição ; penetrar neste edifício ou
lugar levando armas ostensivas ou oceultas.
São exemplos destas espécies algumas das configurações
do código, arts. 169 e 170.
A fraude nas eleições falsifica o eleitorado ou na orga-
nisaçfio ou formação do alistamento de eleitores, ou no su-
ffragio ou voto dos eleitores, ou no resultado da votação.
A falsidade ou falseiamento do alistamento ou das listas
de chamada se verifica com a inscripção indébita e
cancellação ou exclusão de eleitores com mett idas mediante
falsidade ou artifícios frudulentos, ou com qualquer alteração
ou subtracção da lista eleitoral, ou com a recusa da commu-
nicação das listas, etc.
E Temos exemplos dessas varias formas no código, art. 173 e
citada Lei eleitoral n. 35 de 1892, arts. 48, 49 e 52.
O cod. pen. deslocou outras para o art. 207 ns. 15 a 17, tit.
V. cap. I. O suffraglo ou voto fraudulento consiste em
apresentar-se alguém para votar quando está privado ou
suspenso do exercício do direito eleitoral; em apresentar-se
com o nome d'outrem a votar; ou incumbido alguém de
escrever o voto por um eleitor que não pôde fazel-o por si, é
surprendido no acto de escrever um nome diverso do indicado.
Ha exemplos da segunda dessas hypotheses e de outras no
código, arts. 168,172,173 e lei eleitoral, art. 53.
Estes e delictos semelhantes são por via de regra com-
mettidos por autoridades ou quem desempenha qualquer
funcção eleitoral (código, arts. 174, 175, 176, 177, 178, Lei
Eleitoral, arts. 48 e 50).
A&fetf
— 67 -
0# no
CO
P o r^nultíitlo das ra/A* nu
tem
do ro#o e delia
es Mrmaa princl-
;,> contra o direito
O íi
OQjdigo Penal para a Ar. ia expedido peio Decreto n. 18 de
7 de março de 18M, approvado • ampliado ao burrito
f titulo e seguinte do código cominam.
|o ell J; poniue, conforme pnu rurrrr. •.
naragrapho único, elle •o é appllcavel a i^seeja estranha A
milícia, tratando ae de crime militar, em terajpo de guerra,
nAo batendo para o coso disposição DO código commum.
Entretanto notemos que discordamos da extensão que
deu é lei militar o citado código, especialmente num ro tino
especial, qus JÉ publicamos. •
TITULO II
nos cntMBs i >N rnA A OM»EM Í-LBMCA
CAPITULO I
AJINTAMKNTO it.ucrre OtticcÃo
CODIOO
Ari. 118, Constitua crime de sedição * reunião mato .!< 20
peavas, qtto, omtflra nem toda* as apresentem armadas, as ajuntarem
nara, com arretas, vieleaata oa ameaças: I*. obstar a imas ' elgy
raaerteaarto publico noarado coapstentemeata e munido de tituto
togai.aa prital-o do eaewtoie da
IU
ia lun ..••,•, gsercer algum acto
ée o: . ee Tineenaa, eeatre alg faarvtoae
; «a, ea «ootraoe
mo
d. agrs. das
.lo,
Kstsdca ae das iutendencl oa cantaras mumctpses; 3*, Impedir a
1
rws. »**. cat. I*er». •», sag. liX • MS i Utexa* A fieira*,
lw»,a«>iuiaT. Mrf. es*, ta.
* Pe aatar : Seari rawu. >o i'\-. Aaa«»*
t
Kw de
IMS, «a», II* a. n. »ag. ít-
— 68 —
execão do alguma lei, decreto, regulamento, sentença do poder judi-
ciário, ou ordem de autoridade legitima; 4", embaraçar a percepção
de alguma taxa, contribuição, ou tributo legitimamente imposto; 5
o
,
constranger, ou perturbar, qualquer corporação politica ou administra-
tiva no exercido de suas funoções:
Pena — aos cabeças, de prisão cellular por três mezes a um anno.
Paragrapho único. Si o fim sedicioso for conseguido:
Pena—de prisão cellular por um a quatro annos.
Art. 119. Ajuntarem-se mais de três pessoas, em logar publico,
com o desigmo de se ajudarem mutuamente, para por meio de motim,
tumulto ou assnada: I
o
, commetter algum crime; 2
o
, privar ou impedir
a algm o gozo ou exercício de um direito ou dever; , exercer algum
acto de ódio ou desprezo contra qualquer cidadão; 4°, perturbar uma
reuno publica, ou a celebração de alguma festa civica ou religiosa:
Pena <de prio cellular por um a três mezes.
Art. 120. Ficam isentos de pena os que deixarem de tomar parte
na sedição, ou ajuntamento il liei to, obedecendo á admoestação da
autoridade.
Art. 121. Quando a autoridade policial for informada da existência
de alguma sedição, ou ajuntamento il liei to, irá ao logar, acompanhada
do seu escrivão e força, e reconhecendo que a reunião é illicita e
tem fins offensivos da ordem publica, o fará constar ás pessoas pre-
sentes e as intimará, para se retirarem.
Si a autoridadeo for obedecida, depois da 3" admoestação empre-
gará a força para dispersar o ajuntamento e mandará recolher á prisão
preventiva os cabeças.
Art. 122. Os que, depois da I
a
intimação da autoridade, conser-
varem-se no logar e praticarem alguma violência, incorrerão mais
nas penas que corresponderem ao crime resultante da violência.
Paragrapho umeo. Si a violência for commettida contra a autori-
dade, ou algum de seus agentes, a pena será imposta com augmento
da terça parte.
Art. 123. Não se considera sedição, ou ajuntamento illicito, a
reunião do povo desarmado, em ordem, para o fim de representar
contra as injustiças, vexações e mão procedimento dos empregados
públicos; nem a reunião pacifica e sem armas, do povo nas praças
publicas, theatros e quaesquer outros edicios ou logares convenientes
para exercer o direito de discutir e representar sobre os negócios
públicos.
Paragrapho único. Para o uso desta faculdade não é necessária
prévia licença da autoridade policial, que poderá prohibir a reunião
annunciada, no caso de suspensão das garantias constitucionaes, limi-
tada em tal caso a sua acção a dissolver a reunião, guardadas as forma-
lidades da lei, e sob as penas nella com mi nadas.
COMMENTARIO
r
,|
%£<>. E' indispensável uma razão de ordem entre o titulo
anterior e este sobre o fundamento do delicto politico e a
comparação entre as revoluções e as revoltas e os factos
comprehendidos nos capítulos que constituem este titulo do código.
m
i é a reacção natural do
ões.
tre as revoluções nronria-
e as revoltas
de tempera
lui
n
cxajje
rada,
dad
o
que
com o umiiin * dua attrHos e com o máximo do socceaso,
para o qual as abalos e revolta que provoca, ai lambem
deite constituem uma parte necessana, sflo apenas notados e
se extinguem apenas surgem: é n rotura da casca do pomo
maduro. *
.Sobrt o projecto de 1813 dissemos:
Os tectos , lidos neste Ululo nfio sfio conside-
rados» so menos de jttr-- >mrtUHio. crimes políticos, mas
nos nossos códigos s* g i nm-s aos de ©inspiração rebel-
llflo, que Ja foram classificadas: no titulo anterior.
Nom> de diversidade que reina nos códigos, uao so
quanto é deliu . como quanto A sua ! -- .âo era prele-
Hvel manter aa «l oes existentes, com ligeiras altera
ções M_: de IOJ, que nsste ponto, c »mo em outros 6
mela simples sub» •eracKjualmenleaosysíemaadoplndode
. .. - ; lass crimes eomo rostos ds í •{<• outros.
Entretanto código vigente desconhece isso e pune como
a consecução do Am sedicioso que pose -• r ou o
lenha pana menor, ou um importantfeeimo crime
a de laW neste titulo dissemos sobro
is ir:
-; i fax tnmbem preferir o projecto,
i nova : ' ;':} deste titulo; entr
oueo casuísticos, lo O art-
197 o o projecto, ma-
vnntes.
A de!lu i*
«lo art. ISO é Inacceitavel, porque nâo sara-
do e soo de do.
• t. ' >••-. A UMM CSa. «*., mp- ' * ••#• L
O fundamento do delicio
MIM
mci
nua
um
ojorravada
crime «pje
até poi '
o nosso snJ
A ulUn
alias p IUG»
tanto, occoí
Os dons
>lros capitules
_
— 70 —
O titulo ou epigraphe do capitulo deve ser « associação
para delinqulr ». *
Estas referenciaso úteis porque queremos que o nosso
trabalho aproveite ao mluro código se por ventura for vo-
tado.
Pessina referindose em geral aos crimes «leste titulo diz
que elles não são crimes de Estado, emliora se assemelhem
a estes; a sua forma é a violência, a sua substancia 6 a
acção individual contra a do Estado*
Algumas formas qunsi se confundem com as dos arte. 110
a 114 do nosso Cod. Pen.
O numero de agentes aggrava, mas é inclifferente na
incriminação de alguns dos (actos deste titulo v. g. no
desarato, previsto no art. 134.
Pessina tamm os considera como lees á autoridade
do Estado, como atacando a sua actividade jurídica, •
Garraud separa-os bem dos poticos, mas os denomina
como taes. *
Os princípios que passamos agora a expor o appllca-
veis aos arts. 118 a 123 do texto do código, mas ate certo
^Tinto podem sel-o aos dos outros dos seguintes
capítulos pste titulo.
No geral, nestes crimes a violência contra a autoridade
do listado, seus representantes ou agentes não ô a dos
crimes políticos, não tem como escopo a organisação do
Estado, a constituição ou os poderes supremos que encarnam
o organismo social.
O lado material dos factos pôde parecer assemelhalos,
mas na substancia o crime ô differente, pelo hm que visa,
uai ô o de substituir a acção individual é acção da autori-
ade e isto por meio de vioncia conlra seus actos.
As condões de criminalidade o: I
o
os factos devem
assentar ou antes consistir em actos de força individual ou
collectiva particular contra a autoridade ou seus agentes
revestidos de caracter publico; 2
o
deve-se tratar dum acto
publico legal e competente ; deve consistir em vioncia,
concitatio populi, seditio, reunião tumultuaria, revelada por
actos, gritos, insultos e outras circumstancias, dirigidos
contra a autoridade ameando a ordem publica ; 4
o
o dolo,
o concerto nos indivíduos que uelle tomam parte.
E' obvio que a censura por escripto e menos a verbal
em reuniões publicas, mas pacificas, aos actos da autori-
dade não importa crime; nem mesmo os factos especificados
no art. 123 do texto.
1
IDEM, idem, de 1897, pag. 9.
1
Pessina, ELBMKNTI OIT. 3
O
vol. pag. 85.
3
Garraud, OBR. crr., 2
o
vol. pag. 488.
S
3
71 —
Diga-se entre parenthesis, que os caps. II e III deste titulo
do cod. arts. 118 a 126 comprehendem um grupo ou serie de
factos que os romanos coracterisando como violência
reduziam á denominação de crime/i vis publicae.
Considera ndo-se, como faz Garra uri, que os crimes poli-
ticou o dirigidos contra o Estado em sua forma constitu-
cional ou em sua actividade jurídica e que o objectivo v. g. da
resistência é paralysar a acçõo da autoridade, poder-sc-hia
talvez classifica 1-a como tal, isto é, como crime politico.
Mas elle mesmo reconhece a differenea entre essa re-
bellião e a outra: na rebelliSo pela guerra civil o funcciona-
mento mefsmo do governo é posto em causa por actos geraes
e concertados, ao passo que na resistência o exercício do
poder publico é paralysado em alguns de seus meios de
acçõo por actos isolados e individuaes e em geral estranhos a,
toda hostilidade politica.
sai. O art. 118 define a sedição, aggravando no seu
paragrapho único a penalidade no caso que prevê.
Os elementos constitutivos são o numero de pessoas o o
uso de violência ou ameaça.
O arruido de que ahi se falia é incabido e poderia ca-
racterisar o desacato, art. 134, mas não a sedição. A se
dição é uma espécie relativamente mais grave do que a
outra. fcj
A espécie menos grave das duas figuras deste cap. II do
cod. é o ajuntamento illicito que o cod. define no art. 119.
E' o que outros códigos, como por exemplo, o portuguez,
o argentino e o hespanhol chamam motim ou assuada ; mas,
sempre os conceitos diversificam de código a código,
variando a nomenclatura ao mesmo tempo que o conteúdo das
formulas.
O ajunctamento illicito é uma forma de violência, mas
quer contra o empregado publico, quer contra o simples
cidadão ou particulares, importando um fim sedicioso em
summa, mas menos grave que a sedição propriamente dita, da
qual entretanto parece diflerenciar-se pelo numero de
pessoas.
Mas os elementos d'uma e d'outra espécie, estando mal
accentuados, é difficil distinguil-os, sendo, porém, de notar
que o ajuntamento illicito não parece ter como objectivo a
autoridade publica, circumstancia ou condição esta que a
sedição nos casos previstos no texto do código parece tam-
bém excluir, e isto contra a doutrina ; porque, si o objectivo é
a pessoa individual ou particular do funccionario, haverá um
outro crime qualquer embora aggravado, mas não haverá
sedição.
O art. 120 previne a isenção de pena nos casos nelle
figurados.
Os arts. 121 a 123 estabelecem disposições communs a
ambos os crimes. '.
O art. 121 contém maria policial, imprópria d'um -
digo penal, como lei substantiva queé.
O art. 122 menciona condições de aggravaçfio de um ej
outro crime.
O art. 123 da um conceito negativo de taes'crimes.
O mesmo artigo alias é surfluo, incabível n*um digo
penal, e n8o exprimiria mais do que, si se achasse n'uma lei
apropriada ao assumpto a regulamentação do art. 72 §§ 8,9
e 12 da Constituição Federal.
|fj Si o código de 1830 definio do modo mais simples a sedi-
ção do que o fez o código vigente, entretanto estendeu-se
muito sobre o ajuntamento illicito apezar de ser uma con-
travenção Ou crime policial como nelle se denominava. I
Por tudo isso taes disposições não figuram n >s projectos
de 1893 e 1897 que se limitaram a conceituar apenas em
quatro artigos um e outro crime, contemplando os casos de
isençõo e de aggravaçfio de pena.
Parece que a fonte do nosso código vigente nesta parte
foi o código argentino. *
«Para o crime de sedição é essencial o concurso de vinte
pessoas. Intelligencia dos arts. 118 e 119 do digo penal
Sentença do Supremo Tribunal Federal — O Direito, vol. 81,
de 1900, pag. 233.
CAPITULO II
RESISTÊNCIA
I CÓDIGO
Art. 124. Oppof-se alguém, com violência ou ameaças, á execução
de ordens legaes emanadas de autoridade competente, qaer a opposi-
çio loja feita directamente contra a autoridade, quer contra seus
agentes ou subalternos :
§ í.o si, em virtude da opposição, a diligencia deixar de effe-
ctuar-se, ou effecluar-se, soffrendo o executor da parte dos resisten-
tes, qualquer lesão corporal:
Pena —de prisão cellular por um a três annoa.
§ 2.° Si a diligencia effectuar-se não obstante a opposição, sem
que o executor soffra, da parte dos resistentes, alguma lesão
corporal :
pena — de prisão cellular por seis mezes a um anno.
Art. 125. O mal causado pelo executor na repulsa da força em-
pregada pelos resistentes não lhe será imputado, salvo excesso de
justa defesa.
i Dr. Rívarola, obr. cit. 3" vol. pag. 22 na, 936 e segs.
I— 73 —
COMMENTARIO
33. Este capitulo do código comprehende também o nrt.
126 que jã commentámos no titulo anterior ao qual também se
releria. (Tit. I, cap. I, secção IV, n. 17.)
Os arts. 124 e 125 do texto contemplam a resistência. B
Além do elemento intencional que a distingue de outros
crimes, políticos e graves, como jn vimos, e que deve
comprehender um ataque a autoridade e não somente & pessoa
que a exerce e com sciencia do caracter publico do
funccionario, a resistência presuppóe a violência ou ameaça
por um particular contra o depositário da autoridade publica ou
contra o funccionario no exercício legitimo de suas funcções.
Conforme o cod. ital. as condições essenciaes queelle
estabelece,
#
diz Pessina, sem repetir o nome de rebellião, mas
designa ndo-o como resistência, para tal crime são:
1°, que se use de violência ou ameaça contra um offlcial
publico no sentido lato do art. 207 ; 9
2°, que ella tenho lugar, com o escopo de oppôr-se à suo
actividade emquanto cumpre os deveres do seu offlcio, ou de
oppôr-se aquelles que pelo offlcial publico são chamados para
prestarem-lhe assistência no desempenho de suas funcções.
Não ha resistência, entre nós, sem ordem legal de au-
toridade competente. Este principio resulta claramente do
conceito da resistência contido no art. 124 do texto e ainda do
art. 229 do Cod. Pen. que pune o executor de ordens illegaes e
ao mesmo tempo define as ordens e requisições illegaes,
conforme a seu tempo veremos.
Portanto, esse art. 229 assim como o 228 que pune
também ao que expede ordem ou faz requisição illegal são os
reguladores da applicação dos arts. 124 e 125 sabre a
resistência.
Relativamente a este delicto de violência contra os órgãos
do poder social, diz Pessina, quer na forma de con-
strangimento para fazer ou omittir qualquer acto, quer na
forma de ultrage, violência ou ameaça â pessoa do offlcial
publico ou feita in officio, ou feita proptar nfflcium, o novo
cod. pen. ital. consagrou o principio da resistência legal,
enunciando-o textualmente em vez de abandonal-o as in-
certezas da interpretação dos tribunaes.
A questão da resistência aos actos arbitrários e illegaes
das pessoas revestidas do poder social dava lugar, no silencio
do código francez e dos italianos anteriores a duas juris-
prudências contrários entre si, uma propugnada pelos tri-
bunaes francezes, isto é, que o arbítrio e a illegalidade dos
orgfios da autoridade social não dão direito a resistência, mas
somente a queixar-se da injustiça soffrida, e a outra
— 74 —
propugnada pelos tribunaes italianos, isto ê, que o deposi
tário da autoridade ou da força publica, incorrendo em ar
bítrio ou violência, deve considerar-se como qualquer outro
particular. * m
no direito romano continha-se a consagraçfio do direito
de resistência ás illegalidàdes e aos actos arbitrários dos órgãos
do poder. E os glosadores e tratadistas antigos de direito penal
acolheram quasi todos este principio.
Mas elle foi também vigorosamente firmado no direito
inglez ; e contra Hobbes, sustentador da opinião contraria,
surgiram Loitre Algernon Sydney e Milton; assim que o
principio da resistência legal tornou-se tradicional no meio do
povo inglez.
a
Em França a lei penal de 1791 exige para o crime de
resistência a condição que o depositário da autoridade obre
legalmente na esphera de suas funcções; e o mesmo preceito
na lei napolitana de 1808 sobre crimes e penas.
O código francez, porém, de 1810 eliminou a condição
firmada pelo código de 1791; pelo que os arestos da Corte de
Cassação franceza interpretaram a eliminação da condição de
legalidade do praticado pelo poder social no sentido da
doutrina autoritária. Mas o principio da resistência legal foi
acolhido no direito penal americano (código da Luiziania e
código do Brazil). E na Allemanha o código de 1870 no art.
113 estabeleceu que para incriminar a resistência se exige que
os executores de justiça se achem no legitimo exercício de
suas funcções.
Muito bem, portanto, o novocod. ital., tanto a respeito do
crime de violência ou resistência á autoridade (art. 192),
quanto a respeito do delicto de ultrages e violências aos de-
positários da autoridade (art. 199), firmou o principio de que
não se deveria applicar as normas rigorosas de punição, em
homenagem ao direito de resistência legal, quando o individuo
revestido de autoridade tenha dado caso aos factos violentos,"
aos ultrages, ás ameaças, excedendo com actos arbitrários, os
limites de suas attribuiçôes.
3
23. Conforme as nossas leis, o direito de resistência em
seus legítimos termos :
1.° Annulla a incriminação pelos factos em geral de que
tratamos.
1
Vid. Blanclie & Dutruc, OBR. CIT. 4
O
vol. pag. 81, ns. 46 e sega. Em
contrario, Garraud, OBR. CIT. vol. 3° n. 380.
* Stephen, A. DIGEST ETC. CIT. pag. 159, art. 221.
1
Pessina, II NOOVO COBICE PENALE CIT. art. 190, pag. 216; O mesmo,
MANUALB CIT. Part. sec. § 149, pag. 157.
75
2.° O cod. pen. autorisn expressamente esse direito
quando declara :
« Art. 35. Repular-ec-ha praticado em defesa própria
ou de terceiro:
| S.° O crime com meti ido em resistência a ordens
1
illegaes, nfio sendo excedidos os meios Indispensáveis para
impedir-ihes a execução.»
O recurso á outra autoridade pode bastar, mas quando
for impossível, a defeso é legitima.
8.* O exame do facto é sobre a objectividade do acto e
não sobre a subjectividade do agente que abusa ou excede-se.
4." Entretanto nos termos mesmos do art. 35 $ cit.
pode haver no caso nfio justificativa, mas simples attenuante
conforme o cod. pen. quando diz :
« Art. 42. Sfioclrcumstanciasallenuantea:
« | 4.o Ter o delinquente commctldo o crime nppondo-se
\é execução de ordena illegaes. '
Aquelle caso (do art. 35 $ 2°) 6 uma espécie de pendant
do art. 125 do cod. (a art. 82 do cod. do proc. crim.). Desde
que o legislador autorisa o agente da autoridade a matar até
aos que resistem ás ordens legaes, deveria ontoriâar, como
autorisa, a resistência por parte do cidadfio as ordens
illegaes. *
EfTcctivamente repele-se nas nossas leis :
« Art. 91. Si o réo resistir com armas, o executor fica
autorisado a usar daquellas que entender necessárias para
sua defesa e para repeli ir a aggressfio, o em tal conjunctura
o ferimento ou marte do réo é Jtíitijtcaoel, provando-se que
de outra maneira corria risco a existência do executorC.
do Proc. art. 182; C. P. art. 125. »
(junudo redigimos em 1889 um ante-projecto da nova
edicçfio offlcial do cod. crim. de 1830, neste ponto dissemos
o seguinte :
Nfio substitui esta disposição,«art. 116 do cod. crim.
anterior (art. 125 do cod. pen. vigente) pela do art. 182 do
cod. doproc. crim., porque este ultimo cod. parece alludlr
a um caso de crime justificável (cod. crim. art. 14, cod. pen.
arte. 32 e 35), ao passo que o cod. crim. indubitavelmente
allude ao caso de nfio criminalidade (cod. crim. art. 10 § 3
o
,
cod. pen. art. 27 $ 5
o
); e tanto assim parece que no meu
linsaio de Direito Penal (pag. 98) considerei como conceito
legal da violência prevista no art. 10 § 3" (cod. pen. art. 27
S 5°) o dispositivo do art. 117, no ante-projecto, art. 115,
(art. 125 do cod. pen.).
1
Do autor : COD. PM. COUUKXTAM CIT. TOI. 1° pag. 37, n. 87, 2» rol. pag. 173,
n. 127.
Do autor : ENSAIO PB DIREITO PKNAL, Pernambuco, 1381, pag. 190.
* Consolidação dag lei$ rtfercntet á JUSTIÇA FBUCRAL, Imprens» Na
cional, 1899, pag. 94.
76
Sob o regimen do cod. do proc. crim. a questão o teria
effeitos práticos; mas, avista da lei n. 2033 de 20 de setembro
de 1871, ort. 20, os casos do art. 10 do cod. crim. (cod. pen.
art. 27), sCo do conhecimento e deeisâo do juiz formador dn
culpa, ao posso que os crimes do ort. 14 (cod. pen. arts. 32 a
35) soo soda competência do Jury.
Nõo me julguei também autorisado a incluir no cod. crim.
o art. 163 do cod. do proc. crim. que amplia a dispo-siçfio do
art. 182, porque em todo caso as disposições pro-cessuaes
citadas poderão ser applicadas, como melhor en-tendel-as a
jurisprudência dos tribunaes nas espécies occur-rentes, sendo
certo que o estado actual da legislação parece conciliar-se com
a doutrina do Aviso n. 273 de 7 de julho de 1868. *
5.° Mas agora, como dissemos acima, o regulador deve
ser o art. 229, 2
a
parte, de cod. penal:
« Sflo ordens e requisições illegaes as que emanam de
autoridade incompetente, as que são destituídas das solem -
nidades externas necessárias para a sua validade, ou são
manifestamente contrarias ás leis.»
Este art. 229, assim como o art. 228, relaciona-se sobre o
questão da obediência hierarchica com o art. 28 de cujo
conteúdo tratamos noutros livros.
a
6.° Mas está subentendido que nenhum direito pôde
assistir a quem quer que seja de obrigar um funecionario a
praticar um acto, embora justo, porque a falta que dahi pôde
advir será remediada de outro modo.
7.° Os actos illegaes e arbitrários da autoridade podem
ser considerados, non in ojficio, porque actos violentos sahem
da esphera de suas attribuições; ,e igualmente póde-se dizer
que não são prooter officiam, porque não é acto próprio de
autoridade aquelle que tem provocado a reacção, e mais
próprio do homem particular o exceder-se em injurias e
violências.
3
Portanto, o conceito da resistência está subordinado
naturalmente a certos princípios rigorosos.
Não ha resistência sem ordem legal de autoridade
competente: art. 229.
Assim em vez de um crime, a resistência, nos termos do
art. 35 § 2
o
, pôde ser o simples exercício de um direito.
No caso de excesso haverá crime, masattenuado conforme
a circumstancia do art. 42 § 4
o
.
1
Do autor : NOVA KDICI.ÃO OFFICIAL DO COD. CRIM. DO IMPÉRIO DO BRAZII.
Ante — projecto et-. Recife 1889 ( inédito), art. 116, not. 18.
Do autor: COD. PENAL GOMMENTADO ETO. I
O
vol. pag. 326 n. 79 ; do mesnvi,
DIREITO PENAL DO EXERCITO E ARMADA, Rio de Janeiro 1898 pag. 91 na. 34 e
seguintes.
1
Zanardelli, RELAZIONE II, pag. 40
— 77 —
O regulador, repetimos, 6 o art. 229, parte 2«.
Não ha também resistência na opposição á prisfio em
flagrante effectuada por um particular.
Este principio irrecusável resulta da própria índole da
resistência que presuppõe como extremo ou elemento cons-
titutivo um acto de força dirigido contra a autoridade, seus
agentes ou cidadãos chamados a prestar-lhes auxilio, na
presença de official publico ou por elle acompanhados.
E' a solução geral da doutrina. *
O art. 126 que está neste capitulo do cod. desde que se
referia a todos os outros capítulos do titulo antecedente o
transportamos para ahi e já o commentámos (n. 17 in fine).
Dissemos algures: a resistência foi assumpto de censura
que relaciona o respectivo artigo com outros.
A redacção do projecto (de 1893) art. 160 é a do cod. ant.
art. 116 ; o art. 118 continha um conceito theoric_> im-
próprio e incabível aqui.
A força comprehende a violência e a ameaça, empre-'
gadas por outros códigos. Nem ha uniformidade nessas
expressões, o cod. francez e ode Mónaco empregam também
os termos « cias de facto ».
Quanto á jurisprudência:
« A ordem de prisfio expedida sem as formalidades
legaes ô inexequível e por isso a resistência opposta a sua
execução não constitúe crime. Mas, no caso de flagrante
delicto, toda opposição a ordem de prisfio contra o delin-
quente importa crime » : Acc. Relação Ouro Preto O Di-
reito vol. 9
o
pag. 333
A segunda parte é contra a doutrina, como vimos, sendo
elemento da resistência a eis contra a autoridade.
No sentido da primeira parte e de ambas O Direito,
vol. 10 pags. 58 e 60.
« Não se o crime de resistência á ordem legal, desde
que se não prova a existência de tal ordem»: Accs. Rei. Porto
Alegre 1881 - O Direito, vol. 27, pag. 209.
Nos termos do art. 124 do cod. pen. para que a resistência
se torne delictuosa o basta a opposição manifestada por
violência ou ameaças: é elemento essencial do delicto que a
ordem seja legal e emanada de autoridade competente. Quem
resiste á uma ordem de prisão, dada em caso que a lei não
permitte, não commette crime, exerce um direito»: Decisão
do Dr. Viveiros de Castro, juiz do Trib. Civ. e Criminal — 25
julho 1896.
1
Majno, COMMENTO CIT. Part. 1° pag. 565, n. 960 : Manduca, apvd.
Cogliolo, OBR. CIT., vol. S» Part. K; pag. 1362.
— 78-
« Commette crime de resistência quem se oppõc â
execuçSo de uma ordem legal de autoridade competente »:
Idem idem, 12 junho 1895. *
';
CAPITULO III -
EVASÃO E NAO CUMPRIMENTO DG PENA
I CÓDIGO I
Art. 127. Tirar, ou tentar tirar, aquelle que estiver legalmente
preso, da mão e poder da autoridade, de seus agentes e subalternos,
ou <?e qualquer pessoa do povo, que o tenha prendido em flagrante,
ou por estar oonuemnado por sentença :
Pena — de prisão cellular por seis mezes a um anno. I
Paragrapho único. Si para esse fim se empregar violência, ou
ameaças, contra a pessoa :
Penade prisão cellular por um a quatro ao nos, Art. 128.
Acommetter qualquer prisão com força e constranger os carcereiros,
ou guardas, a facilitarem a fugida dos presos:
§ 1.° Si esta se verificar :
Pena — de prisão cellular por dous a seis annos.
g 2.° Si a fugida não se verificar :
Pena — de prisão cellular por um a quatro annos.
Art. 129. Fazer arrombamento na cadeia, por onde fuja ou possa
fugir o preso, para esse mesmo fim praticar escalada, violência, ou
usar de chaves falsas :
Pena de p *isao cellular por um a quatro annos.
Art. 130. Facilitar aos presos por meios astuciosos a sua fugida :
Pena — de prisão cellular por três mezes a um anno.
I Art. 131. Consentir o carcereiro, ou pessoa a quem for confiada
a guarda, ou aoonducção do preso, que este fuja :
Pena — de prisão cellular por um a três annos.
Art. 132. Deixal-o fugir por negligencia :
Pena de prio cellular por seis mezes a um anno,
§ 1.° Si a fugida for tentada, ou effectuada, pelos mesmos presos,
serão punidos de conformidade com as disposões regulamentares.
§ 2.° Fugindo, porem, os presos por effeito de violência contra o
carcereiro ou guarda : M
Pena de prisão cellular por três mezes a um anno, além de
outras em que incorrerem pela violência commettida.
Art. 133. Arrombar, ou acommetter qualquer prisão com força
para maltratar os presos :
Pena — de prisão cellular por um a quatro annos.
1
Viveiros de Castro, SENTENÇAS E DECISÕES em mtutria ortminu/, Capital
Federal, 1896, pags. 36, 242 e 251.
— 79 —
COMMENTARIO
»4. No começo deste titulo já demos a razão porque neste
capitulo mantivemos no projecto de 1897 as disposições do de
1893, preferindo estas ás do projecto de 1896.
O código no cap. IV deste titulo que encima os artigos do
texto comprehende os crimes que os italianos chamão violada
custodia.
O código é lacunoso e defeituoso neste cap. revisto e
corrigido por todos os projectos posteriores.
O capitulo comprehende varias figuras que se asseme-
lhão acerto ponto, sem que entretanto se deixem de difle-
renciar sob outros aspectos.
Os códigos costumam approximar a eoasão dos presos]
da ruptura do banho; o francez as separa, o nosso faz o|
mesmo, incluindo outras espécies.
O assumpto impõe distincçôes, acarretando consequên-
cias differentes, conforme se trata :
I
o
, de simples detentos : art. 127, 2* hypothese.
2°, de condemnados : art. 127, 3
a
hypothese.
Também entre os arts. do código esse é o único onde elle
se refere a presos de modo a distinguil-os.
Mas ainda é mister distinguir :
I
o
, si o preso se evade por st só, art. 132, §§ 1° e 2° ;
2
o
, ou mediante o auxilio d'outras pessoas : arts. 127 a
130;
3°, ou mediante o auxilio dos que o occultam;
4°, ou com auxilio de agentes do poder publico : arts.
131 e 132,1« parte.
A evasão pôde ser simples ou qualificada, conforme não
haja ou haja violência : art. 127 § único ; arts. 128 a
130el32§§l°e2.°.
A falta de violência isenta da pena o preso, simples de-
tento ou condemnado, porque o digo não distingue, salvo a
do delicto distincto e praticado como meio de evadir-se; ê a
solução do código, art. 132 § 1°.
A ruptura do banho é sempre punivel. A razão é clara, o
detido tem a seu favor o impulso natural da liberdade, mas o
que viola a sentença que não é de privação de liberdade, não a
cumpriria sem a ameaça de uma pena applicavel.
O código penal, entretanto, não os pune, tendo se esque-
cido de reproduzir neste capitulo o art. 54 do código criminal
anterior, sem duvida por achar-se no antigo código em parte
diversa.
A propósito e notando ainda outras lacunas, dissemos
justificando o projecto de 1893 :
O capitulo sobre a evasão de presos foi additado com a
matéria do art. 54 do código anterior e ligeiramente mo-
dificado.
— 80-
No código actual nem figura aquelle artigo, ficando im
pune a evasão do condemnndo com violências contra as
cousas, nenhum accrescimo resultando para a pena.
I Só se sujeitou a pena de violência contra o carcereiro ou
guarda o simples detento, adoptando assim disposição do
código da Baviera, elogiado pelo Dr. Thomaz Alves. *
9 E' uma simples modificação aos códigos revistos. I
Releva notar que o projecto quando se refere ao preso,
comprehende o detento e o condemnado ; é a razão por que
para evitar duvidas os arts. 178 e 179 se referem aos con-
demnados que o novo código não prevê na hypothese e o
anterior no art. 54 punia com excessivo prolongamento de
pena, aliás injustificável.
"
Deve-se notar que essa prorogação da pena se pode
applicar ás evasões violentas e o art. 54 além de não distinguir,
refere-se á evasão da prisão, quando pode ser da mão dos
guardas, de um vehiculo de conducção ou de outro logar que
não seja prisão propriamente dita, mas um estádio da prisão ou
detenção, p >r exemplo.
Si a autoridade, pela sociedade deve guardar com se-
gurança seus condemnados, a fuga artificiosa não é punível ;
porque o sentimento de liberdade, sendo quasi tão imperioso
como o da conservação, por que punil-o f
a
Poder-se-hia vêr como casos de ruptura de banho não
neste capitulo, mas na parte geral as hypolheses do art. 51 e 52
do nosso código penal; mas não se pode considerar como caso
de inobservância ou não cumprimento de pena a espécie do art.
400 do código penal.
Convém notar que o é um caso idêntico, ainda que não
previsto pelo nosso Cod., o daquelle do condemnado que se
ausenta do local onde trabalhava em campo aberto ou de um
estabelecimento industrial, ele, porque ahi pune-se o abuso de
confiança depositada no prófugo. M| Em todos aqutlles casos,
embora a isenção de pena do preso, os terceiros são sempre
punidos, sejam auxiliares ou receptadores.
m Nós não temos receptadores desta espécie muito diffe-
rente da que prevê o Cod Pen., art. 21 §§ 3
o
e 4
o
, conforme
observa Blanche, sobre o cod. francez que contém ambas as
espécies. " I
jse*. Os tratadistas nesta matéria reduzem todas as
espécies deste cap. á eximição, ou tirada, á evasão ou fuga e á
effracção do cárcere, ou arrombamento de cadèa.
» Thomaz Alves, ÀNNOTACÕES AO CODIOO CRIMINAL, 2
O
tora. pag. 372, . 126. *
EXPOSIÇÃO DE MOTIVO» do projecto de 1893, pag. 11.
81 —
OCod. toscano considerava como um caso de rebelliSo,
que elle denomina de resistência, o que intitula de esimi-2'one,
isto é, o facto de livrar algúem pela forra da prisão effectuada
pelos agentes do poder ou da força publica ; è justamente a
figura da tirada qualificada prevista no art. 127 paragrapho
único do nosso Cod. Pen.
E' uma espécie que em certas circumstancias dará lugar a
duvidas na pratica, si deve ahi comprehender-se ou no art.
124, dependendo a soluçõo se é ou não resistência das
condições particulares em que se realizar o facto criminoso.
Neste ponto ha duas questões a resolver.
A primeira é que ha consumação destes crimes quando
o evadido adquire a liberdade, subtrahindo-se de todoe in-
teiramente ao cárcere.
A outra questão é sobre a distincçfio jurídica a que al-
ludimos entre evasão com violência e resistência, hypo-theses
dos arts. 124 e 127 paragrapho único. Este paragrapho contém
um caso de resistência sob o nome de evasão, mas justificável
para as necessidades praticas que aconse-lhão reunir as
espécies semelhantes pelos seus caracteres de c bjectividade.
Mas, rigorosamente, em theoria, ha no caso resistência .
Emquanto o preso está nas mãos dos agentes ou da po-
licia para ser conduzido á prisõo e emprega a força para
subtrahir-se a ella, ha resistência, art. 124, porque elle ainda
não foi recolhido ao cárcere, mas esta é a hypothese do pa-
ragrapho único do art. 127 que está no Cod. sob a outra
epigraphe de «tirada e fugida de presos do poder da justiça,
ele. ».
A evasão só surge quando o individuo é recolhido ao
cárcere e deste momento em diante foge elle dahi ou do poder
dos guardas quando é conduzido para fora da prisão, ou de
um tribunal e suas dependências, da sala de audiências, etc...
isto continua a ser evasão.
Estas distineções têm o maior alcance pratico porque nos
casos oceurrentes é de rigor resolver com exactidão si se trata
de resistência ou evasão porque as penas respectivas dos arts.
124 e 127 são diflerentes n'um e n outro caso..
Em geral, chama-se eximição o facto de subtrahir á
justiça uma cousa ou pessoa sobre a qual ella tivesse posto a
mão e se achasse em uma caserna, albergue, em uma estação
publica ou em casa particular, em qualquer logar, desde que
tratando-se de pessoa não esteja dentro de um cárcere.
O nome de eoasão é dado ao debelo de quem foge ou
faz-se fugir de um cárcere.
2917 a
— 82 —
Distinguem, em&ra, denominando-a de effracção, aquella
espécie de evasão que se commette rompendo uma parte
externa ou interna do cárcere, cuja integridade é objecto do
direito de todos os cidadãos, aos quaes interessa que seja
seguro aquelle logar onde a maior parte das disposições penaes
têm a sua sancção e efficacia pratica. Arrombado o cárcere,
alarma m-se todos com o perigo que não o evadido, mas
outros presos podem sahir, tornando graves e difficeis as
condições da segurança e defeza tanto publica, como privada.
l
O nosso Cod. emprega as expressões tirada ou fugida de
presos e arrombamento de cadêas.
A distincção entre a resistência, art. 124 e a tirada, art.
127, consiste n'uma circumstancia ou condição de tempo. Si a
prisão está realisada ha a tirada ou eximição, si ainda o está,
ha resistência.
A matéria deste capitulo suscita outras questões.
Assim com relação aos presos não comprehende, os que se
acharem detidos por dividas civis ou em casos semelhantes,
como v. g. de detenção pessoal.
A leise refere a factos penaes cuja impunidade acarreta
um prejuizo social.
Depois, a fonte do código foi o nosso código anterior art.
54 que media a pena do evadido pela pena que se achava elle.
cumprindo no momento da evasão.
Do mesmo modo ê assim interpretado o código italiano,
fonte geral do nosso; sendo aliás esta mesma a doutrina geral
dos autores, forçosamente porque seria impossivei calcular
uma pena para quem não cumpre pena alguma.
9
A mesma solução merece a questão de saber, si o que ô
detido para ser extraditado pôde incorrer em taes crimes.
Os autores divergem inclinando-nos á opinião de Blanche
contra a de Ferranti que aliás considera para interpretar o
código italiano que este considerou até certo ponto o facto da
extradicção como um negocio judiciário.
Ora, neste ponto o nosso código penal que refere-se
apenas á extradicção no art. õ°, afastou-se absolutamente do
systema do código italiano, aliás seguido aqui pelos projectos
posteriores. Von Liszt segue a opinião affirmativa quanto aos
prisioneiros de guerra, e negativa quanto á apprehensão feita
por um particular.
3
i Innaraorati, SIM ãélitti eontrp LWMMIMSTRAZIOXE DELIA GIUSTICIA,
R
°
m
*' M^no^BR^Írr. Parte I, pag. 662, n. 1.115, arte. 226 e 227. Blanche & Dutruc,
OBR. CIT., 4
O
TOI., pag. 238, n. 168
» Ferranti, apud Cogholo, OBR. CIT., vol. 2\ parte I A, pag. 128,
n8
2 a 4: von
Liszt, OBR. CIT., vol., pag. 468 ; Blanche, loo. cU., paga. 238 e 241, nt. 168 e
169.
83
Defendendo o nosso projecto de 1893, dissemos:
O titulo « da evasão e nâo cumprimento de pena » remo-
delado como foi e com as variantes que nelle figuram, não
pode absolutamente ser outro.
A censura quando lembra a correcção é sempre infeli-
císsima.
As epigraphes semelhantes dos nossos códigos não com-
prehendíam as figuras—do o cumprimento depena
expressões estas mais precisas do que as do código por-tuguez
—dos que não cumprem as condemnações—. Isto equivalerá
a tirada e fugida de presos ?
Sim, pela cartilha velha, não pela nova
Isto não é mero resultado do delicio de evasão.
O não cumprimento da pena é que pôde ser resultado de
tudo, fallando em geral, mas a evasão comprehende todas as
outras figuras que a censura sem senso critico, nem pratico,
quer caracterisar pelos meios diversíssimos que a evasão
presuppõe. *
Ha uma lacuna no código italiano e nos nossos, graças á
qual não é punível especialmente o facto de alguém consentir
que o preso saia do cárcere abusivamente para qualquer fim,
embora volte de novo a elle espontaneamente.
As autoridades ou os seus agentes, que para isso concor-
rerem poderão ser responsobilisados criminalmente, mas o
facto não constitua crime especial.
2
Quanto á jurisprudência sobre este capitulo: « Não con-
stituo tentativa do crime do art. 123 do código criminal (cod.
penal, art. 129) o simples facto de fornecer aos presos
instrumentos necessários para o arrombamento. Não ha
cumplicidade quando o facto principal escapa ú sancção
penal.» Sentença no Direito, vol. 4°, pag. 275.
a Julgamento em que se condemna o réo ás penas da I
a
parte do art. 125do código criminal (cod. pen., art. 131)| é
nuilo desde que se tiver omittido, em conformidade com o
libei lo, onde deixou ella de ser articulada, quesito sobre a
circumstancia da connivencia, embora haja a affirmativa do
jury sobre a esperança de recompensa por parte do réo como
circumstancia aggravante que é». Acc. Ouro Preto, 1874. O
Direito, vol. 6
o
, pag. 496.
«Tomar pessoa presa em flagrante delido do poder do
official de justiça ou de qualquer pessoa do povo constitue a
espécie do art. 121 do código criminal.
O art. 120 suppõe prisão effectuada em virtude de man-
dado de autoridade competente Acc., Fortalesa, 1876. O
Direito, vol. 12, pag. 154.
1
O PROJECTO DO COD. PB-V., ISTO.. pag. 51.
» Vide Majoo, OBR. CIT., 1» parte, art. 226.
— 84 —
Ambos os artigos correspondem ao 127 do código penal:
«Nfio é passível da penalidade do art. 121 do código
criminal (código penal, art. 127) quem tira da mão e poder de
qualquer pessoa do povo um individuo, preso illegal-mente,
por não ter sido a sua prisão em flagrante e nem estar
condemnado por sentença.
A simples voz de prisão nfio equivale á prisSo em fla-
grante, que não existe sem o termo (auto) do art. 132 do código
de processo criminal.» Sentença no Direito, vol. 30, pag. 75.
« Não constituem os crimes definidos nos arts. 124 e 333
do código penal o facto de um escrivgo demittido não restituir
ao jury a portaria que o demittira e por este fora exigida, nem
também o da recusa de alguém entregara dita portaria, que o
ex-escrivâo lhe confiara.» Acc. do Supremo Tribunal Federal,
27 de abril de 1893. O Direito, vol. 77, pag. 419.
CAPITULO IV
DESACATO E DESOBEDIÊNCIA.
CÓDIGO
Art. 134. Desacatar qualquer autoridade, ou fuoccionario publico, em
exercício de suas íuneções, oflendendo-o directamente por palavras ou
actos, ou faltando á consideração devida o â obediência hie-
rarchi ca:
Pena de prisão cellular por dous ou quatro mezes, além das mais
em que incorrer.
Paragrapbo único. Si o desacato for praticado em sessão publica de
camarás legislativas ou administrativas, de juizes ou tribunaes. de qualquer
corporação docente ou dentro de alguma repartição publica:
Pena — a mesma, com augmento da terça parte.
Art. 135. Desobedecer a autoridade publica em acto ou exercício de
suas funccOes, deixar de cumprir suas ordens legaes, transgredir uma
ordem ou provimento legal emanado de autoridade competente:
Pena — de prisão cellular por um ou três mezes.
Paragrapho único. Serão comprehendidos nesta disposição aquel-les
que infringirem os preceitos probibitivos de editaea das autoridades e dos
quaes tiverem conhecimento.
COMMENTARIO
se. Ocap. V deste titulo do código comprehende o
desacato e desobediência previstos nos arts. 134,135 e seus
paragrapbos do texto.
O desacato seja moral ou material inclue a violência.
85
São duas as suas formas jurídicas que se concretisfio no
ultrage moral verbis ou no ultrage material — injuria re
facta.
O desacato ou ultrage éa injuria atrox ou a injuria realis-
vel in officio, vel propter officium.
Os seus modos de externaçâo são a palavra, o gesto, a
ameaça, ou qualquer outra violência.
Os factores de natureza de ordem geral são a offensa
moral ou material infligida na presença mesmo da victima,
individualidade singular ou collectiva ; o ultrage verbal ou
physico tendo logar propter officium, ou por causa das fun-
cçòes; a existência do nexo do facto comas suas funcções é o
objectivo do delicto que deve integrar-se no attentado a honra
ou á rectidão da autoridade, d'um funccionario publico ou
d'uma pessoa legitimamente encarregada d'um serviço
publico. *
No direito italiano esta forma de delinquir tem duas es-
pécies.
Uma é a offensa, de qualquer modo feita, com palavras
ou actos, á honra, á reputação ao decoro, de um membro do
parlamento ou d'um o/Jicial publico, desde que se pratique o
facto em sua presença e por causa das suas funcções (in-
officio, et propter officium ).
A outra espécie é a de oflender por palavras ou actos, de
qualquer modo a honra, a reputação, o decoro d'um corpo
judiciário, politico ou administrativo na sua presença ou de
um magistrado em audiência.
O nosso código, art. 134, além de usnr d'uma nhraseologia
muito pobre no caso, fundiu as duas espécies n'uma ; ou
antes, considerou uma como aggravante da outra, caracteri-
sando-as tão mal que é difflcil saber si o facto que ella ag-
grava no paragrapho único está comprehendido na primeira
parte do artigo.
Assim, por exemplo, é aggravado o desacato feito em
sessões publicas de camarás legislativas, mas o artigo não se
refere absolutamente a deputado e somente a qualquer
autoridade ou funccionario publico, entre os quaes não se
pôde comprehender o deputado ou senador.
Uma norma commum a ambas as espécies de ultrage, diz
Pessina, seja contra pessoas individuaes, seja contra pessoas
collectivas, é que mio é admittida a prova da verdade, nem da
notoriedade dos factos ou das qualidades attribuidas á pessoa
offendida ; porque uma cousa é discutir a conducta do homem
ou do funccionario publico em homenagem ao principio da
responsabilidade moral dos
< Manduca, apuã Cogliolo c/f., 2° vol. Part. II, pg. 1380; Garraud, oriR.
CIT., 3° vol., pg. 545.
- 86 —
órgãos do poder, mas outra cousa é o ultrage pessoal, que na
hypothese prevista pela lei constitue um ultrage á autoridade
do Estado. *
Esta doutrina adapta-se perfeitamente á nossa lei, não
sopeias razões em que se funda, como também porque o nosso
código, art. 134, calcado sobre o italiano, que lhe serviu de
fonte, silencia, além de que a disposição do art. 318 sobre a
Injuria ediffamação simples, restringe muito, mesmo a respeito
destas, a exceptio veriúatis e a famigerada notoriedade dos
factos, parecendo-nos irrecusável tal solução.
SI o desacatado tiver dado causa ao facto excedendo
por actos arbitrários os limites de suas atribuições, quid
júris t
\
O nosso código silencia também neste ponto, mas a sua
fonte foi o italiano, que em tal caso não admitte desacato.
A'cerca da resistência já vimos também que quando a
ordem exequenda é illegal surge o direito de resistência legal
por parte do cidadõo supposto resistente, como um dos casos
expressos de defesa legitima no art. 35 § 2
o
(ns. 22 e 23).
Por analogia é a solução que damos e nem é uma objecção
a disposiçõo do art. I
o
, 2
a
parte do código, porque o que veda é
que por tal processo ou por paridade se interprete por extensão
para qualificar crime ou applicar-lhe pena.
« Commette os crimes dos arts. 134 e 211 § 1 do digo
penal o empregado publico que abandona o emprego em
desrespeito ás ordens legaes de seus superiores.» Accordao do
Supremo Tribunal Federal de 18 de março de 1896.
2
Esse aresto parece referjr-se ao art. 135, da desobediência
e não ao art. 134, que prevê o desacato, pois que diz, cujas
ordens desobedeceu, mesmo porque o desacato presuppõe a
presença do desacatado, o que não se verificou.
Quanto ao mérito da decisSo, não conhecendo os factos da
causa, entretanto parece-nos muito duvidoso no caso o
cancursus realis da lalta de exacção com a desobediência, que
a proceder teria o effeito de applicar-se-lhe a pena mais grave
no máximo de um dos dous factos puniveis, conforme o art. 66
§ 3° do código.
« As sentenças devem mencionar de um modo bem
expressivo quaes as palavras ou fectos que constituem o
desacato. E' nulla a sentença que se limitou a declarar ter o réo
desacatado a autoridade, sem mencionar em que consistiu esse
desacato.
1
Pesaina, Manuale cit. Part. sec. § 148, pag. 156. *
0 Direito, vol. 70, pag. 75.
87
Não tem applicaçSo o delicto de desacato quando o
conflieto entre o funccionario e o aggressor teve origem non
contemplatione offlcii, mas por um motivo particular.
Para existir o delicto de desacato é necessária a presença
do funccionario desacatado, constituindo injurias as palavras
offensivas dirigidas em sua ausência » : Decisão do Dr.
Viveiros de Castro, juiz do Tribunal Civil e Criminal de 18 de
março de 1896. *
»y. O código no art. 135 refere-se á desobediência.
A desobediência é uma espécie disforme da antecedente;
é a resistência passiva, inerte, quando os crimes deste titulo se
caracterisam ao contrario, principalmente pela força, vis.
Está claro não que a disposição apenas comprehende
com a sua respectiva penalidade o lacto que não estiver pre-
visto em lei com a correspondente comminaçSo, como
também que as ordens, provimentos legaes, prohibições, etc,
emanados da autoridade para serem obedecidos devem estar
de accordo com a lei.
Do contrario assistiria ao cidadão o direito de desobe-
decer que ê uma de suas garantias declaradas nn Constituição
Federal art. 72 § I
o
, que « ninguém pôde ser obrigado a fazer,
ou deixar de fazer alguma cousa, sinão em virtude de lei».
A fonte do nosso código aqui foi o anterior e o vigente
portuguez, art. 188, § I
o
, que reproduziu em parte o anterior
de 1852 que teve também como fonte o nosso de 1830.
Attribue-se como fonte primitiva de todos, segundo Silva
Ferrão, o código da Baviera, que diz :
« Art. 318. Todo depositário da autoridade terá o direito,
para a manutenção do respeito que lhe é devido, de infligir a
todo recalcitrante, um ou dous dias de prisão, sem prejuízo
das penas previstas no art. 316 contra a rebelliâo ou
resistência.»
Esta disposição, lê-se no commentario official, era
necessária, por um lado para dar aos representantes da
autoridade o meio de manter o respeito que lhes é devido por
medidas immediatas, e por outro lado, para prevenir, fixando-
lhe um limite, os abusos desta detenção discricionária.
2
Vê-se que se trata de um poder discricionário, embora em
escassos limites, mas que não se coaduna com o nosso direito.
1
Viveiros de Castro, Sentenças e decisões oits., pags. 23 e 98. * Silva Ferrão, OBR.
CIT., TOI. 5
O
, pag. 53, art. 188; Vatel, CODR PENAL áu royavme de Bavière, Paris,
1852, pag. 211, ar». 318, not. 1.
— 88 —
Também um preceito semelhante ao do nosso código
figura no argentino, art. 237, cuja fonte deve ter sido algum
código hespanhol. * •
E neste ultimo, comprehendendo também outros factos,
figura a desobediência grave no art. 265, sobre cuja disposição
diz um de seus commentadores :
três sfio os artigus que com prebende este capitulo, e
difficilmente os houvera redigido com mais clareza e rigor o
partidário acérrimo de um systema em que em todas as partes
se deacubrisse a mão do governo. o se castigam os
verdadeiros attentados, como sfio empregar armas contra a
autoridade, como os que resistem aos seus preceitos e des-
obedece-os. E não pôde ser de outro modo. Autoridade dis-
cutido, 6 autoridade morta; o sem prejuízo de reclamar! contra
ella em seu tempo e-lugar, não na mais que acatal-a quando
manda, porque de outra maneira seu prestigio e sua missflo
desapparecem. Não o dizemos nós outros, di-zem-no esses
artigos redigidos pelas cortes constituintes mais democráticas
que se tem conhecido e o praticamos Governos mais populares
que teem existido.
A sciencia e a verdade abrem caminho pelo meio das
escolas mais dissolventes. No momento que se trata de garantir
a paz e dar respiro a um palz, victima das convulsões mais
horríveis, os primeiros que se abraçam ás boas doutrinas são os
mesmos que antes acreditavam que ao anti-moral governo se
devia negar até o direito de defender-se.
Si tivéssemos redigido esses três artigos (arts. 263 a 265),
talvez tivéssemos estabelecido algumas dislincções. o é o
mesmo desobedecer a um juiz ou a um governador, que
resistir-se a um agente de policia que não tem a mesma
educação, nem manda como aquelles podem executal-o. Desde
porém que a lei os iguala a todos e os considera com a mesma
representação no exercício de seus cargos, não seremos nós
outros que censuremos esta rigidez. O que ha a fazer é pôr em
pratica o código; mas receiamos que esta ô uma illusão como
muitas outras que teem homens de boa vontade, mas que
tiveram o dom de governar. -
Esta opinião tão enthusiasta, quanto autoritária, não cala
em nosso espirito.
O art. 135, I
a
parte do nosso código applicado criteriosa-
mente é justificável.
Mas o mesmo já nôo acontecerá com o seu paragrapho
único, correspondente ao art. 188 § do código portuguez,
pelo seu rigor n'um palz de analphabetos que não lêem jor-
' Malagarriga, CODIOO PENAL, HTC. BuMins Aire*, 1896, art. 217, pag. 231. »
Uoiunlez y Serram anud Pachocu, oim. <:rr. Ap;>., pag. 197, art. 265.
89 —
naes e menos cartazes com editaes affixados onde quer que
seja.
«A expressão autoridade publica empregada no art. 135
do código penal traduz apenas o conceito de um poder relacio-
nado à uma maneira de dizerem determinadas circumstan-cias
e sem importar distincçâo entre a autoridade propriamente dita
e seus agentes: e assim, attentas, demais,as attribuições
conferidas pela lei aos Inspectores seccionaes, teem estes o
caracter de autoridades publicas.
« Quando, prrtanto, occorrerem contra esses funccio-
narios todos os elementos do crime de desobediência, pode
declarar-se o accusado incurso nas penas do art. 135 do
código penal. » Accordão do Tribunal Civil e Criminal de 16
de maio de 1896. *
Ver também o aresto citado no n. 26 in fine, quando
tratamos do» desacato.
Consignaremos a jurisprudência applicavel ao código
vigente, quando a sua fonte tiver sido o código criminal
anterior devidamente interpretado pelos tribunaes.
Não desobedece à primeira autoridade da província quem
de boa procura esclarecel-a antes de dar cumprimento ás
ordens recebidas ». Accordão da RelaçSo da Fortaleza de 16
de maio 1874.
2
«Para existir o delicto de desobediência, é necessário que
o accusado deixe de cumprir uma ordem legal de autoridade
competente.
O delicto de desobediência deixa de existir quando o
funccionario publico provocou o facto excedendo por actos
arbitrários os limites de suas attribuições» : Decisão do Dr.
Viveiros de Castro, juiz do Tribunal Civil e Criminal de 27
fevereiro de 189J.
3
« E' provido o recurso interposto do despacho que pronun-
ciou o recorrente como incurso no art. 135 do código penal
(desobediência), pelo facto deo ter, como administrador do
Correio, satisfeito uma requisição do juiz seccional, para
apresentação de livros e papeis do serviço eleitoral, atim de
serem examinados.
O recorrente, si não incidiu em crime de responsabili-
dade, não podia responder pelo de desobediência, porque o
ha relação de subordinação entre o recorrente e o juiz que se
deu por desobedecido, sem ter o direito de dar ordens, na
espécie dos autos. » Accordão do Supremo Tribunal Federal
de 15 de junho de 1898.
4
i REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA CIT., vol. 4
o
de 1898, pag. 10S.
» O DIREITO, W>1. 10, pag. 356.
' DECISÕRI B SENTENÇAS OIT., pags. 24 e 76.
* JottispR. CIT. Armo 18Já, pag. 60. n. 63.
— 90 —
CAPITULO V
DA ASSOCIAÇÃO PARA DEL1NQUIR
PROJECTO DE 1899
Art. 160. Associarem-se três ou mais pessoas para commettar
crime:
Pena: prisão com trabalho por um a três anãos, a cada uma delias.
I. SI alguns ou todos os associados percorrerem os campos, ou ca
minhos públicos, armados, ou tiverem armas em deposito commnm:
Pena: prisão com trabalho por dezeseis mezes a quatro annos.
II. Si a associação tiver promotores ou chefes, a pena se, para
estos, de prisão com trabalho por dous a seis annos no caso da primeira
parte deste artigo, e por três a nove annos no caso do numero ante
cedente.
Paragrapho único. A's penas comminadas neste artigo será sempre
annexada a sujeição á vigilância especial da policia.
Art. 151. Será punido como cúmplice todo aquelle que a estas
associações ou a qualquer membro delias ministrar alimento, munão,
arma. Instrumento, guarida, ou lugar pira a reunião.
Paragrapho único. Picará isento da pena aquelle que fornecer
alimento, ou der guarida a algum dos delinquentes, uma vez que snja
seu ascendente ou descendente, quer consanguíneo, quer afflm, cônjuge,
irmão, tio, sobrinho, tutor, pupillo ou cunhado durante o cunhadio.
COMMElàTARIO
»s. Preferimos para texto, no silencio do código o projecto
approvado em 1899 na camará dos deputados e remettido ao senado,
onde pende de estudo, não obstante divergir dos de 1893 e 1897,
arts. 137 a 169 e deste ultimo até na epigraphe que havíamos
corrigido para « associação para delinquir,» que ô mais
comprehensivado que a de associação de malfeitores» do projecto
primitivo, repetida pelo de 1896 e afinal mantida.
Justificando o projecto de 1893 dizíamos:
Uma lacuna séria nos nossos códigos e mesmo em muitos
outros de paizes onde se tem provido no caso com leis especiaes, o
projecto preencheu com os arts. 182 a 184 sobre as associações de
malfeitores.
O projecto teve como fonte o código italiano, arts. 248 a 251 e
o portuguez, art. 263, cujas disposições o projecto simplificou
diminuindo as penas, que naquelles são mais severas. *
A espécie figura nos códigos, desde o francez, art. 265, até os
que serviram de fonte próxima ao projecto, inclusive o belga, art.
322 e o hollandez, art. 140.
I EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO projecto de 1893, pg. 11.
— 91 —
Si se acceitar a theoria da receptação sob a forma do
asylo (art. 21 § 4°); e a da aggraoação da pena pelo simples
facto da pluralidade de delinquentes (art. 39 § 13), é de rigor
acceitar aquella outra forma, porque a génese de todos esses
institutos é idêntica e si se pune o asylo e o «ajuste entre dous
ou mais indivíduos » que são o menos, deve ser punida a
associaçfio, que é o mais.
A lei, do mesmo modo que pune a conjuração (conspi
ração) a mendicidade e a vadiagem, pune a associação para
dennquir. * . Ei
O art-. 140 do código hollandez alargou mais o sentido da
disposição dos projectos que lhe serviram de fonte para
comprehender quaesquer factos além dos relativos á se-
gurança da pessoaedos bens.
2
O código italiano desenvolveu esse svstema, que o pro-
jecto de 1893 perfilhou.
3
Na defesa deste projecto externamos argumentos de que
aqui também nos valeremos.
A duvida neste ponto nfio ê mais possível hoje depois da
completa encyclopedia de Scipio Sighele sobre a pluralidade
de delinquentes, desde o par criminoso até (\ multidão
criminosa, passando pelas associações para delinquir, in-
clusive os terríveis organismos da rnaffia e da camorra
italianas, a mão negra hespanhola, os bandos parisienses
(souteneurs et rodeurs) etc... *
I O núcleo das novas disposições do projecto e que são mais
ou menos as do texto estava na aggravante do ajuste desde o
código criminal anterior, art. 16 § 17, que era uma das
originalidades do mesmo código, o mal interpretada na
nossa jurisprudência por falta de senso jurídico mais des-
envolvido.
Scipio Sighele accusava ha algum tempo a falta de lei e
de theoria sobre a espécie psychologico, quando desde 1884
encarecíamos nós o mérito do código brazileiro de 1830 neste
ponto.
Tentamos essa justa reivindicação, apezar de lhe attri-
buirmos toda a gloria da construcçSo quasi completa da
theoria respectiva.
B
1
Silva Ferrão, OBR. CIT., vol. 5
o
. pg. 346.
• Swinderen, ESQUISBE DU DROIT PENAL ACTUEI, dans Le* Pays lias
et à VEtrangtr, Groningue, 1891-94, vol. 3
o
pag. 125.
1
Vid. Maino, OBR.. CIT Part. I, pag. 703.
Scipio Sighele, LA FOULE CRIMINBLLE, Paris, 1892, LA COPPIA CRIMINALE,
Torino, 1893, LA TEÓRICA POSITIVA DELLA COMPUCITÁ, Torino, 1834.
Do autor: A co-pluralidade de delinquentes na REVISTA ACADÉMICA. Recife,
An. VI, 1896, pag. 19. E" o estudo da questão a que aliado e me-| receu a benévola
citação da parte de Alimena : Jklflmputabilità, Torino, 1899, vol. 3», pag. 689.
— 92 —
Accrescenla vamos em resposta á critica alludida:
Mas as velieidades de críticos phantasistas e superfl-claes
devem nos reduzir a um bando de carneiros de Pa-\ nurgio
para adoptar dos outros as velharias próprias dos museus de
archeologta jurídica.
0 que o illustre censor nfio apprehendeu é que para evitar
duvidas na pratica ê que a epigraphe dos artigos sobre o
fecundo Instituto se deve afastar do código francez, para
generalisal-a mais, como fizeram os códigos belga, hollandez e
Italiano, declarando-se em vez de associação de malfeitores
associação para delinquir —'o que ô mais comprehenslvo,
porque abrangerá o associado que nfio for ainda um malfeitor
no momento de formar-se a associação. *
Nfio vale a pena contestar os contraproducentes argu-
mentos do illustre censor neste ponto, porque constituem um
circulo vicioso, isto é, negam os extremos das espécies
respectivas, o que equivale o nfio se fazer fogo por 99 razões,
sendo a primeira a de nfio ter pólvora. *
Numa palavra, em geral taes cssoclações constituem
mesmo por si sós um facto criminoso especial e nfio sfio mais
do que toda a reunião ou antes o facto de se concertarem
diversos individuos, organisando-se hlerarchicamente ou nfio,
com chefes ou nfio, para commetter crimes in genere e nfio
certo e determinado crime, facto previsto este pelas normas
gerats do código sobre co-autoria, compacidade e ajuste.
Aqui o facto nfio ô nem coparticipação criminosa, nem
oggrovante em qualquer espécie, é. o facto da associação per
se, que o art. 150, I
a
parte do texto pune quando o associarem-
se três ou mais pessoas para commetter crime ».
Antes mesmo de haver praticado qualquer acto, a asso-
ciação é criminosa e incorre em pena pelo facto único de se
haver constituído para taes fins sinistros
Para surprender, portanto, diz Carrara, esta figura de-
lictuosa, se exige o concurso de cinco ou mais pessoas (o
nosso texto exige apenas três) e o objectivo de delinquir, ainda
que tal objectivo nfio seja determinado.
Essa é a figura principal contida na norma geral do art.
150, principio.
O n. 1 do mesmo artigo prevê uma aggravante : « Si
algum ou todos os associados percorrerem os campos, ou
caminhos públicos armados ou tiverem armas em deposito
commum .»
1
Garraud, OBR. OIT., 4
O
vol., pag. 80.
1
REVISTA ACADÉMICA, Kecife, An. IV. 1894, pag. 187.
«£.
— 93 —
SI um ou mais dos associados teem armas e o outro ou os
outros não as teem, estes nltimos devem saber ou conhecer tal
circumstancia material, do contrario ella não poderá
prejudical-os.
A outra aggravante do n. lido art 150 ô a dos promotores
ou chefes e contra estes.
A associação pode ler ou deixar de ler um ou mais chefes.
Ha ainda a respeito destes o concurso das duas mencionadas
aggravantes para elevara pena.
O paragrapho único prea pena accessoria da vigilância
especial da policia.
O art. 151 contém um caso de complicidade constituído
pelos factos de auxilio que enumera
O paragrapho único estabelece a isenção da pena a favor
daquelIas pessoas conjunctas do réo que se acharem no gráo
de parentesco taxativamente determinado.
A fonte dos arts. foi o código italiano. *
Entretanto seja-nos licito consignar aqui que os projectos
de 1893 e 1897 avantajam-se neste ponto ao de 1899, cujo
texto acabamos de analysar, porque :
1.° A definição do art. 15') nem inclue a condição essen-
cial de punibilidade, «pelo facto da associação», parecendo
que se trata de um caso de coparticipação commum ou geral e
ainda mais porque se falia de commetter crime e não crimes
no plural.
« Abri qualquer código ou trat8do de direito penal, diz
Sighele, e achareis que a associação de delinquentes, quando
seja composta de um certo numero de pessoas e tenha por
escopo commetter uma serie de delictosé considerada o
como circumstancia aggravante, como também « como crime
por si independentemente do facto que os delidos ideados
por seus membros tenham sido ou não tenham sido
commettidos». *
Alias a circumstancia é salientada nos códigos por-tuguez
e hollandez e mais ainda no belga e italiano.
2.° Porque os projectos consignaram penas mais severas,
attenta a gravidade do facto.
3.° Porque os projectos consideravam o facto da asso-
ciação como uma aggravante para os crimes commettidos
pelos seus membros e uma aggravante especial coordenada
com o crime, o que não ê efficazmente supprido pela
aggravante geral do ajuste, como a que é prevista no código,
art. 39 §13.
1
Vi d. Carrars, COMMKNTO CIT., pag. 158, arls. 248 a 251-
' Sei pio Sighele, LA TEÓRICA POSITIVA DELLA COUPLICITÃ CIT., pag. 3.
— 94 —
TULO III
DOS CRIMES CONTRA O LIVRB GOZO OU EXERCÍCIO DOS
DIREITOS IND1VIDUAES
CAPITULO I
DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL
I CÓDIGO
Art. 179. Persegui* alguém por motivo religioso ou politico :
Pena de prisão cellular por um a seis mezes, além das mais
em que possa incorrer.
Art. 180. Privar alguém Ue sua liberdade pessoal, impelindo
de fazer o que a lei parmitte, obrigando a fazer o que ella não
manda :
Penade prisão cellular por um a seis mezes.
Paragrapho único. Si para esse fim empregar violência, ou
ameaças :
Pena a mesma, com augmento da terça parte, além das mais
em que incorrer pelos actos de violência.
Avt. 181. Privar alguma pessoa da sua liber lade, retendo-a por
si ou por outrem, em cárcere privado, ou conservando-a em sequestro
por tempo menor de 24 horas :
Pena do prio cellular por dous mezes a um anno.
§ 1." Si a retenção exceder desse prazo : H Pena — de
prisão cellular por seis mezes a dous annos.
§ 2." Si o criminoso commettero crime simulando ser autoridade
publica, ou usando de violência :
Pena — a mesma, com augmento da terça parte.
Art. 182. Causar á pessoa retenda, ou sequestrada, mãos tratos,
em razão do lugar e da natureza da detenção, ou qualquer tortura
corporal :
Pena — de prisão cellular pir um a três annos.
Art, 183. Si aquelle que commetter o crime de cárcere privado
não mostrar que restituiu o paciente ã liberdade, ou não indicar o seu
paradeiro : I Penade prisão cellular por dous a doze annos.
Art, 184. Frometter, ou protestar, por escripto assignado, ou
anonymo, ou verbalmente, fazer a alguém um mal que constitua
crime, impondo, ou o, qualquer condição ou ordem :
Pena — de prisão cellular por um ou a três mezes.
Paragrapho único. Si o crime fôr co-nmettido contra corporação,
a pena será applicada com augmento da terça parte.
Art. 289. Tirar, ou mandar tirar, infante menor de sete annos da
casa paterna, collegio, asylo, hospital, do logar emtim em que é
domiciliado, empregando vioncia ou qualquer meio de seduão :
Pena — de prisão cellular por uni a quatro annos.
Paragrapho único. Si o menor tiver mais de sete, porém, menos de
14 annos :
Pena — de prisão cellular por um a três annos.
Art. 290. Sonegar, ou substituir, infante menor de sete annos :
Pena — de prisão cellular por um ou quatro annos.
95 —
Paragrapho único. Em igual pena incorrerá o encarregado da criação e
educação do menor, que deixar sem causa justificada de ápresental-o,
quando exigido, a quem tenha o direito de reclamai-o.
Art. 291. Aquelle que, tendo commettido qualquer dos crimes supra
indicados, o restituir o menor, soffrerã a pena de prisão cellular por
dous a 12 annos.
COMMENTARIO
S9. A. numeração deste titulo não corresponde á do
código penal, que é o 4°, porque elle intercalou entre este e o
anterior o dos crimes que elle chama contra a tranquillidade
publica (incolumidade).
Relatando o projecto de 1893, notámos que o código
aceumulara mal em um titulo matéria pertinente a três títulos
diversqs.
A matéria deste titulo IX do código penal excede em
parte de sua própria epigraphe; revendo-a, reconheceu-se no
projecto que ella deve ser distribuída por três títulos differentes,
sendo de notar que, si o código anterior não está isento de
censura na parte a este correspondente, é certo que o novo
aggravou o defeito desde que ampliou e additou a mesma
matéria, accumulando elementos inteiramente heterogéneos.
Assim, propriamente neste titulo, só podem ficar com-
prehendidos os capítulos relativos á bigamia, casamento
contra a lei, e suppressão, troca e supposição de estado que
constituem factos contrários aos bons costumes c a ordem na
família.
Pífio é posivel absolutamente no mesmo titulo incluir la
subtracção de menores, que, si remotamente, si se quizer,
poderá offender o seu estado civil, offende immediata e prin-
principalmente a sua liberdade individual e ê em geral um j
facto contra a liberdade, sendo este o titulo e aquelle o sub-
titulo em que podem ser enquadradas as disposições relativas
ao objecto de que se trata.
Também excedem de muito a comprehensão do titulo IX
do novo código os factos de abandono de menores e de
pessoas doentes e em perigo por identidade de razoo.
Trala-se de factos que só podem ser classitiicados no
titulo dos crimes contra a pessoa.
Isto pelo que toca simplesmente á classificação.
l
E* por isso que no texto deste figuram os arts. 289 a 291
logo depois do art. 184, porque a matéria de todos é a mesma.
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS do projecto de 1893, pag. 18.
-96 —
Também o capitulo não corresponde na numeração
porque elle incluiu no 1° deste titulo os crimes chamados]
eleitoraes, de que já tratámos no titulo I
o
.
Os projectos posteriores tiveram o código vigente como
fonte, mas melhorada pela fonte commum principal, o código
italiano.
As differenças serão notadas pela comparação e expli-
cação do texto do código com os trabalhos preparatórios da
revisão delle.
Trata-se aqui neste titulo dos crimes chamados contra a
liberdade, em geral, sob todos os seus aspectos e relações,
menos o politico de que nos oceupámos, conforme classi-
ficação que reputámos preferivel.
No primitivo projecto de 1893 justificando a redacção
deste mesmo titulo, cuja epigraphe aliás ê a mesma do código,
porque se coadunava com expressões já usadas no nosso
direito, dissemos :
Todo este titulo foi compilado do novo código penal,
evitando-se, porém, minudencias escusadas e eliminando-se
algumas das disposições processuaes, oriundas do código de
1830, que lhe serviu de fonte, e como se sabe foi publicado na
falta do código do processo, que só appareceu em 1882.
Entretanto, fez-se nelle correcções, tendo em vista o có-
digo anterior e o italiano, que lhe serviram de fontes e preen-
chendo lacunas, como a da falta de disposição para o plagio e
outros attentados contra a liberdade, que o novo código
considera sob o ponto de vista muito estreito editando penas
irrisórias, salva a aggravação do art. 18'S, cuja criminalidade
correspondente dificilmente a tornará uma realidade com a
punição. *
Sobre a classificação geral das matérias deste titulo aqui
mesmo, poder-se-hia duvidar, si comprehendendo as respe-
ctivas disposições a saneção penais favor de direitos garan-
tidos por declaração da Constituição Federal, não seria mais
própria a collocação delias no titulo dos crimes políticos,
concernentes á segurança interior do Estado.
Mas a objecção não colhe, porque o não se trata de
factos de leso-govemo, contrários immediatamente á causa
publica, como também porque, as disposições não affectam o j
cidadão tanquam talis, mas o homem, o individuo, estrangeiro
mesmo, cujos direitos a Constituição Federal garante quasi tão
plenamente como as do nacional, uma vez que habitem o nesso
território.
São direitos naturaes, que a lei garante: a liberdade pes-
soal, de consciência e culto, a inviolabilidade de correspon-
dência e de domicilio e a liberdade de trabalho.
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS do projecto de 1893, pag. 11.
hJtitfiáitfiÉ2L* *%
— 97 —
E como muitos desses ataques a esses direitos e liberdades
são abusivamente commettidos por fuuccionarios públicos, os
projectos posteriores ao código prevêem isso mesmo para
aggravar as penas correspondentes; o que o fez o código
penal neste titulo, si não limitadamente, omittindo a sancção,
nestes casos, dos direitos garantidos pela Constituição Federal
contra os factos attentatorios da liberdade em geral.
Feitas essas observações a matéria geral do titulo, pas-
semos á do capitulo que comprehende os artigos do texto do
código.
30. Um modo geral de attentar contra a liberdade indi-
vidual é o de usar ou empregar aquella violência, seja physica
ou moral, que os juristas chamam particular ou privada, a
qual constituo um delicto per se e com o qual ou por meio do
qual se constrange alguém a /aser, omittir ou soffrer que
outrus facão qualquer cousa, a realização ou omissão da qual
não represente ou constitua uma violação especial da lei e não
seja um crime mais grave.
A pena varia de importância, conforme o intento seja ou
não attingido e conforme as violências ou ameaças tenham
sido praticadas por meios mais ou menos perigosos.
E' a chamada ameaça coercitiva.
E' a sancção mal formulada, por limitada, do texto do art.
180 do código penal e que dá effectividade a um axioma
inscripto na Constituição Federal, quando consigna na rfc-
claroção de direitos:
« Art. 72. A Constituição assegura a brazileiros e a es-
trangeiros residentes no pais a inviolabilidade dos direitos
concernentes á liberdade, a segurança individual e á pro-
priedade , nos termos seguintes :
« § 1.° Ninguém pôde ser obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma cousa senão em virtude de lei.»
O art. 179 contém uma disposição que caberia melhor no
capitulo seguinte, mas aliás é supérflua, porque a formula 6
vaga e o lim que visa está prevenido n'outras disposições
relativas aos crimes politicas, ou contra a ordem publica, por
exemplo, os dos arts. 119 e 165, ajuntamento illicito e
coacção do voto; assim como aos contrários á liberdade em
geral neste titulo. O código penal omittiu aqui a disposição do
art. 179 do código penal de 183), sobre a reducção de pessoa
livre á escravidão, a que alludimos referindo-nos, com as
palavras da respectiva exposição de motivos ao projecto de
1893, art. 185, que restabeleceu essa figura de crime.
A Corte de Appellação da Capital Federal, ouvida sobre o
projecto, disse nesse ponto pelo órgão de sua illustre com-
2317 1
-98-
mÍ8sfio e pranteado relator Desembargador António de Souza
Martins:
« Nflo ha razflo de ser para o disposto neste art. 185
reduzir alguém a escravidão não por haver a lei n. 3.353,
de 13 da maio de 1888 declarado extincta a escravidão no
Brazil, como porque a genérica disposição do art. 188 do
projecto comprehende o que naquelle se quiz exprimir.» *i I
Referindo-nos oo assumpto e a outros deste capitulo contra o
projecto de 1896, defendendo oquelle e mantendo a questionada
disposição no substitutivo tle 1897, dissemos:
A nflo ser quanto ás penalidades, nflo ha alterações quasi
no primeiro capitulo deste
-
titulo.
Mas, convém notar, é Impróprio delle a figura do art. 154
repetida no art. 339 da nova redacçfio e em contradicção com
a do art. 153.
Sem razflo também supprimiu-se do projecto a figura do
plagio, conforme ja havia opinado a Corte de Appellaçflo
desta Capital.
O art. 186 do projecto primitivo nflo suppre a falta do art.
185; a provado contrario está nos arts. 146e 145 do Código
italiano.
Neste código, assim como em muitos de primeira ordem,
figura o plagio; bastando citar o allemfio, art. 234; húngaro,
art. 324; hollandez, art. 278; portuguez, art. 328; e assim, o
austríaco, sueco, norueguense e outros citados nas obras de
legislação comparada. -
A' vista do exposto, se reproduz no substitutivo o
projecto primitivo, porque este consagra a detenção e em
alguns casos abaixa muito o nimo da pena para melhor
gradual-a.
s
*
E os citados códigos europeus modernos que conteem tal
disposição e as leis como as nossas, repressivas do trafico de
escravos ainda nflo destinados ao nosso paiz ? O plagio
continua a ser crime.
Si o trafico de escravos, do mesmo modo que a pirataria,
por sua monstruosidade de attentados contra o género humano
deve ser punido por todas as nações civilisadas, com maioria
de razflo se deve punir o crime de que é objecto a eondiçõo
livre do habitante do paiz, reduzido á escravidão ou condição
análoga.
Sobre a disposiçõo parallela do Código italiano diz Pessina,
que a norma veiu completar as determinações do respectivo
Código da marinha mercante (arts. 335 e 446) sobre o trafico
de escravos.
1
PARECERES SOBRE O PROJECTO DE 1893, Camará doa Deputados, Imprensa
Nacional, 1895, pag. 4.
a
Swinderen, OBR. CIT. 2" vol. pag. 135.
' EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS, ETC, de 1897, pag. 9.
afiiLiaàtig^tfy&M^
Desde a abolição da escravidão que montemos a opinião
que aqui sustentamos. I Assim, justificando o ante-projecto
de 1889, dizíamos:
«Suppnmi noart. 179 do código (crim. de 1830), a que
corresponde o art. 186 do texto ( do ante-projecto) os palavras
que se acharem de posse de sua liberdade e ainda o
qualificativo injusto diante da lei n. 3.353 de 1888, á vista da
qual lodos no império se acham na posse de sua Uberdade,
natural ou social, civil e politica; não havendo tombem mais
desde a data daquello lei captiveiro justo, para oppôr-lhe aqui
o injusto como criminoso, sendo todo injusto hoje e portanto
pleonastica a locução — captiveiro injusto.»
As mesmas razões me induziram a dizer: «reduzir á
escravidão qualquer pessoa » e não « reduzir á escravidão
pessoa livre, como assim estava no Código (criminal an-
terior).
Hoje todps são livres no Brazil. *
Os artigos a que acima alludimos, mantidos na redacção
final do projecto de 1899, são o art. 153, que exclue a idéa de
lucro, e o art. 15i, que a inclue, tratando-se neste ultimo de
crime contra o liberdade e contra a propriedade, onde devia
estar sob a forma de extorsão.
Ej Foi eliminado o art. 339, que repetia o 154 do projecto de
1896, como dissemos.
Entrelanto, os crimes que offendem a liberdade individual
em sentido estricto, tirando-a ou diminuindo-a, são todos
aquelles factos criminosos que na doutrina e em alguns
códigos se acham sob o nome de plagio, nas suas varias
formas de violência privada e ameaça.
Este capituio II do código penal é muito lacunoso, tanto
pela falta de disposições adequadas, como pclafl deficiências
nos conceitos das espécies respectivas, além de destacar porá
titulo diverso (V. do código), espécies idênticas por sua
objectividade jurídica, com a aggravante apenas de ser o
agente empregado publico, do que o código offerece exemplos
nos §§ do art. 207, no art. 213 e outros. I A disposição móis
importante do capitulo seria, por sua gravidade, a reducção do
pessoa á escravidão ou outra condição análoga—si não
houvesse a lacuna notada no código e no projecto de 1893.
Entretanto os projectos de 1893 e 1897, aproveitando a
mesma fonte commum, compilaram as varias espécies deste
capitulo do código.
;*i. Os dons elementos geraes constitutivos das espécies
dos artigos do texto são a violência e a (Ilegitimidade da
acção; os meios especiaes empregados, o escopo ou ob-
i Po autor: ANTH-PROJBOTO CIT., art. 186, not. 24.
100
jeclivo e os qualide cies dos agentes e pacientes são as;
condições ou circumstoncios aggrai-antes, ou qualijlcc-tioas.
Conforme a doutrina, as formos de actuação deste crime,
chamado pelos romanos ois pricata são Ires: o arresto, a
detenção e o sequestro da pessoa.
O arresto é o atravessor-se no cominho, no sentido vulgar,
mas deve consistir em opoderor-se de certo modo da pessoa ;
ou, como diz Blanche, é a apprehensão do corpo da pessoa,
privada da liberdade de ir e vir, numa palavra, de se
locomoverá seu lalante. A brevidade do tempo constituo a sua
nota característica; o arresto corresponde ao capere que é
diverso do detincre, havendo uma maior ou menor
continuidade de tempo no facto da detenção.
O cod. no art. 181, I
a
parte, uma definição do arresto,
mas chama-o sequestro.'
Nenhuma differença parece existir entre a detenção e o
sequestro, porque ambos estes actos exprimem um periodo
mais ou menos longo em que é tirada ao individuo a liberdade
de agir. Mas, ha no deter a ideia de impedir a sa-hida do
individuo dum logar dado; entretanto, que no sequestrar o
pessoa dum homem se comprehende o facto de detôl-o em
logar solitário e oceulto a todos, ficando assim mais difflcil
áquella que delle é victima invocar com efficacia o soccorro
dos outros homens.
Pode-se dar como exemplos da detenção, a espécie do art.
181, § I
o
, o do sequestro a do art. 183 do texto, embora ahi os
figuras não surjam nítidas como seria de desejar; assim como
ambas as hypotheses no art. 207, ns. 9 e 12, referentes aos
funecionarios públicos. Entretanto, entre os duas figuras outros
vêem característicos diversas.
E' assim que, ainda Blanche observa, que a retenção da
pessoa arrestada chama-se mais particularmente detenção,
quando ella tem lido logar numa casa de correcção, e
sequestro, quando ella se opera numa casa particular que será
ou a da pessoa arrestada ou a do individuo culpado do seque.-
t.ro, ou mesmo a dum terceiro. *
Realisa-se o crime: quer pela abduetio de loco ad locum
de que offerecem exemplos as espécies dos arts. 289 e 290, I
a
parte, e 207 n. 12; como per obsidionem, exemplos os arts.
181, I
a
parte, 207, n. 9 e 290, 2
a
parte; —o que quer dizer não
a captura e transporte para um certo logar, como tambe.n a
retenção num logar dado.
E' indifferente a abduetio per vim, ou per insidias : de
uma e outra, ha espécies nos arts. 180, paragropho único, 181
§ 2° e 289, I
a
parte. Esta forma criminosa não se confunde,
i Blanche & Dutruc, Omi. OIT. 5
O
vol. pag. 294 na. 231 e segs.
— 101 —
nem com o rapto para fim libidinoso, nem com o sequestro,
para extorquir, como fez o projecto de 1836, conforme acima
vimos.
Garraud, de accôrdo com Farinocius e com Chaveaux ej
Hélie, define, em gerai, ocrime de que tratam os artigos do
texto, queelle appellida de cárcere pricado: o facto de haver,
sem direito nem qualidade, e sem que haja havido arrestação
prévia, retido um individuo, isolando-o de toda a com-
municação.
Os elementos que os constituem são: 1°, um facto de
arrestação, detenção ou sequestro', 2
o
, a illegalidade do
facto; 3
o
, o dolo especifico.
vimos em que pôde consistir o facto, convindo notar
que a arrestaçSo é um crime instantâneo e a detenção e o
sequestro crimes contínuos, cuja prescripção não começa a
correr sinão do dia em que tiver cessado a detenção ou o se-
questro illegal.
A illegalidade do facto é também essencial, porque si se
tratar duma arrestação de um individuo em flagrante delicio,
não J ia verá crime, desde que 6 o exercício duma faculdade
concedida pelas leis ao cidadão, e ao que allude mesmo o cod.
pcn., nos arts. 127 e 207, n. 14.
O terceiro elemento é o dolo especifico para excluir casos
parecidos, mas que não são criminosos, como são os dos pais,
mestres e semelhantes, na medida necessária para sanc-cionar
a própria autoridade com a precisa moderação para não
degenerai" em sequestro arbitrário, caso previsto no art. 14,
§6° do cod crim.de 1830.
1
Não tendo o cod. vigente reproduzido a dirimente, não
quer dizer que ficou ella eliminada do nosso direito, porque é
admittida por lodos os autores, em falta mesmo de lei ex-
pressa.
A mesma solução deve ser dada aos incumbidos da
guarda dos loucos, e a respeito destes, com tanto maior rigor
quando o cod. pen., no art. 378, pune como contravenção
deixar vagar loucos confiados á sua guarda, ou quando eva-
didos de seu poder, não avisar a autoridade competente para
fazel-os recolher,ele...
Haveria, porém, detenção arbitraria si sob o pretexto de
supposta loucura fosse internada em um asylo do alienados
uma pessoa de espirito. O cod. pen., art. 252, pune o que
para tal der um attestado falso. *
Portanto, não ha aqui o crime sem a condição de (Ilegi-
timidade.
A livrança do detido ou retido não elimina o crime.
1
Do autor : COMMENTARIO, ETC. Recife 1SS9, n. 92, pag. 5:93. » (iarraiid,
OBR. crr. vol. 4
o
, pag. 574, n. 542.
102
Isso pôde ser uma attenuante, tenforme todos os proj jectos
; silenciando o código.
E' indifferentc á substancia do crime o tempo maior ou
menor da detenção ou retenção; o escopo licito ou illicito,
conforme Q consciência do criminoso.
A primeira condição pôde fazer variar a pena: arls. 181, §
1°, e 183 e 291.
Outras aggravantes figuram nos arts. 181, § 2°. sobre
violência ou insidia e no art. 182 sobre sevícias; esta mal
formulada para applicação da lei no caso de um concursual
delictorum, Isto é, concorrendo ao mesmo tempo a privação da
liberdade e as lesões pessoaes que podem ser de diversa
natureza.
o». Sobre a ameaça, o código não pôde ser mais de-
feituoso no art. 184.
Elle ahi a conceitua muito deficientemente e sem graduar
as penas, conforme as respectivas modalidades ensinadas pela
doutrina.
Mas, ao mesmo tempo, parece que elle havia dado outro
conceito da ameaça no § do art. 180, mas incluindo-a na
privação da liberdade, o que é muito differente.
A phraseologia do cod. pen. é que lança a confusão nas
espécies.
No art. 180 trata-se do que chama-se violência privada ou
particular, embora a primeira parte do artigo exclua o elemento
essencial, a ris; no art. 184 é que o cod. trata da ameaça
propriamente dita.
A espécie mal definida no art. 180 figura em lodosos
projectos e no art. 159, de 1899, como parallela á do art. 154
do cod. ital., chamada intimidação coercitiva, a via prioata dos
romanos, a ameaça com injuneção, do cod. francez, as cartas
ameaçadoras do direito inglez, etc.
Este artigo, diz Garrara, contempla os actos de violência e
ameaça praticados contra uma pessoa para constrangel-a a
fazer ou a commetter, ou tolerar que outros façam cousa contra
o querer e o direito da pessoa passiva do crime. A
contrariedade do querer emerge por natureza da Índole do
crime e dos modos por que este é realisado, pois que,| desde
que existisse o consenso, o se poderia foliar nem de
violência nem de ameaça.
Os elementos, portanto, do crime são a illegitimidade da
acção e a violência physica e moral, dirigidas a um dos
escopos indicados pela lei. Este facto constituo um crime por
si mesmo. *
1
Carrara, COHMENTO CIT. art. 154, pag. 97.
I^iMslL _^ri jíyíiiíáfciaài
103
Eis a explicação do artigo dos projectos e do art. 180 do
cod., onde está deslocada a ameaça no art. 181 e o logo
depois daquelle.
Afflm da ameaça para constranger é a ameaça simples
que tem logar sem ser acompanhada de injmicção alguma.
Esta ameaça não lesa directamente a liberdade, mas a lesa
indirectamente, porque perturba a tranquilidade do animo e o
estado de agitação e a incerteza daquelle que não sej cré
seguro na vida ou nos bens tolhe os seus proprlcs
movimentos.
Isso explica os projectos; e o art. 184 do texto, que
considera aggravante o facto de ser feita a ameaça á cor-
poração.
Entretanto, nos códigos e na doutrina, como nos citados
projectos, a ameaça pôde se;- dum damno grave e injusto, ou
qualquer outra de entidade inferior. *
As espécies incriminadas neste capitulo e outras que com
estas se relacionam, são saneções de preceitos constitucio-
naes que, conforme a declaração do nosso Estatuto Federal,
art. 72, § § 1°, 13 e 14, garantem direitos dos indivíduos re-
sidentes no paiz.
Já nos referimos ao § 1°; dizendo os outros :
«S 13. A' excepção de flagrante delicto, a prisão não
poderá execular-se, sinão depois de pronuncia do indiciado,
salvos os casos determinados em lei, e mediante ordem
escripta da autoridade competente.
§ 14. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem
culpa formada, salvas as excepções especificadas em lei;
nem levado á prisão, ounella detido, si prestar fiança idónea,
no caso em que a lei a admittir.»
;TJ
Quanto á jurisprudência sobre este capitulo :
«Para existir o delicto de
cárcere prioado
são necessárias duas
condições : I
a
, um facto de detenção ou de sequestro; 2
U
, a illegalidade
deste facto.
Não commette o crime de cárcere privado quem prende o Individuo
surprehendido em flagrante delicto ou perseguido pelo clamor publico,
pirque em caso de flagrante delicto cessa a garantia individual e
desapparecendo o direito protegido, desapparece a qualificação do delicto
estabelecido para a sua defeza.
E' também necessária a intenção criminosa. Nãocom-meltem, pois,
este crime os pais, tutores, curadores, mestres, detendo como medida de
correcção ou meio preventivo de impedir actos prejudiciaes a seus
próprios filhos ou pes-
1
Vid. Pessina, ELEMENTI OIT. 2
O
vol, paga, 150, 153 e 167.
— 104
soas confiadas aos seus cuidados, comtanto que a medida
não exceda os limites da moderaçõo e nõo tome o caracter
de crueldade e perseguSo: « Decies do Dr. Viveiros de
Castro, juiz do Tribunal Civil e Criminal, de 9 de setembro c
10 de outubro 1895 e 26 maio 1896. *
As ameaços constituem delicto quando traduzem a re-
solflo formal e positiva de fazer mal. Nõo se acham com-
prehendidas nesta hypothese as explosões da basjfia, da
jactância, da vaidade.
Quando dirigidas a funecionarios públicos, ou seus
agentes, no exercio de suas funeções, as ameaços consti-
tuem o delicto de desacato: «Idem, idem, 26 de agosto de
1896. »
CAPITULO II
POS CRIMES CONTRA. O LIVRE EXERCÍCIO DOS CULTOS
CÓDIGO
Art. 185. Ultrajar qualquer confissão religiosa vilipendiando acto
ou objecto de seu culto, desacatando ou profanando os seus symbolos
publicamente:
Pena — de prisão cellular, por um a seis mezes.
Art. 186. Impedir, par qualquer modo, a cjlebração de ceremo-
nias religiosas, solemuidades e ritos de qualquer confissão religiosa,
ou perturbal-a no exercício de seu culto :
Pena — de prisão cellular, por dous mezes a um anuo.
Art. 187. Usar de ameaças, ou injurias, contra os ministros de
qualquer confissão religiosa, no exercido de suas funeções :
Pena de prio cellular, p >r seis mezes a um anuo.
Art. 188. Sempre que o facto fòr acompanhado de violências
contra a pessoa, a pena será augmentada de um terço, sem prejuízo
da correspondente ao acto de violência praticado, na qual também o
criminoso incorrerá.
COMMENTARIO
33. As figuras criminosas do texto comprehendidas neste
capitulo que corresponde ao Ilido tit. IV deste livro do Código
Penal, referem-se aos crimes contra a liberdade dos cultos.
Num Estado livre, todas as crenças legitimamente professadas
devem ser igualmente protegidas coma efficacia que pôde dar a
saneção penal.
1
Viveiros de Castro, Sentenças e Decisões crr. pags. 21, 62, 112
e 183.
» Viveiros de Castro, OBR. CIT. pag. 308.
"** *-frj
105
Assim é que, a Constituição Federal diz:
« Art, 11. E' vedado aos Estados, como á União :
« 2.° Estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exercício
de cultos religiosos.»
I Aquelle principio que representa um complexo de direi
tos e deveres, uns do cidadão e outros do estrangeiro mesmo,
está inscripto por formulas variadas correspondentes a
cada um delles na mesma Constituição Federal, art. 72,
§§ 3° e 5°, 28 e 29 e ainda nos §§6° e 7°. H
Assim é que nestes §§ e se proclama a liberdade de
consciência e independência dos cultos, assim como a século-,
risação dos cemitérios, o que se applica tanto aos nacionaes,
como aos estrangeiros residentes no paiz; dizendo o
Constituição Federal".
« § 3.° Todos os individuos e confissões religiosas podem
exercer publica e livremente o seu culto, associan-do-se para
esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do
direito commurn.
o § 5.o Os cemitérios terão caracter secular e serão
administrados pela autoridade municipal, Jlcando livre à\
todos os cultos religiosos a pratica dos respectivos ritos em
relação aos seus crentes, desde que não onendam a moral
publica e ôs leis.»
E por extensão de taes princípios é que a Const. Federal
ainda estabelece em relação aos cidadãos como coroliarios
certos direitos e deveres nos £§ 28 e 29 sob a sancçõo da
perda de todos os direitos políticos; pois que ella diz no citado
artigo 72:
« § 28. Por motioo de crença ou de funcção religiosa,
nenhum cidadõo brazileiro poderá ser privado de seus direitos
civis e políticos nem eximir-se do cumprimento de qualquer
dever civico.
§ 29. Os que allegarem motivo de crença religiosa com o
fim de se isentarem de qualquer ónus que as leis da Republico
imponham aos cidadãos, e os que acceitarem condecorações
ou títulos nobiliarchicos estrangeiros perderão todos os
direitos políticos.»
Ainda nos §§ 6
o
e 7
o
do mesmo art. 72 se estabelece a
laicidade do ensino publico e a independência absoluta entre
as igrejas e cultos e a União e os Estados, dizendo a Const.
Federal: V
« § 6.° Será leigo o ensino ministrado nos estabeleci-
mentos públicos.
« § 7.° Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção ofíí-
cial, riem terá relações de dependência, ou alliança om
0 Governo da Uniõo, ou o dos Estados.»
1 Entre nós, portanto, o Estado ê não, diremos atheu, mas
leigo, a Igualdade entre as religiões é completa e todas as
confissões estão sujeitas ao direito commurn.
106
No regimen monarchico, antes de 1890, a eousa era
differente com a existência da religião do Estado e as insti-
tuições do Padroado, o regalismo de um lado e de outro lado
uma Igreja privilegiada.
Então ainda navia delictos religiosos, como era entre os
crimes chamadospoliciaes (contravenções), a celebração de
culto dissidente em casa com forma exterior de templo e a
propagação de doutrinas contrarias d existência de Deus ê
d immortalidade da alma!
Assim o código criminal de 1833 dizia:
M
« Art. 276. Celebrar em caso, ou edifício, que tenha
alguma forma exterior de templo, ou publicamente em
qualquer logar, o culto de outra religião, que não seja a do
listado: penas, etc.
Art. 278. Propagar por meio de papeis impressos, lltho-
graphados ou gravados, que se distribuírem por mais de 15
pessoas, ou por discursos proferidos em publicas reuniões,
doutrinas, que directamente destruam as verdades funda-
mentaes da existência de Deus e da immortalidade da alma:
penas etc.»
Hoje em dia em semelhante assumpto, como neste capi-
tulo do digo vigente, o se trata absolutamente de delictos
contra a religião, punidos outr'ora até com os mais atrozes
supplicios aulorisados pelo próprio direito da igreja e de que
era um ultimo resíduo as citadas disposições do código
anterior. Mas o livre exercício dos cultos deve ser espe-
cialmente protegido contra os actos que o entravam? Pôde
haver duvida ?
Si se admilte que o Estado não tem por que preoceupar-se
com as crenças e com os cultos, deve mesmo ignoral-os com-
pletamente, a consequência deste ponto de vista seria deixar as
cousas e os ministros dos cultos sob o império do direito
commum e de não punir de uma maneira particular os actos
que teem como resultado impedir o livre exercício dos cultos.
Seguramente não é sob esse aspecto que o nosso legis-
lador, o francez, o italiano e outros teem considerado os factos
de que tratamos.
Os impedimentos ou estorvos ao livre exercício dos cultos
devem ser punidos, o somente porque esses factos
compromettem a ordem publica, mas ainda porque elles
atacam, como vimos, uma das mais preciosas liberdades
garantidas nas constituições politicas dos povos livres.
O Estado não impõe a ninguém crença ou culto ; mas
respeita todas as crenças e todos os cultos e obriga todos a
respeitarem as crenças e cultos dos seus concidadãos.
Si, pois, a lei não tem que se immiscuir no domínio reli-
gioso, ella deve e pôde garantir a todos o direito que pertence
a cada um de seguir ou praticar qualquer culto conforme suas
crenças.
— 107 -
Em consequência, aquelle que embaraço ou Impede a
liberdade religiosa de um individuo ataca um direito espe-
cialmente collocado sob a salvaguarda da lei social e tor-na-se
por isso mesmo punível.
l
34. Entre nós, com > vimos, a lei protege todos os cultos,
em vez dos autorisados, corno succede em França.
E' mister não confundir a verdadeira e própria liberdade
dos cultos ou religiosa com a livre discussão, que ô uma das
bases fundamenlaes do direito publico hodierno e dos insti-
tuições representativas.
Como sempre, nas espécies do texto, o código penal
alterou mal a sua fonte que foi o código italiano, confundindo
e relacionando sem clareza as diversas figuras entre si.
Os crimes previstos neste capitulo podem ser commct-
tidos:
Impedindo-se ou perturbando o exercício das funcçôes
religiosas, podando também ser commettldo sem violência,
ameaça ou contumelia, desde que haja a intenção de offender
qualquer culto: é a espécie do art. 186 do texto do código.
Duas podem ser as modalidades dessa figura, uma
simples que é a do mesmo art. 186, e outra acompanhada de
violências contra a pessoa que o código refere também nos
outros dous artigos do capitulo, conforme a disposição do art.
188 que cm qualquer caso occurrente deve ser combinado
com os arts. 185, 186 ou 187, conforme o hypothese.
Mas releva notar, tal aggravante do art. 188, em rigor só
cabe no art. 186, como acontece com a disposição parai-leia
do art. 140 do código italiano que coordena logo tal
aggravante no mesmo artigo.
A razão 6 simples:
No art. 185, o desacato, o vilipendio comprehendem a
vis, o ultrage ou é simples ullrege e se acompanhado de
violência, o género desta determinará a punição pelas normas
communsa que se refere mesmo o art. 188 injlne.
No art. 187 está incluída a ois, sendo a ameaça quasi
synonima da violência.
Feita essa observação geral, deve-se ainda notar que o
crime previsto no art. 185 muita vez será commettido por
meio de motim, tumulto e assuada com o fim de perturbar
uma festa religiosa, como prevê o código no art. 119 pr. e n.
4°; entretanto elle deixou esquecida esta condiçõo, ten-do-a
deixado deslocada no titulo anterior.
A outra figura, o vilipendio publico contra quem professa
um certo culto para offender este ou indirectamente o próprio
culto, não existe no código.
1
Garrau 1, OBR. CIT., vol. 4
o
, pa?. 68. Majno, OBR.
CIT , Part. I, art. 110, n. 727, pag 4.
— 108 —
Outra figura é o ultrage a confissõo religiosa pelo vili-
pendio das cousas destinadas ao culto e 6 a prevista no art. 185
do código.
O lugar publico, que é um dos elementos do crime, não é
o templo, mus qualquer lugar pura abranger as procissões,
um funeral e semelhantes, como doutrina o direito italiano e
opina Carrara.
Finalmente, a outra figura é a do art. 187 do código, isto é,
o ultrage a confissão pela offensa aos seus ministros, quer com
injurias, quer com violência no exercício ou por causa de suas
funcções, phrase esta ultima de que o código não usa.
A lei penal consagra também sancções para factos aná-
logos que o código inseriu como contravenções nos arts. 364 a
366 sobre a profanação dos sepulchros ê assim o antigo
sacrilégio converteu-se em figura de forma aggravedora de
desrespeito aos templos e cemitérios, pelo furto, incêndio e
outros crimes contra essas cousas, como v. g. a exhu-j mação
de cadáveres, etc..
Aqui os motivos moraes da incriminação se coordenam
com diversos outros, como os interesses da ordem publica, o
direito de propriedade, os preceitos da hygiene etc...
O perjúrio também não é mais a violação da religiosa,
mas da publica pelos seus effeitos prejudiciaes a ordem
social ou aos interesses e direitos individuaes.
Para concluir, devemos dizer que todos os projectos
posteriores, que aliás tiveram a mesma fonte do código vi-
gente, melhoraram muito este.
Justificando, entretanto, o projecto de 1897 declaramos
que aproveitamos o de 1893, neste capitulo e no seguinte,
porque impõe a pena de detenção, em vez da prisão com
trabalho e a privação do exercício de profissão ou arte.
CAPITULO III
DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS
CÓDIGO
Art. 189. Abrir maliciosamente carta, telegramma, ou papel fe-
chado enderado a outrem, aposaar-se de corresponncia epistolar ou
telegrapbica alheia, ainda que não esteja fechada, o que por qualquer
meio lhe v. nha às os; tirai a de repartição publica ou do poder de
portador particular, para conbocer-lhe o conteúdo :
Pena — de prisão cellulav por um a seis mezes.
Paragrapho único. No caso de ser revelado era todo, ou em parte
o segredo da correspondência violada, a pena se augmentada de um
terço.
jgoyyl
109
Ait. 190. Supprimir correspondência epistolar ou telegraphica
endereçada a outrem :
Pena — de prisão cellular por ura a seis mezes.
Art. 191. Publicar o destinatário de uma carta, ou correspondência,
som consentimento da pessoa que a endereçou, oconWido, não sendo em
defesa de direitos, e de uma ou oulra, resultando dam no ao rernettent-3:
Pena — de prisão cellular por dous a quatro mezes. B Art. 192.
Revelar qualquer pessoa o sigredo de que tiver noticia, ou conhecimento,
em razão de offleio, emprego on profissão :
Pena de prisão cellular ror um a três mezes e suspensão do offleio,
emprego ou profissão por seis mezes a um anno.
Art. 193. Nas mes nus penas incorrerá o empregado do Correio que se
apoderar de carta não fechada, ou abril-a, si fechada, para co-nheor-lhj o
conteúdo, cu commnnical-o a alguém, o bem assim o do teldgrapho que,
para fim idêntico, violar te logra mm a, ou propagar a commiinicação nelle
contida.
Paragrapho único. Si os empregados supprimirem ou extraviarem
a correspondência, ou o a entregarem ou communicarem ao desti
natário : i
Penas—de prisão c-Mlularpor um a seis mezes o perda do emprego.
Art. 194. A autoridade que de posse de curta ou correspondência
particular util is il-a para qualquer intui'o, scj-i, embora, o da descoberta
de um crime, ou prova deste, incorrerá na pena de perda do emprego e na
de multa de : 00,$ a 500$000,
Art. 195. As cartas obtidas por meios criminosos não serão admittidas
em juízo.
COMMENTARIO
3£». Este capitulo corresponde ao IV do código penal
neste titulo e livro e compreliende os crimes contra a in-\
violabilidode dos segredos.
E' um outro grupo de crimes contra a liberdade individual
ou pessoal aquelles cujo objecto é a violação do segredo que
ataca a autonomia do individuo e perturba relações intmas
que a convivência social cultiva.
Elles ferem um direito que a Constituição Federal declara
garantir, quando diz no art. 72 :
« §18. E' inviolável o sigillo da correspondência. » I
Trata-se aqui do segredo epistolar (que comprehende o
telegraphico e telephonico) — e do segredo profissional.
No direito romano, a abertura da carta e papeis seme-
lhantes fechados ou selJados dava logar á aedo injuriarum e á
actio furei; si tratava-se de testamento cerrado, o facto era
punido como crimen falsi; e quando o papel era aberto e
fechado de novo considerava-se o lacto como estel-
lionato.
No antigo regimen da Metrópole portugueza a Orden. do
Liv. 5°, Tit. punia até com a morte em alguns casos a
violaçfio do segredo das cartas e outros!
MO
Historicamente em França é mister chegar á época da
revolução franceza para encontrar sancções garantidoras da
inviolabilidade da correspondência.
Nõo obstante, o direito francez é lacunoso e atrazado
ainda hoje em mais de um ponto, como afíirma Gorraud.
4
O código francez e os que o tiveram como fonte collocQo
taes crimes entre os abusos dos empregados das Postas ou
Correios.
I O nosso código criminal anterior distribuía as respe
ctivas espécies pelos títulos dos crimes por abuso de auto
ridade, art. 129, § 6
o
, e dos crimes contra as pessoas,
arts. 215 a 218. "
O código vigente, porém, seguiu aqui o digo italiano,
fonte também de todos os projectos da sua revisão.
Em geral, o elemento substancial do crime ê a abertura
da carta, lelegramma, ou cousa semelhante que faculta ao
violador o conhecimento do contdo delia, isto é, o que se
confia ao segredo, nos termos do art. 189 do texto do digo
penal.
A primeira figura do crime é « entrar no segredo epis-
tolar d oulrem», o que se pôde verificar de dous modos, ou
abrindo indevidamente carta ou papel fechado não dirigido
ao culpado, ou apoderar-se d'uma corresponncia epistolar
ou tclegraphica de outrem, que o esteja fechada; mas a
ambos estes modos é essencial o fim de cmhecer o conteúdo
da carta ou papel ou da correspondência epistolar ou lele-
graphica.
E' a figura do art. 189 do código penal.
Ha difterea nos dous objectos do crime, mas o fim é o
mesmo, a revelação do segredo e o meio o facto praticado
indevidamente.
Si a carta for tirada com o fim de; lucro, o autor do facto
responderô por furto, conforme a autorisada opinião de
Majno e outros.
a
A lei considera uma circumstancía aggravante deste de-
lido o facto da revelação do segredo, que ê a hypotbese do
paragrapho único do citado art. 189.
Mas não exige, como faz o digo italiano que a reve-
lação cause damno, exigência que aliás fazem os projectos
de 1893 e 1897 e que o projecto de 1893 transmudou, para
prejuízo resultante o da revelação, mas do conheci'
menltif
Tamm o art. 189 do cod. o generalisa o damno
consequencial causado ao destinatário a outras figuras sinão
u do art. 191. Os projectos de revisão corrigiram isso.
1
Oarraud, onn. CÍT., vol. 3", pag. 431.
1
Majao,
OBR. CIT., I, pag» 470.
isyy **&
- hi -|
A outra figura é commettida, nfio com o apoderar-se do
segredo, mas com « a suppressfio da correspondência epistolar
ou telegraphica», ainda que o se tenha procurado conhecer o
conteúdo delia.
E' a espécie do art. 190, do texto, que nfio quer dizer
destruição somente, mas qualquer facto que impeça a com-
municação entre o expedidor e o destinatário.
Aqui ocod. não contempla a aggravante do damno que os
projectos generalisaram.
A terceira figura é o facto de « abusar d'uma correspon-
dência epistolar ou telegraphica não destinada á publicidade»
dn parte daquelle que desta está de posse, tornando-a publica
indevidamente, quando verifique-se a condição de que o facto
possa causar damno.
E' a espécie do art. 191 do texto, em que o cod. alterou
para peior a disposição parallela de sua fonte, que o projecto
de 1899 adoptou, a exemplo dos anteriores e consiste no facto
de publicar o que estiver na posse de correspondência
epistolar ou telegraphica o seu conteúdo o destinado a
publicidade, de modo que do mesmo facto resulte damno. Os
elementos deste crime são : correspondência não destinada a
publicidade, confidencial', publicidade indevida; damno
potencial ou ejfectivo.
Nfio ha crime, e isto está de aceordo com o art. 191, que
aliás não precisava dizer, si a carta é publicada por necessi-
dade, como exercitar um direito, exhibindo-a como docu-
mento, repellir um ataque, tutelara própria honra e dignidade
em geral, si se trata de favorecer os próprios interesses
legítimos do remettente,
O art. 193 refere-se a taes factos quando praticados pelos
empregados dos Correios e Telegraphos.
As penas, porém, sõo as mesmas e a disposição nfio
acompanha as modalidades das figuras anteriores, não atlende
mesmo ao damno ou prejuízo. Apenas no paragra-pho único
figura uma aggravante sobre a suppressfio, extravio, nfio
entrega ou nõocommunicaçõo ao destinatário, que, como se
vê, são outras espécies do crime.
Todos os projectos posteriores melhoraram o cod. nesta
parte, considerando uma aggravante de todos os crimes do
capítulo a qualidade de empregado de taes repartições.
Ocod. enxertou no seu texto os arts. 194 e 195, sendo este
a reproducção do art. 218 do cod. crim. anterior.
A formula ao art. 194 é muito absoluta e nos casos
admissíveis nella comprehendidos ha penas previstas neste
capitulo, assim como no titulo dos « crimes contra a admi-
nistração publica» e em outros.
Do mesmo modo, o art. 195 parece avedar ao offen-
dido a defesa de seus direitos e isto de algum modo em con-|
tradicção com a espécie de dirimente do final do art. 191.
112
A' vista dessas observões, toes artigos devem ser
cumpridos na pratica com as nmis rigorosos cautelas, uma |
vez que sflo a lei e nfio se lhes pôde negar exccfio.
36. Passemos ao segredo pr< tssional. O cod pen., no
meio dos outros disposições, collocou o art. 192, que prevê
a violação do segredo profissional, mas sem carocterl-sar o
crime devidamente, de modo que pôde dar lugar o puniçfio
d" ura facto lndlfferente ou que o penas viole os preceitos da
moral.
Em resumo, os elementos deste crime sfio a qualidade j
do agente; o revelaçflo voluntário do segredo; elementos
estes dous que o cod. comprehende ou se subentende; e
mais — o segredo que revelado possa causar damno e a falta
de justa causa, sobre ambos os qunés o cod. silencia.
E Isto quando lia grande controvérsia entre os autores
e na jurisprudência acerca dos próprios elementos constitu-
tivos dessa espécie criminosa.
' Todos os projectos de revisão seguiram o cod. itol. cm
augmenlar o penalidade quando o damno, cm vez de sim-
plesmente possível, verificou-se realmente.
Em razão da sua própria afBnidadá 6 que esta hvpothees
criminosa foi collocodo equi entre os actos lesivos da Ínvio-
lo bil idade dos segredos e como um complemento do respe-
ctivfl serie
Entretanto, no cod. fr., art. 378, figuro entre o injuria a |
a dilTamaçAo, e no cod. belga, art. 458, entre os delidos con-
tra as pessoas.
A disposição do nosso cod. pôde dar logar a Ferias difil-
culdodes na applicaçfio, como tem dado o cod francez.
O cod. oliemfio previne o caso no seu $ 303.
Entre esses dous últimos códigos lio muita diffcrença. I
As profissões sfio formalmente designadas no cod. j
«llemfio.
Os aua-iliarea dos proflesionoes sfio submettidos pela lei
mesma á obrigação do segredo.
A pessoa que tem confiado um segredo pôde dispensar
o deposirio do obrigação de calor-sc. :-]
O processo nfio tem lugar si o mediante queixa. Estas
duas ultimas disposições, diz Hallays, modificam Inteira
mente o caracter do segredo profiss que nèo è mais
considerado como de ordem publica. O f e uma po
sição d« - mda s proteger interessei partkrul
O direito francez e feriu* em questões sobre o segredo pro
fissional, r
da intenção de prejudicar para que hojo crime. opj
nifio Je era seguida por Manche contra a jarwprudeno>
iiiPf./íi
dizer do »ile: > do nosso
113
Pensamos que é preferível a jurisprudência franceza na
solução da questão.
Quíd, si o depositário do segredo o revela como testemunha
?
Elle pôde deixar de depor allegando simplesmente o
segredo profissional; mas, si depuzer, não é criminoso, attento
o justo motivo que lhe assiste. E' o opinião de Blanche, que
pôde ser applicada no silencio do nosso código.
Hallays pensa diversamente; e por outro lado sustenta que
haverá delicio, ainda quando a pessoa que tem confiado o
sfgredo autorise o seu confidente a fallar, opinião
inadmissível, porque entra na constituição do delicto grande
parte da protecção ao interesse privado.
A disposição que ora commentamos só e applícavel aos
segredos particulares.
Já tratámos de outros previstos no titulo I deste livro.
O art. 192 comprehende os empregados dos correios e
telegraphos.
Tratando-se de assumpto pouco conhecido entre nós ci-
tamos alguns autores. *
Sobre o mesmo assumpto, parece que ha outras legislações
ainda menos rigorosas que a allemíí.
Na Inglaterra, não somente não ha lei alguma que interdiga
a revelação de segredos, mas parece que a jurisprudência
recusa aos dicos, chamados como testemunhas diante dos
tribuna es, o direito de se abrigarem atrás do segredo
profissional.
Assim, o Dr. Gordon Smith observa que a sociedade em
geral admitte a autoridade dos tribuna es como superior a
todos os obstáculos e a todas as considerações privadas, de
sorte que, cedendo á uma autoridade semelhante, um Homem
de nossa profissão se plenamente absolvido, mesmo na
opinião daquelles que podem ser victimas da revelação.
3
Não se trata aqui do que os inglezes chamam segredos
offlciaes, políticos ou de Estado, que elles punem como se faz
geralmente com o máximo rigor.
3
Finalmente, o nosso código penal avista do seu art. 407 não
excluiu a acção publica dos crimes deste capitulo, quando ella
devia caber nos casos dos arts. 193 e 194, como
estabeleceram os Projectos de 1893 e 1897 e incom-
pletamente o projecto de 1899.
1
Hallays, LE SECRET PROFESSIO.VEL, Paris, 1890, paga, 25, 33 e 53; Blauche,
OBR. .CIT., TOI. Õ°, pg. 606, ns. 4">0 e 451 ; Negri, apud Cogliolo, OBR, OIT.,
vol., Part. I
a
-, pg. 569; Garraud, OBR. CIT., vol. 5
o
, pg. 52.
* Gordon Smith. ANALYSIS OK MEDICAI, EVIDUNCB, pg. 98; Taylor, TRATE SE
MEDICINE LEU ALE, Paris, 1881, pg. 30.
3
Stephen, A. DIOEST CIT., pg. 18, art. 65; Seymour Iíarris, PRINCI-PLES, BTC,
cir. (trad. de Bertola) pg. 44.
2917 8
IH I
Para condemnor o código neste ponto basta considerar que
o próprio offendido pôde ter todo interesse por motivos de
honra, dignidade, credito ou outros que o segredo violado
nfiose vulgarise.
CAPITULO IV
DOS CRIMES CONTRA. A INVIOLABILIDADE DO DOMICILIO
CÓDIGO
Art. 196. Entrar a noite na casa alheia, ou em quaesquer de suas
dependências, sem licença de quem nella morar :
Pena—de prisão cellular por dois a seis mezes.
Paragrapho único. Si o crime for commettido exercenlo-se violên
cia contra a pessoa, ou usando-se de armas, ou por duas ou mais pes
soas que se tenham ajuntado para aquelle fim : M
r: Pena—de prisão cellular por três mezes a um anno, além daquel-
las em que incorrer pela violência.
Art. 197. E' permittida a entrada de noite em casa alheia :
§ 1.° No caso de incêndio ;
S 2.° No de immediata e imminente ruína;
I § 3." No de inundação;
§ 4.° No de ser pedido soccorro ;
§ 5.° No de se estar alli commettendo algum crime, ou violência
contra alguém.
Art. 198. Entiar de dia na casa alheia, fora dos casos permittidos,
e sem as formalidades legaes ; introduzir-se nella furtivamente ou
persistir em ficar contra a vontade de quem nella morar :
Pena—de prisão cellular por um a três mezes.
