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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
ANÁLISE DA ELABORAÇÃO CONCEITUAL NOS PROCESSOS DE
ENSINO-APRENDIZAGEM EM AULAS DE QUÍMICA PARA JOVENS E ADULTOS:
POR UMA FORMAÇÃO INTEGRADA
LORENNA SILVA OLIVEIRA COSTA
GOIÂNIA
2010
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1
LORENNA SILVA OLIVEIRA COSTA
ANÁLISE DA ELABORAÇÃO CONCEITUAL NOS PROCESSOS DE
ENSINO-APRENDIZAGEM EM AULAS DE QUÍMICA PARA JOVENS E ADULTOS:
POR UMA FORMAÇÃO INTEGRADA
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Educação em Ciências e Matemática da
Universidade Federal de Goiás, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre.
Área de concentração: Educação em Ciências e
Matemática.
Orientadora: Prof.
a
Dra. Agustina Rosa Echeverría
GOIÂNIA
2010
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ANÁLISE DA ELABORAÇÃO CONCEITUAL NOS PROCESSOS DE
ENSINO-APRENDIZAGEM EM AULAS DE QUÍMICA PARA JOVENS E
ADULTOS: POR UMA FORMAÇÃO INTEGRADA
Por
LORENNA SILVA OLIVEIRA COSTA
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Educação em Ciências e Matemática da Universidade
Federal de Goiás, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre.
Aprovada em: _____/_____/_____
COMISSÃO JULGADORA
_________________________________________________
Profa. Dra. Agustina Rosa Echeverría - Orientadora
Instituto de Química- Universidade Federal de Goiás
_________________________________________________
Prof. Dr. Otávio Aloísio Maldaner
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUÍ
_________________________________________________
Profa. Dr. Mirian Pacheco Silva
Universidade Federal do ABC
Goiânia, 25 de janeiro de 2010
3
Ao Silvâno, meu pai (in memorian), à Ironilda, minha mãe e ao Cris, meu esposo.
Torcedores fiéis, incentivadores e acima de tudo companheiros.
4
AGRADECIMENTOS
Em primeiro Deus, meu criador, que renova as minhas forças a cada dia.
À minha família: meu pai e minha mãe, com profundo amor e gratidão, pelo amor,
paciência e dedicação; meu esposo, pela paciência incondicional, companheirismo e
apoio; meu irmão e minha cunhada, pelo carinho e ajuda.
À minha orientadora professora Agustina Rosa Echeverría, professora 24 horas por
dia. Pela liberdade e confiança concedida na caminhada, o que me possibilitou, aos
poucos, autonomia de vôo.
Aos meus amigos queridos, por me acompanharem em toda minha caminhada,
comemorando e sofrendo junto comigo.
À professora Jacqueline, coordenadora do PROEJA no IFG, por me receber tão bem
no IFG, permitindo a realização da minha pesquisa.
Agradeço aos meus colegas de pesquisa Michelly e Ruver.
Ao professor Otávio Aloísio Maldaner e à professora Mirian Pacheco pela dedicação
ao ler esta pesquisa e pelas importantes contribuições.
Ao Programa de Mestrado em Educação em Ciências e Matemática da Universidade
Federal de Goiás, em especial ao professor Juan, coordenador do mestrado, pelo
auxílio e dedicação.
À CAPES pela bolsa.
5
RESUMO
Este trabalho analisa, segundo referenciais sócio-históricos, a dinâmica discursiva
no contexto escolar bem como a elaboração conceitual nos processos de ensino-
aprendizagem em aulas de química num curso técnico integrado ao ensino médio na
modalidade de Jovens e Adultos - EJA. Na tentativa de sinalizar um currículo
diferenciado que crie um diálogo entre os conteúdos a serem tratados com a
vivência desse público, uma proposta didática estruturada em eixos temáticos,
baseado em Paulo Freire, foi elaborada e implementada: “A Química dos Alimentos”.
Foram dadas dezessete aulas no total. Os dados foram construídos a partir de
anotações em diário de campo e filmagens em VHS com posterior transcrição. As
aulas foram analisadas de uma forma geral, mas, para sistematizar as análises e
facilitar a criação de categorias, três aulas foram selecionadas para a elaboração de
Mapas de Atividade e Episódios de Ensino. Metodologicamente, este trabalho se
caracterizou como uma pesquisa-ação, que foi desenvolvida em várias etapas.
Utilizamos a Análise de Discurso, tendo como principal referencial Bakhtin. Por meio
da abordagem por temas vivenciais, os jovens e adultos conseguiram participar da
aula nos momentos em que eram abordados assuntos do cotidiano, com descrições
e algumas explicações. Porém, demonstraram grandes dificuldades em
compreender os conhecimentos sistematizados que operam no nível das
generalizações e abstrações. Mesmo assim, após discussões em sala de aula, os
alunos foram se apropriando de novas palavras, próprias do conhecimento
sistematizado, significando-as no decorrer do processo. A abordagem por temas
geradores nos colocou diante de uma constante tensão dialética: ao mesmo tempo
em que conscientemente valorizamos o cotidiano, queríamos superá-lo, por ele ser
fetichizado e alienante. Dessa forma esse tipo de abordagem requer dos professores
constante vigilância para não permanecer apenas no que os alunos sabem. Este
trabalho ambiciona sinalizar contribuições nas práticas curriculares voltadas para a
EJA, contribuindo com uma proposta que visa à formação onilateral desses sujeitos.
Palavras-chave: jovens e adultos, educação integrada, currículo, temas vivenciais,
análise de discurso, elaboração conceitual.
6
ABSTRACT
This paper analyses, by the socio-historical references, the discursive dynamic in the
school context as well as the conceptual elaboration in the teaching-learning process
during chemistry classes which is part of a technical high-school program for young
and adult people (EJA). As a manner of trying to make a differential curriculum which
can create a dialog between what is supposed to be studied and the everyday life, a
proposal was elaborated. This proposal, named “The food‟s chemistry”, is based on
Paulo Freire‟s studies and on a structure of thematically areas. Seventeen classes
were given. The data was taken from the field trip‟s notes and filming that were
transcript afterwards. Analyses were made based on all the classes, in general, but,
to make it possible the systematization, analyses, and creation of categories, three of
those classes were specially used to the elaboration of Activities‟ Maps and Teaching
Episodes. Methodologically, this work may be characterized as an action-research,
which was developed in more than one phase. Speech‟s Analyses was used with
Bakhtin as the main reference. By the approach of “generated themes”, the young
and adult people were able to participate in classes, during moments when everyday
issues were discussed, using descriptions and some explanations but demonstrated
difficulties in working with abstractions and generalizations. Therefore, after several
discussion meetings, these students were finally able to use new words giving
meaning to those words -, which belong to the abstract context. This approach made
us face a constant dialectic tension: meanwhile we consciously give value to the
every day analyses, we want more than that because it is fetish and alienating. This
kind of approach needed from the teachers constant warning to not to maintain
themselves only on what the students already know. This work has the ambitious to
signalize contributions to the curriculum practices to the EJA, helping with a proposal
with the objective towards the complete formation of these individuals.
Key-words: young and adult people, integrated education, curriculum, “generated
themes”, speech‟s analyses, conceptual elaboration.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
Capítulo 1.A ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E SUA TRAJETÓRIA
NO BRASIL ...................................................................................................... 13
1.1 A CONSTITUIÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: BREVE
HISTÓRICO ..................................................................................................... 13
1.2 O ENSINO PROFISSIONAL E A ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
POR UMA FORMAÇÃO INTEGRADA ............................................................ 18
1.3 FORMAÇÃO INTEGRADA DE JOVENS E ADULTOS ............................. 25
1.4 FORMAÇÃO INTEGRDA DE JOVENS E ADULTOS: UM CASO ESPECÍFICO
......................................................................................................................... 28
1.5 SUJEITOS DA ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: EDUCANDOS E
EDUCADORES ................................................................................................ 31
Capítulo 2. DISCUSSÃO CURRICULAR NO CAMPO DA ESCOLARIZAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS .......................................................................... ...........35
2.1 DAS TEORIAS TRADICIONAIS ÀS TEORIAS CRÍTICAS DE CURRÍCULO .
......................................................................................................................... 35
2.2 SINALIZAÇÕES CURRICULARES PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS ....................................................................................................... 40
Capítulo 3. METODOLOGIA DA PESQUISA E ETAPAS INICIAIS DE
INTERVENÇÃO ............................................................................................... 45
3.1 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS DA INVESTIGAÇÃO .................. 45
3.2 ESCOLHA DO CONTEXTO E PRETENSÕES INICIAIS ........................... 47
3.2.1 Descrição do contexto da pesquisa .............................................. 47
3.2.2 Proposta do projeto de intervenção didática ................................. 50
3.3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO PROCESSO DE ANÁLISE ................ 57
Capítulo 4. DINÂMICA DISCURSIVA NAS AULAS EM CONTEXTO CULTURAL
ESPECÍFICO: RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................... 60
4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS ALUNOS .......................................................... 60
8
4.2 MAPAS DE ATIVIDADES E EPISÓDIOS DE ENSINO: ESTRUTURA DE
ANÁLISE .......................................................................................................... 61
4.2.1 Aula 04 dia 01/09/2008 .............................................................. 61
4.2.2 Aula 15 dia 17/11/2008 .............................................................. 64
4.2.2 Aula 16 dia 24/11/2008 .............................................................. 66
4.3 AS CATEGORIAS ...................................................................................... 68
4.4 A SIGNIFICAÇÃO CONCEITUAL DE JOVENS E ADULTOS .................... 71
4.4.1 As análises das aulas no Curso Técnico em Cozinha .................. 73
5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 85
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 87
ANEXO A ......................................................................................................... 96
9
INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira construiu, ao longo de seu processo de formação, uma
história de segregação e exclusão social de diversos grupos. Entretanto, intentos
que visam reverter esse processo de marginalização têm sido sinalizados durante as
últimas décadas. Como instrumento para tal modificação, a educação foi posta como
“carro chefe” do levante que afirma querer incluir esses grupos no seio social. No
bojo dos discriminados socialmente estão as pessoas em situação de não
escolarizados na idade própria.
Os discursos oficiais, desde o final do século passado, incitam a uma
mudança nos paradigmas educacionais, não somente em âmbito nacional, mas em
grande parte do mundo. A Educação, teoricamente, deixa de ser privilégio de alguns
e torna-se então possibilidade real “para todos”. Tal mudança se revela como um
paradoxo, pois prevê a educação para todos em uma sociedade para poucos.
Concordamos com Khun (2006) em que as mudanças de paradigmas o
conflituosas. Sendo a sociedade conservadora por natureza, alterações em qualquer
esfera, seja política, econômica e cultural, são lentas e resultantes de lutas de
interesses e ideais. O processo de inclusão social, especificamente escolar, de um
grupo até então excluído, não se mostra diferente. Equívocos, enganos, pré-
conceitos de toda natureza, tranposições acríticas de orientações internacionais e
ações pragmáticas que resultam em uma prática superficial pintam esse quadro tão
atual e ainda tão desconfigurado.
Em meio a essa complexidade, se situa o processo de tentativa de inserção
escolar de milhares de jovens e adultos brasileiros que o concluíram a Educação
Básica em idade própria. O problema da falta de escolarização desse público existe
desde o período dos jesuítas, mas somente na década de 40 do século XX começou
a ser vista como um problema nacional. Ante ao alto número de pessoas na situação
de não-escolarizadas, várias propostas e programas têm sido criados ao longo dos
anos.
O presente trabalho de investigação se configurou em um contexto de
criação, em 2005, por meio de um decreto presidencial (Decreto n
o
5.478/2005), do
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica
10
na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos PROEJA. O PROEJA é um
programa que busca vincular a formação básica à formação técnica do jovem e do
adulto. Com a possibilidade de implantação do PROEJA, o Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás IFG, campus Goiânia, implementou o
Curso de Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrado em Cozinha.
Pelo fato de, pela primeira vez na história da educação brasileira, haver
chances legais de vincular o ensino básico à formação profissional na modalidade
de jovens e adultos, o Núcleo de Pesquisa em Ensino de Ciências - NUPEC, da
Universidade Federal de Goiás UFG viu na criação desse curso um campo rico de
pesquisa, devido às especificidades do público da EJA e do curso. Diante do
exposto, o NUPEC decidiu que a elaboração e implantação da proposta didática
e curricular da disciplina de Química do curso, bem como o processo de
significação conceitual dos alunos, seriam objeto de investigação. Em 2006, a
autora deste trabalho, que atualmente é professora na EJA, se incorporou ao
NUPEC e desde então realiza pesquisas voltada para esse público, focando os
processos de ensino-aprendizagem. Em 2008, ingressou no Mestrado em Educação
em Ciências e Matemática da UFG e deu prosseguimento à pesquisa que redundou
na elaboração deste trabalho.
A escolha por esse objeto de estudo não se deu de maneira casual ou
aleatória, nem tampouco por uma determinação externa. A decisão se deu pelo
reconhecimento da necessidade de repensar a escolarização de jovens e adultos,
considerando suas especificidades. Dessa forma, amplia a possibilidade de
construção de uma prática social mais refletida e justa, a qual, mais do que desejo
de alguns, é uma necessidade universal, partindo do pressuposto da não
sustentabilidade de qualquer sociedade que se fie em fundamentos
exponencialmente segregadores. Desejamos que esta pesquisa alcance tanto
qualidade formal quanto qualidade política.
Empenhados na promoção da mudança e construção curricular para o público
de jovens e adultos que considere suas especificidades, adotamos a pesquisa-ação
(ELIOTT, 1997) como referencial metodológico. Logo o nosso problema, identificado
na práxis social, foi: a falta de um currículo e uma proposta de intervenção
pedagógica que fosse ao encontro das necessidades do público da EJA.
Acreditamos que a mudança é continua e gradual e deve ser constantemente
11
analisada e melhorada. Além disso, essas mudanças ocorrem quando há uma
discussão coletiva com os grupos interessados.
Na tentativa de sinalizar um currículo diferenciado que crie um diálogo entre
os conteúdos a serem tratados e as experiências que esses sujeitos trazem de suas
vidas, consideramos a proposta pedagógica de Paulo Freire de abordar conteúdos a
partir de temas vivenciais, como orientação para o nosso trabalho. Dessa forma, foi
elaborado para a disciplina de Química um programa baseado em uma situação
problematizadora: A Química dos Alimentos. As aulas foram ministradas no
decorrer do segundo semestre de 2008 e foram no total dezessete de 1h30min
cada.
Esta pesquisa constou das seguintes etapas: elaboração, execução, análise e
avaliação das aulas de química, que foram registradas em áudio e vídeo e diário de
campo. Para a análise da dinâmica discursiva ocorrida em sala de aula, a fim de
caracterizarmos a elaboração conceitual nos processos de ensino-aprendizagem
nas aulas de química, utilizamos referenciais da teoria sócio-histórica (CHIF, 1935;
LURIA, 1979; DAVÍDOV, 1988; VIGOTSKI, 1995; BAKHTIN, 1999; VIGOTSKI, 2001;
MALDANER et al., 2003; MORTIMER et al., 2007).
O texto que aqui apresentamos compõe-se, além desta introdução, de outros
quatro capítulos. No primeiro apresentamos uma breve trajetória da escolarização
dos jovens e adultos no Brasil. Nesse capítulo iniciamos a discussão falando da
constituição da EJA, focalizando, especialmente o período posterior à Conferência
de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia realizada em 1990. Assim
fizemos, pois houve várias propostas de mudanças na educação brasileira após
essa conferência. Além dessa discussão apresentamos um breve histórico do ensino
profissional no Brasil, defendendo nossa concepção sobre a formação integrada.
Nessa perspectiva caracterizamos o PROEJA, bem como o curso implementado
pelo IFG. Finalizando o capítulo, traçamos o perfil dos jovens e adultos, pois é
essencial para podermos fazer sinalizações curriculares e propostas de intervenção
didática para esse referido público.
No segundo capítulo abordamos uma discussão curricular no campo da
escolarização de jovens e adultos. Por acreditarmos que os fatos são socialmente e
historicamente construídos consideramos essencial contextualizar historicamente os
pontos abordados. Por esse motivo, fizemos uma breve discussão das teorias de
currículo, das tradicionais às criticas.
12
No terceiro capítulo apresentamos a metodologia de pesquisa e as etapas
iniciais de intervenção. Justificamos o porquê de nossa pesquisa ser uma pesquisa-
ação e descrevemos o contexto de surgimento da investigação. Ainda nesse
capítulo detalhamos nossa proposta de intervenção didática e os pressupostos
teóricos utilizados na análise dos dados.
No quarto e último capítulo discutimos os resultados. Analisamos de forma
geral as dezessete aulas dadas e mais especificamente três aulas: a quarta, a
décima quinta e a décima sexta. A escolha da quarta aula se deu pela riqueza de
dados, pois apresentou tanto uma discussão potica e social, quanto uma discussão
dos conceitos químicos na produção do pão. As outras duas aulas foram escolhidas
pela discussão conceitual ocorrida, com participação ativa dos alunos.
Por último, considerações são apresentadas acerca dos resultados, indicando
algumas sinalizações e contribuições desta investigação.
13
CAPÍTULO 1. A ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E SUA
TRAJETÓRIA NO BRASIL.
Neste capítulo apresentaremos uma breve trajetória da escolarização dos
jovens e adultos no Brasil, bem como um histórico do ensino profissional no Brasil,
defendendo nossa concepção sobre a formação integrada. Caracterizaremos o
PROEJA e a implementação desse programa no IFG, campus Goiânia. Finalizando
o capítulo, traçaremos o perfil dos jovens e adultos.
1.1 A CONSTITUIÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: BREVE
HISTÓRICO.
O Brasil, há cinco séculos desde a sua colonização, ainda demonstra atrasos
em suas políticas educacionais. Dados de 2003 da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio PNAD (PNAD, 2003) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBGE, mostraram que naquele período existiam cerca de quatorze milhões e
seiscentos mil analfabetos absolutos, com 15 anos de idade ou mais. Analisando a
mesma faixa etária, aproximadamente sessenta e cinco milhões não concluíram o
ensino fundamental e trinta e três milhões eram analfabetos funcionais
1
.
Analisando os dados atuais do PNAD (PNAD, 2008) percebemos que esses
dados não alteraram muito. O número de analfabetos absolutos na referida faixa
etária, com 15 anos ou mais, está em quatorze milhões e duzentos mil, havendo
uma redução de quatrocentas mil pessoas nessa situação. Os analfabetos
funcionais, ainda somam trinta milhões, tendo uma redução de aproximadamente
três milhões em relação a 2003.
Ao longo da história várias propostas foram feitas para atender à necessidade
social de educar jovens e adultos, que pode ou não estar vinculada ao ensino
técnico profissionalizante. Em relação ao termo EJA, apesar de este termo ser o
mais utilizado nos discursos dos educadores e legislativos entendemos a educação
como algo mais amplo, não se restringindo apenas a escola. Atualmente o que está
ocorrendo é a escolarização da educação, e o que se pensa é que somos educados
somente se freqüentarmos o ambiente escolar. Educação é comunicação, é diálogo,
1
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE considera analfabetos funcionais aqueles que
possuem menos de quatro anos de estudo.
14
é um encontro de sujeitos interlocutores que procuram a significação dos
significados (FREIRE, 2006.). Concordamos ainda com Vigotski (1930) que
educação é a apropriação das formas culturais de expressão e comportamento
construídas historicamente pela práxis social. Portanto, o termo mais adequado é
Escolarização de Jovens e Adultos, porém considerando o extenso uso do termo
educação adotaremos a nomenclatura: Educação de Jovens e Adultos EJA.
A educação que se deu no país com a chegada dos jesuítas no século XVI,
sempre foi direcionada para as elites, sendo excluída grande parte da sociedade.
Desde os idos de 1549, período de iniciação da Educação Jesuítica, se sinalizava
a necessidade de instrução dos adultos e o vínculo da educação com o trabalho
(ROMANELLI, 1986).
Somente em meados da década de 40, após a Segunda Guerra Mundial, a
escolarização de adultos passou a ser vista como um problema nacional. Frente ao
baixo número de trabalhadores qualificados para atender ao crescimento industrial,
houve a necessidade de promover a educação do povo para acompanhar a fase de
desenvolvimento que se instalava no país. Após esse período, vários programas e
propostas diferentes foram criados. Sobre isso Machado afirma que
[...] a questão da Educação de Jovens e Adultos sempre volta ao cenário
nacional, em diferentes contextos, revestida de caráter de prioridade,
porém, o que a história tem demonstrado é que sua utilização como
bandeira do desenvolvimentismo-econômico ou político-eleitoreira sempre
foi mais significativa do que os reais investimentos dos diferentes governos,
de quaisquer que sejam as esferas (MACHADO, p.14, 1997).
Em 1962, Paulo Freire, uns dos maiores educadores do país, fez uma
proposta que foi de encontro à bandeira do desenvolvimentismo-econômico ou
político-eleitoreiro, e que ficou conhecida como o Sistema Paulo Freire. Esta
proposta criticava a “educação bancária”, que se resume ao ato de depositar e de
transferir valores e conhecimentos pelos professores, detentores do saber, para
alunos, considerados “vazios” de conhecimento. Segundo Freire (2005), a educação
deve ser vista como um processo em que educadores e educandos aprendam
simultaneamente, havendo assim diálogos na tentativa de superar a “cultura do
silêncio”.
A partir da cada de 1960, com o golpe militar, até meados da cada de
1980, antes da retomada da democracia, houve censura, perseguição e forte
repressão aos movimentos educacionais de jovens e adultos, que foram
15
praticamente estagnados. As propostas vigentes na ditadura militar ficaram
conhecidas como a doutrina do “ensino supletivo”, que apoiada numa concepção
compensatória buscava repor uma oportunidade escolar para os jovens e adultos da
qual um dia foram excluídos. As especificidades dos jovens e adultos foram
ignoradas sendo estes, na maioria das vezes, submetidos a propostas inadequadas
aos seus perfis e às suas necessidades reais. Sobre isso Di Pierro afirma que
Ao focalizar a escolaridade não realizada ou interrompida no passado, o
paradigma compensatório acabou por enclausurar a escola para jovens e
adultos nas rígidas referências curriculares, metodológicas, de tempo e
espaço da escola de crianças e adolescentes, interpondo obstáculos à
flexibilização da organização escolar necessária ao atendimento das
especificidades desse grupo sociocultural (DI PIERRO, 2005, p.1118).
Na década de 1980, com a retomada da democracia no Brasil, a promulgação
da Constituição Brasileira de 1988 foi um marco para o país no âmbito da
escolarização dos jovens e adultos, pois o ensino fundamental passou a ser
“obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria” (BRASIL, 1988).
No fulgor dessas mudanças realizou-se em Jomtien, na Tailândia, em 1990, a
Conferência de Educação para Todos. Nessa conferência, planos de ação para
satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem foram discutidos, o que
resultou no comprometimento dos participantes (155 países) em assegurar a
educação básica de qualidade às crianças, jovens e adultos. Dentre esses países,
nove deles - Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e
Paquistão - foram convocados a promover ações para diminuir as taxas de
analfabetismo e atender às exigências da Conferência, pois tinham os piores
indicadores educacionais dentre os participantes.
No balanço sobre as metas fixadas em Jomtien, realizado no Fórum Mundial
sobre a Educação, em Dakar, Senegal, em 2000, constatou-se o aumento da
precariedade da educação, com verbas reduzidas e com maiores taxas de
analfabetismo. A década de “Educação para Todos” não deu prioridade à
escolarização dos jovens e adultos, o que promoveu o aumento da dívida social para
com esses sujeitos. Apesar disso, a conferência deixou marcas históricas ao longo
da cada e a educação passou a ser vista não apenas como tarefa dos sistemas
educativos, sendo ampliado para diferentes campos da ação humana (PAIVA,
2007). Dessa forma, incluíram-se na educação, as necessidades básicas de
16
aprendizagem, tanto no domínio de operações como escrita e aritmética, quanto no
fortalecimento da visão ética, crítica e política de jovens e adultos.
