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FrancismaryAlvesdaSilva
Historiografiadarevoluçãocientífica:
AlexandreKoyré,ThomasKuhneStevenShapin
BeloHorizonte
FaculdadedeFilosofiaeCiênciasHumanasdaUFMG
2010
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FrancismaryAlvesdaSilva
Historiografiadarevoluçãocientífica:
AlexandreKoyré,ThomasKuhneStevenShapin
DissertaçãoapresentadaaoProgramade
Pós‐Graduação em História da
Universidade Federal de Minas Gerais
como parte dos requisitos necessários
paraaobtençãodotítulodeMestreem
História, naLinhadePesquisaCiênciae
Cultura na História, elaborada sob a
orientação do Prof.
o
Dr.
o
MauroL.L.
Condé.
BeloHorizonte
FaculdadedeFilosofiaeCiênciasHumanasdaUFMG
2010
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ParaCynthiaeUlisses
Linhaseveradalongínquacosta
Quandoanauseaproximaergue‐seaencosta
EmárvoresondeoLongenadatinha;
Maisperto,abre‐seaterraemsonsecores:
E,nodesembarcar,háaves,flores,
Ondeerasó,delongeaabstractalinha.
(FernandoPessoa,MarPortuguez)
ParaMary,ChicãoeAnaLaura

Uma vez que não é permitido proferir injúrias direcionadas a todos aqueles que, de
alguma forma (e de muitas outras) atrapalharam a produção dessa dissertação de
mestrado,aproveitoesseespaço para enunciarpouquíssimos nomesque,porsorte,e
pormeiodemuitíssimasformasoutras,colaboraramdiretamenteparaafeituradesse
trabalho.
Agradeçoa
ChicãoeMary,pelaincondicionalidadedoamor.
AOdeteParente,ZaidaPacheco,DudaeClarinha,incessantesausências.AAnaLaura,
AdrianoGuimarãeseUlisses,incessantespresenças.AtiaMadôeFiló(aFoca).
AMauroL.L.Condé,pelaintersecçãoentreodevaneio,aaspiraçãoeohorizontereal.
AosprofessoresCarlosAlvarezMaia,AnnyJackelineTorres,GracieladeSouzaOliver,
BetâniaGonçalvesFigueiredo,BernardoJeffersondeOliveira,RenanSpringerdeFreitas,
Ricardo Fenati, Márcia Parreiras, Marco Aurélio Sousa Alves, Magno Moraes Mello. A
JoséCarlosReiseFábioW.O.daSilva,pelavaliosíssimaanálisedessetrabalho.
Atodososamigosdagraduação.AosmuitosamigosperdidosnotempoenaFafich.Aos
amigos da Revista Temporalidades e do Programa de Pós GraduaçãoemHistóriada
UFMG,emespecialaAdrianoToledoPaiva,AlexAlvarezeAlessandra,ClarissaFazito(a
Cacau),Farley, Francisco Samarino(o Chico), GabrielÁvila, Geovano, Gislayne(a Gis),
Huener,IsabelCristina(aBel),Raul,SuelenMaria(aSussu).
ASamueldePaulaAndrade,PolianadoCarmo,RachelIvo,DéboraCamilo,GraiciBarros
eNaiaraNíniveDornelas,pelafortunadetê‐loscomoamigos.
A Cinara, Rafinha, Wilson, Cândida Gomide, Ana Régis, Tamara doCarmo(aMara)e
ReinaldoGeraldino(oRanaldi),pelaamizadetorta(edireita).
AosamigosdaRexBibendi.AoscolegasdoCafédoMuseu.AosamigosdoScientia.
AosalunosRaquelFerreira,DeborahGomes,LíviaCustódioPuntelCampos,JoãoVitor
RodriguesLoureiro,PauloBruekersOliveira.
ACynthiadeCássiaSantosBarra,peloamor:peloamorqueénossatarefa.
Este trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
CientíficoeTecnológico‐CNPq–Brasil.
RESUMO
Estadissertaçãorealizaumaanálisehistoriográficadasobrasde
Alexandre Koyré (1892‐1964), Thomas Kuhn (1922‐1996) e Steven
Shapin (1943‐) que abordaram a Revolução Científica. Nas obrasde
Koyré, buscamos identificar o modo como esse autor descreve a
RevoluçãoCientíficaocorridanoséculoXVIIeanalisamosamaneira
como propõe um novo entendimento do desenvolvimento científico.
Nas obras de Kuhn, procuramos demonstrar em que medida os
trabalhos desse autor ampliaram a noção koyreniana de revolução
científica. Nas obras de Shapin, analisamos a crítica que esse autor
endereça à vertente histórica da “revolução científica” fundadapor
KoyréeampliadaporKuhn.Porfim,concluímosqueodesenvolvimento
científicodescritopormeiodanoçãode“revolução”,talcomoépossível
encontrar na fortuna literária de Koyré e de Kuhn, a despeito das
críticasdeShapin,trazganhosreaisàanálisehistóricadasciências.


ABSTRACT
Fromthepointofviewofhistoriography,thisdissertationpresentsan
analysisofthe works ofAlexanderKoyré (1892‐1964), ThomasKuhn
(1922‐1996)andStevenShapin(1943‐)whofocusedontheScientific
Revolution.RegardingtoKoyré’swork,weidentifiedhowthatauthor
describesthescientificrevolutionoccurredintheseventeenthcentury
and we analyzed how he proposed a new understanding of scientific
development.InKuhnswork,wedemonstratedhowthatauthor
broadened the notion of scientific revolution present in Koyré.In
Shapin´swork,weanalyzethecriticismthatthisauthoraddresses to
the historical notion of “scientific revolution” created by Koyré and
developedbyKuhn.Finally,weconcludethatthescientificdevelopment
describedbytheconceptof“revolution,asonecanfindinKoyréand
Kuhn, despite of Shapin’s criticism, brings real gains to the historical
analysisofscience.
S UMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................................08
C
APÍTULO1:AREVOLUÇÃOCIENTÍFICAFUNDADAPORALEXANDREKOYRÉ
C
ONSIDERAÇÕESINICIAIS..................................................................................................12
1.1DASNARRATIVASANTERIORESAKOYRÉ................................................................13
1.2
DAREVOLUÇÃOCIENTÍFICAINAUGURADAPORKOYRÉ.........................................19
1.3
DOSPARESDEKOYRÉ................................................................................................34
1.4DOLEGADOINTERNALISTAKOYRENIANO...........................................................40
CONSIDERAÇÕESFINAIS.....................................................................................................44
CAPÍTULO2:THOMASKUHNEASREVOLUÇÕESCIENTÍFICAS
CONSIDERAÇÕESINICIAIS..................................................................................................50
2.1DAREVOLUÇÃOCIENTÍFICADESENHADAPORTHOMASKUHN............................52
2.2D´AESTRUTURADASREVOLUÇÕESCIENTÍFICAS.................................................60
2.3DASCRÍTICASÀREVOLUÇCÃOCIENTÍFICAKUHNIANA...........................................65
2.4DASREFORMULAÇÕESKUHNIANAS..........................................................................70
2.4.1PRIMEIRASREFORMULAÇÕES:AHERANÇADEFLECK.......................................70
2.4.2DASREFORMULAÇÕESPOSTERIORES:REVOLUÇÃO,TRADUÇÃOEGESTALT...79
CONSIDERAÇÕESFINAIS.....................................................................................................83
CAPÍTULO3:STEVENSHAPINEODECLÍNIODAREVOLUÇÃOCIENTÍFICA
C
ONSIDERAÇÕESINICIAIS..................................................................................................86
3.1OLEVIATÁEABOMBADEAR...............................................................................87
3.2
DAREVOLUÇÃOCIENTÍFICASHAPINIANA...............................................................97
3.3DOSPARESDESTEVENSHAPIN..............................................................................105
3.4DOSCRÍTICOSDESTEVENSHAPIN.........................................................................111
3.5DOSIMPASSESPROVENIENTESDASCONCEPÇÕESSHAPINIANAS.......................115
C
ONSIDERAÇÕESFINAIS...................................................................................................122
ÀGUISADECONCLUSÃO........................................................................................................125
REFERÊNCIABIBLIOGRÁFICA............................................................................................131
APÊNDICE...............................................................................................................................146
8
INTRODUÇÃO
Apresentedissertaçãoprocuradiscutira"revoluçãocientífica"nocampoda
historiografiadaciência.ConformeindicaBernardCohen(1989),emseulivrointitulado
Revoluciónenlaciencia,“revoluçãocientífica”éumconceitoamploqueseencontraem
constantetransformação.Istoé,trata‐sedeumconceitodinâmico.Aolongodesuaobra,
Cohen explica que não seria possível estudar a história da revolução científica sem
analisar,conjuntamente,a históriadaacepção dotermo “revolução”.A princípio, com
origem no latim antigo, revolvere, significava voltar atrás, revirar‐se, reler, repetir,
repensar. Com o sentido de repetição cíclica, o termo revoluçãoéconstantemente
encontrado em textos da Idade Média, sobretudo, em textos de Astronomia. Em
contraste,nofinaldoRenascimentoitaliano,noséculoXVII,otermocomeçaaadquirir
conotaçãoparecidacomaqueconhecemoshoje,ouseja,significado de ruptura, de
reviravolta,detransformaçãoradical.Assim,explicaCohen,duranteoséculoXVII,têm
seduasformasdeentenderotermo“revolução.Nãoporacaso,os dicionáriosdesse
períodopossuíamduasentradasparaotermo,umaoriundadaAstronomia(repetição
cíclica)eoutrarelacionadaàPolítica(ruptura,transformação).Étambémnoséculo
XVII,pormeiodostratadosmetodológicosdeBaconeDescartes,queapalavra
“revolução”adquireconotaçãodeprogresso,deavanço.Quantoàstransformaçõesnas
ciências, Cohen (1989) relata que, provavelmente, a primeira utilização do termo
revolução científica teria ocorrido na descrição da descoberta médica referente à
circulação sanguínea humana, realizadaporWilliamHarvey.Além de discutir as
transformações do termo revolução em si, Bernard Cohen também nos dá alguns
indícios daquilo que será analisado mais sistematicamente ao longo desse trabalho, a
saber,asdiferentesutilizaçõesdoconceitoderevoluçãocientífica na História das
ciências. Isto é, as formas utilizadas por historiadores das ciências para analisar e
descreveroconceito“revoluçãocientífica”.
Comosesabe,revoluçãocientíficaéonomedadoporhistoriadores da
ciência ao período da história européia que marca o nascimento da chamada Ciência
Moderna. A revolução científica recobre o período em que as transformações dos
fundamentosconceituaisemetodológicosdosconhecimentoshumanossobreanatureza
9
foram responsáveis pela institucionalização do que hoje conhecemos sob o rótulo de
CiênciaModerna.SeuapogeuteriasidonoséculoXVII,emboratantoasdatasquantoos
personagens envolvidos diretamente nessas transformações tenhamvariadode
historiador para historiador. Defato,ahistoriografiasobrea revolução científica
produziurelatosdistintosquantoàsorigens,àscausas,àsnegociações, aos atores
envolvidos e aos resultados obtidos. Essa flexibilidade, conformeapontaJohnHenry
(1998), indica que a revolução científica é, sobretudo, uma categoria conceitual
desenvolvida pelos próprios historiadores. Sendo assim, seria possível entender a
“revoluçãocientífica”comoumconceitoenãocomoumfenômenoespecífico,ocorrido
naEuropadoséculoXVI‐XVII.
Buscando contribuir para o aprofundamento do que se compreende por
revoluçãocientíficano campo da historiografia da ciência,apresentepesquisaestuda
três autores que problematizaram a concepção de revolução científica e, além disso,
fundaram importantes formas de entender o desenvolvimento científico por meio de
seusmétodoshistóriconarrativos.Éprecisosalientarqueaflexibilidade com que a
Históriadasciênciastemnarradoarevoluçãocientíficaéoprincipalobjetodeestudo
sob o qual se concentra essa pesquisa. Para realizar tal empreendimento, delimitei o
objetodepesquisa–asnarrativassobrearevoluçãocientífica–emtrêsmomentos
específicos, representados: a) pela consolidação conceitual da expressão “revolução
científicanocampodaHistóriadasciências;b)peloapogeudosestudossobreadita
revolução;c)porfim,pelodeclíniodousodoconceitoderevoluçãocientífica.Assim,a
presente pesquisa ocupar‐se‐á, respectivamente, dos relatos históricos sobre a
revoluçãocientíficapresentesnasobrasdeAlexandreKoyré,de Thomas Kuhn e de
Steven Shapin. Tais autores podem ser considerados, entre os riosautoresque
problematizaram o tema, os mais representativos de cada momento específico dos
estudoshistóricossobreaditarevoluçãoassinaladanestapesquisa.
SabesequeaHistóriadasciênciasproduzidaatéoiníciodoséculoXXera
predominantemente whig. Isto é, suas narrativas baseavam seu ponto de vista
historiográficonojulgamentodosvaloresdopassadotendoporbaseosvaloresatuaise
fixavam‐se em acontecimentos que pareciamterconduzidoàatualidade, narrando,
sobretudo, a história dos vencedores (BUTTERFIELD, 2002). Era comumqueos
historiadores olhassem para as teorias científicas do passado identificando as teorias
atuaisemestadoembrionário.Odesenvolvimentodaciênciaeraentendidocomosendo
10
a acumulação do conhecimento, desdeseuestágioinicialatéoestágio atual. O
empreendimentocientífico,portanto,eranarradocomosendoumamarchaprogressista
eacumulativadeconhecimentos.
Em oposição a isso, Alexandre Koyré propôs o entendimento do
desenvolvimentocientíficocomoumaruptura,ummomentodedescontinuidadeentre
distintas formas de conhecimento. Seus trabalhos concentraram especial atenção ao
nascimento da Ciência Moderna, ou seja, às transformações dos conhecimentos
científico‐filosóficos de meadosdoséculoXVII.AindaqueKoyré não tenha sido o
responsável por cunhar a expressão “revolução científica” na área de História das
ciências, pode‐se dizer que esse autor foi responsável por tornaraexpressãomais
precisae,ainda,difundiroconceitodedesenvolvimentocientíficopormeioderupturas
(OLIVEIRA,2002a).PodemosconsiderarqueKoyréfoioresponsávelporressignificara
noçãodedesenvolvimentocientífico,fundando,assim,umavertentehistóricareferente
aosestudossobrearevoluçãocientífica.Aolongodoprimeirocapítulo,analisoaspectos
fundamentais do pensamento de Alexandre Koyré sobre a revolução científica, tendo
porbasesuaestratégiaantiwhigparanarraroempreendimentocientífico.
Nosegundocapítulo,analisocomoostrabalhosdeThomasKuhnforam
responsáveisporampliaraformadeentendimentosobreasrevoluçõescientíficas,tais
como formuladas inicialmente por Alexandre Koyré. Discuto como Thomas Kuhn
amplioueintroduziu,pormeiodacriaçãodeconceitosquesetornaramexemplaresna
área, a revolução científica como sendo a estrutura primordial do desenvolvimento
científico.Emoutraspalavras,analisodequeformaKuhnintroduziu a revolução
científicanadinâmicadodesenvolvimento,doprogressocientífico(CONDÉ,2005b).Tal
fatopossibilitouaKuhndesenvolverumentendimentosobreaciênciaqueelepróprio
chamade“plural.Aolongodosegundocapítulo,analisocomoessa categoria plural
podeserentendidanosestudosdesseautor.Alémdisso,apresentoediscutocomoKuhn
constrói a defesa de seus conceitos diante de seus mais célebres críticos. O
entendimentodanoçãodepluralidadenostrabalhosdeKuhnajudará,ainda,aentender
comooautorprocurouresolverumadasmaisconhecidasquerelasdahistoriografia
sobre as ciências: Internalismo versus Externalismo. A chamada solução conciliadora,
que somaria as vertentes internas e externas, posicionamento muito defendido por
ThomasKuhncomocaracterísticadapluralidadedeseustrabalhos,éimportantepara
seentenderoqueconfiguroaquicomoapogeudosestudossobrearevoluçãocientífica.
11
Noterceirocapítulodessapesquisa,analisoomomentoquedenominei
anteriormente de declínio da utilização do conceito de revolução científica. Entre os
inúmerostrabalhosposterioresaosestudosdeKuhn(trabalhoscríticosdaconcepçãode
revoluçãocientíficatalcomoentendidainicialmenteporKoyré),analisoasconcepções
desenvolvidas por Steven Shapin. Segundo esse autor, a revolução científica seria um
mito,frutodeummodoespecíficodecategorizarodesenvolvimentocientífico.Shapin
nãopretendenegarastransformaçõesdoconhecimentoocorridasnocomeçodaIdade
Moderna,mastemcomometadefenderatesedequearevoluçãocientífica, talcomo
foranarradapelavertentehistóricainauguradaporKoyré,nuncateria,defato,existido.
Shapinbaseiasenopressupostodequeaciênciaéumaatividade histórica e
socialmente situada, contextualizada. Para esse autor, não seria possível estabelecer
uma essência da revolução científica, pois haveria inúmeros aspectos que poderiam
caracterizar as transformações ocorridas a partir do século XVI. Portanto, Shapin
defende a idéia de que existem vários fatores relevantes para o entendimento das
transformaçõesdoconhecimentoocorridasentreosséculosXVIeXVII.Issopermitiria
entenderarevoluçãocientíficadoséculoXVIIdeinúmerasformas diferentes e não
apenasdaformacomofoinarradapelahistoriografiaqueseutilizou de um conceito
específicoderevoluçãocientífica,talcomopodeserobservadoemKoyréeemKuhn.
Por fim, como conclusão, ressalto os principais elementos das três vias
historiográficasqueestudaramaproblemáticadarevoluçãocientíficacomosendouma
chavedeleituraparaaHistóriadasciências.
12
1AREVOLUÇÃOCIENTÍFICAFUNDADAPORALEXANDREKOYRÉ
Consideraçõesiniciais
AescolhadeAlexandreKoyrécomoreferênciaparaessapesquisa deu‐se,
primeiramente,pelaimportânciadostrabalhosdesseautorparao entendimento da
vertente historiográfica relacionada à expressão “revolução científica”. Cohen (1989)
lembranosqueaexpressão,nosentidodetransformaçãoabruptadoconhecimento,só
pôdeserempregadaapóstersofridoinfluênciadahistóriapolítica(RevoluçãoGloriosae
Revolução Francesa). Relata ainda, que, em meados do século XVIII, já com alguma
referência ao século XVII, o termo “revolução científica” teria sido utilizado para
descrever grandes transformações no conhecimento. Para esse autor, o termo
“revoluçãocientífica”teriasidocunhadonoséculoXVIII.Poroutrolado,StevenShapin
(2000) afirma que o sentido corrente da expressão “revolução científica” não era, de
fato,utilizadoantesdosestudosrealizadosporKoyrénoséculoXX.
Deixandodeladoessainvestigaçãosobreaorigemdaexpressão“revolução
científica”,pode‐sedizerqueaexpressãoteriasidoressignificadaapartirdosestudos
de Koyré. Partindo do pressuposto coheniano de que havia outros usos (e, portanto,
outrosconceitos)paraotermorevoluçãocientífica”,anterioresaousofeitoporKoyré,
pode‐sedizerqueesseautoratribuiuumanovasignificaçãoparaessetermo,conforme
explica Shapin. Trabalharei, então, com a hipótese de que os trabalhos koyrenianos
permitiramoestabelecimentodeumentendimentohistóricodiferenciadoarespeitoda
revolução científica. Mas, em que medida as narrativas de Koyré se diferenciam das
anteriores?AsobrasproduzidasatéoiníciodoséculoXX,que,muitasvezes,ilustravam
asintroduçõesdetrabalhoscientíficos,narravamasdescobertas dos cientistas,
verdadeirosheróis,eviamaciênciacomofontedeprogressolinear a partir do
conhecimentoquelheseracontemporâneo.Ouseja,aciênciaeradescritacomosendoa
evoluçãodosmétodoseconceitoscientíficos,doantigoaoatual,configurando‐secomo
uma marcha quase mecânica do intelecto (KUHN, 1989b). De modo contrárioaessas
narrativas, que foram chamadas por Butterfield (2002) de whigs”, os trabalhos de
13
Alexandre Koyré não ofuscavam a “revolução científica” por meiodamarcha
progressistaeevolucionáriadaciência,talcomoasnarrativasdoséculoXIX.Koyfrisa
a alteração do conhecimento, da estrutura do pensamento científico.Essaalteraçãoé
narradaapartirdeseuprópriocontexto.Istoé,nãosepretendedescobrirasorigensdo
conhecimento atual, imputando ao passado valores do presente. Busca‐se entender
comosedáumatransformaçãoapartirdaestruturadoconhecimento da época, por
meio da análise das obras e tratados científicos, dando‐lhes assim, historicidade. Por
isso,maisdoquecunharumnovoconceitoparaexpressão“revoluçãocientífica”,pode‐
seafirmarqueKoyréinaugurouumavertentehistoriográficamarcadapelosestudosa
respeitodahistoricidadeda“revoluçãocientífica”.
As discussões desse capítulo contemplam ainda a contextualização dos
trabalhos anteriores aos de Alexandre Koyré e, em seguida, realizamaanálisedas
narrativas sobre a revolução científica desenvolvidas por esse autor. Pretendo
sistematizar, ao longo dessa análise, a importância dos trabalhosdeKoyréparaos
estudosarespeitodarevoluçãocientífica.
1.1DasnarrativasanterioresaKoyré
Alexandre Koyré é considerado por certos autores, entre eles Antônio
Beltrán,comoopaidaatualHistóriadaciência.
1
Semdúvida,asinúmerasobrasde
Koyréajudaramapopularizarosestudossobreahistóriadasciênciaseafortalecerum
campodepesquisajáexistente.Sabese,também,quesuasobrasforamdegrande
relevânciapara corroborarainstitucionalizaçãoacadêmica dadisciplina.Os trabalhos
deKoyrémarcaramumanovafasedaHistóriadasciências,estabelecendooutraforma
denarrarosacontecimentoscientíficos.Essanovavisão,muitodiferentedasnarrativas
1
“SehadichorepetidasvecesqueconKoylahistoriadelacienciaalcanzasumadurez,queeselpadre
de la historia de la ciencia actual.Efectivamente,enéllareacciónylasdirectricesdelgrupo
mencionado alcanzan su cumplimiento y desarrollo. La denuncia delanacronismo.Laexigenciadela
contextualización de científicos yteoríasensuentornocultural, olvidando nuestros conocimientos
actuales. El consiguiente análisis conceptual y de la ‘estructuradepensamientodelproblemayautor
estudiados.[…]”(BELTRÁN,1989,p.11.Grifomeu).
14
produzidasatéentão,éoqueconsiderocomo“pedradetoque”paraoestabelecimento
deumavertentehistoriográficaarespeitodarevoluçãocientífica.
Antes de enveredar pela propostaepelostrabalhoskoyrenianose, com
objetivo de entender em que medida seus trabalhos podem ser considerados
diferenciadosdosanteriores,proponhoumaanálisearespeitodaHistóriadasciências
produzidaatéentão.
ThomasKuhnafirma,emumartigode1968,quea“históriadaciênciaéum
campo novo, emergido ainda de uma pré‐história longa e variada.” (KUHN, 1989a, p.
143). Ao buscar a origem dos estudos em História das ciências, Kuhn remete‐nos à
Antiguidade Clássica, na qual seria possível encontrar seções históricas introduzindo
trabalhoscientíficos.Talprocedimento,explicaKuhn,foirecorrente durante o
Renascimento e também atravessou o culo XVIII, sob influência do Iluminismo,
conforme pode ser demonstrado pelos trabalhos de Priestley e de Delambre. Kuhn
afirma,ainda, que essas narrativaseram,emgeral,centradasemduasperspectivas:o
gênero tradicional e o gênero filosófico. O primeiro desses gêneros seria as seções
históricas que introduziam obras científicas, ressaltando, de forma pedagógica, a
tradição de determinada ciência. Em sua maioria, relata Kuhn, seriam trabalhos
históricosempreendidospelospróprioscientistas.Osegundogênerodetrabalhos,como
a denominação indica, possuía objetivos filosóficos, mas era muito parecido com o
gênerotradicional.Porexemplo,Kuhn(1989a)argumentaqueFrancisBacon,Condorcet
eComtedefendiamarelevânciahistóricadosaber como fonteparaelucidarquestões
filosóficas, como a da racionalidade verdadeira. Grosso modo, essas duas tradições
representam os primeiros trabalhos na área de história sobre a ciência. Ambas –
vertentetradicionalevertentefilosófica–sedesenvolverame produziram trabalhos
significativosatéoiníciodoséculoXX.Contudo,emmeadosdadécadade1930,tem‐se
uma mudança historiográfica nas narrativas sobre a ciência. Isto é, observa‐se a
emergência de novos olhares sobre o objeto científico (DIAS, 2005). Como se verá
adiante, essa mudança historiográfica está diretamente relacionada aos trabalhos de
Koyré.
2
2
Vale salientar que em meados da década de 1930 tem‐se uma mudança na postura dos autores
(historiadores) quanto ao fazer histórico sobre as ciências. Trata‐se de uma mudança e não do
nascimentodaHistóriadasciências.Este,porsuavez,seriamuitomaisantigo.ConformeexplicaKuhn,
já havia produção histórica sobre a ciência, encontrada em introduções de tratados e monografias
15
Asnarrativashistóricasquealcançaram o século XX foram descritas por
Kuhncomovelhashistóriasdaciênciaquetinhamoobjetivode“clarificareaprofundar
a compreensão dos métodos ou conceitos científicos contemporâneos, mediante a
exibiçãodesuaevolução.”(KUHN,1989a,p.145).Assim,oshistoriadoresescolhiamum
ramoaceitodaciênciaatual,cujoestatutodeverdadenãopudesseserquestionado,e
buscavamentender,apartirdesseestatuto,asorigensdesseconhecimento científico.
Comoessasnarrativassededicavamàsgrandesdescobertas,aosgrandesfeitoseseus
respectivos heróis, os erros ou obstáculos não eram descritos. Portanto, essas
narrativas,de gênero tradicionalou filosófico, podem ser consideradas“presentistas”,
ouseja,datamosvalores,aperspectivaeapolíticadosvencedores. Trata‐se de uma
descriçãodaciênciatalcomoelaéaceitanaatualidade.Ahistórianarradaeraada
acumulaçãodoconhecimento,tendoporbaseosaberestabelecidonopresenteatésua
origemnopassado, narradospormeio de umdesenvolvimento contínuo (ABRANTES,
2002). Vale lembrar que essas narrativas eram encontradas, em sua maioria, nas
introduçõesdeobrascientíficase,aindaquemantivessemumdiálogocomorestantedo
trabalho científico stricto sensu,exerciamaliumafunçãopedagógica: justificar a
relevânciaeatradãodedeterminadaciência,elucidarosconceitoseatrairestudantes
parauma especialidadecientífica.Tais estudosse multiplicaram durante o século XIX
(KOYRÉ, 1991e) e alcançaram o início do século XX, narrando o desenvolvimento
científico “como uma marcha quase mecânica do intelecto, a sujeição sucessiva dos
segredosdanaturezaamétodossólidos[...].”(KUHN,1989a,p.146).
EssequadrocomeçaamudarnoiníciodoséculoXX,quandoasformaswhigs
de narrar as ciências foram questionadas.
3
EmseulivroThe Whig interpretation of
técnicas,desdeaAntiguidadeClássica.Portanto,pode‐sedizer,grossomodo,queaHistóriadasciências
seriatãoantigaquantoaHistóriatoutcourt.
3
AsnarrativasdeHistóriadasciênciasproduzidaatéoiníciodoséculoXXnãosedistanciamdaquelas
produzidaspelaHistóriatout court,oriundadachamada“Históriapositivista”ou“metódica”domesmo
período.Assimcomoesta,aHistóriadasciênciasdoperíodoemquestãotambémerapositivista,metódica
quantoàsfontesconfiáveiseoficiais,apegadaàsgrandesnarrativas,aosfeitos,aosfatose,ainda,crédula
deumanoçãodeprogressolinear.NocampoespecíficodaHistória das ciências, tal corrente foi
fortementecriticadapor autores comoHerbertButterfield e AlexandreKoyré. NaHistóriatout court,o
ProgramadosAnnalescumpriramessatarefa.As críticasde Koyrée aspropostasdos Annalessão,por
vezes,semelhantes.Nessesentido,éinteressanteobservarapresençadetrabalhosdeautoriadeKoyréno
periódicodosAnnales.Épossívelencontrar,também,trabalhossobreAlexandreKoyréousobreHerbert
Butterfieldnesseperiódico.Talfonteencontrasedisponívelem:
<http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/revue/ahess
>. Acesso: 25 set. 2009. Para maiores
informaçõessobreaHistóriametódica,dita“positivista”,verREIS,JoséCarlos.AHistória,Entreafilosofia
eaCiência.BeloHorizonte:Autêntica,2004.
16
history (A interpretaçãoWhig da história), publicado em 1931, Butterfield descreve a
historiografiadaciênciaatéentãodesenvolvidacomoumahistoriografiawhig,ouseja,
presentista e “positivista” quanto ao método com as fontes e fatos. Seriam narrativas
baseadas em fontes confiáveis que permitiriam narrar os fatos tais como teriam
acontecido, narrativas que imputavam ao passado valores do presente. Portanto, a
históriaeraa ratificação, senão aglorificação,dopresente (BUTTERFIELD, 2002). Em
busca de metodologias que permitissem narrativas livres dessa característica whig,
algunstrabalhosdeHistória das ciênciasproduzidosentreo culoXIXeoséculoXX
mostraram‐se como possíveis alternativas. Entre essas narrativas, encontram‐se os
trabalhosdePierreDuhem.Apesardenãorealizar,comforçaeclareza,acríticaanti
whig”,seustrabalhosdescreveramaciênciamedievalsemsepautarem,exclusivamente,
nosposterioresvalorescientíficosaceitosecorroboradoscomoverdadeiros.Alémdisso,
aolongodostrabalhosdeDuhem,aciênciapodeserentendidacomo uma evolução
gradativa do desenvolvimento científico, como se observa em Etudes sur Leonard de
Vince (Estudos sobre Leonardo da Vinci), por exemplo.
4
Apesar de almejar uma
narrativa menos descritiva e mais contextualizada, o trabalho de Duhem aproxima‐se
das narrativas whigs, a saber, na concepção de ciência como uma marcha mecânica,
comoaevoluçãodasteorias.
Oentendimentodaciênciacomoumempreendimentocumulativo,contínuo,
oucomoumaevoluçãodeteoriaseleisapartirdeseusnotáveisinventores,continuou
presentenasnarrativasdoiníciodoséculoXX.Talabordagemrecebeuumasignificativa
contribuição com os trabalhos de George Sarton. Esse autor diferenciaria o
desenvolvimento científico dos aspectos irracionais (como as questões sociais ou
políticas),emoposiçãoàsanterioresnarrativaspositivistasquedepreendiamdemasiada
atenção ao quadro cronológico do desenvolvimento da ciência, e que,porisso,não
distinguiam com precisão o científico do não científico (DIAS, 2005). Talvez por esse
motivo–diferenciarocientíficodonãocientífico–,Sartonsejaconsideradopormuitos
autores o grande precursor, o pai fundador da História das ciências. Além disso,
conformeexplicaKuhn,aimportânciadeSartondásetambémporesseautorter
elaborado uma visão diferente daquelas produzidas por cientistas em suas notas
introdutórias.Seessescientistasseempenhavamnaproduçãohistóricadesuasáreasdo
4
ConferiremDUHEM,Pierre.EtudessurLeonarddeVince.Paris:ArchivesContemporaines,1984.
17
conhecimento,fazendoassim,ahistóriadeumaciênciaespecífica,poroutrolado,Sarton
permitiu uma visão diferente a respeito da história das especialidades. Em outras
palavras,Sartonfoiumdospioneirosqueseempenhouemproduziredefenderoque
ficouconhecido como “Históriageral da ciência” (TATON, 1959).Se,duranteoséculo
XIX,amultiplicaçãodostrabalhosemHistóriadasciênciasacarretouafragmentaçãodas
diversas áreas científicas (KOYRÉ, 1991c), Sarton (1965a) elaboraria uma narrativa
diferenciadafrenteaproduçãodoséculoXIX.EmsuaobraHistoria de la ciencia,
trabalho de seis volumes, o autor analisa distintas áreas da ciência, entre elas a
Matemática, a Astronomia, a Física, a Química, a História Natural, a Anatomia e a
Medicina.Sartonabordaodesenvolvimentocientíficoportemas,desenvolvendo‐ospor
meio de um escalonamento gradual de teorias e leis. Mas, ao longodessetrabalho,o
desenvolvimento científico esboçadoporSartonébaseadonaidéia de progresso, de
descobertas dos grandes gênios ou heróis, de linearidade e, principalmente, de
acumulação do conhecimento. Em síntese, ainda que Sarton tenha permitido a
diferenciaçãodocientíficoedonãocientífico,passoimportanteparaadelimitaçãoda
áreadeestudosemHistóriadasciências,algumascaracterísticastambémaproximariam
seustrabalhosdaformawhig,comoaidéiadeprogresso,delinearidadeede
acumulaçãodeconhecimentoproduzidopelosgrandesgênios.
Recaíram sobre Sarton críticas que esboçavam futuras questões históricas
sobre as ciências, como se verá detalhadamente mais adiante. Assim, Sarton foi
questionadoarespeitodainserçãosocioculturalquerealizounostrabalhosdehistória
dasciências.RessaltaDias(2005,p.104):“aindaquepostuleainserçãodaciênciano
meio social, [Sarton] considera o conhecimento científico como umcampodisciplinar
autônomoeauto‐suficiente,independentedeumaperspectivahistóricaesociocultural.”
MuitopróximodaperspectivadeSarton,ostrabalhosdeRenéTatontambém
consideramodesenvolvimentocientíficoumempreendimentoautônomoecumulativo.
Emsuaobra,Historia geral das Ciencias,
5
Tatonnarraaevoluçãodoconhecimentode
forma gradual, a começar pela Pré‐história. Assim, ao longo de nove volumes, seu
trabalho se configura, e o próprio nome deixa isso muito claro, como uma história
generalistadaciência.Ouseja,tratasedeumaverdadeiraenciclopédia sobre o
conhecimentoemdiversasáreaseépocas,emqueodesenvolvimento científico é
5
TATON,Rene.1959.
18
abordadodeformalinear,acumulativa,apartirdopensamentodegrandesgêniosede
forma independente de uma perspectiva histórica e contextual. A respeito dessa
concepção acumulativa sobre o desenvolvimento científico, que permanece nas
narrativas do início do século XX, tal como os trabalhos empreendidos por Sarton e
Taton,épossívelcitar,ainda,ostrabalhosdeCrombie.EmsuaobraHistoria de la
ciencia: de San Agustin a Galileo,
6
porexemplo,apesardoautorentendero
desenvolvimento científico atreladoaocristianismo,suanarrativa “demonstrou a
continuidade perfeita e surpreendente do desenvolvimento do pensamento lógico:
desdeAristóteles[...]háumaininterruptacadeia[...].”(KOYRÉ,1991a,p.70).
Essas narrativas que adentraram o século XX tinham, em alguma medida,
proximidadecomasnarrativaswhigs,fossepeladescriçãodopensamentodosgêniosou
pelaconcepçãodedesenvolvimentocientíficoacumulativoeautônomo. Contudo, é
válidolembrarque,apesardessasnarrativasseaproximaremdasanterioresnarrativas
whigs, podem ser consideradas importantes trabalhos para a superaçãoouparaa
criaçãodealternativasparaowhiggismo.Nojácitadoartigode1968,Kuhnexplicaquea
superaçãodasnarrativaswhigs–oupelomenosacriaçãodemetodologiasalternativas–
estárelacionadacomasnarrativasgeraissobreasciências(asdeSartoneTaton,por
exemplo).Alémdisso,asuperaçãodasnarrativaswhigsestariarelacionada,ainda,coma
proximidade entre a História das ciências e a Filosofia da ciência (acostumada ao
questionamentodosfatos),etambémcomostrabalhosdeDuhemsobreaciênciana
IdadeMédia;comorecortemarxista(comoodeBernaleodeHessen,porexemplo)que
analisava os fatores não intelectuais; e, por último, com os trabalhos históricos
desenvolvidos por Alexandre Koyré.
7
Emoutrostermos,aindaquealgumasdessas
vertentes mantivessem concepções semelhantes às narrativas chamadas de whigs, do
séculoXIX,elasforamimportantesexperiênciasparaumanovahistoriografia que
6
ConferiremCROMBIE,A.C.Historiadelaciencia:deSanAgustinaGalileo.Madrid:Alianza,1974.
7
Alémdacontundentecríticaantiwhig,KoyrétambémdirecionasuascríticasàHistóriametódica,dita
positivista.SegundoafirmaKoyré(1991)ohistoriadorrealizariaumaduplaescolha:escolhequaisobras
devemserresgatadasdoesquecimentoeescolheoquecontarsobre essas obras. Portanto,
diferentementedasconcepçõespositivistas,asfontesnãopossuememsiaverdadehistórica.AHistória
passaaserentendidacomoumaconstruçãodohistoriador,vistoqueasfontesnosescapampelaaçãodo
tempo,danaturezaedoshomens.SegundoKoyré,asfontessãofragmentosincertos(res gestae)queo
historiadorutilizaconformesuasconcepçõesouobjetivos(rerumgestarum).Vê‐se,novamente,arelação
entreoProgramadosAnnaleseostrabalhosecríticasdesenvolvidasporAlexandreKoyré.Conferirem
KOYRÉ, Alexandre. Perspectivas da História das ciências. In: ____. Estudos de História do Pensamento
Científico.RiodeJaneiro:Ed.ForenseUniversitária,1991e.
19
emergiria, de fato, em meados de 1930. Outra experiência que teria possibilitado a
emergência de uma nova historiografia antiwhigfoiaconcretizaçãodeumespaço
institucionalparaaHistóriadaciência.Podesedizerqueoprocesso de
institucionalização,viaformaçãodaHistory Of Science SocietyeafundaçãodaRevista
Isis,fortemente amparadopelafiguradeGeorgeSarton,tambémteriapossibilitadoas
transformaçõessofridaspelaHistóriadaciêncianocomeçodoséculoXX(DIAS,2005).
Pode‐se concluir, portanto, que a superação do whiggismoestariarelacionadaà
emergência de uma nova historiografia da ciência. Tal emergência teria se amparado
numavastagamadefatores.
Não haveria espaço aquipara analisar detalhadamente todos essesfatores,
todosesses diferentestrabalhos produzidos no começo do século XXe, defato,não é
esseoobjetivodapresentepesquisa.Sendoassim,abordareiumautoremespecial,cuja
narrativa seria responsável pelo entendimento da ciência como um empreendimento
nãocumulativo.Ouseja,analisareiumautorapartirdoqualaciênciaseriaentendida
comoumprocessodedescontinuidade,deruptura:AlexandreKoyré.
1.2DarevoluçãocientíficainauguradaporKoyré
Defato,ostrabalhosdeKoyrémarcaramumanovafaseparaosestudosem
Históriadasciências.Nãoapenasporpossibilitaremconcretasalternativas contra as
narrativaswhigs,mastambém,porestabeleceremumalinhadeestudosarespeitodas
transformações científicas, agora entendidas como revolucionárias.Masemquea
revoluçãocientíficadescritaporKoyrétornou‐setãodiferentedostrabalhosanteriores?
Elucidarei,maisdetalhadamente,comoKoyréarquitetasuanoçãoderevolução
científica,istoé,oqueoautorentendeporrevoluçãocientífica.
Ostrabalhos, que ajudaram a fundar uma nova vertentehistoriográficaem
meados de 1930 e, que abriram caminho para um novo entendimento da “revolução
científica”,influenciaramosescritosdeAlexandreKoyré.Contudo,épossívelquestionar
quaisasmodificaçõesempreendidaspelostrabalhosdeKoyré?“Namedidadopossível
[...], o historiador deveria pôr de lado a ciência que conhece.Aciênciadeveriaser
apreendidadoslivroserevistasdoperíodoqueestuda[...].”(KUHN,1989,p.149).Para
20
tanto,Koyrébuscoudocumentosinéditos,fossemdocumentospúblicos (como as
conferências proferidas por Newton) ou pessoais (como as cartas de Descartes, de
Leibniz).Alémdeseconcentrarnasquestõescientíficasdaépoca,aosedepararcomas
descobertasqueocientistanãoalmejava,ohistoriadordeveatentarparaessespossíveis
percalços.Koyréexplicaquetalvezessesfatos–erros,percalçosoufalhas–pudessem
ensinar mais sobre o desenvolvimento científico do que as grandes descobertas, pois
esclareceriam a natureza dos impedimentos científico‐conceituais. De imediato, é
possívelperceberqueKoyréadotouumanítidaposturaantiwhig em seus estudos,
narrandoapartirdocontextohistóricoemquestão,asdificuldades, os equívocos, os
problemas,osempecilhosenãoapenasasgloriosasdescobertas.Destarte,Koyrése
transformariaemumdosmaiorescríticosdaposturawhigemHistóriadasciências.
OstrabalhosdeKoyréatingiramenormerepercussãoapósaSegundaGuerra
Mundial, momento em que ocorreu um despertar da sociedade para as questões
científicas e também, para a História das ciências (VIDEIRA, 2004). Seus estudos
possibilitaramumnovoenquadramentoparaasciênciaspormeiodacontextualização
temporaldaschamadas“estruturasdopensamento”.Koyréestabeleceuumaconcepção
que“[...]permitiucompreenderavalidadedosestudoshistóricosacercadaciênciacomo
umaformadeperceberemquemedidacertotipodeconhecimentocientíficosurgiuem
determinado contexto e como se relacionou com as idéias científicas de sua época.”
(DIAS,2005,p.105).
Alémdisso,apesardedescreveropensamentodeGalileueDescartes,entre
outrospersonagens,Koyrénãonarraahistóriadosgrandesgêniostalcomoerafeitono
séculoXIX.Esseautorprocuraentendera“estruturadepensamento”e,principalmente,
as alterações das estruturas de pensamento desses e de outros personagens menos
conhecidos. O autor descreve as mudanças ocorridas no século XVIIcomosendoa
passagemdaciênciacontemplativaparaaciênciadapráxis,istoé,domodeloteleológico
eorganicistaadvindodaAntigüidadearistotélicaecorroboradopelaIdadeMédia,paraa
mecanização da concepção de mundo que daria origem a ciência moderna. Não se
tratava de narrar a descoberta de novas teorias, tão somente. Ao narrar as
transformações do século XVII, Koyré descreve alterações profundas na estrutura do
conhecimento, nas formas de produzir conhecimento científico, filosófico ou mesmo
religioso. Koyré narra o fim do mundo hierarquizado, no qual conceitos de valor
determinavamahierarquiadoser,daperfeição,daharmonia.Mais do que uma
21
redescoberta de idéias que já estavam presentes na Antigüidade (como a idéia de
infinitudedouniverso),Koyrépropõeentendernovosenfoquesdepensamento.
Assim,oautordescreveasconcepçõesdeNicolaudeCusasobrea
relativizaçãodouniversoinfinito,porexemplo.Cusateriasidooprimeiroaseapropriar
daconcepçãodeinfinitude,talcomohaviasidopropostanaAntigüidade. Cita os
trabalhos de Copérnico, sobretudo o De revolutionibus orbium coelestium, traduzido
comoAsrevoluçõesdosorbescelestes.
