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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luciana Gama Longobardi
O susto do Bispo Sardinha:
algumas possibilidades antropofágicas
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais (área de
concentração: Ciência Política), sob orientação da
Profa. Dra. Silvana Tótora.
São Paulo, 2010.
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Errata:
Rodapé: Todas as notas de rodapé onde se lê ibide, substituir por ibidem.
Nas seguintes notas de rodapé: 31, 118, 123, 145, 163 e 168, onde se lê Guilles Deleuze
e Félix Guatttari, substituir por Gilles Deleuze e Félix Guattari.
P.14 (1° parág.) onde se “O caminho escolhido para a análise da pesquisa foi
apresentar três capítulos...” substituir por “O caminho escolhido para a análise da
pesquisa foi apresentar dois capítulos...”
P.28 (4° parág.) onde se “Época de substituição do escravo por imigrantes europeus,
principalmente italianos” substituir por “Época de substituição do trabalho escravo
negro pelo trabalho livre dos imigrantes europeus, principalmente italianos.”
P.49 (1° parág.) onde se “O caixeiro viajante que um belo dia se metamorfoseia em
um inseto, uma barata e a antropofagia, símbolo da devoração do outro...” substituir por
“O caixeiro viajante que um belo dia se metamorfoseia em um inseto, uma barata e a
antropofagia, experimento da devoração do outro...”
P.50 (2° parág.) onde se lê “Como mbolo da devoração, a antropofagia, proposta por
Oswald de Andrade para entender a cultura brasileira, não é e nem pode ser
arborescente. Ela deve ser vista e considerada como uma multiplicidade que se espalha
e cresce, nas palavras do escritor:” , substituir por “Como experimento da devoração, a
antropofagia, proposta por Oswald de Andrade para entender a cultura brasileira, não é
e nem pode ser arborescente. Ela deve ser vista e considerada como uma multiplicidade
que se espalha e cresce, no combate às raízes, nas palavras do escritor:”
P.52 (1° parág.) onde se “A partir do momento em que determinado ponto de um
livro se conecta com outros pontos multiplicando...” substituir por “A partir do
momento em que linhas de um livro se conectam com outras linhas multiplicando...”
Referências Bibliográficas, onde se lê Guatarri, substituir por Guattari.
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2
Banca examinadora:
____________________________________
____________________________________
____________________________________
3
À memória do meu pai Emilio e do meu
irmão Marcello.
4
Agradecimentos
À minha mãe Rosane, minha carinhosa mãe que me apoia desde a infância e me cria
sozinha desde a adolescência, sem a qual jamais teria dado passo algum adiante. Por todo
amor.
À Silvana Tótora, pela paciência, confiança e orientação que enriqueceu o trabalho e
guiou-me por direções claras e precisas. Obrigada!
Aos professores Paulo-Edgar de Almeida Resende e Beatriz Scigliano Carneiro, pelas
inestimáveis contribuições que enriqueceram este trabalho.
A toda minha família, em especial ao meu irmão mais velho Remo e meus lindos
sobrinhos: Danielle, Gabrielle, Alexandre, Luan e Uriel, pela alegria.
Ao meu companheiro Luiz Gandra, pela confiança, incentivo e amor.
Ao Nico, pela tinta de impressora, computador a qualquer momento, preocupação e
carinho.
Agradeço ao Daime, pela inspiração, aprendizados e mudanças positivas na minha vida.
Às Igrejas Céu de Lua Cheia e Reino do Sol, em especial ao comandante Léo Artése. A toda
Irmandade. Viva Glauco!
Aos amigos e companheiros de trabalho, Adrian Ribaric e Rodrigo Domenech, pela
preocupação, força, conversas, fugas permitidas de trabalho, noites viradas na frente do
computador trabalhando e pizzas.
Aos amigos queridos, Paulo Nicole Ramirez, pela ajuda no começo da pesquisa, Del
Candeias, pela revisão de texto e Marcelo Peccioli, pelo companheirismo durante o curso e
depois do curso. À Mônica Viciana, pelo abstract.
Ao Rudá Andrade, neto de Oswald de Andrade e Pagu, pela troca e por me revelar
traços da vida de seu avô.
5
Resumo
Esta dissertação propõe uma leitura da ideia de antropofagia, elaborada por Oswald de
Andrade na década de 1920, tendo como eixo central duas de suas principais obras: Um
Homem sem Profissão – Sob as ordens de mamãe e o Manifesto Antropófago.
Para isso utilizamos um procedimento metodológico elaborado por Guilles
Deleuze e Félix Guattari, denominado por eles de rizoma. Trata-se, no contexto desse
estudo, de uma rede de conexões e de fluxos constantes através de uma reflexão de
multiplicidades cuja força está na devoração do outro. Com base nesse instrumento
analítico privilegiamos o estilo narrativo próprio de Oswald de Andrade no qual ele
subverte o próprio modelo, alcançando a cultura brasileira sob o signo da mistura e da
multiplicidade.
Palavras-Chave: Oswald de Andrade, antropofagia, rizoma, multiplicidade.
6
Abstract
This paper proposes a reading of the idea of anthropophagy, developed by
Oswald de Andrade in the 20s, having in the central axis two of his major works: A man
without profession – Under mom’s orders and Cannibal Manifesto.
For this we used a methodological procedure developed by Guilles Deleuze and
Félix Guattari, called by them as rhizome. It is, in the context of this study, a network of
connections and steady flows through a discussion of multiplicities whose strength lies
in devouring the other. Based on this analytical tool we focus on the narrative style from
Oswald de Andrade in which he subverts the model itself, reaching the Brazilian culture
under the sign of the mixture and multiplicity.
Keywords: Oswald de Andrade, anthropophagy, rhizome, multiplicity.
Sumário
Introdução........................................................................................................8
Capítulo I: Comendo Oswald
1.1Memórias antropofágicas..............................................................................16
Capítulo II: Colocando a antropofagia dentro da panela
2.1 O ingrediente modernista.............................................................................36
2.2 O rizoma antropofágico...............................................................................48
Dá um pedacinho?..........................................................................................63
Referências
Referências bibliográficas..................................................................................71
Sites....................................................................................................................75
Filmes.................................................................................................................76
Lista de figuras...................................................................................................77
Anexo
Manifesto Antropófago......................................................................................78
8
Introdução
O susto do Bispo Sardinha: algumas possibilidades antropofágicas pretende fazer
uma leitura da antropofagia de Oswald de Andrade a partir do rizoma de Guilles Deleuze e
Félix Guattari, tendo como eixo central duas das principais obras do escritor: o Manifesto
Antropófago (1928) e Um Homem sem profissão Sob as ordens de mamãe (1954). Para
isso, faz-se necessário trazer à tona a ideia de antropofagia, elaborada por Oswald de Andrade
na década de 1920. A criação dessa categoria visava a critica à cultura brasileira. Na sua
elaboração, utilizaram-se recursos da história, da política, das artes, da economia e até da
culinária. Que faz um autor como Oswald de Andrade, jornalista, poeta, romancista e
dramaturgo, elaborar um procedimento antropofágico para pensar o Brasil? O motivo disso?
O inusitado. O singular. O inesperado. O que a antropofagia nos auxilia para pensar o Brasil?
O objetivo do trabalho é, portanto, estabelecer em que medida a antropofagia, como
imaginava Oswald, foi e ainda é uma inovação e uma provocação na composição do
pensamento social e cultural brasileiro.
Oswald e a antropofagia. É no Manifesto da Poesia Pau-Brasil (Correio da
Manhã, 18-3-1924) que começam a se esboçar muitos dos preceitos da antropofagia.
“Uma única luta a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importação. E a Poesia
Pau-Brasil, de exportação”.
1
Que, a partir de então, toda sua obra acaba seguindo a
mesma direção. Uma das primeiras noções antropofágicas contidas no Manifesto da
Poesia Pau-Brasil é a própria realidade brasileira:
1
Oswald de Andrade, Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias: manifestos, teses de concursos e
ensaios, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, p. 7.
9
A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da
Favela
2
, sob o azul cabralino, são fatos estéticos. O Carnaval no Rio é o
acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. [...] A formação étnica rica.
Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.
3
Para ele era necessário entender questões do Brasil de forma dinâmica:
A invenção
A surpresa
Uma nova perspectiva
Uma nova escala
4
A antropofagia também rejeita o Brasil rotulado pela cultura europeia: “O lado
doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas
selvagens”.
5
Nesse contexto, também atacaria o bacharelismo, traço da dominação
portuguesa: “A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A
contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos”.
6
Através disso, propõe um conhecimento com base na mistura. Com a fusão de
línguas, culturas e etnias. “Temos a base dupla e presente a floresta e a escola. A raça
crédula e dualista e a geometria, a álgebra e a química logo depois da mamadeira e do
chá de erva-doce. Um misto de ‘dorme nenê que o bicho vem pegá’ e de equações”.
7
Essas ideias teriam continuidade num projeto de maior dimensão no Manifesto
Antropófago (Revista de Antropofagia, maio de 1928). Nesse, é possível perceber o
caráter revolucionário da antropofagia: “Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a
Revolução Francesa”.
8
Assim, nesse “Novo Mundo” ficaria abolido o sistema patriarcal,
dando espaço para o surgimento do matriarcado Pindorama. “Contra a realidade social,
2
“Favela” é o nome que se dava para vegetação que cobria um morro no Rio de Janeiro. Cf. Maria
Augusta Fonseca, Por que ler Oswald de Andrade, São Paulo, Globo, 2008, p. 55.
3
Oswald de Andrade, 1978, op. cit, p. 5.
4
Ibide, p. 8.
5
Ibide, p. 5.
6
Ibide, p. 6.
7
Ibide, p. 9.
8
Ibide, p. 14.
10
vestida e opressora, cadastrada por Freud a realidade sem complexos, sem loucura,
sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama”.
9
Talvez uma das mais importantes críticas que a antropofagia se propõe a fazer é
em relação aos colonizadores que aqui vieram: “Antes dos portugueses descobrirem o
Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”.
10
Queriam o retorno da dignidade
humana que o índio havia perdido.
Paralelamente, entre os diversos sentidos que a antropofagia nos permite pensar,
ela nos remete às sociedades que praticam o ato de devorar carne humana, pois
acreditam que a absorção de certos indivíduos detentores de forças tremendas é a única
forma de neutralizá-las, aproveitando-lhes a energia tanto efetivamente quanto
simbologicamente.
11
Em tese para concurso da Cadeira de Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de São Paulo em 1950, ao qual Oswald de Andrade concorreu e não
passou, pode-se verificar a perspectiva do autor no que se refere à antropofagia. A
Weltanschauung
12
de Oswald de Andrade se diferencia, de acordo com ele mesmo, do
canibalismo por gula ou fome, a antropofagia ritual que teria sido “encontrada na
América entre os povos que atingiram elevada cultura”.
13
Ele cita exemplos como os
astecas, incas e maias:
Tratava-se de um rito que, encontrado também nas outras partes do globo, dá-se
a idéia de exprimir um modo de pensar, uma visão do mundo que caracterizou
certa fase primitiva do mundo.
14
9
Ibide, p. 19.
10
Ibide, p. 18.
11
Cf. Claude Lévi-Strauss, Tristes Trópicos. Tradução de Rosa Freire d`Aguiar, 2000, São Paulo, Cia. das
Letras, p. 366.
12
Cf. Oswald de Andrade, “Crise da Filosofia Messiânica”, In: Oswald de Andrade, Do pau-Brasil à
Antropofagia e às Utopias: manifestos, teses, concursos e ensaios, Rio de Janeiro, 1978, p. 77.
13
Ibide, p. 77.
14
Ibide, p. 77.
11
Essa inspiração antropofágica trata da forma de assimilar e digerir tanto os
conflitos interiores quanto as adversidades do mundo externo. A transformação do tabu
em totem - termos usados por Freud para explicar a passagem do estado natural ao
social, que consistiria na operação metafísica do ritual.
Oswald de Andrade se apropria
da antropofagia, porém, ao se apropriar, amplia as possibilidades de devoração: “Só me
interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”.
15
A própria apropriação
desse já é um ato antropofágico. A devoração agora não é apenas para qualidades
desejáveis, mas sim pelas diferenças, para tornar-se múltiplo. Vários.
A manifestação antropofágica precisa ser múltipla: ela não pode ser uma só,
precisa expandir-se, se dividir, crescer no horizonte. A antropofagia é uma
multiplicidade.
No texto de Gilles Deleuze e Félix Guattari
16
, o qual tem como introdução o
rizoma, se pode encontrar um eixo analítico pertinente para se pensarem as
multiplicidades. Quando se faz um procedimento desses, a primeira coisa necessária é a
busca por uma definição. O procedimento de rizoma elaborado por esses dois
pensadores propõe um pensamento múltiplo com diferentes formas: “[...] rizoma nele
mesmo tem muitas formas muito diversas que vão desde sua extensão superficial
ramificada em todos os sentidos até suas concreções em bulbos e tubérculos”.
17
Assim como Oswald de Andrade apropriou-se da antropofagia, Gilles Deleuze e
Félix Guattari apropriaram-se do rizoma da botânica:
Todos os ramos quando entram em contato com a terra podem formar raízes;
[...]. Muitas plantas se aproveitam disso para reprodução vegetativa, formando
ramos laterais rentes à terra, rasteiros, os entolhos, cujos nós regularmente
formam raízes. De cada assim se pode desenvolver uma nova plantinha que
15
Oswald de Andrade, 1978, op. cit., p. 13.
16
Cf. Gilles Deleuze; Félix Guattari (1980), Mil Platôs, vol. 1. Tradução de Aurélio Guerra Neto e Celia
Pinto Costa, São Paulo, 34, 2009.
17
Ibide, p. 15.
12
se torna finalmente independente. O morangueiro e a grama dos jardins são bons
exemplos. [...] tais caules são subterrâneos, chamando-se rizomas.
18
O rizoma da botânica apenas define um tipo específico de caule, estando restrito
a sua materialidade. o procedimento de rizoma elaborado por Deleuze e Guattari
estende-se à imaterialidade e às multiplicidades, dando forma em conjunto com a terra,
com o ar, com as ideias humanas de solo, com os animais etc. Segue os seis princípios.
O primeiro, de conexão, considera que, qualquer que seja o ponto, ele não
deve ser conectado com outro, como tem a obrigação de ser conectado a outro pronto. É
a oposição à ordem filiativa do modelo da árvore ou da raiz. No rizoma não ordem;
linhas e trajetos diferentes em estados e coisas. Necessariamente. O segundo
princípio, o da heterogeneidade, postula que cada um dos traços não remete a traços da
mesma natureza. Assim, um traço linguístico não remete apenas a outro traço
linguístico. A língua se forma e se estabiliza em torno da comunidade, espalhando-se. O
rizoma analisa a linguagem, abrindo-a para outras dimensões:
Não existe uma língua-mãe, mas tomada de poder por uma língua dominante
dentro de uma multiplicidade política. Ela faz bulbo. Ela evolui por hastes e
fluxos subterrâneos, [...]. Podem-se sempre efetuar, na língua decomposições
estruturais internas: isto não é fundamentalmente diferente de uma busca das
raízes. [...] um método de tipo rizoma é obrigado a analisar a linguagem
efetuando um descentramento sobre outras dimensões e outros registros. Uma
língua não se fecha sobre si mesma senão em função de impotência.
19
Terceiro princípio, de multiplicidade. Deleuze e Guattari concebem a realidade
como substantiva, uma realidade da multiplicidade:
18
Felix Rawitscher, Elementos básicos da botânica, São Paulo, Edições Melhoramentos, 1951, p. 140.
19
Ibide, p. 16.
13
Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas somente
determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mudem de
natureza (as leis de combinações crescem então com a multiplicidade).
20
As multiplicidades são a própria realidade, não entram em nenhuma totalidade e
tampouco remetem a um sujeito. Ao contrário, são processos que se produzem e
aparecem nas multiplicidades.