No Brasil, uma estratégia utilizada pelo governo para estender o consenso
sobre as necessidades de mudanças da educação para todas as esferas da
sociedade redundaram na elaboração de normativas legais como a Lei de Diretrizes
e Base da Educação Nacional - LDB 9.394/1996. Com a aprovação desta lei, foi
promulgada a primeira referência sobre a EJA como uma modalidade de ensino,
passando-se a exigir para ela especificidades e tratamentos próprios. Apesar da
LDB 9.394/1996 ter várias lacunas, que muitas vezes podem ser preenchidas por
interesses governistas e/ou privatistas, possibilitou uma mudança conceitual na
abordagem da escolarização dos jovens e adultos (SOARES, 2002), promoveu uma
mudança de nomenclatura de “ensino supletivo” para “educação de jovens e
adultos” e passou assim, a abranger vários tipos de formação, ao menos nas
intenções declaradas.
Outro fato marcante que, de certa forma, trouxe impulsos para diversas
iniciativas relacionadas à EJA, foi a realização da V Conferência Internacional de
Educação de Adultos - V CONFINTEA realizada em Hamburgo, na Alemanha, em
1997. Após essa conferência se estabeleceu o movimento dos Encontros Nacionais
de Educação de Jovens e Adultos ENEJA e dos Fóruns Estaduais de Educação de
Jovens e Adultos, contribuindo para discussões no âmbito da educação de jovens e
adultos, das políticas educacionais, dos programas, da formação dos educadores
que trabalham com esses sujeitos, entre outros.
Se por um lado todo esse movimento de discussão trouxe avanços no que
tange à forma de se perceber a EJA, por outro notamos hoje uma grande
disparidade entre a elaboração conceitual histórica e a realidade. A Declaração de
Hamburgo estabeleceu vinculação da educação de adultos com o desenvolvimento
sustentado e equitativo da humanidade, afirmando que tal educação deve ocorrer ao
longo da vida, sendo a chave para o século XXI.
A educação ao longo da vida implica repensar o conteúdo que reflita certos
fatores, como idade, igualdade entre os sexos, necessidades especiais,
idioma, cultura e disparidades econômicas. Educação básica para todos
significa dar às pessoas, independentemente da idade, a oportunidade de
desenvolver seu potencial, coletiva ou individualmente (UNESCO, 1997).
O que percebemos é que essa perspectiva da educação para todos e ao
longo da vida tem sido reduzida à escolarização de todos durante um curto período
17
da vida. O que ocorre é o crescente oferecimento de cursos que prometem a
conclusão da escolaridade com rapidez, sem nenhuma qualidade, apenas para
obtenção de certificação.
No tocante à dimensão legal, o Brasil, como signatário da Declaração de
Hamburgo, tem reformulado sua legislação acerca de políticas inclusivas. Uma ação
realizada foi a elaboração do parecer que regulamenta as Diretrizes Nacionais de
Educação de Jovens e Adultos Parecer 11/2000. Como ato decorrente,
elaborou-se a Resolução n
o
01/2000, do Conselho Nacional de Educação - CNE,
para estabelecer as normas. Essa resolução reforçou o direito à escolarização para
esse público admitindo a importância e a necessidade da formação específica, tanto
inicial quanto continuada de professores para esta modalidade de ensino.
Pelas especificidades dessa modalidade, o Artigo 5°, parágrafo único da
Resolução n
o
01/2000 faz referência a uma identidade própria da EJA que
[...] considerará as situações, os perfis dos estudantes, as faixas etárias e
se pautará pelos princípios de eqüidade, diferença e proporcionalidade na
apropriação e contextualização das diretrizes curriculares nacionais e na
proposição de um modelo pedagógico próprio (BRASIL, 2000).
No entanto, o paradigma vigente no sistema educacional brasileiro, para essa
modalidade, ainda é o do ensino supletivo, com a visão compensatória sem uma
abordagem pedagógica específica voltada para esses sujeitos. É preciso admitir os
jovens e adultos como sujeitos históricos, que possuem conhecimentos produzidos
em outros espaços que não a escola, levando em conta o oculto, quase sempre
ignorado na formulação curricular tradicional (PAIVA, 2004). É necessário
considerar, na elaboração curricular para este grupo social, suas experiências
vivenciadas, valorizando seus saberes. Este grupo possui especificidades que não
se resumem apenas à diferença de idade, mas que perpassam toda sua história de
vida, e os constitui como grupos culturais diversos. Assim, considerando-os sujeitos
histórico-culturais
2
(OLIVEIRA, 1999), o se deve retomar o passado para
promover a educação, pois seguir os moldes da educação oferecida para crianças e
adolescentes é uma certeza de fracasso.
Concordamos com Arroyo em que,
2
Concordamos com Moreira e Canem (1999) que cultura pode ser entendida como forma geral de
vida de um dado grupo social e deve ser vista como um processo, um movimento.
18
Em nome da igualdade de oportunidades no prosseguimento de estudos
regulares também para os defasados escolares, podemos estar negando
aos jovens e adultos populares espaços educativos e culturais possíveis
para a sua condição de subempregados, pobres, excluídos... Não é a EJA
que ficou à margem ou paralela aos ensinos nos cursos regulares, é a
condição existencial dos jovens e adultos que os condena a essa
marginalidade e exclusão. O mérito dos projetos populares de EJA tem sido
adequar os processos educativos à condição a que são condenados os
jovens e adultos. Não o inverso, que eles se adaptem às estruturas
escolares feitas para a infância e adolescência [...] (ARROYO, 2005, p.
227).
Com propostas frágeis e descontinuas, que não condizem com a realidade do
educando, há um favorecimento para a perpetuação da exclusão. Os dados de baixa
escolarização estão postos e frente aos fatos históricos discutidos, forças
progressistas da sociedade brasileira estão lutando para que haja, efetivamente, a
consolidação dos direitos para a educação de jovens e adultos.
1.2 O ENSINO PROFISSIONAL E A ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
POR UMA FORMAÇÃO INTEGRADA.
Há, atualmente, uma grande demanda por um ensino profissionalizante que
possibilite uma formação dos sujeitos jovens e adultos para atuar no mundo do
trabalho com capacidade crítica de intervenção. Ao discutirmos o ensino profissional
é necessário pensar que, por meio dele, podemos tanto incluir as pessoas que
muito não estudavam e retornaram à escola quanto excluí-las ao longo do processo
de ensino por meio da precarização dos processos pedagógicos.
Devemos ter em mente que, por um lado, a escolarizão dos jovens e
adultos não pode se resumir às necessidades do mercado de trabalho e por outro,
não podemos ficar alheios “às suas necessidades de sobrevivência e às exigências
da produção econômica, como campo de onde os sujeitos sociais retiram os meios
de vida” (CIAVATTA, 2005, p. 14).
Para analisarmos o ensino profissional no Brasil, consideramos importante
fazer um breve histórico da sua constituição concomitantemente à discussão de
suas implicações na formação (não) integrada do trabalhador.
Entre 1840 e 1859, houve as primeiras sinalizações para o estabelecimento
do vínculo entre educação e trabalho com a criação de dez Casas de Educandos e
Artífices que tinham o objetivo de oferecer um ofício aos “meninos de rua”. Em 1909,
19
no governo do então presidente do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, foram
criadas, a partir do Decreto 7.566/1909 (BRASIL, 1909), as primeiras escolas
profissionais oficiais. As dezenove Escolas de Aprendizes Artífices, nome que
receberam, passaram a oferecer cursos para formação de operários e
contramestres, mediante um ensino prático e conhecimentos técnicos baseados nas
exigências das indústrias locais. Como afirma Fonseca,
O decreto de criação das escolas de aprendizes artífices tinha como meta
uma formação profissional para a „dignificação da pobreza‟ dentro de uma
instituição que ministrasse o ensino de modo prático com os conhecimentos
necessários aos menores que pretendessem aprender um ofício
(FONSECA, 1962 apud GOMES L., 2003, p. 57).
Com a consolidação do capitalismo industrial no Brasil, pela Revolução de 30,
se estabeleceram novas formas de produção, com demanda de um novo tipo de
trabalhador e consequentemente novas exigências educacionais. Kuenzer (2007),
apoiada nas idéias de Gramsci, fala da eficiência dos processos pedagógicos na
valorização das novas formas das relações de produção e do capital. A escola como
aparelho ideológico cumpre duas funções básicas que é contribuir para a formação
da força de trabalho e para a inculcação da ideologia burguesa. E esses processos
não se dão de formas isoladas, pois pelo mecanismo das práticas escolares, a
formação da força de trabalho -se no mesmo processo de inculcação ideológica
(SAVIANI, 2008).
As modalidades de organização do trabalho que emergiram foram o fordismo
e o taylorismo, caracterizados pela produção em massa e em rie,
respectivamente. A estratégia utilizada nesses modos de produção, para ter um
maior lucro, era o barateamento da mão-de-obra, com a “desapropriação” do
conhecimento e mecanização das tarefas com a dissociação entre trabalho manual
e intelectual (SANTOMÉ, 1998). Nesses processos, o trabalho era caracterizado
pela automação, ou seja, “pela ausência de mobilização de energias intelectuais e
criativas no desempenho do trabalho” (KUENZER, 2007, p. 1155). Ainda sobre a
automação Kuenzer afirma que
A ciência e o desenvolvimento social por ela gerado, pertencendo ao capital
e aumentando a sua força produtiva, ao se colocarem em oposição objetiva
ao trabalhador, justificavam a distribuição desigual dos conhecimentos
científicos e práticos, contribuindo para manter a alienação, tanto da
produção e do consumo, quanto da cultura e do poder (KUENZER, 2007, p.
1155).
20
Na década de 1940 houve intensificação do oferecimento do ensino
profissional por causa da expansão do setor industrial. A Segunda Guerra Mundial
(1939-1945) estava impedindo a exportação de mão-de-obra dos países europeus
para o Brasil. Como não havia uma política adequada de formação de recursos
humanos para a indústria, houve carência de trabalhadores para produzirem
produtos para o consumo da população, dessa forma os industriários passaram a se
engajar no treinamento de pessoal (ROMANELLI, 1986).
Em 1942, as Escolas de Aprendizes Artífices foram transformadas em
Escolas Técnicas e as reformas no ensino primário e médio, promulgadas pelas Leis
Orgânicas do Ensino de 1942, fizeram com que o ensino técnico-profissional
passasse a ser curricularmente organizado segundo áreas dos setores produtivos da
economia brasileira da época.
O dualismo sempre foi algo presente no ensino profissional, que a
educação geral era vista para a elite do ps e a preparação para o trabalho era
voltada para os menos favorecidos. Ciavatta afirma que,
[...] a educação nacional foi organizada em leis orgânicas, segmentando a
educação de acordo com os setores produtivos e as profissões, e
separando os que deveriam ter o ensino secundário e a formação
propedêutica para a universidade e os que deveriam ter formação
profissional para a produção (CIAVATTA, 2005, p. 4).
O modo de produção vigente gerou uma superespecialização das tarefas, o
que provocou a alienação do trabalho, ou seja, o trabalhador não se reconhecia
mais como autor de sua produção. Segundo Vigotski (2001a), a própria divisão do
trabalho em profissões concentra a atenção do trabalhador no último estágio
executivo do trabalho e não nas suas premissas gerais.
Ainda em 1942 foi criado, pela Reforma Capanema, o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI) e em 1946, o Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC), administrados pelo empresariado. Gradualmente, foram criadas
outras organizações deste tipo, conhecidas como constituintes do Sistema “S”
(SENAR, SENAT, SESI, SESC e SEBRAE), que possui recursos financeiros
advindos do Tesouro Nacional e da iniciativa privada (RAMOS, 2005).
Em 1959, com a Lei 3.552/1959, houve a criação da Rede Federal de
Ensino Técnico e as Escolas Técnicas passaram a ser chamadas de Escolas
Técnicas Federais. A partir de 1978, as Escolas Técnicas Federais foram
21
gradualmente transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica -
CEFETs, passando a ter o direito de oferecer cursos tecnológicos de nível superior.
Voltando-nos para os acontecimentos sociais e econômicos da década de 70,
uma grande competitividade se instaurou no mundo. Profundas mudanças
tecnológicas estavam ocorrendo e paralelo a isso o sistema capitalista passou por
uma crise, que veio à tona com a crise do petróleo gerada pelos países árabes
exportadores, que aumentaram os preços do produto.
Os modelos de produção fordista/taylorista não atendiam à demanda do
mercado, pois este se encontrava cada vez mais heterogêneo e fragmentado e
havia necessidade de atender as exigências das novas relações no mundo
produtivo. Buscou-se então formas de restabelecer o padrão de acumulação desse
sistema. Entre a década de 60 e 70 começou a surgir então um novo modelo de
produção, o modelo de produção toyotista, baseado na “produção enxuta”, com
menos gastos tanto de materiais quanto de mão-de-obra. As palavras-chave desse
modelo são “autonomia”, “flexibilidade”, “desfragmentação”, “acumulação flexível”,
entre outros (ZANELLA, 2003).
No Brasil, um país com grande atraso no desenvolvimento industrial
(enquanto a Europa passou pela primeira Revolução Industrial no século XVIII, o
Brasil passou no início do século XX), o modelo fordista/taylorista prevaleceu entre
nós até meados dos anos 1980 e somente na década de 1990 se percebe a
preponderância dessa nova forma de produção mais flexível (CASTANHO 2003).
Surgem novas demandas educacionais para a formação do trabalhador
pautadas na discussão de “trabalhador flexível”, que consiga se adaptar à
dinamicidade do mercado de trabalho. A escolarização deveria ser ampliada na
tentativa de diminuir a excessiva fragmentação e especialização, e diminuir assim o
fosso entre teoria e prática. No entanto não foi o que aconteceu, pois esta divisão
não se deve exclusivamente aos modos de produção vigentes, mas também à
própria estrutura do sistema capitalista no mundo. Segundo Vigotski,
A divisão do trabalho em trabalho físico e trabalho mental aconteceu em
uma época em que ambas as funções psicológicas, indissoluvelmente
fundidas em único ato de trabalho, por força da diferenciação social foram
divididas entre membros da comunidade. A uns couberam apenas as
funções de organização e comando; a outros, apenas as funções executivas
(VIGOTSKI, 2001a, p. 255).
22
Essa dualidade entre trabalho intelectual e trabalho manual, formação geral e
formação técnica, foram reforçadas no Brasil na década de 90, quando os CEFETs
passaram por uma grande mudança em relação ao oferecimento de cursos técnicos.
No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, o Decreto 2.208/1997
(BRASIL, 1997) ao regulamentar o § do artigo 36 e os artigos 39 a 42 da LDB n°
9.394/1996 define que “a educação profissional de nível técnico te organização
curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma
concomitante ou seqüencial a este”. Dessa forma, pôs fim à possibilidade de
oferecer um ensino médio orientado à superação da dualidade entre o conhecimento
e a prática do trabalho e a educação profissional. Reforçou assim, a tradição de
dualidade do sistema educacional brasileiro em que os cursos técnicos
profissionalizantes são destinados à classe trabalhadora e a formação propedêutica
à elite.
O Banco Mundial considerava que, num país em que o nível de escolaridade
é tão baixo, aqueles que chegam a fazer ensino médio têm expectativas e condições
de prosseguirem os estudos ao invés de ingressarem imediatamente no mercado de
trabalho (RAMOS, 2005). Dessa forma, os recursos seriam “melhor” utilizados em
favor daqueles com menor expectativa social, por meio de investimentos em cursos
profissionalizantes.
A educação profissional passou a ser considerada como uma preparação
para um trabalho simples de nível dio. Com esses novos programas não havia
preocupação com a recuperação da escolaridade, havendo uma diluição dos
conteúdos destinados as camadas populares e aligeiramento dos cursos. Nesse
contexto ainda se disseminava o ideário neoliberal da responsabilização individual
dos trabalhadores por sua condição de desempregados, alegando-se que no Brasil
não há falta de emprego e sim de empregáveis.
Forças progressistas da sociedade brasileira não concordando com essa
alteração lutaram por sua revogação, apontando para a necessidade da construção
de novas regulamentações, mais coerentes com a utopia de transformação da
realidade da classe trabalhadora brasileira (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).
Concordamos com Saviani (2008) em que o domínio da cultura é um instrumento
indispensável para a participação política das massas.
Dessa forma, após contestações das alterações expostas anteriormente foi
proposto e aprovado o Decreto n° 5.154/2004 (BRASIL, 2004), no governo do
23
presidente Luiz Inácio „Lula‟ da Silva, que revogou o Decreto 2.208/1997. Tal
decreto possibilitou a articulação entre a educação profissional técnica e o ensino
médio de forma integrada, oferecida às pessoas com ensino fundamental completo,
ou concomitante, oferecida também às pessoas que tendo concluído o ensino
fundamental estejam cursando o ensino médio (BRASIL, 2004).
Em 2007, os CEFET, em todo o país, começaram a passar por um processo
de transição. O Decreto n° 6.095/2007 (BRASIL, 2007), estabeleceu diretrizes para a
transição dos Centros Federais a Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia IF que foram criados com a Lei nº 11.892/2008.
Em 2009 praticamente todos os CEFET foram transformados em Institutos
Federais. Comparando o Decreto nº 5.224/2004 (BRASIL, 2004), que dispõe sobre a
organização dos CEFET, com o Decreto n° 6.095/2007, que estabelece as diretrizes
para a constituição dos IF, percebemos que ambos se constituíam como
autarquias federais, sendo, dessa forma, detentores de autonomia administrativa,
patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar. Essa é também uma
característica das universidades federais e com a referida transição, os IF formam
equiparados às universidades, regulamentados pela Lei nº 11.892/2008 no artigo 2º,
§ 1º: Para efeito da incidência das disposições que regem a regulação, avaliação e
supervisão das instituições e dos cursos de educação superior, os Institutos
Federais são equiparados às universidades federais (BRASIL, 2008).
Assim, os Institutos Federais passaram a ser estruturado em multicampi.
Cada instituto passou a ser presidido por um Reitor e o Conselho de Dirigentes, de
caráter consultivo, passou a ser composto por Reitor, pelos Pró-Reitores e pelo
Diretor-Geral de cada um dos campi que integram o Instituto Federal (Ibid.). Os
Institutos Federais tem autonomia para criar e extinguir cursos, nos limites de sua
área de atuação territorial e passaram a ter o poder de registrar diplomas dos cursos
por eles oferecidos, mediante autorização do seu Conselho Superior (Ibid.).
Uma característica que diferencia as universidades federais dos institutos
federais consiste no fato do segundo ter a obrigação de reservar 50%, ou seja,
metade de suas vagas para a educação profissional técnica de nível dio, dando
prioridade para cursos integrados, voltado para concluintes do ensino fundamental e
para o público da EJA.
Além dessas mudanças, está havendo uma grande expansão da rede federal
de educação profissional, tecnológica e científica. De 1909 a 2002 foram construídas
24
140 escolas cnicas no país e somente nos últimos sete anos, foram entregues
75, sendo prevista até final de 2010 mais 139 instituições (BRASIL, 2009).
Alguns autores, como Kuenzer (2007) afirmam que a expansão da oferta das
escolas profissionais não resultou na democratização, mas sim em aprofundamento
das diferenças de classe.
[...] os discursos sobre a educação e as práticas de exclusão não deixavam
pairar vidas sobre o fato de que a continuidade dos estudos, de modo a
promover o acesso à ciência, à tecnologia, à sócio-história e às artes e ao
aprendizado do trabalho intelectual, era para poucos; tratava-se, portanto,
de uma dualidade claramente assumida (KUENZER, 2007, p. 1157, grifo do
autor).
Contudo, acreditamos que a modalidade de ensino profissional, quando
vinculada à formação geral básica, pode ser campo de contestação da exclusão e
um instrumento para a formação integral do cidadão.
O trabalho é concebido, de acordo com teóricos sócio-históricos, como
“atividade ontológica, estruturante do ser social” (CIAVATTA, 2005, p. 8), um modo
de existência humana e “elemento determinante no desenvolvimento do próprio
homem” (ENGELS, 1876, p. 277). Dessa forma, o trabalho é determinante na própria
educação, sendo que esta pode ser concebida como a apropriação das formas
culturais de expressão e comportamento construídas historicamente pela práxis
social (VIGOTSKI, 1930). No entanto, o trabalho dentro do sistema capitalista acaba
por perder parte do seu valor, sendo um “processo de produção de valorização do
capital” (KUENZER, 2007, p. 1153).
A valorização do capital usa de diversos veículos, sendo a escola uns dos
principais agentes. Estudiosos mais radicais chegam a afirmar a necessidade de
desescolarização da sociedade para conseguir lutar contra a alienação (ILLICH,
1985). Contudo, concordamos com Apple (2006), em que a reprodução da
sociedade e, consequentemente, dos sistemas econômicos não se dão de forma
tranquila e nem de forma direta, sendo mediada pela ação do homem podendo
dessa forma, ser contestada, por exemplo, nos espaços escolares, como
discutiremos nos capítulos adiante. Saviani (2008, p.26) afirma que deve haver luta
contra a marginalidade por meio da escola, o que significa “engajar-se no esforço
para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas
condições históricas atuais”.
25
Ao considerarmos o trabalho como fundamento do processo educativo, ou
seja, o trabalho como princípio educativo, não é possível imaginar o ensino
profissional desvinculado da formação geral ou a formação prática desvinculada da
formação teórica. O trabalho, dessa forma, não pode ser introduzido como um objeto
de estudo ou um método, mas como matéria de educação, e assim não somente o
trabalho se introduz na escola, mas também a escola no trabalho (VIGOTSKI,
2001a). É nessa perspectiva que consideramos, neste trabalho, a formação
integrada dos sujeitos jovens e adultos.
1.3 FORMAÇÃO INTEGRADA DE JOVENS E ADULTOS
Uma forma de ir de encontro às ideologias do capitalismo é o oferecimento de
uma formação integrada para a classe trabalhadora, que lhe permita tomar
consciência do seu papel no processo produtivo. Nesse sentido, tanto a primeira Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB, Lei n° 4.024/1961 (BRASIL,
1961), quanto a vigente, a LDB 9.394/1996, possibilitam a integração do ensino
médio ao ensino técnico profissionalizante: “O ensino médio, atendida a formação
geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas”
(BRASIL, 1996).
Com a revogação do Decreto 2.208/1997 por meio do Decreto
5.154/2004, como citado, houve a possibilidade de vincular novamente a
formação geral à formação técnica. No bojo dessas mudanças foi promulgado em
2005, o decreto n
o
5.478/2005, que institui o PROEJA- Programa de Integração da
Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos. Esse programa estabelecia “no âmbito dos Centros Federais de Educação
Tecnológica, Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais e Escolas
Técnicas Vinculadas às Universidades Federais” (BRASIL, 2005), as diretrizes para
oferta de cursos de educação profissional integrada ao ensino médio na modalidade
de jovens e adultos. Entretanto, a partir da discussão com diversos atores
envolvidos na oferta de educação profissional, educação básica e educação de
jovens e adultos, verificou-se a necessidade de realizar alterações em suas
diretrizes.
26
Assim, em 2006, o Decreto n
o
5.478/2005 foi revogado com a promulgação do
Decreto n
o
5.840/2006, passando a denominar o PROEJA como Programa Nacional
de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos. Além disso,
Algumas das principais mudanças foram: a ampliação da possibilidade de
adoção de cursos PROEJA em instituições públicas dos sistemas de ensino
estaduais e municipais e entidades nacionais de serviço social,
aprendizagem e formação profissional vinculadas ao sistema sindical e a
ampliação de sua abrangência, possibilitando também a articulação dos
cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores com ensino
fundamental na modalidade EJA (BRASIL, 2006, p. 4).
Esse programa busca resgatar e promover a re-inserção de milhões de jovens
e adultos no sistema escolar brasileiro, possibilitando-lhes acesso à educação e à
formação profissional na perspectiva de uma formação integrada. Para isso, foram
determinados fundamentos político-pedagógicos norteadores da organização
curricular para o cumprimento dessa política pública:
a) A integração curricular visando à qualificação social e profissional
articulada à elevação da escolaridade, construída a partir de um processo
democrático e participativo de discussão coletiva;
b) A escola formadora de sujeitos articulada a um projeto coletivo de
emancipação humana;
c) A valorização dos diferentes saberes no processo educativo;
d) A compreensão e consideração dos tempos e espaços de formação dos
sujeitos da aprendizagem;
e) A escola vinculada à realidade dos sujeitos;
f) A autonomia e colaboração entre os sujeitos e o sistema nacional de
ensino;
g) O trabalho como princípio educativo (BRASIL, 2006, p. 38).
Pretendendo oferecer uma educação básica de qualidade ligada
estreitamente à formação profissional, o PROEJA foi criado para ser um instrumento
de resgate da cidadania de uma imensa parcela de brasileiros excluídos do sistema
escolar por problemas ocorridos dentro e fora da escola. Cidadania esta que o
pode ser resumida à inclusão no mercado do trabalho, mas que deve ser vista pela
indissociabilidade entre trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura
no mundo real (BRASIL, 2006).
