Download PDF
ads:
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ONUSIDA /00.8E - (Versão em Inglês, Maio de 2000)
ONUSIDA – 20 avenue Appia – 1211 Genebra 27 – Suiça
Teléfone: (+41 22) 791 46 51 – Fax: (+41 22) 791 41 87
E-mail: [email protected] - Internet: http://www.unaids.org
Reprodução financiada pela Embaixada da Dinamarca, Maputo
©Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o
HIV/SIDA (ONUSIDA) 2000.
Reservados todos os direitos. Esta publicação pode
ser livremente revista, citada, reproduzida ou
traduzida, parcial ou integramente, desde que se
mencione a sua origem. Não poderá ser vendida nem
utilizada com fins comerciais sem autorização prévia
por escrito do ONUSIDA (contacto: Centro de Infor-
mação do ONUSIDA).
As opiniões expressas cujo autor é citado pelo nome
são da exclusiva responsabilidade deste. As denomi-
nações empregues nesta publicação e a forma sob
a qual são apresentados os dados que nela figuram
não implicam, por parte do ONUSIDA, qualquer
juízo sobre o estatuto jurídico de países, territórios,
cidades ou zonas, ou sobre as suas autoridades, nem
sobre o traçado das suas fronteiras ou limites.
A referência a empresas ou a produtos comerciais
não implica que o ONUSIDA os aprove ou reco-
mende de preferência a outros da mesma nature-
za que não sejam mencionados. Salvo erro ou
omissão, uma letra inicial maiúscula nos nomes dos
produtos indica que são de marca registada.
ads:
Cuidar dos
prestadores
de cuidados
Como controlar o stress
dos que cuidam de
pessoas com HIV e SIDA
Maputo, Moçambique
2005
ONUSIDA COLECÇÃO BOAS PRÁTICAS
AGRADECIMENTOS
O ONUSIDA deseja expressar o seu agradecimento a numerosas pessoas que
dedicaram generosamente o seu tempo, experiência e opiniões à investiga-
ção realizada para o presente relatório, e que acolheram calorosamente a
nossa consultora, Sue Armstrong, durante as suas viagens pelo Uganda e
África do Sul. Além das muitas pessoas cujas histórias pessoais suportam um
testemunho vivo das exigêncas inerentes à função de prestador de cuida-
dos e enriquecem enormemente este debate sobre como “cuidar dos
prestadores de cuidados”, queremos agradecer as pessoas das seguintes or-
ganizações pela sua valiosa colaboração:
No Uganda Na África do Sul
TASO Life Line
World Vision Hope Worldwide
Mildmay International Sinosizo Home-based Care
NACWOLA Programme
Philly Lutaaya Initiative The AIDS Foundation
UWESO The Ark
The HIV/AIDS Directorate of
the Department of Health
Autora: Sue Armstrong
Funcionário responsável do ONUSIDA: David Miller
Fotos: Sue Armstrong, Sandra Anderson, Sam Kalema e Glen Williams.
Índice
1. Sumário executivo .................................................................................................... 5
2. Introdução ............................................................................................................... 10
3. Uganda e África do Sul: duas faces da epidemia ................................................. 12
O SIDA no Uganda .............................................................................................. 12
O SIDA na África do Sul ...................................................................................... 15
4. Quem são os prestadores de cuidados? ................................................................ 17
Prestadores de cuidados na família ................................................................... 17
Prestadores de cuidados voluntários ................................................................. 19
O que é que motiva os voluntários? .............................................................. 20
Para que actividades são formados os voluntários? .................................... 22
Prestadores de cuidados profissionais .............................................................. 27
Os médicos tradicionais ...................................................................................... 30
5. O stress e o desgaste entre os prestadores de cuidados ..................................... 33
Quais são os sintomas? ...................................................................................... 33
Quais são as causas? ........................................................................................... 36
Questões de pobreza ...................................................................................... 36
Muito trabalho, tempo demasiado pouco .................................................... 41
A Questão da Revelação ................................................................................. 43
Demasiado envolvido para poder confortar ................................................. 46
O ambiente organizacional ............................................................................ 49
Assuntos familiares – o desafio para as relações pessoais .......................... 51
6. Gestão do stress e do desgaste: quais são as opções? ........................................ 55
Mecanismos pessoais para fazer frente ............................................................ 55
Estratégias dos Programas de Cuidados do SIDA para Lidar com o Stress ..... 57
A The AIDS Support Organization (TASO)..................................................... 57
A Mildmay International ................................................................................ 59
A World Vision ................................................................................................ 62
A Life Line ........................................................................................................ 64
A Hope Worlwide ............................................................................................ 66
Sinosizo ............................................................................................................ 68
7. Conclusões e lições aprendidas.............................................................................. 74
8. Epílogo ..................................................................................................................... 83
CUIDAR DOS PRESTADORES DE CUIDADOS
Como controlar o stress dos que cuidam
de pessoas com HIV e SIDA
ONUSIDA
5
1. Sumário executivo
A
sobrecarga a que estão sujeitas as pessoas
que cuidam de pessoas com HIV/SIDA é
enorme. E, à medida que a epidemia avança, sobrecarre-
gando os serviços de saúde em muitos países, os cuidados
recaem cada vez mais sobre pessoas não especilizadas,
que fazem parte das famílias e das comunidades. Essas pes-
soas são um recurso muito valioso. A qualidade dos cuida-
dos que oferecem e a sua capacidade para os levarem a
cabo durante um largo período dependem da protecção
do seu próprio bem-estar e moral. Mas apesar de que isto é
em princípio amplamente reconhecido, o cuidado com os
prestadores de cuidados raramente tem recebido a priori-
dade que merece e o “desgaste”é um problema grave. En-
tão, que deveriam os programas de cuidados para as pes-
soas com HIV e SIDA fazer para minimizar o
stress
e o
desgaste?
Na procura de respostas a esta questão uma consultora
do ONUSIDA visitou as Organizações de Apoio relaciona-
das com o SIDAAIDS Support Organizations – (ASO) no
Uganda e na África do Sul para entrevistar uma série de
pessoas, gestores e supervisores de equipas de assistência;
prestadores de cuidados empregados por ASOs; voluntári-
os da comunidade; prestadores de cuidados primários den-
tro das famílias e pessoas com experiência neste campo.
Os objectivos eram:
identificar quem são os prestadores de cuidados dentro
da família e no âmbito comunitário;
identificar os factores causadores do
stress
associados
às suas funções de prestadores de cuidados;
tirar ensinamentos a partir do terreno no que respeita
ao modo de controlar o
stress
e reduzir o desgaste nes-
tes contextos, e
recomendar estratégias para proteger a saúde dos
prestadores de cuidados nos âmbitos familiar e comu-
nitário.
Cuidar dos prestadores de cuidados
6
Quem são os prestadores de cuidados?
A
o nível familiar, o fardo dos cuidados é su
portado principalmente pelas mulheres e ra-
parigas. Entretanto, o SIDA está a por em causa as atitudes
tradicionais, e os homens estão cada vez mais dispostos a
assumir o cuidado físico de suas parceiras e familiares do-
entes. Os prestadores de cuidados menos reconhecidos
dentro da família são as crianças. Quando numa família
nuclear um dos pais morre, muitas vezes não há mais nin-
guém para cuidar do outro parceiro quando fica doente.
Não se sabe quantas crianças estão a agir como principais
prestadores de cuidados no Uganda e na África do Sul,
mas esta situação vai tornar-se cada vez mais comum à
medida que a epidemia progride, simplesmente porque a
geração dos pais está no centro do SIDA.
A espinha dorsal dos programas de assistência comuni-
tária para pessoas com SIDA são os voluntários. Alguns são
voluntários “informais” – amigos ou vizinhos que cuidam
das pessoas doentes conhecidas por amor ou sentido de
dever –; outros são pessoas que dedicam parte do seu tem-
po ao serviço da comunidade, como podem ser os mem-
bros duma igreja. Mas um grande número das pessoas que
trabalham nos programas de cuidados de SIDA são vo-
luntários “formais”, recrutados, formados e supervisados
por organizações para as quais trabalham com base num
acordo.
A maior parte das organizações relacionadas com o SIDA
que foram visitadas só contam com alguns prestadores pro-
fissionais de cuidados entre o seu pessoal. Estes trabalha-
dores podem trabalhar directamente com os utentes e as
próprias famílias, mas a sua principal responsabilidade é
recrutar, formar e apoiar os prestadores de cuidados volun-
tários da comunidade.
Os praticantes de saúde mais consultados em África são
os médicos tradicionais. Contudo, é muito pouco o reco-
nhecimento oficial pela sua função dentro das comunida-
des e os médicos tradicionais na sua maior parte estão a
ONUSIDA
7
atender pessoas com HIV/SIDA sem formação nem apoio
de organizações não governamentais ou dos serviços de
saúde oficiais.
As causas do stress
G
rande parte do
stress
enfrentado pelos
prestadores de cuidados é devida à própria
natureza do trabalho: o facto de estarem a lidar com uma
doença incurável, que mata sobretudo jovens, causa um
grande sofrimento e é fortemente estigmatizada. Mas o
stress
também pode ser provocado por factores de organização:
a forma como um programa de cuidados é concebido e
gerido. Entre as causas mais comuns do
stress
reportadas
pelos prestadores de cuidados que trabalham nos progra-
mas relacionados com o SIDA figuram as seguintes:
dificuldades financeiras;
carga de trabalho opressiva;
sigilo e medo das pessoas com HIV ou SIDA de revelar
o seu estado;
envolvimento excessivo com as pessoas com HIV ou
SIDA e suas famílias;
identificação pessoal com o sofrimento das pessoas com
SIDA;
as necessidades não satisfeitas das crianças;
falta duma voz eficaz nas decisões que os afectam a si
e o seu trabalho;
apoio, supervisão e reconhecimento inadequados para
o seu trabalho;
formação, habilidades e preparação inadequados para
o seu trabalho;
falta de clarificação do que os prestadores de cuidados
devem fazer;
falta de mecanismos de referência, e
Cuidar dos prestadores de cuidados
8
falta de medicação e materiais para a assistência
sanitária.
Além de muitas destas causas de
stress
, os prestadores
de cuidados pertencentes à família podem sofrer de:
isolamento, insegurança e medo em relação ao futuro;
efeito do HIV e SIDA nas relações pessoais e na dinâ-
mica familiar, e
dificuldades de comunicar-se com crianças.
Controlo do stress e do desgaste
O
relatório examina os distintos mecanismos
pessoais para enfrentar a situação antes de
passar à descrição das estratégias utilizadas pelas organi-
zações sobre o SIDA para lidar com o
stress
e o desgaste
entre os prestadores profissionais e voluntários de cuida-
dos. Entre as lições e observações adquiridas no terreno
incluem-se as seguintes:
Um primeiro requisito no apoio aos prestadores de cui-
dados que trabalham com pessoas com HIV ou SIDA é
reconhecer formalmente que o seu trabalho é intrinse-
camente causador de
stress
e que o sentimento de an-
gústia é legítimo e não um sinal de fraqueza pessoal ou
de falta de profissionalismo.
necessário que os prestadores de cuidados a todos os
níveis sejam aliviados da responsabilidade sobre coisas
que estão fora das suas capacidades.
stress
e o desgaste são fenómenos complexos com múl-
tiplas causas e manifestações. Assim, a solução não será
uma actividade isolada e limitada no tempo.
conhecimento é sinónimo de capacitação pessoal: dá
confiança, controlo e opções na vida e tem um valor
duradoiro. Assim, a formação (incluindo os cursos peri-
ódicos de reciclagem) desempenha um papel essencial
no controlo do
stress
e do desgaste entre os prestadores
de cuidados.
ONUSIDA
9
Para manter a moral e a auto-confiança, os prestadores
de cuidados a todos os níveis precisam de saber que o
seu trabalho é reconhecido e valorizado.
O alívio da pobreza é a principal prioridade. Os esque-
mas de geração de rendimentos são muito necessários
e muito valorizados pelas famílias e comunidades afec-
tadas pelo SIDA para reduzir o
stress
da pobreza.
Para aliviar as ansiedades da dependência e da insegu-
rança, é necessária uma maior constância no apoio dos
doadores.
O controlo do
stress
é uma necessidade, não um luxo,
para os programas de cuidados do SIDA. Entre as me-
didas eficazes para controlar o
stress
incluem-se as
seguintes:
objectivos de trabalho realistas, descrições claras do
trabalho e bons mecanismos de referência;
tempo livre regular que seja respeitado;
– assistência médica e dispensa por doença;
trabalho em equipa e reuniões regulares para discu-
tir questões e partilhar os problemas;
repartição da carga emocional designando diferen-
tes pessoas para cuidar de um utente;
designação de um conselheiro para os prestadores
de cuidados, e
dar palavra aos prestadores de cuidados na tomada
de decisões que os afectem.
Os governos nacionais devem analisar cuidadosamen-
te como as leis e políticas existentes afectam o funcio-
namento dos programas de cuidados do SIDA e como
elas poderiam ser modificadas para tornar mais fácil e
seguro o trabalho dos prestadores de cuidados.
Cuidar dos prestadores de cuidados
10
2. Introdução
L
atisa, gestora de um programa de cuidados
do SIDA no Soweto, África do Sul, conta uma
história que a atormenta sobre seu trabalho no subúrbio.
Foi visitar uma mãe solteira com três filhos rapazes, de 10,
7 e 5 anos de idade. “A mãe estava gravemente doente.
Tinha feridas por todo o corpo que vertiam pus”, recorda
Latisa. “A mulher não tinha ninguém mais para cuida dela
para além dos rapazes, que lhe davam banho e tentavam
enfrentar tudo sozinhos. O rapaz de 10 anos perguntou a
Latisa: Como posso cozinhar para a minha mãe?’ Tentava
fazer tudo o que devia ser feito, mas não sabia como. Quan-
do deixei esta casa estava a chorar; não me podia concen-
trar no caminho em frente.”
Gladys, uma voluntária numa zona rural da África do
Sul, disse que não estava preparada para todos os proble-
mas sociais com que depara nas residências que visita: “Pen-
sava que ia oferecer cuidados de saúde, mas logo se des-
cubro que não há comida em casa, toda a família tem fome,
não há rendimentos económicos, e sinto que o que posso
fazer é muito pouca coisa”. E, no Uganda, Christine, uma
conselheira de uma organização relacionada com o SIDA
que é também seropositiva, conta-nos a angústia que sente
por não poder cumprir com os seus objectivos, pois muitas
vezes está tão fácil que não pode conduzir a mota que lhe
foi dada para visitar os seus doentes. Sente-se culpada por
ter de se apoiar nos seus colegas, mas não admite a ideia
de se reformar: “Tenho filhos para criar: quem lhes irá pa-
gar a escola se deixar de trabalhar? E como me arranjaria
sem assistência médica?”, pergunta.
A pressão sobre os que cuidam de pessoas infectadas
com HIV e SIDA são enormes e de ampla diversidade. E à
medida que a epidemia se propaga e avança, sobrecarre-
gando a capacidade dos serviços de saúde e sociais de mui-
tos países de lidarem com ela, estes recorrem cada vez
mais a prestadores de cuidados não especializados vindos
das famílias e das comunidades. Estas pessoas – pioneiras
do movimento dos cuidados domiciliários, trabalhadoras
ONUSIDA
11
de primeira linha no esforço para deter o SIDA e conter o
dano que ele causa às sociedades em que vivem – são um
recurso de incalculável valor. A qualidade dos cuidados
que oferecem e a sua capacidade para os fornecerem du-
rante um período largo dependem da protecção do seu bem-
estar e da sua moral.
O propósito do presente relatório é chamar a atenção
sobre as necessidades dos prestadores de cuidados e sobre
o que se pode fazer para os apoiar com mais eficácia. Irá
concentrar-se nas pessoas envolvidas na assistência ao do-
micílio ou na comunidade, e baseia-se nas experiências
em primeira mão das pessoas e das organizações relacio-
nadas com o SIDA no Uganda, um dos primeiros países a
serem afectados por esta doença e a enfrentá-la com ima-
ginação, e na África do Sul, onde o vírus se está a propagar
mais rapidamente que em quase mais nenhum outro lugar
da terra. O relatório é dirigido a todos os que estão envol-
vidos em cuidados com pessoas que vivem com o HIV e
com SIDA, mas especialmente aos que têm responsabili-
dades directas na provisão de assistência ou na gestão dos
prestadores de cuidados, na formulação de políticas neste
campo ou no apoio aos programas sobre o SIDA.
Nota: alguns dos nomes que aparecem neste relatório foram
alterados para manter a confidencialidade.
Cuidar dos prestadores de cuidados
12
3. Uganda e África do Sul: duas
faces da epidemia
O SIDA no Uganda
A
lguns dos primeiros casos de SIDA em Áfri
ca foram identificados em 1982 nas comu-
nidades de pescadores que povoam as costas do Lago Vi-
tória, no distrito de Ugandês de Rakai. A partir dessa altura
o vírus espalhou-se por todo o país, afectando ricos e po-
bres, populações urbanas e rurais. A grande maioria das
infecções é transmitida através de relações heterossexuais.
Contudo, os recém-nascidos que tenham contraído o vírus
a partir das suas mães infectadas antes ou durante o nasci-
mento ou durante a amamentação corresponde a cerca de
uma em cada cinco novas infecções.
No seu momento de pico, nos princípios dos anos 90,
as taxas de infecção por HIV acima 30% eram regularmen-
te registadas nos centros de vigilância sentinela. Essas ta-
xas têm diminuído ininterruptamente nos últimos anos –
especialmente entre as mulheres dos 15 aos 19 anos de
idade –, e os inquéritos de comportamento indicam que os
mais jovens estão a retardar o início das relações sexuais,
que as pessoas estão a ter menos parceiros sexuais e que
utilizam os preservativos mais sistematicamente. Contudo,
ninguém pode assegurar que se tenha contido a epidemia
de SIDA no Uganda. Ainda hoje, 13% da população adul-
ta está infectada pelo HIV, e há três vezes mais mulheres
HIV positivas do que homens menores de 25 anos. E, à
medida que a epidemia avança, dia após dia vai crescen-
do o peso da doença. Todos os anos, mil pessoas infectadas
desenvolvem o SIDA, que é a principal causa de mortali-
dade nos adultos e a quarta mais importante nas crianças
menores de cinco anos.
Não há praticamente nenhuma família que não tenha
sido afectada pela epidemia. Quase todas estão a cuidar
Um panorama do
Uganda
População Total:
20 milhões
População urbanizada:
13,2%
Taxa de mortalidade de
bebés: 86 por 1000
nados-vivos
Taxa de mortalidade
infantil: 137 por 1000
Esperança de vida à
nascença : 39,6 anos
PIB per capita: US$602
População que vive na
pobreza absoluta
(menos de US$1
diário):50%
Taxa de alfabetização
de adultos: 64%
Fonte: Relatório do
Desenvolvimento Humano
1999, PNUD
Fonte: 1995 Uganda Demographic and Helth Survey, Claverton,
MD, USA, 1996
ONUSIDA
13
de um parente doente, a acolher os filhos órfãos dos ir-
mãos, irmãs, filhos ou filhas, ou contribuindo para manter
parentes que tenham perdido os que ganhavam o sustento
da família e já não têm rendimentos económicos. Como
viver com os rendimentos disponíveis – pagar a renda,
manter os filhos na escola, trazer alimentos a casa, e con-
seguir dinheiro para medicamentos e tratamentos – é a prin-
cipal preocupação das famílias, uma vez que o SIDA em-
pobrece rapidamente mesmo os lares relativamente abas-
tados e arrasta para a indigência os que já lutavam no ex-
tremo pela sobrevivência.
No Uganda, o acesso aos serviços de saúde do Gover-
no é muito limitado, com 88% da população a viver a mais
de 10 quilómetros de distância de um estabelecimento de
saúde de qualquer tipo, e muitas clínicas e postos de saúde
carecem de pessoal formado e dispõem de pouco material
médico elementar e medicamentos. Normalmente, mais
de metade do total das camas de hospital são ocupadas
por doentes de SIDA e muitos pessoas doentes em fase ter-
minal são postos fora pelas instituições que estão numa
sobrelotação crónica. Como resposta à crescente crise, tem
surgido uma série de organizações para preencher as lacu-
nas nos cuidados e prevenção. Actualmente, em todo o país,
existem umas 1050 organizações não governamentais e com
base na comunidade que trabalham no campo do SIDA.
Elas são pioneiras dos cuidados domiciliários para as pesso-
as com o HIV e com SIDA, e têm recrutado milhares de
voluntários dentro das comunidades, que depois formam para
oferecer uma série de serviços que vão desde os cuidados
de saúde preventiva básica e primeiros socorros até ao
aconselhamento prático e ao apoio psicológico. Os volun-
tários são apoiados pelos trabalhadores destas organizações,
que têm uma ampla gama de especialidades profissionais,
incluindo especialmente o aconselhamento e a enfermagem.