Art. 199. A entrada de dia em casa alheia ô permittida : I
Si." uos mesmos casos em que è permittida á noite ;
§ 2.° Naquelles em que, de conformidade com as leis, se tiver de
proceder à prisão de criminosos ; á busca ou appreheno de objectos
havidos por meios criminosos ; à investigação dos instrumentos ou
vestígios do crime ou de contrabandos, á penhora ou sequestro de bens
que se oceultarem ; B
§ 3.o Nos de flagrante delicto ou em seguimento de réo achado em
flagrante. '
Art. 200. Nos casos mencionados no § do artigo antecedente se
guardarão as seguintes formalidades :
§ 1.° Ordem escripta da autoridade que determinar a entrada na
casa;
§2.° Assistência de escrivão ou qualquer official de justiça, com
duas testemunhas.
Art. 201. Si o official publico, encarregado da diligencia, executal-a
sem observar as formalidades prescriptas, desrespeitando o recato e o
decoro da falia, ou faltando ã devida attenção aos moradores da casa:
Penas—de prisão cellular por um a dous mezes e multa de 50$
a 100$000.
p Art. 202. Da diligencia se lavrara auto assignado pelos encarregados
da mesma e pelas testemunhas.
Art. 203. As disposições sobre a entrada na casa do cidadão não
se applicam às estalagens, hospedarias, tavernas, casas de tavolagem
e outras semelhantes, em quanto estiverem abertas.
115
COMMENTARIO
3y. No capitulo V do código que corresponde aos textos
acima dos arts. 196 a 203 trata elle dos crimes contra a invio-
labilidade do domicilio.
A casa representa para a vida privada, como diz Pes-stna,
a atmosphero mais necessária a sua própria autonomia :
domus tutissimum cuique refugium atque recepta-culum.
Os inglezes dizem : a minha casa é o meu reino, Afy
house is my king dom.
A inviolabilidade do domicilio esta escripla em todas as
Constituições Politicas dos povos livres como um do dos
direitos mais sagrados da individualidade humana.
Os romanos consideravam como uma das figuras da
injuria realis o ci domam introditire, isto ê, para os romanos
constituía ultraje ou desacato, incluindo a violência, o facto de
entrar à força na casa d'ou Irem.
A nossa Constituição Federal declara como um dos di-
reitos garantidos no art. 72 o de que ora tratamos, na
disposição seguinte :
«S li. A casa 6 o asylo inviolável do individuo ; ninguém
pôde ahi penetrar, de noite, sem consentimento do morador,
si não para acudir a victimas de crimes, ou desastres, nem de
dia, sinfio nos casos e pela forma prescriptos ptr lei.»
E' quasi que sobre a letlrn dessa disposição que foram
calcados os projectos de 1893 e 1897 nas disposições corre-
spondentes ás do código penal neste capitulo e art. 35 § e
39 § 12 do mesmo código.
O domicilio do individuo comprehende estriclamente,
não a sua personalidade, como também a família e e por
isso que os códigos como os nossos distinguem a violação do
domicilio das oflensas a liberdade pessoal. Entretanto reco-
nhecem a união intima entre o domicilio e a personalidade,
como diz Puglia, tanto que qualquer violaçflo daquelle consi-
dera-se como uma offensa feita ô esta ultima e propriamente
como um attentado a liberdade pessoal. E' a razão porque
ambos os grupos de crimes figurão neste titulo do código,
geral sobre os crimes contra a liberdade.
Neste capitulo não se prea violação do domicilio que
serve de meio ou que é meio necessário para commetter outro
crime ; porque, em tal caso, conforme as condições em que se
realizasse o facto, poderiam ter appUcação, segundo a
doutrina e alguns códigos as disposições relativas ao con-
curso de crimes e penas, previsto no art. 66 e seus §§, ou a
clrcumstancin aggravante do art. 39 § 12 —«ter sido o crime
commettido com a entrada ou tentativa para entrar, em casa
do oflendido, com intento de perpetrar o crime»,
116
matérias de que tratamos na Parte Geral qnando commen-
tamos o código n'outra obra sobre essa parte. *
Ao contrario, a figura criminosa para a qual dispõe o
código, arte. 196 e 198, consiste no facto de quem, sem motivo
legitimo (arls. 197 e 199), se introduz ou se conserva na
habitação de outrem, sem licença, ou de modo insidioso ou
clandestino.
Os extremos essenciaes de tal delicto, como diz Puglia,
sSo a introducçfío ou estada na habitação de outrem ou nas
dependências delia ; a falta de motivo legitimo para isso, e a
prohibiçõo ou vontade contraria de quem tem o direito de
excluir aquelle que se permitte ahi penetrar ou estar.
A violação do domicilio pôde ser commettida ou pelo
particular ou por uma autoridade ou agente seu ; considerado o
facto sob o primeiro aspecto, deveria ser collocado entre os
crimes contra a liberdade individual; sobre o segundo aspecto,
entre os crimes que atacam o Estado na sua actividade jurídica
e consistentes no abuso de poder e autoridade dos
funccionarios públicos.
Pessina, seguindo este systema, observa que, quando a
violação do domicilioê commettida por um ojflcial publico, é
violado o respeito que a autoridade deve á inviolabilidade do
domicilio particular. O código italiano colloca bem aqui na
opinião de Puglia também este crime. -
Foi o systema seguido pelo nosso código, que se desviou
delle em outros pontos e por todos os projectos.
O nosso código penal faz duas espécies, arts. 196 e 198,
da entrada na casa alheia, conforme é, a noite ou de dia,
consigna aggravantes para aquella, mas não para esta, quando
em Togar ermo pode ser mais perigoso o assalto ou a entrada
do que á noite em cidades populosas illuminadas a gaz e á
electricidade; sendo que a violência, o uso de armas, e a
pluralidade de agentes devem aggravar o facto tanto á noite,
como de dia; sendo ainda de notar que o logar ermo e uma
circumstancia aggra vante geral, como a da noite e prevista
n'uma só e mesmíssima disposição do código, oart. 39, § I
o
.
Os projectos de 1893 e 1897 simplificaram muito este ca-
pitulo.
Acerca do art. 206 do primeiro, alias remodelado no se-
gundo, disse o parecer da Faculdade de Direito de S. Paulo :
« Desta redacção se conclue ou que a autoridade, quando
entra na casa alheia em qualquer daquellas circumstancias,
abusa, ou então que, nas mesmas circumstancias, pôde abusar
das próprias funeções.»
« Do autor: Cod- Pen. commentado cit., pags. 64 e 3g-j do 2
a
vol. * Puglia,
MANUALB, CIT. 2
O
vol., pag. 62.
117
A critica não procedia, porque o abuso da autoridade está
justamente no facto de entrar na casa alheia nas condições do
questionado art. 206 e sem ser nos casos excepcionaes em que
a entrada á revelia do dono é licita.
O código penal, arts. 197 e 199 a 203, faz uma extensa
casuística para os factos permittidos de entrada, conceituando
o que não é casa, e incluindo disposições meramente
processuaes e até policiaes, comprehendendo tudo oito artigos
!
O que determina a natureza da casa como asylo e cuja
habitação basta para tornar criminosa a entrada arbitraria é o
destino que lhe dá o habitante.
l
Uma casa de negocio ou uma lasca, si ahi não mora
alguém, não é uma habitação.
« 1. ° O principio da inviolabilidade do domicilio não é
tão absoluto que se não possam reconhecer excepções.
2.° Entre estas excepções, segundo o art. 203 do código
penal, estão as entradas em casas de tavolagem e outras se-
melhantes.
3.° Não é passível de qualquer penalidade a autoridade
que no exercício de suas íuncções commette violências, sem
que se demonstre a ausência do motivo legitimo.
4.° Desde que a lei concede a autoridade o direito de dar
busca, nelle se comprehende o de arrombar a porta que o
for aberta á sua intimação e de entrar á força ; e o mesmo
poderá praticar com qualquer porta interior, armário ou
qualquer outra cousa onde se possa com fundamento suppôr
escondido o que se procura : « Sentença do Dr. Lima Drum-
moud, juiz do Tribunal Civil e Criminal de 6 de maio de
1898. *
« A inviolabilidade do domicilio na figura do art. 196 do
código penal tem por extremos essenciaes: 1°, a entrada á
noite na casa alheia ou em qualquer de suas dependências: 2°,
falta de motivo legitimo dos enumerados na lei; 3
n
, pro-
hibição ou falta de consentimento do morador; e não se
confunde com a aggravante » : Acc. da Relação, Minas Ge-
raeSj 3 de fevereiro, 1900.
« Crimes de violação do domicilio, espancamento e cár-
cere privado commettidos por agente de policia (inspector
seccional): saneção penal.
O soldado que, em execução de ordem do referido agente
policial, penetra no domicilio do cidadão e o espanca, é, como
elle, criminalmente responsável e incide nas penas dos arte.
198 e 303 do código penal. Intelligencia do art. 28 com-
1
Majno, Omi. CIT., art. 157, n. S06.
* REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA, CIT., YOI. 4
O
, pag. 347.
- 118 -
binado com o art. 229 do código penal» : Accordfio da Corte de
AppellaçQo, 16 de setembro de 1898. » O projecto de 1898
melhorou a redacção do código, mas incidiu no vicio da casuística
do código e isto mesmo foi mantido no projecto de 1899; por isso é
que, justificando o projecto de 1897, dissemos que a redacção do
projecto de 1896 era por de mais casuística einclue disposições até
processuaes, si nõo puramente policiaes.
CAPITULO V
DOS CRIMES CONTRA A UBERDADE DG TRABALHO
CÓDIGO
Art. 204. Constranger, ou impedir alguém de exercer a sua in-
dustria, commercio ou oflMo ; de abrir ou fechar os seus estabeleci-
mentos e o filei nas de trabalho ou negocio ; de trabalhar ou deixar de
trabalhar em certos e determinados dias:
Pena—de prisão cellular por um a três mezes.
Art. 205. Seduzir, ou ai liei ar, operários e trabalhadores para
deixarem os estabelecimentos em que forem empregados, sob promessa
do recompensa, ou ameaça de algum mal:
Penas—de prio cellular por um a três mezes o multa de 200$ a
500$000.
Art. 206. Causar, ou provocar, cessação ou suspensão de trabalho,
para impor aos operários ou patrões augmento ou diminuição de ser-
viço ou salário:
Pena—de prisão cellular por um a três mezes.
g 1Si para esse fim se colligarem os interessados:
Pena—aos chefes ou cabeças da colligação, de prio cellular por
dous a seis mezes.
§2.° Si usarem de violência:
Pena—de prisão cellular por seis mezes a um anuo, além das mais
em que incorrerem pela violência.
LEI
Art. l.°Osarts. 205 e 206 do código penal e seus paragraphos
ficam assim redigidos:
1.° Desviar operários e trabalhadores dos estabelecimentos em que
forem empregados, por meio de ameaças, constrangimento ou manobras
fraudulentas :
Penas—de prisão cellular por um a três mezes e de multa de
200$ a 500$000.
2." Causar ou provocar cessação ou suspensão de trabalho por
meio de ameaças ou violências, para impor aos operários ou patrões
augmento ou diminuição de serviço ou salário:
Pena—de prisão cellular por um a três mezes.
(Decreto do Governo Provisório n. 1162 de 12 de dezembro de 1890.)
1
O DIREITO, v*l. 82, pags. 260 e 277.
119
COMMENTA.RIO
38.0 cod. pen. começou a vigorar no Districto Federal em
20 de dezembro de 1890, em l°de fevereiro de 1891 em todos
os Estados do littoral desde o Rio Grande do Sul ate o Pae
em Minas Geraes e em 1 de março do mesmo, anno nos
Estados do Amazonas, Goyaz e Matto Grosso, tudo conforme
o decreto do Governo Provisório n. 1127, de 6 de dezembro
de 1890.
Sendo assim, os arts. 205 e 206 do texto do código penal
foram substituídos antes mesmo de sua execução pelo art.
ns. I
o
e 2° do citado decreto n. 1162 que collocamos acima,
logo depois do texto deste capitulo que corresponde ao VI do
código neste titulo.
O decreto foi justificado pelo Governo Provisório com es
palavras que o precedem « considerando que a redacção dos
arts. 205 e 206 do código penal pôde na execução dar logar a
duvidas e interpretações erróneas e para restabelecer a clareza
indispensável sobretudo as leis penaes f.
Este capitulo V corresponde ao VI do código penal e
abrange os arts. 204 a 206.
O projecto de 1893 seguiu aqui em parte o código e a
alteração feita pelo citado decreto n. 1162.
Mas o projecto de 1896 mantido em 1899 seguiu até
certo ponto o decreto n. 1162.
Justificando o nosso projecto de 1897 e alludindo ao do
anno anterior dissemos:
« No V e ultimo capitulo o substitutivo segue a nova
redacção na suppressão do elemento ou condição para ca-
racterisar uma das formas da greve ou paredeM
Em essência o ha porém alterações sensíveis entre o
projecto, a nova redacção e o substitutivo ».
Nós mantivemos o direito vigente, o ultimo projecto re-
produziu o código italiano.
A Constituição Federal na declaração de direitos, art. 72,
diz:
«§ 24. E' garantido o livre exercício de qualquer pro-
fissão moral, intellectual e industrial ,t>
O art. 204, do nosso código penal, cuja fonte foi o código
italiano, art. 165, prevê a coarctação que se faça, empre-
gando-se violências ou ameaças com o fim de restringir ou
impedir a liberdade de industria ou de commercio, destes dous
factores da actividade económica que o código designa pelo
nome geral de trabalho.
Por outro lado, a intelligencia do art. 165 do código
italiano parallelo ao nosso art. 204 é reputada difficil e Majno
opina que elle comprehende todos os casos não com-
prehendidos nos arts. 166 e 167 ou 205 e 206 do nosso código,
assim como que basta a violência e a ameaça com a possi-
— 120
bílidade do evento ou exilo, embora este nõo se produza para
caracterizar a figura respectiva do art. 204 do nosso código.
J
|
Este elemento assim como o negativo de nõo exigir-se a
união de duas ou mais pessoas suo communs ãs outras dis-j
posições deste capitulo.
O outro elemento commum 6 a violência ou ameaça com
as restricções que veremos figurar no digo e no de-crelo
citado.
A figura do art. 204 se distingue das outras em que nelle
se impede ou restringe a liberdade de commercio ou industria,
ao passo que nas outras apenas se lenta aJterar as relações
económicas do trabalho e do capital.
O crime contemplado no art. 204 6 um crime material, e
nõo formal; é mister por isso mesmo que eflecti vãmente se
impeça ou restrinja a liberdade— não se traia de uma coerção
vaga ou genérica, como por exemplo a do art. 180 do cod.
Amhrogio Negri considera o art. 154 do código italiano .
parallelo ao art. 180 do nosso uma regra geral de que os arts.
165 a 167, ou arts. 204 a 206 do nosso são regras espe-ciaes. *
O certo é que no direito hollandez a sancçõo contra as
greves achavam-se simplesmente naquella disposição, o que
importa o mesmo que dizer que os delictos respeclivos com-
mettidos estão sujeitos somente ao império do direito com-
mum.
O art. 205 do código penal alterado ou substituído, como
vimos, pelo decreto citado art. 1", n. 1, nflo tem corres-
pondente no código italiano, nem no projecto de 1899, roas
tem-no nos projectos de 1893 e de 1897: pôde ser considerado
o facto nelle previsto como meio para realisar a coaliçõo,
grave ou parede, prevista como realizada no art. 206, e Decreto
citado, art. I
o
, n. 2.
A Inglaterra foi a primeira nação que reconheceu o direito
de lular pelo salário e pela liberdade da coaliçõo, hoje se
veda alli a reslricçflo do livre curso do commercio e dos
preços do trabalho por modos coercitivos.
A lei austríaca falia de violências ou intimidação; a lei
germânica e os códigos húngaro, hollandez e belga aceres-
centam dam nos, contumelias, íujurias, diffamações, ele; a lei
franceza é que falia de manobras fraudulentas, que o nosso
código penal, nõo na figura nitida da greve do art. 206, mas na
do art. 205 adoptou inteiramente pela nova redacção posterior
que a substituiu do n. 1 do art. I
o
do citado Decreto.
O art. 206 não exige como sujeito activo a pluralidade de
delinquentes, o que aliás acontecera quasi sempre.
1
Majno, OBR. CIT. I, art. 165.
* Anibi-ogio Negri, apud, Cogliolo. COMPLETO TRATTATO, CIT. 2° vol., Part. I,
pg. 592.
121
Do mesmo modo o sujeito passivo pôde ser um só.
O elemento constitutivo é a violência ou ameaça : De-
creto citado art. I
o
n. 2, que alterou o art. 206 do código,
como se vê acima nos textos de ambos.
Os actos fraudulentos não são criminosos, salvo na es-
pécie do art. 205 e Decreto art. 1°, n. 1.
Entretanto, digamos entre parenthesis, contra as expres-
sões artificios fraudulentos ou outras equivalentes, que ellas
não foram acceitas no código italiano por serem inde-
terminadas e pelos mãos effeilos que teem produzido na
opplioeçfio, como serve de exemplo a jurisprudência franceza.
O crime fica considerado consummado com a cessação
ou suspensão do trabalho; o fim do agente é impor augmento
ou diminuição de salário ou de serviço.
Em nosso paiz taes disposições serão de rara applicação,|
porque faltam as populações operarias numerosas e a escassez
do pessoal faz com que o operário imponha o preço ao patrão
e.não este áquelle.
Masê-Daria censuro nesta parte o código italiano com
certas vistas largas, mas não tem inteira razão na critica que
faz, porque esta reduz-se a pretender provar que a lei actual
ahi pouco differe das anteriores. *
Ainda com referencia ao art. 204 do código, cujo corres-
pondente no italiano, segundo vimos, é considerado de difflcil
inlelligencia para os seus interpretes, diz Garraud sobre dis-
posições parallelas do código francez, que ellas são armas
velhas e desusadas que o poder publico conserva somente
para servir-se delias em circnmslancias excepcionaes e cujo
uso pôde ser justificado quando a violência ou a fraude
intervém nos factos.
i
TITULO IV
DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
CAPITULO I
PECULATO
CÓDIGO
Art. 221. Subtrahir, consumir ou extraviar dinheiro, documentos,
effeitos, géneros ou quaesquer tens pertencentes a fazenda publica,
confiados à sua guarda ou administraecão ou á de outrem sobre quem
exercer fiscalisação em razão do oflicio;
i Maeé-Daria apud Lorabroso, TROPPO PRESTO, appunti ai nuova
códice etc, 2
a
ed. pg. 119.
1
Garraud, Oim. crr., vol. 5°. pg. 453.
— 122 —
Consentir, por qualquer modo, que outrem se aproprie indevida-
mente desses mesmos bens, os extravie ou consuma em uso próprio
ou alheio:
Penas—de prisão cellular, por seis mezes a quatro annos, parda do
emprego e multa de cinco a 20 % da quantia ou valor dos e(leitos
apropriados, extraviados ou consumidos.
Art. 222. Emprestar dinheiros, ou effeitos públicos, ou fazer pa-
gamento antecipado, não tendo para isso autorisacSo:
Penasde suspensão do emprego, por um mez a um anno e multa
de cinco a 20% da quantia emprestada ou paga por antecipação.
Art. 223. Nas penas dos artigos antecedentes e mais na perda do
interesse que deveriam perceber, incorrerão os que, tendo, por
qualquer titulo, a seu cargo ou em deposito, dinheiros ou effeitos pú-
blicos, praticarem qualquer dos crimes precedentemente mencionados.
COMMENTARIO
39. Este titulo corresponde ao V do código que contém
um capitulo único subdividido em sete secções.
Aqui o titulo está dividido em seis capítulos.
Por necessidades de methodo, é impossível seguir no texto
acima a ordem numeral ou successiva dos artigos do código.
E' mister estabelecer antes os princípios geraes que
dominam toda a matéria geral deste titulo, para depois tratar
especialmente do objecto dos respectivos capítulos que
correspondem ás secções do Código.
Pessina classificando os crimes conforme offendem o
direito social ou o individual; de modo predominante em cada
um delles, enumera os crimes contra a personalidade do Estado
na sua actividade jurídica, collocando em primeira linha entre
estes últimos, os eleitoraes de que tratamos no titulo
primeiro, e em -segunda linha os que constituem o abuso do
officio publico, como género que comprehende os crimes deste
titulo do nosso Código Penal.
O nome do género no direito francez ê forfaiture, no
italiano, para alguns autores, ê preoaricazione. A preva-
ricação, tanto no nosso Código Criminal anterior, como no
Código Penal vigente, é espécie e não género dos mal
chamados crimes de responsabilidade dos empregados
públicos.
Em todos os projectos de revisão, esta denominação
comprehende somente, a exemplo do Código Italiano, em
espécie, o abuso* do officio de advogado em certas e deter-
minadas condições.
Nós não temos termo que exprima o género, e sobre esta
questão, como nota Pessina, tudo isto parece uma super-
fetação, porque fazer da questão do nome uma quastão de
substancia pôde dar logar a suppòr que entre vários crimes
123
de abuso de officio ha alguns para os quaes falta determinação
penal expressa.
I O «abuso do officio publico», diz o mesmo autor, é
nomen júris, genérico, por nós adoptado para designar todas
as figuras possíveis de crimes pelos quaes o depositário da
autoridade social vem a violar a santidade do seu minis
tério e com isto a conculcar o Direito do Estado que elle ô
chamado a representar como autoridade concreta. A auto
ridade do Estado é digna de respeito emquanto e a mesma
idéa de justiça, que age sobre os indivíduos, graças a alguns
delles, chamados a realisal-a praticamente; não sendo o
exercício do poder social acto de livre pratica, mas cum
primento de dever, ministério social. H
Oflel cumprimento do que a lei prescreve, segundo a
apreciarão conscienciosa do seu conteúdo, por parte do func-
clonario publico, ê condição indispensável para que o Estado
faça reinar o Direito na vida social.
O Estado se purifica de todo elemento de arbítrio indivi-
dual, graças ú responsabilidade dos órgãos do Poder, em
virtude da qual faz sujeitar a justa punição o que dentre elles
trahe o mandato publico ou da justiça.
A's garantias de que os órgãos da autoridade são cercados
no consorcio civil, devem, portanto, corresponder as penas
pelos actos daquelles que se desviam, servfndo-se do poder
como um meio, assim como as aggravações da penalidade,
quando elles incorram naquelles crimes que deviam prevenir,
ou reprimir.
A historia mesma do direito nos ensina as varias hypo-
theses criminosas de taes factos e as varias determinações
penaes que os legisladores lhes teem contraposto.
Mas a característica commum a todas essas maneiras de
delinquir, que forma a índole própria dos crimes de officio, é
converter aquelle poder, que é dado para a actuação da justiça
social, num melo de violação do direito '.
O abuso de autoridade é considerado, ora como género,
para significar todo crime do funccionario publico, com-
mettido por meio da funcção, ora como espécie, innominado,
quando o crime não é tal que possa ter uma designação
especial, como o peculato, concussão, corrupção, etc.
s
.
Os crimes commettidos por empregados públicos no
exercido de suas funcções teem um caracter profissional,
motivando uma classificação ô. parte no conjuncto das incri-
minações penaes. Pertencem a muitas variedades, que se
podem grupar assim:
1°, infracções contra a cousa publica;
1
Pessina, KLEMENTI CIT. vol. pag. 50.
• Garrara, PROORAMMA. DBL CORSO di dirilto criminále, Lueca e Prato
1881-83, pag. 63, § 2509, Part. Spec, vol. 5».
124
2
o
, contra os particulares;
3
o
, contra os bens ; ou em crimes de ojflrio propria-
mente dito, quando se trata da violação pelo funccionarlo
das regras de sua profissão ; ou, em crimes tnixtos,
quando a violação ao mesmo tempo fere essas regras
wrojlssionaas e as communs a lodo cidadão *. •?
I Em geral, ô o abuso da funcçõoou profissão que, con-
forme a linguagem pouco expressiva docod. crim. anterior e
docod. do processo crim. de 1832, constituo o que no nosso
direito, ató agora, cliama-se crimes de responsabilidade dos
empregados públicos.
0 nosso cod. pen., como dissemos, não guardou aqui a
ordem melhor, porque, como notava o ministro italiano
ZanardHli, as noções especificas devem preceder ás geraesl
ou genérica8.
Também não sendo possível discriminar nitidamente
factos que podem ser com meti idos tanto por funecionarios,
como por particulares, não ô preferível ao svstema do cod.
Uai., o syslemu do cod. francez, que «cinde muita vez aqueflas
noções, conforme a qualidade do agente, sendo esse o sentir
insuspeito de Garraud.
E a razão por que estamos, seguindo o systema dos pro-
jectos de revisão, na exposão das matérias do cod., com-
mentando os artigos deste, cujos defeitos Iremos salientando,
em relação ao titulo em geral, respectivamente ás
seões especiaes, como a do peculato, que e a primeira de
que passamos a tratar.
-to. Justificando, nessa conformidade, o projecto de
1893, dissemos :
liste titulo exigiu modificações no sentido de corrigir
conceitos erróneos de figuras criminosas e additar ou ge-1
ncralisnr definições deficientes dos digos anteriores, que
se notam aliás no francez, belga, portuguez e outros.
O vigente, apezar de tomar como fonte neste ponto o
italiano, aflustou-se delle, não aproveitando as disposições
por cile aperfeiçoadas de acrdo com os digos allemão,
húngaro e hollandez e a jurisprudência assente pelos au-
tores e interpretes do direito romano.
Assim, os nossos digos comprehendem o peculato
de cousas pertencentes a fazenda, quando a doutrina e
legislão moderna o fazem diflerea, quando as cousas
subtranidas ou distrahidas pertençam a particulares, mas
estejam sob a guarda de funecionarios tanquam talis.
3
1
Garraud, OBR. CIT. 3
O
vol. pag. 332.
* EXPOSIÇÃO PR MOTIVOS, ETO., do 1S93, pag. 11.
- 125 -
Não obstante esta advertência, o projecto de 1896 foi
redigido de modo que, justificando o substitutivo de 1897,
ainda dizíamos:
E' um dos títulos em que se revela mais casuística a nova
redacçSo.
Apesar disto, parece que o conceito do peculato não
abrange senão a cousa publica sob a guarda do empregado.
Entretanto ja, a Ord. do Liv. 5
o
, Tit. 74, era tão com-
prehensiva quanto o direito romano sobre o desvio de di-
nheiros particulares empregando as expressões « ou furtar a
outrem».
4
Feito este reparo, os outros artigos do capitulo constituem
repetições inúteis. *
E' impossível argumentar, ou mesmo raciocinar, negan-
do-se ou desconhecendo-se todos os princípios.
O projecto de 1896, convertido no de 1899, não soffreu
neste ponto alteração e o parecer da illustre- commissão
•parlamentar, juridicamente, não o justifica a attender-se
simplesmente ás suas próprias palavras :
«O titulo IV trata do peculato.
O conceito deste crime não é simplesmente o furto,
quando commettido por empregado publico.
Os elementos constitutivos de semelbante infracção
acham-se bem especificados no art. 178 do projecto, e
desdobram-se assim:
I. Qualidade de empregado publico;
II. Apropriação, consumo, ou extravio de dinheiro, de
effeitos públicos, ou de outros objectos a cargo do delin
quente ; consentimento deste para que outrem o faça.
Nem o projecto pôde ser taxado de casuístico, quanto
ás disposições dos arls. 179 e 180. Elias apenas visaram
tornar nítida a figura do crime de peculato, e bem conhe
cidas as pessoas que possuem a qualidade de funccionariosj
públicos; tudo isto com o louvável intuito de evitar a
variedade nos julgados. U
E muito embora o/>ecaZafocomprehenda as duas figuras
do crime, que os citados artigos encerram, tomada que seja a
expressão no seu sentido lato, a commissão, todavia, reputou
mais conveniente especificar, até porque no seu projecto não
encontra guarida a interpretação extensiva ou por analogia.
3
.
»
Vê-se que os autores do projecto pronunciam o penitet
me, reconhecendo implicitamente a casuística com a repe-
tição de casos especiaes, comprehendidos nos geraes;
1
Pereira e Souza, CLASSE DOS CRIMES, BTC, Lisboa, 1816, pag. 104.
* EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS, BTC., de 1897, pag. 9.
* PARECER BTC, CIT. de 1898, pag. 11-
126
não dizendo palavra sobre a extensão do peculato a cousas
particulares sob a guarda do empregado publico., tanquani
talis.
Silva Ferrão notou o defeito desde o nosso cod. crim. de
1830, corrigido neste ponto pelo cod. portuguez de 1852, que
lhe serviu de fonte. *.
O direito argentino e o cod. uruguayano, art. 168, não
encerram tal defeito, embora o art. 267 do código argentino
pareça duvidoso na applicaçâo, segundo o Dr. Rivarola que faz
distincções
2
.
O direito hespanhol tem o velho sentido restricto
3
.
Mas, o novo código hespanhol, art. 407, prevê effeitos ou
cousas particulares
4
.
A noção romana, pois, seguida por muitos digos e
adoptada pelos projectos de 1893 e 1897, é esta : non solum
pecuniam publicam sed etiani PRIVATAM crimen peculatus
facere — L. 9, §3 D. ad leg. Jul. peculatus.
Como o gado (pecus) servia de moeda em Roma, além de
constituir quasi que a sua riqueza nos primeiros tempos,
figurando mesmo até a gravura de bois e carneiros sobre o
primeirocobre que serviu de moeda aos romanos, dahi vem a
origem da palavra peculato.
A principio era o furto dos dinheiros públicos e de tudo
que pertencia ao povo romano ou ao imperador.
Si o crime era ommettido por thesoureiro ou adminis-
trador, tomava o nome de crime de residuis.
Diversas Ordenações de Portugal se referiam a esse crime
sem dar-lhe tal nome.
Todos esses princípios estão lucidamente estabelecidos
por interpretes do código italiano, fonte do nosso, em uma
vasta encyclopedia do respectivo direito
5
.
41. Os elementos constitutivos das espécies desta secção
são: I
o
, a qualidade de funccionario, thesoureiro, almoxarife,
etc.; 2°, a subtracção ou distracção; 8°, de dinheiros ou cousa
movei, públicos ou particulares ; 4°, sob a adminis-tracção,
guarda ou exacçâo do empregado e em consequência, em
razão de suas funcções, lanquam talis.
O código penal, art. 221, como se do texto, quanto ao
1° elemento, nem declina o sujeito do verbo da oração prin-
1
Silva Ferrão, OBR. CIT., vol. G°, pag. 190.
» Dr. Rivarola OBR. CIT., vol. 3
o
, pag. 139, n. 1.071. Vasquez Ace-vedo. OBR.
CIT., pag. 164.
Pacheco, OBR. CIT , vol. 2°, pag. 505. Viada y Villa Secca, CODIOO PENAL.
ETC. Madrid, 1890, vol. 2", pag. 652.
* Gonzalez y Serrano, OBR. CIT., pag. 262.
'Manduca, apud Cogliolo, OBR. CIT. , vol. 2", part. I, pag, 683. Ferrini. IDEM,
vol. 1° parto I, pag. 260; este ultimo quanto ao direito penal dos Romanos.
— 127 —
cipal, occulta-o, isto ê, o sujeito do crime de peculato, mos no
fim da I
a
parte do mesmo artigo considera como peculatario
aquelle que exercer fiscalisaçSo sobre este. '
r
\
Assim, o inspector de uma alfandega ou o delegado fiscal do
thesouro, em um Estado, é peculatario, quando o thesou-reiro, ou
pagador da sua repartição, incorrer no mesmo crime!
Isto é contrario a todos os princípios do direito publico e
do direito penal, como estSo afflrmados na Constituição e no
próprio código penal, determinando ( art. 72, § 19) que «
nenhuma pena passará da pessoa do delinquente » e que| (art.
25, paragrapho único) «a responsabilidade penal ê ex-
clusivamente pessoal».
« Nos crimes em que tomarem parte membros de corpo-
ração, associação ou sociedade, a responsabilidade penal
recahirá sobre cada um dos que participarem do facto crimi-
noso. »
O código anterior, fonte do actual, não induzia a taes
absurdos, tanto que a jurisprudência excluía da classificação
funccionorios, em caso em que pareciam dever ser incluídos :
« O dinheiro do cofre dos orphãos, que se extravia, apezar
de recebido por inventario, sujeita o juiz ás penas deste artigo,
mas não assim ao thesoureiro do mesmo cofre, que fica
sujeito ás penas do art. 154 deste código Acc. da Relação
do Rio, 12 outubro 1852 *, »
Em rigor, desde que o funccionario não tem o deposito
ou o manejo do dinheiro ou cousas extraviadas, pôde com-
metter outro crime, mas não o de peculato. I
E' mister que elle tenha a administracçâo, guarda, ou
exacção, mas não fiscalisação, porque os chefes a teem, desde
o ministro, sobre os inferiores na hierarchia por gradações
que chegam ale o servente, que ainda pode fiscalisar o serviço
de jornaleiros e carregadores.
O Cod. no art. 221, como se pôde ainda ver do texto,
emprega na sua linguagem diffusa outros termos, e referin-
do-se ao segundo elemento usa dos vocábulos subtralur,
consumir e extraviar.
Esta matéria está eriçada de dificuldades, quer na theoria,
quer na pratica, maximé entre nós, sob o império de uma lei
defeituosissima.
O Cod. Francez, art. 169, emprega duas expressões
equivalentes a duas do nosso código para designarem o acto
fraudulento: o desvio ou extravio, detournement, e a
subtracção soustraction.
• Paula Pessoa, COD. CRIM. ANNOTADO, art. 170, not. 522.
— 1£8
Quanto o este elemento do peculato, tendo o nosso código
pop fonte aqui o anterior e este o franeez, é digna de menção a
respectiva doutrina, como a expõem Garraud, seguindo a
Chauveau.e Heiie e arestos da Corte de Cassação.
« O simples déficit nfio basta: é mister que os dinheiros
recebidos ou depositados tenham sido extraviados pelo
depositário ou comptable no fim de despojar o seu proprie-
tário. Effectivamente, o extravio de dinheiros commettido pôr
um agente do thesoureiro não é outra cousa mais do que um
abuso de confiança que se aggrava em razão da qualidade do
indiciado. Aqui, pois, c mo em matéria de abuso de confiança
ordinária, a intenção fraudulenta se presume quando o agente é
posto em mora para restituir os dinheiros, effeitos ou títulos e
que esta restituição é negada ou impossível. E' inútil, sem
duvida, fazer notar que o individuo ou accusado o poderia
apoiar-se, para desculpar-se do extravio fraudulento que lhe è
arguido, sobre a sufficiencia de sua fiança como garantia da
restituição a que é obrigado.»
l
Esta doutrina se coaduna com a jurisprudência sobre o
código antigo fonte do actual:
« Empregado de fazenda, por não ter recolhido no prazo
da lei a importância da arrecadação, deve ser preso admi-
nistrativamente, e não effectuado o recolhimento do dinheiro
arrecadado no prazo que lhe for marcado deve ser então
processado criminalmente. » Acc. da Relação do Ceará, de 16
abril 1875; o Direito, vol. 11, pag. 124.
« Não é possivel constituir em responsabilidade o empre-
gado publico qualquer, por crime de peculato, sem que pre-
viamente preste contas e seja verificado o seu alcance, com
apropriação sua do dinheiro publico.» Aceda Relação do Rio
de Janeiro, 4 Maio 1877; Gazeta Jurídica, vol. 16. *
E esta jurisprudência estava de accôrdo com a legislação
em vigor :
« Art. 6.° Si os thesoureiros, recebedores, collectorese
contratadores depois de presoso verificarem as entradas dos
dinheiros públicos no prazo marcado, se presumirá terem
extraviado, consumido ou apropriado os mesmos dinheiros, e
por conseguinte se lhes mandará formar culpa pelo crime de
peculato, continuando a prisão no caso da pronuncia e
mandando-se proceder civilmente contra os seus fiadores. »
Dec. n. 657, de 5 de dezembro de 1849.
4». O processo dos extravios de dinheiro commettidos por
um depositário ou responsável publico, pergunta Garraud, está
sujeito á alguma condirão prévia ? Deve-se dis-
1
Garraud, OBR. CIT. vol. 3
o
, pag. 343.
* Ferreira Tinoco, COD. CRIM. ANNOTADO, art. 170, not. 156.
f
' — 129 —
tinguir, para resolver esta questão, si se trata de dinheiros
públicos ou de dinheiros particulares.
Seja-nos licito acompanhar pari-passu, attenta a sua
autoridade, o citado autor francez e outros, uma vez que o
respectivo Cod. Pen. foi a fonte dos nossos, para melhor ex-
plicar a doutrina do direito brazileiro actual, que não pôde
deixar de ser a mesma.
A) A descoberta de extravios de dinheiros públicos, com-
mettidos por um depositário ou responsável, pode-se apre-
sentar na pratica, antes, durante ou depois da liquidação
(apurement) da sua conta pela autoridade competente.
Qual será a jurisdicçSo que devera primeiro estatuir? O
tribunal criminal poderá reconhecer a existência do crime
commettido pelo responsável, sem que previamente, a conta
tenha sido liquidada pela jurisdicção administrativa com-
petente? Ou, muito ao contrario, a jurisdicçSo administrativa
deverá, em primeiro Iogar e por prioridade, liquidar a conta, de
sorte que a rejeição das verbas falsificadas, si se trata dum
processo por falsidade, ou a restauração das verbas fleticias, si
se trata dum processo por descio, tornar-se-ha a base da
incriminação e da condemnação do agente responsável ? Isto
importa o mesmo que indagar si a constatação da existência do
deficit, no caso em que ella é negada constitúe uma questão
prejudicial, que deve ser examinada e decidida pela autoridade
administrativa, competente para apreciar a responsabilidade do
indiciado. I Demos agora a palavra a Hoffman por sua
autoridade especial na matéria:
Quando um responsável por dinheiros públicos é proces-
sado em virtude dos arts. 169 e seguintes do código penal, por
haver commettido uma subtracção punível, a questão de
saber, si ha deficit real, questão que o pode ser resolvida
sinão depois da liquidação previa duma conta, éprejudicial e
deve ser reenviada á decisão da autoridade administrativa
competente, a menos que o deficit não feja reconhecido como
constante pelo responsável mesmo, ou que não lenha sido
verificado pela administração que tenha qualidade para fazel-
o.
Mais particularmente conforme a este ultimo ponto são os
arestos da Corte de Cassação de 17 de outubro de 1840 e 17
de abril de 1847, decidindo especialmente o ultimo que, si o
responsável publico, processado por desvio ou extravio, pode,
em geral, sustar o processo pedindo a liquidação prévia de sua
conta, esta regra cessa entretanto de ser applicavel quando o
processo tem tido lugar por denuncia mesmo d D Ministro
constituído pela lei, juiz da responsabilidade do func-cionario:
uma tal denuncia excluindo a approvação da conta
apresentada por este funecionario.
Í917 9
— 130
Gorroud cito «restos neste sentido da Corte de Cassação de
1819, 1842 e 1855.
Blonche notando esta jurisprudência, aconselho obedecèl-
a, mos nflo o approval-a. Mos, no opiniõo de Garraud, os ar-
gumentos que elle indica, nõo lhe parecem satisfactorioe., Sem
duvida, esta jurisprudência nco pode invocar um texto preciso,
que « como no coso de adultério ou de diffomeçao, v. g.,
subordina a acção do ministério publico a queixa da parto
lesada. Mas ella invoca o principio geral da separação das
autoridades e o art. 16 da lei de 16 de setembro de 1807.
Ora, observa ainda Garraud, como nós temos demonstra- j
do. consta to ndo, antes de qualquer liquidação de contas os
extravios comraettidos por um responsovel ou depositário
publico, a autoridade juaiciariase immiscmria numa questão
precisamente reservada a uma jurisdicçõo ãdministratica
especial.
Certamente, conclúe Garraud, a denunciado ministro é
exclusiva da approvaçõo da responsabilidade pela adminis- i
traçõo, mas basta para constituir o responsável em debet ? | Nós
nflo o pensamos, porque as jurisdicções administrativas foram
precisamente instituídas para julgar e liquidar as contas por
meio dum processo legal e sob a égide duma in-1 istrueçào
technica.
ElTecUvãmente, HoTfman observa que Haus nõo admitte
que possa haver na Bélgica questões prejudiciaes adminis-
trativas, em face da sua Constituição art. 92 que declara que «
todos as contestações que lòm por objecto direitos civis suo
exclusivamente da alçada dos tribunaes».
Depois de combater a opiniõo de Haus, resolvendo todas
as objecções que delia resultfio, conclue:
Attribuir ao tribunal de repressão o conhecimento das
contestações que podem surgir entre a autoridade adminis-
trativa e o seu subordinado, reconhecer-lhe o direito de
liquidar elle mesmo a conta apresentada por este ultimo e fixar
o deficit, seria querer que na realidade elle praticasse um acto,
que nós acabamos de dizer, nflo pôde ser senSo um acto da
administração, seria confundir as attribuições de dous poderes
distinctos, que nossas leis orgânicas têm cuidadosamente
separado.
E' mister pois admittir que aqui ainda, a competência do
tribunal de repressão acha-se limitada por um principio nõo
menos constitucional que aquelle que proclama o art. 92 da
Constituiçõo belga, isto é, pelo principio da separação dos
poderes.
lloffman cita numerosos arestos d JS tribunaes belgas no
mesmo sentido.
E' pois certo que na Bélgica, como em França, tem lugar a
devoluçõo do negocio õ autoridade administrativa, porá
fixação do reliquat do responsável processado por
B
131
desvio de dinheiros públicos, si ha contestação sobre este
ponto.
Daqui resulta que, si o responsável processado pede a
suspensão do processo a a liquidação das suas contas pela
autoridade administrativa, o tribunal de repressãoé obrigado a
concedel-o, desde que se provar que a excepção dilatória reúne
os caracteres queridos para a suspensão, f^
A suspensão diz ainda Hoffman, deveria mesmo ser
pronunciada ex-ojjlcio, si houvesse duvida seria que o
responsável processado estivesse realmente alcançado, ou ai
se ignorasse por que soturna o era; porque, por um lado, a
condição que haja alcance é essencial para que possa haver
condemnação; e, por outro lado, como as penas, assim como a
competência varião conforme a somma dos valores desviados
ou subtrahidos, é muito necessário que o reliquat seja
previamente determinado pela autoridade administrativa,
antes que se possa proceder ao julgamento do negocio
principal.
A suspensão poderia ser pedida também por qualquer
outro individuo processado por desvio de fundos a elle
confiados num fim determinado, si a prova do desvio
dependesse duma prestação previa de contas a fazer admi-
nistrativamente.
Entretanto, o responsável, indiciado por delapidação de
dinheiros públicos, não seria admittido a reclamar que a conta
que o conslitue reliquatario não havia sido debatida
contradictor iameu te com elle, si, posto em mora, elle se
houvesse recusado a um debate con tradictor io, e si assim
tivesse coliocado, por sua resistência, a autoridade admi-
nistrativa na necessidade de liquidar sua conta sem tel-o
ouvido.
Digamos ainda que a suspensão ou addiamento de que
nos temos occupado pode ser pedido diante das jurisdiccões
da instrucçâo, tao bem como diante das jurisdiccões do
julgamento.
A autoridade administrativa, a que se refere Hoffman, é o
tribunal de contas, Cour des Comptes.
Digamos, entre parenthesis, antes de proseguir, que Haus,
mais tarde, parece ter mudado de opinião, coufor-mando-se
com. a doutrina corrente e a jurisprudência belga, ao menos
no ponto especial do peculato
l
.
Assim, observa ainda Garraud, que o principio da s<?-|
paração dos poderes, consagrado pelas leis de 16-24 de
agosto de 1790 e 16 do fruetidor Anno II, leva a exigir, como
preliminar do processo, por extravio, de um responsável
publico, que o culpado tenha sido, previamente, de-
1
Haus, Droit Pinai Belge, Paris 1379, 2° TOI. pag. -107, n, 1192,
132
clarado
/
alcançado ou devedor pela administraçfio de que é
proposto. (Faustin Hélie, Prat. crim. T. II, n. 321. A. Ber-tauld,
Questions et Exceptionspréjudicielles n. 70.)
O art. 16 da lei de 16 de setembro de 1807 confirma este
ponto de vista. O exame de uma responsabilidade ou
contabilidade exige conhecimentos especiaes e technicos. O
processo diante do Tribunal de Contas {Cour des comptes)
offerece as garantias as mais completas para chegar ao
descobrimento da verdadeira situação das operações da caixa
ou cofre a cargo do responsável. E' possível confiar, seja a
jurados, seja mesmo a um tribunal correccional, a verificação
de uma conta ? •
Quaes não seriam os inconvenientes de um systema que
não subordinasse o processo dos extravios imputados aos
responsáveis públicos á uma decisão prévia do Tribunal de
Contas? ;
v
Si se suppõe um veridictum negativo do jury, em virtude
do qual o responsável fica livre, a decisão não terá, sem duvida,
influencia alguma sob o ponto de vista da liquidação da conta.
Mas, si se suppõe uma condemnação, o Tribunal de Contas
ficará ligado por esta decisão, pois que a autoridade da cousa
julgada, em matéria criminal, é absoluta. o se chegará assim
a regularisar uma verdadeira immixtão da autoridade judiciaria
nas matérias reservadas á administração f
Eu creio, diz Garraud, dever estabelecer duas regras : I
a
,
quando o extravio ê descoberto, quer antes, quer du- | rante a
liquidação da conta, a jurisdicção criminal é incompetente si et
in quantum; ella o deve, pois, ser pre-vinida pelo Ministério
Publico; e, si ella é previnida, ella é obrigada, não a declinar,
mas a sustar a sua acção, deixando de estatuir, a depois da
liquidação da conta; 2
a
, quando o extravio é descoberto depois
da liquidação, uma distincçâo se impõe. A jurisprudência
repressiva julgará a infracção, si a accusaçâo, longe de contestar
a liquidação, se conforma.
Ao inverso, ella deverá sustar o procedimento, deixando
de estatuir, si o extravio processado e provado contradiz os
detalhes da conta ajuizada. Neste ultimo caso, ella aguardará a
revisão da conta, que será provocada pelo procurador geral
junto ao Tribunal de Contas, em virtude do art. 14 da lei de 16
de setembro de 1807.
B) Si se trata, porém, de um extravio de dinheiros par-
ticulares e que o responsável nega que estes dinheiros tenham
sido depositados em suas mãos ou lhe tenham sido confiados, a
existência do deposito ou do mandato deve ser provada
segundo as regras da lei civil. Com effeito, nós sabemos que o
systema de provas não depende da na-
I
133
tureza da jurisdicção ante a qual ellas serão dadas; de
pende da natureza do facto a provar.
A seu turno, diz ainda Hoffman, quanto ao desvio de
dinheiros ou effeitos que teem sido depositados voluntaria-
mente nas mãos de um depositário publico, ou de qualquer
outra pessoa, elle constitue o abuso de confiança por violação
do deposito, previsto no art. 408 do Cod. Pen. francez e
logar, no caso de denegação do deposito por parte do
indiciado, ú uma questão prejudicial, da alçada do juiz com-
petente, para conhecer da infracção, mas que deve ser re-
solvida conforme as regras traçadas pela lei civil.
A opinião de Garraud e Honmann esde accôrdo com a
de innumeras autoridades, como as de Blanche, Faustin Hélie,
Chauveau, Bertauld e outros e com a jurisprudência, que os
primeiros attestam ser constante neste ponto. *
Numa palavra, si se trata de dinheiros particulares, a
prova do deposito deve ser fornecida pelo interessado ou pelo
Ministério Publico, conforme o direito commum, porque nesta
espécie o peculato se assemelha á infidelidade no deposito
particular.
Mas, note-se, conforme vimos, que os nossos códigos,
anterior e vigente, não comprehendem tal espécie de pe~ cuia
to.
B Em 1857, commentando o Código Penal portuguez, com-
parado com o nosso Código Criminal anterior, observava
Silva Ferrão, relativamente a Portugal, que, no regimento do
Tribunal de Contas, art. 10, se acha providenciado, que, si
pelo exame e verificação das contas, se leconhecer que ura
responsável commetfeu, no exercicio de suas funcções, dolo,
falsidade, concussão ou peculato, o tribunal deverá, sem
demora, dar conta, afim de que posso ser instaurada a acção
criminal competente.
2
4.-3. A boa doutrina ensinada por Blanche, Hoffman,
Garraud, Chaveau e Hélie, Faustin Hélie, Bertauld e outros,
está encarnada no nosso novo direito, e tendo mais fortes
raizes do que em França, na constituição da Republica.
Assim, o primeiro principio, cardeal na matéria, está na
Constituição Federal, quando diz :
«Art. 15. São órgãos da soberania nacional o Poder
Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmónicos e in-
dependentes enire si.»
1
Garraud, OBR. CIT., 3
O
vol., n. 249, pasr. 319; Blanche, OBR. CIT., vol. 3o, n.
360, pg. 659, n. 363, pag, 667; Hoffman, QU ESTIO NS PRÍ-jaDiciKLi.ES, Paris,
1865-70, vol. 3
o
, pag. 89, e paga. 577 e seguintes. App. na. 269 e seguintes; Hélie,
PRATIQUE CRIMINELB, 2° vol. n. 321 pag. 204 ; Chaveau, Helie, YiUey, THÉUUE DU
CODE PÈNAUB, Paris, 1887-88, 2
o
vol.; pag. 795.
» Silva Ferrão, OBR. CIT., TOI. 6
O
, art. 313, pag. 191.
— 134
O segundo, quasi tão importante especialmente no caso,
porque dá áquelle a sua effectividade real e pratica está na
mesma Constituição, quando dispõe :
« Ari. 89. E' instituído um Tribunal de Contas para
liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua
legalidade, antes de serem apresentadas ao Congresso.
Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Pre-
sidente da Republica, com approvaçfto do Senado, e somente
poderão perder seus logares por sentença.»
O decreto legislativo n. 392, de 8 de outubro de 1896, que
reorganisa o Tribunal de Contas, define bem a instituição :
« Art. 2.° 0 Tribunal de contas tem jurisdicçfioprópria e
prit-atiça sobre as pessoas e as matérias sujeitas d sua
competência ; abrange todos os responsáveis por dinlieiros,.
valores e material pertencentes á Hepublica, ainda mesmo que
residam fora do pais.
Agindo, como Tribunal de Justiça, as suas decisões de-
finitivas teem forca de sentença judicial.»
As citadas disposições, quer constitucionaes, quer da
respectiva lei orgânica, conceituam o alta instituição e a sua
grandiosa missão.
No ponto questionado, é a mesma lei que estabelece :
« Art. 3.° O Tribunal exercita a sua jurisdicçfio con-
tenciosa :
3 i Ordenando a prisão dos responsáveis com alcance
julgado em sentença definitiva do Tribunal, ou intimados para
dizerem sobre o alcance verificado em processo corrente de
tomada de contas, que procurarem ausentar-se\ \furtivanie/ite,
ou abandonarem o emprego, a com missão ou o serviço de que
se acharem encarregados ou houverem tomado por empreitada.
O tempo de duração da prisão administrativa não poderá
exceder de três meses, findo o qual serão os documentos que
houverem servido de base & decretação da medida coercitiva,
remettidos ao procurador geral da Republica para instaurar o
processo por crime de peculato, nos termos do art. 14 do decreto
legislativo n. 221 de 20 de novembro de 1894.
« A competência conferida ao Tribunal por esta disposição,
em sua primeira parte não prejudica a do Governo e seus
agentes, na forma da segunda parte do art. 14 da lei n. 221, de
2) de novembro de 1894, para ordenar immediata-mente a
detenção provisória do responsável alcançado, até que o
Tribunal delibere sobre a dita prisão, sempre que assim o
exigir a segurança da Fazenda Nacional. »
A disposição citada neste n. 3 do art. 3° é a seguinte:
« Art. 14. E' mantida a jurisdicçõo da autoridade admi-
nistrativa (decreto n. 657, de 5 de dezembro de 1849) para
ordenar a prisão de todoe qualquer responsável pelos di-
H9B '' >i1r
135
uheiros e valores pertencentes á Fazenda Federal, ou que, por
qualquer titulo, se acharem sob a guarda da mesma nos casos
de alcance ou de remissão ou omissão em fazer os entradas
nos devidos prazos, nOo sendo admissível a con-cessfi} de
habeas-corpus por autoridade judiciaria, salvo si a petição do
impetrante vier instruida com documento de quitação ou
deposito do alcance verificado.*
« Suo competentes porá ordenar a prisão, no Districto
Federal, o ministro e secretario dos negócios da fazenda, e nos
Estados, os inspectores das Alfandegas e os chefes e directores
das Delegacias Fiscaes, relativamente aos indivíduos que
funeciouarem ou se adiarem no referido Estado. » No direito
actual c vigente do Republico, o ministro da fazenda, so no
Districto Federal, pôde, no assumpto, ordenar a detenção
provisória do responsável com alcance julgado em sentença
definitiva do Tribunal de Contas, ou alcance verificado em
processo corrente de tomada de contas de responsável que
procurar ausenta r-sc furtira-\mente ou abandonar o emprego
e isto até que o Tribunal de Contas deliltere sobre a dita
prisão.
O legislador na lei de 1896 modificou a de 1804, offei-
çoondo esta, neste ponto ao regimen daquella. ^ Igualmente a
ocçflo criminal por peculato só pode ter como I«i9e o (r/cnnce
verifico do por aquellas duns formas sobre os documentos
enviados pólo Tribunal de Contas ao procurador geral da
Republico.
Suppir que o ministro da fazendo receba do Tribunal!
deCon'os, remetia ao ministro da justiça e este o o procurador
geral da Republica para transmitth* aos procuradores
seccionaes, os documentos para o processa, êsuppúr um
circuito inútil.
Referimo-nos ao ministro da justiço, p irque, no hie-
rarchia administrai iva, este éo Chefe do ministério publico, |
si o é, e ujv> o Procurador geral da Republica, com o sua sede
no Supremo Tribunal Federal.
O ministro do fazenda está fora da hierarchia, quer em
relação oo ministério publico, quer em relação ao Tribunal de
Contas, que não lhe esld subordinado na esphero contenciosa.
por abuso ou excesso de poder, poderá o ministro da
Fazenda irnmiscuir-se no processo judiciário do peculato,
substituindo o suo acção á do Tribunal de Contas.
Mas, quer os representantes do Ministério Publico, quer
os juizes federaes, podem deixar de obedecer ás ordens dum
ou doutro ministro em taes condições e devem fa-zel-o para
não incorrerem, a seu turno, na responsabilidade de cumprir
ordens illegaes.
A doutrina que estabelecemos nos termos da lettra da lei
está confirmada pelo decreto n. 2409, de 23 de novembro
— 136 —
de 1896, que approva o Regulamento do Tribunal de Contas,
em execução da citada lei n. 392, de 1896. Diz o regulamento :
«Art. 59. O Tribunal de Contas tem jurisdicçãoprópria e
privativa sobre as pessoas e as matérias sujeitas á sua
competência.
« Art. 67. O Tribunal de Contas tem competência:
« b) Como Tribunal de Justiça para o fim de julgar as
contas dos responsáveis, estabelecendo a situação jurídica
entre o mesmo e a fazenda publica e decretando a liberação
daquelles ou condem nando-os ao pagamento do que deverem
ao Thesouro, por alcance.
«Art. 71. Compete ao Tribunal de Contas, como Tribunal
de Justiça:
« § 3.° Ordenar a prisão dos responsáveis que, estando
condernnados ao pagamento do alcance fixado em sentença
definitiva do Tribunal, ou tendo sido intimados para dizerem
sobre o alcance verificado em processo corrente de tomada de
contas, procurarem ausentar-se furtiva-mente, ou
abandonarem o emprego, commissão, ou o serviço de que se
acharem encarregados, ou de que houverem tomado
empreitada.
« a) O tempo de duração da prisõo administrativa não
poderá exceder de três mezes, findo o qual, serão os do-
cumentos remettidos ao procurador geral da Republica para
instaurar o processo por crime de peculato, nos termos do art.
14 do decreto legislativo n. 221, de 2.) de novembro de 1894;
« b) A c >mpetencia conferida ao Tribunal por esta dis-
posição, em sua primeira parte não prejudica a do Governo e
seus agentes, na forma da segunda parte do art. 14 da lei n.
221, de 20 de novembro de 1894, para ordenar im-
mediatamenle a detenção dos responsáveis por saldos o
recolhidos, Q provisoriamente a do responsável com alcance
fixado pelo Tribunal, até que este delibere sobre a dita prisão,
sempre que assim o exigir a segurança da fazenda nacional.»
-Até a revisão da conta de que falia Garraud, nos termos da
legislação franceza, está prevista na citada disposição do
decreto n. 2409, de 1896:
M «Art. 71. Compete ao Tribunal de Contas, como Tribunal
de Justiça :
« § 10. Julgar os embargos oppostos ás sentenças por elle
proferidas e admittir a revisão do processo de tomada de
contas, em virtude do recurso da parte, ou do representante do
ministério publico
Emquanto, pois todos, esses tramites não estão percorridos
e taes recursos esgotados, o ha base jurídica para um crime
de peculato.
137
Base de crime quer dizer certesa do crime, e ai se pôde
fazer um processo para apurar quem s8o os autores dum
crime, este sempre já está supposto como certo, sendo aliás o
principio estabelecido no nosso cod. do proc. criminal, art.
145.
DJ mesmo modo que em França, o representante do
ministério publico junto ao Tribunal de Contas exercita diante
deste as atlribuições dos decretos ns. 392, art. 8, n. 3, letlra e,
e 2409, arls 84 e 85.
temos transcripto textos sobre detenção ou prisão
provisória ou definitiva, porque elles se referem ao peculato,
embora a este não se refira o art. li da lei n. 221, que re
refere, á prisão.
E, para concluir este ponto, o Tribunal de Contas, si como
tribunal politico-financeiro, fiscal isa, como tribunal de justiça
administrativa-contenciosa, julga, offerecendo a um tempo
garantias consoantes a sua independência e alta missflo, por
um lado, á fazenda publica e por outro lado não menos
importante, aos direitos dos responsáveis referentes, quer ás
suas pessoas, quer aos seus bens.
Não concordámos pois com dous arestos, embora pro-
feridos antes da reorganisação do Tribunal de Contas, um dos
quaes chega a transferir para o peculatario o ónus da prova
negativa e por isso mesmo difficilima de não achar-se
\*leonçada:
« Não se considera constrangimento illegal a prisão de um
responsável por dinheiros públicos, não dando a prova\ de que
não está alcançado para com a fazenda nacional.» 9 « Não ha
constrangimento illegal na prisão preventiva de um
responsável por dinheiros públicos, embora não esteja ainda
verificado o alcance pelo qual responde » . Accs. Supr. Trib.
Federal, 1 de julho e de 21 de agosto de 1895.
Nos dous julgamentos, dentre doze ministros, cinco erfio
de opinião contraria, num, e quatro, noutro.
t;
|
4.4. Carrara e Pessina interpretam os três códigos
italianos, especialmente o toscano, anteriores ao vigente e
Puglia resume a doutrina daquelles autores e refere-se a este
ultimo código, todos tratando em geral do elemento
constitutivo dj crime de que ora nos oceupamos, isto é, aj
subtracção ou distracção.
m Carrara entre os extremos do crime de peculato menciona as
condições da entrega, e observa que na jurisprudência
commum prevalece a regra que para haver o titulo de peculato
é requisito indispensável, que o depositário publico seja
devedor de espécie e não de quantidade, que tenha a
obrigação de conservar e restituir o dinheiro ou a cousa, e
que pois o funecionario publico que seja responsável propria-
mente das sommas que administra com a mera obrigação de
dar ou entregar o tantundem, quando não se conserve fiel
138
em dar conto, não seria passível sinão somente de acção eioih
Garrara refere-se a doutrina contraria e combate-a, porque nfio
corresponde aos princípios jurídicos e nem mesmo aos
princípios moraes. o aos primeiros, porque o funecionario
devedor de quantidade é proprietário das cousas que recebera
natureza do contracto lhe a faculdade de dispor delias. Nfio
corresponde aos princípios moraes, porque entretanto que o
funecionario publico nfio está em dolo quando usa a seu
beneficio do dinheiro que tem como seu, pode depois nfio estar
em dolo, nem meêmo quando deixa de corresponder á sua
obrigação no dia do vencimento.
Pessina observa, que a questão pode referir-se ao caso de
confiança de som mas ou quantias no sentido estricto da
palavra e que é questão mais de facto que de direito. Elle
escreve de facto: «tirar momentaneamente uma qualquer
somma da caixa nfio pode ser por si mesmo o acto constitutivo
da subtracção. O que importa é que o depositário publico seja
posto em mora pela restituição da cousa confiada, como vimos
quanto ao crime de appropriaçúo indevida.
1
Nfio nos parece, diz Pugiia, que Pessina tenha examinado
a questão dum ponto de vista exacto. Sem duvida alguma,
oquillo que importa é que o depositário seja posto em mora,
mos também depois desta mora pode apresentar-se a questõo
sobre a necessidade da restituição de espécie ou de quantidade.
E basta suppòr o caso, que o funecionario publico tenha
recebido moeda em ouro e para tirar lucro a substitua por
moeda em notas ou papel, para convencer-se disto. Logo
Pessina não dirime a questão.
Alguns quizeram distinguir subtracção e distracção, para
sustentar que o peculato exigia a subtracção e não| bastava a
distracção. Mas Garrara combate esta distineção, observando
que o funecionario que desvia o objecto publico em seu
beneficio, não subtrahe, porque tem a posse da cousa, mas a
distrahe do uso a que era destinada.
Notemos emfim, conclue Pugiia, que sendo considerada
muito benigna a doutrina, que sustento ser somente passível de
acção cicil o funecionario devedor de quantidade, que subtrahe
a cousa, creou-se um titulo especial de crime distincto do
peculato, o desfalque ou alcance no cofre (vuoto \di cassa),
contemplado pelo código toscano e punido com pena levíssima.
ODr. Rivarola, menciona também a opinião de Garrara, mas
não a acceita por ser contraria ao código argentino.
2
1
Cirrara. PIIOORAXIMA, Pavt. Sp. 7
J
vol. § 3373.
Pessina, Elementicit vol. 3
o
pag. 59.
* Pugiia, MAXUALE DI PIRITTO 1'E-ÍAI.E, Napoli, 1890, 2
o
rol. pag. 81.
Dr. Rivaro!a, OBR. CIT. vol. 3» pag. 136, n. 106(5.
— 139 -
A propósito também, Majno observa que tratando-se de
distracção, isto ê, daqueila forma que o código toscano previa
distinctamente como cuoto di cassa (alcance ou desfalque no
cofre), esta hypothese suppondoo funecionario devedor de
quantidade e assim proprietário das espécies a elle entregues, a
consumação do crime não poderia estar simplesmente no uso
do dinheiro, mas deveria corisiderar-se em que o caixa
intimado a dar conta da quantidade devida torne-se moroso e
não faça a entrada obrigada.
Também antes do dia em que deveria effectuar-se a en
trada, admitte Carrara que se possa considerar o momento
consumativo do delicto de alcance ou desfalque na fuga do
caixa. H
O cod. italiano vigente supprimiu essas dislincçôes e fez
entrar mesmo na noção do peculato o commercio illicito dos
valores. *
Pelo nosso direito vimos que para ter lugar a acção
criminal ê mister o alcance verificado em processo corrente
de tomadas de contas ou julgado em sentença definitiva do
Tribunal de contas com as demais condicções legaes; e isto
basta em relação á doutrina que acabamos de expor.
Vamos agora referir-nos ao quarto elemento do crime que
suscita uma questão sobre o sujeito ou agente do peculato.
No direito francez, si a qualidade de depositário ou res-
kmsavel (comptable) não é provada, o extravio porle constt-
uir um delicio de abuso de confiança ou de furto e incidir sob
este titulo na com mi nação do art. 408, do cod. francez, ou
doutras disposições penaes, mas não constituo o crime de\
subtracção (peculato) previsto pelo art. 169. E' assim que o
fiel ou empregado pessoal e particular do recebedor iperce-\
pteur), depositário ou responsável (comptable) que desvia ou
extravia do cofre, os fundos do recebedor ou do Estado, com-
melte, conforme os casos, um furto domestico ou um abuso\ de
confiança qualificado. O art. 169 é igualmente inappli-cavel
ao caso em que o extravio é executado por um empregado da
administração, estranho ao maneio dos fundos ou valores que
elle tem extraviado. Tem sido julgado igualmente que o
individuo, encarregado de comprar, por conta do Estado,
aprovisionamentos de géneros ali mentidos, cujo preço elle
podia pagar pessoalmente, ou fazel-o pagar pelos Prefeitos e
que tinha recebido, não a titulo de depositário, mas a titulo de
mandatário, adiantamentos do ministro competente para o
effeito de prover ás despezas de sua missão, não era
responsável ou depositário publico e em conse-
« Majno, OBIX. CIT. Part. I, art. 168. na. 861 e 865, pag«t. 510 «512.
Í
— 140
quencia, os extravios que elle tinha commettido mão davam
lugar á applicaçõo dos arts. 169 e seguintes, peculato do cod.
penal.
As decisões sSo da Corte de Cassação. * Entre nós
quid júris ? fl
Conforme dissemos, o nosso cod. penal nos arts. 221 e 222
do texto nem declina o sujeito activo do peculato! jj O ert. 223
apezar do principio geral que estabelece nfio comprehende o
caso, do mesmo modo que não o comprehende o art. 221,
contendo o art. 222 espécies singulares, fora do conceito do
peculato.
A doutrina de Garraud, pois, apoiada na jurisprudência é a
única acceitavel na questão.
m <tr». O cod. panai no art. 221 falia de documentos, mas
estes, os autos ou títulos não são objecta de peculato, porque
podem ser subtrahidos pDr particulares, ao passo que o
peculato pôde ser commettido por funccionario publico e
com animo de lucro.
O cod. pen. repete a mesma figura, mas com penalidade
differente, no art. 333 eo que mais é com a aggravantedo
paragrapho único que se refere a guarda de estabelecimentos e
archivos públicos.
Não pôde ser mais deplorável a confusão e a desordem
neste ponto, porque o juiz não sabe si deve applicar o art.
221 ou o 333 paragrapho único, em espécie occurrente
abrangida por ambos, sendo as penas differentes !
Os nossos projectos de revisão do cod., consagram atte-
nuantes neste capitulo.
Omtttiram, porém, as aggravantes, a exemplo, do cod. ital.
por ser difflcil saber quaes conviriam melhor ao peculato,
tendo sido desprezado no furto o elemento do valor, e depois
porque o calculo das penas presta-se a adaptal-as melhor a
cada caso e isto basta.
Quanto a jurisprudência sobre o crime deste capitulo:
« Dá-se provimento á appellação interposta pelo pro-
curador seccional da sentença que absolveu o réo do crime de
prevaricação, e julga-se nullo todo o processo, porquanto,
tendo o réo commettido diversos estellionatos, e paraoccul-tal-
os, passado certidões falsas, foi somente processado e julgado
pelo referido crime (art. 208, ns. 1 e 4), quando eram diversos
e repetidos os crimes constantes dos documentos juntos aos
actos: Acc. do Supr. Trib. Federal, 30 de junho de 1897. «
O art. 208 do cod. pen. sob a rubrica de prevaricação
prevê a falsidade commettida pelo empregado publico, que
1
Garraud. OUR. rir. vol. 3
o
pag. 34?, a. 247.
2
Supr. Trib. Federal, JURISPU. rrr. Anão, 1897, pag. 115, n. 134.
141
o cod. pela qualidade do agente, em vez da objectividade do
crime, deslocou para aqui.
Do texto do Accordão que o voto vencido do ministro
Américo Lobo ainda esclarece resulta que absolutamente nfio
havia estellionato: pareceu melhor ao voto vencido peculato;
mas, como vimos acima, nem o cod. pen. nem os projectos de
1896 e 1899 comprehendem o peculato que não seja de cousa
do Estado e portanto na espécie havia o crime do art. 208
ns. 1 e 4.
« E' negado provimento ao recurso, sendo confirmada a
sentença que condemnou o recorrente julgado á revelia por ser
o crime afiançarei, como incurso no art. 170 do antigo cod.
crim. í peculato j. Tendo o réo se ausentado para fora do paiz,
não podia ser intimado para prestar contas e nem ser preso
administrativamente.
O processo criminal por extravio de dinheiros públicos
pro?egu3 independente da intimação para recolhimento do
desfalque (Avis. Faz. de 20 de fevereiro de 1892). O desfalque
não soffre contestação. Julgamento anterior ao Decr. n. 1166
de 17 de dezembro de 1892, referente ás Repartições de
Fazenda » : Acc. do Supr. Trib. Federal 22 de abril de 1896. »
« E' dado provimento ao recurso interposto pelo Pro
curador da Republica do despacho que pronunciou o recor
rido, agente do correio, como incurso nos arts. 193 para-
grapho único e 356 do cod. pen., pela substracção de cartas,
objecto e valores, confiados a guarda da Uniflo, afim de ser
classificado o crime no art. 221 do mesmo código. I
E' sustentado o despacho recorrido na parte em que não
pronunciou o denunciado pelo alcance para com a Fazenda,
segundo o exame procedido na Agencia, por não se achar
regularmente verificado o alcance nos lermos da lei que
reorganisou o Tribunal de Contas»: Acc. do Supr. Trib.
Federal 5 de outubro de 1898.
« Tendo-se, preliminarmente, por comprehendidos no
recurso interposto pelo procurador seccional, os denunciados
corréos do recorrido, ex-director da Colónia Correcional dos
Dons Rios, comquanto não se tenha a elles referido o recor-
rente nas razões, que não são parte essencial do recurso, e
desde que foi este interposto de todo despacho de pronuncia,
não sendo certo, como pretende o despacho recorrido, que
depois do alcance, verificado em tomada de contas do
Tribunal competente, ê que se pôde iniciar processo por crime
de peculato, o que procede com relação aos responsáveis á
Fazenda Nacional nos casos sujeitos á tomada de contas, nada
obstando que quaesquer outros res-l
1
Do antor : REVISÃO D03 PROCESSOS PENAK*, Rio de Janeiro, Appen dicc,
psg. 362, n. 57.
— 142 —
pousáveis pela guarda ou administração de dinheiros ou bens
pertencentes á Fazenda Publica sejam processados pela
subtracção, consumo ou extravio de taes bens, que por qualquer
modo de direito se verifique, é dado provimento ao recurso, em
vista da prova dos autos, para o fim de pronunciar os recorridos
como incursos no art. 221 do cod. pen., sendo o ex-director da
colónia como autor e os co-réos seus auxiliares, como
complices»: Acc. do Supr. Trib. Federal, 12 de novembro de
1898.
« E' reformada a sentença para ser imposta ao réo
appellante, julgado incurso no art. 221 do cod. pen., a pena
legal que é o grão minimo do citado artigo, porquanto, re-
conhecida a existência do delicto e de circumstancias atte-
nuantes, o podia o juiz ir além das respostas do jury, im-
pondo a pena em grão máximo, por entender que havia o réo
commettldo também outro crime (art. 189) e incorrido assim na
saneção do art. 66 § 3°, do citado cod., desde que a violação
das cartas foi o meio de que se sérvio o réo para remover o
obtaculo que se oppunna a subtracção do dinheiro que ellas
continham : Acc. do Sup. Trib. Federal, 23 de março de 1898. *
m Não podemos conformar-nos com a solução deste ultimo
accordãOj porque nenhum principio dominante no concurso de
crimes e penas a suffraga.
A disposição do § do art. 66 do nosso código é quasi a
traducção litteraldo art. 78 do código italiano.
A disposição contém o que os criminalistas chamam
concursus idealis, e trate-se de concurso necessário ou
facultativo, a disposição deve ser observada.
No caso não havia mesmo concurso necessário, porque o
peculato nãJ pôde ser praticado pelo empregado que
commetter para esse fim, como meio, a violação da corres-
pondência epistolar.
Generalisando-se a doutrina do accordõo no latrocínio, se
deveria puivr o roubo, ou, quando muito, em vez deste, o
homicidio simples ; mas, os códigos punem como homicidio,
não simplesmente aggravado, mas qualificado o homicidio
praticado como meio de realisar outro crime,
No caso do accordâo, a applicação do art. 68, § 3
o
, era de
rigor, conforme a doutrina dos interpretes do código italiano,
fonte do nosso e de outros, como o código belga.
A hypothese mais simples, diz Prins, é a do concurso ideal.
Quando o agente, por uma só vontade culpável ou por um facto
único, tem produzido muitas violações da lei penal, como não
ha no fundo senão uma só vontade ou um
1
JJRISPR. CIT. do Aano 1892, pag. 61 n. 61; pag. 63, n. 65 ; e png. 170,
n. 171.
D
foclo delictuoso, é claro que uma pena única basto ; o
art. 65 (paraileio ao art. 66, § 3
o
do nosso código penal) con
sagra'esta verdade, que a pena mais forte será appli-
cada. *
No caso questionado, se applicou uma pena, mas não
aggrovada, porque não se fez coma do outro crime, elimi-
nando-se assim o concurso.
Também nflo nos conformamos com o solução do aresto I
anterior, parecendo-nos melhor fundado o voto divergente do
ministro Américo Lobo.
Referimo-nos ú doutrina que acima acaba vamos de
expor neste mesmo capitulo.
A jurisprudência ja era differenle ou pelo menos hesitava
sob o império, antes da instituição do Tribunal de Contas, e
quando o Ministro da Fazenda, presidente do Tlie-souro
Nacional, enfeixava na mão todos 03 poderes flscaes,
administrativos ou contenciosos.
« Empregado de fazenda, por não ter recolhido no prazo
da lei a importância da arrecadação, deve primeiramente ser
suspenso e marcar-se-lhe um novo prazo para, dentro delle,
fazer o recolhimento.» Accordão, Relação, For ta lesa, 27 de
abril de 1875. O Direito, voi. li, pag. 125.
Concordamos com a doutrinados dous arestos seguintes,
com as reservas já feitas, quanto ao segundo.
«A limitação do art. 14 da lei n. 22i, de 20 de novembro
de 189i, quanto a concessão de habms-corpus nos respon-
sáveis pel '.s dinheiros e valores pertencentes á Fazenda Fe-
deral, não exclua o exame, por parle do Poder Judiciário, das
questões prejinliclaes que se relacionarem com a prisão
administrativa dos mesmos.
E' legal a prisão administrativa decretada peles chefes das
Delegacias Fiscaes do Thesouro Federal, dos i.eto dos
pagadores das mesmas repartições,cm exercício das funeções
plenas do cargo de pagadores, por falta do saldo em dinheiro,
que deveria existir no respectivo cofre, sob sua guarda».
Sentença do juiz federal de Pernambuco, 26 de abril de 1900.
« Casos em que o Poder Judiciário tem competência para
prender privativamente e processar criminalmente, es indi-
ciados em crime de peculato, independente de qualquer jul-
gamento a respeito, pelo Tribunal de Contas. «Questões
connexaso. Idem, 31 de julho de 1900. O Direito, vol. 82,
pags. 512 e 525.
1 Constantino Caitori, npurl. Cogliolo, COMPLETO TRATTATO, 1 vol.
parte 3», pag. 1.319; Adolphe Prios, SCIENCE PÉIALB ET DROIT PosiTir,
^^318, n. 523. .
I— 144 —
Concordamos porém com a doutrina do seguinte aresto
perfeitamente jurídico:
Não se vencendo a preliminar de nullidade do julga
mento p>r incompetência do juiz seccional para proferir a
sentençi que condemnou o appellante, ex-thesoureiro da
Estrada de Ferro Central do Brazil, como incurso no gráo
sub-maximodo art. 221 do Qodigo Penal, visto ser firmada
a competência na disposição dq art. 12 da lei n. 515, de
1898, é julgada procedente a appellaçSo e absolvido o réo da
accusação que lhe foi intentada, porquanto não está devida
mente provado o crime, embora pelo Tribunal de Contas
tenha-se dado por verificado o alcance que serviu de base no
processo criminal e em que se funda a sentença condem-
natoria. ' |,S
A decisão do Tribunal de Contas por si não é bastante para
determinar a criminalidade do funccionario publico alcançado.
Ainda provada a existência do facto material attribuido ao réo, seria
preciso demonstrar que foi praticado com intenção criminosa,
conforme preceitua o código citado, e a prova dos autos nesta parte
não satisfaz. Acc. do Supremo Tribunal Federal, 25 de agosto de
1900 — Diário OJfícial n. 268 de 4 de outubro de 1900.
CAPITULO II
CONCUSSÃO
CÓDIGO
Art. 219. Julgar-se-á commettido este crime :
§ 1.° Pelo empregado publico encarregado da arrecadação,
cobrança ou administração de quaesquer rendas ou dinheiros públicos
ou da distribuição de algum imposto, que directa ou indirectamente
exigir dos contribuintes, ou os obrigar a pagar o que souber não de-
verem :
Pena — de suspensão do emprego por três mczes a um anno. No caso
em que o empregado publico se aproprie do que assim tiver exigido,
ou exija para esse fim :
Penas—de prisão cellular por seis mezes a um anno, multa
egual ao triplo do qu3 tiver exigido, ou feito pagar, e perJa do em-
prego.
§ 2.° Pelo que, para cobrar impostos, ou direitos legítimos, em-
pregar voluntariamente contra os contribuintes meios mais gravosos
do que os prescriptos nas leis, ou os fizer soffrer injustas vexações :
Pena de suspensão do emprego por seis mezes a dous annos,
além das mais em que incorrer pela vexação qua tiver praticado.
Si, para commetter algum destes crimes, usar da força armada,
além das penas estabelecidas soffrará mais a de prisão cellular por
três mezes a um anno.
— 14õ —
§ 3." Telo que, arrogando se dolosamente, ou simulando, attri-buição
para fazer qualquer acto do emprego, acceitar offerecimento ou receber
dadiva, directa ou indirectamente, para fazer ou deixar de fazer esse acto :
Penas — de prisão cellular por seis mezes a um anuo, perda do
emprego e multa igual ao triplo do valor rec- bido.
Art. 210. As pessoas particulares, encarregadas por arrendamento,
arrematação, ou outro qualquer titulo, de cobrar e administrar rendas ou
direitos e que commet terem algum, ou alguns dos crimes referidos nos
artigos antecedentes, inconerão nas mesmas penas.
COMMENTARID
I 40. Nos arts. 219 e 220 do texto, trata o código da con-
cussão comprehendida na secção IV do tit. V.
Censurando o código nesta parte dissemos :
fj Quanto a concussão, além de ser erróneo o conceito de vel-a
no facto de percepção indevida a favor do thesouro, occorre
que neste ponto como em outros artigos das respectivas
secções do cedigo vigente e do anterior, se con- J funde com a
concussão actos de abuso e de excesso de poder e de
autoridade que o projecto discrimina, caracterisando
simplesmente a concussão.
l
Posteriormente justificando o substitutivo de 1897 refe-
rimonos ao projecto de 1896 que é o mesmíssimo de 1899,
podendo ser ambos condemnados pela mosma sentença como
foram os códigos anterior e vigente neste ponto :
A concussão está definido, mas a definição se seguem
três artigos de figuras o de concussão, mas de abuso de
poder e autoridade e violação de deveres lnherentes as
funeções publicas.
O peculato é o furto commettido pelo empregado publico
; a concussão é o roubo ou a extorsão; sendo que a figura da
concussão implícita, por inducimento, asseme-1 lha-se mais ao
furto ou antes ao estelltonoto do que ao roubo ou extorsão.
Não ha vantagem, antes inconveniente na figura especial
do ultimo artigo do capitulo II, porque em rigor não ha um
dos elementos da concussão, a qualidade de funecionario
publico no autor do facto.
3
Tanto no direito romano, como no antigo direito francez
confundia-se a concussão com a corrupção; foi o código
penal de 1791 que isolou sem delinil-os um crime do outro;] o
que se tornou mais preciso no código de 1810 ; a dislineção»
1
EXPOSIÇÃO DEMOTIVOS t-rc. de 1893, pig. U. "
EXPOSIÇÃO DEMOTIVOS ETC. de 1697, pag. 9.
I 146
portanto, é moderna ; e depois veremos melhor os diffe-renças
quando estudarmos a corrupção, peita ou suborno. Garraud
trata extensamente do assumpto. *
Quando, diz Zanardelli, o facto de incutir temor, preor-
denado para despojar as cousas doutrem, é praticado por um
particular, se têm os crimes de extorsão e roubo de que trata o
código no titulo « dos crimes contra a pessoa e a propriedade
».
Si, ao contrario o temor que se incute com o intento
criminoso de lucrar em prejuízo doutrem, deriva do abuso do
poder publico (metus public potestatis), entoo se tem o
crime que na doutrina e na legislação toma o nome de
concussão.
No direito inglez a concussão é chamada mesmo ex-
tortion, extorsão e assim a define Stephen como tal. A
concussão (extortion) diz também Seymour Harris, no sentido
estricto da palavra consiste no factodeum empregado publico
receber, ilegitimamente e em razão do officio, qualquer
dinheiro ou objecto de valor, que não lhe seja devido, ou exceda
o devido ou antes que seja devido. Mas não constitúe crime
(uma originalidade dos costumes inglezes) receber uma
recompensa que seja espontânea e habitualmente dada por um
acto mais diligente e solicito do officio.
2
Insistimos nestas noções que agora são o A. B. C. do
direito penal contra as vistas dos autores do projecto de 1899.
H As formas deste crime podem ser duas.
~A
A doutrina as intitula cDní os nomes de concussão
explicita e implícita.
Esta ultima forma, isto é, a implícita, escapou ao código
penal arts. 219 e 220 ; porque a figura do § 3
o
do art. 219, que
se lhe assemelha, é de corrupção e não de concussão que elle
ahi confun 'e.
Os projectos de revisão comprchendem ambas.
A primeira e a mais grave das duas formas se tem quando
o empregado publico constrange alguém a dar ou promctter
indevidamente a elle ou a um terceiro, dinheiro ou outra
utilidade.
A segunda forma, mais ligeiro, se verifico quando o
funccionario, ao contrario de ameaçar ás claras, emprego,
abusando de sua qualidade, artifícios ou engano para induzir
alguém a subministrar, pagar, ou promelter indevidamente a
elle ou a um terceiro, o queo é devido, ou para tal fim vale-
se ou oproveita-se do erro de outrem.
1
Garraud, OBR. CIT. TOI. pag. 357; Blacche, oaa. cir. vol. 3
o
,| ert. 174, pag.
677. n. 374.
* Stephen, OBR. CIT. pag, 83, ait. 124 ; S?ymo ir Harris, OBR. CIT. Irag. 65.
147
Em resumo, os elementos deste crime são a qualidade de
empregado publico, a exacçõo do que não é devido, como si
fosse devido «e a consciência de não ser devido o que se
exige».
Este ultimo elemento pôde fazer surgir duas questões.
A I
a
é, si é essencial ao crime de concussão o lucro par-
ticular do empregado, questõo esta que Péssimo resolve pela
afirmativa, fazendo menção, entretanto, do nosso código
criminal anterior, art. 135, § 1°, o qual distingue como dons
grãos da concussão, o mais grave que é o de exigir o indébito
por proveito pessoal, art. 135, § 1°, 2
a
parte, eo menos grave,
que é o exigir o indébito, sem vantagem pessoa!, art. 135, §
1°, 1« parte.
A outra questão é a de saber, si a ordem dada pelo su-
perior cobre o inferior de modo a isentar este do crime de
concussão, o que se poderá admittir, quando as circum-
stancias ou condições do crime o tornarem duvidoso, mas não
manifesto.
Quanto á I
a
questão, o código penal seguiu o anterior,
mas o projecto de 1893 adoptou a solução de Pessina, seguido
depois por todos os outros projectos de revisão, -i.g
Quanto á 2
a
questão, o art. 28 do código penal parece
resolvèl-a affirmalivamente e assim, também, o projecto de
1899. art. 27 n. I.
Mas, a solução para nós é negativa, feitos os devidas
distincções, conforme o principio estabelecido no Projecto de
1893", art. 26 n. I e no de 1897, art. 24 n. I.
alludimos no titulo II (n. 23) a esse principio da sup-
posta obediência passiva nas relações bierarchicos civis, que
parece ter sido adoptado pelo código penal e didle tratámos
quando commentamos o art. 28 do mesmo código, na parte
geral, noutro livro.
2
« E' reformada a sentença que condemnou dous dos pe-
ticionários, official de justiça e solicitador, como incursos no
art. 214 do código penal, para ser-lhes imposta a pena legal,
que é a do gráo dio do art. 219 do mesmo código, pelo
facto de haverem exigido dinheiro do 3" impetrante, para
deixar de ser cumprido um mandado de prisão, de que falsa-
mente se dizião portadores ; sendo absolvido o que deu o di-
nheiro, condemnado como peitante por não ser criminoso e
antes victima do crime de concussão, commettido pelos
coréos». Accórdão do Supremo Tribunal Federal, 31 de de-
zembro 1898. 3
Pessina, BLEMENTI CIT. vo'. 3° n. I.
1
Do autor : COJIGO PE\*A'. CWIMEXTADO
CIT. TO'. I* [g. 3:6, u, 79.
3
*URI«FR. CIT. de 18)8, pg. 339. n. 3
r
'5
148
« Commette crime de concussão o empregado dos tele-i
graphos, que recebe o pagamento de resposta de telegramma
quesabe já estar paga.» Accordúo Relação da Bahia 14 Fe-
vereiro de 1879. —• O Direito, volume 19, pog. 560.» \
1 CAPITULO III $j
PEITA OU SUBORXO
CÓDIGO
Art. 814. Receber para si, ou para outrem, directamente ou por
interposta pessoa, em dinheiro ou outra utilidade retribuição que não
seja devida ; acceitar, directa, ou indirectamente, promessa, dadiva ou
recompensa para praticar ou deixar de praticar, um acto do ofncio, ou
cargo, embora de conformidade com a lei ;
Exigir, directa ou indirectamente, para si ou para outrem, ou
consentir que outrem exija, recompensa ou gratificação por algum
pagamento que tiver de fazer em razão do offlcio ou eommiesão de
que for encarregado :
Penas de prisão cellular por seis mezes a um anno e perla do-
emprego, com inhabilitação para outro, além da multa igual ao triplo
da somma, ou utilidade recebida.
Art. 215. Deixar-se corromper por influencia, ou suggeslão de
alguém, para retardar, omittir, praticar, ou deixar de praticar um acto
contra os deveres do officio ou cargo ; para prover ou propor para
emprego publico alguém, ainda que tenha os requisitos legaes :
Penas —- de prisão cellular por seis mezes a um anno, e perda do
emprego com inhabilitação para outro.
Art. 216. Nas mesmas penas incorreiá o juiz de direito, de facto,
ou arbitro que, por peita ou suborno, der sentença, ainda que justa.
§ 1.° Si a sentença for criminal condemnatoria, mas injusta,
soffrerá o peitado ou subornado a mesma pena que tiver imposto ao
que condemnara, além da perda do emprego, e multa.
Art. 217. O que der ou prometter peita, ou suborno, será punido
com as mesmas penas impcstas ao peitado e subornado.
Art. 218. São nullos os actos em que intervier teita ou suborno.
COMMKNTARIO
47, O digo penal na 3
a
seão do seu titulo V é que
comprehende os artigos do texto que se referem á corrupção
que elle, como nós, denomina com a epigraphe de peita ou
suborno.
Justificando o projecto de 1893 dizíamos sobre a ma-
téria :
Peita, suborno e corrupção na matéria de que trata o
titulo são termos synonimos.
O projecto, tendo neste ponto como fonte o código
italiano, que é a expressão a seu turno de outros, sim-
149
pi i fica as formas ou espécies de ta es crimes, fazendo as ne-
cessárias alterações quanto á nossa organização administrativa
e judiciaria e a penalidade, evitando as exemplificações
raateriaes dos nossos códigos, systema condemnado sempre
por incompleto e acarretando difficuldades na interpretação
dos textos legislativos.
Não é próprio de um código criminal a decretação da
nullidade de actos em que intervier a corrupção.
Mas a confiscação é de rigor e ella figura em diffe-rantes
códigos, inclusive o portuguez. *
Resolvida fica. a questão se pode haver ou não tentativa
de peita ou suborno.
E a jurisprudência nacional se. firmará melhor em bases
juridicasdo que até agora sobre as disposições defeituosas dos
códigos existentes.
Preferi u-se o methodo synthetico ao analytico, repu-
diando-se a casuística do antigo código, exaggerada no novo e
desprezada pelos códigos modernos de primeira ordem sobre a
prevaricação e falta de exacção dos funccionarios públicos.
3
E como o projecto de 1898 incidisse em scindir o capitulo
da corrupção em peita e suborno, referindo-nos ao projecto de
1897, ainda dissemos :
Também não ha necessidade de distinguir a peita do
suborno e da corrupção, cada um dos quaes exprime a
mesmíssima idéa ; e por isso fica reduzida a um capitulo a
matéria dos dous da nova redacção.
3
O código penal estabelece tal confusão que a forma de
corrupção prevista no art. 214, I
a
parte, é semelhante à forma
de concussão do art. 219 §3.°!
Pessína distingue bem a corrupção ( peita ou suborno ) da
concussão.
Não basta que o empregado publico exija aquillo que não
ê devido, ou mais daquillo do que é devido e sabendo que
exige o indevido; porque, aquelle que recebe uma remune-
ração para praticar um acto justo é réo de corrupção e exige
com conhecimento de causa o que sabe não lhe ser devido.
Quando, porém, á circumstancia ou condição de não ser
devido o que se exige, se ajunta que se exige como decido, se
tem o verdadeiro crime de concussão; e neste momento
preciso se distingue a concussão da peita ou suborno, isto é,
corrupção.
Alguns códigos estabelecem penas iguaes para o cor-
ruptor e o corrompido ; outros os consideram co-réos ou
' Majno, OBR. CIT. I, ar Is. 171 a 17-1, pag. 513.
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS de 1893, pag. 12.
3
IDEM de
1897, pag. 10.
— 150 —
cúmplices, no sentido de co-autores; ou edictam penas
especiaes para o corruptor, peitante, subornador.
Os nossos códigos teem seguido o primeiro systema e os
projectos de 1893. a 1897 seguiram-no com uma ligeira|
variante ; mas os de 1895 e 1899 seguiram-nos plenamente,
menos quanto ao suborno que silencia, neste ponto de modo
incoherente em relação á peita.
E conforme a opinião de Cerrara que considera taes actos
de venalidade uma verdadeira compra e venda entre corruptor
e corrompido, o silencio dos ultimo3 projectos citados não se
justifica.
Pe&sina, contra Carrara, dá um sentido muito largo ao
crime de corrupção, comprehendendo nelle casos que o nosso
cod. pen. chama preoarécação e os projectos de 1893 e 1897
intitulam de « abuso de poder e autoridade ».
Puglia combate essa opinião de Pessina mostrando que o
ódio ou amizade o é o elemento da corrupção, mas sim o
lucro. *
E tanto o direito francez como o italiano restringem o
sentido da expressão a esse do lucro.
A corrupção consiste dum lado na offerta, doutro lado na
acceitaçjo duma vantagem para praticar ou não praticar um
acto de funcção. A offerta é a corrupção activa, a accei-taçuo a
passiva.
Os elementos constitutivos da corrupção são : a qualidade
de funccionario; o acto positivo ou negativo que é o escopo da
corrupção; e o interesse que é a causa determinante desse acto.
Esta matéria foi simplificada pelo cod. italiano que os
projectos de 1893 e 183 * seguiram, harmonisando a nova fonte
com a do cod. anterior e não como fez o ç.ód. pen. que peiorou
essas suas duas próprias fontes.
Os outros projectos consignaram os defeitos já assigna-
lados, salientando-se a falta de modalidades rigorosas nas.
espécies figuradas, não muito nitidamente.
EntretantD, o projecto de 1897, que reproduziu nesta parte
o de 1893, art. 197, fulmina a venalidade por siso,
independentemente da justiça ou injustiça dosados, porque é
de interesse universal que não se faça cahir em discredito ou
suspeição o pxler publico, tornando venaes serviços gratuitos.
E' essa uma figura envolvida com outras no art. 214 do
texto do cod. penal.
O art. 198 do cit. projecto contém a figura mais grave da
venalidade, quando o empregado retarda, ou omittè um acto do
officio, etc.
1
Puglia, MANLALE CIT. 2" rol. pag. 87, art. 171.
— 151
A pena é ainda aggravada nas espécies do paragrapho
único do mesmo art. 193.
O cod. pen. art. 215, não discrimina essas aggravantes,
apenas separa os conceitos, punindo tudo com a mesma pena
de prisão !
Além disto o cod. no art. 216 paragrapho único que elle
numera como 1°, sem 2
o
, appiica o talião! Ora este pôde ser
uma pena ligeira, ou, ao contrario, uma pena gravíssima e
fora de toda proporção com o crime commettido.
O projecto, art. 193 pune a corrupção activa, o que o cod.
pen., art. 217, faz também sempre de modo igual, sem a
variação da attenuante do projecto, art. 199, 2
a
parte, a favor
do corruptor quando a cjnsummação do crime mallo-gra-se.
O art. 200 do projecto impõe o confisco.
O cod. pen. art. 218 fulmina a nullidade dos actos, aliás
prevista no nosso direito civil e commercial e com a qual
nada tem que ver aqui a lei penal.
Nota-se que o cod. penal nos crimes de que temos tratado
neste titulo, graves, odiosos ou torpes edicta para elles penas
irrisórias, afastando-se assim das suas fontes mais
abundantes, isto é, do nosso cod. crim. anterior e do cod.
italiano.
Agora que temos tratado do peculato, da concussão e
da corrupção, façamos uma observação geral referente a
essas três espécies deste titulo.
A Ord. do Liv. 5
o
Tit. 71 c depois os seus interpretes
confundiam a concussão com a corrupção.
l
No direito porluguez se confunde peculato e concussão.
A differença é quasi a que vai do furto ao roubo.
O peculato ó o furto, a concussão o roubo com mettidos
pelo empregado publico tanquam talis.
No peculato o offend do, quasi sempre é o Estado em
ultima analyse, porque este é que deve responder* ao par-
ticular pelos prejuízos causados pelo funecionario peculatario.
Na concussão, o offendido é quasi sempre o particular,
podendo sel-o entretanto alguma vez o Estado, aliás sempre
mediata ou indirectamente offendido. •
A concussão implícita assemêlha-se mais ao furto ou
antes ao estellionato do que ao roubo.
Assim e com o que dissemos anteriormente neste
titulo ficam discriminadas as espécies nelle compreheudidas
e tão mal conceituadas e classificadas no cod. penal.
Quanto á jurisprudência:
« São elementos essenciaes do crime de peita a qualidade
de official publico, o acto em que se encarna a peita como
1
Pereira e Souza, onn. CIT. pag. 110.
I— i52 —
pertencentes officio/W um hitérêsse^ retribuição dãcíã oa|
promettida, como causa motoraAcc. Relação Minas Gera \s
27 janeiro 1897. *
CAPITULO IV
ABUSO DE AUTORIDADE E VIOLAÇÃO D33 DSVEREs I.VHERENTES AS
FUNCÇÕE3 PUBLICAS
CÓDIGO
Art. 207. Commetterã crime de prevarica,ão o emprega lo publico que,
por affeição, o lio, contemplação, ou pira promover interesse pessoal seu:
1." Julgar, ou proceder, contra litteral disposição de lei;
2." Aconselhar qualquer parte em litigio pendente de sua decisão; C 3.°
Deixar de prender o formar processo aos delinquentes no3 casos
determinados em lei, e dar-lhes a nota constituci mal de culpa, ao prazo de
vinte e quatro horas;
4.° Recusar, ou demorar a administração da justiça, ou as providencias
do cilicio, requisitadas p>r autoridade competente, ou determinadas por lei;
õ.° Exceder os prazos estabelecidos em lei para o relatório e revisão do
feito, ou para proferir sentença definitiva ou despacho ;
6.» Dissimular, ou tolerar, os crimes e defeitos offlciaes de seus
subalternos e subordinados, deixando de proceder contra elles, ou de
Informará autoridade superior respectiva, quando lhe falte competência
para tornar eflkctiva a responsabil dade em que houverem incorrido ;
7.° Prover em emprego publico, ou propor pira elle, pessoa que
notoriamente Dão reunir as qualidades legaes; 8.o Julgar causi9 cm que
a leio declare suspeito como juiz de direito de facto, ou arbitro, ou em que as
partes o hajam legitimamente recusado ou suspeita lo;
9.° Ordenar a prisão de qualquer pessoa sem ter para isso causa] ou
competência legal, ou tendo-a, conservar alguém incommumcavel por mais
de 48 horas, ou retol o cm cárcere privado ou em casa o destinada a
prisão;
10. Demorar o processo do o preso ou afiançalo, além do> prazos
legaes, ou faltar aos acto3 do seu livramento;
11. Recusar, ou retardar a concessão de uma ordem de hibeai-corpus,
regularmente requeri ia;
12. Fazer remessa do preso à outra autoridade, oceultal-o ou transferi
1 o da prisão em que estiver; não apresentalo no logar e no tempo
determinado na ordem de habeas corpus; deixar de dar conta
circumstanciada dos motivos da prisão, ou do o cumprimento da ordem,
illudindo por esses meios a concessão do hibeas-ccrpus;
13. Tornar a prender, pela mesma causa, o que tiver sido Solto em
provimento de habeas corpus;
O DIREITO, vol. 80, pag. 311.
153
14. Executar a prisão de alguém sem ordem legal escripta de autori
lade legitima; ou receber, sem essa formalidade, algum preso, salvo o caso
de flagrante delicio, ou de impossibilidade absoluta da apresentação da
ordem;
15. Excluir do alistamento eleitoral o ciladão que provar estar nas
condições de ser eleitor, ou ineluir o que não provar possuir oi requisitos
legaea;
16. Demorar o extracção, expedição o entrega de titulos, ou do-
cumentos, de modo a impedir que o cidadão vote, ou instrua recurso,
interposto opportunamente;
17. Deixar de preparar, ou expedir, nos prazos legaes, os requeri-
mentos dos cidadãos que pretenderem alistar-se eleitores; extraviar, ou
oceultar o titulo de eleitor, ou documentos, que lhe tenham sido entregues,
relativos ao alistamento:
Penas — de prisão collular por seis mezes a um anno, perda do
emprego, com inhabilitação para ex
i
rcer outro, e multa de 200$ a
600$000.
§ 1.° Si a prevaricação consistir em impor pena contra a litteral
disposição de lei, e o condemnado a goffrer, impôr-se-ha a mesma pena ao
juiz, ou juizes, si a decisão fòr collectiva, além de perda do emprego.
§ 2." No caso, porem, que o condemnado não tenha soffrido a pena,,
impor-svha ao juiz, ou juizes, a que estiver designadi para a tentativa do
crime sobre que tiver recaindo a condemnação.
Art. 210. Si qualquer dos crimes mencionados nos arts. 207 e 208 da
secção precedente fòr commettido por frouxidão, indolência, negligencia
ou omisíão, constituirá falta de exacção no cumprimento do dever e será
punido com as penas de suspensão por seis mezes a um anno o multa de
100$ a 500$ :00.
Art. 211. Serão considerados em falta de exacçio no cumprimento do
dever :
§ l.° O que 1 rgar, ainda que temporariamente, o exercício do
emprego ssm prévia licença de superior legitimo, ou exceder o prazo
concedido sem motivo justificado:
Penas — de suspensão do emprego por três mezes a um anno e multa
de 50$ a 100$ )00.
§ 2." O quj infringir as leis que regulam a ordem do processo, dando
causa a que o mesmo seji reformado :
Pona de fizer a reforma á sua custa e multa igual á somma a que
moitara reforma.
§ 3." O que em processo criminal impazer pena contra alei :
Penas de prisão cellular por três a nove mezes e multa de 100? a
5005000.
Art. 212. A execução de ordem, ou requisição exigida por autori a le
publica, só pôde ser demorada pelo executor nos seguintes casos:
«i qmndo houver motivo para prudentemente se duvidar da sua
authenticd.ide ;
/>) quando parecer evidente que fora obtida ob e subrepaciamente ou
contra a lei :
c) quando da execução se devam prudentemente receiar gnves ma!e?.
que o superior, ou o requisitante, não tivesse podido prever.
Ainda que nestes casos possa o executor da ordem, ou requisição,
suspender a sua execução pira representar, todavia nai será isento de pena,
si não demonstrar claramente a relovancia dos motivos em que se
fundara.
154
Art. 213. A soltura do preso, posteriormente á expe lição de
ordem de habeas-corpus, pela autoridade que ordenou a prisão, não a
exime da responsabilidade criminal pela illegalldade da mesma prisão.
Art. 226. Exceder os limites das funcções próprias do emprego :
Pena de suspensão do emprego por seis mezes a um anuo,
além das mais em que incorrer.
Art. 228. Expedir ordem, ou fazer requisição illegal :
Penas de suspensão do emprego por um a três annos e multa
de 100$.aõ00$000.
Art. 22'J. O que executar ordem ou requisão illegal, seconsi-
derado obrar, como si tal ordem ou requisição não existira, e punido
pelo excesso de poder, ou jurislicção que corametter.
o ordens e requisões illegaes as que emanam da autoridade
incompetente, as que são destituídas das solemnidades externas
necessárias para a sua vali lade, ou são manifestamente contrarias ás
lei-!.
Art. 230. Exceler a prudente faculdade de reprehenler, corrigir
ou castigar, offendendo, ultrajnn lo ou maltratando por obra, p davra,
ou escripto, algum subalterno, depen lente, ou qualquer outra pessoa
com quem tratar em razão do offleio :
Pena de suspensão do emprego por um mez a um anno, alam
das mais em que incorrer pelo excesso ou injuria que praticar. | Art.
231. Commetter qualquer violência no exercício das funcçOes do
emprego, ou a pretexto de exorcel-as :
Penas •• de perda do emprego, no grão máximo ; de suspensão
por três annos no médio, e por um anno no mínimo, além das mais
em que incorrer pela violência.
Art. 232. Haver para si, directa ou indirectamente, ou por algum
acto simulado, no todo ou em parte, propriedade ou effeito, em cuja
administração, dispôs ção, ou guarda deva intervir em razão do
offleio ; entrar em alguma especulação de lucro, ou interesse
relativamente à dita proprieiade ou effjito :
Penas de prisão cellular p-jr um a seis mez
a
.s, da perda do
emprego e multa de 5 a 20 % da propriedade, effoitos adquiridos ou
inieresse que auferir da negociação. Em todo caso a a quisição será
nulla.
Paragrapho único. Em íguaes penas incorrerão os paritos, ava-
liadores, p.irtidores, contadores, tutores, curadores, testamenteiros,
depositários, administradores de massas fallidas e syndicos de so-
ciedades em liquidação, quando commetterem o mesmo crime.
Art. 233. Commerciarem os governadores o commandantes de
armas dos Estados ; os magistrados ; os offlebes de f izenda, dentro
dos districtos em que exercerem as suas fuuões ; os offlciaes militares
de mar e terra, salvo ti forem reformados o os dos corpos policiaes.
Penas de suspensão do emprego por um a três annos e multa
de 200$ a 500$000.
Na prohibição deste artigo não se comprebende a faculdade de
dar dinheiro a juro ou a premio, comtanto que as pessoas nelle men-
cionadas não façam do exercício desta f icuídade profissão habitual
de commeroio; nem a de ser accionista em qualquer companhia
mercantil, uma vez que não tomem parte na gerência administrativa
da mesma companhia.
155
Art, 234. Constituir-se devedor de algum subalterno; dal-o por seu
fiador ; ou contrahir com elle obrigação pecuniária :
Penas de suspensão do emprego por três a nove mezes, a multa de
5 a 20 % da quantia da divida, fiança ou obrigação.
Art. 235. Solicitar alguma mulher, que tenha litigio ou pretenção
dependente de decisão, ou informação, em que deva intervir em razão do
cargo :
Pena de suspensão do emprego por seis mezes a dous aunos, além
das mais em que incorrer.
Si o que commetter este crime for juiz ;
Pena de prisão cellular por um mez a um anno, além das mais em
que incorrer.
Art. 236. Si o crime, declarado no arfcgo antecedente, for
commettido por carcereiro, guirda ou empregado de cadeia, casa de
reclusão, ou estabelecimento semelhante, contra mulher que esteja presa,
ou depositada, debaixo de sua custodia ou vigilância, ou contra mulher,
filha ou irmã, curada ou tutelada de iessoa que se achar nessas
circumstancias;
Penas — de prisão cellular por um mez a um» anno e perda do
emprego; além das outras mais em que incorrer.
Art. 237. Quando do excesso, ou abuso de autoridade, resnltir
prejuízo aos interesses nacionaes :
Pena—de multa de 5 a 20 % do prejuízo causado, além das outras
mais em que incorrer.
Art. 238. O empregado publico que for convencido de incontinência
publica e escandalosa; de vicio de jogos prohibidos, de embriaguez
repetida ; de haver-se com ineptidão notória ou desídia hábil uni no
desempenho de suas funeções :
Pena de perda do emprego, com inhabilitação de obter outro, até
mostrar-se corrigido.
COMMENTARIO
48. Para dar uma forma racional ao cominentario, foi
indispensável organizar o texto, retalhando ns secções I
a
, 2*,
6
a
e7
a
deste titulo V do Código Penal, ficando os artigos
restantes para organizar os textos dos communlarios dos
capítulos 5
o
e 6
1
.
Além do que dissemos e consignamos aqui sobre o
titulo em geral e especialmente sobre os diversos capitulos
dos projectos de 1893 e 1897, com referencia, quer aos códigos
anterior e vigente, quer aos outros projectos de 1896 e 1899,
fizemos uma nota acerca do art. 238 do Código Penal dizendo,
contra os últimos projectos citados que reproduziram o texto
do referido artigo:
Não ha razão para reviver o dispositivo da figura da
embriaguez e da incontinência do empregado publico.
O direito commum é que deve ahi regular, salvo quando
elle incidir tanquam talis nas comminaçôes respectivas. *
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS de 1897, p"g. 11-
153
Entretanto passemos ao assumpto de tod > capitulo, em
geral, para depois espeelalisarmos as hypotheses conforme as
respectivas configurações.
Assim Pessina.soo o titulo «exercício illegal e arbitrário
do poder» com prebende como uma das formas ge-raes da
prevaricação em sentido mais extenso que o do nosso Código
Penal o abuso do offieio, isto é, o facto de exercitar o poder,
excedendo os confins que a lei assignala a actividade do
mesmo, seja para com os outros poderes reconhecidos pelo
Estado, seja para com 03 particulares.
Um antigo principio é que todo poder deve ser exercido
dentro dos limites a elle designados pela lei.
E si in societate civili aut lex aut vis vai et, todo excesso
no exercício do poder é violência, é arbítrio, ê ois,\
O exercio abusivo do poder também sem o escopo de
lucro illegltimo, como vimos até aqui, como excesso de poder
e criminoso.
Este modo de delinquir p xle manifestar-se por três
aspectos differentes :
I. abuso de poder contra o interesse publico:—Código
Penal, arts. 22 í a 227; e projectos de 1833 e 1897, capitulo V,
e de 1899, cap. VI.
II. contra os particulares:—Código Penal, secções 1»
e 6
n
; projectos, capitulo IV, de 1833 e 1897 e capitulo V,
de 1S99.
III. em damno ou prejuízo especial do"s detentos:—
Código Penal, nrt. 207, ns. 9 a li; projectos, de 1893,
arts. 19) o 191 e 1897, arts. 175 e 176; e de 1899, arts. 157
e 158.
Guardaremos na exposição a ordem do systema dos pro-
jectos que temos observado por parecer-nos a mais metho-dica,
uma vez que o Código Penal nenhuma ordem guardou.
Assim a primeira maneira de delinquir, para nós é o
exercício abusivo da autoridade em prejuízo dos particulares, e
que se pôde distinguir por duas formas uma negativa, outra
positiva.
A forma negativa é a denegação de justiça; entre nós é
muito mais ampla que o deni de justice dos fran-cezes, e
consiste na recusa illegitima por parte do empregado publico
de praticar os actos do próprio ministério. Exemplos : Código
Penal, art. 207, ns. 3, 4 e 10; projectos, de 1897, art. 203; de
1893, art. 197.
A ! yvma positiva comprehende todos os actos arbitrários
contra o direito individual. E si ha H'elles a nota de um crime
contra o direito individual, esta não exclúe a outra que o
transforma em crime contra o direito do Estado, porque é
commettido por funecionario publico que abusa de suas
funeções.
— 157
Assim o crime pode revestir diversas formes:
l.
a
Déattentato contra a liberdade individual, que pode
manifestar-se contra a liberdade da pessoa; exemplos: cod.
Ipen. art. 207, ns. 9, 13 e 14; projectos, de 1897, arts. 173 e
174 ; de 1899, arts. 155 e 156.
2.
a
Outra forma verifica-se nos crimes contra o livre ex-
ercício dos direitos individuaes, como a inviolabilidade do
domicilio, da correspondência etc.
3.° A violência de que trataremos depois neste titulo.
N'estes também se incluem violências e vexames contra
os detidos de que também tratamos (n. 23) no tit 2
o
cap. 2
o
deste commentario. *
49. Estabelecidos estes princípios geraes, depois de ter-
mos tratado nos capítulos anteriores dos crimes específicos,
devemos agora tratar dos geraes, ou genéricos si assim nos
podemos exprimir, comprehendidos na I
a
e 6
a
secção deste tit.
do cod. pen. e no cap. IV dos projectos de 1893 e 1897 e no
;&p. V do de 1899, isto é « do abuso de autoridade e violação
dos deveres inherentes ós funeções publicas. »
E' impossível acompanhar methodicamente o cod. n'esta
matéria, onde elle exagerou a casuística do cod. crim. anterior
e onde apezar de tudo é lacunoso.
Tratando-se, entretanto, desta classe de crimes, o primeiro
a notar é o formulado no projecto de 1897, art. 201; e no de
1899, art. 190; comprehendido aliás, mas muito di-ffusamente
no texto do cod. pen. arts. 207 e 226.
Essa fórmula, diz Garrara, exprime, ora um nero, ora
uma espécie; como género, se applica indistinctamente a
qualquer facto culpável, para consumar o qual o agente se
tenha prevalecido da situação que lhe dava o emprego por elle
oceupado; como especie, exprime mais particularmente
aquelles abusos que o são meras transgressões disciplinares
ou violações dos simples deveres moraes doofficio, mas, ao
contrario, causãotal offensa ao direito que exigem uma
repressão penal e constituem por isso verdadeiros e próprios
crimes; mas, ao mesmo tempo, não offerecendo por si mesmo
uma odiosidade particular digna de nome especial, ficão sob
aquella denominação genérica. -
Em summa, tal formula muito genérica contém em si
mesma uma disposição geral e complementar destinada a re-
primir todos aquelles abusos commettidos por funecionarios
contra o direito doutrem, que o são contemplados por uma
disposição especial de lei.
Assim, como nem todos os abusos que podem ser com-
mettidos por funecionarios são especialmente previstos e re-
1
Passina, Obr. CIT. vai. 3
o
pasr. 74.
Vid. tamb?ra Maino, Obr. CIT I. art. 175, rag. 525, n. 892.
158
primidos pelo código, é justo, para evitar lacunas deploráveis,
que uma norma geral proveja a todas as contingências
possíveis.
A disposição, pois, pôde ter applicação quando o abuso
do emprego não configure um crime especial, tendo no código
um outro nome determinado, por exemplo, o do art. 181 do
nosso código, e quando o abuso do officio não seja
considerado como circumstancia aggravanle de um crime
commum, como v. g. nos delictos eleitoraes.
O código italiano corrigiu os defeitos dos códigos ante-
riores e não fez como o nosso que os manteve.
No direito franccz é obscura e pouco precisa a noção do
abuso de autoridade que comprehende es infracções mais
diversas, incluindo as especificas de que já tratamos. Entre
cilas figura a chamada deni de justice de pouca importância e
que corresponde a do projecto de 1897, art. 208; e de 1899, art.
197.
Repetimos, é impossível guardar a ordem numérica ou
successiva do texto do cod. pen.,taes são os defeitos da
classificação das matérias e as repetições doutras já tratadas em
títulos diversos onde melhor teriam cabimento algumas
disposições; continuaremos, pois, conforme a ordem dos
projectos de revisão do código.
A outra forma do crime deste cap. é a expedicção, requi-
sição ou execução das ordens illegaes, cuja definição esclarece \
a interpretação dos arts. 28, 35, § 2
o
e 42 § 4
o
, do código. O
crime esta previsto nos arts. 228 e 229 do texto.
A disposição destes artigos com os caracteres de genera-
lidade e nitidez que tanto os accentúa é uma especialidade que
só nos consta figurar nos nossos códigos.
nos referimos á matéria neste mesmo commentario (n.
23).
Noutro livro tratamos das questões correlatas a que dão
logar os arts. 28, 35 § 2
o
e 42 § 4
o
do código pen. *
Outra forma ê a pratica de violência no exercício de fun-
cção, ou a pretexto de exercel-a: cod. art. 231.
Esta disposição tem sua fonte, ao menos primitiva, no cod.
francez, art. 186, seguido pelo nosso cod. crim. anterior, art.
145, donde passou para o vigente.
Conforme os respectivos interpretes, a figura do crime
exige quatro condições: 1" violências contra a pessoa, graves
ou ligeiras; 2
a
o caracter de funccionario publico elevado ou
subalterno na hierarchia ; 3
a
que seja comniettido o facto no
exercício ou por occasiuo de exercício das funcções ; 4
a
sem
motivo legitimo.
' Do autor: CCD. PEN. COMM UNTADO. I
O
vol. paga. 326 n. '9; rol. pag. 37 n.
87 ; pag. 173 n, 129; pag. 179, n. 131.
159
Esta ultima condição ê de rigor, porque a violência, a
força, ois, para com as pessoas na execução das leis e ordens
legaes da autoridade competente, na conformidade destas,
como temos dito, ê legitima na medida em que ella se faz
necessária.
Sem o emprego delia, a lei e a justiça ficariam impotentes
e desarmadas.
Assim é que a accusação deve provar, contra o func-
cionario, que tem uzado voluntariamente da violência, não
somente o facto material da violência que lhe é arguido, como
lambem a illegitimidade deste facto, porque si o emprego da
violência e sempre illegitimo da parte dos particulares, não o é
sempre da parte dos funccionarios.
A lei franceza não define o motivo illegitimo, deixa-o á
apreciação dos tribunaes.
Trata-se dum crime intencional, as violências devem ser
queridas; não se trata de simples culpa e a exclúe mesmo a
idéa de pesquiza do motivo. *
»o. Os arts. 232 a 234 do cod. pen. comprehendem outras
formas, umas mais ou menos attenuadas que outras de
infracções e que se podem reduzir a figura do crime que tem
por escopo o funecionrrio de auferir um lucro illicito por meio
da funeção, sem ser nos casos já tratados, nos caps. I a III
deste titulo do commentario, das figuras especificas do
peculato, concussão e corrupção.
O cod. italiano, art. 176, generalisou muito a formula para
abranger o maior numero possível de casos.
Os elementos constitutivos dos crimes dos arts. 232 a 234
do texlo o, a qualidade de empregado publico .dos
designados na lei, e o interesse privado que por si ou por
outrem, ostensiva ou simuladamente trata de promover,
traficando com a própria funeção.
Não é mister que se torne effectivo o prejuízo da admi-
nistração, quando, entre s, o prejuízo pôde ser também
contra o particular; o que resulta, aliás, por argumento o
contrario sensu do nosso cod. art. 237.
Assim não tem lugar entre nós a divergência reinante
entre o direito francez e o italiano neste ponto.
O particular co-réo, ou complice deve ser punido ?
A solução da questão exige uma distineção.
Assim quando o acto é de empregado publico, o parti-
cular só deve ser punido, quando o acto não fór somente
criminoso, porque é commettido por empregado publico, mas
revestir caracteres de criminalidade com muni.
E' a doutrina de Carrara e outros.
â
Garraud, ODR. CIT. vol. 3
o
pog. 443.
Majno, Omi. CIT. í, art. 176, pog. 528, n. 902; Garraud, Ornt. CIT. 3* vol.
pag. 875.
160
Outra forma é a revelação de segredos que o cod. não
prevê nos artigos do texto, talvez, porque no titulo 1°, art. 87 §
3
o
tinha previsto a revelação de segredos de Estado, que é
cousa muito differente.
A figura está prevista no projecto de 1897, art. 207: e no
de 1899, art. 196.
A disposição é para regular casos outros que o os de que
ja tratamos no tit. I
o
cap. 1°, 1» secçQo, tit. 3o cap. 30
comprehensivos dos políticos ou militares, epistolares, pro-
fissionaes, ele...
E' crime doloso, quando a culpo é punida mesmo na
revelaçõo de segredos políticos e militares pela sua im-
portância.
Aqui trata-se não só da revelação de documentos, como de
factos conhecidos pelo empregado e que elle não deve revelar.
Os arls. 208 a 210 do projecto de 1897, 197 a 199 do de
1899, comprehendem outra forma de omissão ou recusa dos
actos de ofíicio que as disposições designam.
O código dispersou essas formas pelos arts. 207, ns. 3 e 4;
212 e talvez por outras disposições, com formulas pouco
precisas e embora repetidos, sempre mal caracterisadas.
Trata-se também dum crime doloso e que commettido | por
lucro degeneraria em corrupção.
O elemento material do crime está na omissão ou recusa
de actos de officio que não estejam especialmente previstos
noutros artigos.
Os arls. 208 do projecto de 1897, e 196 do de 1899 con-
sagram uma aggravante.
Outra forma ê o abandono arbitrário do emprego que o art.
211 § I
o
do texto do cocVg-o penal confunde com outras
hypotheses, porque infelizmente em algumas secções deste
titulo, além da má distribuição da matéria, até a collocaçâo dos
artigos duma mesma secção não corresponde á ordem dos
titulos ou nomes das matérias designados na respectiva
epigraphe.
Assim a epigraphe da 6
a
secção comprehende duas ma-
térias, pois a collocaçâo dos artigos começa pela segunda ! |
A ligura a Iludida está comprehendida no art. 211 do
projecto de 1897, e 201 do de 1899.
•«' E' mister que haja abandono arbitrário com o fim desi- |
gnado na lei; ou que haja prévio concerto de três ou mais
empregados para o abandono conforme os projectos.
Ha crime ainda que o evento que tinham como escopo não
se produza.
Finalmente, o art. 212 do projecto de 1897 e o art. 202 do
de 1899, comprehendem uma formula geral de abuso da
funeção que o código penal nos arts. 207, 210 e noutros tra-
duziu por disposições casuísticas.