8
Apesardeterumametafísicamenosradicalquea
deCusa,aobradeCopérnicopossibilitou,emlongoprazo,transformaçõesmaisefetivas
nasestruturasdepensamento.Ouseja,KoyréconsideraqueCopérnicotenhasidomais
revolucionário,oumelhor,umareferênciamaisrevolucionáriaparaseusseguidoresdo
que Nicolau de Cusa. Vários seguidores interpretaram as idéias copernicanas
caracterizandoainfinitudedouniverso,comoRiccioli,HuygenseMcColley.Contudo,o
sistemadeCopérnicoaindaeraumsistemahierárquico,perfeitoefinito.Koyrédizque,
tecnicamentefalando,osistemapropostoporCopérnicoeraptolomáico,poisdescrevia
as estrelas como incomensuráveis, o que não é o mesmo que afirmarainfinitudedo
universo.Declararqueofirmamentoémaiordoqueseimaginavanãoimplicaemdizer
queomesmosejainfinito,trata‐sedeumaquestãoqualitativaenãoquantitativa.Muitos
historiadores afirmavam que esse “passo além” em direção a concepção de universo
infinitoteriasidodadoporGiordanoBruno,apoiandosenafilosofiadeHiparco.Mas,
baseado em estudos recentes, Koyré descreve os trabalhos de Thomas Digges como
detonadores da concepção de universo infinito. De qualquer forma,apropostada
infinitudedouniversosóteriasidoformulada de formaprecisa,resolutaeconsciente
comopensamentodeGiordanoBruno.Brunoutilizavaoprincípiodarazãosuficiente,
isto é, ele operava satisfatoriamente bem a transição da percepção sensorial para a
intelectual. Não se prendia apenas aos fatos observáveis, mas era capaz de projetar
intelectualmentenovasidéias.Talpassoteriasidofundamental para entender o
universo como infinito, visto que essa característica não poderiaserobservável.Esse
passodadoporGiordanoBruno–projetarintelectualmenteasnovasidéias–também
foiimportanteparaentenderanovaestruturadepensamentodarevoluçãocientíficado
séculoXVII,segundoexplicaKoyré.Paraoautor,Brunoseriaomelhorrealizador,antes
de Galileu, da nova estrutura de pensamento responsável pela revolução científica.
8
Conferir em COPÉRNICO, Nicolau. As Revoluções dos Orbes Celestes. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian,1996.
22
Assim como na proposta de Bruno, para Galileu a experiência eraaexperiênciado
pensamento, e não apenas a experiência observável. Mas, o pensamento de Giordano
Bruno era cheio de magia e obscuridades, o que não permitiria afirmarquesuas
concepçõesfossemcompletamentemodernas,afirmaKoyré.
Aconcepçãodeuniversoinfinitoéumaconcepçãometafísica,ouseja,
poderiaservirdebaseparaaciênciaempíricadosmodernos,masnãosebasearnela.
Porisso,homenscomoJohannesKeplernãoadmitiramainfinitudedouniverso.Kepler
nunca aceitou as concepções abstratas, apenas as concretas. Pelos dados concretos,
Keplerafirmavaafinitudedouniverso,emoposiçãoaconcepçãodeinfinitoformulada
porGiordanoBruno.Istoé,Keplerteriaseprendidoaoempirismofactualparanegaro
infinitismo. Assim, apesar de toda a importante contribuição de seus estudos, por se
prender ao experimentalismo e o aceitar a formulação abstrata, Kepler manteve‐se
adepto da tradição aristotélica.
9
Nesse sentido, explica Koyré, Galileu seria o melhor
realizador de uma nova estruturadepensamento,deumanovaconcepção de
conhecimento,istoé,daconcepçãomodernadeciência.Quantoaofirmamento,Galileu
nãotomapartido.Emboraseinclinasseparaoinfinitismo,afirmava que“ninguémno
mundosabe,outemapossibilidadedesaber,nãosóqualéaforma [do firmamento]
comosequerseeletemalgumaforma.”(GALILEUapudKOYRÉ,2006,p.86).
EmseuDialogosopraiduemassimisistemidelmondo(Diálogosobreosdois
maioressistemasdomundo
10
),oflorentinofazoposiçãoaPtolomeu,CopérnicoeKepler.
Por fim, acaba corroborando a visão de Cusa e Bruno: “o centro do universoque não
sabemos onde localizar ou se existe mesmo.” (GALILEU apud KOYRÉ, 2006, p. 87). É
possívelqueacondenaçãodeBrunoeacondenaçãodostrabalhosdeCopérnicotenham
deixadoGalileureceoso,explicaKoyré.Ouainda,podeserqueessanãofossedefatosua
questãoprincipal.Dequalquerforma,pode‐seentenderopensamento,ouaestruturade
pensamentodeGalileucomoumafuoentreasconcepçõescontemporâneasdeFrancis
Bacon(experimentação)edeDescartes(razão).Galileuuniriaarazãoaoexperimento.
Porissosuaexperiênciaeraaexperiênciadopensamentoenãoapenasasexperiências
observáveis.PorissoGalileuentendiaamatemáticacomoumarealidadeobservávelno
9
DesdejáépossívelpercebercomoAlexandreKoyréampliaavisãodequeastransformaçõesdoséculo
XVIIseriamfrutoda empiria, doexperimentalismocientífico,muitocomunsnasnarrativashistórias do
séculoXIX.
10
ConferiremGALILEI,Galileu.Diálogosobreosdoismáximossistemasdomundo.Tradução,introduçãoe
notasdePabloRubénMariconda.SãoPaulo:Discursoeditorial:FAPESP,2001.
23
mundo empírico, suas idéias eram sustentadas pelo realismo matemático. De acordo
com a matriz aristotélica, o medievo entendia anatureza deformaestática,comoum
estatuto ontológico do ser. Ou ainda, segundo a matriz platônica, o homem medieval
entendiaamatemáticacomoumaabstraçãonãoempírica.Galileu(assimcomoNewton)
veráomundodinâmico,passíveldeempiriaetambémdeformulação racional,
matemática. Koyré fala em novas “estruturas de pensamento”, novasformasdeolhar
paraomundo,novasformasderealizaraproduçãodeconhecimento. Essa nova
estruturade pensamento–orealismomatemático–teriasidoumpassofundamental
paraarevoluçãocientíficadoséculoXVII.Mas,apesardagrande contribuição das
concepçõesdeGalileu,Descartesfoioresponsávelporestabelecerosprincípiosdanova
ciênciaedanovacosmologiamatemática(KOYRÉ,2006).Descartestambémparecese
inclinarparaoinfinitismo,masassimcomooflorentino,proclamavaaindeterminação
da questão. Descartes diferenciou infinito de indefinido. Tal distinção corresponde a
distinção entre o infinitismo real e o infinitismo potencial. Conforme explica Koyré, o
mundocartesianoerapotencialmente,racionalmenteinfinito.
Essasconcepções,sobretudodeGalileueDescartes,foramimportantespara
adeterminaçãodaestruturadepensamentoposteriormentedesenvolvidaporNewton.
Emoutraspalavras,asconcepções explícitas desses homens influenciaram adoutrina
implícitadeNewton.Istoé,Newtonnãoprecisavaexplicarascausasdasleisfísicasou
metafísicasparaestudá‐las,matematizá‐las.Newtonfoiprudenteparanãosedeternas
causas(Deus,forçasexternasdouniverso,etc.),oquenãolheimpediudeestudar,com
grandemérito,asforçasdanatureza.
11
Portanto,anarrativadeKoyrénãosepreocupa,
11
Ainda que Newton não se preocupasse com as causas como “pontos de partida” a partir das quais
realiza seu trabalho, tais questões são relevantes para o pensamento newtoniano. Na questão 31 do
terceirolivrodaÓpticadeNewton,lê‐se:“[...]Poisdevemosaprender,peloexamedosfenômenosda
natureza, quais corpos se atraem e quais são as leis e propriedades da natureza, antes de
investigar a causa pela qual a atração se efetua.” (Newton, 2002, p. 274, grifo meu). Após relatar
inúmeras experiências, a respeito dos mais diversos tipos de atração, Newton conclui: “Consideradas
todasessascoisas,parecemeprovávelquenoprincípioDeusformouamatériaempartículassólidas,
maciças,duras,impenetráveis,móveis,detaistamanhoseformas,comoasqueconduzirammaisaofim
paraoqualEleasformou[...]Ora,
graças a esses princípios todas as coisas materiais parecem ter
sido compostas das partículas duras, sólidas acima mencionadas, variadamente associadas na
primeiracriaçãopelodesígniodeumagenteinteligente.PoisconvinhaaEle,queascriou,ordená
las. EseEleofez,nãoéfilosóficoprocurarqualqueroutraorigem do mundo, ou pretender que ele
pudesse originar‐se de um caos pelas meras leis da natureza; embora, uma vez formado, ele possa
continuarporessasleisaolongodemuitaseras.(NEWTON,2002, p. 290‐291, grifos meus). Pode‐se
concluirque,aindaqueNewtonnãosepreocupassecomascausasparaapartirdelasestudarseusefeitos,
elesepreocupouemdescreverouexplicarascausas,nemquefossemaiscomoumobjetivofinaldoque
inicial.Ascausasparecemser,paraNewton,maisumpontodechegadadoqueumpontodepartidade
24
tão somente, com as descobertas dos grandes gênios, mas sim, com a estrutura do
pensamentocientíficoefilosóficosdesseshomens.Porisso,seutrabalhoabarcaoerro,
as descobertas acidentais, as voltas não objetivas do desenvolvimento científico e as
crenças que inviabilizaram determinada concepção, como a concepção do universo
infinito,porexemplo.Alémdisso,porseconcentrarnasquestõesdaFísicastrictosensu,
Koyré empreende análises específicas diferentes das histórias gerais produzidas por
Sarton. Contudo, os estudos de Koyré também seriam distintos das narrativas
específicas encontradas nas notas introdutórias dos tratados científicos (fruto da
fragmentaçãodasáreas),muitocomunsnoséculoXIX.SegundoafirmaKoyré,“Emlugar
dahistóriadahumanidade,temoshistóriasmúltiplas,dissooudaquilo,históriasparciais
eunilaterais.Emlugardeumtecidounido,fiosseparados[...].”(KOYRÉ,1991e,p.372).
Grosso modo, essas são as diferenças entre as concepções de Koyré e as
concepções anteriores, tanto aquelas advindas do gênero tradicionaledofilosófico,
quantodaschamadasnarrativaswhigsoudashistóriasgeraisdaciência.Contudo,ainda
háumaspectorelevantequepretendoressaltarnessapesquisa.
Conforme dito, de acordo com as concepções anteriores aos trabalhos
koyrenianos, a ciência era entendida como um empreendimento acumulativo, linear.
Mas,nasnarrativasdeKoyré,pelainclusãodoerroedasdescobertas acidentais ao
longodasalteraçõesdas“estruturasdepensamento”,odesenvolvimentocientíficonão
seriadescritocomoumamarchalinearrumoaoprogresso.ComostrabalhosdeKoyré,
ficouevidentequeseriadifícilelencarosinventoresindividuaisdasnovasleis,osheróis
descobridoresdescritospelasnarrativaswhigs.Odesenvolvimentodaciênciaseriafruto
de alterações nas “estruturas depensamentonãodeum,masdevários cientistas.
Assim,Koyréexplicaqueostrabalhos de Galileu introduziram alterações, novos
enfoquesestruturaissobreoconhecimentocientíficoefilosófico.Isso,somadoasnovas
concepçõesteóricasdeCopérnico,deKepler,eaosnovosdadosrecolhidosporBruno,
possibilitou a Descartes o estabelecimento dos princípios da nova cosmologia
matemática.Talpassoteriasidofundamentalsuporteparaasposterioresformulações
deNewtone,parasuaformadepensar,deestruturaroconhecimentosobreomundo
(de certa forma, independente das causas). Baseado nesse entendimento sobre as
transformaçõesdoséculoXVII,osestudosdeKoyrénãodescrevem, de forma
seustrabalhos.Istoé,suateoriapoderianãosebasearascausas,mas,umaformadeexplicarascausas
emergiadasteoriasnewtonianas.
25
completamenteautônoma,linearecumulativa,oempreendimentocientífico.Koyrédá
ênfaseà“revoluçãocientífica,istoé,àrupturadasestruturas teóricas, à
descontinuidadedepensamentocomosendoamaneirapelaqualaciência se
desenvolve.Emoutrostermos,aciênciadeixadeserumempreendimentocumulativoe
linear para ganhar validade histórica (por meio da contextualização temporal das
descobertas e teorias) e concepção de ruptura, de não linearidade ou acumulação de
conhecimentos. Assim, a expressão “revolução científica” seria empregada por Koyré
comosendoumatransformaçãonaestruturadoconhecimento,tornando‐se,apartirde
então,umtermoessencialparaoentendimentododesenvolvimentocientífico(COHEN,
1989).Nessesentido,pode‐seafirmarqueapartirdostrabalhosdeKoyré,tem‐seum
novousoparaaexpressão“revoluçãocientífica”e,conseqüentemente,umnovoconceito
paraessaexpressão.Koyréteriaressignificadooconceitode“revoluçãocientífica”.A
partir de então, tal conceito estaria vinculado não apenas a uma transformação nas
estruturasdo pensamento (científico e filosófico) dos homens dosséculosXVIeXVII,
mas também, vinculado a uma nova forma de entender o desenvolvimento científico:
porrupturasenãopelaacumulaçãolineardosfatoscientíficos.
Noiníciodeumdeseusmaiscélebreslivrossobrearevoluçãocientífica,Do
MundoFechadoaoUniversoInfinito,publicadoem1957,Koyréanunciaoquetalvezseja
oproblemafundamentalpresenteemtodososseustrabalhos:arelaçãoentreaFilosofia
eaCiência,oumaisespecificamente,opensamentocientífico.Porisso,apesardeafirmar
aexistênciadeoutrosmomentosrevolucionáriosnaHistóriadaciência,Koyrésedeteve
nosestudosdastransformaçõesocorridasentreoséculoXVIeXVII.Aíestariaomelhor
exemplodeumarevoluçãocientífica,explicaoautor,poisfoiomomentodaemergência
conjuntadaCiênciaedaFilosofiamoderna.
Vezes sem conta, ao estudar a história do pensamento científicoe
filosóficodosséculosXVIeXVII–naverdade,estãodetalforma
entrelaçadosevinculadosque,separados,setornamininteligíveis–,vi‐
meforçadoareconhecer,comomuitosoutrosantesdemim,que
durante esse período o espírito humano, ou pelo menos o europeu,
sofreuumarevoluçãoprofunda,quealterou o próprio quadro e
padrões de nosso pensamento, e da qual a ciência e a filosofia
modernas são,a um tempo, raiz e fruto(KOYRÉ,2006,p.1,grifo
meu).
Oentendimentodeumvínculoentreoconhecimentocientíficoeofilosófico
estánabasedetodosostrabalhosempreendidosporKoyré.Porisso,aocontráriodas
anterioresnarrativassobreamesmarevoluçãocientífica,Koyrénãoenfatizaoprocesso
26
de experimentação como fundamentação da ciência moderna, e sim uma questão
científico‐filosófica, uma estrutura de pensamento (o realismo matemático) que teria
emergidoaolongodoséculoXVII.DeacordocomKoyré,asnarrativas positivistas
despendiammaioratençãoaoexperimentalismo,esseseriaoprincipal fator para o
abandonodasconcepçõesdaFísicaAristotélica.Emoutraspalavras,asnarrativaswhigs
descreviamarevoluçãocientíficadoséculoXVIIapartirdaemergênciadaspráticas
empíricas.EmartigointituladoDainfluência dasconcepçõesfilosóficas sobreaevolução
das teorias científicas, originalmente publicado em 1955, Koyré explica que a Física
Aristotélica era extremamente observável, ou seja, empiricamente passível de
comprovação. Segundo a teoria aristotélica dos quatro elementos, que é oriunda da
filosofiadeEmpédocles,quandoumpesoerasoltonoar,eleocupariaseulugarnatural,
ouseja,osolo.Opesoécompostopeloelementoterra,portantodeveocuparseulugar
original,asaber,ocentrodaTerra.Talexperiência,conformerelataKoyré,seriamais
observáveldoqueoprincípiomodernodaInércia,porexemplo.
Mas,comoaquiloqueéconsideradofrutodarevoluçãocientíficadoséculo
XVII (Lei da Inércia) pode ser empiricamente mais difícil de comprovar do que
argumentosdaFísicaAristotélica?SegundoKoyré,oexperimentalismoteriasidomuito
importante,teriatornadoosfatosnaturaismaispalatáveiseobserváveis,porexemplo.
Contudo, além do experimentalismo haveria outros fatores que desencadeariam a
revoluçãocientíficaempreendidaaolongodoséculoXVIeXVII.Pelaexistênciadesses
motivos,KoyrépoderiaconsideraraFísicaAristotélicamaisobserváveldoqueaLeida
Inérciasemqueisso fosseconsideradoum paradoxo. ParaKoyré,oqueasnarrativas
whigsperderamdevistaaodespenderemdemasiadaatençãoàexperimentaçãoestaria
presente em sua forma de narrar, conjuntamente, tanto o conhecimento científico
quantoofilosófico.Emoutraspalavras,asnarrativasanterioresasdeKoyréenfatizaram
o experimentalismo em detrimento da emergência de uma concepção científico‐
filosófica,deumaestruturadepensamentoquepodeserchamada de “realismo
matemático”, emergente durante o século XVII (KOYRÉ, 1991b). Ao contrário da
ontológica Física Aristotélica, as novas teorias não representavam uma investigação
teóricaarespeitodoser,daexistência.Asnovasestruturasdepensamentotambémnão
desfrutavamda matemáticacomo uma meraabstração, tal como era vistana filosofia
platônica, mas como forma de descrever o real. Entender a matemática como um
conhecimentocapazdedescreverorealimplicariaumaalteraçãonaordemouestrutura
27
dopensamentocientíficoefilosóficovigente.ImplicariaoqueKoyrédescrevecomo“a
desforradePlatãofrenteomundoaristotélico,fechado,hierarquizadoefinito.Seo
mundomedievalaristotélicoproduziaconhecimentobaseadoemconceitosvalorativos
que determinavam a hierarquia do mundo, determinavam a sua perfeição e o
entendimentodeumconhecimentoontológico,aconcepçãodosmodernosseriamuito
diferente.Apartirdessaconcepção“lógicomatemáticaou“realista‐matemática” da
FísicaedaFilosofiamoderna,explicaKoyré,pode‐seentenderacélebrefrasedeGalileu
arespeitodolivrodanatureza.Galileuteriaafirmadoqueolivro da natureza estaria
escrito em caracteres matemáticos. Portanto, por meio da matemática, seria possível
desvendararealidade,seriapossívelestabelecerumconhecimentorealsobreomundo
enãoapenasobterconhecimentosabstratos,ditos“platônicos”.Seriapossível,porfim,
estabelecer uma nova Física, diferente da Física Aristotélica e, em certo sentido
(matemático)maispróximodafilosofiadePlatão.
Compreende‐se,assim,omotivodaescolhadarevoluçãocientíficadoséculo
XVIIcomoprincipalfocodosestudoskoyrenianos.Istoé,aescolhapelastransformações
revolucionáriasdasestruturasdepensamento,tantofísicasquantofilosóficas,doséculo
XVII. Por abordar de forma inseparável o conhecimento científico e o conhecimento
filosófico,nãoépossívelafirmarqueostrabalhosdeKoyrédescreveram tão
simplesmenteosavançosteórico‐conceituaisdasciências.Oautorprocuradescrevero
que ele chama de alterações nas “estruturas de pensamento”, ou ainda, as novas
“atitudesmentais”.Emoutraspalavras,Koyrétenta“definirosmodelosestruturaisda
antigaedanovaconcepçãodemundo,edeterminarasmudançasacarretadas pela
revolução do século XVII.” (KOYRÉ, 2006, p. 2). Essas estruturas de pensamento ou
atitudesmentaisquedesencadeariamarevoluçãocientíficaemquestãonãopoderiam
ser descritas apenas por teorias, fórmulas matemáticas ou descobertas científicas.
Acarretariamtambémnovasconcepçõessobreomundo,sobreaforma deentendera
natureza, o universo, a existência de deus, de um criador, e todoumconjuntode
questõesfilosóficas.Emseusestudos,Koyrépostula:
Queas grandes revoluçõescientíficas foramsempredeterminadaspor
subversõesoumudançasdeconcepçõesfilosóficas;
Que o pensamento científico – falo das ciências físicas – não se
desenvolveinvacuo,masestásempredentrodeumquadrodeidéias,de
princípiosfundamentais,deevidênciasaxiomáticasque,emgeral,foram
considerados como pertencentes exclusivamente à filosofia. (KOYRÉ,
1991b,p.204).
28
Portanto, a revolução científica ao longo dos trabalhos de Koyré seria o
conjunto de atitudes mentais e de axiomas que teriam possibilitado a emergência de
novasteorias,denovasfórmulas,enfim,deumanovaciência.Aquiloqueéconsiderado
adescobertadarevoluçãocientíficadoséculoXVII,asaber,a destruição do cosmos
finitoeageometrizaçãodoespaço,seriamfrutosdenovasatitudesmentais,denovas
estruturasdepensamentotantocientíficosquantofilosóficos.Aindaqueoutrosautores
tenhamconsideradoaimportânciadosfatoresfilosóficos,explicaKoyré,amaioriadeles
teria descartado esse “andaime”, apósatransformaçãodoconhecimento. Isto é, a
maioriadoshistoriadoresconsideravaasquestõesfilosóficasapenascomoaportesque
auxiliariam as descobertas científicas e, portanto, tais aportes eram descartados das
conclusões finais desses trabalhos. As questões filosóficas sumiriam das narrativas
sobre a revolução científica do século XVII. Ao contrário disso, Koyré enfatiza a
emergência conjunta das transformações científicas e filosóficas. Por isso, logra
descreveruma revolução científica inseparavelmenteatreladaàs mudançasfilosóficas
doséculoXVII.
Comodito,essaformadenarrarodesenvolvimentocientíficoestápresente
aolongodamaioriaostrabalhosdeKoyré.Emumadesuasprimeiras obras, Estudos
Galiláicos,publicadoem1939,Koyréjábuscavadefinirosmodelosestruturaisdaantiga
à nova concepção de mundo que possibilitaram as mudanças conhecidas como
revoluçãocientíficadoséculoXVII.Quaisseriamessasmudanças?“Aatitudeintelectual
daciênciaclássicapoderiasercaracterizadapordoismomentos: geometrização do
espaçoedissoluçãodocosmos.”(KOYRÉ,1986,p.18).Aolongodessaobra,Koynarra
gradativamentetrêsetapas(rupturas)damesmaextensatransformação,da“revolução
científica”:afísicaaristotélica,afísicadoimpetuseafísicamatemática(experimental,
arquimediana,galiláica).Oautordescreve,apartirdasfontesprimárias,asconcepções
deBonamico,Benedetti,Galileu,Descartes,Copérnico,GiordanoBrunoeTychoBrahe.
Descreveoserros,ascrençasqueimpossibilitaramaextensãodopensamentoou que
inviabilizaramdeterminadadescoberta.OautorexplicaqueoerrodeGalileu,que
coincide com o erro de Descartes sobre a queda dos corpos, não seria um engano
superficial ou tolo, como a maioria dos historiadores fazem crer.Koyréexplicaque
qualquerteoriaouleinãoéporsisósimples,implicacertonúmero de convenções
determinadas, ou seja, concepções sobre o espaço, sobre o movimento, sobre a causa
filosóficadomovimentoeetc.Istoé,oerro,explicaoautor,permitevisualizaratrama,
29
oua“estruturadepensamentodentroda qualuma teoria estáinserida.Portanto,ao
descreveropensamentocientíficodeimportantesfigurasparaarevoluçãocientíficado
séculoXVII,Koyréempreendeumaalisenãoapenassobreasleiseteoriascientíficas,
massobreafilosofia,sobreasconcepçõesquepermitiriamaemergência de
determinadopostuladocientífico.
Segundo o autor, as transformações do século XVII, conhecidas como
“revoluçãocientífica”,estariamrelacionadascomodesejodedomínio,deação.Seriaa
inversão do status ontológico, contemplativo. Por isso, não se tratava de substituir as
teoriaserrôneasouinsuficientesesimtransformarosquadrosdaprópriainteligência,
alteraraatitudeintelectual,istoé,realizarrupturasnasestruturasdepensamento.Ao
descreverapassagemdaFísicaAristotélicaparaaFísicadoimpetus,inauguradapelos
gregoseelaboradanoséculoXIVnaescolaparisiense,Koyrérelataqueoimpetusdeixa
deserentendidocomoumestatutoontológico.Benedetti,partidáriodafísicaparisiense,
critica a física aristotélica do arremesso. O impetuspassaaserentendidocomouma
qualidade,umapotênciaqueseimprimeaomóvelouumavirtudemotrizimpregnando
e afetando o movente. Essas idéias parisienses estão presentes no pensamento de
Galileu.Oflorentinoincorporamuitodafísicadoimpetus,quejásignificavaumaruptura
frenteàfísicaaristotélicadosquatroelementos,doestatutoontológicoedahierarquia
perfeitaevalorativa.MasGalileuvaialémdaFísicadoimpetus,essaéasegundaruptura
daestruturadopensamentopropostapelachamada“revoluçãocientífica”. Galileu
utilizariapreceitosdaFísicadoimpetus(mantémoconceitoimpetus,porexemplo),para
explicaroarremessoenegar,definitivamente,ateoriadeAristóteles.
Nasuaobrapisana,Galileumostra‐se resolutamente, e até
apaixonadamente,antiaristotélico.
Aristóteles, diz‐nos ele [refere‐se a Galileu], nunca compreendeu nada
de Física. E, nomeadamente, no que respeita ao movimento local,
afastousequasesempredaverdade. Com efeito, não foi capaz de
demonstrarqueomotortemnecessariamentequeestaradjuntoao
móvel sem afirmar que os corpos projectados são movidos pelo ar
ambiente.
E eis Galileu a alegar as instâncias contrárias, os factos que a teoria
aristotélicanãoécapazdeexplicar.(KOYRÉ,1986,p.76).
Para ele, o impetus não seria a causa do movimento e sim o seu efeito.
Percebe‐se que Galileu renuncia da explicação causal. Contudo, o florentino não
entenderiao impetus como uma força infinita para determinadas superfícies, por isso
30
GalileunãoalcançaoconceitodeInércia,quefoidesenvolvidoporNewtonequeétão
importanteparaadefiniçãoprecisadoespaçoinfinito.
Mas não implica a noção da força motriz imprimida ao móvel a
continuaçãoindefinidadomovimento? Noutros termos: não pe rmite
ela formular o princípio da inércia? Sabese que esta foi a opinião
de muito historiador célebre. Não é, em todo caso, a de Galileu .
Contra alguns dos seus primogênitos (Cardano, Piccolomini,
Scaliger)queafirmaramqueemcertascondições, asaber,quando
o movimento se faz
sobre uma superfície horizontal, o impetus
permanece imortal, Galileu afirmar resolutamente o seu caráter
perecível. O movimento eterno é impossível e absurdo,
precisamenteporqueeleéoprodutodaforçamotrizqueseesgota
aoproduzili. [...][A]liçãoqueGalileunosdánãoémenosválida,ede
umaimportânciacapitalparaahistóriadaciência:afísicadoimpetusé
incompatívelcomoprincípiodainércia(KOYRÉ,1986,p.79‐80,grifos
meus).
Adotar a concepção de movimento infinito necessitaria, explica Koyré, da
Física matemática, experimental, racionalista, desenvolvida a partir da estrutura de
pensamentodeGalileu,posteriormenteampliadaporDescartese,porfim,aprimorada
pelosestudosnewtonianos.Poressemotivo,Galileuseaproximadoprincípiodainércia,
masnãoteriaformuladooumesmoprofessadotalprincípio.Essatarefafoipostergada
atéodesenvolvimentodostrabalhosdeNewtonque,baseadonosestudosgaliláicose
cartesianos,estabeleceu,defato,oPrincípiodaInércia.SegundoalegaNewton,“[s]evi
maislonge,foiporqueestavasobreosombrosdegigantes(NEWTON,2002,s/p).”
Ao descrever o longo caminho da revolução científica descrito em Estudos
Galiláicos,ficaevidentequenãosetratadesubstituirteoriaserrôneasouinsuficientes
por cálculos ou idéias melhores. Trata‐se de transformar os quadros da própria
inteligência, promover alterações na atitude intelectual, modificações na estrutura
filosóficadoséculoXVII.Portanto,oscaminhosquelevariama nova física lógica,
empíricaematemática,implicariamemnovosenquadramentos,emnovasestruturasde
pensamento,emrupturasnaestruturafilosóficaecientífica.Enfim,implicariamemuma
revoluçãocientífica.Asoluçãodoproblemaastronômico,iniciadoporCusaeCopérnico,
easoluçãoparaumanovaFísicanecessitariamdasoluçãopréviadaquestãofilosófica
acerca da estrutura, da natureza da ciência. Era necessário saber qual o papel
desempenhadopelamatemáticanaconstituiçãodaciênciareal.ConformeexplicaKoyré,
esseproblemadatadaAntiguidadeeéexploradodecisivamenteporGalileu.Seugrande
passoteriasidoapropriarsedamatemáticanegandoseucaráterpuramenteabstrato.
ParaGalileuorealeogeométriconãoseriamheterogêneos.Istoé,aformageométrica
31
passaaserrealizávelpelamatéria.“Adescobertagaliláicatransforma em vitória o
fracasso do platonismo.” (KOYRÉ, 1986, p. 361). Essa descoberta seria a principal
rupturanaestruturadoconhecimentomodernoemrelaçãoaoconhecimento
aristotélico, medieval. Seria a base fundamental para os posteriores trabalhos de
Newtonqueconcretizariaatransformação,arupturaentendidacomouma“revolução
científica”.
EmDoMundoFechadoaoUniversoInfinito,trabalhode1957,classificadopor
Koyré como uma continuação dos estudos iniciados em 1939, o autor amplia a visão
estabelecidaemEstudosGaliláicoseprocuraentenderasorigensdastransformaçõesda
concepçãodemundofechadodosantigosparaomundoabertodosmodernos. Essa
revolução lenta e gradual teria durado cerca de 140 anos, desde os trabalhos de
Copérnico e até os de Newton. Ainda que se trate de uma ruptura, essa mudança na
estruturadopensamentofoilongamentepreparada.Koyrédescreveessatransformação
como o fim do mundo hierarquizado, da ciência baseada em conceitos de valores,
perfeiçãoeharmonia.
Podesedizer,aproximadamente,queessarevoluçãocientíficae
filosófica – é de fato impossível separar o aspecto filosófico do
puramente científico desse processo, pois um e outro se mostram
interdependenteseestreitamenteunid os–causouadestruiçãodo
Cosmos, ou seja, o desaparecimento dos conceitos válidos,
filosóficaecientificamente,daconcepçãodemundocomoumtodo
finito, fechado e ordenado
hierarquicamente (um todo no qual a
hierarquia de valor determinava ahierarquiaeaestruturadoser,
erguendo‐sedaterraescura,pesadaeimperfeitaparaaperfeiçãocada
vez mais exaltada das estrelas e das esferas celestes), e a sua
substituição por um universo indefinido e até mesmo infinito que é
mantido coeso pela identidade de seus componentes e leis
fundamentais, e no qual todos esses componentes são colocados no
mesmo nível de ser. Isso, por seu turno, implica o abandono, pelo
pensamento científico, de todas as considerações baseadas em
conceitos de valor, como perfeição, harmonia, significado e
objetivo, e, finalmente, a completa desvalorização do ser, o
divórciodo mundodovalore domundodosfatos
(KOYRÉ,2006,p.
6,grifosmeus).
Oautorexplicaqueseconcentrounoshomensquesepreocuparamdeforma
basilarcomaestruturadomundo,ouseja,comaconcepçãofilosóficaemergenteem
concomitância com as questões científicas. Assim, nessa obra, Koyré descreve o
pensamentodealgunscientistassobreaquestãofinitudeversusinfinitudedomundoe,
evidentemente,soboaspectofilosófico,aolongodeseustrabalhoscientíficos(KOYRÉ,
2006). Entre os homens cujo pensamento Koyré estuda, tem‐se Nicolau de Cusa,
32
Copérnico, Palingenius, Giordano Bruno, Thomas Digges, Gilbert, Kepler, Galileu,
Descartes,HenryMore,Spinoza,JosephRaphson,Clarck,LeibnizeNewton.Algunscom
maior ênfase e outros apenas em comparação, contudo Koyré sempre levanta quais
aspectosmetafísicosestariamenvoltosnasmalhasconceituaisdesseshomense,assim,
descreve uma gradação que vai do mundo aristotélico, fechado e finito, ao universo
infinito, do espaço e tempo absolutos de Newton e da Física moderna. Gradações
constituídasporpequenasrupturasentredistintasformasdeestruturaromundo.Em
outraspalavras,oautorexplicacomoaredefilosóficadesseshomenspermitiunovos
conceitos,novasteorias,novasconcepçõesdemundoedeciência,emsíntese,umanova
estruturadepensamento.
Percebese,então,que,damesmaformaqueemEstudos Galiláicos, em Do
Mundo Fechado ao Universo Infinito, Koyré narra a transformação da estrutura de
pensamento científico‐filosófica que pode ser descrita como revoluçãocientíficado
século XVII. Em obras posteriores, como A Revolução Astronômica, originalmente
publicado em 1961, Koyré narra mais do que a transformação da astronomia
ptolomaica.Issoporque,segundooautor,emfunçãodaastronomia elabora‐se uma
novaFísica.Ouseja,apartirdosproblemaslançadospelaastronomiacopernicanatêm‐
seumasériedenovospressupostosqueultrapassamasquestõesteóricas da ciência
astronômica e que possibilitam entender a nova concepção de mundo e de Física
emergentesnoséculoXVII.Nessaobra,Koyrédividearevoluçãoastronômicaemtrês
etapas, em concordância com seus representantes: Copérnico, queteriadeslocadoa
Terradocentrodouniversopelainversãogeocentrismo–heliocentrismo;Keplerque,
aliado de um grande conjunto de teorias metafísicas, teria elaborado o que ficou
conhecidocomo Dinâmica Celeste; e, por último, Borelli,que seria o responsável pela
unificaçãodafísicacelesteedafísicaterrestre,traduzidasnaefetivaderrotadocírculo
(imagem aristotélica da perfeição) e no advento da concepção deuniversoinfinito
(KOYRÉ, 1961). Koyré conclui que seria pelas idéias de Kepler eBorelliquese
desenvolvemasidéiasdeNewton,inclusiveasidéiasreferentesàmetafísicanewtoniana
(a noção de deus, por exemplo). Portanto, é possível afirmar que a temática desse
trabalhotenhapermanecidoamesma–narrararevolãocienficadoséculoXVIIpela
emergência conjunta de fatores filosóficos e científicos –, aindaqueoautortenha
enfatizadomaisaquestãoastronômicastrictosensu.
33
Pode‐sedizerqueapesardeconsideraraexistênciadeoutrasrevoluçõesna
ciência,AlexandreKoyréempenhouseemestudar,sobretudo,oque chamou de
revoluçãocientíficadoséculoXVII.Segundosuaconcepção,talrevoluçãoteriaocorrido
a partir de uma transformação gradual que teve início a partir das questões
astronômicas.Seriaumarevoluçãocompostaporinúmerospersonagenseporpreceitos
metafísicos tanto quanto por novas leis e teorias científicas. Uma transformação que,
segundoavisãodoautor,nãopodeserdescritacomoredescobertadométodoempírico
ematemático,tãosomente.Transformaçãoquemarcaapassagemdomundofechadoao
universoinfinitodaFísicamoderna,dasleisdeNewtonedoestabelecimentodenovos
parâmetroscientíficosenovosenquadramentosfilosóficos,ambosindissociáveis.Istoé,
mais do que narrar as transformações teórico‐conceituais da ciência, Koyré narra as
alterações concomitantes das teorias científicas e das estruturas do pensamento
filosófico,fossesobreaexistênciadeDeusousobreacausado movimento. Nesse
sentido,ostrabalhosdeKoyrésedistanciarammuitodasnarrativaswhigscomunsno
culoXIXenoiníciodoséculoXX.NarrararevolãocientíficadoséculoXVIIpormeio
de rupturas, de descontinuidades configurou um novo posicionamento teórico para a
Históriadasciências.Emoutraspalavras,osestudosdeKoyrésobreastransformações
nasestruturasdepensamento,filosóficoecientífico,ocorridasaolongodosséculosXVI
eXVIIressignificaramaformadenarrarodesenvolvimentocientífico.Ressignificaramo
conceitode“revoluçãocientífica.Apartirdeentão,odesenvolvimentocientíficoseria
narrado não como a acumulação de fatos e descobertas, mas como umprocessonão
acumulativo,umprocessoderupturas.Portanto,pode‐seafirmarquecomostrabalhos
deKoyré,emergiuumnovoconceitoderevoluçãocientíficaeumaalternativafrenteàs
narrativaswhigs.

34
1.3DosparesdeKoyré
Analisandoas narrativasde Alexandre Koyré, pode‐se apontarautores que
descreveram as revoluções científicas de modo semelhante, como é o caso de Hebert
Butterfield ou Rupert Hall. Para esses autores, assim como para Koyré, a revolução
científicadoséculoXVIIimplicavaemnovos“enfoquesmentais”,emuma“transposição
mental” (BUTTERFIELD, 1958) ou, ainda, uma nova “atitude” frente a ciência (HALL,
1988).
Defato,aconcepçãodeuma“revoluçãocientífica”comosendoumaalteração
ampla,entrelaçandociênciaefilosofia,foimuitodifundidaapartirdostrabalhosde
Koyré.Contudo,éimportantelembrarque,concomitantemente,noiníciodoséculoXX,
outras formas de entender o desenvolvimento científico foram criadas. Além das
concepções desenvolvidas pelo Círculo de Viena,
12
a Sociologia também apresentou
12
Questionamentostrazidos pelos novosares do século XX, pelas transformaçõeseconômicas(como a
consolidaçãoeasrecorrentescrisesdocapitalismo),políticas(comoasnovasorganizaçõespósPrimeira
GuerraMundialouarevoluçãorussade1917),sociais(comoofeminismo)ecientíficas(comoateoriada
relatividade)eportodagamadeincertezasetransformações,motivaramumgrupoformadoporfilósofos
ecientistasquepassaramasereuniremumcafévienense,nadécadade1920.Astendênciasempíricasda
ciência, sobretudo da então nova Física einsteiniana, eram relacionas,namedidadopossível,comas
concepções filosóficas da época a fim de eliminar as possíveis concepções falsas, não verificáveis
empiricamente. Em 1922, com o apoio do filósofo alemão Moritz Schlick (1882‐1936), o grupo ganha
espaço e reconhecimento, sobretudo após a realização de um Seminário na Universidade de Viena em
1924. Neste seminário, organizado pelo então acadêmico Schlick, os critérios de obtenção da verdade
científica seguindo os métodos empíricos foram debatidos sob osauspíciosdaquelesqueseriam
considerados os fundadores do grupo: o filósofo Otto Neurath (1882‐1945), o matemático Hans Hahn
(1879‐1934) e ainda, o físico Philipp Frank (1884‐1966). Ainda que não seja possível detectar com
exatidãooiníciodasatividadesdessegrupo,ahistoriografiaapontaparaaimportânciadesseseminário
comoummovimentodefundaçãodoCírculodeViena,chamadoinicialmente(1924)de"ErnstMach".A
rigorosaverificabilidadeempíricanasciênciasnaturais,tesefundamentaldefendidaporMach,podeser
considerada uma importante referência ao pensamento do grupo vienense que, tinha no princípio da
verificabilidadesuatesebasilar.Averificabilidadepermitiaestabelecerrelaçãodiretaentreosignificadoe
verdadedasproposiçõescientíficas.Parasealcançaraverdadecientíficaserianecessária,primeiramente,
umareflexãofilosófica–lógica–sobreosignificadodedeterminadaproposição.Eeno,seaproposição
for provida de significado, partir‐se‐ia para a segunda etapa. Ou seja, posteriormente, verificar‐se‐ia a
veracidadedaproposiçãopelasuaexistênciaounãonomundoempírico.Emresumo,propunham‐seduas
etapasconsecutivaseeliminatóriasparaaclarificaçãodaverdadecientífica:alcançarosignificadoatravés
daanálisefilosóficaealcançaraveracidademedianteinstrumentos empíricos semelhantes àqueles
utilizadosnasciênciasditashards.Nãoporacaso,essegrupovienensetambémfoichamadodeEmpirismo
Lógico, Empirismo Metodológico ou ainda, Neopositivismo. Assim, percebe‐se que, orientados pela
possibilidadedealcançar princípiosde cientificidadeparaasexplicaçõesdomundo,teserecorrenteno
começodoséculoXX,etambém,baseadosemprincípiosdeverificabilidademuitosemelhantesaqueles
defendidos por Mach nas ciênciasnaturais,oCírculodeVienapretendia estabelecer critérios para a
determinação da verdade científica. Para alcançar o conhecimento real, a verdade científica
empiricamente comprovada, esses cientistas‐filósofos promoveram uma campanha antimetafísica. A
unificaçãodasciênciasmedianteapurificaçãolingüísticadeseusenunciadoslivrariaosenunciadosdos
35
novos modelos narrativos para descrever o empreendimento científico. Essa vertente
advindadaSociologiatem especialrelevância frente ostrabalhoshistóricosdeKoyré,
pois, muitas vezes, as críticas endereçadas aos estudos koyrenianos pautaram‐se nas
concepçõesoriundasdaSociologia,comoseveráadiante.
Durante a década de 1920, as primeiras narrativas sociológicas sobre o
desenvolvimentocientíficostrictosensuapareceram,emsuamaioria,sobainflnciado
marxismoedastendênciasweberianas.Se,porumlado,osestudosdoconhecimentoe
das transformações científicas estavam ao encargo das narrativas sobre a revolução
científica,talcomopropostaporKoyré,poroutrolado,KarlMannheim pode ser
considerado um dos autores responsáveis por lançar a “pedra de toquedessanova
tendênciadeinspiraçãosociológica.Apesardesurgiremcontextosmuitopróximos,os
estudosdeMannheimtomaramcaminhosdiferentesdaquelespropostosporKoyré.
Desde seus primeiros trabalhos, Mannheimdefendequeoconhecimento,
sobretudo,oconhecimentocientíficoestáindissociavelmenteligadoaoprocessosocial
maisamplo.Destaca,assim,arelaçãoentreoconhecimentoeasociedade.Entreseus
primeirostrabalhossobreessetema,estáumartigointituladoOProblemadaSociologia
doConhecimento.Trata‐sedeumtextode1925,noqualoautordiscuteoutrasviaspara
narraroconhecimentocientífico,viasdísparesdaquelasposteriormentedescritaspor
Koyré.ASociologiadoConhecimentodeMannheimpreocupavasecomareconstrução
histórica processual, tal como Koyré, mas preocupava‐se também com a questão
relacionaldoconhecimento.Istoé,aSociologiadoConhecimentopreocupava‐secomas
inúmeras relações sócio‐culturais em que a ciência estaria envolta.Grossomodo,a
propostadeMannheimpretendiaconsiderar uma grande variedade de processos
relacionaisinterligadosaoconhecimento.
O nosso conhecimento do próprio pensamento humano se
desenvolve numa seqüência histórica; e fomos levados a levantar
êste problema da “constelação” pela convicção de que o próximo
estágio possível do conhecimento será determinado pelo status
errosmetafísicos.Esseseriao“cordãosanitáriopropostopelo conhecimento científico vienense,
separandooconhecimento metafísico,falso (e aquitalvez fosse melhor dizer desprovido de sentido) e
ínfero, do conhecimento verificavelmente científico, passível de se tornar uma explicação científica do
mundo.Paraoutrasinformaçõesconferirem:CONDÉ,MauroLúcioLeitão.OCírculodeVienaeo
EmpirismoLógico.In:CadernosdeFilosofiaeCiênciasHumanas.BeloHorizonte:vol.5,pp.98‐106,1995.
Disponível em <http://www.fafich.ufmg.br/~mauro/art_mauro2.htm
>. Acesso: jan. 2009. MARICONDA,
PabloRubén.VidaeObra.In:MoritzSchlick,RudolfCarnap.Coletâneadetextos.SãoPaulo:AbrilCultural,
1980(Ospensadores).PASQUINELLI,Alberto.CarnapeoPositivismoLógico.Lisboa:Edições70,1983.
36
alcançado pelos vários problemas teóricos e, também, pela
constelação de fatôres extrateóricos, em um momento dado,
tornando possível prever se determinados problemas se mostrarão
solucionáveis.(MANNHEIM,1967,p.14‐15,grifomeu).
13
Assim, percebe‐se que, diferentemente das narrativas de Koyré, Mannheim
propõeconsiderarnãoapenasarelãoentreaciênciaeafilosofia,mastodaagamade
relaçõessócio‐culturaisestabelecidasaoredordoempreendimentocientífico.
OstrabalhosdeRobertKingMerton,quetransmutaramaSociologia do
Conhecimento (Wissenssoziologie) segundo as concepções mannheimianas para uma
sociologiamaiscientificista–aSociologiadaCiência–seguiramamesmatendênciacom
relaçãoaosaspectossócio‐culturais.CompropostasemelhanteadeMannheim,Merton
narra as relações sócio‐culturais ao longo do processo de desenvolvimento científico.
