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VALÉRIA REGINA AYRES MOTTA
SUJEITO, LÍNGUA ESTRANGEIRA E SENTIDO –
EXPERIÊNCIAS DISCURSIVAS NO PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA EM CURSO DE
LETRAS
UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ – UNIVAS
POUSO ALEGRE – MINAS GERAIS
2010
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1
VALÉRIA REGINA AYRES MOTTA
SUJEITO, LÍNGUA ESTRANGEIRA E SENTIDO –
EXPERIÊNCIAS DISCURSIVAS NO PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM DE INGLÊS EM CURSO DE LETRAS
Dissertação de Mestrado apresentada à banca
examinadora da Universidade do Vale do
Sapuc como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Ciências da Linguagem,
sob orientação da Profª. Dra. Maria Onice
Payer.
UNIVERSIDADE DO VALE DO SAPUCAÍ – UNIVAS
POUSO ALEGRE – MINAS GERAIS
2010
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CERTIFICADO DE APROVAÇÃO
TÍTULO: SUJEITO, LÍNGUA ESTRANGEIRA E SENTIDO –
EXPERIÊNCIAS DISCURSIVAS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE
INGLÊS EM CURSO DE LETRAS
ALUNA: VALÉRIA REGINA AYRES MOTTA
ORIENTADORA: PROFª. DRª. MARIA ONICE PAYER
Aprovada pela Comissão Examinadora:
_________________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Onice Payer (Univás)
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Lauro José Siqueira Baldini (Univás)
_________________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Tereza Celada (USP – SP)
Data da realização: 09/04/2010
3
FICHA CATALOGRÁFICA
MOTTA, Valéria Regina Ayres. Língua, Sujeito e Sentido Experiências Discursivas no
processo de Ensino-Aprendizagem de Inglês em Cursos de Letras. Pouso Alegre: 2010. pp. 106
Dissertação: (Mestrado) – Universidade do Vale do Sapucaí.
Área de Concentração: Ciências da Linguagem.
Orientadora:
Prof
a
. Dr
a
. Maria Onice Payer.
4
Dedico este trabalho aos meus amores André, Andrezinho e Vinícius,
pela compreensão, força e principalmente o abraço nos momentos de
mais angústias.
5
AGRADEÇO
A Deus, por ser a força que me impulsiona e não me deixa desistir.
À Maria Onice Payer, pela sensibilidade, carinho e confiança, e por ter aberto espaço para
muitas oportunidades de reflexão, sempre marcadas por finas intervenções.
Ao Lauro Baldini, pela amizade e pela interlocução constante ao longo deste meu processo de
pesquisa.
A Maria Tereza Celada, por ter feito parte deste processo, no início como autora de textos o
inspiradores, e mais tarde por me privilegiar com preciosas e belas intervenções.
À Mírian dos Santos, pelo incentivo e carinho.
Às amigas e colegas de trabalho: Jacinta e Joelma, pela força e generosidade sem limites.
Aos professores e colaboradores da pós-graduação da UNIVÁS.
Aos meus queridos alunos, por partilharem comigo experiências tão ricas.
Aos meus pais, pelo amor e pelo apoio incondicional.
Aos meus amores, André, Andrezinho e Vinícius, pelo imenso amor e compreensão, e
principalmente pelo abraço seguro e sincero sempre.
6
A vida só é possível reinventada.
Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas... Ah! Tudo
bolhas que vêm de fundas piscinas de ilusionismo... – mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços cheios da tua figura.
Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcança...
Só - no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva.
Só - na trevas fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
(Reinvenção, Cecília Meireles)
7
RESUMO
Este estudo pretende, a partir de experiências realizadas no campo pedagógico, analisar e
compreender a relação do sujeito aluno futuro professor com a língua inglesa em um contexto de
produção de ensino-aprendizagem dessa língua em que se considera de modo fundamental sua
condição primeira de sujeito de língua materna, ao invés de negligenciá-la. Nosso trabalho
encontra suas bases teóricas na Análise de Discurso de Linha Francesa em sua relação
constitutiva com a psicanálise e a história. Partimos da análise de três textos produzidos em
aulas de ngua inglesa, e três cartas-e-mail enviadas ao professor por alunos do IV período de
um curso de Licenciatura em Letras em estágio inicial de estudo desse idioma, para refletirmos
teoricamente sobre o processo de inscrição desses sujeitos na língua alvo e em suas
discursividades. Consideramos que tal processo seja constitutivamente um processo de
subjetivação, e que as suas marcas se apresentam na materialidade discursiva dos textos que
produzem. Tratam-se, portanto, de fatos de linguagem que merecem atenção do professor, como
marcas de um confronto simbólico que envolve a relação do sujeito com a(s) língua(s); com a
memória do dizer desses alunos, constituída em língua materna, e a memória que se vai
constituindo em/da língua estrangeira. Os dois primeiros textos analisados compreendem um
poema escrito em língua materna e sua tradução/autoria para a língua Inglesa, nos quais
flagramos marcas de memória das/nas duas línguas, estrangeira e materna se entrecruzando.
Nesse sentido, entendemos que a tradução é também um gesto de interpretação e de autoria,
sobretudo por encontrarmos marcas de diferentes posições-sujeito. No terceiro texto, um poema
produzido em ngua inglesa, observamos um movimento subjetivo que indica um sujeito com
poucos recursos da memória da língua inglesa, e que se lança nessa língua pela escrita,
demonstrando suportar melhor a quebra da organização da língua na escrita, mas não tão
facilmente no discurso oral, no qual a memória discursiva perde seu trajeto. E finalmente, a
partir das análises das cartas- e-mail, pudemos perceber os efeitos de se privilegiar um processo
de ensino-aprendizagem de língua estrangeira levando em consideração os aspectos da
subjetividade do aluno-professor. No decorrer do processo, esses sujeitos demonstram se
identificar com o modo discursivo de aprender-ensinar língua estrangeira, passando a
questionar os métodos tradicionais estritamente estruturalistas. De certa forma, a realização da
pesquisa extrapola os limites dos sujeitos institucionais com quem trabalhamos, na medida em
que esses alunos levam essas experiências para suas práticas docentes.
Palavras-chave: Língua estrangeira. Língua materna. Memória discursiva. Subjetividade.
Escrit. Oralidade.
8
ABSTRACT
Based on empirical experiences from the pedagogical field, this study aims at comprehending the
relationship between the Brazilian Subject with the English Language in a teaching-learning
process context, within the framework of the French Discourse Analysis. From the analysis and
interpretation of three texts written in a production context of elementary English classes by two
elementary students of a Letters course in a private University in the South of Minas Gerais,
as well as three e-mail letters sent by three other Letters students of the sameclass, we intended
to reflect upon the “entry of those subjects in “discursivenesses of the target language”. We
come to the consideration that such process is “constitutively an identification/subjectivation
process” whose marks left, - the “language facts”- are marks of a “symbolic confrontation that
involves the constitutive mother tongue memory of those students and a foreign memory that is
being produced”. The two first analysed texts refer to a poem written in the mother tongue and
its translation/authorship into English, in which we have found entwined marks in/of both
languages, Portuguese and English intercrossing. Thus, translation is also seen as an
interpretative and authorship movement, due to its different subject-positions marks. In the poem
written in the target language, we have observed a subjective movement that can indicate a
subject that has few English discursive memory resources, and for that, exposes himself in such
language through writing, indicating better support in the written discourse language
organization rather than in the oral one, in which the discursive memory loses its path. And, at
last, analyzing the e-mail letters, we could notice the effects of privileging a teaching-learning
process that takes into account the learners’ subjective aspects in the teacher-learner-subject.
These subjects seem to have an identification with the discursive work in the teaching-learning
process they have been going through and start questioning the traditional methods. This
indicates, to a certain extent, that we have the possibility of working beyond the institution walls,
as these students may be able to bring these experiences to their pedagogical practice.
Key-words: Foreign language. Mother tongue. Discursive memory. Subjectivity. Writing. Orality.
9
SUMÁRIO
Introdução.......................................................................................................... 13
1 Gênese............................................................................................................... 13
2 O nosso objeto...................................................................................................... 16
3 Perguntas de pesquisa................................................................................................. 16
4 Dispositivo teórico.............................................................................................. 16
5 Sobre a estrutura deste trabalho......................................................................... 17
PARTE I – CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
CAPÍTULO I: AS TEORIAS DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NO
CAMPO DA LINGUÍSTICA APLICADA
Introdução......................................................................................................... 19
1
AS TEORIAS DE APRENDIZAGEM PELO VIÉS DA LINGUÍSTICA
APLICADA – UMA RETROSPECTIVA...........................................................
20
Introdução......................................................................................................... 20
1.1
O Behaviorismo.................................................................................................. 21
1.2
O Inatismo......................................................................................................... 22
1.3
O Cognitivismo Construtivista............................................................................ 23
1.4
O Sócio-Interacionismo...................................................................................... 23
10
CAPÍTULO II: REFLEXÕES TEÓRICAS RELEVANTES AO ENSINO DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA
PELO VIÉS DO DISCURSO
Introdução...........................................................................................................
25
2.1
Um conceito discursivo de língua.......................................................................
26
2.1.2
Língua, Discurso e Sujeito.................................................................................
28
2.1.3
O conceito imaginário........................................................................................
30
2.2
Língua materna e língua estrangeira................................................................
32
2.1.2
A relação do sujeito com sua língua materna e a língua estrangeira.................
32
3
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES SOBRE OS CONCEITOS
DE “APREDIZAGEM” E “ERRO” – POSICIONAMENTOS TEÓRICOS.......
36
3.1
O Conceito de aprendizagem de língua estrangeira pelo viés do discurso.......... 36
3.2
Percurso de significação do “erro” no contexto de ensino-aprendizagem de
língua estrangeira............................................................................................
41
3.2.1
Um movo olhar sobre “erro” para o ensino de língua estrangeira.....................
44
CAPÍTULO III: MEMÓRIA DISCURSIVA E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA
Introdução....................................................................................................... 48
1
O PAPEL DA MEMÓRIA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE
LÍNGUA ESTRANGEIRA (INGLÊS)..............................................................
49
1.1
A memória.......................................................................................................
49
1.2
Memória da/na língua........................................................................................
53
2
O ESTUDO DA MEMÓRIA E O TRABALHO DE AUTORIA EM LÍNGUA
ESTRANGEIRA..............................................................................................
56
2.1
Autoria.................................................................................................................
56
11
2.2
O trabalho de memória no processo de autoria em língua estrangeira – discurso
da oralidade e o discurso da escrita..................................................................
58
PARTE II - A METODOLOGIA DE PESQUISA E O PROCESSO DE ANÁLISES
CAPÍTULO I: A PESQUISA
Introdução......................................................................................................... 60
1
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DESTA PESQUISA....................................... 60
2
NOSSOS SUJEITOS PARTICIPANTES.......................................................... 62
3
CONSTRUÇÃO DE UM CORPUS EXPERIMENTAL.................................... 64
Introdução........................................................................................................ 64
3.1
A leitura de um poema..................................................................................... 66
CAPÍTULO II: AS ANÁLISES
Introdução....................................................................................................... 74
1
PRIMEIRA PARTE: A ANÁLISE DO(S) POEMA(S) DE MARIA................. 74
1.1
Condição de produção dos poemas.................................................................... 74
1.2
Ao(s) poema(s).................................................................................................. 80
1.3
A tradução........................................................................................................ 82
1.4
Fatos de linguagem: um ir e vir de “erros e acertos”?...................................... 83
2
SEGUNDA PARTE: “I HAVE A DREAM”..................................................... 87
Introdução....................................................................................................... 87
2.1
Condição de produção do poema de Cláudia.................................................... 88
2.2
O silêncio no oral e no escrito.......................................................................... 88
Algumas possíveis conclusões............................................................................ 92
12
3
TERCEIRA PARTE: E-MAILS-DEPOIMENTOS........................................... 95
Introdução....................................................................................................... 95
3.1
Nossas impressões sobre efeitos de todo processo nos sujeitos participantes da
pesquisa...........................................................................................................
95
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 99
REFERÊNCIAS............................................................................................... 101
ANEXOS..........................................................................................................
13
INTRODUÇÃO
Dividimos esta introdução em cinco partes. Na primeira parte falamos sobre a gênese da
nossa pesquisa, evento que nos inspirou a realização deste trabalho. Nela discorremos sobre nossa
experiência como professores de Língua Inglesa no curso de Letras e os motivos que nos levaram
a mudar nossa direção de pesquisadores e embarcar no campo teórico da Análise de Discurso. Na
segunda parte apresentamos o nosso objeto de pesquisa. Na terceira parte desta introdução
trazemos as perguntas que permeiam nossa pesquisa e que se caracterizam como o “fio de
Ariadne no nosso trabalho”. Na quarta parte falamos sobre o dispositivo teórico desta pesquisa e
na quinta parte apresentamos os capítulos deste trabalho e a referência às teorias que articulamos
para o embasamento do mesmo.
1 Gênese
Meu interesse pelo estudo da Língua Inglesa como língua estrangeira começou quando
ingressei como estudante no curso de Licenciatura de Letras. Naquela ocasião, as minhas
imagens sobre a língua e língua estrangeira não iam além daquelas de um instrumento passível de
ser apreensível em sua totalidade e cujo domínio possibilitava a almejada “boa e clara
comunicação”. Meus conhecimentos da língua inglesa eram parcos e minhas experiências
anteriores na posição de estudante do idioma em questão se restringiam àquelas que a rede
regular de ensino público podia proporcionar. Meu primeiro contato com o inglês na faculdade
foi através de uma atividade da ordem da oralidade que consistia em me apresentar para a turma:
“My name is Valéria. I’m married. I am 20 years old and I love reading”. Claro que eu não
pronunciei tais palavras com facilidade e naturalidade. Eu repeti o que os colegas que me
precederam disseram. Mas o efeito que elas produziram foi de um contentamento quase
inexplicável. Tinha conseguido dizer algo sobre mim, naquela língua estranha, que outrora me
causara tanto medo, mas naquele momento, a sensação foi de um estar diante de um desafio que
eu queria encarar.
Aprender a falar inglês passou a significar para mim a possibilidade de recortar o real de
outras formas. A árvore poderia ser “tree”; a casa poderia ser house ou home”. As novas
palavras soavam como novas descobertas do real. Minha boca tinha que fazer movimentos
14
diferentes para que se produzissem os sons (in)esperados. Meus gestos automaticamente ficaram
diferentes. Minha voz ficou estridente. Quantas manobras! Mas eu senti que valeria a pena. Já
estava na moda falar o idioma dos gringos. Isso me seduzia. Conversar com um japonês, francês,
americano. Muitas novas vidraças seriam descortinadas! Visão romântica que também me custou
momentos de angústia e desapontamento.
Meu processo no início não foi menos árduo do que o de muitos sujeitos que se aventuram
a estudar uma língua estrangeira. Hoje, falando da posição de um ainda aprendiz desse idioma,
penso que a bravura nesses casos é essencial. Tem que se ter (an)coragem para arriscar nessa
aventura em busca de novas formas de se produzirem sentidos. Tem que ter (an)coragem para
sofrer o estranhamento e também pra desfrutar as delícias de se descobrir que os sentidos estão
todos aí, por aí, sem as amarras dos sinônimos perfeitos, das traduções termo-a-termo, das ilusões
de literalidade. Tem que se ter (an)coragem para não se deixar levar pela ilusão de que falar
inglês vai ser “a ponte para o sucesso”, e por fim, tem que se ter (an)coragem para fazer
constantemente uma viagem de retorno a si mesmo, já que aceitar a alteridade significa ao
mesmo tempo mudar e aceitar-se a si mesmo.
Antes de ser apresentada aos dispositivos teóricos da Análise de Discurso, pensava da
posição sujeito de professora de língua inglesa, que poderia ensinar língua estrangeira se ajudasse
meus alunos a entenderem as estruturas da língua para formar frases, orações, parágrafos, textos
que correspondessem a suas expectativas de comunicação. Tinha noção da dificuldade que
encontravam, mas atribuía essas dificuldades a questões relacionadas a “estados de fato”, como
por exemplo, dificuldade em aprender gramática, em entender as atividades de escuta, em
produzir um texto na língua estrangeira, entre outras.
A partir de questionamentos levantados durante uma disciplina “A Língua no processo de
ensino e aprendizagem (segundo semestre de 2006)
1
, comecei a perceber que os problemas
vivenciados pelos aprendizes no processo de aprendizagem de língua inglesa não consistiam em
simples questões de ordem cognitiva, ou seja, não consistiam apenas na dificuldade dos
aprendizes em assimilar estruturas gramaticais ou memorizar vocabulários ou sentenças padrões e
usá-las no momento comunicativo adequado. Durante as aulas foram levantadas questões sobre
língua e ensino, língua materna e memória discursiva. Esses conceitos foram articulados em
1
Disciplina ministrada pela professora Drª Maria Onice Payer no programa de mestrado em que estamos
matriculados.
15
nossas discussões, de modo a produzirem efeitos inusitados quanto ao nosso objeto de pesquisa
o ensino de língua estrangeira
_
. O estudo da memória discursiva, numa perspectiva conhecida
como interdiscurso, passou a fazer parte do nosso interesse de pesquisa.
Nesse sentido, os livros didáticos selecionados por nós passaram a ser questionados, e
percebemos que não eram satisfatórios, por si sós, mas que algo além de seu uso deveria ser feito
para tornar as aulas de inglês mais significativas e poder proporcionar aos aprendizes a tal
(an)coragem que eles precisam para se lançar no outro simbólico. Responder ao insucesso de
alguns alunos com as afirmativas de que “eles não aprendem porque não se empenham o
suficiente, faltam às aulas, não fazem os exercícios de fixação, entre outras” não nos satisfazia
mais.
Sendo assim, qual seria a melhor maneira de compartilhar com meus alunos as angústias e
os prazeres do processo que envolve a aprendizagem de língua inglesa como língua estrangeira?
Da posição de pesquisadora da linguagem com base nas noções teóricas da Análise de
Discurso, não ouso dar tantas respostas, mas sim dizer que o estudo da língua inglesa como uma
língua estrangeira é uma questão para mim. Questão esta que se parte em duas: por um lado,
preocupo-me e esforço-me para encontrar caminhos novos a serem percorridos por sujeitos que
como eu, ousam querer alargar suas possibilidades de recortar o real através dos sentidos que
possam produzir do “lugar simbólico” de sujeito de língua estrangeira, e por outro lado, trabalho
na direção de contribuir para a formação desses alunos como futuros docentes de língua inglesa.
Para tanto, desejamos experimentar novas formas de se trabalhar, que valorizem o
aprendiz em sua dimensão de sujeito, constituído na/pela linguagem. Sabemos, hoje, a partir de
nossas leituras, pesquisas e questionamentos que um sujeito que se coloca no movimento dos
sentidos, tentando se inscrever em uma nova língua e em suas discursividades - o sujeito aprendiz
de língua inglesa -, no caso específico de nossos estudos. Nosso papel de professor de língua
estrangeira é o de perceber como esse sujeito se define nessa relação com as línguas materna e
estrangeira. Observamos que esse sujeito é negligenciado nos estudos e ensino das línguas
modernas pelo viés do estruturalismo, num sentido estrito. Mas nós o percebemos na produção
dos nossos alunos. Enxergá-lo e considerá-lo no processo de aprendizagem da ngua inglesa não
se caracteriza, no entanto, trazê-lo de volta à questão, mas sim admitir que ele esteja ali e dar-lhe
a voz que ele reclama.
16
2 O nosso objeto
A partir do que descrevemos, definimos nosso objeto de pesquisa: o movimento dos
sentidos que se processam nos discursos em inglês produzidos por alunos (futuros professores) de
um curso de Licenciatura em Letras. Para trabalharmos sobre este objeto, desenvolvemos um
estudo teórico/prático. Esse último em função da possibilidade de se trabalhar a montagem de um
corpus experimental nesse campo. A partir das experiências de produção e da análise deste
corpus experimental visamos responder, mesmo que parcialmente, às perguntas a seguir.
3 perguntas da pesquisa
Constituem-se em perguntas norteadoras de nossa pesquisa:
I - Como a materialidade lingüística se apresenta no processo
de inscrição do sujeito de discurso
na Língua Inglesa?
II - Como se o funcionamento da memória discursiva no processo de inscrição do sujeito na
Língua Inglesa?
4 Dispositivo teórico
A análise dar-se-á a partir de um dispositivo teórico que leva em conta um sujeito de
natureza inconsciente, a língua(gem) em sua condição material e em sua relação à exterioridade,
ou seja, às determinações históricas dos processos de significação.
Assim posto, as reflexões teóricas que empreendemos neste trabalho têm como base a
Análise de Discurso que começou com Michael Pêcheux na França e tem sido amplamente
desenvolvida por Eni Orlandi e outros autores no Brasil. A Análise do Discurso de linha Francesa
é considerada por Orlandi (1996) uma disciplina de entremeio, que não se caracteriza como uma
disciplina positivista, mas que articula saberes do campo da Lingüística saussuriana, pela
releitura de Michael Pêcheux, saberes do campo do Materialismo Histórico formulado por Karl
Marx e relido por Luiz Althusser e da Psicanálise freudiana, por uma leitura lacaniana.
17
Ao trabalhar na confluência desses três campos de conhecimento, a análise de discurso
nos apresenta uma nova noção de ngua(gem), questiona a noção de homem através da noção de
sujeito e nos apresenta a noção de língua como base material em que se dão os processos
discursivos, como a forma material do discurso, e de texto como a unidade de significação e
lócus de concretização dos discursos. Ao deslocar a noção de língua como sistema abstrato, a
Análise de Discurso passa a considerar a relação da linguagem com a exterioridade “refletindo
sobre a maneira como a linguagem está materializada na ideologia e como a ideologia se
manifesta na língua” (Orlandi, 2005, p. 16). Ao deslocar a noção de homem para a de sujeito, a
teoria do discurso nos faz compreendê-lo o em sua relação constitutiva com a linguagem, em sua
dimensão não empírica, como sujeito descentrado, que funciona pelo inconsciente e pela
ideologia (Idem). E ao delimitar o discurso como seu objeto – e não o texto empírico, ela nos fala
de um objeto que é “lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia,
compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos” (idem, p.17).
Compreendemos que a Análise de Discurso trabalha suas bases na relação da linguagem
com a exterioridade. Para pensarmos essa exterioridade, precisamos compreender as relações
entre as formações discursivas, que de acordo com Pêcheux (1990), são padrões de referências
semânticas que determinam o que pode e deve ser dito numa certa relação de lugares”. Serrani-
Infante (1998, p. 235) trabalha essa noção em seus trabalhos sobre o ensino de uma língua
estrangeira e nos fala de formação discursiva como “espaços de reformulação-paráfrase
contraditórios neles próprios”. Dessa forma, acreditamos que no processo de ensinar-aprender
inglês como língua estrangeira, podemos pensar os textos em inglês produzidos por alunos nas
condições do estudo formal desta língua, como formas materiais de determinadas formações
discursivas.
5 Sobre a estruturação deste trabalho
Este trabalho está dividido em duas partes; a primeira consiste na discussão teórica sobre
os conceitos que fundamentam nossa pesquisa e será dividida em três capítulos. No primeiro
capítulo abordamos as teorias de aprendizagem de língua estrangeira pelo viés da Lingüística
Aplicada. No segundo, apresentamos alguns conceitos desenvolvidos pelo viés teórico da Análise
18
do Discurso, em sua relação constitutiva com a psicanálise e a história. Discorremos sobre o
conceito de língua como compreendido pela Análise de Discurso. Falamos também de Língua
Materna em sua relação com a língua estrangeira, conforme trabalhos de Revuz (1998), que a
toma por sua importância de língua fundadora do psiquismo humano no processo de inscrição do
sujeito de discurso em língua estrangeira, e consideramos os trabalhos de Payer (2006) sobre a
relação entre língua materna e língua nacional, que mostram que a língua materna não é
necessariamente a língua falada pela mãe, podendo mesmo constituir-se de elementos de mais de
uma língua. Esta parte do trabalho consiste em um estudo cuidadoso de trabalhos desenvolvidos
por autores que prestaram e ainda prestam grande contribuição para o ensino de língua
estrangeira, e trabalharemos no sentido de compreender mais especificamente os trabalhos feitos
sobre os conceitos de “aprendizagem” e de “erro” no contexto de aprendizagem de língua
estrangeira. Os autores trabalhados nesta perspectiva são Cristine Revuz (1998), Serrani-Infante
(1998), e Maria Tereza Celada (2002, 2004, 2008). No terceiro capítulo da primeira parte
aprofundaremos o estudo dos conceitos de memória discursiva, numa perspectiva do
interdiscurso (Pêcheux, 1999; Courtine, 1986) e de memória da/na língua (Payer 2006, 2008), e
conduziremos nossas reflexões para nosso objeto de pesquisa, ou seja, para o estudo da língua
estrangeira. Ainda neste capítulo, trabalhamos os conceitos de autoria segundo Foucault (2007),
retomado por Orlandi (1988, 2005) e discutimos o discurso oral e escrito a partir dos trabalhos de
Gallo (1999), direcionados para nosso objeto de pesquisa.