Todas as multiplicidades são planas, uma vez que elas preenchem, ocupam todas
as suas dimensões [...] crescentes segundo o número de conexões que se
estabelecem nele. As multiplicidades se definem pelo fora: pela linha abstrata,
linha de fuga ou de desterritorialização segundo a qual elas mudam de natureza
ao se conectarem às outras.
21
Quarto princípio, de ruptura a-signicante: “Um rizoma pode ser rompido,
quebrado em qualquer lugar e também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e
segundo outras linhas”.
22
Cada vez que ruptura no rizoma as linhas segmentares
explodem numa linha de fuga, mas estas linhas de fuga são parte do rizoma: as linhas
não param de remeter umas às outras. Ele também é chamado “princípio de devir”, “[...]
devires assegurando a desterritorialização de um dos termos e a reterritorialização do
outro, [...]”.
23
Quinto e sexto princípios, da cartografia e da decalcomania. Esses princípios
afirmam que não existe nenhum modelo estrutural que justifique o rizoma, assim, ele
não apresenta nenhuma unidade objetiva sobre a qual se organizam outras e muito
menos uma lógica:
20
Ibide, p. 16.
21
Ibide, p. 17.
22
Ibide, p. 18.
23
Ibide, p. 19.
14
O mapa é aberto, é conectável em todas suas dimensões, desmontável,
reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser
rasgado, revestido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado
por um indivíduo, ou grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa
parede, concebê-lo como obra de arte, construí-lo como uma ação política ou
como uma meditação.
24
O caminho escolhido para a análise da pesquisa foi apresentar três capítulos
organizados de modo a fazer uma elucidação de algumas dimensões da antropofagia.
O primeiro capítulo, Comendo Oswald: Memórias Antropofágicas”, procura
evidenciar a antropofagia na vida de Oswald de Andrade. O capítulo é construído
principalmente a partir de seu livro de memórias, que sua importância é evidente - o
livro retrata a vida de Oswald a partir do próprio corte que ele faz dela. Longe de
reconstituir a vida do autor como se fosse uma biografia com começo meio e fim, esse
capítulo apreende sua trajetória de vida e de seu pensamento através de uma produção
em movimento e múltipla; assim como ele pensou e fez sua jornada. Um rizoma. O
livro retrata um curto período de sua vida, porém muito significativo para o
entendimento de Oswald como o construtor do pensamento antropofágico. Desde sua
infância se percebe o quanto ele resiste, o quanto ele expande e, ao mesmo tempo,
absorve. Oswald é um indivíduo único que teve uma vida autêntica e espontânea desde
pequeno. Sem seguir ninguém. Ele se arrisca, é uma aventura. Oswald escreveu esse
livro de memórias imaginando e planejando a construção de mais três volumes, porém,
veio a falecer antes e a obra foi interrompida. Curiosamente, o livro não trata em
nenhum momento de sua fase mais modernista, tendo assim, como característica mais
predominante o lado edipiano do autor, fazendo de “Um homem sem profissão um
turbulento romance de amor”.
25
Portanto, se faz necessária a narração de diversos
24
Ibide, p. 22.
25
Mário da Silva Brito, In: Oswald de Andrade, Um homem sem profissão. Memórias e Confissões. Sob
as ordens de mamãe, São Paulo, Globo, 2002.
15
momentos amorosos de Oswald. Esse capítulo também se utiliza do eixo analítico do
rizoma, porém de maneira introdutória.
O capítulo dois, Colocando a Antropofagia Dentro da Panela, está dividido
em duas partes. A primeira está diretamente ligada a Oswald de Andrade e o
Movimento Modernista - O Ingrediente Modernista. Mesmo que em poucas linhas,
fez-se necessário explicitar de maneira descritiva o movimento que norteou o eixo
central para se pensar a antropofagia, o Movimento Modernista. A segunda parte do
capítulo dois, O rizoma antropofágico, propõe uma leitura rizomática do Manifesto
Antropófago. Tendo em vista a metodologia proposta, essa parte do capítulo se
aprofunda no próprio Manifesto e se utiliza de recursos paralelos que a categoria de
rizoma nos permite fazer para se pensar no assunto.
Se tratando de uma leitura rizomática que não tem começo nem fim, somente
meio, esta dissertação não terá conclusão final. Ela apenas buscará apontar algumas
ressonâncias rizomáticas antropofágicas ulteriores a Oswald de Andrade, onde trata não
de enunciar as últimas verdades sobre a antropofagia, mas sim busca trazer suas noções
e potências para pensar a atualidade com base numa perspectiva antropofágica:
“Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres”.
26
26
Oswald de Andrade, 1978, op. cit., p. 9.
16
Capítulo I: Comendo Oswald
1.1 Memórias antropofágicas
“A vida e a obra de um escritor são a
mesma coisa. Principalmente quando ele é
sincero. Quando nada esconde.”
Oswald de Andrade
“O estilo, num grande escritor, é também
um estilo de vida, de nenhum modo algo
pessoal, mas a invenção de uma
possibilidade de vida, de um modo
de existência.”
Deleuze
“Vida ou romance? Ambos, certamente,
pois em Oswald de Andrade nunca
estiveram separados...”
Antonio Candido
No dia 11 de janeiro de 1890 nasceu em São Paulo Oswald de Andrade. Em seu
livro de memórias, Um homem sem Profissão. Memórias e Confissões. Sob as Ordens
de Mamãe, sua última obra, fez-se um relato de alguns momentos de sua vida. Oswald
disse: “Pois, se é preciso começar, comecemos do começo”.
27
Pois bem. Este capítulo
inicia-se com a mais velha memória de sua infância:
A mais longínqua lembrança que tenho da vida pessoal, destacada do cálido
forro materno que me envolveu até os vinte anos, foi de caráter físico sexual,
evidentemente precoce. Está ela ligada à casa em que morávamos na Rua Barão
de Itapetininga, de jardinzinho ao lado. Sentando-me à porta da entrada e
apertando as pernas, senti um prazer estranho que vinha das virilhas. Que idade
teria? Três ou quatro anos no máximo.
27
Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 36.
17
Acontecem terem as crianças ereção no primeiro mês de vida e iniciarem um
inútil período de masturbação, enquanto homens de quarenta e menos perdem
estupidamente a potência para viver dezenas de anos como cadáveres. Obra de
Deus querem os padres e as comadres. O limite, o tabu dos primitivos. A
adversidade metafísica. O malefício eterno e presente que todas as religiões
procuram totemizar.
Assim, cedo mergulhava eu nesse maravilhoso universo da bronha onde virgem
até quase a maioridade.
28
Oswald escreveu suas memórias de vida naquele que é considerado seu último
escrito. Nesse projeto, planejava escrever mais três volumes, porém veio a falecer antes.
Trata-se de uma reinvenção de vida. A verbalização de suas memórias reinventadas.
Criadas. Vivas. De acordo com Guilles Deleuze e Felix Guattari, não há diferença
nenhuma em como o livro é feito ou do que o livro fala: “Um livro não tem objeto nem
sujeito; ele é feito de matérias diferentemente formadas, de datas e velocidades muito
diferentes”.
29
O livro em si não é nada, mas quando através dele é possível conferir infinitas
possibilidades nos espaços, ele passa a conter intensidades e estas transitam por outros
espaços e a partir do momento que o livro faz relação com outros temas e assuntos, em
que se faz possível a multiplicação dos acontecimentos, ele passa a ser um corpo sem
órgãos:
30
28
Ibide, 36-37.
29
Gilles Deleuze; Félix Guattari, 2009, op. cit., p. 11.
30
Para pensarem o corpo sem órgãos, Felix Gattari e Guilles Deleuze apoderam-se da ideia de corpo sem
órgãos de Antonin Artaud: Se quiserem podem me meter numa camisa de força, mas não existe coisa
mais inútil que um órgão. Quando tiverem conseguido um corpo sem órgãos, então o terão liberado dos
seus automatismos e devolvido sua verdadeira liberdade”. Em: Antonin Artaud, Escritos de Antonin
Artaud. Tradução e seleção de Cláudio Willer, Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 161. Dando, assim, uma
extensão a essa ideia, os autores dizem: “Não é uma noção, um conceito, mas antes uma prática, um
conjunto de práticas”. O corpo sem órgãos (“CsO”) é o corpo de experiência, com suas próprias forças,
livre de julgamentos e interpretações que o impedem de viver de uma nova maneira e de organizar os
corpos. O CsO não se opõe aos órgãos do corpo e sim ao corpo enquanto organismo. Sem o
aprisionamento em um corpo organicamente organizado, pode-se abrir para o fluxo, para o devir para a
experimentação de nós mesmos. (Guilles Deleuze; Féliz Guattari, Mil Platôs Capitalismo e Esquizofrenia
Vol. 3. Tradução de Aurélio Guerra Neto, Ana Lúcia de Oliveira, cia Cláudia Leão e Suely Rolnik, São
Paulo, 34, 2007, p. 9-13).
18
[...] ele está somente em conexão com outros agenciamentos, em relação com
outros corpos sem órgãos. [...] perguntar-se-á com o que ele funciona, em
conexão com o que ele faz ou não passar intensidades, em que multiplicidades
ele introduz e metamorfoseia a sua, com que corpos sem órgãos ele faz
convergir o seu. Um livro existe apenas pelo fora e no fora.
31
O livro existe somente enquanto conexão com outro CsO. Portanto, pode-se
pensar que Um Homem Sem Profissão foi uma experimentação de si, onde o CsO está
sempre para acontecer, cada experiência é sempre singular e ao mesmo tempo múltipla:
Fito nas paredes do living espaçoso as minhas altivas bandeiras. São quadros,
as obras primas da pintura moderna de que breve vou me desfazer. São os
estandartes levantados na guerra que foi minha vida. Um grande Chirico de
1914, da série Piazze d’Italia, onde se uma torre, um pequeno trem de ferro e
dois homens minúsculos na solidão da praça onde se ergue uma estátua vestida
de negro. É um dos quadros que criaram em Paris o Surrealismo. Chamam-no
Le’enigme d’une journée. Há também, em azul, a obra prima de Tarsila, O sono.
Duas jóias de Cícero Dias, onde o mestre brasileiro liga o abstrato ao nativo. Os
cavalinhos de Chirico, O Di, uma telinha de Rudá e outra de Nonê, meus filhos,
e um guache de Picasso em azul e negro. São minhas bandeiras que contam
que nunca abdiquei na luta feroz dos meus dias.
32
31
Gilles Deleuze; Félix Guattari, 2009, op. cit., p. 12.
32
Ibide, p. 36. [Grifo meu].
19
Figura1. Giorgio de Chirico – “L`enigme d`une journée”
Figura2. Tarsila do Amaral – “O Sono”
20
Os quadros acima se referem a um espaço imaginário, ao mundo do
inconsciente; o mundo dos sonhos. Ambos possuem linhas construídas inesperadamente
sob um espaço vazio e até misterioso. A obra de Chirico se estende por sentidos
enigmáticos e muitas vezes melancólicos. Tarsila retrata O Sono” na infinitude do
inconsciente do ser humano. Ele se multiplica na mesma medida que se relaciona
consigo mesmo. Os dois se dirigem a outro lugar, além do real. São experimentações de
novas linhas em um espaço. É uma maneira de compreender o mundo através da arte.
Através de linhas. Linhas de movimento. Linhas de mutação. Linhas múltiplas:
Há linhas que representam alguma coisa, e outras que são abstratas. Há linhas de
segmentos, e outras sem segmento. linhas dimensionais e linhas direcionais.
linhas que, abstratas ou não, formam contorno, e outras que não formam
contorno. [...]. Acreditamos que as linhas são os elementos constitutivos das
coisas e dos acontecimentos.
33
A construção de linhas nos permite pensar o mundo sendo traçado por conexões.
São minhas bandeiras” e encontros de diferentes intensidades e de naturezas distintas.
Linhas que se espalham na horizontalidade, que nunca abdiquei na luta feroz dos
meus dias”. Assim, as linhas se distribuem como no rizoma como ramificações sem
raiz central, sem eixo, mas que crescem no horizonte, estabelecendo ligações,
compondo-se por linhas que se estendem indefinidamente como, por exemplo, o quadro
“O Sono” de Tarsila. Assim é Oswald de Andrade: “O que de interessante, mesmo
numa pessoa, são as linhas que a compõem, ou que ela compõe, que ela toma
emprestado ou que ela cria”.
34
Pensar em Oswald através de suas linhas de interações é produzir seu mundo em
um processo singular. É a construção do pensamento constituído por linhas, através de
agenciamentos: “[...] as linhas e as velocidades mensuráveis, constitui um
33
Gilles Deleuze
,
Conversações (1980). Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo, 34, 2007, p. 47.
34
Ibide, p. 47.
21
agenciamento. Um livro é um tal agenciamento e, como tal, inatribuível. É uma
multiplicidade [...]”.
35
Uma produção do fora, do novo. Oswald devora os quadros,
assim como devora sua própria existência: São os estandartes levantados na guerra
que foi minha vida”. São quadros que ele assimila e tritura: “Uma máquina de guerra
36
pode ser revolucionária, ou artística, muito mais que guerreira”.
37
Faz de sua vida uma
obra de arte, como máquina de guerra: “Nada de revolução: o papel impresso é mais
forte que as metralhadoras”.
38
Oswald de Andrade começou sua carreira de escritor ainda jovem. Trabalhou
como jornalista em 1909 no Diário Popular com a coluna Penando na qual fazia
campanha ao presidente Afonso Pena: “Numa viagem ao Paraná e Santa Catarina que
fez o Presidente da República, Afonso Pena, fui representante do jornal, dresultando
os meus primeiros artigos publicados, sob o título Penando.
39
Dois anos mais tarde já
estava com O Pirralho: “A vida de O Pirralho tornou-se intensa e importante no cenário
político, onde se lutava pelo civilismo de Rui contra a ditadura e Pinheiro Machado. Eu
deixara o Diário Popular”.
40
Foi nesta mesma época que Oswald começou sua escrita de traço humorístico,
como se pode ver no próprio título de sua coluna. O alvo era a elite intelectual e suas
matérias eram bastante diversas, tratando de política, teatro; em form de crônicas do
cotidiano e textos literários. Suas posições oscilavam um pouco entre moralismo e
35
Gilles Deleuze; Félix Guattari, 2009, op. cit., p. 12.
36
Para a compreensão de máquina de guerra, Deleuze e Guattari utilizam-se do mito do guerreiro Indra
que se opõe aos deuses Varuna e Mitra, os deuses da soberania. Indra é “[...] uma multiplicidade pura e
sem medida, a malta, irrupção do efêmero e potência da metamorfose. [...], uma potência contra a
soberania, uma máquina contra o aparelho”. Uma verdadeira máquina de guerra contra o aparelho do
Estado. O guerreiro Indra vive cada coisa em relação de devir. A máquina de guerra tem forma de
exterioridade, ao passo que o aparelho do Estado constitui a forma de interioridade. O guerreiro é aquele
que vai ao encontro das diferenças, do fora. É aquele que o artista atua quando vai ao encontro das
diferenças. Essa concepção é encontrada em: Guilles Deleuze; Féliz Guattari, Mil Patôs Capitalismo e
Esquizofrenia Vol. 5 (1980). Tradução de Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa, 2008, São Paulo, 34, p. 12-13.
37
Guilles Deleuze, 2007, op. cit., p. 47.
38
Oswald de Andrade, Os Dentes do Dragão. Entrevistas. Organização, introdução e notas de Maria
Eugenia Boaventura, São Paulo, Globo, 2009, p. 9.
39
Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 89.
40
Ibide, p.100.
22
ousadia esta talvez mais marcante, pois se verifica uma escrita bastante brincalhona
para a época. Como, por exemplo, no número dois de O Pirralho, sob o pseudônimo de
“Annibale Scipione”, um personagem macarrônico:
Lustrissimo signore redatore!
Ma Che nome furo incontrá- O Pirralho
Nun posso né scrivê uma linha já tenho di dá risada
Pocasa esclusivamente
Do nome do Pirralho.
Ma isso num é nome [...].