Merton seria o responsável por fundar, definitivamente, uma visão sociológica
reconhecida e de amplo alcance, para o empreendimento científico levando, muitas
vezes,ostrabalhosdeMannheimparacertoesquecimento.
14

Contudo,alémdessaconcepçãofundadaporMannheimeapropriadapor
Merton, ambas contemporâneas aos primeiros trabalhos de Koyré, outra vertente
emergiriaapartirdosestudossociológicos.Essaoutravertentesociológica,quetambém
endossava a importância dos fatores sócio‐culturais ao longo do desenvolvimento
científico, estaria fortemente ancorada no marxismo. Apesar de se basear naqueles
fatores que foram causas das principais críticas feitas aos trabalhos de Koyré –
desconsiderararelevânciasócio‐culturalnoprocessodedesenvolvimentocientífico–,
essavertentemarxistafoifortementecriticadapelosestudoskoyrenianos,comoseverá
adiante.
OIICongressoInternacionaldeHistóriadaCiênciaedaTecnologia,realizado
em Londres, no ano de 1931, contou com a participação de uma delegação soviética.
Dessadelegação,umtrabalhoemespecialchamouaatençãopeloenfoquemarxistadado
aosestudosdeNewton.OtrabalhodeBorisHessensobreAsraízessocioeconômicasdos
13
Otermo“constelação”,segundoMannheim,nãosignificaomesmoquesignificaparaaastrologia,por
exemplo.“Emumsentidomaisamplo,otermo“constelação”podedesignaracombinaçãoespecíficade
certosfatôresemummomentodado;eissodeveráserobservadoquandotivermoscertezadequea
presença simultânea de vários fatôres é responsável pela configuraçãoassumidaporumfatornoqual
estivermosinteressados.”(MANNHEIM,1967,p.13).
14
ArespeitodoesquecimentodastesesdeMannheimemfavordeumaSociologiadaCiênciamertoniana,
conferir MAIA, Carlos A. Cientificismo versus Historicismo. O desafio para o historiar as idéias: O hiato
historiográfico.[Noprelo].
37
Principia de Newtonéconsideradoporváriosautorescomooresponsávelpordar
origemaoenfoquesócio‐culturaldodesenvolvimentocientífico.SegundoRuyGama,
[...] não dúvida de que o informe (o de Hessen) deu origem à
corrente dita externalista da História da Ciência e que contribuiu
enormemente para a superação das tendências encomiásticas e
hagiológicasdaHistóriadaCiênciaentãorestritaàcrônicadosgêniose
desuasinstituiçõespuramenteindividuaisedalógicainternado
desenvolvimentocientífico.(GAMA,1992,p.3,grifosmeus)
Já no começo de seu artigo, Hessen expõe os conceitos marxistasque
orientaramsuainvestigação.Oautorexplicaqueseumétodoconsiste“[...]naaplicação
do materialismo dialético e da concepçãodo processo histórico criadoporMarxpara
analisaragêneseeodesenvolvimentodaobradeNewton,emrelaçãocomoperíodoem
queviveuetrabalhou.”(HESSEN,1992,p.31).Paracontrapor‐seàsnarrativasqueviam
nafiguradoscientistashomensdegenialpersonalidadedescoladosdocontextosocial
amplo,Hessendemonstraquea consciênciacientíficadedeterminadaépocapodeser
explicadapelaestruturadavidamaterial.TalobjetivoéalcançadoporHessenàmedida
que ele determina quais eram os problemas técnicos do período equaisos
conhecimentoscientíficosquedeveriamserempregadosparasolucioná‐los(FREIREJR,
1993).Assim, se operíodo anteriora Newtonera o docapitalismomercantil,o autor
examina as necessidades técnicas das vias de comunicação, da atividade militar e da
indústria,concluindoquedosfatoresexigidos,“todosesseso,porsuascaracterísticas,
problemasde mecânica [...].”(HESSEN,1992,p.44,grifomeu).Emoutraspalavras,a
agendaeconômicadeterminavaquaisseriamosproblemascientíficosdesvendadosno
período.Portanto,ostrabalhosdeNewtonseriam,também,frutosdessasdemandas.
Posteriormente, Hessen ainda analisa as questões políticas, filosóficas e
religiosasdocontextodeproduçãodeNewtonparaque,assim,seutrabalhonãoficasse
restritoapenasàanáliseeconômica.Talrestriçãoproporcionariaumavisãoprimitivado
materialismohistórico.Porisso,Hessententaabrangeroutrosfatores,quenãoapenas
os econômicos. Em resumo, o autor mostra a importância do contexto externo às
questõescientíficasstrictosensueconcluiqueostrabalhosdeNewtonnãopoderiamter
se desenvolvido em outro país ou em outra época, pois estavam condicionados a um
contexto externo mais amplo. Por fim, é válido lembrar que essas alegações foram
inovadoras para o período, pois quase todos os trabalhos sobre Newton estavam
vinculadosaosconceitosdemecânicaclássica.
38
TantoostrabalhosdeMannheim,quantoosdeMertonouosdeHessen
expressavam,aindaquesobmetodologiasdistintas,aimportânciadosaspectossócio‐
culturais.OstrabalhosdeKoyré,emalgumamedida,sedistanciaramdessasvertentes.
EmrespostaàexposiçãodeHenryGuerlac,noCongressodeOxford,em1961,Alexandre
KoyréescreveumartigointituladoPerspectivas da História das ciências,originalmente
publicado em 1963, em que descreve alguns caminhos seguidos pela História das
ciências.Relataque,noséculoXIX,aindainsufladopeloidealdeprogressoIluminista,a
História das ciências se desenvolve amplamente, contando com grande número de
trabalhos.Nesseperíodo,ocorreafragmentaçãoeespecializaçãoque,posteriormente,
teria motivado o desenvolvimento dos trabalhos generalistas de SartoneTaton.
Segundo a crítica de Guerlac, essa fragmentação e especialização seriam responsáveis
pelo “isolacionismo idealista” que não levaria em consideração as condições reais em
quenasceu,viveue sedesenvolveudeterminada ciência.Em outrostermos,aprópria
trajetória da História das ciências teria sido culpada pela exclusão dos fatores sócio‐
culturaisdesuasnarrativas,pois,aolongodosanosteriaenfatizadodeformaidealistae
abstrata,apenasodesenvolvimentodasteoriascientíficas(KOYRÉ,1991e).Alémdisso,
GuerlacafirmaqueaHistóriadasCiênciasnãoteriaseempenhadosatisfatoriamentena
descrãodarelaçãoentreacnciapuraeaciênciaaplicada.Emresposta,Koyréafirma
queaabundânciadenarrativassobreciênciasespecíficas,ouseja,afragmentaçãoque
teriaseiniciadonoséculoXIX,seriafrutodoprogresso,doenriquecimento do
conhecimentohistórico.Contudo,afirmaqueGuerlacestácertoaoconcluirqueasoma
daspartesnãopoderesumirotodo.Portanto,muitasvezesasnarrativasgeneralistas
falhavamaotentarresumirtodaaHistóriadascnciaspormeiodasomadahistóriada
Qmica,daMatemática,daFísica,daBiologiaeetc.Dequalquerforma,Koyréresponde
àcríticadeGuerlacafirmandoquetalveznãosejapossívelescreverahistóriadotodo,
damesmaformaquetalveznãosejapossívelescreverahistóriadotodopelasomasdas
partes.Alémdisso,KoyréafirmaqueGuerlacimputavaloresdopresenteaodescrever
asrelaçõesdopassado,poisnarraraciênciapuraemrelaçãoàciênciaaplicadaseriaum
entendimentomoderno.Istoé,segundoKoyré,oentendimentodeGuerlacsebasearia
emconcepçõeswhigs.Paranegaraconcepçãodeciênciapuraaliadaàciênciaaplicada,
Koyréexplicaquenãoforamosagricultoresegípciosqueprecisavammedirosvalesdo
Niloparatirardaliseusustento,queinventaramageometria,masosgregosquenada
tinham o que medirna necessidadeprática.Por isso, explicaKoyré,acharosmotivos
39
paraaciênciagregaapenasemaspectossociaisnãofariasentido.Colocadassoborisco
de perder seu estatutode racionalidade,essas narrativas– que concebem osavanços
científicosapartirdocontextosócio‐cultural–foramduramentecriticadasporKoyré.
Segundo esse autor, o contexto social de Florença não explicaria as descobertas de
Galileu, nem o contexto da Inglaterra do século XVIII seria capaz de explicaria as
concepçõesinovadorasdeNewton.
Assim,nãoseriapossível,afirmaKoyré,estabelecerumarelaçãodiretaentre
aciênciapuraeasuaaplicação,sobretudo,porqueessaconcepção–ciênciapuraaliada
àciênciaaplicada–seriaumempreendimentocontemporâneo.Segundooautor:
Isso nos conduz, ou nos reconduz, ao problema da ciência como
fenômeno social e ao problema das condições sociais que
permitemouentravamseudesenvolvimento.Quehátaiscondições,
é perfeitamente evidente, e nisso estou muito de acordo com Guerlac.
[...] É mister reconhecer, a teoria não conduz, pelo menos
imediatamente, à prática. E a prática não engendra, pelo menos
diretamente,ateoria.Namaioriadoscasos,pelocontrário,apráticase
desviadateoria(KOYRÉ,1991e,p.376,grifosmeus).
Eumpoucoadiante:
Penso que o mesmo se no tocante às aplicações práticas da
ciência. o é por elas que se pode explicar sua natureza e sua
evolução. Com efeito, creio [...] que a ciência, a ciência de nossa
época, como a dos gregos, é essencialmente theoria, busca da
verdade,eque,porisso,elatemesempreteveumavidaprópria,uma
históriaimanente,equeésomente em função
de seus próprios
problemas,desuaprópriahistória,queelapodesercompreendida
porseushistoriadores(KOYRÉ,1991e,p.377,grifosmeus).
Apesar de defender os aspectos teóricos e filosóficos do desenvolvimento
científicoedarevoluçãocientíficadoséculoXVIIemsuasnarrativas,comojáfoivisto,
Koyré possibilitou, assim como as narrativas sociológicas e generalistas, um
rompimento frente às narrativas whigs. Além disso, os trabalhos de Koyré criaram
alternativas para as narrativas generalistas de Sarton e, também, para as próprias
narrativassociológicasemergentesnadécadade1920.Pode‐seperceberque,aindaque
tenhamdescritoamesmarevoluçãocientíficadoséculoXVII,as narrativas de Koyré
têm,emespecial,marcantediferençaemrelaçãoàsnarrativassociológicascomoasde
Hessen,porexemplo.Apesardedefenderaconcepçãoderevoluçãocientíficacomofruto
de transformações físicas e metafísicas, isto é, científicas e filosóficas, Koyré não
endossou, ao longo de seus trabalhos, a relação direta entre fatores sócio‐culturais e
fatorescientíficos.Paraesseautor,nãoseriapossívelrelacionartãodiretamenteesses
40
fatores,talcomopretendiaostrabalhosdeHesseneMerton.Issonãoimplica,comoserá
vistonapróximaseção,queas concepções presentesnostrabalhosdeKoyréexcluam
totalmente a relevância e a participação dos fatores sócio‐culturais na revolução
científica.
1.4Dolegado“internalista”koyreniano
OstrabalhosdeKoyré,sobretudoasjácitadasobrassobrearevolução
científicadoséculoXVII,propiciaramumanovafaseparaoentendimento do
desenvolvimento científico e, conseqüentemente, uma nova fase para a História das
ciências.Seusestudossobrearevoluçãocientíficaressignificaramoentendimentosobre
esse fato, sobre o desenvolvimento da ciência e, ainda, possibilitaram formas
alternativas de narrar o empreendimento científico‐filosófico. Apesar dessas
contribuições,seustrabalhos,bemcomoostrabalhosdeSartonou Duhem, foram
acusadosde fixarem demasiadaatençãonosaspectos teórico‐conceituaisdas ciências,
deixandode lado as áreas extra‐científicas,como a política, areligião ou os costumes
sociais de determinado povo, em determinada época. Assim, seus trabalhos foram
taxados de “internalistas”, isto é, despendiam atenção apenas aos aspectos internos à
ciênciastricto sensu,desprezandoaparticipaçãosócio‐culturalnarevoluçãocientífica.
Se,porumlado,KoyrécriticavaalgumasvertentesoriundasdaSociologiasobaalegação
de que essas vertentes imputariam sobre o empreendimento científico causas apenas
sócioculturais,poroutrolado,ostrabalhosdeKoyréforamacusadosdeabandonarem
essesaspectosestudadospelaSociologia.Ouseja,Koyréfoicriticadoporexcluirdesuas
narrativassobrearevoluçãocientíficaasrelaçõessócio‐culturais.
15

Algunsautores,entreelesThomasKuhn,afirmamqueostrabalhosdeKoyré
seriaminternalistasjustamentepelofatodeterembuscadosuperaraquiloquefaltava
15
Analisarei com maiores detalhes a chamada “querela Internalismo versus Externalismo” no próximo
capítulo. Para informações complementares, ver SHAPIN, Steven. Discipline and Bounding: TheHistory
and Sociology of Science as Seen through the Externalism‐Internalism Debate. History of Science, 30
(1992),p.333‐369.Disponívelem <http://www.fas.harvard.edu/~hsdept/bios/docs/shapin‐
Discipline_and_Bounding_1992.pdf>.Acesso:8jul.2009.Outrasinformaçõesrelevantestambémpodem
ser encontradas em KUHN, Thomas. A História da Ciência. In: A tensão Essencial. Lisboa: Edições 70,
1989b.
41
nos trabalhos whigs (KUHN apud STUMP, 2001). Isto é, narrar os aspectos teórico‐
conceituaisdaciênciateriasidoumaferramentaestratégica,utilizadaporKoy,contra
a forma presentista de narrar o desenvolvimento científico. Teria sido uma forma de
aprofundar as questões teóricas científicas passadas a partir dos documentos, dos
tratadoscientíficos edo pensamento científico‐filosóficoda época. E, ainda,teria sido
umaformadejustificaraimportânciadoserrosaolongodesseempreendimento,pois,
conformedito,oserrospermitiriamentenderasdificuldadesconceituaiseosimpasses
teóricosencontradosaolongododesenvolvimentocientífico.Emoutraspalavras,essa
característica internalista teria possibilitado ao autor entender a revolução científica
comoumarupturaentreumaformadepensamentoantigaeoutra,moderna. Daí
emergiria um entendimento de revolução científica, uma concepção diferenciada
daquelaquedescreviaodesenvolvimentocientíficocomoumaacumulaçãodetrabalhos
de grandes gênios, tal como era empreendido pelas narrativas whigs. Por isso, os
estudosdeKoyrésãoconsideradoscomotrabalhosquedãoênfaseàtransformaçãodas
idéiascienficas–istoé,fatoresinternos–apartirdocontextodaépoca.Essaéaforma
maiscomumdeentenderostrabalhosdeKoyré.Mas,ampliandoessesargumentosque
defendem a característica teóricoconceitualcomosendoaprincipal marca dos
trabalhosdesseautor,pode‐seafirmarqueolegadodeixadoporKoyréiriamuitoalém
doquerepresentaoseumaisconhecidotítulo:“internalista”.
EstudosrecentessobreolegadodeixadopelasobrasdeKoyréapontampara
novasformasde caracterizaros trabalhosdesse autor.Emartigointitulado History of
Science through Koyre´’s Lenses (AHistóriadaCiênciaatravésdasLentesdeKoyré,
2001), James Stump afirma quea interpretação padrão – internalista–utilizadapara
caracterizar os trabalhos de Koyré talvez não seja a mais adequada. Segundo explica
Stump,ostrabalhosdeKoysobrearevolãocientíficaconcentraramatençãosobreo
que pode ser entendido como estruturas ou “unidades de pensamento.Segundoa
concepção de unidade de pensamento, uma nova teoria não pode emergir de forma
independente das demais teorias já aceitas. Também não pode emergir de forma
independentedosistemasócio‐culturaldoqualessasteoriasaceitasfazemparte.Isto
é, toda nova idéia científica, para ser considerada racional e válida, deveria estar
conectada a um sistema científico já estabelecido e, também, a umsistemasócio
cultural.Aunidadedepensamento,quesegundoStumpéformadapelo contexto
científico‐filosóficoetambémpelocontextosócio‐culturalespecíficodeumaépoca,rege
42
as novas idéias, tornando‐as passíveis de aprovação ou reprovação. Essas idéias
científicas,pormaisinovadorasquesejam, devemestabelecerrelações,diálogocoma
unidade de pensamento mais ampla (teórico e sócio‐cultural) na qual pretende se
estabelecer.Deacordocomessaconcepçãodedesenvolvimentocientíficopresentenas
obras de Koyré, as novas teorias científicas se relacionam, de alguma maneira, com o
sistemafilosófico,osócio‐cultural,oeconômico,opolíticoouoreligioso.Dessaforma,
umanovaidéiaouumanovateoriasópoderiajustificarsuavalidadeseessavalidade
fossealcançadadentrodeumsistema,deumaredemaisampladecontextualização.As
descobertas não se realizariam isoladamente. Para serem aceitas, elas deveriam ter,
minimamente, alguma relação com o contexto no qual se desenvolve. SegundoKoyré,
“[...]opensamentocientíficonãosedesenvolveinvácuo.”(KOYRÉ,1991b,p.204).
Quando todo o sistema amplo já corroborado – isto é, a unidade de
pensamento–sofrealteração,Koyréconcebearealizaçãodeumarevoluçãocientífica.
Assim,arevoluçãocientíficadescritaporKoyrépodeserentendida, também, como a
alteraçãodetodoumconjunto,umsistemaouumaunidadedepensamento.Trata‐sede
uma transformação das teorias científicas e das formas de entender e interpretar o
mundo (por valores, leis, regras, religiosidade, em síntese, por fatores externos). Por
isso,umarevoluçãocientíficaemKoyréé,também,umarevoluçãonasestruturassócio‐
culturaisdasciências.Pode‐seafirmarcomclarezaque,aolongodostrabalhosdeKoyré,
aconcepçãoderevoluçãocientíficanãopodeserentendidacomoumamudançaquese
dá de forma independente. Ao contrário, conforme visto anteriormente, os aspectos
filosóficossempresãoestudadosporKoyréconcomitantementeao desenvolvimento
científico. Indo um pouco mais além, Stump (2001) afirma que o desenvolvimento
filosófico‐científico descrito por Koyré estabelece relações com o sistema amplo, seja
social,político,econômico.Percebe‐sequeoentendimentodeStumpsobrea“unidade
de pensamento” em Koyré vai além das questões científico‐filosóficas, englobando
tambémosfatoressócio‐culturais.Contudo,issonãoimplicaqueKoyrétenhaafirmado
que os contextos sócio‐culturais determinariam as transformações no pensamento
científico.Mas,seriapossíveldizerqueosistemaamplojácorroborado,essaredesocial
em que tudo estaria submerso, inclusive o pensamento científico, poderia funcionar
comoumfiltro,comoumfatorrelevantenastransformações.Novamente,issonãoquer
dizerqueessefatoratuecomoumadeterminantemáxima,poistalfatoconfrontariaa
principalcríticadeKoyréaostrabalhosdeHessen,porexemplo. Em síntese, a tese
43
central de Stump é que, por meio de uma análise mais detalhada dos trabalhos de
AlexandreKoyré,seriapossívelperceberatensãoentreasquestõesinternaseexternas
do desenvolvimento científico, apesar da ênfase dada às transformações científico‐
filosóficas(STUMP,2001).ApartirdasobrasdeKoyrésobrearevolução científica,
Stumpafirmaqueemergiriaumaamplitudedefatoresexternos,políticos, sociais,
culturaisoueconômicos,quetambémteriaminfluêncianoprocessodedesenvolvimento
científico‐filosóficodarevoluçãocientífica.Stumpexplicaquearacionalidadealmejada
pelagradualnarrativakoyreniananecessitariadecontextualização,sobretudoreferente
aosaspectosditosexternos.Portanto,essesfatoresestariampresentesnosescritosde
Koyré.
EmconcordânciacomaleituradeJamesStump,épossíveldizerqueaolongo
dostrabalhosdeKoyrésobrearevoluçãocientíficaháumatensão inerente entre as
idéias científico‐filosóficas e ocontextonoqualelassedesenvolvem. Como dito
anteriormente,Koyrénarraastransformações científico‐filosóficasqueteriamsido
responsáveispeladestruiçãodocosmosegeometrizaçãodoespaço,ambasdando
origemaciênciaeafilosofiamodernas.Mas,seutrabalhonãose prende apenas às
questõesteóricas,astransformaçõessociaisestãopresentesaolongodesuanarrativa,
pois não seria possível descrever a emergência de uma nova teoria científica sem
considerara unidade de pensamento em que essa nova proposta estaria envolvida. É
nessesentidoquesepodeafirmarqueostrabalhosdeKoyré,aindaquetenhamdado
maior ênfase aos aspectos científico‐filosóficos da revolução científica do século XVII,
sustentam a tensão inerente entre a lógica interna e a relevância de seu contexto
externo,mesmoqueesseúltimoapareçaimplicitamenteemsuasnarrativas.
Arevolução científica,tal como descrita por Alexandre Koyré,carrega esse
legado, essa tensão entre o que é narrado de forma explícita e implícita,
respectivamente,entreointernoeoexterno.Assim,aindaquenãosepossadizerqueas
questões sócio‐culturais apareçam diretamente em seus trabalhos, é possível afirmar
queatensãoentreointernoeoexternoestariapresentenasobrasdeKoyré.Alémdisso,
conformeexplicaStump,épossíveldizerqueKoyréteriasido,emalgumamedida,um
dosresponsáveisporabrirasportasparaasposterioresnarrativas históricas que
almejaram descrever o desenvolvimentocientíficopormeiodaanálise conjunta de
fatoresinternoseexternos.EssavisãosobreostrabalhosdeKoyrépermitepensarem
seulegadohistóricocomoalgoquetranscendeostítulosde“internalista” ou
44
“historiadordasidéias”.Pode‐seentenderostrabalhosdeKoyrésobumnovoprisma,
istoé,comosendo“experiênciasdetonadoras”,queabririamasportasparaasfuturas
narrativas sobre a revolução científica, por exemplo, conforme o posterior modelo
propostoporThomasKuhn.
Koyré teria afirmado que a possibilidade metodológica de realizar uma
análise histórica mesclada, que fundiria essas duas vertentes compostas tanto por
fatorescientíficosquantoporfatoressócio‐culturais,antesdescritosimplicitamente,só
teria sido realizada em 1962, com o advento dA Estrutura das Revoluções Científicas,
obramagnadeThomasKuhn.Koyréteriaafirmadoqueotrabalhode Kuhn (1962)
“reuniu as histórias internas e externas da ciência, que no passado estiveram muito
separadas.”(KOYRÉapudKUHN,2006,p.345).
16
Consideraçõesfinais
Anteriormente,vimosquenarrativasdoséculoXIX,etambémalgumas
narrativasdoséculoXX,comoasdeSartoneCrombie,descreveram a revolução
científica do século XVII por meio da acumulação do conhecimento. Essas narrativas
descreveramarevoluçãocientíficacomosendooresultadodasomadenovasteoriase
denovasdescobertascomoconhecimentojáexistente.Emoutraspalavras,narraram
um desenvolvimento cumulativo que tendia ao alcance dos conteúdosdasteorias
científicastalqualaconhecemoshoje.Koyréutilizouotermo“revoluçãocientífica”de
maneiradiferente.EsseautornãoapenasdescreveuaditarevoluçãodoséculoXVII,mas
introduziuumanovaformadeanalisarodesenvolvimentocientífico.Emlugardepensá‐
lopormeiodaacumulaçãodeidéiascientíficas,eleconcebeopormeioderupturasnas
“estruturas do conhecimento”. Essa ressignificação da expressão revolução científica
marcouumanovafasenostrabalhosdeHistóriadasciências.
16
AolongodaentrevistaconcedidaporThomasKuhnaAristidesBaltas,KostasGavroglueVassilikiKindi,
KuhnrelataqueKoyréteriasidoumdosautoresqueviramnostrabalhoskuhnianosumapossibilidadede
diálogoentreasduasfronteirashistoriográficas,ditasinternaseexternas,realizando,assim,umasíntese
entreasduasvertentes.KuhnrelataoelogiorecebidoporKoyrédaseguintemaneira:“[...]Ele[Koyré]
disse: ‘Você reuniu as histórias internas e externas da ciência, que no passado estiveram muito
separadas’.”(KUHN,2006,p.345).
45
Umadasestratégiasnarrativasutilizadaspeloautorfoisalientaroserroseos
possíveispercalçosaolongodoempreendimentocientífico.Koyrétambémabordouas
concepçõesfilosóficasque,algumasvezes,inviabilizaramosestudoscientíficose,outras
vezes, os promoveram. Por exemplo, a questão “finitismo versus infinitismo do
universo”,foianalisadaporKoyrépormeiodopensamentofilosóficodehomenscomo
Galileu, Giordano Bruno, Descartes, e outros. Muitas vezes, a concepção de universo
finitodispôssecomoum“impassemetafísicoparaasuperaçãodaFísicaaristotélicae
paraodesenvolvimentodaNovaFísica.SegundoKoyré,oserros,ospercalçosoumesmo
asconcepçõesfilosóficasdaépocaseriampropíciosparaobservarastransformações,as
rupturas teórico‐conceituais da ciência. Isso seria possível porqueaciêncianãose
desenvolveinvacuo.Assim,Koyréconseguiudarênfaseàsrupturascientíficas.Porisso,
desenvolve um novo conceito de revolução científica e, paralelamente, descreve as
rupturas do pensamento filosófico. Grosso modo, o pensamento filosófico seria, para
Koyré,intrínsecoaopensamentocientíficostrictosensu.
Peloquefoiexposto,pode‐seconstatarque,apartirdostrabalhosdeKoyré,
tem‐se um novo conceito de “revolução científica”. Um conceito que ultrapassa a
descrição das transformações físicasdoséculoXVIIcomosendoformas embrionárias
dasteoriascientíficastalcomoasconhecemoshoje.Umconceitoqueenglobatambém
asconcepçõesfilosóficasdocontextodehomenscomoGalileueDescartes.Emresumo,a
revoluçãocientíficadescritaporKoyrépermitenarrarodesenvolvimentocientíficopor
meioderupturas,dedescontinuidadeshistóricas,detransformaçõesnasciênciasenas
formasdeconceberomundo.Trata‐se de uma nova perspectiva histórica que, a
princípio,tentouminimizaraformawhigdenarrarasciências,concepçãomuitocomum
atéoiníciodoséculoXX.Pode‐sedizerqueoconceitoderevoluçãocienficaemKoyré
éumaferramentaquepropõenarrarodesenvolvimentocientíficoapartirdasrupturas
nasconcepçõescientíficasefilosóficasdaépoca.Talconceitoteriapossibilitado,defato,
umanovaperspectivahistóricasobreasciênciasatéentãodescritas, em sua maioria,
pormeiodachamadaformawhig.
Mas,comoKoyrédescrevearevoluçãocientíficaemseustrabalhos?Comoo
autor desenvolve seu conceito de revolução científica? São muitas as descrições a
respeitodarevoluçãocientíficaaolongodasobrasdeKoyré:
Ocaminhoquelevoudomundofechadodosantigosparaoabertodos
modernos não foi, na verdade, muito longo: pouco mais de cem anos
separaramoDe revolutionibus orbium coelestium,deCopérnico(1543),
46
dosPrincipiaphilosophiae,deDescartes(1644);poucomaisdequarenta
vãodestePrincipiaaosPhilosophia naturalis principia mathematica,de
Newton(1687).(KOYRÉ,2006,p.2)
Apesar das inúmeras descrições do que seria a revolução científica, seria
difícil encontrar uma definição específica para o conceito de revolução científica ao
longo dos trabalhos de Koyré. Contudo, pode‐se entender a revolução científica como
umatentativade definir os modelos estruturaisdaantigaedanovaconcepçãodo
mundo[...].”(KOYRÉ,2006,p.2,grifomeu).UmavezqueKoyrénãosepreocupaapenas
com as teorias científicas, isto é, uma vez que não se trata apenasdetrocarteorias
científicas por outras mais desenvolvidas ou melhor adaptadas, esses “modelos
estruturais” que configuram a revolução científica koyreniana podem ser entendidos
comofatorestantocientíficosquantofilosóficos.Logo,podesedizerqueoschamados
“modelos estruturais” (KOYRÉ, 2006), “estruturas de pensamento” (COHEN, 1989) ou
ainda,“unidadesdepensamento”(STUMP,2001;MOTTA,2006)descritosaolongodos
trabalhos de Koyré estão na base do entendimento do seu conceito de revolução
científica. Ao descrever a produção intelectual de Alexandre Koyré anterior aos seus
trabalhosnaáreadeHistóriadasciências,ManoelBarrosdaMottaafirmaqueesseautor
teriaseocupado,sobretudo,dasquestõesfilosóficassobreoproblemadaexistênciade
Deusnopensamentodealgunsfilósofos.Posteriormente,Mottaalerta‐nos:
Noentanto,éprecisonãoesquecerque,mesmonessanovaorientação
[na área de História das ciências], o pensamento de Koyré permanece
inspirado pela convicção da unidade do pensamento humano. Para
ele, é impossível separar a história do pensam ento filosófico e a
históriado pensamento religioso,sejaparanesteseinspiraroupara
esteseopor.Esse é um princípio de pesquisa que vai permanecer
nosseusnovostrabalhos,mesmoquandoeleestudaaestruturado
pensamento científico. Koyréestudou,inicialmente,ahistóriada
astronomia,edepoisahistóriadafísicaedasmatemáticas.Para ele,a
astronomia copernicana
o traz apenas um novo arranjo dos
círculos, mas também o que ele chama uma nova imagem do
mundo e um novo sentimento do ser. (MOTTA, 2006, p.XIII, grifos
meus).
Portanto,nota‐sequeapartirdoestudodaquiloquesechamaestruturas”
ou“unidadesdepensamento”dehomenscomoCopérnico,GalileuouDescartes,Koyré
narra as alteraçõesno pensamento científico e, concomitantemente, as alterações nas
concepçõesdemundo,nacosmologia,nascausas(fossemdivinasounão)e,enfim,em
umconjuntodequestõesfilosóficasintrínsecasàformadeconhecer,mensuraromundo
e os seres no mundo. Por isso, em Estudos Galiláicos, por exemplo, Koyré narra uma
47
revolução que “tem como conseqüência refundir os princípios mesmos da
racionalidade filosófica e científica, assim como os das noções de movimento,
espaço,emesmodosaberedoser.”(MOTTA,2006,p.X,grifosmeus).
Pode‐sedizerqueaatençãodadaàsestruturasdepensamento,aolongode
suasnarrativassobrearevoluçãocientífica,permitiuaKoyréempreenderumaanálise
baseada tanto nas alterações científicas quanto nas alterações filosóficas do
pensamento.Tratasedeumanovaconcepçãohistóricasobreodesenvolvimento do
conhecimento que, a partir dos trabalhos de Koyré passa a ser entendido como uma
rupturacientífico‐filosófica.Pelonovoentendimentosobreodesenvolvimentocientífico
(ruptura)epelaformadenarrarconjuntamentetantoasquestõescientíficasquantoas
questões filosóficas, pode‐se dizer que Koyré não apenas ressignificou o conceito de
revoluçãocientífica,mastornoupossívelumanovaperspectiva,umnovoolharhisrico
sobre o desenvolvimento científico.Umolharmuitodiferentedaquele embasado nas
narrativaswhigsdoséculoXIXounaHistóriageraldasciênciasdoséculoXX.Umolhar
que não entende o desenvolvimento científico como acúmulo linear de descobertas e
sim, como processos de rupturas científico‐filosóficas, de rupturasdas“estruturasde
pensamento”científico‐filosóficas.
Narrarastransformaçõescientíficaspormeioderupturasnasestruturasde
pensamentotalveztenhasidoumadasmaiorescontribuiçõesdeKoyréparaaHistória
das ciências, sobretudo, para a teoria dessa disciplina. Mas, conforme vimos
anteriormente,Koyréfoiacusadodenegligenciarosaspectossociais do
desenvolvimento científico. Em outros termos, Koyré foi acusado de salientar,
concomitantemente, as questões científicas e também as questões filosóficas, mas foi
criticadopornãoanalisarasrelaçõessociaisdodesenvolvimentocientífico.Emrecente
trabalhoderevisãobibliográfica,JamesStump(2001)explicaqueostrabalhosdeKoyré
não desconsideraram as relações sociais, pois essas seriam intrínsecas ao
desenvolvimentocientíficonarradopeloautor.Afirma,ainda,quetalfatoseriaevidente
nostrabalhosdeKoyré. Contudo, olegadodeixadopelaobrade Koyré tem ajudadoa
caracterizaresseautorcomointernalista,istoé,comoumautor que não analisa de
forma contundente as relações entre as questões sociais e o desenvolvimento das
ciências.
Por meio da análise das estruturas de pensamento nas obras de Koyré é
possível dizer que esse autor deu ênfase, ao longo de seus trabalhos, às questões
48
teóricasdas ciências e,também, às questõesfilosóficas inerentes. Portanto, ainda que
seja possível perceber uma tensão entre os fatores científico‐filosóficos e sociais nos
trabalhosdeKoyré,pode‐sedizerqueasquestõesrelacionadasàsociedadeaparecem
deformademasiadamentesubjacente.ÉpossívelconcordarcomStumpedizerqueas
questõessociaisnãoforamcompletamente“negligenciadas”,esquecidasporKoyré.Mas,
não é possível dizer que as questões sociais representaram seu foco principal. Tais
questõesaparecemsubentendidasaolongodostrabalhosdeKoyré. Em contraste, se
compararmosostrabalhosdeThomasKuhnouoseStevenShapin,por exemplo,
perceberemoscomoosfatoressócio‐culturaisaparecemdeforma contundentenessas
análises.
17
OfocoprincipaldereflexãodeKoyré,emconsonânciacomseustrabalhos
anteriores aos estudos em História das ciências (MOTTA, 2006), seria as questões
científico‐filosóficas.
AanálisedasrupturasnasestruturasdepensamentopermitiuaKoyrénãose
prenderapenasàsteoriaseàsfórmulasmatemáticasdarevoluçãocientíficadoséculo
XVII,tambémlhepermitiucompreenderasalteraçõesnasformasdeexplicaromundo,
nasconcepçõesfilosóficas.Ressignificaroconceitoderevoluçãocientíficaestabelecendo
umanovaperspectivahistóricasobreasciênciasetrabalharas questões científico‐
filosóficas são as duas características fundamentais dos trabalhos koyrenianos. São
tambémduascaracterísticasimportantesparaoentendimentodostrabalhoshistóricos
posterioresaos de Koyré, sobretudo aos que vieram davertentekuhniana.Ainda que
ThomasKuhnpossaserconsideradoumseguidordavertentehistóricainauguradapor
Koyré,aqueleserá,também,responsávelpeloqueficouconhecidocomoasuperaçãoda
querela internalismo versusexternalismo.Deacordocomessavisão,Kuhnteria
superadooaparatohistóricoelaboradoporKoyré,unificandoasduasvertentes,istoé,
narrando questões científico‐filosóficasetambém,questõessócio‐culturais. Sua
narrativa seria, portanto, caracterizada de “plural”, pois teria realizado a síntese
pacificadoraentre as duas vertentes,entre as diferentes formasde narrar as ciências
(MAIA,C.A.Noprelo).Comoseveránopróximocapítulo,Kuhnrealizaráessatarefapor
meiodaampliaçãodoconceito“revoluçãocientífica”,conformeteriasidoinicialmente
ressignificado pelos estudos de Alexandre Koyré. Contudo, aindaqueosdoisautores
possuamsemelhançasepossam,emcertosentido,serconsideradosmembrosdeuma
17
AsnarrativasdeThomasKuhneStevenShapinserãotrabalhadasmaisdetalhadamentenoscapítulos2
e3,respectivamente.
49
mesmavertente,existemdiferençassignificativas,sobretudoquantoàformadenarrar
osaspectosfundamentaisdastransformaçõescientíficas.
50
2THOMASKUHNEASREVOLUÇÕESCIENTÍFICAS
Consideraçõesiniciais
Ahistoriografiadaciência,aqueladaqualA.Koyéconsideradofundadore
que tem como objeto a revolução científica, caracteriza‐se por ser uma vertente que
delimitaaemergênciadaciênciamodernacomotendosidoresultado de uma
transformação abrupta do conhecimento. Em outras palavras, podemos ler nos
trabalhosdeKoyré,deButterfield,deRupertHall,entreoutros, o estabelecimentoda
origemdaciênciamodernacomoumeventorevolucionário,ouseja,marcadoporuma
rupturaradical.ThomasKuhntambémpodeserconsideradointegrantedessavertente.
Seu livro A Revolução Copernicana [1957]
18
propõe uma cisão radical ocorrida, na
estruturadoconhecimento,porocasiãodaemergênciadasproposições copernicanas.
Kuhn incorporou as concepções da tradição historiográfica que defendem a idéia de
ruptura como fator de emergência da ciência moderna e, dando umpassoalém,
introduziuadimensãorevolucionárianadinâmicadasciências(CONDÉ,2005).
Aintroduçãodadimensão revolucionárianadinâmicadas ciências faz com
que Thomas Kuhn utilize o termo “revolução científica” no plural. A Estrutura das
RevoluçõesCientíficas[1962],títulodamaiscélebreobradeKuhn,expressaexatamente
essa idéia. Exporei, ao longo deste capítulo, como a pluralização da expressão
“revoluções científicas”, propostaporKuhn,favoreceacompreensão do termo
revolução,entendidaaquicomosendoumaestruturaprópriadofuncionamentodas
ciências. Por meio dessa problematização, foi‐me possível caracterizar, em certo
aspecto,ostrabalhosdeKuhncomosendoumaampliaçãodavertentehistoriográfica
inauguradaporKoyré.
Para abordar as concepções kuhnianas, proponho, inicialmente, uma
elucidaçãodosprincipaisconceitosforjadosporesseautor.Especificamente,proponho
umestudoarespeitodoqueseriaodesenvolvimentocientíficotalcomoépropostopela
18
Ao longo desse capítulo, as datas que aparecem entre colchetes referem‐se as datas originais de
publicaçãodasreferidasobras.
51
tramaconceitualdeKuhnemAEstruturadasRevoluçõesCientíficas.Oentendimentodos
conceitos desenvolvidos por Thomas Kuhn permitirá avaliar e demonstrar como a
concepção desse autor não apenas ampliou a visão koyreniana, como também abriu
espaçoparaacriaçãodeumcampodepesquisaetrabalho,alémdeangariarumgrande
número de seguidores (mesmo que fossem críticos). Ao final, será possível perceber
comoasconcepçõeseosconceitosdeKuhnrepresentamummomentodeampliaçãoe
deapogeudosestudossobrearevoluçãocientífica.
Em seguida, as críticas mais contundentes ao modelo kuhniano, sobretudo
aosconceitosdeparadigma,revoluçãocientíficaeincomensurabilidade,conceitosque
esboçamaconcepçãodoautorsobreasrevoluçõescientíficas,tambémserãoanalisadas.
Taisquestionamentoscríticosencontramse,emgrandeparte,em A crítica e o
desenvolvimentodoconhecimento [1969],trabalhoreferenteaoquartovolumedasatas
do Colóquio Internacional sobre Filosofia da Ciência, realizado em Londres de1965.
Abordarei, ainda, algumas das reformulações desenvolvidas por Kuhn, aquelas
elaboradasemrespostaaseuscríticosde1965.Paratanto,utilizareiasreformulações
contidas no Posfácio [1969], na A Tensão Essencial [1977] e na coletânea de artigos
intitulada Caminho desde A estrutura [2000]. Por fim, analisarei como as respostas
kuhnianasaosproblemasapontadosporseuscríticosiluminaramosfuturoscaminhos
trilhadospelahistoriografiatendoporreferênciaarevoluçãocientífica,comoéocaso
dasconcepçõesdeStevenShapin.
Emsíntese,essecapítuloapresentará,àluzdasidéiasdeThomasKuhn,oque
podeserentendidopor“revoluçõescientíficas
19
ecomoessaconcepçãomarcouum
novomomentonocampodeestudosempreendidospelaHistóriadasciências.

19
AoanalisarafortunaliteráriadeThomasKuhn,otermo“revoluçãocientífica”seráutilizadonoplural,
“revoluções científicas”. Isto ocorrerá em concordância com as próprias particularidades do trabalho
kuhniano,comoseveráadiante.
52
2.1DarevoluçãocientíficadesenhadaporThomasKuhn
AescolhadeThomasKuhncomoumadasreferênciasdesseestudodeve‐sea
uma multiplicidade de fatores. Por um lado, seu principal livro, A Estrutura das
Revoluções Científicas,publicadoem1962,foitraduzidopara25idiomas,vendeumais
de um milhão de exemplares, só em língua inglesa, e é considerado um dos mais
importantes livros da área (FULLER apudCONDÉ,2005b).Defato,ostrabalhosde
Thomas Kuhn atraíram um grupo relevante de pesquisadores para aórbitadeseus
conceitos (como paradigma, ciência normal, incomensurabilidade), fossem eles
seguidoresoucríticos.Poroutrolado,esseautorfoioresponsávelpeloestabelecimento
de um conceito de revolução científica significativamente diferente daquele
empreendidoporAlexandreKoyré.Kuhnteriaampliadooconceitoderevolução
científica.
Ao comparar sua própria narrativasobreasrevoluçõescientíficascomas
narrativas anteriormente produzidas, Thomas Kuhn qualifica seu trabalho como
“plural”. “[...] [E]sta explicação da Revolução Copernicana [refere‐se ao seu trabalho]
destina‐seamostrarosignificadodasuapluralidadeeessaquestãoéprovavelmentea
novidade mais importante do livro.” (KUHN, 2002, p. 8). Corroborarei aqui essa
qualificação, fundamentada nos argumentos a seguir. A concepçãoderevolução
científicaquefundamentaostrabalhosdeKuhnmostrasepreocupada com questões
queultrapassamasquestõesteóricasintrínsecas ao desenvolvimentocientíficostricto
sensu.Istoé,paraalémdasdescobertas,dasteoriasedasidéias/inovaçõescientíficas,a
análise de Kuhn articula outros fatores. Por exemplo, procura entender como se dá a
aceitação de uma nova teoria na comunidade científica. Questiona até que ponto um
cientistapodeestarvinculadoaalgoquepretendemudar.Procuraentendercomoum
cientistapercebeumagrandetransformaçãonaciênciae,ainda,buscacompreenderos
passosouetapasdessatransformaçãocientífica.
20
Taisquestões,foramrespondidaspor
Kuhn, analisando os vários âmbitos da produção científica: análises teóricas, ou
científicas,strictosensu,eanálisedequestõessócio‐culturais.Acapacidadedeabranger,
20
Ésabidoque,paraKuhnastransformaçõesnasciênciasserãoentendidascomorevoluções.Segundo
CONDÉ(2005b),Kuhn“eterniza”adinâmicadasrevoluçõescientíficasnaprópriadinâmicadaciência.Ou
seja,aciênciaseriasemprerevolucionária.
53
concretamente, questões que ultrapassam o desenvolvimento teóricodasciências
configuraapluralidadede suanarrativa.Arespeitodostrabalhoskuhnianos,Antonio
Beltránafirma:
É evidente que novas perguntas formuladas, como por que demorou
dezoitoséculosparaaparecerarevoluçãocopernicana[...]surgemsem
dúvida de um trabalho genuinamente histórico que, entretanto, não
excluimasimplicaumareflexãofilosóficaque,comonessaocasião,pode
serinovadoraerelevante para afilosofiadaciênciaemgeral.Defato,
taisperguntasereflexõesconstituíamumaprofundamentodas
diretrizes historiográficas de Koyré [...].” (BELTRÁN, 1989, p. 14,
traduçãominha).
21
Apesardedestacarosmesmosobjetosepersonagensapresentadospelos
estudos de Koyré, a saber, a revolução científica que dá origemàchamadaciência
moderna e personagens históricos como Copérnico, Galileu e Newton, Thomas Kuhn
ocupou‐se, de forma explícita, de outras questões sobre as revoluções científicas.