Nesse sentido,
O que realmente se pretende é a formação humana, no seu sentido lato,
com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e
tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade, integrada a uma
formação profissional que permita compreender o mundo, compreender-se
no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida
e da construção de uma sociedade socialmente justa (BRASIL, 2006).
27
A legislação acerca da escolarização de jovens e adultos e educação
profissional estão sofrendo várias mudanças nas últimas décadas. O processo de
integração da educação profissional e tecnológica com a EJA iniciou-se com as
mudanças relatadas e com a Lei nº 11.741/2008 (BRASIL, 2008), que alterou
dispositivos da LDB 9.394/1996 relacionados a essa questão. A referida lei
institucionalizou e integrou as ações da educação profissional técnica de nível
médio, a educação de jovens e adultos e a educação profissional e tecnológica.
Incluiu a Seção IV-A “Da Educação Profissional Técnica de Nível Médio” que em seu
artigo 36ª, parágrafo único afirma que: “A preparação geral para o trabalho e,
facultativamente, a habilitação profissional poderão ser desenvolvidas nos próprios
estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições
especializadas em educação profissional” (BRASIL, 2006).
Na seção V “Da Modalidade de Jovens e Adultos”, na LDB 9.394/1996, foi
incluído no artigo 37 o § 3º: A educação de jovens e adultos deverá articular-se,
preferencialmente, com a educação profissional, na forma do regulamento”. Essas
mudanças refletem a necessidade de oferecer um ensino de qualidade, não
somente no âmbito da formação básica, mas visando a qualificação para atuar no
mundo do trabalho, uma vez que esses sujeitos se encontram inseridos nesse
mundo. Nesse sentido houve um avanço para a implementação do PROEJA como
política pública, e não mais como um programa.
No âmbito dessa discussão é necessário ressaltar que entendemos que a
formação do educando não pode estar pautada na lógica do mercado de trabalho. O
que determina se o trabalhador está ou não inserido no mercado de trabalho não é a
qualificação específica que ele recebeu, pois isso dependerá das necessidades do
sistema produtivo (KUENZER, 2007) que é muito instável. Nesse sentido, ao
vincularmos a educação escolar básica com o ensino profissional, o trabalho tem
que ser visto como princípio educativo, no sentido de formar cidadãos emancipados
com capacidade de analisar e entender o sistema do qual fazem parte.
Para que consigamos de fato essa emancipação, nós como professores
precisamos atuar diretamente no currículo, que não pode ser entendido somente
como o programa de disciplinas de um determinado curso. O currículo está além, e
envolve todas as ações no âmbito escolar desde o conteúdo estudado até a relação
entre as pessoas (funcionários, professores, alunos).
28
1.4 FORMAÇÃO INTEGRADA DE JOVENS E ADULTOS: UM CASO ESPECÍFICO.
No marco dessas discussões e com a implementação do PROEJA o então
Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás, agora Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás IFG, implantou o Curso Técnico de
Nível Médio Integrado em Serviços de Alimentação na Modalidade de Jovens e
Adultos, na área de Turismo e Hospitalidade, em 2006. A partir de 2009 esse curso
passou a ser denominado Técnico de Nível Médio Integrado em Cozinha na
Modalidade de Jovens e Adultos e assim o chamaremos no decorrer do trabalho.
O enfoque nos serviços de alimentação baseou-se em pesquisa de demanda
da sociedade por profissionais qualificados nessa área. Associação de Bares e
Restaurantes, hotéis e a Agência Goiana de Turismo (AGETUR) foram contatados e
os dados da pesquisa indicaram que o ensino profissional integrado, na modalidade
de jovens e adultos, voltado para o setor de bares e restaurantes, seria o mais
apropriado para a oferta de vagas na área de Turismo e Hospitalidade.
O cnico em Cozinha estará capacitado a trabalhar em todos os locais em
que são servidos e produzidos alimentos e bebidas. O curso pretende promover a
formação de um profissional com capacidades como autonomia intelectual e
pensamento crítico na perspectiva de compreender as demandas do mundo atual e
promover mudanças, quando necessárias, ao estabelecimento do bem-estar
econômico, social e ambiental do indivíduo e da sociedade.
O curso, que tem duração de três anos e meio, destina-se a pessoas com
mais de dezoito anos, que tenham concluído o Ensino Fundamental e não tenham
concluído o Ensino Médio. Desde a entrada da primeira turma, no segundo semestre
de 2006, a inscrição para o ingresso no curso é gratuita e não realização de
prova escrita. O processo de seleção inicial, para as duas primeiras turmas, que
ingressaram no segundo semestre de 2006 e no primeiro semestre de 2007,
respectivamente, foi realizado por sorteio, para preenchimento das 30 vagas
oferecidas. Porém, ao refletirem sobre este formato, a coordenação do curso propôs
modificações, pois somente o sorteio não possibilitava a escolha de pessoas que
realmente se enquadravam no perfil do curso. Assim, o processo seletivo passou a
ser estruturado em três etapas, que envolvem sorteio, palestra e entrevista,
respectivamente.
29
Com o intuito de promover uma formação menos fragmentada e pensar a
realidade numa visão de totalidade, busca-se compreender as determinações
econômicas, sociais, políticas e culturais colocadas historicamente na formação do
profissional em cozinha. Dessa forma, na tentativa de alcançar os objetivos
propostos, como estratégia político-metodológica, o curso foi estruturado em quatro
eixos temáticos
3
, que devem permear todas as disciplinas. Objetiva-se que os eixos
temáticos sirvam de “motes reflexivos da situação ontológica do homem, da ciência,
da tecnologia e da responsabilidade sócio-ambiental do trabalhador-cidadão”
(CEFET, 2006). As áreas de conhecimento deverão articular-se entre si,
proporcionando a aprendizagem por meio de uma visão de totalidade. Assim,
visando um curso cujos eixos temáticos devem permeá-lo, é desejável que as
disciplinas estruturem seus conteúdos guiando-se pelo eixo temático proposto e
façam a interlocução com outras disciplinas.
O curso completou três anos e meio de existência ao final de 2009.
Problemas políticos estão sendo enfrentados dentro da própria instituição, pela
compreensão diferenciada da finalidade e das perspectivas do programa, que
redunda em falta de apoio e até em resistências do corpo docente para o
atendimento a este público. Não consenso sobre a concepção de educação,
ensino-aprendizagem, avaliação entre outros dentro da instituição. O que podemos
perceber é a existência de um grupo que defende uma educação para todos e outro
grupo que defende a formação para alunos jovens que nunca pararam de estudar.
Outro fator que dificulta a manutenção desse curso é a falta de discussão e reflexão
entre os professores. Por se tratar de um curso novo, inserido dentro de um
programa novo, as reuniões de discussão e tomada de decisões deveriam ser
periódicas, pois muitas incertezas em relação à estrutura curricular. Entretanto
isso não acontece.
Notamos que não muitos profissionais da educação, dentro da instituição,
dispostos a pensar em um projeto que contemple as especificidades da EJA. O que
está acontecendo, até o momento, na maioria das disciplinas, o estratégias e
metodologias inadequadas a esses sujeitos. Os planos dos cursos do PROEJA, em
relação à formação básica, são semelhantes aos planos do Ensino Médio para
3
Os eixos temáticos do curso são: 1) Trabalho, Cultura e Alimentação; 2) Conhecimento, Tecnologia e
Alimentação; 3) Sujeito, Desenvolvimento e Responsabilidade Sócio-Ambiental; 4) Serviços de
Alimentação e Mercado x Gestão e Alternativas de Trabalho e Renda.
30
adolescentes. A diferença entre eles se resume, basicamente, à carga horária, que é
menor no PROEJA.
Esses problemas foram ratificados pelo relatório elaborado pela Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica SETEC, em 2007, ao fazer um levantamento
sobre a implementação e desenvolvimento do curso Técnico em Cozinha no IFG.
Constataram-se problemas no curso em relação: à divulgação; à coordenação; ao
processo seletivo; aos horários das aulas; ao aprendizado dos jovens e adultos; à
capacitação do corpo docente; à infra-estrutura; ao material didático; ao currículo e à
avaliação (BRASIL, 2007).
No entanto, apesar de todas as dificuldades encontradas, está ocorrendo um
aumento da oferta dos cursos PROEJA dentro dos Institutos Federais de Educação,
Tecnologia e Ciência. A evasão nesses cursos ainda é grande, mas está diminuindo
aos poucos. Os alunos estão conseguindo auxílio de 100 reais para estudar, que é
visto como um incentivo.
Frente aos problemas detectados, o curso passou por diversas alterações,
como mudanças do horário de funcionamento e da coordenação. Além disso,
algumas estratégias e ações estão sendo propostas e realizadas, como reuniões
com os professores para apresentação e discussão de materiais destinados a esse
perfil de alunos; capacitação de professores por meio do acompanhamento e da
participação em pesquisas; participação dos alunos em encontros temáticos
oferecidos pelo Fórum Goiano de EJA; e aprovação, em 2008, do Projeto
“Incrementar o Programa de Educação de Jovens e Adultos”, com verba de 250 mil
reais para a unidade de Goiânia, que permitiu a seleção de bolsistas que
desenvolvem atividades relativas a projetos do curso; a aquisição de computadores,
móveis, carteiras, livros, materiais para os laboratórios e auxílio financeiro mensal
aos alunos (CASTRO; VITORETTE, 2008).
Entendemos que nenhuma mudança é fácil, pois há sempre campos em
disputa. O PROEJA pode ser visto como um avanço nas políticas de Jovens e
Adultos. professores comprometidos na implantação desse programa e desse
curso, além de haver colaboração de outras instituições como a Universidade
Católica de Goiás UCG, a Universidade de Brasília UnB e a Universidade
Federal de Goiás - UFG. Dessa forma, será possível sinalizar melhorias e
mudanças, mesmo que numa pequena escala, para a educação brasileira.
31
1.5 SUJEITOS DA ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: EDUCANDOS E
EDUCADORES.
Ao se trabalhar com jovens e adultos de se ter em mente que a análise e
caracterização desse público é importante, pois permite a possibilidade de
desenvolver novas políticas para esse campo de ação educativa.
Frequentemente os jovens e adultos carregam o estigma de aluno-problema,
que o teve êxito no ensino regular, e por isso buscam superar as dificuldades em
cursos com caráter de aceleração e recuperação (HADDAD; DI PIERRO, 2000). A
necessidade do regresso à escola pode estar relacionada, muitas vezes, apenas à
obtenção de um certificado escolar, sem a consciência de dar a devida importância
às informações
4
que ali têm acesso. Há também um grande desconforto deles
devido à baixa escolaridade, além das necessidades de conhecimento que podem
surgir em função do desenvolvimento dos meios de informação e de comunicação,
assim como as crescentes exigências de qualificação do mundo do trabalho
(ECHEVERRÍA; COSTA; SOUSA, 2007).
Pela análise da história da EJA notamos que a perspectiva para escolarização
dessas pessoas, que um dia foram excluídas do direito à educação, não reconhece
as especificidades dos educandos (OLIVEIRA, I., 2007). Quando há possibilidade do
retorno às escolas pelos jovens e adultos, são submetidos a propostas inadequadas
aos seus perfis sócio-econômicos e às suas necessidades reais. Assim a escola
reforça e reproduz a exclusão. Uma das causas deste problema são as propostas
curriculares, que permanecem baseadas na fragmentação do conhecimento, com
enfoque excessivamente disciplinar, dificultando o diálogo entre o “mundo da escola”
e o “mundo da vida”, entre os conteúdos escolares e as experiências de vida
trazidas por estes sujeitos. A respeito do fracasso de programas destinados a EJA,
Oliveira M. afirma:
De certa forma, é como se a situação de exclusão da escola regular fosse,
em si mesma, potencialmente geradora de fracasso na situação de
escolarização tardia. Na verdade, os altos índices de evasão e repetência
nos programas de educação de jovens e adultos indicam falta de sintonia
entre essa escola e os alunos que dela se servem, embora não possamos
4
Utilizamos o termo informação ao invés de conhecimento concordando com Lopes (2007) que as
informações só se transformam em conhecimento na medida em que modificam o espírito do
aprendiz, portanto o que se tem na maioria das aulas para esse público é o repasse de informações,
que não se transformam em conhecimento.
32
desconsiderar, a esse respeito, fatores de ordem socioeconômica que
acabam por impedir que os alunos se dediquem plenamente a seu projeto
pessoal de envolvimento nesses programas (OLIVEIRA, M., 1999, p. 62).
Ao discutir sobre as especificidades dos jovens e adultos e a necessidade de
atendê-los, estamos lidando com a construção histórica, social e cultural das
diferenças por sua vez conectadas às relações de poder (GOMES N., 2007).
Relacionando o currículo, a escola, a sua organização e as suas lógicas, não
podemos desconsiderar a identidade e o contexto das desigualdades que compõem
esse grupo.
A consciência de que o trabalho escolar desenvolvido com jovens e adultos
deveria ser diferente do trabalho destinado às crianças teve início com Paulo Freire.
Fundamentado em métodos e objetivos que buscavam adaptações às
especificidades desse grupo, Freire reconhecia a situação de opressão a que
estavam submetidos.
De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada,
que não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em
virtude de tudo isto, terminam por se convencer de sua “incapacidade”.
Falam de si como os que não sabem e do “doutor” como o que sabe e a
quem devem escutar. Os critérios de saber que lhe são impostos são os
convencionais (FREIRE, 1987, p. 50).
As discussões de fatores internos e externos que configuram a seleção e
organização dos conteúdos escolares em função da identidade própria desse
público podem ser iniciadas com a reflexão coletiva de um pequeno grupo de
professores com propostas simples, que vão se consolidando no decorrer do tempo
(MUENCHEN, 2006). Sobre a reflexão é necessário enfatizar que essa deve ser
crítica e coletiva. Como Zeichner (2007), entendemos a reflexão como prática social:
A reflexão ocorre em comunidades de professores que se apóiam
mutuamente, em que um sustenta o crescimento do outro. Ser desafiado e
ao mesmo tempo apoiado por meio da interação social é importante para
ajudar-nos a clarificar aquilo que nós acreditamos e para ganharmos
coragem para perseguir nossas crenças (ZEICHNER, 2007, p. 538).
Além da reflexão, notamos a necessidade de que na formação dos
professores de jovens e adultos, como para qualquer grupo específico, exista
compromisso político, conhecimento do cotidiano do aluno e atitude metodológica
que exceda os conhecimentos que se limitam ao domínio da técnica (ECHEVERRÍA;
COSTA; SOUSA, 2008).
33
Nesse sentido, concordamos com autores que defendem a formação do
professor que favoreça sua autonomia, capacidade crítica e reflexão (PIMENTA,
2002; NÓVOA, 1997; ZEICHNER, 2007), baseadas em princípios como “por que”
ensinar, “quando” ensinar e o quê” ensinar. Nessa perspectiva, o professor deve ser
formado para que seja capaz de tomar decisões. Logo a sua formação não poderá
ser baseada apenas em aspectos teóricos ou em aquisição de técnicas e sim numa
inter-relação dessas questões
Assim como os jovens e adultos possuem uma identidade própria, a
construção de uma identidade do professor da EJA precisa partir de suas
percepções no trabalho diário, pois este está além das abordagens metodológicas
das práticas escolares. Martins (2007), discutindo as idéias de Goodson, afirma que
é necessário e importante perceber o estilo de vida do professor, dentro e fora da
escola, pois suas histórias podem ter influências sobre modelos de ensino e sobre a
prática educativa. Ser professor de jovens e adultos exige conhecimentos mais
amplos, não se resumindo a simples transmissão de conteúdos. Conforme Nóvoa
afirma,
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos
ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexibilidade crítica
sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade
pessoal. Por isso é o importante investir a pessoa e dar um estatuto ao
saber da experiência (NÓVOA, 1997, p. 25).
Portanto, a formação do professor não é simples e envolve saberes próprios,
questões políticas, morais e éticas. É um desenvolvimento ao longo do tempo e
deve haver conexões entre formação inicial e continuada.
O professor da EJA tem que ser capaz de reconhecer as especificidades de
seus alunos e em sala de aula não se restringir apenas aos conteúdos científicos,
mas sim, compreender as relações humanas que são criadas entre sujeitos com
diferentes identidades, histórias e trajetórias em um contexto escolar específico
(FRANCO R.; SILVA, 2008).
Logo, no âmbito em que é requerida uma educação voltada a este público
diferenciado, uma proposta curricular diferenciada torna-se necessária.
Concordamos com Saviani (2008, p. 45) que “os conteúdos são fundamentais e sem
conteúdos relevantes, conteúdos significativos, a aprendizagem deixa de existir, [...]
ela transforma-se numa farsa”. Assim é necessário o surgimento de uma reflexão,
considerando a importância que tem na EJA o desenvolvimento do trabalho
34
pedagógico a partir dos saberes, conhecimentos, experiências e interesses que os
alunos trazem para a sala de aula, sem esquecer o compromisso com o
conhecimento científico.
35
CAPÍTULO 2. DISCUSSÃO CURRICULAR NO CAMPO DA ESCOLARIZAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS.
Neste capítulo 2 faremos uma discussão sobre teorias de currículo, das
tradicionais às críticas, focalizando na discussão curricular no campo da
escolarização de jovens e adultos, fazendo alguns indicativos curriculares para essa
modalidade de ensino.
2.1 DAS TEORIAS TRADICIONAIS ÀS TEORIAS CRÍTICAS DE CURRÍCULO.
Quando discutimos questões sobre uma nova proposição curricular,
questionamentos a serem feitos: que cidadãos pretendemos formar e para qual
modelo de sociedade? Que tipo de conhecimento é considerado válido e quais são
realmente importantes? Devido à existência de uma estreita relação entre a forma
de organização da sociedade, os objetivos da educação e a forma como a escola se
organiza (FREITAS, 2002), essas perguntas convergem na discussão acerca do
currículo, que não pode ser compreendido (e transformado) se não forem
consideradas suas conexões com as relações ideológicas e poticas de uma
determinada sociedade.
O campo do currículo, como objeto específico de estudo e pesquisa, teve
suas origens no final do século XIX e no começo do século XX nos Estados Unidos.
Nesse mesmo período, o capitalismo estava em pleno desenvolvimento no mundo e
houve mudanças importantes no funcionamento dos sistemas de produção para
possibilitar maior acumulação de capital com os meios de produção em poucas
mãos.
A modalidade de organização do trabalho vigente era o fordismo e o
taylorismo. Pela escola fazer parte da sociedade, essas estratégias de produção
foram reproduzidas no interior dos sistemas educacionais, sendo que uma forma de
garantir essa reprodução foi por meio do currículo. O fordismo e o taylorismo, no
âmbito educacional, fazem com que nem alunos nem professores possam participar
do processo de reflexão e crítica sobre a realidade no currículo (SANTOMÉ, 1998).
A análise mais específica do contexto histórico nos Estados Unidos indica que
o país passava por um momento em que a classe média sentia que sua ordem
social estava em risco. Com o avanço do capitalismo e o crescente processo de
36
industrialização, as cidades estavam sendo habitadas por imigrantes da Europa e
por negros. Essas pessoas, consideradas diferentes pela população estadunidense,
eram vistas como uma ameaça à hegemonia, podendo desordenar a identidade
nacional.
Frente às ondas de imigração, os intelectuais viam a necessidade de um
instrumento de controle social como forma de “defesa”. Assim, significados, valores,
crenças e padrões de comportamento da classe média passaram a ser impostos aos
imigrantes através da escola. O currículo era utilizado como um instrumento de
coerção. Como descreve Apple, as escolas
[...] eram vistas cada vez mais como um conjunto de instituições que
“formariam pessoas que deteriam os valores tradicionais da vida
comunitária (uma vida que nunca pôde realmente ter existido dessa forma
ideal) e, também, as normas e tendências exigidas de um trabalhador
diligente, econômico e eficiente para essa base industrial. [...] a escola foi
declarada a instituição fundamental que resolveria os problemas da cidade,
o empobrecimento e a decadência moral das massas e, progressivamente,
adaptaria os indivíduos a seus respectivos lugares numa economia
industrial (APPLE, 2006, p. 107).
Entretanto, quando os intelectuais da área passaram a tratar diretamente da
estruturação do currículo, o problema não era mais a manutenção da hegemonia de
membros da comunidade, mas sim a manutenção da hegemonia daqueles
considerados donos de um alto quociente de inteligência numa comunidade em que
a massa da população era considerada portadora de inteligência mediana. Os
dotados de alto quociente de inteligência precisavam ser educados para guiar o país
e deveriam pensar pela massa da população, que, por sua vez, precisava ser
instruída a aceitar essas convicções e padrões, subordinando-se aos seus líderes.
As práticas cotidianas que se encontram dentro da instituição escolar, sejam
elas procedimentos de avaliação, pontualidade, asseio ou formação de hábitos,
estão entrelaçadas a estruturas econômicas, sociais e ideológicas que se encontram
fora do prédio da escola. Assim, para compreender os interesses sociais e
ideológicos que levaram à atual seleção e organização do currículo, reconhecendo
que poder e cultura estão conectados como “atributos das relações econômicas
existentes numa sociedade” (APPLE, 2006, p. 104), é necessário visualizar essas
relações através da história de constituição do currículo como área de estudo.
As primeiras teorias acerca do currículo, chamadas teorias tradicionais, são
caracterizadas pela “neutralidade”, desinteresse e aceitação dos conhecimentos e
37
saberes dominantes. Seus principais representantes firmaram qual deveria ser a
relação entre o currículo e o controle social e percebemos que ainda grande
influência desses teóricos nos currículos contemporâneos. Segundo Silva (2007, p.
12) “o modelo institucional dessa concepção de currículo é a fábrica”, que era
frequentemente comparada às escolas.
Nas instituições escolares, o que vem ocorrendo é a manutenção desta visão
tradicional, em que a base da escolarização está em um conjunto de interesses que,
reunidos, incorporam uma ideologia ainda conservadora. As teorias tradicionais
acabam por se concentrar em questões técnicas e de organização, tomando
resposta à questão “Dado que temos esse conhecimento (inquestionável?) a ser
transmitido, qual é a melhor forma de transmiti-lo?” (SILVA, 2007, p. 17). O interesse
dos modelos tradicionais de currículo não está em fazer qualquer tipo de discussão
mais radical referente à educação, sendo definido tradicionalmente como
[...] uma intenção prescritiva, situada no plano do que deve ocorrer ou do
que tem que ser feito, de uma formação antecipadamente determinada em
termos de resultados de aprendizagem, geralmente traduzida num plano de
estudos, ou num programa, muito estruturado e organizado na base de
objetivos-conteúdos-atividades-avaliação e de acordo com a natureza das
disciplinas (PACHECO, 2005, p. 31).
A partir da década de 1960, este cenário começou a ser mudado e as teorias
tradicionais passaram a ser contestadas em um momento de grandes agitações e
transformações no Brasil e no mundo: movimentos de independência das antigas
colônias européias, protestos estudantis na França e em outros países, continuação
do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos, protestos contra a Guerra do
Vietnã, movimento feminista, liberação sexual, lutas contra a ditadura militar no
Brasil (SILVA, 2007).
Ao considerarmos a educação como um fenômeno social de superestrutura,
utilizando um conceito de Marx, é fundamental relacionarmos as mudanças sócio-
econômicas da sociedade com a história da educação. Alterações na estrutura da
sociedade, como por exemplo, nos modos de produção, influenciam a organização
da superestrutura, no caso específico, a educação (PONCE, 2003). Dessa forma,
assim como, na metade do século XX, o fordismo e o taylorismo tiveram grande
influência na educação, o modelo toyotista também deixou as suas marcas. Os
conceitos anteriormente citados (autonomia, flexibilidade, desfragmentação),
passaram a fazer parte da linguagem escolar, com um currículo mais flexível,a
38
valorização do trabalho em equipe e da figura do professor (o trabalhador da
fábrica). A escola procurava formar um novo tipo de sujeito para se adaptar às
mudanças do mercado.
Nesse período é colocada em pauta a discussão da relação entre as
estruturas econômicas e sociais com o currículo. Surgem assim as teorias críticas,
marcadas pelos questionamentos acerca das conexões entre conhecimento,
identidade e poder e pela desconfiança do status quo, responsabilizando-o pelas
injustiças e desigualdades existentes na sociedade. De acordo com Silva (2007, p.
