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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ –
UENP
CAMPUS DE JACAREZINHO - CENTRO DE CIÊNCIAS
SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA
A INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO
ÁLVARO DOS SANTOS MACIEL
JACAREZINHO/PR
2010
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2
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ - UENP
CAMPUS DE JACAREZINHO – CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA
A INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO
ÁLVARO DOS SANTOS MACIEL
Dissertação apresentada ao Programa
de Mestrado em Ciência Jurídica do
Centro de Ciências Sociais Aplicadas do
Campus de Jacarezinho da
Universidade Estadual do Norte do
Paraná, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientadora: Profª. Drª. Hildegard
Taggesell Giostri
JACAREZINHO/PR
2010
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3
BANCA EXAMINADORA
Dra. Hildegard Taggesell Giostri
Dr. Vladimir Brega Filho
Dr. Edinilson Donisete Machado
JACAREZINHO (PR) – 2010
4
DEDICARIA
A Deus, por tudo...
Aos meus pais,
Álvaro Maciel Alves e
Terezinha dos Santos Alves
pelo estímulo constante.
Aos meus irmãos,
Éderson, David, Alan e
Weyner (in memorian),
pelo apoio em todas as horas.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, Ser Supremo, que de maneira sublime me capacitou a
cumprir este objetivo.
À minha família, pelo companheirismo sempre presente,
dotando-me de incentivos e mostrando-me os melhores
caminhos.
À Professora Doutora
Hildegard Taggesell Giostri, pelo apoio e orientação eficaz, que
foram fundamentais para a realização e conclusão deste
trabalho e por quem nutro profunda admiração, carinho e
respeito.
Aos Professores Doutores
Maurício Gonçalves Saliba,
Reinéro Antonio Lérias e Vladimir Brega Filho, que colaboraram
para o enriquecimento cultural e intelectual desta obra ao
compartilharem seus conhecimentos nos Grupos de Pesquisa.
A todos os amigos inesquecíveis do Programa de Mestrado que
de diversas formas me auxiliaram.
À imprescindível Maria Natalina Costa,
secretária do Programa.
Aos amigos André Luiz Capalbo,
Luiz Rodrigo Marton,
Rafael Pontes Petinelli e
Renan Francisco Honaiser
por todo o incentivo e desejo de sucesso.
6
O universalismo que queremos hoje é aquele que tenha como
ponto em comum a dignidade humana. A partir daí, surgem
muitas diferenças que devem ser respeitadas. Temos direito de
ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.
Boaventura de Souza Santos
7
MACIEL, Álvaro dos Santos. A inclusão das pessoas com deficiência no mercado de
trabalho. Jacarezinho, 2010. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica)
Programa de Mestrado da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP.
RESUMO
O presente estudo demonstra o alijamento a que estão submetidas as pessoas com
deficiência e dispõe acerca da política de ação afirmativa e do sistema de cotas para
reserva de vagas no mercado de trabalho. A temática é atual, haja vista que
a relação com o trabalho está no centro da problemática da exclusão, e que
segundo os dados das Instituições Governamentais, um número significativo de
pessoas com deficiência que estão excluídas da convivência em sociedade. A
obtenção da igualdade substancial das pessoas com deficiência se perfectibiliza na
medida em que estas recebem um tratamento desigual, com suprimento de suas
carências diversas e promão de políticas compensatórias. Dessa forma, se
investiga se as oportunidades no mercado de trabalho tem sido implementadas com
eficácia. Para tanto, percorre-se um vs crítico e direcionado à temática abordada.
Constrói-se um arcaboo histórico sobre este grupo de indivíduos, apresentando
desde as práticas de segregação durante a Pré-história e momentos seguintes até
os instrumentos de inclusão na Idade Contemporânea, abordando-se, inclusive, as
nomenclaturas e as denominações mais corretas para se tratar as pessoas com
deficiência. Percorre-se tamm um vs filosófico e doutrinário com fundamento na
Filosofia da Libertação. Promove-se, ademais, um estudo da dignidade da pessoa
humana como fonte do progresso social ao reconhecer a diferença como corolário
de justiça e democracia. Encampa o histórico do Princípio da Igualdade e a sua
evolução mundial bem como suas transformações no bojo das Constituições do
Brasil. São apresentadas as leis que tratam sobre o tema bem como a evolução das
mesmas com as respectivas eficácias de ordem constitucional e infraconstitucional.
Conclui-se, por meio da demonstração de dados estatísticos, que a inclusão da
pessoa com deficncia no mercado de trabalho como consequência dos
mecanismos de ação afirmativa, tem sido gradativamente concretizada. Todavia, o
desafio é criar instrumentos que mantenham a empregabilidade, enquanto direito
garantido para que, deste modo, estes indivíduos possam usufruir permanentemente
do convívio social justo e democrático.
Palavras-chave: pessoa com deficiência, inclusão, igualdade de oportunidades,
mercado de trabalho.
8
MACIEL, Álvaro dos Santos. The inclusion of the disabled people in the work market.
Jacarezinho, 2010. Dissertation submitted to the Masters Degree Program in Law of
UENP.
ABSTRACT
This study demonstrates the exclusion of disabled people and makes use of the
politics of affirmative action and the system of quotas for vacancies reserve in the
work market. The problem is a current one, as work relations is presently in the
center of the exclusion problematic, for the reason that the Governmental Institutions
data show a significant number of disabled people who are excluded from society.
The obtaining of the substantial equality of the disable people it rend in the measure
in that these people receive an unequal treatment, with supply of their several lacks
and promotion of compensatory politics. In that way, it is investigated if the
opportunities in the job market have been implemented with effectiveness. In this
way, covers a critical view which is directed to its approached theme. It constructs a
historical structure about this group of individuals, presenting since the practice of
segregation during the pre-history period and its subsequent moments until the
instruments of inclusion in the Contemporary Age, also approaching the most correct
taxonomy and denominations to treat the disabled. It also covers a philosophical and
doctrinal view with a basis on the Philosophy of Liberation. It promotes a study of the
human being’s dignity as source of social progress by recognizing difference as
corollary of justice and democracy. It involves the description of the beginning of
equality and its world-wide evolution as well as its transformations inserted in the
Brazilian Constitutions. The laws that deal with the subject are presented as well as
their evolution with their respective effectiveness of constitutional and infra-
constitutional nature. It is ended, through the demonstration of statistical data, that
the inclusion of disable people in the job market as a consequence of the
mechanisms of affirmative action, it has been rendered gradually. Though, the
challenge is to create instruments to maintain the employability, while guaranteed
right so that, this way, these individuals can enjoy the fair and democratic social
conviviality permanently.
Key Words: disabled people, inclusion, equality of opportunities, work market.
9
LISTA DE FIGURAS, GRÁFICOS E TABELAS
Figura 1. Taxa de PPD´s por Município – Brasil Pessoas com Deficiência...........113
Figura 2. Renda Média do Trabalho Principal por Município Brasil Pessoas com
Deficiência...............................................................................................................114
Figura 3. Educação Média do Trabalho Principal por Município Brasil Pessoas com
Deficiência...............................................................................................................115
Gráfico 1. Participação no trabalho formal segundo gênero: PPD´s x População
Total ........................................................................................................................121
Gráfico 2. Participação no trabalho formal segundo idade: PPD´s x População Total
................................................................................................................................123
Gráfico 3. Participação no trabalho formal segundo anos de estudo: PPD´s x
População Total ......................................................................................................124
Gráfico 4. Participação no trabalho formal segundo teor de atividade: PPD´s x
População Total ......................................................................................................125
Gráfico 5. Participação no trabalho formal segundo tempo de emprego: PPD x
População Total ......................................................................................................126
Gráfico 6. Participação no trabalho formal segundo densidade populacional: PPD´s
x População Total....................................................................................................127
Gráfico 8. Trabalho formal segundo à (in)eficia da lei de cotas..........................128
Tabela 1. Ranking dos Estados das Pessoas com Deficiência..............................117
Tabela 2. Retrato Social das Pessoas com Deficiência..........................................118
Tabela 3. Participação e Tx. de PPD´s segundo as características dos trabalhadores
formais.....................................................................................................................122
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AACD – Associação de Assistência à Criança Deficiente
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas
ACITEG – Associação dos Acidentados de Trabalho do Estado de Goiás
APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
AFT – Auditor Fiscal do Trabalho
Art. – Artigo
Arts. – Artigos
CC – Código Civil
CIDID Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e
Desvantagens
CF – Constituição Federal
CF/88 – Constituição Federal de 1988
CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
CORDE Coordenadoria Nacional de Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência
CPC – Código de Processo Civil
CPS – Centro de Políticas Sociais
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
DOU – Diário Oficial da União
FGV – Fundação Getúlio Vargas
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBRE - Instituto Brasileiro de Economia
IN – Instrução Normativa
Incs. – Incisos
INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial
11
INSS - Instituto Nacional do Seguro Social
LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
MEC – Ministério da Educação e da Criança
Min. – Ministro
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
MPT – Ministério Público do Trabalho
MS – Ministério da Saúde
MTE – Ministério do Trabalho e do Emprego
NBR – Norma Brasileira
NR – Norma Regulamentadora
OIT – Organizão Internacional do Trabalho
OMS – Organizão Mundial de Saúde
ONG´s – Organizações Não Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
PPD – Pessoas Portadora de Deficiência
PPD´s – Pessoas Portadoras de Deficiência
RAIS – Relação Anual de Informações Sociais
RBPS – Regulamento dos Benefícios da Previdência Social
Rel. – Relator
RGPS – Regime da Previdência Social
ROCSS – Regulamento da Organização e Custeio da Seguridade Social
SESMT Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do
Trabalho
STJ – Superior Tribunal de Justiça
12
STF – Supremo Tribunal Federal
TAC – Termo de Ajuste de Conduta
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST Tribunal Superior do Trabalho
TX – Taxa
UNESCO – Organizão das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................15
1. O PANORAMA HISTÓRICO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA .........................18
1.1 A EVOLUÇÃO TERMINOLÓGICA E O CONCEITO DE DEFICIENTE PARA O DIREITO DO
TRABALHO...................................................................................................................28
2. AS CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS LATINO AMERICANAS SOBRE A
INCLUSÃO SOCIAL .................................................................................................33
2.1 A ABORDAGEM DUSSELIANA DOS DISCURSOS FUNCIONAIS E CRÍTICOS AO SISTEMA DE
EXCLUSÃO ..................................................................................................................34
2.2 SENSIBILIDADE E ALTERIDADE SOB A ÓTICA DE EMMANUEL LÉVINAS ..........................40
2.3 O RECONHECIMENTO DA DIFERENÇA COMO CORORIO DE JUSTIÇA SOCIAL..........43
3. A BUSCA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DAS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA ...........................................................................................................49
3.1 BREVES ANTECEDENTES HISTÓRICOS .....................................................................49
3.2 APONTAMENTOS CONCEITUAIS E FINALIDADE ............................................................54
3.3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FONTE GARANTIDORA DO PROGRESSO
SOCIAL .......................................................................................................................59
3.3.1 Do princípio do não retrocesso social...........................................................62
4. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS AÇÕES AFIRMATIVAS ...........................68
4.1 A EVOLUÇÃO MUNDIAL DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE ................................................70
4.2 A DISCRIMINAÇÃO COMPENSATÓRIA E A RESERVA DE VAGAS PARA AS PESSOAS
COM DEFICIÊNCIA........................................................................................................78
4.3 UMA ANÁLISE ACERCA DA AÇÃO AFIRMATIVA............................................................80
5. O DIREITO SOCIAL AO TRABALHO DAS PESSOAS COM DEFICÊNCIA .......90
5.1 O TRABALHO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA .......................................................90
5.2 INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO....................92
5.2.1 Reserva de cargos e empregos....................................................................95
5.2.1.1 No serviço público..................................................................................95
5.2.1.2 Na iniciativa privada ...............................................................................99
5.3 DA NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL..............................146
5.4 ACESSIBILIDADE...................................................................................................102
6. RETRATOS DA INCLUO EMPREGATÍCIA: ANÁLISES ESTATÍSTICAS E
PESQUISAS ...........................................................................................................112
6.1 QUANTO AO GÊNERO ...........................................................................................121
6.2 QUANTO À IDADE..................................................................................................122
6.3 QUANTO À ESCOLARIDADE....................................................................................123
6.4 QUANTO AOS POSTOS DE TRABALHO QUE OCUPAM ................................................124
6.5 QUANTO AO TEMPO DE EMPREGO .........................................................................125
6.6 QUANTO Á DENSIDADE POPULACIONAL..................................................................126
6.8 QUANTO À (IN)EFICÁCIA DA LEI DE COTAS ..............................................................127
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................129
REFERÊNCIAS.......................................................................................................132
14
APÊNDICE..............................................................................................................142
A) CONJUNTO DE NORMAS INTERNACIONAIS QUE DISPÕEM SOBRE AS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA..............................................................................................................142
B) CONJUNTO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL TRABALHISTA QUE DISPÕE SOBRE AS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA..............................................................................................................142
15
INTRODUÇÃO
O mundo contemporâneo vivencia a dilatação de violências oriundas
de intolerâncias e dogmatismos, além de que, constata-se estar envolto em misérias
e exclusão social, como consequência da indiferença, do ceticismo e do
individualismo.
Ressalta-se também que o conceito de libertação e inclusão social
está no pensamento crítico da realidade latino americana, que demanda uma ética
direcionada à parte mais carente e oprimida deste continente marcado por
contrastes.
Para tanto, demonstra-se que nem todas as éticas estão aptas para
detectar esta problemática e estu-la a contento. Assim, tem-se a ética da
libertação como a mais amadurecida para tratar acerca das soluções para o
problema ora apresentado.
Apresentam-se, pois, os elementossicos da trajetória reflexiva
das filosofias de libertação na América Latina nas últimas décadas, salientando os
aspectos de sua diversidade.
Por conseguinte, é pensando na vitimização e exclusão das pessoas
com deficiência na população brasileira que se desenvolve este trabalho. Verifica-se
por meio de dados coletados junto a Institutos Governamentais que esta classe não
tem sido integrada na sociedade de modo a atingir a isonomia material, quando
comparadas aos demais indivíduos.
Percebe-se que a obtenção da igualdade substancial das pessoas
com deficncia se perfectibiliza com a efetividade de uma justiça distributiva, na
medida em que estas recebem um tratamento desigual, com suprimento de suas
carências diversas e promão de políticas compensatórias. Dessa forma, a
problemática revela-se numa análise crítica que avalia se as oportunidades no
mercado de trabalho têm sido implementadas com eficácia.
Destarte, o objetivo é examinar a inclusão da pessoa com deficiência
no mercado de trabalho no Brasil, apontando a (in)eficácia de políticas
compensatórias como atitude de (des)respeito à dignidade da pessoa humana,
buscando referências no direito pátrio.
Ademais, pretende-se também apresentar o panorama histórico das
pessoas com deficiência e os desafios de promover a respectiva inclusão social;
16
avaliar a atual posição na sociedade das pessoas com deficiência sob a perspectiva
de teorias adstritas à Filosofia da Libertação; abordar a dignidade da pessoa
humana e o princípio da igualdade constitucional como elementos de inclusão;
defender que a dignidade da pessoa humana deve ser adotada enquanto valor-fonte
das relações humanas, principalmente das relações trabalhistas; demonstrar como
tem sido realizada a reserva de vagas de cargos e empregos para as pessoas com
deficiência tanto no serviço público, quanto na iniciativa privada; discorrer acerca da
Acessibilidade como mecanismo necessário para concretizar a proteção dos Direitos
Humanos; revelar, por meio de dados estatísticos, se as pessoas com deficiência
têm sido integradas de modo satisfatório no mercado de trabalho.
Para visualizar o panorama no qual as pessoas com deficiência
estão inseridas, em um primeiro momento, com viés histórico, constrói-se um esbo
desde a Pré-história até o era atual, demonstrando o preconceito com que esta
classe minoritária sempre foi estigmatizada.
A seguir, faz-se uma análise sobre a evolução da dignidade da
pessoa humana e a necessidade de valorizar o homem, enquanto indivíduo
considerado como pessoa, que este conceito se estabelece como princípio
orientador do constitucionalismo contemporâneo.
Constata-se que a humanidade está em contínuo processo de
reformulação de valores, principalmente quanto a questões atinentes à igualdade,
justiça e dignidade da pessoa humana, o que estabelece constantes adequações e
desenvolvimento do ordenamento jurídico pátrio, cuidando, inclusive, para que não
haja retrocesso social.
O contexto da globalização é caracterizado por mudanças contínuas
e aceleradas que traz novos desafios e demanda das organizações à gestão da
diversidade.
Para a consolidação da democracia, o filósofo Dussel proe que
haja a instrumentalizão de um procedimento em prol da coletividade,
fundamentado-se no princípio Liberte hic et nunc o oprimido! que se traduz em
Faça com que o excluído também participe!
1
Ocorre que a sociedade atual, predominantemente capitalista,
define como sujeito aquele que produz. Essa realidade é muitas vezes mais
1
DUSSEL, Enrique. Filosofia da Libertação: crítica à ideologia da exclusão. Trad. Georges I. Massiat.
São Paulo: Paulus, 1995, p. 117.
17
marcante e determinante para a pessoa com deficiência, na medida em que as
oportunidades de trabalho para este grupo são menores, quando comparadas com
as oportunidades disponibilizadas para a pessoa sem deficiência.
Deste modo, o icio da abertura do mercado de trabalho para esta
classe de indivíduos e, ainda, a dificuldade de seleção e manutenção de mão-de-
obra qualificada para o preenchimento das referidas vagas justifica os Capítulos aqui
desenvolvidos, englobando uma preocupação em aprofundar a história, os
conceitos, as divergências e as soluções buscadas.
18
1. O PANORAMA HISTÓRICO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Todo ser humano lida com o passado para situar-se em sua
identidade e no mundo em que vive. Assim, os estudos sobre o direito das pessoas
com deficiência estão em consonância com os fatos históricos, porquanto estes
revelam a evolução da sociedade e as consequentes edições de leis.
O contato com civilizações e grupos sociais que viveram em
espos e tempos diferentes do mundo contemporâneo, auxilia o homem atual a
compreender as mudanças no modo de vida da humanidade, am de abrir
horizontes de transformações na sociedade.
Quanto ao período Pré-hisrico, conclui-se que não se têm indícios
de como este grupo de humanos se comportava em relação às pessoas com
deficiência.
Neste período, as tribos preocupavam-se em zelar pela segurança e
manter a saúde de seus integrantes, visando a sobrevivência.
2
Entretanto, era praticamente impossível uma pessoa com deficiência
conseguir sobreviver nos grupos primitivos, uma vez que o ambiente era
desfavorável e essas pessoas representavam um fardo. Destarte, só os mais fortes
sobreviviam.
3
Na Idade Antiga, a qual se estendeu desde a invenção da escrita
(4000 a.C.) até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.), constata-se que
a deficiência tornava o indivíduo inferior, sendo entendida, em muitos casos, como
um castigo divino e, portanto, levava em si mesmo o estigma do pecado cometido
por ele, por seus pais, por seus avós ou por algum ancestral de sua tribo.
4
Assim, muitos enfermos e pessoas com deficiência eram mortas ou
abandonadas. Era comum o infanticídio das crianças que nasciam cegas ou mesmo
o abandono dos que haviam perdido a visão na idade adulta.
5
Acreditava-se que tais indivíduos eram possuídos por espíritos
malignos. Logo, o ato da sociedade em se relacionar com tais pessoas significava
2
SILVA, Otto Marques da. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem de
hoje. São Paulo: CEDAS, 1986, p. 69 et seq.
3
Ibid.
4
MECLOY, Enrique Pajon. Psicologia de la ceguera. Madrid: Editorial Fragua, 1974, p. 98.
5
AMARAL, Lígia Assumpçäo. Pensar a diferença: deficiência. Brasília: CORDE, 1994, p. 19.
19
manter contato com um espírito do mal.
6
Por conseguinte, uma das soluções era
promover a exclusão de tais indivíduos.
Impera ressaltar que algumas tribos nômades abandonavam as
pessoas com deficiências, mesmo sabendo do risco que estas teriam de se
confrontar com tribos inimigas ou com animais ferozes.
Dentre os povos hebreus, se o indivíduo fosse corcunda, cego ou
coxo, era considerado indigno. A crença era de que essa pessoa detinha poderes
demoníacos, cujos pecados expressavam-se pelos estigmas e sinais no corpo, os
quais confirmavam a presença dos maus espíritos.
7
Por outro lado, em que pese houvesse uma forte segregação em
detrimento ao respeito à condição de ser humano, a arte do Egito Antigo, tais quais
os afrescos, os papiros, os mulos e as múmias, revela que a pessoa com
deficiência estava presente e participando das diferentes classes sociais nesta
sociedade (escravos, agricultores, artesãos, nobres, faraós).
A obra intitulada “Estela votiva” da XIX Dinastia e originária de
Memphis, localizada no Museu Ny Carlsberg Glyptotek, em Copenhagen,
Dinamarca, retrata que a pessoa com deficiência sica exercia normalmente suas
atividades.
8
Platão, em sua “A República”, abordou o planejamento das cidades
gregas e propôs que as pessoas nascidas disformes” fossem descartadas. A
eliminação era por exposição, abandono em vasilhas de argila ou, ainda, lesionadas:
A República, Livro IV, 460 c - Pegarão então os filhos dos homens
superiores, e levá-los-ão para o aprisco, para junto de amas que moram à
parte num bairro da cidade; os dos homens inferiores, e qualquer dos outros
que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e oculto, como
convém.
9
Neste sentido, Aristóteles em sua obra “A Política” comunga:
A Política, Livro VII, Capítulo XIV, 1335 b Quanto a rejeitar ou criar os
recém-nascidos, terá de haver uma lei segundo a qual nenhuma criança
disforme será criada; com vistas a evitar o excesso de crianças, se os
costumes das cidades impedem o abandono de recém-nascidos deve haver
um dispositivo legal limitando a procriação se alguém tiver um filho
6
MECLOY, op. cit., p. 98.
7
BRUNS, Maria Alves de Toledo. Deficiência visual e educação sexual: a trajetória dos preconceitos
– ontem e hoje. Revista Benjamin Constant, Ano 3, Rio de Janeiro: IBCENTRO/MEC, 1997, p. 09/16.
8
SILVA, 1986, op. cit., p. 72.
9
GUGEL, Maria Aparecida. Pessoas com deficiência e o direito ao trabalho. Florianópolis: Obra
jurídica, 2007, p. 63 et seq.
20
contrariamente a tal dispositivo, deverá ser provocado o aborto antes que
comecem as sensões e a vida (a legalidade ou ilegalidade do aborto será
definida pelo critério de haver ou não sensação de vida).
10
Em Esparta, os pais tinham a obrigação de apresentar seus filhos
aos magistrados. As crianças com deficiências eram consideradas subumanas, o
que legitimava a eliminação ou o abandono. Tais atitudes eram coerentes com os
objetivos atléticos que serviam de base à organização da sociedade espartana.
11
Neste diapasão, as leis romanas não eram favoráveis às pessoas
nascidas com deficiência. Aos pais era permitido matar as crianças que nascessem
com deformidades físicas, de imediato ou pela prática do afogamento. É o que se
verifica na Lei das XII Tábuas consoante aduz Cícero (106 a 43 a.C.), na obra "De
Legibus":
Tábua IV - Sobre o Direito do Pai e do Casamento. - Lei III - O pai de
imediato matará o filho monstruoso e contra a forma do gênero humano,
que lhe tenha nascido recentemente. ("Tabula IV - De Jure Patrio et Jure
Connubii. Lex III - Pater filium monstrosum et contra formam generis
humanae, recens sibi natum, cito necato").
12
Sêneca (4 a.C. a 65 d.C.), na obra "De Ira", relata:
Eliminai, então, do número dos vivos a todo o culpado que ultrapasse os
limites dos demais, terminai com seus crimes do único modo viável... mas
fazei-o sem ódio"... ..."Não se sente ira contra um membro gangrenado que
se manda amputar; não o cortamos por ressentimento, pois, trata-se de um
rigor salutar. Matam-se os cães que estão com raiva; exterminam-se touros
bravios; cortam-se as cabeças das ovelhas enfermas para que as demais
não sejam contaminadas. Matamos os fetos e os recém-nascidos
monstruosos. Se nascerem defeituosos ou monstruosos, afogamo-los. Não
é devido ao ódio, mas à razão, para distinguirmos as coisas inúteis das
saudáveis. (...portentosos fetus extinguimus, líberos quoque; si debilis
monstrosique editi sunt, mergimus; nec ira, sed ratio est, a sanis inutilia
secernere).
13
No entanto, aqueles que conseguiam sobreviver eram explorados
nas cidades por “esmoladores” ou passavam a fazer parte de circos para o
entretenimento do público. Adolescentes cegas eram colocadas em prostíbulos, e
além disso, "existia em Roma um mercado especial para compra e venda de
10
GUGEL, op. cit., p. 63 et seq.
11
SILVA, 1986, op. cit., p. 98.
12
Ibid., p. 128.
13
SILVA, 1986, op. cit., p. 98.
21
homens sem pernas ou sem braços, de três olhos, gigantes, anões e
hermafroditas".
14
O Cristianismo, que nasceu no apogeu do Império Romano,
propunha a caridade e o amor entre as pessoas e atraiu principalmente os setores
explorados, oprimidos e marginalizados. Nesta nova realidade, houve o combate,
dentre outras práticas, da eliminação dos filhos nascidos com deficiência.
A visão de homem deu enfoque à valorizão enquanto um ser
individual e criado por Deus. Os deficientes passaram a ser criaturas de Deus, com
destino imortal e merecedores de cuidados, (...) “a alma não é manchada por
deformidades no corpo (...) uma grande alma pode ser encontrada num corpo
pequeno e disforme”.
15
EVANGELHO – Jo 9, 1-4: Naquele tempo, Jesus encontrou no seu caminho
um cego de nascença. Os discípulos perguntaram-Lhe: “Mestre, quem é
que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?” Jesus respondeu-
lhes: “Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas
aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus”. [...] Dito
isto, cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do
cego. Depois disse-lhe: “Vai lavar-te à piscina de Siloé”; Ele foi, lavou-se e
voltou a enxergar (...).
16
Nota-se, por meio deste texto bíblico a dissociação da figura da
pessoa com deficiência e do pecador, na medida em que se revela que ser
deficiente não se relacionava com eventuais falhas espirituais do indivíduo, e nem
de seus ancestrais.
Com o transcorrer da história, embora os cristãos tenham sido
perseguidos, foi neste período que surgiram os primeiros hospitais de caridade que
abrigavam indigentes e pessoas consideradas disformes.
Com o fortalecimento do Cristianismo, a pessoa humana elevou-se à
categoria de valor absoluto e todos os homens, sem exceção, passaram a ser
considerados filhos de Deus.
17
Então, que nesta nova condição a pessoa com deficiência era
carecedora de cuidados, a solução dos crisos para as indagações acerca das
providências a serem tomadas consistia em duas atitudes. A primeira era o
14
Ibid., p. 130.
15
Ibid., p. 150.
16
JOÃO. In A Bíblia: tradução Ecumênica. São Paulo: Paulinas, 2002.
17
FRANCO, João Roberto; DIAS, Tárcia Regina da Silveira. Inclusão social, a pessoa com deficiência
visual no processo histórico: um breve percurso. Revista Instituto Benjamin Constant, Ano 11, número
30, abril/2005, p. 03/09.
22
confinamento, de tal modo que segregá-las era um gesto de caridade pelo qual se
garantia teto e alimentação; não obstante, as paredes escondiam e isolavam aquele
ser considerado inútil. A segunda atitude se constituía na caridade como castigo,
pois era o meio de salvar, do demônio, a alma do cristão, e livrar a sociedade das
condutas anti-sociais da pessoa com deficiência.
18
Quanto à Idade Média, a população julgava que o nascimento de
pessoas com deficiência era castigo de Deus. Já os supersticiosos vislumbravam
nestes indivíduos poderes especiais de bruxaria ou feitiçaria.
19
Em 1260, surgiu o primeiro centro exclusivamente para cegos
denominado Quinze-Vingts, cuja criação é atribuída a Luis IX de França (1214-
1270). O objetivo era atender 300 soldados franceses que tiveram os olhos
arrancados pelos sarracenos durante as Cruzadas.
20
A Inquisição, malgrado seja escassa a documentação disponível que
fundamente acusação tamanha, sacrificou pessoas com deficiência sob a alegação
de que eram hereges ou endemoniadas.
21
Em entendimento similar, a Reforma
Luterana, no que tange às pessoas com deficiências, “não permite que se trate sem
castigo quem é objeto eletivo da lera justiceira e justa de Deus ou, pior ainda,
presa de Satanás.”
22
Acompanhando a evolução histórica, vê-se que no período da Idade
Moderna, um ponto marcante aconteceu no interscio de 1501 a 1576, quando o
médico e matemático Gerolamo Cardomo desenvolveu um código para ensinar as
pessoas surdas a ler e a escrever, o que influenciou o monge beneditino Pedro
Ponce de Leon (1520-1584) a criar um método de educação para pessoa com
deficiência auditiva, por meio de sinais.
23
Em 1655, na Alemanha, Stephen Farfler, paraplégico, projetou a
primeira cadeira de rodas.
24
18
PESSOTTI, Isaías. Deficiência mental: da superstição à ciência. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1984, p. 12.
19
SILVA, 1986, op.cit., p. 131.
20
Ibid., p. 135.
21
Ibid.
22
PESSOTTI, op. cit., p. 17/18.
23
GUGEL, Maria Aparecida. A pessoa com deficiência e sua relação histórica com a humanidade.
Disponível em <http://www.ampid.org.br/Artigos/PD_Historia.php.> Acesso em 10 de mar. 2010.
24
Ibid.
23
Durante os séculos XVII, XVIII e XIX, houve significativo progresso
no atendimento às pessoas com deficiência. Havia assistência em ortopedia para os
mutilados das guerras e para as pessoas surdas e cegas.
Em 1717, no Brasil, a Santa Casa de Misericórdia passou a acolher
criaas abandonadas com a idade de sete anos. Apesar disso, relatos que
muitas crianças eram abandonadas em lugares repletos de animais, onde acabavam
sendo mutiladas ou até mesmo mortas.
Neste sentido, leciona Jannuzzi: “(...) atos desumanos de se
abandonar às crianças pelas ruas, onde eram comidas por cães, mortas de frio,
fome e sede”.
25
Na França, em anos posteriores, Napoleão Bonaparte, determinava
a seus generais que reabilitassem os soldados feridos e mutilados para que
continuassem a servir o exército em outros ofícios, tais quais o trabalho em
manutenção dos equipamentos de guerra, selaria, limpeza dos animais e
armazenamento dos alimentos.
Em 1819, Charles Barbier, capitão do exército francês, a pedido de
Bonaparte, desenvolveu um código composto de doze pontos em relevo, cujas
combinações formavam os símbolos fonéticos, para ser usado em mensagens
transmitidas à noite durante as batalhas. O sistema foi rejeitado pelos militares que o
consideraram muito complicado.
26
Contudo, Barbier apresentou o seu invento ao Instituto Nacional dos
Jovens Cegos de Paris, e o aluno Louis Braille, interessado, o aperfeiçoou e criou o
sistema de escrita padrão BRAILLE usado por pessoas com deficiência visual
até os dias de hoje.
27
No Brasil, por meio do Decreto Imperial nº. 1.428, de 12 de
Setembro de 1854, o Imperador Dom Pedro II (1840-1889), criou o Instituto dos
Meninos Cegos (atualmente Instituto Benjamin Constant). Dando continuidade aos
trabalhos, em 1857, foi fundado o Instituto de Surdos Mudos (atualmente Instituto
Nacional de Educação de Surdos – INES).
28
25
JANNUZZI, Gilberta de Martino. A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do
século XXI. Campinas/São Paulo: Autores Associados, 2004, p. 8/9.
26
GUGEL, op.cit., acesso em 10 de mar. 2010.
27
Ibid.
28
GUGEL, op.cit., acesso em 10 de mar. 2010.
24
Na Alemanha, em 1884, o chanceler Otto Von Bismark, instaurou a
lei que obrigava a reabilitação e readaptação no trabalho dos soldados feridos e
mutilados em guerras, o que gradativamente influenciou as demais nações.
29
No início do Século XX, na Europa, surgiram discussões sobre a
eugenia, teoria proposta pelo inglês Francis Galton (no final do Século XIX), que se
utilizava de elementos darwinistas para defender o argumento de que a ra
humana encontrava-se em constante evolução biológica, e que a miséria era fruto
da incapacidade de espíritos e corpos inferiores em se adaptar às novas
condições de evolução da espécie.
30
Dessa maneira, os seres tidos por fracos ou
com alguma deficiência eram alvo de extermínio social, de forma gradativa, diante
das próprias condições e demandas sociais.
Consoante a doutrina
31
, entre os anos de 1902 a 1912, houve
avanços significativos no que pertine à valorização da pessoa com deficiência,
mormente em relão ao desenvolvimento de ajudas técnicas.
Por exemplo, nos Estados Unidos, em 1907, houve a Primeira
Conferência da Casa Branca sobre os Cuidados de Crianças Deficientes e, na
cidade de Boston, foram organizadas as primeiras turmas de trabalho protegido para
pessoas com deficiência nas empresas.
Na Alemanha, nos anos seguintes, foi realizado o primeiro censo
demográfico de pessoas com deficiência, com o objetivo de organizar o Estado para
melhor atender esta classe de indivíduos.
Após a Primeira Grande Guerra, a sociedade civil escandinava
também organizou-se para efetivar mecanismos de reabilitação das pessoas com
deficiência.
Franklin Delano Roosevelt, 32º Presidente dos Estados Unidos, que
era paraplégico, contribuiu para o surgimento de uma nova visão da sociedade
americana e mundial, qual seja, de que a pessoa com deficiência, com boas
condições de reabilitação, podia ter independência pessoal.
Outras organizações e avanços se seguiram ao longo do Século XX.
São criadas instituições especializadas no atendimento das deficiências e
29
Ibid.
30
FREITAS, Maria Nivalda de Carvalho; MARQUES. Concepções de deficiência: as formas de ver a
deficiência e suas consequências no trabalho In: Trabalho e pessoas com deficiência - pesquisas,
práticas e instrumentos de diagnóstico. Curitiba: Juruá, 2009. p. 240.
31
GUGEL, op.cit., acesso em 10 de mar. 2010.
25
implantados programas de reabilitação, bem como Organizações
Intergovernamentais, como a OIT (Organização Internacional do Trabalho) em 1919,
a ONU (Organização das Nações Unidas) e a Unesco (Organizão das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 1945, a OMS (Organização
Mundial da Saúde) em 1948, que passam a apoiar a equiparação de oportunidades
para as pessoas com deficiência e a criar um intercâmbio de conhecimentos sobre a
deficiência.
32
Até a década de 1950, as questões relacionadas à saúde, à doença
e à deficiência não eram consideradas objetos de estudo da Sociologia. Somente
em 1951, com Parsons, é que tais questões foram consideradas problemas válidos
para a Sociologia, com o estudo sobre a moderna medicina prática, em que a
doença ou deficiência passa a ser considerada como um estado social e a
autoridade médica como um sistema de controle social, visando na reabilitação
um instrumento necessário à aproximação com a normalidade.