Vejamos, então, mais detidamente, como os trabalhos de Kuhn se articulam
comparativamente aos trabalhos de Koyré e como ambos configuram diferentes
conceitosderevolução(ões)científica(s).
Emseustrabalhos,Koyrépreocupouseemcompreenderaalteração dos
modelosteóricosdaciência.Emconformidadecomoquejáfoivisto,esseautorestudaa
passagemdaantigaànovaconcepçãodemundodacnciamoderna,tendocomobaseo
pensamentodecélebrescientistas.TalmétodonarrativopodeserobservadoemEstudos
Galiláicos [1939] ouDo mundo fechado ao universo infinito [1958]. Em seus trabalhos,
Koyré concentrou‐se no estudo do pensamento de homens que se preocupavam em
explicar a estrutura científico‐filosófica do mundo. Ainda que tenha entendido a
relevância das questões sócio‐culturais ao longo do desenvolvimento científico, esse
autor deu maior ênfase aos aspectos teóricos do processo revolucionário. Entre os
célebrescientistasanalisados,
22
pode‐seobservarapresençasignificativadasobrasde
21
Está claro que nuevas preguntas formuladas, como por qué tardodieciochosiglosenaparecerla
revolucióncopernicana[...] surgen sindudade untrabajogenuinamente históricoque,noobstante,no
sólonoexcluyesinoqueimplicaunareflexiónfilosóficaque,comoenestaocasión,puedeserdegran
novedadyrelevanciaparalafilosofíadelacienciaengeneral.Dehecho,talespreguntasyreflexiones
constituíanunaprofundizaciónenlasdirectriceshistoriográficasdeKoyré[...].
(BELTRÁN,1989,p.14).
22
Otermoexatoseria“filósofosdanatureza.EntreosséculosXVIeXVII,otermo“ciêncianãoestava
estabelecido,poisafilosofiaeaciêncianãoestavamdelimitadas,diferenciadas.Portantonãoseriacorreto
chamaros personagens desseperíododeformação daciência modernade “cientistas”sem antes fazer
umaressalva,comoessaqueagoraproponho.Opteipelotermo“cientistasporumaquestãoestilística,
para facilitar o entendimento das questões aqui discutidas, ou seja, questões referentes à “revolução
54
NicolaudeCusa, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno, Kepler, Galileu,Descartes,Henry
More, Spinoza, Newton, Joseph Rapson, Leibniz. Tendo como base o pensamento
científico desses homens, Koyré narra o desenvolvimento gradual de um problema
basilarparaaconcretizaçãodarevoluçãocientífica.Istoé,oautordiscutecomoa
questão da finitude versus infinitude do universo aparece nas obras de grandes
cientistas.Sãoessasasmudançascientíficofilosóficasqueconfiguramoentendimento
desse autor sobre a revolução científica. Por dar ênfase nas alterações científico‐
filosóficas,convencionou‐sechamaressetipodenarrativa,desenvolvidaporKoyré,de
“históriadasidéiascientíficas”ou“históriadopensamentocientífico”.
23
Éprecisodizer,ainda,queKoyréutilizouosTratadoscientíficos(etambém
filosóficos), e mesmo documentos pessoais (como as cartas de Descartes, Leibniz) ou
públicos (conferências proferidas por Newton, por exemplo) dos principais cientistas
envolvidos no gradual processo revolucionário. Apesar da grandeevariada
documentaçãolevantadaporKoyré,talvezumdosseusmaioresméritos,oautor
empreendeumaanálisefundadanashipótesesedoutrinasquetransformaram o
entendimentocientífico.Ouseja,emsuasnarrativas,oautorse depara com o
pensamentodeCopérnico,deGalileuouDescartes.Assim,pode‐seafirmarque,pelotipo
deanálisedosfatosrealizadaporKoyré,otermorevoluçãocientífica,emseusestudos,
dirárespeitoaumatransformaçãolongamentepreparada,constituídapelaalteraçãodas
teoriaseconcepçõesdemundo–unidadedepensamento–nãodeum,masdevários
cientistas.“Oconceitoderevolução,naformulaçãoinicialdeKoyré,nãodenotavatanto
umperíodohistóricooudeterminadoseventos,masumasériedemudançasteóricas.”
(OLIVEIRA, 2002a, p. 32). Grosso modo, apesar de considerar a importância dos
aspectos sócio‐culturais, Koyré narrou explicitamente as alteraçõesnasformasde
pensar, naquilo que se pode entender como rupturas na unidade de pensamento.
Portanto,nãoédifícilencontrarautoresqueclassifiquemKoyrécomoumrepresentante
dachamadatradiçãointernalista.
científica.Assim,tendofixadoaimportânciadessaressalva,trabalhocomotermocientistas,conforme
minhapredileçãoounecessidadetextual.
23
Conformevistoanteriormente,estudos recentesapontampara novasdecaracterizarostrabalhosde
AlexandreKoyré.ConferiremSTUMP,JamesB.HistoryofSciencethroughKoyre´’sLenses.Stud.Hist.Phil.
Sci., Vol. 32, No. 2, p. 243–263, 2001. Disponível em <http://www.mat216.ufba.br/mat21601.pdf
>.
Acesso:25jun.2009.
55
Em História das ciências, quando aspectos metodológicos, empíricos ou
conceituais regem uma análise, tem‐se o que se convencionou chamar de história
internalista.Poroutrolado,quandoaanálisesedetémnasdeterminanteseconômicas,
políticasouculturaisconfigura‐seachamadahistóriaexternalista.Paraosinternalistas,
aHistóriadasciências(edarevoluçãocientífica)deveriaenfocaroquelheéespecífico,
ou seja, os conceitos, as teorias ou as experiências responsáveis pelas mudanças
revolucionárias.Issoporque,diferentementedasdemaisatividadeshumanas,aciência
possuiriamaiorautonomiaemrelaçãoàsquestõessocioculturais.Emconsonânciacom
essavisão,Koyréempenhou‐senoestudoteóricodealgunscientistas,semsepreocupar
explicitamentecomoessasidéiasconseguiriamounãoseraceitaspelasociedadeepela
comunidade científica. Koyré não discute a relação sociocultural das determinações
científicas a fundo, ainda que essas questões estejam implícitas em seus trabalhos.
Grossomodo,pode‐sedizerqueKoyrénarraatransformaçãodaidéias.
Segundoaperspectivaexternalista,onortedasnarrativashistóricasseráas
questões socioculturais. Para essa vertente, os fatores religiosos, políticos ou sociais
teriammaiorpesoparaacompreensãodarevoluçãocientífica.As narrativas
externalistas preocupam‐se em determinar, por exemplo, em que medida uma teoria
poderiaseraceitapordeterminadasociedade,ouainda,comoaIgrejaCatólicareagiria
frenteumnovomodelodeexplicaçãodemundo.Entreostrabalhos externalistas de
maior envergadura, pode‐se citar o pensamento de Robert Merton, no campo da
SociologiadaCiência.
24
“Merton,naesteiradeWeber,defendeuqueaéticaprotestante
foiumfatordecisivonãosóparaaformaçãodoespíritocapitalista,masparticularmente
para o desenvolvimento das ciências nestes países.” (OLIVEIRA, 2002a, p. 35). Vê‐se,
24
Diferentemente da Sociologia do Conhecimento (Wissenssoziologie) de Mannheim e também das
propostasdeFleck,aSociologiadaCiênciaemergiunesseperíodocomorepresentanteoficialdavertente
externalista.Endossandoadivisãodecontextos“descobertaxjustificativa”propostapelosneopositivistas,
essa vertente sociológica mais cientificista, ganhou espaço e reconhecimento enquanto os estudos de
MannheimforamfortementecriticadoseosdeFleckcaíramnoesquecimento.ASociologiadaCiênciatem
nosociólogoamericanoRobert KingMerton seurepresentantemaisproeminente. Essanovatendência
sociológica,legitimadapelocientificismovienense,ambos(CírculodeVienaeSociologiadaCiência)recém
instaladosnosEstadosUnidos,angariariaosfrutosdaschamadas“narrativasexternas”aoconhecimento
strictosensu.Emoutrostermos,aoladodosestudos“internos”,filosóficos,fundamentadosnasconcepções
neopositivistas, a Sociologia da Ciência ficaria ao encargo das análises “externas” ao conhecimento
científico. Seria, então, o saber legitimado sobre a relação entre a sociedade e a produção de
conhecimento. Para tanto, ancorada na concepção cientificista da diferenciação dos contextos de
descobertaedejustificativa.EssadivisãoentreosobjetosdosneopositivistasedosseguidoresdeMerton
tambémconfiguraraoqueseconvencionouchamar“querelainternalismoxexternalismo.MAIA,C.A.
CientificismoversusHistoricismo.Odesafioparaohistoriarasidéias:ohiatohistoriográfico.[noprelo]
56
portanto,queasquestõessociaisagemcomocarro‐chefedasanálisesexternalistas.Essa
diferenciaçãoentreasnarrativasinternaseexternasrevelouumaimportantequerelana
áreadeHistóriadasciências,conhecidacomo“QuerelaInternalismo versus
Externalismo.Oentendimentodessa querela permite, também, melhor entender a
relaçãoentrearevoluçãocientíficadesenhadaporKoyréemcomparaçãoàquelaerigida
por Kuhn. Isso porque os trabalhos de Kuhn colocaram em cheque a diferenciação
basilardaquerelaI/E.
25
AhistóriadonascimentodaciênciamodernanarradaporThomasKuhn
possuisemelhançascomahistórianarradaporKoyré.Noentanto,háumaimportante
diferença entre as análises desenvolvidas por esses autores, talfatotornasuas
narrativas finais especialmente diferenciadas. Nos estudos de Thomas Kuhn, o viés
“interno”, fortemente presente nas narrativas de Koyré, continuamanifesto.Ésabido
que, Thomas Kuhn considerava os trabalhos de Koyré como sendo umadesuasmais
importantes e presentes influências.
26
Alguns autores, como Antonio Beltrán, por
exemplo,consideramThomasKuhncomoumseguidordavertentehistóricadeKoyré.
Entretanto, Thomas Kuhn preocupou‐se com questões referentes àsdemandas
socioculturais dessas transformações. Preocupou‐se em saber, como Copérnico, por
exemplo,poderialançarasbasesparaadestruiçãodosistemaqueeleprópriotentava
aprimorar?Ouseja,comoumcientistapoderiaconjurarcontraosistemaemquefora
formado? E, uma vez contestado, como poderia um cientista empreender estudos
diametralmentedísparedasteoriasemvoga(KUHN,2002)?Kuhnquestionacomofoi
possívelpromovertransformaçõestãocontundentes(ourevoluções)emdeterminadas
áreasdasciências.Kuhnbuscaentenderosestágiosdatransformação,istoé,comose
chega a uma inovação, por que o cientista tende a recusar novasteoriasouquaisos
processosparasuaadoção.
Para responder essas questões, Thomas Kuhn não analisará apenaso
pensamentodos cientistase dasteorias poreles formuladas,tal comoo fizeraKoyré.
Somaráaisso,asquestõessociais,aspossibilidadesdedivulgaçãodasdescobertas,os
25
DoravantefareireferênciaàQuerelaInternalismoversusExternalismocomoI/E.
26
ApesardeserfacilmentereconhecidocomooautorqueuniuasduasvertentesdaHistóriadasciências
(I/E),Kuhnseconsideravaumtípicorepresentantedavertenteinterna,umautorfortementeinfluenciado
pelostrabalhosinternalistasdesenvolvidosporKoyré.Ementrevista,Kuhnafirma:“[...]Eupensavanela
[refere‐se ao Estrutura] como bem claramente intenalista. As pessoas na Inglaterra ficavam
constantementesurpresasdequeeusejauminternalista.[...]”(KUHN,2006b,p.347).
57
costumes sociais da época, as questões políticas, econômicas, religiosas, entre outras.
Tudoissoencontralugaremsuasnarrativas.Deacordocomapropostakuhniana,seas
conjecturasteóricascopernicanasnãoforamaceitasemdeterminadomomento,fatores
comoosreligiosos,porexemplo,tambémdeveriamserconsiderados importantes
balizasparaoentendimentodessefato.“Aastronomiajánãoestá completamente
separada da teologia. Mover a Terra pode implicar o movimento do Trono de Deus.”
(KUHN, 2002, p. 131). Para Kuhn, esses fatores externos estariam inseparavelmente
atrelados às questões mais teóricas do desenvolvimento científico. Isso justifica a
aplicaçãodacategoria“plural”ànarrativadeKuhn.Defato,essanarrativaabordatanto
fatoresinternosquantofatoresexternosaorelataronascimentodaciênciamoderna.É
nessesentidoqueostrabalhosdeKuhnparecem“resolveraQuerelaI/E.Asolução
encontradasintetizariaasduasvertentes(InternaeExterna)emumasó,constituindo
uma“síntesepacificadora”(MAIA,C.A.Noprelo).SegundoafirmaKuhn,“[...]Emboraas
abordagensinternaeexternaàhistóriadaciênciatenhamumaespéciedeautonomia
natural,elassão,defacto,interessescomplementares.”(KUHN,1989a,p.160).
Éválidoperguntar:qualfoiaestratégia,adotadaporKuhn,queopermitiu
narrar essa diversidade de fatores? Para estabelecer essa narrativaplural,quediz
respeitotantoaosaspectoscientíficosstrictosensuquantoaosaspectosmaisamplosdo
contexto, Kuhn dividiu as transformações em dois períodos. Istoé,aolongodesua
narrativa,oautordelimitaumperíododedominaçãodeumateoriaeemcontrapartida,
umperíododecriseeemergênciadeumanovateoria.Pormeiodessadivisão,oautor
poderiadarmaiorênfaseaumtipodeelementoemdetrimentodeoutro.Porexemplo,o
autorpoderiaconcentrar‐semaisnasnegociaçõessociaisdacomunidadecientífica(um
fatorexterno)duranteoperíodochamado“ciênciaextraordinária”.
27
Emoposição,
poderiaconcentrar‐semaisnasquestõesteóricas(umfatorinterno)duranteomomento
de dominação de um “paradigma”, chamado “ciência normal”. Sob aégidedeum
paradigma eliminam‐se as discussões sobre os fundamentos e fixam‐se as regras e
objetivos de uma ciência. Assim, “[...] os cientistas normais podem centralizar seus
esforçosna articulação internado paradigma, naextensãodo conhecimentodos fatos
27
Ciência extraordinária diz respeito à pesquisa diferenciada que o cientista desenvolve frente um
problema insolúvel. Paradigma, um termo polissêmico, como se veráadiante, poderia configurar tanto
uma teoria quanto uma prática, um método, uma linguagem científica ou uma concepção de mundo.
Assim,aciêncianormalse refere aoperíodoemqueopesquisadorresolveproblemascientíficossoba
égidedeumparadigma.Veremosessesconceitosesuasimplicações,maisdetalhadamente,adiante.
58
selecionadoscomoimportantespeloparadigmaenoincrementodoajustedessesfatos
comasprevisõesteóricasdoparadigma.”(CHIBENI,S.S.,2004,p.2).Deacordocoma
visão de Kuhn, seria mais viável narrar questões internas duranteoperíodo
denominado“ciêncianormal”.Issoporqueoscientistasestariammaisinteressadosem
aprofundaroconhecimentosobreanaturezaenãoemestabelecerumaposturacrítica
sobreoparadigmavigente.Ouseja,oscientistasestariammaisenvoltospelasquestões
internasdaciênciadoquepeloseucontextosócio‐cultural.
Valelembrarque,apesardessadistinçãodosperíodos,anarrativadeKuhn
apenasdámaior ênfase a fatoresdeterminados– internos ouexternos –emdistintos
momentos.Nãoseriapossívelafirmarque,duranteadescriçãodochamadoperíodode
“ciência extraordinária”, Kuhn se torna exclusivamente externalista. O contrário –
internalistaaodescreveraciêncianormal–tambémnãopoderiaserafirmado,poisa
narrativa de Kuhn é híbrida. Contudo, essa divisão de períodos para a narrativa das
revoluçõescientíficaspermitiuaoautorentendereabarcarumapluralidadedefatores
referentesaocontextoeàstransformaçõesteóricasaliocorridas.Adivisãodeperíodos
permitiuaoautornarrartantoosfatoresinternosquantoosexternosdeumarevolução
científica. Segundo afirma Koyré, o trabalho de Kuhn “reuniu as histórias internas e
externasdaciência,quenopassadoestiverammuitoseparadas.(KUHN,2006b,p.345).
Essaéumadasmaneiraspelaqualsepodeentenderaexpressãokuhniana“revoluções
científicas”,esuadefesadeumacategoriaplural.
Kuhn inaugura seu primeiro trabalho de fôlego na área (A Revolução
Copernicana,publicadoem1957)ressaltandoquenãoseriaviávelalcançaruma
narrativa plural sem os anteriores estudos baseados em fontes primárias, em geral,
internalistas. Vale lembrar que, entre os importantes estudos de fontes primárias,
encontram‐seosdeKoyré:
A história da Revolução Copernicana já foi contada muitas vezesmas
nunca,queeusaiba,comomesmoalcanceeobjectivosqueaquise
apresentam. Embora o nome Revolução seja singular, o
acontecimento foi plural.Oseuâmagofoiumatransformaçãoda
AstronomiaMatemática,mastambémincluimudançasconceptuaisem
Cosmologia, Física, Filosofia e até Religião. [...] A pluralidade da
Revolução transcende a competência do trabalho académico
individual a partir das fontes primárias. Mas tanto os estudos
especializados, como os estudos elementares com base neles
falhamnecessariamenteumadascaracterísticasmaisfascinantese
essenciais
da Revolução uma característica que advém da sua
própriapluralidade.(KUHN,2002,p.7,grifosmeus).
59
AabordagemdarevoluçãocientíficadeThomasKuhndestaca‐sedadeKoyré
aindaporoutrarazão.Kuhnbuscaummodelodeentendimentoparaasmaisdiversas
transformaçõescientíficas, um modelo para testar se as transformações poderiamser
consideradas revolucionárias. Ou seja, pretende estabelecer um critério para a
generalizaçãodotermorevoluçãocientífica.Deacordocomasproposiçõeskuhnianas,
argumenteiqueasrevoluçõespodem e, muitas vezes, são constituídas por diversos
fatores–internoseexternos.Contudo,ocritériooua“estrutura”(videonomedoseu
livro, A Estrutura das Revoluções Científicas) que Kuhn criou para explicar as várias
transformaçõeséúnico.Istoé,omodeloseriaúnico,massuaabrangênciaseriaplural,
poisabarcariaumapluralidadedeáreasdoconhecimento,umapluralidadedeciênciase
revoluçõescientíficas.
Essemodelogeral,oumelhor,essaestruturasópodeserconstruídacomo
auxílio de conceitos como “ciência normal”, “ciência extraordinária”, “paradigma”,
“quebra‐cabeça”, “anomalia”, “crise” e “incomensurabilidade”. A Estrutura das
Revoluções Científicas, os conceitos ali desenvolvidos, configuram um importante
documentoparacompreenderoolharkuhnianosobreasrevoluçõesnasdiversasáreas
doconhecimento.Umolharpluralqueatraiugrandeatençãopara os estudos
revolucionários sobre o desenvolvimento científico, tornando patente os conceitos
concebidosnoEstrutura.
28

TendoemvistaagranderelevânciadoEstrutura,bemcomodosconceitosaí
criados,citoduaspassagensemqueKuhncaracterizadiretamente as revoluções
científicas:
Nesseensaio,sãodenominadosderevoluçõescientíficasosepisódios
extraordinários nos quais ocorre essa alteração de compromissos
profissionais[refereseaomomentoemqueosmembrosdeuma
profissãonãopodemmaisesquivar‐sedasanomaliasquesubvertema
tradiçãoexistentenapráticacientífica].Asrevoluçõescientíficassãoos
complementosdesintegradoresdatradiçãoàqualaatividadedaciência
normalestáligada.(KUHN,1990,p.25,grifosmeus).
De modo especial, a discussão precedente [sobre a emergência das
crises] indicou que consideramos revoluções científicas aqueles
episódios de desenvolvimento nãocumulativo,nosquaisum
paradigmamaisantigoétotalouparcialmentesubstituídoporum
novo,incompatívelcomoanterior.(KUHN,1990,p.125,grifosmeus).
28
Assimconvencionou‐sechamarolivroAEstruturadasRevoluçõesCientificas.Doravante,fareireferência
aestelivrodessaforma:Estrutura.
60
ParaThomasKuhn,osprincipaisconceitospresentesnoEstruturaestão
intrinsecamenteligados aoentendimento dotermo revoluções científicas. Serão esses
conceitos,maisespecificamenteaaplicaçãodessesconceitos,quepermitirãogeneralizar
o termo revoluções cientificas para distintas áreas do conhecimento. Como dito
anteriormente, termos como ciência normal e ciência extraordinária permitirão,
também, narrar fatores internos e externos. Percebe‐se, então, como seus conceitos
modelarãoapluralidadealmejadapelostrabalhosdesseautor.Sendo assim, vejamos
maisdetalhadamente,comoKuhnarquitetaoentendimentodasrevoluçõesatravésde
seus conceitos e, conseqüentemente, tentemos compreender qual é a estrutura que
essesconceitosajudamasustentar.
2.2D´AEstruturadasRevoluçõesCientíficas
Anovaconcepçãosobreodesenvolvimentocientífico–aidéiaderevolução
científica – bem como os conceitos criados por Kuhn no Estrutura, de 1962, são hoje
muitoconhecidos. Não pretendo esgotar teoricamente todosesses conceitos, mas, tão
somente,explicitaralgunsdosconceitosquetornarampossívelumanovaformade
perceber o desenvolvimento científico. Portanto, farei aqui um esboço dos conceitos
centraisdaobrakuhnianaque,efetivamente,ajudaramacomporapropostakuhniana
sobrearevoluçãocientífica,oumelhor,asrevoluçõescientíficas,conformeaconcepção
pluraldoautor.
Segundo explica Thomas Kuhn, quando um “quebra‐cabeça” se torna
insolúvel,istoé,quandoospesquisadoresnãoconseguemmaisresolverumproblema
científico, o mesmo torna‐se uma “anomalia”. Os “quebra‐cabeças” traduzem o fazer
científicorotineiro,aquiloquelevaoscientistasaolaboratório,ouàmesadetrabalho,
todososdias.Taisquebracabeçaspodemsertomadoscomobasedodesenvolvimento
científicocumulativo.Asanomalias,entretanto,destoammuitodessedesenvolvimento
cumulativo.Umaanomaliaéumproblemaquenãopodemaisserresolvidoconformeo
arcabouço técnico‐conceitual da teoria científica em vigor, “[...] isto é, [ela é] um
fenômenoparaoqualoparadigmanãoprepararaoinvestigador[...].”(KUHN,1990,p.
84,grifomeu).Duranteoperíodoemqueoscientistastrabalhamnasoluçãodequebra
61
cabeçasrotineiros,aproduçãodaíoriundaéchamadaporKuhnde“ciêncianormal”.Nas
palavrasdoautor,
[a] ciência normal, atividade que consiste em solucionar quebra
cabeças, é um empreendimento altamente cumulativo, extremamente
bem sucedido no que toca ao seu objetivo, a ampliação contínua do
alcance e a precisão do conhecimento científico. Em todos esses
aspectos, ela se adequa com grande precisão à imagem habitual do
trabalho científico. Contudo, falta aqui um produto comum do
empreendimento científico. A ciência normal não se propõe descobrir
novidades no terreno dos fatos ou da teoria; quando é bem sucedida,
nãoasencontra.(KUHN,1990,p.77).
Eainda,emoutromomento,Kuhnafirma:
Oscientistastambémnãoestãoconstantemente procurando inventar
novas teorias; freqüentemente mostram‐se intolerantes com aquelas
inventadas por outros.Emvezdisso,apesquisacientíficanormalestá
dirigidaparaa articulaçãodaquelesfenômenos e teorias já fornecidos
peloparadigma.(KUHN,1990,p.45,grifomeu).
Durante o período delimitado como “ciência normal”, ou seja, sob as
concepções permitidas pelo “paradigma” vigente, desenvolve‐se aquilo que Kuhn
chamou de pesquisa normal. Essas constituem operações de limpeza de uma dada
teoria, sua aplicação de métodos e estratégias. Durante esses períodos normais, os
cientistasnãoquestionamoparadigma,poisestãopreocupadosemresolverproblemas
quepodemserrespondidospelocorrespondenteconjuntoteórico‐conceitual.Emoutras
palavras,consistenasoluçãodenovosproblemaspelaaplicaçãodosmodelosprevistos
pelo paradigma. Tem‐se aí outro conceito central do Estrutura,asaber,otermo
“paradigma”. Seria difícil encontrar uma definição para o termo paradigma porque o
mesmosofreu,segundováriosdoscríticosdeKuhn,umprocessodepolissemiaaolongo
do Estrutura. Apesar da crítica de Margaret Masterman
29
–queelencouvinteeuma
formas distintas da utilização do termo paradigma na obra kuhniana de 1962 –, no
Posfácioacrescidoàediçãode1969,Kuhnafirmaque,namaiorpartedolivro,otermoé
usadoemdoissentidosdistintos:umsociológico,eoutroquedizrespeitoarealizações
passadasdotadasdenaturezaexemplar.
Deumlado,[otermoparadigma]indicatodaaconstelaçãodecrenças,
valores,técnicas,etc...,partilhadaspelosmembrosdeumacomunidade
29
EssetextopodeserencontradoemMASTERMAN,Margaret.ANaturezadeumParadigma.In:LAKATOS,
I;MUSGRAVE,A.A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo: Cultrix: Editora da
UniversidadedeSãoPaulo,1979.Maisadiante,noitem2.3,fareiumaanálisesobreasconsideraçõesde
MargaretMastermanarespeitodotermoparadigma.
62
determinada.Deoutro,denotaumtipodeelementodessaconstelação:
as soluções concretas de quebra‐cabeças que, empregadas como
modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base
paraasoluçãodosrestantesquebra‐cabeçasdaciêncianormal.(KUHN,
1990,p.218).
Ouseja,otermoparadigmapodeserentendidonoEstruturacomosendoum
conjunto de valores e técnicas compartilhados pelos cientistas.Epode,ainda,ser
entendidocomoasprópriasteoriasqueregemtodososvalores,técnicas, crenças e
soluções de quebra‐cabeças. Sendo assim, os paradigmas podem ser considerados
peças‐chaveparaoentendimentodessanovavisãoarespeitodasrevoluçõescientíficas,
pois,segundooautor,épossívelfalarem“revoluçãocientífica”comosendoatrocade
paradigmas.
Podemos entender melhor, agora, o conceito de “anomalia”. Quando um
determinado paradigma não consegue mais originar os modelos que resolvem os
problemascientíficosouquandoumparadigmanãoconseguemaisresponder uma
questãocrucial,oscientistasdeparam‐secom“anomalias”.Duranteaexistênciadesses
problemasinsolúveis,oscientistaspraticamachamada“ciênciaextraordinária”,ouseja,
umfazercientíficodiferenciadodaciêncianormal.ConformenarraKuhn,oscientistas
tendemanegaraexistênciadeumaanomalia,poisestãosubmetidosàsconcepçõesdo
paradigmavigentee,emgeralnãoqueremnegaratradiçãonaqualforamformadose
acreditamseracorreta.Contudo,muitasvezes,asanomaliastornam‐sepontoscruciais
para o desenvolvimento científico. Isto é, sem solucionar determinado problema –
anomalia–todooconjuntoteórico‐conceitualestariainviabilizadodeprogrediremseus
estudos.Assim,todooparadigmaestariasobsuspeita,sobquestionamentos. Quando
uma anomalia torna‐se patente para a comunidade científica, tem‐se o que Kuhn
denominade“crise.Duranteesseperíodo,novasexplicações,conjecturasemesmo
novosparadigmassurgemcomopossibilidadesderespostaaoproblemainsolúvelpara
oparadigmavigente.Assim,segundoexplicaoautor,acriseseriaapesquisacientífica
potencializada pela ciência extraordinária, ou seja, pela presença de problemas
insolúveis.
Confrontadoscomanomaliasoucrises,oscientistastomamumaatitude
diferentecomrelação aosparadigmasexistentes.Comisso,anatureza
de suas pesquisas transforma‐se de forma correspondente. A
proliferação de articulações concorrentes, a disposição de tentar
qualquercoisa,aexpressãodedescontentamentoexplícito,orecursoà
Filosofia e ao debate sobre os fundamentos, são sintomas de uma
63
transição da pesquisa normal para a extraordinária. (KUHN, 1990, p.
122‐123).
Essasnovaspossibilidadesrondamoscientistaseosmesmospassamatestar
novasalternativas.Quandoumaviaderespostas éencontrada,ouseja, quando novos
argumentos conseguem responsabilizar‐se pelas respostas de uma determinada
questão,antesinsolúvel,tem‐seaeleiçãodeumanovateoria.Quandoissoocorre,um
novoparadigmaéaceitoe,comele,umnovoaparatodecrenças,técnicas,fórmulas,
teoriasevalores.Taltransformação,descritaconceitualmenteporThomasKuhncomo
sendo a passagem do paradigma A para o paradigma B, tendo como intermédios as
anomalias, a ciência extraordinária, a crise da ciência normal e de seu respectivo
paradigma,configuraoquechameianteriormentedenovaformade entender as
revoluçõescientíficas.
A transição para um novo paradigma é uma revolução científica,
temaqueestamosfinalmentepreparadosparaabordardiretamente.[...]
Confrontadoscomanomaliasoucrises,oscientistastomamumaatitude
diferentecomrelaçãoaosparadigmasexistentes.Comisso,anatureza
desuaspesquisas transformasedeformacorrespondente.(KUHN,
1990,p.122,grifosmeus).
Grossomodo,sãoessesosconceitosquearquitetamanovaformade
conceberodesenvolvimentocientífico,arevoluçãocientíficaque,segundoKuhn,seria
comumaolongodaHistóriadasciências.Contudo,háaindaumúltimoconceito,também
central no Estrutura, que foi especialmente importante para o entendimento das
revoluçõescientíficase,também,paraoentendimentodapropostafilosóficadeThomas
Kuhn.Tomando deempréstimo a citaçãoacima, nãoapenas a natureza das pesquisas
modificasedepoisdamudançadeparadigmas,masoprópriomundo modifica‐se. A
formadeolharmodificouse.Nessesentido,oautorafirmaque“[g]uiadosporumnovo
paradigma, os cientistas adotam novas instrumentos e orientam seuolharemnovas
direções.”(KUHN,1990,p.145).
Comoumparadigmalevaocientistaaveromundodeacordocomos
preceitosvigentes,aoolharparaomesmoobjetodepoisdeumarevolução/mudançade
paradigma,oscientistasvêmcoisasdiferentes.Alegaoautor:
Nãoobstante,asmudançasdeparadigmarealmentelevamoscientistas
a ver o mundo definido por seus compromissos de pesquisa de uma
maneiradiferente.Namedidaemqueseuúnicoacessoaessemundo
dáseatravésdoquevêemefazem,podemossertentadosadizerque,
após uma revolução, os cientistas reagem a um mundo diferente.
(KUHN,1990,p.146).
64
Epoucoadiante:
[...] Conseqüentemente, em períodos de revolução, quando a tradição
científicanormalmuda,apercepçãoqueocientistatemdeseumeio
ambiente deve ser reeducada – deve aprender a ver uma nova forma
(Gestalt)emalgumassituaçõescomasquaisjáestáfamiliarizado.
Depoisdefazêlo,omundodesuaspesquisasparecerá,aquieali,
incomensurável com o que habitava anteriormente. (KUHN, 1990, p.
146,grifomeu).
A incomensurabilidade é o último dos conceitos kuhnianos sobre as
revoluções científicas que abordarei aqui. Para caracterizar a proeminente alteração
sofrida pelo olhar (forma de olhar) dos cientistas após uma revolução, Thomas Kuhn
forja o conceito de incomensurabilidade. Se durante a ciência normal, o cientista
trabalhasubmetidoaumparadigmaparasolucionardiferentesproblemas, após uma
revolução científica, o cientista investiga novos e velhos problemas de forma
completamente diferente. Após uma grande transformação, o paradigma muda e com
ele,aformadeentenderedefazerciência.Alémdisso,Kuhncaracterizaessamudança
comosendoumarupturatãoabruptaqueosdiferentesparadigmasseriamseparados
por diversos tipos de incomensurabilidade: paradigmas incomensuráveis, técnicas
incomensuráveis,valoresincomensuráveis.Omundoentendidosobosauspíciosdeum
paradigmaA,seria,pois,incomensurávelfrenteaomundoentendidopeloparadigmaB.
AforatodososproblemasqueoconceitodeincomensurabilidadetrouxeparaThomas
Kuhn,
30
essepodeserentendidoemsuateoriacomosendoaprincipalmarcadaruptura
entre dois momentos distintos do desenvolvimento científico – aquele anterior e o
posterioràsrevoluções.
Parafinalizaressabreveexplanação,valelembrarqueosconceitosforjados
por Thomas Kuhn – quebra‐cabeça, ciência normal, paradigma, anomalia, ciência
extraordinária, crise, revolução científica e incomensurabilidade–ajudarama
configurarumanovavisãosobreasváriasrevoluçõescientíficas.Comojáfoidito,tais
conceitos permitiram uma visão diferenciada da proposta histórica de Koyré. Essa
30
SenãohádiálogoentreateoriaAesuasucessora,ateoriaB,nãohá parâmetrospara mensurar os
motivosdaescolhadeBemdetrimentodeA,poisnãoseriapossívelestabelecercomparaçõescríticas.Isto
é, a incomensurabilidade implicaria em irracionalidade de escolhas de teorias. Como conseqüência, o
desenvolvimento científico seria um empreendimento irracional. Alémdisso,senãoháparâmetrosde
comparação,duasteoriasopostaspoderiamestarcorretas.Asteoriasnãorefletiriamaverdadeabsoluta
danaturezaeseriam,portanto,relativasaquestõessubjetivas,políticasoureligiosas,porexemplo.Assim,
outracríticaendereçadaaoconceitodeincomensurabilidadedeKuhnfoiorelativismo.Essesproblemas
serãoanalisadosmaisdetalhadamentenoitem2.3dessapesquisa.
65
distintavisãobaseia‐senapossibilidadedecircunscreverdiretamenteumaamplagama
de fatores envoltos na contextualização dos conceitos. A visão kuhniana permite
entenderasrevoluçõescientíficaspormeiodefatoressemelhantesàquelesidentificados
edescritosporKoyré:paradigmasvigentesegraduaisalterações.Alémdisso,aproposta
kuhnianapermiteiralém,poisrequeraproblematizaçãoexplícitadefatoresexternos.
Isto é, enfoca o motivo da manutenção do desenvolvimento cumulativodasciências
(ciência normal) e a resistência aos momentos de ruptura (crise ou ciência
extraordinária). Permite entender o quão importante é o treinamentodoscientistas,
pois a tradição na qual um cientista é formado influenciará suaformaderesolver
problemas(crençaevaloresdeumatradão).E,ainda,permiteentendercomoocorrem
asnegociaçõesdeumacomunidadecientíficaduranteaemergência de anomalias. Em
resumo, são várias – plurais – as formas de olhar (compreender) o desenvolvimento
científicooriundasdaarquiteturapropostaporThomasKuhnemseuEstrutura.
31
2.3Dascríticasàrevoluçãocientíficakuhniana
[...] Não é de se estranhar que os historiadores e, em geral, os
interessadosnorealprocederdaciênciatenhamvistonAEstrutura das
Revoluções Científicasumaestimulanterenovação,umafilosofiada
ciência cujos problemas e formulações lhes fossem familiares, úteis e
pertinentes(BELTRÁN,1989,p.53,traduçãominha).
32
Emparticular,todosnós,comexceçãodeToulmin,compartilhamosda
convicçãodequeos episódioscentraisdoprogressocientífico(os que
tornamojogodignodeserjogadoeaatividadedignadeserestudada)
sãoasrevoluções.(Kuhn,1979,p.298).
ThomasKuhninstaurouumnovomomentonatradiçãohistoriográficasobre
as revoluções científicas. Seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas alcançou
grandesproporçõesesuaconcepçãosobrearevoluçãocientíficatevegrandeaceitação,
31
A questão da pluralidade aparece de maneira tão contundente aolongodosestudosdeKuhnqueo
autordeixouinacabadaumaobraqueseriaintitulada The plurality of worlds: An evolutionary theory of
scientific Discovery. Nesselivro,Kuhnpretendiarevisaralgunsdeseusconceitose atualizarsua teoria
frenteàscríticasrecebidasaolongodequase30anosdetrabalhosposterioresaoEstrutura.
32
“Másaún,noresultaextrañoqueloshistoriadoresy,engeneral,losinteresadosen«Elprocederrealde
laciencia»,vieranenE.R.C.unarenovaciónestimulante,unafilosofía de la ciencia cuyos problemas y
planteamientoslesresultabanfamiliares,útilesypertinentes”.(BELTRÁN,1989,p.53).
66
tantoentreosestudiososcomoentreopúblicoemgeral.Oentendimentodasrevoluções
científicascomoumatrocadeparadigmastornousepatente,emparte,devidoàforma
didáticacomaqualKuhnexpõeseusargumentosnodecorrerdoEstrutura.Alémdisso,
afirma Beltrán, as concepções kuhnianas relacionaram‐se com as idéiassobreo
desenvolvimentocientíficodeKoyré,dePopper,entreoutros.Mas, apesar da grande
recepção erepercussão de seus trabalhos, seguiram‐se inúmeras críticas endereçadas
aostrabalhoskuhnianos.
DevidoàimportânciadasnovasconcepçõescontidasnoEstrutura,realizou‐
se um evento cujo norte foram as idéias expressas nessa obra. O “Quarto Colóquio
Internacional de Filosofia da Ciência” ocorreu em julho de 1965, em Londres, sob o
comandodeSirKarlPopper.
33
Váriostrabalhossesucederamàapresentaçãoemque
KuhndiscutesuarelaçãocomopensamentodePopper.
34
Talapresentação,intitulada
“Lógica da Descoberta ou Psicologia da Pesquisa”, compõe o primeiro artigo da
coletânea referente ao Colóquio londrino. Entre os trabalhos sucessivos a essa
apresentaçãotêm‐seasmaiscélebrescríticasaoprojetokuhnianocontidonoEstrutura,
em especial a três de seus conceitos: Paradigma, Revolução Científica e
Incomensurabilidade.
No quinto artigo da coletânea,Margaret Mastermanempreende um estudo
específico sobre o conceito de paradigma. Conclui que, em uma obra cientificamente
clara (visto que é muito lido pelos cientistas) e filosoficamenteobscura(vistoqueos
filósofosainterpretamdediferentesmaneiras),Kuhndesenvolveumacomplexateoria
tendoporbaseotermoparadigma.Paracompreenderolegadokuhniano sobre as
33
“Osdebatesconstamnoquartovolumedasatasdoreferidoseminário,queresultounolivroCriticism
and the growth of knowledge, organizado por Imre Lakatos e Alan Musgrave e editado em 1970 pela
Cambridge University Press.” (PEQUENO, 2000, p. 5). A edição utilizada nessa pesquisa foi: LAKATOS,
Imre;MUSGRAVE,Alan.Acríticaeodesenvolvimentodoconhecimento:quarto volumedasatasdoColóquio
Internacional sobre Filosofia da Ciência, realizado em Londres em 1965.SãoPaulo:Cultrix:Ed.da
UniversidadedeSãoPaulo,1979.Evidentemente,essanãoéaúnicaobraemqueasconcepçõesdeKuhn
foramdebatidasecriticadas.Contudo,porsetratardeumacoletâneaqueagrupaapenasosdebatesem
tornodaobradeKuhneainda,porsetratardeumeventoquemarcouopensamentoeasreformulações
teóricasdopróprioKuhn,utilizeiaquiotrabalhoorganizadoporLakatoseMusgravecomoprincipalfonte
decríticasaopensamentokuhniano.MuitodosargumentosdesenvolvidosporThomasKuhnemresposta
aoscríticosdocongressolondrinode1965compõeoPosfácioaoEstrutura,acrescidoaomesmoapartir
daediçãode1969.
34
KuhnafirmaquetantoseuprojetoquantoodePopperenfatizam,comodadoslegítimos,osfatoseo
espíritodavidacientíficareal.Alémdisso,ambosbuscamnahistóriaseusargumentos.Emseustrabalhos,
osdoisautorestambémfizeramcríticasaoPositivismoLógicoedefenderamoavançocientíficopormeio
do processo revolucionário. Contudo, Kuhn se diz muito mais interessado pelo processo dinâmico por
meiodoqualseadquireoconhecimentocientífico,enquantoPopperestariamaisinteressadonaestrutura
lógicadosprodutosdapesquisacientífica.(LAKATOS,I.;MUSGRAVE,A,1979).
67
revoluçõescientíficasserianecessárioelucidaroqueoautordenomina como
paradigma.Aolongodesuaexplanação,Mastermanelencavinteeumsentidos
diferentes utilizados por Kuhn para classificar esse conceito no Estrutura. A autora
afirmaque“nemtodosessesossentidossãoincompatíveisentresi:algunspodemser
elucidações de outros.” (MASTERMAN, 1979, p. 79). Após listar as diferentes
conceituações de paradigma, Masterman questiona se haveria algo de comum entre
esses diferentes sentidos e sugere reluzi‐los em três grupos. Quando Kuhn descreve
maisumanoçãoouentidademetafísicadoqueumanoçãoouentidadecientífica(como
umconjuntodecrenças,umaespeculaçãometafísicabemsucedida, mitos ou um
princípioorganizadoquegovernaapercepção),Mastermanclassifica esse uso de
“paradigmas metafísicos” ou “metaparadigmas”. Outro agrupamentoparaotermo
paradigma é o de natureza sociológica, denominado de “paradigmasociológico.
Paradigmas poderiam, portanto, ser definidos como uma realização científica
universalmentereconhecida,comoumconjuntodeinstituiçõespolíticasouainda,como
umconjuntodehábitoscientíficosanterioresaosmetaparadigmas.Porúltimo,aparece
oque Masterman denomina“paradigmas deartefato” ou “paradigmas deconstrução”.
Estes se relacionam aos momentos em que Kuhn emprega o termo deformamais
concreta,ouseja,comomanual,comoparadigmagramaticaldessemanual,como
analogiaentreteorias,comofontesdeinstrumentos,oucomoexperiência de gestalt.
MastermanencerrasuaexposiçãoafirmandoqueagrandeinovaçãorealizadaporKuhn
teriasidoiralémdanarrativagradualdastransformaçõesdescrevendooesgotamento
deumparadigmaeaemergênciadeoutro.
Apesar de Masterman criticar a polissemia do conceito de paradigma, é
possível afirmar que essa diversidade de significados trouxe conseqüências positivas
paraotrabalhodeKuhn.SegundoCONDÉ(2005b),otermoparadigmaadquiremaior
inteligibilidade,emKuhn,quandoentendidonãoexatamentecomosendoumconceito,
cujoprincipaltraçoseriaodeumaformalizaçãounívoca,mascomosendoumanoção,
cujosmatizesdesentidopermitemalcançarumamaiorgamadeelementos. Assim, o
termopôdedenominarumatécnicadeinstrumentação,ummanualcientíficoetambém
umconjuntodecrençasaceitas.Foijustamentetalamplitudedesignificaçõesoque
possibilitouaoprojetodeKuhntransitaremváriasáreas,naFilosofia,naHistória,na
Sociologiaemesmonaschamadasciênciashards.
