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Itamaragiba Chaves Xavier
A Instrução Pública na República Rio-Grandense (1836-1845)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de
Pelotas, como requisito parcial à
conclusão do Mestrado em Educação.
Orientadora: Prof. Dra. Giana Lange do Amaral.
Pelotas, 2009
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Banca examinadora:
...................................................................................................
Prof. Dra. Giana Lange do Amaral
...................................................................................................
Prof. Dra. Berenice Corsetti
...................................................................................................
Prof. Dr. José Plínio Guimarães Fachel
...................................................................................................
Prof. Dr. Eduardo Arriada
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Agradecimentos
Agradeço a Deus.
À professora Giana Lange do Amaral pela orientação, respeito e carinho que
sempre teve comigo.
Aos professores José Plínio Guimarães Fachel, Eduardo Arriada e Berenice
Corsetti pelas importantes contribuições realizadas na qualificação desta pesquisa.
Aos integrantes do CEIHE (Centro de Estudos e Investigações em História
da Educação) e a todos os colegas que, de uma forma ou de outra contribuíram para
a execução desta pesquisa.
Ao senhor Ramão Costa por disponibilizar o seu acervo particular.
Ao meu pai, minha mãe, irmãos (a), cunhado (as) e sobrinho (as) pela
estrutura de família que são o suporte para ser quem sou.
Aos colegas da Brigada Militar de Chuvisca pelo apoio ao organizarem a
escala de serviço, para que pudesse dedicar-me aos estudos.
Ao Valdir, Hildamar e família, e aos demais que fizeram parte desta
caminhada.
Em especial a Lílian e ao Lucas, pelo apoio, pela força, compreensão das
ausências e por estarem sempre ao meu lado.
Resumo
O tema pesquisado é a Instrução Pública na República Rio-grandense, entre
o período de setembro de 1836 a março de 1845. Espaço de tempo em que parte
da Província de São Pedro, atual Estado do Rio Grande do Sul, esteve separada do
império brasileiro constituindo a República Rio-grandense, em decorrência dos fatos
da Revolução Farroupilha (1835-1845). Através dos jornais oficiais do governo
farroupilha e outras fontes utilizadas pela historiografia (leis, ordens de pagamentos
de professores, etc.) é possível perceber o modelo de Educação desejado pelos
republicanos rio-grandenses. Essa é uma questão que esclarecemos, tendo por base
o seguinte questionamento: qual o modelo de Instrução Pública almejado pelos
farroupilhas? O objetivo geral dessa pesquisa é contribuir na análise do modelo
“educacional farrapo”. Os objetivos específicos são: relacionar os ideais da
Revolução Farroupilha com as novas perspectivas da sociedade mundial, analisar a
Instrução Pública do governo imperial na Província de São Pedro, caracterizar o
modelo de Instrução Pública almejado pelos republicanos rio-grandenses e identificar
ações práticas do governo farroupilha, referentes à Instrução Pública. Nesse estudo,
as fontes utilizadas são: os jornais da Revolução Farroupilha - O Povo, O Americano
e o Estrela do Sul importantes por serem os diários oficiais da República Rio-
grandense, onde são difundidos os princípios dos farroupilhas e os atos do governo;
também o jornal O Mensageiro, órgão oficial dos farrapos, antes da separação de
parte da Província de São Pedro do resto do Brasil; as cartas dos participantes da
Revolução, editadas pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (Coleção Varela -
C.V); o Projeto de Constituição da República Rio-grandense, publicado em anexo em
Flores (1985) e algumas memórias. Usamos também como fonte de pesquisa os
relatórios e falas dos presidentes da província, que estão disponíveis no site
http:/www.crl.edu/content/provopen.htm, e as leis, atos e regulamentos sobre
Educação que foram publicadas em CD-ROM por Tambara e Arriada (2004).
Concluindo, o modelo almejado pelos farroupilhas diferenciava a educação por classe
social, era centralizadora, controlada pela lei, a maior parte da população livre
receberia uma educação mínima para regular sua conduta conforme os interesses da
classe dominante. Houve, também, a busca do método de Lancaster e a mulher
continuou a ser preparada para o lar, pois essa seria a sua principal função social.
Palavras-chave: Instrução Pública. República Rio-Grandense. Revolução Farroupilha
5
Abstract
The research topic is the Public Instruction in the Rio-grandense Republic, between
the period from September 1836 to March 1845. Space of time that part of the o
Pedro Province, now the state of Rio Grande do Sul, that was separated from the
brazilian empire, forming the Rio-grandense Republic, due to the facts of Farroupilha
Revolution (1835-1845). Through the newspapers of the revolutionary government and
other sources already used by historians (laws, teachers´ payment orders, etc.) its
possible to realize the kind of Education desired by the Rio-grandenses Republicans .
This is an issue that we clarify, based on the following question: What is the model of
Public Instruction pursued by farroupilhas? The general purpose of this research is to
contribute to the analysis of “farrapo educational model ". The specific objectives are:
to relate the ideals of the Farroupilha Revolution, with new prospects for the global
society, considering the Public Instruction of the Imperial Government in the São
Pedro Province between 1835 and 1845, characterize the model of Public Instruction
desired by the Rio-grandenses Republicans and identify the practical actions of the
Farroupilha government, on the Public Instruction. In this study the sources are the
newspapers of the Farroupilha Revolution - O Povo, O Americano and the Estrela do
Sul - important because they are the official newspapers of the Rio-grandense
Republic, where are transmitted the principles of farroupilhas and the acts of
government, too, O Mensageiro newspaper, official organ of the insurgents, before the
separation of part of the São Pedro Province to the rest of Brazil, the letters of the
participants of the Revolution, edited by the Historical Archives of Rio Grande do Sul
(Varela Collection - CV), the Constitution Project of the Rio-grandense Republic,
published together in Flores (1985), and some memories. We also used as a source of
research, the reports and speeches of the presidents of the province, which are
available at http:/www.crl.edu/content/provopen.htm, and the laws, acts and
regulations about Education which were published on CD -ROM by Tambara and
Arriada (2004). In conclusion, the model desired by farroupilhas differentiated the
education by social class, was centralized, controlled by law, the majority of the
population would receive a minimal education to regulate their conduct according to
the interests of the ruling class. There was also the search of Lancaster‟s method and
the woman continued to be prepared for the home, as this would be hers main social
function.
Keywords: Public Instuction. Rio-Grandense Republic. Farroupilha Revolution.
6
Sumário
Introdução.....................................................................................................................07
1 Referencial teórico-metodológico .............................................................................11
1.1 A escrita da História...............................................................................................11
1.2 Apontamentos sobre a historiografia da instrução pública na República
Rio-grandense..............................................................................................................14
1.3 Referencial teórico-metodológico propriamente dito..............................................19
1.3.1 Fontes: jornais e memórias.................................................................................31
.
1.3.2 Domínio ideológico, reprodução e ideologia.......................................................37
2 Apontamentos sobre os motivos da Revolução Farroupilha.....................................43
2.1 Bento Gonçalves: separatista e republicano?........................................................53
3 A instrução pública e o domínio ideológico...............................................................66
4 A instrução pública do governo imperial na Província de São Pedro........................76
5 O modelo de instrução pública almejado pelos republicanos rio-grandenses........117
5.1 Vantagens e necessidades de uma educação pública artigo do jornal “O
Povo”..........................................................................................................................118
5.2 A presença de John Locke nas idéias elementares de um sistema de educação
nacional......................................................................................................................128
5.2.1 John Locke e o ideal educacional farroupilha...................................................131
5.3 O papel da mulher na sociedade da República Rio-Grandense (1836-1845) e seus
reflexos na educação feminina...................................................................................152
5.3.1 O papel da mulher na sociedade farroupilha.....................................................153
5.3.2 Educação feminina............................................................................................159
6 Ações práticas do governo farroupilha, referentes à instrução pública...................163
7 Conclusão................................................................................................................190
Referências................................................................................................................199
7
Introdução
O início desta pesquisa de mestrado me reporta ao ou semestre da
graduação em Licenciatura Plena em História, UFPEL, quando tivemos que escolher
um tema para fazer o projeto da monografia de conclusão do Curso. Diante da
constatação de certa lacuna historiográfica sobre a temática História da Educação na
Revolução Farroupilha realizamos, então, a pesquisa “A Instrução Pública na
República Rio-grandense, entre o período de setembro de 1836 a março de 1845”,
que possibilitou o levantamento inicial de dados que fundamentaram a pesquisa ora
apresentada.
O período de setembro de 1836 a março de 1845 foi escolhido para balizar
este estudo por ser o espaço de tempo em que parte da Província de São Pedro,
atual Rio Grande do Sul, esteve separada do Império brasileiro, inclusive criando a
República Rio-grandense, com ideais liberais e modernos, contrapondo-se, no
discurso, à monarquia brasileira tida como opressora e atrasada.
Ressaltamos que é importante ter bem claro o recorte temporal de uma
pesquisa, mas nada impede que para compreender o tema, se faça uma abordagem
anterior ou posterior a ele, pois assim procedendo pode ser uma forma de melhor
elucidarmos os acontecimentos.
Destacamos que, no discurso dos farroupilhas, a Instrução Pública foi muito
valorizada. Inclusive, dois artigos no jornal O Povo, que era um dos diários oficiais
do Governo Rio-grandense intitulados “Idéias Elementares sobre um Sistema de
Educação Nacional” e “Vantagens e Necessidades de uma Educação Pública”, que
foram publicados em várias edições devido a sua extensão. A importância de tais
artigos não está no tamanho apresentado, mas sim no seu conteúdo. São
esclarecedores no que se refere ao sentido da Revolução Farroupilha e a importância
dada à educação.
8
Através desses artigos e outras fontes (leis, ordens de pagamentos de
professores, etc.), algumas já utilizadas pela historiografia, é possível perceber o
modelo de educação desejado pelos Republicanos Rio-grandenses. Essa é uma
questão que buscaremos esclarecer, tendo por base o seguinte questionamento: qual
o modelo de Instrução Pública almejado pelos farroupilhas?
Nas leituras feitas sobre o tema educação na Revolução Farroupilha é notável
a necessidade de suprir a carência historiográfica, pois até hoje, tal assunto vem
sendo referido de forma superficial, fazendo parte de temas maiores, ou da história da
revolução, ou da educação no Rio Grande do Sul e não como um tema central de
análise.
Portanto, esse trabalho buscará elucidar um pouco mais sobre um capítulo
importante da história gaúcha e da história da educação. Para compreender o
desenvolvimento da Instrução Pública no Rio Grande do Sul até os nossos dias,
devemos ir à gênese dessas ideias. Ressaltamos que os ideais da Revolução
Farroupilha foram utilizados por grupos políticos antagônicos que, por vezes,
distorceram os preceitos farrapos. Isso ocorreu, por exemplo, na Revolução
Federalista (1893 -1895), onde os grupos em conflito, tanto os maragatos quanto os
pica-paus, se diziam herdeiros dos princípios farroupilhas.
Tendo presente a idéia de que a educação é um elemento do aparelho
ideológico de Estado podemos inferir que seus preceitos do período revolucionário
farroupilha influenciaram a construção educacional no Rio Grande do Sul.
O objetivo geral dessa pesquisa é, portanto, buscar contribuir na análise
sobre o modelo educacional farroupilha. Como objetivos específicos buscamos
relacionar os ideais da Revolução Farroupilha com as perspectivas da sociedade
mundial de então; analisar a Instrução Pública do Governo imperial na Província de
São Pedro; caracterizar o modelo de Instrução Pública almejado pelos Republicanos
Rio-grandenses e identificar ações práticas do governo farroupilha, referente à
Instrução Pública.
Esse trabalho foi organizado em seis capítulos. No primeiro faremos
apresentação do referencial teórico-metodológico que sustenta a dissertação, em que
discutimos a escrita da História tendo como base a leitura de Certeau (1982), Chartier
(1992), Jenkins (2004), Marques (2001) e Arriada (2007). Posteriormente, analisamos
a bibliografia sobre a Instrução Pública na República Rio-grandense, a partir de
Arriada (2007), Coelho de Souza (1964), Flores (1992 - 1998), Fagundes (1985),
9
Fachel (2002), Prado (1964), Schneider (1993), Soares (1936), Giolo (1994, 1999 e
2006), Laytano (1983) e Tambara (2000). Discutiremos, também, se esse movimento
foi ou não revolução, através de Kuhn (2007), Fachel (2002), Fagundes (1985) e
Flores (1985 e 1985a).
Para o uso das fontes históricas temos como referências Alves (2006), Amaral
(2005), Arriada (2007), Brandão (2007), Catroga (2001), Le Goff (2003), Luca (2005) e
Nora (1993).
Ao refletirmos sobre dominação ideológica, reprodução e ideologia nos
utilizamos de teóricos como Althusser (1974), Bourdieu e Passeron (1982) e
Pesavento (1980).
No segundo capítulo temos por objetivo contribuir com a discussão de quais
foram os motivos que levaram parte da elite Rio-grandense a se indispor com o
Governo central e, posteriormente, separar parte da Província de São Pedro do resto
do Brasil. Mas, tendo a consciência que este é um tema complexo e não sendo o
objetivo específico de nosso trabalho a sua análise queremos expor a nossa
percepção com as fontes que transitamos na discussão sobre a Instrução Pública na
República Rio-grandense. Dessa forma, é uma contribuição limitada por tais fontes.
Acreditamos que são vários os motivos que levaram o desencadeamento do
movimento farroupilha e que esse foi se configurando no desenrolar dos
acontecimentos. Inclusive, Bento Gonçalves, sendo um dos principais líderes, não
tinha o controle total dos farrapos e por esse motivo, muitos dos fatos relativos ao
movimento se concretizaram sem a sua aprovação e até mesmo sem a sua
participação.
No terceiro capítulo, intitulado “A Instrução Pública e o domínio ideológico”, é
possível, através de artigos publicados nos jornais oficiais da República Rio-
grandense e de cartas dos participantes da Revolução Farroupilha percebermos a
presença das novas perspectivas de utilização da Instrução Pública como forma de
dominação ideológica.
Em “A Instrução Pública do Governo Imperial na Província de São Pedro”,
que é o quarto capítulo, apresentaremos o desenvolvimento da Instrução Pública,
desde a Lei de 06 de novembro de 1772, que criava escolas para o reino português e
seus domínios, porém, não incluía a Província de São Pedro, até o relatório do conde
de Caxias em 1° de março de 1846, após a pacificação da Revolução Farroupilha.
10
No quinto capítulo demonstraremos o modelo de educação almejado pelos
farroupilhas, tendo como fonte principal dois artigos publicados no jornal O Povo,
intitulados, “Idéias Elementares de um Sistema de Educação Nacional” e “Vantagens
e Necessidades de uma Educação Pública”. Nestes artigos, consta a divisão por
classe social, a defesa do Método de Lancaster devido o seu controle sobre os alunos
e a defesa da Instrução blica para formar o povo em detrimento da instrução
privada, que serviria para formar um homem, mas não um cidadão.
Ao analisar o artigo “Vantagens e Necessidades de uma Educação Pública”,
problematizaremos a utilização dos termos público e privado para aquele momento
histórico. Referente ao artigo “Idéias elementares sobre um sistema de educação
nacional” abordaremos a presença de parte dos pensamentos de John Locke
reformulados para as necessidades locais da República Rio-grandense. Ainda nesse
capítulo será investigado o papel da mulher na sociedade farroupilha e seus reflexos
na educação feminina.
No último capítulo, o sexto, apresentaremos a ação prática do governo
farroupilha como a criação de escolas, nomeação de professores, ordens de
pagamentos de salários, compra de utensílios, aluguéis de casas para escolas,
criação de biblioteca etc. Isso, tendo como figura central o Ministro do Interior e
Fazenda, Domingos José de Almeida que teve importante participação na
organização da administração da República Rio-grandense (1836-1845), sendo,
inclusive, denominado por Laytano (1983, p. 160) de “o cérebro da Revolução
Farroupilha”.
11
1 Referencial teórico-metodológico
A seguir fundamentaremos as opções teórico-metodológicas deste trabalho e,
para isso, inicialmente demonstraremos a nossa percepção sobre a produção escrita
da História, assim como alguns apontamentos sobre a historiografia da Instrução
Pública na República Rio-grandense.
1.1 A escrita da História
O historiador deve ter claro que a produção histórica é relativa a um lugar e a
um tempo (CERTEAU, 1982, p. 78) e que sofre influência do social, da instituição na
qual se insere a construção do saber, que aceita certos autores e outros não, e
legitima qual produção é aceita como verdadeira (CHARTIER, 1992).
Dessa forma, a produção histórica é atingida pelas relações de poder. Como
afirma Jenkis (2004, p. 51) “quem tem poder legitima tanto quanto pode o
conhecimento” e para trazer novas verdades é preciso ter o poder para legitimá-las. O
poder e quais verdades serão aceitas é um tanto quanto relativo, pois depende para
qual grupo social se escreve, sendo elas aceitas ou negadas de acordo com as
necessidades do grupo e da classe que se apropria do conhecimento. Conforme esse
autor, a história é sempre a história destinada a alguém, mas quem qualifica se a obra
é de valor ou não, são os próprios historiadores. Podemos corroborar com essa
afirmativa em Certeau (1982, p. 72), que aponta que uma obra tem valor em história
quando é reconhecida como tal pelos pares.
Marques (2001) lembra que o escritor enquanto escreve pensa no seu leitor.
Para nós, historiadores, os leitores para os quais escrevemos são os nossos pares,
pois são eles que julgam a nossa obra e essa obra não é construção somente nossa,
mas do conjunto formado pelo que escreve e os seus pares. Conforme Certeau,
(1982, p. 73),
12
Como o veiculo saído de uma fábrica, o estudo histórico es muito mais
ligado ao complexo de uma fabricação específica e coletiva do que ao
estatuto de efeito de uma filosofia pessoal ou à ressurgência de uma
realidade passada. É o produto de um lugar.
Portanto, o conhecimento científico da História está relacionado à produção
de um grupo, pois a credibilidade é apreciada pelo domínio da cultura até então
produzida, demonstrada pelas citações que legitimam o seu discurso. A produção do
historiador se relaciona com o tempo, que vive abarcado por conceitos, por regras
aceitas ou negadas. A sua produção vai ser aceita se for enquadrada dentro das
regras que no seu momento vivido estão em vigor. Sofre influência do local que está
sendo produzida, das instituições, dos pares, do público alvo e da própria ciência
História.
No entanto, a produção histórica também tem a marca de seu autor, pois em
última instância é ele quem escolhe os teóricos e as fontes de acordo com suas
percepções influenciadas no presente. É necessário o historiador ter bem claro que a
subjetividade está presente na sua produção e também na de quem elegeu as fontes
que deveriam continuar para a posteridade, através de sua seleção e preservação. De
acordo com Arriada (2007, p. 31),
Por mais sério, competente, organizado e metódico que seja o pesquisador,
as fontes que irá utilizar numa certa dose, já estão pré-estabelecidas, ou seja,
no seu longo processo de manutenção e tentativas de preservação alguns
documentos foram mais valorizados que outros; no geral, sobrevivem muito
mais documentos de caráter oficial.
Dessa forma, nos parece fundamental que o pesquisador deixe claro ao leitor
quais foram suas escolhas, o uso desta e não daquela fonte ou referencial teórico-
metodológico. Dentro do possível, a objetividade da pesquisa está em deixar claro
quais são as subjetividades nela presentes.
O conhecimento produzido, dessa forma, sofre influência do momento
histórico, delimitado pelos historiadores, pelo próprio historiador e pelas fontes, pois
elas participam da delimitação do que pode ser dito e o que não pode, conforme
Jenkis (2004, p. 36) “o conhecimento e a legitimidade advêm de regras e
procedimentos metodológicos rígidos. É isso que limita a liberdade interpretativa dos
historiadores”.
13
Quanto à escrita da História há críticos que defendem a equivalência da
História à Literatura. No entanto, acreditamos que o historiador o faz literatura
quando produz história, ele se utiliza de fontes produzida no passado, de teoria e de
metodologia de análise, que tem como controladores os próprios historiadores que se
preocupam com a cientificidade do seu ofício. Conforme Chartier (1992, p. 135),
ainda que se escreva de forma literária, o historiador não faz literatura, e isso
por causa do fato de sua dupla dependência. Dependência em relação ao
arquivo, portanto, em relação ao passado do qual este é apegado.
Dependência em relação aos critérios de cientificidade e às operações
técnicas relativas ao seu ofício.
Esses questionamentos levantados são importantes, pois levam os
historiadores a refletirem sobre o seu fazer historiográfico perdendo-se, com isto,
certa ingenuidade (CHARTIER, 1992, p. 122).
Uma pergunta interessante a se responder é se o historiador, ao produzir
história, reproduz a verdade. A verdade de forma total e única ele não alcança, até
porque se tomarmos como exemplo um fato ocorrido e presenciado por duas
pessoas, elas, não tendo a intenção de mentir, contam os fatos com aspectos
diferentes, pois cada uma se detém em dados que são relevantes à sua capacidade
de interpretação. O mesmo acontece ao historiador ao produzir a verdade histórica.
Vai depender das fontes às quais tem acesso, dos referenciais teórico-metodológicos
de que se utiliza, de sua classe social e das instituições às quais participa. Ele
somente descreve parte da verdade, que é a sua verdade, mas não é a única. É
sabido que os historiadores só conseguem recuperar fragmentos do passado.
Finalizando, podemos afirmar que o conhecimento produzido pela ciência
histórica é uma relação que tem uma tripla influência dialética, onde o historiador, o
grupo de historiadores e as fontes interagem produzindo a verdade, que é
momentânea e relativa a um dado momento histórico.
14
1.2 Apontamentos sobre a historiografia da instrução pública na República Rio-
grandense
Um dos passos importantes na pesquisa é o autor conhecer o que foi
produzido sobre o seu tema, não desprezando o trabalho de outros historiadores. Isso
facilita a caminhada, pois podemos perder tempo para chegar a conclusões que
outros chegaram. Dessa forma, percebemos a necessidade de novas abordagens
ou do uso de outras fontes, tendo em vista outros resultados, ou suprir carências
historiográficas. Sendo assim, a seguir analisaremos algumas obras sobre a Instrução
Pública na República Rio-grandense.
Em alguns livros sobre a Revolução Farroupilha o tema Instrução Pública na
República Rio-grandense nem sequer é mencionado. É o caso de Flores, (1985a) e
Fagundes, (1985). Na obra de Fachel (2002) a abordagem sobre o tema serve para
demonstrar que um dos grupos farroupilhas pois não o considera um grupo
homogêneo tinha um modelo de educação, no entanto, não aprofunda a
abordagem, somente cita artigos do jornal O Povo referente ao tema, como se pode
observar a seguir: A política educacional desejada é demonstrada através de textos
em que é sugerida uma educação humanística, sem castigos, onde a reflexão e o
Método de Lancaster sejam estimulados (O POVO 97, 103, 104, 110) (Fachel,
2002, p.102).
Laytano (1983), ao analisar a Revolução Farroupilha, em seu quinto capítulo,
apresenta o primeiro subtítulo sobre a Instrução Pública, em que evidencia o descaso
do Império com este tema, expondo, inclusive, como sendo esta uma das causas
gerais da revolução. Traça um panorama geral sobre a educação na Província de São
Pedro, desde o período colonial até o início da Revolução Farroupilha para
demonstrar o pouco que havia sido feito.
Um dado importante por ele trazido foi que na República Rio-grandense, às
faltas cometidas pela administração devido a atrasos de documentos eleitorais,
seriam aplicadas multas que reverteriam para o ensino público, isso também ocorreria
no caso daqueles que tivessem o direito de voto e não o exercessem. Tal fato estava
previsto na lei eleitoral de 10 de fevereiro de 1840, em seu artigo 36.
O autor apresenta os jornais como importantes aliados na campanha pela
instrução e aponta os títulos de dois artigos no jornal O Povo sobre o tema, mas não
os interpreta. Os artigos citados serão fontes fundamentais nessa pesquisa.
15
Ressaltamos que para Laytano (1983), o ensino primário era apenas cogitado sendo,
na prática, quase inexistente, porque não havia os outros graus de ensino na
Província.
Apesar das informações que nos traz o autor consta, em sua obra, a
exaltação de seus líderes e da própria revolução, como sendo um movimento que
levava em conta interesses coletivos: “as forças intelectuais de 35 se concentravam
num esforço belíssimo para o interesse da coletividade” (LAYTANO, 1983, p. 190).
Como demonstraremos ao longo deste trabalho, os interesses que eram defendidos
em primeira instância, eram os dos líderes da revolução, ou seja, parte da elite local,
e não os interesses de todos.
No livro Instrução Pública no Rio Grande do Sul - 1770-1889”, Schneider
(1993), na parte referente ao período farroupilha, faz interpretações que merecem
questionamentos. A autora afirma que “para os farroupilhas a verdadeira revolução
significava mudanças na sociedade, que seria conseguida através do
desenvolvimento cultural do povo, por meio de uma autêntica educação republicana”
(SCHNEIDER, 1993, p.57).
No entanto, ao que tudo indica, é provável que as reais intenções dos
farroupilhas para com a Instrução blica o tinham por objetivo realizar grandes
transformações na sociedade, mas sim manter o estado das coisas. No artigo do
jornal O Povo, intitulados de “Idéias Elementares de um Sistema de Educação
Nacional”, observamos qual é o modelo pensado pelos Republicanos Rio-grandenses
e os interesses voltados para a educação classista e centralizada:
É indubitável que um gênero de instrução a qual todos devem possuir, e
que a outra que compete a certos indivíduos. Os que o destinados aos
trabalhos do campo, ou de manipulação das oficinas não carecem de ser
instruídos no mesmo grau, como os que se destinam a arte militar, ou ao
governo da República. Mas até certo ponto, considerável grau de ilustração
pode estender-se a todas as classes [...] (O POVO, 31/08/1839, nº97).
Outro autor que se dedica também a esse tema é Giolo (1994), o qual afirma
que antes de 1845 são precárias as fontes sobre a Instrução Pública na Província,
mas em nota de rodapé cita a obra de Schneider (1993), ressaltando a quantidade de
documentos nela coletados. Nesta obra, Giolo não traz novidades sobre o tema,
porém, no artigo que escreve em 1999 sobre o método de Lancaster, sua produção é
16
mais otimista, inclusive sinalizando uma abordagem da educação como elemento de
solidificação das estruturas da nova nação:
Deriva como lógico, se, de um lado, os farrapos precisavam fazer a
revolução, de outro, necessitavam despender energias na conformação da
mentalidade popular à fragilíssima ordem institucional que estava sendo
implantada. Um novo modelo de Estado e inúmeras relações sociais
precisavam ser solidificados e, para isso, nada melhor que implantar a rede
escolar (GIOLO, 1999, p.228).
Nesta obra, Giolo (1999) nos diz quem foi Miguel Du Pin e Almeida, estadista
baiano, que recebeu o título nobiliárquico de Marquês de Abrantes, de quem os
farrapos transcreveram no jornal O Povo o citado artigo, “Idéias Elementares de um
Sistema de Educação Nacional”. Esse artigo é parte do livro Cartas Políticas,
publicado em Londres, em 1826. Giolo apontou passagens que não demonstram a
Instrução Pública Farroupilha como classista e excludente.
Importante destacar que os dois artigos publicados no jornal O Povo, “Idéias
Elementares de um Sistema de Educação Nacional” e “Vantagens e Necessidades de
uma Educação Pública”, os quais serão citados ao longo desse trabalho, ainda não
foram suficientemente utilizados pela historiografia, pois além de serem extensos em
volume são mais importantes pelo conteúdo que abordam. Em quase todas as
passagens se apresentam classistas, dominadores, centralizadores e carregados da
ideologia nova que é a da república. Esses artigos muito esclarecem e fazem
compreender a função da educação e o próprio sentido da Revolução Farroupilha.
Flores (1998), ao escrever o artigo “Educação e Ensino no Período
Farroupilha”, demonstrou que na Província de São Pedro os professores recebiam
baixos salários e os investimentos públicos na educação eram poucos, favorecendo
as aulas particulares. “Graças à precariedade do ensino público, os professores
particulares começaram a abrir seus cursos na própria moradia” (FLORES, 1998, p.
32). E em sua tese de doutoramento expõe “os baixos salários, de 400$000 a
600$000 réis, e a Revolução Farroupilha afugentavam os professores do ensino
público, favorecendo a existência de professores particulares, principalmente
mulheres” (FLORES, 1992, p. 336).
Sabemos que ao escrever um artigo temos um espaço limitado. Flores (1998)
escreveu o seu em doze páginas, mas somente em quatro delas abordou sobre a
17
educação na Revolução Farroupilha. Constatamos, portanto, que referente à
República Rio-grandense o artigo careceu de análises.
Na “Introdução à História da Educação no Rio Grande do Sul (Versão
preliminar)”, Tambara (2000) ao se referir à Revolução Farroupilha, aponta como
sendo esse um período que agravou a situação da educação na Província, que era
precária, e inclusive, contribuiu para esvaziar e fechar muitas escolas. Apesar de não
ter analisado o Governo da República Rio-grandense no aspecto tocante à Educação
Pública, a obra é rica em reflexões sobre o contexto histórico da Província de São
Pedro, durante todo o período analisado fator que muito contribuiu para as nossas
observações. O autor reforça essa importância para a compreensão da formação da
estrutura educacional do Rio Grande do Sul:
Portanto, uma prioritária questão é compreender o processo de formação
sócio econômica do Rio Grande do Sul. Apreender suas nuances, suas
particularidades, seus vínculos com a sociedade brasileira, e, de modo
especial, associar este processo com a configuração de uma formação sócio-
econômica específica, em circunstâncias espaciais típicas, e em época
também características.
Somente a partir desta compreensão é que é possível vislumbrar o espectro
explicativo da construção da especificidade da organização ideológica no Rio
Grande do Sul e em particular de sua estrutura educacional (TAMBARA,
2000, p. 8).
Para o autor a História da Educação o é puramente a história das ideias,
mas, também, é a história da base econômica, havendo uma ligação do econômico
com a necessidade ou não da instrução do povo. Para ele, na parte sul e campanha,
a criança aprende a fazer fazendo, não havendo uma necessidade significativa para
as crianças pobres da educação formal para a sua socialização. Conforme Tambara
(2000, p. 57),
reafirma-se que no sistema produtivo pastoril que vigia à época na parte sul e
na campanha do Rio Grande do Sul a educação formal não significava
grande coisa no processo de socialização da criança, mormente na criança
dos segmentos subalternos da sociedade. Para esta bastava o sistema de
socialização pelo trabalho.
Essa parte da Província de São Pedro a que o autor se refere é onde está a
base de sustentação da Revolução Farroupilha, embora devamos levar em conta, em
nossas análises, que a República Rio-grandense vive um período de afirmar novos
valores referentes à nova ordem política que está sendo instituída e firmar que a
18
valorização dada à educação não seja a de transformar a ordem social, mas sim, que
funcione minimamente para a defesa destas novas estruturas.
Tambara (2000) utiliza a idéia de que a escola como aparelho ideológico de
Estado está a serviço de reproduzir a ideologia da classe dominante, em que “o
sistema educacional desempenha importante papel no sentido de criar e configurar
uma determinada concepção de mundo” (TAMBARA, 2000, p.29). Esta concepção de
mundo, na Revolução Farroupilha, está a serviço dos estancieiros e charqueadores
que são parte da elite local e líderes dos farrapos. Esta reprodução, o autor não
sem a luta de classe, pois depende do estágio de desenvolvimento das forças
produtivas e da especificidade das relações sociais. Ele afirma que a reprodução do
sistema de produção tradicional gaúcho falhou, pois com a inserção de concepções
capitalistas no cenário mundial, o próprio processo da campanha de exclusão escolar
aos dominados não possibilitou a resolução das necessidades das novas demandas
mundiais. Aqui surge o problema ideológico da criação do mito do gaúcho sem
trabalho, no qual o próprio patrão acreditava segundo Décio Freitas (1980), o que
impossibilitava desatrelar-se dessa concepção e atender as novas demandas
capitalistas.
Mudando os aspectos econômicos, os elementos ideológicos tendem também
a mudar e a demanda no fim do Império e início da República é de uma ideologia
dominante mundial capitalista, onde a campanha gaúcha estava na contramão
(TAMBARA, 2000, p. 54). Apesar de esse período ser posterior ao objetivo da
presente pesquisa, importa ser aqui relatado para mostrar que a reprodução que
referimos ao longo do trabalho, não ocorre sem conflitos e mudanças, tema que
retornaremos mais adiante.
Apesar de em seu estudo Tambara (2000) não se deter na República Rio-
grandense, ele admite que qualquer grupo tenda a utilizar a instrução como forma de
inculcar sua ideologia e para nós, assim o fez os farroupilhas.
Sob o relatório de 1863 do Presidente de Província, Tambara (2000, p. 105-
106) nos traz outro aspecto importante, ou seja, o fato de que “apesar do desprestígio
da carreira do magistério ela ainda constituía uma fonte de poder que era importante
ter sob controle”. Nós também evidenciamos tal aspecto, quando demonstrarmos
mais adiante, o controle sobre a atuação de uma professora e a inspeção da aula de
um professor em São Gabriel.
19
Arriada (2007) nos traz variadas possibilidades de uso de fontes para analisar
a instrução gaúcha no século XIX. Entre as fontes que utiliza temos legislação,
relatórios da Assembléia Geral Legislativa, os relatórios ou falas dos Presidentes da
Província, relatórios e regulamentos da Instrução Pública, estatutos, planos de cursos
e programas, anais e discursos parlamentares, jornais, revistas e almanaques,
dicionários, cronistas e viajantes, etc. Além das possibilidades de fontes
historiográficas é importante também a reflexão sobre o uso das mesmas.
Interessante é a sua percepção sobre o uso da escola, desde o século XVII
como sendo não apenas instruir e formar, mas também para impor comportamentos e
valores. Essa tendência européia chega ao Brasil pelo intercâmbio de ideias, entre
intelectuais e também através de viajantes (ARRIADA, 2007).
As reflexões desse autor ajudam a reforçar o fato de que a educação era vista
pelos governantes da época e também pelos farroupilhas, como dominadora e
disciplinadora da sociedade, ideia que pretendemos manter ao longo desse trabalho.
Referindo, especificamente, à Instrução na República Rio-grandense, Arriada
(2007) aponta o período farroupilha como de atraso econômico e cultural para a
Província de São Pedro, especialmente para o ensino secundário.
Outras obras que enfocam a educação na Província de São Pedro e na
República Rio-Grandense, que também analisamos neste trabalho foram Soares
(1936), Prado (1964) e Coelho de Souza (1964).
Desta forma, pelo exposto, são possíveis muitos questionamentos sobre o
tema a que nos propusemos a estudar. Apesar de também serem utilizadas fontes
empregadas por outros autores, buscamos apresentar uma leitura diferente em
algumas passagens. Acreditamos que é assim que se constrói o conhecimento; com
um novo olhar sobre as fontes e interpretações para que possa haver novas leituras
sobre os fatos, porém, sem esquecer de que chegamos a essas novas abordagens
com o auxilio do caminho já percorrido por outros autores.
1.3 Referencial teórico-metodológico, propriamente dito
É amplamente aceito pela historiografia o fato de que as concepções
iluministas influenciaram na Revolução Farroupilha, que faz parte dos movimentos
liberais que abalaram o Império no Período Regencial.
20
O Período Regencial teve início com a abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril
de 1831 e foi finalizado com a antecipação da maioridade de D. Pedro II, em 23 de
julho de 1840. Quando seu pai abdicou, este tinha somente 5 anos de idade, sendo
necessário que políticos governassem em nome do Imperador. Este espaço de tempo
foi constituído por quatro regências. Inicialmente foi instituída a Regência Trina
Provisória, composta por José Joaquim Carneiro de Campos (marquês de Caravelas),
Nicolau de Campos Vergueiro e o Brigadeiro Francisco de Lima e Silva. Esta foi
substituída em 17 de junho de 1831 pela Regência Trina Permanente, composta
pelos deputados José da Costa Carvalho, João Bráulio Muniz e o Brigadeiro
Francisco de Lima e Silva. Em 12 de outubro de 1835 inicia a primeira Regência Una,
sendo eleito Regente o padre Diogo Antônio Feijó, que devido às agitações políticas
no interior do Brasil pediu demissão em 19 de setembro de 1837, ficando
interinamente Araújo Lima, que assumiu como eleito a partir de abril de 1838. Seu
mandato durou até ser decretada a maioridade de D. Pedro II.
Durante o Período Regencial ocorreram várias agitações políticas nas
províncias brasileiras: no Ceará (1831 1832), em Pernambuco (1831-1835), em
Minas Gerais (1833 1835), no Grão Pa(1835-1840), na Bahia (1837-1838), no
Maranhão (1838-1841) e no Rio Grande do Sul (1835-1845).
As possíveis influências iluministas junto ao movimento farroupilha aparecem
em vários relatos da época, como podemos observar na circular enviada aos
presidentes e vereadores das Câmaras da República em 1° de agosto de 1838,
Circular
Convencido o governo da República que por meio da difusão das luzes e
da moral é que podem prosperar e robustecer os estados como este,
baseado nos princípios representativos; e tomando em conseqüência por
aquele motivo na mais séria consideração a Educação e Instrução da
mocidade Rio-grandense, inteiramente derrocadas em todos ou quase todos
os pontos do estado pelas vicissitudes de uma guerra de três anos qual a que
sustentamos contra os opressores de nossa liberdade e independência; [...]
(ANAIS do AHRS, 1978, v.2, C.V-247,p.210).
É necessário aprofundar, porém, a análise da utilização das expressões
“princípios representativos” e “difusão das luzes” e as limitações de suas
representações e de outros termos que aparecem em discursos do período.
21
Os iluministas não são um grupo homogêneo e suas ideias são absorvidas de
acordo com as especificidades locais do grupo que os utiliza. Segundo afirma Falcon
(1986, p. 16-17),
fica demonstrada a falácia de supormos, com relação ao próprio iluminismo,
uma unidade de princípios e uma autoconsciência que não correspondem, de
maneira alguma, a pluralidade inerente as várias tomadas de consciência do
movimento ilustrado.
Na República Rio-grandense divergência das concepções iluministas, por
haver várias correntes dirigindo o pensamento dos farroupilhas. Conforme Fachel
(2002, p. 38-39):
O antagonismo existente entre os grupos dominantes dos farroupilhas está
diretamente associado ao ideário iluminista clássico. Benjamin Constant,
François Gurzot, Alexandre Hamilton, John Say, James Madison, Thomas
Hobbes, Thomas Jefferson, John Locke, Nicolau Maquiavel, Giuseppe
Mazzine, Michel Monthaigne, Montesquieu, Rousseau, Adam Smith, Alex
Tocquevile e Voltaire o alguns dos filósofos políticos citados pelos
farroupilhas em suas cartas, proclamações e jornais.
Apesar de constatarmos que política e educação estão intimamente ligadas,
não faremos a análise destes teóricos na condução política da Revolução Farroupilha,
devido ao tempo para concluir este trabalho
1
.
Por outro lado, analisar-se-á a utilização das ideias liberais na República Rio-
grandense, por ser uma concepção formada para as necessidades materiais da
Europa, onde estava se estruturando o capitalismo e o domínio da burguesia.
Segundo Schwarz (2000), as ideias liberais no Brasil estariam fora de lugar,
pois as relações eram estabelecidas através do favor e existia a escravidão e na
Europa, berço do liberalismo, as relações estariam se estruturando pelo trabalho livre
e igualdade perante a lei. Reconhece, no entanto, que “lá correspondia às aparências
encobrindo o essencial a exploração do trabalho” (SCHWARZ, 2000, p. 12).
Para o autor essas relações brasileiras eram fruto do colonialismo que através
dos latifúndios configuram o monopólio da terra, estabelecendo três classes da
população: o latifundiário, o escravo e o homem livre e onde as relações entre o
primeiro com o terceiro se davam por meio do favor e com o escravo grupo da
1
Sobre divisão política dos farroupilhas ver FACHEL (2002), e sobre modelo político ver FLORES
(1985).
22
produção se estabelecia pela violência. Não havendo a autonomia da pessoa,
universalidade da lei e a liberdade, conforme se estabelecia na Europa.
Schwarz reconhece que sendo a economia brasileira voltada para o mercado
externo, tendo como seu principal produto o café, estava dependente dos países em
processo capitalista, e sendo este o capitalismo um sistema internacional, que
tinha por objetivo se universalizar, seus ideais influíam no Brasil e na cultura local,
produzindo um discurso liberal “fora de centro, em relação ao seu uso europeu”
(SCHWARZ, 2000, p. 30).
Na República Rio-grandense a maior parte da tropa “lutou acompanhando seu
comandante militar, seu patrão, o dono da estância, a quem estavam ligados por
laços de dependência econômica” (FLORES, 1985, p. 40). As relações sociais se
estabeleciam, na maioria das vezes, por dependência econômica e por favores de
apadrinhamento do grupo dominante e houve a manutenção da escravidão. Dando
continuidade ao favor e à escravidão, que segundo Schwarz (2000) indicavam no
Brasil a impropriedade das ideias liberais.
Assim demonstramos, de forma geral, a disparidade no Brasil e na República
Rio-grandense dos ideais liberais, em relação à Europa. A seguir, tentaremos
configurar o significado do termo liberalismo, tanto nos aspectos econômicos e
também políticos. No primeiro, a defesa da livre iniciativa e da ausência do Estado
no mercado, já no segundo havia pretensão de combater o absolutismo, eliminando o
poder centrado na figura do Monarca. Para isso, previa a divisão dos poderes que
constituíam o Estado em Legislativo, Judiciário e Executivo. Liberais como
Montesquieu não eram contra a Monarquia, desde que “uma constituição limitasse o
poder do soberano e garantisse as liberdades fundamentais dos súditos” (SILVA e
SILVA, 2008, p. 258).
O liberalismo defende a iniciativa, a autonomia e a liberdade do indivíduo,
desde que se seguissem os limites legais. a crença na função fundamental da lei
como reguladora da ordem social, mas a “liberdade é maior onde existe menos
restrição ou interferência” (BOTTOMORE, 1996, p. 424).
Outro elemento importante é a liberdade religiosa. Para os liberais, o Estado
deveria ser laico, não defendendo nenhuma ordem religiosa, “a liberdade religiosa é o
berço da liberdade moderna” (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 1986, p. 697).
A tentativa de definir o que foi ou é o liberalismo é extremamente difícil, por
serem estas concepções reinterpretadas de acordo com as necessidades de cada
23
época e países. Segundo Bottomore (1996, p. 421), “deve ficar claro que qualquer
tentativa de definir o liberalismo é como buscar um alvo móvel. O significado de
liberalismo muda não apenas com o nível de abstração e com o passar do tempo,
mas também de país para país”.
Passaremos a demonstrar, a seguir, parte das apropriações e reformulação
das ideias liberais no Brasil e na República Rio-grandense, conforme as necessidades
de cada lugar. Havendo a manutenção de princípios liberais com não-liberais, ou
combinação de ambos. É dentro desse contexto que vai se configurar o discurso
liberal local.
Um dos motivos da Revolução Farroupilha, como veremos a seguir, foi a
busca de maior autonomia à Província de São Pedro, que lutava para diminuir o poder
centralizado na Corte. Mesmo após a abdicação de D. Pedro I e iniciado o Período
Regencial e com a instalação das Assembléias Provinciais, o presidente das
Províncias era escolhido pelo Governo do Rio de Janeiro. Por trás dessa intenção de
autonomia havia a defesa dos interesses de parte da elite Rio-grandense, pois o
Presidente nomeado acabava defendendo os interesses da Corte. A exemplo do
Prata, que segundo Padoin (2006, p. 54),
defensores dos ideais da ilustração, os farroupilhas não aceitaram a
nomeação pelo Império do Presidente da Província. Caracterizava-se como
mais uma medida política centralizadora e representava os interesses da elite
que estava no poder central do Império. A elite Farroupilha exigia maior
atenção, expressividade e representatividade no poder regional e central,
como acreditava ser de seu direito. Essas reivindicações eram motivadas
pela realidade existente nas Províncias da Confederação Argentina e do
Uruguai, onde os que estavam no poder eram os vinculados às atividades da
pecuária, os quais, assim, garantiam uma política que beneficiava e
privilegiava seus interesses.
Outro princípio liberal que justificou as reivindicações farrapas foi a concepção
do contrato social, em que os indivíduos outorgavam ao Estado a autoridade de
garantir o direito de cada um. O governante que desrespeitasse tal contrato abusando
de seu poder contra os direitos do povo justificava que esse povo se revoltasse e o
destituísse de seu cargo e, ainda, extinguisse o contrato. Foi essa uma das
justificativas para a deposição do Presidente da Província de São Pedro, em 20 de
setembro de 1835.
A divisão dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, tendo por
objetivo evitar o poder absoluto do Executivo e definidas suas atribuições por uma
24
Constituição é presente na República Rio-grandense. Essa concepção, no entanto,
também era aceita por liberais monarquistas.
No projeto de Constituição da República Rio-grandense em seu artigo 1
consta: “o poder supremo da Nação se divide para seu exercício em poder legislativo,
poder executivo e poder judicial. Estes três poderes são delegados pelo povo a
corpos separados e independentes uns dos outros”. Como podemos observar não
consta o poder moderador conforme a Constituição Imperial no seu artigo 10°- “os
poderes políticos reconhecidos pela constituição do Império do Brasil são quatro: o
poder legislativo, o poder moderado, o poder executivo e poder judicial”.
Este poder moderador era delegado ao Imperador dando a esse poderes
despóticos. Na República Rio-grandense a negação desse poder centralizado era
mais um passo a se desatrelar das concepções consideradas do antigo regime e uma
maior presença dos ideais liberais. É um processo gradual e lento, como será a
maioria das mudanças que ocorreriam na história política e educacional brasileira.
uma crença na força da lei para limitar os poderes e controlar a ação dos
indivíduos, sendo sua maior representante a Constituição. Tanto os liberais
monarquistas como os liberais republicanos viam na defesa da Constituição uma
forma de evitar o poder despótico e manter a ordem da nação. Como apontaremos ao
longo desse trabalho os Republicanos Rio-grandenses defendem que através da lei o
legislador conseguiria garantir os seus objetivos, tanto na manutenção da ordem,
quanto no que tange aos limites dos poderes. Parte dos que defendiam tais preceitos
tinham por objetivo evitar o poder centralizado no executivo.
A própria concepção de modernidade na República Rio-grandense estava
atrelada à questão constitucional e na crença na lei como possibilitadora da liberdade
e mantenedora dos direitos privados. A Constituição deveria definir os limites dos três
poderes, sendo o principal de evitar o centralismo do Executivo e colocar mais força
no Legislativo. Segundo Flores (1985, p. 25), “os liberais farroupilhas fizeram uma
revolução em busca de reformas que dessem soberania ao poder legislativo”.
No que tange à compreensão do que significaria modernidade, então, poderia
ser também, o modo de perceber o anterior como atrasado e antigo. Segundo
Bottomore (1996, p. 473), modernidade pode “aparecer em diferentes épocas com
significados amplamente diversos, dependendo do que está sendo negado e, em
contraste, do que está sendo afirmado”.
25
Na República Rio-grandense está se negando o poder central do Executivo e
no decorrer da revolução, o regime monárquico brasileiro. Flores (1985, p. 39) aponta
que “a partir de 1836 os rebeldes passaram a afirmar que o governo monárquico
estava em desacordo com as formas de governos republicanos dos Estados
americanos”.
Consta nos discursos dos líderes farroupilhas que o Império brasileiro não
defendia a liberdade e a difusão das luzes e que oprimia o povo mantendo-o na
ignorância. Apesar de haver uma Constituição esse governo despótico não respeitava
as leis. Esses eram os pressupostos de uma administração atrasada que os
Republicanos Rio-grandenses, modernos, iriam combater.
É digno de se destacar que após a proclamação da independência em 1822 o
Império brasileiro também havia se utilizado de parte desse discurso para colocar o
anterior - a tutela portuguesa e suas instituições, como atrasadas. Por outro lado,
mantém o regime de governo monárquico, tendo o Imperador sob sua tutela o poder
moderador e sendo esse um dos membros e herdeiro da dinastia monárquica
portuguesa.
Ressaltamos que o termo modernidade como negação do passado é usado
desde o século V, quando Santo Agostinho rejeita o paganismo. E, a partir do século
XVI, para negar a era medieval. Além da negação de algo, a concepção de
modernidade que usamos é a que surgiu com o iluminismo e teve seu apogeu nos
séculos XIX e XX. Segundo (SILVA e SILVA, 2008, p. 297),
podemos definir a modernidade como um conjunto amplo de modificações
nas estruturas sociais do Ocidente, a partir de um processo longo de
racionalização da vida. Nesse sentido, como afirma Jacques Le Goff,
modernidade é um conceito estritamente vinculado ao pensamento ocidental,
sendo um processo de racionalização que atinge as esferas da economia, da
política e da cultura.
Como podemos observar, o discurso sobre modernidade vem de um processo
longo. No período farroupilha, podemos encontrar indícios e/ou um discurso de
modernidade, mas esse se insere no processo inicial de difusão das idéias de
modernidade e do liberalismo no Brasil.
Em relação à religião no processo do liberalismo europeu ocorreu,
inicialmente a tolerância religiosa, e assim o foi, na República Rio-grandense, em que
a religião oficial era a Católica Apostólica Romana, mas tolerava as outras, desde que
26
mantivessem seus cultos em locais para eles destinados, “sem forma alguma exterior
ao templo” (art. 5° do Projeto de Constituição da República Rio-Grandense). Por outro
lado, o cidadão que quisesse ser eleito deputado deveria, entre outros requisitos,
professar a religião do Estado, restringindo, dessa forma, as liberdades individuais e a
plenitude da cidadania.
Entre a disparidade com o liberalismo europeu que defendia o trabalho livre,
com salários e regulados por um contrato entre patrão e empregado, está a questão
da escravidão. Na República Rio-grandense mesmo que consideremos que Mariano
de Mattos tenha proposto o seu fim (FAGUNDES, 1985, p. 328), o que houve foi a
vitória dos que queriam a manutenção da escravidão.
Uma das justificativas era de que a defesa da liberdade se desse no direito do
indivíduo em ter propriedade privada e, sendo o escravo uma propriedade, estaria
explicada a sua manutenção. Outra justificativa, segundo Flores (1985, p. 38), era a
de que “os liberais justificavam a escravatura afirmando que determinados povos não
possuíam jamais condições intelectuais para serem livres”. também os que
seguiam as concepções de Hobbes e Bentham. Para esses, as desigualdades
naturais, em dotes e habilidades, legitimam a desigualdade e a hierarquia social
(VAINFAS, 2002, p. 477). A defesa do merecimento e das habilidades, sem levar em
conta outros elementos como, por exemplo, a classe social em que o indivíduo
nasceu, defendidas por esses últimos, estão presentes nas disposições gerais e
garantias dos direitos civis e políticos do projeto da Constituição da República Rio-
grandense em seu artigo 200°: “A lei será igual para todos, quer proteja, quer
castigue, e recompensará em proporção dos merecimento de cada um”.
Percebemos que ocorre uma reinterpretação e adaptação do liberalismo
europeu para as necessidades locais. Isso, no entanto, não no Brasil e na
República Rio-grandense. Tal fato também ocorreu em relação ao movimento de
independência dos Estados Unidos da América em 1776, que mesmo ancorado em
ideais liberais manteve a escravidão. Essa teve seu fim após a Guerra de Secessão
em 1861. Por outro lado, na Europa, os ideais liberais de igualdade e liberdade,
distorciam a exploração do trabalhador assalariado, discurso necessário, também,
para as necessidades européias.
O Brasil e a República Rio-grandense tinham suas economias pautadas na
exploração da mão de obra escrava e não havia, por boa parte dos dirigentes desses
27
países, a intenção de abrir mão dessa exploração. Assim, reelaboraram as ideias
liberais para manter e/ou assumir privilégios.
Digno de destacar é uma carta de Luigi Rossetti, escrita para Domingos Jo
de Almeida. Rossetti havia sido redator do jornal O Povo, até o número 47°, e
segundo ele, alteravam o significado do que escrevia, tendo por desculpas correção
da escrita em português que ele era italiano. Dessa forma, Rossetti ficou
descontente e saiu da direção do jornal. No entanto, segundo Flores (1985, p. 63), as
ideias “professadas por Luigui Rossetti, eram altamente subversivas para os
farroupilhas”. Ao tentar reatar a amizade com o ministro Almeida, Rossetti escreve
uma carta onde afirma, “eu já disse ao Cadete que ele interpreta mal a minha
fraseologia simplesmente poética e política usada por todos os escritores do mundo e
em nada religiosa” (REVERBEL e BONES, 1996, p. 109). Demonstrando, assim, que
seu discurso era adequado aos movimentos liberais, mas que não era necessário ser
executado na prática
2
.
Em relação à escola pública, o liberalismo clássico postulava que ela fosse
universal, laica, obrigatória e gratuita. Como veremos ao longo desse trabalho, na
República Rio-grandense, esses princípios serão buscados, mas na prática havia
certas dificuldades de consumação. Tais dificuldades não eram somente dessa
república. Segundo Alves (2005, p. 33), mesmo havendo um discurso em defesa da
escola pública “a escola para todos se manteve, até o último terço do século XIX, na
condição de ideia objetivamente irrealizável”, nos Estados Unidos da América,
Inglaterra, França e nos países protestantes. Foi a partir desse período que houve
uma necessidade material para sua consumação. Por outro lado, a sua concretização
foi objetivada por variáveis distintas em cada uma dessas regiões, onde a escola
pública se concretizou de acordo com as necessidades de cada local.
Se analisarmos o projeto de educação de Condorcet, durante o período
revolucionário francês (1789-1795), veremos que nele constam os mesmos princípios
que iremos demonstrar no quinto capítulo. Nele apresentaremos o modelo de
educação almejado pelos Republicanos Rio-grandenses uma educação não
igualitária, diferenciada por classes sociais e mínima à maior parte da sociedade.
Como podemos observar, “as escolas secundárias são destinadas às crianças cujas
2
Sobre as cartas de Rossetti ver: Reverbel e Bones, 1996.
28
famílias podem dispensá-las por mais tempo do trabalho e consagrar sua educação
maior número de anos” (CONDORCET, apud ALVES, 2005, p. 52).
Nesse período revolucionário francês (1789-1795) houve vários projetos
sobre educação, um deles foi “O plano de educação nacional” de Michel Lepelletier,
apresentado por Robspierre na Convenção em 13 de julho de 1793 (ROSA, 1974, p.
215). Segundo Alves (2005, p.60), “como todas as demais propostas referentes à
instrução pública discutida até então, também o Plan d‟éducation nationale não foi
levado à prática, apesar de aprovado pela Convenção”. Podemos evidenciar certa
aproximação com o Brasil, onde, durante o século XIX, a maioria das leis sobre
educação ficava somente no papel.
O que percebemos é que havia na República Rio-grandense um discurso de
difusão da Instrução Pública, mas na prática não havia uma necessidade material
para sua consumação, ou sua precisão era limitada, assim como na Europa,
resguardando, é claro, as especificidades de cada local. Por outro lado, não podemos
desconsiderar que houve ações práticas, porém limitadas pelas dificuldades da
época.
Para finalizarmos, as concepções liberais foram formuladas para as
necessidades européias, que ao serem incorporadas no Brasil e na República Rio-
grandense sofrem reelaborações de acordo com as necessidades locais. Por outro
lado, nem na Europa esses princípios são todos cumpridos desde o início, eles se
constituem dentro de um processo histórico em construção.
O que verificamos é uma continuidade de princípios liberais com outros não-
liberais, produzindo conflitos entre classes, ou, no interior da própria classe
dominante. os que se beneficiam com os princípios do antigo regime e outros que
são excluídos destas vantagens, assim necessitam das ideias liberais para ascender
no campo político, social ou econômico, mas não podem dispensar totalmente das
concepções conservadoras. Na República Rio-grandense são as classes dirigentes
que se apropriam e se beneficiam da utilização de partes das ideias liberais. É nesse
contexto conflituoso que se constrói o liberalismo. Segundo Vainfas (2002, p. 477)
devemos reconhecer a “diversidade e complexidade que marcam o ideário liberal,
suas leituras diferenciadas, seus diferentes usos políticos”.
Ao usar os termos “farroupilhas, republicanos rio-grandenses e
revolucionários”, o estaremos distinguindo-os por suas divisões internas, mas sim
referindo-nos a todos envolvidos na luta com o Império, uma vez que quando nos
29
dirigirmos a indivíduos ou grupos distintos, ao longo do texto, iremos especificar. No
entanto, devemos refletir sobre o uso do termo “revolução”, para designar o
movimento farroupilha.
Iniciaremos por Kühn (2007, p. 81), para quem é inadequado o uso do termo
revolução, “pois não houve uma verdadeira alteração de estruturas”. Segundo o autor
as mudanças ocorridas foram somente no campo político e econômico. Não houve
transformações sociais e os farroupilhas jamais questionaram a manutenção da
escravidão.
Na nossa opinião, Kühn tem razão em parte, pois realmente o objetivo
principal dos farroupilhas insidia sobre o campo político e econômico, mas quando o
autor aponta que “jamais” questionaram a manutenção da escravidão, ele
desconsidera, por exemplo, o projeto de abolição da escravidão proposto por José
Mariano de Matos (FAGUNDES, 1985, p. 328), na Assembléia Constituinte da
República Rio-grandense. Por outro lado, há que se considerar que esse não foi
aprovado, demonstrando que a maioria dos líderes do movimento farrapo não era
favorável à abolição (FACHEL, 2002, p. 60). Concordamos que os fatos demonstram
que, na sua maioria, não havia interesse de grandes transformações sociais, mas
devemos evitar o uso de termos na totalidade, conforme o autor empregou. Por outro
lado, como veremos mais adiante, o autor usou o sentido para o termo revolução de
acordo com o século XX e XXI, para analisar o século XIX.
Outro autor que discute o termo revolução é Fachel (2002, p. 51 -63), usando
como referencial o conceito de Lucio Levi (In BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO
1986, p. 475):
revolução é a tentativa, acompanhada do uso da violência, de derrubar as
autoridades políticas existentes e de as substituir, a fim de efetuar profundas
mudanças nas relações políticas, no ordenamento jurídico-constitucional e na
esfera sócio-econômica.
Para Fachel (2002) esses elementos estavam presentes na Revolução
Farroupilha, porém, é preciso ter claro sobre quem se está falando. Em virtude disso,
o autor divide os participantes do conflito em dois grupos de análise o da maioria,
mais propício às transformações e, assim, sujeito ao termo revolução e o da minoria
que possuía como característica almejar suaves reformas e, por essa razão, sendo
30
inadequada a utilização do termo acima citado. O autor também considera necessário
observar qual o momento da longa luta se está discutindo.
Segundo Flores (1985a, p. 23) “o movimento Farroupilha classifica-se como
revolução porque, de acordo com o conceito liberal da época, século XIX, houve uma
mudança de Governo”. Em sua obra que trata sobre o modelo político dos farrapos,
ele se utiliza de um dicionário de 1813 e defende ser tal movimento uma revolução,
pois houve mudança no Governo Provincial, através do uso da violência e
substituindo as instituições monárquicas por republicanas. Esse fato, então,
caracterizaria o movimento farroupilha como sendo uma revolução no século XIX.
Sendo assim, critica alguns autores, (mas não diz quais) por, equivocadamente,
usarem conceitos do século XX para analisar a Revolução Farroupilha (FLORES,
1985, p. 18-22).
Sendo assim, para contribuirmos com essa discussão neste trabalho de
pesquisa, utilizamos dois dicionários do século XIX, Silva (1831) e Fonseca (1848).
