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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Samantha Perez de Santana
GETÚLIO VARGAS, DO HOMEM AO MITO POLÍTICO: A DESCONSTRUÇÃO DE
UMA IMAGEM (1930-1945)
MESTRADO EM HISTÓRIA
SÃO PAULO
2010
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Samantha Perez de Santana
GETÚLIO VARGAS, DO HOMEM AO MITO POLÍTICO: A DESCONSTRUÇÃO DE
UMA IMAGEM (1930-1945)
MESTRADO EM HISTÓRIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em História Social, sob
a orientação do Prof Dr.º Antonio Pedro
Tota.
SÃO PAULO
2010
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BANCA EXAMINADORA
________________________________
________________________________
________________________________
El Shaddai
("O Elevado, Todo-Poderoso")
A minha mãe:
Sueli Perez de Santana
Muito obrigada por seu amor e companheirismo.
AGRADECIMENTOS
É com muito carinho que elenco os agradecimentos deste trabalho, afinal é uma
conquista de minha vida que teve muita dedicação, sorrisos, lágrimas, tensões e momentos
especiais.
Para começar essa lista de colaboradores preciso dar os créditos deste sonho à minha
e Sueli, responsável pelo meu maior incentivo, pelo porto seguro nos momentos difíceis,
pelo amor incondicional, pelo companheirismo, amizade e principalmente por segurar a
minha o e caminhar comigo todos os dias desse projeto, muito obrigada, minha mãe, por
existir e compartilhar comigo a sua força. Sem voeste trabalho jamais existiria.
Agradeço aos familiares: meu Pai, com sua figura singular; Mauricio, pela paciência e
amor; Eduardo, Beatriz e Nilza por suas orações; Marina N. e Hana N., Kyoshi N., Ignês P.,
tios e tias, muito obrigada por toda colaboração dispensada a mim e a esta pesquisa.
No caminho desta dissertação encontrei obstáculos, muitas vezes, superados pela
amizade de pessoas muito singulares que conheci pouco, mas que fazem parte da minha
história e as levo comigo diariamente. Uma destas pessoas é muito mais que uma amiga, é
uma parceira de vida, pois me socorreu em todos os aspectos, esteve presente com seu ombro
amigo, com sua alegria e sinceridade. É neste momento que lhe agradeço minha amiga de
sempre Kátia C. Petri.
Este trabalho foi redigido e iluminado por conselhos, críticas construtivas, momentos
de desespero, mas também de paz, agradeço a você, Ângela M. Ferreira, minha revisora, por
sua valiosa contribuição.
Aos amigos deixo meu agradecimento e abraço: Elaine(Lica),Bianca Rosa, Juliana
Segato, Denise C. M. Orsini, Andrea e Vanessa.
Nesta jornada contei com o fomento do CNPQ(Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico), fundamental para o desenvolvimento deste
trabalho. Agradecimento também são prestados às instituições de pesquisa, CPDOC (Centro
de Pesquisa e Documentação História Contemporânea do Brasil) e Arquivo do Estado de o
Paulo.
Um agradecimento especial a PUC-SP pela oportunidade e por acreditarem neste
trabalho; à biblioteca e seus funcionários, por sua enorme contribuição sempre atenciosos e
dedicados; a amiga e eficiente secretária do Programa de História, Betinha, pelas inúmeras
sugestões e gestos de amizade; ao corpo docente da s-Graduação, pelas indicações e aulas
inquietantes. Agradeço a Antonio Pedro Tota, por sua orientação e direcionamento que
tornaram este trabalho possível.
A Maria Odila Leite da Silva Dias que, com carinho e principalmente humildade,
dedicou seu tempo a este trabalho, com a indicação de leituras essenciais, participação em
banca, sorrisos e amizade.
Agradeço a presença especial do Prof. Dr. Elias Thomé Saliba por sua participação em
banca e sugestões.
Ao escolher este caminho da pesquisa, tive momentos ricos e que guardo comigo a
respeito de História; aulas com você meu amigo Valionel Tomaz Pigatti, foi através de nossas
conversas que despertei o interesse na História do Brasil e Getúlio Vargas; obrigada a sua
esposa Maria das Graças Pinto de Almeida, pelo abraço confortante e por trazer sua luz e
sorriso em nossas noites de debate.
Aqui registro meu obrigada a todos vocês que viabilizaram meu sonho, tornaram ele
uma realidade incrível, já tenho saudades de compartilhar as tardes e madrugadas debruçadas
sobre este trabalho com todos vocês. Muito obrigada!
As únicas respostas interessantes são aquelas que destroem a questão.
Susan Sontag
RESUMO
Essa dissertação tem por objetivo analisar e desconstruir a imagem criada para Getúlio Vargas
através da produção fotográfica de 1930 a 1945. As imagens tratam das múltiplas faces
atribuídas a Vargas e compõem o imaginário potico do período, apontando para a
importância de entendermos como o uso dessas imagens foi norteado por intenções,
interesses, conflitos e projetos poticos. O conjunto documental, usado nesta pesquisa,
encontra-se no acervo iconográfico do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil). A investigação das imagens apontou para diferentes
abordagens sobre a produção social da fotografia e sobre como os filtros culturais que a
cercam - o fotógrafo, os representados, o cenário e as temáticas atribuídas - influem sobre a
imagem, construindo e educando o olhar.
Palavras-chave: Fotografia, Getúlio Vargas, Representação.
ABSTRACT
This paper aims to analyze and deconstruct the image created by Getúlio Vargas through
photographic production from 1930 to 1945. The images deal with several faces assigned to
Vargas compose the political imaginary of the period, pointing to the importance of
understanding how the use of these images was guided and by intentions, interests, conflicts
and political projects. The set of documents used in this study is found in iconographic
collection of CPDOC (Brazilian Contemporaneous History Research Center). The images
research showed to different approaches about the social production of photography and also
how the cultural filters that surround it - the photographer, the represented people, the setting
and the theme assigned - can influence on the picture, building and educate the eye.
Keywords: Photography, Getúlio Vargas, Representation.
SUMÁRIO
LISTA DE IMAGENS..........................................................................................................................................11
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................16
CAPÍTULO I .................................................................................................................................................25
1. A FOTOGRAFIA E A APROXIMAÇÃO AO REAL ........................................................................................25
1.1 A IMAGEM COMO LINGUAGEM E PRÁTICA DISCURSIVA ............................................................................26
1.2 A LEGITIMAÇÃO DO GOVERNO VARGAS ATRAVÉS DO USO DA FOTOGRAFIA ............................................31
1.3 A SOCIEDADE ESPETÁCULO NO MOLDE VARGUISTA ................................................................................46
CAPÍTULO II ...............................................................................................................................................49
2. AS INOVAÇÕES DO ESTADO NOVO ............................................................................................................49
2.1 CRIAÇÕES DO DIP (DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA) ........................................................57
CAPÍTULO III ..............................................................................................................................................81
3. A CONSTRUÇÃO DO MITO POLÍTICO GETÚLIO VARGAS .........................................................................81
3.1. O MITO POLÍTICO VAGAS, ELEMENTOS CRIADORES (1945 1954) .........................................................93
3.2 O PASSAPORTE PARA A HISTÓRIA.......................................................................................................... 102
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................................... 112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................ 116
TESES E DISSERTAÇÕES ...................................................................................................................... 123
DECRETOS LEI E OUTROS DOCUMENTOS ......................................................................................... 123
FONTES ICONOGRÁFICAS ................................................................................................................... 124
ANEXO .................................................................................................................................................... 125
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Getúlio Vargas e outros no Paraná, por ocasião da Revolução de 1930
...................................................................................................................................................30
Imagem 2: Getúlio Vargas e outros no palácio do Catete no dia de sua chegada à capital
federal.......................................................................................................................................31
Imagem 3: Posse de Getúlio Vargas como chefe do governo provirio, no Palácio do
Catete........................................................................................................................................32
Imagem 4: Getúlio Vargas e o Cardeal Pacelei entre outros durante evento no Palácio
São Joaquim.............................................................................................................................34
Imagem 5: Pedro Ernesto, Getúlio Vargas e outros a bordo de um navio.........................35
Imagem 6: Antunes Maciel, Getúlio Vargas e outros por ocasião da instalação da
Assembléia Nacional...............................................................................................................36
Imagem 7: Getúlio Vargas com familiares, amigos e ajudantes de ordem no palácio Rio
Negro........................................................................................................................................37
Imagem 8: Getúlio Vargas entre crianças e adultos durante veraneio...............................38
Imagem 9: Getúlio Vargas e Protásio Vargas na fazenda Santos Reis. 1934.....................39
Imagem 10: Getúlio Vargas com seus pais e irmãos.............................................................40
Imagem 11: Getúlio Vargas com seu pai, Manuel do Nascimento Vargas e
outros........................................................................................................................................41
Imagem 12: Getúlio Vargas e outros no sítio de Manuel Reis.............................................43
Imagem 13: Gustavo Capanema e Getúlio Vargas por ocasião do VII Congresso de
Educação..................................................................................................................................44
Imagem 14: Getúlio Vargas, Gustavo Capanema e outros assistem a parada de 7 de
setembro...................................................................................................................................45
Imagem 15: Getúlio Vargas com Franklin Roosevelt e outros............................................45
Imagem 16: Gustavo Capanema, Getúlio Vargas, Filinto Muller e outros por ocasião da
Parada da Mocidade e da Raça..............................................................................................47
Imagem 17: Gustavo Capanema, Getúlio Vargas, Filinto Muller e outros por ocasião da
Parada da Mocidade e da Raça ............................................................................................48
Imagem 18: Gustavo Capanema, Getúlio Vargas e outros, por ocasião da Parada da
Juventude.................................................................................................................................50
Imagem 19: Gustavo Capanema, Getúlio Vargas e outros, por ocasião da Parada da
Juventude.................................................................................................................................51
Imagem 20: Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, Eurico Gaspar Dutra e outros durante
manifestação cívica.................................................................................................................52
Imagem 21: Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, Eurico Gaspar Dutra e outros durante
manifestação cívica.................................................................................................................54
Imagem 22: Artur de Sousa Costa, Getúlio Vargas e outros durante o lançamento da
pedra fundamental da alfândega do Rio de Janeiro e testando o equipamento no mesmo
evento........................................................................................................................................55
Imagem 23: Artur de Sousa Costa, Getúlio Vargas e outros durante o lançamento da
pedra fundamental da alfândega do Rio de Janeiro e testando o equipamento no mesmo
evento........................................................................................................................................56
Imagem 24: Getúlio Vargas o amigo das crianças, publicado pelo DIP em novembro de
1940...........................................................................................................................................58
Imagem 25: Publicado pelo DIP em 1941 pela comemoração do aniversário de Getúlio
Vargas......................................................................................................................................59
Imagem 26: Getúlio Vargas conversa com um paralítico na presença de dois
oficiais.......................................................................................................................................61
Imagem 27: Getúlio Vargas e Benedito Valadares com senhora idosa...............................61
Imagem 28: Getúlio Vargas visita um orfanato....................................................................62
Imagem 29: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda..............................................................................................................................64
Imagem 30: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda..............................................................................................................................65
Imagem 31: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda..............................................................................................................................66
Imagem 32: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda..............................................................................................................................66
Imagem 33: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda..............................................................................................................................67
Imagem 34: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda..............................................................................................................................68
Imagem 35: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda..............................................................................................................................69
Imagem 36: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda..............................................................................................................................70
Imagem 37: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda..............................................................................................................................71
Imagem 38: Getúlio Vargas recebe colegiais no palácio Guanabara durante sua
recuperação do acidente automobilístico sofrido em 1 de maio.........................................73
Imagem 39: Walt Disney encontra-se com Oswaldo Aranha. Rio de Janeiro.
1941...........................................................................................................................................74
Imagem 40: Getúlio Vargas assiste o trabalho do escultor Jo Davidson, enviado por
Roosevelt para esculpir seu busto..........................................................................................75
Imagem 41: Getúlio Vargas cumprimenta o neto de Duque de Caxias, José de Lima
Carneiro da Silva....................................................................................................................77
Imagem 42: Oswaldo Aranha, Getúlio Vargas e outros visitam a esquadra norte-
americana comandada por Jonas H. Ingran........................................................................79
Imagem 43: Oswaldo Aranha, Getúlio Vargas e outros visitam a esquadra norte-
americana comandada por Jonas H. Ingran........................................................................80
Imagem 44: Getúlio Vargas, Alzira e Ernâni do Amaral Peixoto em visita à Fundação
Anchieta...................................................................................................................................86
Imagem 45: Getúlio Vargas, Alzira e Ernâni do Amaral Peixoto em visita à Fundação
Anchieta................................................................................................................................,..87
Imagem 46: Revista O Cruzeiro. 08 de novembro de 1930..................................................88
Imagem 47: Revista O Cruzeiro. 08 de novembro de 1930..................................................89
Imagem 48: Revista O Cruzeiro. 08 de novembro de 1930..................................................90
Imagem 49: Revista O Cruzeiro. 08 de novembro de 1930..................................................91
Imagem 50: Getúlio Vargas com Ademar de Barros na fazenda de Santos Reis. São
Borja. Rio Grande do Sul.......................................................................................................94
Imagem 51: Getúlio Vargas e Ademar de Barros em campanha presidencial. Entre 9 de
agosto e 30 de setembro de 1950............................................................................................94
Imagem 52: Getúlio Vargas e Ademar de Barros em campanha presidencial. Entre 9 de
agosto e 30 de setembro de 1950............................................................................................96
Imagem 53: Caricatura de Getúlio Vargas com a inscrição "Ele
voltará"....................................................................................................................................97
Imagem 54: Getúlio Vargas e outros durante campanha para as eleições de
1950...........................................................................................................................................98
Imagem 55: Getúlio Vargas e outros durante campanha para as eleições de
1950...........................................................................................................................................98
Imagem 56: Getúlio Vargas e outros durante campanha para as eleições de
1950...........................................................................................................................................99
Imagem 57: Getúlio Vargas e outros no palácio do Catete no dia de sua chegada à capital
federal. 31 de outubro de 1930.............................................................................................100
Imagem 58: Getúlio Vargas com faixa presidencial. 1930 -
1937.......................................................................................................................................100
Imagem 59: Campanha de Getúlio Vargas para as eleições de 1950. Entre 09 de agosto e
30 de setembro de 1950.........................................................................................................101
Imagem 60: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio Vargas........................104
Imagem 61: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio
Vargas....................................................................................................................................104
Imagem 62: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio
Vargas....................................................................................................................................104
Imagem 63: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio
Vargas....................................................................................................................................105
Imagem 64: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio
Vargas....................................................................................................................................105
Imagem 65: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio
Vargas....................................................................................................................................106
Imagem 66: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio
Vargas....................................................................................................................................107
Imagem 67: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio
Vargas....................................................................................................................................108
Imagem 68: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio
Vargas....................................................................................................................................108
Imagem 69: Getúlio Vargas. Janeiro de 1954......................................................................111
16
INTRODUÇÃO
A fotografia o apenas reproduz o real, recicla-o, um procedimento fundamental
na sociedade moderna. Na forma de imagens fotográficas, coisas e fatos recebem
novos usos, destinados a novos significados, que ultrapassam as distinções entre o
belo e o feio, o verdadeiro e o falso, o útil e o inútil, bom gosto e mau gosto.
1
A proposta desse trabalho é refletir sobre a produção imagética acerca de Getúlio
Vargas a partir de 1930 até 1945, analisando esta produção como construída e influenciada
por intenções que permearam a sociedade e seu imaginário potico, propondo um olhar para a
importância da fotografia durante o governo Vargas nos meios de comunicação.
Comumente, fotografia é associada a um vestígio de concretude
2
, epidios retratados
em papel e tinta que trazem consigo questionamentos sobre o real.
Essa pesquisa proe uma análise sobre a produção fotográfica do período
compreendido entre 1930-1945 no qual a figura de Vargas foi obtida através de um processo
de construção de sentido.
A produção das imagens oscilou quanto ao seu significado ideológico e cultural.
Inicialmente (de 1930 a 1935), houve uma preocupação em tornar a foto um espelho da
realidade e através disso legitimar ações e poder político junto aos populares.
A partir de 1937, as imagens assumiram uma nova posição: a de transformação do
real, pautadas em digos culturais que lhe atribuem sentido, sendo usadas como
transmissores de mensagens do governo Vargas. Esta nova posição foi reforçada pela criação
de diversos departamentos, todos ligados ao Estado e que estavam imbuídos da
responsabilidade de controlar e difundir tanto a imagem de Vargas quanto de seu governo.
A fotografia é levada a funcionar como testemunho: atesta a existência (mas não o
sentido) de uma realidade. Dentre muitas das funções apresentadas pela fotografia no governo
1
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Cia das Letras, 2004, p.24.
2
Segundo Dubois, elas podem ser entendidas como espelho do real, transformação do real e traço de um real.
DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1999.p.52
17
Varguista, as observações deste trabalho se atentaram no sentido da desconstrução da mesma,
é a iia de testemunho.
As imagens no governo Vargas buscaram revelar o papel do Estado: as relões de
poder, ideologias e a intervenção do governo no âmbito social e econômico do país.
As imagens fotográficas se vêem codificadas desde o momento em que passam a
existir, seja de forma avulsa ou guardada em uma gaveta, expostas nas paredes de
uma instituição, dispostas em álbuns, estampadas em alguma publicação,
disponíveis em determinado site da internet.
3
As fontes iconográficas deste trabalho se encontram na fundação Getúlio Vargas,
através de seu acervo CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil), criado e organizado em 1973. O local possui cerca de 1,8 milhão
de documentos, sendo 80.000 deles imagéticos. Além de publicações como a revista Estudos
Históricos, a instituição ainda possui Programa de Pós-Graduação em História, Política e
Bens Culturais e Escola Superior de Ciências Sociais.
As fotografias encontram-se disponíveis no portal
4
, para consulta. A busca das
imagens pode obedecer a diferentes critérios: por nome/autoridade (ex: Getúlio Vargas,
Gustavo Capanema, etc.), por data, período de produção dos documentos e por assuntos.