41
Características de humor e ironia são apresentadas como em um espetáculo de
circo. A visão circense de vida se manteve em Oswald. O riso que constrói. O riso
subversivo:
O circo foi um deslumbrado céu aberto na secura de emoções que me cercava.
Não a banda de música, ginastas, cavalos e feras. Mas era o espetáculo em si
que subvertia a monotonia de meu quotidiano. As mocinhas de maiô entraram
em meus olhos e permaneceram. Nas noites de camisolão, elas foram meu
pasto e minha festa. Nesse tempo aqui, ninguém usava pijama e minha mãe, à
entrada de cada inverno me presenteava com um comprido e folgado camisolão
de boa lã daquele tempo.
42
De acordo com Jorge Schwartz:
A ironia, o humor e a dimensão paródica representam uma interpretação
carnavalesca da vida, que pode ter sido inspirada nessa descoberta inicial e que
teria gerado a possibilidade de entender o mundo através do gesto circense. É
dessa maneira que Oswald de Andrade consegue atingir uma profunda visão
crítica da sociedade em que viveu [...].
43
Sua atividade jornalística estendeu-se por toda vida. É o que afirma Mário da
Silva Brito:
41
Oswald de Andrade apud Maria Augusta Fonseca, 2008, op. cit., p. 47-48.
42
Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 37-38.
43
Jorge Schwartz, Oswald de Andrade, São Paulo, Abril Educação, 1980, p. 10.
23
Abandonando as lides quotidianas das redações, Oswald de Andrade, no entanto,
não deixará de colaborar, ora com assiduidade, ora de forma intermitente, nos
grandes jornais de São Paulo e do País. Assim fez até os últimos anos de vida,
até às vésperas da morte. Nessa longa faina jornalística, atilada e vigilante,
registrou e comentou, de modo crítico, praticamente todos os grandes e
momentosos temas e problemas do seu e do nosso tempo. Muitos desses artigos
célebres, correndo de boca em boca as suas afirmativas insólitas, suas diatribes
abrasivas, seus ditos espirituosos.
44
De família de origem fidalga, seu pai, José Oswald Nogueira Andrade, filho de
fazendeiro, trabalhando para o desembargador Inglês de Sousa, conheceu sua filha Inês
Henriqueta Inglês de Sousa e com ela se casou. Da relação tiveram dois filhos. O
primeiro faleceu ainda criança e Oswald passou a ser criado sob exagerada proteção dos
pais, principalmente pela mãe, tão querida por ele. Por ela, Oswald cursou direito.
Porém, não em menos de nove anos de Faculdade do Largo de São Francisco e nunca
exerceu a profissão. Suas lembranças do tempo de estudos nunca foram boas:
na escola os deveres eram odiosos para mim. O som da palavra dever”
sempre me inspirou horror e desgosto. O fútil, ao contrário, os prazeres
transitórios, a vertigem, as voluptuosidades de curta duração, as poesias
revoltadas e grandiloqüentes, as narrativas de viagens reais e imaginárias... as
‘três fontes do mal’ (prazer dos olhos, prazer da carne, vaidades da vida) me
atraíram irresistivelmente. Assim, desde berço, eu tenho negligenciado meus
“deveres” para me entregar às três fontes do mal.
45
Fui matricular-me, em Março, no primeiro ano da Faculdade de Direito do Largo
São Francisco e aí tive uma das piores decepções da minha mocidade. Os
veteranos cercaram a mim e a meu colega Inácio Tamandaré Uchoa aos gritos: -
Bicho! Dança, bicho! E fazendo-nos enfiar as calças por debaixo das meias, nos
obrigaram a executar evoluções imbecis. Eu trazia outra idéia da faculdade. Ela
dera três grandes poetas ao Brasil. Castro Alves, Fagundes Varela, Álvares de
Azevedo. [...]. A valentona imbecilidade daquele grupo de trote criou em mim
uma verdadeira alergia por tudo que se processe ‘debaixo das Arcadas’[...]
Apesar de todas as oficiais reconciliações e palinódias, guardo um íntimo horror
pela mentalidade da nossa escola de Direito. Por instinto e depois
44
Mário da Silva Brito, “Oswald, democracia e liberdade”, In: Oswald de Andrade, Ponta de Lança, Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972, p. 17.
45
Oswald de Andrade apud Maria Eugenia Boaventura, O Salão e a Selva: uma biografia ilustrada de
Oswald de Andrade, Campinas, Unicamp, 1995, p. 16.
24
conscientemente, sempre repeli esse Direito ali ensinado para engrossar a
filosofia do roubo que caracteriza o capitalismo. Aliás, já nesse tempo eu me
declarava anarquista.
46
As ideias anarquistas são encontradas pela primeira vez
47
no pensamento de
Pierre-Joseph Proudhon, que no ano de 1840 se declarava anarquista através de um
diálogo fictício em sua primeira obra, O que é propriedade?:
Que forma de governo vamos preferir? - Eh! Podeis perguntá-lo, responde, sem
dúvida, algum dos meus leitores mais novos: sois republicano.- Republicano
sim, mas essa palavra nada precisa Res publica, é a coisa publica; ora quem
quer queira a coisa publica. Sob qualquer forma de governo que seja, pode dizer-
se republicano. Os reis também são republicanos. – Pois bem! Sois democrata? –
Não.- Que! sereis monárquico? Não.- Constitucionalista? Deus me livre.
Sois então aristocrata? Absolutamente nada. Quereis um governo misto?
Ainda menos.- Então que sois? – Sou anarquista.
48
É nesse mesmo escrito que Proudhon responde à questão o que é
propriedade?”: A propriedade é um roubo! Eis o clarim de 93! Eis o grande estrondo
das revoluções!”.
49
A partir do que, portanto, se pode pensar em uma possível
transversalidade com o pensamento de Oswald de Andrade: a filosofia do roubo que
caracteriza o capitalismo”.
Proudhon define o anarquismo como ausência de governante soberano, opondo-
se à definição comum de ausência de princípios e leis:
Anarquia, ausência de mestre, de soberano, tal é a forma de governo do qual nos
aproximamos todos os dias e que o hábito inveterado de tomar o homem por
regra e sua vontade por lei nos faz olhar como o cúmulo da desordem e a
expressão do caos.
50
46
Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 89-90. [Grifo meu].
47
Cf. Pierre-Joseph Proudhon, Proudhon/Coleção Grande Cientistas Políticos. Organização de Paulo-
Edgar A. Resende e Edson Passetti, São Paulo, Ática, 1986, p. 7-8.
48
Pierre-Joseph Proudhon, O que é propriedade?, Tradução de Marilia Caeiro, Lisboa, Editorial
Estampa, 1975, p. 234-235.
49
Pierre-Joseph Proudhon, 1986, op. cit., p. 33.
50
Ibide, p. 61.
25
As ideias anarquistas foram de interesse para Oswald de Andrade, como se pode
perceber em suas ligações com intelectuais anarquistas, como Domingos Ribeiro Filho,
com quem não travou muito contato, mas é citado nas memórias: “Trata-se do escritor
anarquista Domingos Ribeiro Filho, autor de um romance intitulado O cravo
vermelho”.
51
também o poeta Ricardo Gonçalves: Indalécio de Aguiar me
apresentou, como referi, à sua roda de literatos, que tinha como centro a figura
romântica do poeta acadêmico Ricardo Gonçalves”.
52
Oswald também menciona sua
amizade com o líder anarquista italiano Oreste Ristori: “Na roda noturna de Indalécio e
Ricardo Gonçalves travei relações com o anarquismo, vindo a conhecer o agitador
Oreste Ristori, depois meu amigo.”
53
Há, inclusive, um trecho no qual ele confirma sua
leitura e admiração por Proudhon:
Não tinha eu ainda às convicções que hoje mantenho como conquista espiritual
da Antropofagia, de que Deus existe como adversário do homem, idéia que
encontrei formulada em dois escritores que considero ambos teólogos
Kirkgaard e Proudhon. São dois estudiosos da adversidade metafísica que se
avizinham da formulação do conceito do primitivo sobre Deus, que é afinal o
tabu, o limite, o contra, que as religiões todas tentam aplacar com seus ritos e
sacrifícios.
54
Proudhon atacava as religiões como instituição, pois elas amparariam o princípio
de autoridade, negando às pessoas o direito de decidir sobre sua própria vida. A religião
deveria ser assunto pessoal, enquanto a igreja representaria o mesmo papel do Estado:
A religião, ao viver do dogma, tira de seus membros qualquer veleidade de
assumir a autonomia radical de sua prática e lhes impõe, com marca forte do
simbolismo de transcendência, a letárgica conformidade, seja no nível da ordem
cósmica, seja no nível mais íntimo da subjetividade. Deus é a medida de todas as
coisas.
51
Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 50.
52
Ibide, p. 87.
53
Ibide, p. 88.
54
Ibide, p. 119. [Grifo meu].
26
A propriedade, o Estado e a religião se coalizam para contrapor sua força
exterior à força interior da sociedade.
55
Os pais de Oswald de Andrade eram católicos e de muita fé. Devotos de São
José fizeram com que Oswald também tivesse um temperamento religioso. Porém,
Oswald não acreditava numa religião organizada como o catolicismo. E nem poderia.
No catolicismo as pessoas não se arriscam, elas simplesmente seguem a multidão.
Oswald era único e não multidão. Oswald buscava a liberdade e não a conformidade.
Em Oswald não há tradição, ele é uma rebelião:
Quando mais tarde, indo à missa da Consolação pela manhã, passava sob um
terraço de casa familiar, onde estavam sempre dependuradas algumas meninas,
lambiscava com olhos os contornos brancos que se revelavam sob as saias
flutuantes e curtas. Tinha medo de ser surpreendido e sofrer repreensão. Mas de
fato, no meu íntimo, não acreditava em pecado.
56
Indalécio me levou para a primeira crise religiosa que conheci. Me deu para ler
A relíquia de Eça de Queirós e breve estava comendo com eles bons e
sangrentos bifes num restaurante italiano, em plena Sexta-Feira Santa. Crise do
catolicismo mais do que religião, pois, tendo a Igreja a pior idéia, nunca deixei
de manter em mim um profundo sentimento religioso, de que nunca tentei me
libertar. A isso chamo eu hoje sentimento órfico. Penso que é uma dimensão do
homem. Que dele ninguém foge e que não se conhece tribo indígena ou povo
civilizado que não pague este tributo ao mundo subterrâneo em que o homem
mergulha. A religião existe como sentimento inato que através do tempo e do
local toma essa ou aquela orientação, este ou aquele compromisso ideológico e
confessional, podendo também não assumir nenhum e transferir-se numa
operação freudiana.[...].
A quantidade e a qualidade do órfico católico que me ofereceram foram fracas e
sobretudo mal escudadas pela apologética cristã e por sua absurda e hipócrita
moral. Desde cedo me entrou pelos olhos a incapacidade de transformação do
homem pelo cristianismo ou de sua ação regeneradora. O número de rezadores
pecaminosos e de padres sujos era demasiado para poder iludir mesmo minha
desprevenida adolescência. Aliás, os sacrifícios exigidos por mamãe, a
abstinência de carne, terços inteiros rezados de joelho, guardas chatissímas de
Santíssimo, tudo acrescentava à antipatia por aquele culto cheio de sermões
horrorosos, missas maçantes e confissões paliativas.
57
55
Paulo-Edgar A. Resende e Edson Passetti. In: Proudhon Pierre-Joseph, 1986, op. cit., p. 14.
56
Oswald de Andrade, 2002 op. cit., p. 39. [Grifo meu].
57
Ibide, p. 85-86.
27
De acordo com Antonio Candido:
O menino reponta o adulto como tendência constante de negar a norma; como
fascinação pelo proibido. A prática do proibido é a possibilidade de evasão, de
negação duma ordem de coisas que lhe é intolerável. Daí uma rebeldia que
começa pelo uso das palavras proibidas, passa pelos juízos proibidos e vai até os
graves pensamentos proibidos, com que orquestra a sua conduta rebelde das
letras e da vida.
58
Oswald de Andrade se revoltava contra os deveres e obrigações. Uma revolta
contra a autoridade e costumes da época. Uma verdadeira repulsa às ordens, que, por
sua vez, atravessavam suas inquietações pela liberdade. Mas isso não significa dizer um
“não” absoluto em qualquer situação. Oswald tomava a responsabilidade sobre si
mesmo. Em uma passagem de seu livro de memórias, onde ele narra o motivo pelo qual
sua mãe o tirou da escola (porque o professor, “Seu Carvalho”, dissera que Deus era
natureza), diz:
Fui logo tirado daquele antro de perdição. O que eu detestava não era o
apressado e teso spinozista Seu Carvalho. Eram os meninos que me chamavam
de “curumiro”, porque eu denunciara um que por pouco não esmagava meu
dedinho no portão de ferro. Era da ginástica que eu fugia, gordinho e refratário.
Eram as solenidades e as festas agitadas e intérminas, onde uma vez quiseram
me obrigar a recitar um poema à professora, feito em meu nome, por um
poetastro do Nordeste que se hospedara em casa de minha tia e vivia
espreguiçado numa cadeira de balanço. Eram os horários cheios de que eu
conseguia escapar com ânsias de vômito na saída matinal para a aula. -
Oswaldinho está doente! Lá ia eu para a cama em vez de ir para a escola.
Mas alguma coisa ficou de imenso em minha alma de criança, daquele edifício
limpo, branco e higienizado. Foi o canto dos alunos que me embriagava. As
vozes claras cantavam confusamente a palavra Liberdade e diziam:
“Das lutas, na tempestade
Abre as asas sobre nós”.
Este clarão presidiu até hoje a toda minha vida. Como poucos, eu amei a palavra
Liberdade e por ela briguei.
59
58
Antonio Candido, “Prefácio Inútil”, In: Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 15.
59
Ibide, p. 51-52.
28
Oswald sempre praticou a liberdade sobre ele mesmo. Sempre de uma escola
para outra, Oswald de Andrade fez de sua vida o ininterrupto. Suas viagens, desde sua
primeira para Guarujá à que fez para a Europa, marcam sua existência. Isto talvez reflita
este desejo profundo pelo livre: “Oswald consegue na verdade encarnar o mito de
liberdade integral pelo movimento incessante, a rejeição de qualquer permanência”.
60
A data de 1896 tem importância porque guarda minha primeira viagem. Na
minha memória afetiva ficou a idéia de, aos seis anos, meus pais me levarem ao
Guarujá. O Guarujá é uma praia linda, na Ilha de Santo Amaro, em Santos, que
se desenvolveu com o desenvolvimento do Estado, mas que nesse tempo era
recanto marítimo que reunia as elites de calção comprido que banhavam as
pundonorosas canelas e dissimulavam as bundas, ante o mar rancoroso e verde,
onde se erguia em frente a Ilha da Moela.
61
Aos 22 anos, Oswald de Andrade embarcava para Europa. A viagem, de caráter
particular, era para completar sua formação intelectual. Nela, Oswald ficou sempre nos
melhores hotéis e frequentando os melhores lugares. Essa viagem era para preparar o
jovem a assumir, junto ao pai, sua fortuna concentrada em terrenos e imóveis da cidade
de São Paulo.
Da elite de São Paulo, Oswald vivenciou uma cidade em todo seu processo de
industrialização. O café, base da economia e no mesmo ano do nascimento de Oswald
de Andrade, se transferia para São Paulo, Francisco Matarazzo. Em 1900 era fundado,
no Brás, o Moinho Matarazzo para a fabricação de farinha de trigo e massa. Época de
substituição do escravo por imigrantes europeus, principalmente italianos. A economia
era uma mistura de economia rural e industrialização crescente nos centros urbanos.
Oswald vivenciou São Paulo em todo seu aspecto de transformações, que era ao
mesmo tempo patriarcal agrário e tecnológico:
60
Antonio Candido. “Estouro e Libertação”, In: rios escritos, São Paulo, Duas Cidades, 1970, p. 56.
61
Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 40.
29
Sinais dos tempos: A nossa geração integrara-se na consciência capitalista que
gelara os velhos sentimentos da gente brasileira. Nos mantivemos, primos e
primas, cautelosamente afastados, se não hostis, vagamente nos encontrando nos
enterros da família e sabendo, por travessas vias, de doenças, partos e
transações. Nossos pais vinham do patriarcado rural, nós inaugurávamos a era da
indústria.