Estas organizações, que gozam do apoio de um Gover-
no que demonstrou uma coragem ímpar ao reconhecer a
natureza e o alcance da epidemia com que se confronta o
Uganda, têm conseguido superar em grande medida o de-
sespero e a sensação de fatalidade que aterrorizou as co-
Cuidar dos prestadores de cuidados
14
munidades nos primeiros tempos da epidemia. Um traba-
lhador da Visão Mundial recorda que, quando a organiza-
ção chegou a Rakai pela primeira vez, em 1989, as pesso-
as sabiam muito pouco sobre o SIDA, salvo que era mortal
e que se sentiam desamparados perante a doença. “Quan-
do se visitava uma casa deparava-se com pessoas que ti-
nham morrido; havia corpos e os parentes desesperados
sem saber o que fazer, cheios de medo, dor e vergonha,
chorando sobre os mortos. Acabava-se chorando com eles.”
Hoje as pessoas entendem que um diagnóstico de infec-
ção pelo HIV não é uma sentença automática de morte e
que podem viver durante largos períodos se se cuidarem.
Com sorte e pensamento positivo há tempo para planificar
o futuro. Onde a fabricação de caixões era um negócio
crescente há uns anos, com as oficinas de carpintaria chei-
as de serradura ao longo da estrada que leva a Rakai, hoje
em dia a fabricação de tijolos também disparou, uma vez
que é grande prioridade para as pessoas infectadas a cons-
trução de casas seguras para as suas famílias, com paredes
de alvenaria e telhados de chapa de zinco em substituição
do barro e da palha, materiais de manutenção muito exi-
gente. Em toda a parte, fornos de tijolos cobertos de palha
lançam para o ar nuvens de fumo como dragões sem asas
por entre as folhas de bananeiras das plantações rurais.
No entanto, o movimento de cuidados domiciliários e
tudo o que conseguiu está hoje ameaçado pelo fraco co-
metimento dos doadores, que retiraram o tapete debaixo
de alguns dos mais valiosos empreendimentos, ameaçan-
do a moral de todas as organizações que trabalham no ter-
reno. Esta insegurança também é uma outra causa de ansi-
edade para as pessoas que já suportam uma carga intolerá-
vel. Os empregados e os voluntários das organizações re-
lacionadas com o SIDA não têm repouso. No fim de um
dia de trabalho quase ninguém pode fechar a porta aos
problemas e à dor provocados pelo SIDA porque pratica-
mente todos os prestadores de cuidados, como muitos ou-
tros ugandeses, voltam à casa para encontrar famílias cas-
tigadas pela enfermidade, perda de entes queridos e difi-
culdades económicas.
ONUSIDA
15
O SIDA na África do Sul
T
alvez devido, em parte, ao isolamento da Áfri
ca do Sul durante a época do apartheid, a
epidemia do SIDA teve um avanço mais lento do que nou-
tros países do subcontinente. Os primeiros casos de SIDA
apareceram em 1983 em homossexuais masculinos bran-
cos. Só nos princípios dos anos 90 é que o vírus se esta-
beleceu firmemente na comunidade heterossexual e co-
meçou a espalhar-se como um incêndio florestal. Actual-
mente, a África do Sul tem uma epidemia de HIV com um
dos ritmos de crescimento mais rápidos do mundo, com
cerca de 1600 novas infecções por dia, e com uma esti-
mativa de que cerca 4 milhões estavam infectadas nos
finais de 1998.
Baseando-se nos resultados de testes anónimos realiza-
dos em clínicas pré-natais, o Ministério da Saúde da África
do Sul calcula que a nível nacional aproximadamente 23%
das mulheres grávidas eram HIV-positivas nos finais de
1998. Mas a propagação do vírus não é uniforme. O
KwaZulu/Natal – com importantes portos oceânicos, mo-
vimentadas rotas de camiões, grandes populações de tra-
balhadores migrantes e uma história de conflitos sociais e
políticos – apresenta a maior prevalência do HIV. A taxa
desta província, baseada em estatísticas realizadas em clí-
nicas pré-natais, era calculada aproximadamente em 32,5%
nos finais de 1998, enquanto a prevalência do HIV na pro-
víncia menos afectada, a do Cabo Ocidental, era estimada
em cerca de 5%. Em praticamente todo o resto do país,
pelo menos um adulto em cada cinco estava infectado no
final de 1998.
Em grande medida é o sigilo que rodeia o SIDA que
tem permitido que o vírus se propague com tanta rapidez.
“Temos, como país, fechado os olhos por demasiado tem-
po, esperando que a verdade não fosse real”, disse Thabo
Mbeki, então vice-presidente, num discurso dirigido à na-
ção em 1998. “Às vezes não sabíamos que estávamos a
enterrar pessoas que tinham morrido de SIDA. Outras ve-
zes, sabíamo-lo, mas decidíamos permanecer calados.”
Um panorama da
África do Sul
População Total:
39.8 milhões
População urbanizada:
49.7%
Taxa de mortalidade
de bebés: 49 por 1000
nados-vivos
Taxa de mortalidade
infantil: 65 por 1000
Esperança de vida à
nascença : 54.7 anos
PIB per capita: US$2336
População que vive na
pobreza absoluta
(menos de US$1 diário):
23.7%
Taxa de alfabetização
de adultos:84%
Fonte: Relatório do
Desenvolvimento Humano
1999, PNUD
Cuidar dos prestadores de cuidados
16
Passou mais de um ano desde o discurso de Mbeki,
mas pouco mudou. São tão grandes o estigma e o medo
que rodeiam o SIDA actualmente que em muitos lugares
os programas de assistência domiciliária se ocupam de aten-
der e consolar pacientes em fase terminal e suas famílias
sem jamais pronunciar a palavra SIDA. O caso de Gugu
Dlamini, uma jovem zulu que uma multidão encolerizada
agrediu mortalmente no seu
shebeen
local (bar) depois de
ter manifestado publicamente que era HIV-positiva no Dia
Mundial do SIDA de 1998, teve uma difusão mundial. Mas
não se tratou de um incidente excepcional: são habituais
os casos de mulheres, crianças e homens infectados aban-
donados para morrer num esquina pelas suas famílias, ou
dos que são fisicamente abusados, o que torna difícil rom-
per o silêncio.
Não obstante, na África do Sul, cada vez mais pessoas
encontram a coragem necessária para falar e mostrar com-
paixão para com as pessoas com SIDA, quando elas pró-
prias ficam infectadas ou são testemunha do sofrimento e a
morte de pessoas queridas. Na África do Sul estão a apare-
cer grupos de apoio com programas de cuidados
domiciliários relacionados com o SIDA, como ocorreu em
toda a África, à medida que a epidemia avança e não se
pode continuar a ignorar a realidade.
Uma mãe de três filhos cuida afectuosamente do seu marido em
Port Shepstone (África do Sul) com o apoio do South Coast Hospice
ONUSIDA
17
4. Quem são os prestadores de
cuidados?
U
m diagnóstico da infecção de HIV é sem
pre profundamente chocante. Sentimentos
de medo, raiva e desespero, a ideia de suicídio, são co-
muns nas horas e semanas que se seguem. A quem recor-
rem as pessoas em busca de conforto e conselhos nesses
momentos? E quem é mais provável de cuidar delas quan-
do ficarem demasiado doentes para cuidarem de si própri-
as? Este capítulo dedicar-se-á aos prestadores de cuidados,
centrando-se sobretudo nos que não pertencem aos servi-
ços formais de saúde. Também centrar-se naquilo que os
motiva a fazer este tipo de trabalho, na forma como eles são
recrutados e formados e no tipo de tarefas que realizam.
Quase sempre, os diferentes papéis dos prestadores de
cuidados estão entrelaçados e as linhas de demarcação entre
os níveis de cuidados incertas. Em áreas profundamente
afectadas pelo HIV e SIDA, muitos dos que trabalham como
conselheiros ou enfermeiros em organizações não-gover-
namentais, ou como voluntários formados da comunida-
de, estão também a cuidar de alguém com SIDA nas suas
residências. Alguns dos que trabalham como prestadores
de cuidados profissionais ou voluntários estão eles própri-
os infectados pelo HIV e registados como utentes de orga-
nizações de SIDA, das quais recebem cuidados.
Prestadores de cuidados na família
L
ucy cuidou da sua nora e depois dos seus
dois filhos quando estavam na fase terminal
com SIDA e agora ajuda a cuidar da sua pequena neta órfã,
que está infectada pelo HIV. Na mesma cidade, Grace, de
18 anos, com muitos irmãos, está a cuidar da sua mãe, que
não se pode levantar da cama e ficou cega devido ao
sarcoma de Kaposi, que se espalhou por toda a sua cara
poucos dias depois de notar que tinha uma pequena man-
cha escura no nariz. Embora ninguém, quer no Uganda,
Cuidar dos prestadores de cuidados
18
quer na África do Sul, tenha documentado sistematicamente
quem se ocupa dos cuidados no âmbito famíliar, está claro
para os que trabalham no terreno que o peso dos cuidados
recai predominantemente sobre as mulheres e as rapari-
gas. Tipicamente, uma mulher ou uma jovem rapariga en-
contrar-se-á na posição de prestadora de cuidados de for-
ma natural, como uma expectativa cultural. E, embora
muitas mulheres se sintam orgullosas do seu papel de
prestadoras de cuidados e considerem isso natural, o seu
estatuto de subordinação significa que há pouca discussão
dentro da família ao atribuir-se esta responsabilidade e que
se dará pouca importância aos sacrifícios pessoais que se
exigem às mulheres.
“Se um esposo está doente, invariavelmente é a esposa
que cuida dele, mas se é a mulher que está doente, são as
suas filhas, as irmãs ou a mãe que cuidam dela, enquanto
o esposo se dedica a ganhar dinheiro para os suatentar a
todos”, diz Jovah, que trabalha como conselheiro para a
Organização de Ajuda a Pessoas com SIDA (TASO) no
Uganda. “Os homens quase nunca são os prestadores de
cuidados primários em casa”. Evelyn Kezwa, uma freira
enfermeira responsável pelo aconselhamento de mães HIV-
positivas numa clínica pré-natal da África do Sul, diz: “Os
homens continuam a não se dar bem com o papel de
prestadores de cuidados.” Actualmente, muitas pessoas nos
bairros periféricos da África do Sul, vivem em famílias nu-
cleares, longe dos seus familiares. Muitas vezes uma mãe
deixa a sua residência numa aldeia rural longínqua para ir
cuidar da sua filha. “Mães idosas encontram-se num papel
que nunca tinham imaginado”.
Mas o SIDA está a começar a pôr em causa as atitudes
tradicionais, e os homens, especialmente os que estão
infectados ou os que trabalharam em organizações relaci-
onados com o SIDA e têm conhecimentos e formação, es-
tão cada vez mais dispostos a encarregar-se dos cuidados
físicos das suas parceiras ou dos familiares doentes. “Já vi-
mos ambos os extremos no comportamento dos homens
aqui no Soweto”, diz Mark Ottenweller, o director local da
Hope Worldwide. “Alguns cuidaram magnificamente das
ONUSIDA
19
parceiras ou familiares doentes; outros abandonaram as suas
esposas infectadas ou correram com elas de casa.” Em
KwaZulu/Natal, a província mais afectada da África do Sul,
“não é raro encontrar homens como prestadores de cuida-
dos primários”, diz Liz Towell, directora do Programa de
Cuidados Domiciliários de Sinosizo, que tem uma ampla
base de dados sobre famílias afectadas pelo SIDA. “Mas
muitas vezes eles fartam-se do trabalho, ou tem que voltar
ao emprego, e então chamam as suas mães do campo. Mas
isto só sucede quando as coisas pioram – de outro modo
eles continuam com o trabalho.”
Os prestadores de cuidados menos reconhecidos den-
tro de casa são as crianças. Quando morre um dos pais
numa família nuclear, quase sempre não há mais ninguém
senão as crianças para cuidar do pai ou da mãe que cai
doente. Este é o caso, especialmente em lugares onde o
forte estigma e a vergonha ligados ao SIDA fazem com que
as pessoas tenham medo de se abrirem em relação à sua
infecção. Muitas crianças se vêem obrigadas a suportar
condições terríveis e a testemunhar o sofrimento da pessoa
que mais amam e de que mais dependem no mundo, sem
formação nem conhecimentos e muitas vezes sem que nin-
guém lhes tenha explicado claramente o que está a ocor-
rer. Ninguém sabe quantos crianças no Uganda e na África
do Sul estão a actuar como prestadores de cuidados primá-
rios, mas isto tornar-se-á cada vez mais comum à medida
que a epidemia avança, simplesmente porque o SIDA afecta
a geração dos seus pais. Evidências anedóticas de outras
partes de África sugerem que muitas vezes se trata de cri-
anças muito pequenas, de 8 a 11 anos, que cuidam dos
pais doentes, porque as crianças mais velhas tendem a sair
de casa para procurar trabalho ou tentam sobreviver na
rua à medida que a pobreza da família se agudiza.
Prestadores de cuidados voluntários
O
s voluntários são a espinha dorsal dos pro
gramas comunitários de cuidados para com
as pessoas com HIV e SIDA. Alguns são aquilo que podía-
Cuidar dos prestadores de cuidados
20
mos chamar voluntários “informais” – amigos ou vizinhos
que aparecem para cuidar da pessoa doente que eles co-
nhecem, por afeição ou por sentido de dever para com ela.
Podem também ser pessoas, como os membros de uma
igreja, que regularmente reservam algum do seu tempo para
o serviço comunitário. Mas um grande número de pessoas
que trabalham em programas de cuidados do SIDA são
voluntários “formais”, recrutados, formados e supervisados
pelas organizações para as quais trabalham na base de um
acordo. As organizações procuram por pessoas que:
saibam ouvir;
não formulem juízos de valor e sejam respeitadoras dos
outros;
sejam dignas de confiança e capazes de guardar segredo;
sejam capazes de se relacionar com as pessoas;
sejam simpáticas;
sejam seguras de si próprias; e
sejam empenhadas.
Embora muitas organizações estipulem que os voluntári-
os devem ser alfabetizados, uma vez que se exige que man-
tenham registos em arquivo, a Sinosizo, que trabalha nalgu-
mas das mais pobres e desfavorecidas comunidades rurais
da África do Sul, elaborou um programa de formação e prá-
ticas de trabalho que não exigem a habilidade de saber ler e
escrever. “Nós temos ‘escribas’ – pelo menos uma pessoa
em cada grupo de voluntários que é letrada e que se senta
com os outros e escreve os seus relatórios”, diz Liz Towell.
No seu programa, a informação sobre cuidados domiciliários
– como reconhecer as doenças e o que fazer para as preve-
nir e tratar – é apresentada em desenhos simples em cartões
que os voluntários levam consigo como referência.
O que é que motiva os voluntários?
Um sentido de dever religioso é a razão mais frequen-
temente apresentada para assumir o trabalho voluntário, e
ONUSIDA
21
parece ser o que mantém as pessoas nos momentos mais
difíceis. Embora o compromisso religioso seja visto como
um ponto forte – e muitos programas de cuidados sejam
baseados nas igrejas – pessoas com desejo de evangelizar,
geralmente, não são consideradas apropriadas para volun-
tários. Uma visão mais ampla, tolerância e aceitação da
diversidade são qualidades especialmente importantes nos
cuidados de pessoas com SIDA.
A simples compaixão por aqueles que sofrem é uma
motivação comum para o voluntariado. “Em África há um
forte sentimento de comunidade e uma rica tradição de
fazer boas acções – ajudar o amigo ou vizinho doente”,
diz o psicólogo sul-africano Pierre Brouard. Muitas pesso-
as são motivadas também pela experiência pessoal do SIDA
na família ou amigos. Elas podem ter recordações doloro-
sas do desamparo que sentiram, sem conhecimentos ou
capacidades quando o SIDA entrou nas suas próprias vi-
das, e o que aprenderam como voluntários não só lhes dá
muitas capacidades como também é uma fonte de orgu-
lho. Outras pessoas que se voluntariaram podem apenas
querer juntar-se ao esforço para controlar a doença que
está a assolar as suas sociedades, e não podem ficar de
braços cruzados.
Um grande número de voluntários são eles próprios HIV-
positivos e envolveram-se nos cuidados de outros por te-
rem aderido a grupos de apoio a pessoas que vivem com o
HIV/SIDA. A espinha dorsal do programa de cuidados da
Hope Worlwide na África do Sul são os membros do seu
grupo de apoio – pessoas que se juntaram a seguir a um
teste positivo de HIV e cuja estratégia de sobrevivência de
“viver positivamente” é manter-se activo, ser útil e encon-
trar um objectivo na vida.
O interesse pessoal é também frequentemente parte da
motivação, mesmo que não seja a principal força para o
voluntariado. Diz Christopher, um voluntário de um dos
distritos mais afectados do Uganda: “Espero que quando
eu tiver este problema alguém me ajude, porque eu os aju-
dei”. Na sua aldeia há poucas casas sem campas marcadas
Cuidar dos prestadores de cuidados
22
com cruzes grosseiras entre as matas de cafezeiros e
mandioqueiras. Muitos recordam-se dos dias em que as
pessoas morreram, muitas vezes com pouca dignidade, em
casas onde ninguém sabia o que fazer e os corpos eram,
algumas vezes, enterrados sem cerimónias por familiares
assustados e traumatizados.
Algumas pessoas voluntariam-se na esperança de se-
rem promovidos para um emprego remunerado na organi-
zação. Outros são atraídos pelos incentivos oferecidos pe-
los programas de voluntários, tais como acesso preferenci-
al aos esquemas de geração de rendimentos e formação
em habilidades, ou talvez pela distribuição de alimentos.
No Uganda, o trabalho voluntário na comunidade tem sido,
para um certo número de pessoas, o trampolim para posi-
ções no governo local. “Nós encorajamo-los a concorre-
rem para as eleições municipais porque sentimos que a
política lhes dará uma plataforma mais ampla para usarem
as habilidades e os conhecimentos que adquiriram”, diz
um membro do pessoal da World Vision, responsável pela
supervisão de voluntários.
“Creio que os motivos das pessoas para se tornarem
prestadores de cuidados são complexos – em princípio to-
dos nós fazemo-lo por alguma razão”, diz Pierre Brouard.
“Creio que me envolvi neste trabalho porque perdi um dos
meus pais quando era muito pequeno. Sou homossexual,
por isso esta doença tem sido algo muito real para mim. O
trabalho com o SIDA ajuda-me a tratar de todas as ques-
tões pessoais que têm a ver com a mortalidade e a
espiritualidade, de modo que há boas razões egoístas para
o fazer. Eu também tenho um sentido de responsabilidade,
um sentido de ligação social, uma preocupação pelas pes-
soas que são vítimas, porque, como homossexual, passei
por experiências de estigmatização e discriminação.”
Para que actividades são formados os
voluntários?
Os voluntários são formados para fornecer uma ampla
gama de serviços Os voluntários da comunidade que tra-
ONUSIDA
23
balham com a TASO e World Vision no Uganda são forma-
dos para aconselhar clientes e suas famílias, o que, essen-
cialmente, significa escutar as suas preocupações, confor-
tar e informar, explorar as opções que eles têm para lidar
com os vários problemas. Eles trabalham em estreita cola-
boração com os serviços de saúde locais, actuando como
elementos de ligação entre as famílias nas suas casas e a
clínica ou hospital, que pode estar a muitos quilómetros
de distância. Eles recolhem medicamentos para os doentes
acamados e vão, se necessário, tentar encorajar um enfer-
meiro ou médico a ir tratar o paciente em casa. Muitas
vezes, os voluntários acompanham pessoas com SIDA ao
centro de saúde para ajudar-lhes a comunicarem-se com o
pessoal. Alguns ficam preocupados porque as clínicas po-
dem não ter conhecimento especializado acerca do SIDA
e em tratamento de pacientes nervosos e angustiados.
Voluntário de cuidados domiciliários com um utente em Kampala, Uganda
Os voluntários comunitários dos programas sul-africa-
nos providenciam quase os mesmos serviços. Em ambos
os países, o sobrecarregado pessoal dos serviços de saúde
está, de modo geral, grato ao trabalho dos voluntários que
alivia a sua própria carga de trabalho e aumenta as suas
capacidades de resposta. No Uganda, por exemplo, os pro-
Cuidar dos prestadores de cuidados
24
fissionais de saúde do governo são colocados apenas ao
nível de localidades, o que significa que a maioria das equi-
pas periféricas de saúde cobrem, cada uma delas, uma
população de cerca de 30.000 pessoas.
Muitos programas fazem questão de colocar voluntári-
os nas clínicas locais e de estabelecer relações de trabalho
fortes entre eles desde o início. A World Vision encoraja o
respeito mútuo através do envolvimento do pessoal local
da saúde nos seus programas de formação de voluntários.
Os voluntários da Sinosizo são membros de um fórum re-
gional de saúde, que lhes apoia e lhes dá estatuto. A Hope
Worldwide trabalhou com os serviços de saúde, fornecen-
do formação especializada sobre cuidados do SIDA, antes
de eles começarem o seu programa na comunidade.