Em Silva (1831) encontramos: “Revolução: fig. Revoluções nos Estados;
mudanças que os alteram na forma, povoação, etc. Revoltas, perturbações; sucessão
de coisas. Levantamento, sublevação contra o governo”. Como podemos observar
não havia o sentido de transformações sociais, para caracterizar o termo “revolução”.
Em Fonseca (1848): “Revolução. s.f. Ação de revolver ou revolver-se; a
carreira que faz algum planeta ou astro; alvoroto, sedão; comoção e alteração de
humores; fig. Mudança ou nova forma no estado ou governo das coisas”. Novamente
o sentido é referente à mudança ou nova forma de governo, não aparecendo a
questão social. É importante destacar que na Revolução Farroupilha houve
transformação de Império para República e a organização de um estado
independente, o que caracteriza, no século XIX, como revolução. Apesar de não
haver transformações sociais expressivas, a Revolução Farroupilha” deve ser
compreendida e contextualizada de acordo com sua época. Sendo assim, não
podemos dar significados atuais para o século XIX, pois ficaríamos desconexos com
nosso objeto de pesquisa.
No que tange à denominação de farroupilha aos republicanos rio-grandenses,
que levou alguns escritores a crerem ser essa expressão devido à situação precária
das tropas sulinas que andariam esfarrapadas, tal fato não procede, pois este termo
era usado anteriormente ao movimento para designar os liberais exaltados.
Segundo Flores, (1985 a, p. 23) “este apelido político era antigo, pois em 1831
31
circulavam no Rio de Janeiro os jornais intitulados Jurujuba dos Farroupilhas e
Matraca dos Farroupilhas”.
Domingos José de Almeida em carta de 30 de maio de 1835, à sua esposa,
assim se expressava “aqui vivo como encerrado porque de manhã vou para a
Assembléia, e apenas volto se enche a casa de farroupilhas, que me largam quase
sempre à meia-noite; por isso ainda não percorri toda a cidade” (ANAIS do AHRS,
1978, V. 2,C.V 173, p. 140). Esse fato evidencia que o uso do termo é anterior ao 20
de setembro de 1835.
Portanto, esse termo era empregado para designar os liberais exaltados, mas
parece “ter-se referido inicialmente aos trajes usados por Cipriano Barata nas ruas de
Lisboa” (FAUSTO, 1999, p. 168), um liberal radical que andava com roupas
maltrapilhas e chapéu de palha “numa atitude de protesto contra a política
recolonizadora das cortes portuguesas em início dos anos 1820” (VAINFAS, 2002, p.
264).
1.3.1 Fontes: jornais e memórias
Nesse estudo as fontes utilizadas o: os jornais da Revolução Farroupilha - O
Povo, O Americano e o Estrela do Sul importantes por serem os diários oficiais da
República Rio-grandense, onde são difundidos os princípios dos farroupilhas e os
atos do governo; também, o jornal O Mensageiro, órgão oficial dos farrapos, antes da
separação de parte da Província de São Pedro do resto do Brasil; as cartas dos
participantes da revolução, editadas pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
(Coleção Varela - C.V); o Projeto de Constituição da República Rio-grandense,
publicado em anexo em Flores (1985) e algumas memórias. Usamos também como
fonte de pesquisa, os relatórios e falas dos presidentes da província, que estão
disponíveis no site
3
http:/www.crl.edu/content/provopen.htm, e as leis, atos e
regulamentos sobre Educação que foram publicadas em CD-ROM por Tambara e
Arriada (2004).
Devemos ter em mente que, com exceção das cartas (C.V) e das memórias,
todos os demais documentos são oficiais. Como bem aponta Arriada (2007, p. 31), ao
3
Os Relatórios e Falas dos Presidentes da Província de São Pedro anteriores a 1835, por estarem de
difícil leitura no site, serão usados da bibliografia referente ao tema da pesquisa.
32
se referir ao Período Imperial, que “no geral, sobrevivem muito mais documentos de
caráter oficial”.
Dessa forma, nesse estudo que damos encaminhamento é importante realizar
uma reflexão sobre o uso do jornal como fonte histórica.
Inicialmente, salientamos que a produção jornalística não está isenta das
perspectivas políticas, sociais, econômicas e culturais de quem a produz. O
pesquisador, ao analisar os jornais, deve estar ciente da falta de neutralidade e da
parcialidade dessa fonte, mas isto não retira o seu crédito se analisado com essa
consciência. O pesquisador deve estar ciente do contexto em que o jornal foi
produzido, qual relação do redator e o assunto que escreve, além de perceber de qual
lugar o jornalista está escrevendo. O jornal é uma ferramenta importante para nos
aproximarmos da ideia de como era a sociedade sobre a qual escrevemos.
Por sua vez, como foi apontado anteriormente, o historiador deve deixar
claro ao leitor quais são os seus pressupostos teóricos e quais o suas fontes,
mostrando que esta é a sua verdade. Segundo Brandão (2007, p.136), devemos “ter
clareza de que o diferencial da pesquisa se por meio do olhar que o pesquisador
estabelece sobre as fontes a partir do referencial adotado para análise”. Sendo assim,
o jornal não fala por si, é preciso ser indagado pelo historiador e é ele quem
sentido à fonte escolhida.
Ao analisar um dado fato ou período é importante contrapor várias fontes
como cartas, diários, almanaques etc. Esse cruzamento de informações possibilitará
uma melhor elucidação dos acontecimentos. Segundo Brandão (2007, p. 133), “é
importante o foco em diversos documentos que venham trazer informações sobre o
tema específico bem como do contexto político, econômico e social do período
pesquisado”.
Em relação ao uso de jornais como fonte, além de todas essas preocupações
em cruzar os dados com outras fontes e as relações de poder que influenciam a sua
produção devemos também trazer ao leitor dados que caracterizam o jornal usado e o
porquê da escolha deste e não outro.
Dentre os dados que podem ser identificados nos jornais, Luca (2005, p. 142)
nos cita: nome, período de análise, onde foi localizado, forma de conservação (papel,
microfilmagem), onde foi impresso, venda avulsa, qual era a distribuidora, qual foi a
data inicial e final, se diário, semanal, mensal e anual, preço da venda, tiragem, se
tinha apoio público ou privado, quais ligações com o grupo que está sendo
33
pesquisado, que local do jornal (capa, meio e fim) está o artigo utilizado, logotipo do
jornal, a que público se destinava, proprietário, diretores, redator-chefe e editores.
Além destes dados, o pesquisador pode colocar ou suprimir elementos que se
adéquem ao seu objeto. Conforme Luca (2005, p.142), “nunca é demais lembrar que
não uma receita pronta a ser aplicada e que os esquemas, por mais abrangentes
que sejam, têm utilidade muito limitada, como você vai perceber assim que folhear
sua fonte”.
Passaremos a identificar, de forma geral, aspectos sobre os jornais utilizados
nessa pesquisa, a partir dos itens elencados anteriormente.
O primeiro jornal oficial farrapo foi O Mensageiro, tendo por redator Vicente
Xavier de Carvalho, que iniciou sua publicação em 03 de novembro de 1835 e
encerrou com o 48, em 03 de maio de 1836, antes da separação de parte da
Província de São Pedro do resto do Brasil. O valor da assinatura era de 5 mil réis por
semestre, pagos adiantados. A partir do 35, em 08 de março de 1836, passaram a
vender, também, folhas avulsas a 100 réis cada. Saía todas as terças e sextas-feiras.
Esse jornal publicava os atos oficiais do Governo farrapo e difundia os
acontecimentos daquele período conturbado. Segundo Barreto (1985, p. 63) tal jornal
era “amplamente informativo, publicava o expediente dos poderes executivo e
legislativo da Província; foi sem favor o melhor dos jornais oficiais aparecidos durante
o período da revolução farroupilha”.
A aquisição da tipografia do Governo da República Rio-grandense foi
realizada à custa de Domingos Jode Almeida sendo necessária a venda de 17
escravos seus para a realização do investimento. Com isso, percebemos a
importância dada a essa “arma” (expressão usada pelo próprio Almeida, C.V 422, em
17 de dez. 1840) de doutrinamento, pois o preço do escravo não era barato, sendo
poucos os senhores de estância ou charqueadores que tinham nesta região esta
quantia de cativos
4
.
O jornal O Povo iniciou sua publicação em de setembro de 1838, duas
vezes por semana, nas quartas e aos sábados e encerrou sua atividade em
22/05/1840, atingindo 160 edições, sendo substituído pelo O Americano que perdurou
entre 24/09/1842 a 01/03/1843, publicado na mesma frequência e dias do anterior,
4
Nessa pesquisa, o acesso aos jornais farroupilhas foi facilitado, pois as edições completas de O
Povo, O Americano, O Estrela do Sul e O Mensageiro apresentam-se, em fac-símile, no acervo
particular do autor.
34
tendo 36 edições. Esse foi substituído pelo Estrela do Sul que durou de 04/03/1843 a
15/03/1843, com apenas três edições.
Domingos José de Almeida foi redator no O Povo junto com o italiano Luigi
Rossetti até agosto de 1839, quando Rossetti foi para o campo de batalha junto com
Garibaldi para a tomada de Santa Catarina. A partir deste mês foi Almeida quem
dirigiu as publicações de O Povo e posteriormente de O Americano. No Estrela do
Sul, não temos a convicção de que Domingos de Almeida tenha-se mantido como
redator, pois Barreto (1986, p. 163) nos informa que antes de morrer Antônio Paulo da
Fontoura, inimigo de Almeida, havia sido o escolhido para redigir o jornal, fato
ocorrido entre a segunda e a última edição desse.
O preço de O Povo era de 4$000rs (quatro mil réis) em prata, por assinaturas
semestrais, pagos adiantados e vendas avulsas a 80rs (oitenta réis), com venda em
Piratini na casa do redator, até a edição 45. O periódico era de propriedade do
governo, na edição de 46 mudou para propriedade da tipografia republicana, que é
o mesmo que ser do governo e a cidade passa a ser Caçapava, pois para foi
mudada a capital da República Rio-grandense. Estes dados constam na obra de
Barreto (1986) e, posteriormente, foram confirmados na análise dos jornais para a
presente pesquisa.
O Americano foi editado em Alegrete quando essa cidade tornou-se a capital
da República Rio-grandense. O preço da assinatura, então, foi alterado para 4
patacões por semestre, pagos adiantados. As folhas avulsas não mudaram os seus
valores anteriores. O Estrela do Sul, ao substituí-lo, não alterou os valores cobrados.
Os três jornais sempre foram apresentados como representantes do governo.
Na primeira edição de O Povo, em de setembro de 1838, estava escrito em sua
primeira gina “este periódico é propriedade do Governo” e no primeiro artigo
estavam veiculados quais eram os seus objetivos:
[...] procurar, com todas as nossas forças, propagar entre o Povo doutrinas
essencialmente democráticas, sendo aquelas das quais depende a salvação
e a felicidade da República. [...] exclui de nossas colunas qualquer
correspondência ou comunicado que não esteja em perfeita harmonia com
nossas doutrinas (O Povo, 01/09/1838, nº01).
Assim era demonstrado o caráter doutrinador da ideologia que estava sendo
implantada na República Rio-grandense, consistindo em um jornal difusor dos
interesses do governo, que em última instância corresponde aos da elite farroupilha.
35
Devemos ressaltar que os editores do jornal identificavam a importância do
papel educador do jornalista, como podemos observar em O Povo (01/09/1838, n°01):
“o jornalista, enfim, para não ser inferior, nem a sua missão, nem a sua época, deve
ser essencialmente Educador”.
Dessa forma, é fundamental nessa pesquisa a utilização dos jornais como
fonte para que possamos compreender a sociedade do século XIX, pois eles se
constituíam num importante mecanismo de comunicação e também de demonstração
explícita dos objetivos da classe dominante e do governo farroupilha. Como aponta
Alves (2006, p. 351), “o jornalismo desse tempo atuou com tenacidade na formação
de hábitos, pensamentos, costumes e opiniões, numa escala que, se não global, ao
menos atingiu grande parte das comunidades de então”.
É importante que tenhamos consciência da ligação dos jornais utilizados, nessa
pesquisa, com o grupo dirigente da República Rio-grandense. Fazendo uma leitura
atenta poderemos, no próprio discurso desses jornais perceber as limitações de
certos termos como democracia, igualdade, fraternidade e liberdade. Além desses
cuidados, serão cruzados dados com outras fontes para complementar a análise ou,
pelo menos, mostrar outras abordagens possíveis.
Outra fonte que utilizaremos serão as memórias de Brito publicadas em
comemoração aos 150 anos da Revolução Farroupilha, em 1985, de Manuel Alves da
Silva Caldeira, publicada na Coleção Varela volume 5°, de Antônio Álvares Pereira
Coruja publicada na Coleção Varela volume e de Sebastião Ferreira Soares, em
Porto (1933, p. 271 374). Apesar de serem tais memórias particulares, elas também
refletem a visão de uma época, podendo representar aspectos coletivos, construindo
a identidade de pertencimento ou de diferenciação a um determinado grupo.
Sendo a identidade uma construção social, Catroga (2001, p. 49-50) lembra
que
a memória, reavivada pelo rito, também tem um papel pragmático e
normativo. Em nome de uma história, ou de um patrimônio comum (espiritual
e/ou material), ela visa inserir os indivíduos em cadeias de filiação identitária,
distinguindo-os e diferenciando-os em relação a outros, e impor, em nome da
identidade do eu, ou da perenidade do grupo, deveres e lealdades
endógenas.
As três primeiras memórias usadas nesse estudo são de pessoas ligadas aos
aliados de Bento Gonçalves e a outra, a de um legalista. Embora exista a identidade
36
de grupo, devemos considerar também a importância do indivíduo, pois se faz, aqui,
uma relação ao mesmo tempo individual e coletiva.
A memória é trazida à tona pelo reviver dos traços e vestígios do passado,
porém, é o presente que retorna ao passado. Na construção deste pretérito ocorrem
muitos esquecimentos que são tão importantes quanto os lembrados. Segundo
Catroga (2001, p. 59) existem algumas perguntas que ajudam a diminuir o risco do
engano, a saber
O olhar do historiador não se enredará na sedução consensualizadora da
memória se a souber confrontar com perguntas como estas: quem deseja
recordar? E por quê? Qual versão do passado que se registra e se preserva?
E o que ficou esquecido?
Devemos também alargar o termo memória para as nossas outras fontes, pois
também o são os arquivos, as bibliotecas, os dicionários, os museus, as festas, as
constituições e os tratados diplomáticos (NORA, 1993, p. 9). Acrescentamos, ainda,
os jornais e as cartas. E Le Goff (2003, p. 530) se utilizando de Febvre, afirma que
documento para o historiador é tudo que pertenceu, dependeu e serviu ao homem, ou
demonstre a presença e a maneira do homem.
Essa memória não está estática, dotada de verdade em si mesma, ela se
multiplica e se transforma. Segundo Nora (1993, p.9),
A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela
está em permanente evolução, aberta a dialética da lembrança e do
esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a
todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de
repentinas revitalizações.
Baseamos a nossa análise dos documentos segundo a perspectiva de que eles
são frutos de um momento histórico, sendo preciso se inteirar das forças em luta
naquele espaço de tempo. Conforme Le Goff (2003, p. 535-536),
O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que
detinham o poder. a análise do documento enquanto monumento permite
à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é,
com pleno conhecimento de causa.
Passaremos a refletir, a seguir, sobre o uso do termo ideologia e a utilização da
Escola como aparelho ideológico do Estado na República Rio-grandense.
37
1.3.2 Domínio ideológico, reprodução e ideologia
As categorias “dominação ideológica, reprodução e ideologia” ainda que
utilizadas por vários autores requerem, de nossa parte, a necessidade de nos
determos um pouco mais em tais termos. Entre os referenciais teóricos que
utilizamos, temos Bourdieu e Passeron (1982) e Althusser (1974) para os quais a
ação pedagógica tende à reprodução cultural e social, simultaneamente, sendo que a
cultura reproduzida é a da classe dominante. No caso da República Rio-grandense as
intenções de reprodução serão os ideais de república, a passividade dos desprovidos
de bens, ao domínio e estes não lutarem por maiores transformações na sociedade.
Conforme Althusser (1974), a Escola inculca na classe dominada as regras
dos bons costumes e da moral para que essa, assim, aceite o seu lugar na sociedade.
a classe dominante é ensinada a falar bem e redigir bem, ou seja, ter
conhecimento de persuasão para poder dominar. A Escola é um dos principais
aparelhos ideológico de Estado na modernidade, substituindo a Igreja do antigo
regime, pois fica com a criança sob seu controle, quase todos os dias da semana.
Atualmente, sofre concorrência dos meios de comunicação de massa.
Os farroupilhas ao separarem parte da Província de São Pedro do resto do
Brasil e, com isso, criando uma república, querem constituir uma nação moderna.
Nesse sentido, na sociedade moderna, a Escola seria uma legitimadora da posição
dominante da classe dominante, colocando todos como iguais para adquirir a
ascensão, porém, deixando de lado questões de desigualdades sociais que afetam
essas possibilidades.
Para Bourdieu e Passeron (1982) na sociedade moderna o controle não se dá
pela dor física, mas pelo domínio das ideias, o que para eles não deixa de ser
violência, a qual chamam de violência simbólica. Para exercer tal domínio a classe
dominante se utiliza de símbolos, entre os que são utilizados na educação temos a
autonomia relativa e o exame.
Segundo os autores, a autonomia relativa a falsa impressão de
independência das escolas em relação às outras instituições de poder e da classe
que controla esses saberes, pois essa é controlada pelo sistema político e social, que
no Estado burguês está a serviço desta classe: “assim a função mais dissimulada e
38
mais específica do sistema de ensino consiste em esconder sua função objetiva, isto
é, dissimular a verdade objetiva de sua relação com a estrutura das relações de
classe” (BOURDIEU e PASSERON, 1982, p. 216).
O exame seleciona os aptos e os não aptos, dando legitimidade à ascensão
dos alunos da classe dominante, pois ao medir as capacidades não levam em conta
as desvantagens sociais. Segundo Bourdieu e Passeron (1982, p. 171)
Nada é mais adequado que o exame para inspirar a todos o
reconhecimento da legitimidade dos veredictos escolares e das hierarquias
sociais que eles legitimam, que ele conduz aquele que é eliminado a se
identificar com aqueles que malogram, permitindo aos que são eleitos entre
um pequeno número de elegíveis ver em sua eleição a comprovação de um
mérito ou de um “dom” que em qualquer hipótese levaria a que eles fossem
preferidos a todos os outros.
Ainda o conhecimento ensinado nas escolas burguesas tem relação direta
com essa classe, sendo uma continuidade do aprendizado familiar. No entanto, ele o
é estranho à classe menos favorecida, o que o torna mais um empecilho a sua
ascensão. Bourdieu e Passeron (1982) não negam a possibilidade da ascensão, mas
enquanto ao burguês é uma continuidade, ao outro é uma conquista.
A própria elevação social de alguns menos favorecidos é benéfica para o
sistema se reproduzir, pois isso ocorre com um número limitado e controlado de
indivíduos que são modificados durante o processo, não trazendo perigo à ordem
instituída, muito pelo contrário, eles a legitimam. A Escola, através da simulação de
igualdade, legitima os privilégios mantidos pela classe dominante. Conforme Bourdieu
e Passeron (1982, p. 218),
O herdeiro dos privilégios burgueses deve apelar hoje para a certificação
escolar que atesta simultaneamente seus dons e seus méritos [...] Assim,
numa sociedade em que a obtenção dos privilégios sociais depende cada
vez mais estreitamente da posse de títulos escolares, a Escola tem apenas
por função assegurar a sucessão discreta a direitos da burguesia que não
poderiam mais se transmitir de uma maneira direta e declarada.
É evidente que no Brasil e na República Rio-grandense deve ser levado em
conta que a maior parte das relações sociais se dava pelo apadrinhamento e pela
manutenção da escravidão, sendo limitado o uso da dominação ideológica e da
necessidade de legitimar a posição dominante.
39
Para Althusser (1974) existe o aparelho repressivo de Estado (que domina
pela repressão) constituído pelo governo, pela administração, pelo exército, pela
polícia, pelos tribunais e as prisões, e o aparelho ideológico de Estado (que domina
pela ideologia) composto pela Igreja, escola, família, jornais etc. Enquanto o primeiro
funciona primordialmente pela repressão e secundariamente pela ideologia, o
segundo funciona, preferencialmente, pela ideologia e secundariamente pela
repressão. A sociedade moderna passa a não dominar tanto pela violência física, mas
sim se utiliza da dominação ideológica, porém, não dominação repressiva sem a
ideológica e nem a ideológica sem a repressiva (ALTHUSSER, 1974, p. 47). Durante
a República Rio-grandense é perceptível o surgimento, no discurso pelo menos,
dessa utilização do ideológico pela classe dirigente da revolução como elemento de
domínio.
Para melhor esclarecer essa dominação se faz necessário definir qual o
conceito que usamos de ideologia. Para isso, o referencial teórico tem por base
Althusser (1974) e Pesavento (1980).
Althusser (1974) concebe por ideologia o sistema das ideias, das
representações que dominam um homem ou um grupo social, ou seja, como ele
imagina que sejam suas condições reais de existência os homens se representam
sob uma forma imaginária de suas condições de existências reais. Para ficar mais
claro, vamos citar o próprio autor: “na ideologia, o que é representado não é o sistema
das relações reais que governam a existência dos indivíduos, mas a relação
imaginária destes indivíduos com as relações reais em que vivem” (ALTHUSSER,
1974, p. 82).
As representações ideológicas são materiais, pois estão inscritas dentro de
rituais, de símbolos e de práticas. A materialidade não é o concreta como uma pedra,
mas a sua prática. Conforme Althusser (1974, p. 86), “o individuo em questão conduz-
se desta ou daquela maneira, adota este ou aquele comportamento prático e, o que é
mais, participa em certas práticas reguladas [...] Se crê na justiça, submeter-se-á sem
discussão às regras do direito”. A ideologia existe através do sujeito e para os
sujeitos, que são os que a executam na prática.
Para Pesavento (1980) a ideologia corresponde a uma visão de mundo, que
age em interesse de um grupo social num dado momento, sendo que os valores e a
concepção de mundo que predominam são os da classe dominante, que se
40
manifestam nas atividades econômicas, sociais, políticas, intelectuais e culturais.
Conforme Pesavento (1980, p.61),
por ideologia entende-se o conjunto de idéias acerca do mundo e da
sociedade, que correspondem a interesses, aspirações ou ideais de uma
classe num contexto social dado, que guia e justifica o comportamento dos
homens de acordo com estes interesses, aspirações ou idéias.
Pesavento (1980) não nega a existência dos que contrariam a ordem
instituída, mas não são esses os quais lhe interessa na análise.
O nosso parâmetro sobre ideologia é a junção do que afirma Althusser e
Pesavento, ou seja, ideologia é a concepção dos homens se representarem de forma
imaginária as suas condições reais de existência, sendo a visão de mundo ligada a
uma classe que formula conceitos sobre ela, a partir de seus interesses, num dado
contexto histórico.
Temos a consciência de que estamos num terreno nebuloso e que a
discussão em torno do termo ideologia acarreta amplas divergências. Inclusive
Althusser está no centro de muitas delas, como aquela em que rompeu do mesmo
grupo britânico, Perry Anderson, que segue a tendência de Althusser e Edward P.
Thompson e que desqualifica a importância da obra de Althusser (FALCON, 1997,
p.112).
Para percebermos o quanto o tema ideologia pode ser contraditório sob
alguns aspectos, J.B. Thompson (1995, p. 63-65) define Lênin num campo teórico de
ideologia diferente daquela de Marx. Segundo ele, enquanto Lênin defende a
“elaboração de uma ideologia socialista que iria combater a influência de uma
ideologia burguesa”, para Marx não deveria haver ideologia, pois “era o reino das
doutrinas abstratas e das idéias ilusórias que poderia, talvez, confundir o proletariado”
(THOMPSON, 1995, p. 63 e 64).
Consideramos importante trazer essa reflexão para constatarmos como o
tema ideologia é complexo, no entanto, no nosso caso não estamos analisado um
processo socialista que deveria levar ao comunismo, mas sim uma revolução dirigida
por parte da classe dominante da Província de São Pedro.
Voltando a Althusser, além de termos claro que a ideologia predominante é a
da classe dominante devemos considerar que dentro desse grupo há divergências,
pois não são homogêneos os interesses envolvidos e, na Revolução Farroupilha, isto
41
é evidente. Fachel (2002) nos mostra como sendo esse um dos motivos do fim do
conflito e o enfraquecimento da Revolução Farroupilha, que se deveu à divergência
interna entre os líderes.
Também devemos pensar que na construção dessa ideologia a
participação dos oprimidos, eles são levados em conta, existe uma força contrária.
Porém, o vetor força dessa influência na Revolução Farroupilha é muito limitado, mas
não é nulo. Talvez na análise de um outro grupo social ou outro momento histórico o
vetor força dos oprimidos possa ser mais influente do que o foi nesse caso.
Referente à concepção da capacidade de reprodução dos interesses da
classe dominante pela Instrução e a influência dos dominados na construção
ideológica é interessante o que nos diz Tambara (2000, p. 28 - 29),
Este processo de mediação que se instala decorre fundamentalmente da
capacidade de inculcação que os diversos aparelhos ideológicos de estado
possuem no sentido de tornar legítimos determinados tipos de conduta e ou
comportamento. Obviamente isto depende da peculiar correlação de forças
decorrente de um específico estágio de desenvolvimento das forças
produtivas e da especificidade das relações sociais. Mas é importante
salientar que o sistema educacional desempenha importante papel no
sentido de criar e configurar uma determinada concepção de mundo.
Devemos ter o cuidado, também, de que as fontes que utilizamos nesse
trabalho sejam, na sua grande maioria, produzidas pelos setores dominantes e por
isso o que aparece são as intenções desse grupo. O que não quer dizer que são
apreendidas por toda população, da mesma forma. Essa relação da fonte pela fonte
pode nos levar ao que Thompson (1995, p. 152), chamou de “falácia do internalismo”.
Se, no entanto, forem analisadas com atenção e cruzadas as informações podemos
perceber algumas nuances de não reprodução pura e simplesmente. Como podemos
constatar no relatório de Caxias à Assembléia Provincial em 1846, após o fim da
revolução, percebemos que esse se queixa de que muitos pais não deixavam seus
filhos irem à Escola, devido ao fato de que nesse horário perderiam pequenos
serviços executados por essas crianças. Isso demonstra que parte da população não
tinha adquirido a concepção ideológica de defesa da Instrução para seus filhos, como
era a intenção do governo farrapo.
Devido a essas colocações entendemos que a ideologia dominante sofre
discordância dentro do próprio grupo difusor e que o reflexo no povo nem sempre se
configura conforme querem esses, sem contestação alguma. A ideologia é um campo
42
de divergências e de lutas de classes. Importante também é percebermos que a
formação de uma dada ideologia leva em conta o grupo a ser dominado. Segundo
Henry (1990, p.32), o próprio Althusser teria reconhecido a limitação de sua
abordagem e de ter caído “na armadilha que o distanciou da contradição e da luta de
classe na ideologia”.
Ressaltamos que um importante aparelho ideológico de Estado usado pelos
farroupilhas foi a imprensa, através dos jornais O Povo, O Americano e o Estrela do
Sul difundiam as intenções do grupo dominante. Tais jornais oficiais, conforme Fachel
(2002, p.104), “objetivavam propor à própria classe dominante formas mais eficientes
e convenientes de manutenção do poder”.
No entanto, não queremos afirmar que o domínio passou a ser somente, ou
principalmente ideológico, mas sim que essas perspectivas européias já estavam
aparecendo no discurso dos líderes farroupilhas. Além de fazermos inserções da
utilização da educação, enquanto forma de dominação e reprodução da ideologia
burguesa na sociedade mundial, não desejamos afirmar que estavam todas presentes
na República Rio-grandense, mas sim, que alguns de seus traços podiam ser
constatados nela.
43
2 Apontamentos sobre os motivos da Revolução Farroupilha
Neste capítulo temos por objetivo contribuir com a discussão sobre os motivos
que levaram parte da elite Rio-grandense a se indispor com o Governo central e,
posteriormente, separar parte da Província de São Pedro do resto do Brasil. Tendo,
no entanto, a consciência que esse é um tema complexo e o sendo o objetivo
específico de nosso trabalho a sua análise, queremos expor a nossa percepção a
partir das fontes pelas quais transitamos na discussão sobre a Instrução Pública na
República Rio-grandense. Portanto, essa é uma contribuição limitada pelo uso dessas
fontes.
Acreditamos que são vários os motivos que levaram ao desencadear dessa
revolução. Referente a isso, um ponto importante e que temos certas dúvidas, mas
que vamos tentar contribuir com algumas considerações é o seguinte Bento
Gonçalves, desde o início, era adepto da república e da separação da Província de
São Pedro em relação ao resto do Brasil?
As fontes que utilizamos nessa parte do trabalho são as memórias de Sá Brito
(1985) e as de Sebastião Ferreira Soares, a qual consta em Porto (1933, p. 271-374),
a Coletânea de documentos de Bento Gonçalves da Silva (CBG) publicada pelo
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, em homenagem aos 150 anos da Revolução
Farroupilha, os jornais oficiais dos farroupilhas, os apontamentos de Manuel Alves da
Silva Caldeira (ANAIS do AHRS, 1981, V. 5) e cartas de Antônio Álvares Pereira
Coruja (ANAIS do AHRS, 1983, V. 7).
Na introdução das Memórias de Brito (1985), Paulino Jacques interpreta o
pensamento desse e apresenta alguns dados biográficos. Francisco de Sá Brito,
nasceu em Alegrete em 18/07/1808, teve o ensino das primeiras letras com Antonio
D‟Avila, conhecido por “Amansa Burros”, afamado professor da Província de São
Pedro. Com ele aprendeu a ler, a escrever, a contar e a doutrina Cristã. Em 1821,
inicia o curso de Humanidades, que durou 5 anos, tendo como um dos professores o
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Padre João da Santa Bárbara. Jacques (SÁ BRITO, 1985, p. 23) considera o Padre,
“o homem mais ilustrado, ao tempo, na Província”. Em 1827 Brito foi para a
Universidade de Coimbra cursar Direito, mas por questões políticas de Portugal, a
universidade foi fechada. Com isso, o jovem Rio-grandense teve que retornar ao
Brasil e em 1829 se matriculou no curso jurídico da Faculdade de São Paulo.
Segundo Jacques (SÁ BRITO, 1985, p. 32), em sua carreira acadêmica
Brito tinha predileção pelo “Ensaio sobre o Governo Civil”, de Locke, o “Tratado sobre
o Governo”, de Sidney, “O contrato Social”, de Rousseau, “O espírito das Leis”, de
Montesquieu e a “Declaração de Independência”, de Jefferson. Demonstrava, assim,
o contato com leituras liberais que influenciaram a República Rio-grandense.
O autor reforça, em várias passagens, que Brito era contra as revoluções,
sendo um evolucionista. As reformas deveriam vir, segundo ele, sem o uso das
armas, mas sim através dos meios constitucionais. Conforme podemos constatar pelo
próprio Sá Brito (1985, p. 116).
Disse eu, portanto, com franqueza, que de nenhuma sorte concordava com a
revolução a que se propunha o senhor Coronel; que, para lançar fora da
presidência o Sr. Dr. Braga e o comandante das armas o Sr. Marechal Barreto,
tínhamos o direito de pedir, a liberdade da imprensa e outros meios que
poderiam ser postos em ação sem ofensa das leis e sem lançar a província em
um mar de desgraças, como seria uma revolução; que se o partido era forte
para empreender essa revolução, devia selo também para exercitar com
eficácia os meios por mim lembrados.
Podemos observar que Sá Brito está se referindo ao fato de que Bento
Gonçalves tinha por objetivo retirar de seus cargos o Presidente Provincial e o
Comandante das Armas. E, posteriormente, iremos mostrar uma passagem em que
esse afirma ser Bento Gonçalves contra a república.
Brito (1985) apresenta no capítulo II de suas merias da Revolução
Farroupilha quais foram as causas para o desencaminhamento desse movimento.
Tendo como causa principal o fato de que desde a ocupação inicial da Província de
São Pedro, a partir de 1737, essa vir sofrendo com o despotismo militar, que sendo
uma região limítrofe com os platinos, era local de disputas. Também reforça que a
derrota na Batalha do Rosário, durante a consolidação Independência Uruguaia foi
culpa do Gen. José de Abreu e ajudou a desgostar a elite local. Ressalta que, nesse
período, os jovens da Província, inclusive os filhos das famílias abastardas eram
recrutados à força para o Exército, em defesa de interesses de Portugueses e do
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centro do Brasil. Apesar de Brito não expor é sabido que havia Rio-grandenses
que se beneficiaram com a ocupação do atual Uruguai, tornando-se fazendeiros
nesse país e que com a sua perda tiveram prejuízos.
Destaca também que Lavalleja entrava na fronteira brasileira em fuga de seus
opositores uruguaios e recebia guarida de Bento Gonçalves, comandante da fronteira
de Jaguarão e de Bento Manuel, comandante das Missões. Para Brito, esses dois
tinham orientação do comandante das armas da Província Marechal Barreto, para
dar-lhe esse resguardo. O governo do Estado Oriental reclamou à Corte brasileira a
proteção dada a Lavalleja pelos Rio-grandenses. O Governo central solicitou
informações a Barreto, que acabou por responsabilizar os dois Bentos. Bento Manuel
foi destituído de seu posto, assumindo seu cargo um inimigo seu, devendo aquele
esperar para responder a conselho de guerra. Bento Gonçalves foi conduzido preso à
corte. Ao que tudo indica, houve justificativa plausível, pois foi promovido
Comandante Superior da Guarda Nacional, posto ocupado por um homem em
cada Província. Conforme consta em Porto (1933, p. 292) essa promoção não foi
cumprida, pois não foi avisado oficialmente o governo da Província de São Pedro,
mas Bento Gonçalves recebeu “uma pensão, como compensação ou remuneração de
seus bons serviços” (PORTO, 1933, p. 358).
Referente à promoção de comandante dos Guardas Nacionais realmente não
houve execução, pois Marciano Pereira Ribeiro, durante sua administração de
Presidente Provincial, após ser Braga retirado por conta dos farroupilhas, esse
promoveu “interinamente do emprego de comandante Geral dos Guardas Nacionais o
Coronel Bento Gonçalves da Silva” (O MENSAGEIRO, 01/12/1835, 9). Se esse
fosse o Comandante o havia a necessidade de ser promovido a interino, ou, se
houvesse chegado o comunicado oficial seria promovido titular do cargo. Ainda mais,
sendo Marciano Pereira Ribeiro seu aliado.
Nesse espaço de tempo foram os dois Bentos eleitos deputados provinciais à
primeira legislatura. Na Assembléia Provincial houve conflitos e acusações por parte
do Presidente de Província Antônio Fernandes Braga, apoiado por seu irmão Pedro
Rodrigues Fernandes Braga. Esses conflitos não ficaram resolvidos e segundo
Brito, Bento Gonçalves e Bento Manuel combinaram a retirada do Presidente de
Província e do Comandante das Armas pela traição do caso de Lavalleja,
explicado.
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Outro elemento importante de salientar, mas que Brito não aponta são as
desavenças entre portugueses e brasileiros, das quais ele mesmo foi vítima. Segundo
Jacques (SÁ BRITO, 1985, p.36) “a essa época, a rivalidade entre portugueses e
brasileiros atingia, na Província, o seu ápice”. Em 17 de fevereiro de 1834 é instalada
a Vila de Alegrete e Brito é nomeado interinamente Juiz de Direito da comarca de
Missões, da qual abrangia Alegrete, ficando somente vinte dias. O Governo Imperial
nomeou efetivo o Dr. Agostinho Loreiro, que era português. A Câmara Municipal de
Alegrete redigiu um pedido à Corte para manter o Alegretense no cargo. Pedido que
não foi aceito (SÁ BRITO, 1985, p. 36-39).
Esses seriam os motivos apresentados por Sá Brito e Jacques em “Memórias
da Guerra dos Farrapos”. Passaremos à obra de Wiederspahn (1980), que apresenta
como uma das causas da Revolução Farroupilha o esvaziamento dos objetivos
alcançados com os acontecimentos de 07/04/1831 que levaram à abdicação de Dom
Pedro I. Inclusive, o autor percebe o ato adicional de 1834, como uma forma de
refrear aspirações de mais independências das Províncias. Apesar de possibilitar a
criação das Assembléias Provinciais, manteve o poder do Governo Central, de
nomear e destituir os Presidentes de Províncias de acordo com seus interesses. No
atual Estado do Rio Grande do Sul, a Revolução Farroupilha iniciou aparentemente
como se fosse reivindicatória e para depor Braga, mas já trazia camuflada uma
aspiração bem mais ampla e radical. Essas somente conseguiriam se impor porque
tanto os regentes quanto os presidentes locais não souberam conduzir as
negociações. Este será um tema que iremos aprofundar posteriormente.
As memórias de Manuel Alves da Silva Caldeira estão publicadas na Coleção
Varela (CV), volume 5, entre os números 3098 e 3105, de 1981. Caldeira as escreveu
a partir de 1894 a pedido de Alfredo Varela. Esses documentos são respeitáveis, pois
Caldeira participou de fatos importantes da Revolução Farroupilha, como em tratados
de Paz e ao lado de figuras centrais como Bento Gonçalves, Onofre Pires, Ulhoa
Cintra etc.
Para Caldeira foram Bento Gonçalves e Zambeccari que traçaram a
revolução, sendo esses seus dirigentes políticos e ressaltando que os motivos da
revolução o os apresentados por Bento Gonçalves no Manifesto de 1838. Salienta
que os atos de Braga o são os causadores do movimento, pois o
descontentamento dos Rio-grandenses vinha de longa data. A revolução foi feita pelo
que se passava na Província (ANAIS do AHRS, 1981, V.5, CV 3098, p.332). No
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entanto, não podemos desconsiderar que os atos de Braga ajudaram a desencadear
a revolução, conforme consta nos manifestos de Bento Gonçalves. Até porque suas
atitudes ajudaram a agravar o descontentamento de parte da elite local, como a
criação do imposto sobre a légua de campo, que veremos mais adiante.
O memorialista afirma que derrubar Braga era somente o primeiro passo para
o chefe da revolução “ficar de posse da Província para mais tarde dar-se o viva a
República”, pois desde o início este era o seu pensamento, somente esperava o
momento oportuno. (ANAIS do AHRS, 1981, V.5, CV 3098, p.332).
Para Caldeira, os Orientais (uruguaios) se beneficiaram com o fato de a
Revolução Farroupilha ter sido o longa, podendo assim consolidar a sua
independência. Como ele mesmo afirma “se os Orientais ficaram como estão, foi por
causa da nossa revolução que durou 10 anos incompletos, e isto deu lugar ao
reconhecimento da independência deles” (ANAIS do AHRS, 1981, V.5, CV 3098, p.
335).
Wiederspahn (1980) também percebe interesses dos atuais uruguaios e
argentinos pelo prolongamento da Revolução Farroupilha, mas não somente ligado a
fatores de sua independência, como também em questões econômicas e militares.
Conforme Wiederspahn (1980, p. 24),
Era evidente o interesse dos lideres político-militares, tanto uruguaios como
argentinos, que lutavam entre si pelo poder na República vizinha, que a
situação na Província sulina do Império se prolongasse ainda mais. Alguns
deles auferiam assim grandes lucros com o que forneciam aos farroupilhas e
aos próprios imperiais, além de poderem também transpor a linha divisória
nos momentos de crises, sem serem hostilizados e desarmados, como nas
diversas vezes em que D. Frutuoso Rivera procurara e encontrara acolhida
da parte de seu amigo e compadre Bento Manuel Ribeiro, que sempre o
protegera acintosamente, apesar das ordens em contrario de seus superiores
hierárquicos imperiais.
No que se refere à influência platina na Revolução Farroupilha e seus acordos
e relações, este é um tema muito complexo que não tem como aprofundar no
presente trabalho. É digno, porém, de destaque o que consta em Porto (1933, p. 327),
as conveniências política do continente, e do Estado Oriental, desde que foi
evacuado pelas forças brasileiras, tem estado sempre em muito contato,
encontrando os partidos mais ou menos simpatias ou antipatias no Estado
observador. Isto aconteceu quando Lavaleja por vezes conspirou contra
Fructuoso Rivera, em que parecia que a Província de S. Pedro, dividida
também em duas facções, advogava cada uma a causa do contendo
afeiçoado com um interesse inexplicável. Daqui data a intriga entre vários
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chefes brasileiros da fronteira: desinteligência que muito concorreu para a
Revolução de 20 de setembro.
Como podemos observar a influência platina não pode ser desconsiderada
nos fatos ocorridos no sul de Brasil.
Passaremos a apresentar a seguir os motivos apresentados por Bento
Gonçalves para a eclosão da Revolução Farroupilha. Seus argumentos são que,
inicialmente, se levantou para depor o Presidente da Província de São Pedro,
Fernandes Braga, que administrava contra os interesses locais. Bastava ao Império
Brasileiro nomear um outro Presidente Provincial que não fosse contrário ao povo
Rio-grandense, para por fim ao levante. Conforme consta em seu manifesto aos
portugueses e estrangeiros residentes na Província, que está sem data, mas que foi
redigido entre os dias 20 e 25 de setembro de 1835,
Os cidadãos que presentemente empunham as armas não se propõem a outro
fim que restabelecer o império da lei e obrigar a um presidente inepto e
faccioso a entregar o manejo dos negócios públicos a um vice-presidente que
goze da opinião da grande maioria até a chegada de um outro presidente que
nos envie o Governo Central; a isto se limitam as exigências do partido
nacional (CGB. 411, p. 266).
No transcorrer da mesma proclamação expõe que se Braga tivesse qualquer
zelo pela Província, não armaria força contra “um povo brioso que jurado não
depor as armas senão depois de roto o jugo que lhe impunha a facção que tantos
males há causado ao Brasil, e seu triunfo é certo” (CBG. 411, p. 267). Como podemos
perceber Bento Gonçalves coloca o problema da Província ligado a todo o país, pois o
grupo dirigente está causando males ao Brasil. Isso pode ser um indício de uma
ligação da Província de São Pedro com as demais, num possível plano de constituir
um Brasil Republicano Federado. Por outro lado, quem são os integrantes dessa
facção a quem ele se refere? São os portugueses, mas ele não pode expor para os
próprios. No entanto, em carta a Gaspar Francisco Mena Barreto em 15 de março de
1840, apresenta a influência portuguesa como motivação,
uma opressão acintosa pesava sobre o povo rio-grandense; eram a cada passo
postergados os seus direitos, violada a sua liberdade; e a influencia lusitana,
que devia acabar com o glorioso 7 de abril, dominava por toda a parte.[...]
Grandes são os vossos esforços para provar-me que os lusitanos não
conservais aí influencias, e entretanto o comando do vosso exército e os
vossos principais chefes são adotivos e dominados por prejuízos
metropolitanos[...] em toda parte vemos empregados e ditando a lei inúmeros
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portugueses, a maior parte deles inimigos figadais do Brasil e de suas
constituições( CBG, 224, p. 146-147).
Segundo Caldeira (ANAIS do AHRS, 1981, V.5, CV 3098), as verdadeiras
motivações da Revolução Farroupilha estão no manifesto de Bento Gonçalves de 29
de agosto de 1838, quando a Província de São Pedro estava separada do Brasil e
proclamada a República Rio-grandense. Bento afirmava antes da separação que o
movimento revolucionário se deu por motivações de um governo opressor. Esses
motivos também continuam sendo apresentados após a separação, como podemos
observar no citado manifesto de 1838,
O ato de sua separação e desmembramento não foi obra de precipitação
irrefletida, ou de um caprichoso desacerto, mas uma obrigação indispensável,
um dever rigoroso de consultar a sua honra, felicidade e existência altamente
ameaçadas, de atender por si mesmo à própria natural defesa de subtrair-se a
um jugo insuportável, cruel e ignominioso, opondo a resistência à injúria,
repelindo com a força a violência. empunha o gládio dos combates para
cobrir-se e defender-se de uma odiosa agressão (CGB. 420, 29/08/1838, p.
280).
Bento Gonçalves passa a expor uma sequência de abusos por parte do
Governo Imperial que atinge a Província de São Pedro e outras do Brasil,
Tem feito tratados com potências estrangeiras contrários aos interesses e
dignidade da nação.
Faz pesar sobre o povo gravosos impostos e não zela os dinheiros públicos.
Tem permitido contrabandos vergonhosos extremamente prejudiciais.
Faz leis sem utilidade pública e deixa de fazer outras de vital interesse para o
povo.
Esgota os cofres nacionais com despesas supérfluas e não cura do
melhoramento material do país.
Não administra as províncias imparcialmente.
Permite a mais escandalosa impunidade em seus agentes, desprezando as
queixas que contar eles se dirige.
Tem posto em prática uma política feroz e covarde com respeito a estrangeiros
e nacionais que chama rebelde.
Tem desprezados e mesmo punido como a crimes, as mais justas e atendíveis
representações do povo.
Tem invalidado mandatos de hábeas corpus legais.
Tem conservado cidadãos longo tempo presos sem processo de que constem
seus crimes (CBG. 420, 29/08/1838, p. 281).
Como podemos observar Bento Gonçalves apresenta tais fatos como
sofrimento geral do Brasil, mas dentre eles existem pontos nitidamente relativos à
Província de São Pedro, pois os tratados a que se refere com os estrangeiros,
prejudiciais ao país são os referentes ao charque platino que entra no Brasil, com
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taxas de alfândegas inferiores às pagas pelos do Sul do país. A administração
imparcial das Províncias a que ele se refere diz respeito à proteção dada ao centro do
país em detrimento da Província de São Pedro, como veremos mais adiante com
relação às dívidas perdoadas. O que levou, no entanto, os farroupilhas a pegar em
armas são os motivos puramente gaúchos,
estes males, além de outros muitos, nós os temos suportado em comum com
as outras Províncias da união brasileira. Para que lançássemos mão das armas
foi preciso concorrência de outras causas, outros males que nos diz respeito
particularmente a nós (CBG. 420, 29/08/1838, p. 282).
E passa a expor quais são essas motivações, iniciando pela luta no Prata,
que acarretou na morte de muitos Rio-grandenses, destruição dos campos, perda de
fortunas, extorsão e a maior parte da força militar empregada era da Província de São
Pedro. Afirma, também, que devido à posição de fronteira a região vivia em constante
conflito, enquanto o centro ficava tranqüilo das ações dos platinos. Sofriam os Rio-
grandenses, também, “o mais duro dos aboletamentos”, fato esse que consistia em
manter uma tropa que se instalava em uma propriedade e se alimentavam às custas
do dono, onde o pagamento dificilmente ocorria e, nem por isso, eram reconhecidos e
recompensados pelo Governo central ( CGB. 420, p. 282).
Refere-se a esses conflitos, como sendo responsabilidade do Governo
central, ou seja, a Província de o Pedro não os queria. Situação que deve ser
colocada em dúvida, pois com a ocupação da Cisplatina, região hoje que constitui o
Uruguai, houve benefícios a muitos estancieiros rio-grandenses, que ocuparam
grandes propriedades de terras naquele país. Inclusive em sua proclamação na data
de 11 de março de 1843, Bento Gonçalves (CBG. 425, p. 295), aponta que por causa
do Sistema Monárquico, que é vicioso e nocivo, o Brasil perdeu duas importantes
estrelas, que seriam a Província de São Pedro e o Uruguai. Conforme aponta Piccolo
(2006, p. 21),
Se, de um lado, sul-rio-grandenses, como senhores guerreiros que eram,
lutavam na Banda Oriental pela causa luso-brasileira, porque isso lhes
interessava, de outro lado, havia os que estabeleceram relações com
caudilhos como, por exemplo, Rivera e Lavalleja que se traduziram num
futuro próximo em alianças políticas.
Bento Gonçalves culpa o Governo central, que ao invés de beneficiar os rio-
grandenses, passa a aumentar as taxações e, com isso, os colocando como um povo
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estrangeiro. Com isso, reforça a ideia de separação como algo a que foram levados
os rio-grandenses a fazer. Conforme Bento Gonçalves,
Uma administração sabia e paternal nos teria indenizado de sacrifícios tais e de
tão pesadas cargas pela abolição de alguns impostos e direitos; o governo
imperial pelo contrario esmagou a nossa principal indústria, vexando ainda
mais.
A carne, o couro, o sebo, a graxa além de pagarem nas alfândegas do país o
duplo do zimo de que se propuseram aliviar-nos exibiam mais quinze por
cento em qualquer dos portos do Império. Imprudentes legisladores nos
puseram desde esse momento na linha dos povos estrangeiros,
desnacionalizaram a nossa Província e de fato a separaram da comunhão
brasileira (CBG. 420, p. 282-283).
Segundo Bento Gonçalves, a Província de São Pedro tinha rendas suficientes
para ter um Tribunal de segunda e terceira instância, como não havia, era preciso
recorrer à Corte, trazendo dificuldades para utilizar esse recurso.
Bento Gonçalves (CBG. 420, p. 283) também afirma que havia saques anuais
da Província de São Pedro de vinte quatro contos de Réis para a Província de Santa
Catarina, além de outros em benefício da mesma. A Província de São Paulo devia por
empréstimo um valor avultado, o qual não diz quanto e o Império a deu por satisfeito.
Apresenta, também, como motivos a proteção dada aos portugueses, que reunia os
absolutistas e restauradores nas sociedades militares e queriam a volta de Dom
Pedro I. Esses tinham a proteção do comandante das armas Sebastião Barreto
Pereira Pinto. Junto com esse colocava como culpado pelas desavenças, o
Presidente da Província Fernandes Braga e o seu Irmão Pedro Rodrigues Fernandes
Braga.
Culpa, ainda, o Presidente da Província de São Pedro, Fernandes Braga, de
beneficiar os portugueses, “concede de seu próprio motu o direito de cidadão a um
súdito português e assina-lhe um emprego público” (CBG. 420, p. 285). Motivos que
havia posto no manifesto de 25 de setembro de 1835 e no de 3 de janeiro de 1836.
Como podemos observar neste último,
Combatemos o abuso do poder na pessoa do Dr. Braga, e com a queda da sua
infausta administração quisemos libertar a Pátria da fatal influência que desde
muito exercia uma facção retrógrada e notável por seus princípios
impopulares, de uma facção enfim que buscava sua força no apoio estrangeiro
e nos clubes de nossos antigos colonizadores avessos sempre à prosperidade
e grandeza dos filhos do Brasil; assim o declaramos quando dissemos que não
nos propúnhamos a outro fim senão o de restaurar o império da lei, afastando
de nós um administrador inepto e faccioso (CBG. 416, p. 276-277).
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Para Bento Gonçalves, quando Braga acusou haver uma conspiração de
república e separação da Província em plena Assembléia Provincial em 1835, mas
posteriormente voltou atrás e, publicamente, disse estar errado, esse desacreditou
sua administração, levando a Província se rebelar contra ele (CBG. 420, p. 286).
Segundo consta em Porto (1933, p. 290), Braga era para ter agido com cautela,
tocado no assunto, mas como boato que ele próprio não acreditava. Sua ação
intempestiva acabou prejudicando-lhe, como podemos observar,
Nós censuramos que ele se explicasse daquela maneira; podia tocar a
matéria, com mais circunspeção, isto é, anunciar como boato a conspiração,
fingindo não acreditar, e mesmo ter força para sufocá-la; porem as frases de
que mal a propósito se sérvio, deram motivos a um litígio tão funesto, e de
que muito mal se saio (PORTO, 1933, p. 290).
Outros motivos que, com certeza, foram de suma importância são os de
criação de um imposto de 10 mil réis sobre a légua de campo e a criação de um corpo
policial que ficava sob o mando direto do Presidente da Província. Medidas, como
veremos mais adiante, intimamente ligadas.
Em relação ao imposto, que era impopular, pois atingia todos os proprietários
de terras, ou seja, boa parte da elite local, Bento Gonçalves afirma que Braga poderia
não o ter promulgado com base no artigo 15 do Ato Adicional de 1834, quando
julgasse o referido contra os interesses da Província e, ele mesmo, sendo filho da
Província sulina deveria saber dos inconvenientes (CBG. 413, p. 273). Braga
realmente tinha meios de usar tal mecanismo, como podemos observar no artigo da
citada lei,
Art. 15 Se o Presidente julgar que deve negar a sanção, por entender que a
lei ou resolução não convém aos interesses da província, o fará por esta
formula: “volta a Assembléia Legislativa Provincial” expondo debaixo de sua
assinatura as razões em que se fundou. Neste caso será o projeto submetido a
nova discussão; e se for adotado tal qual, ou modificado no sentido das razões
pelo Presidente alegadas, por dois terço dos votos dos membros da
Assembléia, será reenviado ao Presidente da Província, que o sancionará. Se
não for adotada, não poderá ser novamente proposta na mesma sessão.
Como podemos verificar a culpa não é somente de Braga, pois os
legisladores aprovaram o imposto sobre a légua de campo. É que, talvez, se ele não
sancionasse e ao retornar a Assembléia o projeto não passaria por dois terço e assim
os proprietários de terras conseguiriam a não efetivação da lei.
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Para Bento Gonçalves, Braga e seus apoiadores sabiam dos transtornos e
manifestações que iriam ocorrer na Província devido ao imposto impopular e para se
defenderem criaram um corpo policial, que ficaria sob as ordens do Presidente da
Província. Certamente, não teriam apoio dos Guardas Nacionais, “são estes os mais
vexados e oprimidos pelo imposto” (CBG. 413, p. 273). E explica como que foi feita a
manobra para ser aprovada a criação desta força,
Aonde buscariam, pois esta força? Custa dizê-lo? Na criação de um corpo de
polícia de setecentas praças, na organização de um corpo de janizaros que
com a ponta de suas espadas fizessem exeqüíveis as medidas mais
impopulares e opressivas. Podemos assegurar por honra desta Província que
este revoltante projeto jamais passaria em nossa assembléia se tivesse sido
proposto e discutido com as formalidades do estilo, mas a cabala e a surpresa
lhes fez obter o que de outro modo nunca teriam obtido, este corpo foi criado
por uma simples emenda do Sr. Manuel Felizardo quando se discutia a Lei de
Orçamento Provincial, autorizando ao mesmo tempo o Presidente para fazer
seu regulamento(CBG. 413, 25/09/1835, p. 273).
Até aqui apresentamos alguns dos motivos enumerados por alguns
estudiosos do tema e de alguns participantes da revolução, mas ficamos sem refletir
se Bento Gonçalves era, desde o início, republicano e separatista. Este será o
próximo tópico que passaremos a discutir.
2.1 Bento Gonçalves: separatista e republicano?
Como podemos observar Bento Gonçalves afirma em suas cartas e
proclamações antes e após a instalação da República Rio-grandense, ter sido a
república e a separação uma consequência da luta. Porém, devemos lembrar-nos do
que nos expõe Jacques (SÁ BRITO, 1985, p. 75) na introdução biográfica das
memórias de Brito, “nem se concebe que, em documentos públicos, fossem eles
revelar os seus verdadeiros propósitos”. Com isso, iniciaremos a analisar se Bento
Gonçalves era separatista e republicano, a partir do que alguns autores pensam sobre
o tema.
Para Jacques (SÁ BRITO, 1985, p. 59-60) o Grande Oriente do Rio de
Janeiro estaria organizando em todo o país lojas maçônicas e, em anexo, jornais para
difundir o ideal de um Brasil Republicano Federado, antes mesmos de eclodir a
Revolução Farroupilha. O autor também afirma que estava sendo organizado um
plano, desde 1831, para formar o quadrilátero, um Estado constituído pela Província
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de São Pedro do Sul, Corrientes, Entre Rios e Uruguai. Inclusive Lavalleja, caudilho
uruguaio que lutava pelo controle desse país, teria ido a Porto Alegre recomendado
por Bento Gonçalves levar uma carta de Juan Manoel de Rosas, governador de
Buenos Aires para Marciano Ribeiro, que repudiou tal proposta (SÁ BRITO, 1985, p.
71 - 72).
Em referência à participação de Bento Gonçalves nessas articulações com os
platinos, Sebastião Ferreira Soares afirma, “se bem que haja quem negue que ele
pactuasse com essas idéias é, contudo, incontestável que ele sabia dessas tramas e
que na qualidade de comandante daquela fronteira, nunca cuidou de por obstáculo ao
seu progresso” (PORTO, 1933, p. 357). O que percebemos é que Bento Gonçalves
deveria saber de todas as articulações e talvez esperasse o desenrolar dos
acontecimentos para tirar proveito da situação. Em carta a David Canabarro, em 28
de julho de 1844 informava que, ao tratar sobre a paz com o Barão de Caxias propôs,
aquele general na forma de minhas instruções a federação ao Brasil,
agregando a ela os Estados de Montevidéu, Corrientes e Entre Rios. Ele
contestou-me que nenhuma proposição aceitava que não fosse a total
desistência de nossa independência. Fiz-lhe sentir o difícil que será ao
Império o vencer-nos á força de armas e as vantagens que ao mesmo
Império reportariam aceitando a federação proposta (CBG, 28/07/1844, p.
247).
Podemos observar que ao se aproximar o fim da Revolução Farroupilha,
Bento Gonçalves da Silva propôs a Federação dos que compunham o suposto
quadrilátero ao Império brasileiro, mesmo esse continuando a ser uma monarquia.
Segundo Padoin (2006, p. 45),
a idéia de federação, no século XIX, não estava vinculada à idéia de
República, pois existiram propostas federalistas vinculadas a monarquia
constitucional (havia proposta de implantar uma monarquia em nível nacional
e república em nível provincial e local, conforme Camilo de Oliveira Torres).
Segundo Caldeira (ANAIS do AHRS, 1981, V.5, CV. 3098, p. 333), desde
1826, havia planos no Brasil para formar uma grande República Federada e o Rio
Grande do Sul não podia dar esse passo nessa época, pois havia força militar
imperial acampada no sul, por causa dos conflitos no Prata. Em 1835, entretanto, não
havia essa força e, por isso, foi fácil tomar posse da Província. Reforça a ideia de um
movimento brasileiro, de uma República Federada e sem separação definitiva. Nega,
inclusive, que houvesse ligação com os platinos, tema que, como dissemos nos
55
parece ser complexo. Percebemos, no entanto, a necessidade de um trabalho que
discuta esse assunto especificamente. Segundo Carneiro (2006, p. 128), os dez anos
anteriores ao movimento de 1835, há “uma série de inexplicáveis episódios até hoje
não esclarecido de forma coerente que despertam uma série de dúvidas e receios
sobre o comportamento de lealdade dos sul-rio-grandenses em relação ao governo
brasileiro”.
Referente aos dias próximos do início da Revolução Farroupilha, nas
memórias de Brito (1985, p. 115), consta ter sido esse procurado, dez dias antes
do 20 de setembro, por Bento Gonçalves e acompanhado por Marciano Pereira
Ribeiro, José de Paiva de Magalhães Calvet e Antunes da Porciúncula. Esse último
saiu em seguida, ficando os demais para falarem com Brito. Nesse encontro,
Bento lhe informou da revolução que iria iniciar para depor Braga e o Comandante
das armas. Segundo Brito (1985, p. 116) ele se mostrou contra a revolução, “que
se o partido era forte para empreender essa revolução, devia ser também para
exercitar com eficácia os meios por mim lembrados”. Os meios por ele lembrados
eram os meios previstos em lei. Sendo Brito apoiado pelos demais
acompanhantes de Bento Gonçalves, esse responde, “que os dados estavam
lançados, que as cousas não podiam tornar a traz e que a revolução tinha de
aparecer e apareceria sem nós” (SÁ BRITO, 1985, p. 117). No entanto, Bento
Gonçalves, volta atrás e afirma que não iria fazer a revolução, porém, como os fatos
vão mostrar, o destino já estava lançado.