30), “para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer
o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o
currículo faz”.
A dinâmica capitalista gira em torno das relações de poder que se
estabelecem na sociedade, caracterizada pela dominação dos que detêm o controle
sobre aqueles que possuem apenas sua força de trabalho (APPLE, 2006). Isto afeta
tudo aquilo que ocorre em outras esferas, como é no caso da educação. Assim,
acreditamos, de acordo com perspectivas críticas, que o currículo o é um
elemento neutro, inocente e desinteressado e está relacionado com a reprodução
das estruturas econômicas e sociais vigentes. Para Apple, duas coisas são
fundamentais na compreensão deste controle social ocorrido na escola:
A primeira é que se vêem as escolas como que compreendidas na sua
relação com outras instituições econômicas, políticas e culturais, onde as
últimas têm relativa autonomia com referência às primeiras. Ou seja, as
escolas existem através de suas relações com outras instituições mais
poderosas, instituições que estão unidas de um modo tal que produzem
desigualdades estruturais de poder e de acesso a recursos. A segunda é
que essas desigualdades são reforçadas e reproduzidas pelas escolas
(embora não apenas por elas, é claro). Através de suas atividades
curriculares, pedagógicas e de avaliação, na vida cotidiana nas salas de
aula, as escolas desempenham um papel importante na preservação, senão
na criação dessas desigualdades (Ibid., p. 104).
Apple fala da finalidade hegemônica a qual as escolas estão submetidas, em
que valores e tendências culturais e econômicas são transmitidos aos alunos
através do currículo. Este desempenha um importante papel não só na relação entre
a escola e a comunidade, mas entre a escola e outras instituições.
Contudo, para Apple, não é suficiente afirmar que um vínculo entre as
estruturas sociais e econômicas e a educação (e o currículo), pois este vínculo é
mediado por processos que se dão no campo da educação. Dessa forma, o que
39
ocorre nesta, não pode ser simplesmente deduzido do funcionamento da potica ou
economia, havendo outros fatores envolvidos, como por exemplo, a cultura e a
ideologia (Ibid.). Isso remete ao fato de que o currículo é permeado pela ideologia
que, segundo Demo (2007, p. 18), pode ser entendida como o “caráter justificador
das posições sociais vantajosas, sendo intrinsecamente tendenciosa, dentro de
interesses determinados”.
Silva (2007) ao discutir as idéias de Althusser, filósofo francês marxista,
afirma que a escola constitui-se como um aparelho ideológico central, pois atinge
praticamente toda a população por um período prolongado de tempo. Entretanto,
essa dominação pode ser contestada e nesse sentido, Silva fala do conceito de
hegemonia discutido por Gramsci:
É o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como um campo
contestado, como um campo onde os grupos dominantes se vêem
obrigados a recorrer a um esforço permanente de convencimento ideológico
para manter sua dominação (Ibid., p. 46).
Ao falar do conceito de hegemonia, Apple ressalta o fato de que a reprodução
social não é um processo tranquilo e garantido. Baseado na teorização sobre
currículo de Apple, Silva afirma:
As pessoas precisam ser convencidas da desejabilidade e legitimidade dos
arranjos sociais existentes. Mas esse convencimento não se sem
oposição, conflito e resistência. É precisamente esse caráter conflagrado
que caracteriza um campo cultural como o do currículo. Como uma luta em
torno de valores, significados e propósitos sociais, o campo social e cultural
é feito não apenas de imposição e domínio, mas tamm de resistência e
oposição (SILVA, 2007, p. 49).
Por entendermos o currículo como um campo de resistência, é fundamental
pensarmos que tipo de conhecimento será importante para a formação dos sujeitos
da EJA com diversas capacidades, como autonomia intelectual e pensamento
crítico. Além disso, tentar usufruir da politecnia realizada no campo pedagógico que
privilegia a elaboração conceitual ao produto do conhecimento, desenvolvendo o
saber que fundamenta a técnica e a essência da busca pelo conhecimento.
A análise das teorias tradicionais às críticas nos permite inferir que é preciso
interpretar o currículo não como resultado de um processo evolutivo, que vai se
aperfeiçoando com o decorrer do tempo, mas que nesse processo histórico há
descontinuidades e rupturas (GOODSON, 1995). Nessa análise é fundamental frisar
que diferentes currículos produzem diferentes pessoas, que não se reduzem a
40
diferenças individuais, mas diferenças sociais, ligadas à classe, à raça, ao gênero.
Dessa forma, de se reconhecer que a inclusão ou exclusão no currículo tem
conexões com a inclusão ou exclusão na sociedade (SILVA, 1995).
O currículo ao ser encarado como uma prática social, e não como um
produto, precisa ser desenvolvido no âmbito da práxis, que envolve a reflexão e a
ação. A práxis curricular precisa ter lugar no real, não em um mundo hipotético, logo
a construção de um determinado currículo não pode ser separada do ato de sua
implementação, voltada para situações de aprendizagens hipotéticas, com alunos
imaginários (PACHECO, 2001).
Nesse sentido, voltamos nossa atenção à sinalização curricular para o público
específico da EJA, considerando que o currículo é uma construção mediada por
lutas políticas e sociais e que a aprendizagem deve estar ligada à história de vida
dos indivíduos, para que eles se engajem nesse processo.
2.2 SINALIZAÇÕES CURRICULARES PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS.
Um discurso importante, ligado ao campo da EJA, que vai ao encontro da
teoria crítica de currículo, é do educador Paulo Freire. Embora não tenha teorizado
especificamente sobre currículo seus questionamentos estavam baseados em “o
que ensinar?”. Além disso, o autor faz críticas ao currículo tradicional, por estar
fundamentado em questões técnicas e não se preocupar com a individualidade de
cada educando. Freire e Shor afirmam que
Esses currículos falsamente neutros formam os estudantes para observar
as coisas sem julgá-las, ou para ver o mundo do ponto de vista do consenso
oficial, para executar ordens sem questioná-las, como se a sociedade
existente fosse fixa e perfeita. Os cursos enfatizam as técnicas e não o
contato com a realidade (FREIRE; SHOR, 1986).
Freire (2005) critica a educação como prática de dominação, que visa manter
a ingenuidade dos educandos para acomodá-los no mundo da opressão. Contra
isso, o autor defende a educação para a libertação, que humaniza os homens, para
que não sejam apenas depósitos de conteúdos, mas que tenham a consciência do
mundo e saibam compreender suas relações com o mesmo.
41
Para Paulo Freire uma questão primordial para uma educação libertadora é a
superação da contradição educador-educandos, pois assim poderá haver
verdadeiro diálogo entre os mesmos. Com essa visão o educador não é apenas o
que educa, mas é aquele que enquanto educa é educado por meio do diálogo com o
educando. Logo, a educação como prática da liberdade é pautada na dialogicidade,
em um processo que todos aprendem, simultaneamente, rompendo com o método
tradicional de transmissão/recepção.
Com essas ações podemos dar os primeiros passos para a superação da
Educação Bancária, conceito bastante discutido por Paulo Freire. Nessa visão de
educação “o saber é uma doação dos que se julgam bios aos que julgam nada
saber” (Ibid., p. 67). Paulo Freire propõe a Educação Problematizadora que tem um
caráter reflexivo e implica num constante desvelamento da realidade.
Enquanto, na concepção bancária [...] o educador vai “enchendo” os
educandos de falso saber, que são os conteúdos impostos, na prática
problematizadora, o os educandos desenvolvendo o seu poder de
captação e de compreensão do mundo que lhes aparece, em suas relações
com ele, não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade
em transformação, em processo (Ibid., p. 82).
A prática educativa necessita se reconhecer como prática política e se
recusar a se aprisionar nos aspectos burocráticos de procedimentos escolarizantes.
Na formação de grupos populares vários conteúdos que são importantes, no
entanto, os educadores devem ensiná-los quanto à análise que aqueles fazem da
realidade concreta (Id., 2007). A educação problematizadora considera a
historicidade dos homens. A partir da situação existencial e concreta dos educados,
os professores poderão organizar o conteúdo programático da educação (Id., 2005).
Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão de mundo, ou tentar
im-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar
convencidos de que a sua visão do mundo, que se manifesta nas várias
formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo, em que se constitui. A
ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa
situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto. Por isto
mesmo é que, muitas vezes, educadores e políticos falam e não são
entendidos. Sua linguagem não sintoniza com a situação concreta dos
homens a quem falam. E sua fala é um discurso a mais, alienado e
alienante (Ibid., p.100).
Dessa forma, o educador ao estabelecer um diálogo com a realidade dos
alunos poderá fazer a investigação do conjunto de temas vivenciais a serem
trabalhados. Esses temas existem nos homens, em suas relações com o mundo
42
referindo-se a fatos concretos (Ibid.). O diálogo, entre educadores e alunos, através
dos temas vivenciais é possibilitado a partir da valorização das experiências vividas
pelos alunos, suas opiniões e sua criatividade (MUENCHEN, 2006).
Os temas vivenciais partem do mais geral ao mais particular. O conhecimento
mesmo sendo total é também local, pois se constitui em grupos locais a fim de
resolver suas necessidades e avança à medida que o seu objeto amplia (SANTOS,
2002). Cabe ao professor fazer com que através das operações cognitivas os alunos
relacionem o local com o geral de forma a utilizar os conceitos apreendidos em
outros contextos.
A característica básica desta forma de organização curricular é tentar superar
o modelo centrado na reprodução de conteúdos escolares que são apenas
reproduções dos livros didáticos, e que não fazem sentido e tampouco despertam o
interesse dos alunos. A escola precisa ganhar espaço como instituição que busca
estabelecer um currículo culturalmente situado, com a comunidade no centro das
discussões (MESSER, 2007). Dessa forma, no âmbito da EJA, é importante dar
destaque aos seus educandos, que possuem ricas histórias de vida para contribuir
com essas discussões, rompendo com o processo excludente que está sendo
reproduzido na escola.
Quando adotamos essa perspectiva, no momento da abordagem dos
conteúdos, temos a chance de contribuir para a formação crítica do aluno, para
instigá-lo a questionar as situações da sociedade. “Quê? Por quê? Para quê? Por
quem? Para quem? Contra quê? Contra quem? A favor de quem? A favor de quê?”,
são perguntas que segundo Ana Freire (1996) têm que ser feitas para provocarem
os alunos em torno da substantividade das coisas, de suas razões e finalidades.
Nesse âmbito é necessário questionarmos quais conteúdos são realmente
válidos. Segundo Lopes (1999), o processo de seleção cultural da escola, como o
saber ou conhecimento, parte essencialmente dos segmentos da cultura valorizada
socialmente. Dessa forma, a produção simbólica das classes trabalhadoras
geralmente não é elevada ao patamar de conhecimento ou saber, sendo
denominada de folclore, religião ou crenças. Acreditamos que o conhecimento
cotidiano é importante no processo de ensino-aprendizagem. Lopes (1999)
discutindo as idéias de Bachelard, afirma que no processo de conhecermos algo,
este se contra uma coisa anterior, contra nossas primeiras impressões. Nesse
sentido, contra o conhecimento cotidiano temos o conhecimento científico.
43
Nosso intuito, ao propor uma abordagem dos conteúdos por temas vivenciais,
não é sobrevalorizar ou igualar o conhecimento cotidiano ao conhecimento científico.
Sabemos que há diferentes formas de conhecer, o que gera diferentes instâncias de
saber. Sendo assim, não há por que defender uma igualdade epistemológica entre
essas instâncias do conhecimento (Ibid.). Podemos dizer que o conhecimento
científico e o conhecimento cotidiano são formas diferentes do saber, mas que
nenhum substitui o outro. Lopes afirma que:
Dentre os diferentes saberes sociais, o conhecimento científico e o
conhecimento cotidiano se mostram como dois campos que diretamente se
inter-relacionam com o conhecimento escolar nas ciências físicas, mas não
sem contradições. Primeiro, porque o conhecimento escolar, por princípio,
se propõe a construir/transmitir aos alunos o conhecimento científico e, ao
mesmo tempo, é base da transmissão/construção do conhecimento
cotidiano de uma sociedade (Ibid., p. 104).
Com base nessa discussão percebemos que o conhecimento escolar nega e
afirma, ao mesmo tempo, o conhecimento cotidiano. O processo de ruptura com o
cotidiano implica em um retorno modificado ao próprio cotidiano, que um
enriquecimento do conhecimento nessa esfera (Ibid.). Heller (1970) discute o
cotidiano dos indivíduos e afirma que a vida cotidiana é a vida de todo o homem
inteiro. Mesmo que todas as capacidades intelectuais dos sujeitos estão em
funcionamento, é praticamente impossível que todas elas estejam em seu ápice de
desenvolvimento. Ou seja, não damos conta de desligarmos completamente da
cotidianidade. No entanto, ao desenvolvermos por completo uma de nossas
potencialidades atingimos a atividade humano-genérica de forma a alcançar o
desligamento com a cotidianidade (Ibid.).
Heller sustenta que as idéias necessárias à cotidianidade jamais se elevam
ao plano da teoria, do mesmo modo como a atividade cotidiana não é práxis e que a
atividade prática de um indivíduo se eleva à práxis quando desenvolve uma
atividade humano-genérica consciente. Para conhecer a realidade cotidiana, “o ser
humano precisa ser arrancado da familiaridade fetichizada e ver revelada sua
alienação” (LOPES, 1999, p. 142).
Assim, ao considerarmos o cotidiano na elaboração de uma proposta didática
é importante não cair no eufemismo de aceitar, sem questionamentos, o cotidiano
alienado e fetichizado dos indivíduos. Young (2007) em sua discussão sobre para
que servem as escolas afirma que o currículo precisa levar em consideração o
44
conhecimento local e cotidiano que os alunos trazem para a escola, no entanto, esse
conhecimento não poderá ser a base para o currículo. Se assim for, a escola não
terá nenhuma utilidade e sempre deixará os alunos na mesma condição. O autor
defende que é necessário trabalhar com conhecimentos poderosos, que se refere,
por exemplo, a conhecimentos que fornecem explicações confiáveis ou novas
formas de se pensar a respeito do mundo.
Nesse sentido, para o aluno atuar na sociedade, tendo consciência do
processo de opressão da cotidianidade e mesmo do conhecimento científico, a
estrutura curricular precisa estar voltada para o rompimento das ideologias da
sociedade dominante. O conhecimento científico precisa ser trabalhado para
promover a capacidade de abstração do sujeito para que este saiba analisar a
sociedade da qual faz parte. E o conhecimento cotidiano como parte da constituição
do indivíduo, que é sempre unidade vital de particularidade e genericidade
(HELLER, 1970), é essencial na luta contra a alienação, bem como o conhecimento
científico.
Cabe ressaltar que a valorização das experiências, do cotidiano, não significa
que os conteúdos serão ignorados e que ficaremos apenas no saber do aluno. Os
educadores populares têm nos sonhos, frustrações, medos, desejos e experiências
o ponto de partida para a ação e não um ponto de chegada (FREIRE, 2007).
Segundo Freire
[...] partir do saber que os educados tenham não significa ficar girando em
torno deste saber. Partir significa pôr-se a caminho, ir-se, deslocar-se de um
ponto a outro e não ficar, permanecer. Jamais disse [...] que deveríamos
girar embevecidos, em torno do saber dos educandos, como mariposas em
volta da luz (FREIRE, 1992, p. 70).
Contra a abordagem superficial dos conteúdos propomos uma didática
diferenciada, que parta da vivência dos alunos, de por meio de uma situação
problema. Os conteúdos e os conceitos emergem a partir de discussões
deliberadas, tendo o professor como mediador das discussões. Nesta proposta, que
discutiremos mais adiante, houve a preocupação de não ficarmos reféns das
experiências dos alunos, mas ir além, contribuindo para a formação geral do
educando.
45
CAPÍTULO 3. METODOLOGIA DA PESQUISA E ETAPAS INICIAIS DE
INTERVENÇÃO.
Neste capítulo apresentaremos a metodologia de pesquisa e as etapas
iniciais de intervenção. Discutiremos as caractesticas da pesquisa-ação e
justificaremos o porquê de considerarmos nossa pesquisa ser uma pesquisa desse
tipo. Ainda detalharemos nossa proposta de intervenção didática e os pressupostos
teóricos utilizados na análise dos dados.
3.1 CONSIDERAÇÕES METODÓLOGICAS DA INVESTIGAÇÃO.
Este trabalho se caracteriza metodologicamente como uma pesquisa-ação.
Não certeza de quem criou essa metodologia de pesquisa, mas geralmente é
atribuída a Kurt Lewin em 1946 (PEREIRA, 2003) que valorizava as relações
humanas, dando enfoque à transformação, que ia desde mudanças de atitudes e
julgamentos da sociedade a mudanças de hábitos alimentares. Voltada para a
educação, a pesquisa-ação é uma estratégia para o desenvolvimento de professores
e pesquisadores de forma que estes utilizem suas pesquisas para melhorar o ensino
(TRIPP, 2005).
A pesquisa-ação faz parte da investigação-ação. A investigação-ação é
utilizada como um termo mais geral para qualquer processo que siga um ciclo no
qual se aprimora a prática, pela ação, reflexão e investigação sobre a mesma. A
pesquisa-ação fazendo parte dessa categoria é vista como um processo contínuo,
repetitivo, em forma de espirais, sendo que cada ciclo fornece o ponto de partida
para a melhora seguinte. Nesse âmbito Tripp define o que venha a ser a pesquisa-
ação:
[...] pesquisa-ação é uma forma de investigação-ação que utiliza técnicas de
pesquisa consagradas para informar à ação que se decide tomar para
melhorar a prática [...] e as técnicas de pesquisa devem atender aos
critérios comuns e a outros tipos de pesquisa acadêmica (TRIPP, 2005,
447).
Esse tipo de pesquisa na escola está relacionado com diagnóstico de algum
problema prático cotidiano experimentado pelos professores, com a análise das
ações humanas (ELLIOT, 1997). Pereira discutindo as idéias de Elliot sustenta que
esse tipo de pesquisa
46
[...] é uma atividade empreendida por grupos com o objetivo de modificar
suas práticas a partir de valores humanos partilhados; não deve ser
confundida com um processo solitário de autoavaliação; é uma prática
reflexiva de ênfase social que se investiga, e o processo de investigar sobre
ela (PEREIRA, 1998, p. 162).
A pesquisa-ação é um processo que passa por espirais reflexivas e práticas
que incluem:
aclarar e diagnosticar uma situação prática ou um problema prático que
se quer melhorar ou resolver.
formular estratégias de ação.
desenvolver essas estratégias e avaliar sua eficácia.
ampliar a compreensão da nova situação.
proceder aos mesmos passos para a nova situação prática (Ibid., p.
162).
De acordo com a pesquisa-ação identificamos um problema, formulamos
estratégias para resolvê-lo e agimos para desenvolver e avaliar os procedimentos.
Através das observações e reflexões, ocorridas após a primeira implementação
(TRIPP, 2005), a ampliação da compreensão sobre a nova situação permitindo a
proposição de mudanças seguidas da ação, dando sequência aos espirais cíclicos.
Os dados da pesquisa são produzidos a partir das mudanças na prática durante a
nova implementação. Esse processo, como afirmamos, nunca é solitário.
Para Franco M. (2005) a pesquisa-ação deve ser crítica, o que pressupõe a
participação do grupo junto ao pesquisador, e que para alcançar de fato o problema
a ser modificado deve haver estudo profundo da práxis do grupo social, extraindo
fatos explícitos e implícitos na perspectiva de uma transformação. A autora critica os
pesquisadores que utilizam desse modo de pesquisa somente para implementar
projetos ou propostas, pensando neles próprios ou obedecendo a ordens superiores.
Se assim for a pesquisa-ação perde sua dimensão crítica e dialética.
O problema desta pesquisa, identificado na práxis social, foi: a falta de um
currículo e uma proposta de intervenção pedagógica que fosse ao encontro
das necessidades do público da EJA. Adiante, detalharemos cada etapa da
pesquisa.
47
3.2 ESCOLHA DO CONTEXTO E PRETENSÕES INICIAIS.
3.2.1 Descrição do contexto da pesquisa.
O trabalho de investigação aqui apresentado, caracterizado como pesquisa-
ação, foi desenvolvido no âmbito do Núcleo de Pesquisa em Ensino de Ciências -
NUPEC, da Universidade Federal de Goiás - UFG, que realiza uma ação de
interação entre alunos de graduação e mestrado das áreas de ciências, professores
formadores dos cursos de Química, Física, Biologia, Matemática e professores do
Ensino Básico. O núcleo tem como filosofia englobar em suas ações tanto o caráter
de pesquisa como o de extensão universitária, e se dedica ao estudo, discussão,
desenvolvimento e execução de projetos relacionados a esse campo de
conhecimento.
Um dos integrantes do NUPEC, desde a sua criação, é a professora da
disciplina de Química do curso Técnico Integrado em Cozinha na Modalidade de
Jovens e Adultos no IFG que, em 2006, estava se constituindo. Em reuniões
periódicas do NUPEC, a professora compartilhou suas preocupações e incertezas
quanto à elaboração de uma proposta curricular que contemplasse as
especificidades desse curso. Da discussão coletiva, emergiu a decisão de que a
elaboração e implantação da proposta didática e curricular da disciplina de Química,
bem como o processo de significação conceitual dos alunos nessa disciplina, seriam
objeto de investigação de alunos de Mestrado e de Iniciação Científica do NUPEC.
Essas ações se configuraram como a primeira etapa da pesquisa-ação.
Assim, no primeiro semestre de 2006 foi discutida e elaborada uma proposta
didática para essa disciplina, caracterizando a segunda etapa da pesquisa-ação. A
proposta discutida no NUPEC foi implementada no decorrer de 2006 e 2007, pela
professora da turma, um aluno de mestrado e uma então aluna de iniciação
científica, atual aluna de mestrado e autora deste trabalho. As aulas foram filmadas,
transcritas e analisadas, o que caracterizou a terceira etapa da pesquisa ação. Tal
pesquisa redundou numa dissertação de mestrado
5
, defendida e aprovada, artigo em
5
A dissertação de mestrado teve como título: Pesquisa Participante na Educação de Jovens e
Adultos: Uma Investigação dos Processos de Significação Conceitual na Disciplina de Química
(SOUSA, 2008).
48
congresso e em revista internacional
6
e trabalhos completos em congressos
nacionais
7
.
As análises realizadas nessa etapa da pesquisa apresentaram aspectos
positivos e negativos da proposta inicial e essa avaliação possibilitou-nos ampliar a
compreensão da nova situação que estava ocorrendo em 2008. Tal processo
caracterizou a quarta etapa da pesquisa-ação.
Essa ampliação da compreensão da nova realidade gerou a ocorrência de
reuniões de trabalho e uma nova proposta foi feita, implementada e avaliada. Essas
ações constituíram a quinta etapa da pesquisa-ação, que consiste na retomada em
espiral de todo o processo. A pesquisa apresentada nesta dissertação corresponde
a essa etapa.
Alguns integrantes do grupo deixaram de participar e outros novos
começaram a participar. A professora da disciplina de Química tornou-se
coordenadora do PROEJA na instituição, a aluna de iniciação científica se formou
em Licenciatura em Química, foi aprovada no processo seletivo do Mestrado em
Educação em Ciências e Matemáticas da UFG como aluna de mestrado assumiu as
aulas da disciplina de química do curso, no caráter de professora-pesquisadora.
Logo, a equipe de trabalho desta pesquisa foi composta pela professora formadora
(PF), coordenadora do NUPEC, pela professora (P) coordenadora do PROEJA no
IFG, pela professora da disciplina de química no IFG, autora deste trabalho,
denominada aqui professora-pesquisadora (PQ), e por dois alunos de Iniciação
Científica (IC).
No entanto, um fato novo ocorreu no NUPEC. No segundo semestre de 2006,
após concorrer a um edital blico da Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP,
empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT, o NUPEC
juntamente com professores da Escola de Engenharia Civil EEC da UFG, teve o
6
Os artigos publicados internacionalmente foram: Ensino de Ciências para Jovens e Adultos num
Curso Técnico de Nível Médio em Serviços de Alimentação (ECHEVERRÍA; COSTA; SOUSA, 2007)
no V Congreso Internacional Didáctica de las Ciencias; e Análisis del proceso de elaboración
conceptual en clases de química de un curso técnico de nivel medio para jóvenes y adultos (COSTA;
ECHEVERRÍA; SANTOS; RAMALHO, 2009) na Revista de Educacion de las Ciencias.
7
Alguns trabalhos completos apresentados em congressos nacionais foram: Educação Profissional
para Jovens e Adultos: do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico, um caminho de
superação? (SOUSA; ECHEVERRÍA; COSTA, 2008) no XIV Encontro Nacional de Ensino de Química
ENEQ; e Análise da elaboração conceitual nos processos de ensino-aprendizagem em aulas de
química para jovens e adultos: por uma formação integrada (COSTA; ECHEVERRÍA; SANTOS;
RAMALHO, 2009) no VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciência Enpec.
49
projeto O ensino de ciências para a conservação dos recursos naturais e o
ambiente construído
8
aprovado, com orçamento total previsto em R$ 500.000,00
9
.
O “Projeto FINEP tem o IFG como um dos coexecutores, e incorpora
elementos de estudos da área da Engenharia, Ciências Ambientais e Saneamento
no ensino médio às disciplinas de ciências (Química, Física. Biologia) e Matemática.
Por ser um projeto voltado para o curso em Cozinha todos os professores de todas
as disciplinas foram convidados a participar.
Este projeto denominado Projeto Biodigestor e Biodecompositor Doméstico:
Uma Proposta Para o Curso Técnico Integrado em Serviços de Alimentação
PROEJA na Perspectiva da Economia Solidária incorporou conteúdos das Ciências
Ambientais e passou a fazer parte da grade curricular do curso. Essa implantação foi
objeto de estudo para a pesquisa aqui apresentada, ou seja: com a equipe de
pesquisa formada para trabalhar no IFG, propomos e implantamos uma intervenção
didática - a quinta etapa da pesquisa ação acima mencionada- que se relacionou
com a temática do “Projeto FINEP”.
Ao adotarmos a metodologia da pesquisa-ação levamos em consideração o
tempo que teríamos para a realização da mesma. Pelo fato do projeto estar sendo
desenvolvido desde 2006, foi possível adotar essa estratégia, pois houve tempo de
retornar para a prática a partir de considerações feitas na pesquisa inicial.
Logo, por se tratar de um público específico, jovens e adultos, com um curso
estruturado em eixos temáticos, voltado para a área de alimentação, e que participa
de um grande projeto vinculado ao NUPEC, como estratégia político-metodológica,
optamos por trabalhar o tema “A Química dos Alimentos”. Assim sendo, atenderia
as especificidades do público da EJA, aos requisitos do curso e ao “Projeto FINEP”.
As aulas, estruturadas em temas vivenciais, foram inseridas no currículo por meio de
módulos, no quarto período do curso, elaborado a partir da problematização, que
envolveu situações vivenciadas pelos alunos.
Após a caracterização dos sujeitos do curso, do público de jovens e adultos,
das suas especificidades e necessidades, a pesquisa foi executada em quatro
etapas:
8
Nas reuniões do NUPEC, o projeto “O ensino de ciências para a conservação dos recursos naturais
e o ambiente construído” passou a ser denominado “Projeto FINEP”, em referência direta à sua
financiadora como forma de facilitar os diálogos a seu respeito.
9
Para maiores informações acessar o site: www.eec.ufg.br/cieeng.
50
1) planejamento conjunto, com a participação do PF, P, PQ, IC1 e IC2 da
estrutura de ensino da disciplina de Química para o curso a partir das análises feitas
anteriormente e da realidade dos alunos;
2) planejamento e re-planejamento conjunto entre PF, PQ, IC1 e IC2 das
atividades a serem desenvolvidas nas aulas;
3) ação pedagógica de PQ e IC1 em sala de aula;
4) análise conjunta entre PF, PQ, IC1 e IC2 da dinâmica discursiva dos
processos de ensino-aprendizagem dos conteúdos químicos discutidos nas aulas.
Concluindo, para que alcançássemos a espiral completa da pesquisa- ação
foram necessários quatro anos de pesquisa, que redundaram em duas dissertações
de mestrado, trabalhos em congressos e artigos. Analisando as características
desse tipo de metodologia, percebemos que novas pesquisas podem continuar a
partir desta, levando-se em consideração todas as ações já realizadas.
3.2.2 Proposta do projeto de intervenção didática
O tema “A Química dos Alimentos” foi trabalhado no segundo semestre de
2008. O projeto foi estruturado em módulos para serem desenvolvidos no decorrer
da disciplina. Nesse semestre foram dadas dezessete aulas de 1h30min. Os
módulos possuíam conteúdos e objetivos específicos além de avaliação
diversificada. Alguns professores das disciplinas do curso como Biologia,
Matemática, Nutrição e Português se dispuseram a participar do projeto e
planejaram as suas aulas a partir do tema do projeto, no entanto essa relação não
foi o foco deste trabalho, portanto não é apresentada aqui. Para a disciplina de
Química foram elaborados dois módulos que serão descritos abaixo.
No IFG o “Projeto FINEP” está relacionado com os temas “Biodigestor” e
“Compostagem”, por isso pensamos inicialmente quais seriam os conceitos que
poderíamos trabalhar vinculados a esses assuntos. Ao trabalharmos por projetos é
essencial preocuparmo-nos tanto com a execução quanto com os aspectos
pedagógicos relacionados à sala de aula. O nosso desafio, como já assinalamos, é a
construção de uma educação libertadora e nesse sentido, devemos garantir
condições de igualdade de oportunidade de formação para as pessoas jovens e
51
adultas, num momento em que a educação para o mundo do trabalho tem se
constituído em fundamento para a inserção social.
No primeiro módulo, o Módulo I, propusemos a discussão do subtema: a crise
dos alimentos e o “pão”. Iniciamos a estruturação do referido módulo pelo princípio
básico que sem alimentos não existência humana. Atualmente a maioria da
população mundial vive nas cidades e depende do campo para sua alimentação. Os
agricultores estão diante de dois desafios: produzir cada vez mais, frente ao
aumento populacional; e preservar os recursos naturais do Planeta.
Os biocombustíveis estão sendo apontados como um dos maiores vilões por
usar matérias primas agrícolas (milho, oleaginosas). Nos Estados Unidos, principal
produtor agrícola mundial, o uso de milho para a produção de etanol passou de 54,6
milhões de toneladas para 86,4 milhões de toneladas. No Brasil, os biocombustíveis
ainda não são apontados como problema, pois um número muito grande de
terras agricultáveis e a plantação de cana-de-açúcar ainda se restringe as áreas
destinadas para isso (PINHEIRO; ATHAYDE, 2008, p. 22).
Mas além dos biocombustíveis, existe uma forma ainda mais egoísta de se
“jogar” com a saúde e sobrevivência dos povos, a fuga dos especuladores da
economia mundial de ativos como o dólar e ouro, para negócios como os alimentos.
O mundo assiste especuladores aplicarem dinheiro em soja, milho, cana-de-açúcar,
com isso os preços aumentam significativamente. É uma forma egoísta de agir e
obedece a lógica capitalista. Soma-se também a questão política de altos subsídios
implantada pelos países de primeiro mundo, fato que está estreitando relações entre
Brasil, China, Índia e África do Sul, potências agrícolas, que estão pressionando os
países ricos a baixarem as taxas alfandegárias.
Diante desses fatos, que todo o grupo estava presenciando nos noticiários,
resolvemos problematizar essa discussão. Iniciamos a Atividade 1 do Módulo I com
a discussão do texto “Como alimentar o mundo(MIRANDA, 2008), da revista Carta
Capital na Escola (ANEXO A), para abordar os problemas da crise dos alimentos.
Como o pão é um dos alimentos principais na dieta do brasileiro, optamos por
discutir esse subtema no primeiro módulo do projeto, pois o relacionaríamos com a
discussão da crise e seria uma introdução às reações que ocorrem na compostagem
e biodigestão. Na segunda atividade, a Atividade 2, introduzimos a problematização
da produção do pão a partir dos conceitos químicos. Visitamos uma padaria, nas
proximidades do IFG, para observar os detalhes da produção de pão, enfatizando as
52
questões do trabalho do padeiro (carga horária diária, condições de trabalho,
formação profissional), questões de terceirização, maquinarias utilizadas na
produção do pão entre outros. Nessa atividade distribuímos antecipadamente um
roteiro de visitas.
Após a visita, na aula seguinte, houve uma grande discussão sobre a
atividade realizada. A padaria visitada não fabricava pão, apenas assava. Esse fato
novo e inesperado fez com que propuséssemos a discussão sobre terceirização,
modos de produção, mais valia, desemprego, precarização do trabalho e outros
temas relacionados. Por meio dessa atividade analisamos a compreensão que os
alunos têm do sistema no qual estamos inseridos, bem como suas visões sobre
essas questões. A partir da fala dos alunos introduzimos os conceitos utilizando
exemplos da vida cotidiana.
Na outra etapa da atividade, dentro do mesmo módulo, os alunos trouxeram
uma receita de pão para trabalharmos os aspectos químicos e bioquímicos dos
ingredientes utilizados, como carboidratos, proteínas e fermentação. Essa etapa foi
o fechamento da introdução sobre os ingredientes do pão. Após essa discussão
começamos a trabalhar a produção do pão e as reações envolvidas. Realizamos
essa aula em laboratório e foram desenvolvidas todas as etapas da preparação do
pão. Nesse momento vários conceitos foram trabalhados, como: reações químicas e
influências na velocidade dessas reações (aumento de temperatura, catalisadores,
superfície de contato) ligações químicas, desnaturação das proteínas, densidade
entre outros. Os alunos fizeram uma pesquisa individual sobre as leveduras
utilizadas para a produção do pão para a discussão da fermentação. Além dessas
discussões foram abordadas também questões históricas do pão, desde antes de
nossa era, e questões nutricionais, com a pergunta “por que o pão alimenta?”.
O Módulo I foi encerrado com a produção de um pão com ervas no laboratório
gastronômico do IFG. Nessa aula, foi solicitado dos alunos a todo o momento
explicarem teoricamente as reações químicas e os processos biológicos envolvidos
até chegar ao produto final que era o pão assado. Com essa atividade foi possível
discutir as dúvidas e questionamentos que os alunos tinham após as discussões
anteriores.
Esse módulo foi estruturado com os seguintes objetivos: i) discutir sobre os
problemas políticos, econômicos e sociais da crise dos alimentos; ii) discutir sobre as
condições de trabalho do padeiro de uma forma geral; iii) estudar os componentes
53
da farinha e a influência deles na produção do pão; iv) estudar as reações de
fermentação na produção do pão para reto-las na discussão de compostagem; v)
capacitar os alunos para discutir questões políticas; vi) identificar as ligações
químicas que se formam e se rompem na produção do pão.
No que se refere à avaliação entendemos que esta deve ser vista como um
processo e não com algo pontual (ABRAMOWICZ, 1998). Dessa forma, propomos
avaliações em todas as atividades, sendo que a participação dos alunos foi
essencial nesse processo. As avaliações propostas foram: uma redação com o tema
“Como alimentar o mundo em tempos de crise e as desigualdades existentes”;
roteiro de visita à padaria; lista de exercícios; auto-avaliação com as seguintes
perguntas: “O que eu aprendi?” “O que eu não aprendi?” “O que falta para melhorar
a minha aprendizagem?”; lista de exercícios e prova escrita sobre os conteúdos
trabalhados.
Para o Módulo I foram reservadas sete aulas de uma hora e meia cada. No
entanto, os alunos apresentaram grandes dificuldades nas discussões conceituais e
mesmo na linguagem básica da química, como identificação dos elementos na
tabela periódica. Dessa forma, utilizamos doze aulas para conseguirmos fechar a
discussão deste módulo. Diante das dificuldades apresentadas, o módulo II precisou
passar por grandes reformulações. Primeiro, pela redução do tempo devido à
necessidade das aulas extras para concluir as primeiras atividades e segundo, pelas
dificuldades apresentada pelos alunos.
Acreditamos que a aprendizagem é sempre parcial e se dá em diferentes
níveis. Como o conceito de fermentação envolve muitas discussões estruturamos o
Módulo II de modo a continuar discutindo reações químicas voltadas para a
compostagem e a biodigestão.
Nesse módulo propusemos a discussão dos lixos domiciliares produzidos e
abordamos a compostagem e o biodigestor. Uma preocupação, ao fazermos
projetos, é não fragmentar a discussão das atividades e sempre procurar fazer as
“amarras” das mesmas. Como abordamos inicialmente a crise dos alimentos e em
seguida o “pão” que é um dos alimentos que vem sofrendo aumento nos preços, na
Atividade 1 do Módulo II propusemos a discussão sobre o lixo, enfatizando os
aspectos ambientais, para reduzir a sua produção e promover a sua reutilização.
Iniciamos a atividade com uma visita ao aterro sanitário da cidade de Goiânia
com roteiro de visita previamente discutido. Antes da visita abordamos alguns
54
conteúdos como os microorganismos e a forma como eles reagem. Em seguida
discutimos o texto “Lixões: uma deplorável situação da vida humana”, do livro
Química e Sociedade (SANTOS; MÓL, 2005), para introduzir a problemática do
reaproveitamento (a política dos 3 R‟s
10
) e falar das diferenças entre lixões e aterro
sanitário.
A Atividade 2 do segundo módulo seria a construção de uma horta de ervas
finas reaproveitando os restos orgânicos para compostagem que utilizaríamos como
adubo no plantio de canteiros de ervas finas e na construção de um mini-biodigestor
que também aproveitaria restos orgânicos. Nessas atividades os alunos poderiam
observar as reações envolvidas e aprender a utilizar a energia proveniente desta
reação. Para finalizar a atividade propusemos uma visita ao Instituto de
Permancultura e Ecovilas do Cerrado - IPEC Pirenópolis, com roteiro de visitas.
Após a visita nosso intuito era a construção de um minibiodigestor para os alunos
poderem observar as reações ocorridas. Vale ressaltar que tanto o biodigestor
quanto o biodecompositor são propostos para serem montados no IFG em escala
normal, com verbas do “Projeto FINEP”, para de fato aproveitarem os produtos da
reação dentro da instituição.
Com a Atividade 2 o que pretendíamos era: i) introduzir as reações do
biodigestor e as etapas da compostagem (retomar as reações de fermentação); ii)
sugerir opções de alimentação alternativa; iii) desenvolver a preocupação em
conservar o meio-ambiente através de técnicas de reaproveitamento, analisando as
vantagens e desvantagens dos processos.
As avaliações propostas foram: roteiro de visita (Aterro Sanitário, IPEC);
apresentação, em sala de aula, das discussões realizadas na visita ao aterro
sanitário seguindo o esquema do roteiro de visita; participação na construção do
mini-biodigestor e na compostagem e lista de exercícios. Assim como na Atividade 1,
na Atividade 2 poderíamos abordar temas/conceitos como reação de fermentação;
energia; reações orgânicas; processos exotérmicos e endotérmicos; discussões
ambientais sustentabilidade, política dos três “R‟s”, lixo; temperatura e pH;
transgênicos; ferormônios e agrotóxicos.
A Atividade 1 do Módulo II foi mantida integralmente, pois essas discussões
permitem aos alunos melhorar a comunicação dentro de sala de aula. No entanto
10
A política dos 3R‟s significa Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Atualmente foi acrescido a essa política
mais 2R‟s que é Refletir e Repensar a problemática dos resíduos sólidos urbanos
55
apenas parte da Atividade 2 deste módulo foi executada. A visita ao IPEC ocorreu
em um horário fora da aula, com o acompanhamento de alguns professores das
outras disciplinas. a construção da horta e do mini-biodigestor não foi realizada,
por motivos de tempo e mudanças no planejamento inicial.
A partir das dificuldades dos alunos reavaliamos a metodologia de trabalho e
introduzimos a discussão de modelos científicos. Utilizamos uma dinâmica de
caixinhas de papelão lacradas com objetos não-identificados dentro delas. Foi
proposto aos alunos identificarem e representarem por meio de desenhos o que eles
achavam o que eram. Com essa atividade trabalhamos modelos, modelos químicos,
elementos químicos, substâncias e equações químicas.
Posteriormente a essa atividade, trabalharmos com os métodos de separação
de misturas a partir das propriedades específicas da matéria, abordando os tipos de
separação e classificação do lixo de acordo com suas propriedades. Realizamos a
destilação do caldo da cana-de-açúcar (garapa) sempre retomando os conceitos
anteriormente trabalhados. Nessa atividade discutimos os seguintes conceitos:
modelos atômicos, elementos químicos, substâncias, equações químicas, coleta
seletiva, extração por solvente, decantação, filtração, solubilidade, densidade e
reação de fermentação
A avaliação proposta para essa parte modificada foi, além da participação dos
alunos nas aulas, lista de exercícios e relatório do experimento. O Módulo II foi
executado em cinco aulas, totalizando as dezessete aulas.
No quadro 1 seguem as aulas do segundo semestre de 2008 com a turma.
Quadro 1
11
- Quadro geral das aulas da turma do Curso Técnico Integrado de Nível Médio
em Cozinha na Modalidade de Jovens e Adultos no segundo semestre de 2008.
Aula
Atividades desenvolvidas
Observações (Diário
de Campo)
1
11/08
Discussão sobre a crise dos
alimentos no Brasil e no mundo.
Leitura do texto: “Como alimentar
o mundo.” (MIRANDA, 2008).
Participação ativa dos
Alunos na discussão.
2
18/08
Introdução à química do pão,
analisando os ingredientes para a
sua produção. Importância das
etapas da preparação do pão.
Alunos sentem
dificuldades na
compreensão da
linguagem química
(fórmulas, nomes,
classificações).
3
25/08
Visita a uma padaria de um
supermercado em Goiânia.
Introdução à discussão da visita
no IFG.
Participação ativa dos
Alunos fazendo várias
perguntas com
observações
11
Proposta de apresentação dos dados por nós analisados no presente trabalho de investigação.
56
importantes.
4
01/09
Retomada da discussão da visita
à padaria e preparação de uma
massa de pão abordando as
questões químicas e bioquímicas.
Participação ativa dos
Alunos com várias
perguntas sobre as
questões discutidas e
sugestões na produção
do pão.
5
08/09
Continuação da produção do pão
com a discussão das questões
químicas e bioquímicas.
Alunos sentem
dificuldades no
entendimento da
explicação e da
linguagem química
utilizada.
6
15/09
Leitura do material didático
produzido pelo grupo de pesquisa
para responder as seguintes
perguntas: “O que aprendi?”; “O
que não aprendi?”; e “O que
precisa para eu aprender?”.
Alunos sentem
dificuldades para
entender a atividade
proposta.
7
22/09
Retomada das questões que os
alunos não entenderam na aula
anterior.
Alunos sentem
dificuldades na
compreensão da
linguagem química
(fórmulas, nomes,
classificações).
8
29/09
Resolução de exercícios a partir
de uma situação problemática:
“Porque o pão embatumou?”
12
.
Alunos têm dificuldade
na escrita e com a
linguagem química.
9
06/10
Avaliação Escrita.
Alunos demonstram
insegurança e
nervosismo no
momento da avaliação
escrita.
10
13/10
Produção de pão com ervas no
Laboratório Gastronômico do IFG.
Participação ativa dos
Alunos discutindo as
questões da produção
do pão.
11
16/10
Visita ao aterro sanitário (aula-
extra) .
Alunos ficam
empolgados com a
visita e discutem entre
si o que podem fazer
para diminuir os
impactos ambientais.
12
20/10
Discussão da visita ao aterro
sanitário.
Participação ativa dos
Alunos na discussão.
13
03/11
Apresentação do seminário sobre
a visita ao aterro sanitário pelos
alunos.
Alunos se
expressaram com
clareza.
14
10/11
Introdução à discussão de
modelos científicos a partir de
uma dinâmica com caixinhas de
papelão (SANTOS; MÓL, 2005).
Alunos ficam
dispersos no momento
da aula, fazendo
atividade de outra
disciplina.
15
17/11
Discussão dos métodos de
separação de misturas a partir
das propriedades específicas da
Participação ativa dos
Alunos na discussão.
Alunos fazem muitas
12
Embatumar é uma linguagem típica goiana utilizada para expressar que o pão não cresceu e ficou
encruado.
13
A política dos três R‟s significa: Reduzir, Reutilizar e Reciclar.
57
matéria.
perguntas.
16
24/11
Continuação da discussão dos
métodos de separação de
misturas com o exemplo
específico da destilação da
garapa.
Participação ativa dos
Alunos na discussão.
17
01/12
Resolução em grupo de
exercícios e discussão dos
conceitos trabalhados.
Alunos fazem muitas
perguntas e com
auxílio do professor
conseguem responder.
3.3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO PROCESSO DE ANÁLISE
Com o interesse de analisar o processo de significação conceitual e a
dinâmica das interações discursivas no contexto escolar, todas as filmagens das
aulas foram transcritas. Selecionamos três aulas de 1 hora e meia cada que
apresentaram uma rica discussão dos conceitos científicos e aspectos sociais e
econômicos. Tendo como referencial Mortimer et al. (2006) elaboramos mapas de
atividades que o estruturas que permitem ter uma visão global da seqüência de
uma aula e possibilitam representar como o tempo é gasto e como o espaço
interacional é utilizado pelos participantes. A partir dos mapas de atividades,
identificamos os episódios de ensino, que foram objetos de nossa análise. Episódios
de ensino são “um conjunto de enunciados que criam o contexto para a emergência
de um determinado significado (AMARAL; MORTIMER, 2006, p. 257). Nas
transcrições cada fala dos participantes foi denominada de turno.
Utilizamos para a análise das aulas a análise de discurso, pois é um
importante instrumento para entender a relação do mesmo com a construção do
conhecimento, enfocando os diferentes gêneros de discurso e tipos de texto que
circulam na aula (MORTIMER et al., 2007). Para essa análise buscamos subsídios
em Bakhtin, historiador e filólogo, que estudou a linguagem numa perspectiva
marxista.
Segundo Bakhtin (1999) a fala é de natureza social e está indissoluvelmente
ligada às condições de comunicação, que por sua vez, estão ligadas às estruturas
sociais. Dessa forma, a comunicação verbal não pode ser entendida se o
levarmos em conta uma situação concreta, ou seja, precisa-se levar o contexto em
consideração.
58
“A palavra é o fenômeno ideológico por excelência” (BAKHTIN, 1999, p. 36) e
realizando-se no processo de relação social, todo signo ideológico, e, portanto todo
signo lingüístico, vê-se marcado pelo horizonte social da época e de um grupo social
determinado (BAKHTIN, 1999). Desse modo, ao trabalharmos com jovens e adultos,
a análise do discurso, dos signos lingüísticos, é extremamente importante, pois nos
mostra aspectos desse grupo social específico, contribuindo para a elaboração de
uma proposta de ação didática em sala de aula.
Vigotski afirma que a palavra é o traço distintivo central de todo o processo de
abstração, e é bem enfático ao dizer que “o conceito é impossível sem palavras, o
pensamento em conceitos é impossível fora do pensamento verbal” (VIGOTSKI,
2001b, p.170). Sendo assim, a dimensão discursiva, que é mediada pela palavra, é
muito importante para analisarmos a formação conceitual que permita elaborar uma
proposta didática adequada para esse público.
Para a análise do discurso o que observamos são os enunciados. O
enunciado se pela conexão entre várias palavras (LURIA, 1979). Bakhtin (2003,
p. 300) afirma que “o enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e
não pode ser separado dos elos precedentes que o determinam [...] gerando nele
atitudes responsivas diretas e ressonâncias dialógicas. Além dos precedentes,
devemos considerar os subseqüentes da comunicação discursiva. Percebemos
assim que todo enunciado tem autor e destinatário e na análise das aulas não
podemos observar falas isoladas e sim os episódios de ensino, que possuem uma
sequência comunicativa.
Tipos relativamente estáveis de enunciados na esfera das atividades
humanas são os gêneros de discurso. Todas as nossas produções, sejam orais,
sejam escritas, se baseiam em uma forma-padrão relativamente estável de
estruturação de um todo e a isso denominamos de gêneros (KOCH; ELIAS, 2009).
As escolhas dos gêneros se o em função da situação, do meio em que estamos
inseridos.
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são
inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em
cada campo dessa atividade é integral o repertório de nero do discurso,
que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica
um determinado campo (BAKHTIN, 2003, p. 262).
A partir desses pressupostos, Bakhtin considera que a partir da apropriação
de um gênero de discurso, o indivíduo pode expressar livremente o seu projeto
59
discursivo. No ensino de ciências nós trabalhamos com o gênero da Ciência Escolar.
Logo, o processo de ensino-aprendizagem dos alunos está relacionado com a
apropriação da linguagem social da Ciência Escolar, reconhecendo e fazendo uso
deste gênero discursivo. Quanto mais se desenvolver e complexificar esse discurso
no aluno, mais ele estará apto a engajar-se e participar das enunciações desse tipo
de gênero.
60
CAPÍTULO 4. DINÂMICA DISCURSIVA NAS AULAS EM CONTEXTO CULTURAL
EPECÍFICO: RESULTADOS E DISCUSSÃO.
Neste quarto e último capítulo discutiremos as dinâmicas discursivas que
ocorreram nas aulas. Trata-se de um contexto específico, diferenciado de outras
pesquisas realizadas (MALDANER et al.,2003; MORTIMER; SCOTT, 2000;
AMARAL; MORTIMER, 2006), pois esta foi realizada em um curso técnico integrado
na modalidade de jovens e adultos. Analisaremos de forma geral as dezessete aulas
dadas e mais especificamente três aulas: a quarta, a décima quinta e a décima
sexta. Neste capítulo apresentaremos as categorias elaboradas a partir das análises
e fragmentos das aulas a fim de discutir a elaboração conceitual dos alunos do
curso.
4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS ALUNOS.
No segundo semestre de 2008 havia no curso cinco turmas. No entanto,
trabalhamos somente com a segunda turma, que estava cursando o quarto período.
A turma era composta por onze alunos e a faixa etária variava entre 23 e 49 anos. O
público era predominantemente feminino, tendo apenas um homem. Vários alunos
estavam mais de 15 anos sem estudar. Das dez alunas do curso, nove delas são
casadas e alegaram ter parado de estudar por terem engravidado e porque tinham
que “cuidar da casa” e da família. Além disso, alguns alunos afirmaram que o
trabalho também contribuiu para o abandono do estudo, pois gerava cansaço e
desmotivação.
A maioria dos alunos nasceu em cidades do interior de Goiás, tendo alguns
que moravam em fazendas e por isso entraram tardiamente na escola. Atualmente
os alunos que não moram em bairros da periferia de Goiânia, moram em cidades
vizinhas, sendo que o meio de transporte utilizado por todos é o coletivo urbano.
Dentre os alunos que trabalham, a maioria ganha no máximo um salário
mínimo e poucos possuem emprego fixo. Os alunos afirmaram que o retorno à sala
de aula se deu para ampliar seus conhecimentos e qualificação, em busca de um
emprego melhor, ou mesmo, para sair do desemprego. Frequentemente falam do
estudo como um meio de melhorar de vida e ter uma vida mais digna.
61
uma reclamação frequente por parte dos alunos que alegam não serem
valorizados dentro da instituição que estudam, por alunos de outros cursos e até
mesmo por professores. Afirmam que sofrem discriminação por causa da idade e da
posição social. No entanto, mesmo com as dificuldades demonstram vontade de
continuar os estudos. Esses sujeitos constituem um grupo cultural específico e
essas diferenças não podem ser negadas. Nesse sentido, para superar a execução
de mera função compensatória, em que os alunos não aprendem e objetivam
apenas o certificado, ambos, aluno e professor, precisam, antes de mais nada,
enfrentar esse desafio, comprometidos com uma educação de qualidade.
4.2 MAPAS DE ATIVIDADES E EPISÓDIOS DE ENSINO: ESTRUTURA DE
ANÁLISE.
Para efeito de análise foram consideradas as dezessete aulas de uma forma
geral. Após cada atividade realizada com a turma do Curso Técnico em Cozinha,
nosso grupo de pesquisa (PQ, IC1, IC2 e PF) reunia-se para discutir as práticas
realizadas e planejar as ações seguintes. Todas as atividades/aula foram registradas
em diário de campo, tanto de PQ quanto de IC1. Essa prática enriqueceu as
discussões, pois acrescentava as impressões e as observações de dois
pesquisadores, em pontos diferentes da sala de aula. As análises da aula, desse
modo, ocorreram a partir do diário de campo e das transcrições das aulas.
Para sistematizar as análises, e facilitar a criação de categorias, escolhemos
três aulas (4, 15 e 16 apresentadas no Quadro 1) para a elaboração dos Mapas de
Atividade e dos Episódios de Ensino. O motivo da escolha de tais aulas se deu pela
riqueza das discussões, seja de conceitos químicos seja de conceitos sociais e
econômicos, com boa participação dos alunos.
4.2.1 Aula 4 dia 01/09/2008.
Na aula 3, os alunos visitaram uma padaria próxima ao IFG, com a supervisão
de PQ e de IC1, onde foram apresentadas algumas técnicas de panificação pelo
padeiro responsável e as condições de trabalho dos profissionais dessa área. Um
aspecto interessante dessa visita se deu pelo fato da fabricação do pão ser
62
terceirizada, ou seja, a padaria apenas assava o pão. Isso gerou uma série de
discussões de caráter cio-político-econômico em sala de aula, propiciando um elo
entre as questões químicas e econômicas da fabricação do pão.
Após a visita, e pelos fatos nela ocorridos, nos reunimos e decidimos as
próximas ações, que seria a aula 4. Esta aula teve duração de 1h27min, com 599
turnos
14
. O Quadro 2 apresenta o Mapa de atividades da respectiva aula.
Quadro 2
15
Mapa de Atividades da aula 4 do dia 01/09/2008
A - alunos, P professora coordenadora do PROEJA, PQ - aluna de mestrado e professora da turma, IC1 aluno de iniciação
científica.
Tempo
(min.)
Atividade Desenvolvida
Principais
Conteúdos
Ações dos
Participantes
Comentários
2‟
P dá avisos
______
A fazem comentários dos
avisos
Aula começa com
alguns minutos de
atraso.
16
IC1 retoma
problematização da aula
anterior.
Questões sócio-
político-econômicas
da fabricação do pão,
mecanismos das
relações no mundo
do trabalho
A participam das
discussões
A falam das
experiências
vividas.
18‟
PQ discute aspectos
químicos na produção do
pão.
Composição química
do trigo e interação
intermoleculares,
fermentação
A participam da
discussão
A têm dificuldades
em compreender a
discussão.
10‟
Aula interrompida para
aplicação de questionário
por um grupo de
pesquisa
______
A respondem o
questionário
Quebra sequência
da aula.
40
PQ dá prosseguimento à
discussão dos aspectos
químicos envolvidos na
produção do pão.
Carboidratos,
proteínas, produtos
da fermentação e
Estados de
Agregação da
Matéria.
A dispersos.
A voltam a participar da
discussão.
A têm dificuldades
mas demonstram
interesse na
discussão.
1‟
P interrompe a discussão
devido ao término da
aula.
______
______
PQ não conclui a
discussão.
O Quadro 3 apresenta os cinco Episódios de Ensino identificados na aula 4,
com a sequência discursiva de cada episódio. Nesse mesmo quadro apresentamos
os turnos, inicial e final de cada sequência, bem como a quantidade total de turnos
de cada uma. Apresentamos também o conteúdo temático de cada sequência.
14
Cada fala dos participantes na transcrição foi denominada turno.
15
Proposta de apresentação dos dados por nós analisados no presente trabalho de investigação.
63
Quadro 3
16
- Episódios de ensino da aula 4 do dia 01/09/2008.
EPISÓDIOS
SEQUÊNCIAS
DISCURSIVAS
TURNOS INICIAL-
FINAL (TOTAL)
CONTEÚDO TEMÁTICO
Episódio 1
Reconhecendo os
mecanismos das relações
no mundo do capital
Sequência 1
11-27
(17)
Terceirização.
Sequência 2
27-74
(48)
Mais valia.
Sequência 3
75-94
(20)
Desemprego estrutural.
Sequência 4
95-103
(09)
Qualificação versus
emprego.
Episódio 2
Relembrando os aspectos
químicos dos ingredientes
(farinha de trigo e água)
utilizados na produção do
pão
Sequência 1
104-131
(28)
Influência do
amassamento do pão para
a formação do glúten.
Sequência 2
135-154
164-172
(18)
Composição da farinha de
trigo.
Sequência 3
172-181
(10)
Interações
intermoleculares.
Episódio 3
Reconhecendo o papel do
açúcar e do fermento
biológico na produção do
pão
Sequência 1
181-198
(18)
Temperatura ótima da
água.
Sequência 2
198-211
(14)
Discutindo a função da
água aquecida.
Sequência 3
211-225
(15)
Discutindo a proporção
água/farinha de trigo e a
ordem de adição dos
ingredientes.
Sequência 4
226-282
(57)
Açúcar e sua função no
preparo do pão. Fermento
biológico e sua
composição (leveduras).
Episódio 4
Significando a reação de
fermentação
Sequência 1
283-302
(20)
Reação de fermentação e
sua equação química.
Sequência 2
302-314
(13)
Tipos de álcoois. Álcool
nas bebidas.
Sequência 3
317-331
(15)
Retomada da discussão
sobre a fermentação.
Sequência 4
332-377
(46)
Regras da IUPAC para
nomenclatura dos alcoóis.
Discutindo número de
ligações, número de
carbonos, grupo hidroxila.
Sequência 4
378-422
(45)
O álcool e suas utilizações.
Sequência 5
424-457
(34)
Gás carbônico produzido
durante a reação de
fermentação. Estados de
agregação dos materiais.
Episódio 5
Retomando os
ingredientes na produção
do pão, em específico, a
farinha de trigo,
significando sua função na
panificação.
Sequência 1
459-484
(26)
Hidratação da farinha de
trigo.
Sequência 2
485-521
(37)
Interação entre proteínas e
carboidratos. Grupos
carboxila e amino.
Sequência 3
521-548
(28)
Ligação peptídica.
Sequência 4
548-592
(45)
Relação entre a
elasticidade da massa de
pão e a orientação das
proteínas.
16
Proposta de apresentação dos dados por nós analisados no presente trabalho de investigação.
64
4.2.2 Aula 15 dia 17/11/2008.
Na aula anterior, a aula 14, trabalhamos com a dinâmica das caixinhas de
papelão para a abordagem de modelos, como descrita no ponto 3.2.2. Nessa aula
os alunos ficaram dispersos. A participação foi baixa, quando comparada às outras
aulas e foi questionado o motivo pela falta de atenção. Segundo eles, no momento
da aula estavam fazendo uma atividade avaliativa de outra disciplina para entregar
naquele dia, pois não tiveram tempo para fazê-la em casa, devido ao trabalho ou
atividades domésticas. Alguns afirmaram também, que acharam a discussão
complicada, o que contribuiu para a apatia demonstrada na aula.
Na reunião habitual que a equipe fazia após as aulas e diante dos fatos
ocorridos após a aula 14 decidimos retomar alguns conceitos. A aula 15 foi
estruturada por perguntas e questionamentos, como havia sido feito em outras
aulas em que alcançamos êxito na participação. Com essa estruturação da aula
obtivemos uma excelente participação dos alunos, que se posicionaram de maneira
diferente em relação à aula anterior. Eles expuseram as dúvidas, responderam aos
questionamentos e participaram das discussões propostas.
A aula 15 teve duração de 1h31min, com 1161 turnos, ou seja, uma
participação bastante expressiva. Nessa aula se estabeleceu um diálogo com os
alunos, no momento das abordagens conceituais. Tais fatos serão melhor discutidos
posteriormente. No Quadro 4 está apresentado o Mapa de Atividades da referida
aula.
Quadro 4 Mapa de Atividades da aula 15 do dia 17/11/2008.
A - alunos, PQ - aluna de mestrado e professora da turma, IC1 aluno de iniciação científica.
Tempo
(min)
Atividades
Desenvolvidas
Principais Conteúdos
Ações dos
Participantes
Comentários
1‟
PQ organiza a sala para
início da aula.
______
A falam da
dificuldade na
execução da
atividade de casa.
______
9‟
PQ responde as
questões propostas na
aula anterior que
deveriam ser feitas em
casa.
Modelo, neutralidade na
observação da
realidade, fórmulas
moleculares,
representação dos
elementos químicos.
A participam das
discussões.
A demonstram interesse
pela discussão e
participam ativamente.
65
30‟
PQ retoma pergunta da
aula anterior.
PQ prossegue a
discussão sobre ligação
química.
Partículas elementares
dos átomos e elemento
químico.
Ligação química.
A participam da
discussão.
A têm dificuldade em
responder as questões
propostas.
A mostram dificuldades
na compreensão dos
conceitos.
49‟
PQ utiliza data-show
para demonstrar as
diferentes
representações de uma
molécula.
PQ prossegue a
discussão das
propriedades físicas e
métodos de separação.
PQ e IC1 introduzem a
explicação da
destilação da garapa
fermentada.
Elementos,
representação de
moléculas, substâncias
e nomenclatura dos
óxidos.
Densidade, ponto de
ebulição e fusão,
solubilidade, filtração,
extração por solvente e
arraste a vapor.
A participam da
discussão.
A têm dificuldades na
linguagem química, mas
demonstram interesse e
participam da
discussão.
2‟
PQ interrompe a
discussão devido ao
término da aula.
______
______
PQ não conclui a
discussão
No Quadro 5 está apresentado os Episódios de Ensino da aula 15.
Quadro 5 - Episódios de Ensino da aula 15 do dia 17/11/2008.
EPISÓDIOS
SEQUÊNCIAS
DISCURSIVAS
TURNOS INICIAL-
FINAL (TOTAL)
CONTEÚDO TEMÁTICO
Episódio 1
Discutindo questões
epistemológicas envolvidas
na construção de modelos.
Sequência 1
21-32
(12)
Neutralidade na observação da
realidade.
Sequência 2
33-53
(21)
Papel do modelo na apreensão da
realidade.
Sequência 3
54-68
(15)
Exemplos de modelos.
Episódio 2
Interpretando formas de
representação de moléculas,
átomos e elementos
químicos.
Sequência 1
69-94
(26)
Interpretação de fórmulas
moleculares.
Sequência 2
95-105
117-186
(81)
Representação dos elementos
químicos na Tabela Periódica.
Sequência 3
186-206
(21)
Retomada da interpretação de
fórmulas moleculares.
Episódio 3
Discutindo a estrutura e as
propriedades dos materiais.
Sequência 1
207-226
(20)
Partículas elementares dos átomos.
Sequência 2
226-248
(23)
Formação de íons: adição e
retirada de elétrons.
Sequência 3
248-329
(82)
Diferenças entre os elementos
químicos: os prótons.
Sequência 4
329-370
(42)
Introdução à discussão sobre
ligação química.
Episódio 4
Retomando a interpretação
de formas de representação
de moléculas, átomos e
elementos químicos.
Sequência 1
374-516
(143)
Formas de representação de
moléculas
Sequência 2
517-556
(40)
Breve discussão sobre
nomenclatura de compostos
inorgânicos.
Sequência 3
557-651
(95)
Propriedades das substâncias.
Sequência 4
658-679
(22)
Retomada da discussão sobre
formas de representação de
66
moléculas.
Episódio 5
Relembrando propriedades
específicas dos materiais.
Sequência 1
679-699
(21)
Densidade.
Sequência 2
699-743
(45)
Temperatura de fusão, temperatura
de ebulição e transformações dos
materiais.
Episódio 6
Discutindo processos de
separação de misturas
utilizados no dia-a-dia.
Sequência 1
744-762
(19)
Utilização das diferentes
propriedades dos materiais na
coleta seletiva do lixo.
Sequência 2
763-814
(52)
Filtração do café.
Sequência 3
815-883
(69)
Extração por solvente durante a
preparação do café.
Sequência 4
883-981
(99)
Arraste a vapor.
Episódio 7
Discutindo o experimento da
destilação da garapa.
Sequência 1
984-1003
1007-1018
(32)
Procedimento experimental.
Sequência 2
1019-1076
(58)
Diferenças entre a sacarose e a
glicose.
Sequência 3
1076-1083
1085-1148
(72)
Representação da transformação
química através de uma equação
química.
4.2.3 Aula 16 dia 24/11/2008.
As discussões promovidas na aula 15 não foram concluídas. Um dos motivos
foi a retomada não programada de conceitos. Nessa aula havíamos planejado fazer
a destilação simples da garapa e retomar outros conceitos trabalhados, como
reações químicas e representações das fórmulas e equações químicas. No entanto
não foi possível realizar a destilação. Continuamos então a discussão na aula 16. No
Quadro 6 está apresentado o Mapa de Atividade dessa aula.
Quadro 6 Mapa de Atividades da aula 16 do dia 24/11/2008
A - alunos, PQ - aluna de mestrado e professora da turma, IC1 aluno de iniciação científica.
Tempo
(min.)
Atividade Desenvolvida
Principais
Conteúdos
Ações dos
Participantes
Comentários
2‟
PQ solicita assinatura
dos alunos na lista de
presença.
______
A chegam atrasados.
A conversam entre si.
Aula começa com
alguns minutos de
atraso.
9‟
PQ retoma discussão da
aula anterior.
Métodos de
separação de
misturas,
propriedades e
composição dos
materiais.
A demoram a concentrar-
se.
A continuam chegando
após 12 minutos do
começo da aula.
A inicialmente
dispersos.
30‟
PQ discute estados de
agregação dos materiais,
utilizando exemplos.
Mudanças de fase
dos materiais,
diferença entre
evaporação e
ebulição, modelos de
partículas.
A participam da
discussão.
PQ retoma
conceitos diante da
dificuldade dos
alunos.
A falam das
67
experiências do dia-
a-dia
40‟
PQ e IC1 dão
prosseguimento à
discussão dos métodos
de separação de
misturas enfocando a
destilação da garapa.
PQ e IC1 mostram
experimento da
destilação.
Características do
álcool e da água
(constituição,
solubilidade, ponto de
fusão e ebulição,
interações
intermoleculares),
reação de
fermentação,
métodos de
separação para
obtenção do álcool.
A participam da
discussão.
A se espantam com o
resultado do
experimento.
A demonstram
interesse e maior
facilidade de
compreensão frente
ao experimento.
2‟
PQ finaliza a discussão
devido ao término da
aula.
______
______
PQ conclui a
discussão.
No quadro 7 estão apresentados os Episódios de Ensino da aula 16.
Quadro 7 - Episódios de ensino da aula 16 do dia 24/11/2008.
EPISÓDIOS
SEQUÊNCIAS
DISCURSIVAS
TURNOS INICIAL-
FINAL (TOTAL)
CONTEÚDO TEMÁTICO
Episódio 1
Relembrando os
métodos de separação
de misturas, e
reconhecendo as
características dos
materiais que
influenciam na
separação.
Sequência 1
27- 42
(16)
Métodos de separação
de mistura. Constituição
das substâncias.
Sequência 2
43-47
54-71
(23)
Propriedades
organolépticas.
Sequência 3
71-81
(11)
Densidade, temperatura
de fusão e temperatura
de ebulição.
Episódio 2
Significando a mudança
de estado de agregação
dos materiais utilizando
modelos de partículas.
Sequência 1
81-126
(46)
Mudanças de estado de
agregação dos
materiais.
Sequência 2
127-215
(89)
Diferença entre
evaporação e ebulição.
Interações
intermoleculares.
Sequência 3
216-245
253-269
(47)
Retomada da discussão
de mudanças do estado
de agregação dos
materiais.
Sequência 4
270-336
(67)
Modelos de partículas
para explicar fusão e
ebulição. Modelos de
partículas para sólidos,
líquidos e gases.
Sequência 5
337-383
(47)
Diagrama da mudança
de estado de agregação
dos materiais.
68
Episódio 3
Reconhecendo os
aspectos químicos da
garapa, as reações
envolvidas na produção
do álcool e os métodos
de separação.
Sequência 1
384- 426
(42)
Porcentagens de água
em etanol. Solubilidade
de líquidos.
Sequência 2
427-488
(62)
Discutindo as diferenças
entre os métodos de
separação estudados e
a importância das
propriedades dos
materiais para utilização
de cada um deles.
Sequência 3
488- 498
(11)
Constituição química da
garapa.
Sequência 4
498-521
(24)
Reação de fermentação
e seus produtos.
Sequência 5
523- 577
(55)
Discussão das
propriedades
específicas e dos
métodos de separação
utilizados para a
obtenção do álcool a
partir da garapa.
Episódio 4
Significando a
destilação a partir de
um caso específico:
Destilação da garapa.
Sequência 1
578-583
(6)
Apresentação da
aparelhagem utilizada
na destilação simples.
Sequência 2
583-630
(48)
Discussão do
experimento. Mudanças
de estado de agregação
dos materiais que
ocorrem na destilação.
Retomada da discussão
sobre temperatura de
fusão e ebulição.
Sequência 3
631- 650
(19)
Retomada da discussão
sobre Interações
intermoleculares (água
e álcool)
Sequência 4
651-717
(66)
Retomada da discussão
sobre os passos da
destilação simples.
4.3 As categorias.
A partir dos episódios analisados foram criadas quatro categorias:
Categoria 1 - Tipos de Discurso (Quadro 8), adaptada de Mortimer et
al. (2007);
Categoria 2 - Tipos de Abordagem do Conteúdo (Quadro 9) adaptada
de Maldaner et al. (2003);
Categoria 3: Intenções de Professor (Quadro 10) adaptada de Mortimer
et al. (2007);
69
Categoria 4: Tipos de Operações Epistêmicas (Quadro 11) adaptada
de Chif (1935) e Mortimer et al. (2007).
A categoria Tipo de Discurso está relacionada com a forma que o diálogo
pode ser estabelecido entre o professor e o aluno, a partir do direcionamento,
geralmente promovido pelo professor, do conteúdo. No Quadro 4 está apresentada
essa categoria.
Quadro 8 - Tipos de Discurso adaptadas de Mortimer et al. (2007).
Tipos de discurso
Definição
Discurso de conteúdo
Abrange os discursos do professor e dos alunos relacionados
ao conteúdo científico desenvolvido durante a aula.
Discurso de gestão de classe
Abrange os discursos relacionados às eventuais intervenções
do professor que visam o progresso adequado das atividades
durante a aula, sem intenção de desenvolver o conteúdo
científico.
Discurso de agenda
Abrange os discursos relacionados às intervenções do
professor para conduzir os alunos quanto a ordem do fluxo
dos conceitos científicos a serem discutidos durante a aula.
Discurso procedimental
Abrange os discursos relacionados às instruções para
procedimentos experimentais e montagem de aparatos.
Discurso de experimento
Abrange as ações do professor para demonstração de
experimentos.
Outros
Abrange discursos que não estão relacionados de nenhum
modo com o desenvolvimento das atividades durante a aula.
Em relação aos Tipos de Abordagem do Conteúdo considerou-se que esta
sempre é interativa, pois mesmo em momentos que os alunos ficaram em silêncio,
eles demonstraram estar atentos à fala do professor. Maldaner et al. (2003, p. 22)
afirmam que a sala de aula “proporciona a interação entre pessoas e desta forma é
sempre um ambiente interativo.”. A abordagem do conteúdo foi categorizada como
dialógica quando a opinião de mais de uma pessoa era considerada na continuidade
do discurso e monológica quando não considerava-se a opinião do aluno para a
continuidade do mesmo. Foram identificados quatro tipos de abordagem do
conteúdo conforme mostrado no quadro 3.
Quadro 9 - Tipos de Abordagem do Conteúdo adaptadas de Maldaner et al. (2003).
Tipos de abordagem
Definição
Interativa Dialógica
Problematizadora
diálogo entre professor e alunos através de uma
problematização. Nesse momento, considera-se a opinião de
mais de uma pessoa na continuidade do discurso.
Interativa Monológica
Problematizadora
um monólogo do professor quando criada uma
problematização. Nesse momento, considera-se apenas uma
opinião na continuidade do discurso.
Interativa Dialógica Significadora
Durante o processo de significação conceitual, estabelece-se
70
um diálogo entre professor e alunos e considera-se a opinião
de mais de uma pessoa na continuidade do discurso.
Interativa Monológica Significadora
Durante o processo de significação conceitual, o professor
não estabelece diálogo ou não considera as falas dos alunos.
As ações do professor dentro de sala de aula o deliberadas, portanto
sempre uma intenção. As Intenções de Professor identificadas estão
apresentadas no Quadro 6.
Quadro 10 - Intenções do professor adaptadas de Mortimer et al. (2007).
Tipos de intenção
Definição
Criar um problema
O professor procura envolver os alunos através de uma
problematização para guiar o progresso da discussão.
Explorar e trabalhar sobre os pontos
de vista alcançados
O professor explora os entendimentos e opiniões dos alunos
no desenvolvimento das idéias.
Introduzir e desenvolver o conteúdo
científico
O professor disponibiliza as idéias científicas aos alunos.
Guiar o trabalho de expansão das
idéias científicas
O professor oferece suporte para os alunos aplicarem as
idéias científicas, que estão sendo trabalhadas, a diferentes
contextos.
Fechamento
O professor faz (ou possibilita aos alunos fazerem) uma
análise geral da discussão realizada durante a aula e propõe
atividades para os alunos.
A categoria Tipos de Operações Epistêmicas considera como o conteúdo é
articulado no decorrer das interações em sala de aula e qual é a sua complexidade
do ponto de vista cognitivo. Foram identificados quatro tipos de operações e estão
no Quadro 7.
Quadro 11 - Operações epistêmicas adaptadas de Mortimer et al. (2007) e Chif (1935)
Tipos de operação
Definição
Descrição
Envolvem enunciados que abordam um objeto ou fenômeno a partir das
características de seus constituintes. Esses enunciados são baseados em
referenciais empíricos.
Exemplificação
Envolvem a contextualização em que um conceito científico é representado
por um dos seus objetos ou fenômeno.
Explicação
Envolvem enunciados que estabelecem relações causais a um sistema.
Esses enunciados vão além das descrições, pois promovem relações entre
conceitos e fenômenos, justificando-os.
Generalização
Envolvem enunciados desvinculados de referencial empírico que elaboram
descrições ou explicações independentes de um contexto específico.
Essas categorias serviram como instrumento para a análise da formação (ou
o) dos conceitos em aulas de químicas para os jovens e adultos.
71
4.4 A SIGNIFICAÇÃO CONCEITUAL DE JOVENS E ADULTOS.
Em nossas aulas, partimos de um problema concreto, considerando toda a
sua complexidade, para explorar o ponto de vista dos alunos, os conceitos
espontâneos, e assim introduzir os conceitos científicos. Para análise da significação
conceitual utilizamos Vigotski como principal referencial teórico. Vigotski, apesar da
morte precoce, aos 38 anos, deixou importantes contribuições sobre o estudo do
desenvolvimento dos conceitos científicos.
“O conceito espontâneo se manifesta na incapacidade para a abstração, para
uma operação arbitrária com esse conceito” (VIGOTSKI, 2001, p. 244). Tais
conceitos são elaborados em situações cotidianas, no momento de utilização da
linguagem, mas o individuo é incapaz de elevá-lo acima do significado situacional da
palavra (GÓES; CRUZ, 2006). Por outro lado, o conceito científico requer o
amadurecimento das funções psicológicas superiores, como atenção e lembrança
voluntárias, memória ativa, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de
planejamento, controle consciente do comportamento, entre outros. Neste caso,
ocorrem generalizações
17
e o uso consciente e arbitrário dos conceitos em diversas
situações, sem que haja necessariamente um referencial concreto diante dos olhos.
Apesar das diferenças entre conceitos científicos e espontâneos, Vigotski
afirma que ao falarmos do desenvolvimento seja de um ou do outro, trata-se do
[...] desenvolvimento de um processo único de formação de conceitos, que
se realiza sob diferentes condições internas e externas, mas continua
indiviso por sua natureza e não se constitui da luta, do conflito e do
antagonismo entre duas formas de pensamento que desde o início se
excluem (VIGOTSKI, 2001, p. 261).
Isso não indica que os conceitos científicos se desenvolvem exatamente
como os espontâneos, mas que aqueles não deixam de influenciar estes, pois estão
em interação constante. Para o desenvolvimento dos conceitos científicos, deve
haver determinado nível de maturação dos conceitos espontâneos.
17
Segundo Davídov (1988), pesquisador russo do grupo de Vigotski, generalizar é uma ação mental
consciente do indivíduo que por meio da palavra separa propriedades que se repetem em um grupo
de objetos e utiliza esta palavra em uma multiplicidade de outros objetos relacionando suas
propriedades (características). Esse processo possui uma relação inseparável com a abstração e se
constitui como fundamental para a formação dos conceitos científicos.
72
Cabe decir que la asimilación de los conceptos científicos se apoya en los
conceptos elaborados durante el proceso de la propia experiencia del niño
[...]. [...] el dominio del sistema de los conceptos científicos presupone la
existencia de un tejido conceptual ya elaborado, que se desarrolla mediante
la actividad espontánea del pensamiento [...] (VIGOTSKI, 1995, p. 199).
Mais especificamente em relação ao desenvolvimento dos conceitos
científicos, estes se constituem em três estágios (VIGOTSKI, 2001)
18
. Esses estágios
possuem várias fases, no entanto, nos deteremos apenas na discussão dos estágios
de uma forma geral. O primeiro estágio, o mais incipiente, pressupõe uma extensão
difusa e não direcionada da palavra, muitas vezes chamado de pensamento
sincrético. Nesta fase de desenvolvimento
[…] el significado de la palabra no está completamente definido, es un
conglomerado informe y sincrético de elementos individuales que, en las
ideas y las percepciones del niño, están de algún modo relacionados entre
si en una imagen (VIGOTSKI, 1995, p. 135-13).
O segundo estágio é o pensamento por complexos. Esse estágio é repleto de
abstrações fracas, vinculadas às experiências imediatas, sendo extremamente
instáveis. Não está no plano do pensamento lógico-abstrato, mas do real-concreto,
no entanto, constitui a base para as generalizações. Essa característica não está
vinculada somente às crianças, “a linguagem dos adultos também está cheia de
resíduos do pensamento por complexos” (VIGOTSKI, 2001, p. 180).
O terceiro e último estágio é o pensamento por conceitos, ou conceitos
verdadeiros. Esse estágio está repleto de abstrações e generalizações. O indivíduo
consegue aplicar uma palavra em diversos contextos e em situações complexas
como já discutido anteriormente. Cabe ressaltar que
Al describir la tercera y última fase del desarrollo del pensamiento infantil,
hemos de decir que de hecho las primeras etapas de esta fase no suceden
cronológicamente e la culminación del pensamiento en complejos. De
hecho, hemos visto que las formas superiores del pensamiento en
complejos, los denominados pseudoconceptos, constituyen una forma de
transición que se da también con frecuencia en nuestro pensamiento
cotidiano. Estas formas de pensamiento en complejos, estos
pseudoconceptos, se apoyan en el lenguaje cotidiano (VIGOTSKI, 1995, p.
165).
18
Vigotski em seus estudos se refere à formação dos conceitos na infância. No entanto,
frequentemente afirma que os estágios e características do desenvolvimento dos conceitos podem
ser verificados na idade adulta, principalmente se o indivíduo não recebeu estímulos externos, como
por exemplo, a escolarização, cujo objetivo é desenvolver os conceitos científicos. Dessa forma, em
nossas análises utilizamos sua teoria para estudar o desenvolvimento dos conceitos no público de
jovens e adultos.
73
Por isso, quanto mais estímulos e boas condições, como por exemplo, a
escolarização, o indivíduo tiver em seu desenvolvimento, maior será a capacidade
de lidar com o pensamento por conceitos. Uma das premissas nas ideias de Vigotski
(2001) é que o conceito possui origem social e que a sua formação envolve
primeiramente a relação com o outro, ou seja, primeiro o indivíduo é guiado pela
palavra do outro, e depois ele consegue utilizar as palavras e orientar o seu
pensamento.
Assim, na teoria histórico-cultural, o que se defende é que o aprendizado gera
desenvolvimento, ou seja, um bom ensino é aquele que promove desenvolvimento.
Isso rompe com determinantes internos e chama a responsabilidade do
desenvolvimento para os estímulos externos. “É de se esperar [...] que a
aprendizagem venha a revelar-se [...] como uma das principais fontes de
desenvolvimento dos conceitos infantis e como poderosa força orientadora desse
processo” (Ibid., p. 262).
Vigotski em suas análises observou que quando momentos programáticos
no processo educacional, e quando o indivíduo faz parte deste meio, o
desenvolvimento dos conceitos científicos supera o desenvolvimento dos
espontâneos. O ensino escolar deve estar voltado para o desenvolvimento do
pensamento teórico, que envolve generalizações e abstrações, contribuindo na
formação do homem, para que ele consiga compreender os acontecimentos através
da análise das condições de sua origem e desenvolvimento (DAVÍDOV, 1988).
4.4.1 As análises das aulas no Curso Técnico em Cozinha.
Para as análises realizadas na presente investigação utilizamos como base a
a teoria brevemente discutida anteriormente. Na criação das categorias, observamos
características comuns que se repetiam na estrutura geral das aulas e que
contribuíam para a análise do processo.
Consideramos, nas análises, as enunciações, que são os elos na cadeia da
comunicação discursiva, e envolvem tanto a fala dos professores quanto a fala dos
alunos. Os alunos frequentemente relatavam experiências, voltadas para as
impressões do cotidiano. Pelo fato das discussões serem deliberadas, com uma
intenção clara de desenvolver os conceitos científicos, as ações dos professores,
diante dos relatos, foram de considerá-las e de utilizá-las no decorrer da aula.
74
Na aula 4, a aula após a visita à padaria, os professores, no Episódio 1-
Reconhecendo os mecanismos das relações no mundo do capital - estavam
fazendo uma discussão sobre mais valia, na Sequência 2, como apresentado no
Quadro 3. Essa discussão foi realizada em 40 turnos, ou seja, houve participação
interessada dos alunos que buscavam exemplos para relacionar com a discussão. O
conceito de mais valia havia sido amplamente discutido, no entanto, continuavam
a relatar suas experiências, procurando fazer relações com as abordagens. Frente à
colocação de uma questão por um aluno, o professor continuou a discussão,
valorizando-a, mas com o intuito de prosseguir e abordar outro conceito, no caso,
desemprego estrutural, como apresentado no Quadro 12.
Quadro 12 - Fragmento da Sequência 2 e 3 do Episódio 1 - Aula 4
Turnos
Transcrição das falas
19
72
A
20
4: Os estagiários! As escolas mandam os estudantes! Vai ao trabalho, faz o serviço todo
e não ganha nem um salário mínimo direito!
73
IC1: Isso são mecanismos para você ter maior acúmulo de capital, na verdade hoje...
74
A4: Ainda não tem vale-transporte, não tem vale-alimentação, não tem nada! Ainda acha
bom ainda quando a empresa pega ele ainda pra ganhar um salário mínimo, né? E quando
contrata dá graças a Deus: “ai graças a Deus que eu vou!” ((vários alunos falam ao mesmo
tempo))
21
75
IC1: Então, nós estamos falando, vocês estão falando que tem muito desemprego, né? E
nesse modo de produção nós acabamos tendo o chamado desemprego estrutural!
76
A3: Eles falam que tem... está... tem muita vaga de emprego, mas devido a... como é que
fala?
77
PQ: A não qualificação!
78
IC1: Isso... eles falam isso...
79
A3: Qualificação! Mas o problema não é isso eu acho! Porque principalmente as pessoas
sabem ((inaudível)) sabe muito bem a profissão!
80
IC1: Eles falam isso mesmo, que não tem mão de obra especializada e que tem muitas
vagas de emprego, muitas vagas de emprego...
81
A4: E fora que eles não dão muita chance pra quem nunca trabalhou, né? Porque tem que
ter a tal da experiência!
82
A2: Ou então quem indique, né?
83
IC1: É! ((Vários alunos falam ao mesmo tempo))
84
A3: Igual eu... estava procurando um emprego... tem muita vaga de emprego, muita
vaga, porém, as pessoas... o quê? Não tem no papel que ela tem a experiência, mas na
verdade, às vezes, a pessoa tem mais experiência que alguém que estudou!
No turno 75 houve prosseguimento da discussão com o professor
considerando a fala de A4 nos turnos 72 e 74, mas sem perder o foco e ficar apenas
nos conhecimentos espontâneos. Outras participações ocorreram, como a de A3,
que relatou uma história pessoal. Após a fala de A3 o professor deu sequência ao
19
As transcrições foram textualizadas na medida em que não influenciava no sentido das falas dos
participantes.
20
A: alunos. Cada número na frente da sigla indica um aluno.
21
O uso de dos dois parênteses indica que são comentários do observador.
75
discurso e fechou a Sequência 3 nos turnos seguintes. As características desse
fragmento foram observadas, no decorrer das outras aulas, como relatos de
experiência, mas com a predominância do conteúdo científico. Os conceitos
espontâneos foram encarados como a base para o desenvolvimento do conteúdo.
Dessa forma, nas aulas, em geral, consideramos a predominância do tipo de
discurso de conteúdo científico, como exemplificado pelo fragmento apresentado
no Quadro 12. A intenção foi promover a aproximação do aluno com a cultura
científica através da sua linguagem e dos conceitos validados pelas instituições
culturais da ciência.
No entanto, consideramos que “em vez de construir uma única e poderosa
idéia, os indivíduos podem apresentar maneiras diferentes de pensar, ou seja, um
perfil conceitual dentro de domínios específicos” (DRIVER et al., 1999). Levamos em
conta que a discussão das ciências não está voltada para a substituição do
conhecimento do senso comum (conceitos espontâneos), ou seja, conhecimentos
adquiridos no processo de socialização e ao longo da vida do sujeito, e sim na
apresentação de uma nova forma de entendimento do mundo, explicando-o em
outra perspectiva, a do conhecimento científico.
Uma preocupação recorrente no planejamento das aulas era a formulação de
estratégias que contribuíssem para a participação ativa dos alunos. Nas aulas, os
professores buscavam sempre questioná-los, não apresentando as respostas
imediatamente. A prática da educação deve estar voltada para a resolução de
problemas e tarefas que contribuam no desenvolvimento do educando (DAVÍDOV,
1988). Dessa forma, a intenção do professor predominante nas aulas foi de criar
um problema no qual se procurou envolver os alunos através de uma
problematização para guiar o progresso da discussão. Esse tipo de intenção
predominante no discurso do professor gerou uma maior participação dos alunos.
No Quadro 13 são apresentadas algumas falas dos professores que exemplificam
esse tipo de intenção.
Quadro 13 Exemplos de intenção do professor: criar um problema.
Aula -
Episódio
Turno
Transcrição das falas
Aula 4 -
Episódio 1
11
IC1: Então gente, vocês lembram que na aula passada nós encerramos com
aquela pergunta... por que a padaria né... que nós visitamos, ela, na verdade,
compra o pão para assar? Então vamos continuar a discussão, o que vocês
acham que leva a padaria a fazer isso?
76
Aula 15 -
Episódio 2
824
PQ: Por que nós temos que aquecer a água para fazer o café?
Aula 16 -
Episódio 3
523
PQ: Então aqui eu vou ter o álcool misturado com água ((PQ mostra a garapa
na garrafa para os alunos))... porque tem um pouco de água, né? Tem
leveduras mortas também... olha aqui oh... vocês estão vendo? As leveduras
morreram e foram aqui para o fundo... se eu quisesse separar a água do álcool,
como que poderia separar então?
Nos três exemplos citados no Quadro 13, o professor fez a iniciação das
sequências discursivas com problematizações. A partir dessas falas, ocorriam
longas discussões, com o envolvimento dos alunos, para o desenvolvimento dos
conceitos. O professor, ao ter a intencionalidade de criar um problema, almejava a
participação dos alunos nas aulas. A fala é muito importante, pois “o papel decisivo
na formação do verdadeiro conceito cabe à palavra” (VIGOTSKI, 2001b, p. 226).
Nas análises percebemos que ao problematizarmos questões de caráter
social os alunos participavam muito trazendo exemplos do dia-a-dia. No entanto,
houve a preocupação do professor em teorizar a discussão para ir além do senso
comum, pois um dos objetivos basilares da escola é promover o conhecimento
científico favorecendo os processos de aprendizagem. Nesse sentido, consideramos
importante a abordagem dos conteúdos por meio de questões da vivência dos
alunos para romper com a passividade dos mesmos. O processo de aprendizagem
emerge da diversidade das ideias iniciais dos estudantes, que são fortemente
ligadas a contextos cotidianos e espiralam-se em direção ao conhecimento
científico, no qual se opera com generalizações (MORTIMER; SCOTT, 2000).
Na aula 4, em uma das abordagens com a intenção do professor em
problematizar, durante a discussão dos processos de terceirização, bem como das
relações do mundo do capital, introduzimos a discussão dos processos químicos de
produção do pão e seus ingredientes. O professor iniciou a sequência 4, episódio 3,
da aula 4 com uma pergunta problematizadora sobre os motivos de misturar o
açúcar e o fermento na produção do pão, como apresentado no Quadro 14.
Quadro 14 - Fragmento da Sequência 4 do Episódio 3 - Aula 4
Turnos
Transcrição das falas
226
PQ: Porque que a gente coloca o açúcar
227
A6:Pra adoçar!
228
A2: Por causa do sal, alguma coisa que mata os bichinhos...
229
PQ:Por que a gente coloca o açúcar?
230
A6: Pra adoçar!
231
PQ:Vocês acham que a gente coloca açúcar é só pra adoçar?
232
A4:Não... tem a liga também porque eles fazem o pão e coloca a açúcar para ... [...]
77
249
A2:Pra derreter o fermento uai! Pra derreter o fermento! [...]
257
A4porque a gente coloca lá vira um mingauzinho...
258
PQ:Se a gente colocar... Eu coloco o fermento aqui e se eu colocar o açúcar aqui o que
começa a formar... ((PQ pega o fermento e coloca açúcar)) [...]
276
A3:O açúcar aí derrete, ele derrete, mas é por causa da umidade do fermento uai!
277
PQ:Por causa do que? Se eu deixar a açúcar aqui e deixar vai derreter? O que que vocês
acham que é aquela...
278
A3:Da umidade do fermento uai! Qualquer lugar que colocar a açúcar em um lugar úmido
ela vai derreter! ... Aí é por causa do microorganismo do fermento?
No turno 226, PQ iniciou uma problematização e no decorrer de cinquenta e
dois turnos, até o turno 278, discutiu questões como a diferença entre o fermento
químico e biológico, sempre retomando a pergunta inicial do episódio. Depois de
uma série de discussões A3 começou a responder a questão proposta e o professor
deu sequência à discussão com alguns exemplos, como a produção do álcool pela
fermentação de frutas. Nas falas expostas anteriormente, notamos que o professor
não respondia diretamente à pergunta, sempre problematizando mais, deixando em
aberto até observar a formulação da resposta, mesmo que superficial, dos alunos.
Conforme Vigotski, quando o conceito é retirado de sua relação natural, de
forma estagnada, fica fora do vínculo com os processos reais do pensamento em
que surge. Sendo assim, a palavra isolada não nos remete a ideia do que ela seja
em ação. “O conceito surge e se configura no curso de uma operação complexa
voltada para a solução de algum problema” (VIGOTSKI, 2001b, p. 156). Pela fala de
A3 nota-se que há dúvidas sobre a questão, mas ele incorporou uma palavra nova,
microorganismos, em sua fala, ligada a um determinado significado, e a partir desse
momento o significado dessa palavra evoluirá. Quando uma palavra nova é
aprendida o seu desenvolvimento está apenas começando (VIGOTSKI, 1995).
No fragmento exemplificado no Quadro 14 observamos que o tipo de
abordagem do conteúdo foi predominantemente dialógico, em que um diálogo
entre professor e aluno. Nesse exemplo, a abordagem conteúdo do tipo interativa
dialógica problematizadora, que predominou nas aulas, de uma forma geral, no
momento de problematizar uma situação. Além dessa abordagem, a abordagem
interativa dialógica significadora foi predominante durante o processo de
significação conceitual nas aulas.
Na aula 16, a penúltima aula do semestre, realizamos a destilação da garapa.
Os professores retomaram o conceito de fermentação discutido em aulas anteriores.
PQ ao pegar a garapa misturada ao fermento biológico questionou aos alunos qual
78
reação química havia ocorrido ali, com o intuito de promover o desenvolvimento dos
significados. A discussão está apresentada no Quadro 15. Nesse fragmento temos
um exemplo de tipo de abordagem interativa dialógica significadora.
Quadro 15 Fragmento do Sequência 4 do Episódio 3 Aula 16
Turnos
Transcrição das falas
498
PQ: [...] colocamos o fermento biológico... qual foi a reação que ocorreu então quando
nós colocamos a glicose na presença do fermento?
499
A4: Fermentação...
500
PQ: A fermentação... nós temos o produto... é... quais o os reagentes? Quais são os
produtos?
501
A5: A mesma que nós vimos no pão? ((aluna faz pergunta sobre a fermentação))
502
PQ: A mesma que nós vimos lá no pão...
503
V.A
22
: Ah...
504
PQ: Como que nós representamos pela linguagem química? Nós temos a glicose que
é... quais são os elementos que a gente tem na glicose? Quais são os elementos que
nós temos?
505
A6: Carbono... hidrogênio e oxigênio...
506
PQ: ...e oxigênio... então aqui oh... como representamos uma equação química? então
aqui ficam os reagentes... e aqui são os produtos... qual são os produtos?
507
A5: Carbono...
508
PQ: Não... a substância... você está falando o elemento...
509
A6: O álcool... etanol....
510
PQ: O etanol... ((PQ escreve no quadro)) que é “C” dois “H” cinco “O” “H”... é o etanol... e
qual é o responsável pelo crescimento do pão? [...]
511
A2: Carbono...
512
PQ: Não..
513
A6: Crescer... é os gases liberados... pelos...
514
IC1: Isso... qual é o gás?
515
PQ: Qual é o gás?
516
A6: Deixa eu ver se eu lembro... Ah! É o gás carbônico, não é isso?
O tempo de cada aula era de aproximadamente 1h30min, como foi dito.
Devido à grande participação dos alunos tivemos uma média de 700 turnos por aula,
sendo que algumas tiveram mais de 1000 turnos. Ou seja, a participação dos alunos
foi expressiva durante as discussões. Atribuímos esse fato aos tipos de abordagem
predominante e a intenção do professor nessas abordagens. Esses tipos de
abordagem permitem uma visão da elaboração conceitual dos alunos pelo professor,
auxiliando na identificação de possíveis dificuldades. Mortimer e Scott (2000)
afirmam que, o objetivo do ensino é fazer com que os estudantes desenvolvam um
entendimento do tópico em estudo, dessa forma devem se engajar em atividades
dialógicas e cabe ao professor intervir, introduzir novos termos e novas idéias, para
avançar a “estória científica
23
”.
22
V.A: vários alunos
23
Estória científica, segundo Mortimer e Scott (2003) envolve questões conceituais, tecnológica ou
79
Analisando ainda o fragmento exemplificado no Quadro15, observamos que
houve uma retomada de conceitos. No decorrer da discussão, percebemos que os
alunos possuem dificuldade em responder os questionamentos feitos pelo professor.
No turno 501 A5 pergunta impressionada se a fermentação que aconteceu na
garrafa com a garapa era a mesma fermentação que ocorria no pão. Muitas vezes
os alunos não fazem relações de um conteúdo e outro, dentro da mesma disciplina,
pois não conseguem abstrair as características de um determinado objeto ou
fenômeno para a utilização em diversos contextos. No turno 509 e 516, percebemos
que A6 se lembrou das discussões realizadas em outras aulas e conseguiu falar
com maior segurança sobre os produtos da reação de fermentação.
Levando em conta que ao aprender uma nova palavra o seu desenvolvimento
está apenas começando, ao longo do semestre os professores procuraram sempre
relacionar uma aula com a outra, na tentativa de romper com a fragmentação nas
abordagens conceituais, pois consideramos que a aprendizagem é um processo
contínuo e sempre parcial. Nessa perspectiva, no planejamento das aulas, no
decorrer de todo o semestre, relacionavam um novo conteúdo a conteúdos
abordados, fazendo retomada de conceitos, que eram abordados em diversos
níveis.
Embora o significado da palavra seja sempre um ato de generalização, ele
se modifica constantemente à medida que a criança se depara com novas
situações de utilização da palavra e que seus processos intelectuais de
abstração e generalização progridem (GÓES; CRUZ, 2006).
Assim, retomavam os conceitos em situações diversas, estimulando os alunos
a fazerem relações entre os fenômenos, como por exemplo, biodigestão no lixo,
reações químicas no pão e obtenção de álcool a partir da garapa. Nos três exemplos
os professores focaram em reações químicas, tendo como exemplo específico a
fermentação. Isso contribuiu para a incorporação da linguagem química na fala dos
alunos, mesmo diante de toda a dificuldade apresentada.