Na segunda parte do trabalho descrevemos a metodologia de pesquisa adotada e
realizamos análises discursivas tanto do processo de ensino-aprendizagem quando de textos
produzidos por alunos em língua inglesa. No primeiro capítulo dessa segunda parte falamos sobre
a constituição de um corpus experimental como parte da metodologia da pesquisa, descrevendo
as atividades que desenvolvemos com os alunos participantes. No último capítulo apresentamos a
análise do corpus experimental deste trabalho. Após este capítulo apresentamos nossas
considerações acerca da pesquisa desenvolvida.
19
CAPÍTULO I: AS TEORIAS DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS NO CAMPO DA LINGUÍSTICA APLICADA
Introdução
Neste capítulo, a partir dos trabalhos de Richards & Rodgers (1985), Willians & Burdens
(1997) e da leitura da tese de doutorado de Souza (2005), apresentaremos brevemente algumas
teorias de aprendizagem de língua estrangeira pelo viés da Lingüística Aplicada a fim de
compreendermos o percurso dos métodos e abordagens que se ancoram nas teorias que se filiam
às escolas chamadas psicológicas, a saber, behaviorista, Inatista, cognitivista construtivista e
sócio construtivista e que, ainda hoje, influenciam de forma medular os estudos contemporâneos
na área da aprendizagem, não de língua estrangeira, mas, em uma dimensão maior no que se
refere à educação formal nas escolas. Em seguida, aprofundaremos nossos estudos lançando um
olhar discursivo ao nosso objeto, deslocando pontos fundamentais no que diz respeito às
concepções de língua(gem) e aprendizagem de língua estrangeira e jogando luz aos estudos da
língua estrangeira pelo viés da Análise de Discurso em sua relação constitutiva com a psicanálise
e a história.
20
1 AS TEORIAS DE APRENDIZAGEM PELO VIÉS DA LINGUÍSTICA
APLICADA – UMA RETROSPECTIVA
Introdução
As teorias de aprendizagem de língua estrangeira que discutiremos neste item são, em sua
maioria, contribuições da psicologia para os estudos da linguagem. Falaremos sobre o
Behaviorismo, Inatismo, Cognitivimo Construtivista e Construtivismo Social. Nossa entrada aqui
neste tema se realiza através de certa insatisfação frente às respostas dadas diante dos obstáculos
que encontramos no processo de ensino-aprendizagem de ngua estrangeira, sobretudo respostas
advindas das já referidas teorias de aprendizagem.
Partimos da leitura de Souza (2005) para introduzirmos duas observações que nos ajudam
a esclarecer importantes questões no que diz respeito às teorias de aprendizagem de língua
estrangeira. A primeira se refere à diferença entre abordagem e teoria de aquisição de ngua
estrangeira. Este autor (idem) parte dos trabalhos de Anthony (1963 apud SOUZA, 2005) que
conceitua a “abordagem” como “um conjunto de assunções correlatas que lidam com a natureza
da linguagem e do ensino aprendizagem de língua” (p. 214). Souza (idem) nos ensina que
abordagem é axiomática, e sendo assim, está ancorada a uma teoria que a precede. Portanto, não
uma relação unívoca entre abordagem e teoria de aprendizagem de língua estrangeira. Ao
contrário, em uma ordem hierárquica, a teoria vida a uma abordagem. Uma segunda
observação relevante para nossos estudos sobre as teorias de aprendizagem de língua estrangeira,
que logo articularemos à primeira, é a de que, segundo o mesmo autor (op. cit) as teorias de
aquisição de segunda língua “seguem quase especularmente as teorias de aquisição de língua
materna” (idem, p. 214).
É importante observar que os métodos e abordagens que tratam o ensino-aprendizagem de
uma língua estrangeira pelo viés da Lingüística Aplicada seguem essas teorias. Sendo assim, de
acordo com esses métodos e abordagens, o processo de aprender-ensinar uma língua estrangeira
pode centrar-se em quatro focos: aprendizagem por repetição mnemônica, aprendizagem de
21
língua estrangeira que tenta repetir o processo de aquisição de língua materna, aprendizagem com
foco nas operações cognitivas e aprendizagem como resultado da interação social.
Partimos desse preâmbulo para demonstrar as concepções de aprendizagem como
propostas pelas referidas teorias de aprendizagem para então especificarmos o deslocamento
conceitual que propomos para o desenvolvimento desta nossa pesquisa, que se baseia nas
concepções teóricas de ngua, linguagem e de sujeito da Análise de Discurso que nos levam a
olhar criticamente para aspectos dos quatro focos acima elencados.
1.1 O Behaviorismo
Segundo estudos de Williams & Burden (1997), a teoria de aprendizagem behaviorista
parte da psicologia e desenvolvida por Skinner considera a aquisição de uma segunda língua
como aquisição de novos hábitos. Ainda de acordo com os autores “a teoria behaviorista veio
explicar o aprendizado em termos de condicionamento operante” (p. 9)
2
. O autor explica
condicionamento operante como a maneira particular de o indivíduo se comportar em respostas a
um determinado estímulo. Tal comportamento pode se repetir caso seja reforçado por
recompensa ou ser rejeitado, caso seja reforçado por punição.
Por essa teoria, entende-se que o ensino-aprendizagem de língua estrangeira poderá se dar
através de exercícios de repetição mnemônica, que leva o aprendiz a resolver uma série de
operações gramaticais apenas completando lacunas e decorando vocabulário fora de um contexto
de enunciação significativo. Souza (2005) nos mostra que, de acordo com essa teoria, o processo
de aprendizado de língua estrangeira é marcado pela interferência de hábitos de ngua materna, e
que esta interferência é considerada pelos behavioristas como “erro” a ser evitado.
Nos anos 60 a teoria behaviorista sofre sérias críticas por parte de estudiosos da área da
linguagem, entre eles Noam Chomsky, que se manifesta contra a concepção estruturalista de
linguagem então dominante, e a teoria behaviorista de aprendizagem, afirmando que as
sentenças não são aprendidas por imitação e repetição, mas geradas pela “competência
2
Todas as traduções destes autores apresentadas no trabalho são minhas.
22
lingüística
3
do aprendiz” Chomsky(ano) (apud RICHARDS & RODGERS, 1985, p. 66 ). A
partir daí surgiram teorias de ensino-aprendizagem de língua estrangeira baseadas em uma
perspectiva inatista.
1.2 O Inatismo
Chomsky rebate as teses de Skinner e propõe que a capacidade da linguagem é genética,
portanto inata. Segundo ele, “o sujeito da espécie é dotado de uma Gramática Universal (GU),
portadora de princípios universais pertencentes à faculdade de linguagem” (apud SOUZA, 2005,
p. 66).
De acordo com Souza (idem), Chomsky propõe a “Teoria de Construção Criativa”, mas
não se preocupa diretamente em abordar o aprendizado de língua estrangeira, mas sim, a
aquisição de língua materna aqui entendida como primeira língua. Ainda assim, alguns autores,
baseados em suas idéias, propõem abordagens de ensino-aprendizagem de língua estrangeira.
Um modelo bastante utilizado nos anos 80 para o estudo de Língua estrangeira, que está
de acordo com a teoria chomskyana, e fortemente influenciado pela teoria construtivista de
Piaget, é o de Krashen (1981). Segundo esse modelo, o professor é um fornecedor de inputs.
Chamado de Modelo Monitor, o modelo distingue aquisição, como algo que se de forma
espontânea e natural de aprendizagem de algo que se de forma consciente. Krashen (1981)
acredita que o início da aprendizagem é marcado por um “período de silêncio”, onde a produção
do aluno é mínima, mas é quando ocorre a aquisição de uma gramática internalizada por meio de
inputs significativos, fornecidos pelo professor. O professor é também responsável pelo
fornecimento de feedback para que o aluno desenvolva um sistema lingüístico interno. Segundo o
autor (idem), o professor deve ser também um motivador no processo, pois só ocorre aprendizado
quando o aluno está efetivamente motivado.
Em seus estudos, Souza (2005) conclui que recorrer à GU de Chomsky para explicar o
aprendizado de língua estrangeira, traz para os estudos da linguagem questões bem parecidas com
aquelas colocadas para a aquisição de língua materna.
3
Segundo a teoria chomskyana, a competência lingüística é o conhecimento das regras sintáticas, ou seja, o elemento
que garante ao falante a possibilidade de construir um mero infinito de sentenças, de acordo com os padrões da
gramaticalidade.
23
1.3 O Cognitivismo Construtivista
Contrapondo-se ao behaviorismo, conforme discutido por Williams & Burden (1997),
Jean Piaget ofereceu outra possibilidade de compreensão do processo de aprendizagem na mente
humana. Sua teoria cognitivista voltou-se para o processo mental que envolve o aprendizado, em
que a aprendizagem é vista como um processo em construção e não como um acúmulo de fatos e
desenvolvimento de habilidades. Daí a denominação de construtivismo. Segundo esta concepção
teórica, a aprendizagem de outra língua está relacionada aos processos mentais, ou seja, às
operações cognitivas advindas de experiências pessoais vivenciadas pelo aluno, e este é
entendido como o responsável direto pela construção do seu conhecimento. Segundo Williams &
Burden (1997), a teoria piagetinana é sustentada na premissa de que “cada indivíduo entende o
mundo por si só, bem como as experiências que o circundam”.
Ainda discutindo a abordagem construtivista com base nos estudos de Williams & Burden
(1997), nota-se que o aluno é participante ativo do processo ensino–aprendizagem. Nesse sentido,
o desenvolvimento de cada faixa etária deve ser levado em conta. O professor ocupa o papel de
facilitador deste processo, sendo aquele que propõe atividades coerentes com o estágio de
desenvolvimento cognitivo do aluno e o desafia a exercitar suas habilidades através de tarefas
significativas, e incentiva o trabalho em grupo.
1.4 O Sócio-Interacionismo
Por volta dos anos 70, na Europa, conforme Richards & Rodgers (idem), começa a
ocorrer uma mudança de paradigma no ensino de língua estrangeira, e o que se conhece
atualmente como Abordagem Comunicativa começa a ganhar espaço. Os autores nos mostram
que Abordagem Comunicativa, defende a aprendizagem centrada no aluno e seu objetivo
principal é desenvolver a “competência comunicativa
4
”. O “uso de linguagem apropriada,
4
Segundo estes autores (idem, p.160), diferenças entre a noção de competência comunicativa segundo Hymes
(1971) e segundo Chomsky (1959). Em geral, ela representa o conjunto de conhecimentos e habilidades que o
falante precisa adquirir para que ele venha a ser um comunicador competente em uma determinada comunidade de
discurso. Richards & Rodgers (idem) observam que no primeiro autor a competência gramatical se refere ao que
Chomsky chama de competência lingüística, e que Hymes chama de formalmente possível. Trata-se do domínio da
capacidade gramatical e lexical. Ver mais sobre competência comunicativa em Canale and Swain (1980).
24
adequada à situação em que ocorre o ato da fala e ao papel desempenhado pelos participantes”, é
uma grande preocupação na Abordagem Comunicativa. Os diálogos artificiais, antes elaborados
para apresentar pontos gramaticais, são rejeitados e a ênfase da aprendizagem se desloca do
conhecimento sistêmico para a comunicação.
As formas lingüísticas são ensinadas apenas quando necessárias para desenvolver a
competência comunicativa e poderão ter mais ou menos importância do que outros aspectos do
evento comunicativo. O desenvolvimento de uma competência estratégica saber como usar a
língua para se comunicar pode ser tão ou mais importante do que a competência gramatical
nessa nova visão. Essa abordagem não está vinculada a nenhuma teoria de aprendizagem
diretamente. Os autores (idem) mencionam uma inclinação à teoria piagetiana de aprendizagem,
mas não descartam a postura behaviorista requisitada por algumas atividades pedagógicas do
método, bem como uma forte tendência a atividades que exigem interatividade entre os alunos, o
que nos remete a uma concepção sócio-construtivista de aprendizagem.
A concepção vigotskyana de aprendizagem, mais comumente chamada de teoria sócio-
construtivista, tem estado muito presente nas discussões que permeiam a maratona
teórico/metodológica a partir da década de 90 em busca de soluções eficazes para o insucesso no
processo de se aprender uma língua estrangeira. De acordo com essa teoria, a aprendizagem se
através da interação social entre duas ou mais pessoas com níveis de habilidade e conhecimentos
diferentes (Williams & Burden 1997).
Como pudemos observar, os estudos contemporâneos que tratam do ensino-aprendizagem
de língua estrangeira têm privilegiado experiências empírico/pedagógicas através das quais os
aprendizes possam construir conhecimento da ngua na interação comunicativa com os colegas e
com o professor. De acordo com Williams & Burdens (idem), o foco do processo ensino-
aprendizagem atualmente, no campo da Linguística Aplicada, se apóia nas práticas das relações,
das interações, como proposto por Vigotsky na teoria sócio-interacionista de aprendizagem. No
que segue, vamos explicitar, justificar e desenvolver com mais detalhamento os distanciamentos
teóricos tomados em relação aos modos de ensino-aprendizagem acima mencionados.
25
CAPÍTULO II
REFLEXÕES TEÓRICAS RELEVANTES AO ENSINO DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA PELO VIÉS DO DISCURSO
Introdução
Apresentamos rapidamente as teorias de aprendizagem segundo as escolas psicológicas,
que de certo modo apoiavam nossas práticas de professora, mas atentamos novamente para o fato
de que a perspectiva em que vamos introduzir nossa pesquisa é outra. Nos nossos novos estudos
sobre “aprendizagem de língua estrangeira, pretendemos entender como o sujeito se relaciona
com o real da língua alvo, com a sua materialidade. Para isso nos é preciso primeiramente
deslocar os conceitos de língua/linguagem, erro e aprendizagem, como tratados pelas teorias de
aprendizagem de língua estrangeira como apresentadas acima. Esta necessidade nos coloca diante
da seguinte questão: em face da impossibilidade de adequarmos o aprendiz aos métodos e
abordagens que estão, reconsideramos as teorias que dão origem a esses métodos e abordagens,
de modo que possamos trilhar por caminhos que possam nos levar a experiências significativas
ao sujeito-aprendiz, esse do desejo e do inconsciente, assim como da história, em sua relação com
a materialidade da língua. Esse deslocamento se na direção que nos apontam os estudos sobre
a linguagem, e em especial sobre aprendizagem de língua estrangeira pelo viés da análise de
discurso, como veremos a seguir.
Nesta parte do trabalho, estudaremos o conceito de língua, trabalhada como uma
materialidade (Pêcheux, 1975, 1998; Orlandi, 1997, 2004). Os conceitos articulados pela análise
de discurso em sua relação constitutiva com a psicanálise acerca de língua materna e língua
estrangeira, bem como suas relações com a língua nacional, (Revuz, 1998; Serrani-Infante, 1985,
Celada, 2002, Payer, 2006, 2007) são também de grande importância para nossos estudos, e serão
trazidos para reflexão neste capítulo. Trabalharemos ainda no sentido de compreender por essas
perspectivas os fenômenos secularmente chamados de erros.
26
2.1 Um Conceito Discursivo de Língua
Partiremos da observação fundamental de Pêcheux (1975) de que “a língua constitui o
lugar material onde se realizam os efeitos de sentido” (p. 172). Ao dizer isso, este autor nos leva a
compreender que a língua não somente é uma base material, mas uma base material significante
que, como observa Orlandi (2004), tem dois aspectos bem distintos: a ordem e a organização.
Desse modo, aponta Olandi (idem) que ordem da língua é exatamente a ordem onde se
observa um funcionamento enlaçado à “ordem do discurso”, e sujeito às falhas, equívocos, sem
perder, porém, sua unidade - a língua continua sendo a mesma. É o lugar possível da produção de
sentidos, de efeitos de sentidos, pelo deslize dos significantes. Para a autora (idem) a relação
linguagem/pensamento/mundo não é unívoca, ou seja, não uma relação direta, termo a termo
entre eles. Orlandi (idem) nos mostra também que “não sentido em si, ele é definido sempre
em relação à”.
A mesma autora (idem) nos ensina que a organização da língua, por seu lado, se refere ao
lugar da sintaxe, da fonologia, ou seja, da base estrutural. O que nos interessa enquanto analistas
de discurso dispostos a trabalhar com os discursos em inglês produzidos por alunos, e seu
processo de produção, está a priori, no nível da ordem da língua, sem que isso signifique
desconsiderar o nível da sua organização. Orlandi (idem) nos mostra que a organização sintática
é relevante em uma análise, na medida em que nos faz compreender “os mecanismos de
produção de sentidos (lingüístico-históricos) que aí estão funcionando em termos de ordem
significante”.
Sendo a língua composta de uma ordem e organização distintamente, embora inter-
relacionadas, pretendemos considerá-las ambas nos nossos trabalhos de ensino e pesquisa, e não
apenas à organização, como se tem sido feito. Nos nossos estudos, bem como em nosso fazer
pedagógico, não rejeitamos e não consideramos “errados” os discursos que não estiverem
totalmente de acordo com essa organização. Sendo assim, não trabalhamos com a dicotomia
certo/errado, mas damos lugar a um olhar que se importa com a produção de sentidos entre os
locutores, os movimentos que o sujeito faz ao se inscrever na língua, no discurso, na história
através de outro objeto simbólico a língua estrangeira
_
. Muitas vezes nesse processo, esses
sujeitos produzem discursos que não atendem à organização requerida por tal língua, mas ainda
assim permitem que o sujeito de discurso tenha seu dizer, de algum modo, inscrito nessa
27
produção, o que é importante, ao nosso ver, para o processo que então se desencadeia em direção
à língua inglesa.
Pensar a língua segundo essa perspectiva significa também concebê-la como base material
onde se produzem os processos ideológicos e discursivos (Pêcheux, 1975). Diferentemente do
olhar lançado pela lingüística estritamente estruturalista, a análise de discurso considera a língua
em sua equivocidade, opacidade, não clareza.
Esse olhar discursivo que lançamos sobre a língua/linguagem neste nosso trabalho,
representa portanto um deslocamento importante, que vem (re)direcionar nosso fazer pedagógico
no que diz respeito ao estudo e ao ensino de uma ngua estrangeira, ao mesmo tempo em que
compreendemos teoricamente esse processo, descrevendo-o e interpretando-o. Nessa direção,
Orlandi nos ensina que:
(...) Quando se concebe a língua como os lingüistas enquanto sistemas de formas
abstratas (e não material) têm–se a transparência e o efeito de literalidade. Porém, se a
concebemos na perspectiva discursiva como materialidade, essa materialidade
lingüística é o lugar da manifestação das relações de forças e de sentidos que refletem os
confrontos ideológicos. (1997, p. 21).
Assim sendo, compreendemos o conceito de língua juntamente com o modo de
constituição do sujeito de discurso, ou seja, ao produzir um discurso o sujeito o faz através da
linguagem/língua. Nesse evento, o sujeito (re)significa-se e (re)constitui-se simultaneamente
através da sua relação com a língua, cuja marca é, segundo Orlandi (2004) o “traço da relação da
língua com a exterioridade”. Como nos mostra Orlandi (2004):
A Análise de Discurso se interessa pela linguagem não como instrumento de
comunicação, mas como instrumento de mediação simbólica, uma prática que se
transforma e que é constitutiva de identidades e significações, onde ao falar o sujeito
significa e se significa, ou seja, sujeito e sentido se constituem ao mesmo tempo. ( p.28).
Esses conceitos de língua que nos apresenta a análise do discurso vêm nos mostrar que
nossa experiência teórica na posição de professores de língua estrangeira vinha sendo bastante
pautada pelo conceito de língua segundo a lingüística estruturalista e formalista, bases dos
métodos tradicionais de ensino de língua estrangeira. Nessa perspectiva, Milner (1987 p. 27) nos
fala de uma visão de ngua suposta pelos lingüistas que “supõe ao real da língua um certo saber,
dito “competência”, e a esse saber um certo sujeito dito sujeito falante”, que é descrito pelo autor
28
como “sujeito sem dimensão, nem desejo nem inconsciente”. Visão que é expressa pelo modo
como expomos no capítulo anterior.
A partir destes estudos, redirecionamos o nosso olhar, e em concordância com o
comentário de Payer (2007) sobre a instância da língua materna, passamos a compreender a
língua em sua “dimensão de matéria capaz de produzir sentidos”, e de instrumento, “na medida
em que proporciona mecanismos de configuração simbólica, certos quadros de representações,
que tornam possível o fato mesmo de que sujeitos saibam algo através de uma língua” (idem.
P.7). Sendo assim, consideramos a língua estrangeira também como dispositivo de mediação
simbólica, como base de uma prática que transforma e constrói identidades e significações. E
que, para isso, guarda uma relação necessária com a língua materna dos aprendizes.
2.1.2 Língua, Discurso e Sujeito
As noções de discurso e sujeito são imprescindíveis, nesse momento, para darmos
prosseguimento às nossas reflexões teóricas.
Pêcheux (1975, p. 82) define o discurso como “efeito de sentidos entre locutores (pontos
A e B)”. Orlandi (1997, p. 17) trabalha com o “discurso como lugar de contato entre língua e
ideologia”, e explica a noção de efeito de sentido conforme o apresenta Pêcheux, (1975):
(...) Compreender o que é efeito de sentidos é compreender que o sentido não está
(alocado) em lugar nenhum, mas se produz nas relações: dos sujeitos, dos sentidos e isso
é possível já que sujeito e sentido se constituem mutuamente, pela sua inscrição no jogo
das múltiplas formações discursivas (que constituem as distintas regiões do dizível para
o sujeito). (apud ORLANDI, 1997, p. 20)
Para tratarmos a concepção de sujeito, recorremos à “teoria não-subjetivi sta da
subjetividade” de que nos fala Pêcheux (1975), elaborada a partir dos trabalhos de Althusser:
[...] o indivíduo é interpelado como sujeito (livre) para livremente submeter-se às ordens
do Sujeito, para aceitar, portanto (livremente) sua submissão, para que ele “realize por si
mesmo” os gestos e atos de sua submissão. Os sujeitos se constituem pela sua sujeição.
Por isso é que “caminham por si mesmos. (ALTHUSSER, 1985, p.104).
De acordo com Pêcheux (1975) em sua releitura de Althusser, a teoria não-subjetivista da
subjetividade
29
designa os processos de “imposição /dissimulação” que constituem o sujeito, “situando-
o” (significando para ele o que ele é) e, ao mesmo tempo, dissimulando para ele essa
“situação (esse assujeitamento) pela ilusão de autonomia constitutiva do sujeito, de
modo que o sujeito “funcione por si mesmo”... (Pêcheux, 1975, p. 133).
Estes autores nos mostram que nos tornamos sujeito pela interpelação através da
ideologia: “A existência da ideologia e a interpelação dos indivíduos enquanto sujeitos são uma
única mesma coisa” (Pêcheux, id. op.cit.: 97). Ou seja, não sujeito fora da ideologia: “[...] a
ideologia sempre/já interpelou os indivíduos como sujeitos, o que quer dizer que os indivíduos
foram sempre/já interpelados pela ideologia como sujeitos...” (idem, p. 98). que se dizer,
também, que diferentes configurações ideológicas das interpelações, e diferentes formas de ser
sujeito segundo os diversos rituais e relações de poder que são determinados historicamente,
como mostra Haroche (1992).
Dessa maneira, entendemos que na perspectiva da análise de discurso, o sujeito é
compreendido como posição-sujeito, historicamente constituído na e pela linguagem, sujeito
descentrado, que não é nem a origem nem o dono absoluto de seu dizer. Isto é, como nos ensina
Pêcheux (1975/1997), as relações do sujeito com o real se dão através do real da língua, pelas
relações imaginárias afetadas pela ideologia e também através do real da história.
Compreendemos que todo esse processo ocorre, no entanto, independentemente do controle do
sujeito sobre ele, o qual por sua vez necessita acreditar na transparência da linguagem e na
evidência de sentidos, para dizer - em qualquer língua, acrescentamos.
Estamos considerando aqui os dois tipos de esquecimentos necessários para que o sujeito
produza sentido através da língua (Pêcheux, 1975/1997). O esquecimento ideológico, ou o
primeiro esquecimento, segundo o autor “... é da instância do inconsciente e resulta do modo pelo
qual somos afetados pela ideologia. Por esse esquecimento temos a ilusão de sermos a origem do
que dizemos” (Idem, p. 35). O segundo esquecimento é da ordem da Enunciação. Pelo
esquecimento número 2, de acordo com Pêcheux (Idem) “ao falarmos o fazemos de uma maneira
e não de outra”, ou seja, temos a ilusão de que existe uma maneira de produzirmos aquele
enunciado. Produz-se assim, por este esquecimento, a impressão de realidade do nosso
pensamento.