O memorialista se refere a Bento Gonçalves como o chefe da revolução, mas
não como defensor da república e da separação, muito pelo contrário. Conta que
durante a administração do Presidente de Província Sr. Manoel Galvão,
provavelmente entre 1831 e 1832, havia na Província um partido que desejava a
separação e a independência. Em uma reunião de uma sociedade secreta, que
Brito afirma que não participava, mas sendo o fato conhecido pelo povo da época,
Bento teria proferido um discurso que desfez estas intenções dos membros presentes
(SÁ BRITO, 1985, p. 139).
Segundo Brito (1985, p. 123) quando D. João Lavalleja, durante os
conflitos no atual Uruguai, se via impossibilitado de combater contra as tropas de D.
Frutuoso Rivera passava para a Província de São Pedro do Sul. Por orientação do
Comandante das armas Marechal Barreto, Bento Gonçalves, então Comandante da
Fronteira de Jaguarão e Bento Manuel, Comandante da Fronteira das Missões davam
56
guarida a Lavalleja. O Governo imperial, entretanto, pediu conta dos fatos a Barreto,
que culpou os dois Bentos. Como já foi afirmado, Bento Gonçalves foi mandado preso
para a Corte, para se justificar e a que tudo indica suas justificativas foram aceitas.
Interessante é o que nos coloca Caldeira: “Bento Gonçalves nunca falou em
República e nem em separação antes de ser ele prisioneiro”, se referindo a essa
apresentada por Brito e não a que ocorreu no transcorrer da revolução conhecida
como prisão da batalha do Fanfa. Como podemos constatar, logo em seguida, “tinha
ido ao Rio e quando de chegou na Província tratou de dar providências para o
aparecimento revolucionário” (ANAIS do AHRS, 1981, V.5, CV 3098 e 399, p. 334-
336), demonstrando uma ligação com os políticos do centro do país, para criar no
Brasil uma República Federada.
Caldeira acrescenta que
a deposição do Braga era o primeiro passo que Bento Gonçalves tinha a dar
para ficar de posse da província, para mais tarde dar-se o viva a República;
porém Neto em ausência de Bento Gonçalves deu o referido viva. É falso que
Bento Gonçalves repelia a idéia de República, porque era essa a mente dele,
mas o estava conhecida pelo o povo, e os que planejavam a Revolução
sabiam (ANAIS do AHRS, 1981, V.5, CV 3098, p. 332 - 333)..
Se Bento Gonçalves “encontrasse eco a suas palavras, a República seria
proclamada por ele no princípio da revolução, mas como não encontrou guardou
segredo” (ANAIS do AHRS, 1981, V.5, CV 3098, p. 336). Para esse, quem sabia
dos planos de república era Bento Gonçalves, Onofre, Calvet e Zambeccari. Neto
somente ficou sabendo que iriam depor Braga, mas isso depois que os primeiros
haviam acertado o aparecimento da revolução.
O que se percebe é que Bento Gonçalves esperou o desenrolar dos
acontecimentos, sabia que havia republicanos exaltados e, assim sendo, toma parte
para controlá-los. Conforme consta,
em minha estância, onde me havia retirado, diariamente chegavam-me notícias
dos movimentos que se faziam em todos os pontos da Província, e cheguei a
convencer-me que não havia força capaz de fazer parar a torrente
ameaçadora. O voto dos cidadãos armados contra a opressão me chamava à
empresa; suas exigências eram justas; eu não tendo podido recusar serviços
reclamados por minha Pátria, e deliberei voar entre eles para dar um regular
andamento aos negócios e evitar o quanto fosse possível a efusão de sangue
(CBG. 411, p. 266).
57
Como podemos observar Bento se coloca como que levado à revolução por
força da vontade do Povo. É evidente uma justificativa para não se comprometer e
colocar o movimento como vontade geral. Por outro lado, demonstra que havia outras
lideranças atuando e que a revolução poderia ocorrer sem ele. Assim vai ocorrer com
a Proclamação da República Rio-grandense, sem intervenção sua. No final da
correspondência mostra ser alguém que toma parte para controlar os ânimos
evidenciando ser contra a radicalização do movimento em seu início.
Para evitar a radicalização, em sua proclamação aos compatriotas e
companheiros de armas, em 21 de outubro de 1835, Bento Gonçalves exalta os
princípios do povo da Província, como ordeiros e moderados. Demonstra serem as
proclamações uma forma de dominação ideológica e, assim, ter certo controle dos
revolucionários. Como podemos observar em,
usai a moderação depois do triunfo. Sim, os briosos rio-grandenses que
libertaram a capital, Rio Pardo, São Gabriel e demais pontos da Província
aonde encontraram oposição, vos deram o exemplo dessa virtude própria dos
livres. Generosos por caráter, dóceis e respeitadores das leis, estou certo que
o seguireis; o mais pequeno insulto às pessoas e bens de vossos inimigos será
uma mancha à vossa glória (CBG. 414, p. 275).
Em carta de 17 de janeiro de 1836 a Feliciano Soares da Silva e Urbano
Soares da Silva, Bento Gonçalves se mostra contra a república e separação,
lhe escrevi comunicando-lhe que nossos inimigos fantasiaram um partido
republicano que pretende a separação da província. Esta caluniosa invenção
foi o meio mais a propósito que eles encontraram para dividir-nos, e, sob o
pretexto baterem o inventado partido, alarmam-se para a reação: esta esta
em campo.[...] onde pois existe esse partido republicano? Quem são seus
chefes? Quem são seus agentes? Onde os documentos que comprovem uma
tal invenção? Nada respondem[...] Os patriotas de 20 de setembro como eu
detestam a república e separação da Província, querem o Presidente
nomeado, mas não podem ver seus mais encarniçados inimigos à frente de
mercenários dar-lhes a lei!!![...] Nada de República, nada de separação de
Província, porém nada de consentirmos os nossos inimigos levantarem o colo e
dar-nos a lei (CBG. 032, p. 37).
É obvio que Bento Gonçalves estava usando de persuasão para ter apoio,
pois era sabido que havia na Província republicanos e federados. Princípios que eram
difundidos abertamente nos jornais, O Continentino, que circulou de 1831-1833 sob
orientação de João Manuel de Lima e Silva, o primeiro General da República Rio-
grandense e o Recopilador Liberal, 1832-1836, de José de Paiva Magalhães, Manuel
Ruedas e Tito Lívio Zambeccari, nomes que iram participar da Revolução Farroupilha.
58
No principio da revolução, parte dos farroupilhas estava agindo com cautela,
como podemos evidenciar pelas afirmativas de Domingos Jode Almeida que no
início da revolução foi preso pelos legalistas, fatos que são contados por ele, em sua
proclamação aos patriotas em 29 de outubro de 1835 (C.V-179), após ter sido solto.
Consta que durante a tomada da cidade de Porto Alegre pelos farroupilhas em 20 de
setembro de 1835, fugiu o Presidente da Província Antônio Rodrigues Fernandes
Braga para Rio Grande, e em outubro de 1835 esse chegou a Pelotas. Desse modo,
os oficiais do Batalhão de Guardas Nacionais que haviam passado para o lado dos
farroupilhas queriam prender o Presidente, mas Almeida desfez tais intenções,
querendo evitar vítimas e o ódio dos vencedores contra a cidade.
Na noite do dia 04 deste s, foi D.J. Almeida preso e no dia seguinte
conduzido na barca a vapor para Rio Grande, ficando na escuna de guerra 19 de
Outubro, onde, informalmente, ficou sabendo que o motivo seria terem interceptado
correspondência sua, através de seu capataz, com ordem para sublevar seus
escravos. Posteriormente, foi interrogado e oficializado do motivo, que seria por ter
ido com uma força armada à cidade de Pelotas e tal fato confirmaria um discurso
proferido na Assembléia Província em que prometeu fazer a revolução (ANAIS DO
AHRS, 1978, v.2, C.V -179, p.145)
Tudo negado por D.J. Almeida que afirmou ter ido a cidade convencer Braga
de não continuar contra os interesses da maioria da Província e assim evitar derrame
de sangue e de que o seu discurso nada havia de relação com os fatos que estavam
ocorrendo e não configurava crime, pois tinha imunidade do que disse em Plenário
(ANAIS DO AHRS, 1978, v.2, C.V -179, p.145).
Neste local ele passou necessidades e risco de ser morto, sendo solto somente
em 22 de outubro de 1835, quando representantes da Câmara da cidade, por
solicitação de Bento Gonçalves vão falar com Braga, mas para ele a influência mais
importante foi do Major legalista Manuel Marques de Souza, que segundo Almeida
acreditava que saindo este da prisão poderia ajudar a evitar mais derrame de sangue
(ANAIS DO AHRS, 1978, v.2, CV -179, p.145). Isso demonstrou também certa cautela
dos legalistas para não exaltar os ânimos e evitar certas retaliações.
Bento Gonçalves até a Proclamação da República Rio-grandense, ao finalizar
os manifestos e proclamações, dava viva à liberdade! Viva à Constituição reformada!
Viva ao Sr. D. Pedro II! Viva à união dos Rio-grandenses livres demonstrando sempre
estar ligado ao Brasil e defensor dos princípios defendidos em 7 de abril de 1831.
59
Os fatos, no entanto, vão fazendo demorar essa reconciliação com o Brasil e
um acontecimento importante foram os que se sucederam à posse de Araújo Ribeiro.
Esse era Rio-grandense de nascimento e foi mandado como Presidente da Província
de São Pedro pelo Governo central. O Brasil estava com outras revoltas e não tinha
força militar disponível para usar no sul nesse momento. Segundo Porto (1933, p.
296), “foi um homem mandado à ventura, mais para observar os passos dos
anarquistas, que para chamá-los a ordem [...] os apuros em que se via a respeito do
Pará lhe não permitiam tomar um caráter hostil, e sim contemporizar”. É evidente que
somente após resolver os outros conflitos pelo Brasil, que foram tomadas atitudes
mais contundentes para integrar, novamente, ao Império brasileiro à parte da elite
sulina descontente.
Segundo Sá Brito (1985, p. 138) havia um movimento contra a posse de
Araújo, mas Bento Gonçalves era favorável a ela. No entanto, não teve força para
contê-los,
mas o Sr. Bento Gonçalves não pode com esse povo, quando se tratou da
posse do presidente nomeado para a Província pelo Governo central,
parecendo então coagido pelos facciosos. Não houve ai meios diretos nem
indiretos para conter os agitadores (SÁ BRITO, 1985, p. 133).
Em carta ao seu irmão, João Gonçalves da Silva, em 21 de novembro de
1835 consta “estive com o novo Presidente José de Araújo Ribeiro; parece muito boa
pessoa e creio que fará muito bom Governo” (CBG. 028, p. 35). Parece que Bento
Gonçalves não era contra a posse, nem fala em república e separação, não teria
porque estar escrevendo com cuidados, pois era uma carta particular.
A radicalização do movimento com a Proclamação da República e a
separação do Brasil vai ocorrer sem a participação de Bento Gonçalves e por
imposição de dois republicanos. Conforme nos conta Caldeira,
Ainda a respeito de Neto direi mais algumas palavras. Quando ele com a força
marchou do campo do ataque para a margem esquerda do Jaguarão, Manuel
Lucas de Oliveira e Joaquim Pedro Soares, depois que a força acampou, foram
à barraca de Neto fazendo-lhe ver que a coluna do centro estava perdida, e por
isso era preciso mudar-se de política, e que até aquele dia (do ataque) tanto os
revolucionários como os legalistas empunhavam a bandeira brasileira, e que
era preciso combater por um princípio e por nova idéia, a qual era a República.
Neto ficou indeciso, receando que Bento Gonçalves não aceitasse ou não
aprovasse a proclamação da República, porque era Bento Gonçalves que
dirigia a política da Revolução. Os dois republicanos responderam-lhe: -
„Coronel Lima, como Coronel de Linha e mais antigo do que o Sr., na
60
proposta que houver será general, e com ele os piratinenses não servem, e se
o Sr. Aceitar a aclamação de general no campo de batalha, eles lhe respeitarão
e o acompanharão‟. Neto respondeu dizendo: „Aceito‟. No dia seguinte foi Neto
aclamado General no campo de combate, e se proclamou à República e a
independência do Rio Grande (ANAIS do AHRS, 1981, V.5, CV 3098, p. 333).
Como podemos observar Neto foi forçado a proclamar a República e sua
manifestação inicial foi de que Bento Gonçalves era quem devia tomar tal atitude. Até
porque Bento, em suas cartas e proclamações, se mostra contra a república e à
separação.
Apesar de Caldeira nos afirmar que Bento Gonçalves era republicano e esse
era o seu objetivo desde o início, nós temos certas dúvidas. Percebemos sim, que o
chefe da revolução defende maior autonomia à Província, que a Assembléia
Provincial e o Presidente da Província defendam os interesses locais, que não são os
mesmos do Governo Central. Quer um Governo controlado e a serviço de
estancieiros e charqueadores.
Como podemos perceber a ideia de República Federada a outras Províncias
do Brasil que “adote o mesmo sistema de governo”, já aparece na ata de 5 de
novembro de 1836 em Piratini e percorre até o fim da revolução. Conforme consta na
proclamação de Bento Gonçalves em 11 de março de 1843, “uma República
Federada baseada em sólidos princípios de justiça e recíproca conveniência uniria
hoje todas as Províncias irmãs, tornando mais forte e respeitável a nação brasileira”
(CBG. 425, p. 295).
Durante todo o período farroupilha Bento Gonçalves possui a esperança de
que as outras Províncias brasileiras se rebelem, apresentando a República Rio-
grandense como a salvadora do Brasil. Como podemos observar em sua
proclamação de 13 de julho de 1842,
Rio-grandenses! Raiou a aurora de vossa felicidade! Pelos jornais ultimamente
recebidos vimos que os briosos paulistas, em defesa de sua Pátria, começaram
a guerrear contra o tirano do Brasil! as falanges paulistas marcham sobre o
inimigo comum, os satélites da escravidão têm recebido sobre suas
criminosas cabeças o afiado gume das espadas dos livres; que brilhantes
sucessos vão desenvolver-se! Rio-grandenses! A época da liberdade e da
justiça vai ser marcada em nossa história! [...] O Brasil em massa se levanta
como um só homem para sacudir o férreo jugo do Segundo Pedro. [...] e não
salvareis a Pátria como sereis os libertadores do Brasil inteiro; Viva a liberdade!
Vivam os rio-grandenses! Vivam nossos irmãos paulistas! Viva a futura
Assembléia do Rio Grande (CBG. 425, p. 294).
61
Interessante é o que nos aponta Guazzelli (2005), sobre como era percebido
o ideal de Federação na América Latina,
A palavra federalismo apresentou muitos significados no conturbado processo
de construção dos Estados nacionais na América Latina. De maneira geral,
representou a justificativa político-ideológica preferencial para aquelas elites
periféricas que resistiam contra a formação de Estados centralizados,
controlados pelos grupos exportadores. A República Rio-Grandense não fugiu
a esta retórica, e diversas manifestações das principais lideranças
farroupilhas defendendo princípios federativos que garantissem a autonomia
provincial (GUAZZELLI, 2005, p. 55).
A Província de São Pedro tinha como seu principal produto o charque que era
na sua maior parte, conduzido para as outras províncias do Brasil. Estas sim,
produziam o produto para o exterior. Com isso, o extremo sul do país ficava em
condições periféricas nos interesses do Governo central.
Em carta a Gaspar Francisco Mena Barreto, legalista, em 15 de março de
1840, o chefe da revolução se mostra motivado a se ligar novamente ao Brasil e não
teria porque usar aqui de desculpas e medo de retaliação, pois o Rio Grande havia
se separado desde 1836. O que percebemos é que teria como interesses a
Federação. O principal elemento que ele quer é a independência financeira. Segundo
Bento Gonçalves “gozando de uma absoluta independência no regime de nossos
negócios pecuniários não duvidaríamos quanto ao mais submeter-nos a um governo
geral que velasse sobre os interesses da União” (BGC. 224, p. 147).
Bento Gonçalves era liberal, dentro dos limites apresentado por nós no
primeiro capítulo do significado desse termo para o Brasil e para a República Rio-
grandense. Dizia ser defensor dos princípios que levaram D. Pedro I à abdicação,
querendo maior autonomia provincial e de ver o Brasil livre do controle português,
inclusive exalta o 7 de abril de 1831, como sendo a data da verdadeira
independência. Como podemos observar em seu manifesto de 25 de setembro de
1835,
Correstes às armas depois de haver esgotado todos os meios que a prudência
e o amor à ordem vos sugeria, o para destruir, mas sim para consolidar a
sagrada Constituição que juramos; não para vingar-vos dos ultrajes que
diariamente vos faziam os corifeus de um partido antinacional, mas sim para
garantir as liberdades pátrias de seus ataques, tanto mais terríveis por isso que
eram exercidos à sombra da carta constitucional; correstes enfim às armas
para sustentar em sua pureza os princípios políticos que nos conduziram ao
sempre memorável sete de abril, dia glorioso da nossa regeneração o totais
independência ( CBG. 413, p. 268).
62
O chefe da revolução somente considera a Província separada do Brasil, a
partir da reunião das municipalidades farroupilhas em 6 de novembro de 1836, em
Piratini. Ainda apresenta como um dos atos que leva à sua consumação a suspensão
das garantias individuais, pelo Governo Imperial em 11 de outubro de 1836. Sendo
que Neto havia proclamado a República Rio-grandense em 11 de setembro do
mesmo ano. Como podemos constatar no manifesto do Presidente da nova República
em 29 de agosto de 1839
Vimos a lei horrorosa da suspensão das garantias investindo o delegado do
Governo Imperial e até o último de seus agentes do tremendo poder
discricionário, e nossos tribunais convertidos em verdadeiros tribunais
revolucionários.
Um recurso nos estava, um único meio se oferecia à nossa salvação, e este
recurso e este meio único era a nossa independência política e o sistema
republicano; assim podíamos adquirir a força, a compatibilidade e energia
necessária para debelar nossos algozes em o lamentável catástrofe.
Cedemos à voz santa da natureza, cumprimos as eternas e imutáveis leis do
criador, lançando mão desse meio único de salvação.
Perdidas, pois as esperanças de concluírem com o Governo de Sua Majestade
Imperial uma conciliação fundada nos princípios da justiça universal, os rio-
grandenses reunidos suas municipalidades solenemente proclamaram e
juraram a sua independência política debaixo dos auspícios do sistema
republicano, disposto, todavia a federarem-se quando nisso se acorde às
Províncias irmãs que venham a adotar o mesmo sistema (CBG. 420, p. 289-
290).
Após a Proclamação da República, fato que apresentamos anteriormente
como sendo dado por Neto por pressão dos defensores do Ideal Republicano
Federado, Bento Gonçalves que estava sitiando Porto Alegre tenta se reunir à tropa
que estava na campanha. Segundo Caldeira (ANAIS do AHRS, 1981, V.5, CV 3098,
p. 377) “Bento sabia que Neto tinha dado o grito de República e conservava em
silêncio”. Neste retorno, ocorre a chamada Batalha do Fanfa onde Bento Gonçalves,
Onofre Pires, Lívio Zambeccari e outros são presos por Bento Manuel, que estava
nesse momento, do lado Imperial. Na convenção da derrota da Batalha do Fanfa,
segundo Caldeira (ANAIS do AHRS, 1981, V.5, CV 3098, p. 344) “ficou
convencionado que Bento Gonçalves entregaria as armas e seguiriam os patriotas
para onde quisesse, e Bento Gonçalves deveria seguir ao campo do Neto em
comissão para que ele deixasse as armas e dispersasse a sua gente”. Como
podemos perceber o chefe da revolução iria tentar dar fim à mesma, talvez por
acreditar não ser o momento adequado para a radicalização.
63
As evidências continuam aparecendo, em carta de 23 de agosto de 1840, ao
Presidente de Província Francisco José de Souza Soares de Andréa, Bento
Gonçalves expõe que “quando depôs as armas na ilha do Fanfa, foi por meio de uma
convenção, que me prometia o absoluto esquecimento do passado; e o modo por que
se cumpriu essa promessa do chefe Imperial, aliás, garantida por uma carta do ex-
regente Diogo Feijó”. Demonstra, com isso, que havia pedido anistia, pois era isto que
constava na carta do Regente de 04 de dezembro de 1835
5
.
Segundo Fagundes (1985) o acordo feito com Bento Manuel não foi cumprido,
pois chegando ao acampamento da convenção, o Presidente da Província Araújo
Ribeiro conduziu Bento Gonçalves e os principais chefes presos para o navio
Presiganga em Porto Alegre. O chefe da revolução foi, posteriormente, para o Rio de
Janeiro e por último para a Bahia de onde iria fugir em 1837.
Referente a quem desfez o tratado de rendição outra versão. Conforme
Porto (1933, p. 312-312) teria chegado ao acampamento dos beligerantes Araújo
Ribeiro e ficou sabendo do convencionado entre os dois Bentos “e posto que não
louvasse as disposições de Bento Manuel, não se animou a reprová-las”. Bento
Gonçalves solicitou mandar Antunes para ir ao encontro de Crescêncio, que estava
do outro lado do rio Jacuí com sua tropa, “para intimar a Crescêncio a sua rendição.
Exigiu, porém, ter primeiro uma conferência secreta com esse mensageiro, o que
Bento Manuel também permitiu”. No entanto, antes de Antunes sair foi esse revistado,
sendo encontrada correspondência, que Bento Gonçalves mandava a Crescêncio,
dizendo que em breve estaria com ele e esse deveria entusiasmar sua tropa. Assim
sendo, Bento Manuel ordena a prisão do tocaio, de Onofre e de outros. Para
Fagundes (1985) foi muito mais uma desculpa de Bento Manuel e Araújo Ribeiro para
descumprir o acordo e poder prender Bento Gonçalves.
Quem colocou essa dúvida sobre a possível tentativa de Bento Gonçalves de
por fim à República Rio-grandense, mesmo não acreditando nessa possibilidade, foi
Fagundes (1985, p. 170), ao analisar o tratado de rendição, “mas, a traição maior, à
Revolução, teria sido justamente de seu chefe máximo. Por isso, prefiro pensar que
tudo aconteceu como tinha que acontecer, de forma lógica e necessária, Bento
Gonçalves sendo preso e salvando os seus soldados”.
5
Documento publicado em O Mensageiro de 08 de janeiro de 1836, n° 19.
64
Outro elemento que ajuda a dar indícios dessa possível não aprovação, por
Bento Gonçalves da Proclamação da República Rio-grandense é o seu silêncio
perante a tropa desse fato. Sendo significativo o que nos escreve Fagundes (1985, p.
161),
O silêncio do comandante supremo é significativo. Ele era liberal, mas não
republicano. Além disso, repugnava-o a separação da Província do resto do
Brasil, mesmo sob o caráter da temporalidade. Fizera uma Revolução para
lutar por direitos e princípios, mas não para seccionar o país, por um ato oficial
legalizado pela força.
Com relação a tal passagem concordamos que Bento Gonçalves era liberal,
por outro lado, acreditamos que se tivesse o apoio de outras Províncias abraçaria,
sim, a República Federada. Em relação ao seu silêncio é significativo que na travessia
para a campanha antes da Batalha do Fanfa a tropa passou por situações difíceis. E,
como é sabido no meio militar, expor para a tropa a seu comando um fato dessa
importância poderia melhorar o espírito de combate, que é chamado de elevar “a
moral da tropa”, que muitas vezes pode decidir uma batalha. A não ser que os demais
comandantes ou os comandados que os acompanhavam não fossem defensores da
república. Acreditamos ser mais um indício da possível evidência de que Bento
Gonçalves não era favorável, naquele momento, à separação e ao Regime
Republicano de Governo.
Para Fagundes (1985, p. 153), Bento Gonçalves não era republicano, mas
“consentira em chefiar um movimento que congregava indistintamente liberais
republicanos e monárquicos, sem se preocupar com as diferenças ideológicas e
políticas que os separavam”.
O que percebemos é que Bento Gonçalves não tinha como prever todo o
desenrolar da revolução. Mas ele sabia que havia, nesse grupo dos farroupilhas, os
monárquicos constitucionais, os republicanos, uns com anseios republicanos
independentes, outros com ligações com o ideal de outras Províncias a se insurgirem
e formar o Brasil Republicano Federado e também havia os que somente queriam
mais autonomia Provincial. No entanto, o chefe da revolução esperava o desenrolar
dos acontecimentos para tomar as decisões, evitando as precipitações e que em
certos momentos, se apresentou como indeciso e, segundo seus adversários,
dificultou a consumação da independência. Ele não era republicano convicto, mas não
65
a repugnava, pois ao fugir da prisão da Bahia retorna à sua pátria assumindo a
Presidência da República Rio-grandense e a defende como um republicano.
Podemos concluir, nesse capítulo, que os motivos da eclosão da Revolução
Farroupilha necessitam de uma investigação tendo-os como tema central. Aqui
tentamos contribuir com algumas observações possíveis através das fontes que
usamos para analisar a Instrução Pública na República Rio-grandense. O que
percebemos é que o movimento farroupilha foi se configurando no desdobramento
dos acontecimentos e Bento Gonçalves, sendo um dos principais líderes, não tinha o
controle total das situações que se desenrolavam e onde muitos dos fatos se
concretizaram sem a sua aprovação e amesmo sem sua participação. Digno de
destacar é o que expõe Domingos José de Almeida em carta ao Presidente da
República Rio-grandense Bento Gonçalves da Silva, em 23 de janeiro de 1840, ao se
referir a um litígio pecuniário com o Coronel Manuel Gomes Pereira, “V. Exa. daí não
se meta com isto, lembrando-se que a causa não é sua” (CBG. 219, p. 142). É
dentro de um contexto conflituoso que se a história da Revolução Farroupilha e
não num modelo pronto e acabado.
66
3 A instrução pública e o domínio ideológico
Passaremos a demonstrar a presença, na construção da nova Nação, da
Instrução Pública como formadora de uma mentalidade a serviço do grupo dominante.
Primeiramente, faremos um panorama da utilização da educação como elemento de
dominação ideológica no Brasil durante o período regencial. No segundo momento,
analisaremos a República Rio-grandense, mas também fazendo algumas ligações
com o Brasil, pois acreditamos que as idéias que ecoarão na República Farroupilha,
estavam em parte sendo aplicadas no Brasil. Através da análise de artigos
publicados nos jornais oficiais e de cartas dos participantes da Revolução Farroupilha
é notável a presença das novas perspectivas mundiais de dominação ideológica,
através da educação.
As ideias liberais e o interesse pela Instrução Pública surgem em vários
discursos no Período Imperial e, mesmo antes da independência do Brasil, como
podemos observar na alocução do Deputado Francisco Moniz Tavares, representante
do Maranhão, quando da ida dos deputados brasileiros para Lisboa, às Cortes
Constituídas, “a instrução é uma necessidade de todo o homem. O velho Ministério
queria, de propósito, conservar o Brasil em total ignorância, para desfrutá-lo [...]
muito desinteresse deste Soberano Congresso facilitar quanto for possível às luzes
(TAVARES, apud FERNANDES, 2005, p.30 e 31).
Perceptível na manifestação do Deputado é o desinteresse de Portugal pelo
desenvolvimento da Instrução no Brasil, sendo o atraso educacional uma das formas
de manter a situação de Colônia. Discurso parecido seria posteriormente apresentado
pelos farroupilhas, onde a manutenção da Província longe dos conhecimentos das
luzes favoreceria a exploração por parte do Império brasileiro. É lógico que outras
formas de domínio e exploração, ainda mais em um país escravocrata e dominado
pelo favoritismo pessoal.
67
Bernardo Pereira de Vasconcelos, mineiro de Vila Rica, que estudou Direito e
Filosofia na Faculdade de Coimbra entre os anos 1814-1819, eleito Deputado Geral
em 1824, participou ativamente na criação do Colégio de Pedro II (inclusive escreveu
o seu primeiro regulamento). Na Carta aos senhores eleitores da Província de Minas
Gerais deixa claro os objetivos relativos a este tema,
Ler, escrever, contar e gramática da língua pátria deve ser o primeiro estudo
de todos os membros de uma nação; esta aplicação é a mais essencial [...] E
porque a educação do belo sexo contribui muito para a civilização dos
Estados, deve também criar-se escolas de meninas nas cidades e vilas mais
povoadas. (VASCONCELOS, apud MURASSE, 2003, p. 09.).
Podemos observar que Vasconcelos percebe a necessidade de uma
educação mínima a todos integrantes de uma nação, inclusive das mulheres.
Princípios que serão defendidos, também, pelos Republicanos Rio-grandenses, como
veremos mais adiante.
As ideias Iluministas que vigoravam na Europa chegavam ao Brasil, vindas
através dos alunos, que iam estudar nas Universidades Européias e dos viajantes que
visitavam o País. No primeiro momento, pós-independência, os interesses referentes
à educação estavam pautados em afirmar o Brasil como independente, moderno,
civilizado, moralizador do povo, evitando revoltas e mantendo o estado das coisas.
A primeira lei geral que sistematizou o ensino primário em todo o Império foi
de 15 de outubro de 1827, mas o ensino que vai efetivamente ser sistematizado será
o das faculdades de Olinda e São Paulo, também criadas nesse ano. Faculdades
essas que formariam parte dos políticos do Segundo Reinado oriundos da elite
econômica brasileira.
Percebemos, dessa forma, os objetivos dos políticos brasileiros em criar um
sistema de ensino para formar a elite dirigente do país, para aqueles oriundos dos
“melhores berços” e assim tornar possível a reprodução do sistema.
A situação se evidencia quando no Período Regencial, através do Ato
Adicional de 1834, no art.10 §2º passam a ser de responsabilidade do Governo
Central somente as faculdades em todo o país e em todos os graus da cidade da
Corte, ficando o ensino primário e secundário sob a responsabilidade de cada
Província. Como as Províncias não tinham recursos para sistematizar um Sistema de
Ensino, a execução da Instrução Pública Provincial tornava-se difícil.
68
Os fatos demonstram que o Governo Central, através das Províncias, se
interessava em dar ao povo uma educação mínima, indispensável à sua moralização,
evitando, assim, possíveis revoltas. O que realmente interessava ao Governo Imperial
era a instrução da elite.
Dessa forma, em 1837, o Governo Central criou o Colégio de Pedro II, que
era o caminho direto para as faculdades existentes. Os alunos oriundos desse
Colégio não prestariam provas para ingressar em quaisquer faculdades brasileiras.
Continuava evidente o interesse na educação da elite para formar os futuros
dirigentes do Brasil. Segundo Murasse (2003, p. 13) “Completava-se assim, o
conjunto de instituições dirigidas à educação da elite política: 2 escolas de medicina
(Salvador e Rio de Janeiro), 2 escolas de direito (São Paulo e Olinda) e 1 escola
secundária (Rio de Janeiro)”.
Nesse momento, havia eclodido a Revolução Farroupilha e a separação de
parte da Província de o Pedro do resto do Brasil. Então, passaremos a analisar na
República Rio-grandense a presença de elementos que caracterizam a utilização da
Instrução Pública como dominação ideológica. Conforme assinalamos anteriormente,
em relação à educação os ideais liberais estão presentes em artigos, leis e discursos
nos jornais oficiais do governo farroupilha e em cartas entre participantes da
revolução.
Parte da elite econômica da República Rio-grandense tinha vários objetivos a
serem alcançados no que tange à Instrução blica: apresentar a nova nação como
moderna, de acordo com os ideais que eram propagados para as repúblicas, formar o
caráter nacional, conservar firme e estável o Estado e assim diminuir os conflitos e as
agitações. Podemos observar isto num artigo publicado no Jornal O Povo, em 09 de
maio de 1840,
[...] mas a maior parte só menos teria alguns traços de semelhança, estes
traços formariam precisamente o caráter nacional.
O mais eficaz dos meios, diz um profundo político da Antigüidade, de
conservar firmes, e estáveis às constituições dos governos, é de educar a
juventude nos princípios constitucionais. [...] este grande objeto poder-se-ia
por ventura obter, sem uma Educação Pública? Quem mais, que o governo
pode ter este interesse? Quem mais do que ele pode ter os meios de fazê-lo?
Quem mais do que o legislador pode conhecer sua importância, e o plano
para consegui-la? (O POVO, 09/05/1840, nº157/3).
69
Ao afirmar que o Governo deve educar a juventude nos princípios
constitucionais, o artigo demonstra a intenção de propagar as novas estruturas que
eram necessárias para solidificar a república, conjuntamente aos interesses da elite
dominante da Revolução Farroupilha. Como veremos no transcorrer do trabalho, não
havia a finalidade de mudar o estado das coisas. A educação defendida era a
republicana a qual somente um governo verdadeiramente republicano poderia
proporcionar. Como podemos observar em O Povo de 02 de maio de 1840 (n° 155),
A República é para nós outros de uma absoluta necessidade. Porém nós
sabemos muito bem que a multidão, a quem um instinto político revela como
excelente entre os governos, o do povo, não pode de um golpe abranger toda
sua vastidão, calcular todas as suas vantagens, e compreender todos os seus
deveres. Para isso necessita uma verdadeira educação Republicana, a qual
somente um Governo verdadeiramente Republicano pode dar e deve
ativamente promover.
Ao se referir à educação republicana está querendo demonstrar a
necessidade de formar o cidadão que deve conhecer os seus deveres e direitos, pois
teoricamente compreende a república como o governo do “Povo - o povo que
necessita ver realçada sua dignidade, que necessita conhecer todos os seus direitos
para saber os defender com nobreza, que necessita aprender quais são seus deveres
para sabê-los respeitar e cumprir(O POVO, 02/05/1840, 155). A essa nova forma
de se pensar a organização do Estado vinha embutida a ideia de participação do povo
na escolha dos governantes e, por isso, a necessidade de difundir as luzes para
poder escolher com sapiência. E ao se conhecer os direitos e deveres, está posto,
também, a idéia de interiorizar nos indivíduos os princípios e as funções estabelecidas
pelo grupo dominante, através da escola.
Por outro lado, devemos problematizar tal participação popular na República
Rio-grandense, que vai ser limitada pela renda necessária a cada votante e aos
possíveis elegíveis, além da obrigatoriedade de ser alfabetizado, como veremos
posteriormente.
Se tomarmos por base as relações eleitorais no Brasil havia, é claro, outras
formas de domínio do voto, onde os votantes seguiam os seus padrinhos, como
podemos constatar em Canêdo (2005, p. 526),
Até 1875, as leis não especificavam como a renda mínima seria comprovada.
Mas, de toda a forma, a soma que qualificava o votante não era de vulto para
a época. Estes constituíam, pois, a imensa camada de homens pobres,
70
agregados e pequenos empregados, que acorria às eleições em bandos
porque recrutada por seus padrinhos que montavam guarda no local da
votação.
É lógico que na República Rio-grandense esses princípios eram mantidos,
como observamos nas memórias de Sebastião Ferreira Soares, publicadas em Porto
(1933, p. 369), que consta “no geral não se seguiam opiniões, porém sim a homens”.
Aparentemente parece que estamos nos contradizendo ao defendermos que os
Republicanos Rio-grandenses utilizariam a educação como forma de dominação
ideológica. Reconhecemos que havia outras formas de domínios de acordo com as
relações sociais de então. Por outro lado, é o início de um discurso em defesa da
educação, sendo ela mais uma auxiliadora para o domínio das mentes.
A questão da renda segundo Canêdo (2005), “não era de vulto para a época”.
Mas a partir da Lei Saraiva, em 1881, onde consta aos novos eleitores a proibição do
voto ao analfabeto, somado a um maior rigor da comprovação da renda para
participar da política brasileira, os efeitos foram drásticos. Vejamos suas reflexões a
este respeito:
Os efeitos dessas medidas foram dramáticos: em 1872 votaram 1.097.698
eleitores (10,8% da população). Em 1881, votaram 1%; em 1886, 0,8%.
Somente em 1945, ou seja, 64 anos após a Lei Saraiva, e após quatro
mudanças de regime Império, Primeira República, Segunda República,
Estado Novo conseguiu-se atingir o mesmo índice de eleitores anterior à lei
de 1881 (CANÊDO, 2005, p. 530).
O que demonstra que a exclusão do analfabeto limitou ainda mais o número
de votantes no Brasil, considerando que no Projeto de Constituição da República Rio-
grandense havia essa proibição, a grande maioria da população estaria sem direito ao
voto. No entanto, o controle dessa mínima participação deveria, também, ser auxiliada
pela escola. Talvez a proporção desta utilização seja limitada, mas é conhecida
pelos representantes do governo farroupilha, que a escola pode auxiliar neste
domínio.
Conforme vimos anteriormente, através da educação republicana o povo
conheceria seus direitos e deveres. Sendo assim, a educação deveria ser controlada
para a defesa desses direitos e deveres serem de acordo com os interesses da classe
dominante.
71
O empenho em controlar a educação é evidenciado quando valorizam a
escola pública em relação à particular, por ser aquela dominada pelo Estado,
inclusive, expondo que os professores não poderiam alterar o que estava na lei.
Este plano de Educação deveria ser estabelecido por lei. Nenhum dos
executores deveria ter o direito de alterá-lo. [...] A Educação pública não pode
nunca, com respeito ao individuo, ser tão perfeita como poderia ser uma
Educação Privada. Mas si esta pode formar apenas algum individuo, aquela
só pode instituir um Povo (O POVO, 23/05/1840, nº160/4).
Devemos relacionar os ideais de doutrinar às crianças, bem como dos
professores seguirem o que a lei determina, com os objetivos de Pereira e
Vasconcelos, na Corte, em seu discurso de abertura das aulas do Colégio de Pedro II,
em 25 de março de 1838, onde defende que sigam à risca o regulamento por ele
criado,
Cumpre, pois, que longe de modificar esta regra na sua execução, seja ela ao
contrário religiosamente observada [...].
assim deixarão receios infundados de tomar a natureza de dificuldades
reais, assim se evitará o escândalo de estilos arbitrários e por ventura
opostos às providencias e as intenções do governo; e a mocidade de par com
as doutrinas, que hão de formar o seu coração e aperfeiçoar a sua
inteligência, aprenderá a respeitar as Leis e as Instituições, e conhecerá as
vantagens da subordinação e da obediência. (VASCONCELOS, apud
MURASSE, 2003, p.12 e13).
Apesar dessa aparente igualdade com o Brasil, a especificidade da República
Rio-grandense tem alguns princípios diferentes. Os farroupilhas demonstram uma
efetiva preocupação com a Instrução Pública, pois necessitam dela na formação da
mentalidade popular para defender a frágil ordem institucional que estava sendo
implantada, ou seja, um novo modelo de estado e inúmeras relações sociais
precisavam ser solidificados. Para isso, nada melhor que ampliar a rede escolar
(GIOLO, 1999, p. 228).
No entanto, devemos ter o cuidado quando demonstramos o interesse pela
instrução da população livre, pois esse tinha limites e o principal era o de manter o
estado das coisas. Como podemos observar no Jornal O Povo de 16 de maio de
1840, onde consta que nem todas as classes deveriam ter o mesmo grau de
instrução.
72
ela requer que todos os indivíduos da sociedade possam participar da
educação do magistrado, e da Lei, cada um, porém segundo suas
circunstância e sua destinação. Ela requer que o Lavrador seja educado para
ser cidadão Lavrador e não para ser magistrado, ou General (O POVO,
16/05/1840, nº159).
Outro aparelho ideológico de estado usado pelos farroupilhas foi a imprensa,
por onde também difundiam as intenções do grupo dominante. Como podemos
observar na carta que o Sr. Augusto de Siqueira Pereira Leitão manda a Domingos
José de Almeida em 19/04/1839, inclusive usando o termo doutrina, demonstrando a
intenção de dominação ideológica.
Ressalta também que aqueles que sabiam ler iriam transmitir as informações
aos que não liam, além de utilizar intencionalmente a aquisição do jornal para
comprometê-los com a revolução perante o Império.
[...] tenho sentido infinito que nossas doutrinas não tenham chegado a certas
pessoas, a quem são muito necessárias, por isso que rogo a V. Exa.faça ver
a Exmo. presidente que muito se ganha em que se envie [...] tantos
periódicos “Povo”quantas forem as pessoas que nos ditos municípios estejam
em circunstancias de ler e pensar,[...] não deixaram de patentear a verdade a
alguns que não saibam ler [...] e quando estes sujeitos, envergonhados de se
lhe mandar à casa nosso periódico sem eles pedirem, talvez se resolvam a
serem assinantes(segundo lucro) e então pode se publicar seus nomes como
tais e comprometê-los para com a legalidade(terceiro lucro), e assim pouco a
pouco se irão tornando dignos do nome Republicano. [...] (ANAIS do AHRS,
1978, v.10, C.V-5395, p. 55).
Outra preocupação do Governo Republicano Rio-grandense era com os
soldados recrutas. Nesses também havia a necessidade de inculcar a defesa da
república. Aproveitando todos os dias no contato direto para inculcar a defesa da
independência e liberdade do novo Estado e evidenciando a utilização do domínio
ideológico sobre a força armada. Como podemos observar nas instruções do decreto
que cria um depósito geral de recrutamento que serviria para “Instruir e disciplinar os
recrutas”:
Capítulo 2°
Das atribuições e deveres do comandante e mais empregados.
[...]
Art. - Tratará de inspirar aos recrutas, por todos os meios a seu alcance, o
amor e adesão à causa sagrada da independência e liberdade da sua Pátria;
fazendo-lhes ver que todas as leis divinas e humanas lhes impõem o dever
essencial e rigoroso de sustentarem e defenderem este princípio vital a
sociedade, a preço dos maiores sacrifícios, até o complexo extermínio dos
73
inimigos da nossa liberdade. Os oficiais subalternos e inferiores, e
principalmente esses últimos, que vivem em contato imediato com o novo
soldado, aproveitarão todas as ocasiões oportunas em suas conversações e
discursos para inspirar-lhe estes heróicos sentimentos, louvando e
engrandecendo em sua presença aqueles dos nossos guerreiros e patriotas
que mais nesta virtude se houverem distinguido, não esquecendo de fazer-lhe
entender ao mesmo tempo que a Pátria, solícita nos meios de premiar os que
bem a tem servido, se o tem esquecido de recompensar esta espécie de
abalizado merecimento com amplidão e generosidade (ANAIS do AHRS,
1978, v. 5, C.V-2831, p. 51),
É lógico, também, que isso era mais uma intenção do que a prática, pois a
maioria dos soldados servia ao seu chefe militar que estava atrelado por interesses de
compadrio. Por outro lado, devemos lembrar que não há a dominação repressiva sem
a ideológica e nem a ideológica sem a repressiva (ALTHUSSER, 1974).
No que se refere aos instrutores, esses deviam ser escolhidos entre os
oficiais que apresentassem “acrisolado patriotismo, firme adesão à causa
Republicana e reconhecida probidade, unirem a inteligência, instrução, aptidão e
prudência indispensáveis ao desempenho das obrigações e deveres inerentes à
importante comissão(ANAIS do AHRS, 1978, v. 5, C.V-2830, p. 52). Demonstra tal
fato, ao que tudo indica, que nem todos os oficiais eram defensores da causa
republicana, evidenciando a divergência de princípios entre os farroupilhas.
Nessas instruções do decreto de criação de uma escola militar consta que
“tendo os regulamentos e instruções militares atualmente em vigor detalhado a ordem
do serviço e as obrigações impostas aos instrutores da tropa, cumpre somente
recomendar-lhes a este respeito a sua mais fiel e pronta execução”, demonstrando
que assim como a educação primária os instrutores militares deveriam cumprir a lei
fielmente. Com isso, teria o Governo a certeza de que seria cumprido os desígnios de
formação imposta a essa parte da sociedade. O controle sobre esses deveria ser
executado pelo comandante do depósito, o qual empregaria “todo o seu zelo e
desvelo em vigiar a conduta dos instrutores, obrigando-os a preencher exatamente os
seus deveres e a observar estritamente as regras e o método estabelecido pelos
regulamentos e instruções militares” (ANAIS do AHRS, 1978, v. 5, C.V-2830, p. 56 -
57).
No Projeto de Constituição da República Rio-grandense, em seu artigo 136°
consta “serão estabelecidas escolas militares para a instrução do exército e armada”.
Talvez essas medidas no período farroupilha seja o princípio de um pensamento de
profissionalização dos militares sulinos. O Império brasileiro irá retomar este tema e
74
instituir uma escola militar no sul do Brasil, após a pacificação da Província, em 1851.
Seu funcionamento teve início em 02 de abril de 1853, mas “não tinha ainda o nome
de escola; denomina-se Curso de Infantaria e Cavalaria da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul” (MEDEIROS, 1992, p.15)
6
.
Não queremos afirmar que os Republicanos Rio-grandenses precisassem
tanto da dominação ideológica, mas que intelectuais como Domingos José de
Almeida, “o cérebro da Revolução Farroupilha” (LAYTANO, 1983) percebiam a
necessidade das novas relações de dominação que estavam se estruturando pelo
mundo moderno. Segundo Auras (2004, p. 139), os políticos brasileiros também
percebiam esses benefícios.
Se buscarmos entender mais densamente a organização econômico-social
brasileira ao longo do século XIX verificaremos que para a produção da
riqueza, para o exercício do trabalho naquele tempo, a escola o era ainda,
em grande medida, objetivamente necessária. Os homens e mulheres
aprendiam a trabalhar trabalhando. No entanto, ao mesmo tempo e
contraditoriamente, podemos perceber que, naquele contexto, as elites não
podiam prescindir de todo da presença da escola, pois ela passa a ser
necessária como espaço de conformação de condutas, ou seja, como lugar
irradiador daquilo que se entendia como expressão de comportamento tido
como civilizado [...] civilizar, então significava, antes de mais nada, estender o
raio de ação da autoridade, significava generalizar o princípio de ordem.
Retornando para a Instrução Pública não militar, como observaremos no
quinto capítulo o Método Lancaster era o almejado na República Rio-grandense, pelo
rígido controle sobre os discípulos e pelo fato de possibilitar a instrução em massa, a
preço baixo, em que um professor poderia ensinar mais de 500 alunos. Através desse
Método, os preceitos republicanos chegariam a um maior número de pessoas, onde
“os discípulos passam depois de ser instrutores e assim se vai distendendo a esfera
dos conhecimentos úteis e aperfeiçoando os métodos de comunicar idéias àqueles,
que as não têm” (O POVO, 31/08/1839, n° 97).
No Brasil, o Método de Lancaster também chamado de Ensino Mútuo,
passa a ser o oficial, a partir da Lei de 15 de outubro de 1827. O seu poder
disciplinador na educação serviria para diminuir as possíveis revoltas.
No final da Revolução Farroupilha percebemos que a Instrução Pública tinha
um papel colaborador na pacificação da Província, pois o Império investiu na
educação primária, como podemos observar na primeira sessão ordinária da
6
Sobre a escola Militar de Porto Alegre ver Medeiros (1992).
75
Assembléia Legislativa da Província, em 1º de março de 1846. Caxias, em seu
pronunciamento, demonstra preocupação e, também, sua ação prática sobre o tema,
pois das 51 aulas que havia (36 para meninos e 15 para meninas) ele criou 21 delas.
Apresentou, ainda, o estatuto para o futuro Liceu
7
, o qual iniciou seu funcionamento
em 1851 em um prédio alugado, e que tinha como modelo o do Colégio Pedro II, do
Rio de Janeiro. Como podemos observar,
tudo conforme os estatutos, que tenho a honra de oferecer a vossa
consideração, organizados segundo o método simultâneo, adotado nos
colégios da Europa, e no de Pedro do Rio de Janeiro, do qual se tem
obtido os melhores resultados (RELATÓRIOS E FALAS DOS PRESIDENTES
DE PROVÍNCIAS DO BRASIL, 01/03/ 1846. 2008).
Constatamos que o Método almejado não é mais o de Lancaster e sim o
simultâneo.
Parece-nos importante destacar que entre a pacificação assinada em 01 de
março de 1845 e a citada sessão ordinária de 01 de março de 1846, D. Pedro II
visitou a Província permanecendo de 21 de novembro de 1845 a 11 de fevereiro de
1846. O Imperador não se esqueceu da educação, pois em 01 de fevereiro de 1846
lançou a pedra fundamental do Liceu a ser construído na capital, o mesmo que
Caxias redigira o estatuto.
Como sabemos, o Colégio de Pedro II serviu para formar a elite brasileira,
sendo modelo para as escolas do gênero nas Províncias. Dessa forma, o Governo
Imperial mantinha o controle indireto das mesmas (VECHIA, 2005, p.88). Ensinando
conforme os princípios do Colégio de Pedro II, os dirigentes do Brasil pretendiam
dominar as mentes da elite provincial. No caso de alunos que não pertencessem à
classe dominante frequentassem tal escola, receberiam esses, um conhecimento
elitizado e assim, provavelmente, defenderiam as ideias da elite.
Podemos notar uma paulatina penetração no discurso brasileiro e, por
conseguinte, na República Rio-grandense da defesa da educação mínima a toda
população livre e a utilização dessa para conformar ideias aos interesses da classe
dominante. Não podemos negar que houve, também, algumas tentativas práticas,
porém, existiam alguns entraves como a falta de professor, a carência de prédios, os
conflitos armados, etc., além de não haver uma necessidade significativa para as
crianças pobres da educação formal para a sua socialização.
7
Sobre o Liceu D. Afonso ver Arriada (2007).
76
4 A instrução pública do governo imperial na Província de São Pedro
A ocupação efetiva dos portugueses no atual estado do Rio Grande do Sul
inicia-se em 1737, com a criação de Rio Grande por Silva Paes, porém, as primeiras
escolas haviam sido criadas pelos jesuítas espanhóis que foram destruídas com as
guerras guaraníticas, ocorridas após o Tratado de Madri em 1750.
A primeira tentativa do estado português para gerenciar a educação blica
em seus domínios foi através do Alvará de Lei de 28 de junho de 1759, criando as
Aulas Régias, retirando o controle da Igreja Católica. A reforma do ensino português
de 1759 realizado pelo Marquês de Pombal expulsa os jesuítas de Portugal e dos
seus domínios. Com isso, institui-se no Brasil a Diretoria de Estudos e as Aulas
Régias.
A lei de 06 de novembro de 1772 cria escolas para o reino português e seus
domínios, porém, não inclui a Província de São Pedro. A Carta da lei de 10 de
novembro de 1772 cria único imposto para providenciar a aplicação da legislação de
criação de escolas, chamado de subsidio literário. Sua aplicação foi ordenada no
Brasil em 1773, enquanto que, no atual estado do Rio Grande do Sul, somente em
1813.
No Brasil foi a partir da lei de 6 de novembro de 1772 que se inicia a
sistematização do ensino Régio, porém, mesmo a educação tornada leiga continua
obrigatório o ensino da religião Católica. Dentre as obrigações dos professores,
conforme consta nas instruções que foram publicadas junto com o Alvará de 1859
estão
promover a educação cívica, levar os meninos à missa ao menos em um
domingo ao mês, conforme consta nas instruções, em seus parágrafos XVIII
e XIX. Deixar de cumprir os preceitos da religião, aliás, era falta gravíssima e
devemos lembrar que a educação era leiga, mas não havia sido abolido o
ensino da religião católica nas escolas, que permaneceu dessa forma
obrigatório (CARDOSO, 1999, p. 117-118).
77
A permanência da influência católica não se elimina somente passando o
gerenciamento do ensino ao Estado, pois a maioria dos professores secundários teria
estudado nos colégios jesuítas ou na Universidade de Coimbra, da época da
administração jesuítica, mas as reformas de Pombal foram sendo apropriadas no
Brasil e sendo difundidas pelos jovens formados na Coimbra reformada, no retorno ao
país. Um belo exemplo foi o Seminário Episcopal de Olinda, fundado em 1801 pelo
Bispo Azeredo Coutinho, formado em Coimbra. Trouxe para o Brasil as novas
mentalidades imprimidas por Pombal, apresentando uma ordenação gradual das
disciplinas, determinando o período de duração do curso e agrupando os alunos em
classes. Reuniu o ensino clássico tradicional e o moderno, mas este não foi o padrão
do Brasil neste período, mas sim, a exceção (VECHIA, 2005, p. 79 -80).
Por outro lado, é o começo da perda desse espaço que era dominado
absolutamente pela Igreja Católica, perda que deve ser problematizada, pois a
participação na educação será palco de disputas entre vários segmentos sociais e
religiosos durante a história da educação brasileira, havendo por parte da Igreja
Católica avanços e retrocessos. O seu predomínio, no entanto, vai se manter por
longo tempo, mas é o início de sua contestação. A reforma executada por Pombal
também foi efetuada na Faculdade de Coimbra, onde se formaram muitos dos
políticos do Brasil, repercutindo na política educacional brasileira. Temos, por
exemplo, Bernardo Pereira de Vasconcelos, mineiro de Vila Rica, que estudou Direito
e Filosofia nessa Faculdade entre 1814 e 1819. Deputado Geral eleito em 1824
participou da criação do Colégio de Pedro II, inclusive escrevendo o seu primeiro
regulamento.
Ao tornar-se independente de Portugal em 1822, o Brasil continua com a
educação pública influenciada pela Igreja Católica, tendo como conteúdo da primeira
escola o princípio da moral cristã e a doutrina católica, conforme consta no artigo
da Lei de 15 de outubro de 1827.
A manutenção dessa influência não é estranha, até porque, a religião oficial
do Brasil é a Católica, conforme artigo da Constituição Imperial de 1824, a qual
continuará a ser no Projeto de Constituição da República Rio-grandense (art. 5°).
Por iniciativa de alguns governantes da Província de São Pedro do Rio Grande
Sul, como José Marcelino de Figueiredo, houve interesse pela instrução local. Ele
criou dois núcleos de povoados com índios dispersos, também alguns brancos,
78
denominados Nossa Senhora dos Anjos e São João Batista e para cada uma, previa
escolas. Inicialmente, criou escola de meninos e, em 1778, para as meninas
indígenas, com o objetivo de servirem a Deus, cuidarem da casa e comportarem-se
honradamente. Os governadores que o substituíram não se importaram com as
escolas e após alguns anos, nada delas restava (SCHNEIDER, 1993, p.9-18).
No século XIX, os governantes demonstraram mais interesse pela Instrução
Pública, observável pela quantidade de leis, decretos e, principalmente, pelo incentivo
dado com a vinda da família real ao Brasil, em 1808.
Nesse período, a educação pública na Capitania de São Pedro estava em
total atraso, como podemos observar no relato do governador Paulo José da Silva
Gama, 1803 a 1814:
O ABC era totalmente desconhecido não nos campos, nas estâncias, nos
pequenos povoados, mas até nas próprias vilas onde a população era mais
compacta. O governo real não tem verba disponível para a instrução. Os
habitantes têm tantos conhecimentos e instrução como as tribos selvagens
que os rodeiam.
Em uma época feliz, em que geralmente se fomentam os progressos do
espírito humano, quando ainda as outras capitanias do norte, bem que na
infância da civilização, apresentam professores empregados em doutrinar
sua mocidade, esta capitania, com vergonha e dano incalculável de seus
habitantes jaz como em letargo, ignorando talvez até a necessidade que tem
de instruir seus filhos (SCHNEIDER, 1993, p.19).
Em 24 de novembro de 1813, a Decisão nº. 42 determinava que a Junta da
Real Administração da Real Fazenda da Capitania de São Pedro estabelecesse o
subsídio literário, que desde 1773 se cobrava no resto do Brasil, sendo cobrado 320
réis por rês que se matasse para venda e 10 réis por medida de aguardente, sendo
isentas do pagamento de 320 réis as cabeças de gado que se cortassem para salgar
e secar.
O Marques de Alegrete, quando no governo da Capitania entre 1814 e 1818,
previu investimento na instrução de 3.000$000 réis para criar oito aulas pela capitania
e que o subsídio literário arrecadava 5.000$000 réis, mas na prática tal fato não foi
executado.
A Resolução Régia de 14 de janeiro de 1820 instituiu a criação de oito
escolas de primeiras letras na província de São Pedro, sendo os locais escolhidos
Porto Alegre, Rio Grande, Rio Pardo, Santo Antonio da Patrulha, São João da
Cachoeira, São Francisco de Paula de Pelotas, Senhor Bom Jesus de Triunfo, Nossa
Senhora da Conceição de Piratini. Sendo provido o professor Francisco Pedro de
79
Miranda e Castro para Porto Alegre, em 27 de julho de 1820. Para Rio Pardo, dois
professores receberam provisões, em 23 de outubro de 1820, Joaquim Thomas de
Bem Salinas e em 17 de novembro de 1820, Perseverando José Rodrigues Ferreira.
João José da Rocha recebeu provisão por um ano em 02 de abril de 1821, para
Freguesia da Nossa Senhora da Conceição de Piratini e também, por um ano o
professor Ignácio Custodio de Souza para São João da Cachoeira. Das oito aulas
previstas somente estas foram providas (SCHNEIDER, 1993, p. 21 23).
Iniciado o Primeiro Reinado, Dom Pedro I toma várias medidas em relação à
instrução. Em 29 de janeiro de 1823 decreta a reforma do ensino primário. Em de
março de 1823 estabelece a criação de uma escola de primeiras letras na Corte, onde
ensinava por meio do Método de Lancaster ou mútuo. Após, comunicou às províncias
que enviassem uma ou mais pessoas para aprenderem essa metodologia, para
desenvolverem a instrução nas respectivas províncias, quando do seu retorno.
A Constituição Imperial de 1824 assegurava a gratuidade da instrução
primária a todos os cidadãos,
Art. 179 A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos
Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a
propriedade, é garantida pela constituição do império pela maneira seguinte:
[...]
XXXII A instrução primaria é gratuita a todos os cidadãos.
O Conselho da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul firmou contrato
em 18 de setembro de 1825, com Antonio Álvares Pereira, vulgo “Coruja”, para ir ao
Rio de janeiro habilitar-se no Método de Lancaster, dando início a 02 de agosto de
1827 à escola pública de ensino mútuo, em Porto Alegre. No contrato ficou
estabelecido:
1- Que ele Antonio Álvares Pereira se disporá a ir à Corte de Rio de Janeiro,
onde se doutrinará no Método Lancastrino, para por este método ensinar a
mocidade nesta Província.
2- Que não empregará mais tempo em conseguir o objeto de instruir-se, do
que dez meses, contados desde o dia, em que sair desta cidade, até o que a
ela chegar.
3- Que receberá por mês para todas as despesas concernentes a obter o fim
da sobredita instrução, quarenta mil réis, os quais lhe serão supridos pelo
cofre da fazenda pública da Província.
4- Que freqüentará a aula pública do Ensino das primeiras letras pelo Método
de Lancaster no Rio de Janeiro por todo o tempo, que naquela cidade residir;
não devendo ter outras falhas, que não sejam aquelas, a que urgirem
80
forçosos inconvenientes, apresentando no seu regresso documentos ao
Governo da Província de assim haver praticado.
5- Que a cabo de dez meses se achará nesta capital na qual abrirá
imediatamente o Curso de Ensino das Primeiras Letras pelo Método de
Lancastrino: continuando-o por tempo sucessivo de quatro anos, pelo menos,
tempo este, que os Escritores sobre aquele método julgam necessário para
que um menino saiba ler, escrever e contar perfeitamente. E bem assim,
receberá o ordenado arbitrado então aos Mestres de primeiras letras nesta
Província, ou o que se achar estabelecido para o ensino pelo referido método.