62
Anunciou-se que São Paulo ia ter bondes elétricos. Os midos veículos puxados
a burros, que cortavam a morna da cidade provinciana, iam desaparecer para
sempre. [...]. Um mistério esse negócio de eletricidade. Ninguém sabia como
era. Caso é que funcionava. [...]. A cidade tomou aspecto de revolução. Todos se
locomoviam, procuravam ver.
63
A vida de Oswald de Andrade sempre foi marcada por grandes processos de
mudanças, tanto em âmbito pessoal, quanto nas transformações das cidades que ele
pôde observar de perto; e seus intensos deslocamentos que fizeram parte de sua jornada
de vida. Aparentemente, “as partes mais vivas e resistência sejam aquelas que se
ordenam conforme a fascinação do movimento e a experiência de lugares”.
64
Seu regresso da primeira viagem da Europa ao Brasil fora antecipado pelo
agravamento da saúde de sua mãe: “E dos desmaios violetas dispersos em redor, criou-
se um momento uma figura de mulher céu acima, alongou o braço fantástico, chamou.
Pensei em mamãe”.
65
Sua personagem mais querida de seu livro de memórias. Dona
Inês, ao contrário de seu pai, sempre incentivou a carreira literária de seu filho. Sua
morte foi um dos momentos mais marcantes da vida de Oswald. O sentimento de perda
da figura materna estende-se por toda a sua vida. Na abertura de suas memórias,
escreve: “Este livro é uma matinada. Apesar de ser meu livro de orfandade”.
66
“A perda
do colo materno deflagrou em mim o escritor e o homem. Minhas memórias são um
livro edipiano. Tudo nelas explica meus livros anteriores: minha prosa e minha
62
Ibide, p. 35.
63
Ibide, p. 47.
64
Antonio Candido, 1970, op. cit., p. 53.
65
Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 112.
66
Ibide, p. 33.
30
poesia”.
67
É possível perceber que Oswald de Andrade estabelece linhas que se
conectam, atuando como um rizoma, contendo múltiplas exterioridades, pensamentos,
fatos, pessoas etc.
Na primeira despedida do Brasil, Oswald demonstrou seu apego materno:
Apertei minha mãe no corredor da casa, coberto como ela de grimas ardentes,
e fui acompanhado por meu pai e alguns amigos até o cais do porto de Santos.
Aí entrei pela primeira vez num transatlântico. Era o Martha Washington que me
levava à Europa.
68
Dentro do navio, Oswald conheceu Landa Kosbach. Nas palavras dele mesmo:
“Landa encheu meus dias de bordo”.
69
Landa Kosbach era uma bailarina ainda bem
nova que estava a bordo do navio com sua avó e que iria estudar balé no Scala de Milão.
“Convenci a velha de que devia ser padrinho de Landa, que não era batizada. A velha
que era judia concordou com meu oportunismo religioso”.
70
Assim foi feito: “Rumamos
para Paris, passando por Milão, onde batizei Landa Kosbach no Duomo”.
71
Apesar do interesse pela dançarina e contrariando as normas da época, ele
retornou de Paris com Kamiá, Henriette Denise Boufflers, rainha dos estudantes de
Montmartre, que o acompanhou nos passeios à Inglaterra, à Alemanha, à Itália. Com ela
teve seu primeiro filho em 1914, José Oswald Antônio de Andrade, o Nonê. O
relacionamento entre o casal, de acordo com Oswald, foi considerado um erro da
mocidade. Ele nunca quis casar-se com ela. Na mesma época voltou da Europa Carmem
Lydia, a menina Landa do navio, que posteriormente inspiraria suas primeiras peças de
teatro. Ela e a avó se hospedam na casa dele. Kamiá atormentou Oswald com cenas de
67
Oswald de Andrade, 2009, op. cit., p. 373.
68
Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 106.
69
Ibide, p. 108.
70
Ibide, p. 109.
71
Ibide, p. 110.
31
ciúme envolvendo o filho Nonê e o sogro. Oswald passou muito tempo vivendo em
função da dançarina por quem se apaixonou.
Tem dezesseis anos. É uma marginal da sociedade de bem, e isso excita meus
compromissos. [...]. Afinal que poderia eu desejar mais, votado à literatura, do
que fazer minha vida com uma linda criança devotada à arte e à dança. Que
monstruosidade havia nesse sonhado casamento?[...]
Os seios róseos e nascentes da dançarina pulam facilmente do corpinho. Suas
coxas alvas e redondas estacam numa calça minúscula de elástico, precursora
dos tapas-cus de Bikini. Landa, uma manhã, abre o roupão e mostra-se
inteiramente nua para os meus olhos.
72
Na opinião de Antonio Candido: “Ele escandalizava pelo fato de existir, porque
sua personalidade excepcionalmente poderosa atulhava o meio com a simples presença.
Conheci muito senhor bem posto que se irritava de vê-lo, [...]”.
73
Ele pagava
professores particulares para ela, pagava hotéis, divulgava sua imagem em jornais e
ainda apresentou Carmem ao mundo artístico paulista. O que rendeu para ela cortejos e
poemas. Essa relação foi bastante tumultuada e por conta da minoridade da garota e
processos de sua avó com interesse no dinheiro da família Andrade, Oswald foi alvo de
manchetes de jornais e muitos aborrecimentos. Kamiá rompeu com Oswald em 1916:
“Fui abatido, humilhado e ofendido de coração e no brio”.
74
Posteriormente a bailarina
foi para um colégio de freiras. “Forma-se uma onda reacionária que exige que ela seja
retirada de um colégio familiar e colocada num asilo de perdidas o Bom Pastor no
Ipiranga. Isso me revolta profundamente”.
75
Oswald de Andrade e seus amores. Seus encontros e desencontros, sua posições
e oposições. Oswald não é óbvio. Desde sua infância Oswald tem uma postura
transgressora inclusive em relação ao sexo. Criança, sentia desejo por outra criança
72
Ibide, p. 131-132.
73
Antonio Candido, 1970, op. cit., p. 75.
74
Oswald de Andrade, 1995, op. cit., p. 60.
75
Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 157.
32
do mesmo sexo: “[...] levando meus primeiros amores platônicos do colégio. Umas
nádegas redondas e plasticamente perfeitas costumavam ingenuamente levantar-se em
minha frente, sob calças colantes e curtas. Era Adolfo, o melhor aluno da turma [...]”.
76
Oswald era libertário. Uma liberdade com relação a todos os tipos de
condicionamentos, às ideologias religiosas e à sexualidade:
Tudo isso vinha confirmar a idéia de liberdade sexual que doirava o meu sonho
de viagem, longe da pátria estreita e mesquinha, daquele ambiente doméstico
onde tudo era pecado.
77
Assisti ao desnudamento do homem como da mulher no meu século. Esta
coitada, até a minha adolescência, esmagava o corpo entre espartilhos e
barbatanas de cintas ferozes. Era preciso tirar dela os últimos traços do natural.
Nada de canelas à mostra, nem braços, nem começos saltitantes seios. Tudo isso
era o arsenal do demônio que atravancava o nosso celestial destino. Esmagada
em seu espírito, como em sua carne, espirrava dela uma mitra de cabelos muitas
vezes postiços sobre os rostos lívidos que ignoravam o baton e o rouge.
Ser bem-educado era fugir da vida. As mulheres não podiam sequer revelar a
sexualidade natural que todas têm. Eram logo putas.
78
No artigo O Santeiro do Mangue ou A Moral do Avesso, Mário Chamie afirma
que Oswald sintetiza a identificação da sociedade burguesa à compreensão de uma ética
de privilégios como fonte de um permanente cinismo social; a desconfiança de valores e
religião como protesto e desmascaramento social; a exaltação de uma sexualidade como
forma anárquica de libertação individual; a confiança em uma linguagem sem
compromisso com o que seria considerado superior para a época e destaca ainda a
preferência de Oswald em não distinguir realidade e aparência:
A moral oswaldiana, portanto, é a moral do avesso, ou seja, de irreverência, de
ironia, e da piada, armas de ataque contra a seriedade e seus modelos. Oswald
parece ter entendido que a atitude séria está sempre do lado direito, e do lado
76
Ibide, p. 80.
77
Ibide, p. 115.
78
Ibide, p. 99-100.
33
direito, muitas vezes, é um mero fenômeno fruto de um consentimento sem
razão.
79
Das suas primeiras relações amorosas, a mais intensa foi com Deise, Maria de
Lourdes Olzani, apelidada de “Miss Cyclone”. Oswald viveu com ela na famosa
garçoninière, que funcionava como uma espécie de conservatório de literatura no centro
de São Paulo. Cyclone, aos dezoito anos, era a principal estrela do grupo que contava
com Ignácio da Costa Ferreira, Edmundo Amaral, Pedro Rodrigues de Almeida,
Vicente Rao, Leo Vaz, Guilherme de Almeida e Monteiro Lobato. Nesse local foi
composto um diário cujo nome era: O Perfeito Cozinheiro das Almas”. Tendo como
personagem principal Miss Cyclone.
A Cyclone é um desenho moderno. Ela sozinha basta para encher um ambiente
intelectual de homens do quanto ele precisa de feminino, para sua alegria e para
seu encanto. Ela é multiforme e variável na sua interessante unidade de mulher
moderna.
Anoto entre “reflexões sobre Daisy”: “Se a Cyclone estivesse entre os ventos da
tempestade clássica de Virgílio, Enéas não escapava.”
Trocadilho paradisíaco de Adão (o primeiro da terra) É preferível ser pente a
ser mulher.
80
Oswald ficou realmente feliz com a presença dela: “Meu otimismo voltou depois
de encerrado o caso Landa Kosbach. Trago rapadura de cidra e uma alma pré-homérica
cheia de pinga com limão. Positivamente amanhece a vida”.
81
A poderosa Miss Cyclone
exercia grande fascínio entre os amigos de Oswald. Deise tinha uma personalidade
muito forte e preservava sua individualidade, não se deixando dominar. Não foi à toa
que provocou grande interesse por todos. “Cyclone fazia coro às poucas vozes
79
Mário Chamie, “O Santeiro do Mangue ou A Moral do Avesso”, In: A linguagem virtual, São Paulo,
Quíron, 1976, p. 26. O Santerio do Mangue – Mistério gozozo, de Oswald de Andrade, foi escrito em
forma de ópera no período de 1936 a 1950.
80
Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 164.
81
Ibide, p. 165.
34
femininas dissonantes que, tanto no Brasil como fora, procuravam tornar aceitável o
comportamento liberal da mulher na sociedade”.
82
Quando partiu para Cravinhos, O
Perfeito Cozinheiro” acabou. Em 1921, Deise morreu tragicamente de um aborto
acordado com Oswald de Andrade. Ela estava grávida de outro homem. No final, ele fez
uma síntese de seus primeiros amores:
Sinto-me só perdido numa noite de orfandade. A amada que me deu a vida partiu
sem dizer adeus. A francesa que trouxe de Paris veio buscar o dinheiro para
outro homem. Landa que foi meu primeiro sonho vivo que me ofuscou, tornou-
se a estátua de sal da lenda bíblica. Olhou para o passado.[...]. A que encontrei
para ser toda minha, meu ciúme matou...
Estou só e a vida vai custar reflorir. Estou só.
83
Em seus quadros, o que ele chama de as minhas bandeiras pode ser uma
experimentação possível em relação à interpretação de Breton sobre as obras de Chirico:
As suas muitas praças e ruas melancólicas e misteriosas são construídas a partir
de sombras profundas e severas e rodeadas por arcadas. Embora desertas, elas
são misteriosamente habitadas” por estátuas, mais freqüentemente por
esculturas femininas [...].
84
Em uma das suas últimas entrevistas foi indagado a respeito de sua vida:
- Se lhe fosse dado viver de novo sua experiência humana, recomeçaria tudo da
mesma forma? Não [...]. Apenas uma coisa voltaria a fazer: casar-me com
MariaAntonietad`Alkmim. Prosseguiu melancólico - Deus erra muito na
distribuição das idades. Ao invés de encontrá-la aos cinqüenta anos, devia tê-la
encontrado aos vinte anos. A gente vive de sobras.
85
Um Homem sem Profissão é uma máquina de potencialidades. Ele atribui
significados à própria existência. Ele transforma em potência a partir do momento que
82
Maria Eugenia Boaventura, 1995, op. cit., p. 65.
83
Oswald de Andrade, 2002, op. cit., p. 193.
84
André Breton apud Cathrin Klingsohr-Leroy, Surrealismo. Tradução de João Bernardo Paiva Boléo,
Lisboa, Uta Grosenick Taschen, 2004, p. 32
.
85
Oswald de Andrade, 2009, op. cit., p. 373-374.
35
ele produz suas próprias memórias. Considerando ainda o pensamento de Guilles
Deleuze e Félix Guattari a respeito do livro, ele diz:
Assim, sendo o próprio livro uma pequena máquina, que relação, por sua vez
mensurável, esta máquina literária entretém com uma máquina de guerra, uma
máquina de amor, uma máquina revolucionária etc.
86
86
Gilles Deleuze; Félix Guattari, 2009, op. cit., p. 12.
36
CAPÍTULO II: Colocando a antropofagia dentro da panela
2.1 O ingrediente Modernista
Figura3. Tarsila do Amaral – “Abaporu”
“Macunaíma ia seguindo e topou com árvore Volomã bem alta.
Num galho estava um pitiguari que nem bem enxergou o herói, se
desgoleou cantando ‘Olha no caminho quem vem! Olha no
caminho quem vem!’ Macunaíma olhou para cima com intenção de
agradecer mas Valomã estava cheinha de fruta. O herói vinha
dando horas de tanta fome e a barriga dele empacou espirando
aquelas sapotas sapotilhas sapotis bacuris abricós mucajás miritis
guabijus melancias ariticuns, todas essas frutas.
- Valomã, me dá uma fruta. Macunaíma pediu.
O pau não quis dar. Então o herói gritou duas vezes:
- Boiôiô, boiôbo! quizama quizu!
Caíram todas as frutas e ele comeu bem [...].”
Mário de Andrade
37
Em 1928, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, casados, resolveram levar
um grupo de amigos a um restaurante para comer rãs. Foi Raul Bopp quem recordou:
Quando, entre aplausos, chegou o prato com a esperada iguaria, Oswald
levantou-se, começou a fazer o elogio da rã, explicando, com uma alta
percentagem de burla, a doutrina da evolução das espécies. Citou autores
imaginários, os ovistas holandeses, a teoria dos homúnculos, para provar que a
linha da evolução biológica do homem, na sua longa fase pré-antropóide,
passava pela - essa mesma que estávamos saboreando entre goles de um
Chabli gelado.
Tarsila interveio:
- Com esse argumento, chega-se teoricamente à conclusão de que estamos
sendo agora uns... quase - antropófagos.
87
A tese de Tarsila logo virou uma brincadeira recheada de ideias e dias mais tarde
o mesmo grupo de amigos do casal reuniu-se para o batismo de um quadro pintado por
Tarsila para dar ao então marido, Oswald de Andrade como presente de aniversário.
Oswald ficou empolgadíssimo com o presente e chamou Raul Bopp, que estava em São
Paulo na ocasião, e disse: “É um homem, plantado na terra”. “Vamos fazer um
movimento em torno desse quadro”, completou Bopp. E recorreram ao dicionário de
Montoya para escolher o nome para a tela. Aba: “homem”, poru: “que come”. Assim, o
transformaram em “Abaporu” ou homem que come”.
Estavam assim declaradas as bases do movimento artístico que Oswald de
Andrade apontou como sendo o movimento mais original brasileiro: “A antropofagia
[...] salvou o sentido do modernismo, é também a única filosofia original brasileira e,
sob alguns aspectos, a mais radical dos movimentos artísticos que produzimos”.
88
É
certo também que Eduardo Prado, tio de Paulo Prado um dos mentores da Semana de
87
Raul Bopp, Vida e Morte da Antropofagia, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977, p. 40.