— 161 -
São a antiga prevaricação dos nossos códigos anterior e
vigente e« o falta de exacção no cumprimento de deveres».
e*i. Quanto a jurisprudência sobre crimes deste capitulo :
r^ « E* elemento essencial do delido previsto no art. 231 do
cod. pen. a violência que pôde ser contra a pessoa ou contra a
cousa.
Compete as Juntas Correccionaes, observadas as pre-
scripções processuaes, a condemnaçSo das contravenções de
jogo.
Assim, a autoridade policial, que, summarissimamente,
|impõe multas por taes contravenções, commette o crime de
usurpação de funeções privativas da autoridade judiciaria.
I Mas, irresponsável é a autoridade policial que desfarte
exhorbila, si, sem a intenção criminosa, procede por erro de
direito adjectivo. » Acc. do Trib. Civil e Crim. ( concelho do
), presidente e relator, Dr. Muniz Barreto, 5 de maio de
1898— fíev. de Jurispr. cit. vol. 3» pag. 436.
«Commette o crime do art. 226 do cod. penal a au-
toridade policial que impuzer summarissimamente multa e
prisfio pelo jogo denominado do bicho. K Não isenta desta
responsabilidade a ordem illegal da chefatura de policia em
um tal sentido.
Não pode também prevalecer, para absolvição da au-
toridade policial delinquente, a falta de intenção criminosa,
por lhe cumprir conliecer a lei. » Acc. de 12 de abril e 19 de
setembro de 1899 do Trib. Civil c Crim., e da Corte de
Appellação. —J?cv. de Jurispr. cit. vol. 7° pag. 28*.
« Não ó considerado incurso no art. 224 do Código Penal
o contador do Correio de um Estado que depois da publicação
do novo regulamento dos Correios, continuou a sub-tituir o
administrador, de accordo com o regulamento anterior e com
sciencia do administrador geral; sendo manifesta a boa fé
com que procedeu. » Acc. do Supr. Trib. Federal, 11 de maio
de 1895. '
« O art. 231 do cod. pen. presuppõe a violência com o
fim ou intuito principal do agente e o exercicio real ou pre
textado das funeções do emprego como o meio de chegar
ao fim desejado. .
Suppõe-se que a autoridade goza da prudente faculdade
de reprehender, corrigir ou castigar ; o que se pune é a im-
prudência, que existe na offensa, no ultrage, no mão trato,
em- sua tríplice manifestação— obra, palavra ou escripto.»
^ Supremo Tribunal Federal JIMUSPUUDBNCIA do ;inno de 1395,
pag. 49.
W17 »
Intelligencia dos arte. 230,231 e 193 do cod. pen.— Acc.j
RelDçío Mina* Gerara, 3 de fevereiro de 1900. '
« O jtiry foz parte da organização judiciaria dos Es«|
lados, e deve ser regulado pelas respectivas leis, salvo a'|
sua essência.
E' constitucional, e como tal deve ser entendida e ap-j
plicada, a lei processual do Estado que relativamente ao
Jury, estabelece a publicidade do volo dos juizes de facto
e a fundamentação dos recusações dos mesmos por parte
da accusaçQo e da defesa. /
R Não obstante, nQo commetle crime algum, e sim apenas
simples erro de interpretação que o do lugar a respon-
sabilidade criminal, o juiz, presidente do jury, que deixa de
applicar essas disposições da referida lei processual por jul-gal-
as attentatorias do art. 72 § 31 da Constituição Federal.»
Intelligencia dos arts. 34, n. 23, 63, 65 n. 2e 72 § 31 da Const.
Fed. earts. 207, 210 e 226 do cod. pen. Acc. do Sup. Trlb.
Federal, 7 de outubro de 1899. *
« E' negado provimento ao recurso interposto do despacho
do juiz seccional não recebendo a queixa apresentada contra o
Inspector da Alfandega da Capital Federal, porque os factos
allegados (expedição de duas portarias ordenando a dons
conferentes que fossem a casa do queixoso proceder ú nova
pesagem e conferencias de mercadorias jã despachadas na
Alfandega, exigindo as respectivas facturas)! não constituem os
crimes previstos nos invocados arts. 226 e 228 do cod. pen.
Acc. do Supr. Trlb/* Federal, 2 de abril de 1898.
« Como preliminar, tomando-se conhecimento do recurso,
porque dado que não fosse apresentado dentro do \ prazo legal,
não deve essa circumstancia prejudicar os interesses da justiça, é
negado provimento ao mesmo recurso c confirmada a sentença
que julgou improcedente a denuncia dada contra o recorrido,
porquanto, não constitue o crime previsto no art. 226 do digo
Penal, o facto de haver o denunciado escripto em autos, sem
termo de vista, e emj resposto a severa advertência do juiz
seccional, um artigo cm que se serviu de expressões
consideradas desrespeitosas.» j Accordão do Supremo Tribunal
Federal, 4 de maio de 1898.
3
« Crime de prevaricação definido no art. 207 § 1° do
Código Penal: —não o commettem os membros da Juntaj
apurodora eleitoral por terem tomado votos em separado,
J
em
face da respectiva lei estadoal de Goyaz, n. 20 de abril
1
O DIRKITO, vol. 82. pag. £77.
* O DIREITO, vol. 73, pag. 15 e vol. 82, pag. 88, ea KKYISÂO DOS rao-
cc8H>a PEN.VISS do aulor, App. pag. 411, n. 87. '"i
1
JURISPR. CÍT. (!: anno 1898, pag. 57, n. 60, pag. 59, n. 62.
163
I de 1885, art. 49 e nem por isso incorrem em outra qualquer
responsabilidade criminal: « Sentença do juiz de direito de
Goyaz, 30 de agosto de 1895.» »
% NSo ha crime no simples facto de reformar-se um
despacho de pronuncia.
I «As circumstancios constitutivas do crime de prevari-
cação devem ser provadas (Código Criminal art. 129, Código
Penal art. 207).
No crime de prevaricação não pôde ler lugar a atte-
miante de não ter havido da parte do delinquente pleno
conhe •imento do mal e directa intenção de o praticar (Código
Criminal art. 18 § I
o
, Código Penal art. 42 § 1°). » Ac-I cordão
d > Supremo Tribunal de Justiça 12 de fevereiro 1877 O
Direito, vol. 12, pags. 791.
« Não excede os limites de suas attribuições o juiz sec-
cional que concedendo ordem de habeax-corpus e consequente
soltura a reo preso por delicto da competência da justiça local,
onde estava sendo processado, o fez sem inten-^nção criminosa
e sim pir defeito de interpretação do texto legal Intelligencia
do art. 226 combinado com o art. 24, do Código Penal, »
Accordõo do Supremo Tribunal de 19 de dezembro de 169o. -
CAPITULO V DA U»URl'AÇÃO 1)8
FUNCÇÕES PUBLICAS B DE TÍTULOS OV HONRAS
C3DIGO
B Art. 224. Arrogar-se e efectivamente exercer sem direito, emprego ou
funeção publica, civil ou militar :
Penas — de prisão cellular por seis mezes a dous annos e multa igual
ao dobro dos vencimentos que tiver recebido.
Art. 225. Entrar em exercício do emprego,som ter satisfeito pre-
viamente as exigências da lei para a investidura do mesmo:
Pena de suspensão do emprego até satisfazer ss condições exi-
gidas, e multa igual ao dobro dos vencimentos que tiver recebido do
emprego.
Ai t. 227. Continuar a exerçor funccôes do emprego ou commissão,i
depois de saber ofllcialmenle quo está suspenso, demittido, removido,
ou substituído legilmente, excepto nos casos em que for autorizado
competentemente para continuar:
t
Cenas de prisão cellular por um mez a um anno e multa igual | ao
dobro dos vencimentos que tiver recebido pelo exercício indevido do
cargo.
* O DIREITO, vol. 70, pag. 600.
2
O
DIREITO, vol. 72, pag. 411.
164
COMMENTARIO
Cfecs. Este capitulo ô um fragmento da 6" secçflo do código!
penal neste seu titulo V que corresponde ao IV deste nosso
commentnrio.
E' a matéria do capitulo correspondente ao projecto de
1897, arts. 213 e 214 e do de 1899, arts. 204 a 206. "I
E' uma outra classe de crimes deste titulo « a usurpação
de funcções publicas e de títulos ou honras. » * -
;
Trata-se, em primeiro lugar, do exercido abusivo de fun-
cções publicas e ao que o código penal se refere nos três
artigos do texto.
Esse crime pôde ser praticado por um particular ou por um
funccionario; assim como são criminosos lambem a an-1
tecipação e o prolongamento das funcções publicas.
O organismo do poder social, diz Pessina, nflo pode con-j
servar-se illeso de perturbação, quando o particular venha a
invadir o seu dominio, fazendo-se seu representante, sem estar
investido delle segundo as formas e condições legaes.
Daqui surge o delicto de o exercicio abusivo de funcções
publicas », delicto, cuja noção nfio se restringe a usurpação de
um offleio ou emprego permanente, mas se estende á toda
manifestação própria da actividade do poder social, perma-
nente ou transitória. *
A autoridade publica, diz Garraud, é delegada a certos
agentes, submettidos a justas condições de investidura. Usur-
par a situação destes agentes, exercer a autoridade publica em
seu lugar, são factos erigidos em delictos por toda a legislação
civilisada.
E' a figura do art. 224 do texto do código penal caracteri-
sala pelo facto de alguém que indevidamente, isto é, sem titulo
legitimo, assuma ou exercite funcções publicas, sendo simples
particular, ou mesmo empregado publico que exerça funcções
difterentes daquellas de que está legalmente re-j vestido.
E' mister notar, com Majno, que assumir uma funeção
exprime uma acção positiva e não dictos vãos ou expressões
ineptas; é, por outras palavras, tomar posse do cargo,
constituído pela funeçõo ou a que esta está ligada ou an-
nexa.
2
-^
Assumir simplesmente o titulo constituiria as figuras de
contravenção dos arts. 379 ou 381 do nosso cod. pen.,| menos
graves do que a do art. 224 do texloj
-
1
Pessina, Ou ri. ciT. vol. 3
o
pag, 110. *
Majno, OBR. CIT. I, pag. 549.
165
O direito francez, italiano e outros punem também o
exercício da autoridade publica illegnlmente antecipado, ou
prolongado *.
Os elementos constitutivos das figuras destes crimes
variam de accordo com a legislação djs diversos paizes per-
tinentes especialmente ao assumpto, isto é, conforme as
peculiares condições e requisitos por cada uma exigidos para
a nomeação e posse ou destituição dos cargos públicos.
São as espécies dos arts. 225 e 227 do texto do nosso
cod. pen.
Assim o individuo nomeado para um cargo publico que
sem fazer a aj/irmação ou tomar o compromisso (outr'ora o
juramento) de bem servir, ou não prestar a fiança ou não dér a
caução, por exemplo, si a lei o exigir, e assumir, entretanto,
sem cumpriras formalidades legaes, o exercício das funeções
do cargo incorrerá no crime previsto noort. 225.
Do mesmo modo, o que continuar a exercer funeções
depois de saber oficialmente que cessaram ou foram sus-
pensas, terá commettido o crime capitulado no texto do art.
227 do cod. pen.
O cod. neste art. 227 repete a mesma espécie do art. 211
§ 1°, 2» parte, classificada na 2
a
secção deste titulo e não na
sexta de que aqui tratamos; e como as penalidades dos dous
artigos são differentes, o juiz se achará muita vez inteira-
mente embaraçado na execução !
Quanto, agora, « á usurpação de títulos ou honras »
ultima parte deste capitulo e que os projectos de revisão do
cod. pen. previram como crime, o mesmo cod. colloca os
respectivos factos entre as contravenções envolvidos com
matérias completamente estranhas.
Entretanto, diz Garrara, annotando a disposição pa-
rallela do cod. italiano, que o art. 18G no projecto senatorial
precedente figurava nas contravenções,—mas si se considera
que com o facto se offende immediatamente um direito dos
terceiros, isto é, o de trazerem legalmente os distinctivos
honoríficos conferidos pela autoridade, ô fácil persuadir-se
do dolo da acção e que a classificação de tal infracção acha
um logar adequado na classe dos delictos ».
0 projecto de 1897 colloca o crime no art. 214 e o de
1899 no art. 205.
Da mesma opinião de Carrara é Pessina, porque o facto
importa a violação dum direito.
1
Garraud, OIIR. crr. 3
o
vol. pag. 471.
* Carrara, COMMEXTO CIT. art. 180, pag. 118.
— 166 —
CAPITULO VI
PREVARICAÇÃO
CÓDIGO
Art. 209. Picarão co.nprehendidos na disposição do artigo prece-
dente, e seo julgados peli mesma forma do processo que os funccio-
narioa públicos, o advogado ou procurador judicial :
1°, que conluiar-se com a parti adversa e, por qualquer meio
doloso, prejudicar a causa confiada ao seu patrocínio;
2*, que, ao mesmo tempo, advcgar ou procurar scientemente por
ambas as partes ;
3
o
, que solicitar do cliente dinheiro, ou valores, a pretexto de
procurar favor de testemunhas, peritos, interpretes, juiz, jurado ou
de qualquer autoridade ; .
4", que subtrahir, ou extraviar, dolosamente, documentos de
qualquer espécie, que lhe tenham sido confiados e deixar de restituir
autos que houver recebido com vista ou em confiança :
Penas de privão do exercio da profissão, por dous a quatro
annos e multa de 200$ a 500?, áfi n das mais em que incorrerem pelo
mal que causarem.
COMMENTARIO
è>3- O artigo do texto está comprehendido na I
a
secção do titulo
V do código penal ; mas a matéria constitue objecto deste capitulo,
no titulo respectivo do projecto de 1897, arts. 215 a 217, e do de
1899, arts. 207 a 209.
Justificando o projecto de 1897, comparativamente com os de
1893 e 1896, dissemos sobre o assumpto deste capitulo e do anterior,
de modo geral, sobre o contexto deites; notando também a
collocaçâo inconveniente do art. 206 do projecto de 1898 ; e outros
lapsos deste ultimo projecto, neste titulo mesmo, reproduzidos,
entretanto, apezar de taes avisos no de 18J9 :
Nos 5
o
e 6
o
capítulos do titulo, o substitutivo, a não ser quanto
ás alterações da penalidade, não se affastou quasi da nova redacção.
O ultimo artigo é um crime politico e ficou no respectivo
titulo.
SS Esquecia dizer que ha antinomia entre o art. 27 ri. I eo § 2° do
art. 191.
O capitulo VII não differe, nem do projecto nem do sub-
stitutivo, nem mesmo na referencia feita duas vezes á indem-nisação
do damno, tão malsinada pela nova redacção, tal é a força da
verdade !
167
O capitulo VIII está nas mesmas condições, respectiva-
mente aos três projectos *.
Effectivaniente, a collocaçSo do art. 205 no capitulo da
« usurpação de funcções e de títulos ou honras » pôde
tornar controvertida a competência da justiça federal, cujas
leis se referem, não a este, mas ao primeiro titulo do
digo. iy|
Gomo assumpto final deste titulo, vamos tratar da
[prevaricação.
A. prevaricação não exprime, senão impropriamente,
conforme a linguagem do código criminal anterior e do|
código penal vigente, o abuso da funcção publica, mas o abuso
do officio de advogado ou procurador ou antes, do patrono
9
.
O sujeito activo deste crime é o patrono, tomada esta
expressão na falta doutra, para comprehender do modo mais
geral possível, até certo ponto contra a opinião de Carrara,
toda espécie de defensor, advogado ou não, procurador legal
ou não, munido ou não de diploma judicial ou profissional, e
assim, também, oquelles que são admittidos, como na Itália,
ao patrocínio deante dos pretores e conciliadores ("juizes de
paz).
Nõo se faz mesmo ahi distincção alguma, si o patrono
é nomeado directamente pela parte ou delegado de officio,
si é retribuído ou não
3
.
Entre nós, por exemplo, nos juízos criminaes, podem
figurar quaesquer pessoas, como representantes das partes,
para assistirem os autores ou defenderem os réos ; sendo
que,- acompanhando estes, para tomar-lhes a defeza nem
precisão de instrumento de procuração.
Nestes crimes é necessário o dolo; não lia crime, si o dam
no resultar de simples negligencia, ou ineptidão do patrono.
O crime reduz-se ás três formas do código italiano, arts
222 a 224, que o nosso codig > penal adoptou no seu texto e
os projectos nos arts. citados corrigiram, de accôrdo com a
fonte commum. São estas as formas:
I
a
, o conluio do patrono em causa a este confiada e que o
nosso código penal, no art. 209 ns. 1 c2 do texto, caracte-risa
muito màl, sem distinguir as causas, e este conceituado no
projecto de 1897, art. 215, e no de 1899, art. 207 ;
2
a
, a infidelidade do palrono em causa criminal, a que o
artigo do texto do nosso código penal nem siquer allude (!) e
os projectos citados definem, editando penas mais graves, o
de 1897, art. 216, e o de 1899, art. 208.
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS de 1897, png. 10.
'. Carrara, PUOOKAMMA CIT. Pari. Speo. 5" vol.. § 2.594, pag. 176
• Majno, OBR. OIT., I, png. 648, art. 222, n, 1.091.
— 168 —
Mas, nole-se, a infidelidade commettida contra o accusa-
dor não incide neste conceito e sim na disposição anterior,
conforme a opinião de Mamo e resulta ni da redacção dos
projectos citados.
3
a
, a concussão do patrono que o digo penal define no
art. 209, n. 3 do texto, e os mesmos projectos, o de 1897, art.
217, e o de 1899, art. 209.
Era geral, é o abuso da profissão ou do ministério equi-
parado desde os Romanos ao abuso do officio publico.
Este abuso, como diz Pessina, é a traição da justiça social
que se encarna na traição da defeza.
E é previsto e punido pelos códigos dos povos cultos,
como crime, não contra o direito individual que é confiado
ao patrocínio de alguém, mas, também, contra o direito do
Estado; porque, faltando uma defeza honesta, falta á toda
sociedade jurídica uma das mais importantes garantias da
defesa social.
Aqui suscita-se uma questão que tratamos de resolver.
£>•£. A chamada quota litis, controvertida em theoria, não
consjtitúe crime.
E' o facto de tomar o advogado a causo, sob a condição de
pagar-se do seu trabalho mediante uma quota parte ajustada do
que receber ou liquidar a favor e por conta do * cliente.
E' um negocio perfeitamente licito, estipulavel entre
procurador e constituinte e ás vezes o meio único de conseguir
o ultimo fazer valer o direito que lhe ossiste ante a justiça e
auferir um lucro que não obteria de outro modo, por falta de
recursos pecuniários, ou por não achar advogado capaz de
tomar com probabilidade de êxito o patrocínio da causa *.
Convém notar que ha crime quando se trata de causas,
conforme a opinião de Carrara, embora possa ser considerado
um acto immoral dor o advogado conselhos ou pareceres
differentes ás parles adversas, sobre o mesmo negjcio; a lei
suppõe, para haver crime, um verdadeiro litígio ou demanda .
Si, porém, o advogado consultado por uma parte, ouve os
segredos desta e depois consultado também pela porte contraria,
os revela á esta outra, commetlerá então o crime • do art. 192 do
código penal contra a inviolabilidade do segredo profissional.
O direito allemão differe um pouco do direito italiano na
mo teria da prevaricação.
1
Vid. Majno,. OBR, CIT., I, pag. 619, n." i.OUl, art. 222; Carrara,
PROORAMMA, CIT. vol. 5", § 2.607; Pessina, Ei EMBUTI CIT., vol. pag-,. 8i.
169
Ao § 356 io digo allemSo? Garrara,^Sffr nõtã na ira-
ducção italiana, diz que é justíssima a severidade pela
prevarií-nçfio (o contrario do nosso código) que 6 delicio)
inexcusnvel e infame. K, com bem razfio, acrescenta; nfio se
adraitte neste paragrapho a possibilidade de atleuuanteâ.
0 código allemflo, nessa disposição, refere-se, não somen-
te à assistência, como a conselhos que são incriminados, do
mesmo modo que a assistência.
Outra differença. « O art. 356, diz von Liszt, só tem
applicaçfio ao processo penal, quando se acham em presença
duas partes (aceusaçõo privada); o tem pois applicação a
relação do defensor'para com o ministério publico.
Em nota, o seu traduetor diz que o serviço pôde consistir
em conselhos, como em actos; em acções como em omis-i
\.tões, embora nfio effectuadas em nome da parte; basta que
0 procurador promova os interesses contrários da outra
parte, como deixai• decorrer um prazo fatal *.
Este ultimo ponto constitue, talvez, uma outra differença
do direito italiano, onde, pelo menos, a solução nos parece
duvidosa.
Finalmente, o nosso código penal no art. 209 do texto,
enxertou o numero 4° que com prebende modalidades de furto
e falsidade e ainfracções de regimentos processuaes, como
a recusa da entrega do autos com Pista ou em confiançà\ ao
advogado, sem fazer distincçfio alguma, commlnando a todos
a mesma pena, isto é, a factos graves e infracções as mais
ligeiras.
Quanto á jurisprudência sobre este capitulo, ou antes
sobre qualquer quota litis, arestos recentes confirmam nossa*
opinifio, julgando-a licita sob o ponto da lei civil, o que quer
dizer que o priíicipio resistiria á qualquer san-cção penal
contra ella.
« A Orden. do Liv. Tit. 10 prohibe ião somente a
cessão de acção litigiosa, posta em juizo e contestada.
« Assim, não comprehende-se nessa prohibiçfio a cessão
anterior á propositura da acção.
1 « Nenhuma applicação tem entre nós a constituição do
imperador Anastácio, confirmada pelo imperador Justi
niano (lei 22 e 33, God. 4,35), segundo a qual o cessionário,
a Ululo oneroso do um direito, linha acção contra o
devedor até á concurrencia da importância por elle des
embolsada e respectivos interesses ». Acc. do Trib. Civil e
Criminal, de 13 agosto 1897 e Corte de Appóllação, 2 ju
nho 189i. V. '
Em relação aos advogados, especialmente, Teixeira de |
Freitas já ensinava a mesma doutrina, mas pretendia re-
' Franz von Liszt. Op» i'i"T'i ><»')' iK pag. 283, not, d in fine.
— 170 —
stringil-a ao caso era que o advogado contractasse por quantia
certa e liquida.
A restricçQo nSo tem razão de ser, porque a certeza e
liquidez se reduz muita vez a uma simples operação arith-
metica para verificar a porcentagem devida ao advogado sobre
o quantum que elle conseguiu liquidar ; além de que, a
exigência da quantia certa e liquida era feita para dar ao
advogado o privilegio da acçõo executiva, para cobrar elle o
honorário contractado, como tem sido expresso no regimento
de custas e póde-se ver ainda no ultimo decreto n. 3,363, de 5
de agosto de 1899, art. 9, expedido com auto-' risaçfio da lei n.
539, de 19 de dezembro de 1893 *.
TITULO V
Dos crimes contra a incolumidade publica
CAPITULO I
DO FOGO POSTO, INUNDAÇÃO B OUTROS
CÓDIGO
Art. 13ò. Incendiar edifício, ou construcçlo, de qualquer natureza,
própria ou alheia, habitida ou destinada á habitação, ou a reuniões publicas
ou particulares, ainda que o incêndio pos-a ser ex ti neto logo depois da sua
manifestarão e sejam insignificantes os estragos produzidos.
Pena —de prisão reli tilar por dons a seis annos, e multa de cinco a 20
•, do damno causado:
Incluem-se na significação dos termos—construecão habita-la ou
destinada á habitação :
1°, os armazéns;
2°, as oíficinas;
3
o
, as casas de banho ou nateção;
4
o
, as embarcações ou navios;
5", os vehiculos de entradas de ferro pertencentes a comboio de
passageiros, em movimento, ou na occasião de entrar em movimento ;
6°, as casas de michinas, armazéns o edifi-:ioí dos estabelecimentos
agrícolas.
Paragrapbo un
:
co. O próprio doao não ficará isento das penas deste
artigo, sem prov.tr que o objecto por elle inceadiad > não tinha algum
dos destinos ou usos especificados, e que do incêndio o poderia resultar
perigo commum ou prejuízo de terceiro
' REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA cit. vol. 3', pag. 426; Teixeira de Freitas,
CONSOLIDAÇÃO DAS I.EH CIVIS. Rio de Janeiro, 1876, art 468, not. 23.
— 171 —
Art. 137. Nas penas do artigo precedente incorrerão:
§ 1 .* Aquelle que incendiar objectos collocados em legar de onde
seja fácil a communicação do fogo aos edificies e construcçSes especi-
ficados, no mesmo artigo si acontecer que o incêndio effectivãmente se
propague, e qualquer que seja a destruição causada;
g 2." Aquelle que destruir os mesmos edifícios, ou construcçSes, por
emprego do minas, torpedos, machinas ou instrumentos explosivos.
Art. 138. Si os edifícios, ou construcçSes não forem habitados ou
destinados para habitação, e não pertencerem ao autor do crime : £7
Penas — de prisão cellular por um a três annos e multa de cinco a 20 % do
damno causado.
Art. 139. Incendiar edifícios, construecões, depósitos, armazéns,
archivos, fortificações, arsenr.es, embarcações ou navios pertencentes á
Nação :
Penas de prisão cellular por dous a seis annos, e multa do cinco a
20 „ do damno causado.
Art. 140. Incendiar o próprio dono qualquer das cousas, prece-
dentemente especificadas, com o pro[ osito de crear um caso de respon-
sabilidade contra terceiro, ou defraudar os direitos de alguém :
Penas de prisão cellular por um a seis annos e multa de cinco a 20
■■„ do valor do damno causado, ou que i oderia causar.
Art. 141. Incendiar plantações, colheitas, lenha cortada, pastos, ou
campos de fazenda de cultura, ou estabelecimentos de criação, mattas, ou
florestas pertencentes a terceiros, ou a Nação :
Penas— de prisão cellular por um a três annos e multa de cinco a 20
"o do damno causado.
Art. 142. Cansai' a inundação da propriedade alheia, ou expol-a a
esse, ou outro porigo, abrindo comportas, rompeudo ri prezas, açudes,
aqueduetos, ou destruindo diques ou qualquer obra de defesa commum:
Penas — de prisão collular p.r um a três annos o multa de cinco a 20
% do damno causado.
Art. 143. Accender fogos sobre escolhos, arrecif-ss, bancos de areia
ou outros titios perigosos que dominem o mar, fingindo phatòes, ou
praticar outros artifícios para enganar os navegantes e ^ttrahir a naufrágio
qualquer embarcação:
Penas de prisão cellular por dous a seis annos e multa de cinco a
20 % do damno cansado.
Art. 144. Praticar cm embarcação de qualquer natureza, própria ou
alheia, em viagem ou em ancoradouro, qualquer abertura que possa
produzir invasão de agua sufflcnnle para fizel-a sul mergir:
Penas de prisão cellular por dous a SJÍS ânuos e multa de cinco a
20 "»do damno causado.
Paragrapho único. O próprio dono não será isento das penas deste
artigo sem provar que a embarcação estava em condições do innave-
galnlidade o que do arrombamento por elle praticado não poderia resultar
perigo commum ou prejuízo de terceiros.
Art. 145. Fazer abalroar embarcação, piopria ou alheia, com outra em
viagem, ou fuzel-a varar ou ir a pique, procurando por qualquer destes
meios naufrágio:
Penas de prisão cellular por dous a seis annos e multa de cinco a
20 % do damno causa lo.
Art. 146. Quando do incêndio, ou do qualquer dos meios de des-
truição especificados nos differentes artigos deste capitulo resultar
— 172 —
a morta, ou lesivo corporal, de alguma pessoa, que no momento do acci-
dente se achar no togar, serio observadas as seguintes regras :
I." No caso de morte pena de prisão cellular por seis a quinze
nnnos; " ,
2." No do alguma lesão corporal das espoei ficadas no art. 301
pena de prisão cellulnr Por três a sete annos.
Art. 147. O incêndio de cousas, o comprehondidas neste capitulo,
se regulado pulas disposições que so tipplicam ao dam no.
Art. 148. Todo aquolie que, por imprudência, negligencia ou im-
pecia na sua arte ou profissão, ou por inobservância de disposições
regulamentares, causar um incêndio, ou qualquer dos acoidentos de
perigo cominum mencionados nos artigos antecedentes, será punido
com a pena de prisão cellular por um a seis mezes e multa de cinco a
20 *. do damno causado.
Paragrapuo único. Si do incêndio resultar a morte de alguém:
Puna de prisão collular por dous mezes a dons annos.
COMMENTARIO
Cif*. Os artigos do texto o do I
o
capitulo do cod. penal,
mas do seu tllulo III correspondente 6 este, porque nfioj
sabemos a que inexplicável col locação se deve Inzer figurar
tal titulo antes dos crimes contra a liberdade e dos crimes
contra a administração da justiça.
Este titulo do nosso commentario exige considerações
geraes sobre a matéria para melhor intelligencin dos res-
pectivos capítulos: sendo de notar que o estudo dos pro-
jectos de revio ao código deram lugar a polemicas, cujo
conhecimento facilitará a intelligencia dos projectos e do
mesmo código e a preferencia racional do mellrjr dentre
todos neste mesmo titulo.
Assim justificando o projecto de 1893, ao mesmo tempo
que expúnhamos a doutrina sobre o assumpto, dizíamos:
A epigraphe e bastante comprehensiva para abranger
toda a matéria dos capítulos deste titulo, que enumera os
crimes chamados de perigo com/num pelos allemães.
Os códigos da llollanda e de Zurich os denominam
crimes que compromettem ou em em perigo a segu-
rança geral das pessoas e bens ou contra a segurança geral
das pessoas e bens.
Mas o sentido etymologico do vobulo incolumidade,
que ê portuguez de lei, embora pouco usado, deve fazel-o
(preferir, como foi no código italiano, attentas as razões es-
peciaes que no respectivo parlamento se deu para a sua'
adopçõo e se pôde ler no parecer da respectiva commissão
da Gamara dos Deputados. *
i Vill.i, RBLAIIONB BTC. Roma 1888, pag. 215.
173
A. palavra incolumitá, Incoiumidade, diz Innocenzo
Fanti, de que o legislador fez uso para dar o nome collectivo á
toda esta vasta, e como veremos agora, múltipla íamilia de
delictos, é eminentemente comprehensiva.
E de facto com este vocábulo de significado tão geral
abrange-se não a saúde, mas ainda a tranquilUdade e a
\segurança, e segundo a fonte latina também a integridade.]
Sob esta relação, pois, a formula do nosso é muito su-
perior á de quasi todos os outros códigos. .*
Entretanto não ha razão para usar das expressões
crimes de perigo comniuni comprehendendo o incêndio,
inundação e semelhantes, como fez o mesmo código italiano e
não a outros em geral deste titulo, como fazem, variando
ligeiramente de phrase, os outros códigos acima citados.
2
O notável ante-projecto do Código Penal snisso destinado
a unificar toda legislação respectiva da Confederação
Helvética intitula o capitulo geral da matéria: «delictos contra
a segurança publicai).
3
O nosso Código Penal, porém, epigrapha este titulo como
o dos crimes contra a tranquilUdade publica » o ob-
stante a opposição que a esta incabível denominação lhe fazia
a doutrina,
A própria noção geral de taes crimes protesta contra
semelhante inscripção.
Assim, observa Pessina, que essa denominação não é
adequada, porque o perigo ameaça, não a tranquilUdade,
mas a segurança.
A segurança é alguma cousa de objectico, a tranquil-
idade é um facto subjectivo, sendo a consciência de estar
seguro; de modo que uma pessoa pôde de facto estar segura
contra- qualquer perigo e entretanto por consciência errónea,
não considera ndo-sê segura, não estar tranquilla; e| ao
contrario, uma outra pessoa pôde erroneamente conside-rar-se
segura contra qualquer perigo, ao passo que corre grave
perigo, e entretanto apossar da segurança que lhe falta, vive
tranquilla, graças ao erro e á ignorância sobre a verdadeira
condição em que se acha. *
Também o convimos com Garraud em agrupar o
incêndio com a inundação e a explosão sob a rubrica « de
crimes commettidos com o auxilio das forças da natureza».
1
Innocenzo Fanli, no COMPLETO TRATTATO da Cogliolo, vot. 2" Part. I
A, pag. 740.
'• EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS de 1893, pag. 12.
* VOUBNTWUURF zo BINEM SciIWEIZEltlSClIEN STRAtaiiSETilBUCU ETC.,
Beilin, 1896, pag. 84, cap. 9
o
, arts. 153-t«6.
* Pessina, KI.EMENTI CIT. 2" vol. pag. 397.
— 174
Além do não comprehender o que se quer incluir, daria
em resultado confundil-os com outros que tivessem sido
praticados com os mesmos meios, mas que podem não ter, ou
nelles não predominar o característica do perigo mas outro
titulo diverso ou mais grave, como, por exemplo, o dam no, o
homicídio, ele.
E* um crime, cujo conteúdo é o ataque á incoiumidade,
isto é, a uma condição ou estado negativo, o de estar illeso,
isento" 'de qualquer perigo, eis toda sua essência.
E Garraud mesmo considera o incêndio consumado desde
que ha a apparição do perigo.
l
}
cie. O nosso Código Penal, reincidio no defeito acima
notado na sua fonte, isto é, de denominar os crimes do* cap. 1°
de perigo communi e não os outros do seu tit, III, ou deste titulo
do commentario; e por isso os projectos de 1893 e 1897
denominaram por outra forma o capitulo — do fogo posto,
inundação e outros — sem alludir ao perigo commnm que
abrange todo o titulo.
Os projectos de 1896 e 1899 repetem o Código Penal.
O que fizemos logo naquelle projecto primitivo de 1893,
foi de accordo com a própria phraseologia do direito porlu-
tuguez, Orden. do Liv. 5
o
Tit. 86, adoptada na nossa Lei n.
3311 de 14 de outubro de 1886 que pecca pela falta de
uniformidade; além de que receiavamos por outro modo influir
contra os próprios dispositivos do projecto.
a
Conforme os criminalistas modernos não se trata neste
titulo, nem de crimes contra a pessoa, nem de crimes contra a
propriedade.
8
Nos crimes de que aqui se trata, o interesse predominante
a garantir é principalmente a vida e depois a integridade das
pessoas, arriscadas pelos factos que os caracte-risam.
O código bollandez na matéria é um modelo de perfeição,
unida á extrema concisão dos seus dispositivos que constituem
as mais apuradas e completas syntheses, mostrando á
evidencia a verdade daquelle conceito.
Mas este ultimo código nos poderá servir de modo abso-
luto para por elle exclusivamente modelarmos a revisão dos
nossos, desde que as disposições delle na pratica, com o nosso
systema detestável do jury para julgar ladrões e assassinos,
pôde talvez comprometter os interesses da repressão, quando
certos factos devem ser caracterisados, como con-
• Garraud, OBR. CIT. vol. 5
o
pag. 574, n. 556-
1
Priívira Souza, CLASSES nu CRIMES CIT. pag. 363; Jordão, COMMENTARIO AO
OODIOO PENAL ISTO. Lisboa 1853-51, vol. 4
0-
pag. 349; Silva Ferrão, Oiia. CIT. vol. 8
o
pag. 184.
4
Garraud, OBR. CIT. vol. 5° pag. 571.
— 175 -
slituindo jô um perigo, sem deixar a apreciação deste perigo
ao critério exclusivo do jury? Não pensamos assim.
A preferencia de outras fontes inferiores a apontada e
escolhida não obviaria o inconveniente que está radicado na
instituição e seria uma originalidade absurda edictar dis-
posições que impedissem a intervenção dojuryem questões de
facto que alias o legislador não poderia prevenir com a
solução legislativa paro cada caso.
A nossa lei especial de 1886 pec:a pela casuística exage-
rada de que não escaparam os códigos allemão e de Zuricli e
outros, e até certo ponto o italiano.
O nosso novo código penal incorreu no mesmo defeito e
tendo tido por fontes exclusivas esse ultimo código e a lei
cjtada, com tudo apartandose desta, consigna penas irrisórias
para factos gravíssimas nas configurações correspondentes.
Cingimo-nos á escala das penas da lei brasileira de 1886,
em geral, sem a variedade delias, porque estabelecendo pe-
nalidades severas, as aggravamos para os casos de morte
proveniente de toes factos. *
Justificando o nosso substitutivo de 1897 ao projecto de
1896, dissemos sobre o assumpto : ?y
A nova redacção quasi não justifica a epigraphe do titulo,
apezar de haver augmentado o numero de disposições do
projecto seguindo o chamado systema casuístico. Em outra
parle havíamos dito : -
« O titulo dos crimes contra a incolumidade publica
parece confundir a noção scienlilica e pratica de taes crimes
com. os de simples damnos, taes são as falhas das figuras e as
penalidades irrisórias correspondentes aos factos.
« Eslá muito ãquem da nossa lei de 1886, defeituosa por
casuística, mas ac menos rigorosa.
Quando.o anorchismo parece nos visitar é que devemos
esperar que um homem seja morto por um engenho explosivo
para condemnar o seu autor, si não tiver attenuante alguma, a
30 annos de prisão ? »
3
Tamliem defendendo o projecto de 1893, ao qual fozia
censuras o Parecer duma commissâo especial do Instituto do
Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro, dissemos sobre
estes pontos que estamos commentando:
Mas quando as notas deixam a rama dos assumptos poro
emmoronlior-se, tratando penetrar no cerrado das
difflculdades, acontece o que se pôde lêr na apreciação do
titulo « dos crimes contra a incolumidade publica », em-que
1
K.NPisiçÃo DE MOTIVOS de 1893, paga. 12 e 13.
• liiEM de 1397, pag. 10.
!• REVISTA da Fatuidade de Direito do Recife, 1896, pag. 110.
176 —
não é menos estranhavel do que a affirmação cathegorica da
illustre commissão parlamentar, a sufficlencia com que se
tacha de incorrecto e deficiente o projecto primitivo para com
toda serenidade concordar inscien temente com elle justa
mente no fim do mesmíssimo período.
Para não repetir-me invoco a ai tenção dos competentes
para « as exposições de motivos» do projecto primitivo e do
ultimo substitutivo. H
•O cod. vigente neste titulo começou errado desde a
epigraphc—de crimes contra a tranquilidade publica — em
vez da estranhada incolumidade que é portugueza muito de lei,
embora seja lambem italiano, o íncola mito, até o ultimo
artigo.
Antes de tudo peiorou a nossa lei de 1886, bòa por ser
rigorosa, péssima por ser casuística.
O parecer illude-se suppondo que as formulas genéricas do
projecto não comprehendem os seus casos, e que estes
comprehendem todos.
Tenho respondido no Jornal, em Revistas e publicações
avulsas a censuras que não têm o mérito da originalidade e
para mim jú se tornam monótonas. *
Das Revistas o Instituto dispõe delias na sua blblio-theca.
2
M A illustre commissão parlamentar em defesa de seu
projecto de 1896, convertido com emendas no de 1899, diz:
Conforme o parecer do illustre signatário do substitutivo,
o prejecto quasi não justifica a epigraphe do titulo V.
Entretanto, bem ponderadas as cousas, em definitiva a
Commissã') fez alterar a redacção do projecto primitivo. K si
ali consignou, por acaso, outras figuras de crimes, é I certo que
nem assim ella incorreu na censura articulada.
Inquestionavelmente, a penalidade aceita é mais branda do
que a do projecto primitivo; e tanto bastava para contrariar ao
illustre autor de substitutivo, que é de um rigorismo patente
Entretanto, dizia — com muila observação — Monles-
quieu: qu'on examine la cause de tous les relachements,
on cerra qu'elle vient de Vimpunité des crimes et non de la
moderation des peines.
3
' V
Do que repetimos, do que dissemos antes e depois do citado
Parecer e do que de novo dissermos aqui sobre a matéria renltara
a doutrina a condemnar ou a preferir. g Nos crimes, cujas
disposições ora commentamos, o interesse predominante a
garantir é principalmente a vida e
1
REVISTA da Faculdade de Direito do Hecife, 1891, pag. 18l>,
£111.
1
IDEM de 18J7, pag. 17 — A revisão do cod. penal.
* PARECER CIT. de 1898, pag. 11, I
a
col.
— 177 —
depois a integridade das pessoas arriscadas pelos factos que os
caracterisão.
Mas, como demonstra Majno, em rigor taes crimes não|
podem ser classificados entre os que offendem a propriedade,
porque attingem também as pessoas, nem entre os crimes
contra estas, porque pela Índole delles nõo são dirigidos
contra pessoas determinadas.
Estes crimes m o caracter próprio do perigo a que
expõem as famílias e as populações, acarretando como con-
sequência um alarma geral; o poder espansivo do damno que
lhes é inherente, assim como os effeitos que se lhes podem
seguir assumem as proporções duma calamidade, desastre ou
infortúnio publico. *
O perigo pode ser tanto das pessoas, como das cousas,
não porque estas possam ser equiparadas áquellas, mas pela
connexSo d' umas com a actividade, situação e attitude das
outras, na habitação, nos transportes, etc..., de modo que a
vida ou a integridade pessoal podem periclitar com o incêndio
da casa, com os damnos no material das estradas de ferro ou
factos semelhantes.
5% Depois de termos dito em geral sobre o titulo e seus
capítulos, passemos ao primeiro destes.
E' sem duvida preferível o systema dos projectos de 1893
e 1897 que seguiram o código hollandez, ao do código penal
que nas disposições dos arts. 136 e 138, (melhoradas, mas
ainda com o sentido restringido pelo projecto de 1899) faz
derivar o perigo dos íactos da habitação e semelhantes, isto é,
de presumpções, defeito que Brusa nota no código al-lemão,
comparando-o com o projecto em que se converteu o citado
código hollandez.
No direito francez e mesmo no italiano inclusive o do
ultimo código uno, figuram áquellas condições taxativas para
caracterisar o incêndio, mas é preferível por mais simples o
systema do código hollandez, sendo de notar que ha uma certa
incongruência em exigir taes requisitos no incêndio de casas e
edifícios e não d'outras cousas ou objectos, como, por
exemplo, os navios; e n'outros casos como na inundação e
submersão.
O citado anteprojecto suisso do professor Carlos Stooss,
revisto e modificado por uma commissão de criminalistas e
outras autoridades competentes evitou taes presumpções -.
Isto assignala um progresso porque> essas presumpções
figuram em códigos vigentes de muitos cantões, principal-
* Majno, Oim. «ir. Part. II, art. 300, pag. 5: Bemer. TUATTATO DI DIRITTO
PBNALK (trad. de Iíertolu) Milano, 1889, pag. 500.
* WOKESTWUKP CIT. arts. 153 e seguintes.
2917 1*
178
mente da Suissa romanda, como se pôde verificar n'outra obra do
mesmo Stooss ».
O mesmo, porém, não se pode dizer do direito hespanhol
que continua a manter as presumpções
2
.
j
Taes presumpções, também Boíssonade procura justificar no
direito japonês com a circumstancia da con-B strucção das casas
ser quasi que exclusivamente de madeira \ e a de serem também
muito frequentes os ventos de violência extraordinária,
importando qualquer incêndio verdadeiras | ruínas.
3
.
Ainda justificando o projecto dizíamos especialmente com
referencia A matéria do capitulo I que estamos com-mentando:
L Pelo que acima ficou dito, o projecto adoptou um meio j
termo entre as saneções epigraphicas do código hollandez e a
casuística doallemão, italianoe zurichense.
Afastou-se, porém, dasdistineções minuciosas deste ultimo
sobre o incêndio doloso e procurou discriminar as diversas
espécies criminosas, o que não faz sempre o código 1 allemão,
attento ao seu systema na applicação da penalidade, que uma
grande esphera de poder ao juiz na imposição da pena,
estabelecendo muita vez somente o máximo ou o minimo.
As disposições estão redigidas de modo que todas as es-
pécies subentendem o perigo pelo facto em si mesmo ou
pelas circumstancias connexas.
No caso de simples damno regulará o capitulo respectivo
do damno no titulo dos crimes contra a propriedade.
Pela redacção do primeiro artigo fica resolvida a questão
do momento consumativo do incêndio, que é o facto de pôr
fogo e ao mesmo tempo a questão sobre a contiguidade do
objecto a incendiar, desde que haverá incêndio, sendo ateado
no objecto em vista, ou em qualquer outro para attingir o
desígnio criminoso
4
.
Não obstante o systema do projecto, este foi censurado no
Parecer da Faculdade de Direito de S. Paulo, ao qual offe-
recemos estas observações que visam restabelecer os termos
da questão e resolver as duvidas susciladas neste ponto:
A censura gasta muita tinta com o titulo dos crimes contra
a incolumidade publica (pogs. 37, 75 e 77)
5
.
1
Stooss, DIE ScnwEÍ/.ERiscHEN STRAFQBBETZBVcnER, Basel uud Genf,
1890, paga. 566 e 590. A -
* Pacheco, OBR. CIT., 3" vol., pag. 399; Viada y Vuascca, OBR.
CIT., vol. 3°, pag. 601; llamón Rueda, Elementos de Derecho Penal,]
Santiago, 1891, 2
o
volume, pag. 310.
' Boissonade, OBR. CIT., pag. 1183.
* EXPOSIÇÃO CIT, de 1893, pag. 13.
PARECER publicado na « Revista da Faculdade de Direito do S. Paulo», 1891.
— 179 -
Bastaria a Exposição de motivos (pags. 12 e 13) para
respondel-a.
Antes de tudo, porém, si a epigraphe do titulo é o rotulo
do género, como havia o Projecto de marcar as espécies] com
o mesmo rotulo, sem precisfio, nem propriedade de termos e
sacrificando monotonamente a tão decantada eury-Ihmio do
futuro código? I E' deplorável a critica neste ponto.
O Projecto, como falsamente se diz aqui, nfio traduziu
código algum: as fontes do fundo das disposições estSo in-
dicadas na Exposição de motivos.
Seguindo a lei de 1888, quanto á penalidade, mais ou
menos, mas não quanto á casuística a franceza, rejeitou \in
limine a phraseologia polyforme da mesma lei.
Mas é simplesmente irrisório que chame a cada passo
insolitamente traduttori tradittori quem diz que em italiano
appicare il fuoco não significa por fogo!
Si se trata de alambicar termos, a que vem traduzir a
phrase por produzir incêndio (pag. 76) f
O illustre censor cita o vulgarisado Diccionorio de Fer-
rari & Caceia para provar o contrario do que estes dizem no
trecho incompletamente transcrípto (pag. 76 nota 68). em
um sentido mais complexo e não simples como o da-quella
phrase.
O iilustre censor nunca acha dificuldades...
Vejamos o trecho citado pelo illustre censor : « fare in-
cêndio :.(e não reticencia, o que é differente; in casa si era
appicato il fuoco, le feu evait pris chez nous. » L - A estas
phrases antecedem no Diccionario as seguintes: « appicarsi il
fuoco, comunicarei dal camino alia casa, fare incêndio ele... »
Eu traduzo tudo assim, lilteralmente: «pegar fogo,
oommunicar-se do caminho á casa, haver incêndio: em casa
tinha pegado fogo, o fogo tinha pegado em nossa casa. » I
Psychologicamente aqui o fogo é o agente eo o meio
manejado pelo crime, o que confundio o illustre censor, tra-
duzindo errado o italiano com sacrifício da grammatica geral.
*
B Quando a gente falia muitas línguas, embaraça-se a ponto
de traduzir fare incêndio, por «.produzir (alguém) incêndio. »
1
Revendo as provai, vejo no eludo magistral de Said AH a brilhante solução
dos verbos sem sujeito a que estão s ibordinadas as theses dos verbos
impessoães, da forma existencial do verbo haver e do emprego do se nos verbos
reflexivos. Esse estudo esplendido responde critica dos pontos prin-cipães do
Projecto quanto ;'i grammtttica.
O illustre censor verá quem neste ponto está com as leis da linguistica.
Revista Urazilefra, tom. 1, 1895, pag. 39.
iso
« Appicore il fuoco, dare fuoco, mettre le feu » é sei o
que dizem, com applicaçflo, Ferrari & Caceia, isto é, pôr fogo,|
applicar fogo, tocar ou pôr fogo.
Nflo faremos a injuria ao senado italiano e a commissãói
de revisflo do código único de nflo saber a própria língua,j
preferindo o appicare il fuoco, ao appicore l'incêndio, ao
chiunque incendia etc.
O illustre censor cita a nossa lei de 1886, masoccultaj
que nosarts. 4 a 6 emprega ella as expressões fogo posto &\
por fogo repetidas vezes, começando o arl. 5° por estas ul
timas expressões!
:
,\
E nflo cita elle o código portuguez em subtítulo ou sec-
çõo, justamente como fez o Projecto em capitulo?
E ê a língua jurídica portugueza de lei das suas instituições
1
Aliás as expressões resolvem questões momentosas sobre
os crimes de que se trata, o que nflo vio o illustre censor.
a
Explicávamos assim a matéria essencial deste cap. I.
3
Entretanto a critica foi renovada ainda neste ponto pelo
parecer da fallada commissflo do Instituto dos Advogados, á
qual respondemos :
Convêm apurar, porém, a contradicçõo formal do pa-1
recer nflo presentida mesmo pelo seu illustre relator.
Wt Diz o parecer que o projecto primitivo « é deficiente e
incorrecto, a começar pela noçflo do crime de incêndio, que\
consiste em pôr fogo a qualquer cousa...»
*?i
No final do mesmo período o parecer conclue assim : «o
crime fica consumado pela communicação do fogo, |
qualquer que seja o resultado, por mínimo que seja o damno
material, que é o que imprime á esta espécie de crimes o
caracter peculiar dos crimes formaes. »
Ora, o parecer censura e ao mesmo tempo concorda com a
phraseologia censurada, precisamente porque pôr fogo, ex- j
pressões do nosso direito positivo, inclusive a da lei de 1888,
não sei porque polyforme nas expressões, quer dizer com- I
municar fogo.
Nflo ha que notar differença.
Entretanto o código vigente na opinião agora do parecer é
que está errado, porque empregando uma só vez as expressões
accender fogos, mas tingindo pharóes, emprega | innumeras
vezes o vocábulo incendiar em vez de pôr Jogo que não
emprega uma só vez. *
1
Pereira e Souza. Ciastes de crimes, ete... Lisboa, 1S1(), pag. 363.
2
Majno. Oli. eit. art. 300, II Part. pajr., n. 2127.
1
O pKo.inc'i'0 DO COD. PEN. c a Faculdade de S. Paulo. Recife 1895, pag.
53- REVISTA OIT. do 1834, n. XII I, pag. 189.
* REVISTA CIT. de 1897, pag. 18—A reois%o do o>d. pai.
181
Innocenzo Fanti, na grande encyclopedia do direito penal
italiano, fazendo a nomenclatura dos vocábulos nas varias
legislações para exprimir o crime de que se trata diz in-
cêndio na hespanhola, FOGO POSTO na portuguesa etc.
l
ʻS- Effectivamente uma questfio que tem dividido osj
criminalistas é a de saber qual é o momento consumativo de ta
es crimes, especialmente dj de crime de incêndio, com-
prehendido no texto dos artigos do código penal neste ca-
pitulo.
O nosso código penal que compilou a lei de 1886 escolheu
o peior vocábulo da phraseologia polyforme da lei, comoô o
incendiar para traduzir a figura crime, ao contrario do que
fizeram os projectos de 1893 e 1897 que empregam as
expressões na epigraphe e no texto de fogo posto, pôr fogo
empregadas alias também pela nossa citada lei.
Âhi, porém, os projectos de 1896 e 1899 se referem a
incêndio, mantendo a linguagem do código penal.
Dada a condição de perigosas nas chammas pegadas, diz
Carrara, somente o tel-as excitado exhaure a consumação do
crime; e no pôr fogo se acha quanto basta para infligir toda
pena ordinária.
Para dizer que ha tentativa é mister que o fogo não tenha
ainda pegado os objectos que se queriam queimar.
O incêndio posto ou pegado não é simples tentativa, mas
admitte uma tentativa no phase precedente.
a
.
Pela redacçõo dos projectos, de 1893, art. 235; e de 1897,
art. 221, ao contrario do cod. pen. e dos projectos de 1896 e
1899, ficou resolvida a questão do momento consumativo do
incêndio, que éo facto de pôr fogo e ao mesmo tempo a
questão de contiguidade do objecto a incendiar, desde que
haverá incêndio, sendo ateado no objecto em vista, ou em
qualquer outro para attingir o desígnio criminoso, isto é, de
modo directo ou immediato ou de modo indirecto ou mediato.
Dissemos em 1893 que no caso de simples damno regu-
laria o capitulo respectivo do damno no titulo « dos crimes
contra a propriedade »que no cod. pen. é o 1° do titulo XII.
Esta referencia e o systema dos projectos de 1896 e 1899
que não melhoraram o cod. pen. sob este especial ponto de
vista, leva-nos a distinguir os crimes deste titulo III do cod.
pen. doutros que se lhe possam assemelhar.
Assim para configurar o crime contra a incolumida.de
publica basta que a intenção do agente tivesse como ponto de
mira os factos conceituados nas diversas espécies deste titulo.
' Innocenzo Fanti, em Cogliolo, OBR. CIT. 2
O
vol. Parto I A, png. 756. » Carrara,
HROORAMMA CIT. Part. Spec. §§3081 a3084, vol. (i°.
182
Não é mister que a intençSo do agente mirasse tombem!
qualquer outra consequência resultante do facto. BL
Assim, si a intençfio do agente fosse v. g. matar com o
incêndio ou a inundação, servindo um ou outro de meio
homicida, o crime seria naturalmente o de homicídio quali-1
ficado no art. 294 § I
o
que inclue a circumstancia ou condição j
qualificativa do art. 39 § 3°.
Esta é a solução dos criminalistas.
l
.
Por outro lado, o damno se distingue bem dos crimes de
que aqui se trata, porque excluído o caso de fraude v. g. doque
incendia a casa para haver o preço do seguro, espécie do art.
140 do texto do código penal,não ha crime em destruir as
cousas próprias, mas aquelle que commette um crime dos de
que se trata neste titulo, é tão criminoso, incendiando as
próprias cousas, como se incendiasse as alheias; art. 136do
texto do código penal.
Garraud considerando antes os meios de execução de taes
crimes, para caracterisal-os, do que o perigo delles resultante,
chega a confundir a própria materialidade perigosa delles,
objecto deste titulo, com os outros factos a que elles j podem
servir de meios.
No direito c/tines e no cod. annamita ha a confusão do
homicídio, consequência do incêndio, com o homicídio tendo
como meio procurado o incêndio. *.
Pois essa nota fiz ao projecto de 1898, convertido no de
1899 quando justificava o substitutivo de 1897, dizendo sobre
este caphulo I:
Assim a casuística do Capitulo 1 com prebende antes
crimes de simples damno do que contra a incolumidade publica,
além de consignar aggravantes bem duvidosas, e a figura de
uma simples contravenção no art. 216.
3
I Não transcrevemos a
resposta que o Parecer da com-missfio parlamentar para
fazel-o adiante no cap. II, ao qual quasi exclusivamente ella se
refere.
Entretanto ella é improcedente por tudo quanto temos dito
até aqui.
^9. Neste cap. o cod. pen. trata em primeiro lugar do crime
de incêndio a cujas principaes disposições nos referimos,
mas que elle comprehende nos arts. 136 a 141, 146 a 148.
O incêndio não deve confundir-se, diz Pessina, com a
simples destruição ou a simples deterioração duma cousa
qualquer queimando-a ; elle consiste em appliçar o fogo de
maneira a propagar-se em vastas proporções.
1
Dr. Rivarola, Obr. oit. 2
o
vol. pag. 379.
* Philastre, LE OOBE ANNAMITE, Paris, 1876, 2
o
. vol. pag. 563.
3
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS de 18'/7, pag. 10.
183
Neste sentido pois devem ser entendidos os artigos citados
do cod. pen.', sendo escusado dizer que o crime não deixa de
subsistir ainda que não tenha quasi consequências prejudi--
ciaes, como é expresso no art. 136.
Entretanto contra essa doutrina e os códigos, o projecto de
1899, no sua esquisita dicção define o incêndio: « Art. 213.
Destruir no todo ou em parte ou domnijicar, de tal sorte que
inutilize para o-Jlm a que se destina qualquer immovel publico
ou particular por meio de incêndio ou inundaç5o.» I O
incêndio vasta e efficazmente apparelhado, mas extincto no
começo poderá ficar impune! Depois o projecto define o crime
de destruição por meio do incêndio e não este, haja ou nSo
destruição. I O incêndio voluntário no seu elemento essencial
é pôr fogo em objectos, nos quaes o fogo posto possa atear o in-
cêndio.
E' a hypothese do art. 136 com a lista ou rol dos objectos
a que se refere.
No mesmo paragrapho o citado artigo consigna uma di-
rimente bem inconveniente facultando a destruição do que é
próprio por meio do incêndio. I Isto só em termos rigorosos
que não são os deste paragrapho é permittido por algumas
legislações.
Assim, diz Swinderen, para que um incêndio seja pu-
nível, conforme os arts. 157 e 158 do cod. hollandez, a cir-
cumstancia que o objecto do delicto pertence ou não ao
culpado, nSo entra em linha de conta. Quando a segurança
publica não é ameaçada dum perigo e que a intenção frau-
dulenta não existe, o incêndio de objectos por seu proprie-
tário não constitue um delicto. Mas quando se trata de um
immovel e que o incêndio tem lugar sem a permissão do
burgo-mestre, o art. 428 é applicavel.
l
No art. 137 § o cod. prevê o incêndio de cousas que
pela sua contiguidade com outras pode passar a estas. I
Tanto neste artigo como no anterior o código trata da
espécie de incêndio— em casa ou edifício habitado.
No art. 138, ao contrario, trata doutra espécie contraria—
casa ou edifício não habitado, pelo que a pena naturalmente é
menor.
Mas conforme seu systema de repetição, repete neste art.
138 a mesma ideia do paragrapho único do art. 136 que o
incrimina o dono que incendiar sua propriedade.
No art. 139, o código sem fazer distincção, pune como de
incêndio de habitação, edifícios, navios, cousas e objectos
pertencentes á nação, não só por esta circumstancia como
porque alguns servem para defesa do Estado.
1
Swindoren, OJJR. CIT. vol. 3", pag. 157.
184 I
Noart. 141, o código enumera outra espécie de cousas que
se pode reduzir a expressão de productos do solo, mas sem
fazer a minima distincçfio, das que faz o código italiano que se|
refere a productos do solo ainda nfio destacad >s deste, ou a
depósitos de matérias combustíveis, etc.
O código preferio especificar tudo.
I GO. Convém notar que as penas dos arts. 136,137 e 139J suo
applicadas independentemente das consequências mais graves
que possam verilicar-sc e das quaes trata o código penal mais
adiante nos arts. 146 e 148. R A hypothese do art. 140 é um
crime contra a propriedade, em cujo titulo o digo penal não o
prévio, ccmo fizeram posteriormente os projectos de sua
revisão.
O digo penal, porém, o collocou aqui, o que lhe pareceu
fazer o digo italiano, quando neste titulo apenas faz uma
referencia a espécie para aggravar a pena.
Uma outra espécie de crime deste capitulo que o código
nfio destacou em artigo separado, mas inclnio noutro é a hy-
pothese prevista do § de art. 137 sobre o emprego de minas,
torpedos, machinas Ou instrumentos explosivos.
Sempre a mina e a explosão forão igualadas ao incêndio
pelo perigo de desastres e rui nas que acarreta.
Assim independentemente de pôr fogo, as leis penaes tôm
incriminado como crime de perigo commum a adaptação das
forças da natureza para a destruição de cousas de modo a poder
produzir desastres.
E' o caso da explosfio do ultimo artigo citado e também da
inundação e congéneres, como espécie prevista nas varias
hypotheses dos arts. 142, 144 e 145 do texto do código penal.
Não obstante, porem, toda casuística do código penal com
o ssimo systema de exemplificações materiaes, elle nfio
abrange todos os casos e alguns que podia abranger, os
alludidos casos escapõo, por defeito das formulas, a repressão.
Assim a espécie de que se trata abrange a inundação, a
submersão ou o naufrágio ou a rotura de diques etc., dis-
criminadas como o fizeram os projectos de 1893 e 1897, mas
não os de 1895 e 1893 que nem tratam do ultimo caso.
Entretanto o código penal art. 142 para punir o ultimo caso
que é uma hypothese independente e deve ser incriminado
porque offerece perigo, exige a effectívidade da inundação. Tal
crime pois não 6 possível pelo código penal sem verificar-se a
inundação: dura lese, sed lese!
Ao contrario, nós neste ponto ainda no projecto de 1897
additamos alguma cousa ao de 1893, explicando-a assim:
O substitutivo faz uma ligeira alteração para compre-
Ihender um caso novo previsto no citado projecto suisso, qual
185
6 o da destruição ou damnificaçao de obras de defesa ou
protecção contra forças naturaes; reportando-se no mais estas
observações a exposiçfio de motivos do projecto *.
A formula adoptada foi a seguinte:
« Art. 223. Destruir ou damnificar obras ou trabalhos de
protecção contra as forças naturaes: Pena —ele.»
No art. 143 o cod. pen. prevô o emprego de falsos signaes
que podem causar o naufrágio, ainda que restrinja a
formula,exigindo a intenção do agente de attrahir a naufrágio
(!) quando bastaria a possibilidade d<-l!e.
Mas o mais interessante ainda é que o Cod. Pen. neste
artigo esqueceu a hypothese verosímil ou usual de falta,
mudança, alteração de signaes e pharóes para exemplificar
com a hypothese exquisita, rara, menos perigosa de accender
fogos sobre escolhos, ele.
O art. 146 contempla as aggravantes para o caso de morte
ou lesões graves.
O Cod. na penalidade é brando, incidindo no vicio opposto
ao do projecto de 1899 sobre este ponto, conforme opportu-
namente veremos.
O art. 149 é uma referencia ao cap. dos crimes de \damno
no titulo dos relativos ou contra a propriedade, appli-cavel
quando não o forem as disposições deste capitulo.
O art. 148 paragrapho único trata dos crimes deste titulo
commeltidos por culpa.
As penas são irrisórias e iguaes ás da culpa em condições
ordinárias e não de commum perigo como aqui.
O cod. pen. restringe a o sentido da disposição refe-
rindo-se ao dam no causado.
Esqueceu um principio excepcional, estabelecido pela
doutrina dominante na matéria.
Em regra geral, diz Carrara commentando o art. 311 do
Cod. Ital. parallelo ao art. 148 do nosso, os factos culposos
quando não tenham acarretado damno, ou este sendo repa-
ravel, tenha sido reparado, não podem dar logar a acção
penal.
Em matéria, porém, de incêndios e inundações, sendo
muito vísinha e gravemente interessada a segurança geral da
sociedade, não se podia dar adhesão á predita máxima sem
incorrer em sérios inconvenientes *.
Quanto u jurisprudência sobre este capitulo:
« O auto de corpo de delicto é fundamental no crime de
incêndio, sendo indispensável para base do processo e appli-
cação da multa ad valorem do damno causado (art. 136 do
Cod. Penal.)
• EXCOIIÇÃO DE MOTIVOS de 1897, pag. 10.
' Carrara, COMMEMTO CIT., art. 311, pag. 100; Vid. Pcssina, MANDAM? CIT.
Parte sec, pag. 244; o mesmo, li. NUOVO CODICB err, art. 300, pag. 311.
— 186 —
•_ O elemento do perigo c.ónimiim ê essencial ao crime de incêndio
(God. Pen., epigrnphe do cap. I, tit. III, liv. H,| paragrapho único, in
.fine, do art. 13(5).
E' grave incorrecção no despacho de pronuncia niíol discriminar
a responsabilidade criminal dos rêos, pronun-ciando-os
indistinctamente, como responsáveis solidários,j como autores
mandantes e mandatários. » (Acc. do Supr. Trib. Federal de 18 de
maio de 1898 — 0 DIREITO, vol. 76, pag. 426.)
CAPITULO II
I
DOS CRIMES CONTRA OS MEIOS DE TRANSPORTE E COMMUNICÃO I
I CÓDIGO
Art. 149. Dimnificar ou desarranjar qualquer parte de estrada de
ferro, raachinas, vehiculos, instrumentos e apparelhos que sirvam ao
seu funccionamento; collocar sobre o leito ou trilhos um obstáculo
qualquer que embarace a circulação do trem, ou o [aça descarrilhar;
abrir ou fecharas chaves de desvio ou communicação; fazer signaesl
falsos, ou praticar qualquer acto de que resulte ou possa resultar
dosastre:
Penas — de prisão cellular por seis mezes a um anno e multa de
cinco a 20 % do damno causado. I S 1.° Si o desastre acontecer :
Pena — de prisão cellular por UTI a três annos, e a mesma multa.
§ 2." Si do desastre resultar a morte de alguém pena de prisão
cellular por seis a 15 annos.
S 3." Si algun.a lesão corporal das especificadas no art. 304
pena de prisão cellular por três a set-i annos.
Art. 150. Nas mesmas penas, e guardadas as mesmas distinões,
incorrera aquelle que arremessar projeclis, ou corpos contundentes
contra um co.uboio de passageiros em movimento.
Art. 151. Todo aquelle que por impruncia, negligencia, impe-
rícia, inobservância do regulamento, ordem ou disciplina, for causa de
um desastre em estrada de ferro:
Pena — de prisão cellular por um a seis mezes.
Pamgrapho único. Si do desastre resultar a alguém morte: I
Pena — de prisão celjuhr por seis mezes a dous annos.
Art. 152. Destruir ou damniflcar qualquer parte de estrada ou via
de communicação de uso publico, obstando ou interrompendo o
transito por ella; remover ou inutilisar os objectos destinados a
garantir a sua segurança:
Pena de prio cellular por seis mezes a dous annos. Art. 153.
Damniflcar as linh-.is telegraphicas da Nação ou dos Estados; derribar
postes, cortar fios, quebrar isoladores, cortar ou arrancar madeiras
plantadas, ou reservadas para o serviço das linhas, e em geral causar,
por qualquer modo, damuo aos respectivos apparelhos :
Pena — de prisão cellular por seis mezes a dous annos e multa de
cinco a 20 %< do damno causado.
187
§ I." Si cg actos precedentemente mencionados forem praticados por
descuido ou negligencia :
Pena — de prisão ' ellular por cioco a 30 o ias.
§ 2." Si delles resultar interrupção intencional do serviço do
telegrapho:
Pena —de prisão cellular pjr um a três annos, e a mesma multa.
§ 3." Si a interrupção do serviço for causada, em caso de com-raoção
intestina, ou guerra externa, nas linhas por onde tenham de ser
transmittidas as ordens e communicações das autoridades legitimas:
Penas — do prisão cellular por dous a quatro annos, e a mesma
multa.
.Art. 154. Nas mesmas penas incorrerá aquelle que perturbar a
transmissão dos telegrammas, ou interceptai-os, por meio de derivação
estabelecida por fio preso ao tto do telegrapho.
Art. 15o. Para os effeito3 da lei penal são equiparados aos tele-
graphos es telephones de propriedade da Nação, ou dos E&tulos, ou
destinados ao serviço publico.
COMMENTARIO
oi. Neste cap. II do tit. III o Cod. Pen. trata dos factos
comprehendidos nos artigos do texto com uma epigraphe
quasi igual á nossa.
Tratando de explicar a matéria, recordamos a justificação
deste capitulo no projecto de 1893:
Quanto ás estradas de ferro, o damno do material é
previsto, porque os effettos delle podem acarretar um perigo
para a segurança do respectivo trafego e assim de modo
especial neste titulo deve ser o mesmo damno at-tendido,
como fez o código allemão, mas não englobado com os casos
em que o perigo ê evidente, que o código italiano separou,
equiparando somente áquelle o de arremessar projectis sobre
os comboios.
O projecto neste ponto usa das expressões que fizeram
dizer a Wintgens que o legislador bollaudez empregou aqui
uma expressão geral para proteger não somente os comboios
dos caminhos de forro, como também as locomotivas
andando sós.
l
O projecto com prebende até os trolys. *
Entretanto, Brusa é aqui de parecer diverso, salvo lapso
ou erro de impressão.
3
Vamos lembrar também o que disse a commissfio par-
lamentar em 1898 para justificar o seu projecto de 1896
approvado em 1899 sobre ò capitulo anterior e o seguinte
' Wintgens, CODE PENAL D ES PAYS BAS. Paris 1883, pag. 44, not. 1. * EXPOSIÇÃO DE
MOTIVOS de 1893, pag. 13.
1
Brasa, I/ULTIMO PUOJKTTO PI CODICK PENALB OIXANHESK in Bologna, 1878, pag.
66,
ii«l||i> nW*sfc4
— 188
ideste tiLulo, ao qual o mesmo projecto addicionou mais um
com disposições communs aos outros três.
Diz o alludido parecer :
« Ninguém dirá —que a figura do crime, definido no art.
216 do projecto, seja a de uma simples contravenção.
0 art. 217 se refere a. destruição ou dam no, de moao a
[inutilizar qualquer meio de communicação ou transporte,
cousa por certo diflerenle de occaltar, destruir ou inutilizar
material, obra, apparel/io ou qualquer instrumento destinado
a garantir a segurança da linha de transporte ou
communicação, de que se oceupa o art. 230. Portanto, ê
descabida a extranheza, que se diz suggerida pela differeiíça
da penalidade, quando está se vendo serem também differen-
tes as respectivas hypotheses.
Bastará ler o disposto no art. 221, paragrapho único, e'i no
art. 229 do projecto, para logo se concluir que um não é
repetição do outro. Effectivamente, a disposição do art. 229 é
genérica, se refere á qualquer ria de commiwicaçõo ou
transporte; ao passo que a disposição do art. 221, paragrapho
único, ê restricla ás embarcações.
l
Essas observações tendo sido oppostas a outras nossas, as
reproduziremos não para que os competentes as julguem
por si mesmos, como porque hão de concorrer para melhor
intelligencia do Código Penal e dos projectos de sua revisão.
Já nos referimos ao capitulo I. Sobre os outros dissemos :
O mesmo se pôde dizer do Cap. II, em que o art. 217 é
repelido no art. 230, que contém penalidade differente
daquelle; suecedendo o mesmo não quanto á penalidade, que ê
a mesma, mas quanto á repetição do mesmo conceito nos arts.
221, paragrapho único, e 229.
Não ha proporcionalidade nas penas, porque se pune com
prisão por um a três annos a quem fizer descarrilhar um | trem,
e com três a nove annos a quem embaraçar a expedição de um
telegramma em tempo de commoção intestina.
No Cap. III figuram disposições mais próprias das leis ou
regulamentos especiaes, mais cia competência legislativa do
Estado ou municipio do que da União.
Nem no Cap. IV sobresahe o caracter predominante dos
crimes deste titulo, porque apenas se nota no art. 231 a
aggravaçâo da penalidade no caso de morte da victima ou
victimas.
Mas neste caso imposta a maior penalidade, qual fica
reservada para o homicídio, qualificado justamente pelo
1
PARECER CIT. do 1893, pag. 11.
m
169
uso dos meios previstos neste tllulot A mesmo, diz o art. 293
§ 2° II. II.
Na confecção do projecto do Cod. penal suisso, o com-
mi°sAo. linha previsto a reclusão perpetua porá o caso em
«pie uma ss ta tivesse perecido ou recebido lesões graves] na
expl .o.
Mas essa pena sendo npplicnvel ao homicídio Intencional
com mel tido por meio de ex plosivos (art. 52), aquella declsflo
não pode ser mantida. *
Nestas condições o substitutivo restabelece o projecto
mais simples e mais comprehenslvo e que attinge os factos
cnraclerisados de perigo commum ou pela própria natureza
deltas ou pelas clrcumstancias ou pelas consequências
verificadas, extremando-os quer dos de simples damuo sem j
perigo cone andante, quer de outros produzidos intencio-
noImente por meios perigosos com objectivo certo.
0 mais de que cogita o casuística do projecto, ficará |
subordinado ás regras geraes do direito penai, isto é, ás
[normas eommuns do código, eem necessidade de disposições
especlaes. *
O nosso God. criminal anterior que fio tinha titulo algum
semelhante a este, muito menos poderia ter a matéria deste
Cap. II.
Treta-se de crimes novos a que deram origem a invenção
do vapor e a das applicações da electricidade aos meios de
transporte e communicaçfio.
Generolisando a phrose de Armisogllo, poderíamos dizer
que iiinl» s. o vanor e o electricidade nas si ias prodigiosas
manifestações, podem ser ao mesmo tempo poderosos ia-1
dores de vida e tremendos agentes de morte. »•'
Gonseguiiitemente, esta parte do direito penal lendo his-
toria relativamente recente, nflose pode valer «lo direito ro-
mano, nem da jurisprudência, sendo de notar que o primeiro
código penal que se oceupa do assumpto, aliás bem exten-
samente, 6 o código do cantão suisso da Turgovia que serviu
quasi que de m ideio e de prototypo aos códigos de Glaris,
Lucerna e Genebra e também ao germânico e ao romaico e
mesmo a algum outro dos mais reputados.
Neste punto pode-se ver n historia dos códigos e pro-
jectos em obra que temos citado, sendo de Innocenzo Fantia
collaboraçflodesla parte *.
B A classe de crimes contemplada neste capitulo foi collo-
cada por alguns, preoceupados unicamente com o damno do
material, na categoria de crimes contra a propriedade.
1
VOUBNTWOR* CIT. art. 155, nota 1. " Exposição d*
molivos de 184)7, \>ag. 10.
Armisogli-j Gi.i Uri ANTI KLBTTIUCI, Turim.., iiíSJ, introUmione. VI,
* Cogliolo, OIIK, oiT. vol. 2", parlo I. A, pttg. 80lj.
•*ÍT~
— 190
O ultimo projecto italiano de 1883 seguido neste ponto pelo
voto concorde dos jurisconsultos Savelli e Pessina, os col-
locou, na expressão de Garrara, com maior elevação de con-
ceito e com mais lógica neste logar destinado as infracções
contra a incolnmidade publica. Para esta col locação contribuiu
a quantidade indeterminada do damno que pôde derivar dos
estragos ou destruições criminosas ou attentados contra os
serviços ferro-viarios ou telegraphicos, quer pelo numero de
pessoas que por causa desses factos podem com-prometter a
vida, quer pelos ingentes valores que podem perder-se, quer,
emtim, pela grave commoção e alarma que semelhantes factos
engendrão no publico. *
o». Além do que temos dito com refenrencia á matéria
do código penal e dos projectos de sua revisSo, quanto a este I
capitulo, em geral, vamos apreciar particularmente os respe-
ctivos artigos do texto.
O God. penal ufio define o que é uma estrada de ferro, de
modo que as suas disposições poderSo deixar impunes os
sinistros produzidos pelos factos occorridos, v. g , nas linhas
de um tramway eléctrico, na rede férrea de uma usina de
fabricar assucar, etc, parecendo que se refere á estrada de
ferro ordinária, commum.
Os projectos de 1893 e 1897 suppriram a lacuna,, mas os
de 1896 e 1899 a deixaram de novo aberta, como outras que já
notamos e veremos ainda depois.
A mesma observação tem logar. sendo maior a lacuna
sobre telegraphos e telephonos, onde, os projectos de 1896 e
1899 cogitaram de exaggerar a pena do embaraço de um
telegramma em occasião de revolta.
O Cod. Pen. é aqui menos omisso, embora não defina
nada e não alluda ao telephono, sinão no art. 155, para equipa
ral-o aostelegraphos.
Ha varias espécies do crime de que se trata neste capitulo.
A primeira espécie é o damno voluntário previsto no art.
149.
Esta espécie comprehende duas hypotheses:
Uma da damnificação que fas surgir o perigo de um de-
sastre, que o God. Pen. no mesmo art. 149 conceitua por va-
rias formas.
Esta primeira figura pòde-se manifestar por dous aspe- .
ctos, um dos quaes é que o facto se limite ao perigo simples de
um desastre previsto no mesmo art. 149 principio ; o ootro
aspecto ou forma e que o desastre se verifique, caso em que a
pena é maior e está prevista no paragrapho 1° do art. 149.
1
Carrara, COMMKKTO cri',, art. 312. pag. 181.
191
Note-se, entre parentheses, que a redacção doart. 149 ê de
tal ordem que esses dous aspectos, aliás da doutrina e do Cod.
Ital., fonte do código, este confunde e separa ao mesmo
tempo.
Separa, tratando de um no art. 149, principio, e do outro
no § I
o
; mos confunde, porque ali diz : « qualquer acto de
\(/ae resulte ou possa resultar desastre ao mesmo tempo que
no § I
o
diz : si o desastre acontecer !
Os projectos de 1898 e 1899, quer neste capitulo, quer no
das suas disposições communs, nada teem que se pareça com
essas formas typicas dos crimes de que se trata, salva a do
perigo de desastre sem mais modalidade ; não obstante os
projectos anteriores de 1893 e 1897, art. 225, terem provido
com formula bem genérica no coso, a exemplo do código
hollandez, art. 164.
Os §§ e I
o
do art. 149 aggravam as penas no caso de
morte ou lesmes pessoaes.
A outra hypothese, a segunda, é a de simples deteriora-
ção de cousas sem propósito micidial. Consiste em damni-
ficar uma via férrea, locomotivas, veliiculos, machinas,
upparelhos que servem ao trafego; ou arremessar projectis ou
quaesquer corpos contundentes sobre os comboios em
movimento.
Ambas estas formas desta segunda hypothese estão
previstas nos projectos de 1893 e 1S97, art. 22».
Os outros projectos, o de 1893, art. 219, comprehondem
a ultima forma somente na disposição em que trata da figura
differente do perigo de desastre, punindo com a mesma pena
e sem a modalidade da realidade do desastre.
Quanto á outra forma da damnificação, ella está sub-
stituída pela destruição que inutilise as cousas para o fim a
que.se destinam ou chegue a interromper o serviço, o que
numa estrada, mesmo de ordem inferior, importa numa
\deoastação.
O Cod. Pen. no art. 159 comprehende a ultima forma;
sobre a outra silencia, talvez suppondo que estava o coso
comprehendido no art. 152, mas não está, como veremos.
A segunda espécie de crimes deste género é a dam-
nificação culposa de vias férreas, que o Cod. Pen. art. 151,
do texto, prevô. O projecto de 1893, art. 233, pune o facto
previsto com rigorismo excessivo sem nenhuma proporção
com outros crimes dolosos do titulo.
Os projectos de 1893 e 1897, art. 232, guardaram na
penalidade um meio termo entre estes factos culposos e os
outros communs. '1
A terceira espécie consiste em damnificar machinas,
apparelhos ou fios telegraphicos ou causar a dispersão dos
correntes ou por qualquer modo interromper o serviço dos
telegraphos.
192
E' o espécie prevista no art. 153 e §§ e 154 do Cod. Pen.
que estabelece diversas modalidades e pune mesmo o facto
causado por culpa.
Os projectos de 1893 e 1897 previam a espécie dolosa,
estabelecendo-se nelles disposiçõo geral para os factos cul-
posos úo titulo. Si o projecto de 189.) prevê a espécie, é de
modo muito vago nos arts. 217 e 218 que punem a
destruição inutilisando para o fim a que é destinada a cousa, ou
interrompendoo serviço. Não se falia de telegrapho nem de
teléphono.
A quarta e ultima espécie é a prevista nos projectos de
1893 e 1897, art. 224, a exemplo do Cod. hollandez, art. 162, e
que consiste em destruir, iautilisar ou damni-ficar a obra que
sirva á communicação publica, interceptar via publica,
terrestre ou fluvial, ou frustrar as providencias relativas a
segurança das mesmas. Sem esta formula o comprehensiva,
sem as modalidades dos projectos e a penalidade graduada, o
Cod. Pen. no art. 152 prevê a espécie.
Os projectos de 1896 e 1899, arts. 217 e 218 parecem
incluir a espécie, mas não se sabe em qual das formulas dos
dous artigos está a norma geral e em qual a especial sobre vias
férreas.
Entretanto, referindo-se ao art. 317 da Cod. italiano,
parallelo do nosso, diz Garrara que é evidente que elle não
será applicado ás destruições das ferro-vias, ás quaes provê o
art. 313, que o nosso código omittio.
O legislador nesta disposição não se limitou a contemplar
a eventualidade de um dam no real, mas estendeu a sancção
também ao simples perigo para a vida das pessoas. Tal
extensão é devida á natureza especial do facto e á necessidade
imperiosa de lutellar a liberdade do trafego commercial e a
segurança das pessoas. Os citados projectos attenderam a isso,
tendo aliás como fonte o Cod. hollandez; mas o nosso Cod.
Pen. art. lf»2 não o fez e nesta única disposição confundiu
lambem como os projectos de 1896 e 1899 ambas as normas,
a geral e a especial.
CAPITULO III
DOS C.HIMSS CONTRA. A SAÚDE PUBLICA.
CÓDIGO
Art. 156. Exercer a medicina em qualquer dos seus ramos, a
arte dentaria ou a ph ar macia ; praticar a aomce ipthia, a dosimetria,
o hypnotismo ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo
as leis e regulamentos :
Penas — de prisão celíular por um a seis mezes e multa de 100$
a 500$000.
193
Paragrapbo único. Pelos abusos commett
:
dos no exercicio illegal da
medicina em geral, os seus autores soffrerão, alóm das penas
estabelecidas, as que forem impostas aos crimes a que derem causa.
Art. 157. Pr.iticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de
talismans o cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor,
inculcar curas de moléstias curáveis ou inouraviea, einflm, para fascinar e
subjugar a credulidade publica :
Penas de prisão cellular por um a seis mezes e multa de 100? a
500$000.
§ 1." Si por influencia, ou em consequência de qualquer destes meios,
resultar ao paciente privação, ou alteração temporária ou permanente, das
faculdades psyohicas :
Penas de prisão cellular por um a seis annos e multa de 200$ a
500$000.
§ 2.» Em igual pena, e mais na de privação do exercício da profissão
por temp > igual ao da condemivição, incorrerá o medico que directa-
mente praticar qualquer dos actos acima referidos, ou assumir a re-
sponsab lidado delles.
Art. 158. Ministrar ou simplesmente prescrever, como meio curativo
para uso interno, ou externo, e sob qualquer forma preparada, substancia
de qualquer dos reinos da natureza, fazendo ou exercendo assim o offleio
do denominado curandeiro :
Penas de prisão cllular por um a seis mezes e multa de 100$ a
500$000.
Paragrapuo único. Si do emprego de qualquer substancia resultar à
pwsoa privação, ou alteração temperaria ou permanente de suas
faculdades psychicas ou funeções physiologicaa, deformidade, ou
inhabililação do exercicio de órgão ou appu-ellio orgânico, ou, em
summa, alguma enfermidade :
Penas de prisão cellular por um a seis annos e multa de200$ a
50'$000.
Si resultar a morte :
Pena — do pri-ão cellular por 6 a 24 annos.
Art. 159. Expor á venda, ou ministrar, substancias venenosas, sem
legitima autorisação e sem as formalidades prescriptas nos regulamentos
sanitários :
Pena — de multa de 200$ a 500$000.
Art. 160. Substituir, o puarmnceutico ou boticário, um medicamento
por outro, alterar o receituário do facultativo, ou empregar medicamentos
alterados :
Penas de multa de 100.$ a 200$ e de privação do exercicio da-
profissão por seis mezes a.um anuo.
§ 1,° Si por qualquer destes actos for compromettida a saúdo da
pessoa :
Pena de prisão cellular por quinze dias a seis mezes, multa de
200$ a 500$ e privação do ex ircicio da profissão por um a dous annos.
§ 2.» Si de qualquer delles r< saltar morte :
Penas de prisão cellular por dous mezes a dous annos, multa de
500$ a 1:000$ e privação do exercicio da profissão.
§ 3." Si qualquer destes factos lôr praticado, não por imprudência,
negligencia ou imperícia na própria arte, e sim com vontade crimi
nosa : ; £_^ V-
Penas as mesmas impostos ao crimo que resultar do facto
praticado.
2017 «3
— 194 —
Art. 161. Envenenar fontes publicas ou particulares, tanques ou
viveiros de peixes, e viveres destinados a consumo publico :
Penas — de prisão cellular por dous a seis annos.
Si do envenenamento resultar morte de alguma pessoa :
Pena — de prisão cellular por seis a quinze annos.
Art. 162. Corromper, ou conspurcar, a agua potável de uso
commum ou particular, tornando a impossível de beber ou nociva ã
saúde :
Pena — do prisão cellular por um a três annos.
Art. 163. Alterar, ou falsiticar substancias destinadas á publica
alimentação ; alimentos e bebidas :
Penas de prisão cellular por três mezes a um anno e multa de
100$ a 200$000.
Art. 161. Expor à venda substancias alimentícias, alteradas ou
falsificarias :
Penas — as mesmas do artigo antecedente.
Paragrapho único. Si de qualquer destes factos resultar perigo
para vida, ou morte da pessoa :
Pena — a imposta ao orime que do facto resultar.
COMMENTARIO
C3. Divergindo muito os arts. do texto do código penal dos
projectos de 1893 e 1897, consignaremos logo aqui as observações
com que respondemos ao citado Parecer da com-missão especial do
Instituto dos Advogados :
Ainda neste titulo, em outros capítulos, como o relativo á saúde
publica, o parecer notou que o projecto primitivo de 1893 é mais
deficiente do que o substitutivo de 1896.
Das explicações que se seguem no parecer vô-se que os nossos
pontos de vista são muito differentes.
O projecto não podia seguir como modelo o odigo vigente, que
em algumas partes parece mais uma collecção de regulamentos do
que um código penal.
O parecer pretende que um projecto de código resolva todas as
duvidas que possam embaraçar o juiz diante das invenções da
rabulice.
O projecto se limitou ás figuras essenciaes.
E trata-se de um assumpto hoje, que a Republica está
organisada, mais da esphera da competência legislativa e
regulamentar do Estado e do Município do que da União.
Entretanto é bom não lançar á conta de supposta ignorância dos
outros o que nós mesmos não percebemos.
O projecto, além daquella razão, para não Ir adiante, teve como
fonte preferível o cod. hollandez, art. 174, que do mesmo modo que
o allemâo, § 324, contém menos do que p projecto; além de ser
muito fácil explicar o sentido da disposição questionada, desde que
se attenderque aqui se trata e exclusivamente de factos punidos
como crimes contrários a, incolumidade publica.
195
K" Factos parecidos, mas não idênticos, pertencera, ora ao
título de crimes contra a pessoa, ora ao titulo de crimes contra
a propriedade, conforme o agente pelos meios aqui previstos
tem como objectivo o homicídio ou as lesões pes-soaes, ou
por fim simplesmente a destruição ou o damno da
propriedade.
Disposições sobre feiticeiros não são dignas de figurar em
um código no crepúsculo do século XIX. *
nos referimos ú critica idêntica feita ao projecto de
1836 sobre este cap. que o de 1899 não alterou.
Este cap. encerra uma classe menos grave de crimes
contra a incolumidade publica, mas talvez mais fácil e mais
frequente em realizar-se.
m E' a ultima categoria dos crimes de damno e perigo
commum esta que se refere á saúde e alimentação publica ; se
subdividindo em varias espécies principaes, e não em rosário
de injmicções, como fez o cod. pen. incluindo feiticeiros e
curandeiros, que devem ser objecto de disposições de leis mais
modestas ou incidirem no direito commum, ao menos em
homenagem á nossa cultura jurídica. I Passemos ás differentes
espécies, sem a ordem dos artigos cio texto, pois que o cod.
pen., como sempre, nenhuma nelles guardou.
A mais grave das espécies, na opinião de Pessina, ô a
figura dos projectos de 1893 e 1897, isto é, o facto de lançar
em poço, fonte, bomba ou aqueducto, de uso geral ou
commum de outros ou com outros, qualquer substancia que
torne a agua perigosa á vida ou á saúde de outrem.
o projecto de 1899, art. 223 reproduz a disposição.
Sobre a disposição paralisia do cod. hollandez, arts. 172
e 173, diz Br usa, que estes artigos não juntam, como faz
o cod. allemão, § 322, o envenenamento dos poços com os
objectos venaes etc, o primeiro facto não tem como movei
ordinário o lucro, como o segundo, no qual, ao contrario,
o agente o lambem as mais das vezes o proprietário dos
objectos envenenados. Uso commum de outros ou com outros;
para a punição é realmente indifferente que o uso per
tença ao agente mesmo. ; |
E' a espécie do nosso cod. pen. arts. 161 e 162 do
texto deste capitulo. _
A outra espécie está também prevista nos projectos] de
1893 e 1897, art. 23) e projectos de 1896 e 1899, arts. 224 e
226 e consiste em expor á venda, subministrar ou distribuir
quaesquer substancias ou mercadorias perigosas para a vida
ou saúde, calando essa qualidade delias. Pessina acha menos
grave que a espécie anterior.
1
RliVIST.v ACADÉMICA C1T,, 1897. pBg. 18.
196
Ainda Brusa observa, pobre os arts. 174 e 175 docod.j
hollandez, fonte dos projectos de 1893 e 1897, que a pu-
nibilidade funda-se no perigo próprio da substancia misturada
e não no proâurto obtido. E' esta uma necessidade, si se quer
tirar proveito das disciplinas repressivas, porque d'outro modo
pelas difíiculdades praticas não se tiraria nenhum. Entretanto,
em casos raríssimos, si se provasse que o producto era innoxio,
não haverá que receiar um processo, ou o juiz, graças á latitude
da pena que lhe 6 concedida, fará justiça sufficiente,
applicando as penas da falsificação, sem necessidade de levar
em conta o elemento do perigo para a saúde. *
P O nosso cod. pen. arts. 159, 160, 163 e 164 do texto
comprehende a espécie; mas, além de muito casuístico, a
envolve com sancções relativas ao abuso da arte phar-
maceutica, objecto que deve ser de leis c regulamentos
especiaes.
Também, talvez pela variedade de normas que adoptou, o
cod. pen. não deixa a latitude da pena ao juiz para adaptal-a á
pratica dos casos occurrentes; o que também não observaram
os projectos de 1896 e 1899, ao contrario dos de 1893 e 1897.
Carrara, também commentando disposições parallelas do
cod. italiano, faz observações adequadas ã interpretação da
nossa lei penal neste ponto.
O artigo em exame contempla o caso da corrupção ou
envenenamento d'aguas potáveis e das cousas destinadas á
alimentação publica. Desde que se trata de envenenamento, a
cousa ê fácil, porque, quer nas relações subjectivas, quer nas
objectivas, a prova do crime emerge espontaneamente do facto
mesmo. Em matéria, porém, de corrupção, as | cousas
apresentam-se mais dificilmente.
Antes de tudo, nem toda corrupção pôde fazer objecto de
acção penal contemplada na presente disposição, porque, para
que esta seja applicavel, é necessário que a alteração dolosa seja
tal de por em perigo a vida ou a saúde das pessoas. Portanto, a
accusação, promovendo a punição destes j crimes, deve levar
em conta a índole perigosa e nociva da matéria usada e das
proporções da mesma.
Medir, pois, pela mesma bitola o corruptor, como o en-
venenador de aguas pôde parecer â primeira vista uma
injustiça. Mas tal conceito desapparece logo, desde que se
reflicta na analogia entre os dous factos contemplados e ao
elemento reclamado pela lei, isto 6, que cada uma das duas
ditas modalidades contenha em si o perigo da vida ou da
saúde das pessoas.
Jirusa, LYLTIMO FHOOKTTO <-Tr., png. 7?,
197
A latitude, além disto, deixada ao juiz na applicação da
pena, torna esta susceptível de opportunidade, tanto para os
casos graves, como para aquelles de menos importância.
Não é estranha, ao valor igual attribuido ás duas palavras,
a consideração das graves difflculdades que reclama a
distincção, si uma agua foi somente corrompida nas pro-
porções queridas pela lei ou envenenada. ' K Nos arts. 156 a
158 o código penal nas disposições do texto prevô o abuso do
exercício, illegal, da medicina e artes congéneres, a que elle
additou, além do hypnotismo e magnetismo, o espiritismo,
assim como todas as feitiçarias imagináveis.
Os projectos de 1893 e 1897, art. 231, e paragrapho único,
se limitaram a duas formulas geraes contidas n'uma única
disposição, seguidas nisto pelos de 1896 e 1899, arts. 225
e228.
04>. Tanto as disposições do código penal como as dos
projectos posteriores para sua revisão, em geral, não suscitam
duvidas para a sua applicação, quanto a figura essencial do
exercício illegal da medicina, arte dentaria, pharma-ceutica,
etc.
Tem-se suscitado, porém, na pratica, a questão de saber,
si a Constituição Federal, declarando no art. 72 § 24, que « é
garantido o livre exercido de qualquer profissão moral, in-
tellectual e industrial », qualquer pôde exercer a medicina
sem as condições, que a lei exige, de idoneidade ou perícia
soba comminaçãode penas.
A questão para nós é simples, porque os defensores da
liberdade profissional, absoluta, não respondem no argu-
mento por absurdo.
Si a liberdade industrial, também declarada, deve ser,
como aquella garantida, por que restringir o exercício delia a
bem da hygicne e da segurança das pessoas e das
propriedades ?
Todos curem, todos advoguem, mas também qualquer
industrial tenha o direito de installar sua usina insalubre ou
perigosa nos cen-tros populosos das nossas grandes cidades,
v. g. uma fabrica de explosivos na rua do Ouvidor, da Capital
Federal.
Não ha que estabelecer differença, porque pelo menos
até agora todos os digos consideram de manejo perigoso
sob comminações penaes, tanto o exercício da medicina e
pharmncia, como o fabrico de explosivos.
Entretanto, a questão tem sido muito debatida na dou-
trina e na jurisprudência, entre nós prevalecendo a vigência
dos artigos do texto penal neste capitulo, em face da citada
1
Garrava, COMMENTO CIT. art., 318, pag. 192.
198
disposição constitucional, interpretada com as suas fontes e na
sua discussão por notáveis magistrados.
Citaremos apenas a summa de alguns arestos e a fonte em
que os olludidos actos, isto é, accordfios, promoções, con-
tramlnutas, etc, podem ser lidos.
« O art. 72 8 24 da Constituão da Republica o consagra
uma doutrina tão absoluta que dispense a prova de capacidade
especial para o exercido de qualquer profissão.»
« Assim continua em vigor o art. 156 do código penal »;
Accordflo do Superior Tribunal de Justiça, Maranhão, de 14
de outubro 1898.
No mesmo sentido: Contraminuta do Desembargador
Lima Drummond, 11 de julho de 1895.
«Não havendo antagonismo entre o art. 72 § 24 da
Constituição e arts. 156 e 158 do código penal e outras leis e
decretos (lei n. 494 de 28 de julho de 1898, decretos ns. 518 de
5 de setembro 1891, 1482 de 24 de janeiro 189 i e n 8014 de 26
de setembro 1898), o que só se caracterizaria, si a Constituição
declarasse independer de habilitação o exercido das profissões
libcraes, e as leis e decretos exigissem ta es habilitações ou
punissem o exercício das profissões sem estas, é consequente
que as mencionadas leis e decretos não podem ser declaradas
pelo poder judiciário inconstitucionaes: Ac-crdão do Tribunal
Civil e Criminal de 31 de agosto de 1899 {relator, presidente
Muniz Barreto.
No mesmo sentido:
Promoção doDr. Gabriel Ferreira, Sub-Procurador Geral
no Dlstricto Federal *,
«A simples pratica do espiritismo não constitua crime, ô
uma manifestação da liberdade de consciência, garantida na
Constituição Politica da Republica.
« Mas o art. 157 do código penal não está revogado.
« O espiritismo pôde ser a causa efflciente de um delicto,
quer contra a personalidade, quer contra a propriedade.
« Contra a persona lida de, si algum chefe de seita espirita
provocou, pelas ceremonias e ritos do sou culto, praticados
imprudentemente diante de degenerados, graves alterações da
saúde ou mesmo a morte, incide nas penas dos arts. 157 § 1° e
297 do código penal, contra a propriedade—si houver o
emprego de manobras fraudulentas, de uma hábil ensce-nação
capaz de produzir a esperança ou o temor de um
acontecimento chimerico, locupletando aquelles que delias
usam, o espiritismo reveste os caracteres jurídicos do estel-
lionato.» Decisão do Juiz Dr. Viveiros de Castro, 21 de maio
de 1896.
* REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA CIT., vol. 4", pog. 416; vol. 7
o
, pag 347; O DIREITO,
vol. 80, pag. 292.
199
Um dos aspectos destas theses, que alóm de estrícta-
mente jurídicas, sobresahe por uma sciencia nova pouco
vulgar nos nossos meios forenses, envolve a questão dos
\trauniatismo8 moraes e psi/chícos de rpie tivemos occasião
de oceuparmo-nos especialmente no elaboração do projecto
de 189:1 e depois e a que nos referiremos quando eomroen-
tarmos o titulo «dos crimes contra a pessoa».
« O individuo que se entrega ao offleio de feiticeiro não
pôde invocar a liberdade profissional garantida na Consti-
tuição Politica da Republica.
('•, «Ha neste ponto um abuso de credulidade de pessoas
ignorantes, incutindo-se em seu espirito fraco e inculto es-
peranças chimericas, que, aliás, podem ser nocivas ú saúde, e
foi por este motivo que o código penal destacou esta forma do
estcllionato para classifical-a entre os crimes especialmente
contra a saúde publica. » Accordflo do Tribunal Civil e Cri-
minal, 3 de junho de 1895-— (relator) Viveiros de Castro. I
E' applicavel a este aresto a nossa observação anterior.'
« Para existirem os delictos definidos nos arts. 163 e 164
do código penal não é necessário que a falsificação seja nociva
á saúde, basta a alteração das qualidades componentes. O fim
do legislador foi não garantir a saúde publica, como punir
a ganância illicita do vendedor que illude a boa do com-
prador. » Accoro do Tribunal Civile Criminal, 24 de janeiro
de 1895 (relator) Dr. Viveiros de Castro. Os juizes Drs. Mi-
randa e Lima Drummond votaram que a ganância illicita está
prevista nos arts. 353 a 355 do código penal *
Não concordamos de modo algum com esta ultima clas-
sificação.
E'questão para resolverem cada caso se são ou não
applicaveis os arts. 163 e 164, conforme a opinião de Carrara,
que acima citamos.
« E' improcedente a allegação de que oart, 156 do código
penal foi implicitamente revogado pelo art. 72 § 24 da Con-
stituição Federal. O citado artigo constitucional o estabe-
lece a liberdade da profissão intellectual tão amplo que
dispense para o seu exercício a prova de capacidade especial
ou profissional.
« O Congresso Nacional no caso de attribuição do art. 34,
§ 34 da Constituição Federal, «decretando leis orgânicas para
a execução completa da Constituição» tem em diversas leis
exigido para exercício de varias profissões in-tellectuaes
titulo de habilitação e de capacidade profis-
1
sional, e do
mesmo modo tem procedido o Poder Executivo, expedindo
decretos, instrucções e regulamentos, ex-vido
1
Viveiros de Castro, SENTENÇAS E DECISÕES HM MATÉRIA CRIMINAL, Capital
Federal, 1896, paga. 91, 105, 176 c na. XU, XVI o XXVI.
— 200 —
art. 48, § da Constituição porá a fiel execuçfio das leis»:
Accopdõo da Relação do Maranhão de 14 de outubro da|
1898, presidente e relator Costa. *
Como nota final, deste titulo devemos observar que) uma
lacuna sensível se nota no código penal e nos projectos de
1896 e 1899, mos preenchidas nos de 1893 e 1897, nestes
termos:
«Art. 233. Quando nos crimes previstos nos dous pri-
meiros capitulos deste titulo, o perigo resultante do facto for
ténue, ou o culpado o tiver impedido, ou limitado os suas
consequências, operando effi cazmente paro isso, o| pena
poderá ser diminuída de um a dous terços em cada um dos
grãos.»
Essa disposiçõo, modelada pelo código italiano, art. 330,
ao passo que é equitativa para moderar a rigidez ou fixidez das
graves penas comminadas, deve de constituir um incitamento
80 arrependimento do culpado.
TITULO AVULSO
CRIMES CONTRA A FAZENDA PUBLICA
CAPITULO UN1C0
DO CONTRABANDO
CÓDIGO
Art. 265. Importar, ou exportar géneros ou mercadorias prolii-bidas;
evitar no todo ou cm parte o pagamento dos direitos e impostos
estabelecidos sobre a entrada, sabida e consumo de mercadorias e por
qualquer modo illudir'ou defraudar esse pagamento:
Pena — de prisão cellula? por um a quatro annos, além das lis-oaes.
COMMENTARIO
OE*. Não querendo alterar o nosso plano, collocamos
aqui, em titulo avulso e em um capitulo único, o contrabanao\
que o código penal colloca no titulo VII, depois « dos crimes
contra a fé publica».
Acba-se, pois, a matéria entre esta ultima, de que iremos
tratar no seguinte titulo VI, e os crimes de que tratamos nos
litulos anteriores.
1
O DIREITO vol. 79, pag. 639.
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— 202 —
Em geral, nestes crimes pôde-se distinguir duas cate
gorias. Uma é a das fraudes para iIludir as determinações
iiscaes. Um nome commum os abraça, e 6 o contrabando
(fraudatum vectigcV). A outra 6 a das simples contra*\
menções- finam -eiras. Mos notc-se tombem, que algumas vezes
as simples contravenções financeiros podem sor punidos com
penas pecuniárias que excedem os limites da pcnn pe
cuniária de policia» *
M
Os nossos códigos, sob o nome geral de contrabando,
teem comprehendido não só este como o descaminho, do dl-j
relto portuguez, punindo-os com penas iguaes»
O código portuguez de 1852, ort. 279 a 281 os distingue
no que o seguiu o digo de 1886, que manda observar as
«lisposições das leis especioes sobre a moteria (ort. 281), e 1
imita ndo-se a deflnil-os ossim:
Art. 279. Contrabando ê a importaçfio ou exportação
fraudulenta de mercadorias, cujo entrada ou sob ida seja
absolutamente prohibida.
Art. 280 Descaminho é todo e qualquer acto fraudulento,
que tenha por fim evitar, no todo ou em parte, o pagamento
dos direitos e Impostos estabelecidos sobre a entrada, sabido
ou consumo das mercadorias. I « Contrabando, dizia Pereira
e Souza, ê uma dicção moderna composta da preposição
contra, e da palavra bando que o foi conhecida dos antigos
jurisconsultos. No sentir commum, bando é o mesmo que
edicto ou mandato prohibi-torio. O contrabando, fatiando
genericamente, é todo o commercio que se faz contra as leis
do Estado. Mas no uso ordinário, distingue-se o cantYBb&o
propriamente tal do desefis-minho ou fraude dos direitos reoes.
Levy Jordão e Silvo Ferrão seguem aqui o citado outor. *
Carrora attribue ao vocábulo, derivado do bannum, a
significação do conceito da violação das leis .flscaea ou de]
modo espec.iaii.ssi.mo dos leis de monopólio do Estado e em
sentido mais lato como infracção de leis iiscaes sobre entrado e
circulação de géneros.
Outros dão noção differente, isto é, invertem essa noção.
Assim Iosto Satta diz que « na linguagem histortco-jurl-
dica a violação do direito que ao Estado compete sobre as
taxas aduaneiras foi chamada contrabando (do hespanhol
contrabando) esta palavra passou depois a designar tambem\ a
fraude em damno dos direitos de monopólios reservados para
si pelo Estado sobre a producção e o commercio do
1
Pessina, ELKMENTI CIT., vol. 3
o
, pag. 333.
' Pereira e Souza, CLASSES DOS CRIMES, ETC, Lisboa 1816, pag 185 § I
o
, Levy
Jordão, Obr. cit., vol. 3», pag. 104; Silva Ferrão. OBR. CIT, YOI. 6
O
, pag. 30.
— 203 —
sal e do tabaco e por ultimo foi estendida á fraude de varias
taxas de fabricação.»
Nessa diversidade, entendemos que só no direito por-l
luguez contrabando é o género, de que suo espécies o con-
trabando propriamente dito e o descaminho.
No direito francez, Jousse definia: «osconlraliandistas
como aquelies que vendem e retalham sai, tabaco, tecidos
coloridos e outras mercadorias prohibidas em fraude e contra
as disposições das ordenanças do reino».
entflo se distinguia as contravenções de leis sobre a
importação e exportação de mercadorias não prohibidas.
Mas a legislação fiscal, sendo tudo o que ha de mais
arbitrário, denomina depois uma classe de infracções « con-\
trabando de mercadorias prohibidas ou assemelhadas âs
mercadorias prohibidas sob o ponto de vista da fraude» — ate.
sob a condição dos valores tarifados. 23 Os autores francezes
parecem abandonar os próprios termos servindo-se dos geraes
de delidos de alfandegas e contravenções de alfandega. *
No mesmo sentido, ia indicado, Pereira e Souza dis-
tinguiu um do outro dehcto, apezar de sob o nome geral de
contrabandos fazer um rol de ambas as espécies, conforme as
leis vigentes portuguezas, antes da nossa independência. »
Entre nós não conhecemos lei fiscal que tenha con
ceituado por uma formula typica o contrabando com o seu j
congénere, o chamado descaminho; o conceito destas in- \
fracções resulta dos casos materialmente previstos nas varias
leis físcaes ou financeiras. I
I A Nova Consolidação das Leis das Alfandegas e Mesas de
Rendas da Republica, diz Viveiros de Castro, embora níío
tenha aceitado a synonimia do código penal, não definiu,
com tudo, o contrabando, nem o descaminho, limilando-so a
enumerar taxativamente, no art. 445, as mercadorias, cujo
despacho é proliibido; e a declarar, no art. 4b8 §§ 5" e 6
o
,
quaes os casos em que os donos ou consignatários das
mercadorias descaminhadas devem ser submettidos a
processo criminal.
O citado autor demonstra bem que, conforme a jurispru-
dência do Thesouro Nacional, na nossa legislação aduaneira,
o que caracterísa essencialmente o descaminho ô a occulta-
1
Ioslo Sabia, CONTRAHBANDO DOGAN-ALG, Sassari 1897, pag. 5., Thibault, TRAÍTÉ
PU CoNTENTiEifx DE I/ADMINIBTRATION DKS DOUANES, Pariu, 1891, paga. 18,52 e 207;
Pabon, Dts DOUANES, Paria, 1895, pag., 12 n. 18 o 272 ri, 451.
* Pereira e Souza, OBR. CIT.. pag. 178; Cartara, PROOKAMMA CIT. Part. Si>ec, vol. 7»,
§ 3«81, pag. 615.
— 204 —
ção dolosa, a qual torna evidentíssima a existência da fraude,
o unico fundamento da apprehensão.
l
I Não ha duvida que,
conforme a doutrina, se tem sempre] procurado distinguir .uma
espécie da outra, oppondo-se alguns autores a sua
assemelhação, como faz um dos interpretes dos anteriores
códigos brazileiro e portuguez, referindo se á justa observação
de Aehilles Morin, de que mais grave que a simples fraude, que
consiste em illudir os direitos da Alfandega, o contrabando é a
introducção ou a salada de certas mercadorias, a despeito da
prolúbiçâm absoluta de que ellas são objecto. *
66. Quasi sem excepção, os códigos penaes não con-
templam a matéria de que nos occupamos.
Entretanto, tendo o código criminal anterior, art. 177,
previsto o contrabando, seguiram-no os códigos portugue- j zes
de 1852 e 1886 e o nosso vigente, nos termos a que nos
referimos.
Não é fácil expor a doutrina na matéria, porque ella varia
em cada paiz com as respectivas leis fiscaes, a menos que não
se estabeleçam somente princípios muito geraes ou se consigne
na exposição do assumpto as variedades principaes da doutrina
sobre o direito commum\ do contrabando, apezar de suas
singularidades.
O nosso código penal no art. 265 do texto, fundiu, como
vimos, duas figuras de infracção aduaneira.
Diante da lettra da disposição são elementos consti
tutivos das duas figuras : I
' a ) importação ou exportação de géneros ou merca
dorias prohibidas de serem importadas ou exportadas; I
6) Evitar, por qualquer modo, illudir ou defraudar o
pagamento de direitos e impostos estabelecidos sobre a
importação, exportação, ou consumo de mercadorias, não
prohibidas, e sujeitas a tal pagamento;
c) Elemento commum, o dolo que se subentende, tra-
tando-se aqui d'um crime ou delicio, e que já vimos exigido no
denominado descaminho, conforme as próprias leis fiscaes.
Garrara, discutindo os elementos do contrabando, procura
construir uma tbeoria racional, mas é difficil adaptais ao
próprio direito italiano, cujas disposições na lei de 28 de junho
de 1866 elle ataca como um retrocesso ú idade media,
inspirada na avareza edictada pela crueldade. Lj Em resumo,
Garrara diz que a condição fundamental que constitue o
crilerio distinclivo do contrabando próprio
* A. O. Viveiros de Cartro, O COXIRABVNDO, Rio de Janeiro, 1889, pagii. 15
17.
* Silva Ferrão, OBR. rrr., Tol. fi», pag. 30, arU. 279 a 281.
205
(delicio), do contrabando impróprio (transgressão ) sob a
relação do elemento moral, 6 o fira do lacro ou ganho,
essencialmente dislinclo do fim de economia ou satisfação,
prazer.
Mos este critério moral é antes negativo que positivo; isto
é, que talvez não possa ter-se o contrabando como delido,
onde falta a especulação de lucro; mos, dada a vista d'um
lucro, a offenso ao fisco degenera por aquella única
circumslancia indistinctamente em verdadeiro delicio.
O elemento moral do presente crime se exprime pelo pa
lavra t-mpresa, mas isto não completa os seus elementos
essenciaes.
I E' o que loslo Sotto, enumerando technico e praticamente as
espécies de contrabando, choma contrabando por commissão,
considerando a móis notável. *
Depois, Carruro refere-se a opinião de Cormignani,
muito díflerenle do do Lobão, portuguez, dizendo que são
objecto do delicio os direitos e as leis aggredidas e não a
cousa ou pessoa sobre que recahe a acção.
No contrabando, diz elle, a acção material desenvolve-se
sobre cousas que são propriedade do contrabandista?*, e
seria absurdo achar noquellas o objecto do malefício, porque
não é contra ellas o offenso, e não são oquellas cousas o que
se protege com o penalidade.
No contrabando, o sujeito activo primário o os contra-
bandistas ; o sujeito activo secundário são os vehiculos ou
instrumentos com que se executa o introducção, ou a fabri-
cação prohibida.
As cousas introduzidos ou fabricados fraudulentamente
suo o sujeito passivo do delicio, eJlos são necessários o com-
pleto r o figura subjectiva do contrabando.
Em lace deste sujeito, assim completado estão como
objecto os direitos do Governo, e os leis que os protegem ; e
ó pelo conilicio entre todos oquelles elementos constituindo
o sujeito do crime, e aquelles direitos ou aquella lei que dão
ao facto (sem isto innocento umo objectividade jurídica,
aggredido ou offendido, que surge o ente jurídico que se
chama delicto.
E' bom advertir que estas observações de Carrara, em)
) geral aceitáveis, referem-se principalmente ao contrabando
propriamente dito, isto é, a infracção dos monopólios do Es-
—ítado, e alé certo ponto oppliçáveis Os cousas cuja entrada,
sahida ou consumo, são absolutamente prohibidos.
Finalmente, elle considera um elemento característico,
essencial do contrabando//or empresa, não tanto o numero
1
Joito Saltii, Omt. <JT., pag. 8.
-206 —
de co-réos, como a quantidade das cousas que dão logar á |
infracção. *
Como a technologia é essencial á boa comprehensão da
doutrina, e a p ortugueza, de Portugal, differe dos nossos có-
digos, precisamos insistir sobre este p ->nto referindo-nos a
outras legislações.
Mesmo na Hespanha considera-se contrabando a violação
dos monopólios em suas múltiplas formas ; e defrau-dação,&
entrada, sabida, transito ou consumo de mercadorias sem as
formalidades legaes e o pagamento de direitos.
E' esta a synthese das exemplificações materiaes da lei de
20 de junho de 1852, arls. 17 a 19, illustrada por Viada y
Vilaseca, com a jurisprudência relativa. *
Igualmente, no direito allemão, diz Franz vou Liszt, ulém
da defraudaçâo, figura o contrabando como delicto aduaneiro
especial. O contrabando consiste na importação, exportação ou
transito de objectos, cuja importação, exportação ou transito a
lei prohibe.
Commette defraudaçâo quem emprehende esquivar-se
indevidamente ao pagamento de direitos de Importação ou
exportação.
Presume-se a culpa do a -cusado. 9 A primeira
reincidência (e a este respeito considera m-se o contrabando e a
defraudaçâo delictos homogéneos), etc.
O código penal allemão, § 297,tem p)r objecto um delicto
de caracter inteiramente -especial, que o autor citado classi-
fica, como de perigo occasionado por contrabando. O código
pune o passageiro ou marinheiro, que sem sciencia do capitão
introduzir a bordo objectos próprios a pôr em risco o navio ou
a carga, porque podem dar causa ao embargo ou ao confisco
do navio ou da carga (contrabando Jiscal ou contrabando de
guerra)', e manda applicar a mesma disposição ao capitão que
assim proceder, sem sciencia do armador.
A lei reíere-se somente aos navios destinados á navegação
maritima e ás pessoas taxativamente ennumeradas, os
terceiros podendo ser punidos como cúmplices.
O dolo deve comprehender a consciência do perigo. A
consumação opera-se com a introducção dos objectos a
bordo.
3
9
<>7. Passemos agora ao direito daquelles paizes que
fundem em uma fórmula, como fizeram os nossos códigos
os diflerentes conceitos do contrabando ou classificam este
delicto de modo differente do direito portuguez.
1
Garrara, PROOU.VMMA,CIT. Part. Spee.,vol. 7
o
, §§ 3878a 3892.
* Viada y Yillaaeca, Ou a. orr.. tom.IV, pags. 12 e 336 — t07itrat>ando,\ y
defraudacion.
* Franz von Liszt, OBR. cir., tom. 2°, pags. 333, OU a 619.
— 207 —
Em primeiro logar, citemos a Inglaterra, o mais importante
pelo seu commercio, por assim dizer, universal, o que quer
dizer também de mais intenso e extenso tranco por agua e por
terra.
Contrabando, define Seymour Ilarris, é importar ou ex-
portar, quer mercadorias de que não tenham sido pagos os
direitos aduaneiros, quer mercadorias prohibidas.
A lei vigente na matéria está contida especialmente no
estatuto aduaneiro de 1876 (39 e 4') Victoria, c. 36).
O citado autor, de accordo com esse conceito, um re-
sumo do direito inglez sobre a matéria.
Igualmente Stephen, refere-se em mais de um logar ao
contrabando, dando o mesmo conceito comprehensivo da
mercadoria prohibidas da que não pagou direitos— ..MUI/
goods ir/iich are prohibited to be imported, or t/te duties for
tcfiich haoe not beenpaid or secured.
l
Nos vimos que no direito italiano actual o conceito é o
mesmo e conforme IostoSatta inversa, por assim dizer, a
noção que suppôe originário ou primitivo o vocábulo appli-
cado á violação do monopólio do Estado ou a entrada ou
sabida de cousas prohibidas.
Diz o mesmo autor que o contrabando é uma infracção
prevista pela lei aduaneira e por ella punida. Para determinar
si tal infracção constitue delicio ou contravenção deve
attender-se ao caracter intrínseco. O caracter distin-ctivo entre
uma e outra classe de infracções foi claramente designado no
relatório do Ministro da Justiça sobre o código) penal e onde
se diz : «os delictos offendem directamente os bens jurídicos ;
as contravenções os ameaçam somente dum perigo eventual.»
o contrabando constitue a lesão directa do direito do Es-
tado a perceber as taxas e pois assume decisivamente o ca-
racter de delicto e não de contravenção. Isto está de accordo
com a jurisprudência italiana.
O citado autor diz ainda :
O contrabando simples é constituído pela infracção vo-
luntária das disposições que a lei tem rigorosamente coorde-
nado para a tutela directa da cobrança dos direitos aduaneiros
de entrada e sahida.
K Elle se distingue em contrabando de importação e em
contrabando de exportação.
â
Temos pois no direito italiano o contrabando e uma sub-
espécie, o contrabando simples, ou o contrabando e a con-
travenção.
1
Seymour Ilarris, Ova. ciT,,pag. 79 ; Stephen, A. DIGEBT, CIT. pag.58 iirt. SI, in fine.
1
losio Salta, OBR. OÍT., pags. (55 e 82.
— 208 —
No direito 'francez Pabon define a Infracção toda violação
das leis penaes de alfandega.
As infracções na matéria se classificam em delictôs de
alfandega e contrai nfões de alfandega.
A primeira categoria comprehende as infrace/ ives.j
que perturbam a ordem publica, causam utn prejuízo serio ao
lhesouro, e as mais das vezes denotam nos seus autores a
resolução bem assentada de realizar um acto fraudulento.
A segunda categoria comprehende as infracções menos
graves, praticadas muitas vezes por ignorância da lei ou por
negligencia e não causando sinão uma ofiensa ligeira aos
interesses do thesouro.
As infracções aduaneiras presuppõem três elementos, o
material, o morei e o legal.
Uma infracção qualquer dessa natureza mesmo não se j
concebe sem um facto material, quer uma acção, quer uma
inacção ou omissão.
Também para que possa haver infracção é mister que ella
tenha sido commettida voluntariamente', a força maior, ou o c
tnstrangimento physico ou moral elimina a vontade.
Quanto á intenção criminosa. diz Pabon, a intenção frau-
dulosa, em geral, necessária para que exista infracção,
não send > admittido o agente a excepcionar, allegando boa
fé; isto pôde servir como uma atlenuante para diminuir a
pena; sendo questionada, em geral, a applicação de atte-
nuantes nesta matéria.
Nesta matéria, a regra dominante é que os princípios de
direito commum sôo applicados com rigor em si mesmos, ou
ainda derogados, as vezes de modo desusado, contra o agente
da infracção.
O ultimo elemento é o legal, isto é, a lei penal aduaneira
que neste ponto obedece á xima geral : nulluni crime/t sine
lege, nulla pana sine lege.
. Como direito singular, o direito penal aduaneiro é muito
mais rigoroso que o commum sob quasi todas as relações que
deliuem deste ponto de vista.
Outra questão. Quid da tentativa em matéria de alfan- j
dega?
Ainda no direito francez, conforme os princípios do direito
commum, a tentativa de delicio aduaneiro só é pu- | nida
quando assim o determinar 'expressamente a lei, prevendo-a.
Succede muitas vezes que o acto que pôde constituir
tentativa já constitue uma infracção particular, delicto ou 1
contravenção e, neste caso, a respectiva pena será appli-cada.