As fotografias podem ser organizadas em uma pasta criada pelo usuário, que
posteriormente pode comunicar o uso das fontes, ou pedir sua reprodução. Em ambos a
indicação da catalogação sica no acervo, data de produção, local, e legendas descritivas
quanto ao evento e/ou os retratados.
O recorte escolhido para este trabalho (de 1930 a 1945) baseia-se nas imagens
produzidas de Getúlio Vargas desde sua ascensão ao governo provisório até sua saída em
1945. Esta produção é motivada, inclusive, pela aquisição de novas tecnologias fotográficas,
imprimindo assim um novo caráter ao cotidiano na forma de uma nova prática cultural: tornar
a fotografia uma apreensão de fragmentos da realidade.
Para essa pesquisa, somente foram descartadas as imagens que não possuíam
qualidade suficiente para reprodução ou aquelas onde a data de sua produção não era precisa.
3
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê, 2007.p.51
4
Disponível em:< http://cpdoc.fgv.br> Acesso em junho de 2009.
18
Algumas apresentavam intervalos muito elevados, como, por exemplo, de 1930 a 1950, o que
acabou dificultando o seu uso.
No decorrer do trabalho, foram necessárias consultas a outros documentos como as
normativas dos departamentos, publicações do DIP (Departamento de Imprensa e
Propaganda), além de folhetos e cartilhas, que foram usados para complementar a pesquisa
das imagens.
As profundas mudanças poticas e ecomicas sofridas pelo País neste recorte
motivaram a divisão dos capítulos, levando em consideração, não somente a ordem
cronológica dos eventos, mas também o impacto social que causaram.
No primeiro capítulo, as discussões estão em torno do uso da fotografia enquanto
instrumento de legitimação, pois ela atua enquanto testemunho dos eventos, dise sobre
temas ligados ao governo, suas realizações e inicia o processo de enaltecimento da figura
de Getúlio Vargas.
Os acontecimentos tornam-se narrativas, assim como a Nova Constituição de 1934
aponta novos sujeitos a serem representados nas fotografias: as mulheres, crianças e o
trabalhador recebem visibilidade ao lado de Vargas. As fotografias assumem caráter de
ligação entre o governante e os populares, informam, dão visibilidade ou excluem, segundo
convenções criadas por seus interesses.
As convenções simbólicas exprimem significados, por exemplo, o cuidado de
centralizar nas fotos a figura de Vargas, começando assim a construção de Vargas, de homem
a mito político, de gaúcho a Pai dos pobres.
O imaginário potico apóia-se na fotografia aglutinando o discurso, a imagem e os
anseios dos populares, revelando comportamentos e mentalidades. As fotografias privilegiam
comícios, festividades, desfiles cívicos e inaugurações, numa tentativa de expor o projeto
político de forma inteligível pela imagem, assim como a propaganda o faria logo a seguir.
No primeiro governo Vargas, assuntos ligados ao desenvolvimento, modernidade,
progresso e nação foram evocados através das fotos. Há, neste momento, uma prática
discursiva que, através da produção imagética, insere novas propostas do governo, procurando
evidenciar os novos rumos do País, tanto no plano econômico como no político.
O segundo capítulo aponta para um novo recorte: desde a instauração do Estado Novo,
passando pela criação do DIP, até 1945 aproximadamente. Há, neste recorte, singulares
características que escapam as demais fotografias que haviam sido produzidas antes deste
19
período: o enaltecimento exacerbado de Getúlio Vargas e o uso da propaganda como aliada
nesse processo.
Os departamentos ligados aos meios de comunicação e a propaganda como o DIP,
que estava sob o comando de Lourival Fontes , absorveram algumas características dos
modelos propagandísticos do nazismo e do fascismo, ao usar a fotografia como materialidade
discursiva que elenca significados e representações, buscando construir sentidos e
sentimentos.
O discurso político de Vargas migra em direção a estes modelos, os eventos ligados à
Pátria e ao nacionalismo são muito difundidos, o progresso e o desenvolvimento tornam-se
marca das produções imagéticas: ao centro, comumente, vemos a imagem de Vargas como
uma espécie de liderança em meio às transformações do período. Os cenários buscavam
demonstrar a grandiosidade das inovações promovidas pelo governo. Os eventos políticos
foram construídos através das imagens para assegurar a sua legitimação. A imagem
carismática de Vargas agia como instrumento para difusão dos interesses e projetos
ideológicos do Estado. Estas produções não eram recebidas de forma passiva, pois, tanto os
fotógrafos, ao produzirem suas obras, quanto os populares, ao interpretarem seus sentidos,
resignificavam estas imagens a partir de seus filtros culturais, sendo assim, por muitas vezes,
reinterpretando estas fotografias.
A intervenção do Estado nos meios de comunicação estendeu-se, inclusive, aos
Estados com a criação dos DEIPs (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda), que
facilitavam a circulação e controle das informações a respeito de Vargas e de seu governo.
O DIP promoveu a produção, o desenvolvimento e a difusão de diversos projetos para
a comunicação, dentre eles a produção fotográfica, lançando, inclusive, séries com
fotomontagens, formando mosaicos de significados, através de uma pedagogia do olhar. No
que se refere a esta produção, o DIP cercou-se de artefatos para se fazer inteligível como, por
exemplo, o uso de legendas nas imagens para conduzir o significado da fotografia segundo o
que melhor lhe conviesse.
Com o surgimento de novos processos de modernização e desenvolvimento no País, a
fotografia resulta em um espaço revelador das ideologias do período, no entanto, o cinema, a
publicidade e demais meios de comunicação atuaram em paralelo a esta produção imagética,
usando linguagens diferentes, por exemplo, a imagem em movimento usada pelo cinema e a
dramatização das imagens na publicidade.
20
O governo buscava através de seus departamentos uma ferramenta capaz de
homogeneizar sentimentos por meio de convenções de signo e símbolos presentes na
fotografia, imprensa e propaganda.
Uma das árduas tentativas do DIP encontrava-se em reforçar, enaltecer e creditar a
Vargas uma áurea extraordinária, apresentando-o como um governante munido de
capacidades singulares para governar o País e, ao mesmo tempo, de se aproximar da cena
doméstica como um Pai. Este e outros títulos como “Pai dos pobres”, “Chefe da Nação”, “O
nosso Chefe”, dentre muitos outros, comam a ser inseridos nas imagens.
A necessidade de comprovar a realidade e de engrandecer a experncia através das
fotografias é uma forma de consumismo estético a que todos nos entregamos. As
sociedades industriais transformam os seus cidadãos em viciados de imagens; trata-
se da mais irresisvel forma de poluição mental.
5
As imagens produzidas pelo DIP caracterizaram-se por formar uma linguagem, uma
prática discursiva dirigida aos populares, tendo na legenda uma via de acesso ao significado
ideológico proposto. As ideologias e propostas do Estado Novo foram amplamente difundidas
através da produção imagética, estavam imbricadas nelas de maneira a ser compreendidas
pelos populares.
O terceiro capítulo propõe uma releitura do mito potico Getúlio Vargas,
desconstruindo a forma como ele foi concebido e organizado e, ao mesmo tempo, discutindo a
contribuição importante da fotografia para esta construção social.
O estudo das práticas poticas no cenário midiático nos permite interpretar um
campo de significações culturais em torno do imaginário social e dos
comportamentos dos atores políticos envolvidos nas relações de poder que
permeiam o universo tanto dos personagens e figuras públicas quanto dos indivíduos
que com estes interagem através da experiência midiática e do exercício da
democracia. Esta centralidade da mídia como palco privilegiado de atuação política
e eleitoral, permite a instituição e o fortalecimento dos processos de
5
SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia.Rio de Janeiro: Editora Arbor, 1981 p.31.
21
espetacularização, a personalização de candidatos e a propagação de discursos
perpassados de elementos simbólicos e míticos.
6
Na dinâmica entre as representações do poder do governo Vargas e de sua figura,
encontram-se a visível influência dos modelos nazi-fascistas de propaganda potica, ainda
que absorvidas e resignificadas, aproximam-se ao usar os meios de comunicação (o rádio, o
cinema, a fotografia e outros) como espaço para difusão das propostas e ideologias do
período.
Aspectos como a visibilidade de determinados personagens em detrimento de outros,
favoreciam a visualidade da centralidade do poder nas mãos de Vargas, assim como foi usado
por Hitler e Perón.
Os elementos visuais que compuseram as imagens do período de 1937 (sob a
instauração do Estado Novo) a 1945 buscavam sedimentar os sentimentos ligados à nação, ao
nacionalismo, ao civilismo e ao fortalecimento do poder traduzido no personagem Getúlio
Vargas, sendo eles representados em desfiles cívicos, celebrações e comícios.
A produção do mito potico Vargas é indissociável da sua relação com seu governo
interventor, uma vez que o mesmo assegurava, através do controle dos meios de comunicação
(a imprensa, os departamentos e ministérios), a produção, controle e difusão das informações,
tanto de seu governo quanto de seu personagem potico.
A exaltação a Vargas assegurava-se na necessidade da representação austera e
reveladora de sua posição social e potica junto aos populares, através da pedagogia do olhar,
instituída mais incisivamente através do DIP.
Podemos selecionar diferentes características fabulosas na narrativa construída em
torno de Vargas: inicialmente, privilegiando seu caráter regionalista; logo depois, exaltando
sua formação e participação potica marcadas por conquistas eleitorais.
Vargas fora eleito Deputado Estadual em 1909; reeleito neste e em outros cargos em
1913, 1919, 1921; Deputado Federal, em 1923; Ministro da Fazenda, em 1926; Presidente do
Rio Grande do Sul, em 1927; e, em 03 de novembro de 1930, torna-se Chefe do Governo
6
LIMA, Elizabeth Christina de Andrade e BEZERRA, Ada Kesea Guedes. A Produção de Mitos na Política - A
Imagem Pública de Lula no Cenário Midiático. 2009. Disponível em: <
www.bocc.uff.br/_esp/autor.php?codautor=898 > Acesso: janeiro de 2010.
22
Provisório, todos estes ainda somados a sua participação direta e indireta em diversos
movimentos políticos.
É nas lacunas deixadas pelas inquietações e tensões poticas que os mitos poticos
ganham força, surgindo como símbolo da restauração da nova ordem potica e social, como
uma compensação simlica
7
.
Os mitos poticos nascem da necessidade de restabelecimento de uma nova ordem
social e potica frente às rupturas do passado e idealização de um futuro promissor, atuando
como responsáveis pela construção deste projeto.
Desde 1930 passando pelo governo provisório até meados de 1934, as imagens são
produzidas em grande escala. Inicialmente, construindo o mito político Vargas como o
detentor das propostas do novo regime, privilegiando as imagens da revolução de 1930,
eventos políticos exaltando sua figura pública.
A partir de 1937, o mito Vargas beneficia-se da máquina estatal, estrategicamente
organizada em departamentos e ministérios que usariam o poder subjetivo da fotografia em
legitimar e inspirar o imaginário transformando seu discurso em uma linguagem acessível e
com aparente testemunho de verdade, apoiando-se nas ações e caráter protetor que Vargas
assumira neste momento. As fotografias adquirem caráter de revelador ideológico, exaltando
a figura de Vargas e valorizando os feitos de seu governo, além de construir uma narrativa
pautada na emoção, no poder subjetivo que as imagens carregam, característica que
fundamentou o mito político.
Então é em toda sua autonomia que se impõe o mito, constituindo ele próprio um
sistema de crença coerente e completo. Ele não invoca, nessas condições,
nenhuma outra legitimidade que não a de sua simples afirmação, nenhuma outra
lógica que não a de seu livre desenvolvimento. E sem dúvida, qualquer que seja o
caso, a experiência mostra que cada uma dessas “constelações” mitológicas pode
surgir dos pontos mais opostos do horizonte político, pode ser classificada à
“direita” e à “esquerda”, segundo a oportunidade do momento.
8
7
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. edição. São Paulo: Editora Ática, 1995. Ver: o mito tem por função
resolver, num plano simbólico e imaginário, as antinomias, as tensões, conflitos, e as contradições da realidade
social que o podem ser resolvidas ou solucionadas pela própria sociedade, criando assim uma segunda
realidade, que explica a origem do problema, e o resolve de modo que a realidade possa continuar com o
problema sem ser destruída por ele. O mito cria uma compensação simbólica e imaginária para dificuldades,
tensões, e lutas reais tidas como insolúveis.
8
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo.
Campinas: Papirus, 1998, p. 11-12.
23
As fotografias agem como um espaço para dar notoriedade ao mito político. Os
eventos que o cercam são enraizados, na realidade, de alguma maneira reforçando a sua
veracidade. Através da exaltação de seus feitos e de seu carisma e popularidade, Vargas surge
como defensor dos interesses da família brasileira e do trabalhador.
A sociedade espetáculo foi alicerçada nas imagens e ela operou enquanto mantenedora
do discurso de Vargas e de seu governo, principalmente a partir da produção das fotografias e
demais recursos visuais e publicações controlados e orientados pelo DIP. Por meio de todos
estes mecanismos, fazia-se a visível preocupação de informar, mas de também orientar a
recepção do sentido, sendo esta produção focada nas grandes concentrações cívicas e eventos
oficiais.
A circulação e intervenção pelo departamento nas imagens, essencialmente nos meios
de comunicação, simulavam aproximações entre Vargas e os populares, enaltecendo o caráter
tico ao reforçar a imagem de líder e defensor dos interesses dos trabalhadores.
Os líderes poticos Vargas, Perón e Hitler têm em comum características referentes ao
uso da produção imagética como instrumento de propaganda política e ideológica, cada
regime adequou seu uso às peculiaridades de seu governo: Vargas priorizou o uso da
fotografia, Hitler e Perón utilizaram tanto a foto quanto ilustrações.
O universo simbólico presente nas imagens pode ser comparado seguindo recortes
temáticos (o desenvolvimento do país, a guerra, os projetos políticos, a família e outros),
contudo, o que é salutar nas imagens é a visibilidade dada ao líder, o uso dos símbolos
nacionais como unificadores e representativos, ambos na tentativa de fortalecer o apoio
popular.
Nas democracias, as potencialidades dramáticas são as mais débeis. Nos regimes
autoritários que se fundamentam na política de massas, a teatralização tem papel
mais importante: o mito da unidade e a imagem do líder atrelado às massas
convertem o cenário teatral especialmente adequado para o convencimento. O
imaginário da unidade mascara as divisões e conflitos existentes na sociedade.
(CAPELATO, 1998 p.57)
As manifestações, comemorações e demais eventos organizados pelo Estado nestes
regimes foram amplamente registrados e fortalecidos através da fotografia e encontravam
24
alicerce na emoção. A subjetividade da imagem imprimia aos discursos veracidade e traduzia-
se em elo entre os governantes e os populares.
Através das imagens é possível reconstruir valores e mentalidades, identificados por
símbolos, ritos e características fabulosas do período, revelados na fotografia, em ideologias e
intencionalidades.
As características observadas nas fotos de Vargas, Perón e Hitler sugerem um padrão,
todos buscavam demonstrar serem capazes de atender as necessidades dos populares,
inaugurar um novo tempo, romper com o passado e ser o mantenedor de um futuro glorioso
para a nação. Estas prerrogativas possibilitaram aos governos autoritários a construção da
imagem de mito político a seus lideres.
25
CAPÍTULO I
1. A Fotografia e a Aproximação ao Real
Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de uma ausência.
Clarice Lispector.
A fotografia tornou-se, a partir do século XIX, uma forma de se reproduzir realidades,
transformando-se num instrumento de articulação entre o real e aquilo que se desejava como
analagon
9
. Uma nova tecnologia foi aos poucos desenvolvida, de início, para testemunhar a
veracidade dos eventos e, nesse sentido, evidenciar a existência do que havia sido retratado.
As transformações da sociedade foram a principal pauta do momento. Após a revolução de
30, urgia negar o passado, baseado nas relações de poder das oligarquias cafeeiras, para
iniciar um novo panorama potico.
uma valorização da produção fotográfica nos anos 30 pelo crescimento
significativo do aprimoramento das técnicas fotográficas e por ela possuir o status de
testemunho do real.
A produção imagética deste período buscou aproximações com o real. Os temas
fotografados saíram da esfera privada e intimista, como cartões de visita e retratos, dando
espaço ao público e aos eventos políticos.
O governo provisório, instaurado a partir de então, busca o reconhecimento e a
legitimidade de suas ações através de discursos que evocavam a necessidade do País passar
9
Analagon: (latim analogus, -a, -um) adj.1. Que tem analogia. = equivalente, idêntico, semelhante 2. Que
provém de fatos idênticos. s. m. ANALOGON. In: DICIONÁRIO DE LINGUA PORTUGUESA ON LINE.
Dispovel em: < http://www.dicio.com.br/pesquisa.php?q=analagon> Acesso em fevereiro de 2010. Ver :
DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994: A fotografia como espelho do
real (o discurso da mimese): o efeito de realidade ligado à imagem fotográfica foi a princípio atribuído à
semelhança existente entre a foto e seu referente. De início, a fotografia só é percebida pelo olhar ingênuo como
um “analogon” objetivo do real. Parece mimética por essência.
26
por transições, como as de agrário para industrial. A centralidade do poder trazia questões
políticas que envolviam modernidade e desenvolvimento.
A tradução visual do discurso desenvolvimentista deu-se na necessidade do registro
dos eventos ligados não somente ao potico como tamm ao ecomico, pois estes
representavam o desenvolvimento tecnológico e industrial, colocando em evidência as
medidas e propostas do novo governo.
A fotografia assumiu função de primeiro plano no governo Vargas, ao assegurar que,
através da imagem, o discurso do governo alcançava boa parte dos populares e fornecia a eles
uma impressão de participação no governo.