33
Com o transcorrer dos anos, houve o aperfeiçoamento da cadeira de
rodas e, em 1952, na Inglaterra, aconteceu a primeira competição entre cadeirantes.
Em 1960, em Roma, realizaram-se os primeiros Jogos Para-
olímpicos.
Durante a cada de 1970, no Brasil, estruturaram-se leis e
programas de atendimento educacional que favoreceram a inclusão das pessoas
com deficiência na escola e no mercado de trabalho.
34
Em 1990 e 1994, com a respectiva realização da Conferência
Mundial de Educação para Todos e com a Declaração de Salamanca de Princípios,
Política e Prática para as Necessidades Educativas Especiais, passou a vigorar a
"era da inclusão" em que as exigências não se referem apenas ao direito da pessoa
com deficiência à integração social, mas, também, ao dever da sociedade de se
adaptar às diferenças individuais.
35
Finalmente, com o advento do século XXI, cada vez mais se percebe
a pressão dos ideais de beleza impostos pela indústria cosmética e cirúrgica, pela
moda, pela mídia e, inclusive pela educação sica. A busca pelo
32
FREITAS; MARQUES, op.cit., p. 243 et seq.
33
Ibid., p. 253.
34
SANTOS, Mônica Pereira dos. Perspectiva histórica do movimento integracionista na Europa.
Revista Brasileira de Educação Especial, Piracicaba: UNIMEP, 1995, p. 21-29.
35
SASSAKI, Romeu Kazumi. Entrevista. Revista Integração, vol. 20. Brasília: SEESP/MEC, 1998, p.
08/10.
26
corpo perfeito tornou-se uma obsessão de todo o mundo, o que vitimiza e exclui os
indivíduos com deficiência, do convívio social.
Constata-se, por conseguinte, que muitas pessoas têm buscado
formas de transformar o físico, para tentar atingir a perfeição, de acordo com os
padrões de beleza impostos pela contemporaneidade. Logo, ser pessoa com
deficiência não mais esvinculado à figura do pecado como a história apregoava,
mas, ao sentimento de inutilidade do corpo consoante os padrões acima descritos.
A doutrina da área de Educação Física esclarece que essa
intensificação do culto à estética traz danos notórios para a sociedade:
Doenças como anorexia, bulimia e vigorexia (transtorno caracterizado pela
prática de exercícios sicos em excesso) tomaram um vulto assustador.
Muitos colocam suas vidas em risco, consumindo remédios para emagrecer
e anabolizantes ou até mesmo fazendo cirurgias desnecessárias.
36
Sob o enfoque da psicologia, -se que o exagero da valorização à
“boa aparência” fortalece a concepção de corpo-objeto.
37
Os indivíduos, na sociedade atual, vislumbram o corpo como uma
coisa útil e moldável conforme padrões estéticos criados e alimentados por
indústrias que constantemente pressionam as diversas classes sociais. Logo, o
físico, os sentidos e a alma são massificados por conta dessa ditadura de
idealização da beleza.
38
Ressalta-se, também, a questão do “corpo significado, que
representa a aceitação do indivíduo nos grupos sociais e sua interação ou mesmo
exclusão:
(...) as questões da imagem corporal têm representado a aceitação ou não
do indivíduo em todas as esferas (social, cultural, política e econômica) da
sua interação, seja no trabalho ou nas relações pessoais, podendo o corpo
tornar-se inclusive fator de discriminação e exclusão social, caso o indivíduo
estiver fora dos limites estabelecidos pelos padrões vigentes em nossa
sociedade.
O corpo tornou-se um símbolo dentro da sociedade que o considerará
aceitável, ou não, conforme a cultura daquela estrutura social. O indivíduo é
36
FIRACE, Renata. A sociedade do culto ao corpo perfeito. Revista Espaço e Cidadania. São Paulo:
Metodista, nº. 59. Dispovel em <http://www.metodista.br/cidadania/numero-59/a-sociedade-do-culto-
ao-corpo-perfeito/> Acesso em 15 jun. 2010.
37
SILVEIRA, Fernando A. Corpos sonhados vividos: a questão do corpo em Foucault e Merleau-
Ponty. Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto / USP.
Departamento de Psicologia e Educação, p. 126 passim.
38
Ibid.
27
visto através de uma lente cultural. uma idealização da imagem corporal
como padrão que deverá ser seguido.
39
Assim, denota-se que a imagem é o resultado de uma experiência
vivida e midiatizada. A estética, a cosmética, o perfume, a produção ou, em suma, o
espetáculo proporcionado é o que define os fenômenos e os seres. Deste modo, a
existência e a presença nos grupos sociais justificam-se na medida em que se
valoriza a figura do “eu” coisificado.
40
Ademais, os corpos devem também ser dóceis, úteis e disciplinados
para o trabalho, como leciona Foucault, para que assim se justifique a razão do “ser”
humano:
Não é a primeira vez, certamente, que o corpo é objeto de investimentos tão
imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no
interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições
ou obrigações. Muitas coisas entretanto são novas nessas técnicas. A
escala, em primeiro lugar, do controle: não se trata de cuidar do corpo, em
massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável mas de
trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga,
de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica movimentos, gestos atitude,
rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo, O objeto, em seguida, do
controle: não, ou não mais, os elementos significativos do comportamento
ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos movimentos, sua
organização interna; a coação se faz mais sobre as forças que sobre os
sinais; a única cerimônia que realmente importa é a do exercício. A
modalidade enfim: implica numa coerção ininterrupta, constante, que vela
sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce
de acordo com uma codificação que esquadrinha ao ximo o tempo, o
espaço, os movimentos. Esses métodos que permitem o controle minucioso
das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças
e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos
chamar as “disciplinas”.
41
Por conseguinte, tendo em vista que, hodiernamente, a imagem vale
mais que o fato, e a aparência passa a dizer o que se quer, e o que se é
42
, numa
sociedade massificada pela transformão do corpo em objeto que ostenta padrões
de beleza pré-estabelecidos, e que ao mesmo tempo seja útil socialmente, as
pessoas com deficiência acabam por ser relegadas à margem da convivência diante
da “inutilidade” de seus corpos.
39
FLORENTINO, José; Florentino, tima Rejane Ayres. Corpo objeto: um olhar das ciências sociais
sobre o corpo na contemporaneidade. Revista Digital. Buenos Aires - Año 12 - 113 - Octubre de
2007. Disponível em <http://www.efdeportes.com/efd113/o-corpo-na-contemporaneidade.htm>
Acesso em 15 jun. 2010.
40
SIBILIA, Paula. O homem pós-orgânico – Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de
Janeiro: Relume-Dumará, 2002. p. 43 passim.
41
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes,1996, 13. ed., p. 117.
42
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio
de Janeiro: Contraponto, 1997. p. 13.
28
1.1 A EVOLUÇÃO TERMINOLÓGICA E O CONCEITO DE DEFICIENTE PARA O DIREITO DO
TRABALHO
Inúmeros cartazes, anúncios, placas e sinalizões utilizam-se de
expressões equivocadas ao tratar sobre as pessoas com deficiência. Muitos
cidadãos ainda questionam: “Qual é o termo correto a ser utilizado portador de
deficiência, pessoa portadora de deficiência, portador de necessidades especiais,
pessoas especiais, pessoas excepcionais?”
No Brasil, no final da década de 50, foi fundada a Associação de
Assistência à Criança Defeituosa AACD (hoje denominada Associação de
Assistência à Criança Deficiente). Ainda naquele período, surgiram as primeiras
unidades da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE.
Posteriormente, surgiu o termo “inválido” no Decreto Federal
nº.60.501 de 14/3/67 “A reabilitação profissional visa a proporcionar aos
beneficiários inválidos...”; o Diário Popular, de 21/4/76 “Inválidos insatisfeitos com lei
relativa aos ambulantes”; Folha de S. Paulo, 20/7/82 “Servidor inválido pode voltar”;
Isto É, 7/7/99 “Os cegos e o inválido”.
43
Ademais, outras palavras de conotação negativa eram
frequentemente usadas para qualificar as pessoas com deficiência, tais como:
aleijado, retardado, débil mental, imbecil, dentre outros.
Por óbvio, esta e outras expressões, ao relacioná-las com a
modernidade, denotam evidentes rompimentos com princípio da igualdade formal e
material e violam a dignidade da pessoa humana na medida em que utilizam termos
que segregam e diminuem os valores dos indivíduos com deficiência.
A ONU intitulou o ano de 1981 como “Ano Internacional das Pessoas
Deficientes”. Percebe-se que foi atribuído o valor “pessoas àqueles que tinham
deficiência, igualando-os em direitos e dignidade à maioria dos membros de
qualquer sociedade ou ps. E, então, o portar uma deficiência” passou a ser um
valor agregado à pessoa, e o termo “pessoa portadora de deficiência” foi adotado
em toda legislação pertinente, inclusive na Constituição Federal Brasileira de 1988.
43
Id. Como chamar os que têm deficiência? Disponível em <http://www.mid.org.br/index.php/o-
mid/51-como-chamar-os-que-tem-deficiencia> Acesso em 02 fev. 2010.
29
Todavia, surgiram acirradas críticas. Eis que o termo “portadores”
fazia alusão a “carregadores”, pessoas que “portam” (levam) uma deficiência, em um
sentido pejorativo, já que o foco acabou sendo centralizado na expressão “portador”.
A doutrina, então, visando à humanização da nomenclatura, sugeriu
a substituição de termos, retirando a palavra portador” e interrompendo o uso da
expressão “necessidade especial”:
O melhor seria o com”: pessoa com deficiência, assim também o termo
deficiência não deve ser substituído por necessidade especial, pois a
palavra deficiência não deve gerar reflexo negativo. (...) Especialmente
quando se refere a seres humanos. (...) a deficiência não deve ser traduzida
como imperfeição ou defeito, que não existe perfeão ou ausência total
de defeitos em qualquer ser humano, ou seja, não se pode dizer que
pessoas sem deficiência são pessoas perfeitas.
44
Na década de 1990, surgiram expressões como “crianças especiais”,
“alunos especiais”, pessoas especiais”, numa tentativa de amenizar o contexto da
palavra “deficientes”.
Entretanto, após análises de especialistas, entendeu-se que o termo
“direitos especiais” era contraditório, porque as pessoas com deficiência demandava
equiparação de direitos e não propriamente direitos especiais.
Diante do exposto, no maior evento temático organizado pelas
pessoas com deficiência, denominado “Encontrão”, realizado no Recife no ano 2000,
após inúmeras discussões, foi solicitado que a sociedade passasse a adotar a
expressão pessoas com deficiência em detrimento a quaisquer outras formas de
denominações.
Em 2006, a questão foi pacificada mundialmente por meio da
Conveão Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das
Pessoas com Deficiência. Ficou definido o termo a ser adotado: “pessoas com
deficiência” em todos os idiomas, seja em expressões orais ou escritas.
Quanto ao conceito, no âmbito laboral, o OIT por meio da
Conveão 159/83, ratificada pelo Brasil com o advento do Decreto Legislativo nº.
51/89, prevê do seguinte modo:
Art. 11 Para efeitos da presente Convenção, entende-se por “pessoa
deficiente” todo indivíduo cujas possibilidades de obter e conservar um
44
FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Direito das pessoas com deficiência: garantia de
igualdade na diversidade. Rio de Janeiro: WVA, 2004, p. 22.
30
emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente
reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente
reconhecida.
A Lei 7.853/89, regulamentada pelo Decreto 914/93, instituiu a
Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, e a definiu
como:
Art. 3 – (...) Aquela que apresenta, em caráter permanente, perda ou
anormalidade de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou
anatômica, que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro
do padrão considerado normal para o ser humano. Excluem-se desta
consideração pessoas com pequenas limitações físicas ou sensoriais, assim
como: pequenas dificuldades ortopédicas, entre outros.
Observa-se que uma generalidade na definição supra-transcrita,
eis que vincula tanto a deficiência como a incapacidade como expressões
sinônimas.
Contudo, a referida lei restou regulamentada pelo Decreto nº.
3.298/99, que adotou a conceituação da Organização Mundial de Saúde (OMS),
estabelecendo um conceito para deficiência e outro para incapacidade.
O art. 3º considera deficiência como:
(...) toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica,
fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de
atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.
E incapacidade é tida como:
(...) uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social,
com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos
especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou
transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao
desempenho de função ou atividade a ser exercida.
No Brasil, no que tange à organização da Assistência Social, a Lei
8.742/93, em seu art. 20, § 2º, preceitua que “(...) a pessoa portadora de deficiência
é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho”.
Por sua vez, a Sociologia Médica considera a deficiência como
resultado de uma perda ou anormalidade biológica associada à doença, à patologia
ativa, aos problemas genéticos e aos acidentes ou trauma. Nada obstante, não se
nega que algumas restrições vão além de tais considerações e tenham
31
causas estritamente culturais, posto que, deste modo, critica o modelo social da
deficiência como inútil.
45
Ao perscrutar a jurisprudência pátria, verifica-se que a pessoa com
deficiência, no que se refere à assistência social, tem sido conceituada conforme o
disposto no retrocitado § 2º do art. 20 da Lei nº. 8.742/93. Neste sentido, o Tribunal
Regional Federal da Região, no Agravo de Instrumento nº. 2002.04.01.005025-2
apoiou-se:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, adotando o
conceito de pessoa portadora de deficiência contido no § 2º do art. 20 da Lei
n.º 8.742/93, de que “é aquela incapacitada para a vida independente e para
o trabalho (...). Participaram do julgamento o Desembargador Federal
Paulo Afonso Brum Vaz e a Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa. (TRF4,
AI 2002.04.01.005025-2, Antônio Albino Ramos de Oliveira, T., Sessão
do dia 16.05.02, Informativo TRF4 118.)
Quanto ao conceito de deficiência em seu sentido literal, o Superior
Tribunal de Justiça tem posto em prática, em tom uníssono, à Política Nacional de
Integração das Pessoas com Deficiência prevista no Decreto nº. 3.298/99. Esta foi a
decisão do Processo nº. 22.489, sob a relatoria da Ministra Laurita Vaz, da
Turma:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO COM VISÃO
MONOCULAR. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. INCLUSÃO NO
BENEFÍCIO DE RESERVA DE VAGA.
1. O candidato portador de visão monocular, enquadra-se no conceito de
deficiência que o benefício de reserva de vagas tenta compensar. Exegese
do art. c.c. art. do Decreto n 3.298/99, que dispõe sobre a Política
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
Precedentes desta Quinta Turma. 2. Recurso conhecido e provido.
Processo RMS 22489 / DF RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA 2006/0176423-8 Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120)
Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 28/11/2006 Data
da Publicação/Fonte DJ 18/12/2006 p. 414
Deste modo, ressalta-se que existem na história diversos termos,
definições e discussões para se aquilatar a maneira mais adequada de alcançar a
humanização da nomenclatura direcionada às pessoas com deficiência, e pode-se
constatar que tem havido um balizamento conceitual entre a doutrina e a
jurisprudência para que, tamm por meio da uniformidade de conceitos, se
concretize a inclusão como ferramenta de justiça social.
45
FREITAS; MARQUES. op cit., p. 256.
32
No Capítulo a seguir serão abordadas as concepções filosóficas
atinentes à inclusão social, voltadas para a realidade latino-americana. A história
demonstra que a filosofia da libertação é a mais adequada para lidar com o tema
proposto, haja vista a estigmatização, à qual, as pessoas com deficiência sempre
estiveram submetidas.
33
2. AS CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS LATINO AMERICANAS SOBRE A
INCLUSÃO SOCIAL
De acordo com os marcos históricos apresentados pelo presente
trabalho, conclui-se que a pessoa com deficiência sempre foi estigmatizada, pois
desde o período Pré-Histórico houve a segregação do convívio social. Diversas
políticas e diretrizes humanitárias surgiram com o avançar dos séculos,
consequências também advindas das teorias filosóficas que valorizaram as
diferenças.
Para se entender a diferença, pressupõe-se a existência de padrões
normativos e, a partir destes, delineiam-se os preceitos que serão aceitos por
determinadas sociedades.
Arendt, ao lecionar sobre o tema, apregoa que a questão da
diversidade é estudada por meio do estabelecimento de um padrão normativo em
que se aponta o certo e o errado, na proporção da inclusão nos grupos de pessoas
com determinados atributos de normalidade, sendo que grupos de pessoas sem tais
atributos, por conseguinte, têm suas vidas restringidas.
46
A valorizão da diversidade deve ser a base estrutural de qualquer
tentativa de reflexão acerca de uma sociedade inclusiva.
47
No caso das pessoas com deficiência, a diferenciação entre padrão
certo e errado, associada à discriminação, pode ser concebida segundo os preceitos
de estigma, ou seja sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma
coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava”.
48
A estigmatização, portanto, é um conceito vinculado a atributos tidos
como depreciativos em uma pessoa.
49
Tal ato gera a exclusão e, em contrapartida, a
sua superação deflagra a inclusão.
46
ARENDT, Hannah. A condição humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2007, p.
20/25.
47
RIBEIRO, Marcelo Afonso; RIBEIRO, Flávio. Gestão organizacional da diversidade: estudo de caso
de um programa de inclusão de pessoas com deficiência. In: FREITAS, Maria Nivalda de Carvalho;
MARQUES, Antônio Luiz (Org.). Trabalho e pessoas com deficiência - pesquisas, práticas e
instrumentos de diagnóstico. Curitiba: Juruá, 2009, p. 125.
48
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed.
São Paulo: Jorge Zahar, 1989, p. 11.
49
Ibid.
34
Ao aprofundar o estudo da doutrina especializada, quanto à
inclusão, Sassaki leciona que são quatro as fases que a compõem: a exclusão, a
segregação, a integração e, por último, a inclusão propriamente dita.
50
A fase da exclusão corresponde a um período em que as pessoas
com deficiência eram alijadas totalmente, rotuladas como demônios e isoladas do
convívio social.
Na fase da segregação, passaram a ser atendidas em grandes
instituições, porém, separadas do convívio social, ou seja, alocadas em manicômios,
asilos, escolas especializadas e centros de reabilitação.
A terceira, denominada integração, é o período em que as crianças e
jovens com deficiência, mais aptos, eram encaminhados às escolas comuns para
tentar acompanhar as aulas.
Na última fase, surge a empresa inclusiva na preteno de
proporcionar condições necessárias e suficientes para o desempenho profissional
daqueles trabalhadores que têm necessidades especiais diversificadas.
Em verdade, enquanto houver as concepções retro apresentadas,
que almejam a efetivação de mecanismos que promovam a convivência
democrática, um problema ético está implícito na história da América Latina e advém
de uma interdisciplinaridade de conflitos que resulta no deflagramento de vítimas e
se reflete na exclusão de classes minoritárias, tais como o pobre, o assalariado, os
idosos, as pessoas com deficiências, dentre outras.
2.1 A ABORDAGEM DUSSELIANA DOS DISCURSOS FUNCIONAIS E CRÍTICOS AO SISTEMA DE
EXCLUSÃO
O filósofo Dussel, marcado pelas influências de Heidegger, vinas
e Ricoeur, explora a temática por meio de sua obra intitulada Ética da Libertação, na
qual apresenta a necessidade de superação da ordem aplicada, ou seja, objetiva o
rompimento com o modelo eurocêntrico, para que uma nova conjuntura seja
50
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão. Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro:
WVA, 1997, p. 16 et seq.
35
instituída e haja a possibilidade de inclusão das minorias consubstanciada na
realidade latino-americana de países subdesenvolvidos.
51
A Libertação pode ser entendida sob diversos aspectos que é
repleta de sentidos, assim como aduz Boff:
Libertação: palavra evocadora, cheia de ressonâncias. Nela se fundem em
se confundir os horizontes do espiritual e do político, do histórico e do meta-
histórico. Palavra aberta, pois, para cima para a Transcendência divina
e palavra aberta para baixo para a imanência da terra. Palavra alada e
grave ao mesmo tempo.
52
Para a consumação dessa ruptura, o “Outro”, tamm chamado de
alter, representado por uma parte significativa da humanidade, encontrada na
América Latina, Ásia e África, onde eso os verdadeiramente excluídos, exerce
função proeminente, que a necessidade de viabilizar essa “libertação” somente
ocorre com o reconhecimento da pessoa considerada enquanto pessoa.
53
A dignidade do Outro” – daqueles que são considerados como
Totalidade, porém estão em locos periféricos deve transcender a condição
particularizada da diferença e romper com o paradigma vigente na sociedade
brasileira, dentre outros países subdesenvolvidos.
Ao considerar a condição humana de um ser diferenciado de todos
os demais seres da natureza, porque é o único dotado de liberdade, inteligência e
vontade, esta diferença nos faz dignos” da condição humana.”
54
Ademais, cumpre ressalvar acerca da extensão do princípio
constitucional da dignidade humana, que apresenta um sentido de ambiguidade e
vagueza da expressão, pois se deduz que este discurso legal, socioideologicamente
construído, detém lacunas do que deva ser entendido como “dignidade da pessoa
humana”.
55
51
DUSSEL, Enrique. Ética da libertação na idade da globalização e da exclusão. Trad. Ephraim
Ferreira Alves, Jaime A. Clasen, Lúcia M. E. Orth. Petrópolis: Editora Vozes, 2002, p. 89/299.
52
BOFF, Leonardo; BOFF, Clodovis. Como fazer teologia da libertação. ed. Petrópolis: Vozes,
2001, p. 146.
53
Ibid., p. 530 et seq.
54
SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Os direitos naturais do homem e da falia. Venezuela: Notas y
Documentos, Jan/Dez 2002, p. 179.
55
LOWENTHAL, Anamaria Valiengo. Exame da expressão “a dignidade humana sob o ângulo de
uma semiótica jurídica. In: POZZOLI, Lafayette; SOUZA, Carlos Aurélio Mota de (Org.). Ensaios em
homenagem a Franco Montoro: humanista e político. São Paulo: Loyola, 2001, p. 333.
36
Porém, diante da análise do critério de dignidade, para certo número
de pessoas, de certa localidade, podem-se pontuar contornos e visualizar
determinadas condições de libertação do excluído, que não atingiria a Totalidade,
tornando o princípio ineficiente, mormente pela ausência de proteção dos indivíduos
alvos da exclusão, tais quais as pessoas com deficiência.
56
Sugere Dussel que a filosofia latino-americana deve adotar a ética
que se formula a partir do envolvimento com as perspectivas demonstradas pela
figura do Outro, e preconiza:
Na passagem diacrônica, desde o ouvir a palavra do Outro até a adequada
interpretação (e a filosofia não é senão saber pensar reduplicativamente
essa palavra injetando-lhe nova mobilidade desde a consciência crítica do
mesmo filósofo), pode ver-se que o momento ético é essencial ao método.
Somente pelo compromisso existencial, pela práxis libertadora do risco, por
um fazer próprio, discipularmente, o mundo do Outro, pode ter-se acesso à
interpretação, conceituação e verificação de sua revelação.
57
Com efeito, o marco inicial da Ética da Libertação não pode ser
condensado ao estudo ontológico sob o enfoque da classe dominante. Para
Sidekum, o ponto de partida é o estudo do Outro submetido à dominação:
(...) marco inicial (...) acontece mais-além da ontologia, do mundo e do ser
vigente ou do dominador ou da comunidade de comunicão hegemônica.
O ponto de partida é o Outro, mas não simplesmente como outra “pessoa-
igual” na comunidade argumentativa, mas ética e inevitavelmente
(apoditicamente) desde o Outro em algum aspecto dominado (principium
oppressionis) e afetado-excluído (principium exclusionis), desde a
experiência ética da “ exposição” no face-a-face (...).
58
Dussel, em tom uníssono, assevera:
A Ética Ontológica parte do mundo pressuposto; a Ética do Discurso parte
da já sempre pressuposta comunidade de comunicação; a filosofia latino-
americana do “nós estamos” (...) parte de uma cultura sapiencial popular
afirmada e analisada desde uma interpretação hermenêutica. A Ética da
Libertação tem por ponto de partida, em troca, a “exterioridade” do
horizonte ontológico (“realidade” mais além da “compreensão do ser”), ou
mais além da comunidade de comunicação ou de uma mera sabedoria
afirmada ingenuamente como autônoma (“estando” concreta e
historicamente reprimida, destruída em seu cleo criador, sendo marginal
e dificilmente reproduzível, ignorar estes fatos é cair em uma “ilusão”).
59
56
Ibid.
57
DUSSEL, Enrique. América Latina - Dependencia y liberación. Buenos Aires: Fernando Garcia
Cambeiro, 1973, p. 121
58
SIDEKUM, Antonio. Informe - o programa do diálogo da ética do discurso e a filosofia da libertação,
libertação-liberación. Campo Grande - MS, N.1 (Ano 3) jan/dez 1993, p. 163/166.
59
DUSSEL, 2002, op. cit., p. 155.
37
Mesmo com a existência da Ética Ontológica, que valoriza os
pressupostos; ou da Ética do Discurso, que valoriza a comunicação; a Ética da
Libertação é a mais apta para a realidade latino-americana, porque se preocupa com
a compreensão da realidade que vai além da restrita preocupação com o
entendimento do ser, além de superar as rericas.
Portanto, o rompimento desta totalidade dominante com o resgate
ético da vida dos alijados depende do aperfeiçoamento libertador da criatividade
60
,
articulado a partir dos sujeitos da práxis de libertação:
Cada sujeito ético da vida cotidiana, cada indivíduo concreto em todo o seu
agir, já é um sujeito possível da práxis de libertação, enquanto como vítima
ou solidário com a vítima fundamentar normas, realizar ações, organizar
instituições ou transformar sistemas de eticidade. A ética de liberação é
uma ética posvel acerca de toda ação de cada dia. No entanto, o próprio
desta ética, ou ser referente privilegiado, é a vítima ou a comunidade de
vítimas que operará com o/s “sujeito/s” em última instância.
61
Deste modo, Dussel estabelece como marco inicial de sua teoria o
afetado, o dominado e o excluído. O afetado é o que sofre as consequências de um
acordo válido alcançado. Ser dotado de consciência que é afetado é reflexo de um
processo de libertação. Destarte, o ponto de partida radical é "(...) a situação na qual
o/a afetado/a não tem consciência de ser afetado/a. Tal é o escravo que acredita ser
por “natureza” escravo.”
62
O dominado é o afetado dentro de um sistema, como a
mulher sob o machismo, a classe operária sob o capitalismo. O excluído: “que
estritamente esou não em relação de dominação (...) , efetivamente, graus de
exterioridade e subsunção"
63
, como o pobre excluído do processo produtivo, bem
como as pessoas com deficiência segregadas da convivência social democrática.
Para Dussel, que corrobora, neste aspecto, com os ensinamentos de
Heidegger, a análise ontológica deve ser aplicada ao mundo do afetado, do
dominado e do excluído, mas que não se deve vê-lo o somente sob o foco da
exterioridade formal, sendo necessário prestar uma atenção positiva à sua realidade,
enquanto exterioridade cultural.
64
60
Ibid., p. 501.
61
Ibid., p. 519.
62
Ibid.
63
Ibid.
64
Ibid., p. 156.
38
A Ética da Libertação norteia os povos culturalmente empobrecidos
para a superação de suas misérias e, para tanto, propõe-se a ética material ao
inverter sistemas convencionais formais que se associam a governos ditatoriais e
sistemas políticos totalizadores.
65
Este discurso também estabelece que a conscientizão crítica do
indivíduo oprimido deriva de “(...) um processo ético 'material': a vida é o tema, o
meio, o objetivo, a alegria alcançada (...) situando-se no 'lugar' de onde a crítica ética
é possível, (...) o sujeito se torna origem da transformão da ppria realidade.”
66
Verifica-se, assim, que o rompimento de paradigmas, a libertação e
a consequente inclusão, tratam-se de um processo histórico concreto e objetivo:
Descobrir-se oprimido começa a ser processo de libertação quando
esse descobrir-se oprimido se transforma em compromisso hisrico (...),
inserção crítica na história para criá-la (...) Conscientização implica esta
inserção crítica no processo, implica um compromisso histórico de
transformação.
67
Entende-se que a abertura de um novo sistema se concretiza como
práxis construtiva de libertação, decorrente de razão estratégica, visão ético-
discursiva e dotada de instrumentos que se articulem de modo a beneficiar a
coletividade e efetivar a democracia.
Neste sentido, a corrente dusseliana leciona que:
(...) a participação dos não-participantes não se efetua por simples
“inclusão” na mesma comunidade, mas por criação da nova, onde os
antigos “afetados-dominados-excluídossão agora parte plena (...) Por isso
não se trata nem de mera afirmação ontológica da Lebenswelt (seja
hegemônica como em Taylor, seja popular como em Scannone), nem de
mera transcendentalidade (Apel) ou universalidade (Habermas) do dado,
que é afirmação reflexiva do “Mesmo”, mas da afirmação da exterioridade
(do afetado-dominado-excluído) na relação com o sistema que o nega, e,
desde a potência dessa afirmação do Outro, a negação da negação
(analética), para culminar na superação a uma nova situação de justiça e
igualdade (...).
68
65
DUSSEL, 2002, op. cit., p. 93/145.
66
Ibid., p. 440.
67
DUSSEL, 2002, op. cit., p. 441.
68
SIDEKUM, op. cit., p. 163.
39
Por conseguinte, a efetividade do direito e da justiça, percorre o
caminho da consciência do “Outro”, analisado em sua individualidade e considerado
como pessoa humana, dotada de dignidade e não apenas enquanto valor.
69
No
entanto, para emanar a libertação, há a necessidade de convergência entre o
“Outro e ele mesmo, considerada como ato ou procedimento prático pelo qual o
não-livre passa a ser um agente de liberdade.
70
O princípio “faça com que o atingido/excluído tamm participe!
exige a concretização de instrumentos eficazes em prol das minorias alijadas.
71
O homem perfeito, plenamente realizado em seu poder-ser, é a
medida utilizada para todo projeto humano ontológico e será aquele que por sua
plenitude antropológica e por sua bondade abre-se ao “Outro” como outro que é, não
por motivos fundados em seu próprio projeto de Totalidade, mas por um amor que
ama primeiro alternativamente: “o amor-de-justiça”.
72
Visando o resgate do sentido de filosofar face aos atuais fenômenos
da mundialização, da globalização e da vitimização, é de valia destacar o
pensamento de Quesada:
Toda autêntica racionalidade conduz à libertação humana. Neste sentido o
pensamento latino-americano contribui para esclarecer o sentido último do
filosofar e mostrar a relação profunda entre racionalidade e condição
humana. A filosofia latino-americana, culmina nesta direção, em um
verdadeiro humanismo, no único humanismo que merece seu nome: um
humanismo universal, aplicável a todos os seres humanos e que, em
conseqüência, só pode realizar-se na prática mediante a libertação de
todos os oprimidos do mundo.
73
Assim, trata-se de uma conceão racional de que todo ser humano
deve ser respeitado integralmente em sua alteridade, e de que a filosofia promove,
constantemente, desafios visando à promão e à qualificação dos exercícios éticos
de liberdade de cada pessoa, em todos os lugares.
69
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos costumes. Tradução Paulo Quintela, Lisboa:
Quintela, 1986, p. 77.
70
DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertação: crítica à ideologia da exclusão. Trad. Georges I. Massiat.
São Paulo: Paulus, 1995, p. 111.
71
Ibid., p. 117.
72
Ibid., p. 43.
73
QUESADA, Francisco M., Posibilidad y limites de una filosofia latinoamericana, in VÁRIOS. La
Filosofia en América, p. 167/172 apud CESAR, Constança Marcondes. Filosofia na América Latina -
Polêmicas. Reflexão. Campinas, nº. 30 (Ano 9) set-dez 1984, p. 51/56.
40
2.2 SENSIBILIDADE E ALTERIDADE SOB A ÓTICA DE EMMANUEL LÉVINAS
O conceito de libertão e inclusão social está inserido no
pensamento crítico da realidade latino americana que vislumbra a concretização de
uma ética que envolva a parte mais carente, oprimida e hipossuficiente desta
sociedade marcada por contrastes.
Deste modo, Emmanuel Lévinas revela-se outro importante marco
teórico para o vs filosófico ora apresentado. Sobrevivente do holocausto judeu,
dedica seus estudos aos vitimados pela dominação injusta:
Em memória dos seres mais próximos entre os seis milhões de
assassinados pelos nacional-socialistas, junto com milhões e milhões de
humanos de todas as confissões e nações, vítima do próprio ódio do outro
ser humano, do próprio anti-semitismo.
74
Este “Outro”, considerado como as minorias excluídas da sociedade,
tais quais as pessoas com deficiência, grita por justiça diante do fato de estar à
margem da convivência democrática e por ser agredido invariavelmente como um
ser qualquer.
Todos eles simplesmente gritam por justiça: Tenho fome! Não me mates!
Tem compaixão de mim! É o que exclamam esses infelizes (...) Estamos
na presença do escravo que nasceu e que nem sabe que é uma pessoa.
Ele simplesmente grita. O grito enquanto ruído, rugido, clamor,
protopalavra ainda não articulada, interpretada de acordo com o seu
sentido apenas por quem “tem ouvidos para ouvir” indica simplesmente
que alguém está sofrendo e que do íntimo de sua dor nos lança um grito,
um pranto, uma súplica. É a “interpelação primitiva”. É evidente que alguém
deverá possuir “uma resposta ao apelo do outro”. É toda uma questão de
“consciência ética” e para isso ele terá de afirmar a si mesmo. (..) A
“responsabilidade” ou o “assumir-o-outro” é anterior a qualquer consciência
reflexa. Só respondemos com “responsabilidade” à presença do infeliz
quando este já nos comoveu.
75
vinas apresenta seus ideários em três momentos distintos,
consoante a seguir expostos.
Inicialmente, esclarece acerca do desejo e suas acepções. Instrui
que o ato de desejar é um privilégio restrito à classe dominante. Porém, mostra-se
como um sentimento de infelicidade, pois na medida em que um indivíduo, mesmo
sendo dominador, expressa um desejo, é porque ainda padece de necessidades.
74
DUSSEL, 2002, op. cit., p. 45 apud LÉVINAS, E., Autrement qu´être ou au-delà de l´essence.
Nijhoff: Haia, 1974.
75
Ibid., p. 19.
41
O outro metafisicamente desejado (désiré) não é outro como o o que se
come... O desejo metafísico (désir métaphysique) tende totalmente para
outra coisa, para o absolutamente outro... À base do desejo, segundo seu
sentido cotidiano, encontra-se a necessidade (besoin)... O desejo metafísico
não aspira a nenhum retorno, pois é um desejo por um país em que jamais
nascemos... O desejo metafísico não repousa sobre nenhuma herança
prévia. Desejar que não pode ser satisfeito...
76
O desejar é desejo de um ser
já feliz: o desejar é a infelicidade (malheur) do feliz.
77
A expressão infelicidade” é explicada a partir de um pensamento
irônico em que aquele que detém a responsabilidade de auxiliar o “outro” deve
retirar-se de sua própria paz e segurança visando à praticidade de Justiça em prol
dos excluídos tais quais a viúva, o pobre, o órfão, a pessoa com deficiência, dentre
outros.
78
Com efeito, compete à sociedade dotar-se de consciência de que a
dignidade humana se concretiza, também com a inclusão das classes alijadas e,
como resultado, tornar-se sensível aos seus apelos.
