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Sintâ junto, labantâ junto,
Es é que é sabe, es é que é dreto...
Sintâ co amor, gosâ co assunto,
Coraçam lebe, graça na rosto...
Crecheu é na debagarinho,
Na paz, na graça, na getinho:
Amor, pâ bo sentil sê gosto,
É na sombrinha de sol posto...
Mas, quando el é de barbotón,
É sem valor, sem tom nem som...
Nha fijo obi, obi um consejo:
Amor más doce, é amor de bejo...
(TMCC, pp. 38-39).
Sentar juntos, levantar juntos,
Isso é que é gostoso, isso é que é bom...
Sentar com amor, gozar com os assuntos,
Coração leve, alegria no rosto...
Bem-querer é devagarzinho,
Na paz, com graça, com jeitinho:
Amor, para sentir seu gosto,
É na sombra do sol posto...
Mas, quando ele é de barbas grandes,
É sem valor, sem tom, nem som...
Meu filho escuta, escuta um conselho:
Amor mais doce, é amor de velho...
A “Morna da Velhice” contrapõe ao “Mar agitado”, (que mata) da morna “Mal
de amor”, o mar sereno do “entardecer da idade”.
Luís Peixeira, sobre esta morna, esclarece:
Neste poema louva-se o amor de Velhos, feito de serenidade e ternura.
Neste amor dá-se a inversão dos conteúdos conceptuais. Por
comparação implícita com “Mal de Amor”, este é um amor com a
suavidade do pôr-do-sol que não queima o rosto da amada. É como
um sol brando da saudade, sugerindo a proximidade da morte... Amor
de velho não é um mar bravo, é um mar manso... É o amor “de se
sentar junto, levantar junto”. Cretcheu... é mansinho... para sentir-lhe
o gosto, é na sombrinha do sol posto. Amor de velho é um amor que
escapou às contingências da degradação física, ao fatalismo dos
receios de previsíveis rupturas... amor depois de uma certa idade,
quando ele se sentar com o companheiro, ninguém se levanta primeiro
sem que todos os dois matem saudades (2003, p. 185).
A suavidade expressa no campo semântico (“lebe”, “paz”, “doce”) e nos
diminutivos (“debagarinho”, “sombrinha”) mimetiza a mansidão do amor serôdio.
Tendo em conta a morna “Mal de amor”, Moacyr Rodrigues e Isabel Lobo
ressaltam que, Eugénio Tavares, na “Morna de bejiça”, opera a ruptura-reformulação do
conceito de amor da seguinte forma:
a) A inversão dos conteúdos conceptuais: o conceito de amor de
velho não passa pelas figuras da degeneração e de morte (destruição),
cabendo estas ao amor jovem (paixão), alterando-se os conceitos
tradicionais;
b) A inversão dos conteúdos conceptuais: o valor relativo da
adversativa (v. 3) e a crescente importância da estrutura implícita, por antítese
da estrutura explícita (Sol brando ca ta quemâ/ Pele de rosto de nha cretcheu
vv. 5-6) de modo a desencadear uma outra figura, a ênfase, geradora de
significação. (RODRIGUES & LOBO, 1996, p. 115).