Vargas e seu governo se apóiam na verossimilhança com o referente para tornar o
discurso válido, no entanto, as fotos eram, na verdade, realidades construídas e, mesmo que
absorvessem características de referencias ao real, não deixavam de ser representações do
mesmo.
Estas imagens construíram uma narrativa oficial, elas auxiliaram na criação de um
imaginário potico e social intencionalmente elaborado pelo governo do País.
Para atender esta necessidade de testemunho, o espaço da fotografia foi
meticulosamente disposto e articulado: os objetos, a composição da cena e os representados
eram organizados de modo a confirmar um discurso intencional ou ideológico.
A fotografia agiu como prática potica para sustentação da imagem criada para o
regime e para Vargas; através delas, sentimentos eram evocados, pautados sobre signos e
convenções simlicas traduzidas nos anseios dos populares, o poder simlico das imagens
estava em buscar a coesão social, o apoio ao regime e amenizar os conflitos políticos.
1.1 A Imagem como Linguagem e Prática Discursiva
Dentre muitos dos instrumentos usados nos primeiros anos do governo Vargas, a
produção imagética, por meio da fotografia, serviu como um analagon que atestava a
veracidade dos acontecimentos, buscando reforçar sua legitimação. A fotografia tornou-se
uma espécie de prática discursiva, semelhante à usada pela Igreja para pregar os conteúdos de
sua doutrina. Assim como a igreja se utilizou deste recurso por muito tempo como uma
27
maneira de informar e educar o olhar do fiel usando a força dos símbolos como o peixe, a
cruz, a lágrima e o sangue, entre outros mbolos associados às imagens como os santos, as
virgens e os personagens bíblicos Vargas também usou este recurso para compor uma
narrativa através da imagem visual.
Diversos símbolos nacionais foram usados em associação à figura de Vargas, (a
bandeira, o brasão da república, sua imagem com a faixa presidencial), uma forma de
interpretação visual da sua ligação com os interesses da nação. Estas representações foram
construídas pelos interesses do governo Varguista que as concebeu.
A construção do espírito nacionalista passa pela fotografia no governo Vargas, como
um instrumento de integração social, e tem, por conseguinte, a função de instruir os populares
rumo à legitimidade do regime, à exaltão a Getúlio Vargas, à hegemônica aceitação das
propostas do governo e à intervenção estatal tanto econômica quanto social.
As relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre relações de poder
que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado
pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas relações e que podem
acumular poder simbólico. É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de
comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem a sua função
política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que
contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra.
10
A imagem é passível de interpretação no ato de sua leitura, uma vez que é imbricada
de intencionalidades, significados e valores atribuídos a ela na sua construção, desde o
produtor (fotógrafo, pintor, escultor) ao receptor (populares, fiéis), filtros culturais comuns
que influem sobre a imagem na sua produção e resignificação.
Para que haja um entendimento da mensagem codificada nestas produções imagéticas,
necessariamente, há de se ter uma convenção simbólica de significados, pois é assim que elas
serão compreendidas.
As conveões simlicas podem ser entendidas como um comum acordo do que o
representado venha a significar, por exemplo, a centralidade e posicionamento de Vargas nas
fotos podem ser traduzidos como a centralidade do poder nas os do governante, e muitas
outras releituras podem se formar a partir dos códigos culturais que o receptor possui.
10
BOURDEIRU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil. 2000.p.11.
28
O espectador, a partir de seus códigos culturais e sociais, constrói para si um
significado, capturado, muito além do que foi apreendido pelo olhar na fotografia, pois ela
tem o poder de despertar nele emoções, inquietações, trazer à tona memórias, conflitos,
tensões e, entre outros sentimentos, criar um imaginário. O imaginário enuncia, se reporta e
evoca outra coisa não explícita e não presente
11
, desperta e organiza símbolos através de
representações, sendo que as mesmas sempre podem ter interpretações múltiplas, que é
apreendido pelo olhar e o que foi idealizado no momento de sua produção.
As imagens fotográficas, por sua natureza polissêmica, permitem sempre uma leitura
plural, dependendo de quem as apreciam. Estes, já trazem embutido no espírito, suas
próprias imagens mentais preconcebidas acerca de determinados assuntos (os
referentes). Estas imagens mentais funcionam como filtros: ideológicos, culturais,
morais, étnicos etc. Tais filtros, „todos nós temos‟, sendo que cada receptor,
individualmente, os mencionados componentes interagem entre si, atuando com
maior ou menor intensidade.
12
As representações orientam as práticas sociais, por meio da relação entre o ausente e a
imagem que lhe faz referência, os seus significados são construídos como em um mosaico de
mentalidades, sentidos e visões de mundo.
A foto é percebida como uma espécie de prova, ao mesmo tempo necessária e
suficiente, que atesta, indubitavelmente, a existência daquilo que mostra.
13
Com isso, a
fotografia, durante muito tempo, foi considerada testemunha de eventos, recebendo desta
forma uma atribuição de verdade ontológica, pois havia na imagem uma impressão de que
aquilo que nela fosse retratado tornar-se-ia, no mínimo, uma expressão fiel da realidade
14
.
A fotografia é interpretada como resultado de um trabalho social de produção de
sentido, pautado sobre códigos convencionalizados culturalmente. É uma
mensagem, que se processa através do tempo, cujas unidades constituintes são
11
PESAVENTO, SANDRA J. Representações. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/
Contexto, vol.15, nº 29, 1995, p.15.
12
KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002, p.44.
13
DUBOIS, Phillippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, São Paulo: Papirus, 1999, p.25.
14
Em Dubois, tem-se uma formulação quanto a realidade e a fotografia, considerando que a mesma pode ser
entendida como espelho do real (discurso da mimese e semelhança), como transformação do real (o discurso do
digo e da desconstrução) e como traço do real (o discurso do índice e da referência).Ver DUBOIS, Phillippe.
O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, São Paulo: Papirus, 1999.p.26.
29
culturais, mas assumem funções sígnicas diferenciadas, de acordo tanto com o
contexto no qual a mensagem é veiculada, quanto com o local que ocupam no
interior da própria mensagem
15
.
A produção imagética revela, essencialmente, interesses, expressões de uma
sociedade, cotidianos, conflitos, ajustes e promulgam uma visão representada de um recorte
de tempo específico próprio do ato fotográfico que o seleciona.
A fotografia deve ser considerada como produto cultural, fruto de trabalho social de
produção sígnica. Neste sentido, toda a produção da mensagem fotográfica está
associada aos meios técnicos de produção cultural. Dentro desta perspectiva, a
fotografia pode, por um lado, contribuir para a veiculação de novos comportamentos
e representações da classe que possui o controle de tais meios, e por outro, atuar
como eficiente meio de controle social, atras da educação do olhar.
16
de se procurar nas imagens sua inteligibilidade, fugir do aparente, (ir em busca da
desconstrução). Nesse sentido, observa-se no Brasil, a partir de 1930, um aumento
significativo da produção fotográfica, uma nova preocupação com o processo fotográfico,
influenciado pela inserção de novas tecnologias de poticas desenvolvimentistas no País,
interesse, inclusive, movido pelos ideais de modernidade e progresso, amplamente defendidos
na revolução de 1930
17
e centralizado na figura de Getúlio Vargas.
Os processos de modernização e desenvolvimento, desencadeados a partir de 1930,
trazem consigo a inserção de novas tecnologias, inclusive para os meios de comunicação,
como o aperfeiçoamento da fotografia. Estes processos dão o tom das discussões poticas e
sociais, os intelectuais ligados ao Estado tiveram grande influência e participação nas
mudanças produzidas por este processo.
15
MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Fotografia e História Interfaces. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2,
1996, p. 7
16
MAUAD, op.cit., p.11
17
Segundo Jorge Ferreira, Nas concepções e valores políticos de trabalhadores e populares, o movimento
político militar de 1930 foi o marco para definir a justiça e a injustiça nas relações entre o estado e a classe
trabalhadora, A chamada Revolução de 30 é a ponte que ligam um Estado Parcial, opressor, ilegítimo e arbitrário
a outro que se apresenta como justo, neutro, acima dos interesses de classes. O passado, personificado nos
políticos interesseiros e personalistas da Primeira República, desfez-se para dar lugar, no presente, a um Estado
que, centralizado em Vargas, se apresenta como de todo o povo. FERREIRA, Jorge Luiz. Trabalhadores do
Brasil. O imaginário popular 1930-1945. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, 1997, p.38.
30
A educação e os jovens recebem destaque nos projetos do governo varguista, houve
grande preocupação em promovê-los como pilares para a construção do país, assim como
feito na Alemanha de Hitler, salvaguardo que no Brasil esta proposta se inicia a partir de 1930
e é retomada com o Estado Novo em 1937.
As fotografias de Getúlio Vargas privilegiam personagens ligados aos acontecimentos
políticos, traduzidas no desejo de demonstrar que o governo e o governante agiam em prol
dos interesses das mais diferentes classes sociais, grupos políticos e trabalhadores.
Uma foto não é apenas o resultado de um encontro entre um evento e um fotógrafo;
tirar fotos é um evento em si mesmo, e dotado dos direitos mais categóricos,
interferir, invadir ou ignorar, não importa o que estiver acontecendo. Nosso próprio
senso de situação articula-se, agora, pelas intervenções da mera. A onipresença de
câmeras sugere, de forma persuasiva, que o tempo consiste em eventos interessantes,
eventos dignos de ser fotografados. Isso em troca torna fácil sentir que qualquer
evento, uma vez em curso, e qualquer que seja seu caráter moral, deve ter caminho
livre para prosseguir ase completar-de modo que outra coisa possa vir ao mundo:
a foto. Após o fim do evento, a foto ainda existirá, conferindo ao evento uma
imortalidade (e de importância) que de outro modo ele jamais existiria.
18
Imagem 1: Getúlio Vargas e outros no Paraná, por ocasião da Revolução de 1930 . Outubro de 1930. Acervo:
CPDOC Arquivo: Getúlio Vargas (GV).
18
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras. 2004, p.21.
31
Imagem 2: Getúlio Vargas e outros no palácio do Catete no dia de sua chegada à capital federal. 31 de outubro
de 1930. Acervo: CPDOC Arquivo: Getúlio Vargas (GV).
1.2 A Legitimação do Governo Vargas Através do Uso da Fotografia
A imagem fotográfica vai além do que mostra em sua superfície
19
, a produção
imagética indica mentalidades, valores, costumes e posicionamento político.
O primeiro governo Vargas foi marcado por tendências poticas trazidas de sua
experiência e formão, principalmente, gaúcha e positivista. Alguns traços desta maneira de
pensar aparecem no uso de fardas e acessórios militares, assegurando aos populares uma
imagem construída para dar a sensação de segurança.
As fotografias revelam interesses e conflitos. As imagens, ao servirem de registro dos
eventos, reafirmavam o seu caráter legitimador. Os retratados eram essencialmente ligados ao
cenário potico, em sua maioria participavam de eventos políticos, posses e nomeações. Neste
período inicial do governo não há produção fotográfica que representasse os populares.
19
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia. São Paulo: Ateliê, 2007, p.61.
32
Imagem 3:
20
Posse de Getúlio Vargas como chefe do governo provisório, no Palácio do Catete. 03 de novembro
de 1930. Acervo: CPDOC Arquivo: Luís Simão Lopes (SL).
Na imagem percebe-se uma preocupação com o posicionamento dos presentes, tanto
de quem as produziu como as dos representados, e ainda se observa que Vargas está
centralmente focado na imagem, com os militares a sua volta, demonstrando com isso uma
aliança, um apoio. Não menção ao fotógrafo, impossibilitando uma aproximação de estilo
com outras imagens.
A relação entre os presentes no centro da imagem revela, através do enquadramento,
uma despreocupação com os retratados no segundo plano, nota-se que o que deveria ser
notado e atribuído de sentido é a presença de Vargas ao centro, inclusive reforçada pelo
posicionamento dos personagens de vestuário claro ao centro. Este critério estético, usado
para conotar visibilidade aos representados no uso do contraste em preto e branco evidenciado
pelo vestuário, é característica muito presente nas imagens até 1934, provavelmente uma
maneira de propor ao receptor um direcionamento do olhar ao centro da imagem.
20
Esq./dir.: (2ºplano) Válder Sarmanho (1º), Ademar Siqueira (2º), Luiz Vergara (4º), Luiz Simões Lopes (5º);
(1º plano) Mena Barreto (1º), João Pereira Machado (2º), Francisco Ramos de Andrade Neves (3º), Getúlio
Vargas (4º), Gregório da Fonseca (5º), Bento Machado da Silva (6º). (Identificados pelo acervo).
33
A leitura das imagens pode ser feita a partir de muitos itens iconográficos presentes:
cenários, disposição dos fotografados, ausência ou presença de pessoas e objetos. No entanto,
o que pode ser captado de imediato pelo olhar é o significado simbólico atribuído à imagem.
Sendo que, o que se apreende com a leitura visual (o uso das fardas militares, o
posicionamento, os olhares direcionados para a frente, provavelmente em direção ao
fotógrafo) é que a imagem se traduza em um discurso de legitimidade e centralidade do poder
na figura de Vargas.
Houve, desde o início, uma preocupação do governo Vargas em educar o olhar do
popular na leitura e interpretação das fotografias. Em julho de 1931, diversos ministérios e
departamentos foram criados com este objetivo, como, por exemplo, o Departamento Oficial
de Publicidade (DOP), que fornecia informações sobre o governo Varguista à imprensa e aos
demais setores de comunicação.
Fotos fornecem um testemunho. Algo de que ouvimos falar mas de que duvidamos
parece comprovado quando nos mostram uma foto. Numa das versões da sua
utilidade, o registro da câmara incrimina. (...) Numa outra versão de sua utilidade, o
registro da câmara justifica. Uma foto equivale a uma prova incontestável de que
determinada coisa aconteceu. A foto pode distorcer; mas sempre existe o
pressuposto de que algo existe, ou existiu, e era semelhante ao que está na imagem.
(...) uma foto qualquer foto parece ter uma relação mais inocente, e, portanto
mais acurada, com a realidade visível do que outros objetos miméticos.
21
Não se trata de apontar na fotografia um estatuto de verossimilhança com o real, mas
de reforçar a foto como uma construção social e cultural, datada, inclusive, e baseada em
interesses. Assim, vale ressaltar que o objetivo deste trabalho é desconstruir estas imagens
enquanto uma forma discursiva do governo Vargas.
21
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 16.
34
Imagem 4: Getúlio Vargas e o Cardeal Pacelei entre outros durante evento no Palácio São Joaquim. 1930 -1945.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
As fotos oficiais demonstram a necessidade de legitimação e uma ruptura com o
passado oligárquico em busca do futuro da modernidade e da industrialização. Deveriam
mostrar aspectos de novos processos que influíram sobre a sociedade: retratando Vargas em
inaugurações, em comícios, a bordo de aviões e navios e desfiles cívicos organizados pelo
Estado.
As imagens procuravam retratar o apoio da igreja; a presença militar ao lado de
Vargas ilustrava um possível alinhamento político; a disposição dos representados como
cardeais e militares sempre dispostos ao lado do presidente.
Outras imagens procuraram evidenciar o homem ligado à família, carismático,
conservador: Vargas também passou a ser fotografado em visitas a outras cidades, jantares e
cerimônias, e também em momentos de aparente descontração, em suas fazendas, montando a
cavalo, com familiares, deixando evidente a construção não de uma única imagem de Vargas,
mas, sim, de muitos Getúlios Vargas, convenientemente, mais focado em determinados
momentos e menos em outros, uma figura múltipla como expressa Assis Chateaubriand em
Aquarela do Brasil.
35
Imagem 5
22
: Pedro Ernesto, Getúlio Vargas e outros a bordo de um navio. 1933. Rio de Janeiro. Acervo:
CPDOC Arquivo: PEB (Pedro Ernesto Batista).
A peculiaridade de Vargas é que não havia um só Vargas. Há variados específicos e
numerosos Vargas e cada qual com a sua psicologia, a sua consciência, a sua face, as
suas idiossincrasias, o seu estilo, vivendo numa vida á parte e com a intuição
perfeita das suas relações próprias com os homens e as coisas.
23
22
Esq./dir. (1º plano): Augusto Inácio do Espirito Santo Cardoso (2º); Getúlio Vargas (4º); Antunes Maciel (5º);
Protógenes Guimarães (6º); Pedro Ernesto (7º). (Identificados pelo acervo).
23
CHATEAUBRIAND, Assis. Aquarela do Brasil. Fundação. Brasília: Fundação Assis Chateaubriand, 1997,
p.17.
36
Imagem 6
24
: Antunes Maciel, Getúlio Vargas e outros por ocasião da instalação da Assembléia Nacional
Constituinte de 1934. 15 de novembro de 1933. Acervo: CPDOC Arquivo: AM (Antunes Maciel).
O conjunto de imagens produzido até 1933 trata de temáticas ligadas aos eventos
políticos e a Nova Constituição de 1934, com suas novas temáticas. A partir desta, os
personagens retratados mudam, a visibilidade direcionou-se aos privilegiados na Constituição:
a mulher e os trabalhadores.
Na imagem acima, o ângulo (de baixo para cima) do qual o fotógrafo se utiliza apelava
para a revelação da grandiosidade dos acontecimentos poticos do período, como a
instauração da Assembléia Nacional Constituinte, assim como em outras imagens: ao assinar
decretos lei, criação de ministérios e departamentos, imagens ligadas ao trabalhador em
alusão à criação das leis trabalhistas.
Os temas abordados nas fotografias, a partir da instauração da Nova Constituição de
1934, giram em torno de temas ligados à mulher, à família e aos trabalhadores, uma
articulação simbólica entre o que a constituição traria de novo e Vargas - que começa a ser
24
Antunes Maciel e Getúlio Vargas (ao centro, à esquerda e segurando um chapéu).