Quando a lei aduaneira considera a tentativa como uma
infracção sui generis, ê mister, para que ella seja punível,
209
que reúna os elementos previstos por essa lei e mais, suben-
tende-se, os elementos geraes de toda infracção aduaneira.
Ao contrario, quando a lei aduaneira prevê a tentativa
propriamente dita, ella deve ser caracterisada conforme os
princípios do direito penal commum a que fica subordinada
em si mesma e nas suas consequências.
Assim, si na infracção aduaneira, não é exigida para
punição a intenção, na tentativa a exigência é de rigor, a
própria palavra dil-o claramente, e não se conceberia tentar
commetter uma infracção sem ter a intenção de commettel-a.
E' esta muito resumidamente a doutrina do autor citado. *
os. No direito italiano a tentativa de contrabando é
equiparada ao contrabando; e a razão que Iosto Satta é
porque no máximo numero dos casos, para não dizer na quasi
totalidade delles, o contrabando é descoberto antes ue elle
possa dizer-se consumado ; pois pela necessidade as cousas
era justo que a tentativa de contrabando se confundisse na sua
penalidade com a infracção consummada.
Em matéria de contrabando a lei não pune somente o
facto realizado, mas também o tentado, afim de fraudar os
direitos do fisco, quer trate-se de importação de mercadorias
estrangeiras, quer trate-se de exportação de mercadorias
nacionaes e pune-o differentemente do código penal com-
mum, com a mesma pena.
Os elementos reguladores da tentativa são os mesmos
communs.
O contrabando é por sua natureza uma infracção conti-
nuada, que preordenada 119 estrangeiro começa a consumiu
a r-se quando a mercadoria franqueie por qualquer moo
subtrabida ao pagamento do imposto a linha aduaneira
penetre no território nacional: perdura também depois que a
mercadoria tem ultrapassado o limite e acha a sua realização
quando a mesma chega ao seu destino passando as mãos de
terceiros de boa fé.
Igualmente constitue acto consummativo do contrabando
a falsa ou fraudulenta declaração feita á alfandega, ainda
que as mercadorias mesmas não se possam dizer ainda in
troduzidas no paiz e os agentes aduaneiros tenham o direito,
si não o dever, de verificar a declaração. 7S
Também com relação ao dolo, o direito italiano differe
um pouco do francez, sendo menos rigoroso quanto a pes-
quiza do dolo que é regulada pelos princípios geraes do
direito penal.
E', em summa, a doutrina de Satta neste ponto.
3
' Pabon, OBR. CIT., pags. 14 e 75, caps. IV e VII; Laj.oye, DE LA BONNEF0I
DANfl LES CONTRAVENTioNS, Paris, 18S6, pag. 28. * Iosto Satta, OBR. CIT., pags.
67, 69 o 71.
2.H7 14
I
— 210 —
Puglia manifesta a mesma opinião sobre a tentativa de
contrabando, sendo este, como ê, um delicto e.por isso de-
vendo estar subordinado aos princípios do direito commum
sobre a tentativa.
A'cerca da tentativa de contravenção aduaneira é que) elle
diz haver também contravenção quando não tenham sido
realizados os actos necessários conducentes ao escopo querido
pelo agente, ou, em outros termos, que constituem
contravenções também aquelles actos, que materialmente se
poderiam considerar como tentativa.
Entretanto, Gostantino Castori observa que a jurispru-
dência se aparta das normas communs na tentativa de con-
trabando ,pois que decide que esta consiste no facto de trans-
porte de géneros ou mercadorias em taes condições de tempo e
de lugar e de tal modo que mostre abertamente o propósito de
contrabando, isto é, a entrada ou a sahida das mesmas
mercadorias sem o devido pagamento do imposto.
Ainda Puglia nota que o legislador estabelece penas es-
peciaes para os reincidentes, os reiteradores de contrabando e
também para os contrabandistas de profissão, attrl-buindo-se á
esta expressão uma particular significação jurídica. De lacto
contrabandista ê considerado aquelle que se tem dado
habitualmente ao contrabando, e se considera dado
habitualmente ao contrabando aquelle que tem sido con-
demnado três veses por contrabando ou uma vez por três
delidos de contrabando. Donde resulta que não ô con-
trabandista o reincidente ou reiterador de dous contra-
bandos. '
69. Conhecida assim de modo geral a doutrina na matéria,
devemos resolver uma difficuldade suscitada no nosso direito,
neste ponto do direito penal substantivo aduaneiro, sem
entrarmos muito no terreno do direito processual, que não nos
compete.
O Supremo Tribunal Federal com a sua eminente auto-
ridade estabeleceu de modo uniforme e constante uma juris-
prudência no assumpto que não nos parece, nem conforme
com a doutrina, nem com os princípios do nosso direito.
Ella consta de sentenças, cujos resumos adiante registra-
remos com os seus arestos sobre a matéria era geral.
E como na excellente monographia do autor, que ci-
tamos, representante do ministério publico no Tribunal de
Contas se adopta a mesma jurisprudência, reduzindo-a até
1
Ferdinando Puglia e Costa iitino O.istori, apud Cogliolo, COMPLETO
TRATTATO CIT., TOI. 1°. Part. III, pag. 406, n. 61; rol. 2
o
. Part. IV, pags. 1132 e
1152.
211
a aphorismos fiscaes, seja-nos licito referirmo-nos espe-
cialmente a estes para oppôr-lbes as nossas objecções. Diz
Viveiros de Castro:
« I. E' arbitraria e injuridica a opinião dos que sustentam
haver distincção entre o contrabando administrativo e
o contrabando criminal.
« A. entidade Jurídica denominada contrabando, ou,
mais propriamente descaminho (quando se trata de desvios
de direitos, e não do commercio de mercadorias prohibidas),
nõo é como o Jahus mythologico, nem se bifurca; o que o
nosso código penal quiz punir no art. 265 foi justamente a
fraude aduaneira, Isto é, a violação dolosa das leis especiaes
que regulam a matéria (arts. 4-45 e 488 § 5°, da Nova Conso-
lidação das leis das Alfandegas).»
Convimos na exactidão deste aphorismo, isto é, que o
ha duas espécies de contrabando, administrativo e criminal.
m O contrabando propriamente dito, inclusive o chamado
descaminho, ê o delicio do art. 265, que estabelece penas
criminaes.
As infracções simples das leis aduaneiras punidas com
penas chamadas de policia, ou antes com multas e confiscos,
não obstante o rigor do direito fiscal são meras
contravenções.
A cit. Consolidação diz: j «Art. 630. Os inspectores
das Alfandegas e Mesas de rendas são competentes:
«§ i.° Para imposição de multas por contravenção dos.
regulamentos e Leis porque se regulam as Alfandegas e
Mesas de renda.» Biso outro aphorismo:
«II. O citado art. 265 do código penal, portanto, deve
entender-se de harmonia com as leis alfandegarias, sendo
inadmissível sujeitar ás penas no mesmo artigo, porque
caiba na noção genérica do contrabando nelle expressado,
um caso não passível de penas administrativas, ou somente
sujeito a taes penas, seguindo as referidas leis alfandegarias,
que não regulam a execução dos direitos fiscaes, como
definem e classificão os vários casos de infracção punível,
conforme a sua gravidade, com-minando a uns unicamente as
penas administrativas, impostas pelas respectivas
autoridades, e a outros, além dessas, as criminaes, cuja
applicação pertence ao Poder Judiciário.»
este segundo aphorismo, não nos parece tal; porque,
no código penal art. 265 estão os elementos ou extremos do
delicto, podendo-se quando muito dizer que a noção ficará
melhor, não integrada, mas acertada, no elemen to'que
apenas o código subentende, isto é, no dolo. cujas formas as
leis aduaneiras materlalisam nas suas disposições, esta-
212
belecendo mesmo presumpções delle. Estas propriamente não
definem o contrabando e si o fizessem de modo dif-ferente
seria o caso de decidir qual dos conceitos devia vigorar, si o
delias ou o do Código.
Também não podemos convir que seja inadmissível
sujeitar as penas do mesmo Código um caso em que não
caibam penas administrativas ou fiscaes, ou somente su
jeito a taes penas.
-
O art. 265 estabelece como penas «prisãcellular por
1 a 4 annos, além das fiscaes. I Si no caso o houver pena
fiscal a applicar, será applicada somente a prisão, e si a
autoridade administrativa houvesse applicado a fiscal e a
única que ella pode applicar, conforme o citado aphorismo II,
isto o seria razão para deixar-se ainda de applicar a outra, si
o caso revestisse os caracteres de contrabando. Mas a dissidên-
cia entre nós resultará melhor do seguinte aphorismo in-
teiramente fundado na jurisprudência.
«III. Tratando-se, pois, de matéria da competência da
autoridade administratioa, qual, por exemplo, a de saber-se si
foi ou não defraudado o pagamento dos direitos devidos á
Repartição Fiscal, e estando decidido pela referida autoridade
que o facto não constitue crime de contrabando, tal decisão
tem força de sentença judiciaria, e não pôde o mesmo facto
sobre que versar dar logar a procedimento criminal.» (
Diversos accordãos de alguns dos quaes e doutros daremos
adiante a summa).
Mil vezes não, diante da doutrina e de nosso direito, nos
aventuramos a dizer.
E verdade que não têm, por um lado, organisação politica,
mais liberal do que a nossa, e por outro lado não punem
menos severamente o contrabando certos paizes, v. g., a
França, a Itália, a Bélgica etc.
fl Pois bem:
Em França, a administração das alfandegas não julga
contravenções e menos delictos, como é o contrabando.
Os agentes aduaneiros limitam-se a lavrar autos, redigir
informações ou relatórios para constatar a infracção e
proceder a apprehensões e depósitos de mercadorias. Este
processo ê de rigor para as contravenções.
A administração da alfandega é uma simples parte que
acciona os réus ou antes assiste ou auxilia o processo, já
diante dos tribunaes civis quando se trata de simples con-
travenções e limitadamente em relação ao que concerne ao
confisco, multas e quaesquer outras condemnações pecuniá-
rias ; já diante dos juizes de paz para outras contravenções ou
diante dos tribunaes correccionaes para o contrabando eainda
certas outras contravenções.
213
Por outro lado, o ministério publico pode accionar os
indiciados por contravenções da competência dos tri-bunaes
correcclonaes, ou por verdadeiros delictos aduaneiros.
E' muito controvertida entre os autores a questão de saber
si pode fazer sustar a acção do poder judiciário o facto da
transacção permittida pela lei entre a administraçfio
aduaneira e o contrabandista ou contraventor.
É' em poucas palavras a doutrina legal exposta por Thi-
hault, um dos chefes da direcção geral das alfandegas em
França, em seu tratado sobre o contencioso da administração
das alfandegas. '.
Hj O auto ou procés-oerbal aduaneiro é o acto único que é
levado ao conhecimento da auctoridade judiciaria ante a qual
pode ser arguido ate de falsidade pelo contraventor que pode
ainda appellar da decisão do Juis de paz para o tribunal civil.
Tratando-se de delicio, não estando detido o indiciado ô
citado para comparecer.
Aqui elle responde no seu domicilio si reside na alçada
do tribunal, ou no caso contrario, no domicilio do Procurador
da Republica.
Entre os modos especiaes de extinguir a infracção, os
autores citam somente dous :
A falta ou a nullidade do auto, procés-cerbal para as
contravenções e a da transacção, questionável, como vimos,
e cuja nullidade ou execução pôde ser pleiteada ante os
tribunaes ordinários.
O que acabamos de dizer é a synthese neste ponto doutro
livro, clássico na matéria de autoridade competente, obra
premiada e sobre as infracções do contencioso e das tarifas
das Alfandegas.
E' visto que em França, onde o contrabando não está no
cod. pen., mas nas leis aduaneiras, aliás a administração nada
decide, a não ser fazer uma transacção que compete ao
ministro, ao director geral ou ao local da Alfandega. '
E' negocio tudo mais de pura e exclusiva competência do
poder judiciário; tribunaes civis, de paz, ou cor-reccionaes.
70. Na Itália, um notável criminalista commenta o Decr.
aduaneiro de 8 de Setembro de 1889, n. 7.387 (serie 3
a
) que
diz :
Art. 129. As multas e as outras penas, que a lei esta-
belece para os contrabandos e as contravenções aduaneiras
(doganalí), são applicadas pela autoridade judiciaria, obser
• Tliibault, OIÍR. CIT., caps, IX a XI
1
Pabon,
OBR. CIT. cap. VIII ô XLII.
— 214 —
vando-se a mesma competência que é determinada pela ultima
alínea do art. 71 do cod. de processo civ. para as controvérsias
em matéria de impostos directos e indirectos.i>\
Grimaldi, para justificar esta disposição, dizia num re-
latório que não se pôde comprehender, como tendo a lei
deferido por motivos plausíveis á competência dos tribunaes
dois, sem distincçâo de somma ou valor, as causas civis,
matéria de impostos directos e indirectos, não se deva seguir o
mesmo caminho para as contestações penaes sobre a mesma
matéria, considerando que sempre é uma no fundo nos dous
casos para o juiz a questão a resolver e sempre um o
Julgamento que delle se exige, isto é, do imposto.
Ora, acrescenta Puglia, pela ultima alínea do art. 71, a que
se refere o artigo 129, as controvérsias sobre impostos directos
e indirectos são excluidas da competência dos pretores, e por
isso as multas e as penas estabelecidas pelas leis aduaneiras
serão applicadas em primeira instancia pelos tribunaes e em
segunda instancia pelas Cortes de appellação.
Eis ahi; e ha uma excepção conforme a qual desde o
recebedor aduaneiro até o ministro das finanças, reclamando a
parte, pode decidir sobre os direitos multas e mais des-pezas;
segundo o art. 130, longo para transcrever e sobre o qual diz
ainda Puglia :
No escopo de accelerar o procedimento contra o con-
traventar e evitar litígios, a lei faculdade a este de
submetter-se á decisão da administração financeira.
Para exercitar tal faculdadade o contraventor deve fazer
expresso pérfido e solicitar que a applicação da multa nos limi-
tes do mínimo ou do máximo, seja feita pela administração
aduaneira ; e a reclamação deve ser feita em termos absolutos
e irrevogáveis, doutra sorte seria repellida.
O pedido que será subscripto pelo contraventor pôde ser
feito, ou quando se lavra o auto (como em França) formail pro-
cesso verbale, da contravenção, ou em qualquer outro tempo
antes porém, que a sentença do magistrado ordinário tenha
passado era julgado. Tem sido entendido, porém, que a deci-
são da administração pôde ser invocada também quando a
contravenção seja acompanhada doutra infracção punida pelas
leis com pena corporal, salvo o julgamento penal para esta
infracção.
Para poder ser dada decisão administrativa, diz ainda o
mesmo autor, a lei exige : que o contraventor deposite a
quantia exigida em garantia dos direitos aduaneiros, das
multas e mais despezas ; que não se trate de contrabando
em união, ou de associação para contrabando, etc., ou de
qualquer caso de contravenção que seja em via principal
punível com pena corporal além da multa. Tratando-se destes
últimos casos o contraventor deoe delle o gripho) ser
deferido ao juiz ordinário.
215
A decisão administrativa pelo disposto na lei se estende a
todos os casos supra indicados, confisco, impostos e despesas.
*
A mesma doutrina e referi ndo-se a cada passou juris-
prudência é exposta por Iosto Satta.
Assim elle observa que o contrabando é crime de acção
publica, que os seus meios de prova não são diversos, nem
menores dos que aquelles que a lei penal commum permitte
para todos os outros crimes ; nem em contrario á esta regra
geral encontra-se na lei aduaneira disposição alguma especial
que a derogue.
A intervenção da administração aduaneira nos juízos e
tribunaes penaes, onde move a acção publica o Procurador
Régio, é a de uma parle cioil como qualquer particular, re-
presentada por advogado ou um empregado aduaneiro, que ao
mesmo tempo que defende os interesses fiscaes, pôde fornecer
os elementos de facto, ou mais precisas noções relativamente
os leis, aos regulamentos e ás disciplinas aduaneiras, das
quaes de certo o empregado tem conhecimento mais exacto.
Quando o contrabando, depois do inicio do processo
penal, seja objecto da transacção com a parte, não basta a
decisão administrativa para pôr termo ipso jure ao processo
penal, mas é necessário que a autoridade judiciaria compe-
tente declare extincta a acção.
O mesmo se passa relativamente ás simples contraven-
ções em matéria de taxas de consumo, cuja lei recente de 15
de Abril de 1897, n. 161, diz expressamente :
« Art. 56. As multas por contravenções do consumo sõo
applicadas péiojuiz competente conforme as leis vigentes. »
Fazio que commenta esta lei com todos os actos legisla-
tivos e regulamentares e especialmente com os arestos dos
tribunaes, scilicet, judiciários, neste ponto não suscita a
minlma duvida contra essa doutrina e jurisprudência uni*
formes, constantes e correntes de se deixar ao poder judiciá-
rio a funcçfto que lhe compete num paiz realmente livre e
que ô a substancia de sua existência e constituição, isto é,
julgar litígios entre as partes, quaesquer que sejam. *.
A chamada transacção no direito francez, tem no ita-
liano a denominação de oblação voluntária que aliás o cod.
pen. art. 101, applica a todas as contravenções punidas só
com penas pecuniárias até 300 liras.
Na Bélgica, o direito é o mesmo, limitando-nos a citar o
livro dum autor, Procurador do Rei, justamente porque é um
1
Puglia, apud Cogliolo, COMPLETO TRATTADO OIT., vol. 2°. Part. IV, paga.
1168 e sega. ;
» Iosto Satta, OBR. CIT. paga. 66. n. 17 ; 115, n. 23, 206, n. 43 e 217, n. 50;
Fazio, Noovo CÓDICE D A/.IA RIO COMMEHTADO ETC. Roma 1898, I
o
volume, pag.
355.
216
tratado theorico e pratico das questões prejudiciaes em ma-
téria repressiva e os arestos a que estamos oppondo doutrina
contraria, consideráo prejudicial a decisão da administração
para o processo criminal do contrabando entre nós.
No capitulo que se refere ás contribuições directas, al-
fandegas e consumos, o autor citado diz:
Em matéria de contribuições indirectas, as contestações
relativas á validade dos actos de processo e de execução (são
delle os griphos) são, como em matéria de contribuições
directas, da competência exclusiva do tribunal civil. Mas as
contestações sobre o fundo dos direitos reclamados são,
quando ha processo repressivo intentado por facto de fraude,
da competência do tribunal de repressão que deve decidir, ou
ser chamado a decidir sobre o delicto, pelo motivo de que
estas contestações constituem um accessorio inseparável da
questão principal.
E' mesmo para notar que o tribunal correccional é o único
competente, com exclusão da jurisdicçâo civil, para decidir,
sobre acção principal, tudo o que se liga directa ou
indirectamente ás contestações resultantes das apprehensões
ou das contravenções, em matéria de contribuições indirectas,
e, por exemplo, para decidir sobre a realidade duma
apprehensão feita por empregados da administração das
alfandegas e consumos.
Não pôde pois absolutamente apresentar-se no caso
questão prejudicial a decidir, quer pela autoridade admi-
nistrativa, quer por uma outra jurisdicçâo e nós o teríamos
fallado nisto, si a respeito das contestações sobre o fundo dos
direitos reclamados, num processo repressivo em matéria de
contribuições indirectas não acontecesse o contrario em
França, onde as contestações da natureza das supra indicadas
devem ser levadas ante os tribunaes civis de primeira instancia
que decidem em cama do conselho, e com as mesmas
formalidades que as prescriptas para o julgamento das
contestações que se levantão por occasião do pagamento dos
direitos reclamados pelo monopólio (régie) do registo. Ha,
pois, ahi uma questão prejudicial ao julgamento. '.
Na Bélgica, pois, não ha questões prejudiciaes no caso,
em França ha, mas a decisão pertence sempre ao poder ju-
diciário.
Hoffman cita muitos autores e arestos.
Tl. Diante dessa doutrina e jurisprudência, é impossível
considerar como questão prejudicial a decisão administrativa,
mesmo do ministro, em matéria de contrabando;
1
Hoffman, QUEBTIOXS Préjudicicllcs OIT. tom. 3°, pag. 105, n. 586.
217
salvo, si lei expressa assim o determinasse, mas caso em que
a sua rigorosa applicação não deixaria de ser duvidosa.
O nosso citado autor nota que um dos ministros do
Supremo Tribunal Federal, « o Sr, Ubaldino do Amaral, ju-
risconsulto de incontestável merecimento, combateu, no su-
premo Tribunal a doutrina consagrada nesses AccordSos,
considerando-a attentatoria da independência do poder ju-
diciário. »
E assim é. Não se concebe mesmo que declarando a
Constituição, art. 72, § 17, que « o direito de propriedade
mantém-se em toda sua plenitude », as respectivas garantias
delia que teem como condição um poder próprio para pro-
tegel-a e independente como é o Judiciário, se entregue a
sorte delia, por mais valiosa que seja, o património mesmo
inteiro do individuo, a qualquer agente aduaneiro, que pro
cede sem forma, nem figura de juizo e pelas maneiras sa
bidas da burocracia fiscal, á condemnação, á multas, ao
confisco e mais penas e despezas. 5§
A « Consolidação das Leis das Alfandegas » é uma ban-
deira de retalhos, na quasi totalidade de actos do Poder
Executivo.
E' uma compilação indigesta, sem plano nem ordem, a
que faltam a tecbnica e os princípios, ao mesmo tempo,
anterior ao actual regimen politico, embora houvesse sido
retocada já na constância deste regimen.
Pôde servir de regimento interno das Alfandegas, mas
não é um código aduaneiro.
O símile com o peculato do illustre auctor do contra'
bando não colhe e até a antithese em vez de simile entre os
dous casos, fornece argumento contra a doutrina juris-
prudencial do contrabando entre nós.
Pela Constituição da Republica, ao menos em matéria
fiscal, pôde decidir hoje no contencioso administrativo e
nos negócios que lhe podem ser affectados, o Tribunal de
Contas, creado pelo art. 89, como uma excepção única, ou
uma desclassificação nas attribuiçôes do Poder Judiciário.
O art. 25 do Dec. n. 2343, de 23 de janeiro de 1859, e
toda legislação relativa caducou, só podendo ter força de
sentença as decisões do Tribunal de Contas, na esphera re-
stricta de sua competência, sendo tudo mais da esphera do
Poder Judiciário.
E' um residuo, na phrase de Meucci, ainda subsistente
historicamente, do contencioso administrativo, mas sem
valor jurídico ou legal, depois da abolição deste. *
E arbítrio, é pura inconstitucionalidade, que a acção
1
Meucci, Instituxioni di Diritto Amministrativo, Torino, 1898,
pag. 238.
218
do Poder Judiciário por si somente pôde fazer cessar, como
um attentado, o facto anómalo de julgar, para absolver ou
condemnar, os agentes do Poder Executivo, desde o Ministro
da Fazenda até o inspector ou o administrador da ultima
Alfandega ou Mesa*de Rendas. I Quando a Constituição,
art. 72, § 15, promettendo entre as suas máximas
garantias, que « ninguém será sentenciado sinfio pela
autoridade competente, em virtude de lei anterior e na
forma por ella regulada », presuppõe o Poder Judicrio, a
lei e o processo regular, orferecendo a defesa norma Usada e
garantida de todos os direitos concre-tisados na liberdade
individual.
Si assim o fosse, a própria policia, num paiz livre,
poderia julgar e punir.
E tanto o nosso Estatuto Politico refere-se ahi á autori-
dade judiciaria, que, no citado artigo, § 23, declara que « á
excepção das causas, que por sua natureza, pertencem a
juizes especiaes, não haverá privilegio de foro ».
Isto quer dizer que causa, juiz e foro são idéas con-
nexas e que também mesmo para o fisco, que é uma parte
em Juizo, nflo pôde haver privilegio de foro.
E tanto a Constituão alludiu a autoridade judiciaria e
commum que precisou fazer exceões para os tribunaes
militares e o citado Tribunal de Contasarts. 77 e 89.
E tanto é assim que, na Itália, Meucci, citando a lei de
14 de agosto de 1862, n. 800, sobre a Corte das Contas, e o
texto único da de 19 de fevereiro de 1884, sobre a contabili-
dade do Estado, art. 64 e seguintes, observa que a respon-
sabilidade jurídica do funccionario para com a administrão
se processa numa jurisdição privilegiada, isto é, diante da
Corte das Contas, verdadeiro tribunal administrativo, que
julga todos os funccionarios responsáveis que maneiam ou
guardam valores do Estado ou procedem á verificação e
ao balanço nos cofres, depósitos ou armazéns do Estado,
etc. Taes sflo os prefeitos, intendentes de finaas, thesou-
reiros, etc. '
Esse é o direito actual e vigente da Republica que acha
modelos no de velhas monarchias em paizes livres e de sys-
tema representativo e onde as funões publicas eso dif-
ferenciadas em virtude do preceito constituccional da sepa-
ração dos poderes Constituição Federal art. 15.
Entretanto, como praticamente todos as noções estão
invertidas, o acto fóssil da citada Consolidação regateia
uma concessflo limitada ao Poder Judiciário, dizendo no
art. 637 :
« § 1.° O julgado no Juizo Criminal em relação á pessoa
1
Meucci, OBR. GIT., pag. 234, not. 2.
219
não inflúe no julgado administrativo em relação ao objecto da
apprehensão e vice-versa. »
Este principio contrario ao art. 265 do Código Penal que
manda applicar as penas criminaes e as fiscaes, certamente
que não pelo ministro e seus agentes, reconhece a
competência plena do poder judiciário na esphera das penas
criminaes ao menos.
Sendo assim, não se explica como se formou entre nós tal
jurisprudência e ainda menos que o aresto de 25 de abril de
1896 e outros, aliás com os votos vencidos de Figueiredo
Júnior, II. do Espirito Santo, Macedo Soares e Ubalaino do
Amaral, considerasse uma excepção prejudicial da acção
criminal o recurso administrativo da parte provido pelo
ministro da fazenda, isto em contradicção com o art. 637, § 1°
citado, sob pretexto de que o art. 265 do texto contém apenas
uma noção genérica do contrabando que deve ser entendida
de accordocom as leis aduaneiras; o que entretanto nada tem
com a consequência de considerar como excepção prejudicial
a decisão administrativa.
O que lança a confusão no assumpto, obscurecendo o
conceito do contrabando expfesso no art. 265 do código, é a
anomalia e incongruência de decidir como juiz e parte ao
mesmo tempo a autoridade administrativa os conflictos entre
si mesma e a outra parte.
no Brazil, talvez na Turquia, pode haver o caso de
poder condemnar um inspector de alfandega alguém á multa
por contravenções, a qual é conversível em prisão, conforme
a Consolidação, art. 646.
Si o poder judiciário estende, por via de interpretação, o
arbítrio administrativo, constituindo a respectiva autoridade
juiz do facto de haver ou não haver crime previsto no código,
mais vale abrir mão da própria competência e delegar á
autoridade administrativa processar e julgar o mesmo crime.
Sendo contra principies elementares do processo que
duas jurisdicções julguem um facto criminoso, o crime do
art. 265 pôde ser julgado em todas as suas partes pela
autoridade judiciaria que deve annuliar as penas fiscaes im-
postas pela autoridade administrativa quando conhecer de
caso previsto no mesmo artigo.
Portanto, qualquer que seja a decisão mesmo do ministro
da fazenda, a justiça federal, sem dependência de nenhuma
questão ou excepção prejudicial, processa e julga o crime por
denuncia dos procuradores seccionaes da Republica que
devem intentar a acção criminal e promover a aceusação e o
julgamento livremente, procedendo a exames, requisitando
documentos e quaesquer diligencias necessárias.
E' a nossa humilde opinião.
— 220 —
. A disposiçfio do art. 265 do texlo suscita outras
questões.
Sendo as penas Jlscaes, verdadeiras penas, como o o
confisco e as multas e mais as despezas accessorias de tudo
isso, não podem ser impostas sio individualmente contra
0 contraventor ou contrabandista e o contra os herdeiros,)
pois que não se trata de indemnização do damno cau-\
sado.
l
Pensamos que a sentença condem na toria passada mesmo
em julgado é exeqvel pessoal e exclusivamente contra o
condemnado e o poderia sel-o contra os herdeiros delle,
porque a isto ope-se formalmente a Constituição, art. 72,
quando dispõe: I
«§ 19. Nenhuma pena passará da pessoa do delin
quente.»
I
A multa, sendo uma pena, diz Pabon, mesmo em ma-
téria aduaneira, não de se applicar sio óquelle que tem
commettido a infracção e o aos seus herdeiros que são
indemnes de toda a culpa. Mas, por outro lado, (sic) como
ella representa uma reparação civil, os herdeiros deveriam
ser obrigados á ella. Em tal caso é impossível conciliar
estes dous caracteres da multa aduaneira ; assim, a juris-
prudência tem decidido que a condemnação á multa adua-
neira não pód,e ser executada contra os herdeiros do autor
da infracção.
1 Thibault é da mesma opinião, resumindo a controrsia
ue tem havido entre os autores sobre certos pontos da
outrina.
2
Assim nos apartamos ainda aqui do autor da mono-
graphia que temos citado, observando, em geral, que a sa-
tisfação do damno mesmo é hoje pelos criminalistas mo-
dernos, considerada objecto de direito penal e não civil, e que
em ultima analyse não lhe podem ser equiparados o confisco
e a multa, nem mesmo as despezas como accessorios inhe-
rentes, attenta a sua própria natureza, o modo de applicação
e jurisdicções que fazem essa applicação.
3
Seguimos aqui tamm a opino de Sourdat que com
bate vivamente os arestos contrários como desconhecendo
o caracter das penas como taes. * Í
Passemos á questão da prescripçâo.
No direito italiano, art. 103 da lei, conforme Puglía, a
prescriâo da acção judiciaria prescreve em um anno. Mas
1
Carlos Perdigão, CODIOO PENAL BRAZILBIRO. Rio de Janeiro, 1882, rol.,
pag.509.
1
Pabon, OBR. crr., pag. 118, n. 182; Thibault, OBR. CIT., page. 114 e seguintes.
* A. O. Viveiros de Castro, O CONTRABANDO CIT., pag*. 55 e 292.
* Sourdat, DB LA REBPONSABILITÉ, KTO.. Paris, 1887, tomo I
o
, pag. 66,
n. 81; tomo 2°, pag. 22, n. 777.
"^r
221
sobre a prescripção da pena ou condemnação, a questão por
controvertida não nos interessa.
No art. 111 da mesma lei aduaneira, segundo Satta, a
acção judiciaria por contrabando prescreve em cinco annos;
parecendo referír-se elle ao código penal para a prescripção
da pena
1
.
Em França, os factos de fraude aduaneira, punidos
mesmo com prisão, prescrevem em três annos e a prescripção
é instantânea, si não foi lavrado o auto que a constate, ou o
acto ê nullo. E' esta a opinião de Thibault.
Neste ponto Pabon pensa do mesmo modo.
Quanto á prescripção da pena, ella é de cinco annos con-
forme o mesmo autor.
Em relação á prescripção dos créditos civis flscaes contra
os devedores aduaneiros, geralmente prescrevem n'um anno;
mas ha controvérsia sobre alguns casos da prescripção de ta
es créditos. E' esta em resumo a doutrina no direito aduaneiro
italiano e francez sobre a prescripção.
2
Conforme as regras estabelecidas nos arts. 78 e 85, tanto
a prescripção da acção, como a da pena do crime do art. 265,
deveria ser de oito annos, por ser a mesma pena quatro annos
de prisão no máximo.
Mas, parece-nos, que esta prescripção não pôde ser
applicada ao contrabando, cuja acção repousa sobre factos ou
falta do cumprimento de obrigações, deveres ou formalidades
concernentes ás leis aduaneiras, de modo que faltando esta
base não pôde haver acção.
E como o código penal art. 78, subordina a prescripção
da acção e a da condemnação aos mesmos prazos, sem uma
dislincção na lei, pensamos que a melhor opinião é a que
coherentemente com o systema do código penal subordinar
tudo á prescripção dos factos que podem dar lugar ao crime e
á pena ou a acção e á condemnação.
Assim pensando, adoptamos a opinião de Viveiros de
Castro, que aliás sustentamos ha muitos annos, como advo-
gado e por elle fundada nos arts. 539 e 666 da Consolidação
e reduzida ao seguinte aphorismo:
« X. O direito de reclamação por erro ou engano verifi-
cado no processo dos despachos prescreve, em qualquer
hypothese, para a Fazenda Nacional no fim de um anno,
contado da data do pagamento dos direitos. »
1
Puglia, apud Cogliolo, obr. cit., vol. 2
o
, parte IV, pags. 1145 e 1164 ; Satta,
OBR. OIT., pag. 48, n. 14.
* Thibault, OBR. OIT., pag. 182; Pabon, OBR. CIT., pag. 85, n. 120 ; pag. 151, a.
262; pag. 686, n. 798.
— 222 —
O citado livro combate muito bem todas as duvidas
levantadas contra este preceito expresso e terminante com
argumentos irrespondiveis e o apoio de respeitáveis autori-
dades nossas e estrangeiras. *
Outra questão. Conforme a regra do art. 406 do Código
Penal o contrabando não era afiançavel para o autor Ho crime,
mas poderia sel-o para o complice.
Mas, em contrario, a lei n. 515 de 3 de novembro de 1898,
tornou ínafiançavel o crime em qualquer caso por uma
formula geral, quando dispõe:
« Art. 13. Não será admittida fiança nos crimes de moeda
falsa e de contrabando. »
o Supremo Tribunal Federai applicou essa disposição
no aresto que com outros sobre a matéria do capitulo pas-
samos a citar na summa.
78. « o se o crime de contrabando quando as
mercadorias que tiveram entrada em uma alfandega foram
remettidas para outro porto alfandegado, prestando-se prévia
caução, e com guias de re-exportação que ulteriormente
foram substituídas por guias de cabotagem » : Acc. da Re-
lação Bahia, 12 abril 1881.
« Não commette o crime de contrabando o individuo que
declara ter a mercadoria, que pretende exportar, peso inferior
ao que ella realmente tem, e por esse motivo paga menos
direitos do que era obrigado a pagar » : Acc. Relação Bahia,
22 março 1889.
Esses arestos versam sobre o código criminal anterior, art.
177, mas são applicaveis ao código penal vigente, art. 265, do
texto, porque as duas disposições se assemelham sob o mesmo
ponto de vista.
Sobre o art. 265 do código actual podemos notar os
arestos seguintes:
« Somente no julgamento plenário podem ser apreciadas
as razões de defesa de um recorrente pronunciado por crime
de contrabando » : Acc. Supr. Trib. Federal, 15 de setembro de
1897.
« A decisão do ministro da fazenda do governo da União,
declarando que o facto imputado a alguém é mera
contravenção fiscal e não constituo crime de contrabando tem
autoridade e força de sentença dos tribunaes de justiça, nos
termos do art. 25 do Decr. n. 2343 de 29 de janeiro de
1859, com o que se harmonisa a Consolidação das Leis das
Alfandegas, art. 637 § I
o
» : Acc. Supr. Trib. Federai de 14
de março de 1896.
1
A. O. Viveiror de Caatro, O CONTÍ ABANDO ETC, pag. 56 o nota 1,
— 223 —
«Devem ser pronunciados como co-autores do crime
previsto no art. 265 do cod. pen. combinado com o art. 630 §
3
o
da Nooa Consolidação das Leis das Alfandegas (con-
trabando) aquelles que prestam auxilio, sem o qual, não seria
commettido o crime. A cumplicidade era crime de
contrabando é inafiançaoel, ex-vi do art. 13 da lei n. 515 de 3
de novembro de 1898.
«Intelligencia do art. 13 da lei n. 515 de 1898, em face
dos arts. 265e 406 do cod. pen.»: Acc. do Supr. Trib. Federal
de 2 de agosto de 1899.
« Sendo o crime de contrabando de natureza mixta e
estando sujeito ao conhecimento de duas jurisdicções a
judiciaria e a administrativa, competentes, esta para applicar
as penas flscaes e aquella as communs, a acção criminal delle
decorrente depende da questão prejudicial de sua existência,
verificada e julgada definitivamente pela autoridade
administrativa.
« Uma vez pagos em dobro os direitos devidos pela diffe-
rença para menos encontrada nos volumes substituídos,
segundo a deliberação da autoridade administrativa que não
impôz as penas fiscaes do descaminho, não não ha lugar a
applicaçflo das penas communs do art. 265 do cod. penal.
«Intelligencia do art. 637, § I
o
da Consolidação das Leis
das Alfandegas »: Acc. do Supr. Trib. Federal de 2 de agosto
de 1899. »
Este aresto ê confirmativo de outro que citamos acima,
além daquelles a que o mesmo aresto se refere e do seguinte:
« E' constrangimento illegal a ameaça de prisão por
crime de contrabando, desde que o ministro da Fazenda com-
petentemente decidio que os factos imputados aos pacientes
não constituem tal crime» : Acc. do Supr. Trib. Federal de 30
de novembro de 1895.
« E' illegal o constrangimento que soffrem negociantes
processados por crime de contrabando, tendo o ministro da
Fazenda por decisão, que tem força de sentença judicial
declarado que os factos que lhes são attribuidos não cons-
tituem tal crime»: Acc. do Supr. Trib. Federal de 18 de
dezembro de 1895.
«Improcedência da denuncia por crime de contrabando,
em razão de falta que o ministro da Fazenda decidio não
constituir tal crime, sendo antes simples infracção que se
resolve em multa, cuja execução ô da exclusiva competência
da autoridade fiscal» : Acc. do Supr. Trib. Federal de 18 de
janeiro de 1896.
1
O DIREITO, vol. 2ò, pag. 338; vol. 49, pag. 303; vol. 75, pag. 69 vol. 78,
pag. 274; *ol. 80. pag. 416; vol. 81, pag. 148.
— 224 —
I « Tratando-se de matéria da competência da autoridade
administrativa, qual a de saber-se si foi defraudado o paga-
mento dos direitos devidos á Repartição fiscal e estando de-
cidido pela mesma autoridade que o facto não constitúe crime
de contrabando, tal deeisfio, tem força de sentença judicial e
não pôde o facto sobre que versa dar lugar a procedimento
criminal»: Acc. do Supr. Trib. Federal de 15 de fevereiro de
1896.
« Procedência do recurso interposto do despacho de pro-
nuncia que julgou os recorrentes incursos no art. 265 do cod.
pen., visto que a substituição de mercadorias na espécie dos
autos, não constitúe o crime de contrabando, mas simples
infracção sujeita á pena administrativa imposta pela au-
toridade fiscal»: Acc. do Supr. Trib. Federal de 25 de abril de
1896.*
« E' crime militar o contrabando commettido por offlcial
do Exercito, commandante de destacamento, encarregado de
sua repressão e policia fiscal.
Assim é improcedente a excepção de incompetência,
reconhecida pelo Conselho de Guerra no intuito de declinar do
conhecimento do crime commettido nessas condições.
E' legislação subsidiaria dos Artigos de Guerra os cods.
enaes da Armada e commum»: Acc. do Supr. Trib. Militar e
28 de junho de 1899.
O ministro Souza Carvalho, vencido, impugnou a dou-
trina do Accordâo, sendo muito apoiado pela Revista de Ju-
risprudência que faz observações, transcrevendo legislação
em contrario.
a
Nada temos com a questão de competência que é de
direito processual.
No terreno, porém, do direito substantivo, o contrabando
é crime civil pelo cod. commum e ordinário, art. 265, que o
tem semelhante no cod. da Armada, ampliado ao Exercito
pela lei n. 612 de 29 de setembro de 1899.
Na infidelidade administrativa, como parece ao aresto,
não está comprehendido o contrabando.
Sobre taes questões, em geral, relacionadas com o pro-
cesso exprimimos a nossa opinião noutro livro.
3
1
JURISPRUDÊNCIA CIT. de 1895, pags. 39 e 41; de 1896, paga. 29, 31
1
REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA CIT. Vol. 7", pag. 141.
* Do autor : DIREITO MILITAR ETC. Cap. II, pag. 41, na. 17 e sega.
^s^y
s
225
TITULO VI
DOS CRIMES CONTRA A FÉ PUBLICA
CAPITULO I
MOEDA FALSA
CÓDIGO
Art. 339. Fabricar, sem autoridade legitima, moeda feita de idêntica
matéria, com a forma, peso e valor intrínseco da verdadeira ;
Fabricar, do mesmo modo, moeda estrangeira que tiver curso legal ou
convencional dentro do paiz:
3 Penas — de prisão cellular por um a quatro anãos, e de perder, para a
Nação, a moeda achada e os objectos destinados ao fabrico. Paragrapho
único. Si a moeda fôr fabricada com diversa matéria ou sem o peso legal:
Pena — de prisão cellular por dons a oito annos, além da perda
sobredita.
Art. 240. Fabricar ou falsificar qualquer papel de credito publico
que se receba nas estações publicas como moeda: H Pena — de prisão
cellular por dous a oito annos, além da perda sobredita.
Para os effeitos da lei penal considerar-se-ha papel de credito publico
o que tiver curso legal como moeda, ou fôr emittido pelo governo ou por
bancos legalmente autorisados.
Art. 241. Introduzir, dolosamente, na circulação moeda falsa, ou
papel de credito publico que se recíba nas estações publicas como moeda,
sendo falso;
Introduzir, dolosamente, na circulação a moeda falsa fabricada em
paiz estrangeiro:
Pena de prisão cellular por dous a quatro annos, além da perda
sobredita.
Art. 242. Diminuir o peso da moeda verdadeira, ou augmen-tar-lhe o
valor por qualquer artificio:
Pena — de prisão cellular por um a três annos, além da perda
sobredita.
Art. 243. Supprímir, ou fazer desapparecer, por processo cbimico, ou
qualquer outro meio, os carimbos com que forem inutilisadas as notas ou
cédulas do Thesouro Nacional, ou dos bancos, recolhidas da circulação e
nella introduzil-as da novo ;
Formar cédulas, ou bilhete», do Thesouro Nacional, ou dos bancos,
com fragmentes e pedi cos de outras verdadeiras: Penas — de prisão
cellular por seis mezes a um anno. Art. 244. Incorrerão na pena de prisão
cellular por um a quatro annos:
1°, os empregados da Caixa da Amortização, que emittirem, ou
consentirem que Be omitiam, notas da antiga emissão do Banco do
Brazil, a o ser em substituição das que, por dilaceradas ou por outros
motivos, devam ser retiradas legalmente da circulação;
39(7
15
— 226 —
2", 'odos aquelles que fizerem sahir, ou consentirem que a, da
Caixa da Amortização qualquer somma do papel-moeda, a não ser
por treco, ou por effectiva subatiiuição, ou para ser entregue ao
Tliesouro Nacional em virtude de lei quo autorise tal entrega;
3
o
, os directores e gerentes dos baucos de emissão, paio excesso
da emissão de bilhetes, além dos limites determinados nas leis
respectivas ; e bem assim, os fiscaes do governo, que se mostrarem
conmventes em tal falta ou as não tenham* denunciado
opportunamente.
LEIS
Art. 14. O crime de moeda falsa não prescreve em tempo algum
em favor do réo domiciliado ou homisiado em paiz estrangeiro.
I (Lei n. 515, de 3 de novemtro de 1898.) .'
Art. 1.° Não poderão ser recebidos como moeda, ou nesta qua-
lidade circular no paiz, quaesquer titulos de credito ao portador ou
com o nome deste em branco, que (orem emittidos pelos govoruos dos
Estados ou dos municípios, sejam taes titulos apólices ou outros de
denominação differente.
Art. 2." No caso de transgressão, não serão nullos de pleno
direito todos os contractos e actos judicos em que is refe. idos titulos
forem empregados, como moeda, mas ficarão sujeitos á saneção do
art. 241 do Co ligo Penal os indivíduos que, como moeda, os empre-
garem ou os receberem em troca de objectos, valores ou serviços de
qualquer espécie.
(Lei n. 561, de 31 de dezembro de 1898.)
PROJECTO DE 1800
CAPITULO II
EMISSÃO ILLEUAL
Art. 237. Emittir, sem autovi sacão legal, nota, bilhete, vale
postal, formula com valor, papel ou titulo ao portador, ou com o
nome deste em branco:
Pena multa do quádruplo do valor emittido, a qual recabirà
integralmente tanto sobre aqnelle que emittiu, como sobre o portador.
GOMMENTARIO
T4. Este titulo tem a mesma numeração no Código Penal,
embora a subdivisão seja differente, porque o Código dividiu o
titulo em dous capítulos, subdividindo o segundo delles em secções.
Em lodos os projectos de revisão, a subdivisão 6 mais simples,
isto ô, em capítulos, e foi esta a ordem que aqui também
guardámos.
,*
— 227 —
Faremos considerações preliminares sobre o título em
geral, embora Meíno, Puglia e outros commentadores nfio o
façam, para depois tratarmos da matéria especial a cada
capitulo.
Antes de tudo, repetiremos o que dissemos justificando o
projecto de 1897 contra o de 1896:
« O substitutivo reproduz os capítulos I a III, apenas
usando do vobulo prisão em vez de « prisfio co*m trabalho »
para guardar a uniformidade de linguagem e substituindo em
um caso essa pena, pela de detenção. fz «No capitulo IV, a
nova redacção nSo se afastou essencialmente do projecto,
mas o substitutivo prefere restabelecer este, em summa,
porque discrimina melhor a falsidade do escripto particular
do publico, por funecionario, particular, etc...
I « E para nfio alongar estas observações, Iembra-se a
exposição de motivos do projecto, que é minuciosa sobre este
titulo.
« O capitulo V, do substitutivo é reproducçfio da nova
redacção.
« No capitulo VI, porém, o substitutivo prefere o projecto,
do qual aliás nfio se afastou quasi a nova redacção, porque
principalmente nesta se renova o talião tanto contra o falso
testemunho como contra a calumnia e a exposição de mo-
tivos do projecto fez justiça a essa instituição penai
fossfiisado
á
Nfio obstante, o longo parecer da Com missão parlamentar
limitou-se a dizer isto:
« No título VI, o substitutivo modifica somente a pena
lidade ; impõe a prisfio simples, em vez de prisfio com tra
balho, reproduzindo assim todo o projecto primitivo; a des
peito de confessar-se que deste não afastou-se o projecto
da Commissão, saloo quanto d redacção, que na verdade ella
timbrou em melhorar
2
*
Também tivemos que responder sobre este titulo á cri
tica do parecer que temos citado da Commissfio do nosso
Instituto da Ordem dos Advogados e o fizemos nestes termos:
« Outra nota 6 a collocaçfio da falsidade commettida
pelo funecionario publico no titulo « dos crimes contra a
publica » e nfio no dos crimes contra a administração da
justiça. .
« A razão é fácil; não é o iunecionario que falsifica, e o
grupo de crimes com um mesmo titulo ficaria distribuído por
mais de um lugar do código, o que é um vicio de tal ordem
que nfio merece mesmo o nome de classificação.
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO PROJECTO DE 1897, paff. 11. •
PARECER CIT. de 1898, pag. 11.
— 228 —
« Entretanto, o parecer fazendo a defeza posthuma do Có-
digo, esqueceu que o que nota nesse ponto, como defeito, elle
ocommetteue repetiu nosarts. 131, 132,192, 193,194, 201, 244,
255, 257 eem muitos outros, estando os últimos justamente no
titulo censurado como impróprio *! »
Anteriormente havíamos respondido a critica do parecer da
Gommissão da Faculdade de Direito de S. Paulo sobre alguns
pontos deste titulo do primitivo projecto de 1893, cuja
exposição de motivos iremos citando sobre o assumpto espe-
cial década capitulo.
A nossa resposta, porém, á critica alludida foi a seguinte
que previne objecções sobre detalhes da matéria dos capí-
tulos, mas que não podemos scindir porque nos prejudicaria.
A nossa defesa visava o projecto de 1893, cujos artigos
cita e foi a que passumos a expor :
« A censura á redaçâo do art. 249, 8 2°, porque não copiou
o Código Italiano, não tem sentido, desde que a emissão
scientemente da moeda falsa, mas recebida como verdadeira,
revela o dolo do agente.
« A detenção dolosa de sellos e objectos semelhantes éque
se pune no art. 258,1.
« A Exposição de motivos (paga. 13 a 15—previniu todas
as duvidas agora levantadas a propósito de redacção de artigos
dos crimes em geral contra a publica, muito defei-
tuosamente conceituados nos nossos códigos.
« O Projecto apontou como fonte o Código Italiano, mas
foi mal, ora porque copiou, ora porque não copiou.
« O illustre censor tão amante da technica o vio que, ao
contrario da língua italiana, não temos termos para exprimir a
escriptura publica e o escripto particular e lembra o Código
anterior que emprega até a expressão papel.
« No art. 260, II, eu devia traduzir o Código Italiano que
emprega termos rigorosamente technicos, sem correspon-
dentes em portuguez.
« O que o illustre censor acha curioso nesta disposição é
uma redundância que não aponta, isto è, a penalidade, e uma
aggravante no caso em que figura.
« O illustre censor deve publicar um diccionario de ter-m
os technicos uma vez que tanto nota o uso de expressões (que
aliás não corrige !) indifferentes no caso !
« Porque não pronunciar sentença ou condemnação ?
« Porque não dispronuncia f
« A supposta confusão de termo com época no art. 280, II
nota-se também na fonte do Projecto que falia de tempo
1
A REVISÃO DO CÓDIGO PENAJ. na líevisia Académica. Recife, 1895, An. 7 pag.
16.
7
— 229 —
referlndo-se a prazos fixados antes. Os limites dentro dos
quoes se comprehendem ta es termos ou prazos pelos actos
figurados ficam constituindo uma época ou espaço de tempo
para os effeitos que se lhe attribuem. Haverá critica mais
banal 1
« Para notar o emprego impróprio de veredictum, julga-
mento e sentença, do jurado, juiz ou tribunal se eleva o
primeiro á autoridade judiciaria e cujo voto se actua pela
decisão que o homologa dependente de recursos, revisão,
graça e o que mais sei ?
« Daqui (pag. 39) passa a censura adiante fpags. 77 a 81).
« Fecha os olhos á Exposição de motioos ( pags. 13 a 15)
para o ver prevenidas verdadeiras objecções de algibeira
que só illudem aos que não a lerem.
« O illustre censor levanta moinhos de vento para ter a
satisfação de derrubal-os.
« A tirada sobre a face religiosa do perjúrio não vem ao
caso.
« O illustre censor, apezar da'grande connexão desta ma-
téria com a do processo, sua cadeira, tem ideias sobre que
vacilla : ora repelle o perjúrio do modo por que está redigido
no Projecto, ora acha melhor eliminal-o (pag. 79, para-
grapho).
O Projecto não diz, somente, jurar, como para justificar
a censura, se transcreve griphando-o, mas omíttindo
elementos alternativos do conceito.
O Projecto diz:
« Art. 274. Jurar falso, ou fazer ajfirmação de falsidade
em juizo, como parte, em causa civil : Pena etc...»
Antes de tudo, em Pernambuco se jura, assim como em
outros Estados.
Em segundo logar, eliminar aquelle artigo seria abrir
uma lacuna para tornar impune um crime grave.
Em terceiro, labora o illustre censor em equivoco, apesar
da Exposição de motivos (pag. 15, 2
a
col. pr.), pretendendo
fazer uma figura distincta do depoimento falso da própria
parte, que outra cousa não é mais do que o mesmíssimo per-
júrio, em causa civil, bem entendido.
Nada justifica a suppressão do artigo*».
Nenhum dos projectos posteriores deixou-se influenciar
pela critica feita neste ponto ao projecto primitivo.
ça. A somma das normas jurídicas, diz Pessina, acerca
do certo, da verdade legal, constituo a publica, isto é, a
sanccionada pelo Estado, a força probante por elle attribuida
a alguns objectos, ou signaes, ou formas exteriores; e os
1
O PROJECTO DB OODIQO PENAI, c o Fctouldaãe de S. Paulo, n. XIII, pags.
57 a 59.
Tk
=^230 -
delictos com os quaes o homem se' insurge contra tal acerla-
mento são, tomados, conjunctamente o crimen falai.
O crimen falsi tem por fundamento natural alguma cousa
de falso, isto ô, de opposto á verdade j. falsum est quidquid in
veritate non est, sed pro veritate adseve-ratur.
Mas não basta a opposição á verdade para constituir o
crimen falsi; o erro e a mentira são contrários á verdade, mas
nem toda mentira é um crimen falsi. E' mister uue aquillo que
nfio 6 verdade assuma a apparencia da verdade, mediante
aquelles signaes exteriores, aos quaes o direito attribue a força
de provar a verdade ; e neste sentido, o crimen falsi devo conter
uma imitatio veH
%
A essência da falsidade punível ou do
crimen falsi consiste em desfigurar o direito substancial por
meio do direito formal, adulterando aquelles objectos, ou
signaes, ou formas exteriores, aos quaes a lei attribue o valor de
certeza jurídica ; e nesta atti-tude, para ferir a substancia do
direito assenta a razão verdadeira da incriminaçõo da falsidade.
Donde justamente os criminalistas definiram o delicto de
falsidade em geral, assim '.dolosa imitatio veri in alterius
pirejudicium. De tal sorte, as condições essenciaes da falsidade
são três : I
o
, ê necessário o artificio que ao que não é verdadeiro
a apparencia de verdadeiro, não mediante engano á
confiança privada ( o que seria matéria de fraude ), mas
prevalecendo-se da confiança publica que está annexa aos
signaes legaes da verdade (imitatio veri) ; 2
o
, é necessário que
haja dolo, isto ô, a consciência da nenhuma verdade intrínseca
daquillo que exteriormente imita a verdade e que é destinado a
lesar uma relação jurídica ; e este é o significado da locução :
dolose factum in alterius prayu-dicium ; 3°, finalmente, é
necessário que a lesão jurídica seja effeito possível da imitatio
veri ; não é mister absolutamente que se haja reaiisado a lesão,
mas a possibilidade da lesão é uma das condições substanciaes
pela qual se revela; a falsidade como delicto : falsitas non
punitur quce non solum nocuit, sed nec erat apta nocere (L. 38,
§6, D. de\ poenis ; L . 6 , D . a d L . Com. de falsis).
Desta noção geral da falsidade deriva a determinação das
suas espécies na historia do direito penal. E na verdade os
legisladores incriminaram a falsidade na palavra que se torna
prova nos julgamentos ( falsidade judicial); incriminaram a
falsidade na pecunia numerata signo publico signata,
emquanto esta é representativa do valor próprio das cousas
singulares que servem á troca entre os homens (moeda falsa J;
incriminaram a falsidade que se revela nos escriptos
destinados a garantir a certeza dos factos sobre as quaes se
fundam as relações jurídicas (falsidade documental )j
incriminaram a falsidade nos signaes destinados a
231
provar a proveniência de alguns factos da autoridade social
(falsidade dos emblemas).
No Direito Romano, a Lei das XII Taboas começou a
punir o falso testemunho com aprcecépUalio e o saxo. A pri-
meira Lex que surge sobre os delidos de falsidade é a Lex
Cornélia de falsis que incriminou o falso testemunho e o
testamento falso.
As constituições imperioes e os responsa prudentum
ampliaram os casos de falsidade ; assim que todo documento
feito ou alterado ou supprimido foi considerado como falsi-
dade, na escriptura e punível. E aos delidos próprios de
falsidade foram addicionados delidos equiparáveis a falsi-
dude, isto é, as quasi-falsidades, como v. g. a termini motio, a
par tus suppositio, a falsi nominis vel cognominis
adseoeratio, e outras espécies que se confundiam com a
fraude *.
O parto supposto e outros fingimentos que figuram no cod.
anterior e no vigente não se acham neste titulo, mas em
outro.
No antigo direito germânico, foi considerada a falsidade
como violação do dever de lealdade e como engano em detri-
mento doutrem ; mas, a sua punição revela o modo grosseiro
de avaliar a correspondência entre a pena e o delido, porque
toda falsidade era punida com a amputação da mão— manum
perdat per quarn tantum crimen admisit.
Não admira porque o nosso Código anterior e o vigente
não abriram mão do talião.
O direito ecclesiastico consagrou varias normas sobre o
cr.irnen falsi.
As legislações intermédias oscularam entre as diversas
fontes ; mas o elemento preponderante foi aquelle bom con-
juncto de normas que derivavam do Direito Romano e ás
quaes se fizeram ampliações posteriores determinadas pelo
desenvolvimento das relações da vida económica.
No direito actual ha ainda divergência sobre a construc-
ção das varias espécies de falsidade ; mas apezar disto
progressos importantes se teem effectuado.
O Código tfancez foi um dos primeiros a ordenar por
categorias as differentes espécies de falsidade. O Código
francez enucleou a moeda falsa, a contrafacção dos sellos do
Estado, a das notas de banco ou dos titulos de credito
publico, falsidade da marca dos contrastes de ouro e prata, a
falsidade do sello das autoridades publicas, a falsidade das
escripturas publicas e a dos escriptos particulares, e remet-
teu á outra família de delidos a falsidade judicial.
1
Crivellari, II CODICR PRNALE INTERPRKTATO ETC. Torino, 1890—98, 7°j
vol. pag. 95, n. 1; Ferrini, apud Goglioio, OBH. CIT. vol. 1" Part. I, Gap. X, pag.
246.
— 232 —
A legislação penal dos códigos italianos anteriores seguiu
em grande parte a classificação da falsidade odo-j ptada no
Código francez. O Código toscano, porém, affas-l tou-se delle
mais do que os outros, acolhendo os conceitosj dos códigos
allemfies. 0 Código sardo de 1859, ás categorias estabelecidas
pelo Código francez addicciona a matéria da calumnia
(denuncia falsa), do falso testemunho e do perjúrio dos
litigantes em juízo, sob a denominação commum de falsidade
judicial.
O Código italiano vigente, reunindo e harmonisando as
noções do Código toscano e as do Código de 1859, em um
systema mixto, elimina das espécies de delictos contra a
publica a falsidade judicial, que elle colloca entre os delictos
contra a administração da justiça, e estabelece as seguintes
categorias : a falsfdade na moeda ou nos títulos de credito
publico (moeda falsa)) a falsidade em sellos blicos e suas
marcas (falsidade dos emblemas/, a falsidade em actos pú-
blicos ou particulares, ou em documentos de menor impor-
tância, como passaportes, licenças, attestados (falsidade
documental). E á estas três categorias de falsidade addi-ciona
as fraudes, no commercio, nas industrias e nos mercados ; as
quaes não o verdadeiras falsidades, mas quasi falsidades e
seriam melhor collocadas noutra categoria
1
.
Fizemos essa referencia demorada, porque o nosso
Código e os Projectos de sua revisão, em geral, tiveram como
fonte o Código italiano, ainda que um e outros se affastassem
delle em certos pontos neste titulo, conforme veremos pelo
estudo especial dos capítulos.
Também, quer o Código, quer os Projectos, compre-
hendem matéria que aqui o Código italiano não com-prehende
e ao contrario deixa de c )mprehender matéria que
0 Código italiano contém. I
1 V0. Passemos é matéria especial do capitulo do texto
sobre a moeda falsa.
Ha dissenso entre os economistas, diz Ambrogio Negri,
sobre a verdadeira indole da moeda, que ora se considera um
valor, ora um representativo de valores, considerando-se hoje
commummente como uma mercadoria.
A moeda, em todo caso, serve a troca entre os conso-
ciados, de cousas moveis ou immoveis, dos productos da ac-
tividade e da industria, e a segurança da mesma está na
legitimidade do seu peso, titulo e cunho.
O Estado, como o único que pôde inspirar confiança aos
cidadãos, tem o direito de cunhar e impor esta moeda.
í\ ' Pesei na, MANUAI.E DEI, DIRITTO PBNAJ.E. ETC. Na poli, 1895. Part. Sec. Pag.
210.
— 233 —
E foi por isso, como vimos, que algum tempo prevaleceu
o erro de que a moeda falsa fosse um crime de lesa-
magestade. Mas, entre os cultores das sciencias jurídicas, de
um erro se cahe facilmente noutro.
Entretanto, que antes se considerava assim a moeda
falsa, depois foi considerada como um furto qualificado.
Leopoldo da Toscana, na sua reforma de 1786, declarava
que o crime de moeda falsa o era senSo um furto
qualificado por meio da falsidade. E no relatório que precedeu
a reforma do direito criminal francez, em 1832, se podia lêr
também que a falsificação da moeda não era mais do que «
um furto acompanhado de uma circumstancia muito
aggravante ».
Rossi havia sustentado, ao contrario, que a moeda falsa
se deve collocar entre os delictos contra o interesse publico,
porque, além de ser um estellionato em damno daquelle que
da valores reaes em troca do valor apparenteda moeda falsa,
elle tem effeitos que podem estender-se a grande numero de
pessoas, e o mal que delle deriva pôde facilmente propa-gar-
se, assim que attinge, mais do que a tal ou tal outro individuo
determinado, ao publico em geral
l
.
Mas, Chauveau & lie responderam a estes conceitos de
Rossi, dizendo que alguns publicistas, dominados pela clas-
sificação do Código francez, teem querido imprimir á moeda
falsa o caracter de um crime contra a cousa publica, fundando-
se sobre a circulação rápida das moedas e sob o aspecto de
que a massa delias compõe de certo modo o património pu-
blico. Esta ideia, porém, não nos parece muito exacta. Toda
moeda falsificada, posta em circulação, não constitue na
realidade si não um attentado á propriedade privada, desde
que ella não lesa senão óquelle que a tem acceitado como boa
e só depois descobre o seu vicio. A circulação mais en-
sanchas a commetter o crime, mas não pôde mudar a sua
natureza e effeitos. Si, pois, o crime de moeda falsa não deve
estar collocado acima dos furtos qualificados, deve, ao
menos, permanecer no mesmo nivel e pois, pelas circum-
stancias concomitantes, attingir a aggravação ou atte-nuação
da sua penalidade
9
.
Haus accedeu á esta opinião, notando que a falsidade da
moeda, ou é um furto somente em damno do Estado, sem
detrimento dos particulares, quando se faz com falsos cunhos
concurrencia á cunhagem do Estado, fabricando moeda não
inferior ao valor da moeda nacional, ou se reduz a um
estellionato para com os particulares, mediante a falsidade,
1
RoSBi, TRATTATO Dl DIRITTO PBNALB, tom. 2, pftg. 68.
' Chauveau & Hélie. e Villey, THBORIB DO OODE PENAL, Paris, 1887.88, vol.
S,pag. 253, n. 568.
— 234 —
quando se diminue o valor effectivo das moedas verdadeiras,
com alteração delias ; e é um crime contra os interesses do
Estado e os interesses dos particulares, quando se põe em
circulação moeda não verdadeira, que intrinsecamente nSp tem
o valor effectivo da moeda verdadeira.
Recentemente, entre outros, Garraud, observa que ne-
nhuma legislação tem seguido tal systema ; todas teem des-
tacado os actos que constituem amoeda falsa, o estellionato, o
furto e a falsidade, para fazer delles o objecto de uma incri-
minação especial. E' lambem o que fez a nossa legislação *.| ™
Nós o desconhecemos, accrescenta Negri, que possa nascer
desta falsidade detrimento aos particulares. Mas o conceito
exacto sobre que assenta hoje a sciencia, équeo falsario dirige
os seus actos não contra um só, mas contra todos. Hoc crimen
cceteris differt ut privatis non solum noceat, sed totae civitati
periculum inferat. Em qualquer engano, observa Garrara,
exercitado sobre a moeda publica, não de duvidar-se que a
contemplação do detrimento de qualquer somma soffrido por
um cidadão particular é o menos, quando concorre o prejuízo
universal a publica. E' o meio usado pelo falsario que
converte as normas reguladoras da fé publica em instrumento
para lesar os direitos doutrem.
A moeda falsa é, pois, essencialmente um crime contra a
fé publica "
2
.
W. No direito anterior ao romano, a moeda falsa era punida
com amputação da mão; e entre os a thenienses, especialmente,
era punida de morte. No Direito Romano a Lex Cornélia punia
com a aquce et ignis interdictio a moeda falsa; mais tarde a
pena delia foi a deportatio para os ho- \ nestiores; a damnatio
in metallwn, para os humlliores, e o extremo supplicio para os
escravos; mas posteriormente foi punida com a pena do crimen
magestatis.
A pena deste delicto nas Leges germânicas era a ampu-
tação da mão.
O direito ecclesiastico fulminou a excommunhãosobre os
falsificadores de moeda.
No antigo direito italiano e nas outras legislações do
tempo intermédio, penas severíssimas attingiram á moeda
falsa.
E esta antiga tradição perpetuou-se no código francez, que
puniu com a morte e com a confiscação a falsidade relativa á
moeda de ouro e de prata (art. 132), e com pena de prisão
perpetua com trabalho a da moeda doutro metal; e
1
Garraud, DROIT PENAL FRANÇAIS, Paris, 1888-96, vol. 3
o
pag. 79, n. 64* *
Ambrogio Negri, ora Cogliolo, COMPLETO TRATTATO M IMIUTTO PB-NAI.K,
Alilano, 1888-iO, vol. 2°, part. I A, pag. 340.
235
penas severas estabeleceu, também, contra a falsificação de
moeda estrangeira.
Os códigos italianos temperaram levemente o rigor tra-
dicional da punição dos falsificadores de moedas; mas com o
exemplo de vários códigos allemões melhores temperamentos
pôde adoptar o cod. toscano, de 1853. *
A.' vista disso, não admira que a legislação de Portugal,
que herdámos da Metrópole, punisse com a morte pelo fogo e
a confiscaçfio os moedeiros falsos, fossem ou nõo plehêos,
annullando os privilégios para sujeitar a tortura e a penas
iguaes os fidalgos, como cada um do poço que privilegiado
1
não seja: Orden. do Liv. 5
o
, Tit. 12, pr. e § 2. *
Innegavelmente o nosso código penal tem nfio poucos de
feitos, como veremos, o que resulta da exposição de motioosA
do projecto de 1893, seguido, como vimos, sem notável
alteração pelos suecessivos de 1896, 1897 e 1899, repetindo os
posteriores as disposições dos anteriores.
Assim justificando aquelle primitivo projecto e eompa-
rando-o com o nosso cod. vigente, dizíamos :
O crime de moeda falsa não é mais considerado como
uma offensa aos direitos magestaticos do Estado; nem como
contrario somente ao Thesouro e propridade publica (código
de 1830), mas como uma violação de leis que affectam ás
relações económicas entre as nações, podendo causar incal-
culáveis prejuízos nfio a fortuna publica, como á particular,
isto é, ao commercio e á industria.
Dahi o ponto de vista largo que presidiu A elaboração do
código italiano, que o nosso hesitou em seguir com firmeza,
corrigindo parcialmente o anterior.
:1
N Aliás o código
hollandez e especialmente o allemfio e o húngaro, seguidos
por aquelle, nos guiaram nas correcções a fazer ao nosso.
O art. 249 do actual projecto comprehende as hypotheses
possíveis da moeda falsa nacional e estrangeira com curso
legal ou commercial dentro ou fora do pais, que o código
anterior nõo previa e o actual nõo prevê, com a extensfio que
impõe o direito comparado, attendendo hoje á importância do
commercio universal, ao progresso do direito das gentes e ao
uso diurno do instituto da extradição.
A hypothese nova do art 243 do nosso coligo está ahi
comtemplada por forma mais comprehensiva, conforme a
formulam o código allemfio c o húngaro, ao contrario do
nosso, que a restringe á uma espécie, objecto de um processo
nos nossos tribunaes. *
1
Pemina, MANUALE CIT. Part. Sec. pag. 214, § 196.
* Vid. Pereira e Souza, CLASSES DOS CRIMES, Lisboa, 1816, pag. 55.
1
Zanardelli, RBLAZIONE CIT. Ill, pafj. 167.
* O DIREITO, de 1889, vol. 49. pag. 14.
236
I A pena varia no citado artigo do Projecto em relação ao dam
no presumível, o que em outros termos comprehendiam I os
Códigos anteriores.
0 art. 249 do Projecto corresponde aos arts. 239 a 243 do
Código actual, consagrando-llie todas as hypotheses. I
A matéria do art. 244 é imprópria Código, porque ai
!
os factos nelle previstos podem ser capitulados como moeda
falsa, as leis respectivas ô que devem referír-se ao mesmo
Código.
m Os §§ 1° e 2
o
do art. 249 do Projecto conteem duas
espécies novas. B
A primeira é a da alteração da moeda diminuindo-lhe o
valor, operação que se verifica limando a moeda, tosquiando-
a ou tosando-a, ô o radere ou o circumdere nummos dos
latinos. :"
Todos os Códigos punem com alguma severidade esse
facto e o fim a que se propõe, a introducção na circulação ; os
nossos Códigos contemplaram um dos modos, isto é, o
processo, mas não rigorosamente a introducção na circulação .
A outra espécie ô a daquelle que recebe de boa moeda
falsa, como boa, e scientemente, para não acarretar com o
prejuízo, a emitte de novo.
& Naturalmente a penalidade 6 relativamente ligeira, como a
editam os Códigos modernos '.
O art. 250 equipara á moeda os títulos como taes emit-
tidos pelos Governos ou pelos bancos legalmente autori-sados.
A generalidade do artigo é para que a sancção penal
possa attingir os que falsificam ou emittem moeda que tem
curso legal ou com merda 1 fora do paiz, porque emittida por
instituições de credito autorisadas, não quer dizer que seja
licita a emissão de moeda no paiz, autorisada por Governo
estrangeiro. I
I Com muito maior elasterio se exprimem os Códigos mais
novos, de primeira ordem, allemão, húngaro, hollandez e ita-
liano.
O projecto reduziu a noção do crime ao da falsa-moeda
propriamente dita ; excluindo de sua comprenensõo titulos que
quasi podem gyrar como moeda, mas que rigorosamente
nãosâo taes,como titulos nominativos ou mixtos, separando-se
neste ponto do Código allemão, húngaro e outros, e em todo
caso deixando margem á boa execução da lei, definindo por
uma forma geral e pratica que o Projecto considera moeda o
que como tal circula em nome dos Governos, ou das
1
CÓDICE PBNALB VERIIAI.I DEIXA COMMISSIONE, BTC, Roma 1889. pa
gina 186.
— 237 —
instituições de credito legalmente autorisadas, abandona nd as
exemplificações materiaes incompatíveis, nesta parte, com a
diversidade das legislações commerciaes e financeiras dos
Estados estrangeiros.
Os arts. 251 e 252 punem o fabrico e posse dolosa, se
subentende, de instrumentos do crime e annexa a pena de
prisõo a vigilância especial da Policia.
Não adoptou o Projecto a attenuante do falso-moedeiro,
quando a falsidade seja facilmente reconhecível, porque isto
redundaria na impunidade de muitos, sendo certo que muitas
pessoas são ílludidas, recebendo moedas,aliásgrosseiramente
falsificadas *,
Por ahi se vê as lacunas e defeitos do nosso Código penal
que mal aproveitou a sua fonte ; assim como, que conforme o
Código vigente, entre nós, não ê crime Jabricar ou deter
instrumentos destinados exclusivamente á contrafacção ou
alteração de moeda pois que, o Código se refere, no
art. 239, á perda dos objectos destinados ao fabrico, e em
nenhuma disposição se refere aquella nova figura,prevista nos
Projectos de revisfio.
Trata-se de actos simplesmente preparatórios que só
podem ser incriminados como delidos sui generis por dispo-
sição especial, e na falta desta, ficarão impunes.
Tendo sido o Código italiano a fonte do nosso, á opinião
dos interpretes daquelle nos referiremos.
78. O nosso Código, no art. 239, refere-se ao fabrico da
moeda metal liça ; no art. 240, ao da moeda, papel e no art.
241, á introducção de uma e outra na circulação.
Estas disposições correspondem ás dos arts. 256 e 263 do
Código italiano, e, sobre o primeiro dos quaes, diz um de seus
interpretes, que a falsidade na moeda se verifica por três
modos que são :
a) a contrafacção das moedas; b) a alteração da moeda
verdadeira, dando-lhe a apparencia de um valor superior ; c)
o uso doloso das moedas contrafeitas ou alteradas, quer
introduzindo-as no Estado, quer fazendo emprego delias, quer
introduzindo-as na circulaçâo.quer procurando-as para outros
afim de que lhes emprego ou metta-as de qualquer modo
na circulação.
Seguindo as normas do Código toscano, o Código italiano
não faz distincçâo, no que o seguiu o nosso, entre as varias
espécies metallicas das moedas falsificadas, differentement©
do Código de 1859 que seguia o Código francez ; assim qual-
quer que seja a espécie metallica das moedas falsificadas a
pena é a mesma; mas, o Código italiano considera como
circumstancia aggravante do delicio o facto de ser muito re-
1
E
XPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO PROJECTO DE
1893, pag. 13.
238
levante o valor legal ou commercial representado pelas
moedas contrafeitas ou alteradas, no que, porém, nfio o se-
guiu o nosso Código.
Digamos, entre parenthesis, que o direito Inglez também
faz differença, não entre a moeda da Rainha, nacional e
estrangeira, como também entre as moedas de ouro, prata e
de cobre, variando muito a respectiva penalidade *.
E por outro lado, si o calor intrínseco da moeda con-1
trafeita ô igual ou superior ao das moedas genuínas, isto
é, legitimas ou legaes, a pena é menor *.
Neste ponto seguiu-o o nosso digo art. 239, primeira
parte.
Sobre o art. 263 do Código italiano, que com aquelle
art. 256, corresponde aos arts. 240 e 241 do nosso Códigos,
diz Crivellari, que si o papel de credito publico representa
um valor, também a falsificação do papel de credito publico
offende a publica e damnifica o Estado e por isso, era
necessário que elle fosse equiparado a moeda. Tal parificão,
porém, ô feita somente no aspecto penal, sem mudar a sua
natureza, sob outras relações
:|
.
A primeira parte do art. 239 do digo penal contempla
uma espécie que é punível, porque viola a leique altribue ao
Estado o monolio de cunhar moeda de que este offerece
garantias para exercel-o, dizendo Majno, sobre a disposição i
parallela do Código italiano, que o facto é damnoso no sentido
de que todo Governo emlttindo uma moeda contrahe a obri-
gão de recebel-a pelo valor nominal, toda vez que entender
conveniente retlral-a da circulaçfio, dando uma nova em
substituição.
Tratar-se-ia no caso, diz Puglia, duma concurrencia
feita ao Estado na cunhagem da moeda. Puccioni sustenta
que na hypothese nfio se pôde encontrar os extremos do
crime de falsidade, porque o artigo intrinsecamente é verda-
deiro. O digo italiano considera falsa a moeda tamm no
caso que o valor seja igual ou superior ao da moeda verda-
deira. Istoo lhe parece exacto pela rao que dá Puccioni;
poderia o facto considerar-se como delido sui generis *.
Si, porém, a moeda r fabricada com diversas matérias
ou sem o peso legal, que é a espécie do mesmo art. 239, se-
gunda parte, a peno é o duplo, da do crime anterior.
E' a solução do Código italiano, no art. 256, pen. alinen.
1
Seymour I-Iarris, PRINCIPI.ES OF THE CRIMINAL LAW, trad. de Bertola, Verona, 1898,
pag. 409; Stephen, A DIOHST OK THI CRIMINAL LAW, London, 1894, ]>ag. 354, arts. 408 e
sega.
' Pessina, OBR. CIT., pag. 215.
8
Crivellari, o BR. CIT., vul. 7
o
, pag. 165, n. 33.
* Puglia, MANuALE m MRITTO PENALE, Napoli, 1890. 2° vol., art. 256, pag. 166.
239
O art. 240 do texto prevê o fabrico do papel de credito
publico recebido nas estações publicas como moeda.
E na sua segunda parte define o papel de credito publico
recebido como moeda.
O Código italiano, art. 263, limita-se á pariíicar á moeda os
papeis de credito publico dando também o seu conceito no
mesmo art.
O Código, diz Puglia, equipara a falsidade dos papeis de
credito publico á falsidade das moedas e estabelece as
mesmas penas. E, para evitar equívocos, declarou o que se
devia entender por papel de credito publico, isto ê, os papeis
que teem curso legal como moeda, os papeis e títulos ao por-
tador, emittidos pelos Governos e que constituem titulou ne-\
yociaveis,lodos os outros papeis tendo curso legal ou commer-
cial, emittidos por institutos autorisados para emissão. No
projecto tinham sido comprehendidos também os papeis nonii-
natioos, emittidos pelos Governos. E Pessina linha
observado que estes últimos na realidade o eram sinão
certificados.
Depois da discussão havida nas duas camarás, foi sup-
primido o inciso a respeito dos papeis nominativos, onde no
caso de falsificação de títulos nominativos, sejam públicos,
ou sejam particulares, nõo pode fallor-se de moeda falsa, mas
de falsidade documental.
Da simples leitura da disposição da lei (art. 263, parallelo
ao art. 240 da nossa), resulta: I
o
, que nem todos os papeis de
credito, mas aquelles de eredito publico, que são commer-
ciaveis, podem ser matéria do delicto; 2
o
, que o delicto de fal-
sificação de papeis de credito publico pôde c jmmetter-se por
todos aquelles modos, pelos quaes se pôde commetter a fal-
sificação das moedas; 3°, que se pune também a falsificação
dos papeis de credito publico extrangeiros; 4°, que se pune
lambem o emprego ou uso doloso dos papeis de credito pu-
blico falsificados *.
O art. 241 do Cod. Pen. prevê o tacto da intro-ducçâo na
circulação de moeda falsa, seja ella fabricada no paiz ou no
estrangeiro, o que aliás não precisava distinguir, desde que a
pena é a mesma,
Entretanto, sendo disposições parallelas, no Cod. Uai., ás
dos arte. 356 n. 3 e 258, embora note-se neste ponto entre
este Cod. e o nosso, differenças, sobre elle diz Cri-vellari :
«Uma segunda hypothese é prevista pelo artigo, éaintro-
ducção no Estado das moedas falsificadas no estrangeiro,
sajam ellas nacionacs ou estrangeiras. Esta inlroducçõo se
1
Puglia. OBR. CIT., 2« vol., art. 263, i>ag. 172.
— 240 —
suppòe feita por outra pessoa que não o falsificador, pois que,
no caso contrario, se confundem com a obra deste.
O introductor para cahir sob a sancçfio penal deve achar-se
de accòrdo com o falsificador. A razão pela qual deste facto se
creou uma figura de crime sui generis, está em se ter querido
evitar a impunidade do introductor que naoi tivesse usado
moeda falsa e não tivesse participado da sua alteração. O
concerto a que allude o legislador deve ser posterior á
contrafacção. Aquelle anterior não precisava de uma sancção
especial, desde que com elle se teria um auxilio punido com as
formas geraes da complicidade. E de facto, o falsificador que
antes de começar a obra delictuosa, entretanto, a está
desempenhando, sabe ter promplos os meios de recolher o
proveito da mesma obra, sente-se encorajado para o delicio, a
sua resolução é fortificada. A necessidade de uma sancção era
sentida para este concerto posterior, porque se teria podido
duvidar si podesse ser considerado como complicidade, tanto
mais quanto os delictos de contrafacção e alteração são delictos
perfeitos.
Depois da introducção, outras formas de delictos, por: si
sós subsistentes, são o emprego das moedas falsas, o facto de
pol-as em circulação, o de procural-as com o escopo de usal-as
ou mettel-as em circulação. Também nestes casos a lei
presuppõe uma pessoa diversa do falsificador e exige o
concerto com o mesmo. São estas, como a introducção, tantas
formas de uso, que exige nos culpados, falta dizei-o, a sciencia
de falsidade das moedas, da qual não se pode duvidar, uma vez
que o concerto com o falsificador esteja estabelecido'.
*s&. Entretanto, diz Majno:
Para que surja o crime de moeda falsa, a moeda contra-
feita ou a alterada, deve poder ser despendida, spendibile.
Deve poder ser usada, introduzida ou mettida na cir-
culação, circular, correr,passar. A Orei. do Liv. 5°, tit. 12,
emprega, como o direito italiano, a expressão despender §
3
o
.
O art. 259 do God. ital., é verdade, declara que quando a
falsidade seja facilmente reconhecível, as penas estabelecidas
nos artigos precedentes sejam diminuídas, de um sexto a um
terço. Mas desta disposição não seria licito inferir que
qualquer falsificação possa dar logar ao delicto de moeda
falsa.
' Crivellari, OBR. OIT., voí. 7°, pag. 158, n. 24. Puglia, MANUALB CIT., 2» vol., art.
256, pag,. 166. Majno, COM.ME.VI'0 AL CÓDICE PENAL, Verona, 1830—98, I
o
vol,, art.
256, pag. 719, n. 2006.
241
O objecto deste delicio é, como vimos, a publica, no
sen lido de que a moeda falsa gera a desconfiança nos
mercados públicos, impede e perturba as relações com-
merciaes.
Precisa, pois, como diz Garrara, que a publica possa
soffrer lesão por aquelie facto, isto é: precisa que a moeda
possa ser mettlda na circulação; onde falte tal habilidade, fica
uma intenção perversa, manifestada por operações e actos
inidoncos e desapparece a Índole politica do delicio, ninguém
se alarma por uma moeda que não teria podido engansl-o,
nem ninguém máo exemplo com um acto incapaz de
conseguir o effeito perverso desejado *.
Diga-se, entre parenthesis. que o nosso cod. pen. art. 14,
não pune a tentativa por meios inidoneos.
O objectivo jurídico da falsa moeda, observa ainda
Mojno, sendo a publica, e esta não se podendo dizer oflen-
dida, si a moeda falsa nõo tenha altitude para circular, dahi
vem que, mesmo quando a moeda falsa tenha sido
eflectivãmente dispendida, spesa, isto não bastará para que se
digam exhauridoe, sem mais nada, os extremos do crime. A
condição do dispêndio, uso, spendibiUtúÁ deve estar na
moeda: a dispesa. spendiía, uso effectívo, poderá ser
argumento do dispêndio, circulubilidade, mas um argumento
que deve ceder â evidencia do contra rio. O lacto de uma
moeda falsa, que nfio teria podido illndir e enganar a
diligencia mais elementar e tenha sido recebida como boa
t
poderá ser razão para acertar no facto os extremos de um
eslellionato consummado contra o ignorante ou o desmiolado
que a recebeu: mos, este facto não pode supprir a deficiência
do elemento mate'] \rial necessário para constituir o delicio
contra o publica. Não é Jurídico acertar sem mais no senso
imperfeito ou no desuso de um terceiro, que não empregou ao
menos a diligencia mais elementar, os elementos ao corpus]
crítninis que devem estar ou achar-se no produeto material da
delinquência -.
L. Quando a falsificação lenha descido a tal grau de grosseria
e de evidencia e não poder absolutamente compro-] metter o
commercio de circulação, poderá haver dsliclo de eslellionato
tentado ou consummado no uso que se faça da moeda falsa
3
.
Neste sentido não podia ser approvada, e não foi re-
produzida no cod. italiano a disposição do cod. pen. tos-
1
Garrara raoauAMMA, Part. Spee. rol. ?<• â 3518.
* Carrara, FROOKAMMA, Pari. Spoo. vol. §3 3516 o aaga.; PESSINA,
kiK.NTi CIT., 3" rol., pag. 155 ; Puccioui, coo. MM. TOSCANO, vol. 4
o
,|
fa*.
* Chauveau, Ilólie o Villey, OBR. CIT., TOI. 2
O
, n. J82, pag. 267.
2017 18
— 242 —
cano, de que não se podesse mover duvida acerca da cir-
culabilidade, spendibilita, quando as moedas contrafeitas ou
alteradas tivessem sido dispendidas ou passadas (art. 240 § 2).
O nosso cod. pen. não pôde ser interpretado sinão por essa
doutrina do código que lhe serviu de fonte *.
Quanto ao art. 258 do cod. italiano, também paral-lelo ao
art. 241 do nosso, diz Carrara, que também usar, ou pôr em
circulação moedas e papeis que se sabe serem falsos, constitue
um crime grave, ainda quando o passador não esteja de
concerto com o falsificador, porque os effeitos deletérios da
acção igualmente se realisam sobre a confiança do credito
publico.
Dous modos, porém, ha de tal emprego ou circulação que
assas diversificam na sua importância, e que, considerados na
sua natureza jurídica, constituem um crime de interesse
politico assas distincto.
Ha o passador de profissão e que negocia a moeda
falsificada por especulação sórdida, o qual sem estar de
concerto com o falsificador, está, porém, ligado por uma longa
fila de intermediários, e contribuo sinão directamente, de certo
modo muito efficaz para o êxito do falsificação. Este o se
pode dizer nem co-réo, nem cúmplice do crime principal; é,
porém, um poderoso co-efficiente da sua resolução.
Ha, porém, uma outra classe de passadores, que ma-
nifestamente não teem nada a fazer com o processo da
falsificação; mas, achando-se enganados na sua boa fé, por ter
recebido uma moeda ou papel falsificado, procuram passal-o
adeante para livrar-se da perda. A acção destes passadores
perde, portanto, toda importância sob o aspecto politico do
crime principal, si bem que revista uma im-moralidade que o
legislador não podia deixar impune. Mas, como o escopo da
acção ê o resarcimento de uma perda material, assim a pena
ordinária ô a multa, e somente na hypothese que o facto pelas
proporções da entidade da moeda passada assuma uma
importância especial, pôde ser applicada a detenção a seis
mezes
â
.
O nosso Código o prevê esta ultima hypothese, de
modo que, entre nós, quem de boa fé, receber moeda falsa
como sendo boa, e depois passa l a , ou tentar passal-a, para
evitar o prejuízo, o commette o crime de moeda falsa, ou
antes defraude monetária, como o denominam os crimina-
listas.
O facto constituirá pelo nosso Código o crime de estellio-
nato na espécie prevista no art. 338 n. 5°, subordinada á dis-
' Majno, OBÍI. crr., 1» rol., n. 2008, pag. 721, art. 256. Garrara, COMMBNTO .
CODICB FKNALE, Roma, 1889, art. 258, pag. 165.
— 243 —
posição geral do art. 339, ou não será crime algum, porque o
nosso digo, com o detestável systema de disposições abu-
sivamente casuísticas, exclue tudo quanto não estiver parti-
cularmente mencionado nos seus casos.
O caso esprevisto nos Projectos de revisão, de 1893,
art. 249, § 2">, e de 1899, art. 234, § 2°.
©o. No art. 242 do texto se consagra a espécie daquelle
que diminue o peso da moeda verdadeira, ou augmenta-lhe o
favor, por qualquer artificio.
Esta disposição no Código italiano está comprehendida
nos arts. 250, n. 2 e 257.
E sobre o assumpto, diz Crivellari, uma forma de falsifi-
cação é aquella que se realisa alterando a moeda verdadeira.
Ella se cpera por dous modos. Diminuindo o valor intrínseco
da moeda, dando a esta o aspecto dum valor superior. Neste
art. (256, n. 2) se falia desta forma de alteração e é a mais
grave. E' a espécie do art. 242, segunda parte, do texto.
Pode-se dar á moeda o aspecto dum valor superior,
modificando o modo de ser da moeda, ou não fazendo esta
modificação.
Modifica-se o modo de ser da moeda, destacando da
verdadeira o verso e o reverso do cunho, de modo que sub-
traindo o metal intermédio, se adaptem á uma peça de metal
ou também á uma moeda de valor inferior.
Nãotem.logar esta modificação quando ás moedas de
prata se da a còr das moedas de ouro ou quando ás moedas
de cobre se dá a còr das moedas de ouro ou prata.
Sobre esta forma, porém, de alteração não está concorde
a sciepcia, desde que se distinguem os caracteres da fraude,
antes que os da moeda falsa. Hoje que toda moeda temo
cunho e a indicação do seu valor, si se trata somente de mu-
dança de côr, mantendo-se inalterado o cunho, não cremos
que possa fallar-se de moeda falsa, pois que, estando a essên-
cia da falsidade na lesão da publica, esta não se verifica, si
não se tem falsificado o cunho em que essa consiste, e a
substancia mesmo da moeda. o ha nem mesmo perigo de
damno social, porque a indicação do valor permitte a
qualquer descobrir a fraude, e porque a lei que determina os
signaes da moeda o deve ser de ninguém ignorada. Neste
caso não ha maior ou menor semelhança com a moeda
genuína, falta absolutamente a moeda que se quer fazer
apparecer, e quem se faz enganar pela còr, culpe-se a si
mesmo. Este facto deverá considerar-se uma fraude.
E' também a solução do moderno direito francez e a opi-
nião de Blanche, Garrara, Pessina, Puglia, Majno e Negri.
l
1
Negri in Cogliolo, OBR. CIT vol. 2
o
, Part. I A, pag. 343.
— 244 —
De modo d inerente n&o pode ser interpretado o nosso
código; no caso nflo ha moeda falsa. "4
Quanto ao papel moeda e papeis de credito publico, nõo
tendo elles valor Intrínseco, a respeito delles a uníca forma
de LUera?8o possível ô a de dar-lhes aapparencia dum valor
superior, o que se pode fazer, cancellando as indicações, al-
garismos, palavras que sobre o papel certificam o valor por
elle representado, substituindo tudo por outras indicações,
alteração que, com effeito, se reduz a uma contrafacção. *
A outra forma de alteração é a prevista na primeira parte
do art. 242 do nosso Código, parallela ao art. 257 do italiano, j
A forma mais leve, diz o mesmo autor, de alteração de
moeda, que constituo a hypothese contemplada no art. 257,
consiste em diminuir, de qualquer modo, o valor da moeda
genuína.
Nesta espécie de alterão, o meio usado é absolutoraente
indifferente, como indifferente é o processo, desde que o re-
sultado é sempre idêntico, isto é, uma subtracção de valor ;
por isso o digo usou da expressão por qualquer modo. Os
modos até agora usados são: tosquiar, ou cortar em redor,
ou cercear, na phrase da Ordenação (cif ciemcidere); raspal-a
na superfície (radere) ; lavol-a em aguas que a decompo-
nham (laoare); diminuir-lhe o valor mediante a acção de
ácidos ou de outros agentes chlmicos ípurgare nutrimos).
Esta escie de alteração tem em mira somente as moedas de
ouro e de prata, como aquellas que são compostas de metaes
que teem um valor, e que correspondem quasi perfeitamente
no valor intrínseco e no nominal.
Deve ser, pois, uma alteração que o impeça o uso da
moeda, o deve tornar irreconhevel o cunho. Usar d'uma
moeda com um cunho o reconhecível, constituo antes uma
fraude que uma falsidade.
Introduzir uma moeda assim alterada no Estado, em-
pregal-a, mettel-a na circulação, procura 1-a para usal-a ou
pol-a na circulação, factos commettidos por outra qualquer
pessoa que o autor de tal alteração, quando com este haja
concerto, cahe sob a mesma sancção
3
.
Esta é a solução do direito italiano, á vista da referencia
expressa do cod. ital, art. 257 (242 do nosso) ao 256 n. 3
(241 do nosso).
Mas o nosso o faz referencia alguma, e si pune a
diminuição do peso ou augmento do valor, no art. 242,
quando disz sobre introducçõo na circulação de moeda
falsa, no art. 241 não abrange estas espécies, lacuna á que
1
Crivallari, OBR. CIT., TOI. 7°, pag. 138, n. 23.
1
Crivellari, OBR. CIT. vol. 1». ,
)a
g. itjO, n. 27.
— 245 —
alludimos na nossa exposição de motivos do Projecto de
1893, acima citado.
Rigorosamente será uma fraude, o estellionato o facto,
mas não moeda falsa.
No art. 243 do texto o nosso cod. pen. prevê dous casos,
o primeiro dos quaes, como dissemos expondo os motivos do
projecto de 1893, havia sido objecto dum processo decidido
pelos nossos tribunaes.
A decisfio foi a seguinte:
« O facto de apagar ou fazer desapparecer o carimbo,
pelo qual a Repartiçfio de fazenda declara inutilisada uma
nota do Thesouro Nacional, e com elle receber da Caixa de
Amortizaçflo a respectiva importância, como si fôra nota em
circulação, não constituo crime de moeda falsa, mas de
estellionato»: Revista crime n. 2650 de 1 de dezembro de
1888 no Direito, vol. 49, pag. li.
Até certo ponto pôde ser justificada em face do cod.
crim. anterior, arts, 173 a 176, adecisSodo aresto citado.
Entretanto, mesmo no vigor desse código, que no art.
174, incrimina o que « fabricar ou falsificar qualquer papel
de credito, que se receber nas estações publicas como moeda
etc.» a soluçõo do caso nfio foi esi.rictamente jurídica.
A locução genérica de FALSIFICAÇÃO, diz Pessina, abraça
também uma figura de facto que em França deu logar a
sentenças discordantes da autoridade judiciaria, isto é,
aquella de apagar num papel de credito publico a marca da
annullaçfio feita para pol-a novamente na circulação como
papel moeda valido e sincero. Hélie notou como de grande
rigor o aresto da Cassação franceza de 9 dezembrode 1807 que
considerou subsistente a falsidade do papel moeda naquelle
facto e invocando a autoridade doutro aresto da mesma Corte
de 25 de fevereiro de 1836, opinou que em tal caso a nota an-
nullada em si mesma ê uma nota verdadeira e nfio contra-
feita, e que por isso nfio ha falsidade no papel de credito va-
lendo como moeda *.
Nós nfio podemos, responde Pessina, acceder & esta
maneira de interpretação; porque a lei estabelece duas hy-
potheses (como nosso cod. ant art. 174), uma das quaes é a
contrafacçfio (fabrico) ex integro, e outra é a falsificação e
esta comprehende em si mesma o facto de dar ao papel
moeda verdadeiro de valor inferior a apparencia de papel
moeda de valor superior, como por exemplo, quando a um
titulo de credito publico que representa uma renda de cinco
liras se a apparencia dum titulo de cincoenta ou cem liras
annualmente *.
« auveau Hélie e Villey, OMR. CIT. 2° vol. n. 607, pag. 303. • Pessina, BijtMBNTi
DI DIRITTO PENALE, Napfili, 1882-85, 3
o
yol. S 314, pag. 175.
— 246 —
O caso está agora comprehendido no Projecto de 1899, art.
234, pelo preceito geral de dar mediante alteração, a moeda
fora de curso apparencia de moeda corrente.
A fonte foi o art. 249. III alínea do Projecto de 1893,| cujas
fontes foram o cod. allemão, §146e ocod. húngaro, art. 203,
ultima alínea.
si. O outro caso previsto na segunda parte do mesmo art.
243 do nosso cod. é, pela costumada formula casuística, o
de formar dulas, ou bilhetes do Thesouro Nacional ou dos
bancos, com fragmentos ou pedaços de outras verdadeiras.
A pena ê irrisória, porque trata-se do facto de fazer uma
nota de valor superior com partes de notas de valor inferior.
E' um caso typico de alteração da moeda verdadeira, trate-
se da moeda melallica ou de moeda papel, que estaria
comprehendido no art. 242, 2
a
parte, si não fosse o art. 243.
Os projectos comprehendem a espécie, o de 1899, art. 234,
segunda alínea no alterar de qualquer modo moeda ver-
dadeira, dando-lhe apparencia de valor superior.
No art. 244 e ultimo deste capitulo, ocod. prevê casos que
s8o equiparados á moeda falsa e estão previstos em varias leis.
fizemos justiça a taes disposições que não precisavam
figurar aqui, mesmo por impróprias como formulas dum
código.
Tudo quanto dissemos commentando este capitulo pôde
ter applicação seiva tis sercandis aos projectos de revisão.
Assim, o de 1899, como fizeram todos os anteriores, arts.
234 e 235, abrange a matéria do Código, arts. 239 a 243.
E'. ainda assim que o Projecto, na primeira parte do art.
23*4, comprehende as quatro formas typicas da moeda falsa,
contrafacção, alteração em geral, alteração da moeda, fora de
curso para tornai-a corrente e introducção na circulação.
No § I
o
, o Projecto contempla a forma especial da bilho-
nagem', Código allemão art. 150; húngaro, art. 203.
No § 2°, o Projecto contempla a espécie qua o Código
omittiu da fraude monetária que prevê.
A fonte do Projecto foi o primitivo e a deste os códigos
citados.
O Código italiano, art. 258 e o allemão, § 148, referem-se |
a quem recebe de boa fé, como boa, moeda falsa c depois
passa-a para evitar o prejuízo.
— 247 —
Receber, diz vou Liszt, suppõe transferencia por parte de
outrem, o portanto, não com prebende o facto de obter o
agente as moedas por acto unilateral, furtar, achar, etc:*
A solução do Código húngaro, art. 203, é differente.
Assim, os traductores francezes deste Código, Martinet e|
Dareste, dizem :
« Esta expressão kapott é mais larga que a franceza, reçu
(recebido) e com prebende todos os modos segundo os quaes
se pode chegar a posse dum objecto. Ella se estende, por
exemplo, aos objectos achados ou furtados'.»
O nosso Código neste ponto a t tendeu ao que acontece
sempre, a introducção da moeda falsa lucre faciendi causa :
mas esqueceu a outra espécie, damni sibi citandi causa'.
Os interpretes do Código italiano, ao menos Garrara, Pes-
sina, Negri, Crivellari e outros, o alludem á questão que
estabelece o dissentimento a que nos referimos na espécie
entre o Código allemSo e o húngaro.
A espécie do art. 236 do Projecto é uma figura nova, que
teve como fonte os códigos citados, para preencher a lacuna
do nosso Código.
A' vista do silencio absoluto deste neste ponto, entre nos,
não se pode processar por moeda falsa o fabrico, deten-
tençfio, etc-... de instrumentos para contrafazer ou alterar
moeda.
O facto é um acto preparatório, como dizem Garrara e
Pessina : so pôde ser incriminado como delicto sui generis\
por disposição especial que alias não existe. Alguns códigos
não prevêem mesmo a espécie, deixando-a impune nessa
phase de preparação do crime.
Assim, o código húngaro a omilte, consagrando, porém,
a seguinte disposição :
« Art. 205. O concerto (complot, art. 132) tendo por fim
commetter o crime determinado no art. 203, será punido, si
fòr seguido dum acto preparatório, com três meses de prisão,
no máximo.»
Commenlando este artigo,dizem os traductores do Código
que este artigo não existia no Projecto. A Gamara dos Depu-
tados o havia votado com uma primeira redacção que punia
somente a provocação, mesmo o seguida de effeito, com
uma pena que podia ser elevada até um anno de prisão. A
Gamara alta abaixou a pena até tresmezese exigiu que a
provocação tivesse sido seguida ao menos por um concerto
entre os culpados. Neste estado da questão, a Gamara dos
1
Von Liszt, TRATADO PB DIREITO PENAL, traci. do Dr. José Mygino. Rio de Janeiro,
1899, vol. 2°, pag. 390.
* Mtrtinet e Dares IP, CODE PENAI, HONCROIS. Paris, 1885, art, 209, not. 1.
— 248 —
Deputados entendeu que era mais simples usar do termo!
definido de complot e de referir-se ao art. 132. Donde se
conclue que o art. 137 relativo aos casos de impunidade dos
complot a deverá igualmente ser applicado '.
I
As leis, cujas disposições transcrevemos como texto em
seguida ao do Código Penal, quasi não exigem explicação.
A primeira, de n. 515, de 3 de novembro de 1898, no art.
14, estabeleceu « que o crime de moeda falsa não prescreve
em tempo algum em favor do réo domiciliado ou bomisiado
em paiz estrangeiro».
O Código Criminal, anterior de 1830, art. 65, dizia de
modo geral: « as penas impostas aos réos não prescreverão em
tempo algum.»
O decreto do Governo Provisório n. 774, de 20 de setem-
bro de 1890, arts. 4
o
e estabeleceu a prescripçSo das penas,
o que foi mantido no Código Penal vigente, arts. 71 e 72.
A nova lei nega mesmo a prescripçSo do crime, ainda não
julgado, aos ausentes no estrangeiro.
Trata-se de matéria de que já nos occupámos commen-
tando a parte geral do Código objecto de outro livro.
2
Essa lei estabeleceu medidas de rigor como essa, atten-
dendo á impunidade e consequente desenvolvimento do crime
de moeda falsa.
A Constituição Federal, no art. 72, dispõe:
« § 31. E' mantida a instituição do jury.»
Contra esse enxerto que não estava no projecto de con-
stituição pronunciei-me explicita e formalmente no Congresso
Constituinte.
3
Não obstante a disposição constitucional, geral e impera-
tiva, a citada lei n. 515 retirou do jury para os juizes seccio-
naes(federaes), o julgamento da moeda falsa e outros; e mais,
negando-lhes, além da prescripçSo a fiança e consagrando o
próprio effeito retroactivo, arts. 12 a 14.
Depois do erro constitucional, é o caso de dizer: abyssusl
abyssum inoocat.
Mas, deante dos rigores da penalidade da moeda falsa ;
isto é, da pena de morte, até pouco tempo applicada e da
prisão perpetua ainda hoje, é muito justa a observação de
Garraud:
Não exaggeremos, em fim, os perigos públicos do crime
de moeda falsa: «a melhor garantia da moeda nacional, dizia o
relator da lei franceza de 28 de abril de 1832, está na\ sua
perfeição ».
1
Martinet e Dares te, COD. CIT., art. 205, nofc. 1.
* Do auctor: COD. COMMBNTADO, ETO. Rio de Janeiro, 1896-97, 2 vol.,
pag. 317, XXXVII.
3
Discurso na sessão de 28 de janeiro, 1891 — CONSTITUINTE Annacs. do
Congresso barional, etc., vol. 2o, app., pags. 61 o 62.
K
249
E a estatística tem vindo confirmar estas palavras. Depois
de ter passado por augmenlos successivos, de 1826 a 1850, o
numero médio de accusações de moeda falsa experimentou em
seguida oscillações sensíveis, de um per iodo quin-quennal a
outro; mas, na realidade, o crime tende a decrescer : 66,
algarismo máximo, de 1846 a 1850, e 34, de 187*3 a 1880, seja
48 %> menos.
A mesma proporçflo se tem mantido, mais ou menos, de
1881 a 1885, porque, durante este ultimo periodo, o numero
médio annual de accusações foi de 49. *
A. outra lei que consignámos também no texto, ó a de n.
561, de 31 de dezembro de 1898, que, no art .4°, retira tam-
bém do jury o julgamento das infracções, que prevê.
Conforme os arts. I
o
e do texto, são equiparados a
moeda falsa quaesquer títulos ao portador, ou com o nome
deste em branco, sejam apólices ou outros de denominação
differente, emittidos pelos governos dos Estados ou dos mu-
nicípios, uma vez que sejam empregados como moeda; sendo
o infracçfio sujeita ;'i sancção do art. 241 do Código Penal.
A disposição e tão simples que não exige explicaçfio;
mas o principal responsável pelo abuso foi o Governo Federal
que nfio providenciou em tempo para ao menos tirar o
pretexto para as emissões agora punidas.
Trata-se de um paiz vastissimo, de communlcações diffl-
ceis e demoradas, de população disseminada, onde nfio ha a
quantidade necessária de moeda divisionária, miúda, de
troco, para as transacções.
s». Consignaremos a jurisprudência applicavel do cod.
crim. anterior e do vigente.
« As aggravantes dos §§ 4 e 9 do art. 16 do cod. crim.
(cod. pen. art. 39, §§ 4 e 6) são elementares do crime de in-
troducçfio de notas falsas na circulação » : Acc. Relaçõo Re-
cife, 18 de dezembro de 1874.
Sobre a fraude nfio ha duvida ; nfio assim sobre o motivo
reprovado ou frívolo.
O moedeiro falso, tanto pode ser arrastado pela miséria
ao crime, como pratical-o para tornar-se opulento, motivo
reprovado; ou para fazer fallar de si, para alcançar essa triste
celebridade. Os famigerados Afionsos Coelhos sfio capazes
disso ; eis ahi o motivo frívolo
« Commette o crime de moeda falsa o individuo que
introduz na circulação cédulas formadas de partes de cédulas
verdadeiras »: Revista crime, n. 2566, de 3 de novembro de
1886.
1
Garraud, OBR. OIT., vol. 3
o
, pag. 80, n. 65.
250
Foi esse facto e talvez outros semelhantes que deram
origem á disposição casuística do cod. pen. art. 243, 2° parte.
R
« O examo feito na Caixa de Amortização, á requisição da
autoridade processante, por empregados habilitados, demonstra
a falsidade das cédulas examinadase equivale corpo de
delicto dirigido o presidido por autoridade policial ou
judiciaria.
« A passagem de moeda falsa em dias diversos e a diffe-
rentes indivíduos nfio constilue por isso roais de um crime,
para que aos seus autores seja applicado o máximo da pena em
que incorreram com o augmento da sexta parle, nos termos do
art. 66 do cod. penal.
« O tribunal superior pôde impor ao appellantc pena maior
do que a imposta na sentença appellada »: Acc. do Supremo
Tribunal Federal, 23 de setembro de 1899 '.
A primeira parte deste ultimo aresto está de occòrdo com
outros da jurisprudência italiana sobre o art. 256, paral-lclo ao
241 do nosso ; era a hypothese no caso e conforme a qual, nos
termos de tal artigo, se tem num crime só (até) quando o
mesmo falsifica dor de moedas as dispende ou as mette em
circulação. Portanto, appllca-se uma so vez a pena com minada
pelo citado artigo *.
O caso nfio é idêntico, mas é semelhante, ou antes mais
grave, porque ô réo que reúne as funeções úe falsifica dor e\
passador. Garrara parece ser da mesma opinião.
Contra o Accordflo, cm ambas as suas parles, fez inter-
essantes observações, uma das nossas mais nataveis revistas
jurídicas
3
.
« O individuo que falsifica, ao mesmo tempo, bilhetes, ou
notas do Tbesouro e cédulas de qualquer estabelecimento
bancário commette um crime e nfio dotis»: Acc. Relaçfio
da Corte *. H
« Consideronde que tendo sido convencidos os três úl-
timos rcos da autoria e coparticipaçfio dedous crimes da
mesma natureza (arls. 241 e 247), nfio se lhes podiam impor
conjunctamente as penas marcadas para os dous crimes,
porém, somente a pena mais grave, no grão máximo de um
delles, com o augmenloda sexta parte, como determina o §2°
do art. 66 do cod. penal»: Acc. do Supremo Tribunal Federal,
2 de agosto de 1896.
1
O DIKKITO, vol. 7°, pag. 592; »ol. 41, pag. (535; vol. 81, pag. 112, e vol. 82. pag. 386.
9
Crivellari, OBR. CIT., vol. 7", pag. 173, n. 35, III.
5
REVISTA «R JURISPRUDÊNCIA, Rio da Janeiro, 1900. vol. 8
o
, pag. 153 ; Garrara,
PROORAMMA, Pari. Spec. vol. 7° pap. 270, §3582.
* Paula Pessoa, COD. CRIM. ANNOTADO, Rio da Janeiro. 1877, art. 174, not. 539, pag.
280.
251
E' mui lo duvidosa a doutrina do aresto em face do cod.
pen. porque no art. 40 define o crime da mesma natureza para
os effeitos da lei penal, em geral, « o que consiste na violação
do mesmo artigo ! »
Ora, na espécie se tratou de passar moeda falsa e falsi-
ficar estampilhas de sei lo, factos previstos nos dous distinctos
artigos citados.
« Sendo a fraude elemento constitutivo do crime de intro-
ducção de notas falsas, nfio pode ser considerada circum-
stancia aggravante para elevação da pena. Em falto de
qualquer outra aggravante e nfio havendo otlenuantes, a pena
legal é a do gráo dio»: Acc. do Supremo Tribunal Federal
3 de fevereiro de 1897 *.
« As circumstoncias dos §§ 8
o
e 17 do digo criminal
(Código penal, art. 39, §§ e 13, premeditaçõo e ajuste) nfio
são elementares e sim oggravantes no crime de moeda falsa
»: Accórdõo da Relaçfio da Corte, de 2 de abril de 1878 O
Direito, vol. 1G, pag. 613).
«Incorre no art. 174 (Código Penal, arls. 239e 240),
aquelle que fabrico moeda tão grosseiramente que nfio possa
passar por boa »: Revista crime n. 2140, de 18 de outubro de
1873.
A decisão deste aresto é muito absoluta.
Talvez tivesse concorrido para ella uma velha disposição
encarnada no nosso direito.
Effectivamente, em relaçfio a moeda de cobre, a lei n. 52,
de 3 de outubro de 1833, dispõe o seguinte :
« Art. 7.° Julgar-se-á falsa, e como tal sujeita a todos as
disposições a respeito, a moeda de cobre que fôr visivelmente
imperfeita em seu cunho, ou que tiver de menos a oitava
parte do peso com que íoi legalmente emittida nas differentes
províncias.»
E' verdade que no Projecto de 1893 nfio adoptamos a
attenuonte do Código italiano, art. 259, para o caso em que a
falsidade seja facilmente reconhecível; mas o aresto pode
autorisar a punição ade fraudes, mediante cousas que não
sõo moeda, como si o fossem. A' vista do que acima
expuzemos, nossa opinifio é muito differente (n. 79).
Carlos Perdigõo conforma-se com o aresto.
« Commetteo crime do art. 175 (Código Penal, art. 241),
aquelle que introduz dolosamente na circulação, embora com
outras moedas estrangeiras, libras esterlinas falsas, moedas
estas que teem curso legal neste Estado, por serem recebidas
nas estações publicas»: Revista crime n. 2325, de 29 de
março de 1879.
* Supremo Tribunal Federal—JURISPRUDÊNCIA, ETC, em 1893, pag. 113; em 1897,
pag. 111.
Devemos notar que o nosso Código penal vigente pune
0 crime de moeda falsa estrangeira, art. 239.
«Incorre no art. 175 (Código Penal, art. 241) o que in-
troduz na circulação nota falsa, sabendo que o é »: Accór-dflo
do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de abril de 1879'.
« Considerando que estando duvidoso, si o réo recebeu
as notas reconhecidas falsas de boa ou /<*, e não se tra
tando de dolo civil, era que poderá ser admissível a prova
presumptiva, mas sim de dolo criminal, não pôde o lo
w condemuado por virtude de presumpções, ainda que
veliementes sejam, e sendo, como é, a prova duvidosa »:
Accórdflo da Relação da Corte,de 23 demarco de 1873 *.
A' vista do que acima dissemos, preferimos a doutrina
deste aresto á do anterior.
Deixámos de tratar neste titulo dos papeis, cuja emissão é
também vedada sob a sancçflo penal da lei n. 177 A, de 15 de
setembro de 1893, art. 3°, § I
o
, porque taes papeis nflo são
moeda falsa, nem a esta aqui parados.
Isto é bem demonstrado por Inglez de Souza, numa obra
recente, na qual aliás elle commenla a citada disposição penal
daquella lei especial.
Effectivamente, ao facto incriminado faltfio as caracte-
rísticas da moeda falsa, porque si a respeito da moeda, como a
respeito dos direitos reaes, se pôde dizer que vale erga
omrtes, maximé num paiz, como o nosso em que toda a
moeda fiduciária, seja nacional ou dos bancos, tem curso
forçado, nada disto se realisa no papel particular, contendo
promessa de pagamento em dinheiro, ao portador ou com o
nome deste em branco.
Entretanto, na presupposição talvez de considerar tal
papel como um equivalente da moeda, ao menos miúda ou de
troco e assim concurrente á do Estado, cujo monopólio viola,
a lei citada pune o (acto que o nosso Código penal havia omi
Ilido, seguindo nós este exemplo nos nossos projectos de 1893
e 1897, não assim o de 1898, que, convertido no de 1899,
contém um capitulo especial, o 2
o
deste titulo, com um artigo
nestes termos, sob a epigraphe de emissão illegal.
«Art. 237 Emittir, sem autorisaçSo legal, nota, bilhete,
vale postal, formula com valor, papel ou titulo ao portador, ou
com o nome deste era branco:
1 Pena multa do quádruplo do valor emittido, a qual
recahirá integralmente tanto sobre aquelle queemittiu, como
sobre o portador.»
1
Carlos Perdigão, MANUAL DO COD. PENAL. Rio de Janeiro, 1882, 1* vol.,
pags. 470, 473 e 489.
1
Ferreira Tinoco, COD, CHIM. ANXOTADO. Rio de Janeiro, 1886, art. 175
not. 161, pag. 301.
253
Três differenças ha entre o projecto e a lei.
O projecto é absoluto e nem contém a resalva da autori-
sação legislativa para a emissão; depois, enxerta, não sei
porque o vale postal e a formula com valor; e finalmente
supprime a pena de prisão simples de quatro a oito mezes
comminada pela lei.
Encarnadas neste titulo taes figuras, entre a moeda falsa e
congéneres, aliás punidas com pena contravencional, é
forçoso applicar-lhe os princípios geraes do titulo que aqui
temos exposto.
Em relação, porém, á especialidade de taes figuras e á
sua correlação civil e criminal com os títulos ao portador,
reportámo-nos ao livro especial que citamos na parte
indicada, onde se discute também a questão de competência
do processo alheia á nossa tarefa
i
.
CAPITULO II
FALSIDADE EM SELLOS, ESTAMPILHAS E OUTRAS
CÓDIGO
Art. 245. Falsificar papeis de credito do Governo Federal, títulos da
divida publica, bilhetes e letras do Thesouro Nacional ou do Governo dos
Estados, que não circulem como moeda:
Penas de prisão cellular por um a quatro annos, multa de cinco a
20 % do damno causado e perda, para a Nação ou Estado, do papel
achado e dos objectos destinados à falsificação.
Art. 246. Falsificar o sello publico do Governo Federal ou dos
Estados, destinado a authenticar ou certificar actos ofBríaeg:
Pena — de prisão cellular por S3is mezes a um anno.
Art. 247. Falsificar estampilhas, sellos adhesivos, vales postaes ou
coupons de juros de títulos da divida publica:
Penas—de prisão cellular por um a quatro annos e multa de cinco a
20 % do damno causado.
Art. 248. Falsificar bilhetes de estradas de ferro, ou de qualquer
empreza de transporte, pertencentes á Nação ou aos Estados:
Penas de prisão cellular por seis mezes a um anno e multa de
cinco a 20 % do damno causado.
Art. 249. Falsificar cheques e outros papeis de bancos, letras e titulos
commerciaes de qualquer natureza, sejam ou o, transferíveis por
endosso:
Penas —do prisão cellular por um a quatro annos e multa de cinco a
20 % do damno causado ou que se poderia causar.
Art. 250. Usar de qualquer papel, ou titulo, dos indicados prece-
dentemente, como verdadeiro, sabendo ser falso:
Penas — as do artigo antecedente.
1
H. Inglês de Souza, TÍTULOS AO PORTADOR, Rio de Janeiro, 1898,
pag. 93, cap. III, per totum.
*^"" ' ~*fl(p5?v^WT*"^
*
-
— 254 —
C0MMENTARIO
83, Justificando o Projecto de 1893, seguido neste capitulo
pelos posteriores, conforme notámos na exposição de\ motivos
do de 1897, dissemos naquella do primitivo:
o o projecto comprehende também a falsificação e o uso
respectivo do sello, estampilhas fiscaes e postaes e bilhetes de
estradas de ferro e outras emprezas de transporte, assim como
de cunhos, sellos e marcas de contrastes, etc. Alterou-se os
artigos correspondentes do vigente Código penal para excluir
factos mal qualificados sob esta epigraphe e melhorar a
redaçfio dos mesmos artigos, verbi gratia, relativamente á
falsidade de bilhetes de emprezas de transporte que o código
restringiu ás de propriedade de União ou dos Estados, sem
razão plausível, inctuindo-ee afinal espécies congéneres que
escaparam ao novo código *. »
A matéria dos artigos do texto escatalogada na I
a
secção
do cap. II com o subtítulo—das falsidades neste titulo do
Código. I A classificação, como sempre, é injustificável,
conforme veremos melhor com a analyse da matéria,
confrontando-se este capitulo com o dos projectos de revisão.
O Estado, diz Pessina, e os outros entes moraes que vivem
sob a tutella do Estado, adoptam algumas formas abreviadas que
são signaes ou symbolos da sua autoridade (stem-ma, signum
publicum, emblema) e se servem delias pura authenticar a
proveniência dum acto delles; e para obter a uniformidade
constante destes signaes são adoptados instru-
t
mentos para
impressão dos mesmos sobre certas cousas, como são os sellos,
cunhos, marcas ou carimbos, punções e utensis semelhantes.
Algumas dentre as legislações do século 19°, seguindo o Código
francez de 1810, herdaram sobre esta matéria os mesmos rigores
tradicionaes com que era punida a mosda falsa, chegando até a
punir com a morte a falsificação do sello do Estado
3
.
A Orden. Liv. 5", Tit. 52, pr., punia também com a morte
os que falsificavam o signal ou sello do Rei.
Mas o senso jurídico dos criminalistas modernos orientou
outras legislações contemporâneas por um caminho diverso e
mais rasoavel. O Código italiano de 1859 moderou um pouco
o rigor do Código francez ; mas, com o exemplo de vários
Códigos allemães, o Código toscano de 1853 considerou este
delicio reduzindo-o á sua forma mais simples e verdadeira.
1
EXPOSIÇÃO DK MOTIVO6 do Projecto de 1893, pag. 14.
1
Cliauveau, Ilélie o Villey, OBR. CIT.. vol., pag. 306, n. 310
255
O Código italiano vigente seguiu a orientação do Código
toscano e descendo ás especialidades desta forma de delin-
quência, lhe fixa normas acceitaveis '.
O Código penal no texto desta secção intercallou disposi-
ções, como as dos arts. 245 e 249 no meio doutras muito di-
versas, embora em relação á matéria geral di titulo, aliás tão
subdividida em especialidades.
O nosso Código fez o mesmo que se nota no art. 139 do
Código francez, sobre cujas disposições observa com rasão
Garraud, que pune taes crimes que o se assemelham senão
pelo nome: « a contrafacção do sellodo Estado e a contrafacção
ou falsificação, quer de effeitos emittidos pelo Thesouro Pu-
blico com seu timbre, quer de bilhetes de banco, autorisados
por lei ». Teria sido mais lógico regular estes crimes distin-
ctamente. E com effeito, entretanto que a contrafacção do
sello do Estado tem uma grande analogia com os crimes pre-
vistos pelos arts. 140 e seguintes (arts. 246 e 247 do nosso), a
contrafacção dos effeitos públicos, dos bilhetes de banco asse-
melha-se, quer ao crime de falsidade em escriptura publica,
quer ao prime da moeda falsa.
E' mister notar, emfim, que a lei pune a contrafacção ou
falsificação, ouso e a introducção em França dos effeitos de
bilhetes contrafeitos ou falsificados, mas o faz questão da
sua exposição. Deve-sc concluir que o facto, commettido por
um cambista, de offerecer ao publico em sua vitrina ou
mostrador bilhetes de banco, que elle sabe serem contrafeitos
com a intenção de pol-os em circulação, não cahiria sob a
saneção de nenhuma disposição de nossas leis repressivas.