Normalmente, os voluntários que trabalham em pro-
gramas de cuidados do SIDA são treinados a reconhecer
problemas de saúde e a saberem que doenças podem eles
próprios tratar e como fazê-lo e quais precisam de ser re-
metidas à alguém com conhecimentos especializados. Os
voluntários da Sinosizo no KwaZulu/Natal aprendem cui-
dados práticos, o que significa, por exemplo, cuidados com
a boca, como realizar um banho na cama e como prevenir
e tratar feridas. Imediatamente a seguir à formação eles têm
que demonstrar essas habilidades com famílias, em frente
dos seus supervisores para mostrar que são competentes e
que são capazes de passar essas habilidades, com sucesso,
para os prestadores primários de cuidados domiciliários.
O objectivo é capacitar as famílias a oferecer todos os cui-
dados, tanto quanto possível.
Alguns voluntários da comunidade são formados para
supervisar o tratamento da tuberculose. Alguns recebem
formação especializada para aconselhamento de moribun-
dos. No Uganda, a World Vision incluiu no seu currículo
de formação uma componente de comunicação com as
crianças, por reconhecer as enormes necessidades não sa-
tisfeitas destas e pelo facto de cada vez mais crianças se-
rem deixadas com a responsabilidade de cuidar de famili-
ares doentes. A Sinosizo também está a desenvolver, com o
ONUSIDA
25
Departamento de Psicologia e o Centro Infantil e Familiar
da Universidade do Natal, um pacote de formação para os
seus voluntários sobre as necessidades das crianças. E como
aumentam os casos de pacientes com SIDA nesta província
mais fortemente afectada, o programa está a dotar os seus
voluntários mais dedicados e competentes, com conheci-
mentos especializados tais como cuidados à doentes termi-
nais e tratamento de dores.
Clarificar a relação entre a organização do SIDA e os
voluntários e o que cada um pode esperar do outro, é de
importância crucial para o sucesso de um programa e para
a moral de todos os envolvidos. Normalmente,
isto é tratado durante a formação. A Sinosizo
começa o seu curso de formação com um semi-
nário de um dia sobre o significado do
voluntariado que é uma oportunidade para
aqueles que estão realmente à procura de em-
prego remunerado ou que não estão realmente
empenhados, abandonem antes que sejam gas-
tos recursos com eles. A Life Line, que se con-
centra mais no aconselhamento especializado
do que em técnicas de enfermagem domiciliária,
dedica muito tempo da formação ao “crescimento pesso-
al”, no qual os formandos são ajudados a descobrir os seus
pontos mais fortes, a lidar com questões problemáticas da
sua própria vida, a explorar as suas atitudes e a construir a
auto-confiança.
Uma clara compreensão das suas próprias limitações e o
que se espera e o que não se espera que eles façam, é crucial
para os voluntários, diz Mark Ottenweller da Hope Worldwide.
Nesta organização, esta questão é tratada na formação e pos-
teriormente há, normalmente, discussões regulares entre os
voluntários e o pessoal do programa acerca do que é preciso
fazer nas suas áreas e como distribuir a carga de trabalho. Em
geral, as organizações preferem evitar assinar contratos for-
mais com os voluntários porque elas querem encorajar um
sentimento de pertença à comunidade do programa de vo-
luntários, em vez de dar a impressão de que os voluntários
são funcionários não pagos da organização.
Uma mãe ugandesa com os
seus filhos, que perderam o
pai devido ao SIDA
Cuidar dos prestadores de cuidados
26
………………………….
O que é que fazem os prestadores voluntários de
cuidados?
Os voluntários a nível da comunidade que trabalham com programas de cuida-
dos do SIDA oferecem uma ampla gama de serviços, muitas vezes combinando
cuidados com prevenção. Normalmente esses serviços incluem:
apoio emocional e espiritual, sempre que possível, para as pessoas com HIV
e SIDA e às suas famílias;
aconselhamento psico-social para ajudar os utentes a resolverem proble-
mas pessoais;
conselhos práticos sobre nutrição, higiene e cuidados preventivos de saúde;
cuidados de enfermagem básica para pacientes acamados, e/ou transmis-
são desses conhecimentos aos prestadores de cuidados primários na resi-
dência;
ajuda nas tarefas domésticas;
ligação entre os serviços de saúde e assistência social e os pacientes na co-
munidade;
supervisão do tratamento da tuberculose;
aconselhamento de pares;
mobilização da comunidade contra o SIDA;
informação pública e educação; e
distribuição de preservativos.
………………………….
Ajudas adicionais
Para além dos membros dos grupos de apoio que são o centro do seu programa
de cuidados domiciliários, a Hope Worldwide usa, no SOWETO, os serviços de
cerca de 2000 voluntários ligados à Igreja de Cristo, baseada em Joanesburgo. A
todas as pessoas que oferecem o seu tempo à organização é dada informação e
educação básica sobre o HIV e SIDA. Mas foi seleccionado e formado um grupo
de cerca de 150 voluntários que quer estar mais envolvido para fazer
aconselhamento básico, de modo a poder dar apoio emocional a pessoas com
SIDA nas suas próprias casas ou no hospital. Os voluntários informais são cha-
mados a fazer coisas como preparar o terreno para hortas com vista a apoiar os
membros do grupo de apoio, ou para reparar o tecto que goteja de uma família
afectada pelo SIDA que vive numa barraca. Um grupo selecto de voluntários
especialmente comprometidos da igreja é usado para os casos mais exigentes. Se
uma família está a cuidar de um paciente em fase terminal, eles estabelecem um
sistema rotativo, de modo a que alguém vá todos os dias ajudar nas tarefas do-
mésticas – cozinhar, limpar, lavar roupa de cama e talvez dar banho ao doente.
ONUSIDA
27
Prestadores de cuidados profissionais
A
maioria das organizações do SIDA visita
das têm apenas um pequeno complemento
de prestadores de cuidados profissionais – normalmente
conselheiros e enfermeiras – como parte do seu pessoal.
Esses funcionários podem, ocasionalmente, trabalhar di-
rectamente com os utentes e as famílias, mas a sua princi-
pal responsabilidade é recrutar, formar e apoiar prestadores
de cuidados voluntários na comunidade. Contudo, a TASO
emprega um grande número de conselheiros que são igual-
mente responsáveis eles próprios por prestar cuidados e
cuidar de equipas de voluntários na comunidade. Para além
dos conselheiros, cada centro da TASO emprega um nú-
mero de profissionais de saúde que prestam cuidados mé-
dicos aos utentes.
Parece que o mesmo que motiva os que solicitam em-
prego a programas de cuidados com o SIDA também moti-
va os que se voluntariam para esses serviços. As motiva-
ções mais frequentemente manifestadas incluem:
Uma enfermeira de hospital em visita de cuidados domiciliários a um paciente
em Kampala, Uganda
Cuidar dos prestadores de cuidados
28
uma experiência pessoal com o SIDA que deixou re-
cordações dolorosas de desamparo e que alimentaram
um desejo de adquirir conhecimentos e habilidades;
uma experiência pessoal que encorajou o compromis-
so de juntar-se à luta contra a epidemia;
compaixão para com os doentes e os que sofrem; e
o desejo de servir os outros, normalmente manifestado
em termos de chamada ou dever religioso.
O pessoal pode ser recrutado entre os voluntários a tra-
balhar com um programa. Mas, desde 1989, a TASO re-
cruta conselheiros através de anúncios que procuram pes-
soas com compaixão, flexibilidade, paciência e rapidez de
decisão, de preferência com formação em Ciências Soci-
ais, Educação ou Saúde. Uma avaliação do programa em
1998 sugere que seria mais rentável recrutar pessoas quali-
ficadas em enfermagem para conselheiros, de modo a que
a mesma pessoa possa fornecer cuidados médicos e apoio
psico-social.
A formação da TASO para os seus conselheiros profissi-
onais começa com um exercício de auto-reflexão durante
três dias. “Esta é a nossa oportunidade de avaliar uma pes-
soa em profundidade. Nós podemos observar as suas atitu-
des, crenças e valores e ajudá-las a mudar se for necessá-
rio”, afirma Hannington Nkayivu, funcionário de forma-
ção. As características inaceitáveis incluem o
fundamentalismo ou intolerância religiosa, a tendência para
ser moralista ou emitir juízos de valor, preconceitos pesso-
ais como falta de respeito pelas mulheres ou certo tipo de
pessoas e a incapacidade de relacionar-se com crianças.
“Um conselheiro deve estar preparado e ser capaz de tra-
tar todas as pessoas como iguais, sejam elas quem forem; e
ele deve ter respeito por todas as idades e ambos os géne-
ros”, diz ele. Depois do exercício inicial, o curso de forma-
ção ensina os factos acerca do HIV e SIDA e desenvolve as
habilidades em aconselhamento e comunicação em geral.
No entanto, o currículo vai ser mudado. “A TASO co-
meçou o aconselhamento numa fase crítica”, explica Sophia
ONUSIDA
29
Mukasa Monico, directora da TASO. “Nessa altura ninguém
sabia nada sobre o HIV. Mas agora, quando um utente se
dirige a um conselheiro já sabe quase tudo, e o que ele
quer não é informação mas ajuda para desenvolver uma
estratégia para enfrentar a situação. Estamos à procura de
formas de tratar disso.” A TASO também pretende acres-
centar um módulo sobre “Comunicação com as crianças”
ao currículo de formação, já que conselheiros e utentes
tornaram-se cada vez mais conscientes das necessidades
não satisfeitas das crianças.
Actualmente, a cada conselheiro da TASO é atribuída
uma zona, e ele é responsável por todos os utentes viven-
do nessa zona. Eles visitam os seus utentes no centro da
TASO nos dias de consultas, quando eles vêm levantar
medicamentos. Nos dias em que não há consulta, os con-
selheiros vão para as casas verificar se os doentes que fal-
taram às consultas no centro estão bem, ou então acompa-
nham os enfermeiros e assistentes médicos em visitas a
utentes acamados, como parte de uma equipa de cuidados
domiciliários. Para além destes deveres todos, espera-se
que os conselheiros mobilizem as comunidades e estabe-
leçam um número de programas de voluntários por cada
ano, bem como dar apoio contínuo a programas de volun-
tários já estabelecidos nas suas zonas. Alguns conselheiros
são formados em aromaterapia, oferecendo estes serviços
aos seus utentes.
A maior parte das organizações não governamentais
(ONG) que cuidam de pessoas com HIV e SIDA trabalham
estreitamente com o pessoal das clínicas governamentais.
Na África do Sul, os grupos de apoio da Hope Worldwide
estão baseados nas clínicas locais e dependem do pessoal
de enfermagem para prestar cuidados médicos –
domiciliários se necessário e se os recursos permitirem –
quando eles atingem os limites das suas próprias capacida-
des. Acordos idênticos são comuns em outros programas
de cuidados no Uganda e na África do Sul. No entanto,
com frequência o pessoal governamental de saúde nesses
países tem falta de conhecimentos especializados e habili-
dades de relacionamento para lidar com pessoas com HIV
Cuidar dos prestadores de cuidados
30
porque isso não faz parte do seu currículo de formação.
Num esforço para colmatar esta falha, a TASO organiza
seminários de orientação para os Cuidados do SIDA, para
trabalhadores da saúde para complementar a sua forma-
ção básica.
Os médicos tradicionais
N
o seu livro sobre a luta da sua família con
tra o SIDA, Noerine Kaleeba, a fundadora
da TASO, conta a frenética procura de uma cura local
quando o seu marido Chris ficou acamado. Na altura
ela tinha um carro, e ela diz: “Se ouvisse que existia
um curandeiro num local particular do Uganda diri-
gia-me ao local e voltava com uma garrafa ou um
galão de algum preparado. Eu ia de local em local
onde as pessoas diziam existir curandeiros e mezi-
nhas eficazes. Nossos familiares também traziam me-
dicamentos em abundância e de repente tínhamos me-
dicamentos para enrolar, medicamentos para inalar,
medicamentos para beber, etc. Chris tomou todos es-
ses medicamentos com confiança para além dos me-
dicamentos que lhe tinham dado (no hospital).”
Os médicos tradicionais são os profissionais de me-
dicina mais largamente utilizados em toda a África, e
a maioria das pessoas com SIDA consulta-os a qualquer
momento. No entanto, há pouco reconhecimento oficial
da sua importância no seio das comunidades ou o empe-
nho de informar e educá-las acerca do HIV e SIDA. “Toda
a formação termina onde termina a estrada. Finalmente esta
formação está a ir para além da estrada, aonde a real popu-
lação rural vive”, comentou um médico tradicional na África
do Sul, onde a Fundação SIDA, em colaboração com os
médicos tradicionais no KwaZulu/Natal, desenvolveu um
currículo de formação e começou recentemente a levar a
cabo
workshops
com eles. Os seus objectivos são:
Dr Confad Tsiane, médico
tradicional sul africano
Kaleeba N, com Ray S & Willmoree B, We miss you all. Noerine
Kaleeda: AIDS in the family. Zimbabwe, Women and AIDS
Support Network (WASN) Book Project, 1991
ONUSIDA
31
aumentar o impacto da prevenção, educação e gestão
do SIDA; e
ajudar os médicos tradicionais formados a serem acei-
tes dentro das fileiras do sistema de saúde.
No Uganda, no princípio dos anos 90, um especialista
em infecções sexualmente transmitidas, baseado no Hos-
pital Mulago, de Kampala e alguns colegas, criaram uma
organização chamada Profissionais de Medicina Tradicio-
nal e Moderna Unidos contra o SIDA (THETA), que levou a
cabo pesquisa sobre a eficácia dos medicamentos de ervas
tradicionais e organiza programas de formação. Nos finais
de 1999, 205 médicos tradicionais de Kampala e de vários
distritos rurais passaram pelo programa. Em ambos os paí-
ses a formação cobre aspectos biológicos da doença, mo-
dos de transmissão do HIV, prevenção, controle da infec-
ção e questões de aconselhamento, bem como tratamento
da relação entre os serviços de saúde modernos e tradicio-
nais e questões de referência.
Apesar destas iniciativas, os médicos tradicionais es-
tão, em larga medida, a cuidar de pessoas com a infecção
do HIV e SIDA sem nenhum apoio das organizações não
governamentais ou dos serviços oficiais de saúde, e têm de
enfrentar as tensões inerentes ao papel e o problema do
desgaste à sua maneira.
......................…….....................
Fala um médico tradicional
Conrad Tsiane, um antigo professor primário, trabalha como médico tradici-
onal desde 1989. É um homem influente, cuja reputação como curandeiro levou
a que fosse eleito presidente do município do distrito de Moutse, uma área rural
dispersa e subdesenvolvida, a norte de Joanesburgo. Actualmente, a sua grande
casa de tijolo está rodeada de jardins bem tratados no meio de um panorama de
pequenas casas pobres e pequenas machambas de subsistência que se estendem
por uma rede de estradas de terra batida. Por detrás da casa ficam salas de con-
sulta, escritórios, um depósito de plantas medicinais, bem como alojamento para
estudantes que frequentam a sua escola de medicina tradicional. O Dr. Tsiane
Cuidar dos prestadores de cuidados
32
ouviu falar pela primeira vez do SIDA numa conferência em que participou na
Zâmbia nos princípios dos anos 90. Mas foi só em 1994 que ele se tornou consci-
ente da doença na sua própria comunidade.
“Comecei a ver pessoas que emagreciam, que tinham dores de cabeça, que
tinham convulsões estomacais, uma série de sintomas. Na altura as pessoas ti-
nham muita vergonha de me dizer que eram HIV-positivas. Mas eu podia ver que
aquelas pessoas não eram iguais às outras que vinham ter comigo com “tosse
persistente” normal da tuberculose. Estavam tão secos; o seu cabelo estava tão
encrespado! Alguns estavam cada dia mais magros. Outros tinham grandes man-
chas que não curavam. Consultei os meus ossos e eles falavam a mesma lingua-
gem. Percebi que quando os ossos estão assim, a pessoa tem “mau sangue”.
Fiquei preocupado porque podia tocar em alguém e ter eu próprio a mesma
doença sem saber.
“Na altura senti que não era suficiente ser médico tradicional, conhecer plan-
tas medicinais e não complementar esse conhecimento com qualquer outra coi-
sa. Então li muitos livros e frequentei alguns cursos onde falavam acerca do SIDA
e do HIV. Aprendi que com o HIV se pode morrer de muitas doenças porque já
não se é forte – os soldados do corpo são devorados pelo vírus.
“Eu não faço análises de sangue, de modo que quando vejo alguém que me
provoca aquele arrepio e eu falo com os ossos e vejo que é alguém com HIV,
envio esse paciente aos médicos convencionais. Hoje tenho amigos que são mé-
dicos. Mas no início era muito, muito duro, porque quando eu transferia pacien-
tes para eles, eles diziam: Oh! Tsiane cobrou muito dinheiro e agora manda-nos
pessoas que estão a morrer!
“Mas nós não estamos a competir. Todos queremos o melhor para os nossos
doentes, por isso temos que nos complementar. Nós enfrentamos uma doença
colossal, que não pode ser tratada pelos médicos tradicionais sozinhos, ou al-
guém sozinho, que precisa da cooperação de todos. Eu posso ser uma mais valia,
porque vejo pessoas com HIV e SIDA todos os dias. Eles vêm-me falar. Dou-lhes
conforto e quando eles deixam esta casa vão felizes. Sentem-se amados.
“Há médicos tradicionais que dizem que curam o SIDA, e eu sinto-me mal
com isso. Porque não se pode curar o que não se compreende. Os meus antepas-
sados não sabiam nada do SIDA, esta é, definitivamente, uma nova doença. Por
isso digo: organizemos workshops onde os médicos tradicionais possam ser ensi-
nados a não enganar as pessoas. Organizemos workshops onde possamos apren-
der sobre o SIDA, porque quando os hospitais mandam embora as pessoas, so-
mos nós que cuidamos delas; temos que as aconselhar; temos que falar com elas
educadamente. Mas nós não temos recursos para fazer isso tudo, e estamos a
sofrer.”
ONUSIDA
33
Vide Miller D, Dying to Care? Work, Stress, and Burnout in HIV/
AIDS, London, Routledge, 2000.
5. O stress e o desgaste entre os
prestadores de cuidados
Quais são os sintomas?
O
desgaste não é um “evento” mas um pro
cesso no qual as tensões e ansiedades diá-
rias que não são tratadas gradualmente minam a saúde
mental e física do prestador de cuidados, de tal modo que,
eventualmente, a prestação de cuidados e as relações pes-
soais sofrem. Como condição clínica, o desgaste não tem
uma definição clara, mas como condição psicológica foi
bem definida e é cada vez mais reconhecido pelas pessoas
nas profissões relacionadas com os cuidados. Os gestores
e o pessoal dos programas de cuidados com o SIDA visita-
dos no Uganda e na África do Sul identificaram algumas
características comuns.
“Os membros do pessoal que não conseguem suportar
começam a ser menos pontuais no trabalho ou nos encon-
tros programados”, diz Tom Kityo, gestor de um dos cen-
tros da TASO em Kampala. Os registos podem mostrar que
eles sistematicamente falham no cumprimento das suas
metas ou não visitam os utentes que lhes estão atribuídos.
Os seus relatórios podem ser entregues tardiamente ou ser
de baixa qualidade. E podem ainda isolar-se dos seus cole-
gas e interessarem-se menos e serem menos sensíveis para
com os seus pacientes.
Pierre Brouard, que trabalha como um conselheiro de
conselheiros na África do Sul, diz que o
stress
crónico cau-
sado pelo fardo emocional de cuidar de pessoas com HIV
e SIDA manifesta-se normalmente, quer por um
envolvimento excessivo, quer por um envolvimento escas-
so por parte do prestador de cuidados. “O envolvimento
excessivo é uma forma transbordante da resposta, em que
se fica tão emocionalmente ligado que se perde toda a pers-
Cuidar dos prestadores de cuidados
34
pectiva e se desgasta rapidamente. O escasso envolvimento,
por outro lado, é uma retirada fria, uma forma desligada de
trabalhar com as pessoas. Alguns dos conselheiros tornam-
se quase brutais, duros, porque sentem “a fadiga da com-
paixão”. Eu julgo que ambos são perigos reais com uma
epidemia desta natureza.
“O
stress
pode também manifestar-se em sintomas físi-
cos, como insónia, letargia, sensação de inquietação e per-
da de concentração, e, talvez, estremecimentos e tremo-
res, ou mesmo distúrbios intestinais”, diz Pierre Brouard.
“Os problemas de comportamento, tais como a
irracionalidade, mudanças de humor e depressão são tam-
bém comuns”.
Anne Finnegan, directora da filial de Rustenburg da Life
Line na África do Sul, diz que um conselheiro pode de
repente desenvolver uma antipatia pelo trabalho de
aconselhamento, quer ao telefone, quer cara-a-cara.” A
perda de confiança em relação a alguns aspectos do traba-
lho normalmente diz-nos que algo está errado – há um
problema com que o conselheiro não lidou na sua própria
vida”. Mark Ottenweller, da Hope Worldwide comenta que
a falta de iniciativa e entusiasmo, fadiga excessiva, frustra-
ção, ira, tendência para discutir e reclamar são sinais co-
muns de
stress
observados e são também coisas para as
quais ele próprio ensinou os seus supervisores a prestarem
atenção e a tomarem conta antes de causarem doença.