Ao Outro é possível a interpelação uma vez que os seres humanos
o “sensibilidade” e captam as “exterioridades” fenomênicas na tentativa de serem
agentes de transformação. No entanto, esta “sensibilidade” sobrepõe-se à mera
análise comportamental extrínseca, o que faz enxergar o Outro a partir de sua
transcendentalidade.
79
Antes de ser reconhecido, o Outro se apresenta como vulto
incompreensível. Lévinas não aborda tal incompreensão como resultado da preguiça
ou da frieza com a qual as classes minoritárias o tratadas.
80
Avalia a absoluta
transcendência do Outro. O vulto não é uma “coisa”, por conseguinte, não se pode
fazer dele objeto de um estudo e livrar-se, deste modo, da sua individualidade.
81
A aparição do Outro é uma revelação que conta com o
reconhecimento da classe dominante que lhe concede abrigo e atende aos seus
anseios de socorro. Neste sentido, Lévinas propõe que a figura do Outro:
76
Ibid., p. 125/156 apud LÉVINAS, E. La signification et le sens. Revue de métaphysique et de
morale. 69. n. 2, avr./juin. 1964.
77
LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 34.
78
Ibid.
79
Ibid,. p. 158.
80
LÉVINAS, Emmanuel. Ética e Infinito. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 45.
81
Id. Totalidade e Infinito. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 218.
42
(...) não é uma mera manifestação, mas uma revelação; a captação não é
compreensão, mas hospitalidade; diante do outro a razão não é
representativa, mas presta ouvido sincero à sua palavra.
82
Com o amadurecimento de idéias, vinas vivencia o segundo
período de suas construções teóricas. Dotado de mais dramaticidade, o indivíduo,
outrora interpelado, agora assume papel de “perseguido” por causa do Outro. Neste
lapso temporal, o interpelado é vítima da vítima, e torna-se refém. Trata-se de
entregar a própria vida para “pagar resgate” pela vida de um escravo. Eleva a “dor”
como forma de demonstrar sensibilidade.
A dor é o outro lado da pele, é a nudez, a mais desnuda de todo
despojamento; existência de sacrifício imposto sacrificado mais que
sacrificante, porque precisamente constrangido à adversidade ou à
dolência da dor é sem condição. A subjetividade do sujeito é a
vulnerabilidade, exposição à afeição, sensibilidade, passividade mais
passiva que toda passividade, tempo irrecuperável, diacronia inabarcável
pela paciência, expansão sempre a expor, exposição a expressar e assim a
dizer, e assim a dar. (...) A dor é o começo da criação. Ela é contato do
outro. Estar em contato: nem investir o outro nem anular sua alteridade,
nem suprimir-me diante do outro. No próprio contato, o estar tocando e o
tocado se separam, como se o tocado se afastasse, sempre já ali, não
tendo comigo nada em comum. Como se sua singularidade, e por isso não
antecipável, e, por conseguinte, não representável,o respondesse senão
à designação.
83
Finalmente, em terceiro momento, no ápice de seus ensinamentos,
vinas eleva o mais tão somente o dominado como um rosto chagado pela dor, e
sim o ser humano enquanto vítima num todo absoluto, e reforça as idéias
obrigacionais de responsabilidade de um com o outro.
84
Verifica-se que “a filosofia da diferença se aproxima, como projeto,
da Ética da Alteridade de Lévinas, que procura descaracterizar o ‘eu-substância’
como forma de superação do desinteresse pelo outro.”
85
Mais do que cuidar, é ser responsável pelo outro. É uma
convocação, mais do que um dever.
A sociedade, deste modo, deve ser responsável pela integração das
classes que vivem à margem da convivência. Porém, de antemão deve suspender a
prioridade ontológica do individualismo, e recomar dos outros para chegar a si
82
Ibid.
83
Ibid., p. 64, 108 et seq.
84
Ibid., p. 69.
85
ALVES, Fernando de Brito. Margens do direito: a nova fundamentação do direito das minorias.
Porto Alegre: Núria Fabris, 2010, p. 23.
43
própria.
86
Por um lado, faticamente, a responsabilidade é um destino antes de ser
um ato de vontade; por outro lado, entretanto, a única probabilidade de encontrar um
"sentido" para o destino é a de aderir a este.
87
2.3 O RECONHECIMENTO DA DIFERENÇA COMO COROLÁRIO DE JUSTIÇA SOCIAL
A sociedade contemporânea esem processo de globalização, que
por sua vez pode ser assimilada por paralaxe, ou seja, pode-se avaliá-la sob um
enfoque conservador ou, em contrapartida, emancipador.
Ao enfocá-la sob uma perspectiva conservadora, os resultados são
catastróficos, haja vista que tende à uniformização de conceitos com pensamentos
únicos e criação de padrões mundiais, ora discriminando, ora dissuadindo as idéias
que valorizam a diferença e negam a pluralidade, exigindo, muitas vezes, o
enquadramento dos indivíduos numa única orientação.
Sob o ponto de vista emancipador, apregoa-se a valorização dos
indivíduos a partir de suas próprias diferenças.
Nesta esteira, observa-se que apenas a filosofia que valoriza a
diferença foi capaz de alcançar o Outro e os outros, o apenas como agentes de
representação social, mas igualmente como imanência e subjetividade.
88
A doutrina especializada esclarece que a filosofia da diferença é
uma corrente criada por filósofos franceses modernos como Deleuze, cuja atenção é
voltada para a mudança de conceitos no indivíduo com fulcro em adequar a
globalização aos ideários de emancipação social.
A busca do conceito de diferença não é uma tarefa fácil, pois não se
reduz à simples diferença literal, mas se exige uma idéia própria, como uma
singularidade na Idéia.
89
Neste aspecto Deleuze contrapõe-se aos ensinamentos de
Aristóteles e Hegel ao asseverar que:
86
LÉVINAS, Emmanuel; PEPERZAK, Adriaan. Ética prima come filosofia (Ética primeiro como
filosofia). (Org.) F. Ciaramelli, Milão: Guerini e Associados, 1993, p. 15/19.
87
Ibid.
88
ALVES, op. cit., p. 24.
89
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro:
Graal, 1988, p. 35.
44
Talvez o engano da filosofia da diferença, de Aristóteles a Hegel passando
por Leibniz, tenha sido o de confundir o conceito da diferença com uma
diferença simplesmente conceitual, contentando-se com inscrever a
diferença no conceito em geral.
90
A função desta corrente filosófica é tirar a diferença de seu estado
de maldição, estado este criado pela sociedade genericamente dominante.
A diferença deve sair de sua caverna e deixar de ser um monstro; ou, pelo
menos, deve subsistir como monstro aquilo que se subtrai ao feliz
momento, aquilo que constitui somente um mau encontro, uma má ocasião.
Aqui, portanto, a expressão "estabelecer a diferença" muda de sentido. Ela
agora designa uma prova seletiva, que deve determinar quais diferenças
podem ser inscritas no conceito em geral e como o podem. Tal prova, tal
seleção parece efetivamente realizada pelo Grande e pelo Pequeno. Com
efeito, o Grande e o Pequeno não são ditos naturalmente do Uno, mas,
antes de tudo, da diferença. Pergunta-se, pois, até onde a diferença pode e
deve ir em qual grandeza? Em qual pequenez? - para entrar nos limites do
conceito, sem perder-se aquém dele e sem escapar para além dele.
91
Além do exposto, a diferea constantemente se depara com
culturas massificadas ora pela limitação, ora pelo conservadorismo. Entretanto,
prossegue coexistindo e perpassando as barreiras impostas socialmente.
A diferença tem sua experiência crucial: toda vez que nos encontramos
diante de ou em uma limitação, diante de ou em uma oposição, devemos
perguntar o que tal situação supõe. Ela supõe um formigamento de
diferenças, um pluralismo de diferenças livres, selvagens ou não domadas,
um espaço e um tempo propriamente diferenciais, originais, que persistem
através das simplificações do limite e da oposição.
92
Não obstante, Deleuze apregoa que as limitações e as oposições às
diferenças são dotadas de plasticidade, haja vista que é possível o seu
delineamento desde que a sociedade se permita solucionar os conflitos, não sob o
enfoque da Totalidade, mas sob a ótica da multiplicidade excluída.
Para que oposições de forças ou limitações de formas se delineiem, é
preciso, primeiramente, um elemento real mais profundo que se defina e se
determine como uma multiplicidade informal e potencial. As oposições são
grosseiramente talhadas num meio fino de perspectivas encavaladas, de
distâncias, de divergências e de disparidades comunicantes, de potenciais
e de intensidades heterogêneas; não se trata, primeiramente, de resolver
tensões no idêntico, mas de distribuir disparates numa multiplicidade.
93
90
Ibid.
91
Ibid, p. 57 et seq.
92
Ibid.
93
Ibid.
45
Afirma ainda que a limitação à diferença, ao contrário da oposição,
deflagra choques sociais que muitas vezes provoca a equalização de oportunidades.
As limitações correspondem a uma simples potência da primeira dimensão,
num espaço de uma dimensão e de uma direção, como no exemplo de
Leibniz invocando barcos levados pela corrente, pode haver choques, mas
estes choques têm, necessariamente, valor de limitação e de equalização,
não de neutralização nem de oposição.
94
Em geral, de acordo com estudos de psicologia, as explicações para
definir que alguém é diferente tendem a se naturalizar e tomar a diferença como
essência, ou seja, uma pessoa que não tenha um braço é diferente e anormal, pois
o normal para o ser humano é ter os dois braços, e essa condição traria prejuízos
para uma vida normal.
95
Em verdade, a naturalizão das explicações para a diferença conta
com um apoio psicossocial e político para legitimar essa posição por meio da
construção de discursos ideológicos de consenso, que projeta a idéia de que um
ser humano ao ter apenas um braço, por exemplo, não é normal. Tal postura
deflagra o aplacamento da construção sócio-histórica já abordada.
96
No caso da deficiência, (...) se consolidou como diferença e diversidade,
tomando que ser diverso e diferente é desvalorizado socialmente, por conta
de um preconceito biologicamente determinado (indivíduo rejeitaria
instintivamente organismos percebidos como danificados), de uma
consequente desvalorização psicossocial (construção psicossocial na qual
diferenças marcantes seriam menos toleradas) e de uma implicação
político-econômica (a pessoa com deficiência seria um ônus para o
sistema socioeconômico, por ser considerada improdutiva).
97
Ao aprofundar o estudo filosófico, verifica-se que a diferença não é
representável. Pensar a diferença é desconstruí-la. Afinal, para tentar demonstrar a
existência de direitos à diferença, se faz necessário desnaturalizá-la.
98
Neste diapasão, Schöpke ensina:
(...) a representação clássica não pode dar conta da diferença sem com
isso modificar a sua natureza rebelde. Isso quer dizer que a diferença
pode ser objeto de uma representação (...) se for mutilada em “sua
essência” mais profunda.
99
94
Ibid.
95
RIBEIRO; RIBEIRO, op. cit., p. 126.
96
Ibid.
97
Ibid.
98
ALVES, op. cit., p. 27.
99
SCHÖPKE, Regina. Por uma filosofia da diferença: Gilles Deleuze, o pensador nômade. Rio de
Janeiro: Contraponto; São Paulo: Edusp, 2004, p. 22.
46
Denota-se que o respeito e a valorizão das diferenças são
concretizadas na medida em que se valorizam os seus fundamentos, os seus pilares
justificativos.
Impera a necessidade de desconstrução de uma cultura
organizacional pautada em estereótipos e a criação de um processo organizativo
que suporte à diversidade, ao reconhecer que as pessoas não têm o mesmo
estilo de vida e que o estereótipo do que é ser “normal” deve ser evitado.
100
Primeiramente, deve-se entender acerca das dificuldades de
compreender a diferença em sua essência, para, em seguida, pensar acerca dos
direitos positivados que valorizam e resguardam a diferença.
101
Schöpke instrui que os indivíduoso seres unívocos, ou seja, seres
únicos dotados de capacidades. O que os diferencia são as modalidades nas quais
estes seres estão vinculados:
O importante é que se possa conceber vários sentidos formalmente
distintos, mas que se reportam ao ser como a um designado,
ontologicamente uno.(...)
Com efeito, o essencial na univocidade não é que o Ser se diga num único
sentido. É que ele se diga num único sentido de todas as suas diferenças
individuantes ou modalidades intrínsecas. O Ser é o mesmo para todas
estas modalidades, mas estas modalidades não são as mesmas. Ele é
"igual" para todas, mas elas mesmas não são iguais.
102
No âmbito laboral, os estudos apresentam que as pessoas com
deficiência desenvolveram quatro padrões de carreira dentro e fora das empresas:
Histórias de sucesso: trajetória de continuidade no mundo do trabalho,
representando a minoria;
Histórias de fracasso repetitivo: trajetória de impossibilidades, marcada
mais pelo não-trabalho do que pelo trabalho, representando a maioria;
Histórias de inconstância com sucesso: trajetória de descontinuidades e
mudaas constantes, marcada pelo trabalho na maior parte do tempo
e que tendem a redundar em situações de acomodação temporária
(semelhante a trajetória de uma boa parte da população brasileira);
Histórias de inconstância com fracasso: trajetória de descontinuidades e
mudaas constantes, marcada mais pelo não-trabalho do que pelo
trabalho na maior parte do tempo e que dificilmente redundam em
situações de acomodação, mesmo que temporária.
103
100
RIBEIRO; RIBEIRO, op. cit., p. 129.
101
ALVES, op. cit., p. 27.
102
DELEUZE, op. cit., p. 45 et seq.
103
PASTORE, José. Oportunidades de trabalho para portadores de deficiência. São Paulo: LTR,
2000, p. 60.
47
Percebe-se que é valoroso conceber o indivíduo humano como um
ser uvoco, sendo, por conseguinte, todos iguais. Porém, essencialmente devem
ser concebidos ao mesmo tempo como seres diferentes em inúmeras modalidades
para que possam ser verdadeiros colaboradores de transformação da sociedade.
Destarte, imperioso é o rompimento com os ditames da filosofia
clássica visando à valorização do Outro, considerado em sua subjetividade como
agente social, assim como apregoa os ideários filosóficos da libertação.
Dessa forma Schöpke esclarece que:
Inegavelmente, essa lamentável orientação da filosofia clássica (...) levou a
uma confusão dos ideais do pensamento com aqueles defendidos pelo
Estado, pela religião e pela moral vigente. “Sem derrubar os sentimentos
estabelecidos”, a filosofia fez do pensamento um puro ato recognitivo (...),
fez do pensamento um “bom moço”, sempre complacente com as tolices do
mundo . Mas como diz Deleuze, eis que surgem os gritos apaixonados (...)
O pensamento como a afirmação da diferença, como afirmação de nossa
própria diferença. É isso que defendem os “filósofos da diferença”, os
“pensadores nômades” – aqueles que não se enquadram em modelos
prévios. Fazer do pensamento um “modo de existência” (...) cujo maior
desafio é permanecer livre dos modelos da representação, livre da Moral
que tornou o pensamento um beato companheiro dos poderes vigentes.
Este é o maior objetivo de Deleuze (...); lutar sobretudo contra as idéias de
transcendência e de verdade absoluta.
104
que se viabilizar a inclusão e acatar as diferenças observando a
necessidade de respeito de acordo com o enfoque efetivado pelos excluídos. Afinal,
para se promover a inclusão democrática e a efetiva equalizão de oportunidades,
o ponto de vista a ser considerado deve ser o do agente ligado diretamente à
problemática, pois as diferenças o além de meras aparências e conceitos
elaborados pela classe dominante.
Neste sentido, Deleuze preconiza que:
Hegel zombava de Leibniz, porque este convidara damas da corte para
fazer metafísica experimental em passeios pelos jardins, a fim de verificar
que duas folhas de árvore não tinham o mesmo conceito. Substituamos
damas da corte por policiais científicos: não há dois grãos de poeira
absolutamente idênticos, duas mãos que tenham os mesmos pontos
relevantes, duas máquinas que tenham a mesma impressão, dois
revólveres que estriem suas balas da mesma maneira... Mas por que
pressentimos que o problema não está bem situado enquanto procuramos
nos fatos o critério de um principium individuationis? É que uma diferea
pode ser interna e não ser conceitual (já é este o sentido do paradoxo dos
objetos simétricos). Um espaço dinâmico deve ser definido do ponto de
vista de um observador ligado a este espaço e não de uma posição
exterior. diferenças internas que dramatizam uma Idéia antes de
representar um objeto. A diferença, aqui, é interior a uma Idéia, se bem que
seja exterior ao conceito como representação de objeto.
105
104
SCHÖPKE, op. cit., p. 29.
105
DELEUZE, op. cit., p.34.
48
Naturalmente os homens detêm diferenças entre si. Cada ser
humano é diferente do outro sob diferentes modalidades, e só o reconhecimento
dessa diferença é que viabiliza a concretização de instrumentos equalizantes.
106
Promover a conscientização da diferença é pressuposto fundamental para se discutir
as questões da justiça e igualdade.
107
Com efeito, o imperativo ético da libertação, que focaliza a realidade
dos excluídos, determina a existência do respeito e o cultivo das diferenças para que
os indivíduos possam pensar, decidir e agir, sendo livres e tornando-se
responsáveis. Para tanto, justifica-se o estudo do Capítulo a seguir, pois perfilha
sobre os ideários da dignidade da pessoa como fonte garantidora do progresso
social, numa sociedade marcada por injustiças e preconceitos.
106
ALVES, op. cit., p. 31.
107
Ibid., p. 33.
49
3. A BUSCA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DAS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA
3.1 BREVES ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Realizado o embasamento filosófico e o estudo acerca da
valorizão da diferença, a abordagem sobre a dignidade da pessoa humana com
deficiência torna-se imperiosa, relacionando-a à validade universal, de caráter trans
e supra-nacional, para todos os indivíduos e todos os povos.
Inicialmente, por conseguinte, proe-se o estudo dos Direitos
Humanos.
A noção de Direito inerente à pessoa humana tem fronteiras em
momentos históricos diferentes, tais quais a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, da ONU; a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789; o Bill of Rights da Revolução Inglesa, de 1689; e a Magna Carta
de 1215.
108
Os estudiosos demonstram que o processo histórico do tema, ora
abordado, divide-se em três dimensões, partindo-se da matriz fundamental que é o
direito à vida.
A primeira dimensão, identificada nos ideais das revoluções
burguesas do século XVIII, é a dos direitos civis e das liberdades individuais são
representados pelos direitos de locomoção, de propriedade, de segurança e
integridade sica, de justiça, de expressão e opinião, o que deflagrou a chamada
doutrina do laissez-faire, laissez-passer (“deixar fazer, deixar passar”), no qual o
Estado permitia, inclusive, que as relações sociais e econômicas se
desenvolvessem livremente.
109
É de valia destacar que, na prática, ocorria de forma diversa. No
Brasil, a Constituição Política do Império, de 1824, previa que a “a Lei será igual
para todos” (art. 179, XIII). Porém, a lei era apenas proposição formal, haja vista
que, por exemplo, a escravidão somente foi abolida mais de cinquenta anos depois,
108
RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes. O Direito à igualdade, à dignidade da pessoa humana com
deficiência e à autonomia. In: GUGEL, Maria Aparecida; COSTA FILHO, Waldir Macieira da;
RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes (Org.). Deficiência no Brasil: uma abordagem integral dos direitos das
pessoas com deficiência. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007, p. 29.
109
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008, p. 42/46.
50
em 1888, com a Lei Áurea; ou, ainda, verifica-se que o Estado esquecia os
parâmetros do laissez-faire e extrapolava a condição de espectador, colocando-se
ao lado dos empresários na repressão aos movimentos sociais.
110
A segunda dimensão é a dos direitos sociais, que surgem no século
XIX e meados do século XX, na esteira das lutas socialistas na Europa, explicitados
na prática e nas experiências da social democracia, consubstanciada no Estado do
Bem-Estar Social (Welfare State). Referem-se ao conjunto dos direitos sociais,
ecomicos e culturais: os de caráter trabalhista e os de caráter social mais geral,
como saúde, educação, habitação e acesso aos bens culturais.
111
A terceira dimensão engloba os direitos coletivos da humanidade,
como o direito à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, à
preservação do meio ambiente, o direito à comunicação, ao patrimônio científico,
tecnológico e cultural.
112
Ademais, com o progresso da humanidade com novas tecnologias,
mapeamento do genoma humano, a biotecnologia, a crise ambiental decorrente do
aquecimento do planeta, o terrorismo, dentre outros riscos da atualidade, novas
dimensões de direito são desencadeadas, além daquelas anteriormente abordadas.
se discute direitos de quarta, quinta, sexta e até de sétima dimensões.
113
Contudo, priva-se de explicação particularizada, uma vez que não é o objeto do
presente trabalho.
Quanto às fontes históricas dos Direitos Humanos, não obstante
tenham várias, a doutrina elege como principais o Direito Humanitário, a Liga das
Nações
114
e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
115
110
Ibid.
111
MARMELSTEIN, op. cit., p. 47/51.
112
Ibid., p. 52-53.
113
Ibid., p. 54-55.
114
Liga das Nações, também conhecida como Sociedade das Nações, foi uma organização
internacional, a princípio idealizada em Janeiro de 1919, em Versalhes, nos subúrbios de Paris, onde
as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para negociar um acordo de paz.
Sua última reunião ocorreu em abril de 1946. Um dos pontos do amplo tratado referiu-se à criação de
uma organização internacional, cujo papel seria o de assegurar a paz. Em 28 de Junho de 1919, foi
assinado o Tratado de Versalhes, que na sua I Parte estabelecia a Sociedade das Nações, cuja Carta
foi nessa data assinada por 44 Estados. O Conselho da Sociedade das Nações reuniu-se pela
primeira vez em Paris a 16 de Janeiro de 1920, seis dias depois da entrada em vigor do Tratado de
Versalhes. A sede da organização passou em Novembro de 1920 para a cidade de Genebra, na
Suíça. Em setembro de 1939, Adolf Hitler, o ditador nazista da Alemanha, desencadeou a Segunda
Guerra Mundial. A Liga das Nações, tendo fracassado em manter a paz no mundo, foi dissolvida.
Estava extinta por volta de 1942. Porém, em 18 de abril de 1946, o organismo passou as
responsabilidades à recém-criada Organização das Nações Unidas, a ONU. Sua criação foi baseada
na proposta de paz conhecida como Quatorze Pontos, feita pelo presidente estadunidense Woodrow
51
O Direito Humanitário elevou ao status internacional a proteção dos
homens em casos de guerra, impondo limites à liberdade e à autonomia dos
envolvidos.
Por sua vez, a Liga das Nações promoveu a paz e a cooperação
internacional, além de expressar a necessidade de relativizar a soberania dos
Estados em casos de Direitos Humanos.
Finalmente, a Organizão Internacional do Trabalho, criada após a
Primeira Guerra Mundial, promulgou, em âmbito mundial, convenções internacionais
para a promoção e proteção da dignidade da pessoa no mundo do trabalho.
116
Dentre outros fatores históricos, os resultados da Segunda Guerra
Mundial foram o marco decisivo para o surgimento dos Direitos Humanos.
Neste sentido, Piovesan conclui que "a internacionalizão dos
direitos humanos constitui, assim, um movimento extremamente recente na História,
que surgiu a partir do Pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores
cometidos durante o nazismo".
117
Além disso, enfatiza que os Direitos Humanos surgem para
reconstruir as sociedades contemporâneas e norteá-las na eticidade e na justiça:
Nesse contexto, desenha-se o esforço de reconstrução dos direitos
humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem
internacional contemporânea. Se a Segunda Guerra significou a ruptura
com os direitos humanos, o pós-guerra deveria significar sua reconstrução.
(...) O processo de internacionalização dos direitos humanos – que, por sua
vez, pressupõe a delimitação da soberania estatal passa, assim, a ser
uma importante resposta na busca da reconstrução de um novo paradigma,
diante do repúdio internacional às atrocidades cometidas no holocausto.
118
Em tom uníssono, Schafranski leciona que diante das
consequências desencadeadas com a Segunda Guerra Mundial, a sociedade
compreendeu a necessidade de valorizar a dignidade humana:
Wilson, em mensagem enviada ao Congresso dos Estados Unidos em 8 de janeiro de 1918. Os
Quatorze Pontos propunham as bases para a paz e a reorganização das relações internacionais ao
fim da Primeira Guerra Mundial, e o pacto para a criação da Sociedade das Nações constituíram os
30 primeiros artigos do Tratado de Versalhes.
115
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 109.
116
Ibid., p. 110 et seq.
117
Ibid., p.116.
118
Ibid., p.117.
52
Ao emergir da segunda guerra mundial, após três lustros de massacres e
atrocidades, iniciado com o fortalecimento do totalitarismo estatal dos anos
30, a humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da
História, o valor supremo da dignidade humana. O sofrimento como matriz
da compreensão do mundo e dos homens, segundo a lição luminosa da
sabedoria grega, veio aprofundar a afirmação histórica dos direitos
humanos.
119
Entretanto, os Direitos Humanos se consolidaram com o advento da
Carta das Nações Unidas, em 1945 e com a promulgação da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, em 1948.
120
A Declaração Universal dos Direitos Humanos determina que “todos
os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, em razão de
que os homens não são iguais por natureza, e assim necessitam de intervenção
política para que se concretize a igualdade material.
Com efeito, Méndez ao citar Birules declara:
A esfera pública, sempre inseparável dos conceitos de liberdade e de
distinção, caracteriza-se pela igualdade: por natureza os homens não são
iguais, precisam de uma instituição política para chegar a ser iguais, ou
seja, das leis. Só o ato político pode gerar igualdade.
121
Bobbio ratifica a necessidade de intervenção estatal para a
concretização da igualdade, utilizando os pensamentos idealizados por Locke.
Anuncia que o homem possui um estado natural de igualdade e liberdade se se
considerar um estado ideal de natureza, pois ao analisá-lo sob o crivo do contexto
social fático, verifica-se que os indivíduos não são iguais e nem livres.
Segundo Locke, o verdadeiro estado do homem não é o estado civil, mas o
natural, ou seja, o estado de natureza no qual os homens são livres e
iguais, sendo o estado civil uma criação artificial, que não tem outra meta
além da de permitir a mais ampla explicitação da liberdade e da igualdade
naturais. Ainda que a hipótese do estado de natureza tenha sido
abandonada, as primeiras palavras com as quais se abre a Declaração
Universal dos Direitos do Homem conservam um claro eco de tal hipótese:
"Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos."O que é
uma maneira diferente de dizer que os homens são livres e iguais por
natureza. E como não recordar as primeiras célebres palavras com que se
inicia o Contrato Social de Rousseau, ou seja: "O homem nasceu livre e por
toda a parte encontra-se a ferros"? A Declaração conserva apenas um eco
porque os homens, de fato, não nascem nem livres nem iguais. São livres e
119
SCHAFRANSKI, Silvia Maria Derbli. Direitos Humanos & seu processo de universalização.
Análise da convenção americana. Curitiba: Juruá Editora, 2003, p. 40.
120
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil
(1948-1997): as primeiras cinco décadas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 23.
121
MÉNDEZ, Emilio García. Origem, sentido e futuro dos direitos humanos: Reflexões para uma nova
agenda. Revista Internacional de Direitos Humanos. Ano 1, nº. 01, 2004, p. 09 apud BIRULES, Fina.
Introducción a Hanna Arendt “¿Qué es la política?”. Barcelona: Paidós, 1997, p. 22.
53
iguais com relação a um nascimento ou natureza ideais, que era
precisamente a que tinham em mente os jusnaturalistas quando falavam
em estado de natureza. A liberdade e a igualdade dos homens não são um
dado de fato, mas um ideal a perseguir; não são uma existência, mas um
valor; não são um ser, mas um dever ser. Enquanto teorias filosóficas, as
primeiras afirmações dos direitos do homem são pura e simplesmente a
expressão de um pensamento individual: são universais em relação ao
conteúdo, na medida em que se dirigem a um homem racional fora do
espaço e do tempo, mas são extremamente limitadas em relação à sua
eficácia, na medida em que são (na melhor das hipóteses) propostas para
um futuro legislador.
122
Sob esta paralaxe, examina-se uma fundamentação positiva dos
Direitos Humanos como instrumento político da igualdade.
Para este autor, a grande questão que se evidencia não é mais a de
fundamentar os direitos dos homens, mas de garanti-los:
O problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num
sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são
esses direitos, qual é a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos
naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais
seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações,
eles sejam continuamente violados.
123
Em síntese, conclui Piovesan que aos homens cabe a equalização
democrática em todas as esferas sociais como resultado da aplicação dos Direitos
Humanos:
Para a consolidação da Democracia, emerge o desafio da construção de um
novo paradigma, pautado por uma agenda de inclusão, que seja capaz de
assegurar um desenvolvimento sustentável, mais igualitário e democrático,
nos planos local, regional e global. A prevalência dos Direitos Humanos e
do valor democrático há de constituir a tônica deste novo paradigma, sob as
perspectivas de gênero, raça e etnia. Ao imperativo da eficácia econômica
deve ser conjugada a exigência ética de justiça social, inspirada em uma
ordem democrática que garanta o pleno exercício dos direitos civis,
políticos, sociais, econômicos e culturais. Por isso, em um contexto cada
vez mais marcado pela relação entre Estados, regiões e instituições
internacionais, o próximo milênio reserva como maior débito e desafio a
globalização da democracia e dos Direitos Humanos.
124
Percebe-se que o reconhecimento, a proteção e a promoção da
dignidade humana são exigências para a existência de uma sociedade justa e
democrática.
122
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 7. reimpressão. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Campus, 1992, p.17.
123
Ibid., p.25.
124
PIOVEZAN, Flávia. Direitos humanos, democracia e integração regional: os desafios da
globalização. Disponível em
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista54/direitoshumanos54.htm> Acesso
em 01 de fev. 2010.
54
3.2 APONTAMENTOS CONCEITUAIS E FINALIDADE
Ao promover uma análise sistemática em diversas doutrinas e
julgados a respeito do significado e do contdo da dignidade da pessoa humana,
apuram-se discussões e idéias ainda à mercê de solidez.
Verifica-se que uma conceituação precisa, mormente para os efeitos
de definição, enquanto norma jurídica fundamental, se revela de dicil obtenção
diante da constante transformão social na qual a sociedade contemporânea está
envolvida. Além disso, ante a tradição filosófica ocidental não há como rastrear ou
reproduzir conceitos pré-estabelecidos.
125
A dignidade da pessoa humana, de modo diverso ao que ocorre com
os demais direitos fundamentais, não é um direito específico da existência humana
como nos demais casos (propriedade, direito à vida, à sde, à integridade sica,
dentre outros), mas, sim, de uma qualidade inerente a todo e qualquer ser
humano.
126
Dessa forma, Kant apresenta em sua investigação que o sujeito é o
elemento decisivo na elaboração do conhecimento, por isso este ocupa o núcleo da
teoria por ele estudada.
127
Infere-se que o pensamento do homem vincula-se à dependência de
sensibilidade. Logo, o sujeito kantiano enquanto sujeito transcendental é
considerado "uma estrutura vazia" que, se separado da sensibilidade, não levará a
qualquer tipo de conhecimento válido. "Neste sentido - diz Manfredo A. de Oliveira -,
pode-se dizer que a teoria é, para Kant, a dimensão da autoalienação da razão".
128
Por conseguinte, para Kant, a razão prática aloca-se
primordialmente sobre a razão teórica. A moralidade denota a libertação do homem,
e o eleva como um ser livre. Sendo assim, o homem ocupa uma posição finalística,
que faz da pessoa um ser livre e dotado de dignidade própria. "o homem não
existe em função de outro e por isso pode levantar a pretensão de ser respeitado
como algo que tem sentido em si mesmo".
129
125
BALDI, César A. Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,
p.557.
126
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 4. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 40.
127
KANT, op. cit., p. 77, passim.
128
OLIVEIRA, Manfredo A. de. A filosofia na crise da modernidade. São Paulo: Loyola, 1992, p. 10.
129
Ibid., p. 26.
55
Entende-se que, sob a ótica de Kant, o homem é um fim em si
mesmo e, deste modo, possui um valor que alcança o absolutismo. Este valor
inerente à pessoa humana apresenta-se como a dignidade. Vê-se que o homem é
considerado agente de valor e por isso não pode ser considerado mero instrumento
ou mero objeto.
O que diferencia o ser humano e o faz dotado de dignidade é que
ele nunca pode ser um meio para os outros, pois, é considerado um fim em si
mesmo. “O homem, e, de uma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim
em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade".
130
Comparato explica esta proeminência a partir de três vertentes: no
campo religioso por meio da afirmão da monoteísta, com a criatura humana
ocupando posição de destaque na ordem da criação, com poderes sobre “os peixes
do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis
que rastejam sobre a terra (Gênesis 1,26)”; no campo filosófico, cuja principal
indagação é: quem é o homem?e cuja formulação aponta para singularidade
deste ser, “capaz de tomar a mesmo como objeto de reflexão”; e, por fim, a
justificativa científica apegada à descoberta do processo de evolução dos seres
vivos, tendo o ser humano como “o ápice de toda a cadeia evolutiva das espécies
vivas. A própria dinâmica da evolução vital se organiza em função do homem”.
131
A dignidade da pessoa humana é, consequentemente, o núcleo
efetivo dos direitos. É a "fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais"
132
, além de
ser considerada o nascedouro da ética, que atribui sentido, valor e concordância ao
sistema dos direitos essenciais
133
. Analisa-se que é este valor (advindo da
dignidade) que atrai a realização dos direitos fundamentais
134
e compõe o elemento
de habilitão do sistema positivo de direito de uma sociedade que tenha a pessoa
humana como fundamento máximo.
135
130
KANT, op. cit., p. 68.
131
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,
1999, p. 01/04.
132
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem
versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996, p.
59.
133
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomos II e IV. 3. ed. rev. e atual. Coimbra: Ed.
Coimbra, 1991, p. 168 et seq.
134
SILVA, José Afonso da. Anais da XV Conferência Nacional da OAB, p. 549.
135
COMPARATO, op. cit., p.30.
56
Para Moraes, a dignidade humana transcende a física e invade a
esfera espiritual e moral dos indivíduos devendo ser resguardada pelo ordenamento
jurídico de modo quase absoluto. A Lei Máxima se coaduna com os preceitos da
dignidade humana e a consagra em diversas concepções.
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a
pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por
parte das demais pessoas, que constituindo-se um mínimo invulnerável que
todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente
excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos
fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que
merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida
privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparecem como
conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana
como fundamento da República Federativa do Brasil. (...) A idéia de
dignidade da pessoa humana encontra no novo texto constitucional total
aplicabilidade (...) e apresenta-se uma dupla concepção. Primeiramente,
prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja
em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece-se
verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios
semelhantes. Esse dever-ser configura-se pela existência do indivíduo
respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal
exige que lhe respeitem a própria. (...) Ressalte-se, por fim, que a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela
Resolução n. 217A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10-12-
1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, reconhece a dignidade como
inerente a todos os membros da falia humana e como fundamento da
liberdade, da justiça e da paz no mundo.
136
A dignidade humana, assim sendo, é o valor absoluto, indispensável
e insubstituível inerente a cada ser humano.