Entendemos, a partir do estudo desses conceitos, que o sujeito que produz o texto e o
discurso não tem acesso à origem dos sentidos, mas por um mecanismo ideológico, ele acredita
30
ser a origem dos sentidos, e com isso, nos textos que produz, ele vai se “inscrevendo” em
diferentes formações discursivas, como regiões do dizer. E por meio dessas formações
discursivas em seu jogo e da relação com o “outro”, ele se constitui. Isso, em se tratando da
produção de sentidos e do sujeito em língua materna.
Considerando este funcionamento, dada a especificidade do processo e dos materiais que
analisamos, somos levados a levantar uma questão que nos parece crucial para a compreensão do
objeto em questão: como se o funcionamento desses esquecimentos postulados por Pêcheux,
para a língua materna, no processo de aprendizagem formal de língua estrangeira? Tentaremos
trabalhar e compreender esse funcionamento ao longo desta pesquisa.
2.1.3 O Conceito de Imaginário
Abro parênteses para trazer um importante conceito que se impõe para darmos
direcionamento aos nossos estudos. É o conceito de imaginário, trabalhado na análise de
discurso, de que falo. Tomamos Pêcheux como referência básica para entendermos a noção de
imaginário na teoria do discurso. Este autor (1975) mostra a insuficiência da abordagem de
Jakobson, que ele considera demasiado behaviorista, sobre a língua como instrumento de
comunicação, apontando que diferentes elementos que estruturam as condições de produção
dos discursos, além da simples presença de “interlocutores”. Esses elementos não correspondem
ao sujeito empiricamente falando. Segundo Pêcheux (idem), não correspondem à
presença física de organismos humanos individuais [...], mas de lugares determinados na
estrutura de uma formação social [...], por exemplo, no interior da esfera da produção
econômica, os lugares do patrão (diretor, chefe da empresa etc.), do funcionário de
repartição, do contramestre, do operário, são marcados por propriedades diferenciais
determináveis. (p. 82)
O autor ainda afirma que, o que funciona no processo de produção de um discurso é uma
“série de formações imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao
outro, a imagem que eles se fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro” (id. op. cit.: 82).
Sobre essa rede imaginária descrita por Pêcheux do sentido, do código, do referente e do canal,
Payer (2006, p. 108) vai chamar a atenção para a importância de, ao lado de se considerar “as
imagens” desses elementos, e considerar também ali que não se trataria de “a língua” por si
31
mesma, presente como código, mas uma “imagem da língua”, ou seja, as representações que o
sujeito faz da língua no momento da interlocução podem também determinar esse evento de
forma constitutiva.
Quando Pêcheux (1997) formula a definição de discurso e nos mostra que a produção dos
sentidos passa pela relação imaginária que o sujeito estabelece com o objeto do discurso, consigo
mesmo e com o outro, não como objetos e sujeitos em si mesmo, mas como “pontos de vista”
sobre eles, abrem-se espaços para questões importantes para pensarmos a produção do discurso
em língua estrangeira, e no processo de ensino-aprendizagem de uma língua, mais
especificamente em língua Inglesa, que é o objeto de nossos estudos.
Trazendo esse conceito para as reflexões que empreendemos nesta nossa pesquisa, como
antecipamos, notamos a necessidade de trabalharmos com duas posições-sujeito, referentes às
produções dos alunos de Letras. Uma das posições se refere à posição sujeito-aluno, e uma
segunda posição-sujeito é a que se representa no lugar de aluno/professor de língua inglesa. A
partir dessas duas representações dos sujeitos é que, baseando-nos em nossas experiências
analisadas de sala, podemos afirmar que estes sujeitos são atravessados pelas imagens de si, e
também da língua como sistema relacional de signos cuja única função é a de promover a
comunicação. De acordo com essas imagens, a de estrutura e a de instrumento de comunicação,
aprender uma língua estrangeira para eles significa imaginariamente “dominar” a gramática,
“possuir” um vocabulário bastante variado e saber pronunciar as palavras estrangeiras
“corretamente”. Trabalhar na contramão desse imaginário tem sido nossa tarefa prática e teórica,
desde que nos tornamos pesquisadores da área da linguagem dispostos a trabalhar a língua em
relação ao sujeito.
Quando dizemos “trabalhar na contramão” de um imaginário de língua como “sistema
relacional de signos a serviço da comunicação” estamos propondo um redirecionamento no modo
de conceber o estudo de língua estrangeira, lançando um olhar que se desloca de “língua Inglesa
como instrumento de comunicação, atualmente de acordo com a ideologia do mercado
globalizado”, para língua Inglesa como objeto de aprendizagem formal, na qual o sujeito possa
se enunciar em primeira pessoa, se constituir como sujeito nessa língua outra” (Revuz 1998).
32
2.2 Língua materna e língua estrangeira
Com base nesses postulados mais amplos sobre língua e sujeito, vários pesquisadores da
área vêm se dedicando ao campo do ensino de línguas mais especificamente.
Nesta parte do trabalho, pretendemos estudar sobre a relação do sujeito com a sua língua
materna e a língua estrangeira nesse complexo movimento em seu processo de inscrição no outro
simbólico, seu assujeitamento ao campo do sentido da língua estrangeira, considerando também
sua inscrição na língua materna. Para isto, baseamo-nos, sobretudo, nos estudos de Revuz (1998),
Payer (2006, 2007), Serrani-Infante (1985) e Celada (2002, 2003, 2009).
2.2.1 A relação do sujeito com sua língua materna e a língua estrangeira
Revuz (1998) inaugura uma forte tendência nos estudos de língua estrangeira no campo
Aplicado, pelo viés da psicanálise, quando traça um paralelo entre Língua Materna e Língua
Estrangeira, e demonstra a importância de levantar o olhar à primeira, como base fundadora do
psiquismo humano, para pensar a inscrição na segunda. Ela nos mostra como o aprendizado da
língua estrangeira leva o sujeito a um retorno de si.
Abrindo um novo espaço potencial para a expressão do sujeito, a língua estrangeira vem
questionar a relação que está instaurada entre o sujeito e sua língua. Essa relação é
complexa e estruturante da relação que o sujeito mantém com ele mesmo, com os outros,
com o saber (REVUZ, 1998, p. 220).
Segundo Revuz (idem), os obstáculos enfrentados pelo aprendiz nesse processo de
aprendizagem de língua estrangeira podem ser compreendidos ao se levar em conta sua relação
com a língua da primeira infância:
seria um grande desatino emitir interpretações sobre as dificuldades encontradas pelo
aprendiz, mas poder-se-ia ajudá-lo a superá-las analisando seu funcionamento e
remetendo-as não a um estado de fato (“ eu não compreendo nada de gramática”, eu não
tenho nada de memória”, eu não posso pronunciar esse som”), mas, a um sentido, a uma
história singular com a ngua. (p. 220)
33
No que diz respeito ao campo específico de ensino de língua estrangeira, Revuz (idem)
define língua materna como a língua da primeira infância, língua de acesso à linguagem e de
referência para a língua estrangeira. Ela afirma que língua materna e língua estrangeira jamais
serão da mesma ordem exceto no caso de verdadeiro bilingüismo, no qual a criança se estrutura
psiquicamente em duas línguas simultaneamente.
Para a autora, a língua materna é tão onipresente na vida do sujeito que ele tem a sensação
de jamais tê-la aprendido. Por outro lado, a língua estrangeira se configura como “objeto de
aprendizagem raciocinado”. Quando o aprendiz entra em contato com a ngua outra, é como se
ele estivesse vivenciando algo totalmente novo. Para Revuz (idem) a novidade está exatamente
na modalidade desse encontro”, que ele “faz vir à consciência alguma coisa do laço muito
específico que mantemos com nossa língua” (p.215).
A autora elege dois momentos fundamentais para se observar como a língua estrangeira
vem incidir na relação “inconsciente” que o sujeito mantém com sua língua fundadora. Esses
momentos se instalam exatamente no campo das diferenças. O primeiro deles refere-se ao
universo fonético, e o segundo, ao universo das maneiras de se construir significações. Para
falarmos sobre essas diferenças, se faz necessário relembrar que um sujeito aprende uma
língua estrangeira porque já aprendeu sua própria língua.
Segundo seus estudos, no tocante ao universo fonético, o contato do aprendiz com os
novos sons produz sensações de impotência e regressão, que o sujeito tem dificuldades em
produzir os novos sons e se fazer entender. Além disso, ocorre um “corpo-a-corpo com a
dimensão fonética”, através da boca, corpo erógeno tão importante, que faz suscitar sensações
surpreendentes no falante que experimenta a língua outra oralmente. Mas a grande dificuldade
encontrada no campo fonético é menos a incapacidade funcional de se produzir o novo som do
que a incapacidade de jogar com os novos ritmos, a nova musicalidade. Isso, segundo a autora,
exige uma tomada de distância da língua da primeira infância, o que, para alguns aprendizes,
pode indicar perigo, enquanto que para outros pode ser fonte de prazer.
No que se refere ao universo das maneiras de se construir as significações, a autora nos
mostra mais uma vez que os obstáculos não se encontram no nível da capacidade intelectual ou
do raciocínio acerca do sistema lingüístico, mas na relação afetiva do sujeito com a língua outra,
passando certamente por sua relação afetiva com a língua materna. Revuz (idem) afirma que “a
língua estrangeira vai confrontar o aprendiz com um outro recorte do real, mas, sobretudo com
34
um recorte em unidades de significação desprovidas de sua carga afetiva” (p. 223). Dito de outro
modo, as palavras em língua estrangeira não carregam o mesmo peso das palavras em língua
materna por não serem portadoras da mesma carga afetiva.
Nessa direção, falar de aprendizagem de língua estrangeira é invariavelmente falar de
sujeito/sentido. Sujeito, língua estrangeira e sentido como constituídos simultaneamente tendo
como a base dessa constituição a língua materna. A partir dos estudos de Revuz (1998),
assumimos aqui nosso maior deslocamento frente aos estudos tradicionais sobre aprendizado de
língua estrangeira no campo da Lingüística Aplicada. Enquanto essa atenta às questões referentes
à forma, ao bem falar, ou ao falar para comunicar, nós nos movimentamos primeiramente no
sentido de entender os efeitos que a língua outra pode produzir no sujeito aprendiz, já que põe em
jogo para esse sujeito sua relação com a língua materna, portanto consigo mesmo, com o outro e
com o mundo.
Quando dizemos que a Lingüística Aplicada tradicionalmente tem se atido mais à forma e
menos ao sujeito, dizemos que o que nos interessa é compreender o sujeito em sua relação com a
língua estrangeira, portanto com o sentido. Seus modos de (re)significação, de (re)produção de
sentido, de subjetivação. Sua forma de se inscrever na língua outra e permitir-se constituir nas
duas línguas. Preocupamo-nos em entender como o aprendiz de língua estrangeira, nas condições
de produção que mencionamos, constrói suas identificações como falante de Língua Inglesa e
se torna sujeito nessa língua, sabendo-se, contudo, sujeito falante de uma língua materna, o que
requer aos agentes desse processo ter uma compreensão diferente da que requer estritamente o
“domínio” sobre a língua.
Cabe salientar que língua materna tal como compreendemos “não é aquela falada pela
mãe” (cf. Serrani-Infante, 1985)
5
, mas toca no fato de que ela “teceu o inconsciente” Melman
(1942 apud SERRANI-INFANTE, 1985). É também necessário pensar que a língua materna pode
não coincidir com a língua nacional, conforme observa Payer (2006), em seus estudos sobre a
língua materna e sua relação com a língua nacional na situação de imigrantes italianos no Brasil.
“A língua materna desse sujeito imigrante é formada por elementos de mais de uma língua”
(Payer, 2000, p. 387). E mesmo no contexto histórico em que foi interditada pelo Estado, não
desaparece totalmente, pois ela deixa seus traços na língua atual do sujeito (português), que são
5
Ou na formulação de Payer (2006, p. 113), com já citado neste capítulo “Não é necessariamente aquela falada pela
mãe”.
35
marcas, sombras de sua base fundamental, o que é considerado pela autora como fatos que
demonstram que entre esses sujeitos uma “memória na/da língua” (Payer, 2006).
Dessa maneira, assumimos uma compreensão de língua materna como a língua em que se
estrutura a relação do sujeito com o real, e também como a língua que participa da estruturação
de sua afetividade/subjetividade e de seu saber sobre o mundo. Nesse sentido, o termo “materno”
guarda uma relação íntima com uma figura que é crucial na história do sujeito, que é a figura da
mãe.
Nessa perspectiva, quando consideramos um sujeito que “fala uma língua estrangeira”,
podemos afirmar que uma língua estrangeira abre espaço para uma (re)significação subjetiva. Em
outras palavras, ao falar em língua estrangeira, o sujeito se (re)significa, se (re)posiciona como
sujeito, se (re)inscreve na língua/linguagem e nesses movimentos, outras formações discursivas
são convocadas e outras filiações de memória são (re)produzidas.
A compreensão teórica desses movimentos subjetivos nos despertou o desejo de encontrar
também uma nova concepção para aprendizagem, que a acompanhasse, sobretudo por não nos
sentirmos satisfeitos com a antiga imagem simplista que fazíamos desse complexo movimento:
aprender é saber, é ser fluente, dominar o idioma, falar corretamente do ponto de vista da
gramática. Embora sempre tenhamos acreditado que o aprender uma língua estrangeira fosse um
movimento processual, ainda nos faltava o olhar que de fato considera o “processo”, e para tanto,
mais um deslocamento conceitual fez-se necessário, e é sobre isso que trataremos a seguir.
36
3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES SOBRE OS
CONCEITOS DE “APRENDIZAGEM” E “ERRO”-
REPOSICIONAMENTOS TEÓRICOS
As concepções de “aprendizagem” e “erro” são de vital importância para pensarmos o
processo de produção se sentido em um “outro simbólico”, como diz Celada (2002) vivenciado
pelo sujeito-aprendiz. Para manter, então, uma certa coerência de posicionamento teórico,
trataremos de mostrar a seguir como a análise de discurso em sua relação constitutiva com a
história e a psicanálise trabalha essas duas questões. Assim o faremos a partir de trabalhos de
Celada (2004; 2008) Pêcheux (1988), Revuz (1998) e Serrani-Infante (1998).
3.1 O conceito de aprendizagem de língua estrangeira pelo viés do discurso
Pensemos no sujeito aprendiz de língua inglesa no contexto contemporâneo, no qual ele é
convocado a “aprender” o idioma, compreendendo “aprender” como dominá-lo completamente,
conforme sugerem as metodologias filiadas aos estudos da Lingüística Aplicada em abordagens
estritamente estruturalistas. Sendo assim, o deslocamento do sentido de “aprender” se faz
necessário para nosso trabalho, primeiro como professores de língua estrangeira e segundo como
pesquisadores do campo da linguagem. Para tanto, trabalhamos com autores e conceitos que nos
mostram novas direções para os sentidos de aprender uma língua estrangeira, redirecionando
nosso olhar para o sujeito do discurso e do inconsciente, constituído na/pela linguagem.
Cristine Revuz (1998), do campo da psicanálise, vem lançar luz novamente sobre os
sentidos que produzem a palavra “aprender”, quando enfatiza a aprendizagem de uma língua
estrangeira como uma prática complexa, que solicita a relação do sujeito com o saber, com o
corpo e consigo mesmo. Segundo a autora, o processo de aprendizagem de uma ngua
estrangeira vem sendo marcado por um grande número de insucesso, que a seu ver se relaciona à
dificuldade do aprendiz em articular dimensões de ordem psíquica /corporal/ cognitiva. Segundo
palavras da autora:
37
(...). Sem dúvida, temos aí uma das pistas que permitem compreender porque é tão difícil
aprender uma língua estrangeira. Com efeito, essa aprendizagem mobiliza, em uma
interação necessária, dimensões da pessoa que geralmente não colaboram, nem mesmo
convivem, em harmonia. O sujeito deve por a serviço da expressão do seu eu um vaivém
que requer muita flexibilidade psíquica entre um trabalho de corpo sobre os ritmos, os
sons, as curvas entoacionais, e um trabalho de análise e de memorização das estruturas
lingüísticas. É possível se levantar a hipótese de que muitos dos insucessos podem ser
analisados como uma incapacidade de ligar essas três dimensões: afirmação do eu,
trabalho do corpo, dimensão cognitiva (idem, p. 217).
Como vemos, a autora chama a atenção para o fato de que pensar o aprendizado de uma
língua estrangeira como algo que mobiliza apenas a esfera cognitiva, como nas teorias expostas
no primeiro capítulo, é desconsiderar a complexidade desse processo, sobretudo por se estar
desconsiderando as outras dimensões que são invariavelmente convocadas. A autora (idem)
admite que “as línguas são objetos de investimentos fortes, frequentemente passionais [...], que a
língua ocupa dentre os objetos de aprendizagem, um lugar a parte” (p. 216). Ela afirma que
aprender uma língua estrangeira se revela um exercício complexo e delicado, que movimenta as
tais bases fundadoras do sujeito:
O exercício requerido pelo aprendizado de uma língua estrangeira se revela tão delicado
porque ao solicitar, a um tempo, nossa relação com o saber, nossa relação com o corpo e
nossa relação com s mesmos enquanto sujeito-que-se-autoriza-a-falar em-primeira-
pessoa solicitam-se as bases mesmas de nossa estruturação psíquica, e com elas aquilo
que é, a um tempo, o instrumento e a matéria dessa estruturação: a linguagem, a língua
chamada materna. (idem. p.217).
Serrani-Infante (1998) coincidindo com Revuz (idem), também insiste no que diz respeito
aos fatores correspondentes à dimensão não-cognitiva do sujeito de enunciação, afirmando que
esses fatores se situam antes do processo de aquisição de segunda língua, e “condicionam
medularmente o sucesso, insucesso e modo de acontecimento desse processo”.
Revuz (1998) faz várias críticas às didáticas tradicionais de ensino de língua estrangeira
devido ao fato de que elas ignoram o “confronto da língua materna com a língua estrangeira” (p.
215). Ela observa que esses métodos tentam imitar a aprendizagem da língua materna pelas
crianças, mas não levam em conta que o aprendiz já possui uma língua, ou seja, já é um sujeito de
linguagem.
Outra importante consideração da autora é sobre o inevitável estranhamento advindo do
contato do aprendiz com a língua estrangeira. A autora afirma que isso se configura em uma
38
experiência que nem todos estão preparados para vivenciar. Segundo a autora, algo de
perigoso nessa aventura e alguns se recusam a experimentá-la. Nesse sentido, ela identifica três
estratégias utilizadas por esses aprendizes na tentativa de se protegeram contra o risco do exílio
da língua materna: alguns retêm da outra língua o mínimo possível, outros apenas repetem frases
prontas como papagaios e a alguns outros o caos estrutural garante a distância segura da ngua
estranha. Nas palavras de Revuz (1998):
Tudo se passa como se a tomada de distância em relação à língua materna, que resulta de
falar corretamente uma língua estrangeira, fosse imposvel. Esse impossível não tem a
mesma fonte, nem a mesma significação para cada pessoa, mas, parece-me, está sempre
ligado à ruptura e ao exílio. Segundo a pessoa, essa ruptura pode ser temida e evitada,
pode ser procurada por ser salvadora, ou pode ser tensão dolorosa entre dois universos
(p. 226).
Nessa mesma direção, Serrani-Infante (idem) observa um efeito semelhante no processo
de inscrição na língua alvo, na parte que ela chama de inscrição em “discursividades de ngua
alvo”, compreendidas como regiões do dizer, do interdiscurso, presentes outra língua e diferentes
da materna, parte que é marcada também pelo estranhamento. Para a autora, um estranhamento
“que nos defronta com os modos de estruturar as significações “do” mundo (...) e principalmente
o estranhamento de nós mesmos” (idem, p. 77). Dito isto, a autora levanta a hipótese de que
muito do insucesso que marca a história do sujeito com o processo de aprendizagem de uma
língua outra pode estar ligado “ao desafio de lidar com o estranhamento e as novas possibilidades
de significância.” (idem, p. 78).
Como podemos observar a partir dos trabalhos destas autoras, aprender uma língua
estrangeira exige um forte investimento subjetivo, como aponta Celada (idem), que “aprender
uma língua é sempre, um pouco, tornar-se outro” (Revuz, 1998, p. 227), é aventurar-se em uma
experiência que causa estranhamento e requer aceitação às diferenças, é aceitar explorar essas
diferenças, é a capacidade do aprendiz, nos termos de Revuz, “de fazê-la sua, admitindo a
possibilidade de despertar os jogos complexos de sua própria diferença interna, da não
coincidência de si consigo, de si com os outros, de aquilo que se diz com aquilo que se desejaria
dizer”. (id. op. cit.: 230).
Outra observação fundamental para nossa reflexão sobre “aprender” uma língua
estrangeira é de que a língua não é instrumento de comunicação (base da lógica dos métodos
de ensino de língua estrangeira), mas ainda matéria fundadora da estruturação psíquica do sujeito.
39
A mesma autora nos mostra que essa concepção de língua instrumental, já comentada por
Pêcheux (1975), em Lingüística Aplicada parte da observação da produção de linguagem da
criança, como apontado acima, que aprenderia, segundo palavras da autora, através de “um
percurso que parece acompanhar o esquema das gramáticas: primeiras vocalizações, primeiros
fonemas, grupos de fonemas nas primeiras palavras, que logo se combinarão para formar pouco a
pouco frases, depois enunciados de sintaxe completa” (Revuz,1998, p. 218). Porém, os métodos
que se baseiam nesse esquema deixam de considerar o sistema de imersão na língua no qual
vivem as crianças.
muito tempo antes de poder falar, a criança é falada intensamente pelo ambiente, e não
palavra que não seja, a um só tempo, designação de um conceito e discurso sobre o
valor atribuído a esse conceito pelo ambiente. Esse sistema de valores impregna
completamente o sistema lingüístico. Ele diz aquilo que se pode dizer e aquilo não
poderia ser dito; ele manifesta uma relação com a própria língua e o saber que ela
permite construir. (Revuz, 1998. p. 219)
Ainda observa a autora que um momento no processo de aprendizagem da língua
estrangeira no qual o que aparece predominantemente é a operação de nominação. Esta operação
é carregada de uma “carga afetiva marcada pelo desejo do porta-voz” (idem, p. 223). Assim a
autora nos mostra que aprender a falar está, portanto, relacionado ao desejo. Através da
linguagem, o sujeito demonstra seu próprio desejo e os valores que atribui às coisas do mundo
estão imbuídos do seu desejo e do desejo do Outro. Contrária ao caráter puramente instrumental
da linguagem, a autora define língua como objeto investido pela subjetividade ao mesmo tempo
em que a mesma existe materialmente por um sistema e é um código social. Para Revuz
falar é
navegar a procura de si mesmo, com o risco de ver sua palavra capturada pelo discurso do Outro
ou pelos estereótipos sociais (...)” (id. Ibidem: 220).
O encontro com segundas nguas é assim uma das experiências mais mobilizadoras das
questões identitárias no sujeito, e conforme Revuz, a complexidade decorre, em parte, do caráter
predominantemente contraditório do processo: de um lado, é uma experiência mobilizadora em
direção ao novo, e do outro lado, a solicitação da língua materna como a base da estruturação
subjetiva.
A partir dessas considerações de Revuz, de que a língua é um objeto investido pelo
desejo, compreendemos que aprender língua estrangeira é certamente falar entre o prazer e a dor.
É aprender a encontrar prazer na dor de se tornar um pouco um sujeito diferente do sujeito de
40
língua materna, e suportar a dor da experiência de sentir-se um sujeito outro, o de língua
estrangeira.
Comentamos acima sobre um aspecto do processo, que Serrani-Infante (1998) aponta
como “a inscrição do sujeito de enunciação em discursividades da língua alvo” (p. 66). Nesse
sentido, compreendemos que seja requerido do sujeito aprendiz que ele se submeta a um
movimento de transição, de passagem do campo de sentidos em língua materna para o campo de
sentidos de língua estrangeira considerando as regiões do dizer, formações discursivas ausentes
na primeira e
presentes nesta última, ainda que a inscrição mais profunda nessas discursividades
da outra língua, no contexto de ensino formal, possa permanecer no horizonte, como algo
desejável e dificilmente alcançado.
Celada (2009) compreende esse movimento de inscrição do sujeito na língua alvo como
um processo de subjetivação, de identificação e de assujeitamento ao novo simbólico. Como
vimos, tanto Revuz quanto Serrani-Infante e Celada consideram que questões identitárias são
colocadas em jogo no processo de inscrição do sujeito em língua estrangeira. Para dizer algumas
palavras a mais sobre as questões identitárias, além do que expusemos acima, notamos que ao
falar em identidade Serrani-Infante (1998) retoma o conceito do pensamento freudiano e o
relaciona a um conceito de identidade, conforme a análise do discurso, que opera com o conceito
de sujeito descentrado e com a concepção heterogênea de linguagem.