8
Realmente não se poderia considerar este facto como um
começo de execução da introducção na circulação, isto é, do
uso, mas quando muito como uma preparação deste uso.
3
Esta doutrina se adapta a interpretação dos arts. 245 e
249 do nosso código, que parece ter tido aqui como fonte o
código francez, a censura do qual também lhe cabe; assim
como é de notar que o nosso código, em relação aos papeis
do art. 249, se refere ao seu uso, como 6 expresso no art.
250.
Sobre a matéria do art. 245 do nosso código parallela ao
art. 139 daquelle outro, diz Garraud que se trata de effeitos
que o thesouro publico põe em circulação, depois de tel-os
revestido com o seu timbre, para amoedal-os, taes como os
bons do thesouro. Estes effeitos representam o papel de
moeda e sua contrafacção pôde ser assemelhada, sob o ponto
de vista da repressão, á das moedas de ouro ou de prata (art.
132, § 1).
1
Pessina, MANUALE CIT. Part. sec. 9 198. pag. 217.
* Garraud, ouu. CIT. 3
O
vol. pag. 110, n. 91
1
Ilélie, PRATIQUK ORIMINBLLE CIT. 2
o
vol. pag.. 147, n. 231.
HHHBt—-——«MMMHdi
— 256
A condição constitutiva do crime, condição que deve fi-
gurar qualificação e no quesito proposto aojury, 6 que a
contrafacção ou falsificação tenha versado sobre os effeitos do
thesouro revestidos do seu timbre. Dahi três consequen-j cias: I
a
a disposição seria evidentemente inappiicavel a contrafacção
dos effeitos emlttidos pelo thesouro, que não tivessem seu
timbre ; -2
a
ella seria também inappiicavel, bem que se possa
duvidar, á contrafacção dos effeitos que levam habitualmente o
timbre do thesouro, si o autor da contrafacção não tivesse
imitado este timbre sobre o effeito emit-tido. Este acto seria
sem duvida alguma punível, mas calaria somente sob a
comminaçfio dos arts. 145 e 147 do código francez (208, 258 e
259 do nosso) conforme o autor do crime fosse ou nSo
funecionario publico; não se pôde igualmente assemelhar
aos effeitos do thesouro, cuja contrafacção é reprimido pelo art.
139 (245 do nosso) os chamados bons obsidionaes
obsidionauã', que se emittem ás vezes numa cidade sitiada para
representar a moeda metallica e que são assignados pelo chefe
militar ou chefe civil, pelo general ou pelo prefeito *.
Sobre o mesmo art. 139 do código francez parallelo ao art.
249 do nosso, ainda os mesmos autores, variando ligeiramente
na forma observam que a disposição relativa «á contrafacção
ou falsificação de bilhetes de banco autorisados por lei » se
pode applicar aos bilhetes do Banco de França, pois que este
estabelecimento tem o monopólio exclusivo, em França, da
emissão de bons ao portador, immediatamente conversíveis
em moeda metallica, mediante somente a sua apresentação. Os
bons emittidos pelos outros bancos não constituem sinão
escripíos ou papeis de commercio ou de banco, e, por
conseguinte, á contrafacção ou falsificação não ê imposta
sinSo a pena estabelecida pelo art. 147, que corresponde aos
arts. 258 e 259 do nosso.
Em todos esses crimes a lei assemelha o uso ou a intro-
ducção a contrafacção ou a falsificação. O uso constítue um
crime distincto (nosso codigô, art. 250), quando elle é
commettido por qualquer outra pessoa que não o contra-factor
mesmo. Neste caso, não ô necessário que tenha havido
intelligencia e accôrdo ou concerto entre aquelle que emitte
um bilhete de banco, ou um bon do thesouro falsificado, e
aquelle que o fabrica ; é mister, mas basta que o uso tenha
tido logar com conhecimento de causa, scientemente.
8
1
Blanche & Datruc, OBR. CIT. 3" vol. pag. 108, n. 82; G arraud, OBBCIT.
vol. pag. 112, n. 93.
* Chauveau, Hélie e Vielley, OBR. CIT. 2" vol. pag. 299, n. 604; Blanche &
Dutruc, OBR. CIT. 3
O
vol. pag. 109, ns. 83 o 84; G arraud, OBR. CIT. vol. pag.
113, ns. 94 e 95.
257
E' o que resulta lambem do nosso código, arts. 245, 249 e
250, combinados.
O systema do nosso código na classificação dos arts. 245
e 249 diverge muito dos projectos posteriores.
Assim, a figura do art. 245 comprehende o facto de «
falsificar papeis de credito do Governo Federal, títulos da
divida publica, bilhetes e letras do thesouro nacional ou do
governo dos Estados que não circulem como moeda. » W O
código esqueceu os municípios, inclusive o mais importante
da Republica, o do districto federal.
Conforme os projectos posteriores e o definitivo de 1893,
art. 235, todos os títulos a que se refere o artigo do texto o
considerados como moeda ou a ella equiparados e, pois, estão
comprehendidos no capitulo anterior que já commentámos.
Do mesmo modo o código no art. 249 considera uma
figura especial deste capitulo o facto de— « falsificar cheques
e outros papeis de bancos, letras e títulos commercíaes de
qualquer natureza, sejam ou não transferíveis por endosso ».
A disposição é um pouco vaga e obscura ; mas, segundo
os citados projectos, o de 1899, arts. 235 e 253, combinados, o
que dentre taes títulos não fòr considerado moeda ou ã esta
equiparado, está col locado entre as escripturas publicas,
apphcandc-se a pena respectiva no caso de falsidade delle.
Os projectos definiram com precisão as espécies nos arts.
235 e 253.
84. Passando agora á matéria propriamente deste ca-
pitulo, ô a primeira figura do texto a do art. 245 do código
que os projectos reproduziram menos na pena que foi
augmentada, e accrescentando-se ao sello da União e dos
Estados, o dos municípios, conforme o projecto de 1899, art.
238'.
I Quanto á União, o decreto do Governo Provisório n. 4, de 19
de novembro de 1889 estabelece os distinctivos da
bandeira e das armas nacionaes, e dos sellos e sinetes da
Republica — dizendo quanto â parte que nos interessa :
« Art. 3.° Para os sellos e sinetes da Republica servirá de
symbolo a esphera celeste, qual se debuxa no centro da
bandeira, tendo em volta as palavras Republica dos Es-\
tados Unidos do Brasil.
H E conforme o art. I
o
é — «a esphera celeste azul, atra-
vessada por uma zona branca em sentido obliquo e descen-
dente da esquerda para a direita, com a legenda — Ordem e
. Progresso e ponteada por vinte e uma estrellas, entre as
quaes a da constellação do Cruzeiro, disposta na sua situação
astronómica, quanto a distancia e ao tamanho relativos,
representando os vinte Estados da Republica e o Município
Neutro. » (Districto Federal).
Sobre a espécie, parallela a uma do art. 139 do código
franeez, dizem os seus interpretes que o sello do Estado
WÊKBtUm
— 258 —
nfio se deve confundir com o timbre nacional e os sellos das
autoridades, de que tratam os arts. 140 e 142 (247 do nosso) ;|
na pratica administrativa se distingue em grande e pequeno
sello. O grande é o que é reproduzido em relevo sobre lacre ;j o
pequeno não consiste sinão numa impressão a secco. O
primeiro é preso por laço ou qualquer presilha ao objecto, o
outro lhe ê appliçado directamente.
I Mas esta distincção não tem importância acerca doj crime
de que tratamos, porque a lei pune a contrafacção ou o uso
tanto do pequeno como do grande sello. Não ê questão, de
resto, da falsificação que restaria impune. *
O nosso código, arls. 246 e 250, pune a falsificação e o
uso ; e o decreto citado se refere a sello e sinete.
A seu turno dizem Chauveau e Hélie que não crêem que tal
disposição tenha jamais sido applicada. Trata-se aqui de um
crime, por assim dizer imaginário. O grande sello do I Estado
não é apposto sinão a alguns dos actos emanados da autoridade
superior e esta apposição, que não é mais do que uma simples
formalidade não ajunta força alguma ao acto mesmo ; nenhum
interesse pois ha em contrafazel-o.
2
A' vista do que dizem os autores francezes, parece que do
extremo rigor tradicional chegou-se á indifferença do acto ou
a sua impunidade pelo desuso da lei, ou inopportu-nidade de
appUcação.
Entretanto, sobre o art. 264 do código italiano parallelo
também ao art. 246 do nosso, diz, ao contrario, Crivellari que o
sello do Estado é aquelle que se applica aos actos, leis ou
decretos que fazem parte da collecção offlcial dos actos
governativos, e de tal apposição se faz menção na formula da
promulgação, conforme a lei de 23 de junho do 1854, n. 1735.
A sua guarda e applicação competem ao ministro guarda-sellos.
Qualquer publicação de lei ou decreto I não revestida delle
seria nulla.
Disto se comprehende qual seja a importância desse
signal e como a sua contrafacção acarretaria consequências
graves.
Para garantir a authenticidade delia de qualquer ataque,
para reprimir qualquer ataque que á tal authenticidade seja
leito é entendida a disposição em exame.
3
Entre nós não ha ministro que seja guarda-sellos.
Conforme a lei n. 23 de 33 de outubro de 1881, que
rcorganisa os serviços da Administração Federal, ao ministro
da justiça não foi attribuida tal funcção e — «os actos
< Blaoche & Dutruc, Oua. CIT. vol. 3° pag. 103, n. 81; Gan-aud, OBR. CIT.,
vol. 3
o
, pag. 111, n. 92.
» Chauveau, Hélie e Villey, OBR. CIT., vol. 2°, pag. 306, u. 610. »
Crivellari, Onn. cit., vol. 7", pag. 194, art. 264, n. 52.
259
do Poder Executivo sob a forma de decretos ou regulamentos
serão expedidos com a assignatura do Presidente da Repu-
blica e do Ministro respectivo » arts. e 8°. |y
Justificando no código italiano a disposição parallela ás dos
arts, 246 e 250 do nosso, Carrara nota que o legislador tem
punido tanto a contrafacção do sello do Estado como
0 uso do mesmo, ainda que contrafeito por outros.
1 Na primeira figura deste crime, a lei não se occupa
absolutamente si aquelle que tem contrafeito o sello, o tinha
contrafeito para servir-se delle, como no falsifícador da
moeda não cogitou de determinar a priori o escopo de pól-a
em circulação. Sobre esta classe de crimes, o dolo é intuitivo
na acçSo mesma da adulteração, e as consequências dam-
nosas são tão graves, que não é necessário subtilizar muito
sobre os detalhes que servem a concretísar o crime. Não é
o damno material que a lei tem em mira, punindo os
crimes de falsidade, mas também o damno potencial, o qual
assume maior ou menor proporção, quer pelos objectos con
trafeitos, quer pelo modo da contrafacção, quer finalmente
pelo destino dos objectos mesmos.
l
Sejam quaes forem, porém, as divergências entre a pra-
tica do direito francez e italiano e as consequências resul-
tantes do rigor deste ultimo, é certo que entre nós o facto é
punido porque pode acarretar não nullidades, mas damnos e
prejuízos, facilitando por outro lado a realisação de outros
crimes.
A falsificação do sello do Estado pôde concorrer para
levar mais facimente a effeito a falsificação de um titulo ou
diploma em que se costuma appôl-o , pôde facilitar a aber-
tura, de envolucros encerrando papeis, cujo conteúdo deve
ficar em segredo, ao menos durante algum tempo e em outros
casos.
E* com razão o que o legislador pune nos arts. 246 e 250
nas condições do nosso direito que diverge assim, tanto do
direito italiano como do francez.
Passemos ao art. 247 em queocod. pen. pune quem
falsificar estampilhas, sellos adhesivos, vales postaes ou
coupons de juros de títulos da divida publica.
Quanto a esses coupons, todos os projectos e o de 1899,
art. 235, os equipara â moeda, incluíndo-os na falsidade desta
de que nos occupamos no cap. I deste titulo.
Em relação á matéria de que vamos nosoccupando e em
geral do titulo, justificando os arts. 264 e segs. do cod. ital.
parallelos aos do nosso, dizia o ministro Zanardelli em 1887,
que a autoridade social adopta os signaes que se chamam
sellos, sinetes, cunhos, carimbos, quer para attribuir authen-
1
Carrara. COMMBMTO ove, , art. 264, pag. 168.
-260-
Ucidado aos próprios actos, quer para certificar, sob a ga-
rantia da fé publica, a identidade, a bondade ou legitimidade
de algumas cousas determinadas, quer finalmente, como meio
para arrecadar algumas taxas. De onde ê de interesse uni-
versal tutellar a sinceridade dos sellos offlciaes, declarando
serdelicto contra a publica qualquer alteração maliciosa
dos mesmos sellos. *
Estas sfio as raes da lei, diz Majno, a qual talvez, com
as disposições do presente cap. se tem deixado dominar
por aquelle fetichismo, pelos symbolos que temos tido
occasião de notar commentando o art. 201 (n. 986). SI de
facto em algum caso a falsificação de sellos ou cunhos repre-
senta por si mesma a violação effectiva de um direito,
muitas vezes ao contrario ella não é sinâo o complemento
de uma falsidade documental com a qual poderia confun-
dir-se. '
A observação de Majno o é applicavel ao nosso cod.
que é até escasso na maria, nem mesmo aos projectos de
revisão que ainda teem lacunas diante da profusão nos últimos
annos das disposições liscaes sobre a variedade de sellos dos
diversos impostos, maxime federaes.
Os projectos de revisão, acostando-se mais ao cod.
Ital. e o de 1899, no cap. Ill deste titulo desenvolve as
espécies do art. 247 do titulo e a exemplo das disposições
sobre a moeda falsa, consigna numerosas modalidades das
alludidas espécies em relão às estampilhas, sellos, cunhos
instrumentos acerca da falsificação, uso de uns e outros,
detenção ele.
Essas modalidades, como notámos, escaparam ao
código mesmo quanto á moeda falsa.
Os regulamentos íiscaes estabelecem penas pecuniárias
para factos si o idênticos, semelhantes, em alguns casos
sem prejuízo da pena criminal do art. 247 ou de outra qual-
quer sobre a falsidade de papeis em geral.
85. No art. 248 o cod. pune a quem falsificar bilhetes
de estrada de ferro ou de qualquer empreza de transporte |
pertencente a não ou aos Estados e cujo uso comprehende
a norma geral do art. 250.
O cod. pen. aqui, além de restringir muito a disposição,
ainda omittiu o Município que no Districto Federal conta as
mais importantes emprezas de transporte.
E para melhor intelligencia do artigo do texto e dos
projectos que o modificaram vamos relembrar o estudo da
sua fonte, o cod. ital., art. 273.
1
RBLAZIONK H de Í887, n. CXIX.
• Majno, o BR. crr. 1" vol. art. 264, pag 732, u. 2,020.
261
E' punida neste artigo, diz Crivellari, a contrafacção ou
alteração dos bilhetes das vias férreas ou de outras em-j
prezas de transporte e o uso de taes bilhetes contrafeitos ou
alterados.
O código de 1859 (como o nosso de 1830) não continha
disposição alguma a respeito, e por isso tinha surgido a
duvida sobre a natureza do crime que se commettesse com
aquelle facto, isto é, si era falsidade em escriptura publica ou
um crime de falsidade innominado. A corte de Cassação de
Turim resolveu em 1885 a questão declarando constituir o
facto aquella ultima espécie contra a opinião do Procurador
Geral que sustentava tratar-se de falsidade em escriptura
publica.
Também Ambrogio Negri lembra que a commissão da
camará dos deputados observava não dever estar compre-
hendida, como delicto contra a publica, a falsificação e o
uso de taes bilhetes falsificados, das vias férreas e menos
ainda a falsificação dos carimbos ou sinetes de outras em-
prezas publicas de transporte de pessoas ou cousas ou o uso
destes instrumentos falsificados.
Si tal disposição podia talvez subsistir a respeito dos
bilhetes das vias férreas porque se pôde dizer que a pro-
priedade dos bilhetes das vias rreas 6 sempre do Estado e a
administração delias concedida á uma sociedade provém da
administração das obras publicas e que vias férreas poderiam
em qualquer dia reverter ao Estado; não acontece o mesmo
pelo que respeita ás em prezas publicas de transporte, como
são os omnibus e os tramtrays.
A industria do transporte o differe de nenhuma das
outras industrias; e se não ô crime contra a publica
falsificar o bilhete de entrada num theatro, não se porque
deva ser crime contra a publica falsificar o bilhete de uma
empreza de transporte.
O ministro Zanardelli não acolheu essa observação ten-
dente a abolir a disposição do art. 273. A censura era dirigida
especialmente á contemplação em tal espécie penal das
emprezas de transporte.
Mas, o ministro, para não acolher aquella observação
aliás assas fundada, inspirou-se na idéa de favorecer o com-
mercio equiparando ás vias férreas também as outras em-
prezas de transporte que de certo modo a ellas se alliam.
Duas são as hypotheses previstas (arts. 248 e 250): a
primeira esta no facto material da contrafacção ou simples
alteração; a segunda no uso dos bilhetes contrafeitos ou
alterados, ainda que sem o concurso da falsificação, desde
que, porém, esta seja conhecida no momento do uso.
fc
A commissSo de revisão, diz Crivellari, propunha que
fossem consideradas como emprezas publicas de transporte
somente aquellas que fossem autorisadas pelo Estado, por
** 262"*- .
uma província ou por uma Communa, nfio considerando ler direito a
esta protecção as outras emprezos que estivessem privadas desta
autorisação. Tal proposta, porém, não foi acolhida; em todo caso
cremos que sob o nome de em prezas publicas de transporte não se
deve entender uma empreza qualquer, mas aquellas que
funccionarem autorisadas por uma autoridade publica. *
Os projectos de revisSo e o de 1899, art. 240, alargaram o
sentido da disposição, sendo-llie entretanto a ppl içáveis as
modalidades das normas geraes sobre as espécies deste capitulo.
Os bilhetes referem-se por sua generalidade ás pessoas ou
cousas.
O art. 250 do texlo consagra uma norma geral em relaçfio ao
capitulo sobre o uso doloso de tudo quanto se prevô nas espécies
dos arts. 245 a 249 e por isso não precisa mais explicação.
Os projectos de revisão contém mais uma figura nova que no
de 1899 é a seguinte :
«Art. 242. Contrafazer ou alterar marca, sello ou
cunho de contraste ou avaliador, cujo certificado tenha,
por lei, fé em juizo: <3
Pena — prisão com trabalho por quatro mezes a um anno».
A disposição não figura no código italiano, mas vê-se desde o
código francez, art. 140: código húngaro, art. 412; hollandez, art.
217; portuguez, art. 230; e hespanhol, art. 215.
A falsificação das marcas dos fieis contrastes não pôde ter
outro objecto, diz Pacheco, que o commetter um verdadeiro roubo,
dando por metal bom e de lei o que não é sinão falso e depreciado.
Este roubo, porém, mais vil que o de um particular, porque é
dirigido contra a sociedade inteira não pôde deixar de ser um delicto
publico desde que destróe as garantias ordenadas pela lei para
garantir a tranquilidade e segurança das trocas.
No mesmo sentido se manifesta Silva Ferrão -.
Sabe-se, diz Blánche que o ouro e a prata, em razão da sua
grande ducilidade, não podem ser empregados ou trabalhados em
estado de perfeita pureza. E' mister, para dar-lhes a dureza que lhes
falta, juntal-os em proporções diversas a outros metaes
inferiores.JElm França, a indus-
' Crivellari, OIIR. OIT., vol. 7
o
pag. 200, art. 273, n. 01; Negri, in Cogholo, OBR.
CIT., TOI. 2», par*. I A, pag. 390, n. 110; Maino, OBR. OIT. 1» vol. art. 273, pag. n.
.
2
£
ach
*
co
t
EL
CÓDIGO PENAI, concordado y comentado, Madrid, 1888— 1889, 2
o
vol. art. 215, pag. 285 ; Silva Ferrão, TBEORI* DO DIREITO PENAL ETC. Lisboa,
1856—1857, vol. 5", art. 230, pag. 231.
7
263
Iria não é livre em variar estas proporções como ella o en-
tende. Julgou-se prudente a regulamentação a este respeito.
Ella não pôde sinõo escolher entre as ligas autorisadas pela
lei; ella ê obrigada a fabricar todas as obras argentarias ou de
ourivesaria conforme um dos títulos prescriptos, isto ê, de
fazer entrar em sua composiçfio uma ou outra das
quantidades que a lei tem tido o cuidado de determinar. Estas
terião ficado provavelmente inefficazes si a lei não tivesse
commettido ao governo assegurar a execução pela fiscal isa-
ção dos estai leleoimentos de garantia e applicação das
marras. E' a contrafacção ou falsificação desta marca que
0 art. 140 do código francez pune *.
Eis a explicação da nova figura dos projectos.
1 Na nossa jurisprudência o ha quasi arestos colleccio-
nados sobre a matéria deste capitulo.
« O crime de fabricação ou falsificação de estampilhas
de sello adhesivo não é crime de moeda falsa. » Revista cri-
me n. 2.610 de 4 de fevereiro e Accordão Revisor de S. Paulo
de 8 de maio de 1888.
Ta es arestos forfio proferidos na vigência do código cri-
minal anterior que silenciava na espécie do art. 247 do código
penal actual.
« Crime de falsificação de estampilhas do sello federal
(art. 247 do código penal) e de apólices de divida publica es-
tadoal fart. 245), ainda que commettidos pelos mesmos in-
divíduos com as circumstancias de contemporaneidade dos
factos e identidade de instrumento, nenhuma relação de
connexidade têm entre si. Pelo que, seus respectivos pro-
cessos devem correr em juizos diversos, competindo a justiça
federal o processo e julgamento do primeiro e a justiça local
o do segundo dos ditos crimes.» Accordam do Supremo
Tribunal Federal, 5 maio 1897 *.
CAPITULO III
I FALSIDADE EM PAPEIS
CÓDIGO
Art. 208. Commetterão tamm prevaricão os funecionarios
públicos que*.
I
o
, fabricarem qualquer auto, escriptura, papel ou assignatura
falsa, em matéria pertencente ao exercício de suas, funeções;
2°, attestarem como verdadeiros, e feitos em sua presença, factos
e declarações o conformes á verdade; omittlrem ou alterarem de-
clarações que lhes fossem feitas ;
1
Blanche, OBR. GIT. yol. 3", art. 140, pag. 131, n. 95. * O
DIREITO, vol. 4(1, pães. 57 « 42ff: vnl. 73, pag. 546.
— 264 —
3°, falsificarem cópia, certidão, ou publica-fórraá, de um acto de
ofílcio, seja suppondo um original que não existe, seja alterando o
original;
4°, attestarem falsamente a identidade, estado das pessoas e outros
factos em acto do offlcio, destinado a provar a verdade desses mesmos
factos ;
5
o
, cancellarem, ou riscarem, algum de seus livros oíílciaes ; o
darem conta de autos, documentos, ou papel que lhes fossem entregues
em razão do offlcio, ou os íirarem de autos, requerimentos ou repre-
sentações a que estivessem juntos e lhes tivessem ido as mãos, ou
poder, em razão do emprego ;
6°, passarem certidão, attestado, ou documento falso, para que
alguém seja incluído, ou excluído, do alistamento eleitoral:
Penas de prisão cellulrr por um a quatro annos, perda do em-
prego e multa de 200$ a 5001000.
Art. 258. Fazer escriptura, papel ou assignatura falsa sem
sciencia ou consentimento da pessoa a quem se attribuir, cum o fim de
crear, extinguir, augmentar ou diminuir uma obrigação:
Penas de prisão cellular por um a quatro annos, e multa de
cinco a 20% do damno causado, ou que se poderia causar.
Art. 259. Incorrerá nas mesmas penas :
§ ]." o que fizer em escriptura, ou papel verdadeiro, qualquer alte-
ração da qual resulte a de seu sentido, ou de natureza a produzir um
effeito jurídico diverso, como seja alterar algarismo, a data, a causa da
obrigação, o tempo, ou modo de pagamento ;
§ 2." O que concorrer para a falsidade como testemunha, ou por
qualquer outro modo;
§ 3.° O que usar scientemente de escriptura, titulo, ou papel
íalso.
Art. 260. Em nenhum caso a falsidade, que reunir todos os ele-
mentos de sua definição legal, constituirá elemento de outro crime.
COMMENTARIO
se. E' muito difflcil commentar este capitulo formado pelos
artigos do texto, pelos quaes se vê que o Cod. penal havia deslocado
para o seu tit. V., o art. 208, contendo matéria que elle repete neste
titulo, porque não se regulou na classilicação que fez dos crimes que
prevê aqui pela sua objectividade juridica.
A exposição de motivos do projecto de 1893, previnirá a ordem
deste commentario, ao mesmo tempo que adiantará ideias sobre o
assumpto :
« O capitulo sobre a falsidade em escriptos ou papeis inclue os
factos que o Código anterior enumerava em três títulos differentes,
art. 129 §8°, árts. 167 e 265, e que o novo Código reproduz,
seguindo o mesmo systema nos arts. 208, 251 a 260 com a enumera
çõo das diversas modalidades da falsidade, mas omittindo a da
escriptura ou outro papel publico por particular.
O novo Código encontrou largo subsidio do Código Italiano
neste ponto, mas nflo fixou, como este, as noções da
265
falsidade cm suas modalidades e applicou pena inalterável a
casos diferentes por sua gravidade, conforme fez o anterior,
que alias abaixou o mínimo da pena, contando que esta
circumstancia adaptasse a pena a gravidade da offensa.
Mas o nosso systema de applicaçâo de penas não se
presta a esse fim o por isso o Código de 1830 devia ser alte-
rado, assim como o actual, que pune o funccionario publico
culpado da falsidade mais grave como o que attesta falsa-
mente a identidade de pessoa !
O Código de 1830 é lacunoso, o actual merece piofunda
alteração.
O projecto recorreu a" sua fonte, mas aproveitou-a sempre
com cuidado, valendo-se das disposições do Código húngaro
e allemão, menos na casuística já censurada dos Códigos
francez e belga.
O projecto completa o Cod. anterior e simplifica o actual
neste ponto, resumindo as modalidades da falsidade em
relação ao escripto ou papel e ao seu autor, fazendo as
distincções dos códigos modernos a que correspondem dif-
ferenças na penalidade, comprehendendo todas as espécies
contidas em um e outro Código.
O projecto afasta-se de ambos, punindo a falsidade em
escripto particular, quando o autor ou outrem fizer uso do
papel falsificado.
Na Itália, antes da unificação penal, vigorava a lei
subordinando essa puniçfio á interpellaçfio do culpado, que
evitava a pena declarando que não se serviria do escripto
particular falso.
Entre essa tradição e a punição absoluta, o meio termo é
fazel-a dependente do uso do documento.
Esta foi a solução alli, na Hungria e na Allemanba, sendo
que nesta o código exige o uso mesmo do escriptura publica ;
quanto particular, a falta do uso constituo tentativa, mas
impune pela lei.
O Código hollondez diversifica ; mas para punir a falsi-
dade, mesmo da escriptura publica, exige o desígnio de se
fazer uso delia. *
O Código do cantão de Zurich faz da espécie elemento do
crime de fraude e não crime especial.
O projecto inclue outras espécies de falsidade, como a
que tem por fim a prova de factos verdadeiros, a que asse-
melha a de documentos públicos, a dos títulos commerciaes e
testamentos olographos, pois que o dos cerrados pela inter-
venção do official publico o considerados papeis públicos
pela doutrina corrente.
ZanardellT, RBLAZIONE çrr. JII. Pag. 183.
266
Quanto n falsidade da atteslação na identidade de pessoa,
diz Lacointa, que o projecto britannico attinge a falsidade
material, e intelleciual', punindo com trabalhos forçados
perpétuos aquelle que se torna culpado de personation,\ dando-
se ou fazendo-se passar por outrem.
l
Em resumo, neste capitulo a falsidade do funecionario em
funeções c em documento publico 6 a mais grave', se-igue-se a
do particular nestes documentos e finalmente a de qualquer em
papeis particulares, além das outras modalidades de menor
gravidade.
A terminologia brazileira é pobre, nSo tendo uma palavra
para exprimir todos os documentos públicos e outra para os
particulares, como tem o italiano: atto, scrittura, o| que é
embaraço sério na redacçflo de um código penal no titulo de
que nos oceupamos.
2
Os projectos de revisfio, inclusive o de 1899 arts. 244 a
253 melhoraram sem duvida o cod. vigente, ordenando muito
melhor a matéria.
Daremos uma idéa geral histórica e pbilosophica do
objecto do capitulo para depois passarmos á doutrina e á
especialidade das respectivas disposições.
A legislação que quasi alcançou o nosso cod. crim. de
1830 punia com a morte a falsidade em negocio cujo valor
tivesse alguma relevância: Orden. doliv. 5
o
Tit. 53, § I
o
.
No direito romano, a falsidade documental era a principio
punida na espécie no testamento falso e era punida com a
aquce et ignis interdição; depois se ampliaram as de-
terminações sobre a falsidade, considerando-se como falsidade
a suppressão do testamento verdadeiro e estendendo-se a pena
da Lese Cornélia a qualquer outra escriptura, quer publica,
quer particular, que fosse falsa, assim como ao uso sciente do
documento falso; e a delictos próprios de falsidade se juntaram
as falsidades impróprias, ou as quasi falsidades, que eram
antes casos de fraude.
No direito germânico, ao falsiflcador de documentos se
cortava a mão. Também o direito ecclesiastico consagrou
amplo desenvolvimento ao erimen falsi, equiparando a falsi
ficação o uso e a posse de documento falso; e puniu os falsifi
cadores de documentos com a excommunhfio, quando leigos,
e com a degradação e o abandono á justiça secular, quando
clérigos. §3
Na legislação intermédia foi gravemente punida a falsi-
dade dos escriplos e perpeluou-se a determinação romana, que
enumerava entre falsidades varias espécies de delictos que são
antes fraudes que falsidades.
1
CODE PENAL D'ITAUB, pag. 184,
i* Expasn.Ão jin MOTIVOS da projecto de íS.0.9, pap. 14.
— 267 —
No século XIX ocod. rranccz delineou minuciosamente
além dn falsidade dos moedas o do papeis de credito, a falsi-
dade dos emblemas, a falsidade das escripturas que distinguiu
em publicas, particulares e commercfaes, juntando-lhes a
falsidade d'outros documentos de menor importância.
O direito penal inglez, o americano o o russo distinguem
a falsidade em publica ou particular conforme temem mira
lesar interesses públicos ou particulares.
Oscods. italianos, á excepçòo do toscano, seguiram o cod.
francez, quer nas varias espécies de documentos viciados pela
falsidade, quer nos diversos modos concretos por que a
falsidade se manifesta. Ao contrario, ocod. toscano reduziu a
poucas formules todas as hypothoses relativas oj falsidade
dos escriptos; e a este systema acostou-se o novo cod. ital.
nos uris. 275 a 284. *
Os projectos de revisflodo nosso código penal tiveram por
fonte o vigente código ituliano.
Escreve Gaio que—Jíunt scripíurtv ul quod actum est\
\facitiu8 por cos probari possit; c Benthan, entre os modernos
disse que a esunptura servia para fornecer uma prova
permanente e autbentica dos factos.
Oro, diz lambem Pessina, escripturas fazem plena pelo
seu conteúdo (escripturas publicas); ora, recebem da lei o
reconhecimento duma forço probante que não é plena, mas
torna possível a sua integração com outra prova (escriptos
particulares), e em todo caso a lei attribue a escripta uma
efficacia jurídica determinada.
A sua adulteração, portanto, viola u que nello tem a
sociedade inteira, a publica Jlcles.
Os documentos tem entre si valor diverso, segundo se
trata de documento original, copia ou certidão, segundo a
importância dos factos que são destinados a aulhenticar e
conforme provém da autoridade publica ou da mão do par-
ticular.
Donde resulta que qualquer que seja a natureza do
documento, a falsidade delle constitue violação da fé publica.
*
A expressão falsidade, tomada no sentido mais largo,
com prebende qualquer alteração ainda não dolosa e segundo
Cujacio—falsam est qnfdquid in cevitate non est, sed pro
oeritate àdsecoraturem sentido mais reslricto, chama-se,
porém, falsidade a alteração dolosa da verdade e que Fari-
nado definia:— falsitas est cerítatis dolosa mutatio et
alterius praejudicium /'acta; e em sentido ainda mais res-
lricto, diz Crivellari, é a alteração fraudulenta da verdade
1
Pesina, MANIJALK CIT. Pari. scc. § 201, pag. 221.
1
Negri, apud Cogliolo. OHR. CIT. vol. 2
O
Pari. I A, pag. 396, a. 110.
— 268 —
nos casos determinados pela lei contra os falsarios. Nós de»|
vemos occupar-nos da falsidade em sentido restricto, istoé,
da falsidade em actos ou escriptos, entendida como alterão
dolosa da verdade sobre um acto ou escripto, executada em)
dam no doutrem. *
H £*?"• Antes de tudo, diz Pessina, é mister firmar o con-
ceito fundamental da falsidade nos escriptos de accordo com
esta ultima fonte legislativa (ocod. ital.) e a doutrina com-
mum dos criminalistas, que tiveram em vista os projectos
aliud idos.
Os três elementos essenciaes do crimen falai, isto é, a
imitão da verdade, o dolo e a possibilidade do prejuiso]
doutrem, precisSo ser elucidados, quanto â falsidade dos do
cumentos, a
I. A imitação da verdade consiste em dar ao que nfio é
verdadeiro a forma exterior própria dos documentos verda-
deiros. E portanto;
1 Uma falsidade de testamento presupe que se realize
a falsidade num testamento que tenha formas essenciaes para
sua validade, conforme a lei, e isto se estende a qualquer do-
cumento que por lei deva ter uma forma determinada
2.° A simulação entre as partes ou contrahentes, ainda
que contenha alguma cousa de o verdadeiro, o pode ser
confundida com o crime de falsidade, desde que as partes
quizeram concordemente, que o acto ou escripto dissesse
aquillo que nelle se enuncia (aliud falsum, aliud simulai
ioj.
3.° Nem toda inverdade contida num acto pôde consti-
tuir falsidade; mas a mentira para constituir a falsidade deve
recahir naquella porte do acto que é destinada a dar ou fazer
fé do seu conteúdo.
4.° Si o artificio para a imitação da verdade é destinado
a lesar os direitos de alguém, é mister que isto aconta sem
sciencia deste—negueunt fraudari gui sciunt et consentiunt.
5 A imitão da verdade pode verificar-se, quer com o
falsilicar-se o escripto ou escriptura na sua materialidade, quer
com o narrar a falsidade, quanto ás pessoas que interveem
no acto, ou quanto aos factos que no mesmo acto devem ser
enumerados; no primeiro caso se tem a falsidade material',
no segundo a falsidade moral. A imitação da verdade
logar a duas formas: uma das quaes é fabricar inteiramente
um acto nfio verdadeiro (contrafaão), a outra ô a alterão
dum documento verdadeiro, de modo a fazel-o dizer o con-
trario do que elle deveria enunciar. E a estas formas se de
juntar: 1) aquella forma que o nosso coei. pen., incoherente-
mente, colloca, ao mesmo tempo, no art. 208, n. 5
o
, do texto
Crivellari, OBR. CIT. vol. 7
o
pag. 210, n. 66.
269
(contra os empregados públicos) e no art. 326 relativo ao
damno, visando lucro, ou nflo; e segundo os projectos da
revisão, na suppressão ou destruição dum documento ver-
dadeiro, equiparadas assim a falsificação. 2) a outra forma
em que a falsidade do escripto pôde commetter-se, isto ê, o
uso sciente de documento falso sem ter concorrido para a
falsificação, espécie esta do 259 § 3°, do texto do coei. penal e
prevista nos projectos, sendo que o de 1899 scinde, não
sabemos porque, em duas a mesma figura. *
II. 0 dolo no crime de falsidade documental ou instru-
mentaria consiste na consciência e no propósito, quer de fazer
valer como documento contra a verdade um escripto ou papel
em que se contenham enunciações falsas pro-duetivas de
efreitos jurídicos, quer de destruir a prova existente de um
facto verdadeiro, afim de que se consiga a insubsistência
deste. A necessidade de um tal propósito é expressa no adagio
jurídico : non nisi dolo maio falsum; e este dolo máo foi
sinthetisado na locuçõo : in alterius pra?judicium ; mas elle
iiiclue não só o propósito de lesar o direito de um individuo
dado. mas também, em geral, o de violar qualquer dictado
jurídico ainda que esta violação acarrete vantagem a alguém.
Daqui resultam como corol-larios: 1°, que não pode haver
uma falsidade culposa, pela contradicção que não a consente;
2
o
, si com o acto falso se chega a construir uma prova escrlpta
falsa ou um principio falso de prova por escripto de um facto
verdadeiro, mas que não pôde ser documentado, haveria
sempre o crime de falsidade em documento, porque o estado
verdadeiro, real, das cousas seria a falta de uma certeza
jurídica, e este estado verdadeiro das cousas é substituído por
um estado não verdadeiro, isto é, a existência de uma prova
legal. Quando muito, o primordium oeritatis, isto é, o facto
verdadeiro a respeito do qual se faz uma prova falsa para
certi-flcal-o, pôde considerar-se como causa de attenuaçfio no
crime de falsidade, mas a falsidade não é excluída e isto,
sobre que silencia o nosso Código Penal, está estabelecido em
todos os projectos de revisão
2:
.
1
PROJECTO DE 1899 :
* Art. 247. Supprimir, ou destruir no todo ou em parte, escripto verdadeiro,
causando com isto prejutao publico ou particular, etc.»
Art. 245. Usar de qualquer escripto falso ou falsificado, como si fosse
verdadeiro, sabendo que o não é, etc.
Art. 251. Fazer uso ou se aproveitar por qualquer modo de escripto ou papel
falso, ainda que não tenha concorrido para a falsidade, etc,
' PROJECTO SE 1899:
« Art. 252. Commetter qualquer dos crimes previstos nos artigos ante-
cedentes, fazendo uso, para si ou para outrem, de prova falsa com o fim de
confirmar lacto verdadeiro, etc.
— 270 —
III. O ultimo elemento essencial da falsidade punível,
islo é, a possibilidade de damno, manlfesta-se a respeito dos
escriplos nas condições que elles teem de produzir um
qualquer effeito jurídico. Deste principio resultam diversas
consequências: 1", a falsidade documental para constituir,
crime nuo exige que tenha acarretado prejuízo a alguém ;
basta somente que ella tenha a possibilidade de prejudicar,
isto é, de conculcar um preceito juridlco na sua substancia
e verdade ; , esta possibilidade de prejudicar é um elemento
essencial para qualquer espécie de falsidade; faltando elle,
faltaria o crime. Alguns juristas, dizem, nota Pessina, que elle
se exige somente na falsidade do escripto particular, porque a
falsificação das escripturas publicas, ainda sem este elemento
da possibilidade do damno,êoffensiva a publica ; mas, a
offensa é publica fé o de realisar-se senão emquanto a
falsa prova pôde lesar uma relação judica, dando ao o
verdadeiro apparencia de verdadeiro e o Código italiano
(erg. dos arts. 275,27G, 278,279 e 280), textualmente resolveu
o problema no sentido de exigir a possibilidade do damno
em qualquer documento falso, seja publico ou particular.
O nosso digo Penal, arts. 258 e 259 fornece o mesmo
argumento sobre escriptos particulares, tendo esquecido a
falsidade da escriptura publica por particular ! Todos os
projectos seguiram nisto o digo italiano e o de 1899, nos
arts. 244 e 247 a 250; 3
a
, um coroliariodo principio ante-
cedente é a theoria da nenhuma criminalidade da falsidade
quando ella recahe em um escripto ou escriptura que pôde
ser atacada por nullidadefalsitas rnilla nul I um potest\
afferre prcejudicium. Assim como esta formula e entendida
no seu sentido exacto, alheio a exaggerações, porque nem
sempre a nullidade tira ao acto a força de produzir conse-
quências jurídicas. Assim : a) si a nullidade tira ao acto a
força de escriptura publica, mas o a de um escripto par-
ticular, permanece a falsidade, senão de escriptura publica,
ao menos de escripto particular ; bj o acto ou aocumento de
um offlcial publico incompetente, quando prima facie está I
privado de efficacia jurídica por esta incompetência, não
podendo ter efficacia alguma, exclueo crime de falsidade;
c) quando o contdo do acto ou documento é substancial-
mente nullo, e esta nullidade não é daquellas que o pro-
cesso por falsidade pôde descobrir, mas é prima facie visível,
o ha logar para o crime falsidade ; dj quando se trata de
violação de formas precisa distinguir aquellas que dant esse
\rei das formas o essenciaes; é assim que um testamento
cerrado, nullo por falta de approvação ou por faltas a seu
turno nesta approvação, não pôde dar matéria, quando
falso, a incriminão por falsidade ; mas um escripto par-
ticular pelo qual se contrahe uma obrigação, si nelle é
somente falsa a assignatura, pôde valer como principio de
271
prova por escripto e portanto não ha duvida que é matéria de
crime de falsidade *.
88. Estabelecidos estes princípios geraes sobre o crime
de lalsidade em documentos ou escriptos e papeis, vamos
tratar das diversas espécies de falsidade, conforme a diffe-
rente importância delias.
E aqui precisa distinguir a falsidade em acto, escriptura
ou papel publico, a falsidade em escriptos particulares, e a
falsidade em documentos de menor importância.
I. A falsidade no acto, escriptura ou papel públicos para
distinguir-se das outras tem uma condição fundamental, isto
é, que recaia em um escripto, o qual no caso que fosse
verdadeiro teria a nota da publicidade, ou seja de provir de
funccionario ou offlcial publico a quem a lei attribúe a facul-
dade de passal-o ou lavral-o e de ter as condições formaes
estabelecidas pela lei para gosar da efflcacia de um acto
publico.
a
Neste ponto, Garrara observa, que o código italiano art.
275, paralielo ao art. 208 do noss J e 248 do projecto de 1899,
adoptou a palavra forma, em vez de escreve, para attingir o
crime no seu verdadeiro conceito, evitando a escapatória, que
o offlcial publico faça escrever por outros o resultado de suas
cogitações criminosas.
3
O nosso código e o citado projecto não empregam a
mesma expressão ; mas este ultimo, art. 253, a exemplo dos
anteriores, refere-se ao facto de redigir ou subscrever, o que
tira toda duvida no caso.
A A lei positiva, diz Pessina, faltando nesta matéria
do offlcial publico, não pode ser entendida no sentido que foi
dado á esta locução pelo art. 207 do código italiano.
O' offlcial publico relativamente ao documento falso, é
aquelle que pela lei é revestido da qualidade de certificar a
existência de alguns fac*os e é portanto depositário da
publica, nos termos do art. 28í.
O nosso código penal não contém indicação alguma
sobre isto que esta previnido nos projectos de revisão. *
B O offlcial publico, diz ainda Pessina, pôde incorrer
por dous modos no crime de falsidade em escripto, papel
Pessina, OBR. CIT., § 202, pag. 222.
' Carlos de Carvalho, NOVA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS CIVIS, Rio de Janeiro.
1899, arts. 253 e seguintes.
3
Carrara, COMMENTO CIT. art. 275, pag. 173.
* PROJECTO DE 1899 :
« Art. 253. Para applicação das disposições doa artigos antecedentes (art.
248) o equiparados aos funccionarios públicos todos aqnelles que estão
autorisados a redigir ou subscrever escripto ou papel ao qual a lei attribúa
publica »
— 272
ou acto publico. O primeiro destes modos está delineado no
art. 275, o segundo no apt. 276 do código italiano.
O primeiro está previsto no nosso código penal, artigo
208, ns, I
o
e 3
o
a 6°; e nos projectos de revisão, no de 1899,
art. 248, lettras ate, o segundo no código art. 208, n. 2.°; e no
projecto de 1899, art. 248, lettra d.
l
O primeiro modo (falsidade material) consiste em que o
official publico no exercido das funcções redige ou sub- \
serem no todo ou em parte um documento falso, ou altera um
documento verdadeiro.
O outro modo {falsidade moral ou intellectual) terá lugar
si osofficiaes públicos, recebendo, redigindo ou subscrevendo
um acto, documento, escripto ou papel, no exercício das suas
funcções, « attestarem como verdadeiros, e feitos em sua
presença, factos e declarações não conformes á verdade;
omittirem ou alterarem declarações que lhes fossem feitas.»
A respeito de ambos os modos, é evidente que se exige,
não o dolo, isto é, a consciência da inverdade substituída á
verdade, e o escopo de lesar o direito na sua substancia, mas a
possibilidade do prejuízo publico ou particular.
Ambos os modos, por isso mesmo, são equiparados pela
lei na intensidade criminosa e punidos com a mesma pena
cod. pen. art. 208; projecto de 1899, art. 248.
Quando, porém, a falsidade recaia em um instrumento pu-
blico e authentico e tal que por lei faça até á querella de
falsidade, pela própria natureza do instrumento falsificado,
esta circumstancia não imporia aggravação de pena pelo nosso
cod. comosuecede no cod. Uai. art. 275.
A aggravanfe figurava no projecto de 1893, foi eliminada
no de 1896, restabelecida no de 1897 e afinal supprimida no
de 1899. *
1
PKOJECTO de 1899:
«Art. 248. Commetter o funccíonarlo publico, em exercido da suas funcções,
alguma falsificação de que possa resultar prejuízo "publico ou particular :
a) expedindo certidão, cópia ou traslado de termo, auto ou. qualquer escripto
publico ou particular não existente ;
6) expedindo certidão, cópia ou traslado falso de termo, auto ou qualquer
escripto publico ou particular;
Pena— prisão com trabalho por dous a seis annos.
c) fazendo, uo todo ou em parte, escripto publico ou particular ialso, ou acto
alterando o verdadeiro ;
d) certificando como verdadeiro e realisado em sua presença facto ou acto não
conforme á verdade; omittindo ou alterando a verdade, em relação a esse mesmo
facto ou acto, o te.»
* PROJECTO DE 1897:
« Art. 245. II. Pena prisão por um a cinco annos ; e si a escriplura ou papel
tiver por lei publica einquanto não for arguido de falso por dous a seis
annos.»
I
— 273 —
Além disto, o official publico pôde commetter falsidade
em papeis públicos, não em peças originaes, mos também
em cópias delias e nas certidões do conteúdo delias. E para
estas falsificações as normas estabelecidas são estas:
1) A falsidade commettida por official publico nessas
cópias autbenticas, que nos termos da lei fizerem as vezes
da peça original que falte, é equiparada á falsidade dos
papeis públicos originaes.
O nosso cod., art. 208, n. não diz isto explicita, mas
implicitamente.
Mas isto está dito claramente nos projectos, como fez o
cod. ital. art. 275. *
2) Os offlciaes públicos que falsificarem cópia, certidão,
ou publica'forma, de um acto de officio, seja suppondo um
original que não existe, seja alterando o original, ô punido
com a mesma pena que o nosso cod. art. 208 n. 3
o
, estabe
leceu neste mesmo artigo para todas as modalidades da fal
sidade do funccionario publico.
E si se tratar de peças que por lei tem publica até que
sejam arguidas de falso, a alludida aggravante figura nos
projectos de 1893 e 1S97, art. 245, n. II.
3) Quando a falsidade se realise por obra dum official
publico em uma certidão concernente ao conteúdo de es-
criptos ou papeis, conforme o nosso cod., art. 208, a pena
varia, mas ella é menor segundo os projectos, no de 1899,
art. 248, leltras a e b.
89. C— A falsidade em escriptura ou qualquer papel
publico pôde também ser commettida por individuo que não
seja funccionario publico e nesta forma se pôde distinguir
varias espécie?. Assim o crime pode reulifar-se em taes
condições pelo modo seguinte:
lj O nosso cod. pen. não estabelece, nem neste cap. nem
no cap. único do tit. V, a figura commum da falsidade em
acto ou papel publico commettida por particular de modo que
nas espécies por elle não previstas, o crime ficará impune, se
crime se pôde chamar: nullum crimen sine lege.
Foram os projectos, que a exemplo do cod. ital. espe-
cialmente, suppriram a lacuna.
Mas, depois desse silencio estupendo do cod. vigente os
projectos de 1896 e 1899 neste cap. suppriram pelo peior sys-
tema a lacuna, porque definem as espécies, arts. 244a 247,
sem dizerem si se trata de falsidade em papel publico e par-
ticular ; e repetindo no art. 248 algumas das mesmas espe-
1
PROJECTO DE 1899, art. 248: ^
« § 1." Aos originaes são equiparadas as cópias aullienlicas, quando na
forma da lei estas fazem as vezes».
8917 18
— 274 —
cies e outras nflo, embora possam ser commctiidas tamm
por funccionario publico a que se refere o mesmo art. 248.
2) Si a falsidade fòr commettida na cópia de um acto
ou papel publico nos modos a que nos referimos ou si na
forma da lei tiver publica até ser arguida, uenhuma ag-
gravacão resultará, segundo o nosso coa. pen. pela razão
dada de ter silenciado e nem perante os projectos pelo sys-
tema a que acabamos de alludir nas disposições citadas que
nenhuma coordenação guardaram entre si.
Entretanto o projecto de 1893, alterado pelo de 1893 e
restabelecido pelo de 1897 somente com uma disposição ob-
servaram ns espécies assim como as modalidades dos arts.
275 e 278 do coa. Uai. figuradas aqui nestes dous números. *
Conforme o projecto de 1899, poderá ficar impune o func-
cionario publico que commetter certas espécies de falsidades
anexar do casuísmo e repetições das disposições.
V) E' outra espécie de falsidade, na forma de que tra-
tamos e ainda sobre que o nosso cod. silenciou, o facto pre-
visto nos projectos e no de 1899, art. 249, e paragrapho
único, de afflrmar falsamente ao funccionario publica a pró-
pria Identidade ou estado de outra pessoa, ou qualquer outro
jacto em acto publico, destinado a provar a verdade, podendo
dahi resultar prejuízo publico ou particular.
O inciso que nfio estava nos projectos de 1893 e 1897,
torna vaga cobscura a disposição.
A pena ô aggravada tratando-se de um acto de estado
civil ou da autoridade judiciaria.
E è primeira espécie ê equiparada a forma de attestar
falsamente a própria identidade ou a de terceiro em titulo
ou outro qualquer papel commercial.
De nada disto cogitou o cod. pen. vigente.
II. A falsidade em escripto particular se realisa por
aquelles mesmos modos porque se realisa em escriptura
publica.
Mas cila tem uma nota própria que a distingue da outra
e esta ô que o escripto particular falso emquanto nflo é pro-
duzido o permanece inactivo no poder do falsario ou de outro
individuo, não e apto a prejudicar e reduz-se á preparação
do crime. Em summa, o crime por ella não é realizado
com a fabricação da falsidade, seja por contrafacção, seja
por alteração. E portanto para a criminalidade da falsidade
1
Projecto de 1897 :
« Art. 246, Com as penai respectivas estabelecidas nos ns. II e III do
artigo aniecendsnte, menos a terça parte, será punido aquelle que não
sendo funccionario publico commetter qualquer falsidade pelos modos pre-
vistos nas respectivas disposições. »
0 Art. JMõ prevê a falsidade em papais públicos.
1
275
em escripto particular, se exige como condição essencial o
uso do mesmo, quer este uso seja feito por parte de próprio
falsario, quer por parte de outro individuo.
Este uso pode ser judicial ou extrajudicial; mas elle
constitue sempre para a falsidade em escripto particular o
momento de consumação do crime.
Assim ê que quando tem logar o uso do documento
particular, quer por obra do autor mesmo da falsidade, quer
por obra de outrem, o autor da falsidade e o utente sabedor
estão sujeitos á mesma pena, conforme a disposição de vários
códigos inclusive o ital., art, 280.
90. Nós já nos referimos á questão, oitando a expo* sição
de motivos do projeoto de 1893 e manifestando a nossa
opinião (n. 86).
Entretanto, Chauveau & Hélie e Garraud sustentam
opinião contraria, justificando o código francez, cuja doutrina
aliás está hoje abandonada por quasi todos os códigos
modernos de primeira ordem, aos quaes, além dos citados, no
principio deste capitulo, podemos addicionar o código
portuguez, art. 232 que considera o o-uso circumstancia
attenuante da falsificação e os códigos da America do Sul
que seguiram o italiano e os outros já citados. *
Assim Vasquez Acevedo, citando alguns desses códigos
e outros, diz, commentando o art. 245 do código urugua-
yano, que o código italiano menciona expressamente o ele*
mento do uso a que faz referencia Pincherli, diferentemente
do nosso e dos projectos Zanardelli e Savelli que nada diziam
a respeito.
O silencio que guarda o código da Republica, seguindo
os projectos que lhe serviram de modelo, não significa outra
cousa mais sinão que se considerou subentendida a circums-
tancia enunciada'.
A seu turno Rivarola commentando o art. 282 do código
argentino parece opinar também que o uso é indispensável á
incriminação do papel falso particular *.
Qual a solução do nosso código penal ?
Diante da interpretação destes dous últimos códigos c
especialmente do código do Uruguay, que teve como fonte
commum com o nosso, o código italiano, parece que o
silencio do código sobre a condição do uso, do mesmo modo
que naquelle código deve ser interpretado a favor do
indiciado.
1
Chaureau, Hélie e Villey, o Ba. OIT. vol. 2
o
pag. 480, n. 726 ; Garraud, OHR.
CIT. 3
o
vol. pag. 70, n. 56.
' Vasquez Acevedo, CONCORDÂNCIAS Ã ANOTACIONEI DEL OODIOO PENAL,
Montevideo, 1893, art. 245, pag. 216.
* Dr. Rivarola, BXPOBICION Y CRITICA DEL CÓDIGO PENAL, Buenos Ayres,
1890. pag- 221, n. 1149, 3° vol.
— 276 —
E' verdade que os a ris. 258 e 259 do texto dividem as
espécies, referindo- se distinctamente ao uso e ás formas da
falsificação, mas isto não resolve a questão, porque éj claro
que a simples falsificação por um é punível desde que por
outro se faça uso delia. O código criminal de 1830, art. 168
declarava - « Si da falsidade resultar outro crime, a que esteja
imposta pena maior, nella também incorrerá o réo.
No art. 260 o código penal estabelece que em « nenhum
caso a falsidade (particular), que reunir todos os elementos de
sua definição legal constituirá elemento de outro crime ».
Parece que o legislador aqui teve em vista evitar o abaixa-
mento da pena si o facto dado concorrendo como elemento do
estellionato podesse ter a attenuante do pequeno valor previsto
no art. 339.
Mas além de que, em geral, a disposição do art. 260 é
contraria á doutrina, o conceito está em contradicção com
disposições do art. 338 que define como uma das formas do
estellionato no n. 8
o
« usar do falso nome, falsa qualidade
falsos títulos etc. . » sem excluir a característica da falsidade
legal que haja sido commettida para obter esses meios ou
artifícios fraudulentos.
Si não fora tal contradicção o art. 260 constituiria uma
objecção á interpretação que lhe damos.
E isto dizemos, porque o nosso código penal que não tem
escola, nem systema teria adoptado o contrario do código
allemáo e outros citados e sobre o qual diz von Liszt:
« Segundo o código penal imperial, a falsificação de
documento consta de dous actos que podem occorrer sepa-
radamente no tempo e no espaço, a falsificação e o uso do
documento. Destes dous actos é porém o ultimo quepre-
pondera. Descarte o caracter essencial do crime de falsi-
ficação é abandonado e torna-se decisivo o ponto de vista da
burla *.»
Entretanto nos projectos de 1893 e 1897 adoptamos a
doutrina que agora defendemos de novo '.
Os projectos de 1896 e 1899 preferiram o velho ponto de
vista abandonado do código francez, salva interpretação igual
á que pôde ser dada ao código vigente, attenta a falta de
clareza na redacção dos citados projectos apezar de ca-
suísticos.
O nosso cod. pen. arts. 258 e 259 pune coma mesma pena
a falsidade em escriptos particulares.
1
von Liszt, OBR. CIT. vol. pag. 399, § 100.
* PROJECTO DE 1897 :
« Art. 244. Fabricar alguém, no todo ou em parte, um escripto ou papel
particular falso, ou alterar o verdadeiro, e, servir-se delle ou outrem delle. podendo
resultar prejuízo publico ou particular etc. »
— 277 —
O cod. não faz excepção alguma para certos títulos
inclusive commerciaes, como se pôde ver dos seus arts. 248 e
249 onde estabelece a mesma pena.
Affastou-se aqui do seu modelo o cod. francez.
Também o cod. ital. art. 284 e outros consagram um
augmento de pena, dizendo, sobre aquelle, Pessina que ha
uma circumstancia aggravadora do delicto pela indole de
certos escriptos particulares; porque a elles é attribuida uma
exequibilidade tal que expõe a risco de damno irreparável os
respectivos effeitos jurídicos. Estes escriptos particulares,
privilegiados por sua efflcacia como titulos exequíveis ou
executivos, se bem que sejam papeis particulares, são, o
testamento olographo, as letras de cambio e todos os titulosl
de credito transmissíveis por endosso ou ao portador.
A falsidade que se realisa em relação a estes papeis é
equiparada na intensidade criminosa e por consequência
também na pena a falsidade commettida em escriptura pu-
blica *.
Todos os projectos, porém, consagram a alludida aggra-
vante
a
. I
Os projectos o se referiram ao testamento cerrado
porque este é considerado como escriptura publica attenta a
sua approvaçâo por tabellião publico : ê aliás a solução do
direito italiano, segundo Majno
3
.
A falsidade do escripto particular está naturalmente
subordinada aos princípios communs da falsidade em geral. K
Os arts. 258 a 260 conceituam taxativamente taes falsi-l dades
e por isso mesmo dispensam mais explicações.
O mesmo havia feito o cod. no art. 208 no aspecto único
em que considerou a falsidade do escripto ou papel publico
isto é, como só podendo ser praticada pelo funccionario
publico, conforme as exemplificações materiaes do citado
artigo ; semelhantes em todas as referidas disposições as do
cod. franc. arts. 145 e segs. e belga, arts. 194 e segs.
O art. 208 n. 6. também trata ainda de matéria eleitoral,
ao que nos referimos no cap. 11 do tit. I.
91. Passamos a citar alguns arestos.
« 1.° E' condição do crime definido no art. 259 § I
o
do
cod. penal a contrafacção ou alteração do documento, eque
seja feita sem sciencia ou consentimento da pessoa a quem se
quer prejudicar.
• Péssima, ona. CIT. pag. 226, §§ 203 e sgs. »
Projecto de 1899 :
« Art. 253. E aos escriptos ou papeis públicos são equiparados os testamentos
olographos, as letras de cambio, e todos os titulos de credito ao portador, ou
transmissíveis por endosso assim como as obrigações nominativas não
equiparadas por lei á moeda.»
•Majno OBR. CIT. I
O
vol. art. 284, pag. 768, n. 2.069.
— 278
I « 2.° As palavras empregadas na citada disposição Ia lei penal
referem-se a alterações mnteriaes nas clausulas»! declarações e
factos do documento Verdadeiro; @ a redacção do mencionado
art. do cod. pen. bem o diz nas palavras —j alterar o algarismo,
a data, a causa da obrigação, o tempo, ou modo do pagamento.
« 3.° As alterações da verdade são de ordem material
susceptíveis de ser demonstradas, verificadas e reconhecidas
physicamente, e conseguíntemente o commette o crime
alludido quem escreve um saque em uma letra de cambio, ou
da terra, posteriormente ao seu acceite. « 4.° O nosso código
penal nflo cogitou da falsidade intellectual, mas do falso
material, resultante da verificação do vicio do documento cm
seus dizeres, comad-diçOes ou emendas, clausulas ou
condições neúe existentes »: AccordSo do Conselho do
Tribunal Civil e Criminal de 23 de setembro 1897, relator, Sal
vedor Munis; com um notável voto vencido do presidente
Muníz Barreto. I O voto vencido foi vencedor no seguinte
julgado : I
I « l.° São elementos constitutivos do crime de falsidade : I a)
a alteração da verdade!
b) a Irttertcao de prejudicar;
c) UM prejuízo effectlvo ou potencial.
[3 2.° Na falsidade pôde occorrer : a falsificação de um
documento (art, 258 do cod. pen.); 2° a alteração de um
documento verdadeiro (art. 259 § 1°.
3.° Nesta Ultima hypothese, o documento alterado com o
fim de creãr, extinguir, augmentar ou diminuir uma obrigação
passa por uma tr^ansfor mação, ou com a addicção de
palavras ou cifras, ou com o cãncellamento destas, Sendo
substituídas ou Hão. de modo a exprimir e attestar o
documento, juridicamente, cousa diversa da do
primitivoestado.
4.° Em qualquer destas modalidades, a alteração
VeFdade se integra quando com a alteração material do
documento concorre a illegalidade do agente.
5.° A intenção de prejudicar, consiste intentio nocendi,
isto é, na intenção directa e positiva de prejudicar a outrem ou
consiste no anímtis nocenal. isto é, quando o falsarlo quer
prejudicar sem ser directamente; e, neste segundo caso, é
indispensável o damno effectivo, para completar-se o deliCto.
6." Desde que haja animus nocendi sem o damno
effectioo, dever-se-hão classificar os factos imputados ao réo,
não como falsidades, mas como melhor convier : | Acc. do
Conselho do Trib. Civ. Crim. 20 junho 1898. Muniz Bafreto,
presidente e relator.
l
1
REV. DE JURISPR, CIT. I
o
vol. pjig. 95; 4
o
pag. 104.
279
Com relação ao primeiro aresto devemos dizer que é
milito absoluto o seu 4
o
conceito de que o nosso cod. pen.
não cogitou dn falsidade intellectual, mas do falso ma-
terial.
Ao contrario ha exemplos quella COm relação a actos oii
factos no art. 208, no 2
o
; e com relação a pessoas (falsidade
pessoal, como alguns chamam) nó mesmo art. 208 n. 4.
Ha falsidade material, diz Crivellari, quando a mudança
da verdade recáe sobre o escrlpto, Isto é quando não está
declarado nelle o que devia estar, ou está escrlpto de modo
differente. Neste caso, a mudança da verdade ê a falsidade
instrumentaria que êíndifferente que succeda por fabricação,
alteração ou suppressão, isto é, que se crôe o documento, que
se transforme em qualquer de suas partes, ou sem alte-ral-o,
seja elle subtrahldo ou destruído, suppressão que o cod
francez, art. 439, considerou um crime contra a propriedade,
no que osegulo o nosso cod. art. 326, conforme já notamos.
A falsidade é pessoal e não somente nominal, quando a
mudança da verdade não recáe somente sobre as qualidades
duma pessoa, mas sobre o próprio ser da pessoa mesma, isto
é, quando se simule uma pessoa por outra enâo somente uma
qualidade por outra : cod. pen. art. 208, n. 4.
Chama-se emflm, falsidade intellectual, moral ou
ideológica, aquella que se encontra em um acto ou escripto
mesmo exteriormente verdadeiro, quando contém decla-
rações o verdadeiras e diz-se exactamente intellectual
porque o documento não é falso nas condições de sua própria
entidade, mas o falsas as Ideias que nelle se querem
affirmar como verdadeiras. O exemplo typico é o dum testa-
mento que reconhece uma divida Inexistente e não é um
documento felso, nem delle pode surgir uma falsidade
documental. (*)•
Não insistimos nisso, porque os autores, ora elimlnão da
doutrina a falsidade pessoal, reduzlndo-a ás duas outras, ora
sustentam que toda falsidade é material.
Negri lembra a controvérsia mesmo em theoria, refe-
rindo-se a Carrara, Arábia e outros (*).
E' exacto como se no voto vencido do citado aresto
que o nosso cod. pen. teve como fonte directa ou indirecta o
legislador da Lulzlanla e de Nova York, bastando cotejar o
art. 287 deste cod. com o art. 258 do nosso.
Chaveau e Hélte que elogião a disposição notão-lhe o
defeito de não abranger a falsidade intellectual, além de
exigir a realisação do damno para a punição.
3
1
Crivellari, OBR. CIT. rol. 7
o
pg. 210, n. 67.
* Negri, apud Cogliolo, OBR. CIT. vol. 2
o
Part. I A, pg. 401 § 17.
* Chauveau, Hélio e Villey, OBR, CIT. 2° vol. pag. 339, n. 640.
— 280
« Para existir o delicio de falsidade em documentos e papeis
particulares (art. 258), e necessária a concurrencia! de três
critérios essenciaes : I
o
, a alteração da verdade ;J 2
o
, a intenção
fraudulenta; 3", o prejuízo ou a possibilidade de preiuizo, istoé,
crear, extinguir, augmentar ou diminuir uma obrigação. Não
existe o deiicto de falsidade na alteração de uma escripturação
mercantil para encobrir ol desfalque, anteriormente praticado,
de quantia recebida; com fim determinado». Sentença do Dr.
Viveiros de! Castro, juiz do Trib. Civil e Criminal, 22 de
novembro de 1895.*
«E* elemento do crime de falsidade o prejuízo real ou
possível ». Sentença do juiz Macedo Soares, 10 de julho 1 de
1875.
E' conforme, cita o aresto, a disposição docod. crim.
anterior art. 187 in fine que refere a multa ú uma porcentagem
do damno causado, ou que se poderia causar.
« E' a n nula do o processo em que foi o réo condem nado
por crime de falsidade, visto não se ter procedido a corpo j de
délicto no documento e assignatura reputados falsos, for-
malidade substancial em crime dessa ordem». Acc. Supremo
Tribunal Federal, 11 de julho de 1896.
a
« Falsidade —Elementos constitutivos do crime de fal
sidade em escriptos particulares. Uso sciente de docu
mento falso—Intelligencia dos arts. 258 e 259.do cod.
penal». Decisão do Dr. Affonso Miranda, juiz do Trib.
Civil e Criminal, 23 de agosto de 1899. j3
( « A. responsabilidade inherente aos escrivães pela guarda de
autos e papeis que lhe são entregues em razão do of-flcio,
illide-se com a certidão negativa do distribuidor geral, por isso
que o acto da distribuição é o título correlativo da guarda e
entrega.— O não cumprimento, portanto, de portarias, por
parte dos escrivães para a entrega de autos, sem a prova da
respectiva distribuição, não constituo o crime de prevaricação,
do art. 208 n. 5 do cod. penai.
« As leis criminaes devem ser entendidas* stricti júris,
não sendo admissível a interpretação extensiva, por analogia
ou paridade para qualificar crimes e applicar-lhes penas».
Acc. da Corte de Appellaçõo, 3 de outubro de 1899. 3
H ' Viveiros de Castro, SENTENÇAS B DECISÕES CIT., pags. 14 e 141.
1
Do autor : A REVISÃO nos PROCESSOS FENAES. Rio de Janeiro 1899. App.
pag. 374. n. 63.
3
O PIRBITO, vol. S°, pag. 170; vol. 80, pag. 426; e vol. 81, pags. 150 o 250.
I
281
CAPITULO IV
FALSIDADES EM ATTESTADOS, PASSAPORTES E OUTRAS
CÓDIGO
Art. 251. Falsificar, ou alterar passaporte para o attribuir a pessoa,
logar ou tempo diverso :
I Pena — de prisão cellular por seis raezes a um atino.
Art. 252. Attestar falsamente bom procedimento, indigência,
enfermidade, ou outra cireumstancia, para promover em favor de alguém
beneficência, soccorro publico, ou particular, isenção de serviços e ónus
públicos, ou a acquisição ou gozo de algum direito civil ou politico :
Penas de prisão cellular por seis mezes a umauno, e privação do
exercício da profissão por igual tempo.
§ l.° Si por effeito de attestado falso uma pessoa de são entendimento
for recolhida a hospício do alienados, ou soffrer qualquer outro damno
grave :
Penas — de prisão cellular por um a três ânuos, e privação do
exercício da profissão por tempo igual ao da condemnação.
§ 2.° Si o attestado falso for pasmado para qualquer dos fios
precedentemente mencionados, com intenção de lucro :
Penas dobradas.
Art. 253. Usar scientemente de attestado falso : I
Pena — de prisão cellular por seis mezes a um anno.
Art. 254. Falsificar um attestado para qualquer dos fins declarados
nos artigos anteriores :
Pena — de prisão cellular por seis mezes a um anno,
Art. 255. Falsificar por qualquer mo lo despacho ou commumcaçáo
telegraphica, ou nelle supprimir, trocar ou augmentar palavras, lettras, ou
signaes, que invertam-lhe o sentido :
Pena — de prisão cellular por seis mezes a dous annos. Paragrapho único.
Si este crime fôr praticado por empregado da repartição dos telegraphos
:
Penas de prisão cellular por igual tempo, e perda do em
prego. . \
Art. 256. Usar de certidão, ou attestado falso, ou verdadeiro, mas
referente a individuo de nome idêntico, para se fazer alistar como eleitor,
ou excluir alguém do alistamento:
Pena — de prisão cellular por seis mezes a dous annos.
Art. 257. Fazer emendas, ou alterações, nos assentamentos do
registro civil sem as resalvar, ou ratiflear, na conformidade dos re-
gulamentos e pelos meios por estes permittidos :
Pena — de prisão cellular por seis mezes a dous annos.
Paragrapho único. Em igual pena incorrerá o que, o sendo
empregado do registro, praticar essas alterações e emendas.
V
282
I COMMENTABIO I
M o». Justlficando o projecto de 1893, dissemos sobre
1
esta
secção do cod. pen. que epigraphamos neste cap. de modo
diferente, o seguinte :
«O capitulo que se segue comprehende casos especiaes
de falsidade de menor importância, salvas certas aggra-J
vantes especiaes.
M O código de 1830 não as comprehendia, mas o novo
código, que se valeu do largo subsidio do italiano, não
aproveitou bem a sua fonte; generalisando casos que ella
especifica para nflo reprimir espécies quasi indlfferentes e
incluindo outros que devem ser classificados em lugares
diversos ou nflo mencionar. I
. Incluímos entre os documentos falsos o porte de armas
(licença para andar armado), cujo significado nflo pode ser
outro e espécies que se ligam a dispositivos do projecto acerca
da execução das penas e vigilância especial da pofitíla. * m
Nesta secçflo, como então dizíamos, o código italiano parece
ter sido a fonte principal do nosso.
Pessina, classificando as figuras parallelas daqtielle
código que elle denomina de «falsidade em certificados ou
outros», diz a respeito delias que aqui se enunciam falsidades
que recaem em documentos de menor importância que as
escripturas publicas e os escriptos particulares.
Também Garraud, de accordo com Chauveau e lie e
Blanche, nota que taes factos constituem em vez de crimes,
delictos pelo código francez, conforme nisto com a san
doutrina e a legislaçflo doutros povos e isto ô motivado pelai
pouca importância queapresentfio estas alterações da verdade
tanto para a ordem publica, como a respeito dos particulares.
Mas é mister nflo esquecer que ellas nflo constituem menos
verdadeiras infracções por falsidade e para serem puníveis
devem reunir os três elementos essenciaes de toda falsificação:
a alteração da verdade num escripto ou papel, a intençõo
írandulentae o prejuizo possível. Aliás os dous últimos ele-
mentos, a intençõo e o prejuizo, resultSo prima fade da maior
parte dos íactos reprimidos pelos arts. 153 e seg.
(parallelosaos251 e segs. do nosso); mas, onde os factos
incriminados puderem ser susceptíveis de duas explicações, o
juiz terá o cuidado de enunciar o fim fraudulento com o qual
elles devem ter sido executados para serem puníveis.
Garraud relembra o principio de que nflo ha falsidade
culposa e somente dolosa, conforme opportunamente expli-
camos, sendo aqui também a opiniflode Blanche, embora nflo
tenha parecido a Garraud muito claro o pensamento daquellc.
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO PROJECTO de 1893, pag. 15.
— 283 —
O mesmo enslnflo outros autores franceses.
l
Não obstante, o código allemão, § 363, colloca nas cort*
traoenções, algumas das espécies deste capitulo, mas não
todas.
Seguindo quasi á risca a ordem do próprio código italiano
é que Pessina classifica as espécies parallelas do nosso.
Como quer que seja, essas diversas espécies são as
seguintes:
1.» A falsidade de passaporte, itinerário, guia, porte de
armas, etc...
Este crime consiste em duas formas:
Tanto em contrafazer, alterai, usar falsificado ou alterado,
ministrara outrem para que delle faça uso, passaporte,
itinerário, guia, licença para porte de armas ou qualquer outro
documento semelhante relativo a viagem, estada ou
residência do condemnado.
Como em tirar passaporte ou outro documento dentre os
Indicados no artigo antecedente, attrlbuindo-se nos mesmos
falso nome, sobrenome ou cognome, ou falsa qualidade; oii
cooperar por sua afflrmattva para obter oalludiao documento
em taes condições.
2
[£ Vê-se que a segunda forma representa aggravantes da
primeira.
Entretanto o código penal no art. 251 do texto só se refere
a passaporte; e o que mais é, esqueceu a forma que pôde ser
a mais frequente, isto e, o uso, de modo que entre nos quem
Usar dum passaporte falso não commette crime algum» á
vista deste artigo combinado com o art. : nullum crimen
sine lege.
Uma segunda espécie é a falsa revelação ou declaração.
EUa consiste em Inserir dado falso oii deixar de inserir
os verdadeiros, nos seus registros ou communicações, quem
por lei ê obrigado a tel-os especiaes e sujeitos a. inspecção de
autoridade, ou a ministrar-lhe informações relativas ás
próprias operações industrlaes ou profissionaes.
s
Esta figura contemplada no cod. ital. não existe no nosso
cod. pen.,queno art. 257 se refere ao facto de «fazer
emendas ou alterações nos assentamentos do registro civil
sem as resalvar, ou ratificar, na conformidade dos regula-
mentos e pelos meios por estes permittidoS. Em Igual pena
incorrerá o que, não sendo empregado do registro, praticar
essas alterações e emendas.»
1
Oarraud, OBR. OIT, vol. 3." pag, 272, n. 201; Blanche e Dutruc, OBR, OIT. 3
o
vol. pag. 546, n. 264, Ckauveau, Helie e Vllley, OBR. CIT. vol. 2°| pag. 492, n.
736.
« PROJBOTO DE 1899 arte. 258 e 259.
* PROJECTO DE 1899, art. 357.
284
Nfio ha maior confusão de ideias do que a que se nota
nessa disposição.
A figura pelos termos é a d'um facto que pôde ser mo-
tivado apenas por negligencia do funccionarfo e bastaria para
punil-o a disposição regulamentar.
Si se tratasse, porém, de verdadeira falsidade, ella estaria
eomprehendida no art. 208.
I Peior é ainda a disposição do paragrapho único do
art. 257, porque presuppoe que um individuo não empregado
do registro possa fazer nelle emendas ou alterações das que
podem ser resalvadas ou ratificadas. 3
E' um crime imaginário, e como o cod. não contempla
a figura da falsidade em acto publico, em geral, por parti
cular, quem commetter o facto de falsificar os assenta
mentos do registro civil ficará impune. I
U No art. 255 o cod. pen. prevê o facto de « falsificar por
qualquer modo despacho ou communicação telegraphica, ou
nelle supprimir, trocar ou augmentar palavras, lettras ou
signaes, que invertam-Ihe o sentido ».
No paragrapho único do mesmo artigo o cod. contempla a
aggravante da qualidade de ser o agente empregado do
telegrapho.
Si o cod. pen. seguisse á risca o seu systema, a figura
relativa ao empregado devia estar no titulo «dos crimes contra
a boa ordem e administração publica » e no cilado art. 208 que
se refere ás falsidades commettidas pelos empregados
públicos e em tal titulo é que o cod. allemão, § 355, contempla
o facto, assim como outras figuras que o cod. collocou ainda
em outro titulo « dos crimes contra a inviolabilidade dos
segredos ».
Tanto no art. 255, como no art. 257, o cod. pen. esqueceu
o uso e portanto nos casos figurados, não é crime pelo cod.
usar de telegramma falso ou valer-se da falsidade effectuada
no registro civil, salvo provando-se que o utente é lambem o
falsificador.
Sobre o uso de telegramma falso, diz von Liszt:
«Assim, a entrega de um telegramma assignadocom um
nome falso só excepcionalmente poderá ser considerado como
falsificação de documento, porquanto pelo telegramma a
expedir o empregado do telegrapho não é enganado e nenhum
documento recebe o destinatário recebendo o telegramma
expedido. é diverso o caso, quando (e, segundo a lei sobre
os telegraphos de 15 de junho de 1891 é isto sem duvida
possível; o expeditor é convidado a fazer a prova da
legitimidade de sua assignatura ou a faz voluntariamente.
Neste caso a entrega do telegramma constitue o facto de usar
para o fim de enganar,
1
»
1
Franz von Liszt, OBR. CIT. 2
O
rol. paga. 402, not. 2 « c e 507.
I
— 285 —
93. A terceira espécie é constituída pelos attestados
falsos que ocod. pen. conceitua e enumera nosarts. 252 a 254.
Ocod. no seu texto, especifica no art. 554 a falsificação
material, no art. 253 o uso do attestado falso, e no art. 252 a
falsidade intellectual, contemplando nos paragraphos deste
ultimo artigo as aggravantes que prevê.
Estos disposições foram melhoradas nos projectos de
revisão. '
Tanto umas como outras tiveram como fonte o cod. ital.
sobre cujos arts. 289 e291, parallelos aos arts. 252 a 257 do
texto, mas somente relativos a attestados médicos, observa
Ambrogio Negri, que como regra ordinária não se pode dizer
que os certificados ou attestados de moléstia ou outra
imperfeição pessoal passados pelos médicos, cirurgiões
1
PROJECTO DE 1899:
* Ari. 254. Dar por favor o medico attestado falso, destinado a fazer fé
perante autoridade:
Pena — multa de 100$ a 500f000.
I. Si o crime fôr commettido por paga ou esperança de alguma recom
pensa:
Pena— multa de 200$ a 1:000$000.
II. Si por effeito do attestado falso alguém fòr admittido ou retido
em uma casa de alienados, ou soflrer qualquer prejuizo grave:
Pena — prisão com trabalho por oito mezes a dous annos.
III. 81 o crime, previsto em o numero antecedente, fôr commettido
com a circumsiancia mencionada em o numero um deste artigo.
Pena — prisão com trabalho por um a três annos.
§ 1.° A's penas respectivas deste artigo fica sujeito também aquelle que fizer
uso de attestado falso.
S 2.° A' metade das referidas penas fica sujeito aquelle que der ou prometter
paga ou recompensa para obter attestado falso, além da perda da quantia que tiver
sido dada e fôr apprehendida.
Art. 255. Expedir ou dar o funccionario publico, ou outrem que por lei possa
fazel-o, certificado ou attestado, em que alfirme ou declare falsamente Som
procedimento, capacidade, indigência, ou qualquer outra circumstancia quo
habilite a pessoa a quem se referir o certificado ou attestado a obter beneficência,
ou confiança publica ou particular, cargo ou emprego publico, favor ou beneficio
da lei, isenção de serviço, ónus ou funcção publica:
Pena— multa de 200$ a 1:200$000.
Paragrapho único. A' metade da pena acima comminada fica sujeito aquelle
que do certificado ou attestado falso fizer uso.
Art. 256. Contrafazer, aquelle que não tiver as qualidades especificadas nos
artigos antecedentes, certificado ou attestado da espécie nelles prevista, alterar
qualquer desse; documentos quando verdadeiro, ou de algum dos mesmos fazer
uso :
Pena— prisão com trabalho por dous a seis messes.
Art. 260. Commetter o funccionario publico, em exercicio de suas funcções,
algum dos crimes previstos no art. 256, ou de qualquer modo tomar parte na
execução delle :
Pena — prisão com trabalho por oito mezes a dous annos.
Art. 261, Induzir em erro alguma autoridade, apresentando-lhe papel,
attestado ou documento verdadeiro, attribuindo-o falsamente a si ou a outrem:
Pena — de prisão com trabalho por dous a seis mezes.»
I
— 286 —
e outros profissionaes sanitários sejam documentos públicos,
desde que os médicos salvo investidos da autoridade de uma
funcção publica especial, sfio pessoas particulares que exefei
cem uma profissão livre.
Nos códigos modernos, a qualidade de documento pu-|
blico em taes attestados de dicos, derivou-se de um critério
objectivo, antes do que subjectivo, desde que o cara-! cter de
taes certificados deve ser o de fazer fé perante a au-j toridade.
K O critério pois pelo qual as legislações em geral se uni-
1
formisaram, para infligir pena menor aos delidos commet-tidos
por médicos no passarem, por mero favor, certificados falsos
de moléstias, é fundado essencialmente sobre a (feita de força
obrigatória era taes documentos, sobre a ausência de interesse
pessoal nos médicos, e sobre a gravidade das duvidas em que
versa o homem d'arte ao passar taes certificados, quando nfio
está certo dos soffrimentos annuncia-dos pelo cliente,e quando,
attestando a saúde exporia talvez a perigo a vida humana.
Mas a benignidade da lei cessa, quando o medico, o ci-
rurgião, ou outro profissional sanitário se tenha deixado in-
duzir a passar ou dar certificados falsos por donativos ou
promessas, porque em tal caso, um acto de mera condes-
cendência pessoal, ainda que imprudente, vem a transforma r-
se em acto de perversidade, resultante de uma grave
perversidade de impulso e dos caracteres mais manifestos do
dolo penal pelos dons ou promessas que se constituem o
premio da criminalidade,
Em tal caso os códigos modernos usam de uma justa
severidade.
O dom porém não deve ser constituído pela retribuição da
visita feita pelo medico, mas deve realmente resultar como um
premio pactuado ou recebido em recompensa da falsidade
praticada. Nem o corruptor que instigou por tal modo o crime
deve ficar immune da pena; elle que coope? rou na violação da
lei deve ser igualmente punido. *
Mais ou menos seguindo as mesmas idéas doutrinam os
autores francezes que commentam o respectivo cod. alterado
neste ponto pela lei de 13 de maio de 1863.
3
O nosso cod. pen. ainda enxertou neste capitulo o aít. 256,
que 6 um delicto eleitoral apezar de ter tratado de taes crimes
nos arts. 165 a 178; art. 207, ns. 15 a 17; e
1
Ambrogio Negri apud CoglioJo, OBR. CIT. rol. 2
o
Part, I. A. pag. 537 § 32, n.
259.
1
Garraud, OBR CIT. vol. 3° pag. 290, n. 213; Chauveau, Hélie e Yilley OBR.
CIT, vol 2* pag. 515, n. 759; Blanche e Dutruc, OBR. CIT. vol. 3
o
I pag. 577. n.
295.
287 -
art. 208, n. que pela própria numeração se que se
acham em títulos muito differentes.
O que ha a notar especialmente sobre os arts. 262a 254
do texto, é que o nosso cod. pen. o discrimina os attes-
tados dos médicos, nem de outros autoridades dos attestados
dos simples particulares
H E' fora de duvida que nflo se tratando de attestados médi-
cos ou de autoridades, os que o dados ou passados por
particulares, como documentos meramente graciosos que
sfio, nflo podem servir de elemento de criminalidade, sob
pena de absurdo.
Taes documentos quando muito poderiam servir, confor-
me as circumstancias, de elemento do crime de estellionato,
mas nflo de falsidade.
E' a solão no direito italiano, uma das fontes e talvez
principal do nosso código.
1
A transcripçfio que fizemos do projecto de 1899 esclarece
as figuras do texto.
CAPITULO V
DA CALUMNIA, FALSO TESTEMUNHO E PERRIO
CÓDIGO
Art. 2Gl. Asseverar cm juizo conto testemunha, sob juramento ou
afflrmação, qualquer que seja o estado da causa e a natureza do processo,
uma falsidade ; ou negar a verdade, no todo ou em parte, sobre
circumstancias essenciaes do facto a respeito do qual depuzer:
11.* Si a causa em que se preshir o depoimento for ciyil: Pena — de
prisão cellular por três mezes a um anno. § 2.° Si a causa for criminai e o
depoimento para a absolvição do acc usado:
I Pena — de prisão cellular por seis mezes a dous annos.
§ 3." Si para a condemnaçao:
Pena — de prisão cellular por um a seis annos.
Art. 262. Todo aquelle quí, intervindo era causa civil ou criminal, no
caracter de perito, interprete, ou arbitrador, fizer, ou escrever, declarações
ou informicões falsas, será punido com as mesmas penas, guardadas as
distineções do artigo anterior.
Paragrapho único. A pena será augmentada da terça parte si o
aceusado deíxar-se peitar, recebendo dinheiro, lacro, ou utilidade, para
prestar depoimento falso, ou fazer declarações falsas verbaes ou por
escripto.
Na mesma pona incorrera o peitante.
' Míijno, OBR. CIT. 1" vol art. 291 pag. 777, n. 2077.
— 288 —
Art. 263. Não terá. logar imposição de peua si a pessoa que prestar
depoimento falso, ou fizer falsas declarações em juízo, verbaes ou es-í
criptas, rotractar-se antes de ser proferida sentença na causa. H
Art. 264. Dar queixa, on denuncia, contra alguém imputando-lhd
falsa e dolosamente factos que, si fossem verdadeiros, constituiriam;
crime e sujeitariam seu autor a acção criminal:
Pena — a do crime imputado.
GOMMENTARIO H
I &4:. Preveniremos a explicação do capitulo repetindo
na parte respectiva o que noutro lugar dissemos sobre a ul-
tima secção deste titulo do código e as disposições do primi-
tivo projecto de revisõo :
« Quanto ao ultimo capitulo deste titulo, considerando o
projecto como diffamação o que póde-se dizer vulgarmente
entre nós se chama calumnia, deu-se a este vocábulo a si-
gnificação que em parte lhe attribue o código de 1830,
art. 235, collocando a aceusação calumniosa sob o titulo da
calumnia.
O código actual colloca neste logar este facto e o perrio.
O projecto classifica sob um só capitulo as figuras con-
neres, corrigindo as noções existentes, de modo a discri-
minar as varias espécies entre si.
Assim, o perjúrio é a falsidade em juizo, pelo juramento
ou affirmação da parte, em causa civil.
Segue-se a acção calumniosa e a simulação de provas,
uma modalidade desta, com as penas graduadas em relação
á gravidade da aceusação.
O projecto repelliu o talo que o digo actual, desen-
terrou das tradições da vindicta, como fez o Código Portu-
guez e subsistia nos italianos anteriores e em alguns dos
cantões suissos. *
I E o talião cruel em certos casos, falha em outros, porque
não se deve punir o falsario que consegue fazer punir o inno-
cente com uma pena ligeira, com a mesma pena imposta
a este.
O digo de 1830, no art. 235, mitigava o talião, tendo
no art. 169 edictado penas muito severas para o que cha-
mou perjúrio, isto ê, para o testemunho falso.
O projecto tamm regula os casos de retractão, insti-
tuto que acceitou, apezar da diversidade das legislações
sobre elle.
E adoptou uma nova figura de incriminação geral, a que
consiste em condições restrictasno facto daquelle que deixou
de avisar a autoridade ou ao interessado de provas capazes
1
I.acointa, CODK PENAI. D'ITAMB, pag. 105.
— 289 -
de salvar um innocente; ella figura no código da Hungria, art.
230, e os projectos da Áustria, de 1881 176) e de Neu-
fchatel, nfiô faltando outros, como reconheceu Zanardelli na
Itália, embora não o tenha admittido no seu código. *
O falso testemunho obedece também em geral ás regras
expostas e ao falso testemunho são equiparadas as perícias,
traducções e actos semelhantes falsos, consignando e coor-
denando o projecto a falsidade em juizo com a aggravante do
suborno.
2
Nos vamos tratar neste capitulo do que na doutrina e na
legislação se chama a falsidade em juizo.
Este crime pode realisar-se por quatro formas diffe-
rentes, conforme o código italiano, arls. 211 a 221, e outros,
que as consideram como delictos contra a administração da
justiça: a simulação de crime, a calumnia, declaração falsa
da testemunha, perito ou interprete e o perjúrio da parte
litigante em juizo.
O nosso código penal nos artigos do texto não contempla,
nem a primeira forma, nem a ultima; o mesmo silencio nota-
se no projecto de 1899; os projectos porém de 1893, 1896 e
1897 não contemplam a primeiro forma, isto é, a
simulação de crime per se, contemplando as outras três in-
clusive o perjúrio.
Em primeiro lugar, tratemos da calumnia.
Gomo diz Crivellari, o crime de calumnia é uma das
mais graves offensas que se possa fazer á justiça publica e o
mais odioso ultrage que se possa imaginar em prejuízo de um
cidadão.
O calumniador tenta converter a justiça e os magistrados
que a representam em instrumentos da própria iniquidade
para. arrastal-os a condemnação do innocente e expõe este
aos perigos e aos damnos dum julgamento por um facto de
que elle não é auctor.
E' um delicto mais grave do que a simulação de crime o
facto previsto no art. 234 do texto do código, aliás incompleto,
mas corrigido nos projectos de revisão, de 1899, arts. 262 e 263.
Dizia Marciano: calumniari est falsa crimina intendere,
isto é, accusar alguém por um crime de que sabe ser inno-
cente.
A calumnia distingue-se da simulação de crime, porque
consiste na indicação dum ou mais individuos como culpados
de crime, entretanto que na simulação de crime não se ac-
cusa ninguém.
Todas as legislações são concordes na punição do ca-
lumniador.
1
RtxAzioNK CIT. III, pag. 112, not. 1.
' EXPOSIÇÃO DB MOTIVOS DO PROJECTO de 1893, pag. 15.
8917 19
299
O código francez reunia numa cathcgoria a calumnia| e
a diffamação calumniosa.
A lei de 17 de maio de 1819 occupando-se desta deixou
somente subsistir no código, art. 373, a denuncia calumniosa.
1
Mas, como nota Pessína, ellas são dislinctas entre si,
porque a calumnia presuppõe uma queixa ou denuncia por
crime intentado perante a justiça ou a autoridade do Estado,,
ao passo que a diffamação calumniosa ô uma accusação que
.se formula perante a consciência publica, e pôde ter como
conteúdo, quer attribuir a alguém um facto delictuoso, quer
altribuir-lhe somente um facto deshonroso. f,\
Mas note-se, entre parenthesis, que conforme o nosso cod.
art. 315, a diffamação que elle chama calumnia é e sempre
a attribuição dum facto criminoso.
Commentando o cod. Uai. art. 212, parallelo ao art. 284
do texto do nosso, Garrara observa que este crime dieta do por
ideias baixas de vingança, ou por profunda malvadez, ê de
grave entidade pelas consequências deploráveis que pôde
ternas relações da pessoa quedelle é victima, como nas
relações da administração da justiça, a qual procede no
exercício do próprio ministério sobre uma base falsa.
Em relação á moralidade de sua externação, a calumnia ê
verbal ou directa, e real ou indirecta, resumindo-se a primeira
na denuncia ou queixa á autoridade por um terceiro, como
autor dum crime, ao passo que não o ê; e re-duzindo-se a
segunda a simular os traços ou vestígios dum crime contra um
innocente. O cod. ital. art. 212 compre-hende ambas essas
formas do crime.
Entretanto o nosso cod. art. 264, comprehendc a
primeira forma e não a segunda que omittiu, o que porém foi
supprido nos projectos de revisão.
E como trata-se, diz ainda Garrara, dum crime que tem
por elemento principal a incriminação dolosa dum Innocente,
é absolutamente necessário que o autor saiba e conheça a
innocencia da pessoa por elle calumniada, sem o que não se
poderá nunca fallar da concretisação do crime mesmo. Ficão
portanto excluídas desta forma de criminalidade as
informações arriscadas, precipitadas, ligeiras, di-ctadas por
animo máo ou por espirito de maledicência.
Este dolo característico da acção, prescindindo do disposto
no art. 45, não entendeu o legislador saliental-o com as ex-
pressões costumadas de dolosamente ou intenção de preju-
dicar, como prescreviam o cod. toscano e o de 1859, pela
razão de que o dolo e o prejuízo á pessoa calumniada estão
encarnados na acção mesma da denuncia falsa e na consci-
ência da innocencia da victima.
1
Manche & Dutruc, OBR. Crr. vol. 5° pag. o 12, n. 408.
291
~ÃTTcpnTrãrlõi #nosso cod. pen. ãrt7 264, não obstante
a disposição geral do art. 24, diz : imputando-lhe falsa e
dolosamente factos etc... I
OK. A seu turno, diz Pessina que as condições do crime
de calumnia são duas :
1} a accusação de crime formulada contra alguém ;
2) a consciência no accusador da innocencia daquelle que
elle accusa.
Quanto á primeira condição, a lei italiana não exige
accusação formal; basta produzir a notitia criminis com a
indicação do autor do crime.
O conteúdo da accusação deve ser um facto criminoso; e
a forma necessária é a da inscriptio e da subscrijitio ia
crimen. Assim que uma accusação anonyma não pôde dar
lugar à calumnia, salvo si se tratar de simulação dos vestígios
ou indícios dum crime, porque neste caso também a denuncia
anonyma pode dar origem a um procedimento penal.
Isto eslá de accordo com o projecto de 1899, art. 262;
mas é inapplicavel ao nosso código vigente art. 264, porque
este o contempla como forma da calumnia a simulação de
crime.
Entretanto convém notar sobre este elemento da ca-
lumnia que o art. 264 do nosso código parece exigir uma
queixa ou denuncia em forma, porque a sua dicção é muito
differente da do código italiano seguida pelos projectos.
Assim, não sabemos, si conforme a lettra do art. 234,
poder-se-hia considerar como elemento da calumnia a queixa
nas condições previstas na lei n. 76 de 16 de agosto de 1892
que reorganisa o serviço policial do Districto federal
quando diz:
«Art. 16. Cabe á acção da justiça publica o procedimento
para a punição ao crime de furto, sem embargo da excepção
do n. 1 do § 2
o
do art. 407 do Código Penal, quando provado
o procedimento official por queixa escripta ou verbal
reduzida a termo, da parte ojfendida.i»
Duvida idêntica suggere o caso em relação á uma es
pécie da lei n. 628 de 28 de outubro de 1899 que amplia
a acção por denuncia do Ministério Publico e outras pro
videncias, quando diz: •'^'i
I « Art. l.° Compete a acção penal por denuncia do Minis-
tério Publico nos crimes de:
I. Furto;
Paragrapho único. A acção publica será iniciada sob
representação do ojfendido, si o furto se der entre parentes e
affins até o 4
o
gráo civil, não comprehendidos na
292
disposição do art. 335 do Código Penal que continua em
vigor.» *
A dicção rígida do art. 264 oppõe-se á qualquer am-
pliação aliás vedada pela não menos rígida do art. 1°.
As duvidas que suggere o nosso digo penal o tanto
mais serias, quanto as legislações não são uniformes. S
A' opinião de Pessina, de accordo com a jurisprudência
italiana, se acostam outros, dentre estes Perroni Ferranti
que combate a opinião diversa de Puglia. vj
Ao contrario em França, o código, art. 373, exige a de
nuncia por escripto e sobre esta base se tem formado alií
a jurisprudência e a doutrina dos autores.
2
"-
Quanto agora ao segundo elemento da calumnia, elle
Icomprehende duas condições ou requisitos: um e a falsidade
do seu contdo e o outro ô a consciência de tal falsidade.
o ha necessidade sempre de um julgamento penai, que
se encerre com a prova da falsidade da accusação, para dar
logar ao processo por calumnia, podendo tanto a falsidade
da accusação, como a sciencia dessa falsidade serem pro-
vadas sem que seja mister um julgamento penal análogo;
mas, para dizer-se provada a calumnia e preciso que se
prove uma e outra condão, isto ê, a innocencia do accusado
e a consciência desta innocencia no a cousa dor.
Esta opinião de Pessina, Impallomeni e outros é pelo
menos restringida por Innamorati quanto â calumnia sob a
forma de simulão de crime, chamada também real e indi-
recta, de que alias não cogitou o nosso código e somente os
projectos
3
.
Quanto ao que respeita á penalidade comminada a este
crime, a lei italiana diz Garrara, reconheceu a priori a auto-
nomia do delido da calumnia, abandonando as vetustas
theorias da medida do talião condemnadas pela sciencia. I
Na medida da pena si tem distinguido uma gradação
somente nas relações das consequências do processo Iniciado
sobre a base da falsa denuncia, augmentando a pena no caso
que esta tenha tido como êxito uma condemnaçao do calum-
niado e proporcionando tal augmento com a maior ou menor
entidade da condemnaçao
4
.
I Os projectos de revio do nosso digo estabeleceram as
modalidades das escies graduando por ellas a penalidade;
1
REVISTA M JURISPRUDÊNCIA orr.. vol. 8* paga. 102 o 201. onde vera
eommentaHoê a citada lei com referencias a anterior e o regulamento da ultima,
dado pelo Dccr. a. 3175 de 4 de novembro de 1809.
* Perroni Ferranti, apud Cogliolo.oun. orr., vol. 2
o
Part. I A, pag. 30,
•. 3. Chauveau, He lie e Villey, OBR. onr., vol. 4» pag. 605, n. 1838.
Innamorati, aut DELITTI CONTRO I/AKMIKUTRASIONII DELIA OIOSTUIA, ltoma,
1895, Dag. 91.
* Çarrara, COHMKMTO CIT. art. 212. MB. 133: Pewlna, MAMUALB OIT.
p«g. 166, g 151». -II-^
293
mas, os projectos de 1896 e 1899, seguindo o código, estabe-
ceram o talião para o caso de condemnaçSo do calum-niado
*.
Sobre a intelligencia do art. 264 do texto vamos citar
alguns arestos.
« Quando a requerimento de alguém se procede ao com-
petente inquérito policial contra um supposto delinquente,
não pôde este, por esse simples motivo, usar contra esse
requerente da acçSo penal autorisada pelo art. 264 do código
penal.
« Se qualquer pessoa apresentar queixa contra um sup-
posto delinquente e for ella declarada improcedente no des-
pacho de nfio pronuncia, o pôde também ser processado o
queixoso com fundamento no citado art. 264 : Accordao do
Conselho Supremo da Corte de Appellação de 2 de abril de
1895.
« O delicto de denuncia calumniosa se constitúe quando
alguém imputa a outrem falsa e dolosamente factos que se
fossem verdadeiros constituiriam crime e sujeitariam seu
autor á acção criminal.
«A sentença de impronuncla não contilúe decisão judi-
ciaria definitiva.
«A errónea apreciação de um facto nfio constitúe a
» : Sentença do Dr. Viveiros de Castro, juiz do Tribunal
Civil e Criminal de 27 de fevereiro de 1899.
Acceilamos a doutrina destes arestos quando firmam o
principio de ser essencial o dolo no denunciante, isto ê, a
consciência da innocencia do denunciado; isto, não obstante
as observações da Revista que os publicou aliás compre-
hensivas de outros pontos do julgado .
2
1
PROJECTO DE 1899:
« Art. 262. Dar queixa, ou denuncia em juizo, ou perante autoridade com-
petente para encaminhal-a, imputando falsamente um crime a outrem ; ou simular
contra alguém vestígio, ou indicio material de crime;
Pena prisão com trabalho por um a três annos, e perda do oiti cio ou
mprego publico que exercer.
Paragrapho único. Si por effeito da falsa imputação for alguém condcm-
nado:
Pena —a mesma do crime em que o condemnado tiver incorrido.
Art. 263. As penas estabelecidas no artigo antecedente serão diminuídas de
dons terços, quando o culpado do crime previsto no mesmo artigo retractasse da
imputação, ou revelar a simulação, antes de qualquer procedimento contra a
pessoa calumniada; e serão diminuídas da metade, si a retractação ou revelação
realisar-se posteriormente, mas sempre antes de ser pronunciado o veredietum dos
juizes de facto nos julgamentos do jurv, ou a sentença nos outros juízos ou
tribunaes, acerca do facto falsamente imputado.»
* REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA OIT., vol. 2°. Pag. 97; vol 5
o
, pagina 422, com
obssrvações.
— 294 —
A mesma doutrina resultava da disposições do código
criminal de 1830 quando dizia:
«Art. 235. AaccusaçSo proposta em juizo, provando-se ser
calumniosa, e intentada de fé, será punida com a pena do
crime imputado, no gráo minimo.»
Dos dous arestos que vão seguir não concordamos com a
doutrina do primeiro á vista do que expuzemos sobre a
matéria.
« Para que exista a denuncia calumniosa é necessário que
a falsidade do acto criminoso attribuido ao querellado, seja
demonstrada por uma decisão judiciaria definitiva.
« Não se pôde considerar decisão judiciaria o despacho do
promotor publico requerendo o archivamento do inquérito » :
Sentença do mesmo juiz de 11 de fevereiro de 1895.
«São elementos constitutivos do crime de denuncia
calumniosa a falsidade dos factos arguidos e fé do
denunciante » : Sentença do mesmo juiz de 5 de agosto de
1895. »
O crime previsto no art. 264 do código penal não existe
sem que, quem apresentou a queixa contra outrem, imputando-
lhe falsa e dolosamente factos que, se fossem verdadeiros,
constituiriam crime e sujeitariam o seu autor á acção criminal,
tenha decaindo por sentença definitiva.
«Não se entende por sentença definitiva o despacho de
não pronuncia, ainda que confirmada em gráo de recurso, mas
a decisão de ultima instancia soberanamente julgada.
«Intelligencia do art. 264 do código penal e do art. 327 do
código de processo criminal» : Accorduo do Conselho do
Tribunal Civil e Criminal de 5 de setembro de 1896 Sal-
vador Muniz, relator.
« Denunciação calumniosa. Intelligencia do art. 264 do
código penal » : Accordão da Relação de Petrópolis de 11 de
setembro de 1898, Palma, relator, com voto oencido Santos
Campos.
2
Não podemos acceitar a doutrina deste aresto, porque o
art. 264 do código penal refere-se á queixa ou denuncia
simplesmente e nem ao menos se refere â aceusação proposta
em juizo como fazia o código anterior, art. 235 ; portanto,
dados os elementos constitutivos do crime, isto é, a falsidade e
a consciência desta falsidade no queixoso ou denunciante, a
acção se consumma com a apresentação da queixa ou
denuncia calumniosa.
1
Viveiros de Castro, SENTENÇAS K DECISÕES OIT. Paga. 17, 43 e 83. * O
DIREITO, *OI. 75, pag. 255; vol. 74, pag. 104.
295
A doutrina sobre o código italiano, fonte do nosso, con-
forme Pessina, cuja opinião expuzemos (p. 292) é contraria
ao aresto. *
Também o art. 827 do código do processo criminal não
suffraga o aresto.
oo. 0 nosso cod. pcn., arts. 261 a 263, que são os outros
deste capitulo prevê o falso testemunho, que ê uma forma
diversa da antecedente da falsidade judicial.
Os projectos de revisão alteraram muito o cod. pen. nesta
matéria, edictando o de 1899, art. 265, ainda o talião, que o
cod. abandonou aqui.
A mais grave das formas entre a falsidade judicial é a
declaração falsa das testemunhas.
O falso testemunho é como o perjúrio e com differença
do suborno, um delicio formal: não é uma tentativa, nem
admitte a noção da tentativa, quanto a si.
O homem, mostra Innamorali, que tem necessidade de
provar, que tem necessidade de saber, precisa recorrer para
dar fé ás próprias palavras, ou para instruir-se dos factos que
elle pessoalmente não presenciou, ao dicto, ao testemunho
doutrem. Servir-se de testemunhas para saber, descobrir e
provar o que interessa, é meio primitivo, natural, inevitável
para o homem.
A justiça não poderia absolutamente sem testemunhas
proceder, tanto que não ha processo em que não figurem
testemunhas, entretanto que é accidental o concurso d'outros
meios de prova; e na linguagem popular e commum, que
inadvertidamente reflecte as situações de facto mais obvias e
maisgeraes encontramos a palavra prooa adoptada por si
como synonima para indicar sem mais outra a prova
testemunhal.
Portanto basta enunciar que interessa em summo gráo &
administração da justiça que as testemunhas sejam verídicas
; e por isso disseram: Claro, quearbitror nullum esse
crimen perniciosius republico?- e Farinacio que falsi
testes pej ores sunt furibus, latronibus et abigeis.
E Chauvéau e Hélie, recordando taes sentenças, obser-
vam que o falso testemunho é com effeito um acto grave em
si mesmo: a testemunha trahe um juramento solemnemente
prestado e seu perjúrio tem por fim transviar a justiça e
impor uma mentira aO seu julgamento. Mas a gravidade
deste crime depende principalmente do objecto ao qual se
applica o falso testemunho: depoimento falso é uma arma
occulta com o auxílio da qual o agente despoja suas victi-
mas, asdeshonra ou as assassina; este crime participa, pois,
ora do furto, ora da calumnia, ora do assassinato; algumas
1
Pessina, M ANU ALE OIT. § 159, pag. 167, pr.
296
vezes nfio tem por fim sinfio velar o crime para subtrahir o
culpado à pena e éa sociedade inteira que se acha lesadaI por
esta deplorável fraqueza.
O cod. francez, arts. 361 a 366, collocou no mesmo § o
falso testemunho, o suborno de testemunhas e o falso jura-
mento prestado em matéria civil *.
Innamorati, alludindo a estas palavras, accrescenta que
ellas são fortes, mas com certeza não são excessivas, embora
não exactíssimas não entendidas nos seus devidos termos.
Entende-se que o falso testemunho é uma forma em que
pôde entrar ou pôde conter matéria diversa; mas nfio se creia
que a sua natureza e essência dependa do seu escopo, diante do
qual viria aliás a assumir a funcçfio d'uma tentativa.
A sua natureza ontológica, a essencialidade que a con-
stituo ê a offensa á justiça e não outra cousa, de modo que
guarda em sua exhibicão sua constante autonomia entre as
maneiras diversas por que se externa e diante dos diffe-rentes
escopos que mira.
Como não é mais essencial ao falso testemunho o ser
acompanhado do juramento, assim o evento produzido pôde
aggraval-o, mas nfio lhe pôde dar côr ou caracter o evento a
que se dirija ou a matéria a que se refira.
Quando ao juramento e á invocaçfio de Deus testemunha e
vingador se dava importância preponderante e exagerada
consideraçfio, o falso testemunho foi reputado um sacrilégio,
um crime contra a religifio, e logicamente conslderou-se que o
crime não existisse sinfio acompanhado e garantido pelo
juramento.
Ao objectivo da justiça publica se deve, uma vez sub-
trahido aos influxos theologicos, modifícal-o e afflrmar como
crime o falso testemunho ainda mesmo o acompanhado de
juramento.
E assim, se se fosse desllsando pelo declive que se propõe
o agente «segundo a natureza do crime que quer realizar »
poder-se-ia correr o risco de consideral-o delicto imperfeito
desde que o tivesse attingtdo o seu escopo e de nfio
consideral-o punível quando dirigido a um fim bom como, por
exemplo, seria a absolvição de um indiciado innocente.
E' só reduzindo-o ao seu objectivo da offensa á adminis-
tração da justiça social, cujo ambiente todos teem interesse e
direito que nfio seja perturbado pela falsidade ; é assim que
se justifica e se comprehende ver em si mesmo o falso
testemunho um delicto perfeito e nfio ser licito, nem mesmo
com o escopo de salvar innocentes, mentir.
2
1
Chauveau, Hélie e Villey, OBR. CIT., vol 4°, pag. 532, n. 1775. *
Innamorati, OBR CIT., pag. 113.
P9HMIM!
/
297 *-
Nas leis anteriores ao direito romano era já punido
gravemente o testemunho falso.
No direito romano anliquissimo foi estabelecida como
pena para a testemunha falsa a praecipitatio e saxo; pos-
teriormente a Lex Cornélia de Jalsis classificou entre os
crimina falsi o falso testemunho.
Nas leis germânicas era cortada a mão que a testemunha
folsa havia levantado porá perjurar em prejuízo de outrem.
O direito canónico puniu a falsidade judicial com as mais
rigorosas penitencias.
E no direito antigo italiano a calumnia foi punida com o
critério quantitativo do talião e isto apparelhou a gradação da
pena da calumnia nas leis modernas.
Aord. do liv. 5°, tit. 54, punia, conforme os casos, o
mesmo crime, com a morte, açoites, degredo perpetuo ou
temporário.
O código francez classificou entre os delictos contra as
pessoas a calumnia e o falso testemunho, estabelecendo
normas coherentes com as idéas jurídicas, as quaes attri-buem
á prova testemunhal um valor inferior ao da prova escripta e
commettem a sua avaliação ao critério moral do juiz.
Nos códigos italianos anteriores as doutrinas do código
francez foram reproduzidas. Mas o código sardo de 1859,
tinha introduzido uma distincção no crime de testemunho
falso, attribuindo a este a significação exclusiva da afflr-
maçõo da inverdade como verdade, e contemplando como um
crime menor, e do mesmo afflm, a occultação da verdade por
obra da testemunha.
Esta gradação não se achava no código toscano, conforme
o qual é falsidade não a afflrmação dolosa da inverdade,
mas também a occultação da verdade. *
&"?. O código italiano vigente, arfc. 214, no dizer de
Pessina, enuncia odelicto de falso testemunho delineando
todas as formas possíveis: « é testemunha falsa' aquelle que
depondo, como testemunha, perante a autoridade judiciaria,
affirma a falsidade, ou nega a verdade, ou cala, no todo ou
em parte, aquillo que sabe, em relação aos factos sobre que é
interrogado. »
Os projectos de 1893 e 1897 não fizeram mais do que
traduzir esse conceito; mas nos posteriores de 1896 e 1899
elle é um pouco differente.
2
> Pessina, MANUALE CIT. pag 169, § 162.
' PROJECTO DB 1899:
« AH. 265. Depor falsamente em juizo como testemunha, negar a verei ade
ou calar no todo ou em parte o que souber acerca de qualquer facto obre que for
interrogado,... etc. »
298
Mas o conceito do art. 261 do texto ó muito diffe-rente,
porque o nosso cod. diz que é testemunho falso— « asseverar
em juizo como testemunha, sob juramento ou affirmação,
qualquer que seja o estado da causa, e a na-j tureza do
processo, uma falsidade; ou negar a verdade, no todo ou em
parte, sobre circumstancias essenciaes do facto a respeito do
qual depuzer. »
Commentando a fonte do nosso cod., nota Carrara que a
nova locução do texto parallelo reconduziu o crime da
falsidade em juizo ao seu verdadeiro conceito. No projecto se
tinha concretisado o delicto, também quando o depoimento
fosse dado á uma outra autoridade que não fosse a judiciaria.
Isto o era exacto, porque o julgamento a que a falsidade é
relativa não pôde ter logar sinão perante magistrados, seja nas
audiências ou sessões dos tribunaes, pre-torias ou cortes, seja
no jury.
No crime de testemunho falso conceituado no art. 214 do
cod. ital. está comprehendida também a reticencia, a qual além
de ser contemplada com a palavra cala, por índole e effeitos é
affim da disposição da falsidade. E na verdade o silencio se
reduz á uma falsidade, porque se diz ignorar o que se sabe.
Relativamente aos effeitos, ella acarreta igual prejuízo á
justiça, transviandoa do recto caminho e impede que este seja
descoberto e seguido.
Do contexto do artigo, diz ainda Carrara, o que se concilia
com o nosso cod., art. 261 §§ 1 a 3 e os projectos, é evidente
que se contempla tanto o depoimento falso no| juizo penal,
como no civil, si bem que o primeiro por suas consequências e
pela solemnidade com que é feito mereça uma punição maior.
M Não' é mister que o juramento acompanhe o depoimento,
porque tal circumstancia pode constituir uma ag-gravante,
nunca um elemento necessário do crime, toda a vez que a
figura deste se classifica entre os crimes contra a
administração da justiça, e não contra a religião. *
Note-se, porém, á vista do exposto que o nosso cod. pen.
omittiu a reticencia e portanto entre nós não é crime o facto da
testemunha que cala o que sabe sobre as cousas para que é
chamada a depor.
Em segundo logar, note-se que também não ha crime da
parte da testemunha que não jurar ou não fizer a afflrmação de
dizer a verdade.
E por isso diziamos que o conceito do art. 261 era muito
differente da sua fonte, seguida pelos projectos de revisão.
Carrara, COMMENTO CIT., art. 214, pag, 135.
mm
I
299
O principio na jurisprudência franceza é que não ha
depoimento falso sem juramento.
Mas, si o incapaz dissimula sua situação legal e depõe,
ou o presidente da Cour d'Assises no uso de sua faculdade
discricionária chama qualquer pessoa simplesmente para dar
informações e ella faz declarações sob juramento, é claro que
ha depoimento e punivel quando falso. *
No art. 262, o nosso cod. pen. equipara a testemunha o
perito, interprete ou arbitrador, punindo-os com as mesmas
penas.
E effectivamente, como diz Pessina, que por delicto de
falso testemunho se deve entender não a declaração falsa
da testemunha em sentido estricto, mas, além disto, a falsa
deposição do interprete, e o laudo ou parecer falso, quer
escripto, quer oral, do perito, porque no fundo, o perito
certifica, afflrma ou attesta factos, cujo conhecimento
presuppõe certas aptidões especiaes que servem para es-
clarecer a justiça; e o interprete ê ao mesmo tempo tes-
temunha e perito em juízo quando é admittido, quer a traduzir
de um idioma para um outro, as declarações oraes ou os
documentos, quer a esclarecer disposições ju-diciaes de
surdos ou de mudos, ou de surdos-mudos.
â
O paragrapho único do art. 262 prevê o suborno, mas
está ião mal collocado que parece referir-se somente aos
interpretes e peritos quando se refere também ás teste-
munhas.
Ainda sobre disposições parai leias do Cod. ital. arts. 218
a 220, fonte do nosso, e principalmente dos projectos, expõe
Crivellari, em resumo, que o legislador erigio aqui o suborno
em crime especial, como aggravante do testemunho falso e
cujos elementos especificos se podem reduzir a três.
' Assim, ê mister em primeiro logar que haja um suborno
de testemunha, interprete ou perito, o que é difficil conter
numa formula comprehendendo todas as variantes, mas
juridicamente significa determinar, excitar, induxir, instigar
uma testemunha, perito, ou interprete para commetter o
delicto de testemunho falso.
Em segundo logar, é mister que o suborno se refira ou seja
dirigido á testemunha afim de que esta commetta o crime
previsto nas respectivas disposições, isto é, pelo nosso Cod.,
arts. 261 e 262.
Portanto, foro das hypotheses previstas não ha suborno.
Não haveria no caso em que elle verse para que a testemunha
cale, porque, como vimos, esta hypothese está fora do nosso
lilancke & Dutruc, OBR. CIT. vol. 5.°, pag. 431, n. 355.
Pessina, MANUALE CIT., pag. 168, § 161.
— 300 —
Código. Também só ha suborno referente á deposição perante
os juizes e tribunaes, porque isto é condição do falso
testemunho.
O terceiro e ultimo elemento a que allude Crivellari parece-
nos inapplicavel ao nosso Código, cuja dicção é differente do
Cod. italiano, art. 218, por o exigir como esta que o de-
poimento falso se realize. Isto, entenda-se, bem em relação ao
subornador ou peitante, porque quanto a testemunha, sem que
ella deponha e falsamente o suborno não pôde produzir o seu
effeito.
E nem isto é de admirar porque o suborno é uma
aggravante do testemunho falso e nelle está encarnada. *
Resta a retractaçâo prevista no art. 263 do texto e cuja
disposição comprehende a retractaçâo extinctioa e não a
attenuante, ao contrario dos projectos de revisão, de 1899, art.
267, que prevê uma e outra.
Justificando a retractaçâo extinctioa, diz Carrara, que
quanto á impunidade concedida áquelle que se retracta em
tempo útil da inverdade ou falsidade, se bem que nem todos os
códigos europeus, especialmente o francez e o belga a
reconheção, a maior parte porém a toma em consideração.
Também em França a opinião unanime dos tribunaes é
concorde em reparar ou supprir esta lacuna da lei.
Assim Chauveau e Hélie sustentam que sendo elementos
do crime de testemunho falso a possibilidade de damno e a
desorientação da acção da justiça e não veriflcando-se estas,
circumstancias com a retractaçâo subsequente feita pela
testemunha falsa em tempo útil, o crime desapparece e é
lógico que disto derive a impunidade do culpado
2
.
Depois Carrara dizendo que é difflcil achar o momento ad
quem, a retractaçâo pôde produzir a impunidade, dis-cute-a
especialmente em face do direito italiano .
3
O alludido momento conforme o texto do nosso código
art. 263 é, antes de ser proferida SENTENÇA na causa—o que
se deve entender por sentença definitiva, ou ao menos final,
ainda que dependente de recurso e de revisão sem nenhuma
duvida, porque é um recurso extraordinário que presuppõe
sentença definitiva passada em julgado . *
Convém notar que os projectos de revisão melhoraram
muito o código vigente neste capitulo extremando rigorosa-
mente as espécies e as suas modalidades, comprehendendo as
diversas gradações da pena e referindo-se precisamente ás
isenções de pena, assim como ás aggravantes e atte-
1
Crivellari, ODR. CIT., vol. 6°, pag. 570, ns. 151 e seguintes.
* Chauveau, Hélie e Villey, OBR. CIT., vol. 4», pag. 554, n. 1794.
* Carrara, COMMENTO CIT., art. 216, pag. 137.
* Do autor; A REVISÃO DOS PROCESSOS PENABB, Rio de Janeiro. 1899
Cap. II, pag. 17.
/
301
imantes, o que absolutamente deixou de fazer o código penal
nos concisos e deficientes artigos do texto.
os. Em todos os projectos estava previsto o perjúrio, mas
na ultima votação da camará dos deputados foi appro-vada
uma emenda suppressiva da respectiva disposição do projecto
de 1896, art. 262, de modo que a figura não existe na
redacção final que é o projecto de 1899 que mantém assim o
silencio do código penal vigente.
A questão portanto, pôde ter para nós um interesse
theorico e histórico.
No parecer da com missão parlamentar que acceitou a
emenda suppressiva a Iludida não ha uma palavra justifi-
cando essa acceitaçâo.
E como o perjúrio não figura no digo nem no projecto de
1899 nos limitaremos a dizer pouco sobre elle que pôde ser
definido: o juramento falso ou a ajflrmaçâo de falsidade da
parte perante o juizo em causa civil. A matéria é
controvertida entre os autores. Assim é verdade que Puglia
reconhece ser uma grave questão, a que respeita
ápunibilidade do perjúrio em um julgamento civil.
