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1
UNIVERSIDADEFEDERALDORIOGRANDE–FURG
INSTITUTODELETRASEARTES
PROGRAMADEPÓS-GRADUAÇÃOEMLETRAS
MESTRADOEMHISTÓRIADALITERATURA
CLAUDIAJANEDUARTEMAYDANA
DECIFRANDOOSENIGMASDAMODERNIDADEEMESPHINGE,
DECOELHONETO
RIOGRANDE2010
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2
CLAUDIAJANEDUARTEMAYDANA
DecifrandoosenigmasdaModernidadeemEsphinge,deCoelhoNeto
Dissertaçãoapresentadacomorequisito
parcialeúltimoparaaobtençãodograu
deMestreemLetras
Áreadeconcentração:
HistóriadaLiteratura
Orientadora:
Prof
a
.Dr
a
.ClaudiaLuizaCaimi
Datadadefesa:21dedezembrode2010
Instituiçãodepositária:
NúcleodeInformaçãoeDocumentação
UniversidadeFederaldoRioGrande–FURG
RioGrande,dezembrode2010
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3
Nome:MAYDANA,ClaudiaJaneDuarte.
Título:DecifrandoosenigmasdaModernidadeemEsphinge,deCoelhoNeto.
DissertaçãoapresentadaàUniversidade
FederaldoRioGrande–FURGpara
obtençãodotítulodeMestreemLetras-
Áreadeconcentração:Históriada
Literatura
Aprovadoem:
BancaExaminadora:
Prof.Dr._____________________________Instituição:_____________________
Julgamento___________________________Assinatura:____________________
Prof.Dr._____________________________Instituição:_____________________
Julgamento___________________________Assinatura:____________________
Prof.Dr._____________________________Instituição:_____________________
Julgamento___________________________Assinatura:____________________
4
Jesuiscommeleroid'unpayspluvieux,
Riche,maisimpuissant,jeuneetpourtanttrèsvieux,
Qui,desesprécepteursméprisantlescourbettes,
S'ennuieavecseschienscommeavecd'autresbêtes.
Riennepeutl'égayer,nigibier,nifaucon,
Nisonpeuplemourantenfacedubalcon.
Dubouffonfavorilagrotesqueballade
Nedistraitpluslefrontdececruelmalade;
Sonlitfleurdelisésetransformeemtombeau,
Etlesdamesd'atour,pourquitoutprinceestbeau,
Nesaventplustrouverd'impudiquetoilette
Pourtirerunsourisdecejeunesquelette.
Lesavantquiluifaitdel'orn'ajamaispu
Desonêtreextirperl'élémentcorrompu,
EtdanscesbainsdesangquidesRomainsnousviennent,
Etdontsurleursvieuxjourslespuissantssesouviennent,
IIn'asuréchauffercecadavrehébété
Oùcouleaulieudesangl'eauverteduLéthé.
Spleen,CharlesBaudelaire
5
RESUMO
Coelho Neto, apesar de sua vultosa produção literária, que dá conta de
períodosqueabrangemdesdeoRealismoaoSimbolismo,bebendoigualmentede
fontes que se alimentam do Parnasianismo, Decadentismo e Pré-Modernismo,
representaumparadoxodentrodoideáriohistóricodaliteraturabrasileira:sendoo
escritormaisprolixodesuageração,étambémnosdiasdehojeumdosescritores
menoslembradosecitadosnashistóriasdaliteratura,porconsequência,ocupando
umlugardesconfortáveljuntoaoespólioliteráriobrasileiro.
Rechaçadopelosmodernistasde22pormanter-seumadeptodopreciosismo
vocabularepordesconsiderarquaseintegralmenteaidentidadenacional,voltando-
se para um tom impregnado de uma ultrapassada belle époque na maioria das
obras, Coelho Neto deu continuidade a seu estilo literário, a despeito de toda a
críticadesfavorável,produzindoporquasemais20anos.
ApropostadestadissertaçãoéevidenciaratravésdaobraEsphinge,de1908,
que Coelho Neto aponta para uma conscientização dos novos tempos, revelando
características quecorroboramoadventodaModernidade,conforme proposto por
Charles Baudelaire. O objetivo principal é demonstrar assim queépossível o seu
resgatedolimboliterário,devolvendo-lhemotivosparaquenovamentefaçaparteda
HistóriadaLiteraturaBrasileira.
PALAVRAS-CHAVE:CoelhoNeto,Baudelaire,Modernidade,Decadentismo,
Simbolismo,Parnasianismo.
6
ABSTRACT
Coelho Neto, despite his huge literary production, which ranges periods
covering from Realism to Symbolism, also taking part in Parnassianism,
Decadentism and Pre-Modernism, representsa paradoxforthehistory of brazilian
literature:beingthemostprolificwriterfromhisgeneration,heisequallyoneofthe
least remembered and quoted writers in the history of literature these days, thus
occupyinganuncomfortableplaceinthebrazilianliteraryheritage.
Castasidebythemodernistsfromthe“weekof22”forcontinuingasanadept
of thepreciousness in vocabulary and for disregarding the national identity almost
totally,preferringanoutdatedbelleépoquetuneinmostofhisbooks,CoelhoNeto
gavecontinuancetohisliterarystyle,despiteallunfavourablecriticism,producingfor
almost20years.
Thisdissertationproposalistohighlightthroughthe1908book,Esphinge,that
Coelho Neto points out to some awareness about the times to come, revealing
characteristics which corroborate the Modernity advent, as proposed by Charles
Baudelaire. The main aim is to demonstrate that Coelho Neto's rescue from the
“literarylimbo”ispossible,furthermore,togivehimbackreasonstotakepartinthe
brazilianliteraryhistoryonceagain.
KEYWORDS:CoelhoNeto,Baudelaire,Modernity,Decadentism,Symbolism,
Parnassianism.
7
SUMÁRIO
1.CONSIDERAÇÕESINICIAIS......................................................................... 07
1.1.Cliofazdistinções................................................................................. 09
1.2.Cliomudasuadança............................................................................. 10
1.3.CliocomeçaadançadaModernidadenaEuropa.............................. 12
1.4.AnovaCliosurgenoBrasil.................................................................. 13
1.5.Cliopensaofimdoséculo................................................................... 16
1.6.Clioapresentaamodernitèaotradutor............................................... 20
1.7.Clioapresentaamodernitèaomundo................................................ 27
1.8.CliovesteasroupasdeSalomé.......................................................... 38
1.9.“Clio-Salomé”é“tropicalizada”.......................................................... 45
2.COELHONETO,O“ÚLTIMODOSHELENOS”?......................................... 51
3.DECIFRANDOESPHINGE............................................................................ 72
3.1.Personagens.......................................................................................... 74
3.1.1.Onarrador-protagonista:oheróimoderno.............................. 74
3.1.2.Oprotagonistadândi:alutaedípicare-encenada................... 78
3.1.3.Osadjuvantes:sociedadecomumquêdeModernidade....... 90
3.2.Ointertexto:revelaçãodomodernoedaModernidade................... 97
3.3.OstemasqueprenunciamaModernidade:elementosdesua
composição...........................................................................................107
3.3.1.Imagemelinguagem:percepçõesdaModernidade............... 111
3.3.1.1.Imagem:osímbolocomorecurso............................... 111
3.3.1.2.Linguagem:anão-rendiçãoàprópriadecadência..... 113
3.4.Somostodos,então“europeus”........................................................ 118
4.CONSIDERAÇÕESFINAIS............................................................................ 124
5.REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS............................................................... 132
6.ANEXO............................................................................................................. 140
7
1.CONSIDERÕESINICIAIS
Desdequeanecessidadedaorganizaçãodeelementosdeordemsimilarfez-
se presente na mente humana, o impulso em “compartimentar” tornou-se um
poderosoaliadonosentidodesistematizarologosobtidoatravésdostempos.Essa
tendênciataxonômicasurgiuemauxílioatodasasáreasdosaber,concedendoaos
estudiososumamaiorcomodidadeemrelaçãoàsabordagensdeestudo.
A episteme literária, em consonância com os demais segmentos do
conhecimento humano, utiliza-se amplamente de critérios taxonômicos para a
análise e fundamentação de seu material de estudo. Essa sistematização ainda
proporcionaasensaçãode“pisaremsolofirme”,ouseja,encontrarumacertalógica
que una, sob uma mesma denominação, elementos que atuam de forma a
corroborarummesmosentido,umamesmadireção.
No entanto, esse conforto proporcionado pelo método científico é apenas
aparente,umavezqueaciênciadevedarcontatambémdeummundodeexceção.
Se o infinito faz parte das ciências ditas “exatas”- se a matemática consegue
sustentaraideiadeum“conjuntovazio”eosestudosastronômicos,deum“buraco
negro”-, que margem pode o estudioso de literatura conceder aos limites de seu
estudo,estandoele nagrandeáreadosconhecimentosditos“humanos”?Emque
compartimentolocaroqueé“singular”,oquetomaocaminhodaoriginalidadesem
prestar contas a seutempo? O singular, o outro caminho tomado, sempre será o
estandartedeumanovatendência?Ou,às vezes,podepermanecerisolado,num
compartimentodenominado“emtransição”?
A episteme literária tem, através dos tempos, tentado abarcar o fenômeno
literárioatravésdaschamadas“históriasdaliteratura”.Ashistóriasdaliteratura,em
seus primórdios, mostravam um perfil pretensamente totalizador. Na atualidade,
porém,preferemutilizar-sederecortesnotempo,ouexplorarofenômeno literário
atravésdeumdeterminadogênero,região,etc,concedendoaoestudoumcaráter
demaiorespecificidade.Commaioresoumenorespropósitosabarcadores,oquese
8
percebe é que são escritas obedecendo a perfis fieis a critérios biográficos,
sociológicos,psicológicos,filológicos,paranomearosprincipais.
O historiador da literatura, não importando qual trajetória assuma para sua
escrita, frequentemente enfrentará impasses taxonômicos.A dificuldade em inserir
“este” ou “aquele” autor “neste” ou “naquele” período, de acordo com “esta” ou
“aquela”tendênciaouescolaéinerenteàescritadeumahistóriadaliteratura.Como
a praticidade recomenda que uma história da literatura seja escrita com base em
outra(s)história(s)daliteratura,arepetiçãotaxonômicadeveráserumaconstante
emrelaçãoaautorespertencentesa umpassadoliterário maisremoto,inúmeras
vezescitadonosestudos.Noentanto,opiniõesdiscrepantespodeme,comcerteza,
ocorrerão, visto que Clio, a deusa da História, oferece uma “dança diferente” a
medidaemqueotempoditauma“músicaprópria”aohistoriador.
Apesar de revelarem concepções e enfoques diferentes da história da
literatura, é indubitável em termos quantitativos a preferência pela utilização de
nomenclatura similar no concernente aos estilos literários, sendo termos como
Romantismo, Realismo, Modernismo, por exemplo, recorrentes nas inúmeras
históriasdaliteraturaexistentes–decaráteruniversalounacional.
Uma constatação bastante relevante em relação às histórias da literatura
brasileiraé,semdúvida,adificuldadedeinserçãodoescritorCoelhoNetodeacordo
comossupramencionadosperíodosliterários.Categorizadodeacordocomosmais
diversos critérios, numa escala que abrange do Realismo ao Pré-Modernismo,
CoelhoNetoocupaatualmentenaLiteraturaBrasileiraumaposiçãodesconfortável,
qualÉdipoemlutaconstanteporumaidentidade.Rejeitadopelosentãomodernistas
de 22, compartimentado no que os críticos chamaram “limbo literário”, o outrora
“Príncipe dos Prosadores” parece clamar por merecida redenção. Auxiliar neste
propósito, esta dissertação objetiva demonstrar o quanto Coelho Neto  “ouviu a
músicadeseu tempo” e dançouconforme ditavaClio”. Como foco desta análise,
seráconsideradasuaobraEsphinge
1
,de1908,numaleituraqueteráporapoioas
modernas correntes do pensamento finissecular ditadas por Charles Baudelaire.
Como nobre objetivo, respeitando ainda uma inexorável taxonomia, o resgate de
CoelhoNetodo“Limbo”(“lardaalmadosjustosquemorreramantesdeCristo”,de
 
1 Otítulodaobraserágrafadoconformeaediçãoconsultada.
9
acordo com a teologia cristã, ou, a pior acepção da palavra, “lugar para onde se
lançamascoisasquenãotêmvalor”;“esquecimento”)earecomendaçãodomesmo
ao“Elysium”(“larfinaldosheroisevirtuosos”,deacordocomamitologiagrega).
1.1.Cliofazdistinções
Delimitadooperíodo-focodopresentetrabalho, quecompreenderáoúltimo
quartel do século XIX e a primeira década do século XX, torna-se essencial o
entendimento de que momentos literários de ordem distinta por ele perpassaram.
Indubitavelmente, esses diferentes sentimentos de época serão formadores do
panorama do chamado “período de transição”, que irá configurar as instâncias
inauguraisdoModernismo.
Termos como “vanguarda”, “moderno”, “modernismo” e “modernidade” têm
sido usados indiferentemente e com certa frequência. De acordo com Karl (1988,
p.21), justificando etimologicamente o nome, o termo “vanguarda” quer dizer da
“linhadefrentedequalquerespéciedemodernismo”.Empoucotempo,porém,essa
linha de frente é “assimilada a algo mais familiar”, o que poderíamos entender e
classificarcomo“moderno”.Omodernoque“deixadeserestranho”torna-separte
do que pode ser chamado de “modernismo”. O termo “modernidade”, no entanto,
deve ser relacionado a conceito histórico, implicando simplesmente num presente
em contraste com um passado. O referido teórico estabelece ainda dois lados
distintos para dar conta do esclarecimento de diferenças fundamentais: coloca o
termo “modernidade” a ocupar “condição estática” e, em contraponto, situa
“vanguarda”,“moderno”e“modernismo”comosignificantesdo“processo”,“fatoque
estáchegandoaalgumlugar”.Enfatizaaindaquedeixariaotermo“modernidade”ao
encargo dos “historiadores e sociólogos”, encarregando-se da análise dos outros
trêstermos.Bradbury e McFarlane (1989) também estão em consonânciacom as
teoriasmodernasdeFrederickR.Karlnestasdistinções.
Em sua obra intitulada O moderno e o modernismo (a soberania do artista
1885-1925), Karl aponta controvérsias de Peter Bürger em relação a essas
10
distinçõesentremodernismo”e“vanguarda”,cujaprincipalassertivaseriaadeque
o modernismo refere a “estratégias linguísticas”, enquanto a “vanguarda” refere a
“conflitohistóricoemudança”(In:KARL,p.22).CarlosReis(2003)tambémseopõe
aoquedizKarl,deixandoclaroquenãoreconheceosentidodadoporeleàpalavra
“modernidade”, estando em maior consonância com o sentido de modernidade
propostoporBaudelaire.
CharlesBaudelaire,criadordotermomoderni,viao“estético”eo“histórico”
como elementos formadores da “modernidade”. Segundo Habermas (1990),
Baudelaire utilizava aspas para a grafia dessa palavra uma vez que seu
entendimentoterminologicoera“novo”e“peculiar”.
Para a consideração deste trabalho, será priorizada a força motriz do
pensamento baudelairiano, respaldada por outros teóricos da Modernidade que,
tendo por base o conceito da modernité estabelecido por ele na obra Sobre a
modernidade-opintordavidamoderna(Lepeintredelaviemoderne),publicação
no Brasil de 1996, fundamentaram com mais profundidade seus dogmas. Com o
objetivodeevitaroproblemadenomenclaturaabordadoporteóricoscomoFrederick
R. Karl, Malcolm Bradbury, James McFarlane, Peter Bürger e Carlos Reis, entre
outros, será considerada a nomenclatura “Modernidade”, grafada com inicial
maiúsculaereferindoàacepçãobaudelairiana,peloentendimentodequetalforma
será mais adequada e melhor abarcará os vários focos de estudo a ser
consideradosnapropostadestaanálise.
1.2.Cliomudasuadança
Operíodoquematizahistoricamenteesteestudoéumperíododetransição.
Trata-sedoúltimoquarteldoséculoXIXeviradaparaoséculoXX,emsuaprimeira
década.Ocapitalismoascendejuntoàburguesiadascidadeseuropeiase,comele,
osentimentoquerefletesobreumasociedademovidaacontradições.Éachamada
“eramoderna”, época que lança uma nova marca sobre ostempos, caracterizada
pela instabilidade, mutação, dúvida. Esse fenômeno já há algum tempo vinha
11
desestruturandoasreflexõeshumanas,amedidaemqueépossívelconstatarque
houve“abalosclássicos”queinterferiramnohomemenomodocomoviaomundo:
oprimeiroabaloseriaadescobertadeCopérnico,em1537,inscrevendooplaneta
Terranumaposiçãoperiféricae,porconseguinte,não“privilegiada”emrelaçãoaos
outrosplanetasdosistemasolar-fatoquelevouohomemaquestionarsuaposição
no universo, a qual considerava também ser a principal. O segundo estaria
relacionado às teorias evolucionistas de Darwin, de 1859, as quais colocavam o
espécime humano como resultante de um processo evolutivo tal qual todos os
outrosseresvivos,semencarnaraposiçãodecriaturaspreferenciaisemrelaçãoa
criaçãodivina.OterceiroabalodiriarespeitoàsteoriaspsicanalíticasdeFreud,de
1882,revelandoumhomemcujamenteéaindaumeloperdido.Umquartoabalo,
não o chocante mas também transformador, estaria ligado às teorias da
relatividade descritas por Einstein, em 1905, que dizem não haver “referências
absolutas”àsquaisohomempossalançarmão.Todosesses“abalos”colocamem
xequeaimportânciadohomememrelaçãoaoseumeioeodestituemdasuaaté
entãoelevadaposição(COELHONETO,J.,1986)
2
.
Destituídodocentro,ohomememconflitotentaadaptar-seàsmargens.Tem
deabsorveremdezanosoequivalenteaumséculodetransformações,porassim
dizer(MOISÉS,1988)–anovaeradita“moderna”assimorequer,deslocadodesua
posiçãodeprivilégios,eemconflitoporessarazão.Arraigadoao“burgo”,sofrenum
paulatinoprocessodeindividuação,oqueoconduzaumaposiçãode “revisordo
passado”,comalgumamelancoliamasintensacuriosidadepelofuturo.
Osacontecimentosirrompemnasmaisdiferentesáreasdointeressehumano,
forças atuantes no sentido de proporcionar um estado moderno emergente, que
impulsionaideaisdeigualdade,quedestituiareligiãocomoapoioinabaláveleque
alteraapercepçãodohomem.Taisforçasagiramporvoltade1885(KARL,1988).
 
2 Importantefazeradistinçãoentreosautorescitadosnestetrabalho,nasreferências:
CoelhoNeto,HenriqueMaximiano(COELHONETO);
CoelhoNeto,Paulo(COELHONETO,P.);
CoelhoNeto,JoséTeixeira(COELHONETO,J.);
12
1.3.CliocomeçaadançadaModernidadenaEuropa
No quadro a ser vislumbrando, alguns elementos factuais podem ser
percebidos: a linha do tempo é o último quartel do século XIX; o espaço a ser
consideradoéParis;oclimaédeeuforia.
O Barão Haussmann modernizao aspecto urbano dacidade, entregando a
belaParis reconstruídaem 1870 ruas estreitassão superadaspor“sistemas de
circulação precisos e bem orquestrados” (NEEDELL, 1993, p.51); A Estátua da
Liberdadeéumpresentedosfrancesesaosestadunidenses(1886);Parisinauguraa
Exposição Universal, tendo como ícone, à entrada, a Torre Eiffel, construída nos
acordesdaartnouveau;ocancãsobeaospalcoseoespaçoédeenriquecimento
paracomediantesecaricaturistas.Oanoéagora1889,marcadopelaefervescente
presençadaarte(MOISÉS,1988).
Seduzidapeloespíritodacidadequesetransforma,amultidãodilatapupilas
na observação dos chamados “mundos em miniatura”, as galerias, passagens
envidraçadas que abrigavam lojas ostentando produtos ao consumo. As galerias
ofereciamumlugardeconfortoparaaspessoase,emespecial,paraoartista,ávido
de observação – não eram a casa, tampouco representavam a rua, mas
configuravam-se no lugar ideal para a captação dos novos tempos (BENJAMIN,
1989).“Paragemprediletadospasseadoresedosfumantes,essepicadeirodetodas
as pequenas ocupações imagináveis encontra seu cronista e seu filósofo” (VON
GALL,1845apudBENJAMIN,1989,p.35).
A observação dacidadenãomaisestá delimitadapela luzsolar.Amultidão
podeentãovagarpelasgalerias,assistidapelaluminosidadeartificialdos“lampiões
agás”.(BENJAMIN,1989).Talavançonotocanteàsegurançapúblicacolocaesse
homem moderno como testemunha eufórica de tempos que oferecem a
possibilidadedeumanovavida,queseabreaumaproveitamentomaisplenodas
vinteequatrohorasdodia.Alémdoaumentodashorasparaapercepçãodavida
proporcionadopelailuminação,oeufóricohomemmodernopodeaindacontarcoma
13
diminuiçãodotempoemrelaçãoaodeslocamentonoespaço,atravésdosmeiosde
transporte colocados em uso à época. A sensação era de que a obscuridade
tecnológicadosvelhostemposcedialugaraoavançoditadopelomoderno.
Os hábitos passam por processos de transformação. Mais exposto a
diferentes condicionamentos, o homeminicia umnovomodo de interação com as
maisdistintasáreasimagináveis.WalterBenjamin(1989,p.36)trazcomoexemploa
observaçãodeGeorgSimmel(1912)parailustraramudançadehábitos:“Antesdo
desenvolvimentodosônibus,dostrens,dosbondesnoséculoXIX,aspessoasnão
conheciamasituaçãodeteremdeseolharreciprocamenteporminutos,oumesmo
porhorasafio,semdirigirapalavraumasàsoutras”.Épossívelperceber,então,o
iníciodoprocessodeindividuaçãoquecaracterizaohomemnostemposmodernos
–éo“estarsóemmeioàsmultidões”.
1.4.AnovaCliosurgenoBrasil
A América Latina finissecular, tal qual a Europa, é espaço onde ocorrem
mudanças de ordem política, cultural e socioeconômica. Processos de guerra e
independência conduziam os países latino-americanos em seu destino rumo à
modernização. Muda a face das cidades devido ao aumento da população,
proporcionado por migrações de um a outro estado, de uma a outra cidade, e
imigraçõesdeoutrospaíses.Aclassemédiaconsegueafirmaçãoeaclassepopular
torna-secadavezmaisdiversificada.Ospaísesafrentedopoderdaindústriaestão
sequiosospornovosmercadoselocaisparaextraçãodematérias-primas(CHIAMPI,
1991).
O pressuposto econômico do Brasil imperial era a agricultura com fins de
exportação;nãohavia,atéentão,opensamentoparaalavancaraindústria.Avisão
dosrepublicanos,noentanto,nãopermitiaqueaMonarquiacontinuasseaexercer
sua hegemonia no país, uma vez que não condizia com o Brasil moderno a que
tanto aspiravam. Needell (1993, p.33) afirma que o Brasil à época urgia por
autonomia: “A lusofobia e o ódio ao Ancien Régime eram aspectos de um
14
movimento que também defendia o ideal de um Brasil autoritário, centralizado,
industrial e moderno [...]”. Com a proclamação da república, em 1889,
especificamentenoanoseguinte,aindustrializaçãonoBrasiltemseutímidoinício
nacidadedoRiodeJaneiro.
RodriguesAlves, o quintopresidente doBrasil, cujomandato foi de 1902 a
1906, suscita especial interesse para este estudo. Obteve seu destaque pelas
reformasnaentãocapitaldopaís,oRiodeJaneiro.Asmelhoriasforamurbanísticas,
noporto,naimplementaçãodesistemasférreos;saneamentobásicoecombateà
febreamarela(comanobreaçãodeOsvaldoCruz),alémdetersidobemsucedido
aoincorporaroAcreaoterritórionacional(MOISÉS,1988).Comestegoverno,as
mudançaserampercebidaspelocontemporâneos.
Aomesmoperíodo,PereiraPassosénomeadoprefeitodoRiodeJaneiro.Ele
atuaeficientementeaofazerpelacapitalbrasileiraoqueoBarãoHaussmannfazia
por Paris enquanto prefeito, cujo mandato exerceu entre 1853 e 1870. Needell
(1993)apontaquealgunscostumescariocasforamcombatidosporPereiraPassos,
taiscomo:aproibiçãodosambulantesrealizaremvendadealimentos,omalhábito
de cuspir no assoalho dos bondes, a venda de leite que era realizada com a
presençadasvacas,deportaemporta,acriaçãodeporcosnoslimitesdacidade,a
carne exposta às moscas à porta dos açougues, o livre trânsito de cães
abandonados, as pinturas desgastadas das casas, o Carnaval sem organização,
entre outros. Conclui que os fundamentos orientadores das obras em Paris foram
trazidosparaoRioequeumaspectoessencialparaambasiniciativasfoioesforço
paramaximizarailuminaçãoeventilação,atravésdoalargamentoderuas.
TalvezsejaútilavisualizaçãodeumfenômenodaciênciaFísicaparaquese
estabeleçao entendimentodecomoosefeitosprogressistas daEuropa chegaram
atéoBrasil.Umagotad'águaqueseprecipitadasnuvens,aocairsobreumapoça
d'águaexistente,produzumaondacircularquesepropagaemdireçãoàsmargens
dapoça;tendooavançotecnológicosuaorigemessencialnaEuropa,propagou-se,
emondas,paraorestantedomundo.
Nofênomeno Físico, o elemento gerador de tal movimento,ao propagar-se
para as extremidades, perde em força à medida em que se afasta do ponto de
impacto.Diferentemente, os efeitos progressistasdaEuropa, já bem sucedida em
15
desenvolvimento,chegaramaoBrasilcomforçatãoouaindamaisintensadoque
em sua origem. Tal intensidade se deve ao fato que os brasileiros do século XIX
viam na França e na Inglaterra paradigmas da tão almejada “civilização”. Essa
tendência não surgiu somente no século XIX; o Brasil sob o regime monárquico
(século XVIII), de mesma forma que Portugal, considerava a França sinônimo da
“elegância cortesã”. Essa influência foi amplamente consolidada na Metrópole e
adotadapelaColônia,“tornando-sepraticamenteoficial”noséculoXIX(NEEDELL,
1993).
Oentendimentodarelação“Europa”=“civilização”sedáplenamentequando
Figueiredo Pimentel, para a Gazeta de Notícias, cria o slogan “O Rio civiliza-se”
(BROCA,2005).AseduçãodePariscomeçouaexercerforteinfluênciaatravésdo
panorama citadino e, rapidamente, alastrou-se pelos demais segmentos da vida
brasileira. Com a vinda da família real para o Brasil em 1808 já se observava a
influênciafrancesanotocanteaoensino,naestruturadosprédios,novestuárioeno
mobiliário (NEEDELL, 1993). No século XIX, firma-se uma especificidade dessa
tendência,nomeadaporBritoBroca“parisianismo”.Emgrandeparte,talestímulose
deu devido às facilidades de viagem que a época proporcionava: “o câmbio
favorável”, o livre acesso proporcionado pelas companhias marítimas aos
profissionais da escrita do país, o patrocínio de jornais que necessitavam de
correspondentes na Europa, enfim, motivavam o “ir e vir contínuo de gente que
chegacomnovoshábitos,falandofrancêsaqualquerpropósito”(BROCA,2005,p.
143).
Decorrente de fatores como a urbanização, aumento do poder aquisitivo e
constantescontatoscomaEuropa,aelitecarioca,outroraumtantoprimitiva,cresce
em complexidade. Composta primordialmente por defensores das ideias
republicanaseabolicionistas,essaelitefoiaresponsávelpelaimplementaçãojunto
à sociedade da época de um padrão comportamental bastante arraigado aos
costumeseuropeus.Nodetalhadoinventárioquerealizaarespeitodabelleépoque
tropical”,JeffreyNeedell(1993)constataaexistênciadeprotocolosessencialmente
europeusnomeiocarioca:frequênciaalugarestaiscomocassinos,teatros,clubese
jóquei - “frequentar” indicaria a identidade e o lugar de cada um; modos de ação
copiadosdamesafrancesaouinglesa;distribuiçãodesenfreadadecartõesdevisita;
16
uso de expressões de tratamento extremamente formais; adequação da
indumentáriaàvisitasde“certacategoria”,etc.
Alguns protocolos foram, no entanto, adaptados a praxe cultural brasileira.
Needell (1993) aponta que, nas instituições domésticas, a “ama-de-leite afro-
brasileira” tinha prioridade em relação à “governanta francesa” e as mulheres,
sempreimpecavelmentevestidas,continuavamaexibirumalinhadecomportamento
deacordocomosvaloresqueimportavamaumafamíliapatriarcal.
Analisando o período no todo, considerando principalmente as datas
delimitadorasentre1890e1910,épossívelperceberquetantoBritoBrocaquanto
JeffreyNeedell,competentesestudiososdosusosecostumesàépoca,concordam
quantoaoteorreinante-reproduçãodamatrizcomportamentaleuropeia.
A postura de “civilizar” a capital remete ao chamado “cosmopolitismo
intelectual”. Lucia Miguel Pereira (1988) melhor o define: “[...] uma sensação de
superioridadeemrelaçãoaomeioindígena,peloamoraoparadoxo,aoespíritono
sentidofrancês,aoêxitonossalões”.Essecosmopolitismorefletiu-se,semdúvidas,
naarte.
NoBrasilfinissecularenoBrasilqueseconfiguravana primeira décadado
séculoXXacarênciade“significadossociais,existenciaiseestéticos”própriosera
evidente.O“empréstimodeatitudes,formasdepensamentoeestilo”eraaceitável,
recomendávelaté.Tudoporquefaltavaaopaísuma“percepçãoradicalmentenova
do real” (BOSI, 2006, p. 198). Talvez, pelo menos no que refere à literatura, o
problematenhasidoaprimaziado“estilodevida”sobrea“produçãoliterária”,como
observou Brito Broca (2005). Era essencial a emulação das atitudes do artista
europeu, a visualização do mesmo pano de fundo para o entendimento da
Modernidade, enfim, a destituição do caráter próprio da arte que emana de cada
paísdemaneiradistinta.
1.5.Cliopensaofimdoséculo
Há, no final do século, um homem que avalia o passado e, no presente, é
pensamento sobre o futuro. A melhor representação dessa ideia encontrou, sem
17
dúvida,FriedrichNietzsche,naterceirapartedoseuAssimfalouZaratustra,escrita
entre1883e1884:
“Vê esteportal, anão!”, continueiafalar:“ele tem duasfaces.Dois
caminhossejuntamaqui:ninguémaindaosseguiuatéofim.
Este longo corredor para trás: ele dura uma eternidade. E aquele
longocorredorparadiante–éumaoutraeternidade.
Elessecontradizem,essescaminhos;elessechocamfrontalmente:
e aqui neste portal é onde eles se juntam. O nome do portal está
escritoaliemcima:'Instante'.”(NIETZSCHE,1991,p.199).
O 'Instante', para esse homem que contemplava forças ambivalentes,
representou a confusão da transitoriedade, da passagem , do abandono de um
mundo que o provia de respostas e entrada em outro que, negando-lhe essa
faculdade,aindaopunharepletodenovosquestionamentos.
Instaurava-se a crise das ideias. A razão entra em embate direto com a
intuição,comasubjetividade.Grandepartedessacrisesurgecomascolocaçõesde
Nietzsche,numasériedeobraspublicadasentre1872e1888.Publicadaem1884,
Assim falou Zaratustra traz a filosofia abordada em forma poética. Com clara
similaridade às parábolas feitas por Jesus (utilizando-se de expressões tais como
“emverdadelhesdigo”,“eisque”,“óhipócritas!”,etc),Zaratustramostra-secomoum
profetaadisseminarsuadoutrinafilosófica.
O pensador que se configura em Nietzsche (e que perpassa Zaratustra) é,
naspalavrasdeAntonioCandido,“oPeregrino”,“oWanderer”
3
que,instávelemsua
essência, tem compromisso com o “desconhecido”, com o insondável (CANDIDO,
1946).
AimportânciadeNietzscheparaoadventodaModernidadeéqueelereflete
osentimentodohomemqueestájustamentesobo“portal”doqualfalaZaratustra;o
portal cuja inscrição diz 'Instante'. Suas colocações filosóficas o situam como um
“revoltado”enãoum“revolucionário”(MONIZ,1984),assimcomoosentimentodo
homem que está sob o portal chamado 'Instante' – não há o afã da solução dos
 
3 “Wanderer”, palavra derivada do verbo “to wander”, significando “andar distraidamente, sem
nenhumpropósito,aoacaso”.“Wanderer”seria“aquelequeandadistraidamente,sempropósito,
aoacaso”.(Nossatradução).
18
problemas (como caberia ao instinto e espírito do “revolucionário”); mas sim a
negaçãodetudooqueexiste,oniilismo(própriosdo“revoltado”).
Nada se afirma completamente em Nietzsche, porém. Sua natureza
inconstanteeracapazdeinflamar-senadefesadeumaideiapara,logoemseguida,
abandoná-la ao esquecimento (MONIZ, 1984). No entanto, ainda que fosse um
defeito como filósofo, tal característica mais o aproximava das volubilidades do
mundomoderno.
Agindo no interesse do “estímulo-resposta” imposto pelos novos tempos,
Nietzschevaitraçarosrumosdasnovastendênciasdopensamentodito“moderno”.
Através de seu discurso destruidor, o filósofo tomará a posição de “inimigo do
Estado”edaIgreja.IssoéperceptívelemAssimfalouZaratustra:
Estadochama-seomaisfrio detodososmonstrosfrios.Friamente
também ele mente; e esta mentira rasteja de sua boca: “Eu, o
Estado,souopovo.”
[…]
OEstadomenteemtodasaslínguasdebememal;e,faleeleoque
for,elemente–eoquequerqueeletenha,eleroubou.
Falso é tudo nele; com dentes roubados ele morde, esse mordaz.
Falsassãoatémesmosuasvísceras(NIETZSCHE,1991,p.188).
ParalongedeDeusedeusesmeatraiuessavontadedecriar;oque
haveriaparacriar,sedeuses–existissem!
[…]
E eles exclamaram: “Zaratustra é sem-Deus”. […] Sim! Eu sou
Zaratustra,osem-Deus(NIETZSCHE,1991,p.191/203).
Esse deslocamento instaurado nas antigas certezas humanas abala as
estruturas do pensamento finissecular. Nietzsche releva a Dionísio, “o deus da
exuberância, da desordem e da música” e desestrutura o mundo apolíneo - “da
clareza,daharmoniaedaordem”.(FEREZ,1991,p.08).
Atenuandofronteirasentrefilosofia,poesiaemúsica,Nietzscheiráproporum
modo novo para a percepção filosófica e, decorrente disso, abrirá “mão dos
pensamentos calculadores, que necessitam das mensurações e dos argumentos
parasobreviver[…](PUCHEU,2004,
p.121).Superandooaspectodacausalidade
na filosofia, natural que tenha ele, portanto, adotado uma focalização do mundo
19
“para além da razão, pela emoção estética” (FERREIRA, S., 2004,
p.79).Alberto
Pucheu(2004)colocaofilósofoalemãoemposiçãoantagônicaaocientificismo,ao
“inartístico”, ao “racional”, explicando que são elementos que “corroem a vida” (p.
128).
Por ter sido o homem moderno privado da segurança de um mundo que o
nutria com respostas científicas para tudo, preferiram também os pensadores da
épocaapostarnum mundojánãonecessitadodaancoragemnoempírico”,como
nosdizPucheu(p.123).
Emboraaopçãoparaexplicaropensamentofindesiécletenhaporinícioo
pensarfilosóficodeNietzschenaconsideraçãodestetrabalho,éimportantedeixar
claroqueessepensamentoencontraprimeiramanifestaçãoemCharlesBaudelaire,
opoetaecríticodearte.
Walter Benjamin (1989), dedicado estudioso da obra baudelairiana, traz o
conhecimento que Baudelaire entendia ser importante aliar literatura, ciência e
filosofia.Nessesentido,temosumasimilaridadeentreeleeNietzsche,umavezque
este,atendendoànovaordemdaModernidade,utiliza-seigualmentedaatenuação
defronteirasentreciênciaearte.Benjaminevidenciaaindaasimilaridadeentreos
doispensadoresquandorefereao“comportamentoheroico”:
MesmoqueBaudelaireperseverenocatolicismo,suaexperiênciado
universo está ligada precisamente à experiência que Nietzsche
captounafrase:Deusestámorto.
As fontes das quais se alimenta o comportamento heróico
4
de
Baudelaire irrompem dos mais profundos fundamentos da ordem
socialincipienteemmeadosdoséculo(1989,p.168).
Baudelairealiaseupensamentoàpráticae,ultrapassandooslimitesdaarte
propriamente literária, faz uso do pensamento analítico sobre o “plástico” para
avaliarosprenúnciosdamodernité.EmseuensaioLePeintredelaVieModerne,de
1863, traduzido para o português como Sobre a modernidade, Baudelaire tem na
obra do pintor e ilustrador Constantin Guys um estímulo para discorrer sobre
 
4 As citações serão grafadas respeitando o momento de suas publicações, portanto, não serão
observadasasregrasdanovaortografianessaspassagens.
20
assuntos do fenômeno da vida moderna. Nesta obra, “teoriza” de forma poética
sobre o belo, os costumes, o artista, o dândi, o flâneur, entre outros elementos
formadoresepertencentesaopensamentofinissecular.
AmaneiracomopercebeaModernidadetorna-otambémumpintor–aobra
possibilita vislumbrar matizes, perceber técnicas, visualizar quadros completos do
'Instante'dohomemmoderno,queétambémo'Instante'deBaudelaire,otradutor
basilardasinquietações,rotinaseconstataçõesinerentesàépoca.
1.6.Clioapresentaamodernitèaotradutor
Benjamin(1989)interpretaopapelexercidoporBaudelairecomoo“heróida
modernidade”,explicandoque“oheróimodernonãoéherói–apenasrepresentao
papeldeherói”,logo,“amodernidadeheroicaserevelacomoumatragédiaondeo
papeldoheróiestádisponível”(p.94).
Amedidaemque“representaopapeldoherói”,Baudelaireéaproximadodo
“artificial”e,contrariandoavisãopoéticadeentão,lançasobreomundonaturalum
olhar“ausentedeNatureza”,nainterpretaçãodoamigoeescritorThéophileGautier:
“Pela palavra artificial deve-se entender uma criação que deve sua existência
inteiramente àArte, e da qual a Natureza está inteiramente ausente” (1915, p.15,
traduçãonossa).
5
ArepresentaçãodoartificialéatônicadaobraprimabaudelairianaLesFleurs
du mal, de 1857. No entanto, a percepção a esse respeito torna-se mais
contundenteatravésdaleituradeÀrebours,deJ-KHuysmans,publicadaem1884,
considerado o primeiro romance simbolista e que, como representativo de valor,
carrega a denominação de “bíblia do Decadentismo”. Seu herói é o excêntrico e
decadente des Esseintes, personagem cujo viver é embalado por uma constante
percepção sinestésica; pela companhia de livros finamente encadernados
ostentandoemletrasdouradasonomedeseusautores(Baudelaire,Mallarmé,entre
outros representantes do Decadentismo/Simbolismo) (BRADBURY; McFARLANE,
 
5 DaversãoconsultadaemInglês:“Bythewordartificialonemustunderstandacreationowingits
existenceentirelytoArt,andfromwhichNatureisentirelyabsent”.
21
1989).
Em um estudo crítico que prefacia a edição brasileira de À rebours (Às
avessas), José Paulo Paes elege Schopenhauer como o filósofo preferido do
personagem “des Esseintes”, representando o “invencível tédio gerado pela
abundância”(p.10).PaesjustificaqueemdesEsseintesabuscaincessantepelos
prazeres é consequência da constante luta para escapar de uma existência
enfadonhaeoqualificautilizandoasseguintesdesignações:“ascetadohedonismo”,
“solipsista”,“estetamisantropo”
6
,entreoutros(p.15).
OnarradordeÀreboursfalasobreo“artifício”:
O artifício pareciaoutrossim a
des Esseintes amarca distintiva do
gêniohumano.
Como ele costumava dizer, a natureza já teve a sua vez; cansou
definitivamente,peladesgastanteuniformidadedassuaspaisagense
dos seus céus, a paciência atenta dos refinados. No fundo, que
chaticedeespecialistaconfinadoaseupapel;quemesquinhariade
lojistaapegando-seadeterminadoartigocomexclusãodosdemais;
quemonótona coleção de prados e árvores,quebanal agênciade
montanhasemares!
Nãoexiste,aliás,nenhumadesuasinvençõesreputadatãosutilou
grandiosaqueogêniohumanonãopossacriar;nenhumaflorestade
Fontainebleau, nenhum luar que cenários inundados de jatos
elétricos não reproduzam; nenhuma cascata que a hidráulica não
imite se nisso se empenhar; nenhum rochedo que o papelão não
assimile; nenhuma flor que tafetás ilusórios e delicados papéis
pintadosnãoigualem!
Não há dúvida de que essa sempiterna maçadora já esgotou a
indulgente admiração dos verdadeiros artistas e é chegado o
momento de substituí-la, tanto quanto possível, pelo artifício
(HUYSMANS,1987,p.54).
O fato do natural ser tomado como obsoleto remete novamente à ideia de
Nietzschedo“Deusestámorto”.Oartifícioqueroseumomentoe,paraserpleno,
devesuplantaronatural.Napassagemacima,Huysmansrevelaqueeste(otempo
dedesEsseintes)éotempodoshomens–tudopodemcriar,imitar.Éotempodo
artista,doobservador–éotempodeBaudelaire.
 