6- Que dará fiador abonado ao Governo às quantias mensais de quarenta mil
réis, que houver de receber; e outrossim, que o abonador se obrigará a entrar
para o cofre público com aquelas quantias, que estiverem absorvidas, no
caso da transgressão culpável de alguma das condições acima.
7- Que finalmente ele se obrigará a cumprir bem, e fielmente as clausulas
aqui expedidas; e que não o fazendo, sujeitar-se-á ao castigo, que lhe arbitrar
Sua Majestade Imperial, a cuja Augusta presença será sem dúvida levado,
como é mister, o teor destas condições: dando por este modo o Conselho
Administrativo cumprimento e desempenho à Imperial Resolução, sobre o
objeto da instrução nesta Província pelo Método Lancastrino (SCHNEIDER,
1993, p. 25-26).
Antonio Álvares Pereira Coruja nasceu em Porto alegre, em 1806 e faleceu no
Rio de Janeiro, em 1889, foi também escritor de livros didático (tabuadas, livros de
leituras, manuscritos, gramática de ngua vernácula e gramática latina). Sua escola
de ensino mútuo, no início da década de 1830 tinha 140 alunos, mas possivelmente
tenha sido fechada com o início da Revolução Farroupilha. O professor havia sido
eleito para a primeira Assembléia Legislativa Provincial, da qual era secretário, mas
ao eclodir a revolução foi obrigado a retirar-se para o Rio de Janeiro, onde abriu uma
escola e continuou a escrever livros (GIOLO, 1999, p. 224-225). Segundo Arriada,
(2007, p. 47), o professor havia frequentado a escola de primeiras letras de Maria
Josefa Barreto e de Antonio D‟Ávila, conhecido por “Amansa–Burros”. “Em 1831,
assume a cadeira pública de Gramática Latina, depois regeu a de Filosofia Moral e
Racional”.
Em relação à cadeira de Gramática Latina que Coruja se candidatou em 26
de abril de 1831 havia como obstáculo o artigo 5° do contrato firmado para ir ao Rio
de Janeiro se habilitar no método de Lancaster, pois deveria lecionar por um tempo
mínimo de 4 anos, o qual completaria no próximo dia 2 de agosto. Ao ir munido de
todos os documentos necessários e, inclusive, o de que comprovasse que essa
escola havia sido aberta em 02 de agosto de 1827, o mesmo foi aprovado e assumiu
a referida cadeira (SCHNEIDER, 1993, p. 33).
A Lei de 15 de outubro de 1827 abrangeu todo o país e determinava em seu
artigo que em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos haveria escolas de
primeiras letras que fossem necessárias. No artigo 3º, os valores a serem pagos aos
81
professores seriam interinamente, variando entre 200$000 a 500$000 anuais, levando
em conta as circunstâncias da população e a carestia do lugar, o qual devia ser
aprovado pela Assembléia Geral. No artigo 4º as escolas seriam de ensino mútuo,
nas capitais das províncias e nas cidades, vilas e lugares populosos, em que fosse
possível de se estabelecerem. Em seu artigo , os utensílios para serem usados na
execução do Método de Lancaster seriam pagos pela Fazenda Pública, mas os
professores que não fossem habilitados deveriam se instruir às suas custas nas
escolas das capitais. Isso demonstrava a intenção de se criar, nas capitais das
Províncias, as escolas normais para formar professores para o ensino mútuo.
Passaremos, agora, a transcrever na íntegra os demais artigos da lei de 15 de
outubro de 1827, devendo destacar que os conteúdos de meninas e meninos não são
os mesmos. Para meninas uma educação direcionada, principalmente, para as
prendas domésticas. Assunto que será mais bem tratado no capítulo quinto, quando
abordaremos a questão de gênero. Relevante, também, é constatar no artigo 1que
os salários seriam iguais para mestres e mestras,
Art. 6°. Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de
aritmética, prática de quadrados, decimais e proporções, as noções mais
gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de
moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana,
proporcionados á compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a
Constituição do Império e a História do Brasil.
Art. 7°. Os que pretenderem ser providos nas cadeiras serão examinados
publicamente perante os Presidentes, em Conselho; e estes proverão o que
for julgado mais digno e darão parte ao Governo para sua legal nomeação.
Art. 8°. serão admitidos à oposição e examinados os cidadãos brasileiros
que estiverem no gozo de seus direitos civis e políticos, sem nota na
regularidade de sua conduta.
Art. 9°. Os professores atuais não serão providos nas cadeiras que
novamente se criarem, sem exame de aprovação, na forma do Art. 7°.
Art. 10°. Os Presidentes, em Conselho, ficam autorizados a conceder uma
gratificação anual que não exceda à terça parte do ordenado, àqueles
professores, que por mais de doze anos de exercícios não interrompido se
tiverem distinguido por sua prudência, desvelos, grande número e
aproveitamento de discípulos.
Art. 11°. Haverá escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em
que os Presidentes em Conselho, julgarem necessário este estabelecimento.
Art. 12°. As mestras, além do declarado no Art. 6°, com exclusão das noções
de geometria e limitado a instrução de aritmética as suas quatros
operações, ensinarão também as prendas que servem à economia
doméstica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas
mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrem
com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7°.
Art. 13°. As Mestras vencerão os mesmos ordenados e gratificações
concedidas aos Mestres.
Art. 14°. OS provimentos dos Professores e Mestres serão vitalícios; mas os
Presidentes em Conselho, a quem pertence a fiscalização das escolas, os
82
poderão suspender e só por sentenças serão demitidos, provendo
interinamente quem substitua.
Art. 15°. Estas escolas serão regidas pelos estatutos atuais se não se
opuserem a presente lei; os castigos serão os praticados pelo método de
Lancaster.
Art. 16°. Na Província, onde estiver a Corte, pertence ao Ministro do Império,
o que nas outras se incumbe aos Presidentes. Art. 17°. Ficam revogadas
todas as leis, alvarás, regimentos, decretos e mais resoluções em contrário.
Mandamos portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e
execução da referida lei pertencer, que a cumpra e façam cumprir, e guardar
tão interinamente como nela se contém. O Secretário de Estado dos
Negócios do Império a faça imprimi, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio
de Janeiro, aos 15 dias do mês de outubro de 1827, 6 ° da Independência e
do Império (TAMBARA e ARRIADA, 2005, p. 23-27).
Em 01 de dezembro de 1830, o presidente da Província de São Pedro,
Caetano Maria Lopes, se mostrava esperançoso com a melhora da Instrução Pública,
caso fosse atendida a proposta do Conselho Administrativo, de se criar 28 cadeiras
de primeiras letras pela Província. Medida que dependia da aprovação da Assembléia
Geral Legislativa. Defende também a criação de escola para meninas, a exemplo de
outras Províncias. Em relação ao ensino secundário solicitou a criação, pelo menos,
de cursos preparatórios para os alunos que desejassem frequentar alguma faculdade
do país. Alegando que os filhos da Província sulina precisavam se preparar fora da
mesma, acarretando dois prejuízos primeiro, os gastos que eram altos e segundo,
era ficar longe das atenções paternais em uma idade que carecia desses cuidados
(GIOLO, 1994, p. 23). No entanto, estas escolas solicitadas somente foram
autorizadas em 1831 (SCHNEIDER, 1993, p. 30).
Como podemos observar, nessa época, para ingressar em alguma faculdade
do país não era exigida a conclusão do ensino primário ou do secundário, mas sim, a
demonstração de conhecimento em determinadas disciplinas para cada curso. Forma
essa que acarretou discussão durante todo o Período Imperial.
O relatório de 01 de dezembro de 1831, do Presidente Provincial, Manoel
Antonio Galvão, expõe o estado de penúria da instrução da Província e entre os
motivos disso estão as guerras e a incapacidade de alguns professores. Como
podemos observar,
A instrução pública oferece um quadro desagradável: uma só escola de
primeiras letras existe em toda a Província, também uma única de Latim e
outra de Geometria, não obstante da primeira classe estarem criadas nove e
propostas dezenove; a falta de professores para o ensino da mocidade, além
de sobremaneira sensível, quase que desanima. Ao exmo. Ministro do
Império levei as minhas súplicas a este respeito e solicitei as providências
que julguei possível; parece a primeira vista um desar para a Província tanta
83
penúria, mas se atender à recente guerra que sofreu, à facilidade de subsistir
de deficiente indústria, a par de outros cômodos, à vocação particular que
requer o magistério, não será difícil reconhecer a causa deste mal (GIOLO,
1999, p. 225).
Com relação aos professores temos a presença do ideal da necessidade de
se ter vocação para o magistério, tema defendido durante todo o Período Imperial. Em
certos momentos, esqueciam da falta de prédios públicos para servir de escolas,
salários indignos, carência de material didático, etc. Carências que sofria, inclusive, a
aula de ensino mútuo da capital da Província, dirigida pelo professor Coruja. Como
podemos observar pelo ofício dirigido ao Presidente da Província, Manoel Antonio
Galvão, em 26 de novembro de 1832
Ilmo. e Exmo.sr.
Os alunos da Escola de Ensino Mútuo desta Capital, que está sob minha
direção, chegam ao número de cento e quarenta, e são os que admitem a
casa, pelo pouco cômodo que ela oferece; vejo-me portanto nas
circunstâncias de não receber mais meninos, apesar de que quotidianamente
haja uma falta considerável, que sendo alternada, alguns que saem,e
retiram-se por muito tempo, sem participarem motivo algum, contando-se com
eles no estado efetivo da matricula, e ocupando lugares , que podem ser
substituídos por outros. Se V. Ex.ª determinar sem causa participada, para
assim poderem ser admitidos outros, eu o farei.
A V. Ex.ª não é estranho o estado de desmoralização, a que tem chegado a
juventude desta época, e por isso rogo a V. Ex.ª haja de me iluminar com as
suas conspícuas medidas, a fim de que inteiramente não se perca a parte
dela, de que me está encarregada a sua instrução elementar, e como desta
depende, saírem bons ou maus cidadãos; motivos porque rogo a V. Ex.ª me
diga, se devo lançar fora da escola aqueles, que pelas suas incorrigíveis
condutas possam ser prejudiciais entre outros bem morigerados, pois que
sendo a maior parte dos meus alunos filhos de gente pobre, que nem ao
menos lhes os princípios de boa moral, acostumados portanto a uma vida
corrupta, não fazendo caso algum dos castigos morais , ordenados pelo
Método Lancastrino, recusando sofrê-los muitas vezes, porque têm cabal
certeza de não serem os seus delitos punidos com castigos físicos, cuja
insubordinação não exemplifica aos de boa índole, mas até causa a maior
confusão e alarido em uma casa, onde o seu maquinismo, e boa
administração depende do maior silêncio.
A falta, que experimento, de exemplares de leitura é considerável, porque os
poucos folhetos, de que fui fornecido, estão interinamente incapazes, não
pela encadernação, como também tendo cada menino de ler o seu, não
podiam chegar para todos, se alguns não conservassem, uns Catecismos de
Montpellier, de que faziam uso no tempo de meu antecessor, e alguns deles
têm deixado de os trazer, por saberem que a Nação deve fornecer todo o
necessário para uma aula. Com semelhante falta, senhor, não pode um
Professor promover o adiantamento de seus discípulos, e instruí-los
mutuamente.
Eu pedi poucos livros, julgando que, um serviria para uma classe, e suprisse
a falta dos exemplares; mas é impossível pela pequenez do tipo, porque se
uma classe de sete meninos ler um livro na distância precisamente de
cinco, ou seis palmos há de infalivelmente arruinar a vista.
Para se evitar isso, e como aqui Imprensas, pode-se mandar imprimir
algumas obras úteis, ainda mesmo pequenas, com propriedade para o
84
Método Lancastrino, e com tipo três vezes maior que o ordinário, como o
mesmo recomenda, para um exemplar, posto em uma tabela, servir para ler
uma classe, e a mesma obra para toda a escola.
Deus Guarda a V. Ex.ª Porto Alegre 26 de novembro de 1832 (SCHNEIDER,
p. 37 38).
Digno de destaque é o fato de que a maior parte desses alunos eram filhos de
pais pobres e a posição excludente do professor em relação aos alunos que
considerava como principal motivo da imoralidade dos discentes a sua condição
social. Coruja quer excluir os alunos tidos como incorrigíveis para abrir novas vagas.
Perceptível, também, é que os alunos cobravam seus direitos, ao não levarem os
exemplares de Catecismo de Montpellier que possuíam, pois era dever do Estado
provê-los. Notamos, também, que não havia na Província normas que regulassem as
faltas dos alunos, levando os professores a recorrerem à orientação direta do
Presidente da Província.
O Ato Adicional de 1834 que criou em cada Província uma Assembléia
Legislativa, também reestruturou as competências em relação à instrução,
transferindo para as Assembléias Provinciais a função de legislar sobre a Educação
Pública e de estabelecimentos próprios para promovê-la, ficando o Império com a
incumbência dos vários graus no Município da Corte e o Superior em todo o País.
Temos a descentralização do ensino, como podemos observar em seu Art. 10,
Art.10 Compete a mesma Assembléia legislar:
[...]
- sobre a Instrução Pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não
compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos, academias
atualmente existentes e outras quaisquer estabelecimentos da instrução que,
para o futuro foram criados por leis.
Passando a incumbência do ensino primário e secundário para as Províncias,
esses que não tinham uma presença efetiva, acabaram ficando em situação pior,
devido aos poucos recursos provinciais. Motivo que, ainda, estava presente no final
do Período Imperial, como expõe o Presidente da Província de o Pedro, Dr.
Henrique D‟Ávila, em sua mensagem a Assembléia Provincial em 1881:
A Escola, para ser um poderoso instrumento de civilização, o Ensino
Primário, que em um Estado qualquer e especialmente em um país livre e
fadado a grandes destinos pela sua pujança e opulência, convém organizar
de modo a proporcionar à infância, aos futuros cidadãos, uma Instrução
bastante larga para que os encaminhe às diversas profissões, dando-lhes
conhecimentos de que possam tirar proveito na sua vida prática e habilitando-
85
os ao cumprimento dos deveres cívicos, não pode ter um círculo tão
acanhado e tão pobre que dê, como entre nós, esse ler, escrever e contar,
gramática e catecismo que, se antigamente foi o máximo da Instrução
popular.
O Estado descentralizou o ensino inferior e deixou todas as suas despesas a
cargo das Províncias, não obstante saber que estas com as rendas que têm
nenhum impulso lhe dariam.
Que a obra da Escola seja auxiliada pelas mães de família;
Ao mesmo tempo que ministra o ensino, experimenta o gosto do aluno,
desenvolve-lhe a vocação;
Os professores devem ser obrigados a conferenciar entre si (RELATÓRIOS E
FALAS DOS PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS DO BRASIL, 07/03/1881,
2008).
Através da obra de Schneider (1993, p. 30 - 42) temos um demonstrativo
extenso e minucioso de inúmeras provisões para professores e professoras na
Província de São Pedro entre 1830 e 1835. Além de algumas propostas de leis que
buscavam melhorar a instrução local. Através delas podemos observar que os
professores ganhavam pouco, faltavam docentes com conhecimento em certos
conteúdos e mesmo quando havia pessoas habilitadas a tal função, algumas não se
submetiam ao soldo proposto. Havia, também, carência de prédios públicos,
precisando alugar espaços que se constituíssem em escolas.
Segundo Giolo (2006, p. 459), o ordenado desses professores variava entre
150 a 500 mil réis anuais, sendo que alguns vencimentos eram inferiores aos
estipulados pela Lei Imperial de 15 de outubro de 1827.
Até o início da Revolução Farroupilha, em 20 de setembro de 1835, várias
medidas foram tomadas, como a criação de aulas, o contrato de professores, mas a
Instrução Pública era de pouca expressão na Província sulina, como podemos
observar pelo relatório do Dr. Antonio Rodrigues Fernandes Braga, na Assembléia
Provincial no Ato da Primeira sessão da Primeira Legislatura, em 1835, onde a
situação é abordada.
Existe na Província, criadas uma aula de Filosofia, uma de retórica, três de
gramática Latina, uma de Francês, uma de Geometria, Aritmética e princípios
de álgebra, e quarenta e quatro de primeiras letras. Pelo orçamento que vos
será presente, conhecereis que muito poucas estão providas. Além de
diminuto número de aulas em exercício, acresce ainda que a maioria dos
professores, ou por ineptos ou por omissos, não cumprem, como devem, as
suas obrigações, e as câmaras, as quais tocam velar sobre a assiduidade e
comportamento dos Mestres, tem quase todas em abandono estas
importantes partes dos seus deveres. O método Lancaster, ou de ensino
mútuo, que tão grandes vantagens têm sobre o antigo método, como a
experiência de outros países nos demonstra, não prosperado no Brasil. A
falta de conhecimento da maior parte dos mestres importa o nenhum proveito
que de suas lições tiram os alunos; porque não se pode ensinar o que não se
86
conhece bem, e para demonstrar qualquer verdade, a ponto de convencer a
outrem que a desconhece, e necessário estar dela perfeitamente possuído.
Enquanto não tivermos uma Escola Normal de Ensino Mútuo, eu creio que a
instrução primária muito ganhará com o uso do antigo método. Exija-se por
menos saber nos mestres, porém mais probidade e amor ao trabalho, que
teremos as Escolas da Província preenchidas, e os discípulos aproveitarão
muito mais do que presentemente (RELATÓRIOS E FALAS DOS
PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS DO BRASIL, 20/04/1835. 2008).
Em 20 de setembro de 1835, os farroupilhas invadem Porto Alegre e o
Presidente da Província de São Pedro, Antonio Fernandes Braga, foge para Rio
Grande. Tendo por pretexto a ausência do Presidente na capital da Província assume
o Vice-Presidente Marciano Pereira Ribeiro, apoiado pelos farrapos. A
administração comandada pelo grupo farroupilha passou a publicar seus atos no seu
Jornal oficial O Mensageiro. Conforme consta no seu prospecto publicado em sua
primeira aparição, “redigindo O Mensageiro, temos em vista dar publicidade aos
atos da administração Provincial das estações públicas, e bem assim anúncios que se
limitarem a benefício público”. E ainda consta que “é preciso que declaremos o nosso
nome” (O MENSAGEIRO, 03/11/1835, 1°). E no fim do prospecto assinou o Sr.
Vicente Xavier de Carvalho, que era o redator do jornal.
Nesse jornal podemos observar os atos, referente à Instrução blica do
Governo Farroupilha na administração da Província de São Pedro, ainda ligada ao
Império brasileiro.
Em 24 de novembro de 1835 é publicado no jornal O Mensageiro (n° 07), a
ordem do Governo Provincial, da liberação de 900 réis pela coletora de Triunfo, para a
Câmara municipal da mesma Vila, para o pagamento do conserto de uma casa do
Governo em que funcionava uma escola de ensino mútuo. No entanto, não indica o
nome do professor. No mesmo dia, também, publica a liberação de verba para o
pagamento de aluguel de casa, para servir a escola mútua de Cachoeira. Como
podemos observar, “idem ao dito da Vila Cachoeira para entregar ao professor de
ensino mútuo da mesma Vila, a quantia de 10 réis mensais, a contar do de julho
p.p., para pagamento do aluguel da casa em que está a aula” (O MENSAGEIRO,
24/11/1835, n° 07°).
Digno de destaque é o fato de que as duas aulas referidas são de ensino
mútuo, que era vista na época como a salvação de ensino no Brasil. Mas havia,
também, anúncio de aulas públicas que não se referem a esse método de ensino.
87
Como podemos observar em O Mensageiro (09/12/1835, 27), “a aula pública de
gramática latina abriu-se no dia 08 do corrente”.
Apesar da cidade de Pelotas não ter aderido a Revolução Farroupilha houve
liberação de verbas pública para o pagamento de uma professora de meninas, porém,
não consta o seu nome. Como podemos observar em O Mensageiro (11/12/1835,
12),
19 de novembro
Ofício ao coletor dos impostos da cidade de Pelotas, ordenandose-lhe
pagasse à professora da aula de meninas da dita cidade a quantia de 11$120
réis das despesas feitas com o serviço da dita aula do de julho a 30 de
setembro do corrente ano.
Mas segundo Magalhães (1993, p. 226), “todas elas as aulas blicas e
particulares foram fechadas durante a Revolução Farroupilha, sendo reaberta a
escola pública apenas em 1845”.
Neste jornal também se publicou oferta de aulas particulares. Para meninas
temos o anúncio na sessão do jornal denominada avisos, onde consta,
Florisbela Flores da Conceição faz ciente àqueles chefes de famílias, que se
interessarem pela instrução de suas filhas, que ela se propõe a ensinar
meninas nesta cidade, não todos os ramos da lavoura do sexo, como
também primeiras letras, aritmética e princípios da gramática nacional; e
afiança aos mesmos chefes de famílias que ela será incansável no promover
o adiantamento das jovens que lhe confiarem, e velará sobre a sua conduta;
todas as ditas pessoas que se quiserem utilizar de seus préstimos queiram
dirigir-se à casa da anunciante na Rua Formosa 51 para tratarem com a
mesma (O MENSAGEIRO, 10/11/1835, n° 3).
E para os meninos em O Mensageiro de 25 de dezembro de 1835 (n° 16),
havia informação aos pais de família, de que iria abrir em Porto Alegre na Rua da
Ponte, na casa do Major Manoel Godinho Leitão, uma aula de primeiras letras em que
se ensinaria a gramática nacional, por um método “mui fácil”, mas não consta qual.
Nessa casa, poderia aceitar pensionistas, os quais, se quisessem, teriam mestres de
latim e francês. E ainda assinala, “como a moral cristã influi tão essencialmente para a
boa educação dos meninos, serão empregados todos os cuidados para se lhes fazer
conhecer a sua importância”. E abriria em janeiro de 1836. No entanto, em O
Mensageiro (15/01/1836, n° 21), avisava,
Aos pais de família.
88
No dia 15 de presente mês se de abrir no beco do fanha, casas do Sr.
Boaventura da Costa Torres, a aula de meninos, que segundo se anunciou
por este periódico, devia se estabelecer na Rua da Ponte casas do Senhor
Major Manoel Godinho Leitão.
Em relação à língua francesa era informado em O Mensageiro de 22 de
janeiro de 1836 (n° 23), que no dia primeiro de fevereiro do mesmo ano abriria uma
aula na casa do professor, do qual não indica o nome, na Rua do Cotovelo, junto à
Câmara Municipal de Porto Alegre.
Outra aula de francês, na cidade de Porto Alegre era oferecida pelo professor
Vicente Xavier de Carvalho, o qual era o redator de O Mensageiro. Esse professor iria
publicar no jornal os alunos matriculados e as suas faltas, sendo uma forma de
exposição pública de seus discentes. Como podemos observar,
O abaixo assinado declara mui positivamente, que na qualidade de professor
da língua francesa, e em face da lei, que lhe serve de regulamento, não pode
deixar de admitir a matricula os que quiserem aplicar ao estudo da mesma:
também declara que os que se tiverem matriculado deverão comparecer às
horas do costume, e permanecer na aula durante o tempo, que a lei marca;
pois que do contrário observará o que a tal respeito marca a dita lei, para cujo
fim publicará pela imprensa os nomes dos que se matricularão, e bem assim
as faltas, que tiverem. Porto Alegre 4 de fevereiro de 1836 Vicente Xavier
de Carvalho (O MENSAGEIRO, 05/02/1836, n° 26).
Referente às aulas de francês, solicitação ao Governo Provincial de
informações sobre o alistamento, na Guarda Nacional, de alunos que as
frequentassem. Como podemos observar em O Mensageiro (01/03/1836, n° 33),
Laborando em dúvida sobre o modo, por que devo entender a disposição do
§7° do artigo da Lei de 25 de outubro de 1832, atenta a concorrência de
Guardas Nacionais, que talvez para se evadirem do serviço blico,
continuadamente se estão matriculando na aula de francês. Recorro a V. Ex.
para que a bem do mesmo serviço, se digne esclarecer-me a respeito.
A referida lei de 25 de outubro de 1832 alterava a lei de 18 de agosto de
1831, que criou as Guardas Nacionais do Império. Nesta, consta que seria formada as
listas do serviço ordinário e de reserva, sendo professores e alunos integrantes do
grupo de reserva, que somente seriam chamados por motivada necessidade.
Conforme consta
Art. - A Lei de 18 de agosto de 1831, que criou as Guardas Nacionais do
Império, será cumprida com as seguintes alterações.
[...]
89
Art. 8° - Feita a matrícula, o conselho de qualificação procederá à formação
da lista do serviço ordinário e da lista de reserva.
[...]
§ 7 ° - Professor, ou estudante matriculado nos cursos jurídicos, escolas de
medicina, seminários episcopais e outras academias, ou escolas públicas.
A lista de reserva constará de todos os cidadãos que perante o Conselho de
qualificadores, mostrarem achar-se nas condições acima declaradas.
[...] sem expressa e motivada requisição da autoridade civil, o Guarda
Nacional de reserva não poderá ser chamado a qualquer serviço que seja
(COLLEÇÂO DE LEIS E DECRETOS DO IMPÈRIO DO BRASIL, 1832, p. 70-
71).
Em resposta, o Presidente Provincial informava que devido às circunstâncias,
se referindo às forças legalistas que combatiam as tropas farroupilhas, não deveria
cumprir as exigências da lei em questão.
Nas publicações de O Mensageiro temos a venda de livros sobre vários
assuntos. Assim sendo, citaremos tais obras para se ter uma noção de parte do que
se lia na Província de São Pedro. Os compêndios de gramática nacional de Antonio
Álvares Pereira Coruja, vendido nas lojas dos Sr.(s) João Baptista da Silva, João
Pedro Freire Barém e Candido José Ferreira Alvim. Havia, também, a venda livros de
latim, ditos de francês, ditos de geometria, gramática do P. Fortes, esses no armazém
de Candido José Ferreira Alvim. Em um dos anúncios consta o endereço do
estabelecimento se referindo ao nome do antigo dono e demonstrando o caráter de
cidade pequena da capital da Província, onde as pessoas se conhecem pelo nome.
Como podemos observar, “na loja que foi de Luiz Pedeville, na Rua da Praia esquina
da de Bragança, tem pra vender-se o seguinte: gramática do padre Ignacio Felisardo
Fortes, ditas francesas por Lhomond, e folhinhas para o ano de 1836” (O
MENSAGEIRO, 24/11/1835, n° 07).
Em um dos anúncios do O Mensageiro de 08 de janeiro de 1836 (n°19),
consta que na casa de Antonio Alvares Pereira Coruja estava à venda “uma escrava
crioula, moça que fazia todo serviço de uma casa e serve, também, para a roça”.
Junto, anunciava a venda no mesmo local das seguintes obras: sintaxe de Dantas,
dicionário francês da academia, obras grandes de Virgílio, Eutropio, Horacio e
Phedro, ortografia de Madureira, dicionário de Morais edição, Magnus Lescicon
latino, 6 volumes da coleção de leis do Brasil, dicionário geográfico de Vosgien e
compêndios da gramática nacional.
Em O Mensageiro de 15 de janeiro de 1836 (n° 21) repete esse anúncio, mas
onde constava que a escrava servia para a roça, passou a estar escrito, “tem muito
préstimo para ama seca” e acrescentou a venda das obras de gramática latina do
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Padre Antonio Vieira e teatro eclesiástico. Este anúncio se repete em 22 de janeiro de
1836, sendo acrescido o dicionário de morais edição, supostamente foi vendido o
da 4° edição, que constava nos dois anúncios anteriores.
Digno de destaque, a oferta de um livro intitulado “Memórias históricas e
políticas da Província da Bahia”, onde toda uma defesa da qualidade da obra e do
autor. E, também, a valorização da importância de se conhecer a história nacional.
Como podemos observar em O Mensageiro de 08 de janeiro de 1836 (n°19),
Publicou-se na Província da Bahia, e acha-se nesta casa de Brandão e
Marques as Memórias históricas e políticas da Província da Bahia, digna
produção do senhor Ignácio Ascidi de Cerqueira Silva. O nome do autor por si
agoura a qualidade da obra, pois, que os seus vastos conhecimentos
literários, sua erudição o tem feito conhecido de todo o Brasil. Não é esta a
primeira produção de seu vasto gênio; deu a luz a Corographia Paraense,
ou Discrição física, histórica e política do Grã Pará, a qual mereceu a
aprovação dos eruditos brasileiros.
Todo o brasileiro deve saber a história do país a que pertence da sua
abundância, e fertilidade, e dos meios pelos quais a natureza facilitou o
engrandecimento desta abençoada região; e se desejamos saber o que em
outros países de extraordinário, com maior direito devemos procurar no
solo em que habitamos, aquilo que imos perscrutar em países estranhos. Na
obra citada acharemos o que se há de mister para o conhecimento da história
do nosso país: admiraremos os rasgos patéticos, com que o seu ilustre autor
nos fez conhecedor dos meios que temos para facilitarmos o maior
desenvolvimento à nossa indústria, etc, etc. Quem quiser pois comprar as
ditas memórias, dirija-se à casa de Brandão e Marques, que as vende por
módico preço; e bem assim receba assinaturas para a mesma obra.
Podemos evidenciar que o discurso referente à necessidade de um povo
conhecer a história de seu país estava presente no Brasil desde o século XIX.
Outro elemento digno de destacar é a referência do jornalista do O Mensageiro ao se
reportar a um livro anterior do autor Ignácio Ascidi de Cerqueira Leitão, que esse teria
sido aprovado pelos eruditos brasileiros. Evidenciamos, pois, no século XIX o que nos
afirma Certeau (1982) no século XX, de que uma obra é de valor em história quando é
reconhecida como tal pelos seus pares.
Havia, também, anúncios de compradores de obras específicas, “quem quiser
vender uma prosódia do Padre Bento Pereira, dirija-se a esta tipografia para contratar
a venda” (O MENSAGEIRO, 23/02/1836, n° 31).
A Assembléia Provincial se reuniu em novembro e dezembro de 1835. No dia
30 de novembro houve escolha das comissões, sendo a da Instrução Pública,
Associações e Estabelecimentos Públicos, Civis e Religiosos eleitos os seguintes
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deputados provinciais, Cônego Thomé (11 votos), Chagas (9 votos) e Peçanha (5
votos) ( O MENSAGEIRO, 11/12/1835, n° 12).
Em 04 de dezembro de 1835 essa comissão, através de seu relator o Padre
Chagas, se pronuncia contrária à solicitação do professor Leopoldino Joaquim de
Freitas, sobre a dispensa de idade para concorrer à aula de francês da capital.
Alegando não ser de competência da Assembléia Provincial dispensar o que consta
na Lei Geral de 31 de outubro de 1831 (O MENSAGEIRO, 22/12/1835, 15). E em
15 de dezembro de 1835 essa mesma comissão repete parecer idêntico à solicitação,
também, de dispensa de idade para a dita aula de francês de Porto Alegre, do
professor João Marinho de Freitas (O MENSAGEIRO, 22/01/1836, n° 23).
Segundo Cardoso (2005, p. 116),
O concurso para professor público não estabelecia um limite mínimo de idade
para o candidato ao cargo, pelo menos até a decisão de 10 de dezembro de
1830, quando o governo declarou que os menores de 25 anos não poderiam
ser nomeados professores de primeiras letras.
A lei, entretanto, que a comissão está se referindo é a de 31 de outubro de
1831, ao que tudo indica seria a idade mínima para professor, 21 anos de idade.
Como podemos observar, “art. - Em vinte e um anos completos, termina a
menoridade, e se é habilitado para todos os atos da vida civil” (COLEÇÂO DAS LEIS
E DECRETOS DO IMPÉRIO DO BRASIL, sexto volume, 1832, p. 12).
O Governo passa a se preocupar com a situação dos vários ramos da
administração e da sociedade provincial, entre eles está a Instrução Pública.
Tomando medidas para formar um quadro estatístico, para saber a situação dos
mesmos. Como podemos observar na Lei 12, sancionada em 23 de dezembro de
1835, pelo Vice-Presidente da Província Marciano Pereira Ribeiro
Art. I Todos os empregados públicos são obrigados a satisfazer a
requisições dos encarregados da formação da estatística, e a cumprir as
ordens do Governo a semelhante respeito.
Art. II Os professores de qualquer ramo de instrução da mocidade; os
médicos, cirurgiões; os proprietários e capatazes de estabelecimentos rurais,
ou fabris; os chefes de famílias e os moradores de qualquer lugar da
Província são igualmente obrigados a prestar as declarações, listas, ou
relações, que lhes forem exigidas, para a organização da estatística (O
MENSAGEIRO, 12/01/1836, n° 20).
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Como podemos observar o controle administrativo por essa lei tentava
disseminar pelas várias instâncias de poder e chegar, até mesmo, a qualquer
indivíduo: as Câmaras Municipais deviam organizar as estatísticas de seus
municípios, receberem dos juizes de paz os mapas e transmitir os dados ao Governo
Provincial (art. III); os párocos, ou curas da alma e os juizes de paz, por si e através
dos inspetores de quarteirão, deviam cumulativamente manter listas anuais de
batismos, casamentos e óbitos, bem como trocando esclarecimentos recíprocos (art.
IV); aos que não cumprissem com suas obrigações seriam impostas multas, as
Câmaras Municipais de 100 a 200 mil réis, impostas pela Assembléia Provincial e o
valor a ser pago seria dividido entre os vereadores culpados (art. V); a Câmara
Municipal deveria impor multa de 10 a 20mil réis aos párocos, juizes de paz e
inspetores de quarteirão que não cumprissem a referida lei (art. VI); as demais
pessoas que se negassem, ou fossem omissas ao fornecer as declarações seriam
multadas pelo juiz de paz do distrito, de 2 a 6 mil réis; os valores arrecadados com
essas multas seriam revertidos à favor da criação dos expostos, ou seja, deveriam ser
empregados nos gastos com as crianças abandonadas (art. VIII).
Esses também foram beneficiados pela resolução de 24 de março de 1836,
que regulava a função de caixeiro. Como podemos observar no
Art. V - O negociante que fizer algum contrato simulado para fazer passar por
seu sócio o Caixeiro estrangeiro, que de fato não for, será multado na quantia
de 1 conto de réis pelo Juiz de Paz respectivo, de cuja decisão haverá
apelação para a junta de paz, sem mais recurso; e na pena da quarta parte
desta multa incorrerão o caixeiro, que a tal contrato simulado anuir. O produto
de tais multas será aplicado à criação dos expostos, e sua cobrança a cargo
da Câmara Municipal respectiva. Na falta de meios para pagar a multa será o
multado condenado a tanto tempo de prisão, quanto por árbitros se julgar que
precisaria para ganhá-la (O MENSAGEIRO, 03/05/1836, n° 48).
Outra regulamentação que estava tentando ser imposta era a exigência de
que alguns funcionários públicos tivessem conhecimentos específicos, demonstrando
a valorização, por parte do Governo, de se ter instrução. Como podemos observar na
proposta do Deputado Provincial Chagas, que foi aprovada em 05 de fevereiro de
1836,
O senhor Chagas mandou a mesa, e foi aprovada a seguinte emenda Art.
- Ficam os oficiais da Secretaria sujeitos ao concurso e exame, no qual se
verificará que o candidato tem os princípios de gramática da língua nacional e
boa letra. Art. - Para os empregos da Fazenda da Província, guardar-se-á
a mesma disposição do artigo antecedente, acrescendo, porém, que os
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candidatos devem ter também os princípios de escritura por partidas
dobradas e o calculo mercantil (O MENSAGEIRO, 15/03/1836, n° 37).
A necessidade de criar uma escola normal, para formar professores, na
Província de São Pedro, a exemplo da Província do Rio de Janeiro, que havia criado
a primeira escola normal do Brasil, em Niterói, através da Lei de 4 de abril de 1835
(VILLELA, p.151), era evidente no relatório de abertura da Assembléia Provincial,
em 20 de abril de 1835, do Presidente da Província sulina Antonio Rodrigues
Fernandes Braga, “enquanto não tivermos uma Escola Normal de Ensino Mútuo, eu
creio que a instrução primária muito ganhará com o uso do antigo método”. Em 29 de
maio de 1835, José Mariano de Matos apresenta a proposta de Lei de 47, a qual
previa estabelecer na Capital da Província uma escola normal, mas ao que tudo
indica esta não foi votada (ANAIS do AHRS, 1980, V.4, CV. 2381, p. 230).
Assumindo o grupo farroupilha o controle do Governo da Província após o
movimento de 20 de setembro de 1835, esses sancionam a Lei 14 de 29 de
dezembro do mesmo ano que regulamenta a instrução primária na Província de São
Pedro e cria, no papel, uma escola normal.
Essa lei provincial dividiu a instrução primária em graus. Entre os conteúdos
continuariam os princípios morais e religiosos, tendo por método de ensino o de
Lancaster. Como podemos observar,
Art. II No primeiro grau ensinar-se a ler e escrever pelo método de
Lancaster, as quatro operações de aritmética e os princípios genéricos dos
deveres morais e religiosos. No segundo grau a gramática da língua nacional,
aritmética até as proporções e suas aplicações ao comércio. No terceiro grau
elementos de geografia, noções gerais de geometria teórica e prática, e suas
aplicações ao desenho linear e agrimensura (O MENSAGEIRO, 15/01/1836,
n°21).
Em relação à Lei Imperial de 15 de outubro de 1827 há o acréscimo da
geometria teórica, pois a prática estava prevista; a aplicação da aritmética focada
ao comércio; da geografia; da geometria aplicada no desenho linear e da
agrimensura. Esta última era destinada às medidas de terras.
As escolas que compreendem ao primeiro grau seriam criadas em todos os
locais que pudessem ter, no mínimo, 24 alunos e os professores receberiam entre
400$000 a 600$000 réis. As de segundo grau nas cidades e vilas, onde o Governo
julgasse necessário. Tendo por ordenado aos professores de 500$000 a 700$000
réis. Finalmente, as do terceiro grau, em quatro pontos da Província que pudessem
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ser frequentadas pelo maior número de alunos das diferentes comarcas, mas o diz
quais seriam esses locais. O ordenado seria entre 600$000 a 800$000 réis.
Ao Governo Provincial competia nomear, demitir e suspender os professores,
seguindo a conformidade da nova lei. Tinha também, por incumbência, fixar os
ordenados, levando em consideração a população e os lugares das escolas.
Acreditamos que essa fixação dos ordenados deveria levar em conta os limites
máximos e mínimos previsto para cada grau de ensino.
A lei 14 de 29 de dezembro de 1835 regulava, ainda, as conformidades para
ser professor. Como podemos verificar,
Art. VI Podem ser professores quaisquer indivíduos nacionais, ou
estrangeiros, mostrando-se competentemente habilitados em exame público
perante o Governo, ou os Delegados a quem este cometer; devendo sempre
ser preferido (em concurso) o nacional, quando este não for excedido em
conhecimento pelo estrangeiro, que com ele concorrer a exame (O
MENSAGEIRO, 15/01/1836, n°21).
O Governo Provincial deveria fornecer os utensílios necessários ao
funcionamento das escolas e para aquela que não tivesse prédio público seria paga
uma gratificação aos professores para o aluguel da casa, mas o consta qual o
valor.
A partir do art. VIII da citada lei passa a discorrer sobre o estabelecimento de
uma escola normal, para formar professores na Província de São Pedro. Como
podemos observar
Art. VIII O Governo fica autorizado a contratar com dois cidadãos brasileiros
para irem instruir-se dentro, ou fora do Império no melhor método do ensino,
a fim de se estabelecer quanto antes na Capital da Província uma escola
normal para a instrução dos três graus mencionados, caso não haja
indivíduos habilitados com as necessárias qualidades, que queiram destinar-
se a semelhante magistério, e sofrer o respectivo exame, que será feito em
concurso se houverem opositores (O MENSAGEIRO, 15/01/1836, n°21).
A escola normal serviria para formar as pessoas que desejassem ser
professores de instrução primária e aos docentes “atualmente existentes que não
tiverem adquirido a necessária instrução nas escolas de ensino mútuo” (art. IX).
Mesmo os professores que estavam lecionando, mas que não tinham aprendido o
método de Lancaster seriam obrigados a aprendê-lo na escola normal.
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A escola normal se dividiria em duas cadeiras, que seriam regidas por dois
Diretores que abarcariam todo o conteúdo previsto para os três graus da instrução
primária. A primeira cadeira da escola normal abarcaria as seguintes competências
ler, escrever pelo Método de Lancaster, aritmética até as proporções, princípios
genéricos dos deveres morais e religiosos e gramática da língua nacional. Como
podemos observar, uma junção dos conteúdos previstos para o primeiro grau,
acrescido de parte do segundo grau.
Na segunda cadeira constam os conteúdos previstos para o terceiro grau,
acrescido da aplicação da aritmética ao comércio. Como podemos constatar em O
Mensageiro de 15 de janeiro de 1836 (n°21) “segunda cadeira: aplicação de aritmética
ao comercio, elementos de geografia, noções gerais de geometria teórica e prática e
suas aplicações ao desenho linear, e agrimensura”.
Cada um dos Diretores teria um ordenado anual de 1:200$000 réis, sendo
que o Presidente da Província poderia acrescentar uma gratificação anual de
300$000 réis por seu merecimento, medido pela sua aptidão profissional e o número
de alunos com aproveitamento. Os diretores seriam substitutos um do outro nos
impedimentos, ou faltas temporárias. Essa escola abriria quando chegasse a mais de
10 alunos matriculados e, enquanto isso, os diretores receberiam um terço de seus
vencimentos.
A lei 14 de 29 de dezembro de 1835 previa em seu art. XII, que o Presidente
Provincial deveria destinar um edifício para estabelecer a escola normal, caso não
houvesse, deveria fazer uma casa para tal além de disponibilizar aos diretores os
utensílios necessários ao seu funcionamento. Essa lei não previa de onde viriam as
verbas para a construção do prédio e outros gastos necessários para sua aplicação.
Como veremos ao longo do trabalho, carência de verbas e de prédios era a realidade
da instrução na Província de São Pedro e também na República Rio-grandense.
O aluno para ser matriculado na escola normal deveria ser maior de 18 anos,
ter boa conduta e saber ler e escrever (art. XIII), além de
Art. XV Os que pretenderem matricular-se dirigirão seus requerimentos ao
Presidente da Província, instruídos com certidão de idade e atestado de boa
conduta, passado pelo juiz de paz de seu domicílio, com despacho do mesmo
Presidente. Serão matriculados pelos Diretores se pelo exame, à que
procederem acharem que possuem princípios suficientes de leitura e escrita.
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Não havendo matrícula mínima de alunos, poderia o Presidente da Província
de São Pedro desprender 20 réis mensais às pessoas que quisessem se habilitar e
não tinham recurso para tal. No entanto, seriam obrigados a seguirem o magistério. O
número máximo de beneficiados não poderia exceder a 10 (art. XVI). Para usufruir
desse benefício era exigido:
Art. XVII Aos que pretenderem gozar do benefício da disposição do artigo
precedente, além de reunirem as qualidades exigidas no artigo XIII é mister:
que justifiquem a falta de meios suficientes para poderem freqüentar a
escola normal. que prestem fiança idônea a reposição das quantias, que
receberem, nos seguintes casos: se forem despedidos por algumas das
causas especificadas no artigo XXIV; sendo reprovados; se
abandonarem a escola; 4° recusando de exercer o magistério depois de
habilitados; se deixarem as cadeiras , em que tiverem sido providos
espontaneamente, ou por demissão. Neste último caso far-sena quantia
total recebida um abatimento de 10$000 is por cada vez, que houverem
servido (O MENSAGEIRO, 15/01/1836, n°21).
No referido artigo XXIV da lei 14 de 29 de dezembro de 1835 consta que
“poderá igualmente despedir os escolares, sobre informação dos Diretores, por
incapacidade, irregularidade de conduta e falta de aplicação” (O MENSAGEIRO,
15/01/1836, n°21).
Ficava, também, necessário um fiador para garantir o pagamento, se o aluno
não cumprisse suas obrigações e não tivesse meios de ressarcir o Estado (art. XVIII).
Os professores que fossem frequentar a escola normal e os alunos que não
eram docentes, assim que os diretores os considerassem prontos, fariam os exames
perante o Presidente da Província de São Pedro (art. XIX). Os professores aprovados
retornariam às suas antigas aulas e os reprovados perderiam o direito a elas. Os
alunos aprovados substituiriam os professores que seriam chamados a frequentar a
escola normal (art. XX).
Enquanto frequentassem o curso de formação, os professores receberiam
20$000 réis mensais e os seus substitutos entre 400$000 e 600$000 réis (art. XXI).
Os professores que se recusassem a frequentar a escola normal, sem justa
causa, seriam aposentados. Os que tivessem entre 10 e 15 anos de serviço,
receberiam meio ordenado, entre 13 e 20 anos, dois terço e com 20 anos completos
receberiam aposentadoria integral (art. XXII).
Em seu artigo XXIII previa que a escola normal estaria sob a inspeção direta
do Presidente da Província, sendo obrigado aos diretores darem informações todos
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os meses do adiantado e conduta dos alunos, que em muitas vezes são tratados por
ouvintes.
A exemplo do que previa o artigo 15 da lei que criou a escola normal de
Niterói, na Província do Rio de Janeiro, que segundo Villela (1999, p. 151) consta que
ficava “suspenso o provimento de cadeiras de primeiras letras vagas ou que vagarem,
até que na escola normal se habilitem pessoas que a possa servir”. O artigo XXV da
Lei 14, de 29 de dezembro de 1835 da Província de São Pedro tem o mesmo teor.
Como podemos observar, “Logo que se estabeleça a escola normal ficará suspenso o
provimento de cadeiras de primeiras letras vagas, ou que vagarem, até que na
mesma escola se habilitem pessoas que a possa servir”. Ao se referir sobre os
conteúdos de ambas as leis, assim se reporta Prado (1964, p. 231), “o confronto dos
dois textos põe manifestada a identidade entre ambos os planejamentos”.
Podemos notar que a lei da Província sulina, no citado artigo XXV, se refere
às cadeiras de primeiras letras, sendo que a nomenclatura usada nesta lei, em seus
art. I e II era instrução primária e a dividia em graus. Demonstra, tal situação, que
esses apesar de aumentarem o conteúdo, continuavam a empregar a mesma
denominação da Lei Imperial de 15 de outubro de 1827. Neste período, uma
utilização sem muita distinção entre instrução primária e primeiras letras.
A lei 14 abarcava, também, as escolas particulares onde os mestres deveriam
se mostrar habilitados ao magistério, mas não consta como provariam tal capacitação.
E os que transgredissem essa disposição seriam “multados pelo juiz de paz
respectivo na quantia de 50$000 réis a 100$000 réis para as despesas da Câmara
Municipal” (art. XXVI).
Ficava previsto que o Presidente da Província deveria regulamentar “o modo
prático, por que hão de fazer-se os exames dos que freqüentarem a escola normal, os
concursos das cadeiras vagas, e tudo mais, que for conveniente para o regime
econômico da mesma escola” (art. XXVII). Esta regulamentação não veio a ocorrer,
assim como o não cumprimento da lei, em parte, devido à Revolução Farroupilha.
Esta lei foi desconsiderada pelos Imperiais, que, inclusive em 22 de dezembro de
1837 sancionaram a lei de instrução primária com o mesmo número do grupo
farroupilha, ou seja, número 14. Desse modo, a escola normal somente tornou-se
realidade em 1869, vinte quatro anos após o final da Revolução Farroupilha.
Os farroupilhas antes de separarem parte da Província de São Pedro do
Império brasileiro estavam com o seu Governo instalado em Porto Alegre e os
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legalistas em Rio Grande. Portanto, a Província de São Pedro possuía duas
administrações. Em junho de 1836 os legalistas retomam a Capital, Porto Alegre, e
não entregam mais aos Republicanos Rio-grandenses e instalam a Presidência da
Província nessa cidade definitivamente. Assim sendo, os Republicanos Rio-
grandense vão organizar sua administração, inicialmente em Piratini, a partir de 6 de
novembro de 1836.
A próxima reunião da Assembléia Provincial ocorreu somente em 1837. No
relatório do Presidente da Província de São Pedro Antonio Elzeario de Miranda e Brito
foi publicada a Lei n°9, onde consta o orçamento para o período de 01 de julho de
1837 a 30 de junho de 1838. Sendo destinado para a Instrução Pública 12:000$000
réis. Para compararmos, os gastos feitos com a Assembléia Provincial foram de
12:898$720 réis e com a administração eclesiástica, que eram pagos pela Província,
de 18:026$720 réis e o total do orçamento da Província de 212:574$960 réis. Como
podemos observar, os gastos com a Igreja Católica eram superiores aos aplicados na
educação.
O art. § determinou que os mestres continuassem a receber o mesmo
ordenado que vinham recebendo, com exceção do professor de Torres, que seria de
300 mil réis ano. Determinava, também, que “as aulas blicas desta capital,
excetuadas as de meninas, deverão ser reunidas em um edifício e inspecionadas
por um dos juizes de direito que o Presidente de Província designar” (RELATÓRIO E
FALAS DOS PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS DO BRASIL, 02/10/1837, 2008). As
aulas nessa época eram separadas, sendo esta a primeira tentativa na Província de
São Pedro de reuni-las e formar uma escola de meninos, pois as de meninas
continuariam separadas.
Através da Lei n° 12 o Governo Provincial sulino cria o Colégio de Artes
Mecânicas em 19 de dezembro de 1837, para atender os jovens órfãos, pobres e
filhos de pais indigentes, dando para esses uma profissão, sendo 100 o número
máximo de alunos que a escola iria receber. Não eram aceitos os escravos. Além do
ensino de uma profissão era disponibilizado um ensino mínimo. Como podemos
observar
Art. 4° A administração interna do Colégio será comedida a um Diretor,
encarregado ao mesmo tempo do ensino de ler, escrever e contar até as
quatro operações de aritmética sobre números inteiros, com vencimento
anual de oitocentos mil réis. Haverá mais um Vice-Diretor, que coadjuvará; e
99
substituirá ao Diretor, com o vencimento anual de quinhentos mil réis
(TAMBARA e ARRIADA, 2004).
Nos artigos 6°, e 10° consta que para a escolha de qual oficina o aluno
seria aplicado levaria em conta a sua aptidão, assim como inicialmente seria provida a
Escola de oficinas que eram as mais necessárias à Província, mas não aponta quais
eram elas. O produto do trabalho dos alunos pertenceria à Escola.
No relatório do Conde de Caxias, Presidente da Província de o Pedro, em
1° de março de 1846 podemos verificar que essa lei não havia sido cumprida e que os
aprendizes estavam e continuariam a aprender as artes mecânicas no arsenal de
guerra. Os valores arrecadados para edificação desse colégio seriam revertidos para
estabelecer o liceu de instrução secundária.
A lei 12 de 19 de dezembro de 1837 concedeu duas loterias no valor de
100:000$000 cada uma, para com seu produto fundar-se nesta Capital um
Colégio de Artes Mecânicas. Estas loterias foram extraídas durante minha
presidência, e produziram 24:000$000 líquidos, que se recolheram aos cofres
provinciais. Julgo, porém de pouca necessidade a fundação do Colégio de
Artes Mecânicas, porque o estabelecimento de aprendizes menores no
Arsenal de Guerra desta Província, onde se ensinam todas essas artes, e que
conta com 34 meninos pobres, supridos pelos cofres gerias e provinciais,
dispensa essa fundação. Aquele número de aprendizes deve brevemente ser
elevado a 100, para o que mandei ali fazer as necessárias acomodações sem
ser preciso tocar-se no produto das loterias. Satisfeita por este modo a
necessidade do ensino de Artes Mecânicas; e alcançando o fim a que se
propunha a citada lei de 19 de dezembro, melhor será aplicar-se essa quantia
para a edificação de uma casa própria para um Liceu de instrução
secundária, de que trato no artigo consagrado a esse objeto (RELATÓRIO E
FALAS DOS PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS DO BRASIL, 01/103/1846,
2008).
Podemos constatar que verbas públicas que deveriam ser aplicadas com as
classes menos favorecidas foram redirecionadas para a tentativa de estabelecer o
liceu de instrução secundária, inicialmente destinado a formar a elite local.
O Presidente da Província Antonio Elzeario de Miranda e Brito sancionou a
Lei 14 de Instrução Primária, em 22 de dezembro de 1837. Essa foi a primeira lei
da Província de o Pedro que organizou a instrução primária, pois a anterior, lei 14
de 29 de dezembro de 1835 foi sancionada pelo governo farroupilha, antes de separar
parte da Província do resto do Brasil. A lei de 1837 cria o cargo de Diretor da
instrução primária e tem como um dos objetivos uniformizar a instrução em toda a
Província.
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Em seu artigo dividiu a instrução primária em três classes. Os conteúdos
da primeira são: leitura e escrita; as quatro operações de aritmética sobre números
inteiros, frações ordinárias, decimais e proporções; princípios da moral cristã e da
religião do Estado e a gramática da língua nacional. Na segunda classe, noções
gerais de geometria teórica e prática. Enfim, na terceira classe, elementos de
geografia, francês e desenho.
Para dar continuidade aos estudos o aluno deveria cursar com proveito o
ensino da primeira classe. Conforme consta no artigo 2°,
a matrícula dos alunos será dividida nas três classes do ensino sobreditas:
tendo a segunda e terceira um professor particular. Nenhum dos alunos será
admitido a freqüentar alguma das duas classes ultimas, sem que se tenha
mostrado pronto em todos os elementos da primeira (TAMBARA e ARRIADA,
2004).
O Duque de Caxias, em seu relatório de de março de 1846, solicita à
Assembléia Provincial que os conteúdos de geometria, francês, geografia e desenho
passassem para a instrução secundária. Tornando a instrução primária, reduzida aos
conteúdos previstos para a primeira classe. Retornando aos mesmos, previstos no
artigo 6° da lei de 1827, diminuindo ainda as noções mais gerais de geometria prática,
que esse previa. Tal regulamentação ocorreu com a lei 51, de 22 de maio de 1846,
que substituiu a presente lei, de 22 de dezembro de 1837. A partir dessa lei de 1846,
segundo Schneider (1993, p. 82),
nas escolas públicas de instrução primária ensinar-se-iam as seguintes
matérias:
- leitura e escrita;
- as quatro operações de aritméticas sobre números inteiros;
- frações ordinárias e decimais e proporções;
- princípios de moral cristã, dogmas da religião do Estado;
- gramática da língua nacional.
O artigo terceiro da lei de 1837 proibia de frequentar as escolas públicas
quem padecesse de moléstias contagiosas, assim como os escravos e pretos livres
ou libertos. Nessa sociedade, mesmo recebendo a liberdade, o ex-escravo o
gozava de seus direitos plenos, como por exemplo, não tinha acesso ao ensino
público.
Ficava a cargo das Câmaras Municipais proverem os professores de casas
para servirem de escolas (art. 4°). O Presidente de Província deveria fornecer às
101
escolas os materiais necessários ao seu funcionamento, que seriam: móveis e
utensílios, compêndios, livros, translado de caligrafia, estampas, papel, tinta e penas.
As novas escolas que fossem fundadas necessitavam da aprovação da
Assembléia Legislativa Provincial para se estabelecer definitivamente. Se em um ano
consecutivo tivessem menos de 15 alunos matriculados com frequência efetiva, seria
a escola transferida para outro local em que pudessem frequentar maior número de
alunos.
O capitulo II, do artigo ao 16° trata dos professores. Consta que seus
ordenados seriam de 600 mil réis por ano, além de uma gratificação de cinco mil réis
por aluno que for dado pronto em cada uma das três classes de ensino. Estabelecia,
também, em quais casos poderiam perder seus empregos ou sofrer punições
administrativas e sua forma de defesa. Previa, também, que o professor vitalício de
instrução primária, após 25 anos de serviço efetivo teria direito a um soldo inteiro de
jubilação. E o que antes desse prazo fosse impossibilitado de continuar na função
receberia aposentadoria proporcional ao tempo que lecionou. Os docentes jubilados
poderiam continuar a exercer a profissão se o Presidente da Província julgasse
conveniente e ganhariam um complemento de 300 mil réis anos, além do ordenado
de jubilado.
O capítulo III trata das escolas de meninas e previa a igualdade de salários
entre mestres e mestras, mas havendo distinção de conteúdo em relação aos
meninos. Como podemos observar, “art. 17° - nas escolas publicas de instrução
primária serão ensinadas as matérias compreendidas nos números e 3°, do artigo
1°, menos decimais e proporções, e a coser, bordar, e os mais misteres próprios da
educação domestica” (TAMBARA e ARRIADA, 2004).
Como podemos constatar os conteúdos destinados às meninas não eram
iguais aos dos meninos, mas em relação à Lei Imperial de 1827 um acréscimo da
geografia, francês e desenho.
O capítulo IV, da Lei 14 de Instrução Primária de 1837 trata do diretor e dos
inspetores escolares, sendo que previa um único diretor na capital da Província
responsável da direção de todas as escolas de instrução primária provincial, com
gratificação anual de um conto e duzentos mil réis, que abarca todas as despesas da
função.
O art. 22° determinava qual incumbência do Diretor da Instrução Pública da
Província de São Pedro, havendo uma centralização de decisões na pessoa que
102
ocupa o referido cargo. Ficava encarregado de regular o método prático de ensino,
escolher os compêndios e uniformizar a instrução da Província, submetendo tudo à
aprovação do Presidente Provincial. Além de confeccionar, anualmente, o relatório da
situação da instrução primária da Província, o qual era apresentado na reunião
ordinária da Assembléia Provincial pelo Presidente da Província.
Como vimos anteriormente, os professores quando se deparavam com
alguma dúvida se dirigiam diretamente ao Presidente da Província de São Pedro.
Com a Lei de Instrução Primária de 1837 é criado o cargo de Diretor de instrução
primária responsável por sanar tais dúvidas e outras instâncias da mesma instrução.
Segundo Schneider (1993, p. 50) “para Diretor das Escolas de instrução primária foi
nomeado o bacharel João Rodrigues Fagundes e a lei 14 de 1837 serviu de
regulamento para as escolas primárias da Província”.
Conforme o Artigo 23°, da Lei de Instrução Primária de 1837, em cada
município haveria um inspetor das escolas, cargo que seria exercido pelo Promotor
Público. Os professores, para poderem receber seus ordenados, deveriam entregar
aos inspetores locais os atestados de frequências dos alunos.
Quando na presidência da Província de São Pedro o Conde de Caxias
considerava que esse emprego tinha certas dificuldades de ser cumprido, por isso,
solicitou a reformulação do artigo 23 da presente lei. Ele se equivocou no mês da lei,
que é de dezembro de 1837. Como podemos verificar em seu relatório à Assembléia
Provincial, em 1° de março de 1846,
A lei n°14 de 22 de novembro de 1837 carece de reforma no artigo 23 que
encarrega aos promotores de inspecionarem as escolas, por não ser
compatível que este empregado residentes nas cabeças de comarcas,
tenham inspeção em todas as aulas dos respectivos municípios; e nesse
caso melhor seria que esse trabalho ficasse a cargo dos delegados,
subdelegados, ou das maras municipais (RELATÓRIOS E FALAS DOS
PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS DO BRASIL, 01/03/1846, 2008) .
A Lei de Instrução Primária de 1837, nas disposições finais abarca, inclusive,
os professores particulares. Conforme o artigo 25° estes deveriam, assim como os
públicos, prestarem as informações aos inspetores municipais que fossem exigidas,
tais como mapas exatos dos alunos, nos prazos, conforme fosse determinado pelos
competentes regulamentos. O não cumprimento acarretaria multa de dez mil réis, por
cada falta cometida. Ainda:
103
Art. 26° Os professores das escolas particulares de instrução primária são
obrigados a solicitar do Presidente da Província licença para poderem abrir as
mesmas escolas, que lhes será concedida grátis: devendo instruir os
requerimentos com atestação de boa moral, passada pelo pároco da
Freguesia do seu domicilio e pelo Inspetor do respectivo Município.