O ministro Zanardelli, relatando o seu projecto convertido
no código italiano vigente alludia aos três diversos systemas
adoptados na doutrina e na legislação acerca da questão.
Observaremos somente que o novo digo collocou entre
os delictos de que tratamos o perjúrio no julgamento civil,
sem distincção de falsidade de juramento decisório e falsi-
dade de juramento deferido pelo juiz, suppletorio.
E aqui surge a questão sobre a conciliação da antinomia
possível entre o art. 221 do código penal italiano e o art. 1370
do código civil, onde está estabelecido, que se foi prestado o
juramento deferido ou referido não se admitte a outra parte
provar a falsidade delle. E na verdade, como poder-se-ia
evitar-se que se exclua a prohibiçâo do art. 1370? Como se
poderia evitar a prohibiçâo da prova testemunhal conforme as
normas civis, deferindo antes o juramento, e depois im-
pugnando, com querela penal que abre a instancia ã prova
testemunhal, a verdade do juramento prestado para obter a
titulo de damnose interesses resultantes do crime aquillo que
não é permittido obter em acção civil por falta de prova por
escripto ou de principio de prova escripta ?
A jurisprudência franceza, tratando também ella de pôr
em harmonia o código civil e o penal teem estabelecido como
princípios, que não se possa admittir a prova do perjúrio no
juizo penal, quando esta o é admissivel por direito civil e
que não se possa constituir como parte civil o prejudicado
pelo juramento'.
1
Puglia, MANDALE CIT. 2" vol., art. 221, pag. 141.
— 302 —
Os mesmos princípios seriam acceitaveis sob o imrio
do novo código penal *.
O relario alludido responde ás objeões de Puglia,
assignalando o exemplo das outras legislações *.
E efectivamente Pessina, resumindo a historia e a con-
trovérsia sobre o perjúrio, nota que o código francez, além
do italiano, tem de seu lado nesta parte admittido o perjúrio,
o direito inglez eo americano, os códigos allemães, a lei
sueca de 1864, o código penal belga, o do império allemão, o
do Tessino, o de Zurich e o hollandez
3
.
99. Vamos consignar alguns arestos sobre o teste-
munho falso, como interpretativos dos arts. 261 a 263 do
texto.
«Para dar-se a constituição jurídica do delicio de tes-
temunho falso, devem concorrer as diversas condições do
art. 261 do código penal.»
Estas condições são:
a) que o agente do delicto tenha deposto como tes-
temunha em causa ou processo;
b) que tal causa ou processo esteja a (Tecto ó autoridade
judiciaria ou a policial, quando funeciona como tribunal de
justiça ;
c) que a testemunha haja prestado juramento ounfflr-
maçfio;
d) que tenha asseverado uma falsidade ou negado a
verdade, no todo ou em parte sobre circumstancias essen-
ciaes; M
e) que tenha agido coma intenção de enganar a jus-
tiça.
« Deve distinguir-se o testemunho falso em causa civil
do testemunho em causa criminal.
Cumpre tamm differenciar-se o depoimento a lavor da
absolvição do aceusado em causa crime do prestado para a
sua condemnação.
A retraclaçõo do testemunho falso para a isenção da
pena é admissível nos termos do art. 263 do citado
digo. . .V
O testemunho falso pôde consumar-se quer no juízo pre-
paratório ou summarianle, quer no plenário (Accordam do
conselho do Tribunal Civil e Criminal, 2 de Abril 1898, Muni/
Barreto, presidente e relator.)
«O crime do art. 261 do código penal é punível
depois de proferida sentença na causa.
' Oarraud. Owi. CIT., 5
o
rol. pag. 25, n. 21.
Majno, Oft*. cir. 1* vol., pag. AM, n. 1085, art. 221.
* Pessina, MANUALE CIT. paf. 173 f 165.
/
ffr
m
i
— 303 —
Assim tratando-se de depoimento em uma simples jus-
tificação para documento, o testemunho falso só se verifica si
na causa em que fòr ella apresentada, o juiz lhe der valor
probatório ao proferir a sentença julgadora.«Accordam do
conselho do Trlbjnal civil e criminal, 30 de novembro de
1899, Muni/. Barreto, presidente e relator.
l
A' vista do que opportunamente expuzemos não con-
cordamos com a doutrina de que o depoimento falso possa
ser incriminado e punido quando prestado ante a autoridade
policial, ainda mesmo por absurdo legis, fazendo de tribunal
de justiça, (n. 97). A doutrina do aresto de 2 de abril de 1898
foi alterada pelo seguinte :
« O art. 261 § 3
o
do código penal presuppõe o depoi-
mento falso prestado para a condemnação do réo, e portanto
não pôde o depoimento ser considerado tal em summario
julgado improcedente. ha testemunho falso no
depoimento que assevera uma falsidade ou nega a verdade. In
telligencia do art. 261 do código penal. » Accordam da Corte
de Appellação, 3 de outubro de 1899.
« O crime de falsidade só se constitue depois que o
depoimento da testemunha se torna definitioo e irrevogável,
sendo preciso que a falsidade se sobre ponto principal da
causa. «Accordam Relação Minas Geraes, 24 de outubro de
1896
â
.
« são elementos constitutivos do crime de testemunho
falso:
I
o
. que o depoimento seja prestado em juizo, sob ju-
ramento ou afflrmaçõo, qualquer que seja o estado da causa
ou a natureza do processo;
2
o
. que a alteração da verdade no todo ou cm parte verse
sobre circumstancias essenciaes do facto ;
3°. que do depoimento resulte um prejuízo ou a possibi-
lidade de um prejuízo;
4
o
. que haja da parte do delinquente intenção fraudu-
lenta.
E' necessário provar que a falsidade do depoimento re-
sultou do dolo, da má fé da testemunha. Na ausência de
prova presume-se um equivoco, um erro não intencional.
E' necessário que o depoimento da testemunha tenha
sido prestado emjuuo. A expressão juizo comprehende o
tribunal competente para instruir o processo civil ou penal e
sobre as formas determinadas na lei do processo.
Inquérito policial não constitue juizo, porque é um
simples acto preparatório de averiguação, um documento que
instrue a denuncia ou queixa.
• REVISTA BK JURISPRUDÊNCIA CIT., rol. 3». pag. 138; vol 8
o
. pag.
101.
' O DIREITO, vol. 80, pag. 563; vol. 81, pag. 267.
— 304 —
Não podem, portanto, Incorrer na sancçfio penal de
testemunho falso os depoimentos prestados no inquérito
policial.
E' também necessário que o depoimento prestado seja
irrevogável, não possa mais ser retractado. Por isso não
constitue testemunho falso os depoimentos prestados na j
formaçfio da culpa, porque a testemunha pôde ainda retra-ctar-
se no plenário, restabelecendo a verdade dos factos.
Demais, o código penal gradua a pena segundo o depoi-
mento ê prestado para absolvição ou condemnaçâo, absolvição j
ou condemnaçâo somente pôde ter logar no plenário, limitando
se a pronuncia a averiguar a existência do crime e os indicios
vehementes de quem seja o delinquente.» Sentenças do Dr.
Viveiros de Castro, juiz do Tribunal Civil e Criminal, de 20 de
junho e 12 de setembro de 1895 e 13 de fevereiro de 1896. *
Não podemos subscrever o principio dos arestos, con-
forme o qual o testemunho falso não pôde ter logar na for-
mação da culpa ou instrucção do processo, quando o código
penal, art. 261, diz: qualquer que seja o estado da causa e
desde que as razões dadas nos mesmos arestos provam demais.
A condição da testemunha da instrucção poder ainda retractar-
se no plenário, seria razão para considerar consumado o crime
somente no plenário e não negar o crime. Do mesmo modo, si
o código penal, art. 261, §§ e 3°, gradua a pena conforme o
depoimento é prestado para absolvição ou condemnaçâo, isto
quer dizer, não que a sentença pôde ser dada com
fundamento em depoimentos prestados no plenário, mas
também prestados no summario, cuja testemunha falsa pôde
não retractar-se até o momento do julgamento e nem mesmo
comparecer na occaso deste. Aliás a doutrina corrente,
interpretativa da fonte do nosso código, é a que defendemos.
A expressão autoridade judiciaria, diz Crivellari, com-
prehende tanto as autoridades civis como as penaes; e das
penaes tanto aquellas a quem compete o processo instructorio
como aquellas que são encarregadas do julgamento.
a
« Elementos constitutivos do crime de testemunho falso.
A expressão causa civil empregada no art. 261, § 1° do código
penal, refere-se unicamente aos feitos debatidos
contradictoriamente entre as partes e submettidos a decisão do
juiz.
1
Viveiros de Castro, SENTENÇAS B DECISÕES CIT., pags. 18, 51, 94 e 162.
* Crivellari, OBR. CIT., vol. 6
o
, pag. 529, n. 122; Majno, OBR. CIT.,| vol. 1°, pag.
257, n. 1.061.
305
Não podem ser comprehendidos nella os actos de juris-
dicçflo voluntária.
A justificação em juizo não ôuma causa e sim um meio
de prova.
NSo incidem na sancçâo penal os depoimentos falsos
prestados em justificações.
O officio publico extingue o trio poder. Intelligencia
do art. 253 do Código Penal.» Sentença do Dr. Viveiros do
Castro, juiz do Tribunal Civil e Criminal, 22 de dezembro de
1898. »
TITULO VII
DOS CRIMES CONTRA OS BONS COSTUMES E A ORDEM NA
FAMÍLIA.
CAPITULO I
VIOLÊNCIA CARNAL E OFFEN8A8 AO PUDOR
CÓDIGO
Art. 266. Attentar contra o pudor de pessoa de um, ou de outro sexo,
por meio de violência ou ameaças, com o fim de saciar paixões lascivas
ou por depravação moral:
Pena — de prisão cellular por um a seis annos.
Paragrapho único. Na mesma pena incorrerá aqnelle que corromper
pessoa de menor idade, praticando com ella ou contra ella actos de
libidinagem.
Art. 267. Deflorar mulher de menoridade, empregando seducção,
engano ou fraude:
Pena — de prisão cellular por um a quatro annos.
Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta.
pena — de prisão cellular por um a saia annos.
§ 1." Si a estuprada for mulher publica ou prostituta:
pena — de prisão cellular por seis mez>s a dous annos.
g 2." Si o crime foi* praticado com o concurso de duas ou mais
pessoas, a pena será augmentada da quarta parte.
Art. 269% Chama-se estupro o acto pelo qual o homem abusa com
violência de uma mulher, seja virgem ou não.
Por violência eutende se não o emprego da força physica, como o
de meios que privarem a mulher de suas faculdades psychicas, e assim da
possibilidade de resistir e defender-se, como sejam o hypno-tismo, o
chloroformio, o ether, e em geral os anesthesicos e narcóticos.
< O DIREITO, vol. 78, pag.
582. 8917
80
— 306
COMMENTARIO
100. Este titulo corresponde aos VIII e IX do cod. pen.
no capitulo do primeiro dos quoes estuo as disposões dos
artigos do taxto sob a epigraphe Incompleta de — violência
carnal.
O cod. dividiu sem rozGo, nem systema, a maria como
estava ordenada na sua fonte, sobre a qual entretanto diz
Cerrara que neste titulo o legislador italiano reuniu as duas
series de crimes contra a ordem das famílias e o bom cos-
tume, pela grande difficuldade mesma que se encontra em
classificar qualquer das espécies criminosas, isto é, de col-
local-a numa serie antes do que noutra. Ha crimes que
importam uma offensa complexa, interessando ao mesmo
tempo a paz da familia e a ordem moral, como o rapto, o
adultério e semelhantes.
Este systema seguido pelo cod. ital. o cod. toscano o
havia adoptado.
A moralidade humana, diz Pessina, differentemente do
direito, é confiada a guarda do pudor, entretanto que a
actuação do direito é confiada ao constrangimento.
Entre as violões da moralidade ha uma que constituiu
mesmo matéria ae incriminação e punição por obra dos
legisladores e foi a violação da castidade por incontinência.
Esta intrinsecamente considerada ê offensa á morali-
dade ; mas de tornar-se matéria de incriminação em três
hypotheses, segundo se trata da moralidade individual, da
moralidade domestica ou da moralidade social.
Em primeiro logar, a incontinência lesa a integridade
moral do individuo constrangendo-o a conjuncções corpó-
reas illicitas.
Em segundo logar, a incontinência offende outras vezes
também a moralidade domestica e a ordem das famílias.
Finalmente, a incontinência desnudada ás vistas do pu-
blico,de offender o senso da moralidade social, forçando
a consciência publica a ser espectadora de factos illicitos
que violam a pureza dos costumes.
Em nome destes três aspectos, o legislador de legiti-
mamente punir os factos de incontinência, mas 'fora destes
limites, a punição dos mesmos viria a confundir a ordem
moral com a ordem jurídica.
E como observa Costanzo Calogero, a razão punitiva
se tornaria a mais patente violação da livre personalidade
humana quando se propuzesse o escopo de guardar ou vin-
gar a virtude da pudicia, e no estado jurídico, naquelle em
que, quanto possível, se realisa a harmonia perfeita entre o
direito do Estado e o do individuo, o se pôde admittir da
parte da autoridade outra cousa mais do que o incitamento
ô virtude, porém nunca a punição do vicio.
— 307 —
Cada qual deve ser livre em seguir ou não os preceitos da
moral, livre de ser continente ou o, e ê somente quando
exorbita dos seus direitos individuaes, ou quando a sua acti-
vidade vem collidir com os direitos doutrem que o Estado
pôde intervir para restabelecer a ordem juridlca perturbada. A
incontinência e as offensas ao pudor por si mesmas não
podem constituir delicto e para que caiam sob a sancção da
lei penal é necessário que contenham a violação do dever
juridico de respeitar os bons costumes e a pudicícia dos
outros.
Em todos os outros casos o vicio da incontinência embora
torpe, damnoso e lamentável escapa do domínio da lei
jurídica para entrar sob a forma de peccado na lei ethica ou
moral.
l
E Na historia jurídica o estabelecimento preciso de limites da
punição dos factos de conjuncção illegitima se revela
como o resultado dos progressos da consciência moderna na
distincção entre o direito e a moral.
As legislações da antiguidade e dos tempos medievaes
contém punições severas para os factos que têm raizes no
impulso da libidinagem e que tomaram a denominação de
illicitus coitus ou de delicta carnis.
O direito romano com a L. Júlia de adultereis, não
punia como delictos contra os bons costumes o adultério,
cuja punição a principio era abandonada á vindicta do ma-
rido, e o punia com graves penas que attingiram, sob Cons-
tantino e Justiniano, ao extremo supplicio, mas equiparou no
processo e na pena, ao adultério outros factos de simples in-
continência contra mulher virgem ou viuva de vida honesta,
puniu com pena capital também o rapto das virgens, puniu
igualmente com a infâmia o torpe mister do lenocínio e es-
pecialmente sujeitou á pena do adultério o marido que pros-
tituísse a mulher; e impoz a pena da damnatio ad metalla
além da perda do pátrio poder ao pai de família que prosti-
tuísse a própria filha, ao que Justiniano addicionou a pena do
exilio com previa fustigação.
Ainda a bigamia era considerada como adultério. E em geral
no direito romano surge a noção dum delicto contra os bons
costumes com o nome de injuria ad-versus bonos mores.
No direito germânico, era também considerada como
uma grave offensa á sociedade humana a violação da cas-
tidade pessoal; e não o adultério dava lugar a graves pu-
nições, mas extrema severidade attingia aquelles que na
pnrase de Tácito eram cor por e infames.
' Carrara, COMMBNTO CIT. art. 331, pag. 198; Costanzo Calogoro,
APUD Cogliolo, OBR. OIT. 2
o
vol. Part. I A, pag. 971.
— 308
I E a isto se deve accrescentar o rigor com que o direito
ecclesiaslico por influencia da theología moral chrislã incri-
minou todas as formas de conjuncção carnal illegitima.
Assim, nfio só o adultério foi punido severamente, mas
também a bigamia, o rapto, o lenocínio, o estupro, o in~\
cesto, a sodomia, a vénus monstruosa ou nefanda deram)
lugar a supplicios atrozes prescriptos pelos legisladores até á
appariçfio dos no^os códigos no século 19°.
I Neste ponto são celebres pela influencia do direito canó
nico as Ordens, do Liv. 5
o
Tits. 23 a 33. * m
Com as ideias reformadoras da justiça criminal, com a
consciência esclarecida pela distincçfio entre o direito e a
moral, pela qual nem todas as offensas á esta constituem uma
ofifensa aquelle, os legisladores do século 19° modificaram em
grande parte a incriminação dos factos relativos os con-
juncçõesillicitas.
É si bem que alguma cousa permanecesse das antigas
tradicçõesjuridicas, também surgiram três aspectos funda-
mentaes que assignalam as condições e os limites para a in-
criminação dos (actos denominados delicia ca mis. São elles: l)
a lesão violenta do pudor individual; 2) a lesão do sentimento
da moralidade social como ultrage aos costumes pu-blicos; 3) a
lesão do direito da família. *
íoi. Em geral sobre os nossos códigos neste titulo e sobre
este capitulo do vigente, tivemos occasiãode dizer o seguinte
que adianta a explicação dos artigos do texto.'
« E' um titulo lacunoso no código de 1830 e merecedor de
séria revisão no actual, embora este tenha melhorado óquelle
supprindo mesmo até certo ponto as lacunas.
Aquelle primeiro código executado com jurisprudência
melhor não teria salientado na pratica os defeitos reaes que
possue, sendo os mais notáveis a inutilidade das penas em
alguns casos dos que nos oceupa, a ponto de punir o atten-tado
ao pudor (art. 223) com um a seis mezes de prisão simples
(detençao) e não definir de modo mais harmónico com a
sciencia medico-juridica e as conveniências da repressão
crimes torpes e odiosos.
Si o código vigente suppriu em parte as alludidas lacunas,
o que poderia ter feito uma pratica intelligente sem prejuízo
mesmo dos famosos faoorabilia ampliando, in dúbiopro reo,
etc..., entretanto, fel-o de modo a justificar censuras fundadas
em relaçSo a doutrino, e, o que é imperdoável, e em relação ós
penas, o que é iníquo.
Contra a doutrina denomina o código actual de estupro o
conjuneçõo carnal violenta da mulher honesta, quando,
' Pereira e Souza, CLASSES DOS CRIMES CIT. pags. 206 e segs. '
Pessina, MANHALK CIT. pasr. 256, § 228.
309
nfio obstante a divergência sobre o significado do vocábulo
entrejuristase médicos, é certo que andou melhor avisado o
legislador de 1830, empregando-o como termo genérico,
abrangendo o commercio violento ou voluntário e até todos
os attentados ao pudor.
no direito romano, e os textos são irrecusáveis, o
estupro comprehendia todos esses factos o adultério e o
acto carnal consummado mesmo cum masculis.
Puglia compendia toda a controvérsia, chegando â con-
clusão de que o estupro é o género de que as espécies são o
conhecimento carnal com violência e a seducção. *
O projecto acceita a noção, conforme o uso mais geral, e
separa o atlentado ao pudor como uma forma especial de
criminalidade, considerando a violação (estupro violento), o
defloramento e a simples offensa ao pudor caracterisada por
copula carnal com a mulher honesta, mediante seducçõo,
como espécies do género estupro.
Mas, para harmonisar a epigraphe com o texto, a refere
aos estupros, e attentados e offensas ao pudor.
Não obstante toda essa descriminação, para facilidade da
pratica judicial, tanto a copula carnal figura como aggra-
vante, como o defloramento e esta forma na opinião da au
toridade citada.
i
!
\
K Ao contrario do código actual que pune com a pena
de um a seis annos de prisão, tanto o attentado (violento)
ao pudor, como a corrupção do menor de 21 annos, o pro
jecto pune este ultimo facto com pena correspondente mais
ou menos á metade da outra, de modo geral, quando se
trata, por assim dizer, de uma corrupção diffusa ou in-
distincta abrangendo o acto cum masculis, e aggrava a
pena no caso de defloramento e no de copula carnal com
mulher honesta, menor de 18 annos, figura esta que o novo
código não reproduziu, sem razão aliás para isso, á vista
de quasi todos os outros códigos.
O projecto, quanto ás idéas capitães deste capitulo, nem
seguiu o código italiano, cujas syntheses aggravadoras,
porém, aproveitou, nem o allemão e o húngaro, mas um
meio termo talvez semelhante ao hollandez.
O código italiano não faz distincção de sexo para punir a
violência carnal e a corrupção de menores sob as suas
differentes modalidades.
O allemão e o húngaro, porém, refere-se á mulher e
edictam penas especiaes para os actos carnaes contra a
natureza, ou antes entre indivíduos do mesmo sexo, sem
duvida para abranger as suas differentes formas a respeito
1
Puglia, i REATI DI LIBIDINE, Napoli, 1886, pag. 13.
1
OBR.
OIT., pag. 31.
.110
doa boro codigôl ou amd
VA J
neerofilj prlmída de oonti
M
disp
pun
criíi
Iril-e diffi
llí*strlnpre«o .i
áa vezes na Jurispruden
tentativa da ofensa* ao
vi duos do men sexo < m
Um doa autores do j a No correr deste
ver quanto é extravogi
tentativa em crimes
mente, como por exeri
até com oiol ■■ a oa
código poderem is resoH Na
mesma occasiãoj
feria a estudo seu sobro
minalidada de que se tq m
0 ayatema do proj
hollandez, portuguez e •
\f j>4 I"I mvArfi n ifflp i
defloramento a da copu
sam eaauj espeei* >. maL
ritos, os questões que neaie terreno aj podem levantar
sempre sobre Jactos que constituam tentativa ou crime
consummado, certas aggravantes ou qualificativas, o prova
material dolles, ate.
Ir Os livros dos especialistas nos desvelam as questões que
toes factos podem suscitar, *
A classificação lega! dos factos nem sempre Isenta de
duvidas muito sérias e a jurisprudencia-medlcal Tran-
ceza é disto um exemplo. *
1
KraiTi-Kbiiig, LC PMCCHMTU —— iLI, Torino, 1889. i>ae. 144.
1
Masciíki. Tr.vrr.vTO M NSMCIMA I.BOAL», Napoli, 1891. »ol. 3
o
, |
pag. 188.
* J.ião Vieira, COMMSXTARIO CIT. Recife, 1889, pag. 75.
4
Joio Vieira, o a*n»mo, Uooife, 1880.
* Taylor, TRAITK M MBPKII» UCOALB, Paris, 1881, p»g. 815.
firi&nd a eiiaudô, MIPBCIXK LCOALI, Paris, Í879-1880, rol. 1*,
Pag. W,
homo fez
Ire si o
lendo
a ped
O
MUI 1
il
frar explicitamente» ou por
«« (ira a natureza,
: (\<t
traio
carnal entre
ixo,
campo de|
i e na medi
»vete
a'da
ir
i de
ha ia
|irio
se re
-
ero de cri-1
i e
pr^
os que
ii
esics se pMocionam.
|n< da o
fã~menor honesta caracteri-
m, por seu contexto, aos pe-1
311
A par das autoridades francezas, inglezas, allemães d
austríacas, podemos citar Lombroso, Zilno e outros. *
O projecto uno aceitou o principio do digo belga,
art. 374, de que « ha attentado desde que ha começo de ex
ecução », porque quiz separar completamente a tentativa de
violação, do attentado (violento), ao pudor, discriminando-
os até por uma clausula negativa na definição deste.
E E a essa diversidade de noções corresponde a da pena
lidade; porque, ao contrario do código actual, o projecto
pune mais gravemente a tentativa de violação do que o
attentado. .
O projecto não contém a puniçOo do incesto, como
acontece em outros códigos e assim elle se punido
implicitamente contido em outras formas de offensas ao
pudor.
Também não incluiu o ultraje publico ao pudor ou hones
tidade individual de alguém, como fazem o digo portuguez
e o italiano, que punem duplamente como delicto e contra
venção quasl que o mesmo facto.
M
m Entretanto, figura nas contravenções uma espécie que
suppre o caso.
a
I E como o projecto de 1893 quasi não diverge dos pos-
teriores e o estudo comparativo delles com o cod. pen.
auxiliará a interpretação dos artigos do texto, seja-nos licito
repetir aqui a resposta que demos a censuras feitas ao mesmo
projecto, do mesmo modo que nos referiremos a outras
criticas alias fundadas sob os seus respectivos pontos de
vista.
A resposta á primeira ê a que passamos a transcrever,
citando agora entre parenthesis os artigos correspondentes do
cod. vigente neste titulo que a mesma critica abrange em
differentes pontos delle.
M O illustre censor tem tanta rasão na critica do art. 284
(cod. pen. art. 266) quanto ao fundo, como quanto a forma,
isto é, nenhuma. .%
Havia o Projecto usar até de palavras obscenas sem
necessidade copiando, por exemplo, o código allemão 1 RS
E' um dos pontos onde a sua technica (delle) falha
inteiramente.
Si o artigo começa violar uma mulher é visto que
technicamente inclue a ideia do estupro violento como acon-
tece, por exemplo, no código portuguez art. 393, cuja epi-
graphe correspondente á figura é simplesmente a palavra
violação.
1
I DKLUTI Dl UBIMNE B Dl AMORE, B tEZIONI Dl MEDICINA. LEOAIB,
Napoli, eto.
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO P&OÍEOTO DE 1893. pag. 15.
312 I
As expressões relação carnal —, sem pleonasmo, não
podiam ser substituídas por outras apropriadas e de sentido
mais extenso. *
O Projecto adoptou uma formula muito sua e correcta.
Inde irae ?
Mas si já apontou o código portuguez para justificar as
primeiras expressões e dar o seu sentido; as segundas estão no
código hollandez que nos arts. 242 a 245 emprega as !
expressões, ter uma illegitimo, ou por-se em — illegitima,
relação carnal etc...
2
.
I A rubrica do cap. I do lit. VII está perfeitamente justificado
na Exposição de motivos»
No art. 297 (cod. pen. art. 274; o lapso não é do Projecto
mas da crítica que foi leviana ou inepta.
Imputa-se-me a imperdoável falta de não fazer bem a
referencia material a disposições que podem dar lugar a
injustiças na pratica, porque não ponderei que a falta de I
referencia do código italiano é porque um certo artigo está em
titulo diverso ! paginas 81 — 82.
O motivo principiaria por condemnar o legislador ita
liano. I
íu Depois não é exacto que no código italiano o tal artigo
esteja em titulo diverso. I
m A chave do enygma que tão difficil pareceu ao illustre
censor é outra. 6
Nem o Projecto, art. 297, (c. p. art. 274) nem o código
italiano art. 351, se poderia referir na oggravação aos
arts. 287 e 335 (c. p. art. 266; porque a morte ou a lesão
suppõem a violência e neste caso os factos não caberiam
nestes últimos artigos e sim em outros comprehendidos
naquelles;
Si a corrupção com actos de libidinagem, e offensas a?
pudor equiparáveis (art, 287) (c. p. art. 266) dão lugar a lesões
ou a morte, já não se trotaria de taes figuras, mas de estupros e
attentados ao pudor (arts. 284 e 285) (c. p. arts. 266 e 268;.
A que vem Casper e Tardieu que se referem a attentados
aos costumes ?
Neste capitulo a censura tem descahidas curiosas.
Porque não dizer ascendente affim V (pog. 39); ella não o
diz e as expressões são rigorosamente jurídicas. *
1
Projecto de 1893:
«Art. 284. Violar ama malhar, constrangendo-a nlguem com violência ou
ameaça, a ter eomsigo, relação carnal, ele...»
* IJrusa. Cooic* Pnuut OLAXDMS. Fíreoee, 188?,
* Vld. Borges Carneiro, Dnu.no Civil., Lisboa 180T, f rol | 102, ptf.
1». ^
— 313 ~
Sobre o ultimo capitulo do tit. VII é o caso de dizer :
chama, antes que te chamem, isto ê infelizes as expressões
polygamia e bigamia usadas pelos códigos que a censura,
enumera destruind>se a si mesma.
£ Eu deixo ao simples bom senso de qualquer leguleio
decidir: si, é preferível usar de expressões genéricas tiradas
de epigraphes geraes a de títulos de códigos que seguem
systema diverso de classificação, isto é, o analytico como é o
allemõo, quando o Projecto segue o eccletico ;
Ou designar a bigamia por esta própria expressão, o
casamento contra a lei também por estas outras expressões,
que caracterisam outras figuras e assim por diante nas
respectivas secções comprehendidas no capitulo « dos crimes
contra a segurança do estado civil ou domestico.»
A gica do illustre censor foi aqui posta a prova, porque
sustenta que si bigamia e crime, a polygamia o é, ai esta é,
aquella não.
Como ê tudo isto incrível transcrevo:
« Nem polygamia, porque significando este vocábulo o
casamento de um com muitos cônjuges vivos todos... poder-
se-hia suppor licita a bigamia, mas também nem bigamia,
porque sendo esta o segundo cusamento vivo o primeiro
cônjuge (isto é que ê porluguez de lei),... com absurdo maior
ficaria impune a polygamia.» Omitto na citação uns
parenthesis inúteis.
O Projecto suppunha que sendo punível a bigamial que ê
o menos, estaria punida a polygamia que ê o mais e por isso
mudou essa palavra dos nossos códigos por aquella outra.
O polyganio pode ser um reincidente, e será a pena
ainda mais aggravoda.
E o i ilustre censor, famoso lente de processo e de her-
menêutica, esquece a regra de que a lei não pôde ser
interpretada de modo a que dê lugar a absurdo.
Depois, citando o código chileno, cujo conceito da
bigamia consagra quasi que pelas mesmos termos o do
Projecto, art. 301, (cod. pen. art. 283) finalisa por estas
palavras, cujos griphos parece que se referem ao Projecto
mas não, se referem ao código francez e ao allemõo e ê um
primor de interpretação jurídica (pag. 83):
« E dissemos melhor do que todos (o chileno, igual ao
Projecto, nas palavras aproveitadas), porque a expressão (no
singular ?) dissolvido o anterior, dissolução do precedente
poderá fazer suppor que, no caso, por exemplo,, de três
casamentos, não haverá crime si o segundo estiver dissolvido
e não o primeiro, pois o segundo ê que ê o anterior» ?
— •
I 314 I
I Haverá critica mais sensata o profunda?
No nrt. 305 ora mister usar daquelle «fora dos casos do j
artigo antecedente» para descriminar bem as figuras fáceis j
Ide confundir com a do artigo citado. fl|
| A censura ultima sobre duas figuras do rapto (pag. Ill) j e
feita resumindo-se os arts. 28.9 e 390 (cod. pen. arts. 270 j e
272) de tal arte, que este figura com duas palavras I Sf I Esta
lealdade è plenamente dismentida pela lettra 1 daquelles
artigos que, conforme sua fonte (o cod. ítal.)> í punem mais
gravemente o rapto da mulher casada do que
0 da solteira ou viuva maior de 21 ânuos.
E mais fio disse em todo este capitulo (96—112) que
aliás compõe-se principalmente de transcrlpções.*
1 lo». £ porque a fonte dos projectos de revisão foi o I
código vigente, Interessando por isso á interpretação deste
as estudos dos trabalhos preparatórios da mesma revisão,
lembramos que justificando o projecto de 1897 «Iludíamos ao
primitivo de 1893 e ao seu substitutivo de 1896, dizendo:
I «O substitutivo reproduz a nova redacção, nfio obstante
as alterações que fez ao projecto, mos fazendo a seu turno
ligeiras modificões áquella redacção.
No mais reporta-se á exposição de motivos do pro
jecto primitivo que é lambem multo minuciosa sobre este
titulo.
m As alterações alludidas se reduziram a supprimir as
expressões «com trabalho», dizendo-se simplesmente/W-
o, attento o plano do substitutivo; eliminar a condição do
requerimento para dissolver o laço conjugal quando a mu
lher se prostitue, sendo proxeneta o marido, e a inclusão
das expressões, supprimidas sem razão, no art.. 288 ou
declarado nullo —- pois que o casamento pôde ser nullo ou
annullavel—-Decr. n. 181, de 24 de janeiro de 189J), arts. 81
e 63 » *.
M Posteriormente o parecer a que temos alludido d'uma
com miso do nosso Instituto da Ordem dos Advogados
Brazilelros do Rio de Janeiro fazia a critica dos projectos
de 1893 e 1896, principalmente deste e na resposta que en
tão demos, faziamos por nossa vez a critica do código penal )
vigente, cujo autor era o illustre relator da referida com-
miso.
I
I A nossa resposta fríza os defeitos do código penal que ora
commentamos e por isso passamos a repetll-a aqui. | I
No terceiro e ultimo capitulo o parecer se refere d parte
especial dos projectos, isto é, a dous títulos dos nove do pro-
' O PROJECTO »o COD. PEN. e a Faculdade de S
t
Paulo, Recife, 1895,
oap. X, pag. 40, cap. XIV pag. 58. I
* EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS do projecta de 1897, pag. 11.
315
jecto primitivo, mas referi ndo-se quasi exclusivamente ao
substitutivo de 1896.
O parecer esquece a exposição de motivos do projecto
primitivo, bem minuciosa sobre este ponto c por isso não ha
remédio slnão voltar ao assumpto nos pontos alli
questionados.
Em relação aos crimes de estupro o parecer não atten-deu
que todos os projectos, calcados aliás sobre o primitivo,
definem nitidamente as varias figuras, confusas e diffusas no
código vigente, que confunde até como género as espécies ou
antes figurando estas sem género que as comprehenda e de
modo ião desordenado que o ottentado ao pudor, a \ojfensa ao
pudor e o que lhe aprouve chamar e definir de estupro se
confundem, parecendo que espécies mais graves suo punidas
com penas menores e vice-versa, artigos 266 a 268.
M O código vigente considera como violenta a offensa ao
pudor de pessoa de menor idade, sem duvida menor de 21 I
annos.
R E refere-se ainda à essa menoridade como extremo do
defloramento. B
Quasi tudo isso está notado com as lacunas preenchidas
no projecto de 1893.
Agora o parecer acha que o projecto referlndo-se era
casos diversos ó menoridade de 12 e 15 annos, para caracte-
risar ou aggravar as respectivas figuras, devia estabelecer a
Idade de 16 annos que é a admittida em nossa lei para o
casamento!
Que relação necessária, porém, ha entre tudo isto, a
maioridade civil e a nubilidade t
A tirada moralisante e sentimentalista cahe no vácuo,
desde que o projecto é mais rigoroso que o código,
porque elevou a penalidade e estabeleceu figuras que o
código omittiu. H
Quanto ás differentes idades, o projecto o podia ele-
val-as mais do que fez acima das marcadas nos códigos eu-
ropeus de paizes onde o desenvolvimento psychico e sexual
ê mais tardio do que entre nós.
I O código penal argentino abaixa em alguns casos todas
essas Idades; e ainda mais o código do Uruguay.
l
O projecto, quanto és idéas capitães deste capitulo, nem
seguiu o código italiano, cujas syntheses aggravadoras,
porém, aproveitou, nem o allemõo e o húngaro, mas um melo
termo talvez, semelhante ao hollandez, portuguez c outros
que com estes se relacionam.
' Vid. Malagamga, Codiab Penal, Buenoa-Airea, 1896. pag. 160;
Acevedo Código Penal, Montevideo 1893, pag. 238.
316
No código hollandez a presumpção de violência ou a aggra
vante resultado facto da idade da victima abaixo de 12 e 16
annos.
Swinderen resume a legislação comparada favorável aosl
projectos. *
O parecer ainda neste titulo nota o que chama confusão do
lenocínio com o caftismo, previsto no art. 278 do digo
vigente e, ao contrario do parecer, reproduzido no projecto
com penas tripla e quintuplamente aggrava-j das de prisão e
multa no art. 294 § 1° n. IV.
Todo este alarma é produzido pela impunidade dos ca/tens
que só, quando estrangeiros, podem ser deportados.
A culpa é do projecto mais rigoroso ? Não; é talvez dos
processos mal instruídos ou do jury. I
:• Agora vejo que as idéas do projecto neste ponto são justi
ficadas em obras notáveis.
3
I
B A razão da injusta censura é porém do systema do parecer,
ou que se afigura ao parecer dever ser o dos códigos, fazer um
artigo ou mesmo um titulo para um caso dífflcil de reprimir;
mas esqueceu que o código vigente não tem sancção para a
rebellião, nem para a falsidade de papel publico commettida
por particular e confunde nas suas extensas casuísticas os
crimes mais diversos de funccâo, tornando difficil, senão
impossível, saber qual pena deve ser applicada, porque á
reproducção de conceitos idênticos com denominações
differentes corresponde a diversidade de penas.
Admira que o parecer não tenha notado a suppressflo do
crime de adultério que figura no código vigente, pois que
ainda reina controvérsia em estudos recentes; o código italiano
é criticado sobre os seus despropósitos em matéria de
adultério e sustenta-se que a pena deve ser admittida como
ultima ratio contra elle.
3
M Também é verdade que podemos citar, em contrario, outro
livro apenas sabido do prelo até com a data do armo vindouro
no frontespicio, que aponta a Inglaterra, Genebra e New-York,
onde nflo ha pena alguma contra o adultério. •'«
Antes de deixar este ponto devo notar que com cuidado
meticuloso foi elaborado este titulo, conforme resulta mesmo
da exposição de motivos.
' Swinderen, Droil penal w.luel dam U$ JMII/* ba$ et á Vttrangtr,
Oroningur, 1891-54, 3" vol., p&g. 51.
' Víwzi, Sus reati uuuali, Torino 1896, pae.. 132.
* Grani, SUM.A rONiBiMTA »BI,I/ADI/I.TRRIO, Toriao, pag. 172.
* Gambam>ta, L'ADUI,TKRIO, Toriao 185J8, pttg. 230.
317
De novo no ultimo substitutivo procurou-se com esforço
fazer o melhor diante mesmo dos trabalhos e estudos de que
actualmente são objecto crimes de tal natureza por todas as
faces porque possam ser considerados.
A prova está em que factos torpes como os que serviram
de base ao processo do vicioso Oscar Wilde passaram das
Ipaginas sensacionaes das gazetas a serem tratados nos livros
dos scientistas competentes, livros que muita vez são logo
traduzidos como o que temos sob as vistas. *
No próprio tratamento psychico e suggestivo das per-
versões sexuaes cada dia se descobrem novos horisontes. *
Eis ahl a resposta que demos aos differentes pontos deste
titulo visados pela critica do alludido parecer.
3
Estabelecidos os princípios geraes, e com referencias ao
estudo comparativo entre o Código Penal o os projectos de
revisfio podemos passar a tratar especialmente da matéria do
primeiro capitulo.
Antes, porém, seja-nos permittido recordar palavras que
escrevemos fazendo dispretenciosa rescensfio de um livro
theorico e pratico ao mesmo tempo, mas orientado pelas
idéas modernas do direito que estudamos.
l
A fome e o amor silo dons instinetos que dominam a
natureza humana, como a toda animalidade terrena, variando
apenas de modalidade e intensidade pela disciplina da cultura
social, condições mesologicas, etc.
Isto resulta bem da bella introducção que abre o livro. • «As
espécies vegetaos c animaes, diz Carmelo Grassi, obedecem
ao império de duas tendências, ao impulso de duas funeções,
de conservação a primeira, de reproducçfio a segunda ; á
primeira, corresponde a necessidade de luetar para existir, á
segunda a necessidade de amar para repro-duzir-se.»
E no prefacio, que Morselli escreveu na esplendida mo
nographia de Pio Viazzi Sui veati sessuali, a these é magis-
tralmente desenvolvida, destacando-se ahi estes trechos :
« Niguem poderá negar que a funeçõo sexual oceupe,
uma parte principalissima, tanto na existência do individuo
como na vida dos aggregados sociaes.
No individuo, o faculdade reproducliva é, sem duvida, a
mais fundamental : talvez também si se observam as
Uaffalovteta, L., Uranismo (trad do Dr. Bruni) Torino, 18D6, pag. 49; A.
Moll, Les Perversiones de Vinttinn yinital (trad.) Pari/.. 1833,| pag« 27-1.
' LA TERAPIA RIIOOEST1VA UELLB PSICOPATIE SESRU.U.I dei Dl". VOIX
Schrenck — NoUsing, (Irad.j| Torino, 1897, pags. 166. .;
\
1
A REVISÃO DO CÓDIGO i'BNAL na Revitta Académica, Recife, 1897;
cap. VI, pag. 36.
4
Viveiros de Castro, os DKLICTOS CONTRA A HONRA DA MULHER. Rio de
Janeiro, 1897.
318
cousas de um ponto geral de vista, si se reflecte nas ho-j
diernas indagações sobre a formação e sobre o desenvolvi-
mento do mundo ornico, a vida do ser indioiduo nflo tem)
outra origem e outra razão natural, excepto esta a confm
nuidade da vida universal. Assim a mesma funcçflo con-
serva tiva, aquella que mira manter a integridade individual,
ô adquirida e conservada pelo ser vivo somente como meio
de defesa ou como instrumento da sua funcçflo de repro-
dução.
m O ser se nutre porque deve reproduzir-se. Explicar o
porque o ser deva reproduzir-se ô achar a soluçflo do pro-
blema mesmo da vida, mas isto é do domínio da metaphy-
sica, nflo da sciencia positiva...
I « E o psychologo e o sociólogo, nflo inconsiderados que,
levflo a analyse scientiflca até os primeiros elementos, nflo
tardam a ver que dous são os grandes motivos dessa
manifestação da psic individual no seio da sociedade ele-
mentar humana : pão e amor. Mas o primeiro ô, na reali-
dade, somente o meio e o instrumento para assegurar ao
individuo a consecução do segundo. Assim, a individuali-
dade da procura do o se acha unicamente explicada com a
universalidade da necessidade suprema da espécie, o amor.»\
A importância do problema o diminue, mesmo regei-
tando, como faz Morselli, a hypothese paradoxal de rio
Morasso que, ao lado da questão social, possa surgir uma
questão sexual.
l
I 103. O Código Penal epigrapha os artigos do texto como
de violência carnal, em vez de estupro ou outra palavra ou
phrase mais geral que comprehenda modalidades que elie
prenas respectivas disposições sobre factos era que não
entre a violência.
No Direito Romano, o estupro era punido mais pelo
fundamento da offensa á religião e ã moral do que sobre o
do direito violado, por isso não se exigia a condição nega
tiva da falta de consentimento da pessoa estuprada; e quando
o constrangimento se unia ao estupro, o meio adoptado era
uma razão de aggravâo do delicto. í
K Foi o Direito Gernico que pòz em relevo a violência
como condição do delicto.
Mas com o direito ecclesiastico surgiu de novo como
razão de incriminação a impureza do facto em si mesmo.
E sobre esta base até o secuio 1(como servem de
exemplos as Ordenações, do Liv. nesta parte) os cha-
mados delicia carnis, como o estupro, o incesto, a sodo-
mia, a venera bestial foram punidos severamente pelos
legisladores.
I
1
Artigo do autor no Debate n. 90, de 18 de janeiro de 1898. H
319
Pouco a pouco, porém, as querellas por estupro com o
fim de obter o aut nubat aut dotet fez surgir a necessidade de
circumscrever a acção, apparecendo na Itália a Pragmática de
1779 que restringia a punibilidade do estupro a hypo-these do
ultrage violento a castidade pessoal, ou do ultrage, embora
não violento, mas feito â moralidade publica.
E em geral os códigos modernos começando pelo írancez
contiveram dentro de ta es limites a punição de qualquer
acto de libidinagem sobre pessoa do mesmo sexo ou de
sexo diverso. \
Os antigos criminalistas, diz Pessina, e as leis antigas
adoptaram o nome de estupro para designar em geral a
contaminação duma pessoa, fazendo-a sujeitar-se ao desafogo
da libidinagem. Si a pessoa que se sujeita aos actos de libi-
dinagem doutrem, a isso presta se voluntariamente, ha
concurso de vontades que peccam perante a moral; e somente
quando não concorre a vontade da pessoa estuprada,
apparece a criminalidade objectiva do estupro, porque então
a pessoa soffre violência, vim patitur, e sem sua vontade em
sua castidade corpórea.
Tal contaminação offerece razões de maior gravidade:
l.o Si o concubito tem logar com pessoa do mesmo sexo
o que aliás não observa o nosso cod. pen. art. 266, porque
pune com uma só pena qualquer que seja o sexo,
2.° Si a lesão moral realisar-se na pessoa de uma virgem -
o que também não observa o cod. pen. art. 266 e 268
combinados, punindo com a mesma pena seja a mulher
virgem ou não.
3. ° Si com o concubito concorrem offensas materiaes ô
pessoa — cod. pen. art. 274.
4.° Si o concubito tiver logar por obra daquelles que o
chamados a guardar ou educar a pessoa violada código
penal art. 273.
E por outro lado, o crime apresenta menor intensidade
criminosa, si a pessoa sujeita á libidinagem, por ter antes
feito mercado do seu corpo, ê considerada privada do pudor e
da honra — cod. pen. art. 268, § 1. I Mas a essência do crime
está na violência contamina-dora soffrida sem o próprio
consentimento.
O nosso cod. penal, como vimos, não denomina, na
epigraphe, de estupro os factos dos artigos do texto, embora
nestes empregue a mesma expressão, mas a de violência
carnal, conforme o cod. ital., sem declinar, entretanto, a
eorrupção de menores que comprehende no art. 266, para-
grapho único.
A violência carnal se distingue em duas espécies, con-
forme a doutrina.
Uma e é a mais grave ê constituída pela conjuneção
corpórea illicita, que corresponde ao que foi chamado es-
— 320 —
tupro pelos criminalistas e pelas legislações, pelo nosso cod.
crim. anterior, projecto de 18'3 e pelo nosso próprio cod. pen.
nos arts. 268 e 269; a outra, menos grave, é constituída por
qualquer acto de libidinagem que ultrage o pudor da pessoa e
está prevista nos arte. 266 e 267.
O crime de estupro ou violência carnal é o constrangi-
mento de uma pessoa de um ou de outro sexo para a con-
juncção carnal.
Mas o nosso cod. no art. 268 do texto só refere o estupro á
mulher, seguindo assim o cod. portuguez art. 392 e a sua fonte
o cod. francez, art. 332, imitado pelo cod. belga, art. 375, ao
contrario do cod. ital. que comprehende um è outro sexo.
Conforme Blanche, o estupro, viol, consiste no facto de
abusar de uma mulher sem a participação da sua vontade.
Ou, como dizem Chauveau e Hélie, este crime contém em
si mesmo a sua própria definição. Entende-se por oiol,\
segundo Jousse, toda conjuncçõo iliicita commettida por força
e contra a vontade de uma pessoa. Os dous elementos do crime
são pois o commercio illicito e a violência.
O § 2.° do art. 268 não é elemento do crime, mas uma
circumstancia agravante especial que pôde augmentar ai
intensidade da violência, mas já a suppõe ; está coordenada
com a disposição sobre o crime.
Este presuppõe necessariamente esses dous elementos, a
vénus iliicita e a violência material, physica, ou moral para
obtêl-o.
O primeiro destes elementos é a base de facto do crime de
estupro; elle pode offerecer nos seus vários momentos as
gradações do crime tentado, frustrado ou consumado.
O nosso código penal como sabemos não contemplou o
crime frustrado.
A copula é um elemento essencial do crime; não é sinão
por este único facto que elle é consumado. Si ella não è|
constatada, o titulo da accusação não pode ser mais do que
uma tentativa de estupro, e se esta tentativa não reunir os
respectivos caracteres determinados pela lei, o facto constituirá
um attentado ao pudor previsto no nosso código, art. 266 do
texto. *
O outro elemento, isto é, a violência não é circumstancia
aggravante, mas condição essencial do crime. O constran-
gimento, em regra geral, deve ser provado e pode realisar-se
por meio de violências ou ameaças.
Mas ha casos em que não é mister a prova do constran-
gimento, porque a lei equipara a elle qualquer condição ou
estado que implique a impossibilidade dum consentimento
Chauveau, Hélio e Villey, Oim. CIT. vol. 4* pag. 313, n. 1579.
— 321 —
verdadeiro e livre ..na pessoa sujeita á conjuncçfio carnal;
conforme os arts. 272 e 273 do texto que opportunamente
apreciaremos.
O nosso código penal no art. 268, do mesmo modo que o
francez não define o estupro, mas como este código não
deixou aos interpretes conceitual-o; pois que si o definio
alli mesmo o crime, delle uma definição muito extensa no
art. 269, diffusa e deficiente, apezar das exemplificações ma-
teriaes de que se serve na mesma disposição que o exhau-
rem todos os casos, porque excluem outros que não podem
ser incluídos, nem mesmo por analogia ou paridade, aliás
vedada no art. 1°.
O digo portuguez art. 393, que elie abandonou neste
ponto é muito mais comprehensivo.
O art. 268 apezar de abusivamente casuístico compre-
hende os casos communs de violência physica ou moral,
psychica.
Os outros casos ficam fora do texto e não constituirão o
estupro.
O código portuguez art. 393, mais cauteloso refere-se « á
fraude que não constitua seducção ».
Realmente, commentando o art. 332 do código francez,
Blanche pergunta si o crime não existirá sinão no caso em
que a posse da mulher só tenha sido obtida por meio da
violência ? E responde que a lei não o diz, nem podia dizel-o.
A pureza das mulheres é para ella mesma um bem tão
precioso; ella interessa tão essencialmente á moral publica, á
honra, á segurança e á constituição mesma das famílias, que
a lei devia defendel-a, não somente contra as violências, mas
ainda contra as surpresas de toda natureza. O art. 332 não
definio o estupro, mas n8o o restringe no caso em que o
culpado tenha usado de violência. A generalidade dos termos
desta disposição permilte crer que ella considera que ha
estupro todas as vezes que a mulher não tem consentido no
acto brutul de que ella tem sido victima. A mulher que o
está exposta sinão á violência physica ou moral pode ainda
defender-se. Aquella que é surprendida durante seu somno
ou adormecida por poções narcóticas não pode li-vrar-se.
Ella não tem sinão a lei para salvaguarda e a af-fronta que
ella soffre não é menos offensiva, não é menos um estupro
que aquelle que é o resultado da violência.
l
Estes princípios teem sido consagrados pela corte de cas
sação, cuja jurisprudência o mesmo autor, Chauveau e outros
citfio referindo espécies que o art. 269 do texto não compre-
hende! *
O art. 269 comprehende todas as formas de somno ou
insensibilidade produzidos artificialmente ou por factos de
1
Blanche & Dulruc, Onit. CIT. vol. 5° pag. 108. na. 96 e 97.
2917 21
— 322 —
terceiro, mas esqueceu o caso mais vulgar e natural, o somno
normal que em muitas pessoas é exclusivamente por índole
pesado, profundo.
0 código belga, comprehende outros casos.
Sem ser tao casuístico como o nosso, o código belga é
mais genérico:
« Art. 375. Será punido com a reclusão aquelle que tiver
commettido o crime de estupro (viol), quer com o auxilio de
violências ou de ameaças graves, quer por astúcia, quer
abusando duma pessoa que por efíeito duma moléstia, por
alteração de suas faculdades, ou por qualquer outra causa
accidental tiver perdido o uso dos seus sentidos ou delle tiver
sido privada por qualquer artificio. »
Os criminalistas e médicos legistas discutem as variadas e
difficeis questões que o assumpto suscita, e entre nós delias si
occupou ex-professo Viveiros de Castro. *
Referindo-nos á obra do mesmo autor nosso que
citamos, vem ainda a propósito sobre os arts. 268 e 269,
recordar observações que opportunamente fizemos.
E' consagrado ao estupro o seguinte capitulo do livro.
O autor segue o systema adoptado na matéria do que
tratou anteriormente, isto é, didáctico e pratico ao mesmo
tempo.
Dá-noso conceito da espécie figurada e analysando-o nos
dá os elementos constitutivos das formas delictuosas, apre-
ciando de per si cada modalidade do delicto in genere.
Assim são consideradas, em seu conteúdo e alcance ou
effeitos, a violência physica, a moral, a fraude, o somno, a
incapacidade no consentimento e outras condicções seme-
lhantes ou equiparáveis, como a menoridade de 16 annos, o
abuso da autoridade publica ou privada e certos estados
produzidos pela suggestão hypnotica e o uso de narcóticos,
anesthesicos, etc.
Discute e resolve certas questões pertinentes ao assumpto
e concernentes as mulheres casadas e viuvas e a relativa á
dirimente ou attenuante de factos que possam ter prostitutas
como sujeitos passivos do delicto.
Noto aqui que, erigida a fraude em elemento do estupro,
como uma forma de violência, será ás vezes quasi impossível
distinguir a espécie da outra do art. 267 do código penal, que
emprega a mesmíssima palavra e, neste caso, quid júris,
estupro ou defloramento 1 E sendo as scenas differen-tes a
questão da applicação de qualquer delias é bem seria.
E de modo geral o assumpto se liga á theoria geral do
capitulo, a propósito de cujo objecto Pio Viazzi, criticando o
1
Viveiros de Castro, os DBLICTOS CONTRA A HONRA DA MULHER CIT. pag. 87,
cap. III, o estupro.
— 323 —
código italiano, diz que é licito suppor além disto que taes
disposições do código não se possam referir àquella ingénua
adoração do sexo feminino, frueto do falso romantismo da
época qua ahontem universalmente e até agora nas classes
de instrucção e educação media é levada a considerar sempre
a mulher vtetima das insidias e enganos masculinos.
4
E Por mais geral que fosse a feição dada à esta parte do livro,
elle não se oceupa dos attentados ao pudor vis-a-vis dos
estupros, objecto de outra monographla do autor e a cujo
titulo acima nos referimos.
Mas vem a pello consignar o que, sobre o nosso projecto
de 1893, diz aquelle criminalista italiano referindo-se a dispo-
sições correspondentes do código italiano ao qual prefere o;
projecto:
« Teria ido bem, na minha opiniôo, explicar claramente
na figura do art. 331 a ideia única da união sexual violenta do
homem com a mulher e na figura do art. 334 todas as outras
qualidades de conjuneções e de quaesquer substitutivos,
concedendo ao juiz maior extensão de pena tanto no ximo
como no minxmo.
« A" parte a latitude da pena pelo que respeita ao máximo
que eu, na segunda destas figuras de delicto, quereria mais
elevado, se acostam, até um certo ponto a taes ideias as
vistas do projecto de código penal apresentado ultimamente á
camará dos Deputados do Brazil pelo Dr. João Vieira de
Araújo.
« Este projecto, calcado em grande parte sobre principios
da escola positiva, prevê no art. 284 o facto do homem que,
com violência ou ameaça, vilola uma mulher constrangendo-a
a ter relação carnal com elle.
« No art. 285 reprime o facto de quem attenta contra o
pudor de pessoa de um ou de outro sexo, constrangendo-a
com a violência ou ameaça, a commetter ou a soffrer actos de
libidinagem, fora de toda a hypothese de tentativa de delicto
previsto pelo artigo precedente».
Aqui se prevê suficientemente a fixar os limites do con-
ceito na parte que se refere ás formas mais graves de
violação do direito d'outrem ; se recae, porém, na falta cos-
tumada de distineção suffleiente pelo que respeita ás formas
menos graves e que facilmente podem ser confundidas com
outras não puniveisou merecedoras de consideração especial,
com a expressão muito vaga de attentado ao pudor.
a
.
Entretanto, os que aceusam o projecto de traducção do
código italiano, esquecem que neste, como em muitos outros
1
Pio Vlaizi, 801 REATI 8E88UAM OIT p&g. 12.
4
Idem, OBR, oiT, pag. 32
— 324 —
pontos, elle se afastou muito sciente, conscientemente da-|
quelle código que foi um dos seus modelos, como reconhece
agora Viazzi traduzindo e interpretando fielmente as respe-
ctivas disposições.
104. A outra espécie de violência carnal de menor in-
tensidade do que o estupro é o ultrage violento ao pudor
individual, constituído por actos de libidinagem, sem que
1
com
elles se vise ou se mire a conjunccfio carnal.
Esta forma de delinquência exige sempre que se tenha!
empregado como meio de constrangimento a violência ou
ameaça ou se haja realisado uma daquellas hypotheses que
constituem o constrangimento presumido, de que offerece
exemplos o nosso Cod. Pen. arts. 272 e 273 citados.
Uma norma commum a estas duas espécies de crime de
violência carnal, isto é, o estupro e o atíentado ao pudor
previstos nos arts. 266 e 268 do texto é que constitue uma
aggravante o concurso simultâneo de duas ou mais pessoas na
pratica dum ou doutro crime.
O art. 26S § estabelece essa aggravante para o estupro,
mas esqueceu-a para o attentado a > pudor, art. 266.
No § I
o
do mesmo art. 26S, o cod. contempla, ao con-
trario, outro caso, em que a estuprada for uma mulher publica
o í prostituta, mas esqueceu também de applical-a ao art. 266,
talvez suppondo que uma meretriz não seja passível de tal
crime, caso em que então elle entre nós é impune, o que
constitue uma immoralidadc da parle do legislador, attento o
alcance da disposição.
Sobre a matéria do art. :66 o que acabávamos a pouco de
expor está de accordo oma doutrina adoptada peio cod. ital. e
outros e pelos projectos de revisão, mas a matéria do texto
diversifica muito.
hl O cod. pen. art. 266 do attentado ao pudor uma defi-
nição muito semelhante até nas palavras ao cod. portuguez,
art. 391.
O conceito é muito differene de outros códigos v. g. o ital.
porque este referiu tanto o estupro como o attentado ao pudor
á pessoa dum e doutro sexo, ao passo que o art. 268 refere o
primeiro á mulher e somente o segundo á pessoa dum ou
doutro sexo no art. 266.
Este ultimo foi também o systema seguido no cod.
francez, arts. 3H e 333,2« parle e belga, arts. 372 e 373. I Mas
o nosso cod. pen. vigente diverge não somente do nosso cod.
crim. aulerior, mas também do cod. francez.
O que se podia chamar attentado ao pudor, conforme o j
m>sso cod. de 1830 era a figura do seu art. 223 que punia uma
das espécies do género estupro com pena ínfima aliás « quando
houver simples offensa pessoal para fim libidinoso, causando
dor, ou algum mal corpóreo á alguma mulher, sem que se
verifique a copula carnal.»
325
O nosso cod. pen. art. 266 tendo restringido o conceito
do attentado ao pudor conforme fez o cod, portuguez, art.
391, affastou-se muito da fonte primitiva ou mediata.
Effectivamente, conforme Garraud, e os autores que
temos citado, o attentado ao pudor resultante do facto mesmo
immoral ou obsceno, praticado voluntariamente, nada tem
que ver com o movei do agente do crime: pouco importa
1
que
até tenha querido satisfazer a sua lubricidade, ou qualquer
outra paixão, si aliás o facto apresenta os caracteres
especificados pelos arts. 331 e 332 do cod. francez.
Não se poderia pois crer que o fim do agente, no atten-
tado violento ao pudor, deva ser necessariamente de satis-
fazer uma impulsão carnal. Um acto impudico commettido
sobre a pessoa doutrem, ou sobre sua própria pessoa oin o
auxilio doutrem tem sem duvida quasi sempre por movei o
instincto genesiaco; mas o acto constituiria um attentado ao
pudor, ainda mesmo que fosse devido a. curiosidade, ao ódio
ou á vingança. *
A mesma interpretação é dada pela jurisprudência
allemfi ao § 174 do respectivo cod pen. Nos termos duma
decisão do tribunal do império de 28 de fevereiro de 1880: «
são qualificados como aclos impudicos os que offendem os
bons costumes e A decência relativamente á sexualidade;
importa pouco porém que directa ou indirectamente, eiles
sejam commettidos para dar satisfação aos desejos sexuaes».
i
Entretanto, Crivellari, notando neste ponto o rigor da ju-
risprudência franceza, cita um aresto da Corte Suprema de
Vienna, de 16 de junho de 1863, em contrario à tal jurispru-
dência, isto é, desconhecendo o attentado violento ao pudor
quando o escopo do agente do crime não é a satisfação da
paixão venérea.
3
E' innegavel, porém, que para que haja offensa ao pudor
nada pôde influir que o sujeito activo do crime tenha a in-
tenção de desafogar a sua lubricidade.
A jurisprudência franceza não deixa nenhuma duvida,
citando os autores espécies bem características.
4
Entretanto, o art. 266do nosso código parece restringir
esse conceito do attentado, p >rque emprega as expressões «
com o fim de saciar paixões las -iças » embora accrescente —
ou por depravação moral.
A interpretação não è fácil deanle do preceito geral c rí-
gido do art. I
o
e ainda porque aqui, lendo sido a fonte do
1
Garraud, OBR. CIT. vol. 4° pag. 473, n. 4")8.
* Berner. TRATTATO OIT. § 174, pag. 3(>2.
* Crivellari, OBB CIT ,7
O
vol., pag 4í3, n 5.
* Chauveau, Helle e Villey, vol 4», pag 300, n. 1572; Blanchei & Dulruc,
vol. 5
o
, pag. 129, n. 105
— 326 —
código o portuguez, art. 391, este emprega expressões mais!
genéricas — por outro qualquer motivo.
E', pois, uma disposição que fora dos actos evidentemente
lúbricos, se prestará tanto á accusaçâo, como á defeza do in-
diciado.
Quld júris si a espécie se verificar ?
Provavelmente ficará impune, salvo si o facto fôr
praticado em logar publico, porque entoo incidirá no art. 282
que edictauma pena irrisória. Outra questão. Empregando o art.
266 a expressfio attentado e ainda mais, a exemplo do código
francez de 1810, declarando o código belga, art. 374, que o
attentado existe desde que ha começo de execução » — poderia
parecer que trata-se duma verdadeira tentativa elevada a crime
saí generis e por isso não comporta mais a tentativa de
attentado ?
A solução é que o ha tal tentativa, desde que houver
começo de execução ; por ser considerado já tentativa ou
crime consumado, o agente incide e exclusivamente no art.
266.
A questão está resolvida nesse sentido pela jurisprudência
franceza, conforme attestam todos os autores sendo que a
opinião isolada de Carnot, deante das disposições paral-lelas
do nosso código, não prevaleceu, nem na doutrina, nem na
jurisprudência.
ÍOE». O art. 266 contém um paragrapho único, impondo a
mesma pena « áquelle que corromper pessoa de menor idade,
praticando com ella ou contra ella actos de libidinagem ».
Trata-se aqui duma outra forma de criminalidade contra a
castidade pessoal e que é delineada como corrupção por actos
de libidinagem sobre pessoas de menor idade, enten-dendo-se
a menor idade civil, isto é, até 21 annos, porque o código não
fixa outra idade no art. 266, paragrapho único do texto.
Pessina, referindo-se á disposição parallela do código
italiano, art. 335, observa que a hypothese como alli foi for-
mulada veio dirimir uma controvérsia suscitada em França e
na Itália na interpretação dos códigos anteriores. Vários in-
terpretes consideravam, em sua maior parte, que houvesse
delicto de excitaçõo á corrupção, quer servindo á libidinagem
doutrem, quer servindo á própria libidinagem. O art. 335
dirime a controvérsia, bastando para isso coflfron-tal-o com as
normas relativas ao lenocínio, que consiste em servir a
libidinagem doutrem.
Foi também o que fez o nosso código penal, art. 266, pa-
ragrapho único, distinguindo a espécie do lenocínio agora
previsto nos arts. 277 e 278, figura que o existia no código
criminal de 1830.
A disposição do paragrapho único, semelhante á do có-
digo italiano, art. 335, estabelece que, também sem recorrer
— 327 —
á violência ao pôde incorrer em crime realiaando actos de
libidinagem, quando estes são praticados sobre pessoas de
menor idade, isto é, a16 annos, por aquelle, e até 21 pelo
nosso.
A locução adoptada pelo cod. ital. e imitada pelo nosso, ê
a de «corromper uma pessoa de 16 anpos mediante actos de
libidinagem».
A essência do delicto não consiste na violência que con-
strange â impudicicia, mas em uma quasi violência, isto ê,
em caricias ou affagos para seduzir (illecebrae adescatrici) a
pessoa menor de 16 annos. *
Mas, o nosso cod. pen., no paragrapho único do art. 266,
como vulgarmente se diz, não tem eixo.
Imitou a locução do cod. ital., mas o absurdo aqui tocou
ás raias do disparate, punindo tal figura com pena superior á
do defloramento e igual á do attentado ao pudor com vio-
lência e ao estupro, como se confrontando os arts. 266,
267 e 268 !
Punir com 6 annos de prisão cellular um individuo que é
encontrado beijando e abraçando uma mulher quasi de 21
annos e punir com 4 annos o autor do defloramento de uma
moça apenas núbil, é um facto que transtorna todos os
princípios jurídicos da interpretação, um dos quaesê negar
que o legislador commetta absurdo.
Aqui é evidente o disparate.
O cod. pen. seguiu no arranjo do art. 266 e paragrapho
único, o cod. port , art. 391 paragrapho único, que também
este equipara a pena da corrupção a do attentado, mas o
nosso cod. o viu que o port. inflige a pena correccional e
que esta, conforme o art. 64, o obriga a trabalho e o
pôde exceder a dous annos !
Pelo cod. ital., art. 335, a pena é de 30 mezes, no máxi-
mo e multa, salvo qualificativas especiaes.
A pena do paragrapho único do art. 266 ainda será au-
gmentada pelos qualificativas e aggravantes do art. 273.
A' vista da collocação do § e da doutrina, além do que
dissemos citando Pessina sobre a fonte da disposição, ô fora
de duvida que trata-se de crime que se refere á pessoa de um
ou doutro sexo e que o facto não chegue por sua importância
a constituir attentado, art. 266, ou tentativa de defloramento
ou de estupro, arts. 267 e 268.
A disposição do paragrapho único do art. 266, semelhante
a algumas da Orden. do Liv. 5°, torna-se inconciliável com a
do art. 272. que presume violência tratando-ee de pessoas
menores de 16 annos e aqui eleva a menoridade aos 21
annos.
Pessina, OBR. CIT., pag. 258, § 231.
— 328 —
Sobre a espécie é menos rigoroso á vista da differença de
idade marcada no cod. ital.
Gommentandoa disposição parallela á do nosso cod.,
opina Puglia, que trata-se do deiicto de corrnpçfio de uma
pessoa menor mediante actos de libidinagem.
Sustentam alguns que a existência deste deiicto está
subordinada a duas condições : I
a
, que os actos de libidinagem
sejam praticados com o escopo de corromper ; 2
a
, que ellejs
sejam praticados contra pessoa não corrompida. Quanto a
primeira condição, observamos que no systema do novo cod.
não parece ser ella necessária, porque haverá sempre
corrupção, tanto si os actos de libidinagem tiverem sidocom-
mettidoscom o objectivo de corromper, como si tal objectivo
não tiver existido.
Não é necessário porém que os actos de libidinagem sejam
exercitados sobre a pessoa que se quer corromper, sendo
sufflciente que esta seja testemunha de actos libidinosos. *
A opinião de Puglia não está de accôrdo com a doutrina
contraria, quasi unanime, dos mais notáveis autores italianos,
nem com a respectiva jurisprudência na interpretação do
questionado art. 335 do cod. ital.
E' sabido que os elementos do crime de que se trata são os
actos de libidinagem e a corrupção.
Os actos de libidinagem, diz Majno, repetindo arestos da
jurisprudência, puniveis segundo o art. 335, podem ser
praticados ou sobre a pessoa do menor ou simplesmente na
presença delle. A conjuncção carnal, seja natural, seja contra a
natureza, incide, pois, sob a disposição citada quando não seja
acompanhada de violência verdadeira ou presumida — ou,
conforme o nosso código, não possa incidir no art. 267.
O outro elemento é a corrupção. A propósito, o relatório
ministerial observa que para determinar com maior precisão e
clareza a noção do deiicto em questão, o legislador o faz
consistir no corromper effectioamente uma pessoa menor de
16 annos.
A commissâo da Gamara dos Deputados observa por sua
vez que o conceito de um attentado á innocencia está expresso
com a palavra corromper, a qual impede também que se
confunda a obra perigosa da seducção com um acto fugaz
lesivo do pudor.
Isto é o contrario do nosso código, art. 267, que pune
menos o defloramento por seducção, engano, etc.
A commissâo do Senado, depois de haver recordado que,
segundo alguns, os actos libidinosos para constituir crime
deviam ser praticados contra pessoa que já não estivesse cor-
1
Puglia, MANOALB OIT., vol. 2
o
, art. 335., pag. 216.
329
rompida, declara que si o se pôde negar que seria con-
tradictorio fallar de corrupção de pessoa corrupta, não é
menos verdade que podem haver gráos também na corrupção
e que seria imprevidente a lei si não attingisse o facto
daquelle que se propuzesse a impellir na carreira da
corrupção aa mais desmarcada libertinagem um impúbere
que nella já se tivesse iniciado.
Tentar-se-hia em vão, porém, traduzir estes conceitos tão
exactos como subtis, num preceito legislativo e assim
comprehendendo-os numa formula geral, convém abando-
nal-os á apreciação do juiz.
Ainda Majno, resumindo a jurisprudência italiana, ac-
crescenta que, na conformidade desses conceitos, foi julgado
que si o menor tem chegado á corrupção total, qualquer
outro contacto libidinoso com elle não tornaria o seu autor
responsável de corrupção ulterior; entretanto, ao contrario, os
actos corruptores podem succeder-se em tempo diverso, por
obra perniciosa de mais pessoas e com intensidade pro-
gressiva, de sorte que quem completa a ruina da innocencia e
da virtude não é menos culpado do que quem a tem iniciado,
nem a sensualidade precoce do menor pode sempre valer
para excluir o crime. *
Constanzo Calogero, a seu turno, que pensa que a lei, não
distinguindo, comprehende tanto a corrupção physica como a
moral, fundado nos arestos que cita, diz que quando o pa-
ciente já está corrompido não existe o crime.
. Crivellari. cuja obra nesta parte é recente, doutrina no,
mesmo sentido.
a
Pio Viazzi, que escreveu uma explendida monographia
sobre os delictos sexuaes, elogiando a obra de Crivellari,
continuada por Suman, emilte como uma máxima, o mesmo
principio.
3
O nosso cod. pen., no paragrapho único do art. 266 do
texto, deve ser interpretado mais benevolamente do que o art.
335 do cod. ital., o porque a pena é de um excesso
absurdo, mas também porque o paragrapho eleva a idade do
sujeito passivo do delicto aos 21 annos.
Antes de concluirmos este numero, seja-nos permitlido
registrar as observações favoráveis, ainda feitas neste ponto
por Pio Viazzi, sobre o nosso projecto de 1897, em estudo
ao qual adeante nos teremos de referir nas observações
contrarias. Fazendo uma critica do referido projecto, prin-
cipalmente sobre a parte geral, entretanto, diz:
1
Majno, COMMENTO CIT., art. 335, 2
o
vol., pag. 60, ns. 2203 e 2204.
3
Constanzo
Galogero, apud Cogliolo, OBR. CIT , vol. 2°, parte I A, pag. 1085, § 4
o
;
Crivellari, OBR. CIT., 7° volume, pag. 540, art. 335n. 32. • Pio Viazzi, Sui REATI
SEBBUALI. Torino, 1896, pag. 77, cap. V.
*
— 330 —
«Quanto á parte especial nos limitamos IT^miPvIstã^
sobre as disposições relativas aos deiicti.s sexuaes, como
nquellos que melhor podem reflectir, ainda em um projecto
puramente jurídico — os novos estudos. E notámos sem mais
a impressõo de clareza que resulta neste projecto de 1897 do
uso rasoavel e apropriado do nomen juría, o Innocente espan
talho do nosso legislador. Mas aqui, critlcos imparciaes, o
abundaremos noa elogios. *\
A primeira figura dellctuosa é a violenta conjuncçâo
carnal com a mulher; melhor do que o nosso digo, onde o
sujeito passivo de ser masculino ou femenino, cousa que
engendra confusão entre as hypothcses de coito e certas
formas de seus substitutivos, á parte a estranha supposiçfio
da violência carnal da mulher contra o homem.
Sfio consideradas depois as formas da violência presu-
mida, alogas áquellas do nosso digo, e como estas defei-
tuosas, relevando, na expressão verbal, a figura dellctuosa
da simples materialidade das circumstancias. Ora, nunca
se poderá rasoavelmente encontrar commercio carnal
punível como violento onde, do estado de inferioridade ou
de incapacidade physica ou moral da pretendida vtctima o
presumido réo não tenha efectivamente aproveitado.
No art. 273 o contemplados numa figura delictuosa
os actos violentos de libidinagem e as offensas ao pudor
sobre pessoa de um e de outro sexo, confusõo que nós temos
demonstrado errónea na nossa obra: aobre os delidos se-
xuaes.
Assim como ha actos de libidinagem (como a pederas-
tia, a fellatio in ore e semelhantes) que acarretam comsigo
maior contaminação do que aquea que acarreta o coito
normal, assim não parece razoável o limite da pena, para
essas hypotheses, igual no máximo ao mínimo da pena
fixada para a conjuncçâo carnal violenta.
A corrupção de menores ê figurada como no nosso có-
digo. Assim também, as limitações ao procedimento por
estes crimes relativas á queixa particular. Não ha traços de
qualquer pesquiza para achar modo de fechar o caminho ás
mais fáceis extorsões. *
- íoe. Resta dizermos alguma cousa sobre o art. 267 do
texto, em que o digo penal estabelece a figura do deflo-
ramento ou defloraçfio.
E' uma espécie disforme do género estupro e em que
não entra como elemento a violência.
Fora melhor uma disposão mais genérica, sem se re-
ferir ao defloramento.
1
PÍO VíaZZi, ARCIIIVIO Dl PSIClIlATRIA, SCIBNZB PENALI ED ANTROPOLOGIA
CRIMINALE, yol. 29, fase. I — II —X» souola positiva e lanuova Icgislatiane ucnale
brasiliana,
331
Os projectos de revisão, entretanto, a estabelecem, esta-
belecendo também a da conjuncçSo carnal com mulher ho-
nesta, menor de 18 annos, mediante seducção, como faz o
projecto de 1899, art. 277.
Os projectos, quanto a figura do art. 266 do código, o
fizeram mais do que reproduzir, modificando, o mesmo có-
digo vigente que tem como fonte o código anterior.
Entretanto, Silva Ferrão, commentando o art. 892 do
código penal portuguez de 1852, que teve como uma de suas
fontes o nosso cadigo criminal de 1830, depois de referir-se a
criminalistas e medico-legistas para fundar a doutrina
contraria a que exige um signal physico da offensa da vir-
gindade como elemento de taes crimes, diz:
Em apoio desta doutrina vêem exemplos práticos de
todos os códigos em vigor no mundo civilisado. Os códigos
francez, hespanhol, austríaco, da Baviera, Sardenha, Duas
Sicilias, da Allemanha e outros o conteem cousa alguma que
respeite a violação da virgindade.
Somente existe o código do Brazil, art. 219, concordância
única dentre os códigos modernos.
Conservou assim, modificada a penalidade, a legislação
anterior commum aos dous paizes, Portugal e Brasil, que a
nosso vêr não deverá subsistir na reforma que se fizer dos
respectivos códigos.
l
A legislação a que allude Silva Ferrão é a Orden. do
Liv. 5
o
TU. 23, alterada pelo Alvará de 6 de outubro de
1784. jg
O voto que fazia o insigne autor não foi ouvido, nem
mesmo em Portugal, cujo código de 1886, art. 392, reproduz
a mesma figura.
Entre nós e recentemente, ô de diverso parecer Viveiros
de Castro, ao qual se refere Pio Viazzi, ainda a propósito dos
projectos de 1896 e 1897, dizendo:
« E' punida a seducção de rapariga honesta, menor de 18
annos. Para quem, como nós, não crê na seducção mas-
eulina, ou para quem, também, crendo, tenha um conceito
adequado da dignidade feminina, uma disposição semelhante
representa ou um erro, ou o indicio de um atrazo na evolução
da moral sexual no povo onde adquire vigor.»
Ella se achava no antigo código criminal do império, foi
supprimida no código vigente e renasce agora nos dous pro-
jectos João Vieira e Milton. Também um magistrado brazi-
leiro a julga asperamente: « Este novo delicto de seducção,
assim escreve, é um perigo e uma injustiça. Primeiramente o
que se entende por mulher honesta, para o effeito deste
artigo V Nãode ser a virgem, porque o delicto seria o deflo-
« Silva Ferrão, o BR. CIT, vol. 7
o
, art. 392, pag. 218.
— 332 —
ramento. Não pôde ser a casada, porque o delicto seria o
adultério... Não pôde, pois, tratar-se senão de joven deflo-
rada por outrem, a qual continue a viver em companhia de sua
familia de um modo recatado e sério. Mas, é licito ao
legislador conceder-lhe uma presumpçfio legal de honestidade?
Quem pôde garantir que contactos successivos o a estejam
encaminhando ou a tenham já encaminhado para o grande
exercito da prostituição clandestina ? *
De resto, como já observava Pacheco i-xcellen temente,
no seu com menta rio ao código hespanhol, o lei não deve ser
convertida num cerbero, guarda de mulheres espertas e
praticas que não visam senão dispor do seu corpo, segundo as
exigências do seu temperamento e os caprichos da sua
vontade.
2
Ja tivemos occasião de dizer referindo-nos ao nosso autor
e agora ao insigne Pio Viazzi :
« Não concordamos, porém, com o illustre autor na critica
que faz ao projecto de código penal, por haver reproduzido
uma das figuras do (código criminal de 183), isto é, n se-
ducção de mulher honesta, menor de i8 annos, justificada
opportunamente, quando entre nós se tem propugnado até pela
punição de factos semelhantes, como v. g. o lenocínio
constituído pelo commercio da prostituição com mulheres
maiores, o que muitos códigos não admittem e pelo menos não
offerecem na pratica vantagens ó repressão, pela maior
difflculdade na prova.
E' verdade que não são raros os casos de seduzidas-
seductoras, mas o argumento provaria demais, porque a outra
figura, que subsiste, a do defloramento, tem os mesmos
inconvenientes e para obviar, pelo menos a maioria1 delles,
seria necessária uma solução radical, isto ê, "deixar somente
no código o estupro em suas varias modalidades, do facto com
o elemento da violência real ou presumida.
O código italiano, porém, que seguiu esse caminho, não
está isento de acerbas censuras que lhe lêem feito u >taveis
autores e entre elles o que citámos na monographia geral
sobre taes crimes.
Nós defendemos a doutrina dos projectos para ir além
da opinião dos citados autores que nos honraram com a sua
critica, istoé, eliminar a figurado defloramento e substi-tuil-a
por outra mais comprehensiva, mas .que exclua o elemento da
violação da virgindade.
1
Viveiros de Castro, os DEUCTOS CONTRA A HONRA DA MULHER. Rio de
Janeiro, 1897, pag. 44 Acceito o complexo da argumentada), não a primeira
objecção, porque não ha estupro sem violência ou ameaça, ou, ao menos, som uma
idade, no sujeito passivo, interior aos 12 annos.
* Pio Viazzi, ARCQITIO Dl P1ICBIATRIA. BCIENZB PENAM 14D ANTROPOLOGIA
CRIMINALB vol. 29, fase. I — II La seuolapositiva e la nuova legislatione pcnale
brasiliana.
y
— 333 —
In jure condendo ou de jure constituto nós andamos
neste ponto divorciados de todas as legislações dos povos
maiscullos neste momento.
Neste ponto ê preferível ao nosso direito, o allemSo.
A seducção e a copula com uma rapariga honesta, menor
de 16 annos, ê punida, diz Berner, pelo § 182 do cod.
allcmão.
A razão desta lei acha-se «na falta natural de defeza da
pessoa juvenil e na facilidade em seduzil-a ».
Para o crime, pois, não se exige enganos ou artifícios
especiaes, mas somente que « o homem se tenha aproveitado
da inexperiência e da pouca defeza da rapariga».
Uma defloração anterior o exclue necessariamente a
honestidade da rapariga.
A opinião de Berner esto de accôrdo com a jusrispru-
dencia alIemS, da qual elle cita os arestos do tribunal do im-
pério, de 23 do março e 10 de maio de 1882. (Decisões, IV,
pags. 269 e 462.) Este ultimo declara:
« O conceito da honestidade, no sentido moral-sexual,
não é a mesma cousa que a virgindade no sentido physico. A
defloração pude ter-se verificado por acaso, por moléstia, ou
por crime de ter.jeira pessoa, sem que por isso á rapariga se
possa arguir immoralidade alguma. .
c
ó uma copula voluntária
ou uma conducta deshonesta, fundada no animo transviado
da rapariga, pôde, em regra, estabelecer a deshonesti-dade no
sentido da lei.
1
»
' No direito inglez é punida a conjuncção carnal com
menor de 16 annos sem o requisito da defloração.
2
»
Com maior rigor na penalidade, o código hollandez, art.
245, quanto is menores de 16 annos.
lOC. O código do Uruguay, art. 284, e o da Argentina,
art. 139, definem o estupro voluntário como praticado contra
mulher virgem.
Apezar disto, o Dr. Tejedor em nota a este ultimo código,
diz que «o estupro suppõe, pois, mulher virgem, ou ao
menos, de conducta regular ate então, e que se tem deixado
seduzir por esperança de casamento ».
O Dr. Rivarola, a seu turno, diz:
«As condições do estupro, delicio do art. 130, são:
1», a virgindade da offendida ; pfr 2", idade
maior de 12 annos e menor de 15 ;
3
U
, seducção ».
A virgindade da offendida, collocada como condição es-
sencial do delido a que se refere o art. 130, faz suppòr que
seja também condição da consumação do delicto o dejlora-
1
Berner, oim. crr., pag. 369, §§ 179 e 182 do código alio mão. *
Seymour Hauris, ODR. OIT., pag. 123.
— 334 —
mento, reputando-se que este existe, segundo as conclusões
medico-legaes, produzindo-se a ruptura da membrana
hymen.
I Não me parece jurídica esta conclusão.
Ura facto qualquer pôde reputar-se consumado, cu não,
quando esto inteiramente realisado o propósito do autor.
No estupro, não ha porque perguntar-se si é ou não
propósito do autor a ruptura do hymen. Propósito indubitável é
a satisfação de seus appetites sexuaes. O realisado em mulher
ainda não tocada, ainda pôde entrar no requinte de sua
sensualidade. O damno que disto se segue é de consideração,
porque importa affronta e deshonra para a victima. Mas, a
affronta e a deshonra nascem de haver sido manchada pela
satisfação do desejo venéreo; não nasce dum accidente
physico que, na generalidade dos casos, pôde produzir-se no
acto da primeira copula, masque por muitas circumstancias ou
disposições naturaes, pôde não occorrer.
Tanto me parece isto exacto, que sempre considerou-se
possível que o estupro fosse commettido em mulher não
donzella. o Digesto distinguia o adultério do estupro, com
estas expressões: adulterium in nupta admittitur: stuprum in
VIDUA vel VIRGINE vel PUERO committitur.
Pacheco define o estupro, o gozo duma donzella, conse-
guido por seducção; mas, esta definição parece-me limitada ao
estupro de que pôde occupar-se a lei.
Considero mais exacta a definição de Garrara: «o
conhecimento carnal da mulher livre e honesta, precedido de
seducção verdadeira ou presumida eo acompanhado de
violência ».
Concorda também com esta definição a nota de Te-jedor
que annotando as palavras mulher virgem accrescenta ou pelo
menos de boa fama.
M Entretanto, Vasquez Acevedo, annotando o cod. uru-
guayano, aft. 284, cuja dicção é a mesma do argentino, art.
130, depois de referír-se a opinião do Dr. Rivarola e de
Tejedor, parece affastar-se, até certo ponto, da opinião
daquelle e inteiramente da do ultimo, observando entretanto
que pelas razões qua adduz Rivarola, entende que a lei falia de
mulher virgem no sentido de donzella ou mulher que em todo
caso não tem conhecido varão. *
Invocámos esses autores para mostrar que apezar, da
lettra das disposições, que explicam, a sua interpretação é
duvidosa.
E taes códigos não fazem do defloramento uma condição
do crime consumado e menos uma figura de crime,
1
Dr. Rivarola, ofla. OIT., 2° rol. pag. 146, n. 5S4_"; Vasquez Acevedo,
OBR. OIT., pag. 245, art. 284.
335
como os nossos, inferiores neste ponto a elles e muito mais
aos europeus acima citados que nem incluem o elemento da
virgindade, quanto mais o defloramento, para erigil-o em
figura de crime.
Aquelles códigos seguiram os hespanhoes, arts. 366
e 458. g
Seja como fòr, porém, á vista do que até aqui temos
exposto, não concordamos, nem com Viveiros de Castro,
nem com Pio Viazzi sobre o assumpto, objecto dos projectos
nesta parte, pois que, a figura que deveria ter sido eliminada
era a do art. 267, ou antes formulada de modo mais genérico
que não exigisse o elemento da virgindade para caracterisai-
a.
Vamos concluir este numero fixando os caracteres ou
elementos constitutivos da figura do art. 267, isto ê, de-
floramento
Na lettra da disposição do texto taes elementos s3o :
I
o
, mulher de menor idade que, sem outra indicação
quer dizer civil, isto é, de menos de 21 annos, que ê a maior
idade civil.
Ao contrario de Viveiros de Castro, entendemos que a
menor obtendo supplemento de idade está comprehen-dida
no artigo, só podendo o supplemento ter effeitos puramente
civis;
2
o
, o emprego de seducção, engano ou fraude. Sobre este
elemento a que se refere também o cod. Mal. art. 331, diz
Crivellari, que ã violência carnal foi pelo legislador
equiparada a conjuncção carnal conseguida por meios frau-
dulentos, empregados pelo culpado; figura esta de delicto
que Carrara chama estupro, e outros, estupro com seducção.
O conceito da seducção ê de difficil determinação, muitos
são os elementos de que resulta, subjectivos uns, objectivos
outros, que, segundo as circumstancias, podem variar. Para
que haja, porém, seducção é necessário que o agente em-
pregue meios ou artifícios idóneos para enganar a pessoa de
que quer abusar e tanto que arraste á conjuncção carnal.
Entre os vários casos de seducção, não ê esquecido o da
promessa de casamento não realisada, qualquer promessa que
pelas condições e idade da pessoa tenha um caracter de
seriedade que possa induzir em engano.
l
Mas como o código argentino emprega a palavra se-
ducção e o Uruguay, a exemplo dos códigos hespanhoes que
servem das expressões interoindo engano, ouçamos um dos
seus interpretes.
A seducção, diz Rivarola, é a ultima das condições
enunciadas para caracterisar o estupro punível. Certa-
1
Crivellari, OBR. CIT.. TOI. 7
O
, pag. 532, n. 26.
— 336 —
mente que o termo diz demasiado e ao mesmo tempo diz
pouco.
A seducçfio verdadeira, diz Carrara, tem por substratum
indispensável, no sentido juridico.o engano. A mulher que na
linguagem vulgar se diz seduzida porque seu pudor foi ven-
cido pelos rogos, attenções assíduas e ternuras insistentes do
amante, ou ainda pelos impulsos da ambição ou avidez ou pela
exaltaçSo excitada dos seus sentidos, o pôde dizer-se
seduzida no sentido jurídico.
Reconhecido o principio de que a objectividade do delido
de estupro deve achar-se na offensa ao direito da mulher, e
recordado o outro principio de que ella é senhora de dispor
livremente de seu corpo, não é possível encontrar elemento de
seducção senão onde o consentimento da mulher fique
destituído de todo valor jurídico.
Parece haver perfeito accòrdo entre estas conclusões e os
termos inter cindo engano que substituem nocod. hes-panhol a
seducção que emprega nosso artigo.
Tanto a formula seducção como a de intervindo engano
deixará assas demasiado ao critério dos tribunaes, sendo ainda
possível que chegue a ser de todo ponto inefficaz a lei.
Tanto Rivorola como Vasquez Acevedo, se referem a
Pacheco que restringe muito a interpretação do cod. hes-
panhol e oriental. *
Pensamos, entretanto, que o nosso cod. penal, art. 267,
aexemplo do nosso cod. crim. de 1830,art. 224, devia ter em-
pregado somente a expressão seducção, como fazem o cod.
port. art., 392, e o argentino, art. 130; deixando o engano ou a
fraude que podem caracterisar até as espécies dos arts. 266 e
268, como é coerente na jurisprudência franceza;
3
o
e ultimo elemento — o defloramento ou defloraçâo.
A' vista do que até aqui expuzemos e do confronto que
temos feito do direito hespanhol, inclusive das republicas que
tiveram nelle a sua fonte, estamos em diametral opposição a
Viveiros de Castro.
Assim realisado completamente o defloramento,está con-
sumado o crime; si elle é incompleto, haja ou não copula, não
ha mais .lo que tentativa.
Si nem incompleto esto, haverá a hypothese do paragra-
pho único do art. 266.
Os arts. 266, primeira parte, e 268 estão fora do escholio,
porque incluem o elemento da violência.
A opinião de Viveiros de Castro póde-se adaptar aos
códigos hespanhoes que prevêem o estupro de mulher vir-
1
Rivarola, OBR. CIT., 2° vol., pag. 148, ns. 588 e 589; Vasquez Acevedo, OBR.
CIT., art. 284, not., pag. 246.
— 337 —
gem, mas não incluem como elemento a defloraçõo: ao nosso
direito nunca tal interpretação poderá ser adaptada.
As licções medico-legaes sobre o defloramento conven-
cem apenas que de um elemento tão duvidoso não se deveria
ter feito condição constitutiva de crime.
Entre nós, o sábio professor de medicina legal na Facul-
dade de Medicina da Bahia, o Dr. Nina Rodrigues, tem pro-
vado quanto são difficeis de resolver as questões que se ligam
ao defloramento pela própria complexidade delias, mesmo
sob o ponto de vista anatómico, conforme as interessantes
publicações do insigne autor, no paiz e no estrangeiro.
Nada disto, porém, suffroga a interpretação contraria,
porque o objectivo, o escopo do crime 6 a defloração; o coito,
a conjuncção carnal é o meio que pôde acarretar aquella,
completa, consumação, incompleta, tentativa, ou nem
incompleta, pelo menos sem prova certa dapericia. *
108. Vamos registrar aqui sobre o capitulo arestos
referentes ao cod. anterior e ao vigente.
A' vista das doutrinas desenvolvidas no commentorlo,
não nos referiremos especialmente aos arestos, salvo aos
últimos sobre um ponto a que nuo alludimos.
« Tendo sido justa e legalmente appllcadas ao recorrente
as penas do art. 205 do código criminal (cod. Pen., art. 304),
pelos ferimentos e offensas physicas praticados na região
anal da menor Eugenia, mostra-se, porém, que contra as
disposições do mesmo código lhe foram impostas as penas do
art. 222 (cod. pen., art. 268), visto que se bem tivesse havido
offensa pessoal causando dor á dita menor, não se verificou
a copula carnal, e neste caso tinha logar a applicaçQo do
art. 223 (cod. pen., art. 266) e não do 222 (cod. pen., art. 268)
em que o recorrente foi condemnado. » Acc. do Supremo
Tribunal de Justiça, 21 de maio de 1879. I
« Factos criminosos successivos, embora praticados com
uma só intenção, constituem delictos diversos.
A tentativa nos attentados contra o pudor nem sempre ê
punida com a simples penado art. 223 do cod. crim. (cod.
pen., art. 266j, mas no caso com as dos arts. 201 e 222, com-
binados com o 34 do mesmo código (cod. pen., arts. 303 e 268
combinados com o 13)». Acc. revisor da Rei. Ouro Preto, 16
de setembro de 1879.
« o deflorador de mulher menor de 17 annos, sendo
casado, è condemnado nas penas do art. 219 do código cri-
1
Vide Nina Rodrigues, REVISTA MEDICO-LEGAL, Bahia, 1895, pag. 42 Un
cas ourieux d'hymen double avec difloration unilatêrale ; DES FORMES OK
L'IIYMEN ct de leur role dans la ruptura de oette mcmbranc nos Annales d'hygitne
publique ct de medicine légalu. Paris, numero do junho, 1900, pag. 33 do
opúsculo estralado dos Annaes.
2217 22
338
minai (cod. pen., arts. 267 e 273) ». Acc. do Supremo Tribunal
de Justiça, 4 de setembro de 1880.
« CondemnaçSo nos arts. 205 e 222, combinados com o
art. 34 do código criminal (cod. pen., art. 268 combinado com
o 13 e art. 304), por facto violento contra o pudor sem
verificaçõo da copula; com o voto vencido opinando pela
applicaçãodo art. 223 (cod. pcn., art. 266), isto é, attentado ao
pudor e não estupro». Acc. Rei. Ouro Preto, 27 de maio de
1881.
« O art. 222 (cod..pen., art. 268) éapplicavei ao caso de
violência feita á uma mulher caiada para com ella ter-se copula
carnal». Acc. Rei. Recife, 23 de maio de 1884. \ji « As penas
do art. 222 (cod. pen. art. 263) absorvem as do art. 205 do
código criminal (cod. pen., art. 304)». Acc. Rei. Porto Alegre,
30 de maio de 1890.
l
« As espécies contidas nos arts. 266 e 268 do código penal
constituem nuatices, senão gradações do género—violência
carnal— sob cuja epigraphe se acham no cap. do tit. 8
o
do
código e tanto mais quanto, pelas expressões violentada
com abuso de confiança —empregadas na denuncia, foi por
estar precisado o facto de modo a se dever classifical-o de
estujiro, como define o art 269 do código penal, sem embargo
de denominação diversa ao mesmo, por elle dada (attentado ao
pudor)». Acc. Rei. Ouro Preto, 19 de novembro de 1892.
Augusto Olyntbo voto vencido, opinou que «tendo sido o
réo pronunciado pelo crime de attentado ao pudor, art. 266 do
código penal, não pôde ser aceusado de defloramento ou
estupro, arts. 267 e 268 do mesmo código, que são crimes de
natureza distincta, embora classificados sob a mesma epi-
graphe.
« Em ambos a copula é uma circumstancia especial,
porque delia depende a sua constituição, o que não se com
ò attentado contra o pudor.
« Não se verificando a copula, pôde dar-se a tentativa de
violência (violação) si o facto reveste es caracteres exigidos
no art. 13 do código penal, ou então attentado ao pudor nos
termos do art. 266 que corrigiu as lacunas do art. 223 do
antigo código criminal, tendo por fonte próxima o art. 392 do
código portuguez, que accentúa a sua natureza distincta
daquelle.» -
E' strictamenle jurídico o voto vencido; sobre o Ac-
cordão não podemos emittir juizo quanto á boa ou
applicação do direito, á espécie, porque isto no caso excederia
da nossa tarefa, estando a questão relacionada com o
1
O DIREITO, vol. 19, pag. 548;'vol. 20, pag. 239; vol. 23, pag. 389; vol. 30, pag.
380; vol. 34, pag. 426, e vol. 52, pag. 577. * O DIREITO, vol. 70, pags. 89.
339
processo, além de não estar bem caraclerisada; mos a sua
doutrina em geral também é verdadeira.
o A menoridade da offendida é circumslancia essencial
no crime de defloramento. Um passaporte não é prova de
idade». Sentença do Dr. Viveiros de Castro, juiz do Tribunal
Civil e Criminal, 1 de agosto de 1895.
« Elementos constitutivos do estupro A violência não
se presume, precisa ser provada. Analysc psychologica da
prova — Regras para constatar a violência ». Sentença do Dr.
Viveiros de Castro, juiz do Tribunal Civil e Criminal, de 13
de novembro de 1895. *
« São elementos do crime de defloramento— I
o
, a copula
com mulher virgem, tendo na grande maioria d08 casos,
como consequência, o dilaceramento da membrana hymen
2
o
, que a virgem seja de menor idade, e 3°, que seu con-
sentimento fosse obtido por seducção, pelo engano ou pela
fraude.
« A promessa de casamento é um poderoso meio de sc-
ducção, quando havia motivos para a offendida acreditar na
seriedade da promessa ». Sentença do Dr. Viveiros de Castro,
juiz do Tribunal Civil e Criminal, de 19 de novembro de 1897.
São elementos constitutivos do crime de defloramento :
a) que exista.a copula completa ou incompleta ; b) que a
mulher seja virgem ; c) que tenha menor idade; e d) que haja
consentido enganada pela seducção ou fraude.
« Deve presumir-se, salvo prova em contrario, a vir-
gindade da moça de família recatada.
« Não é possível determinor-se por meio do corpo de
delicio a época do defloramento anterior a oito dias.
« Para que a seducção seja elemento constitutivo do
crime de defloramento, deve ser enganosa a causa efflciente
delle, e a sua forma mais frequente é a promessa de casa-
mento ». Idem, idem, de 24 de maio de 1899.
2
H 109. No
caso dos crimes de estupro e defloramento, este crime serve
de circumstancia oggravante daquelle. (Sentença de 20 de
fevereiro 1877).
Crime de estupro praticado cm menor de 12 annos,
sendo casado o autor — art. 268 combinado com oart. 273 do
código penal. No caso ê aggravante a circumstancia prevista
no art. 41, § 3
o
do código penal, isto é o defloramento
aggrava o estupro : Accórd. do Supremo Tribunal Federal, 17
fevereiro 1897 com os votos vencidos dos ministros
Figueiredo Júnior, Manoel Murtinho e Ribeiro de Almeida.
No crime de estupro, quando fôr virgem a offendida, esta
circumstancia constitue o aggravante do art. 41, §3doco-
1
Viveiros de Ca a Iro, SENTENÇAS E DECISÕES CIT., paga. 37, 40, 258 e 272.
* REVISTA I>E JURISPRUDÊNCIA CIT., TOI. I
O
. pag. 265; vol. 6
o
, pag. 366.
— 340 —
digo penal. Sentença do Dr. Pereira Lins, juiz na cidade de
Minas, 30 de julho 1898. *
A origem da doutrina destes três últimos arestos relativos
ao código criminal anterior e ao código vigente foi a decisão
do ministério da justiça, n. 512, de de novembro de 1862 e
ao seu objecto nos referimos, attenta a Jurisprudência que
se tem tentado firmar desde o tempo do impe-; rio pelas
Relações e agora pela alta autoridade do Supremo Tribunal
Federal.
Thomaz Alves parece inclinar-se â doutrina dessa de-
cisfio ; tendo antes notado que Silva Ferrão observava dever o
legislador brazileiro e portuguez ter distinguido o estupro
violento quando acompanhado ou nfio do defloramento. *
Mas o novo código portuguez, arts. 392 e 393, do mesmo
modo que o anterior e os nossos, nfio inclue na violação para
constttuil-a ou aggraval-a a offensa á virgindade da vicli ma.
A questfio manteve-se no mesmo estado nos códigos
dos dous povos. .
Entre nós parece que alludia á referida decisão Tobias
Barreto quando dizia sobre o código anterior: «O código des-
conhece o conceito da concurrencia ideal e da concurrencia
real dos delidos, como também parece que nfio entrou nos
seus cálculos a idêa do delicio continuado, do delicto mo-
mentâneo ou duradouro, transitório ou permanente. Destas
lacunas, ainda mais aggravadas pela ausência de uma ver-
dadeira doutrina scienliiica e uma praxe regular, que as
possam supprir, resulta o espectáculo de um sem numero de
disparates observados nas decisões do governo, que se arvora
em criminalista ex-cathedra, e nos julgados dos tribunaes
sempre incertos, vacillantes, e tateando as trevas da sua
própria incerteza. Assim, ha cousa alguma demais divertido,
do que ver sobre a hypothese do art. 222 do código criminal
(código penal, art. 268) levantar-se a questfio si sendo
virgem a mulher violentada, e menor de 17 annos, deve o réo
responder nfio pelo crime daquelle, como pelo do art. 219
(código penal, art. 267) 1 conheço de mais ridículo o serio
imperturbável com que o governo responde ao jurista, que o
consulta, que o planeta attráe o satellite, e os dedos de cada
mõo são justamente cinco. *
Nesta citaçfio, que é um incidente em artigo sobre matéria
diversa nfio se pôde apprehender a opinifio do insigne autor
1
O DIREITO, vol. 15, pag. 109; e vol. 73, pag. 425; REVISTA DE JURIS-
PRUDÊNCIA CIT., vol. 4°, pag. 56.
1
Thomaz Alves, OBR. CIT., vol. 3», art. 222, pags. 389 e 398; Silva Ferrão,
OBR. CIT., vol. 7°, art. 394, pag. 231.
* Tobias Barreto, ESTUDOS ALLEUÃKB. Recife, 1883, pag. 52 Dos de-liotos
por omissão.
341
que julga disparatadas as decisões e ao mesmo tempo que o
governo responde 6 questão onde nSo ha questão.
Seja como fòr, a nossa humilde opinião é contraria aos
arestos dentre os quaes no do Supremo Tribunal Federal alias
figuram três ministros vencidos.
Entendemos que o legislador não podia ter em vista a
aggravante geral do art. 41, § 3
o
, isto ê, a natureza irre-
parável do damno no defloramento, sem fazer menção dessa
ctrcumstancia que inflúe para aggravar a pena contra os
preceitos terminantes, que estabeleceu — arts. 1 e'36.
Depois, dispondo o código, no art. 37, que a «circum-
stancia aggravante não influirá, todavia, quando fòr elemento
constitutivo do crime » no caso do art. 268 occorre, que si
o defloramento não é elemento da figura do crime deste
artigo, a copula com violência o inclúe ao menos na maioria
dos casos eeis ahi contra o art. 37 a aggravante, funccionando
ao mesmo tempo como tal e como elemento constitutivo.
Finalmente, o art. 268 inclúe no § I
o
uma attenuante e no
§ 2
o
uma aggravante, e ainda como disposições communs, o
código contempla nos arts. 272 e 273 outras aggravantes, sem
declinar a do defloramento no estupro violento. I
Todas essas aggravantes estão coordenadas com os
conceitos das espécies em seus respectivos elementos con-
stitutivos e portanto o silencio do cod. por si só é eloquente,
parecendo que quiz separar inteiramente a figura I do art..267
da do art. 268, sem absolutamente relacional-a, como fez o
cod. crim. de 1830, o portuguez de 1852 a que este serviu de
fonte e ainda o portuguez de 1886.
Parece-nos que a interpretação não pôde ser outra e os
arestos citados tentam firmar uma jurisprudência contraria ao
código.
Uma outra questão que a jurisprudência suscita e cuja •
solução poderia induzir á uma jurisprudência semelhante a dos
arestos citados, mas por outro fundamento que não a
aggravaçfio simples da referida circumstancia:
Na hypothese figurada do defloramento e estupro vio-
lento é possível juridicamente applicar o § 3
o
, do art. 66 do
cod. pen. para ímpôr ao agente do crime e no máximo, a pena
mais grave, isto é, a do art. 268?
Respondemos também pela negativa, porque pelas
razões que demos, no caso ha duas espécies de crimes pre-
vistos em disposições differentes, sendo que a do art. 268
pôde e deve necessariamente e quasi sempre acarretar um
dos elementos da outra.
Não ha dous crimes distinctos, nem concurso, real nem
mesmo formal de crimes, e pois o art. 66, § 3
o
é in-appli
cavei.
O desenvolvimento dos princípios relativos, quer ás
circumstancias aggravantes, quer ao concurso de crimes
— 342 —
e de penas, sendo objecto da parle geral, nos limitamos a citar
outro trabalho nosso sobre a matéria. *
Dos autores que escreveram sobre o cod. crim. anterior, só
Francisco Luiz é que, referindo-se á decisfio ministerial
citada, observa que ella era muito censurada por que
neutralisava o art. 219 naquelle caso.
2
Neutralisava, diremos nos, todo systema de graduação de
penas, porque pelo facto de considerar como aggra-vante do
art. 222, o facto previsto no art. 219, não parava ahi, mas
mandava applicar a pena no grão máximo, quando na
hypothese de haver alguma attenuante, como v. g. a aa menor
idade, embriaguez, ele, a pena poderia ser imposta no
médio; o que era uma infracção dos arts. 15, 33 e 63 do
referido código: abyssus abyssum inoocat.
CAPITULO 11
DO RAPTO
CÓDIGO
Art. 870. Tirar do lar domestico, para fim libidinoso, qualquer mulher
bonés ta, de maior ou menor idade, solteira, casada ou viuva, attrahindo-a
por seducção ou emboscada, ou obrigando-a por violência, não se
verificando a satisfação dos gozos genésicos . I Pena — de prisão cellular
por um a quatro annos.
§ 1.° Si a raptada for maior de 16 e menor de 21 annos, e prestar o seu
consentimento :
Pena — do prisão cellular por um a três annos.
§ 2.° Si ao rapto seguir-se o defloramento ou estupro, o raptor
incorrerá na pena correspondente a qualquer deste? crimes, que houver
commettido, com augmento da sexta parte.
Art. 271. Si o raptor, sem ter attentado contra o pudor e honestidade
da raptada, restituir-lhe a liberdade, reconduzindo-a á casa donde a tirou,
ou collocando-a em logar seguro e á disposição da família, soffrerà a pena
de prisão cellular por seis mezes a um anoo.
Paragrapho único. Si não restituir-lhe a liberdade, ou recusar indicar o
seu paradeiro :
Pena — de prisão cellular por dous a doze annos.
COMMENTARIO
lio. Collocamos neste capitulo somente os dous artigos do
texto, embora o código collocasse outros que conteem
disposições communs a este e ao anterior e devem constituir
um capitulo especial.
1
Do autfl'.' COD. PEN. COMMENTADO C1T., 2" vol., COJW. XXII, XXIII
e XXXIV.
* Francisco Luiz, COD. CRIMINA'- CIT., art. 222, ftOla.
m
— 343 —
Sobre o projecto de revisão que guardou essa ordem dis-
semos :
No cnp. II deste titulo figura o rapto classificado em
diferentes códigos como crime contrario á liberdade indi-
vidual ; mas é evidente a razão de seguir outros que o col-
locam neste logar, tratando-se de objectivo libidinoso ou de
casamento, que se torna no caso predominante na classifi-
cação.
Nfio obstante a critica de Puglia, ao projecto italiano
convertido em lei, o rapto comprehende não só a abdtirçáo, a
tirada, como a retenção da mulher. *
Elle tem hoje esphera muito mais lata do que a da noção|
romana : raptores virginwn honestaram.
Sob certo ponto de visto, crime mais grave do que varias
espécies do capitulo anterior, o projecto elevou as penas do
código vigente, coordenou as aggravantes applicaveis, assim
como as attenuantes da restituição da pessoa raptada edo fim
do casamento, tornando, porém, esta attenuante, que é a
substituição da prisão, pela detenção, dependente do arbitrio
do juiz, que não a applicara, si o fim envolver especulação de
lucro, como previa Zonardelli justificando o código italiano.
*
Cohefentemente com taes princípios, a isenção da pena-
lidade em taes crimes terá logar a aprazimento da offen-
dida. ou quem a represente legalmente, conforme o novo
código.
3
Todos os projectos de revisão differem pouco entre si
neste titulo e por isso convêm registrar toda critica sensata de
que forão objecto mesmo somente os nossos, isto é, aquelle e
o de 1897; ainda porque o estudo imparcial a de autores
estrangeiros relativamente ao assumpto auxilia a explicação e
interpretação do código vigente. Assim em estudo que
citámos sobre os projectos de 1896 e 1897 Pio Viazl observa
:
« A figura infeliz do rapto consensual é reproduzida
quasi em termos idênticos aos do nosso código (ital.) e assim
também a do lenocínio desinteressado e não habitual, vice-
versa, o é considerado como figura de delicio o incesto; e
como temos procurado demonstrar algures, cremos que é
um mal. As offensas ao pudor publico e á decência e as
exposições e publicações obscenas forão collo-cadas entre as
contravenções. »
1
Puglia, OUR. CÍT.., pag. 98,
1
RELABIONE III, pag. 227.
3
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO PROJECTO DE 1893, pag. 17.
— 344 —
Na citada monographia o autor expõe a sua opínifio
sobre a doutrina do rapto, desenvolvendo-a muito ainda em
outra obra. ' I
Os nossos códigos, o de 1830, art. 227 e o vigente, ar-
tigo 270 do texto, comprehendiam o rapto consensual ou
impróprio. E, ao contrario da opinião do illustre autor, entro
nos defende essa forma de rapto um alto magistrado e pro-
fessor, cuja orientão nada tem de suspeita ás idéas posi-
tivas doutrinadas pela nova escola italiana. *
Permitta-se-nos algumas idéas geraes para depois pas-
sarmos a explicação do texto.
No direito romano punia-sc com pena capital o rapto,
desde que este succedesse, sendo indífferente o consenti-
mento ou não da mulher raptada.
Ao contrario, as leis gernicas puniam o rapto sempre
que se eflectuasse sem a vontade da mulher raptada; e a
pena era o loehrgeld.
o lei dos Wisigodos uniformisou-se com a severidade
do direito romano, o que explica a ferocidade da nossa
Orden. do Liv. , til. 18 na imposição da pena de morte e
na indistincção entre o rapto com violência ou não, o que
parece ter sido modificado pela lei de 6 de outubro de 1784,
conforme a opinião dos interpretes portuguezes, sendo a ti-
rada dum lugar para outro apenas uma nggravante a arbí-
trio de juiz, mas sendo a pena em geral a do estupro volun-
tário.
s
Entretanto o direito canico estabeleceu o conceito da
punibilidade menor do rapto por causa de matrimonio e da
impunidade deste quando o raptor tivesse o consenso da
mulher e o casamento precedesse a copula.
Na idade media os preceitos do direito canónico exerce-
ram sua influencia nas leis seculares.
Nas legislações modernas se distingue o rapto violento
do fraudulento, mas a pena em algumas foi a mesma, por-
que se admittiu o rapto por seduâo das menores, como
uma subescie do rapto violento ou por insidia.
O rapto ô uma segunda escie do género delicto contra
o pudor individual e consiste no apossar-se ou apoderar-se
per vim aut per insidias duma pessoa de maneira que ella
possa facilmente sujeitar-se aos desejos libidinosos de ou-
trem sem poder defender-se.
1
Pio Vlaczi, ARCIUVIO CIT. , artigo citado : Sm REATI SESSUALI CIT , cap.
VIII; Ir. RATTO COMMENTO, etc. Milano 1897.
9
Lima Drummond, ESTUDOS DE DIREITO CRIMINAL, Rio de Janeiro, 1898, pag.
101, do crime de rapto. Quanto á critica geral do cod. pen. neste cap. vid. Carvalho
Durão, O DIREITO, vol. 55, pag. 222, VIII, rapto, e emboscada
1
Mello Freire, JÚRIS CRIMINAL» LUSITANI INSTITUTIONEB, Conimbrieoe, 1860,
tit. <", § 17 ; pag. 62; Pereira e Souza, Qna. CIT., pags. 215 o 2S6.
345
Oro, este facto, diz Pessina, que era si mesmo é uma
captura privada,assume uma importância especial segundo a
forma do propósito particular que ora pôde se effectuar contra
a pessoa raptada actos de violência carnal e ora pôde ser
algum acto menos criminoso, isto é, constranger a pessoa
mesma, ou as pessoas sob cujo poder ella acha-se a consentir
num matrimonio e nesta segunda hypothese, si bem que de
menor gravidade, o caracter criminoso do rapto não se
distingue menos, quer porque é um meio indirecto de
constranger a vontade doutrem a cousa a que se não tem
direito de constrangel-a, quer porque, também não se reali-
zando em tal coso actos de libidinagem, basta somente a
facilidade da realização delles para com isto lesar-se a liber-
dade pessoal e a fama ou honra da pessoa raptada. *
E isto responde também áquelles que querem classificar
fora deste titulo o crime de rapto como, entre nós, opina Lima
Drummond na citada monographia, cujo mérito reco-
nhecendo num juizo bibliographico,nos pronunciamos contra
sua opinião.
3
E recentemente Suman observa que, tratando-se de ex-
aminar o delicto de rapto, segundo a doutrina, a primeira pes-
quizo que se deve fazer é a que se refere a suo classiJlcaçOo,
o respeito do quol os escriptores e os legislações não estão
muito de occordo. Em dous partidos se dividem os contra-
dictores. Um é o daquell s que pretendem coHocar o rapto
entre, delictos que ojfendem o pudor, e esta opinião apoia-se
sobre o critério de que este delicto lesa a integridade moral do
sujeito passivo, tira-lhe sem o seu consentimento a castidade
corpórea, pois que, dizem elles, para ser punivel deve
realizar-se com o fim do libidinagem.
O outro partido o colloca entre os crimes contra a Uber-
dade indioiâual. Estes sustentam não se poder collocal-o
entre os delictos contra o pudor, porque si de facto foi prati-
cado com o fim de matrimonio, nenhum pudor ficaoffendido,
esi o fim fosse a libidinagem, não seria sinão uma aggra-
vanteda violência carnal. Não pôde ser collocado entre os
crimes contra a ordem das famílias, porque não é necessário
que a raptada não seja livre por si mesma ou não tenha fa-
mília para que o crime exista. o pôde estar emflm entre os
crimes contra a moralidade individual, porque para ter-se o
crime, não é necessária violação alguma da pudicícia ou do
pudor, como seu elemento, nem o facto somente da abducção
ou da retenção implicam uma violação de tal natureza.
Depois de todas estas exclusões, concluem pela collocação
delle entre os crimes que offendem a liberdade
. ,
1
Pessina MANUALK cit,, pag. 265, § 238.
4
Lima Drummond, Estudos, CIT. ,11, pag. 101
WÊÊÊ
— 346 —
individual, quando o pudicicia nfio tenha sido offendidn, ou
0 integridade mornl da mulher não tenha sido violada.
A classificação deste crime, concilie Suman, deve estabe-
lecer-se, si se quer que seja justa, segundo um exame altento
do fim a que se propõe o culpado. Dous podem ser os fins que
tornam delictuoso o rapto, a libidinagem ou o matrimonio.
Estes fins lezam : o primeiro o pudor, o segundo a ordem na
família, logo a sua própria classe é a dos crimes contra o bom
coslume e a ordem na família « que lógica e' racionalmente
devem constituir uma classe única, embora alguns escriptores
e algumas legislações as considerem como distinctas. O
critério que nós enunciaríamos como mais exacto foi adoptado
pelo código italiano. *
:
O nosso código cie 1830 collocou o rapto no capitulo o dos
crimes contra a segurança da honra » e sob o titulo geral de
crimes contra a segurança indioidual e precedendo os capí-
tulos « dos crimes contra a segurança do estado civil e do-
mestico ».
O código vigente dividiu a matéria comprehendida num
titulo do digo italiano em dous, no VIII e IX e epigra-
phou-os quasl como o código anterior.
Todos os projectos de revisão adoptaram o titulo do có-
digo italiano.
Seguem ainda essa classificação os códigos hespanhóes,
anterior e vigente, que collocam o rapto sob o titulo de crimes
contra a honestidade, seguido pelo código argentino ; sendo a
classificação do do Uruguay a mesma do italiano.
Os autores inglezes classificam o mesmo crime entre os
outros contrários aos bons costumes.
2
1 Franz von Liszt colloca o sequestro ou rapto do homem
entre os crimes contra a liberdade e o rapto de que tratamos
entre « os crimes contra a liberdade sexual e o sentimento
moral».
8
111. A noção do raptodada pelo art. 270 do texto do
nosso código penal 6 o « tirada do lar domestico, para fim
libidinoso, de qualquer mulher honesta, de maior ou menor
idade, solteira, casada ou viuva, attrahindo-n por seducção ou
emboscado, ou obrigando-a por violência, não se veri-
ficondD a satisfação dos gozos genésicos».
Este conceito do código vigente é tão incompleto, como o
era o do código anterior, arts. 226 e 227, quando se referia
somente 6 tirada da mulher.
A essência do facto do crime de rapto está no apossar-se
da pessoa de alguem levando-a ou retendo-a em lugar onde
1
Crivellavi e Suman. oim. CIT., 7"vol., pag. 505, n. 42.
2
Vide Stephen, A DIOEST CIT, pag. 207, cap. XXVIII; Scymour
Harris, PRISCIPLBS, ETC. Part 2
a
cap. II, pag. 126.
3
Franz von ^H
2
_onu^cjT
_ToK^°
2
jiags. 107 e 117. .
»
f
"
f
— 347 —
se ache á discrição de outra pessoa, e pelo seu objectivo com
m um, que ê o desafogo da libidinagem ou obrigar ao
matrimonio, se distingue do sequestro da pessoa, sem que
entretanto possa deixar de ser considerado uma forma deste.
Ora, essa posse da pessoa d'outrem pode ter lugar, quer
como subtracção ou tirada da pessoa ( abduetio de loco ad
loeuni), quer como retenção n'um lugar determinado. B
Verinca-se exactamente aqui o mesmo que a respeito ja se
notou sobre o sequestro da pessoa, sem ser para fim libidinoso
(tit. 3°cap. I
o
n. 31).
Os nossos códigos esqueceram a retenção, de modo que,
verificado o facto do rapto por esta forma, elle deixará de ser
punível, salvo como estupro, adultério, etc, si fôr ocaso.
Os projectos de revisão suppriram isso, e o de 1899, art.
278.
Essa ê a materialidade do delicto, que justamente con
siste na tirada ou retençõo. "". I
[* O elemento substancial do delicto, por via de regra ad
optado como meio de realisal-o, é o constrangimento, isto é a,
violência ou ameaça, ou o engano per rim aut per insidias
O código, art. 270, emprega diffusamente as expressões
attrahindo-a por seducçõo ou emboscada, ou obrigando-a
por violência.
No código italiano, tratando-se de pessoa cuja idade é
menor de 12 annos, a' impossibilidade moral d'um consen-
timento verdadeiro fez com que o legislador alli considerasse
o rapto como violento ou fraudulento, sem ser necessário o
elemento da dolência ou do engano.
Em vista da disposição geral do nosso código no art. 272,
essa modalidade pôde ser incluída no art. 270 em relação as
menores de 16 annos.
m Os projectos de revisão mencionaram expressamente essa
sub espécie, e o de 1899, art. 279, n II.
O art. 270 do texto o faz distineção entre o rapto da
mulher casada ou não, o contrario fizeram os projectos de
revisão, o de 1893, art. 279, punindo o d'aquella com pena
maior.
A razão desta tutela rigorosa das pessoas casadas, diz
Garrara, reside na homenagem que o legislador presta, ao
poder marital, que fica atacado pelo crime ao mesmo tempo
que a honra, integridade e liberdade da pessoa raptada. 3 &
Esta forma de rapto juntamente ao de pessoas menores, era
aquella que os antigos chamavam raplus in parentes vel in
tutores.
Quanto ao que respeita ao rapto de pessoas menores, não
occorre gastar palavras, diz o mesmo autor, para demonstrar
a opportunidade e justiça d umasanceão mais grave, porque
se revelam a priori por si mesmas.