Falando da sua experiência pessoal de
stress
, uma
conselheira no Uganda comentou que regularmente che-
ga a um ponto extremo onde “o seu cérebro sente-se tão
sobrecarregado” que ela não pode responder a mais ne-
nhuma exigência que lhe seja feita, por mais trivial que
seja. Uma outra disse que descobriu que estabelecer rela-
ções pessoais fora do seu trabalho era muito difícil por-
que lhe sobrava muito pouca energia emocional. Ela gos-
taria de se casar mas não via boas perspectivas. Um con-
selheiro que trabalha com mães e bebés HIV-positivos
comentou: “Algumas pessoas absorvem-te tanto que sen-
tes que estás a recuar em vez de avançar”. E uma enfer-
ONUSIDA
35
meira da comunidade no SOWETO disse que um ano a
trabalhar numa clínica de Doenças de Transmissão Sexu-
al (DTS) e SIDA quase destruiu completamente o seu inte-
resse pelo sexo.
...................................
Sinais de stress
O stress entre os prestadores de cuidados no campo do HIV e SIDA manifesta-se
numa ampla gama de sinais e sintomas psicológicos, comportamentais e físicos.
Normalmente incluem:
perda de interesse e engajamento no trabalho;
falta de pontualidade e negligência nos deveres;
sensação de inadequação, inutilidade e culpa;
perda de confiança e auto-estima;
uma tendência para se afastar tantos dos utentes como dos colegas;
perda de qualidade no desempenho do trabalho;
irritabilidade;
dificuldade de relacionar-se com as pessoas;
tendência para chorar;
perda de concentração;
insónia;
fadiga excessiva;
depressão; e
distúrbios intestinais.
Muitos destes sentimentos não são negativos em si mesmos, mas podem tor-
nar-se se forem negligenciados e reprimidos e se se deixarem acumular.
...................................
Embora os trabalhadores voluntários possam abando-
nar um programa de cuidados do SIDA se o
stress
se tornar
insuportável, a taxa de abandono não é um bom indicador
dos níveis de
stress
entre os membros do pessoal, simples-
mente porque nos países pobres o emprego assalariado é
escasso. Normalmente há que pesar entre o
stress
e a so-
brevivência económica.
Muitos dos sintomas de
stress
identificados entre as
pessoas que trabalham em programas de cuidados com o
Cuidar dos prestadores de cuidados
36
SIDA espelham exactamente os que são experimentados
pelos prestadores de cuidados primários que tratam de pes-
soas com HIV e SIDA nas suas próprias casas e famílias.
Mas, para os que estão em casa, tais sintomas têm menos
probabilidade de serem reconhecidos e tomados em con-
sideração e as pessoas têm mais probabilidade de ficarem
isoladas com os seus problemas, sem acesso fácil a alguém
que as possa ajudar a encontrar soluções ou a aliviá-las.
Quais são as causas?
G
rande parte do
stress
experimentado pelos
prestadores de cuidados está na natureza
do próprio trabalho que realizam – o facto de estarem a
lidar com uma doença incurável que mata sobretudo jo-
vens e que causa um sofrimento terrível. Para além disso, é
uma doença que estigmatiza não apenas os indivíduos
infectados mas muitas vezes também as pessoas não
infectadas que trabalham no terreno. Isto é conhecido como
“estigma secundário” e pode ter um efeito poderoso sobre
o estatuto do prestador de cuidados com a família, amigos
e o público em geral. Mas o
stress
também pode ser causa-
do por factores organizacionais – a forma como um pro-
grama de cuidados é concebido e gerido.
Questões de pobreza
Uma pesquisa realizada pela Hope Worldwide entre os
membros do grupo de apoio constatou que a comida era a
sua única necessidade mais premente. Isto não foi uma gran-
de surpresa, porque há muitas evidências de que as difi-
culdades financeiras são uma das principais causas do
stress
entre os prestadores de cuidados. Normalmente, o SIDA
concentra-se entre os mais pobres. Mas mesmo aquelas
famílias que ainda não estão nas margens da sobrevivên-
cia são rapidamente reduzidas à pobreza quando “os ga-
nha-pão” são atingidos pela doença, ou forçados a deixar
o emprego pago ou o trabalho nos campos da família para
cuidar de um parceiro ou de um familiar doente.
ONUSIDA
37
Elizabeth vive numa casa limpa e confortável no
SOWETO. Na sala de estar tem um televisor e um moder-
no jogo de sofás de três peças, uma mesa de café em vidro
com livros e um vaso de flores e, fora, um jardim bem tra-
tado. Mas a filha de Elizabeth, Betty – uma auxiliar de en-
fermagem cujo salário a sustentava a si própria, sua mãe e
dois filhos adolescentes – está de cama com SIDA e, de
repente, não entra mais dinheiro em casa. Elizabeth diz
que não há comida em casa. Os rapazes deixaram de pe-
dir pão quando chegam da escola porque sabem que não
há. E quando Betty precisa de remédios, Elizabeth tem pri-
meiro que sair para encontrar trabalho de lavar e engomar
na vizinhança e usar os ganhos para apanhar o mini-bus
para o hospital, comprar os remédios e apanhar o mini-bus
de volta.
Josephine, que vive numa casota diminuta e sufocante
feita de chapas de zinco, nos terrenos descampados de
Hammanskraal, a norte de Pretória, sempre foi pobre. Mas
agora que está demasiado fraca para procurar trabalho, a
família está a morrer de fome. Josephine, sentada em casa,
na casota que reparte com outras sete pessoas, está com
tanta fome que normalmente perde a paciência com os fi-
lhos. Quando a enfermeira da equipa de cuidados
domiciliários que a vai visitar lhe dá um saco de maçãs, ela
quase não suporta ter que partilhar a fruta com os filhos.
Para os prestadores de cuidados externos, ter de teste-
munhar todos os dias a luta das famílias para satisfazer as
suas mais básicas necessidades – comida, renda, cuidados
médicos, roupa, escola para os miúdos – pode ser levar ao
stress
. “As mensagens da TASO sobre viver positivamente,
alimentar-se bem, cuidar da saúde podem parecer cruéis
quando as pessoas estão a lutar para trazer alguma comida
para casa”, diz o funcionário sénior de formação,
Hannington Nkayivu. “Mas ao formar os nossos conselhei-
ros nós insistimos em que eles devem reconhecer as suas
limitações e tornar claro aos seus utentes que eles não po-
dem fazer tudo. Apesar disso, os conselheiros sentem a ten-
são das expectativas porque as necessidades são grandes.”
O director de um programa de cuidados domiciliários na
Cuidar dos prestadores de cuidados
38
África do Sul pergunta: “Que sentido faz levar-lhes analgé-
sicos quando se descobre que a pessoa da casa que presta
cuidados não tem força para virar o paciente para o lado
porque está a morrer de fome?”
O
stress
muitas vezes aumenta pelo facto de os
prestadores de cuidados, eles próprios, estarem na mesma
posição. “É difícil cuidar da sua própria família quando
não se está a ganhar nem sequer um cêntimo por este tra-
balho”, diz um voluntário no KwaZulu/Natal. “Nós vamos
ver pessoas com fome e nós estamos também com fome”.
É normal tanto para voluntários como para o pessoal
prestador de cuidados passar todo o dia no terreno a visitar
utentes sem nada para comer ou beber, porque os progra-
mas de cuidados para o SIDA, com orçamentos apertados,
raramente dão subsídios para alimentação. Além da fome
que desmoraliza, os voluntários frequentemente citam a
falta de dinheiro para transporte para visitar os seus utentes,
ou ir buscar e pagar remédios, ou comprar papel e esfero-
gráficas para fazer registos, ou luvas de borracha para pe-
gar nos seus pacientes, como principal causa de
stress
,
porque ela mina a sua capacidade de fazer o seu trabalho
e fá-los sentir inúteis. Às vezes as suas próprias famílias
ficam ressentidas pelo facto de eles estão a trabalhar muito
em troca de nada. E, em alguns programas, os voluntários
admitem que os seus parceiros os abandonaram, ou que
eles próprios tiveram de deixar as suas casas por causa do
intenso desacordo dos seus familiares relativamente ao tra-
balho voluntário.
Conseguir pagar todas as despesas é também normal-
mente uma preocupação para os funcionários dos progra-
mas de cuidados. No Uganda, os salários geralmente são
tão baixos que até pessoas profissionalmente qualificadas,
como médicos, enfermeiros, professores primários e uni-
versitários têm que fazer mais do que um trabalho, ou en-
contrar outras formas de complementar o seu rendimento,
para ganhar o suficiente para manter as suas famílias.
Além da preocupação com as dificuldades pessoais, a
dependência dos programas do SIDA em relação aos doa-
ONUSIDA
39
dores é uma fonte constante
stress
para muitos dos
prestadores de cuidados. Os membros do pessoal a todos
os níveis estão, com frequência, profundamente conscien-
tes da insegurança dos fundos – e, portanto, dos seus pró-
prios empregos – porque vêem organizações que trabalham
na mesma área a tropeçarem, de tempos a tempos, porque
os doadores mudaram o seu foco ou filosofia, ou simples-
mente abandonaram o compromisso.
E quando um doador abandona, por qualquer razão,
todo um conjunto de actividades, esperanças e expectati-
vas desmoronam-se. Lucy Nsubuga é coordenadora de uma
organização do SIDA no Uganda, na qual trabalham pes-
soas HIV-positivas, que recentemente perdeu o apoio do
seu principal doador com muito pouco tempo de pré-avi-
so. Há demasiado pouco dinheiro para continuar a operar,
mas a Sra. Nsubuga não deixa de ter esperança e de demi-
tir o seu pessoal. “Eles pensavam que eram úteis quando
iam ter com as pessoas, partilhavam as suas experiências
de vida e as aconselhavam. As pessoas identifi-
cavam-se com eles. Agora ficam sentados em
casa”, diz ela. “Algumas vezes, eles aparecem,
fazem propostas por escrito ou para rever os
nossos materiais de formação, mas é difícil
quando não se sabe o que vai acontecer. E na
maioria das vezes nós somos redundantes por-
que muito do nosso trabalho é ir para o terreno
com as pessoas com HIV ou SIDA. Também
causa problemas na família. Maridos ou espo-
sas perguntam: se não estás a receber um salário, por que é
que vais trabalhar? Que sentido faz? Mas se eles deixam de
vir, as pessoas vão pensar que eles se demitiram. Por isso,
eles estão desorientados e muito desmoralizados.”
Os programas de cuidados com o SIDA estão também
à mercê dos responsáveis pela formulação de políticas do
governo, que podem mudar as regras para donativos às
organizações não governamentais. No Uganda, por exem-
plo, a distribuição de alimentos tem sido um dos pilares de
muitos programas de apoio aos prestadores de cuidados.
Notícias de que o governo estava a considerar impor im-
Mpho Sebanyoni, a
fundadora do Moretele
Sunrise Hospice, saúda uma
avó que partilha a sua
pensão e cuida dos netos,
órfãos devido ao SIDA. A
família vive em Temba,
África do Sul
Cuidar dos prestadores de cuidados
40
postos à ajuda alimentar proveniente do exterior levou re-
centemente à paragem do abastecimento de alimentos gra-
tuitos por parte de um dos mais respeitados programas de
cuidados domiciliários no Uganda, e minou as suas activi-
dades e a moral do pessoal. Para além do mais, nos finais
de 1999, as ONG estavam preocupadas com o facto de que
as novas regras que o governo estava a considerar significa-
riam que os fundos dos doadores não mais seriam pagos
directamente às organizações individuais, mas que deveri-
am ser canalizados através de estruturas governamentais.
...................................
A história de Alan: cuidar dos outros dá novo
significado à vida; se for dado apoio suficiente, todos
têm alguma coisa a oferecer.
Alan foi um reparador de armamento nas Forças de Defesa da África do Sul
durante 27 anos e trabalhou também como paramédico voluntário numa briga-
da de bombeiros. Tornou-se alcoólico e a sua vida desintegrou-se até que aca-
bou a viver nas ruas. Em 1994 foi viver em The Ark em Durban, e no ano seguinte
foi formado para trabalhar na clínica do centro. Actualmente é um membro
sénior da equipa que dirige o hospital de 77 camas de “The Ark” para pessoas
com SIDA.
“Eu era apenas um residente normal aqui por cerca de um ano, depois decidi
que já tinha recebido muito do mundo; era tempo de devolver alguma coisa. E
digo-lhe, nunca gostei tanto da vida. Hoje sinto que tenho algo para me levan-
tar; alguém para cuidar que eu sei que precisa da minha ajuda.
“Comecei a minha formação com primeiros socorros, depois fiz primeiros
socorros avançados, depois aprendi um bocado de psiquiatria e farmacologia. E,
obviamente, um pouco de controlo de stress – como lidar com a ira... perda....
Nós fazemos muitas coisas porque estamos numa situação muito stressante – e
lidar com ele é incrivelmente difícil. Nos últimos dois anos o problema do SIDA
tem estado a aumentar aqui e a procura de cuidados aumenta em cada mês.
“Cuidar de pessoas em fase terminal é terrivelmente stressante se for toma-
do pessoalmente. Eu tento distanciar-me – esse é o meu mecanismo para enfren-
tar o stress. Quando alguém está muito doente, começo a olhar para ele como
um “paciente”, e isso torna as coisas mais fáceis. No ano passado tivemos 69
mortes, e eu não me posso envolver emocionalmente com 69 mortes! Já tive o
bastante com a minha esposa, minha cunhada e o meu cunhado, todos mortos
num período de seis meses. Há momentos em que o stress me assoberba. Mas
ONUSIDA
41
ultrapassas; recuperas e voltas. Tenho um lugar fechado para onde vou e me
sento sozinho e faço o meu próprio luto – digamos.”
Além de cuidar de doentes em fase terminal e de conviver constantemente
com a morte, Alan diz que há coisas muito mais stressantes na situação da pró-
pria equipa de saúde. “Sabes, nós não temos compensação económica – nenhum
tipo de pagamento. Eu fumo, por exemplo, mas não sei de onde virá o próximo
maço de cigarros. Tenho fé suficiente para acreditar que terei o que preciso, e
tenho vivido assim há cinco anos. Mas ter apenas um pouco de dinheiro para
gastar seria um pouco menos de stress. Não terias com que te preocupares: como
fazer isto amanhã? Como vou fazer aquilo? Não tenho dinheiro e isto é o que
há. Mas há momentos em que só queres abandonar e ir para um cinema, ou
comer um hamburguer na cidade, ou qualquer coisa parecida. Mas, em vez dis-
so, acabas a trabalhar. Por outras palavras, estás a sobrecarregar-te o tempo
todo.”
Quando Alan se sente em stress, há alguém com quem pode conversar para
encontrar conforto e conselhos? “Sim, a pastora Shirley e eu aconselhamo-nos
mutuamente. Isso é um enorme alívio. Poucas pessoas de fora podem compreen-
der o que nós passamos. As pessoas pensam que nós somos duros, sabes? Mas
em todos os momentos, dentro de nós, somos brandos. Temos que fingir, mas
nós sofremos tanto como qualquer outra pessoa. A única maneira de aliviares os
teus sentimentos é sentares-te e discutir as coisas. Por isso conversamos. E toma-
mos muito chá.”
Muito trabalho, tempo demasiado
pouco
“Há muito por fazer e pouco tempo para o fazer”. “O
tempo é muito apertado”. “Se não tomas cuidado, este tra-
balho pode tomar toda a tua vida”. Estes comentários do
pessoal da TASO no Uganda põem em relevo uma causa
primária do
stress
nos programas de cuidados com o SIDA
em qualquer parte – excesso de trabalho. A pressão para
trabalhar em excesso pode vir de fora, quando os
prestadores de cuidados recebem dos gestores e
supervisores o que eles consideram objectivos
intimidatórios. Um sentimento comum entre os membros
do pessoal dos programas de cuidados é que a pressão para
atingir certos objectivos ou a cobertura da população vem,
em primeiro lugar, dos doadores e, se os não atingirem pode
ser que os doadores retirem o apoio ao programa. A falta de
controle sobre o processo de estabelecimento dos objecti-
vos aumenta a ansiedade dos prestadores de cuidados.
Cuidar dos prestadores de cuidados
42
Alternativamente, a pressão para
trabalhar em excesso pode vir de den-
tro – de indivíduos que não sã capa-
zes de reconhecer o que é exequível
e factível em face das necessidades
prementes, e forçando-se a si própri-
os para além dos seus limites. O pes-
soal em vários programas admitiu que
regularmente se sente incapaz de go-
zar as suas férias anuais porque há
muito a fazer. Apesar de muitos pro-
gramas insistirem em que o seu pes-
soal tome o tempo do seu dia de folga, em outros progra-
mas o sacrifício é aceite com gratidão pelos supervisores.
No entanto, cortar o descanso e o tempo de recreação
nem sempre é uma questão de escolha pessoal. No Uganda,
a TASO fazia retiros regulares para os conselheiros e equi-
pas de saúde que eram muito apreciados como um reco-
nhecimento da dureza do seu trabalho, bem como uma
oportunidade de recarregar as baterias. Mas esses retiros
foram suspensos para os próximos tempos por serem con-
siderados uma despesa não justificável. “É um facto que os
doadores externos não estão realmente preocupados com
questões de bem estar do pessoal – eles estão mais interes-
sados no número de utentes atingidos com o montante de
dinheiro que deram”, comentou um membro sénior do
pessoal.
Alguns prestadores de cuidados dizem que os cursos
de formação regulares que eles recebem dos seus progra-
mas podem ser uma espada de dois gumes. Embora eles
apreciem muito as oportunidades de aumentar as suas ca-
pacidades, isso também pode significar que eles se encon-
tram com tarefas e responsabilidades adicionais para en-
caixar no seu trabalho diário. A descrição do trabalho que é
dada aos membros do pessoal no início dos contratos nor-
malmente oferece pouca protecção. Um conselheiro de um
programa comentou, sorrindo: “A descrição do nosso traba-
lho é muito aberta. Ela até diz no fim das tarefas prescritas:
‘... e muitas outras tarefas que possam ser necessárias!”.
Uma avô (usando um
gorrode lã) cuida dos
netos devido morte
por SIDA
ONUSIDA
43
Os voluntários também sentem a pressão das expecta-
tivas das suas comunidades. Uma das exigências mais co-
muns dos voluntários nas reunões, conforme disse um
supervisor da Worldwide Vision (Visão Mundial), é como
gerir o seu tempo eficazmente para não ficarem sobrecar-
regados. “Dizem-nos: ‘As pessoas vêm pedir-me ajuda mes-
mo quando estou a cultivar os meus campos.’ Ou ‘Os meus
vizinhos batem-me à porta a qualquer hora da noite’.”
Ao nível da família, cuidar de uma pessoa doente pode
deixar que reste pouco ou nenhum tempo para mais nada
– para um trabalho remunerado ou produção de alimen-
tos, ou para ir à escola, se o prestador de cuidados for uma
criança –, e é isto o que empurra as famílias para o limite
da indigência.
A Questão da Revelação
“A nossa pesquisa no ano passado revelou que cerca
de metade dos membros do nosso grupo de apoio tinha
revelado o seu estado serológico às suas famílias e que
cerca de metade não o tinha feito – isso levanta sérios pro-
blemas”, disse Mark Ottenweller.
A questão da revelação do estado serológico é especi-
almente problemática na África do Sul porque o estigma
que rodeia o HIV e o SIDA é ainda muito forte, de tal modo
que os indivíduos infectados correm sérios riscos de discri-
minação e até de agressão física se revelarem o seu estado.
Além disso, há a tendência de atribuir culpas: para muitas
pessoas o SIDA é conhecido como “a doença das mulhe-
res” – uma tendência encorajada pelo facto de as taxas de
infecção encontradas nas consultas pré-natais serem usa-
das como os principais indicadores da escala da epidemia
e serem frequentemente citadas, e pelo facto de muitas fa-
mílias apenas descobrirem o HIV no seu seio quando uma
jovem fica grávida e vai a um centro de cuidados de saú-
de. Mas mesmo no Uganda, onde o estigma já não é tão
forte, as pessoas infectadas ainda acham difícil dizer às fa-
mílias e aos amigos que são HIV-positivas. “Se revelas é
por tua conta e risco”, comenta uma jovem rapariga que
Cuidar dos prestadores de cuidados
44
trabalha como conselheira no Uganda. “Não é fácil viver
com o HIV. (Quando revelas o teu estado) nunca mais és
tratada da mesma forma. Serás sempre, em primeiro lugar
e principalmente, alguém que tem o vírus”.