137
Canotilho entende que a dignidade
da pessoa humana resta consubstanciada materialmente com o “princípio antrópico
que acolhe a idéia pré-moderna e moderna da dignitas-hominis (Pico della
Mirandola) ou seja, do indivíduo conformador de si próprio e da sua vida, segundo o
seu próprio projeto espiritual (plastes et fictor).”
138
Entretanto, esta liberdade é a capacidade potencial que cada ser
humano tem de autodeterminar a sua própria conduta, sem dependência da sua
efetiva exteriorização no caso da pessoa em concreto, de tal sorte que o
absolutamente ou relativamente incapaz (como por exemplo, as pessoas com
136
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao
da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo:
Atlas, 2003, p. 60 et seq.
137
LOUREIRO, João Carlos G., O direito à identidade genética do ser humano. Coimbra: Coimbra
Editora, 2000, p. 280, citando lição de C. Hodgkinson.
138
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed.,
Coimbra: Almedina, 2000, p. 76.
57
deficiência) também possui a mesma dignidade que qualquer outro ser humano
físico e mentalmente capaz.
139
Para Dworkin, o direito a tratamento digno prevalece àqueles que
sequer têm condições de reconhecer eventuais insultos à sua auto-estima, bem
como àqueles que perderam sua capacidade de autodeterminação
140
, dentre outras
classes minoritárias que constantemente são alijadas em diversas searas.
Sob o enfoque de Baldi fundamentando-se em Häberle, a dignidade
da pessoa não deve ser considerada exclusivamente como algo inerente à natureza
humana (no sentido de uma qualidade inata pura e simplesmente), isto na medida
em que a dignidade possui também um sentido cultural, sendo fruto do trabalho de
diversas gerações e da humanidade em seu todo, razão pela qual as dimenes
natural e cultural da dignidade da pessoa se complementam e interagem
mutuamente.
141
Nesta esteira, Habermas se apóia no fato de que a teoria moral
abandonou o conceito pré-social de pessoa, e conclui que esta é resultado das
relações humanas e sociais, não fazendo sentido referir-se à categoria universal de
pessoa, mas somente ao indivíduo singular dotado de valores e direitos que lhe são
atribuídos pela sociedade. E, como consequência de referências culturais, apura-se
que inexistem valores universais consubstanciados na pessoa humana. No entanto,
existem direitos e valores que se transformam de sociedade para sociedade.
142
E,
por sua vez, Rawls apoia este pensamento ao sustentar a idéia de pessoa humana
como ente essencialmente político e ligado à organização da sociedade.
143
A dignidade humana, por conseguinte, se estabelece como princípio
orientador do constitucionalismo contemporâneo (em suas esferas locais, regionais,
e globais). A proteção desses direitos passa não como domínio reservado do
Estado, mas de interesse mais amplo (internacional), resultando em uma mudança
da concepção tradicional “hobbesianada soberania do Estado para uma visão
139
BALDI, op. cit., p. 563.
140
DWORKIN, Ronald. El Domínio de la vida una discusión acerca del aborto, la eutanásia y la
libertad individual. Barcelona: Ariel, 1998, p. 306 et seq.
141
BALDI, op. cit., p. 564.
142
HABERMAS, Jürgen. Escravio genética? Fronteiras morais dos progressos da medicina da
reprodução. In: A Constelação pós-nacional. Ensaios políticos, tradução de Márcio Seligmann Silva,
São Paulo: Littera Mundi, 2000, p. 90.
143
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. ed. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves.
São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 41.
58
de soberania centrada na cidadania universal – “kantiana” – em prol da proteção dos
Direitos Humanos, consoante expresso alhures.
As pessoas estão em contínuo processo de reformulação de valores,
principalmente quanto à igualdade, justiça e dignidade da pessoa humana o que
demanda constantes necessidades de adequações e desenvolvimento do
ordenamento jurídico pátrio.
Neste compasso, transcreve-se o conceito proposto por Sarlet:
(...) a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano,
que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do
Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de
direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa contra todo e
qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe
garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além
de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres
humanos.
144
Em suma, examina-se que conceito de dignidade da pessoa humana
se traduz no fato de que todos, independentemente de qualquer juízo moral, detêm
o mesmo direito ao respeito, enquanto pessoa e ser humano. Verifica-se que os
Direitos Humanos superam as fronteiras e limites jurídicos, assim como a soberania
dos Estados.
Com efeito, compreender a noção de dignidade da pessoa humana
significa dizer, tamm, a necessidade de se compreender o sentido de igualdade e,
dessa forma, o direito à igualdade pressue o direito e o respeito à diferença.
É válido ressaltar que Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
não devem ser confundidos como expressões sinônimas, porque aqueles são mais
extensos que estes.
Dessa maneira, explica Brega Filho:
(...) embora em muitos pontos os direitos humanos possam ter o mesmo
conteúdo dos direitos fundamentais, o certo é que os primeiros são mais
amplos e imprecisos, enquanto os direitos fundamentais possuem um
conteúdo mais restrito e preciso, pois estão limitados aos direitos
reconhecidos pelo direito positivo de determinado povo.
145
144
SARLET, ibid., p. 60.
145
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos Fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das
expressões. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 73.
59
Vale destacar que ao vincular o conceito em debate com o enfoque
hisrico das pessoas com deficiência, apura-se que esta classe de indivíduos
recebeu tratamento diverso, o qual se estende desde exclusão social total ao atual
patamar de proposta de inclusão, passando por períodos de institucionalizão e de
integração, conforme já abordado anteriormente.
Não obstante, percebe-se que se alcança a dignidade de pessoa
humana das pessoas com deficiência na medida em que estas recebem
tratamento isonômico respeitando-se as suas desigualdades enquanto cidadão
desigual.
146
Nota-se que o dever do Estado, enquanto agente promotor e
fiscalizador da Democracia, de contribuir com o desenvolvimento da personalidade
de seus membros, em especial as pessoas deficientes, com fulcro, inclusive, no
inciso I, do artigo 3º, da Constituição Federal (que elenca como objetivo fundamental
a construção de uma sociedade solidária), e sua violação, por certo deflagra ofensas
aos primados do ordenamento jurídico brasileiro.
3.3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FONTE GARANTIDORA DO PROGRESSO
SOCIAL
Em uma análise retrospectiva, verifica-se que a trajetória da pessoa
com deficiência acompanha a evolução da conquista dos direitos humanos.
Segundo apregoado anteriormente, os deficientes sempre foram
percebidos como seres estigmatizados e à margem dos grupos sociais. Mas, à
medida que a dignidade humana, o direito à igualdade de oportunidades e a justiça
distributiva passaram a ser incessantes objetos de estudo, observou-se uma
evidente mudança histórica. Constata-se a edificação gradativa de espaços
organizados, a partir de movimentos governamentais e da sociedade civil, para a
inclusão, com a perspectiva de atender as exigências de um contingente
populacional em renovação, com foco em solidariedade e acolhimento.
A República Federativa do Brasil, que constitui um Estado
Democrático de Direito, estabelece, topograficamente, em sua Constituição, em
146
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990,
p. 32 et seq.
60
seu artigo 1º, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do sistema
constitucional, servindo de resguardo para os direitos individuais e coletivos, além de
erigi-lo como um “princípio maior” para a interpretação dos demais direitos e
garantias conferidos aos cidadãos.
147
Neste diapasão explica Rocha:
A constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana
modifica, em sua raiz, toda a construção jurídica: ele impregna toda a
elaboração do Direito, porque ele é o elemento fundante da ordem
constitucionalizada e posta na base do sistema. Logo, a dignidade da
pessoa humana é princípio havido como superprincípio constitucional,
aquele no qual se fundam todas as escolhas políticas estratificadas no
modelo de Direito plasmado na formulação textual da Constituição.
148
Por seu turno, Piovesan corrobora frisando que a dignidade da
pessoa humana é um sacramento constitucional:
A dignidade da pessoa humana, (...) está erigida como princípio matriz da
Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a
interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e
Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorporaas
exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a
todo o sistema jurídico brasileiro”.
149
Esclarece, ainda, que a dignidade humana é o como e o fim de
toda e qualquer interpretação legislativa, por isso é tida como um superprincípio.
É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra
seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada,
na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da
pessoa humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito
Internacional e o Interno.
150
Além disso, cabe também enfatizar os objetivos do Estado,
constantes do artigo terceiro, deles destacando-se os seguintes: “construir uma
sociedade livre, justa e solidária” (inciso I), “erradicar a pobreza e a marginalizão e
reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inciso III) epromover o bem de todos,
147
NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e
jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 45.
148
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social.
Revista de Interesse Público, Porto Alegre, nº. 04, p. 23/47, 1999.
149
PIOVESAN, op. cit., p. 54 et seq.
150
Id. Direitos Humanos, O Princípio da dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988.
(Neo)constitucionalismo: Ontem os Códigos, hoje as Constituições. Revista do Instituto de
Hermenêutica Jurídica, nº. 02. Porto Alegre: IHJ, 2004, p. 92/93.
61
sem preconceitos de origem, ra, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de
discriminação” (inciso IV).
É invvel almejar o progresso nacional, a erradicação da pobreza e
da marginalização, com redução das desigualdades sociais e regionais sem se
garantir a manutenção, no texto constitucional, dos direitos e garantias sociais
inseridos, os quais tutelam a construção de uma sociedade justa.
Bonavides, nesta esteira explica:
Garantias sociais o, no melhor sentido, garantias individuais, garantias
do indivíduo em sua projeção moral de ente representativo do gênero
humano, compêndio da personalidade, onde se congregam os
componentes éticos, superiores mediante os quais a razão qualifica o
homem nos distritos da liberdade, traçando-lhe uma circunferência de livre
arbítrio que é o espaço de sua vivência existencial. Demais, uma linha de
eticidade vincula os direitos sociais ao princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, o qual lhes serve de regra hermenêutica. Urge, por
conseguinte, interpretar tais direitos de um modo que se lhes reconheça o
mesmo quadro de proteção e garantia aberto pelo constituinte em favor do
conteúdo material do § do art. 60, ao qual eles pertencem pela
universalidade mesma da expressão direitos e garantias fundamentais.
151
No encadeamento gico dos discursos oficiais acerca do tema
aposto, a ordem na qual as palavras aparecem é: sustento que garante a
independência financeira e a autonomia. Entretanto, para as pessoas com
deficiência a ordem é inversa, a autonomia vem antes do sustento ou, ainda, antes
da independência financeira. Provavelmente por depender dos outros, muito mais do
que as pessoas sem deficiência, eles atribuem mais valor à autonomia, e seu
depender demanda mais que o respaldo financeiro.
152
Entretanto, o é porque a autonomia vem antes do sustento, que
os direitos sociais são menos importantes, até porque, para a inclusão das pessoas
com deficiência em convivência democrática, se faz necessária tanto a
acessibilidade quanto a efetivação dos direitos sociais.
Consoante Pastore, o progresso e a valorização da pessoa humana
traduzem-se, principalmente, na efetividade do direito ao trabalho, porquanto este
direito possibilita uma maior integração social e deflagra sentimentos de igualdade.
Após pesquisas efetivadas pelo supracitado autor, a concretização desta prática
151
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 595.
152
CARVALHO, Karina M. Os desafios da inclusão da pessoa com deficiência no ambiente de
trabalho. In: GUGEL, Maria Aparecida; COSTA FILHO, Waldir Macieira da; RIBEIRO, Lauro Luiz
Gomes (Org.). Deficiência no Brasil: uma abordagem integral dos direitos das pessoas com
deficiência. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007, p. 79.
62
quebra a barreira referente ao estereótipo social no qual são rotulados como
“diferentes”, fugindo do padrão da maioria.
153
Ademais, restou constatado que o fato das pessoas com deficiência
trabalharem, promove sentimentos de alegria, felicidade e bem-estar, tanto no
aspecto profissional, quanto no social.
154
Afinal, o bem estar no trabalho relaciona-se
ao sentimento da valorização humana depositada na relação jurídico-laboral que
reduz o estigma social de incapacidade de tais pessoas.
155
À medida que se reconhece a qualidade do trabalho da pessoa com
deficiência, contribui-se para a realização do ego desta, garantindo a sua identidade
e o desenvolvimento de sua saúde mental.
Considerando que o objetivo da inclusão está direcionado ao
conviver social, ao instituir mecanismos que respeitem todas as pessoas,
reconhecendo-as como integrantes dessa sociedade em contínua transformação,
reforça-se o entendimento de que a inclusão da pessoa com deficiência no ambiente
de trabalho, em que pese diversos desafios, é possível.
3.3.1 Do princípio do não-retrocesso social
Na medida em que a dignidade da pessoa humana é elevada como
fundamento constitucional, surge o chamado princípio do não-retrocesso social”
também denominado por alguns doutrinadores de aplicação progressiva dos
direitos sociais”, que tem por objetivo a vedação da supressão ou da redução de
direitos fundamentais sociais, em níveis já alcançados e garantidos à sociedade.
Este princípio foi acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro, por
meio do Pacto de São José da Costa Rica
156
que, por sua vez, elenca sobre a
questão do desenvolvimento progressivo e as respectivas medidas:
153
PASTORE, op. cit., p. 59 passim.
154
Ibid.
155
CARVALHO, op. cit., p. 79.
156
O Pacto de San José da Costa Rica também chamado de Convenção Americana de Direitos
Humanos é um tratado internacional entre os países-membros da Organização dos Estados
Americanos e que foi subscrita durante a Conferência Especializada Interamericana de Direitos
Humanos, de 22 de novembro de 1969, na cidade de San José da Costa Rica, e entrou em vigência a
18 de julho de 1978. É uma das bases do sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos.
Os Estados signatários desta Convenção se "comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela
reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que está sujeita à sua jurisdição,
sem qualquer discriminação". Se o exercício de tais direitos e liberdades não estiverem ainda
assegurados na legislação ou outras disposições, os Estados membros estão obrigados a adotar as
63
Artigo 26 – Desenvolvimento progressivo
Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no
âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente
econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena
efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e
sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos
Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na
medida dos recursos dispoveis, por via legislativa ou por outros meios
apropriados.
Artigo 41 A Comissão (Interamericana de Direitos Humanos) tem a
função principal de promover a observância e a defesa dos direitos
humanos e, no exercício de seu mandato, tem as seguintes funções e
atribuições:
(...)
2. formular recomendações aos governos dos Estados-membros, quando
considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas
em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus
preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para
promover o devido respeito a esses direitos;
Há que se destacar que, quanto à hierarquia das normas, como será
retratado a seguir, o referido Pacto, por se referir a Direitos Humanos que se
incorporam no Direito Interno brasileiro, pode ser tido como: Emenda Constitucional
(CF, art. 5º, § 3º); Direito Supralegal (posão do Ministro do Supremo Tribunal
Federal, Gilmar Mendes); Direito Constitucional (posição doutrinária).
A primeira possibilidade esdisciplinada no parágrafo 3º, do artigo
5º, da CF, inserido pela Emenda Constitucional 45, que esclarece:
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.
A segunda corrente foi sustentada no voto do Ministro Gilmar
Mendes em 22 de novembro de 2.006, por meio do RE 466.343-SP, sob a relatoria
do Ministro Cezar Peluso.
A terceira proposta emana de doutrinadores, tais quais, Fvia
Piovesan, Valério Mazzuoli e Ada Pelegrini Grinover que entendem que as normas
de Direitos Humanos têm força de Direito Constitucional.
medidas legais ou de outro caráter para que venham a tornar-se efetivas. Estabelece, ainda, a
obrigação dos Estados para o desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais e
culturais, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou outros meios apropriados. Esta
Convenção consagra diversos direitos civis e políticos, entre outros: o direito ao reconhecimento da
personalidade jurídica, o direito à vida, direito à integridade pessoal, direito à liberdade pessoal e
garantias judiciais, direito à proteção da honra e reconhecimento à dignidade, à liberdade religiosa e
de consciência, à liberdade de pensamento e de expressão, e o direito de livre associação.
64
O ponto comum entre as três posições citadas reside no ditame de
que os tratados de Direitos Humanos contam com status supralegal, ou seja, eso
hierarquicamente acima do direito ordinário. Assim, a doutrina defende que tais
tratados, quando ratificados pelo Brasil, têm índole e nível constitucionais, além de
aplicação imediata, não podendo ser revogados por lei ordinária posterior.
Esclarecido o ponto acerca da hierarquia do Pacto de São José de
Costa Rica dentro do ordenamento jurídico brasileiro, é importante aprofundar o
tema sobre a vedação do retrocesso social que pretende garantir ao cidadão o
acúmulo de patrimônio jurídico. Neste escólio, a doutrina explica:
A vedação de retrocesso social na ordem democrática, especialmente em
matéria de direitos fundamentais sociais, pretende evitar que o legislador
infraconstitucional venha a negar (no todo ou em parte essencial) a
essência da norma constitucional, que buscou tutelar e concretizar um
direito social resguardado em seu texto. A inclusão de tal proibição na
ordem jurídica deu-se para impedir a violação do núcleo essencial do Texto
Magno, e, por conseqüência, a supressão de normas de justiça social.
Com isso, firma-se a vedação do legislador em reduzir qualquer direito
social assegurado constitucionalmente, sob pena de violação do princípio
de proteção da confiança e segurança dos cidadãos no âmbito social, e de
inconstitucionalidade. A partir da necessidade de tutela dos direitos sociais,
principalmente no que se refere à dignidade da pessoa humana, a
assistência social trouxe um auxílio aos portadores de deficiência que não
conseguissem prover seu sustento, ou tê-lo provido por sua família. Assim,
a ação efetiva de vedação de retrocesso social, em se tratando de garantir
uma vida digna às pessoas portadoras de deficiência, passou a ser
concretizada a partir da previsão constitucional de concessão do benefício
assistencial de prestação continuada.
157
Como elucida Canotilho, a proibição de retrocesso social faz com
que os direitos sociais estejam garantidos como núcleo efetivo do ordenamento
jurídico. Destarte, ao legislador fica proibido instituir políticas discriminatórias in
pejus.
158
A doutrina brasileira reconhece a existência do princípio no sistema
jurídico-constitucional pátrio. O desbravamento do tema é atribuído a José Afonso
da Silva. Contudo, diversos outros constitucionalistas têm realizado estudos acerca
da matéria, tais quais Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Edson Fachin, Lenio Luiz Streck,
Luís Roberto Barroso, dentre outros.
Verifica-se, com Barroso, que embora o princípio do não-retrocesso
social o esteja explícito, assim como o princípio da dignidade da pessoa humana
157
PEDRON, Daniele M. A (in)constitucionalidade o critério da miserabilidade na concessão do
benefício assistencial a portadores de deficiência. Revista CEJ, Brasília, nº. 33, abr/jun., 2006, p.
54/61.
158
CANOTILHO, op. cit., 340.
65
(para alguns, questão controvertida), ele detém plena aplicabilidade, uma vez que é
consequência do sistema jurídico-constitucional. Ora, uma lei, ao implementar um
mandamento constitucional, se incorpora ao patrimônio legal da cidadania e não
pode ser inteiramente suprimida.
159
Assim, leciona Sarlet que o princípio do não retrocesso acaba que
implicitamente fazer parte das cláusulas pétreas constitucionais:
A garantia de intangibilidade desse cleo ou conteúdo essencial de
matérias (nominadas de cláusulas pétreas), além de assegurar a
identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que
fundamentam o regime democrático, especialmente o referido princípio da
dignidade da pessoa humana, resguarda também a Carta Constitucional
dos “casuísmos da política e do absolutismo das maiorias
parlamentares”.
160
E ainda adiciona em seu discurso argumentativo que o não
reconhecimento do referido princípio permite ao Estado o poder de tomar decisões
de modo absoluto, mesmo em situações que violem a Constituição.
Negar reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significaria,
em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder
público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente
vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral,
disem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante
desrespeito à vontade expressa do Constituinte.
161
Por sua vez, Streck adverte quanto à crescente difusão do não
retrocesso social que se encontra ainda implícito no texto constitucional brasileiro:
Embora (o princípio da proibição de retrocesso social) ainda não esteja
suficientemente difundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no
âmbito da doutrina mais afinada com a concepção do Estado democrático
de Direito consagrado pela nossa ordem constitucional.
162
Canotilho ao definir o princípio ora estudado, explana que
qualquer tentativa de diminuição de Direitos Humanos garantidos pela Lei Maior,
seria uma grave violação aos direitos da sociedade.
159
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 158.
160
SARLET, op. cit., p. 354.
161
Id. Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso: algumas notas sobre o desafio da
sobrevincia dos direitos sociais num contexto de crise. Revista do Instituto de Hermenêutica
Jurídica, Porto Alegre, nº. 2, 2004, p. 162.
162
STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 31.
66
O núcleo essencial dos direitos sociais realizado e efetivado através de
medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido,
sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação
de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na
prática numa “anulação”, “revogação” ou aniquilação pura e simples
desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo
essencial já realizado.
163
Sarlet também pondera que os direitos vinculados à dignidade
humana, esculpidos no bojo constitucional merecem guarida por revelarem-se um
Direito obrigacional do Estado para com a sociedade.
(...) não restam dúvidas de que toda a atividade estatal e todos os órgãos
públicos se encontram vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa
humana, impondo-lhes, neste sentido, um dever de respeito e proteção,
que se exprime tanto na obrigação por parte do Estado de abster-se de
ingerências na esfera individual que sejam contrárias à dignidade pessoal,
quanto no dever de protegê-la conta agressões por parte de terceiros, seja
qual for sua procedência. Assim, percebe-se, desde logo, que o princípio
da dignidade da pessoa humana não apenas impõe um dever de
abstenção (respeito), mas também condutas positivas tendentes a efetivar
e proteger a dignidade do indivíduo.
164
Vê-se, eno, que a proibição do retrocesso social consiste em
importante conquista da civilizão, uma vez que favorece e fortalece as estruturas
da assistência social do Estado e perfectibiliza a sustentação dos direitos
fundamentais, pois, uma vez alcançados determinados direitos, fica o legislador
proibido de suprimir ou reduzir tais direitos sem a criação de mecanismo equivalente
ou substituto.
Afinal, os direitos sociais e econômicos são os fundamentos que
sustentam os direitos individuais. Se não houver esta base, os direitos individuais
perdem sua sustentação.
165
Sob a ótica da jurisprudência brasileira, a título de ilustração, em
análise no repositório de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal disponível para
pesquisa na Internet, nota-se que o primeiro pronunciamento sobre a matéria se deu
no acórdão prolatado na ADI nº. 2.065-0-DF, em que se analisava a extinção do
Conselho Nacional de Seguridade Social e dos Conselhos Estaduais e Municipais
de Previdência Social. Destaca-se o voto do relator originário, Ministro Sepúlveda
Pertence, que admitiu a inconstitucionalidade de lei que simplesmente revogava lei
163
CANOTILHO, op. cit., p. 321.
164
SARLET, op. cit., p. 110.
165
BREGA FILHO, op. cit., p. 84.
67
anterior necessária à eficácia plena de norma constitucional e reconhecia uma
vedão genérica ao retrocesso social.
De igual modo, outras decisões do STF que trataram do tema da
proibição de retrocesso social, tais como as ADIs nº.s 3.105-8-DF e 3.128-7-DF, o
MS nº. 24.875-1-DF e, mais recentemente, a ADI nº. 3.104-DF.
Por certo, admitir alteração ou supressão de direito
constitucionalmente garantido importa em flagrante violação aos Direitos Humanos,
na proporção em que constitui retrocesso social, a menos que outras medidas
compensatórias sejam implementadas.
Brega Filho elucida que a leis que revisam outros textos legais
devem respeitar o conteúdo essencial dos direitos. “Assim, somente o ‘núcleo
intangível’ ou o conteúdo essencial’ dos direitos fundamentais es coberto pelo
manto da imutabilidade”.
166
Resta, portanto, inexequível qualquer alteração legal que subtraia os
direitos constitucionais, relacionados ou não às pessoas com deficiência, sem a
criação de outros instrumentos que criem ou compensem tal medida, sob pena de
retrocesso social e insegurança jurídica.
Torna-se primordial reconhecer que todo cidadão é igualmente
merecedor de respeito em sua expressão máxima. Alcançar os primados da
dignidade da pessoa humana, enquanto Estado Democrático de Direito, é um
exercício efetivo de cidadania e democracia.
Como todos os cidadãos são merecedores de respeito e detêm o
direito de ter direitos, que lhe é resguardada a dignidade humana, justifica-se o
Capítulo a seguir que efetiva uma análise crucial sobre o princípio da igualdade e a
ão afirmativa, enquanto instrumento que viabiliza a sua materialidade
166
Ibid., p. 88.
68
4. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS AÇÕES AFIRMATIVAS
Inicialmente, para se compreender a necessidade de equalizar as
pessoas com deficiência em direitos e obrigações, face aos demais cidadãos, como
reflexo da dignidade da pessoa humana e demonstração de progresso, faz-se
importante uma criteriosa reflexão acerca do princípio da igualdade e a implantação
das ações afirmativas como forma de garantir a efetividade daquele.
“A igualdade constitui o signo fundamental da democracia”
167
.
Portanto, pode-se afirmar que é o tronco, a espinha dorsal de uma sociedade
democrática.
Em verdade, as sociedades estão em sucessivos processos de
transformação, tornando, assim, mutável o conceito de igualdade, tanto em relação
à época, ou em relão a determinado grupo. Diante dessa mutabilidade, o que se
entende como igualdade jurídica em determinado país pode não ser da mesma
forma entendida em outro país e, ainda, a isonomia de tempos passados pode não
equivaler ao que se entende hodiernamente e tampouco servir como parâmetros
efetivos para calcar previsões do que será ela em tempos vindouros.
É válido ressaltar, tamm, que o princípio da igualdade reveste-se
de grande importância social e jurídica. Destarte, é imperioso admitir que a
modernidade demanda estudos e transformões concretas na cultura da
sociedade, contrapondo a idéia de que no presente “o direito de igualdade não tem
merecido tantos discursos como a liberdade”.
168
O Direito, para concretizar a justiça, se utiliza dos critérios
isonômicos, ora determinando o equilíbrio, ora o desequilíbrio positivo, uma vez que
desigualdades provenientes de inúmeras divergências, dentre elas as
desigualdades humanas, que privam muitos até de ter as suas necessidades
básicas supridas.
Neste ínterim, torna-se necessário destacar a colaboração de Rawls,
que por meio de seus discursos fomenta os estudos acerca da justiça distributiva e
igualdade de oportunidades.
167
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 214.
168
Ibid.
69
Rawls ensina que “a justiça é a primeira virtude das instituições
sociais como a verdade é o dos sistemas de pensamento”.
169
Tal afirmativa
inaugural demonstra sua convicção na aplicação da justiça como um sistema que
prevalece a qualquer outro e, como consequência disso, é possível se afirmar que
em uma sociedade justa, as leis e as instituições, quando quedarem-se injustas,
precisam ser modificadas ou até mesmo revogadas.
Em continuação ao raciocínio, de acordo com Rawls, a sociedade é
“uma associação mais ou menos auto-suficiente de pessoas que em suas relações
mútuas reconhecem certas regras de conduta como obrigatórias e que, na maioria
das vezes, agem de acordo com elas”.
170
Identifica-se, pois, que uma sociedade baseada na idéia de justiça
detém uma característica essencial, tal qual o reconhecimento e aceitação dos
mesmos princípios de justiça que deflagra o agir conforme os ditames por ela
estabelecidos. “Portanto numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são
consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à
negociação política ou ao lculo de interesses sociais.”
171
Ainda consoante os ensinamentos apregoados por Rawls, existem
algumas condições para a viabilidade de uma comunidade humana aliceada em
ditames justos. A justiça de um esquema social depende essencialmente de como
se distribuem direitos e deveres fundamentais e das oportunidades econômicas e
condições sociais que existem nos vários setores da sociedade”.
172
Entende-se que as desigualdades sociais, existentes desde a
estrutura básica da sociedade, são difusas e atingem as possibilidades de vida dos
seres humanos. Assim, Rawls esclarece que é a tais desigualdades que os
princípios de justiça devem ser aplicados primeiramente:
Primeiro: Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema
de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema
semelhante de liberdade para outras.
Segundo: As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de
tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas
para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e
cargos acessíveis a todos.
173
169
RAWLS, op. cit., p. 3.
170
Ibid., p. 4.
171
Ibid., p. 3.
172
Ibid., p. 7 et seq.
173
Ibid., p. 64.
70
O primeiro princípio esclarece sobre o respeito à exigência da
aplicação das liberdades fundamentais a todos os indivíduos, tais quais a liberdade,
a política, a liberdade de expressão e reunião, de consciência e pensamento, dentre
outras.
o segundo, refere-se à justiça distributiva, que faz das
desigualdades um conjunto contido nas igualdades, pois, em caso de existência
daquelas, serão inseridas na esfera maior das igualdades, sendo, por conseguinte,
aceitáveis. Rawls conclui que o grupo acaba por aceitar as desigualdades por uma
condição natural de ser humano, na medida em que cada um deseja ocupar uma
posição melhor que o seu semelhante.
4.1 A EVOLUÇÃO MUNDIAL DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A igualdade, como ideologia, sempre foi discutida em todas as
regiões, em todas as épocas, por todos os indivíduos. Deste modo, necessidade
de compreender a sua evolução histórica, com destaque nas principais contribuições
dos povos que influenciaram a sua construção.
O avanço histórico da isonomia divide-se em três etapas: a primeira,
em que a regra era a desigualdade; a segunda, a ideia de que todos eram iguais
perante a lei, denotando que a lei deve ser aplicada indistintamente aos membros de
uma mesma camada social; e na terceira, em que a lei deve ser aplicada
respeitando-se as desigualdades dos desiguais ou de forma igual aos iguais.
174
O primeiro momento é definido da seguinte forma:
(...) a sociedade cunhou-se ao influxo de desigualdades artificiais, fundadas,
especialmente, nas distinções entre ricos e pobres, sendo patenteada e
expressa a diferença e a discriminação. Prevaleceram, então, as
timocracias, os regimes despóticos, asseguraram-se os privilégios e
sedimentaram-se as diferenças, especificadas em leis. As relações de
igualdade eram parcas e as leis não as relevavam, nem resolviam as
desigualdades.
175
A sociedade, como se observa, adotava a desigualdade
fundamentando este sistema nas leis, que a legalizava e, deste modo, propiciava a
quem mais detivesse poder e riqueza, mais privilégios e, ao contrário, aos indivíduos
de classes inferiores restavam os resultados caóticos do desequilíbrio.
174
ROCHA, 1990, op. cit., p. 32 et seq.
175
Ibid., p. 35.
71
Os privilégios dos poderosos eram aceitos normalmente e a
existência da escravidão não era contestada, era absorvida” pelo silêncio imposto
aos escravizados. Como se constata no entendimento supra destacado, a sociedade
antiga legitimava a diferenciação entre ricos e pobres, e não se preocupava em
igualar os desiguais.
Apesar do pensamento de Aristóteles: "a igualdade consiste em
tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais", o houve concretização
nos povos antigos para deflagração do processo de igualdade, uma vez que a
igualdade não era absoluta. Pode-se citar como exceção “a Lei das XII das Tábuas,
a qual consagra a igualdade entre patrícios e plebeus; o Edito Perpétuo que estende
a igualdade às populações de outras etnias e o Edito de Caracalla ou Constitutio
Antoniana, que concede direito de cidadania a todos os habitantes do império.”
176
A desigualdade atinge o seu ápice no período da Idade Média, haja
vista que a sociedade cada vez mais cristalizava as diferenças, além de que o
pensamento filosófico tamm as legitimava. Este é o intervalo histórico no qual os
grupos sociais eram formados pelos suseranos e vassalos.
Neste sentido, ressalta Vicentino:
(...) a sociedade feudal era composta por dois estamentos, ou seja, dois
grupos sociais com status fixo: os senhores feudais e os servos. Os servos
eram constituídos pela maior parte da população camponesa, vivendo como
os antigos colonos romanos – presos à terra e sofrendo intensa exploração.
Eram obrigados a prestar serviços ao senhor e a pagar-lhe diversos tributos
em troca de permissão de uso da terra e proteção militar.
177
Em um segundo momento histórico transformões sociais que
deflagram a nese do Estado moderno. Surge a moeda, o comércio, por isso o
sistema feudal entra em declínio. Ainda, no mesmo compasso, o aparecimento
das cidades, e a burguesia surge como a nova classe social que, por sua vez,
acumula riquezas com o comércio de mercadorias. Logo sobrevém a Revolução
Industrial, e os burgueses, enriquecidos culturalmente, reivindicam, ainda que de
uma forma conveniente à classe, tratamento igualitário a todos:
(...) a sociedade estatal ressente-se das desigualdades como espinhosa
matéria a ser regulamentada para circunscrever-se a limites que
arrimassem as pretensões dos burgueses, novos autores das normas, e
forjasse um espaço de segurança contra as investidas dos privilegiados em
176
Ibid., p. 30.
177
VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1997, p. 109.
72
tulos de nobreza e correlatas regalias no Poder. Não se cogita, entretanto,
de uma igualação genericamente assentada, mas da ruptura de uma
situação em que prerrogativas pessoais decorrentes de artifícios sociais
impõem formas despóticas e acintosamente injustas de desigualação.
Estabelece-se, então, um Direito que se afirma fundado no reconhecimento
da igualdade dos homens, igualdade em sua dignidade, em sua condição
essencial de ser humano. Positiva-se o princípio da igualdade. A lei, diz-se
então, será aplicada igualmente a quem sobre ela se encontre submetido.
Preceitua-se o princípio da igualdade perante a lei.
178
Todavia, Machado Neto expressa que, nestas condições, se forma a
igualdade formal, não contemplando as necessidades reais de equalização:
(...) quando surge a sociedade de classes, canonizando juridicamente o
princípio liberal da igualdade de todos os cidadãos, este, contudo o logra
nem pretende a anulação completa das desigualdades. Apenas não a
contempla, firmando assim uma igualdade formal que se limita a
desconhecer as desigualdades reais.
179
Aqui, cabe tamm destacar Silva:
(...) a burguesia, nscia de seu privilégio de classe, jamais postulou um
regime de igualdade tanto quanto reivindicara o de liberdade. É que um
regime de igualdade contraria seus interesses e dá à liberdade sentido
material que não se harmoniza com o domínio de classe em que assenta a
democracia liberal burguesa.
180
Rousseau defendia que os homens eram iguais, posto que
pertenciam ao gênero do ser humano, diferenciando-se apenas pelas condições
físicas e psíquicas de cada um, sendo que outros tipos de diferenças deveriam ser
rejeitadas pela sociedade.
181
(...) o ideal de igualdade entre os homens guarda uma relação mais íntima
com as idéias propugnadas por John Locke, especialmente na obra
Segundo Tratado do Governo Civil, quando ele revela uma preocupação
com a liberdade e os direitos naturais e individuais dos seres humanos, e
sustenta que a ordem social não devia assentar-se em grupos, entidades ou
aglomerações, mas em indivíduos autônomos e independentes, que o os
verdadeiros responsáveis pelos próprios destinos e os únicos capazes de
buscar a felicidade.
182
178
ROCHA, 1990, op. cit., p. 35.
179
MACHADO NETO, Antônio Luís. Sociologia jurídica. 6. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1987.
180
SILVA, 2001, op. cit., p.214.
181
CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. 8. ed. Rio
de Janeiro: Agir, 1998, p.162-195 passim.