Quanto às operações epistêmicas predominou no discurso do professor a
tentativa de generalização no momento de finalizar uma cadeia de interação
seguida de exemplificações, buscando um referencial empírico para apoiar a
compreensão dos alunos. Os alunos estão muito tempo fora da cultura escolar e
são visíveis as dificuldades de abstração. Consequentemente possuem dificuldades
ambientais e aspectos procedimentais de fazer ciência.
80
em compreender tanto a linguagem simbólica da química como o componente
ideológico das relações de produção.
Na sequência 3, episódio 1, da aula 4, após uma longa discussão sobre as
implicações do capitalismo, em específico a alienação do trabalhador em relação ao
seu trabalho, o professor tenta fechar a discussão, mas ao perceber as dificuldades
de compreensão lança mão de um exemplo, como apresentado no quadro 16.
Quadro 16 Fragmento do Sequência 3 do Episódio 1 Aula 4
Turnos
Transcrição das falas
85
IC1: Isso mesmo! Então nesse processo que nós vivemos ao longo da história, no caso da
modernização das revoluções industriais e tudo hoje... No modo do sistema atual... Nós
seríamos assim: a pessoa faz, ela trabalha, mas o produto do seu trabalho... Ele não se
reconhece no produto do seu trabalho ((todos ficam em silêncio))... Igual... Por exemplo,
antes você tinha a costureira, ela costurava a roupa, media, a pessoa ia lá, media, fazia
todas as medidas, de cintura, e, na verdade, no final quando ela produzia o seu vestido, a
sua roupa e quando ela via na rua uma pessoa andando com a sua roupa ela se
reconhecia, ela falava: “eu fiz aquele vestido”...
Ou seja, o professor tentou generalizar, e frente à dificuldade dos alunos em
lidar com as abstrações retorna ao concreto, com exemplos do cotidiano. Nas aulas
havia o convívio com uma dialética, que consistia na negação e afirmação, ao
mesmo tempo do conhecimento cotidiano.
A predominância das descrições na fala dos alunos foi observada desde o
início das aulas. Utilizando o diário de campo o grupo de pesquisa buscava
estratégias que estimulassem os alunos, para que houvesse desenvolvimento das
funções psicológicas superiores. No entanto, ao chegar à décima quarta aula,
quando iriam introduzir a discussão de modelos científicos, os professores se viram
reféns do empirismo e da dificuldade dos alunos. Decidiram então que abordariam
esse conteúdo utilizando a dinâmica de caixinhas de papelão lacradas com objetos
não-identificados dentro delas, para a formulação de modelos. Entretanto, esta
dinâmica não contribuiu para compreensão do conceito de modelo. Em reflexões
posteriores compreendemos o caráter empirista dessa dinâmica, que não favorece o
desenvolvimento do pensamento abstrato.
No episódio 2, sequência 2, da aula 16, o conteúdo temático era a diferença
entre evaporação e ebulição. PQ faz um questionamento inicial sobre a ebulição da
água e surge a questão da evaporação como apresentamos no Quadro 17.
Quadro 17 Fragmento da Sequência 2 do Episódio 2 Aula 16
81
Turnos
Transcrição das falas
127
PQ: Nós colocamos a panela com arroz... coloca o fogo... o que vai acontecer com
água?
128
A5: Vai evaporar...
129
PQ: Ela está líquida e vai para qual estado físico?
130
A8: Gasoso...
131
PQ: Para o gasoso... qual o nome dessa transformação?
132
A8: Evaporação...
133
A2: Ebulição...
134
A8: Ebulição...
135
PQ: Ebulição... o que é evaporação? Qual a diferença de ebulição para evaporação?
136
A9: Evaporação ela sai... e gasoso não... ele seca...
137
PQ: Não... como assim seca? Mas para onde que... se seca para onde que vai?
138
A9: Uai...
139
A1: Dizem que volta para a panela...
140
PQ: Se estiver tampado, mas se não estiver? E se não voltar, para onde que a água vai?
141
A8: Acaba...
142
A1: Seca...
143
A8: Difícil...
144
PQ: Mas se seca vai para onde?
145
A9: Vai para a matéria... vai para o arroz...
146
A2: Vai para a atmosfera...
147
PQ: A2 falou certo... se nós não tampamos a panela de arroz lá... nós falamos: tem que
tampar para não secar, não é? O que nós falamos? Por quê? Porque a água passa do
líquido para o gasoso... e se nós não tamparmos o que acontece?
148
A8: Demora mais para cozinhar e precisa colocar mais água porque a água não foi
suficiente ((inaudível))
149
A2: Porque a água evaporou...
150
PQ: Porque a água entrou em...
151
A2: Ebulição...
152
PQ: Ebulição... nós colocamos uma fonte de aquecimento aqui e ela entra em ebulição...
né? Vai do líquido para o gasoso, um grande borbulhamento da água, as moléculas
estão bastante agitadas, fornecimento de muita energia... agora quando nós lavamos
roupa e coloca lá no varal...
153
A2: Evaporação...
154
PQ: Hãn? O que acontece com a água?
155
A8: Evapora...
156
PQ: Evapora... ((PQ escreve no quadro)) então aqui oh... na ebulição se nós formos olhar
aqui ó... se temos água aqui oh ((PQ mostra um béquer com água))... nós colocamos uma
chama aqui... a ebulição começa a borbulhar aqui oh... de baixo para cima e vai para a
atmosfera em qual forma? Água gasosa... né? Agora a evaporação é na superfície do
líquido, nós colocamos a roupa lá... né? Na presença do sol. Vai chegar a 100ºC? Que é a
temperatura de ebulição da água no nível do mar? Se a gente colocar no termômetro e
medir...
157
V.A: Não
158
A4: o... acho que não... porque não pode...
159
PQ: Qual é a temperatura ambiente?
160
A5: Ambiente é uns trinta e sete...
161
IC1: Hum?
162
A2: Ah... 36... 32...
163
A5: Passa de 37... aqui esses dias tava parece de quase 42 o povo tava quase morrendo
de tanto calor...
164
PQ: é muito alto, aqui... a temperatura que nós estamos acostumado e 25... 26ºC...
20ºC está ficando frio... aquele calor insuportável fala que é quarenta graus... e mesmo
assim a água... ela vai entrar em ebulição na nossa roupa? Não porque não vai começar...
165
A5: o tem água para ferver... borbulhar...
166
PQ: Não... água tem!
167
A5: Na roupa? Você pega a roupa torce e põe lá no arame... não tem água não...
82
168
A2: Mas contém água nela... o suficiente para ferver...
169
A8: Na roupa?
170
A5: Na roupa depois que você coloca no arame?
171
A2: ((inaudível)) depois torce...
172
A8: Nas minhas mesmo não fica não... as minhas eu estendendo, uns vinte minutos
depois, dependendo da roupa, posso recolher ela...
173
A2: As minhas não ficam porque eu coloco na máquina... na máquina sai sequinho...
174
PQ: Mas mesmo assim... não tem água?
175
A5: Tem... mas é pouca água...
176
PQ: Mas como ela... ela evapora?
177
A2: É o sol que ajuda né?
178
A8: É o calor sol... o calor... o vapor quente assim ((faz gesto com as mãos))
No decorrer da discussão, podemos observar claramente que esses alunos
lidam principalmente com o pensamento por complexo, baseado em falas
descritivas. A dificuldade em saber para onde a água vai ao evaporar ou ebulir em
uma panela sem tampa, demonstra que a capacidade de abstração, de lidar com
algo que não está diante dos olhos, é mínima. Em alguns turnos, como o 131 e 145,
podemos observar traços do pensamento sincrético, primeiro estágio para o
desenvolvimento dos conceitos científicos.
Nessa mesma aula, na Sequência 2 do Episódio 4, PQ e IC1 começaram a
realizar a destilação simples da garapa. No momento do experimento vários
conceitos foram retomados, como mudanças de estado de agregação dos materiais,
temperatura de fusão e ebulição e fermentação. O quadro 18 apresenta a sequência
do discurso.
Quadro 18 Fragmento da Sequência 2 do Episódio 4 Aula 16.
Turnos
Transcrição das falas
611
PQ: Está vendo aqui como é a ebulição? Na ebulição, a bolhas saem do fundo para
cima, né? E vai subindo... vocês estão vendo aqui oh? O que é isso aqui? ((PQ mostra o
gás no condensador))
612
A6: É o vapor... Ele está passando por algum tubo aqui dentro?
613
PQ: É o vapor... então esse vapor está indo para onde? Qual que é o movimento... aqui
está tampado... para onde o vapor está indo então? Para onde? Para aqui, né? Nesse
tubo, que chama condensador... vocês estão vendo aqui? ((olhando o a
614
A4: Essa aguazinha que está saindo aqui é do vapor que está saindo?
615
IC1: Isso...
616
PQ: Mas será que é aguazinha? O que a gente acabou... vamos ver qual temperatura que
está aqui ó... ((Olha no termômetro)) esmais ou menos 90... Cheira... ((PQ pega o
béquer e passa para os alunos))
617
A4: Então é álcool? ((aluna fala ao cheirar o líquido no béquer))
618
A5: Saiu álcool mesmo...
619
V.A: Álcool...
Esse fragmento ocorreu em uma aula no final do semestre. Desde a aula 4
viemos discutindo a reação de fermentação, bem como sua representação na forma
83
de equação. Porém, somente na aula 16, quando realizamos a destilação da garapa
e ao sentirem o cheiro do álcool os alunos, aparentemente, acreditaram que na
reação estudada realmente se formava álcool.
Essas dificuldades corroboram que a formação do conceito está relacionada
ao meio social, pois este proporciona estímulos para o desenvolvimento das formas
superiores de pensamento no indivíduo. A periodização do desenvolvimento do
sujeito não se dá por estágios predefinidos que constituiriam uma marcha natural e
universal, mas depende de como as pessoas se inserem na sociedade (OLIVEIRA,
1999). Quando se abordam os fatores do desenvolvimento do adolescente um
fato muito observado pela investigação científica:
[...] onde o meio não cria os problemas correspondentes, não apresenta
novas exigências, não motiva nem estimula com novos objetivos o
desenvolvimento do intelecto, o pensamento do adolescente não
desenvolve todas as potencialidades que efetivamente contém, não atinge
as formas superiores ou chega a elas com um extremo atraso (VIGOTSKI,
2001b, p. 171).
Nesse sentido, os sujeitos que foram excluídos do sistema escolar e que um
dia retornam, possuem sérias dificuldades em compreender os conhecimentos
sistematizados que operam no nível das generalizações e abstrações para a
formação do conceito. Isso resultou na necessidade sistemática de um referente
empírico ao final de uma explicação ou generalização. Houve a predominância do
pensamento por complexo nesse grupo que, segundo Vigotski, é repleto de
reprodução de vínculos de abstração fraca, se baseando em vínculos fatuais que se
revelam na experiência imediata, ou seja, é muito ligado ao concreto. Em
contrapartida, o conceito verdadeiro está no plano do pensamento lógico-abstrato,
gerando generalizações, e se baseia nos processos de análise e síntese, como
discutido no ponto 4.4.
A nossa análise corrobora que o tempo de aprendizagem desses alunos é
diferente dos alunos em “idade própria” (OLIVEIRA, 1999). Discussões programadas
para serem desenvolvidas em determinado número de aulas precisaram
constantemente ser reformuladas, sendo necessário, em algumas vezes, o dobro
das aulas previstas. O público da EJA possui características próprias, por isso é
essencial no processo educativo, e são fundamentos político-pedagógicos do
PROEJA, valorizar os diferentes saberes, compreender e considerar os tempos e
espaços de formação dos sujeitos da aprendizagem. Assim, uma proposta didática
84
nunca pode ser vista como pronta, mas como um processo que se modifica de
acordo com a reflexão coletiva.
85
5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A importância política e social de um programa que visa promover a
escolarização de jovens e adultos, como o PROEJA, foi argumentada ao longo do
desenvolvimento deste trabalho. No que se refere à parte analítica aqui
desenvolvida, consideramos necessário tecer algumas considerações.
Um dos aspectos que consideramos fundamental nos resultados de nosso
trabalho de investigação é a constatação da predominância do pensamento por
complexo nesse público, que denota um desenvolvimento ainda insuficiente de
significação conceitual no campo das Ciências. Na presente pesquisa, mesmo
vigilante da intencionalidade de desenvolver nos alunos o pensamento científico,
comprovamos que eles têm dificuldade em evoluir para conceitos verdadeiros e
lidam predominantemente com os conhecimentos espontâneos. Isso é uma
realidade que precisa ser encarada. Qual é a nossa resposta em relação a isso?
Temos que valorizar esse cotidiano, apesar de tentarmos superá-los, até mesmo
porque o pensamento por complexos se constitui a base da generalização.
Em pesquisas anteriores do nosso grupo ficamos reféns da cotidianidade dos
alunos. No presente trabalho de investigação, atentos às nossas ações
pedagógicas, tínhamos intenção de introduzir o pensamento científico para o
desenvolvimento do educando. Entendemos que a escolha e criação de nossas
categorias de análise foram acertadas e por elas percebemos que os objetivos foram
alcançados no que se refere às ações pedagógicas, ou seja, nas aulas predominou
o discurso de conteúdo, com abordagens dialógicas, problematizando para
possibilitar os processos de significação, que são sempre interativos. A existência de
muitos turnos demonstra a participação ativa dos alunos.
Ao mesmo tempo, a categoria relacionada às operações epistêmicas nos
mostrou as dificuldades desse grupo especifico em lidar com o pensamento lógico
abstrato. Daí vem o seguinte questionamento: conseguimos que nossos alunos
atingissem esse nível de operação mental? Os dados não nos permitem responder
positivamente. Entretanto, entendemos que houve aprendizagem porque mesmo
com as dificuldades em lidar com o pensamento teórico, nossos alunos
estabeleceram relações conceituais, o que é uma característica dos conceitos
86
científicos. Então nos perguntamos: alcançamos nossos objetivos ou não? Podemos
dizer que sim.
Outro aspecto importante do nosso trabalho foi a reflexão que as análises nos
levaram a fazer sobre o papel da instituição escolar e sua influência no
desenvolvimento das funções psicológicas superiores nos sujeitos. Defendemos a
escola, como promotora de estímulos cognitivos, para o desenvolvimento dos
conhecimentos científicos, que não são assimilados e nem decorados, mas surgem
e se constituem por meio de uma imensa tensão de toda atividade do próprio
pensamento do indivíduo (VIGOTSKI, 2001). É natural se imaginar que propostas
pedagógicas para esse público devem ser deflagradas a partir do conhecimento
empírico, mas o desenvolvimento das funções psicológicas superiores é um
movimento que necessita de atividades estruturadas e sistematizadas, que ocorrem
predominantemente na escola.
Diante da necessidade de uma formação integrada dos jovens e adultos, que
articule a educação básica e o ensino profissional, a proposta pedagógica por eixos
temáticos se mostrou apropriada. As aulas estruturadas em situações
problematizadoras baseadas no tema “A Química dos Alimentos” possibilitaram a
participação dos alunos, saindo da passividade. Uma proposta didática deve
considerar a problematização, ou seja, a solução de algum problema para a
formação do conceito. Temos de pensar por um lado em intervenções que não
sejam propedêuticas e por outro que não caiam no excessivo pragmatismo.
Por último, gostaríamos de salientar a importância desta pesquisa que foi
realizada por um grupo pequeno, mas muito bem articulado. As ações realizadas em
sala de aula foram escrupulosamente organizadas e desenvolvidas, inclusive
quando foram necessárias “mudanças de rumo”. Mesmo assim, as dificuldades no
logro dos objetivos foram evidentes. Isso nos leva a concluir que ações pedagógicas
junto a jovens e adultos precisam ser planejadas a nível institucional, pois se assim
não for o PROEJA e outros programas voltados para esse público podem fracassar.
Responder às necessidades educacionais de milhões de pessoas não poderão ser
fruto de ações pontuais.
87
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96
ANEXO A
Texto: Como alimentar o mundo?
Edição Atual
Por: Evaristo Eduardo de Miranda, agrônomo, com mestrado e doutorado em
Ecologia na França, e pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite.
Revista: Carta Capital na Escola. Edição 27
O consumo de alimentos cresce no Brasil e no mundo. A produção também,
em especial a nossa. Mas o preço não pára de subir.
Sem alimentos, não há existência humana. Em 2008, a maioria dos 6,6
bilhões de habitantes do planeta vive nas cidades e depende do campo para a sua
alimentação. A sustentabilidade da vida humana no planeta e nas cidades
dependerá cada vez mais de um número menor de agricultores. Segundo a
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o desafio
dos próximos anos é o de produzir alimento suficiente para mais de 2 bilhões de
pessoas e, fazê-lo de forma sustentável, preservando e melhorando a base de
recursos naturais do planeta. Em face desse desafio de sustentabilidade existem
boas e más notícias.
Os agricultores parecem preparados para o desafio. Nas últimas quatro
décadas, a produção global de alimentos cresceu cerca de 170%. A população
mundial segue crescendo, mas sua renda cresce mais ainda. As economias dos
países em desenvolvimento estão aquecidas. uma cada, a Índia cresce a 9%
ao ano, a China a mais de 10%. Países produtores de petróleo como Nigéria e
Angola (cujo PIB cresce a mais de 15% ao ano) se beneficiam de uma alta de
preços do barril de 30 dólares para quase 130 dólares. Poucos se dão conta de que,
na média, o PIB da África é o que mais cresce no mundo: 5% ao ano, seguido pelo
da Ásia 4,5% e da América Latina 3,9%. Se antes, o mundo tinha fome, agora ele
exige alimentos baratos.
O aumento da demanda por alimentos e de seus preços deve-se ao
crescimento econômico global e ao incremento da renda das famílias. A
ocidentalização do hábito alimentar de asiáticos e africanos prossegue de forma
acelerada. As famílias buscam as proteínas animais: bovinos, frangos, suínos etc.
97
Isso estimula a produção de carne e de vegetais, como soja, destinados à
alimentação de gado, frangos e suínos. As exportações de soja do Brasil cresceram
22%, em 2007, e a de carnes 30%! O saldo do agronegócio na balança comercial
atingiu um recorde no ano passado: 50 bilhões de dólares.
Contribui também com esse aquecimento da demanda por alimentos, o uso
de matérias-primas agrícolas (milho e oleaginosas) para a produção de
biocombustíveis. O aumento no uso de milho para a produção de etanol nos Estados
Unidos, principal produtor agrícola mundial, passou de 54,6 milhões de toneladas na
safra 2006/2007, para 86,4 milhões de toneladas na atual.
três grandes caminhos para atender à demanda por alimentos, nem todos com a
mesma sustentabilidade: ampliar a área cultivada, aumentar a produtividade da
agricultura e implementar novas opões de produção.
A disponibilidade de terras
O crescimento horizontal da agricultura pela ampliação da área plantada
aumenta a produção, mas tem possibilidades muito limitadas na Ásia, na Europa, na
América do Norte e parte da África. Quase todas as terras aráveis foram
ocupadas. A sobreexploração dessas áreas, sem tecnologias adequadas, pode
ampliar ainda mais os problemas de degradação de solos e águas. O Brasil e a
América Latina dispõem do maior estoque de terras aráveis do mundo: quase 600
milhões de hectares. Isso representa 30% de toda a terra arável do planeta.
Incorporar novas áreas à produção agrícola é sinônimo de desmatamento e é uma
forma pouco sustentável de atender à demanda crescente por alimentos.
Infelizmente, ela é muito mais rentável e produtiva do que a utilização de pastagens
ou áreas degradadas. Os solos sob floresta são ricos em matéria orgânica, a terra é
barata e a simples venda da madeira derrubada financia boa parte do investimento.
Instalar a agricultura em terras ou pastagens degradadas implica muitos
investimentos para torná-las produtivas: subsolagem, análises químicas, trabalho do
solo, calagem, adubação etc. Sem um incentivo econômico significativo e eficaz por
parte dos governos, os agricultores atenderão à demanda por alimentos, ampliando
suas áreas de lavouras e pastagens, expandindo a fronteira agrícola mundo afora e
desmatando florestas e cerrados.
98
O crescimento vertical
A opção mais sustentável é ampliar a produtividade agrícola pela via
tecnológica. Produzir mais no mesmo local, sem desmatar ou ocupar novas áreas. É
o processo que predomina atualmente na agricultura brasileira. A produção de grãos
cresceu 140% nos últimos 16 anos, com base na eficiência tecnológica e de gestão,
graças aos avanços nas pesquisas. Em contrapartida, no mesmo período, a
ocupação da área de plantio cresceu apenas 23% e essa área foi mantida nos
últimos quatro anos. A utilização de insumos e tecnologias como mecanização,
irrigação, fertilizantes, sementes e defensivos contribuiu para um novo recorde na
safra de grãos do Brasil: 142 milhões de toneladas, quase 10% maior do que a do
ano passado, de 133 milhões de toneladas. Ela, por sua vez, fora 13,7% maior
que a safra de 117 milhões de toneladas registrada em 2006. A safra de 2007
alimenta quase quatro vezes a população do Brasil.
Alguns fatores podem limitar a sustentabilidade dessa opção: a falta de
investimentos em pesquisa, ciência e tecnologia (o que não está acontecendo), uma
alta exagerada no preço dos insumos agrícolas (o que vem ocorrendo associada à
alta do petróleo) ou impactos ambientais gerados pela mudança no uso de terras
(por exemplo, a expansão das áreas ocupadas pela cana-de-açúcar, deslocamento
espacial das culturas para situações ecologicamente marginais ou ainda o
surgimento de novas pragas e doenças). Face ao esgotamento dos oceanos, dos
estoques pesqueiros e dos impactos ambientais da aquicultura, o desafio da
agricultura sustentável é incontornável: nos próximos 25 anos, 90% da produção de
novos alimentos sairá das terras agrícolas já existentes.
Novas opções
Pelo menos duas novas opções emergem com força, mesmo que de forma
excludente, para ampliar a sustentabilidade da agricultura: a produção orgânica e os
organismos geneticamente modificados (OGMs).
Em países ricos e desenvolvidos, a busca por uma agricultura menos
industrializada e limpa, reduzindo riscos para os consumidores após episódios como
os da vaca louca e de outras enfermidades, fortaleceu a agricultura orgânica
certificada. Cerca de 25% da área cultivada com orgânicos está na Europa. Essa
99
área passou de 3 milhões de hectares, em 2000, para 7 milhões de hectares em
2007. Mas ela aumenta menos que a demanda e faz do Continente Europeu o maior
importador desses produtos. Nos EUA, o mercado de produtos orgânicos deve
passar de 40 bilhões de dólares para 70 bilhões de dólares até 2012. A agricultura
orgânica passou de 7,5 milhões de hectares no mundo, em 2000, para 30,5 milhões
de hectares em 2007.
Os OGMs ainda provocam controvérsia junto aos consumidos (riscos de
reações alérgicas, falta de normas de etiquetagem etc.), mas o outra opção. São
impressionantes os números publicados por Clive James, no estudo Situação Global
das Lavouras OGMs Comercializadas: 2007. Neste ano, 23 países cultivaram 114,3
milhões de hectares com OGMs. Desses, 12 o emergentes, com 49,4 milhões de
hectares (Argentina, Brasil, Índia e China, entre eles) e 11 industrializados, com 64,9
milhões de hectares. Os EUA são o maior produtor de OGMs: 57,7 milhões de
hectares. Cerca de 63% do milho e 78% do algodão dos EUA são geneticamente
modificados. Mais de 90% dos 12 milhões de agricultores que plantaram OGMs em
2007 são pequenos e com poucos recursos, a maioria na Índia e China. Isso reduziu
seus custos e contribui para diminuir o impacto ambiental da agricultura desde 1996.
Com o menor uso de combustíveis fósseis no caso de OGMs, até 2016 o acúmulo
de áreas plantadas no Brasil resultará numa redução de 918,7 milhões de toneladas
de CO2, o equivalente ao plantio de 6,8 milhões de árvores. A redução de princípios
ativos de agrotóxicos, menos utilizados no caso de OGMs, será de 35,6 mil
toneladas. Animais geneticamente modificados serão capazes de apresentar
crescimento rápido (salmão), de produzir medicamentos (ovelhas), um esterco mais
limpo (porco) ou um leite de melhor qualidade (cabras).
Produtos da agricultura orgânica e de OGMs obtêm maior resistência a
pragas e a doenças, exigem menos agrotóxicos e produzem alimentos mais
nutritivos. Caberá ao consumidor, ao cidadão informado e ao estudante bem
formado, ciente de sua responsabilidade ambiental, indicar suas preferências e
pagar o preço necessário para atender suas exigências e hábitos de consumo.
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