Celada (2010) compreende o processo de ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira
como um processo de identificação não linear ou progressivo, e em seus trabalhos mostra como
os efeitos de identificação imaginária nos sujeitos de discurso podem interferir no processo de
identificação simbólica. Ou seja, a imagem que os aprendizes têm da língua, como
comentamos, e da língua alvo, afetam sua relação simbólica com essa língua.
O processo de subjetivação na aprendizagem de língua estrangeira é retomado por Celada
(2009) de forma esclarecedora para o nosso trabalho. A autora o compreende como um processo
que “solicitará do aprendiz que para ser sujeito dessa língua se assujeite a ela (Celada, 2009),
pelo que ela quer e o que ela pode [...] e, portanto se submeta a deslocamentos [...]”. Nesse
sentido, a pesquisadora nos fala sobre a ocorrência de uma “dispersão de marcas” na produção
em língua estrangeira por parte dos aprendizes num processo formal de ensino-aprendizagem de
língua estrangeira. “Tais marcas são indícios de como esses sujeitos são afetados pelo novo
simbólico e com relação à(s) língua(s) que os constituem” (Idem).
41
Sendo assim, há que se dizer que o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira
não segue uma fórmula certeira de “ensino-aprendizagem”, e não se simplesmente por
interação comunicativa, nem mesmo por aprendizagem. O que observamos nas considerações de
Pêcheux (1988) e trazemos para refletir em relação ao nosso objeto de estudo é que “a
transferência não é uma interação, e as filiações históricas nas quais se inscrevem os indivíduos
não são máquinas de aprender” (p. 54). Em outro momento, diz o autor (1997) que “os objetos
[do discurso] estão inscritos em uma filiação, e não são o produto de uma aprendizagem” (p.55).
O mesmo podemos pensar em relação à matéria significante da língua estrangeira.
Parafraseando Pêcheux (2006), que se refere à tomada em consideração das “coisas-a-
saber” pelo sujeito pragmático, é interessante destacar que nesse processo de inscrição do sujeito
na “língua-a-saber”, o sujeito as vezes refugia-se na materialidade discursiva de língua materna,
como mostraremos adiante, e a partir daí é possível a ele enfrentar o simbólico da língua
estrangeira, que o interpela às (re)significações e (re)arranjos identitários. Esse refúgio na língua
materna tem sido interpretado pelas metodologias “tradicionais
6
” como uma das formas do
“erro”, e é sobre o conceito de “erro” que vamos tratar no próximo item, para mais à frente
retomar seu funcionamento, tal como o encontramos no processo desenvolvido com os alunos e
nos materiais produzidos nesse processo e analisado como corpus da pesquisa.
3.2 Percurso de significação do “erro” no contexto de ensino-aprendizagem de língua
estrangeira
Além da concepção de língua(gem) e de aprendizagem, o que secularmente é chamado de
“erro” constitui outro fato que requer um investimento em nosso estudo teórico, e conseqüentes
deslocamentos nas práticas e nas análises. Porque, embasado na língua-estrutura, percebemos que
a identificação e o tratamento do erro não consideram o aprendiz em sua dimensão de sujeito de
discurso, de linguagem, de desejo, de história. A própria noção de “erro” se dando na
contrapartida de “acerto”, trata-se de uma questão estrutural nas teorias lingüísticas.
Considerando o que se disse sobre a opacidade da língua, as instâncias da ordem e da
organização, e do sujeito, em seus movimentos subjetivos de significação na aprendizagem da
6
O termo “tradicional” é usado neste trabalho para fazer referência às teorias de ensino-aprendizagem de língua
estrangeira baseadas nas escolas psicológicas e no inatimo chomskyano, como tratadas no item 1 deste capítulo.
42
língua, em geral, e da língua estrangeira, de modo particular, não podemos nos poupar de nos
determos na compreensão deste fato.
Partiremos de observações fundamentais de Gadet e Pêcheux (2004) sobre a relação entre
construção científica da Lingüística e sua relação com o conceito de sistema e as “falhas” da
língua. Na compreensão dos autores, esta ciência, em suas bases estruturais lógicas, encontra-se
fundamentada de modo crucial na recusa/contorno de certos elementos “falhos” da língua, para
que são remetidios para “as margens” do que seria “o núcleo” objeto desta ciência. Para as
margens são projetadas as falhas, que vêm desfazer a regularidade do sistema naquilo que é dado
como o seu centro: no nó da “inconsistência/incompletude”. Nesta direção, ancorada nestes
autores, trabalhando sobre a presença de “mais de uma língua” na fala de sujeitos imigrantes no
Brasil, Payer (2006), trabalha o fato de que certos traços de uma língua (italiano) estão presentes
na outra, na língua portuguesa falada pelo brasileiro descendente de imigrantes. Os fatos
discursivos, tomados na estrutura da língua, de que trata esta pesquisa, retomam a questão da
relação da língua como sistema e com o erro, que segundo Payer (idem)
“A presença destes elementos desperta questões acerca dos limites de um sistema
lingüístico, no seu ponto de intersecção com as margens, levando a perguntar como é
possível determinar-se o ponto exato onde se separam os elementos das línguas aí
presentes” (p. 122)
Ainda diz Payer que:
O conceito de sistema, em seu modo de configuração na teoria lingüística, segundo
Gadet e Pêcheux (1981), é estruturalmente constituído na contra face das margens do
erro, do equívoco da ngua. Estes são sempre postergados na reflexão lingüística para
dar lugar ao sistema (idem. p.122).
Considerando estes limites nas abordagens estruturalistas centradas no conceito de
sistema, a pesquisadora vai
considerar os elementos mencionados estranhos ao português deslocando-os de sua não-
coincidência com o sistema, para abordá-los na ordem da memória discursiva da língua,
da historicidade inscrita na língua, considerando a língua em seu estatuto de discurso
(idem, p.122).
E pelas vias do estudo da memória discursiva, propõe trabalhar com a “memória da língua”, uma
vez que, observa, essa memória opera na estrutura da língua. Se esses fatos fossem analisados à
luz do conceito de sistema, alerta, eles seriam significados como “erros”.
43
Pensando agora especificamente no contexto de ensino-aprendizagem de língua
estrangeira, no nosso trabalho, tentamos compreender a noção de “erro” e de “acerto”
historicamente, conforme indicam as abordagens tradicionais de ensino de língua estrangeira.
Estes métodos, que privilegiam uma concepção estruturalista estrita de língua, concebem o erro
como algo que deva ser evitado e prontamente corrigido. Assim o afirmamos tendo em mente os
exercícios propostos por essas metodologias, que de acordo com suas concepções de indivíduo
empírico, de aprendizagem como transferência direta, processo puramente cognitivo ou interação,
deixam pouco ou nenhum espaço para que o sujeito apareça na língua, na medida em que
apenas dois posicionamentos sobre o aprendiz: certo ou errado, sem os meandros dos processos
de significação.
De acordo com essas teorias e metodologias, desvios à organização da língua, como nas
escolhas lexicais e na produção dos sons da língua alvo, são interpretados como
desconhecimentos no processo de aprendizagem do sujeito (“o aluno não consegue aprender o
verbo “to be”, diz “I have 20 years” quando deveria dizer “I am 20 years old”, não consegue
pronunciar o “th”...). Com isso, geralmente acontece de a produção do aprendiz ser considerada
qualitativamente menor, por causa dessas “falhas”.
O trabalho de Laura Fortes (2008) expõe um pouco mais do percurso de significação do
“erro” ao longo da história da Linguística Aplicada. A autora elege quatro momentos cruciais no
processo de ensino-aprendizagem de língua estrangeira, que segundo ela, vêm determinar, entre
outros, os modos mais recorrentes de considerar o erro. No discurso da Análise Contrastiva, que
encontra suas bases no behaviorismo e no estruturalismo, o “erro” significa a interferência da
língua materna na língua estrangeira. No discurso da Análise de Erro, tal como trabalhada por Pit
Corder
7
, fundamentado no mentalismo chomskyano, o erro passa a ser visto como algo inevitável
e até positivo, porque é considerado revelador da nova gramática em construção. No discurso da
Teoria da Interlíngua
8
, sustentado também no mentalismo e na psicolinguística, o erro é
compreendido como “estrutura fossilizável” da interlíngua. E por fim, Fortes (2008) nos mostra
7
Pit Corder (1973) é conhecido como o pai da “Análise de Erros”, que foi posteriormente ampliada para a noção
mais ampla de Análise de Performance. Esta noção já não focaliza apenas os erros, mas toda a produção. Neste
sentido, este autor distingue error de mistake. Trazer a distinção feita pelo autor Nesse modelo, entretanto, é
interessante notar que a influência da língua materna passa a ser apenas uma das possíveis causas do erro.
8
De acordo com Fortes (2008:56) o conceito de interlíngua pode ser definido como um sistema individual que o
aprendiz construiria a partir de uma “gramática interna”, tendo como base as estruturas da língua estrangeira às quais
estivesse exposto. Essa gramática interna seria sistematicamente reconstruída a partir de variedades de dimensão
sincrônica e diacrônica, aproximando-se cada vez mais das estruturas da ngua estrangeira.
44
que no discurso da Abordagem Comunicativa, também sob a influência chomskyana, o erro faz
parte do desenvolvimento da competência comunicativa do falante por meio da “interlíngua” que,
deve aproximar-se cada vez mais da língua do falante nativo, objetivando uma comunicação
perfeita, total, bem sucedida. Como se pode notar, nessas concepções, o erro, embora possa ser
olhado como parte de um processo, deve ser superado.
Essas concepções, sobretudo na direção da competência comunicativa, estão de acordo
com o modo de pensar e agir da sociedade moderna, que interpela o indivíduo em sujeito em uma
forma de individualização que se dá por meio da responsabilização desse indivíduo, que responde
como sujeito jurídico frente aos outros homens e ao Estado (Haroche, 1992; Orlandi, 2002). Na
sociedade contemporânea, analisa Payer (2005), o mercado interpela o indivíduo em sujeito para
o sucesso. E vale mencionar que o termo “sucesso” é entendido no meio educacional como
sinônimo de acerto. E mais que isso, é mesmo um termo que vem substituindo, nesse ambiente, o
“acerto”. Pensar certo, agir certo, atendendo às expectativas da livre concorrência: o que se ouve
é que “quem erra tem menos chance de obter sucesso”.
Por essa concepção de erro e acerto, historicamente construída, compreendemos que o
aprendiz é tomado pelo desejo de “falar certo”, de “acertar”, o que pode significar também, um
desejo inconsciente de aceitação, pelo acerto, ou o medo da exclusão pelo erro. Aqui lembramos
Foucault (2007) que nos mostra que o “discurso não é simplesmente aquilo que manifesta (ou
oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo” e “não é simplesmente aquilo que
traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo que, pelo que se luta, o poder do qual nos
queremos apoderar” (p. 10). No contexto contemporâneo, “acertar” em línguas estrangeiras pode
ser decisivo para que o sujeito conquiste seu espaço, não exatamente como cidadão, mas,
sobretudo como consumidor.
3.2.1 Um novo olhar sobre “erro” para o ensino de língua estrangeira
De acordo com essa concepção mais geral do erro que acabamos de apresentar, não
espaço para a interpretação, para relativização, para o sujeito, enfim, para o processo. Por tudo
isso, tentamos compreender a noção de erro como proposta pela Análise de Discurso (Gadet e
45
Pêcheux, 2004), como exposto acima, mas direcionando essa compreensão, precisamente no que
diz respeito ao campo específico do ensino de língua estrangeira.
Além das considerações de Revuz antes apresentadas, apontamos um re-direcionamento
na compreensão do “erro” nas condições de produção de língua estrangeira fundamentado nos
trabalhos de Celada (2002, 2010). Esta autora lança luz ao nosso trabalho quando nos oferece
uma compreensão do “erro” também como fatos de linguagem que podem ser interpretados em
outra direção, e que são intimamente ligados ao processo de inscrição do sujeito na língua alvo.
Para a autora (2010) o erro tem um estatuto bastante distinto que temos visto acima. A seu ver,
certos “fatos de linguagem” ocorrem no processo de subjetivação pelo qual passa o aprendiz no
contato com a língua estrangeira, o qual, conforme a referida e significativa formulação de
Celada (2009) requer do sujeito “deslocamentos, que deixam marcas”. Tais marcas, diz a
pesquisadora
9
, são marcas do que acontecem em uma malha de subjetividade, indícios de como
esses sujeitos são afetados pelo novo simbólico e com relação à(s) ngua (s) que o constituem,
marcas de que a língua acontece no sujeito.
A autora observa que esses fatos de linguagem que são marcas dos movimentos do
sujeito, podem também ser interpretados como fatos discursivos. A explicação da diferença
destas designações se no interior de sua reformulação (Celada, 2010), do seguinte modo: em
primeiro lugar fato é um termo que entra em relações de sentido com ‘acontecimento’,
‘ocorrência’, e que sempre “reclama sentido”
neste caso, para uma posição sujeito “analista” pensada na interseção de dois lugares: o
do docente e o do pesquisador. E pensamos que o termo também aponta para outra
relação, não apenas a respeito do docente/pesquisador, mas também a respeito do
“sujeito errante”, produzindo efeitos de sentido diferentes e, também, relações de força
mais produtivas (idem, p.10).
E em segundo lugar, a pesquisadora observa que ao tratar os fatos “de linguagem” como
fatos de discurso, está destacando que os fatos de que se trata ocorrem em uma ordem
determinada, que é a ordem de um entre-línguas”. Para a autora, embora esses fatos de
9
Apresentamos esta formulação de Celada tal como foi apresentada em sua fina intervenção na banca de
qualificação deste trabalho (2009). Em seu texto “O que quer, o que pode uma língua - Língua estrangeira, memória
discursiva, subjetividade” (Celada, 2009) a pesquisadora apresenta uma definição um pouco diferente do que citamos
neste espaço. Em seu trabalho de 2010 a autora também reformula de modo elucidativo esta questão.
46
linguagem encontrados como marcas dos processos da relação com a língua reclamem sentido,
nem sempre é possível interpretá-los, pois às vezes são opacos, resistindo à interpretação:
Ora, designar mediante o termo “fatos de linguagem” essas marcas – opacas, por estarem
prenhes de sentido, e ao mesmo tempo resistentes, por reclamarem sentido mas nem
sempre serem passíveis de interpretação – tem ainda uma outra conseqüência, pois
instala uma possibilidade e uma tensão. Naqueles casos, nos quais seja possível levantar
uma interpretação ligada à história, e detectar e designar a posição simbólica que lhes dá
corpo, tais fatos ao serem colocados em relação com condições de produção
discursivas – passarão a ser, justamente, discursivos. (idem, p.10)
Nessa pesquisa, nós tentamos trabalhar com alguns desses fatos, procurando interpretá-los
em sua inscrição na língua alvo, conforme as análises realizadas adiante.
Adiantamos que em nossas análises trabalharemos com “fatos de linguagem” que podem
se apresentar sob diversas formas no discurso, e nós os compreendemos, tanto nos textos quanto
nos processos pedagógicos que analisamos e de que participamos nesta pesquisa, “de um modo
mais abrangente”, como um movimento do sujeito que envolve o lançar-se mais livremente ao
trabalho de criação, sem amarras semelhantes àquelas dos exercícios aos moldes estruturalistas.
E, paradoxalmente, vamos notar que nesse “lançar-se”, o sujeito produz alguns fatos de
linguagem que, ao interpretarmos como fatos de discurso, se expõem no processo como gestos
que o preservam do “risco do exílio” (Revuz, 1998). Nesse sentido, esses anteparos ao “risco”
serão também por nós considerados como elementos que iluminam um novo modo de
compreender o que tradicionalmente se chama de “erro”. Desse modo, ao lado dos fatos de
linguagem no sentido assinalado por Celada (2009, 2010), identificamos certos gestos que
também compreendemos como parte constitutiva do processo vivenciado pelo aprendiz na
tentativa de ter seus dizeres inscritos em redes de memórias que o permitem se significar na
língua estrangeira, indicando entrelaçamentos e confrontos da memória do dizer em ngua
materna com a memória de uma nova língua.
É importante ressaltar que é porque os fatos de linguagem requerem interpretação(ções)
que usamos acima a expressão “de um modo mais abrangente”. Dessa forma, em nossas análises,
selecionamos alguns deles, acreditando que seria exaustivo, portanto metodologicamente
dispensável, tentar compreender todos os aspectos de todos eles. Nós nos ativemos àqueles que
nos chamaram a atenção por indicarem processos nos quais estamos interessados, e sobre eles
lançamos nosso olhar interpretativo. Isso não quer dizer que sejam os únicos fatos de linguagem
47
que mereçam atenção nas produções que compõe o corpus deste trabalho, tampouco nosso olhar
supõe uma única possibilidade de interpretação.
Temos então, esse outro da ngua outra, atravessando o sujeito e a língua que o constitui,
e esse cruzamento produz um ir e vir de “erros” e “acertos” entre “fatos de linguagem” e “fatos
de discurso”, entre os gestos de se lançar e de se conter na outra língua.
Convém enfatizar ainda que o nosso olhar ao aprendizado e ao ensino de língua
estrangeira tem se voltado com ênfase ao
processo
, e não ao
produto final.
Deste ponto de vista,
compreendemos então que todos os fatos de linguagem são importantes fatos de discurso, e nos
dão pistas de como o sujeito se inscreve no simbólico pela materialidade da língua estrangeira.
Voltando o olhar de modo especial para o processo, e não para o produto final dos
processos pedagógicos, como afirmamos, cabe ainda na parte teórica trazermos uma discussão
sobre o papel da “memória” nesse complexo movimento com as línguas - materna e estrangeira.
É o que faremos no próximo capítulo.
48
CAPÍTULO III
MEMÓRIA DISCURSIVA E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA
Introdução
Traremos para nossa reflexão sobre o aprendizado de língua estrangeira o conceito de
memória discursiva, numa perspectiva conhecida como interdiscurso conforme estudos de
Pêcheux (2007), e algumas especificações e desdobramentos do conceito, pela distinção entre
memória constitutiva e representada, e pela noção de memória da/na língua, como memória
fundamentalmente presente nas estruturas linguísticas, conforme estudos de Payer (2006).
Partimos da pergunta de pesquisa apresentada: “como se dá o funcionamento da
memória no processo de inscrição do sujeito de discurso na Língua Inglesa”? Para refletirmos
sobre a relação que esse sujeito de discurso estabelece entre as memórias da/na língua que lhe é
constitutiva e a memórias da/na língua estrangeira, consideraremos que seu discurso vem
fortemente influenciado por um princípio recorrente nos meios pedagógicos de ensino de língua,
expresso no enunciado: “Não pense em português. Pense em inglês”. Esse enunciado é por nós
interpretado como efeito de um pré-construído segundo o qual o aluno não tem bom desempenho
em ngua estrangeira porque ele “pensa em língua materna”. Consideramos que este princípio se
inscreve na concepção behaviorista de aprendizagem, no sentido que estudamos no capitulo I
deste trabalho, concepção que considera o aprendizado como aquisição de hábitos, no qual os
hábitos em língua materna devam, na aula de língua, ser substituídos pelos novos hábitos
desenvolvidos em língua estrangeira.
Estudar a memória discursiva em uma perspectiva do interdiscurso e refletir sobre a
memória de/na língua estrangeira pode nos abrir um espaço de sentidos que venha de certa forma
dar visibilidade às relações do sujeito-aprendiz com essas nguas em seu processo de inscrição
na língua inglesa.
49
1 O PAPEL DA MEMÓRIA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE
LÍNGUA ESTRANGEIRA (INGLÊS)
É também pelo viés da memória que queremos estudar o percurso do aprendiz de língua
estrangeira em seu processo de inscrição neste novo simbólico. Mencionamos antes Revuz
(1998), que nos fala do processo de imersão na língua materna pelo qual passa o sujeito desde a
primeira infância. Ela deixa claro que a ngua materna é estruturante do psiquismo humano.
Sendo assim, podemos afirmar que as memórias que constituem esse sujeito, sua memória
discursiva, é fundamentalmente formada em língua materna, nos casos dos sujeitos que não são
bilíngües na infância. Em se tratando da aprendizagem de uma nova ngua, é possível dizer que
o sujeito que é formado e se significa através de um objeto simbólico familiar, que é a ngua
materna, se diante de uma alteridade radical no encontro com a língua estrangeira (Revuz,
1998). Correlacionando esses estudos aos conceitos mencionados sobre memória, gostaríamos de
enveredar por nossa questão de como se dá, então, o funcionamento da memória no processo de
produção em língua estrangeira.
Para tentarmos responder a essa questão, faremos um estudo teórico sobre os conceitos de
memória discursiva (Pêcheux, 1975; 2007), memória constitutiva e memória representada e
memória da/na língua (Payer, 2006), e tentaremos fazer uma aproximação entre as teorias
estudadas e nossa prática de professores de língua estrangeira, conduzindo-nos para as análises
discursivas dos textos dos alunos, assim adiantando por aqui a compreensão de um processo
complexo que leva aos fatos de linguagem examinados em suas produções textuais.
1.1 A Memória
Segundo Pêcheux (2007), no corpo da ngua uma memória discursiva, que é histórica.
A língua é compreendida por este autor como uma base material sobre a qual se produzem os
processos discursivos. Ela é também, para nós, um “instrumento” de mediação simbólica
utilizado para que o sujeito se signifique através do discurso. O sujeito é socialmente constituído
e tem seus dizeres inscritos em uma ou várias formações discursivas. Essas formações são, de
50
acordo com Pêcheux (1975), padrões de referências semânticas que “determinam o que pode e
deve ser dito (...) a partir de uma posição dada numa conjuntura, isto é, numa certa relação de
lugares” (p.86). Por isso os sujeitos produzem sentidos (que aqui tomam o significado de
“dizeres”) que lhe pré existam ou que dão sua base. Isso diz respeito às memórias do dizer, que
constitui o sujeito, entendidas como memória discursiva.
Segundo a Análise de Discurso os modos em que os dizeres se relacionam entre si
produzem certos “efeitos de memória” e se remetem para um espaço de sentidos que é exterior à
formação discursiva, e que diz respeito a sua relação às outras, espaço que é o interdiscurso. O
interdiscurso é, portanto, exatamente esse conjunto de dizeres e saberes, de tudo que um dia foi
falado/ouvido/ e que chegou até esse sujeito, não se sabendo de onde ou por quem, em diversas
vozes anônimas que se tornaram constitutivas do sujeito e da memória de seus dizeres. Nesse
sentido, pode-se afirmar que o sujeito é constituído pela e na linguagem.
Pêcheux (2007) fala da memória discursiva como “estruturação de materialidade
discursiva complexa, estendida em uma dialética da repetição e da regularização(p.52), e nesse
sentido define a memória discursiva como:
aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem estabelecer os
“implícitos” (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e
relatados, discursos-transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível
em relação ao próprio legível (pág. 52).
Em se tratando do aprendizado de uma ngua estrangeira, afirmamos que nos níveis
iniciais deste processo, o sujeito não tem memória discursiva suficiente para se significar nessa
língua. Suas memórias discursivas são todas constituídas a partir da língua materna, e para que
ele se signifique, ele passa por um processo de aprendizagem que nesse caso é raciocinada,
racionalmente apresentada, e o que funciona então é um tipo de memória que é da ordem do que
Payer (2006) denominou de “memória representada”, justamente porque as formas lingüísticas
são expostas como “saberes” para e pelo sujeito. O conceito de memória representada da língua é
trabalhado por esta autora para indicar que os traços de memória da língua italiana presentes na
fala em português dos descendentes podem ser ou não, sabidos por eles, ou seja, podem ser ou
não reconhecidos como presença de outra língua, portanto como uma memória da língua que não
é somente intrínseca à fala do sujeito. Nesse caso, ele tem dela um reconhecimento, “uma
visualização”. Em nosso caso, diremos que inicialmente o estudante se atenta para essa memória
51
representada da estrutura da língua estrangeira a que é exposto. Mas para que o sujeito se
signifique de modo mais efetivo nessa língua, ele precisa levar em conta, além do processo de
formulação do discurso na língua alvo, também o processo de constituição, ou seja, a memória
constitutiva que as estruturas da língua, enquanto língua, vão nele produzir. Um exemplo disso é
o fato muito conhecido quanto ao modo de se dizer a idade nas duas línguas aqui em jogo. Em
português se diz “eu tenho X anos” e em inglês I am x years old.