182
WATKINS, Frederick M.; KRAMNIC, Isaac. A idade da ideologia: pensamento político de 1750 até
o presente, p. 11/12 apud MENEZES, Paulo Lucena de. A ação afirmativa (affirmative action) no
direito norte-americano. São Paulo: RT, 2001, p. 16.
73
É o que retrata Chevallier ao exprimir o pensamento de Locke:
(...) o estado de natureza é um estado de perfeita liberdade e também um
estado de igualdade [...] a razão natural ensina a todos os homens, se
quiserem consultá-la, sendo todos iguais e independentes, nenhum deve
prejudicar o outro (...).
183
A França e as colônias inglesas, no final do século XVIII, foram
influenciadas pelos ideários de igualdade. Deste modo, houve a difusão das idéias e
diversas Constituições normatizaram o princípio da isonomia.
Destarte, a Constituição de Virgínia, de 12 de junho de 1776,
elencou topograficamente em seu art. que "todos os homens são, por natureza,
igualmente livres e independentes".
Na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
26 de agosto de 1789, em seu art.1º cunhou o princípio de que os homens nascem e
permanecem iguais em direito. Tal reflexo tornou-se a base do Estado moderno,
exercendo influência sobre todas as constituições posteriores.
Ocorre, entretanto, que este engatinhar do princípio da igualdade,
que levou a erigi-lo como norma constitucional, não foi o suficiente para garantir que
as necessárias mutações que se sucedem na evolução da história dos povos
fossem exteriorizadas de modo igualitário, uma vez que o Estado liberal se pôs
alheio a intervenções e designou aos operadores do Direito a tarefa de tentativa de
efetivação da isonomia. Não obstante, ainda que de forma lenta e gradativa, tendo
por base a realidade de cada grupo social, em cada época, o princípio da isonomia
coma a ter desdobramentos cada vez mais significativos e concretos.
Em 10 de dezembro de 1948, com o intuito de promover grandes
transformações sociais, é promulgada a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que difunde seus preceitos a inúmeras nações, desde o preâmbulo até o
bojo de seus artigos. Importante destacar, na Declaração, o que se tem, tamm,
como objeto deste estudo, ou seja, a igualdade:
Art. - Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual
proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer
discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer
incitamento a tal discriminação;
Art. 22 - Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à
segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos
econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e
183
CHEVALLIER, op. cit., p. 108.
74
à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos
de cada país;
Art. 23, inciso I - Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do
trabalho, a condições eqüitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção
contra o desemprego; inciso II - Todos têm direito, sem discriminação
alguma, a salário igual por trabalho igual.
Conclui-se que, em meados do século passado, era preocupação
dos povos a legitimão da igualdade.
Ao perscrutar as Constituições brasileiras, desde sua gênese,
percebe-se a presença constante do princípio da isonomia. Entretanto, houve
momentos em que a igualdade não ocorreu, nem tampouco em sua acepção formal,
haja vista que, na Carta de 1824, o princípio coexistia com a legitimão da
escravatura. Há que se apontar também que nesta Carta, envolvida pela tendência
mundial da época, a distinção era fundamentada nos méritos individuais.
Com o fim do regime monárquico e o advento da República, na
Constituição de 1891, visando o princípio da isonomia, todos os privilégios de
classes superiores foram extintos ou vedados. Todavia, com o decurso temporal,
viu-se que o autoritarismo, bem como os privilégios e os títulos, ainda que não
escritos, foram mantidos, em decorrência da imposição das classes superiores.
Na Constituição de 1934 mantém-se a igualdade perante a lei,
porém ela traz em seu bojo um novo elemento que descaracteriza as distinções por
motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social,
riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas, ou seja, assume que existem
questões tradicionalmente desencadeadoras de desigualdade, e formalmente as
recrimina.
Contudo, com a Constituição de 1937, a proteção à igualdade foi
abrandada. Neste ínterim, destaca-se a Consolidação das Leis do Trabalho, a qual
tornou defesa a diferenciação nos rendimentos com base no sexo, nacionalidade ou
idade.
Por sua vez, a Constituição de 1946 consolidou o princípio da
igualdade e houve a proibição da propaganda de preconceitos de raça ou classe.
Sobre a Constituição de 1964, pertine relatar que o Brasil tornou-se
signatário da Conveão nº. 111 da Organização Internacional do Trabalho, a qual
definiu a discriminação como "toda distinção, exclusão ou preferência, com base em
raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha o
75
efeito de anular a igualdade de oportunidade ou de tratamento em emprego ou
profissão".
No que alude à Carta Política de 1967, que se mencionar a
constitucionalização da punição do preconceito de raça. Um ano após, o Brasil
ratifica a Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de Racismo,
ao dispor que "não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais",
admitindo a necessidade e a validade de ações para o progresso de determinados
grupos.
A Constituição de 1969, em sua emenda nº.1, proclamou apenas
que não seria tolerada a discriminação.
Finalmente, a Constituição promulgada em 1988, no que pertine à
igualdade, inovou desde o seu preâmbulo ao eleger a igualdade como valor
supremo de uma sociedade pluralista e sem preconceitos.
No art. 3º, IV, há uma determinação para se mudar a realidade
juntamente com os valores de um Estado do bem estar social. Objetiva-se “promover
o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação”.
184
Há que se destacar, também, o caput do art. 5º, que encampa
direitos e garantias individuais, o qual se inicia com a previsão de que “todos são
iguais perante a lei [...] garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito [...] a igualdade [...]”.
185
Em verdade, a noção de igualdade não se apresenta apenas no bojo
dos dispositivos supra mencionados. A igualdade permeia toda a Constituição, quer
igualando ou desigualando para garantir, a todos, a igualdade de oportunidades.
A igualdade entre as camadas sociais, perante a lei, é conhecida na
doutrina como igualdade formal. Vê-se que a igualdade está vinculada ao princípio
da dignidade humana, que, uma vez dotados de humanidade, todos os indivíduos
o sujeitos de direito, devendo obter tratamentos de maneira igualitária. Porém, a
denominada isonomia formal caracterizou-se por sua ineficácia.
184
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Org. Antonio Luiz de Toledo Pinto. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 07.
185
Ibid., p. 05.
76
Neste escólio são os ensinamentos de Rocha:
(...) esta interpretação da expressão iguais perante a lei propiciou situações
observadas até muito pouco tempo em que a igualdade jurídica convivia
com a separação dos desigualados, vale dizer, havia tratamento igual para
os igualados dentro de uma estrutura na qual se separavam os
desigualados, inclusive territorial e socialmente. É o que se verificava nos
Estados Unidos em que a igualdade não era considerada desrespeitada, até
o advento do caso Broen versus Board of Education. Até o julgamento deste
caso pela Suprema Corte norte-americana, entendia-se nos Estados Unidos
da América que os negros não estavam sendo comprometidos em seu
direito ao tratamento jurídico igual se, mantidos em escolas de negros,
fossem ali tratados igualmente.
186
A história mundial demonstra a tentativa de abstenção estatal,
porém, o Estado Negativo não ensejou a igualdade entre os cidadãos, até porque
não houve correção da própria História. Diante disso, compreendeu-se que não
bastava o texto formal da Constituição ao estabelecer a igualdade entre todos
perante a lei, proibindo tratamentos diferenciados, mas sim, verificou-se a
necessidade de que a Constituição obrigasse o Estado a discriminar (positivamente)
as pessoas de tal forma que implicasse na promão de uma igualdade eficaz.
Deste modo, ocorreu o fim do Estado Liberal e nasceu o Estado do
Bem-estar Social, que foi inaugurado expressamente em 1917 com a Constituição
do México, e em 1919, com Lei Fundamental de Weimar. Este novo modelo, por sua
vez, procurou reduzir as desigualdades ocorrentes na sociedade.
O constitucionalismo, com relação ao princípio da igualdade, não
deve estar limitado à igualdade perante a lei. Se antes, com o Estado Liberal, não se
vislumbrava como realizar a igualdade, a norma agora, com o Estado
Assistencialista, desiguala os desiguais para atingir a igualdade implicando
dinamicidade e flexibilidade ao princípio da isonomia.
E, segundo a especificação de Menezes o Estado então passa a ser
instituição com legitimidade para a promão de mecanismos que efetivem a justiça:
(...) o ponto comum dessas tendências foi o de abstrair o conteúdo negativo
do princípio da igualdade. O Estado, a partir de então, passa a ser
reconhecido como a instituição, legítima e adequada, para nivelar as
desigualdades sociais.
187
186
ROCHA, 1990, op. cit., p. 36.
187
MENEZES, Paulo Lucena de. A ação afirmativa (affirmative action) no direito norte-americano. São
Paulo: RT, 2001, p. 24.
77
Com isso, surge a chamada discriminação positiva ou reversa,
visando à supressão de desvantagens impostas às pessoas estigmatizadas.
As constituições brasileiras, desde sua primeira formação,
baseando-se na afirmão da Declaração dos Direitos do Homem, cuidaram de dar
guarida ao princípio da isonomia, enunciando, tão somente, a acepção formal da
igualdade.
Entretanto, “a compreensão do dispositivo vigente, nos termos do
art. 5º, caput, não deve ser assim tão estreita. O intérprete que aferi-lo com
outras normas constitucionais [...], e especialmente, com as exigências da justiça
social, objetivo da ordem econômica e da ordem social”.
188
A visão material da igualdade vem complementar a sua visão formal.
O art. 5º, caput, é considerado “como isonomia formal para diferenciá-lo da isonomia
material, traduzido no art. 7º, XXX e XXXI”.
189
Além disso, é válido ressaltar que a Constituição Federal traz em
seu bojo outras formas expressas de igualdade material, tais como o art. 3º, o art. 5º,
I, XXXII, LXXIV, o art. 170, VII, art. 193, art. 196, art. 205 etc.
Por conseguinte, não basta a lei declarar apenas que todos são
iguais, deve também propiciar instrumentos e mecanismos eficazes para a
construção da igualdade. "A Constituição procura aproximar os dois tipos de
isonomia, na medida em que não se limita ao simples enunciado da igualdade
perante a lei".
190
Neste diapasão, Canotilho preleciona que:
(...) a obtenção da igualdade substancial, pressupõe um amplo
reordenamento das oportunidades: impõe políticas profundas; induz, mais,
que o Estado não seja um simples garantidor da ordem assente nos direitos
individuais e no título da propriedade, mas um ente de bens coletivos e
fornecedor de prestações.
191
Com o desenvolvimento dos conceitos e das exigências da
sociedade, surge a demanda de uma igualdade efetiva/real que vise à abolição das
desigualdades pela adoção de políticas sociais positivas. Estas recebem o nome de
188
SILVA, 2001, op. cit., p. 217.
189
Ibid., p. 218.
190
Ibid.
191
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995,
p.306.
78
ão afirmativa (nomenclatura do direito americano) ou discriminação
positiva/reversa (Direito Europeu).
Vê-se que a sociedade moderna não vive mais um conceito passivo
de igualdade e, sim, se vincula a uma realidade de igualdade ativa.
Porém, de se entender que o legislador, sob pena de criar uma
norma inconstitucional, ao elaborá-la não pode criar situações que discriminem
cidadãos sem motivo. Destarte, leciona Mello:
Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando:
I A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado,
ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura
indeterminada;
II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de
regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal
modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator tempo
– que não descansa no objeto – como critério diferencial;
III A norma atribui tratamento jurídicos diferentes em atenção ao fator de
discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica
com a disparidade de regimes outorgados;
IV A norma supõe relação de pertincia gica existente em abstrato,
mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer
modo dissonantes dos interesses protegidos constitucionalmente.
V A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens,
desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de
modo claro, ainda que por via implícita.
192
Mais uma vez, em comparação à outrora, nota-se a dinamicidade e
flexibilidade do atual princípio da igualdade, que focaliza a consecução do equilíbrio
entre os cidadãos e o benecio de toda a coletividade.
4.2 A DISCRIMINAÇÃO COMPENSATÓRIA E A RESERVA DE VAGAS PARA AS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Consoante expresso alhures, em suma, o prinpio da isonomia
exige que as desigualdades advenham da diferença de capacidades pessoais e não
de critérios personalíssimos.
193
Logo, nas relações de trabalho, para que a pessoa com deficiência
possa requerer os ditames da regra isonômica, deve estar capacitada para o
desempenho da atividade pretendida.
192
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, p.47.
193
Ibid., p. 39.
79
Conquanto haja exceções, há que se levar em conta o baixo grau de
escolaridade destes indivíduos. Mas este é um panorama que es em mudança,
pois se observa que as pessoas com deficiência reconhecem a importância da
educação formal em suas vidas, e, gradativamente, estão retornando às escolas.
Por conseguinte, revela-se necessário o investimento maciço na
preparão dos docentes e demais profissionais da área educacional para que
sejam capazes de trabalhar com esse público. É imperiosa uma educação de
qualidade que se utilize das diferenças para estimular o crescimento.
Além disso, a necessidade da inclusão do Braille e da Libras
(Língua Brasileira de Sinais), como parte do currículo regular das escolas que
recebem alunos com deficiência visual e auditiva, respectivamente. Os professores
deverão ser capazes de lidar com esses alunos, naturalmente.
194
O Decreto nº. 5.626 de 2005, que regulamenta a Lei Federal
nº.10.436 de 2002, preconiza que a Libras deve ser inserida como disciplina
curricular obrigaria nos cursos de formão de professores e que todas as
instituições de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas o acesso
a todas as modalidades de educação, desde o ensino infantil até o superior:
Art. 3º. A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos
cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível
médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino,
públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1º. Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do
conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o
curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados
cursos de formação de professores e profissionais da educação para o
exercício do magistério.
§ 2º. A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais
cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano
da publicação deste Decreto.
Art. 14. As instituões federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente,
às pessoas surdas acesso à comunicação, à informão e à educação nos
processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares
desenvolvidos em todos osveis, etapas e modalidades de educação,
desde a educação infantil até à superior.
(...)
§ 3
o
As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal,
estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas
referidas neste artigo como meio de assegurar atendimento educacional
especializado aos alunos surdos ou com deficiência auditiva.
194
BARBOSA, Jackeline Figueiredo Gomes; CARVALHO, Márcia Oliveira de. O profissional com
deficiência & o mercado de trabalho: parceria de sucesso. In: FREITAS, Maria Nivalda de Carvalho;
MARQUES, Antônio Luiz (Org.). Trabalho e pessoas com deficiência - pesquisas, práticas e
instrumentos de diagnóstico. Curitiba: Juruá, 2009, p. 204.
80
Quanto à questão da discriminação compensatória, Dias defende a
aplicação das referidas normas, desde que haja fundamento para tanto:
O fundamental e que haja uma correlação entre o fator de discriminação e
a desequiparação procedida, a justificar o tratamento jurídico
discriminatório. Assim, nas relações laborais, pode-se dizer que a PPD
(pessoa com deficiência) deve estar habilitada e capacitada para o
desempenho daquela atividade pretendida, para que possa pleitear a
incidência da regra isonômica.
195
O princípio da igualdade deve ser interpretado de forma ampla,
como descreve Moraes:
A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos,
prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais,
ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei em
consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa
forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações
absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em
que se desigualam, e exigência tradicional do próprio conceito de Justiça,
pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por
lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se
encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito (...).
196
No caso dos direitos protetivos da pessoa com deficiência, evidente
que não conteúdo discriminatório, uma vez que total compatibilidade com os
interesses constitucionalmente tutelados.
Ademais, o próprio Direito do Trabalho tem a característica de
proteger a parte hipossuficiente na relação contratual de modo a concretizar a
redução das desigualdades existentes entre os detentores do poder econômico e os
trabalhadores.
4.3 UMA ANÁLISE ACERCA DA AÇÃO AFIRMATIVA
uma expansão global de políticas que visam o combate das
desigualdades como um todo. Nota-se a crescente preocupação em adotar medidas
eficazes com o intuito de promover a igualdade material.
195
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de (Coord.). Temas atuais de Direito do Trabalho e Direito
processual do Trabalho. São Paulo, IBAP - Instituto Brasileiro de Advocacia Pública & Editora
Esplanada. Disponível em <http://www.ibap.org/ppd/artppd/artppd_lcpd01.htm> Acesso em 15 mai.
2009.
196
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 62/63.
81
Sabe-se que o Direito, a princípio, ignora e, em seguida proíbe a
discriminação com a finalidade de operacionalizar medidas que supram
desvantagens históricas. Por isso passa a discriminar positivamente.
É neste terceiro momento que surgem as ações afirmativas ou a
discriminação positiva, como também o conhecidas. Há, neste ínterim, a
conscientizão de que a igualdade real transcende a mera igualdade formal.
Este referido instrumento representa a idéia de um Estado
promovente e atuante, mas sem conotação de autoritarismo. Justifica-se a
interferência do Estado como forma de concretizar a paz social e o desenvolvimento
ecomico do ps que o, inegavelmente, obstados quando a discriminação
marginaliza um ou mais grupos do processo produtivo. Atualmente, o que se pode
constatar é que Estado Democrático de Direito e a proteção contra práticas
discriminatórias são conceitos indissociáveis.
197
Como instrui Gugel, a Convenção nº. 111 (1959), editada pela OIT,
que combate à discriminação em matéria de emprego e profissão, ratificada pelo
Brasil em 1965, foi um marco para as relações de trabalho da sociedade mundial.
198
Este documento conceitua o termo discriminação como:
Artigo 1 1.a) toda distião, exclusão ou preferência, com base em raça,
cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que
tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de
tratamento no emprego ou profissão;
b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito
anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou tratamento no emprego ou
profissão, conforme pode ser determinado pelo País-membro concernente,
após consultar organizações representativas de empregadores e de
trabalhadores, se as houver, e outros organismos adequados.
E a seguir pondera estabelecendo ressalva:
2. Qualquer distinção, exclusão ou preferência, com base em qualificações
exigidas para um determinado emprego, não o consideradas como
discriminação.
Os primeiros reflexos das ações afirmativas se deram nos Estados
Unidos. Lá, este instrumento foi implantado pelo presidente John F. Kennedy, em
janeiro de 1961, como uma das medidas eficazes de combate ao preconceito.
199
197
LOPES, Gláucia Gomes Vergara. A Inserção do portador de deficiência no mercado de trabalho: A
efetividade das Leis Brasileiras. São Paulo: LTR, 2005, p. 83/92.
198
GUGEL, op. cit., p. 19.
82
Esta norma encampava cunho trabalhista, obrigando os
empregadores a tratar isonomicamente todos os seus empregados, e os proibia de
impor restrições com base em critérios de “cor, religião e nacionalidade” para a sua
contratação.
200
(...) o contratante não discriminará nenhum funcionário ou candidato a
emprego devido à raça, credo, cor ou nacionalidade. O contratante adotará
a ação afirmativa para assegurar que os candidatos sejam empregados,
como tamm tratados durante o emprego, sem consideração a sua raça,
seu credo, sua cor, ou nacionalidade. Essa ação incluirá, sem limitação, o
seguinte: emprego; promoção; rebaixamento ou transferência; recrutamento
ou anúncio de recrutamento; dispensa ou término; índice de pagamento ou
outras formas de remuneração; e seleção para treinamento, inclusive
aprendizado.
Para muitos doutrinadores, as ações afirmativas são consideradas
uma evolução do próprio modelo repressor, eis que contém um comando no sentido
de proibir a discriminação e outro no sentido de minorar os efeitos gerados por esta
discriminação.
201
Sob a ótica de Menezes, ação afirmativa é um mecanismo de
inclusão das minorias em postos mais elevados, para que estes também usufruam
das benesses sociais.
Uma visão sintética é apresentada por Kent Greenawalt: “ação afirmativa é
uma expressão que se refere às tentativas de trazer membros de grupos
sub-representados, normalmente grupos que sofrem discriminação, a um
grau mais alto de participação em algum programa de benefício”.
202
Como se pode observar trata-se de medidas que visam a
implantação e providências obrigatórias ou facultativas, oriundas de órgãos públicos
199
O termo ação afirmativa chega ao Brasil carregado de uma diversidade de sentidos, o que em
grande parte reflete os debates e experiências históricas dos países em que foram desenvolvidas.
Nos anos 60, os norte-americanos viviam um momento de reivindicações democráticas internas,
expressas principalmente no movimento pelos direitos civis, cuja bandeira centra era a extensão da
igualdade de oportunidades a todos. No período, começam a ser eliminadas as leis segregacionistas
vigentes no país e o movimento negro surge como uma das principais forças atuantes, com
lideranças de projeção nacional, apoiado por liberais e progressistas brancs, unidos numa ampla
defesa de direitos. ... nesse contexto que se desenvolve a idéia de uma ação afirmativa, exigindo que
o Estado, para além de garantir leis anti-semigregacionstas, viesse também a assumir uma postura
ativa para a melhoria das condições da população negra. Os Estados Unidos completam quase
quarenta anos de experiências, o que oferece boa oportunidade para uma análise de longo prazo do
desenvolvimento e impacto dessa política”. (ALVES, op. cit., p. 69 apud MOEHLECKE, Sabrina. Ação
afirmativa: história e debates no Brasil. São Paulo: USP/Cadernos de Pesquisa, n. 117,
novembro/2002.)
200
MENEZES, op. cit., p. 88.
201
Ibid.
202
MENEZES, op. cit., p. 28.
83
ou privados, cuja finalidade é concretizar a inclusão de classes discriminadas, seja
em decorrência de sua cor, religião, origem, gênero ou, mesmo, pessoas com
deficiência.
Fonseca, com este mesmo fundamento, explica:
As ações afirmativas (...) representam um corte de observação da realidade
que incide na maioria desvalida, mas observa as peculiaridades das
minorias que compõem, tendo-se em vista a insuficiência das ações
genéricas em sim mesmas.
203
Por sua vez, Rocha estabelece o desafio de demonstrar a noção
efetivamente válida no campo jurídico-doutrinário acerca das ações afirmativas:
A definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais,
histórica e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma para
se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por
preconceitos encravados na cultura dominante da sociedade. Por esta
desigualação positiva promove-se a igualação jurídica efetiva; por ela
afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação
social, política, econômica no e segundo o Direito, tal como assegurado
formal e materialmente no sistema constitucional democrático. A ação
afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou
diminuição social a que se acham sujeitas as minorias (...). O conteúdo de
origem bíblica, de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais
na medida em que se desigualam sempre lembrado como sendo a
essência do princípio da igualdade jurídica encontrou uma nova
interpretação no acolhimento jurisprudencial concernente à ação
afirmativa.
204
E continua ao explicitar sobre a legitimação do referido instrumento:
Segundo essa nova interpretação, (...) a igualdade no Direito o pode ser
extraída, ou cogitada, apenas no momento em que se tomam as pessoas
postas em dada situação submetida (...), se deve atentar para a igualdade
jurídica a partir da consideração de toda a dinâmica histórica da sociedade,
para que se focalize e se retrate não apenas um instante da vida social,
aprisionada estaticamente e desvinculada da realidade histórica de
determinado grupo social. que se ampliar o foco da vida política em sua
dinâmica, cobrindo espaço histórico que se reflita ainda no presente,
provocando agora desigualdades nascente de preconceitos passados, e
não de todo extintos (...).
205
203
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos
direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa. São Paulo: LTR, 2006, p. 185.
204
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Ação Afirmativa – O conteúdo democtico do princípio da
igualdade jurídica, in Revista Trimestral de Direito Público nº. 15/85.
205
Ibid.
84
Em síntese, a ação afirmativa pode ser definida como sendo um
conjunto de políticas obrigatórias ou não que combatem a discriminação e almejam
concretizar a participação das minorias no gozo dos direitos fundamentais.
Em tom uníssono leciona Gomes:
Um conjunto de políticas blicas e privadas de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação
(...), bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada
no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade
de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego (...). Em
síntese, trata-se de políticas e de mecanismos de inclusão concebidas por
entidades públicas, provadas e por órgãos dotados de competência
jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional,
universalmente reconhecido o da efetiva igualdade de oportunidades a
que todos os seres humanos têm direito.
206
A ão afirmativa é a ferramenta de restauração de um equilíbrio
antes desfeito e cuja ruptura causou injustiças na distribuição das vantagens e
benesses da sociedade.
207
Ainda encampa em seu bojo o objetivo de eliminar tais
efeitos psicológicos, culturais e comportamentais desta discriminação do passado,
que tendem a se perpetuar. Também tem como desafio a inclusão social de maior
quantidade de membros dos grupos minoritários em setores econômicos,
profissionais e educacionais públicos e privados.
208
Dessa forma, as ações afirmativas têm relação, principalmente, com
a redistribuição de ônus e benefícios, dos bens, entre os membros da sociedade.
Sua finalidade, discriminar por meio de ações compensatórias que promovam a
distribuição equânime dos bens, por si só mitigará os efeitos da discriminação
outrora praticada e embasa a justiça distributiva, através da qual os indivíduos ou os
grupos reivindicam vantagens, bens ou benefícios aos quais teriam acesso se
houvesse justiça social.
209
O pesquisador Medeiros formula uma metáfora que traduz o
conceito, os objetivos e o alcance das ações afirmativas:
Imaginem dois corredores, um amarrado e o outro solto. É claro que o
corredor solto ganha sempre. Mas um dia a platéia dessa competição
imaginária chega à conclusão de que essa situação é injusta. À custa de
muita pressão, consegue-se convencer os organizadores a cortar as cordas
206
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: o direito
como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.
40 et seq.
207
Ibid., p. 61.
208
Ibid., p. 47 et seq.
209
Ibid., p. 67 et seq.
85
que prendiam um dos corredores. que ele continua perdendo. Motivo:
seus músculos estão atrofiados pela falta de treinamento. Se tudo continuar
como está, a tendência é de que ele perca sempre. Que fazer para
promover a igualdade de condições entre os dois corredores? Alguns
sugerem que se um treinamento especial ao corredor que estava
amarrado. Pelo menos durante algum tempo. Outros defendem uma medida
mais radical: por que não lhe dar uma vantagem de dez metros em cada
corrida? Logo se ouvem vozes denunciando que isso seria discriminação.
Mas quem defenda: discriminação, sim, mas positiva porque visa
promover a igualdade, pois tratar igualmente os desiguais é perpetuar a
desigualdade. Essa história ilustra muito bem o conceito de “ação
afirmativa” e o debate que o tema desperta na sociedade. Podemos dizer
que os negros, as mulheres e outros grupos discriminados são como o
corredor amarrado: por muito tempo estiveram presos pelas cordas do
racismo e da discriminação, por vezes traduzidos até mesmo em leis. Não
podem ganhar a corrida. Mesmo depois de soltos”, continuam perdendo.
Isso porque a discriminação, mesmo que ilegal, prossegue funcionando de
forma disfarçada. (...) O objetivo da “ação afirmativa” é superar essas
desvantagens e promover a igualdade entre os diferentes grupos que
compõem uma sociedade. Isso pode ser feito de várias maneiras.
Proporcionar bolsas de estudos e promover cursos de qualificação para
membros desses grupos é como dar um treinamento especial para o
corredor que estava amarrado (...).
210
Ao comparar a Convenção nº. 111 da OIT com a Lei Maior
Brasileira, conclui-se que esta adotou um modelo de política que aborda o fenômeno
da ão afirmativa em termos mais amplos, num sistema com múltiplas
manifestações exemplificado pela política nacional de proteção às mulheres (art. 7º,
XX), e portadores de deficiências (art. 37, VIII), com políticas públicas instituídas e
medidas legais de proteção e correção de distorções que afetam o acesso ao
trabalho. Por sua vez, a discriminação positiva para as pessoas com deficncia tem
eficácia nas leis que ordenam a reserva de cargos e empregos públicos para a
administração direta e indireta (Lei nº. 8.112/90), e de postos de trabalho no setor
privado (Lei nº. 8.213/91).
211
Para consolidar os efeitos da ação afirmativa, outra importante
Conveão é a de nº. 159, também editada pela OIT, ratificada pelo Brasil no icio
dos anos 90. Refere-se à “reabilitação profissional e emprego das pessoas
deficientes”, de forma que estas venham a obter e conservar um emprego digno
(artigo 1 2), sendo que, ao mesmo tempo, a norma ordena que o Estado crie
políticas de igualdade de oportunidades para tais trabalhadores:
Essa política deverá ter como base o princípio de igualdade de
oportunidades entre os trabalhadores deficientes e dos trabalhadores em
geral. Deve-se-á respeitar a igualdade de oportunidades e de tratamento
210
MEDEIROS, Carlos Alberto. Racismo, preconceito e intolerância. São Paulo: Atual, 2002, p. 22.
211
GUGEL, op. cit., p. 22.
86
para as trabalhadoras deficientes. As medidas positivas especiais com a
finalidade de atingir a igualdade efetiva de oportunidades e de tratamento
entre trabalhadores deficientes e os demais trabalhadores, não devem ser
vistas como discriminatórias em relação a estes últimos.
Há que se destacar tamm, a Convenção Interamericana para
Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência, (1999), também conhecida como Convenção da Guatemala, ratificada
no Brasil em 2001, que propõe medidas para prevenir a discriminação, eliminá-la e
também para criação de mecanismos que instituam a igualdade de oportunidades:
Artigo I - 2. a) O termo "discriminação contra as pessoas portadoras de
deficiência" significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em
deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior
ou perceão de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou
propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por
parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e
suas liberdades fundamentais.
b) Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo
Estado Parte para promover a integração social ou o desenvolvimento
pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou
preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e
que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência.
Nos casos em que a legislação interna preveja a declaração de interdição,
quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não
constituirá discriminação.
Ademais, no Artigo III, vê-se reforçada a implementação da ação
afirmativa pelo Estado, na medida em que deverá se comprometer a tomar as
medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra
natureza, necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas com
deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade.
Artigo III 1.a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades
privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a
integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações,
programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as
comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à
justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração;
b) medidas para que os edifícios, os veículos e as instalações que venham
a ser construídos ou fabricados em seus respectivos territórios facilitem o
transporte, a comunicação e o acesso das pessoas portadoras de
deficiência;
c) medidas para eliminar, na medida do posvel, os obstáculos
arquitetônicos, de transporte e comunicações que existam, com a finalidade
de facilitar o acesso e uso por parte das pessoas portadoras de deficiência;
87
Outro importante marco é a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU e ratificado pelo Brasil em 2007, que
se fundamenta na dignidade e nos valores humanos.
Os princípios da Convenção estão norteados pelos ideários de
discriminação reversa, para que se estabeleça a inclusão das pessoas com
deficiência na sociedade:
Art. 3. a. O respeito pela dignidade inerente, independência da pessoa, de
fazer as próprias escolhas, e autonomia individual.
b. A não-discriminão;
c. A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
d. O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com
da diversidade humana e da humanidade;
e. A igualdade de oportunidades;
f. A acessibilidade;
g. A igualdade entre o homem e a mulher; e
h. O respeito pelas capacidades em desenvolvimento de crianças respeito
pelo seu direito a preservar sua identidade.
Com justificativa em tais princípios, observa-se a necessidade de
igualdade de oportunidades que pode se dar por meio das ações afirmativas, para
que a pessoa com deficiência tenha condições de um trabalho da livre escolha, em
ambiente acessível e inclusivo, proibindo a discriminação baseada na deficiência
quanto à admissão e remuneração, permanência e ascensão profissional.
212
O artigo da Convenção retrata acerca da Igualdade e não
discriminação:
Artigo 5°. Igualdade e não discriminação
1. Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas o iguais perante
e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e
igual benefício da lei.
2. Os Estados Partes deverão proibir qualquer discriminação por motivo de
deficiência e garantir às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção
legal contra a discriminação por qualquer motivo.
3. A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados
Partes deverão adotar todos os passos necessários para assegurar que a
adaptação razoável seja provida.
4. Nos termos da presente Convenção, as medidas específicas que forem
necessárias para acelerar ou alcança a efetiva igualdade das pessoas com
deficiência não deverão ser consideradas discriminatórias.
212
GUGEL, op. cit., p. 24 et. seq.
88
O artigo 27, por sua vez, explicita sobre o trabalho e o emprego das
pessoas com deficiência:
Artigo 27. Trabalho e emprego
1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência de
trabalhar, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Este
direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de
sua livre escolha ou aceito no mercado laboral em ambiente de trabalho que
seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados
Partes deverão salvaguardar e promover a realização do direito ao trabalho,
inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego,
adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre
outros:
a. Proibir a discriminão, baseada na deficiência, com respeito a todas as
questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de
recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão
profissional e condições seguras e salubres de trabalho;
b. Proteger os direitos das pessoas com deficiência, em condições de
igualdade com as demais pessoas, às condições justas e favoveis de
trabalho, incluindo iguais oportunidades e igual remuneração por trabalho
de igual valor, condições seguras e salubres de trabalho, além de reparação
de injustiças e proteção contra o assédio no trabalho;
c. Assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seus direitos
trabalhistas e sindicais, em condições de igualdade com as demais
pessoas;
d. Possibilitar às pessoas com deficiência o acesso efetivo a programas
técnicos gerais e de orientação profissional e a serviços de colocação no
trabalho e de treinamento profissional e continuado; e. Promover
oportunidades de emprego e ascensão profissional para pessoas com
deficiência no mercado de trabalho, bem como atendimento na procura,
obtenção e manutenção do emprego e no retorno a ele;
f. Promover oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo,
desenvolvimento de cooperativas e estabelecimento de negócio próprio;
g. Empregar pessoas com deficiência no setor público;
h. Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado,
mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas
de ação afirmativa, incentivos e outras medidas;
i. Assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com
deficiência no local de trabalho;
j. Promover a aquisição de experiência de trabalho por pessoas com
deficiência no mercado aberto de trabalho; e
k. Promover reabilitação profissional, retenção do emprego e programas de
retorno ao trabalho para pessoas com deficiência.
2. Os Estados Partes deverão assegurar que as pessoas com deficiência
não serão mantidas em escravidão ou servidão e que serão protegidas, em
igualdade de condições com as demais pessoas, contra o trabalho forçado
ou compulsório.
A jurisprudência, em tom uníssono aos ditames legais, tem decidido:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA
PORTADORA DE VISÃO MONOCULAR. DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
VAGA DESTINADA A PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA
FÍSICA. RECONHECIMENTO. 1. O escopo da legislação, no que tange à
observância do cririo erigido em lei e consagrado no edital do concurso,
relativo à destinão de vagas a pessoas portadoras de deficiência, é
89
assegurar o acesso de pessoas portadoras de deficiência ao mercado de
trabalho, buscando não apenas reduzir as dificuldades materiais
decorrentes de sua condição especial, mas, sobretudo, superar a barreira
maior que se impõe à sua total inclusão em todos os aspectos da vida
social: o preconceito. Nisso consiste a ação afirmativa, ferramenta essencial
na promoção da igualdade real entre os seres humanos primado básico dos
direitos fundamentais reconhecidos desde a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948. Por meio da ação afirmativa, -se sentido e
conteúdo ao princípio isonômico consagrado na cabeça do artigo da
Constituição da República. 2. (...) 4. Entendimento que se afina com a
jurisprudência consagrada pelo Supremo Tribunal Federal, intérprete
ximo da Constituição da República. Precedente do Órgão Especial. 5.
Segurança concedida.