6 Respectivamente, “asceta do hedonismo”, seria o praticante da arte do prazer individual, o
“solipsista”,aquelecujaúnicarealidadedomundoseconstituino“eu”,eo“estetamisantropo”,o
sujeitoinsociávelqueéversadoemestética.
22
Entendidaapropostado“artifício”paraaModernidade,torna-semaislógico
alcançaroolhardoobservadoremConstantinGuys,o“pintordavidamoderna”que
inspirou Baudelaire na escrita de seu ensaio crítico. Gautier (1915) é objetivo ao
discorrersobreopintor:
Guys,umindivíduomisterioso,oqualocupouseutempoindoatodos
os cantos estranhos do universo onde qualquer coisa estava
acontecendo paraobter esquetes para jornais ingleses ilustrados e
especializados. Este Guys, o qual nós conhecíamos, foi a certa
épocaumgrandeviajante, umobservador profundoerápido,eum
perfeito humorista. Num piscar de olhos ele apreende o lado
característicodehomensecoisas;emalgunstraçosdolápiseleos
esboçavaemseuálbum[…](p.19).
7

Porém,comocompetenterepresentantedapoesiafrancesa,Gautiertambém
soube descrever Guys inferindo nuances poéticas: “Ele possuia num grau raro o
senso das corrupções modernas, tanto na alta quanto na baixa sociedade, e ele
também colhia, sob a forma de esquetes, suas flores do mal.” (p.20, tradução
nossa)
8
.
Com essa clara referência à obra prima de Baudelaire, Théophile Gautier
aproximaopintor eopoeta que, porsua vez,aproximaopintordaModernidade,
através de sua característica como “observador” que traz na aparência a “apatia”
diante da percepção dos novos tempos : Homem do mundo, isto é, homem do
mundo inteiro, homem que compreende o mundo e as razões misteriosas e
legítimas de todos os seus costumes; artista, isto é, especialista, homem
subordinadoàpalhetacomooservoàgleba”(BAUDELAIRE,1996,p.16).
Baudelaire explica o quanto esse pintor moderno pode às vezes adquirir
facetasdepoetaeoquantopodetambémigualar-seaoromancista,sendotambém
“opintordocircunstancialedetudooqueestesugeredeeterno”(p.13).
 
7 DaversãoconsultadaemInglês:“Guys,amysteriousindividual,whooccupiedhistimeingoingto
alltheoddcornersoftheuniversewhereanythingwastakingplacetoobtainsketchesforEnglish
illustratedjournals.ThisGuys,whomweknew,wasatonetimeagreattraveller,aprofoundand
quickobserver,andaperfecthumorist.Intheflashofaneyeheseizeduponthecharacteristicside
ofmenandthings;inafewstrokesofthepencilhesillouettedtheminhisalbum[...]
8 DaversãoconsultadaemInglês:“Hepossessedinararedegreethesenseofmoderncorruptions,
inhighasinlowsociety,andhealsoculled,undertheformofsketches,hisflowersofevil”.
23
Pintarocircunstancialesugeriroeterno–eistarefabastantecomplexaque
surge como o desafio do homem moderno. Baudelaire equaciona isso teorizando
sobre a dualidade da arte. Inicia, assim, uma análise do belo e de sua dupla
dimensão:
O belo é constituído por um elemento eterno, invariável, cuja
quantidade é excessivamente difícil determinar, e de um elemento
relativo, circunstancial, que será, se quisermos, sucessiva ou
combinadamente,aépoca,amoda,amoral,apaixão.[…]Desafio
qualquer pessoa a descobrir qualquer exemplo de beleza que não
contenhaessesdoiselementos(1996,p.10-11).
A partir da dupla dimensão do belo, conclui ser a dualidade da arte uma
decorrência da dualidade que há também no homem: “Considerem, se isso lhes
apraz,aparteeternamentesubsistentecomoaalmadaarte,eoelementovariável
comoseucorpo”(1996,p.11).
Continuandoemseuraciocíniodialético,BaudelaireafirmaseraModernidade
abuscadoartistaepostulaqueoeternodeveserextraídodotransitório.Revelaque
o objetivo do artista difere da satisfação exclusivamente circunstancial, e que o
“artistamoderno”iráencontraroprazeraoelevaroefêmeroàpotênciadeeterno–a
essabusca,permitiuchamar“Modernidade”.
Na busca do artista encontrará a arte duas “metades”: uma que fará
referência ao “transitório”, ao “contingente”; e outra que estará relacionada ao
“eterno”, ao “imutável”. Deste modo, Baudelaire entende que para que ocorra a
perenidadedaobra,énecessárioqueoartistadelaextraiaabelezamisteriosaque
avidahumanainvoluntariamentelheconfere”-assima“Modernidade”teráodireito
atornar-se“Antiguidade”(p.26).
EmsuabuscapelaModernidade,oartistaassemelha-seàcriança,emgraue
curiosidade, e também porque ao “gênio da infância nenhum aspecto da vida é
indiferente” (p.19). Como “homem-criança”, assim Baudelaire descreve Constantin
Guys,eoafastadeoutrorepresentantedaépoca:odândi.Paraopoeta,odândi
compartilhacomGuysumasemelhançae,simultaneamente,representaoopostodo
pintor: é similar à medida em que ambos tentam a compreensão do mundo; é
24
discrepantejá que a curiosidadedo homem-criança que há em Guys o afasta da
insensibilidadeproclamadapelodândi.
Apesardenotória,a bandeiradoinsensívelquetrazondiàsmãospode
fazerpartedoseuterritóriodissimuladoedesimulacro.Baudelaireafirmaissouma
vezqueseposicionadubiamentearespeitodesse“personagem”davidamoderna:
“O dândi é entediado, ou fingesê-lo, por política e razão de casta”(p.20). Nesse
sentido,nãohámelhorexemplodofingimentoemrelaçãoàinsensibilidadedoqueo
que perpassa o personagem de Lorde Henry Wotton, na obra do também dândi,
Oscar Wilde: na narrativa, o pintor Basílio Hallward exalta-lhe as virtudes,
encobertaspelaindiferenteatitudededândi:
[...]vocêéumótimomarido,porém,envergonhadodesuaspróprias
virtudes. Você é um homem extraordinário. Nunca diz uma coisa
imoralejamaispraticaumaaçãomá.Oseucinismonãopassade
umapose(WILDE,1981,p.13).
Baudelaireentendiaqueodândieraodescendentedenobrescastas–fosse
eleindígena,inglêsououtro(BENJAMIN,1989)eobservavaqueexibiaumabeleza
típica “sobretudo no ar frio” cuja intenção era o demonstrar sentimentos
(BAUDELAIRE, 1996, p. 53). Revela ainda que é o homem de posses, sem a
necessidadelaboralepraticamentedesocupado,porassimdizer–seuúnicodesejo
é a busca da filosofia do prazer. Mais uma vez, a ilustração é possibilitada pelo
personagemdeWilde,LordeHenryWotton:“[...]dedicou-seaosérioestudodamui
aristocrática arte de não fazer absolutamente nada” (1981, p. 43). E, numa
observaçãodoprópriotioaseurespeito:“-Olá,Henry–disseovelhocavalheiro-,
quetetraztãocedo?Pensavaquevós,oselegantes,jamaisvoslevantásseisantes
dasduas,nemaparecêsseisantesdascinco”(1981,p.44).
À primeira instância, se poderá pensar do dândi que é um aspirante a
riquezas(asquaispoderãolheproporcionarasincursõesnomundodosprazeres);
contrariamente, porém, Baudelaire esclarece que o dinheiro não é a peça
fundamental – o dândi deixaria “essa grosseira paixão aos vulgares mortais”. Na
concepção do dandismo, as roupas, as atitudes, são apenas tomadas de
25
empréstimoparaqueevidenciea“superioridadearistocráticadeseuespírito”(1996,
p.49).EBaudelaireapela aoleitorpelaredençãodesseidólatradesi:“[...]queo
leitornãoseescandalizecomessagravidadenofrívolo
9
,queselembrequeháuma
grandezaemtodasasloucuras,umaforçaemtodososexcessos”(1996,p.50).
A altivez decasta embevecidamente representada pelo ndi quer dizerde
suanecessidadederompercomorotineiro(BAUDELAIRE,1996)–paraisso,todae
qualquerfrivolidaderepresentativadevalormodernoirálheinflamarossentidos.O
narradordeOretratodeDorianGrayexplicitaisso:“[...]pessoasantiquadaseque
nãocompreendiamquevivíamosnumaépocaemqueascoisassupérfluassãoas
únicasnecessárias[...]”(1981,p.116).
Em seu ensaio crítico, Baudelaire ainda descreve a figura do flâneur,
lançandoparaeleocodinome“observadorapaixonado”(1996,p.20).Aocontrapora
paixão da flaneurie em relação ao tédio do dandismo, o poeta coloca a principal
diferençaentreosdoiscomponentesdaModernidade.
BenjaminentendequeadenominaçãoutilizadaporBaudelaireeEdgarAllan
Poe em relação ao flâneur difere. Enquanto Baudelaire relacionava o flâneur à
imagemdehomemdasmultidões”,Poe,talvezporestarmaisacostumadoatrilhar
oscaminhosdaobscuridadeepessimismo,viaoflâneurcomouminseguroemseu
meiosocial,buscandoamultidãocomoesconderijo:“Adiferençaentreoantissocial
eoflâneurédeliberadamenteapagadaemPoe”(BENJAMIN,1989,p.45).
Nãoimportandoseum“observador”ouum“antissocial”,relevanteéperceber
noflâneurdeBaudelaireounodePoeseu“campodeação”-todoequalquerlugar
onde habitem multidões. Necessitadesse espaço porque, em tese, lá estarápara
estudar “a aparência fisionômica das pessoas, para ler-lhes a nacionalidade e a
posição, o caráter e o destino, pelo seu modo de andar, pela sua constituição
corporal, pela sua mímica facial [...]” (BENJAMIN, 1989, p. 203). Está ali, mas
incógnito.Demonstraaociosidade,massuamentetrabalha,incansável.Parecenão
notar,masé,nofundo,vigilanteperspicazdaModernidadequepassa,eacontece.
Benjamin,sobumpontodevistamaismarxista,justificasuaociosidadedizendoser
 
9 Tomando partido das palavras de Baudelaire, “gravidade” e “frívolo”, Gonzaga Duque lança um
livro composto por artigos arespeito de arte e das mudanças progressistas no Rio deJaneiro,
“Gravesefrívolos”,queutilizaarevistaKosmosparasuaveiculaçãoapartirde1904,comuma
segundaediçãoemformadelivrojáem1910.
26
“umademonstraçãocontraadivisãodotrabalho”(1989,p.199)e,percebendonele
o“observadorincansável”dequetrataBaudelaire,aproxima-odeumaprofissão:a
de“detetive”.
Elogiandoaartemnemônicanapintura,Baudelaireésutilaocontraporobelo
àverdade,umavezqueexplicitaemGuysatécnicadodesenhopelamemória,sem
autilizaçãodemodelos.Semoobjeto a serreproduzido porimitação,opintorde
talento permitirá que as imagens de sua observação da vida moderna sejam
fermentadasedecantadasnocérebro,comobomvinho,assumindoomatizcorreto
emrelaçãoaslembrançasprocessadas.EassimsegueBaudelaireemsuaanálise
críticadaModernidade,semprefocalizandooartifíciocomoomeiodoqualsevaleo
artistadavidamoderna;oartifícioquerevelaráaexuberânciadacoqueteriamilitar,a
impossibilidadedeseparaçãoentreamulheresuaindumentáriaeosobjetosquea
adornam, a maquilagem que, a princípio, lançando mão do artificial, objetiva o
destaquedonatural.
10
Em uma das passagens mais polêmicas de Le peintre de la vie moderne,
Baudelairefazoposiçãoànaturezademaneiratãocontundenteque,aoleitordesua
análise,pareceserseuinimigo:
[…] a natureza não ensina nada, ou quase nada, […] ela obriga
(grifodoautor)ohomemadormir,abeber,acomereadefender-se,
bemou mal,contraashostilidadesdaatmosfera.Éela igualmente
quelevaohomemamatarseusemelhante,adevorá-lo,asequestrá-
loeatorturá-lo;poismalsaímosdaordemdasnecessidadesedas
obrigaçõesparaentrarmosnadoluxoedosprazeres,vemosquea
natureza só pode incentivar apenas o crime. É a infalível natureza
queocriouoparricídioeaantropofagia,emiloutrasabominações
que o pudor e a delicadezanosimpedem de nomear. É a filosofia
(refiro-meàboa),éareligiãoquenosordenaalimentarnossospais
pobres e enfermos. A natureza (que é apenas voz de nosso
interesse)mandaabatê-los.Passemosemrevista,analisemostudoo
que é natural, todas as ações e desejos do puro homem natural,
nadaencontraremossenãohorror.Tudoquanto ébeloenobreéo
resultado da razão e do cálculo. O crime, cujo gosto o animal
humanohauriunoventredamãe,éoriginalmentenatural.Avirtude,
ao contrário, é artificial, (grifo do autor) sobrenatural, já que foram
 
10No capítulo “Elogio da maquilagem”, Baudelaire observa que o vermelho e o preto agem no
sentidodetornaramulhermaispróximaao“mistériodasacerdotisa”-overmelhonasmaçãsdo
rostoacentuariaaluznosolhos;opreto,porsuavez,tornariaoolhar“maisprofundoesingular”
(BAUDELAIRE,1996,p.60)
27
necessários,emtodas asépocaseemtodasas nações,deusese
profetasparaensiná-laàhumanidadeanimalizada,equeohomem,
porsisó,(grifodoautor)teriasidoincapazdedescobri-la.Omalé
praticadosemesforço,naturalmente,(grifodoautor)porfatalidade;o
bemésempreprodutodeumaarte(BAUDELAIRE,1996,p.56-7).
1.7
.Clioapresentaamodernitèaomundo
“PensaraModernidade”apartirdosescritosdeCharlesBaudelairefoitarefa
aqueseempenharamimportantesautoresaoredordomundo.Emseusprimeiros
momentos, tais autores esforçaram-se em detectar os novos acontecimentos que
iammodificandoohomememseumododepensareviver,dentrodeseuspaísese
conformesuaspolíticas.Amaioriadessespensadoresofoicapaz,naturalmente,
de entender o momento pelo qualpassavam em amplitude – o entendimento das
filosofiasinerentesàumaépocanecessita,éclaro,dotranscorrerdecertotempo
paraumamaisabrangenteapreensãoeassimilação.
Alguns dos textos pioneiros da Modernidade estão contidos na obra
organizada pela professora Irlemar Chiampi (1991), Fundadores da modernidade,
tematizadosde acordocomanacionalidade a que pertencemseus autores. Cabe
destacaroideáriodealgunsdeseusrepresentantesnoquetangeàestéticaeque
estáemconformidadecomosditamesdamodernitèescolhidosporBaudelaire:
Na literatura alemã, Ruth Röhl (apud CHIAMPI, 1991) seleciona textos de
Novalis,Schlegel,BüchnereNietzscheparaailustraçãodostextosfundadores.Em
seu texto de apresentação, e de interesse para o foco dessa dissertação, Röhl
corrobora com a reflexão sobre a Modernidade, dizendo que “o pensamento que
abree fechaaobra de FriedrichNietzsche é atese deque a vidasó se justifica
como fenômeno estético”, e que o filósofo tornou-se uma figura emblemática da
Modernidade, uma “espécie deanarquista das petrificações culturais”(p.24-5). No
texto de Nietzsche, O caso Wagner, de 1888, tem-se a avaliação do quanto o
músicoencerravavalorestidoscomo“modernos”emsuaobra–aaproximaçãocom
oartificialnoforçardas“caretas”deinterpretaçãodassinfonias(achamada“mentira
dograndeestilo”)é aprincipaldelas (NIETZSCHE,1979 apudCHIAMPI,1991,p.
28
52). Nietzsche ainda pontua que Wagner “resume a modernidade”, sendo
considerado o “artista moderno par excellence” (p.56). Na mistura dos elementos
maisrequeridosaomundodeentão–oelementobrutal,oartificialeoinocente–
NietzschevêemWagneromúsicodécadent,ouseja,aquelequeconsideraserútil
seuprópriogostoequeoproclamacomoumgostoacimadosdemais.Sofrendoda
“nevrose”
11
típica dos decadentes, Wagner é acusado por Nietzsche de uma
exacerbaçãodasensibilidadequeoconduziaàescolhadeumagaleriadeheróise
heroínascomcaracterísticaspsicológicasvoltadasparaessadoença–equenadaé
maismodernodoqueisso.
Sabendo-sequeNietzscheeraumhomemdeextremosetãocompletamente
variávelquantooperíodoquerepresentava,énaturalquehajaoentendimentodos
doismomentosdistintosqueorelacionamaWagner:odeadmiraçãoeamizade,eo
dedesprezocomoartista.Nosentidododesprezo,Nietzscheencontraoeloperfeito
para relacioná-lo à Modernidade, também objeto de sua crítica. Culmina em suas
colocaçõesporevidenciarovalorpositivodeWagnerquantoàriquezadedetalhes
na música e, logo em seguida, acusar que tudo em sua música que se tornou
popular“édegostodúbioecorrompeogosto”,alémderelevaraposiçãodomúsico
nahistória:“aascençãodoator(grifomeu)namúsica”;econclui:“Éalgoevidente:o
grandesucesso,osucessodemassa,nãoestámaiscomosautênticos–épreciso
seratorparaobtê-lo!”(NIETZSCHE,1979apudCHIAMPI,1991,p.58)-aironiado
poeta-filósofonovamentetransparece.
Nasliteraturasdelínguainglesa,aModernidadeéfundamentadaportextos
dosinglesesSamuelTaylorColeridge,PercyByssheShelleyeMathewArnold;dos
irlandesesOscarWildeeWilliamButlerYeats;edosamericanosEdgarAllanPoee
Ralph Waldo Emerson. Na apresentação desses textos, temos as colocações de
Munira Hamud Mutran (apud CHIAMPI, 1991) que tenta estabelecer uma datação
para o “moderno”, explicitando que uma definição do termo que se possa tomar
como “única e abrangente” é inútil, uma vez que o moderno o combina com o
cronológicoesuaideiaéadeumaexistênciaquetrabalhaemrelaçãoaoque“nãoé
moderno” (p.61). Estabelece, no entanto, uma delimitação do período para a
chamada “Modernidade”, que estaria entre as décadas de 1870, 1880 e 1890,
 
11Entenda-seotermo“nevrose”comoomaisatual“neurose”,distúrbioemocionalcujacaracterística
principaléaansiedade.
29
podendoterculminadoatéasdécadasde1920,1930ou1939.Analisa,igualmente,
que todos os representantes dos textos fundadores apresentados foram
responsáveis por um abalo no cânoneem voga àépoca, reestruturaram a poesia
através de uma “experimentação métrica”, uso do símbolo e da experiência
individual.
ColocandoOscarWildecomofiguraimportantenoperíodoquetransitaentre
aDecadênciaeoModernismo,Mutran(apudCHIAMPI,1991)elegepartesdedois
deseustextos:Thedecayoflying(1889),ouAdecadênciadaartedementir,eo
prefácio a The portrait of Dorian Gray (1890), ou O retrato de Dorian Gray. No
primeiroexcerto,umapoderosacríticaaorealismo,Wilderelacionaadecadência
na arte de mentir” de alguns poetas do século XIX à decadência da literatura do
século XIX, devido à exacerbação dos critérios de imitação da vida em infinitos
detalhes – o que, em sua concepção, não seria arte: estaria ligada à ideia de
“espelho”, e o de “véu”, quando a arte encontra “perfeição em si mesma”
(MUTRAN apud CHIAMPI, 1991, p.63). Nesse sentido, vale a lembrança de
Baudelaireesuacontraposiçãoentre“belo”e“verdade”.
A “mentira”acompanhao artistamodernodeacordocomWilde(1957apud
CHIAMPI, 1991, p. 91) e por isso a visão do “grande artista” está nele pois, “o
grandeartistanuncavêascoisascomoelassão.Seofizesse,deixariadeserum
grante artista”. Dentro desse pressuposto, Wilde critica pejorativamente a obra de
ÉmileZolae,atravésdela,tomaposturaferrenhacontraorealismo,apontandoo
quão“desinteressantes”sãoseuspersonagens,frutosnãoda'criação'doescritore
sim'cópias'davida:
A artepode, algumas vezes, buscarparte de suamatéria-primana
Vida e na Natureza, que no entanto só alcançarão qualquer valor
artístico quando traduzidas através das convenções do artista. No
momento em que a Arte abandona a imaginação como meio de
expressão, abandona tudo. Como método, o Realismo é fracasso
total. […]A vida transcorre mais depressa que o Realismo, mas o
Romantismo corre à frente da vida (WILDE, 1957 apud CHIAMPI,
1991,p.91).
30
E complementa, no prefácio à O retrato de Dorian Gray, repleto de seus
inteligentesaforismos:
[…]Pensamentoelinguagemsãoparaoartistainstrumentosdeuma
arte.[…]Dopontodevistadaforma,omodelodetodasasarteséa
domúsico.Do pontodevista dosentimento,é aprofissãodo ator.
Todaarteé,aomesmotempo,superfícieesímbolo.Osquebuscam
sob a superfície fazem-no por seu próprio risco. Os que procuram
decifrarosímbolocorremtambémseuprópriorisco.Narealidade,a
arte reflete o espectador e não a vida. […] Toda arte é
completamenteinútil.(WILDE,1981,p.7).
Otambémirlandês,WilliamButlerYeats,emseuensaiocríticoOoutonodo
corpo,explicaaDecadência:
[
…]vejonasartesdetodosospaísesaquelasluzesdesmaiadase
coresdesmaiadasecontornoesmaecidos,eenergiasesmorecidas,
quemuitos chamamde “a Decadência”,e que eu,porqueacredito
queasartesjazemsonhandocomoquedevir,prefirochamaro
outonodocorpo(YEATS,1976apudCHIAMPI,1991,p.94).
Yeatsdefende, comoWilde, ouso da descriçãocom toques de vaguidade
paraacentuaroespiritual.Oautortrazàlembrançaumtempoemqueeletambém
escrevia“omaisvividamentepossível”e,comoleitor,porvezes,tambémapreciava
longasdescriçõesnasobras.Estabeleceomomentodequebradessegostocomo
leitor e escritor, dizendo que perdeu “a vontade de descrever a aparência das
coisas”, (YEATS, 1976 apud CHIAMPI, 1991, p. 92) e ao perceber que o prazer
literário só poderia ser encontrado fora do 'externo'. Na questão do 'externo' é
possível vislumbrar um paradoxo bastante relevante na arte da Modernidade:
emborao'artificial'estejafortementerelacionadoao'externo',elequer,naverdade,
remeterao'interno',umavezquealifiguraentreosrepresentantesdaModernidade
paradarênfaseaoturbilhãoespiritualqueosperpassa.
Tomandoparasiaincumbênciaantesdadaaosrepresentantesdasreligiões,
31
Yeatsdefineumnovotempo,noqualmudançassignificativaspara aartedeverão
ocorrer. Diz que já é tempo de “as artes carregarem nos ombros” o fardo antes
destinadoaos“sacerdotes”equeessamudançadeatitudeencarregar-se-ádedotar
amentecoma “essênciadascoisas”,enãocomascoisas”(YEATS, 1976apud
CHIAMPI,1991,p.95).
Sob o enfoque dos pensadores e escritores russos, é perceptível uma
consideraçãoimanentedaliteratura.Talcomomaistardefariamos'formalistas',os
fundadores da Modernidade russa mostram-se em igual sintonia com o que
acontecede“literário”dentroda“literatura”(leia-seaquio“literário”como“técnicade
composição”).
NascartasdeAntonTchékhov,escritasentre1883e1899,exemplosdanova
forma de compor ditada pela arte moderna são notórios. Na carta para Alekséi
Maksímovitch,Tchékhovorientaoamigoatravésdedicasdecomposiçãoqueestão
em consonância com a nova maneira de ver a literatura – aconselha o amigo a
realizar cortes, na revisão do texto, nos qualificadores dos substantivos e dos
verbos, criticando-o: “Você coloca tantos atributos que a atenção do leitor
dificilmenteseorientaeelesecansa”(TCHÉKHOV,1963apudCHIAMPI,1991,p.
169). Complementa ainda que há dificuldade desse tipo de informação ser
processadanocérebroequealiteratura“deveentrarimediatamente,numsegundo”
(TCHÉKHOV,1963apudCHIAMPI,p.170).
LiévTolstói, por sua vez,não realiza na obra O que é aarte?, de 1909, a
distribuiçãodeconselhos,masconstataalgunspontosrelevantesparaointeresse
daModernidade.Citaalgunsprocedimentoslevadosatermopelosartistasnointuito
deproduzirarte,entreelesochamado“empréstimo”,deimportânciaparaomérito
dessetrabalhoequedizrespeitoaretomadadeobraspertencentesaopassadoe
adaptação dessas mesmas obras para que pareçam novas - “seja um tema
completo ou um conjunto de elementos poéticos consagrados” (TOLSTÓI, 1964
apud CHIAMPI, p. 171). O romancista russo também refere à atenuação de
fronteirasquesedánasartesemgeral,ouseja,aartequerepresentaoutrasartes–
comoexemplos,citaamúsicaqueincorporaa“descrição”(comoadeWagner),bem
comooutrasmanifestaçõesartísticasquesevalemdainfluênciadeváriasformasde
artenoafãde“'produzirestadosdeespírito',comofaztodaartedecadente”(apud
32
CHIAMPI,1991,p.174).EmconsonânciacomaspreconizaçõesdeWildeeYeats
emrelaçãoaousodedetalhesnasdescrições,Tolstóiigualmenteadvertequeesses
recursosretiramaatençãodosleitores,aquelesquerealmenteestãointeressados
napercepçãodas“impressõesartísticas”:
Nãoémenosestranhoquererapreciarumaobradearteemfunção
deseurealismo,daveracidadedosdetalhesqueelacontém,doque
pretender julgar o valor nutritivo dos alimentos a partir do aspecto
que eles apresentam. Quandodefinimos o valor de uma obra pelo
seurealismo,estamosnosreferindonãoaumaobradearte,masa
umaimitação(TOLSTÓI,1964apudCHIAMPI,1991,p.175).
A Modernidade temsidovistasob novos enfoques teóricos que vem sendo
aplicados no sentido de dimensionar e explicar o fenômeno. Em sua análise e
rediscussão,doisnomesacabamsurgindo:WalterBenjamineMarshallBerman.
MarshallBerman,naobraTudoqueésólidodesmanchanoar(2007),desde
otítulojádeixaclarassuasintenções,umavezqueesteépartedeumafraseescrita
porKarlMarx,noseuManifestoComunista,de1888:“Tudoqueésólidodesmancha
no ar, tudo que é sagrado é profanado, e os homens finalmente são levados a
enfrentar […] as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com seus
companheiros humanos” (MARX, 1888 apud BERMAN, 2007, p. 31). Berman
esclareceaescolhadotítulodeseulivrodizendoentenderseressa“imagem”aque
“coroa” os aspectos descritivos os quais Marx utiliza para a compreensão da
“modernasociedadeburguesa”(2007,p.111).Defendetambémqueomarxismo,o
modernismo e a burguesia estão intimamenterelacionados no queconsidera uma
“estranha dança dialética”- muito embora essa afinidade não seja admitida pelos
modernistasepelosburgueses.
No seu entendimento da Modernidade, Berman se vale de vocábulos
antitéticos de grande significado, dizendo que é “unidade de desunidade” - os
homensestão'unidos'porquecompartilhamomesmosentimentodedesintegração,
deestadomutante,deforçasambíguasqueatuamdemodoajogá-losnummesmo
redemoinho mas, paradoxalmente, estão 'desunidos' uma vez que esse universo
turbulentoirápromovercertoisolamento.É,assim,“sólido”porquantocolocatodos
33
os indivíduos partilhando do mesmo momento; “desmancha no ar” porque o
momento não oferece segurança, porque está repleto de ambivalências e
contradições.
ComessaconcepçãodeModernidadequeremeteàambiguidadeediluição,
Berman irá propor uma forma de análise que preenche os requisitos da dialética
hegeliana, aproximando-se do texto deBaudelaire, Sobre a modernidade:opintor
davidamoderna,contrapondo-seaeleechegandoaconclusõespróprias.
12
AconsonânciaemrelaçãoàModernidadevistasoboolhardeBaudelaireé
reveladaemMarshallBermanàmedidaemqueteceelogiosaospoemasemprosa
escritos por ele e agrupados na obra Le spleen de Paris (1869), e que considera
serem esses poemas “o mais rico e profundo pensamento de Baudelaire sobre a
modernidade”(BERMAN,2007,p.175).
Walter Benjamin é apontado pelo próprio Marshall Berman (2007) como o
primeiro a relatar pontos de “afinidade” entre o pensamento marxista e
baudelairiano. Em sua obra Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo
(1989), Benjamin não estabelece de forma explícita esta ligação entre os dois,
porém, em várias passagens, é possível notaruma tentativa de análise de cunho
maissociológicoatravésdautilizaçãodospoemasdeBaudelaire.
Benjamin defende que Baudelaire reflete verdadeiramente a estética da
ModernidadeemseulivrodepoemasAsfloresdomal.Contrariamenteaoquese
possa pensar em primeira instância, a 'teoria' estabelecida pelo poeta em seus
ensaioscríticosconstituiseu“pontomaisfraco”,navisãodeBenjamin.Issosedeve
aofatodeBaudelairenãoterpropiciadoemseusensaioscontrapontoscomaarte
antigaoqueaconteceemAsflores...(1989,p.81).Tendoissoemmente,naobra
Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo, Benjamin dá razão de
existênciaaseuestudoprincipalmenteatravésdaobrapoéticabaudelairiana.Nela
encontra os ”sintomas” de uma Modernidade premente, cujos elementos estão a
obedecerumconsiderávelgraudereificação.Ohomeméreificadoquandoopoeta,
emsuaobra,colocanasruasapresençadodândiedoflâneur;amulher,amedida
emqueamaquiagemagenosentidodeevidenciarseustraçosnaturaisatravésdo
artificial; o espaço é reificado, com suas galerias iluminadas e seus cafés que
 
12Adialéticahegelianaérepresentadapelatríade“tese,antíteseesíntese”.
34
convidam a mais do que gastronomia, convidam à observação e reflexão do
“momento”quepassa,edotamoobservadordochamadospleen–queéaprópria
reificaçãodotempo:
No spleen, o tempo está reificado; os minutos cobrem o homem
como flocos de neve […]. No spleen, a percepção do tempo está
sobrenaturalmente aguçada; cada segundo encontra o consciente
prontoparaamorteceroseuchoque(BENJAMIN,1989,p.136).
O homem e a mulher, reificados, serão aproximados da feição de
“mercadoria” e, nesse sentido, a proposta do estudo de Benjamin que analisa “o
augedocapitalismo”podesermelhorentendida.
WalterBenjaminutiliza-seemsuaabordagemdetrêstópicosdefundamental
importânciaparaoentendimentodopensarbaudelairiano:aboêmia,oflâneurea
modernidade.Valendo-sede algumasideiasemMarx, econsiderando-ocomoum
filósofo a pensar igualmente a Modernidade, Benjamin analisa algumas de suas
reflexões para montar um perfil do homem sob a influência desses momentos de
mudança. Nesse aspecto, faz a diferença, considerando que Karl Marx tem sido
caracterizado nas obras críticas muito mais pela sua produção como economista,
sociólogo e crítico político do que, propriamente, por sua feição mais literária, de
pensadorhumanistaquepensaaindividualidade.
AaproximaçãoentreMarxeBaudelaireéfeitaporBenjamin,inicialmente,no
pensamento explicitado por Marx sobre a “boêmia”, no qual surge a figura do
“conspirador”-seuslocaisdeencontro,astavernas;suasescolhasdevida,levam
aoquefogeàregra.Nessecontexto,BenjamintememBaudelaireo “conspirador
profissional” (1989, p.09). A semelhança de Baudelaire com o conspirador é
constatada por Benjamin por intermédio das ideias de Marx a respeito do “ideal
terrorista”,eessa evidência é citadaatravés da cartaqueopoetaescreve àmãe
(1865),naquala“ameaça”éfeitaemrelaçãoaopúblicoleitor:
Sealguma vez recuperar o vigor e a energia que já possuí, então
desabafareiminhacóleraatravésdelivroshorripilantes.Queroincitar
todaaraçahumanacontramim.Seriaparamimumavolúpiaqueme
35
compensariaportudo(BAUDELAIRE,1932apudBENJAMIN,1989,
p.12).
Benjamin ainda aponta para alguns elementos bios em relação ao
comportamentofilosóficodeBaudelaire:porvezes,adefenderoaspectoutilitárioda
arte,poroutras,amáximal'artpourl'art”;emcertosmomentos,ademonstrarum
respeito às causas revolucionárias, em outros, “tinha ouvidos para a voz superior
que fala através do rufar dos tambores das execuções” (p.22). Nesse aspecto, é
possívelconceberumaimagemdohomemmodernoqueéparadoxal,cuja“solidez”
“desmanchanoar”,deacordocomainterpretaçãodeMarshallBerman.
Noobjetivodeintroduzirafiguradoflâneuremsuasconsiderações,Benjamin
concedeexplicaçõesàfigurado“literato”,justificandooóciocomoumpré-requisito
para sua existência e melhor desempenho. Suasituação é similar às relações de
mercadonosquesitos“oferta”e“procura”,
13
eBenjaminosituacomooflâneurque
se“dirigeàfeira”:seupensamentoestáfixonoatodaobservação,noentanto,sua
verdade é a que necessita “procurar um comprador” (p.30). É o escritor como
mercadoria.Nesseâmbito,Benjaminfazumaaproximaçãoentreopoderdeatuação
exercidopelosentorpecentes,poderoqualconsideracomoimportante“efeitosocial”
eque escapou à análise de Baudelaire.Esse“poder” significa que, sob efeito, os
adictos manifestam certo “charme”, e isso representaria o mesmo efeito da
mercadorianamenteda“multidãoinebriada”(p.53).
14
Oflâneuroportunizaaanálisedealgunstópicosaeleligados.Benjaminofaz
tomandopartidoderelações intertextuais: obras deBalzac se ligam ao flâneurna
 
13Benjamin cita como exemplo do poeta que aceita pagamento em troca de suas “confissões” o
sonetodeaberturadeAsfloresdomal(2005),“Aoleitor”.Oseguintetrechofoiretiradodaprópria
obra de Baudelaire, visto que Benjamin não fornece o soneto em sua análise: “Frouxo é o
arrependimento e tenaz o pecado, / Por nossas confissões muito é o que a alma reclama, /
Voltandocomprazeraumcaminhodelama,/Crendolavarasmanchascomprantoamaldiçoado.”
(BAUDELAIRE,2005,p.13).
14Nesse ponto, é relevante considerar os estudos e escritos deBaudelaire à respeito de drogas.
Sendotambémumusuário,Baudelairedeteve-sebastantenessaquestão,produzindoimportante
obra de referência no assunto: Paraísos Artificiais, originalmente editado em 1860. Não foi o
pioneironessaquestãoedeixaissoclaro,umavezqueseusestudostêmtambémporbaseaobra
do inglês Thomas de Quincey, traduzida como Confissões de um comedor de ópio ou como
Confissõesdeumopiômanoinglês,comprimeiraediçãoem1822.Ambosrealizamuminventário
bastante científico e poético em torno dos efeitos alucinógenos das drogas e, no caso de
Baudelaire,atémesmodovinho.
36
temáticadashistóriasdeintrigasedetetives(Benjamindotaoflâneurdessaqueéa
“profissão”maisadequadaaoobservador);Poeétrazidoàreflexãobenjaminianae
ligadoaBaudelaireumavezquerealizouincursõesnanarrativadecunhocientífico,
no intuito de gerar o romance policial (Baudelaire não produziu obras desse tipo
mas,emAsfloresdomal,Benjaminencontraalgunsdeseuselementosprimordiais:
“a vítima e o local do crime”, no poema “Mártir”, “o assassino”, em “O vinho do
assassino”,e “amassa”,em“Ocrepúsculovespertino”)(BENJAMIN,p. 41).Ainda
emEdgarAllanPoe,Benjaminencontraparâmetrosdeanáliseparafazeradistinção
entre“ohomemdasmultidões”,oflâneur(paraPoe,uminseguroquedesejaperder-
senamultidãojustamentepornãoseraptoaoconvíviosocial;paraBaudelaire,um
observadoratento,quedesejaoconfortodasmultidõesporquedelassealimenta,
porque elas lhe proporcionam chegar próximo ao “artista” que está dentro dele).
VictorHugoétrazidoparaareflexãonotocanteàsmultidões:amassa”,paraele,é
a representação da heroína da Modernidade; para Baudelaire, ela serve como
refúgioparaoherói.
Benjamin discorre sobre esse herói da Modernidade, bastante ligado à
concepçãodoartista.Utiliza-sedoqueveioachamar“metáforadoesgrimista”para
defini-lo. O esgrimista - no caso do exemplo tomado por Baudelaire, Constantin
Guys – faz uso de seus utensílios de trabalho (lápis, pincel) para a perseguição
voraz da ótica mnemônica perfeita, do matiz quer irá dotar a obra de arte da
profundidade necessária para que seja perene enquanto obra. Esse ato revela a
extenuação física do esgrimista, que realiza um duelo solitário, na tentativa da
melhorcaptaçãodo instante que o move. Benjamin assim também vê Baudelaire:
seutrabalhopodiaserreconhecido“sobaimagemdaesgrima”(1989,p.70).
AimagemqueBenjamintrazàluzarespeitodoheróidaModernidadeéado
homem obscuro, em conflito e em desajuste com o ambiente que o circunda; daí
compreendê-lo como o sujeito diante da morte que, sendo “vontade heroica”,
representaodomínioqueessesujeitopodeteremrelaçãoàModernidade.Nesse
contexto,Benjamincitao“suicídio”
15
nãomaiscomo“renúncia”,esimcomo“paixão
 
15Nissoohomemmodernoassemelha-seaohomemsobainfluênciado“Estoicismo”,fundadopor
ZenãonoséculoIVa.C.,ecujoconteúdofilosóficotraziaumapropostaderigorcomocorpoea
mente.SendoSênecaumdeseusseguidores,emsuascartasháfortesevidênciaseatémesmo
apologias ao suicídio, o qual não era tido como 'fuga', e sim como 'atitude racional do homem
sábio'. Pirateli e Melonos dizem que“Em consonância com os ensinamentosestóicos,Sêneca
37
heroica”(p.75).
O “assunto heroico” do herói da Modernidade é o “lixo” - o poeta faz sua
seleção a partir de tudo o que a cidade despreza e, nessa ideia, subjaz a
semelhançacomo“trapeiro”,quevalorizaoqueporoutrosédescartadoe“solitário
[…]realizaseunegócionashorasemqueosburguesesseentregamaosono[...]”
(BENJAMIN,1989,p.78/9).
Benjaminutiliza-sedosclássicosparadiscorrerarespeitodos“trabalhos”do
heróimoderno,
16
quetemcomotarefamaisrelevanteadescriçãodaModernidade.
Paraessefim,comojámencionado,consideraqueBaudelaireatingetalmetade
cumprimento de suas tarefas não quando teoriza sobre a Modernidade, e sim
atravésdaobrapoéticaAsfloresdomal.
Uma das possíveis figurações a caracterizar o heróimoderno é ainda a do
dândi. Sublime em aparências, esse personagem era a demonstração da força
inabalável revelada sob a forma da elegância gestual, o que lhe conferia certa
afinidadecomaideiaquesetemde“satânico”.
17
Nocumprimentodesuas“tarefasheroicas”,oheróimodernotinhadevaler-se
de“papéis”:daíaaproximaçãoquerealizaBenjaminentreBaudelaireeoflâneur,o
dândieotrapeiro.
ComrelaçãoaostemasemBaudelaire,cabedestacarospleen,aexperiência
do choque, a multidão e a durée. O spleen quer dizer da própria melancolia do
homem moderno a perceber que não mais faz parte do mundo da tradição; a
experiênciadochoqueremeteàimagemdopoetacomoesgrimista,suaresistência
enquanto catalizador das imagens em flash que lhe impõe a Modernidade; a
multidão, cujo sem número de olhos não arrisca lançar ao semelhante um olhar
sequer”querdizerdamassaamorfa,feitadoenclausuramentodeseusindivíduos
em invisíveis celas próprias – o paraíso para o “observador” da vida moderna; a
durée (duração), é baseada no entendimento bergsoniano do tempo que está
   
ressaltaqueamortenãoprecisavaserapenasnatural,vistoasuainduçãopormeiodosuicídio
serlegítimaemdeterminadascircunstânciaseseconverternumexercíciodevirtudelibertadora”
(2006,p.68/9)
.VerlaineécitadoporErnestRaynaud,comosendooautordafrase:“Adecadência
[…]éSênecaacortarsuasveiasdeclamandoversos[...]”(In:MORETTO,1989,p.180)
16Clarareferênciasaos“DozetrabalhosdeHércules”,mitodosclássicosgregos.
17Tãomestredasmentiras”quantooprópriodemônio,odândiutilizava-sedesuascaracérea
inabalávelparademonstraraindiferençaanteosnovostempos(emboraoentendimentoquese
tenhahojeéquefossesensivelmenteanalíticoemrelaçãoaseutempo).
38
desvinculado do chamado “tempo da ciência” e refere-se ao qualitativo e não ao
quantitativo.Issoémotivo,naanálisedeBenjamin,paraquea“almahumanaseja
liberada da obsessão do tempo” (p. 131). A durée refere-se ao “eterno presente”
constatado por Baudelaire (nesse sentido, a ideia de temporalidade configura-se
comoumdostemasbaudelairianosmaisrelevantesparaBenjamin,umavezqueo
desapego à tradição proporcionado pela durée conduz ao principal leitmotiv do
homemdaModernidade:osujeito“descentrado”-porqueévastoemincertezase,
simultaneamente,“centrado”-emrelaçãoasi,aoseu“momento”,oqueoconduz
aospleen.
18
Dotandoaduréedaimportânciaquelheémerecidaparaoentendimentoda
questãocentral da Modernidade,Benjamin entende o grande impasse dareflexão
baudelairiana – recuperar o tempo presente mas ainda “incomodado” por um
lampejodopassado,oquefazdaartemodernaarevelaçãodeumsentimentode
ausênciaquesetornacontinuamentepresente.
PorrealizarumaleiturasociológicadaModernidade(emconcordânciacomo
olhardeBaudelaire,igualmente“social”),WalterBenjamintambémseráconsiderado
paraoembasamentoteóricodestadissertação,noentendimentodequesuasvisões
estéticas sobre a Modernidade, vistas em conjunto, o dar conta do aspecto
literáriocontidonaobraEsphinge,deCoelhoNeto.
1.8.CliovesteasroupasdeSalomé
O final do século XIX se configura como um período bastante inclinado à
criação de novos nomes para movimentos literários. Círculos vão se formando, a
ostentar bandeiras sob diferentes denominações e apresentando sutis
discrepâncias,entresi.
Por alguns estudiosos do período, esses movimentos foram considerados
 
18Importantelembrardo“Instante”noAssimfalouZaratustra,conformeNietzsche.Benjaminresgata
em Baudelaire que o mundo moderno tem sua ênfase no presente, abandonou a tradição do
passado e não consegue ainda visualizar o futuro. É o homem sob o portal” imaginado por
Nietzsche–chorapelopassado,sente-seperdidonopresenteetemerosopelofuturo.
39
equivalentes; outros, realizaram distinções em termos de ordem cronológica de
surgimentodestes;outrosaindareconheceramosdiferentescírculosapartirdeuma
identificação estética que lhes era peculiar. Nesse sentido, Bradbury e McFarlane
deixamclaroque“osnomes,emsuma,nãosãoguiasestilísticosconclusivos”parao
período (1989, p. 159) e que as distinções entre os movimentos, vistas à luz do
conhecimentoquehojeseverifica,representam“variaçõesdegrau”(p.166).
O grande impasse parece recair sobre os termos “Decadentismo” e
“Simbolismo”,oquelhesconcedeumcaráterdeanálisemultifacetado.
Ernest Raynaud, por exemplo, num artigo de 15 de dezembro de 1903,
intitulado“Lespoètesdécadents”,consideravaquedecadentesesimbolistasagiam
deformaparalela,tendosimilares“ódioseadmirações”,desejandodotarsuasobras
deigualmistério(RAYNAUD,1903apudMORETTO,1989,p.188).
Contudo, Fulvia Moretto (1989) cita Guy Michaud num artigo de 1947 para
estabeleceralgumasdiferençasquediriamrespeitoaotipo dereaçãoqueosdois
momentosrepresentaramemrelaçãoaosmovimentosanteriores,Parnasianismoe
Naturalismo: enquanto o Simbolismo vai se firmar com um “caráter mais positivo,
vital”, o Decadentismo representará uma “reação negativa”; no entanto, os
movimentos não significariam a existência de “duas escolas” e sim “duas fases
sucessivas de um mesmo movimento, duas etapas da revolução poética”
(MICHAUD,1947apudMORETTO,1989,p.29).
Outro teórico citado por Fulvia Moretto na tentativa de explicação para o
períodoéJeanPierrot.EmsuaobraL'imaginairedécadent(1977),Pierrotdefende
queoDecadentismonãoexpiroucomachegadodoSimbolismo:
EvangelhodasCorrespondências,importânciadamúsica,adoçãodo
versolivreefrequênciadasdiscussõestécnicas,idealismofilosófico,
gosto pelo universo do sonho e das lendas, enfim, abundância de
obrascomduplosentido sãotendênciasquecoexistemsemnunca
se unificarem verdadeiramente numa doutrina muito coerente ou,
pelo menos, partilhada por todos. […] a dominante afetiva se
mantém, em geral, bastantemelancólica e o recurso ao imaginário
decadente, baseado nos sonhos e nas lendas, continua a ser
predominante[…].ADecadênciaconstituiodenominadorcomumde
todas as tendências literárias que se manifestam nos vinte últimos
anosdoséculo(PIERROT,1977apudMORETTO,1989,p.29/30).
40
Cassiana Carollo (1980), aponta que a crítica de base francesa tenderá à
compreensão do Decadismo
19
como sendo uma primeira fase do Simbolismo. A
teóricacriticaatendênciadaconsideraçãodosmovimentosestéticosapartirdeum
sistemade“oposiçõesbinárias”,quenãodácontade“contradiçõesinternas”eque
coloca os autores numa posição taxonômica que revela múltiplas possibilidades,
resultandoemumcerto“atropelonasclassificações”(1980,p.01).Poressarazão,
entende que o posicionamento da crítica que desconsidera as diferenças entre
essesmovimentosédevidoaconcepçãodaideiadeuma“contiguidadetemporal”e
deuma“retomadadeproposta”(p.03).
Adenominaçãodosmovimentosestéticospodeaindarevelarmaispolêmicas,
porexemplo,seforconsiderado otermo abarcador escolhidoporIrlemarChiampi
(1991, p. 185): “correntes pós-românticas (Parnasianismo, Decadentismo e
Simbolismo)”.Moretto(1989)discordadashistóriasdaliteraturaqueimpõemumfim
paraoRomantismoestabelecidonoanode1850.Naverdade,oRomantismopassa
por um processo de transformação e surge um “novo mal du siècle
20
, de caráter
mais profundo e mais desesperado do que mal du siècle romântico” (p. 19).
Concluindo,FulviaMorettoentendequeo“DecadentismoéumnovoRomantismo.
[…] a verdade é que faltou no Romântismo francês uma linguagem poética. O
Decadentismoe,depoisdele,oSimbolismo,irãocriá-la”(p.31).
Embora o uso das denominações seja inconclusivo e, por vezes, até
“impreciso”, é importante a caracterização dos movimentos estéticos a partir dos
dados disponíveis. Para a compreensão do período, é necessário entender que o
positivismo imposto ideologicamente pelos parnasianos e naturalistas encontra
 
19“Decadismo” é o termo eleito pela autora, entre as possíveis variantes “Decadentismo” e
“Decadismo”.
20Omaldusiècle,localizadodentrodachama“SegundaGeraçãoRomântica”,possuíaaindacomo
possibilidades de nomenclatura “Ultra-Romantismo” ou “Romantismo Egótico”. Tinha Byron e
Musset como “matrizes”, apresentando uma “temática de amor e morte, dúvida e ironia,
entusiasmoetédio”(BOSI,2006,p.109).Revelavacaracterísticasqueestãointimamenteligadas
aumestilodevida:otédio,aboêmia,ossalõesdebaile,abebida.
41
elementosdeoposiçãoapartirde1870,naFrança,elogoseespalhapeloOcidente.
Anatole Baju, editor da revista Le décadent e criador do termo “Decadentismo”,
assimexpõeareaçãocontraopositivismo:
Estefinaldeséculoviranasceramaisimoraldasliteraturas.Espécie
deenciclopédiaimpessoalcujoúnicoméritoéoespíritodeminuciosa
análise, o Naturalismo […]. Era à Escola decadente que estava
reservada a honra de esmagar o Naturalismo e de criar um gosto
melhor que não estivesse em contradição direta com o progresso
moderno(BAJU,1887apudMORETTO,1989,p.91/2).
A atitude do movimento decadentista é de “militância”. Como mencionado
acima porAnatole Baju, “a honra de esmagaro Naturalismo” deve-setambém ao
sentimentoquecarregaa palavra“Decadentismo”, em si.CassianaCarollo (1980)
assinala a existência de um sentimento de decadência” que perpassa a Europa
finissecular perante um progresso percebido de forma avassaladora. Essa
constatação, ao invés de impelir o homem consciente a um tempo de certezas e
soluções, contrariamente, o supre de uma “visão derrotista da evolução histórica,
atingindoosvaloressociaisemorais”(p.04).
Tal “visão derrotista” convida, é claro, a uma reação. Remy de Gourmont
consideraqueapalavra“Decadência”
21
foifornecidapelahistóriapolíticadeRoma,
porém,foi“assimiladaàsuaideiacontrária”,ouseja,adecadênciaaqueserefere
Bajudizrespeito“àprópriaideiadeinovação”(GOURMONT,1900apudMORETTO,
1989,p.155).
 
21De acordo com Massaud Moisés(1988) otermo decadente” passaa ser utilizado após 15 de
novembrode1881,quandoPaulBourgetpublicaoartigoThéoriedelaDécadence”,nojornalLa
Nouvelle Revue.A propósito dacriação dapalavra “Decadismo”,porAnatole Baju,por volta de
1886,érelevantemostrar areaçãodePaul Verlaineaotermo, emumacartadirigida àAnatole
Baju,atravésdojornalLeDécadent:
“MeucaroAnatoleBaju,
[…]Decadismo[…]umamaravilhaencontradapelosenhor,meucaro!Decadismoéumapalavra
degênio,umachadodivertidoequeficaránahistórialiterária;estebarbarismoéumabandeira
miraculosa.Écurto,cômodo,“jeitoso”handy,afastaprecisamenteaideiaaviltantededecadência,
temsonoridadeliteráriasempedantismo,enfim,farásucessoeteráseulugargarantido[…].Uma
literatura queresplandece em templode decadência,nãoparaseguirospassosdesuaépoca,
masexatamente“àsavessas”*parainsurgir-secontra,parareagirpeladelicadeza,pelaelevação,
pelo refinamento […] contra a insipidez eas torpezas [...]” (VERLAINE, 1888 apud MORETTO,
1989,p.113e115).*Verlaineescreve“arebours”,entreaspas,numaclarareferênciaàobradeJ-
KHuysmans.
42
Asrevistasdaépocativeramumpapelfundamentalparaodesenvolvimento
dascorrentesestéticasqueentãosecolocavamaodebate.Realizandoverdadeiros
“ataques” à Zola e outros representantes das correntes anteriores, contavam com
artigosdepensadores eautorestais como Stéphane Mallarmé,Théophile Gautier,
Arthur Rimbaud, J-K Huysmans, Paul Verlaine, entre outros. Duas das mais
importantes revistas surgiram em 1886: Le Dècadent (de Anatole Baju) e La
décadence (de Emile-Georges Raymond). Nesses espaços, a teoria decadentista
erapostuladae,ediçãoapósedição,delineava-seseuideário.
Pierrotconsideraasseguinteslinhasnaestéticadecadentista:opessimismo,
o “interesse pelo universo interior e secreto” (uma leitura do “inconsciente”, feita
antesdeFreud)eabuscade“sensaçõesrefinadas”(MORETTO,1989,p.30).
O movimento decadentista
22
tem no gosto de seus heróis a obra de
Baudelaire, o personagem de Huysmans(Des Esseintes), os quadros deGustave
Moureau(entreeles,“Salomé”,amusadoDecadentismo),aobradePaulVerlainee
o dandismo. O dandismo “no sentido baudelairiano do termo, feito de elegância
exterior completada por uma postura interna aristocrática” (RICHARD, 1968 apud
MORETTO,1989,p.27/8).
O Decadentismo confere certa ideia de “mosaico”, composto a partir de
elementos que seligam como partede um quadro – caleidoscópico porque exige
movimento,demandaluzesombraparaque“aconteça”.
Édecadentistaofantásticoodemoníaco, nãomaissobrenatural,
mas o que procura a análise psicológica sugerida por Poe; é
decadentista a retomada da ideia de modernidade através do
interesse pela cidade; é decadentista o fascínio pelas arquetípicas
lendas antigas e medievais. Lendas […] como a de Salomé
(Moureau,Laforgue,Wilde)quefoichamada“deusadadecadência”,
adeÉdipo,dePrometeuetantasoutrasdosquadrosdeG.Moreau,
a de Orfeu, da Esfinge […] percorrem os anos oitenta. Forma de
evasão, de recusa do mundo contemporâneo por demais
problemático.Édecadentistaaindaogostopelanaturezapetrificada
e fria dos bizantinos e dourados reflexos de outono; pela refinada
maquiagemdascoisas,deproveniênciabaudelairiana;pelaestranha
floradacasadeDesEsseintes;édecadentistaotemadoreflexona
água, transparente ou espelhada; o gosto pelas pedrarias, pelos
 
22FulviaMorettopreferereferiramovimentoenãoescola,umavezquenenhumdospensadoresde
entãousaosegundotermo,àexceçãodeAnatoleBaju(p.32).
43
metais, pelos vegetais terrestres ou submarinos, que acabarão por
tornar-se parte integrante da decoração art nouveau (MORETTO,
1989,p.32).
Porrepresentaremaarteutilizando-sedopalpávelparachegaraointangível,
Bradbury e McFarlane (1989) consideram que este seja justamente um problema
paraosdecadentes:“umproblemaquetodososdecadentestiveramdeenfrentar:
comoconferirprofundidadeaumaexperiênciaepidérmica?”(p.175).
A preocupação com o ato da criação revelou-se a missão do artista
decadente. A “experiência epidérmica” de que nos falam Bradbury e McFarlane
parece ser resolvida através da técnica apurada e da entrega ao trabalho com a
palavra. Daí a caracterização do “estilo da decadência”: “engenhoso, complicado,
erudito, cheio de nuanças e rebuscado, recuando sempre os limites da língua,
tomadosuaspalavrasatodososvocabuláriostécnicos[...]”(GAUTIER,1868apud
MORETTO,1989,p.42).AnatoleBaju publica no “Le décadent”suapercepção, a
doleitorcomumeadocríticoemrelaçãoaoestilodosdecadentes:
A linguagem é sintética. Encerra todos os meios de expressão na
palavra, na forma da frase. […] Os decadentes tomaram esse
trabalho em suas mãos. Realizam-no por demais apressadamente
paraoleitorcomum,quenadacompreendeemseusescritos,cheios
depalavrasnovasedeestruturassingulares,trata-osdefarsantes,
prudentedefesacontraumamistificaçãoqueeleteme.Osliteratos,
oscríticosàsvezesnãooscompreendemmelhor enão sabem se
estãotratandocomloucos,comcomediantesoucomartistasquese
entregam a um inútil jogo. Assim, encerrados dentro da
incompreensão, forma como uma seita de iniciados. (BAJU, 1888
apudMORETTO,1989,p.134).
Guy Michaud, além de considerar o Decadentismo e Simbolismo como
estágios consecutivos de um mesmo movimento, nos quais o Decadentismo se
caracterizapelanegatividadeeoSimbolismopelapositividade,temtambémemseu
ponto de vista que o Decadentismo é o “momento do lirismo”, “o desabrochar de
44
umasensibilidadeinquieta”;oSimbolismo,porsuavez,estariamaisrelacionadoa
um“momentointelectual”,ouseja,quandoesselirismotemaoportunidadedeser
maispensado(MICHAUD,1947apudMORETTO,1989,p.29).
Frederick R. Karl (1988), MalcolmBradbury e James McFarlane(1989)irão
defenderaideiadoModernismocomosendoumaherançasimbolista:
O modernismo parece apresentar um centro discernível: um certo
conjunto fluido mas detetável de pressupostos, fundados numa
estética largamente simbolista, numa concepção vanguardista do
artistaenumanoçãosobrearelaçãodecriseentreaarteeahistória
(BRADBURYeMcFARLANE,1989,p.21).
Considerado um romance simbolista, À rebours, de J-K Huysmans, é uma
obracujoteorrevelaumautorquenutrepaixãopelaspalavras,pelo“jogo”quepode
resultar da ousadia no uso da linguagem. Sem o interesse na verticalidade da
narrativa,deliberadamenteutilizandoatécnicadomosaico,Àrebours“édefatoum
romancesobreaexperiênciasimbolista”(BRADBURYeMcFARLANE,1989,p.372).
Jean Moréas(1886),imbuídodeconhecimentotécnicosobreacomposição
poéticaqueentãoacontece,concedeacaracterísticadalinguagemsimbolista:“[…]
vocábulos impolutos, a frase que se eleva alternando com a frase de quedas
onduladas, os pleonasmos significativos, as misteriosas elipses, o anacoluto em
suspenso, tudo extremamente arrojado e multiforme [...]” (MORÉAS, 1886 apud
BRADBURYeMcFARLANE,1989,p.167).
Omovimentomodernotemem1880seumarcoinicialnaEuropa.Àprincípio,
maispreocupadocomosaspectosformais,depois,maiscomatransgressãoao
formal
23
.
O Modernismo representou, em muitos países, uma mescla paradoxal: foi
“futuristaeniilista,revolucionárioeconservador,naturalistaesimbolista,românticoe
clássico[...]”(BRADBURYeMcFARLANE,1989,p.35).
 
23ConformeFrankKermode,oquefazoModernismoserentendidoemdoismomentos,ummais
formalista, chamado de “Primeiro Modernismo” e outro que subverte o formal, chamado de
“Modernismo Posterior”. Importante notar que, embora “subvertendo o formal”, o Modernismo
Posteriorutiliza-seironicamenteda“forma”paraqueissoaconteça(BRADBURYeMcFARLANE,
1989,p.26).
45
NoentendimentodequetantooDecadentismo
24
quantooSimbolismoforam
movimentos que atuaram como força basal para o advento modernista, seus
elementosdefinidoresserãoconsideradosnaabordagemdestadissertação.
25
1.9.“Clio-Salomé”é“tropicalizada”
OfimdoséculoXIXeiníciodoXX,noBrasil,ofereceuàcomunidadeartística,
em geral, uma miscelânea de tendências e preceitos sob as mais variadas
nomenclaturas:belleépoque,períodoArt-Nouveau,boêmia,o“1900”(emrelaçãoa
manifestaçõesartísticas,emgeral);Parnasianismo,Simbolismo,Decadentismo,Pré-
Modernismo, Transição e Sincretismo, Ecletismo universalista, entre outros (em
relaçãoaouniversoartístico-literário,principalmente).
É evidente que, tal como aconteceu na Europa, o tempo permitiu uma
simultaneidade de estilos e diferentes pensamentos. Os estudiosos do período,
como não poderia deixar de ser, foram igualmente discrepantes em relação aos
aspectos taxonômicos e tiveram um trabalho árduo de análise diante da riqueza
literáriarepresentadapeloocasodeumséculoeoalvorecerdeoutro.
Massaud Moisés (1988) revela um exemplo dessas fronteiras literárias
atenuadas,considerandoqueoSimbolismo,poraqui,osereveloucomsuficiente
autonomia, precisando da mescla parnasiana em razão da tradicional dedicação
formalqueentãoexistia.Apontaainda,noqueconvencionouchamar“belleépoque”,
oconvíviodetrêsrepresentantesdediferentesmovimentos:“autoresoitocentistas,
neoparnasianoseneosimbolistaseprenúnciosdoModernismo”(p.170).
ODecadentismotevecomodivulgador,noBrasil,MedeiroseAlbuquerque,a
partirde1887.GamaRosa,noartigo“Osdecadentes”(1888)revelaoquesepode
dispor,àépoca,paraoentendimentodoquechamou“anascenteescola”:“alguns
 
24FrederickR.Karlconsidera,inclusive,oDecadentismocomo“partedomodernismo,comoumade
suasváriasvanguardas.[…]Éassimpreferívelencararoassimchamadomovimentodecadente
como uma forma de vanguardismo que penetra no modernismo e que, em última instância, se
dispersa”.(KARL,1988,p.92).
25Considerandotambémqueambosmovimentosforambemsucedidosnoprocessodeaglutinação
juntoaomovimentomodernista.
46
númerosdarevistaODecadente;umopúsculodeL'ÉcoleDécadente,porAnatole
Baju[…],doisvolumesdeversosporPaulVerlaineemaisumacoleçãodepoesias
deStuartMerril”(GAMAROSA,1888apudCAROLLO,1980,p.88).
Nadécadade90,EmilianoPernetaleráAsfloresdomal,levando,duranteas
férias escolares, o volume para Curitiba. Autores cariocas também demonstrarão
influênciadeBaudelairenessaleituraapartirdadécadade90(CAROLLO,1980).
Os parnasianos e decadentistas no Brasil demonstraram, na visão de Bosi
(2006), uma diferença marcadaapenas pelo grau”: o Parnasoprezava o aspecto
formal,jáoDecadentismotinhapordogma“areligiãodoverbo”(p.269).Candidoe
Castello(1979)pontuamqueumaatençãomais“direta”aostratosdo“corpoedos
desejos”, tendência que se confirmou como parnasiana, toma inspiração,
parcialmente, nos escritos baudelairianos (p. 99).Além disso, na valorização das
minúcias, acabaram por sobrecarregar a literatura de uma “pesada literatice,
epidérmicaepretensiosa,feitaparaasensibilidadesemicultadaburguesia”(p.103).
NestorVictor(1900)senteesseperíodotransicionalnumarelaçãoentreoque
chamoude“caducidade”e“inconsistência”;aescolaparnasianaexpiraraseutempo
porém,amescladetendênciasquevinhadaEuropaaindademonstravaestarem
“inicial formação” - a isso chamou “épocas de decadência”, justificando que a
concretude dos movimentos acontece “de forma lenta na história das grandes
coletividades”(VICTOR,1900apudCAROLLO,1980,p.46/7).
Araripe Júnior lamenta o fato de o Decadentismo brasileiro, ao invés de ter
sua influência inicial trazida “diretamente de Paris”, fazer “escala” por Portugal,
através dos chamados “nefelibatas”
26
, como eram conhecidos os escritores
decadentistasportugueses(ARARIPEJR,1894apudCAROLLO,1980,p.198).
ODecadentismoportuguêstraziacomoprincipalmotivonasuacomposiçãoa
novidade do vocábulo: “É claro que, não há só o uso, o abuso e de palavras
incompreensíveisemborasonorasebelasnasuacomposiçãofonética”(FONSECA,
1893apudCAROLLO1980,p.114).
José Veríssimo (1976) irá considerar que a aproximação ao Decadentismo
dos nefelibatas aconteceu por motivos de desconhecimento da língua francesa, o
que faz dos nefelibatas portugueses os verdadeiros mestres do Simbolismo
 
26“Nefelibata”significa“queouquemvivenasnuvens”.
47
brasileiro.
Nas palavras de importantes teóricos da literatura brasileira, o Simbolismo
nãorepresentouummovimentodeigualrelevânciaaoutros,comoporexemplo,o
Romantismo.ParaBosi(2006),foialgode“surtoepidêmico”que“nãopôderomper
a crosta da literatura oficial” (p. 269); para Massaud Moisés (1988) não obteve
suficienteautonomiaporsietevedevaler-sedoParnasianismo;CandidoeCastello
(1979) o consideraram “bastante medíocre” no Brasil, à exceção de dois de seus
precursores:CruzeSousaeAlphonsusdeGuimaraens(p.105).
Asferramentasdossimbolistasparacriarumalinguagemquefosseespecial
paraomovimentoforam:umagramáticaeumléxico“psicológicos”,ousoabundante
deneologismosearcaísmos
27
,aassociaçãoinusitadadepalavras;“y”emlugardo
“i”; além de lançarem mão de recursos gráficos antes não utilizados: cores na
impressãoepoemasemtiposmaiúsculos
28
(MOISÉS,1988).
NoprefácioaÀsavessas,deJ-KHuysmans,JoséPauloPaescitaMedeiros
eAlbuquerquecomoo“introdutordoSimbolismoentrenós”-aobrafoiCançõesda
decadência, de 1889 (PAES, 1987 apud HUYSMANS, 1987, p. 05). Candido e
Castello (1979) assinalam a publicação de Missal (poemas em prosa) e Broquéis
(versos), de Cruz e Sousa, em 1893, como o começo oficial do Simbolismo no
Brasil.
O movimento não teve, no Brasil, a mesma repercussão que obteve na
Europa.Umdosfatoresdecisivosquepodetercontribuídoparaessefimé, como
analisado por Alfredo Bosi (2006), que o Simbolismo se afastava dos problemas
nacionais:
[…] toda essa floração estética, para suster-se à tona das águas
móveis da cultura, precisa afundar suas raízes no chão firme da
realidade histórica, respondendo às contradições desta, e não
apenasaumaououtraexigênciadecertosgruposculturais.
 
27A “verbomania” decadente-simbolista foi tanta, que houve até a necessidade da criação de um
glossárioparaauxiliarosescritoresemsuasfunções,oPetitglossairepourserviràl'intelligence
desauteursdécadentsetsymbolistes,deJacquesPlowert,editadoem1888(MOISÉS,1988,p.
06).
28LuciaMiguelPereiradestacaque“naviradadoculo,umasériedelivrosgraficamenteoriginais,
comimensasmargens,tintasdeduascoresevinhetasdeinspiraçãooriental”começaramasurgir
(1988,p.223).
48
O irracionalismo literário não é capaz de substituir em força e
universalidade as crenças tradicionais; nem seu alheamento da
ciênciaedatécnicavaiaoencontrodasnecessidadesdasmassas
queocuparamocenáriodaHistórianesteséculoetêmclamadopor
umaculturaquepromovaeinterpreteosbensadvindosdoprogresso
(BOSI,2006,p.266).
Ointeressepelopaísdiminuiconsideravelmentenesseperíodotalvezporque
osromânticostenhamtornadooBrasilpordemais“ilustre”.OBrasilqueépercebido
pelosdecadente-simbolistaséum Brasil“quaseanalfabeto”,carentedeilustração,
difícil de ser pensado na mente dos intelectuais que estavam voltados, quase
integralmente,paraosproblemasestéticos(PEREIRA,1988).
LuciaMiguelPereiraapontadadosequidistantessobreoperíodosimbolista.
Salienta que a pobreza da qualidade tem o seu extremo oposto na riqueza da
quantidade.Revelaqueoperíodoencerratambémumagrandeexceçãoemtermos
doqueconsidera“valorespermanentesdaliteratura”-apresençadeMachadode
Assis(1988,p.24).
No sentido dos “valores permanentes”, significativos no montante de uma
literatura, Bosi aponta algumas “técnicas literárias de vanguarda” que só foram
viáveisapartirdoSimbolismo:“omonólogointerioreacorrentedeconsciência
29
de
Joyce,asondageminfinitesimalnamemóriadeProust,adesarticulaçãosintáticade
Apollinaire e a linguagem automática do Inconsciente dos surrealistas [...]” (BOSI,
2006, p. 267, grifo do autor). Além disso, os simbolistas possuíram a importante
missãodeexternarodescontentamentodohomemfrentea
umacivilizaçãoemprocessodemodernização.
ÉimportanteaindaperceberoPré-Modernismo,termocriadoporTristão de
AtaídeeutilizadoporBosi(1966)emreferênciaaoperíodobalizadopeloiníciodo
séculoXXatéaSemanadeArteModerna,de1922.A virada do século até seus
primeirosanosfoivividapelosnossosliteratosnaambiênciadaAcademia,doscafés
e confeitarias que estimulavam a boêmia
30
carioca. Os boêmios, envolvidos como
 
29Tambémconhecidocomo“fluxodeconsciência”.
30“Boêmia”: significa vadiagem, pândega, estúrdia, estroinice (FERREIRA, Aurélio Buarque de
Holanda. 2004,p.309). Oboêmioé aqueleque conduzavidade forma desregrada, passando
noites em lugares pouco recomendáveis, onde o jogo e a o álcool lhe servem como
“companheiros”. Conforme Broca, dois fatores contribuiram para a decadência da Boêmia: a
49
analistasdearteemseuscírculos,formandoverdadeirasconfrariasestéticas,
comportam-secomoseemParisestivessem
31
.
Asrevistas
32
aquisãocriadasàmodasdasrevistasdeartevindasdaEuropa,
“ressoando a efervescência geral” (MOISÉS, 1988, p. 168). O clima belle époque
domina o cenário brasileiro (em especial, o carioca), receptivo à existência de
diferentes tendências. Os moldes foram fornecidos pela Europa e, como num
preceito bíblico, foram reproduzidos no Brasil “à imagem e semelhança”. O art
nouveau, representado pelo ornamento, pelo “caprichoso e retorcido” (PEREIRA,
1988,p.223)émaisdoquealgoparasepercebercomoolhar,incorporando-seao
intelectual. Como mencionado por Jeffrey Needell, são “os paradigmas franco-
inglesesaristocráticosaceitosporestaelitetropicalcomoCivilização”(1993,p.273).
NoslogancriadoporFigueiredoPimentel,tem-seoentendimentodoperíodo:
“O Rio civiliza-se” (apud BROCA, 2005, p.37). Marcada por importantes
acontecimentos e eventos (surgimento dos bondes, do cinema, abertura de
avenidas, exposições culturais as quais vão ser o estopim para a inauguração do
TeatroMunicipal,em1909,edaBibliotecaNacional,em1910)acidadedoRiovai
vivenciar um clima de euforia que se espalha pelas manifestações artísticas, em
geral.Éabelleépoque,queteráseuesgotamentoassinaladodeformatrágicapelo
   
reconstruçãodacidadedoRioeacriaçãodaAcademiaBrasileiradeLetras(1896)-“aprovade
compostura se tornara imprescindível para a admissão no novo grêmio, que desde o início se
revestira deuma dignidade oficial incompatível com osdesmandos daboêmia” (2005,p. 40).A
Boêmia vai ter uma espécie de retorno na primeira década do século XX, sob a denominação
“boêmiadourada”,oqueestabeleceriaauniãoentreomundanismo,orequinteeoDecadentismo.
AboêmiadouradaémostradaemdetalhesnaobraFiveo'clock,deElysiodeCarvalho(1909).
31OchamadoParisianismo”,fenômenoqueficouconhecido,noBrasil,porinstituirumahegemonia
dos aspectos de vida parisiense como se do Brasil fossem. Broca (2005, p. 149) revela as
consequênciasdestemododeencararavidaparaaliteraturabrasileira:“Comoexpressãodesse
parisianismo floresceu entre nós uma literatura de viagem toda epidérmica, que teve seu
desdobramento na ficção. Romances e contos de personagens estranhos a nosso ambiente,
intrigas em hotéis de luxo entre mulheres vampirescas, príncipes decaídos, escroques
internacionais,ondeaparecemcomfrequênciavícioselegantescomoacocaínaeamorfina[...]”.
OtérminodoParisianismosóaconteceriacomomovimentodeartemoderna.
32Comoobjetivodereverberarasideiasquesecolocavamàdiscussão,alémdosgruposliterários,
asrevistastambémforam defundamentalrelevância.Asmais conhecidas:RevistadaSemana,
Kosmos, Fon-fon, Careta, A vida moderna, O Pirralho, entre outras. A criação das revistas
europeiasrevelou-secomoumbommotivoparaqueaquitambémessesveículosdedivulgação
daartefossempostosemconsideração(BROCA,2005).
50
iníciodaPrimeiraGuerra.
33
Bosi(2006)faráoesclarecimentodoqueveioaconsiderar“Pré-Modernismo”
através de “tudo o que, nas primeiras décadas do século, problematiza a nossa
realidadesocialecultural”(p.306)
34
.Levaráemconsideraçãoumchamado“período
intervalar” que marcará o convívio estranho entre a lucidez de certos autores e a
presença de autores epigônicos”, “imersos ainda no clima do Decadentismo
europeu” (p. 197). Aí insere Coelho Neto, no que convencionou classificar no
subcampochamado“Naturalismoestilizado:Artnouveau”.
 
33Massaud Moisés(1988) delimitaabelleépoque entrea publicação deCanaã (1902),de Graça
Aranha,eaSemanadeArteModerna(1922).
34BosiesclarecequehádoissentidosparaoPré-Modernismo:umdelesligadoauma“conotação
meramentetemporaldeanterioridade”eoutroligadoaumaconcepçãodeescolhas“temáticase
formaisemrelaçãoàliteraturamodernista”.Nessesentido,CoelhoNetopodeserenquadradono
primeirosentidomasnão no segundo, vistoquenão foiconsideradoum autorqueacrescentou
algo“renovador”naliteraturanacional.
51
2.COELHONETO,O“ÚLTIMODOSHELENOS”?
Henrique Maximiniano Coelho Neto
35
, maranhense que adotou o Rio de
Janeirocomomoradaeprincipalmotedeseusescritos,nasceunoanode1864e
faleceuem1934.Filhodeumcomercianteportuguêsedeumaíndia,iniciouestudos
através de um tio, o qual foi o responsável pela introdução dos clássicos
portugueseselatinosemsuavida
36
.Aformalidadenosestudosdeu-seatravésdo
Colégio Jordão e no Externato do Colégio Pedro II, já no Rio de Janeiro. Não
adaptadoàFaculdadedeMedicina,suaprimeiraescolha,preferiuaJurisprudência,
matriculando-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Lá, sua real dedicação
demonstrouserapoesia.Porvoltadadécadade1880,jáestavadevoltaaoRioe,
aoladodeOlavoBilaceoutros,viviaaboêmia
37
 
35Conforme sua biografia, utilizou-se ainda de pseudônimos: Caliban, Anselmo Ribas, Charles
Rouguet,Ariel,Demonac,BlancoCanabarro,VictorLealeHenriLesongeur.
36Os pais de Coelho Neto foram Antonio da Fonseca Coelho e Anna Sylvestre Coelho. O tio
chamava-seResende,eeraumguarda-livros.
37A boêmia referente àCoelhoNeto estáconcentrada nadécada de1880.Após seu casamento,
tornou-se,naspalavrasdeBritoBroca(2005,p.39)o“antípodadoboêmio”.Needell(1993)citaos
mais famosos boêmios da época como sendo José do Patrocínio, Olavo Bilac, Coelho Neto,
AluísioAzevedo, Guimarães Passos ePaula Nei, e ressalta que eram bem nascidos, ou seja,
pertenciama“famíliasderelativariquezaestatus”(p.222).Considerandoaobrabiográficadofilho
deCoelhoNeto (1942), naqual o mesmodeclara quenem mesmoa vultosa produçãoliterária
havia proporcionado a Coelho Neto a compra da casa da rua do Rozo, pode-se concluir que
Coelho Neto fazia sim parte de uma elite literária” mas não estava inserido na chamada “elite
social”aqueserefereNeedell.Ogarboàimitaçãodosfrancesespodeteratenuadoacondição
realdeCoelhoNetoe,nestesentido,épossíveladúvida:quemerarealmenteesseescritor?Em
umapassagemdaobradeWalterBenjamin(1989,p.200/1)háumadefiniçãode“boêmio”feita
52
Ideologicamente abolicionista e republicano, Coelho Neto, lado a lado com
JosédoPatrocínio,tributouesforçosà“causadaLiberdade”-adosescravoseada
Pátria – colaborando, paraisso, nojornal “Gazeta da Tarde”, “Gazeta do Rio”, do
próprio José do Patrocínio, e “Diário de Notícias”, de Rui Barbosa (COELHO
NETTO,P.,1942,p.23).Daíemdiante,assumiuosjornaiscomoprincipaismeios
deproduçãode seuideário,fosseelepolítico-socialoupoético.Em 1890casa-se
comd.MariaGabriellaBrandão(donaGaby),musaecompanheiraqueoajudouno
cultodeumaboêmiadecunhomais“familiar”
38

Foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras
39
, cuja cadeira de
númerodoistevecomopatronoÁlvaresdeAzevedo.Exerceufunçõesjuntoasua
presidênciaem1926sendo,doisanosapós,consagradopelovotocríticoepopular
derevistasliteráriascomoo“PríncipedosProsadoresBrasileiros”.Em1932,tevea
candidatura oficial ao Prêmio Nobel de Literatura aclamada pela Academia,
demarcando a nossa história literária nesse sentido “pela primeira e única vez”
(SILVA,2006,p.44).
Os títulos recebidos
40
ou aos quais foi indicado revelam o mérito desse
   
em 1843 por Adolphe D'Ennery et Grangé que diz: “Entendo por boêmios essa classe de
indivíduoscujaexistênciaéumproblema,cujacondiçãoéummito,cujafortunaéumenigma,que
não têm nenhuma moradia estável, nenhum abrigo reconhecido, que não se acham em parte
alguma e que encontramos por toda parte! Que não têm uma só situação e que exercem
cinqüenta profissões […] ricos hoje, esfaimados amanhã [...]”. Percebe-se bastante de Coelho
Netonadescriçãodesse“enigma”.
38DonaGabyfoiagentilanfitriãdofamosoSalãodaruadoRozo”,acasaondeelaeCoelhoNeto
viviamerecebiamrepresentantesdaculturabrasileiraeestrangeira,emgeral,paraqueaboêmia
pudessesercontinuada, emambientemais“familiar”.Avariedadeartísticaquelásereuniaera
abrangente, de modo a formar um quadro de frequentadores composto por sicos, pintores,
escultores,mestres ealunosde BelasArtes. O“Salãode Coelho Neto”,como ficou conhecido,
possuíaumanaturezasem“tomafetadoeesnobe”,eeracaracterizadoatémesmopor“umacerta
sem-cerimônia”,estandoabertoa“todomundo”(BROCA,2005,p.62/3).Opiniãodiferenterevela
JeffreyNeedellemseu cuidadosoestudosobreabelleépoquetropical emrelaçãoaosalãode
CoelhoNeto;ohistoriadorpontuaque“[...]osalãodeCoelhoNetodemonstracomoaculturaea
sociedade de elite estavam […] estreitamente interligadas” (NEEDELL, 1993, p. 238) - pela
assertiva de Brito Broca, tem-se a ideia que a composição do salão não estava unicamente
vinculadaà“elite”.
39NaspalavrasdePereiradeCarvalho,1915,“emrelaçãoàAcademia,podemosaplicaraCoelho
Nettoafraseinglesa tãoprecisa na bela concisão: Theright man in theright place.(Ohomem
certo,nolugarcerto,nossatradução).
40Otítulode“PríncipedosProsadoresBrasileiros”foiganhoporCoelhoNetoemtrêsoportunidades,
em concursos realizados por trêsrevistas de suma importância para o mundo literário da belle
époque:“Fon-fon”,“Phoenix”e“OMalho”,entre1925e1928.Nesseaspecto,éimportanteterem
contaaaceitaçãodeCoelhoNetojuntoacomissõesdeescritorese,igualmente,juntoaopúblico
leitor(sóaconsideraçãodavotaçãopopularnarevista“Fon-Fon”,porexemplo,19.556votos,já
expressa o lugar que Coelho Neto ocupava junto ao universo da recepção literária da época)
(COELHONETO,P.,1942,p.75).
53
escritorque foi,semdúvidas,omais prolixo representantede suaépoca – nesse
sentido,erarealmenteo“PríncipedosProsadores”:
[…]Vossoseleitoressãovossosleitores. Bemverdade,repeti,que
soisumpncipeconfirmado.Príncipenãode sangue,não príncipe
herdeiro,nãogalhoprivilegiadodealgumtroncoreal,maspríncipe,
nosentidoromanodapalavrapríncipe,comooprimeiro,oprincipal,
o maior, tendo vindo de si mesmo, patriarca da dinastia (LIMA
41
,
1928apudCOELHONETO,P.,1942,p.76).
OmerecimentodaindicaçãodeCoelhoNetoaoNobeldeLiteraturadeve-se
ao reconhecimento do autor como contumaz produtor das Letras Brasileiras, em
cincodécadasdeatividadeliterária,commaisdecemvolumespublicadoserias
obras inéditas, os quais foram categorizados de acordo com os mais diversos
gêneros, passando do romance (seu principal gênero literário), igualmente pelo
conto, novela, drama e comédia (no teatro), poesia, crítica, história, conferência,
fábula,crônica,narrativadeviagem,reportagemediscurso,contribuindoigualmente
paraoensinodaliteratura,fazendotambémdediplomata,enciclopedista,produtore
tradutor de filmes (COELHO NETO, P., 1942). A indicação, na defesa do filho e
biógrafoPauloCoelhoNeto,“jánãoeradestaoudaquelacorrenteliterária,masdo
Brasilmental”(p.357).
Talprolixidadeprodutivasóviriaaseuesgotamentocomdoisfatostrágicos
navidadeCoelhoNeto:amortedofilhomaisvelho,Mano(Emanuel),aosvintee
quatro anos, e a morte da companheira, DonaGaby. Como explicitou na própria
obradenominadaMano,de1924,“Ondeumavidaseexalaficasempreumvestígio”
(COELHONETO,H.,1924,p.13),o“vestígio”diriarespeitoàfaltadacapacidade
criativa e à desaceleração da “máquina produtiva” que ele representava como
escritordejornais
42
.
O excesso de trabalho devia-se também a uma rapidez na escrita nunca
 
41Parte do discurso de saudação a Coelho Neto, proferido porAugusto de Lima, Presidente da
AcademiadeLetrasem1928,emreferênciaaconquistadostítulosde“PríncipedosProsadores
Brasileiros”.
42De acordo com sua biografia, Coelho Neto reduziria sua produção nos jornais (principalmente
apósamortedeDonaGaby)acrônicasbi-semanaisparao“JornaldoBrasil”.
54
antesvistanouniversoliteráriobrasileiro
43
.Emtemposanteriores,quandoosjovens
escritoresvertiamapenaporprazeretinhamdepagarparaexibirsuasproduções,
CoelhoNetohaviaalcançadosucessopioneiroao“vender”materialescritoporelee
porOlavoBilac
44
aumarevista.EssefatofoielogiadoporManueldeSousaPintoe
FialhodeAlmeida:
A sua pena […] foi a primeira que ousou, em terras brasileiras,
proclamar os seus direitos sagrados ao trabalho remunerador,
renegar da arte passatempo, da arte recreação, da arte para
amadores,efazer, semtransigências, dessaarte oseu ganhapão
(PINTO,inTerramoçaapudCOELHONETO,P.,1942,p.73).
CoelhoNettoéaavisraraque,segundomedizem,temconseguido
viver da produção literária, estenografada em língua portuguesa.
Fatotãoextraordinário,queemPortugalmalpodesercompreendido
(ALMEIDA,inBarbear,pentear...apudCOELHONETO,P.,1942,p.
73).
CoelhoNetojustificaaprolixidadeprodutivaeecletismopelofatodeestara
serviçodafamílianumerosaeterdeprover-lhesasnecessidades.Nacoletâneade
entrevistasdeJoãodoRio,O momentoliterário(1907),Coelho Netoassim utiliza
suadefesa:
[...] subordinando o estilo à concepção, a pena trabalha quase
mecânicamente […] muitas obras primas foram escritas em dias
como o Hamlet de Shakespeare e alguns recusam compreender a
necessidadedeumescritorqueresolveviverapenasdaprópriapena
(COELHONETO,apudRIO,1907,p.25).
 
43O amigo, Euclides da Cunha, surpreso e preocupado em relação à extraordinária atividade de
CoelhoNeto,teriaassimcomentado:“Andasescrevendomuito.Trêsartigosdiários!Nãoteesgota
estadissipaçãodafantasiaeestacaçadaexaustivadosassuntos?”(In:COELHONETTO,Livro
dePrata,1928apudCOELHONETO,P.,1942,p.38).ConformeBrocaePauloCoelhoNetto,no
anode1898elepublicou11livros.
44Ainda na biografia de Coelho Neto há revelações dos “dias trágicos”, vividos na pobreza. Um
episódiobastantepeculiardizrespeitoaofatodaexistênciadeumsópardesapatosnacasaque
compartilhava com Bilac quando Coelho Neto saía, Bilac era obrigado a ficar em casa,
produzindo(COELHONETO,P.,1942).
55
Arapidezdesuaescritaestavacondicionadaaumtrabalhonoentornodedez
ou doze horas, regado a café e cigarros. Alguns romances foram concebidos e
publicadosdiariamenteemváriosjornaisdaépoca,entreeles,Aconquista,Acapital
federal,Miragem,Invernoemflor,Oreifantasma,TormentaeoRajahdePendjab
(COELHONETO,P.,1942).Obviamente, eraumescritordotado deumamemória
extraordinária(porexemplo,eraconhecidoporcitaramitologiagregaeromanaem
toda a sua amplitude). Se for analisada a seguinte assertiva de Nestor Vítor, é
possível, após os estudos de Baudelaire sobre Constantin Guys, realizar a
aproximaçãodaartecoelhonetianaedesua“artemnemônica”:“Seucérebroécomo
umaexcelentekodak:porondeele passaosolhos,vaiautomaticamentetomando
clichésquelheficamparasempre,nítidosefixos,comoplatinotipias,namemória”
(in:Acríticadeontem,1919apudCOELHONETO,P.,1942,p.370).
AmitologiaexerceuparaCoelhoNetoumainfluênciamaisdoquenotórianas
obras. Acusado de “helenista”, foi defendido pelo filho na obra biográfica na
justificativa que nunca escreveu sequer romance grego e que, dos setecentos
contospublicados,apenasdozetêmcomoassuntoaGrécia.Nesteestudo,através
daobraEsphinge,demonstrar-se-áqueafeiçãodehelenista”lhecaibem,sefor
considerada a alusão à mitologia suscitada através de referências em bases de
nomenclatura,muitasvezes,frasesprofessadaspelosseuspersonagensurbanos–
o “helenista” estaria presente, embora não no que concerne ao enredo” de suas
ficções.
BritoBroca(2005)assinalaqueachamada“maniadaGrécia”tevevitalidade
entremuitosescritoresnoBrasilatéaguerrade1914.Revelava,àsvezesdeforma
inconsciente, uma aversão às origens, uma vergonha em relação ao elemento
africanoquemiscigenaraporaqui.
O movimento científico da Escola de Recife
45
, sob a influência
germânica,emlugardeproclamaralegitimidadedenossaformação
étnica, carregara ainda mais no preconceito, levando-nos a ver na
mestiçagem um fator de decadência da nacionalidade (BROCA,
 
45A Escolade Recife(formadaem tornode1870 elideradaporTobias Barreto)tinha pormote a
valorização da mestiçagem no Brasil e a dedicação aos elementos formadores do caráter
nacional.Influenciouosmovimentosabolicionistaserepublicanos(NEEDELL,1993).
56
2005,p.157).
AessainfluêncianegativadaeugeniadenunciadaporBritoBroca,érelevante
mencionarocarátereugênicopositivoidealizadoporCoelhoNeto.Sobaóticado
“helenista”,pensavauma“naçãoforte,dehomensrobustos,porquesóaforçapode
assegurarapaz”.Nessesentido,contribuiujuntoamuitosgrêmiosnáuticosdoRio,
osquaislheconferiramtítuloshonoríficosemgratidãoasuaprestezanotocantea
“magnacausa”.Defendiaaeugeniaeeraumfervoroso“propagandistadaeducação
física”
46
.Porocasião de sua morte, ocorrida em 1934,teria dito Guilherme de
Almeida:“- Coelho Nettonão morreu.Acaso poderá morrer aHélade?” (COELHO
NETO,P.,1942,passim).
HumbertodeCampos,numestudocríticode1935,salientouqueCoelhoNeto
erarealmenteo“últimodoshelenos”
47
assimcomopoderiatersidoconsiderado“o
últimopersa”(SILVA,M.,2006,p.58).Talvezpelofatodaleituraquemaisotenha
impressionado ter sido As mil e uma noites e, anteriormente a isso, conforme
respondeaJoãodoRioparaOmomentoliterário(1907),pelainfluênciadaslendas
ouvidas em criança enquanto morava no sertão, repletas de fantasia e
encantamentos. As mil e uma noites talvez o tenha influenciado no alento de um
sonho.Nafaseinicialdesuavidacariocatememmenteproduzir“umvastociclo
romanesco”tendopormatrizahistóriadapátria,desdeachegadadeCabralatéa
tãosonhada“República”.AssimgostariaBritoBroca(1981),sóquetendoporfiode
Ariadneumahistóriadaslendas:
 
46SegundoBroca(2005)ofutebolcomeçaaserapreciado,noBrasil,naprimeiradécadadonovo
séculoeteve,porpartedealgunsescritoresapaixonadospelaGrécia,umaobservaçãosobum
“prisma helênico”. Coelho Neto, justificando sua dedicação à Hélade, foi membro fundador do
Fluminense Futebol Clube emotivadordas campanhasesportivas dosfilhos, tendo osmesmos
conquistadomaisde300medalhasetroféusemtorneiosregionais,nacionaiseinternacionais.
47
“Eusouoúltimodoshelenos”éumafrasequeteriasidoditaporCoelhoNetoporocasiãode
umasessão,naAcademia,em1924,oportunidadeemqueGraçaAranhateriadeclaradoque“a
fundaçãodaAcademiafoiumequívocoeumerro”,acrescentandodepoisapergunta“aacademia
seráumareuniãodeespectros?”.Apósligeirotumulto,GraçaAranhafoicarregadonosbraçosde
vários jovens, sob o protesto de Osório Duque Estrada e Coelho Neto, também carregado por
seusadeptoseproferindoareferidafrase.(Fonte:AcademiaBrasileiradeLetras,artigodeAlberto
Venâncio Filho. Disponível em:
<
http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?from_info_index=30i
nfoid=2464&sid=378
>Acessoem:04ago2010.Várioshistoriadores,porém,oconcordam
comessaversão.
57
“[…]Ora,o queeledeviater emmiraemtãoaudaciosoplano era
realizarumaespéciedeMileumanoitesbrasileiras,emquetodoo
nossopassadosurgisse,maisatravésdalendadoquepropriamente
dahistória[...]”.
O conceito de literatura que possuía Coelho Neto está explicitado no seu
CompêndiodeLiteraturaBrasileira,cujaprimeiraediçãoéde1905.Estáligadoaum
“ideal de representação”expresso por “manifestaçõesverbais (1913, p.05). Nesse
sentido, o “belo” podia ser entendido enquanto fosse possível ser representado”,
“lapidado”,deacordocomobomusodalíngua.O“belo”,paraCoelhoNeto,vinha
em escala superior ao útil”, o que está em consonância com o pensamento do
famoso decadentista Oscar Wilde, para o qual “Toda arte é completamente inútil”
(1981, p. 08). Para Coelho Neto “a verdadeira arte é desinteressada como o
verdadeiroamoreprocurananaturezanãooqueelatemdeútil,masoqueelatem
deBelo”(1904,p.233apudCOELHONETO,P.,1942,p.274).
Abuscapelo“belo”conduziuoartistaquehaviaemCoelhoNetoaochamado
“beletrismo”. Lucia Miguel Pereira defende que, contrariamente ao que se possa
pensar, Coelho Neto foi doutrinado pela palavra,ao invés de estabelecer domínio
sobreela.Colocaoautorcomoumaespéciedeescravodamesma,cujopoderde
realizarafantasiaeosensopoéticoexistia,mas“foireduzidoameropretextopara
frases”(1988,p.251).
Pouca“substância”emuito“floreio”foiacaracterísticaprincipaldodiletante,
que privilegiava o lúdico nas ideias, “borboleteando” por elas como o flâneur a
perceber e fazer literatura. Por viabilizarem somente o prazer literário, o
alcançaramsuficienteexpressão,àexceçãodealgunstalentos.EntendeaindaLucia
Pereira, nesse âmbito, que a capacidade criativa de Coelho Neto, dominada pelo
“verbal” eleva seu fazer literário somente à categoria de “divertimento” (1988, p.
249).
“Borboleteando” pelas ideias e escolas, CoelhoNeto foi um experimentador
romântico, realista, naturalista, simbolista e, dentro do Pós-Romantismo, também
58
regionalista
48
: “[…] esta mistura incoerente de tendências estéticas não é nele o
resultadodoecletismocontemporâneo,masantesoefeitodeumengenhoquese
comprazemexperimentar-seemmodosegênerosdiversos”(PEREIRA,p.253).
Acusaçõesforamatônicada“decadência”(narealacepçãodapalavra,enão
comotendênciadeestilo)deCoelhoNeto.Emseuestudosobreoautor,BritoBroca
(1981)destacatrêsacusaçõesfeitasaele:ousodepalavrasdifíceis,aprolixidadee
opredomíniodaformasobreoconteúdo.Brocaentendequeoexcessodepalavras
rebuscadas pode levar à “afetação”, porém, revela que também em Euclides da
Cunha e Fialho de Almeida o mesmo confere, embora a “estrutura íntima” seja
conservada. Quanto à prolixidade, só fazia por piorar a primeira acusação – no
entanto, quanto a esta falha, o próprio Coelho Neto também concordava que
deveria “desbastar” algumas obras do excesso de palavras.A terceira acusação,
herança do Parnasianismo, pode melhor ser entendida nas palavras dos teóricos
citados porBroca: “complicação sem complexidade”foi o veredicto dado por José
Veríssimo;“literatizatudoemquetoca”,porTristãodeAthayde.Emseuensaio,Brito
Broca lança mão de motivos para combater tais acusações: quanto a palavras
desusadas,afirmaque“taisexagerosnãosãoorgânicos”;notocanteàprolixidade,
defende os romances Turbilhão, Miragem e O morto, dizendo que não exigiriam
cortes e que os cortes nos demais romances ficariam em nível nimo; quanto à
valorização da forma em detrimento do conteúdo, diz ser este “um julgamento
sumárioeexagerado”(1981,p.196/7).
CoelhoNetorecebeucríticanegativadeváriosdeseuscontemporâneos,por
exemplo,JoséVeríssimo,queoacusoudeserdesprovidode“forçacriadora”e,por
isso, ter de dispor de um “bric-à-brac exótico […] orientalismo bíblico, mitologia
helênica ou escandinava, lendas germânicas ou saxônias, crendices medievais”
(VERÍSSIMO,1907apudNEEDELL,1993,p.240).ElísiodeCarvalho,noconjunto
de ensaios As modernas correntes esthéticas na literatura brazileira, de 1907,
observa que José Veríssimo tinha opinião “pouco favorável” sobre a literatura
brasileirafinissecularemgeral–diziaserumaliteratura“apressada”,“defolhetos”,
 
48Daí a inclusão do autor sob diferentes denominações taxonômicas, dada a dificuldade de sua
inserção de acordo com as tendências distintas e cambiantes da literatura finissecular. (Vide
apêndice:“QuadrosobreaconsideraçãotaxonômicadeCoelhoNetoem10Históriasdaliteratura
brasileira”)
59
semcaracterísticaquelhedesse“realceevalor”(p.22).
Oataquedos jovensmodernistasaCoelhoNetonãofoirefreadonempela
morte do filho (ocorrida em 1922, próxima à Semana). Foi o alvo predileto dos
renovadores, os quais, nas palavras de Mário Guastini, muitas vezes foram
acusadosde “fugas sintáticas”edeserem incapazesde“alinhavar meia dúzia de
períodos sem escoicear a língua, a arte e o bom senso” (1939 apud COELHO
NETO, P., p. 351). Ronald de Carvalho, no entanto, apesar de ter participado da
Semana e ter Toda aAmérica (1926) como uma das obras fundamentais para a
inteligência modernista
49
, reconhece em Coelho Neto a lembrança do Brasil, o
“sentimento de brasilidade” - na criação dos “tipos humildes do interior, as
peculiaridadesdavidaeolirismodasuapsyqué”paraaobraSertão(1937,362/3).
Carvalho persegue o momento do Brasil, considerando que a literatura nacional
develivrar-sedosestereótiposeuropeuseinserir-senoquechama“omomentoda
liçãoamericana”,“onossomomento”(1937,p.372).
Outro de seus contemporâneos, Medeiros e Albuquerque, percebe que a
linguagememCoelhoNetooé apropriadaparaoentendimentodamaioriadas
pessoas (BROCA, 2005).Antonio SoaresAmora (1963), nascido à épocaem que
CoelhoNetoaindaproduzia(1917)dizqueoautorficouna“literaturaparararos”,
devidoaoseuvirtuosismoestilístico–nãosendo,portanto,lidoporrepresentantes
foradaaristocraciaintelectual.
A crítica negativa mais atual, primordialmente, refere-se aos aspectos de
linguagem.NelsonWerneckSodré(1982)entendequealinguageméo“meio”eque
nãodeveterumpapelalémdessenível.Frisaque“elanãoéaliteratura”esim“o
caminho da literatura”. Tem fundamental relevância, mas não deve ser o aspecto
principaldaproduçãodeumautor(p.451).CandidoeCastello(1979)defendema
existência de dois pólos distintos em relação à linguagem: um é o benefício da
“criação da atmosfera” na mente do romancista, outro é, deixar-se levar pela
“preocupação dominante do vocábulo raro, acumulado em demasia” e que pode
conferir uma sobrecarga no nível frasal e, por conseguinte, textual. Os autores
constatam,nessesentido,o“aportuguesamento”doestilodeCoelhoNetoeovêem
preso“àtradiçãodeprosadoresseiscentistas”(p.232).Essaconstatação também
 
49Cfe.Bosi,2006.
60
podeseraplicadaàlinguagemcaracterísticadoParnasianismo:
Quantoàlíngua,buscaramumacorreçãogramaticalnãodespidade
pedantismo,eivandoasuaobradeumtomacadêmicoeprofessoral,
por vezes bastante desagradável. […] usaram com abundância o
vocabuláriodasartesplásticas,comparandooofíciodopoetaaodo
escultor e do pintor. Indo mais longe, e acentuando a busca de
elegância e requinte formal, compararam-se ao ourives, ao
cinzelador,aominiaturista,valorizandoopormenor,perdendo-sena
minúcia descritiva dos objetos raros: pomos de espada, taças,
leques,adereços(CANDIDO;CASTELLO,1979,p.101).

Bosi (2006) diz dos extremos da fortuna crítica de Coelho Neto: desde o
“sujeitomais nefasto”do métier, expresso por LimaBarreto, ao “maiorromancista
brasileiro”,porOtáviodeFaria(p.198/9).
O elogio a Coelho Neto, obviamente, mostrava sua força nos anos que
antecederam o Modernismo. De Machado de Assis, na crítica literária de jornais,
constatou a seu respeito a percepção de seu dom inventivo, de composição e
descriçãodavida,sendoconsideradoporeleum“observadordepulso”(in:“Gazeta
deNotícias,1895).AdeptodaEscolaRealista,aapreciaçãodeMachadorecaiumais
sobreaproduçãoregionalistadeCoelhoNeto:
CoelhoNetoamaosertão,comojáamouoOriente,etemnapalheta
ascorespróprias–decadapaisagem[…]pinta-nosumcabocloque,
pormenosqueosolhosestejamacostumadosaele,reconhecerão
queéumcaboclo(ASSIS,1897apudCOELHONETO,P.,p.105).
Especificamente sobre Firmo, o vaqueiro e Tapera, pontuou Machado, à
mesma ocasião: “Os costumes são rudes e simples […] as falas adequadas às
pessoas, e as ideias não sobem da cerebração natural do matuto” (ASSIS, 1897
apudCOELHONETO,P.,p.106).
Sílvio Romero, apesar de ser um perseguidor da brasilidade através do
61
prismasocial
50
,elogiaCoelhoNetocomosendoo“reidapalavraescritanoBrasilno
século XIX”,eem relação ao seu ecletismo
51
, inclusive utilizando-se dos recursos
taxonômicosemmençãoaessaqualidade-colocaCoelhoNetonogêneroromance,
sobotítulo“Ecletismouniversalista”,edeclara:“Suaobra,jáhojebemavultada,dá-
nosoexemplodeumbrilhanteecletismo”(1960,p.1808).
Quando da dura crítica da Academia então dominada pelos jovens
modernistas, recebeu palavras em sua defesa. Manoel Moreyra, no livro Coelho
Neto, aspectos de sua vida e obra, salienta que as atitudes antagônicas ao autor
infelizmente revelam o esquecimentodesua obra comoespólio culturalbrasileiro.
Medeiros eAlbuquerque justifica o “ataque” dizendo que os literatos em questão
revelavam-seexauridosporouviremchamarCoelhoNeto“umgrandeescritor”.João
NevesdaFontouralançaaideiaderedençãodeCoelhoNeto,dizendoque“teráde
serescutadonojuízofinaldasletrase,entreospoucosescolhidos,oseulugarestá
soberanamentemarcado”. De autoria desconhecida,publicada na“Gazetade o
Paulo”, em 1934, vêm a compreensão analítica do grande legado coelhonetiano:
“[...]eranaturalquenumaobratãogigantescanemtudofossedeprimeiraordem.
[…] dessa obra faz parte uma série de criações imorredouras que, por si só,
justificariamaglóriadeumescritoredeumaliteratura”(COELHONETO,P.,1942,
passim).
CríticoseteóricosmaisatuaisigualmenteencontrarampontosemqueCoelho
Netoesuaobradevamserelevados.AntonioCandidodizqueoautordominaafase
herdada pela tradição européia (a que se apresenta como “forma de expressão”)
com “foros de gênio” (CANDIDO, 2000, p.104). Massaud Moisés, por sua vez,
acompanha a ideia do jornal “Gazeta de São Paulo”, de 1934, justificando que
produção vultosa como a de Coelho Neto não consegue “idêntica qualidade
inventiva”(1988,p.183).Ohistoriadortambémdeixaclaroque,apesardenãoter
sidosagradocomogênio,tambémnãomereciaoextremooposto,queorelegouao
ostracismoliterário.
Lucia Miguel Pereira, a despeito de todo o negativismo na crítica a Coelho
 
50Importanteaquientenderqueumteóricocujapreocupaçãoéodadosocialeabuscadonacional,
comofoiSílvioRomero,sóironicamenteatribuiriataiselogiosaumescritortãocategorizadopela
“superficialidade”e“frivolidade”desuasobras.Porém,oquesepercebe,éumelogioreal.
51ValeaquialembrançadaconsideraçãonegativadeCoelhoNetoeseuecletismosoboparecerde
LuciaMiguelPereira(1988).
62
Neto,apontatambémqualidadescomoasde“narradorvivo,dotadodesensibilidade
eimaginação”(1988,p.257).Rogasuacompreensão,umavezquefoiimbuídodo
espíritodeseutempo,econcluiquefoifalho,massoubeincorporaro“idealliterário
desuaépoca”,sendodestaquecomosuamáximaexpressão”(p.259).Lamentao
triste legado do autor: ter produzido tantas obras e não ter tido sucesso na
integraçãodeumasequeràculturanacional,possuindoamplaspossibilidadesdetê-
lofeito.
Broca(1981)trazàdiscussãoodesconhecimentodaobradeCoelhoNetoou
acompreensãodaobrafeitademaneirasuperficial,pelageraçãopós22.Declara
quenãoérelevanteanalisar“oquepodiaserfeito”,mas“oquefez”(p.184).
AlfredoBosireclamasuanecessáriacompreensão:
[…] não parece lícito negar-lhe o dom de um genuíno talento
expressivo, condiçãoprimeirade todo artista.Coelho Neto nãoera
umescritorarbitrárioefalhoenquantohomemqueusavadapalavra
comoinstrumentosemântico;sualinguagemécorretaeprecisaaté
ao pedantismo, à obscuridade, ao preciosismo. […]. Reabilitá-lo
incondicionalmentetem,portudoisso,aresdequixotismodignode
melhorcausa;mascompreendê-loemsuasituaçãohistóricaétarefa
queocríticodehojepodeedevetentar(2006,p.205).
Bositambémoposicionadignamente,citando-ocomoumdostrêsíconesda
épocadoPré-Modernismo:“RuiBarbosa,naoratóriapolítica,EuclidesdaCunha,na
consciênciadaterraedohomemeCoelhoNetocomoagrandepresençaliterária
entreocrepúsculodoNaturalismoeaSemanade22”(2006,p.199).
Brito Broca (1981) aponta o enérgico protesto contra a injustiça feita pelos
modernistas na figura do defensor de Coelho Neto, Octávio de Faria. Na obra
Coelho Neto – Romance, além do elogio e depoimentos, acompanhados de uma
nota final de apresentaçãono sentido da reabilitação de Coelho Neto, Octávio de
Faria reúne fragmentos de alguns romances para montar uma antologia mínima
sobreoautor.
OsentimentoligadoaCoelhoNetonasúltimasdécadasdoséculoXIXéde
“repulsa” pelo seu estilo opulento e luxuriante” (BROCA, 1981, p.196). Esse fato
63
deveterentristecidomuitooartista,umavezqueacreditavaqueoestiloéaalma,
formaéocorpo”(COELHONETO,1913,p.33,grifodoautor)–portanto,feri-lono
“estilo”representavaferir-lhea“alma”.
No estudo comparativo entre Coelho Neto e Lima Barreto, A hélade e o
subúrbio: confrontos literários na belle époque carioca, Maurício Silva concede a
vitóriaao“subúrbio”.Analisadiversosaspectosdaobradosdoisromancistasefaz
contrapontos de suas concepções literárias, tais como: arte contemplativa versus
arte funcional; sociedade próspera versus sociedade justa; purismo gramatical
versus desleixo intencional; exuberância versus simplicidade; aticismo-orientalismo
versusnacionalismo-brasilidade;dialogismoartificialversusdialogismoespontâneo;
áreascitadinasburguesasversus ambientaçãosuburbana; tramaindividualversus
trama social; personagens planos versus personagens esféricos; exposição da
históriaversuscríticadahistória
52
(2006,passim).
Emumaspecto,porém,MaurícioSilvaconcedeavitóriaà“Hélade”:oprisma
darecepção.
Deforma alguma queremos com isso defenderum posicionamento
crítico tendencioso em relação aos dois romancistas, já que,
reconhecemos,cadaumparecetercumpridoplenamenteatarefaa
que se propuseram. E se nossas análises revelaram, sub-
repticiamente, uma tendência à valorização da figura de Lima
Barreto, em detrimento da de Coelho Neto, não hesitaríamos em
afirmar,porexemplo,quedopontodevistadarecepçãoliteráriaessa
tendência se inverte por completo: enquanto que no ambiente
literáriovolátildaBelleÉpoqueasobrasdeLimaBarretotinhamuma
aceitação limitada e restrita, as de Coelho Neto emergiam como
verdadeirosucessodepúblicoedecrítica,fazendodesseromancista
umadasfigurasdedestaquedaliteraturanacional(2006,p.99/100).
A aceitação de Coelho Neto junto ao público leitor da época era um fato
incontestável
53
.Seuleitoréaqueleembuscadoo-trivial,deumprazerindividual
 
52Entenda-seque ospontos confrontadosrepresentam emprimeiro aobra deCoelhoNetoe em
segundoadeLimaBarreto.
53Importante lembrar aqui das considerações em relação à estética da recepção, amplamente
estudadas por Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser (por volta de 1967). Jauss entendeu que a
qualidadedasobrasnãoeradecorrente“dascondiçõeshistóricasoubiográficasdenascimento”e
simdoefeito”proporcionadopelaobranouniversodoleitor(1994,p.07).Aessamesmaépoca,
64
(BOSI,2006).OgostodesseleitorrevelavaoquantoeraaficcionadopelaFrançae
pelos franceses, assinalando o aspecto inconstante que tinha preocupação no
acompanhamentodamoda(ofetichismodeconsumodoqualfalaWalterBenjamin).
Needell (1993) chama a atenção para que se compreenda a educação da elite
brasileiraàépocacomotendofortesbasesliteráriasefrancesas.
O “aportuguesamento” de sua linguagem favoreceu publicações no Brasil e
também em Portugal
54
. Maurício Silva (2006) entende que talvez existisse certo
cuidadocomarecepçãoportuguesajáquesuasobrasobtiveramporlárespostas
positivas:“Fatocuriosoesignificativo:CoelhoNetotemencontradoumacríticamais
benévola em Portugal, onde ninguém se espanta com a riqueza léxica de um
Camilo,aexuberânciadeumFialho,opreciosismodeumAquilinoRibeiro(BROCA,
1981,p.197).
Apesar de ter publicado mais de cem obras, somente algumas mereceram
comentáriosdacríticaliteráriaespecializada.Arecorrênciarecaisobreosromances.
AsobrasquemaisediçõesmereceramforamAcapitalfederal(5edições);Sertão(7
edições);Invernoemflor(5edições);Contospátrios(34edições);Teatroinfantil(6
edições);Pátriabrasileira(27edições);ReiNegro(5edições)eMano(5edições).
As obras eleitas como as melhores produzidas pelo autor (dentro das críticas
consultadas)foram Sertão (1896), contos, Turbilhão (1906), romance e Rei Negro
(1914),romance
55
.Dentrodaspreferênciasdacríticaedoblico,abordar-se-áo
teor principal de algumas dessas obras, incluindo outras que têm aparecido nas
históriasdaliteraturaporalgumarelevância.
Acapitalfederal,de1893,sofreuacusaçõesde“excessivainfluência”deEça
de Queirós, no A cidade e as serras. Brito Broca (1981) desmistifica o ocorrido,
   
Antonio Candido revelava consonância com as ideias dos teóricos alemães: “lembremos que o
reconhecimento da posição do escritor (a aceitação de suas ideias ou da sua técnica, a
remuneraçãodeseutrabalho)dependedaaceitaçãodesuaobra,porpartedopúblico”(2000,p.
70).
54Outro fato ligado ao sucesso das obras em Portugal é a publicação pela editora Chardron, do
Porto,tornadaporCoelhoNetosua“editoraquaseúnica”(BROCA,2005,p.203).
55Sertão foi o preferido de Antonio Candido e Ronald de Carvalho; Turbilhão, de Brito Broca e
Alfredo Bosi; Rei Negro foi o mais apreciado por Lucia Miguel Pereira e Massaud Moisés. O
favorito de Coelho Neto não foi um romance e sim Pelo amor!, poema dramático de 1897.
Confessa o autor para João do Rio em O momento literário que sua preferência é devida a
elementoscircunstanciaispoisnaquelaoportunidadeacreditavaquepoderiafazeradiferençano
Brasil: “Ainda naquele tempo julgava-me capaz de alguma coisa no Brasil. Foi uma batalha
perdida,masdequemelembrocomsaudades[...]”(COELHONETO,H.,apudRIO,1907,p.25).
65
dizendoqueassimilaridades entreosdoisromanceseramcoincidênciasjáqueA
cidadeeasserrasfoipublicadoem1901,portanto,oitoanosapósAcapitalfederal.
Sendo seu primeiro romance, escrito diariamente em jornais, conta a história de
Anselmo, jovem que estabelece morada na capital, vindo da província. Os
personagens deste romance levam uma vida apartada de compromissos, bem ao
climabelleépoque.MassaudMoisés(1988)assinalaquenestaobraestádefendida
a“práticadaliteratura'sorrisodasociedade'”(p.185).
Miragem,romancede1895,foiclassificadoporLuciaMiguelPereiracomoum
“dramahumanoeverdadeiro”(1988,p.258).Dizdadordeumafamíliacomamorte
deimportanteelementoconstitutivodesuabase:opai;aproclamaçãodaRepública
merececenaespecialnestaobra.Naproduçãodoromancefoiimputadodoerrode
“inventar demais”, pelo desconhecimento da região em que transcorre a diegese
(Vassouras, RJ). Broca(1981) revela que Coelho Netotambém publicou notas de
viagemsobreVassouras,nolivroPormontesevales,sóqueem1899.
Sertão,livrodecontosde1896,alémdeseisediçõesemlínguaportuguesa
mereceutambémumaemalemão(Wildnis
56
,1913).Trazhistóriasdegentesimples,
arraigadas à terra e faz parte do que Massaud Moisés (1988) chama “a segunda
vertente”
57
daficçãocoelhonetiana–asertaneja
58
-ondedemonstrarámelhoroseu
talento. Fazem parte dessa vertente as obras Treva (1906), Banzo (1913) e Rei
Negro(1914).
Invernoemflor,romancede1897,teve,alémdasediçõesbrasileiras,umaem
 
56NoprefácioaWildnis(Sertão),Martin Brusot,críticoaustríacoapreciador denossaliteraturano
séculoXIXeXX,assimescreve:Comestelivroéreveladoaoleitoralemãoumaliteraturanova,
aliteraturadoBrasil.Elaérelativamenterecente,porem,deraízesnaturaisedevigor,oqueafaz
merecedoradeserconhecidatambémnaEuropa.[…]Todososqueprocuramsensaçãoestética,
afastados da senda trivial, encontrarão, neste livro encantador, originalidade e beleza” (apud
COELHO NETTO, P., 1942, p. 307). O crítico ainda publicou em alemão as novelas que
compunhamTreva,de1906,sobotítuloDertotekollektor,em1915(BROCA,2005).
57A“primeiravertente”diriarespeitoàproduçãocitadina.
58Antonio Candidodeixaclaraa diferençaentre o “regionalismoromântico”(deAlencar eTaunay,
por exemplo) e o que chamou “literatura sertaneja” (de Simões Lopes Neto, Coelho Neto e
MonteiroLobato,entreoutros),jádentrodeummovimentopós-romântico:osromânticoslevaram
emconsideraçãooselementosdanaturezaetambémdosocial–aproblemáticahumanaexiste;
já os pós-românticos tendem a “anular o aspecto humano”, privilegiando o aspecto exótico da
paisagem e relegando o homem a uma posição como simples “peça da paisagem”. Essa
estratégia,segundoCandido,funcionavaparao“deleiteestéticodohomemdacidade”(2007,p.
528).
66
italiano (Verno in fiore, 1927). O “determinismo biológico”, conforme percebe Bosi
(2006,p.201)épartedesseromance–ainsanidadedamãequesurgenofilho,na
vidaadulta.Apropósitodotema,PériclesdeMoraespublicouem1917:
OSr.CoelhoNettodá-nosumestudoadmiráveldoamorincestuoso
comoumaconcepçãojustadasdoutrinasedosprocessosfreudistas,
tendoconcebidoerealizadooesquemapsíquicodoInvernoemflor
muitoantesdascontrovérsiascientíficassuscitadasnopensamento
moderno pelas idéias do Inconsciente na literatura, expendidas e
divulgadaspeloDr.Freud.Nasletrasbrasileiras,oSr.CoelhoNetto
foi, deveras, o único que, mesmo antes de divulgadas essas
modernas teorias psiquiátricas, conseguiu justificá-las num livro
profundamentehumano”(MORAES,1917apudCOELHONETO,P.,
1942,p.173).
ORajahdePendjab,romancede1898escritoemdoisvolumes,apesardeter
tidosomenteduasedições,mereceaconsideraçãonestadissertaçãoumavezque
foi analisado pela crítica literária em alguns aspectos. Em 1928, no “Revue de
l'AmériqueLatine”,JeanDuriaucomentaqueoRajah...nãoéumlivrosobreaÍndia,
como se poderia pensar a partir de seu título. Focaliza o Brasil à época de sua
colonização, no séculoXVI.Descreve assassinatos,traições e outras atrocidades,
revelandoouniversodosbandeirantes,negroseíndiosemconflituosaconvivência.
Traz também personagens ingênuos que se opõem às vilanias. O crítico francês
parabenizaCoelhoNetopela buscadocumentalepelocaráterdeverossimilhança
queatribuiuàescritadesua obra, econclui: “Que 'film'dramáticoesuntuoso um
cineastahabilpoderiarealizaremtornodesteromance!”(apudCOELHONETTO,P.,
1942,p.309).
A conquista, romance de 1898 em 4 edições, mereceu citação de Lucia
MiguelPereira(1988,p.258)queoconsiderouum“livropreciosoparaquemquiser
reconstituiravidaliteráriadosfinsdoséculopassado”.Nestaobrao“palco”seabre
comocenárioabolicionistaerepublicano.Oaspectoautobiográficodoromanceéa
tônica:aboêmiadosartistasbrasileirosnofinaldoséculo,principalmenteemtorno
dos jornais e cafés
59
(BOSI,2006). Brito Broca (1981) o classifica em seu ensaio
 
59AlfredoBosi(2006,p.202)ePauloCoelhoNeto(1942,p.219)citamospersonagensfictíciosque
serevelam comobiográficos emAconquista, tambémutilizados na obra Fogo Fátuo,de 1929:
67
sobreCoelhoNetocomo“omaislidodosseusromances”.
Tormenta, romance de 1901 em 3 edições, diz da história de um homem
perturbadopelalembrançadaesposamorta.Needell(1993,p.239)frisaqueesse
romance,assimcomoInvernoemflor,seguea“modapsicológicaestabelecidapor
Paul Bourget”, autor francês que se dedicava aos romances psicológicos; já Brito
Brocadefendequea obraéumatentativaderomancepsicológico”(1981,p.193,
grifomeu).
Turbilhão,romancede1906em3edições,éanarrativadahistóriadePaulo,
cujairmãéludibriadaporumhomem ecomelefoge.Paulovênoocorridooseu
motivodetristezae,anosdepois,emdificuldadesfinanceiras,temdepedirajudaà
irmã,quesetransformaraemumaricaprostituta:“Sóesselivro,parece-me,bastaria
para dar a CoelhoNeto um lugarde destaque no ficcionismo brasileiro”(BROCA,
1981,p.193).
ReiNegro,romancede1914,emduasediçõesnacionaisetrêsinternacionais
(em francês
60
, alemão e espanhol), é a história de Macambira, negro de
descendênciailustreque,caindonasgraçasdopatrão,recebeamucamaLúciapor
esposa.Suadesventura,porém,équetemdeserovingadordaesposaemataro
filhodopatrão,oqualahaviaengravidado. Nasceumacriançabranca emorre a
mucama Lúcia.A vingança assassina de Macambira é tomada como a vitória de
umaraçavitimadapelohomembranco.Orefúgiofinal(numquilombo)oassegura
como“reinegro”.Parao“TheliteraryreviewofNewYork”,em1921,IsaacGoldberg
escreve:Macambiradescreveumabelahistóriademaneirasimpleseininterrupta,
semaopulênciaexcessivadepalavras”(apudCOELHONETO,P.,p.312).
Mano,de1924,éumaobraquereuneescritosdiversosdeCoelhoNetoem
homenagemaofilhomorto.Traztambémalgunspoemasdeamigosdoautorque,
solidários à sua dor, utilizaram-se da literatura para lhe prestar os sentimentos.
Trata-se de obra de caráter bastante íntimo, que descortina os aspectos mais
variadosemtornodamortedofilhomaisvelho,trazendoaagoniadeseusúltimos
instantes na passagem “Insone”, também sua derradeira pergunta (“Que horas
   
Anselmo(CoelhoNetto),OctavioBivar(OlavoBilac),RuyVaz(AluísioAzevedo),LuizMoraes(Luis
Murat), Neiva (Paula Ney), Patrocínio (José do Patrocínio), entre outros. Há umepisódio sobre
“empréstimodesapatos”deumescritoraoutrorelatadocomoverdadeiroporPauloCoelhoNeto.
60Emfrancês,otítulodeReiNegrofoimudadoparaMacambira.
68
são”?), em “A morte”, assim como uma bela reflexão sobre a chave que havia
fechadoocaixãodeMano(quenãoteriamaisserventiadepoisdessadifíciltarefa,e
aqualsomenteseriatocadaparatrazerumalembrançadaquelavida,jazendopara
sempreentreasrelíquiasdopaiamargurado)–essessãoossentimentosprofundos
reveladosem“Achave”.
No exterior, Coelho Neto mereceu uma nota na obra Who's who in Latin
America, de 1935 (Quem é quem na América Latina), do historiador americano
PercyAlvinMartin:
Henrique Coelho Netto: Conhecido escritor brasileiro; Candidato
brasileiroao PrêmioNobeldeLiteratura,1933; eleitoe proclamado
“PríncipedosProsadoresBrasileiros”.Condecorações:GrãoOficial
da Coroa da Bélgica; Cavaleiro da Legião de Honra da França;
ComandantedaCoroadaItália;OrdemMilitarSt.JamesdaEspada
dePortugal(apudCOELHONETO,P.,p.379,traduçãonossa)
61
.
Aapreciação de CoelhoNeto no exterior ébempositiva.Algumas desuas
obrasreceberam favoráveiscomentáriosda crítica naInglaterra, naAlemanha, na
França,emPortugal,nosEstadosUnidos,naArgentina,noChile,noUruguaieem
Angola.DeJ.C.Oakenfull,Inglaterra,oelogio:“DeCoelhoNettoésuficientedizer
que qualquer de seus livros faria a reputação de um autor”; de Martin Brusot, da
Alemanha: “[...] sua arte esplêndida […] lhe conquistará naAlemanha um grande
númerodeadmiradores”;deVictorOrban,daFrança:“Suaobraédevalorinegavel
ejustamentelouvada”;RaulMartins,dePortugal:“Oprincipadodaprosa[…]jáêleo
possuia de fato hámuito” e de Henrique Perdigão: “659 contos!Quem há,aí, em
língua portuguesa, que nesse gênero possua tão rica e volumosa bagagem?”; de
Marie Robinson Wright, dos Estados Unidos: “Seu gênio aclamado possue
inexauríveisrecursoseabundantevitalidade”;deBenjamindeGaray,daArgentina:
“A Cheherazada da lenda oriental não prendiamais fortemente ao Sultão,do que
 
61Da versão consultada em Inglês: Henrique Coelho Netto: Noted Brazilian writer; Brazilian
candidatefortheNobel Prize in literature,1933; electedand proclaimed the“Prince ofBrazilian
Prose Writers”. Decorations: Grand Official of the Crown of Belgium; Chévalier of the Légion
d'HonneurofFrance;CommanderoftheCrownofItaly;MilitaryOrderofSt.JamesoftheSwordof
Portugal”
69
nos prende a narração cintilante do notável estilista brasileiro”; de Julia Garcia
Gamez,doChile:“[...]senteprofundamentealutaespiritualdahumanidade[...]”;de
Martinez Vigil, do Uruguai: “[...] ele reune, em sua notável personalidade,
excepcionais dotesmorais edehomem debem,semosquais eunãoconcebo o
escritor ilustre”; e de Barbosa Rodrigues, deAngola: “Entre nós é Coelho Netto o
maispopulardosescritoresbrasileiros[…]éuniversal acuriosidadepormontese
vales,coisasecostumes,queficamparaalémdosolhos,oquejustificaointeresse
queaspáginasdeCoelhoNettoalcançamemtodoomundo[...]”(COELHONETO,
P.,1942,passim).
Estudosepequenasanálisessobreaobracoelhonetianatêmsidofeitosjáhá
bastante tempo. Na seleção que faz Ubiratan Machado das suas melhores
crônicas
62
,editadaem2009,umaesmeradabibliografiasumáriasobreCoelhoNeto
éincluídaaofinaldovolume,oquedeixaentreverqueosprimeirosestudosdatam
de 1895, através das Cartas literárias, de Adolfo Caminha e as crônicas de
Machado de Assis para A Semana e os últimos datam de 1966, com O Pré-
Modernismo, de Alfredo Bosi e 1967, com o Pequeno dicionário de literatura
brasileira,deMassaudMoiséseJoséPauloPaes.
Oautortemsidoescolhidotambémporacadêmicoscomobaseparaaescrita
deartigos,dissertaçõeseteses:MaurícioSilva,defendeem1995adissertaçãode
Mestrado “Entre a Hélade e o Subúrbio: Confrontos literários na belle époque
carioca(LimaBarretoversusCoelhoNeto)”,editandosuadissertaçãoem2006,sob
omesmonome
63
.
Em 1997, Marcos Aparecido Lopes também defende dissertação sobre
Coelho Neto; trata-se de “No purgatório da crítica: Coelho Neto e o seu lugar na
históriadaliteraturabrasileira”,naqualoautordefendequeCoelhoNetocontinuou
aexercerumafunçãoestéticamesmoapósaSemanadeArteModerna–aprova
dissoestarianapresençadeseustextosemantologiasescolaresparaoensinode
línguaportuguesa.Oapêndicedessadissertaçãoconstituimaterialriquíssimopara
 
62Ubiratan Machado, em um texto introdutório à seleção de crônicas, revela que Coelho Neto
declararaserocontoseugêneropreferido–atravésdelepoderiatrabalhar“assuntosliterários”e
nãosomenteexploraraefemeridadedosacontecimentosdodiaadia.Averdadedosfatoséque
precisouutilizar-sedogêneronoobjetivodasubsistênciadafamília,deixandoumpoucodelado
suas habilidades imaginativas para dar lugar aos aspectos mais ligados à observação
(MACHADO,2009).
63Comentáriossobreesteestudojáforamfeitosempáginasanteriores.
70
consultadoapanhadodocumentaljornalísticosobreoescritor,comartigoscríticos
dediferentesépocas.
Outradissertaçãofoidefendidaem1998,porDanielaMateusDuarte,dentro
do programa do curso de “História” (UFRJ) sob o título “O último dos helenos:
Coelho Neto e a construção da identidade”. Sua defesa consistiu em provar da
contribuiçãodeCoelhoNetoparaaidentidadenacional,considerandoseuempenho
emrelaçãoatrêselementos:educaçãodebasecívica,esportivaeconstruçãode
símbolosnacionais.
Passadoalgumtempo,jáem2007,MaurícioCésarMenonrealizaumestudo
sobreaquestãododuplo,utilizando-se,paratal,daobraEsphinge,deCoelhoNeto
eAmortalha,deAlziradeAluísioAzevedoeintitulandooensaio“Aquestãododuplo
em duas narrativas brasileiras”. A importância desse ensaio está justamente na
eleiçãodasobrasparaaabordagemdotema:ambasaocuparem“lugarmarginal
dentrodocânone”(MENON,2007,p.733).
No ano seguinte,Alexander Meireles da Silva defendea tese dedoutorado
cujoteoréaficçãocientífica,levantandoparaasuaanáliseumcorpusformadopor
mestresnessequesito,taiscomoMaryShelley,RobertLouisStevenson,H.G.Wells
eEdgarAllanPoe,alémdosautoresbrasileirosCoelhoNeto,JoãodoRio,Gastão
Cruls e Monteiro Lobato. A obra Esphinge foi escolhida como principal aporte
temáticonotocanteàCoelhoNeto.Doisensaiosrevelaramaindaserempartedessa
análise, “Transexualismo e literatura gótica em Esfinge, de Coelho Neto”, artigo
escritoem2006epublicadonosperíodicosdaUFSCe“OgóticodeCoelhoNeto:
umdiálogoentreasliteraturasbrasileiraeanglo-americana”,trabalhopublicadoem
anaisdecongressodaUERJem2008.
Por último, em 2009, foi disponibilizado o ensaio deAdeítalo Manoel Pinho
sobre a obra A conquista: “O sistema literário de A conquista: nomes, leituras e
númerosparaumromancedeCoelhoNeto”,ondeopesquisadordesenvolveuma
análisequefocalizaosistemaliterárioeopúblicoleitor.Utiliza-sedepassagensda
obradeCoelhoNetoparailustrarasquestõesnoentornodarepresentaçãosocial
dos intelectuais (principalmente escritores) à virada do século. Um dado bastante
interessantepensadoporAdeítaloPinhoéemrelaçãoàvalorizaçãodoescritorem
questão,conhecido pelo domínio de mais de 20.000palavras eextensaprodução
71
literária, realizando sua arte num tempo em que computadores e pesquisas na
Internetinexistiam.
Oresgatedeumaobrae,porconsequência,deumautor,semprevaiterde
lidar com a crítica apreciativa e depreciativa uma vez que, como bem observa
MaurícioSilva(2006,p.100)avalorizaçãoourejeiçãodeumaobradevem-se,“em
parte, à contextualização histórica da crítica, que adquire, em cada época, novos
referenciais judicatórios”. Importante, nesse sentido, lembrar o quanto uma escola
literáriatematendênciaemrepudiaraanteriorouasescolasaindamaisdistantes
notempo:éoqueocorreuquandoosmodernistastambémnegaramosromânticos
Alencar,CastroAlveseÁlvaresdeAzevedo(BROCA,1981),etambém,maistarde,
foramnegados:
CoelhoNetoviveuamarguradoosseusúltimosdias.Dedicaratodoo
trabalhodasuaexistênciaparalegarumaobraquefosseumahonra
para a nação e um modêlo de beleza às gerações futuras, mas,
quandojulgaraterconseguidoarealizaçãodoseusonho,umgrupo
de jovens irreverentes e velhos cabotinos lançava-lhe achincalhes,
motejos... Eram os modernistas, que haveriam de envelhecer tão
depressa!(BOTICA,1940apudCOELHONETO,P.,p.332).
Por essa razão, pode-se entender que Coelho Neto não foi e nem será o
“último dos helenos” - pelo menos no que concerne à crítica pejorativa. Logo, é
viável o resgate de suas obras em busca de uma significação que ainda seja
representativaparaostemposatuais.Comessameta,nestadissertaçãotentar-se-á
decifrarosenigmasdeEsphinge,semqualquerpretensãoedípicadeumaresposta
final,masalmejandoabrircaminhosparapossíveisrespostas.
72
3.DECIFRANDOESPHINGE
DecifrarEsphingeé,paraopropósitodestadissertação,percebereanalisaro
que a obra tem em relação com a Modernidade. Com esse fim, discurtir-se-ão
questões de ordem interna (tais como personagens, temas, linguagem,
intertextualidade)equestõesdeordemexterna(taiscomooestilodequeseocupaa
obra, em conexão com as correntes literárias finisseculares: Parnasianismo,
Decadentismo,Simbolismo).
Anarrativadecadente-simbolistaemconcordânciacomosmodelosoriginais
73
franceses teve pouca representatividade na prosa de ficção brasileira.
Primordialmente, a proposta era o texto repleto de divagações, utilizando-se para
isso de um jogo de palavras bem articuladas e abusando de abstração. Somente
algunsautores,porém,seguiramapropostainicialcommaiorfidelidade.
64
NotocanteàEsphinge,acaracterísticadecadente-simbolistaeaescritaque
obedeceaoperfilestruturalparnasianoestãopresentes,noentanto,nãochegama
encerraraobranaclassificaçãode“romancedecadente-simbolista”,principalmente
emrazãodasobrasdessecunho nãoestabelecerem umenredo quevaiatuarna
relaçãocausaldanarrativa;contrariamente,adivagaçãoétãopriorizadanestetipo
deromancequeimpedeofluirnarrativonosentido“acontecimento/consequência”.A
obradeCoelhoNeto,apesardanotóriainfluênciadecadente-simbolista,desenvolve
um enredo que expõe o leitor às relações internas do texto, fazendo com que o
processo cognitivo que entende as causas e os efeitos desencadeados seja
constantemente estimulado, ao mesmo tempo em que as abstrações e floreios
verbaissearticulamnatessituradanarrativa.
Sendopercebidoemsuaestruturafísicacomoumromanceem232páginas,
divididoemoitocapítulos,Esphingeéaindacaracterizadopelainserçãodetrechos
de outros textos à moda de “colagem” e composto pela intercalação de períodos
narrativos e uso de discurso direto. Possui, fundamentalmente, uma voz narrativa
estabelecidapelonarrador-protagonista(nãocaracterizadoporumnome),alémde
outrasduasvozesquecompõemorestantedaangulaçãodadiegese(JamesMarian
eArhat). O narrador-protagonista relata o tempo da ação; James Marian eArhat,
surgememquebrasdalinhatemporalnoenredo,emformadeflashback,atravésde
relatoescrito.
As narrações se intercalam na composição do enredo, que obedece um
esquema estrutural de “estabilidade”, “inserção do mistério”, “desestruturação”, e
“aparenterecuperaçãodaestabilidade”.Ahistóriacomeçapelo“tempodaação”,que
refere aos acontecimentos em torno da figura de James Marianno Brasil, entre o
finaldoséculoXIXeprincípiodoXX.AhistóriadaorigemevidadeJamesMarian,
anterioràsuavindaparaoBrasil,éapresentadanaformadeumlivro.
Anterior ao tempo da ação, apresenta-sea história deJames Mariane sua
 
64Entreeles,NestorVítor(Signos),LimaCampos(Confessorsupremo),GonzagaDuque(Hortode
mágoaseMocidademorta),RochaPombo(Nohospício).
74
estranha origem na Inglaterra. Arhat, um homem versado em ciências ocultas,
encontrapedaçosdocorpodeduascriançaseresolveuni-losedaraoserresultante
avida,utilizando,paraisso,umprocessodetransplantecirúrgicomistoarecursos
alquímicos e ocultistas.A divisão do corpofísico da criaturaé bem demarcada: a
cabeça, feminina; o corpo, masculino. A problemática mental do gênero, todavia,
revela-secomoseudestinoinexorável.
Recebendotodososensinamentoseoportunidadesdevida,apósamortede
seucriador,JamesMariantorna-seumaventureiroadesbravaromundo,munidode
umlivroque,ofertadoporArhat,pareceserosegredodesuaorigemeachavepara
suafelicidade–suametaéencontraralguémqueotraduza,emseussímbolose
fórmulasmisteriosas.
Notempopresentedaaçãonoromance,JamesMarianjáéumdoshóspedes
dapensãoBarkley,à ruaPaissandu,noFlamengo,RJ.Aestabilidadedoinícioda
narrativaéelaboradaatravésdadescriçãodacalmariadolugar,osjardins,arotina
daadministradora,MissBarkley,edosmoradoresdolocal,todosapresentadospelo
narrador-protagonista.Oelementodesuspenseéintroduzidopelas conversasdos
hóspedes em velados comentários sobre o misterioso inglês e sua enigmática
aparência.
Emdeterminadanoite,onarradorpresenciaJamesMariannoquepareceser
uma síncope. Ajuda-o e, desta forma, conquista-lhe a confiança. Logo após, é
requisitadoàtraduçãodeumanovelaeminglês,fatoqueocolocaapardetodaa
históriabizarradeJamesMarian,aliescrita.
Apartirdatraduçãodanovela(queéanarrativadavidadeJamesMarian)os
acontecimentosestranhosvãoseformulandonumcrescendo:sonsvindosdoquarto
de James, bicos de gás que se apagam, a morte de uma das hóspedes, as
tonalidades da noite tropical que o se transformando, entre outros, culminando
com aparições espectrais do inglês a três dos moradores enquanto este se
encontravafora,emcasadeparentes.Porfim,chegandoaotermodatradução,o
narradorjátomadopelohorrordosobrenaturalquecercaaorigemeaestadiado
inglêsnapensão,quercompartilharsuasdescobertascomosmaisintelectuaisdo
lugar:explicaaumdelestodaahistóriaedizterumlivrocomaescritadeJames
para provar sua narrativa sobrenatural. Porém, quando vai buscá-lo no quarto,
75
encontrao inglêsque lhepedeosoriginais–entrega-lhes depronto,ficandosem
evidência do que afirmara ao jovem. Informado, a seguir, da partida de James
Mariannumnavioparaoexteriorhápelomenosdoisdiasantesdeter-lhedevolvido
os originais, e verificando que sua então extensa tradução resumia-se a notas
rápidasealgunsbilhetes,onarradornãosuportaesucumbeaalucinaçõesque o
levam a uma casa de saúde para recuperação. Aparentemente recuperado, não
consegue a segurança inicial, já que ninguém lhe credita tal verdade e ele tem
nítidas, na mente, todas as cenas inacreditáveis que a chegada do inglês lhe
imprimiramàmemória.
3.1.Personagens

3.1.1.Onarrador-protagonista:oheróimoderno
O enigma de Esphinge já se configura, primeiramente, através de seu
principal narrador que, tecnicamente, narra de dentro da cadeia diegética, é
onisciente (por possuir conhecimento maior do que o de seus personagens) mas
também equisciente (por dizer friamente de seus personagens, sem revelar
interiores, ou o que pensam). Protagonista sem nome, personagem redondo,
contador de uma história fantástica e dúbia, com personagens igualmente
multifacetadosounãorevelados,onarradorpoucosefazvislumbraratravésdeseu
foconarrativo.Algumasideias,noentanto,podemserassumidasemrelaçãoaele,
informações essas dispersas ao longo do texto com muita discreção e sutileza.
Somente nas últimas páginas depreende-se que sua origem está no campomas,
impossívelconstatarseéumabastadofilhodaterraqueescolheumorarnacidade
ouselá habitavanamiséria e veioparao ambiente urbano impulsionado aobter
umavidamelhor: “O correspondente, mostrando-me umacartade minha mãe, na
qualainfelizpediaquemefizessemseguirparaafazendaacompanhadodepessoa
deconfiança […]” (Es.,p.229)
65
. O termo “infeliz”, usado parareferir àmãe, pode
 
65A obra em análise será referida pelas duas primeiras iniciais, seguidas do número da gina
76
significarumadesventuranavidaouaindaoestadomiseráveldeumacamponesa,
portanto, permanece a dúvida quanto a sua situação financeira. Compreende-se
também que é dotado de certo estudo e inteligência – traduz do inglês (embora
tenha confessado não costumar traduzir), tem conhecimento específico sobre o
mobiliário da pensão, sobre sinfonias e óperas, bem como reconhece trechos
poéticos; e também a qualidade dos papéis Whatman
66
. Parece versar de certo
conhecimento e experiência espiritual – pode-se perceber a revelação de uma
habilidademediúnicanumpasseioquefazànoite,nacidade:
Noescurodasruassolitariascruzavamcommigo,emdesliseaereo,
finas, funereas siluetas fluidas, halos pairavam ante meus olhos e
desappareciamsubito.Nos propriosgrupos eusentia, adivinhavaa
presençadeumservago,incorpóreoqueseintegravaentrevivos,
comoarefugiar-se(Es.,p.93).
JamesMarianassiminterpretaonarrador:
[...] Os isolados são, em geral, ingenuos e bons: como não
dispersamconfiança,nãocolhemdesilusões.Quefazosenhor?Vive
comsigo, e é muito. […] O senhor é dos que ouvem no silêncio e
vêemnatreva.Pensaquenãootenhovistoahorasaltasdanoite,á
janella?Quefaz?Sonha(Es.,p.57/8).
Apesardeapanhartilburysecoupésparalocomover-sepeloRiodeJaneiro
(assimcomotambémutilizar-sedebondspúblicos),daresmolaaummendigoque
lhe sorri em agradecimento (talvez sugerindo que o dinheiro era considerável), o
narradornãopossuiumempregonoqualtrabalheahorasregulares.Passanoites
traduzindo sem a preocupação da rotina no dia seguinte. No que se refere à
tradução, encara a tarefa a moda de um favor ao inglês e revela que o trabalho
   
correspondente.
66Entreosfamososusuáriosdo“Whatmanpaper”,destacam-se:WilliamBlake,queaofimdoséculo
XVIIIescreveuseus4últimoslivrosnestetipodepapel;NapoleãoBonaparte,naescritadeseu
testamento,em1821;aRainhaVictória,emsuacorrespondênciapessoal;sendotambémutilizado
no tratado de paz com o Japão ao final da Segunda Grande Guerra. Disponível em:
<
http://www.whatman.com/TestamentToQuality.aspx>
77
solicitado“erasempreumadistração”parasuas“horasvazias”(Es.,p.112)-nessa
faceta,nãoparecenecessitardedinheiro,emabsoluto.
O empenho na tarefa de traduzir o manuscrito de James Marian leva o
narradoràexaustão.Nisso,assemelha-seàdescriçãoquefazBaudelairedopintor
Constantin Guys, que denomina “metáfora do esgrimista” - o duelo que faz como
artista a “esgrimir a pena” é para que sacie a ppria curiosidade, como que
receando uma fuga das palavras da incrível história do inglês. Em certas noites,
dadasadedicaçãoe concentração na tarefa, vê-seimpelido a sentir o cheiro das
ruas,abanhar-se do “mundano” paraperceber que o universo normalseguia seu
ritmo,longedairrealidadequeatraduçãolheimprimia:
Aquelas horas consumidas em aturado labor, a noite insomne, as
preocupações que me traziam o caracter daquelle homem […]
forçaram-me demais o espirito. Sahi. […]. Bonds passavam cheios
[…].Deinstanteainstanteumautomovelsurgia[…].Gruposvinham
chegando attrahidos pelo luar […]. E eu? Onde iria? Sentia-me
incapazdeprosseguirnopasseio(Es.,p.85-87).
Tomeioprimeirobondquedescia,anciosopelotumultodavida.Mas
toda a cidade estava cheia do meu terror. […] Andei até tarde,
errando.[…]Umcarropassoucomvozerioalegre–doisrapazese
duas raparigas. Tomei um tilbury, mandei seguil-os, querendo
apegar-meáquellaestroinicedissipadora.ApearamnoParis.Entrei.
Osalão regorgitavafulgido. […] Ficaria,até o amanhecer, naquelle
rumor,áluzvivadaquelleslustresseosnoctambulosnãosefossem
retirando,cadaqualaseurumo[…](Es,p.93/94).
Ascenasdescritasrevelamoflâneurquehánonarrador.Um“abandonadona
multidão” (BENJAMIN, 1989, p. 51) que nela faz seu refúgio. Como percebe
Baudelaire,“paraoobservadorapaixonado,éumimensojúbilofixarresidênciano
numeroso, no ondulante, nomovimento, no fugidio e no infinito […] ver o mundo,
estarnocentrodomundoepermanecerocultoaomundo”(1996,p.21).Noentanto,
nãoécomfrequênciaqueonarradorassimofaz:eleestámaisparaumobservador
queprefere“estudar”oambientedaprópriamorada,fazusoda“artemnemônica”
nãonoqueconcernesomenteaosquadroscotidianosqueporlápodevislumbrar,
mas enriquece a memória com os detalhes que impregnam sua época: sinfonias,
78
poemas, minúcias do jardim, da água das fontes, da mesa posta para o jantar –
nada lhe escapa, como o pintor da vida moderna” de que fala Baudelaire. E
comporta-secomo“um príncipequefruiportodapartedofatodeestarincógnito”
(BAUDELAIRE,1996,p.21).
Afugaparaasruasdacidadenonoturnoestávinculadaao“caráterlabiríntico
da própria cidade” (BENJAMIN, 1989, p. 178), sendo a ideia do labirinto
presentificada no flâneur o tempo todo. No narrador em questão, que é também
personagem,percebe-seoqueBenjamin(1989)chama“adialéticadaflânerie”:de
umladotem-seohomemquesesenteobservadoesobreoqualosobservadores
têm dúvidas; de outro, o homem que também é totalmente incógnito e, por essa
razão,temfacilitadaacapacidadedeobservação.JoséTeixeiraCoelhoNeto(1986)
entende a partir da leitura de Le spleen de Paris, de Baudelaire, que o herói da
Modernidade é o homem comum: “a velha senhora, o vidraceiro, a viúva, o
saltimbanco, etc”. No entanto, observa que o “herói real” é aquele que possui os
olhos para observar esses homens comuns – herói que se configura no próprio
artistadaModernidade.O“herói-artista”seráaquelecomcapacidadeintelectual e
experiência suficientes para utilizar seu conhecimento de mundo na interpretação
dessaModernidade.
[…] o simples olhar refinado desse esteta singular consegue
reaquecersignificaçõesqueoesvaziadoolhardoobservadorcomum
deixa escapar por estar incapacitado para esse exercício de
reconhecimento,diantedamassificaçãocotidianaqueentorpecesua
capacidadecognitiva(FARIA,2004,p.36).
Outrascaracterísticasdoheróimodernojáconstatadasnopresentetrabalho
são a fragmentão e incerteza. Nesse aspecto, em contraponto com o herói
clássicoetambémcomoromântico(osquais,emmaioria,recuperamumaordem
perdida),oheróimodernonãoobteráoalmejadoreequilíbriofaceascomplexidades
quesuaprópriaessênciahumanalheimpõe,aproximando-se,poressemotivo,da
classificação de “anti-herói”. Nas palavras de Samira Mesquita, “anti-herói será
aqueleprotagonistaque, por diferentesrazões, não recupera uma ordem perdida,
79
uma perda, um dano sofrido” (2006, p. 25). No entendimento de anti-herói
estabelecidoporPradaOropeza(1986,nãopaginado)épossívelperceberoquanto
essascategoriasdepersonagensestãorelacionadascomosvaloresdecadaépoca:
O anti-herói é a imagem negativa extratextual do protagonista do
discursonarrativo,carregadadevaloresideológicos,quenascepara
subverterasnecessidadesdomercadodeconsumoquandoo“valor
positivo”doheróijásaturouademanda,superando-o
.
Portanto,quandoonarrador-protagonistanãoconsegueseuequilíbriodiante
das “forças do mal”, deixando-se vencer pela “nevrose” (tão característica do
Decadentismo/Simbolismo), ele demonstra ser o extremo oposto do herói que
restabelece a paz inicial – tornando-se um anti-herói ou, mais propriamente, um
“heróidaModernidade”.
3.1.2Oprotagonistadândi:alutaedípicare-encenada
JamesMarianéaesfingee,simultaneamente,configuraÉdipoemsuabusca
identitária.Lançaoenigmae,incapazdeumaresposta,temdeasimesmodevorar,
impossibilitadodedecifração:“Ummonstro,ummonstroquesedevoraasimesmo,
eis o que sou. […] O absurdo, a incongruencia, o inconcebivel – sou eu” (Es., p.
187/8).
Osermitológico“esfinge”encerradiferentesformasesignificaçõesdeacordo
comdadasculturas
67
.A“esfinge”trazidaàobraporCoelhoNetoé,semdúvidas,a
esfingegrega,quenamitologiapossuíaumcorpodeleão,asasecabeçademulher.
 
67Aesfingeegípciaé“aguardiãdasentradasproibidasedasmúmias”.Ocorpoédeumleãocoma
cabeça de  um faraó. Agachada sobre o deserto, não é dada a enigmas, mas a “verdades
absolutas”.Aesfingegregaéummonstroaladomeio-leão,meio-mulher,quelançaenigmasaos
homens(CHEVALIER,GHEERBRANT,1991,p.389).
80
Narrador -Ejánotaste,Frederico,queorostodeJamesnãotem
umsótraçoviril?
Brandt -Rostodeesphinge,meuamigo.
Narrador -Dizesbem:deesphinge.Bôanoite,Brandt.Eobrigado
peloespectaculo(Es.,p.29).
Alémdetersidoestaesfinge,emparticular,aquemaisreferênciasobtevena
literatura ocidental, desnecessário mencionar o quanto a esfinge do mito grego
adquireimportâncianaconsideraçãodoautorquetinhaohelenismocomoumade
suasprincipaiscaracterísticas.Deacordocomomito,aesfingepropunhaenigmas
aoshomensdeTebasque,nãoencontrandorespostas,eramporeladevorados–
suamáximateriasido“Decifra-meoutedevoro”.Avigênciadeseuterrortemumfim
assinaladoquandoÉdipodecifra-lheoenigma,levando-aàmorte.
Seriaosímbolodadevassidãoedadominaçãoperversa;dapraga
assolando um país […] só pode ser vencida pelo intelecto, pela
sagacidade, o oposto do embrutecimento vulgar. […].Ao invés de
exprimirumacerteza–emboramisteriosa–comoaesfingedoEgito,
aesfingegrega[...]designavaapenasavaidadetirânicaedestrutiva
(CHEVALIER;GHEERBRANT,1991,p.389/90,grifonosso).
No contexto social daquela época, o personagem pode ser facilmente
associado à “devassidão”; sua relação com o narrador é primordialmente
“intelectual”;a“vaidade”équesitodefundamentalimportânciaparaele.
No romance de Coelho Neto, além da palavra esfinge estar associada a
James Marian , também está ao livro que conta sua história – o livro contém o
enigmamasnãoasrespostasporqueaindaestásendoescrito,àmedidaemquea
históriadavidadeJamesaindaaguardaumfinal.
Todos possuem um livro como este – visivel ou invisivel, não é
verdade?Avidaéassim:temol-asobosolhoseoadeciframos...
eelladevora-nos.ÉaEsphinge.Volteumapaginad'estelivropara
diante– éo amanhan,mysterio davida.Folheie-o paratraz,ainda
mysterio!Opassado,amorte.Opresente,queé?Redouçaemque
nos balançamosentrea saudadeea esperança. É assim. Deque
81
vale saber? Feche o volume ou deixe-o aberto. Em somno ou em
vigiliaavidaésempreindecifravel(Es.,p.53).
Aquestãoidentitáriaéfortenachamada“trilogiatebana”escritaporSófocles
(Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona). Édipo, o qual teve negado o
conhecimentodaprópriaorigem,representaumnovohomememconflito:osvalores
tradicionaisdasociedadegregajánãolhedizemrespeito,umavezquetentamudar
oprópriodestino,desobedecendoaoquelhedizooráculo
68
.JamesMarianrevela
estar igualmente em dissintonia com os valores do chamado “sujeito cartesiano”,
citadoporStuartHallqueé“aconcepçãodosujeitoracional,pensanteeconsciente,
situado no centro do conhecimento” (2006, p. 27). O sujeito anterior ao que
representaJamesMarianviviasobumaidentidadeunificada,estável-emboraHall
esclareça que uma identidade una em relação a um indivíduo é apenas uma
construção, porqueum dia se convencionou criaruma “cômodaestóriasobre nós
mesmos, uma confortadora 'narrativa do eu'”, sendo, portanto, a unificação da
identidade uma “fantasia” (HALL, 2006, p. 13). O sujeito que James Marian
representa é o homem às portas da Modernidade, instável, fragmentado. Sua
identidade nãoésingular uma vez que écomposto de vários “eus”, sendomuitas
vezesportadordeidentidades“contraditóriasounão-resolvidas”(HALL,2006,p.12).
Essehomemmodernovairepresentarumabuscaidentitáriaporqueestátãorepleto
de “eus” quanto de “vazios”, suas direções são muitas e, no preenchimento dos
vazios, estará sempre a serviço das próprias sensações e, como rapidamente
enfastia-sedoqueencontra,temassimreforçadaasua“melancoliaoriginal”(KARL,
1988). É o homem que, segundo Fulvia Moretto, Baudelaire observa: “[...] pálido,
crispado, retorcido, convulsionado pelas paixões factícias e o real tédio moderno”
(1989, p. 45), e o faz no objetivo de admirá-lo em suas inquietações, porque
convulsionaemestadosdealmaqueoscilamentreaaventuraeotédio,aexcitação
eaprostração.Essehomeméodândi.
Noestudoemquefocalizaasmuitasfacesdodândi,PedroPauloCatharina
investigaasorigensdapalavraqueremontaaosprimeirosanosdoséculoXIX,na
 
68Tentandoescapardeseuprofetizadodestino(queémataropaiecasarcomaprópriamãe),Édipo
saiemviagempelomundo,semconhecersuaverdadeiraorigem.Quandoodestinosecumpre,
vazaosprópriosolhoseparteparaoexílio.
82
Inglaterra, tendo sido utilizada pela primeira vez por George Gordon Byron (Lord
Byron, 1788-1824). A princípio, Byron define o dândi como o homem que,
proveniente de uma casta superior, prima pela “elegância, boas maneiras e
excelenteconduta”(CATHARINA,2006,p.64).Odândis-byronianoconsiderado
por Baudelaire reaparece ao fim do século XIX, transitando entre aristocratas
decadentes e a sociedade democrática ascendente. Seus princípios hereditários
relativos a uma casta nobre já não existem – seu dandismo é artificialmente
construído,combasenoqueéviávelenquantoestética,naexacerbaçãodobelo.O
dândibaudelairiano“fazdesimesmoumaobradeartemóvel,insubmissaàsleisdo
mercado,lampejodeeternidadenafugacidadedobrilhopassageiro”(CATHARINA,
2006,p.68).
Nosentidodeserodândiuma“obradeartemóvel”,aseguintepassagemé
bastanteilustrativapoisparececomporumquadrodesseetéreopersonagem:
[...]oapollineoJamesMarianretrahia-seatodooconvivio,sempre
sorumbatico, calado, apparecendo raramente á mesa ás horas das
refeições, tomando-as só ou no quarto, quando não as fazia no
jardim, auma pequenamesadeferro, ásombradas acácias, com
champagnearefrescaremumbalde,ouvindoospassarinhos(Es.,p.
14).
Nas aventuras, a semelhança com o dândi byroniano: “Miss Barkley […]
ouvia-o, com enlevo, falar das suas viagens nas terras barbaras, em caravanas,
caçadas de grande risco nos juncaes da India, luta com uma cabilda negra, no
Sudão,aventurasetemeridadesdetodaasorte”(Es.,p.15);nocomportamento,a
semelhançacomodândibaudelairianoeseuspleen:
Os quatro primeiros dias da minha nova existencia foram, a bem
dizer,maischeiosdoqueosquietosdezoitoannosjazidosnosolar
merencoreodovalletriste.Sullivantudomostrou-me:ofaustomais
imponenteeamiseriamaiscommovedoraesordida.Vicortejosde
principes[…]Percorriacidadeeassuasentranhas[…]Sahimosdos
squares opulentos e chafurdavamos nas viellas nojosas onde
vermina um povo lugubre […] Iamos aos theatros, ás salas de
83
concerto, aos circos colossaes, aos cafés eroticos. Eu seguia-o
arrastado. No primeiro instante tudo me deslumbrava, mas a
admiraçãodissolvia-seemtédiocomoapoeiraqueoventolevanta
da estrada e, um momento, ondúla, brilha dourada ao sol e logo
recahenochão(Es.,p.179-183).
FrederickR.Karlentendequeodândiéumhomemque“percebeomergulho
no abismo” (1988, p. 77). Assim o sente James Marian em sua trajetória: “Se
traduziuatéofim[omanuscrito],conheceumavidasingular,ahistoriatragicadeum
infeliz que se arrasta dolorosamente pelos prazeres para aturdir-se […]” (Es., p.
206).
James Marian é o único hóspede da pensão Barkley a ter suas roupas
descritas. Nisso torna-se perceptível ao leitor que os demais moradores não
partilhamdemesmaelegância.Emrelaçãoasuaaparência,alémdobem-vestiré
aindarelevadoofatodapercepçãodecertaincongruênciaentreorostoeocorpo,a
qualénotadapelosdemaishóspedesdapensão:osurpreendentecontrasteentreo
corpo atlético e o rosto delicado, adornado por cachos dourados, exibindo olhos
azuis, pequenina boca vermelha, pescoço pálido - “cabeça de Venus sobre as
espaduasrobustissimasdeMarte”(Es.,p.15).Nessedadoexótico,acompreensão
dasdiferentesdenominaçõesquerecebedosmoradores:“oboneco”,“manequimde
cabelleireiro”,“divinomancebo”,“caradeesphinge”e“Apollobretão”.
AaparênciadeJamesMarianemtudocontribuiparaumaestreitaligaçãocom
o sujeito da Modernidade.A mistura dos gêneros contribui para sua androginia e
essefatoocolocaemfrancaconexãocomohomemqueésensível,especialmente
àarte,quefazdaestéticaarazãodeseuviver.Aesserespeito,Baudelairecitaum
termo que toma de empréstimo de Balzac - “terceiro sexo” - para descrever as
dançasfrenéticasdosbailarinosquefazempartedosquadrosdeConstantinGuys
sobreaTurquia,dizendoque:
[…]jamaisaexpressãoburlescadeBalzacfoimaisaplicáveldoque
no caso presente, pois, sob a palpitação daquelas amplas roupas,
sob aquela ardente maquilagem das faces, olhos e sobrancelhas,
naquelesgestoshistéricoseconvulsivos,naquelaslongascabeleiras
esvoaçando sobre os rins, seria difícil, para não dizer impossível,
84
adivinharavirilidade(BAUDELAIRE,1996,p.40).

Num ensaio sobre o Decadentismo e o Conde Eric Stenbock, Fernando
MonteirodeBarrostrazàanáliseopersonagemandróginodovampiroVardalekno
conto “A verdadeira história de um vampiro” (1894), associando-o com o culto
decadentista: seduz suas vítimas através da arte, traz no rosto a melancolia
característica da nevrose, adornado por cabelos louros que contribuem para uma
beleza mulheril, sendo, portanto, inscrito “em cheio dentro do significante do
andrógino,cultuadopelosdecadentistas”(BARROS,2006,p.123).
Coelho Neto não imprime profundidade suficiente a esse personagem para
quesejapossívelperceberdesconfortodomesmoemrelaçãoaosvaloresdaépoca.
Aideiaqueperpassaéqueopersonagemestáembuscadaprópriaidentidade,do
enigmaquetornoupossívelsuacriação,datendênciadegêneroqueofarápender
mais para um lado do que para outro, e o que haja preocupação com o que a
sociedadeesperadeleoucomoasociedadeirájulgá-loapartirdesuasescolhas.A
lutaedípicaquetravaparecesermuitomaisumadescobertadoqueseencerraem
suaalmadual,quebrigapelapossedeumsócorpo:“Omysoul!Whereartthou,my
soul!”
69
(Es.,p.48).
Cadaflortemoseuperfumeproprio,umavidanãopódeobedecera
doisrythmos.Duasalmasemlucta,sentindodiversamente,inutilisam
oinstinctoqueéoprincipiodaattracção.[…]Imaginaiumaaveque,
aoabalar doninho, sentisseos pésenleados ematilhosde açoe,
anciosa, attrahida pelo azul, batesse as azas até morrer exhausta.
Assimheideeuacabarnovacuo,voandocaptivo,nemdocéunem
daterra,nemdaarvorenemdoether,presonoespaçoenoramo...
(Es.,p.187/8)
As duas almas que disputam o mesmo corpo elaboram a dualidade do
personagememdetalhesquevãoseinsinuandoàinterpretaçãodonarrador:aletra
do manuscrito de James Marian ora obedece a formas miúdas e finas, ora a
 
69Nossatradução:“Óminhaalma!Ondeestás,minhaalma!”
85
caracteresenormesquenãoobservamsequerapauta;enquantodesuaformação
no castelo de Arhat, da convivência com seus dois serviçais, Maya e Siva
70
, ora
pende para o prazer sentido na delicada companhia da moça, ora para a volúpia
compartilhada na presença do viril rapaz; no tempo que o completa enquanto
homeme mulher,desenvolve o gosto pelas armas, pela aventura, e também pela
tapeçariaecantosdeamor;emEstocolmo,apaixona-seporumhomem,jánoBrasil,
seduzaMissFannyecompartilhasentimentosambíguosemrelaçãoaonarrador:
Onossoapertodemãofoiverdadeiramenteaffectuoso.Fitámo-nos
enleados,semdizerpalavra:ellecórava,eusentia-meempallidecer
[…](Es.,p.33)
Passou-meobraçopeloshombros.Umarômafinoexhalava-se-lhe
docorpoeseuhalito,quemebafejavaorosto,eratepidoecheirava.
Acariciando-mecomblandiciasdeamanteconduziu-meaoterraçoe
ali,entreasplantas,aoplenoar,sentámo-nos.
De novo tomou-me as mãos – as suas gelavam – e fitou-me de
perto, com os olhos terebrantes de quem procura extorquir um
segredo.Docemente,porém,abriu-se-lhenorostoumsorriso...Um
sorriso...porquenãoheidefixaraminhaimpressão?enamorado.E
tive,entãoacerteza,adolorosa,apungentecertezadequeaalma
d'aquelle homem, que resplandecia em formosura, era... para que
dizer?(Es.,p.49).
AlexanderMeirelesdaSilva,natesededoutorado“Oadmirávelmundonovo
daRepúblicaVelha:onascimentodaficçãocientíficabrasileira”(2008)pontuaque
CoelhoNeto,alémdeserumdospioneirosnoromancedotipoficçãocientíficano
Brasil com a obra Esphinge, também inova na temática do transexualismo e
homoerotismo nesta obra, contribuindo igualmente para a formação da literatura
homossexualbrasileira.
AindaemrelaçãoaopersonagemJamesMarian,épossívelpensaraquestão
do“duplo”.Otemado“duplo”,oudoppelgänger”(alemão)foisuscitadopelacrítica
 
70“Maya” (sánsc.) - Ilusión […] Según la filosofia inda, sóllo aquello que es immutable y eterno
merece el nombre de realidad; todo aquello que está sujeto a cambio por decaimiento y
diferenciación, y que, por lo tanto tiene princípio y fin, es considerado como maya: ilusión
(BLAVATSKY,1892,p.509).
“Ziva”(SivaoShiva)(sánsc.)-Esundiosdeprimerorden,yemsucarácterdeDestructorésmás
elevado que Vichnú, el Conservador, puesto que destruye sólo para regenerar en un plano
superior(BLAVATSKY,1892,p.1.100).
86
literáriaaofinaldoculoXVIII,navigênciadaEraRomântica.Seuresgateparao
período decadente-simbolista, final do século XIX e início do XX, dar-se-á
principalmentecomoumreflexorelacionadoàcrisedohomemqueadentraafase
regida pelos prenúncios da modernidade (MARTINHO, 2003). O duplo exercerá,
então,afunçãosimbólicajádesveladaporArthurRimbaud,quandoescreveu:“Eué
um outro”
71
(RIMBAUD, 2002, p. 79), ou seja, havia um “eu” antes de chegar ao
“portal” (o Zarathustra, de Nietzsche), o “eu” sob o portal é alguém que não sei
identificar,o“eu”adiantedoportalnãomepertence,esimaos“clarividentes”.“Eué
umoutro”,dizRimbaud,porquerefereàModernidade,porquedizrespeitoao“baile
demáscaras”queaModernidadeproporcionaeestimula.
“Serooutro”protege,decertaforma,aquele quesomosoriginalmente.É o
disfarceperfeitoparaumaeracujaprimaziaéosimulacro,oartificial.Nadadiferindo
do artista que, como “criatura” a perceber o universo, ousadamente transgride a
“divinalei”epassatambémaexerceroofíciode“criador”narealidade,oescritorvai
imbuir-se do tema do duplo para representar, para ambientar sua ficção. Rank
(1939)defendequeaabordagemdoduplonaliteraturatemumaorigemprofundana
patologiadopróprioautor,ultrapassando,portanto,asquestõesdemerapredileção
pelotema”ou“imitaçãoliterária”(p.60).Cabeaquiaafirmaçãodeumaideologia:se
todo autor é “construção”, se “o poeta é um fingidor”
72
, qual espaço caberá à
patologianestequesito?
Na“construção”elaboradaporCoelhoNeto
73
,JamesMarianjálançaousoda
questãododuploatravésdonomedúbio:James,o“masculino”;Marian,o“feminino”
(MENON,2009).
Representando o duplo “óbvio” (o ser criado a partir da cabeça de uma
meninaeocorpodeummenino),JamesMarianconfiguraaindaoduploespiritual
que,deacordocomEdgardMorin,estárelacionadocomamorte:
 
71Estafraseextraídade“Cartadovidente”,deArthurRimbaud,serviutambémdebaseanalógica
paraaescritadealgunsartigos,asaber,“Ojogoespeculardoduplo”,deLatufIsaíasMucci;É
preciso ser absolutamente moderno”, de Zília Pastorello Scarpari; “Tema poético da luz em
Rimbaud”,deAntonioFranciscodeAndradeJr.,entreoutros.Extremamenteemblemáticaparaa
elucidaçãodaquestãododuplo(principalmenteoqueserevelanafiguradoautor),aindadeverá
serempregadarepetidasvezesporestudiososdaliteratura.
72Dopoema“Autopsicografia”,deFernandoPessoa.
73AquestãododuplonãoéabordadaporCoelhoNetosomentenaobraEsphinge.Oautorpossui
um conto chamado “O duplo”, cujonarrador contaa umamigodesua experiência em ver a si
mesmonoassentoopostodentrodeumbonde.
87
É umamesma realidade universal do “duplo” que é traduzida pelo
Eidolon grego, tão mencionado por Homero, pelo Ka egípcio, pelo
Genius romano, pelo Rephaim hebraico, pelo Frevoli ou Fravashi
persa, pelos fantasmas e espectros do nosso folclore, pelo “corpo
astral” dos espíritos, e até por vezes pela “alma”, segundo certos
padresdaIgreja.Oduploéoâmagodetodaarepresentaçãoarcaica
quedizrespeitoaosmortos(MORIN,1988,p.126).
Umaoutrapossibilidadetemindícioscasohajaaconsideraçãodaformação
doduploapartirdamatériafísicaviva.Nestecaso,diriarespeitoaochamado“duplo
etérico”,queéarepresentaçãofidedignadaformadensadocorposicodemaneira
fluídica.Ocorpoetéricoatuariacomouma“ponte”aligarduasporçõesdistintasda
existênciahumana:afísicaeaastral(POWELL,2001).
Coelho Neto prefere a utilização da nomenclatura arcaica para o chamado
“corpoastral”:“LingaSharira”.Otermoconcederiamaisfidelidadeaomistério,teor
fundamental das escolas decadente-simbolistas, e também a seus estudos de
naturezamarcadamenteespírita.
O“duploetérico”estáligadoànaturezaviva.“Oduploastral”,“corpoastral”,
ou “linga sharira”, por sua vez, à natureza morta; é o que se conhece como
“espírito”. Uma leitura mais “cientificista” do personagem, relacionaria o fenômeno
das aparições de James Marian ao narrador, à Frederico Brandt e a Miss Fanny,
comosendomerasprojeçõesdoduploetérico,queécomoum“campodeforça”a
contornarocorposicovivo.Édebase“científica”porquepossuicertadensidade
detectável
74
e,àdevidaconcentração, pode ser deslocado docorpo físico e, uma
vez materializado, pode ser percebido por pessoas com habilidades mediúnicas.
Médiuméapessoaanormalmenteconstituída,cujoscorposetéricoefísicopodem
serfacilmentedeslocados.Oduploetéricodeslocadofornece,em grandeparte,a
basefísicaaosfenômenosdematerialização”(POWELL,2001,p.63).
OmúsicoFredericoBrandt,nadiegese,prefereentenderofenômenocomo
umaprojeçãododuploetérico,enãocomoumaapariçãofantasmagórica,de“outro
 
74As conhecidas “fotos Kirlian”, ou “kirliangrafia”, detectariam em diferentes cores os diferentes
estados de aura, por registrar passagens de corrente por resistência elétrica em superfícies
(POWELL,2001).
88
mundo”:
Narrador -Eseráelle?
Brandt -Quementão?
Narrador -Mas,nessecaso,morreu...
Brandt -Porque?
Narrador -Porquesóosmortosapparecem.
Brandt -Masoespíritoéimmortal,meuamigo.Assimcomoo
Pensamento é a sua rectriz, a Vontade é a sua Força.
Quemsepudesseconcentrartantoqueseabsorvesseemsimesmo
immortalisariaamateriaimpregnando-adeeternidade.Osactosque
nós chamamos inconscientes são productos da mens creadora,
energiaquenãojaz,comoaintelligencia,subordinada á materia,
mas envolvea, circula-a como um sol. […] Os mortos não se
manifestam. O que nós chamamos morto, é o cadaver […].
Contidaamatérianosonopódeoespiritosahirsemqueavida
deixedeosustentarcomasuadynamica(Es.,p.120/1).
Por outro lado, uma leitura mais “espiritista” do personagem, permitiria
entendertaisapariçõescomomanifestaçõesfantasmagóricasdeummorto,também
percebidasporummédium(quandoestasocorrem,JamesMariannãoseencontra
napensãoBarkley–emumadadaocasião,estánacasade“parentes”
75
,emoutra,
estásupostamenteàbordodonavioAvon,acaminhodaInglaterra;logo,épossível
aleituradesuamorte).Éaindarelevanteconsiderarnabaseteosóficaqueapósa
mortefísica,oduploetéricoaindapermanecealgumtempocomvitalidade,formando
oquesechamade“espectro”ou“fantasma”(POWELL,2001).
Certos “climas”, na obra, corroboram com o tema do duplo e compõem a
ambientaçãoidealparaquesuapercepçãoaconteçadeformamaisdramática.Rank
(1939) observa que são recorrentes, quando se trata do duplo, as passagens em
quese percebe a existência de espelhos e misteriosas sombrasao redor. O jogo
que ambos elementos estabelecem na narrativa de Coelho Neto é sutil, mas
perceptível. Rank afirma que o personagem que representa “o duplo” é aquele a
 
75A circunstância da visita aos “parentes”, de nome Smith, é, por si só, ambígua. Tendo Arhat
tomado contade James Marian desde ainfânciaà idade de 18 anos,aproximadamente, quem
seriamos“parentes”deJames?Sóum“MisterSmith”surgenanarrativa.Oquesepodeconcluir
é que ele e o guardião dos anos de viagem e descoberta do mundo, Sullivan, o a mesma
pessoa.
89
temer os espelhos, principalmente. Em Esphinge, o narrador teme, igualmente, o
confrontocomoseureflexoeassombraslúgubres:“Levantei-me[...],evitandoos
espelhoscominexplicávelreceio[...]”(p.92);“Nobrilhoaceradodosespelhoshavia,
porvezes,obscurecimentos,brumasqueotoldavamdepassagem[…]”(Es.,p.140).
James Marian, a despeito de representar o duplo, não estabelece uma
correspondência muito efetivacom os espelhos.Ainda no castelo deArhat, vê-se
multiplicado num jogo de espelhos num salão. Tem a sensação de estar sendo
perseguidoeestremece;masesteéseuúnicorelatosobreaquestão.Nãorevelao
apelonarcisísticodoespelho(comooDorianGray,deOscarWilde)–suabelezaé
percebidapelosoutros,nãoporelemesmo.Nessesentido,CoelhoNetopoderiater
tirado maior partido dos reflexos de James Marian, na busca por um efeito ainda
maisaterradorevertiginosoumavezque“espelhos,reflexos,sombrasdediversos
planos inauguram imagens deformadas, caleidoscópios de Narciso” (MARTINHO,
2003,nãopaginado).
Jamesdemonstraaocorrênciade“fugas”deseuduplonaocasiãoemque,
aosgemidos,desmaianoquartoeésocorridopelonarrador.Comfaltadear,dores
nopeitoeaflição,revelaqueasvertigenslhesãorecorrentes.Éimportantelembrar
que“as síncopes e os desmaiosassinalamumafuga doduplo”(MORIN,1988,p.
126). Tal fuga é oriunda da impossibilidade de uma definição, no caso de James
Marian,umadefiniçãodegênero:
Poisnodomingo,depoisdojogo,noFluminense
,sóporqueoFelix
Alvearfezmençãodebeijal-o,chamando-lheMiss,ellemetteu-lheas
mãosaopeitoe,comoooutroinvestisse,atirou-lheummurropondo-
lheacaraemsangue.Oengraçadoéquedepoisteveumasyncope
(Es.,p.39).
Noqueconcerneaointertextoprincipal,aobraFrankenstein,deMaryShelley,
aexistênciadoduplotambémseconfirma.Aprincipalconfiguraçãoqueassumeéo
“jogodeinteressesentrecriaturaecriador”(MENON,2009,p.737).
Finalmente, dentro do próprio enredo, é possível a acepção do duplo no
sentido dos rumos de leitura que se possibilitam tomar: o entendimento pode ser
90
alcançadono sentido que o narrador-personagemalucinou, em surtopsicóticoleu
manuscritos que não existiam, os quais atribuiu a escrita à James Marian, um
simples representante de seu tempo, que ostentava ares de aristocracia, usava
roupas extravagantes e esbanjava sua fortuna em aventuras. Nesse sentido,
teríamos o entendimento da obra como um fenômeno psíquico, e James
representarianãoosersobrenatural,mastãosomenteo“dândi”,“oesquisito”(vale
aqui a lembrança da “nevrose”, tão importante como elemento que constitui o
Decadentismo, em especial, a flâneurie e o dandismo). Por outro viés, o
entendimentodaobrapoderiaserfeitonosentidodequehouve,verdadeiramente,
umexperimentofeitopara unirdois pedaços decorposmortos,demodoaformar
um,sobreoqualforamaplicadososconhecimentosdeumsábioversadonaciência
enodomíniodoespíritoparaquelhefossedadoo“soprodavida”;assim,houve
umfenômenosobrenaturalde aparição epercepçãopelamediunidade, ouseja,o
ser híbrido conseguia a projeção de seu “duplo etérico” e também de seu “corpo
astral”eessefenômenofoipercebidopelonarrador,porFredericoBrandteporMiss
Fanny.Deacordocomessavisão,osmanuscritosteriammesmosidolevadospelo
espectro de James Marian, deixando o narrador sem prova conclusiva de suas
terríveisconstatações.

3.1.3Osadjuvantes:sociedadecomumquêdeModernidade
Coelho Neto constrói personagens secundários que a teoria da literatura
classificaria como “planos” pois são elaborados ao redor de uma única ideia ou
qualidade.Dedica-lhes poucaspalavras epriva-lhesdeumacomplexidadequeos
poderia tornar mais interessantes. Maurício Silva (2006) constata esse fato em
relaçãoàmaioriadasobrasdoautor(comalgumasexceções),considerandoquea
91
faltadedensidadedospersonagenscoelhonetianos(inclusiveosqueocupampapel
protagônico) os aproxima do que poderia ser chamado “figuras” ou “figurantes”(p.
78).
Dadaaextensaproduçãodoautor,conclui-sequeafaltasejaemvirtudede
sua“penaapressada”,noentanto,faceaoquehojeseconhececomoliteraturade
qualidade, poderia ser considerado que o “menos” que Coelho Neto fornece aos
seus personagens estaria diretamente relacionado ao “mais” que, como escritor
preocupadocoma“pedagogia”desuaobra,gostariadeverdesenvolvido emseu
público leitor. Numa obra como Esphinge, construir menos significa imbuir mais
mistério, mais enigmas a serem decifrados, mais construção por parte do leitor;
significa não subestimar sua recepção, fazendo com que “trabalhe” na obra tanto
quantoseucriador,contando,paraisso,comoseuconhecimentodemundo.Esse
leitor é o que está acostumado com essa visão da sociedade, que entende o
preciosismo das palavras porque faz parte de uma elite intelectual que o utiliza –
nesse sentido, o grande erro de Coelho Neto de acordo com a maior parte dos
críticos:ignorarumaparceladasociedadequenãoalcançavaesseconhecimentoe
tambémmereciaaliteratura.
Apesar da carência de informações sobre os personagens (sendo alguns
maiselaboradosdoque outros), épossívelentrevercertas nuancesque agem no
sentidodeosqualificar.Ainformaçãoquedetémonarrador,noiníciodahistória,é
deordemfactual,ouseja,apresenta-ospelaprofissãoouobjetodeestudo.Poucas
ideias subjetivas deixa transparecer inicialmente no texto em relação a esses
personagens, ficando o critério da subjetividade ao encargo do leitor experiente e
criativo.FredericoBrandtéomúsicoeprofessordepiano;MissBarkley,adonada
pensão,deorigeminglesa,cujaapresentaçãomereceumadescriçãofísicanointuito
de demonstrar a seriedade com que conduz seu estabelecimento; Décio, o
quartanista deMedicina;ocomendadorBernaz,rabugentoecaseiro,éohóspede
maisantigo;MissFanny,preceptorainglesaquelecionahistória,geografia,desenho
e música, a qual o leitor já é levado a saber que carrega um vidrinho de sais e
cápsulasnobolso;AlfredoPenalva,ocasmurroquintanistadeMedicina;Périclesde
Sá, o viúvo, empreiteiro de obras e fotógrafo nas horas vagas; Basílio, o guarda-
livros desorganizado, além de outros personagens menores, sem qualquer
92
caracterizaçãoamaisdoque“hóspedesdapensão”.Àmedidaemqueanarrativa
sedesenvolve,noentanto,aconstruçãodessespersonagensvaisurgindoe,sobre
algunsdeles,elementosdesubjetividadepodemserinferidos.
A austeridade britânica está representada no personagem de Miss Barkley.
Proprietáriadapensãodemesmonome,atudoconduzcom“oprodígiodaordem”
(Es.,p.08)e,atalpontoéobedecidaque,deacordocomanarrativa,atéanatureza
entraemplenofuncionamentoquandodesuapresença:
Seelladesciaaojardimrelanceandolentamenteoolhardir-se-iaque
ospassaroscantavammaistrefegos,queasrosasdesabrochavam
maisbellas;amesmaáguadacascatinha,sempreescassanotimido
fluir,pareciacorrermaisabundante,comsommaisalto[…](Es.,p.
08-09).
A presença inglesa no Rio de Janeiro da virada do século é ainda
consequênciadachegadadaCorteem1808,quepossibilitouaaberturadosportos
e estímulo ao comércio estrangeiro. Os bairros nos quais se fixaram foram São
Cristóvão,Glória,Catete,Botafogo,LaranjeiraseFlamengo-bairroemquesesitua
aruaPaissandú,localdapensãoBarkley(NEEDELL,1993).
No personagem da inglesa percebe-se um contraponto em relação à sua
austeridade – o narrador menciona que “vultos” passam pelo jardim à noite com
embrulhosofertadosporela,concedendoasuaconstruçãoumcarátertambémde
ordem solidária. Juntamente com Miss Fanny e James Marian, é um personagem
tambémmarcadopeladescriçãofísica.
O comendador Bernaz e Basílio personificam as ideias de preconceito e
animosidade.Bernazéohóspederabugentoquedificilmentesaidapensão.Desde
oprincípio,revelanãoverJamesMariancombonsolhos,apelidando-ode“boneco”.
Faz uso de uma linguagem por vezes grosseira na expressão de suas críticas:
quando comentam que James Marian havia se tornado mais cortêz e humano,
aparecendoàmesaparaojantar,Bernazretruca:“Chegou-seaorego,euolhe
dizia?”(Es.,p.37).Basílioconsideraoinglêsum“bêsta”“ummaricas”que“nãovaia
muque” , apelidando-o de “manequim de cabelleireiro”. No manejo de seus dotes
93
irônicos,utiliza-sedeumalinguagem decertomodomordazecômica:quandoda
doença de Miss Fanny, comenta que naquele ano “cantará Christmas debaixo da
terra” (Es., p. 41). O preconceito que sente é revelado a quem quer que seja;
quandodamortedeMissFanny:
Basílio -[…]Elogooque...tisica!Issoondeentrafica,écomo
opersevejo.Euéporquenãotenhotempo,senãomudava-me.Você
vaiaoenterrro?
Narrador -Nãosei.
Basílio -Nãová,homem.Areligiãoéoutra.Eunãovou. Não
entro em cemiterios, demais a mais estrangeiros. Não é por nada,
questãodeprincipio.[…](Es.,p.133).
Apreciador de uma boa desavença, está sempre a provocar continuadas
discussões: quando da conversa exaltada entre Péricles de Sá e o Comendador
Bernazemtornodotema“patriotismo”,otombelicosodeamboséacalmadopelo
próprioBernazqueconvidaooutroparajantar:“Vamosásopaqueémelhor,eantes
que esfrie”, ao que Basílio comenta, pilheriando: “Ao rancho!” - referindo-se
claramenteàhoradasrefeiçõesmilitares.
O músico Frederico Brandt demonstra a sensibilidade de reconhecer em
James um “doente d'alma”. Tem no inglês um velado admirador: quando toca, à
noite,percebequeéouvidopeloexcêntricohóspedeeMissFannyàsescondidas,
notando também quando aprecia ou repudia determinadas sicas. O narrador
revela o artista que há em Brandt não apenas através do conhecimento musical,
mas igualmente pela decoração da sala no chalé que ocupava aos fundos da
pensão.Asimpressões donarradorimplicam ofinogostodo artistaedestacam a
importânciaqueomobiliáriopossuíaparaaestéticadecadentista:”[…]ottomanase
divansdemarroquimverde,comalmofadasempilhas,ograndepianoBechstein,de
cauda, aberto, e um harmonium.Alto biombo de Jacarandá e sêda, marchetado,
figurava em bordados de ouro […]” (Es., p. 23). Brandt revela ainda consonância
com a inquietação da Modernidade em conceituações que revelam o homem em
conjecturas sobre a música, o belo, a mulher ideal, as forças extra-sensoriais, a
fecundidade do artista, a morte, a poesia, entre outras. Observe-se o que divaga
94
sobre“opoeta”:
Opoetaévidente:annunciaporsymbolosoqueseháderealisarem
diasvindouros.A flôr nãotem saibo,senãoaroma: overso épura
abstracção–alma.Ofruto,comapolpasaborosa,vemmaistardeá
arvore.
Analysaqualquerleiscientificaehasdenellaencontraraessencia
poetica. Os primeiros sabios foram contemplativos: a palavra da
Sabedoria nasceu ao som das lyras. Apollo guiou os passos de
Minervainfante.Tudoépoesia.(Es.,p.146).
Esobre“amúsica”:
Seconsideroamusicaamaisespiritualdasarteséporqueamusica
épuraessencia.Orythmoéasualei,asuamanifestaçãoéosom,
danaturezadaluzedoether,simplesvibração,ondaetherea,nada
mais. […] Todos os artistas baixam do ideal para o real, o musico
ascende; parte do real para o ideal. A Poesia comprime o
Pensamento em palavras, a esculptura é de pedra ou metal, a
architecturaéargamassa,apinturaétinta–amusicaérythmoeé
som: o indefinido. O som é como o fumo dos incensorios – uma
precealada(Es.,p.123).
Décio, o quartanista de Medicina, é o personagem de que mais se vale
Coelho Neto para “conversar” com outros textos; sua vida é influenciada por
discursos declamatórios, onde tem a oportunidade de citar grandes poetas e
demonstrarumconhecimentoliterárioque,àépoca,mostrava-seimprescindível:“O
verso,meiodeexpressãodapoesia,serviatambémparaopoetagracejarcomum
amigoouhostilizaruminimigo[...]”(BROCA,2005,p.76)-emboraDécionãocite
poemasdesuaautoria,fazpartedaeliteintelectualdapensão,juntamentecomo
narradoreomúsico,FredericoBrandt.
Revela-se como o personagem mais impregnado das características da
boêmia, sendo encontrado nos limiares de salões às madrugadas, ao redor de
grupos.Trazomundogregoànarrativa,emconstantescitações,reservandoparasi
anobretarefade,emcasodeumaguerra,registrarahistórianumagrandeepopéia;
95
nota-seaíaresdeum“pretensoHomero”:
Omeu patriotismo nãoé bellicoso,meu caro senhor Pericles. Não
tenhoobraçocamoneano
76
.Demaisasguerrasnesteseculo,osos
terriveisengenhosqueasreforçam,sãotremendamentemortiferas.
Assim é necessarioquefique um homem na Patriacomosemente
pararepovoal-aeescrever,empaginaseternas,aepopéasoberba
dosseusmaiores.Sereieuessehomempredestinado.Emquantoos
meus patricios vencerem – porque não admitto a hypothese da
derrota – eu, no silencio deserto da terra mater, irei compondo os
alexandrinos perfeitos que hão de levar, pelo seculos a dentro, a
famadosheróeseosseusnomes.Enodiadoregressodastropas
ireialiparaoPharouxcomumagrandelyra,enú,coroadodelouros,
como Sophocles diante dos gregos de Salamina, atravessarei a
Avenida,áfrentedosexercitos,cantandoopeandavictoria.[…]Mas
o senhor, que usa o nome do grande grego quefez deAthenasa
capitalda Belleza, não tem o direito de pensar em guerras, amigo
Pericles(Es.,p.197).
Péricles de Sá, o empreiteiro e fotógrafo, concede um curioso enfoque da
mulhercaptadapelaapreciaçãodesualente:“Revelaraumachapaprimorosaaque
déra o titulo de Réverie d'une jeune veuve (Sonhos de uma jovem viúva, nossa
tradução). Uma joven mulher, de preto, parada junto á cascata do parque
d'Acclamação[…]olhandoperdidamente.[…]Adivinhava-se-lhealagrimanosolhos
[...]” (Es., p. 80-1). Sua “lente” parece ser a mesma que utiliza Baudelaire na
observaçãodamulherdaModernidadequandopreconizaqueestadeveconcentrar
certoesforçopara“parecermágicaesobrenatural”(1996,p.59),nãoimportandose
deastúciaeartifícioseutilizeparatal.Sãoasmulheresrepresentadaspelastelas
de Constantin Guys, “teatrais e solenes como o drama ou a ópera que fingem
escutar”(BAUDELAIRE,1996,p.61).
Miss Fanny representa essa visão da mulher à medida em que evolui na
narrativa.Deinício,tem-seacaracterizaçãodamulhercentrada(seguindoomodelo
imposto pela tradição), preocupada com seus pupilos, com maneiras à moda
inglesa
77
.Logo,porém,abatidapeladoençamaisfrequenteàépoca,atuberculose,
 
76Referindo-seaoepisódiodavidadeCamõesnoqualserviucomosoldadorasojuntoaoexército
naÍndia.
77NEEDELL(1993)esclarecequeaspreceptorasestrangeiraseramresponsáveisporintroduziras
96
elaque“vierapelosol”(Es.,p.141)começaarevelarsuaporçãoetérea,demulher
vista pelos olhos do Simbolismo, constantemente vestida de branco (como os
“tecidosemnuvem”descritosporBaudelairequefazemdeadornoao“pedestalde
suadivindade”).
É seduzida pela inteligência e aura de James Marian, acompanhando-o
constantemente em passeios ao jardim, juntos apreciando a música de Frederico
Brandt.Poreleé“vampirizada”,comoopróprioJamesconfessaaonarrador:
[…]ainfelizseescravisouáminhasombra,sedeixouprendernum
sonho...emorreudeamor.Fizcomellaoquedizemqueassereias
fazem com os naufragos: em quanto sentem calor têm-nos nos
braços,logoquemorremeesfriamrejeitam-nosdocollo.Sorvi-lheo
sentimento, tive-a chegada á minh'alma como um sedativo, vivi
d'aquelleamor.Vampirismoespiritual,talvez(Es.,p.206-7).
No estudo que elabora sobre a obra, Alexander Meireles da Silva (2008)
pontua a sugestão do intertexto de Drácula (1897), do irlandês Bram Stoker, na
seduçãofeitaporJamesMarianemrelaçãoaMissFanny.Quando,agonizando,a
inglesa tem a visão de James à cabeceira da cama, em muito a narrativa se
assemelhaaoaparecimentodovampironosaposentosdavítimaLucyWestenra,
queculminaigualmentecomsuamorte
78
.
Miss Fanny é associada de certa maneira à esfinge por James Marian.
Denominando-a“captiva”napresençadonarrador,lamentaserelauma“pobreleôa”
que,dentro da jaula,fecharia os olhos para não ver o deserto emanter-se assim
virtuosa diante da tentação instintiva e natural. É nesse momento também que o
   
criançasdaelitenaaltaculturaenasocializaçãoeuropeia.
78NesseaspectoetomandopartidodoestudofeitoporFernandoMonteirodeBarrosparaoensaio
“OdecadentismoinglêseocondeEricStenbock”(2006),pode-seentenderqueovampirismode
James Marian sobre Miss Fanny não implica mordidas e nem sangue – tal como o vampiro
Vardalekde Eric Stenbock, James realiza umavampirização atravésda arte, por intermédio de
suaslongasconversasedivagaçõesnojardim,acompanhadodainglesa.
97
personagem aproveitaaassociaçãosimbólicacomainglesaparadivagarsobreo
Simbolismo:
Arhatservia-sedo symbolocomoexpressãodomysterio.Oquese
não póde dizer ou representar figura-se.A côr é symbolo para os
olhos,osomésymboloparaosouvidos,oaromaésymboloparao
olfacto,aresistenciaésymboloparaotacto.Apropriavidaésymbolo
(Es.,p.56).
Não sendo privilegiada pela beleza natural na concepção de Coelho Neto,
MissFanny adquire a beleza decadente-simbolistada Modernidade na sua morte:
“Parecedemarmore[…]atéassardasesmaeceram.Estálinda![…].Hámulheres
assim,comoqueforamfeitasparaotumulo:feiasemvida,embellezamnamorte”
(Es.,p.137).
Um outro personagem merece atenção, embora esteja fora do tempo
presentedaaçãonoromance,pertencendo,portanto,àhistórianarradaporJames
Marian: Arhat
79
. Este personagem é o que mais se aproxima da característica
espírita do romance, aparecendo no texto como matéria viva e também como
espíritodeluzquesemanifestapost-mortem.Eleétodo“simbolismo”,desdeolugar
emquehabita,ofícioepalavras.Jáespírito,quandosemanifestaparaJames,
carrega sempre um lírio de alvura incomparável
80
; logo após revelar-lhe alguns
segredos e entregar-lhe o livro com o enigma de sua criação, diz-lhe que será
 
79“Arahat”(sánsc)–sepronunciayescribetambién:Arhat[…],“eldigno”,literalmente:quemerece
honoresdivinos”.Esteeraelnombrequesedióprimeroalossantosjainasyposteriormentealos
santos budistas iniciados em los misterios esotericos. ElArhat és aquel que há entrado em el
mejorysupremosendero,librándoseasídelrenacimiento.(BLAVATSKY,1892,p.51).
80
Contribuindo  para  o fechamento  hermenêutico  da  narrativa, o lírio representa a
“ambiguidade”,
tratando-sede“umsímboloderealizaçãodaspossibilidadesantitéticasdoser”.Esteve
presente
na poética de Huysmans, de Mallarmé e Baudelaire (reconhecidos autores decadente-
simbolistas)
quelhesilustraramtodaa ambiguidadedoperfumequeécapaz dearrebatar“o
espíritoeos
sentidos”(CHEVALIER;GHEERBRANT,1991,p.554).
98
libertadodo“passodeangústia”,integrando-seaoquechamou“Athma”
81
.Ensina-
lhesobre“reencarnações”elhedizdaimportânciadadecifraçãodossímbolosdo
livro-querevelaráosegredo,a“chavedoarcano”(Es.,p.170).Emsuaperfeição,
confessaumafalha:comoduaseramasalmasaoredordospedaçosdocorpode
JamesMarian,omistérioquantoaqualdelasocuparaocorpoaindapersistia.Com
basenisso,revelaseutemor,quasecomoooráculoaditarodestinoinexorávelde
Édipo: “Desventurado de ti se os dois principios conseguiram penetrar-te – a
discordiaandarácomtigocomoasombraacompanhaocorpo.[…]Serásanomalia
incoherente:querendocomocoraçãoedetestandocomacabeça[...]”(Es.,p.173).
Apesar de Brito Broca (1981) considerar  os aspectos da sociedade em
Esphingecomo“subsidiários”, portanto,nãodevendoser“levadosemconta”,face
aoteorquerealmenteprevalecequeéogostodolendárioedofantástico”(p.180),
ospersonagensquecompõemanarrativademonstramseressenciaisparaaanálise
dopensamentofinisseculareadvindodaModernidade.
3.2.Ointertexto:revelaçãodomodernoedaModernidade
Tantonaobramatriz, escritapor MaryShelley,quantonareleitura quefaz
CoelhoNeto,embora emépocasbemdiferentes,aciênciaseconfiguracomoum
relevanteelemento.
Coelho Neto utiliza-se do advindo tecnológico para imprimir o tom de
realidade, deste modo, realizando um eficiente contraponto na diegese e, ainda,
contribuindoparaoentendimentodosnovostemposqueseapresentamaessenovo
homemàsportasdaModernidade.Afotografiaétrazidaaotextocomoilustraçãodo
progresso,oportunidadedaqualsevaleoautorpara,atravésdeumametáforaque
utiliza as cores, criticar o “insólito” que esse progresso poderá implicar: “todo o
progressocontidoentreasquatroparedesnegrasdeumacamaraescura”(Es.,p.
81,grifonosso).Ofonógrafoeocinematógrafosãotambémcitados;quantoaeste
último, Coelho Neto “profetiza” seu uso no combate ao crime – nos dias atuais,
 
81“Athma”(sánsc)–Esespírituuniversal,elalmasuprema(BLAVATSKY,1892,p.72)
99
remeteriamàscâmerasdesegurançaespalhadaspelos estabelecimentose locais
públicos:“Umladrãofurta-nosacarteira,umassassinocrava-nosumafaca,záz!O
apparelho estampa-lhe, não só a figura, como os movimentos e, no jury, é só
desenrolarafitaeeisomonstroprojectadonatéladaJustiçacomumflagrantenas
costas”(Es.,p.83).
O temor que é alimentado pelo advindo tecnológico é expresso por James
Marian,odândiquelamentao“moderno”da“Modernidade”:“[…]vi,comverdadeiro
assombroerevoltadapiedade,amachina,vencedoradohomem,amachinaafazer
miseria, a triturar o pobre para locupletar o rico; a machina que vai relegando o
esforço,comoapolvorainutilisouabravura”(Es.,p.180).
José Teixeira Coelho Neto defende que a ciência constitui um traço da
Modernidade,sendoa“pedradetoque,asubstânciaalquímicadetransformaçãode
tudo.Omitomoderno”(1986,p.30).ArvèdeBarine(1908apudRODRIGUES,1988,
p.17)ressaltaquealémdeumaaliada”aciênciaétornadaainspiraçãodoescritor
fantástico,encorajando-oa“sonharmundosimagináriosaofalar-lhesemcessarde
mundosignorados”.Naobra,aciênciaagenacomposiçãodo“horror”,tantonoque
refereàprópriacriaçãodeJamesMarianquanto,porexemplo,napercepçãodeum
mundo invisível e poderoso como o mundo em que habitam as bactérias da
tuberculose,napassagem,aconfiguraruma“guerra”contraosagentesdesaúdee
seusprocessosdeexpurgo:
Quandoentreidoar purodanoiteparao ambientemornodacasa
logosenti-meenvolvidonocheiroacredasfumigaçõesedosacidos
[…].EraocheiroannunciadordaMortequeimpregnavatodaacasa.
[…]. Tremenda batalha dos toxicos contra os infinitesimaes. Cada
átomoeraumcampo.Emtodapartealuta[…].Despindo-me,com
todo o gaz acceso, eu sentia, em torno de mim, a rija peleja.
Imaginava a exhalação daquelle cadaver desenvolvendo-se,
tomandotodaacasa[…](Es.,p.153/4).
A ciência fornece o caráter de “viabilidade” ao experimento conduzido por
Arhat.CoelhoNetonãopermitequetodooprocessodecriaçãodeJamesfiqueao
encargo do mundo espiritual, utilizando-se igualmente de um procedimento para
conectar vasos sanguíneos e, deste modo, possibilitar o fluir do sangue. A esse
100
conhecimento que é regido pelas leis do espírito e da ciência denominou Magna
Sciencia”.
RobertodeSousaCauso(2003)chamade“ficçãoespeculativa”oentrecruzar
daficçãocientíficaedafantasia,incluindoohorror.Realizaumaimportanteanalogia
entre “o outro” da literatura pós-colonial (que está em oposição ao etnocentrismo
cultural)e“ooutro”que“atendeaomesmomodelodeinvestigação”(queéosujeito
exótico, virtual, o mutante, o monstro): “O Outro certamente está no centro das
intençõesdaficçãoespeculativa”(p.62).
Na base da ficção especulativa, Causo aponta que está o “milagre”, o
“maravilhoso”,o“sublime”,querepresentamoextraordinárioeminterferênciacomo
realecotidiano,levandoospersonagensao“choque”quandodaanálisedosfatos
emsuasconsciências.
O horror
82
tem suas origens literárias no romance gótico
83
. O gótico
pressupõe, em maioria, a presença de forças opressoras e escuros castelos em
ruínas. Causo (2003) explica que o horror gótico é proveniente da casa, o que
“sugere a ideia do cotidiano assolado pela decadência e pela corrupção. Nesse
espo,amenteperdeocontroleeseaproximadaloucura”(p.100).Ocenáriopara
a diegese é a pensão Barkley que, paulatinamente, vaisendo transformada pelos
acontecimentosestranhosdemodoapassardo“normal”ao“sobrenatural”através
dautilizaçãodeelementosqueconduzemàsensaçãopelascores,odores,texturas.
Nosegundoparágrafodocapítulodeabertura,umacascatinhaderocalhaalegrava
osilênciodapensão.Umpoucomaisadiante,umamudançaseinstauraquando,à
percepção do narrador, um aposento iluminado pela luz do luar adquire
características “funéreas”. Mais adiante ainda e tem-se a casa com “um ar
melancólico”,comalgode“lúgubre”.Oselementosnaturaiscomeçamaagircomo
as forças opressoras que caracterizam os romances góticos: janelas batem à
rajadasdevento,relâmpagosfulguramnocéunoturno.ApósamortedeMissFanny,
 
82A ficção de horror no Brasil tem sua origem na “herança cultural” (os nativos e seus mitos, os
europeus e crenças folclóricas, os africanos e seu panteão de entidades da natureza, a
religiosidade dos jesuítas, as tradições xintoístas trazidas pelos japoneses, o espiritismo que
“encontrouseuverdadeirolarnoBrasil”)-todosesseselementoscontribuiramparaacriaçãoda
ficçãoespeculativa(CAUSO,2003,p.102).
83“Gótico” refere-se aos Godos, tribo alemã considerada pelos iluministas do século XVIII como
símbolo do “obscurantismo medieval” (CAUSO, 2003, p. 99). O romance gótico foi também
chamadopelosfrancesesderomannoir(romancenegro).OcastelodeOtrante(1764),deHorace
Walpole,foioiniciadordogênero(RODRIGUES,1988)
101
atémesmoodia transcorrecompaisagemdiferentedoinício:“Odia amorrinhava
abochornado. A espaços, em nesga aberta nas nuvens, o sol transluzia mortiço,
doentio, filtrando uma luz amarella de cirio” (Es., p. 138), culminando com a
descrição do cemitério dos estrangeiros, repleto de jazigos abandonados,
enegrecidos,cruzesdeferroroídaspelaferrugem,cruzesdemármoreincrustradas
denegrume.
Essatransformaçãodanarrativaestáemconsonânciacomachamadadark
fantasy(“fantasiaescura”,nossatradução),deacordocomCauso“umadasformas
maismodernasdohorror”,situaçãonaqualàprimeirainstânciatudoestádentrodos
limites da normalidade, aos poucos instaurando-se um elemento fantásticopara a
construçãodeuma“atmosferadehorror”(2003,p.101).
OhorrorédescritoporJamesMarianemrelaçãoàoposiçãoentre“natural”e
“sobrenatural”. Em dada passagem, já em voltas pelo mundo, com seu protetor
Sullivan,opersonagemdescreveseucontatocomamisériahumana:
Seres hediondos […] uns esqualidos, tiritando de febre, outros […]
cambaleando ebrios […] pequenitas impuberes […] com cynismo
devasso–criançasquenãoconheceramainnocencia[…].
Fugimos acossados pelos maltrapidos […]. Ficava-me n'alma, de
taesvisões,umsaiboamargo.Esóverdadeiramente,comprehendio
sobrenatural.O“natural”deviaseravidafelizqueeulevarajuntodo
Mestre[…](Es.,p.181)
O espiritismo contido na obra tem por origem os conhecimentos sobre a
doutrina que começaram a ser expostos no Brasil na segunda metade do século
XIX, bem como pode ter sido o reflexo da “conversão do escritor” após certa
experiência particular (MENON, 2007). O viés ocultista, porém, parece ser mais
destacado dentro de Esphinge. Edmundo Bouças Coutinho apontao decadentista
Villiers d'Isle-Adam (1838-1889) como um dos pioneiros no trato das “ciências
ocultasedametapsicologia”(2002,p.141).Tendênciadaescolasimbolista,esboça
ummundodominadopelossantuáriosantigosepelospreceitosdemagosversados
nos mais ocultos estudos esotéricos, o que aguçava a curiosidade do público em
geral: Brito Broca (2005) aponta que Coelho Neto era um franco adepto da
102
tendência, começando com propostas de temas para suas conferências que
abordavamo“sibilino”e,aseguir,pondoempráticaa“viagemocultista”atravésde
seustextosliterários,culminandoemromancescomoSalduneseEsphinge.
O texto que nitidamente subjaz a obra de Coelho Neto é Frankenstein
84
(1818), da inglesa Mary Shelley
85
. Neste romance, a ciência e o gótico atuam de
formaadarconsistênciaànarrativa.Oocultismosóaprincípioacompõe,maslogo
a prioridade é concedida à ciência, em si, vencendo portanto o chamado
“positivismo”.
Noaspectoformaldosdoisromances,asimilaridadeérealizadaatravésda
voz narrativa: ambos com três focalizações – Frankenstein, no prisma do
comandante do navio, R. Walton, no próprio Victor Frankenstein e também da
criatura(semnomenolivro,porém,popularmenteconhecidapelonomedopróprio
criador“Frankenstein”);Esphinge,nofocodonarrador(semnomenanarrativa),de
Arhat(ocriador)edopróprioJamesMarian(acriatura).Outroaspectoformalque
também se percebe nos dois romances é o uso de trechos poéticos que são
definidores para a época de sua produção: Frankenstein cita Samuel Taylor
Coleridge(Therhymeoftheancientmariner,1797)eWilliamWordsworth(“Tintern
Abbey”, poema deLyricalballads,1798);EsphingetrazFlaubert(Salambô,1862),
Baudelaire (“O ideal”, poema de Les fleurs du mal, 1857) e Raymundo Correia
(“Plenilúnio”,poemadePoesias,1898).
A forte sugestão é a criação de um ser feito de partes de outros seres já
mortos. Outras similaridades, no entanto, podem ser apuradas: ambos “criadores
das criaturas” estão familiarizados com o ocultismo, alquimia (quando ainda o
apresentava grandes diferenças em relação à química) e astrologia – Victor
Frankenstein através de Paracelsus, Albertus Magnus, Cornélius Agrippa e os
Rosacruzes;Arhatporintermédiodoquechama“MagnaSciencia”,queestáligadaà
 
84Noestudoquefazsobreaobra,BritoBroca(1981)defendequeEsphingeéumlivroescritosoba
“sugestão”deSeráphita(1835),deBalzac,quedizdahistóriadeumhermafrodita.
85Alexander Meireles da Silva (2008) traz em sua tese de doutorado um enfoque sobre as
circunstâncias particulares de criação da obra Frankenstein, de acordo com ele “história tão
famosa quanto o próprio romance” (p. 44): Casada com Percy Bysshe Shelley, inglês, Mary
realizoujuntoaomarido,noverãode1816,visitaaopoetatambéminglêsGeorgeGordonByron,
Lord Byron. Em determinada noite, os três resolvem fazer uma competição cujo objetivo seria
contaramaishorripilantehistóriadehorror.Oshomensteriamdesistidodaempreitada,enquanto
Mary Shelleyproduzia suaobra. Destaforma terianascidoFrankenstein: o ModernoPrometeu,
obraquefoiummarconaLiteraturaGóticaRomântica.
103
sabedoriadosmahatmas
86
indianosequetemmuitodesimilarcomalgunsaspectos
da doutrina espírita: “[...] neste livro sente-se o homem que formou entre os
discípulosdeAllanKardec”(BROCA,1981,p.192).
Aexperiênciadacriação,emsi,nãoédescritanemporMaryShelley,nempor
CoelhoNeto.Háumconcretousodamedicinaemambasexperiências(aquestão
do transplante), no entanto, os textos trazem apenas a sugestão de um início de
procedimento: Mary Shelley menciona a influência da alquimia e, mais tarde, da
eletricidadeegalvanismo;CoelhoNetodápreferênciaaoesoterismo,mantendosua
experiêncianoníveldasforçasfluídicasdoespírito.
As criaturas se empenham num processo de busca de suas identidades.
Ambasreivindicamumlugarnasociedade(SILVA,A.,2008).Oprocessoidentitário,
no entanto, é busca diferenciada: Mary Shelley imprime a busca da criatura de
Frankenstein num processo de aceitação desta no meio; Coelho Neto coloca a
buscadeJamesMariancomoaidentificaçãosexual,vistoqueeleérazoavelmente
estigmatizadopelosgrupos,porém,nãohostilizadocomoacriaturaimaginadapor
Shelley. Nisso tem-se fundamental diferença: a criatura de Frankenstein é vista
comoum“monstro”,JamesMarian,porsuavez,éencaradocomouma“incógnita”,o
“diferente”,“oestranho”.
Ampladiferençaénotadaquantoaoscriadoresnotocanteaoestímuloparao
processo de criação e à responsabilidade sobre a própria criação: Victor
Frankensteinéestimuladopelopoderdacriaçãoemsi,revelandoatémesmocerta
soberbaanteoprodígio:“Umanovaespéciemeabençoariacomoseucriadoresua
origem; muitas criaturas felizes e excelentes passariam a dever sua existência a
mim”(SHELLEY,1997,p.61).HarrietHustis(2003,p.849,nossatradução)defende
que“acriaçãodavidaédeinteressepuramenteteóricoparaFrankenstein
87
”.Arhat,
porsuavez,nãoseutilizadomesmoexpedientedeVictor, queprofanavacorpos
paraobtersuamatéria-prima:étestemunhadoinfortúnioqueenvolveduascrianças
queteriamficadoaospedaçosapósumacidenteouassassinato,issonãoéclaro
– e, vendo nesse horrível incidente uma maneira de ser útil, recolhe os corpos e
refazumavida:“Ésverdadeiramenteofilhodaminh'alma”(Es.,p. 171).Quantoà
 
86“Mahatma” (sánsc) – Literalmente: “grandeAlma o Espíritu”. Un adepto del orden más elevado
(BLAVATSKY,1892,p.477).
87Dooriginaleminglês:“ThecreationoflifeisofpurelytheoreticalinteresttoFrankenstein”.
104
responsabilidade do criador em relação à sua criatura, é notório o quanto Victor
Frankensteinlhenegaessaproteção,inclusivenegando-lheoúnicopedidoquelhe
faz a criatura: a criação de uma companheira; Arhat revela-se um criador que
protege sua criatura, provendo-lhe a educação,oportunidades dedefinição sexual
(colocando perto dele os serviçais Maya e Siva) e ainda garantindo-lhe uma
herança,comaqualJamesMarianviveplenamentetodososaspectosprazerosos
davidadeumdândi.
A vida voltada para o prazer coloca esse sujeito face aface com o spleen
derivadodaexaustão de possibilidades,o quefaz dosentido da vida algo estéril.
Nessesentido,aindaconsiderandoo“fantástico”,éimportantepensaraquestãoda
morte.WalterBenjamin(1989)consideraqueasadversidadesqueaModernidade
iráproporaohomemirãosubjugá-loe,nessesentido,épassíveldecompreensãoa
buscade“refúgionamorte”:
Amodernidadedevemanter-sesobosignodosuicídio,selodeuma
vontade heróica, que nada concede a um modo de pensar hostil.
Essesuicídionãoérenúncia,massimpaixãoheróica.Éaconquista
damodernidade no âmbito das paixões.Assim,o suicídio, como a
“paixão particular à vida moderna” aparece na clássica passagem
dedicadaàteoriadamodernidade(BENJAMIN,1989,p.74-5).
Hauser (1998) associa a paixão pela morte também com o romantismo
byroniano,salientandoqueoiguaisabismosqueatraemambos,osromânticose
os decadentes – pelo contentamento no que é destrutivo (principalmente,
“autodestrutivo”).NomúsicoBrandtareferênciaàmortecomorefúgioésutil,mas
notória:“Emtodohomemsubsisteavagareminiscenciadeumavidaanterioreháa
tendenciaparaoAlém:aterraprende-nos,océuattrahe-nos.AvictoriadoAbsoluto
é a Morte” (Es., p. 145). Em James Marian há mais do que uma sugestão – o
suicídioseconfiguracomoaprópriarespostaaoseuenigma.Quandodarevelação
de sua inusitada criação: “Eu dormia e elle despertou-me... e ando agora como
estremunhado,só desejoso de voltar ao somno” (Es., p. 59); etambémquando o
narradorlhepedeomanuscritoparaatradução:
105
[…]Interpellei-osobreanovella.
James -Estáalinaquellapasta.Pódeleval-a.Falta-lheofinal.
Narrador -Nãoaconcluiu?[…]
James -[…]Ofinal...!Tel-o-áembreve.Tenhohesitadomuito,
mas é preciso acabar. Talvez hoje.A noite está linda. E cravou os
olhosnocéu.Talvezhoje![…](Es.,p.54).
Noentanto,talvezessesejaumdesejoimpossívelparaumacriaturafeitanas
bases em que James Marian foi feito. Quando Coelho Neto se utiliza de seres
mitológicosparailustrarumadasbuscasdeJames,ofaznosentidodemostrar o
quanto esses seres desejam a efemeridade: “Os poetas não mentem quando
affirmam que os seres sobrenaturaes aspiram, com ancia, a vida contingente dos
ephemeros”(Es.,p.159),econtinuacomomitodaOndina
88
easfadas–aOndina
que sai a procurar amantes mortais sobre a terra, as fadas que procuram nos
mortaisoquenãoencontramnos“sylphosenoselfos”(Es.,p.160).AssimJames
deixaclarooquantolhecustapreenchermaisessabuscanaalmalacunar:“Sempre
oopposto épreferido[…]. Quantavez,olhando do alto da torreesplendida, onde
todososgososmecercavam,euinvejavaasortetristedopastorinhoquepassava
novalle[...]”(Es.,p.160).
Continuando pelo intertexto de Frankenstein,Warren Montagapontaque “o
mundoqueesse'modernoPrometeu'habitanãoémodernoemabsoluto.Omundo
deFrankensteinéummundosemindústrias,ummundorural[…]nãohádescrições
significativas do mundo urbano”
89
(1991, p. 309, tradução nossa). Harriet Hustis
entendequeMaryShelley“reconfigura,recontextualizaeassimmodernizaomitode
Prometeu”
90
(2003,p.845,traduçãonossa).Noentendimentodequeambosautores
 
88A“Ondina”éumaninfadaságuas,umsermitológicoqueseapaixonouporummortal.Emsua
sedução,agecomoassereias,acantarousimplesmentesussurrarcomvozlânguida(Es.,p.
159).
89Dooriginaleminglês:“[...]theworldthatthis“modernPrometheus”inhabitsisnotmodernatall.
Frankenstein's world is a world without industry, a rural world […] there are no significant
descriptionsoftheurbanworld[...]”
90HarrietHustispropõeumaleiturafeministaemodernaemsuaanálisedaobradeMaryShelley.
DefendequeVictorFrankensteinlutacomasconsequênciaséticasdeuma“gravidezindesejada”,
tal qual o papel moral e psicológico da mulher moderna. É a reconfiguração do mito antigo à
serviço dos termos feministas. Roberto de Sousa Causo (2003, p. 114) também defende essa
ideia: “Shelley escreveu a história de uma gravidez indesejada e nela condenou a falta de
responsabilidadepaternal”.
106
referem atipos diferentes demodernização (o primeiro remetendoaocontexto do
avançotecnológico,asegundaquerendodizerdareediçãode ummito), pode-se
ainda tirar partido de suas assertivas: para estabelecer outra distinção entre
Frankenstein e Esphinge, note-se o espaço diegético campestre em Frankenstein
(como apontado por Montag) e o espaço diegético urbano carioca, presente em
Esphinge;MaryShelleymodernizaomitodePrometeu,eCoelhoNeto,“reeditando
oreeditado”,moderniza-omaisumavez,mostrandoqueaindatrazsignificaçãopara
seutempo,permitindoumanovaleitura.
IntertextosmenoressãotrazidosàobraporCoelhoNeto.Alémdosjácitados
Flaubert, Baudelaire e Raimundo Correia, (o primeiro, realista, e os dois últimos
transitandoentreoDecadentismo,SimbolismoeParnasianismo),CoelhoNetotraz
também à lembrança o pensador e escritor romano Cícero, o poeta inglês Alfred
Tennyson(preferidodasinglesasdapensãoequetambémmereceureferênciana
obradeBaudelaire,Opintordavidamoderna)eopoetasimbolistabelgaGeorges
Rodenbach. A personagem de As mil e uma noites, Scherazade, também é
referenciada (confirmando o quanto esta obra realmente influenciou na produção
coelhonetiana). Hátambémclarareferência aosSalmosblicosnaaclamaçãode
James Marian quando de suas ncopes: “Ó minha alma! Onde estás, minha
alma...!”, trazendo os Salmos (42:11): “Por que estás abatida, ó minha
alma”
91
(traduçãonossa).Noentanto,dosintertextosmenoresomaisexploradoéo
musical:Frederico BrandtexecutaoucomentaBeethoven(“Pathetica”,“Pastoral”),
Schumann(“Areverie”),Liszt,Mendelssohn(deumalinhagemmaisvoltadaparao
romântico);Wagner(“Parsifal”,Lohengrin”, “Tristão eIsolda”),Offenbach
92
(“Orfeu
nosinfernos”),Dukas
93
eDebussy
94
(voltadosparaomoderno).
Wagner, sem dúvidas, merece considerações à parte, devido à sua
consagração como “o representante mais importante da modernidade”, segundo
   
Deseuoriginal,eminglês:Shereconfigures,recontextualizes,andthusmodernizesthemythof
Prometeus”
91Escritoeminglêsnaobra:“Omysoul!Whereartthou,mysoul...!”(p.30).DosSalmos,eminglês:
“Whyartthoucastdown,omysoul”(42:11).
92Offenbachéconsideradooprecursordoteatromusicalmoderno.Aopereta“Orfeunosinfernos”
lançou o can-can, que adquiriu notoriedade universal. Seu criador escandalizou a França: foi
acusado de profanação aos deuses romanos. Este musicista teve como admiradores grandes
personalidadesquepensaramaModernidade,entre eles,“Baudelaire,Nietzsche,Saint-Säense
Rossini”(PRADO,1997,p.16).
93Compositorclássicodomodernismo(1865-1935).
94Debussyteriasidooresponsávelpelocomeçodamúsicamoderna(1862-1918).
107
Baudelaire: “Baudelaire, a figura central do século XIX, o ponto de partida do
movimento decadentista, foi um dos primeiros divulgadores do mestre alemão e
sentiugrandeafinidade entresuaprópriaobraeadeWagner”(MORETTO,1989,
p.20).
BradburyeMcFarlane(1989)asseveramqueamúsicatevesuaimportância
na reflexão que o Simbolismo realiza em torno da linguagem e da forma e que
algunsautorestrouxeramamúsicaparadentrodeseustextos.Odramalíricocriado
porWagneréuma“reuniãodeartes”:“Ainfluênciadocompositoralemão,alémde
apontarapreocupaçãosimbolistacomamusicalizaçãodopoema,sugeriaoenlace
com a dança e a pintura, de cujos processos ela se apropria” (BERNARD, 1959
apudMOISÉS,1988,p.11).
Wagnerultrapassaoslimitesdaprópriamúsicaàmedidaemquearelaciona
comatragédiagrega(HAUSER,1998),sendoconsideradoporNietzschecomo“o
revolucionáriodasociedade”(HABERMAS,1990,p.93).
Wagner adora o chamativo, o afetado, o voluptuoso, e é fácil
perceberoquesuasóperaseossalonsdoperíodo,abarrotadosde
sedas,veludos,brocadosdourados,móveisestofados,tapeçariase
reposteiros têm em comum. […] É compreensível que Baudelaire
tenhasidooprimeiroareconhecerosignificadodaartedeWagner
(HAUSER,1998,p.832).
Gama Rosa (1888, apud CAROLLO, 1980, p. 91) assinala que a arte
decadentenãoédirecionadaàsmultidões,nãosepreocupacomaignorância,mas
é, sim, voltada para o que chamou “aristocracia mental” – e nisso, a composição
wagnerianaseconfirmasemelhante.
ParaointeressedeCoelhoNeto(relativoàsmúltiplasinserçõesdonomedo
compositornaobraEsphinge)deve-senotaraprofundaadmiraçãonutridapelofilho,
Mano, em relação à Wagner, sendo o mesmo um conhecedor de sua arte.Além
disso,Wagnerfoiumdivulgadordelendasemseurepertóriomusical(MORETTO,
1989),oqueatrairáCoelhoNetonosentidodogostopelomistério,pelomisticismo
decadente-simbolista.
Servindo de base à escrita da obra, ou no sentido de alicerçar o processo
108
hermenêutico, o intertexto, seja ele feito por inferência ou até mesmo citado em
partesnocorpusdosromances,constitui,deacordocomJoséTeixeiraCoelhoNeto
(1986,p.47),um“recursodamodernidade”-“falardoOutroaofalardesi,falarda
obra Outra ao fazer sua própria obra, permitir que uma obra seja lida através de
outra”. Essa característica é fundamentalmente Decadentista, refletindo um gosto
moderno de trazer ao texto-base trechos de outras obras, conhecidas e
desconhecidas (PORRU, 2002). Nesse recurso do autor, reflete-se o caráter
pedadagógicodaprodução.
3.3.OstemasqueprenunciamaModernidade:
Elementosdesuacomposição
O texto decadente-simbolista explorava grandemente o esteticismo em sua
sustentação.OesteticismoéotemaquemaispodeserligadoàBaudelaire.Nasua
consideração, elementos tais como, linguagem
95
, composição de ambientes,
aspectossociaisecaracterísticasdeconsumosãorelevantes.
A composição de ambientes na obra em tudo revela uma preocupação do
autor com a detalhística requerida pela arte decadente-simbolista. Jeffrey Needell
(1993),realizandoumcuidadosolevantamentodoambientecariocanabelleépoque
tropical, reúne alguns elementos importantes para a composição do cenário da
época:objetosdearte,utensíliosprovindosdoOriente,bibelotsfranceses,pianos,
entre outros, todos objetos “pilhados” através da herança colonial das elites
abastadas. Aqueles que não recebiam o mobiliário por herança, os mandavam
reproduziratravésdeartesãoscariocasqueseespecializavamnacópiademóveis
franceses,emmaioria.Needellrevela queestudosacadêmicosindicamqueolar
burguês do século XIX assemelhava-se a um desordenado museu de todas as
culturasespoliadasouconquistadaspelanovaclassetriunfante”(1993,p.177).
Flora de Paoli Faria (2004) percebe que há aí uma assunção do clima
melancólicododecadentismoqueéexpressoatravésdomobiliário,tudoparaque
 
95Elementosrelativosàlinguagemeimagem,naconsideraçãodaobra,serãoexploradosemsub-
capítulo à parte, dada a suma importância que o trato puramente linguístico assume para a
literatura,emgeral,equeaimagéticaassumeparaestaobra,emespecífico.
109
os autores dessa tendência criassem um “ambiente de exceção” (p. 37), que
primasse pelo excesso. Nessa representação da “pilhagem” tem-se a referência
diretaàimportânciadofetichismodeconsumoapontadoporBenjaminepercebido
porNeedell:
Anaturezasensualdasdescriçõesdeaposentos,decoração,gentee
roupas indica o fetichismo da mercadoria que era um elemento
essencial da época. Com efeito, ao tornar as descrições tão
palpáveis quanto possível, o autor convidava o leitor a desfrutar
vicariamenteoscenárioseoscarosprazeresaristocráticos(1993,p.
240).
Ailuminaçãotambémcorroboraaestética.EmLespleendeParis,Baudelaire
conclui que “não há objeto mais profundo, mais misterioso, mais fecundo, mais
tenebroso, mais deslumbrante que uma janela iluminada por uma candeia” (apud
BENJAMIN,1989,p.212).EmEsphinge,osbicosdegásatuamdemodoacelebrar
oartificialetambémosobrenatural,umavezquediantedosfenômenosdeaparição
deJamesMarian,asluzestremulameatémesmoseapagam.
Dados do ambiente externo também confirmam a presença da estética
decadente-simbolistaapermearotexto:osjardinsefontesacomporoambienteda
pensãoodescritosàexaustão,cooperandoparaaformaçãodeumquadroque
passadofrescordeumamanhãrepletaderosasorvalhadasatéoarsufocantede
plantasqueaguardamumatempestade,acrescentandoumapitadadoclimagóticoà
tropicalidade pitoresca. As flores têm um simbolismo fundamental para a
compreensão da Modernidade – mesmo se colocado de lado o empréstimo que
delasfezBaudelaireparaotítulodesuaobra,AsFloresdoMal.Benjamincitaas
consideraçõesdeumfabricantedecaxemirasdaépocanotocanteàsflores:
É pela faculdade de seu espírito, chamada reminiscência, que os
desejosdohomemcondenadoaobrilhantecativeirodascidadesse
voltam... para a estadia no campo, sua moradia primeva, ou, no
mínimo,paraapossedeumjardimsimplesetranquilo.Cansadosda
fadigadosescritóriosoudaintensaclaridadedossalões,seusolhos
aspiramaserepousarsobreoverdor.Feridoincessantementepelas
110
emanaçõesdeumalamaempestada,seuolfatoprocuraoperfume
queexaladasflores.[…]Éassimohomemdacidade,talaorigem
desuapaixãopelasflores[…](REY,1823apudBENJAMIN,1989,p.
258).
Na obra, as flores estão por toda parte, simbolizando vida ou morte (nos
aposentosdeJames,apresençaderosasfrescas,emvasos,esecas,esquecidas
pelascadeiras,acomporascoreseoscheirosdoambiente).Umdadointeressante
querefleteaimportânciadodetalhecomaestéticaéjustamenteadenominaçãodas
rosasofertadasporJamesMarianaalgunshóspedesdapensão:atualmenteovalor
dasrosasseencerranascores,poucosendo posto em uso seusnomes:“James
ofereceurosasaMissBarkley[…].Ocommendadordeixouaquelhecoube,uma
admiravelVermerol,sobreatoalha.JamestomouparasiumaPaulNeyron”(Es.,p.
36).
A água é também elemento que compõe o Simbolismo sugerido e também
refletir-se-ánaestéticaartificialdaModernidade:areferênciaàfonteno jardimda
pensãoeaolagonocastelodeArhat(bemcomoapresençadecisnes)édecunho
simbolista, primando pelo aspecto cristalino e plácido. Na seguinte passagem,
porém,tem-seoelogiodaáguaqueretiraosodoresnaturais,celebrandoocaráter
artificialdobanho:
[...]nãohacomoaaguaparaconservaredaresplendorábelleza.O
banho, com sabonete fino e uma gota de essencia, é um rito. A
virtudedobaptismoestánalavagem.Nãohaperfumemelhorqueo
da agua: o corpo lavado recende […] É o que encanta naquella
mulherdiabolica–oarômadeaceio.[…]umcorpolavadotemtodos
osperfumes,comoumjardim...eaaguanãocheira(Es.,p.214).
Aconsideraçãodesseselementosqueremetemàestéticacontribuiráparaa
face frívola dessa sociedade, como percebe Gilberto Amado: “Esteticismo e
Mundanismo eram as duas rodas da carruagem bizantina em que se exibiam no
nossocircodeConstantinoosflácidosatletasdafrivolidade”(AMADO,1956apud
NEEDELL,1993,p.216).
111
Decertaforma,os“atletasdafrivolidade”podemserrelacionadosaomundo
grego,temáticaconsolidadanoParnasianismo.StellaMariaFerreiracitaNietzschee
suaanálisedafilosofiaeculturagregas:
Ah! Esses gregos! Comosabiam viver! É precisoser resolutopara
ficar valentemente na superfície, se limitar ao drapeado e à
epiderme, adorar a aparência e acreditar na forma, nos sons, nas
palavras, em todo o Olimpo da aparência! Esses gregos eram
superficiais por profundidade(NIETZSCHE, 1882 apud FERREIRA,
2004,p.78).
O mundo grego é trazido na obra por um duplo motivo: a característica
atribuída a Coelho Neto do “helenismo” (sendo sua característica herdada do
Parnasianismo)eacelebraçãodasuperficialidadequecontribuiráparaaformação
daestéticaartificial.ElisCrokidakisCastrodefendequeaartedoDecadentismotem
como matriz a arte clássica, logo, sustenta que a Modernidade presta tributo ao
mundo clássico” (2000, p. 01). Personagens dos mitos gregos são citados à
qualqueroportunidadenaobra:Apolo,Ajax,Minerva,Afrodite,oPégaso,aEsfinge,
etc. O Simbolismo é também conhecido por utilizar a mitologia e referenciar
contantemente os deuses. Elis Crokidakis Castro ainda aponta que o homem
decadente, incapaz de entender plenamente seu tempo que prenuncia a
Modernidadeeomoderno,“fogeparatemposmortos”,ouseja“seexilaemsuatorre
demarfimesealimentadosprazeresestéticos”(2000,p.03).
Lucia Miguel Pereira analisa a opção pelo viés estético e sua decadência:
“essa literatura desencarnada, visando à estética e não à criação, não poderia
subsistir;osseusadeptosemigrariamembreve,nasua maior parte,para regiões
menosetéreas”(1988,p.224-5).

3.3.1.Imagemelinguagem:percepçõesdaModernidade
112
Coelho Neto lançou mão de recursos imagéticos do Simbolismo para a
composição do suspense de Esphinge. No entanto (e nisso deve ter irritado os
modernistas) não abriu mão da linguagem de cunho parnasiano, clássica, formal
quaseaopedantismo.Dessainusitadacombinaçãoresultaumtextoqueapelaaos
sentidos na mesmamedida em que denotacertafrieza esuperficialidade no trato
dos sentimentos. Mas o que traz a obra de características simbolistas e
característicasparnasianas?
3.3.1.1.Imagem:osímbolocomorecurso
Esphinge é considerado por muitos estudiosos da literatura como um
romance essencialmente simbolista; de acordo com Causo (2003, p. 114) pelas
alusões orientalistas, no modo maneirista da descrição de ambientes e na
“condenação da Era da quina” feita por um dos personagens. Lúcia Miguel
Pereira (1988) esclarece que as produções simbolistas se expressam em “frases
retorcidas”, “detonalidades crepusculares” e nisso encontra-se sólida confirmação
nanarrativa.OsproblemasmaisrecorrentesdoSimbolismonaprosadizemrespeito
à chamada “literatice”, que é o excessivo jogo de palavras cujo mérito principal
pareceserodedemonstraraperfeitaarticulaçãoverbalqueprovavaacapacidade
dopoeta.Instaurando-seatravésdeumanarrativadivagatóriaesubjetiva,carecia
deenredo.SegundoBroca(1952apudBOSI,2006,p.293),“eraaassimilaçãodo
pior Simbolismo pelo pior Parnasianismo”, por isso, “se tornou um dos principais
alvos dos modernistas”. No caso de Esphinge, é possível encontrar alguns
elementos que conduzem à literatice, porém, o ritmo da narrativa conduz a um
enredoqueprovocaemotivaàelucidação.
O Simbolismo(mais especificamente, o “símbolo”) encontra-se disseminado
portodaaobra,desdenomes,aobjetos,emgeral
96
.Algunsexemplos:omanuscrito
 
96Jáverificadasalgumassignificaçõesdosnomesprópriosnanarrativa:Arhat,Maya,Siva,Athma,
Mahatma,bemcomoosignificadodeelementosdentrodotextoquecorroboramahermenêutica:
aesfingeeolírio.
113
entregueporJamesaonarrador,emsi,constituiaessênciadaescolaemquestão:é
ummaterialcujaspáginastrazemriscossinuosos,zigue-zagues,teiasintrincadasde
escrita, letras em espirais – de tal modo enigmáticas que “perdiam o caracter
graphicotornando-senecessarioadivinhal-as”(Es.,p.64);àcapadooutrolivro(o
quecontinha os segredos da criação de James Marian), uma ilustração com dois
lírios, um “airoso” e outro “murcho”, a que o próprio James alude a presença do
símbolo:“Nãohaviaduvidaeraumsymboloencerrandotodoomysteriodaquelle
escripto arrevesado” (Es., p. 139); James Marian é visto vestido em uma túnica
branca quando de suas aparições; Miss Fanny, quando vista no jardim, também
exibevestesbrancas:“acorbranca”foiconsiderada“obsessão,porquantoresumia
oidealdeartesimbolista:avaguidão,alanguidez,omistério, a espiritualidade, a
pureza,oetéreo,ooculto”(MOISÉS,1988,p.12);asestátuasnojardimdeArhat
representamohibridismoàquesubmeteuJamesMarian,mostrandoaoconvíviodo
mesmo a existência de outros “seres plurais”: “uma mulher com cabeça de
elephante,ummonstruosoidolodecujotroncopartiamnumerososbraços[...]”(Es.,
p.71);e,maisadiantenanarrativa,percebe-seacríticaàreligiãodainglesaMiss
Fanny (protestante) dada a precariedade de símbolos, o que incomoda Frederico
Brandt:
Chegamosácapella–núa,semumsymboloanãoseracruztriste,
deferro[…].[…].
Brandt - Não! Não compreendo religião sem ritual, nem ritual
sempompa.[…]Tudoistoéacreação,nãoéDeus.Eestacapellaé
umacasadeserta,corpomortoaquefalta...
Narrador -Umidolo...
Brandt - […] o symbolo, o symbolo, o eterno e necessario
symbolo.(Es.,p.149/151-2). 
3.3.1.2.Linguagem:anão-rendiçãoàprópriadecadência
IrlemarChiampi(1991)caracterizaoModernismohispano-americanocomoo
114
movimentoqueexaltavaafantasiaeomistério,sempreembuscadeumaestética
queremetesseàssensações,utilizando,paraessefim,meiosqueperpassavamo
exóticoeocosmopolita.Odestaqueparaoperíodoé,semdúvidas,alinguagem:
[…]ésobretudonoexercíciodaperfeiçãoformalqueosmodernistas
hispano-americanos celebraram, em prosa e verso, a sua
consciência de que a literatura havia alcançado identidade e
autonomia. Artesãos da linguagem, enriqueceram o léxico com
vocábulosdesusados ouneológicose aprosódia comexperiências
ousadasnoritmoeeufonia,nasquaisresgataramamétricairregular
doversoprimitivoespanhol.Aoverso esculpidocomaobjetividade
plástica do parnasianismo integraram a musicalidade e a imagem
sugestivadosimbolismo(CHIAMPI,1991,p.186).
Coelho Neto assim entendia a “linguagem”: “A linguagem de um povo é o
patrimonio maior da sua intelligencia. Accumulada, como um thesouro, durante o
cursodosseculos,crescendonarazãodiretadoprogresso,torna-seocaractermais
accentuadodeumanacionalidade”(COELHONETO,1913,p.20).
Pensandosobreaassertiva,percebe-sequeumadasmaisperniciosasfaltas
dequeCoelhoNetoéacusado,opreciosismo,seencontrajustamentenocernede
seuconceitosobrelinguagem:“alinguagem[…]accumuladacomoumthesouro”-
daí representar uma constante que se reflete em toda sua produção literária. Na
entrevistaqueconcedeaJoãodoRioparaOmomentoliterário,oautordemonstra
ter a plena consciência desse fato, defendendo-se: Acusam-me de preciosismo,
meu caro amigo. o sabem eles que o artista é o resultado de mil influências
desencontradas...” (p. 25).As “influências desencontradas” das quais fala o os
nítidos resultados de seu pensamento literário enquanto homem que vive o
crepúsculo do século XIX e recebe as tendências basilares da Modernidade no
séculoXX.
EmEsphinge,os“tesourosacumulados”aolongodosanospelainteligência
deCoelhoNetomostram-seaovislumbre.Osvocábulosraros,jáausentesdouso
cotidiano, se espalham pela narrativa, compondo um quadro que contribui para a
compreensãodoquefoioperíodoregidopeloDecadentismo:
115
[…]ovocabulárioqueoDecadentismousaouinventaéformadode
palavras arcaicas ou de neologismos, de palavras técnicas, de
palavrascompostasederivadas;háousopluraldepalavrasque
possuem singular; há deslocamentos dentro da frase, repetições,
supressõesdeverbos[…](MORETTO,1989,p.31).
O preciosismo das palavras originouochamado“estilo floreal”, impregnado
deParnasianismo,oqualcolocaaleituradeCoelhoNetonumpatamardistantedo
leitorcomum,maispróximaàaristocraciaintelectualdaépoca,sendoconsiderada
“uminevitávelreflexodeumasociedadepróspera”(SILVA,M.2006,p.47).
MaurícioSilvatambémintuiqueopurismogramaticalpodeserdecorrentedo
cuidadodoautorcomotratolinguístico,comocultoàformaouaindaquefosseum
cuidadoresultanteparaomelhorinteressedopúblicoleitorportuguês,juntoaoqual
era aclamado (bem como a crítica portuguesa), consolidando as edições de seus
livros pela livraria Chardron, do Porto. Interesses à parte, é inegável que Coelho
Neto primeiramente estava correspondendo à forte tendência da época que era
“viveraliteratura”,fazendocomque,noentendimentodeBritoBroca,avidaliterária
superasse a própria literatura. É óbvio que “viver”, pensar” continuamente a
literatura implica na existência de uma sociedade que possa abarcar esse
conhecimento,nocaso,a“sociedadepróspera”daqualfalaMaurícioSilvaequese
tornouopúblicoalvodostextoscoelhonetianos.
O que sobressai no texto Esphinge são as palavras de influência ático-
oriental:do grego, idyllio (amor poético, suave), sygmoidaes (em forma de sigma,
curvilíneo) hemicyclos (espaço semicircular), hyeroglyphos (hieroglifos), lethargo
(letargia); do Oriente, ottomanas (espécie de sofá), yogis (praticante da ioga),
sadhús(sábiossagradosdaÍndia);palavrasurbanasqueremetemao“moderno”e
serevestemdoempréstimodepalavrasestrangeiras-roast-beef(rosbife),water-
proof(àprovad'água
97
),frack(fraque
98
),wagons(carroçasouvagõesdetrem),foot-
ball(futebol),pudding(pudim),pic-nic(piquenique),bond(bonde),frisson(arrepio,
 
97Notexto,relativoacapas/casacosdechuva.
98No caso,Coelho Neto utilizou aqui o chamado “franglais” apontado por Marshall Berman como
umacaracterísticamodernista,amisturadofrancêscomoinglês–eminglêsseriaescrito“frock”,
emfrancês“frac”:amisturadosdoisidiomasresultariaem“frack”.
116
tremor);palavrascujagrafiavaiatenderàssujestõessimbolistas,porexemplo,ouso
do “y” - gyro-gyrar, cyclone, mystica; o uso da inicial maiúscula – a Esthetica, o
Bello, o Ideal, aArte, a Morte, a Melodia; e, por fim, palavras queinteressam ao
conhecimento da ciência – plethora (excesso de sangue nas veias), hemoptyse
(expectoração sanguínea), erythremia (grande aumento de glóbulos vermelhos no
sangue). Pelo uso desse vocabulário, é possível detectar, respectivamente, a
tendência que refere ao helenismo, ao orientalismo, ao estrangeirismo, ao
simbolismoeaopositivismo.
WalterBenjamin(1989)destacaqueAsfloresdomaléaobralíricapioneira
na utilização de vocábulos prosaicos e urbanos, fazendo uso também de
substantivoscomunsgrafadoscominicialmaiúscula.Quantoao“estrangeirismo”,o
próprioCoelhoNetoseposiciona:“Euestudocomgrandeamoralínguaportuguesa,
massoupelaliberdade[…].Aslínguasevoluem,eeuadmito,comonecessidadede
representaçãodeideias,oestrangeirismo”(COELHONETOapudRIO,1907,p.25).
Dentrodoníveldesignificação,osuspenseéquebradoatravésdautilização
delinguagemirônicaoucômica.Na associação de palavras, em referência ao
ComendadorBernaz,aironiaéfeitaemrelaçãoàmoedaaindaemuso:
Comendador -[…]Masnocollegio...Ahistória,porexemplo.
Nuncapudecomaquillo:misturavaosreis,faziaumaconfusãodos
diabos.Perdi-menascruzadas”
Basílio - Mas achou-se com os cruzados” (Es., p. 43,
grifonosso);
Emreferênciaapalavracomposta,cujoefeitoécômico:
MissBarkley -EdeTennyson?Sabealgumacoisa,doutor?
Décio - Ah! Miss... infelizmente... e meneou com a
cabeçaem negativa.Deinglêssóconheçoobolo(Es.,p.44,grifo
nosso).
Significando“enlouquecer”ou“cairnomundodosonho”,orecursoimagético
éperceptível:primeiramentetomandopartidodocavaloaladodamitologiagrega:
117
“-MontasteoPégaso?”(Es.,p.204);após,utilizandoumareferênciaàexpressão
“Não está bom da telha”: “E quem não tem a sua telhasinha?” (Es., p. 230, grifo
nosso);finalmente,paraofatodoloucoterficadoporumtempoàmargem,forado
convívio com os chamados “racionais”: “Deixemos o passado. Foi uma crise, um
mergulhonoazul.Ah!meuamigo,oazuléparasercontempladodelonge[…]”(Es.,
p.231,grifonosso).
Oestilocoelhonetianonaobracomportaumléxicobastanteextenso,daíuma
dascomparaçõesqueestabeleceJoãodoRioentreCoelhoNetoeRudyardKipling:
“CoelhoNetoénoBrasiloqueRudyardKiplingénaInglaterra,-ohomemquejoga
commaiornúmerodevocábulos”(1907,p.25).Essacaracterísticaconferiuaoautor
um estigma que o relacionou diretamente ao “superficial”, ao “ornamental”, ao
excesso de refinamento, valendo-lhe, conforme Needell (1993), uma associação
com J-K Huysmans, autor que primava pelo mesmo escapismo exótico e
materialista”,podendoaindaterum“correlatocomposicional”comautoresdaestirpe
deHuysmanspelaênfasedoadjetivo,usodepalavrasincomunseultra-elaboração
frasal(p.240).
OestiloaproximouCoelhoNetodeumacategoriataxonômicadenominada,à
época,“osnovos”.VirgílioVárzeacomentaessaconsideraçãonojornalpaulista“O
mercantil”,de1890:
[…] devemos destacar outros singulares artistas, que já possuem
notoriedadeesão realmente novos(grifodo autor), RaulPompéia,
OlavoBilac,Coelho Neto,Pardal Mallet,José do PatrocínioeArtur
Azevedo... Todos esses escritores são verdadeiros estilistas e
possuirestiloémaisdoquepossuirtalento...Asqualidadesdeestilo
são as mais admiráveis da mentalidade humana e só se podem
compararcomaindefinívelimpressãodoBelo.[…].
Estáabertaa campanhadosNovos(grifo do autor),eeleshão de
vencer.(VÁRZEAapudCAROLLO,p.338/9).
Massaud Moisés (1988), ao discorrer sobre Gonzaga Duque e, mais
especificamente, sobreseuromancesimbolistaMocidade Morta,de1899,permite
quecomparaçõesentreesseautoreoautoremquestãosejamrealizadas:aponta
em Gonzaga Duque falhas como a anglofilia e francofilia (quando personagens
118
recitam versos deWilde, Samain e Mallarmé) - igual tendência apresenta Coelho
NetoemEsphinge,inclusivecomamostrasdeumpoemadeBaudelairenooriginal
francês,semtradução;asdescriçõespormenorizadasdeGonzagaDuqueemmuito
seassemelhamàsdeCoelhoNeto–naobservaçãodeMassaudMoisés,relativaà
Gonzaga Duque, identifica-se o tipo de descrição que Coelho Neto realiza em
Esphinge:Verdadeirassarabandasdecor,luzemúsica,pontilhamafabulação:[...]
estesias raras, excitações dos sentidos aos cromatismos e às sonoridades, luz e
sombra,gradações[…]enfim,tudoquantorefleteumavocaçãodepintor”(1988,p.
152). Além dessas críticas, Massaud Moisés ainda identifica a falta de “nervura
romanesca” aos romances simbolistas, faltando-lhes (principalmente em Mocidade
Morta) “um fio condutor suficientemente vigoroso para sustentar a demorada
retrataçãodoambienteartístico”(p.153)eessafaltadestituiotextode“enredo”.Em
Esphinge,apesardareferênciaaoestrangeiroedasdescriçõesdetalhadasàmoda
de um artistaplástico (características do romancesimbolista) nãose verificaessa
ausência de nervura romanesca à que o crítico se refere: o fio condutor da ão
impele o leitor à continuidade, a despeito de todo o apelo plástico da escrita de
Coelho Neto. Uma vez que é possível constatar que a narrativa moderna se
interessa menos pela história e mais pelo discurso, Coelho Neto, através do
romance Esphinge, representaria um equilíbrio entre os dois registros, trazendo a
boaarticulaçãolinguísticaatecerainteressantecriaçãoficcional.
Aorealizaroentrecruzamentoentreatendênciaparnasianaesimbolista,no
que se refere à imagética e à linguagem, Coelho Neto rompe com os conceitos
literários estanques, os quais compartimentam as obras de acordo com escolas
literárias. Nesse quesito, indiferente ao confronto da linguagem clássica com a
simbólica (Parnasianismo versus Simbolismo), o autor mostra a diversidade que
abreotextoliterárioamúltiplaspossibilidadesetendências–Esphingetrazamarca
parnasiana, decadente e simbolista, revelando a Modernidade premente que será
comoo“abre-alas”doincipientepensamentomodernista.
3.4.Somostodos,então“europeus”
119
O Decadentismo latino-americano adotou uma postura que primava pelos
temas cosmopolitas e exóticos, gerando com isso um afastamento da situação
circunstancialdasociedade,concedendoàproduçãoliteráriacarátermaisuniversal
(CHIAMPI,1991).
O homem da Modernidade descrito por Baudelaire irá além do “prazer
efêmerodacircunstância”(1996,p.24);aModernidadefarácomqueseutilizedo
“transitório”paraquechegueao“eterno”.
AModernidadebrasileiraseapresentacomoumreflexodomodeloeuropeu,
porém,nãosemostratotalmenteindiferenteaodadolocal.
Em Esphinge, as circunstâncias da realidade carioca são essencialmente
apresentadas de forma superficial, realidade esta que vem fortemente doutrinada
pelo formalismo parnasiano, decorada com tons artificiais do Decadentismo belle
époqueeimpregnadadoscheirosdoSimbolismoeuropeu.Oshóspedesdapensão
retratam homens e mulheres de fino trato, cujas preocupações diárias giram em
torno das refeições e passeios ao jardim, oportunidade em que refletem sobre a
vida, sempre tendo por base a poesia e a música. No entanto, um mínimo de
atenção é dada ao que acontece nos “bastidores” daquela sociedade: quando do
funeraldeMissFanny,onarradoreBrandtpassampelobairrodaSaúde,conforme
Needell(1993)umtradicionalbairrode trabalhadorespobresdoRiodeJaneiro.A
diferença é apontada na narrativa e descrita de modo a compor um quadro que
significaria o inverso daquele visualizado emBotafogo,ondese localiza a pensão
Barkley.
NaSaudeBrandtobservou:
Parecequedeixámosasportasdacidade.Reparacomotudo
aquiédifferente:outroaspecto,outrostypos.Aproprialamaénegra,
comofeitadepódecarvão(Es.,p.147).
Logo após, detalhada descrição dos trabalhadores e da miséria local é
fornecidapeloautor:“tanoeirosbesuntados”,“embarcadiçosemmangasdecamisa”,
“carregadores curvados”, “mulheres esmolambadas”, “crianças maltrapilhas
120
cheirandoásportas”,“pardieirosapinhados”,etc.Oefeitoédramático,considerando
aambiênciaabastadadapensãoeseusjardinsverdejantes.Nãochegaaimprimir
um tom de crítica,mas mostra-seciente daexistência de doismundos. Um outro
exemplo da existência de um mundo diferente daquele que descreve o chamado
“sorriso da sociedade”, como denominado porAfrânio Peixoto, é a presença das
sombras furtivas no jardim, à noite, esperando pela ração diária ofertada
caridosamenteporMissBarkley;porém,areferênciaébastantesutil.
O tom crítico é mais perceptível quando da pobreza vista pelos olhos de
JamesMarianemviagenspelomundo:
[…]todasasforçaspurascombinavam-separaocrime,roubandoo
pãoaopobre,despindo-o,tomando-lheolar,lançando-onaestrada
tãonúe tãodesprovidocomonahoraamarguradado nascimento.
[…] crianças arrepanhando farrapos immundos á nudez macilenta,
estendendo a mão descarnada, cercando-nos, a alrotar pedidos,
investindocomfeiçãosinistraourastejando,achorar(Es.,p.180/1).
TalvezCoelhoNetotenhasidomaisincisivonacríticaàpobrezadorestodo
mundoemaislenienteesuperficialnacríticaàpobrezadoBrasilporqueestavaa
esconderaverdadeirafacedopaís,comodefendeNelsonWerneckSodré(1982).
Essa era prática comum entre os escritores que tinham por influência a matriz
europeia.
Esse aspecto da “imitação” do modelo europeu, tão condenado por Sílvio
Romero,foidenominadoporNelsonWerneckSodré(1982)“transplantaçãocultural”.
O teórico pontua que a transplantação cultural é um fenômeno ligado ao
colonialismo,nãosendo,portanto,umaexclusividadedoBrasil.
Aquestãodaidentidadenacional,oamplamentediscutidanomeioliterário,
teveumaimportanteconsideraçãonopensamentodeMachadodeAssis:
Nãohádúvidaqueumaliteratura,sobretudoumaliteraturanascente,
deveprincipalmentealimentar-sedosassuntosquelheofereceasua
região, mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a
empobreçam.Oquesedeveexigirdoescritorantesdetudo,écerto
121
sentimentoíntimo,queotornehomemdoseutempoedoseupaís,
ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço
(ASSIS,1873,nãopaginado).
Acomprovaçãodeumsentimentodeidentidadenacionalpodeentãoassumir
umaoutraexistênciajáque,naspalavrasdeMachado,como“homemdeseutempo
edoseupaís”CoelhoNetoretratouemEsphinge uma parcela da sociedadeque
realmenteexistia,emboraimpregnadadeumparisianismoartificialeforçado.Além
disso, não ignorou completamente a crescente classe operária e pobre, apenas
concedeuumenfoquemenoscrítico,sendomaissuperficial.
RonalddeCarvalhojáconstatavaoquantoospersonagensdoqueclassificou
como período  do “ceticismo literário” não “fixavam uma raça” junto à literatura
brasileira:
Desenraizadasdomundo,ellas[aspersonagens]nãopertencema
paiznenhum,nãoreflectemnemumafamiliahumana,nãofixamnem
uma raça. São fulgurações passageiras, imagens amorphas,
caprichosliterarios.QuemquizesseprocuraroBrasil, nessatheoria
defantasmasedepaisagensirreaes,encontrariasimplesmenteum
paizdefabula,Paphos,CitheraouAlexandria...(CARVALHO,1937,
p.362).
Apesardainfluêncianotadamenteeuropeiaedasconstantesreferênciasaos
clássicos gregos, Esphinge não se enquadra totalmente no padrão de literatura
transnacional. O esboço da sociedadeda época
99
é sutilmentedemarcado,oque
caracterizariaochamado“localismo”;abuscaidentitáriadeJamesMarianrefleteo
homemdomundo,osomenteoeuropeuouobrasileiro,oqueestárelacionado
ao“cosmopolitismo”,ocaráteruniversaldaobra.SegundoAntonioCandido(2000,
p.101)adialéticaentre“localismo”e“cosmopolitismo”representariao“dadolocal”
(substânciadeexpressão)versusos“moldesherdadosdatradiçãoeuropéia”(forma
 
99Emrelaçãoàcríticamodernaeoaspectosocial,AntonioCandido (2000, p. 09)defende quea
orientaçãosociológicadeanáliseésempre“possívelelegítima”.Oquefoisuperadodizrespeito
aochamado“sociologismocrítico”,ouseja,a“tendênciadevoradoradetudoexplicarpormeiodos
fatoressociais.
122
deexpressão).
Candido (2000) ainda pontua que para uma obra obter grandeza”, o
intemporaleouniversaldevemfazer-sepresentes.Nessesentido,aconsideração
dos desencontrados sentimentos dos personagens principais, o narrador e James
Marian, seria o que de mais intenso os ligaria aos “intemporais” e “universais”
anseioshumanos.Nonarrador,acaracterística“nevrose”dointelectualdecadente-
simbolista-naspalavrasdeJoséPauloPaes(1987,p.12/3)zeitgeistdosfinsdo
século XIX […] cujos sintomas são a sobreexcitação mental a que se seguem
períodosdefundaprostraçãofísica[…]”-,queaindaésignificativaparaocontexto
atual dadas as perturbações psíquicas que assolam cada vez mais o humano:
depressões, psicoses, esquizofrenias; no personagem do inglês, a contínua luta
identitáriaindividualque,desdeosClássicos,atravessatodaaliteraturaeaindase
consolidacomotemáticaviável.
Noqueconcerneaonarrador,OscarTaccarelevaopensamentodeMaurice
Bardéche em relação à sua perda de controle (mais uma tendência da literatura
moderna):
A realidade tornou-se mais forte do que o narrador. Testemunha
impotentedatragédiaaquedeuorigem,estenãopodemaisdoque
consignarfactosquenãovênasuatotalidade,quenãocompreende
na sua totalidade, que registra, somente, como as formas que vai
tomandoafatalidade(BARDÉCHE,1940apudTACCA,1983,p.71).
OnarradoremEsphingecomeçaporumsintomabásicodefadiga,aseguir,
percebe que os caracteres no manuscrito que traduz iniciam movimentos,
desenrolando-seasletrasemespirais.Poucodepoisnãoconseguiamaisver-seno
espelho, pensando,“Oh! Os meus nervos! Os meuspobres nervos excitados [...]”
(Es., p. 142). A perda geral do controle coloca vozes em sua cabeça: “[...]
esfusiavamrisinhosdemófa:eraumazombariageral[...]”(Es.,p.221).
SamiraNahiddeMesquita(2006)levantaalgunselementosqueirãoatuarna
complexidade da construção da narrativamoderna, e eles estão vinculados, entre
outros, a questões existenciais (o que motivará a angulação psicológica de
123
abordagem)misturadasaoelementosmíticos,demagiaedesonho.
A questão da universalidade na literatura tem seu extremo oposto nas
chamadasquestõesda“corlocal”.Jádentrodamodernaliteraturaargentina,Jorge
LuisBorgesreagiaironicamenteaonacionalismoexacerbadonaliteratura:“Oculto
argentino da cor local é um culto europeu recente, que os nacionalistas deveriam
recusar,postoqueéestrangeiro”(BORGES,1957,apudPERRONE-MOISÉS,2007,
p.35).Portanto,valorizarcomextremismoodadolocalconstituiria,maisumavez,
imitaçãodomodeloherdadodaEuropa,oque,nacompreensãodeLeylaPerrone-
Moisés(2007)constituiumasituaçãoparadoxal.
Oenaltecimentodonacional,desdeosprimórdiosdosescritospropriamente
“brasileiros”, tem representado a Cruzada na qual grande lista de autores tem se
empenhado.DeacordocomCandido(2007,p.312)afirmaraautonomianosetor
literáriosignificavacortarmaisumlocomamãePátria”.Osescritoresàépocada
virada do século devem ter sentido essa responsabilidade uma vez que tiveram
acesso às contribuições românticas nesse sentido, porém, muitos ignoraram a
questãonacional,imbuidosqueestavamdascorrentessimbolistasedecadentistas
européias. Com o advindo da Proclamação da República, mais deveriam ter tido
noção dessa responsabilidade cidadã, no entanto, alguns escritores escolheram
continuarvoltadosparaaEuropa.Essedevetersidoumsentimentoconflitante,uma
vezque,conformeafirmaLeylaPerrone-Moisés,haviauma“duplamissãodequese
sentiraminvestidososprimeirosescritoreslatino-americanos:amissãodecriar,ao
mesmo tempo, uma pátria e uma literatura” (2007, p. 32). Na análise de Ernesto
Sábato(1983),apontadaadiferençainjusta:“UmescritornasceemFrançaeacha,
por assim dizer, uma pátria feita: aqui ele deve escrever fazendo-a ao mesmo
tempo”(apudPERRONE-MOISÉS,2007,p.33).
CoelhoNetoresolveusua“responsabilidadecidadã”atravésdocivismo
100
e
de outras obras cujo trato é verdadeiramente o Brasil (Sertão e Rei negro, entre
elas).EmEsphinge,o Brasile sua herançaculturalaparecem demodoacompor
decorativamente a história, mas não contribuem para que o traço da cor local
 
100 Coelho Neto serviu à Pátria como secretário de governo do estado do Rio (após a
Proclamação),representantedoMaranhãonamaraFederalde1909a1917,autordoprojeto
deeleiçãodamelhorcomposiçãopoéticaqueseadaptasseaoritmoemúsicadoHinoNacional
Brasileiro,entreoutrasmaneiras(BROCA,2005).
124
permaneçanoromanceemsuaideiafinal.Doisexemplosaolongodanarrativa:a
referênciaàcapoeira,atravésdosgestosdeDécio(Es.,p.40);àRevoltadaArmada
(1891-1894),emquericlesde“passounoitesnaslinhasdoCajú,dearmaem
punho” (Es., p. 193). No sentido da locação, entretanto, percebe-se que a crise
identitária e a vertigem sentida pelo advindo da Modernidade poderia ocorrer em
qualquer lugar do mundo, pois reflete o homem e suas inquietações, que
independem de condições geográficas e históricas para que aconteçam: James
MarianouacriaturadeFrankenstein,onarradorouVictor,BrasilouSuíça,Riode
Janeiro ou Genebra – esses dados não importam, afinal, no fim do século XIX e
iníciodoXX,“todoserameuropeus”
101
.
4.CONSIDERAÇÕESFINAIS
 
101 Querendo significar também que “ser europeu” é encarnar a percepção universal que a
Modernidadefezsentiremdiferentespartesdomundo.
125
QuandodamortedeCoelhoNeto,o então presidente daRepúblicaGetúlio
Vargas assim manifestou-se em um telegrama: “Sinceras condolências
desaparecimento Coelho Netto, cuja obra ficará como padrão literatura brasileira”
(VARGAS,1934apudCOELHONETO,P.,1942,p.179).Suaspalavras,noentanto,
revelaram ser uma errônea profecia – a obra de Coelho Neto não se configurou
comoumpadrãoemnossaliteratura,sendo,porvezes,atémesmodesconsiderada
poralgunshistoriadoresliterários.Tomandoporbaseataxonomialiterária,verifica-
se a dificuldade de inserção do autor nos chamados períodos literários (vide
apêndice
102
). Um dos seus estudiosos, Octávio de Faria (1958), explicita a
impossibilidade daadmissãodeCoelhoNeto aumaparticularescolaliterária,fato
que,aoinvésdedesaboná-lo,contribuiaparasuaforça–umavezestandoacimade
qualquer classificação, conseguia fidelidade a si mesmo. No entanto, Octávio de
FariaconcordacomaclassificaçãoatribuídaaoautorporlvioRomero:“ecletismo
universalista”.LuciaMiguelPereiraconsegueidentificartrêscorrentesficcionaisque
dominamoiníciodoséculo:apsicológica(representadaporMachadodeAssis),a
social (Graça Aranha) e a regionalista (Afonso Arinos e Valdomiro Silveira), e
esclarecequeanenhumadessascorrentessefiliouCoelhoNeto
103
.Nesseaspecto,
oautorbrasileirorevelaaprimeiradasconsonânciascomCharlesBaudelaire:não
ter sido dominado por nenhum estilo e não pertencer a nenhuma escola
(BENJAMIN, 1989). Benjamin ainda conclui que esse fato fez por dificultar a
aceitaçãodeBaudelairejuntoàcrítica–oquetambéméverdadeirosobreCoelho
Neto.
OsaspectosquemaisseperpetuamnacríticanegativaàCoelhoNetopodem
serresumidosatravésdoolhardedoisautores.Dizemrespeitoà“puraverbosidade”
(VERÍSSIMO, 1996, p. 94) e à “carência de complexidade ou estrutura profunda”
(MOISÉS,1988,p.185).ÉricoVeríssimomostraafacedo“contadordehistórias”e
do “crítico literário” numa só frase em relação à Coelho Neto: “[...] um homem
 
102 Apêndice: Quadro sobre a consideração taxonômica de Coelho Neto em 10 Histórias da
LiteraturaBrasileira.
103 Emigual situaçãoestariamJúlia LopesdeAlmeida,ArturAzevedo,Afrânio Peixoto,Xavier
MarqueseJoãodoRio,osescritoresqueestariamcongregadosemtornodoqueAfrânioPeixoto
convencionouchamar“sorrisodasociedade”(PEREIRA,1988,p.245).
126
loucamenteapaixonadopelaspalavras,masumverdadeirovermededicionário”(p.
94).
Noobjetivodeatenderaouniversodeexpectativasdaépoca-deacordocom
Needell (1993, p. 236), “até 1922 seu estilo seria um sinônimo do gosto
contemporâneo”-CoelhoNetoincorreunoquefoiconsideradoumerro,constituindo
assim motivo de ataques dos modernistas que combatiam esse gosto. A
“verbosidade” detectada pelos modernistas e pelos estudiosos a partir de 22 o
parecetersidoempecilhoparaopúblicoleitordaépocaque,obviamente,nãoera
mistocomoodosdiasatuais,esimconstituidodeintelectuais,emsuamaioria.Uma
“eliteliterária”naposiçãodeconsumidores?Certamente.Noentanto,énecessário
lembrarqueopaísestavanoiníciodeseusprocessosdedesenvolvimento,sendoo
acesso ao mundo cognitivo e, por consequência, ao mundo das palavras raras,
facultadosomenteaalguns.BritoBrocarealizaumainteressanteanalogiaarespeito
do preciosismo de Coelho Neto e do renomado escritor que prenuncia a década
literáriade1940,JoãoGuimarãesRosa:
[…] causa estranheza que se acuse, entre nós, o preciosismo do
autordaTrevanomomentoemquesesaúdaquaseunanimemente,
como grande revelação de escritor, João Guimarães Rosa – cujo
livro, Sagarana, é um modelo de estilo precioso no terreno do
Regionalismorural[…](BROCA,1981,P.198).
Opreciosismoroseanonãoimpedequeoleitoratualdesfruteeentendasuas
narrativas;omesmopareceteracontecidocomCoelhoNeto:tendoamaiorpartede
suas obras publicadas em folhetim, tendo igualmente produzido de maneira tão
prolixa, depreende-se que conquistava um público leitor que revelava certa
aceitação no consumo diário de sua literatura. No específico caso do romance
Esphinge,odistanciamentoemrelaçãoacertaspalavrasnãoimpedeoleitoratual
dobomaproveitamentodaobra.Épossívelacompreensãodequeousodemasiado
devocábulosraroscorrespondeaumaépocaeaumatendência,semqueocorrao
deméritodaobraporessarazão.Nocasodagrafiadaspalavras,cujatendênciaé
sabidamente a de estabelecer maior proximidadecom a grafia portuguesapor ter
editoraestabelecidaemPortugaleboaaceitaçãojuntoaoleitorportuguês,ohá
127
quaseperdasnoentendimentodanarrativa–ousode“y”,letrasduplicadas,“ph”,
nãocontribuiparaodesinteressedoleitoratual,principalmenteparaaquelequeestá
cônscio das técnicas gráficas simbolistas que primavam pela conservação desse
estilodeescrita;aocontráriodoquesepossapensar,essefatovemcorroborarno
sentido da manutenção do suspense e do mistério na obra, formando um quadro
cuja narrativa e técnica discursiva contribuem para uma visualização da estética
decadente-simbolistaquelheépredominante.
A vasta produção de Coelho Neto, embora possa referir ao “efeito de um
engenhoquesecomprazemexperimentar-seemmodosegênerosdiversos”,nas
palavras de Lúcia Miguel Pereira (1988, p. 253), representa sim seu ecletismo
literário, tanto no que concerne aos gêneros (romance, conto, crônica, poesia,
novela,drama,crítica,narrativadeviagem,reportagem,sóparacitaralguns),quanto
no tocante às temáticas (mistério, drama familiar, retrato da sociedade, conflitos
psicológicos,traições,vinganças,etniasertaneja,morte,entreoutras).Overtiginoso
fluir dessa produção é justificado pelo escritor por motivos de viver às custas da
própriapena,emtrabalhosparadiversosjornais.Ficaestabelecidoumparadoxo:
constantementeacusadoderefletiremsuasobraso“sorrisodeumasociedadefeliz”
(portanto,teriasidoparaissobastanteparcialnasuacomposiçãosocialdoelemento
nacional), compunha grande parte dos romances utilizando-se do veículo
folhetinesco para sua veiculação
104
. Hauser (1998) defende que esta forma de
divulgação literária vem a significar uma “democratização sem precedentes da
literaturaeumaquasecompletareduçãodopúblicoleitoraumsónível”.Segundoo
teórico,“nuncaumaartefoireconhecidatãounanimementeporcamadassociaise
culturais tão diferentes e recebida com sentimentos o semelhantes” (p. 743) –
logo,apesardeconcentrarsuasnarrativasnumasociedadefrívolaevoltadaparaa
Europa(emboraconstememsuaobradiversasexceções),CoelhoNetoutilizauma
mídia que pode ser adquirida de maneira bem mais acessível do que o formato
“livro”,tornandomaisabrangenteapossibilidadedealcancejuntoaopúblicoleitor,
cuja importância é firmada nas palavras de um dos mais renomados críticos
 
104 ElysiodeCarvalhoapontaquetalprocedimentofoitambémutilizadoporPardalMallet,Alves
de Faria, e a “maior parte dos nossos escriptores, obrigados, por imperiosas circumstancias
materiaes,aconquistaropãonojornalismo,quasisempreasepulturadotalentoeinimigodaarte,
julgandoellesexistirparidadeentreojornaleolivro”(1907,p.122).
128
literários,Antonio Candido: “A literatura é pois um sistema vivo de obras, agindo
umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a
vivem,decifrando-a,aceitando-a,deformando-a”(2000,p.68).
A questão “transnacional”, desde a assertiva de Machado de Assis (que a
provadaidentidadenacionalpodeserdadamedianteum“sentimentoíntimo”capaz
de fazer do homem um representante de seu tempo e espaço, mesmo quando
aborda outros tempos e espaços), tem de ser considerada sob um prisma mais
receptivo. Nesse sentido, Benedito Nunes conclui que “também compete à
Historiografialevaremcontaotransnacional”(1998,p.246,grifodoautor).Nocaso
daobraEsphinge,oelementotransnacionalquetemcomoreferênciaaEuropaeo
Orienteseconfiguracomoopanodefundoparaanarrativaque,emseucerne,tem
pormoteabuscaidentitáriaaquetodoserhumanoseempenha.Ébuscauniversal,
postoquerefereaosentimentohumano.Ébuscadohomemmoderno,umavezque
esteaindatrazàmentemaisquestionamentosdoqueassertivas.Portanto,Coelho
Netopodeterfeitousodochamado“produtodeimportação”,naspalavrasdeJosé
Veríssimo (apud BOSI, 2006, p. 268), mas dotou igualmente a obra de caráter
passível de compreensão onde quer que seja publicada, dado o aspecto
generalizante,abarcador,desuaintençãopoéticacomanarrativa.
O foco transnacional em questão está diretamente relacionado à figura do
dândi,JamesMarian,eaoartificialismoquecircundaseuviver.Karl(1988)entende
quepriorizaroquenãoénaturaléumaarmadaqualdispõeodândipararelevar
seu“apeloàanarquiaouàrevoluçãoilimitada”(p.140).Portanto,odânditambémé
umcrítico,éumquestionador.Castro(2006)concentraacríticadodândiemcinco
aspectos: o trabalho, o dinheiro, o progresso, a utilidade e a crescente
americanizaçãodasociedade,epontuaquesuacríticaéreveladaatravésdaarte.
Assim, embora possa parecer “superficial” e “indiferente” à primeira instância, o
dândirepresentatambémohomemquerefletesobreosvaloressociaisburgueses,
comoofazo personagemdeJames Marian– todoomundo“artificial”estáaseu
dispor, mas ele concebe um outro mundo, que está além deste, e que é o lado
anversodoespelhodasociedadeemquevive.Nesseaspecto,CoelhoNetoexplora
também o social que não representa “sorriso da sociedade”, embora o faça de
maneirasutil.
129
MaurícioSilva(2006,p.92)sustentaqueporCoelhoNeto“ressaltaroquehá
demaisexterior” nasociedade (“o vestuárioluxuoso,ocomportamentoafetado,a
riqueza”),otratamentotemáticoqueoferecenasobraséprejudicadonosentidoda
crítica. Considera até que “o viés crítico simplesmente inexiste” nos romances do
autor.A esse respeito, e na consideração da obra Esphinge, pode-se depreender
queacríticaaospadrõessociaisquereplicamomodeloeuropeuéfornecida,dadaa
referência a um “universo paralelo” que existe em contraponto com os belos
arredores da pensão, interpretado pela ótica do narrador (o bairro da Saúde, na
periferiacarioca,oqualabrigaacomunidadepobreetrabalhadora),etambémpelas
viagensqueJamesMarianrealizaenquantodândi(oportunidadesnasquaisadquire
aconsciênciadamisériahumanaedadegradaçãodosexcluídos).Nãosendoesse
viéscríticoofocodaobra,épassíveldenotoriedadeaoleitoratentopois,constana
narrativa, embora seja ofuscado pelo esplendor belle èpoque da percepção que
CoelhoNetomostradasociedade.
Coelho Neto realizaa respeito daconscientização deJames Marian ante a
misériaumefetivosignificadoparaapalavra“sobrenatural”.Dadialéticaquefornece
Baudelaire entre o natural” e o “artificial”, o autor brasileiro consegue ir além no
sentidodo“sobrenatural”.Ésobrenatural”osegredoquecircundaahistóriadevida
de James Marian mas, na consideração do próprio personagem, é igualmente
“sobrenatural” a condição da miséria humana que é representada pelo cio, pela
libertinagem,pelaebriedade.
A feição sobrenatural do romance remete às questões ligadas à
verossimilhança. A Poética, de Aristóteles, já admitia o “maravilhoso” no gênero
épico:“Omaravilhosotemlugarprimacialnatragédia;masnaepopeia,porqueante
nossosolhosnãoagemactores,chegaaseradmissíveloirracional,dequemuito
especialmente deriva o maravilhoso” (1985, p. 141). Contribuindo ainda para a
verossimilhançainternadaobra,Aristótelesdeixaclaroque“napoesiaédepreferir
oimpossívelquepersuadeaopossívelquenãopersuade”(p.145)–Esphingetenta
apersuasãonosdoissentidos,possíveleimpossível,brincandocomasnoçõesde
verossimilhança dosleitores: é possível que James Marianpossua habilidadesde
projeção do campo energético ao redor do corpo, a aura (neste caso, a
verosimilhança seria externa), mas é igualmente possível que tenha morrido e
130
surgidoparaonarradoreoutrospersonagenscomoumaapariçãofantasmagórica”
(assumindo,assim,umaverossimilhançainterna).Noentanto,paraaconsideração
positivadoinverossímel,alembrançadeAnatoleBajunotextoL'écoledécadente”
(1887):“Quelheimportamosheróisinverossímeis?Éumhomem.Quelheimportam
as descrições? Tem no peito um coração inerte que precisa vibrar!” (apud
MORETTO,1989,p.95).
Ao romance foram atribuídas palavras que, indubitavelmente, conduzem à
temática da ficção especulativa: narrativa que remete ao “horror”, ocultismo”,
“espiritualismo”.Amarginalizaçãodessatemáticasobo enfoque da crítica literária
modernista representou mais um motivo para a condenação de Coelho Neto. A
respeitodatemática,SelmaCalasansRodriguesassimseposiciona:
É preciso lembrar que desde as vanguardas do começo do nosso
século (anos 10, 20, 30) a literatura e a arte, de modo geral, se
haviamlibertadodefinitivamentedasregrasclássicas,especialmente
danoçãodeverossimilhança.DaíumromancedoséculoXX[…]não
ternecessidadedejustificarassuasfantasias,domesmomodoque
anarrativadoséculoXVIII,bemcomomuitasoutrasdoséculoXIX
bastanteconhecidas, pertencentesà literaturafantástica(asmuitas
deEdgarAllanPoe,adeThéophileGautier[…],eoutras).(1988,p.
13).

CoelhoNetopoderiaterescolhidoumcaminhonaconduçãodeEsphingeque
levasse a narrativa por explicações unicamente cientificistas (próprias de um
Naturalismo já embolorado para a época); ao invés disso, optou por uma solução
maisvoltadaaopensamentoespiritualista,condizentecomasrecentesdescobertas
deAlanKardeceemconformidadecomospostuladosdodecadentismo/simbolismo,
movimentosquerepresentaramoavant-garddaModernidade.
Tomandopartido da questão espiritual, CoelhoNeto concebe uma narrativa
queaindareflete“umtemafundamentaldoModernismo:odacrisedaunidadedo
sujeito” (REIS, 2003,p. 458).Ambivalente, fragmentado,o personagem de James
Marianmostraosentidodadualidadeexistencial,queseapresentatambémporum
duploprocesso:eleéhomem/mulher,corpo/alma.Eleéo“duplo”,osersoboportal
131
de Zaratustra – olha paratrás e lamenta a perda do passado,olha para diante e
temeo desconhecido futuro.James Marian é o representantedaModernidade de
Baudelaire.Porém,nãosódodândidaModernidadeCoelhoNetoserviu-sequando
da criação de seus personagens: o autor viu na figura do narrador a perfeita
representaçãodoflâneur,oobservador,o“pintordavidamoderna”.Eleinterpretao
circunstancial, de tal modo efetivo, que psicossomatiza os acontecimentos
extraordinárioseexplodenadecadente“nevrose”.Eletambémérepresentanteda
Modernidade,édúbio,épropositalmente“camuflado”peloautor,demodoasuscitar
maisdúvidasdoquecertezas:aoleitorexperienteequeaceitaseupactonarrativo,
provocaapergunta:“queméestehomem?”-novamente,éohomemsoboportal.
Notocanteàsobrevivênciadaobracomoleitura,AlexanderMeirelesdaSilva
emsuatese“OadmirávelmundonovodaRepúblicaVelha:onascimentodaficção
científica brasileira”, considera que o “estilo rebuscado e extremamente beletrista
característico de Coelho Neto acabou por obscurecer este interessante
representantedaCiênciaGóticabrasileiradabelleépoque”(2008,p.109).Roberto
deSousaCauso,porsuavez,consideraqueoestilodeCoelhoNeto“nublaapenas
parcialmenteumaestruturaromanescamuitoprecisaecompetente”(2003,p.113,
grifomeu).Parcialoucompletamente“nublada”,oimportanteparaointeressedesta
dissertaçãoédistinguir na obraelementos queaindaa tornemsignificativapara o
públicoleitordehoje,enisso,háexcelêncianaproposiçãopoéticadoautor-seja
paraoentendimentodocircunstancialcitadinodaeliteintelectualcarioca,motivando
assim um interesse histórico, ou pelo tema da busca identitária, que tem sido
retomado a partir de novas perspectivas
105
mas, sobrevive no mundo literário de
modoasempreoferecerricaspossibilidadeshermenêuticas.Nessesentido,fielao
preceito baudelairiano sobre a Modernidade, Coelho Neto só fez por utilizar o
“circunstancial” (a frívola sociedade carioca) para visar o “eterno” (a busca da
identidade).
Édipo desejou saber seu lugar no mundo através da própria decifração.
Coelho Neto, preocupado com o “ato de criar”, não priorizou suficientemente o
“criado”
106
,masassimprocedeuporalmejarumlugarnoespólioliteráriobrasileiro.
 
105 A busca identitária presente nas obras estudadas pelas teorias pós-coloniais é exemplo
dessaquestão.
106 Na interpretação de Karl (1988, p. 98), “O que foi muitas vezes mal interpretado como
132
Tendosidoparcialnafocalizaçãodo“nacional”emEsphinge,aomenosalcançasua
notoriedade no âmbito “universal” da literatura e, por esse motivo, deve ser
reconsiderada sua ascenção do ostracismo literário através de novas pesquisas e
re-ediçõesdesuasobras.Suavidaeobraclamamporessamudança–do“Limbus”
parao“Elysium”.
   
decadênciaouexaustãofindesiècleerapreocupaçãocomoatodecriar,eocomocriado.[…]
mas,abaixodaconfusão,háumatécnicacalculada,umaprecisãodelinguagem,umadedicação
àpalavracomopalavra”.
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