Art. 27° A disposição dos dois artigos antecedentes não compreendem os
professores de escolas particulares, que não forem nas Cidades, Vilas e
Freguesias.
Art. 28 Os professores e professoras poderão castigar moderadamente os
seus discípulos, se as penas morais forem ineficazes (TAMBARA e
ARRIADA, 2004).
Podemos constatar, conforme o artigo 27°, que havia uma menor exigência
dos professores particulares que iriam lecionar nas escolas fora das áreas “urbanas”.
Evidenciamos, também, conforme o artigo 28°, que os alunos indisciplinados e que as
correções morais não tinham efeitos poderiam ser castigados moderadamente. Como
é sabido, apesar de estar previsto, em algumas leis, a proibição dos castigos físicos,
eles estiveram presentes na educação provincial durante longo período.
Em 15 de março de 1842 é aprovado pelo presidente da Província de São
Pedro, Saturino de Souza e Oliveira, o regulamento para as escolas públicas de
instrução primária, organizado pelo diretor das mesmas, o Dr. João Rodrigues
Fagundes. Essa era uma das suas atribuições conforme consta no artigo 22° §§ e
3°, da lei provincial n° 14 de 22 de dezembro de 1837.
Em seu capítulo I, regulamenta a matrícula dos alunos ficando proibida a
inscrição daqueles prevista em lei, além dos que fossem menores de 5 anos e,
também, dos que não fossem pessoalmente apresentados por seus pais, tutores, ou
encarregados. O professor devia registrar a matrícula em livro próprio, mencionando
as informações, conforme modelo anexo ao regulamento:
104
(TAMBARA e ARRIADA, 2004, p. 37).
No capitulo II discute o método de ensino, o qual devia ser o simultâneo, que
apesar de receber esse nome, não passa do método de Lancaster, talvez um pouco
adaptado. Dividindo em classes e mantendo em cada uma delas monitores e
suplentes desses, como podemos observar no método prático, que está em anexo ao
regulamento, o qual foi oferecido como sugestão ao diretor de instrução primária, pelo
professor público Manoel Luiz Corrêa.
Temos a divisão do ensino de leitura em 10 classes e para cada uma seus
respectivos compêndios. A distribuição é a seguinte:
Art. 8° - As 4 primeiras classes devem compreender as lições de leitura até os
nomes inclusive: a 5°, e manuscritos, e um compêndio de doutrina
moral cristã e civilidade soletrado, a 8°, e 10° noções de história do Brasil
ensinadas por compêndio resumido, e gramática nacional.
É perceptível a importância dada ao método de ensino e aos compêndios,
como ferramentas necessárias ao desempenho do trabalho dos professores.
Evidenciamos, portanto, a presença de Comenius, para o qual através dos livros
didáticos era possível ensinar tudo a todos, por uma simplificação do conteúdo a ser
ensinado. A importância dada pelo autor a tal instrumento do trabalho didático é
evidente na seguinte passagem, “8. Uma coisa é de extraordinária importância,
pois, se ela falta, pode tornar-se inútil toda a máquina, ou, se está presente, pode -
105
la toda em movimento: uma provisão suficiente de livros pan-metódicos” (COMENIUS,
1976, p. 469).
Em nossas fontes não encontramos nenhuma referência ao nome de
Comenius, mas é sabido que foi ele o idealizador do emprego dos compêndios e é
perceptível, também, que muitas vezes nos deparamos com discursos em defesa do
uso de livros didáticos sem fazer menção ao seu mentor. Como muito bem aponta
Alves (2005, p. 163) ao se referir a difusão das propostas por Comenius de escola e
de trabalho didático “essas propostas foram retomadas, muitas vezes sem que
houvesse uma explicitação de suas fontes”. Ao longo de nosso trabalho quando
demonstrarmos a presença da valorização do livro didático estaremos evidenciando a
presença de Comenius, mesmo se não expusermos tal referência, a fim de o
ficarmos demasiadamente repetitivos.
Além das aulas de leituras, havia as classes do método prático, sendo esse
composto por: gramática nacional, caligrafia e aritmética, distribuídas conforme o
quadro seguinte:
(TAMBARA e ARRIADA, 2004, p. 37).
106
Em relação aos compêndios e outros materiais escolares necessários ao
ensino seriam designados pelo diretor, depois de aprovado pelo Presidente da
Província. Para caligrafia em seu art. 11° já estava designando a coleção de translado
por Ventura ou Miranda, devido às regras por esses estabelecidas, que o professor
devia cuidadosamente seguir. Esse fato demonstra que o professor devia ficar
atrelado a esses meios de ensino, sendo o início, no Brasil, de um discurso em defesa
da difusão do emprego dos livros didáticos.
O capítulo III tem como título “dos exercícios práticos das escolas”, e em seu
subtítulo “sua economia e polícia”. Demonstrando o controle que se queria obter
sobre o aluno. Veremos que apesar de chamarem de método simultâneo, o que
temos é o regido método de Lancaster, onde uma divisão hierárquica e cargos
honrados como forma de distinção e manutenção da ordem:
Art. 13° - Para o regular andamento, e melhor ordem nos trabalhos das
Escolas Públicas de Primeiras Letras haverão, os seguintes empregados
escolhidos, e tirados dentre os alunos de maior mérito, pelo professor: um
Monitor Geral; tantos Monitores de leitura, escrita e aritmética, quantos
forem necessários para a instrução das diferentes classes, ou decúrias,
podendo em caso de necessidade o mesmo aluno ser o Monitor de diversas
classes, ou decúrias, uma vez que se não complique por isso a ordem dos
trabalhos.
Art. 14° - Os Monitores serão tirados da classe imediatamente superior
àquela em que houveram de ensinar (TAMBARA e ARRIADA, 2004, p. 23).
As aulas ocorreriam em todos os dias úteis por espaço de três horas e meia
pela manhã e também à tarde. Começando em 1° de maio a 30 de outubro às 8 horas
da manhã e a tarde às 13 horas e 30minutos. E de 1° de novembro a 30 de abril inicia
às 7 horas e 30 minutos e a tarde às 14 horas (art. 17°).
Como podemos verificar não estavam previstas as férias, por isso iremos
antecipar o capítulo XIII, que trata dos feriados, onde os mais longos estão ligados
aos ensinamentos da Igreja Católica, que era a religião oficial do Estado brasileiro,
conforme o art. da Constituição Imperial de 1824. Como podemos observar nos
artigos 97° e 98°:
Art. 97° - São feriados nas escolas públicas de instrução primária da
Província, além dos domingos e dias Santos, todos os dias de feriados
nacionais e provincial, estabelecidos por lei, e todas as quintas feiras,
quando não houver outro feriado na semana.
107
Art. 98° - Os feriados do Entrudo e Espírito Santo compreenderão somente os
três dias reservados pela Igreja; os de Páscoa começarão no Domingo de
Ramos , até a oitava depois de Domingo de Páscoa; e os de Natal terão
princípios no dia 20 de dezembro e concluirão no dia 6 de janeiro do ano
seguinte, e além destes o haverão outros feriados (TAMBARA e ARRIADA,
2004, p. 23).
O aluno poderia ser punido tanto por faltas cometidas na escola quanto fora
dela. Uma das punições era a prisão solitária e castigos físicos, tais como a
palmatória, demonstrando um afastamento da Lei Imperial de 1827 (art. 15°), que era
de proibir tais castigos. Conforme art. 21:
Art. 21° - As faltas cometidas pelos alunos, tanto na escola como fora dela,
serão punidas em primeiro lugar com a pena de prisão solitária, e só quando
esta for infrutífera, o professor infligirá a pena física com moderação
proporcional à idade, e sensibilidade do aluno, e a gravidade da falta, não
podendo em caso algum exceder o castigo a doze palmatoadas, e sim
anexar-se-lhe a pena de prisão solitária quando o caso exigir (TAMBARA e
ARRIADA, 2004, p. 24).
Os artigos 23° e 24° tratam da doutrina da moral cristã e dos deveres dos
alunos. Aqui uma evidente continuidade da influência da religião, que é dominada
pela Igreja Católica, pois é ela a oficial do Império brasileiro. A moral que se defende
é a cristã e não a laica. Como podemos verificar,
Art. 23° - Os professores na quarta-feira e sábados de cada semana, no
tempo destinado para as lições de leituras, por si, e por intermédio dos
respectivos Monitores, tomarão uma lição aos seus alunos de doutrina cristã,
explicando e instruindo pessoalmente a todos nas máximas e princípios da
moral cristã, e nos principais deveres do homem para com Deus, para
consigo mesmo e para com seus semelhantes.
Art. 24° - Nos dias de que trata o artigo antecedente, ou nos imediatamente
anteriores, se aqueles forem impedidos, os alunos que se aplicarem à
doutrina, ficam isentos de outra lição de leitura; porém não dos seus deveres
da escrita, aritmética &c (TAMBARA e ARRIADA, 2004, p. 24).
.
No último dia útil da semana ocorreria a verificação dos conteúdos e assim
colocar os alunos como concorrentes por postos hierárquicos no espaço escolar.
Havia também prêmios por desempenho, princípio defendido para promover o ensino
e fazer ter gosto pelas honras em detrimento dos castigos para os não honrados. A
função de Monitor Geral, uma vez ocupada, poderia ser perdida se esse deixasse
a escola ou houvesse prevaricação de conduta. Conforme art. 28°,
108
Art.28° - Para excitar a emulação, e promover o adiantamento entre os
condiscípulos, os professores farão com que seus alunos, no último dia útil da
semana, apresentarem escritas preparadas com esmero, afim de decidirem
por pessoal inspeção da competência dos lugares de Monitor desta classe, e
outro tanto farão, e no mesmo dia, por meio da argumentação dos alunos
entre si nas classes de aritmética, devendo louvar em presença de todos
àquele ou àqueles, que obtiverem preferência por melhor desempenho de
seus deveres, além de os premiar como merecerem. O lugar de Monitor Geral
não entra em competência com outros; aquele que uma vez o adquirir o
deixará por ausência da escola, ou prevaricação de conduta (TAMBARA e
ARRIADA, 2004, p. 25).
.
O capitulo IV trata do provimento das cadeiras vagas de professores públicos
de instrução primária. Quem quisesse concorrer devia dirigir o requerimento ao
Presidente de Província, junto documentos que provassem ser maior de 21 anos,
estar no gozo dos direitos de cidadão brasileiro e que provasse sua moral e boa
conduta, atestado pelo juiz de paz, ou vigário do município que reside. Aqui ,
primeiramente, a valorização da moral e boa conduta do candidato e não do
conhecimento para tais cadeiras.
No art. 52° consta que os professores e professoras da Província eram
obrigados a remeter ao Diretor, de três em três meses, da classe em diante, as
escritas de seus alunos do primeiro dia útil de cada trimestre, para observar o seu
progresso. Podemos observar que davam bastante importância para a escrita dos
alunos. Conforme consta no artigo 31°, os alunos mais adiantados eram os que
escreviam as correspondências dos professores com seus superiores. Talvez, devido
à dificuldade do diretor inspecionar as escolas, essa fosse uma forma de demonstrar
o adiantado dos alunos.
Em seu art. 65° expõe sobre os alunos que não frequentam escolas tendo
idade para tal,
Art. 6- Constando aos Inspetores, que no seu Município existe algum, ou
alguns meninos de idade própria para serem aplicadas à instrução primária, e
que seus pais, ou encarregados, por negligencia, ou desleixo os não aplicam,
havendo no lugar escolas públicas, farão primeira e segunda advertência
para que eles sejam postos a freqüentar a escola, e se tais advertências
forem infrutíferas, passados 20 dias participarão ao Diretor com especificação
do nome e idade do menino, ou meninos, e do nome de seus pais, ou
encarregados, para que aquele representando sobre o caso ao Exmo.
Presidente da Província, este se o julgar acertado, mande recolher esse
menino, ou meninos ao colégio público de instrução primária, que na Capital
houver (TAMBARA e ARRIADA, 2004, p. 31).
109
Como podemos observar essa obrigatoriedade é para os meninos, pois em
nenhum momento se refere às meninas. No cumprimento de tal exigência deveria ser
observado se havia escola próxima à residência. Outro elemento digno de destacar é
que o Presidente de Província era a autoridade suprema, inclusive para ordenar que o
aluno fosse retirado da convivência familiar para ser conduzido a um colégio da
capital.
Ao tratar, no capítulo XII, das escolas de meninas, observamos que enquanto
os meninos estudam 3 horas e meia por turno diário, as meninas estudam somente 3
horas, talvez por terem menos conteúdo. O turno da tarde seria todo ele disposto às
prendas domésticas, tamanha era a sua importância para aquela sociedade, a qual
via na mulher destinação a ser boa esposa e mãe. Por outro lado, os pais poderiam
não querer que suas filhas se dedicassem à costura, devendo elas serem aplicadas
em outras atividades escolares, mas as mais adiantadas seriam aplicadas na escrita
da lousa. Talvez seja o início, nesse momento, do preparo das mulheres para serem
professoras, aquelas que eram filhas de pais mais “adiantados” e que estavam
rompendo com os padrões tidos por “normais” a época.
Nas disposições gerais consta que os professores m o direito à obediência
e respeito de seus alunos em qualquer lugar, devendo castigar o aluno que não
cumpra com esse que é considerado um dever. Ao finalizar, na lei consta a
obrigatoriedade de professores e alunos participarem da missa católica. Como
podemos observar:
Art. 102° - Os professores públicos de meninos darão as necessárias
providências para que seus alunos compareçam todos os sábados de manhã
na escola antes da hora do exercício, preparados com aquela decência, que
permitirem suas posses, e com eles se dirigirão ao santo sacrifício da missa
na Igreja mais próxima, e farão com que eles em tão religioso ato se
conservem com toda a seriedade e respeito.
Nenhum professor e nem aluno será dispensado desta obrigação senão por
motivo mui justo, e poderoso (TAMBARA e ARRIADA, 2004, p. 36).
.
Apesar de todas essas leis e regulamentações, o que se observa pelo
relatório do Presidente da Província de São Pedro, Conde de Caxias, em de março
de 1846, após o fim da Revolução Farroupilha é que a Instrução Pública estava
desorganizada, assim como outros ramos do serviço público. Mesmo tendo sido
criada por ele 21, das 51 aulas existentes na Província. Como podemos observar em
seu relatório
110
A instrução primária, tão necessária a todas as classes da sociedade, não
apresenta lisonjeiro aspecto nesta província; tal vez pelo abandono em que
caíram todas as coisas nestes últimos oito anos, e pelo desmazelo de muitos
pais, que desleixam a educação de seus filhos, particularmente nos lugares
arredados da capital, onde os interesses materiais deixam em esquecimento
os intelectuais e morais; e em troco de algum pequeno serviço domésticos
que os meninos lhes podem prestar, os deixam no resto do tempo entregues
à vadiação; e outros, em que não falta a boa vontade, e sim meios, não
podem mandar seus filhos as escolas públicas pela distância em que moram
dos povoados, onde estão elas estabelecidas.
Tem hoje a Província 51 escolas públicas de instrução primárias: 36 para
meninos e 15 para meninas, incluindo neste número 21 escolas por mim
criadas, e providas à requisição de algumas câmaras municipais, e em virtude
do artigo e da lei 14 de 22 de dezembro de 1837, e 11 por meu
antecessor, para as quais peço a vossa aprovação (RELATÓRIO E FALAS
DOS PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS DO BRASIL, 01/03/1846, 2008).
Podemos perceber que havia vários motivos que prejudicavam a instrução da
mocidade, tais como os próprios pais, a pobreza e a distância. Na sequência do
mesmo relatório aparece, também, a falta de reconhecimento à profissão de professor
e os baixos salários, que afugentavam os mais capacitados. Isso comprova que
muitos professores não tinham conhecimento para tal profissão, que ele afirma ser de
benefício blico. Digno de destaque é o fato de que o Presidente da Província
reconhece a docência como um emprego onde o professor se incomoda:
Não deveis esperar que todas estas cadeiras sejam regidas por hábeis
mestres, porque desgraçadamente a pouca importância que entre nós se
aos instrutores da mocidade, afugenta da nobre carreira do magistério os que
a ela se deviam dedicar com vantagem pública; nem a paga é tal que
recompense o incomodo, ou ao menos chegue para os mister da subsistência
(RELATÓRIO E FALAS DOS PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS DO BRASIL,
01/03/1846, 2008).
Caxias também previa a necessidade de se criar mais 10 escolas para o sexo
masculino e 6 para o feminino. As cidades escolhidas para os meninos seriam: Rio
Grande, Pelotas, São Gabriel, Alegrete, Jaguarão, Cruz Alta, Passo do Triunfo, Serro
do Roque, Capela das Dores e Mirangnaia, no distrito de Santo Antônio. Para as
meninas seriam: Porto Alegre, Freguesia da Aldeia, Santo Antonio da Patrulha, Rio
Grande, Pelotas e Piratini.
Os mapas em anexo ao relatório apresentam quais as aulas que haviam na
Província de São Pedro, em de março de 1846. Temos os dados das 36 para
meninos. Tivemos dificuldades de visualizar algumas informações, uma vez que
111
essas imprecisões estão configuradas com o ponto de interrogação. Se houver um
ponto de interrogação e um dado entre parentes é este, pois, impreciso.
Município
Professor
Salário
anual
Alunos
existentes
Pronto em
exame
qualificação
Porto Alegre
Manoel Álvares Ribeiro
600$
110
2
Provida vitaliciamente,
desde 04/02/1844.
Manoel Luiz Corrêa
600$
77
1
Provida vitaliciamente,
desde 01/08/1842
Joaquim Antonio Pereira
Coruja
600$
163
? (35)
Provida vitaliciamente,
desde 25/02/1844.
Velocino d‟Almeida Lessa
600$
36
-
Provida vitaliciamente
desde 01/10/1845.
Rio Grande
João José Gomes da Costa e
Silva
600$
90
2
vitalício
Pelotas
João José de Abreu
600$
76
-
Vitalício, desde
23/09/1845. Insuficiente
às necessidades locais.
Norte
Vaga desde maio de 1843
-
-
-
Absoluta necessidade
Triunfo
Antonio Pereira da Silva
Rocha
600$
71
4
Provida vitaliciamente
desde 18/05/1843.
Santo Amaro
Alexandre Soares d‟Almeida
600$
19
-
Provida vitaliciamente
desde 21/10/1840
Antonio Bernardo Versos
600$
89
-
Provida vitaliciamente
desde 07/06/1844.
? (Telesino) Justiniano de
Castro
600$
46
-
Provida vitaliciamente
desde 18/06/1844.
Cachoeira
Rodrigo Alves Ribeiro
600$
59
-
Provida vitaliciamente
desde 01/06/1842.
Encruzilhada
João Álvares de Souza
600$
30
Provida vitaliciamente
desde 30/04/1844.
Caçapava
Felício Pereira d‟Oliveira
600$
62
Provida vitaliciamente
desde 30/04/1844.
Taim
José Anastácio ?(Cadavat)
400$
19
-
Provida vitaliciamente
desde 06/12/1843.
Povo Novo
João José Alves Ramos
500$
38
-
Provida vitaliciamente
desde 01/03/1844.
Arroio Grande
José Antonio Maciel
200$
-
-
Não consta ter tomado
posse.
S. Borja
Coronel Domingos José da
Silveira
200$
-
-
Não consta ter tomado
posse
Itaqui
José Antonio d‟Oliveira
200$
-
-
Não consta ter tomado
posse
Bagé
Luiz Briano de Mattos
350$
30
-
Provida vitaliciamente
desde 18/02/1845.
Taquari
Manoel d‟Azambuja Cidade
600$
60
-
Provida vitaliciamente
desde (?)/04/1841.
Santa Ana
Francisco da Silva Maia
600$
29
-
Provida vitaliciamente
desde 26/03/1844.
112
São Leopoldo
João da Silva Paranhos
600$
18
-
Provida vitaliciamente
desde 23/04/1841.Lei
Geral. Diminuindo alunos
devido a Escola particular
alemã.
Aldeia dos
Anjos
Joaquim José Pinheiro
600$
58
-
Provida vitaliciamente
desde 23/04/1841.
Henrique Lopos da Fonseca
300$
25
Interino desde,
02/05/1842. Localidade
Pedra Branca.
Viamão
Antonio Fernandes de
Carvalho
600$
45
-
Provida vitaliciamente
desde 01/02/1842.
Belem
Luiz Belmiro da Silva Boza
300$
25
-
Interino desde,
23/09/1843
Santa Auta
Jose Barbosa Telins
400
38
-
Interino desde,
(?)/09/1843.
Mostardas
(?) Francisco Teixeira (?)
600$
-
-
Provida vitaliciamente
desde 07/06/1842.
Freguesia da
Serra
José Bernardo d‟Miranda
600$
50
-
Provida vitaliciamente
desde (?)/11/1844.
Curado das
Torres
Joaquim José d‟Carvalho
600$
15
-
Provida vitaliciamente
desde 14/04/1845.
Colônia de São
Pedro
Mandado transferira a
cadeira das Torres, mas
não sabe se foi efetivado.
São Francisco
de Paula de
Cima da Serra
Não efetivou.
Vacaria
Joaquim Francisco de Moraes
400$
1(0) ?
-
Interino desde
09/05/1845.
Piratini
Joaquim José F? Villaça
500
Interino 14/10/184(3)
São José do
Patrocínio
Severiano José da Costa
600$
-
-
Provida vitaliciamente
desde 25/08/1845.
Os dados foram retirados do relatório de Caxias, Presidente da Província de São Pedro do Sul, apresentado a Assembléia
Provincial em 01 de março de 1846 (RELATÓRIO E FALAS DOS PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS DO BRASIL, 2008).
Devemos destacar que a aula de meninos de São Leopoldo estava
diminuindo o número de alunos devido a uma escola particular de alemães. Podemos
indagar se o fato do ensino ser público era considerado inferior em qualidade e assim
estavam preferindo uma escola paga? Ou seque o queriam a intervenção do
Estado em sua cultura? São indagações que o temos a intenção de aprofundar
nesse trabalho.
A seguir, passaremos a mostrar os dados retirados do mapa em anexo ao
relatório de de março de 1846, de Caxias, referente à instrução de meninas, onde
temos os dados de todas as aulas existentes naquela data.
113
Município
Professora
Salário
Alunos
existentes
Pronto em
exame
Obs:
Porto Alegre
D.Florisbella d‟Oliveira Coelho
600$
143
?(7)
Provida vitaliciamente
desde 21/10/1842.
D. Maria Augusta de Campos
600$
40
-
Provida em 22/07/1844,
(Caxias).
D. Miguelina de Mesquita
Ferrugem
600$
?(6)2
8
Provida em 31/07/1835.
Rio Grande
D. Maria das Dores da Silveira
Frade
600$
31
-
Provida em 05/04/1841,
não é suficiente.
Pelotas
D. Senhorinha Bernarda de S.
José Peixoto
600
40
Provida em 17/04/183(5)
?, não é suficiente.
Norte
D. Leocardia Leopoldina dos
Santos.
600$
-
-
Provida em 26/04/184?,
Necessário manter.
Triunfo
D. Francisca Aroucho de
Moraes
600$
42
2
Provida em 05/12/1842,
necessário manter.
Rio Pardo
D. Carolina de Sequeira
Pereira Leitão.
500$
51
-
Provida interinamente
desde 17/10/1842.
D. Joana Antonia da Fonseca
500$
3(5)?
-
Provida em 20/07/1845.
Cachoeira
D. Ana Francisca Pereira
Robrigues
600$
40
-
Provida em 20/10/1842.
Caçapava
D. Zeferina Amado de Oliveira
500$
3(4) ?
-
Provida em 01/10/1844
Bagé
D. Cândida Fagundes de
Mattos
350$
?6
-
Provida em 26/04/1844
Taquari
D. Francisca Fermina da Silva
300$
23
-
Provida em 26/04/1842.
São Leopoldo
D. Francisca de Paula Ribas
300$
10
-
Provida em 18/05/1842. É
pouca freqüentada por
haver uma escola
particular alemã.
Viamão
D. Fausta Cândida de Moraes
Sarmento
300$
3?
-
Provida em agosto de
1845.
Os dados foram retirados do relatório de Caxias, Presidente da Província de São Pedro do Sul, apresentado a Assembléia
Provincial em 01 de março de 1846 (RELATÓRIO E FALAS DOS PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS DO BRASIL, 2008).
Devemos destacar que as professoras da cidade de Cachoeira e de
Caçapava são duas senhoras que haviam sido docentes da República Rio-grandense.
E, ao observarmos as datas de provimento, notamos que estavam lecionando do lado
Imperial antes do fim da revolução. Como veremos posteriormente, a professora Ana
Francisca é a mesma que foi investigada por o defender a república em sua aula,
provida pelos farroupilhas.
114
Digno de destacar é que a aula de meninas de São Leopoldo, a exemplo da
de meninos, também estava diminuindo o número de alunas devido à existência de
uma escola particular alemã.
No que se refere à instrução secundária, Caxias pronunciou-se em seu
relatório de de março da seguinte maneira: “é tão pouco a instrução secundária, e
dada tão sem método, que mui longe está o proveito que dela se tira da despesa que
com ela se faz, posto que não avultada”. Considerava todos os professores
capacitados ao ensino, mas sendo preciso metodizar o ensino secundário. Para isso,
era necessário criar na Capital da Província um liceu, onde se reunissem todas as
disciplinas esparsas da Província e, ainda, se acrescentassem as cadeiras de inglês,
de geografia, astronomia, história, álgebra, retórica, desenho e música. Distribuídas
em seis anos de estudo. Tudo conforme o estatuto, “que tenho a honra de oferecer à
vossa consideração, organizado segundo o método simultâneo, adotado nos colégios
da Europa, e no de Pedro do Rio de Janeiro, do qual se têm obtido os melhores
resultados”.
Caxias era contrário à matrícula em aulas esparsas, que era comum na
época, onde os alunos somente se escreviam nas aulas que seriam necessárias para
prestar a prova de ingresso nas faculdades do Brasil. Como podemos observar
por este modo não se permitindo matrículas parciais nesta, ou naquela aula,
serão obrigados os que no liceu se quiserem matricular a freqüentar todas as
aulas de cada um dos anos, com grande vantagem para os alunos, com
proveito da despesa feita pela Província, e com economia para o futuro,
poupando-se os aluguéis das casas para essas aulas. por este modo se
pode exercer uma boa inspeção sobre os professores e alunos, e despertar
entre eles a emulação tão necessária e proveitosa (RELATÓRIO E FALAS
DOS PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS DO BRASIL, 01/03/1846, 2008).
.
O Presidente Provincial se expressava afirmando ser de “importância este
objeto”, se referindo à criação de um liceu e, assim sendo, havia adiantado a sua
fundação, quando da visita do Imperador Dom Pedro II, em de fevereiro de 1846 e
havia depositado, na oportunidade, a pedra fundamental, com uma medalha escrita
“no reinado e presença de Sua Majestade Imperial se principiou a construir este liceu
Província de São Pedro do Sul, Porto Alegre 1846”. Foi dado à escola o nome de
Liceu Dom Afonso e o Conde de Caxias apresentou o seu primeiro estatuto.
As verbas disponíveis para a construção do prédio eram poucas, vindo a
iniciar o seu funcionamento em prédio alugado, em 16 de junho de 1851.
115
Através dos dados do corpo do texto do relatório de Caxias e do mapa 5 em
anexo ao mesmo relatório e Schneider (1993, p. 76), temos as aulas de instrução
secundária pública que havia na Província de São Pedro, que são: em Porto Alegre
uma aula de gramática latina, professor Isidoro José Lopes, provido em 9 de maio de
1835, com 7 alunos. Cadeira de francês Leopoldino Joaquim de Freitas, provido em
31 de outubro de 1842, com 30 alunos. Geometria e aritmética Belchior Corrêa da
Câmara, provido em 8 de outubro de 1842, com 29 alunos. De Filosofia com o Padre
João de Santa Bárbara, provido em 31 de julho de 1844 e iniciou em agosto de 1844,
com 2 alunos. Na cidade de Rio Grande, aula de gramática latina, com o professor
Antonio José Domingues, provido em 28 de outubro de 1842, com 5 alunos e a de
francês, geografia e desenho com o professor Thimoleon Zalloni, provido em 26 de
abril de 1844, com 26 alunos. Finalmente, na cidade de Rio Pardo havia a aula de
gramática latina, com o professor José Maria de Andrade, com 8 alunos.
Cada professor ganhava 600$000 réis por ano, o que representava um gasto
anual de 4.200$000 réis anual para os cofres públicos. Sendo que o número de
alunos de instrução secundária era de 107 alunos, cada um custaria,
aproximadamente, 40$000 réis ano.
Algumas observações necessárias sobre os dados apresentados: no mapa
houve certa dificuldade de decifrar alguns nomes de professores e o ano do
provimento, nós seguimos o que consta em Schneider (1993, p. 76). Por outro lado,
acreditamos que a referida autora se equivocou quando coloca todos os dados que
em nossa obra consta para a cidade de Rio Pardo, como sendo de Pelotas.
Digno de destaque, também, que o Padre Santa Bárbara, que inclusive votou
na escolha dos deputados farroupilhas, em 1842, antes do fim da revolução estava
como professor dos imperiais. O professor de francês de Porto Alegre, Leopoldino é o
mesmo que havia solicitado dispensa de idade para poder concorrer à mesma cadeira
e a comissão de Instrução Pública foi contrária durante a administração dos farrapos
e antes de se separarem do Brasil. Já o professor Isidoro José Lopes teve provimento
em 09 de maio de 1835 para a cadeia de francês de Rio Grande e, nesse mapa,
aparece lecionando em Porto Alegre.
Podemos finalizar expondo que havia grandes dificuldades para se estruturar
um sistema de ensino, como falta de professores habilitados, rendas públicas
precárias, carência de prédios e da própria população que aprendia seus afazeres
fazendo, sem grandes estudos. Houve, no entanto, rias medidas na tentativa de
116
ampliar o ensino na Província, apesar de boa parte das regulamentações ficarem
somente no papel.
Assumindo, então, o Barão de Caxias a presidência da Província de São
Pedro em 1842 observamos, através das fontes, uma maior atuação em beneficio da
Instrução blica, mas mesmo assim, conforme seu relatório de 01 de março de
1846, a instrução primária estava com pouca execução. Segundo Caxias, em parte
devido os acontecimentos da Revolução Farroupilha. Podemos afirmar que a
instrução primária pública na Província de São Pedro, que não era significativa antes
da Revolução Farroupilha continuava com pouca expressão após o seu
encerramento. Evidenciamos, também, que alguns professores que lecionaram na
República Rio-grandense, ao se aproximar o fim da Revolução Farroupilha,
estavam assumindo aulas públicas imperiais.
117
5 O modelo de instrução pública almejado pelos republicanos rio-grandenses
Nesta parte da pesquisa demonstraremos o modelo de educação almejado
pelos farroupilhas, tendo como fonte principal dois artigos publicados no jornal O Povo
intitulados “Vantagens e Necessidades de uma Educação Pública” e “Idéias
Elementares de um Sistema de Educação Nacional”. Neles, constam idéias sobre a
divisão por classes sociais, conteúdos e também a defesa ao Método de Lancaster,
devido ao seu controle sobre os alunos. Prevalece ainda nesses artigos, a Instrução
Pública para formar o povo em detrimento da instrução privada, que serviria para
formar um homem, mas não o cidadão.
Sendo o jornal em análise propriedade do Estado, as idéias presentes nesses
artigos estão de acordo com as intenções do Governo, conforme consta no prospecto
publicado na primeira edição do jornal O Povo, “excluir de nossas colunas qualquer
correspondência ou comunicado que o esteja em perfeita harmonia com nossas
doutrinas” (O POVO, 01/09/1838, n° 1).
Ao analisar o artigo “Vantagens e Necessidades de uma Educação Pública”,
será problematizada a utilização dos termos público e privado para aquele momento
histórico. Abordaremos a presença dos pensamentos de John Locke no artigo
publicado no jornal O Povo “Idéias elementares de um sistema de educação
nacional”.
Iremos, também, investigar o papel da mulher na sociedade farroupilha e seus
reflexos na educação de meninas.
118
5.1 Vantagens e necessidades de uma educação pública artigo do jornal “O
Povo”
O artigo Vantagens e Necessidades de uma Educação Pública foi publicado
no jornal O Povo em maio de 1840, entre os números 156 e 160. Em seu primeiro
parágrafo consta que “para formar um homem eu prefiro a educação doméstica; para
formar um povo eu prefiro à blica” (O POVO, 06/05/1840, 156). Sendo que os
objetivos dos Republicanos Rio-grandenses eram os de instituir novos princípios e
cooptar adeptos para a república. É evidente, pois, a defesa da Instrução Pública para
formar o povo dentro das novas concepções. Havia a intenção de disseminar novos
valores através da educação pública. Existia, também, a necessidade de se criar a
identidade de pertencimento, possível através da educação pública, onde os alunos “a
maior parte ao menos teria alguns traços de semelhança e estes traços formariam
precisamente o caráter nacional” (O POVO, 09/05/1840, n°157).
Ao longo do presente trabalho nos referimos à escola pública, mas é preciso
refletir o que ela significava. Para isso, passaremos a analisar o sentido de público e
privado nesse contexto.
Inicialmente, quando pensamos em trabalhar com a Instrução Pública na
República Rio-grandense tínhamos em mente a sua concepção calcada no senso
comum, de ligar o termo à educação não paga, disponibilizada pelo Governo e tendo
como concepção de educação privada aquela paga, não estatal. Primeiramente,
recorremos ao significado de público e privado no dicionário Aurélio (FERREIRA,
2004, p. 1632 e 1656),
Público Do, ou relativo, ou pertencente ou destinado ao povo, à
coletividade; relativo ou pertencente ao governo de um país; que é do uso de
todos; comum; aberto a quaisquer pessoas.
Privado - que não é público; particular; falto; desprovido.
De forma geral, público é indicativo de povo, de uso comum ou referente ao
governo e privado é alusivo ao que é particular. Partindo do uso do dicionário, vamos
analisar se a educação pública está a serviço público, de acesso de todos e, ainda, se
somente a educação privada defende os interesses particulares.
Segundo Severino (2005), o significado social de público está relacionado ao
interesse coletivo, enquanto que o privado, ligado está ao interesse particular que ao
deslizar para o significado burocrático sofre um empobrecimento dos termos, onde
119
público passa a significar estatal e privado não estatal. Isso ocorre devido à
concepção liberal de que ao Estado moderno caberia cuidar do interesse comum. O
discurso desse bem comum, entretanto, serve como uma forma de distorcer o
significado das relações sociais e, com isso, favorecer a classe dominante a qual o
Estado está a serviço.
Os ideais liberais que se estruturam no século XIX tinham como objetivo
consolidar a posição dominante da classe burguesa. Partindo do princípio de que a
sociedade moderna se estrutura por um contrato social entre indivíduos independente
e para que esse tipo de sociedade contratual exista, é preciso que os indivíduos
tomem decisões autônomas baseadas na própria razão” (NORONHA, 2005, p. 149).
Dessa forma, haveria a necessidade de difundir as luzes, através da Instrução
Pública, onde não haveria a influência particular, assim os cidadãos livres tomariam a
decisão mais acertada.
Se nos reportarmos à República Rio-grandense, onde a tomada de decisão
pelo voto não era para todos e sim para os que tivessem bens e que nas eleições
primárias os eleitores deveriam ter, no mínimo, renda anual de cem mil réis por bens
de raiz, comércio ou empregos (art. 92, VII). Aos cargos mais elevados havia um
aumento desse valor. Assim sendo, essa liberdade não era para todos. Conforme
Lombardi (2005, p. 87)
A visão crítica do Estado pressupõe o entendimento do conteúdo de classe
do Estado, isto é, que o Estado burguês é um instrumento de dominação de
uma minoria contra a maioria, dos proprietários contra os não-proprietários;
que a igualdade burguesa é meramente formal e que a liberdade não é para
todos.
Por não haver na República Rio-grandense uma burguesia plenamente
constituída devemos substituir esse termo por classe dominante e notarmos que é um
discurso coerente com as idéias iluministas, reformuladas conforme os interesses
locais. No entanto, sem negar que uma preocupação, por parte dos farroupilhas,
de utilizar a educação do povo em defesa de seus interesses, por ser a escola um
importante mecanismo de difusão dos interesses da classe dominante.
Foi Locke, segundo Lombardi (2005), quem deu subsídio à burguesia para o
surgimento da dicotomia entre público e privado. Ao colocar a distinção entre a
sociedade política (estado) da sociedade civil, ficando o direito à propriedade na
esfera civil, o Estado não poderia intervir “ao contrário, cabia-lhe garantir e tutelar o
120
livre exercício da propriedade” (LOMBARDI, 2005, p. 86). Criando dois campos, um
onde o Estado atua e no outro, não.
De acordo com o que expusemos anteriormente, sobre a tomada de decisão
ser sem influência, pois as luzes seriam difundidas pela escola blica, sob a tutela
do Estado entendemos que sendo essa, difundida pelo Estado e sendo esse
atrelado à classe dominante, o que temos nessa escola é a defesa dos interesses
dessa classe, que na Revolução Farroupilha está ligada aos estancieiros e
charqueadores. O discurso da escola pública leva à reprodução dos interesses da
classe dominante, sendo “um processo de doutrinação” (GOMES, 2005, p. 162). Por
outro lado, o domínio das mentes não é total, uma vez que o campo do conhecimento
é um espaço de luta.
Devemos, porém, notar que de acordo com o pensamento Marxista não basta
transformar o Estado e a escola por ele fornecida, pois mesmo reconhecendo como
um campo de luta e que a escola estatal pode ser estrategicamente necessária para
se ter a escola pública a serviço de todos, deve-se, isso sim, extinguir o Estado e não
transformá-lo. Que segundo Sanfelice (2005, p. 184)
O fato definitivo é a constatação de que a educação escolar estatal nunca foi
pública e não poderia sê-lo numa sociedade assentada na preservação da
propriedade privada dos meios de produção. Nesse sentido não houve uma
problemática do público e do privado, mas a problemática é a ausência de
uma educação de interesse público. Lembremos que o pensamento marxista
sobre o Estado propõe que ela seja esmagado e o reformado. O estado
deve desaparecer, para que o público assuma suas funções. Isso se estende
à educação escolar que, hoje, estatal ou privada, está totalmente subordinada
ao ordenamento imposto pelo Estado vigilante e avaliador. Sem Estado não
deverá haver educação estatal e muito menos privada, mas somente pública.
Se isto se constitui em uma mera utopia, caberá à história demonstrar, mas é
a lógica conseqüente no âmbito do pensamento marxista, pois caso contrário
vamos defender a escola estatal que está aí, o que estrategicamente pode
ser necessário, mas não como objetivo último.
O campo do conhecimento tanto é um campo de luta que a classe dominante,
através de políticas públicas defendeu ao longo do século XIX, e assim foi no Brasil e
também na República Rio-grandense, pois como vimos no terceiro capítulo, que para
a grande maioria da população livre a educação devia ser mínima, de acordo com sua
função social e ficando nas mãos de uma minoria, o monopólio do capital
conhecimento significativo.
Como podemos observar, quando referência à escola blica, o que se
tem é a escola estatal, do Estado, esse está atrelado à classe dominante e em defesa
121
dos interesses de tal classe. A escola não é pública, ela não atua em benefício de
todos, mas sim para o interesse privado. Conforme Alves (2005a, p. 107-108),
Existiria, concretamente, uma esfera educacional pública voltada para o
atendimento da maioria da população? A resposta categórica é não. Afinal,
numa sociedade de classes, o Estado, que administra e controla a educação
vista por muitos como pública, é, ele próprio, um instrumento de realização
dos interesses privados da classe que detém o poder. Logo, por equívoco
poderia ser tomado como a expressão tácita do público, pois não lhe é
pertinente o tratamento das questões sociais pela perspectiva do bem
comum. Por isso, no plano institucional da educação, caberia, mais
apropriadamente, falar em escola estatal e em escola particular. Ambas,
porém, concebidas para a realização dos interesses privados da classe
hegemônica.
Com isso, podemos afirmar que a escola pública que estamos focalizando na
República Rio-grandense é, na verdade, a escola estatal. Uma educação financiada
pelo governo, onde o cidadão recebe a educação de acordo com sua função social, “o
lavrador para ser cidadão lavrador”, uma instrução não igual a do governante. Há uma
educação atrelada aos interesses da classe que domina a Revolução Farroupilha.
Sendo a educação controlada pelo legislador que pertence à classe dominante, uma
vez que para ser eleito deputado deveria ter no mínimo trezentos mil réis de renda
anual, o os interesses desses que serão defendidos. Podemos dizer que quando
nos referirmos à escola pública estão no bojo todos esses elementos.
Outra questão que aparece é a periodização, que segundo Severino (2005),
da colonização até 1930 “a categoria do público se esvai no contexto cultural, uma
vez que a educação, ao longo da Colônia, do Império e das primeiras décadas da
República, fica totalmente entregue ao domínio da Igreja” (SEVERINO, 2005, p. 32).
O privado, entretanto, o se afirma, “pois também essa dimensão se dilui e se
camufla sob a ideologia do comunitarismo cristão” (SEVERINO, 2005, p. 32).
Como podemos ver, o autor está apresentando um panorama sobre a
educação no Brasil e não apenas, se referindo a um contexto particular, como é o
caso da Revolução Farroupilha. É importante termos o cuidado quando formos
trabalhar com algum local ou período específico, pois “trata-se de respeitar as
configurações locais, regionais, estaduais, nacionais, pois elas explicitam as
mediações de aproximação e de antagonismo entre as dimensões pública e privada
da mesma educação escolar” (ARAUJO, 2005, p. 126). Na República Rio-grandense
122
acreditamos haver uma maior preocupação de estabelecer a Instrução Pública,
devido às novas configurações que eram necessárias estabelecer.
Mesmo referentes ao Brasil, no entanto, de forma geral, notamos uma
perceptível influência, cada vez maior, do Estado na educação pública estatal, a partir
das reformas pombalinas em 1759 e, principalmente, com a promulgação da Lei de
15 de outubro de 1827, que é a primeira tentativa de sistematizar um sistema de
ensino em todo o Império e a quantidade de leis gerais e provinciais que daí
decorreram.
Saviani (2005) na tentativa de periodizar o uso do termo público na educação
brasileira dividiu-o em duas etapas. A primeira, dos antecedentes e a segunda, da
história da educação pública, propriamente dita.
O autor divide os antecedentes em três períodos, sendo o primeiro de 1549-
1759, “correspondente a pedagogia jesuítica, isto é, à escola pública religiosa
entendida em sentido amplo” (SAVIANI, 2005, p. 171). Entre 1759 - 1827, dominada
pelas reformas pombalinas, com a instituição das Aulas Régias, como primeira
tentativa de instaurar a escola pública estatal e sob influência do Iluminismo, ligado ao
despotismo esclarecido. O terceiro período 1827-1890, “consistiria nas primeiras
tentativas, descontínuas e intermitentes, de se organizar a educação como
responsabilidade do poder público representado pelo governo imperial e pelos
governos das províncias” (SAVIANI, 2005, p. 171). A segunda etapa, a da escola
pública propriamente dita, seria a partir de 1890 com a implantação dos grupos
escolares. Onde o autor também dividiu em três períodos,
Nela poderíamos distinguir os seguintes períodos: a) criação das escolas
primárias nos estados (1890-1931) impulsionada pelo ideário do iluminismo
republicano; b) regulamentação, em âmbito nacional, das escolas superiores,
secundárias e primárias (1931-1961), incorporando crescentemente o ideário
pedagógico renovador; c) unificação da regulamentação da educação
nacional (1961-1996) abrangendo as redes públicas (municipal, estadual e
federal) e privada que, direta ou indiretamente, foram sendo moldadas
segundo uma concepção produtivista de escola (SAVIANI, 2005, p. 171).
Após essa abordagem geral do uso do termo escola blica passaremos a
discutir sua utilização na Revolução Farroupilha. Com a Proclamação da República
Rio-grandense há uma intervenção maior desse governo nessa importante ferramenta
de dominação ideológica. O novo Estado passou assumir para si o controle e o
financiamento da educação. Acreditamos poder usar o termo público para esse
123
ensino, levando em conta os limites e as configurações que estamos expondo e tendo
em mente que essa revolução é dirigida por parte da elite local. Ao utilizar esse termo,
temos em mente que é uma escola que não pertence ao povo, por ser oferecida pelo
Estado e esse não é neutro, pois defende os interesses da classe dominante da
revolução. É, pois, de interesse privado. Sendo assim, ao nos referirmos à escola
pública estamos fazendo menção, na verdade, à escola estatal.
Para reforçar a ideia de que os republicanos rio-grandenses defendiam a
escola pública - estatal vamos relembrar alguns pontos importantes. Primeiro, no
artigo intitulado “Vantagens e Necessidades de uma Educação Pública” temos a
defesa dessa, em detrimento da privada por ser controlada pelo Estado.
Conforme apresentaremos, posteriormente, quando o cidadão Antonio de
Faria Correa cria uma escola de primeiras letras pelo Método de Lancaster em São
Gabriel, o Ministro Domingos José de Almeida agradece e, imediatamente, solicita
que se envie o valor dos gastos para reembolsá-lo. Isso demonstra que o governo
queria manter sob sua tutela tal ensino. Posteriormente, temos notícias de inspeção
nessa escola.
No capítulo sexto do presente trabalho consta a intriga imperial de que os
farroupilhas estariam reunindo as crianças em escolas com o fim aparente de instruir,
mas o que queriam era, em tempo determinado, levá-las para as forças de combate,
mesmo não tendo idade para prestarem o serviço das armas. Em resposta, o governo
farrapo edita o Decreto de 27 de julho de 1839, onde consta que se a criança
estivesse estudando em escolas do Estado, como podemos ver não é em qualquer
escola, mas na pública estatal, não seria alistado, enquanto não tivesse idade para
tal.
Nos jornais oficiais O Povo, O Americano e o Estrela do Sul não um
anúncio de oferecimento de escolas ou aulas particulares. No entanto, no jornal oficial
anterior à separação, O Mensageiro, tem o oferecimento de aulas privadas.
Acreditamos que o Governo Republicano Rio-grandense queria ter para si o mando
desse importante mecanismo de controle.
Com relação à Igreja, mesmo sendo a Religião Católica a oficial do Estado e
a continuidade dos conteúdos ligados à moral cristã, não constatamos fazer parte do
clero nenhum professor ou professora que atuavam nas escolas públicas farroupilhas.
Devemos, porém, deixar claro que não tivemos acesso aos nomes de professores
(as) de várias cidades. Além de não nos esquecermos da importante participação de
124
alguns padres, inclusive atuando como deputados e ministros. Digno de destaque é
que a moral cristã era ou ainda é, também, um importante mecanismo de controle.
Segundo Giolo (2006, p. 454 e 460) ao se referir à Província de São Pedro a ação da
Igreja “foi apenas incipiente no período imperial” e que somente em 1853 seria criada
a Diocese de São Pedro do Rio Grande do Sul, pois, anteriormente, era submetida à
Diocese do Rio de Janeiro.
Para finalizarmos, os Republicanos Rio-grandenses atuaram em defesa da
escola pública, tendo em mente o que expusemos e o significado da utilização desse
termo. Como sendo um órgão do Estado e sendo esse defensor dos interesses da
classe dominante da Revolução Farroupilha, essa escola estaria a serviço dos
interesses dessa classe. A defesa da escola pública, ou estatal, era devido ao
controle do governo sobre a mesma. Além de, através de ela estabelecer as bases de
um novo modelo de Estado e a necessidade de solidificar novas relações sociais à
frágil ordem institucional que estava sendo estabelecida.
Retornando ao artigo Vantagens e necessidade de uma educação pública,
vamos evidenciar os objetivos com esta Instrução Pública - estatal - aos interesses
dos dirigentes da República Rio-grandense que tinham o novo Estado a seu serviço.
Acreditavam que a Instrução Pública serviria para manter o Estado firme, sem
agitações. Conforme O Povo de 09 de maio de 1840 (n°157),
O mais eficaz dos meios, diz um profundo político da Antigüidade, de
conservar firmes, e estáveis às constituições dos governos, é de educar a
juventude nos princípios constitucionais. Este grande objeto poder-se-ia por
ventura obter, sem uma Educação Pública? Quem mais, que o governo pode
ter este interesse? Quem mais do que ele pode ter os meios de fazê-lo?
Quem mais do que o legislador pode conhecer sua importância, e o plano
para consegui-la?
Podemos evidenciar a necessidade de constituir uma mentalidade no povo
em defesa deste novo Estado que estava se constituindo, através de uma educação
regulada pelo legislador, que é integrante da classe dirigente da revolução. É a
educação dita pública a serviço dos interesses de uma classe.
Consta que o homem nasce ignorante, mas não com os erros, esses ele os
adquire. Desse modo, a educação estatal deveria ser aplicada desde a tenra idade
para evitar os vícios, onde “uma educação regulada pelo magistrado, e pela lei, seria
a única, que obter poderia este fim sobre o povo e esta educação assim pelo
125
magistrado, e pela lei regulada não poderia ser se não a pública” (O POVO,
09/05/1840, n°157).
Evidenciando a escola como formadora de condutas e condutora de
consciências e que através dela poderiam ser controladas as opiniões que são
em qualquer governo, em qualquer povo, a opinião pública é o que há de
mais forte no estado; sua influência tanto no bem, como no mal é máximo;
porque é superior tanto a ação, como á resistência da pública autoridade, e
por conseqüência, é de uma suma importância, que venha retificada, dirigida
e correta. Entre os vários meios que o legislador deve empregar para
consegui-la, qual poderia ser mais eficaz que o de se fala?
Seguindo no mesmo escopo, afirma que quando uma parte da sociedade se
ilumina e a outra não, ocorrem agitações e que para evitá-las deveria haver a
instrução da outra parte, a dita ignorante. Os instruídos têm acesso à verdade,
enquanto os outros incorrem em erros, deixando-se levar pelas mais fortes paixões e
em consequência disso existe a discórdia. Por isso, se faz necessário instaurar nas
crianças as paixões úteis, as que tenham relações com a virtude, pois diz que a
primeira paixão que se apodera da criança ele a carrega por toda a vida e
a paixão dominante é a única, que pode produzir os grandes efeitos. O
interesse da sociedade seria que as paixões dominantes de seus indivíduos
fosse tão somente as mais eficazes á torná-lo úteis ao Estado e verdadeiro
cidadão. Não se pode duvidar que da educação depende em grande parte
esta escolha. Na educação pública o legislador poderia, pois, achar o meio
mais eficaz para tornar mais comum aquelas paixões, que ele crê as mais
úteis e as mais conducentes (O POVO, 09/05/1840, n°157).
No artigo citado do jornal O Povo transparece a confiança na direção dada à
instrução pelo legislador para o aluno ser útil ao Estado, ou seja, é a educação estatal
a serviço da classe dominante. É essa a intenção da educação pública que defendem.
Diz, ainda, que todos os cidadãos deveriam participar da educação pública e
“si uma classe de cidadão fosse excluída da pública educação, o meu plano seria
imperfeito e vicioso”. Volta a defender a regulamentação pela lei, que deveria atingir a
todos, senão “deixaria na sociedade uma porção de seus indivíduos privados
daqueles socorros, que a lei ofereceria a outros para conduzi-los a seus designo, ele
tornaria a legislação toda parcial” (O POVO, 16/05/1840, n°159).
Apesar de afirmar que a legislação deveria ser imparcial apresenta, também,
que deveria conduzir o cidadão ao seu desígnio. Desígnio esse, que estava
126
estabelecido por sua função social, demonstrando que a lei é parcial, pois o lavrador
seria educado para continuar sendo cidadão lavrador, não havendo a oportunidade de
mudanças nas camadas sociais. Como podemos observar
Mas a Educação Pública para ser universal não necessita nem desta
conformidade, nem deste sistema, nem destes meios. Ela requer que todos
os indivíduos da sociedade possam participar da educação do magistrado, e
da Lei, cada um, porém segundo suas circunstância e sua destinação. Ela
requer que o Lavrador seja educado para ser cidadão Lavrador e o para
ser magistrado, ou General. Ela requer que o artista possa receber na sua
infância aquela Educação mais apta a desviá-lo do vício, a conduzi-lo à
virtude, ao amor da pátria, ao respeito das leis, e a facilitar-lhe os progressos
na sua arte não aquela que se requer para dirigir a pátria, e administrar o
governo. A Educação blica finalmente para ser universal requer que todas
as Classes, todas as ordens do Estado tenham nelas parte, mas não requer
que todas estas ordens, todas estas classes tenham a mesma. Em poucas
palavras ela deve ser universal, mas não uniforme; pública, mas não comum
(O POVO, 16/05/1840, n°159).
A universalidade defendida é de que todos deveriam receber uma instrução
mínima e a continuidade dessa seria distinta, conforme função a assumir na
sociedade. Demonstra, assim, a defesa de uma educação classista que não tinha
como interesse mudar o estado das coisas.
A educação deveria ser distinta e, por isso, a sociedade seria dividida entre a
braçal e a dos talentos. Em cada uma dessas classes haveria subdivisões
secundárias. Na primeira, estariam os destinados à agricultura, aos ofícios, às artes
mecânicas e, na segunda, os destinados às artes liberais, ao comércio, a servir ao
altar, a reparar os males físicos dos homens, a instruí-los, a dirigir aos seus exércitos,
a guiar as esquadras, administrar o governo e difundir as luzes.
Em nota de rodapé consta que a divisão social não se dava por nascimento,
mas pelo destino do indivíduo na sociedade (O POVO, 16/05/1840, n°159). Como
sabemos, a escola é um espaço de reprodução da sociedade, onde os destinos e a
posição social estão intimamente ligados à classe social em que se nasce. E é
explicito no artigo a ideia de reprodução e exclusão social.
No artigo “vantagens e necessidades de uma educação pública” o grupo
braçal é considerado o mais numeroso. Sendo assim, a defesa de uma educação
mínima para a maior parte da população livre. Como podemos observar em O Povo
de 23 de maio de 1840 (n°160),
127
O agricultor o artista etc., destinados a servir a sociedade com os seus
braços, não necessitam senão de uma fácil e breve instrução para adquirir
aqueles conhecimentos, que são necessários para regular a sua conduta civil,
e para acelerar os progressos de sua arte.
Entre os objetivos dessa instrução está o de o indivíduo aprender seu ofício e
regular sua conduta social, ou seja, torná-lo dócil e útil ao Estado, o que, em última
instância, significa cumprir os interesses estabelecidos pela classe dominante.
Em relação ao professor consta que esse deveria ser escolhido pelo governo
e regido pela lei, demonstrando a preocupação de controlá-lo e dirigi-lo de acordo
com os interesses do grupo administrador da República Rio-grandense. Como
podemos observar em O Povo de 06 de maio de 1840 (n°156),
Começando pelos preceptores, cujo número deve ser mais limitado, e
podendo o governo dar a estes encargos toda aquela consideração que
merecem, podendo formar uma ordem de Magistratura das mais respeitáveis
do estado, podendo oferecer-lhes grandes esperanças; não seria difícil achar
homens dignos de exercitar funções tão respeitáveis. Escolhidos pelo
governo, e dirigidos pela lei, eles seriam superiores á todos aqueles prejuízos
do qual um bastaria para transtornar o mais perfeito plano de Educação e
poderiam dirigir os filhos da pátria conforme os designo do seu legislador.
É pertinente destacar a confiança e a previsibilidade de que a partir da lei
fossem controlados os alunos e os professores e tudo o que era ligado à educação.
Ao se referir aos prédios destinados a cumprir tal plano defende que para o
grupo dos talentos deveriam utilizar as casas públicas. para o grupo mais
numeroso, que são os destinados ao serviço braçal que não comportaria abundante
grupo em tais prédios e sendo que a construção suficiente para esses acarretaria
gastos exorbitantes, o artigo sugere que deveria haver um magistrado supremo da
Província, um magistrado inferior de cada comunidade e os diretores locais. Esse
último seria escolhido pelos dois primeiros, os quais lhe confiariam 15 meninos, sendo
tantos diretores quantos a comunidade necessitasse. Escolheriam os diretores de
acordo com as profissões que havia ou se desejasse estabelecer naquela
comunidade, tais diretores deveriam vigiar e instruir os meninos conforme as
instruções que lhes fossem comunicadas. Como podemos observar,
Estes diretores deveriam ser instruídos em seus deveres e observados para a
religiosa observância deles, pelo magistrado encarregado da educação
daquela comunidade, sob a imediata dependência do magistrado supremo da
educação da Província a que ela pertence (O POVO, 23/05/1840, n°160).
128
No prosseguimento do artigo continuidade explicita de controle sobre o
processo educativo, onde “este plano de educação deveria ser estabelecido por lei”. E
“nenhum de seus executores deveriam ter o direito de alterá-lo” (O POVO,
23/05/1840, n° 160). Apesar de demonstrar para o grupo braçal um modelo de
instrução focado em profissões, o que vamos ter na prática é uma instrução mínima,
nos moldes da Lei Imperial de Instrução Primária de 1827, que continuou a vigorar na
República Rio-grandense.
Destacamos que no prospecto do jornal O Povo, conforme apresentamos
anteriormente está expresso que somente seriam transmitidas ideias de acordo com
as defendidas pelo Governo Farroupilha. Sendo emblemática essa defesa da escola
diferenciada por classe, por função social e controlada pela lei. Por outro lado, na
prática, o que se observará é um esforço por parte do Governo da República Rio-
grandense em disponibilizar a instrução primária a todos os cidadãos, focado na
instrução mínima sem haver referência às profissões. Estando, porém, no bojo de
tudo isso, a defesa de instituir o discurso republicano, defender a ordem nova que
estava sendo estabelecida, dominar as mentes e manter o estado das coisas.
5.2 A presença de John Locke nas idéias elementares de um sistema de
educação nacional
Nesta parte do trabalho analisaremos a presença dos pensamentos de John
Locke no artigo publicado no jornal O Povo “Idéias elementares sobre um sistema
de educação nacional” mas, primeiramente, demonstraremos indícios de sua
presença nas questões políticas da Revolução Farroupilha.
Ao fazermos as leituras dos escritos farrapos percebemos a presença das
ideias de Locke. A própria justificativa de Bento Gonçalves para a Província de
São Pedro se indispor com o Governo central, ao que tudo indica, advém dos
princípios do autor inglês. Como podemos observar em seu manifesto de 25 de
setembro de 1835,
ninguém ignorar como o partido anti-nacional armando braços mercenários e
estrangeiros ocupou militarmente o Trem de Guerra da capital e ameaçou
com aparatos bélicos a cidadãos pacíficos que festejavam em aquela noite
com cânticos patrióticos as salutares reformas do nosso pacto social [...]
Cumprimos, rio-grandenses, um dever sagrado repelindo as primeiras
tentativas da arbitrariedade em nossa cara Pátria; ela vos agradecerá e o
129
Brasil inteiro aplaudirá o vosso patriotismo e a justiça que armou vosso braço
para depor uma autoridade inepta e facciosa e restabelecer o império da lei
(CBG. N° 413, p. 269-274).
Ao apresentar, em seu manifesto, que os Rio-grandenses haviam se armado
para depor uma autoridade que estaria governando contra os interesses da Província
e assim, restabelecer o império da lei, está evidente a presença do pensamento de
Locke, defendido no segundo tratado sobre o governo. Como podemos observar,
Sempre que o legislador tentar tirar e destruir a propriedade do povo, ou
reduzi-lo a escravidão sob poder arbitrário, entra em estado de guerra com
ele, que fica assim absolvido de qualquer obediência [...] sempre que,
portanto, o legislativo transgredir esta regra fundamental da sociedade, e por
ambição, temor, loucura ou corrupção, procurar apoderar-se ou entregar às
mãos de terceiros, o poder absoluto sobre a vida, liberdade e propriedade do
povo perde, por esta infração ao encargo, o poder que o povo lhe entregou
para fins completamente diferentes, fazendo-o voltar ao povo, que tem o
direito de retomar a liberdade originária e, pela instituição de um novo
legislativo, conforme achar conveniente [...]. O que disse acima a respeito do
legislativo em geral também se aplica ao executivo supremo (LOCKE, 1983,
p. 121).