37
conhecido por Pai dos Pobres, Chefe da Nação - iniciando, assim, a construção de um legado,
com a fotografia como instrumento potico e do Estado, similar às práticas usadas no
Nazismo e no Fascismo, e que, posteriormente, foram amplamente usadas na América Latina
por Vargas e Perón
Imagem 7:
25
Getúlio Vargas com familiares, amigos e ajudantes de ordem no palácio Rio Negro, 1934.
Petrópolis. Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
25
Esq./dir.: (1º plano) Rubem Rosa, Morena Sarmanho, Getúlio Vargas, Regina Sarmanho (menina), Darci
Vargas e Jandira Vargas; (2ºplano) Alzira Vargas, Aimée S. Lopes, Celina F. de Castro (de chapéu), Sra. Rubem
de Melo e Getúlio Vargas Filho (de terno branco); (3ºplano) Joaquim L. A. Silveira, Ubirajara dos S. Lima, João
P. Machado e Aluísio M. Leitão.
38
Nas democracias, as potencialidades dramáticas são as mais débeis. Nos regimes
autoritários que se fundamentam na política de massas, a teatralização tem papel
mais importante: o mito da unidade, a imagem do líder atrelado as massas
convertem o cenário teatral especialmente adequado para o convencimento. O
imaginário da unidade mascara as divisões e os conflitos existentes na sociedade.
26
Imagem 8: Getúlio Vargas entre crianças e adultos durante veraneio. 1930-1937. Rio de Janeiro. Acervo:
CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
26
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo.
Campinas: Papirus, 1998, p. 57.
39
Imagem 9: Getúlio Vargas e Protásio Vargas na fazenda Santos Reis. 1934. Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC
Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
O Brasil, neste momento, absorve algumas das características destes modelos
27
: a
propaganda potica, de exaltão do Nacional e do patriotismo, do intervencionismo do
Estado na economia evidenciando os primeiros indícios de um governo autoritário.
A viagem ao universo simbólico implica duas espécies de referências constantes: a
aproximação com outras experiências similares, mas sabendo que as ideologias não
são equivalentes e que as políticas não funcionam de acordo com um modelo único,
sendo, portanto o olhar comparativo que permite apreciar as diferenças.
28
No que se refere à recepção destas imagens, uma espécie de mão dupla, uma troca
de significados e valores
29
, pois a interpretação e absorção de significados não é passiva,
embora haja entre aquele que detém o poder e os populares uma relação de dominação.
27
Ver: CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no
peronismo. Campinas: Papirus, 1998, p. 48. O varguismo e o peronismo demonstraram de maneira diversa,
preocupação com o consentimento popular, buscando apoio e legitimidade nas massas; por isso valeram-se dos
símbolos e imagens na luta pela manutenção do poder. Cabe indicar os símbolos privilegiados em cada um
desses regimes e verificar a importância que foi atribuída à construção de um universo simbólico.
28
CAPELATO, op.cit., p. 51.
29
Ver: FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil. O imaginário popular 1930-1945. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas. 1997. p. 42. Segundo Ângela de Castro Gomes apud Ferreira (1997), havia pacto, isto é uma
troca orientada por uma lógica com ganhos simbólicos da reciprocidade, sendo esta segunda dimensão que
funcionava como instrumento integrador de todo o pacto.
40
As manifestações de apoio de trabalhadores e populares a Vargas demonstram o
êxito obtido pelos formuladores da imagem presidencial. No entanto é preciso
lembrar que o conjunto de imagens que deram forma ao chamado “mito” Vargas não
foi recebido de maneira passiva
30
.
A fotografia instaura-se como parte do aparato político e propagandístico responsável
por elencar Vargas como Pai dos Pobres, era inteligível através da frequente produção de
fotografias em família, uma associação ao sentido patriarcal atribuído a Vargas.
Imagem 10
31
: Getúlio Vargas com seus pais e irmãos. 1934. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
30
FERREIRA, op.cit., p. 54
31
Esq./dir.: Benjamin Vargas, Spartaco Vargas, Protásio Vargas, Getúlio Vargas, Manuel do Nascimento
Vargas, Viriato Vargas e Cândida Dornelles Vargas. (Identificados pelo acervo).
41
Imagem 11
32
: Getúlio Vargas com seu pai, Manuel do Nascimento Vargas e outros. 1935. São Borja Rio Grande
do Sul. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
O universo que come estas imagens se engendra no contexto potico vigente de sua
produção. Neste período, revelam a intenção em estabelecer signos comuns aos populares,
como a família, a mulher, o idoso; temas que ligavam a intencionalidade da foto à evocação
do sentimento.
A visibilidade de Vargas ou dos eventos privilegiados nas fotos foi convencionada e
dirigida por intenções, convenções culturais socialmente construídas. Nos momentos de
adversidade e de conflitos, havia espaço oportuno para o entrave de batalhas simbólicas,
destituindo um passado e fortalecendo as projeções de um futuro baseados em feitos,
promessas e propaganda estadista.
O “mito Vargas, portanto, não foi criado simplesmente na esteira da vasta
propaganda política, ideológica e doutrinária veiculada pelo Estado. Não
32
Getúlio Vargas (à esquerda) abraça seu pai, Manuel do Nascimento Vargas, enquanto Viriato Vargas (à
direita) observa. (Identificados pelo Acervo).
42
propaganda por mais elaborada que seja que sustente uma personalidade pública por
tantas décadas sem realizações que beneficiem em termos materiais e simbólicos, o
cotidiano da sociedade. O “mito” Vargas, assim, exprimia um conjunto de
experncias que, longe de se basear em promessas irrealizáveis, fundamentadas o
somente em imagens e discursos vazios, alterou a vida dos trabalhadores.
33
Outros aspectos foram sendo abordados nas fotografias, a partir de 1935, diferentes
dos anos anteriores, onde as imagens buscavam a legitimidade do regime e a centralidade do
poder de Vargas. Agora, o foco está na manutenção deste poder e dos postos conquistados.
O papel do líder e sua relação com as massas constituem uma das características
mais marcantes na política de massas. As mensagens propagandísticas indicavam que a
tarefa do chefe era proteger as massas, cabendo a elas venerá-lo e apoiá-lo
34
. A figura de
Vargas foi construída a partir de uma vasta produção imagética que teve função
propagandística e legitimadora, por conseguinte, seu governo também se utilizou das imagens
como veículo de transmissão de ideologias e comunicação entre o governante e os populares.
A concentração das imagens volta-se às inaugurações dos mais diferentes âmbitos:
hospitais, setor privado, desfiles, congressos, fortalecendo a intervenção e presença efetiva,
tanto de Vargas, quanto de sua potica, em muitos setores da sociedade.
Aos poucos, a imagem de Vargas abandoa o regional. Imagens em São Borja,
cavalgando, tomando chimarrão e, até mesmo, em churrasco e eventos ligados ao Rio Grande
do Sul, diminuem consideravelmente. Ao observar as imagens feitas nesta temática, o
regionalismo é mostrado a partir dos objetos e cenários que come a imagem, o poder
simlico dos objetos atua no imaginário como retorno às raízes de formação potica de
Vargas.
As mensagens diretas e indiretas impressas nas fotografias são apreendidas pelo olhar
através da visualidade de objetos e cenários associados à linguagem narrativa que a fotografia
arranja.
33
FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil. O imaginário popular 1930-1945. Rio de Janeiro. Fundação
Getúlio Vargas.1997, p.49.
34
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo.
Campinas: Papirus, 1998, p. 257.
43
Imagem 12: Getúlio Vargas e outros no sítio de Manuel Reis. Nova Iguaçu. Rio de Janeiro. 1934. Acervo:
CPDOC Arquivo: GV (Getulio Vargas).
O espaço público retratado nas fotos, como estádios, manifestações e convenções,
torna-se espaço de disputas de poder. A centralidade de Vargas demonstra uma hierarquização
clara na composição da fotografia, convencionalmente acordada entre os filtros culturais que a
produziram, sintetizando os valores sociais.
Observando as imagens destes eventos, comumente os populares foram retratados em
segundo plano, em tamanho inferior ao de Vargas. Este posicionamento estratégico demonstra
o poder depositado nas mãos de Vargas.
O ator político deve se apresentar em cena demonstrando possuir requisitos
excepcionais. São necessários á caracterização dos “ legítimos condutores do povo”
e dos “autênticos chefes”, os seguintes traços: força, coragem, magnanimidade,
bondade, generosidade, perseverança, retidão de caráter, energia, clarividência,
vontade, sabedoria, autoridade.
35
35
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo.
Campinas: Papirus, 1998, p.257.
44
Imagem 13
36
: Gustavo Capanema e Getúlio Vargas por ocasião do VII Congresso de Educação. Rio de Janeiro.
07 de julho de 1935. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getulio Vargas).
Os sentimentos de patriotismo e nacionalismo tornaram-se argumentos para a ligação
entre as classes. Para evidenciar esta proposta, multiplicaram-se as imagens ligadas à presença
do presidente em comemorações como a parada de Sete de Setembro, desfiles cívicos, visita
aos Estados e demais eventos oficiais.
36
Esq./dir.: (1ºplano) Augusto Corsino (, de terno); Augusto do Amaral Peixoto (pai) (terno preto e de óculos);
Anísio Teixeira (de terno e óculos); Getúlio Vargas (de terno preto, com chapéu na mão direita); Pedro Ernesto
(de terno claro); Gustavo Capanema (terno preto); Paulo de Assis Ribeiro (terno branco, de bigode); Carlos
Drummond de Andrade (atrás de Assis Ribeiro, de óculos); Celso Kelly (entre Getúlio Vargas e Pedro Ernesto).
(Identificados pelo acervo).
45
Imagem 14: Getúlio Vargas, Gustavo Capanema e outros assistem a parada de 7 de setembro. Rio de Janeiro. 07
de setembro de 1935. Acervo: CPDOC Arquivo: GC (Gustavo Capanema).
Imagem 15: Getúlio Vargas com Franklin Roosevelt e outros. Rio de Janeiro. Novembro de 1936. Acervo:
CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
Na imagem acima salta aos olhos a presença, em primeiro plano, o somente de
Vargas como de Roosevelt, e, em segundo plano, os demais personagens. Uma característica
em especial diferencia os planos, somente os representados em primeiro plano olham
possivelmente para o fotógrafo, os demais dispersos não são retratados dessa maneira, ou seja,
a preocupação em destacar os personagens dirigia-se somente a Vargas e Roosevelt,
demonstrando a sintonia existente entre eles e representada na foto.
46
1.3 A Sociedade Espetáculo no Molde Varguista
Quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens
tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico. O
espetáculo, como tendência a fazer ver (por diferentes mediações especializadas) o
mundo que já não se pode tocar diretamente, serve-se da visão como sendo o sentido
privilegiado da pessoa humana o que em outras épocas fora o tato; o sentido mais
abstrato, e mais sujeito à mistificação, corresponde à abstração generalizada da
sociedade atual. Mas o espetáculo não pode ser identificado pelo simples olhar,
mesmo que este esteja acoplado à escuta. Ele escapa à atividade do homem, à
reconsideração e à correção de sua obra. É o contrário do diálogo. Sempre que haja
representação independente, o espetáculo se reconstitui.
37
Os eventos oficiais serviram de palanque para enaltecer tanto Vargas quanto seu
governo. Eram apontados como uma representação política da ordem e do futuro promissor.
Estas cenas, registradas com carisma e sedução do real, eram uma realidade maquiada, forjada
por interesses explícitos de convencimento para fins de aceitação popular.
O governo criou, para si e para os populares, um contínuo espetáculo de eventos e
cerimônias, como os desfiles cívicos de sete de setembro, da juventude, primeiro de maio e
dia do trabalhador, além de outras medidas que, na verdade, serviam como palco para a
exaltação de Vargas e sua imagem. O uso da quina do Estado de difusão e propaganda,
iniciado com a criação de diversos departamentos e fortalecido posteriormente com o DIP
(Departamento de Imprensa e Propaganda), exerceu com pertinácia este objetivo político.
Anterior ao DIP, certos departamentos foram criados para intervir na produção e
veiculação das imagens, no rádio, revistas e jornais, entre outros meios de comunicação. Em
consequência disto é que o autoritarismo ganhou forças, uma vez que controlou a
circularidade das informações e propagação dos ideais do Estado. No entanto, a recepção
desta censura também não foi passiva. A criação de diversas publicações de contestação ao
governo foram uma forma de resistência a estas medidas do departamento, discutindo temas
como a censura, a figura de Vargas e as ações do governo.
37
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. São Paulo: Contraponto, 1997, p.18.
47
Imagem 16
38
: Gustavo Capanema, Getúlio Vargas, Filinto Muller e outros por ocasião da Parada da Mocidade e
da Raça. Rio de Janeiro. 04 de setembro de 1938. Acervo: CPDOC Arquivo: GC (Gustavo Capanema).
38
Esq./dir.: Filinto Müller (de bigode), Gustavo Capanema (de óculos) e Getúlio Vargas. (Identificados pelo
acervo).
48
Imagem 17: Gustavo Capanema, Getúlio Vargas, Filinto Muller e outros por ocasião da Parada da Mocidade e da
Raça. Rio de Janeiro. 04 de setembro de 1938. Acervo: CPDOC Arquivo: GC (Gustavo Capanema).
As imagens das festividades cívicas possuem características singulares em relação às
demais fotos do mesmo período, nelas uma representação de uma das múltiplas faces de
Vargas junto às crianças e aos populares, o carisma.
O jogo político articula-se com a fotografia, ela engendra o sentimento e a
representação, torna pública a relação entre o governante e os populares, produzindo
fotografias baseadas no personagem carismático, afetuoso, e no semblante paternalista e
despojado atribuído à figura de Getúlio Vargas.
Nesta produção houvera a intencionalidade de atestar a naturalidade e espontaneidade
ao ato fotográfico, uma forma de traduzir a imagem em um discurso de proximidade e
intimidade de Vargas com o povo.
A escolha cuidadosa do enquadramento da lente do fotógrafo, a escolha das crianças
presentes, o momento do ato fotográfico e os representados são elaborações que constituem
parte do sentido imbricado na fotografia, uma espécie de legenda que constroe uma
interpretação do sentido.
49
CAPÍTULO II
2. As Inovações do Estado Novo
O Estado Novo, instaurado a partir do golpe de Estado em 10 de novembro de 1937,
baseou-se, além do clima potico e tenso do período, na possível ameaça comunista,
conhecido por Plano Cohen. O golpe foi visto como uma medida capaz de defender os
interesses da nação contra os perigos comunistas e externos.
A escalada para o golpe foi racionalmente construída e cuidadosamente executada.
O golpe o representou uma ruptura, uma mudança abrupta, mas sim a
consolidação de um processo de fechamento e repressão que vinha sendo lentamente
construídos, com o apoio de intelectuais, políticos civis e militares.
39
Com o Estado Novo, surgiram ainda mais departamentos, comissões, conselhos e
óros governamentais, como formas de controle e intervencionismo do Estado. O período
ficou marcado com a criação, por exemplo, do Conselho Técnico de Economia e Finanças do
Ministério da Fazenda. Posteriormente, foram criados, de 1938 a 1941, o Conselho de Água e
Energia, a Comissão Executiva do Plano de Siderurgia Nacional, a Comissão do Vale do Rio
Doce, o Conselho Federal de Comércio Exterior, dentre outros.
Neste período, muitas das medidas do governo de Vargas foram inspiradas em
modelos europeus autoritários, trabalhados através de temas como a ordem e o progresso e a
preocupação em influir sobre a juventude, de fazer a propaganda política e ideológica do
Estado através da educação.
As transformações sofridas pela sociedade, naquele momento, abordavam as temáticas
ligadas à inserção de novas tecnologias no País e ao desenvolvimento, e buscavam inspirações
em outros modelos autoritários.
39
ARAUJO, Maria Celina Soares D´. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2000, p.15.
50
Este processo se deu através de Gustavo Capanema, nomeado para a pasta de
educação e saúde pública, em 26 de julho de 1934. Capanema foi atuante defensor da
educação como forma de assegurar que o projeto cívico educacional instruísse os jovens rumo
aos interesses do Estado Novo.
Imagem 18: Gustavo Capanema, Getúlio Vargas e outros, por ocasião da Parada da Juventude. Rio de Janeiro.
07 de setembro de 1939. Acervo: CPDOC Arquivo: GC (Gustavo Capanema).
51
Imagem 19: Gustavo Capanema, Getúlio Vargas e outros, por ocasião da Parada da Juventude. Rio de Janeiro.
07 de setembro de 1939. Acervo: CPDOC Arquivo: GC (Gustavo Capanema).
As manifestações vicas transformaram-se em momentos de exaltação à figura de
Vargas: retratos e faixas lhe faziam reverência com títulos como “Chefe da nação”. Neste
momento, sua imagem e os feitos de seu governo eram comumente destacados pelos órgãos
de difusão e comunicação em torno de um projeto comum: o desenvolvimento e o
nacionalismo.
As produções imagéticas enaltecem a figura de Getúlio Vargas como protetor dos
interesses da família brasileira, como detentor das ferramentas para mudar o Ps e construir
uma nação próspera. As imagens tornaram-se veículo, útil ao Estado para a difuo de
propaganda potica, manipulando o imaginário para a construção do ideário estadonovista.
As fotografias oficiais eram uma forma de evocar os sentimentos de identidade
nacional, civilismo, progresso e enaltecimento do presidente, ingredientes para a unificação
dos valores e interesses nacionais.
52
Imagem 20: Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, Eurico Gaspar Dutra e outros durante manifestação cívica. Rio
de Janeiro. 1939. Acervo: CPDOC Arquivo: GC (Gustavo Capanema).
Em 1934, com o Departamento de Difusão Cultural, o intelectual Lourival Fontes
conhecido na historiografia a respeito por Goebbels Tupiniquim, uma alusão à proximidade
de suas idéias as de Paul Joseph Goebbels passou a ser o responsável pelo trabalho de
propaganda e difusão das imagens oficiais através das cartilhas, livros escolares, desfiles,
biografias e monografias. Esta produção da imagem, tanto de Vargas quanto de seu governo,
foram aperfeiçoadas com o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) a partir de 1939.
53
Uma das novidades no quadro político brasileiro da década de 30 foi a utilização da
propaganda com finalidade política. Construído a partir de um golpe político militar,
e portanto carente de legitimidade, o regime inaugurado por Getúlio Vargas em
1930 disseminou, sobretudo após 1937, uma produção de cunho político e cultural
que afirmava a necessidade do novo governo. É nessa época que se implementa uma
política sistemática e coordenada de propaganda política estatal. Tornou-se
imperativo para o Estado a criação de mecanismos para a produção e a difusão, por
toda a sociedade, de sua concepção de mundo, de sua doutrina, de sua verdade. A
burocracia de Estado, assim, não poderia deixar de contribuir para o projeto político-
ideológico que se firmava.
40
Com as propostas do Governo Vargas girando em torno das questões econômicas e
sociais, voltadas para o trabalhador, reforçadas com a criação das leis trabalhistas, ao seu
governo foi atribuído a função de guardião, tanto dos interesses quanto de mantenedor da
ordem social e potica, reforçando, com isso, os órgãos de censura, como o DIP, e intervindo
em todas as questões emergentes da sociedade.
Na imagem acima, notamos uma composição voltada ao social, à presença das
crianças com Vargas. Este cenário teria como propósito a conjugação dos sentimentos
paternalistas e dramáticos expressos através da fotografia, criando uma narrativa de forte
apelo emocional.
Os personagens, o fotógrafo e o cenário compõem parte do discurso implícito na
fotografia, conteúdo ideológico e difundido pelo departamento através da manipulação,
seleção e fragmentação da narrativa exposta na imagem retratada.
A produção fotográfica dirigida pelo DIP assume o papel de revelar um imaginário
social construído e fortalecido, pois ela torna o simlico compreensível. O departamento vê a
fotografia enquanto instrumento de manipulação da informação a respeito de Vargas e do
Estado Novo. Devido a isto, assume tamanha importância no governo varguista: a de
censurar, construir e propagar a imagem adequada às iias do Estado.
As fotos de Getúlio Vargas veiculadas pela imprensa, sempre sorrindo, são um
exemplo precioso do poder criativo do uso da fotografia, estabelecendo relações,
criando afinidades, produzindo mais que sentidos, também sentimentos.
41
40
FERREIRA, Jorge Luiz. TRABALHADORES DO BRASIL: O IMAGINÁRIO POPULAR. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas Editora, 1997, p. 69.
41
LACERDA. Aline Lopes. A “obra Getuliana” ou como as imagens comemoram o regime. In: Revista Estudos
Históricos, Vol. 2, No 14 (1994). P. 244.
54
Imagem 21: Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, Eurico Gaspar Dutra e outros durante manifestação cívica. Rio
de Janeiro. 1939. Acervo: CPDOC Arquivo: GC (Gustavo Capanema).
55
Imagem 22: Artur de Sousa Costa, Getúlio Vargas e outros durante o lançamento da pedra fundamental da
alfândega do Rio de Janeiro e testando o equipamento no mesmo evento. Rio de Janeiro. 02 de junho de 1939.
Acervo: CPDOC Arquivo: SC (Sousa Costa).
56
Imagem 23: Artur de Sousa Costa, Getúlio Vargas e outros durante o lançamento da pedra fundamental da
alfândega do Rio de Janeiro e testando o equipamento no mesmo evento. Rio de Janeiro. 02 de junho de 1939.
Acervo: CPDOC Arquivo: SC (Sousa Costa).
A partir de 1939, os temas desenvolvidos pelas fotografias mudam drasticamente, a
linguagem visual é usada como suporte para o discurso político de Vargas e de seu governo,
passando a ser usada como aporte para a tentativa de moldar a opinião pública a respeitos dos
feitos do governo naquele momento.
A característica que permanece, tanto nos anos anteriores como nestas produções
imagéticas, é a centralidade de Vargas no primeiro plano, ora destacado pelo uso do contraste
no vestuário, o uso do terno claro em destaque aos demais presentes em tons escuros; ora
engrandecendo a figura do presidente, utilizando, para isto, o recurso de captá-lo pelo ângulo
de baixo para cima, assim, reforçando a grandiosidade da figura de Vargas.
Ao operar as imagens, o DIP atribui a elas diversas batalhas simbólicas, revelando o
imaginário social e potico do Estado Novo, o através da foto, mas, também, através do
cinema e do rádio.
57
2.1 Criações do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda)
O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) foi criado a partir de outros
departamentos: em 1931, criou-se o DOP (Departamento Oficial de Propaganda) e, em 1934,
o DPDC (Departamento de Propaganda e Difusão Cultural) foi instituído, dando lugar, em
1938, ao DNP (Departamento Nacional de Propaganda) que, então, transformou-se no DIP em
dezembro de 1939.
Segundo decreto lei
42
, o DIP estaria diretamente subordinado ao presidente da
república - forma esta explicita de controle e censura. Conforme lei, o DIP teria, por
finalidade, centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional, interna
ou externa, e servir, permanentemente, como elemento auxiliar de informação dos ministérios
e entidades públicas e privadas na parte que interessa a propaganda nacional.
O departamento foi constitdo por cinco divies: de divulgação; de rádio e difusão;
de cinema e teatro; de turismo e de imprensa. Estes órgãos possuíam serviços auxiliares
como, o S.C. (Serviço de Comunicações), o S.C.T. (Serviço de Contabilidade e Tesouraria) e
o S.M. (Serviço Material); assim como os serviços de filmoteca, biblioteca e discoteca.
Seguindo os critérios do decreto, a divisão de comunicação teria, inclusive, a função
de combater por todos os meios a penetração ou disseminação a qualquer idéia perturbadora
ou dissolvente da unidade nacional
43
.
42
BRASIL. Decreto-Lei nº 1915, de 27 de dezembro de 1939. Cria o Departamento de Imprensa e Propaganda e
dá outras providências. Brasília, 1939. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon > 18 de agosto de
2009.
43
BRASIL. Decreto-Lei nº 1915, de 27 de dezembro de 1939. Cria o Departamento de Imprensa e Propaganda e
dá outras providências. Brasília, 1939. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon > 18 de agosto de
2009.
58
Imagem 24: Getúlio Vargas o amigo das crianças, publicado pelo DIP em novembro de 1940. Acervo: CPDOC
Arquivo: Rev.30 16f.
Legenda da Imagem impressa pelo DIP: “É preciso plasmar na cera virgem, que é a alma da criança, a alma da
própria pátria. Getúlio Vargas.
A divisão de Imprensa, na verdade, é a que interviria de maneira incisiva sobre os
meios de comunicação, com a censura e a veiculação de informações expressamente
controladas pelo DIP e por Vargas, tendo, inclusive, como normativa e competência, manter
59
um completo serviço dos “clichês” e de fotografias, para fins de distribuição à imprensa
brasileira e estrangeira e de permuta com entidades estrangeiras de turismo e propaganda.
44
Imagem 25: Publicado pelo DIP em 1941 pela comemoração do aniversário de Getúlio Vargas. Acervo: CPDOC
Arquivo: 82-5 B823.
44
BRASIL. Decreto-Lei nº 1915, de 27 de dezembro de 1939. Cria o Departamento de Imprensa e Propaganda e
dá outras providências. Brasília, 1939. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon > 18 de agosto de
2009.
60
No que se refere ao controle do Estado sob a produção, distribuição e controle das
informações e imagens de Vargas e de seu governo, foi criado, em 04 de setembro de 1940, os
DEIPs
45
(Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda), órgãos regionais responsáveis
pelo controle e censura locais, sendo subordinados ao DIP.
As imagens do período orientado pelo DIP seguiram duas frentes, necessariamente:
uma orientada pelos critérios anteriores ao departamento, privilegiando os eventos e feitos do
governo, desfiles, comemorações e a figura Varguista; outra, marcada por uma acentuada
mudança, pois o contexto em que são produzidas muda, e com isso os representados também.
Agora, a ênfase estaria também na relação de Vargas com os populares, com o progresso e
com o desenvolvimento.
Em qualquer regime, a propaganda política é estratégia para o exercício do poder,
mas nos de tendência totalitária ela adquire uma força muito maior porque o Estado,
graça ao monopólio dos meios de comunicação, exerce censura rigorosa sobre o
conjunto das informações e as manipula. O poder político, nestes casos, conjuga o
monopólio da força física e simbólica. Tenta suprimir, dos imaginários sociais, toda
representação de passado, presente e futuro coletivos, distintos dos que atestam sua
legitimidade e caucionam seu controle sobre o conjunto da vida coletiva.
46
45
DEIPS: BRASIL. Decreto-Lei 2.557, de 04 de setembro de 1940. Dispõe sobre o exercício das funções do
Departamento de Imprensa e Propaganda nos Estados. Brasília, 1939. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/sicon > 18 de agosto de 2009.
46
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo.
Campinas: Papirus, 1998, p.66.
61
Imagem 26: Getúlio Vargas conversa com um paralítico na presença de dois oficiais. Petrópolis. Rio de Janeiro.
1939. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
Imagem 27: Getúlio Vargas e Benedito Valadares com senhora idosa. Rio de Janeiro. 1939. Acervo: CPDOC
Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
62
Imagem 28: Getúlio Vargas visita um orfanato. Rio de Janeiro. Fevereiro de 1941. Acervo: CPDOC Arquivo:
GV (Getúlio Vargas).
O DIP foi dirigido por Lourival Fontes
47
, que em 1931 era o responsável pela revista
Hierarquia, conhecida por sua tendência fascista. Fontes também fez parte, em 1934, da AIB
(Ação Integralista Brasileira), deixando ainda mais claro seu posicionamento ideológico e
político, apoiando Vargas e o golpe de 1937 e tornando-se, em meados de 1938, diretor do
DPDC (Departamento de Propaganda e Difusão Cultural), que daria lugar ao DIP em 1939. A
formação e os valores ideológicos dos quais Fontes estava imbuído nas suas convicções
fascistas foram implantados na forma de sua direção no departamento e em sua potica de
censura. Estas inflncias ficaram demonstradas em coleções de fotomontagens feitas para
divulgar o discurso e as ideias do Estado Novo.
A série de imagens produzida pelo DIP abandona o enquadramento temático único,
usando a técnica de fotomontagem. O espaço da foto é disputado pela importância da temática
disposta nele e pela provável função de significado que ele detém, conjugado a figura de
Vargas.
47
Dirigiu o DIP até 20 de agosto de 1942, quando então foi sucedido pelo major Coelho dos Reis, em 1943 o
mesmo seria sucedido pelo capitão Amilcar Dutra de Menezes, que atuou até a extinção do DIP em 1945.
63
As fotomontagens foram criadas e manipuladas pelo departamento, seguindo uma
convenção simlica que visava dar sentido ao discurso político e ideológico do governo
Varguista.
Toda discussão sobre a ideologia de uma mensagem fotográfica deve situá-la no
tecido de relações que a torna inteligível. Em toda comunicação fotográfica deve
colocar-se a relação entre o que o autor quer dizer, os recursos lingüísticos de seu
meio e os códigos de verossimilhança e legibilidade de seus receptores.
48
De acordo com as propostas defendidas pelo DIP, as imagens formam um discurso,
instigadas pelo olhar e alimentadas pela legenda. A pedagogia da legenda é, portanto, um
instrumento de orientação de sentido da imagem
49
, portas de acesso ao que se deveria
entender através delas. Nas fotografias, a seguir, observam-se a enorme preocupação do
Estado em impor conteúdo através da imagem, usando argumentos e convenções simbólicas
para se transmitir a ideologia do grupo dominante, indicando interpretações através de
símbolos e montagens.
48
CANCLINI, Nestor Garcia. Fotografia e Ideologia: lugares comuns in Comunicação e Sociedade nº09. São
Paulo. Ed. Cortez. CNPQ. 1993, p.161.
49
NIOR, Cláudio de Sá Machado. Escrevendo a História com Imagens Fotográficas: historiografia das
principais tendências no Brasil. In: Revista Vestígios do Passado. A História e suas fontes. [on line]. Edição 9.
Porto Alegre. RS. Anpuh/RS, 2008. Janeiro de 2010. Disponível na Internet: < http://eeh2008.anpuh-
rs.org.br/resources/content/anais/1217344386_ARQUIVO_EscrevendoaHistoriacomImagensFotograficas.pdf
>Acesso em março de 2010.
64
Imagem 29: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda. Rio de Janeiro. 1940.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
O objetivo dos elementos presentes na construção da fotomontagem era proporcionar à
leitura visual a construção do sentido. Na imagem composta acima, vê-se a presea da igreja
nos três planos, assegurando com isso a interpretação de seu apoio junto ao governo. A
centralidade da figura de Vargas é usada no terceiro plano, observa-se que no primeiro
65
plano ele está em sua cadeira ao fundo, perdendo destaque para os párocos presentes; no
segundo plano, uma possível construção de diálogo é estabelecida através da representação de
Vargas com a igreja, demonstrada a partir da presença de ambos em conversa à mesa.
Imagem 30: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda. Rio de Janeiro. 1940.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
Legenda da Imagem impressa pelo DIP: “... Com a esquadra renovada ressurgem as energias criadoras da
nacionalidade.” Getúlio Vargas.
66
Outras composições são produzidas na valorização da nação, por meio da presença dos
militares, como na imagem acima, acentuando a semelhança com os modelos de regimes nazi-
fascistas, que divulgavam esta homogeneidade e aceitação das propostas do governo através
da produção imagética.
Remontando ao período em que as fotografias foram produzidas, o contexto da
segunda guerra mundial (1939 1942), tem-se o investimento para a modernização das forças
armadas no Ps.
Imagem 31: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda. Rio de Janeiro. 1940.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
Imagem 32: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda. Rio de Janeiro. 1940.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
67
Legenda da Imagem impressa pelo DIP: Outras quilhas maiores serão abatidas e outras unidades mais poderosas
virão. Getúlio Vargas.
Imagem 33: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda. Rio de Janeiro. 1940.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
Legenda da Imagem impressa pelo DIP: “O interesse do presidente Vargas pelo país que governa é dinâmico e
tem expressão perfeita nessa fotografia, que será da História, pois fixa o Chefe da Nação numa das inúmeras
vezes em que deixou a Capital da República para atingir, pelos ares, os mais profundos rines da terra
brasileira
68
As legendas incluídas pelo DIP nas fotografias serviriram como auxilio à
apreensão do sentido proposto pelo departamento, usando-as como instrumentos de
persuasão. O discurso proferido enaltece Vargas como Chefe da Nação e detentor dos meios
para a defesa dos interesses da nação.
O ideário do Estado Novo fora traduzido em discurso visual para a plena
compreensao das mensagens pelos populares, no entanto, houve grande esforço dos
intelectuais brasileiros em assegurar que o mesmo fosse difundido nos demais meios de
comunicação, e, além disto, em publicações como cartilhas e livros escolares.
Imagem 34: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda. Rio de Janeiro. 1940.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
69
Imagem 35: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda. Rio de Janeiro. 1940.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas)
As imagens e, posteriormente, cartões postais (fotomontagens) produzidos pelo DIP
detinham a força carismática do poder visual, tinham a função de falar além de mil palavras,
abordarem os interesses dos populares, legitimarem o regime e fortalecer o poder na figura de
Vargas. A presença dos populares ao redor do personagem central da composição atenta para
o apoio popular que Vargas e o departamento buscavam.
70
Operando com símbolos nacionais e apelo à dramaticidade, o projeto político e
ideológico do regime instalava-se, utilizando a fotografia e a produção iconográfica
(ilustrações, pinturas, esculturas) como linguagem.
Imagem 36: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda. Rio de Janeiro. 1940.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas)
71
A postura austera e centralizada de Vargas assegurava à construção imagética uma
possível interpretação de que a mesmo estaria atento à necessidade de desenvolvimento e
progresso que o País tanto almejava.
A intervenção do Estado nos mais diversos âmbitos, sociais e econômicos, por
exemplo, estaria refletida na escolha dos elementos presentes na foto, apresentando aos
populares uma alusiva compreensão das medidas tomadas pelo governo, uma forma de prática
discursiva alimentada pela composição fotográfica.
Imagem 37: Cartões-postais produzidos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda. Rio de Janeiro. 1940.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas)
Legenda da Imagem impressa pelo DIP: “É na juventude que deposito minha confiança!” Getúlio Vargas.
O uso da fotomontagem pelo DIP foi uma estratégia potica e propagandística para
reforçar as realizações e projetos do governo Vargas. No agrupamento de diversos temas,
imagens e legendas, o DIP esforçou-se em persuadir os populares, construindo discursos e
usando a imagem como prova do trabalho de Vargas e de seu governo.
72
, nestas fotomontagens, uma bricolagem
50
de fotos para mostrar o presidente como
um chefe atento aos acontecimentos à sua volta, supervisionando, participando efetivamente
do desenvolvimento da nação. Sua figura transmite um ar de seriedade, observância, uma
o forte para a construção de um futuro glorioso. Mais uma vez, o departamento tenta
imprimir na fotografia um caráter de fidelidade aos eventos, de registro, contudo, é importante
considerar que não se discute a veracidade com que foram representados, mas sim a
intencionalidade desta construção.
O vínculo com o real sustenta o status indicial da fotografia. No entanto, a imagem
fotográfica resulta do processo de criação do fotógrafo, é sempre construída e plena
de códigos. Não podemos perder de vista que os indícios que a imagem fotográfica
apresenta relativamente ao tema, foram gravados por um sistema de representação
visual. Se por um instante, durante a gravação da imagem, houve uma conexão com
o fato real, no instante seguinte e para sempre, o que se tem é o assunto
representado, o fato se dilui no instante em que é registrado: o fato é efêmero, sua
memória, contudo, permanece pela fotografia.
51
50
Bricolagem: do fr. Bricolage: trabalho manual de agrupamento de objetos. Ver: Bricolage: Em Lévi-Strauss, o
processo de bricolage consiste em agrupamento de diversos itens formando algo unificado, assumindo
determinado sentido.
51
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê Editorial. 2007, p.42.
73
Imagem 38: Getúlio Vargas recebe colegiais no palácio Guanabara durante sua recuperação do acidente
automobilístico sofrido em 1 de maio. Rio de Janeiro. Entre maio e julho de 1942. Acervo: CPDOC Arquivo:
GV (Getúlio Vargas).
Os enunciados simbólicos apresentados nas fotos (autoridades, crianças, idosos,
doentes, etc.) são conhecidos do cotidiano potico e usados como mediadores entre o
governante e os populares no governo Vargas, em especial durante o peodo de intervenção
do DIP.
A preocupação com a imagem do presidente fez-se nos mais diferentes meios de
comunicação e difusão. O potencial narrativo das imagens estaria assegurado no poder da
emoção, evocado pela presença de crianças e idosos, usados, inclusive, até os dias atuais por
diversos candidatos na tentativa de aproximação entre eles e os populares.
A potica sai de seu mundo exclusivo e começa a fazer parte do social, estabelecendo
relações com a cultura, o imaginário social, visões de mundo e formando relações. Neste
momento, o espetáculo da imprensa e da propaganda é usado para legitimar, favorecer, dar e
retirar visibilidades.
Através das imagens, veem-se alguns momentos destes intercâmbios como, por
exemplo, Walt Disney, ao criar o personagem Zé Carioca, personalizando a política da boa
74
vizinhança que se estabeleceu entre Brasil e Estados Unidos, onde a propaganda incutia no
País a adoção de costumes e boa parte da cultura americana. Há, inclusive, neste momento, o
envio ao Brasil de um escultor chamado Jo Davidson para esculpir o busto de Vargas.
Este reforço da imagem presidencial e dos heróis e mitos, tanto da esfera blica
como potica, é uma característica do povo americano que , nestes atos, uma perpetuação
do representado.
A Agência Nacional intervinha nas publicações, inclusive com matérias dirigidas para
o rádio, através de programas como a Hora do Brasil, e o Cinejornal Brasileiro, com filmes;
além de concursos de monografias e outras publicações, produção de livretos e cartilhas.
Neste momento, observa-se a expansão dos meios de comunicação e o intercâmbio cultural,
principalmente, como os Estados Unidos.
Imagem 39: Walt Disney encontra-se com Oswaldo Aranha. Rio de Janeiro. 1941. Acervo: CPDOC Arquivo:
OA (Oswaldo Aranha).
75
Imagem 40: Getúlio Vargas assiste o trabalho do escultor Jo Davidson, enviado por Roosevelt para esculpir seu
busto. Rio de Janeiro. 1941. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
O cotidiano do País encontrava-se representado nas imagens, assumindo o formato de
narrativa fotográfica. O DIP impunha suas ideologias através das representações visuais que
compunham, entre outros, tanto as fotografias como as fotos montagem, cartilhas, livretos e
cartões postais, construindo umas imagens e refutando outras, baseado nos interesses do
governo e no favorecimento da imagem de Getúlio Vargas.
Vargas assumiu, oficialmente, através do DIP, a aura de um personagem simbólico,
arraigado de alguma maneira no real, mas alimentado pelo imaginário. Uma construção
imagética trabalhava a seu favor. A fotografia, ao assumir códigos simbólicos, estabelece uma
leitura, cuja assimilação o é passiva e nem destituída de resignificações, mas enfatiza um
vinculo comum, que a torna passível de interpretão.
As imagens, neste momento de intervenção do DIP, o podem ser analisadas fora do
contexto em que foram produzidas, o são isoladas da atribuição simbólica do regime
autoritário de Vargas, pois recebem na sua idealização, até no ato fotográfico, diferentes
intenções e interpretações.
A partir dos elementos constitutivos dos cartões postais do DIP, é possível analisar
indícios de alguns dos processos e transformações que o Ps sofreu naquele momento,
76
através de uma elaborada alternativa de leitura de uma realidade constrda, dirigida,
recortada e fragmentada.
(...) É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e
conhecimento que os „sistemas simlicos‟ cumprem a sua função política de
instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para
assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simlica) dando o
reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo
assim, (...) para a domesticação dos dominados.
52
As análises das imagens produzidas desde a criação do DIP, em dezembro de 1939, até
a extinção do departamento, em 1943, fogem à regra dos demais períodos pesquisados. Elas
são, em todos os aspectos, diferentes das produções anteriores: os populares recebem, pela
primeira vez, notoriedade, porém ainda se encontram em tamanho e posicionamento inferiores
a Vargas. Os temas que recebem maior destaque relacionam-se com as indústrias, o
desenvolvimento e a guerra. Ainda que produzidas em menor escala, nota-se aqui e ali um
eventual retorno das cenas regionais e familiares.
A fotografia se torna sedutora por sua capacidade de ser direta e por sua realidade
aparente
53
. As imagens e publicações do DIP sugerem um discurso dirigido à família,
construindo sentimentos, onde se mesclam diversos digos culturais, mentalidades e valores.
A produção fotográfica, alimentada pelo simlico, une o discurso do governante ao desejo de
um futuro glorioso, valorizando a nacionalidade e seduzindo com imagens que favorecem a
aceitação do governo pelos populares.
No ato fotográfico, todos os elementos são significativos para estas fotografias, no
entanto, na interpretação, alguns podem ser negligenciados ou enaltecidos, segundo
convenção ou significado que podem assumir. As imagens condicionam o olhar, o processo
que o faz é signico, é disparado por elementos que, sofisticadamente associados, expressam
valores e iias.
52
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p.11.
53
EDWARDS, Elisabeth. Antropologia e Fotografia. In: Cadernos de Antropologia e Imagem. Vol.2 A Cidade
em Imagens. Rio de Janeiro: NAI/UERJ, 1996, p.15.
77
Imagem 41: Getúlio Vargas cumprimenta o neto de Duque de Caxias, Jode Lima Carneiro da Silva. Rio de
Janeiro. Agosto de 1941. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
As fotografias consideradas oficiais pelo Departamento de Imprensa e Propaganda
constroem uma representação de diversas ordens política ao retratarem a centralização de
Vargas como uma representação simlica de poder, as quais, às vezes, lembram as glórias do
processo de centralização do Império, como na foto acima com o neto do Duque de Caxias.
(...) o poder simbólico não reside nos „sistemas simbólicos‟ em forma de uma
„illocutionary force‟ mas se define numa relação determinada - e por meio desta -
entre os que exercem o poder e os que lhes estão sujeitos, quer dizer, isto é, na
própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o
poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a
subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença
cuja produção não é da competência das palavras.
54
54
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p.14-15
78
As múltiplas mensagens das fotografias e demais produções do DIP eram embasadas
nos sentimentos unificadores do País naquele momento, evocados desde a revolução de 1930
e, gradualmente, acentuados em 1939 com o Departamento de Imprensa e Propaganda, e
difundidos até o encerramento das atividades do departamento em 1945, sendo: a pátria, a
nação, o povo brasileiro, a ordem e o progresso.
A elaboração de um imaginário é parte integrante da legitimação de qualquer regime
político. É por meio do imaginário que se podem atingir não a cabeça, mas, de
modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um
povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus
inimigos, organizam seu passado, presente e futuro. O imaginário social é
constituído e se expressa por ideologias e utopias, sem dúvida, mas também e é o
que me interessa por símbolos, alegorias, rituais, e mitos.
55
Os fotógrafos, os elementos presentes na fotografia e os representados, produzidos no
período de censura e controle dos meios de comunicação através do DIP, tinham a função de
penetrar no imaginário social e conduzir a significados e valores carregados de interesses
políticos, promovendo o regime através da elaboração de formas simbólicas de poder.
Neste cenário de convenções simbólicas e atribuições de sentido em que o mito
político Vargas se fundamenta, com o uso da maquina administrativa, a fotografia se torna um
legado.
55
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A escola e a República. São Paulo: Ed. Brasiliense: 1° ed., Col. Tudo é
História, 1989, p.10.
79
Imagem 42: Oswaldo Aranha, Getúlio Vargas e outros visitam a esquadra norte-americana comandada por Jonas
H. Ingran. Rio de Janeiro. Entre maio e julho de 1942. Acervo: CPDOC Arquivo: OA (Oswaldo Aranha).
80
Imagem 43
56
: Oswaldo Aranha, Getúlio Vargas e outros visitam a esquadra norte-americana comandada por
Jonas H. Ingran. Rio de Janeiro. Entre maio e julho de 1942. Acervo: CPDOC Arquivo: OA (Oswaldo
Aranha).
56
Esq./dir.: (ao centro) Getúlio Vargas, Jonas H. Ingram e Oswaldo Aranha (filme: 139/7/10A-11). (Identificados
pelo acervo).
81
CAPÍTULO III
3. A Construção do Mito Político Getúlio Vargas
O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e
interpretada em perspectivas múltiplas e complementares
57
. A pluralidade de conceitos e
abordagens sobre mitos políticos
58
perpassa diversos elementos, como as relações sociais e de
poder, evocando significados e interpretões, revelando mentalidades.
Segundo Bourdieu, a relação entre os interesses da classe dominante e as convenções
simlicas de uma sociedade pode ser legitimada por suas relações de poder, é necessário
descobrir o poder simbólico onde ele menos se deixa ver, exatamente onde ele é mais
completamente ignorado, logo onde poder vir a ser mais reconhecido
59
.
As representações do mito político apresentam-se como uma interpretação social dos
eventos que os cercam, elas são construídas por ideologias e intenções de quem as produzem,
pois, observando-as alcançamos seus discursos.
Em Chartier, as representações atuariam dando inteligibilidade ao mundo social. As
práticas culturais, os símbolos e signos podem ser utilizados para “identificar o modo como
em diferentes lugares e momentos uma realidade social é construída, pensada, dada a ler”
60
.
Os mitos possuem aspectos de caráter simlico, alicerçados na realidade que lhes deu
origem. As representações imagéticas favorecem esta construção por possuírem estatuto de
testemunho. O mito extrai sua força da característica de não se apresentar como símbolo,
mas como fato.
61
57
ELIADE, M. Aspectos do mito. Tradução de Manuela Torres. Lisboa: Edições 70, 1963. p. 12.
58
Ver: SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo:
Contexto, 2005. (Verbete Mito) A universalidade do mito e sua grande importância para o pensamento humano
é algo palpável no fato de que todas as sociedades elaboram mitos, quer sejam representações do inconsciente
coletivo, das estruturas sociais, quer tenham função prática na sociedade.
59
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil. 2000, p.17.
60
CHARTIER, Roger. Introdução. Por uma sociologia histórica das práticas culturais. In: _____. A História
Cultural entre práticas e representações. Col. Memória e sociedade. Trad. Maria Manuela Galhardo. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 16.
61
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. 1989, p.140
82
O mito político jamais deixa de enraizar-se em uma certa forma de realidade
histórica
62
, assegurando, com isto, que o significado de sua narrativa ganhe caráter de
testemunho. O convencimento é realizado através do poder explicativo que ele detém.
As relações entre o mito potico e os receptores são mediadas pelas representações.
Símbolos e signos, impressos na fotografia, expressam seu significado social e cultural.
O mito potico pode ser considerado uma construção histórica de seu tempo, e, neste
cenário, pode ser resgatado através da fotografia, tornando-o uma linguagem ao narrar os
acontecimentos de forma fabulosa, remontado a partir de uma espetacularização dos eventos.
A elaboração de um imaginário é parte integrante da legitimação de qualquer regime
político. É por meio do imaginário que se podem atingir não a cabeça, de modo
especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É
nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos,
organizam seu passado, presente e futuro. O imaginário social é constituído e se
expressa por ideologias e utopias sem dúvida, mas também e é o que me interessa
por símbolos, alegorias, rituais, mitos. Símbolos e mitos podem, por seu caráter
difuso, por sua leitura menos codificada, tornar-se elementos poderosos de projeção
de interesses, aspirações e medos coletivos.
63
As sociedades atribuem aos mitos uma função peculiar, através dele e de sua narrativa
é possível constituir uma unidade em torno de um projeto comum. Neste contexto, o Estado o
cria para produzir a homogeneidade entre os populares no governo Vargas.
As análises dos mitos poticos de uma sociedade buscam revelar costumes,
mentalidades, discursos e ideologias através da interpretação dos significados propostos pelos
instrumentos que os legitimam. Nesta pesquisa, direcionada a produção imagética de 1930 a
1945, buscou-se identificar estes instrumentos que legitimam o mito.
O mito e a ideologia são mundos de significado simbólico com funções e efeitos
sociais
64
. Comumente, os mitos poticos surgem como compensações simlicas em
momentos de crise, operando através da emoção, do carisma, das narrativas fabulosas de seus
feitos, rupturas com o passado e valoração do futuro.
62
GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo. Companhia das Letras, 1987. p. 81.
63
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da Reblica no Brasil. São Paulo: Cia
das Letras, 1990.
64
SCHWAB, Mariana de C.. A relação entre mito político e ideologia no livro "O Pensamento Político do
Presidente" (1943). In: XIX Encontro Regional de História - ANPUH São Paulo - Poder, exclusão e violência,
2008, São Paulo. Anais do XIX Encontro Regional de História da Seção São Paulo da ANPUH: Poder, violência
e exclusão. São Paulo, 2008.
83
O cenário ideal para o fortalecimento do mito é aquele onde sua figura é enaltecida
como salvador, detentor de atributos excepcionais capazes de solucionar os mais diversos
entraves e tensões. As conspirações, tragédias e revoluções são frequentemente utilizadas
como cenários nestas situações.
A junção entre o cenário, os símbolos e signos presentes na narrativa tica forma um
conjunto de significados idealizados por seus produtores e reinterpretado pelos receptores.
Não , neste processo, uma formação linear e fechada do significado.
A adversidade constrói o mito potico, a revolução de 1930, as aspirações do País em
desenvolvimento e modernidade favoreceram a composição de Vargas como Mito político.
A construção do mito Vargas foi articulada através dos meios de comunicação
orientados pelos departamentos responsáveis durante seu governo, como, por exemplo, o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que tinha por objetivo usar a máquina do
Estado para difundir e registrar tanto os feitos personificados em sua figura quanto de seu
governo.
As assimilações dos símbolos contidos nas imagens estabeleceram-se através de
convenções simbólicas. Vargas foi sendo construído através da visibilidade de sua figura; seus
discursos e imagens faziam referência ao rompimento com o passado e à necessidade de
desenvolvimento e modernidade.
As fotografias procuravam dar sentido ao mito potico ao serem uma representação do
poder. A legislação trabalhista e protecionista de Vargas, amplamente divulgada, foi
assimilada e reinterpretada dando a ele títulos como “Pai da pobres” e “Chefe da Nação”.
O papel da imagem, na construção do mito político Vargas, foi a de legitimação e
testemunho. A produção imagética de Vargas auxiliou a construção dele como Mito, uma vez
que enaltecia sua figura, e a reprodução das fotografias misturava-se ao consumo de signos e
símbolos.
A linguagem discursiva das imagens buscou alimentar o imaginário
65
potico, mas
também perenizar os feitos, estes ligados à potica protecionista de Vargas. A criação de leis
trabalhistas e a potica social do governo Varguista serviam de alicerce para legitimar os
feitos do presidente e eram perpetuados através das fotografias.
65
Segundo Laplatine: O imaginário faz parte da representação como tradução mental de uma realidade exterior
percebida, mas apenas ocupa uma fração do campo da representação, à medida que ultrapassa um processo
mental que vai além da representação intelectual ou cognitiva. LAPLANTINE, François; TRINDADE, Liana. O
que é Imaginário. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996.p.08.
84
A análise das fotografias compreendidas entre 1930-1945 figura como uma narrativa
histórica dos eventos, apontando para uma construção ideologizada e manipulada das imagens
produzidas pelo Estado, que através de seus departamentos buscavam assegurar a figura de
Vargas no imaginário.
As conexões estabelecidas entre o Mito político Vargas e o seu campo de significados
passam pela peculiaridade das imagens no período, exaltando o der como salvador,
consagrando-o a partir da Revolução de 1930, entendendo que sua participação foi decisiva
para o desenrolar dos acontecimentos. A valorização da sua trajetória potica consistência
à mitológica figura de Vargas, perenizada até os dias de hoje sob resignificações.
O mesmo aconteceu com Perón, sua participação nos eventos da revolução de julho de
1943 o colocam no imaginário popular como detentor da nova ordem, instaurando um regime
conhecido por peronismo na historiografia, que em muito assemelhava ao varguismo,
considerando o apelo popular pelo líder carismático e o uso da máquina estatal com a
propaganda e produção iconográfica.
O campo simbólico operado por Vargas foi o do trabalho, diferente de Perón que
abordava temas ligados à justiça social. No entanto, ambos se aproximam das temáticas
direcionadas ao nacionalismo e centralidade do poder ao governante.
A afirmação da figura de Vargas, enquanto mito potico, estabelece-se numa esfera
de relações de poder, isto acontece pela ampla difusão e reprodução de seus discursos aos
populares, ora através do conteúdo imagético, ora das aclamações cívicas que buscaram não
somente enaltecer o presidente, mas eternizar sua figura no imaginário popular. Estes
acontecimentos foram reforçados por diversos instrumentos, dentre eles: a reprodução de sua
imagem em “santinhos”, esculturas, souvenir, caricaturas, fotografias, concursos de
monografias a seu respeito e biografias.
O mito extrai sua força da característica de o se apresentar como símbolo, mas
como fato.
66
A produção do DIP colaborou em muito para a crião de uma espécie de
legado
67
de Getúlio Vargas, formando um corpus documental vasto, responsável por mediar
as relações entre sua figura e o imaginário, estabelecendo um diálogo de significados.
66
BARTHES, Roland. (1989), Mitologias. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. p. 140
67
Ver em: HEYMANN, Luciana. O legado do Estado Novo. Rio de Janeiro: CPDOC, 2007
85
A produção de um legado implica, de fato, na atualização (presente) do conteúdo
que lhe é atribuído (passado), bem como na afirmação da importância de sua
constante rememoração (futuro). As ações que tomam os legados históricos como
justificativa, sejam elas comemorações, publicações ou a organização de instituições
alimentam o capital simbólico de que são dotados, um capital que carrega em si o
atributo da continuidade, da sobrevivência ao tempo.
68
As experiências poticas produzidas no período o resultados de batalhas simbólicas,
filtros culturais e visões de mundo, tanto dos produtores quanto dos receptores do discurso.
O mito político opera em torno de um objetivo comum, os projetos políticos e
ideológicos caam a relação entre Vargas e aos populares, fornecendo a falsa impressão de
participação. Nas políticas de massa as potencialidades dramáticas são mais fortes e o mito
da unidade ligado a imagem do líder torna o cenário da teatralização especialmente
adequado ao convencimento.
69
A rememoração dos eventos poticos, através das datas cívicas e aniversários de
Vargas, buscava garantir sua influência junto ao imaginário, este processo se repete após sua
morte, onde os eventos, ao serem rememorados e reinterpretados, asseguram que esta
narrativa construída não seja esquecida.
Os mitos poticos são alicerçados pelos ritos que os reconstroem, segundo interesses e
projetos do Estado. As cerimônias cívicas, como desfiles, parada da juventude e aniversários
do presidente, tornam-se espaços de disputa da memória.
Neste sentido, tanto o regime varguista quanto o peronista buscaram nestes eventos
fortalecer a imagem do der carismático, evocando as emoções dos populares como uma
maneira de assegurar a aceitação de seus projetos poticos e ideológicos.
O varguismo e o peronismoo se definem como fenômenos fascistas, mas é
preciso levar em conta a imporncia da inspiração das experiências alemã e italiana
nesses regimes, especialmente no que se refere á propaganda política.
70
68
HEYMANN, Luciana. O legado do Estado Novo. Rio de Janeiro: CPDOC, 2007. Disponível em: <
www.cpdoc.fgv.br > Acesso em junho de 2010.
69
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo.
Campinas: Papirus, 1998, p. 37.
70
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo.
Campinas: Papirus, 1998, p. 37.
86
As imagens produzidas até a extinção do DIP, em julho de 1945, buscavam apresentar
Getúlio Vargas com faces múltiplas. Comumente, o departamento usaria sua imagem em
séries de fotomontagens que se constituíam enquanto narrativas dos eventos e ações onde o
presidente estivera. As fotografias de Vargas evocavam, cada vez mais, sua presença nos
interesses dos populares, nos mais diversos âmbitos, traduzidos em discursos, inclusive, com
a presença de sua filha Alzira a seu lado, convencionalmente simbolismo da participação das
mulheres no seu governo.
Toda discussão sobre a ideologia de uma mensagem fotográfica deve situá-la no
tecido de relações que a torna inteligivel. Em toda a comunicação fotográfica deve
colocar-se a relação entre o que o autor quer dizer, os recursos linguisticos de seu
meio e os códigos de verossimilhança e legibilidade de seus receptores.
71
Imagem 44: Getúlio Vargas, Alzira e Ernâni do Amaral Peixoto em visita à Fundação Anchieta. São Paulo.
Setembro de 1941. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
71
CANCLINI, Nestor Garcia. Fotografia e Ideologia: Lugares comuns in Comunicação e Sociedade nº 9. São
Paulo, Ed. Cortez, CNPq, MIS, 1993, p.161.
87
Imagem 45: Getúlio Vargas, Alzira e Ernâni do Amaral Peixoto em visita à Fundação Anchieta. São Paulo.
Setembro de 1941. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
As imagens reproduzidas nos jornais e revistas ilustradas do período pesquisado
(1930-1945) foram de grande valia na construção tanto da imagem blica do presidente
quanto de seu caráter tico.
Publicações como a revista O Cruzeiro
72
, criada por Assis Chateaubriand através de
seus Diários Associados, produzem uma edição dedicada aos acontecimentos de 1930,
ampliando os horizontes editoriais ao usarem grande número de imagens (algumas delas
coloridas) em sua publicação, contribuindo fundamentalmente para o reforço da origem do
mito potico Vargas. Na sua edição de 08 de novembro de 1930, a fotografia de Getúlio
Vargas é recorrente na maioria de suas páginas.
72
Revista O Cruzeiro, publicada pela primeira vez em 10 de novembro de 1928. Foi dirigida por Carlos
Malheiro Dias e circulou entre 1928-1975.
88
Imagem 46: Revista O Cruzeiro. 08 de novembro de 1930.
73
73
Disponível em: < http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/> Acesso em maio de 2010.
89
Imagem 47: Revista O Cruzeiro. 08 de novembro de 1930.
74
Legenda: Ás 11:45 da noite do dia 11, o presidente do Rio Grande do Sul, que assumiria a Chefia da Revolução,
partia de Porto Alegre e transportava-se para Ponta Grossa, no Paraná, onde se installara o Quartel General. Essa
viagem terminaria com a entrada triumphal do Presidente Getúlio Vargas na Capital da República, vinte dias
depois da sua partida de Porto Alegre.
Na gare de Porto Alegre, na hora da Partida. 2. O Presidente Getúlio Vargas ao lado General Flores Cunha
quando era saudado pelo Dr. Oscar Borges, em nome da cidade. 3. Agradecendo as saudações do povo
paranaense. 4. O trem chegando a Ponta Grossa.
A façanha convencional do herói começa com alguém a quem foi usurpada alguma
coisa, ou que sente estar faltando algo entre as experiências normais franqueadas ou
permitidas aos membros da sociedade. Essa pessoa então parte numa série de
aventuras que ultrapassam o usual, quer para recuperar o que tinha sido perdido,
quer para descobrir algum elixir doador da vida. Normalmente, perfaz-se um círculo,
com a partida e o retorno.
75
74
Disponível em: < http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/> Acesso em maio de 2010.
75
CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990. p. 131-132.
90
Imagem 48: Revista O Cruzeiro. 08 de novembro de 1930.
76
Legenda: Na carruagem presidencial da Sorocabana, em viagem para São Paulo, o Presidente Getúlio Vargas em
companhia do General Miguel Costa, do Dr. Francisco Morato e do Coronel Góes Monteiro, Chefe do Estado
Maior do Exército Riograndense.
2. Aspectos do largo do Palácio do Governo, em S. Paulo, por ocasião da chegada do Presidente Getúlio Vargas.
76
Disponível em: < http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/> Acesso em maio de 2010.
91
Imagem 49: Revista O Cruzeiro. 08 de novembro de 1930.
77
Legenda: 1. Este grupo, em que se vê o Presidente Getúlio Vargas com os membros da junta governativa e o seu
sequito militar, fixa o momento histórico em que o Chefe da Revolução transpõe os humbraes do Palácio do
Cattete, término da viagem iniciada em Porto Alegre no dia 11 de outubro.
77
Disponível em: < http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/> Acesso em maio de 2010.
92
2. O povo aguardando a chegada do Sr. Getúlio Vargas em frente á estação D. Pedro II.
3. A multidão, em frente do Palácio do Cattete, ouve a saudação do Presidente Getúlio Vargas.
As imagens presentes na revista configuram-se como espaços simbólicos de
valorização dos personagens e eventos do período, possui uma linguagem visual convidativa,
desperta o interesse do leitor através do uso das fotografias com legendas, buscando a
transmissão de mensagens ideológicas e poticas.
Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de prodígios
sobrenaturais, onde encontra forças e obtém uma vitória decisiva, o herói volta de sua
aventura com o poder de trazer benefícios aos seus semelhantes.
78
As temáticas que
anunciam as imagens, por exemplo, “Um sorriso que promette a Victoria” e “A viagem
Triumphal do Chefe da Revolução” evocam sentimentos, o retorno da figura heróica de
Vargas é traduzido na fotografia como discursos.
É marcante a importância que o movimento político de 1930 assume no imaginário
político popular na época de Vargas. A chamada Revolução de 30 é a ponte que liga
um Estado parcial, opressor, ilegítimo e arbitrário a outro que se apresenta como
justo, neutro e acima dos interesses de classe. O passado, personificado nos políticos
interesseiros e personalistas da república velha, desfaz-se para dar lugar, no
presente, a um Estado que, personificado em Vargas, se apresenta como de todo o
povo.
79
O conjunto de significados proposto pelas imagens, até 1945, constitui-se sob forte
inflncia do DIP. A imprensa, controlada pelo departamento, atua sob forte intervenção do
Estado; jornais são fechados, jornalistas e editores têm suas produções vigiadas, toda
informação veiculada de Vargas e de seu governo foram ativamente censuradas e controladas
pelo departamento. Esta estratégia reforçou a construção do mito político Vargas,
considerando que somente os discursos coerentes com seu projeto potico obtinham liberdade
na imprensa.
78
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 2007. p.36.
79
FERREIRA, Jorge Luiz. “A cultura política dos trabalhadores no primeiro governo Vargas”. Estudos
Históricos. Vol.03 nº6. Rio de Janeiro, FGV-CPDOC, 1990. p.180. Disponível em:< http://
www.cpdoc.fgv.br/revista> Acesso em maio de 2010.
93
3.1. O Mito Potico Vagas, Elementos Criadores (1945 1954)
As a deposição de Vargas em 45 e seu retorno a São Borja, diversas articulações
políticas giravam em torno do posicionamento de Vargas para as eleições. Ele, por sua vez,
apoiou a candidatura de Eurico Gaspar Dutra
80
para presidente pelo PSD (Partido Social
Democrático), coligado ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que eleito assume o poder
em 31 de janeiro de 1946 até janeiro de 1951. Vargas, neste período, foi eleito, em 1946,
senador por dois estados: Rio Grande do Sul e São Paulo.
A efervescência dos acontecimentos a partir de 1946 estava por começar. Em 10 de
setembro do mesmo ano é promulgada a nova Constituição Brasileira em substituição a de
1937, que promoveu dentre outros projetos a instauração do Estado Novo.
A partir de janeiro de 1947, com a proximidade das eleições para governador,
deputados estaduais, prefeituras e vereadores, as relações e tensões da potica nacional
ganharam amplitude. Foi lançada, em 14 de novembro de 1949, a candidatura de Getúlio
Vargas à presincia pelo PTB, em sua oposição foi lançado Eduardo Gomes, em 19 de abril
de 1950, pela UDN (União Democrática Nacional). Em junho do mesmo ano, Adhemar de
Barros (eleito governador em 1947 por São Paulo) apoia publicamente a candidatura de
Vargas.
80
Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) ministro da Guerra durante o governo Vargas.
94
Imagem 50: Getúlio Vargas com Ademar de Barros na fazenda de Santos Reis. São Borja. Rio Grande do Sul.
Dezembro de 1949. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
Imagem 51: Getúlio Vargas e Ademar de Barros em campanha presidencial. Entre 9 de agosto e 30 de setembro
de 1950. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
95
A campanha presidencial de Vargas em 1950 não contava mais com o apoio dos
departamentos que outrora fez parte da criação de sua imagem. Operando de maneira
diferente, a fotografia atuou como coadjuvante no processo eleitoral, através da reprodução de
imagens de cocios e eventos onde a presença dos populares fora exaltada como tradução do
anseio popular por seu retorno.
A produção imagética na campanha Getulista de 50 dirige-se, ora pelas fotografias, ora
pelas ilustrações, caricaturas e pinturas. Inclusive, com o avanço das técnicas fotográficas, as
imagens aparentam uma ilusória naturalidade, mas, diferente das imagens produzidas pelo
DIP e pelo Estado Novo, fogem das convenções de posicionamento e enquadramento usados
anteriormente.
Os demais meios de comunicação usados na campanha de 1950 também se
configuram como aliados no reforço da imagem construída para Vargas neste período. As
ações e sua figura não seriam mais o foco das fotografias, as manifestações populares de
apoio a Vargas tornam-se a temática em voga. Comumente, os populares são retratados em
comícios e manifestações públicas, uma articulação simlica do desejo popular de retorno de
Vargas à presidência.
A visibilidade dos populares nas fotografias é traduzida na necessidade do povo em ter
Vargas como Presidente, afinal, sua figura incorporou, por longa trajetória potica, o status de
“Chefe da Nação” e “Pai dos Pobres".
96
Imagem 52: Getúlio Vargas e Ademar de Barros em campanha presidencial. Entre 9 de agosto e 30 de setembro
de 1950. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
Exemplificando estas ações, as imagens a seguir reforçam o mito potico Vargas,
retratando o apelo popular em sua campanha presidencial de 1950. Esta série de fotografias
enaltece a presença e apoio dos populares a Vargas: a anterior centralidade de sua figura na
97
produção imagética é, aos poucos, abandonada; buscava-se dar visibilidade a outros atores
sociais, os populares.
Imagem 53: Caricatura de Getúlio Vargas com a inscrição "Ele voltará". Acervo: CPDOC Arquivo: GV
(Getúlio Vargas).
98
Imagem 54: Getúlio Vargas e outros durante campanha para as eleições de 1950
81
. Acervo: CPDOC Arquivo:
GV (Getúlio Vargas).
Imagem 55: Getúlio Vargas e outros durante campanha para as eleições de 1950. Campos Rio de Janeiro.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
81
Esta série é composta de imagens referentes à Campanha Presidencial de Getúlio Vargas em 1950. As cidades
informadas pelo acervo estão conflituosas, pois suas fichas de identificação sugerem que as fotografias são das
cidades do Rio de Janeiro (Campos, Niterói, Petrópolis e São Fidélis), no entanto, a legenda de identificação
menciona que as mesmas são do Distrito Federal Brasília, e as legendas adicionadas às imagens fazem
referência ao Espírito Santo, bem como a outras cidades e Estados.
99
Imagem 56: Getúlio Vargas e outros durante campanha para as eleições de 1950. Murundu. Rio de Janeiro.
Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
Podemos organizar a narrativa do mito político Vargas em três diferentes momentos
de sua construção: primeira, tendo sua origem fundamentada na Revolução de 30; segundo,
nos anos sob influência do Departamento de Imprensa e Propaganda (1939-1945), onde sua
figura tica é enaltecida através das realizações de seu governo e de sua atuação como der
carismático e protecionista; e, por último, tem-se o retorno de Vargas (1945-1954), reforçado
pelo apelo popular de seu regresso à potica e à presidência, sendo perenizado por seu
suicídio em 1954.
As imagens selecionadas a seguir procuram evidenciar as múltiplas faces
contempladas pelo mito potico Getúlio Vargas durante sua trajetória política a frente da
presidência do País.
100
Imagem 57: Getúlio Vargas e outros no palácio do Catete no dia de sua chegada à capital federal. 31 de outubro
de 1930. Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
Imagem 58: Getúlio Vargas com faixa presidencial. 1930 - 1937 (data imprecisa). Rio de Janeiro. Acervo:
CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
101
Imagem 59: Campanha de Getúlio Vargas para as eleições de 1950. Entre 09 de agosto e 30 de setembro de
1950. (data certa). Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
A fotografia no governo Vargas sempre buscou atender as intenções e ideologias de
seus agentes produtores, as características que marcaram a produção imagética foram
adaptadas segundo as necessidades estabelecidas pelo discurso: inicialmente, de centralidade
do poder nas mãos do der da nova ordem potica, sendo demonstrada por ângulos,
contrastes e posicionamento dos personagens; em segunda proposta, as imagens exaltaram
Vargas e as ações do regime, buscando sua legitimidade e, a partir da campanha presidencial
de 1950, as fotografias, finalmente, saem da figura de Vargas e tornam os populares a figura
central do discurso imagético.
102
Na produção imagética da campanha presidencial de 1950, o mito Vargas lugar aos
populares. Acima, vemos sua imagem de costas para o fotógrafo, fato singular que passou
a acontecer quando há uma valorização da presença dos populares, numa convenção
simlica de participação e reivindicação potica.
Diversos instrumentos propagandísticos foram usados na campanha de 1950, dentre
eles, destacamos a fotografia e o rádio. A campanha, assim como o legado do mito político
Vargas, articulou-se com os meios de comunicação, reforçando sua figura no imaginário dos
populares. Maneiras de ver e fazer foram renovadas para as mensagens atingirem sua
proposta.
De posse de farta base financeira, Vargas executou um plano de propaganda
inteiramente baseado em slogans e chavões, em linguagem simples e chã, ao alcance
das massas semi- alfabetizadas do País, que compunham a maior parte do eleitorado
do País, dando sempre preferência ao rádio, pois que o semi-analfabeto raramente lê
jornais.
82
O apelo da campanha presidencial de 1950 exaltou o poder da figura mítica de Vargas,
alicerçado pelo apelo emotivo, inebriante e carismático que as imagens carregavam e, somado
a outros instrumentos de comunicação aos populares como, marchinhas carnavalescas,
panfletos de propaganda (santinhos), estatuetas, e bustos reforçaram sua figura no imaginário
popular do período, atuando como uma narrativa heróica de retorno.
3.2 O Passaporte para a História
Vargas assume em 1951 mediante conflitos poticos. Os principais grupos opositores
a Vargas, sob orientação da UDN e da pressão antigetulista da imprensa na voz de Carlos
Lacerda, colaboraram para a maior crise potica do governo Vargas. Tal cenário é agravado
com o evento conhecido por “o crime da Rua Toneleros”, onde o atentado, sem sucesso,
contra Carlos Lacerda que obteve apenas um leve ferimento -, acabou por atingir,
82
HENRIQUES, Affonso. Ascensão e queda de Getúlio Vargas. Vol.02, Record. Rio de Janeiro; 1966.p.457.
103
fatalmente, o major da Aeronáutica, Rubens Vaz, que, naquele momento, era reconhecido
como mais um herói nacional, por voltar vitorioso da guerra que pouco acabara. Pelo fato
de tal atentado ter sido atribuído ao presidente, uma vez que o alvo, presumidamente, era um
grande rival seu, mas acabou por atingir um ícone nacional, diversas manifestações surgiram
exigindo a renúncia de Vargas.