— 348 —
Entretanto o nosso código, arts. 270 e 272, npplica a
mesma pena, tendo os projectos seguido o código italiano, e o
de 1899, art. 278 e 279 n. II.
Este outro elemento da menoridade, que caracterisa o
rapto, haja violência ou não haja, varia com a idade menor
para fazer variar a pena e tem ainda outro aspecto, ou con-
stituo uma sub-especie no art. 270 § 1° do texto, onde o nosso
cod. prevê o facto do rapto de maior de 16 e menor de 21 que
haja prestado o seu consentimento.
Este paragrapho está no mesmo artigo que se refere a
attracçSo da seducção ou emboscada : mas estas condições não
caracterisam a espécie, porque o § não faz referencia
alguma ao principio do artigo, ou á sua primeira parte, que!
aliás comprehende a mulher de qualquer idade e equipara a
violência a essas mesmas condições.
O cod. seguio, pois, neste § I
o
do art. 270, a disposição
parallela do cod. ital. art. 341, que exclue também, além da
violência e da ameaça, o engano; e sobre a qual Pessina ob-
serva que este facto seria fuga antes que rapto, quer se
manifeste sob a forma apparente da tirada ou subtracção
(única prevista pelo nosso cod.), quer sob a de retenção, e
punido, o obstante o consentimento da pessoa que se diz
raptada, attendendo-se á inexperiência da menor e á sub-
tracção da pessoa á guarda, protectora delia, que é inherente
ao pátrio poder e á tutela.
M Carrara censura esta disposição, principalmente porque
nota indistincção na menoridade.
Os projectos seguiram o cod, vigente, o de 1899, artigo
279 n. I.
No art. 270 § 2
o
do texto, o nosso cod. estabelece que « si
ao rapto seguir-se o defloramento ou o estupro, o raptor incor-
rerá na pena correspondente a qualquer destes crimes, com
augmento da sexta parte ».
Está claramente subentendido que não incorrerá nas penas
do rapto; e o cod. assim estatuiu, por parecfer-lhe, ou que o
caso poderia offerecer duvida, quanto á applicação do art. 66
§§ I
o
ou 3
o
, ou quiz graduar especialmente a pena para evitar a
aggravação, ex-vi daquelle § I
o
ou talvez a at-tenuação
possível, conforme as circumstancias, proveniente da
applicação do § 3
o
, que em these aggrava, mas na hypo-these
podia attenuar o crime.
A fonte da aggravante do § 2
o
do art. 270 do nosso cod.
foi a legislação das republicas hespanholas.
Assim, o cod. do Uruguay, art. 292, diz que «quando o
rapto r seguido de violação ou estupro, a pena será a mesma
destes delidos, augmentada de um gráo ».
A propósito, diz Rivarola « que a violação e o estupro são
delictos eminentemente maiores em gravidade que o rapto. A
lei (cod. arg. art. 137) dispõe que quando no rapto
V
349
houver a violaçõo ou estupro se imporá a pena destes delidos,
considerando-se o rapto circumstancia aggracantc (n. 608).»
O nosso cod. penal omiltiua espécie de rapto com o fim
de matrimonio, deixando assim na lei a lacuna que existia no
cod. anterior, arts. 226 a 228, vista das quaes Carlos
PerdigSo opinava muito juridicamente que não sendo
0 rapto para fim libidinoso, mas de casamento, não ha
rapto. *
Essa interpretação que se ajusta ao cod. vigente era dada
ao cod. port. de 1852. art. 395, confrontado por Silva Ferrão
com o nosso anterior, uma de suas fontes.
O cod. port. vigente, art. 395, emprega a mesma dicção
Jlm âcshonesto, mais branda que o fim libidinoso.
2
A mesma doutrina tem servido de interpretação ao cod.
hespanhol, art. 461, ainda que este não empregue as ex-
pressões objectivo deshonesto, miras deshonestas, conforme
a respectiva jurisprudência e puna o rapto de menor de 23
annospor seducção.
3
Os cods. da Argentina e do Uruguay não declinam o fim
libidinoso, mas elle é subentendido pelos interpretes, entre
elles Rivarola e Vasquez Acevedo ; mas respectivamente, os
arts. 135 e 290 referem-se de modo expresso ao fim do casa-
mento.
Este autor, repetindo parte das observações daquelle,
consigna estas palavras :
« Na doutrina em geral e ainda na linguagem commum,
se convém em que pelo rapto se deve entender a subtracção
de uma mulher com o objectivo, mira, de satisfazer desejos
sensuaes ou casar-se com ella...
1 «A 'excepção expressa se encontra com motivo do
rapto, executado com a intenção de casar-se. *
Entre nós desde 1830 que não ê punível o rapto por mo
tivo de casamento.
«j
Os projectos de revisão é que previram a espécie, o de
1899, art. 279, havendo, está subentendido, violência, ameaça
ou engano.
O projecto de 1893, art. 292, a exemplo do italiano, auto-
risava a substituir a prisão pela detenção, o que o projecto de
1897 não reproduziu por um lapso e os de 1896 e 1899
porque só consagram a prisão.
'':*. Carlos Perdigão, oim. crr.,2° vol. art. 226 a 228, paga. 397 e 400, 6
a
questão.
* Vido Silva Ferrão, oim. crr., vol. 7
O
, art. 395, pag. 237.
Viada y Villaseca, OBR. CIT., 3
O
vol., pag. 145.
* Vasquez Acovedo, OBK. CIT., art. 288, not. pag. 218; Dr. Rivarola ;
OBR, CIT., 2" vol., pag. 159, na. 598 e 599.
— 350 —
È' fácil a justificação dos projectos, porque o acto cm si
mesmo e sem figurar-circumstancias concomitantes contêm
em sua essência a violência ou a fraude para forçar a um
casamento contra vontade.
A attonuante justificasse também pela menor gravidade do
facto, desde que o fim não é a satisfação de desejos libidi-
nosos, ella era, porém, facultativa, afim de que ojuiz deixasse
de applical-a quando o objectivo do matrimonio mesmo
velasse a perfídia de especular com os haveres da viclima ou
qualquer esperança de lucro.
Uma observação geral deve ser feita sobreoart. 270 do
texto e é que, por mais momentânea que seja a retenção ou,
antes, porque o código não com prebende esta, effectuada que
seja a abducção, a tirada, está consummado*o crime e em
qualquer momento ulterior que outros intervenham para
manter e auxiliar o rapto, serão estes co-réos, co-autores ou
cúmplices, cenformeas circumstanci8s.
l
na. Passemos aoart. 271, do texto que contém uma
allenuante ; mencionando o seu paragrapho único uma
aggravanle.
A restituí to in integram da pessoa raptada,« si o raptor,
sem terattenlado contra o pudor e a honestidade da raptada,
{voluntariamente
y
o que esqueceu o nosso código) restiluir-
lhe a liberdade, reconduzindo-a á casa donde a tirou, oueol-
locando-a em logar seguro e a disposição da família «importa
uma grande diminuição de pena, ou antes a sua reducção a de
seis mezes á um anno.
Todos os projectos, ode 1899, art. 279, n. Ill, conteem
essa attenuante, mas formulada por differentes modalidades,
que fazem variar a pena de dous mezes a um anno.
A fonte da disposição foi o cod. Uai., art. 342, c por isso
fundado no elemento histórico da elaboração deste, com razão
Lima Drummond opina que a locução empregada pelo nosso
código e pelos projectos é exemplificativa enão taxativa.
Mas, conforme a opinião de Suman, tal attenuante é |
excluida no caso do cod. ital. art. 341,1 capooerso, paral-lelo ao
nosso código art. 270, § 1, desde que este prevê a hypothese do
consentimento da pessoa raptada, em tal idade que excluo a
violência presumida, c que admitte a volta expontânea da menor,
mas não a restituição ã liberdade, por parte do raptor, porque em
tal hypothese se suppõe que á pessoa raptada nunca tenha sido
tirada a liberdade. A exclusão ainda de tal hypothese é além
disto demonstrada pela medida da pena para os casos do art.
341, do cod. ital. fixada pelo art. 342 (do nosso, arts. 270 e 271),
segundo o qual ou não haveria diminuição alguma, ou a pena
seria au-
Majno, OIIR. CIT. Part. II, pag. 176 ti. ??28 art. 340
wmmmm
S
351
gmenlada, portanto inútil ou prejudicial, a veriflcar-se uma
circumstancia favorável, si se quizesse applical-a também
naquellecaso. *
A' hypolhese, portanto, do nosso corligo, art. 270, § 1°,
não é applicavel a attenuante prevista na primeira parte do
art. 271.
Da mesma opiniflo 6 Costanzo Calogero, que aliás
citando Mangano justifica bem a attenuante adoptada pelo
nosso código art. 271 do texto que estamos explicando c
sobre cuja disposição parallela do italiano, como sua fonte,
diz Garrara, que o rapto como facto que por sua natureza
constituo um crime formal, se manifesta independentemente
do effeito e do escopo atlingidos pelo culpado. Igualmente
não perde a sua natureza jurídica ainda na hypothese que o
raptor tenha voluntariamente restituído á liberdade a pes
soa raptada sem fazer-lhe nenhuma offensa. ?]
Certamente que na espectativa destes resultados benignos
do crime e ainda para favorecer outras resoluções favoráveis
do raptor, o legislador tem diminuido muito a pena. -
Vamos tratar da ultima disposição deste capitulo, que ê o
paragrapho único do art. 271 do texto do nosso código penal.
E' uma disposição sui géheris porquo ella não foi tomada nas
fontes principaes do legislador de 1890, isto é, nem no
código italiano, franceze congéneres, nem no nosso código
de 1830, onde não existe.
A disposição figurava no código da Baviera, art. 200, e
no código porluguez de 1852, arts. 332, 344 e 397, sobre o
cárcere privado, oceuIlação de menor e rapto, reproduzido no
vigente, nos mesmos artigos, tendo lido ambos como fonte o
código hespanhol.
Levy Jordão justifica a disposição; Silva Ferrão, porém,
com razão a censura. •''
A fonte próxima de tal disposição deve ter sido, com
modificação na pena aqui, o código argentino, art. 138, con-
forme o qual « o raptor que não entregar a pessoa raptada
(rabada.), ou não der razão satisfactoria do seu paradeiro
será punido como homicida ».
A fonte do código argentino foram os códigos hespa- j
nhóes, vigente, art. 452, e anterior, art. 370, que sem falla-rem
de homicídio, como o argentino, impõem a pena de cadeia
perpetua.
' Crivellari e Suman, OBR. cie, vol. 7», art. 342, n. 62, pag. 585.
* Costanzo Calogero, apvd Cogliolo, OURA CIT., vol. 2
o
, pari. I A, pag. 1160;
Carrara, COMMBNTO CIT. , art. 312, pag. 207.
» Levy Jordão, OBU. CIT., TOI. 3
O
, pag. 263, art. 332; Silva Ferrão, OI.R. CIT.,
vol. 6», pag. 285, art. 332, pag. 325, art. 344, vol. 7
o
, pag. 247, art. 397.
— 352
E aos mais notáveis e autorisados interpretes de taes leis ê
que devemos recorrer para justificar ou censurar a nossa, que
as imitou, assim como interpretal-a melhor para o fim de saber
si ella deve ser applicada ou não, apezar da máxima dura
lex, scd lex.
Pacheco, commentando a citada disposição do código
hespanhol anterior, principia perguntando si o art. 370 falia
somente dos réos de rapto no sentido deste capitulo, ou falia
dos réos de qualquer sequestro de pessoa, no sentido de
attentado contra a liberdade, ainda que nõo seja com propósito
carnal ? Ha aqui uma duvida, diz elle, que bem pôde occorrer
a qualquer, e que de facto occorreu a Alvarez e Vizmanos que
o precederam numa obra semelhante a que elle estava
escrevendo.
Depois observa, si se atlende á epigraphe do capitulo; si se
attende também a que a palavra rapto o tem no código outra
applicaçõo ou diversa intelligencia, este artigo 6 simplesmente
um complemento dos anteriores : pessoa não quer dizer outra
cousa que mulher; sua esphera está * reduzida a esses
propósitos matrimonia es ou deshonestos, que ô para que os
raptos se deliberam e se executam.
Mas, si se attende, pelo contrario, a que essa própria
palavra pôde ter outra significação vulgar; a que nesta
também deve constituir um delicto; e que nesse delicto se
pôde verificar esta própria circumslancia de perder-se e nõo
apparecer a pessoa sequestrada (robadaj a que era natural que
a lei dissesse qualquer cousa para este caso e a que o preceito
deste artigo se applicaria com identidade de razão na
hypothese que vamos suppondo e para a qual não se encontra
nenhum outro, cil será deduzir que não é uma pretenção
desarrazoada a de que estamos fazendo obrigação, e que não
se pôde repellir com desdém os que m dado esta
interpretação tão extensa e tão geral ao preceito que estamos
examinando neste instante.
Gomo quer que seja, quando se verifica um rapto da-
quelles de que falíamos neste titulo, e em consequência delle,
ou posteriormente a elle, e sem que se possa dar explicação
satisfactoria do seu paradeiro, se perde ou desapparecea
mulher raptada, o entra em duvida o que devefazer-se
respectivamente ao raptor.
Aleiolha-o muito justamente como responsável dum
delicto presumido, o qual sendo, conforme todas as pro-
babilidades a morte daquella victima, não pôde deixar de ser
castigado com a severidade que encontramos neste preceito.
Temos aqui uma presumpção júris, cujos effeitos o
tão poderosos. .t ,
Si contra ella se provasse alguma cousa, então estará
dada essa satisfactoria explicação de que se falia e com a
353
qual termina ou se extingue a pena de que estamos fatiando. *
A seu turno, Viada y Vilaseca, acompanhando a Pacheco
na justificação do art. 462 do vigente código hespanhol, diz
que o raptor que não razão do paradeiro da mulher raptada
ou explicação sntisfactoria sobre sua morte ou desappari-ção,
a suspeitar que a esse crime de rapto tem juntado outro
traiçoeiro e infame, o assassinato da mulher, objecto de sua
torpe e criminosa cubica,
Esta mesma presumpçao é a que vem estabelecer o
artigo, impondo ao raptor a pena de galé perpetua, que
constitue o gráo médio do assassinato commum.
Cremos inútil advertir que si em contrario á essa pre-
sumpçâo/ítris tantum, bastante para condemnar o culpado,
apresentasse este uma justificação suficiente a acreditar-se
que a morte ou desapparecimento da pessoa raptada foi
devida á outra causa, alheia a todo delicto de sua parte, já não
seria applicavel a disposição deste artigo, incorrendo, porém,
o culpado na respectiva responsabilidade do delicto de rapto
commettido na conformidade de qualquer dos artigos
anteriores.
E conforme o nosso código penal em qualquer das hypo-
theses do art. 270 do texto e quando o caso porventura
occorresse, ainda em qualquer dos arts. 272, ou 273 que
áquelle se referem.
Vemos assim a defesa que fazem Pacheco e Viada á
disposição parallela á do nosso código art. 271, Paragrapho
único. Mais adiante teremos de confrontal-as com a de
Rivarola.
Depois Viada y Vilaseca suscita mais precisamente do
que Pacheco, como vimos, a questão de saber si a disposição
do art. 462 é applicavel aos reos de qualquer sequestro (roboj
de pessoa, ainda que não seja mulher, e que, portanto, não se
haja executado com escopo deshonesto?
E responde que Pacheco se inclina a crer que o preceito
do artigo é também applicavel, por identidade de razão, ao
caso que ventilamos, fundando-se para isso em que o
existe no código outra disposição ao mesmo referente.
Por muito apreço que nos mereça, diz Viada, tão dis-
tincto jurisconsulto e commentador, não podemos con-
formar-nos com a sua opinião sobre esta espécie. O art. 462
se refere aos réos de delicto de rapto, de que se tem fallado
nos dous artigos anteriores, segundo os quaes temos visto que
não ha rapto sinfio de mulher e executado com objectivo
deshonesto, que sem estas duas cir-
1
Pacheco, OBRA cn\, vol. 3", pag. 150, art. 370.
2917 83
— 354
cumstancias essenciaes nfio pode haver delicto de rapto em
nenhum dos casos previstos nos citados artigos.
E st no de que nos occupamos o legislador castiga com a
única e severíssima pena de galé perpetua, 6 sem duvida
alguma porque para a imposição desta tem levado em conta
nao só o facto da morte provável da mulher raptada, qué
constituo a dita presumpçflo, como também o delicto contra a
honestidade de que ô aquelle outro facto consequenclal.
Ficará por isso isento de pena outro sequestro que se faça
de qualquer pessoa que nfio seja mulher, nfio executado com
propósitos carnaes, quando nfio appareça a pessoa sequestrada
?
Indubitavelmente nfio; si do processo instruído para
averiguação do facto resultam dados e indicios para crer que o
aulor do sequestro tem dado a morte á pessoa sequestrada, se
lhe imporá a pena do homicidio ou do assassinato, conforme o
coso.
E si só resultasse o facto do desapparecimento da pessoa
sequestrada, em sua completa nudez, sem outro dado ante-
cedente, nem indicio, nfio poderia applicar-se ao caso, sem
uma interpretação extensiva que repugna ás leis penaes, essa
presumpçfio que estabelece o artigo, e menos a pena que nelle
se estabelece, para cuja imposiçõo, como temos aito, tem
levado em conta o legislador nfio só o attentado contra a
liberdade, como também o attentado contra a honestidade da
mulher raptada, cujo elemento ultimo nfio concorre, nem pôde
concorrer no facto de que tratamos. Este acha-se
indubitavelmente comprehendido no § do art. 503 (415 do
código de 1850), que sem duvida Pacheco nfio teve presente
emittindo sua opiniSo, o qual castiga com galé temporária, em
seu grão máximo á galé perpetua, ao que detém illegalmente a
qualquer pessoa, e não razão de seu paradeiro ou não
proua haoel-a deixado em Uberdade. Esta, pois, e uõo a do
art. 462 será a pena applicavel ao caso de que se trata. *
Nós temos dlsposiçõo semelhante sobre o sequestro de
pessoa nessa hypothese, embora punida com pena menor e
igual á do paragrapho único do art. 271, no art. 183.
113. Vejamos agora a opinifio de Rivarola, fonte próxima
do art. 271, paragrapho único, do nosso código.
Diz este autor que o art. 138 do código argentino dispõe
que o raptor que nfio entregue a pessoa raptada ou nfio
razfio satisfactoria do seu paradeiro, seja castigado como
homicida.
Neste artigo, tomado textualmente ao projecto Tejedor, se
crôa uma presumpçfio júris da maior gravidade e trans-
1
Viada y Vilaseoa, OBRA CIT., vol. 3°, art. 462, pag»149.
355
cendencia, muito especialmente si os processos não per-
mittirem o uso da revisão.
E' muito provável que o rapto seja executado no interesse
de terceiro e mediante remuneração, sem que o autor material
do facto saiba do destino que terá a pessoa raptada nas mãos
do mandante do delicto.
Mas ainda que assim não seja, condemnar um homem
como homicida, sem que esteja provada a morte da victima,
me parece uma cousa tão caprichosa, dados os progressos da
sciencía penal, que quasi se poderia chamal-a uma mons-
truosidade.
Castigue-se o caso com uma pena grave, tão grave como
a do homicídio, si se quizer, mas sujeita á condição de re-
duzir-se á uma medida determinada si apparecer a pessoa
raptada.
A forma, que é má, dada á disposição do nosso cod.
consiste em haver traduzido como texto legal estas palavras
do commentario de Pacheco: « si se perdesse ou desappa-
recesso a mulher raptada, o ha duvida alguma no que se
deve lazer a respeito do raptor. A lei olha-o muito justamente
como responsável desse delicto presumido, o qual, sendo
segundo todas as probabilidades, a morte daquella victima,
não pode deixar de ser castigado, etc. »
Mas esta consideração não besta para punir-se um
homicídio presumido.
Uma questão que discute o mesmo Pacheco, aeerescenta
Rivarola, sobre a applicação desta disposição é, si ella se
refere somente a réos de rapto, no sentido que no capitulo se
á palavra, ou se refere aos réos de qualquer sequestro de
pessoa no sentido de attentado contra a liberdade, ainda que
não seja com propósitos carnaes e se inclina á esta ultima
solução que tem sido justamente contestada por Viada y
Vilaseca *. Basta em minha opinião ter presente que se trata
de deUctos contra a honestidade para pensar que de maneira
alguma pôde estender-se a disposição deste art. 138 ao caso
que suppôe Pacheco
2
.
Subscrevemos em geral a opinião de Rivarola e de
accordo com o autor que cita contra Pacheco, em que tam-
isem o art. 271 paragrapho único do nosso cod. se applica
ao rapto, e não ao sequestro com fim de lucro do art. 362 ou
outra qualquer forma que se cogite, mas de objectivo diffe-
rente.
O art. I
o
do cod. se opporia á esta extensão.
1
Viada y Vilaseca, OIIR. CIT. vol. 3" art. 462, pag. 149. — Este autor
igualmente combata e bem a opinião de Pacheco; embora justifique como este o
cod. hesp. na adopção da famosa presumpcão jurts tantum, como vimos,.
* Br. Rivarola, ODR. CIT. vol. 2° pag. 163 ns. 609 e 610.
— 356 —
Mas, como vimos,, o nosso cod. pen. art. 183, contém
disposição semelhante relativa ao sequestro como crime contra
a liberdade pessoal. I Admira, porém, que no art. 362 punindo o
sequestro com fim de lucro e punlndo-o com a pena de 2 a o
annos de prisão, não estendesse a presumpção neste crime mais
odioso talvez, com certeza mais ignóbil que o de rapto, e ainda
mais que o do art. 183, por vingança ou outro motivo.
E falíamos de presumpção, porque a pena máxima do art.
271 paragrapho único é quasi a do gróo médio do homicídio
simples, art. 294 § 2°, igual ao máximo da espécie do § e
superior ú do § 2° do art. 295.
Parece-nos que não obstante a lettrada lei, tal disposição -do
nosso cod. pen. é inapplicavel não obstante a máxima a que
antes alludlmos : dura lex sed lex.
Não só a disposição não deveria ser cumprida por sua
antinomia evidente com outras aposteriores, como também
porque praticamente encontra elia obstáculo invencível no seu
cumprimento.
O nosso cod. pen. não falia de homicídio presumido, mas
presumpção tacita ha na disposição e elia está por isso
manifestamente em opposiçõo com a do art. 67 que declara
nenhuma presumpção por mais vehemente que seja darô logar
á imposição de pena.
E' aliás um principio encarnado no nosso direito, que
mesmo para pronuncia é mister a certeza da existência do
delido, embora em relação ao sujeito do delicio bastem os
indícios Cod, do Proc. Crim. arts,144e 145 ; Decr. n. 848,
art. 63.
Este Decr. éda mesma data do cod. pen. mas ainda a sua
numeração é posterior, sendo de notar que elle revigora em
phrase enérgica o preceito do cod. do proc. crim.
Mas a Consolidação das leis referentes á Justiça Federal
elaborada com autorisação da lei n. 221 de 20 de novembro de
1894 e approvada pelo Decr. n. 3084 de 5 de novembro de
1898, declara expressamente:
« Art. 171. Bastam indícios vehementes para a pronuncia
do indiciado; nenhuma presumpção, porém, por mais ve-
hemente que seja, dará logar a imposição da pena. » (Cod. do
Proc, art. 145; Cod. Penal., art. 67; D. n. 848, art. 63.)
«Art. 185. Quando o juiz n 3o obtenha pleno conheci-
mento do delido ou indícios vehementes de quem seja o
delinquente, declarará por seu despacho nos autos que não
julga procedente a queixa ou denuncia.» (Cod. do Proc, art.
145 ; R. n. 120, art. 286 ; D. n. 848, art. 64).
Attentos todos esses motivos contrários á doutrina que
combatemos dos autores citados e ao mesmo tempo ao nosso
direito, é que os nossos projectos de 1893 e 1897 não reprodu-
357
ziram tal disposição "do código vigente, que também não
figura no de 1899.
A mesma nota póde-se applicar a presumpção contida
no art. 183, que prevê o sequestro como forma de crime
contrario a liberdade pessoal. .
Também nenhum projecto de revisfio reproduziu essa
outra presumpção.
Ha poucos arestos colleccionados da nossa juris-
prudência sobre a matéria deste capitulo:
« O rapto não suppõe sempre o defloramento. O crime de
rapto por violência não se presume, e deve ser provado com o
exame da paciente, exame que só pôde ser effectuado com
consentimento delia. O cúmplice de rapto não está sujeito a
penas differentes das impostas pelos arts. 226 e 227 do
Código Criminal, em referencia ao artigo 35.» (Cod. Pen.,
arts. 64, 270 e 271.) Sentença de 2 de abril de 1878.
« o é punivel o rapto da mulher maior de 17 annos,
commettido sem violência, antes de se achar em execução o
Código Penal vigente. » Acc. da Relação do Recife de 3 de
novembro de 1891.
« Rapto da victima de defloramento por outro que não o
deflorador e casamento posterior deste com a raptada. » Acc.
da Relação de Petrópolis de 19 de março de 1895.
« Crime de rapto por seducção. Desde que não se tem
obtido pleno conhecimento dos elementos constitutivos do
crime, é julgada improcedente a queixa. Intelligencia ao art.
270 do Código Penal ». Acc. do Superior Tribunal de Justiça
do Natal de 11 de agosto de 1897.
«Rapto e defloramento, arts. 267 e 270. Elementos do
crime de rapto e defloramento.
O crime de rapto é a tirada do lar domestico de mulher
honesta com a intenção de satisfazer desejos sen-suaes. »
Sentença do Dr. Viveiros de Castro, juiz do Tribunal Civil e
Criminal de 23 de dezembro de 1895. *
CAPITULO III
DISPOSIÇÕES OOMMUNS AOS CAPÍTULOS ANTECEDENTES
CÓDIGO
Art. 272. Presume-se commettido com violência qualquer dos crimes
especificados neste e no capitulo precedente, sempre que a pessoa
offendida for menor de 16 annos.
-------- lo DIREITO, TO!. 44, pag. 57; vol. 57, pag. 108 ; vol. 70pag. 282, e
TO!. 74. pag. 415 ; Dr. Viveiros de Castro, SENTENÇAS E DECIBOBS, CITS., paga. 39
e 267.
i
— 868 —
Art. 273, As penas estabelecidas para qualquer destes crimes
serão applicadas com augmento da sesta parte:
:
, si o criminoso (br ministro de qualquer comissão religiosa ; 2
o
,
si fur casado ;
3
o
, si for criado, ou domestico da offeodida, ou de pessoa de sua
família.
E com augmento da quarta parte :
4
o
, si for ascendente, irmão ou cunbado da pessoa offendida ;
5
o
, si for tutor, curador, encarregado da sua educação ou guarda,
ou por qualquer outro titulo tiver autoridade sobre ella.
Paragrapbo único. Alem da pena, e da interdião em que incor-
rera tambam, o ascendente perderá todos os direitos que a lei lhe
confere sobre a pessoa e bens da offendida.
Art. 274. Nestes crimes have logar o procedimento offlcialda
justiça somente nos seguintes casos :
I
o
, si a offendida for misevel, ou asylada do algum estabeleci-
mento de caridade ;
2
o
, si da violência carnal resultar morte, perigo de vida ou alte-
ração grave da saúde da offendida ;
3
o
, si o crime for perpetrado com abuso do trio poder, ou da
autoridade de tutor, curador ou preceptor.
Art. 275. O direito de queixa privada prescreve, findos seis mezes,
contados do dia em que o crime for commettido.
Art. 276. Nos casos de defloramento, como nos de estupro de
mulher honesta, a sentença que condemnar o criminoso o obrigara a
dotar a offendida.
Paragrapbo único. Não have logar imposição de pena si se-
guir-se o casamento a apraz i meu to do representante legal da offendida,
1
ou do juiz dos orphãos, nos casos em que lhe compete dar ou supprir
o consentimento, ou a aprazimento da offendida, si for maior.
COMMENTARIO
ii4fc. O nosso Código Penal collocou no capitulo do rapto as
disposições do texto com que organisamos este capitulo especial,
porque ellas se referem também ao capitulo anterior que trata da
violência carnal.
Apezar de tudo, rigorosamente não podemos collocar aqui
também as disposições do paragrapho único do art. 277 sobre o
lenocínio e transportar tudo para diante depois que tratássemos
desta ultima forma dos crimes que estamos examinando, conforme
melhor fizeram os projectos de revisão.
Assim, justificando o de 1893, dissemos :
« As disposições communs aos capítulos anteriores regulam a
penalidade nos casos de morte ou de lesões pessoaes occorridas
como resultantes dos factos previstos no titulo ', consignam certos
effeitos civis como adjectos ás penas impostas nos capítulos
anteriores; incluem a attenuante de ser a offendida uma meretriz
publica; e, finalmente, con-
359
templam a isenção da pena pelo facto do casamento, mas com
a restricção a que nos referimos. »
l
B Realmente trata-se
aqui de disposições que a lei estabelece formulando
circumstancias aggravantes e attenuantes especlaes para os
crimes contrários ao pudor particular ou publico.
Isto posto, como razão de ordem, passamos a tratar da
matéria do capitulo. ffl
Antes, porém, de fazel-o seja-nos licito dizer ainda al-
guma cousa sobre o § do art. 268, que aqui devia ser col-
locado, mas não foi, não para não mutilar a disposição do
código, desmembrando o citado § 1" do respectivo art. 268,
como principalmente porque o código penal refere a
attenuante da qualidade de meretriz publica aos crimes do
capitulo I e não aos do capitulo II.
Este ponto de vista código penal é atrasado e hoje
contrario, quer á doutrina clássica, quer á positivista. ^
E nem se explica que tendo aqui também como fonte o
código italiano o abandonasse.
Nota-se, porém, accentuadamente que o código nos ar-
tigos sobre o rapto excluiu a meretriz e é nisto que se salienta
a lacuna.
Pio Viazzi na notável monographia que mencionámos,
citando copiosa bibliographia, expõe a doutrina acceitavel.
Graças á autoridade de Decio, que na lei romana professa
a regra meretrices nulli sui copiam denegare possitnt, pre-
valeceu entre os antigos a doutrina da impunidade do rapto
de meretrizes publicas, quasi reputando-as/anccionarios
públicos, a que fosse inlerdicto recusar o seu offlcio a quem
o reclamasse, equiparando-as a um albergue e assim fa-
zendo-se materialmente o ignóbil confronto, no asseverar
que tanto o albergue como a meretriz podem ser forçados a
dar a hospedagem um e a receber a outra o macho. Esus-
tentou-se atambém a impunidade, no caso que se tratasse
de meretriz que tivesse voltado á vida honesta.
Carmignani opina que, sendo a pessoa raptada uma
meretriz, se commetteria, sim, uma violência, mas o pro-
priamente um rapto ; mas acrescenta com a autoridade de
Bohemero, não se poder considerar como meretriz aquella
que depois de ter abandonado o vicio, delle depois se tivesse
arrependido.
Precisa, porém, advertir que, quando em espécie fiasse
acompanhado de aggravantes particulares, como violência
publica, era punido também com a morte, entretanto não
faltou quem, inspirando-se no ódio contra o peccado, repu-
diasse impiedosamente qualquer distincção.
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO PROJECTO de 1893, pag. 17,
— 360 —
Não era, portanto, geral o critério da impunidade.
D'um excesso, porém, passou-se a outro, e Carraro, por
exemplo, e com eUe muitos outros, sustentaram que devendo
referir-se o rapto aos deiictos contra a liberdade pessoal, disto
deriva como consequência necessária que no delicto de rapto a
qualidade de meretriz na raptada não] de assumir
importância que diminua a quantidade natural do malefício. *
« Ora é bem verdade, conclue Viazzi, que por mais abjecta
e infame que seja a condição de uma mulher, ella conserva
pleno e inteiro o seu direito a liberdade individual; mas, como
nota justamente Tuozzi e como nós temos antes dito, não se
desconhece no rapto todo e qualquer effeito em damno da
honestidade da mulher, da moral publica e da família, ainda
quando nenhum acto libidinoso fosse consum-mado na
occasião de um rapto de mulher : tal effeito inevitavelmente se
apresenta, menos quando a mulher é meretriz.
E por isto esbem no código a attenuante de tal quali-
dade, que se adapta também, como também opina Carrara, aos
critérios da menor temibilidade do réo, isto é, do menor
damno mediato (segundo os pontes de vista), podendo cal-
cular-se que o raptor de uma meretriz não teria ousado fazer
outro tanto vis-á-vis de uma mulher honesta.
a
O nosso Código Penal, não referindo nunca o rapto á
meretriz, como iizeram os projectos de revisão, de 1899, art.
284, tornou impune o facto e talvez de modo absoluto,
porque,tratando-se de fim libidinoso e o estando previsto o
caso neste titulo, entrará em duvida si poderá ser classificado
no titulo dos crimes contra a liberdade pessoal praticados por
outros moveis ou com outros escopos que não os do presente
titulo.
A lacuna sciente e consciente não se justifica ante a dou-
trina, como acabamos de vêr, e é simplesmente immoral.
A solução do caso pelo Código é esta sobre a meretriz: Si
uma meretriz fôr raptada, o autor do facto não commette
crime algum. Si entretanto seguir-se o estupro, elle incorrerá
no art. 268 com a attenuante do § t° do mesmo artigo.
E' escusado dizer que não tem lugar a aggravante do §
do art. 270, porque esta disposição só se refere à mulher
honesta raptada nas condições do mesmo art. 270 e § I
o
, não
estando a meretriz comprehendida, como vimos, em nenhuma
das modalidades do rapto.
1
Carrara, FROORAUMA, Part. Spec. §§ 1526 a 1528 e 1697. ' fio Viazzi; II RATTO
extraindo da Enciclopédia jurídica italiana, Milano 1897, pag, 90-94e notas com
os autores ahi citados.
V
361
iie$. Tratemos agora das disposições dos artigos do
texto do Código Penal neste capitulo entre as quaes figuram
algumas que elle repete no seguinte, pela ma divisão que fez
da matéria. H
í» O Código no ert. 272 estabelece que presume-se commet-
tido com violência qualquer dos crimes especificados nos
dous capítulos anteriores, sempre que a pessoa offendida fôr
menor de 16 annos.
Os projectos variam, tendo os de 1893 e 1897 se acostado
mais ao italiano e os de 1896 e 1899, arts. 272 e 279 fixado a
menor idade para a conjuncçõo carnal em 15 annos e para o
rapto em 12.
Trata-se aqui de uma presumpçflo júris et de jure e que,
verificada, induz a considerar como violentos os crimes
contra o pudor.
Isto quer dizer que o constrangimento, em regra geral,
devendo ser provado,si se realizou por violências ou ameaças,
ao contrario, no caso de que se trata, não é mister tal prova, e
somente da idade, porque a lei equipara ás violências e à
ameaça o estado ou condição da pessoa que importa a
impossibilidade de um consentimento livre e verdadeiro, na
pessoa menor sujeita a conjuncçõo.
Aliás, nós já nos referimos ao assumpto nos capítulos
anteriores onde o Código devia ter coordenado tal aggravante
e não collocal-a aqui; sendo de notar que em relação ás
disposições communs, elle collocou algumas alli, trocando as
bolas, como se diz vulgarmente e lhe succede muitas vezes.
Passemos és disposições propriamente communs pre-
vistas nos artigos do texto.
Além de outras especiaes, ellas são aggravantes, atte-
nuantes ou mesmo dirimentes. I
nos referimos a attenuante, e para o Código dirimente
e attenuante; restam as outras.
As circumstancias aggravantes, conforme a doutrina e as
legislações, são de duas classes: a I
a
, relativa ao poder de que
abusa o culpado e que acarreta comsigo a consequência
jurídica da perda delle ; a 2
a
, a que se deduz das consequên-
cias graves dos delictos contra o pudor.
Todos os projectos de revisão e o de 1899, arts. 282 e 283,
com prebendem ambas as classes.
Mas o Código omitte a segunda classe, embora tenha
alludido aos factos que a constituem para regular no art. 274
a acção publica e não para consideral-a como tal, isto ê,
como aggravantes os mesmos factos. 3}
9 Isto não foi feito conscientemente, mas um dos innu-
meros cochilos que deu elle adormentado.
Temos, portanto, no digo, somente as aggravantes da
primeira classe contempladas no art. 273 do texto e conforme
362
O qual as penas estabelecidas para qualquer dos crimes de que
até aqui temos tratado neste titulo, são applicadas com
augmento da sexta parte ou da quarta, si o crime fôr com-
mettido pelas pessoas que a disposição do citado art. 273
enumera; occorrendo ainda, que, além da interdicção em que
incorrerão também, o ascendente (pai ou avós) perderá todos
os direitos sobre a pessoa e bens da offendida, conforme
estabelece o paragrapho único do mesmo art. 273.
O Código neste paragrapho único restringe as incapaci-
dades e perdas de direitos aos ascendentes; os projectos
estendem-nas aos tutores.
Sendo essas consequências civis do crime effeitos do
crime ex vi legís, ainda quando a sentença não as mencione,
nellas incorrem os condemnados.
Sobre a razão justificativa de taes disposições, quasi
Intuitiva, ellas já figuravam no direito romano até em relaçfio
ás escravas offendidas, quando se tratava do lenocínio :
Lenones paires ei dominós, qui suis vel ancillis pec-candi
necessitatem imponunt; nec jure frui dominii nec tanti
criminis patimur libertate gaudere.
E a razão que suggere ao legislador taes perdas de di-
reitos, diz Crivellari, muito bem se comprehende. Quem se
torna culpado de crimes deste género o pôde mais gozar da
confiança ou da publica e se tem tornado indigno de um
offleio delicado como é o de vigiar a educaçfio de menores. *,
Aliás, a disposição figura no Código italiano, art. 349,
húngaro, art. 235 ; allemSo, §§ 173 e 174 ; hollandez, art. 249;
belga, arts. 378 e 382 e outros.
Apreciando a citada monographia de Viveiros de Castro
neste ponto, dissemos :
« Nos capítulos que seguem vem o complemento da
matéria antecedente e outros assumptos mais da esphera do
direito substantivo que do adjectivo e finalmente o ultimo
pertinente ao direito civil.
Assim, o capitulo IV se oceupa das aggravantes espe-
ciaes em taes crimes, estabelecendo vistas geraes sobre a
matéria, ao mesmo tempo que se refere ás disposições do
código vigente, resolvendo duvidas que ellas suscitam.
D'entre estas destacamos a que nega a aggra vante deri-
vada da qualidade de ministro de qualquer confissão religiosa,
porque hoje pela lei civil pode elle casar-se.
Quanto ao incesto, écerto que alguns autores propugnam
pela sua punição, como delicto sui generis; mas elle figura
1
Crivellari, OBR. CIT., vol. T°, pag. 616, art. 349, n. 101.
m
363
no código como aggravante das espécies e nos casos taxa-
tivamente enumerados que pelo defeituoso systema casuístico
inclue casos que deviam ser excluídos, ou ao menos não
equiparados a outros e não abrange todos que uma expressão
geral teria abrangido.»
Basta-nos accrescentar que o Código, no art. 273, n. 1,
deveria ter restringido a aggravante ao criminoso que fosse
ministro de qualquer confissão religiosa que lhe impuzesse o
celibato ou esta fosse um voto de obediência ou o de não
recosar-se, etc.
Rigorosamente ella não deveria figurar na lei como
circumstancia especial, mas comprehender-se em outras com
forma mais geral, como fizeram os projectos.
Hoje os ministros de qualquer religião se podem casar, ó
verdade, mas os da igreja cathõlica raramente afrontarão as
penas canónicas, a degradação, a excommu-nhão, ele.
Da matéria do art. 274 deviamos tratar, para evitar
repetições, quando commentassemos o art. 407, que faz refe-
rencia aquelle.
Entretanto convém deixar o artigo já explicado adian-
tando ideas, repetindo antes de tudo o que algures dissemos,
em relação á citada obra do nosso autor :
« Trata-se aqui da acção publica e da acção privada em
taes crimes.
Embora o modo, a forma de exercer a acção seja da
alçada do direito processual ou judiciário, o determinar si ella
deve ser official ou particular é da esphera do puro direito
substantivo.
E com relação aos crimes de que se trata, o autor discute
longamente a questão de saber si nelles deve caber a acção
publica ou somente a privada e resolve preferindo o uso
daquella ao desta.
Dissentimos desta solução.
O processo para punir taes factos deve depender geral-
mente, como os de injuria e difTamaçâo, da acção parti-cular
do offendido, salvo casos especiaes de publicidade ou
escândalo ou o concurso de crimes, como a morte ou es
lesões pessoaes qualificadas ou graves, o caso de abuso de
autoridade, etc.
Os inconvenientes que o autor aponta nesta doutrina não
são excluídos da que adopta, sendo certo que os mais sérios
podem ser obviados por disposições adequadas que figuram
nos códigos relativas á prescripção de curto prazo, à
prohibição de renuncia da queixa e do perdão em certo
estado do processo e outras providencias attinentes a em-
baraçar as chantages.»
Os factos a que se refere o art. 274 para regular a acção
penal, como vimos, não constituem aggravantes, como
S6I
nos códigos italiano, srt. 351, belga, art. 376 e outros
Imitados pelos projectos de revisão. * Gommentando este
ultimo código sobre a sua disposições diz Nypels, que ella é
um novo exemplo da doutrina da lei sobre o dolo eventual,
s=»
lie. Passem JS ao art. 275 do texto.
Este artigo, assim como o anterior, que deviam formar
uma disposição, são paralleloe aos arte. 336 e 344 do
Código Italiano.
Juslificando-os diz, entre seus interpretes Costanzo Calo- (
gero, que nestes crimes o legislador tem sabiamente crido
que muitas vezes o damno social do escândalo resultante da
accusaçfio seria muito maior do que aquelle que emana do
Cacto, ficando pouci conhecido, quando o oflendldo nfio se
lamenta, que ú dubla oflfensa da moralidade publica é
sancção sufflciente a certeza da punição, si a parte lesada o
reclama ; que o julgamento se refere sempre a delicados
segredos dosticos c a factos que legitimamente interessam á
pessoa ofTendida conservar velados e tem estabelecido por isso
que, salvo casos excepcionaes, nos quaes a moralidade
publica realmente ofTendida exige uma reparão exemplar,
na maior parte dos casos para proceder contra os culpados
é necessária a querela da pessoa prejudicada.
Basta que a lei punitiva attlnja todos aquelles factos
criminosos que além de terem lesado o direito individual,
teem também perturbado a tranquillidede social, como nas
excepções dos ns. 1 a 3 do art. 274, quando nfio fosse por
outra causa, pelo temor da repetição do delicio; mas, diz
Garrara, si o procedimento contra um delicio poda causar
prejuízos a desordens talvez mais graves, mais permanentes
o mais senslveli que aio sejam aquelles resultantes do
delicio mesmo, s razflo publica quer que a Intervenção do
ministério penal se mggtékS certas roínlições, e precisa-
menteâ condição do<
! «oflendido.
>rém, consid^lfcilqS imiolo «st» dal dc-stes í
nosso digo art. 274J, além de derrocar s »4ifo
art.407 do procedimento ofikiai da uma
norma cancelai /art. 275 do texto) a
um snno [sei
dí/
no art. 21 :
oti
*W, lã *—* ; - kfc M«
!.•«
O !.--U?
!,,f
I
preso
e no
ais a i
365
leria tido direito de querelar im lugar da pessoa oflen-dida. *
Depois de um anno de voluntário silencio, quando os
vestígios do crime teem desapparecido e se tem até perdido a
memoria do facto torpe, a querela não poderia ser intentada
para reivindicação da honra da família, mas seria instrumento
de vingança tardia ou de vergonhosas extorsões.
2
Sobre a matéria da prescripção e interpretando o art. 371
do Código Penal Belga, Nypels nota que o relator da com-
missSo da camará examinou a questão quanto ao rapto; elle
partilhou a opinião dos commentadores, que consideram o
rapto como um delicto successico e concluem dahi que a
prescripção não corre tanto que a pessoa raptada permaneça
nas mãos do raptor. A jurisprudência se tem pronunciado
neste sentido.
Notemos, além disto, accrescenta elle, que o rapto por
seducção, seguido de casamento, não é punível sinão no caso
em que o casamento seja annullado.
E' pois no momento em que a null idade do casamento
tem sido definitivamente decretada que nasce o direito ao
procedimento e em todo caso não é sinão neste momento que
a prescripção pôde começar seu curso.
3
Não ê o Código Penal vigente que estabelece princípios
sobre os quaes se possa resolver essas e outras questões.
Tratamos da matéria noutro livro sobre a parte geral
do código.
4
VJ
xw. Finalmente, no art. 276 do texto o nosso Código
Penal estabelece que o nos casos de defloramento, como nos
de estupros de mulher honesta, a sentença que condemnar o
criminoso o obrigará a dotar a offendida.
O nosso código, entretanto, sem razSo alguma, exclue o
raptor da obrigação de dotar a offendida; o que faz o di-
reito portuguez.
O Código Criminal anterior, fonte próxima do actual es-
tendia a mesma obrigação ao rapto.
A fonte do código anterior foi o antigo direito portuguez,
isto é, a Orden. do Liv. 5° tit. 23 e Alvará de 6 de outubro de
1784 § 9°. Disposição semelhante figurava no código Leo-
poldo da Toscana, art. 98.
1
O art. 275 do texto nmiltiu as ultimas palavras e pois pela nossa lei a prescripção
começa a correr sem distincçâo possível da época do facto Os projectos ile 1893 e 1897 a
cosi aram-se ao cod. italiano, mas os de 1896 e 1899;art.411 n. III, não contém prescripção
especial e nas excepções em que permitte a acção publica não se refere ao concurso da
morte ou de lesões pessoaes graves.
» Costanzo Calogero, apud Cogliolo, OBRA CIT.,2° vol., Part. I
a
A, pag. 1271.
* Nypels & Serva is, OBRA CIT., 2
O
vol. art. 371, pag.478, n. 5.
* Con. PENAI, COMMBSTADO CIT., 2O vol.. cap.XXXVII, pag.371, na. 198 a SOO.
— 366 -
O art. 400 dos digos portuguezes conm a mesma
disposição que o nosso código vigente imitou naquella ex-
clusão do rapto, sciente ou inconscientemente ô o que não
sabemos. *
A disposão é um resíduo do excellente systema da sa-
tisfação do damno do código de 1830, mutilado na lei de 3
de dezembro de, 1841 pelo qual temos sempre nos batido e
que escapou do naufrágio, porque essa obrigação de dotar
a offendida figurava como uma das penas nos artigos res-
pectivos daquelle código.
Talvez por isso é que Thomaz Alves cita a decisão n. 262
de 17 de junho de 1865, conforme a qual parece que na forma
do art. 63 da citada lei, o dote como satisfão devia ser pe-
dido por acçôo civil; devendo o condemnado insolvave se-
gundo o art. 32 do código anterior ser conservado na prisão
o tempo necessário para ganhar a quantia da satisfação.
Esta parece que era a opino ao autor citado com refe-
rencia á decisão V
Nem eram fundadas as hesitações de Carlos Perdigão
sobre a natureza e modo de effectividade do dote
3
*
Hoje a questão esta até certo ponto resolvida pelo art.
276 do cod. vigente mandando que a sentença que condem-
naro criminoso o obrigue a dotar a offendida.
Levy Jordão referindo-se aos autores reinicolas allude
a regras consoantes ao calculo da satisfação
4
.
s pensamos que si o juiz puder condemnar no quan-
tum deve fazel-o ; porque mesmo pensamos, em geral, como
temos sustentado, que hoje avista do art. 69 lettra b do cod.
vigente, sendo um dos effeitos da condemnação a indemni-
sâo do damno, não resta mais depois da sentea crimi-
nal do que liquidar o quantum no execução.
5
Quanto a regras para avaliação bastam as dos arts. 21
e seguintes do cod. ant. que Silva Ferrfio elogiava e o nosso
civilista, Lacerda de Almeida as reputa magnificas*.
E vem a pello recordar aqui palavras que algures dis-
semos :
Nas attinencias do direito civil com o criminal acerca
da satisfão, apezar do hybridismo da nossa legislação, as
opiniões de quem escreve estas linhas são conhecidas.
1
Silva. Ferrão, OBR. CIT., vol. 7
o
, art. 400, pag. 258; Levy Jordão, OBR. CIT.,
vol. 4
o
, art. 400, pag. 172.
* Thomaz Alves, OBR. CIT. vol. 3° pag. 384, art. 219. '
Carlos Perdigão, OBR. CIT. vol. 2
o
art. 219, pag. 353.
* Levy Jordão, OUR. CIT. loo. cit.
* EXPOSIÇÃO DE Motivos do projecto de 1897, tit. X, part. geral,
pag. 6, satisfação do damno.
8
Lacerda de Almeida, Obrigações, Porto Alegre 1897, pag. 334, not.
36.
*
— 367 —
Para isso ê forçoso registrar ainda aqui o nosso dissen-
limento sobre um ou outro ponto desta parte do livro quanto
á satisfação como resultado ou effeito da condemnação cri
minal.
Íl Theorica e praticamente é diversa a nossa opinião quer
sobre a interdependência da acção civil e criminal para
m\ haver a satisfação ou punir o crime, quer sobre a necessi
dade de nova condemnação no civil para aquelle fim, quando
I a satisfação e um dos effeitos da condem nação.
Sobre esta ultima questão está exposto o nosso modo
de vôr nos últimos trabalhos do projecto de código penal
I em ultima discussão na camará dos deputados *,
Isto pelo que toca peculiarmente ao nosso direito que
passamos a comparar com outros em que figura a disposição
do art. 276 do texto do nosso cod.
Assim o cod. do Uruguay diz :
Art. 299. Os rêos de violação, estupro e rapto serão
também castigados por via de indemnisação :
« 1° a dotar a offendida, si for solteira ou viuva ;
« a dar côngruos alimentos a prole que for sua,
segundo as prescripções do código civil. »
Vasquez Acevedo aponta como fonte desta disposição o
cod. chileno, art. 370 e a qual concorda com as do cod.
peruano, art. 276 e argentino, art. 139.
Sobre este artigo, cuja redacção parece haver preferido o
nosso cod. art. 276 do texto, e ainda fortifica a nossa opinião,
diz o dr. Rivarola :
« Pelo art. 139 se prescreve que os réos de vioTação,
estupro ou rapto serão, demais, condemnados delle o
gripho) a dotar ô offendida, si fôr solteira ou viuva, em
proporção ás suas faculdades.
« Ainda que o que se dispõe por este artigo é que o
condemnodo deve a indemnlsacSo civil, falla-se de con-
demnação em tal sentido, que creio ser manifesta intenção da
lei prescrever que na mesma sentença em que se impõe a
pena corporal se imponha a pecuniária*.
As palavras deste autor parecem ter inspirado a redacção
do art. 276 do texto.
E o direito argentino mandando regular o dote em pro-
porção das faculdades do criminoso obedece à orientação
moderna do instituto da satisfação antecedida pelo nosso
cod. de 1830 influenciado pelas idéas de Bentnan e não pelas
que nos lembrou depois Levy Jordão referindo-se aos
praxistas reinicolas.
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS CIT. 1897, pag. 6.
|« Dr. Rivarola, OBR. CIT. 2* vol. pag. 177, n. 621.
368
Mas a fonte do direito neste ponto das republicas hespa-
nholas foram Os códigos da antiga metrópole, anterior] art.
372 e vigente, art. 464.
E por isso sobre aquelle artigo reproduzido por este, tanto
que Gonsalez y Serrano, não o commenta, como corrector da
obra de Pacheco, diz este, cujas ideas ainda se conformam
com as nossas sobre as regras geraes da satisfação aqui
applicaveis:
A responsabilidade civil, isto é, a indemnisação do damno
causado, é uma das consequências de todo delicto: assim se
tem estabelecido num capitulo especial no livro primeiro do
nosso código.
Não faz pois a lei no artigo (372) que acaba de transcre-
ver-se, nenhuma excepção particular para os delictos de que
tratamos/ não foz mais do que applicar nelle os princípios
geraes aos casos de rapto, violação ou estupro.
Era isto conveniente paro evitar duvidas e imprimir á
jurisprudência o caracter pratico que podia pedir-lhe a razão.
Três géneros de indemnisação se estabelecem ou de-
claram aqui. Primeira: a que consiste em dotar a mulher
offendida: Segunda: que acarreta comsigo o reconhecimento
da prole, caso haja: Terceira: a de alimentar á essa mesma
prole. Realmente, não cremos que seja possivel alguma outra
indemnisação.
I O dote tem logar quando a mulher offendida é solteira ou
viuva. Isto se concebe bem. Sendo casada, seria repugnante
que se fallasse de dinheiro entre seu marido e o offensor.
Quiçá poderá haver, quiçá haverá n'outras sociedades,
congratulamo-nos que na nossa nSo haja-a.
Qual será a.quantia em que poderá consistir o dote? A lei
não o disse. Nem podia dizel-o, porque neste particular não
cabe esse género de regras. Os tribunaes o dirão, tendo em
conta sobretudo a classe e circumstancias da mulher
offendida, mais ainda porém as do que a houver enganado. Si
a um homem de posses medianas não se pôde, por exemplo
impor sinão um dote de dous a ires mil reates, a um poderoso
ou abastado bem pode condemnar-se a outro de doze ou
quinze mil duros. O arbítrio ou faculdade judicial não tem
ponto neste limite, porque não se trata de multa e sim de
indemnisação.
O reconhecimento da prole o pode verificar-se em
todos os casos. Devera ordenar-se e levar-se a effeito si esti-
verem livres e com a possibilidade de contrahirem matri-
monio: claro está que não se mandará, nem praticará, quando
por qualquer causa esse matrimonio a propósito for
impossível. A lei criminal tem aqui que submetter-se á lei
civil.
369
Não succede o mesmo no terceiro ponto, no dos ali-
mentos. O preceito do artigo ô absoluto e deroga qualquer
disposição contraria. Sejam filhos do incesto, do adultério, do
qualquer crime os produzidos pelo rapto, pelo estupro ou
violação, os alimentos são uma pena que este artigo impõe, e
de que a pratica não poderá prescindir de hoje em diante.
l
I temos a accrescentar a estas observações magistraes que
a disposição da lei hespanhola é preferível a nossa pela sua
sabedoria, previdência e humanidade tão salientadas peio seu
notaveí commentador.
nw. Resta o paregrapho único do art. 276 do texto deste
capitulo, conforme o qual « não haverá lugar imposição de
pena si seguir-se o casamento a aprazimento do representante
legal da offendida, ou do juiz de orpnãos, nos casos cm que
lhe compete dar ou supprir o consentimento, ou a
aprazimento da offendida si fôr maior».
Aqui a primeira duvida é de saber si o código neste pa-
ragrapho iinico se refere ao rapto lambem que elle excluio do
mesmo art. 276.
R A raptada por este artigo não tem direito a dote. Avista
deste preceito, o casamento com a raptada será uma diri-
mente 1
Opinamos afirmativamente, porque si o código nega
satisfação pecuniária a raptada, não pode sem absurdo ne-
gar-lhe a mais completa que pode haver no caso, a plena re-
paração moral do casamento que lhe faltaria, si o sujeito
activo do facto não achasse no casamento uma dirimente da
criminalidade delie ou a isenção ou extincção mesma da
pena.
Entretanto, Silva Ferrão intelligencia contraria ao
paragrapho único do art. 400 do código portuguez de 1852,
Igual ao de 1886 que o nosso parece ter imitado, dizendo que
si a raptada qui/er habilita r-se para uma destas alter-
nativas (dote ou casamento), cumpre que se deixe estuprar ou
violar.
Parece-nos que o legislador portuguez soffreu a influ-
encia do direito canónico pelo seu espirito de sujeição â
igreja catholica.
Levy Jordão, outro notável commentador não diz isso,
mas recorre ao corpus Júris canonici quando commenta a
disposição. *
()s projectos de revisão consagram a dirimente, aliás
vulgar nas legislações, o de 1S99, art. 285.
' Pncheco, ou», orr. vol. 3"., arl. 372, pag. 159.
* Silva Ferrão, OUR. crr. vol. 7», arl. 400. pag. 861: I.«vy Jordn"), ORR.
OIT. vol. arl. 400, pag. 172.
s.m ti
— b70 —
O código vigente, salva aquella duvida seria, melhorou o
anterior, arts. 219, 225 e 228 que nenhuma distincçfio fazia
acerca do casamento, originando por isso duvidas na pratica.
Assim em 1863, D. Francisco Balthazar da Silveira,
presidente da Relação do Recife, dava o seguinte parecer
sobre o assumpto em face do código anterior de 1830 :
O art. 225 do código criminal não pôde ser entendido e
applicado isoladamente, sua disposição é relativa, é subor-
dinada a ultima parte do art, 219, com o qual harmonisa-se o
art. 228.
Si se quizer dar-lhe intelligencia e execução isoladamente,
quantos perigos, quantos absurdos não teremos?
E na hypothese presente vê-se um dos mais damnados
attentados!
Um negro escravo (conservávamos ainda a nefanda
monstruosidade da escravidão) dizendo que quer casar-se com
uma moça livre e branca !
E si for ella de tamil ia honesta "<
E si pertencer a família de elevada posição ? S
Veja-se quantos perigos e escândalos para o bem estar e
paz das famílias, e no estado de nossa educação, costumes e
civilisação.
E si isto 6 admissível, horrível quando o crime é resultado
de seducção, caricias e affagos, o que se quando for elie
perpetrado por fraude ou violência °l
Não basta, pois, que o rèo diga que quer casar-se é
necessário, é essencial que siga-se o casamento.
Mas, ha de seguir-se observando-se em tudo os princípios
de direito, e as prescripções positivas e certas de nossa
legislação, que regulam a matéria.
Deve a victima declarar livremente, si concorda com
semelhante união, que máos fructos promette, sendo o
resultado do crime.
E além do consentimento da infeliz, deve havel-o de seu
pai, tutor, ou curador, ou do juiz, que para tanto tem
jurisdicçâo.
Esta disposição no nosso código criminal tem sem duvida
por fonte a antiga legislação, cujas determinações combinão
com o que acabo de expor, como vê-se na Orden. Liv. 5
o
Tit.
16 § 3, e no Tit. 23 in princ , acrescentando esta ultima si
for convenhavel, de condição para com ella casar.
Isto mesmo é sustentado no Repertório das Ordenações,
tom. I
o
pag. 371.
Estes mesmos princípios são estabelecidos por Mello
Freire, Institutiones Júris Criminalis, onde no § 17 do tit. 4
o
,
desenvolvendo a matéria, diz quasi no fim non ad eam
praecise uxorem ducendam, sed ad dotem pro
— 371 —
illius qualitate et conditione... E no 10° § do tit. 10 diz a
mesma cousa.
E nem deve reputar-se revogada esta legislação, pois
nada ha nella de Imposição de pena; e sim ê estabelecida em
harmonia com as disposições do direito civil, do qual vem a
ser uma verdadeira consequência.
Vô-se igual doutrina seguida em Blackstone, que (pag.
211, vol. 4°) diz : might redeem tlie qffender Jrom lhe
execution ofhis sentence by accepting /Um for her husband.\
Os mesmos princípios são sustentados por Chauveau e
Hélie, quando tratao de explicar e desenvolver o art. 357 do
código penal frnncez, cujas disposições aliás não são bem
seguidas pelo nosso código. *
A vista portanto do que fica ponderado, deve o juiz de
direito dar execução ao código criminal, procurando em tudo
evitar perigos e escândalos, entendendo os seus antigos em
relação, subordinados uns aos outros, e em harmonia com o
que é determinado nos outros lugares da legislação que nos
rege. *
Pacheco, commentando o art. 371 do cod. hespanhcl
parai leio aos do nosso anterior faz desenvolvidas observa-
ções no mesmo sentido.
3
A lettra do texto do paragrapho único do art. 276 do
nosso cod. vigente dissipou as duvidas neste ponto.
xi©. E a disposição, em geral, pôde ser justificada com as
razões que Carrara do art. 352 do cod. Uai. sobre cujo
mérito não faltaram oppositores que preconisando o systema
adoptado pelo cod. toscano não estavam dispostos a
reconhecer no facto ao casamento entre a pessoa violada ou
raptada, a faculdade dirimente da responsabilidade e dos|
effeitos da condemnação em homenagem ainda ao principio
da res judicata.
Razões porém, mais poderosas de conveniência politico-
social levaram os prodomos sobre essa opposição.
E' um facto que com o casamento subsequente entre o
culpado e a viclima, desapparecem plenamente todas as
consequências deploráveis do delicto, nem ahi a moralidade
publica iua decência são em nada interessadas, ao contrario,
si antes ficaram abaladas, em consequência do matrimonio se
têm plenamente tranquillisado.
Uma acção penal intentada depois do consorcio legal das
pessoas directamente interessadas, assumiria um certo
caracter de odiosidade, vindo quebrantar a união de duas
almas no ponto mais solemne e reparador.
1
Chauveau, Hélie e Villey, OBR. CIT. vol. 4
o
, urt. 357, pag. 506, n.
1754.
* O DIREITO, vol. l
u
pa?. 20.
* Pacheco, OBR. CIT. vol. 3", art. 371. pag. 157, n. IV.
— 372 —
Por outro lado, si para o estupro e o rapto o legislador tem
subordinado a acção penal a querela da parte, haveria certa
incoherencia em o fazer calculo desta faculdade, seja
também ampliando-a fora dos limites dos arls. 336 e 344
(nosso cod. art. 274) em face dum facto mais saliente, qual é o
do vinculo indissolúvel que une os dous seres protogo-nistas
do crime.
Mas o nosso cod., art. 276 paragrapho único parece negar
a dirimente no caso de ter sido o culpado condemnado e estar
cumprindo a pena, isto é, não abrange na redacção a cessação
dos effeitos da condemnação pois que diz somente: não haverá
lugar imposição de pena.
Isto porém ê absurdo e os autores se manifestam em
contrario.
Si o matrimonio se contrahe depois da condemnação, diz
Gostanzo Calogero, cessa a execução e os effeitos penaes
delia.
Em taes cases, dizia o ministro Vigliani no seu rela-rio, a
moralidade publica fica satisfeita, a lei recobra o seu império e
impõe que tudo e para sempre se vote ao esquecimento.
Não ha duvida alguma que o casamento é a melhor
reparação que o culpado possa offerecer á victima do delicto e
o legislador quiz com esla sabia disposição encora jal-a o mais
possível. Crivellari e Suman a seu turno, abundando nas
mesmas ideias acerescentam, resolvendo bem uma duvida
seria na espécie :
Nem o beneficio se restringe ao culpado que contrahe
matrimonio, mas também a todos aquelles que concorreram no
crime, em relação aos quaes cessa todo procedi-mente: é a
actuação completa do conceito mesmo da dirimente. Realisada
a reparação do crime não deve restar vestígios em prejuízo de
ninguém. *
A' vista do desenvolvimento que demos á matéria deste
capitulo nos limitamos a registrar a jurisprudência sobre ella
sem annotal-a, podendo, entretanto, ser cotejada com as
nossas idéas emittidas.
I «A prescripção do art. 275, do cod. pen. refere-se aos casos
de queixa privada, e não aquelles em que ao promotor
incumbe a denuncia.» Decisão do Tribunal da Baldo, 4 de
maio de 1893.
« O direito de queixa privada no crime de defloramento
prescrevo no prazo do art. 275, do cod. penal.» Acc. do Sup.
Trib. de Justiça de Belém, 14 de dezembro de 1895.
1
Garrara, COMMKNTO CIT., art. 352, pag. 211; Cogliolo, Owi. CIT. 2" vol.,
Parte 1* A, pag. 1280 §6°; Crivellari e Suman. OBR. CIT. vol. 7°, art. 3T.2, n. 104.
pag. 617.
— 373 —
«Crime de defloramento—Rapto de victima por outro que
não o deflora dor e casamento posterior deste com a raptada.
« O procedimento official contra o raptor não tem logar
cr-ct* do art. 275. do cod. penai.» Acc. Relação Petrópolis,
19 março 1893.» Crime de rapto com defloramento.« Proce-
dimento official quando tem logar.
« Miserabilidade da offendida arls. 269,270 § 2
o
, 273 §
e 274 do cod. penal: » Acc. da Relação, Petrópolis, 20 de
março de 1895.
« () casamento da menor de 14 annos com o seu offensor
não tem logar, si a mãe da offendida lhe recusa o seu consen-
timento por motivos ponderosos. Intelligenciadosarts. 17 c 91,
da lei n. 181, de 24 de janeiro de 1890, c 270 paragrapho único
do cod. penal.» Sentença de 2 de março de 1895. *j H «
Quando nos crimes de violência carnal e de rapto ha o
procedimento official da Justiça de accordocom o art. 274, do
cod. penal, a prescripção da respectiva acção penal não 6 mais
regulada pelo art. 275, e sim pelo art. 85, do citado digo.»
Acc. do Tribunal Superior, Belém, 2 de outubro de 1897.
« Quando o casamento é procurado como meio de evitar
a imposição de pena do crime de estupro, caso previsto no
paragrapho único do art. 276, do cod, penal, depende a sua
realisação da licença do juiz (arts. 7°, § 7
o
e 17 do decreto n.
181, de 1890).
« E sendo essencial para a validade do casamento o con-
sentimento dos contrahenles, não se pôde effectuar, si a
menor for da tenra idade de nove annos e nenhum desen-
volvimento intellectual tiver.» Acc. Relação, Petrópolis, 8 de
julho de 1898.
a
A Revista de Jurisprudência como observações insere a
contra minuta do Juiz, cujo despacho aliás foi confirmado
nesse Accordõo.
m
CAPITULO IV
DO LENOCÍNIO
CÓDIGO
Art. 277. Excitar, favorecer, ou facilitar a prostituição de alguém
para satisfazer desejos deshonestos ou paixões lascivas de outrem:
Pena — de prisão cellular por um a dous ânuos.
Paragrapho único. Si este crime for commettido por ascendente em
relação á descendente, por tutor, curador ou pessoa encarregada
1
O DIREITO, vol. 04, pg. 519 ; vol. 70, pg. 92, 282 e 285; o vol. 67,
• 451. M
» KEVISTA. DE JURISPRUDÊNCIA, CIT. vol. 2
o
, pag. 409 ; vol. 5
o
, pag. 56.
— 374 —
da educação ou_ guarda de algum menor com relação a este ; pelo ma-
rido com relação á sua própria mulher:
Pena de prisão cellular por dous a quatro annoa. Am desta pena,
e da interdicção em que incorrerão, se imporá mais:
Ao pai e mãi a perda do todos os direitos que a lei lhe concede
sobre a pessoa e bens do descendente prostituído;
Ao tutor ou curadpr, a immediata destituição desse múnus ;
A* pessoa encarregada da educaçlo do menor, a privação do direito
de ensinar, dirigir ou ter parte em qualquer estabelecimento de in-
strucção e educação;
Ao marido, a perda do poder marital; tendo logar a acção cri-
minal, que prescreverá em três mezes, por queixa contra elle dada
somente pela mulher.
Art. 278. Induzir mulheres, quer abusando de sua fraqueza ou
miséria, quer constrangendo-as, por intimidões ou ameaças, a em-
pregaremrse no trafico da prostituição ; prestar-lhes, por conta pró-
pria ou de outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, assistência,
habitação e auxílios para auferir, ou directa ou indirectamente, lucros
desta especulação:
Pena de prisão cellnlar por um a dous annos e multa de 500$
a 1:000$000.
COMMENTARIO
1JBO. Este capitulo corresponde ao do Código neste
titulo, porque do fizemos dous, como ficou explicado no
capitulo anterior sobre as disposições communs á violência
carnal e ao rapto, que o Código havia conglobado com as re-
ferentes a este ultimo crime somente.
Justificando o projecto de 1893, dissemos sobre a matéria
:
O capitulo relativo ao lenocínio ou proxenetismo, no meio
da diversidade de conceitos, dos digos, estrangeiros, foi
inspirado pelos do italiano, que seguiu principalmente o
austríaco, allemão e hollandez.
Mas o projecto, a exemplo da simplicidade do código
húngaro, reuniu em um conceito tanto a excitação como o
auxilio, á prostituição ou corrupção de menores com o fim de
servirá libidinagem de outrem.
O projecto inclue as aggravantes derivadas das qualidades
das pessoas e da violência, para ferir com penas mais graves,
fulminando com a dissolão do vinculo conjugal no caso em
que o proxeneta ou rufião seja o marido.
Aggravando o facto, quando habitual, assim como o
lucro, será punido o infame e sórdido mister mais rigorosa-
mente. *,
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS do projecto de 1893, pag. 17.
375
Nas epochas históricas da Grécia, Sólon punia o lenocinio
com a multa; no tempo de Eschino a pena dos alcoviteiros
era o extremo supplicio. Um dos capítulos de accusação que
se fazia a Aspasia, era o*de ter recolhido em sua casa mu-
lheres de condição livre, que ella prostituía para Péricles.
Os romanos não puniam a principio o lenocinio sinão
com a simples infâmia :
Praetoris verba dicunt infâmia notatur qui lenociíiiuni
fecerit. E por lenocinio entendia-se o trafico habitual de
conjuncçoes illicitas praticadas com escopo venal; o preço
recebido era o que constituía o delicto e deste preço nascia a
infâmia.
Muito mais terde se comminou em vão a pena da mu-|
tilaçfio do nariz e das orelhas para os donos de lupanares e
seus fornecedores e a do chumbo fundido na bocca e nas
fauces para aquelle que tivesse prostituído ou instigado ó
prostituição uma rapariga que lhe tivesse sido confiada pelos
pais e em vão o lenocinio do pai foi punido com a damnatio
acl meta lia.
Nas antigas leis germânicas não se achavam fontes
relativas ao lenocínio.
Mas entre os ostrogodos o rufianismo a par do rapto e do
adultério era punido de morte e uma capitular de Carlos
Magno de 802 condemnava os rufiões a carregar as costas as
mulheres por elles prostituídas até á praça do mercado, e em
caso de recusa a ser outados e as mulheres a serem
açoutadas conjunctamente com as prostitutas.
Também a Igreja no direito canónico, que se mostrara
piedosa e benigna para com as meretrizes, foi severa e vio-
lenta para aquelles que por dinheiro se tornavam interme-
diários da prostituição, fulminando-os com a excommunhão,
e com penas temporaes, mesmo, do açoite, prisão, confis-
cação e morte.
I As Ordens, de Portugal, liv. 5°, tit. .'5, 32 e 33 puniam com
açoites, degredo e em alguns casos com a morte os rufiões e
alcoviteiros.
O nosso Código Criminal de 1830 desprezou neste ponto
o elemento histórico portugucz e, ao contrario dos Códigos
então existentes, não incriminou o proxenetismo ou lenocinio,]
que o Código Portuguez de 1852, art. 406, adoptou, reprodu
zido pelo de 1886, arts. 405 e 406.
H Foi o nosso Código Penal vigente de 1890 que pelos arts.
277 e 278 do texto deu entrada no direito brazileiroao
lenocinio.
Eis em resumo a historia do lenocinio. *
1
Costanio Calogero apud, CoglLolo, OBR. CIT., vol. 2», part. I
a
A
#
pag.
1164 ; Pereira e Souza, CLASSES DOSCRIMES, ora-, pag. 238.
— 37G —
A ultima espécie dos delictos contra o pudor, diz Pes-sina,
é a acção que se exercita sobre a vontade d'outrem, débil pela
idade ou pelo sexo, para arrastal-a na via da cor-i rupção ou da
prostituição. Este Qelicto nfio é constituído pelo simples facto
de intrometler-se em qualquer relação ou negocio impudico
d'outrem, mas haure a sua criminalidade da violação da
liberdade moral da pessoa com a efficacia das seducções para
o vicio. E', portanto, torpe, sobretudo quando torna-seum
mister habitual, como fonte de lucros,ou quando provém
daquelles que deveriam custodiar a honra da pessoa. *
O direito sobre o assumpto varia muito não só em relação
á velha escola, que reflecte sua influencia em leis modernas,
mas também relativamente a estas leis mesmas da actualidade.
íssiÍ A velha escola, diz Suman, considerava no lenocínio
duas figuras diversas, o simples e o qualificado. Con-siderava-
se simples o trafico habitual da pudicícia de outrem: é a figura
do art. 278 do nosso cod. pen. no texto, ainda que
emmaranhada com outros elementos concomitantes, mas
essenciaes e constitutivos delia.
Qualificada era considerada a prostituição feita pelos as-
cendentes dos descendentes ou da mulher pelo marido, ou da
pupilla pelo tutor: são as figuras comprehendidas no para-
grapho único do art. 277 do texto que se refere ainda á pessoa
encarregada da educação do menor.
A escola moderna, ao contrario, não considera sinâo uma
figura, e a qualidade do culpado não é sinâo uma
circumstancia que augmenta a quantidade do crime.
Escriptorese legislações concordam em considerar haver
lenocínio quando se excite ou favoreça a prostituição, mas
igual accordo o manteem quando se trata de fixar os outros
elementos jurídicos.
Ha escriptores e legislações que não fazem questão da
idade do sujeito passivo, seguindo o conceito da velha escola
que considera haver crime, qualquer que seja a idade da
pessoa, cuja prostituição se excite ou favoreça.
O nosso cod. pen. no art. 277, primeira parte do texto,
seguiu o velho systema.
Alguns outros, ao contrario, limitam a protecção ás
victimas menores, como fez excepcionalmente o paragrapho
único do mesmo art. 277 do texto relativamente á pessoa
encarregada da guarda ou educação do menor.
Algum escriptor e alguma legislação exige no proxeneta o
habito do torpe mercado, o impulso da venalidade (artigo 278
do nosso cod.); para outros, ao contrario, estas cir-
1
Pessina, MAN i'ALE CIT., § 241, pag. 269.
— 377 —I
cumstancias não são sinão critérios para medir a quantidade
do crime. Faz caminho, porém, o conceito de que a habitua-
lidade e a venalidade devem ser consideradas como elementos
constitutivos do lenocínio, quando a victima é maior.
O art. 278 consagra este conceito, embora quanto ao
elemento do habito, não o declina nominalmente, mas inferi
ndo-se bem da disposição.
Finalmente, consideram alguns ser indífferente que a
prostituição aproveite a própria, ou á libidinagem de outrem;
entretanto que outros opinam que o elemento constitutivo do
crime é que a prostituição deva servir exclusivamente ao
desafogo da libidinagem de outrem. *
Este ultimo conceito é também o do nosso código vigente,
como resulta da lettra e espirito dos arts. 277 e 278 do texto.
Sobro o lenocinio, diz von Liszt, as novas legislações
formam dous grupos.
Ao passo que o direito dos paizes latinos, França, Bélgica,
Hespanna e Itália pune somente a corrupção de menores, os
cods. ollemães offerecem uma mescla variada das mais
differentes disposições, não raro casuisticamente formuladas,
das quaesasdo cod. prussiano. comquanto não se distin-
guissem jDor especial clareza, passaram com Insignificantes
alterações para o direito imperial e teemdado occasião á uma
serie de questões difficilimas. O projecto de 1892 somente em
parle as evitava. O chamado trafico de raparigas considerado
em si, não é sujeito a penas.
o é como um acto de proxenetismo, accrescenta neste
logar o traductor da obra, opinando que « o trafico de mu-
lheres brancas » é uma figura criminal que deve ser prevista
pela lei penal. Assim faz o projecto suisso, art. 10 í-, vero
commentario de Stoos.
â
No citado ante-projecto, art. 118, pune-se o chamado
trafico de brancas, ê verdade, mas daquelle que por arti-\ ficio
(ruse, Eist), ameaça ou violência, tiver procurado entregar
uma mulher a outrem com um fim de libidi-gem— assim
como, sob o nome de proxenetismo pune outras formas
congéneres.
3
Aos paizes latinos que cita von Liszt podemos addi-
cionar Portugal, Uruguay e a Republica Argentina e fora dos
paizes latinos ainda a Ilollanda.
Entre nós, Lima Drummond é contrario a estesystema,
censurando por isso o projecto de revisSo do nosso codigb de
1893, que entretanto em tudo mais neste capitulo elie
* CriveUari & Suman, OBR. CIT.. vol. 7», pag. 592, n. 68.
* Von Liszt, OBR. CIT., 2
O
vol., pag. 134, not. b.
* VoRENTWURF ZV XINBM ScHWRIZRRISCHBX STRAFOESETZBOCn, arta. 116
a 118, pag. 66.
378
prefere ao de 1896, reproduzido em geral no de 1897 e afinal
assim approvado em 1899 pela camará dos deputados.
A obra do nosso autor é um estudo dclles e do código e
copioso confronto dos estrangeiros. *
Pio Viazzi, ao contrario, expondo as suas opiniões sobre o
assumpto, faz a critica do código italiano e chega á con-clusfio
que elle é ainda rigoroso neste capitulo do lenocínio.
Vô-se por aqui que se trata d'uma questão muito completa
e que nSo ê cil ao legislador resolvel-a em concisos
preceitos nos códigos, quando a controvérsia se mantém na
doutrina e reflecte a variedade, a que alludimos, das
legislações.
i;3S5. Passemos aos artigos do texto.
O art. 277 conceitua o lenocínio, dizendo que è o facto de
« excitar, favorecer, ou facilitar a prostituição de alguém para
satisfazer desejos deshonestos ou paixões lascivas de outrem
»,
O código penal teve sua fonte no código portuguez, art.
406, a seu turno teve como fonte o código fran-cez, art. 334,
modificado pelo belga, art. 379, consoante com a lei belga de
15 de junho de 1846, que havia addioio-nado ao texto do
código francez as palavas «para satisfazer as paixões doutrem
».
A dinerença principal do nosso código vigente entre o seu
texto e essas fontes consiste em nSo exigir como elemento do
crime a menoridade da victima, tendo-se assim apartado do
systema dos paizes latinos na matéria.
Os elementos constitutivos do crime previsto no art. 277
do texto são: I
o
, o facto de excitar favorecer, ou facilitar a
prostituição d'alguem ; 2
o
, com o fim de satisfazer desejos
deshonestos ou paixões lascivas d'outrem ; 3°, que o agente
tenha tido a consciência, a vontade consciente de prostituir à
pessoa com o fim de satisfazer os desejos deshonestos ou as
paixões lascivas d'outrem.
Quanto ao primeiro elemento, a questão de saber quaes
são os actos que constituem o facto de excitar, favorecer ou
facilitar a prostituição è deixada á apreciação dos juizes.
Entretanto o crime não existe sem que o agente tenha
effectivamente praticado qualquer desses actos.
E' necessário que o agente se tenha tornado culpado ao
mesmo tempo de factos comprehendidos sobre cada uma
dessas expressões ? Certamente que não; o texto mesmo, pela
disjunctiva ou exclue esta interpretação.
Basta que o agente tenha quer excitado, quer favorecido,
quer facilitado a prostituição doutrem.
Lima Drummond, ESTUDOS CIT. CAP. TH, lenocínio.
m
— 379 —
E' a opinião de Nypels e Serva is apoiados nas jurispru-
dências belga e franceza. <
O art. 277 do texto nfio pune somente o proxeneta, isto è,
aquelles que mediante um lucro, fazem mister de excitar,
favorecer e facilitar a prostituição (lenocinium quaestuariumj;
elle pune igualmente aquelles que sem pensamento de ganho,
se fazem internediarios, corretores de prostituição (lenocinium
gratuitumj. N'uma palavra,) não fazendo o art. 879, distincção,
o delicto existe fora dos factos de proxenetismo propriamente
dito, isto é, independentemente do trafico vergonhoso que
caracterisa o café-I tismo, a profissão infame de caften. Todos
os inlromis-sores de prostituição, qualquer que seja o movei
que os faça agir.CQhem soba sancçfio da lei, uma vez que os
outros elementos do crime ahi se encontrem. B E' a opinião de
Garraud e a doutrina dos arestos da Cassação franceza sobre o
artigo parallelo do respectivo código. 2
Também o nosso código no art. 277 nfio exige o habito
no Intermediário da prostituição, e por isso mesmo afasta
todas as questões a respeito suscitadas em França e na
Bélgica.
Empregando o nosso cod. a expressão alguém comprc-
hende não so pessoa dum ou doutro sexo, como de maior ou
menor Idade.
Aliás 6 a solução do cod. italiano, quanto ao sexo, di-
zendo pessoa de menor idade para compreheuder ambos os
sexos. '
Quanto á idade o cod. é, como dizemos, geralmente assim
entendido, mesmo porque seguiu systema opposto aos dos
paizes latinos, como vimos.
0 elemento é que a prostituição sirva para satisfazer os
desejos deshonestos ou as paixõos lascivas d'outrem. 9 Hoje
em França, attestam 1 '.lanche e Dutruc, todos os criminalistas
opinam que o art. 334 do seu código não se applica sinfio aos
intermediários da prostituição e nfio á prostituição ou
seducção pessoal.
O nosso nõosoffre duvida referindo-se & outrem.
Era também a opinião de Chauveau e Hélie; e a de Puglia
sobre o código italiano que nos parece aliás muito claro. *
Nypels & Servais, OBR. CIT., 2
O
vol. art. 379, pag. 507, n. 2. » Garraud,
Obr. cit., vol. 4°, pag. 502, n. 487. » Majno, obr. cil. vol. 2», art. 348, pag.
82, n 2243. * Manche e Dutruc, OBR. CIT. vol. 5", art. 334, pag. 166, n.
142, uveau, Hélie e Villey, OBR. CIT. vol. 4° pag. 253.U. 1533;
Puglia,
f,.. ftf. 9o \fí«l ov.t fílri nníT 99.4.
ChauveaL,
MANUAL CIT. 2" vol. avl. 345, pag. 224.
-~mr^
Entretanto, dizem Nypels e Serva is, a lei não exige que a
pessoa arrastada ao deboche pelo culpado seja differente
daquella que este teve por fim favorecer as paixões.
Ao que aecrescenta Garraud, que importa pouco que o]
agente de corrupção tenha menos procurado excitar as paixões
d'outrem do que satisfazer sua própria lubricidade.
Pondo de porte a hypothese deste ultimo autor, de que o
facto habitual de reunir menores para as depravar mutuamente,
entra certamente nos termos da lei hypothese que
acceitamos, si não couber no art. 266 paragrapho único,
mesmo sem o habito, ambas as opiniões são contrarias ál nossa
lei. *
O art. 277 refere-se expressamente aos desejos e paixões
<Voutrem ', é mister por isso a coexistência de três pessoas
para constituir a figura do crime, isto é, o proxeneta, a viclima,
e o terceiro ou a pessoa fferente, cujos desejos ou paixões
devem ser satisfeitos.
Chauveau e Hélie, attento o estado da jurisprudência que
elle estudo, estabelecem como uma primeira regra nesta
meteria que o art. 334 não seapplica á seducção pessoal e que
não attinge sinSo as pessoas que favorecem o deboche dos
menores, o para si mesmas, mas para satisfazer o
incontinência d'outrem.
a
E' mister accentuar, quanto ao segundo elemento, que
estamos explicando que não 6 necessário que o facto tenha
sido seguido de effeito, isto é, que a pessoa visada pelo cul-
pado tenha sido manchada pelo deboche.
O delicto, diz Nypels, resulta unicamente do papel de
proxeneta, dos esforços que elle faz para corromper e pro-
stituir. Ao legislador não importa o resultado destes esforços.
Ao contrario, os commentadores também sobre outro
ponto, diz o citado autor e com elle Chauveau, Hélie e
Blanche, todos fundados nas jurisprudências franceza e belga,
que a lei não fazendo distincção alguma, ella se applica
igualmente áquelles que entregam á prostituição raparigas que
antes do facto do lenocínio estavam corrompidas e mesmo
aquellas que estão inscriptas na policia como prostitutas.
Admittir o contrario seria crear umaexcepção que não está na
lei.
"O proxenetismo constitue além disto por si mesmo e
independentemente de seus effeilos a respeito daquelles ois-â-
vis dos quaes se exerce, um mal social sufficiente para que a
pena que ojOtinge seja, em qualquer hypothese, justificada.
1
Nypels e Servais. OBR. CIT. vol. 2" pag. 509, n. 7: Garraud, Obr. cit. vol. -1°
n. 487, pag. 504.
'
D
Çhauveju, Hélie e VHley, OBR. CIT. vol. 4* pag. 258, n. 1535. in flne,
~ 381 —
Modernamente Gorraud e Puglia allíam-se a essas
opiniões. * í]
Resta o terceiro e ultimo elemento do crime do art. 277
do texto.
O elemento intencional que suppõe esta disposição é o
dolo ordinário, a vontade consciente de commetter o facto
punivel, isto é, a vontade de excitar, favorecer, ou facilitar a
prostituição de alguém para satisfazer desejos deshones-tos
ou paixões lascivas d'oulrem.
Assim, diz Nypels, não cahe sob este artigo o indiciado,
cujos actos teem satisfeito as paixões d'outrem, quando elle
não tem tido, praticando-os, a intenção criminosa exigida
para tornar os actos puníveis, seu fim não sendo sinuo o de
dar curso a suas próprias paixões.
E a vista do que temos dito, é inadmissível a opinião de
Garraud, que estende a estes últimos actos a saneção da lei
2
.
E Passemos ao paragrapho único do art. 277 do texto. Este
paragrapho comprehende circumstancias oggravadoras ou
qualificativas, que tornam mais grave, augmentandoa pena.
applicavel ao facto e aggravando mesmo os effeitos da
condemnaçfio quando certas pessoas forem os sujeitos
activos do crime; tal é o lenocínio sacrílego, na phrase de
Pessina, exercitado por aquelles que deveriam educar a vida
moral da pessoa, e, ao contrario, abusando do poder,
arrastam-na no caminho da corrupção; sendo taes corruptores
especificados pela lei mesmo e que, conforme enumera o
paragrapho único do texto, são :
O ascendente em relação ao descendente;
O tutor, curador ou pessoa encarregada da educação ou
guarda de algum menor com relação a este ;
O marido com relação á sua própria mulher.
Nota-se aqui que o nosso código nem fez uma enume-
ração mais completa,como faz o código italiano, art. 345, nem
empregou termos mais genéricos, como o código belga, art.
381. Entretanto no capitulo anterior, art. 273, o as
classes de pessoas são exemplificativamente enumeradas de
modo mais completo, como também o código usa de termos
mais genéricos.
Em relação aos ascendentes, conforme Blanche, a cir-
cumstancia é applicavel, tanto ao parentesco legitimo, como
ao natural e adoptivo.
i Nypels & Servais,omt. ciT., 2
o
vol. pag. 510, ns.S e 9sobreo art.370
Chauveau, Hélie, e Villey, loo. eii., na. 1548 o 1519, pag. 273 ; Blanche e Dutruo,
loo rit.,n. 15ò, pag. 102; Garraud, loo. cít. pg. BIO, n. 491; I Puglia, loo. cif. pg.
225, art. 315.
* Nypels & Servaie, loo. on., pag. 511, n. 11 ; Garraud, toe. cif., pag. 515, n.
493.
— 382
Concebida era termos absolutos, ella comprehende todos
três.
Mas Nypels se oppõe á essa opinião, observando que é
admissível estender a aggra vante ao filho natural reconhe-
cido, mas não ao adoptivo, porque a adopção não produz sinão
um parentesco fictício, que o legislador não tem levado em
conta, mesmo para o parrlcidio, e pois com maioria de razão
elle crê que não deve ser levado em conta aqui.
Quid júris pelo nosso código ? Faltando-lhe elementos de
interpretação, é mais prudente e razoável a opinião dê Nypels.
Foi julgado que a aggravação comminada aqui era
applicavel ao padrasto ou segundo marido da mãi da victima :
é, diz o aresto, um ascendente por alliança ou affinidade. O
texto porém, do paragrapho único não comporta tal extensão;
também ella foi repellida pela Cassação franceza.
Entretanto estas questões entre nós teem um interesse
pratico que não existe em outros paizes, v. g. na Bélgica, pela
boa redacção dos respectivos códigos.
E um ponto constante para sempre assentado na doutrina e
na jurisprudência que sob as palavras que tem autoridade
sobre a victima que o nosso código deixou de empregar,
comprehende-se não a autoridade de direito, derivada da
lei, como a de facto, cuja fonte são as circumstancias e a
posição das pessoas.
Assim teem autoridade, quer de direito, quer de facto, não
as pessoas que o nosso paragrapho enuncia, como também
o pai adoptivo, o padrasto, o patrão ou amo, et,'.
0 paragrapho se refere de modo geral á pessoa encar-
regada da educação ou guarda de algum menor com relação a
este.
Na classe de instituidores comprehendem-se todas as
pessoas ligadas á vigilância da pessoa e ao ensino do
discípulo, deveria comprehender-se os artistas mesmos em
relação aos seus aprendizes, si quizerem excluil-os da classe
antecedente.
Assim, é mister comprehender no texto do nosso para-
grapho os mestres de musica, dansa, desenho, etc, eo ministro
da confissão religiosa que lições de cathecismo, moral, etc.
Era assim no antigo direito francez e belga, fonte actual que o
nosso código penal reproduzio.
E' lastimável ainda aqui a lacuna do nosso paragrapho em
relação aos domésticos ou criados, que o código prévio aliás
noart. 273. <
1
Nypels & Serrais, loe. oit. art. 381, pftg. 498, u. 1 ; Mancho & Dutruc, loc.
oit, pag. 137, n. 111.
— 383 —
Neste ponto, tratando-se do lenocínio do marido .os,
projectos de 1893 e 1897 fulminavam, como um effeito da
condemnação, a dissolução do vinculo conjugal; o projecto
de 1896 tornava-a dependente do requerimento da mulher.
Mas no de 1899, pendente do Senado, não figura a dis-
posição, por haver ella sido supprimida na Gamara dos
Deputados.
Ã. intransigência dos catholicos e a orthodoxia dos posi-
tivistas viram na reforma uma' porta aberta para adopção do
divorcio, rejeitado mais d'uma vez no nosso Congresso
Nacional.
B O final do paragrapho torna dependente o processo do
marido proxeneta da queixa da mulher e estabelece a breve
prescripção de três mezes para o caso.
Quanto á acção, conforme a doutrina, diz Suman, con-
sidera-se que ella deve ser publica em taes crimes, attenta a
torpeza do facto.
Costuma-se fazer uma excepção no caso em que o cul
pado seja o marido e isto por considerações de prudência,
achando-se opportuno deixar ao arbítrio da mulher offen-
dida o direito de tutelar os seus interesses, o seu decoro e da
sua família. I
Salva esta excepção, o nosso código penal, art. 407, con-
formou-se com a doutrina, admittindo a acção publica para
os crimes deste capitulo.
O código italiano, art. 348, no caso de ser a mulher
menor, admltte também a querela daquelle, que sendo ella
nubll, teria o pátrio poder ou a tutela.
i?23. Passemos & matéria do art. 278, que aliás ja está
explicado, em relação aos princípios geraes, com o que disse-
mos sobre o art. 277, constituindo o art. 278 antes uma aggra-
vante ou qualificativa do lenocínio, ou o seu congénere, que o
uso entre nós tem appellidado de raftismo, e caften o agente,
o sujeito activo do crime, caracterisado pelo habito e pelo
lucro; especialmente na segunda parte do mesmo art. 278.
A' vista do que, vamos quasi que apenas reproduzir como
doutrina os arestos dos nossos juizes e tribunaes sobre a dis-
posição do texto.
O art. 278 do código penal considera o delicto de leno-
cínio sob duas modalidades I
a
" prestar por conta própria
ou de outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, assistência,
habitação e auxílios ao trafico da prostituição; -= 2« induzir
mulheres, quer abusando de sua fraqueza e miséria, quer
constrangendo-as por intimidações e ameaças a empregarem-
se no trafico da prostituição, dominando, porém, as duas
modalidades como elemento constitutivo do delicto que o
accusado tenha agido com o fim de auferir lucros directos ou
Indirectos — causa quatstus et lucri habendi.
— 384 —
« Nflo importam em negação do fado criminoso as de-
clarações da offendida em %vòr do accusado. E' um facto
psychologico bem conhecido o terror que o caften exerce sobre
a prostituta que elle explora.» Sentença do Dr. Viveiros de
Castro, juiz do Tribunal Civil e Criminal, 26 de junho de 1996.
*
Esta sentença versa sobre espécie comprehendida na
primeira parte doart. 278, embora se faça nella também refe-
rencia á segunda parte do mesmo artigo para abranger ambas
as modalidades da figura criminosa.
Na mesma sentença se pôde lêr :
« O delicto de caftismo, si é lícito usar deste neologismo
hoje geralmente empregado, uma das modalidades do art. 278
do Código Penal, compõe-se, nos termos deste citado artigo,
de três elementos :
I
o
, induzir mulheres a empregarem-se no trafico da prosti-
tuição ; 2
o
, que obtenha esse resultado, quer abusando de sua
fraqueza e miséria, quer constrangendo-as por violências e
ameaças; 3
o
, que tenha por fim obter lucros directos ou
indirectos. »
O Código Penal não falia de hábito, mas quando se exija
este elemento, elle resulta conforme a doutrina e a jurispru-
dência franceza, por exemplo, de três factos ou casos, pelo
menos, praticados pelo proxeneta em favor de outrem contra
uma mulher; e assim nada mais fácil de estabelecer e
provar o habito contra taes indivíduos.
Com referencia ã segunda parte do artigo a que allude a
sentença, como dissemos, a opinião do juiz que a firma está
no aresto que vamos apontar e de cujo tribunal civil e criminal
no julgamento da espécie fazia parte.
O aresto pôde reduzir-se á seguinte these contraria á do
aresto da Corte de Appellação que o reformou :
« Para haver o crime de lenocínio da segunda parte do art.
278 do Código Penal, basta a existência de qualquer dos
elementos, assistência, habitação ou auxílios, constantes da
citada parte do mesmo artigo. »
Este aresto foi seguido de um outro no mesmo sentido:
«Incorre nas penas do art. 278 (2
a
parte) aquelle que,
auferindo lucros, presta habitação a mulheres para se empre-
garem na prostituição. » Acc. do Trib. Civ. e Crim. 12 junho
1897.
a
A Revista observa que a jurisprudência da Corte de
Appellação exige, alem da habitação, o concurso simultâneo
da assistência e auxílios.
1
Viveiros de Castro, SENTENÇAS K DECISÕES CIT. paga. 34 o 215 —
lenocínio.
*. «REVISTA DB JURISPRUDÊNCIA », vol. 8", pag. 381.
385
A Revista alludia, citando mesmo, ao seguinte aresto : « Para
haver o crime de lenocínio da segunda parte do art. 278 do
Código Penal, é essencial a existência simultânea dos três
elementos, assistência, habitação E auxílios, constantes da
citada parte.» Acc. da Camará Crim. da Corte de Ãppellação
de 9 de julho de 1897, reformando o Acc. da Camará Crim. do
Trib. Civ. e Crim. 13 março 1897. *
O aresto condemnalorio anterior do Tribunal Civil e Cri-
minal, sobre o qual não se pronunciou a Corte de Ãppellação,
porque não tomou conhecimento do respectivo recurso, deu
logar á revisão do processo pelo Supremo Tribunal Federal,
que cortou todas as duvidas pela seguinte decisão :
« Commette o crime de lenocínio quem presta assis-
tência, ou quem presta tão somente habitação ou auxilio a
prostitutas para auferir lucros desta especulação, não sendo
necessário o concurso simultâneo dessas três condições para
constituir o dito crime. » Intelligencia do art. 278, segunda
parte, do Código Penal. Acc. do Supremo Tribunal Federal de
17 setembro 1898.
2
Em resumo, pode-se dizer que, alem da intenção crimi-
nosa, os requisitos da espécie da segunda parte do art. 278 do
texto são : I
o
, prestar, por conta própria ou alheia, sob sua ou
alheia responsabilidade, assistência, habitação ou auxilio a
mulheres com o fim de empregarem-se no trafico da prosti-
tuição: 2°, auferir, directa ou indirectamente, lucros desta
especulação.
Realizados estes requisitos, temos precisamente a espécie
do texto nessa parte do artigo.
Restam duas questões, a da tentativa e a da cumpli-
cidade, que notaremos em poucas palavras, porque a appli-
cação dos principies pertence á parte geral do Código.
Quanto á tentativa, a questão se resolve facilmente.
O lenocínio, diz Suman, é um delicto material; logo, para
ser consumado é necessário o evento, isto é, que a pessoa
seduzida tenha sido effectivamente prostituída.
Os affagos, as manobras embora, insidiosas e prolon-
gadas, si não attingirem o escopo, darão a figura do conceito,
que será punível si naquellas manobras, naquelles modos
insidiosos houver a idoneidade necessária para constituir o
elemento material da tentativa punível, conforme o nosso
código, arts. 13 e 14.
1
REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA , vol. i°, pag. 92.
1
O DIREITO, vol. 81, pag. 138. O voto do tribunal foi unanima. A
informação prestada pelo Dr. Muni* Barreto, presidente do Tribunal Civil e
Criminal, e os fundamentos do Accordão, cujo relator foi o ministro João
Barbalho, usaram, completaram e desenvolveram a doutrina eatricta-mente
jurídica sobre a espécie, constituindo o melhor commentario da segunda parte do
art. 278 do Código Penal.
2917 «5
— 386 —
Sobre a cumplicidade, o mesmo autor, contra a opinião
de outros, 6 de parecer que não ha razão para supprimil-a
o respeito do seductor, em cujo favor age o proxeneta desde
que concorram na espécie os caracteres gera es da cum
plicidade. *
Os autores belgas e francezes reputam essa questão
interessante, mas seria e delicada, principalmente porque
exigindo os respectivos códigos o habito para caracterisar o
lenocínio, é difficil estabelecel-o e proval-o a respeito de
terceiro, a cujo serviço se põe o proxeneta.
Dahi a divergência entre os autores, por exemplo,
entre Nypels e Blanche e mesmo na jurisprudência. S
Modernamente Garraud opina pela cumplicidade uma vez
bem caracterisada. *
A questão ê mais fácil de resolver, conforme o nosso
direito, porque o código penal no art. 277 não exige abso-
lutamente o habito para caracterisar as respectivas figuras; e
no art. 278, como vimos, não exige tal elemento de modo
expresso, parecendo que propositalmente o eliminou.
« E' confirmada a sentença que condemnou os recorrentes
como incursos no art. 278 do Código Penal, por crime de
lenocínio ; menos na parte relativa á multa, visto ter sido esta
accrescentada pelo Tribunal da Relação, que assim veio alterar
a sentença em prejuízo dos réos appel-lantes, o que não podia
fazer, desde que não ê cabido o procedimento ex-ojhcio e com
a sentença conformou-se o Appellado. » Accordão do
Supremo Tribunal Federal de 19 de setembro de 1896.
3
A decisão está deaccordo com a doutrina mais seguida,
porque no caso o ministério publico não foi appellante, mas
appellado somente.
CAPITULO v
I DO ADULTÉRIO OU INFIDELIDADE CONJUGAL
CÓDIGO
Art. 279. A mulher casada que commettor adultério será punida
com a pena de prisão cellular por um a três annos.
§ 1.° Em igual pena incorrerá:
I 1." O marido que tiver concubina tenda e manteúda ; 2.°
A concubina;
' Crivellari & Suman, OBII. CIT., vol. 7
o
, pag. 594, a. 72:
* Garraud, OBUA. CIT., vol. 4
O
, pag. 517, n. 495; Chauveau, Hélio e Villey,
vol. 4°, pag. 276, ns. 155 e 1552.
* Do autor; A RHVISÃO nos PROCESSOS PENAES, CIT. Appendice, pag.
389, n. 71.
— 387 —
3.° O co-réo adultero.
§ 2.° A accusação desto crime é licita somente aos conjugas, que
ficarão privados do exercício desse direito, si por qualquer modo
houverem consentido no adultério.
Art. 280. Contra o coréo adultero não serão admissíveis outras
provas sinão o flagrante delicto, e a resultante de documentos es-criptos
por olle.
Art. 281. A acção de adultério prescreve no fim de três mezes,
contados da datado crime.
Paragrapho único. O perdão de qualquer dos cônjuges, ou suai
reconciliação, extiogue todos os effeitos da accusação e condemnação.
COMMENTARIO
1S4. Este capitulo o figura nos projectos de revisão,
lendo sido supprimido successivamenle nos de 1893, 1896 e
1897e mantida a supprcssãonode 1899.
Justificando o projecto primitivo, dizíamos :
O projecto eliminou o capitulo relativo ao adultério ou
infidelidade conjugal, cuja sancçSo penal á commissão não
parece, nem séria, nem efficaz, e é desmoralisadora.
Criminalistas da escola clássica, Filangieri, Pessina,
Lucchini, Tissot, Brusa, de Foresta, ílosshirt, como da mo-
derna anthropologica, negam o caracter criminoso ao adul-
tério, preferindo como sancção mais efficaz o divorcio. *
Outro não ê o pensamento de Berenini dentre os da mo-
derna escola.
2
. E um dos chefes e fundadores delia, em obra monumen-
tal, colloca entre os substitutivos pcnaes de ordem familiar o
divorcio que, uma vez admittido, impediria muitos crimes,
de bigamia, adultério e homicídio, invocando dados estatís-
ticos interessantes, cuja apreciação confirma as observações
psychologicas e da experiência.
3
O adultério não é crime no direito inglez e outr'ora era
sujeito aos tribunaes ecclesiasticos, que, conforme Stephen,
podiam applicar penas espirituaes e também a detenção até
seis mezes; mas depois esse mesmo foro especial deixou dei
se occupardelle. *
Não é punido também, nem pelo Código de Genebra de
1874, nem pelo de New-York de 1872.
3
O projecto não podia manter como crime um acto que,
si para alguns é um peccado susceptível de penas-espirituaes,
1
Vide Puglia, ODR.V CIT., pag. 114.
1
Berenini, OFFESK E DIFESE, Parma, 1886, I.
* E. Ferri, SOCIOLOGIA CRIMINAIS, Torino, 1892, 3» edição, pag. 342.
* Blakstone, COHMENTARIO, vol. 4° pag. 234.
* Vide Zanardelli, RELAZIONE III, pag. 235.
— 388 —
é para outros a infracção de um contracto a que deve corre-
sponder sancção puramente civil.
Para os crimes de que pôde ser victima a mulher casada as
formas geraes provêem a no caso em que ella, sem ser
violentada, seja raptada por meio de engano ou por este meio
seja oftêndlda em seu pudor, sendo menor.
O projecto não quiz transportar uma forma de criminali-
dade que figura no Código Allemão, § 179, e Húngaro, art. 245,
conforme a qual pôde ser punida a fraude daquelle que illude
uma mulher casada, afim de ter com ella commercio carnal.
E' uma hypothese quasi gratuita, que se presta a chan-
tages (extorsões) e quasi se confunde especialmente no ultimo
código com a bigamia, que o projecto previne.
« Resulta da exposição de motivos, dizem os interpretes
do digo da Hungria, que o caso em que o homem contrahe
casamento, dissimulando outro ainda subsistente, bem que
incidindo sob a definição deste artigo (art. 245) e dos artigos
relativos á bigamia (254 e 255), deverá ser considerado como
um caso de bigamia. » *
Em summa, a eliminação do adultério do quadro da
criminalidade do projecto, si é uma originalidade, tem hon-
rosos precedentes, quanto a outros assumptos no código de
1830, que reduziu a disposições legislativas idéas inexistentes
nos anteriores, alem de que trata-se da abolição de um instituto
imposta por motivos imperiosos de conveniências domesticas
e de moralidade social.
E si espíritos vacillantes na solução de taes problemas
affirmam que nem a separação dos corpos, de origem divina,
nem o divorcio de fonte humana os resolvem, muito menos o
fará a sancção penal do adultério, que antes de tudo para os
nossos costumes é um expediente desmoralisador para os
cônjuges e a família.
2
O projecto foi censurado nesta parte no parecer que temos
citado da commissão especial da Faculdade de S. Paulo,
respondendo, porém, ao qual fizemos estas observações:
Termina o capitulo «dos vícios de doutrina » a censura á
suppressão no Projecto do crime de adultério (pags. 94 a 96).
Os argumentos são curiosos, como sempre, sobre todos os
pontos salientes dos assumptos.
Não se diz que para os anthropologistas « o problema
penal se reduz a substituir as penitenciarias por manicomios
(na technica delles, mas contradíctoriamente manicomios
penaes)» ?
1
Martinet & Dar este, OBRA CIT. , pag. 100, nota 1. * Lecornec, Lu DIVORCE,
Paria, 1892, XU, pag. 226. Vide EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS do Projecto de 1893,
pags. 17 o 18.
389
O illustre censor mataria assim com um traço de penna a
nova escola, pois que Lucchini, Aramburu e outros negam
que aquelle instituto seja positivista. *
O outro argumento é uma petição de principio, porque si
a sancção penal ê inefficaz e desmoralisadora, o seu suc-
cedaneo ou substitutivo deve ser a sanão civil, e assim a que
vem a observaçfio de que o divorcio « não pôde absoluta-
mente ter applicação entre nós, sinão entre aquelles para
quem o divorcio rompe o vinculo conjugal» ?
Trata-se do que deve ser e não do que é. I Ou o illustre
censor quer subordinar o estadista na solução dos problemas
sociaes a preconceitos dos credos religiosos e seitas
philosophlcas ?
O illustre censor tão clássico, como ê, acha contradicto-
rios os clássicos citados na Exposição de motivos.
E digo entre parenthesis, não invoquei Puglia, mas
mandei vel-o, porque se refere á controvérsia (pag. 18, nota
54).
A Exposição de motivos justifica demais a suppressão
feita no Projecto.
I Injustificável, porem, ê a incongruência de fazer a apo-
theose do uxoricidio, citando livros romanescos (pags. 62 e
96) e fazer a apologia ao mesmo tempo da sancção penal do
adultério: ea tragl-comedia applicada ao direito. E' caso de
dizer: ils heurlent de se trouvêr ensemble.
3
Passemos emflm a matéria do capitulo, uma vez que é
lei vigente.
Ha nos arts. 279 a 281 do texto do nosso Código Penal
uma verdadeira mistura de fontes de onde elle hauriu essas
disposições.
Assim, a fonte do art. 279 foi o código anterior, arts. 250 a
253, o qual tinha tido a seu turno por fonte o Código Francez,
ao qual se assemelha especialmente o belga.
A collocaçâo do capítulo ê que é differente nos nossos
dous códigos, porque o de 1830 collocava tal crime no titulo
correspondente ao do actual, relativo á segurança do estado
civil, conforme a opinião hoje de Pessina e outros, que negam
que seja um crime principalmente contra o pudor.
Nypels pensa bem que é não um crime contra os cos-
tumes, mas também contra a ordem na família e por isso
deve estar neste titulo, como fizeram os projectos de revisão
do nosso código, tratando aqui do assumpto na respectiva
exposição de motivos o de 1893.
O art. 279 do texto corresponde aos arts. 336 a 339 do
Código Francez e ao Código Belga, arts. 387 a 390.
Lucchini, I SIUPLICIBTI, Torino, 1886, pag. 284; Aramburu, LA NUKVA
CIÊNCIA PENAL, Madrid, 1887, pag. 343.
* 0 PROJECTO, ETC. e a Faculdade de S. Paulo, pag. 73.
390
Conseguin temente, os autores francezes e belgas é que
nos podem dar melhor a explicação do nosso código neste
artigo.
Si, dizem Chauveau e Hélie, a gravidade de uma infrac-
ção se mede unicamente sobre a gravidade de seus resultados,
o adultério tomaria logar entre os delictos os mais funestos;
não somente elle attinge a santidade do casamento e abala esta
base da sociedade, mas também elle destroe as affeições da
família, desfaz a família mesmo, deprava e corrompe os
costumes, accende os ódios, desperta as vinganças e torna-se
uma das causas mais activas dos crimes mais odiosos.
Todavia, o legislador, sem perder de vista essas conse-
quências fataes, não fez abstracção de um outro elemento de
todo delicto, de toda pena, isto é, do grão de immo-ralidade
que suppõe o adultério no estado actual dos nossos costumes ;
elle entendeu, para estabelecer e graduar a pena, constatar não
somente a chaga que incessantemente lavra no corpo social,
mas também em que grão a consciência geral o condemna ou
o escusa, e si o agente que soffre a influencia dos prejuízos e
dos costumes não haure nesses costumes e nesses prejuízos
mesmos uma certa attenuação da acção que elle tem
commettido. *
Tal é, com efleito, o pensamento expresso dos motivos do
Código de 1810. Mas, admittindo mesmo a influencia fatal
deste prejuízo, é licito pensar que o legislador francez lhe pa-
gava um tributo um pouco largo quando determinava como
pena applicavel ao marido adultero uma simples multa.
O legislador belga foi mais equitativo.
O nosso código, do mesmo modo que o francez, o belga e
outros, não define o adultério.
Esta palavra, porém, na phrase dos autores citados.é por-
tadora de sua própria significação, e a sua etymologia ex-
plica o seu sentido: adulterium ad alteram thorum oel uterum
accessio. O adultério é a profanação do leito nupcial, a
violação da fé conjugal consummada corporalmente: alieni
thori violatio, como dizia Farinacio.
Referindo-se á falta de definição da lei franceza, Garraud
accrescenta que é de tradição que o adultério suppõe a reunião
e a coexistência de três condições: I
a
, a consummação das
relações illicitas; 2
a
, o facto que os culpados, ou ao menos um
delles, seja casado; 3
a
, a vontade ou a intenção criminosa. P
São esses, portanto, os elementos constitutivos da figura do
art. 279 do texto do nosso código ; e nelles se accordam os
outros autores que aqui temos citado interpretando as mesmas
fontes.
1
Chaveau, Hélie e Villey, OBRA CIT., 4" vol. jmg. 343. n. 1603.
391
A união dos sexos é o facto material do delicio; ella deve
ser consumada, porque a lei não pune a tentativa. era
assim na antiga jurisprudência. Todo habito ou familiaridade,
diz Fournel, que não tendesse á satisfação dos sentidos seria
incapaz de produzir um adultério. O acto o mais obsceno
commettido com uma mulher casada não é um adultério si
elle não consuma esta união natural dos sexos.
138. Passemos ao segundo elemento, isto ê, o facto de
ser casado um dos culpados.
Nypels suscita e resolve aqui uma questão.
O divorcio dissolve o casamento, e consequentemente
exclue dahi em diante o adultério da mulher divorciada.
A separação do corpo, ao contrario, faz subsistir o casa-
mento; a mulher separada do corpo fica ainda obrigada ao
dever de fidelidade ao seu marido; si ella viola este dever,
ella pôde ser processada por adultério.
Quanto ao marido, elle não é punível por adultério sinfio
quando entretém uma concubina na casa conjugal: depois do
julgamento que tem decretado a separação, não ha mais casa
conjugal: o marido pode, pois, impunemente, entreter uma
concubina, ainda mesmo na casa que era, antes da separação,
a casa conjugal.
Isto não ê equitativo, mas 6 conforme á lei. *
Nós o admittimos outra solução ante o art. 279 do
texto do nosso Código Penal, que pune o adultério do « ma-
rido que tiver concubina teúda e manteúda», mesmo fora do
domicilio conjugal.
|\i" ; A nossa separação dos corpos é quasi um divorcio, em-
bora não importe a ruptura do vinculo conjugal.
O decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890, diz:
«Art. 88. O divorcio não dissolve o vinculo conjugal,
mas autorisa a separação indefinida dos corpos e faz cessar o
regimen dos bens, como si o casamento fosse dissolvido. »
Que no caso de adultério possa ser punido tanto um
como outro dos semi-divorciados, seria uma solução fácil e
ao mesmo tempo equitativa.
Mas entendemos que, sinão a lettra, o espirito do nosso
direito se oppõe a isso.
E' pelo menos uma inferência do § 2
o
do art. 279, que
declara ficarem os cônjuges privados do exercício do direito
de accusaçSo deste crime, si por qualquer modo houverem
consentido no adultério. Esta condiçõo presuppõe a con-
vivência de facto dos cônjuges como meio de vigiarem-se
mutuamente, sendo o consentimento uma presumpção dedu-
« Nypels, OBRACIT., vol. 2
o
, art. 387, pag. 536, n.5.
392
zida dos actos, circumstancias e manifestações occurrentes
nas suas relações mutuas, o que absolutamente o se de
dar na separação.
O Cod. Itaf., art. 355, e o do Uruguay, art. 303, consi-
deram a separação legal como uma attenuantee aquelle ainda
como tal o abandono do lar pelo outro cônjuge, e no art. 356
nfio admitle a querela da parte do njuge que deu causa à
separação.
O Cod. Argentinoo resolve a questão, mas o Dr. Riva-
rola segue neste ponto a solução do direito francez.
E' escusado notar que Garraud opina do mesmo modo
que Nypels e outros autores francezes e belgas. *
Vamos referir-nos á mesma doutrina seguida por autores
italianos e allemães, resolvendo ao mesmo tempo outra
questão que este elemento do adultério ainda suscita e que
para nós aliás nfio offerece duvida.
Para haver delicto, diz Puglia, precisa que o casamento
seja juridicamente realisado, de onde resulta que si a mulher
está ecclesiasticamente unida com um homem e se une car-
nalmente com outro, ou si o matrimonio é nullo por impo-
tência absoluta do marido ou por outras causas, fica exclda
a noção do delicto de adultério. E aqui observamos que si
em seguida á unifio carnal, que se pretenda qualificar como
adulrio, se apresenta em juizo o pedido de nullidade do
casamento, precisa suspender o processo penal até a decisfio
do juizo civil.
E porque a separão pessoal admittida pelas leis civis
italianas nfio exclue o vinculo conjugal, haverá adultério
quando a mulher separada do marido unir-se carnalmente
com outro homem. *
A simples separfio de cama e mesa, diz Berner, nfio
dissolve o matrimonio; assim, o njuge separado de tor-
nar-se responsável de adultério, si bem que em tal caso a
pena seja muito limitada.
3
-
s adoptamos a opino de Carrara pelos motivos em
que assenta.
Para sustentar que a separaçfio legal dirime a crimina-
lidade e faz cessar o caracter publico do adultério, diz elle,
argumenta-se com a considerão de que a punibilidade do
adultério tem o seu principal fundamento na incerteza da
prole, no perigo que ao marido amea de alimentar filhos
que nfio sfio seus e no relaxamento dos nculos da família;
1
Dr. Rivarola, OBR. CIT., vol. 2*, pag. 122, xi. 561 \ Garraud, OBRA CIT., 4°
vol., pag. 539, n. 516.
1
Puglia, MÁNUALB CIT., vol., art. 353; pag. 229. Eate autor reproduz a
opinião de Pessina : Elemenii cit., 2
o
vol., § 154, pag. 311, II.
* Berner, OBRA CIT., pag. 359, cod. ali., § 172.
393
de onde resulta que todos estes perigos, sendo eliminados,
parece cessar toda a razão de punibilidade.
Accrescenta-se também que a honra do marido não vem de
certo modo a ser vulnerada pelos desregramentos da mulher
que não está mais sob o seu governo, e da conducta da qual
cessou para elle toda responsabilidade diante do publico.
1
Accrescenta-se ainda que em muitos casos a separação
pôde ter sido decretada por causas resultantes de culpa do
marido e então pareceria bárbaro si a mulher, que a justiça
tem julgado dever subtrahir á sua brutalidade, abandonasse-a
como joguete perpetuo da mesma, dando a ello força para
infligir-lhe moléstia continua com querellas por qualquer
suspeita ou atiral-a no cárcere por uma fraqueza que não o
prejudica eda qual foi elle mesmo em substancia a primeira
causa culpável.
Estas razões, confessa Garrara, induziram-no a adherir á
opinião de Giuliani.
Elle renova estas observações commentando o Código
Italiano.
a
Sobre a outra questão o Dr. Rivarola faz a seguinte
observação :
« O casamento CIVIL, por exemplo, lugar a possibi-
lidade de que se discuta, si lera logar a acção de adultério
contra a mulher que se houver ligado por um vinculo
puramente RELIGIOSO, sob o império da lei que exige o civil.
No caso tratar-se-hia de um casamento illegal e a acção de
adultério não pôde fundar-se sinão sobre a existência de um
casamento legal.»
3
' Entre nós é a própria Constituição Federal que declara
noart. 72:
I «§ 4.° A Republica só reconhece o casamento CIVIL, cuja
celebração será gratuita.»
Uma questão prejudicial que se pôde levantar na acção
criminal por adultério.
1
O nosso decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890, diis:
« Art. 92, Si a mulher condemnada na acção do divoroio continuar a usar do
nome do marido, poderá ser accusada por este como incursa noa arta. 301 e 302
do Código Criminal. »
ISstes artigos correspondem á seguinte disposição do nosso digo Penal
vigente :
« Art. 379. Usar de nome supposto, trocado ou mudado, etc.
« Paragrapho único. Em igual pena incorrerá a mulher que, condemnada em
acção de divorcio, continuar a usar do nome do marido. »
E' uma contravenção punida com 15 a 60 dias de prisão cellular. E' o coup
de gráce na questão.
» Carrara, PROORAMMA., Part. Spec, vol., § 182, pag. 329. O mesmo,
COMMENTO CIT. arts, 355 e 356, pag. 215.
* Dr. Rivarola, OBRA CIT. loo. cit. n. 560.
394
Uma mulher é processada por crime de adultério, diz
Hoffman ; ella sustenta, como meio de defesa, que o casa-
mento que ella tem contrahido está inquinado de nulUdade A
validade deste casamento poderá ser julgada pelo tribunal
correccional incidentemente com o processo de adultério ?
Sim, diz Haus. Mas a maior parte dos autores responde não e
com mais razão, conforme a nossa opinião
l
A' opinião de Hoffman se alliam Chauveau, Hélie e
Blanche; a mesma divergência se nota entre os autores
italianos, quanto á jurisdicção que deve resolver o caso.
Nypels e Garraud, porém, são de diverso parecer.
Opinamos com este que as questões de existência ou
validade do casamento se podem levantar incidentemente
diante dos tribunaes criminaes quando a infracção que faz
objecto do processo suppõe no accusado ou indiciado a
qualidade de esposo como no crime de adultério ou no de
bigamia.
Qualquer que seja a hypothese, é mister reconhecer aos
tribunaes criminaes o direito de verificar a existência ou a
validade do casamento ou dos casamentos, das quaes depende
o fundamento da querela ou da accusação. Não se trata, com
effeito, como se diz muitas vezes, de uma questfío devolvida
muitas vezes pela lei aos juizes civis, o art. 326 do Cod. Civil,
indicando que « estes tribunaes são os únicos competentes
para estatuir sobre as reclamações de estado », porque este
texto é especial á filiação e é um erro dar-lhe o caracter de um
principio regendo todas as questões que interessam á
constituição da familia. Na ausência de uma disposição
excepcional, é mister ater-se á regra geral, conforme a qual o
juiz chamado a conhecer de uma infracção está naturalmente
investido do poder de verificar a existência de todos os
elementos constitutivos desta infracção e por conseguinte de
decidir, estatuindo sobre o fundo do processo, todas as
questões relativas a estes elementos.