O facto de não haver revelação do estado serológico
torna difícil a tarefa de cuidar de pessoas com o HIV. Uma
esposa ou um esposo que cuida do seu parceiro doente,
ou uma mãe cuidando do seu filho ou filha que se está
consumindo perante os seus olhos ou perseguida por um
segredo que ele ou ela não quer revelar, pode suspeitar
que o problema é o SIDA. Mas esses familiares prestadores
de cuidados estarão limitados pela incerteza e pela inca-
pacidade de procurar informação e ajuda de forma aberta.
Ou pode ser que eles não suspeitem de nada e tentem cui-
dar o melhor que podem de uma situação que não com-
preendem. De qualquer dos modos, o SIDA é uma doença
que isola; o secretismo torna-a mais grave e aumenta o
sentimento de indefesa e desespero dos prestadores de cui-
dados primários.
Para os prestadores de cuidados que vêm de fora para
cuidar dos familiares, o fardo do secretismo é igualmente
pesado. A menos que um utente tenha confidenciado a um
membro da família, o prestador de cuidados visitante não
pode transmitir facilmente conhecimentos e habilidades de
cuidados de saúde a qualquer outra pessoa, e tem que su-
portar toda a responsabilidade. “Se vou a uma casa e des-
cubro que ninguém sabe, que a pessoa está sozinha com o
segredo, eu penso para mim própria “estou muito longe de
te poder ajudar, e eu preocupo-me muito por eles”, diz
Catherine, uma prestadora de cuidados do SIDA no
SOWETO. Jovah, um conselheiro da TASO no Uganda diz:
“Se obtemos o consentimento do utente, preparamos a fa-
mília para o que deve esperar e para o provável fim”. Mas
se o utente não disse a ninguém, a equipa de cuidados
domiciliários nada pode fazer para tornar a morte mais fá-
cil para a família.”
O secretismo e o medo generalizado de revelar o esta-
do serelógico implica que os prestadores de cuidados, al-
ONUSIDA
45
gumas vezes, tenham que actuar sob falsos pretextos. Ou
então, a palavra SIDA mantém-se um estrito tabu tanto para
o paciente como para o prestador de cuidados, como num
programa de cuidados domiciliários na cidade mineira de
Carltonville, na África do Sul, onde os voluntários cuidam
de pacientes em fase terminal quando os hospitais já nada
podem fazer por eles. Entre Março e Julho de 1998, o pro-
grama enterrou 40 pessoas, muitas delas raparigas muito
jovens, sem que ninguém soubesse abertamente da doen-
ça de que sofriam. No KwaZulu/Natal o programa
SINOSIZO, procurando evitar ficar limitado pelo estigma
do SIDA, esforçou-se bastante para ser associado a outros
necessitados de cuidados domiciliários, como anciãos e
doentes de cancro.
A questão de revelar às crianças é particularmente difí-
cil para todos os envolvidos – pais doentes, prestadores de
cuidados dentro da família e de fora dela. Nem na África
do Sul, nem no Uganda existe uma tradição de lidar com
as crianças como iguais e numa base de intimidade. Mas
os prestadores de cuidados estão cada vez mais conscien-
tes do sofrimento das crianças, que estão muitas vezes ron-
dando nas sombras do quarto do doente, vendo e ouvindo
tudo mas nunca se-lhes dirigindo directamente. “Nós te-
mos este enorme problema de as crianças serem excluídas
do aconselhamento em todas as partes. E algumas delas
estão profundamente traumatizadas”, disse Liz Towell do
SINOSIZO. “Sem dúvida que a morte é parte da vida e eles
têm que passar por isso tudo. Mas temos visto muita dor
complicada, dor prolongada, e isso são coisas que não são
boas. Algumas das crianças tornam-se silenciosas com o
trauma emocional. Nós tentamos fazer o nosso melhor, mas
não é suficiente”.
Um outro aspecto constrangedor do secretismo para os
prestadores de cuidados é quando descobrem tardiamente
que um dos seus próprios colegas tem estado a viver com o
HIV há muito tempo sem o dizer a ninguém. A pessoa co-
meça a ficar doente e o segredo é revelado. Normalmente,
os colegas reagem com sentimentos de amargura, porque
ele ou ela não foi capaz de confiar neles, e com sentimento
Cuidar dos prestadores de cuidados
46
de tristeza e inutilidade, porque a eles, cuja habilidade es-
pecial é dar conforto e apoio, não foi pedida ajuda.
Comentando sobre o porquê de pessoas formadas para
cuidar de pessoas com SIDA, e por isso mesmo mais fami-
liarizadas com a doença, se sentirem incapazes de revelar
a doença entre si próprias, o psicólogo Pierre Brouard diz:
“Existe ansiedade em revelar o estado serológico porque
uma das coisas a que a revelação leva é a perda de um
certo sentido de controle. “Eu não tenho controle sobre a
pessoa a quem tu subsequentemente disseste, ou como tu
me vês. Tu podes ver-me agora como uma pessoa
adoentada, uma pessoa que está a morrer, como uma pes-
soa doente. E a mudança desta percepção pode ser muito
difícil”. Uma pessoa que se habituou a ser uma fonte de
apoio para os outros pode achar particularmente difícil re-
velar a sua própria vulnerabilidade. Para além disso, ela
pode ter sentimentos de fracasso quanto ao facto de que
foi incapaz de pôr em prática na sua própria vida aquilo
que aconselhava aos seus pacientes.
Demasiado envolvido para poder
confortar
Num país em que quase não há famílias não afectadas
pelo SIDA, é extremamente difícil para os prestadores de
cuidados alcançarem um distanciamento profissional em
relação aos seus pacientes, ou ao próprio trabalho. Para
muitas pessoas, nem sequer é possível esquecer o SIDA ao
fim do dia de trabalho, porque vão para casa para cuidar
de familiares ou amigos ou crianças cujos pais morreram.
A tendência para elas próprias se tornarem excessivamen-
te envolvidas é um facto real, e, como resultado, os riscos
de
stress
e desgaste são elevados.
“Quando trabalhas com um paciente, crias uma confi-
ança e uma intimidade e começas rapidamente a amá-lo,
e ele começa a amar-te. A relação ultrapassa fronteiras pro-
fissionais”, comenta Hannington Nkayivu. “Tu ficas tão
próximo de uma pessoa e quando a vês morrer, no fim, é
muito angustioso”. No Uganda, explica ele, estabelecer
ONUSIDA
47
fronteiras profissionais é particularmente difícil uma vez
que o sistema de família alargada leva a que raramente
uma pessoa seja um estranho numa aldeia ou comunida-
de. “A partir do teu nome as pessoas podem ver de que clã és,
e há sempre alguém de quem tu és parente por via de clã.”
A pressão para se tornar excessivamente envolvido
vem também de grande necessidade das pessoas
infectadas que tendem a ser isoladas com os seus recei-
os e sofrimento, sem ninguém para quem se virar. “Os
prestadores de cuidados não especializados, sobretudo,
podem sentir-se facilmente manipulados pelos pacien-
tes – é seu trabalho levar um paciente à clínica quando
ele não pode ir sozinho, ou dar-lhe um bilhete de auto-
carro quando ele não tem dinheiro, ou arranjar uma san-
duíche para uma pessoa faminta”, diz Pierre Brouard.
“Quando és confrontado com estas questões reais é difícil
resistir, afastar-se dessas pessoas”.
Algumas vezes, o
stress
do envolvimento excessivo vem
das expectativas que os prestadores de cuidados desenvol-
vem em relação aos seus utentes, e de um sentido de fra-
casso pessoal ou desapontamento quando os seus conse-
lhos não são seguidos. Por exemplo, vários prestadores de
cuidados admitiram ser difícil lidar com a novidade de que
uma mulher HIV-positiva a quem eles estavam a aconse-
lhar ficou grávida, pondo em risco a sua própria saúde, a
do seu parceiro e a do futuro bebé.
Prestadores de cuidados entrevistados identificaram um
número de outros pontos de
stress
comuns associados ao
envolvimento excessivo. Eles incluem:
incapacidade de estar presente para atender os seus
utentes quando eles precisam;
incapacidade de satisfazer as necessidades mais premen-
tes, tais como a necessidade de alimentos e bebida;
sensação de inutilidade e, algumas vezes, culpa quan-
do não podem fazer mais para ajudar uma pessoa;
sensação de perda e tristeza quando um cliente morre; e
Cuidar dos prestadores de cuidados
48
angústia persistente acerca dos membros da família que
ficam, sobretudo crianças.
Para os prestadores de cuidados que são eles próprios
HIV-positivos, o
stress
é um risco não apenas de se afeiço-
ar aos utentes, mas também de se identificar pessoalmente
com a doença dos utentes e com a sua morte iminente.
Lucky Mazibuko é um homem HIV-positivo que escreve
numa coluna semanal num jornal popular da África do Sul
para tentar dissipar o silêncio e os mitos à volta do SIDA.
Depois de ver um homem que estava a morrer de SIDA,
cujos olhos pareciam enormes no seu rosto macerado,
Mazibuko comentou: “podia ver-me a mim próprio no cor-
po desgastado daquele homem.”
Para uma pessoa HIV-positiva, cuidar de uma outra
pessoa com a doença pode ser como olhar-se ao espelho,
diz Catherine, membro dos grupos de apoio da Hope
Worldwide, no SOWETO. “Quando eu vejo outras pesso-
as com SIDA, eu penso para mim própria: eu vou ficar as-
sim? É assustador.” A nível familiar, diz a directora da TASO
Sophia Mukasa-Monico, não é raro uma esposa ou um es-
poso infectado a cuidar do seu parceiro em fase terminal,
perder a esperança: “Eles dizem: ao fim e ao cabo, eu vou
passar pelo mesmo, e quem olhará por mim quando che-
gar a minha vez?”
................................................
A história de Christine: como conselheira, ser HIV-
positiva ela própria é uma vantagem e um fardo
Christine é uma jovem elegante que usa o seu cabelo bem penteado, recolhi-
do atrás com um laço. Ela tem um rosto franco e generoso e ri com facilidade.
Mas o seu sorriso é uma espécie de protecção. Quando ela não está a falar com
alguém o seu rosto é sério e um pouco triste; logo que alguém se aproxima ele
transforma-se pelo sorriso – como se Christine fechasse uma cortina sobre os
seus sentimentos mais profundos.
Acusou positiva num teste do HIV em 1990, pouco depois de o seu marido
morrer e, primeiro, tornou-se utente e depois uma conselheira da TASO desde
1991. Foi uma época difícil para ela, cuidar do seu marido. A sua sogra era-lhe
hostil, acusando-a de ter enfeitiçado o seu filho. “Foi uma experiência dolorosa.
ONUSIDA
49
Eu tinha duas filhas pequenas, com 5 e 1 anos na altura e os meus sogros recusa-
ram-me quaisquer direitos sobre elas dizendo que, por serem meninas não podi-
am ser herdeiras. As raparigas têm um estatuto muito mau na nossa sociedade.
Meu marido não deixou um testamento, de modo que eu não tinha nenhuma
base legal para lutar pelos seus direitos. Nós não tínhamos casa própria, mas a
família do meu marido levou todos os nossos bens – camas, cadeiras, armários,
utensílios domésticos e até as nossas 15 vacas. Só queriam que eu e as crianças
nos fôssemos embora. Eu esperava que eles fossem mais justos para comigo, que
fossem humanos e simpáticos. Mas eles pensavam que eu tinha morto o seu filho
e que tinha que pagar por isso”.
Quando o marido de Christine faleceu ela não sabia o que se tinha passado
com ele .Mas quando ela viu alguma coisa sobre o SIDA na televisão compreen-
deu que os sintomas dele eram idênticos. Então ela foi fazer um teste de HIV.
Ficou devastada quando descobriu que era HIV-positiva, porque tinha sido fiel
ao seu marido, a quem conhecia desde os tempos de escola. “No princípio eu
queria suicidar-me. Não via razão nenhuma para continuar a viver. Depois de
tudo o que tinha sofrido – o estigma, a descoberta de que o meu marido me
tinha sido infiel, a crueldade da sua família em relação a mim e às minhas filhas.
Para quê viver?” Mas o aconselhamento da TASO trouxe-lhe conforto e deu-lhe
a vontade e a razão para continuar a viver.
É especialmente difícil para alguém que é HIV-positiva trabalhar com utentes
doentes e confrontar-se com aquilo que poderá vir a ser o seu sofrimento futu-
ro? “Agora estou a começar a ficar debilitada e, claro, estou assustada. Nunca te
acostumas à doença. Eu vi muitos amigos morrerem. É assustador. Mas tu apren-
des a viver cada dia, de cada vez. Eu sou aberta com os meus utentes acerca do
meu estado. Quando tu ainda estás forte os teus utentes sentem-se encorajados
de te ver assim.. Tu és uma fonte de encorajamento para eles. Mas para ti pró-
pria não há forma de evitar a preocupação com o que o futuro te reserva.”
O ambiente organizacional
Uma causa comum de
stress
no ambiente de trabalho,
mais do que o trabalho ele próprio, é a falta de comunica-
ção entre os prestadores de cuidados e os seus gestores.
Muitas vezes, as pessoas dizem que os canais de comuni-
cação existem, mas eles não são efectivos: as suas vozes
não são ouvidas ou são ignoradas. Algumas pessoas sen-
tem que não lhes dão tempo suficiente para reflectir sobre
uma questão de políticas antes de terem de a comentar, e
as decisões são tomadas, simplesmente porque outras ques-
tões se avolumam., até que a data limite chega. Algumas
vezes eles dão opiniões reflectidas e fortemente sustenta-
Cuidar dos prestadores de cuidados
50
das que não aparecem reflectidas nas decisões que são fi-
nalmente tomadas, e eles não recebem retro-informação
ou uma explicação. Um dito comum, particularmente no
Uganda, é que os prestadores de cuidados não têm voz a
nível dos doadores, onde eles acreditam que os objecti-
vos-alvo do seu trabalho são estabelecidos sem uma com-
preensão real do que o seu trabalho pressupõe.
Os voluntários que trabalham na comunidade são par-
ticularmente vulneráveis ao sentimento de isolamento e
inutilidade no seu trabalho. Uma questão relacionada é a
da formação e preparação inadequadas para o trabalho que
se espera que os prestadores de cuidados realizem. “Se os
teus prestadores de cuidados não estão equipados para aju-
dar as pessoas de várias formas, tu estás a mandá-los para
um campo minado, e eles sairão feridos” diz Mark
Ottenweller. “Nós concentramo-nos em dar aos nossos
membros uma formação mais abrangente e todo o apoio
possível porque eles são o nosso maior recurso”.
Os conselheiros que trabalham em centros, e não fora,
no campo, identificaram a falta de espaço adequado para
receber os seus utentes em privado, como uma fonte de
stress
.
Exigências burocráticas tais como manter arquivos e redigir
relatórios, podem também causar
stress
se não existir um
local para onde eles se possam recolher e escrever, ou se
não tiverem tempo suficiente no seu horário de trabalho.
Nestas condições, manter a moral é um esforço colossal.
Tanto a trabalhar na comunidade como numa institui-
ção, os prestadores de cuidados precisam de saber que
existe alguém a quem recorrer para lhes orientar num caso
difícil ou para confirmar que o que eles estão a fazer está
correcto, diz Desiree, uma conselheira do SIDA, que tra-
balha com a Life Line na África do Sul. Os prestadores de
cuidados também precisam de sentir que têm a autoridade
de fazer o que for necessário se se sentirem competentes.
Antes de se juntar à Life Line, Desiree fazia o mesmo traba-
lho num hospital dirigido por uma empresa mineira, mas
estava extremamente frustrada. “No hospital quase sempre
sentia que queria aprender e fazer mais, mas éramos muito
ONUSIDA
51
controlados”, lembra-se, “eu penso que é importante dar
responsabilidade a uma pessoa para tomar as suas próprias
decisões e uma oportunidade para demonstrar iniciativa”.
O grau de autoridade e responsabilidade que é dado a
um prestador de cuidados depende, em grande medida, do
seu estatuto dentro da organização. Isto também afecta o
poder relativo que eles terão na tomada de decisão e na
prioridade dada às suas próprias necessidades. Aqui parece
existir um paradoxo. Tanto no Uganda, como na África do
Sul, os conselheiros parecem ser muito respeitados pelos
seus utentes e terem um estatuto elevado dentro da comuni-
dade. No entanto, muitas vezes, eles têm relativamente pouco
poder dentro das organizações para as quais eles trabalham.
“De facto, existem muitos lugares onde o conselheiro é
valorizado, mas o actual aconselhamento – no sentido de
um conjunto de habilidades profissionais que requerem
experiência e formação – é sobrevalorizado de certo modo”,
diz Pierre Brouard. “Eu penso que definir uma área clara
de competência é uma dificuldade real neste trabalho. É,
quase sempre, como se existisse um sentimento de que
‘qualquer pessoa pode fazê-lo’ – qualquer pessoa que este-
ja relacionada com um paciente ou um utente pode fazê-
lo. De modo nenhum tem o mesmo estatuto como fazer
um exame clínico.” A falta de reconhecimento e estatuto
profissional são, em sua opinião, causas profundas da ra-
zão pela qual as necessidades de cuidados e apoio dos
próprios conselheiros têm frequentemente pouca priorida-
de dentro das organizações
Assuntos familiares – o desafio para as
relações pessoais
O SIDA pode ter um efeito dramático nas relações pes-
soais e no equilíbrio de poder dentro das famílias, o que é
uma causa de
stress
para os prestadores de cuidados pri-
mários bem como para as pessoas que, fora da família,
oferecem ajuda. Enquanto a pessoa infectada está num
remoínho de emoções e esforça-se por adaptar-se a viver
Cuidar dos prestadores de cuidados
52
com o vírus, outros membros da família são forçados a
confrontar-se com as implicações, para eles próprios, do
diagnóstico. Talvez signifique que um dos parceiros foi in-
fiel, e nesse caso o outro parceiro pode sentir-se irado, tra-
ído e com medo de que ele também possa estar infectado.
Talvez os pais sejam forçados a reconhecer que um filho
ou uma filha em que depositaram grandes esperanças vai
morrer sem as alcançar, e pode estar a deixar netos que
terão de receber cuidados. Ou talvez um filho é confronta-
do com a perda de um dos pais e tem medo de que o outro
também esteja infectado.
No Uganda, Jackie, uma mãe de três filhos que é HIV-
positiva, recorda-se de cuidar do seu marido doente en-
quanto enfrentava sentimentos intensos de traição. “Eu só
desejava, no momento em que descobrimos que ambos
éramos seropositivos, que ele fosse suficientemente forte
para receber a minha irritação”, disse ela. “Mas ele
já estava muito fraco e precisava da minha ajuda.
Assim, eu não pude expressar a minha fúria com nin-
guém – tive apenas que me comportar como uma
simples esposa e cuidar dele. Algumas vezes eu olhava
para ele, que estava muito vulnerável e compreendia
que a minha fúria seria perda de tempo; seria acres-
centar dor à dor física que ele estava a sofrer. Penso
que cheguei a perdoá-lo”. Os sentimentos de Jackie
acabaram numa profunda depressão depois de o seu
marido falecer. Durante dois anos ela não foi capaz
de regressar à aldeia para visitar a sua campa.
Muitos prestadores de cuidados descrevem a di-
ficuldade e algumas vezes a dor pessoal de cuidar
de parentes doentes que estão de mau humor, não
cooperam e até, às vezes, são hostis por se verem tão
vulneráveis e dependentes. Mas como uma conselheira
da TASO e uma mulher HIV-positiva, cuja saúde se está
deteriorando, Christine vê a situação nas suas duas facetas.
“Ser um paciente pode ser duro,” comenta ela. “Eu sinto-
me mal algumas vezes, quando as pessoas mostram-se
preocupadas. Tu podes ficar zangada por seres fraca. E
quando tu te sentes muito doente tu podes ficar enojada
Uma visita de cuidados
domiciliários a uma família
Sul Africana cuja mãe vive
com SIDA
ONUSIDA
53
de ti própria e deixares de sentir que existe alguma razão
para cuidar de ti própria. Creio que é importante ajudar
os prestadores de cuidados a compreenderem os senti-
mentos do paciente, aconselhá-los a não forçar os seus
cuidados a um paciente se ele não os quer – especial-
mente quando o fim está próximo. Tens que aceitar que
chegou o fim”.
Christine cuidou do seu marido quando ele estava
na fase terminal do SIDA e lembra-se de que ele sofria
tanto que chorava. “Eu não sabia que um homem podia
chorar assim e isso chocou-me,” disse ela. “Eu tinha
medo – compreendi que ele sofria e eu não sabia o que
fazer. Ele era malcriado com a sua mãe porque ele via
que ela não era simpática para mim. No fim, ele era
malcriado para todos nós porque ele estava assustado.
Quando se vai morrer, quando se vai para o desconhe-
cido, fica-se assustado”.