Muitos aprendizes brasileiros se servem da memória da estrutura da língua materna e
dizem “I have (16) years”. Não interpretamos esse movimento como uma simples transferência
direta do modo de dizer da língua materna para a língua estrangeira, mas um movimento que
indica um sujeito no trabalho dos sentidos, que envolve a memória que o constitui, com suas
bases na língua materna, se entrecruzando com uma memória que é da ordem do raciocínio, a
memória representada da construção da língua estrangeira que para ele se vai construindo, para
tornar-se memória constitutiva das estruturas dessa língua estrangeira. Neste processo, o que se
passa é que ele se remete ao momento (contexto) em que foi exposto a esse novo saber, para
então se significar nessa memória outra, de acordo com o “possível e desejável” daquela ngua
(Celada, 2009).
O lugar simbólico no qual observamos o trabalho da formação da memória em língua é
também o lugar da falha, do equívoco. Nos estágios iniciais de aprendizagem de língua
estrangeira esse lugar é mais visível porque os alunos ainda não tiveram muitas oportunidades de
se expor a um grande número de dizeres, e tiveram poucas oportunidades de utilizarem-se do
recurso do repetível, enquanto modo de “domesticação da memória”. Payer (2006) descreve esta
estreita ligação existente entre a repetição e a formação da memória da língua do seguinte modo:
(...) O mecanismo da repetição, na ngua, vincula-se a mais elementar possibilidade de
reconhecimento do mesmo, isto é, de que a forma de um objeto sico do mundo ou de
uma emissão sonora, repetidos, se transformem/inscrevam enquanto matéria re-
conhecida, imagem significada, na ngua. Criando pistas, lastros, sinais, a repetição
domestica a memória, ao se dar como língua. O reconhecimento do mesmo (o repetido)
cria memória na para a língua e daí para as imagens significadas, os sentidos, os
percursos, os discursos, enfim (p.38).
Importa-nos dizer que o “repetível” de que aqui se fala nada tem em comum com a
repetição automática de frases ou palavras isoladas, comuns aos métodos estruturalistas de ensino
de línguas, mas apóia-se, entre outros, nos dizeres de Pêcheux (2007). Este autor discute a
52
dialética da repetição e da regularização questionando o lugar dos implícitos, que segundo ele,
estão “ausentes por sua presença”. De acordo com Pêcheux (id. Op. Cit.: 52)
haveria sob a repetição, a formação de um efeito de série pelo qual uma “regularização”
(termo introduzido por P. Achard) se iniciaria, e seria nessa própria regularização que
residiriam os implícitos, sob a forma de remissões, de retomadas e de efeitos de
paráfrases.
Esta regularização funciona na base da memória discursiva.
Pêcheux (2007) chama atenção para o fato de que, segundo Achard, essa regularização
discursiva, que tende a formar a série do legível, tende a ruir diante do acontecimento discursivo
novo, que vem “perturbar a memória”. Nesse sentido, o autor afirma que um jogo de força na
memória, sob o choque do acontecimento. Esse jogo de força, segundo o autor, se de dois
modos:
- um jogo de força que visa manter uma regularização pré-existente com os implícitos
que ela veicula, confortá-la como “boa forma”, estabilização parafrástica negociando a
integração do acontecimento, até absorvê-lo e eventualmente dissolvê-lo,
- mas “também, ao contrário, o jogo de força de uma “desregulação” que vem perturbar
a rede dos implícitos (idem, p.53).
Voltando ao nosso objeto de estudo, a aprendizagem de língua estrangeira, vamos
relacioná-lo a esse fundamental conceito de regularização através da repetição, entendendo a
regularização como o efeito dos implícitos, como nos ensina Pêcheux, recorrendo ao conceito de
repetição como o entende Orlandi (2005), e também com a formulação de Payer (2006) sobre a
eficácia da repetição na formação da memória discursiva como estrutura de I língua.
Conforme Orlandi (2005), a repetição capaz de produzir uma memória discursiva não é da
ordem da repetição automática de discursos que nada dizem ao/do sujeito, mas da ordem que
permite ao aprendiz que inscreva seu discurso na história, na sua história. Vejamos o que ela diz:
(...) a repetição empírica, o exercício mnemônico que não historiciza (efeito papagaio),
ou a repetição formal, técnica de produzir frases, exercícios gramaticais que também não
historicizam, não fazem trabalhar a ligação do sujeito com a memória discursiva, mas
sim a repetição histórica que inscreve o sujeito no repetível enquanto memória
constitutiva (...). É nesse domínio da repetição histórica que o sujeito faz aquele sentido
fazer sentido em “seu” discurso, em sua memória (...)(2005, p .208).
53
de se enfatizar que, para que o sujeito consiga criar significações a partir de um outro
dispositivo simbólico e outra materialidade que não os da sua ngua materna, ele precisa passar
por experiências relacionadas ao “novo acontecimento”, ou seja, à língua alvo, que
proporcionem a regularização, através de repetições que aconteçam de forma significativa para
esse sujeito, de modo que ele possa avançar na direção da memória representada para a memória
constitutiva, que é exatamente a que o permitirá significar-se, ou seja, significar enquanto sujeito
falante da outra língua.
No entanto, é exatamente nesse avanço que se instaura o grande conflito, primeiro por
causa da qualidade e quantidade das experiências em língua alvo vivenciadas pelos estudantes no
contexto estudado, e também, principalmente porque que esse avanço exige algo do sujeito na
expressão/constituição de sua identidade na em língua estrangeira, a referida “flexibilidade
psíquica” que lhe permita fazer a ligação “entre um trabalho de corpo sobre os ritmos, sons, as
curvas entoacionais e um trabalho de memorização das estruturas linísticas” (Revuz, 1998, p.
217), ao mesmo tempo que a constituição de uma memória constitutiva da língua estrangeira.
1.2 Memória da/na língua
Ainda nesta direção, especificaremos um aspecto da memória que nos elucida quanto ao
nosso objeto de estudo. Falamos da noção de memória da/na ngua formulado por Payer (2006)
em seus estudos sobre a memória discursiva e a língua no campo da imigração italiana no Brasil.
Nesse contexto, Payer (2006) fala sobre o funcionamento da “memória na língua”, memória de
traços de italiano no português, que, no jogo de regularização entre o nacional e o
estrangeiro/imigrante, pode ser entendido como a língua ou a memória dessa língua materna
funcionando como parte da história. História que significa com a, através da língua. E observa o
funcionamento da memória da língua” como a memória histórico-discursiva onde a língua (o
italiano, ou o português com traços de italiano) se significa por sua relação com a história. Ou
seja, pela história se inscrevem marcas de outras línguas na estrutura de uma língua.
Trazendo esses conceitos para nossos estudos sobre o aprendizado de língua estrangeira,
afirmamos que os sujeitos que estão nos estágios iniciais de aprendizagem de língua estrangeira
experimentam um processo no qual necessitam se significar nessa língua, mas lhes falta a
54
memória da/na língua em questão. Assim, observamos que muitas vezes o sujeito tenta criar
significações em língua estrangeira e o resultado é nada mais nada menos do que um
conglomerado de vocábulos, desordenadamente dispostos, que foram encontrados no dicionário e
que quase nada significam enquanto língua.
Segundo outra formulação de Payer (2006), a palavra carrega consigo, também como
memória, uma bagagem semântica relacionada aos modos que uma sociedade produz seus
sentidos historicamente. E segundo Courtine (1986), todo enunciado se refere a outras
formulações associadas, para modificá-las, adaptá-las ou opor-se a elas. No caso do
conglomerado de vocábulos que mencionamos, os enunciados nada mais são do que tentativas
frustradas de se criarem significações, ou muitas vezes cópias de enunciados prontos sem
significação real para o sujeito, justamente pela falta da memória da/na língua alvo. Ainda neste
caso, é importante valorizar a disposição do aprendiz fazer essa tentativa. É parte importante do
processo, embora o produto ainda não possa ser chamado de “língua inglesa”.
Uma consideração que faremos ainda sobre esse trabalho de memória da/na língua alvo
especificamente voltado para o nosso objeto de estudo, é que se o sujeito possuir uma memória
do dizer em língua alvo (memória constitutiva), é possível que ele possua também memória da/na
língua alvo, ou seja, da sua estrutura. Em certo sentido, se afinamos os conceitos nesta direção, ao
falarmos de memória da/na língua, estaremos falando também de memória constitutiva.
Para ilustrar e explorar melhor essa afirmação podemos citar a seguinte situação:
Consideremos que estamos falando durante a aula sobre a viagem mais interessante que fizemos,
do que mais gostamos, com o que não nos identificamos etc. Se a atividade é da ordem da
oralidade
, alguns poucos se manifestam (geralmente os que têm um nível maior de
conhecimento da língua alvo) e outros se silenciam. Mas se pedimos que registrem a experiência
por escrito - e isso é um fato para o qual chamamos a atenção, e que merecerá maior
investimento – todos fazem.
Por um lado, este fato nos indicaria que nossos alunos têm mais memória visual (escrita,
gráfica) do que auditiva (de escuta, sonora) da ngua inglesa. Por outro lado observamos nesse
gesto movimentos subjetivos diferentes com a língua entre aprendizes em estágios iniciais e os
aprendizes em estágios avançados. Os que possuem mais conhecimento da língua inglesa não
hesitam em falar, e escrevem com bastante tranqüilidade sobre sua real experiência. No entanto,
aqueles com menos conhecimentos da língua inglesa parecem preferir escrever, e o fazem não
55
sobre uma experiência real, mas sobre uma experiência imaginária. Nós podemos
compreender esse movimento como relacionado a uma fuga à anstia que experimentam na
relação com a nova língua, angústia devida às suas parcas memórias da/na língua inglesa, que
resultam em um esforço enorme, e quase vão.
Contudo, a angústia também se apresenta nas situações em que mais memória da
língua inglesa. Notamos que o fato real experienciado pelos aprendizes traz à memória, em língua
materna mesmo, riquezas de detalhes, de que eles dispõem para colocar no texto, mas que não
conseguem “reproduzir”, ou nomear, na língua alvo.
Os aprendizes que inventam a história, quando são solicitados em diálogo oral com um
colega ou com o próprio professor, lêem o que escreveram, e dão seu depoimento de que apenas
“executaram uma tarefa”. Nestes casos, a execução da tarefa” se limita à memória representada
que tem da ngua alvo. O resultado nestes casos é quase sempre frustrante, que lhes falta um
fato real, e junto com ele, os detalhes, as interpretações e sua expressão. É comum ouvir alguns
aprendizes auto-avaliarem que a história que criaram era ridícula, pois eles não diriam “aquilo”
na língua deles. Por exemplo, quando pedimos que falem sobre eles mesmos e dizem, “I have a
dog. I like my dog”, ou “I have a beautiful family. I love my family”. Óbvio que quem se propõe
a ter um cachorro vai gostar dele e segundo eles é ridículo, em língua materna, dizer o óbvio.
Sobretudo, acrescentemos, quando se tratam de adolescentes e jovens.
Por outro lado, aqueles que vivenciaram o fato a ser dito em língua inglesa, lêem o que
escreveram, e a inquietação também presente no rosto desses aprendizes é nomeada como uma
vontade de contar mais, mas não se sentirem capazes devido a suas limitações lingüísticas no
outro simbólico, ou seja, sua limitada memória da/na língua alvo.
Notamos que o que acontece inúmeras vezes é que os sujeitos criam significações que não
estão relacionadas aos seus desejos de expressão pela/na linguagem, e limitadas ao recurso da
memória do dizer, da/ na língua alvo, que detêm. Alguns se sentem felizes por conseguirem dizer
em inglês que têm um cachorro e que o amam, mas a maioria reconhece a superficialidade da
criação, que, ao invés de tratar dessa questão, gostariam de dizer como se sentem em relação a
questões mais relevantes. Há aqui o já referido efeito de infantilização (Revuz, 1998) que,
pudemos observar, incomoda muito os aprendizes, e que de nossa parte relacionaremos ao tema
da autoria, que vai nos ocupar em parte das nossas análises, mais adiante.
56
2 O ESTUDO DA MEMÓRIA E O TRABALHO DE AUTORIA EM
LÍNGUA ESTRANGEIRA
O tema da autoria se impôs nesse momento do nosso trabalho, porque no
desenvolvimento das nossas análises percebemos que, sentirem-se autores de suas histórias na
língua alvo, orais ou escritas, reais ou imaginárias, é parte do que pretendem os aprendizes de
língua estrangeira quando se propõem a estudar aquela língua.
E nós, professores de língua inglesa, e pesquisadores da linguagem, procuramos
compreender o processo, atentos à formação da memória/da língua inglesa e da memória
discursiva, pelo qual passam esses aprendizes, para com isso buscarmos caminhos que os
conduzam a se inscrever na outra língua como outro simbólico, e sentirem-se os autores de seus
dizeres naquela língua.
Os conceitos de autoria que trabalharemos neste espaço são aqueles formulados por
Foucault (1997), retomados e expandidos por Orlandi (2004) e reformulados por Gallo (1999)
dentro de suas experiências e pesquisas em uma perspectiva que nos interessa neste trabalho a
do oral e a do escrito, como demos indicações nos itens anteriores. Também consideraremos o
estudo de G. Sousa (2007) sobre os modos de relações estabelecidas com a língua inglesa na
escola.
2.1 Autoria
Para se falar em autoria é imprescindível que se retome a noção de sujeito. Dissemos que
com a contribuição da psicanálise, houve no campo do discurso um deslocamento da noção de
homem, de indivíduo intencional, para a de sujeito. Sujeito então passa a ser um processo em
que, segundo Orlandi (2002, p.49) “é pensado como “posição” entre outras, não é uma forma de
subjetividade, mas um lugar”. Assim o sujeito assume “posições discursivas” e essas posições
não são indiferentes ao contexto e à história. Sujeito é um lugar, uma posição que se ocupa para
se poder dizer.
57
Algumas questões abordadas anteriormente, e outras que vamos trabalhar nas análises nos
dão subsídios para entendermos o processo que vamos tratar agora - a autoria-. Inicialmente, para
Foulcault (2007, p. 26), o autor não é entendido como “indivíduo falante, que pronunciou ou
escreveu um texto”, mas como “o princípio do agrupamento do discurso, como unidade e origem
de suas significações, como foco de sua coerência”.
Contudo, Orlandi (2004) faz um deslocamento dessa noção de autor dizendo que a
função autor, ou seja, “esta função do sujeito” se realiza “toda vez que o produtor da linguagem
se representa na origem, produzindo um texto com unidade, coerência e progressão, não
contradição e fim” (p. 69).
O autor, portanto, é aquele que responde pelo que diz ou escreve, pois acredita mesmo
estar na origem do que diz, porém é afetado pela responsabilidade social e é tocado
particularmente pela história. Neste ponto entramos em outra questão importante para a função-
autor, pois, conforme Orlandi (2004), “o lugar do autor é determinado pelo lugar da
interpretação” (p. 75).
A teoria do Discurso considera a incompletude da linguagem, ou seja, o dizer, o texto, o
discurso, nunca se fecha, pois, conforme Orlandi (2004), “o sentido está sempre em curso.../...
não um sistema de signos só, mas muitos. Porque há muitos modos de significar e a matéria
significante tem plasticidade, é plural” (p. 11-12), o que leva à relação existente entre a
incompletude da linguagem e a interpretação. Para nós é de fundamental importância a
consideração da autora de que se os sentidos nunca se fecham, não poderá haver uma única
interpretação, nem mais certa ou mais verdadeira. a possibilidade da interpretação ser várias.
Nisso, porém, importa a idéia de fechamento do sentido, ou seja, a interpretação dependerá da
ideologia, da formação discursiva e das condições de produção do discurso, que darão a
impressão (necessária) do sentido ser único e verdadeiro. A autoria por sua vez, se constituirá de
acordo com a interpretação (dentre muitas) “definida” pelo sujeito em seu texto (Orlandi, idem.)
O autor se constitui pela repetição, pelo equívoco e pelos deslocamentos, uma vez que o
que produz tem que ser entendido, tem que ser interpretável. A repetição (paráfrases) sempre
ocorrerá, pois como foi falado, o discurso é sempre produto do interdiscurso, do já-dito, do
repetível. Para um autor a repetição acontece numa materialidade onde ele se inscreve, onde ele
se mostra, deixando claro sua formação discursiva e/ou seus deslocamentos de sentido, atribuindo
sentidos em condições específicas de produção, inscrevendo assim, seu dizer na história.
58
Isto diz respeito à questão da responsabilidade e da interpretação na autoria. E, para os
nossos fins, interessa considerar também na autoria os aspectos da oralidade e da escrita.
2.2 O trabalho de memória no processo de autoria em língua estrangeira discurso da
oralidade e o discurso da escrita
Nessa direção, discutimos neste trabalho, os movimentos subjetivos convocados pelos
alunos que nos forneceram o corpus deste trabalho, no processo de aprendizagem do inglês no
contexto acadêmico, para que se tornem/sintam autores de seus discursos orais ou escritos.
A diferenciação entre o “discurso da oralidade” e o “discurso da escrita” descrita por
Solange Gallo (1999) é de grande importância para nossa pesquisa, uma vez que a autora diz que
a produção lingüística do estudante brasileiro se inscreve predominantemente no discurso da
oralidade. A seu ver, a escola é responsável pelo apagamento do processo de assunção de autoria,
por se configurar em uma instituição que não produz o discurso escrito, mas apenas o mantém.
Segundo esta autora (idem), “as instituições produtoras do discurso escrito são, por exemplo, o
jornal, o livro, a publicidade, a revista, a TV, o rádio, entre outras”. (idem: 59).
Para darmos continuidade a nossa reflexão sobre a autoria em língua estrangeira,
consideramos também o estudo de G. Sousa (2007), que nos mostra que uma relação
fundante, e ao mesmo tempo contraditória, entre o aprendiz e a língua inglesa na escola. De
acordo com esta autora, “antes mesmo de começar a estudar este idioma na escola, o aprendiz
está interpelado por discursividades que determinam a língua inglesa como “língua importante no
mundo atual”” (p. 66). A autora afirma que dessa interpelação surgem imagens do inglês como
“língua obrigatória”, porque supostamente “língua universal”, “língua franca”, entre outras. A
autora destaca que essa “obrigatoriedade” tem um caráter contraditório, sobretudo pelo modo
como o idioma é ensinado na escola. O modo de ensinar a língua inglesa na escola estabelece
uma “relação fundante”, em que a língua se constitui apenas como estrutura e, portanto não
acontece” (Sousa, 2007, p. 78).
É nesse ponto que queremos tocar para então conduzirmos nossa discussão sobre a
memória e a autoria na língua inglesa. Nessa direção, propomos em atividades pedagógicas e
pesquisamos de modo a contribuir para interferências nesse tipo de relação fundamentalmente
contraditória do aprendiz brasileiro com a língua inglesa, de que nos fala Sousa (2007). De um
59
lado, porque esta se coloca como obrigatória, e de outro lado porque na escola não se ensina a
língua na sua dimensão de “acontecimento”, como diz Celada (2003), mas apenas de estrutura,
vamos pensar o processo de produção de memória discursiva como um fator fundamental para
que o sujeito seja autor de seus dizeres nessa língua.
A nosso ver, com as metodologias tradicionais, na escola não temos trabalhado na direção
de produzir memória discursiva na língua inglesa. Isso porque a repetição com a qual nos
deparamos nos exercícios propostos por elas são da ordem da repetição empírica, diferente da
repetição necessária à regularização de que fala Pêcheux (2007), diferente da “repetição
histórica” de que fala Orlandi (2005), e diferente da repetição que “domestica a memória”
formando memória constitutiva da língua, de que fala Payer (2006).
O trabalho de autoria na língua inglesa significa para nós um trabalho que envolve o que
Serrani chama de processo de “inscrição do sujeito em discursividades da língua alvo”, e que,
como temos apontado acima, também a partir de Gallo (1999), identificamos como
discursividades orais e escritas, de língua alvo. Dizemos isso concordando com Celada
10
que essa
inscrição em discursividades da língua alvo, permanece como horizonte na nossa prática de
ensino de língua em situações formais.
O que percebemos sobre o fenômeno até este momento de nossos estudos é que as
atividades que propusemos aos participantes da nossa pesquisa, de certo modo permitiram
importantes movimentos nos sujeitos aprendizes e na produção de memória discursiva na língua
alvo, e conseqüentemente de autoria naquela língua, a despeito das frases soltas que costumavam
produzir, cujo único objetivo era o de “aprender a estrutura da língua”. Passemos a conhecer
algumas destas atividades.
10
Agradecemos a preciosa contribuição na interlocução com Celada na banca de qualificação deste trabalho.
60
PARTE II
A METODOLOGIA DE PESQUISA E O PROCESSO DE ANÁLISES
Introdução
Nesta seção fazemos a exposição da metodologia adotada. Dividimos este capítulo em
quatro partes: a primeira traz informações sobre o tipo de pesquisa desenvolvida, explicitando
sobre o dispositivo teórico da análise empreendida; a segunda trata das condições específicas da
produção da pesquisa; a terceira traz informações sobre os sujeitos participantes da pesquisa e a
quarta parte trata da constituição de um corpus experimental, em que propomos atividades aos
alunos, que são tomadas como objeto de análises discursivas, tanto em relação ao processo
pedagógico mais amplo em relação aos processos específicos de inscrição na língua, e aos textos
e enunciados produzidos.
CAPÍTULO I: A PESQUISA
1 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DESTA PESQUISA
De um modo geral, parti dos estudos realizados em diversas atividades nas disciplinas e
de nossa prática pedagógica, de professores da disciplina de Língua Inglesa Básica, em um curso
de licenciatura em Letras e em uma universidade particular de uma cidade de médio porte no sul
de Minas Gerais. Propusemos algumas experiências em sala de aula de língua Inglesa
Intermediária que consideramos pautadas em saberes de ordem discursiva, a fim de, em um gesto
61
de interpretação, compreender o funcionamento que envolve o relacionamento do aprendiz com a
língua inglesa, no seu movimento de produção de sentido. Aprendemos, experimentamos em
quase todas elas, e tomamos algumas como material de análise nesta pesquisa.
Nosso trabalho se volta ao sujeito do momento contemporâneo. Segundo uma importante
afirmação de Sousa (idem), a imagem primeira que marca as relações do sujeito contemporâneo
com a língua inglesa é a imagem de “1ª Língua de negócios”.
Para tentarmos dizer algo mais sobre o sujeito contemporâneo, recorremos, entre outros,
ao trabalho de Haroche (1992). Em seu trabalho, a autora apresenta uma descrição que vem da
idade média à idade moderna e as formas de ser sujeito nesses momentos históricos específicos,
sob rituais específicos. A autora observa que houve dominância de sujeitos interpelados pela
lei divina na ordem religiosa (Idade Média), sujeitos interpelados pela lei jurídica na ordem do
Estado (Idade Moderna). Retomando esse estudo, Payer (2005) sugere que no contexto
contemporâneo, por sua vez, o sujeito tem sido cada vez mais interpelado pelo discurso do
Mercado, que se encontra fundamentalmente em veiculação no Texto da Mídia
11
. De acordo com
esta autora, com a alteração das instâncias do Poder, de um tempo histórico para outro, alteram-se
também os enunciados das práticas discursivas. Ou seja, em cada tempo histórico, enunciados
que funcionam como máximas que condensam a interpelação de indivíduos em sujeitos. Esses
enunciados são, portanto parte do processo de interpelação ideológica. Na atualidade, segundo
esta autora, o enunciado-máxima que condensa essa interpelação é “Sucesso”.
Segundo outra afirmação de Payer (idem.), o sujeito no contexto contemporâneo o da
globalização econômica se encontra exposto à demanda de conhecimento e domínio de
múltiplas linguagens como a linguagem virtual, técnica, tecnológica e de línguas estrangeiras.
Para a autora, segundo as máximas que constituem os atuais enunciados dos textos no contexto
contemporâneo, o domínio destas linguagens é o principal requisito para que o sujeito
contemporâneo se insira no discurso do mercado e atinja o tão prometido sucesso.
Pois bem, estamos tratando na escola com o sujeito exposto ao discurso da globalização,
sujeito cada vez mais atravessado por um imaginário de que não ser capaz de dominar a inglesa
pode significar um fracasso em seu desempenho e conseqüentemente sua exclusão na ordem do
11
A autora se refere à mídia como “o lugar por excelência de circulação dos enunciados do mercado, o seu grande
Texto, que não tem lugar único, mas que está disperso e onipresente” (Payer, id).
62
Mercado Globalizado. Nesse cenário, acreditamos que o crescente interesse de sujeitos brasileiros
pela aprendizagem do inglês tem sido acentuado pelo discurso capitalista neoliberal da
globalização. Essa forma de domínio contemporâneo o discurso do Mercado – tem se mostrado
como o principal responsável para a crescente exclusão dos sujeitos, principalmente daqueles que
não possuem as habilidades por Ele requisitadas, sendo uma delas a de falar inglês.