Bento Gonçalves demonstra acreditar na ideia da Província se organizar em
princípios de um pacto social que autorize depor um governo que não cumpria as leis
que eram estabelecidas por esse pacto. Ao se referirem ao autor inglês, Ghiggi e
Oliveira (1995, p. 31) afirmam, “Locke defende o direito de insurreição, em função do
abuso de poder dos governantes. É um direito natural estendido à sociedade política,
qual seja punir seu agressor”.
Nessa última passagem dos comentadores do autor inglês, onde esse
autorizava “punir seu agressor”, Bento Gonçalves, também a utiliza como uma natural
defesa que os farroupilhas empregaram contra seu opressor, demonstrando a
presença dos princípios de Locke. Como podemos observar em seu manifesto de 29
de agosto de 1838,
mas uma obrigação indispensável, um dever rigoroso de consultar sua
honra, felicidade e existência altamente ameaçadas, de atender por si mesmo
à própria natural defesa de subtrair-se a um jugo insuportável, cruel e
ignominioso, opondo a resistência a injúria, repelindo com a força a violência
(CBG. 420, p. 280).
A fim de reforçar a ideia de que a revolução tenha sido contra um governo
tirano, agressor, que estava descumprindo o pacto social, desrespeitando as leis e
130
assumindo todos os ramos do poder temos num artigo no jornal O Povo, intitulado
“Para o glorioso dia 20 de setembro”, em homenagem ao terceiro ano do início da
Revolução Farroupilha, a seguinte passagem,
Um governo fratricida e anti-nacional havia abusado da nossa natural
docilidade, zombado de nossos clamores, insultado friamente os males que
suas tiranias nos haviam causado. Porém cansados enfim de sofrer, nos
despertamos, reunimos nossas forças, empunhamos as armas e ferimos de
morte o tirano, e a tirania, proclamando nossa liberdade e independência [...]
Seu aniquilamento era decretado, e nós, reduzidos à ignominiosa condição
de colonos teríamos tido que submeter-nos a caprichosa vontade de um
governo, que tinha invadido todos os poderes, derrogado a todas as leis, e
lhe prestar nosso auxilio para escravizar igualmente os nossos irmãos das
outras Províncias. Nossa honra, nossa dignidade, o instinto que guia os
homens e as Nações para a felicidade não nos permitiam tamanho
aviltamento (O POVO, 19/09/1838, n° 6).
Segundo Flores (1985, p. 38) os Republicanos Rio-grandenses chamavam a
Revolução Farroupilha de gloriosa “numa evidente identificação com os princípios
doutrinários de Locke”. Este autor percebe, assim, a presença dos ideais de John
Locke na Revolução Farroupilha.
Para Flores (1985, p. 28) “John Locke afirma que sem propriedade não
liberdade”. Princípios que foram defendidos pelos Republicanos Rio-grandenses, ao
publicar em 03 de outubro de 1838, no jornal O Povo, o decreto que regula quais os
procedimentos e documentos deveriam ser apresentados aos proprietários quando os
comandantes de tropas solicitassem gêneros. Isso, tendo em vista evitar abusos e
garantir o pagamento pelo Governo Farroupilha dos referidos gastos. No mesmo dia
da publicação do decreto foi apresentada, também, a sua justificativa, “assim sendo o
direito de propriedade um desses direitos sagrados do homem, todo aquele que o
chega violar, viola a liberdade” (O POVO, 03/10/1838, n° 10). Tal citação, claramente,
demonstra a presença dos princípios de Locke no ideário farroupilha, referindo o
direito à propriedade ao de liberdade.
Após apresentarmos brevemente a presença das ideias de Locke na
Revolução Farroupilha passaremos a refletir sobre a presença desse autor no ideal
educacional farroupilha. Segundo Ghiggi e Oliveira (1995, p. 8), “através do conjunto
de sua obra, Locke exerceu e exerce grande influência na organização do processo
pedagógico no ocidente”. Dessa forma, acreditamos que sua influência estava,
também, na educação da República Rio-grandense.
131
5.2.1 John Locke e o ideal educacional farroupilha
Ao analisarmos o artigo publicado no jornal O Povo, entre 31 de agosto a 28
de setembro de 1839, intitulado “Iias elementares sobre um sistema de educação
nacional” buscaremos traços dos princípios de Locke, mesmo sabendo que
influência de outros autores, como consta no próprio texto, tais como Harley,
Condillac, Kant, Reid e Hobbes.
Esse artigo foi publicado no referido jornal, na sessão 12ª carta de Americus.
Segundo Giolo (1999, p. 232) fazia parte do livro denominado Cartas políticas -
extraídas do Padre Amaro, publicado em dois tomos, em Londres, no ano de 1826.
Americus era, na verdade, o estadista baiano Miguel Du Pin e Almeida, mais tarde
marquês de Abrantes”.
Embora Locke apresente a educação doméstica em seus escritos
pedagógicos e os farroupilhas defendam a educação pública, que o autor chama de
comum e ainda que Mariano Fernández Enguita, no prólogo da obra Pensamientos
sobre la educación (LOCKE, 1986), na versão espanhola, exponha que o autor inglês
teria “su horror por las escuelas públicas, a las que considera poco más o menos
lugares de depravación”, nós percebemos possíveis ideias de Locke, reinterpretada
às necessidades locais, no artigo que iremos analisar.
No que se refere “ao horror pelas escolas públicas”, citado acima, julgamos
ser um termo muito forte, mas concordamos que Locke prefere a escola doméstica à
pública. O autor inglês percebe vantagens na escola doméstica, como o controle
sobre a criança e a desvantagem de pouca companhia. a escola blica tem o
benefício de torná-lo mais arrojado e mais capaz de conviver entre os meninos de sua
idade, além da emulação dos colegas de escola colocar vida nas crianças. Tendo
como negativo a pouca disciplina e em que lugar “encontrar uma escola onde seja
possível ao mestre cuidar das maneiras de seus alunos e mostrar efeitos tão
grandiosos, tanto em cuidar da formação de suas mentes para a virtude e de suas
condutas para o bom crescimento” (LOCKE, 2001, p. 168). O autor, mesmo
considerando a vantagem na escola pública da convivência com outros meninos,
prefere a escola doméstica, pois o jovem cavaleiro que adquiriu o bito da virtude
poderá sair para o convívio social, ou ser introduzido aos poucos, ele saberá qual
caminho correto seguir. Conforme Locke (LOCKE, 2001, p. 168-169),
132
O homem que considerar quão diametralmente opostas são a habilidade de
viver bem e lidar com seus afazeres no mundo - como um homem deve fazer
e aquela malicia, truques e violência aprendidos entre os meninos da escola
considerará os erros de uma educação mais privada infinitamente preferíveis
àqueles melhoramentos. E tratará de preservar a inocência e a modéstia de
seu filho em casa, estando mais próximo da parentagem e mais na direção
daquelas qualidades que constroem um homem útil e capaz. Ninguém pensa,
ou sequer suspeita, que aquele recolhimento e timidez em que as filhas são
criadas fazem-nas mulheres menos conhecedoras ou capazes. O convívio,
assim que elas entram no mundo, -lhes logo uma segurança apropriada.
Ademais, também os homens podem muito bem ser poupados de todas as
coisas rústicas e turbulentas, pois a coragem e a segurança, conforme as
tomo, não repousam na rusticidade e na criação molesta.
A virtude é mais dura de ser adquirida do que o conhecimento do mundo; e
se um jovem a perder, raramente será recuperada [...]
Um jovem, antes que deixe o abrigo da casa de seu pai e a guarda de um
tutor, deve ser fortificado com resolução e habituado ao trato com os homens,
para assegurar sua virtude, a fim de que não seja conduzido a algum
caminho ruinoso ou precipício fatal, antes que seja suficiente acostumado aos
perigos do convívio social (Conversation) e tenha firmeza suficiente para não
ceder a tentações. Não fosse por isso, a timidez do jovem, e sua ignorância
do mundo, não necessitariam tanto de cuidado precoce. O convívio social
(Conversation) curá-lo-ia em grande medida; e se não fizer suficiente cedo, e
apenas uma razão mais forte para ter em casa um bom tutor. Pois se há que
haver dores para lhe dar um ar adulto e seguro bem cedo, é principalmente
como uma proteção às suas virtudes quando ele entrar no mundo sob sua
própria direção (LOCKE, 2001, p.168-169).
Digno de destaque é que o autor considera necessário o auxilio de um bom
tutor, ou seja, estima o serviço daquele que seria o professor. Dá, no entanto, grande
importância, também, às companhias “uma vez que elas agem mais que todos os
preceitos, regras e instruções” (LOCKE, 2001, p. 168). O que percebemos é que
talvez a sua negação à escola pública esteja relacionada à ideia de classe, de não
conviver com “tipos inferiores de pessoas” (LOCKE, 2001, p. 172).
O autor acredita na educação como formadora dos futuros homens que virão
conduzir a sociedade inglesa, sendo necessário se ocupar dessa para formar o
cidadão de virtude. Conforme Locke (2001, p. 171)
Disto estou certo; se os fundamentos de tal empresa não repousar na
educação e na formação de princípios na juventude, todos os outros esforços
serão em vão. E se a inocência, a sobriedade e a diligencia daqueles que
estão crescendo não forem cuidadas e preservadas, será ridículo almejar que
aqueles que a seguir virão ao palco, possam abundar na virtude, na
habilidade e no conhecimento que até agora tornaram a Inglaterra digna de
consideração no mundo.
133
O que se percebe é que o autor não é totalmente contra a escola pública, ele
não é a favor, isso sim, a que está sendo disponibilizada na Inglaterra. Tanto que
aceita que seja reformada a escola comum e a doméstica. Segundo Locke
mas se, depois de tudo, alguns acharem que a educação doméstica
proporciona muito poucas companhias e que as das escolas comuns não
convêm como deveriam a um jovem cavaleiro, penso ser possível descobrir
meios de evitar as inconveniências de um lado e de outro (LOCKE, 2001, p.
173).
Podemos observar que Locke prefere a educação doméstica, mas não tem
aversão à escola pública, no entanto, não é dela que ele quer escrever, o que tem em
mente é a instrução do jovem cavaleiro aristocrático e burguês. É sobre esses que
discorre e defende uma educação doméstica, pois a pública que se tinha na Inglaterra
estaria desorganizada, mas segundo Locke, poderia ser reformulada.
Locke, seguindo seus princípios liberais, põe a responsabilidade nos pais no
que se refere à escolha da escola, colocando esse assunto no âmbito do direito
privado, onde “o que quer que seja resolvido no caso deve, em grande medida, ser
deixado a cargo dos pais para ser determinado pelas suas circunstâncias e
conveniência” (LOCKE, 2001, p. 172-173). Nesses dois últimos termos,
“circunstâncias e conveniência” estão camufladas as questões pecuniárias e de
classe. O que se percebe é que ele discorre e defende a educação doméstica para os
filhos dos nobres e burgueses. É para esses que está escrevendo. Segundo Ghiggi,
Oliveira e Oliveira (2008, p. 169-170),
é o fato de Locke, numa época em que se falava em educação para todos,
defender a educação aristocrática, doméstica e, assim, individualista, para a
classe burguesa. Por outro lado, a tradição renascentista e humanista, ainda
que na prática garantisse o acesso à educação a poucos, teoricamente, no
entanto, escrevia sua vocação universalista. Isto é, Locke retrocede e
acentua o caráter discriminatório, buscando privilegiar a educação nobiliário-
burguesa. Pois, se é a educação que cria as diferenças, como afirma, é
imperativo defender o projeto universal de formação para que as
desigualdades desaparecessem. Coerentemente com radicais princípios
liberais, Locke defende a liberdade formal par a todos, mas, na prática, além
de entende que cada um está bem onde está (lugar social), ocupa-se com a
formação qualificada e diferenciada para os grupos dirigentes.
Tal passagem demonstra a presença das ideias de Locke na Revolução
Farroupilha, como apresentamos anteriormente, em que a educação era universal,
mas não para todos, sendo o acesso à instrução inicial sem restrição, mas a
134
continuidade de acordo com sua função social, não tendo por objetivo mudar o estado
das coisas.
Anteriormente, colocamos que os princípios iluministas se adéquam às
especificidades locais. Podemos perceber isso também com os ideais de Locke,
referentes à educação. No artigo “Idéias elementares sobre um sistema de educação
nacional” consta que o plano de ensino que estava formulando era adequado ao Rio
Grande, demonstrando que estava levando em conta as características e as
necessidades regionais. Como aparece em O Povo (31/08/1839, n°97),
com o designo, pois de formalizar um plano de educação ou ensino público
nacional, é que vou estabelecer alguns princípios sobre esta matéria, os
quais me parecem de uma fácil aplicação no Rio Grande, onde tanto se
carece de lançar os primeiros fundamentos as este edifício; os primeiros,
digo, porque o edifício antigo é preciso assolá-lo, não pelos seus defeitos
positivos, mas pelo seu total mérito negativo.
Na primeira edição de O Povo, em de setembro de 1838 aparece, em sua
primeira página, que o “periódico é propriedade do Governo” evidenciando ser esse
um difusor dos interesses do mesmo, que, em última instância, corresponde aos da
elite farroupilha. Dessa forma, partimos do princípio de que os representantes do
Estado estariam de acordo com as ideias defendidas no artigo que estamos
analisando.
O que pretendemos demonstrar é a possível presença de ideias de Locke, no
artigo Idéias elementares sobre um sistema de educação nacionale sua adaptação
às necessidades locais, para formar o sujeito social disciplinado e educado, através
de uma educação sem castigo e controlada pela lei.
Locke inicia suas reflexões tratando da felicidade em Alguns pensamentos
acerca da educação e afirmando que “uma mente num corpo são é uma descrição
curta, porém completa de um estado de felicidade neste mundo. Aquele que possui
estes dois tem pouco mais a desejar” (LOCKE, 1999, p. 154). Du Pin também segue
os passos de Locke quando afirma que “o fim principal da educação é fazer de um
indivíduo o instrumento de sua própria felicidade, e daqueles que vivem na mesma
comunhão civil” (O Povo, 31/08/1839, 97). Parece-nos digno destacar que ambos
colocam o homem como sujeito de si, responsável por sua própria felicidade.
Elemento esse percebido, no primeiro, por Ghiggi e Oliveira (1995, p. 12) quando
dizem que “o fato é que o empirismo rompe com os dogmas tradicionais que
135
sustentavam um tipo de cultura que concebia o homem, não como sujeito, mas como
um joguete nas mãos de forças ocultas e transcendentes”. Temos, também, a
presença do homem social, que influencia na construção de sua comunidade, que
muito interessava aos Republicanos Rio-grandenses: inculcar através da educação
escolar as bases do republicanismo.
Referente à busca da felicidade pela educação, presente nos escritos de
Locke, assim se expressam Ghiggi, Oliveira e Oliveira (2008, p. 157),
Para Locke, a educação deve estar a serviço do prazer duradouro, não
daquele que satisfaz aos instintos e ao corpo, mas que faz bem ao espírito. O
prazer duradouro consiste em ter saúde (sem a qual nenhum outro prazer é
possível), gozar de reputação, possuir amplos conhecimentos, praticar
sempre o bem e ter esperança, particularmente esperança de felicidade
eterna.
Percebemos a presença da educação física, moral e intelectual para garantir
a felicidade. Na obra de Locke observamos que esse considera três elementos para
desenvolver a educação plena - o físico, o moral e o intelectual. Da mesma forma
ocorre no artigo que estamos analisando, que propõe que a educação “se divide em
educação física educação moral e educação intelectual” (O POVO, 31/08/1839,
n°97).
Ao se referir à educação física, Du Pin, afirma que
debaixo da primeira divisão se compreendem aquelas indagações, que dizem
respeito ao modo, porque o nosso corpo se afeta com doenças, ou com a
saúde, com o alimento, ou com a fome, com o ócio ou com o trabalho, e
assim mais com outros vários acontecimentos, ou hábitos, a cujo império
vivemos sujeitos (O Povo, 31/08/1839, n°97).
Como podemos observar surge a categoria do hábito, que é importante em
toda a obra de Locke. Sendo compreendida como algo que através do costume de
fazer, se torne tão automático que o aluno, ou o cidadão não perceba que está
fazendo. Conforme Locke (2001, p. 164),
outra coisa a ser alcançada é que, pela repetição de uma mesma ação, até
que se lhe torne habitual, a realização não dependerá de memória ou reflexão
- acompanhantes da prudência e da idade, e não da infância mas ser-lhes-á
natural. Assim inclinar a cabeça a um cavalheiro quando este o saúda e olhar
em seu rosto quando fala é, pela constância, tão natural a um homem bem
educado quanto o ato de respirar: não requer qualquer reflexão ou
pensamento.
136
Para o filósofo inglês o hábito é capaz de mudar, inclusive, movimentos que
não são voluntários, como ir aos pés diariamente. Como podemos observar,
1. Então considerei que ir aos pés é o efeito de certos movimentos do
corpo, especialmente do movimento peristáltico dos intestinos.
2. Considerei que vários movimentos que não são perfeitamente
voluntários, ainda assim podem, pelo costume e aplicação constantes, ser
tornados habituais se, por um costume interrupto, eles forem constantemente
produzidos pelo desempenho, em certos momentos do dia.
3. [...]
4. Então, imaginei que se um homem, após a primeira refeição matinal,
solicitasse a natureza e tentasse, com o maior esforço que lhe fosse possível,
obter uma defecação, com o tempo poderia, por uma constante aplicação,
fazer com que tal se tornasse hábito (LOCKE, 1999, p. 168).
A educação moral, para Du Pin, é aquela adquirida na família, ou com os
indivíduos que possui maior contato, onde “se compreendem aquelas indagações,
que dizem respeito aos hábitos domésticos adquiridos na infância por meio do
exemplo” (O POVO, 31/08/1839, n°97). Aparece, então, outro elemento importante na
obra de Locke que é o exemplo, como podemos observar,
Levando em consideração quão grande é a influência da companhia e o
quanto somos propensos, especialmente as crianças, à imitação, devo aqui
tomar a liberdade de advertir os pais de apenas uma coisa, a saber: que o
homem que deseja que seu filho tenha respeito por ele e por suas ordens
deve, ele próprio, ter grande reverência pelo filho [...] Não deveis fazer diante
dele qualquer coisa que não espereis que ele imite. Se vos escapar alguma
coisa que, em vindo dele, julgares uma falta, certamente, ele se de abrigar
sob vosso exemplo: e proteger-se-á de tal forma que não será fácil chegar até
ele, para corrigi-lo da maneira certa [...] O que afirmo da conduta do pai ante
os filhos deve estender-se a todos aqueles que exercem qualquer autoridade
sobre eles ou por quem seria esperado que eles tivessem algum respeito
(LOCKE, 2001, p. 173).
Podemos constatar que não é somente o pai que deve se preocupar em dar o
exemplo, mas todos aqueles que com a criança têm ligação de autoridade. Princípio
que transpassa toda a obra de Du Pin, em que afirma que o professor deve ser
modelo de conduta.
A educação intelectual é aquela adquirida na escola e considera que o
conhecimento é fruto da experiência ou da conjuntura, mas o que produz o
conhecimento verdadeiro é o primeiro.
Tudo quanto se passe no homem, considerado como ente sensível e
racionável, ou é matéria de imediata experiência, ou é matéria de simples
conjuntura. A experiência fornece um conhecimento das cousas real e efetivo;
137
mas tudo o que é conjuntura não passa de um conhecimento supositivo, a
que pela maior parte não correspondem as verdadeiras propriedades dos
objetos (O Povo, 31/08/1839, n°97).
Como podemos observar Du Pin está de acordo com o pensamento de Locke
(2000 b), que considera que o conhecimento humano advém da experiência e a razão
é uma segunda fonte. Conforme Ghiggi e Oliveira (1995, p. 12),
para Locke, no entanto, o homem quando nasce é tabula rasa e o
conhecimento humano principia, necessariamente, com a experiência
sensível. À reflexão esreservada a possibilidade de ser uma segunda fonte
do conhecimento, desde que depende das informações da primeira.
Mesmo sendo uma segunda fonte do conhecimento, a razão não é menos
importante do que a experiência, pois sendo ela elaborada na razão acaba por formar
o conhecimento.
Para Du Pin (O POVO, 31/08/1839, n°97) “a nossa experiência reduz-se às
nossas próprias sensações e as idéias, que lhe o correspondentes”, o que em
Locke (2000 b) seria a experiência sensível e a reflexão.
Podemos perceber na obra de Locke a presença da disciplina, intimamente
ligada em prevenir os desejos naturais. Através da razão poderíamos contrariar ou
dominar a vontade da natureza, possível pelo hábito. Seguindo Ghiggi e Oliveira
(1995, p. 90-91),
Disciplina, para o autor, não é se não um conjunto de leis ou ordens a que o
indivíduo deve submeter-se. É submissão, obediência. Com a formação de
hábitos, a criança, o jovem ou o educando poderão, livremente, assumir
comportamentos desejados pela classe a que pertencem.[...] Se a fortaleza
do corpo demonstra-se pela capacidade de suportar sofrimentos, para o
espírito evidencia-se pela capacidade que um homem tem de negar a si
mesmo a satisfação de seus próprios desejos, dominar suas próprias
inclinações e seguir somente aquilo que a razão determina como sendo o
melhor. O homem obtém e melhora esse poder pelo costume.
Esse conceito de disciplina é próprio aos interesses dos que dominam a
Revolução Farroupilha, pois poderia criar o hábito da submissão. Os indivíduos
assumiriam comportamentos desejados pela classe que domina o governo da
República Rio-grandense e de acordo com as funções de cada classe.
Para Du Pin (O POVO, 31/08/1839, 97), a distinção que entre “individuo
e individuo, e mesmo entre nação e nação, todas elas são devidas à cultura moral e
intelectual”. Mais uma vez se fazem presentes os princípios defendidos por Locke
138
(1999, p. 154) e que podemos relacionar com a seguinte passagem “e penso poder
afirmar que de todos os homens que encontramos, nove de cada dez são o que são
bons ou maus, úteis ou não, por sua educação”.
Outro elemento importante que aparece no artigo é a capacidade de, através
da educação, moldar as aptidões humanas. As pessoas não nascem prontas, elas
podem ser adaptadas, no entanto, não desconsidera que há casos, que são as
exceções, em que a força da natureza atua. Como podemos observa em O Povo
(31/08/1839, n°97),
É certamente inegável, que a casos particulares, nos quais se observa uma
certa, e quase inata capacidade em alguns indivíduos, a qual não permite
duvidar, que o gênio é muito independente da cultura, e que o seu
desenvolvimento apenas depende, pela maior parte das vezes, de um mero
acaso [...] Mas se um e outro caso mostra uma acidental erupção de gênio,
mil e mil casos provam que os homens não nascem com propensões,
irresistíveis para poeta, para orador, para artistas, para legislador, para
generais. Pelo outro lado ninguém pode deixar de convir, que há certas
circunstancias físicas, as quais indubitavelmente afetam o corpo e o espírito.
Essas considerações de que uma pessoa pode ser adaptada, mas não nega
que em certos casos a natureza intervém, também, estão presentes no pensamento
de Locke (1999, p. 154), como podemos constatar,
Eu confesso, há alguns homens cujas constituições de corpo e mente são tão
vigorosas e bem formadas pela natureza que não necessitam muita
assistência de outros mas, pela força de seu gênio natural , são carregados
de seus berços ao que é excelente; e pelo privilégio de suas constituições
felizes são capazes de fazer maravilhas. Mas exemplos desse tipo de
homens são poucos.
Locke, inclusive, percebe a necessidade de observar as inclinações dos
alunos, pois se preocupa com as aptidões. Como podemos observar em,
O homem, portanto, que está envolvido com crianças deve estudar bem suas
naturezas e aptidões e ver, através de tentativas freqüentes, que rumo elas
tomam facilmente e o que se tornam, observar qual é sua bagagem original,
como ela pode ser melhorada e para que é adequada (LOCKE, 1999, p. 163).
Apesar de Locke não desprezar as inclinações de cada indivíduo, ele não
acredita nas ideias inatas. Segundo Ghiggi e Oliveira (1995, p. 18) “é a capacidade
que é inata e não o conhecimento”. Princípio que também aparece em Du Pin (O
139
POVO, 31/08/1839, n°97), “se observa uma certa e quase como inata capacidade em
alguns indivíduos”.
Embora Du Pin defenda a Instrução Pública, ele não desconsidera a
importância da educação doméstica, como sendo aquela que prepara negativa ou
positivamente para ser o aluno inserido na escola, pois o que passa em sua casa será
adquirido pelo mesmo. Considera essas primeiras experiências as mais duráveis na
mente humana e, por isso, deve se ter o maior cuidado com elas. Apresenta,
novamente, a importância de criar o hábito. Como podemos observar em O Povo
(31/08/1839, n°97),
as feições originais da nossa moralidade e da nossa inteligência são traçadas
dentro das paredes da casa, onde nascemos, não por certo de um modo
inalterável, ou indelével; mas de um modo tal, que tornam o indivíduo ou mais
ou menos capaz de ser ensinado, mais ou menos apto à cultura das
escolas[...] As primeiras impressões são as que tem mais duráveis efeitos,
principalmente quando pela sua repetição se contraem aqueles hábitos.
Esses pontos são igualmente defendidos por Locke que valoriza a
importância de tomar “muito cuidado em formar as mentes das crianças e dar-lhes
cedo aquele tempero que influenciará toda a sua vida posterior” (LOCKE, 2000, p.
165).
O autor do artigo publicado no jornal farroupilha expõe que a educação
doméstica estaria lesada, pois nem todos os pais teriam conhecimentos para dar essa
primeira educação aos filhos, mas com a difusão da escola o aluno, futuro pai e
também, difusor de ideias irá melhorar a instrução dessa tão importante idade.
Segundo Du Pin (O POVO, 31/08/1839, n°97), “esta parte da educação está por certo
muito atrasada: porque toda ela depende da maior ou menor capacidade dos pais,
Por isso só dos progressos, que for fazendo a educação escolástica, é que dependem
os progressos da educação doméstica”. Como foi exposto anteriormente, essa
educação habilitaria para receber a cultura da escola pública, pois é para essa que o
autor está tentando formular um plano.
Segundo Ghiggi, Oliveira e Oliveira (2008, p. 172), para o autor inglês a
educação deveria ser distinta por classe social e de acordo com suas funções na
sociedade, pois, primeiramente deve-se ensinar a língua materna, depois uma língua
viva e em último caso para os filhos de boa família (burguesia e nobreza), o latim.
Aos outros, reserva-se tão-somente escrever bem e aprender a fazer contas, para o
140
exercício profissional”. Para reforçar tal ideia da educação ligada às profissões a
desempenhar, Locke percebe a educação focada nas necessidades da vida,
advertindo que o tempo “deveria ser gasto na aquisição daquilo que lhes possa ser
útil quando vierem a ser homens, ao invés de abarrotar-lhes a cabeça com uma
quantidade de porcarias sobre grande parte das quais jamais voltarão a pensar
durante toda a vida” (LOCKE, 2002, p. 209).
Esses princípios da educação de acordo com as funções que se irá
desempenhar na sociedade serão, também, defendidos por Du Pin que, inclusive,
distingue três planos distintos de acordo com cada classe social,
é outro sim inegável, que os que trabalhão a penas podem roubar alguns
momentos ao seu cotidiano emprego para os consagrar à aquisição de
alguma espécie de conhecimentos. Mas isto prova somente, que os graus de
inteligência devem ser proporcionados a condição social dos indivíduos
[...]um plano geral de instrução, que abranja a todas as classes da sociedade
- outro restrito á classe média da mesma sociedade e outro peculiar tão
somente aquela classe, que se dedica as profissões científicas (O Povo,
31/08/1839, n°97).
O autor denomina esses três tipos de escolas de: primeira escola, alunos
entre 6 e 9 anos de idade, segunda escola, ou média, alunos de 9 a 11 anos de idade
e terceira escola, ou superior, com alunos de 11 a 14 anos de idade.
Ao descrever, especificamente, cada um dos graus de ensino, Du Pin
apresenta quais as disciplinas que deveriam ser ensinadas, “na primeira escola do
ensino público e nacional se deve ensinar a ler, escrever e contar, os elementos da
língua materna até as linguagens, a doutrina cristã e a cartilha universal” (O POVO,
21/09/1839, n°103). Isso demonstra o quanto diminuto seria o conteúdo dessa escola
na qual todos deveriam passar.
A segunda escola é para a classe média, devendo dar a essa a maior
importância, por ser a que faz desenvolver a sociedade. Havendo, inclusive, a defesa
dessa, em detrimento da nobreza. Como podemos observar em O Povo (25/09/1839,
n°104),
A escola média é para a classe média da sociedade; isto é para aquela, que
deve dar alunos ao comércio, e a todas as artes úteis. Uma educação
conveniente a esta porção da sociedade é da maior importância, e traz
consigo os mais sérios, e os mais importantes resultados. É nesta classe que
reside toda a força da comunidade; nela se contém a maior porção de
indústria, nela é que se encontra sempre o gênio, que inventa, e a mão que
executa; o empreendedor que projeta e o agente que realiza. Os lavradores,
141
os negociantes, os fabricantes, os artistas; os que descobrem os novos
processos, e os que aperfeiçoam os descobertos; os que alargam a esfera
dos conhecimentos humanos; os que pensão e obram pelo resto dos
indivíduos da sua raça, todos estes pertencem à classe média, e raras vezes
se encontraram ou na do baixo povo, ou na da orgulhosa nobreza.
O que se percebe é a colocação da nobreza como orgulhosa e estática e a
classe média como a propulsora da sociedade. Ao se referir à classe média, o autor
está se referindo ao que Bottomore (1988, p. 65) chamou de velha classe média”,
composta de pequenos produtores, artesãos, profissionais independentes,
agricultores e camponeses.
Para Locke, enquanto não houvesse a transição do domínio da sociedade
para as mãos da burguesia defende a instrução de nobres e burgueses. No entanto, a
educação que ele realmente se interessava era pela instrução da burguesia para
formar sujeitos autônomos, capazes de assumir o controle da sociedade.
O autor inglês não concebe os burgueses e nobres como um grupo único,
como podemos observar em Ghiggi e Oliveira (1995, p. 94), quando esses autores
afirmam que “a redução de sua preocupação à educação do gentleman, em sentido
amplo, ou seja, à educação dos filhos das diversas categorias de nobres e
burgueses”. Por não considerar a classe burguesa como algo único, Du Pin defendeu
a educação da classe dia, como integrante da burguesia. Por outro lado, como
veremos mais adiante, o terceiro grau, com conteúdos mais amplos, seria para a
camada mais elevada da burguesia que estaria se constituindo na condutora dos
novos tempos.
Talvez o uso do termo burguesia devesse ser substituído por classe
dominante, que seria mais adequado para as condições locais da República Rio-
grandense, já que, segundo Bottomore (1988, p. 64) esse termo abarcaria duas
noções, a primeira “é a de uma classe economicamente dominante que, em virtude de
sua posição econômica, domina e controla todos os aspectos da vida social” e a
segunda “a de que a classe dominante, para manter e reproduzir o modo de produção
e as formas de sociedade existentes, deve necessariamente exercer o poder de
Estado, isto é, dominar politicamente”. O que se percebe é a disseminação de ideias
coerentes com as necessidades européias, reformuladas para a República Rio-
grandense, onde uma incipiente necessidade da escola, tornando boa parte do
que é dito em mero discurso.
142
O conteúdo da escola média é bem mais amplo que da primeira escola.
Havendo uma ligação com conteúdos religiosos, a defesa de ensinar na infância
princípios de ética e da moral, respeitar as leis, saber seus deveres e direitos.
Percebemos, também, a defesa dos livros para auxiliarem nas aulas, chamados de
catecismos. Como podemos observar em O Povo (25/09/1839, n°104),
Primeiro a língua materna, aprendendo da gramática tão somente aquilo, que
é essencialmente necessário para atender a construção do discurso,
acostumando-se a conhecer as belezas da língua por meio de extratos
elegantes dos melhores poetas, e dos melhores prosadores.
Segundo. Um catecismo, ou epítome, que numa coleção de máximas
explique de um modo curto e claro o sistema solar e as leis do movimento, da
atração, e da gravidade, que tornam a explicação do mesmo sistema mais
inteligente e mais perspícua.
Terceiro. Outro catecismo de geografia, feito conforme o mesmo plano; isto é
simples, curto e de fácil percepção.
Quarto. Um catecismo de cronologia, e outro de história geral, que de uma
sucinta, mas compreensiva relação dos principais acontecimentos desde a
criação do mundo até agora. v. gr. O primitivo estado do homem, a sua
queda, a corrupção antiluviana, o dilúvio, a povoação de todo o mundo pela
propagação de uma família; a vocação de Abraão, e o decálogo; tudo isto
segundo no-lo contam as escrituras sagradas.
Depois os estabelecimentos dos Governos da Grécia, e a sua mitologia, a
guerra de Tróia, as quatro grandes monarquias, o nascimento do Salvador, as
perseguições do cristianismo, e a seita de Maomé. Depois a invenção da
imprensa, da pólvora, e do astrolábio; a reforma de Lutero; a passagem à
Índia pelo Cabo da Boa Esperança, a descoberta da América, a revolução da
França, e enfim todas as grandes descobertas nas artes e ciências.
Como apêndice a estes dois catecismos, outro de cronologia, e outro de
história Americana. Quanto um catecismo de ética e de moralidade. Por se
não darem logo no principio a mocidade justa idéia dos seus deveres resulta
o grande estrago da moral pública. Sexta, um catecismo político, onde se
explique a constituição do estado; isto é, os direitos que ela afiança, e as
obrigações, que impõem ao cidadão, a importância das leis, a utilidade da
sua observância, e os prejuízos da sua violação, a necessidade dos tributos,
os princípios porque se regula o uso da moeda, o valor das cousas, a subida
e a baixa dos salários, e finalmente as idéias mais gerais relativas ao
comércio, agricultura e indústria.
Se nos ensinam, quase na nossa infância, os dogmas abstratos da teologia, e
as abstrações metafísicas do mecanismo das línguas, porque motivo se não
hão de ensinar também os elementos do Governo, e as primeiras linhas de
legislação? Sétimo: Um catecismo, que compreenda um suficiente número de
verdades sobre a história natural, sobre a mineralogia, botânica, química e
mecânica. Oitavo. A ngua francesa e inglesa, que entre as modernas são as
que prestam maior utilidade pela vastíssima extensão de sua literatura e pela
sua grande difusão por todo o mundo.
Podemos constatar a valorização do francês e do inglês para que o aluno e
futuro cidadão pudessem ter acesso aos conhecimentos atuais disseminados pelo
mundo. Princípios que foram, também, notáveis no regulamento 62, em fevereiro
de 1841, que reformulou o plano de ensino do Colégio de Pedro II, onde houve
143
redução do ensino do Latim em aproximadamente 40% e quase triplicou o ensino de
francês e inglês. Tal mudança visava modernizar o plano de ensino, onde “o domínio
das línguas modernas permitiria a aquisição de conhecimentos da literatura e das
ciências que estavam em grande desenvolvimento na Europa” (VECHIA, 2005, p. 88).
Para Du Pin (O POVO, 25/09/1839, n°104) as pessoas não devem se
assustar com a quantidade de conteúdo, pois, “cada um destes quadros deve ser mui
resumido, e que podendo ser ensinados pelo método de Lancaster podem ser
aprendidos com a maior facilidade” e os livros que serão usados devem ser “um
composto, onde entrem na mesma proporção doutrina suficiente, concisão e clareza”.
Isso demonstra a defesa de um conhecimento mínimo de vários assuntos e a
supervalorização do método de Lancaster e dos livros. Para o autor baiano,
toda a dificuldade, como disse, consiste em formar esta coleção de
epítomes, e de achar mestres capazes de ensinar. Ah! Quanto dinheiro se
desperdiça em objetos que não tem ponto de comparação. Um prêmio, e
grande prêmio, se devia dar a quem apresentasse a melhor gramática nas
quatros línguas nacional, latina, francesa e inglesa. E bem assim a quem
apresentasse o melhor catecismo nas repartições, a que se destina esta
escola média (Povo, 25/09/1839, n°104).
Aparece, ainda, a preocupação com a dificuldade de encontrar professores
capacitados, assunto que era debatido na época. Como apresentamos anteriormente,
os farroupilhas haviam publicado a Lei n°14, em que criavam uma escola normal,
quando ainda estavam ligados ao Brasil, pensando na formação de professores. E
para haver boas escolas, o autor defende que devem haver bons mestres, mas esses
se conseguem se forem bem pagos e “na fundação de um Estado tudo quanto se
poupar neste objeto é economia mais absurda que a do avaro, que nega a si próprio o
pão de cada dia” (O POVO, 25/09/1839, n°104). Perceptível é também que ao se
referir aos livros, usa o termo epítomes, que segundo Ferreira (2004), significa
“resumo; compêndio; abreviação; sinopse”. Tal fato reafirma a ideia de não
aprofundar os conteúdos.
Referente à dificuldade de encontrar bons mestres e de que não se deve
economizar na educação dos filhos, é mais uma vez perceptível a presença do
pensamento do autor inglês. Como podemos observar em Locke (2002, p. 200)
Penso que tal cargo requer grande sobriedade, temperança, ternura, zelo e
discrição, qualidades que dificilmente podem ser encontradas unidas nas
pessoas que se de conseguir por salários comuns: tampouco serão
144
facilmente encontradas em qualquer lugar. Quanto ao gasto com isto, penso
que será o dinheiro melhor empregado em proveito de nossas crianças;
portanto, embora possa ser mais dispendioso que o costumeiro, ainda assim
não pode ser visto como caro. O homem que, independentemente do preço,
granjeia para o filho uma boa mente, com bons princípios, disposta para a
virtude e a utilidade, e adornada com a civilidade e a boa criação, faz melhor
aquisição do que se despendesse o dinheiro para a adição de mais terras a
seus acres originais. Sede tão parcimoniosos quanto desejeis em brinquedos
e jogos, em seda e cintos, em laços e outros gastos inúteis, mas não
empregueis parcimônia em aspecto tão necessário quanto este. o é um
bom expediente cumular-lhe de bens e empobrecer-lhe a mente. Sempre com
grande admiração, tenho visto pessoas que gastam extravagantemente para
enfeitar os filhos com roupas finas, para dar-lhes habitação e alimento
suntuosos, para proporcionar que tenham mais servos inúteis do que o
necessário: e, no entanto, ao mesmo tempo, deixam definhar suas mentes e
não cuidam suficientemente de cobrir aquela que é a nudez mais vergonhosa,
a saber: a ignorância e as más inclinações naturais dos filhos.
No que se refere ao aprendizado, o autor aponta a importância dos sentidos,
onde a maioria dos assuntos tratados “neste catecismo, são familiares aos nossos
sentidos, tem uma grande conexão com os fenômenos comuns da natureza e são
todos eles susceptíveis de serem expostos por um método perceptível, que torne fácil
o seu ensino” (O POVO, 25/09/1839, n°104). Característica também presente na obra
de Locke, que ao utilizar figuras evidencia a importância da visão no ensino
aprendizagem. Como podemos observar em Locke (2005, p. 230)
Pois é inútil e não tem qualquer satisfação ouvir falar de objetos visíveis,
enquanto não tem deles qualquer idéia; e tais idéias não haverão de ser
obtidas através de sons, senão através das coisas mesmas, ou de figuras.
Portanto, penso que é conveniente, assim que ele comece a soletrar, que lhe
sejam conseguidas tantas figuras de animais quanto possam ser
encontradas, com seus nomes impressos nelas, o que de convidá-lo a ler
e, simultaneamente, proporcionar-lhe-á matéria de pesquisa e conhecimento.
Na escola, ou superior, que era destinada aos alunos que iriam se dedicar
“às profissões científicas da teologia, jurisprudência, política, a arte militar, medicina e
filosofia natural” continua a valorização dos compêndios, porém, “um pouco mais
extenso”. Tendo como conteúdo, “a história e a cronologia geral, a história e a
cronologia brasileira, e se deve estudar o grego e o latim, a mitologia e os primeiros
elementos da geometria e da álgebra” (O POVO, 25/09/1839, n°104).
Segundo Du Pin devemos levar em conta qual a necessidade de estudar
Matemática, Grego e Latim, pois se perdem muitos anos nesse aprendizado que
talvez nunca seja utilizado. O autor a educação como funcional, ou seja, precisa
145
ensinar de acordo com as necessidades da vida. Como podemos perceber em O
Povo (28/09/1839, n° 105),
Enquanto a matemática direi que é absolutamente improfíncuo, a um
estudante, que não tem de seguir a profissão, haja de gastar muito tempo
com esta ciência, como acontece em Oxford e em Cambridge, onde os que
se dedicam às leis e á teologia estudam quatro anos matemática [...] É
instrumento mui fino para ser manejado por outras mãos que não sejam as
daqueles, que particularmente a cultivam.
Apesar de reconhecer a sua precisão o autor a considera “inútil, quando se
aplicada a qualquer outro ramo dos conhecimentos humanos”. A Matemática é
utilizável em casos concretos, mas o conhecimento do homem possui variáveis que
são ativas e livres, considera, assim, o homem capaz de transformar o seu ambiente,
não sendo possível colocá-lo numa forma matemática. Como podemos observar em
O Povo (28/09/1839, n° 105),
mas como aplicar a mesma precisão aquela abundante e variada provinda da
moral e da política, da literatura e da legislação onde se agitam tantos e tão
variados princípios? Finalmente círculos e parábolas têm mui pouca relação
com os negócios humanos, e é escusado procurar na matemática as leis,
porque se deve governar o homem nas suas relações com outro homem: a
ética, a história, a eloqüência e a poesia ofereceram sempre vastidão de
matéria, em que se exerçam as nossas faculdades de um modo mais útil, por
isso que tratam de coisas mais imediatamente conexas com o estado do
homem consideradas como um ser ativo e livre.
No que se refere ao Grego e ao Latim, o autor faz uma distinção entre classes
e suas funções na sociedade, onde os saberes da classe dominante não devem ser
apropriados pelas demais. Conforme O Povo (28/09/1839, n° 105),
Que tão inútil será o conhecimento destas duas línguas á classe média, que
se destinam ao comércio e as artes úteis, como necessária ao legislador, ao
filosofo e ao homem da fina educação que se presa de conhecer boa
literatura [...] Em algumas profissões cientificas não se pode passar sem um
grande conhecimento da língua Grega e muito mais sem a da Latina, os
exemplares Gregos e Latinos devem ser objeto de incessante estudo noturno
e diurno para os filósofos, para os literatos e para os jurisconsultos.
Está visível a percepção de Du Pin em distinguir o conhecimento destinado à
classe dominante, sendo diferente dos da classe média, que é a do comércio e das
artes úteis, que para ele são as que fazem andar a sociedade. A outra parcela, a que
dirige a sociedade, deveriam ter uma instrução mais ampla.
146
Como podemos observar, não é somente quando Du Pin aponta a quem
deveria ensinar Matemática, Grego e Latim, mas em todo o artigo apresenta uma
educação discriminatória, classista, funcional, diferenciada entre dirigentes e dirigidos.
Elementos também presentes na obra de Locke, conforme Ghiggi e Oliveira (1995, p.
93), “a postura ideológico-classista de Locke, caracterizam a sua opção liberal, no
conjunto de sua obra e, particularmente, na educação que, mesmo partindo de um
ideal humanista, acentua traços utilitários e classistas”.
Apesar de Locke não desconsiderar a importância do Latim e do Grego,
quando necessário para a formação, de acordo com a sua função na sociedade, ele
também se reporta ao tempo gasto. Conforme Locke (2004 a, p, 225), “quando reflito
sobre quanto alvoroço é feito por um pouco de Latim e Grego, quantos anos são
gastos nisto, que barulho e que atividade se fazem para um propósito nulo”.
Aparentemente, parece que Locke é contra ao Latim e ao Grego, mas não
seria isso, o que ele tem, segundo Ghiggi e Oliveira (1995, p. 93) é “aversão à
educação baseada nas línguas clássicas e nas artes da lógica, gramática e retórica”.
Fica evidente que a educação, segundo Locke, deveria ser mais ampla e ligada à vida
e sua função na sociedade. Caso fossem necessários esses conteúdos, aí sim,
devem ser aprofundados. O autor inglês ainda se preocupa com conteúdo e
processo-aprendizagem. O que ele prioriza é a formação do homem virtuoso,
prudente e disciplinado. Como podemos observar em Locke (2004 a, p.226)
Admito que ler, escrever e aprender são necessários, entretanto, não são a
tarefa principal. Imagino que julgaríeis deveras tolo aquele que não
valorizasse um homem virtuoso e prudente infinitamente mais do que um
grande erudito. Não é que eu não considere o aprendizado um grande auxílio
para a virtude e a prudência de mentes bem dispostas; entretanto, é preciso
também reconhecer que em outros, não tão bem dispostos, apenas ajuda a
serem homens piores e mais tolos. Digo isso a fim de que, quando pensardes
sobre a criação do vosso filho e estiverdes à procura de um mestre-escola ou
de um tutor, não tenhais em vosso pensamento apenas o Latim e a Lógica. É
necessário que haja aprendizado, mas e segundo lugar apenas como
subserviente de qualidades maiores. Buscai alguém que saiba como
conformar suas atitudes com circunspeção. Colocai-o em mãos através das
quais possais, tanto quanto possível, manter sua inocência, acalentar e
alimentar as boas inclinações bem como ternamente corrigir e extirpar as
más, estabelecendo nele bons hábitos. Este é o ponto principal e, uma vez
provido, o aprendizado pode ser conquistado por acréscimo e, a meu juízo,
com custo bastante cômodo. Através de métodos que podem vir a ser
considerado.
Como podemos perceber Locke, apesar de não demonstrar nenhum método
de ensino, não descarta a possibilidade de se usar um. Sendo assim, passaremos a
147
analisar o Método de Lancaster, que Du Pin coloca como adequado para os três
ramos de escolas, por ele apresentado. Através da análise desse todo iremos
discutir a questão da disciplina presente na obra dos dois autores examinados.
O ensino monitorial ou mútuo é denominado também de Método de
Lancaster, criador do todo. No entanto, há certa dúvida sobre quem seria o seu
inventor, ficando a disputa entre o médico e pastor anglicano A. Bell (1753 -1832) e J.
Lancaster (1778-1838). Bell teria usado o sistema mútuo em Madras, na Índia entre
1787 e 1794, quando dirigia um orfanato e instruiu quase 200 alunos. Em 1797,
publicou na Inglaterra Essaid D‟education fait au collège de Madras. Em 1798,
Lancaster, da seita dos Quackers fundou em Londres uma escola para crianças
pobres, sendo 800 meninos e 300 meninas. Com esse método, dizia ser possível
ensinar 500 a 1000 alunos. A obra que publicou foi Amélioration dans l‟éducation das
classes industrieuses de la societé”, “onde destaca os resultados obtidos, estimulando
a abertura de inúmeras escolas imitando o método de Lancaster” (Bastos, 1999, p.
96-97).
Dun Pin apresenta o seu funcionamento em O Povo (21/09/1839, n°103),
Esta escola será dividida em classes, pelas quais serão distribuídos os alunos
segundo suas idades e os seus graus de proficiência; e nesta classe se
adotará o ensino mútuo de Lancaster, que essencialmente não é outra coisa
mais do que o método dos decúrias das escolas jesuíticas mais aperfeiçoado.
Este sistema de José de Lancaster, que tanta bulha tem feito e está fazendo
no mundo, consiste na aplicação de uma máxima mui antiga, segundo a qual
tudo quanto um homem sabe pode ensiná-lo e o melhor modo de saber bem
as coisas é ir ensinando. O sistema de Lancaster existe por tanto em fazer
com que os rapazes se ensinem uns aos outros. A prática deste método
pouco mais ou menos se reduz ao seguinte. Cada escola se divide em classe
de rapazes quase da mesma idade e que tenham feito iguais ou quais iguais
progressos; o lugar de cada um será determinado pelo seu adiantamento.
Cada classe destes se divide em decuriões e em discípulos. Sendo por
exemplo doze na classe, os seis melhores são os decuriões (tutors lhe
chamam em inglês).
Os decuriões devem fazer estudar as lições os seus discípulos ao mesmo
passo que as estuda eles mesmos, vigia no seu bom comportamento e no
sossego e boa ordem da classe. Cada uma destas classes deve ter um certo
número de vigias, ou de inspetores (na escola de Lancaster -se o nome de
monitores).
A obrigação destes monitores é vigiar exclusivamente sobre o que se esta
fazendo na classe, ensinar os decuriões a aprender as lições, e dizer-lhes o
modo como a de ensinar aos seus discípulos, ver se todos eles cumprem
com o seu dever, tomar fim lição a toda a classe. Cada um destes monitores
é tirado da classe onde aprende para aquela, cuja matéria de ensinar ele
sabe ao ponto de podê-la ensinar.
O monitor deve por tanto saber perfeitamente o que se aprende na classe,
onde ele vai presidir, deve ser além disso de uma regular conduta, e digno da
confiança que deles se faz.
148
Para compreender a organização das escolas que usaram este todo e
suas variáveis podemos recorrer à obra de Bastos e Faria Filho (1999).
Em relação às crianças aprenderem uma com a outra Locke (2004 a, 226)
apresenta como positivo, “confirma-me esta opinião o fato de que, entre os
portugueses, aprender a ler e escrever é costume e motivo de emulação entre as
crianças, de modo que não podem impedir que elas o façam. Elas aprendem umas
com as outras”. E em outra passagem volta ao assunto e, inclusive, cita que na
França as crianças “ensinam-se mutuamente a cantar e dançar, desde a infância”
(2004 a, p 229).
Seguindo o Método de Lancaster, Du Pin acredita que as “lições de cada
classe devem ser fáceis; cada uma deve o conter poucas idéias, mas deve ser
posta em linguagem tal que seja no mesmo grau clara, correta e concisa” (O Povo,
25/09/1839, 104). Demonstra, assim, certa ligação com a perspectiva de Locke
(2003 a, p. 198),
Não inibir ou desaprovar quaisquer perguntas que faça nem tolerar que
zombem dela, mas responder a todas as suas questões e explicar os
assuntos que deseja conhecer, de modo a torná-los inteligíveis e adequados
à capacidade de sua idade e conhecimento. Não confundir-lhe, entretanto, o
entendimento com explicações ou noções que ultrapassem, ou com uma
variedade ou quantidade de coisas que o sejam relacionadas com seu
propósito presente.
Apesar de constatarmos essa aproximação com Locke, referente a não
confundir a crianças com variedades de explicações, certa diferença entre esse
pensador e Lancaster. Locke quer que a criança pergunte, aprenda brincando, sem
ser uma obrigação, nem uma tarefa, devendo aguçar a sua curiosidade, enquanto o
método de Lancaster é gido, bem delimitado seus horários e cada momento do dia
já estão determinados. Como podemos observar em O Povo (25/09/1839, n° 104),
Nada se deve antecipar; o que se aprende numa lição deve preparar a lição
seguinte. Devem as lições ser de uma tal extensão que não levem mais de
dez minutos a aprender, quando muito, um quarto de hora; e logo que
estiverem sabidas, devem os decuriões fazê-las repetir tantas vezes quantas
forem suficientes para se ficarem sabendo com exatidão. Deste modo
estudar-se pelo menos quatro lições em cada hora. Particular cuidado se
deve tomar em que não passe uma palavra, que o seja bem
compreendida, e nunca se deve principiar lição de novo sem estar bem
aprendida a que se tiver passado [...] o monitor marca num livro o modo
porque foi dada e depois a soma das lições diárias de cada rapaz lança-se
num livro de registro geral que tem o mestre, e por ali se conhece
regularmente o adiantamento de cada aluno.
149
Du Pin (O POVO, 25/09/1839, 104) elogia o todo de Lancaster, pois os
alunos não são deixados a aprender pelos seus próprios esforços, e a cada dez
minutos são visitados, além de “prevenir faltas por meio da assídua vigilância do
monitor”. Percebemos certo afastamento em relação às ideias de Locke, pois esse
mesmo mantendo a criança sob vigilância prefere que ela seja observada quando age
naturalmente, não se dando conta que está sendo vigiada. Como podemos observar
em Locke (2003 a, p. 2002),
Mais ainda que tenhais vossos olhos sobre ele, a fim de observar o que ele
faz do tempo que tem a sua disposição, não deveis de deixar que ele perceba
que vós, ou outra pessoa qualquer, o mantém sob observação. Isto pode
impedi-lo de seguir a própria inclinação, da qual está impregnado: e, em
virtude do temor de vós, não ousa fazer aquilo para o que estão direcionados
o seu coração e a sua cabeça, pode negligenciar todas as outras coisas pelas
quais não sente prazer e, assim, pode parecer desidioso e apático, quando,
na verdade, não se trata senão de estar atento aquilo que o temor de vosso
olhar ou conhecimento o impede de fazer. Para ser claro neste ponto, a
observação deve ser feita quando estiverdes ausente e ele não estiver tão
restringido pela suspeita de que alguém o tem sob as vistas.
Ao apresentarmos essa passagem que apresenta certa diferença entre Du
Pin e Locke, nós devemos ir para os fins que em cada modelo e novamente eles
se aproximam. Através do Método de Lancaster os farroupilhas queriam produzir
corpos e mentes dóceis, disciplinados e dominados por uma visão de mundo da
classe dominante, que o reproduz, também, por meio da escola. Vejamos o conceito
de disciplina de Locke, segundo Ghiggi e Oliveira (1995, p. 90), um conjunto de leis
ou ordens a que o indivíduo deve submeter-se. É submissão, obediência. Com a
formação de hábitos, a criança, o jovem ou o educando poderão, livremente, assumir
comportamentos desejados pela classe a que pertencem”.
Ghiggi e Oliveira (1995) se referem que os alunos deveriam se apropriar do
comportamento desejado da classe a que pertencem, pois a educação com a qual
Locke se preocupa é a da classe burguesa. No caso da República Rio-grandense os
conceitos e o discurso difundido na escola seriam da classe dominante, que iria ser
apropriado por todos os alunos da sociedade.
Locke tinha como objetivo ao priorizar a disciplina preparar o menino desde
sua tenra idade para ser disciplinado e, ao sair da convivência familiar e ir participar
da vida social pudesse assumir a sua função na sociedade, de acordo com a classe a
que pertence. Como podemos observar em Locke (2001, p. 169-170),
150
Portanto, não necessidade de qualquer grande cuidado de pro-los de
confiança de antemão: o que requer mais tempo, dores e constância é
estabelecer no seu interior os princípios e a prática da virtude, e uma boa
criação. Este é o amadurecimento com o qual eles devem ser preparados, de
modo que não seja fácil ser novamente perdido. Disto eles necessitam ser
bem providos. Pois a convivência social (conversation), quando eles forem
introduzidos no mundo, somar-sea seus conhecimentos e segurança, mas
também será capaz de demovê-los da virtude; com esta, portanto, eles
devem ser abundantemente abastecidos, e devem ter aquela marca
profundamente impregnada em si.
Os objetivos dos farroupilhas com a utilização do Método de Lancaster,
também são os de disciplinar a criança para cumprir sua função social de acordo com
a classe a qual pertence. Ao observarmos o que escrevem os teóricos, os
conhecedores da essência do Método de Lancaster e os de Locke, uma
aproximação de ambos. Sobre o primeiro, segundo Bastos (1999, p. 102) era
destinado a tornar a criança “um cidadão dócil e obediente”. sobre o segundo,
Ghiggi, Oliveira e Oliveira (2008, p. 173) afirmam que “Locke pretende domar corpos
e mentes para bem servir à burguesia ascendente”. Confirmamos, assim, que apesar
de divergirem em alguns pontos, ambos se aproximam nos objetivos finais.
Outro elemento importante do Método de Lancaster e intimamente ligado à
disciplina e aos princípios de Locke é referente aos castigos físicos. Como podemos
observar em O Povo (O POVO, 25/09/1839, n° 104),
Os diretores destas escolas asseveram que se passam meses sem verem na
precisão de ordenar um castigo. A prática dos açoites e palmatórias nas
escolas excita idéias de vinganças e faz brotar toda a casta de má inclinação.
O rapaz que é castigado por uma falta pode corrigir-se, mas a correção não
resulta do castigo, resulta apesar dele. Pancadas nunca influíram virtude
alguma no coração humano; o que elas produzem é irritá-lo e endurecê-lo, é
fazer escravos que depois se fazem tiranos.
Locke também era contra os castigos físicos e exageros de qualquer outro
tipo de punição, pois “as crianças mais castigadas raramente tornam-se os melhores
homens” (LOCKE, 2000 a, p. 137). Além de considerar e orientar que os pais não se
esqueçam que as crianças são “criaturas racionais” (LOCKE, 2000 a, p. 141).
O Método de Lancaster se baseia em estimular o aluno com recompensas,
condecorações, em elevar o aluno. Uma das recompensas é a função de monitor,
como punição as exposições aos pares, fazendo incutir a vergonha. Da mesma forma,
para Locke, as recompensas para as crianças podem ser os elogios e as distinções
151
que as façam se sentirem estimadas por todas aquelas pessoas de seu convívio e a
punição seria a vergonha e a desconsideração. Como podemos observar em Locke
(2000, p. 142)
As recompensas e punições, por meio das quais devemos manter as crianças
em ordem, são, portanto, bem de outro tipo; e de tal força que , quando
conseguimos colocá-las em ação, a tarefa, eu penso, está concluída e a
dificuldade superada. A estima e a desconsideração são, de todos os outros,
os incentivos mais poderosos para a mente, uma vez que ela seja levada a
apreciá-los. Se puderes uma vez inspirar nas crianças o amor pela
credibilidade e o receio da vergonha e desconsideração, tereis colocado
nelas o verdadeiro princípio, o qual agirá constantemente e incliná-lasao
bem. Mas, será perguntado: como isto pode ser feito?
Confesso que, à primeira vista, não se está isento de alguma dificuldade,
ainda assim, penso valer a pena buscar os caminhos (e praticá-lo, quando
encontrados) para alcançar isto que considero como o grande segredo da
educação.
Primeiro, as crianças (talvez mais cedo do que pensamos) são muito
sensíveis a elogios e distinções. Elas encontram prazer em serem estimadas
e valorizadas, especialmente por seus pais e por aqueles de quem
dependem. Se, portanto, o pai as acaricia e distingue quando agem bem, e
mostra-lhes um semblante frio e indiferente em vista de agirem mal, e isto
acompanhando por uma atitude semelhante da mãe e de todos os outros que
lhe circundam, em pouco tempo isto as tornará sensíveis à diferença; e isto,
se constantemente observado, duvido que por si próprio não funcione mais
do que ameaças e tapas, os quais perdem a força quando se tornam comuns,
e não têm qualquer utilidade quando a vergonha não os acompanha,
devendo, portanto, ser evitados e jamais usados, senão no aqui mencionado,
quando se chega a extremos.
[...] através de uma tal forma de tratá-las, as crianças podem, tanto quanto
possível, ser levadas a compreender que aquelas que o distinguidos e
estimados por agirem bem, necessariamente serão amados e acalentados
por todos, e terão todas as demais coisas boas como conseqüência; e, por
outro lado, quando alguém, devido a más atitudes, cai em antipatia e não
cuida de preservar sua credibilidade, inevitavelmente cairá na indiferença e
no menosprezo, e assim, persistirá a carência de tudo quanto possa
satisfazê-lo e deleitá-lo. Deste modo, quando uma experiência estabelecida
ensina as crianças desde o começo que as coisas que lhes aprazem
pertencem e estão reservadas apenas àqueles que usufruem de boa
reputação, os objetivos de seus desejos são convertidos em auxiliares da
virtude. Se, através destes meios, puderdes uma vez vir a envergonhá-las de
suas faltas (além desta, desejaria que não houvesse qualquer outra punição)
e fazê-las apreciar o prazer de serem bem-conceituadas, podereis fazer delas
o que vos aprouver, e elas amarão todas as formas de virtudes.
No Método de Lancaster, ao distinguir um aluno positivamente se tem como
objetivo que os demais o imitem e tomem gosto pela elevação. Para Locke é
necessário que a criança perceba o benefício dos bons atos e não que se ofereça a
ela algo em troca por uma boa ação, ou que se substitua por algo menos maléfico.
Deve ela, através da razão, decidir pelas atitudes tidas como corretas, criando o
hábito de agir assim.
152
Em relação aos castigos físicos, o autor inglês defende haver um único caso
em que se aceita a surra, ou seja, quando a criança “demonstre birra, desobediência
obstinada, teimosia e rebeldia” (LOCKE, 2001a, p. 179). O autor considera que as
faltas consideradas coisas de crianças não devem ser severamente reprimidas, as
que devem ser castigadas são aquelas que demonstrem as más inclinações e
intenção no erro. Como podemos observar em Locke (2001a, p. 180),
Se não um espírito birrento ou voluntariedade misturada ao erro, nada
nele que requeira a severidade das palmas. Uma admoestação gentil ou séria
é suficiente para remediar os escorregões de debilidade, esquecimentos e
inadvertência: e é justamente adequado ao que eles necessitam. Mas se
perversidade na vontade, se é uma desobediência planejada, resoluta, a
punição não que ser medida pela aparente grandeza ou pequenez da
questão, mas pela oposição que carrega, e na qual permanece, ao respeito e
à submissão que são devidos às ordens do pai. Isto deve ser rigorosamente
exigido, e as palmadas devem ser aplicadas intervaladamente, até que
alcancem a mente e percebais os sinais de verdadeiro arrependimento,
vergonha e disposição de obediência.
Podemos observar ao longo da análise de Alguns pensamentos a cerca da
educação, de John Locke, que traços de seus ideais podem ser encontrados,
também, em outros escritores acerca da educação. Elementos como o uso das
brincadeiras para aprender; de se ver as aptidões das crianças e de estimular aquelas
que essas apresentem gosto, pois terão mais aplicação; a noção de que o
conhecimento não é fixo; a importância da disciplina e de criar hábitos desejados na
criança; etc.
Para finalizar, o que percebemos na obra de Du Pin não são as ideias de
Locke seguidas tal e qual, mas a presença de algumas delas que, possivelmente,
foram apropriadas pelo autor e reformuladas para as necessidades locais.
5.3 O papel da mulher na sociedade da República Rio-Grandense (1836-1845) e
seus reflexos na educação feminina
Ao longo do trabalho evidenciamos que a educação almejada pelos
Republicanos Rio-grandenses está ligada às funções sociais. Assim sendo,
passaremos a analisar o papel da mulher na sociedade farroupilha e seus reflexos na
educação feminina.
A nossa concepção de gênero tem por base Louro (2007, p. 210) que
considera gênero uma “construção histórica, produzida na cultura, cambiante,
153
carregada da possibilidade de instabilidade, multiplicidade e provisoriedade”.
Salientamos que a forma como se percebe hoje a questão de gênero não foi sempre
assim e que pode mudar de acordo com cada tempo e cultura.
5.3.1 O papel da mulher na sociedade farroupilha
O historiador, ao analisar um período, deve situá-lo dentro do contexto dos
fatos. Por isso, iniciaremos pela análise da função da mulher na sociedade da
República Rio-grandense, para depois podermos perceber os efeitos na educação de
meninas. Conforme Scott (1990, p. 15),
Os historiadores devem antes de tudo examinar as maneiras pelas quais as
identidades de gênero são realmente construídas e relacionar seus achados
com toda uma série de atividades, de organizações e representações sociais
historicamente situadas.
A mulher era preparada para o lar, para ser boa mãe e não para participar da
vida social ou política. Na Lei de 18 de dezembro de 1838 (O POVO, 19/12/1838,
n°32), que dava direito ao estrangeiro de cidadania Rio-grandense, não consta a
questão da mulher. O único elemento que refere a questão feminina aparece no inciso
5°, onde é explicitado que o estrangeiro casado com uma “cidadã Rio-grandense, ou
adotando um Rio-grandense de qualquer sexo”, teria direito à cidadania, mas, no caso
contrário, não referência. Outra citação em que aparece a mulher como cidadã é
em O Povo de 14 de agosto de 1839 (n° 92) quando Bento Gonçalves, ao dar
provimento à cadeira de primeiras letras de meninas da Vila de Cachoeira à
professora Ana Francisca Rodrigues Pereira, assim se reporta “mostrando ser
cidadã Rio-grandense, estar no gozo de seus direitos civis e políticos, e sem nota na
regularidade de sua conduta, foi admitida a exame público”. O que percebemos é que
quando Bento Gonçalves caracteriza a mulher como cidadã, tal fato é muito mais uma
questão de forma de escrita do que uma prática, pois a mulher não tinha direito de
votar e nem de ser votada e vivia, predominantemente, sob a guarda do pai ou do
marido.
A nossa concepção de cidadania baseia-se na perspectiva de Pinsky (2005,
p. 9) que considera que “exercer a cidadania plena é ter os direitos civis, políticos e
sociais”. Os direitos civis são as garantias à vida, à liberdade, à propriedade e à
igualdade perante a lei. Os direitos políticos são participar no destino da sociedade,
154
votar e ser votado. Os direitos sociais são “aqueles que garantem a participação do
indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à
saúde e a uma velhice tranqüila” (PINSKY, 2005, p. 9).
Devemos considerar, entretanto, que a aplicação do conceito de cidadania
varia no espaço e no tempo. Na Constituição Imperial de 1824, era “cidadão todos os
homens livres libertos ou ingênuos nascidos no Brasil ou naturalizados brasileiros,
com iguais acessos aos direitos civis e diferenciados apenas no ponto de vista dos
direitos políticos” (VAINFAS, 2002, p. 139). Parece-nos evidente que não se está
aprofundando a análise das questões práticas da igualdade aos direitos civis, mas sim
se referindo, apenas, às questões formais.
No Brasil de então, da diferenciação aos direitos políticos surgiram categorias
distintas de cidadãos. Havia os passivos, os quais não tinham renda suficiente para
votarem ou serem eleitos, os ativos votantes com renda suficiente para serem
eleitores, mas não eleitos e os cidadãos ativos eleitores e elegíveis “aqueles que,
além de possuírem renda anual superior a 200 mil-réis, tinham nascidos livres”
(VAINFAS, 2002, p. 139). Eram, pois, esses últimos os que exerciam o direito pleno
da cidadania.
Se tomarmos por base Pinsky e Pedro (2005), que analisam a cidadania
feminina no mundo, ao se referir à Revolução Francesa, afirmam que mesmo a
mulher continuando sem direito ao voto, a compreensão de ser ela cidadã passiva.
Conforme consta na 4° nota explicativa,
a mesma Revolução que declara ser a vontade do povo soberana distingue,
em 1791, os cidadãos ativos (proprietários, capazes de pagar os impostos
estabelecidos e, portanto, com direito de fazer leis, votar e ser votado e definir
a política em seus vários níveis) dos passivos (apenas com direito a ter sua
pessoa, liberdade e propriedade protegidos por lei, como todos os cidadãos)
negando aos pobres (por serem incapazes de pagar o imposto mínimo, não
contribuindo para as instituições públicas), às crianças, aos estrangeiros e às
mulheres (por seus sexos) a participação ativa na formação do poder público
(voto) e na Guarda Nacional. A pesar das reivindicações e da relevância da
militância feminina na Revolução, as mulheres nunca conseguiram ser
consideradas cidadãs ativas, o obtiveram direitos plenos (PINSKY e
PEDRO, 2005, p. 305).
Ao analisar a Legislação Imperial sobre o voto, Canêdo (2005, p. 526) afirma
que “o verbo votar e a prática da cidadania são do gênero masculino e da cor branca,
as mulheres estavam ausentes do texto, assim como os escravos e os indígenas”.
155
A ausência da cidadania para as mulheres, escravos e indígenas é, também,
evidente no Projeto da Constituição da República Rio-grandense, onde consta,
explicitamente, quem são os cidadãos, ou seja, todos os homens livres. Apesar de,
em certos momentos, aparecer a denominação de cidadã ao se referir às mulheres,
ao analisarmos as fontes de forma mais atenta, fica evidente que a mulher não é
considerada cidadã. Podemos observar isso no Projeto da Constituição da República
Rio-grandense,
Artigo 6° - São cidadãos rio-grandenses:
I Todos os homens livres nascidos no território da República;
II Todos os brasileiros, que habitavam no território da República desde o
memorável dia 20 de setembro de 1835, e tem prestado serviços à causa da
revolução, ou da independência, com intenção de pertencer à nação rio-
grandense;
III todos os brasileiros residentes no território da República na época em
que se proclamou a independência, que aderiram a esta, expressa ou
tacitamente, pela continuação de sua residência, bem como todos os outros
brasileiros, que atualmente estão empregados no serviço civil e militar da
República;
IV Os filhos de pai ou mãe, natural do país, nascidos fora do Estado, desde
o momento em que vierem estabelecer nele seu domicilio;
V Todos os estrangeiros, que têm combatido ou combateram, na presente
guerra da independência, contanto que residam dentro do país, e tenham
intenção de fixar nele seu domicilio;
VI Os estrangeiros pais de cidadãos naturais da república e os casados
com filha do país, que professando alguma ciência, arte ou indústria, ou
possuindo algum capital em giro, ou bem de raiz, se achem residindo no
Estado ao tempo de jurar-se esta Constituição;
VII Os estrangeiros naturalizados, qualquer que seja sua religião. A lei
determinará as qualidades precisas para se obter carta de naturalização.
Podemos constatar que ao fazer referência a quem tem direito à cidadania,
esse sempre aparece no gênero masculino, mas se por acaso ficar a dúvida que
poderia o legislador não estar fazendo distinção por gênero, devemos reportar a lei
sobre a concessão da cidadania ao estrangeiro, onde consta que se ele adotasse “um
Rio-grandense de qualquer sexo” receberia o benefício. Fica evidente da necessidade
de quando essa ressalva ao sexo feminino deveria constar de forma explícita na
lei.
Nas memórias de Sebastião Ferreira Soares publicadas por Porto (1933),
consta que a Assembléia Constituinte Farroupilha foi um local de discórdia e causou
mais males aos republicanos rio-grandenses do que as armas legalistas e apresenta,
como motivação de parte dessas desavenças, alguns projetos que ele considerava
extravagantes, tais como o voto às mulheres. Como podemos verificar,
156
tendo sido apresentado na assembléia constituinte alguns curiosos e
extravagantes projetos de constituição, e entre outros, um que se conferiam
às mulheres os mesmos direitos aos votos e cargos públicos que a qualquer
cidadão, apareceram no correr das discussões as divergências, das quais
resultou o assassinato do influente dissidente Paulino Fontoura, a cuja morte
se seguiram muitos distúrbios. Pode-se dizer, sem medo de errar, que em
poucos dias de sessão, esse corpo desorganizado fez mais males aos
dissidentes do Rio Grande do que até então as armas legais. A assembléia
constituinte rio-grandense foi uma nova boceta de Pandora que se derramou
entre os dissidentes (PORTO, 1933, p. 369 - 370).
Apesar do que nos coloca o memorialista Soares, não encontramos nenhuma
fonte que possa confirmar que os Republicanos Rio-grandenses desejassem o voto
feminino. Não acreditamos, também, que tivessem tal intenção. O que é digno de
destacar é a sua postura em reprimir o voto feminino e de forma pejorativamente
crítica, um suposto projeto “que se conferia às mulheres os mesmos direitos aos votos
e cargos públicos que a qualquer cidadão”, demonstrando o pensamento da época
em que a mulher não se equiparava aos homens, sendo a esses, apenas, reservado
o direito à cidadania.
Devemos ressaltar que a cultura e a lei estão intimamente ligadas. Conforme
Scott (1990, p. 16), “a natureza recíproca do gênero e da sociedade e as maneiras
particulares e situadas dentro de contextos específicos, pelas quais a política constrói
o gênero e o gênero constrói a política”.
Ao analisarmos o jornal O Povo (11/01/1840, nº134 e 25/01/1840, nº137),
podemos observar que o dispositivo legal reflete uma concepção cultural, onde a
mulher deveria ser preparada para o casamento, ser dócil, submissa e aprender os
afazeres domésticos.
- A mulher para ser amada deve ter como primeira qualidade, um gênio
brando e dócil.
- Não há defeito maior do belo sexo do que a loquacidade, e a garrulice, que
são de ordinária filha da imprudência.
- Uma Senhora de honesto, e sisudo comportamento estranha a
consideração e o respeito do homem o mais licencioso (O POVO,
11/01/1840, n°134).
- O recolhimento, a ocupação, o manejo dos negócios domésticos devem ser
o habitual emprego de uma senhora virtuosa.
- A prudência, a moderação, a docilidade de gênio em uma senhora honesta
são as qualidades preferíveis a todas as riquezas da terra:
- A mulher deve ser para seu marido um espelho de compostura, e de
virtudes, uma consoladora nas aflições, e nos trabalhos da vida.
- Não há defeito maior em uma Senhora que deve ser toda amável, atrativa e
graciosa do que a ferocidade de nio, a rudeza de costumes e a grosseria
de tratos (O POVO, 25/01/1840, n°137).
157
É importante constatar que a mulher era, inclusive, vista como a culpada
pelos casamentos que não davam certo, sendo que seus descuidos poderiam
acarretar a desordem familiar, conforme aparece no artigo publicado no jornal O Povo
(25/01/1840, nº137):
Variedades.
- O imprudente ciúme de muitas mulheres envenena a doce união conjugal e
produz a desordem da família;
-a mulher viciosa é o maior tormento da vida; ela se faz pesada a todos os
que a cercam de perto;
- grande número de casamentos no mundo e a origem da desgraça de muitas
casas de famílias, pela leveza com que se trata este negócio de tanta
importância.
- Quantas mulheres loucas com suas dissipações têm reduzido seus maridos
e filhos à desgraça!
- A infelicidade das famílias é muitas vezes originada pela imprudência de
uma mulher;
- Mulheres loucas que só por interesses se ligam a homens velhos, ou
viciosos, ou atacados de enfermidades, que fazem ao depois a ruína de seus
inocentes filhos.
No mesmo artigo do jornal, utilizando como exemplo o filósofo Sócrates, o
homem é apresentado como prudente e salvador do casamento e sua mulher como
um animal feroz: “se o filósofo crates tivesse o mesmo gênio intratável de sua
mulher Xantipe, passaria com ela uma vida desgraçada. Ele soube com sua
prudência domesticar aquele animal feroz” (O POVO, 25/01/1840, n° 137).
Outros elementos que aparecem o, por exemplo, o fato de que desde a
infância deveriam ser inculcados tais princípios e que a mulher aparece como
educadora da família,
- As meninas criadas no ócio e na dissipação não podem ser boas mães de
famílias (O POVO, 11/01/1840, n°134).
- Se desde a tenra infância não procurarmos adquirir o habito do trabalho
empregando o tempo em coisas úteis, nunca possuiremos aquela importante
virtude.
- O primeiro dever de uma mãe é inspirar a seus filhos o amor à pátria, e das
instituições do país (O POVO, 25/01/1840, n° 137).
Em O Povo de 11 de janeiro de 1840 (n° 133), a mulher novamente aparece
como a responsável pela educação dos filhos, sendo seu principal serviço o de
instruí-los, para dar ao seu país cidadãos dignos. E se ela fosse sem cultura ou imoral
destruiria a sua própria vida e, indiretamente, sendo ela responsável pela educação
dos filhos, destruiria a vida desses também.
158
Apesar de a maioria das mulheres seguirem os destinos estabelecidos pela
sociedade majoritariamente dominada pelos homens, havia as que administravam
suas propriedades, inclusive tendo casas sendo alugadas ao Governo da República
Rio-grandense. Como podemos verificar, no expediente da Secretaria do Tesouro de
19 de novembro de 1840 publicado em O Americano de 10 de dezembro de 1840 (n°
20) consta a “ordem mandando pagar pela coletora desta Capital à Dona Maria
Nazaret Pacifica a quantia de 141U120, proveniente de aluguéis das casas de sua
propriedade que se achavam alugadas ao Estado”.
Havia, também, mulheres fazendo doações
8
ou empréstimos à causa
republicana. Conforme O Povo de 29 de fevereiro de 1840 (n° 146),
Relação das pessoas que por empréstimos e gratuitamente ocorreram com
gados de corte, para seu produto ser aplicado as despesas da guerra.
Distrito de Lavras.
José Silveira Gularte, gratuitamente novilhos, 100;
D. Maria Cardoso Soares gratuitamente novilhos, 30;
Rafael Munhõs de Camargo, gratuitamente novilhos, 10;
Francisco Matozo, gratuitamente novilhos, 8;
Felizardo Rodrigues, gratuitamente novilhos, 6;
Leonardo Marques, gratuitamente novilhos, 3;
D. Francisca Rodrigues Nunes, por empréstimo novilhos, 50;
Antonio Martins, por empréstimo novilhos, 48;
D. Constança, por empréstimo novilhos, 39;
D. Maurica Pereira Gularte, por empréstimo novilhos, 31;
Zeferino Teixeira de Carvalho, por empréstimo novilhos, 23.
348
Distrito desta Capital.
Da fazenda do contrato, 46;
Padre Fidencio José Ortiz, por empréstimos, 77;
Manoel dos Santos, grátis, 2;
D. Maria Barbosa, grátis, 1;
Manoel Dias Ferreira, por empréstimo, 110.
236 Total: 584
Para demonstrar que os defensores da causa republicana eram educados,
respeitadores, dóceis e cavalheiros apresentavam em destaque a presença feminina
nas festividades. Ao se referir aos festejos de comemoração ao dia 20 de setembro,
em 1839, o Juiz de Paz da Vila de São Borja assim se reporta, “cinqüenta e quatro
senhoras ornaram com suas belas presenças e lhe deram um novo lustre difícil de
descrever, da alegria que gozavam e que transmitiam a todos que presenciavam”
(O POVO, 16/10/1839, 110). Na correspondência de Davi de Canabarro, vinda de
8
Há referência à doações de mulheres em O Povo (n° 56, 87, 134, 146 e 149).
159
Laguna consta, “a noite seguiu-se o grande baile, que o belo sexo tornou digno do dia
a que era destinado” (O POVO, 30/10/1839, n° 114).
5.3.2 Educação feminina
A Lei Imperial de 15 de outubro de 1827, a primeira que sistematiza a
Instrução Pública de primeiras letras para todo o Brasil continuou vigorando na
República Rio-grandense. Como podemos observar, quando Bento Gonçalves,
presidente da nação farroupilha, nomeia uma professora ao cargo de uma aula de
meninas, referindo-se que ela satisfazia as exigências da referida Lei Imperial.
Conforme observamos em O Povo (14/08/1839, n° 92),
E sendo examinado e aprovado pelos examinadores nas matérias
designadas no Art. 6° da carta de Lei de 15 de outubro de 1827, hei por bem
de prover a dona Ana Francisca Rodrigues Pereira no emprego de professora
de primeiras letras da Vila de Cachoeira.
Nessa Lei uma distinção de conteúdo para meninos e meninas, conforme
consta nos Artigos 6° e 12°,
Art. 6°
Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética,
prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de
geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral
cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à
compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a constituição do
Império e a História do Brasil.
[...]
Art. 12°
As Mestras, além do declarado no Art. 6°, com exclusão das noções de
geometria e limitado a instrução de aritmética as suas quatro operações,
ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão
nomeadas pelo Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo
brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais
conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7º.
Como podemos observar os conteúdos destinados às meninas limitavam-se
ao ler, escrever, às quatro operações aritméticas, à gramática da língua nacional, à
moral cristã e a doutrina da religião Católica Apostólica Romana. O conteúdo moral e
da religião católica não poderia deixar de constar, sendo essa a religião oficial do
Estado e o objetivo principal, nesse período, da educação pública de meninos e
meninas era moralizar a população livre.
160
Para completar a formação feminina havia a presença das prendas
domésticas, afinal a mulher tinha como papel fundamental ser destinada à procriação,
ao cuidado da casa e da família.
Nesse período, parece-nos importante destacar a atuação da professora Ana
Francisca Rodrigues Pereira, que após ser nomeada professora de primeiras letras de
meninas da cidade de Cachoeira, pelo Método de Lancaster é acusada por um
anônimo, ao ministro da República Rio-grandense Domingos José de Almeida, de que
propagava em sua aula, assim como suas alunas, doutrina contrária àquela da
república. D.J. de Almeida manda um ofício em 18 de julho de 1839 para o major
Antônio Vicente da Fontoura, chefe geral de polícia do município de Cachoeira, para
que esse apure se os fatos são verdadeiros.
A própria professora envia uma carta ao ministro se defendendo das
acusações e dizendo estar sendo caluniada, pois não é contrária à causa republicana.
D. J. de Almeida, no entanto, em resposta a mesma, afirma que irá esperar a resposta
do chefe de polícia local para se posicionar sobre os fatos. Tudo isso consta em O
Povo de 14 de agosto de 1839, n° 92.
Apesar da carta enviada ao ministro em que a professora nega as
acusações, as conclusões do chefe de polícia mostram que a professora não defendia
a causa republicana, mas que agora estaria arrependida e que exerceria a sua função
em defesa da causa dos farroupilhas. Conforme consta em O Povo (14/08/1839,
92),temos:
Ilmo.exmo.sr. Em observância ao que me ordena V. Ex. em Oficio de 18 do
mês passado, cumpre me informar que D. Francisca Rodrigues Pereira,
professora de Primeiras Letras de meninas nesta Vila, consta não ser afeta
ao sistema Republicano; porém como é Rio-grandense, e sabendo da
informação por V.Exa. pedida se mostrado pesarosa, estou convencido que
d`ora em diante se fará digna de exercer o sublime magistério de diretora de
suas jovens patrícias, ficando essa corrigida com o conhecimento de que
não é o Exm°. Governo da Republica indiferente expectador, para tolerar
procedimentos que em menos em regra com o sistema adotado pensão ainda
que levemente ofende-lo.
Deus guarde a V. Exa. Comando Geral do Município de Cachoeira 4 de
agosto de 1839. Ilmo. e Exmo. Sr. Domingos José de Almeida, Ministro e
Secretário dos Estados dos Negócios da Fazenda, encarregado do
expediente do interior. Antonio Vicente Fontoura.
Como podemos observar essa mulher se posicionou contrária à ordem que
estava sendo instituída e foi reprimida pelo controle do Estado. Desse modo, teve de
161
ceder. Esse fato demonstra que nem todas as mulheres aceitavam sua posição
determinada pela sociedade, majoritariamente regida pelos homens e que a
construção de gênero configura-se num campo de luta. Talvez, neste momento
histórico em que vivia Ana Francisca, a sua capacidade de luta fosse limitada, mas
não nula. Conforme Scott (1990, p. 15),
A história posterior é escrita como se estas posições normativas fossem o
produto de um consenso social mais do que um conflito [...] Mais ainda: os
homens e as mulheres reais não cumprem sempre os termos das prescrições
da sua sociedade ou de nossas categorias de análise.
Ao analisarmos as cartas de D. J. de Almeida para sua esposa, observamos
que ele distingue a educação dos filhos da educação das filhas. Conforme vemos na
carta:
CV 607.
Alegrete, 22 de novembro de 1842. Querida Bernardina, muito estimo teres
alugado casa para a ensinança de nossos filhos e para o mestre dedicar-se
juntamente na instrução de mais alguns rapazes cujos pais queiram
aproveitar a ocasião (ANAIS do AHRS, 1978, v. 3, CV- 623, p. 50).
Nessa carta ele se refere à casa alugada por sua esposa para que um
professor ensine os filhos, não fazendo menção às filhas, mas na carta de 28 de
dezembro fala de ambos:
CV 623.
Alegrete 28 de dezembro de 1842. Querida Bernardina [...] O mestre pode em
casa continuar o ensino de nossas filhas e na escola de nossos filhos; eu
espero que ele se esforce no adiantamento de todos (ANAIS do AHRS, 1978,
v. 3, CV- 623, p. 60)..
Nela, observamos que D. J. de Almeida distingue a instrução de seus filhos,
na casa alugada para funcionar como escola e a das filhas em sua própria casa, no
controle da mãe. Poderíamos dizer que, de acordo com os valores do século XXI que
ele era um homem retrógrado, por separar as filhas dos filhos. No entanto, se
colocarmos Almeida em sua época, século XIX, talvez pudéssemos afirmar que fosse
um homem moderno, pois demonstra preocupação com ao ensino de suas filhas, ou
seja, é um homem de seu tempo. Obviamente, reconhecemos que ele excluía a
mulher de muitos espaços e benefícios que eram resguardados aos homens.
162
Constatamos que a sociedade farroupilha percebia a mulher como sendo
aquela que tinha a função social de cuidar da casa, do marido e educar os filhos (as).
Assim sendo, essa situação teve reflexo tanto na legislação quanto na instrução de
meninas. Deveria haver uma educação onde os conteúdos não fossem iguais aos dos
meninos, ficando limitados às meninas os atos de ler, de escrever, as quatro
operações aritméticas, a gramática da língua nacional, a moral cristã e a doutrina da
religião Católica Apostólica Romana. Acrescidos a tais conhecimentos estavam os
das prendas domésticas que preparavam as meninas para a sua principal função
social, ou seja, a de esposa e mãe.
A mulher continuou sendo preparada para ser submissa, dócil e aprender os
afazeres domésticos, tornando-se, assim, uma boa esposa, mãe e formadora das
futuras gerações.
Por outro lado, nem todas as mulheres aceitavam essa função sem
resistência. Sendo assim, podemos concluir que a formação da concepção de gênero
se constrói num espaço de luta que pode ser observado nos textos impressos da
época.
163
6 Ações práticas do governo farroupilha, referentes à instrução Pública.
Apresentaremos, nesse capítulo, a ação prática do Governo Republicano Rio-
grandense como, por exemplo, a criação de escolas, a nomeação de professores, as
ordens de pagamentos de salários, de utensílios, de aluguéis de casas, etc. A figura
central dessas ações foi o Ministro do Interior Domingos José de Almeida.
D. J. de Almeida teve importante participação na organização da
administração da República Rio-grandense (1836-1845) sendo, inclusive, denominado
por Laytano (1983, p. 160) de “o cérebro da Revolução Farroupilha”, por Cunha
(1902, p. 32) e Rodrigues (1990, p.349 e 353) “a cabeça pensante e dirigente da
Revolução” e por Barreto (1984, p. 159) “o verdadeiro homem-ação da Republica”.
O ministro foi atuante em favor da instrução da população livre, sendo que no
ofício de 01 de agosto de 1838, enviado à Câmara Municipal de Alegrete e estendida
às demais da República Rio-grandense ordena a criação de escolas de primeiras
letras nas povoações ou em locais notáveis.
Ofício
Convencido o governo da República que por meio da difusão das luzes e
da moral é que podem prosperar e robustecer os estados como este,
baseado nos princípios representativos; e tomando em conseqüência por
aquele motivo na mais séria consideração a Educação e Instrução da
mocidade Rio-grandense, inteiramente derrocadas em todos ou quase todos
os pontos do estado pelas vicissitudes de uma guerra de três anos qual a que
sustentamos contra os opressores de nossa liberdade e independência;
determina que v. Mcês; pondo em vigorosa ação o patriotismo e mais
qualidades que os distinguem, façam instalar provisoriamente com a possível
brevidade tantas escolas de 1ªs. Letras quantas forem às povoações ou
lugares notáveis do seu município, provendo-as logo de mestres idôneos,
morigerados e instruídos, na falta dos conhecimentos do sistema de
Lancaster, pelo menos nas quatro primeiras operações aritméticas e suas
definições e na escrita com acerto, os quais farão examinar por duas pessoas
entendedoras da matéria e perante V. Mcês, que igualmente lhes arbitrarão
ordenados adequados as circunstância do local onde tiverem de exercer tal
magistério, dando de tudo parte ao governo por esta repartição para a
inteligência e acertamento no tesouro. Outrossim, lhes previno que tais
provimentos não prejudicam aos professores que, na conformidade das leis
em vigor despachados forem pelo governo.
164
Deus guarde V. Mcês, Secretaria do Interior em Piratini, 01 de agosto de
1838. Domingos José de Almeida - Senhor Presidente e mais vereadores
da Câmara de Alegrete. Iguais a todas as Câmaras do Estado. Está
conforme, - O oficial Maior, José Gonçalves Lopes Ferrugem (O POVO,
20, 07/11/1838).
A parte inicial do ofício demonstra a importância das luzes para as nações
baseadas nos princípios representativos. Tendo coerência com as novas bases que
se instalavam no novo país, saber ler e escrever eram tão necessários para participar
politicamente e usufruir de seus direitos de cidadão que proibia o analfabeto de votar,
mesmo aqueles que tivessem posses.
Esse fato consta no Projeto da Constituição apresentado à Assembléia
Constituinte em 08 de fevereiro de 1843. A comissão que a redigiu era composta por
Ulhoa Cintra, Brito, José Mariano de Mattos, Serafim dos Anjos França e
Domingos José de Almeida. Em seu artigo 92, VI, havia tal proibição ressalva que
não aparecia na Constituição Imperial.
Devemos, porém, entender tal fato com ressalvas, pois continua necessário
para participar politicamente ter posses, conforme consta no capítulo VII, do Projeto
da Constituição da República Rio-grandense.
Art.92 - São excluídos de votar nas assembléias paroquiais;
[...]
VI - Os que não sabem ler nem escrever.
VII - Os que o tiverem de renda anual cem mil réis por bens de raiz,
comércio ou empregos.
Conforme demonstramos no capítulo terceiro, que no Brasil a partir da Lei
Saraiva de 1881, consta aos novos eleitores a proibição do voto ao analfabeto, que
somado a um maior rigor da comprovação da renda, aumentou ainda mais a exclusão
do pobre em participar da política brasileira. Efeito que, com certeza, também teria
ocorrido na República Rio-Grandense.
A regulamentação para proceder às eleições para deputado à Assembléia
Constituinte da República Rio-grandense, de vereadores das Câmaras Municipais e
dos juizes de paz foi o decreto de 10 de fevereiro de 1840 (O POVO, 12/02/1840,
141). Onde em seu artigo 4° consta:
Que todos que podem ser eleitores são hábeis para serem deputados, sendo
maiores de 21 anos, tendo aplicada instrução, reconhecidas virtudes,
verdadeiro patriotismo e decidido zelo pela causa Rio-Grandense;
165
excetuando-se toda via os que o tiverem de renda liquida anual a quantia
de trezentos mil réis por bens, indústria, ou emprego; os libertos; os
criminosos pronunciados em querela ou devassa; os estrangeiros ainda que
naturalizados sejam; e os que não professarem a Religião Católica Apostólica
Romana. E que para membros das Câmaras Municipais e Juizes de Paz
tendo de renda liquida anual a quantia de cem mil réis e as qualidades
exigidas para ter voto nas eleições primárias, são hábeis todos os cidadãos
da República para tais empregos.
Digno de destaque é o caso do Padre e professor renomado João de Santa
Bárbara. Esse, no dia das eleições, informa não poder comparecer por estar doente e
expõe que não tem bens, que estaria vivendo de favor e sua renda seria inferior a
cem réis, por isso não poderia ser eleito deputado. Conforme O Povo de 11 de março
de 1840 (n°149),
Aos oito dias do mês de março de mil oitocentos e quarenta, neste distrito de
Pau Fincado, quinto do Município da Vila de Cachoeira, em virtude do
Decreto de dez de fevereiro próximo passado, reunida a Assembléia das
eleições primárias do mesmo Distrito para o efeito de se proceder as eleições
determinada no referido Distrito, sendo presidente o cidadão Bento Xavier de
Andrade e secretários José Ignacio da Silva e Evaristo Teixeira de Oliveira
Paulino, e escrivões João Garces Moraes e Francisco dos Santos de Moraes.
Em ato de se proceder no recebimento das cédulas foi apresentada por parte
do reverendo padre João de Santa Bárbara uma carta oficial em que expunha
não poder comparecer pessoalmente por causa de seus padecimentos, e fez
a mesa as ponderações seguintes: “não remeto rol de bens, porque nenhum
possuo, nem mesmo um só escravo, vivendo inteiramente da beneficência de
um cunhado, em cuja casa resido, o tenho eu líquidos nem ainda cem réis
anualmente, privado como estou até dos emolumentos do ministério
eclesiástico, porque vivo na solidão, e porque o meu estado habitual de
enfermidade me não permite o movimento necessário para os adquirir”. Em
observância, pois da lei julgo do meu dever fazer esta verídica exposição. A
vista da qual deliberou a mesa que não obstante a exposição referida se
prosseguisse no recebimento das cédulas em que nele votarem; visto que
pelo contrário teria de regeitar-se todas; e que se lavrasse o presente termo
para ser remetido conforme a disposição do artigo quarenta e dois das
instruções de dez de fevereiro próximo passado. E para constar mandou
lavrar este termo em que assinou a mesa comigo, secretário da mesma, que
o escrevi Bento Xavier de Andrade, Presidente. Antonio Ferreira de Ávila
José Ignacio da Silva, secretario Evaristo Teixeira de Oliveira Paulino,
Secretário. José Garces de Moraes, escrivão Francisco dos Santos
Moraes, escrivão.
De acordo com as regulamentações, o padre não teria rendas suficientes para
ser eleito. No entanto, ele recebeu muitos votos. A Assembléia Primária local
computou seus votos e informou o ocorrido a D. J. de Almeida, que a seguinte
resolução:
Ilmo.sr. O Sr. Vice-Presidente da República ao conhecimento de quem levei o
oficio que a Assembléia primária desse Distrito me dirigiu a 8 do corrente,
166
incluindo a ata que mandara lavrar em virtude da declaração que lhe fizera o
Reverendo Padre João da Santa Bárbara, me determina lhe diga em
resposta, que a deliberação da Assembléia acerca da mencionada
declaração, posto não conforme com a Lei, todavia a merecido sua
aprovação, por isso que estabelecido o rendimento exigido não se priva a
Nação das luzes daquele experimentado e digno cidadão; o que V. S.
comunicará aos outros membro da predita Assembléia (O POVO, 11/03/1840,
n°149).
Podemos observar que ser ilustrado foi mais relevante que o ter
rendimentos anuais, conforme o exigido na referida lei. O padre, inclusive, consta na
lista final dos deputados eleitos à Assembléia Constituinte, com 2480 votos (ANAIS do
AHRS, 1978, V. 4, CV- 2367, p. 185).
Retornando ao ofício de 01 de agosto de 1838, esse foi publicado no jornal O
Povo em 07 de novembro do mesmo ano, mas em 28 do referido mês e ano, a
Câmara Municipal de Rio Pardo informava nada ter recebido. Como podemos
observar,
aproveitamos à ocasião de igualmente te levar ao conhecimento de V. Ex.,
que a circular do primeiro de agosto deste ano para a criação das escolas
de primeiras letras, ainda não foi recebida. Deus guarde a V. Ex. Paço
da Câmara Municipal do Rio Pardo 22 de novembro de 1838 (O POVO,
08/12/1838, n°29).
No entanto, outras Câmaras já estavam pondo em execução o ofício de 01 de
agosto, como é o caso de Alegrete, que em 15 de setembro informava ao Ministro
Domingos José de Almeida que havia nomeado o professor de primeiras letras
Antonio Bento, com ordenado anual de 800 mil réis. O professor ensinaria pelo
Método de Lancaster, pois havia exercido tal emprego público na Vila de Triunfo.
Antonio Bento exigia receber por trimestre, por não ter outra renda e que, atualmente,
sobrevivia lecionando particular. Solicitava, também, autorização para a compra dos
utensílios necessários ao ensino mútuo (O POVO, 07/11/1838, n°20).
No mesmo documento informava que haviam sido destinados 400 mil réis
para professor da Capela de Santana do Livramento. No entanto, ainda não tinha
ocorrido opositor e enaltece o ato do governo em benefício da instrução da mocidade
“por ser o trânsito mais seguro para engrandecer este nascente Estado, de cuja oferta
serão reconhecedores os habitantes deste município”.
Em resposta à Câmara de Alegrete, Domingos de Almeida informa, em 15 de
novembro de 1838, que havia expedido ordem para pagar os 800 mil réis que
167
serviriam para ordenado e mais aluguel da casa para escola. Na comunicação feita,
anteriormente, pela Câmara de Alegrete, consta que havia uma casa para servir de
escola, mas pela resposta observamos que esta deveria ser paga pelo professor, à
custa do valor arbitrado. Assim, foram liberados os “200 mil réis, mais para a compra
de utensílios indispensáveis ao ensino pelo método de Lancaster” (O POVO,
17/11/1838, n° 23).
Em O Povo de 23 de janeiro de 1839 (n° 42), foi publicado o expediente da
Secretaria da Fazenda onde aparece a ordem ao Inspetor do Tesouro para mandar a
coletora de Alegrete pagar por trimestre o professor de primeiras letras. E,
novamente, publicava que cientificava a Câmara de Vereadores dessa deliberação.
Ambas com data de 15 de novembro de 1838.
Havendo o professor da Vila de Setembrina, Joaquim Gomes Viana, parado
de lecionar por falta de alimento, D. J. de Almeida, em 05 de novembro de 1838
ordena ao General Comandante das Divisões da Direita e Centro do Ercito
Republicano Bento Manuel Ribeiro; que lhe fornecesse as rações de carne que
fossem necessárias. Na mesma data ordenava ao Inspetor Geral do Tesouro blico
Nacional Serafim dos Anjos França, que determinasse a coletoria geral da Vila de
Setembrina pagar ao professor 30 mil réis mensais. Justificando que “sendo a
instrução primária da nossa mocidade, o que mais ocupa as solicitudes do Governo” e
ainda “sendo do dever do Governo fomentar por todos os meios ao seu alcance o
ensino primário da mocidade Rio-Grandense” (O POVO, 07/11/1838, n° 20). Podemos
observar que, nesse período, há um discurso de valorização da educação como
elemento transformador dos novos rumos da incipiente nação. Por outro lado, não
podemos esquecer que esses têm seus limites, entre os quais está o de não mudar o
estado das coisas.
Em O Povo de 12 de janeiro de 1839 (n° 39) foi publicado o expediente da
Secretaria da Fazenda, onde consta que em 05 de novembro de 1838 foi ordenado ao
Inspetor do Tesouro “que pela coletora da Vila de Setembrina se ponha a disposição
do professor blico da mesma à quantia de 30 mil réis mensais”. Em 23 de outubro
de 1838 o Ministro Almeida respondia à Câmara de Caçapava, “que dito professor
deve entrar no exercício das funções de emprego de que se acha encarregado,
para cujo fim deverá a mesma Câmara expedir as ordens necessárias” (O POVO,
28/11/1838, n° 26). Infelizmente não temos o nome do referido professor.
168
Demonstrando que este deu continuidade ao serviço de docente, em 08 de
maio de 1839 era dada a ordem que “haja de mandar dar ao professor de primeiras
letras desta Capital, à conta de seus atrasados, a quantia de 200 mil réis, continuando
o mencionado professor a receber pela coletoria da mesma Capital a mensalidade de
30 mil réis” (ANAIS do AHRS, 1978, V. 3, CV – 1013).
Domingos José de Almeida, em 15 de novembro de 1838, se dirigia, em
ofício, diretamente à professora de primeiras letras de Caçapava, D. Zeferina Amália
d‟Oliveira e Silva informando que havia expedido ordem ao Inspetor do Tesouro para
que a coletora da dita Vila passasse a pagar 30 mil réis mensais de ordenado.
Segundo o ministro, o Governo estava pesaroso por não poder pagar mais pelos seus
serviços e recorre ao “patriotismo que a distingue, não interrompa o ensino do
magistério, que lhe foi confiado” (O POVO, 17/11/1838, n° 23).
O jornal O Povo de 23 de janeiro de 1839 (n° 42) publicou o expediente da
Secretaria da Fazenda de 15 de novembro de 1838, onde consta que o Inspetor do
Tesouro deveria ordenar à coletoria de Caçapava pagar 30 mil réis mensais à
professora Zeferina Amada de Oliveira e Silva. Podemos observar que há divergência
de grafia, mas é a mesma pessoa. Nessa publicação, ainda, um comunicado à
referida professora sobre as ordens dadas.
Aproximadamente seis meses depois, em 25 de maio de 1839, essa
professora estava com seus ordenados atrasados e Domingos José de Almeida
ordena “que com preferência a tudo mande dar a D. Zeferina Amada de Oliveira,
professora de 1ª(s) letras, não só os 200 mil réis que suplica à conta de seus
vencimentos, como uma mensalidade de 30 mil réis, que terá princípio do primeiro do
mês corrente” (ANAIS do AHRS, 1978, V. 3, CV- 1153, p. 305).
Conforme apresentamos anteriormente, no capítulo terceiro, em 01 de
outubro de 1844 a professora Zeferina era provida pelo Império na cadeira da mesma
vila.
Em 31 de outubro de 1839 o Ministro Almeida dava ordens ao Inspetor
Interino do Tesouro Manoel Martins da Silveira Lemos para que passasse a pagar
uma pensão à escolástica Maria Gertrudes, viúva do segundo sargento José Vieira,
morto em defesa da liberdade e independência da República Rio-Grandense. Ao
Diretor do Trem de Guerra, capitão Felisberto Fagundes de Souza, ainda, que desse
a viúva, fazendas (tecidos) que fosse necessário a ela e seus filhos (O POVO,
169
02/11/1839, 115). Apesar de ser chamada de escolástica, não foi possível precisar
se ela exercia a profissão de professora.
Em 20 de abril de 1839 duas correspondências de Domingos José de
Almeida. Na primeira consta que deveria pôr à disposição do professor de primeiras
letras de Itaqui, que não temos o nome, a quantia de 20 mil réis mensais à custa de
seus ordenados e 100 mil réis, de uma vez, para a compra dos utensílios
necessários para sua aula (ANAIS do AHRS, 1978, V. 3, CV- 905, p. 258). Na
segunda ordem de liberação de 30 mil réis de ordenado mensal ao professor de
primeiras letras de São Borja, Domingos José da Silveira e 150 mil réis para a compra
do material necessário à aula.
Podemos observar que nas duas correspondências liberação de verbas
para a compra de utensílios, mas não temos como precisar se era para aula de
ensino mútuo, por não haver tal referência, como nos casos apresentados ao longo
da dissertação. No entanto, em O Povo de 13 de maio de 1840 (n°158), o professor
de São Borja em correspondência com o Ministro Almeida faz referência à
“comodidade dos alunos e das Decúrias”. Esse último termo indícios de que o
professor talvez empregasse o Método de Lancaster devido à, costumeiramente, os
docentes que usavam o método aludirem aos seus alunos com a referida expressão,
anteriormente citada.
Domingos José de Almeida, em 12 de março de 1840 ao se dirigir ao
professor de primeiras letras de São Borja expõe que o Governo Farroupilha não
poupa e nem poupará esforços para desenvolver a instrução da mocidade rio-
grandense. Para isso, solicita que o professor o informe qual casa tem disponível para
servir de escola “e quais os meios de mobiliar-se de pronto, pois que providencias se
darão para que fique ela num breve em estado prestável” (O POVO, 13/05/1840,
158). Em reposta, o professor Domingos José da Silveira em 24 de março de 1840
expõe que está
altamente convencido do quanto o Exmo. Governo da república se esmera
em colocar este Estado a par de um grande povo, e fazer que as novas
gerações cresçam com as luzes do século, fazendo-as tomar uma marcha
mui distinta da de seus progenitores; é que me antecipei no meu oficio de 29
de fevereiro passado, a fazer conhecer a V. Ex. o atraso e inabilidade em que
se acha a mocidade desta importante parte do solo Rio-Grandense. Pela
resposta de V. Ex. em seu ofício de 12 do corrente, mais me persuado das
paternais solicitudes de tão benéfico Governo, e que jamais poupará meios e
sacrifícios para bem desempenhar esta magna obra, e que nesta inteligência
eu informo a V. Ex. com presteza qual a casa aqui existente mais apta para a
170
escola, e quais os meios de mobiliar-se de pronto (O POVO, 13/05/1840,
158).
Podemos observar que tanto nos discursos de Almeida ao longo do trabalho,
quanto esse do professor de São Borja aparece que era possível, através da
aquisição das luzes, colocar o nascente Estado entre as grandes nações. Essa
aquisição seria possível através da difusão da educação escolar. Ao demonstrar que
os jovens de o Borja estavam “atrasados” e que seus pais não tiveram acesso à
escola e que estava convencido de que o paternal e benéfico Governo Farroupilha
não pouparia sacrifícios para cumprir essa magna obra, parece-nos implícito que os
imperiais atrasados não valorizavam a educação, ao contrário da administração
moderna da República Rio-grandense.
Na continuidade da carta para Domingos José de Almeida, o professor solicita
as casas de números 70 e 71, as quais moravam o coletor e a sua família. Consta,
ainda, a necessidade de derrubar paredes para formar uma grande sala. , ainda, a
preocupação com a iluminação solicitando, por isso, abertura de janelas, além de
separar os alunos das alunas, pois eles estariam estudando juntos. Através dessa
correspondência podemos observar as preocupações com o ambiente escolar, ou
seja, sala ampla, iluminada e arejada e com o controle dos alunos, pois a disposição
da mobília coloca o professor no centro para melhor observá-los:
Se fará de ambos uma boa pesa , porque derrubando-se a parede do centro
que as divide, aparecerá uma sala de 45 palmos , mais ou menos, então
abrindo uma janela para a rua, e das duas portas formar-se de uma, outra
janela, ficará uma sala grande e clara onde se poderá colocar em ordem
seis bancos de 10 palmos cada um, e outras seis mesas ou escrivaninhas
entre bancos, ficando lugar para o instrutor poder também colocar uma mesa
na parede do centro para dali observar os escolares; e poder lecioná-los;
devendo ficar então a sala, onde hoje se conservam todos os alunos,
reservado para as educandas, divididas dos alunos. Necessitando esta
também, de uma janela igual para a rua, porque tem uma porta (O POVO,
13/05/1840, n° 158).
O professor de São Borja justifica a necessidade das melhorias não por
medidas de luxo, mas sim para se ter “uma casa cômoda, conveniente e decente que
convide aos pais de família a ela mandarem seus filhos e ao Governo o brasão de
haver estatuído” (O POVO, 13/05/1840, n° 158). Na justificativa do professor podemos
perceber que ele, ao lutar para poder iniciar sua aula e ter boa procura expõe ao
Ministro Almeida que o Governo Farroupilha teria também benefícios, pois serviria de
171
propaganda e persuasão em defesa da República Rio-Grandense, por ter essa
administração instituído uma escola com condições favoráveis ao ensino.
Domingos José da Silveira informa ter comprado alguns materiais, como
por exemplo, portas e janelas e que havia recebido da coletoria os 150 mil réis, sendo
25 em cobre, 50 em papel e 75 em prata. Ele estaria com os 50 mil réis em papel sem
possibilidade de usar, “porque obreiro nenhum a quer receber por seu trabalho e
querem prata, e nem os mesmos negociantes a querem trocar, se não por gêneros”
(O POVO, 13/05/1840, n° 158). Assim sendo, o docente solicita que Domingos Jo
de Almeida ordene a coletora para trocar os 50 mil réis em papel por cobre ou prata.
Em 12 de maio de 1840, o Ministro informa ao professor de primeiras letras
de São Borja que levou tal fato ao conhecimento do Vice-presidente da República
Rio-grandense e esse ordenou o cumprimento das solicitações do docente. Conforme
O Povo de 13 de maio de 1840 (n°158),
Ilmo.sr. - O Senhor Vice-presidente da república ao conhecimento de quem
eu levei seu ofício de 24 de março último, ontem recebido, anuiu na entrega
da meia sala da casa número 70, e toda a casa número 71 para escola a seu
cargo; bem como se reedificasse o quarto do colégio, e que para tais obras
se aplicarem as pedras e madeiras da Igreja demolida, e que recebendo o
coletor a quantia dada em cédulas a devolvesse em prata. Em conseqüência
ora expresso as ordens a respeito e o comunico para sua inteligência e em
resposta ao seu dito ofício.
Deus guarde a V.s. secretario do interior em Caçapava 12 de maio de 1840
Domingos José de Almeida Ilmo.sr. Coronel Domingos José da Silveira.
Na mesma data Almeida manda ofício ao Chefe Geral de Polícia de São
Borja, ordenando a pronta execução das determinações do vice-presidente, referente
à desocupação e obras da casa que serviria de escola. Devendo ordenar a remoção
da coletoria, “por isso que tendo o coletor a porcentagem da lei marcada, e nada
mais, cumprem-lhe agenciar casa para sua residência e coletoria” (O POVO,
16/05/1740, n° 159).
Como sabemos, a República Rio-grandense estava sempre com poucos
recursos financeiros, mesmo assim, Almeida ordenou a desocupação de uma
coletoria para instalar uma escola. Conforme o exposto na ordem ao Chefe de Polícia,
o Ministro estaria cumprindo a lei, pois o previa o aluguel de casa para moradia e
instalação da mesma. Mesmo assim, podemos perceber a valorização dada à
Instrução Pública.
172
É digno de destacar que no capítulo referente à Instrução Imperial, no quadro
de professores do ensino primário do relatório de Caxias, o professor Domingos José
da Silveira aparece como docente de São Borja, com ordenado de 200 mil réis,
provido em 04 de julho de 1843. Consta, também, que ele ainda não haveria tomado
posse. Podemos observar que tanto nos documentos da República Rio-grandense,
quanto nos dos imperiais este docente é chamado de Coronel.
O Ministro Almeida se mostrava muito agradecido quando outros republicanos
tomavam atitudes em benefício da Instrução Pública, como podemos observar nos
ofícios de 5 de setembro de 1839 e 11 de setembro de 1839, (O POVO, 14/09/1839
n°101). Também notável é a valorização dada à instrução e a crença nos benefícios
que essa daria à causa republicana, nos discursos apresentados.
Em 5 de setembro de 1839:
Ilmo. e Exmo.sr. Desejando por todos os meios ao meu alcance, não só
cumprir as determinações do governo, como ver propagada a educação
pública, base primeira do Sistema que nos rege fiz todo esforço para que se
instalasse a Aula do ensino mútuo debaixo da mediata direção do Professor
Luiz Carlos de Oliveira. Faltando fundos na coletoria desta Capela supri com
todo o necessário para as despesas precisas e tive o prazer de presenciar no
dia 12 de agosto p.p. abertura da referida aula, cujo ato foi celebrado com a
ocorrência de todos os cidadãos do lugar, os quais depois ali comparecerão
em um baile aonde transbordou o entusiasmo e o patriotismo, porque todos
estão persuadidos que o governo, a pesar das peias que lhe põem os
sucessos da guerra não omite diligencia para estabelecer os fundamentos
verdadeiros do Republicanismo, que se escoram na ilustração, e na moral;
dando o exemplo na prática e na doutrina. O Professor Oliveira tem de dar a
V. Ex. uma parte circunstanciada desse cesso, assim como o progressivo
adiantamento de seus alunos (O Povo, 14/09/1839, n°101).
Em 11 de setembro de 1839:
Ilmo.sr. Os esforços por V. S: feitos para instalar nesta Povoação a escola
de Ensino Mútuo, e a solenidade com que esta teve lugar a 12 do passado,
como avisa por oficio de 5 do corrente, tem merecido do governo da
República sincero encômio, por ver que V. S. compreende e desenvolve as
verdadeiras bases da felicidade pública. Sim; sem a difusão do ensino
primário não podem germinar a agricultura, o comércio, as artes, as ciências,
e o que é mais que tudo ainda a liberdade para o que cooperando V. S.
tão eficazmente assaz se tem distinguido no serviço da Pátria, e merecido os
respeitos de seus concidadãos em cujo número eu ocupo o primeiro lugar.
A importância das despesas no arranjo e utensílios da casa, por V.Sr.
avançada, mandarei indenizar imediatamente que enviar a respectiva conta.
Deus guarde V. Ex. secretaria da Fazenda encarregado do expediente do
Interior em Caçapava, 11 de setembro de 1839 Domingos José de Almeida
Ilmo. Sr. Antonio de Faria Correa, Juiz de Paz de São Gabriel. ( O Povo,
14/09/1839, n°101).
173
Como podemos observar parte da motivação desse Juiz de Paz foi cumprir o
citado ofício de 01 de agosto de 1838, enviado por D.J de Almeida. Por outro lado,
ele demonstra conhecimentos acerca dos princípios republicanos e a importância
para esse sistema de haver a instrução do povo. Apesar de, na prática, haver certa
distorção dos significados dessa crença é digno de notar a coerência no discurso.
Notável também é que o ministro tenha se prontificado a ressarcir os gastos
feitos para instalar a escola pública de São Gabriel, assim que fosse enviada a conta.
Demonstrava, dessa maneira, o objetivo do Governo da República Rio-grandense, de
tomar para si o controle das escolas do Estado.
O professor Luis Carlos de Oliveira, em 07 de outubro de 1839, escreve para
Almeida expondo que com a pena ele faria melhor serviço à nação do que com as
armas. Atuaria, assim, pelo Método de Lancaster e que em sua escola havia mais de
50 alunos e 35 alunas. Conforme O Povo (16/10/1839, n°110),
Ilmo. Senhor É esta a primeira vez que tenho a honra de dirigir-me a V. Ex.
para anunciar-lhe que havendo sido convidado pelo Juiz de Paz desta capela
, para incumbir me da educação da mocidade pelas regras do ensino mútuo,
gostoso anui a sua negativa oferecendo grátis meus serviços ao Estado; e
esforçando me para conseguir um resultado vantajoso em prol da juventude
RioGrandense, suprindo a falta da minha ciência o ardente desejo que tenho
de ser prestadio a causa da liberdade de que defendemos, larguei das armas
para empunhar a pena na suposição que avantajo mais os meus serviços
fazendo beber a inocente mocidade na taça do patriotismo o mel dos bons
costumes, ou a moral republicana, ilustrando o seu entendimento, de que
oferecendo nas fileiras uma lança mais para sustentar os direitos da pátria.
Tenho feito o que minhas forças permitem: falto dos meios de subsistência,
onerado de uma numerosa família, havendo perdido com a revolução os
restos de minha pequena fortuna, passo os dias no afanoso e assíduo
trabalho de instruir meus alunos, e as noites escrevendo para ganhar o pão
que deve alimentar meus filhos. Eu me encarreguei de todos os preparativos
para a instalação da aula, e com minha presença e zelo consegui economia
e asseio. E tive o prazer de ver no dia 12 de agosto do corrente ano
começados os trabalhos, pelo sistema de Lancaster, havendo desde 17 do
mesmo mês do ano de 1838, usado das regras que prescreve Andrade. Os
alunos que ao presente freqüentam a aula montam de 50 para cima e alunas
35, e seu estado de adiantamento manifestam os exemplares juntos: me
lisonjeio que em breve possa dar maior satisfação ao Governo da república,
fomentando o progresso da aplicação de meus discípulos e o número deles,
que se aumentará consideravelmente, notando todos que o governo tanto se
esmera em educar a mocidade, estabelecendo assim os verdadeiros
princípios do sistema republicano, que tem de fazer a ventura da pátria e a
glória de quem dirige o timão do Estado. Deus guarde V. Ex. para bem da
Pátria São Gabriel 7 de outubro de 1839 Ilmo. Sr. Domingos José da
Almeida, Ministro Interior, Fazenda e Justiça Luiz Carlos de Oliveira.
No início da correspondência consta que esse professor iria dar aulas
gratuitamente, ou seja, sem cobrar soldo do Governo Republicano, mas no
174
transcorrer ele passa a demonstrar que estaria com dificuldades financeiras. Em 15
de novembro de 1842 temos a ordem para efetuar um pagamento de suprimentos ao
referido professor, “dita mandando pagar pela coletoria de São Gabriel a Antônio
Arranca Pedras a quantia de 255U000, proveniente de suprimento que fez ao
professor de primeiras letras Luiz Carlos de Oliveira” (O MENSAGEIRO, 10/12/1842,
n°20). Com isso, demonstra que o referido professor recebia pagamento do Estado
pelo serviço prestado.
Conforme o próprio professor Luiz Carlos de Oliveira se referiu que deixara
as armas para pegar a pena; talvez fosse ele o docente que Almeida solicitou a um
coronel de São Gabriel, para que houvesse liberação a fim de ocupar a sua aula. Se
não for, pelo menos deve ter renunciado para esse, então, ocupá-la. Como podemos
observar a seguir:
Meu distinto Coronel e respeitável amigo.
Não querendo tomar um arbítrio acerca do professor de primeiras letras de
São Gabriel sem consultar ao Sr. lhe dirijo a presente. O Sr. é pai e além
disso estou que perfeitamente conhece o qual influi nos costumes das nações
a instrução e educação de sua mocidade. A nossa se em total abandono,
e se não repararmos de pronto esse mal certamente nossos vindouros nos
lançaram em rosto esse crime. O seu secretário deve necessariamente fazer-
lhe falta, mas o ministério para que foi encarregado se acha vago por não ser
conforme com a justiça provê-lo enquanto o proprietário for empregado.
Estou que lhe não falecerá patriotismo e que, a querer segurar seu
empregado, deve ele mesmo meter outro em seu lugar, ou renunciá-lo para
depois ser empregado em coisa melhor. Diga-me o Sr. a respeito e com
franqueza o que acerca de tal assunto se oferecer, dispondo como lhe
parecer da vontade do.
Seu sincero e muito obrigado amigo. Domingos José de Almeida.
Piratini, 9 de janeiro de 1839 (ANAIS do AHRS, 1978, V. 2, CV- 278, p. 225).
Na abertura da aula de ensino mútuo de São Gabriel, o professor Luiz Carlos
de Oliveira proferiu um discurso destacando a importância da instrução e da moral
para regenerar a política. Apresenta o Brasil como degenerado politicamente, que se
valia da falta de ilustração do povo para oprimir e escravizar. Exalta, também, a
utilização do Método de Lancaster. Conforme podemos constatar em O Povo
(16/10/1839, n° 101),
Se pelo mágico poder sabedoria e da virtude vedes aqui flamear o
estandarte tricolor, emblema de nossa fortaleza, garantia de nossas
liberdades, as mesmas entidades que o arvoraram vos estão hoje arrancando
dos olhos a venda com que o despotismo e a tirania vos queria cegar para
encaminhar-vos ao aviltante jugo da escravidão. Mergulhar-vos no imundo
charco da ignorância, embrutecer o vosso entendimento e apagar até a última
centelha de vossa razão, eram as idéias e os princípios dessa corte
175
desmoralizada e pervertida do desgraçado Brasil, para que não conhecêsseis
os direitos que a Divindade outorgou a todos os homens, e incessíveis e
dóceis dobrásseis a humilhada cerviz ao ignominioso cativeiro; abusando
assim de vossa inocência para mais agravar seu crime; mas hoje que a mão
dos fados varando a nossa sorte melhorou nossos destinos, vedes um
Governo sábio e bem intencionado, que apesar dos estorvos e das peias que
lhe em a injusta guerra que nos fazem, promove vossa ventura
subministrando-vos os meios de alargar vossa razão, fazendo-vos conhecer a
arte da escritura, pela qual conseguireis os estudos das ciências úteis a
humanidade, as luminosas idéias de todos os sábios do mundo, e a santidade
e pureza da moral evangélica. Esta arte, que é o órgão da sabedoria e o
arremedo da eternidade, enfreia nossas desordenadas paixões, insuflando-
nos o temor da pública execração, e serve de núcleo a virtude e ao heroísmo,
levando com espanto, admiração e respeito nossas boas ações a
posteridade. Esta arte sublime que foi o requinte da sagacidade humana, que
neutraliza os estragos do tempo e os obstáculos do espaço, levando a todos
os climas os pensamentos alheios, vencendo em parte as barreiras, que a
Divindade pôs às circunscritas faculdades do homem; esta arte, digo, é
novamente aperfeiçoada pelo sagaz e experimentado Lancaster, que mais
conhecedor que todos os mestres da mocidade, esquadrinhou os recortes
mais eficazes para facilitar a juventude a compreensão de suas regras,
formando o sistema de ensino mútuo, hoje adotado em toda a ilustrada
Europa pela excelência de seu método.