68
No Congresso de 1965, outros pesquisadores também questionaram o
entendimento de Kuhn sobre as revoluções científicas. Sendo os paradigmas tão
polissêmicos,podendoabarcarconstelaçõestãoamplas,demétodos,teoriasouvalores,
Kuhnargumentaqueaescolhadeumnovoparadigmanãoéapenasregulada pela
experiência neutra, pelos dados danaturezaoupelalógica.Tal fato é criticado por
Popper,pois,segundoesseautor,odesenvolvimentocientíficodeveriaserregidopela
lógica das idéias e não por outros fatores (como os psicológicos, os sociológicos, os
irracionais).Popper(1979)etambémWatkins(1979)argumentamcontraumconceito
específico e basilar do entendimento kuhniano das revoluções científicas: a “ciência
normal”.Segundoessesautores,operíododenominadociêncianormalseriainútilpara
o entendimento do desenvolvimento científico. Isso porque nos períodos normais se
testaoexperimentadorenãoateoria,configurandose,portanto, como um momento
doutrinatário,acrítico.Logo,esses períodosnãopoderiamserconsiderados“normais”
napesquisacientífica,pois,segundoPopper,aciêncianormalseriaumacondiçãonão
questionadorae,portanto,nãocientífica(POPPER,1979,p.65). Watkins argumenta
contra a demasiada atenção desprendida por Kuhn na descrição desses períodos
normais,umavezqueseriamnãocientíficos(WATKINS,1979,p.41).Paraessesautores,
aquiloqueKuhnchama“normalnãopoderiaseronormalnaprodução científica, a
preçodeperderostatusdeatividadelógicaouracional,vistoquenãosetratavadeum
momentoquestionador.Assim,oquedeveriaserconsideradocomumnaproduçãodo
conhecimentoeraaquiloqueKuhnchamavadeextraordinário(ciênciaextraordinária),
vistoserummomentoquestionador,ouseja,lógico/racional.Comojáfoidito,naciência
extraordináriaKuhnprende‐secommaiorênfaseàsquestõessócio‐culturaisdoqueàs
questões teóricas stricto sensu. Isso acarretava sérios problemas na obra kuhniana,
segundoafirmavamoscríticosdoEstrutura.
EssasalegaçõesrenderamàteoriasobreasrevoluçõescientíficasdeKuhno
títuloderelativista.“Omitodoreferencial(psicológico,sociológico),emnossotempo,é
obaluartecentraldoirracionalismo.”(POPPER,1979,p.70).Popperalegaqueparaa
teoriakuhnianaatrocadeparadigmasseriaregidamaispelapsicologiadapesquisado
quepelalógicadadescoberta,daverdadeabsoluta,objetiva(POPPER,ibidem,p.69).As
revoluçõescientíficasseriamregidasporfatoresnãocientíficos,talfatoinviabilizavaa
aceitaçãodomodelokuhnianoeoclassificavacomorelativista.Lakatos(1979)também
desenvolve crítica semelhante no congresso londrino de 1965. “Para Lakatos (1979),
69
crise é um conceito psicológico ‐ trata‐se de um pânico contagioso ‐ e revolução
científica kuhniana é irracional, uma questão da psicologia das multidões, sendo este
modelo, por ele considerado, uma redução da filosofia da ciência à psicologia ou
sociologiadoscientistas.”(OSTERMANN,1996,p.193).
Em outra linha crítica, E. Toulmin (1979) vai de encontro à concepção
revolucionária–tradiçãorevolucionária,dedescontinuidade–presentetantonateoria
kuhnianaquantonasconcepçõesdePopper,MastermaneWatkins.Para Toulmin, a
tradiçãorevolucionáriadesconsideraaspassagens,ouseja,oscientistasdepassagem,as
teorias de passagem entre uma concepçãodemundoeoutra.Paraesse autor, não é
possível descrever o desenvolvimento científico por drásticas revoluções científicas.
Seria necessário investigar as unidades de variação ao longo do desenvolvimento
científico, algo menos drástico do que as rupturas. Por não aceitaraexistênciade
incompatibilidadesconceituaistãoabruptasentreasteoriasdeumageraçãoedeoutra,
Toulmin defende a evolução conceitual aos moldes darwinistas, em detrimento das
rupturasabruptas,dasdrásticasrevoluções.Paraele,deixandoparatrásasimplicações
originaisdotermorevolução,talcomodescritasporCohen,
35
anovateoriacapazde
descreveroavançocientíficoestarianasociologiaevolucionista.Percebe‐seque,jáem
1965,ToulminantecipaavisãoqueseráposteriormentedefendidaporStevenShapin,
umavisãocríticadomodelodasrevoluçõescientíficasconformeKuhn,conformetodaa
tradiçãorevolucionária,compostaporautorescomoT.Kuhn,A.Koyré,H.Butterfield,R.
HalleB.Cohen.Tratareidessaquestãomaisdetidamentenopróximocapítulo.Porora,é
válidodizerque,segundoToulmin,aidéiadeincomensurabilidadeseriaaresponsável
pelavisão“catastrofista”queconfiguraasgrandesrupturasteóricasdasrevoluções.
O último conceito do Estrutura questionado no congresso londrino que
pretendotrabalharaqui,etalvezoconceitomaiscarodateoriakuhniana(vistoqueas
reformulações de Kuhn se concentrarão nesse ponto), foi a noçãode
“incomensurabilidade”. ParaPopper, por exemplo, o termo incomensurabilidade seria
outro termo utilizado por Kuhn que daria margem ao irracionalismo. Isso porque
35
Bernard Cohen explica que, inicialmente, o termo “revolução” aparece nos estudos de história das
ciências designando retorno e não ruptura. Tal conotação pode ser observada em As Revoluções das
Órbitas Celestes(1543), obramagna deCopérnico. Ali o termo“revolução”relacionasecomoregresso
repetitivo,comasucessãodeciclosemdecorrênciadomovimentocirculardastrajetóriasdosplanetas.
Contudo,aoreceberinfluênciadahistóriapolítica,oconceitomudadiametralmenteepassaa designar
ruptura,descontinuidade.(COHEN,1989,p.23‐24).
70
diferentesparadigmaspodemestarcorretos,pois,sãoincomensuráveisenãosepode
provarqueumdelesestámaispróximodaverdadequeooutro.Popperargumentaque
a transição da gravidade newtoniana para a einsteiniana, um exemplo de revolução
científicasegundoKuhn,nãoseriaumsaltoirracional.Ambasas teorias seriam
racionalmentecomparáveiseumaestariamaispróximadaverdadefatualeobjetivaque
outra.“Existem,aocontrário,inúmerospontosdecontato[...]epontosdecomparação.
(POPPER, 1979, p. 70). A incomensurabilidade que inviabiliza o confronto crítico,
essencial para a pesquisa científica, não pode ser senãoum equívoco lógico de Kuhn,
explica Popper. Nessa mesma direção, Watkins diferencia a noçãode
incomensurabilidade(quenãoseriaumanoçãoviável)comaincompatibilidade.
Segundo esse autor, as diferentes teorias de uma sucessão científica não seriam
incomensuráveis,poishaveriainúmerospontosdecontato,conformeexplicouPopper.
Pode‐se dizer, porém, que as teorias são incompatíveis, diferentes ou opostas. Enfim,
algoquenãoinviabilizaoconfrontocríticoquegaranteaoprocessoseucaráter
científico.
AutorescomoPoppereWatkins,queprimarampeloconfrontocrítico de
diferentesidéias,criticaramduramente autilizaçãoda noção de incomensurabilidade,
tal como elaborado no Estrutura. Posteriormente, Thomas Kuhn empreenderá
reformulações sobre alguns de seus conceitos e, sobretudo, sobre a questão da
incomensurabilidade. Verei esses pontos mais detalhadamente no próximo item.
Contudo, resta adiantar que apesar de toda a revisão empreendida por Kuhn, alguns
pontosdeseutrabalhonãoforamefetivamentesolucionados,entreelestalvezestejao
conceitode“incomensurabilidade”.
2.4Dasreformulaçõeskuhnianas
2.4.1Primeirasreformulações:aherançadeFleck
Naseçãoanterior,aorelatarascríticasendereçadasaostrabalhosdeKuhn,
concentrei atenção pontual ao debate em torno de três conceitosdesseautor:
paradigma,revoluçãocientíficaeincomensurabilidade.Pode‐sedizerqueessesforam,
71
direta ou indiretamente, os conceitos mais questionados ao longo dos anos que
seguiramaoEstrutura. Elenqueiessascríticasespecíficasporqueosdebatesemtorno
desses conceitos resumem, grosso modo, a concepção de desenvolvimento científico
propostaporKuhn, ouseja,aseqüênciaprogressistaerevolucionáriaquepodeassim
serresumida:paradigma,trocadeparadigma(revoluçãocientífica)eincompatibilidade
de paradigmas (incomensurabilidade). Além disso, esses conceitos também ocuparam
papelcentralnasposterioresreformulaçõesdopróprioThomasKuhn.Seráapartirda
respostakuhnianaàscríticasdessesconceitosquedescreverei,naspáginasseguintes,as
reformulaçõesdoentendimentosobreasrevoluçõescientíficastalcomofoielaborado
porKuhnemseusescritosposterioresa1962.
Kuhnescreveuumartigo,intitulado“ReflexõessobreosmeusCríticos”,para
fecharacoletâneapublicadacomoanais doCongressolondrinode1965.Nessebreve
artigo,oautorrespondeàscríticasqueseseguiramàsuaapresentaçãonoCongressoe,
emespecial,responde aPopper, Watkins, Lakatos,Toulmine Masterman.Parte desse
artigo compõe ipsis litteriso“Posfácio,acrescidoàediçãojaponesadoEstrutura de
1969 e, posteriormente, acrescido a todas as edições seguintes.Talfatodemonstraa
importânciadessesdebatesparaopensamentoeparaasposterioresreformulaçõesde
Kuhn.
36

ComograndepartedascríticasaotextodeKuhnreferem‐seàutilizaçãodo
termo paradigma, esse foi o primeiro ponto analisado pelo autornoPosfáciodo
Estrutura.Quantoaosvinteeumdiferentessignificadosdotermoparadigmaelencados
pelacríticacontundentedeMargaretMasterman,Kuhnafirmaqueessesequívocoso
decorrentesdeproblemasestilísticos.Apesardisso,oautorpareceterendossadomuito
da análise de Masterman em suas posteriores revisões, pois, passa a alegar que “na
maiorpartedolivrootermo‘paradigmaéusadoemdoissentidosdiferentes.”(KUHN,
1990,p.218).DiferentedeMasterman,queelencoutrêsgruposparaasutilizaçõesdo
termoparadigma,Kuhnelegedoissignificadosdistintosparaotermo.Entretanto,essas
classificações (de Kuhn e de Masterman) possuem algumas semelhanças. Segundo a
classificação elaborada pela revisão de Kuhn, primeiramente tem‐se o paradigma em
36
Motivopeloqualjustificoaquiautilizaçãodessafonte,entretantasoutras,paradescreverascriticase
asreformulações,aindaqueiniciais,dostrabalhosdeKuhn.Alémdessafonte,utilizotambémosartigos
contidosemKUHN,Thomas.OcaminhodesdeAestrutura:ensaiosfilosóficos19701993.SãoPaulo:Editora
UNESP,2006.Textooriginalpublicadoem2000pelaUniversidadedeChicago.
72
sentido sociológico. O termo pode ser entendido como uma constelação de crenças
(teoriasoufórmulas),técnicasevalorespartilhadospelosmembrosdeumacomunidade
científica. De acordo com esse primeiro significado, o paradigmapodeserumalei
científica,comoasegundaleideNewton,ousuaexpressãomatemática,comoafórmula
F=m
x
a.Paradigmatambémpoderiaserumconjuntoderegrasoupráticas de
laboratório descritas em um manual. Portanto, a significação sociológica descrita por
KuhnabarcaastrêsutilizaçõesdotermodescritasporMasterman:oparadigma
metafísico(comocrençasoumodelo),oparadigmasociológico(como instituições
políticas) e, em certo sentido, o paradigma de construção material (como manual ou
fontedeinstrumentação).Contudo,deve‐selembrarque,segundoKuhn,essaprimeira
significação deve ser algo compartilhado por uma comunidade científica, por uma
disciplinaespecífica.
Há,ainda,outrosignificadoapontadopelasrevieskuhnianas.NoEstrutura,
explica o autor, paradigma pode ser entendido como realizações dotadas de natureza
exemplar:“[...]soluçõesconcretasdequebra‐cabeçasque,empregadascomomodelosou
exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a soluçãodosrestantes
quebra‐cabeças da ciência normal.” (KUHN, 1990, p. 218). Em outros termos, os
cientistas aprendem a resolver situações similares pela adaptação de leis, de
experimentosoudepráticas.Porexemplo,umcientistadevidamentetreinadoaplicao
modelodeumalei,como“F=m
x
a”,paraalcançaroutrasleis,comoocorrenaderivação
de fórmulas. É, portanto, uma definição semelhante ao que Masterman chamou
paradigma de construção, composto por analogias. Vê‐se que, de fato, as críticas de
Mastermanfazem‐sepresentesnasrevisõesdeKuhn.
Voltandoàssignificaçõesdotermo,háumexemplointeressanteparailustrar
a segunda significação kuhniana. Galileu descobriu que, se uma bolarolanoplano
inclinado,adquireexatamentea velocidadenecessáriapara voltaramesmaalturaem
umsegundoplanoinclinado(descreve‐seumplanoemformatode“U”).Paratal,Galileu
aprendeu a ver essa situação experimental à semelhança de um ndulo, portanto
utilizou‐sedeumateoriaouummodelojáexistente(KUHN,1979,p.337).Existe,pois,
ummodeloouumamatrizqueregeopensamentodocientistainiciadonumadisciplina,
numa ciência. Essa matriz que permite adaptações ao longo do desenvolvimento
científicoéasegundasignificaçãodotermoparadigmaapontadaporKuhnemsua
revisãodolivroEstrutura.
73
Emacordocomasduassignificaçõesdotermoparadigma,ouseja, algo
compartilhado por uma comunidade e relativo a um modelo, Kuhn propõe uma nova
denominação.Agora,maisprecisa:matrizdisciplinar.
37
Para os nossos propósitos atuais, sugiro “matriz disciplinar”:
“disciplinar”porqueserefereaumapossecomumaospraticantesde
umadisciplinaparticular;“matriz”porqueécompostaporelementos
ordenados de várias espécies, cada um deles exigindo uma
determinação mais pormenorizada. (KUHN, 1990, p. 226 ou KUHN,
1979,p.335,grifosmeus).
38
Quais as implicações dessa alteração (paradigma versus matriz disciplinar)
paraaconcepçãodedesenvolvimentocientífico,de“revoluçãocientífica” de Kuhn?
Essencialmente, o termo “matriz disciplinar” dá visibilidade a questõesqueotermo
“paradigma”nãoiluminacomprecisão,asaber,arelaçãoentreaciênciaeacomunidade
earelaçãoentrealinguagemeanatureza.Porsereferiraatoscompartilhadosporuma
comunidade específica, matriz disciplinar se aproxima das questões sócio‐culturais
referentes ao desenvolvimento científico. Pode‐se descrever matriz disciplinar como
umatécnicaouumaleicompartilhadapelacomunidadecientíficaemediadaportodos
os trâmites sócio‐culturais daí advindos. Além disso, por se referir a exemplos
modelares aplicados e adaptados para novas situações científicas,otermomatriz
disciplinarimplicaumarelaçãoentrealinguagemcientíficaeanatureza.Utilizandoo
exemplo anterior, para adaptar o conhecimento sobre os pêndulos para o plano
inclinado,Galileudeveriaconhecerospreceitos,asfórmulas,asleis,osexperimentos,as
práticase a linguagem que regem a teoria sobre os pêndulos (a leiemquestãoerao
Princípiodavisviva,
39
afirmaKuhn).Essesconhecimentossobreospêndulosservirãode
modeloparaanovaáreaadaptada,ouseja,paraoestudodoplanoinclinado.Assim,o
aprendizado de uma linguagem científica (sobre o plano inclinado) está diretamente
relacionadoànaturezaeàprópriaciênciaemtransformação(conhecimento sobre o
37
Maistarde,Kuhnutilizariaotermo“léxicoemsubstituiçãoaotermo“matrizdisciplinar”,queporsua
vez substituíra o termo“paradigma”. Para maiores informações verBRANT,FernandaA.C.Paradigma
versus Léxico: uma análise da trajetória de Thomas Kuhn em busca de um padrão de desenvolvimento
científico. 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
UniversidadeFederaldeMinasGerais,BeloHorizonte,2008.
38
Conforme dito anteriormente, partes do texto que utilizo como suporte para analisar o novo
posicionamento kuhniano pode ser encontrado tanto no artigo “Reflexões sobre meus críticos” (1979)
comonoPosfáciodoEstrutura(1990).
39
“Conhecidacomooprinpiodavisviva,erageralmenteenunciadacomoAdescidarealigualaasubida
potencial’.”(KUHN,1979,p.338).
74
pêndulo).Istoporque,segundoaconcepção“matrizdisciplinar”deKuhn,aciênciaea
linguagemdesenvolvem‐seconcomitantemente:
Está claro queestamosdevolta à linguagem e a sua ligação com a
natureza?[...]Oexame dos exemploséumaparteessencial(embora
apenasumaparte)daaprendizagemdoquesignificamindividuale
coletivamente aspalavrasdessalei[refereseavis viva], ou da
aprendizagemdomodocomqueseligamànatureza.Éigualmente
uma parte da aprendizagem de como se comporta o mundo. As
duasnãopodemsepararse.[...]São,antes,partesdeummododever
o mundo condicionado pela linguagem ou correlacionado com ela.
Enquanto não as tivermos adquirido, não veremos mundo algum.
(KUHN,1979,p.338,grifosmeus).
É nesse sentido, sobretudo pela ênfase que passa a dar a linguagem, que
Kuhn se aproxima das idéias de Wittgenstein.
40
Deacordocomumaanálise
wittgensteiniana,aciênciaseriaumempreendimentoregradopelosjogosdelinguagens
da comunidade científica. Esses jogos não acarretariam apenas aquestãolingüística,
mas todo um conjunto de caracteres pragmáticos de ações referidasàciênciae,
conformeaconcepçãokuhnianadematrizdisciplinar,àcomunidade científica em
questão(OLIVEIRA;CONDÉ,2002).Oconceitodematrizdisciplinartambémacarretaria
outra visão sobre a incomensurabilidade. Se existe uma matriz, ouseja,algoqueé
adaptadodeumateoriaparaoutra,nãoseriapossívelfalaremincomensurabilidade.A
novaperspectivakuhniana,oriundadaconcepçãodematrizdisciplinar como uma
relação lingüística entre teoria e natureza, estabelece contato, comunicação entre
distintasteoriascientíficas.Adiferençaentreteorias–aincompatibilidade, conforme
explicaWatkins–nãoimplicariaaincomensurabilidade,poispercebe‐seagoraocontato
entre as diferentes linguagens científicas. Desapareceria, assim,a“total
incomensurabilidadequefoicriticadaporWatkinsporservista como
incompatibilidadeentreteorias.Portanto,podemosconcluirque,emsuarevisão,Kuhn
tambémseaproprioudascríticaselaboradasporWatkinsnoCongressode1965.Seria,
então, possível descrever dificuldades de comunicação e não especificamente
“incomensurabilidades”,explicaKuhn.Apartirdaí,emboranãoabandoneaexpressão
incomensurabilidade,oautorpassaalidarcomoconceitocomosendo questões
40
Éprecisofazeraquiumbreveesclarecimento.Aolongodessaanálisesobreolegadokuhnianorefiro‐me
ao“segundoWittgenstein”.Convencionou‐sechamarde“primeiroWittgenstein”asconcepçõesfilosóficas
doautorcontidasnoTractatuslogicophilosophicus,de1921.Nomesmosentido,convencionou‐sechamar
de“segundoWittgenstein”asconcepçõesfilosóficascontidasnaobraInvestigaçõesFilosóficas,de1951.
75
lingüísticassemelhantesàsdificuldadesencontradasaolongodequalquerprocessode
tradução.
Orelativismo,outroproblemaoriundodoconceitodeincomensurabilidade,
foi veemente negado por Kuhn ao longo de suas revisões. Popper argumenta que a
escolhadeteorias,segundoKuhn,seriasubjetivaenãoracional/lógica.Sendoassim,
mais de uma teoria poderia estar correta, o que impossibilitavaaexistênciadeuma
verdade científica natural, mensurada por uma linguagem neutra. Kuhn contra
argumenta afirmando que a escolha de uma teoria não é irracional. Para Kuhn, não
existiria a total incomensurabilidade, e sim apenas dificuldades de comunicação.
41
Portanto,seriapossívelpreveraexistênciadediálogoentremembros de distintas
matrizesdisciplinarespelatraduçãodesuasdistintaslinguagenscientíficas.Paranegar
osubjetivismodasescolhas,Kuhntambémcitaalgunscritériosque orientariam a
escolha dos cientistas, como a exatidão e a simplicidade. E, além disso, explica que a
linguagemneutraa quePopperrecorre parajulgar asdiferentesteoriasnãoexistiria,
poisasteoriascientíficasealinguagemcientíficaseriamforjadasconcomitantementena
práxis.Novamente,Kuhnparecerecorreràteoriadalinguagemwittgensteinianapara
responder aos seus críticos e negar a existência de uma linguagem teleológica que
descreveriaanatureza.
42
Oúltimodoscríticosdocongressode1965quepretendocitar,à luz das
revisões kuhnianas, é Toulmin. Segundo a exposição de Toulmin, não seria possível
pensarnodesenvolvimentocientíficopordrásticasrevoluções,e sim porunidadesde
variação. A crítica de Toulmin talvez não estivesseapenas direcionadaa Kuhn, mas a
todaatradiçãorevolucionáriaacostumadaaentenderastransformaçõescomoabruptas
41
Para uma análise minuciosa das alterações do conceito de incomensurabilidade empreendidas nas
revisõesdeThomasKuhn,ver:KUHN,Thomas.Comensurabilidade,comparabilidade,comunicabilidade.
In:OCaminhodesdeaEstrutura:EnsaiosFilosóficos,1970‐1993,comumaEntrevistaAutobiogfica.São
Paulo:EditoraUNESP,2006a,p.47‐76.
42
Essa linguagem teleológica (uma linguagem pura e universal) era uma das metas buscadas pelos
membrosdoCírculodeViena.Paraalcançaraverdadecientíficapelaverificação(processadapelaanálise
designificadoeveracidade),eparadiferenciá‐ladasquestõesmetafísicas,oCírculodeVienaapostavana
clarificaçãológicadosenunciadossobaégidedostrabalhosdoWittgenstein,doTractatus,deFregeede
Russell. A unificação das ciências mediante a purificação lingüística de seus enunciados livraria os
enunciadosdos“errosmetafísicos”.Esseseriao“cordãosanitário”propostopeloconhecimentocientífico
vienense, separando o conhecimento metafísico, falso (e aqui talvez fosse melhor dizer desprovido de
sentido) e ínfero, do conhecimento verificavelmente científico,passíveldesetornarumaexplicação
científica do mundo. Entretanto, para subjugar aqueles casos emqueenunciadosmetafísicossão
logicamente admissíveis, todo enunciado científico deveria, também, responder a verificabilidade
empírica.
76
rupturas.Sabe‐sequeasunidadesdevariaçãodescritasporToulminseriamprocessos
deevoluçãoconceitual.Porisso,esseautorafirmaqueanovateoriasobreasrevolões
estariavinculadaaoevolucionismodarwinista.AsrevisõesdeKuhn,quetransformaram
otermoparadigmaemmatrizdisciplinar,queamenizaramadrásticainterpretaçãoda
incomensurabilidade,quenegaramorelativismoe,porfim,reformularamaconcepção
kuhnianasobrearevoluçãocientífica,acabaramseaproximandodavisãoevolucionista
defendidaporToulmin:
[...] deve estar claro que minha concepção do desenvolvimento
científico é fundamentalmente evolucionária. Imagine‐se, portanto,
uma árvore evolucionária que representa o desenvolvimento das
especialidadescientíficasapartirdasuaorigemcomum,digamos, na
filosofia natural primitiva. Imagine‐se, além disso, uma linha traçada
nessaárvoredesdeabasedotroncoatéapontadeumgalhoprimário
semvoltarsobresimesma.Duasteorias,sejamelasquaisforem, ao
longodestalinhaestãorelacionadasentresipordescendência.[...]Para
mim, portanto, o desenvolvimento científico, como a evolução
biológica, é unidirecional e irreversível. [...] (KUHN, 1979, p. 326,
negritosmeus).

Esse retorno à tradição evolucionista leva Kuhn de volta ao trabalho de
Ludwik Fleck, uma de suas referências iniciais. A revolução científica,queéoutro
conceitodeKuhn,deixadeservistacomoumsaltoentrediferentes concepções de
mundo, entre concepções totalmenteincomensuráveis.DeformasemelhanteaFleck,
Kuhn propõe uma visão do desenvolvimentocientíficocomoumprocessolentoe
contínuoaosmoldes darwinistas.Istoé,o desenvolvimentosofreriatransformaçõese
não exatamente abruptas rupturas. Tal fato responderia também aoutracríticade
Toulmin: “[...] não estaremos, de fato, deixando inteiramente para trás as implicações
originaisdotermo‘revolução’?”(TOULMIN,1979,p.59).Écertoafirmarque,otermo
revoluçãonopensamentodeKuhncaminhavaparaoqueToulminchamou de um
“rótulo meramente descritivo” (TOULMIN, 1979). A “revolução científicapassaaser
vistaporKuhncomoumprocessoevolutivoenãomaisumaabrupta“revolução”.Essa
concepçãoémuitopróximadaidéiadedesenvolvimentocientíficocontidanaobrade
Fleck.
Diferentemente da tradição revolucionária, segundo a qual o
desenvolvimento científico dá‐se pela descontinuidade própria do termo “revolução
científica”, a tradição evolucionária traça avanços evolutivos segundo o modelo
darwinista. Apesar das influências de Kuhn virem da tradição revolucionária, um
77
autordematrizevolucionistaqueseriareferênciaparaostrabalhoskuhnianos:Ludwik
Fleck.
ÉsabidoqueolivrodeFleck,Entstehung und Entwicklung einer
wissenschaftlichen Tatsache (Gênese e Desenvolvimento de um fato científico),
43
originalmente publicado em 1935, possui inúmeras semelhanças com as idéias
desenvolvidasnoEstrutura.OconceitoutilizadoporFleck“estilodepensamento”,pode
ser considerado muito próximo ao conceito de “paradigma.”
44
Contudo, ao redigir o
prefáciodaediçãoinglesadaobradeFleck,Kuhnexplicaessassemelhançascomosendo
merasdescobertasocasionais entreosdoisautores(KUHN,1981,p.viii).Antesdisso,
Kuhn já havia reconhecido a obra de Fleck como “um ensaio que antecipa muitas de
minhasprópriasidéias.”(KUHN,1990,p.11).Apesardassemelhanças,olivroEstrutura
e o livro Gênese e desenvolvimento de um fato científico guardam também profundas
divergênciassobreacompreensãodoavançodaciência.Essasdivergênciaspodemser
relacionadas às distintas tradições dos autores (OLIVEIRA; CONDÉ, 2002). Como dito
anteriormente,ThomasKuhnpertenceà“tradiçãorevolucionária”,ouseja,umatradição
fundadaapartirdosestudosdeKoyréqueentendeodesenvolvimentodaciênciapor
meiodanoçãodedescontinuidade.Fleck,poroutrolado,pertence ao quecaracterizo
como“tradiçãoevolucionária”,dematrizdarwinista.
45
Segundoatradiçãoevolucionária,
odesenvolvimentocientíficonãosofriasaltosourupturas.“Fleckpassaaolargodessa
idéiaeentende[...]odesenvolvimentocientíficocomoumprocessolentoecontínuoem
termosdarwinistas,assim,aciênciatemuma‘evolução’queseprocessaapartirdeuma
‘mutação’ e não de uma ‘revolução’.” (OLIVEIRA; CONDÉ, 2002, p.8).ParaFleck,o
43
Textooriginal(1935)foipublicadoempolonês,línguamaternadeFleck.Astraduçõesaquiutilizadas
foram:FLECK.L.GenesisandDevelopmentofaScientific Fact.Chicago:ChicagoofUniversityPress,1979.
FLECK,Ludwik.LaGénesisyeldesarrollodeunhechocientífico.Madrid:AlianzaEditorial,1986.
44
Arespeitodassemelhançase,sobretudo,diferençasentrealgunsconceitosdeFleckeKuhnver:CONDÉ,
MauroLúcioLeitão.ParadigmaversusEstilodePensamentonaHistóriadaCiência.In:FIGUEIREDO,B.G.;
CONDÉ,M.L.L.Ciência,históriaeteoria.BeloHorizonte:ArgvmentvmEditora,2005b.
45
Essa tradição evolucionista da qual Fleck faz parte está diretamente relacionada à Sociologia do
ConhecimentopropostaporMannheim.AsidéiasdeFleckeaSociologiadoConhecimentonãoendossam
adivisãodecontextos,posteriormentepropostapeloCírculodeVienaafimdereconheceroconhecimento
verdadeiro. Narrativas como as de Fleck ou Mannheim seriam consideradas inferiores pelos
neopositivistas,poisserelacionariamaochamado“contextodadescoberta”.Ouseja,serelacionavama
fatoresmetafísicos,irracionais,relativosàpsiquedocientistae,portanto,nãoseriamnarrativassobreo
conhecimento “verdadeiro”. Crítica contundente que teria silenciado a Sociologia do Conhecimento.
Somadoaessacrítica,aemergênciadeumaSociologiadaCiência, de cunho mais cientificista e que
endossavaadiferenciaçãodecontextos(odadescobertaeodajustificativa),levouavertentesociológica
daqualFleckeMannheimfaziamparteao“esquecimento”.Mertontornouseorepresentantesociológico
validadopelosneopositivistas.ThomasKuhnseriaogranderesponsávelportrazeraobradeFleck,até
entãodesconhecida,aluz.(MAIA,CarlosAlvarez.Noprelo).
78
avançocientíficoocorrepormeiodeumareorganizaçãodoconhecimento,dasteorias.
Por meio de transformações (mutações de teorias) ou, ainda, por meio de idéias
semelhantesqueacrescentamalgonovoàestruturadoconhecimento(aschamadaspré‐
idéias).Aolongodesuanarrativasobreadescobertaeavançodotratamentodasífilis,
Fleckprocurafrisarascontinuidadesentreasdiferentesformasdeentenderamoléstia,
em detrimento das rupturas ou descontinuidades. Esse autor não empreende uma
narrativaemtornodofatorevolucionário,seunorteéodesenvolvimento científico
continuado.
46
IssonãoquerdizerqueFlecknegueasgrandestransformaçõesou
grandesdescobertas.Adiferençadásenosenfoques:deumladorupturas,revoluções,
de outro, continuidades, evoluções, mutações de idéias. Para Fleck, depois de uma
descoberta, o mundo não se tornaoutro,incompatívelcomoanterior, tal como
descreveraKuhnaorelataramudançadeparadigmaseaconseqüente
incomensurabilidadenoEstruturade1962.
TalvezaprincipalherançafleckianavisívelnopensamentodeThomasKuhn
ocorra ao longo dos trabalhos de reformulação do Estrutura. Ao elaborar as réplicas
frenteseuscríticos,Kuhnmostra‐secadavezmaispróximoàsconcepçõesdeFleck.Esse
“retornoàsraízes‐referências”éperceptívelnostrabalhosdeKuhnquandoestetentase
desvencilhar‐se da noção de incomensurabilidade. Inicialmente, aorevisarsuateoria,
Kuhnpassaaentenderodesenvolvimentocientíficoemconformidadecomaevolução
aosmoldesdarwinistas.
Grosso modo, Em Gêneses e Desenvolvimento de um Fato Científico, Fleck
afirmaqueoavançocientíficoocorreporumareorganizaçãodoconhecimento, por
idéiasqueacrescentamalgonovoaoconhecimento.ParaFleck,comojádito,depoisde
uma descoberta, o mundo não se torna outro. Além disso, o conceito de pré‐idéia,
presente em sua obra, permite pensar na transformação do conhecimento como uma
mutação.Emoutrostermos,Flecknarraatransformaçãopelacontinuidade entre
teorias,métodos,práticas,políticasetodooconjuntodeaçõesreferentesàproduçãodo
46
ParaumaanálisearespeitodostrabalhosdeFleck,verPARREIRAS,MárciaMariaMartins.LudwikFleckea
Historiografia da Ciência: DiagnósticodeumEstilodePensamentoSegundoasCiênciasdaVida. 2006. Dissertação
(Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,UniversidadeFederaldeMinasGerais,Belo
Horizonte,2006.Disponível em<http://hdl.handle.net/1843/VCSA‐6XTGF7
>.Acesso:21maio2009.Outra
referênciaparaoestudodasconcepçõesdeLudwikFleckpodeserencontradoemSALLES,AntônioCarlos
de. Nem gênios, nem heróis: a história da ciência em Ludwik Fleck. 2007. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Minas Gerais, Belo Horizonte:
2007.
79
conhecimento e não à descontinuidade. Pode‐se pensar na alteração do termo
paradigmaemdireçãoàmatrizdisciplinar(algocompartilhadoedotadodeumamatriz
exemplar)comoumatentativaderesgataranoçãode“pré‐idéia”,conformeaconcepção
deFleck.Namesmamedida,odesenvolvimentocientíficoea“revoluçãocientífica”,tal
comopassaaserdescritoporKuhn–umaárvoreeseusgalhos–, também pode ser
entendidocomoumaaproximaçãoàconcepçãodedesenvolvimentocientíficosegundo
Fleck.ArevoluçãocientíficapassaaservistoporKuhndeforma semelhante ao que
ocorreemumaespeciaçãobiológica.
2.4.2Dasreformulaçõesposteriores:revolução,traduçãoegestalt
Seestoucerto,acaracterísticaprincipaldasrevoluçõescientíficaséque
elas alteram o conhecimento da natureza intrínseco à própria
linguagem,equeé,assim,anterioraqualquercoisaquesejaem
absoluto caracterizável como descrição ou generalização científica ou
cotidiana.(KUHN,2006b,p.44).
AoseaproximardosconceitosdeFleckedoevolucionismodarwinista,Kuhn
sedeparoucomumproblema:aderir ao evolucionismo fleckiano, de fato, acarretaria
negar a tradição revolucionária na qual Kuhn se formou e, com efeito, negar
definitivamenteaincomensurabilidadeeaidéiaderevoluçãocientífica.Comojáfoidito,
aotransformarotermoparadigmaemmatrizdisciplinar,Kuhnamenizaradicalmentea
noção de incomensurabilidade, afirmando a existência de relação lingüística entre a
linguagemcientíficaeanatureza.Aincomensurabilidadenãoseria total e, portanto,
seria diferenciada da incompatibilidade. As teorias poderiam ser incompatíveis
(diferentes), mas não totalmente incomensuráveis, pois, ainda que houvesse
dificuldadesdecomunicação,seriapossívelatraduçãoentrediferentes matrizes
disciplinares. E essa tradução seriapossívelpelaexistência de um ancestral em
comumnaespeciação,umgalhonaárvoredodesenvolvimentocientífico.
Apesardetodaaaproximaçãoaoevolucionismo, Kuhn jamais recusou por
completo a noção de revolução ou de incomensurabilidade. Assim,emestudos
posteriores,Kuhnreformulousuaconcepçãosobreaquestãolingüística (sobretudo
quanto à tradução), tal como expusera inicialmenteno Posfácio e em “Reflexão sobre
80
meus críticos”. A partir de então,“A incomensurabilidade tornase,assim,umtipode
intradutibilidade[...].”(KUHN,2006b,p.118).
Em aprimoramentos posteriores, Kuhn diferencia a tradução da
interpretação, contrariando o que havia exposto no Posfácio do Estrutura. Tradução
seriao processo semelhanteao ofíciodotradutor, ouseja, daquele indivíduobilíngüe
que se dispõe a transportar termos específicos de um idioma para outro.
47
Jáa
interpretaçãoseria“[...]oprocessopormeiodoqualédescobertoousodessestermos,
processoquetemsidomuitodiscutidorecentementecomarubricadehermenêutica.”
(KUHN, 2006a, p. 61). Em “Comensurabilidade, Comparabilidade, Comunicabilidade”,
artigode1982,Kuhn(2006a)afirmaqueduasteoriaspodematéserintraduzíveis,mas
nãoininteligíveis.Assim,umalínguaA(aexemplodeumateoriacientífica)podenãoter
tradução para outra língua B, conforme as implicações (como regras e práticas) da
línguaB.Mas,nadaimpedequeumfalantedalínguaBentendaouaprendaalínguaA,
pois o aprendizado nada tem a ver com a tradução, e sim com a interpretação
(hermenêutica),comaprática,comagestalt.Se,antes,atraduçãonegavaa
incomensurabilidade,agora,aimpossibilidadedetraduçãoéentendidaporKuhncomo
“incomensurabilidade local”.
48
Adistinçãoentretraduçãoeinterpretaçãodásena
medidaemqueKuhnnãoconseguesedesvencilhardaincomensurabilidade, que se
tornalingüística(impossibilidadedetradução),edarevoluçãocomoumainterpretação,
comoumaexperiênciadegestalt.Desvencilhar‐sedessasconcepçõesacarretarianegar
umconceitoqueoautornãoabriumão:oderevoluçãocientífica.
O conceito de revolução científica originou‐se na descoberta de que,
paracompreenderqualquerporçãodaciênciadopassado,ohistoriador
precisa,emprimeirolugar,aprenderalinguagememquetalpassado
estava escrito. Tentativas de tradução para uma linguagem
posterior seguramente falham, e o processo de aprendizagem de
linguagem é,portanto,interpretativoehermenêutico.Umavezque
o sucesso na interpretação é em geral alcançado em grandes parcelas
(“entrandonocírculohermenêutico”),adescober taqueohistoriador
fazdopassadorepetidamenteenvolveoreconhecimentosúbitode
47
Aúnicadiferença,ressaltaKuhn,éque“atraduçãorealfreqüentemente,outalvezsempre, envolve,
pelomenos,umpequenocomponenteinterpretativo.”(KUHN,2006a,p.52).Diferentedisso,paraKuhn,
adquirir,aprenderouinterpretarnapráticaumanovalínguanãoéomesmoquetraduzir.
48
Aincomensurabilidadenãoseriamaisumaquestãoamplaentreduasformasdeentenderomundoe
sim, meramente impossibilidades de traduzir duas linguagens científicas diferentes. “Problemas de
tradutibilidadesurgemapenasparaumpequenosubgrupodetermos(usualmenteinterdefinidos)epara
assentençasqueoscontenham.Aafirmaçãodequeduasteoriassãoincomensuráveisémaismodestado
que supuseram muitos de seus críticos. Chamarei essa versão modesta da incomensurabilidade de
‘incomensurabilidadelocal’.”(KUHN,2006a,p.50‐51).
81
novos padrõesou gestalts.Segueseque,pelomenos o historiador
experiencia, com efeito, revoluções. Essas teses encontram‐se no
cernedeminhaproposiçãooriginal,eaindainsistonelas.(KUHN,2006a,
p.75,grifosmeus).
Issoporque“[a]‘interpretação’ou‘aprendizado’deumatradiçãodopassado
envolveoreconhecimentosúbitodenovospadrõesougestalts,ouseja,umarevolução.
(PARREIRAS,2006,p.174).Emsíntese,incomensurabilidadetorna‐seimpossibilidade
detraduçãoentrediferentesmatrizesdisciplinares,ouléxicos,enãoimpossibilidadede
interpretação e aprendizado, pois, pela interpretação/gestalt, Kuhn salvaguardaria as
revoluções, as rupturas ao longo do desenvolvimento científico. Manter a idéia de
revolução e, em alguma medida incomensurabilidade, significarianãoaderir
completamenteaomodeloevolucionista,darwinianoefleckiano.Assim,Kuhnnegaque
as revolucionárias mudanças de linguagem do historiador pudessem ocorrer num
processo de derivação lingüística gradual (KUHN, 2006a, p. 75), tal como a teoria de
Fleck,porexemplo,permitiriaentender.
Essetipodeexperiência[descreveaexperiênciadegestalt]–aspeças
subitamenteserearrumandoeseorganizandodeumanovamaneira–é
aprimeiracaracterísticageraldamudançarevolucionária[...].Embora
as revoluções científicas deixem muitas coisas para ser gradualmente
completada[durante aciêncianormal], a mudança central não pode
serexperienciadademodofragmentado,umpassodecadavez.Ao
contrário, ela envolve uma transformação relativamente súbitae
não estruturada na qual alguma parte do fluxo da experiência se
rearranja de maneira diferente e exibe padrões que antes não eram
visíveis.(KUHN,2006b,p.28,grifomeu).
49
Percebesequeateoriakuhnianafoisesofisticandoapartirde seus
posteriorestrabalhose,sobretudo,apartirdasanálisesdeseuscríticosedoretornoa
algumasde suas abordagensiniciais. Contudoalguns conceitosforammais fixadosdo
que revisados pela segunda revisão kuhniana. Apesar das afirmações do Posfácio em
proldoevolucionismodarwinista,conformepropunhaFleck,analisadasnoquechamei
anteriormentede“primeirasreformulações”,Kuhnmanteve‐seatreladoàdeterminadas
concepçõesderevoluçãocientífica.Adivisãoentretraduçãoeinterpretaçãopermitiuao
autor corroborar a noção de incomensurabilidade (que passa a ser vista como
impossibilidade de tradução) e a revolução científica, entendida como forma de
interpretaçãoouexperiênciadegestalt.Assim,quantoàvertenteevolucionista,pode‐se
49
EssapassagemtambémpodeserencontradaemKUHN,Thomas.¿Quésonlasrevolucionescientíficas?Y
otrosensayos.Barcelona–BuenosAires–México:EdicionesPaidós,1989c.
82
dizerque“[...]essaperspectivanãofoiefetivamenteexploradanempelopróprioKuhn,
nemporseusleitores,poisaGestaltqueorientaaleituradeAEstruturadasRevoluções
Científicasé,semdúvida,revolucionáriaenãoevolucionária.(CONDÉ,2005b,p.143).
Dessa forma, pode‐se dizer que algumas de suas referências, comoFleck,nãoforam
exatamente incorporadas pelas revisões kuhnianas. Isto é, a concepção kuhniana
continuouvinculadaàidéiaderevoluçãocientíficacomodescontinuidade,comoabrupta
ruptura e, conseqüentemente, envolta pelo conceito de incomensurabilidade. As
revoluçõesseriam,agora,alteraçõesdoconhecimentointrínsecoàpróprialinguagem.
Comamanutençãodasnoçõesderevoluçãocientíficaede
incomensurabilidade, a diferenciação entre ciência normal e ciência extraordinária
transforma‐seemdistinçãoentremomentosdodesenvolvimento,emqueháeemque
nãohátraduçãopossível.Portanto,mantiveram‐seinalterados,também,oscontextosde
continuidade(ciêncianormal)ederuptura(ciênciaextraordinária)dodesenvolvimento
científico,deformamuitosemelhanteaoqueexposto,em1962,noEstrutura.Porfim,
valelembrarqueseunovolivro,queconteriaaidéiafinalsobre o desenvolvimento
científicokuhniano,nuncachegouaserpublicado.Porisso,algunsproblemasreferentes
aos seus últimos escritos permaneceram sem posteriores revisões.
50
Isto é, se as
diferençasentreoEstruturaeasinúmerasrevisõeselaboradasporKuhnalgumasvezes
implicavam em novos problemas, tais questões não foram rigorosamente trabalhados
porKuhnemum“novoEstrutura. Tal livro, inacabado e nunca publicado, segundo
adiantouoautor,seriaintituladoThe plurality of worlds: An evolutionary theory of
scientificDiscovery(Apluralidadedosmundos:Umateoriaevolucionáriadadescoberta
científica).Porexemplo,Kuhnnuncapublicouquestionamentossobreaviabilidadeda
interpretação e do aprendizado de teorias que não pudessem ser traduzidas. Afinal,
“como seria possível qualquer inteligibilidade sem certo grau de tradutibilidade?”
(PARREIRAS,2006, p. 175). Se assimofizesse,Kuhnsedeparariacomoproblemada
incomensurabilidade. Ainda que respondesse alegando que o aprendizado ou
interpretação dar‐se‐ia na prática, como pelo exemplo do aprendizado do termo
intraduzívelgavagai (KUHN,2006a,p.53‐55),essasquestõesnuncaforamfortemente
debatidasemumaobraposterior.
50
Em“Comensurabilidade, Comparabilidade, Comunicabilidade”, Kuhn (2006a) contra‐argumenta as
críticasdeKitchereMaryHesse.Emgeral,Kuhnargumentaemfavordarevoluçãocientíficacomosendo
umamudançadelinguagem.