No entanto, nem sempre é a pessoa doente que não
colabora e que é hostil. Latisa Mabe, coordenadora do pro-
grama Hope Worldwide no SOWETO, diz que os familia-
res quase sempre acreditam que um teste positivo significa
morte iminente e eles podem afastar-se da pessoa infecta-
da e negligenciar as suas necessidades até compreende-
rem o que realmente eles estão enfrentando. “Eu estive em
casas onde o marido apenas se senta e se afasta para outro
quarto quando nós os visitamos, dizendo: ela está ali den-
tro”. E tu encontras uma mulher gravemente doente espe-
rando apenas por nós para a ajudar” diz ela.
Em outros casos, as famílias podem tornar-se fatalistas.
A directora da TASO, Sophia Mukasa Monico, diz que a
atitude de que um familiar doente não merece que se per-
ca tempo e dinheiro porque de qualquer dos modos vai
morrer, é muito comum.
Os prestadores de cuidados precisam de ajuda e de
apoio para compreenderem e aprenderem a lidar com os
seus próprios sentimentos bem como com os da pessoa
doente, comentou um membro do pessoal da World
Vision.
Cuidar dos prestadores de cuidados
54
.......................................
Quais são as causas do stress e do desgaste?
Algumas das causas mais comuns do stress e do desgaste reportadas entre o
pessoal e voluntários trabalhando em programas de cuidados do SIDA são:
dificuldades financeiras;
o estigma associado ao HIV e SIDA;
o sigilo e o medo de revelação do estado entre as pessoas com SIDA;
sobrecarga de trabalho;
envolvimento excessivo com as pessoas com SIDA e as suas famílias;
identificação pessoal com o sofrimento das pessoas com SIDA;
medo de infecção;
o facto de o SIDA ser incurável;
não satisfação das necessidades das crianças;
falta de espaço e privacidade no ambiente de trabalho;
falta de uma voz efectiva nas decisões que as afectam e ao seu trabalho;
pouca autonomia ou responsabilidade;
falta de espaço para tomar iniciativas;
apoio e supervisão inadequadas;
formação, habilidades e preparação para o trabalho inadequadas;
falta de clareza acerca do que se espera que um prestador de cuidados faça;
falta de mecanismos de referência;
falta de medicamentos e de materiais de cuidados de saúde;
falta de reconhecimento pelo seu trabalho; e
falta de respeito mútuo ou simpatia entre o prestador de cuidados e o utente.
Muitos dos pontos assinalados na lista são também causas de stress para os
prestadores de cuidados a nível familiar. Para além destes, eles podem sofrer de:
isolamento;
o efeito do HIV e SIDA sobre as relações pessoais e dinâmica familiar;
insegurança e medo do futuro;
dificuldade de comunicar com as crianças; e
dificuldade de enfrentar o sofrimento.
ONUSIDA
55
6. Gestão do stress e do desgaste:
quais são as opções?
Mecanismos pessoais para fazer frente
A
crença religiosa é uma poderosa fonte de
conforto para muitas pessoas no Uganda e
na África do Sul. “Eu falo com Deus, rezo ou leio a Bíblia”,
é muitas vezes a primeira coisa que um prestador de cui-
dados mencionará quando se lhe pergunta como faz pes-
soalmente face ao
stress
no seu trabalho. Mas existe uma
vasta gama de outras estratégias de fazer face que os
prestadores de cuidados também empregam. “Eu faço ques-
tão de não falar do SIDA quando chego a casa, ao anoite-
cer”, diz uma mãe solteira que trabalha para um programa
de cuidados. Um outro reserva um dia da semana que de-
vota inteiramente à sua família. Um sul africano observou:
“Eu sempre digo aos meus utentes que farei o meu melhor
mas que não poderei fazer mais do que isso. Há tantas
limitações por aí que tu tens que encontrar uma forma de
não deixar que as coisas te abatam. Em todo o caso, nós
sabemos o que é ter necessidades e não termos o que ne-
cessitamos – o nosso passado (na era do
apartheid
) ensi-
nou-nos a não ter grandes expectativas”.
Uma mulher idosa descreve como, quando cuidava dos
seus dois filhos com SIDA, ela aprendeu a antecipar-se às
situações de
stress
e a planear as coisas com antecedência.
Ela mantinha uma mala com roupas e lençóis limpos para,
no caso de os seus filhos desenvolverem diarreias
incontroláveis, não ter tempo para procurar as coisas neces-
sárias para mantê-los limpos e preservar a sua dignidade.
No Uganda uma conselheira observou que, quando ela se
sente saturada, explica aos utentes, de forma educada, que
não os pode visitar naquela altura e marca um outro encon-
tro. “Se alguém tem uma queixa, sentamo-nos e discutimos
o caso imediatamente”, diz o supervisor de uma equipa de
cuidados na África do Sul. “Se for necessário pedimos des-
Cuidar dos prestadores de cuidados
56
culpas um ao outro, se tivermos magoado ou ofendido, e
começamos tudo de novo. É uma tradição africana discutir
as coisas – para resolver problemas na
Khotla
ou
indaba
”.
É este tipo de estratégias que Pierre Brouard tenta fo-
mentar nos seus cursos de formação de conselheiros. “Digo
muitas vezes aos formandos que as necessidades que en-
contrarão são como um furo num balde”, diz ele. “Tu po-
des encher o balde com toda a tua compaixão e trabalho e
ele continuará a verter. Isso não para os fazer sentirem-se
inúteis e desesperados mas para fazer com que tenham um
certo sentido de perspectiva – de que se tu paras de entor-
nar durante dez minutos não vai fazer diferença. Uma
mensagem central nas nossas sessões de gestão de
stress
é
que, de certo modo, tu tens que assumir a responsabilida-
de por ti próprio. Não podes esperar que alguém venha e
diga para ti: pára e descansa”.
..........................................
Fala um Psicólogo
Pierre Brouard trabalha no campo do SIDA desde meados dos anos 80. Re-
centemente foi nomeado por um programa de SIDA no sobrecarregado hospital
Chris Hani Baragwanath do SOWETO para fazer supervisão, apoio e formação
ao pessoal, dois dias por semana. Ele também forma conselheiros para uma vari-
edade de diferentes programas dentro e fora do sector de saúde. A gestão do
stress é um tema que é tratado em todos os seus cursos porque, explica ele, saber
como auto-proteger-se é importante para as pessoas continuarem eficazes e com-
prometidas durante um longo período.
“Insisto constantemente com os meus formandos: vocês não são Deus;
vocês não podem resolver todos os problemas; vocês não podem prevenir
todas as infecções; vocês não podem salvar o mundo. Dêem-se a permissão de
não serem perfeitos.
“Nas minhas sessões de formação abordamos uma variedade de coisas
para fazer face ao stress numa base diária. Abordamos questões como a die-
ta, exercícios, descansar e dormir suficientemente, um pouco de cuidados pes-
soais. Falamos de estratégias para ter tempo livre. E olhamos para possíveis
mecanismos de apoio nas próprias vidas dos formandos – alguém com quem
possam conversar, como um cônjuge ou um parceiro. Eu sugiro que os
prestadores de cuidados devem variar e fazer pausas no trabalho com o HIV.
E discutimos a ideia de envolverem-se em outros trabalhos tais como o
ONUSIDA
57
activismo, que pode servir de canal de escape para a irritação, frustração e a
sensação de desamparo”.
A visualização – em que as pessoas fecham os seus olhos e imaginam uma
cena de beleza e tranquilidade na qual se projectam – é uma técnica de relaxa-
mento que pode funcionar para alguns, diz Pierre Brouard. A outra técnica é
fazer aquilo que ele chama “pausas para preocupar-se”, na qual a pessoa permi-
te-se 10 minutos num dado momento de cada dia, para sentar-se e preocupar-se
com qualquer coisa que a esteja a incomodar. “Há uma sensação de adiamento
da preocupação até ao momento em que permites entregar-te a ela e depois a
pões de lado outra vez” diz ele. “Estas são estratégias de controle da mente que
as pessoas podem usar. Eu encorajo-as a falarem e a ouvirem-se uns aos outros.
Eu sei da minha experiência pessoal, que só o facto de falar das coisas, mesmo
que elas não estejam resolvidas, pode ser muito curativo. O apoio do grupo pode
ser muito poderoso porque os conselheiros apercebem-se de que outras pessoas
também estão a debater-se com os mesmos problemas e há uma sensação de
partilha de tentativas e preocupação mútua.
“Às vezes falo das pequenas coisas físicas que as pessoas podem fazer, tais
como exercícios de respiração. Quando estamos com stress temos a tendência de
respirar mais lentamente, enquanto respirar profundamente pode ser relaxante.
Liberta as hormonas que são mais calmantes. Também falamos acerca de coisas
como dar um passeio a pé; ficar ao sol por alguns minutos. Temos a tendência de
esquecer pequenas coisas quando estamos numa situação de stress. Nós não sen-
timos que temos o direito de dizer a um paciente: “irei vê-lo dentro de cinco
minutos, em vez de agora mesmo,” e sair simplesmente para observar um pássa-
ro pousado no muro ou ir apanhar um pouco de sol durante alguns minutos.
Mas isso pode ser um excelente descanso”.
Estratégias dos Programas de Cuidados do SIDA para
Lidar com o Stress
E
mbora eles tenham algumas características em co
mum, os programas visitados têm uma variedade
de abordagens para lidar com o
stress
e o desgaste entre o
seu pessoal e os voluntários prestadores de cuidados. Esta
secção olhará para elas no contexto, centrando-se naque-
las que são mais imaginativas e mais passíveis de serem
aplicadas noutros locais.
A The AIDS Support Organization (TASO)
A TASO concede uma grande prioridade aos salários
dos conselheiros ao preparar o seu orçamento. Actualmente,
Cuidar dos prestadores de cuidados
58
eles recebem cerca do dobro do que recebem os trabalha-
dores do governo com qualificações idênticas. O
aconselhamento é um dos trabalhos mais exigentes que
um prestador de cuidados pode fazer e, para além de mos-
trar-lhes que eles são valorizados, a TASO está activa em
aliviar os prestadores de cuidados do
stress
de terem de
procurar fontes secundárias de rendimento para ajudarem
as suas famílias. Pagar salários incrivelmente altos é tam-
bém uma forma de assegurar que as pessoas em que a TASO
investiu tempo e esforços valiosos na formação não sejam
facilmente tentadas por outros empregadores.
As actividades geradoras de rendimento para os seus
utentes também são consideradas uma estratégia impor-
tante para aliviar o
stress
de famílias empobrecidas pelo
SIDA. Mas a TASO tem obtido resultados contraditórios.
“Os nossos utentes tendem a estar entre as pessoas mais
pobres do Uganda”, explica Sophia Mukasa Monico. “E
quando se dá dinheiro a alguém que é muito pobre, a pri-
meira coisa que ele faz é cuidar das suas necessidades bá-
sicas. Não se pode pensar em gerar rendimentos quando
não se tem nada com que começar.”
Depois de avaliar a situação, a organização decidiu
transferir esta importante actividade para uma organização
separada, a “TASO 2”, que lhe pode dar toda a atenção
que necessita. E tenta alterar o paradigma em que o objec-
tivo é ganhar rendimento aquele em que o objectivo é “fa-
zer a diferença” – simplesmente melhorando o nível de
vida dentro da casa. Isto significa, por exemplo, que uma
família pode ser ajudada através da formação em habilida-
des e talvez com um auxílio para aumentar a produção de
comida no seu terreno, de modo a que ela possa comer
duas vezes por dia em vez de uma. Mas formação e em-
préstimos estarão também disponíveis para as pessoas que
queiram iniciar pequenas empresas de negócios. “Preten-
demos trabalhar com grupos de modo a que eles possam
ajudar-se uns aos outros e assumirem responsabilidade
colectiva para pagarem os empréstimos,” explica Sophia
Mukasa Monico. “Queremos envolver também os membros
das famílias dos utentes, de modo que quando um utente
ONUSIDA
59
morre, a fonte de rendimentos da família não desapareça”.
Para o seu pessoal prestador de cuidados, a TASO insti-
tuiu um número de medidas para minimizar o
stress
e o
risco de esgotamento. A organização desenvolveu uma cul-
tura de conversar e discutir os problemas em encontros
regulares e frequentes entre as equipas de prestadores de
cuidados e os seus supervisores, em seminários que reú-
nem os gestores e o pessoal para discutir questões de polí-
ticas e para fomentar o sentimento de que a TASO é uma
“família”. O respeito pelo princípio da confidencialidade
entre os membros do pessoal, bem como entre o pessoal e
os utentes significa que as pessoas podem sentir-se seguras
em admitir o
stress
e procurar ajuda, mesmo que alguns ain-
da achem difícil mostrar-se vulneráveis. Durante a sua for-
mação inicial, os conselheiros são encorajados a identificar
alguém de entre os seus pares como conselheiro pessoal.
Os membros do pessoal que estão doentes continuam
a receber os seus salários quando não são capazes de tra-
balhar, e receberão mais um ano adicional de salário caso
abandonem voluntariamente o serviço devido a problemas
de saúde. A directora da TASO pretende introduzir uma
política segundo a qual, pelo menos dois filhos de um
membro doente do pessoal sejam apoiados na educação
escolar e mesmo na universitária.
Outra ideia nova para gerir o
stress
é a meditação. Um
professor de meditação juntar-se-á brevemente à TASO,
como voluntário, por um período de seis meses, para ob-
servar o trabalho dos prestadores de cuidados e conceber
um programa de formação em meditação para eles, que
Sophia Mukasa Monico espera se venha a tornar uma roti-
na do dia-a-dia de trabalho.
A Mildmay International
O Centro Mildmay fica situado por detrás de impressi-
onantes portões numa colina nos arredores de Kampala.
Uma série de edifícios baixos de tijolos, ligados por passa-
deiras cobertas através de lindos jardins, Mildmay foi aber-
Cuidar dos prestadores de cuidados
60
to em Setembro de 1998 como um centro de referência
para o qual doentes gravemente doentes podem ser envia-
dos por outras instituições ou programas que já não po-
dem fazer mais nada para os ajudar. É um centro de exce-
lência em cuidados paliativos, particularmente no tratamen-
to da dor, que ele oferece aos pacientes ambulatórios. Mas,
para além de oferecer cuidados de tratamento, a principal
função do Centro Mildmay é a de ser um recurso para for-
mar outros em cuidados de pessoas vivendo com SIDA,
oferecendo enfermagem avançada e outras habilidades de
especialidade, como gestão da dor, que são raras mas mui-
to necessárias no Uganda, neste estádio da epidemia.
“Estamos empenhados em expandir os cuidados e em ex-
pandir a capacidade de cuidar de forma mais eficaz,” ex-
plica a directora dos serviços clínicos, Dra. Catherine Sozi.
Tanto a TASO como a World Vision aproveitam de forma
regular os seus cursos de formação.
O Centro organiza “seminários para prestadores de cui-
dados” uma vez por mês, nos quais uma equipa
multidisciplinar – representando a medicina, enfermagem,
assistência infantil, fisioterapia, terapia ocupacional, con-
selhos dietéticos, aconselhamento e cuidados espirituais –
tratam de qualquer questão que os prestadores de cuida-
dos queiram levantar. “Descobrimos que o que os
prestadores de cuidados mais querem são conselhos sobre
como lidar com aquilo que eles chamam pacientes “difí-
ceis” – o paciente que parece não gostar do que eles estão
a fazer por ele; o paciente que está angustiado e que eles
não sabem o que fazer; o paciente com feridas; o paciente
que não come. E muitos têm medo de lidar com o inevitá-
vel – que é enfrentar questões do fim da vida. De modo
que os seminários dão-lhes um fórum”, explica a Dra. Sozi.
Em colaboração com o Ministério da Saúde, a Mildmay
levou os seus “seminários para prestadores de cuidados”
para os subúrbios e bairros pobres de Kampala e recente-
mente começou a realizá-los também em áreas rurais. Re-
conhecendo as necessidades especiais e negligenciadas das
crianças, a Mildmay realiza
workshops
separados para di-
ferentes categorias de pessoas que cuidam de crianças com
ONUSIDA
61
HIV e SIDA – isto é, um para profissionais da saúde e um
para mães e pais. “Estamos a planear realizar também se-
minários para professores primários,” diz a Dra. Sozi. “Eles
disseram-nos: nós temos estas crianças, elas parecem tão
pequenas, estão quase sempre ausentes por doença e nós
não sabemos como comunicar com elas.”
A Mildmay é pioneira em ensinar as pessoas como co-
municar com as crianças, tanto as infectadas como as afec-
tadas. Christine, que tem duas filhas menores, frequentou
um dos cursos de formação de “Mães Positivas” do Centro
e diz que ele melhorou consideravelmente a sua relação
com as suas filhas, tornando-as mais unidas. “Eu costuma-
va ser dura com as crianças – mandando-as fazer isto ou
aquilo e dizendo-lhes para ficarem quietas e deixarem de
fazer perguntas. Eu não lhes queria falar acerca do meu
estado HIV”, admite ela. “Mas aprendi em Mildmay que as
crianças precisam de saber a verdade e que elas precisam
de carinho e encorajamento para falar. Aprendi que elas
ficam deprimidas quando não se lhes presta atenção e que
ficam zangadas e ressentidas e não cooperam porque es-
tão infelizes. Na nossa formação deram-nos as habilidades
para comunicar com os nossos filhos”. Christine tem, por
sua vez, realizado seminários no seu próprio centro TASO
para transmitir as habilidades que ela aprendeu em Mildmay.
Para tratar da questão de
stress
entre o seu próprio pes-
soal – dos que cuidam de alguns dos pacientes de SIDA
mais desesperadamente doentes, muitos dos quais são cri-
anças em fase terminal das suas vidas – a Mildmay contra-
tou os serviços de uma terapeuta independente do Instituto
de Psicologia da Universidade de Makerere para lhes ofe-
recer aconselhamento individual. Ela frequenta o centro
quinzenalmente. A prática de trabalho da Mildmay, como
uma equipa multidisciplinar é, ela própria, uma forma de
proteger o pessoal do
stress
excessivo porque ela reparte o
fardo dos cuidados e da responsabilidade.
Consciente das pesadas exigências do trabalho do Cen-
tro, a Dra. Sozi acredita no valor de um certo tempo livre e
estabeleceu a cultura de respeitar os fins de semana e as
Cuidar dos prestadores de cuidados
62
férias anuais – não se permite que alguém prescinda, de
ânimo leve, do seu tempo livre. O pessoal tem as suas des-
pesas médica e medicamentosa pagas e esses benefícios
são alargados a quatro crianças consanguíneas.
A World Vision
A World Vision está bem enraizada no Uganda, e actu-
almente leva a cabo uma ampla variedade de actividades
de desenvolvimento em 21 distritos. A organização come-
çou a trabalhar com as comunidades afectadas pelo SIDA
em 1989 e, consciente da natureza especialmente
stressante
de cuidar de pessoas vivendo com o HIV e SIDA, ela de-
senvolveu uma ampla gama de mecanismos de apoio para
os prestadores de cuidados a todos os níveis. Aos
prestadores de cuidados primários são oferecidos
aconselhamento e formação básica em cuidados de saú-
de. A organização também dá-lhes a conhecer a gama de
recursos disponíveis e como ter acesso a eles. E oferece-
lhes actividades geradoras de rendimentos para ajudá-las
financeiramente. Os projectos geradores de rendimentos
usualmente envolvem grupos de pessoas trabalhando em
conjunto. “Estes têm um valor para além do de ajudar sim-
plesmente as pessoas financeiramente”, explica Robinah
Babirye. “Fazer alguma actividade como grupo dá às pes-
soas a oportunidade de conversar e dar a cada um apoio
mútuo. Pode ter um impacto real sobre as emoções”.
A World Vision dá grande prioridade ao apoio aos vo-
luntários. Para manter a sua moral, a organização tenta
mostrar a sua gratidão pelo seu trabalho sempre que possí-
vel. Ela faz questão de reconhecer a sua presença e a sua
contribuição e apresenta-os formalmente em todas as reu-
niões comunitárias. Ela reconhece também que as respon-
sabilidades diárias dos voluntários normalmente lhes dei-
xam pouco tempo para trabalharem nas suas machambas,
e isso, como prestadores de cuidados primários, a perda
de produção de alimentos e a luta para alimentar as suas
famílias, causa grande ansiedade. Por isso, a World Vision
contratou um perito agrícola para descobrir formas de au-
ONUSIDA
63
mentar as habilidades dos voluntários na agricultura de
modo a que eles possam produzir comida mais eficazmen-
te com menos esforço. Ela oferece um dia extra de forma-
ção no fim dos seus seminários, e ficou surpreendida com
a forma pronta como as pessoas usaram esse tempo extra.
Actualmente a World Vision tem um sistema de “campo-
neses modelo”, onde poucas pessoas, especialmente for-
madas e usando as suas próprias machambas como parce-
las de amostra, actuam como um recurso para formar ou-
tras pessoas na comunidade – especialmente famílias
empobrecidas pelo SIDA – que querem aprender como
aumentar a produção das suas terras.