88
Oswald de Andrade apud Augusto de Campos, “Revistas re-vistas: Os antropófagos”, introdução à
reedição da Revista de Antropofagia, São Paulo, Abril Metal Leve S.A., 1975. Disponível em:
<http://antropofagia.uol.com.br/bibliotequinha/ensaios/revistas-re-vistas-os-antropofagos/#more-613>.
Acesso em: fevereiro de 2010.
38
Arte Moderna apresentou a obra de Hans Staden a Oswald de Andrade, Tarsila do
Amaral e Raul Bopp e que a frase: “Lá vem nossa comida pulando”, foi um dos grandes
saltos para a inspiração do movimento antropofágico. Para Bopp, a chefa do movimento
antropofágico foi Tarsila:
A Chefa do movimento foi Tarsila. Oswald ia na vanguarda, irreverente, naquele
solecismo social de São Paulo. Foi elemento de resistência e agressão. Pôs a
Antropofagia no cartaz, com técnica de valorização. Tarsila, na sua
simplicidade, semeava idéias. Queria um retorno ao Brasil, à sua ternura
primitiva. A flecha antropofágica indicava uma nova direção.
89
Haroldo de Campos faz a seguinte observação, tratando de Oswald e Tarsila:
A imaginação visual de Oswald sempre o fez um apaixonado da pintura, Pau
Brasil e seu desdobramento na Antropofagia estão ligados, respectivamente, as
duas fases concomitantes da obra de Tarsila do Amaral.
90
Para Benedito Nunes, a obra de Tarsila e a obra de Oswald são “aspectos
complementares de uma só concepção primitivista, um programa de reeducação da
sensibilidade e uma teoria da cultura brasileira”.
91
A antropofagia não está apenas destinada à destruição da cultura retrógrada do
Brasil do início do século. Ela é principalmente um projeto de restauração social,
embasado na mais radical origem nacional. Quando Oswald chega a sua concepção, ele
já contava com um respeitável currículo literário e ainda com uma intensa participação e
uma identificação com o Modernismo.
O movimento que lançou os fundamentos do Modernismo no Brasil foi sem
dúvida a Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo de 11 a 18 de fevereiro de
89
Raul Bopp, 1977, op. cit., p. 69.
90
Haroldo de Campos, “Uma poética da radicalidade”, In: Oswald de Andrade, Poesias Reunidas, Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1974, p. 41.
91
Benedito Nunes, “A visão poética Pau Brasil”, In: Oswald de Andrade, Do Pau-Brasil à Antropofagia e
às Utopias: manifestos, teses de concursos e ensaios, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, p. xx.
39
1922 e contou com mais três festivais nos dias 13, 15 e 17. A Semana foi recompensa
de um longo processo de renovação que há anos vinha ocorrendo.
No processo político brasileiro, a década de 1920 foi marcada pela aproximação
do fim das oligarquias que estavam sendo submetidas a grupos de pressão, como a
burguesia industrial, a classe média urbana e a classe operária. Outra característica foi o
movimento tenentista, que, mesmo sem ter alterado a estrutura social brasileira,
conseguiu um basta na “política dos governadores”, terminando, inclusive, com a
Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas. 1922, o ano da Semana de Arte
Moderna, ficou marcado também pelo Centenário da Independência do Brasil, pela
Fundação da revista Klaxon
92
, pelo Levante do Forte de Copacabana e pela criação do
Partido Comunista no Brasil, ao qual, anos mais tarde, Oswald se filiaria junto com
Pagu, Patrícia Galvão.
Com efeito, a partir da Primeira Guerra Mundial (1914) o crescimento da
indústria assumiu um novo ritmo, o que implicou um processo de urbanização, a vinda
de imigrantes europeus, o engrossamento da classe média e da classe operária, o
declínio da cultura da cana no Nordeste e a ascensão do café paulista. Nas palavras de
Oswald: “Não a economia cafeeira promovia os recursos, mas a indústria com sua
ansiedade do novo, a estimulação do progresso fazia com que a competição invadisse
todos os campos”.
93
De acordo com Antonio Candido e José A. Castelo: “Uma
sociedade que liquidava os resquícios patriarcais e adotava rapidamente os novos ritmos
da vida contemporânea”.
94
92
A revista Klaxon agrupou componentes da Semana de Arte Moderna, como Manuel Bandeira, Anita
Malfatti, Graça Aranha, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, entre outros artistas e escritores. A
revista circulou de 15 de maio de 1922 a janeiro de 1923. De acordo com Jorge Schwartz na apresentação
da Revista Klaxon online: “é a mais audaciosa, a mais renovadora e a mais criativa para a época”.
Disponível em: <www.brasiliana.usp.br>. Acesso em: março de 2010.
93
Oswald de Andrade apud Jorge Schwartz, 1980, op. cit., p. 94.
94
Antonio Candido; José A. Castelo, Presença da literatura brasileira, Volume III, São Paulo, Difel,
1968, p. 11.
40
No campo das artes, a tendência moderna “veio seguindo os caminhos da
máquina”.
95
Alcançou-se o Cubismo de caráter estático; o Futurismo, surgido na Itália,
com formas teatrais e dinâmicas “em perfeita concomitância com a máquina”
96
; o
Expressionismo, com a predominância de formas trágicas e violentas. O grupo Dadá
soltava manifestos, “proclamavam, arrogadamente, a antiarte”
97
que anos depois
originou o Surrealismo, do qual Oswald foi admirador.
Certamente o movimento antropofágico dialogava com correntes europeias,
como por meio da revista Cannibale (1920) de Francis Picabia, mas de maneira que não
se pode comparar. A imagem do canibalismo estava presente nas vanguardas europeias
por causa da ação conjunta da arqueologia e da etnologia moderna e também por conta
da moda primitivista, além da arte africana. Porém, como observa Augusto de Campos,
Cannibale não passou de uma fantasia para assustar burgueses: “Não há nada em que se
leia qualquer plataforma que pudesse identificar o movimento canibal”. O Manifesto
Canibal Dadá “é um típico documento dadaísta”.
98
Augusto também faz referência ao
Modernismo e as vanguardas no qual Benedito Nunes afirma que “a imagem do
canibal estava no ar, por isso quem se aventure a estabelecer os antecedentes literários
privilegiados que ela teve, seria obrigado a recuar de autor”. E completa: “A imagem
oswaldiana do antropófago, [...] subordinam-se, portanto, a uma forma de concepção
que os vários canibalismos literários da época não podem preencher”.
99
Houve também a exposição de Lasar Segall (1912) em Campinas, que os
modernistas chamaram de “primeira exposição não acadêmica no Brasil”; a exposição
95
Raul Bopp, 1977, op. cit., p. 22.
96
Ibide, p. 21.
97
Ibide, p. 22.
98
Augusto de Campos, 1975. Disponível em:
<http://antropofagia.uol.com.br/bibliotequinha/ensaios/revistas-re-vistas-os-antropofagos/#more-613>.
Acesso em: fevereiro de 2010.
99
Benedito Nunes apud Augusto de Campos, 1978. Disponível em:
<http://antropofagia.uol.com.br/bibliotequinha/ensaios/revistas-re-vistas-os-antropofagos/#more-613>.
Acesso em: fevereiro de 2010.
41
de Anita Mafaltti (1917), que trouxe o que ela havia aprendido com mestres da pintura
alemã que misturavam o Cubismo e o Expressionismo e que foi duramente atacada por
Monteiro Lobato. Um mês depois, Oswald de Andrade, indignado, saiu na defesa de
Anita, publicando um artigo exaltando a qualidade das obras no Jornal do Comércio; a
escultura de Victor Brecheret; e a própria revista Orfeu, dirigida por Picasso, Marinetti,
Mallarmé, entre outros.
Na época, Paris era o centro da Europa com relação às novas correntes artísticas
e culturais. Alvoroçada com o grande número de manifestações no campo das artes, ela
ia cedendo espaço às novas ideias. Já aqui em São Paulo, as coisas eram bastante
diferentes, como Bopp percebeu:
São Paulo, em problemas de arte, permanecia ainda num velho conformismo,
amarrado a formas antiquadas, em contradição com a pujança econômica.
Guardava posições acadêmicas, numa rigorosa sujeição aos preceitos
rotineiros.
100
Nesse movimento de adequação da cultura brasileira a uma nova situação
histórica e social que se transformou no Modernismo, Oswald de Andrade teve papel
decisivo, como recordou Mário de Andrade: “a figura mais característica e dinâmica do
Modernismo”.
101
Oswald de Andrade denunciava: “Estamos atrasados de cinqüenta
anos em cultura, chafurdados em pleno Parnasianismo”.
102
A vontade de vencer as
resistências conservadoras culminou com o plano de Oswald, Menotti, Brecheret e Di
Cavalcanti para a realização da Semana da Arte Moderna no Teatro Municipal.
100
Raul Bopp, 1977, op. cit., p. 23.
101
Mário de Andrade, “O movimento modernista”, In: Aspectos da literatura brasileira, São Paulo,
Martins Mec, 1972, p. 237.
102
Oswald de Andrade apud Raul Bopp, 1977, op. cit., p. 25.
42
O primeiro dia ficou por conta do discurso de Graça Aranha, "A emoção estética
na arte moderna”, criticando a Academia Brasileira de Letras por seu conservadorismo,
gerando protestos na plateia.
Oswald participou com a leitura de um trecho de seu romance Os Condenados
(1922) na segunda noite; a noite que celebrizou a Semana de Arte Moderna. Entre
muitas vaias, latidos e miados que foram presentes em todos os momentos, Mário de
Andrade declamou “Ode ao burguês”, da Paulicéia Desvairada, e Menotti del Picchia
fez um discurso que foi um dos elementos mais importantes da Semana de Arte
Moderna, como pode-se perceber neste trecho:
Nada de postiço, meloso, artificial, arrevesado, precioso: queremos escrever com
sangue que é humanidade; com eletricidade que é movimento, expressão
dinâmica do século; violência que é energia bandeirante. Assim nascerá uma
arte genuinamente brasileira, filha do céu e da terra, do Homem e do mistério.
[...] Tudo isso e o automóvel, os fios elétricos, as usinas, os aeroplanos, a arte
– tudo isso forma os nossos elementos da estética moderna, fragmentos de pedra
em que construiremos, dia a dia, a Babel do nosso Sonho [...].
103
A Semana transformou o panorama cultural da arte no Brasil, afetando vários
tipos de manifestações artísticas: a poesia de Oswald, Mário de Andrade e de Raul
Bopp; a pintura de Anita Mafaldi, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Lasar Segall; a
música de Heitor Villa-Lobos; a escultura de Vitor Brecheret; entre outras. Estava
instaurado, portanto, o movimento modernista que renovou a mentalidade nacional e
trouxe certa autonomia artística e literária para o Brasil.
Contudo, se configuraram duas correntes opostas e definidas ao longo da década
de 1920 que foram: o primitivismo de Oswald de Andrade, com o Manifesto Pau-Brasil
(1924), e o nacionalismo de Plínio Salgado e seu seguidores. Tratando do Manifesto
Pau-Brasil, Antonio Candido diz: “uma tomada de posição primitivista, à busca de uma
103
Menotti del Pichia apud Nicolau Sevcenko, Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e
cultura nos frementes anos 20, São Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 269-270.
43
poesia construidamente ingênua, de descoberta do mundo da terra brasileira e de
sensibilidade individual”.
104
De acordo com Benedito Nunes:
A inocência construtiva da forma com que essa poesia sintetiza os materiais da
cultura brasileira equivale a uma educação da sensibilidade, que ensina o artista
a ver com olhos livres os fatos que circunscrevem sua realidade cultural, e a
valorizá-los poeticamente, sem executar aqueles populares e etnográficos, sobre
os quais pesou a interdição das elites intelectuais, e que melhor exprimem a
originalidade nativa. Nasce daí a teoria já crítica brasileira, focalizando a
oposição, que foi um dos móveis da dialética do Modernismo, entre o seu
arcabouço intelectual de origem européia, que integrou a superestrutura da
sociedade e se refletiu no idealismo doutoresco de sua camada ilustrada, e o
amálgama de culturas primitivas, como a do índio e a do escravo negro, que teve
por base.
105
É importante realçar que a posição de Oswald de Andrade é contrária à corrente
do movimento Verde Amarelo que tinha como representantes Menotti Del Picchia,
Cassiano Ricardo, Plínio Salgado e Cândido Mota Filho, que Haroldo de Campos
qualifica como o kitsh da Poesia Pau-Brasil, substituindo “a contundência
revolucionária [...] pelo senso conservantista”.
106
Opondo-se ao primitivismo de Oswald
de Andrade num puro nacionalismo, sua importância se revela, sobretudo, nos anos
posteriores com compromissos políticos com a direita. A fervura iniciada no começo da
década, com tentativas militares de 1922 e 1924, com a Coluna Prestes, em 1925, com a
própria Semana de Arte Moderna e a fundação do Partido Comunista, foi um divisor de
águas na nossa história, e os modernistas passaram a trilhar caminhos bem definidos
que correspondiam a suas posições políticas. Foi quando, de acordo com Mário da Silva
Brito, o Verde Amarelo se transformou em Anta e o Pau-Brasil em Antropofagia. O
grupo Anta de Plínio Salgado tinha como base ideológica “política brasileira com raízes
104
Antonio Candido; José A. Castelo, 1968, op. cit., p. 15.
105
Benedito Nunes, 1978, op. cit., p. xx-xi.
106
Haroldo de Campos, A arte no horizonte do provável, São Paulo, Perspectiva, 1969, p. 199.
44
profundas na terra americana e na alma da pátria”.
107
Enquanto os antropófagos se
colocaram em uma posição contestatória, o grupo Anta se colocou para a direita, da
mesma maneira que Oswald, nos anos 1930, se engajou com a esquerda, condenando o
passado: “A situação revolucionária desta bosta mental sul-americana, apresentava-se
assim: o contrário do burguês não era o proletariado – era o boêmio!”.
108
O Modernismo, de certa maneira, de acordo com Raul Bopp, foi patrocinado pela
burguesia e, apesar de ter acordado o Brasil “do estado de estagnação”, seus
“dividendos nas letras e na arte eram ainda muito reduzidos”, não havendo um
pensamento “capaz de condensar as preocupações do momento”.
109
Em 1928, Oswald de Andrade e alguns colaboradores assumiram uma postura
mais revolucionária que denominaram “Antropofagia”, constituindo um movimento
propriamente dito, apresentando-o na Revista de Antropofagia, sob a direção de Antonio
Alcântara Machado e gerência de Raul Bopp. De acordo com Bopp:
Foi um movimento animado, de um espírito jovem, independente, burlão,
negativista. Com sátiras audaciosas, provocou uma derrubada de valores, de
mera casca literária, sem cerne. Sacudiu hierarquias inconsistentes. Assinalou
uma época.
110
Com o tempo, a antropofagia adquiriu um caráter mais sério, “com mais seriedade,
numa reestruturação de idéias”.
111
A Revista de Antropofagia teve duas fases, ou “duas dentições”, como os
modernistas a chamavam, bem diferenciadas uma da outra. Na primeira etapa, de maio
de 1928 a fevereiro de 1929, Oswald de Andrade foi destaque, tendo o Abaporu de
107
Plínio Salgado apud Benedito Nunes, Antropofagia e Utopia, In: Oswald de Andrade, Do Pau-Brasil à
Antropofagia e às Utopias: manifestos, teses de concursos e ensaios, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1978, p. xxxvi.
108
Oswald de Andrade apud Jorge Schwartz, 1980, op. cit., p. 99.
109
Raul Bopp, 1977, op. cit., p. 36.
110
Ibide, 44.
111
Ibide, p. 44.
45
Tarsila junto com o Manifesto Antropófago, além do anúncio de Macunaíma
112
de
Mário de Andrade. Vale destacar o artigo de Oswald de Andrade “Schema ao Tristão de
Athayde”, na revista de número 5, no qual ressalta a importância da obra de Mário e
propõe uma nova data para a independência do Brasil. O trecho abaixo ilustra essa
posição:
(O macunaima é a maior obra nacional.