83
Apesar das inúmeras reformulações, acredito que o autor nunca conseguiu
reformular,defato,atradiçãorevolucionáriae,conseqüentemente, os conceitos de
revolução científica, como ruptura, e de incomensurabilidade, que assegurava tal
ruptura. Segundo o autor: “Quanto ao fundamental, meu ponto de vista permanece
quasesemmodificações,masagorareconheçoaspectosdeminhaformulaçãoinicialque
criaramdificuldadesemal‐entendidosgratuitos.”(KUHN,1990,p.217).Éporissoque
sepodeafirmar,grossomodo,queasconcepçõesdeKuhn,bemcomoosproblemascom
osquaisessasconcepçõessedepararam(esedeparamainda)continuarambasicamente
osmesmos.Dequalquermodo,aidéiadedesenvolvimentocientífico daí advinda
influenciouumconjuntodepesquisadorese,concretamente,abriunovaspossibilidades
paraaHistóriadasciências.
Nopróximocapítulo,analisareiumautorquecriticaacomumutilizaçãoda
concepção de “revolução científica” na História das ciências. Abordarei,pois,as
concepçõesdeStevenShapin.
ConsideraçõesFinais
Pormeiodosargumentosdesenvolvidosaolongodessecapítulo,foipossível
perceberemquemedidaostrabalhosdeThomasKuhnampliaramanoçãoderevolução
científica,talcomoteriasidoutilizada,ressignificadaporAlexandreKoyré.Vimosque,
emboraopróprioKoyrépossaserlidocomoumautorqueconsiderava os aspectos
externos como relevantes para o processo de desenvolvimento científico (STUMP,
2001), esse autor não analisou explicitamente a influência desses fatores ao longo de
suasobras,tendologrado,portanto,escrevernarrativasconsideradaspormuitoscomo
internalistas.Nesse sentido, ThomasKuhn ampliou o conceito de revolução científica,
poisdividiusuanarrativadeacordocomasênfasesdadasaosfatores,orainternoeora
externo.
Alémdadivisãoentreinternoeexternoquedeixasuanarrativahíbrida,que
segundo alguns autores (KOYRÉ apud KUHN, 2006b) teria reunido as antes tão
distanciadas vertentes internas e o externas, Thomas Kuhn lançou mão de alguns
conceitosquesetornarampatentesparaoentendimentododesenvolvimentocientífico
84
por meio das chamadas revoluções científicas. Conceitos como paradigma, ciência
normal, quebra‐cabeças, anomalia, crise, ciência extraordinária, revolução científica e
incomensurabilidade,tornaram‐semarcasdaconcepçãokuhnianasobreasrevoluções
científicasexpressasaolongodesuamaiscélebreobra,aEstruturade1962.Apesarda
grandedifusãodessetrabalho,algunsdosconceitosdeThomasKuhn foram
rigorosamente analisados e questionados. Entre os conceitos mais questionados,
selecionei aqueles que poderiam resumir a concepção kuhniana sobre o
desenvolvimento científico: paradigma,revoluçãocientífica(troca de paradigma) e
incomensurabilidade (incompatibilidade de paradigmas). Além disso, foi possível
entender como Thomas Kuhn respondeu as críticas endereçadas a alguns de seus
conceitos específicos, como a polissemia do termo paradigma ou a não racionalidade
oriunda do conceito de ciência normal. Vimos, também, como Kuhn respondeu as
críticasrelacionadasà noção dedesenvolvimentocientíficoemergenteapartirdesua
obra,comoacríticaderelativismo,porexemplo.
Naseqüência,tenteidemonstrarcomoThomasKuhnprocurouseposicionar
frenteessascríticas,algumasvezesseaproximandodostrabalhosdeFleck,queteriam
influenciado o pensamento kuhniano desde seus primeiros estudos, e outras, fixando
novas formas de conceber o conceito de incomensurabilidade e, conseqüentemente,
novasformasdeentenderarevoluçãocientífica.Porfim,foipossível concluir que,
apesar de se aproximar das tendências evolucionistas da História das ciências, Kuhn
manteve‐se atrelado ao conceito de revolução como ruptura, isto é, manteve‐se fiel a
tradiçãofundadaporKoyréemcontrastefrenteàsantigasnarrativaswhigsdoséculo
XIX que viam o desenvolvimento científico como sendo a acumulaçãodossaberes
científicos. A respeito das revisões kuhnianas, grosso modo, pode‐se dizer que a
concepçãoderevoluçãocientíficadefendidaporThomasKuhnestá diretamente
relacionada ao novo posicionamentodesseautorcomrelaçãoaotermo
incomensurabilidade, que passa a ser entendido como uma questãorelacionadaà
linguagem,de diferenciaçãoentre tradução einterpretação.Emoutras palavras, Kuhn
mantém‐sefirmeaconcepçãooriginaldoEstrutura.Istoé,incomensurabilidadetorna‐
seimpossibilidadedetraduçãoentrediferentesparadigmascientíficos,entrediferentes
linguagenscientíficas,enãoimpossibilidadedeinterpretaçãoe aprendizado dos
distintos paradigmas. Segundo a reformulação do autor, ainda que não fosse possível
traduzirumateoriaApelomodelodeumateoriaB,ambaspoderiamserentendidas
85
peloscientistasque,fazendousodarazãocientífica,optariampordeterminadateoria(A
ouB)emdetrimentodaoutra.Apesardeamenizaraamplitudedotermo
incomensurabilidade,Kuhn fixaaexistênciadeumaincomensurabilidade como sendo
relacionadaàtradução,istoé,incomensurabilidadetornar‐se‐iaumaquestãolingüística.
Assim,arevoluçãocientífica,comoumarupturaestariaasseguradaemseustrabalhos,
pois pela interpretação ou gestalt, Kuhn permitiria a seus leitores entenderem as
revoluçõescientíficascomorupturasnaestruturadoconhecimento,nosparadigmas,ao
longododesenvolvimentocientífico.
ThomasKuhnteriapassadoosúltimosanosdesuavidae,desuaprodução
acadêmica re‐elaborando seus conceitos, aperfeiçoando sua concepçãosobreo
desenvolvimentocientífico.Suanovaobra,quesechamariaA pluralidade dos mundos:
Uma teoria evolucionária da descoberta científica, jamais chegou a ser publicada,
portanto,algumasdasreformulaçõesforamexpostasapenasembreveartigos,reunidos
nacoletâneaintituladaOcaminhodesdeAestrutura,publicadaem2000.Apesardenão
ter concluído suas reformulações, Kuhn deixou apontamentos que possibilitaram as
geraçõesseguintesdesenvolvernovasformasdeentenderoempreendimentocientífico
e,sobretudo,arevoluçãocientífica.Entreessasnovasformasdeseentenderarevolução
científica,pode‐secitarostrabalhosdeStevenShapin.Segundoesseautor,arevolução
científica, tal como teria sido descrita pelas obras de Alexandre Koyré, Herbert
Butterfield,RupertHalleThomasKuhnnãoteriaexistido,seriafrutodeummitocriado
porilustreshistoriadores(SHAPIN,2000).Veremos,nocapítuloseguinte,comoacrítica
do conceito de “revolução científicaserelacionaàconcepçãocunhada por Koyré em
meadososanos1930eampliadapelosestudoskuhnianosapartirdadécadade1960.
86
3STEVENSHAPINEODECLÍNIODAREVOLUÇÃOCIENTÍFICA
Consideraçõesiniciais
Em The Scientific Revolution (A revolução Científica), obra publicada em
1998, Steven Shapin começa sua argumentação com a seguinte frase: “A Revolução
científicanuncaexistiu,eesselivroésobreela.(SHAPIN,2000, p. 17). O autor não
pretendenegarasimportantestransformaçõesocorridasnocomeçodaIdadeModerna,
masdefenderatesedequearevoluçãocientífica,talcomoforanarradapelavertente
históricainauguradaporKoyré,nuncateriadefatoexistido.Istoé,emKoyré,tratar‐se‐
iadeummitodecriaçãodaciênciamoderna.ConformeexplicaShapin,ummitodoqual
aciêncianãonecessitaparaselegitimarsocialmente.
Segundo o autor de The Scientific Revolution [1998],
51
as transformações
ocorridasemmeadosdosséculosXVIeXVII,tãoconhecidasenarradas,foramdescritas
pelas seguintes características: a) mecanização da natureza (estudos sobre o
movimento, por exemplo); b) despersonalização do conhecimento (separação do
conhecimentosobreohomemdoconhecimentosobreanatureza);c)elaboraçãodeum
método mecânico e não personalista que eliminaria os perturbadores efeitos da
subjetividade; d) por último, emergência de um conhecimento útil, desinteressado e
objetivo.Esseestatutodeobjetividadeéaprincipalmarcado conhecimentocientífico
identificadocomociênciamodernaque,porsuavez,seriafrutodarevoluçãocientífica.
Essaseria,então,aforma“canônicadeentenderenarrararevolução científica
(SHAPIN,2000).
Trabalhandoemumadimensãooposta,Shapinbaseia‐senopressupostode
queaciênciaéumaatividadehistóricaesocialmentesituada,contextualizada.Osfatores
intelectuaiseinstitucionaisseriamcomplementaresaosfatoresinternos.Sendoassim,
existiria muito de social no interior do laboratório e, ao mesmo tempo, muito de
científicoforadele.Talfatonãopermitirianarrarexclusivamenteouseparadamenteas
51
Adataentrecolchetesrefere‐seàdataoriginaldepublicaçãodaobra.
87
característicasqueforamassimiladaspelavertentecanônica.Contudo,talvezoquemais
diferencieostrabalhosdeStevenShapindaqueleschamadosdecanônicos”éque,para
esse autor, não haveria algo como uma essência da revolução científica. Em outras
palavras, haveria inúmeros aspectos que poderiam caracterizar as transformações
ocorridas a partir do século XVI. Shapin defende a idéia de queexisteuma
heterogeneidadecientífico‐culturalentreosséculosXVIeXVII.Talfatopermitirianarrar
oqueseconvencionouchamarderevoluçãocientíficadeinúmerasformasenãoapenas
pelasformasecaracterísticasutilizadaspelahistoriografia“canônica”. Contra a
concepção que vê a revolução científica como um corpo de conhecimentos acabados,
Shapin propõe entender as transformações como um corpo de conhecimentos
compreendidos a partir de seus processos, de suas práticas de produção (SILVA;
SERÔDIO,2000).
Por meio da análise dos trabalhos de Shapin, em contraste com a vertente
historiográficatradicional(fundadaporKoyréeampliadaporKuhn),pretendoentender
comoaquele autor arquitetasua noção dedesenvolvimentocientífico,negandoaquilo
queahistoriografiaintitulouderevoluçãocientífica.AnalisareicomoShapinquestionaa
existência de uma revolução tomada como ruptura teórica em direção às teorias
melhoresoumaisexatas,concepçãoqueéabaseparaentendimento de revolução
científica conforme a proposta de Koyré. Analisarei, ainda, como o autor questiona o
adjetivo“científico”queseriafrutodeumaseparaçãofundamentalentreocientíficoeo
nãocientífico,entreoracionaleonãoracional.Segundooautor, essa cisão,
erroneamente descrita e prescrita pelos historiadores da ciência, seria resultado da
concepçãoderevoluçãocientíficaedeciênciacomofrutodoestatutodeobjetividade.
Porfim,pretendodemonstrarcomoShapinconstróiseupensamentopormeiodanoção
dequearevoluçãocientíficaéumdosmitosmaiscélebresdahistoriografiadasciências.
3.1D´OLeviatãeaBombadeAr
Nãoiniciareiaanálisesobreostrabalhos deStevenShapindaformacomo
inicieios capítulos anteriores,istoé, pela contextualização doautoremquestão.Esse
procedimento se justifica pelo fato de que a contextualização de Shapin reflete
88
diretamente seu posicionamento a respeito do desenvolvimento científico. Tal
posicionamentoéomarcoaoqualpretendochegaraofimdessaanálise,poisrepresenta
aquiloquedenomineianteriormentecomomomentodedecadênciadosestudossobrea
revoluçãocientífica.Porisso,antesmesmodecompreenderocontextodeproduçãoeos
principaisposicionamentos teóricos do autor e de seus interlocutores,proponho uma
descriçãodasmodificaçõesocorridasnoséculoXVII,taiscomoforamnarradasaolongo
detrabalhosdeStevenShapin.Emoutraspalavras,pormeiodasnarrativasedescrições
desseautorpretendoentender,primeiramente,qualaconcepçãoderevoluçãocientífica
que emerge dos estudos shapinianos. Posteriormente, pretendo analisar como essa
concepçãosobreodesenvolvimentocientífico,esobrearevoluçãocientífica,seadéqua
aos posicionamentos teórico‐metodológicos defendidos por Steven Shapin e por seus
interlocutores,chamadaNovaSociologiadaCiência.
DiferentementedostrabalhosdeKoyréeKuhn,osestudosdeShapinsobre
as transformações do século XVII não enquadram, em primeiro plano, o campo da
Astronomiae da Física.Conseqüentemente,ospersonagensescolhidosparadescrever
essastransformaçõesnãoforamostradicionais(Copérnico,Kepler,GalileuouNewton),
embora muitas vezes esses cientistas apareçam em suas análises. Ao invés disso, ao
longo das obras de Shapin, deparamo‐nos, mais constantemente, com as inovações
técnicas e experimentais realizadaspor Robert Boyle. Como é sabido, Boyle realizava
experimentosquímicospormeiodaproduçãodeequipamentosprópriosparaessefim,
tal como a bomba de ar, originalmente inventada por Otto Von Guerick,porvoltade
1650.Em um trabalho já consagradopela historiografia das ciências, Steven Shapin e
SimonSchafferdescrevemdetalhadamenteaproduçãodeconhecimentorealizadapor
Robert Boyle por meio de seus experimentos com a bomba ar. Essaobra,intitulada
Leviathan and the AirPump: Hobbes, Boyle, and the Experimental Life (OLeviatãea
bombadear:Hobbes,BoyleeaVidaExperimental),disponívelem cinco idiomas
52
,
talvezpossaserconsideradaomaissignificativotrabalhodeShapin (escrito em co‐
autoria)sobreastransformações,asquechamamosdecientíficas,realizadasnoséculo
XVII.
Vejamos, então, como os autores desenvolvem a narrativa sobre as
transformaçõesdoséculoXVIIaolongodesselivrode1985que,segundoAlfonsoBuch,
52
Entreastraduçõesde“LeviathanandtheAirPumptêmseatradução francesa de 1993, a versão
italianade1994,aediçãoespanholade2005eporúltimo,atraduçãochinesarealizadaem2006.
89
“[...]constituiumareferênciacentraldachamada‘NovaSociologiadaCiência’.”(BUCH,
2005, p. 11)
53
Inicialmente,podesedizerqueatesecentraldaobrapartedo
pressupostodequeassoluçõesdadasaosproblemasdoconhecimento estão
incorporadasàssoluçõespráticasdadasaoproblemasocial.Ouseja,odesenvolvimento
científicoestá indissociavelmenteinterligadoao desenvolvimento daspráticassociais.
Nãoporacaso,ShapineSchafferescolhemumacélebrequerelaentredoispersonagens,
que seriam ícones, respectivamente, da Filosofia política anglosaxônica e da Filosofia
Natural: Thomas Hobbes e Robert Boyle. Apesar de possuírem distintas áreas de
atuação,HobbesfoiumdosmaioresopositoresdostrabalhosdeBoyle.Porváriosanos,
sedesenvolveuumadiscussãoentreosdois.Hobbesnegavaaexistênciadovácuonão
peloterrordovaziodifundidopelos pensadores peripatéticos, e sim pela própria
natureza da pesquisa filosófica (Filosofia Natural), pelo funcionamento da bomba de
Boyle.AnegaçãodovácuonointeriordabombacolocavaemriscotodooPrograma
experimental baseado na produção de experimentos, pois Hobbes afirmava que o
Programa experimental não produziaconhecimentodamaneiracomoBoyleafirmava
produzir. Imediatamente, o leitor percebe que, ao longo da narrativa histórica, os
autoresresgatamposicionamentosdeHobbesque,emgeral,nãoforamabordadospela
historiografia tradicional. Isto é, se estamos acostumados aos estudos hobbesianos
sobre a política, o livro de Shapin e Schaffer nos apresenta outros aspectos do
pensamentodeHobbes,asaber,osaspectoscientíficos.Esseé,inegavelmente,umdos
grandesméritosdotrabalhodeShapineSchaffer.Apesardisso,éimportantelembrar
que “[e]stamos muito longe de conhecer o verdadeiro lugar de Hobbes na Filosofia
Natural do século XVII. [...]” (SHAPIN; SCHAFFER, 2005, p. 36, tradução minha).
54
Segundoexplicamosautores,odesconhecimentodesseviéscientíficohobbesianopode
estarrelacionadoaofatodequeThomasHobbesestava,cientificamente,emoposiçãoao
“herói” consagrado pela História das ciências whig: Robert Boyle. Como vimos
anteriormente,essavertentereconstituíaosgrandesfeitos,asgrandesdatas,osmarcos,
os “heróis da ciência” (SHAPIN; SCHAFFER, 2005). Seria muito difícil encontrar
narrativas, entre obras da chamada vertente whig, sobre “os vencidos”, sobre os
53
“EllibrodeShapinySchaffer,El Leviathan y la bomba de vacío: Hobbes y Boyley la vidaexperimental,
constituyeunareferenciacentraldelallamada‘nuevasociologíadelaciencia”.(BUCH,2005,p.11).
54
“Sinembargo,estamosmuylejosdeconocerelverdaderolugardeHobbesemlafilosofianaturaldel
sigloXVII.[...]”(SHAPIN;SCHAFFER,2005,p.36).
90
cientistas que advogaram em causa de teorias que não vingaram ao longo do
desenvolvimento de determinada área da ciência. Talvez, por esse motivo, o
posicionamentodeHobbessobreovácuo,oumesmosobreostrabalhosdeBoyle,seja
desconhecido do grande público, pois tais declarações foram superadas pela teoria
“vencedora”deBoyle.Apesardecriticarasnarrativaswhigs,narrarodesenvolvimento
científicoporumviésdiferenciadonãoéumatarefafácil,confessamShapineSchaffer.É
umatarefaárdua,poisfaltam documentos einterlocutores.Outradificuldadetambém
aparece quando o objetivo é relatar as controvérsias científicas.Segundo explicam os
autores,ahistoriografiachamadawhigesteve,pormuitotempo,inclinadaàsnarrativas
dosvencedorese,namaiorpartedasvezes,talfatoexcluíaascontrovérsias,osembates
eimpassescomunsdodesenvolvimentocientífico.Defato,ShapineSchafferprocuram
romper com as auto‐evidências dos estudos de Thomas Hobbes e de Robert Boyle e,
assim,estudamumembateentreaFilosofiaNaturalesuasimplicações políticas,
tomadascomo indissociáveis.Porisso, nãoé possível afirmarque o livrodeShapine
Schaffersejaumaobrasobreahistóriadaciência,tãosomente.Trata‐sedeumtrabalho
tambémsobrehistóriapolítica.(SHAPIN;SCHAFFER,2005)
SegundoShapineSchaffer,Boylebuscavaaaceitãodesuasidéiaspormeio
dageraçãoexperimentaldefatosconfiáveis.Oexperimentalismo boyleano fornecia a
certezaapropriadadosfatos, pois sebaseava em máquinaspreparadaspara essefim.
ParaBoyle,eraessencialconseguirmultiplicarosfatos,istoé,torná‐losprocedimentos
quepudessemserrepetidosporoutrosexperimentadores.“Seaexperiênciaerapossível
deserestendidaavários,eoprincípio,atodososhomens,então,oresultadopoderia
constituir‐se em um fato.” (SHAPIN; SCHAFFER, 2005, p. 57, t
radução minha).
55
Para
empreenderoProgramaExperimental,Boyleutilizou‐sedetrêstecnologias,explicamos
autores. Essas três tecnologias, todas interligadas, podem ser assim descritas: a)
tecnologiamaterial,aquelaenvolvidanaconstruçãoenosmelhoramentosdabombade
ar;b)tecnologialiterária,pormeiodoqualosexperimentossefaziamconhecer;c)e,
por último, a tecnologia social,queincorporavaasconvençõesda rede dos filósofos
naturais. Portanto, pode‐se dizer que o Programa experimental de Boyle estava
assentadonopressupostodequeasmáquinas–taiscomoabombadear,otelescópio
ouomicroscópio–reforçariamacapacidadedepercepção.Alémdisso,estavabaseado
55
“Silaexperienciaeraposibledeserextendidaavarios,yemprincipioalatodosloshombres,entonces
elresultadopodiaconstituirseenunhecho.”(SHAPIN;SCHAFFER,2005,p.57)
91
na importância da publicação do conhecimento para o reconhecimento das novas
descobertas. Tal pressuposto é evidenciado no mais importante trabalho de Boyle, o
New Experiments PhysicoMachanical [1660] (Novos Experimentos Físico‐Mecânicos),
que é um verdadeiro relato de experiências realizadas. Segundo os pressupostos
boyleanos, as descobertas deveriamserdevidamenteesquematizadas, publicadas e
repetidas,somenteassimpoderiaserlegitimadapelacomunidadedefilósofosnaturaise
ganhar o respaldo das respectivas entidades políticas. O reconhecimento garante a
tecnologiasocial,estruturaumarededeconvençõesentreosfilósofosnaturais.Segundo
explicaShapineSchaffer,emumquadroexperimentalconcreto,Boylemostra,no“New
Experiments”
56
,
como deveria proceder o novo filósofo natural ao tratar os assuntos
concretos acerca da indução, da construção de hipóteses, da teorização causal e da
relaçãoentreosfatosesuasexplicações.Enfim,omodelopropostoporBoyleenvolvia
umasériedeconvençõesque,segundoShapineSchaffer,podemserentendidascomo
uma“formadevida”,ummodelototaldepráticasdiversas.
57

RobertBoyletambémlutavacontraosubjetivismonaFilosofiaNatural.
Sempre tecendo argumentos em favor do “ato coletivo”. Para ele,aproduçãode
conhecimentodeveriaserumaempresacoletiva.Porisso,asexperiênciasdeveriamser
repetidas inúmeras vezes por diferentes experimentadores. Segundo Boyle, a
coletividade, empregada dessa forma, expurgava as idiossincrasias individuais da
produção de conhecimento. Aqui estão alguns elementos do Programa Experimental
defendidoporBoyle.AsdescriçõesqueBoylefaziadaproduçãodeconhecimentonosé
muito familiar, pois muito se assemelha aos padrões de cientificidade almejados na
contemporaneidade. Por exemplo, o ambiente de produção de conhecimento descrito
por Boyle lembra‐nos muito os laboratórios de hoje. Um conhecimento específico,
baseado em experiências, em estatísticas; elaborado em ambientes restritos. Embora
fossemlugaresquebuscavamrespaldopúblico,eramambientesrestritos.Essaerauma
das grandes críticasde Hobbes aoprojeto de Boyle. Pode‐se pensarque essanão era
umacríticacientíficastricto sensu, esimumacríticapolítico‐social.Apesar deHobbes
56
Shapin e Schaffer preferem abreviar o nome da mais importante obra de Robert Boyle de New
ExperimentsPhysicoMachanicalparaNewExperiments.Adotarei,apartirdeagora,amesmaconvenção.
57
Está claro que Shapin e Schaffer utilizam‐se da noção wittgensteiniana de “forma de vida”. Para
Wittgenstein,umjogodelinguageméumaatividadesocial,istoé,aofazerusodeumalinguagemestamos
agindo em um contexto social. Nossos atos são eficazes e significativos porque fazem parte de
determinadasformasdevida,depráticaseinstituiçõessociais. Para maiores detalhes ver:
WITTGENSTEIN,Ludwig.Investigaçõesfilosóficas.Lisboa:FundaçãoCalousteGulbenkian,2002.
92
criticarveementementeaidéiadequeabombadeBoyleproduziavácuoeafirmarque
osprocedimentosdeBoylenãogerariamcertezasválidas,arejeição de Hobbes aos
trabalhos de Boyle não estava baseada apenas nos argumentos experimentais e
científicos,segundoShapineSchaffer:
[...][A]rejeiçãodeHobbesaovácuonãoeraoutracoisasenãoanegão
do poder político da Igreja, fundada, segundo ele, na afirmaçãode
entidadesinexistenteseauto‐contraditórias,comoado“serimaterial”
ouado“espírito”.Ovácuodeviaserafastadodomundopossívelporque
eraofundamentodopoderreligiosoecolocavaemperigoapazsocial:
de tal modo que o debate científico possuía um forte fundamentono
debatedenaturezapolíticaenaexperiênciadeguerracivilinglesa,
produzida,segundoHobbes,porclérigosirresponsáveiseansiosospor
prejudicaropoderreal.[...](SHAPIN;SCHAFFER,2005,p.14,tradução
minha).
58
EmO Leviatã,explicamosautores,Hobbesdelineouumesquemaparticular
domundonatural.Deacordocomesseesquema,Hobbessedeclaracontraasalegações
de existência de substâncias não corporais, muito comum entre os sacerdotes, por
exemplo.ParaHobbes,osclérigossebeneficiavampoliticamentedeumausurpaçãodo
nomedeDeus.Contraisso,O LeviatãproferiaumaFilosofiaNaturalmaterialista.Para
Hobbes,omundoéumcorpopleno,oquenãoécorponãoexiste.Épossível,assim,
perceberasobjeçõesentreopensamentodeHobbesedeBoyle:omundoplenoversuso
mundo do vácuo. Percebe‐se, também,comoanarrativadeShapine Schaffer integra,
interliga, as análises entre os problemas científicos e os problemas sociais, políticos,
culturais,ideológicos.ParaevidenciaroembateentreBoyleeHobbes,ShapineSchaffer
pontuamquaisasprincipaiscríticasdeHobbesaoProgramadeBoyle.
59
ComShapine
Schaffer,podemosfazerumasériedeconsideraçõesacercadasconcepçõesdeHobbes.
Hobbesnãoacreditavanocaráterpúblicodasrealizaçõesexperimentais,portanto,não
acreditavanoconsenso,naciênciacomoumconhecimentoempreendidocoletivamente.
Hobbesnãoviasentidoemrealizarumasériedeexperimentosseapenasumseriacapaz
58
“(...) [E]l rechazo de Hobbes hacia el vacío no eraoutracosa queun rechazo alpoder políticode La
Iglesia,fundado,segúnél,enlaafirmacióndeentidadesinexistentesyautocontradictorias,comolade‘ser
inmaterial’olade‘espíritu’.Elvacíodebíaseralejadodelmundodeloposibleporqueeraelfundamento
del poder religioso y ponía en peligro la paz social: de tal modo el debate científico poseía un fuerte
fundamentoenundebatedenaturalezapolíticayenlaexperienciadelaguerracivilinglesa,producida,
segúnHobbes,porclérigosirresponsablesyansiosospormenoscabarelpoderreal.”(SHAPIN;SCHAFFER,
2005,p.14).
59
Vale lembrar que, ao longo de O Leviatã e a Bomba de Ar,osautoresretratamtambémoutros
importantes críticos de Boyle, entre eles Linus e Henry More. Shapin e Schaffer procuram, assim,
demonstraraexistênciadeumextensodebate,internoeexterno,acercadasdescobertasdeBoyle.
93
de explicar determinado fato. Por isso, negava o caráter filosófico do Programa
Experimental pleiteado por Boyle. Também negava a afirmação sistemática dos
experimentadores de que era possível estabelecer uma fronteira de procedimentos
entre a observação das regularidades físicas produzidas pelos experimentos e a
identificaçãodascausas.Hobbesnãovinculavaaproduçãodeexperimentosàexplicação
dascausas. Acreditavana necessidadedeexplicações alternativas,por isso Hobbes se
dizia“plenista”emoposiçãoaocaráter“vacuista”deBoyle.Porfim,Hobbesacreditava
quetanto as bases como osresultados dosexperimentos poderiamserquestionáveis.
Portanto,acertezacoletivadequeRobertBoyleprimavatambémnãoeraconsiderada
adequadaparaospadrõesdeThomasHobbes.
TendoporbaseessascríticasdeHobbesaBoyle,épossíveldizerqueessas
nãoeramapenascríticasabstratas,oumelhor,críticassociais, políticas, culturais ou
ideológicas.Aocontrário,HobbesafirmavamecanicamentequeabombadeardeBoyle
nãotrabalhavadeformaadequada,poissuaintegridadefísicaeravioladaaolongodo
processo. Então, a bomba de ar boyleana não era um instrumento filosófico
apropriado.
60
ThomasHobbesseempenhouemmostrarquealgumasubstância,mesmo
que invisível, estaria sempre presente no interior da bomba. Para tanto, fixava suas
críticasnaporosidadedosmateriaisutilizadospor Boylenaconstruçãoda bomba.Os
experimentos realizados com a bomba de ar não garantiriam certeza alguma, pois se
tratavam de experimentos mal realizados, mal interpretados. A partir das críticas de
carátercientíficoendereçadasaostrabalhosdeBoyle,Hobbesargumentava que a
realização sistêmica de experimentos, tal como propunha Boyle e os adeptos do
Programa Experimental, não deveria ser chamado de “Filosofia Natural”. Os
experimentos não seriam capazes de responder todas as questões formuladas pela
FilosofiaNatural,poisestaseriamuitomaisdoquetornarosfenômenosvisíveis.Isso
não quer dizer que Hobbes desconsiderava totalmente os experimentos,mas, de fato,
desconsideravaosexperimentosproduzidospormáquinas,comoabombadear.
Opontonãoéque Hobbes“menosprezava”os experimentos,nemque
argumentavaqueosexperimentosnãodeviamserrealizados,tãopouco
que os experimentos não teriam lugar significativo na filosofiada
naturezapropriamenteconstituída.OqueHobbesestavaafirmandoera,
60
RefereseauminstrumentodaFilosofiaNatural.Aolongodotexto, Shapin e Schaffer utilizam a
expressãofilosofiareferindo‐seaFilosofiaNatural.Namesmamedida,filósofosignificaaquelequepratica
aFilosofiaNatural.
94
nãoobastante,quearealizaçãosistemáticadeexperimentosodevia
seigualarcomafilosofia:irpelocaminhoqueBoylerecomendavaaos
experimentadoresnãoeraequivalenteàpráticafilosófica.Avia
experimental e a via filosófica eram fundamentalmente diferentes:
diferiam em sua capacidade para assegurar o consentimento entreos
intelectuaiseapaznaorganizaçãopolítica.(SHAPIN;SCHAFFER,2005,
p.187,traduçãominha).
61
Hobbes dava mais valor àsexperiências comuns do que àquelas “forçadas”
por experimentadores. Pois os experimentadores eram homens politicamente
poderosos que, movidos por interesses pessoais, manipulavam os resultados dos
experimentos.Paraele,essetipodeciênciaseriafrutodaimaginaçãoedointeressede
alguns homens e não das leis naturais, da certeza oriunda da natureza. Portanto, os
resultadosdoProgramaExperimental,segundoHobbes,nãodeveriamserchamadosde
FilosofiaNatural.
Alémdisso,ShapineSchafferexplicamque,paraHobbes,aFilosofiaNatural
deveriaalcançaroconhecimentodosefeitospeloconcretoconhecimentodascausase
não o contrário, tal como era a proposta do Programa Experimental: dos efeitos,
experimentos,achavam‐seascausas.Hobbesquestionavaosexperimentadoressobreas
causasdosfenômenoseafirmavaque,seelessedeclinavamaexplicarascausas, não
eram melhores que os peripatéticos. Essa era uma crítica impactante, pois a filosofia
experimentalnãosebaseava,veementemente,noconhecimentodascausas.Assim,para
Hobbes,oProgramaExperimentaldeBoylenãoerafilosófico,poisnãogeravaotipode
certeza apropriado para as indagações filosóficas. A Filosofia Natural não deveria
orientar(pormeiodeexperimentos)acerteza,poisestaseriaanterior.Acertezaseria,
então,resultadodeumaconvenção.Masumaconvençãodarealidade,danatureza,enão
daagênciahumana,fosseindividualoucoletiva.Oardeveriasertestadopeloraciocínio
epelaconvençãodarealidade,nãopelasmáquinas.SegundoHobbes,ofilósofonãodeve
serumcriadordefatos,esimumespelhodanatureza,dascertezasnaturais.
Aqui é onde o Hobbes racionalista e o Hobbes convencionalista estão
ladoalado.Esteaspectotalvezsejamaisevidentenotratamentoque
61
“ElpuntonoesqueHobbes“menospreciabalosexperimentos,tampoco que argumentara que los
experimentos no debían hacerse, incluso tampoco que los experimentos no tuvieran un lugar lugar
significativoemlafilosofiadelanatulezapropiamenteconstituída.LoqueHobbesestabaafirmandoera,
sinembargo,quelarealizaciónsistemáticadeexperimentosnodebíaigualarsecomlafilosofia:irporel
caminoqueBoylerecomendabaalosexperimentadoresnoeraequivalentealaprácticafilosófica.Lavia
experimentalylaviafilosóficaeranfundamentalmentedistintas:diferíanemsucapacidadparaasegurar
elasentimientoentrelosintelectualesylapazenlaorganizaciónpolítica.”(SHAPIN;SCHAFFER,2005,p.
187).
95
Hobbesdáàcertezaquesepodeesperardageometriaedafilosofiacivil.
Dizendo que a geometria era demonstrável devido ao fato de que as
figurasgeométricas“sãotratadasedescritaspornósmesmos”Hobbes
afirmouque“afilosofiacivilédemonstráveldevidoaofatodefazermos
asociedadecivilnósmesmos.Issovaideencontroatodasasintuições
dosempiristas.(SHAPIN;SCHAFFER,2005,p.214,traduçãominha).
62
É também possível perceber, pelas descrições de Shapin e Schaffer, que as
críticasdeHobbesendereçadasaostrabalhosdeBoylee,emalgumamedidaatodosos
trabalhos do Programa Experimental, não eram apenas científicas stricto sensu. As
críticasabarcavamquestõespráticas,culturais,sociais,políticas.Emoutraspalavras,ao
invés de discutir se a prática experimental de Boyle estava certaounão,Hobbes
questionavaaprópriapráticaexperimental.HobbeseBoyletinhamumavisãomecânica
geraldanatureza,masdiferiamquantoaosmeiosparaproduzirconhecimento.
(SHAPIN;SCHAFFER,2005).Nessesentido,arespostadeBoylefoiumadefesatécnica
sobre a integridade da bomba, uma defesa em favor das práticas experimentais e,
também,umarespostaideológicaqueutilizavaargumentosteológicoscontraafilosofia
naturaldeHobbes.
Ambos, Hobbes e Boyle, tentaram comprometer o apoio público de seu
respectivoadversáriopormeiodealegaçõespolítico‐teológicas.Mas,dequedependiaa
aceitaçãodasidéiasdeHobbesoudeBoyle?ShapineSchafferexplicamquesociedade
inglesa da Restauração procurava prevenir crises anárquicas e a produção de
conhecimento era uma excelente ferramenta contra essas crises, desde que fosse
regrada.BoyleeHobbessabiamdisso,portantoBoylefaziarelação entre a filosofia
natural e a religião, enquanto Hobbes submetia tudo à autoridadedoEstado.Parao
Estadorestaurado,tododebatelivrealimentavaacontendacivil,porissoas
divergênciasdeveriamsermantidasdentrodeumafronteiradelimitada. Os debates
entre Boyle e Hobbes foram intensos até meados de 1666, quando O Leviatãfoi
perseguido e quando Hobbes sofreu fortes restrições para publicartrabalhossobre
política ou religião. Enquanto isso, Boyle se adequava dentro das fronteiras definidas
peloEstado.SerealizadadaformacomoeradeterminadaporBoyle,aexperimentação
62
“AquíesdondeelHobbesracionalistayelHobbesconvencionalistavandelamano.Esteaspectoestal
vezmásevidenteeneltratamientoquedaHobbesalacertezaquepuedeesperarsedelageometriaydela
filosofiacivil.Habiendodichoquelageometriaerademostrabledebidoaquelasfigurasgeométricas“son
trazadasydescriptaspornosotrosmismos”Hobbesafirmoque“lafilosofiacivilesdemostrabledevidoa
que hacemos la sociedad política nosostros mismos”. Esto va en contradetodaslasintuicionesdelos
empiristas.”(SHAPIN;SCHAFFER,2005,p.214).
96
ajudariananormalizaçãopolíticaeclesiástica.AindaqueostrabalhosdeBoylefossem
diferentesdasconcepçõesdaIgreja,eravaliosoparaelaqueasregrasdojogofossem
respeitadas.EsseeraoaspectodoProgramaExperimentaldeBoylequeeraútilparaa
Restauração.Diferentementedisso,Hobbesviaaexperimentaçãocomoumnovotipode
clero,ouseja,umexemplodesastrosodepoderdividido.Hobbes continuou a criticar
Boyleeoclero,poisnãoaprovavaasconvençõescomunitárias.“Hobbescriticouessas
convençõescomunitáriasafirmandoquesuasfronteiraseramtãoporosasaosinteresses
poticosquantoamáquinadeBoyleeraaoarpuro.(SHAPIN;SCHAFFER,2005,p.446,
tradução minha).
63
Assim, Hobbes afirmava que as convenções comunitárias, tão
defendidasporBoyleepelosexperimentadores,erafontedeexplicaçõesbaseadasnas
idiossincrasiasenãonasconvençõesnaturais,nasleisenarealidade natural. Para
Hobbes,asdescobertasdeBoyle,seriam,então,comoasalegaçõesdosclérigossobreos
espíritos,ouseja,umausurpaçãodoconhecimentoemproldeinteressessubjetivos.
Em síntese, os dois intelectuais propuseram soluções diametralmente
diferentesparaoquedeveriaseroconhecimento.Cadaumasuamaneiraestabeleceu
todaumapráticacientífica.“Formasdevidadiferentes,ambas relacionavam a
organização do conhecimento à organização política. As propostas, de Boyle e de
Hobbes, supunham que os filósofos assumiram uma conexão causal entre a estrutura
políticadacomunidadefilosóficaeaautenticidadedoconhecimentoproduzido.Porisso,
ShapineSchafferconcluemquetantoHobbesquantoBoylerespondiamàsnecessidades
daépoca.Eramrespostasàsdemandasdasatividadeseconômicas,políticas,religiosase
culturaisdaRestauração.Asrespostassóalcançariamêxitoàmedidaqueassegurassem
oestabelecimentodopoderrestaurado.E,Hobbesteriapercebidoessacaracterísticana
produçãodeBoyle.Essaseria,então,agrandeinovaçãohobbesiana.Indodeencontroà
forma whigqueenquadraHobbescomoovencidoeBoylecomooglorioso
experimentador,vencedordoembate,ShapineSchafferalegamque“[o]conhecimento,
assimcomooEstado,éoprodutodaaçãohumana.Hobbestinharazão.” (SHAPIN;
SCHAFFER, 2005, p. 464, tradução minha).
64
Portanto, Hobbes pode ter sido narrado
como“operdedor”naquerelacientíficacomBoyle,masemumacoisaeleestavacerto:a
63
“Hobbesrechazóestasconvencionescomunitarias,afirmandoquesusfronteraserantanporosasalos
interesespolíticoscomolabombadevacíoloeraalairepuro.”(SHAPIN;SCHAFFER,2005,p.446).
64
“Elconocimiento,comoelEstado,eselproductodelaacciónhumana.Hobbestêniarazón.”(SHAPIN;
SCHAFFER,2005,p.464).
97
ciência coletiva estava aberta aos interesses sócio‐políticos, culturais, econômicos e,
enfim,aosinteressesdetodaespécie.Averdadeestaria,portanto,ligadaaumaordem
moral,nuncaseriaoresultadodeumatoepistêmicoingênuo.Será,antes,oresultadode
umarelaçãoético‐política.Hobbes mostra‐se opersonagemperfeitoparaosobjetivos
almejados por Shapin e Schaffer, pois alcança a conclusão sobre o desenvolvimento
científico que é almejada pelos autores. Na mesma medida, a querela entre Hobbes e
Boyle configura‐se como o acontecimento apropriado para descreveressesaspectos
“duplos”.Épossível,então,concordarcomosautoresquandoessesafirmamqueolivro
é um trabalho duplo, tanto científico quanto político, pois ambos os aspectos seriam
indissociáveis.E,defato,ShapineSchafferseesforçamparanarrarosfatoscientíficose
sócioculturaisdeformaconjunta,escrevendo,porfim,umlivro que teria tanto de
políticoquantodecientífico.
3.2Darevoluçãocientíficashapiniana
EmseulivroO Leviatã e a Bomba de ar
65
,Shapine Schaffer descrevemum
fatoeseusrespectivosatoresdatransformaçãonoconhecimento.Oobjetivodosautores
ao empreender esse relato histórico,éressaltaraimportânciadas questões sócio‐
culturaisaolongodastransformaçõesdaformadeconhecimento, pois a interrelação
entre as questões científicas e as questões políticas permitiria melhor entender o
contextodedeterminadaépoca.Emumsegundotrabalho,intitulado The Scientific
Revolution (A Revolução Científica) e publicado pela University of Chicago Press em
1998,ShapindesenvolvemelhoralgumasidéiasquejáestavampresentesemOLeviatãe
a Bomba de ar, como a relação entreas questões sócio‐culturais e aciência. Contudo,
nessa segunda obra, agora não mais escrita em co‐autoria, Shapin não se limita à
descriçãodeumfatohistóricoespecífico,comoantesfizerapormeiodaquerelaentre
Hobbes e Boyle. Ao contrário disso, o autor realiza um ensaio bibliográficoquetem
como objetivo analisar as narrativas históricas que abordaram oqueteriase
convencionadochamarde“revoluçãocientífica”.
65
Refiro‐meaolivroquetemonome:OLeviatãeaBombadear:Hobbes,BoyleeaVidaExperimental.
Doravantefareireferênciaaessaobraapenascomo“OLeviatãeaBombadear”.
98
Diferentemente do exposto nO Leviatã e a Bomba de ar, em A Revolução
Científica Shapin empreende um trabalho historiográfico e não um relato histórico
descritivo stricto sensu. O tema desse ensaio historiográfico são os relatos históricos
descritivos sobre a revolução científica. Tal procedimento normativo pode ser
encontrado na fortuna literária deAlexandreKoyré,HerbertButterfield, Rupert Hall,
BernardCohen,ThomasKuhn,entreoutros.Essassãoasfontes,asnarrativashistóricas
analisadasecriticadasporShapinemTheScientificRevolution.Aprimeiraetalvezmais
impactantefrasedeShapinpode,também,serconsideradaessencial para o
entendimentodolegadocríticoshapiniano:“ARevoluçãocientíficanuncaexistiu,eesse
livroésobreela.”(SHAPIN,2000,p.17,traduçãominha).
66
Mas,emquetermosShapin
afirmaquearevoluçãocientíficanãoexistiu?Vejamos,então,comooautordesenvolve
suaargumentação.
ARevoluçãocientíficanuncaexistiu,eesselivroésobreela.Háalgum
tempo, quando o mundo acadêmico oferecia mais certeza e era mais
cômodo, os historiadores anunciaram a existência real de um
acontecimento coerente, turbulento e culminante que, essencial e
irrevogavelmente, transformou o que se sabia do mundo natural ea
maneira com que se conseguia o conhecimento correto do mundo.
(SHAPIN,2000,p.17,traduçãominha).
67
Segundo Shapin, em 1943, Alexandre Koyré explicou o que seriam as
transformaçõesconceituaisquerepresentamonúcleodarevoluçãocientífica.Eramas
transformaçõesnosconceitoscientífico‐filosóficosqueregiamasformasdeconhecero
mundo. A partir daí, teria se formado o que se pode entender como vertente
historiográfica da revolução científica. Isto é, a partir dos trabalhos de Koyré, outros
autoresseempenharamemnarraredescreverastransformaçõesconceituais,técnicase
filosóficasdeumlongoperíodoquevaidoséculoXVIaoséculoXVIII.Posteriormente,
intelectuais como Herbert Butterfield, Rupert Hall e Thomas Kuhn, aprofundaram os
estudos sobre as transformações científicas, tal como elaboradas inicialmente pelo
entendimentokoyreniano. Alguns desses trabalhos não viam as transformações como
diferenças,como rupturas conceituais que refletiam as formas de pensar, e sim como
semelhançasentreonovoeovelho,entreoModernoeoMedieval.Esseshistoriadores
66
“LaRevolucióncientíficanuncaexistió,yestelibrotratadeella.”(SHAPIN,2000,p.17).
67
“LaRevolucióncientíficanuncaexistió,yestelibrotratadeella.Hacealgúntempo,cuandoelmundo
académicoofrecíamáscertezayeramáscómodo,loshistoriadoresanunciaronlaexistenciarealdeun
acontecimiento coherente, turbulento y culminante que, esencialeirrevocablemente,cambióloquese
sabía del mundo natural y la manera en que se conseguia el conocimiento correcto de esse mundo.”