Em 08 de fevereiro de 1954 é entregue a Vargas um manifesto conhecido na
historiografia por “Manifesto dos Coronéis”, produzido por oficiais do Ercito e entregue ao
Ministro da Guerra. Este gesto é tomado por Vargas como traição dos militares, os mesmos
que o apoiaram agora se voltam contra seu maior defensor e representante.
Dezenove dias após o atentado, o presidente Getúlio Vargas, que se encontrava sob
forte tensão política e pressionado pelas exigências de sua renúncia, suicida-se com um tiro no
coração às 8h30min do dia 24 de agosto de 1954.
A Nação recebe a notícia perplexa. Inconsoláveis, os populares tomam as ruas em luto,
parecem não acreditar na trágica noticia divulgada pelo rádio e pelos jornais; deparam-se com
sua carta-testamento, revelando o que o levou a esta atitude. De cunho dramático e emotivo,
Vargas despede-se do povo e do Brasil, o testamento viria a atuar como instrumento político,
sendo usado como argumento capaz de fornecer à sua figura a perenidade de seu personagem
na História.
104
Imagem 60: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio Vargas.
24 agosto 1954 e 25 agosto 1954. (data certa). Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC Arquivo: ANC (André
Carrazzoni)
Imagem 61 e 62: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio Vargas.
24 agosto 1954 e 25 agosto 1954. (data certa). Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC Arquivo: ANC (André
Carrazzoni)
105
Imagem 63 e 64: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio Vargas.
24 agosto 1954 e 25 agosto 1954. (data certa). Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC Arquivo: ANC (André
Carrazzoni)
106
Imagem 65: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio Vargas.
24 agosto 1954 e 25 agosto 1954. (data certa). Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC Arquivo: ANC (André
Carrazzoni)
107
Imagem 66: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio Vargas.
24 agosto 1954 e 25 agosto 1954. (data certa). Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC Arquivo: ANC (André
Carrazzoni).
108
Imagem 67: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio Vargas.
24 agosto 1954 e 25 agosto 1954. (data certa). Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC Arquivo: ANC (André
Carrazzoni)
Imagem 68: Aspectos do velório e do cortejo fúnebre de Getúlio Vargas.
24 agosto 1954 e 25 agosto 1954. (data certa). Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC Arquivo: ANC (André
Carrazzoni)
109
A comoção dos populares é representada na fotografia. A noticia é assimilada pelos
populares que se veem como órfãos poticos pela morte de Vargas, que deixara a vida para
entrar na História, conforme suas palavras redigidas em sua carta testamento.
Observando as imagens do velório e do cortejo fúnebre, vemos o forte apelo das
imagens mediante a perda do ente querido. Afinal, simbolicamente, Vargas participava tanto
do público quanto do privado, o mito recebe a força do signo da morte, o sacrifício em prol do
bem comum, característica que fundamenta o mito.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do
povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não
mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu
sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra
a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia
não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte.
Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da
vida para entrar na história.
83
Muitos anos após sua morte, os ritos e rememorações de sua figura ainda acontecem
com certa frequência, adaptados a releituras e reinterpretações sobre o período e tornam-se
fundamentais para a manutenção do mito político.
As rememorações acontecem de diversas maneiras, uma delas foi proposta em 01 de
abril de 2008 pelo Senador Marconi Perillo através de projeto de lei que visava inscrever o
nome de Getúlio Vargas no livro dos Heróis da Pátria
84
, justificado, segundo ele, pela
trajetória potica de Vargas.
Tais são os princípios que nortearam a apresentação deste projeto de lei: confirmar o
reconhecimento de Getúlio Vargas como um dos maiores líderes deste País, o
estadista que, ao invés de afastar-se de seu ideário mediante deposição sangrenta por
força da ação de seus adversários, optou por ver-se reconhecido pela História, o que
certamente veio a correr, graças às sementes que plantou e cuidou com tanto desvelo
e abnegação.
85
83
Carta testamento disponível na íntegra em: < http://www.pdt.org.br/diversos/gvperf.htm > Acesso em: abril de
2009.
84
O Livro Heróis da Pátria está arquivado no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília. Foi criado em 15 de
outubro de 1985 e abriga, além do livro, esculturas e informações sobre os inscritos como Heróis.
85
PLS Projeto de lei do Senado 107 de 2008. Disponível em: <
http://www.senado.gov.br/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=84397> Acesso em agosto de 2010.
110
As normas propostas pelo Panteão, para a inclusão dos personagens públicos de
relevância nacional, já convencionam a necessidade de sua expressão pública e aceitão
popular:
Art. 1º O Livro dos Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade
Tancredo Neves, destina-se ao registro perpétuo do nome dos brasileiros ou de
grupos de brasileiros que tenham oferecido a vida à Pátria, para sua defesa e
construção, com excepcional dedicação e heroísmo.
Art. 2º A distinção se prestada mediante a edição de Lei, decorridos 50 (cinqüenta)
anos da morte ou da presunção de morte do homenageado.
Parágrafo único. Excetua-se da necessidade de observância de prazo a homenagem
aos brasileiros mortos ou presumidamente mortos em campo de batalha.
Art. 3º O registro levará em consideração o transcurso de data representativa de feito
memorável da vida do laureado.
86
Atualmente, a lista composta pelos Heróis da Pátria é formada por: José Bonifácio de
Andrada e Silva, Francisco Manuel Barroso da Silva (Almirante Barroso), Francisco Alves
Mendes Filho (Chico Mendes), Joaquim Marques Lisboa (Marquês de Tamandaré), Luís
Alves de Lima e Silva (Duque de Caxias), José Plácido de Castro, D. Pedro I, "Zumbi dos
Palmares" (Francisco), Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), Marechal Manoel Deodoro
da Fonseca, Alberto Santos Dumont, Frei Caneca, Manuel Luís Orio (Marechal Osório),
Ildefonso Pereira Correia (Barão de Serro Azul), Antônio de Sampaio (Brigadeiro Sampaio),
José Tiaraju (Sepé Tiaraju), Anna Justina Ferreira Nery, Padre Jo de Anchieta, José
Hilito da Costa Furtado de Mendonça.
87
A aprovação e inserção do projeto lei que inscreve o nome de Getúlio Vargas no livro
dos Heróis da Pátria reforça a áurea mitológica acrescida à sua figura, no entanto, a
rememoração destes ritos simbólicos também é assegurada através da manutenção e
conservação de acervos, museus, biografias e demais espaços de disputa de memória, que,
conjuntamente, afirmam e reforçam a imagem construída da figura multifacetada de Vargas,
do homem ao mito político.
86
Lei nº 11.597, de 29 de novembro de 2007 - dispõe sobre a inscrição de nomes no livro dos heróis da pátria.
Dispovel em:< http://www.camara.gov.br/sileg/montarintegra.asp?codteor=646425> Acesso em agosto de
2010.
87
Consta em anexo tabela com data da lei e data de inscrição, segundo tabela disponível em: <
http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/quadros/qd_019.html> Acesso em: agosto de 2010.
111
O significado mais profundo da vida não é o de ordem material. O significado mais
profundo da imagem não se encontra necessariamente explícito. O significado é
imaterial; jamais foi ou virá a ser um assunto visível de ser registrado
fotograficamente.
88
Imagem 69: Getúlio Vargas. Janeiro de 1954. Rio de Janeiro. Acervo: CPDOC Arquivo: GV (Getúlio Vargas).
88
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p.117.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho propõe uma releitura das fontes, a problematização da imagem que
contribuiu para a construção do Mito potico Getúlio Vargas e a análise das fotografias
produzidas pelos departamentos ligados aos meios de comunicação de seu governo, de 1930 a
1945, com destaque para a produção do Departamento de Imprensa e Propaganda, buscando
apreender formas de ver e pensar o presidente e sua atuação frente aos populares.
A fotografia no governo Vargas buscou legitimar, tanto sua figura de líder carismático
e protecionista quanto de seu governo, através da exaltação das ações do seu governo.
Alicerçada em fragmentos do real, a imagem atuou como agente legitimador e testemunhal
dos eventos.
A propaganda oficial procurava gerar imagens de uma sociedade liderada por um
estadista competente - no caso Getúlio Vargas - trabalhador, generoso, carinhoso,
responsável e dedicado as causas humanitárias
89
. Os departamentos envolvidos na
propagação dos projetos poticos e ideológicos do governo Vargas buscaram, através da
manipulação das imagens, construir a figura de Vargas por meio do poder simlico
representado nas fotografias.
Os aspectos visuais apreendidos pelo olhar através da representação
90
tornaram-se
símbolos e argumentos para práticas discursivas. Segundo Eliade, o símbolo revela certos
aspectos da realidade os mais profundos que desafia qualquer outro meio de
conhecimento
91
·. Nesta produção imagética de Vargas, buscou-se propagar e reafirmar sua
posição de líder carismático junto aos populares, utilizando, para isto, a fotografia do
89
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci, KOSSOY B. Os caminhos do impresso político. 1930-1945. In: TORGAL,
L, R. & PAULO, H. Estados autoritários e totalitários e suas representações. Coimbra: Ed. Universidade de
Coimbra, 2008. p. 146.
90
Conforme afirma Pesavento, a representação, no âmago de seu entendimento estar no lugar de ,
apresenta em si uma condição basculante e de imprecisão, pois assinala uma relação ambivalente e ambígua
entre ausência e presença. Ambivalente porque a representação é tanto exposição e presença quanto ausência e
referência a um outro distante. É, pois, ser e não ser, ou, no limite, é ser ela mesma e ser um outro. E, neste
ponto, revela-se a sua ambigüidade, ou seja, a insinuação de um deslizamento de sentido e de uma manifestação
de uma terceira idéia/ser oculto. Twilight zone, sem dúvida, que joga com uma tríade: o referente, a imagem e o
significado. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy. Apresentação Do Doss “História Cultural &
Multidisciplinaridadenix Revista de História e Estudos Culturais.Dezembro de 2007 Vol. 4 Ano IV nº 4
Dispovel em: <www.revistafenix.pro.br> Acesso em agosto de 2010.
91
ELIADE, Mircea. Imagens e Símbolos. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 08.
113
presidente na presença de idosos e crianças, traduzindo-se em uma tentativa simbólica de
sustentação de sua figura paternalista.
O conjunto de agentes e instituições produtoras de sentido (os departamentos, os
fotógrafos, os representados) constitui-se como filtros culturais, que influíram sobre a
produção fotográfica do período. Através deles, a construção do sentido seria reinterpretada,
tanto em sua produção quanto na recepção das imagens.
Sob o gido controle dos departamentos de censura aos meios de comunicação do
governo varguista, temos a instauração de uma série de comemorações, ritos cívicos, culto aos
heis nacionais e introdução de datas e feriados que enalteceram e deram visibilidade a
Vargas, buscando com isso consolidar sua imagem junto aos populares.
A trajetória percorrida, até a construção do sentido que a foto representa, passa por
diversas convenções simbólicas, filtros culturais e mentalidades, interpretados através do
posicionamento e visibilidade atribuída aos personagens, cerios, vestuários, uso de
contrastes, ângulos, diferentes técnicas de produção fotográfica, escolha dos fografos,
determinação de temáticas e eventos pelos departamentos de imprensa e propaganda que,
aglutinados, constituem o corpo do sentido fotográfico.
Através da pesquisa destes itens, foi possível investigar as intencionalidades e os
caminhos percorridos pelas imagens no governo Vargas. Ao desconstruir sua figura,
observamos que a mesma foi articulada aos seus discursos poticos, os instrumentos visuais
foram amplamente usados pelos departamentos para difundir a imagem de Vargas, partindo
da revolução de 1930 até o auge de seu personagem mítico, eternizado por sua morte em
1954.
A construção dos mitos poticos é assegurada por carregar aspectos da realidade.
Estes são produzidos em momentos históricos de tensões e rupturas, buscam, através do
enfraquecimento do passado e exaltação dos eventos do futuro, solidificar sua função na
sociedade: a de possuírem qualidades extraordinárias capazes de solucionar os problemas
desta.
Mitos políticos são construções modernas, possíveis quando a política se torna uma
atividade central para uma sociedade e quando as "massas" se tornam um ator
necessário, porém temido. Mitos políticos, especialmente quando assumem a forma
de uma personalidade, cumprem o papel de guias para o povo, devendo ser
facilmente reconhecidos e seguidos nesse sentido Getúlio Vargas foi um grande
mito, construído no contexto das décadas de 1930-1940, quando o Brasil se tornava
114
uma sociedade urbano-industrial, entrava na era dos meios de comunicação de
massa e o podia mais desconhecer os graves problemas socioeconômicos que
inquietavam sua população havia décadas.
92
Ao retratar os desfiles cívicos, o nacionalismo, a centralidade do poder na figura do
presidente e a atuante intervenção estatal política e econômica, a produção fotográfica de
Vargas aproxima-se, em algumas características, das utilizadas pelos modelos dos
departamentos de propaganda nazi-fascistas, por se utilizar da máquina estatal na construção
de sua imagem.
As fotografias e suas teticas foram produzidas e convencionadas ao momento de
sua produção, os personagens e as composições seguiam este caminho ao buscarem
demonstrar os acontecimentos políticos através da imagem. Neste cenário, inicia-se também a
inclusão de novos personagens que passam a ser retratados, como trabalhadores, mulheres e
idosos, a partir da promulgação da nova constituinte, em 1934.
Durante o período orientado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, a
produção imagética buscou exaltar a figura de Vargas: os populares saem de cena, as
temáticas abordadas anteriormente são esquecidas. Neste período, houve a maior difusão e
produção de fotografias acerca de Vargas durante seu governo.
A partir do encerramento das atividades do departamento, as fotografias assumiram
uma nova proposta, são utilizadas na campanha em prol do retorno de Vargas à política. Em
1950, seu retrato e os populares voltariam a figurar dentre as produções fotográficas:
santinhos (propaganda eleitoral), cartazes e panfletos, a presença dos populares em
comícios e eventos traduzia-se, simbolicamente, no anseio dos populares por seu retorno a
presidência.
A recepção das imagens não acontecia de maneira passiva ou submissa pelos
populares. A mensagem, idealizada pelos departamentos e plastificada na fotografia, era
resignificada e reinterpretada. O discurso presente nas fotografias era compreendido, segundo
92
GOMES, Ângela de Castro. Vargas: para além da vida. O mito Vargas. In: E ele voltou... O Brasil no
segundo governo Vargas (1951-1954). Disponível em:
<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/artigos/AlemDaVida/MitoVargas> Acesso em agosto de
2010.
115
a articulação entre os anseios dos populares e a mensagem apresentada, como uma via de mão
dupla.
Por meio das fotos, temos também uma relação de consumidores com os eventos,
tanto com os eventos que partem da nossa experiência como com aqueles que dela não fazem
parte uma distinção de tipos de experiência que tal consumo de efeito viciante vem turvar.
93
Toda fotografia resulta de um processo de criação; ao longo desse processo, a
imagem é elaborada, construída, técnica, cultural, estética e ideologicamente. Trata-
se de um sistema que deve ser desmontado para compreendermos como se essa
elaboração, como, enfim, seus elementos constituintes se articulam.
94
Este trabalho buscou a desconstrução do mito potico Getúlio Vargas através da
produção imagética de seu governo, entendendo que esta produção foi alimentada por outros
instrumentos como o cinema, o rádio, os jornais, as revistas ilustradas, as monografias
produzidas a respeito, diário pessoal de Vargas e os discursos proferidos a nação durante o
período em que se manteve no poder.
Sem a emotividade que sempre carrega, a política perderia a maior parte de seu
fascínio e atração.
95
Vargas suicida-se em 1954, mas as rememorações e ritos asseguram a
memória ao seu legado, como por exemplo, a inclusão de seu nome ao Panteão da Pátria
como herói da Nação, os acervos, museus, atribuição de seu nome a ruas, avenidas e praças,
favorece a perenidade de sua imagem e de sua narrativa como mito político.
93
SONTAG, Susan Ensaios sobre fotografia; trad.: Rubens Figueiredo; São Paulo, Companhia das Letras, 2004.
p. 172.
94
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. São. Paulo: Ateliê Editorial, 2007. p. 32.
95
MIGUEL, Luis Felipe. Em Torno do Conceito de Mito Político. Rio de Janeiro: Scielo, Vol. 41 n. 3, 1998.
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AM 028_ 1
ANC 038 _5, 6, 7, 8, 9, 21, 28, 29, 30, 31
BV 078_2
GC 838_1, GC 076_ 1, GC 079_ 1,GC 141_3, 2,1, GC 180_1, GC 170_3,1, GC 199_2
GV 005_1,GV 006 _1,2, GV 022_1, GV 022-2, GV 024_3,GV 025_1,GV 027_1 ,GV 031_1 ,
GV 035_ 1,2, GV 037_1, GV 041_1, GV 079_1, GV 083_1, GV 084_1 , GV 084_2 ,
GV 091_1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12, GV 094_1,GV 100_1, GV 101_1, GV 103-1, GV 113 _2,
GV 133_1,2, GV 166 _1, GV 177 _31, GV 178 _70, GV 180 _7, GV 275_1, GV 276_1,
GV 277_1, GV 278_1, GV 279_1, GV 341 1, 2, GV 342_1, GV foto 344_1, GV 380_1,
GV 415_ 1
LSL 046_1
OA 248_1, OA 263_2, OA 263_4
PEB 079_ 1SC 014_ 9, 2
125
ANEXO
126
127
128
129
130
131
132
133
CARTA TESTAMENTO
Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se
desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me
dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu
o continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de donio e espoliação dos grupos
econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o
trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao
governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à
dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros
extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se
desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas
através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A
Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. o querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária
que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500%
ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de
mais de 100 milhões de lares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal
produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa
economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante,
tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o
povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as
aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu
ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma
sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia
para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força
para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta.
134
Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração
sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e
hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo
de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu
resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado
de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha
vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no
caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
Getúlio Vargas
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