Você precisa lêr. Macunaima
em estado de ebulição. Depois isso
côa-se. Toma festim moderado, com
saldo a favor). Vamos-fazer um levantamento
topographico da moral brasileira,
a funda sexualidade do nosso
povo. Vamos rever a historia, daqui e da
da Europa. Festejar o dia 11 de Outubro,
o ultimo dia da America livre,
pura, descolombisada, encantada e
bravia.
113
A primeira fase da revista foi um pouco “ingênua”, como constatou Augusto de
Campos e apesar da publicação do Manifesto Antropófago, o único texto que se
assemelhava com as idéias de Oswald de Andrade, eram as de Oswald Costa:
Portugal vestiu o selvagem. Cumpre despi-lo. Para que ele tome um banho
daquela “inocência contente” que perdeu e que o movimento antropófago agora
lhe restitui. O homem (falo do homem europeu, cruz credo!) andava buscando o
homem fora do homem. E de lanterna na mão: filosofia. [...] Nós queremos o
112
Mário de Andrade se inspirou no folclore de Macunaíma, misto de deus e herói lendário do norte da
Amazônia. Conta-se que ele é filho do sol com a lua, concebido em um eclipse. Seu berço é uma enorme
montanha no meio dos campos de Roraima. Macunaíma era forte e guerreiro, e a única pessoa que
poderia colher os frutos da árvore sagrada: a árvore de todos os frutos. Só ele poderia colher seus frutos e
distribuir igualmente. Até que um dia, os índios desobedeceram a regra, e colheram os frutos. E pegaram
os galhos, pois queria fazer mudas dessa árvore. A magia e o mistério da árvore de todos os frutos se
perdeu e num gesto furioso, Macunaíma acabou com a floresta e de lá, nada restou. Em: Franz Kreüther
Pereira, Painel de Mitos e Lendas da Amazônia, Belém, 1994, p.46. Disponível em:
<http://vbookstore.uol.com.br/nacional/misc/painel_de_lendas>. Acesso em março de 2010.
113
Oswald de Andrade, Revista de Antropofagia (número 5). Disponível em: <www.brasiliana.usp.br>.
Acesso em: março de 2010.
46
homem sem a dúvida, sem sequer a presunção da existência da dúvida: nu,
natural, antropófago.
114
Mário de Andrade não aderiu ao movimento e “Macunaíma” foi “comida” pelos
antropófagos, que se apoderam da obra, considerando-a como a Odisséia” da
antropofagia. Devido às discórdias entre os colaboradores da revista, a segunda etapa
tinha Raul Bopp na direção revezando com Jaime Adour e Oswald de Andrade; e
Oswald Costa à frente da “segunda dentição”. A Revista de Antropofagia foi reduzida a
apenas uma página no Diário de São Paulo, com a intenção de atingir um público
maior. Nela, o conteúdo da revista passou a ser bem mais agressivo e posicionado: “A
descida antropofágica não é uma revolução literária. Nem social. Nem política. Nem
religiosa. Ela é tudo isso ao mesmo tempo”.
115
A revista acabou, porque de acordo com Raul Bopp, houve muitas devoluções
dos jornais devido aos ataques à Igreja Católica: “Cresciam as devoluções de jornais,
em protesto contra as notas que se publicavam”. Continua Bopp, triste com o fim da
revista:
Os que iniciaram o movimento preocuparam-se em chamar a atenção para um
Brasil diferente, num privilégio de descobrir coisas. Fixar meridianos para um
novo Diálogo das Grandezas. Raça de homens que se orgulhavam de engolir o
seu semelhante!
116
Oswald de Andrade, então vai viver seu novo romance com Pagu e junto com ela,
se engaja no Partido Comunista. Anos mais tarde, em 1945 depois de sua ruptura com
114
Oswald Costa apud Augusto de Campos, 1975. Disponível em:
<http://antropofagia.uol.com.br/bibliotequinha/ensaios/revistas-re-vistas-os-antropofagos/#more-613>.
Acesso em: fevereiro de 2010.
115
Revista de Antropofagia (número2) apud Augusto de Campos, 1978. Disponível em:
<http://antropofagia.uol.com.br/bibliotequinha/ensaios/revistas-re-vistas-os-antropofagos/#more-613>.
Acesso em: fevereiro de 2010.
116
Raul Bopp apud Maria Augusta Fonseca, apresentação online da Revista de Antropofagia. Disponível
em: <www.brasiliana.usp.br>. Acesso em: março de 2010.
47
os comunistas é que Oswald retoma a antropofagia com A Crise da Filosofia
Messiânica (1950) e A Marcha das Utopias (1953).
48
2.2 O rizoma antropofágico
“Fora a interpretação! Lei da Metafísica
Experimental: Realizar o infinito.”
Oswald de Andrade
“Gregor Samsa acordou naquela manhã de
sonhos agitados e viu-se na sua cama
transfigurando num enorme inseto. Estava deitado
sobre suas costas, tão duras como couraça e, ao
levantar um pouco a cabeça, pode ver o ventre
curvo, castanho, dividido por pregas arqueadas,
sobre o qual o cobertor, dificilmente se sustinha e
estava a ponto de cair completamente. As inúmeras
pernas, deploravelmente finas comparadas com o
resto do corpo, balançavam desamparadas diante
dos seus olhos.”
Franz Kafka – A Metamorfose
O Manifesto Antropófago é uma máquina em potencial ou uma “pedra de
escândalo”, nas palavras de Benedito Nunes. E sem dúvida nenhuma ele contém
“linhas-mestras do movimento mais importante de Oswald de Andrade” que em
“formas variantes foram seguidas até o final da vida”.
117
Essas linhas constituídas no
Manifesto formam-se como um “agenciamento e como tal, inatribuível. É uma
multiplicidade”.
118
Guilles Deleuze e Félix Guattari, quando falam em agenciamentos, estão se
referindo à possibilidade de fazer rizoma. O rizoma pode ser formado “no coração de
117
Maria Augusta Fonseca, 2008, op. cit., p. 66.
118
Guilles Deleuze; Félix Guattari, 2009, op. cit., p. 12.
49
uma árvore, no oco de uma raiz ou numa axila de um galho”.
119
Eles usam como
exemplo de rizoma o livro A Metamorfose de Franz Kafka:
Um traço intensivo começa a trabalhar por sua conta, uma percepção
alucinatória, uma sinestesia, uma mutação perversa, um jogo de imagens se
destacam e a hegemonia do significante é recolocada em questão.
120
Desdobrando essa mesma ideia dos autores para o Manifesto Antropófago, se
pode fazer uma experimentação paralela. Não se trata de comparar, e sim traçar uma
linha. Tanto A Metamorfose quanto o Manifesto Antropófago supõem uma
transformação, uma verdadeira expansão, um criar incessante. Um rizoma. O caixeiro
viajante que um belo dia se metamorfoseia em um inseto, uma barata e a antropofagia,
símbolo da devoração do outro, da mistura: “Só me interessa o que não é meu. Lei do
homem. Lei do antropófago”.
121
No Manifesto Antropófago, como bem observa Benedito Nunes, a palavra
antropofagia é destinada a “ferir a imaginação do leitor com a lembrança desagradável
do canibalismo, transformada em possibilidade permanente da história”.
122
Essa
devoração do diferente, daquilo que não é meu, ultrapassa a concepção freudiana que
limitava o canibalismo à devoração apenas de objetos desejáveis. O próprio “se
metamorfosear” em barata ou comer o outro é o que Guilles Deleuze e Félix Guattari
chamam de “ser rizomorfo”, uma relação de potencialidade, de criação. Continuando o
mesmo pensamento dos autores:
119
Ibide, p. 24.
120
Ibide, p. 24-25.
121
Oswald de Andrade, 1978, op. cit., p. 13.
122
Benedito Nunes, “A metafísica Bárbara”, In: Oswald de Andrade, Do Pau-Brasil à Antropofagia e às
Utopias: manifestos, teses de concursos e ensaios, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, p. xxv.
50
Ser rizomorfo é produzir hastes e filamentos que parecem raízes, ou, melhor
ainda, que se conectam com elas penetrando no tronco, podendo fazê-las servir a
novos e estranhos usos. Estamos cansados de árvores. Não devemos acreditar em
árvores, em raízes ou radículas, sofremos muito. Toda cultura arborescente é
fundada sobre elas, da biologia, à lingüística. Ao contrário, nada é belo, nada é
amoroso, nada é político a não ser que sejam arbustos subterrâneos e as raízes
aéreas, o adventício e o rizoma.
123
No texto Comunicação e mestiçagem, de Paulo-Edgar de Almeida Resende, no
que se refere à proposta de Oswald de Andrade, se diz:
Oswald de Andrade nos propõe, no Manifesto antropófago, a perspectiva de
invenção da cultura brasileira, em diálogo com o mundo contemporâneo, contra
todos os importadores de consciência enlatada. Divisamos em suas estocadas nas
rotinas de pensamento a afirmação das diferenças abertas.
124
Como símbolo da devoração, a antropofagia, proposta de Oswald de Andrade
para entender a cultura brasileira, não é e nem pode ser arborescente. Ela deve ser vista
e considerada como uma multiplicidade que se espalha e cresce, nas palavras do
escritor:
Somos prisioneiros de uma civilização técnica. Perdemos contato com a terra.
Precisamos, dizia Oswald, em ímpetos de um nacionalismo transbordante, de um
Brasil afastado das calmarias. O homem branco chegou, trazendo a gramática
lusa, o baralho e a idéia do pecado. Essas três sementes criaram profundas
raízes. Degeneraram as formas daninhas. Quase que acabam com o Brasil.
125
Benedito Nunes em seu estudo em Oswald de Andrade aponta essas sementes
que criaram profundas raízes como sendo:
123
Guilles Deleuze; Félix Guatttari, 2009, op. cit., p. 25.
124
Paulo-Edgar de Almeida Resende
,
Comunicação e mestiçagem. In: L. Dowbor et al. (org.), Desafios
da Comunicação, Petrópolis, Vozes, 2001, p. 156.
125
Oswald de Andrade apud Raul Bopp, 1977, op. cit., p. 42. [Grifo meu].
51
O aparelho colonial político religioso repressivo (representado pelos jesuítas
catequistas e pelos mandatários da Coroa) sob que se formou a civilização
brasileira, a sociedade patriarcal com seus padrões morais de conduta, as suas
esperanças messiânicas, a retórica de sua intelectualidade, que imitou a
metrópole e se curvou ao estrangeiro, o individualismo como sublimação das
frustrações do colonizado, que imitou atitudes do colonizador.
126
Passando através dessas últimas duas citações e formando uma linha transversal,
a “gramática lusa” seria a “retórica de sua intelectualidade, que imitou a metrópole e se
curvou ao estrangeiro”. Veja-se no Manifesto Antropófago:
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca
soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no
mapa-múndi do Brasil.
127
Oswald está se referindo à extensão continental do país e a necessidade de
resolver problemas linguisticos no Brasil, que na época estava pautado pela tradição
lusitana. O “baralho” representando a “sociedade patriarcal com seus padrões morais de
conduta” pode ser visto no seguinte trecho: “Contra as elites vegetais. Em comunicação
com o solo”.
128
Neste, Oswald deixa claro a menção à elite intelectual que copiava os
modelos europeus, se tornando de certa maneira, “vegetais imóveis” e distante de
mudanças. E a “idéia de pecado” como sendo o “aparelho colonial político religioso
repressivo”: “O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das
coisas + fala de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa”.
129
Neste,
ele cita à repressão sexual das crianças as quais eram doutrinadas no sentido da
inexistência da vida sexual. Desde pequenos, a educação atribuiria à cegonha a função
de entregar os bebês.
126
Benedito Nunes, 1978, op.cit., p. xxv.
127
Oswald de Andrade, 1978, op.cit., p.14.
128
Ibide, p. 16.
129
Ibide, p. 17.
52
A partir do momento em que determinado ponto de um livro se conecta com
outros pontos multiplicando suas possibilidades, passando a ser um corpo sem órgãos;
quando o tema do livro é desconstruído no ponto de fuga, deixando a raiz principal e se
conectando com outros temas interligados; quando a própria manifestação
antropofágica de comer o outro, de comer o aquilo que não é meu, é o próprio rizoma
transitando por todos os pontos ou pseudo-bulbos e esse espaço entre um pseudo-bulbo
e outro, essa possibilidade de multiplicação, é a intensidade que Deleuze chama de
platô.
Para Deleuze e Guattari, o livro em si não é nada: “não tem objeto nem sujeito; é
feito de matérias diferentemente formadas, de datas e velocidades muito diferentes”.
130
O Manifesto Antropófago, portanto, é mesmo uma máquina de potencialidades.
O processo de escrita é maquínico e os componentes do livro contêm inúmeras
intensidades, partículas circulantes dentro do organismo que formam novos
agenciamentos, “escrever nada tem a ver com significar, mas com agrimensar, mesmo
que sejam regiões ainda por vir”.
131
No que se refere à natureza dos livros, Deleuze e Guattari definem dois tipos. O
primeiro, o livro-raiz, é o livro que imita o mundo: “por procedimentos que lhes são
próprios e que realizam o que a natureza não pode ou não pode mais fazer”, porém, “a
natureza não age assim: as próprias raízes são pivotantes com ramificação mais
numerosa, lateral e circular, não dicotômica”. E concluem: “o espírito é mais lento que a
natureza”.
132
O segundo tipo de livro é a raiz fasciculada, onde morre a raiz principal e
reduz as possibilidades de combinações. Esses geram multiplicidades, mas
multiplicidades limitadas, lineares:
130
Guilles Deleuze; Félix Guatttari, 2009, op. cit., p. 11.
131
Ibide, p. 13.
132
Ibide, p. 13.
53
O sistema fasciculado não rompe verdadeiramente com o dualismo, com a
complementaridade de um sujeito e de um objeto, de uma realidade natural e de
uma realidade espiritual.
133
Tanto a metamorfose de Gregor, quanto a antropofagia de Oswald são criações
contínuas, frutos vivos das intensidades. Elas não pertencem ao livro-raiz nem ao
sistema fasciculado, elas trabalham com o múltiplo, com o diferente, com a
metamorfose, com o outro: “É preciso fazer o múltiplo, [...], de maneira simples, com
força de sobriedade, no nível das dimensões de que se dispõe, sempre n-1”.
134
Utilizando-se de outro exemplo do livro, Glenn Gould, pianista do século XX, que
transformava pontos musicais em linhas, fazendo crescer o conjunto de notas, cada vez
que acelerava uma passagem musical:
Quando Glenn Gould acelera a execução de uma passagem o age
exclusivamente como virtuose; transforma os pontos musicais em linhas, faz
proliferar o conjunto.
135
Ainda com relação às multiplicidades, elas constituem algo como um
agenciamento”, que é “precisamente este crescimento das dimensões numa
multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas
conexões”. Assim é a música de Glenn Gould, A Metamorfose de Franz Kafka e o
Manifesto Antropófago.
Em se tratando precisamente do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade
e suas conexões no seu aspecto de devoração, Benedito Nunes classifica
simultaneamente um caráter metafórico, um diagnóstico e um terapêutico.
136
Como
metáfora orgânica:
133
Ibide, p.
134
Ibide, p. 15.
135
Ibide, p. 17.
136
Em itálico, para preservar características do autor.
54
[...] inspirada na cerimônia guerreira da imolação pelos tupis do inimigo valente
apressado em combate, englobando tudo quanto deveríamos repudiar, assimilar e
superar para a conquista de nossa autonomia intelectual.
137
Como diagnóstico, “da sociedade brasileira traumatizada pela repressão
colonizadora [...] cujo modelo terá sido a repressão da própria antropofagia ritual pelos
jesuítas”.
138
E como terapêutica:
Reação violenta e sistemática contra os mecanismos sociais e políticos, os
hábitos intelectuais, as manifestações literárias e artísticas, que até a primeira
década do século XX, fizeram do trauma repressivo, de que a Catequese
constituiria a causa exemplar, uma instância censora, um Superego coletivo.
139
Nesse agenciamento, a terapêutica “empregaria o mesmo instinto antropofágico
outrora recalcado, então liberado numa catarse imaginária do espírito nacional”.
140
Em
seu aspecto de “catarse nacional” pode-se verificar no próprio Manifesto: “contra todas
as catequeses”, “contra a verdade dos povos missionários”, “contra o Padre Vieira”,
“contra o mundo reversível e as idéias objetivas. Cadaverizadas”. “Contra todos os
importadores da consciência enlatada”, “contra as sublimações antagônicas”, “contra a
Memória fonte do costume”, “contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de João VI” e
“contra a realidade social, vestida, opressora e cadastrada por Freud”.
141
Coisa que
“nossos ancestrais indígenas não teriam conhecido”.
142
O dilema hamletiano
143
137
Benedito Nunes, 1978, op. cit., p. xxvi.
138
Ibide, p. xxvi.
139
Ibide, p. xxvi.
140
Ibide, p. xxvi.
141
Todas as citações do presente parágrafo são atribuídas ao próprio Manifesto Antopófago, extraído de
Oswald de Andrade, 1978, op. cit., p. 13-19.
142
Benedito Nunes, 1978, op. cit., p. xxi.
143
To be or not to be, that is the question, parodiado por Oswald de Andrade, Tupi or not tupi that is the
question, fora extraída da sentença proferida por Hamlet, personagem da peça (tragédia) de mesmo nome,
de Shakespeare. Veja-se trecho: “HAMLET: Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre/Em nosso
espírito sofrer pedras e setas/Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,/Ou insurgir-nos contra um mar
de provações/E em luta pôr-lhes fim? Morrer... dormir: não mais./Dizer que rematamos com um sono a
angústia/E as mil pelejas naturais-herança do homem: Morrer para dormir... é uma consumação/Que bem
merece e desejamos com fervor./ Dormir... Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo:/ Pois quando livres
do tumulto da existência,/No repouso da morte o sonho que tenhamos/Devem fazer-nos hesitar: eis a
suspeita/Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios./Quem sofreria os relhos e a irrisão do
55
apropriado por Oswald de Andrade: “Tupi
144
, or not tupy that is the question”
145
resolve-se pela rebelião renunciando a antigos padrões e modelos e lutando a cada
momento.
Alguns estudiosos de Oswald de Andrade trabalham com a ideia de oposições no
Manifesto Antropófago, como o próprio Benedito Nunes, conforme é possível observar
no trecho:
A sociedade brasileira surge aos olhos de Oswald de Andrade através das
oposições que a dividiram, polarizando a sua moral e o seu direito, a partir de
uma primeira censura, a da Catequese, que trouxe o cristianismo, e a do
Governo-Geral, que trouxe os Ordenações.
146
Desse quadro ocorrem oposições do tipo: cristianismo versus paganismo tupi e
africano, sexo com moralidade versus sexo natural, parlamentarismo versus império,
entre outros.
Numa leitura rizomática, Oswald de Andrade não trabalha com oposições entre
bem e mal, não opõe um modelo a outro modelo. Ele subverte o próprio modelo,
produzindo platôs fora das representações dos modelos interpretativos. Pois: “um
rizoma [...] rompido, quebrado em lugar qualquer, e também retorna segundo uma ou
outra de suas linhas e segundo outras linhas”.
147
Este rompimento de linha, o ponto de
fuga, ou platô, atua onde o rizoma é quebrado, ou seja, desterritorializado.
mundo,/O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso,/Toda a lancinação do mal-prezado amor,/A
insolência oficial, as dilações da lei,/Os doestos que dos nulos têm de suportar/O mérito paciente, quem o
sofreria,/Quando alcançasse a mais perfeita quitação/Com a ponta de um punhal? Quem levaria
fardos,/Gemendo e suando sob a vida fatigante,/Se o receio de alguma coisa após a morte,/–Essa região
desconhecida cujas raias/Jamais viajante algum atravessou de volta –/Não nos pusesse a voar para outros,
não sabidos?/O pensamento assim nos acovarda, e assim/É que se cobre a tez normal da decisão/Com o
tom pálido e enfermo da melancolia;/E desde que nos prendam tais cogitações,/Empresas de alto escopo e
que bem alto planam/Desviam-se de rumo e cessam até mesmo/De se chamar ação”. Trecho encontrado
em: Willian Shakespeare,
Hamlet. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, São Paulo, Abril, 1976.
144
Índios que habitavam todo o litoral do Brasil nos primeiros séculos da colonização. Os Tupi eram
antropófagos.
145
Oswald de Andrade, 1978, op.cit., p. 13.
146
Benedito Nunes, 1978, op. cit., p.xxvii.
147
Guilles Deleuze; Félix Guatttari, 2009, op. cit., p. 18.
56
Deleuze e Guattari, no que se refere ao princípio de ruptura a-significante, dão o
exemplo de orquídeas e vespas. Quando a vespa se desterritorializa, transportando o
pólen da orquídea, tornando-se peça do aparelho de reprodução da orquídea e as duas
fazem rizoma dentro desse aparelho, dessa heterogeneidade. Ao mesmo tempo em que
existe a heterogeneidade, onde qualquer ponto pode ser conectado a outro qualquer,
existe a diferença entre esses pontos, isso é o que eles chamam de possibilidades de
devires:
Cada um desses devires assegura a desterritorialização dos outros dois devires se
encadeando e se revezando segundo uma circulação de intensidades que empurra
a desterritorialização cada vez mais longe. Não imitação nem semelhança,
mas explosão de duas séries heteroneas na linha de fuga composta de um
rizoma comum.
148
Nesse exemplo da reprodução da orquídea e do rizoma que acontece entre ela e a
vespa, existem dois seres que não têm nada a ver um com o outro e operam no
heterogêneo, saltando de uma linha diferenciada à outra. Outro exemplo dado faz parte
da engenharia genética, onde determinados tipos de vírus podem aparecer em espécies
completamente diferentes, em que a informação genética própria de um organismo
poderia ser transferida a outro, graças ao vírus transportador:
Em certas condições um vírus pode conectar-se a células germinais e transmitir-
se como gene celular de uma espécie complexa; além disso, ele poderia fugir,
passar em células de uma outra espécie, não sem carregar informações genéticas
[...] Os esquemas de evolução não se fariam mais somente segundo modelos de
descendência arborescente, indo do menos diferenciado ao mais diferenciado
[...].
149
148
Ibide, p. 19.
149
Ibide, p. 19.
57
Retomando o Manifesto Antropófago na leitura rizomática, Oswald de Andrade
faz uma espécie de rizoma com tudo o que externo a si, desde personalidades
consagradas intocáveis a mitos indígenas brasileiros:
Padre Vieira (a retórica e a eloqüência), Anchieta (o fervor apostólico e a
pureza), Goethe (o senso de equilíbrio, a plenitude da inteligência), a Mãe dos
Gracos (a moral severa, o culto à virtude), a Corte de Dom João VI (a
dominação estrangeira), João Ramalho (o primeiro patriarca, etc.).
150
No que se refere aos mitos culturais indígenas tupi-guarani, como: sol, cobra
grande, jaboti, Jaci e Guaraci, Oswald apresenta o mito da cobra grande como uma
espécie de emblema nacional:
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a
hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No
país da cobra grande.
151
Na mitologia indígena “cobra grande” é um espírito que habita nas águas e a
água representa o início da vida. Esta entidade também foi motivo para a inspiração do
poema de Raul Bopp, Cobra Norato
152
(1931), um dos mais importantes poemas
antropófagos. Oswald de Andrade apresenta outros mitos, como Jaci e Guaraci: “Se
Deus é a consciência do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe
dos vegetais”.
153
Jaci e Guaraci são entidades indígenas divinas e representam os
princípios que governam o mundo, Jaci a lua, e Guaraci o sol. Prosseguindo a mesma
150
Benedito Nunes,1978, op. cit., p. xxiii.
151
Oswald de Andrade, 1978, op.cit., p.14.
152
No folclore brasileiro, conta-se que numa tribo da Amazônia uma índia grávida deu à luz a duas cobras
grandes, duas sucuris: Norato e Maria Caninana. Para se livrar delas, ela as jogou em um rio. eles se
criaram. Norato não aguentando mais a perversidade de sua irmã que prejudicava outros animais e
pessoas, acabou matando-a. Muitas vezes também, Norato assumia a forma humana, de um bonito jovem
e ia pedir para que sua mãe quebrasse o encanto e que ele deixasse de ser cobra e se tornasse apenas
humano. Para isso, era preciso que alguém derramasse leite na sua enorme boca de cobra, fazendo um
ferimento na sua cabeça até sair sangue. Sua mãe nunca chegou perto, mas um soldado Cametá,
conseguiu libertá-lo. Em: Nireuda Longobardi, Mitos e Lendas do Brasil, em cordel, São Paulo, Paulus,
2009, p. 42.
153
Oswald de Andrade, 1978, op.cit., p.17.
58
ideia: “Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que
estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti”.
154
O jabuti nas
tradições indígenas representa a perseverança e o poder.
O rizoma nos possibilita uma série de comunicações transversais que, de certa
forma, se embaralham em nossas árvores genealógicas. O rizoma é uma antigenealogia.
Dessa forma, o Manifesto Antropófago não é imagem do mundo, mas faz rizoma com
ele, assim como a vespa faz rizoma com a orquídea, o Gregor faz rizoma com a barata e
Oswald faz rizoma com tudo que é externo a si. Assim como as plantas, que sempre têm
um fora onde elas fazem rizoma com algo, seja com o vento, com animais e com o
homem. Uma vez se fazendo agenciamentos, faz-se rupturas, rompimentos.
Oswald de Andrade critica crenças baseada numa cultura enraizada. Deleuze
apresenta como a natureza pode mostrar infinitas possibilidades de rupturas, mesmo que
façamos parte de inúmeros agenciamentos. Através das rupturas é que se podem abrir
espaços novos, ampliar territórios, sem, no entanto, deixar de fazer parte do
agenciamento que nos compõe. Deleuze e Guattari mostram que é possível ampliar as
potencialidades e possibilidades através de platôs, de linhas de fuga. E é por meio das
linhas de fuga que Oswald de Andrade propõe a descolonização através da Revolução
Caraíba:
Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação
de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria
sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.
A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.
155
Tanto quanto se pode desprender do Manifesto Antropófago, Revista de
Antropofagia, Cobra Norato e de Macunaíma, reivindicada pelo movimento, a
154
Ibide, p.17.
155
Oswald de Andrade, 1978, op. cit., p. 14.
59
Revolução Caraíba implicaria numa atuação que pode ser lida como uma constante
atitude antropofágica. De acordo com Benedito Nunes:
A atitude antropofágica seria da transformação do tabu em totem como
expressão afirmativa da práxis guiada por impulsos primários, ainda não
reprimidos, e que se exteriorizariam, em sua natural pujança, na antropofagia
ritual das sociedades primitivas.
156
Ainda se tratando da Revolução Caraíba, Raul Bopp diz:
[...] debaixo de um Brasil de fisionomia externa, havia um Brasil de enlances
profundos, ainda incógnito por descobrir. O movimento, portanto, seria de
descida às fontes genuínas, ainda puras, para captar os germes de renovação;
retomar esse Brasil subjacente, de alma embrionária, carregado de assombro e
procurar alcançar uma síntese cultural própria, com maior densidade
nacional.
157
De acordo com Vera Chalmers que usa a expressão a propósito de Oswald a
“atitude antropofágica” é “sobretudo um modo de organizar os fragmentos já saturados
de significação cultural”
158
e é na controvérsia que “ela encontraria um instrumento
adequado de atualização [...] porque traduz muito bem a transformação da palavra em
ação”.
159
Esse movimento, ou seja, a “atitude antropofágica” nos conduziria ao
matriarcado de Pindorama.
160
O processo de descolonização deveria ser através da
antropofagia, da assimilação, do devir, do rizoma. A proposta de devoração dos valores
europeus correspondia ao aproveitamento enquanto contribuição dinâmica, num estágio
posterior em que tanto a sociedade quanto o regime capitalista, seriam superados:
156
Benedito Nunes, Oswald Canibal, São Paulo, Perspectiva, 1979, p.59.
157
Raul Bopp, 1977, op. cit., p.41.
158
Vera Chalmers, 3 linhas e 4 verdades: o jornalismo de Oswald de Andrade, São Paulo, Duas Cidades/
Secretaria da Ciência e Tecnologia, 1976, p. 29-30.
159
Ibide, p.209.
160
Em tupi, terra de palmeiras; designa, por extensão, o Brasil, cuja costa litorânea era coberta pela
planta. Disponível em:< http://www.dicio.com.br/pindorama/. Acesso em: março de 2010>.
60
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud a realidade
sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do
matriarcado de Pindorama.
161
Oswald obteve uma compreensão da história absorvida na pré-história, pelo que
diz respeito do futuro:
Foi através da História mundial que a história e a sociedade do país puderam ser
compreendidas, do ponto de vista da Antropofagia, como parte de um ciclo
evolutivo da humanidade, - de um ciclo que, iniciado na fase do expansionismo
colonizador da era moderna, completar-se-ia quando fossem absorvidos, em
concomitância com a universalização da técnica, o poder político e o poder
religioso, como últimas manifestações do Superego patriarcal. Espontaneísta,
ocorrendo pelas próprias condições da imaginação liberada e a concentração
industrial, a “revolução caraíba”, que nos conduziria do histórico ao transitório,
da cronologia da civilização ao tempo da vida primeva por ela restabelecida,
consumaria, antes de chegar a esse estágio, sob forma de uma violência
romântica de rebelião individual, uma reação anticolonialista, deglutidora dos
imperialismos.
162
Todo esse aparelho construído por Oswald constitui um agenciamento coletivo,
um encontro de transformação através de trajetos e linhas de fuga pela superfície
histórica e estabeleceria pela lógica da nomadologia, percursos não institucionalizados
pelos aparelhos de controle do Estado e suas derivações:
O nômade não tem pontos, trajetos, nem terra, embora evidentemente ele os
tenha. Se o nômade pode ser chamado de o Desterritorializado por excelência, é
justamente por que a reterritorialização não se faz depois, como no migrante,
nem em outra coisa, como no sedentário (com efeito, a relação do sedentário
com a terra está mediatizada por outra coisa, regime de propriedade, aparelho de
estado...). Para o nômade, ao contrário, é a desterritorializaçãoque constitui sua
relação com a terra, por isso se retorritorializa na sua própria
desterritorialização.
163
161
Oswald de Andrade, 1978, op.cit., p. 19.
162
Benedito Nunes, 1978, op.cit., p.xl.
163
Guilles Deleuze; Félix Guatttari, 2005, op. cit., p. 53.
61
Assim, o matriarcado de Pindorama é o lugar onde se a desterritorialização.
Seu percurso é de devorar seus inimigos numa batalha, não por hegemonia ou por
domínio territorial, mas sim pela necessidade de ter e fazer seu próprio percurso,
fazendo da “atitude antropofágica” momentos singulares, inaugurando-se assim, uma
história para a vida, “a terra deixa de ser terra, e tende a tornar-se simples solo ou
suporte. A terra não se desterritorializa em seu movimento global e relativo, mas em
lugares precisos [...]”.
164
Oswald de Andrade propõe dentro de sua máquina de guerra literária, “a atitude
antropofágica” de ação mútua entre o passado recriado e o futuro imaginado. Este
acontecimento rizomático tem como ponto de fundação a deglutição do Bispo Sardinha,
como pode ser observado no final do Manifesto Antropófago:
Oswald de Andrade
Em Piratininga
165
Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha.
(Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928).
166
Oswald de Andrade buscou uma marcação para a existência antropófaga
brasileira, que no Manifesto Antropófago começa com o primeiro ato antropofágico
mais conhecido oficialmente, a vítima sacrifical dos índios caetés
167
: Pedro Fernandes
de Sardinha, o primeiro Bispo do Brasil. Em 16 de junho de 1556, os caetés devoraram
o Bispo e mais noventa tripulantes que naufragaram na região.
164
Ibide, p.53.
165
Piratininga: em língua indígena, nome da primeira região onde surgiu a cidade de São Paulo.
Disponível em:< http://www.dicio.com.br/piratininga/>. Acesso em: março de 2010.
166
Oswald de Andrade, 1978, op. cit., p.19.
167
Os índios caetés foram dizimados em cinco anos na chamada “guerra santa”, determinada pelo
governo português e pela igreja católica.
62
Os deglutidores do Bispo Sardinha viviam numa população de aproximadamente
setenta e cinco mil índios desde a ilha Itamaracá até as margens do rio o Francisco.
Consta também que Papa Paulo III tenha excomungando os caetés até a sexta geração.
A partir de uma leitura através do rizoma, onde não há começo, nem fim, apenas
meio; e considerando, portanto, a esconjuração do Papa Paulo III a seis gerações dos
índios caetés que eram tupis-guaranis; é melhor pregarmos um susto no Bispo Sardinha:
Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as
coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança,
unicamente aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como
tecido a conjunção “e...e...e...” nesta conjunção força suficiente para sacudir
e desenraizar o verbo ser.
168
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.
169
168
Guilles Deleuze; Félix Guatttari, 2009, op. cit., p. 37.
169
Oswald de Andrade, 1978, op.cit., p.15.
63
Dá um pedacinho?
A reabilitação do primitivo é uma tarefa que compete aos
americanos. [...] Devido ao meu estado de saúde, não
posso tornar mais longa esta comunicação que julgo
essencial a uma revisão de conceitos sobre o homem da
América. Faço pois uma apelo a todos estudiosos desse
grande assunto para que tomem em consideração a
grandeza do primitivo, o seu sólido conceito de vida como
devoração e levem avante toda uma filosofia que está
para ser feita.
Oswald de Andrade
Se tratando da leitura rizomática da antropofagia, obviamente ela não pararia de
se espalhar e crescer. A antropofagia se desdobrou de inúmeras maneiras.
Na década de sessenta, Oswald de Andrade havia sido esquecido pela maioria
dos brasileiros e a única referência que se fazia a ele vinha acompanhada de todos os
entusiastas da Semana de Arte Moderna de 22, sendo lembrado apenas por seu espírito
irreverente e gozador.
Caetano Veloso, ao assistir à montagem que o Grupo Oficina fez da peça O Rei
da Vela
170
, de José Celso Martinez, o Zé Celso, em 1967, redescobre Oswald e retoma a
antropofagia. A montagem da peça transformou-se num marco histórico do teatro
brasileiro produzindo uma mistura de admiração e revolta inaugurando assim, o “teatro
de agressão” que queria tirar a classe média do estado de estagnação. O músico que
170
Escrita por Oswald de Andrade em 1934, na ilha de Paquetá. “Em O rei da vela, Oswald atacou
diretamente o conjunto da sociedade capitalista, criticou com vigor certos expedientes de classe e a
exploração econômica; caracterizou de modo burlesco o estelionatário de elite, o subserviente e o rufião.
Exibiu facetas amargas da luta pela sobrevivência, situando personagens subjugadas por agiotas,
banqueiros, que, desesperadas, negociam dívidas para sobreviver. Afora isso, reporta aspectos da vida
mundana de que também foi personagem atuante”. ( Maria Augusta Fonseca, 2008, op.cit., p. 95).
64
havia acabado de compor a música Tropicália, assistindo ao espetáculo, sentiu-se
profundamente envolvido pelas ideias contidas na peça, assim como aconteceu quando
assistiu o filme, Terra em Transe de Glauber Rocha. Ambos foram peças chaves do
movimento de maior repercussão nacional no que se refere às influências da
antropofagia oswaldiana: o Movimento Tropicalista.
O Movimento Tropicalista surgiu sacudindo os anos de 1967 e 1968, através de
Caetano e Gil no III Festival de Música Popular da TV Record em outubro de 1967
com as músicas, Alegria, Alegria de Caetano Veloso e Domingo no Parque de Gilberto
Gil. Essas canções são de caráter de devoração cultural, assim como a proposta
antropofágica de Oswald de Andrade. Caetano Veloso e Gilberto Gil, com Alegria,
Alegria e Domingo no Parque, se propuseram a "comer" o que de novo nesses
movimentos de massa e de juventude e incorporaram isso às conquistas da moderna
música popular ao seu próprio estilo. Entre eles também estavam Gal Costa, Tom Zé da
banda Os Mutantes e do maestro Rogério Duprat; Nara Leão, José Carlos Capinan e
Torquato Neto (letristas) e o poeta Rogério Duarte.
Os tropicalistas incorporaram elementos da cultura jovem mundial como o
rock´n roll, psicodelia e a guitarra elétrica. Porém, não se tratava de simplesmente
adicionar arranjos de guitarras para que suas músicas se assemelhassem ao rock´n roll
produzido no exterior. Enquanto Alegria, Alegria era uma marchinha pop de arranjo
muito simples, Domingo no Parque foi criada com uma maior complexidade no arranjo:
ruidos do parque, instrumentos clássicos, misturados com o som do berimbau,
associando-se aos instrumentos eletrônicos e a vocalização de Gil, que acompanhado de
um coral dava a música uma montagem de ruidos e palavras, embora no que diz respeito
à composição textual, não traz a quantidade de informações e elementos modernos que
Alegria, Alegria traz. Letristas e poetas, Torquato Neto e Capinan, compuseram com
65
Gilberto Gil e Caetano Veloso trabalhos cuja complexidade e qualidade foram
importantes para diferentes gerações. Suas canções misturaram modelos
do Brasil arcaico tradicional com a mistura do Brasil moderno e até futurista. Discos
foram produzidos, como a obra coletiva Tropicália ou Panis et Circensis e os primeiros
discos de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Enquanto Gil gravava seu disco com os
arranjos de Rogério Duprat e da banda os Mutantes, Caetano entrava no estúdio ao lado
dos maestros Júlio Medaglia e Damiano Cozzela. Nesses discos ficariam registrados
clássicos do movimento onde são encontradas características antropofágicas bem claras,
como se pode observar na música Geléia Geral de Gilberto Gil e Torquato:
Um poeta desfolha a bandeira
E a manhã tropical se inicia
Resplendente, cadente, fagueira
Num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira
Que o jornal do Brasil anuncia
Ê bumba iê iê boi
Ano que vem, mês que foi
Ê bumba iê iê iê
É a mesma dança, meu boi
[...]
"A alegria é a prova dos nove"
E a tristeza é teu Porto Seguro
Minha terra é onde o Sol é mais limpo
Em Mangueira é onde o Samba é mais puro
Tumbadora na selva-selvagem
Pindorama, país do futuro
Ê bunba iê iê boi
Ano que vem, mês que foi
Ê bunba iê iê iê
É a mesma dança, meu boi
É a mesma dança na sala
No Canecão, na TV
E quem não dança não fala
Assiste a tudo e se cala
Não vê no meio da sala
As relíquias do Brasil
Doce mulata malvada
Um LP de Sinatra
Maracujá, mês de abril
66
Santo barroco baiano
Super poder de paisano
Formiplac e céu de anil
Três destaques da Portela
Carne seca na janela
Alguém que chora por mim
Um carnaval de verdade
Hospitaleira amizade
Brutalidade, jardim
Ê bumba iê iê boi
Ano que vem, mês que foi
Ê bumba iê iê iê
[...]
É a mesma dança, meu boi
Plurialva, contente e brejeira
Miss linda Brasil diz: "Bom Dia"
E outra moça também, Carolina
Da janela examina a folia
Salve o lindo pendão dos seus olhos
E a saúde que o olhar irradia
Ê bumba iê iê boi
Ano que vem, mês que foi
Ê bumba iê iê iê
É a mesma dança, meu boi
Um poeta desfolha a bandeira
E eu me sinto melhor colorido
Pego um jato, viajo, arrebento
Com o roteiro do sexto sentido
Faz do morro, pilão de concreto
Tropicália, bananas ao vento
[...]
171
A música entre outras coisas incorpora elementos da cultura popular e folclórica
brasileira como “bumba meu boi, Mangueira e Portela, samba” se formando também de
elementos naturais como, “sol, selva, Pindorama, maracujá e céu de anil”, e também
propõe Pindorama como sendo o “país do futuro”.
Outro grande movimento que dialogou com o Movimento Tropicalista e
consequentemente com a antropofagia, foi o da vanguarda literária: a poesia concreta.
171
Disponível em:< http://letras.terra.com.br/gilbertogil/852106/. Acesso em: março de 2010>.
67
A poesia concreta surgiu na segunda metade dos anos 50 com o lançamento da
revista Noigandres com o manifesto Plano-Piloto para Poesia Concreta. Os
responsáveis foram os poetas Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio
Pignatari. O manifesto declara o fim do verso, o fim da poesia estruturada e propõe
formas inovadoras de estrutura baseadas na disposição espacial das palavras com
alinhamentos geométricos. Do trabalho coletivo tropicalista com a poesia concreta, a
única canção que realiza propositadamente uma noção concreta é "Batmacumba" de
Caetano Veloso e Gilberto Gil:
batmacumbaiéié batmacumbaoba
batmacumbaiéié batmacumbao
batmacumbaiéié batmacumba
batmacumbaiéié batmacum
batmacumbaiéié batman
batmacumbaiéié bat
batmacumbaiéié ba
batmacumbaiéié
batmacumbaié
batmacumba
batmacum
batman
bat
ba
bat
batman
batmacum
batmacumba
batmacumbaié
batmacumbaiéié
batmacumbaiéié ba
batmacumbaiéié bat
batmacumbaiéié batman
batmacumbaiéié batmacum
batmacumbaiéié batmacumbao
batmacumbaiéié batmacumbaoba
172
172
Disponível em:< http://tropicália.uol.com.br>.. Acesso em março de 2010.
68
No campo das artes plásticas, Hélio Oiticica, outro grande inspirador da
antropofagia, monta uma exposição no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro em
1967 e que pouco tempo depois, emprestaria o nome para a composição de Caetano
Veloso. No que se refere a sua exposição, se diz:
Tropicália é um tipo de labirinto fechado, sem caminhos alternativos para a
saída. Quando você entra nele não teto, nos espaços que o espectador circula
elementos táteis. Na medida em que você vai avançando, os sons que você
ouve vindos de fora (vozes e todos tipos de som) se revelam como tendo sua
origem num receptor de televisão que está colocado ali perto. É extraordinário a
percepção das imagens que se tem: quando você se senta numa banqueta, as
imagens de televisão chegam como se estivessem sentadas à sua volta. Eu quis,
neste penetrável, fazer um exercício de imagens em todas as suas formas: as
estruturas geométricas fixas (se parece com uma casa japonesa-mondrianesca),
as imagens táteis, a sensação de caminhada em terreno difícil (no chão ha três
tipos de coisas: sacos com areia, areia, cascalho e tapetes na parte escura, numa
sucessão de uma parte a outra) e a imagem televisiva.
Eu criei um tipo de cena tropical com plantas, areias, cascalhos. O problema da
imagem é colocado aqui objetivamente, mas desde que é um problema universal,
eu também propus este problema num contexto que é tipicamente nacional,
tropical e brasileiro. Eu quis acentuar a nova linguagem com elementos
brasileiros, numa tentativa extremamente ambiciosa em criar uma linguagem que
poderia ser nossa, característica nossa, na qual poderíamos nos colocar contra
uma imagética internacional da pop e pop art, na qual uma boa parte dos nossos
artistas tem sucumbido.
173
O tropicalismo expunha os elementos de forma ritualizada, assim como fez
Oswald de Andrade, a canção Alegria, Alegria de Caetano cita a carta de Pero Vaz de
Caminha, tendo como fundo, sons da floresta, retomando a antropofagia. Veja-se letra
da música Alegria, Alegria de Caetano Veloso:
Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
173
Hélio Oiticica, Catálogo da Exposição na Whitechapel Gallery, Londres, 1969.
69
No sol de quase dezembro
Eu vou...
O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou...
Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot...
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou...
Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não...
Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento,
Eu vou...
Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou...
Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil...
Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou...
Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Esta trajetória buscou demonstrar pontualmente apenas alguns movimentos de possíveis
multiplicidades que as ressonâncias antropofágicas constituiram nos anos posteriores ao
movimento pensado por Oswald de Andrade. É possível perceber que a antropofagia pôde
70
revelar muito mais do que se poderia imaginar quando Oswald de Andrade a elaborou para
pensar o Brasil.
71
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76
d) Filmes
Macunaíma, 1969. Direção: Joaquim Pedro de Andrade.
Amar de Bárbara, 2004. Direção: Rudá K. Andrade.
Os Condenados, 1973. Direção: Zelito Viana.
Bárbaro e nosso, 1973. Direção: Zelito Viana
Como era gostoso o meu francês, 1971. Direção: Nelson Pereira Santos.
Eh! Pagu, eh!, 1982. Direção: Ivo Branco
Hans Staden, 1999. Direção: Luiz Alberto Pereira.
Terra em transe, 1967. Direção: Glauber Rocha.
77
Lista de Figuras
Figura 1. Obra de Giorgio di Chirico, L` enigmé dune journeé (1914) /O enigma de
um dia, comprado por Oswald em 1928, diretamente do artista. Fonte: [on-line] url:
www.archmagazine.com/rzadechirico.htm, arquivo consultado em novembro de 2009 e
BOAVENTURA, Maria Eugenia. O Salão e a Selva: uma biografia ilustrada de
Oswald de Andrade. Campinas, SP, Editora da Unicamp, 1995, p. 139.
Figura 2. Obra de Tarsila do Amaral, O Sono (1928). Fonte: [on-line] url:
www.tarsiladoamaral.com.br/index_frame.htm. Acesso em: novembro de 2009.
Figura 3. Obra de Tarsila do Amaral, Abaporu (1928). Fonte: [on-line] url:
www.tarsiladoamaral.com.br/index_frame.htm. Acesso em: fevereiro de 2010.
78
ANEXO
Manifesto Antropófago
Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos
os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupi, or not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama.
Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.
O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e
o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano
informará.
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a
hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No
país da cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca
soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no
mapa-múndi do Brasil.
Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.
Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da
vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.
Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação
de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria
sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.
A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.
Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon print terre.
Montaigne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao
Romantismo, à Revolução Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bárbaro
tecnizado de Keyserling. Caminhamos.
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos
Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.
79
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.
Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar
comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia.
Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em
Portugal e nos trouxe a lábia.
O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. A
vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as
inquisições exteriores.
Só podemos atender ao mundo orecular.
Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia.
Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.
Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do
pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças
clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.
O instinto Caraíba.
Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos
parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.
Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do
Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons
sentimentos portugueses.
Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju*
A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens
morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o
auxílio de algumas formas gramaticais.
Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia
do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o.
Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?
80
Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não
datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.
A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. a
maquinaria. E os transfusores de sangue.
Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.
Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um
antropófago, o Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida.
Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que
estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.
Se Deus é a consciência do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes.
Jaci é a mãe dos vegetais.
Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a
ciência da distribuição. E um sistema social-planetário.
As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra
os Conservatórios e o tédio especulativo.
De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem.
Antropofagia.
O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas +
fala de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.
É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a
caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.
O objetivo criado reage como os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que
temos nós com isso?
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a
felicidade.
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de
Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.
A alegria é a prova dos nove.
No matriarcado de Pindorama.
Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.
Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças
públicas. Suprimamos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar
nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.
81
Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.
A alegria é a prova dos nove.
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura ilustrada pela contradição
permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi
capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em
totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, as puras elites
conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da
vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se
não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto
antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor.
Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A
baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo a inveja, a usura, a
calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é
contra ela que estamos agindo. Antropófagos.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, o
patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.
A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI:
Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça!
Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e
o rapé de Maria da Fonte.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud a realidade
sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do
matriarcado de Pindorama.
Oswald de Andrade
Em Piratininga
Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha.
Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928).
174
174
Oswald de Andrade, 1978, op. cit., p. 13-19.
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