Reconhecendo a importância do conhecimento e habi-
lidades para a auto-estima, estatuto social e confiança, a
World Vision despende uma larga parte do seu orçamento
em actividades de formação incluindo cursos de reciclagem
e de aperfeiçoamento para voluntários e para o pessoal
efectivo. Ela também acredita na flexibilidade e em dar às
pessoas um espaço, o mais amplo possível, para tomar ini-
ciativas. “Na World Vision, se podes defender a tua posi-
ção e convencê-los do teu ponto de vista, permite-se que
faças as coisas da tua maneira,” diz Gladys Rukidi. “E se tu
precisas de algo deles, eles cooperarão se tiverem dinheiro
para o fazer.”
A World Vision está consciente do risco de esgotamen-
to no seu pessoal e uma resposta para isso são retiros regu-
lares onde o pessoal se possa desligar completamente do
seu ambiente normal de trabalho e passar o tempo em es-
tudo estruturado da Bíblia e em orações, ou simplesmente
relaxar, distraindo-se. Os retiros fomentam um espírito de
família no qual as pessoas podem falar livremente e com-
partilhar os seus problemas – um espírito que é encorajado
pela política de usar os primeiros nomes das pessoas em
todas as ocasiões e não os títulos, diz Robinah Babirye. Os
retiros são também uma tradição na TASO, mas para gran-
de pena de muitos conselheiros, foram recentemente
suspensos em alguns centros porque eles são considerados
uma despesa não justificável.
Cuidar dos prestadores de cuidados
64
Com o HIV muito espalhado no Uganda, a possibilida-
de de infecção entre os membros do pessoal é alta. Para
minimizar a ansiedade acerca dos custos de cair doente, a
World Vision tem uma política de reembolsar as facturas
com cuidados de saúde até 30.000 shillings (aprox. 21 USD)
por mês para cada membro do pessoal. “Quando se torna
claro que algumas pessoas doentes estão a precisar de mais
do que isso para cobrir as suas despesas e outros não es-
tando a usar os seus subsídios”, disse Robinah Babirye, “o
pessoal teve uma reunião na qual concordou em juntar os
subsídios. Desta forma há mais dinheiro para aqueles que
mais precisam”.
A Life Line
A Life Line South Africa, inspirada numa organização
similar da Austrália, foi fundada em 1968 como um servi-
ço de aconselhamento para pessoas enfrentando qualquer
tipo de problemas ou crise pessoal. Como a infecção do
HIV começou a propagar-se na África do Sul, os conselhei-
ros da Life Line viram-se cada vez mais envolvidos na aju-
da a pessoas afectadas pela epidemia. Actualmente, para
além de fazer aconselhamento frente a frente e por telefo-
ne, a Life Line forma voluntários da comunidade que tra-
A clínica do Freedom Park, perto de Rustenburg, África do Sul,
onde a Life Line formou os seus conselheiros para o SIDA
ONUSIDA
65
balham numa variedade de locais, tais como clínicas e es-
colas. Os seus conhecimentos práticos são largamente elo-
giados e a Life Line é frequentemente chamada a treinar
conselheiros para outras organizações.
A formação começa com um curso de “crescimento
pessoal” que dura de 8 a 10 semanas. A este segue-se um
curso igualmente longo, em técnicas de comunicação e
aconselhamento, no qual a questão do
stress
e de como
lidar com ele recebe atenção especial. “Nós insistimos com
os conselheiros na importância de cuidar deles próprios,
frisando que se eles deixam-se ficar doentes ou esgotados
eles serão incapazes de ajudar alguém”, explica Anne
Finnegan, directora de uma das filiais da Life Line.
Ela descreve um exercício chamado “A vida é uma es-
colha” usado durante a formação para pôr em evidência
esta verdade. Trabalhando em grupos de 7 a 10 pessoas,
pede-se aos formandos que se imaginem partindo para uma
viagem especial. Juntos eles constroem uma imagem do
destino e de como eles estão viajando para lá, imaginan-
do-se num autocarro, num comboio, num barco ou num
avião. Depois o facilitador informa o grupo de que o seu
transporte escolhido sofreu um acidente e que todos excepto
três pessoas morreram. Pede-se a cada pessoa no grupo
para imaginar que ele ou ela é um dos sobreviventes e que
defenda o seu caso perante aos outros. Finalmente, pede-
se a todas as pessoas que votem em quem deve sobreviver
e distribuem-se três pedaços de papel para escreverem as
suas escolhas individuais antes de as lerem para todo o
grupo. “Só raramente alguém vota em si próprio ou pró-
pria nos três votos”, comenta Anne Finnegan. “É claro que
muitas pessoas sentem que seria egoísmo votar em si pró-
prias, e que o egoísmo e o sacrifício são virtudes absolutas.
Mas na discussão posterior dá-se-lhes consciência do fac-
to de que têm que se ser fortes e saudáveis – e estar vivas –
para serem capazes de ajudar os outros”, explica Finnegan.
“Depois trazemos de volta o foco para o HIV e pergunta-
mos: como se pode cuidar de outra pessoa se não se tomar
conta de si próprio?”
Cuidar dos prestadores de cuidados
66
Quando eles já estão a trabalhar no campo, a rela-
ção com os seus supervisores é de extrema importância
para manter a sua saúde e moral, diz Anne Finnegan.
Aos conselheiros trabalhando no seio da Life Line exige-
se que preencham uma ficha informativa depois de cada
sessão com um utente. As fichas não arquivam o nome
dos utentes nem descrevem detalhes das suas histórias,
uma vez que o principal objectivo é permitir aos
supervisores monitorar o desempenho e o estado de es-
pírito do conselheiro. Pede-se aos conselheiros que re-
latem o seu próprio estado emocional no fim de uma
sessão e se eles sentiram que foram mais eficazes ou
menos eficazes no seu desempenho. “Observações tais
como “sentia-me exausto – esta sessão não estava na
minha agenda” ou “não estou feliz porque o tempo cor-
reu depressa” são boas indicações das tensões do traba-
lho”, comenta Anne Finnegan. “Nós tentamos assegurar
que os conselheiros não atinjam o estado de desgaste.
Na Life Line cuidamo-nos uns aos outros antes de cui-
darmos da comunidade, porque se não o fizermos não
poderemos cuidar da comunidade”.
A Hope Worlwide
“Mais do que um único trauma que tu tens de superar,
os traumas que o nosso povo enfrenta assemelham-se mais
às ondas do oceano que não deixam de correr para a cos-
ta”, comenta Mark Ottenweller, o director da Hope
Worldwide. “Com o constante
stress
sobre os nossos con-
selheiros, é muito importante que nós forneçamos apoio
contínuo e supervisão, de modo a que eles não fiquem
sobrecarregados”.
“A chave para minimizar o
stress
e prevenir o esgota-
mento”, diz Ottenweller, “é dispersar o fardo emocional”.
A Hope assegura que nenhum prestador de cuidados fique
durante muito tempo com um doente ou um moribundo,
criando um grande círculo de pessoas para fazer a presta-
ção de cuidados. Esses podem incluir membros da sua fa-
mília próxima, a família alargada, o grupo de apoio ou
ONUSIDA
67
voluntários da igreja. E, com vista a proteger o máximo
possível o seu pessoal da epidemia, o Dr. Ottenweller ga-
rante que haja variação nas suas tarefas de modo a que
não fiquem aborrecidos ou profundamente envolvidos em
qualquer actividade.
Outro aspecto chave para minimizar o
stress
sobre os
prestadores de cuidados a todos os níveis é criar um amplo
ambiente de apoio. Isto significa trabalhar em conjunto,
identificando e tendo acesso aos recursos locais de todos
os tipos e criando parcerias mutuamente benéficas com
outros na comunidade. O programa da Hope no SOWETO
está centrado em clínicas de saúde comunitária, que for-
necem acomodação para as actividades dos grupos de
apoio, terra para as suas hortas e medicação, enquanto a
Hope fornece preservativos, comida, aconselhamento e
apoio para as pessoas com HIV e SIDA na área servida
pela clínica. A organização conseguiu apoio de lojas
retalhistas de comida locais que doam ao programa comi-
da perto do fim do prazo para as famílias afectadas pelo
SIDA. E aproveitou a rede de voluntários de uma das mai-
ores igrejas locais, cujos membros ajudam os grupos de
apoio da Hope a cuidarem de indivíduos doentes e suas
famílias quando precisam.
O pessoal da Hope também se mantém actualizado com
informação relativa à saúde, bem estar social e questões
legais. “Quando eu visito uma família em casa”, explica
um dos coordenadores, “sento-me com eles e discuto to-
dos os recursos disponíveis para eles e dou nomes de con-
tacto e números de telefone se possível. Eu converso com
eles acerca de onde levarem os seus problemas legais, tais
como discriminação contra pessoas infectadas, e quais são
os seus direitos sob a legislação de bem estar e direitos
humanos. E eu aconselho-os sobre como se candidatarem
aos benefícios a que têm direito”.
A Hope também ajuda a organizar projectos de gera-
ção de rendimentos para os seus grupos de apoio. Como a
TASO e outros, ela reconhece que eles são muito necessá-
rios mas difíceis de estabelecer com sucesso. Por isso, a
Cuidar dos prestadores de cuidados
68
organização procura conselhos de especialistas, quando
necessário, para dirigir pequenos negócios e para os pro-
mover. “A geração de rendimentos precisa de paciência e
persistência para desenvolver”, diz Mark Ottenweller. Es-
pera-se que as hortas feitas nos terrenos das clínicas gera-
rem um pequeno rendimento, mas as colheitas são
imprevisíveis e quase sempre elas apenas suplementam a
dieta dos membros do grupo de apoio.
As hortas são uma resposta à necessidade de comida
que vem em primeiro lugar na lista de uma pesquisa re-
cente dos grupos de apoio.”As pesquisas levadas a cabo
anualmente em conjunto com uma avaliação dos servi-
ços da Hope são importantes para monitorar o bem estar
e o desempenho dos provedores de cuidados”, diz Mark
Ottenweller. “Tens que ter informação constante dos teus
clientes, da tua comunidade e dos teus coordenadores para
estabelecer quais são os teus problemas e onde as pessoas
estão a enfrentar dificuldades.”
Sinosizo
Sinosizo significa “Nós Ajudamos” na língua Zulu. O
programa de cuidados domiciliários iniciou nos princípi-
os dos anos 90, sob os auspícios da Arquidiocese Católica
de Durban, mas não está filiado à igreja. “Nós temos uma
dimensão espiritual em que pessoas estão a morrer, pes-
soas estão com medo, pessoas estão a reconciliar-se con-
sigo próprias, de modo que elas precisam de apoio, e isso
está claro”, explica a directora Liz Towell. “Mas ela não
tem que ser católica, ou ter qualquer denominação; ela
não tem que ser sequer igreja”.
O objectivo do Sinosizo é capacitar as comunidades
com as quais ela trabalha a cuidar das suas próprias pes-
soas com SIDA. A função dos seus quatro membros do
pessoal, que são todos enfermeiros profissionais com co-
nhecimentos especializados em cuidados paliativos, é for-
mar e supervisar as equipas de voluntários que trabalham
a nível da comunidade.
ONUSIDA
69
Para os voluntários serem eficazes eles têm que
ter credibilidade, autoridade e estatuto na comunida-
de. É política do Sinosizo, portanto, que nenhuma das
suas supervisoras use uniforme que a possa identifi-
car como enfermeira profissional. Liz Towell explica:
“Se tu colocas uma enfermeira com uniforme na co-
munidade, o voluntário não terá nenhum estatuto.
Num instante! A família diria: “queremos a enfermei-
ra de volta.” Então não há nada que distinga as nossas
supervisoras como enfermeiras. E quando elas estão
no terreno com os voluntários não lhes é permitido
ajudar a cuidar – o seu trabalho é supervisar.”
O trabalho de supervisor é também o de apresen-
tar os voluntários ao pessoal na clínica local e enco-
rajar boas relações de trabalho. “Isto é crucial para o
sucesso dos cuidados domiciliários para os pacientes do
SIDA, mas estabelecer o respeito mútuo nem sempre é
fácil – pode-se estar carregado de suspeitas, inseguranças
e trazer ao de cima rivalidades. Aqui são importantes as
qualificações profissionais e o nível do supervisor”, diz
Liz Towell. Enquanto um voluntário com pouca educa-
ção formal pode ter grandes dificuldades em abordar ou
ganhar a aceitação do pessoal da saúde, o supervisor será
automaticamente reconhecido e respeitado como igual.
E ter sempre o seu apoio na retaguarda dá confiança aos
voluntários.
No entanto, desenvolver a independência nas suas equi-
pas de voluntários é importante para o Sinosizo, uma vez
que muitos deles trabalham em áreas remotas, fora do al-
cance de boas estradas e telefones, e os supervisores são
poucos. Os voluntários geralmente trabalham aos pares quan-
do fazem as suas visitas domiciliárias. Isto é, em primeiro
lugar, uma questão de segurança: os bairros periféricos e as
aldeias rurais do KwaZulu/Natal têm sido assoladas por vio-
lência política esporádica nos anos recentes. Mas trabalhar
aos pares também significa que os voluntários dão um ao
outro apoio moral e partilham o fardo emocional dos cuida-
dos. Para além disso, encorajar fortes laços com a equipa, é
a chave para a independência e autoconfiança, diz Liz
Cuidando de uma paciente
acamada em casa na África
do Sul.
Cuidar dos prestadores de cuidados
70
Towell, é deixar as coisas desenvolverem-se no seu próprio
tempo e resistir à pressão dos financiadores para estabelecer
calendários rígidos para o cumprimento de metas. “Se tu
apressas os voluntários, o programa falhará”, diz ela. “Se tu
deixas as coisas acontecerem em Tempo de África elas cer-
tamente funcionarão bem”.
O principal financiador do Sinosizo, a Caritas, tem tido
um interesse especial no programa e despende tempo com
o pessoal no terreno. “Eles vêem todas as áreas onde traba-
lhamos; eles vêem o terreno em que as pessoas caminham
de um lado para o outro; eles vêem o nível de educação
que os nossos voluntários têm; eles têm a oportunidade de
falar com quem quiserem. Assim, eles partem com uma
visão clara e, como resultado, isso torna a vida fácil para
nós. E de facto tem tornado”.
Manter registos é uma actividade importante no
Sinosizo, e os voluntários letrados que queiram, rece-
bem um curso de formação de dois dias. Liz Towell tem
uma ficha de registo para cada paciente, que ela intro-
duz numa base de dados computarizada e na qual ela
inclui detalhes de pessoas que dependem dele; sistemas
de apoio, se existe algum, se existem crianças em risco
de se tornarem órfãs; a situação financeira do paciente;
quem está a cuidar dele como prestador de cuidados
primários, bem como detalhes da sua condição médica.
“Em qualquer altura posso olhar e ver quem são os paci-
entes, quem está a cuidar deles e quantos pacientes cada
voluntário tem, quantas mortes eles presenciaram e
quantas crianças órfãs eles têm na sua área,” diz ela.
“Para mim é uma ferramenta de monitorização, para me
assegurar de que não estamos a sobrecarregar emocio-
nalmente ninguém. Também ajuda a ter os dados esta-
tísticos de modo a ver onde são as áreas de crescimento
e onde precisamos de recrutar mais voluntários. Tu não
saberias se não tivesses uma base de dados”.
ONUSIDA
71
........................................
Sem um compromisso constante, até os melhores
planos podem falhar: o programa de mentores para
conselheiros da África do Sul
Não existem dados sobre o número de pessoas envolvidas em aconselhamento
na África do Sul, nem a taxa de desistências, mas há uma rica evidência anedótica
de que o aconselhamento é uma profissão instável. A experiência mostra que o
desgaste e a decisão de abandonar é quase sempre o resultado da falta de apoio
que um conselheiro formado encontra no terreno. A Direcção do HIV/SIDA no
Departamento de Saúde na África do Sul decidiu, por isso, estabelecer um pro-
grama de mentores.
Os mentores, explicou Thembela Kwitshana que concebeu o programa, são
pessoas com capacidades para aconselhamento e com longa experiência que
tomam conta de conselheiros a trabalhar na linha da frente. Eles são diferentes
dos supervisores, pois a sua responsabilidade é o bem estar dos conselheiros e
não a qualidade ou estilo do seu trabalho”. Os supervisores normalmente assu-
mem também este papel, mas aí pode aparecer um conflito de interesses, uma
vez que um conselheiro pode sentir que o seu trabalho estará por um fio se ele
admitir ao supervisor que está a lutar ou que fez algo errado”, diz Ms Kwitshana.
“No entanto, com um mentor, o conselheiro pode ter confiança absoluta e saber
que ele pode discutir qualquer dos seus problemas profissionais sem sentir que
ele está ameaçando a sua posição”. Além do mais, o trabalho de um mentor é o
de ser um advogado dos direitos do conselheiro a todos os níveis, desde o gover-
no até às organizações e instituições para as quais eles trabalham.
O programa foi concebido em 1995 e o plano inicial era formar pessoas pro-
postas pelas administrações provinciais, que depois as empregariam para apoiar
os conselheiros em todas as organizações na província. Foi experimentado com
sucesso no KwaZulu/Natal, onde quatro mentores foram formados e posterior-
mente forneceram apoio a um total de 900 conselheiros em toda a província,
que se reuniam regularmente em pequenos grupos de cada vez, em hospitais
locais perto dos seus locais de trabalho. Eles passavam algumas horas com o
mentor, discutindo casos, questões relacionadas com o trabalho e, por vezes,
tendo um especialista a falar de um tópico relevante.
No KwaZulu/Natal os mentores eram pagos pela província mas passaram para
os centros não governamentais locais de Informação e Formação do SIDA (ATICS)
que tinham bons contactos no terreno. Era um programa barato porque usava
as instalações dos hospitais, disse Ms Kwitshana. Mas ele fracassou muito rapida-
mente quando o orçamento para pagar os mentores se esgotou depois de um
ano, e os seus contratos terminaram. Foi um golpe duro para todos os que ti-
nham investido muita esperança e energia no programa – e especialmente quando
estava quase a ser lançado a nível nacional.
Cuidar dos prestadores de cuidados
72
“Mas eu não desisto”, comentou Ms Kwitshana. “Eu tento compreender por
que é que avançamos lentamente e ver se existem formas de contornar os obstá-
culos”. Actualmente ela está a trabalhar na ideia de passar por cima do governo
local e formar mentores para trabalharem directamente com uma vasta gama
de organizações. O novo programa oferecerá formação a pessoas que já estão a
trabalhar como enfermeiros ou conselheiros ou que estão numa outra profissão
relevante, e que, portanto, já recebendo um salário do hospital ou da ONG para
a qual trabalham. Ela está consciente do perigo de que elas não tenham tempo
para se dedicar a uma outra tarefa, ou de serem capazes de manter o seu com-
promisso. Mas esta é a melhor forma, actualmente, de continuar com um pro-
grama que já tinha provado ser válido, e Ms Kwitshana diz que irá resolvendo os
problemas se e quando eles aparecerem.
....................................
The Ark: cuidar de “pessoas sombra” na África do Sul
The Ark são umas barracas de um local situado entre edifícios coloniais ele-
gantes mas abandonados na antiga zona portuária de Durban. Antigamente era
um albergue para estivadores, mas agora é um abrigo para pessoas indigentes e
lar para cerca de um milhar de homens, mulheres e crianças. Estas são as “pesso-
as sombra” da África do Sul, diz Alan, um residente que veio para The Ark há
cinco anos atrás como um alcoólico que perdera a família, os amigos e o empre-
go. “Há tantas pessoas sem tecto aqui que é incrível. Mas elas não são vistas. As
pessoas passam por nós e não se interessam”.
Há dois anos, The Ark abriu um hospital para pacientes terminais de SIDA, e
hoje as 77 camas em sete pequenas salas estão quase cheias. Os cuidados aos
doentes são fornecidos pelos residentes de The Ark que foram reabilitados e
formados por Shirley Pretorius, que dirige a clínica geral do refúgio. Esta pastora
da Igreja Independente, que fundou The Ark nos princípios dos anos 80, acredita
que qualquer pessoa pode dar algo à sociedade. E quando o SIDA começou a
manifestar-se cada vez mais forte entre as pessoas que vinham ao refúgio, a
pastora Shirley, uma enfermeira registada com qualificações de especialista em
psiquiatria, procurou entre os corredores e os dormitórios abarrotados do alber-
gue pessoas que podiam ajudar a cuidar delas.
“Em 1998, os hospitais começaram a ficar sobrecarregados com pacientes em
fase terminal. Pessoas com SIDA estavam a ser dispensadas; muitas estavam de-
masiado doentes para irem para casa, quase sempre as distantes aldeias rurais;
outras estavam a ser rejeitadas pelas famílias e acabavam nas ruas”, explica a
pastora Shirley. “Tivemos uma reunião em The Ark e decidimos que isso era um
‘vazio’ que devia ser preenchido. É contra as nossas crenças Cristãs que alguém
tenha que morrer num esgoto, sem dignidade. Então encarregaram-me de or-
ganizar a unidade”.