(SHAPIN,2000,p.17).
99
descreveramaperfeiçãodocírculocopernicano,porexemplo,comoumacaracterística
que aproximava Copérnico dos peripatéticos e não dos cientistasmodernos.Alémda
conceãodemudançaconceitual,aviodatransformaçãocomosemelhançastambém
foi muito difundida pela chamada historiografia da revolução científica. Shapin relata
que,comopassardosanoseoavançodosestudos,novosproblemasapareceram.Não
bastava mais narrar as transformações conceituais, era preciso contextualizar os
eventos,osfatos,asidéias,asdescobertas.OlivroA Revolução Copernicana[1957],de
ThomasKuhn,porexemplo,podeserconsideradocomoumatentativadecontextualizar
arevoluçãocopernicana,poissuanarrativasediferemuitodasnarrativasdosautores
que descreveram essa transformação unicamente pelo viés filosófico. Mas, o desafio
enfrentadoporShapinemA Revolução Científicaéoutro,aindamaisespecífico.Todas
essas formas de narrar as transformações científicas respondiam a interesses atuais,
explicaShapin.Seriamuitodiferente,porexemplo,descreverodebateeaimportância
dosrevolucionáriosderrotados,comoocasodeThomasHobbes.Essaé,nãoporacaso,a
proposta shapiniana em A Revolução Científica.Comofoidito,talpropostajáestava
presenteemOLeviatãeaBombadear.
O que Shapin busca narrar sobre as transformações científicas, sobre a
revolução científica que o diferencia das demais narrativas sobreessetema?Oautor
elenca pontualmente algumas concepções que nortearão seu trabalho, sua forma
própriadepensararevoluçãocientífica.Primeiro,explicaqueaciênciaéumaatividade
socialehistoricamentesituada.Porisso,nolivroO Leviatã e a Bomba de ar, por
exemplo,apolíticaeaciênciaaparecemtãointrinsecamenterelacionadas.Talcomoem
seuprimeirolivro,emTheScientificRevolution,aciêncianãoseriaumaatividadeisolada
das demais. A divisão entre internoeexterno,tãodifundidana História das ciências,
deveriasersuperada.Essasuperaçãosedariapelaconciliaçãoentreasduasvertentes
(I/E), afinal não seria possível descrever uma sem considerar aoutra.
68
“[M]e parece
68
EmartigointituladoDisciplineand Bounding: The history and Sociology of Science as seen throughthe
ExternalismInternalismDebate”(Disciplinaelimites:AHistóriaeaSociologiadaCiênciavistasatravésdo
debate Externalismo‐Internalismo), publicado em 1992, Shapin analisa a trajetória da História, da
FilosofiaedaSociologiadaCiênciaapartirdofamosodebateentreaschamadasvertenteinternalistae
vertenteexternalista.Nesseensaio,Shapinapresentaumpanoramageraldasdiscussõesacercada
querelaI/Ee,conclusivamente,posiciona‐secontraasoluçãoconciliadoraencontradaporThomasKuhn.
Segundo Shapin, intrinsicamente,aHistóriadaCiênciajáseriainterna.Ouseja,podemosaténarraras
relaçõespolíticasrelacionadasa IsaacNewton, mas,seofazemoséporqueintrinsicamentejásabemos
quemfoiIsaacNewton.Jásabemosqualasuaimportanciacientífica.Seria,pois,ingenuidadeacharque
podemosconciliarpacíficamenteesimetricamenteasduasvertentes;avertenteinternasempresairiaem
100
queidentificar o aspecto sociológico daciência como o que lheéexternoéummodo
curioso e limitado de se proceder. Há tanta ‘sociedade’ dentro dolaboratórioedo
desenvolvimentodoconhecimentocientíficoquanto‘fora’dele.”(SHAPIN,2000,p.27,
traduçãominha).
69
OúltimopontolevantadoporShapinsobreseuentendimentoacerca
darevoluçãocientíficaéquenãoháumaessênciacomumnasreformas científicas do
séculoXVII.Istoé,nãoexisteumahistóriacoerenteeúnicacapazdecaptartodosos
aspectosdaciênciaedesuastransformaçõesquepossarecebera denominação
conceitual“revoluçãocientífica”.
Já que, a partir do meu ponto de vista, não existe uma essênciade
Revolução científica, é legítimo contar com uma multiplicidade de
histórias, na qual cada uma delas centra a atenção em alguma
característica real dessa cultura do passado (SHAPIN, 2000, p. 28,
traduçãominha).
70
Époressemotivo,explicaShapin,queKoyrédámaiorênfaseaos estudos
galiláicos.PelomesmomotivoKuhnenfatizaCopérnico,eBernard Cohen vê Newton
comoograndeheróidarevoluçãocientífica.Aescolhadediferentesatores,tantoquanto
dedistintosfatos(descobertascientíficas),implicaumaseleção,umrecortenaturalem
qualquer relato histórico.O argumento central de Shapin é que, tendo em vista essas
inúmerasversões,nãoexistenadacomoumahistóriadefinitiva,acabada,exaustivaou
completasobrearevoluçãocientífica. O recorte reflete uma escolha do historiador,
reflete um objetivo determinado, explica Shapin. É sabido que vários historiadores
escolheramaFísicamatemáticaehomenscomoGalileu,CopérnicoouNewton.Mas,esse
é apenas um lugar de honra escolhido pela historiografia tradicional, canônica da
revoluçãocientífica.SegundoShapin,essaéapenasumaversão,comoseriampossíveis
tantasoutras.AescolhapelaquerelaentreThomasHobbeseRobertBoyle,porexemplo,
refleteointeressedeShapinemrelatardeformaconjunta,intrínseca,tantoaciência
quantoasquestõespolíticas.Semdúvida,oobjetivodeShapinéchamaraatençãoparaa
vantagem.Portanto,fazer‐se‐ianecessárioumanarrativaextrinsicamenteexterna,istoé,quebuscasseas
causasemaspectosexternospara,posteriormente,vislumbrarosaspectosintrinsicos,internosdaciência.
Talproposta,conformevisto,foidesenvolvidaporShapinemOLeviatãeaBombadeAr,porexemplo.
69
“Sinembargo,meparecequeidentificarelaspectosociológicodelacienciaconloqueesexternoaella
esunmododeprocedercuriosoylimitado.Haytanta‘sociedade’enellaboratoriodelcientífico,yenel
desarollodelconocimientocientífico,como‘fuera’.”(SHAPIN,2000,p.27).
70
“Yaque,desdemipuntodevista,noexisteunaesenciadelaRevolucióncientífica,eslegítimocontar
unamultiplicidadedehsitorias,enlaquecadaunadeellascentralaatenciónenalgunacaracterísticareal
deesaculturadelpasado.”(SHAPIN,2000,p.28).
101
heterogeneidadeculturaldaciênciadoséculoXVII,porissosua escolha (Hobbes e
Boyle)refleteseuobjetivofinal.
AolongodoscapítulosdeARevoluçãoCientífica,Shapinconstróiumanova
visãosobrearevoluçãocientíficaapartirdospressupostossupracitados.Noprimeiro
capítulo,intitulado“Oquese sabia?”, oautordesconfigurao conhecimento produzido
unicamenteporheróis,porgrandescientistascanonizadospelahistoriografia,taiscomo
NewtoneGalileu.Mostraquehámaisparasesabersobreessesintelectuais do que
costumamos acreditar. Em sua descrição, Shapin afirma que Newton “pretendia
unicamenteproporcionarumanoçãomatemáticadasforçassemconsiderarsuascausas
físicas.”(SHAPIN,2000,p.88,traduçãominha).
71
ParaLeibniz,assimcomoparaoutros
intelectuais da época, não explicar as causas físicas era questionar a inteligibilidade
humanaeadentraraoocultismodeforçasmisteriosas.Shapin,aocontráriodosautores
canônicos que descreveram a revolução científica, descreve Newton de forma
diferenciada. Percebe‐se que há uma preocupação em descrever as concepções dos
intelectuais da época, sobretudo daqueles que iam ao encontro do pensamento
newtoniano.Homensque,emboranãoconsagradospelahistoriografiatradicional,pela
historiografia canônica da revolução científica, foram influentes no pensamento
contemporâneodeNewton.Naspalavrasdoautor,homensque“[d]iscutiramseNewton
teria aperfeiçoado o mecanicismo ou o teria negado, discutiram seacondiçãoda
explicação física é a determinação de causas mecânicas. [...]” (SHAPIN, 2000, p. 89,
traduçãominha).
72
ParaShapin,hámuitomaisdoqueo“heróicientistanafigurade
Newton. Há, pois, inúmeras outras formas de narraresse personagem,istoé,háuma
heterogeneidadeculturalsobreoquesesabiaduranteachamadarevoluçãocientífica.
Nosegundocapítulo,“Comoseadquiriaoconhecimento?,Shapinquestiona,
novamente,afiguramaiscanonizadadarevoluçãocientífica–IsaacNewton.Aolongo
dessecapítulo,oautordiscuteopapeldoempirismonaproduçãodeconhecimento.Em
conformidade aos argumentos de O Leviatã e a Bomba e ar,Shapinexplicaquenão
bastavaapenasrealizarerelataraexperiênciaindividualmente.Eraprecisocriarformas
deconfiabilidade,ouseja,formasdetransformarosexperimentosemempreendimentos
71
“Pretendía ‘únicamiente proporcionar una noción amtemática de esas fuerzas, sin considerar sus
causasfísicas’.”(SHAPIN,2000,p.88).
72
“DiscutieronsiNewtonhabíaperfeccionadoelmecanicismoolohabíanegado,debatieronsila
condicióndelaexplicaciónfísicaesladeterminacióndecausasmecánicas.[...]”(SHAPIN,2000,p.89).
102
públicos. A experimentação artificial (por meio de instrumentos confeccionados para
essefim)trouxevantagenssecomparadaàexperimentaçãonatural,poisaumentouas
possibilidadesdecontrolarepreservarosfenômenosexperimentais,dando‐lhesmaior
confiabilidade.Diantedaimportânciadaexperimentação,ahistoriografiatradicionalda
revolução científica afirmava que Newton foi o responsável por levar o programa
experimentalatésuamaturidade.Mas,Shapinquestionaessaidéia. O Programa
experimental de Boyle foi dominante entre 1660 e 1670, enquanto os estudos
newtonianos foram dominantes nas décadas posteriores. Boyle e Newton diferiam
significativamente nos procedimentos utilizados para produzir conhecimento sobre a
natureza.ParaBoylenãoseassociavaoconhecimentoàmatemática,poisainvestigão
Físicadariaacertezacausaleamatemáticaseriafrutodeumengano,dodogmatismo.
Confundirainvestigaçãodamatériasensível,real,comefeitosabstratosdamatemática
eraumafalácia.Porisso,explicaShapin,paraváriosfilósofosdaRoyalSociety,Newton
não poderia ser considerado um seguidor do programa experimental, porque estaria
comprometido com o dogmatismo matemático. “As expectativas que Newton tinha
acerca da certeza física surgiam dos fundamentos de sua prática filosófica, que eram
mais matemáticas do que empíricas.” (SHAPIN, 2000, p. 150, tradução minha).
73
Diferentemente do que afirmam as narrativas canônicas sobre a revolução científica,
Shapinexplicaqueessatransformaçãonãofoiapenasasuperaçãododogmatismopelo
objetivismoempiristaematemáticonewtoniano.Umaconcepçãode ciência cautelosa
emteorizarebaseadanasexperiênciassejustapunhaaoutraqueutilizavaferramentas
experimentaisematemáticasparareivindicaracertezateórica.Percebese,portanto,o
quantoNewtoncausoudúvidaentreseuscontemporâneose,aomesmotempo,oquanto
a contextualização desse período não pode ser simplificada em dogmatismo versus
empirismomatemático,resultandonavitóriadosegundosobreoprimeiro.Emoutras
palavras,peladesconstruçãodo“Newton‐herói”,Shapinafirmaadiversidadedefatores
relevantes no contexto das transformações que receberam o nome de revolução
científica.
Noterceiroeúltimocapítulo,chamado“Paraqueserviaoconhecimento?”,
Shapinconcluiseusargumentossobreasformasdeexplicaromundoeosproblemas
oriundosdessasexplicações.Paraoautor,osdebatessobreométodoadquirirammaior
73
“LasexpectativasqueNewtontêniaacercadelacertezafísicasurgíandelosfundamentosdesupráctica
filosófica,queeranmásmatemáticosqueempíricos.”(SHAPIN,2000,p.150).
103
significadoquandoenfrentavamproblemassociais,comoarupturadaordemfeudal,a
crise dos Estados nações, a expansão marítima e o descobrimentodoNovoMundo,a
invenção da imprensa, a Reforma protestante. Todos esses podem ser considerados
fatores determinantes no embate entre o método de Boyle e o de Newton. Mas,
conforme explica Shapin, os historiadores do século XX optaram por não debater
questõesmetafísicasesefixaramnoconhecimentoFísico,mecânico.Nãoporacaso,um
temarecorrentenasinterpretaçõesdarevoluçãocientíficaafirmaquetalrevoluçãofoi
feitaquandoaciênciavenceuareligião.Aocontráriodisso,Shapinexplicaquemuitos
cientistasdoséculoXVIIachavamqueamecânicaforneciaexplicaçõeslimitadassobre
as causas naturais. Além disso, o caráter mecânico do novo conhecimento estaria
diretamente relacionado com outros fatores, como os religiosos. A mecânica ofereceu
algumasdasmaisimportantesprovasafavordareligião,poisquantomaisseconheciao
funcionamentodamáquinanaturalmaisseconheceriaosdesígniosdedeus.Assim,os
filósofos mecânicos comprovavam a existência de deus, davam indícios da atividade
criadora.
Em síntese, Shapin acredita que não seria possível descrever o longo e
complexoperíododetransformaçõesdoconhecimentocomosendo,tãosimplesmente,a
superaçãododogmatismoaristotélicopelaobjetividadedaFísicamecanicista.Haveria,
pois,inúmerosoutrosfatores,recortesehistóriasparaseremcontadasarespeitodessas
transformações.Porisso,oautoralega:
Tenhoafirmadoquenãonadaparecidocomouma “essência”da
Revolução científicaetenhointentado,namedidadopossível,
introduzir os leitores na heterogeneidade, e também no status
controverso que tinha o conhecimento da natureza no século XVII
(SHAPIN,2000,p.202,traduçãoegrifosmeus).
74
Segundo Shapin, a idéia do nascimento da ciência moderna por meio da
revoluçãocientíficaestáconstituídasobatendênciadeveroconhecimentocomoalgo
objetivo, baseado no método experimental‐matemático, e não comoumcorpode
conhecimentossubjetivos,religiosos.Esseéodiscursodominante,explicaoautor.Por
isso,aolongod´A Revolução Científica ficaevidentequeascaracterísticasmaisgerais
para se entender a ciência surgem no século XVII. A idéia de ciência moderna está
74
“Heafirmadoquenohaynadaparecidoauna‘esenciadelaRevolucióncientíficayHeintentado,enla
medidadeloposible,introduciraloslectoresenlaheterogeneidad,einclusoelestatuscontrovertido,que
têniaelconocimientodelanaturezaenelsigloXVII.”(SHAPIN,2000,p.202).
104
construída sob a tendência de ver a ciência como algo objetivo e não subjetivo. As
formasdeseentenderaciênciahojesão,portanto,partedolegadodeummitosobrea
revoluçãocientífica.Umarevoluçãoquediferenciouoconhecimentosubjetivo,frutodo
obscurantismoreligioso,doconhecimentoempírico‐matemático.Pelomesmomotivo,as
interpretações mais tradicionais vinculam a revolução científica ao início da
Modernidade.Paraessasinterpretações,aciênciadeixadeserciênciaquandopermite
considerações sobre valor, moral, cultura ou política. Essa separação entre o moral,
social,culturaleocientíficotemváriasconseqüências,explicaShapin.Umadelaséa
negaçãodequepossahaveruma“ciênciadosvalores”,assim,muitasvezesseconsidera
queodiscursoentreobemeomaléalgoimpossíveldeseranalisadoracionalmente.Só
odiscursosobreoqueexisteno mundo pode ser estudado racionalmente. Não por
acaso,explicaShapin,asnarrativascanônicassobrearevoluçãocientíficaderampapel
especial a Newton. Para esse cientista o discurso racional era aqueleexistenteno
mundo,istoé,natural.Newtonnãocriavahipóteses,nãosepreocupavacomascausas.
“EssavertenteéfrutodaRevoluçãocientíficaeseulegadoestáestritamenteidentificado
comacondiçãomoderna.”(SHAPIN,2000,p.203,traduçãominha).
75

Segundo o mito que se criou sobre a revolução científica, os filósofos
alcançaram certezas sobre o mundo natural, mecânico e matemático, ao preço de
romper com a idéia da“aparência” subjetiva das coisas. Buscava‐se mostrar as coisas
como elas realmente eram. Conseqüentemente, convencionou‐se que o êxito na
explicaçãodomundoestárelacionadocomaseparaçãoentreafilosofiatradicionalea
filosofiadoconhecimento.Porisso,explicaShapin,aidéiade“comoéposvelconhecer
omundo”,títulodeseuúltimocapítuloeobjetodeestudodafilosofiacontemporânea,
permanece sem consenso, pois tratar‐se iam de questões filosóficas, metafísicas,
políticas,sociológicas,culturais.Contudo,explicaoautor,emergeumparadoxo:quanto
mais objetivo e desinteressado um corpo de conhecimento se mostra, mais poder
políticoemoraleleterá.Esseparadoxoseriaoutrolegadodarevoluçãocientífica:pela
separaçãoentre aciência e os assuntos políticos,religiosos eculturais, formou‐seum
corpode conhecimentos social,político e religiosamenteútil, coeso.“Essaéaposição
dosmodernosdosfinaisdoséculoXX:ovalormaispoderosodenossaculturaéocorpo
deconhecimentosqueconsideramos que estão menos relacionados com o discurso
75
“EstaopiniónestambiénumlogrodelaRevolucióncientíficay su legado inmediato, y está
estrechamenteidentificadaconlacondiciónmoderna.”(SHAPIN,2000,p.203).
105
sobreosvaloresmorais.”(SHAPIN,2000,p.205,traduçãominha).
76
Essaéumavisão
quesedesenvolveunoséculoXVIIIequefoidefendidapeloshistoriadoresdoséculoXX,
bemcomopelahistoriografiadarevoluçãocientífica.
Tendo em vista essa visão consagrada sobre a revolução científica, Shapin
concluiquequalquerinterpretaçãoquepretendadescreveraciênciacomosendofruto
deumadiversidade,enãoapenascomofrutodadivisãoessencialentreciênciaefatores
sócio‐culturais, é considerado como uma crítica das ciências. [...] Pode‐se pensar que
qualquerum que propagaesse tipo deinterpretaçãoestá motivadopor um desejo de
denunciar a ciência – de propagar que a ciência não é objetiva, nem verdadeira ou
confiável.[...]”(SHAPIN,2000,p.206,traduçãominha).
77
Mas,paraShapin,essaéuma
conclusãoequivocada.Oautorterminaseulivrodefendendoasipróprioedizendoque
pretende,sim,criticaralgo,masessealgonãoéaciência,masalgunsrelatos,algumas
narrativas sobre as ciências. Mais especificamente, pretende criticar a vertente
historiográfica sobre a revolução científica. Essa é, para Shapin, a revolução científica
quenuncaexistiu,asaber,aquelaqueécontadapelavertentecanônica da revolução
científicaequeseparaocientíficodonãocientífico,queendossaa“condiçãomoderna
queéopróprioobjetodessasnarrativas.
3.3DosparesdeStevenShapin
Emsuasprincipaisobrassobreastransformaçõescientíficas–OLeviatãe a
bomba de areA Revolução Científica–,Shapinabordapersonagemcanônicossobuma
perspectivanãoconvencional,ouseja,narraocontextoculturalesocialdepersonagens
que,grossomodo,sóconhecemospormeiodegrandesdescobertascientíficas.EmO
LeviatãeaBombadear,porexemplo,Shapinnarraconjuntamente,demodosimétrico,o
experimentalismodeBoylecomosendoumprogramasocialeoLeviatãdeHobbescomo
76
“Éstaes,asimismo,laposicndelosmodernosdefinalesdosigloXX:lareservadevalormáspoderosa
denuestraculturamodernaeselcorpodeconocimientoqueconsideramosqueestámenosrelacionado
coneldiscursosobrelosvaloresMorales.”(SHAPIN,2000,p.205).
77
Sepuedepensarquecualquierquepropagaestetipodeinterpretacióndebeestarmotivadoporun
deseo de denunciar laciencia – de proclamarquelaciencianoes objetiva, ni verdadera ni fiable.” [...]
(SHAPIN,2000,p.206).
106
umprogramaepistemológico.Paraváriosautores,comoRicardoRoque,Shapinpodeser
consideradoum reformador, mas, antes disso, pode ser considerado um seguidor das
propostasdaEscoladeEdimburgo.
As imagens tradicionais da ciência estão a ser atacadas. Esta frase
ousadabempoderiadescreveroímpeto revolucionário dos filósofos
naturais do século XVII, analisados por Steven Shapin em A revolução
científica,obrade1996recentementesurgidaemtraduçãoparaalíngua
portuguesa.Masnão.Quemaproferiufoiumnossocontemporâneo,o
sociólogo Donald Mackenzie, ao introduzir o seu trabalho sobre a
emergênciadasteoriasestatísticasnaviragemparaoséculoXX. Com
essa expressão, Mackenzie estava a captar o ataque aos modos
tradicionaisdefazerhistóriaesoc iologiadaciêncialançadodesde
meados da década de 1970 pela autointitulada sociology of
scientificknowledge(mais conhecida porSSK),em particularpelo
grupo reunido na
Science Studies Unit da Universidade de
Edimburgo, na Escócia. Shapin, então companheiro de Mackenzie
em Edimburgo, iniciava a sua carreira intelectual na crista desse
ataque revisionista.ApresentarStevenShapincomoautorimplica,
pois,vê‐locomoactordesteesforçoparareformarosestudossociaisda
ciência.UmesforçoquecompreendeigualmenteArevoluçãocientífica,
trabalho de síntese que possibilita numa narrativa acessível um
encontrocomoprogramasociológicoqueShapinlançoucomoimpulso
dereformadahistóriadaciência.(ROQUE,2002,p.696,grifosmeus).
A chamada Escola de Edimburgo, por meio de seus mais eminentes
representantes–DavidBlooreBarryBarnes–consagrouoPrograma Forte em
Sociologia da Ciência. Mais conhecido como “Programa Forte” essa proposta é, em
grande parte, herdeira de um trabalho iniciado em meados de 1962,porocasiãoda
publicaçãodeAEstruturadasRevoluçõesCientíficas,deThomasKuhn.Conformeexplica
TiagoRibeiroDuarte,“OProgramaForteemSociologiasurgiunaesteiradeT.Kuhn.[...]
[TalPrograma]procuraradicalizaralgumasteseskuhnianasemsuapropostadeestudar
apróprianaturezaeconteúdodaciênciatomandocomobaseasociologia.”(DUARTE,
2007,p.41).Anteriormente,vimosqueThomasKuhnpodeserentendidocomoumdos
responsáveisporunirduasvisõesdiferentessobreodesenvolvimento científico, a
saber, as chamadas vertentes internas (mais relacionadas à Filosofia) e as vertentes
externas (mais relacionadas à História e à Sociologia). A partir dessa abordagem
sintética,“pacificadora” (MAIA: no prelo), váriosdos sucessoresde Kuhnampliarame
propuseramnovaseelaboradasformasdedescrever,decompreender o
desenvolvimento científico. O Programa Forte, por exemplo, podeserconsiderado
herdeirodocaminhoinauguradoporKuhn,masnãopodeserconsideradoseguidorde
umavertentekuhnianastrictosensu.Abordareiessetópicoadiante,quandoressaltareia
107
críticakuhnianaaoProgramaForte.Porora,énecessárioentendercomooProgramade
Edimburgo e seus representantes, em especial Steven Shapin, se apropriam de um
caminho aberto por Kuhn e elaboram uma nova proposta para o entendimento das
ciências.Umapropostaqueseriacriticada,entreoutros,pelopróprioThomasKuhn.
Nãofareiumestudoprecisoedetalhadosobreasprescriçõeseimplicações
do Programa Forte, mas, tendo em vista a necessidade de enquadrar os trabalhos de
Shapindentrodessavertente,ressaltareialgumasdospreceitosbasilaresdaEscolade
Edimburgo. Em Knowledge and Social Imagery (Conhecimento e Imaginário Social),
trabalhopublicadoem1976,DavidBloor(1991)desenvolveosprincípiosfundamentais
dapropostadoProgramaForte.Paraesseautor,aciêncianãodeveriaserdefinidacomo
umconjuntodecrençasjustificadas,talcomoaFilosofiadaCiência tradicionalmente
propunha. Portanto, não seria possível afirmar que o conhecimentoéumateoriaque
podeserjustificada(oufalsificada,conformePopper)racionalmente. Para Bloor, o
conhecimentoéoconjuntodecrençascoletivasqueguiamnossas práticas, nossas
formas de explicar o mundo. “Conhecimento é exatamente aquilo que as pessoas
consideramcomoconhecimento,nãohavendonecessidadedequeessascrençassejam
obtidas através de nenhum método específico.” (DUARTE, 2007, p. 42). Portanto, o
conhecimentoéentendidocomopartedeumprocessosocialcomplexoenãocomouma
teoriaracionalmentedesenvolvidaeaceita.Um exemplo interessanteparaentendero
posicionamentodeBlooréocalenrio.Ocalendárioéumsistemadedivisãodotempo
determinado a partir de um conjunto de regras baseadas na astronomia e em
convenções próprias, em trâmites sociais específicos. Um cientista isolado não pode
simplesmentealteraressaformadedividirotempo,semqueessamudançasejasociale
coletivamenteelaboradaeaceita.Talvezomelhorexemplodesseprocessodealteração
docalendáriosejaodeCopérnico.Comoésabido,seustrabalhossóforamaceitosapós
váriasmudançascientíficas,apósoqueficouconhecidocomo“revoluçãocientífica”.Por
isso, para os representantes do Programa Forte, o processo de determinação do
calendárioseassemelhaàsdemaisregrassociais.Istoé,umaformademarcarotempo
queéconvencionada,resistenteàsintempériesindividuaisequesemantémfixacomo
umaconvençãocoletivamenteestabelecida,legitimada.Assim,oconhecimentosegundo
Bloor,nãoéumacrençajustificadatalcomoqueriamosfilósofosdaciência,esimum
conjuntodecrençascoletivas,taiscomoestudariamossociólogos.
108
Percebe‐se,desdejá,comoaEscoladeEdimburgoseposicionouemoposição
àstradicionaisleiturasfilosóficasdaHistóriadasciências.Mas, metodologicamente,
como funciona a tese de Bloor? São quatro os princípios basilaresqueorientamo
Programa Forte: causalidade, imparcialidade, simetria e reflexividade. O primeiro
princípio–causalidade – já foimencionadoaqui,deformatácita.Talprincípioensina
que as causas sociais explicam as crenças dos cientistas em determinadas teorias.
Explicações racionais, elas mesmas, não podem alcançar a profundidade histórica dos
processos científicos. Por isso, seriam as causas sociais que explicariam porque
determinadateoriacientíficafoiaceitaenãoascausasracionaiscomoajustificaçãooua
falsificação.
78
FazendoumbreveparalelocomostrabalhosdeShapin,representante
dessa vertente de Edimburgo, pode‐se dizer que o Boyle descritoemO Leviatã e a
BombadeAréumcientistaquepodeserpensadoemcomparaçãocomHobbes,oteórico
políticodoLeviatã.Assim,ascausassociaisquedeterminaramoentendimentopolítico
hobbesiano descrito em O Leviatã também explicariam muitos fatores presentes na
teoriacientíficadeBoyleenaaceitaçãosocialdamesma.EssaéapropostadeShapin,a
saber, mostrar como duas formas de conhecimento consideradas completamente
díspares – a política e a ciência – podem estar indissociavelmente entrelaçadas
socialmente.OsegundoprincípiobasilardoProgramaForteestá diretamente
relacionadoaoprimeiro.ParaBloor,deacordocomoprincípiodaimparcialidade,todas
as teorias científicas, tanto as que malograram como as que foram bem‐sucedidas
deveriam ser explicadas pelas causas sociais. Nesse sentido, Shapin descreve os
malogrosefaláciascientíficaspropostasporHobbes,comoainexistênciadovácuo,por
exemplo.Comovimos,essaconcepçãohobbesianaseopunhaaspropostas de Boyle
quantoaexistênciaounãodovácuonointeriordabomba.Taloposiçãoconfiguravauma
verdadeiraquerelacientíficasintetizadacomoexistênciaversusinexistênciadevácuo.
Comoédeseesperar,oterceiroprincípiobasilardoProgramaFortetambém
searticulaaosdemais.Deacordocomasimetria,asmesmascausassociaisdevemser
utilizadasparaexplicartantoasteoriasbem‐sucedidasquantoasfracassadas.Comessa
78
AquificaevidentequeBloorestácriticandoduasvertentesfilosóficassobreoconhecimentocientífico,a
saber,ajustificação/verificaçãopropostapeloCírculodeVienaeafalsificaçãopropostaporKarlPopper.
ParamaioresinformaçõessobreastesesdefendidaspeloCírculodeVienaemcomparaçãoasconcepções
popperianasver:SILVA,FrancismaryAlvesda.DescobertaversusJustificativa:aSociologiaeaFilosofiado
conhecimentocientíficonaprimeirametadedoSéculoXX.RevistadeTeoriadaHistóriaRTH,v.1,p.52‐
67,2009.
109
postura,oProgramaFortepretendianegaravertentehistóricaquedescreviaasteorias
bemsucedidasapartirdefatoresracionaise,emoposição,descrevia as teorias
fracassadas a partir de fatores sociológicos ou psicológicos. Se as mesmas causas
poderiamexplicartantoasteoriasbemsucedidasquantoasfracassadas, argumenta
Bloor,aplica‐seummodelodeexplicaçãoneutronapesquisasobreodesenvolvimento
científico.AbuscapelaneutralidadeseriaumdosobjetivosdoProgramaForte,poisos
sociólogosdaciênciaalcançariamumdiscursolivredeimpressõesdevalorfrenteseu
objeto de pesquisa. Em nova comparação, pode‐se dizer que Shapin estava
profundamenteinfluenciadopeloprincípiodasimetriaaonarraraquerelaentreBoylee
Hobbes,entreateoriabem‐sucedida(daexistênciadovácuo)eàquelaquefracassou(da
inexistência do vácuo), ambas narradas em conjunto, comparação a partir do mesmo
contexto,dasmesmascausassociais.
Antesdepassarparaoúltimoconceito,éprecisodizerclaramente que os
representantes do Programa Forte buscam descrever o desenvolvimento científico
explicitandoascausasqueooriginam.Alémdisso,buscamumaSociologiabaseadanos
mesmos princípios das ciências hards, como a neutralidade e a objetividade. Em
contraste,ostradicionaisestudosfilosóficossobreodesenvolvimentocientíficoseriam
considerados não científicos e, portanto, perderiam prestígio. Assim,aFilosofianão
seria uma ciência capaz de estudar a ciência, tarefa assumida pelo Programa Forte.
Feitosessesbrevesesclarecimentos,passemosaoúltimoprincípio:areflexividade.Tal
princípio,sebementendoDavidBloor,permitequeasproposiçõesdoProgramaForte
possamseraplicadassobresimesmas.Istoé,“[...]quesuasteoriassejampassíveisde
seremexplicadas sociologicamente.Esteprincípio,segundoBloor,éfundamentalpara
queasociologiafortenãosejaumarefutaçãodesimesma.”(DUARTE,2007,p.46).
79
Nesseúltimoprincípio,oProgramaFortesepõeaprovaegarante, assim, sua
neutralidade, sua cientificidade para descrever o desenvolvimento científico. Shapin,
comorepresentantedaspropostasdeEdimburgo,corroboraessavisãoe,defato,se
permitequestionardiantedoargumentodareflexibilidade.
79
Novamente,Bloorfazreferênciaaocélebreargumentoanti‐popperianoemquesefalsificaastesesde
Popper(falsifica‐seateoriadaFalsificação).SeateoriadePopperseconsideracientíficadeveriasepora
prova, o que não ocorre, portanto, seria falsificada e perderia sua validade deacordo com os próprios
princípiosválidosdateoriapopperiana.
110
AdescriçãodospressupostosdoProgramaForteetambémdospressupostos
deSteven Shapinrealizadaaté aquidemonstraquetalvertentepretendealcançarum
princípio de cientificidade para descrever o desenvolvimento daprópriaciência.Para
isso,oProgramaFortesebaseianosmesmospressupostosdasciênciashards,taiscomo
objetividade, neutralidade, universalidade. Além disso, essa vertente, seguida por
Shapin, como já afirmei anteriormente,pretende descreveras causassemdeterminar
regras,prescriçõesdecomodeveseroconhecimentoouaatividade que gera o
conhecimento.ApropostadosrepresentantesdoProgramaFortepodeserconsiderada
umaevidenteoposiçãoàFilosofiadaciênciadesenvolvidaatéentão.ParaoPrograma
Forte,bemcomoparaShapin,maisdoqueestabelecerregraspara reconhecer o
verdadeiro conhecimento científico, o historiador ou sociólogo da ciência deve
descrevercom imparcialidade, neutralidade,objetividade a dinâmicasócio‐cultural da
ciência. “[...] [E]nquanto muitos filósofos da ciência procuraram formular regras e
princípiosuniversaisparaapráticacientífica,ouseja,princípios extra‐sociais, Bloor
acreditaquenãoexistamessesprincípios.”(DUARTE,2007,p.48).Indoalém,podese
dizer que para os representantes do Programa Forte as teorias científicas não são
aceitasporseremmelhoresouexplicaremmelhordeterminadosfatos,masporterem
causassociaismaisconfiáveis,demaiorimportânciaeinfluência. Para se entender a
dinâmica da ciência, explicam os membros do Programa Forte, devem‐se, então,
entenderessascausasaoinvésdeprescreverapráticacientífica.
Esses são, grosso modo, os principais preceitos defendidos peloPrograma
Forte de Sociologia de Edimburgo. São esses os princípios defendidos pelos seus
representantes,entreelesopróprioStevenShapin.ConformeobservamosemOLeviatã
eaBombadeAr,Shapinprocuradescreverascausassociaisquelevaramaaceitaçãodas
teorias de Boyle. Para tanto, analisa as causas que levaram a elaboração de teorias
diferentesporBoyleeporHobbes.Analisasimetricamente,apartirdasmesmascausas
sociais,asteoriasbemsucedidasdeBoyleeasteoriascientíficasmalogradasdeHobbes.
Assim, como representante do Programa Forte, Shapin entende a revolução científica
como,primordialmente,umprocessosocial.Suanarrativavaibuscar as causas das
sucessõesdeteoriasnaspráticassociais(comoentreHobbeseBoyle)enãonavalidade
científicofilosóficadasteorias.Nãobuscaentenderseumateoriaé,defato,mais
plausívelqueoutra,masseumateoriapossuimaioradesãosocial,maisforçapolíticaou
maislegitimidadeculturalqueoutra.EsseéomotivoquelevaShapinaafirmarque“[A]
111
Revoluçãocientíficanuncaexistiu[...]”(SHAPIN,2000,p.17).Paraoautor,nãohouve
sucessivasdescontinuidadesembuscademelhoresoumaisexatasformasdeexplicaro
mundo.Emcontraste,Shapinafirmaqueháumasucessãoguiadaporcondiçõessócio‐
culturais mais favoráveis, como a da relação entre Boyle e a Igreja, por exemplo.
Portanto, a revolução científica, como sendo a transformação do conhecimento de
acordo com os novos padrões da Ciência Moderna em oposição ao obscurantismo
medieval,istoé,apassagemdoconhecimentoobscuroparaoconhecimentocientífico
pautado em métodos mais seguros e legítimos, seria apenas um mito. Um referencial
modernofabuloso,criadoporhistoriadoresquebuscavamestabelecer prescrições de
comodeveriaseraciênciaaoinvésdesepreocuparemcomadescriçãodamesma.Esse
éolegadodefendidoporStevenShapin.Assim,segundoesseautor,umaboanarrativa
históricadeveriasepreocuparcomadescriçãodastransformações sócio‐culturais da
ciênciadoséculoXVIIaoséculoXIXenãocomavalidadedasteoriasdefendidaspelos
cientistasdesseperíodo.
3.4DoscríticosdeStevenShapin
Entenderas transformaçõescientíficas doséculo XVII,comumente descrita
como“revoluçãocientífica”,apartirdeaspectossócio‐culturaisnãoéumatarefafácil,e
tãopoucoestamospertodealcançaralgumconsenso.Sãomuitasasobjeçõesecríticas
feitasmedianteaspropostasdoProgramaForteedeseusseguidores. Escolherei
abordarapenasumacríticapontualque,nãoporacaso,foirealizadaporThomasKuhn.
O ensaio intitulado O problema com a filosofia histórica da ciênciafoi
proferidoporThomasKuhn,emHarvard,noanode1991,porocasiãodaaberturadas
conferênciasRobert and Maurine Rothschild Distinguished Lecture Series(DistintaSérie
deConferênciasRoberteMaurineRothschild).Nesseensaio,Kuhnrelataatrajetóriados
estudos filosóficos, históricos e sociológicos da ciência com aautoridadedequem
vivencioue,emgrandeparte,impulsionouasmudançasemtodasessasdistintasáreas
deestudossobreodesenvolvimentocientífico.Conformeesclareceoautor,atémeados
de1962,oanodepublicaçãodoEstrutura,aFilosofiadaciênciaseocupavadequestões
referentesàracionalidadeeàveracidadedodesenvolvimentocientífico.Asalterações
112
dasleiseteoriaseramvistascomosendooaprimoramentodasmesmas,comosendoa
buscaporteoriasmaispróximasdaverdade,darealidadedosfatos,dasleisdanatureza.
ParaessavertentetradicionaldaFilosofiadaciência,explicaKuhn,existiamdoispilares
fundamentais:primeiro,osfatosantecedemascrenças,asteoriaseleiscientíficaspara
asquaisfornecemevidência;emsegundolugar,apráticacientíficacorrespondeàbusca
pelaverdadeindependentedefatorestaiscomocultura,subjetivismo,política,religião.
EsseseramosprincípiosbasilaresquecompunhamaFilosofiadaciênciaequeteriam
motivado a geração de Kuhn a procurar alternativas interpretativas nos registros
históricos.Com autilização de conhecimentos históricos pelosfilósofos da ciência, tal
como realizado pelo próprio Kuhn, esses dois princípios basilares da Filosofia foram
abalados.Percebeu‐sequeosfatosnãoeramneutros,nãoestavamsimplesmentedados
na natureza. Percebeu‐se, também, que seria muito difícil acreditarqueaciênciase
ocupadabuscapelaverdade.ConformeexplicaKuhn,“[o]queseverificounaseqüência
desse abalo foram esforços ou para revigorar esses alicerces ou, então, para apagar
todososvestígiosdeles.[...]”(KUHN,2006c,p.148).
EmOproblema com a filosofia histórica da ciência Kuhnfazumbalançodos
anosqueseseguiramapublicaçãodoEstrutura .Anosemque,conformeficaevidenteno
títulodesuaconferência,afilosofiasedebruçousobosestudoshistóricosembuscade
novas formas de relatar o desenvolvimento científico. Mas, argumenta Kuhn, alguns
filósofos se mantiveram firmes na visão tradicional da Filosofia da ciência, ajustando
suasteoriasàconcepçãodequeosfatossãoanterioresàsteoriasequeaciênciapode
serentendidacomo abuscapela verdade.Talvez,emumaleiturarápidadesseartigo,
pudéssemos pensar que Kuhn estivesse criticando trabalhos como os de Popper, por
exemplo. As críticas pungentes de Thomas Kuhn não foram direcionadas para os
trabalhos filosóficos popperianos, mas para a então recém surgida vertente
microssociológicadaqualoProgramaForteéamaiseminenteexpressão.Semrodeios,
afirmaoautor:
Estou entre aqueles que consideram absurdas as afirmações do
programaforte:umexemplodedesconstruçãodesvairada.E,emminha
opinião, as formulações históricas e sociológicas mais moderadas que
procuramdepoissubstituí‐lodificilmentesãomaissatisfatórias.(KUHN,
2006c,p.139).
O que Kuhn quer dizer quando utiliza a expressão “desconstrução
desvairada” para descrever os trabalhos do Programa Forte e dasformulações
113
posteriores,dentreasquaisostrabalhosdeStevenShapin?Seránecessáriofazeraqui
uma breve explicação acerca do conceito conhecido como “negociação”. Os estudos
microssociológicos,quesurgiramemgrandeescalanadécadade1960,freqüentemente
utilizamaexpressão“negociação”paradescreveroprocessopormeiodoqualaciência
éproduzida.Asnegociaçõesnaciência,assimcomonapolítica,naesferaeconômica,e
emváriasoutrasesferasdavidasocial,seriamreguladasporinteresses, por jogos de
poder,deautoridadesindividuaisougrupais.Dessaforma,oresultadodasnegociações,
naciênciacomoemqualquerdessasesferascitadas,seriadeterminadoporquestõesde
autoridadeepoder.“Essaeraatesedaquelesqueaplicaram,pelaprimeiravez,otermo
‘negociação’aoprocessocientífico,eotermolevouconsigomuitodessatese.”(KUHN,
2006c, p. 139). Descrever o desenvolvimento científico como sendopartedeum
processosocial,pormeiodeumanarrativaqueuniriafatorescientíficosstricto sensua
fatores sociais (as histórias internas e externas) não teria sido justamente a grande
inovaçãokuhniana?Aquiseránecessário,convenientemente,fazerusodaspalavrasdo
autorparaexplicarsuaproposta:
Nãopensoqueotermo,ouadescriçãodasatividadesàsquaissereferia,
estivessemeramenteerrado.Interesses,política,podereautoridade
semdúvidadesempenhamumpapelsignificativonavidacientífica
e em seu desenvolvimento. Mas a forma que os estudos da
“negociação” tomaram, [...] tornou difícil perceber o que mais
também pode desempenhar um papel relevante. De fato, a forma
maisextremadessemovimento,denominada
porseus
proponentes “o programa forte”, tem sido geralmente entendida
como a defesa de que poder e interesses são tudo o que há. A
próprianatureza,sejaoqueforisso,parecenãoterpapelalgum
nodesenvolvimentodascrençasaseurespeito.Ofalardeevidência,
daracionalidadedasasserçõesextraídasdelaedaverdadeou
probabilidadedessasasserçõesfoivistocomosimplesmentearetórica
atrás da qual a parte vitoriosa escondeseupoder.Oquepassapor
conhecimentocientíficotorna‐se,então,apenas,acrençadosvitoriosos.
(KUHN,2006,p.139,grifosmeus).
Assim, percebe‐se que a crítica kuhniana endereçada às concepções do
ProgramaFortenãodizrespeitoàformacomoestasdesenvolvemseus trabalhos,tão
simplesmente. Isto porque os trabalhos do Programa Forte, bem como as concepções
defendidasporThomasKuhn,têmemcomumadescriçãododesenvolvimentocientífico
como um processo social amplo, complexo, marcado por fatores tais como jogos de
interesse,poder,crençasousubjetividades.Acríticaemquestão,realçadapelaspalavras
dopróprioKuhn,serefereàformacomoostrabalhosdoPrograma de Edimburgo
estrangulamoutraspossibilidadesinterpretativasparaumobjetotãocomplexocomoo
114
conhecimentocientífico.Umestrangulamentotãograndequeapróprianatureza,objeto
que se pretende estudar, torna‐se coadjuvante em sua própria biografia, isto é, na
descriçãohistóricadelamesma.ParaoProgramadeEdimburgo,tudooqueépreciso
para se explicar o desenvolvimento científico está dado nas relações sociais
estabelecidasentreoshomens.Etãosomentelá.Dessaforma,anaturezanão
desempenha papel relevante no desenvolvimento científico, e terminaportornase
apenas o fruto das relações sociais.Aindaqueasreformulaçõesmaisrecentes
reconheçamereservemumpapelmaisimportanteparaanaturezastricto sensu,Kuhn
afirmaquenãoépossívelvercomclarezacomoamesmapodeparticipardoprocessode
negociação.
TalcríticarealizadaàEscoladeEdimburgodesdobrou‐seemponderaçõese
ressalvasendereçadasaostrabalhosdeShapin.EmUm Debate com Thomas S. Kuhn,
entrevistarealizadaporAristidesBaltas,KostasGavroglueVassilikiKindi,emoutubro
de1995,oautordoEstruturaformulacríticasdiretasaostrabalhosshapinianos.Nessa
ocasião,OLeviatãeaBombadeardeShapinjáhaviasidopublicadoetraduzidoparao
francêseoitaliano.Frenteolançamentoeosucessoalcançadoporessaobra,Kuhntece,
aoserinterrogadoementrevista,críticaspontuaisaotrabalhodeShapin.Ressalvasque,
comoseverá,sãobastantepróximasdascríticasrealizadasaoProgramaFortecomoum
todo,das quais falei anteriormente. Embora Kuhn achasse O Leviatã e a Bomba de Ar
“[...] um livro extraordinariamente interessante e bom [...]” (KUHN, 2006b, p. 380),
afirmou,naditaentrevista,estarintrigadocomodescuido,oumesmodesconhecimento,
deStevenShapineSimonSchafferarespeitodealgunsaspectostécnicosreferentesà
bombadeareaopróprioconhecimentodeBoylesobreoexperimento:
ShapineSchafferobservamqueBoyletrataàsvezessobrepressão e
noutrassobreamoladoar,e,vendo inconsistêncianessa alternância,
fazem dela um exemplo de como o debate com Hobbes era de certa
forma vazio, ou seja, mais retórico que substancial. Kuhn considera
que se os autores levassem em conta que, ao tratar do ar, Boyle
usava o modelo hidrostático, eles teriam visto que aquela
alternância no tratamento da questão não tinha nada de
incompatível nem de inconsistente. Portanto, resgatando aqui o
valordeumaanáliseinternalistamais
atentaaosdetalhestécnicos
das teorias e experimentos, Kuhn advoga a importância de
“motivos racionais” dentro daquela perspectiva adotada pelo
químicoinglês.(OLIVEIRA;CONDÉ,2002,p.5,grifosmeus).
Ao longo de sua entrevista, Kuhn demonstra como sérios problemas
narrativosaparecemsenãofixarmosatençãoemalgumasquestõestécnicas,“internas”à
115
próprianaturezadapesquisacientífica.Emoutraspalavras,aslimitaçõeseimposições
da natureza não podem, e não devem, ser esquecidas ou atropeladas. O preço que se
pagaporessedescuido,parafraseandoKuhn,seriaproduzirnarrativasentendidascomo
“desconstruçõesdesvairadas”,vistoqueapróprianaturezanarradanãoédescritacom
rigoreclareza.Maisimpressionanteainda,explicaKuhn,seriaofatodeanovageração
de estudantes da historiografia da ciência considerar tais questões desimportantes.
Conformevimosanteriormente,Kuhnpretendiapublicarumnovolivro, revisando as
concepções contidas no Estrutura e algumas concepções recentes a respeito do
desenvolvimento científico, tais como as propostas do Programa Forte e de Steven
Shapin. Infelizmente, esse trabalho não pode ser acabado, tudo oquesetemsobreo
novoposicionamentokuhnianoemcontrasteaosestudosmicrossociológicossãoartigos
dispersoscomoosqueforamaquicitados.Apesardisso,éevidenteaexistênciadeuma
diferençafundamentalquantoaoposicionamentodeThomasKuhnfrenteàsconcepções
deShapinarespeitodaexistênciaounãodeumarevoluçãocientífica.
3.5Dosimpassesprovenientesdasconcepçõesshapinianas
A partir do que foi exposto até aqui, percebe‐se que existem basicamente
duasposiçõesdiametralmenteopostassobrearevoluçãocientífica: aqueles que
afirmamqueaciênciasedesenvolveporrevoluçõesnasestruturasdoconhecimentoe,
emcontrapartida,aquelesqueafirmamquetaisrevoluçõescientíficasnãoexistem,de
fato.KoyréeKuhnsãoautoresqueafirmamqueaciênciasedesenvolvepormeiodas
chamadasrevoluçõesnasteorias,nasformasdepensar,nasformasdetestaranatureza,
enfim,nasestruturasdoconhecimento.Assim,aciênciateriaumatrajetóriaespecífica:
dasteorias“piores”paraasmelhoresformasdeentenderanatureza.Shapin,poroutro
lado,afirmaquemaisimportantedoquedescreveressastransformações/revoluçõesé
entenderaformacomodeterminadoconhecimentoganhaadeptoseévalidado.Porisso,
a forma tradicional de entender o desenvolvimento da ciência, isto é, por revoluções,
rupturasnasestruturasdoconhecimento,nãoécorroboradapelateseshapiniana.Para
esse autor, a ciência se desenvolveria a partir de um processo de negociação entre a
116
comunidadecientíficaeasociedade,enãopormeiodeumaruptura,deumarevolução
científicapropriamentedita.Mas,oqueessaconcepçãoshapinianaimplica?
AlexandreKoyré e Thomas Kuhn, entre váriosoutros autorespertencentes
àquiloqueShapinchamoude“vertente canônica da historiografia da revolução
científica”,desenvolveramseustrabalhosbaseadosnaidéiadequehaviaumarelevante
alteraçãonaformacomoseprocessaoconhecimentoantesedepoisdeumarevolução
científica.Paraambos,asnovidadestrazidaspeloséculoXVIImudaramasestruturasdo
conhecimento,aformacomoseentendiaesefaziaciência.Mudaramteorias,práticas,
manuaiscientíficos emais, mudaramas concepções de mundo. Se antes o mundo era
entendidoeestudadoapartirdasconcepçõesaristotélicas,apósarevoluçãocientífica
doséculoXVII,omundopassouaserentendidodeoutraforma,mais objetiva,
mecanizadaematematizada.Passouseaentenderovácuo,omovimentodoscorpos,o
movimentoceleste,aposiçãodosolemrelãoaosplanetas.Enfim,umamploconjunto
dealteraçõesnoconhecimentoocorreuaolongoperíodoqueseestendedoséculoXVI
aoXVII,dostrabalhosdeCopérnicoàsíntesenewtoniana.ParaShapin,essaformade
narrarodesenvolvimentocientíficonãoseriaamaisadequada.Estáclaroqueoautor
nãopretendenegarqueessasalteraçõestenhamocorrido,talnegaçãoseriadescabida.
Shapin também não pretende oferecer argumentos para que a expressão “revolução
científica”deixedeserutilizada,tãosimplesmente.Mas,defato,oautornegaqueessas
alterações–revoluçõescientíficas–tenhamadimensãodescritapelavertentecanônica
daqualKoyréeKuhnfazemparte.
ParaShapin,asnovidadesdoséculoXVIInãoseriamumganhoreal do
conhecimento,istoé,nãosetratadeteoriasouconcepçõesdemundomelhoresqueas
anteriores.Apesardisso,oautorafirmaquetem‐se,sim,umanovidadenoséculoXVII.
Essanovidadeéumaformainstitucionalizadesefalarsobreoconhecimento.Emoutras
palavras,segundoShapin,atãoalegadasuperioridadedasexplicaçõesdosfenômenos,
talcomonarradaporKoyréeKuhn,nãoexistiria.OqueteriaocorridonoséculoXVII
seria apenas um acordo entre os praticantes, entre os filósofosnaturais,entreos
cientistas e a sociedade. Trata‐se de um momento histórico em quenovasformasde
gerireentenderoconhecimentoforamnegociadaseaceitascoletivamente.Portanto,as
novidadesda chamada revolução científicanãopoderiamserdescritascomorupturas
com o passado, e sim como um processo de negociação sócio‐político das formas de
conhecimento, das teorias. Ao descrever o desenvolvimento científico, Shapin explica
117
queohistoriadornãodeveapenasseperguntaroquemudounaestrutura do
conhecimento, nas formas de testar a natureza, mas deve tentar entender como o
cientistaemquestãoconseguiuassentimentouniversal,emquaisconvençõessociaisse
amparou,quaisosjogosdepoderestiveramenvolvidosnoprocesso de aceitação de
determinadopensamentocientífico.ParaShapin,estáclaroqueessasperguntasdevem
estar na agenda dos historiadores. Por isso, Shapin e Schaffer conta‐noscomo Robert
Boylefoibemsucedidoaoimporsuasdescobertasperanteasociedadedaépoca.Boyle
demonstrouoquãoimportanteerapreparardispositivos(comoabombadear)capazes
de repetir experimentos, capazes de formar uma comunidade apta paraestudare
repetir os mesmos fenômenos, garantindo, assim, o “ato coletivo” do conhecimento.
Segundo Boyle, a coletividade, empregada dessa forma, expurgava as idiossincrasias
individuais da produção de conhecimento. O Programa Experimental defendido por
Boyle conferiu‐lhe poder social, poder de convencimento, sobrevivendoaosfortes
ataquescientíficos,religiososepolíticosempreendidos,sobretudo,porThomasHobbes,
seu grande adversário. Segundo explicam os autores, o desconhecimento desse viés
científico hobbesiano pode estar relacionado ao fato de que Thomas Hobbes estava,
cientificamente, em oposição ao “herói” consagrado pela História das ciências whig:
RobertBoyle.ApesardeHobbesserconsiderado“operdedor”naquerelacientíficacom
Boyle,emumacoisaeleestavacerto,explicamShapineSchaffer.ParaHobbes,acncia
coletiva de Boyle estava abertaaos interesses sócio‐políticos,culturais, econômicose,
enfim, aos interesses de toda espécie. Conforme vimos, essa era a grande crítica de
HobbesaoProgramaExperimentaldefendidoporBoyle.
80
Averdadeestaria,portanto,
ligada a uma ordem moral, nunca seria o resultado de um fato independente. Seria,
antes,oresultadodeumarelaçãoéticopolítica.Esseéoargumento hobbesiano e,
também, o argumento de Schaffer e Shapin. Soluções dadas aos problemas do
conhecimento estão incorporadas às soluções práticas dadas ao problema social, ao
problema para alcançar assentimento social das teorias científicas. Portanto, para
Shapin,odesenvolvimentocientíficonãoéentendidocomorupturasnoconhecimento,
talcomoentendeKoyréeKuhn,massimcomooprocessosocialpormeiodoqual
determinado conhecimento adquire consentimento, aceitação social, adeptos, enfim,
statusdeconhecimentoverdadeiramenteválido.Porisso,ainsatisfaçãodeShapincoma
80
Videitem3.1(DoLeviatãeaBombadeAr).
118
historiografia produzida até então está relacionada ao fato de que esta última não
investiga os esforços dos cientistas para alcançar consentimento, validade de suas
alegações. A historiografia anterior teria se ocupado de descrever as alterações nas
estruturas do conhecimento, as revoluções científicas, e, assim, teria reproduzido as
formaswhigs,triunfalistasdenarrarasciências.Emoutraspalavras,Shapinalegaque
autorescomoKoyréeKuhnteriamnarradoodesenvolvimentocientíficoapartirdos
vencedores,dasteoriasquevigorarame,ainda,pormeiodomomentodeumaruptura,
das “piores” para as “melhores” formas de explicar a natureza. Grosso modo, essas
seriamascríticaseapropostainovadoradeShapin.Indoumpoucoalém,quaisseriam
asimplicaçõesdasconcepçõesshapinianasemrelaçãoaosseusadversários–Koyrée
Kuhn?
A primeira diferença entre Shapin e a historiografia anterior já deve estar
clara.Pareceque,paraShapin,torna‐seumaquestãosecundáriasaber,cientificamente,
porqueosesforçosdoscientistassãobemsucedidos.Desdequeseestabeleçaarelação
entreocientistaeoprocessopormeiodoqualelealcançaavalidaçãodesuateoria,o
historiador não precisaria se preocupar em estudar com afinco como as questões
científicasreferentesànovapropostadocientistaserelacionaramqualitativamentecom
as propostas anteriores. Isto é, desde que se dedique a narrar as relações existentes
entre o jogo político de Hobbes e Boyle, torna‐se secundário saberseoconteúdoda
proposta boyleana explicava melhor a natureza do ar, ou se era de mais fácil
entendimento,ouseeramaisadequado,ouainda,seconsistiaemumarupturafrenteo
padrãoaristotélicodeconhecereinterpretarosfenômenosdanatureza.Nãoporacaso,
ThomasKuhnrevelouestarsurpresocomodesapreçocomoqualSchaffer e Shapin
narramospressupostosteóricosdeBoyleeHobbesarespeitodapressãodoar.(KUHN,
2006b)
ShapineSchaffernotamque,nostextosdeBoyle,háumaoscilaçãoentrea
expressão“pressãoeaexpressão“moladear.Osautoresconsideraram essa
alternânciainconsistenteeutilizam‐nacomoumexemplodecomoodebatecomHobbes
era,de certaforma, sem sentido.Contudo, os autores chegama essa constatação sem
observar que, ao tratar do ar, Boyle se referia ao modelo hidrostático (OLIVEIRA;
CONDÉ, 2002). Por isso, conforme explica Kuhn, o desapreço com o qual Shapin e
SchaffernarramospressupostosteóricosdeBoyleteriaimpossibilitadoosautoresde
compreenderemaspectoscruciaisdas distintasconcepçõesdos cientistas–filósofos –
119
envolvidosnaquerela.Taldesapreçosereflete,também,nolegadoquenosédeixado
emOLeviatãeaBombadeAr,porexemplo.Aofimdaleituradessaobra,algunsaspectos
técnicos das concepções científicas da época nos escapam, dandolugaraosaspectos
contidos nas negociações sócio‐político‐culturais envolvidas naquerelacientífica.
Grossomodo,podesedizerqueaolerDoMundoFechadoaoUniversoInfinitodeKoyré,
ouA Revolução CopernicanadeKuhn,somoscapazesdeentenderfatorestécnicosdas
concepçõesdoscientistasenvolvidosnasrevoluçõescientíficasnarradas.Mas,aolerO
Leviatã e a Bomba de Ar, estamos mais fortemente instruídos pelas relações sócio‐
político‐culturaisdos cientistasdo que por suasidéias econcepções científicas stricto
sensu.Portanto,épossívelconcluirqueShapincriticaahistoriografiaanteriorporesta
ignorarosesforçosqueestãoenvolvidosnoprocessodevalidaçãodeteoriascientíficas
e,porisso,talhistoriografianão produziria relatos suficientemente críticos; e, assim,
corroborariaotriunfalismo.Poroutrolado,ShapinseesquecedealgoqueKoyréeKuhn,
por exemplo, fizeram com rigor: analisar as implicações científicas, stricto sensu, das
alteraçõesnasteorias.ConformeexplicaSpringerdeFreitas:
Se,paraquesefaçaumahistoriografia‘suficientementecrítica’ da
ciência,énecessáriolevarasérioocritériosugeridoporShapin,euteria
que perguntar o que ele próprio realmente fez ao se engajar na
atividadedeassegurarsuasalegaçõessobreapertinênciadesua
historiografiadaciência.Euarriscariaaseguinteresposta:porumlado,
ele sistematicamente deturpou a historiografia da ciência à qual se
contrapôs, de forma a poder mostrar a sua própria como uma grande
novidade, e, por outro, endossou, de forma acrítica, a tese
epistemológicaelaprópriauminfelizlegadodoperíodohistórico
que ele estuda –, de que uma ‘peça de conhecimento’ é algo que
precisa ser ‘assegurado’(SPRINGERDEFREITAS,2003,p.265,grifos
meus).
ParaahistoriografiaanterioraShapin,háumapreocupaçãoemsaberoqueé
essencialànovaformadeconhecimento.Istoé,umesforçoemnarrar os aspectos
específicos, científicos das teorias stricto sensu.Koyré,porexemplo,estuda
minuciosamenteoquehádediferenteentreosestudosdomovimentoemGalileueo
modeloestático,ontológico,aristotélico.AssimtambémofazThomasKuhn,queanalisa
quais as novidades trazidas pelo modelo copernicano se comparado ao modelo de
Ptolomeu. Os dois autores citados analisam teoricamente ambos os lados científicos
envolvidosno processo chamado de revolução científica. Por isso, aliás,esses autores
entendemessatransformaçãocomoumarevolução,poisestudamosaspectosteóricos,
científicos, talvez fosse possível dizer, os fatores “internos”dasteorias.Emoposição,
120
paraShapin,tudooqueháparasaberécomooscientistassecomportamaolongodo
processodenegociaçãoquepermitiráavalidaçãodasteorias.Percebe‐se,portanto,que
Shapinempreendeumainversãoquenãofoiutilizadapelavertentequeoautorcritica.A
partirdosprocessosdenegociaçãosocial,dosjogosdepoder,dasinfluênciaspolíticas,
religiosas,enfim, de uma sorte de fatores sócio‐culturais,Shapin explica asalterações
nas ciências. E o autor faz isso sem se perguntar: a proposta de Boyle era, de fato,
cientificamente mais adequada que a de Hobbes? Como se, para entender essa
transformação na ciência fosse suficiente perguntar: como Boyleconseguiuimpor,
socialmente, sua teoria? Está claro que tal indagação é substancialmente importante,
mas o que quero frisar aqui é que há algo mais para se conhecer no processo
desenvolvimentista da ciência. Está claro, também, que talvez Shapin esteja certo ao
afirmar que as narrativas anteriores não demonstraram importantes embates sociais,
comoocasodoembateexistenteentreBoyleeHobbes.Mas,éprecisoreforçar,Shapin
estáequivocadoaosugerirquetudooqueháparaseconhecernoprocessopormeiodo
qualBoyleimpôssuateoriaéanegociaçãosocialquegarantiusua validação. Em
resumo, Shapin está mais interessado em saber como determinado conhecimento se
tornouseguroaoinvésdeanalisaraimportânciadesseconhecimentoparaaciênciaem
sie,sobretudo,paraaHistóriadasciências.
A segunda diferença crucial entreapropostadeShapineaquelarealizada
pelahistoriografiaanteriorestádiretamenterelacionadaàquestãoqueacabodeindicar.
Shapinteriaquecomeçaraseperguntarsesuaprópriapráticade
limitarseamostrarosesforçospormeiodosquaisumadeterminada
‘peça de conhecimento’ [...] foi ‘tornada segura’, sem se perguntar, em
primeiro lugar,qualéaimportânciadessa‘peçaparaoconhecimento
científico,nãoacarretaconseqüências danosas para a historiog rafia
daciência.(SPRINGERDEFREITAS,2003,p.268,grifomeu).
OsrelatosdeShapinnãonosmostramaspectoscruciaisdodesenvolvimento
científico, tal como Kuhn demonstrou em sua crítica a respeito da alternância do
conceitodemoladear/pressão,presenteemO Leviatã e a Bomba de Ar.Diantedesse
argumento,épossívelquestionar:qualocritérioshapinianoutilizado para narrar o
desenvolvimento científico? Nesseponto,creioquearespostajá está clara. As
negociações sociais são o critério por meio do qual Shapin narra como determinado
conhecimento adquire status de confiável, consentimento peranteacomunidadede
praticantese,tambémperanteasociedadecomoumtodo.EssaémetodologiadeShapin
que,segundoopróprioautor,seriaumapropostainovadorapara ahistoriografia das
121
ciências.Mas,nãohaveriaalgoestranhoaosepensarque,nanarrativasobreo
desenvolvimentodasformasdeconhecimentodanatureza,apróprianaturezaadquira
umpapelsecundário?Essainversãoéumresultadooriundodapropostashapiniana.Tal
inversão,conformedemonstrei,já havia sidoindicadaporThomasKuhn e,creio,esta
aindaéumacríticaválida:
Agora,ascoisasestãonovamentemudandodedireção,enãoseioque
vaisairdaí.Nãoéqueeupensequeestátudoerrado.Faleiavocêsqueo
termo‘negociação’ meparece realmentecorreto, mas, quando faloem
‘deixar a natureza entrar’, está claro que esse é um aspecto aoqualo
termo ‘ negociação’ se aplica apenas metaforicamente [...].Masnãose
falarádenadaquemereçaserchamadodeciênciacasoseexcluaopapel
da[natureza].(KUHN,2006b,p.380).
Deixaranaturezaemsegundoplanonorelatodapróprianatureza,narrando
odesenvolvimentocientífico a partir,sobretudo, deaspectossócio‐culturaiséum dos
legados deixados pela proposta shapiniana. Mas, além disso, há uma terceira
característicadostrabalhosdeShapinqueeugostariadecomentaraqui.Essaterceira
implicaçãodaabordagemshapinianatambémestádiretamenterelacionadaaoquejáfoi
expostoatéomomento.UmavezqueShapinnãolevantaquestionamentosarespeitoda
importânciadedeterminadoconhecimento,dedeterminadateoria,deumanovaprática
ounovo equipamento/ferramenta, o autor parece endossarinconscientemente,aquilo
que é sua maior crítica à historiografia anterior, a saber, o triunfalismo. Em outras
palavras, Shapin parece narrar o desenvolvimento científico a partir da visão dos
vencedores, das teorias socialmente e historicamente sancionadas. Nesse ponto, é
preciso dizer que a narrativa de Shapin confere‐lhe o mérito de narrar aspectos do
conhecimentoquenãonoseramconhecidos anteriormente – como as alegações
científicas de Hobbes ou os impasses políticos encontrados por Boyle. Mas,
paralelamente, Shapin endossa uma visão acrítica do conhecimento sancionado, pois
nãoquestionaoqueéessencialnapropostacientíficadeBoyleedeHobbes.Oautornão
questiona quais implicações científicas as teorias de Boyle e de Hobbes acarretariam
diantedoconhecimentoratificadodeentão.Nãoquestiona,apartirdaanáliserigorosa
dosaspectos técnicos dasproposições científicasde Boylee Hobbes,qual teoriaseria
melhoroupioreporquê.Essasnão são questões levantadas pelos trabalhos
shapinianos. Por isso, pode‐se dizer que Shapin endossa de forma acrítica “[...] os
julgamentosoficialmentesancionadossobreoqueéessencialàciência e sobre o que
merece ser mencionado e por quê.” (SPRINGER DE FREITAS, 2003, p. 272). Shapin
122
estarianarrandoumahistóriamaiswhigdoqueeleprópriogostaria?Aoquemeparece,
arespostaseriamaispositivaaoanalisarafortunahistoriográficashapinianadoqueao
seanalisarasobrasanteriores,comoasdeAlexandreKoyréedeThomasKuhn.
Portanto, a inovação shapiniana que afirma, categoricamente, que não é
possívelpensaretãopouconarrar o desenvolvimento científico como sendo uma
ruptura, uma revolução, está equivocada em aspectos cruciais: ao narrar o
desenvolvimento a partir, exclusivamente, de jogos de influência político, social ou
religiosoparaoalcancedeassentimentodasteorias.Conseqüentemente,aoperderde
vista aspectos técnicos cruciais das alterações científicas. E,porfim,aoignorara
importânciadessesaspectostécnicos,“internos”doconhecimentocientífico,aproposta
shapiniana, nesse sentido, endossaacriticamenteasformasdeconhecimento já
sancionadaspelahistoriografiaanterior,tãocriticadapelosprópriosestudosdeSteven
Shapin.

ConsideraçõesFinais
Nessecapítulo,vimoscomoStevenShapinaborda,aolongodedoisdeseus
trabalhos, o desenvolvimento científico. Em O Leviatã e a Bomba de ar, os autores,
ShapineSchaffer,narramconjuntamenteosfatorescientíficose políticos, logrando
uma análise que poderia ser chamada de simétrica, tanto internaquantoexterna.É
possível, então, concordar com os autores quando esses afirmam que o livro é um
trabalho duplo, tanto científico quanto político, pois ambos os aspectos seriam
indissociáveis.
Emoutrotrabalho–ARevoluçãoCientífica–,Shapinanalisaahistoriografia
acerca da chamada “revolução científica”. Tal revolução, explica Shapin, seria
prematuramenteentendidacomoonascimentodaCiênciaModerna.Momentoemque
aciênciasedistânciaesediferencia,defato,deoutrasformasdeconhecimentocomoa
religião,porexemplo.Seriaomomentoemqueaciênciaconquistaseustãoconhecidos
critérios de cientificidade: objetividade, neutralidade, universalidade. Narrar esse
períododahistóriadasciênciasrequereria,portanto,omesmograudecientificidade
123
investidonabuscadeumanarrativatantointernaquantoexterna.Essaéapropostade
Shapin,conformevimosemO Leviatã e a Bomba de Ar,porexemplo.Mas,avertente
canônicadahistoriografiadaciência,explicaoautor,afirmaque qualquernarrativa
que una os fatores científicos aosfatores não científicos,isto é, fatores internos aos
externos,nãopoderiarealizarumrelatoseguro,poisincorrerianoerrodacríticada
ciência.UmerroqueaprópriaCiência Moderna (e seus critérios de cientificidade)
teria nos ensinado a evitar ao propor a separação entre a ciênciaeasformasde
conhecimento não científicas. Essa seria, segundo Shapin, a chamada “condição
moderna”endossadapelahistoriografiacanônicadasciências.Condiçãoquesepararia
overdadeiroconhecimento,científico,dasdemaisformasdeconhecimento.Narraro
nascimentodaCiênciaModerna,comumenteconhecidocomo“revoluçãocientífica”,a
partirdeseusaspectosintrínsecos(internos),separandoocientíficodonão‐científico,
seriaolegadodessahistoriografia,intrinsecamenteinternalista.ParaShapin,contudo,
essaforma de narraras transformaçõesdo conhecimento seriaequivocada.O autor
defendeasiprópriodizendoquepretendecriticaralgo,masessealgonãoéaciência
stricto sensu, e sim alguns relatos, algumas narrativas sobre as ciências. Mais
especificamente,Shapincriticaavertentehistoriográficasobrearevoluçãocientífica.
ParaShapin,essaéarevoluçãoquenuncaexistiu,asaber,aquelaqueécontadapela
“vertentecanônicadarevoluçãocientífica”.Vertentequerelataastransformaçõesdo
séculoXVIIdemodoasepararocientíficodonãocientífico,ointerno(eintrínsecoà
ciência)doexternoe,porfim,queendossaessa“condiçãomodernaqueéopróprio
objetodessasnarrativas.
Algumas das concepções de Shapin foram inspiradas nos trabalhosenas
idéias do chamado Programa Forte em Sociologia do Conhecimento.EssePrograma
procurava estabelecer princípiosdecientificidadeparaasnarrativas sobre o
desenvolvimentocientífico.BuscavadesenvolverumaSociologiabaseadanosmesmos
princípiosdasciênciashards,comoaneutralidadeeaobjetividade.Apartirdosquatro
pilares fundamentais – causalidade, imparcialidade, simetria e reflexividade –, é
possível afirmar que os representantes do Programa Forte buscam descrever o
desenvolvimento científico explicitando as causas sociais que ooriginam.Em
contraste, os tradicionais estudos filosóficos sobre o conhecimento seriam
considerados não científicos e, portanto, perderiam prestígio. Assim,aFilosofianão
seria uma ciência capaz de estudar a ciência, tarefa então assumida pelo Programa
124
Forte.AdescriçãodospressupostosdoProgramaForteetambémdospressupostosde
StevenShapindeixaclaroquetaisposicionamentospretendemalcançarumprincípio
de cientificidade para descrever o desenvolvimento da própria ciência. Para ambos,
maisdoqueestabelecerregrasparareconheceroverdadeiroconhecimentocientífico,
ohistoriadorousociólogodacnciadevedescrevercomimparcialidade,neutralidade
eobjetividadeadinâmicasócio‐político‐culturaldaciência.
ComodiversoscríticosdoProgramadeEdimburgo,ThomasKuhnalegaque
talProgramanãoconsidera,concretamente,aparticipãodanaturezanoprocessode
negociação. Portanto, a negociação descrita por essa vertente seria apenas a
negociaçãosocial,sendoqueanegociaçãocomanaturezaficaria apenas no plano
metafórico.Emoutraspalavras,nadescriçãodoconhecimentonaturalrealizadopelos
membros do Programa Forte, a natureza ocuparia papel secundário. Conforme
demonstrei,Shapinnarraodesenvolvimentocientíficoapartir,exclusivamente,de
jogos de influência político, social ou religioso, por meio dos quais se alcança o
assentimentodasteorias.Conseqüentemente,oautorperdedevistaaspectoscruciais
dasalteraçõescientíficas,comoaimportânciaessencialdeteoriasquesesucedem.Por
fim, demonstrei que, ao ignorar o questionamento da importância de determinada
forma de conhecimento, a proposta shapiniana endossa acriticamente as formas de
conhecimentojásancionadaspelahistoriografiaanterior,oquetornariatalnarrativa,
emcertamedida,próximadostrabalhoswhigs. Esse pode ser considerado o maior
impasseencontradoaoanalisarmosostrabalhosdoautor.
125
ÀGUISADECONCLUSÃO
A noção de “revolução científica” costuma ser tomada como uma chave de
leiturarecorrentenasnarrativasdeHistóriadasciências.Conformevimosnocapítulo3,
apósadivulgaçãodostrabalhosdeStevenShapin,essachavedeleiturafoicolocadasob
suspeita. Contudo, a alternativa oferecida por Shapin, a saber, narrar aspectos das
ciências nunca antes narrados, mostrou‐se problemática: parece ter acarretado um
retrocessonosestudosemHistóriadasciências.Issoporque,naperspectivadeShapin,o
desenvolvimentocienficoénarradocompoucaalisecríticasobreosfatoresteóricos
da ciência. Ou seja, por não se preocupar com a idéia de rupturanaestruturado
conhecimento ao longo do desenvolvimento científico, Shapin acaba endossando uma
forma triunfalista e acrítica de narrar a ciência. Sendo assim,umavezqueacrítica
shapiniana à noção de revolução científica malogrou em seu intento, poderemos
encerrarestadissertaçãoafirmandoquetalnoção,aindahoje,mantémpreservadasua
acuidadeteórica?
Paracontinuarmosacorroboraranoçãode“revoluçãocientífica”nocampo
daHistóriadasciências,creio,foinecessárioestabelecerumnovoentendimentodaidéia
deruptura.Nessesentido,eparaconcluirosestudosaquirealizados, ressaltarei
determinados aspectos das abordagens históricas de Alexandre Koyré e de Thomas
Kuhn, acreditando que essas perspectivas: a) possibilitam‐nos não incorrer nos erros
cometidosporShapin;b)oferecem‐nos,defato,viascríticasparaanarrativahistórica
dasciênciaseparaoavançodosaberhistoriográfico.
QuandoAlexandreKoyrédeuumnovosignificadoàexpressãorevolução
científicaafimdequeessetermodessecontadeentenderodesenvolvimentocientífico
comosendoalgodiferentedomeroacúmulodedescobertaseteorias,oautorestava
tentando oferecer reais possibilidades contra as formas whigsdenarrarasciências.
Nessesentido,oempreendimentokoyrenianofoibemsucedido.Emfunçãodainclusão
dosequívocosedasdescobertasacidentaisaolongodasalteraçõesdas“estruturasde
pensamento”,odesenvolvimentocientíficonãopoderiaserdescritocomoumamarcha
linearrumoaoprogresso,talcomonasnarrativaspresentistase triunfalistas. Além
126
disso,ojulgamentokoyrenianodoquedeveriasernarradoéfeitoapartirdaanálisedo
conhecimentoemsi.Adespeitodacríticashapiniana,talabordagempodeserentendida,
sim,comoumaalternativafrenteàsnarrativaswhigs,poisnãopartedoconhecimentojá
sancionadoenãosepreocupaemnarrarapenasasgrandesdescobertas, os grandes
heróis.OsestudosdeKoyrénãodescrevem,deformacompletamenteautônoma,lineare
cumulativa, o empreendimento científico. Koyré dá ênfase à “revoluçãocientífica,à
ruptura das estruturas teóricas, à descontinuidade de pensamentocomosendoum
passofundamentalnamaneiracomoaciênciasedesenvolve.Desse modo, a ciência
deixadeserumempreendimentocumulativo,linear.Assim,oganhorealoferecidopela
propostakoyrenianafoisuperarasnarrativaspresentistas,whigs,apartirdeumanova
utilizaçãodotermo“revoluçãocientífica”.
Esseéumpontopositivoparaatentativadeencontrarumaforma mais
críticadenarrarodesenvolvimentocientífico.Afinal,entende‐sepordesenvolvimento
científico o momento em que uma novidade é inserida nas fórmulas, nas regras, nas
teoriasounaspráticascientíficas,transformando,assim,aciênciaemvigor.Portanto,
trata‐sedeumaalteração,deumainovação,deumadescontinuidadefrenteaopadrão
anterior. Segundo demonstrou Koyré, essa novidade pode ser descrita conforme uma
“revolução”.EssaéapropostadeKoyréparaadescriçãododesenvolvimentocientífico.
E, apesar de simples, tal proposta mostra‐se extremamente eficaz, pois as ciências se
transformamconstantementee,porvezes,essasalteraçõespodemserentendidascomo
revoluções, como dois momentos teóricos diferentes: antes e depois de determinada
inovação.Porisso,apropostakoyrenianatemalgosubstancialaoferecerparaosrelatos
históricos: o entendimento das diferenças, das descontinuidadesteóricasaolongodo
processodedesenvolvimentocientífico.
OstrabalhosdeKoyrédatamdeumperíodoemqueaHistóriacomeçavaa
superar a idéia de que a ciência não deveria ser descrita como a acumulação de
conhecimento. Conforme vimos anteriormente, Koyré deu início a uma série de
trabalhos sobre a revolução científica do século XVII. Tais trabalhos descreveram o
desenvolvimento científico aos moldes propostos por Koyré. Fundou‐se o que chamei
anteriormentede“vertentehistóricasobrearevoluçãocientífica”.Paraessavertente,a
revolução científica era mais uma metodologia de trabalho que pretendianegaras
narrativaswhigsdoqueumconceitoemsi,passíveldeseraplicadoaqualquercontexto
127
histórico. Mas, quando é que se tem a formação de um conceito, stricto sensu, de
revoluçãocientífica?
EntreosseguidoresdavertenteinauguradaporKoyré,têm‐seThomasKuhn.
Emsuamaiscélebreobra,AEstrutura das Revoluções Científicas [1962],adescriçãodo
desenvolvimento científico como um processo repetitivo, realizadopormeiode
rupturas,seconcretizoudefato.Kuhneternizaarevoluçãocientíficanadinâmicadas
ciências(CONDÉ, 2005b). Estabelece,como o nome de suaobra indica,uma estrutura
parasepensarasrevoluçõescientíficas.Oautornãodiscutesehá ou nãorevoluções,
mas parte do pressuposto koyreniano de que tais rupturas existemaolongodo
desenvolvimento científico e se preocupa em estabelecer um modelo para entender e
narrar essas revoluções. Além disso, tem‐se em Kuhn a formação de um conceito
objetivo para a expressão “revolução científica”. Conforme vimos anteriormente, ao
longo do Estrutura, o desenvolvimento da ciência passouaserentendidocomoum
processodetrocadeparadigmas.Nãoobastante,preocupadoemnarraroutrosfatores
quenãoapenasosteóricos–oqueoteriapermitidoarealizaçãodachamadasínteseI/E
,Kuhntrabalhoucomosconceitosdecomunidadecientífica,ciêncianormal,anomalia,
manualcientífico,crise,ciênciaextraordinária,gestalt,incomensurabilidade.
Apesar da grande repercussão de seus conceitos, a idéia de mudança de
gestalt,umaexperiênciadocientistanomomentoderupturateórica,talveztenhasidoo
pontodemaiordesacordodaobrakuhniana,peranteseusseguidores e seus
adversários. Por meio do entendimento da experiência de gestaltsofridapelos
cientistas, a revolução científica seria descrita em dois momentos,AeB,
incomensuráveisentresi.Grossomodo,arespeitodapropostakuhnianaparanarraras
transformações científicas, seu arcabouço teórico (composto pelos conceitos de
paradigma, manual, ciência normal, anomalia, crise, revolução científica, ciência
extraordinária) parece satisfatório, exceto quanto no que diz respeito ao termo
incomensurabilidade.Rememoremos,esseentendimentoradical, extremadodagestalt
docientistaéexpressopelametáforapato/coelho.“[...]Aquiloque antesdarevolução
aparececomopatonomundodocientistatransforma‐seposteriormentenumcoelho.”
(KUHN,1990,p.146).Deacordocomateoriakuhniana,amudançadeparadigmafazo
cientista ver o mundo de maneira diferente, e, mais, de maneiraincomensurável,se
comparadaàformacomoviaomundoantesdatrocadeparadigma.Talvezaquisetenha
umasutil, masimportantemudançaconceitualemcomparaçãoàpropostaoriginalde
128
Koyré. Passou‐se de “ruptura” para “abrupta ruptura”. A metodologiaempregadapor
Koyrénãoentendiaenãonarravaoprocessodedesenvolvimentocientífico como
abruptaruptura,pelocontrário,pode‐se,sim,pensarnalongapreparaçãodasalterações
científicasaolongodasnarrativaskoyrenianas.Arevoluçãocientífica em Koyréé um
processolongo,cheiodedesvios,errosepercalços,masnãoháaliaidéiade
incomensurabilidade. Nesse sentido, o modelo expositivo koyreniano teria mais a
oferecerparaos estudoshistoriográficossobre odesenvolvimentocientíficodoque a
proposta kuhniana. Contudo, Kuhn elaborou algumas revisões que sofisticaram seus
conceitosiniciais.
Conforme vimos no segundo capítulo, Kuhn passou os anos seguintes à
publicação do Estrutura tentando reavaliar seus conceitos, sobretudo o conceito de
incomensurabilidadeederevoluçãocientífica.Demonstrei,anteriormente,queaolongo
de suas revisões, Kuhn caminhou em duas direções diferentes. Em um primeiro
momento,Kuhnreformulasuasconcepçõesacercadodesenvolvimentocientífico.Nessa
primeira grande revisão, já presente no Posfácio do Estrutura, Kuhn diferencia
incompatibilidade de incomensurabilidade e aplica seu novo conceito, matriz
disciplinar”.Apósumarevoluçãocientífica,oscientistassedeparariamcompropostas
diferentesdeexplicaromundo,masnãopropostasincomensuráveis.Anovaperspectiva
kuhniana,oriundadaconcepçãodematrizdisciplinar,estabelececontato,comunicação
entre distintas teorias científicas. A radicalidade da total incomensurabilidade, que
representavaomaiorimpassenaobrakuhniana,desapareceria.
AsrevisõesdeKuhn,quetransformaramotermoparadigmaemmatriz
disciplinar,queamenizaramadrásticainterpretaçãodaincomensurabilidadee,porfim,
reformularamsuaconcepçãosobrearevoluçãocientífica,acabaramseaproximandode
uma visão evolucionista da História das ciências. Assim, as unidades de variação nas
ciênciasseriamprocessosdeevoluçãoconceitualenãoumaabruptarevolução.Porisso,
naprimeirarevisãodeseustrabalhos,Kuhnseaproximateoricamentedasconcepções
deLudwikFleckepropõeumavisãododesenvolvimentocientíficocomoumprocesso
lentoecontínuoaosmoldesdoevolucionismodarwinista.TaléaaproximaçãoqueKuhn
chega,inclusive,asugerirameforadeumaárvoreeseusgalhosparailustrarsuanova
visãododesenvolvimentocientífico.
Paradoxalmente, é possível afirmar que o modo como o desenvolvimento
científicoédescritoporThomasKuhnaolongodoEstrutura,ecomplementadopelas
129
revisões do autor que o aproximaram de Fleck, é tanto revolucionária quanto
evolucionária.Ouseja,hádescontinuidades,masnãohámaistotalincomensurabilidade.
Hácontatoentreasteoriasdiferentes,mas,hátambémumaquebra, uma relevante
ruptura teórica. Nesse momento, o modelo kuhniano torna‐se tão válido quanto o
koyreniano,noquedizrespeitoàsformasdenarrarodesenvolvimentocientífico,pois
abordaasrupturassemperderdevistaumatransformaçãolongamente preparada,
compostatambémporcontinuidades.Aconcepçãodeevoluçãopermite pensar na
gradualidade,namutaçãodasteoriasenoancestralcomum(segundoFleck,“pré‐idéias)
que afastaria Kuhn, de fato, da idéia radical de incomensurabilidade. A “revolução
científicapassaaservistaporKuhncomoumprocessoevolutivoenãocomouma
abrupta “ruptura”, completamenteincomensurável.Talinterpretação pode ser
corroborada pelo anunciado título do livro inacabado e nunca editado de Kuhn, The
plurality of worlds: An evolutionary theory of scientific Discovery (A pluralidade dos
mundos:umateoriaevolucionáriadadescobertacientífica).Dequalquerforma,nãoserá
possível saber completamente o que Kuhn teria escrito nessa obra
81
eporquais
caminhostransitavamsuasúltimasreformulações,quegarantiriamolançamentodeum
“novo Estrutura”. Apesar dessa nova concepção, revisada, de Kuhn, o paradoxo
evolução/revoluçãonãofoiserresolvidotãofacilmentenafortunaliteráriadoautor,o
queolevouadesenvolverumsegundoargumentorevisionista.
Assim, apesar de toda a aproximação do evolucionismo, é importante
ressaltar,Kuhnjamaisrecusouporcompletooconceitoderevolução ou de
incomensurabilidade, tal como a primeira reavaliação de seu trabalho sugeriria. Na
segundarevisãodeseustrabalhos,aincomensurabilidadetorna‐seimpossibilidadede
tradução entre diferentes matrizes disciplinares, ou diferentes léxicos (conceito
kuhnianousadomaistardeparasubstituirotermoparadigma).Aincomensurabilidade
total,tantocriticadapelosadversáriosdeKuhn,chegouaserredimensionadaporesse
autor.Temos,portanto,umanovaformaderuptura,agoraentendida como ruptura
lingüísticaeimpossibilidadedetradução.Porexemplo,umafrasepodenãotertradução
deumalínguaAparaumalínguaB,masnadaimpediriaqueumapessoaentendessee
falasse as duas línguas, A e B. Esse seria o novo entendimento kuhniano sobre a
incomensurabilidade.Teoriasdiferentespodemnãotertradução,equivalência,enesse
81
OscincocapítulosqueThomasKuhnescreveuparaessaúltimaobraestãosendoeditadoseserão
publicadosembreve.
130
sentidoseriamincomensuráveis.Mas,nadaimpediriaqueumcientistatransitasseentre
as duas teorias, entre diferentes matrizes disciplinares. O trânsito entre diferentes
matrizes disciplinares estaria relacionado à possibilidade de interpretação, de
aprendizado e de vivência, pois é possível aprender duas línguas,aindaquenãohaja
tradução possível entre elas. Isto é, ainda que não haja equivalência, há relação, há
contato,poisexistemformasdemensurar,deinterpretar.Pelainterpretação,entendida
comoumaformadegestalt,Kuhnsalvaguardariaasrevoluções,asrupturasaolongodo
desenvolvimento científico. Assim, revolução científica passa a ser, então, diferentes
formas de gestalt, diferentes interpretações de mundo. Percebe‐se que Kuhn recuou
frenteàunívocaadoçãodoconceitodeevoluçãocientífica.Vêem‐se, nesse segundo
momento,reformulaçõescadavezmaissofisticadasdoautor.Vêem‐se,portanto,novos
significadosparaotermo“incomensurabilidade”eparaotermo“revoluçãocientífica”.
A despeito das especulações, e dos impasses em torno da noção de
incomensurabilidade/intradutibilidade,o desenvolvimentocientífico entendido, isto é,
descritopormeiodanoçãode“revolução,talcomoépossívelencontrar na fortuna
literáriadeKoyréedeKuhn,trouxeganhosreaisàanálisehistórica,entreosquais:a
possibilidadedeanalisaraspectosteóricosfundamentaisdastransformaçõescientíficas;
a possibilidade de analisar aspectos sócio‐políticos envolvidos no empreendimento
científico; a possibilidade de comparar distintas propostas teóricas de determinada
ciência; a possibilidade de entender as implicações práticas deumamudança;a
possibilidade de discutir, de formacrítica,asescolhaseoscaminhos trilhados pelo
conhecimento científico e pelos cientistas; a possibilidade de narrar aspectos não
canonizados,sancionadospelaHistóriatriunfalistaproduzidaatéoiníciodoséculoXX;a
possibilidade de entender as permanências presentes nas rupturas,tantoquantoas
rupturaspresentesnascontinuidades;eporfim,apossibilidade de narrar um longo
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