2 NOSSOS SUJEITOS PARTICIPANTES
Nossos sujeitos participantes são alunos que trabalham durante o período matutino e
vespertino e fazem o curso de Letras no período noturno. A maioria destes alunos mora nas
cidades vizinhas de Pouso Alegre e se deslocam para a faculdade de ônibus. Eles enfrentam
também o desafio de se manterem na universidade privada, devido aos seus salários reduzidos, às
mensalidades altas e todos os outros custos que podem envolver alimentação, ônibus, aquisição
de livros, entre outros.
Como podemos observar, nossos sujeitos participantes se encontram nesse cenário que
acabamos de apresentar. Nós os vemos ocupando várias posições simbólicas, das quais duas nos
chamam a atenção: a) sujeito-aprendiz de inglês, marcada pela experiência que envolve o
complexo movimento de “aprenderlíngua estrangeira; b) sujeito-aprendiz-professor atravessado
pelas diversas indagações sobre como “aprender” para também “ensinar” língua estrangeira.
Voltamos agora nosso olhar para o sujeito-aprendiz de Língua Inglesa no curso de Letras
que é também sujeito-aprendiz-professor. Essas duas posições-sujeito serão evidentemente
consideradas nas nossas análises, dentro do cenário referido.
Trabalhamos mais detidamente com sujeitos-alunos que cursam a disciplina de Língua
Inglesa básica no IV período do curso de Letras em uma Instituição de Ensino Superior em Pouso
Alegre, MG. É importante esclarecermos que se trata de um grupo heterogêneo no tocante à
experiência que possui de língua inglesa. Trata-se de uma turma de dezenove alunos, na qual
quatro alunos se encontram em estágio mais avançado na aprendizagem do idioma devido às
experiências anteriores às vivenciadas no contexto acadêmico e os outros quinze alunos estão em
um nível mais inicial do processo.
63
A descrição que segue abaixo se refere aos participantes do grupo cujos textos compõe o
corpus experimental deste trabalho. Salientando-se que os nomes são fictícios:
Maria, 19 anos, estudante do já referido curso de Letras, não trabalha e faz curso
de Inglês em uma escola de idiomas na cidade de Pouso Alegre, escreveu os
poemas que compõem a primeira parte do corpus deste trabalho. Autora também
de um dos e-mails, que fazem parte do corpus.
Cláudia, mais ou menos 45 anos, professora do ensino fundamenta I da rede
municipal de Pouso Alegre. Não se diz confortável para dar aulas de inglês porque
não considera ter conhecimento suficiente da língua inglesa. Escreveu um pequeno
texto-poema, usado na segunda parte das análises deste trabalho.
Marcos, 19 anos, trabalha durante o dia em uma lanchonete e estuda no período
noturno. Tem um bom conhecimento de Inglês e se interessa por questões teóricas
sobre o ensino-aprendizado de língua estrangeira. É autor de um dos e-mails, que
se encontram nas considerações finais deste trabalho.
Ricardo, 20 anos, aulas particulares de Inglês e tem um bom conhecimento do
idioma. É autor de um dos e-mails que se encontram nas considerações finais deste
trabalho.
64
3 CONSTRUÇÃO DE UM CORPUS EXPERIMENTAL
Introdução
Pensamos ser relevante para o processo de inscrição do sujeito em discursividade de
língua alvo, proporcionar experiências que valorizassem o sujeito aprendiz também como falante
de uma língua primeira, a materna. Experiências que valorizassem a língua materna e a
linguagem, fazendo sentido no sujeito aprendiz em sua história. Experiências que valorizassem a
língua como constitutiva de sujeito, e não apenas como instrumento de comunicação passível de
ser dominado.
Para trazermos essas novas experiências, pensamos em primeiro lugar na forma de
avaliação a que atualmente temos submetido o aprendiz, e que é um processo desencadeador do
efeito de frustração e fracasso
12
. Atualmente trabalhamos com um sistema de avaliação que se
baseia em uma imagem de língua engessada à lógica dos lógicos, da gramática. Cobramos
sempre o “certo/erradona produção final do aprendiz, ressaltando a (suposta) “produção final”,
como se fosse produtivo tratar questões de linguagem dessa maneira. Percebemos que nossa
forma de avaliar vinha produzindo o mesmo efeito excludente que se verifica no mercado.
Portanto, tentamos reformular esse modo de avaliação e propor uma nova forma, considerada
processual e interminável.
Fomos construindo um olhar de quem proporciona uma experiência, e interpreta os
possíveis efeitos produzidos por ela. O olhar redentor ou punitivo, portanto idealista, foi saindo
de nossa nova prática e dando lugar a um olhar interpretativo, que considera bem sucedida toda e
qualquer produção, pensando que como o processo é interminável, em algum momento o
aprendiz produziria na língua inglesa, sentidos que o afetariam enquanto sujeito de linguagem e
afetariam o interlocutor de forma que este também seria capaz de produzir sentidos nesse
contexto de interlocução.
12
Falamos sobre o “fracasso” no aprendizado de língua estrangeira, tal como exposto no referencial teórico deste
trabalho, apoiado no trabalho de Revuz (1988).
65
A tão almejada correção gramatical, portanto, fez parte do processo. Relembramos aqui
três conceitos fundamentais da Análise de Discurso, discutidos no referencial teórico deste
trabalho, a saber, o conceito de ordem e organização da língua como formulado por Orlandi
(2004), memória representada (Payer, 2005) e esquecimento número 2 (Pêcheux, 1975, 1997), e
afirmamos que, da posição de professores, acreditamos que a ordem em que o sujeito se adentra
não seja do domínio da estrutura, ou seja, não seja a busca pela correção gramatical, mas
seja também parte do desejo de um lugar onde o sujeito re(formula) e tenta dizer melhor o que
ele pensa que precisa dizer (esquecimento número 2). Por isso não a relegamos ao esquecimento,
mas também não a colocamos como única possibilidade de se criarem sentidos e produzir em
língua estrangeira. O que consideramos mais importante é atingir a ordem da língua, mesmo se
para isso precisamos lidar com os rompimentos de sua organização. Acreditamos que a partir da
interpretação dos sentidos primeiramente criados, pudéssemos levar o aprendiz a perceber a
organização da língua inglesa através de novas experiências, sem com isso ficarmos presos à
estrutura/organização da língua que por si só dificilmente produz efeito no sujeito aprendiz.
Pensamos em experiências que pudessem ajudar este aprendiz a produzir memórias da/na língua
inglesa além do vel da memória representada dessa língua, mas também [a memória]
constitutiva.
Insisto em afirmar que as experiências que elaboramos e propusemos supõem uma
concepção de língua que está sujeita a equívocos, ambigüidades, deslizamentos, deslocamentos, e
relembro aqui a concepção de que o “erro” constitui também em um “fato de linguagem”, entre
outros, de um modo mais geral, em conformidade com Pêcheux (2004), Orlandi (1988) e mais
especificamente sobre a produção em língua estrangeira com Celada (2002).
Nesse sentido, acreditamos estar expondo o aprendiz a experiências com a língua
estrangeira que, embora lhes proporcionassem estranhamento, pudessem também lhe
proporcionar efeitos de prazer e conforto, na medida em que ele fosse capaz de compreender que
não estava exposto a uma prática de linguagem engessada a formas fixas de sentidos, mas a uma
prática que considera o próprio da linguagem, ou seja, que prevê regularidades, mas também
irregularidades, que prevê a construção de sentidos a despeito de certos e errados como tratados
pelos métodos estruturalistas, prática que prevê o sujeito aprendiz como fazendo parte desta
construção, atravessado e constituído na língua e pela língua.
66
Dentre as muitas atividades desenvolvidas nessa direção, selecionamos como corpus neste
trabalho, duas atividades que desenvolvemos em aula de inglês durante o segundo período letivo
de 2008. Essas atividades são da ordem da escrita e da oralidade respectivamente, no entanto
nosso trabalho se restringirá à análise de textos escritos pelos sujeitos aprendizes.
Todas as atividades que propusemos com a intenção de trazermos experiências que
consideramos de ordem discursiva, se caracterizam também por serem atividades de expansão a
outras propostas pelo livro didático que utilizamos em nossas aulas
13
.
3.1 A leitura de um Poema
Começamos a proposta com a leitura de um poema de Edgar Allan Poe, intitulado “A
Dream Within A Dream
14
”, que apresentaremos a seguir:
A Dream Within a Dream
15
Take this kiss upon the brow!
And, in part from you now,
Thus much let me avow-
You are not wrong, who deem
That my days have been a dream;
Yet if whole has flown away
In a night, or in a day,
13
Cabe-nos explicar que, embora não estejamos totalmente de acordo com a metodologia privilegiada pelo livro
didático de um modo geral, ainda assim o utilizamos de modo “parcial”, alterando e trazendo novos olhares às
atividades ali propostas, devido as nossas limitações nas condições de produção, a saber, das nossas muitas aulas na
referida instituição. Não nos ateremos em análises e considerações mais consistentes sobre o “livro didático”, na
medida em que nosso objeto de interesse neste momento seja outro. O livro que utilizamos é o seguinte: SOARS, Liz
and John. American Headway. Student book 2 Oxford University Press, 2003.
14
Fellag, Linda Robinson. “Life, Language and Literature”. Univesity of Huston-Downtown. Heinle & Heinle, 1993.
15
Embora seja praxe oferecer a tradução de textos em língua estrangeira no texto acadêmico-científico, nesta
situação consideramos que apresentar uma tradução deste poema e da música a seguir seria inoportuno, na medida
em que trabalhamos em sala de aula com um tipo de tradução que deixa livre um espaço potencial de interpretação.
Nesse sentido, privilegiar aqui uma possível tradução poderia enfraquecer o argumento de que a poesia é mais para
ser vivenciada do que propriamente compreendida. Os alunos a sentiram e pude registrar algumas expressões de seu
modo de vivenciá-las como veremos a seguir. Além disso, acredito que seja mais o caso de convidar os leitores a
acompanharem a vivência desta experiência feita pelos alunos ler um poema e ouvir uma música em língua
estrangeira, sem compreender talvez alguma parte, e sem a tradução auxiliar.
67
In a vision or in none,
Is it therefore the less gone?
All that we see or seem
Is but a dream within a dream.
I stand amid the roar
Of a surf-tormented shore
And I hold within my hand
Grains of the golden sand-
How few! Yet how they creep
Through my fingers to the deep,
While I weep – while I weep!
O God! Can I not grasp
Them with a tighter clasp?
O god! Can I not save
One from the pitiless wave?
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?
Com a leitura do poema, queríamos proporcionar aos alunos a oportunidade de se
envolverem com literatura, que fosse um texto original na língua inglesa e que pudesse contribuir
para a formação integral desses alunos, mais do que um pretexto para apresentação de aspectos
estruturais na língua estudada. Pretendíamos trabalhar com poema, também porque acreditamos
no poder que a poesia tem de colocar o sujeito frente à opacidade do sentido, e quem sabe,
apresentar-lhes novos sentidos, apresentá-los ao belo.
Outro aspecto do trabalho com a poesia que nos parece muito interessante tem relação
com a “escrita modelar” tal como desenvolvido por Celada (2003). Nesse trabalho a pesquisadora
reflete sobre o processo de aprendizado de língua estrangeira tentando compreender, como se
a relação simbólica estabelecida entre alunos brasileiros e a língua espanhola, e se propõe a
responder à duas questões: o que da subjetividade do brasileiro é afetado pelo funcionamento
material da língua espanhola no processo de ensino-aprendizagem da referida língua? Que
68
possíveis redes de memória facilitam ou não a produção de filiações identificatórias? Para
responder a essas perguntas, a autora faz a análise de duas produções de aprendizes de espanhol.
A primeira produção constitui um exemplar de “poesia boba”, construído por um grupo de
alunos. A “poesia boba
”,
conforme a autora consiste em uma composição que a princípio parece
seguir um arranjo racional, mas na realidade o que é produzido é sempre espontâneo e de sentido
pouco regulado, mas segundo Celada (idem) o que “conduz ao gozo de uma fantasia liberada de
si mesma” (p. 86). De acordo com a pesquisadora, a relevância de se passar por essa experiência
se deve ao fato de ela contribuir para aliviar ludicamente a pressão que língua espanhola
representa para o aprendiz brasileiro, ou seja, para “descomprimir” sua relação com a língua.
Voltando esse olhar ao nosso trabalho, propomos aos alunos uma leitura individual e
silenciosa do poema, e concedemos um momento para que pudessem compartilhar com a sala as
suas impressões com relação à experiência de se ler um poema original em inglês.
Nesse momento, ocorreu algo que consideramos de grande relevância para o processo que
estamos observando em nossa pesquisa: vários aprendizes expressaram-se, oralmente em inglês,
e/ou através de manifestações como gestos faciais de prazer, demonstrando uma forte
identificação com a atividade. O que nos leva a acreditar que esse momento tenha representado
um certo “acontecimento da língua”, um movimento imaginário forte de captura, indicando um
confronto entre a atualidade da língua estrangeira e a memória em língua materna.
Para comprovarmos nossas afirmativas destacamos algumas frases como as que se
seguem: “Que lindo! Não entendi nada, mas amei!” “Que barato! Não precisa entender tudo
pra gostar, né?” “Essa frase me faz lembrar uma vez, que estava na praia...”. “Eu não gosto de
ler poemas, mas em inglês parece que é mais interessante”; “Se traduzir perde a graça”. Como
podemos observar, esses alunos parecem de fato terem sido capturados pelo poema em ngua
inglesa. Eles se envolveram na língua pelo poema.
Em um segundo momento, discutimos os diversos sentidos que pudessem emergir da
palavra “dream”, parte do título do poema. Os sentidos foram mencionados através de vocábulos
e pequenas frases tanto em língua alvo como em ngua materna. Podemos citar os seguintes:
“nightmare”, “impossible dreams”, “sonho para mim é terminar a faculdade e conseguir um
emprego melhor”, “literatura”, “wihes”, “espera”, entre outros.
Após esses momentos de descontração e prazer, e quem sabe, como observa Celada (id
op. Cit.) de descompressão através do “lúdico” que o poema pode representar, e, acrescentamos,
69
através do belo na língua, voltamo-nos, então, para a atividade do livro didático que propunha o
tema “Hopes and Ambitions”.
Esta unidade conduzia a discussão para um discurso sobre a vida profissional dos
aprendizes, remetendo a uma formação discursiva característica de um discurso capitalista.
Vários textos apresentados no livro traziam depoimentos de profissionais bem sucedidos no
mercado e de crianças e adolescentes que sonhavam com profissões economicamente rentáveis.
Vejamos alguns recortes desses textos nos quais podemos perceber esta formação discursiva:
Esses primeiros recortes fizeram parte de uma atividade de escuta apresentada nessa unidade do
livro.
(...)”“When I grow up, I want to be a basketball player and play for the Los
Angeles lakers, because I want to make a lot of f money (…)”;
What I’d like to do, because I’m crazy about planes and everything about flying, is
to have my own business connected with planes, something like a flying scholl
(…)”
“In Hollywood, the home of entertainment industry, it seems like everybody wants
to be rich, famous, and beautiful (...)”; ”Looks are very important in Hollywood. If
you are good-looking, you’ll go far (...);
16
Certamente nós passamos por todas as atividades propostas, porém levantamos aspectos
outros, que não passavam pela excessiva valorização do dinheiro, da fama e o sucesso. A unidade
do livro a qual nos referimos se organiza em torno do aspecto gramatical do tempo verbal do
futuro com “will ou be going to” e de regência verbal (verbo + infinitivo; verbo +forma básica;
verbo + gerúndio; verbo = infinitivo ou gerúndio e verbo +sujeito + forma básica).
Desse modo, como se pode notar, além de trabalharmos os aspectos lingüísticos que a
unidade propunha, abrimos espaços para que outros aspectos relacionados à organização da
16
Tradução de apoio:
“Quando eu crescer, eu quero ser um jogador de basketball e jogar em Los Angeles, porque
eu quero ganhar muito dinheiro (...)” “Como eu sou louco por aeronaves, o que eu gostaria de fazer é gerenciar meu
próprio negócio relacionado à aeronaves, alguma coisa como uma escola de vôo, por exemplo (...).Acrescentamos
que o título da atividade de leitura proposta pela unidade é “Hollywood Kids – What’s it like when you have it all?”
(Crianças de Hollywood Como é ter tudo na vida?) O texto traz uma introdução, apresentando o “milionário
mundo de Hollywood” e alguns depoimentos de crianças e adolescentes que pertencem a esse mundo: ”Em
Holywood, o berço da indústria do entretenimento, parece que todos querem ser ricos, famosos e belos (...)”. “A
aparência é muito importante em Hollywood. Se você não é bonito, vonão tem chances de ir muito longe (...)”,
entre outros.
70
língua pudessem aparecer de forma mais abrangente, de modo que os alunos se sentissem à
vontade quanto às escolhas lingüísticas, sem se sentirem presos a elas, já que a discussão
pretendia se estender para além da proposta do livro didático, incluindo a temática “Dream”.
Em um próximo momento, assistimos ao filme baseado na obra de Shakespeare chamado
“A Midsummer Night’s Dream” e continuamos a proporcionar que novos sentidos acerca da
temática do sonho fossem produzidos a partir de novas discussões. Fizemos também os
exercícios gramaticais propostos pelo livro didático e discutimos sobre outros aspectos
lingüísticos requeridos pelos alunos para que pudessem conversar mais amplamente sobre o
poema, o filme e seus próprios “dreams, wishes, expectations, hopes and ambitions”.
Ao final de três semanas trabalhando em torno da mesma temática, fizemos uma atividade
que consistiu na produção de um texto escrito. Minutos antes da escrita, os alunos ouviram a
música “I have a Dream” do grupo musical “ABBA”, a qual apresentaremos a seguir:
I Have a Dream - ABBA
(Benny Andersson & Björn Ulvaeus)
I have a dream
a song to sing
to help me cope
with anything
if you see the wonder
of a fairy tale
you can take the future
even if you fail
I believe in angels
something good in
everything I see
I believe in angels
when I know the time
is right for me
I'll cross the stream
71
I have a dream
I have a dream
a fantasy
to help me through
reality
and my destination
makes it worth the while
pushing through the darkness
still another mile
I believe in angels
something good in
everything I see
I believe in angels
when I know the time
is right for me
I'll cross the stream
I have a dream
após ouvir a música eles receberam a letra da mesma. Pretendíamos com isso,
proporcionar-lhes a experiência do prazer do sentido da audição da música em inglês para
prepará-los para a leitura deste poema que é a música. Nesse sentido, nos ancoramos no trabalho
de Payer (2003) que nos diz que “cantar pode ser uma maneira sinestésica de estar na ngua, um
envolvimento corpóreo com ela, o que é diferente do ato de falar tal língua(p. 224). Assim, a
escuta e o canto da música em língua estrangeira formam parte do dispositivo que opera na
produção de memória constitutiva das estruturas da língua, para além de sua representação. Os
alunos tiveram, então, um pequeno tempo para lerem e ouvirem novamente a música. Muitos
cantarolavam, e outros acompanhavam a letra com os olhos e algum movimento corporal sutil.
então receberam a proposta do trabalho, que consistia em escrever um texto, com o auxílio do
dicionário. O texto poderia ser de qualquer gênero desde que envolvesse o tema da música: “I
have a Dream”. Nenhum aspecto lingüístico específico foi requerido nessa atividade, porque
72
nosso propósito foi o de que, ao trabalharmos a organização da língua alvo dentro de uma
perspectiva que incluísse também a valorização da ordem dessa ngua, a partir dessa temática,
pudesse, além de proporciona-lhes a oportunidade para produzir memória da/na língua inglesa,
proporcionar-lhes também a oportunidade de produzirem sentidos que envolvessem uma
formação discursiva não capitalista, como a que o livro evidenciava.
Dezenove textos foram produzidos em sala de aula como exercício de escrita, mas apenas
um deste conjunto foi escolhido para compor o corpus desta pesquisa. A escolha não se deu
aleatoriamente, mas seguiu o seguinte critério: o texto aqui escolhido foi o produzido por
Cláudia, uma aluna que nos parece se sentir muito desconfortável para participar de atividades da
ordem da oralidade, preferindo se calar ou pronunciar frases isoladas, previamente escritas. As
produções escritas dessa aluna vinham se apresentando por meio de frases isoladas em seu
journal
17
.
Dentre outras atividades da ordem da oralidade desenvolvidas ao longo do semestre, uma
que denominamos de “oral performance” se destacou, - e por isso a selecionamos - a partir da
proposta que visava proporcionar aos alunos um momento de descontração para que eles
pudessem produzir textos orais, sobre assuntos variados, que partissem de suas próprias escolhas.
Esta é uma das propostas de trabalho que consideramos de ordem “discursiva” no ensino da
língua estrangeira, não por ser “comunicativista”, mas porque acreditamos que os textos orais
produzidos pelo aprendiz nessas condições de produção sejam reais exemplares do discurso que
historiciza, e não repete empiricamente sentidos estabilizados que não produzem efeitos na
memória discursiva (Orlandi, 2005).
A princípio, para a realização dessa atividade, os alunos foram convidados a pesquisarem
em língua inglesa sobre um tema que lhes agradasse, e em um determinado momento, nos
reunimos em sala de aula para compartilharmos nossas experiências em língua alvo. Eles
puderam optar por trabalhar com musicais, apresentar a biografia de grandes personalidades,
trazerem curiosidades da região onde moram, entre outras. O trabalho poderia ser desenvolvido
individualmente ou em grupos de no máximo três participantes. Cada aprendiz teria o tempo
máximo de cinco minutos para compartilhar sua experiência em inglês. É interessante observar
17
“Journal” é um “diário pessoalque propomos como atividade da ordem da escrita, na qual a maior parte dos
textos são da ordem da oralidade (cf. Gallo, 1999). Esta aluna escreve para o journal, assim como a maior parte dos
alunos dessa disciplina.
73
que no geral, eles extrapolaram o tempo afixado, envolvendo-se de modo mais demorado com a
apresentação.
Nesse exercício flagramos um movimento importante para a nossa pesquisa e o
aproveitamos, incorporando mais dois textos escritos, que a princípio parecem ir à contramão da
proposta que se caracteriza pela atividade da oralidade, mas que poderá ser visto de outro modo,
que para nós significa um gesto de deslocamento significativo para nosso trabalho de professores
e pesquisadores, como veremos.
O(s) texto(s) que representam essa atividade na composição do corpus do nosso trabalho
consiste(m) assim de um poema em língua materna, que, a pedido da aluna-autora, foi traduzido e
apresentado por ela para toda a classe em língua alvo, em substituição à atividade oral
inicialmente proposta. É importante ressaltar que a apresentação do seu poema foi feita por meio
de leitura e que, como nos ensina Orlandi (2002), ler em voz alta, nessas condições, não é
oralidade, mas trabalho de interpretação. Vejamos o que diz a esta autora:
Historicamente, propõe-se uma explicação da origem da pontuação como sendo sinais
colocados à margem do texto que orientavam a leitura em voz alta. Minha posição é de
que se continua no registro da escrita. Ler em voz alta, nessas condições, não é
oralidade, mas trabalho de interpretação
(p. 126).
Entendemos que houve, portanto, por parte da aluna, um
gesto de expansão da atividade
oral proposta pelo professor, para a de leitura de um poema de sua autoria, que vem também
requisitar um trabalho de corpo, de oralidade, o que sugeriu um campo fértil de sentidos para
nossa pesquisa, conforme demonstraremos adiante.
Faz-se necessário esclarecer que o recorte que fizemos para a montagem do corpus se deu
principalmente porque consideramos que temos suficiente exemplar de discurso que possa nos
levar a respostas, mesmos que parciais, às perguntas que propomos neste trabalho.
74
CAPÍTULO II – AS ANÁLISES
Introdução
Embora na escrita da montagem de um corpus experimental representativo, de um certo
modo de trabalhar com a língua inglesa, fomos de um certo modo realizando análises,
dividiremos o texto, introduzindo aqui um capítulo de análises mais “propriamente ditas”.
Dividiremos este capítulo em três partes. Na primeira, apresentaremos as análises do(s)
poema(s) produzidos para a atividade de “oral performance” da disciplina de Língua Inglesa
Intermediária e formulamos certas conclusões destas análises. Na segunda, apresentaremos as
análises dos textos que os alunos produziram para a atividade escrita da mesma disciplina,
seguida de conclusões referentes a essa parte do corpus da nossa pesquisa. Na terceira
apresentaremos extratos de alguns e-mails enviados por alguns alunos e nossas considerações
sobre esses e-mails-depoimentos.
1 PRIMEIRA PARTE: A ANÁLISE DO(S) POEMA(S) DE MARIA
1.1 Condição de Produção dos poemas
O processo vivenciado pelo aprendiz de língua estrangeira, sua relação com a língua
materna e a língua outra é objeto de nossa reflexão. Dentro desse processo, nos detemos em um
poema, escrito a priori” em língua materna por Maria (língua portuguesa)”. A aluna o produziu
em língua materna como tem produzido vários outros poemas, mas esse em especial fora
75
escolhido, através de um concurso, para ser publicado no livro “Antologias de Poetas Brasileiros
Contemporâneos”
18
.
A proposta de apresentar este poema em sala de aula partiu da aluna, em um tempo de
aula que fora reservado para apresentações “da ordem da oralidade”. Essa iniciativa representa
um “gesto” simbólico significativo por parte deste aprendiz, que, como dissemos, chama nossa
atenção, primeiro como professores, depois como pesquisadores.
Observamos um importante efeito de sentido que pode nos dizer algo a respeito da
constituição desse sujeito, constituindo-se pela aprendizagem formal de língua estrangeira. Ele
diz respeito a um movimento de identificação deste aprendiz com a atividade de leitura do
poema de Edgar Allan Poe. Sobre a identificação, Orlandi (2004, p. 206) afirma que
“identificamo-nos com certas idéias, com certos assuntos, com certas afirmações porque temos a
sensação de que elas “batem” com algo que temos em nós”. Este algo é revelado pela autora
como sendo o próprio “interdiscurso”, “o saber discursivo”, “a “memória dos sentidos que foram
se constituindo em nossa relação com a linguagem”.
Assim, entendemos que este aprendiz se pego pelo movimento de sentidos produzidos
pela leitura de um poema e se identifica nesse processo de significação. Percebemos então, um
sujeito que tem sua subjetividade afetada por uma experiência vivenciada no real do fazer
pedagógico, com a qual se identificou como sujeito, e não meramente como aprendiz.
Nesse sentido, o gesto simbólico deste aprendiz que propõe a leitura de um poema de sua
autoria em sala de aula pode ser, portanto, compreendido como um gesto que indica um
movimento de identificação com a atividade proposta pelo professor, primeiro por seu gosto
pessoal pela poesia, segundo como uma experiência validada pela autoridade que a figura do
professor como “sujeito de um suposto saber” pode representar, e por último, como uma
atividade que – sendo a de ler um poema seu, agradou aos colegas.
Essas formas de identificação podem também significar a abertura de uma “brecha”, para
que ele, sujeito autor em língua materna, pudesse se firmar como autor, agora mais
“completo”, pois seria também um autor em língua inglesa, objeto daquela disciplina, e objeto de
desejo dos aprendizes daquela sala de aula, como lugar “onde tudo pode ser”, o desejo e os
18
A inscrição para o concurso foi feita por iniciativa da aluna, através da internet, no site da Câmara Municipal de
Jovens Escritores do Rio de Janeiro. A poesia está publicada no livro “Antologias de Poetas Brasileiros
Contemporâneos, volume 51 – 1ª edição, Câmara Brasileira de Jovens escritores, Rio de janeiro, RJ, 2008.
76
sentidos podendo se manifestarem livres do medo advindo das experiências de castração ligadas a
episódios em língua materna, e sobretudo à aprendizagem de língua portuguesa na escola.
Nesse sentido nos apoiamos em Grigolleto (2001), que parte dos trabalhos de Melman
(1992 apud GRIGOLETTO, 2001) sobre a relação do sujeito com a língua materna, com outras
línguas, e da teoria do inconsciente, para afirmar que a língua materna simboliza o lugar da
interdição, da lei, das regras sociais. Por outro lado a autora afirma que língua estrangeira pode
representar
a inveja dos bens e da maneira como gozam os outros e a inquietação pela
desordem, a inquietação de não estar no lugar necessário, de não poder encontrar
seu próprio lugar na língua materna, uma interdição necessária para situar o
desejo
(2001, p. 141).
Por tudo isso, embora consideremos a leitura em voz alta, conforme afirmamos a partir do
estudo de Orlandi (2001), como exercício de interpretação e não apenas de oralidade,
concordamos que a aprendiz expandisse, no real do fazer pedagógico, a noção de atividade “oral”
para também a de “interpretação”, primeiro por entendermos que havia ali ainda um gesto
significativo de autoria
19
que não poderia ser desconsiderado, pelo contrário, era desejável que
fosse apoiado, uma vez que estávamos trabalhando com atividades que, segundo nosso olhar,
pudessem proporcionar experiências que permitissem aos aprendizes se enunciarem como
sujeitos de discurso em língua estrangeira e tendo seus dizeres inscritos em redes de memórias
em língua alvo. E em segundo lugar, concordamos com sua proposta pelo intenso trabalho de
corpo que a leitura em voz alta envolve, e que acreditamos ser fundamental no processo de
ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira. Para esta afirmativa nos apoiamos nas pesquisas
de Celada (2002). Esta autora, retomando Deleuze e Guattarri, afirma que o processo de
aprendizagem de uma língua estrangeira envolve um
deslocamento com relação à forma em que a garganta prepara a modulação; com relação
aos pontos e modos em que a língua, os dentes, a boca entram em contato e em
funcionamento para articular o sentido; com relação, enfim, ao gesto de articulação que
suporta a descontinuidade de anatomia articulatória” e do qual a voz é feito. (idem, p
25)
19
O conceito de autoria foi por nós trabalhado no referencial teórico desta pesquisa.
77
A autora afirma que neste movimento ocorre “uma verdadeira desterritorialização e
reterritorialização e também uma resignificação simbólica do real do corpo que consegue fazer-se
visível no rosto” (idem: 25-26). Assim sendo, a solicitação da aluna em ler em voz alta tornou-se
muito desejável.
Como ocorre nesta solicitação da aluna, de ler para a classe seu poema escrito, “como
atividade oral”, a prática vem nos mostrando que a fala não tem sido a primeira a acontecer
nestes aprendizes de língua inglesa que participam de nossa pesquisa. Observamos que muitos
exercícios de diálogos e discussões orais que propomos em aulas de inglês têm sido precedidos
por uma prática escrita, que serve de base para leitura oral. Alguns alunos nem mesmo lêem,
apenas mostram ao colega ou ao professor sua produção no papel. Ou seja, embora insistamos em
afirmar que naquele momento valorizamos a fala espontânea, na verdade muitos alunos se valem,
para isso, da escrita, alegando não conseguirem “falar antes de escrever” (“eu travo para falar”,
eles dizem). Aqui parece-nos que no caso do inglês, há por parte dos nossos alunos uma imagem
da língua inglesa como ngua da oralidade, da comunicação. A nosso ver, esta imagem pode
estar relacionada ao fato de que os livros didáticos consolidam essa imagem, na medida em que
privilegiam a prática oral, ou seja, privilegiam experiências de fala a partir de exercícios
comunicativistas, na perspectiva apontada no primeiro capítulo. Esta observação dos alunos
“eu travo para falar”, nos remete para uma ênfase que Barthes e Marty (1982) dão ao papel do
“reconhecimento visual da marca”, no escrito, por diferença ao oral. Os alunos nos mostram que
sua produção oral está sendo ancorada nesse reconhecimento visual da marca do escrito.
Essa negociação entre o “falar” e o “escrever”, entre o escutado e o visto (letra) nos
estágios iniciais de aprendizado de ngua estrangeira, coloca uma questão para o fazer
pedagógico, neste caso específico, para o ensino-aprendizado do inglês. Refiro-me aqui, mais
especificamente à separação pedagógica que se faz ente as quatro habilidades, a saber, de fala,
audição, leitura e escrita.
Os todos e abordagens de ensino-aprendizagem de língua estrangeira embasados nas
referidas concepções teóricas de ensino-aprendizagem de língua estrangeira isolam cada
habilidade acreditando ser possível fragmentar o relacionamento do aprendiz com a língua
estrangeira, de forma que em momentos determinados pela metodologia, sob a supervisão do
professor, este aprendiz possa ser capaz de focar sua atenção em apenas uma delas, - momento de
falar, momento só de escutar, momento para escrever, momento para ler.
78
Percebemos que se continuarmos a considerar o processo de aprendizado de língua
estrangeira desse modo, continuaremos a dar direcionamentos que tolhem o modo particular que
cada sujeito tem de se relacionar com a língua. É possível que para alguns aprendizes, a
fragmentação das “habilidades lingüísticas” a serem desenvolvidas não afetem seu processo de
forma comprometedora, mas a prática vem nos mostrando que os aprendizes se colocam no
movimento dos sentidos em língua alvo de forma heterogênea, e esses diferentes modos devem
ser percebidos e explorados pelo professor.
Voltando ao gesto da aluna, o de “interpretação” (cf. Orlandi, 2002), que expande a noção
de simples “atividade oral”, nós o explicamos de três modos: primeiro, como um gesto de
assunção de autoria, ou seja, o sujeito autor de um poema em língua materna que deseja se tornar
um sujeito-autor em língua alvo a fim de ver legitimado seu discurso em língua inglesa também.
Segundo, como um sinal de “resistência” deste aprendiz em apresentar à classe um trabalho oral
em língua alvo, o que nos aponta para um sujeito afetado por um discurso sobre aprendizado de
língua estrangeira baseado no modo estruturalista de conceber a língua e, sobretudo, o erro em
contrapartida ao acerto. Isso nos leva a crer que seu movimento pode ser de resistência ao novo
simbólico na dimensão do oral, do corpo-a-corpo com a língua estrangeira, uma proteção contra o
risco do exílio (Revuz, 1998). E por último, como um processo de inscrição na língua alvo em
que a memória da língua, enquanto “marca visual” (letra escrita) ancora a possibilidade de que
uma memória sonora dessa língua se produza (Barthes e Marty, 1982).
Passemos à leitura do poema da aluna em língua materna e em língua inglesa. Nós os
apresentaremos aqui da forma como nos foram entregues no dia da apresentação oral, sem
nenhuma intervenção de nossa parte. Nesse sentido, gostaríamos de dizer ainda que recusamos o
pedido da autora para que fosse “corrigido” antes de ser apresentado. Justificamos nossa recusa
por entendermos que a produção da aluna deveria ser valorizada da forma como ela a fizera, ou
seja, estava sendo levado em conta o que a aluna pôde produzir. Pretendíamos, com esse gesto de
aceitação das suas formas, ser coerentes com nossa imagem de professor, ou seja, de professor
como aquele que propõe a experiência e interpreta os movimentos de sentidos produzidos a partir
dela.
79
O poema publicado de Maria é o que segue.
Se eu fosse um poeta
Se eu fosse um poeta
eu não precisaria trabalhar
não ficaria gastando energias
com as coisas úteis para os homens,
porém inúteis para a alma.
Se eu fosse um poeta
eu sentaria à beira do mar
e ficaria observando as ondas,
reconhecendo que não sou sábio,
e que tenho muitos versos para aprender
Eu me desligaria das futilidades mundanas
e começaria a valorizar cada estrofe
como se fosse a última que tivesse escrito.
E certamente, quando não houvesse tinta
na minha caneta
eu ainda me esforçaria,
para despertar nas pessoas
o gosto pela poesia,
enfim, pela Literatura da vida.
Em sua versão em inglês, o texto apresentado pela aluna se deu como segue.
80
If I was a poet
If I was a poet
I would not work
I would not be wasting energy
with the useful things for men,
but useless for the soul.
If I was a poet
I will sit at side of the sea
and would be watching the waves,
recognizing that I am not wise,
and I have many lines to learn
I will off myself the mundane trivial things
and will begin to value each verse
as if it were the last I had written.
And certainly, when there was not ink in my pen
I
still strive myself
to awaken in people
the taste for the poetry,
Finally, the Literary Life.
Author: Maria – Letras IV
1.2 Ao(s) poema(s)
Consideramos aqui um poema em língua materna e um poema em língua inglesa, portanto
dois textos distintos. O fato de que um texto se configure na “tradução” do outro, nos remete á
81
idéia de um texto único, o que se mostra escorregadio pela outra língua. No entanto, a partir da
afirmativa de Orlandi (2004) de que a crença da existência de um texto original é possível no
imaginário, porque desde sua origem, são sempre vários textos naquele que se pensa “uno”,
passamos a questionar o olhar que considera a tradução de um texto como réplica de um original.
Observamos em nossa pesquisa que a tradução “espontânea” ocupa um lugar simbólico
significativo no processo de inscrição do sujeito de discurso no “outro simbólico” (Celada, 2002),
o de língua alvo. Ela se mostra como um gesto natural que se repete de diversos modos,
sobretudo pelos aprendizes que se encontram principalmente nos níveis iniciais de conhecimento
do novo idioma. Os modos que observamos esses acontecimentos no processo são: 1) o aprendiz
escreve o texto em língua materna e o “traduz” para a língua alvo; 2) o aprendiz “traduz” da
língua alvo para a materna a fim de “não esquecer o significado”; 3) ele “traduz” vocábulos
atribuindo a eles um “sentido único”.
Esses modos de os sujeitos estarem no sentido em língua estrangeira indicam para nós
algumas possibilidades de entender a relação com os sentidos e a língua. Por um lado, indicam
sujeitos que concebem a linguagem como um sistema de signos. Dessa forma, a tradução é tida
como uma tentativa de “decodificação” a qual se descarta a possibilidade de os sentidos serem
outros, da produção da metáfora, da interpretação. Por outro lado, indica a ligação constante entre
as duas línguas.
Esse espaço de interpretação ao qual nos referimos é o lugar da paráfrase e da polissemia,
como ensina Orlandi (2005). Em relação ao mesmo objeto simbólico, Eni Orlandi (2005) traz o
conceito de paráfrase, como sendo a “matriz do sentido” considerando o sentido na relação com o
repetível. E pensa a polissemia como a fonte da linguagem, a própria condição de existência dos
discursos. Ao falar de paráfrase e polissemia esta autora traz também os conceitos de produção e
criação. Segundo Orlandi (idem), a produtividade é regida por processos parafrásticos e produz a
variedade do mesmo, enquanto que a criação é regida pelo processo polissêmico e deixa intervir
o diferente, o novo, “produzindo movimentos que afetam os sujeitos e os sentidos na sua relação
com a história e com a língua” (p. 37).
No entrecruzamento desses conceitos com o nosso objeto de estudo, a inscrição do sujeito
no outro simbólico, entendemos que o movimento de tradução é um movimento de produção,
que parte de um gesto de criação inicial, que é a escrita do poema em língua materna. Porém,
nesse movimento de retorno ao mesmo, observamos um mesmo que é diferente. Ao buscar sua
82
sustentação no saber discursivo, há uma “mexida” nas bases mesmas desse sujeito. Nesse sentido,
entendemos que a língua materna representa, ao mesmo tempo, um “lugar seguro” do saber
discursivo e uma “amarra”, que de certo modo “freia” o sujeito no processo de criação na língua
inglesa.
Ao afirmarmos que a língua materna pode representar ao sujeito o lugar seguro e ao
mesmo tempo, o que o “segura” no processo de criação, não o fazemos como crítica, mas como
uma observação importante para o processo educacional, porque compreendemos que, para que
alguns sujeitos se lancem livremente ao processo de criação em língua estrangeira que se
proporcionar a eles experiências significativas e que, ao mesmo tempo lhes tragam segurança,
sensação de estabilidade para esse movimento, o chão firme de onde possam partir para o
diferente. também que se considerar, como mencionamos, que o processo de inscrição em
segunda língua não é homogêneo para os sujeitos, portanto eles se movimentam nas experiências
da/na língua inglesa de modos diferentes, e o processo de produção de memórias discursivas
também ocorre de modos diferentes. A relação dos sujeitos com as duas línguas é, portanto,
muito significativa para eles nesses movimentos.
1.3 A Tradução
Afirmar que o sujeito produz um poema em língua alvo a partir de um outro que criou em
língua materna não significa para nós, que o texto em língua materna seja o texto original. Nesse
sentido, em nossos estudos, queremos considerar a tradução como um movimento de autoria e
interpretação, na tentativa de compreendermos o que esse gesto pode significar no processo de
inscrição desse sujeito na língua inglesa. A partir dos estudos de Orlandi (2004),
qualquer modificação na materialidade do texto corresponde a diferentes gestos de
interpretação , compromisso com diferentes posições do sujeito, com diferentes
formações discursivas, distintos recortes de memória, distintas relações com a
exterioridade (memória) (p. 14).
Isso, em relação a textos da própria língua materna. No caso de textos na língua estrangeira,
temos que considerar ainda o “outro simbólico.” Sendo assim, consideramos o movimento de
tradução do texto-poema como um movimento mesmo de reprodução e de produção, que mesmo
83
se configurando em um movimento diferente do primeiro, o de criação do poema em língua
materna, de certa forma permite a inscrição deste sujeito na ordem da língua estrangeira.
A partir da crença de se poder dominar espontaneamente a língua materna, acreditamos
que o movimento de tradução para a língua estrangeira pode produzir o efeito de sentido de que o
verdadeiro da língua materna sustentaria o verdadeiro na tradução, pela “ilusão de literalidade”
na passagem do imaginário de um simbólico para outro. Essa ilusão é demonstrada nos poemas
pelos versos em língua alvo que tentam “imitar” os versos em língua materna. A aluna nos
confidenciou que usou um dicionário e tentou ser “fiel” ao poema “original”. Essa busca pela
“fidelidade a um texto “de origemindica uma busca por um mundo semanticamente normal
(Pêcheux, 1997), gesto marcado pela ilusão da tradução termo-a-termo. É interessante observar
que a inscrição na língua estrangeira requer também o contrário, um deslocamento a forma
“original” da língua e dos sentidos.
Nesse caso específico, a tradução de um poema escrito em língua materna, entendendo
língua materna como a língua que estrutura o sujeito psiquicamente (Revuz, 1998) e na qual o
sujeito do discurso, do desejo, mobiliza e produz a ilusão de ser a origem do que diz (Pêcheux,
1975), a ilusão de literalidade pode nos indicar, como afirmamos, que a aluna parte de um
lugar mais seguro para lançar-se timidamente na aventura de se expor ao estranho da outra
língua, com todos os riscos que isso pode indicar (Revuz, 1998). Dito de outro modo, o gesto de
autoria na língua materna garante a ilusão do êxito na língua estrangeira, na apresentação da
atividade em sala de aula, pelo “acerto”, no ato da tradução/leitura oral em inglês. Este “acerto”,
no entanto, é por nós questionado neste trabalho, tanto quanto o “erro” o tem sido.
1.4 Fatos de linguagem: Um ir e vir de “erros e acertos”?
Nesse sentido interpretamos alguns fatos de linguagem que ocorrem no poema em língua
inglesa com o objetivo de compreendermos na materialidade lingüística os efeitos deste gesto de
tradução do poema do aprendiz, reafirmando que entendemos o gesto de tradução como uma
forma que esse aprendiz encontrou de lançar-se no outro simbólico de maneira mais segura,
contendo algo do “mesmo” que constitui sua memória dos sentidos, seu “eu”, aqui também “sua
autoria.”.
84
Um primeiro fato de linguagem que desejamos compreender está relacionado ao
deslocamento de sentido ocasionado pela escolha lexical na tradução. No poema em língua
materna a aluna escreve “enfim, pela Literatura da vida.” E no poema em língua inglesa ela
escreve “Finally, the Literary Life.” É às palavras enfim e finally que nos referimos.
Acreditamos que a escolha da aluna por finally” se por sua semelhança sonora e
gráfica com a palavra em língua materna, “enfim”, “finalmente”. Uma opção que talvez se
aproximasse do sentido do poema em língua materna seria a expressão at last”, considerando
que este termo representa todo longo percurso que ela faz até enfim, quando “não houver mais
tinta em sua caneta...”. Mas é possível que a aluna não a conhecesse ou que optou por uma que
lhe “soasse” mais familiar. aqui uma memória que é da ngua materna. Memória de som e de
grafia, que se entrecruza com a língua alvo e em um primeiro momento produz efeito do mesmo
nas duas línguas, que é quebrado pelo efeito de sentido dos vocábulos no contexto do poema, ou
seja, ocorre um deslocamento de sentido pela tradução.
Nesse caso, entendemos que a tradução deixa um espaço a outras produções de sentido,
diferentes daqueles possíveis em língua materna, e acrescentamos que não consideramos “errado”
este movimento da tradução, mas perfeitamente possível, consideradas, certamente, as devidas
diferenças de interpretação. Para nós, o vocábulo finally coloca sentidos que superam a tradução
e diferencia um texto do outro, ou seja, diferencia o texto em língua materna do texto em língua
inglesa, confirmando a existência de dois textos e não apenas de um, já portanto, dois diferentes
discursos, nas diferentes línguas.
Ocorrem outros fatos de linguagem que são por nós interpretados como lacunas na
memória da/na língua inglesa. Resultado daquilo que Pêcheux (2007) chama de “jogo de força na
memória, sob o choque do acontecimento” (p. 53), o que origem ao fato de linguagem que
exemplificaremos através dos versos do poema “If I was a poet e as if it were the last I had
written”. Nos dois versos aparece uma construção condicional. De acordo com a organização da
língua inglesa, nesses casos a forma verbal “were” deve ser usada para todas as pessoas do
discurso.
A oscilação na memória da/na ngua demonstrada pelo aprendiz, que gerou o fato de
linguagem no primeiro verso, ser compreendida por nós como “o jogo de força de uma
“desregulação, que vem perturbar a ordem dos implícitos” de que fala Pêcheux, na medida em
que, de modo geral, o que se repete com freqüência para esses aprendiz é que nas construções
85
com o verbo “to be” as pessoas do discurso “I, He, She e It” requerem a forma “was”. Nesse
sentido, o acontecimento que vem “perturbar a memória” é do campo da organização da língua,
da estrutura formal da língua, e que neste caso não compromete a produção do discurso do aluno
de forma significativa.
Assim como demonstramos a memória da/na língua que falha, queremos demonstrar, pelo
exemplo que se segue,
algo do funcionamento da língua alvo fazendo parte da memória
discursiva: “não ficaria gastando energias; “I would not be wasting energies”. Como podemos
observar, o verso em língua materna não traz a palavra “eu”. Em língua inglesa isso não é
possível do ponto de vista da ordem. Neste poema, a aluna demonstra ter o conhecimento desse
funcionamento particular da ngua alvo, e começa o verso em língua inglesa com o pronome
pessoal “I”, em maiúscula como “se deve”. Nesse caso percebemos um trabalho no qual a
memória da língua alvo está sendo construída e o sujeito parece estar enfrentando as diferenças e
se inscrevendo na língua outra, se submetendo ao seu possível (Celada, 2009).
É interessante observar que nesse movimento para se inscrever na língua outra, o sujeito
parece se situar em um lugar bastante singular, que não é nem o da ngua materna e nem
tampouco o da língua alvo. Segundo a definição de Celada (2002, p. 173) em seus estudos sobre
a aprendizagem de espanhol por alunos brasileiros, esse lugar é o do “entremeio”. Para esta
autora (idem op. Cit.), neste lugar, “o espanhol e o português brasileiro se roçam, se atravessam,
se perpassam, se entrelaçam, se separam, se distinguem”, o que explica, segundo a pesquisadora,
“boa parte dos deslizes e vacilos aos quais o sujeito fica exposto”. Trazendo essa noção de
entremeio para nosso objeto de estudo, arriscamos a hipótese de que no processo de
aprendizagem da ngua inglesa por brasileiros, o entremeio pode representar o lugar por onde a
memória discursiva caminha, hora se identificando com os dizeres da língua alvo, hora voltando
ao lugar seguro da língua materna, ficando o sujeito na posição de “errante”, ou seja, “o que vaga,
vacila e erra” ( Celada, 2002, p.173).
Por tudo isso, pretendemos nesta altura das nossas análises, defender nossa hipótese de
que há diferentes posições-sujeito no movimento de tradução.
Para fundamentar essa tentativa de dizer algo sobre essas posições-sujeito entre os poemas
que compõem o corpus que estamos analisando, temos como referência as concepções de autoria
e interpretação por um lado, e língua materna e língua estrangeira, por outro, como trabalhamos
no capítulo teórico desta pesquisa.
86
Observamos no corpus que há duas posições-sujeito entre os poemas, diferentemente
daquelas mais gerais que identificamos e explicamos no capítulo metodológico do trabalho
20
: a
posição-sujeito aluno-tradutor-autor, pela presença da marca enunciativa de autoria, “Author:
Maria Letras IV”. Porque essa marca seria dispensável, produz o efeito de que o sujeito “falta” se
afirmar como autor nessa língua, e se afirma como tradutor.
A posição sujeito aluno-aprendiz-autor que escreveu os poemas, em língua materna. Este
aluno-aprendiz se enuncia autor pela própria ausência da marca enunciativa na ngua materna.
Isto fica posto também pelo gesto de se inscrever em um site da Câmara Brasileira de Jovens
Escritores e participar de um concurso de poesias, tendo posteriormente sua poesia publicada em
um livro de Antologias de Poetas Brasileiras. Este processo o legitima como autor (cf.
Gallo,1999).
Para entendermos melhor a posição de tradutor-autor, traremos um verso do poema em
língua materna e um verso do poema em língua inglesa.
E que eu tenho muitos versos para aprender” – “And I have many lines to learn.
Nestes versos, a palavra lines” e não “verses” como se espera devido à semelhança
sonora e gráfica entre as duas palavras, aponta para um trabalho de metaforização em língua
estrangeira em sua relação com a língua materna, representada aqui pela palavra “versos”.
Nesse
sentido a naturalização da linguagem, a relação palavra-coisa fica deslocada, produzindo-se a
metáfora, aqui entendida conforme Orlandi (2005):
A evidência, produzida pela ideologia, representa a saturação dos sentidos e dos sujeitos
produzida pelo apagamento de sua materialidade, ou seja, pela sua des-historicização.
Corresponde a processos de identificação regidos pelo imaginário e esvaziado de sua
historicidade. Processos em que se perde a relação com o real, ficando-se só com (nas)
imagens. No entanto, há sempre o incompleto, o possível pela interpretação outra.
Deslize, deriva, trabalho de metáfora (p. 55).
Compreendemos que na produção mencionada a aluna trabalha a língua na posição
sujeito-tradutor-autor do seu texto em língua materna para a língua alvo, e não de “tradutor”,
como se pensaria. A metáfora na língua estrangeira em sua relação com a língua materna pode
indicar que a aluna faz seu dizer se inscrever no outro simbólico a partir de um gesto de
interpretação. Daí afirmamos que não é possível se “fazer tradução” sem com isso se tornar
20
Refiro-me à posição sujeito-aprendiz de língua inglesa e à posição sujeito-aprendiz-professor de ngua inglesa
(p.68)
87
também, um pouco autor na língua outra. Isso se pelo fato de que na tradução, um espaço
para o sujeito, na medida em que é requisitado dele um gesto significativo de interpretação.
2 SEGUNDA PARTE: “I HAVE A DREAM”
Introdução
Nossa entrada nesta análise se dará a partir da retomada de uma afirmativa nossa anterior
de que muitos alunos nos estágios iniciais de aprendizagem de língua inglesa, se colocam no
movimento dos sentidos na língua alvo preferencialmente pelo recurso da escrita, para
posteriormente fazerem a leitura oral de seus textos, ou então se valerem do recurso da
“memorização” daquele texto previamente escrito para uma posterior atividade da ordem da
oralidade.
O que temos observado, e tentaremos especificar a partir de nossas análises, é que o
aprendiz tem um modo próprio de se relacionar com a língua estrangeira, e esse modo próprio
passa invariavelmente pelo modo como se relaciona com a própria língua (Revuz, 1998). Nesse
sentido, percebemos uma tensão advinda da imposição de métodos que se apresentam em
confronto com o movimento que o sujeito faz para tentar estar na linguagem, mais
especificamente, para tentar se significar em língua inglesa. Escrever antes de falar, ou ao invés
de falar, indica para nós um movimento subjetivo, uma forma de o sujeito tentar atravessar a
significação da língua materna para ter seus dizeres inscritos na língua alvo.
88
2. 1 Condição de Produção do poema de Cláudia
Para tentarmos compreender esse movimento, direcionamos nossa atenção para uma
produção escrita por um sujeito participante deste trabalho, em um contexto de aula de inglês,
sobre a temática “sonhos, desejos e expectativas”. Pretendemos, mais uma vez, compreender os
modos que esse sujeito-aprendiz se relaciona com o inglês em seu processo de inscrição nessa
língua.
Importante ressaltar que, embora o texto produzido faça parte de uma atividade da ordem
da escrita, esta análise tem como objetivo lançar luz a esse modo especial do sujeito aprendiz se
relacionar com a língua estrangeira nos domínios da oralidade (cf. Gallo 1999) escreve antes,
depois o que escreveu, e talvez fale sobre o que escreveu.
Apresentaremos o texto produzido por Cláudia, de 45 anos, professora do ensino
fundamental da rede municipal de Pouso Alegre. Esta aluna nos chama atenção porque, no que
diz respeito a atividades da ordem da oralidade em língua inglesa, ela quase sempre se mantém
em silêncio, ou como mencionamos, escreve algumas frases e as lê, mas raramente se arrisca a
uma conversa oral na língua alvo, e quando assim o faz, se restringe a algumas poucas palavras,
como por exemplo: yes, no, I like, no understand, repeat please, entre outras.
Vínhamos compreendendo seu silêncio ou sua pouca exposição oral como timidez, falta
de interesse por algumas atividades, dificuldade com a língua, entre outros. Ou seja, uma vez
mais, atribuíamos ao “silêncio” em atividades da ordem da oralidade, justificativas que pouco
contribuíam para a compreensão do complexo processo de inscrição do sujeito em
discursividades de língua estrangeira.
2.2 O silêncio no oral e no escrito
A partir dos nossos estudos teóricos aqui empreendidos e da análise de seu texto escrito,
pudemos compreender alguns movimentos subjetivos importantes em seu processo de
aprendizagem, que de certa forma vem lançar luz ao nosso trabalho docente, na medida em que
seus movimentos não se diferem tanto daqueles produzidos por muitos aprendizes em faze inicial
do processo.
89
Passemos á leitura de seu texto, na íntegra, como produzido por ela, sem interferência de
nossa parte.
Dreams
When I see my life
I think…
What is my great dream?
I haven’t.
yes, I dream with several thinks,
but are small.
small dreams!
Because I think that our life is
done of moments, sometimes good or
bad.
When I was young, I dreams with future.
the future arrived, and nothing happened.
I think that I don’t knew to plan,
and now, I don’t have very hope.
__________________________________
_________________________________
Only with my sons
I have dreams…
to see him to grow
and to see to bring adults
and have a himself lifes.
___________________________________
I believe in God…
And he is my direction.
One day I will find my dreams him.
90
Em um primeiro momento, considerando seu silêncio nas atividades de oralidade, nos
chama atenção o fato de que a aluna se lança à escrita em língua inglesa produzindo um poema
nesta língua. Nós compreendemos o fato de ela ter escrito um poema como um movimento
subjetivo na ngua estrangeira, que envolve um sujeito com poucas memórias da/na língua alvo,
e essa nossa hipótese é confirmada por vários fatos de linguagem que aparecem no texto. No
91
entanto, apesar dos poucos versos e dos fatos de linguagem que marcamos no texto, ela
demonstra se representar na origem dos sentidos e na origem de seus dizeres em ngua inglesa,
configurando-se a autora de seu discurso, sem o recurso da repetição empírica de frases prontas e
vazias de sentido. Em outras palavras, a aluna se “arrisca pouco” em quantidade de escrita, mas
nem por isso deixa de produzir um texto significativo e interessante do ponto de vista de uma
escrita em língua estrangeira.
Marcamos no texto da aluna alguns fatos de linguagem que identificamos como
momentos desse silêncio, que nos parece não ocorrer no campo da oralidade. De acordo com
Orlandi (1997), o silêncio é fundador de sentidos. Nesse sentido, a nosso ver, as linhas deixadas
“vazias”, em branco, no poema podem indicar que o sentido fica suspenso, ao sabor do leitor.
Não que “não há o que se dizer, ou sentidos a se produzirem, mas que há muito sentido
envolvendo essa produção”. Ou seja, o silêncio não indica falta de sentido. Haveria falta de
memória discursiva da aluna, para que as linhas fossem preenchidas com palavras? Isso seria
percebido porque após o rastro silencioso das duas linhas deixadas em branco encontramos uma
pequena estrofe que continuação à primeira, mas sem elementos discursivos responsáveis pela
coesão entre as idéias. Essa “falta”, dos elementos discursivos não representaria falta de sentido,
mas de memórias da/na língua que dêem conta de supri-la. Por outro lado, esse silêncio é
providencial, que de certa forma ele é desejado no texto poético, no sentido de que a poesia
coloca de fato o leitor diante da opacidade da linguagem.
O segundo momento marcado pelo silêncio nos indica a falta de memória discursiva.
Após a segunda estrofe o texto toma outra direção. O da conclusão. Para chegar a essa conclusão,
um curto silêncio é indicado por uma linha em branco, e o poema é então finalizado, deixando no
“ar” um caminho de sonhos que não foram realizados em vida, mas que serão após a morte. Aqui,
mais do que memória da/na língua, parece-nos que a aluna não dispõe de memórias discursivas
em língua inglesa suficientes para chegar até a conclusão do poema com palavras, daí sentimos
uma pausa – o silêncio entra em cena como recurso fundamental para a produção desses sentidos.
A produção discursiva deste aprendiz, embora seja marcada em diversos momentos pela
memória da/na língua e pela memória discursiva que falta, indica um sujeito no estágio inicial de
um processo de produção de memória discursiva na língua alvo. Ou seja, a aprendiz produz um
discurso que se inscreve no real da língua e da história e, portanto, se configura como autora de
seu texto.
92
Algumas Possíveis Conclusões
Para concluirmos esta parte, podemos dizer que os discursos que analisamos, ou seja, os
poemas de Maria e o poema de Claudia foram produzidos por sujeitos em estágio inicial de
aprendizagem de língua inglesa que se esquivam à fala espontânea, mas se rendem ao exercício
da escrita em língua alvo. Importa representar que observamos esse movimento muitas vezes no
nosso percurso de professores de língua inglesa, entre sujeitos no estágio inicial de aprendizagem
desta língua.
Tentamos compreender por que aprendizes em fase inicial do processo de aprendizagem
de língua estrangeira se relacionam com o oral na língua inglesa de forma “travada”, mas pela
escrita eles se lançam de forma a produzir um discurso que faz sentido em seu percurso, como os
que apresentamos. Com essa pergunta, voltamos ao nosso corpus e primeiramente procuramos
compreender a opção pelo texto poético. Acreditamos que a opção pelo poema é inconsciente e
pode representar a opção por uma escrita mais livre de determinações lingüísticas, sem sofrer
com isso grandes perdas nas possibilidades de se produzirem sentidos, em vista da grande dádiva
da poesia em expor o sujeito à opacidade da linguagem, ao mesmo tempo em que ao belo e ao
imponderável.
Deste lugar, o da poesia, o sujeito pode ser respeitado e aceito pelo seu silêncio, sem que
isso denuncie tão fortemente suas poucas memórias da/na língua e memórias discursivas na
língua inglesa. Como parte de um processo maior, a produção escrita de um poema nessas
condições que demonstramos pode conduzir estes aprendizes por um caminho mais seguro que os
levem a produzir as memórias de que necessitam para se expressar oralmente em língua inglesa.
Nesse sentido, no campo da oralidade, acreditamos que, pela fala, o sujeito sente
dificuldades em se representar na origem do sentido. E a transparência da linguagem, que ocupa o
lugar da materialidade da história, lugar à opacidade. Nesse caso, o sujeito se depara com a
espessura e a opacidade da linguagem, percebe o equívoco, fonte da deriva, de modo violento, e
isso de certa forma o impede de “falar”.
Ou seja, lançar-se pela escrita, pode significar um distanciamento seguro do locutor, longe
do imediatismo exigido no ato da interlocução oral. Isso nos remete a afirmação de Orlandi
(1997) de que a condição básica do significar é o imaginário. Nesse sentido, o jogo imaginário
que envolve o processo de produção de sentido em língua estrangeira passa pelo meio físico pelo
93
qual se dá a interlocução, e isso faz toda a diferença para que o aprendiz se reconheça autor de
seu discurso.
Aqui nos cabe relembrar os conceitos de Pêcheux (1975) sobre os dois esquecimentos que
ocorrem ao sujeito ao dizer. O autor nos coloca que as condições básicas para que o sujeito
produza seu discurso são as de que ele tem que se sentir a origem de seu dizer (esquecimento nº.
1), e compreendemos, seu discurso se constitui para ele no único sentido existente (esquecimento
nº. 2). Nessa direção, diremos que o sujeito no movimento dos sentidos no campo da oralidade
em língua estrangeira se reconhece como sujeito descentrado, e por isso não se sente a origem de
seu dizer em língua estrangeira, ilusão necessária para que se produza um discurso.
A escrita, nesse sentido, pode significar um lugar mais seguro de onde o sujeito possa ter
uma primeira aproximação com a língua estrangeira. Longe da urgência da fala, distanciado do
interlocutor, o sujeito, pela escrita, retarda o corpo-a-corpo com a língua estrangeira, que
invariavelmente o “remeterá ao estágio do infans, do nenê que não fala ainda” ao estágio de ter
que ‘(re)fazer a experiência da impotência de se fazer entender” de experimentar “muitas
sensações surpreendentes no plano bucal, tão importante no corpo erógeno” (Revuz,1998, p.
221). Assim sendo, a partir da escrita ele traça um trajeto para a produção de memórias do falar
na língua alvo.
Dessa forma, observamos no nosso corpus de análise, “dois movimentos subjetivos”
(Celada, 2009) importantes no processo de inscrição em língua estrangeira: o primeiro
movimento diz respeito a um sujeito que se lança na tentativa de tradução “literal”, como
percebemos na análise dos poemas de Maria, bem como em muitas outras situações vivenciadas
por aprendizes iniciais de inglês, impulsionados pelo desejo de trazer de volta esta ilusão de
centramento, de origem dos sentidos e de literalidade. Neste caso, ele abriga-se nos efeitos de
sentido de ngua materna para enfrentar “o outro simbólico”, que o interpela a re-significações,
re-arranjos identitários, nos quais da/na língua alvo e memórias discursivas constitutivas na
língua alvo devam ser produzidas.
O segundo movimento diz respeito a um sujeito que se lança imediatamente em língua
alvo (também pelo poético, no caso de Cláudia e de outros aprendizes que fizeram a mesma
atividade escrita que deu origem a esta parte do corpus experimental), com os poucos recursos da
memória discursiva em ngua alvo que possui, indicando uma subjetividade que suporta melhor
a quebra da organização da ngua na escrita, e a opção pelo poema lhe garante melhor esse
94
suporte, mas esse sujeito não suporta facilmente a fala opaca e muda, aquela diante do locutor no
discurso oral, na qual a memória discursiva perde seu trajeto.
Esses dois movimentos subjetivos observados por nós nas produções dos alunos
participantes da nossa pesquisa nos permitem responder, mesmo que parcialmente, às perguntas
que deram origem às nossas reflexões: “Como a materialidade lingüística se apresenta no
processo
de inscrição do sujeito de discurso na Língua Inglesa”? e “Como se o funcionamento
da memória no processo de inscrição do sujeito de discurso na Língua Inglesa?”
1) No processo de inscrição do sujeito de discurso em língua estrangeira a materialidade
linguística se apresenta de modos diferentes no discurso oral e nos discurso escrito.
No discurso oral nota-se um silêncio medroso, seguido de frases soltas e a falta da
memória da/na língua e da memória discursiva é flagrante. No discurso escrito, essas
memórias vêm à tona, mesmo que timidamente, e os fatos de linguagem a ela
referentes são muitas vezes “resolvidos” por outros fatos de linguagem, que muitas
vezes se juntam e permitem que o texto faça sentido. também o fato de linguagem
gerado pela “falta”, marcada pela falta da memória da/na língua, da memória do dizer.
No entanto, esses fatos são (in)significantes do ponto de vista da qualidade do
texto/discurso diante das produções desses aprendizes.
2) O funcionamento da memória no processo de inscrição do sujeito em língua alvo se dá
primeiramente pela escrita (mesmo que através de um discurso que se inscreve no
campo da oralidade, em casos outros, não estes apresentados). Este é um meio que
estes aprendizes encontram para evitar o corpo-a-corpo com a língua estrangeira,
portanto uma forma menos violenta de estar no outro simbólico, de enfrentar as
diferenças instauradas no campo fonético, até que se sintam psiquicamente preparados
para esse confronto. A partir daí, memórias da/na língua inglesa podem começar a ser
produzidas e com isso pode-se abrir caminhos para que sejam produzidas também as
memórias discursivas de que os aprendizes necessitam para se subjetivarem em língua
alvo.
95
3 TERCEIRA PARTE: E-MAILS-DEPOIMENTOS
Introdução
Por tudo o que dissemos até aqui, tornou-se oportuno trazer para nossa reflexão alguns
depoimentos espontâneos de alguns alunos sobre o processo que estavam vivenciando nas aulas
de inglês durante o segundo semestre letivo de 2008, quando experimentamos trabalhar
discursivamente com a língua inglesa. Torna-se necessário dizer que desde que começamos a
trabalhar nesse projeto levamos para as aulas de inglês alguns conceitos teóricos da Análise de
Discurso a fim de levá-los a compreender não esses conceitos, mas também o nosso novo
modo de trabalhar a língua estrangeira.
Assim sendo, além das considerações que fizemos a partir das análises empreendidas no
trabalho, incluímos alguns comentários significativos a partir das manifestações dos alunos, o que
também nos recoloca questões importantes sobre o modo de trabalho com a língua inglesa que
valorize o sujeito no seu movimento de produção de sentidos e que considera o erro como um
“fato de linguagem”, a ser interpretado em seu acontecimento, lugar mesmo do sujeito e da
interpretação.
3.1 Nossas impressões sobre efeitos de todo processo nos sujeitos participantes da pesquisa
Apresentamos algumas partes das cartas- email da forma como me foram enviadas, sem
interferências de minha parte:
Texto 1
Olá professora;
96
Resolvi escrever este e-mail para lhe dizer de um sentimento que tive quando apresentei a
minha poesia.
Você me transmitiu uma força tão grande na sua emoção que a senhora não faz idéia. Eu olhava
para seus olhos durante a apresentação e não sei se realmente vc estava me transmitindo uma
mensagem que dizia assim: VOCÊ É CAPAZ, VOCÊ PODE? (...)
Quando sentei na carteira, eu olhava pra vc e me vinha uma vontade muito grande de chorar,
talvez até desabafar e dizer para você um MUITO OBRIGADO (...)
E mais do que isso, quero lhe dizer uma coisa... O que eu mais admiro em você, é que a
senhora não avalia nós alunos por nota, mas avalia por esforço (...)
(...) você nos olha por um todo e fazendo isso, você automaticamente nos diz: TENTA, VAI EM
FRENTE, VC VAI CONSEGUIR! e isto teacher, nos quebra toda a insegurança, não nos
sentimos tão desvalorizados como nos sentimos com muitos professores.(...)
Texto 2
Valéria,
I'd like to thank you for being in this hard moment by our side.
You're part of of our lives.
Be sure we won't forget you. Never.
You're teaching us not just English language, but things for life too. I love hearing you talk about
experiences and hopes. It's good to know that we have a teacher who worries about us and really
likes us.
When I hear you, I can find strength to keep going, and I know that in this world there is still a
chance for us.
Maybe I'm not being specific, are you undesrtanding me? I don't know if you can understand
what I mean, but you be sure that I won't never forget what I'm learning with you.
Texto 3
Oi Valéria!!
97
A turma da nossa sala escolheu um título interessante para o nosso trabalho. Não sei se vou
conseguir explicá-lo... Nós pensamos em: “The book is (not) on the table (anymore)!”
-Essa famosa frase “The book is on the table” representaria o tradicional (as aulas
estruturalistas)!
- O (not) (anymore) representariam a mudança deste modelo tradicional de ensino. Esta
mudança na estrutura desta famosa frase representaria a mudança na maneira de ensinar.
Valéria, não sei se consegui explicar claramente. Qualquer coisa, me avisa!
Abraço
Marcos
Notamos que nos trechos 1 e 2 os alunos demonstram gratidão e carinho ao professor.
Isso pode indicar que durante esse semestre, no processo realizado de ensino e pesquisa, o
professor atuou de modo que permitiu que os alunos construíssem dele uma imagem de professor
amigo, cúmplice nas horas de angústia do processo de aprendizagem do inglês. É importante
esclarecer que, trabalhando vários anos com ensino de inglês, essas manifestações
aconteceram ao final do semestre em que trabalhamos para a construção do corpus desta
pesquisa, e embora estivéssemos juntos com estes alunos por dois outros semestres anteriores.
A necessidade de serem apoiados para se sentirem seguros ao longo do processo fica
posta nesses dois e-mails, o que nos leva a inferir que mais do que estarem expostos a conteúdos
sobre a língua inglesa, os aprendizes necessitam de experiências que os valorizem em suas
potencialidades, experiências não homogeneizadoras, prazerosas e significativas do ponto de
vista do sentido, e não da forma. Nota-se a transferência que os aprendizes fazem à figura do
professor como um lugar-sujeito que, realizado de certo modo, os apóia em seus sentidos, na
afirmação da “autoria” de seus enunciados, de seu poder dizer como sujeitos no interior de um
processo que tem de singular, como afirmamos, entre tantos outros elementos, o fato de que falha
a ilusão fundamental constitutiva de estarem na origem dos sentidos, na língua estrangeira.
Quando dizemos que a função de professor pode se exercer de um certo modo que convoca o
adentramento nesse processo, pensamos na compreensão teórica do processo, que suporte ao
professor para apoiar e ser figura de afeto positivo nesse processo.
98
O terceiro e-mail nos diz algo sobre os efeitos desse processo no sujeito-aluno-professor.
Esse aluno parece se identificar com o modo discursivo de aprender-ensinar língua estrangeira e
passa a questionar os métodos tradicionais. De certa forma isso nos coloca diante da possibilidade
de pensar e fazer um trabalho que saia dos limites da instituição onde trabalhamos, na medida em
que este aluno poderá levar essas experiências para sua prática docente.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Comecei esta reflexão a partir de duas questões: “Como a materialidade lingüística se
apresenta no processo de inscrição do sujeito de discurso na Língua Inglesa”? e “Como se dá o
funcionamento da memória no processo de inscrição do sujeito de discurso na Língua Inglesa?”
Chego agora, ao final com noções que me permitem responder, mesmo que parcialmente, a estas
questões.
Importa dizer que a intenção ao levantar estes questionamentos não foi somente de
“respondê-los”, mas também, a partir das respostas, questionar minha própria prática pedagógica,
de professor de inglês em curso de Letras, para então decidir os novos caminhos a trilhar.
Nesse sentido, consideramos muito importante ressaltar dois aspectos comentados nas
interlocuções desta pesquisa
21
. O primeiro, diz respeito ao valor do nosso desejo de mostrar uma
imagem desse idioma como uma língua não de “negócios”, como foi mencionado, mas
também de “cultura”, através de um trabalho com literatura e mais ainda, com poesia. Segundo
Celada , a poesia é “uma forma forte de trazer o real da língua e de não submeter essa língua às
funções comunicativas das que precisa um sujeito pragmático no mundo contemporâneo” O
segundo aspecto é o que ressalta o nosso modo de trabalhar a língua inglesa em contexto formal
de aprendizado, o fato de darmos um lugar ao aluno nesse processo, e mais importante, o fato de
“não darmos ao aluno um lugar psicologizante, mas sim valorizarmos sua condição de sujeito, ou
seja, valorizarmos a subjetividade no processo de aprendizagem de uma língua estrangeira.
Por isso afirmamos que, a partir de experiências com poesia, música, filme, e outras que
propusemos e que temos proposto, trazemos aos alunos uma imagem de língua inglesa diferente
daquela que privilegia o discurso oral (falar inglês para se tornar cidadão do mundo, bem
sucedido), mas, ao contrário, uma imagem de língua inglesa como língua de acesso à cultura, ao
belo, ao saboroso da arte universal, e ao saber. Com isso acreditamos interferir de algum modo no
processo de identificação imaginária dos sujeitos aprendizes com a língua inglesa, e por
conseqüência, interferir em sua relação/identificação simbólica com esse idioma.
21
Agradecemos pelos comentários feitos em nossa banca de qualificação. O primeiro comentário é de M. T. Celada,
e o segundo, de L. Baldini.
100
Para finalizar, enfatizo a importância deste trabalho de pesquisa, na medida em que todo o
processo por nós vivenciado e aqui descrito, nos aponta para um novo modo de conceber o
processo de ensino-aprendizagem de uma língua outra, ao mesmo tempo que nos fazem acreditar
e valorizar ainda mais os modos de trabalho com a linguagem que não privilegiem a estrutura
como forma final, mas o processo como um todo, sendo a busca tanto pela organização quanto
pela ordem da língua estrangeira nosso desejo, e compreendendo como processo tudo o que
envolve o sujeito no movimento simbólico entre as línguas estrangeira e materna. Não
esquecendo que, a compreensão do “erro” como marca de que a língua está acontecendo na
subjetividade do sujeito aprendiz, produz o efeito de alívio á angústia de que acertar é o contrário
de errar, e não apenas uma parte, não mais importante do que o “erro”, na relação do sujeito com
a língua-a-saber.
101
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Cambridge university Press, 1997.
105
ANEXO
Capítulo do livro didático citado no item da construção do corpus experimental do
trabalho.
106
107
108
109
110
111
112
Livros Grátis
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