213
Vê-se, portanto, que diversos são os direitos esculpidos pelas
Conveões e legislações. Logo, conclui-se que as atitudes afirmativas das normas
internacionais se coadunam com a legislação pátria, na medida em que são criados
vários mecanismos de inclusão que garantem a concretização de uma sociedade
democrática, sendo que, dentre eles, estão as oportunidades de acesso a cargos e
empregos públicos e reserva de vagas a empresas privadas para as pessoas com
deficiência.
213
MS - 195676/2008-000-00-00 Tribunal Superior do Trabalho. Órgão Especial - DJ - 15/05/2009
90
5. O DIREITO SOCIAL AO TRABALHO DAS PESSOAS COM DEFICÊNCIA
5.1 O TRABALHO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Para sintetizar, ainda que tangencialmente, o entendimento da
alocação do trabalho na contemporaneidade, utiliza-se a História como parte de um
“mapa de experiências singulares”. Dessa forma, sua emergência depende de
condicionantes sociais, culturais, políticas e ambientais.
214
Na Grécia Antiga, não havia um conceito de categoria universal para
designar o trabalho. Os gregos não eram definidos como cidadãos pela atividade
profissional, mas por uma lei que valorizava suas virtudes morais e políticas.
Todavia, na Idade Média, o trabalho surgiu como uma maneira de exaurir o corpo
dos pecados, demonstrando a vitória do esrito sobre a carne. Deste contexto
advieram enunciados que até hoje estão presentes em nossa sociedade, como “o
trabalho tudo vence” e “o trabalho enobrece o homem”. Trabalhar torna-se um ato
fundamental para o homem ser considerado cidadão.
215
Ao enfocar o trabalhador no Brasil, tem-se que, na década de 30, no
governo Vargas, houve uma intervenção estatal na regulação das relações sociais
que apresentou melhorias na condição do trabalhador. Sob o crivo das pesquisas de
Antropologia, portar a carteira de trabalho é uma das principais formas de
estardocumentado” e ser reconhecido como um “homem de bem, haja vista que
este documento é uma “certidão de nascimento cívico” por referir-
se a uma cidadania regulada por este, o que acaba por contribuir com
formas desiguais de inclusão.
216
Ao retornar no campo da filosofia, Marx analisa o trabalho como um
mecanismo que define e caracteriza o que é ser humano; o homem é produto e
produtor da História, ao transformar a natureza, transforma-se, pois o trabalho “é um
processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o
214
GONDAR, Jô. O. O trabalho como objeto histórico. Cadernos do NUPSO - Núcleo de Pesquisa em
Psiquiatria Social. CJM/ENSP/FIOCRUZ, v. 2, nº. 3, 1989, p. 20/32.
215
VAZ, Cláudia Freire, et al. Acessibilidade: da obtenção de um lugar à construção de um espaço.
In: FREITAS, Maria Nivalda de Carvalho; MARQUES, Antônio Luiz (Org.). Trabalho e pessoas com
deficiência - pesquisas, práticas e instrumentos de diagnóstico. Curitiba: Juruá, 2009, p. 173.
216
GUEDES, Simoni Lahud. A escritura das relações sociais: o valor cultural dos "documentos" para
os trabalhadores. Antropolítica (UFF), Niterói, v. 6, 1999, p. 87/96.
91
ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio
material com a natureza”.
217
Conforme leciona Dejours, o trabalho tem a função de permitir o
intercâmbio experimental do contato de si mesmo com o real, o que faz emergir os
limites humanos, inclusive no que se refere ao sofrimento. Por outro lado, possibilita
o conhecimento e a construção de uma vida produtiva na relação com o mundo
218
.
Sob uma perspectiva diametralmente oposta, Ludwig explica que o
ser humano é explorado no trabalho, é coisificado, e sua função se reduz a produzir
e consumir produtos.
(...) o caráter social dos indivíduos realiza-se no intercâmbio das coisas a
função do indivíduo reduz-se à produção e compra de mercadorias. Fora
dessa esfera retorna à solidão improdutiva. Além disso, o caráter social não
é um momento positivo da humanidade; ao contrário, é anti-humano, dado
que é essencialmente marcado pela exploração do trabalho. A socialidade
sob o pressuposto do valor (essência do capital) define-se pela coisificação,
isto porque o trabalho não é subsumido a partir do controle do
trabalhador.
219
Sob a concepção de Arendt, por vida ativa entende-se a
possibilidade de existir e laborar na edificação do mundo e das relações
psicossociais, ao participar de uma vida com sentido e que gera a condição humana
de existência, concretizando-se por meio de suas três dimenes: o labor, que é a
atividade mecânica; o trabalho, propriamente dito, consistente na produção de bens
duráveis; e a ação que é a possibilidade de construir a história subjetiva e social
pelas trocas e laços que o trabalho possibilita.
220
Destarte, corrobora-se a necessidade de garantir à pessoa com
deficiência o direito de cooperar com a produtividade laboral e com a evolução da
sociedade, porquanto, dessa forma, num ciclo de benesses, de igual modo lhe
estará sendo garantido o direito à dignidade humana, na medida em que poderá
também desenvolver a sua própria história.
217
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1980, p. 202.
218
DEJOURS, C. Réhabiliter la normalité? Passant Ordinarie. n.45-46, jun/set, 2003. Disponível em:
<http://www.passant-ordinaire.com/revue/45-46-557.asp> Acesso em 29 jun.2008.
219
LUDWIG, Celso Luiz. Para uma Filosofia Jurídica da Libertação: Paradigmas da Filosofia da
Libertação e Direito Alternativo. Florianópolis: Conceito Editoral, 2006, p. 172.
220
ARENDT, op. cit., p. 15.
92
5.2 INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO
O tema proposto envolve aspectos de ordem social, jurídica,
ambiental, econômica, cultural, política, ética, moral, etc. Ainda hoje, está muito
presente em nossa sociedade a prática da segregação das pessoas com
deficiência.
221
No mercado de trabalho, a questão da diversidade adquiriu
importância em função de leis que obrigam a contratação de pessoas com
deficiência, levando os gestores a ter que se adaptar a essa nova situação a qual
prima pela efetividade da democracia.
Assim como revelam Ribeiro e Ribeiro,
222
a primeira forma de
inclusão sociolaboral tinha como prinpio o paradigma da integração, em que o
mercado de trabalho se abria para a diversidade. No entanto, os excluídos das
relações sociolaborais é que deveriam se adaptar por meio do
autodesenvolvimento, o que configurava uma idéia funcionalista de mundo,
condizente com o modelo sistêmico da organização do trabalho que vigorava no
Pós-guerra e gerava políticas de igualdade de oportunidades (equal opportunities
politics). Em ato contínuo, o princípio vigente passa a ser o da inclusão, no qual o
mercado de trabalho se abre para a diversidade, porém, ele mesmo deveria fornecer
as condições para esse processo e se adaptar ao novo perfil dos processos
organizativos e dos trabalhadores, o que gerou políticas de responsabilidade social e
de gestão da diversidade.
Para ratificar seu posicionamento, os supracitados autores ainda
apontam uma pesquisa realizada na Europa, em 2002, em que foram
analisadas quatrocentas empresas dos mais variados setores e concluíram que, em
geral, as empresas estariam mais influenciadas por questões financeiras e de
obrigatoriedade no cumprimento de leis (por exemplo, as leis de cotas para
pessoas com deficiência no mercado de trabalho), do que por uma mudança
atitudinal de compromisso social dos empregadores. Deste modo, utilizariam a
221
FLEURY, Maria Tereza; JACOMETTE, Estela. A gestão da diversidade cultural recriando o
conceito em uma empresa no Brasil. In: BENTO, Maria Aparecida Silva (Org.). Ação afirmativa e
diversidade no trabalho.o Paulo: Casa do Psicólogo, 2000, p. 173 passim.
222
RIBEIRO; RIBEIRO, op. cit., p. 127.
93
gestão da diversidade para melhorar a imagem da empresa e vender um ideal de
responsabilidade social, ao invés de incentivar ações de justiça social.
223
Conforme se abordado no capítulo seguinte, de acordo com os
dados estatísticos do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estasticas (IBGE), em 2001, havia no Brasil 24,6 milhões de pessoas com
deficiência, o que equivalia a 14,5% do total da população. Destas, 9 milhões
encontravam-se em idade de trabalhar, porém, apenas 1 milhão delas trabalhavam
formal ou informalmente.
Ao analisar esta ínfima porcentagem de pessoas com deficiência
que participam ativamente do mercado de trabalho denota-se a dificuldade de sua
inseão nas atividades laborais. Inúmeras pesquisas apontam para o mesmo norte
uma vez que demonstram que a referida dificuldade está ligada à falta de
conhecimento dos empregadores sobre o potencial dos referidos indivíduos, além de
revelar acerca do desconhecimento do que realmente seja a deficiência,
224
bem
como evidenciar a falha na inserção e formão educacional dos mesmos.
225
Além disso, ainda que superado o desafio das pessoas com
deficiência de ingressarem nas empresas, há também obstáculos para manterem-
se e serem promovidas. Esses impedimentos são exemplificados pela necessidade
de adaptações em postos de trabalho,
226
em transporte coletivos, na melhoria dos
serviços especializados de educação e saúde, e pela quebra de barreiras sociais
causadas pelo desconhecimento das deficiências e doenças por parte da
população em geral, o que gera mitos, preconceitos e rejeição.
227
A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) da ONU
em seu artigo 23, proclama o direito ao trabalho e à livre escolha do trabalho,
condições equitativas e satisfatórias de trabalho além da proteção contra o
desemprego a toda pessoa; a Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência
223
Ibid., p. 128.
224
CARREIRA, Dorival. A integração da pessoa deficiente no mercado de trabalho. In MANTOAN,
Maria Teresa Eglér. (Org.). A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão
sobre o tema. São Paulo: Memonn, 1997, p. 95/114.
225
BRASIL – Ministério da Justiça. Adaptação de ocupações e o emprego do portador de deficiência,
Organizão Internacional do Trabalho - OIT. Tradução: Edílson Alkmin da Cunha. Brasília:
Ministério da Justiça. Brasília: Ministério da Justiça, CORDE, 1997. Disponível em
<http://www.presidencia.gov.br/sedh/corde> Acesso em 05 de nov. 2009.
226
ALMEIDA, Luciana Alves Drumond; FREITAS, Maria Nivalda de Carvalho; MARQUES, Antônio
Luiz. Inserção no mercado formal de trabalho: satisfação e condições de trabalho sob o olhar das
pessoas com deficiência. In MANTOAN, Maria Teresa Eglér. (Org.). A integração de pessoas com
deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memonn, 1997, p. 89.
227
BRASILMinistério da Justiça, op. cit., acesso em 05 de nov. 2009.
94
da ONU (1975) em seu artigo 7º, proclama o direito de toda pessoa com deficiência
a obter e a manter um emprego ou desenvolver atividades úteis.
Em verdade, a doutrina interdisciplinar apura alguns apontamentos
significativos sobre o trabalho associado a um emprego: diminui as taxas de
pobreza, torna viável a diminuição do isolamento social e promove o aumento da
participação política ao alocar os deficientes como agentes de transformão;
228
bem como melhora a auto-estima, ao fazer os indivíduos se sentirem cidadãos
com vida ativa
229
.
Nesta esteira leciona Sassaki, ao enfatizar que o trabalho contribui
para o desenvolvimento da auto-estima e da confiança. Seu papel é de proporcionar
aprendizagem, crescimento, transformação de conceitos e atitudes, aprimoramento
e remuneração.
230
De acordo com a Associação dos Acidentados de Trabalho do
Estado de Gos ACITEG, em termos de competência e habilidade, uma pessoa
com deficiência pode se tornar um excelente empregado. Segundo depoimentos de
empregadores, os trabalhadores com deficiência apresentam maior confiabilidade,
um melhor índice de frequência e menores porcentagens de afastamentos por
doenças, do que os colegas não-deficientes. Restou comprovado que as pessoas
com deficiência, por terem sido excluídas do mercado de trabalho, valorizam e
preservam a condição de estarem empregadas, mais do que os trabalhadores não-
deficientes.
231
Para a concretizão eficaz da inclusão de pessoas com deficiência
no mercado de trabalho, é preciso que as instituições empresariais reconheçam a
necessidade da inseão e, além de fornecer oportunidades para estes
conquistarem seu espaço no mercado, mantenham a empregabilidade e se utilizem
de mecanismos de promoção de cargos e salários na medida, em que os
228
SCHUR, L. The difference a job makes: the effects of employment among people with disabilities.
Journal of Economic Issues, v. 36, n. 2, jun. 2002, p. 339-348.
229
OLIVEIRA, Maria Helena Alcântara de. Núcleos cooperativos: uma perspectiva profissional para o
portador de deficiência. Brasília, ano 13, n. 60, p. 106-108, out./dez. 1993. Disponível em
<http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/892/799> Acesso em 08 de nov.
2009.
230
SASSAKI, Romeu Kazumi, et al. Educação profissional e colocação no trabalho: uma nova
proposta de trabalho junto à pessoa portadora de deficiência. Bralia: Federação Nacional das
APAES, v. 1, 1997, p. 95.
231
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho protegido do portador de deficiência. Revista
de Direitos Difusos n. 4 Proteção Jurídica dos Portadores de Deficiência. São Paulo, IBAP
Instituto Brasileiro de Advocacia Pública & Editora Esplanada ADCOAS, Dez/2000, p. 481/486.
95
funcionários se destaquem, pois, desta forma, tamm poderão contribuir para o
progresso social democrático.
5.2.1 Reserva de cargos e empregos
No Brasil, com o devido amparo legal, a reserva de cargos e
empregos, como consequência da ação afirmativa fulcrada na isonomia material,
bem como a proibição de qualquer discriminação relacionada à remuneração e
critérios de admissão, fato conhecido como Lei de Cotas.
As práticas de responsabilidade social por parte das empresas
favorecem a contratação e as relações inclusivas no ambiente de trabalho. No
entanto, pesquisas que indicam que, apesar da Lei de Cotas ser o principal
instrumento disponível às pessoas com deficiência para assegurar um lugar no
mercado de trabalho formal, nem sempre ela é cumprida.
232
5.2.1.1 No serviço público
O inciso VIII do artigo 37 da Lei Constitucional, estabelece acerca da
reserva de vagas a serem preenchidas por meio de concurso público:
A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão.
Em 11.12.90, surgiu a Lei 8.112, que dispôs sobre o Regime Jurídico
Único dos Servidores Civis da União, e em seu artigo 5º, § previu reserva de até
20% das vagas para as pessoas com deficiência:
Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado direito de se inscrever
em concurso público para provimento de cargos cujas atribuições sejam
compatíveis com a deficiência de que o portadoras; para tais pessoas
serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no
concurso.
232
NERI, Marcelo, et al. Retratos da Deficiência no Brasil. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS,
2003.
96
Em que pese a relevância e necessidade desta norma, Dias a critica
no ponto em que a mesma fixa “em até 20% a reserva de vagas, por impossibilitar,
em certas conjunturas, o seu cumprimento integral. Pois, quando o número de vagas
for inferior a 5, o percentual de uma eventual vaga reservada resultará maior do que
aquele limite (1 em 4 = 25%; 1 em 2 = 50%).
233
Portanto, a lei de regência deveria estabelecer apenas o patamar
mínimo de reserva de vagas, sem que estipulasse um percentual máximo, para
evitar a incongruência acima denunciada.
234
uma situação aparentemente contraditória, que a Constituição
garante esse direito aos deficientes, mas a legislação infraconstitucional, nesse
caso, entra em contradição: se houver o respeito ao arredondamento do Decreto
3.298/99,
235
restará violada a Lei 8.112/90; mas se não houver o arredondamento, o
direito constitucionalmente garantido se torna estéril. De um lado os direitos
compensatórios dos deficientes, do outro a discricionariedade administrativa que
permite que os administradores avaliem, embasados em motivos de oportunidade e
conveniência, qual o percentual de vagas que deve ser destinado aos deficientes
quando da realização de um concurso blico.
O STJ vem reiteradamente adotando a premissa de que existem
duas listas de classificados: a lista das pessoas com deficiência, as quais concorrem
apenas para as suas vagas destinadas pelo edital; e a lista dos não-deficientes, que
concorrem para o restante das vagas. Quando for feito o preenchimento das vagas,
procede-se a nomeação alternada das vagas com os candidatos de ambas as listas.
Assim sendo, seguir a orientação da Corte de origem, de que apenas com a
nomeação de 10 (dez) candidatos pode um deficiente ocupar uma vaga, é
ignorar a norma contida nos dispositivos acima transcritos, bem como o
princípio da relativização da isonomia, chegando à absurda conclusão de
que para assegurar 01 (uma) vaga ao candidato deficiente, levando em
conta o percentual de 5%, o concurso teria, necessariamente, que oferecer
pelo menos 20 (vinte) vagas. Não é esse o escopo protetivo nas normas
aplicáveis ao caso.
233
DIAS, Luiz Cláudio Portinho. O panorama atual da pessoa portadora de deficiência física no
mercado de trabalho. Disponível em <http://www.ibap.org/ppd/artppd/artppd_lcpd01.htm> Acesso em
20 de maio 2009.
234
Ibid.
235
Decreto Regulamentar 3.298, dise que: Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de
deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais
candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é
portador. 1
o
O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições,
concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da
classificão obtida. 2
o
Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em
número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente.
97
Isto significa dizer que o impetrante, primeiro colocado entre os deficientes
sicos, deve ocupar uma das vagas ofertadas ao cargo de Analista
Judiciário especialidade Odontologia, para que seja efetivada a vontade
insculpida no art. 37, § 2º do Decreto nº. 3.298/99. Entenda-se que não se
pode considerar que as primeiras vagas se destinam a candidatos não-
deficientes e apenas as eventuais ou últimas a candidatos deficientes. Ao
contrário, o que deve ser feito é a nomeação alternada de um e outro, até
que seja alcançado o percentual limítrofe de vagas oferecidas pelo Edital a
esses últimos.
236
Entende-se que quando número de vagas superior a uma e
uma lista com vários deficientes, sim se visualiza esse preenchimento alternado.
Mas quando o número suficiente de vagas abertas, não se aplica o raciocínio.
O raciocínio do preenchimento alternado das listas se apresenta razoável quando
um número de vagas suficientes para que isso seja feito, respeitando-se os direitos
das pessoas com deficiência. Mas se torna equivocado quando não um número
de vagas suficiente abertas de plano pelo edital do concurso, pois quando não
um número suficiente de vagas, a pessoa com deficiência deve esperar para que
seja aberto o referido número para que os dispositivos legais sejam respeitados e, a
partir daí, pode ser feita o preenchimento alternado das vagas.
237
Ademais, a possibilidade da reserva de vagas atingir um número
fracionado inferior a 1. Neste sentido, o Recurso Extraordinário sob o nº.
227229/MG, em que o Supremo Tribunal Federal analisou o caso da autora do
recurso que prestou concurso blico para a Prefeitura da cidade, cujo número de
vagas era igual a 8. Nos termos da lei complementar 09/92, reguladora da CF no
âmbito da Administração Municipal, o número de vagas para portadores de
deficiência seria de 5%. No concurso em questão, o número de vagas, portanto,
seria de 0,4.
De tal modo foi prolatada a seguinte decisão:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO . 227.299-1 MINAS GERAIS.
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGAS PARA
PORTADORES DE DEFICÊNCIA. ARTIGO 37, INCISO VIII, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A exigência constitucional de reserva de vagas
para portadores de deficiência em concurso blico se impõe ainda que o
percentual legalmente previsto seja inferior a um, hipótese em que a fração
deve ser arredondada. Entendimento que garante a eficiência do artigo 37,
inciso VIII, da Constituição Federal, que, caso contrário, prestaria violado.
Recurso Extraordinário conhecido e provido. Rel. Min. Ilmar Galvão. D. J.
06.10.2000.
236
STJ - RMS 18669/RJ – Quinta Turma – Ministro Gilson Dipp – DJ 29/11/2004 – p. 154.
237
FREDERICO JÚNIOR, José Luizilo. A reserva de vagas para deficientes em concursos: a lei e a
jurisprudência. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1160, 4 set. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8874>. Acesso em: 01 jul. 2010.
98
Diante do zelo pela higidez da Constituição, constata-se que este
entendimento vem sendo seguido pela jurisprudência:
Nos termos do julgado proferido no RE nº. 227.299/MG, da relatoria do
Ministro Ilmar Galvão, “a exigência constitucional de reserva de vagas para
portadores de deficiência em concurso blico se impõe ainda que o
percentual legalmente previsto seja inferior a um, hitese em que a fração
deve ser arredondada. Entendimento que garante a eficácia do artigo 37,
inciso VIII, da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e
provido”.
238
Ao candidato aprovado e classificado em concurso público para vaga
destinada aos portadores de deficiência, deve ser assegurada à
convocação para o seu preenchimento, ainda se o cálculo do percentual
legalmente previsto resultar em número fracionado, hipótese em que deverá
ser arredondado para cima. Precedente do STF.
239
Preenchimento de cargo referente a deficiente físico. Se o número de vagas
em concurso blico destinadas ao portador de deficiência física, pela
aplicação do percentual previsto em Lei, resultar em número fracionário,
impõe-se o arredondamento para a unidade seguinte. Tratando-se de
norma de discriminação positiva, deve prevalecer a interpretação que
favoreça o deficiente físico.
240
É de valia ressaltar que, mesmo naqueles concursos em que os
editais não prevêem a reserva de quadros para as pessoas com deficiência, por
omissão do administrador, deve-se entender que o privilégio implicitamente
previsto, porquanto há lei vigente e eficaz e se esta exige a reserva, o administrador
não possui discricionariedade suficiente para dispensá-la.
241
Importante enfatizar que à pessoa com deficiência que se candidata
em concurso público devem ser asseguradas todas as condições para a realizão
da prova em igualdade de condições com os demais candidatos, não só em relação
às facilidades necessárias, de acordo com o grau e tipo de deficiência, como
também àquelas relativas à acessibilidade.
242
Dias ainda observa que não havendo tal providência por parte do
administrador encarregado, a pessoa com deficiência pode, inclusive, pleitear a
anulação da etapa do certame, sem prejuízo de restituição dos cofres públicos
contra eventuais despesas efetuadas (art. 37, §6º, da CF/88). Da mesma forma, o
238
TRF região - AMS 2003.01.00.037201-0 Minas Gerais Quinta Turma Relator
Desembargador João Batista Moreira – DJ 25/11/2004 – p. 41.
239
TRF 1ª região - AC 2002.33.00.008292-2 Bahia Sexta Turma – Relator Desembargador Souza
Prudente – DJ 10/05/2004 – p. 154.
240
TRT 17ª R. MS 026/2000 6959/2000 Espírito Santo Relatora Juíza Maria Francisca dos
Santos Lacerda – DJES 10.08.2000.
241
DIAS, op. cit., acesso em 20 de mai. 2009.
242
Ibid.
99
Poder Público pode buscar, em ação regressiva, a restituição dos gastos
efetuados na etapa anulada do certame, contra o administrador responsável pelo ato
omissivo, desde que haja comprovação de dolo ou culpa (art. 37, § 6º, da CF/88, "in
fine").
5.2.1.2 Na iniciativa privada
A Lei 8.213, de 24.07.1991 dispõe acerca dos benefícios da
previdência social, e introduziu o sistema de cotas no preenchimento de cargos.
Trata-se de ordem pública e não excetua nenhuma atividade do seu âmbito de
aplicação.
O artigo 93 estabelece que a porcentagem de vagas a serem
reservadas de acordo com a quantidade de empregados na empresa:
A empresa com 100 (cem) ou mais empregados esobrigada a preencher
2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com
beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas,
na seguinte proporção:
I - até 200 empregados: 2%;
II - de 201 a 500: 3%;
III - de 501 a 1.000: 4%;
IV - de 1.001 em diante: 5%.
§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final
de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a
imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a
contratação de substituto de condição semelhante.
§ O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deve gerar
estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por
reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas,
aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados.
A jurisprudência aponta que a reserva e vagas decorre de ordem
pública e deve ser realizado o cálculo do percentual em todas as atividades:
EMPRESA DE VIGILÂNCIA PATRIMONIAL. RESERVA DE VAGAS A
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. LEI 8.213/91. CÁLCULO DO
PERCENTUAL. A reserva legal de vagas para pessoas com deficiência
prevista no art. 93 da Lei 8.213/91 é de ordem pública e esse dispositivo
não excetua do seu âmbito de aplicão atividade alguma. Ademais, a
incapacidade do empregado para exercer a atividade de vigilância deve ser
comprovada na prática, e não meramente presumida, de sorte que não se
podem excluir do cálculo do percentual de cargos destinados aos
portadores de deficiência as vagas referentes às atividades de vigilância.
Recurso de Revista de que não se conhece.
243
243
RR - 84200-21.2005.5.10.0014 – 5ª Turma – PUBLICAÇÃO: DEJT - 18/06/2010
100
Denota-se que o valor principal da norma é a inclusão das pessoas
com deficiência nos postos de trabalho, haja vista que mesmo aqueles empresários
que tiverem alguma espécie de preconceito em relão às pessoas com deficiência
terão de garantir as vagas, porquanto a norma é cogente. O desrespeito ao
programa sujeita o infrator à penalizão de multa, em procedimento a cargo do
Ministério Público do Trabalho (MPT). Observa-se, ademais, o incentivo para que
estes indiduos sejam reintroduzidos na sociedade, já que lhe está sendo garantido
o aperfeiçoamento sócio-cultural.
244
Todavia, a lei silencia sobre alguns assuntos, como exemplo,
embora seja recomenvel que em cada local onde haja um estabelecimento da
empresa seja reservado o percentual de cargos, esta poderá, de acordo com o seu
interesse, adequar ou não vários locais, ou conforme as atividades exercidas,
escolher onde a pessoa com deficiência irá cumpri- la.
Com relação às empresas com atividades sazonais, ou àquelas com
grande variação de mão-de-obra durante o ano, ou ainda às empresas que realizam
atividades com prazo determinado, a legislação cala-se a respeito, e a aferição do
número de empregados pode ser feita utilizando-se a Norma Regulamentadora (NR)
nº. 4, aprovada pela Portaria n.º 3.214, de 8 de junho de 1978, do Ministério do
Trabalho e do Emprego (MTE) que utiliza como base para dimensionamento o
Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho
(SESMT), que em casos de atividades sazonais, promove a média de empregados
vinculados à empresa no período dos últimos 12 meses.
Freitas e Marques apontam soluções para alguns questionamentos,
tais quais, como incluir as pessoas com deficiência, em que tipo de trabalho,
como gerenciar o desempenho, como tratar este grupo e como adequar os
procedimentos de recrutamento e promoção:
Como incluir as pessoas com deficiência: a partir da concepção baseada
na inclusão, isto é, buscando adequar a organização e o trabalho
para ser acessível a todos.
Em que tipo de trabalho: no trabalho em que a pessoa com deficiência tiver
potencial para desempenhar. O critério de alocação das pessoas
com deficiência é o potencial delas e as possibilidades de adequação das
condições e instrumentos de trabalho, e não a deficiência.
244
DIAS, op. cit., acesso em 20 de mai. 2009.
101
Como gerenciar o desempenho delas: a partir da concepção da
inclusão, isto é, uma vez dadas as condições de trabalho necessárias, o
desempenho será cobrado como o das demais pessoas.
É necessário adequar os procedimentos de recrutamento e seleção: sim, é
necessário toda vez que isso significar dar condições para todas as
pessoas concorrerem igualmente às oportunidades de trabalho.
É necessário construir carreiras diferenciadas para essas pessoas:
definitivamente não. Baseado nos pressupostos da inclusão é necessário
dar condições de igualdade para o desempenho profissional, os demais
procedimentos e práticas de gestão de pessoas deverão ser os mesmos.
Como tratar essas pessoas: como tratamos todas as outras, com respeito e
solidariedade. Espera-se que o profissional de Gestão de Pessoas (RH),
os profissionais da área de Medicina e Segurança do Trabalho e a chefia
das pessoas com deficiência conversem abertamente sobre a deficiência
com as pessoas com deficiência. Avaliem com elas a adequação das
condições de trabalho realizadas ou necessárias, para que as pessoas
percebam que estão sendo respeitadas suas diferenças e que estão
sendo dadas condições de igualdade para a realização de suas
atividades. É importante lembrar que se elas entraram através da Lei de
Cotas, elas se autodenominam pessoas com deficiência, então, não
existem motivos para não se conversar sobre isso. Também existem
informações em manuais e na internet dando dicas sobre como tratar
pessoas com deficiência. No entanto, a regra básica é o respeito, mesmo
em situações de dificuldade das pessoas com deficiência, perguntamos a
elas se desejam nossa ajuda. Elas nos dirão se poderemos ajudar e como
fazê-lo. É a regra básica.
245
Destaca-se que, tanto no serviço público, quanto na iniciativa
privada, a reserva de vagas cria o lugar, mas a lei não pode ser o único instrumento
de inclusão, pois o espaço de trabalho se constitui tamm pela utilização de táticas
que minimizem as diferenças como, por exemplo, a manutenção do emprego de
forma justa e humana e a valorizão do profissional com deficiência, fortalecendo a
auto-estima, a ponto de, inclusive, realizar promões.
Neste diapasão, o antropólogo Ribas enfatiza:
Não faz sentido contratar pessoas com deficiência apenas porque a
legislação brasileira obriga e a fiscalização pune os que não a cumprem. Só
faz sentido contratar pessoas com deficiência quando se parte do
reconhecimento da possibilidade que essas pessoas possam ter para
se desenvolver para o trabalho e não da aceitação inquestionável do
limite ou da deficiência. (...)
Empresas não são organizações filantrópicas. Empresas o organizações
nas quais se produz e se comercializa bens ou serviços, se geram
empregos e m a finalidade de impulsionar o mercado e provocar a
circulação e o consumo da riqueza. Se o acreditarmos que as pessoas
com deficiência podem gerar riqueza pelo seu próprio trabalho, é melhor
não trazê-las para dentro das empresas.
245
FREITAS, Maria Nivalda de Carvalho, Antônio Luiz Marques (org.). O Trabalho e as pessoas com
deficiência: pesquisas, práticas e instrumentos de diagnóstico. Curitiba: Juruá, 2009, p. 79.
102
Empregabilidade, para as empresas, o deve ser compreendida tão
somente como oferecer emprego para as pessoas com deficiência
porque a legislação obriga, mas deve, sobretudo, abranger ações de
inclusão e permanência mais efetiva desses profissionais no mundo do
trabalho, com perspectivas de desenvolvimento e ascensão profissional.
Para isso é preciso conhecer os métodos necessários para qualificá-las,
saber fazer a gestão das suas potencialidades e integrá-las nas equipes
certas para que elas possam se desenvolver. Por sua vez, as pessoas com
deficiência devem demonstrar seu potencial, buscar o próprio
crescimento e desenvolvimento profissional e apresentar independência e
autonomia. Devem, enfim, estar preparadas para alcaar metas e chegar
aos resultados esperados pelas empresas que as contratam. Caso não
alcancem as metas e os resultados, as pessoas com deficiência poderão
ser desligadas a qualquer momento e como qualquer outra.
246
Ademais, cumpre apontar o posicionamento da Psicologia, que
esclarece sobre a não transformação de uma sociedade apenas pela imposição de
leis, mas, também, por meio da educação e conscientização de seus membros, na
quebra de paradigmas frente ao novo cenário social, bem como na produção de
mecanismos que assegurem às pessoas com deficiência, dignidade, segurança e
igualdade social, visando a melhoria da qualidade de vida e o pleno exercício da
cidadania destes grupos.
247
5.2.2 Benefício da Prestação Continuada e o Direito ao Trabalho
A Constituição Federal garante no inciso V, do artigo 203, um
benefício assistencial a idosos e pessoas com deficiência desde que preenchidas
duas condições: comprovação de que elas não possuem meios de prover a própria
subsistência; comprovação de que não possuam meios de ter sua subsistência
provida por sua família, conforme a lei dispuser.
A Lei Orgânica da Assistência Social nº. 8.742/93 (LOAS), dispõe
sobre o regime assistencial, e em seus artigos 20 e 21 elenca os critérios para a
concessão do referido benecio:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário
nimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70
(setenta) anos ou mais e que comprovem o possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de
246
RIBAS, João Baptista Cintra. Por que empregar pessoas com deficiência? In: FREITAS, Maria
Nivalda de Carvalho; MARQUES, Antônio Luiz (Org.). Trabalho e pessoas com deficiência -
pesquisas, práticas e instrumentos de diagnóstico. Curitiba: Juruá, 2009, p. 212.
247
BARBOSA; GOMES, op. cit., p. 203.
103
1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº.
9.720, de 30.11.1998)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de
deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo.
§ O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo
beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro
regime, salvo o da assistência médica.
§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador
de deficiência ao benefício.
§ 6o A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e
laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do
Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº. 9.720, de 30.11.1998)
§ 7o Na hitese de não existirem serviços no município de residência do
beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu
encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
(Redação dada pela Lei nº. 9.720, de 30.11.1998)
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada
pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais
procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do
pedido.(Redação dada pela Lei nº. 9.720, de 30.11.1998)
Art. 21. O benecio de prestação continuada deve ser revisto a cada 2
(dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram
origem.
§ 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas
as condições referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.
§ O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua
concessão ou utilização.
Pela leitura do parágrafo 2º do artigo 20, conclui-se que a LOAS cria
um paradoxo ao exigir em seus procedimentos para a concessão do benefício que
as pessoas com deficiência comprovem a incapacidade para a vida independente e
para o trabalho, pois é como se as marcasse com o impedimento de ter que optar
pelo trabalho como forma de exercer a cidadania, já que as pessoas com
deficiência, ao receber o benefício, argumentam que não vão trocá-lo por um
emprego em um mercado de trabalho incerto.
248
Por conseguinte, a solução mais eficaz é promover um estudo da
pessoa com deficiência, requerente do benefício, sobre a sua realidade sócio-
ecomica e a sua limitação para o trabalho e para a convivência social.
Assim Gugel ensina:
O melhor rumo, é verificar no momento da avaliação cio-econômica se a
deficiência do pretendente ao benefício, além de se encaixar na definição
legal do art. , do Decreto 3.956/01 (Convenção de Guatemala) e do art.
5º, do Decreto nº. 5.296/04, limita-o, impedindo-o de plenamente interagir
248
GUGEL, op. cit., p. 55.
104
com o ambiente social (estudar, informar-se, qualificar-se para o trabalho,
acessar a cultura, o lazer, entre outros) e econômico (obter e ser mantido
em um emprego, por exemplo). Essas limitações e esses impedimentos é
que geram a incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Tenha-se em mente que é o ambiente externo não inclusivo que impede a
pessoa a ter acesso a qualquer fonte de renda.
(...)
Uma vez identificadas as carências da pessoa com deficiência, o passo
seguinte é provê-la, temporariamente, com o benefício da prestação
continuada, ao mesmo tempo em que a pessoa é inserida em programas de
ações integradas (educação, reabilitação e qualificação profissional, por
exemplo) para a sua promoção, atendendo assim à dicção do art. 24, § 2º,
da Lei nº. 8.742/93 – LOAS.
249
Ainda, a leitura do parágrafo do mesmo artigo, apresenta outro
requisito para o recebimento do benefício, já com entendimento pacificado pelo STF,
tal qual a pessoa idosa ou com deficiência deverá ser miserável economicamente,
ou seja, ser incapaz de prover a manutenção ou tê-la provida por sua família, cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
O que se observa na prática, é que na realidade brasileira, uma
parcela das pessoas com deficiência acaba por afirmar que não são aptas para
qualquer atividade diária, recusam empregos ou mesmo não querem registro em
Carteira de Trabalho e Previdência Social para o perderem o benefício da
prestação continuada, que é uma assistência necessária, porém deveria ser
oferecida a que a pessoa alcançasse condições de independência social e
ecomica.
5.3 ACESSIBILIDADE
Visando à plena participação das pessoas com deficiência na
sociedade brasileira, seja por meio de reserva de vagas, educação, emprego e
benefícios assistenciais, outro ponto carecedor de destaque se refere à questão da
acessibilidade.
As barreiras arquitetônicas, a falta de formação e informação das
pessoas, relegam as pessoas com deficiência a posições muito aquém de suas
potencialidades.
250
249
Ibid, p. 55 et seq.
250
MARQUES, C. A. Construindo uma educação inclusiva. Disponível em:
<http://www.crmariocovas.sp.gov.br> Acesso em 05 de jul. 2008.
105
O IBGE, no censo demográfico realizado em 2001, revelou que a
cada 100 brasileiros, no mínimo 14 apresentam limitações de ordem física ou
sensorial. Por outro lado, os dados revelam a exclusão praticada no país, afinal, nem
todos têm possibilidade de acesso a emprego, educação, saúde, lazer, dentre outros
direitos fundamentais.
251
É essencial, para o exercício da democracia, a realização eficaz da
acessibilidade, para que se garanta a inclusão da pessoa com deficiência ao gozo
dos direitos usufruídos pelos demais cidadãos.
Deve-se ressaltar que a inclusão social das pessoas com deficiência
que faticamente são excluídas da sociedade brasileira é um desafio, e demonstra
um vs suficientemente crítico, haja vista que a sociedade latino americana é
resultado da exclusão eurocêntrica e, mesmo assim, a população brasileira não es
integralmente livre das políticas alijatórias pelas implicações que a própria exclusão
interna desencadeia, ou seja, é o outro excluindo o outro.
A acessibilidade é definida pela Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT), na norma brasileira (NBR) 9050/94, substituída pela então vigente
NBR 9050/04, que dispõe acerca da “acessibilidade a edificações, mobiliário,
espos e equipamentos urbanos”.
O objetivo é permitir um ganho de autonomia e de mobilidade a uma
gama maior de pessoas, a mesmo àquelas que tenham reduzida a sua mobilidade
ou dificuldade em se comunicar, para que usufruam dos espaços e das benesses
que os ambientes podem lhe proporcionar.
252
A gênese da política pública ora denominada “acessibilidade” se deu
em 1981, quando as Nações Unidas declarou aquele, como o Ano Internacional dos
Portadores de Deficiência. Em 03.10.1982, com a Resolução 37/82, a Assembléia
Geral das Nações Unidas aprovou o Programa de ão Mundial para Pessoas
Portadoras de Deficiência, equalizando o direito das pessoas com deficiência as
mesmas oportunidades que os demais cidadãos, além de usufruir das melhorias das
condições de vida resultantes do avanço econômico e social.
251
BRASIL. Minisrio do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Contagem Populacional.
Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/default_censo_2000.shtm.>
Acesso em 24 de set. 2008.
252
PRADO, Adriana Romeiro de Almeida. Acessibilidade na gestão da cidade. In: ARAÚJO, Luiz
Alberto David (Org). Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2006, p. 11.
106
Este programa demonstra o significado de impedimento, deficiência,
incapacidade, que são definições da Organização Mundial de Saúde OMS, como
também aponta os conceitos de prevenção, reabilitação e equiparação de
oportunidade, que são incorporados à discussão, dos quais se destacam:
Impedimento Situação desvantajosa para um determinado indivíduo, em
conseqüência de uma deficiência ou de uma incapacidade, que limita ou
impede o desempenho de um papel que é normal em seu caso (em função
de idade, sexo e fatores sociais e culturais) (...) O impedimento está em
função da relação entre as pessoas incapacitadas e seu ambiente. (...) Essa
relação ocorre quando essas pessoas enfrentam barreiras culturais, física
ou sociais que a impedem de ter acesso aos diversos sistemas da
sociedade à disposição dos demais cidadãos. O impedimento é, portanto, a
perda ou a limitação das oportunidades de participar na vida da comunidade
na igualdade de condições com os demais.
Equiparação de oportunidades é o processo mediante o qual o sistema
geral da sociedade como o meio físico e cultural, moradia e transporte,
serviços sociais e de saúde, oportunidade de educação e de trabalho, vida
cultural e social, inclusive instalações desportivas e de lazer – se torna
acessível a todos.
253
Deste modo, constata-se que o impedimento está no ambiente e nas
barreiras criadas neste, as quais impedem a pessoa deficiente física de deter
isonomia de possibilidades e igualdade de direitos.
A arquiteta e urbanista Prado, certamente coadunando sua opinião
com os preceitos dos Direitos Humanos, externa sua opinião sobre programas de
planejamento que facilitem a circulação e interação das pessoas com deficiência, na
sociedade:
(...) não é possível pensar em uma cidade que não se proponha a rever seu
planejamento discutindo programas/ações com metas para facilitar a
circulação, a interação, promovendo a inclusão das pessoas com
deficiências e aquelas com mobilidade reduzida, que por conta de alguma
limitação temporária (...) se vêem limitadas.
254
E conclui apresentando o objetivo da acessibilidade que é gerar
autonomia de locomoção a todos os indivíduos:
O objetivo da acessibilidade é permitir um ganho de autonomia e de
mobilidade a um número maior de pessoas, até mesmo àquelas que
tenham reduzido a sua mobilidade ou dificuldade em se comunicar, para
que usufruam os espaços com mais segurança, confiança e comodidade .
255
253
CUNHA, Edílson Alkmin da (trad.). Programa de ação mundial para as pessoas com deficiência.
Brasília: Corde, 1996.
254
PRADO, op. cit., p. 09.
255
Ibid., p. 11.
107
A criação de mecanismos, tal qual a acessibilidade, concretiza o
motivo pelo qual existe uma sociedade democrática erigida sob princípios de
dignidade humana e preceitos fundamentais.
A Procuradora Geral do Trabalho, Simon, explica:
Assegurar a essa significante parcela da população bens e direitos é
obrigação do Estado, que deve zelar ela concretização dos direitos
fundamentais de todos os cidadãos, sempre pautados na cidadania e na
dignidade da pessoa humana. Para tanto, respaldado pelo princípio da
igualdade, deverá expedir norma que garanta o usufruto desses bens e o
gozo desses direitos.
256
No que tange ao acesso universal aos ambientes, a Constituição
Federal de 1988, nos artigos 227 e 244, estabelece:
A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de
uso público e de fabricão de veículos de transporte coletivo, a fim de
garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência (CF, art.
227, § 2º).
A lei dispo sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso
público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de
garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o
disposto no Art. 227, § . (CF, Art. 244).
O Programa de Acessibilidade, dentre outros aprimoramentos como
facilitação de acesso nas edificações públicas ou privadas, no espaço público,
logradouros e seu mobiliário, na educação, nas comunicações e sinalização,
normatiza tamm o sistema de transportes, desde o embarque ao desembarque
de passageiros, ao garantir direito de ir e vir – um dos direitos primordiais do cidadão
estabelecido na Constituição Federal – com segurança e autonomia, a partir do qual
tantos outros direitos são decorrentes. Percebe-se, dessa forma, que o
desenvolvimento deste programa significa melhoria no índice de desenvolvimento
humano do país.
Devido à dimensão territorial do Brasil, suas peculiaridades
regionais, geográficas, econômicas, culturais e infra-estruturais, o INMETRO tem
realizado estudos aprofundados, que pretendem diagnosticar a realidade do país e
encontrar as melhores soluções cnicas para que o programa de acessibilidade
seja efetivo.
257
256
SIMÓN, Sandra Lia. O Ministério Público do Trabalho e a tutela da pessoa portadora de
deficiência. In: ARAÚJO, Luiz Alberto David (Org). Defesa dos direitos das pessoas portadoras de
deficiência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 280 et seq.
257
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Instituto Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial.
108
Conclui-se que a maior parte dos ambientes, sejam construídos ou
não, apresenta barreiras visíveis e invisíveis. Constituem-se barreiras visíveis os
impedimentos concretos, entendidos como a falta de acessibilidade dos espaços. As
invisíveis compõem a forma como as pessoas são vistas pela sociedade, na maior
parte das vezes representada pelas suas deficiências, e não pelas suas
potencialidades.
258
A responsabilidade pelo urbanismo, assim como pela incluo em
geral, inclusive pela acessibilidade, é interdisciplinar. Por isso que a Administração
Pública, juristas, antropólogos, psicólogos, médicos, empresários, educadores,
arquitetos, engenheiros, projetistas e designers, dentre outros profissionais, devem
atentar para construir oportunidades que valorizem os indivíduos deficientes,
inclusive concebendo espaços que concretizem as garantias constitucionais.
O urbanismo democrático demanda que as políticas públicas
cumpram alguns pressupostos de desenho universal, tais quais:
1- Equiparação nas possibilidades de uso - O design é útil e comercializável
às pessoas com habilidades diferenciadas.
2- Flexibilidade no uso - O design atende a uma ampla gama de indivíduos,
preferências e habilidades.
3- Uso Simples e intuitivo - O uso do design é de fácil compreensão,
independentemente de experiência, nível de formação, conhecimento do
idioma ou da capacidade de concentração do usuário.
4- Captação da informação - O design comunica eficazmente ao usuário as
informações necessárias, independentemente de sua capacidade sensorial
ou de condições ambientais.
5- Tolerância ao erro - O design minimiza o risco e as conseqüências
adversas de ações involuntárias ou imprevistas.
6- nimo esforço físico O design pode ser utilizado com um nimo de
esforço, de forma eficiente e confortável.
7- Dimensão e espaço para uso e interação - O design oferece espaços e
dimensões apropriados para interação, alcance, manipulação e uso,
independentemente de tamanho, postura ou mobilidade do usuário.
259
Além disso, na era digital vivenciada hodiernamente pelas nações,
que se destacar que a Acessibilidade também tem a informática como um
mecanismo de inserção das pessoas com deficiência.
De acordo com estudos especializados, denota-se que não é fácil, a
princípio, avaliar a importância dessa temática associada à concepção de páginas
Disponível em <http://www.inmetro.gov.br/qualidade/acessibilidade.asp>. Acesso em 15 de set. 2007
258
PRADO, Adriana Romeiro de Almeida. Ambientes acessíveis.
Disponível em: < www.fapedangola.org/temas/acess/ambiente.doc> Acesso em 27. de set. 2007.
259
ACESSIBILIDADE BRASIL. Disponível em <http://www.acessobrasil.org.br/index.php?itemid=42>
Acesso em 10 de dez. 2009.
109
da web. Mas, os especialistas apontam os problemas e características diversas que,
diante da falta de Acessibilidade, o usuário pode encontrar:
1. Incapacidade de ver, ouvir ou deslocar-se, ou grande dificuldade -
quando não a impossibilidade - de interpretar certos tipos de informação.
2. Dificuldade visual para ler ou compreender textos.
3. Incapacidade para usar o teclado ou o mouse, ou não dispor deles.
4. Insuficiência de quadros, apresentando apenas texto ou dimensões
reduzidas, ou uma ligação muito lenta à Internet.
5. Dificuldade para falar ou compreender, fluentemente, a língua em que o
documento foi escrito.
6. Ocupação dos olhos, ouvidos ou mãos, por exemplo, ao volante a
caminho do emprego, ou no trabalho em ambiente barulhento.
7. Desatualização, pelo uso de navegador com versão muito antiga, ou
navegador completamente diferente dos habituais, ou por voz ou sistema
operacional menos difundido.
260
Estas diferentes situações precisam ser levadas em conta pelos
criadores de conteúdo durante a concepção de uma página de Internet para que
assim possa ser garantido o acesso pleno eficaz a todo e qualquer indivíduo.
A acessibilidade de modo geral deve, por conseguinte, estar
presente nas edificações, no meio urbano, nos transportes e nas suas mútuas
interações, e, inclusive na Internet. E, para concretizá-la nos concursos públicos, a
jurisprudência tem demonstrado que para as pessoas com deficiência, de acordo
com cada caso, deverão ser criados mecanismos para garantir-lhes a efetiva
participação do certame.
Neste norte, a jurisprudência aponta:
CONCURSO PÚBLICO, CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA
VISUAL. ACRÉSCIMO TEMPO PARA REALIZAÇÃO DAS PROVAS DE
CONHECIMENTO. - Remessa oficial diante de sentea que, em sede de
mandado de segurança, garantiu ao impetrante tempo adicional para a
realização das provas de conhecimento relativas a concurso blico, em
razão do grau de deficiência visual que possui. A Sexta Turma, por
unanimidade, negou provimento à remessa, entendendo não ser o caso de
reforma da sentença de grau. Inferiu-se que a prorrogação do tempo
outorgada pela Administração, inferir à recomendada no atestado médico e
desprovida de justificativa, infringiu o direito do candidato de competir em
igualdade de condições com os demais, já que necessita de óculos
especiais e sua leitura é vagarosa em razão da doença.
261
CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA
FÍSICA. MODIFICAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE REALIZAÇÃO DO
CERTAME.
1. O candidato portador de deficiência visual e auditiva tem direito líquido e
certo de fazer a prova escrita de concurso público nas condições
260
ACESSIBILIDADE BRASIL. op. cit., acesso em 10 de dez. 2009.
261
REOMS 2002.34.00.030749-9/DF, Rel. Des. Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, julgado em
24/09/04. - Sexta Turma.
110
expressamente estabelecidas no edital respectivo, sendo ilegítima
modificação editacia comunicada por via telefônica.
2. Modificação, outrossim, que implicou na criação de injustificável
dificuldade aplivel apenas aos candidatos portadores de deficiência física,
vulnerando o princípio da igualdade entre os concorrentes.
3. Apelação e Remessa Oficial improvidas.
Decisão:
Por unanimidade, negar provimento à apelação e à Remessa Oficial.
262
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ART. 5º, CAPUT, CF/88.
CONCURSO BLICO. DEFICIENTE VISUAL. PROVA DE
DATILOGRAFIA EFETUADA EM "BRAILLE". DOBRO DO TEMPO DOS
DEMAIS CANDIDATOS. POSSIBILIDADE.
1. A Constituição Federal, em seu art. 5º, caput, consubstancia o princípio
da isonomia, perante o qual todos são iguais, sem admitir-se qualquer forma
de discriminação.
2. É inadmissível que, sob o pretexto de ver-se ressalvado tal princípio, seja
dado o mesmo tratamento para situações distintas, até porque, para
garantir-se a igualdade é necessário que se trate de forma desigual os
desiguais.
3. Observando-se, na hitese, que o impetrante é portador de deficiência
visual e que, portanto, necessita efetuar a leitura do texto pelotodo
"braille" para, somente depois, poder datilografá-lo, constituir-se-ia em uma
flagrante ofensa ao princípio da isonomia, não permitir a realização de tal
teste com o tempo duplicado em relação aos demais candidatos.
4. Remessa oficial improvida.
Decisão: Unânime
263
Quanto à Acessibilidade no meio empresarial, segundo explica
Sassaki, as empresas voltadas para práticas de inclusão transformam seus
ambientessicos (espaços internos e externos, equipamentos, mobiliários e
meios de transporte, circulação independente, segurança, comunicação
interpessoal), seus procedimentos técnicos, e tamm a mentalidade de seu quadro
funcional.
264
A gestão da diversidade não é um pacote com soluções prontas que
resolve a questão da discriminação e do preconceito. Trata-se de um processo em
que as pessoas aprendem a interagir com as diferenças e, para tanto, se faz
necessária a aplicação de conceitos como acessibilidade total, desenho universal,
tecnologias assistidas participativas e comportamentos inclusivos.
São estes conceitos que ensinam Bahia e Santos ao
fundamentarem-se em Heinsk:
262
Apelação em Mandado de Segurança . 1996.01.54636-7/GO), 3ª Turma Suplementar do TRF da
1ª Região, Rel. Juiz Leão Aparecido Alves (Conv.), j. 27.06.2001, Publ. DJ 09.07.2001, p. 56
263
Remessa Ex Officio nº. 99.05.24650-9/CE, Turma do TRF da 5ª Região, Rel. Juiz Petrucio
Ferreira. j. 24.08.1999, Publ. 03.03.2000.
264
SASSAKI, Romeu Kazumi. Pessoas com Deficiência: O mercado de trabalho numa
perspectiva inclusiva. Revista Sentidos, São Paulo, ano I, nº. 5, maio de 2002, p. 06/07.
111
O primeiro deles é “acessibilidade total(...) remete-nos a todos os direitos
humanos e não apenas ao direito de ir-e-vir. Ela propicia a todas as
pessoas, com ou sem deficiência, o acesso totalmente livre de obstáculos a
todos os bens, serviços, ambientes e relacionamentos humanos. O termo
acessibilidade não mais se restringe ao caráter arquitenico, abrange
aspectos comunicacionais, instrumentais, metodológicos, programáticos e
atitudinais.
Em seguida, “desenho universal”. O documento “Carta do Rio
Desenho Universal para um Desenvolvimento Inclusivo e Sustentável” de
12.12.2004, elaborado na cidade do Rio de Janeiro, na Conferência
Internacional sobre Desenho Universal “Projetando para o Século XXI”,
concebe o desenho universal como gerador de ambientes, serviços,
programas e tecnologias acessíveis, utilizáveis equitativamente, de forma
segura e autônoma por todas as pessoas, na maior extensão possível, sem
que tenham que ser adaptados ou readaptados especificamente, em
virtude dos sete princípios que o sustentam: Uso equiparável: para pessoas
com diferentes capacidades; Uso flexível: com leque amplo de preferências
e habilidades; Simples e intuitivo: fácil de entender; Informação perceptível:
comunica eficazmente a informação necessária; Tolerante ao erro: que
diminui riscos de ações involuntárias; Com pouca exigência de esforço
sico e, Tamanho e espaço para o acesso e o uso.
O terceiro são “tecnologias assistivas (...) adaptativas ou ajudas técnicas
como “toda aquela desenvolvida para permitir o aumento da autonomia e
independência de idosos e de pessoas portadoras de deficiência em suas
atividades domésticas ou ocupacionais de vida diária”.
Finalmente, os “comportamentos inclusivos (...) como todas as atitudes
empreendidas para a convivência saudável e tranquila (...) não no
ambiente de trabalho mas em todos os ambientes.
265
No mercado de trabalho, como se observa, há um conjunto de
situações que vai desde a revisão dos ambientes físicos a a reconstrução da
mentalidade dos funcionários. Tudo isto se associando para que a acessibilidade
seja um mecanismo eficaz na inclusão das pessoas com deficiência.
265
HEINSKI, Rosangela Maria Mendonça Soares. Um estudo sobre a inclusão da pessoa portadora
de deficiência no mercado de trabalho. Anais ENANPAD. Curitiba, 2004 apud BAHIA, Melissa Santos;
SANTOS, Ernani Marques; GOMES, Márcia Oliveira de. Práticas empresariais para a inclusão
profissional de pessoas com deficiência: um estudo de caso. In: Freitas, Maria Nivalda de Carvalho;
Marques, Antônio Luiz (Org.). Trabalho e pessoas com deficiência - pesquisas, práticas e
instrumentos de diagnóstico. Curitiba: Juruá, 2009. p. 146 et seq.
112
6. RETRATOS DA INCLUSÃO EMPREGATÍCIA: ANÁLISES ESTATÍSTICAS E
PESQUISAS
Neste tópico abordam-se as pesquisas apresentadas pelo Centro de
Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getúlio Vargas
266
que busca estreitar as
relações entre a pesquisa aplicada e a implantação de políticas de inclusão social ao
gerar estatísticas e análises, levantamento de pesquisas de campo, processamento
de microdados, treinamento de gestores e participação ativa no debate blico em
vínculo com o desenho e implementação de iniciativas sociais, públicas ou privadas,
setoriais ou gerais, em níveis nacional, local ou internacional.
267
O Centro de Políticas Sociais processou dados do acervo de
informações estatísticas de diversos órgãos públicos tais como Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério
da Previdência e Assistência Social (MPAS), Ministério da Saúde (MS), Ministério da
Educação e da Criança (MEC), dentre outros.
É importante ainda, acrescentar à pesquisa ora apresentada, o fato
de que a Assembléia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 1982, aprovou a
Resolução 37/52, criando o Programa de Ação Mundial para as Pessoas com
Deficiência, no qual consta que, no mundo, pelo menos uma a cada dez pessoas
detém alguma deficiência, e a presença da deficiência repercute, pelo menos, sobre
25% de toda a população. Esse mesmo documento demonstra que, em pses em
desenvolvimento, o percentual estimado das pessoas com deficiência vai para 20%,
e, se incluídos famílias e parentes, os efeitos adversos da deficiência podem afetar
até 50% da população.
268
A seguir, com o intuito de comprovar o embasamento teórico do
presente estudo, mesmo sem o objetivo de alcançar o rigor da pesquisa científica,
acostam-se figuras e gráficos que revelam a concentração de PPD´s nas diversas
regiões brasileiras. Serão abordadas as taxas de concentração por Município, a
renda e a educação média, o ranking de concentração nos Estados, bem como
serão avaliados outros dados que retratam as pessoas com deficiência no Brasil.
266
Diversidade: Retratos da deficiência no Brasil. Iniciativa: Fundação Getúlio Vargas e Fundação
Banco do Brasil. Disponível em: <http://www.fgv.br/cps/deficiencia_br/index2.htm> Acesso em 05 de
jan. 2010.
267
LEAL, Carlos Ivan Simonsen. Diversidade: retratos da deficiência no Brasil. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cps/deficiencia_br/index2.htm>. Acesso em 05 de jan. 2010.
268
ARAÚJO, Luiz Alberto David; PRADO, Adriana Romeiro de Almeida. Defesa dos direitos das
pessoas portadores de deficiência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 26.
113
Figura 1. Taxa de PPD´s por Município – Brasil Pessoas com Deficiência
FONTE: CPS / IBRE / FGV a partir dos microdados Censo Demográfico de 2000 / IBGE
114
Figura 2. Renda Média do Trabalho Principal por Município Brasil Pessoas
com Deficiência
FONTE: CPS / IBRE / FGV a partir dos microdados Censo Demográfico de 2000 / IBGE
115
Figura 3. Educação Média do Trabalho Principal por Município Brasil
Pessoas com Deficiência
FONTE: CPS / IBRE / FGV a partir dos microdados Censo Demográfico de 2000 / IBGE
116
Os mapas supra-destacados revelam a grande concentração de
pessoas com deficiência que está alocada principalmente no nordeste brasileiro.
Talvez, para se entender com profundidade a justificativa do porquê
de tamanho índice de pessoas com deficiência na região, se faz necessária uma
análise conjunta das figuras 1, 2 e 3 que apresentam a renda média de trabalho,
bem como a educação média do trabalho no Brasil.
O ponto alarmante é o fato de que nesta região, ao mesmo tempo
em que se concentram altos índices de pessoas com deficiência, também se
concentram os mais pobres e os mais desprovidos de estudos.
Ora, algo de errado está acontecendo com o país. Como restou
demonstrado no Capítulo 2.1, os excluídos são representados por uma parte
significativa da humanidade encontrada na América Latina, Ásia e África. Todavia, o
Brasil, que é uma nação excluída da Totalidade, como “Outro” que é, deveria
promover um resgate ético da vida dos alijados, articulado a partir dos sujeitos da
práxis de libertação com a concretização de instrumentos eficazes que possam
mudar os cenários retratados nas figuras ora discutidas.
Entretanto, a atuação da bancada nordestina no Congresso Nacional
tem demonstrado a sucumbência com a qual objetivam manter a população da
região. Assim, a elite dominante, em que pese seja o Outro” quando comparada à
“Totalidade”, são agentes de exclusão que se perpetuam no Poder, visando, muitas
vezes, o benefício próprio. É o que revelam os dados estatísticos.
Ao confrontar as figuras com as pesquisas do IBGE, aponta-se que
a população que vive na região nordestina é a que está mais longe de vencer a
barreira da linha da pobreza. Esta constatação faz parte do Mapa de Pobreza e
Desigualdade que apresenta dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares entre os
anos de 2000 e 2003. Os dados apontam que no Nordeste, a distância média dos
pobres em relação ao parâmetro da linha de pobreza é de 28,6%. A dia nacional,
por sua vez, é de 10,7%, o que torna a região a mais necessitada de investimentos
públicos.
117
Tabela 1. Ranking dos Estados das Pessoas com Deficiência
ESTADOS PPD´s
o Paulo 11,35%
Roraima 12,50%
Amapá 13,28%
Distrito Federal 13,44%
Paraná 13,57%
Mato Grosso 13,63%
Mato Grosso do Sul 13,72%
Rondônia 13,78%
Acre 14,13%
Santa Catarina 14,21%
Amazonas 14,26%
Goiás 14,31%
Espírito Santo 14,74%
Rio de Janeiro 14,81%
Minas Gerais 14,90%
Rio Grande do Sul 15,07%
Pa 15,26%
Bahia 15,64%
Tocantins 15,67%
Sergipe 16,01%
Maranhão 16,14%
Alagoas 16,78%
Cea 17,34%
Pernambuco 17,40%
Piauí 17,63%
Rio Grande do Norte 17,64%
Paraíba 18,76%
FONTE: CPS / IBRE / FGV a partir dos micro-dados
Censo Demográfico de 2000 / IBGE
Em complementação às figuras anteriores, a tabela acima revela os
Estados que mais têm pessoas com deficiência: Sergipe, Marano, Alagoas,
Ceará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíba.
Mais uma vez, ressalta-se a necessidade de políticas públicas
eficazes que valorizem a dignidade humana e o princípio da igualdade material.
Afinal, conforme exaustivamente demonstrado, as leis existem, o que se necessita é
sua aplicação efetiva.
118
Tabela 2. Retrato Social das Pessoas Com Deficiência
População Total
Pessoas com Deficiência
Pessoas não Deficientes
Pop. Total Vertical
Total Vertical
Horizontal
Total Vertical Horizontal
Total
169872855
100,00%
24600255
100,0%
14,50%
145272600
100,0%
85,50%
Situação do domicílio
área urbanizada 135615944
79,83%
19437745
79,01%
14,33%
116178199
79,97%
85,67%
área não urbanizada 1250580
0,74%
165733
0,67%
13,25%
1084847
0,75%
86,75%
área não isolada 1058713
0,62%
150966
0,61%
14,26%
907747
0,62%
85,74%
area rural de extensão urbana 1075854
0,63%
130194
0,53%
12,10%
945660
0,65%
87,90%
aglomerado rural (povoado) 3360890
1,98%
587248
2,39%
17,47%
2773642
1,91%
82,53%
aglomerado rural (núcleo) 154008
0,09%
18439
0,07%
11,97%
135569
0,09%
88,03%
aglomerado rural (outros) 100541
0,06%
13926
0,06%
13,85%
86615
0,06%
86,15%
área rural 27256325
16,05%
4096004
16,65%
15,03%
23160321
15,94%
84,97%
Sexo
Masculino 83602317
49,21%
11420545
46,42%
13,66%
72181772
49,69%
86,34%
Feminino 86270539
50,79%
13179712
53,58%
15,28%
73090827
50,31%
84,72%
Faixa Etária
0 a 4 16386239
9,65%
370531
1,51%
2,26%
16015708
11,02%
97,74%
5 a 9 16576259
9,76%
707763
2,88%
4,27%
15868496
10,92%
95,73%
10 a 14 17353683
10,22%
1083039
4,40%
6,24%
16270644
11,20%
93,76%
15 a 19 17949289
10,57%
1165780
4,74%
6,49%
16783509
11,55%
93,51%
20 a 24 16142935
9,50%
1206254
4,90%
7,47%
14936681
10,28%
92,53%
25 a 29 13847499
8,15%
1233150
5,01%
8,91%
12614349
8,68%
91,09%
30 a 34 13029101
7,67%
1363273
5,54%
10,46%
11665828
8,03%
89,54%
35 a 39 12260820
7,22%
1586339
6,45%
12,94%
10674481
7,35%
87,06%
40 a 44 10547259
6,21%
2123044
8,63%
20,13%
8424215
5,80%
79,87%
45 a 49 8726153
5,14%
2370108
9,63%
27,16%
6356045
4,38%
72,84%
50 a 54 7053133
4,15%
2221532
9,03%
31,50%
4831601
3,33%
68,50%
55 a 59 5461499
3,22%
1952232
7,94%
35,75%
3509267
2,42%
64,25%
60 ou mais 14538987
8,56%
7217211
29,34%
49,64%
7321776
5,04%
50,36%
Cor ou raça
Branca 91298042
53,74%
12579886
51,14%
13,78%
78718156
54,19%
86,22%
Preta 10554336
6,21%
1844303
7,50%
17,47%
8710033
6,00%
82,53%
Amarela 761583
0,45%
106065
0,43%
13,93%
655518
0,45%
86,07%
Parda 65318092
38,45%
9805273
39,86%
15,01%
55512819
38,21%
84,99%
Indígena 734127
0,43%
125254
0,51%
17,06%
608873
0,42%
82,94%
Outras 1206675
0,71%
139475
0,57%
11,56%
1067200
0,73%
88,44%
Anos de Estudo
Sem instrução ou menos de 1
ano 42511173
25,03%
6792491
27,61%
15,98%
35718682
24,59%
84,02%
1 a 3 31257335
18,40%
5818049
23,65%
18,61%
25439286
17,51%
81,39%
4 a 7 46979147
27,66%
6744822
27,42%
14,36%
40234325
27,70%
85,64%
8 a 11 38474140
22,65%
4034478
16,40%
10,49%
34439662
23,71%
89,51%
12 ou mais 1934112
1,14%
382280
1,55%
19,77%
1551832
1,07%
80,23%
Ignorado 8716948
5,13%
828135
3,37%
9,50%
7888813
5,43%
90,50%
Posição na ocupação
Desempregado 11837581
6,97%
1532390
6,23%
12,95%
10305191
7,09%
87,05%
Inativo 59442884
34,99%
12905364
52,46%
21,71%
46537520
32,03%
78,29%
Funcionário Público 3693162
2,17%
481967
1,96%
13,05%
3211195
2,21%
86,95%
Empregado com carteira 23929433
14,09%
2564448
10,42%
10,72%
21364985
14,71%
89,28%
Empregado sem carteira 16071534
9,46%
2139843
8,70%
13,31%
13931691
9,59%
86,69%
Conta-própria 15396247
9,06%
2757557
11,21%
17,91%
12638690
8,70%
82,09%
Empregador 1897842
1,12%
227819
0,93%
12,00%
1670023
1,15%
88,00%
Não remunerado 2608533
1,54%
358332
1,46%
13,74%
2250201
1,55%
86,26%
Próprio consumo 2033141
1,20%
554241
2,25%
27,26%
1478900
1,02%
72,74%
Ignorado 32962498
19,40%
1078294
4,38%
3,27%
31884204
21,95%
96,73%
FONTE: CPS / IBRE / FGV a partir dos microdados Censo Demográfico de 2000 / IBGE
119
A Tabela 02 demonstra, de forma condensada e analítica, o retrato
social das pessoas com deficiência no Brasil, comparando vertical e horizontalmente
o universo da totalidade populacional e as pessoas com deficiência e pessoas não
deficientes, nas seguintes modalidades: situação de domicílio, sexo, faixa etária,
raça, anos de estudo e ocupação laboral.
Observam-se picos de diferenças, o que tamm justifica a
realização do presente trabalho, haja vista que é possível, por tal via, concluir que as
pessoas com deficiência estão geralmente à margem da convivência democrática e
da justiça social, desrespeitando as diferenças do Outro tal como abordado no
Capítulo 2.
Quanto ao grau de urbanização, verifica-se que das pessoas com
deficiência, 79% moram em áreas urbanizadas, e 16,6% na zona rural. Esses
números se assemelham aos obtidos entre a população sem deficiência, cuja
participação de indivíduos residentes em cidades é de 79,9%, e no campo de 15,9%.
Quando analisa-se o universo de PPDs de acordo com o sexo,
verifica-se que a maioria das pessoas com deficiência é representada por mulheres -
cerca de 53,58% do universo em questão. A maior propensão à deficiência feminina
relaciona-se ao fato de elas apresentarem uma expectativa de vida mais longa,
estando mais propensas a determinadas doenças e deficiências características da
idade avançada.
Ao avaliar os dados da população sem deficiência, observa-se que
as mulheres são também a maioria (50,3%), porém em menor proporção que a
encontrada na população de PPDs, o que corrobora a tese de as mulheres serem
mais suscetíveis a adquirir algum tipo de deficiência. Quanto à taxa de deficiência,
verifica-se que, entre as mulheres, 15,28% apresentam alguma deficiência,
enquanto que esse número entre os homens chega a 13,66%, o que confirma que
entre elas a incidência de deficiências é maior.
Quanto à raça, pouco mais da metade da população brasileira,
53,74%, se autodenomina de cor branca, enquanto que cerca de 38,45% se diz
parda, e 6,21% negra. Observando essas estatísticas para as PPDs, verifica-se que
o percentual de brancos é um pouco inferior ao observado na população total
(51,14%). Os pardos representam 39,86%, os negros são 7,5% e os índios 0,51%
do universo de PPDs.
120
A situação da escolaridade no Brasil é crítica, pois 27,6% dos
indivíduos m de 4 a 7 anos de estudo, e uma entre quatro pessoas (25,03%) não
têm instrução. No caso das PPDs, esse quadro é ainda mais grave, uma vez que
27,61% não possuem escolaridade, contra 24,6% entre população sem deficiência.
Entretanto, quando essa comparação é feita entre os indiduos mais instruídos, ou
seja, aqueles com 12 anos ou mais de estudo, observa-se uma maior proporção
entre PPDs (1,55%) em relação àqueles que não apresentam deficiência (1,07%).
Ou seja, as PPDs estão mais presentes nos extremos do espectro educacional.
Entre os indivíduos sem nenhum grau de instrução, a taxa de
deficiência é de 15,98%, ao passo que entre aqueles com mais de 12 anos de
estudo, este percentual chega a 19,77%.
Conclusão: a incidência é maior no extrato populacional mais
educado. A constatação parece chocar-se com a literatura anterior de PPDs, que
aponta para um alto grau de exclusão desse grupo na escola.
A categoria de posição na ocupão mais expressiva da população
brasileira é de inativos. Entre as pessoas sem deficiência esse número chega a
32%, ao passo que na de PPDs atinge cerca de 52%. A maior proporção de PPDs
inativas pode ser reflexo da dificuldade gerada por alguns tipos de deficiência para a
vida produtiva, assim como de um fenômeno de desencorajamento de oferta de mão
de obra no mercado. Neste caso a PPD, na expectativa de não obter a vaga
desejada, não se habilitaria a buscar o emprego.
Outro fato seria o maior contingente observado de pessoas acima de
60 anos no grupo das PPDs, do que entre o grupo de pessoas que não apresenta
deficiência.
Em seguida, aparecem os empregados com vínculo empregatício
formal, cujo número é mais representativo entre as pessoas sem deficiência (14,7%)
do que entre as PPDs (10,4%). Todavia, tendo em vista a evolução histórica da
pessoa com deficiência abordada alhures, esta última porcentagem, ainda assim,
é possível ser alcançada por meio de instrumentos de ão afirmativa tamm
debatida.
Neste diapasão, o desemprego atinge em maior proporção no
brasileiro não portador de deficiência (7,09%) do que a de PPDs (6,2%).
121
6.1 QUANTO AO GÊNERO
Ao analisar a variável sexo, a proporção de homens, com
deficiência, na população de trabalhadores formais é maior do que a das mulheres,
65,76% contra 34,26%. Eles continuam majoritários entre os trabalhadores formais
que não possuem deficiência, elas, porém, m maior participação relativa no total,
aproximadamente 39%.
Segundo os dados do Censo 2000, a participação das mulheres na
população de PPDs é cerca de 56%. Logo, apesar de serem maioria na população
total com deficiência, elas estão sub-representadas no mercado formal de PPDs.
Aqui, revela-se um dos efeitos da ação afirmativa ao incluir a mulher
no mercado de trabalho, pois, em que pese ainda seja baixa a porcentagem,
demonstra-se que uma participação efetiva, valorizando-se a dignidade humana
e o princípio da igualdade, conforme apregoado nos Capítulos 3 e 4.
Gráfico 1. Participação no trabalho formal segundo gênero: PPD´s x População
Total
34,26%
65,76%
39,06%
60,94%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
Mulher Homem
PPD População Total
Fonte: CPS/FGV a partir de microdados da RAIS/MTE
Também é possível fazer uma avaliação em termos de taxas de
mulheres com deficiência, inseridas no mercado formal de trabalho feminino: 1,8%
o PPDs. A mesma análise pode ser feita com relação a outras variáveis da
Relação Anual de Informões Sociais (RAIS), emitidas pelo Ministério do Trabalho
e do Emprego (MTE), de acordo com a tabela a seguir.
122
Tabela 3. Participação e Tx. de PPD´s segundo as características dos
trabalhadores formais
Participação
de PPD´s
Tx. de incidência de
Deficiências (PPD´s)
Total
100,00%
2,05%
Sexo
Homem 65,76%
2,21%
Mulher 34,26%
1,80%
Idade
De 15 a 25 anos 17,99%
1,81%
De 26 a 45 anos 62,30%
2,03%
De 45 a 60 anos 17,41%
1,84%
Mais de 60 anos 2,03%
2,14%
Anos de Estudo
0 anos 3,25%
3,58%
0 a 4 anos 31,20%
1,92%
4 a 8 anos 17,15%
2,08%
8 a 12 anos 31,18%
1,93%
Mais de 12 anos 17,21%
2,22%
Setor de Atividade
Agricultura 2,81%
1,38%
Indústria 27,33%
2,90%
Construção 3,64%
1,80%
Público 17,63%
1,61%
Serviços 48,39%
1,06%
Ignorado 0,18%
2,00%
Tempo de Empresa
Até 1 ano 26,76%
1,83%
1 a 3 anos 23,38%
2,02%
3 a 5 anos 13,73%
2,18%
Acima de 5 anos 36,23%
2,28%
Fonte: CPS/FGV a partir de microdados da RAIS/MTE
6.2 QUANTO À IDADE
Das PPDs com trabalhos formais, 62,3% se enquadram entre 25 a
45 anos, enquanto que para a população total o percentual é de 59,76%. Tanto para
as pessoas com deficiência quanto para os não deficientes, a faixa de 25 a 45 anos
é a mais representativa no mercado de trabalho formal. Em compensação, a
123
participação das PPDs na faixa etária anterior, 15 a 25 anos, é inferior a do total da
população, 17,99% contra 20,35%, respectivamente. Nas demais, as participações
no mercado formal entre PPDs e a população total são semelhantes.
Gráfico 2. Participação no trabalho formal segundo idade: PPD´s x População
Total
0,28%
62,30%
2,03%
17,41%
17,99%
2,27%
17,57%
59,76%
20,35%
0,05%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
Até 15 anos De 15 a 25 anos De 25 a 45 anos De 45 a 60 anos Mais de 60 anos
PPD Populão Total
Fonte: CPS/FGV a partir de microdados da RAIS/MTE
6.3 QUANTO À ESCOLARIDADE
A participação no mercado formal de trabalho aumenta de acordo
com os anos de estudo; uma situão que se verifica em todos os grupos sociais. As
pessoas com deficiência que têm de 0 a 4 anos de estudo, bem como as que têm de
8 a 12 anos, tendem a ter maior participação. As pessoas entre 8 e 12 anos de
estudo são 31,18% no total de PPDs e de 30,69% na população total de
trabalhadores formais em atividade. Porém entre 0 e 4 anos, a situação é inversa:
33,37% para a população total e 31,20% para as PPDs. Os indivíduos que têm entre
4 e 8 anos de estudo registram maior participação na população total, do que na
população de PPDs: 18,21% e 17,15%, respectivamente, porém, com baixos
percentuais de participação, como se observa.
Focalizando os extremos da distribuição de escolaridade, as PPDs
que possuem mais de 12 anos de estudo são 17,21% do universo de PPDs, contra
124
15,87% da população total. No caso dos analfabetos, a parcela de trabalhadores
com deficiência também é maior (3,25%), do que a participação dos mesmos na
população total (1,86%).
Em suma, tal como observado na população como um todo, no
mercado de emprego formal, as PPDs estão super-representadas nos pólos do
espectro educacional.
Entretanto, ainda assim uma baixa qualificação, pois embora a
Lei crie a reserva de vagas nos Órgãos Públicos e nas empresas privadas, muitas
vezes não existe mão de obra efetiva.
Gráfico 3. Participação no trabalho formal segundo anos de estudo: PPD´s x
População Total
3,25%
17,15%
17,21%
31,18%
31,20%
15,87%
30,69%
18,21%
33,37%
1,86%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
0 anos 0 a 4 anos 4 a 8 anos 8 a 12 anos Mais de 12 anos
PPD Populão Total
Fonte: CPS/FGV a partir de microdados da RAIS/MTE
6.4 QUANTO AOS POSTOS DE TRABALHO QUE OCUPAM
Quando se faz uma análise do setor de atividade, verifica-se que,
entre as PPDs no mercado de trabalho formal, os setores mais representativos são
os de serviços e na instria, e o mesmo ocorre na população total. As participações
das PPDs e do total da população nos serviços são bastante parecidas, com 48,39%
para as PPDs e 49,58% para a população total. Na indústria, as PPDs (27,33%)
estão relativamente mais presentes do que o total de empregados formais (19,31%).
125
Em setores onde o trabalho físico é mais intenso como a agricultura e a construção
civil, a população formal supera a das PPDs formais. Embora se deva ressaltar que
a importância do emprego formal seja reduzida nestes setores.
Finalmente, as PPDs estão sub-representadas no setor público, haja
vista que a taxa de PPDs é de 1,61% neste setor, contra 2,05% no setor formal
como um todo. A participação no setor público entre as PPDs formais é 17,63%
contra 22,45% da população formal. Este resultado, tomado como valor de face,
indica a necessidade de que o setor público preferência às PPDs no processo de
contratação, como já vem sendo feito em concursos públicos.
Gráfico 4. Participação no trabalho formal segundo teor de atividade: PPD´s x
População Total
0,18%
2,81% 3,64%
48,39%
17,63%
27,33%
0,36%
49,58%
22,45%
4,13%
19,31%
4,17%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
Agricultura Indústria Construção blico Servos Ignorado
PPD População Total
Fonte: CPS/FGV a partir de microdados da RAIS/MTE
6.5 QUANTO AO TEMPO DE EMPREGO
A análise destes dados revelam que 26,76% dos trabalhadores com
deficiência e 29,96% da população total estão alocados no emprego formal no
tempo de até 1 ano, enquanto que os que têm acima de 5 anos de tempo de
emprego formal representam 36,23% para as PPDs e 34,12% para o total da
população formal. Desse modo, os vínculos empregatícios mais antigos (superior a 5
anos) prevalecem entre as PPDs. Uma possível causa a essa tendência é a lei de
126
cotas, que dificulta a dispensa de uma pessoa com deficiência, haja vista que só é
possível dispensá-la após a contratação de outra na mesma situação. Se de um lado
a lei aumenta o contingente de PPDs e diminui demissões, a mesma pode tamm
dificultar contratações, porque o empregador se vê obrigado a ter sempre uma PPD
no posto de trabalho.
Gráfico 5. Participação no trabalho formal segundo tempo de emprego: PPD x
População Total
26,76%
13,73%
36,23%
23,38%
34,12%
12,32%
23,69%
29,96%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
Até 1 ano 1 a 3 anos 3 a 5 anos Acima de 5 anos
PPD População Total
Fonte: CPS/FGV a partir de microdados da RAIS/MTE
6.6 QUANTO Á DENSIDADE POPULACIONAL
A participação das PPDs no trabalho formal concentra-se nas
capitais, pois encontra-se em 43,79% frente a 45,00% da população total. Todavia, é
nas periferias que se encontra maior índice de empregabilidade das pessoas com
deficiência (16,20%), quando comparadas à população total (11,23%).
A concentração de trabalhadores com deficiência, nas periferias,
comprova o estudo apresentado no Capítulo 2, pois as classes excldas ficam ao
redor do centro, sendo que nas margens é que encontram maiores chances de
inclusão.
127
Gráfico 6. Participação no trabalho formal segundo densidade populacional:
PPD´s x População Total
2,33%
43,79%
17,23%
4,93%
15,50%
16,20%
3,41%
6,56%
15,68%
18,11%
11,23%
45,00%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
50,00%
Capital Periferia Urbano
Grande
Urgano Médio Urbano
Pequeno
Rural
PPD População Total
Fonte: CPS/FGV a partir de microdados da RAIS/MTE
6.7 QUANTO À (IN)EFICÁCIA DA LEI DE COTAS
Pelas pesquisas, aponta-se que a média nacional de
empregabilidade de PPDs é de 2,05%, um pouco acima da cota mínima (2%)
exigida pela Lei 8.213/1991.
Conforme apontado anteriormente, o artigo 93 estabelece que:
A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher
2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com
beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas,
na seguinte proporção:
I - até 200 empregados: 2%;
II - de 201 a 500: 3%;
III - de 501 a 1.000: 4%;
IV - de 1.001 em diante: 5%.
O grupo de empresas que conseguem cumprir as leis de cotas são
aquelas que estão na proporção de 100 a 249 e de 250 a 500 funcionários, uma vez
que cerca de 2,66% e 3,05% dos funcionários o pessoas com deficiência,
ultrapassando o limite legal estabelecido de 2% e 3%, respectivamente. as
empresas com 501 a 1.000 e empresas com 1.001 funcionários em diante são
128
aquelas que se distanciam da lei, pois contratam apenas 2,85 e 2,36%, ao passo
que deveriam contratar 4% e 5% respectivamente.
Consoante exposto no Capítulo 05, sabe-se que existem
mecanismos legais, porém nem sempre m sido efetivados. Ressalta-se que esse
tipo de análise deve ser vista com cautela, pois se olha para a média das
contratações do grupo de empresas e não para empresas de forma individual ou
para a dispero das contrões. Ou seja, o percentual avaliado pode não ser uma
boa medida de efetividade das leis, pois, por exemplo, entre o grupo de empresas
que mais se adequa à lei (de 100 a 249 funcionários) podem existir poucas
empresas que contratam muito acima da cota, bem como um número muito grande
de empresas que não se ajustaram à lei, mas na média estariam essas empresas de
acordo com a legislão.
Gráfico 7. Trabalho formal segundo à (in)eficácia da lei de cotas
3,05%
2,36%
2,85%
2,66%
2,00%
3,00%
4,00%
5,00%
0,00%
1,00%
2,00%
3,00%
4,00%
5,00%
6,00%
100 a 200
empregados
201 a 500
empregados
501 a 1000
empregados
1001 em diante
PPD Determinação legal
Fonte: CPS/FGV a partir de microdados da RAIS/MTE
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como restou demonstrado, na Antiguidade, não existiam os direitos
da pessoa com deficiência. A criança deficiente era abandonada com o consequente
falecimento. Com a disseminação de ideários cristãos, na Idade Média, o deficiente
adquiriu status de ser humano, e comou a não ser mais aceita a prática de
abandono e morte que, até então, eram socialmente aceitas.
A questão da integração social das pessoas com deficiência atingiu
destaque após a Segunda Guerra Mundial, por diversos fatores, dentre eles o
movimento de defesa dos Direitos Humanos, o aumento do número de pessoas com
deficiência e a escassez de mão-de-obra.
Sob o enfoque dos ditames filosóficos, em que pese a existência de
evoluções legais e sociais atinentes ao tema, a sociedade brasileira, como visto,
ocupa uma posição de “exclusão” quando comparada à filosofia da Totalidade
Eurocêntrica. Além disso, internamente, a própria sociedade não es
suficientemente adequada para lidar com as diferenças e com as políticas de
inclusão das minorias, o que acaba por legitimar a estigmatização e desencadear a
vitimização do outro.
Entretanto, ainda que lentamente, é fato que o ordenamento jurídico
brasileiro tem se aperfeiçoado na esteira dos Direitos Humanos, visando a
integração e equiparação de direitos e garantias de todos os cidadãos, inclusive
como um mecanismo de justiça distributiva.
Foram apontados artigos constitucionais e legislação
infraconstitucional confirmando que os ditames jurídicos têm, gradativamente,
deflagrado um aprimoramento visando à inclusão. Contudo, ainda a necessidade
da responsabilidade estatal e interdisciplinar de diversas áreas, tais quais humanas,
exatas e relacionadas à saúde, para que se garantam os direitos das pessoas com
deficiência, lhes conferindo autonomia e reconhecimento em sua identidade pessoal
e social, bem como se valorize, a criação de políticas públicas e sua eficaz
manutenção na tentativa de se concretizar o exercício efetivo da democracia.
Os dados estatísticos apresentados pelo IBGE revelam que no
Brasil o total de 24,5 milhões de brasileiros com deficiência, o que equivale a 14,5%
da população brasileira. Neste compasso, conforme pesquisas do Instituto Ethos,
130
em 2002, apenas 1 milhão (11,1%) exercia alguma atividade remunerada e 200 mil
(2,2%) tinha registro em carteira de trabalho.
muitos casos em que a falta de aceitação pela própria família,
amigos e vizinhos, ou até a presença de obstáculos visíveis e invisíveis que tolhem o
direito fundamental de ir e vir das pessoas com deficiência, o que deflagra diversos
resultados calamitosos, tais quais às falhas na sua formação que, deste modo,
impedem a conquista de um trabalho digno.
As pesquisas relacionadas no decorrer do presente estudo, portanto,
mostraram que a relação com o trabalho es no centro da problemática da
exclusão. Destarte, revela-se que a política de reserva de vagas, inclusive com
abrigo pelo Direito do Trabalho, para as pessoas com deficiência, através de cotas,
tem sido um dos instrumentos mais eficazes para a tentativa de se viabilizar um
legítimo Estado Democrático.
A análise dos gráficos colacionados no presente estudo denota que
os mecanismos criados pela ação afirmativa, que determina a reserva de cargos e
empregos tanto no serviço público como na iniciativa privada, m gradativamente
inserido as pessoas com deficiência no convívio social. Logo, revela-se que as
políticas compensarias têm sido eficazes na criação de vagas. Todavia, ainda
obstáculos para se manter as vagas ou mesmo promover as pessoas com
deficiência.
Logo, para resguardar a integralidade dos direitos, é mister a
implantação efetiva da acessibilidade nas empresas, com a reorganização dos
espos dos postos de trabalho e modificações dos instrumentos para o
exercício da função, bem como adaptações nas ruas, nos transportes coletivos, nas
edificações públicas e privadas, na Internet, dentro outros.
No que se refere ao ambiente laboral, igualmente importante é a
conscientizão do grupo em relação às demandas e ao respeito às limitações
apresentadas pela pessoa com deficiência, pois, embora o Estado tenha
reconhecido legalmente as práticas inclusivas, verifica-se que a eficácia depende do
desapego a estereótipos e a preconceitos, além de uma reanálise das concepções
de deficiência.
Por conseguinte, o envolvimento prático interdisciplinar de diversas
áreas com enfoque na criação, na manutenção e na fiscalização das políticas
131
públicas minimizará a exclusão com a efetiva extinção e implementação da
igualdade de oportunidades para a totalidade dos indivíduos.
Afinal, as representações sociais da vida profissional, consoante
restou abordado, estão fundamentadas em um núcleo central que é a aptidão para o
trabalho das pessoas com deficiência, pois a inclusão na vida produtiva lhes
proporciona sentimentos de auto-valorização, autonomia, bem-estar, satisfação e
cidadania, o que deflagra os escopos inerentes aos preceitos da dignidade humana.
Com efeito, o processo de inserção de pessoas com deficiência que
ainda estão segregadas nos grupos sociais, não é apenas um procedimento legal de
atendimento às leis que impõem a necessidade de inclusão; este processo deve ser
entendido como um pleito por uma nação que rompe com as estigmatizações, aos
intentar as efetivações destes instrumentos existentes por meio de mecanismos
que, além de gerar, possam também, com dignidade, manter e promover a
aceitação da diversidade como consolidação de um Estado Democrático de Direito.
132
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142
APÊNDICE
A) CONJUNTO DE NORMAS INTERNACIONAIS QUE DISPÕEM SOBRE AS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA
Convenção 100: Igualdade de remuneração de homens e mulheres por trabalho de
igual valor. Confencia Geral da Organizão Internacional do Trabalho.
Convocada em Genebra pelo Conselho de Administração do Secretariado da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e reunida em 6 de junho de 1951.
Convenção 111: Discriminação em termos de emprego e profissão. Convocada em
Genebra pelo Conselho de Administração do Secretariado da OIT e reunida em 4 de
junho de 1958.
Convenção 159: Readaptação profissional e o emprego. Convocada em Genebra
pelo Conselho de Administração da OIT e reunida em 1º de junho de 1983.
Convenção Interamericana para Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência
Recomendação 168: Readaptação profissional e o emprego. Convocada em
Genebra pelo Conselho de Administração da OIT e reunida em 1º de junho de 1983.
Recomendação 99: Adaptação e Readaptação profissional dos inválidos.
Convocada em Genebra pelo Conselho de Administração da OIT em de junho de
1955.
Resolução ONU nº. 2.542/75 item e”: Declaração dos Direitos das Pessoas
Portadoras de Deficiências: Equiparação de Oportunidades: emprego.
B) CONJUNTO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL TRABALHISTA QUE DISE SOBRE AS PESSOAS
COM DEFICIÊNCIA
1.1 Decreto Legislativo nº. 62.150, de 19 de janeiro de 1968: Promulga a
Conveão nº. 111 da OIT sobre discriminação em matéria de emprego e profissão
1.2 Lei nº. 7.853, de 24 de outubro de 1989: Dispõe sobre o apoio às pessoas
portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenação Nacional para
Integração da pessoa portadora de deficiência (CORDE), institui a tutela jurisdicional
de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério
Público, define crimes e dá outras providências.
Art. 2: III: Na área da formação profissional e do trabalho: O apoio governamental á
formação profissional, à orientação profissional, e a garantia de acesso aos serviços
concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à formação profissional; o
empenho do Poder Público quanto ao surgimento e à manutenção de empregos,
inclusive de tempo parcial destinados às pessoas portadoras de deficiências que
não tenham acesso aos empregos comuns; a promoção de ações eficazes que
143
propiciem a inserção, nos setores público e privados, de pessoas portadoras de
deficiência; a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado
de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência; nas entidades da
Administração Pública e do setor privado, e que regulamente a organização de
oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas das
pessoas portadoras de deficiência.
1.3 Lei nº. 8.069 de 13 de julho de 1990: Estatuto da Criança e do Adolescente,
que assegura ao adolescente portador de deficiência o trabalho protegido,
garantindo-se seu treinamento e colocação no mercado de trabalho e também o
incentivo à criação de oficinas abrigadas.
1.4 Decreto Legislativo 129, de 22 de maio de 1991: Promulga a Convenção nº.
159, da Organização Internacional do Trabalho - OIT, sobre Reabilitação Profissional
e Emprego de Pessoas Deficientes.
1.5 Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991: Dispõe sobre os Planos de Benefícios da
Previdência Social, e dá outras providências.
Art. 93: “A empresa com cem ou mais empregados está obrigada a preencher de
2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de
deficiência, habilitadas na seguinte proporção”: Até 200 empregados: 2%; De 201 a
500: 3%; De 501 a 1000: 4%; De 1000 em diante: 5%.
Parágrafo 1: “A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente
habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 dias, e a
imotivada no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a
contratação de substituto de condições semelhantes”.
Parágrafo 2: “O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar
estatística sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e
deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou
entidades representativas dos empregados”.
Art. 133: A infração a qualquer dispositivo desta lei, para a qual não haja penalidade
expressamente cominada, sujeita o responsável, conforme a gravidade da infração,
a multa variável de Cr$100.000,00 (cem mil cruzeiros) a Cr$10.000.000,00 (dez
milhões de cruzeiros).
Parágrafo único: A autoridade que reduzir ou revelar multa já aplicada
recorrerá de ofício para a autoridade hierarquicamente superior.
1.6 Lei nº. 8.212, 24 de julho de 1991: Dispõe sobre o regime Jurídico dos
Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas
Federais.
Art. 22, parágrafo 4: “O poder Executivo estabelecerá, na forma da lei, ouvido o
Conselho Nacional da Seguridade Social, mecanismos de estímulo às empresas que
se utilizem empregados portadores de deficiência física sensorial e/ou mental com
desvio do padrão médio”.
1.7 Lei nº. 2.111, de 10 de janeiro de 1994: Dispõe sobre a reserva de cargos e
empregos para as pessoas portadoras de deficiência, define critérios para a
classificação em concurso público e dá outras providências.
144
Art.1: “fica reservado às pessoas portadoras de deficiência o percentual, no mínimo
de cinco a quinze por cento dos cargos e empregos público de cada carreira
existente nos quadros da Administração Direta, Indireta e Fundacional do Município
1.8 Resolução MPU nº. 01, de 4 de agosto de 1994: Concurso público Pessoas
portadoras de deficiência. Reserva Constitucional. Constituição Federal, Art.37, VII,
alínea “d” artigo 58 da Lei Complementar nº. 75/93 (não fala de vagas).
1.10 Portaria n º 4.677, de 29 de julho de 1998: Diário Oficial da União, de 30 de
julho de 1998. O Ministro De Estado Da Previdência E Assistência SOCIAL, no uso
da atribuição que lhe confere o inciso II parágrafo único do artigo 87 da Constituição
Federal. Considerando os arts. 93 e 133 da Lei nº. 8.212, de 24 de julho de 1991;
Considerando os arts. 201 e 250 do Regulamento dos Benefícios da Previdência
Social - RBPS, aprovado pelo Decreto nº. 2.172, de 05 de março de 1997, resolve:
Art. 1º: A empresa com cem ou mais empregados está obrigada a preencher de dois
a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas
portadoras de deficiência
Parágrafo 1º: Consideram-se beneficiários reabilitados todos os segurados e
dependentes vinculados ao Regime da Previdência Social - RGPS, submetidos a
processo de reabilitação profissional desenvolvido ou homologado pelo Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS.
Parágrafo 2º: consideram-se pessoas portadoras de deficiência, habilitadas,
aquelas não vinculadas ao RGPS, que tenham submetido a processo de habilitação
profissional desenvolvido pelo INSS ou por entidade reconhecida legalmente para
este fim.
Parágrafo 3º: A dispensa de empregado na condição estabelecida neste
artigo, quando se tratar de contrato por tempo superior a noventa dias e a imotivada,
no contrato por prazo indeterminado, somente poderá ocorrer após a contratação de
substituto em condições semelhantes.
Art. 2º: O descumprimento ao disposto no caput do art. ou seu § constitui
infração ao artigo 93 e seu § da Lei nº. 8.213, de 1991, ficando o infrator sujeito à
multa prevista no art. 133 da Lei nº. 8.213, de 1991, aplicada pela fiscalização do
INSS, observado o disposto nos arts 110 e 113 do Regulamento da Organização e
Custeio da Seguridade Social - ROCSS.
Art 3:º O INSS estabelecerá no prazo de trinta dias sistemática de fiscalização,
avaliação e controle das empresas, para o fiel cumprimento do disposto nesta
Portaria, gerando estatísticas sobre total de empregados e vagas preenchidas para
acompanhamento por parte das unidades de reabilitação profissional e quando
solicitado, por sindicatos e entidades representativas de categorias.
1.11 Decreto nº. 3.298 de 20 de dezembro de 1999: Regulamenta a Lei nº. 7.853,
de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política nacional para a integração da
pessoa portadora de deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras
providências.
Art.36: A empresa com cem ou mais empregados está obrigada a preencher de 2 a
5 por cento de seus cargos com beneficiários da Previdência Social reabilitados ou
com pessoa portadora de deficiência habilitada, na seguinte proporção: Até 200
empregados: 2%; De 201 a 500 : 3%; De 501 a 1000: 4%; De 1000 em diante: 5%.
145
Parágrafo 5: compete ao Ministério do Trabalho e Emprego estabelecer
sistemática de fiscalização, avaliação e controle das empresas, bem como instituir
procedimentos e formulários que propiciem estatísticas sobre o número de
empregados portadores de deficiências e de vagas preenchidas, para fins de
acompanhamento no caput deste artigo.
Art. 37: (sobre concursos).
Parágrafo 1: “O candidato portador de deficiência, concorrerá a todas as
vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da
classificação obtida”.
Art. 39: Os editais de concursos deverão conter: o número de vagas existentes, bem
como o total correspondente à reserva destinada à pessoa portadora de deficiência;
as atribuições e tarefas essenciais dos cargos; previsão de adaptação das provas,
do curso de formão e do estágio probatório, conforme a deficiência do candidato;
e exigência de apresentação, pelo candidato portador de deficiência, no ato da
inscrição, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, com
expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de
Doença -CID, bem como a provável causa da deficiência.
1.12 Portaria nº. 604, de 01 de junho de 2000: Decreto nº. 1.948, de 3 de julho de
1996
Art. 1: O programa para a Implementação da Conveão nº. 111 resolve instituir, no
âmbito das Delegacias Regionais do Trabalho, os Núcleos de Promoção a Igualdade
de Oportunidades e de Combate á Discriminação, encarregados de coordenar ações
de combate à discriminação em matéria de emprego e profissão.
Art. 2: V: Compete aos Núcleos de Promoção a Igualdade de Oportunidades e de
Combate à Discriminação manter cadastro, através de banco de dados, da oferta e
demanda de emprego para portadores de deficiência, com vistas ao atendimento da
cota legal das empresas.
1.13 Instrução Normativa nº. 20 de 19 de Janeiro de 2001: Dispõe sobre
procedimentos a serem adotados pela Fiscalização do Trabalho no exercício da
atividade de fiscalizão do trabalho das pessoas portadoras de deficiência.
Art. 10: O auditor fiscal do trabalho (AFT) verificará, mediante fiscalização direta ou
indireta, se a empresa com cem ou mais empregados preenche o percentual de 2 a
5 por cento de seus cargos com beneficiários reabilitados da Previdência Social ou
com pessoa portadora de deficiência habilitada, na seguinte proporção: I até
duzentos empregados, dois por cento; II de duzentos e um a quinhentos
empregados, três por cento; III de quinhentos e um a mil empregados, quatro por
cento; ou IV – mais de mil empregados, cinco por cento.
Art. 13: Quando constatado pelo AFT que a empresa possui quadro de recursos
humanos já preenchido, sem no entanto atender ao percentual previsto no art. 10
desta Instrução, assim como for descumprida a regra estabelecida no seu § 3º, a
este será facultado encaminhar a matéria ao Núcleo de Promão da Igualdade de
Oportunidades e de Combate à Discriminação ou para instauração do procedimento
especial previsto na IN nº. 13 de 06.06.99.
146
Art. 14: Em caso de instauração de procedimento especial, nos termos disposto no
art. 627-A da Consolidação das Leis do Trabalho CLT, o Termo de Compromisso
que vier a ser firmado deverá conter o cronograma de preenchimento das vagas das
pessoas portadoras de deficiência ou beneficiários reabilitados de forma gradativa
constando, inclusive, a obrigatoriedade da adequação das condições dos ambientes
de trabalho, na conformidade do previsto nas Normas Regulamentadoras, instituídas
pela Portaria nº. 3.214/78.
Art. 15: Cabe ao AFT do Trabalho acompanhar o cumprimento do Termo de
Compromisso firmado, especialmente, para verificar a manutenção do trabalhador
portador de deficiência na empresa.
Art. 16: O não cumprimento do Termo de Compromisso implicará na adoção das
medidas cabíveis, nos termos da IN . 13 de 06.06.99, com posterior
encaminhamento de relatório circunstanciado ao Delegado Regional do Trabalho
para remessa ao Ministério Público do Trabalho.
Art. 17: Esta Instrução Normativa entrará em vigor na data de sua publicação.
C) UMA ABORDAGEM SOBRE A NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL
A Constituição Federal de 1988, tem como pilar o Estado
Democrático de Direito e, na esteira da Declaração dos Direitos das Pessoas com
Deficiência da Assembléia Geral da ONU, introduziu vários dispositivos de proteção
à pessoa com deficiência,
269
visando garantir os direitos fundamentais da pessoa
humana, elencando a cidadania, a dignidade e os valores sociais do trabalho, entre
os seus fundamentos.
A inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, sem
vida, representa o exercício pleno da cidadania, uma vez que a cidadania social
tem no trabalho seu principal substrato. Não há outra relação social de tanta
importância.
270
Portanto, o legislador constituinte de 1988, procedeu à positivação
de vários direitos fundamentais com o intuito de dotá-los de maior efetividade. Por
exemplo, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como
princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, 1º, III e IV); o
objetivo de promover o bem de todos, independentemente de origem, raça, cor,
269
IANTAS, Jaime Jose Bilek. O Ministério Publico do Trabalho e a proteção de interesses do
trabalhador portador de deficiência. Disponível em: <http://www.pgt.mpt.gov.br/pgtgc/> Acesso em 20
de mai. 2009.
270
REIMANN, Marcos Francisco. Cidadania e contratos atípicos de trabalho: as políticas sociais e o
ordenamento do trabalho. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2002, p. 97.
147
idade e toda e qualquer forma de discriminação (CF, 3º, IV); a liberdade e a
igualdade entre todos, inclusive entre homens e mulheres (CF, 5º, caput e I);
proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão
por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (CF, 7º, XXX); justiça social
assegurada pela redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno
emprego (CF, 170, VII e VIII).
271
O artigo em seu inciso XXXI veda qualquer discriminação salarial
e no critério de admissão do trabalhador com deficiência.
o artigo 23, II, dispõe que compete à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios cuidar da saúde e assisncia pública, da proteção
e garantia das pessoas com deficiência.
De acordo com o artigo 24, XIV, compete à União, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a proteção e a integração das
pessoas com deficiência.
O artigo 37, inciso VIII, mencionado, prevê a reserva de vagas
para cargos e empregos públicos às pessoas com deficiência. Importante destacar
que este inciso estipula a discriminação positiva na esfera da administração direta e
indireta.
Por sua vez, o artigo 40, § 4º, veda a adoção de requisitos e critérios
diferenciados para concessão de aposentadorias aos servidores de que trata o
artigo, ressalvados, nos termos de lei complementar, os casos de servidores com
deficiência.
O artigo 203 dispõe que a assistência social será prestada a quem
dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social e os seus
incisos III, IV e V estabelecem os seguintes objetivos: a promão da integração ao
mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de
deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; a garantia de um
sario mínimo mensal a essas pessoas e ao idoso que comprovem não ter meios
de se manter, ou que sejam mantidos por sua família, conforme dispuser a lei.
Há também o artigo 208, inciso III, que disciplina acerca do dever do
Estado com a educação, a qual será efetivada pela garantia de atendimento
271
COSTA, Sandra Morais de Brito. Dignidade humana e pessoa com deficiência: aspectos legais e
trabalhistas. São Paulo: LTR, 2000, p. 73/89.
148
educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino.
Finalmente, o inciso II do §1º do art. 227 elenca que o Estado
promoveprogramas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente,
admitida a participação de entidades o governamentais obedecendo a criação de
programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de
deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do
adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a
eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.
Quanto às normas infraconstitucionais, diversas leis, senão veja-
se:
A Lei nº. 7.853, de 24.10.89, dispõe sobre o apoio às pessoas com
deficiência e sua integração social. Estabelece ainda a tutela jurisdicional de
interesses coletivos ou difusos dessas pessoas e as responsabilidades do Ministério
Público. Ademais, define como crime, punível com reclusão, obstar, sem justa
causa, o acesso de alguém a qualquer cargo blico por causa de sua deficiência,
bem como negar-lhe, pelo mesmo motivo, emprego ou trabalho.
O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº. 8.069, de 13.07.90
- assegura ao adolescente com deficiência o trabalho protegido, garantindo o seu
treinamento e colocação no mercado de trabalho, além do incentivar a criação de
oficinas para desenvolvimento de potenciais.
A Lei nº. 8.112, de 11.12.90, aludida, em seu art. 5º, § 2º,
assegura às pessoas com deficiência o direito de se inscreverem em concurso
público com reserva de vagas de até 20% do total oferecido.
O artigo 93 da Lei nº. 8.213, de 24.07.91, também já mencionado,
obriga a empresa com mais de cem empregados a preencher de 2 a 5% de seus
cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência
habilitadas, sob pena de multa. A dispensa de trabalhador reabilitado ou de pessoa
com deficiência habilitada, no contrato por prazo determinado de mais de noventa
dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, poderá ocorrer após a
contratação de substituto de condição semelhante.
Há, também, a Lei nº. 8.899, de 29 de junho de 1994, que concede
passe livre no transporte coletivo interestadual às pessoas com deficiência.
149
A Lei nº. 7.853/89, regulamentada pelo Decreto nº. 3.298, de 20 de
dezembro de 1999, por sua vez, elencou as diversas formas de deficiência. Apontou
sobre as formas de contratação competitiva, seletiva e promoção por conta própria;
definiu oficinas de produção e terapêuticas, e atribuiu a fiscalização da reserva de
vagas ao Ministério do Trabalho; inovou os concursos públicos, inserindo três
integrantes da carreira na comissão multiprofissional, que avalia a compatibilidade
do candidato com a carreira pretendida.
As Leis nº. 10.048/00 e 10.098/00 foram regulamentadas pelo
Decreto 5.296/04, as quais estabeleceram a prioridade de atendimento às pessoas
com deficiência, na medida em que destacou a acessibilidade como condição de
acesso a ambientes, à informação, à documentação e à comunicação, revelando
que direitos como saúde, educação, trabalho, dependem do direito de ir e vir e do
acesso à cidade.
A Lei n. 10.216, de 06 de abril de 2001, que fixa a proteção da
pessoa com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental; e a Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, reconhece como meio legal de
comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e outros recursos
de expressão a ela associados.
E, ainda, a Lei n. 10.690, de 16 de junho de 2003, fixou a isenção de
imposto sobre produtos industrializados aos automóveis de passageiros de
fabricação nacional, adquiridos por pessoas com deficiência.
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