2
Mas sobre o fundo do direito, mesmo no crime de
adultério, diz von Liszt, que é condição deste a existência
material de um casamento (portanto não nullo), embora
impugnável, annullavel.
:I
Berner, considerando o adultério, vis-à-vis do dioovcio
como dissolução do vinculo conjugal, diz que a extensáo da
pena a casos de consequências menos graves não é possível.
Somente onde tem logar aquella consequência da dissolução é
a pena fundada legalmente.
1
Hoffman, QUEBTIONS PREJUDICIEIJ.ES CIT. 2° vol. pag. 479, n. 495.
* Garraud, OBRA CIT., vol. 4
o
, pag. 536, n. 511 b.
3
Dr. Franz von Liszt, OBRA CIT.., 2
o
vol., § 114, pag. 161 infinc.
395
Tal consequência nSo se pode verificar quando o matri
monio é nullo; um casamento nullo nflo pôde ser dissol
vido, mas somente declarado nullo, com o que não não re
sulta uma consequência damnosa, mas, ao contrario, um
restabelecimento da ordem moral e jurídica. Alguma cousa
menor do que aquella consequência se verifica quando os
cônjuges se separem de cama e mesa, mas não se realise
a dissolução do vinculo. * "
Nos não nos conformamos com a opinião restricta de von
Lszit que Berner não parece seguir ; porque entendemos que
seja o casamento nullo ou annullacel elle não offerece base
para assentar um dos elementos essenciaes do crime, isto ô,
um casamento realmente existente juridicamente, preferindo
a opinião de Garrara sobre este ponto.
Este ultimo autor, alludindo á opinião de Brousse, diz
que alguns distinguem entre nullidade absoluta e nullidade
relativa K O matrimonio nullo por nullidade absoluta não
existe aos olhos da lei: não pôde, por conseguinte, produzir o
effeito do adultério; mas o matrimonio nullo por nullidade
relativa, subsiste até quando aquelle dentre os cônjuges que
tinha direito de fazel-o rescindir, nflo o tenha feito e ate este
momento o cônjuge esto ligado pelo dever de fidelidade. H
Por mais seduetora, porém, que possa parecer esta dis-
tineção, duvido que se possa admittil-a, pela razão de que a
nullidade (uma vez declarada), tirando ao cônjuge offen-dido
o direito de dar utilmente o perdão, acarretaria o absurdo de
reduzir & peior condição o adultério, cujas núpcias tivessem
sido viciadas.
3
Insistimos mais nestas questões para fazer applicação
dos princípios communs ú bigamia no seguinte capitulo, sem
necessidade de repetições.
ião. O terceiro e ultimo elemento constitutivo do delido
do adultério ê a intenção culpável, o dolo ordinário ou ma fé.
A vontade criminosa pode fallar n'uma mulher casada,
quando, por exemplo, induzida em erro por engano, ou
privada do uso de seus sentidos por qualquer artificio, ella se
tem entregado a um estranho, crendo entregar-se a seu
marido. O facto innocente em relação á ella con-stitue no
caso o crime de estupro para o seduetor.
As leis romanas citam um outro caso de ausência de
dolo, aquelle em que uma mulher, crendo-se viuva, depois de
indícios rios e prováveis, entreteria ligações com um outro
individuo.
lierner, OURA CIT,, pag. 359, n. 2.
Brousse, DE I/ADULTERE, pag. 196.
Garrara, PROORAMMA CIT., § 1883, pag. 334, m fine.
390
Sena mister, diz Nypels, provas bem convincentes da noa
fe da mulher para que esta hypothese fosse admittida como
causa de justificação.
Puglta, seguindo a Pessine, enumera minuciosamente
casos negativos de dolo especifico, incluindo o da seducção.
que o ultimo nfio incluo e cuja opinifio preferimos, porque
realmente a simples seducção da mulher casada encarna o dolo
especifico do seu adultério. *
O § 2° do art. 279 do texto do código penal diz que a
acçusaçao deste crime ô licita somente aos cônjuges que
ficarão privados do exercício deste direito, si por qualquer
modo houverem consentido no adultério.
Esta disposição reproduz a do art. 252 do cod. ant cuja
ronte mediata ou remota foi o direito romano adoptado na Ord.
do Liv. 50 Tit. 25 § 9, tendo sido talvez a fonte próxima o cod.
hespanhol de 1822, art. 684que repetia o antigo direito
hespanhol e portuguez.
O direito romano punia no caso o marido por lenocínio e
aorden. punia marido e mulher e mais o cúmplice ou coroo.
Está subentendido que si houver mais do que consenti-
mento ou este fôr acompanhado de condições que caracterisem
o lenocínio, neste incorrerá o marido pelo nosso código.
O consentimento justifica a excepção, porque equivale á
remissão ou perdão da offensa, antecipa-o por assim dizer, não
é mesmo uma reconciliação, porque não chegou a haver
dissentimento.
O cod. peiorou a disposição do anterior que dizia consen-
timento em qualquer tempo e não por qualquer modo. o que 0
differente e pôde originar duvidas na pratica.
A queixa devia caber quando o facto o constituísse le-
nocínio, o que seria mais lógico, como eram o direito romano
e o direito antigo delle oriundo.
,
A
queixa privativa e exclusiva do cônjuge é justificada pela
própria natureza intima das relações entre os cônjuges, decoro
da família e a mesma conveniência publica de não in-tentar-se
processos escandalosos onde e quando os mais interessados o
evitam.
Passemos ao art. 280.
A disposição não existia 110 cod. anterior o as suas fontes
devem
*
ep
sido os cod. portuguez, art. 401, ou o francez, art. 338,
imitado pelo belga, art. 388.
Silva Ferrão censura bastante tal disposição, que real-
mente estabelece um principio de divisibilidade na prova,
1
Nypels, OBR. CIT., 2O YOI., art. 387. pag. 537, n. 7: Puriia. MANDATE
CIT.,|^VO1., art. 353, pag. 231; Pessina, ELÈMENTI *«».? vJl. 2o,
397
quando o processo deve ser indivisível pelo art. 279 § 1°
n.3».
M Garraud diz apenas, que a lei não tem querido que se
pudesse intentar processos temerários, fundados sobre indi-
cios frivolos e tantas vezes enganadores.
Ã' vista de tal disposição, nota-se entre o nosso cod. an-
terior e o vigente uma differença.
Pelo primeiro código, art. 253, a accusação devia ser
intentada conjunctamente com a dos co-reos; pelo código
actual, art. 280, só isto será possível si houver flagrante ou as
provas contra o co-réo forem documentos escriptos por elle.
Garraud, seguindo Blanche e a jurisprudência franceza,
diz que a prova escripta que a lei colloca sobre a mesma
linha do flagrante delicto resulta de cartas-missivas ou ou
tras peças emanadas do indiciado.
|
Esta condição ê substancial, mas ô sufficiente e delia é
mister concluir que a confissão feita pelo indiciado em com-
plicidade e consignada num interrogatório a elle feito diante
do juiz da instrucção, deve ser assemelhado á uma peça
escripta e constituir a prova exigida pelo art. 338 do código
francez. *
Com relação á matéria dos arts. 279 e 280 encontramos o
seguinte aresto:
Crime de adultério—seus elementos característicos.
O abandono do domicilio conjugai não é isoladamente
uma presumpçSo de adultério; não se provando que elle
tivesse como fim o adultério, prevalece a presumpçõo da
innocencia do cônjuge accusado.
Intelligencia dos arts. 279 e 280 do código penal: sen-
tença do Dr. Viveiros de Castro, juiz do Tribunal Civil e Cri-
minal, de 14 de agosto de 1897.
a
Passemos ao art. 281 e Paragrapho único e ultimo do
texto do capitulo do código, que não tem semelhante no có-
digo anterior.
A disposição do artigo tem a sua fonte no italiano, art.
356; a do paragrapho no código portuguez, art. 402,
paragrapho único; sendo um pouco semelhante a do código
belga, arts. 387 e 389.
Para justificar a reducção do prazo da prescripção do
crime de adultério a três mezes, basta considerar com Gar-
rara, que a sabedoria da disposição que fixa em três mezes a
prescripção da acção penal para semelhantes crimes, se
i Silva Ferrão, OBR., CIT. rol., art. 401, pag. 271; Garraud, OBR. CIT., »ol.
4°, n. 526, pag. 556. Levy Jordão opina com o primeiro —Obr. cit.,
1
70l. art.
401, pag. 183.
* O DIREITO, vol. 74, pag. 301.
— 398
revela por si mesma, desde que se tenha em mente a indole
especial do crime, e ás facilidades que o legislador deve con-
ceder para reconduzir a paz ás famílias em que houver tur-
bação. Além disto, não é logicamente presumível, que um
marido ou uma mulher, que por três mezes ficaram inertes sob
o peso d'uma injuria tão grave, sejam induzidos depois a agir
pela razão somente de reivindicar o seu amor próprio ou a sua
dignidade offendidos. *
O art. 281 diz três mezes contados da data do crime
quando na sua fonte estava—do dia em que o cônjuge oflen-
dido tenha lido noticia do facto.
E realmente o offendido pôde ter estado ausente.
E a propósito Pessina observa que sobre o significado da
noticia havida surgem interpretações oppostas; mas a palavra
da lei é muito clara, porque a noticia importa não o
annuncio ou informação pura e simples, mas também o
conhecimento adquirido com tal gráo de credibilidade de gerar
a convicção em relação a verdade do facto mesmo.
2
O nosso código penal não viu isto, preferiu tout court
impedir quasi a acção penal.
A matéria do paragrapho único do art. 281 é uma con-
sequência do direito que tem o cônjuge de não dar queixa ou
de desistir da accusação.
Mas no caso deste paragrapho Silva Ferrão censura a
disposição do código portuguez de 1852, art. 402, por se es-
tender ao co-réo.
Realmente o código belga, que contém disposição seme-
lhante, não estende o beneficio, conforme a opinião de Ny-
pels, ao co-réo.
3
CAPITULO VI
DO ULTRAGE PUBLICO AO PUDOR
CÓDIGO
Art. 282. Offender os bons costumes com exhibições impudicas,
actos ou gestos obscenos, attentatorios do pudor, praticados em logar
publico ou frequentado pelo publico, e que, sem offensa á honestidade
individual de pessoa, ultrajam e es canelai isam a sociedade :
Pena de prisão cellular por um a seis mezes.
1
Carrara, COMMENTO CIT., art. 356, pag. 215. »
Pessina, MANOALK CIT., § 249, pag. 279.
* Silva Ferrão, OBR. CIT., 7" vol., art. 402, pag. 277. Nypels, Obr. CIT., 2o vol.,
art. 387, pag. 538, n. 9.
— 39'J —
COMMENTARIO
i'z~. Este capitulo corresponde ao V deste titulo do có-
digo penal pelo arranjo que fizemos já anteriormente notado
e justificado.
No projecto primitivo de 1893 não incluímos o ultrage
publico ao pudor ou honestidade individual de alguém, como
fazem o código italiano e o portuguez que punem dupla-
mente como delicto e contravenção quasique o mesmo facto.
Também a disposição do texto não figura nos projectos
posteriores. O nosso código anterior, art. 280, punia como
contravenções taes factos, estendendo a punição aos escri-
ptos, art. 279, como modernamente fazem o código italiano e
outros.
A' parte a casuística costumada da dicção do texto, a sua
fonte foi o código italiano, art. 338, ou antes o respectivo
projecto de 1887, tendo disposições semelhantes o código
irancez, art. 330 e o belga, art. 385.
Gommentando as disposições parai leias do código ita-
liano, diz Majno, que a defesa da decência publica 6 objecto
de taes disposições, tendo a sociedade direito de ser respei-
tada no sentimento do pudor, na sua dignidade. A. publici-
dade é a base essencial da existência deste delicto.
E realmente, os termos do art. 282 do nosso código nfio
deixam duvida sobre isto. O mesmo autor, referindo-se espe-
cialmente ao art. 338 observa que actos que podem parecer
incriminados por este artigo podem incorrer em penalidades
mais graves doutras disposições deste titulo. I -Quanto ao
elemento intencional, consiste no escopo de causar ultrage ao
pudor ou uos bons costumes.
Conforme Impallomeni, a acção deve ser voluntária,
mas nem por isso se deve exigir a intenção de fazer offensa
ao pudor ; offende o pudor e os bons costumes aquellc que
voluntariamente age de modo a offendel-os e não é necessário
que se queira offendel-os, *
CAPITULO VII
DA BIGAMIA, PARTO SUPPOSTO E OUTROS FINGIMENTOS
CÓDIGO
Art. 283. Contrahir casamento mais de uma vez, sem estar o
anterior dissolvido por sentença de nullidade, ou por morte do outro
cônjuge:
Pena de prisão oellular por um a seis aunos.
1
Majno, COMMBNTO CIT., Part. II, art. 338, pag. 70, n. 2220 a 2222.
Paragrapho único. Si a pessoa tiver prévio conhecimento de que
é casado aquelle com quem contrar casamento, incorrera nas penas
de cumplicidade.
Art. 284. Celebrar o ministro de qualquer confissão as coremo-
nias religiosas do casamento, antes do acto civil:
Penas de prio cellular de um a seis mezes e multa de 100$
a 5001000.
Art. 285. Simular gestação e dar parto alheio por seu; ou tendo
realmente dado a luz filho vivo ou morto, sonegal-o ou substituil-o :
Pena de prisão cellular per seis mezes a dous aos.
Paragrapho único. Em igual pena incorrerá :
I
o
, o marido, ou pessoa que cohahite com a ré e que auxiliar»
ou simplesmente assentir a perpetração do crime;
, o facultativo ou parteira que, abusando de sua profiso,
cooperar para o mesmo resultado, impondo-se-lhe mais a pena de
privão do exercício da profissão por tempo igual ao da prisão.
Art. 286. Deixar de lazer, dentro de um mez, no registro civil,
a declaração do nascimento de criança nascida, como fazel-a a respeito
de criança que jamais existira, para crear ou extinguir direito em
prejuízo de terceiro :
Pena de prisão cellular por seis mezes a dous annos.
Art. 287. Fazer recolher a qualquer asylo de beneficência, ou
estabelecimento congénere, filho legitimo ou reconhecido, para pre-
judicar direitos resultantes do seu estado civil:
Pena de prisão cellular por um a quatro annos.
Art. 288. Usurpar o estado civil de outrem, fingindo parentesco,
ou direitos conjugaes, por meio de falso casamento; ou simular o
estado de casado para prejudicar direitos de alguém ou de família:
Pena de prisão cellular por um a quatro annos.
COMMENTARIO
188. Reduzimos a este capitulo a matéria do código penal
que constitue o seu tit. IX, menos o cap. IV que, segundo
opportunamente notámos, pertence a outros títulos e nelles
tem sido e ha de ser tratada. Não fizemos dos artigos do texto
a distribuição conforme o plano dos projectos de revisão,
porque elles conteem matéria que o código não contém, e o
código contém matéria que elles não conteem.
Entretanto dissemos, justificando o projecto primitivo,
especialmente sobre os dous arts. 283 e 284 do texto, que são
os únicos que correspondem aos do projecto :
Em relação ao conteúdo e mérito das disposições, convém
fazer algumas observações.
Assim, em relação á bigamia, se tomou como confronto
os modernos códigos dos cantões de Friburgo, art. 203, e
Zurich, art. 120, da Hungria, art. 251, Itália, art. 359, e
Baviera, art. 297..
O nosso código de 1830 exige como extremo da bigamia
que o primeiro casamento não se tenha dissolvido, o que é
401
muito vago, e o actual não segue a melhor doutrina adoptada
nos citados códigos, que, em face de outros, é preferível, por-
que não deixa insoluta a questão e nem a resolve contra os
dieta mes dasciencia. *
O elemento necessário a existência do crime é a validade
do casamento anterior e por elle é igualmente responsável,
tanto o casado como o solteiro, que com o casado se casou ;
podendo nós dizer como Puglia, referindo-nos ao paragrapho
único do art. 283 do nosso código penal vigente, que não
sabemos a razão da menor gravidade da pena estabelecida
para aquelle que, sendo livre, contrahe casamento com pes-
soa ligada por matrimonio valido. *
Tem sido sempre de tradição na Hungria considerar a
validade do primeiro casamento como uma condição essen-
cial do crime de bigamia.
O direito penal allemão se contenta com um casamento
putativo.
3
Muitos códigos, taes como o hollandez, o austríaco, etc,
não dizem expressamente, si um dos elementos da bigamia é
a validade do primeiro, casamento.
Mas, do mesmo modo que os códigos acima citados, fa-
zem da validade uma condição sine qua non da declaração
da culpabilidade.
Em presença de termos menos formaes que nestes códi-
gos, a jurisprudência, especial meu te em França e na Bél-
gica, se pronuncia no mesmo sentido.
O código allemão, § 171, e o projecto austríaco, § 184,
dispõem em sentido contrario, elles declaram que ha bigamia,
si o novo casamento é contrahido antes que o precedente
tenha sido dissolvido, annullado ou declarado invalido. *
A doutrina que preferimos não soffreu impugnação, nem
no seio das commissões e nem das camarás italianas,
subsistindo o projecto Zanardelli nesta parte sem alterações.
5
A outra figura criminosa é um succedaneo das disposi-
ções relativas ao código actual e do anterior, mas alterada de
accordo com o que parece ser o direito vigente diante doi art.
72 § 4
o
da Constituição.
A fonte próxima foi o novo código da Hungria, cujos
annotadores consignam judiciosamente que não se trata de
1
Zanardelli, RELAZIONE CIT., 111, pag. 247.
a
Puglia, 1 REATI hl LIBIDINli E CONTKO I BUONI COSTUMI, Nupoli, 1880,
pag. 134.
3
Martinet & Daresle, CODB PENAL HONGROIS, Paris, 1*85, art. 851,
nota.
* Lacointa, CODE PENAL D'ITALIB, Paris, 1890, art. 359, nota
Villa RELAZIONE CIT., Roma, 1888, pàg. 231; 0<s'a, RELAZIONE CIT..
Torino, 1888, pag. 229.
2917 88
Impedimêlitõpõr casamento ãrííêriõr^ a que se refere o artigo]
precedente, reprimindo o facto especialmente. H
A penalidade attinge com outra pena accessorla o juiz e
official que concorrerem para o facto.
O ultimo capitulo deste titulo comprehende a suppressõo
troca e supposição de estado que resumem os modos de alterar
o estado civil, cuja veracidade é uma das bases da sociedade
familiar, como dizia Zanardelli no parlamento italiano. *
Em relação somente ao respectivo estado civil é do que
aqui se trata exclusivamente, no tocante a outras relações, o
infante e tutelado por sancções penaes diversas que figuram
no titulo relativo a pessoa.
As rasões da classificação foram dadas no referido
parlamento. *
No direito romano o delicto das binae nuptiae era punido
a principio com a infâmia e dava lugar a consequências civis
de reparaçõo. Depois, a Lex Júlia de adulteras punia como
culpado de estupro aquelle que Jlcto coelibatu contra-hisse
novas pcias, e punia como adultera a mulher que contraída
segundas núpcias, vivendo ainda o marido. Mas Justiniano
exasperou a pena até o ultimo supplicio.
Dos germanos, Pessina recorda as palavras de Tácito :
singulis uxoribus contenti surtt, exceptispaucis qui non libi-
dine sed ob nobilitatenx plufimis amoiuntur nuptiés. A igreja
christã fortificou o conceito da punição severa da bigamia e
entre as varias penas contra ella adoptou também a
excommunhuo.
E sobre estas fontes a legislação intermédia puniu seve-
ramente a bigamia.
Assim a Orden. Liv. 5°, Tit. 19, punia com a morte o
crime de bigamia.
H Entretanto o rigor da pena foi moderado nas leis do século
19°. A' pena de 12 annos de galês do código de 1791
substituiu o francez de 1810 a de trabalhos forçados tempo-
rários.
Mas os códigos posteriores farão muito mais além na
attenuaçSo. O direito inglez pune os bígamos com a servidão
penal até 7 annos ; e o autor citado ainda, refcrindo-se ao
Código Penal do Brazil que impõe o cárcere com a obrigação
do trabalho por 1 a 6 annos, accrescenta que em geral a
legislação contemporânea é mais branda do que as precedentes
para este delicto.
3
1
RELAZIONB CIT. III, pag. 250; Villa, RELAZIONE CIT., pag. 231, Costa,
RELAKIOKE CIT., pag. 231.
1
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS do projecto de 1893, pag. 18.
3
Vid. Carvalho Durão sobre a critica deste cap. do cod. 0 DIREITO, vol. 55,
pag. 211, VI, Bigamia e aleivosia..
— 403 —
39. Os criminalistas alludem, pelo menos, á controvérsia
enlre os autores sobre a questão de saber, si a bigamia deve
constituir ou não uma figura criminosa especial,
Pessina no mesmo lugar não suscita, mas justifica o
conceito.
Suman também justifica-o, referindo-se á opinião con-
traria.
Este ultimo autor observa, em resumo, que o bígamo
produz com o seu facto um alarma, pois que todo marido e
toda mulher pode temer tornar-se victima do mesmo engano.
A segurança publica ê offendida e esta offensa se pre-
vine com a pena. Seja também a bigamia uma violação de
contracto, mas trata-se de um contracto, cujas condições são
estabelecidas pela lei, porque regulam os direitos dos
cônjuges e a ordem nas famílias.
Lesadas, pois, estas condições, são lesados os direitos e
|e a ordem sobreditos, e é desta lesão que além do dam no do
offendido, nasce aquella perturbação entre os cidadãos que
reclama a intervenção da justiça punitiva. E' por isso que
outros sustentõo o caracter delictuoso do facto e que nos ve-
mos que esta segunda opinião seja a mais exacta.
Pessina, a seu turno, argumenta com a instituição mo-
nogâmica do matrinr mio peia individua vitae consuetudo,
que veda absolutamente que, subsistindo o vinculo conjugal,
qualquer dos cônjuges contraía um outro casamento. E não
este deve ser fulminado por nullidade radical, mas dece
ser incriminado, como estando em contradicção com o
principio organic > (monogamia) da sociedade domestica,
como um facto em que ha necessidade mesmo da falsidade
para poder verilicar-se, e como um facto que produz conse-
quências damnosas, quer delle nasça prole, quer se limite a
uma simples união sexual que permaneça infecunda.
Todas as nações que teem acolhido o principio monogâ-
mico têm incriminado aqnelles que passam a contrahír um
segundo casamento quando seu primeiro casamento não esto
ainda dissolvido.
Entretanto, graças ao progresso das ideias jurídicas, a
punição pelo delicto de bigamia torna-se sempre mais atte-
nuadá e correspondendo melhor á natureza do delicto na
legislação penal moderna, sendo todavia sempre notável a
maior severidade para a bigamia do que para o adultério e o
concubinato. *
i Crivellari & Sumau, OBR. crr., vol. 7
o
, pag. 672, n. 139: Pessina,
MANOALB CIT., § 251, pag. 280. No mesmo sentido:Garraud, OBK. CIT. vol. i",
pag. 557, n. 527.
401
Seja-nos licito consignar a opinião de Pio Viazzi, que im-
plicitamente refuta a contraria:
O conceito do crime de bigamia contém cm si uma con-
tradicçõo nos termos,
O que faz o Chiunque do código e dos tratados para con-
trahir um casamento, si elle está ligado por outro valido ¥ O
primeiro vinculo exclue a possibilidade do segundo ; logo, o
segundo casamento não existe, porque a sua nullidade, à\
priori, está já determinada pela validade do primeiro.
O elemento intencional deveria ser procurado na vontade
de contrahir um segundo matrimonio, entretanto o culpado tem
a sciencia de estar vinculado pelas primeiras núpcias; mas este
conhecimento do vinculo precedente é também sciencia da
impossibilidade legal absoluta do novo vinculo, donde resulta
que a vontade de contrahir se reduz a vontade de simular o
contracto. A objectividade do delicto se faria consistir na
offensa do primeiro contracto; mas o primeiro contracto não
pôde resentir offensa de mil contractos suc-cessivos, os quaes
não teem a força de atacar em nada a substancia delle.
O facto é este. A monogamia e a indissolubilidade, formas
legaes, não podem encontrar offensa sinfio no Jacto contrario
ao seu conteúdo real, então teremos adultério ou concubinato.
E supprimido este ultimo titulo conforme pensamos,
dizemos nós, ficariam jure constituto, as ouiras sancções
relativas aos factos contrários aos bons costumes e á ordem
nas famílias.
As apparencias de legalidade (celebração de casamento')
conclue o mesmo autor, que tal facto venha assumir, não
mudam a substancia delle e nem cream de frente aos direitos
familiares uma figura nova de offensa.......................................
Viazzi ainda observa que ha sempre modo de achar nelle
um facto d'outra sorte punivel.
Na mais benigna das hypotheses ha mentira na declaração
de estado livre, e si concorrem falsidades ulteriores empapeis,
poderão ser applicadas as penas relativas, levando em conta a
maior gravidade da falsidade em proporção á importância da
funcçfio que se exercita.
Não ha outro crime, si se trata de crime na sua simpli-
cidade.
Depois, o mesmo autor exemplifica os casos que figura
como representanti vos de crimes a que pôde dar lugar o facto
que o código italiano, o nosso e todos consideram como um
delicto per se, isto é, a bigamia.
Em primeiro lugar o adultério, quando a celebração das
núpcias seja acompanhada da consummação material do falso
casamento — adultério para a mulher, concubinato para o
homem.
405
Depois, haverá no mesmo caso uma figura especial de
conjuncçflo carnal fraudulenta, por seducção, como diz Car-
rara, quando um casado «cônscio da sua situaçfio, illuda uma
donzella ignara e a leve ao altar ». A conjuncçflo carnal com
engano não é prevista expressamente pelo código italiano, mas
esta forma de bigamia e contemplada, em parte, também
quando não haja consumação de matrimonio, na qualidade de
aggravante, na alínea doart. 359, queaugmentâ a pena « si o
culpado tenha induzido em erro a pessoa com a qual tenha
contrahido matrimonio, sobre a liberdade do estado próprio
ou da outra ». ' E a propósito, aceitando por um momento o
systema do Código italiano, não sei dar a razão do por que a
commifsâo real não acolheu a prudente proposta de Brusn,
que para evitar equívocos, queria additar tenha induzido
em erro com artificios fraudulentos, não tendo justificado
a aggravante, só porque o culpado tenha feito a declaração de
ser livre — necessária para qualquer caso.
Surgirá a verdadeira e própria fraude, mixta, si as cir-
cumstancias fizerem emergir a figura delia, com os outros
crimes, quando da parte do réo se haja posto em obra um
engano para conseguir o matrimonio fictício, com o escopo
d'uma vantagem qualquer. *
130. Passemos á analyseespecial doart. 283 do texto do
nosso código penal, cuia fonte parece ter sido o art. 249 do
código anterior, reproduzido nos portuguezes, art. 337, sendo
que a dicção deste é mais semelhante á do código hespanhol
anterior, art. 385.
Não podia porém ser mais infeliz a redacção do art. 283
do texto, porque alterou para peior a do código anterior e é
mesmo iuferior á redacção tão censurada por duvidosa do
código penal francez, art. 340, belga, art. 391, e outros.
O nosso código penal, timbrando só em ser casuístico,
considera que ha bigamia no facto de «contrahir matrimonio
mais de uma vez, sem estar o anterior dissolvido por
sentença de nullidade, ou por morte do outro cônjuge».
O nossodigo penal esqueceu outro caso — a annullão,
porque si a interpretação deve ser rigorosa, como o pode
deixar de ser, si se alambicam os termos e os casos, os casos
e termos não incluídos expressamente ficam naturalmente
fora da sancçôo penal.
E quando o código penal foi publicado já vigorava a
mezes a lei n. 181 de 24 de janeiro de 1890, arts. 61 e63, que,
conforme dissemos, distingue nestas disposições o casamento
nu/lodo annullacel.
* A aggravante não figura no nosso código, mas foi adoptada no projecto de
1899, art. 287, paragrapho único, que acerescenta: iltudindo-a sobre o seu estado,
ele. .
* Pio Viazii, Sui REATI 8E88UALI, OIT. cap. XI, Bigamia.
— 406 —
De modo que da exquisita redacção do art. 283 resulta o
absurdo de que haverá bigamia quando tiver havido um pri-
meiro casamento nullo, mas não haverá quando o casamento
fòr annullavel, porque o código nem declina esta hypothese,
nem dá uma formula geral, como fazem outros.
E' o direito de outros paizes, ás avessas, como, por
exemplo, o inglez, onde não escusa da imputação de bigamia
oppôr que o segundo matrimonio é nullopor consanguinidade
ou outro vicio; mas si é nullo o primeiro, o segundo fica.
isento da tacha de bigamia; entretanto não está isento, si o
casamento seja somente ANNULLAVEL. *
Assim, o código allemão diz, o que ê muito differente:
Ǥ 171. O casado que contrahe um novo matrimonio
antes que o precedente seja dissolvido, declarado invalido ou
nullo, como também o solteiro que contrahe matrimonio com
pessoa casada, conhecendo-a como tal, etc.»
E o de Zurich:
«§ 120. E' culpado de bigamia o cônjuge que, sabendo
estar ainda vinculado por casamento precedente valido, con-
trahe outro.»
No mesmo sentido também os digos suissos dos cantões
de Vaud, art. 206; Valais, art. 209; Friburgo, art. 203; Tes-
sino, art. 267; Genebra, art. 203 e outros, cuja comparação
pôde ser apreciada em obra especial.
a
O anteprojecto do código penal suisso único define a bi-
gamia:
«Art. 126. O cônjuge que, antes da dissolução de seu
casamento, contrahir novo, etc.»
Nota-se aqui que se deixa á pratica, a applicação ou á
execução da lei, a solução das questões.
3
O código da Baviera, obra prima no seu género e talvez
até hoje em certos pontos, dispõe:
«Art. 297. O esposo que, duraute a constância de um
matrimonio valido, contrahir novo com outra pessoa» etc.
Devemos notar de modo especial que nesta questão de
doutrina estamos de accordo com o illustre autor dos Estudos
de direito criminal, que escreveu um capítulo magistral de
exposição, de critica e de legislação comparada sobre o
assumpto.
O nosso código anterior dizia:
«Art. 249. Contrahir matrimonio segunda, ou mais vezes,
sem se ter dissolvido o primeiro.»
1
Seymour Harria, OBR. crr.cap. 8", pag. 88.
* Cari Stooss, SCHWEUERISCHEN STRAFOESETZBUCHER , Basel und Genf,
1890, paga. 442 e segs.
3
VORENTWURF ciT.. art. 126, pag. 70.
— 407 —
Foi a fonte alterada do art. 283, sendo a fonte primitiva o
código penal francez, igual ao belga, cujos termos são :
«Aquelle que, estancio vinculado pelos laços do matri-
monio, contrahir um outro antes da dissolução do prece-,
dente, etc...»
Da analyse dos elementos do crime se tornará evidente o
absurdo do texto do nosso código penal e que uma praxe
racional, outros princípios e outras disposições do nosso di-
reito impõem o dever de melhoral-o na applicação.
O primeiro elemento do crime 6 que o agente esteja
vinculado pelo laço matrimonial. E\ pois, mister que o casa-
mento anterior seja valido aos olhos da lei, si não é valido
não é um vinculo jurídico.
Si no momento do segundo casamento ser contrahldo o
primeiro estivesse dissolvido pela morte de um dos esposos, a
celebração do segundo casamento não constituiria mais crime
de bigamia, ainda quando o esposo sobrevivente que contrahe
esse casamento ignorasse a morte de seu cônjuge, porque,
neste caso, bem que o pensamento do agente possa ser
criminoso, o facto material do crime effectivamente não
chegou a produzir-se. *
Seria ainda assim, diz Nypels, e com elle Merlln e Blan-
che, si o primeiro casamento, bem que inquinado de nulli-
dade, não tivesse ainda sido annullado pelo Juiz, no mo-
mento da celebração do segundo casamento. A lei, com
effeito, não pôde admittir que o casamento annullavel (mes-
mo) torne-se o elemento do crime de bigamia, porque, neste
caso, o agente seria punido, não como bígamo, mas por ter
negligenciado em fazer annullar o seu casamento precedente.
a
Merlin pergunta si se pôde condemnar um aceusado antes
que a prova do crime que lhe é imputado seja feita de modo
irrefragavel ? Não, sem duvida. Póde-se condem-nal-o sem
ter a certeza de que a acção que constitue seu pretenso crime
não perderá, por um acontecimento que pôde sobrevir, o
caracter de crime ? Ainda não. Póde-se condemnar
provisoriamente ? Absolutamente não. Entretanto, o que
aconteceria, si o condemnado por bigamia fizesse declarar
nullo seu primeiro casamento? Certamente entSo todos
seriam forçados a reconhecer que o pretendido bígamo foi
condemnado como tal antes que seu crime fosse constatado;
que elle foi condemnado antes que a acçfio que lhe era
imputada como crime houvesse sido julgada irrevo-
1
Lima Drummond, OBR. CIT., pag. 157, cap. VIII, Bigamia. AM se estuda
também os projectos de 1893 e 1896, iguacs aos de 1897 e 1899, todos os quaes
seguiram o código italiano o o húngaro.
' Vid. com a jurisprudência Blanohe, OBR. CIT., vol. 5". papr. 277, n. 217.
408
gavel mente como criminosa; numa palavra, que elle foi
julgado provisoriamente.
Frisando as consequências desse raciocínio, Merlin
conclue que um systema que conduz a taes absurdos nâo pôde
estar de accordo com a lei, como o está, nem com a razfio
nem com a humanidade.
Outros autores acostam-se á opinião deste ultimo. * ''-
Garraud nota que a Cassação franceza não parecia admit-tir
que o accusado por crime de bigamia pudesse prevale-cer-se
das nullidades relativas, o que a doutrina toda inteira
combatia; mas num aresto de 1867, a propósito de um pro-
cesso por adultério, mas cujos motivos se applicam igualmente
á bigamia, ella decidiu, com effeito, que uma mulher
pronunciada por adultério pôde excepcionar com a nullidade
do seu casamento, para fazer cahir o delicto a que este
casamento serve de base, sem que se tenha a distinguir si a
nullidade invocada por ella seja absoluta ou si ella seja
simplesmente RELATIVA.
Assim, Nypels diz que, quando um accusado de bigamia
oppõe a nullidade do seu primeiro casamento, esta excepção
deve ser julgada previamente, ella constituo uma questão
PREJUDICIAL.
2
Entre nós quid júris ¥
Por peior que seja a dicção do art. 283, felizmente a
disposição deste o pôde ser applicada á risca, porque essa
assenta numa presumpção, desde que o casamento anterior
seja nullo ou annullavel, isto é, na presumpção da validade
deste, e éo mesmo Código, art. 67, que declara que nenhuma
presumpção, por mais vehemente que seja, dará logar á
imposição de pena.
Por outro lado, a Constituição Federal, no § 15 do art. 72,
dispõe que — ninguém será sentenciado sinâo pela autoridade
competente, em virtude de lei anterior e n&fúrmãpor ella
regulada.
Si aquelle preceito do art. 67 do código o éde direito
substantivo, mas de adjectivo ou processual, ê a ultima
disposição constitucional que o fortifica melhor.
E ainda o étudo. Mesmo para a pronuncia do réo é|
mister pleno conhecimento do delicto, o que importa a sua
existência real e indubitável : é o principio estabelecido desde
1832 nocod. do proc. criminal, art. 145.
Elle tem sido mantido com o outro a que nos referimos na
legislação da Republica, tendo sido reproduzido em mais
1
Chauveau, Hélie e Villey, OBR. CIT., vol. 4°, art. 340, pag. 411, n. 1672.
.* Vid. também Hoflman, OBR. CIT., vol. 3
o
, no Índice a palavra — Bigamia.
409
de um documento legislativo ou regulamentar, como no
Decreto n. 848, de 1890, arts. 63 e 64, e Consolidação das leis
referentes d Justiça Federal > de 1898, arts. 171 e 185.
131. A existência de um casamento precedente, como
acabamos de ver, é o primeiro elemento do crime de bigamia ;
o facto de contrahir um novo casamento ou casamento mais
de uma vez, sem estar o anterior dissolvido — como diz o art.
283, é o segundo elemento do mesmo crime.
E' o facto único, na opinião de Garraud, Nypels, Blanche
e outros, é o facto de contrahir um novo matrimonio nestas
circumstancias que constitue o crime.
A bigamia não é, portanto, elles dizem, como se tem
pretendido, um crime successivo, permanente ou collectivo,
mas um crime instantâneo, simples, que está completo no
momento em que intervém o contracto fraudulento diante do
official do estado civil.
Majno, Suman, Gostanzo Calogero e outros autores ita-
lianos seguem nas pegadas de Carrara a doutrina dos escri-
ptores francezes.
Pessina é de diverso parecer, que reproduz em resumo em
obra sobre o código italiano vigente.
O delicto não fica integrado, diz elle, na pura celebração
do segundo matrimonio juridico; este é o começo da execução
do delicto; mas o delicto se integra com a convivência de
facto em que haja a união sexual. Assim que a consumação
do segundo matrimonio e consumação do delicto ; e a
celebração só pôde constituir uma tentativa, si a descoberta do
vinculo precedente foi o impedimento á consumação do
matrimonio e independente da vontade do culpado.
Citando o código italiano, art. 360, accrescenta que a
bigamia é um delicto continuado, pelo que a prescripçâo da
acção penal contra ella começa do momento em que a tem
feito cessar a dissolução delia ou do precedente matrimonio.
*
l" A seu turno Viazzi nota que aceitas as noções do código
italiano, não se pôde deixar de approvar o disposto no art. 360,
destinado, como dizia o relatório ministerial, a remover as
duvidas e as controvérsias que surgiram sobre a questão da
prescripçâo em tal crime.
A prescripçâo decorre do dia em que um dos dous casa-
mentos tenha sido declarado nullo, tratando-se d'um crime
(quando se admitta esta figura de crime) permanentes
E isto contra a opinião de Garrara, que o crê, ao con-
trario, um crime instantâneo.
a
1
Posaina, MANUALECIT., §253, pag. 283; Elemmti ctt., vol. 2° pag. 324 i§ 16),
onde a doutrina é expendida com argumentos irrefutáveis. * Pio Viazzi, OBRA. crr.,
pag. 78. V.
410
Swinderen considera, tanto a bigamia como o adultério,
uma ínfraocõo contra o casamento; mas exigindo a relação se-j
xual o adultério, e i\lógico querendo, apezar disso, collocal-os
sob o mesmo titulo nfio exigindo para a bigamia a consumação
do casamento. *
Também Boissonade, nfio querendo perder a pista dos
escriptores da sua pátria, apezar de commentar legislação d'um
povo muito differente, cToutros costumes queelle mesmo
refere e ad'outro continente e de raça muito diversa, chega á
estranha conclusfio que se trata d'um crime, ora instantâneo,
ora succeasico, conforme talvez o ponto de vista...
E vamos reproduzir a sua doutrina, porque para nós o
fundamento cardeal da nossa opinião é que a bigamia esta
antes na relação social (crime contra os bons costumes) do que
na simples infracçfio do contracto (contra o estado civil) e por
isso e porque os crimes contra um e outro titulo, Sendo
impossível de discriminar, estão reunidos sobre uma só e
mesma epigraphe geral nos citados projectos. m Assim, como
diz Boissonade, bigamia implica o adultério, com um maior
mal moral, pois que ella tende a assegurar e a dissimular a sua
continuidade, e com um maior mal social, pois que ella altera e
falseia o estado civil das pessoas, mesmo o dos filhos; também
a despeito da moderação das penas, nfio se deixou no projecto
qaponez) de propor uma prisõo mais forte que para o adultério.
Nfio era mister, de certo, considerar a bigamia um crime
continuo; è verdade que o estado de bigamia dura emquanto o
novo casamento nfio é declarado nullo pela justiça: mas o
delicto tem sido-commettido uma vez e instantaneamente,
pelo cumprimento das formalidades do segundo casamento,
formalidades tão simples no Japão que não se lhes pôde dar o
nome de celebração.
Daqui surge para Boissonade uma consequência que a
nós parece estranha. I
I Assim, elle conclue: .J
I Portanto ô a partir do segundo casamento que corre a
prescripçfioda acçfio publica, e esta acçfio pôde ser exercida
pelo ministério publico, ex-afflcio e sem queixa do esposo
offendido, porque a ordem social é ainda mais lesada por este
delicto que pelo de adultério.
Mas a prescripçfio da acçfio publica, uma vez preenchida,
o primeiro marido da mulher bígama poderia ainda processar
esta por adultério, porque o delicto é então impagável este
então) SUOCESSIVO, sendo presumido resultar
1
Swinderen, OBRA CIT., vol. 3
o
, pag. 36.
— 411
da eo-habitaçSo illegal, tanto que ella não tem cessado ao
menos de facto.
4
Neste ponto o Dr. Lima Drummond segue opinião con-
traria á nossa.
2
E de jure constitulo, com maioria de razão, mantemos a
nossa opinião diante do art. 283 do código penal que
condemiiando á pena grave pela intensidade e extensão o
bígamo não podia deixar de ter cogitado da consumação do
crime pela consumação do casamento, devendo ser classi-
ficado como tentativa o facto da celebração do novo casa-
mento ainda não consumado, circumstancia que pôde ser um
incitamento ao arrependimento do culpado.
Portanto, de accordo com os mesmos princípios do có-
digo italiano, art. 360, deve ser regulada a prescripção, har-
monisando-se a regra geral do art. 79 do nosso código penal
com os princípios que aqui estabelecemos; isto é, desde que se
trata de um crime permanente a prescripção começa do dia
da dissolução de um dos casamentos, ou noutros termos, do
momento em que cessa a coexistência dos dous casamentos
formalmente validos.
Esta doutrina, porém, no direito francez e belga, vai de
encontro á respectiva jurisprudência e á excepção de Lesel-
lyer, no dizer de Nypels, Chauveau e Hélie, Trebutien e todos
os commentadores, dizem que a prescripção começa a correr
do dia em que o segundo casamento foi contrahido.
E' diante dessa doutrina e dessa jurisprudência que
Blanche citando arestos exclama :
« Si a questão o estivesse tão formalmente resolvida
pela Corte cie Cassação, estar-se-hia autorisado a conceber
alguma duvida sobre a solução que ella deve ter.
Comprehende-se difílcilmente que 10 annos depois da
consumação da segunda união, o bigamo possa viver im-
punemente entre suas duas mulheres e dar um tal escândalo á
sociedade.»
Os autores italianos e a respectiva jurisprudência dão á
questão solução contraria, aliás de accordo com o seu código
e que aqui adoptamos e conforme os princípios geraes do
projecto de revisão, de 1899, art. 84.
O terceiro e ultimo elemento do crime de bigamia é o
dolo ou a intenção criminosa, a fé, na phrase do nosso
código anterior e que consiste para aquelle dos contra-ctantes
que e casado no conhecimento que seu primeiro casamento
não está dissolvido ; e para o contractante que não ê casado o
dolo consiste no conhecimento do estado de casado daquelle
com o qual elle contracta casamento.
1
Boissonade, OBRA OIT., pag. 1046, ns. 825 e 82G.
* Lima Drummond, OBRA OIT,, bigamia, III, pag. 175 e tegg.
— 412 —
R
I
y A Cassação franceza, sob o código de 1791 decidia que a
boa justificativa da bigamia nfio pode resultar sinão dei
opinião razoável, fundada sobre probabilidades muito fortes
que levem a crer na dissolução do primeiro casamento.
(B* provável, diz Nypels, .que o Jury em nossos dias admitia
igualmente a b >a fé em taes circumstanelas. *
No paragrapho único do art. 283 do texto, o nosso
código penal, com a costumada redaão exquisita, si o
obscura, Impõe a pena da complicidade ao co-autor dal
bigamia, quando for livre ou solteiro; pois que se ambos
forem casados o de incidir no art. 283, primeira parte.
| fizemos a devida justiça a essa attenuação da pena
lidade, que nada justifica, sendo tão criminoso o casado!
que casa de novo, como o que nfio ô casado que se casa
com pessoa casada. .
I E a vista do que temos exposto até aqui, nfio nos con-
formamos com o prinpio estabelecido no final do impor-
tante aresto que passamos a transcrever : « A lei penal
brazileira se applica ao nacional ou estrangeiro que fora
do paiz tenha commettido os crimes taxativamente
enumerados no art. 5
o
do código penal.
Os princípios que regulam a extensão da lei penal fora
do território constituem matéria de direito substantivo. 3
Derogacão da lei n. 2615 de 4 de agosto de 1875 e
decreto n. 6934 de 8 de Junho de 1878 ( regulamento da
mesma lei).
A bigamia è um crime instantâneo e não continuo',
importância da distíncçfio e especialmente na hypothese
dos autos. • Accordão Superior do Tribunal de Justiça
de S. Paulo de 16 de julho de 1898. ' -J\
1. Passemos ao art. 284,.explicando ainda que muito
ligeiramente o conteúdo da disposição do texto, para nós
revogada.
o nosso Código Criminal anterior não continha essa
figura, que é nova, e o foi reproduzida em nenhum dos
projectos de revisão do Código Penal.
A sua fonte pxima foi o decreto n. 521, de 25 de junho
de 1890. art. 2°.
de-se considerar como fontes primitivas odigo
Francez, arts. 199 e 200, e o belga, art. 267.
A infracção prevista e punida por estas disposições,
diz Garraud, implica como elemento constitutivo a cele-l
1
Nypels, oita. OIT., 2
O
vol., art. 391. pag. 576, na. 2 osegs.; Garraud OBR. CIT ,
vol. 4
o
, pag. 561, ns., 532 e aegg.
' O DIREITO, vol 77, pag. 77. A douta redacção desta Revista, no lugar eitado
chama justimente a attenção para a importância do aresto e do luetdo e jurídico
parecer do respectivo Promotor Publico Dr. Auto Portes, inserindo a íntegra de
ambas as peças.
413
bração religiosa de um casamento pelo ministro de um culto
reconhecido, sem justificação prévia da recepçSo do acto do
casamento por um official do estado civil.
Garraud, de accordo com Chauveau e Hélie e Blanche,
opina que não ha crime si, embora não exigindo a justifi-
cação, o acto civil tiver sido effectivãmente realisado antes.
O art. 284 do texto retere-se á qualquer confissão, porque
não temos entre nós cultos reconhecidos, mas todos tolerados
ou independentes, assim como tendo sido celebrado antes o
acto civil, não ha crime, porque a disposição não exige prova
previa do acto, basta a certeza de ter sido realisado.
Também conforme o direito e jurisprudência belga, basta
segundo Nypels que o casamento civil exista no momento da
benção nupcial, ainda mesmo que estivesse sujeito á
annullaçdo. O texto (como o do art. 284do nosso Código; não
exige mais e a razão da prohibição comminada faz falta desde
que um casamento civil, mesmo annullavel, tem sido
precedentemente contrahido mesmo no estrangeiro.
Assim tem sido julgado que se o casamento civil tem
sido regularmente celebrado em paiz estrangeiro, o ministro
do culto que benção nupcial antes da transcripção na
Bélgica do acto da celebração, não é passivel das penas do
art. 267 do Código Penal, ainda que soubesse que os cônjuges
não tinham feito celebrar seu casamento no estrangeiro sinão
para escapar á formalidade dos actos de reverencia .
Estas disposições, accrescenta ainda Garraud, e nisto de
accordo também com o direito belga, segundo Nypels, regem,
sem distincção, todos os casamentos celebrados em França,
por esta razão decisiva que se trata de uma lei de policia e de
segurança, imposta a todos que se acharem no território. Em
consequência, ella se applica : I
o
, ao casamento exclu-
sivamente religioso que tivesse sido contractado em França,
entre um francez e uma estrangeira, conforme as leis do paiz
desta estrangeira; 2
o
, ao casamento entre estrangeiros per-
tencentes a um paiz em que o casamento civil se confunde
com o casamento religioso. Mas estas disposições não se
referem sinão ao ministro do culto: as previsões da lei nfio se
estendem ás partes contractantes, nem ás pessoas que teem
consentido no casamento. *
Esta solução se adapta perfeitamente ao nosso direito.
A infracção, conforme o direito francez e o belga, não
exige intenção criminosa alguma, o dolo especifico ; mas é
mister um acto voluntário do ministro do culto.
Garraud, OBBA CIT, vol. 3
o
, pag:. 48% nu. 346 e 347.
414
Bem entendido, diz Nypels, que se trata unicamente de
punir a celebração á qual o padre tem voluntariamente pro-
cedido, mas não pôde haver questfío de punir um padre,!
tomado de alguma sorte de improviso, e diante do qual dous
dos seus parochlanos declaram na presença de testemunhas
(basta a assistência da missa parochial) quererem unir-se, o
que constitue um casamento valido aos olhos da lei canónica.
Esta observação foi reproduzida na discussão do art. 267
do Godígo belga e o ministro da justiça Bara declarou que não
podia ser duvidosa.
Não tem razão, porém, a estranheza de Nypels quando
accrescenla : « evidentemente, mas isto seria um meio fácil de
(Iludir a lei, si fora de um caso extraordinário, se pudesse
suppor que as partes se contentassem com esta cerimonia
summaria ».
Entretanto é o mesmo autor que logo em seguida faz notar
que os termos benção nupcial do texto do art. 267 são
empregados para designar mesmo o casamento religioso,
ainda que a benção, conforme o concilio de Trento, constitua
uma ceremonia accessoria e de nenhum modo essencial para a
validade do casamento religioso. Em onsequencía tem sido
julgado que a celebração, por um ministro do culto catholico,
de um casamento mixto, sem benção nupcial cahe sob a nossa
disposição. *
Está commentado assim o art. 284 do texto, si vigora, e na
hypothese contraria a explicação do seu conteúdo servirá para
o caso em que uma lei o restabeleça expressamente ou
estabeleça disposição semelhante.
Exprimimo-nos assim, porque si na opinião de alguns o
art. 284 do texto não está revogado, é certo que ha mais de dez
annos que vigora o Código Penal e não nos consta que elle
tenha dado logar a processo criminal algum, o obstante os
innumeros casos de casamentos somente religiosos, não
precedidos do acto civil; portanto, pelo menos o desuso da
disposição, si não pôde ser uma forma regular da revogação, é
o tacto real averiguado.
133. A questão começou no Congresso Constituinte, onde
o projecto da nossa Constituição Federal na disposição do art.
72, § 4
o
, dizia : « A Republica reconhece o casamento
civil, que precederá sempre as cerimonias religiosas de
qualquer culto. »
As palavras gryphadas aqui foram eliminadas, acres-
centando-se ao resto do texto subsistente as seguintes que
completaram a disposição constitucional: cuja celebração
será gratuita.
' Nypels, OURA CIT. , 2" foi., art. 2(57, pag. 178, na. 2, 6. 7 e 9.
415
A commlssão chamada dos 21 dizia sobre este ponto :
« O art. 72, § 4°, da Constituição (do projecto), reco-
nhecendo o casamento civil, declara que este precederá
sempre as cerimonias religiosas de qualquer culto. Esta
exigência tem perfeita justificação na actualidade, visto que o
casamento civil ô um instituto novo entre nós e cumpre que a
lei acautele interesses de terceiros e a boa fé dos próprios
cônjuges. Como, porém essa medida é por sua natureza de
caracter provisório e importa uma restricção d liberdade
individual, deve cessar logo que tenha penetrado na
consciência popular a convicção de que perante a lei só o
casamento civil forma e legitima a família e confere direitos
civis. Entende, pois, a commlssão deve simplesmente
consagrar o principio de que a Republica reconhece o
casamento civil, ficando ao Poder Legislativo a faculdade de
manter ou o a precedência a que allude o texto
constitucional. *
Nós deduzimos deste documento legislativo a conse-
quência de que o art. 284 do Código Penal logo pela promul-
gação da Constituição ficou revogado, ou, pelo menos sus-
penso em sua execução si et in quantum uma lei não
declarasse que o acto civil devia ou não preceder o religioso
para na affirmativa estabelecer nova sancçfio ou revigorar
0 art. 284, tornando-o exequível.,
A saneção presuppõe a prohibiçõo e si esta desappa-receu
do projecto para o legislador resolver depois si ella conviria
ou não, mesmo com caracter provisório, a saneção não pôde
subsistir por feita de matéria.
1 Como diz Prins, a infracção no ponto de vista jurídico
é simplesmente a reunião das condições exigidas pela lei
para a applicação da saneção penal. Ella é a violação do
principio consagrado pela saneção penal.
a
No caso, si o principio depende de uma lei futura que o
proclame, a saneção penal o consagra principio algum, não
tem base jurídica.
Não podemos por isso conformar-nos com a opinião do
illustre deputado Gastão da Cunha emíitida na nossa camará
sobre o assumpto, em notáveis e brilhantes discursos no
fundo e na forma.
3
Projecto de Constituição, eíc, e 'Parecer acompanhado dos voto* em
separado ANNAES, Congresso Nacional Constituinte, Imprensa Nacional. 1891,
pa.es. 81 c 126.
' A. Prins, ÍSCIENCH NALE ET DIIOJT posiTir, Bru-xolles, 1899, pag. 81, n.
142.
* Gastão da Cunha DISCURSOS de 1*. 20 e 22 de agosto na Camará dos
Deputados—* Diário do Congresso Nacional», n. 111. de 10 de setembro de 1900,
pag. 1347.
416
E admittida mesmo por interpretação fundada no elemento
histórico da Constituinte a vigência da disposiçflo, ella não
poderia subsistir por outros fundamentos, conforme depois
melhor veremos.
Depois de promulgada a Constituição a questão surgiu
exigindo solução urgente.
O Ministério da Justiça por decisões de 15 de abril, 21 e
31 de agosto de 1891 declarou sem vigor o art. 284 do texto
docod. penal.
Só pela relevância da questão, importância da doutrina e o
momento em que eram expedidos esses actos, os transcre-
vemos abaixo. *
A. commtssSo de Constituição, Legislação e Justiça da
Camará dos Deputados propondo um projecto de lei em que
inclue uma disposição substitutiva do art. 284, na respectiva
exposição de motivos considera este revogado e incompatível
com a completa separação entre o Estado e a Igreja entre nós.
2
O voto, em separado ao parecer, do illustre deputado
Teixeira de Sá, argumentando com princípios geraes para
justificar a restricçSo á liberdade religiosa, cita a seu favor a
1
Os citados avisos do Ministério da Justiça foram as seguintes :
Em 15 de abril, aos governadores dos Estados :
« Circular Suacitando-se duvidas quanto á precedência de cerimonias
religiosas matrimoniaes á celebração do casamento civil, declaro-vos para os
devidos effeilos, que, ncs termos dos §§ e 7
o
do art. 72 da Constituição, não
pode prohibir que taes cerimonias religiosas sejam celebradas antes de effectuado o
casamento civd, como se determina no decreto n. 521 de 26 de junbo do anno
passado, visto que seria inexequível a imposição da pena nelle estatuída, e mediante
o processo que estabelece para um facto que deixou de ser delictuoso.— liarão de
Lucena.*
Em 21 de agosto, ao I
o
secretario da Camará dos Deputados :
« Tendo a Constituição do Rstado de Santa Caiharina preacriplo no art. 92,
§21, & precedeu ia obrigatória do casamento civil e religioso, quando a
Constituição Federal a isso se oppõe (art. 72, § 3
o
), violando deste modo o art. 72
desta, remetto-vos as inclusas copias referentes ao facto de negar-se o juiz de
direito da comarca de Blumenau, naquello Estado, a consentir na prioridade do
casamento religioso, visto incumbir ao Congresso, nos termos do art. 35 § 1°, da
citada Constituição Federal, velar pela guarda desta e das leis e providenciar sobre
as necessidades de caracter federal.— António Luiz Affonso de Carvalho.»
Em 31 de agosto, ao governador do Estado do Piauhy :
« Para que façaes constar ao official do registro civil de Amarante, em solução
á representação sobre o facto de estar o paroebo da freguezia casando orphãos sem
que seja effectuado o acto civil, e que deveria ter sido encaminhada por esse
governo, declaro-vns que nenhuma providencia pôde ser dada, porquanto nada tem
o Estado que vêr, em face da Constituição, quanto à precedência de cerimonias
religiosas matrimoniaes á celebração do casamento civil, como foi resolvido por
aviso de 15 de abril ultimo, quer os nubentes sejam maiores ou menores.—António
Luis Affonso de Carvalho.,
* PARECEI* n PROJECTO n. 87, Camará dos Deputados, 1900.
417
opinião do Dr. Oliveira Escorei, douto professor na Faculdade
de S. Paulo, qi:e aliás não tratou es pecialmente da questão,
apenas deu-lhe força com a sua autoridade, subscrevendo a
opiniõo emittida pel > Jornal do Commercio, contradictada
pelo Diário OJftcial, registrando o mesmo Dr. Oliveira Es-
corei com toda isenção de espirito ambas as publicações. *
Ao maior argumento na questão e usado pelo Jornal,
póde-se simplesmente responder que a chamada commissão
dos 21 quando declara « ficando ao pcder legislativo a fa-
culdade de manter ou não a precedência a que allude o texto
constitucional», não podia referir-se ao Dec. n. 521, de 26 de
junho de 1890, e cod. pen. art. 284, do contrario teria usado de
outra linguagem apropriada ; o Congresso fez neste ponto
taboa rasa para que o poder ordinário restabelecesse as dis-
posições, ou estabelecesse novas, de modo que, estava sub-
entendido, não se atacasse a garantia da liberdade religiosa.
Também dous membros da alta magistratura, o segundo
bem insuspeito pelas suas opiniões de jure constituendo,
hnviam-se manifestado logo em 1891 pela revogação do art.
284.
« O cod. penal de 11 de outubro de 1890 está em inteiro
vigor, saloo disposições posteriores em contrario.
« Fallece competência ao poder judiciário deste Estado
para punir os infractores da disposição inserta no art. 284 do
citado cod. penal que se acha revogada pelo art. 72, §4° da
Constituição de 24 de fevereiro de 1891. » Parecer do Dr.
Vilhena, procurador da soberania nacional na Relação de
Ouro Preto de 11 de maio de 1891.
« Com aprohibiçãodo cod. penal francez, art. 199, estava
o Decr. do Governo Provisório n. 521, de 26 de junho de
1890, do emérito primeiro ministro da justiça da Republica,
Dr. Campos Salles(seu actual Presidente); mas infelizmente o
fanatismo religioso das deputaçõss de três das nossas antigas
províncias, Minas, Bahia e Pernambuco, e de quasi todas do
Norte, onde dominam ainda a superstição e o clero, estragou a
obra civilisadora da revolução, eliminando das disposições
constitucionaesa/>/*ecede/ict'o do casamento civil.
Trata-se, no Congresso Nacional, de restabelecer aquella
disposição e a do projecto da Constituição offerecido pelo
Governo á Assembléa Constituinte. Aguardamos os acon-
tecimentos. »Nota em outubro de 1891 do Dr. Macedo
Soares, ministro do Supremo Tribunal Federal, sobre o
assumpto a propósito de jurisprudência estrangeira.
2
1
Oliveira Escorei, COD. PEN. BRASILEIRO CIT., art. 281, nota 242.
*. O DIREITO, vol. 55, pag. 362; vol. 56, pag. 553.' 0 Dr. Macedo Soares 6 um
dos redactores desta Revista, que dirigia e então public.va em resumo arestos de
Irihunaes estrangeiros.
3317
27
418
Felizmente estornos também de accordo quanto á revo-
gação implícita do art. 284, pelo art. 72, § 3°, da Constituição,
e mesmo na conformidade do art. 83 desta, com o illustre
deputado Azevedo Marques em seus notáveis discursos de 23
e 24 de agosto de 190o, extractados e dados ó estampa como
excellente doutrina puramente constitucional e estrictamente
jurídica numa das nossas mais importantes Revistas.
E sobre a reforma projectada da precedência do casa-
mento civil ou providencia congénere a serie de argumentos é
irrespondivel.
Para a lei civil não h a casamento religioso, nem este
diversifica do concubinato ; a precedência pretendida arvo-
raria o ministro da religião em fiscal da autoridade civil, além
de atacar a independência e as leis das confissões religiosas.
A punição do padre é uma violeneia e a dos nubentes um
absurdo palpitante, porque a uns e a outros a Constituição
garante a liberdade religiosa, e o concubinato por si o é
punível entre nós.
O argumento, baseado na discussão e votação do art. 72 §
4
o
não tem valor a favor da precedência e ainda aqui si bem
que por fundamentos diversos, as nossas opiniões se
harmonisam.
Finalmente, seja-nos permittido autorisar o nosso juizo
convicto com a mesma opinião do illustre deputado, repro-
duzindo aqui integralmente uns trechos dos alludidos artigos:
I
« A situação actual do nosso direito prevê, quanto pos-
sível, os crimes em questão, classificados pelo nosso Có-
digo Penal, arts. 267, 270, 271, 272 e 273.
« O povo em geral e mesmo alguns profissionaes que,
mais ou menos superficialmente, teem cogitado deste assumpto
entendem que os casamentos religiosos acobertam dessas
penalidades aquelles que os contrahem; mas o JO~| RISTA não
pôde assim pensar.
« Com effeito, desde que a nossa lei positiva desconhece
o casamento religioso, ella não pôde attendel-o como uma
razão dirimente, como uma justificativa desses crimes.
« Portanto todos aquelles que commetterem ta es crimes
acobertados pela benção da divindade, impropriamente
procurada para esse fim, incorrem na sancção penal do nosso
direito.» *
1
REVISTA DB JURISPRUDÊNCIA, vol. 10, paç. 97 e 206 = J. M. de Azevedo
Marques Casamento civil e religioso Liberdade de cultos Ooã. pen art.
284.
419
I 134. E' verdade que em rios paizes se tem adoptado
como regra obrigatória que o acto civil preceda a ceri-
monia religiosa.
Assim, dentre elles, pode-se notar o moderno código da
Hollanda, que no Hv. 3
o
, que comprehende as transgressões
(contravenções) e no tit. -4° das transgressões concer-
nentes ao estado civil — dispõe:
« Art. 4i9. O ministro de um culto que, antes que as
partes lhe tenham feito constar que o seu casamento foi
legalmente celebrado na presença do official do estado,
civil, proceder a qualquer solemniaade religiosa em relaçfio
ao mesmo casamento, será punido com a multa no má-
ximo de 300 florins.
£ Si no tempo em que a transgressão for commettida nfio
tiverem ainda decorrido dous annos que o culpado tenha sido
irrevogavelmente condem nado pela mesma transgressão,
em logar da multa poderá ser applicada a detenção de
dous mezes no máximo.»
Por igual, na Suissa, a lei federal de 24 de dezembro de
1874, declara:
« Art. 40. Uma cerimonia religiosa o pode ter logar
sinSo depois da celebração legal do casamento pelo func-
cionario civil, com a apresentação da certidão de casa-
mento.»
Nas disposições penaes a lei declara:
«Art. 59. Devem ser processadosepunidos ex-qfficio
ou por queixa:
« 2°, de uma multa que pode ser elevada até 300 francos
os offlclaes do estado civil que tiverem violado os deveres,
impostos pela presente lei, assim como os ecclesiasticos que
tiverem agido cm contrario ás disposições do art. 40. No|
caso de reincidência a multa é dupla e o funccionario se
destituído.
Os ecclesiasticos o igualmente responsáveis, para com
as partes interessadas, pelas consequências civis.
As partes interessadas teem o direito de recorrer,
diante do Tribunal Federal contra as decisões dos tribunaes
cantonacs sobre a applicação das disposões deste artigo.»
Alfredo Martin, professor da Universidade de Genebra,
commentando esta lei, diz:
« Os esposos são livres naturalmente para proceder á
uma cerimonia religiosa. Mas esta cerimonia nfio pode ter
logar siiRIO depois da celebração do casamento pelo funccio-
nario civil. Os esposos devem apresentar ao ecclesiastico,
encarregado de abençoar o casamento, um certificado do
casamento (art. 40).»
— 420 -
Diz ainda o notável professor:
« A lei edicta uma responsabilidade penal contra diversas
pessoas (art. 59), a saber:
« 3.° Contra os ecclesiasticos que teem celebrado um
casamento religioso, sem que a celebração legal tenha tido
Iogar (art. 40).»
« A multa é também de 300 francos no máximo e pôde
ser dupla no caso de reincidência.
Os ecclesiasticos incorrem também numa responsabili-
dade civil para com as partes interessadas. Esta respon-
sabilidade pôde ser pesada. Figure-se o caso de um homefti e
de uma mulher que accionam o ecclesiastico que tem
celebrado a cerimonia religiosa do casamento, tornando-o
responsável pelas consequências, talvez muito graves, do facto
que elles não teem crido necessário de se apresentar diante do
offlcial do estado civil. Por culpa do ministro do culto, elles se
acreditavam casados e, entretanto, não o estavam.
Segundo a ultima alínea do art. 59, as partes interessadas
teem o direito de recorrer diante do Tribunal Federal contra as
decisões dos tribunaes cantonaes sobre a appli-cação das
disposições do art. 59.
São com effeito os tribunaeS cantonaes que, em pri
meira instancia applicam estás disposições concernentes a
responsabilidade penal e civil. O recurso ao Tribunal Fe
deral é concedido as partes, qualquer que seja o valor do
litigio.» * ^
E.. assim outras leis e outros digos fazem o mesmo,
como bem demonstrou, enumerando-os o deputado Gastão da
Cunha, na discussão do alludido projecto.
Mas, como também judiciosamente observava a com-
missão da Camará, adduzmdo uma serie de argumentos e
apresentando o projecto citado: «os que raciocinam de modo
diverso recorrem ás legislações estrangeiras, que não servem
de subsidio para guiar a questão.»
E realmente, vamos dar demonstração disto, recorrendo á
lei franceza, igual á belga e que são prototypos no caso,
mesmo porque a fonte do nosso art. 284 não podia ter sido
outra.
Mas, não tendo que discutir o projecto, nem a questão de
modo geral, nos limitaremos ao nosso próprio terreno de
commentador que recorre ás autoridades no estudo do direito
comparado para melhor conhecer os institutos paral-
1
Wolf, Lo is USUGLLES de la Confidêration Saísse, Lausanne, 1898, )ags. 77,
91 95; Alfred Martin, COMMF.NTA.IRE de la loi fêãèrale oonoetnant 'Hat civil
et le wariage, Oenève, 1897, pags. 127 e 221 i.
421
lelos ou congéneres, suo historia, significação e alcance,
quanto ao que existe ou pôde ser creado na legislação para
manlel-a ou innoval-a.
Eis como Chauveau e Hélie abrem a explicação dos arts.
193 e 2 )0 doCod. Pen. Francez, parallelosaoart. 284 e a
quantos projectos se apresentem para subslituil-o:
« Separando o poder civil e o poder religioso, a lei neces-
sariamente previu que, sobretudo nos primeiros tempos que
succederiam á essa separação, os ministros do culto, quer em
consequência de hábitos tomados, quer por convicção de seus
direitos, tentariam retomar alguns destroços do poder que lhes
escapava. Os actos do estado civil, longo tempo confiados ás
mãos dos ministros do culto catholico, pareciam -sobretudo
dever ser o objecto de taes usurpações.
Já a lei de 7 do Vendimiario do anno IV havia pro-
hibido, sob penas severas, conceder qualquer autoridade aos
atlestados relativos ao estado civil e emanados deste
ministério.
Foi mister em seguida que o legislador inscrevesse na
CONCORDATA de 18 do Germinal do anno X a prohibição
imposta aos mesmos ministros de dar a benção nupcial ás
pessoas que não provassem ter contrahidoo casamento civil.
Esta interdicção foi estendida aos ministros dos cultos dis-
sidentes e do culto israelita.
Os arts. 199 e 200 são a SANCÇÃO destas disposições.,»|
Ora, perguntamos nós : onde es a nossa concordata
com a Santa ? Onde está o acto que reconhece o culto
israelita, por exemplo, e um ou outro mais, como .em França
%
Responda a Constituição Federal, quê no art. 72, fazendo
a declaração de direitos enfeixou uma serie de disposições
nítidas, enérgicas e insophismaveis neste ponto como o direito
cardeal, fundamental da Republica, dizendo assim : |
o § 3.° Todos os indivíduos e confissões religiosas podem
exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para
esse fim e adquirindo bens, observadas os disposições do
direito commum.
§ 4.° A Republica reconhece o casamento cioil, Cuja
celebração será gratuita.
§ 5.° Os cemitérios lerão caracter secular e serão
administrados pela autoridade municipal, ficando livre a
todos os cultos religiosos a pratica dos respectivos ritos em
relação aos seus crentes, desde que não offendam a moral
publica e os leis.
§ 6.° Será leigo o ensino ministrado nos estabeleci-1
mentos públicos.
§ 7.° Nenhum culto ou igreja gosará de subvenção
ojjieial, nem terá relações de dependência, ou alliança \ com
o Governo da União, ou dós Estados.
— 422 —
J 28. Por motivo de crença ou funeção religiosa Ji nenhum
cidadão brazileíro poderá ser privado de seus direitos civis e
políticos, riem extmir-se do cumprimento de qualquer dever
civico.
§ 29. Os que allegarem motivo de crença religiosa com o
fim de se isentarem de qualquer ónus que as leis da Republica
imponham aos cidadãos, os que acceitarem condecoração ou
títulos nobiliarchicos estrangeiros perderão todos os direitos
políticos.»
Nós deixamos ao juizo dos competentes decidir si diante
de um tal direito constitucional é possível prevalecer o nrt.
284 do texto do Código Penal ou estabelecer disposiçfio
semelhante que attinja nas suas comminações o simplesmente
crente, ou o ministro comotaes, isto é, casando-se, ou casando
os outros ritualmente na qualidade de catho-lico,
protestante, judeu, positivista, etc.
Ainda a respectiva exposição de motivos desenvolve a
necessidade dos citados artigos do Código Francez, nestes
termos'':
« Os ministros que procedem ás cerimonias religiosas de
um casamento, sem que lhes tenha sido provado o acto de
casamento recebido pelos officiaes do estado civil, com-
promèttém o estado civil das pessoas simples, tanto mais
dispostas a confundir a benção nupcial com o acto constitutivo
do casamento, quanto o direito de imprimir no casamento o
cunho da lei estava ainda lia pouco nas mãos desses
ministros. Importa qué tão funesto engano não se perpetue.»
1
13"». Esta ultima observação ataca substancialmente esta
emenda offerecída ao projecto pelo distincto parlamentar :
« Ao art. Não effectuado o casamento civil antes da
cerimonia religiosa de qualquer culto penas aos nu-
bentes prisão de um a três annos; ás testomunhas 15 dias a
60.
Paragrapho único. Nas mesmas penas incorrerão os
nubentes que, unidos apenas religiosamente, nfio legalizarem
sua união no prazo de dous mezes.
Sala das sessões, 22 de agosto de 1900.—Gastão da
Cunha.»
Na grande obra essencialmente pratica que escreveu sobre
aquelle direito, Blanche, a seu turno, quando passa a
1
Cliauveau, I-Iélie o Yilley, OBRA. CIT., vol. 3°, ar 18. 199 e 200, pag,
65, ns. 916 e 917, '"
— 423 —
tratar dosarts. 199 e 203 do Código Francez, começa por uma
advertência preliminar que se deve notar, dizendo :
« As disposições que nós vamos estudar não são appli-
caveis sinão aos ministros dos cultos RECONHECIDOS em
França.
Esta opinião tem, eu sei, seus contradíctores.
Mas parece-me que ella acha sua justificação na dis-
cussão de que os artigos, que me occupam, foi objecto no
Conselho de Estado (Locré, t. 30, pags. 170 e segs.) Foi,
parece, o pensamento que dominou os debates.
E' sem duvida o pensamento de Portalis, quer quando elle
examina si ha circumstancias « em que se torne necessário
obrigar os ministros dos cultos organisados (são delia todos
os gryphos) a dar conhecimento a autoridade dos escriptosque
el los se propõem a publicar» (ib., pag. 173),. quer quando
elle procura estabelecer que si a lei pôde mostra r-se zelosa
nos paizes em que os cultos não são sinão tolerados, « não e o
mesmo quanto aos cultos organisados pelas leis, daquelles
cujos ministros são nomeados pelo imperador e sujeitos a um
juramento PARTICULAR» {ib., pag. 174); ê ainda o pensamento
de Berlier, quando reconhece que se pôde dispensar de
submetter a approvação previa do ministro dos cultos as
instrucções pastoraes, pois que é affirmado por este ministro
«que os pastores das religiões admittidas em França
conduzem-se de maneira a não inspirar inquietação alguma
séria» (ib., pag. 179). Emfim, é o pensamento de Cambacérés,
quando faz observar ao Conselho que o Imperador manifestou
a intenção que os delictos particulares aos ecclesiasticos con-
stituíssem uma classe a parte,
Quanto aos ministros de cultos que existissem em França,
sem serem reconhecidos seriam, conforme parece-nos,
collocados sob o império do direito commum. Si este direito é
mais rigoroso que os artigos relativos aos ministros dos cultos
reconhecidos, elles soffrerão o seu rigor; si elle é menos
severo, elles aproveitarão da sua indulgência. *
A' vista destas observações e do que jíi tínhamos adi-
antado, o projecto art. fez bem em revogar oart. 284; mas,
melhor seria ter usado de uma forma de disposição
interpretativa, declarando que o artigo estava revogado, afim
de retroagir sem duvida possível a favor dos factos
consumados.
Não achamos por isso fundamento para a emenda do
illustre deputado Galdino Loreto, um dos salientes collabo-
radores da reforma em questão, de cujo projecto é relator o
nosso distincto collega deputado Alfredo Finto.
1
Blanohe, OBR. crr. vol. 4° pag. 1, n. 1, introduoção ao estudo drs
arts. 199 e 200.
— 424 —
Finalmente, seja-nos licito ainda referir a opinião de
Garraud, cuja obra notável tem no momento o mérito pelo
menos de ser recente, fazer a critica da lei e em relação a
França quasi considerai-a dispensável.
O estado civil, diz elle, resultando particularmente destes
três factos, o nascimento, o casamento e a morte, estabele-ce-
se por meio de declarações recebidas pelos offlciaes do estado
civil, que redigem actos nos quaes ellas são constatadas.
A secularisação (laicisation) do estado civil, operada pela
revolução franceza teve como consequência desviar a
intervençfio dos ministros dos cultos na recepção e redacção
destes actos. Mas para romper com hábitos e talvez também
com resistências fáceis de prever, particularmente por parte
dos ministros do culto catholico, a lei de 7 do Vendimiario do
anno IV, prohibio sob penas severas, attribuir qualquer
autoridade aos certificados relativos ao estado civil e ema-
nados destes ministros.
O legislador foi mesmo mais longe, e, por uma disposição
que viola, n'uma certa medida, a LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA,
ordenou aos ministros do culto catholico, de nSo dar a benção
nupcial «sinão aquelles que provarem, em bôa e devida forma,
ter contrahido casamento diante do official do estado civil».
Esta disposição contida noart. 54, da lei de 18 do Ger-
minal do anno X, foi estendida aos ministros dos outros cultos
pelo decreto do do Pluvioso do anno X e art. 53 da
ordenança de 25 de maio de 1844.
Si esta interdicção tinha uma razão de ser no começo
deste século (19°), ella não tem mais quasi hoje: não ha a
temer, com effeito, ver os interessados confundir a cerimonia
religiosa com o acto constitutivo do casamento, e os ministros
do culto, quer em consequência de hábitos adquiridos, quer
por uma convicção exagerada de seus pretendidos direitos,
enganar as pessoas que querem receber a benção nupcial. A
lei tem crido, nflo obstante, dever sanccionar duplamente a
prohibição estabelecida contra os ministros dos cul'os.
I Por um lado, com effeito, a sua violação constitue um dos
casos de ABUSO determinados e reprimidos pelo art. 6
o
da lei
de 18 do Germinal do anno X.
(Nós não temos hoje no Brazil casos de abuso do poder
ecclesiastico sujeitos a jurisdicção do poder civil, esta ano
malia desappareceu com a respectiva separação). Por outro
lado, a infracção, da parte do ministro do culto, á esta pro
hibição, 6 punida, ora como delicio e ora como crime, pêlos
orls. 19J e 200 do código penal francez. * B
1
Garraud, OBR. CIT. vol. 3° png. 480, n. 343, pr.
425
Nessa citação de Garraud salientam-se dous pontos:
violar a lei a liberdade de consciência não obstante a posição
do Estado vis-à-vis da Igreja, diametralmente opposta a que
tomamos depois da Republica; e a desnecessidade hoje das
disposições ainda vigentes.
£T Sobre o primeiro ponto, o conceito fortifica a opinião que
seguimos contraria á existência do art. 284 do código penal.
Quanto ao segundo ponto, a apresentação do projecto
provocado por indicação do seu illustre relator o deputado
Alfredo Pinto e a discussão na Camará parecem justificar a
necessidade de adoptar em lei providencias especiaes.
136. Por motivos geraes e intuitivos, insurgimo-nos com
razão contra qualquer penalidade, maxime criminal, cuja
applicação attinja os nubentes e ainda mais contra o homem,
somente porque elle pôde ser justamente o nubente arrastado
pela nubente a realisar só a ceremonia religiosa.
Nada de pena contra os nubentes simplesmente como
\taes.
O projecto, art. 2°, manda applicar ao nubente a pena do
artigo, para nós de applicação impossível, porque a cerimonia
religiosa o é falso casamento, não é casamento algum ; aos
olhos da lei não tem forma, nem apparencia de casamento,
juridicamente não existe absolutamente.
As outras partes do art. 2°, o acceitaveis, mas ellas
devem ter um caracter meramente interpretativo, podendo
serem reduzidas á emenda do deputado Galdino Loreto, salva
a redacção:
« Art. O casamento religioso o isenta de peno os
responsáveis por um facto punível.»
A lei não deve chamar casamento ao que não é, mas
empregar outra locução: por exemplo, cerimonias religiosas,
como dizem o cod. francez ealeisuissa, ou benção nupcial
como está no cod belga.
Dado o caso que reúna os caracteres exigidos pelas
disposições respectivas do cod. penal, o nubente então, não
simplesment taj.tjicm falis, ires como um autor de crime
contra os bons costumes e a ordem na família, não sendo
casado, como não é, poderá incorrer nas penas dos arts. 266,
267 e 268, segundo a hypothese, pois que conforme o art. i72,
presume-se com violência taes factos praticados contra
pessoa menor de 16 annos.
O mais da acção, do processo e das disposições civis não
diremos.
Quanto aos ministros dos cultos, vemos uma provi-
dencia para o caso em que fizerem propaganda provada
contra a pratica do casamento civil, induzindo os interessados
a não realisal-o.
O cod. crim. de 1830, art. 119, continha uma figura de
crime especifica, acompanhada doutra genérica, por uma
— 426 —
formula geral, que punia o que por escriptos ou discursos em
reuniões politicas provocasse directamente a desobediência ás
leis.
E' mister ampliar a formula, sem referil-a a escripto, nem
a discurso, porque basta que o facto possa ser provado para ter
lugar a punição, e ao mesmo tempo restringil-a ao objecto de
que se trata,- isto 6, provocar a desobediência das leis sobre o
casamento civil, induzindo os interessados a não realisal-o,
contenlando-se com a observância da cerimonia religiosa ou
recepção da benção nupcial.
Fora dahi nfio vemos providencia legal adequada que
respeite a Constituição Federa}.
No estado actual do nosso direito podemos estabelecer
como uma máxima que o chamado casamento religioso
nõoexclue absolutamente as sancçòes do cod. penal sobre o$
factos contrários aos bons costumes.
Mas pensamos e nisto contra o projecto, art. 2° e a
emenda substitutiva do deputado Galdino Loreto na parte que
um e outro pretendem considerar a cerimonia religiosa uma
fraude constituindo elemento do art. 267 do cod. penal que
isto é inadmissível.
Assim pensamos, porque, embora reconheçamos dif-
ferença entre a disposição desse artigo e a do art. 331, n, 4
o
ultima parte, do cod. ital. onde se diz:—ou por effeito de
meios fraudulentos por elle (o culpado) empregados— todavia
ainda a doutrina dos autores italianos deve ser acceita porque
se coaduna com as nossas instituições recentes de plena
secularisação do estado civil. < E ainda por isso seja-nos licito
consignar aqui a opinião de Costanzo Calogero,
integralmente, para não alterar o seu pensamento extractando-
a e resumindo-a.
Aquelle caso é o único no cod. italiano em que a con-
juncção carnal é punida fora do caso de violência real e
presumida.
Interpretando a figura do crime é que o insigne autor,
depois de demonstrar que ella o pôde abranger a simples
promessa de matrimonio, diz :
« Não cremos que o mesmo se possa dizer da simulação
de casamento, porque neste caso nós nos achamos de frente á
uma verdadeira e própria fraude e o consenso surpren-dido a
mulher mediante engano não dirime absolutamente a
responsabilidade do culpado.
«A mulher que na sua honestidade e no sentimento dos seus
deveres teria devido achar a força de resistir ás promessas
mendazes e ás artes do seductor, acha-se de todo inerme e na
impossibilidade de resistir áquelle que se apresenta na falsa
qualidade de esposo, forte por seus direitos.
— 427 —
«A insidia usada pelo culpado que tem por effeito reduzir
a mulher a uma impossibilidade real e verdadeira de resistir
aos appetites delle, da sem duvida alguma a este facto todos os
caracteres de delicto. B «A simulação de casamento, portanto,
podemos affir-mar que constitue um meio fraudulento nos
termos do art. 331, n. 4°.
c< Bem entendido porém que tal simulação deve ter todos
os requisitos, de modo que o engano da victima seja
justificado, e deve referir-se ao casamento CIVIL ; porque se
tenha sido simulada a cerimonia RELIGIOSA, o facto, immoral,
tanto quanto se pretenda, sane do domínio do cod. penal.
« O casamento religioso ainda que validamente cele-
brado não produz effeito algum Jurídico e a lei cioil não
distingue o CONCUBINATO da condição daquelles que estão
unidos SOMENTE pelo vinculo religioso.
« A simulação por isso d'um facto que mesmo reali-sado
nada altera nas relações de duas pessoas que se unem
casualmente, é claro que o pôde ter effeito algum de frente
á lei penal.
«São sem duvida para deplorar os gravíssimos incon-
venientes a que tem dado logar o mão costume de celebrar o
casamento religioso antes do cioil, mão costume graças ao
qual tantas infelizes, como ignorantes, se deixando conduzir
ao altar, veem-se depois abandonadas como simples
CONCUBINAS, sem terem modo de fazer valer seus direitos de
mulheres, pois que taes o são deante do estado civil, mas a
taes inconvenientes e ao de milhares de filhos, que não o si
não bastardos, porque os seus pais descuidaram-se de
collocar-sc na regra com o estado civil, não pôde o cod. penal
prover.
« O governo, não surdo aos lamentos de tantas victimas
da ou ignorância doutros, proverá com lei adequada, e
se falia num projecto apresentado na Camará dos
Deputados pelo Ministro da Justiça Bonacci sobre a obri-
gação de fazer preceder o casamento cioil ao religioso.
« Não é aqui o logar de examinar si esta lei, inspirada
sem duvida em sentimentos de alta humanidade, restrinja
muito a liberdade dos cidadãos e invada o campo da acti-
vidade individual, nós cremos porém que o estado não
entende impedir, aos cidadãos de considerar como necessária
á validade do casamento a funeção religiosa, mas entende
somente que o contracto de casamento, que è a base da
família e da sociedade, não seja substituído por uma funeção
religiosa, civil e legalmente van. Livres os cidadãos de
unirem-se religiosamente, o Estado tem o dever de prevenir e
até certo ponto de reprimir a falta da união civil que produz
gravíssimos inconvenientes de ordem social.
— 428 —
«Esta lei, de natureza especialmente preventiva, uma vez
calcada sobre princípios de justiça e de equanimidade é
rectamente appliçada protegera justamente contra a fé a
ingenuidade das jovens e, tendendo a regulara condiçflo dos
filhos, tutelará uma ordem de interesses de índole geral *.
Sobre estes conceitos geraes temos apenas que rios referir
á opinião que emittimos em relação a reforma que também
se projecta entre nós.
Quanto ao móis porém a longa citação convence de que
ha uma certa contradicção em só reconhecer o Estado o casa-
mento civil e erigir a cerimonia religiosa em elemento de
crime contra o pudor, equiparando a simulação de casamento
uma situaçSo onde a lei não nada que se possa ju-
ridicamente qualificar como casamento; porque a simulação
representa ou presuppõe a apparencia, a imitação da formo, da
realidade e si estas não existem para a lei, muito menos
poderão existir as apparencias, a imitação, a simulação capaz
de ser reconhecida pela lei como condição de figura de qual-
quer crime.
137. Passamos a tratar dos arts. 285 a 288 inclusive, que
formam o capitulo III do parto supposto e outros fingimentos,
do titulo IX do código penal e correspondem ao capitulo VII
deste titulo VII deste nosso commentorio.
A fonte próximo do digo vigente, embora alterada, foi
o nosso código anterior, arts. 25 * e 255.
Mas a redacção foi modelada pelos códigos portuguezes,
arts. 3í0e341.
O parto supposto que é a espécie do art. 285 figurava na
Orden. doLiv. 5°, Tit. 55.
Silva Ferrão censura o código porluguez de 1852 por es-
tabelecer peno mais severo que o suo fonte, o nosso de 183U;
e censura ambos também o que se pó:le opplicor oo nosso
código vigente, porque incriminam o facto material, sem cu-
rarem do fim a que esse facto se dirige, e de quoes serão as
suas consequências necessárias, effeclivas ou mesmo pos-
síveis.
Ainda diz elle, que a Orden. e o nosso código anterior
tornam essencial para esta incriminação a simulação do gra-
videz. O facto material, sem ser precedido desta longapre-
meditação, não tem importância alguma, porque ninguém
acredita. Coe por si mesmo, porque lhe falta a menor sombra
de verosimilhança.
Depois de criticar a indis-incção da lei, exemplificando
casos ou citando exemplos de factos de parto supposto que
1
Costanzo Calogevo, apud Cogliolo, Ona. CIT. vol, 2". Part. I
a
A, pag.
1042.
429
não causam damno e nem prejuízo a terceiros, podendo ser
quando muito irnmoraes, mas não illicitos, nota o mesmo
autor que o notável código da Baviera não contemplou tal fi-
gura de crime e a sua origem entre nós foi a Orden. Philip-
pina que teve como fonte o direito romano, nâo aproveitado
aliás pelas compilações Manuelina e Affbnsina. I Entre nós
Thomaz Alves e Carlos Perdigão, commen-tando o código
anterior, manifestam-se, este abertamente contra a disposição
parai leia ao art. 285 do texto e uquclle no sentido de
restringir a sua applicação, conforme as idéas de Silva Ferroo,
pela dificuldade da prova, falta de nitidez nos elementos do
crime, ausência de damno real, etc.
Todas estas opiniões convergem para condem na r o nosso
código penal.
l
Pacheco commentando o cod. hespanhol anterior,arls. 392
e393 e vigente, arts. 483 e 484, observa que si se de dizer
que é dura a lei, de nenhum modo se poderá dizer que seja
injusta. A supposição de parto, a substituição dum menino em
lugar de outro, não só causam a certos indivíduos um prejuízo
incalculável em sua personalidade e interesses como até
alarmam e espantam a sociedade inteira. O crime nestes
factos que precisamente devem ser de boa não pode olhar-
se com demasiado horror nem castigar-se com assaz energia.
2
\ . Taes origens explicam a existência da figura nos modernos
códigos do Uruguay, art. 312, da Argentina, art. 150, e outros
das republicas hespanholas da America.
Rivarola, por isso mesmo insuspeito, censura a casuística
(elle não conhece a do nosso) do código argentino, preferindo
a dicção do código francez, art. 345, que resume os conceitos
das figuras também do nosso Código, arts. 285 a 288, e
interpretação razoável ás perallelas do mesmo código
argentino, que como o do Uruguay e os hespanhóes falia
expressamente de médicos e parteiras, no que o seguiu o
nosso vigente.
A opinião de Rivarola é do maior valor para a interpre-
tação do art. 285 do texto, tão lacunoso como é, e realmente
elle diz que os direitos que se ao supposto filho para que
proceda a applicação do art. 150, devem ser direitos ínhe-
rentes a um estado civil que se crêe ou supponha.
Desde que a supposição de gravidez ou de parto não
tenha por objecto um interesse daquella natureza, o terá
lugar a applicação do artigo.
» Silva Ferrão, OBR. CIT.TOI. 6» pag. 310, art. 310; Thomaz Alves, OBR. riT.
vol. 3", pag. (502. art. 254; Carlos Perdigão, OBB. <HT. vol. pag. 518, art, 254.
* Pacheco, OBR. cir. vol. 3" pag. 212, n. 2. H
- 430 —
Rivarola censura um aresto do Supremo Tribunal hespa-
nhol por applicar o respectivo código ao caso do qual não
resultou prejuízo algum, ou á vista da lettra mesmo da dis-
posição que nfio refere o fim ou objectivo do facto, mas está
collocada como a do nosso em um titulo bem significativo
como o deste — dos crimes contra a segurança do estado civil.
O mesmo autor cita a opinião de Carrara contraria aos
códigos, cuja redacção nfio exclue mesmo factos indiffe-
rentes. *
No paragrapbo único do art. 285, o nosso Código manda
punir com as penas da co-autoria, attenta .a sua technica, salvo
si nfio é tal na linguagem, o medico, a. parteira, o marido, ou
pessoa que cohabite com a ré, estas duas ultimas si
simplesmente assentirem.
Temos no caso até uma criminalidade post factum que
nem no assassinato pôde ser juridicamente tolerada.
Rivarola nota ainda aqui, nfio sobre o assentimento,
absurdo que nfio existe no Código argentino, mas sobre a co-
autoria do medico e da parteira, que comquanto pudesse a lei
ter deixado avaliar-se a responsabilidade principal ou
accessoria dessas pessoas para punil-as correspondentemente,
todavia sendo maior a importância do dever violado por taes
pessoas, ao mesmo tempo que ellas nfio obram pelos próprios
estímulos dos interessados, é explicável a lei.
Qutra questfio, lembrada pelo mesmo autor e que pôde
suscitar o art. 150, parallelo do nosso, é a de saber si fallando
a lei de direitos que se attribuam a -um supposto filho, será
Decessario que eflectivamentese apresente uma creatura com
tal qualidade, ou se qualificará lambem como crime o lacto,
quando em vez. de exhibir-se o filho se produzam falsas
provas de que existiu, por exemplo, por falsa inscripçfio de
nascimento.
Rivarola adopta a solução negativa.
A doutrina diverge.
Garraud, seguindo Blanche, adopta a soluçõo affirmativà
dizendo que o crime de supposição de filho pôde resultar
igualmente da supposição em uma mulher, mesmo de um
filho imaginário. Este facto tem em certos casos consequên-
cias muito graves, e servirá de base a actos de usurpação e de
espoliação, por exempto, á revogação de uma doação por
superveniencia de filho. Sem duvida, quando o filho é imagi-
nário, o pôde haver offensa ao estado civil de ninguém. Mas,
em nossa opinião, a qualificação do art. 345 do Código fran-
cez,é independente de qualquer suppressõo de estado. Em vão
se dirá ainda, que o crime de supposição de filho implica a
1
Carrara, PROORAMMA PART. SPBC . vol. 3
o
, pag. 491, § 1.964.
431
existência de um filho, porque precisamente o que a lei pune,
é a supposição de Um Jtlho em uma mulher que Mo tem dado
á luz-
Esta opinião de Garraud baseia-se sobre um aresto da
Cassação franceza de 7 de abril de 1831, que Chauveau e Hôlie
procuravam justificar antes dos citados autores, reconhe-
cendo que a decisão não tinha sido apoiada em motivo algum.
Nypels combate perfeitamente taes opiniões diante do art.
345, assim como do código belga, art. 363, notando que á
Corte revisora de Grenoble nem citara aquelia disposição e
mandara processar os indivíduos somente pela falsidade com-
mettida, códigos francez, art. 147 e belga, art. 196.
Nós preferimos a opinião de Nypels, adoptada pelo Dr.
Rivarola. *
H A solução no nosso direito não pôde ser outra á vista do
art. 285 do texto que não consagra como punível expres
samente a espécie, o que seria necessário á vista mesmo do
art. I
o
, 2
a
parte que prohibe a interpretação extensiva por
analogia ou paridade. d
Nem servirá de argumento a disposição do seguinte art.
286 do texto, porque esta constitue uma outra figura de crime
differente da do art. 285.
138. Neste art. 286 ha duas partes : I
a
•— « deixar de
fazer dentro de um mez, no registro civil a declaração do
nascimento de uma criança nascida » ; 2
a
« como fazel-a a
respeito de criança que jamais existira, para crear ou extinguir
direito em prejuízo de terceiro».
Ha no artigo o absurdo de equiparar o primeiro facto sem
gravidade, e commettido por simples omissão, 80 segundo,
puuindo-os com a mesma pena, salvo si applicar-se á I
a
parle
do artigo a condição ultima da 2
a
, isto é, para crear ou
extinguir direito em prejuízo de terceiro». M A fonte da I
a
parte parece ter sido o código francez, art. 346, mas a pena
neste é de 6 dias a 6 mezes e multa de 6 a 300 francos e não
prisão cellular de 6 mezes a 2 annos ! Acerca da disposição
parallela nota Garraud que o facto material do delicto previsto
por este texto consiste em uma omissão que pôde ser
intencional ou resultar de uma simples negligencia. A lei o
fez distincção sob este ponto de vista e ella fulmina aqui a
culpa do mesmo modo que o dolo. Trata-se effectivamente de
sanccionar prescripções regulamentares.
1
Dr. Rivarola, omi. CIT. vol. 2
o
cap. XII, pag. 197, Chauveau, Hélie e Villey,
ouu. crr. vol. 4" pag. -162, n. 1715; Blanche, onu. CIT. 5" vol. pag. 333, art. 345, n,
257; Garraud, OBR. CIT. vol. 4
o
pag. 612, n. 576 ; Nypels OBR. CIT. 2
O
vol., art. 363,
pag. 456, n. 17.
— 432 —
Não se traia pois sinflo de determinar: I
o
a quem incumbe
sob tal sancção penal a obrigação de declarar o nascimento ;
onde esta obrigação deve ser cumprida ; 3
o
em que praso ;
o que deve comprehender a declaração; em que casos
ella deve ser feita.
Mas para resolver estas diversas questões, importa notar
que o art. 286, I
a
parte, do texto constituo a sancçfio mesma,
das nossas leis e regulamentos sobre o assumpto, compilados
recentemente por um dos nossos raros jurisconsultos,
conselheiro Dr. Carlos Augusto de Carvalho, dos artigos de
cuja Consolidação nos vamos servir como do direito
constituído vigente.
1.° o O nascimento será communiçado pelo pai; em
sua falta ou impedimento, pela mãe ; no impedimento de
ambos, pelo parente mais próximo, sendo maior e achan-do-se
presente ; na sua falta e impedimento, pelo facultativo ou
parteira que lenha assistido o parto, e por pessoa idónea da
casa em que occorrer, si sobrevier «fora da residência da mãe»
(art. 29).
A lettra do art. 286» I
a
parte do texto não se referindo a
pessoas não suscita as questões que levanta em França a
necessidade de harmonisar o código civil com o código penal.
Nenhuma das pessoas não designadas nas nossas leis civis
pôde ser passível de pena no caso da disposição do texto.
2o e 3
o
« Art. 29. A obrigação deve ser cumprida, nos
lugares e prazos indicados pelas seguintes disposições :
Art. 25. Todo o nascimento que occorrer na Republica, a
bordo dos navios de guerra ou mercantes em viagem, ou nos
acampamentos do exercito em campanha, deverá ser dado a
registro dentro de três dias.
« O registro far-se-ha dos que nascerem:
I. Na Capital Federal, pelo serventuário a que se refere
o art. 2, na circumscripção em que tiver lugar o parto ;
II. Nas colónias federaes, pelo empregado, para isso
designado ;
III. A bordo dos navios de guerra e mercantes em viagem
na forma do art. 31 ;
IV. Nos acampamentos do exercito de accordo como
disposto no art. 32 ;
V. Nos Estados, pelo offlcial e no lugar que a respectiva
legislação determinar.
Art. 26. O prazo de que trata o artigo antecedente am-
pliar-se-ha :
a 8 dias, para os que residem de 8 a 43 kilometros de
distancia da sede do registro ;
a 20, para os que residirem de 48 a 120 kilometros. a
60, para os que residirem a maior distancia.
— 433 —
Paragrapho único. Si, porém, a menor distancia das
mencionadas neste artigo houver autoridade policial, a de-
claração dever-Ihe-ha ser previamente feita nos termos do art.
31, o que certificará, e em vista da certidão far-se-ha o
registro.
|-_. Art. 28. No caso de ter a criança nascido morta, e no de ter
morrido na occasifio do parto ou dentro dos 30 dias, bastará
fazer uma declaração assignada pelo pae ou mãe da criança
fallecida, ou por quem suas vezes fizer e por duas testemunhas
presenciaes.
B Art. 5). Esgotados os prazos dentro dos quaes deverá ser
feito algum registro, nenhuma declaração para realiza l-o será
attendida sem ordem do juiz competente, que imporá a multa
respectiva. »
Principalmente para conciliar este ultimo artigo da
Consolidação com o art. 286, compilado no art. 56 da mesma,
deve-se entender que no caso do art. 50 ha somente multa e
se realiza a infracção do art. 286, quando além dos prazos
designados nos artigos citados acima, decorre mais um mez.
Esta soluçõo é contraria ao direito francez, fonte do nosso,
mas em França, como na Bélgica, art. 361, os respectivos
códigos se referem à lei civil. Entre nós, é impossível
harmonisar doutro modo diverso ao que adoptamos, prazos de
60 dias da lei civil com o mez do código penal, assim como a
multa com as penas elevadas do art. 286, quando as do código
belga são de oito dias a três mezes de prisão e multa de 26 a
200 francos.
4
o
e 5.° Os arts. 30, 31 e 32 da Consolidação contém
tudo quanto deve comprehender a declaração e os casos em
que deve ser feita. *
L Estas ultimas disposições são muito extensas e minu
ciosas para que possamos transcrevel-as aqui e por isso
ficam apontadas no texto e na nota com as outras mais
necessárias. *
kv O seu conhecimento é indispensável, porque á infracção
delias é que corresponde a sancção do art. 286.
A 2
a
parle do art. 286 teve a sua fonte na 2» parte do art.
341 dos códigos portuguezes. Silva Ferrão que censura c >m
razão as disposições relativas ao assumpto, sobre esta parte do
artigo diz : quanto á segunda parte, restricta, á falsa
declaração de nascimento e morte de um infante que nunca
tinha existido, o caracter especial e principal do crime é
também o da falsidade em prejuízo de terceiro;
' Carlos de Carvalho, NOVA CONSOLIDAÇÃO CIT. Partt Complementar, TH.
I, arts. 25 a 32 e a legislação alii cilada,
W «8
— 434-
neste artigo a incriminação é sempre subordinada ao pre-
juízo de terceiro real ou ideial.
L
U Nole-se afinal, que o Godigo no art. 38í> repete quasi a
espécie do art. V6, primeira parte do texto, sem marcar
prazo, como aqui, mas referi ndo-se nos doe regulamentos.
Sendo inconciliáveis as disposições, era vez da pena do
delicio, deverá ser applicada a do contravenção, que éj
muito menor.
Ha desharmonia, tanto nos elementos dos figuras, e
em relação aos prazos garantidos pelas saneções respe-
ctivas, como quanto As pena*. A nossa solução evita a
iniquidade da applicaçfio de dous mezes a dous o imos dei
prisão oeiiular por uma- infracção" contravencional, cora-
meltldn multa vez por omissão.
i:«>. O art. 287 contempla a hypothese de « fazer
recolher a qualquer asylo de beneficência, ou estabeleci-
mento o mgencre, iilho legitimo ou reconhecido, para pre-
judicar direitos resultantes do seu estado civil ».
A disposição figura no digo hespanhol, arts. 392 e 483,
uruguayano, art. 313, o argentino, art. 151.
Sobre o primeiro lembra Vasquez Acevedo as obser-
vações de Pacheco que elle appllca ao segundo e conforme as
quaes nfto se pune a occultaçôo ou exposição de um filho
simplesmente como toes; sim o roubo (que isto é a occul-|
tacão) ou a exposição, para fazer-lhe perder o seu estado
civil. Do que aqui se trata ô da usurpação commettlda nessa
tenra pessoa dos direitos que lhe da o seu nascimento, da
sueceso que podia ter dos seus es, dos benefícios que
esperava doutros parentes, do seu nome, da sua condição,
da sua existência verdadeira. Quando a oceultação ou a
exposição tem tido outras causas; quando si o tem deposi-
tado, por exemplo, na Casa dos Expostos (Inclusa), por
não ter com que alimental-o, o caso 6 muito outro e este
artigo não tem applicação alguma. O roubo, a defraudação
do estado civil, dessa parte de nossa existência, ô numa
palavra, o que com grande justiça quer aqui impedir a lei
- Pacheco, sobre o art. 392 do código hespanhol de 1850.
Também Rivarola observa sobre a disposição parallela
á do nosso código:
Constituo a segunda forma do delicio deste titulo a <?a>
posicão ou oceultão ou supposição de filiação para fazel-o
perder o estado de família, ou os direitos que por esse es-
tado lhe correspondem, e a substituição de filiação quer
dizer a troca da verdadeira por falsa com o mesmo ob-
jecto.
< Silva tVrrfio. Onk. dT..vol. ó\ pags. 31), art. 341; vid. ô&r* ratt 1,
OHR. CIT., vol. 4
O
, pag. 623 ns. 589 e seguintes.
— 435 —
A enunciação do fim a que devem tender aquelles meios
para julgal-os como o delicto a que se refere esta disposição, é
útil para evitar que os tribunaes cheguem a soluções como a
que mencionei, da jurisprudência hespanhola, sobre parto
supposto (n. 137).
O mesmo art. 483, do cod. hesp. ao referir-se em sua 2*
parte, á occultação ou exposição de filho legitimo, tem
cuidado de accrescentar: com animo de faser-lhe perder seu
estado civil.
Incorreria manifestamente neste delicto o pai legitimo
que levasse seu filho á casa dos expostos
l
.
Conforme a doutrina do cod. francez, art. 348, belga art.
366, aquelle hão comprehende em suas previsões, nem o pai,
nem a mãe, porque qualquer destes, levando o filho ao asylo
não depõem uma criança que lhe tenha sido confiada e o
abuso de tal confiança é elementar do crime.
Por outras palavras, os citados códigos incriminam uma
espécie parecida com a do nosso art. 287, mas quanto ao facto
em si, sem que o autor vise o fim de prejudicar direitos
concernentes ao estado civil nesta espécie, noutros termos,
devia estar talvez comprehendida nos citados códigos nas
disposições relativas á suppressâo do infante. *
Assim Nypels, referindo-se ao respectivo art. 363 do cod.
belga, diz:
Nos casos de exposição, abandono, tirada ou occultação
d'um menino (cod. belga, arts. 354 e segs. 364 e 365) estes
factos constituem uma infracção contra a pessoa do menino;
elles podem ser processados e punidos, qualquer que seja o
estado do menino e quaesquer que sejam os parentes aos
quaes elle pertença.
Elles podem, é verdade, constituir também o delicto de
suppressâo de estado, mas o estado do menino não será
prejulgado em nada pela condemnação dos autores da expo-
sição, da tirada, etc... De resto, um menimo pode ser tirado à
sua família, pode ser occultado depois que todas as condições
para constatar sua filiação tem sido cumpridas, e sem que os
autores da tirada tenham tido a intenção de supprimir seu
estado.
Quanto á França as modificações feitas pela lei de 13 de
maio de 1863 no art. 345 do cod. pen., parecem ter determi-
nado uma evolução na jurisprudência, de modo que hoje, na
opinião de Garraud, a questão de saber si é mister considerar
como um dos elementos essenciaes e constitutivos do crime
de suppressâo d'um infante, a circumstancia que o culpado,
1
Vasquez Acevedo, CÓDIGO PENAL CIT. art. 313, Rivarola, OBR. CIT.,
vol. 2
o
, pag 505, n. 653.
1
Vide Blanche, OBR. CIT. vol. 5
o
, pag. 365, n. 277.
— 436 —
fazendo-o desapparecep, tem tido a intenção de prival-o do seu
estado civil, tornon-se uma das questões mais controvertidas
do cod. pen. francez; não havendo menos de três opiniões
sustentadas sobre ella. *
Esta questão não nos preoccupa, porque conforme o texto
do art. 287 do nosso cod. é condição elementar do crime o
prejuízo de direitos resultantes do estado civil do filho legi-
timo ou reconhecido.
O nosso artigo lambem differe do cod. belga, art. 363,
como acabamos de ver.
140. Passemos ao art. 288 do texto, ultimo deste capitulo
VII do commentario.
As fontes da disposição foram o cod. anterior, art. 255, e
os cods. hespanhoes, anterior e vigente, arts. 394 e 485, re-
produzidos no cod. do Uruguay, art. 315; da Argentina, art.
153; Chileno, art. 354 e do Peru, art. 291.
Todas essas disposições são mais simples do que a do
nosso cod. sempre com o máo veso de ser casuístico, sendo de
notar que o cod. uruguayano pune o facto com 18 mezes de
prisão no máximo e o nosso com quatro annos de prisão
cellular.
Carlos Perdigão, commentando o art. 255, fonte em parte
do art. 287 do texto, censura com razão em termos enérgicos e
com certo desenvolvimento aquella disposição.
E como em parte as suas observações judiciosas se podem
applicar ao cod. vigente que recahiu aqui no mesmo erro, ou
ratice, seja-nos licito reproduzir alguns trechos:
«O art. 255levanta três hypotheses sui generis:
l.
a
Fingir-se o homem marido de uma mulher contra a
vontade desta, para usurpar direitos maritaes ;
I 2.» Fingir-se a mulher casada com um homem para o mesmo
fim;
3.
a
Si este fingimento fôr combinado entre ambos em
prejuízo de terceiro aggrava-se o crime.
E' realmente singular este crime escogitado aqui e que
não conhecemos, nos termos em que esto, em cod. penal
algum !
O que pretendeu o legislador prevenir aqui ? A posse do
estado pelo casamento fingido, ou, como diz elle, para
usurpar direitos maritaes?
Si assim é, como por outro modo não pôde ser inter-
pretado, então o legislador criminal creou espécie que o
Direito Civil, único regulador no caso, não pôde conceber!
1
Nypels, Oim. crr. 2° vol., art. 363, pag. 449, n. 7; Garraud, OBR. vol. 4
o
,
pag. 606, n. 572.
- 437 -
Ora, é sabido que, quaesquer que sejam os ramos do
direito, ha princípios reguladores e communs, que não podem
ser postos em desharmonia.
O estado civil do casamento nfio se prova só pela sua
posse, ê isso rudimentar, e nem pôde ser invocada para
supprir o auto ou o assento de sua celebração, qualquer que
seja o rito pelo qual fosse realizado.
A lei admitte a posse de estado como prova da filiação
dos filhos legítimos. Porque a repelle quando se trata de
provar o casamento?
Em Loc(t. II, pag. 355, n. 20), encontra -se a explicação
que no Conselho de Estado, em França, deu Tronchei, e que a
temos por muito boa, principalmente pelos simples termos em
que ô dada: « nas grandes cidades, diz elle não é raro ver
indivíduos que, sem ser casados, constituem, era relação ao
casamento, certa espécie de posse de estado ; algumas vezes
até a confirmam por contracto de casamento e pela qualidade
que tomam nos instrumentos ».
Admitir, como faz o art. 255, o,fingimento de casamento
contra a contado da mulher, para usurpar direitos maritaes, é
animar e facilitar de algum modo o concubinato, ou acreditar
que este pôde, pela fraude, supprir a prova indispensável do
casamento; ô em duas palavras ignorar as disposições do
direito a respeito. *
O cod. pen. vigente teve esse artigo, assim como as dis-
posições apontadas dos artigos dos códigos estrangeiros, como
fontes do art. 288, mas o conteúdo differe dos últimos que são
mais genéricos, porque o nosso cod. seguiu antes o anterior
de 1830.
Commentando o respectivo cod., diz Pacheco, que usur-
par o estado civil duma pessoa 6 fingir-se ella mesma, para
usar de seus direitos; é usurpar sua filiação, sua paternidade,
seus direitos conjugaes ; è a falsidade applicada á pessoa
ecom o animo de substituir-se por outra real e existente.
I Nenhuma duvida pôde haver em que isto 6 um grande
crime e digno da severidade com que a lei o trata.
Será usurpação do estado civil tomar o nome de outro
para tirar um passaporte paraeximir-sede alguma vexação,
para facilitar alguma cousa queofferece difflcuIdade? Não o
cremos. Estas são culpas ligeiras que de modo algum podia
ter presente a lei quando impòz (como fez o art. 288) um
castigo o grave quanto duro. Poderão talvez ser con-
travenções (naaso cod. pen. arte. 379e381); mas de modo
algum constituir o delicto de que falíamos. A usurpação do
simples nome, quando nfio se trata de privar ao que vertia-
1
Carlos Perdigão, OBK. orr. vol. í° art. 255, pag. 525.
— 438 —
deiramente o traz ou usa de algum direito que lhe corresponda,
não pôde constituir a usurpação do estado civil a que se refere
a lei neste artigo. Isto nos parece evidente, por roais que algum
juis tenho decidido o contrario*
Subscrevemos in totum esta sabia Interpretação; notando
que o falso nome para fins de obter dinheiro ou utilidade, é a
espécie do nosso cod. pen. art. 380.
E'nra crime mais comprehensivo e per se subsistente,
conhecido no direito inglez pelo simples nome de perso-
nation. semelhante ao estellionato e consistindo em obter
mercadorias, dinheiro ou outro vantagem mediante falsa de-
claração de pessoa. Conforme o direito commum (common
lato), este crime é punível como um enqano (cheat); mas
certos caso« especiaes são previstos pelo Estatuto. Elle è
estrictaroente connexo com a falsidade; e muitos Estatutos
provendo contra a falsidade provêem ao mesmo tempo
também contra a falsa declaração de pessoa, false perso-
nation.
3
Censurando a disposição parallela ao art. 288 do nosso
código, diz sobre o argentino Rivarola que no art. 153
pnnindo-se a usurpação do estado civil de outro nos casos não
enunciados nos artigos anteriores, com a mesma pena de 1 a 3
annosde prisão, se tem levado em confa a importância da
defraudação, como devera ter-se levado em conta nos casos
anteriores.
A forma em que a lei o tem feito, accrescent8 elle, sem
embargo, é censurável. Pelo artigo se impõe a pena de 1 a 3
annos pelo delicto de usurpação de estado cicil doutro, sem
prejuízo da pena que corresponder quando se defraude seus
bens ou direitos. Poderia entender-se que si tem havido
usurpação de estado como delicto MEIO DE EXECUÇÃO, e
defraudação como delicto FIM, deveria impôr-se as duos penas,
com violação dos princípios admittidos sobre connexi-dade de
delitos. Não é isto, talvez, o que se tem querido dizer, e sim
que em vez da pena de usurpação de estado se imporá a de
defraudação. Houvera sido mais acertado limi-tar-se a lei a
fixar uma pena no ximo, como fez o art. 485 do código h
espanhol.
3
Esto censura refere-se á disposição que corresponde á
espécie restricta da ultima parte do art. 288.
No caso deste nosso artigo, ellf será applicado, ou na
forma do art. 66 §3°, no máximo da pena mais grave do crime
em que houver o réo incorrido, que será a do mesmo artigo, ou
de outro que o acompanhar na hypothese.
' Pachaco, PB*. CIT. TOI. 3°, art. 394, pag. 214. * Seymours
H&rris, OBR. CIT. pag. 174 not. o. » Rivarola, OBR. CIT, 2
O
vol., pag. 207, n. 656.
439
Sobre o falso casamento, que ê elemento constitutivo de
uma das espécies do art. 288, isto ê, o meio na hypothese
figurada de usurpar o estado civil de outrem, fingindo pa-
rentesco ou direitos conjugaes—ê o casamento civil e não o
religioso, que o nosso direito vigente não como tal a
benção nupcial ou a cerimonia religiosa.
Já expuzemos neste mesmo capitulo VII os princípios
correntes da matéria neste ponto (n. 136).
Os projectos de revisão melhoraram muito o código penal
nesta parte, simplificando as disposições relativas ao as-
sumpto, ao mesmo tempo que tomaram como objectivo prin-
cipalmente a tutella do estado civil nas formas — da sup-
pressâo, troca e supposição de estado—conforme declaramos
na exposição de motivos do projecto primitivo que citamos no
principio deste capitulo (n. 128). I Abaixo transcrevemos as
disposições do ultimo projecto*
1
Projecto de 1899 :
« Art. 290. Supprimir o i trocar o estalo civil de infante, occttltando-o ou
substituindo-o; ou fazer figurar nos registros respectivos infante que não exista:
Pena — prisão com trabalho por dous a seis annos.
Ari. 291. Collocar infante legitimo, ou natural reconhecido, em um instituto
de beneficência, occultando o estado civil delle :
Pena — prisão com trabalho por seis a dezoito mezes.
Si o culpado fôr ascendente do offendido:
Pena — prisão com trabalho por um a três annos.
Art, 292. Commetter qualquer dos crimes previstos nos artigos antecedentes
para salvar a própria honra ou da mulher, mãi, descendente, filha adoptiva ou
irmã, ou para evitar sevícias imminentes:
Pena — prisão com trabalho por dous a seis mezes.»
ÍNDICE O
O código actual e o futuro código .................................................
Introducção ...................................................................................
Parte Especial ...............................................................................
Dos crimes, contravenções e penas em particular.........................
Livro I.........................................................................................
Dos crimes e sua punição..............................................................
Titulo I..........................................................................................
Dos crimes políticos ........................................................... . . .
Capitulo I ......................................... ............................................
Dos crimes contra a segurança da Republica................................
Secção I ........................................................................................
Dos crimes contra a independência, integridade e dignidade
da pátria..................................................................................
Secção II............................................................... , .....................
Dos crimes contra a constituição da Republica, forma de seu
governo e os poderes da União e dos Estados.......................
Seeção III......................................................................................
Dos crimeg contra os Estados estrangeiros e seus rrpre-
sentantes.................................................................................
Secção IV . . ,.............................................................................
Disposições communs ás secções antecedentes. ,_. ......................
Capitulo II ......................................................,. ............................
Dos crimes contra o livre exercício dos direitos políticos . .
Titulo II.................1^ .................................................................. I
Dos crimes contra a ordem publica..............................................
Capitulo I.....................................................................................
Ajuntamento iIlícito e sedicção....................................................
Capitulo II....................................................................................
Resistência...................................................................................
Capitulo III ..................................................................................
Evasão e não cumprimento de pena .............................................
Capitulo IV ...................................................................................
Desacato e desobediência............................................................
PAQS.
II
I
V
1 — 41
41 — 41
48 — 51
51 — 59
59— 67
67 72
72 78
78 84
84 — 89
(•) No tomo ha um índice analytico para facilitar a consulta do texto d o código
1
e do
respectivo commentario.
II
Capitulo V......................................................................................
Da associação para delinquir.........................................................
Titulo III............................................. . . . . . ,
,1
VV. .' . .
Dos crimes contra o livre gozo ou exercício doa direitos indi-
viduaes ..........................**.•* * -* ......................................
Capitulo I........................................................................................
Dos crimes contra a liberdade pessoal....................................... .
Capitulo II .....................................................................................
Dos crimes contra o livre exercioio dos cultos..............................
Capitulo III ....................................................................................
Dos crimes contra a inviolabilidade dos segredos .........................
Capitu'o IV ....................................................................................
Dos crimes contra a inviolabilidade do domicilio .........................
Capitulo V .....................................................................................
Dos crimes contra a liberdade de trabalho ....................................
Titulo IV........................................................................................
Dos crimes contra a administração publica....................................
Capitulo I.......................................................................................
Peculato ....................................... '................................................
Capitulo II.....................................................................................
Concussão ....................................................................................
Capitulo III....................................................................................
Peita ou suborno.........................................................................
Capitulo IV....................................................................................
Abuso de autoridade e violação dos deveres inherontes ás
funcções publicas ..................................................................
Capitulo V............................. ......................................................
Da usurpação de funcções publicas e de títulos ou honras .
Capitulo VI . ...................................... . . . .v» . . . |
Prevaricação. ..." ..................................................
Titulo V.................................................................................. . .
Dos crimes contra a incoluraidade publica....................................
Capitulo I.......................................................................................
Do fogo posto, inundação e outros ................................................
Capitulo II...................J©. . ', „ .....................................................
Dos crimes contra os meios de. transporte e communicação .
Capitulo III . . •'*&***&!£.• ••• ...'t^v;'^
Dos crimes contra a saúde publica.................................................
Titulo Avulso.................................................................................
Crimes contra a Fazenda Publica...................................................
Capitulo Único...............................................................................
Do contrabando................................\,....................................^^
Titulo VI. . . .................................................................................
Dos crimes contra a publica
::-::
•Capitulo I....................................................................................
Moeda falsa .................................................................................
Capitulo II .....................................................................................
Falsidade em sellos, estampilhas e outras . .................................
Capitulo III............................................ . . . .......................
Falsidade em papeis ..................................................................
Capitulo IV...................................................................................
Falsidades em attestados, passaportes e outras..........................J
Capitulo V......................«... ri.....................................................
Da caluniniii, falso testemunho e perjúrio..........................• • •
Titulo VII.....................................................................................
Dos crimes contra os bous costumes e a ordem na família.
Capitulo I......................................................................................
Violência carnal e oifensas ao pudor............................................
Capitulo II....................................................................................
Do rapto.......................................................................................
Capitulo III................................................................................ .
Disposições co mm uns aos capítulos antecedentes..................
Capitulo IV .............................................................................. i
Do lenocínio .............................................................................
Capitulo V ................................................................................
Do adultério ou infidelidade conjugal ......................................
Capitulo VI..................................................................................
Do ultrage publico ao pulor.........................................................
Capitulo VII.................................................................................
Da bigamia, parto supposto e outros fingimentos......................|
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