É seguindo o seus ditames que me proponho a ensinar-vos, esperando que
com vossa assídua aplicação secundarei meus esforços para podermos ver
realizada as esperanças do Patriótico governo, que nos rege, e cimentados
os verdadeiros princípios sobre os quais se escoram o grande edifício da
nossa regeneração política, que só reclama moral e ilustração.
Viva a Religião Católica Apostólica Romana Viva o sistema republicano
Viva a liberdade Rio-grandense Viva o seu Governo, porque é justo e
liberal.
São Gabriel 12 de agosto de 1839.
Podemos perceber que enquanto o Brasil é imoral e opressor uma
exaltação da República Rio-grandense como regeneradora e defensora da liberdade,
que é iluminada e de elevada moral. Aqui nos parece evidente a dicotomia de uma
nação que propala a liberdade, mas se esquece de que mantém a escravidão negra,
assim como o fato de que a Instrução Pública, também, não era igual para todos.
O Governo Republicano, através de seu ministro, demonstra o controle sobre
a educação pública nomeando uma comissão para examinar a aula e os alunos das
primeiras letras de São Gabriel.
Ilmo.sr.
Querendo o governo impor se do estado da aula pública a seu cargo e dos
alunos que a freqüentam nomeado uma comissão composta dos cidadãos
Manuel Martins da Silveira Lemos, José Maria Pereira de Campos e Augusto
de Siqueira Pereira Leitão, marcando-lhe o dia 17 do corrente para o
respectivo exame; o que lhe comunico para sua inteligência. Deus guarde a
V. Sª. secretaria do interior em São Gabriel, 15 de abril de 1841.
Ao cidadão Luís Carlos de Oliveira.
Professor de 1ªs Letras desta Capital (ANAIS do AHRS, 1978, V.2, CV- 517,
p.388).
176
Analisamos a correspondência dos avaliadores e do Juiz de Paz de nenhum
deles há referencia a essa vistoria. No entanto, cremos que através da CV 940
podemos saber qual foi a avaliação sobre tal inspeção. Como a data está entre
colchetes e segundo a apresentação técnica estaria com certa imprecisão,
acreditamos que a data correta seja 25 de abril de 1841 e não de 1839, como consta.
Sendo assim, Domingos José de Almeida afirmava “nada foi tão satisfatório ao
Governo como o adiantamento em que se acham os alunos que freqüentam a escola
de primeiras letras que se acha a cargo do cidadão Luis Carlos de Oliveira” (ANAIS
do AHRS, 1978, V. 3, CV- 940, p. 264).
Este controle também se evidencia quando, desconfiado da conduta dos
professores, averigua suas ações como no caso de Anna Francisca Rodrigues
Pereira, que não se mostrava favorável à causa republicana. Conforme conta em O
Povo de 14 de agosto de 1839 (n° 92),
Ilmo.sr. Tendo D. Anna Francisca Rodrigues Pereira, em concurso público
obtido a Cadeira de primeiras Letras de meninas para a Vila de Cachoeira, na
conformidade das Leis existentes; sucede que depois de lhe mandar passar
provimento, por um anônimo sou informado de que a referida D. Anna
Francisca, posto seja de conduta ilibada, é fidagal inimiga da causa do
Estado, e tanto que à suas alunas propagam doutrinas a ela opostas. E
porque deseja acertar em todos os atos da parte de Administração que me foi
confiada; espero que V.S. acerca do assunto me informe com urgência e com
a inteireza que lhe é própria.
Deus Guarde a V.S. Secretaria da Fazenda, encarregada no expediente do
Interior em Caçapava, 18 de julho de 1839. - Domingos José Almeida, -
Ilmo.sr. Major Antonio Vicente da Fontoura, Chefe Geral de Policia do
Município da Cachoeira.
A Professora Ana Francisca se defende, afirmando ser ela caluniada e que
não é contra a causa republicana. Como podemos observar na mesma publicação do
jornal O Povo
Ilmo.exmo.sr. - Tendo eu noticia de haver constado a V. Ex. por um anônimo,
que em minha aula se espalham doutrinas contra a Causa da República, à
que eu aderi muito de minha espontânea vontade, e sem constrangimento de
pessoa alguma, cumpre-me dizer a V Ex que é um falso, que eu espalhe, ou
consinta espalharem-se doutrinas em minha aula contra tão sagrada causa.
As doutrinas que espalho em minha aula, são as da Religião Católica
Apostólica Romana, eu pasmo Exmo.sr. em ouvir dizer, que houvesse um
anônimo perverso, e aleivoso de tão má índole, que se atravesse a querer
manchar-me com tão vil nota. Como é crível Exmo.sr., que tendo eu obtido o
beneplácito de um Governo benéfico, para o encante de meu emprego,
conspirasse agora espalhando doutrina contra o mesmo? Oh Deus do
177
Universo, descarreguei o vosso poder sobre um perverso caluniador.
Exmo.sr. eu sou parte ofendida, e caluniada; V. Ex. depois de tomar as
informações convenientes, me fará justiça, lavando-me assim de uma infame
nodoa com que esse anônimo me quis manchar.
Deus guarde a V. Ex. por muitos anos. Cachoeira 31 de julho de 1839.
Ilmo.exmo.sr. Ministro dos Negócios do Interior e Fazenda. Anna Francisca
Rodrigues Pereira.
Domingos José de Almeida responde à carta com certo cuidado, se
mostrando respeitoso com a professora, mas fica no aguardo das conclusões do
encarregado da diligência, o Chefe de Polícia de Cachoeira, senhor Vicente da
Fontoura. Como bem podemos observar no trecho a seguir
Ilma.sr. (a) Seu oficio de 31 do passado, que tem por objetivo defender-se
da calunia que lhe achacaram considerando-a desafeta a sagrada causa
republicana que abraçamos, e que me foi comunicado por um anônimo, a
pouco me veio as mãos; e me apresso a contes-lo atendendo a impressão
desagradável que a V. Sr.(a) terá causado as indagações que em
conseqüência procedi, para sobre o assunto marchar com a circunspeção
que demanda o grave encargo por V. Sr.(a) solicitado. É verdade que o
anônimo me foi endereçado, e é também verdade que a vista dele e da
instrução primária das jovens Rio-grandenses em que ora repousam as mais
belas esperanças da Nação, eu vacilei a cerca da expedição do respectivo
diploma, no entanto que passava a indagar da veracidade de quanto se me
dizia no citado anônimo. A pessoa encarregada dessa indagação ainda me
não informou a respeito; e posto esteja intimamente convencido da calunia
irrogada a V. Sr. (a), contudo por ela aguardo visto -la exigido, ficando V.
Sr. (a) certa, que sejam quais forem os resultados de tal indagação, eu tributo
as suas virtudes os mais sinceros respeitos.
Deus guarde a V. Sr. (a) Secretaria dos Negócios do Interior em Caçapava
3 de agosto de 1839 Domingos José de Almeida Ilma.sr. (a) D. Ana
Francisca Rodrigues Pereira (O POVO, 14/08/1839, n° 92).
Em correspondência de 04 de agosto de 1839, Vicente da Fontoura, ao
finalizar as investigações expõe que a professora não era defensora da causa
republicana, no entanto, percebendo que o Governo Farroupilha não tolerava em seu
interior doutrina contrária ao seu regime político, de agora em diante estaria em
condições de exercer o magistério.
Ilmo.exmo.sr. Em observância ao que me ordena V. Ex. em Oficio de 18 do
mês passado, cumpre me informar que D. Francisca Rodrigues Pereira,
professora de Primeiras Letras de meninas nesta Vila, consta não ser afeta
ao sistema Republicano; porém como é Rio-grandense, e sabendo da
informação por V.Exa. pedida se mostrado pesarosa, estou convencido que
d`ora em diante se fará digna de exercer o sublime magistério de diretora de
suas jovens patrícias, ficando essa corrigida com o conhecimento de que
não é o Exmo. Governo da Republica indiferente expectador, para tolerar
procedimentos que em menos em regra com o sistema adotado pensão ainda
que levemente ofende-lo.
178
Deus guarde a V. Exa. Comando Geral do Município de Cachoeira 4 de
agosto de 1839. Ilmo. e Exmo.sr. Domingos José de Almeida, Ministro e
Secretário dos Estados dos Negócios da Fazenda, encarregado do
expediente do interior. Antonio Vicente Fontoura.
Como podemos observar, sendo a escola parte do aparelho ideológico do
Estado o Governo farroupilha não poderia aceitar doutrina contrária à república, em
seu interior.
O fim da investigação se deu em 04 de agosto de 1839 e no dia 13 do mesmo
mês e ano Bento Gonçalves dá provimento à Ana Francisca para a cadeira de
meninas de Cachoeira, pelo Método de Lancaster. O ordenado de 500$ réis foi
confirmado, sendo esse o que havia sido provisoriamente marcado pela Câmara local
em 17 de junho de 1839. Como podemos observar, todo o assunto envolvendo Ana
Francisca foi publicado no jornal O Povo de 14 de agosto de 1839 (n° 92), inclusive
seu provimento pelo Presidente da República.
Conforme apontamos no capítulo quarto, a professora em 20 de outubro de
1842 recebia provimento do Governo Imperial para lecionar para meninas em
Cachoeira com ordenado de 600$ réis.
Entre as dificuldades que havia na República Rio-grandense está a escassez
de prédios e, sobretudo, de edificações públicas. Foi preciso que o governo alugasse
casas para servirem de escolas. A Câmara de Piratini em 23 de maio de 1839
informava que pagava 10 mil réis mensais para uma sala para o ensino primário
(ANAIS do AHRS, 1978, V. 3, CV- 1125, p. 300). Outra do mesmo dia, se referindo a
São Gabriel foi possível determinar a localidade pela CV 881 - o Governo
Republicano determinava que a casa do falecido Parreira fique desde destinada
para a aula do ensino primário da mocidade daquele distrito fazendo-a avaliar por
homens peritos e enviar ao tesouro translado autêntico para sua importância ser
satisfeita em tempo idôneo” (ANAIS do AHRS, 1978, V. 3, CV- 1140, p. 303).
Em outra correspondência de Almeida é possível observar que havia
escassez de prédios até para instalar a Assembléia Constituinte. Através de troca de
favor, como o de não ter recrutado para as forças armadas um capataz o ministro
pede uma casa emprestada para alojar uma senhora, uma vez que a dela seria usada
para servir a Assembléia e de escola da capital. Como podemos observar,
Sr. Ricardo José de Magalhães Filho. Sua casa 21 de abril de 1840. Prezado
amigo e Sr. por virtude da sua estimada carta em resposta à que lhe dirigi a
179
10 do corrente, ora tendo requisitado do Exmo. Ministro da guerra, não a
isenção do seu capataz de todo o serviço do Exército e Polícia, como ainda
que doze cavalos reunidos, que V. S(a) mandara recrutar, lhe o sejam
tirados por motivos ou pretexto algum; à vista do que espero que continue no
importante serviço a seu cargo. Ainda por esta vez sou forçado a pedir-lhe o
favor de ceder a sua casa para a filha de D. Francisca por ser a desta precisa
para a Assembléia e escola desta Capital. Sei que precisa de dita sua casa,
mas isto será por pouco tempo em razão de poder passar para o forte a
secretaria da guerra e ficar desocupada a casa em que se acha. Tenha a
paciência com o seu muito obrigado amigo Domingos José de Almeida
(ANAIS do AHRS, 1978, V. 3, CV- 1449, p. 379).
Tais dificuldades de se conseguir prédios para servir de escolas eram
problemas antes da separação do Brasil, problema que continuará, também, após a
pacificação.
No que se refere aos estrangeiros que desejassem ser cidadãos da República
Rio-grandense o Governo Farroupilha não os esqueceu no que se referia à Instrução
Pública se eles tivessem conhecimentos para o magistério seriam aceitos como
Rio-grandenses, conforme consta no decreto de 18 de dezembro de 1838, em seu
artigo 2º, inciso 6º:
Art. 2º. São igualmente cidadãos da República, e considerados na fruição
daqueles mesmos direitos todos os estrangeiros, que tem trabalhado, e possa
para o diante trabalhar na defesa da liberdade, independência, e
prosperidade deste País, provando:
[...]
§6º. Terem os conhecimentos indispensáveis para serem admitidos ao
Magistério das Universidades, Liceu, Academias, ou Cursos Jurídicos do
Estado (O POVO, 19/12/1838, n° 32).
Segundo Rodrigues (1990, 354) foi D.J. Almeida quem criou esse decreto.
Não temos nenhum dado que demonstre que algum estrangeiro tenha solicitado
cidadania por ser professor. no jornal O Povo de 29 de junho de 1839 (n° 78) um
italiano por nome Napoleon Casteline, que é considerado cidadão Rio-grandense e é
promovido ao posto de capitão de infantaria de primeira linha. Usando como suporte
para ser considerado cidadão o artigo 2° § 1° do decreto de 18 de dezembro de 1838,
por ter tido “constância e permanência continuada por mais de um ano no serviço do
exercito, marinha ou comissões diversas”.
Dando continuidade de ações em benefício do conhecimento, através de
decreto, Almeida age para criar na capital da república um gabinete de leitura o
180
início de uma Biblioteca Pública, pois, segundo o próprio Ministro afirmava isso se
fazia necessário para a prosperidade do novo Estado. Domingos José de Almeida, no
ofício de 28 de junho de 1839 manda que a comissão criada para o arrolamento dos
bens dos inimigos da república envie para a capital todas as obras literárias retiradas
desses.
Ilmos.srs. Tencionando o governo criar na capital um gabinete de leitura
onde reunidas as obras do Estado existentes possa nossos concidadãos
consultar os materiais que lhe forem mister, e nelas se contenham, tem para
esse fim juntos o melhor de oitocentos volumes de obras escolhidos e para
enriquecer o dito gabinete que talvez seja percursos da primeira Biblioteca do
Estado, determina que V. Sra. dos bens dos inimigos da República a
arrendarem, mandem separar, e enviar a esta Repartição todos os livros que
tiverem arroladas (O POVO, 03/07/1839, n° 80).
No mesmo dia apelou aos vereadores de Piratini e demais câmaras para que
tentassem, junto à população, doações de obras de qualquer natureza, pois o
governo havia comprado oitocentos volumes que estavam à disposição da
população no gabinete de leitura e havia a necessidade de ampliar o seu acervo.
Ilmo.srs. tornando-se bastante sensível a escassez de obras ainda as mais
triviais e necessárias cujas doutrinas se faziam mister consultar para o arranjo
de negócios, que de todas as partes do Estado afluirão à Capital;
indispensável foi ao governo a aquisição delas; e obtendo a melhor de
oitocentos volumes daquelas mais importantes deliberou com elas mandar
criar hum gabinete de leitura a proveito dos cidadãos da República e sobre
essa base acumular os livros de propriedade incursas nas disposições de
decreto de 11 de novembro de 1836, e 5 de abril de 1837, e assim todos os
mais que para fim de tanta monta possa obter com o fito de lançar dessa
forma os alicerces de uma Biblioteca blica. Nesta inteligência, pois
empenha o mesmo governo o patriotismo de cada um dos membros dessa
câmara, para que todos habitantes do seu Município obtenham, e remetam a
esta repartição todas as obras sejam elas de que natureza forem que possam
dispensar para o destino indicado, no que serviços singulares, farão à
República (O POVO, 03/07/1839, n° 80).
O Ministro D.J. Almeida em 30 de junho de 1839 se dirigindo a todos os
cidadãos, chamando-os de “amigos da prosperidade nacional” solicita que enviem
para a capital as obras que pudessem se desfazer para enriquecer o gabinete de
leitura (O POVO, 03/07/1839, n°80).
Os efeitos desses atos o sentidos em 09 de setembro de 1839, quando
Almeida responde um ofício de 02 do referido mês e ano, em que era informado que o
padre Santa Bárbara havia doado livros ao gabinete de leitura, o qual tinha sido criado
181
em Caçapava. O Ministro ficou no aguardo da remessa das obras. Conforme O Povo
de 11 de setembro de 1839 (n° 100),
O Governo a quem foi presente o oficio que em 2 do corrente V. Mcês. me
endereçaram haver o distinto cidadão padre João de Santa Bárbara generosa
e gratuitamente cedido seus livros para o gabinete de leitura que se
criado neta Capital, como assevera o juiz de paz do distrito de Pau Fincado,
em oficio de 8 do passado mês. Determina em resposta lhes diga que ao
referido cidadão em nome do mesmo Governo agradeço tão relevante
serviço; esperando que verifique a remeça de tais livros, logo que segura e
comodamente a possa fazer.
Deus guarde V. Mcês. secretaria do Interior em Caçapava 9 de setembro de
1839 Domingos José de Almeida Sr.(s) Presidente e mais vereadores da
Câmara Municipal da Vila de Cachoeira.
Encontramos notícias do gabinete de leitura no jornal O Povo de 08 de abril
de 1840, após a invasão da capital Caçapava, ocorrido em 21 de março do referido
ano. Informam os fatos que se sucederam e os danos causados pela incursão
inimiga, onde temos que o gabinete de leitura se salvou por ser distribuído nas casas
da capital. Como podemos evidenciar em O Povo (08/04/1840, 152), “a livraria do
gabinete de leitura e quase tudo que se achava na Igreja e nos armazém do Trem, se
há salvado por diversas casas”.
A última informação que obtivemos do gabinete de leitura foi na sessão de 17
de janeiro de 1843, da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, que estaria em
depósito em Piratini. Conforme O Americano (01/03/1840, n°36),
O Sr. Almeida enviou a mesa um requerimento pedindo se exigisse do
Governo para a Secretaria desta casa, a coleção de Leis do Brasil, a de Leis
da República e a pronta vinda dos livros do gabinete de leitura em depósito
na cidade de Piratini; o qual depois de apoiado e discutido foi aprovado.
Almeida pede as leis e os livros, talvez para consultar as matérias em
discussão, que era o objetivo da criação do gabinete em 1839, para que pudessem os
“nossos concidadãos consultar as matérias que lhes forem mister” (O POVO,
03/07/1839, n° 80). Não sabemos se os livros vieram e qual foi seu destino após o fim
da Revolução Farroupilha.
Em 18 de setembro de 1838 foi decretado às Câmaras Municipais que
nomeassem, cada uma, um procurador para participar na capital da República Rio-
grandense da reunião do Conselho de Procuradores Gerais dos Municípios, enquanto
não fosse possível reunir a Assembléia Constituinte (O POVO, 22/07/1839, 7). Em
182
08 de maio de 1839 D.J. de Almeida manda circular às Câmaras Municipais para que
essas informem a situação das aulas das respectivas comarcas para poderem
deliberar durante a reunião dos procuradores. Conforme O Povo de 11 de maio de
1839 (n° 65),
Circular as Câmaras
Achando-se nesta capital número suficiente de Procuradores dos diversos
municípios do Estado, e devendo por isso instalar-se o conselho decretado
em 18 de setembro próximo passado, logo que regresse o Exmo.sr.
Presidente da República; para tratar-se com preferência a todos os negócios
da instrução da mocidade Rio-grandense, haja V. Mcês. de exigirem com
urgência, e enviarem-me com a possível brevidade mapas circunstanciados
dos alunos que freqüentam as aulas em exercícios nesses municípios,
segundo o modelo incluso, informando ao mesmo tempo qual a conduta dos
respectivos professores nos seus magistérios.
Deus guarde a V. Mcês. Secretaria do Interior em Caçapava 08 de maio de
1839 Domingos Jose de Almeida Sr. Presidente e mais vereadores da
Câmara Municipal desta Capital.
Iguais a Câmara de Alegrete São Borja Cruz Alta Setembrina Triunfo
Rio Pardo Cachoeira Piratini.
Em 15 de maio de 1839 (CV 1079), o Ministro Almeida respondia “ao
Professor de primeiras Letras de Piratini acusando a recepção do seu de 9 do
corrente em que comunica freqüentarem a sua aula 35 alunos”. Como veremos no
mapa publicado no Jornal O Povo de 31 de julho de 1839 (n°87), incluindo outras
aulas, seriam 36 em Piratini, Caçapava 53 meninos e 22 meninas, totalizando 75,
São Gabriel 43 meninos e 25 meninas, totalizando 68, Rio Pardo 47, Cachoeira 32
Santa Ana da Boa vista 14 e São Borja 8. Ignoravam os números de alunos de
Alegrete, Itaqui, Santa Ana do Livramento, Cruz Alta, Lages, Santa Maria da Boca do
Monte, Encruzilhada, Bagé, Setembrina e Mostarda (O POVO, 31/07/1839, n°88).
A reunião dos Procuradores Gerais dos Municípios ocorreu entre os dias 21 e
23 de dezembro de 1839, com três sessões. Em nenhuma delas houve discussão
sobre a Instrução Pública.
O Ministro Domingos Jo de Almeida foi informado de que o mero de
alunos das primeiras letras diminuía por boatos de que o Governo Farroupilha estaria
reunindo a mocidade nas escolas com a finalidade de recrutá-los para a guerra. Ele,
então, publicou uma circular aos Chefes Gerais de Polícia do Estado, a seguir
apresentada:
183
Circular
Ilmo.sr.
Informado por dois professores de Primeiras Letras de que o número de seus
alunos se tem dias consideravelmente enfraquecido por causa de avisos
dados a seus pais e tutores de que o governo com um fim aparente de
promover a Instrução Pública aleivosamente os reunia para em tempo dado
fazer-lhes sentar praça no corpo de 1a.Linha, embora não tenham os anos da
lei: para dissipar esse prejuízo, de propósito incutido por nossos inimigos
para não aproveitar aquela salutar providência, cujos resultados a favor da
Nação nunca foi entendido pelo governo do Brasil e por outros, que, como
ele, firmam a base da tirania na ignorância dos povos, manda o mesmo
governo declarar-lhe que os alunos, depois de matriculados em qualquer das
aulas nacionais do Estado e que as freqüentem com proveito, estão isentos
não de recrutamento para a primeira linha, como ainda da Guarda
Nacional e do serviço da polícia dos distritos; do que V.Sª. se dará por
entendido e fará observar na parte que lhe toca.
Deus guarde a V.Sª. Secretária da Fazenda encarregada do expediente da
Guerra em Caçapava, 27 de julho de 1839. Domingos José de Almeida
Ilmo.sr. Major Bernardo Pires, Chefe Geral da Polícia da \cidade e Município
de Piratini. Iguais a todos os mais Chefes Gerais da Polícia do Estado (O
POVO, 28/07/1839, n° 87).
Como podemos observar, para ter o benefício, o aluno deveria estar
frequentando com proveito uma aula nacional do Estado. Essa circular se refere à
escola pública.
Em O Povo de 31 de julho de 1839 (n° 88) foi publicado um ofício com o
mesmo teor da circular anterior, mas aparecendo, agora, que estavam livres do
recrutamento aqueles alunos que o professor não desse por prontos. Com isso, o
aluno deveria demonstrar que estava tendo proveito, conforme a circular anterior e se
estivesse pronto deveria sair da escola e estaria em condições de servir às forças
armadas, evitando, assim, as fraudes.
Foi enviado ofício ao Comandante em chefe do Exército Republicano
General Antonio Neto com data também de 27 de julho de 1839, avisando das novas
determinações. Ele deveria informar aos responsáveis pelo recrutamento do exército
a referida medida.
Estar estudando, então, passa a ser uma ressalva, pois nesta época a idade
para o alistamento havia passado para 14 anos. Conforme consta no decreto de 15
de janeiro de 1839,
Artigo único Assim para o recrutamento da primeira linha, como no
alistamento para os corpos das Guardas Nacionais, determinados pelos
decretos 16 e 20 de abril do ano passado; serão chamados os moços de
idade de quatorze anos inclusive para cima, uma vez que tenham a
necessária robustez e agilidade para o serviço; os quais serão licenciados e
enviados a seus domicílios do momento em que cessando a atual crise, se
não fizerem necessários os seus serviços.
184
José da Silva Brandão, Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da
Guerra, e interinamente da Marinha e Exterior assim o tenha entendido e
faça executar com os despachos necessários. Bento Gonçalves da Silva
José da Silva Brandão Cumprase, registrase, publica-se e imprima-se (O
POVO, 16/01/1839, n°40).
A justificativa era de que havia a necessidade de completar os corpos de
primeira linha e guardas nacionais, para aplicar uma vitória decisiva nos imperiais.
Além disso, as últimas regulamentações de alistamento eram de 18 anos de idade, o
que era insuficiente para as exigências do momento.
Nos jornais farroupilhas era difundida a ideia de que com a ampliação da
instrução para o povo diminuiriam os crimes. Como podemos observar em O Povo de
21 de setembro de 1839 (n°103),
VARIEDADE
Importância da Instrução Primária para administração dos crimes.
Publicou-se um relatório, sobre o estado de educação, em França, e sobre os
procedimentos da sociedade promotora da instrução elementar, por M.
Jomord, seu hábil secretário. Ai para mostrar a influencia da educação na
repressão dos delitos, que tem relação com a violência, ele apresenta a
seguinte estatística. Em 1835 foram processados criminalmente 6962
indivíduos, 1666 por ofensas pessoais e 5296 por ofensas à propriedade.
Destes 6962, 4319 não sabiam ler nem escrever. Dos 1666 processados por
violência a pessoas, 990 não sabiam ler nem escrever; 465 sabiam ler pouco;
114 liam bem e escreviam; e apenas 37 haviam recebido boa educação.
Dos 5296 processados por ofensas feitas à propriedade, 3329 não sabiam
ler, nem escrever; 1361 mal sabiam ler; 514 liam bem e escreviam e 92 eram
bem educados. É agradável observar, que à proporção que as escolas se iam
derramando, os crimes eram acompanhados de menos brutalidade; é assim
que a influência da educação indiretamente civiliza aqueles mesmos que
efetivamente não recebem os seus benefícios. Em 1830 de 100 criminosos,
eram acusados de crueldade e violência, em 1831 e 32 a proporção desceu a
28; em 1833 a 24; em 1834 a 23. Os crimes de toda a espécie desceram em
igual; senão em menor proporção. Deve também observar-se que os distritos
menos ilustrados da França são aqueles, em que se comete maior número de
delitos, em toda a parte, onde a educação se derrama, o crime diminui; a
ignorância induz ao vicio e á miséria que a segue. Podemos nós á quem a
providência concedeu o benefício da educação e que apreciamos o saber
como um bem mais essencial do que qualquer de outro de temporal
aquisição; podemos nos deixar de aplicar remédio à ignorância!
Seguindo essa mesma tendência do artigo francês sobre a educação como
regeneradora da população encontramos no discurso do professor Luiz Carlos de
Oliveira, conforme observamos anteriormente, a crença na difusão da instrução e da
moral para regenerar a política. Encontramos, também, outros pensamentos
publicados nos jornais reforçando a falta de instrução como a propulsora da
infelicidade nacional. Conforme O Povo de 10 de novembro de 1838 (n°21),
185
Máximas e pensamentos
A ignorância e a anarquia concorrem para a infelicidade das nações; um
aniquila os princípios e outra os direitos, a primeira não embrutece aos
homens, mas até os constitui escravos de infinitos erros e de nocivas
preocupações, das quais ao menos são isentos os brutos. A outra faz da
sociedade uma monstruosa união de salteadores irritados para se destruírem
uns aos outros, de tiranos ferozes e de escravos estúpidos, ou furiosos.
E no jornal Estrela do Sul de 04 de março de 1843 (n° 1) aparece a defesa de
que somente haveriam melhorias materiais na sociedade se existisse, primeiro, a
difusão da moral e da instrução, pois aquelas são efeito dessas. Ao “pretender
melhoramentos materiais antes dos morais e intelectuais, é querer, que os efeitos
precedam as causas”.
Apesar da valorização da instrução o que se percebe é uma carência de
verbas para todos os ramos da administração. Na tentativa de suprir parte dessa, no
decreto de 10 de fevereiro de 1840, que apresenta as instruções para as eleições de
Deputados a Assembléia Constituinte, aos vereadores e juizes de paz, temos
algumas multas previstas que seriam revertidas às escolas públicas. O art. 1
estabelecia uma multa de dez mil réis a todo cidadão com direito de voto que
deixasse de apresentar sua cédula à mesa eleitoral respectiva. O art. 24° previa que
a Câmara que não fizer expedir e entregar aos vereadores eleitos às atas de sua
eleição pagará duzentos mil réis para as despesas das escolas públicas”, dividindo o
valor a ser pago entre os seus integrantes. E o art. 36,
Se a mesa de qualquer Assembléia primária for negligente na pronta remessa
das relações para Deputados e a Câmara da Capital dos respectivos diploma
a quem competir, serão multados: Os membros daquela em um conto de réis;
e os desta em um conto e quinhentos mil réis. Que serão cobrados
executivamente pelo Procurador Fiscal do Tesouro, e aplicados para as aulas
do ensino público (O POVO, 12/02/1840, n° 141).
Não encontramos, em nenhuma de nossas fontes, que em cumprimento de tal
decreto alguma multa tenha sido executada.
Em O Povo de 19 de fevereiro de 1840 (n° 143) foi publicado o decreto de 15
de fevereiro do mesmo ano, que tinha por objetivo saber o estado das propriedades,
quais os seus donos e seus moradores. Para poder cumprir o Decreto de 15 de abril
de 1839 que determinava que os cidadãos Rio-grandenses que estivessem nos
Estados Orientais, Entre Rios e Corrientes se apresentassem em quarenta dias para
186
cumprir sua função de cidadão e de oitenta dias os que estivessem nos demais
Estados, sem justos motivos (O POVO, 17/04/1839, n° 58).
Especificamente o governo estava interessado em evitar que pessoas em
condições de auxiliar financeiramente, ou em servir às forças militares se escusassem
desse serviço à causa republicana. Alguns, inclusive, estavam indo para outros
países. No dia das eleições, previstas nas instruções para 08 de março de 1840,
deveria, em ato continuo, a Assembléia Primária elaborar uma lista com as
informações fornecidas pelos eleitores e informar os dados solicitados ao Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda. Os “Proprietários, administradores,
capatazes, procuradores, ou vizinhos que falsificarem as relações a respeito, ou as
não exibirem na mesa oportunamente” seriam multados de quatrocentos a um conto
de réis. Devendo os encarregados de fazerem as listas participarem os
descumprimentos do Decreto ao Procurador Fiscal do Tesouro público, para esse
“promover a cobrança de tais multas, que se aplicaram para o ensino primário da
mocidade Rio-grandense”.
Nas fontes analisadas não temos a aplicação de nenhuma multa pelo
descumprimento de tal decreto. A Câmara Municipal de Jaguarão, em 10 de março de
1840, informou ao Governo Farroupilha a lista dos vereadores e juizes de paz eleitos
e, em complemento, justificava possíveis falhas devido “ao estado atual dos negócios
de nossa pátria, fez com que em parte faltassem a eles”, se referindo à lista com os
dados dos eleitores e das propriedades (O POVO, 18/03/1840, 151). Na resposta
de Domingos José de Almeida, observamos que houve o descumprimento do decreto,
mas, ao invés de aplicar a multa, o ministro solicita que se refaça a lista. Conforme O
Povo de 11 de abril de 1840 (n° 153),
Levando ao conhecimento do Exmo.sr. Vice-Presidente da república o oficio
que os Sr.(s) me dirigiram a 10 do corrente enviando duzentas e seis listas
dos moradores de todo esse Município com declaração dos Distritos a que
pertencem; e porque não prosseguiram na multa contra aqueles que as não
exibiram, visto que se persuadem terem deixado de o fazer metade das ditas.
De ordem do mesmo Exmo.sr. tenho a dizer-lhes em resposta, que cessado
os motivos que deram causa a dissolução da mesa cumpre que ela se reúna
e ultime com toda a possível exação o arrolamento que lhe foi incumbido pelo
Decreto de 15 do mês passado, o que os Sr.(s) cumpram. Deus guarde aos
Sr.(s) Secretário da Fazenda em Caçapava 18 de março de 1840
Domingos José de Almeida Imos.Sr.(s): Presidente, Escriturários e
Secretários da mesa da Assembléia primária da Vila de Jaguarão.
187
Na primeira reunião dos Procuradores Gerais em 21 de dezembro de 1839,
ficou determinado que se procedesse a instalação da Assembléia Constituinte da
República Rio-grandense. Essa somente veio a se concretizar em 29 de novembro de
1842, em Alegrete, na terceira capital farroupilha. Para tal assembléia foram
novamente solicitadas às Câmaras Municipais que enviassem mapas atualizados
informando qual o estado das aulas públicas e particulares. Conforme O Povo de 14
de março de 1840 (n° 150),
Podendo ter havido alteração no número dos alunos que freqüentam as
escolas de primeiras letras desse município depois da vinda dos últimos
mapas exigidos; e convindo a cerca desse importante ramo da administração
da república dar exatas informações a Assembléia Constituinte, convocada
para 30 de abril próximo seguinte, haja V. Mcê. De me remeterem sem
demora os mapas de todas as escolas públicas e particulares que existam
nesse município, e informando-me do estado das respectivas aulas.
Deus guarde a V. Mcês. Secretaria do Interior em Caçapava 12 de março
de 1840 Domingos José de Almeida Sr. Presidente e mais vereadores da
Câmara Municipal da Capital. Igual a todas as demais Câmaras do Estado.
Para essa circular não houve resposta por parte das Câmaras Municipais. Na
sessão da Assembléia Constituinte de 03 de dezembro de 1842 ocorreu a eleição das
comissões, sendo eleito para a comissão da Instrução Pública associações e
estabelecimentos públicos, civis e religiosos o vigário Francisco das Chagas, Mariano
de Matos e D. J. de Almeida. Essa comissão na sessão de 4 de janeiro de 1843
solicita informações acerca da Instrução Pública e privada. Como podemos observar
em O Mensageiro de 28 de janeiro de 1843 (n° 31),
Os Srs. Almeida e Matos como membro da comissão de instrução pública,
remeteram a mesa um requerimento para que se exigisse do Governo
informação exata do estado atual das Escolas primárias do Estado, tanto das
públicas, como das particulares, a fim de submeter-se a aprovação da
Assembléia as melhoras que se julgassem conducentes a este importante
ramo da administração do Estado, o qual sendo aprovado e posto em
discussão foi aprovado.
Conforme as fontes analisadas tais informações solicitadas sobre o estado
das escolas primárias não foram respondidas até se dissolver a Assembléia
Constituinte, em 10 de fevereiro de 1843, visto “à aproximação do inimigo, sem que
discutissem os artigos do projeto de Constituição, mas a tipografia republicana Rio-
grandense chegou a imprimi-lo” (CALVET, 1985, 328).
188
O Projeto da Constituição da República Rio-grandense apresentado à
Assembléia Constituinte em fevereiro de 1843 e que não chegou ser promulgado;
foi redigido por Ulhoa Cintra, Brito, José Mariano de Mattos, Serafim dos Anjos
França e Domingos José de Almeida. O artigo referente à instrução é uma pia do
artigo 179, XXXII e XXXIII da Constituição Imperial de 1824. Como podemos observar
a seguir:
Constituição Imperial:
Art. 179 A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos
Brasileiros... é garantida pela constituição do império pela maneira seguinte.
[...]
XXXII A instrução primaria é gratuita a todos os cidadãos.
XXXIII Colégios e universidades, onde serão ensinados os elementos da
ciência, belas-artes e artes.
No Projeto da República Rio-Grandense:
Art.228- A constituição também assegura e garante.
[...]
2º - A instrução primaria e gratuita a todos os cidadãos.
3º - Colégios, academias e universidades, onde se ensinem as ciências
belas-artes e artes.
Apesar de prever, inclusive, o ensino universitário, sabemos que o nível
primário será o único em que houve a tentativa de ser sistematizado pelos
Republicanos Rio-grandenses e que era gratuito a todos os cidadãos. Essa iniciativa
foi coerente com os princípios defendidos por parte dos farroupilhas, ou seja, o de
difundir uma instrução mínima a toda a população livre, para que esses pudessem se
apropriar do discurso republicano e dos interesses da classe dominante do novo
governo. Quanto aos outros graus de instrução não encontramos ação prática dessa
administração e não menção em documentos se eles seriam providos pelo Estado
ou por particulares.
Em 21 de janeiro de 1843 era apresentada uma lei para definir os salários dos
funcionários públicos. O Presidente da República ganharia um ordenado anual de
6000U000, os escriturários de diferentes secretarias receberiam 450U000, que era o
mesmo arbitrado pelo artigo 10° aos,
professores e professoras de primeiras letras de Alegrete, Itaqui, São Borja,
Cruz Alta, Santa Maria da Boca do Monte, São Gabriel, Caçapava, Santana
da Boa Vista, Encruzilhada, Canguçu, Piratini, Erval e Bagé terão de
189
ordenado anual a quantia de 450U000 (ANAIS do AHRS, 1978, V. 4, CV-
2370, p. 189).
No art. 11° constava que enquanto durasse a luta de independência da
república os ordenados seriam os quais passaria a determinar. Sendo assim, em seu
inciso 6°, o ordenado dos professores passou a ser o mesmo dos escriturários, dos
vigários de freguesia e dos curatos, de 20U000.
O Governo Republicano, através da ão de seu Ministro D.J. Almeida,
adotou várias medidas em beneficio à Instrução Pública, criando leis, ordenando a
liberação de dinheiro pelas coletoras para pagamento dos ordenados atrasados,
gastos com utensílios e aluguéis de prédios ou solicitação de casas para serem
transformadas em escolas.
Apesar de todas essas ações é notável que a instrução estivesse
desorganizada em boa parte da república com salários atrasados, contando, e
muito, com os esforços dos professores, além da carência de prédios. Alguns desses
problemas eram presentes desde o período em que a Província fazia parte do Brasil
não foi porque mudou o regime de governo que tais entraves terminaram, no
entanto, boa parte deles se agravou devido ao momento de luta armada.
A ação do Ministro Domingos José de Almeida em relação ao pagamento de
professores, aluguéis de prédios, circulares e outros atos referentes à instrução da
população livre explica a motivação de Laytano (1983, p. 190) chamá-lo de “a figura
mais culta e mais realizadora da República”.
Em relação à metodologia de ensino podemos precisar que utilizavam o
Método de Lancaster em São Gabriel o professor Luis Carlos de Oliveira, para
meninos e meninas (O POVO, 14/09/1839, n°101) e em Alegrete professor Antonio
Bento (O POVO, 07/11/1838, n°20), esse para meninos. para meninas temos em
Cachoeira a Professora Ana Francisca Rodrigues Pereira (O POVO, 14/08/1839,
n°92). Talvez a maioria dos homens de frente de batalha não percebesse a
necessidade das letras para a revolução, mas Domingos José de Almeida e outros
letrados a defendiam para adquirir novos adeptos e para estruturar a nova nação.
Eles acreditavam que para participar da república era necessário ter certa renda e
saber ler e escrever.
190
7 Conclusão
Iniciaremos esta conclusão abordando algumas considerações sobre a
Instrução Pública do Império Brasileiro, para após nos determos, especificamente,
nos fatos relacionados à Revolução Farroupilha.
Conforme foi assinalado nesse trabalho, a primeira tentativa do Estado
Português para gerenciar a educação pública em seus domínios foi através do Alvará
de Lei de 28 de junho de 1759 criando as Aulas Régias e retirando o controle da
educação das mãos da Igreja Católica. A lei de 06 de novembro de 1772 cria escolas
para o Reino Português e seus domínios, porém, não inclui a Província de São Pedro.
A Carta da Lei de 10 de novembro de 1772 institui o único imposto para providenciar
a aplicação da legislação de criação de escolas chamado de subsídio literário. Sua
aplicação foi ordenada no Brasil em 1773, enquanto que, no atual estado do Rio
Grande do Sul, somente em 1813. Isso demonstra o início tardio da aplicação da lei
sobre educação na Província de São Pedro do Sul.
Por iniciativa de alguns governantes da Província de São Pedro houve
interesse pela Instrução Pública local, o que é mais expressivo no transcorrer do
século XIX, observável pela quantidade de leis, decretos e de aulas criadas, mas a
grande maioria dessas iniciativas ficou somente no papel.
No que se refere ao gerenciamento da educação ficar a cargo do Estado
Português, tal fato não elimina a influência da Igreja Católica, pois os conteúdos
religiosos continuaram previstos em leis e regulamentos imperiais e a moral defendida
será a católica. Até porque, no artigo 5° da Constituição Imperial de 1824 consta ser a
Religião Católica Apostólica Romana a religião oficial do Brasil, conteúdo que será
mantido no Projeto de Constituição da República Rio-grandense. Por outro lado,
percebemos certa perda desse espaço, que era dominado absolutamente pela Igreja
Católica perda essa que deve ser problematizada, pois a participação na educação
será palco de disputa entre vários segmentos sociais e religiosos durante a história da
191
educação brasileira, havendo, por parte da Igreja Católica, avanços e retrocessos. O
seu predomínio, entretanto, vai se manter por longo tempo. A Reforma Pombalina foi,
portanto, o início da contestação do controle da Igreja Católica e a primeira iniciativa
do Estado Português em gerenciar a instrução de seus domínios.
A primeira lei imperial sobre o ensino primário que teve por objetivo abranger
todo o país foi a de 15 de outubro de 1827. Neste mesmo ano, foram criadas também,
as faculdades de Olinda e de São Paulo para formar parte da elite brasileira. Com o
Ato Adicional de 1834, que passa para as Províncias a responsabilidade sobre ensino
primário e secundário, acaba por configurar o ensino dual. Um, a cargo das províncias
que tinham parcas verbas para investir na educação e que se destinava a uma
instrução mínima à maior parte da população livre. A outra, destinada à elite brasileira
e financiada pelo Império que, com a criação do Colégio de Pedro II em 1837,
completou as instituições educacionais a cargo do Império Brasileiro, designada à
elite.
Até o início da Revolução Farroupilha, em 20 de setembro de 1835, várias
medidas foram tomadas como a criação de aulas, a contratação de professores, mas
a Instrução Pública Provincial continuava desorganizada. Havia poucas aulas
efetivamente em exercício e professores despreparados, como podemos observar
pelo relatório do Dr. Antonio Rodrigues Fernandes Braga, na Assembléia Provincial
no Ato da Primeira Sessão da Primeira Legislatura, em 1835, onde a situação é
abordada.
No que se refere aos professores estarem despreparados, Fernandes Braga
percebe a necessidade de se criar uma escola normal para formar os docentes.
Assumindo o grupo farroupilha o controle do governo da Província, após o 20 de
setembro de 1835 e antes de separarem parte da Província do resto do Brasil
sanciona a Lei 14 de 29 de dezembro do mesmo ano, a qual regulamenta a instrução
primária na Província de São Pedro e cria, no papel, uma escola normal. A criação da
escola normal somente se concretiza em 1869, ou seja, 24 anos após o encerramento
da Revolução Farroupilha.
Em junho de 1836 os legalistas retomam a capital Porto Alegre e não a
entregam mais aos farroupilhas. Instalam a Presidência da Província nessa cidade
definitivamente, enquanto os Republicanos Rio-grandenses vão organizar sua
administração, inicialmente em Piratini, a partir de 6 de novembro de 1836.
192
Em 22 de dezembro de 1837 os legalistas sancionam a Lei n° 14 de Instrução
Primária, sendo a primeira lei da Província de São Pedro que organizou a instrução
primária, pois a anterior, lei 14 de 29 de dezembro de 1835 foi sancionada pelo
Governo Farroupilha antes da separação. A lei de 1837 cria o cargo de diretor da
instrução primária e tem como um dos objetivos uniformizar a instrução em toda a
Província. Em consequência do que previa essa lei é sancionado em março de 1842 o
Regulamento de Instrução Primária e, em anexo, o seu método prático.
Assumindo o Barão de Caxias a presidência da Província de São Pedro em
1842 observamos uma maior atuação em beneficio da Instrução Pública, mas mesmo
assim, conforme seu relatório de 01 de março de 1846, a instrução primária ainda era
deficitária e, segundo Caxias, em parte devido aos acontecimentos da Revolução
Farroupilha. Podemos afirmar que a instrução primária pública na Província de São
Pedro, que não era significativa antes da Revolução Farroupilha, continuou com
pouca expressão no primeiro momento após o seu encerramento. Havia grandes
dificuldades para se estruturar um sistema de ensino, como, por exemplo, a falta de
professores capacitados, com rendas públicas precárias, com a carência de prédios e
da própria população que aprendia suas tarefas fazendo, sem grandes estudos.
Constatamos, no entanto, rias medidas na tentativa de ampliar o ensino na
Província, apesar de boa parte das regulamentações ficarem somente no papel.
A Revolução Farroupilha faz parte dos movimentos liberais que abalaram o
Brasil no Período Regencial sendo, dessa forma, a mais longa e a última a ser
apaziguada. Os ideais liberais foram apropriados pelo grupo dominante farroupilha,
reformulando-os para as necessidades locais e havendo, com isso, a distorção de
significados para legitimar certas incongruências uma delas é como um movimento
que se dizia liberal mantinha a escravidão.
As ideias liberais na República Rio-grandense se configuram na busca de
maior autonomia local, na divisão dos três poderes, na soberania do poder Legislativo
e na defesa de um Governo Constitucional que se rege através das leis. Há, também,
a tentativa de difundir as luzes através da Instrução Pública.
Por outro lado, o que percebemos é que a difusão das ideias liberais é um
caminho a ser construído, que ocorre a manutenção de princípios liberais com
outros não liberais. É, pois, dentro desse contexto que vão se configurar o discurso
liberal local.
193
Apesar de ser o liberalismo uma concepção formulada para as necessidades
materiais européias, nem e nem nos Estados Unidos da América a sua apropriação
inicial foi executada na íntegra. Houve, assim, reformulações conforme as
necessidades de cada local onde foi instituído. Acreditamos que na República Rio-
grandense houve mais um passo para a difusão dessas ideias que vinham sendo
disseminadas no Império brasileiro.
Quanto aos motivos que levaram parte da elite da Província de São Pedro a
se indispor com o Governo central brasileiro, o que observamos é que não um
único motivo. Os rio-grandenses estavam descontentes com o Império longa data,
por várias questões, tais como, por exemplo, todos os conflitos no Prata os Imperiais
usavam o maior contingente da Província de São Pedro sendo que os gastos ficavam,
na maioria das vezes, por conta dos comandantes locais. Além disso, os produtores
da Província de São Pedro eram fortemente taxados havia o imposto sobre o gado
em pé, sobre o couro, sobre o charque e, por último, pela légua de campo, fato que
atingiu toda a elite local e aumentou o seu descontentamento com o Governo central.
Quando da abdicação de D. Pedro I e da implantação da Regência em 1831 e o Ato
Adicional 1834, que institui Assembléia Constituinte em cada província, os liberais de
São Pedro viram com entusiasmo a busca de seus interesses, devido à possibilidade
de uma suposta autonomia.
Essas intenções são frustradas mesmo quando instalada a Assembléia em 20
de abril 1835 com maioria liberal, pois o Presidente Provincial ficou com amplos
poderes e nomeado pelo Governo central. As ações do Presidente Fernandes Braga
ajudaram a aumentar o descontentamento local, sendo acusado de ir contra os
interesses regionais e atuar em benefício do Governo Imperial.
A Revolução Farroupilha foi se configurando no desenrolar dos
acontecimentos e Bento Gonçalves, um dos principais líderes, não tinha o controle
total. Desse modo, muitos dos fatos se concretizaram sem a sua aprovação e, até
mesmo, sem a sua participação.
Bento Gonçalves tinha conhecimento das várias tendências políticas que
havia no interior do grupo farroupilha. Devido às divergências ideológicas internas, ele
se mostrava cauteloso para evitar perder aliados. Sendo assim, o próprio ato de
separação ocorreu sem a sua participação.
Em relação a Bento Gonçalves ser ou não ser republicano, o que podemos
concluir é que havia republicanos declarados, como João Manuel de Lima e Silva, por
194
exemplo, e Bento Gonçalves sabia disso. É difícil definir se ele era contra ou não à
república e a separação de parte da Província de São Pedro do resto do Brasil, mas
podemos presumir que não era totalmente contrário. Talvez achasse que não era o
momento certo para tal radicalização, aporque ao voltar da prisão da Bahia acabou
por assumir o cargo de Presidente da República Rio-grandense e a defendeu como
republicano.
Sendo assim, acreditamos que para pensarmos a Revolução Farroupilha,
suas tendências políticas ou direções tomadas durante os fatos de 1835 -1845, não
podemos dar respostas fechadas, mas sim, compreender que os fatos se
consumaram dentro de divergências e conflitos internos e externos. Não havendo,
pois, uma revolução definida anteriormente, mas sim essa se construindo no
desenrolar dos acontecimentos.
Na República Rio-grandense a defesa da Instrução Pública como
formadora da mentalidade popular a serviço da classe dominante. Devia ser
disponibilizada, para tanto, uma educação mínima para maior parte da população
livre. Necessitavam da escola na formação da mentalidade popular, a fim de defender
a frágil ordem institucional que estava sendo implantada, ou seja, um novo modelo de
Estado e inúmeras relações sociais precisavam ser solidificadas. Para isso, nada
melhor que ampliar a rede escolar.
Acreditamos que havia a defesa da escola pública, entendida como sendo
aquela disponibilizada e controlada pelo Estado, ou seja, na concepção da escola
estatal. Na República Rio-grandense o governo tinha por objetivo manter a educação
pública sob seu controle. A sua defesa era devido ao fato de que essa poderia ser
regida pela lei e nenhum dos seus executores teria o direito de alterar o que estava
determinado pelo legislador. Sendo o legislador pertencente à classe dominante, o
que teríamos através da educação seria a difusão dos objetivos estabelecidos por
essa classe. É perceptível que na República Rio-grandense o Estado tinha por
objetivo disponibilizar e controlar a Instrução Pública - estatal.
Por outro lado havia, ainda, outras formas de domínio, como por exemplo, o
apadrinhamento. Talvez os laços pessoais fossem muito mais convincentes do que os
educacionais, mas é o início de um discurso em defesa da educação como
auxiliadora no domínio das mentes. Até porque compreendemos que não
dominação ideológica sem repressiva e nem repressiva sem ideológica.
195
O aumento do número de aulas públicas de instrução primária também foi
empregado pelo Império brasileiro para auxiliar na pacificação da Província. Conforme
consta no relatório do Presidente da Província de São Pedro, Caxias na Primeira
Sessão Ordinária da Assembléia Legislativa da Província, em de março de 1846
das 51 aulas que havia (36 para meninos e 15 para meninas), ele criou 21 delas.
Devemos, ainda observar, que a maior parte das cadeiras providas foram implantadas
após a sua vinda para administrar a Província.
O modelo de educação almejado pelos Republicanos Rio-grandenses era
diferenciado por classe social e de acordo com a função a desempenhar na
sociedade, não havendo, assim, o objetivo de mudar o estado das coisas. Por isso,
que no artigo “Idéias elementares sobre um sistema de educação nacional”, seu autor
Miguel Du Pin elaborou três planos distintos de educação, de acordo com cada
classe social. O primeiro, chamado de primeira escola pelo qual todos deveriam
passar e onde seria disponibilizada uma instrução mínima; o segundo, denominado
segunda escola era um pouco mais extenso e destinado aos cidadãos que se
encontravam no estrato social intermediário da sociedade; finalmente o terceiro;
chamado de superior e que era destinado para a classe mais elevada, a ser
preparada para governar, evidenciando que os saberes da classe dominante não
deveriam ser apropriados pelas demais.
Percebemos no modelo de educação almejado pelos farroupilhas a influência
do pensamento de John Locke. Essa utilização, entretanto, é reformulada para ser
apropriada de acordo com as necessidades locais. Entre os elementos que aparecem
estão a educação diferenciada pela função social de cada indivíduo, de acordo com
as necessidades da vida e a primeira fonte do conhecimento é a experiência sensível
e a reflexão aparecendo como uma segunda fonte e dependente das informações
fornecidas pela primeira. Os três elementos para desenvolver a educação plena são
o físico, o moral e o intelectual. Há, também, a defesa da não utilização do castigo
físico no processo aprendizagem.
A não utilização do castigo físico na educação estava presente no método de
ensino desejado pelos farroupilhas que era o de Lancaster ou de ensino mútuo.
Outra influência de Locke no modelo educacional farrapo é o cuidado que se
deveria ter desde a tenra idade com a educação da criança, uma vez que o que essa
aprendesse nessa fase levaria por toda a vida. Segundo o preceito seguido dever-se-
196
ia inculcar nas crianças os objetivos desejados, para que elas viessem a cumpri-los
quando fossem participar da vida social.
Sobre dois pontos que são intimamente ligados nesse trabalho o ideal
liberal e o pensamento de John Locke, os quais percebemos estar presentes na
República Rio-grandense; acreditamos que eles ficaram necessitando de um
aprofundamento teórico mais efetivo e que, devido a sua complexidade, entendemos
que esses devem ser tomados como objetos centrais de uma pesquisa posterior,
fazendo uma ligação com a expansão pelo mundo das ideias liberais uma vez que
a concepção do liberalismo tende a ser universal. Podemos, futuramente, através dos
modelos de educação analisar a sua presença na Revolução Francesa tomando por
fonte os escritos de Condorcet e Lepelletier e, assim, proceder a um contraponto com
o modelo almejado pelos farroupilhas.
Tendo por referência Alves (2005) e Rosa (1974) muito do que foi pensado
sobre educação por Condorcet e Lepelletier o teve ação prática na Revolução
Francesa, assim como ocorreu com aqueles almejados na Revolução Farroupilha. Por
isso, acreditamos que o liberalismo, tanto na Europa quanto no Brasil, foi ou ainda é
um processo em expansão, com avanços e recuos. Sendo assim, precisaríamos ver
quais seus limites e possibilidades na República Rio-grandense.
Queremos reafirmar que, ao longo do trabalho, quando evidenciamos a
defesa da Instrução Pública pelos Republicanos Rio-grandenses como sendo
empregada como reguladora de conduta e dominação ideológica temos em mente
que essa é uma auxiliadora, pois havia outras formas de relações de poder e de
controle, que eram empregadas com muito mais eficiência. Por outro lado,
reconhecemos que é um indício da expansão das ideias liberais de difusão das luzes
e da escola como aparelho ideológico de estado.
Em relação às mulheres podemos concluir que conforme o Projeto de
Constituição da República Rio-grandense elas o eram consideradas cidadãs. Na
sociedade farroupilha ela era percebida como sendo aquela que a sua função social
era a de cuidar da casa, do marido e educar os filhos(as). Assim sendo, essa situação
teve reflexo tanto na legislação quanto na instrução de meninas, uma vez que elas
deveriam ter uma educação onde os conteúdos não fossem iguais ao dos meninos,
ficando limitados tais conhecimentos ao ler, ao escrever, ao conhecimento das quatro
operações aritméticas, da gramática da ngua nacional, da moral cristã e da doutrina
197
da religião Católica Apostólica Romana. Eram, ainda, acrescentadas as prendas
domésticas que preparavam as meninas para a sua principal função social.
A mulher, desse modo, continuou sendo preparada para ser submissa e dócil
e também para aprender os afazeres domésticos tornando-se, com isso, uma boa
esposa e mãe. Por outro lado, nem todas as mulheres aceitam essa função sem
resistência. Sendo assim, podemos concluir que a formação da concepção de gênero
se constrói num espaço de luta que pode ser observado nos textos impressos da
época.
No Projeto de Constituição da República Rio-grandense a cidadania plena era
reservada apenas aos homens livres, maiores de 21 anos de idade, proprietários e
alfabetizados. Ao analisar o direito do voto no Brasil Canêdo (2005) apresenta que a
partir da Lei Saraiva de 1881 que aos novos eleitores proibiu o analfabeto de votar,
somado a um maior rigor no controle da comprovação dos bens necessários a
participar das eleições gerou, como consequência, uma maior exclusão dos pobres de
participar da política brasileira. Efeito esse que, com certeza, iria ocorrer na República
Rio-grandense. Com isso, a garantia da participação política seria reservada a uma
parcela pequena da população rio-grandense.
Apesar de ao longo do trabalho haver referência a um modelo de educação
“almejado” pelos farroupilhas percebemos que houve algumas ações práticas, como
por exemplo, aprovação de leis, de decretos, de circulares e de ofícios em benefício
da educação. Realizaram, também, a criação de escolas, a nomeação de
professores, de ordens de pagamentos de salários, de utensílios, de aluguéis de
casas e a criação do gabinete de leitura. A figura central na organização
administrativa e, por conseguinte, da Instrução Pública foi o Ministro da República
Rio-grandense Domingos José de Almeida.
Devido a essas medidas, em julho de 1839 havia 36 alunos em Piratini;
Caçapava 53 meninos e 22 meninas, totalizando 75; São Gabriel 43 meninos e 25
meninas, totalizando 68; Rio Pardo 47; Cachoeira 32; Santa Ana da Boa vista 14 e
São Borja 8. Ignoravam, todavia, o número de alunos de Alegrete, Itaqui, Santa Ana
do Livramento, Cruz Alta, Lages, Santa Maria da Boca do Monte, Encruzilhada, Bagé,
Setembrina e Mostarda.
Podemos precisar que utilizavam o Método de Lancaster em São Gabriel o
professor Luis Carlos de Oliveira para meninos e meninas e em Alegrete o professor
198
Antonio Bento, para meninos. Já para meninas temos em Cachoeira a professora Ana
Francisca Rodrigues Pereira (O POVO, 14/08/1839, n°92).
A Instrução Pública estava desorganizada em boa parte da República Rio-
grandense, com salários dos professores atrasados, com carência de prédios para
servirem de escolas e com rendas públicas precárias. Alguns desses problemas eram
presentes desde o período em que a Província, como um todo, fazia parte do Brasil.
Portanto, não foi porque mudou o regime de governo que tais entraves terminaram.
Inclusive, boa parte deles se agravou devido ao momento de luta armada.
O Projeto de Constituição da República Rio-grandense previa, em seu artigo
228°, inclusive, o ensino universitário. O que vamos ter na prática, no entanto, com
muitas dificuldades será uma instrução mínima, nos moldes da Lei Imperial de
Instrução Primária de 1827, que continuou a vigorar na República Rio-grandense.
Concluindo, o modelo almejado pelos farroupilhas diferenciava a educação
por classe social, era centralizadora, controlada pela lei, além de que a maior parte da
população livre receberia uma educação mínima para regular sua conduta conforme
os interesses da classe dominante. Houve, também, a busca do Método de Lancaster
e a mulher continuou a ser preparada para o lar, pois essa seria a sua principal
função social.
199
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