ONUSIDA
73
Agora, a clínica The Ark é uma unidade de cuidados de saúde primários re-
gistada. A pastora Shirley tem 6 pessoas, formadas por ela própria, que a ajudam
a dirigir a clínica e o hospício. “Os meus 6 principais membros vão de sala em sala
em turnos durante o dia e a noite. Em cada sala tenho um monitor, que vive com
os pacientes e está lá para ajudar onde é preciso. O pessoal verifica todas as
manhãs se toda a gente tomou banho, vestiu-se e está limpo. E se alguém tem
um acidente ou uma cama precisa de ser mudada em qualquer momento, o
monitor aparece e chama o membro do pessoal em serviço”.
Para além de cuidados básicos de saúde e de enfermagem, o pessoal da clíni-
ca é formado em aconselhamento de pessoas com HIV e SIDA. Muitos doentes
foram rejeitados pelas suas famílias, de modo que a reconciliação é um dos prin-
cipais objectivos do aconselhamento. “Quando alguém atinge o ponto de mor-
rer, dá-lhes uma grande paz interior se se tiver reconciliado com a família”, co-
menta a pastora Shirley. “Nós temos várias pessoas que são “doentes externos”
– apenas vêm uma ou duas vezes por semana para receber medicamentos e ali-
mentação suplementar. Mas eles voltaram para as suas famílias quando pensa-
vam que nunca o fariam. Quando as famílias compreendem o problema, o facto
de que não vão contrair SIDA por cuidar dos doentes, então querem ter o doen-
te em casa. E como resultado foram preparados para serem formados. O que
normalmente acontece é que o paciente selecciona um membro da família que
aparece, faz duas ou três semanas de formação e depois mandamo-lo para casa
com o doente”.
Reconhecendo que muitos dos membros do seu pessoal lutam arduamente
com os seus problemas pessoais, a pastora Shirley despende muito tempo com
eles falando de stress e de como superá-lo. “Descobri que quanto mais envolver
as pessoas na tomada de decisões isso é relevante para elas, mais elas sentem
que têm controle sobre o que estão a fazer e sobre as suas vidas”, diz ela. “Se
aparece um problema numa sala de doentes – e nós temos tido alguns doentes
muito, muito difíceis – eu chamo os monitores e o pessoal para essa sala em
particular e digo: “Certo, quais são os problemas? Vamos pensar. Escrevam tudo
o que puderem pensar para resolver estes problemas, e veremos se é praticável.
E se for, ponham-no em prática”. Descobri isso porque eles sentem que têm con-
trole da situação, o nível de stress baixa”.
Além de envolver toda a gente interessada nas decisões acerca de como as
unidades de SIDA são dirigidas, a pastora Shirley começa frequentemente o dia
com uma curta sessão de formação sobre controle de stress. “Nós lidamos com
raiva, lidamos com vergonha, lidamos com culpa. E nós lidamos com ‘estar cansa-
do de tentar estar à altura’”, diz ela. “Isto é um curso que organizei para as
pessoas que estão constantemente a sentir que têm que atingir o nível de qual-
quer outra pessoa porque não se sentem muito boas. Lidamos com todo esse
tipo de coisas em conjunto”.
Cuidar dos prestadores de cuidados
74
7. Conclusões e lições aprendidas
C
uidar dos prestadores de cuidados às pesso
as com SIDA não é apenas um imperativo
humanitário, é uma necessidade social e económica, por-
que nenhum país em África viu ainda o pior da epidemia
do SIDA ou experimentou toda a pressão sobre os seus ser-
viços sociais e de saúde. E actualmente nenhum país pode
dar-se ao luxo de desperdiçar os conhecimentos e o
empenhamento dos seus prestadores de cuidados. Como
mostram os breves estudos de caso nos capítulos anterio-
res, cuidar dos prestadores de cuidados requer uma acção
em várias frentes ao mesmo tempo. Gerir o
stress
e preve-
nir o desgaste requer:
reforçar a capacidade de o prestador individual de cui-
dados lidar com êxito com os deveres e responsabilida-
des do seu papel;
assegurar que as condições de trabalho, as práticas e
políticas dos programas de cuidados ofereçam um am-
biente de apoio aos prestadores de cuidados e que não
sejam, elas próprias, causa de
stress
; e
advogar por políticas nacionais e leis que sejam sensí-
veis às necessidades dos prestadores de cuidados.
Esta secção pretende destacar as lições e as observa-
ções adquiridas no terreno, que têm uma ampla relevância
e que possam ser adoptadas noutros locais.
O trabalho dos prestadores de cuidados
é stressante por inerência
Um primeiro requisito para apoiar os prestadores de
cuidados a trabalhar no campo do SIDA é reconhecer for-
malmente o facto de que o seu trabalho é inerentemente
stressante
, e que os sentimentos de angústia são mais uma
reacção legítima às suas experiências e não sinais de fra-
queza pessoal ou falta de profissionalismo. Sentimentos
ONUSIDA
75
reprimidos conduzem quase sempre a um inevitável des-
gaste e os prestadores de cuidados precisam de se sentir
confiantes e livres de expressar dúvidas e angústias e de
procurar ajuda a tempo, sem medo de afectar os seus tra-
balhos e as suas reputações. Eles só o farão se o reconheci-
mento da natureza
stressante
da epidemia for parte da cultu-
ra da organização ou instituição para a qual eles trabalham.
Os prestadores de cuidados devem ser
aliviados de responsabilidades sobre o
que está para além das suas capacidades
Os prestadores de cuidados a todos os níveis precisam
de ser libertados do peso da responsabilidade por coisas que
eles não podem evitar. A mensagem de que “coisas más ocor-
rem e não é tua responsabilidade” devia ser uma litania dos
programas de cuidados domiciliários. Isto é especialmente
importante para prestadores de cuidados a crianças, uma
vez que eles são os mais vulneráveis aos sentimentos de
culpa acerca do sofrimento que não podem aliviar.
O desgaste é um processo e não um
acontecimento
O
stress
e o desgaste são fenómenos complexos com
múltiplas causas e múltiplas manifestações. Assim, nenhu-
ma actividade isolada ou limitada no tempo será a solu-
ção. Para os programas do SIDA, controlar o
stress
entre os
prestadores de cuidados requer uma ampla resposta contí-
nua e sensível na qual o apoio e a supervisão são elemen-
tos essenciais.
É necessária pesquisa mais sistemática
sobre o controle do stress
O controle e mitigação do
stress
são difíceis de se con-
seguir a não ser que se tenha uma imagem clara dos pro-
blemas. São, portanto, necessários estudos mais sistemáti-
cos sobre o
stress
entre os prestadores de cuidados a todos
Cuidar dos prestadores de cuidados
76
os níveis e em todos os lugares, e deve ser usada mais do-
cumentação formal de diferentes estratégias para enfrentar
o
stress
, sobre como é que funcionarão, quanto custarão e
quais os seus efeitos sobre a qualidade dos cuidados, bem
como sobre a moral e empenhamento dos prestadores de
cuidados. Para além disso, ideias para o apoio dos
prestadores de cuidados precisam de ser partilhadas entre
as pessoas que trabalham neste campo e as lições das ex-
periências amplamente disseminadas.
O conhecimento tem um valor
duradoiro
O conhecimento confere poder – dá às pessoas confi-
ança, controle e possibilidade de escolhas na vida, e tem
um valor duradoiro. Assim, a formação joga um papel cen-
tral no controlo do
stress
e desgaste entre os prestadores de
cuidados. Além de transmitir o conhecimento e as habili-
dades necessárias para cuidar de uma pessoa com HIV ou
SIDA, a formação de prestadores de cuidados deve lidar
directamente com as questões do
stress
e desgaste. Ela deve
encorajar a reflexão pessoal e o auto-conhecimento e olhar
para os mecanismos pessoais para enfrentar com êxito as
várias situações. Uma outra questão importante é como
gerir o próprio tempo de forma efectiva e como reconhe-
cer e aceitar as próprias limitações.
A formação contínua – quer cursos regulares de
reciclagem, quer formação em novas habilidades – é im-
portante para manter a confiança e a moral. Quando se
planificam cursos de reciclagem ou formação avançada,
os programas devem tentar, tanto quanto possível, sanar as
lacunas em conhecimentos e habilidades que os próprios
prestadores de cuidados identificam.
É importante saber que o nosso
trabalho é respeitado
Para manterem a sua moral e auto-confiança, os
prestadores de cuidados de todos os níveis precisam de
ONUSIDA
77
saber que o seu trabalho é reconhecido e valorizado. Pala-
vras de apreço ou agradecimentos são importantes, e al-
guns programas compreendem isso e tornam um hábito
reconhecer e agradecer as pessoas. Onde os voluntários
são a primeira linha de apoio aos prestadores de cuidados
na família, e talvez fazendo muito do trabalho de cuidados
directos, eles devem receber o reconhecimento das suas
próprias comunidades. Os programas devem ter muito cui-
dado em assegurar que os membros do pessoal que os for-
mam e supervisam, e que podem ser trabalhadores da saú-
de profissionalmente qualificados, não minem a autorida-
de ou o estatuto desses trabalhadores de primeira linha.
Os voluntários tendem a ter uma grande auto-estima,
expectativas mais realistas e uma profunda satisfação pelo
seu trabalho se tiverem um sentimento de
propriedade sobre os programas das suas
comunidades, em vez de se verem como
empregados não pagos, no fundo da hie-
rarquia da organização com a qual traba-
lham. A relação entre os voluntários e a or-
ganização deve ser clarificada na altura do
recrutamento e formação. E porque os
membros do público nem sempre estão cla-
ros acerca do estatuto dos voluntários e o
que podem esperar deles, a mensagem de que eles “per-
tencem” à comunidade e não à ONG deve ser posta em
evidência em todas as oportunidades de encontros públi-
cos.
Aliviar a pobreza é uma prioridade de
primeiro plano
Os esquemas de geração de rendimentos são muito
necessários e muito valorizados pelas famílias e comuni-
dades afectadas pelo SIDA, para aliviar o
stress
da pobre-
za. No entanto, eles não são fáceis de realizar. A experiên-
cia mostra que necessidade, empenho e entusiasmo não
são suficientes para realizar com sucesso pequenos negó-
cios: as pessoas precisam de formação em habilidades, bem
Enfermeira de cuidados
domiciliários e voluntária
com um utente em Kampala,
Uganda
Cuidar dos prestadores de cuidados
78
como de fundos, e as suas empresas precisam de uma cui-
dadosa planificação e gestão, e normalmente mais aten-
ção para a promoção do que tem sido feito tipicamente.
Solicitar o apoio de especialistas em esquemas de geração
de fundos é uma boa ideia.
Onde a distribuição de cabazes de alimentação é parte
das estratégias para aliviar a pobreza, os programas devem
tentar obter provisões a partir de fontes tão próximas quan-
to possível das comunidades, em vez de organizações in-
ternacionais de ajuda alimentar. Isto não só diminui o
envolvimento de muita burocracia mas também as empre-
sas locais têm maior possibilidade de ser parceiras de con-
fiança a longo prazo. Para além disso, o seu envolvimento
directo na luta contra o SIDA ajudará no desafio à negação
e ignorância da epidemia a nível local e na eliminação
com o estigma.
Os doadores devem ser mais confiáveis
e mais empenhados no bem estar dos
membros do pessoal
Por causa da natureza do seu trabalho – cuidar de pes-
soas com doenças incuráveis e com muitas necessidades –
os programas de SIDA têm um âmbito limitado de auto-
financiamento. Por isso, a preocupação dos doadores com
“sustentabilidade” é uma constante fonte de ansiedade, e a
pressão para mostrar eficiência muitas vezes significa que
as medidas para o bem estar do pessoal são postas de lado
no interesse da cobertura da população.
Para aliviar as ansiedades da dependência e da insegu-
rança é necessária uma maior regularidade do apoio dos
doadores. Além disso, os doadores não deveriam centrar-
se apenas em questões como cobertura da população. A
menos que eles olhem com mais compreensão sobre ques-
tões de bem estar do pessoal, cairão na armadilha clássica
de muitos doadores de ajuda ao desenvolvimento no pas-
sado – a de comprar veículos para projectos de desenvol-
vimento mas não alocar fundos para o combustível ou
ONUSIDA
79
manutenção! Há muito a ser ganho por ambos os lados se
os doadores visitarem os programas nos próprios territórios
de trabalho, e se forem para o terreno com os prestadores
de cuidados para verem por si próprios o que pressupõe
este tipo de trabalho.
O controlo do stress é uma necessidade
e não um luxo
O controlo do
stress
não é um luxo: o desgaste é uma
ameaça real para as pessoas que passam o seu tempo com
os doentes, os moribundos e os que sofrem, e ver a luta das
famílias para sobreviver. Assim, o bem estar do pessoal deve
ser uma máxima prioridade para todos os programas de
SIDA. Medidas eficazes para o controlo do
stress
incluem:
estabelecimento de objectivos de trabalho realistas;
respeito dos tempos de folga;
retiros anuais para os prestadores de cuidados;
provisão de cuidados de saúde e pagamento de baixas
por motivo de saúde;
trabalho em equipa e encontros regulares para discutir
questões e partilhar problemas;
designação de um conselheiro para os prestadores de
cuidados; e
voz efectiva aos prestadores de cuidados nas decisões
que os afectam.
Ter boas políticas e mecanismos em vigor é apenas
um primeiro passo; é importante prestar atenção para
que eles não sejam postos de lado pelas pressões de tra-
balho e pela falta de dinheiro. Manter o bem estar do
pessoal requer um empenhamento constante e a vonta-
de política de ver que esse pessoal continua a ser uma
prioridade. O valor de ter gestores fortes e sensíveis,
conscientes da sua responsabilidade pela saúde e bem
estar do pessoal, não pode ser exagerado.
Cuidar dos prestadores de cuidados
80
Dispersar o fardo emocional minimiza o
stress
Uma forma efectiva de minimizar o
stress
de trabalhar
no campo do SIDA é afectar várias pessoas para cuidar de
um utente, quando possível, de modo a que nenhum dos
prestadores de cuidados tenha que suportar sozinho nos
seus ombros a responsabilidade ou o fardo emocional. No
entanto, isto é difícil de pôr em prática, se um utente tiver
receio de expor o seu estado. Ajudar os utentes a identifi-
car alguém com quem eles podem, de forma segura, parti-
lhar o seu diagnóstico é uma parte importante do
aconselhamento, e um elemento importante de fazer face
à situação familiar, bem como em repartir o fardo dos cui-
dados. No entanto, os perigos de ser identificado como
HIV-positivo permanecem reais em alguns lugares, e a re-
velação é uma questão extremamente sensível que requer
um tratamento cuidadoso. Os utentes não devem nunca
sentir-se coagidos a revelarem o seu estado.
Em vez de mandar os prestadores de cuidados exter-
nos, os programas do SIDA deviam encorajar e capacitar
as comunidades a cuidarem dos seus membros tanto quanto
possível. Esta abordagem não só ajuda a repartir o fardo
dos cuidados, como também ajuda a dissipar o estigma e
os preconceitos ao trazer para casa das pessoas a realidade
da epidemia – o facto de que não é apenas um problema
de outras pessoas “lá fora”, mas que está no seu próprio
seio, afectando amigos e vizinhos e talvez os seus próprios
familiares.
É necessário enfrentar sem descanso o
preconceito, a discriminação e o estigma
Uma importante lição aprendida da experiência é que a
batalha contra o preconceito e o estigma nunca se vence
definitivamente. A associação do SIDA com um sofrimento
terrível, morte e comportamentos que, em todos os lugares,
as pessoas acham difícil comentar e aceitar, significa que o
estigma do SIDA precisa de ser constantemente enfrentado.
ONUSIDA
81
Descrições claras do trabalho e bons
mecanismos de referência são
importantes
Os prestadores de cuidados necessitam de clara com-
preensão dos seus deveres e limites das suas responsabili-
dades para com qualquer utente. Eles também precisam de
conhecer a quem ou para onde devem remeter os utentes
quando a sua condição exigir maior especialização ou
quando eles são incapazes de controlar a situação sozi-
nhos. Boa comunicação e mecanismos de referência den-
tro dos programas de cuidados do SIDA são, portanto, es-
senciais. E os programas devem visar o reforço das suas
próprias fundações e criar um ambiente de apoio para os
prestadores de cuidados a todos os níveis através de redes
e parcerias com outras associações e indivíduos com algo
interessante para oferecer.
Para os prestadores de cuidados na família, dar-lhes a
conhecer os recursos disponíveis localmente e outras fon-
tes de apoio é um grande conforto.
As avaliações independentes oferecem
uma perspectiva nova
A avaliação independente dos programas em intervalos
regulares é importante por um número de razões, não ape-
nas porque dá a todos os que trabalham para o programa
uma nova perspectiva das suas actividades diárias. Colo-
cando os serviços, práticas laborais e relações de trabalho
sob uma avaliação podem identificar-se áreas problemáti-
cas e sugerir formas alternativas de fazer as coisas que po-
dem não ser tão óbvias para as pessoas envolvidas. Vários
programas falam com entusiasmo desse exercício, dizen-
do que ele permite-lhes rever as actividades e mudar as
coisas que não estavam a funcionar tão bem como devi-
am. Uma directora disse que a avaliação independente deu
ao seu programa um novo vigor – ela e os seus colegas
parece que foram apanhados numa espiral de carga de tra-
balho e recursos inadequados e estavam a ponto de desis-
Cuidar dos prestadores de cuidados
82
tir quando a equipa de avaliação analisou o que eles esta-
vam a fazer e mostrou-lhes como recuperar o equilíbrio.
É necessário que os governos revejam
as leis e as políticas para facilitar os
cuidados
As políticas e as leis dos governos podem criar um am-
biente de apoio para o cuidado das pessoas com HIV e
SIDA, ou podem ser uma obstrução. São especialmente
importantes as leis relacionadas com:
testes de HIV
acesso aos medicamentos;
prevenção da transmissão de mãe para filho;
direitos humanos das pessoas com a infecção do HIV e
SIDA;
o estatuto dos médicos tradicionais;
desembolso dos fundos dos doadores e da ajuda ali-
mentar; e
os direitos de herança das viúvas e dos filhos.
Os governos precisam de rever cuidadosamente leis e
políticas que afectam as operações dos programas de cui-
dados do SIDA e como elas podem ser modificadas para
facilitar e tornar mais seguro o trabalho dos prestadores de
cuidados.
ONUSIDA
83
8. Epílogo
Q
uando se trata de cuidar de pessoas com
HIV e SIDA, o recurso mais importante que
um país tem é, sem dúvida, a compaixão do seu povo.
Como mostram os exemplos do Uganda e da África do Sul,
o volume de fundos alocados não é o mais importante in-
dicador da qualidade dos cuidados. É um facto extraordi-
nário que alguns dos programas mais eficazes se encon-
trem nas comunidades mais pobres, onde os cuidados são
prestados por pessoas que não ganham nada pelos seus
serviços mas arriscam-se a afundar-se mais na pobreza por
causa do tempo que despendem para essa causa. Mesmo
para membros do pessoal de organizações de cuidados do
SIDA, o pagamento que eles recebem não é, quase sem-
pre, o factor motivador para envolverem-se nesse campo –
como os voluntários, é quase sempre o desejo de ajudar os
outros que estão sofrendo.
Chamar a atenção para a grande reserva de compaixão
que sustenta o esforço dos cuidados em muitos lugares não
é, de forma nenhuma, reduzir a importância do dinheiro –
nem a premente necessidade de maior alocação de fun-
dos, a nível nacional e internacional, para cuidar de pesso-
as com SIDA. É simplesmente destacar um recurso que é
muitas vezes descurado e sublinhar os casos expostos nes-
te relatório: que os prestadores de cuidados merecem um
maior reconhecimento pela sua extraordinária e desinte-
ressada contribuição na luta contra o SIDA e que a preocu-
pação pelo seu bem estar deve ser uma alta prioridade.
Produção Gráfica: Elográfico
O programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/SIDA (ONUSIDA) é o principal embaixador da acção
mundial contra o HIV/SIDA. Ele reúne numa só as actividades de dez agências das Nações Unidas em luta
contra a epidemia: O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados(ACNUR), o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Programa Mundial de Alimentação (PMA), o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), o
Gabinete das das Nações Unidas para o Crime e Drogas (UNDOC), a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização
Mundial da Saúde(OMS) e o Banco Mundial.
O ONUSIDA, como um programa co-patrocinado, mobiliza as acções contra a epidemia dos seus dez orga-
nismos co-patrocinadores, ao mesmo tempo que alia iniciativas especiais a estes esforços. O seu objectivo
é dirigir e apoiar o alargamento da acção internacional contra o HIV em todas as frentes-médica, social,
econômica, cultural, da saúde pública, política e dos direitos humanos. O ONUSIDA trabalha com um largo
leque de parceiros- governos e ONG, empresas, especialistas e não especialistas- com vista ao intercâmbio
de conhecimentos, competências e boas práticas à escala mundial.
Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/SIDA
ONUSIDA - 20 Avenue Appia - 1211 Genebra 27 - Suíça
Telef. (+41 22) 791 46 51 - Fax (+41 22) 791 41 87
E-mail: [email protected] - Internet://www.unaids.org
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo