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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO
JANAÍNA DA CONCEIÇÃO JERÔNIMO LIRA
CORDEL NA COMUNIDADE: FORMANDO LEITORES ENTRE O
RISO, O SILÊNCIO E O ENCANTAMENTO
CAMPINA GRANDE – PB
2008
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JANAÍNA DA CONCEIÇÃO JERÔNIMO LIRA
CORDEL NA COMUNIDADE: FORMANDO LEITORES ENTRE O
RISO, O SILÊNCIO E O ENCANTAMENTO
Dissertação de Mestrado realizada por
Janaina da Conceição Jerônimo Lira,
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Linguagem e Ensino, do
Centro de Humanidades, da Universidade
Federal de Campina Grande, como
requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre, sob a orientação do Prof. Dr.
José Hélder Pinheiro Alves.
CAMPINA GRANDE – PB
2008
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FICHA DE APROVAÇÃO
JANAÍNA DA CONCEIÇÃO JERÔNIMO LIRA
CORDEL NA COMUNIDADE: FORMANDO LEITORES ENTRE O RISO,
O SILÊNCIO E O ENCANTAMENTO
_________________________________________________________________
Prof. Dr. José Helder Pinheiro Alves
Orientador
_________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega
Examinadora
_________________________________________________________________
Profa. Dra. Lílian Oliveira Rodrigues
Examinadora
4
DEDICATÓRIA
In memoriam:
À minha avó Mariana (Ita), pedra de amor e fé na formação dos meus sonhos,
pela força de sua alma e de seu olhar que sempre me acompanharão na
“dura caminhada, pela noite escura”.
Ao meu avô Chico, pelo amor e carinho, por toda doçura do seu olhar, por
nunca ter me deixado dormir sem um beijo de boa noite.
À minha tia Vera, por ser para mim irmã, amiga e mãe. Ombro amigo com quem
sempre posso contar.
Aos três amores de minha vida: o espiritismo, a literatura e Campina Grande; a eles
dedico cada batida de meu coração.
5
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus, fonte eterna de luz e poesia.
Aos meus pais, pelo presente maior: a vida!
Aos meus tios: Zeca, Hamilton, Josinaldo, Socorro e Vera, pelas doces recordações
em minha infância.
Ao professor Hélder Pinheiro, pela inteligência, competência e “mansidão”.
Aos professores da Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da UFCG, pela
competência e seriedade.
Às professoras Marta Nóbrega e Lílian Rodrigues.
A todos os funcionários do LAEL, em especial, Ticiana, Zélia e Paulo.
Aos meus amigos Fábio Ronaldo, Edson, Sérgio, Dean, sempre solícitos em ajudar.
A Todos os poetas populares do Brasil afora e, em especial, Manoel Monteiro.
A todas as pessoas anônimas que participam de trabalhos comunitários.
6
Ao movimento espírita de Campina Grande, bem representado por Socorro Paz,
Dona Edite e Eudinete.
À Maria José, diretora da escola que trabalho, pelo exemplo e a compreensão nos
momentos que tive que me ausentar.
À Mirian, pela beleza e grandeza de sua alma.
A Linduarte, pela disponibilidade e sensibilidade teórica.
À minha vizinha Maria, pelos causos contados, horas de riso e lazer.
A todas as pessoas que doaram livros para a implementação da biblioteca do bairro
das Cidades, em especial, à professora Florence do departamento de matemática da
UFCG.
Ao poeta popular Manoel de Freitas e à presidente do Clube de Mães, Dona
Geralda, que sempre se mostraram disponíveis, recebendo-me e me ajudando no
desenvolver desta pesquisa.
A cada criança e jovem que compareceram às oficinas de leitura no Clube de Mães,
pois sem eles não seria possível a realização deste trabalho.
7
[...] a literatura corresponde a uma
necessidade universal que deve ser
satisfeita, sob pena de mutilar a
personalidade, porque, pelo fato de
dar forma aos sentimentos e à visão
de mundo, ela nos organiza, nos
liberta do caos e, portanto, nos
humaniza. Negar a fruição da
literatura é negar nossa humanidade.
(Antonio Candido)
8
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo investigar a recepção da literatura de cordel,
perpassada pelo viés do humor, entre crianças e jovens moradores do bairro das
Cidades, Campina Grande, PB. Para tal experiência, lançamos mão de alguns
pressupostos teóricos da estética da recepção, formulados por Jauss (1979) e Iser
(1979), além das reflexões de Chartier (1999) sobre comunidade de leitores. Foram
trabalhados os folhetos: Viagem a São Saruê, O casamento da Raposa com o
Timbu e A chegada de Lampião ao inferno. De modo geral, a realização deste
trabalho nos possibilitou observar a boa recepção da literatura de cordel entre
leitores de classe social desfavorecida. Verificamos que o cordel continua
encantando leitores, arrastando-os para a beleza e força de seus versos,
principalmente, os de idade escolar. Constatamos que a literatura foi entendida
como atividade de lazer e entretenimento por essa comunidade de leitores. Desse
modo, conforme Candido (2004), ela é uma necessidade universal para todo
homem, toda mulher e deve ser atendida como a forma de se evitar “a mutilação
espiritual”. Este trabalho constata, entre outras coisas, que uma metodologia
pautada no diálogo, permite uma melhor interação entre texto e leitor e que muitas
vezes o educador/pesquisador apresenta dificuldades em lidar com métodos
dialéticos, necessitando, pois, rever suas práticas. Nesse sentido, acreditamos que
este trabalho contribuiu para o nosso crescimento profissional e pessoal.
Palavras-chave: Literatura de cordel. Humor. Estética da recepção. Comunidade de
leitores.
9
ABSTRACT
This research has the aim to investigate the cheap pamphlets reception, which pass
through the humor bias, among children and young people who live in Cidades block,
Campina Grande, PB. To such experience we used some theoretical design of
aesthetic of reception, formulated by Jauss (1979) and Ives (1979), besides Chartier
(1999) reflections about readers community. We were worked with these pamphlets:
Viagem a São Saruê, O casamento da Raposa com o Timbu, and A chegada de
Lampião ao inferno. In a general way, the achievement of this work made possible to
us to look the good cheap pamphlets reception among readers of disfavored social
class. We noticed that cheap pamphlets are still enchanting readers, dragging them
to the beauty and strengh of its lines, mainly the ones who are in their school ages.
We ascertain that literature was understood as a leisure activity and entertainment by
this readers community. So according to Candido (2004), it is a universal need for
each man, each woman and must be considered as the way to avoid “the spiritual
mutilation”. This work certifies, among other things, that a methodology ruled by
dialogue allows a better interaction between text and reader and that, many times,
the educator/researcher shows difficulties in dealing with dialectical methods,
needing thus to review his/her practices. In this sense, we believe this work
contributed to our professional and personal improving.
Keywords: Cheap pamphlets. Humor. Aesthetic of reception. Readers community.
10
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS...........................................................................
12
CAPÍTULO I......................................................................................................
15
1. PERCURSO METODOLÓGICO...................................................................
15
1.1. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA........................................................ 15
1. 2. CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL E SUJEITOS DA PESQUISA.............. 16
1. 3. CORPUS................................................................................................... 20
1. 4. CONTEXTUALIZAÇÃO DA COLETA E ANÁLISE DE DADOS................ 23
CAPÍTULO II.....................................................................................................
33
2. LITERATURA DE CORDEL: VERSOS E CONTROVÉRSIAS....................
33
2. 1. BREVE OLHAR SOBRE CONCEITO, ORIGEM E TEMAS DA
LITERATURA DE CORDEL NO BRASIL.........................................................
33
2. 2. CORDEL - NA CORDA BAMBA?............................................................. 36
2. 3. LITERATURA DE CORDEL – ONTEM, HOJE E SEMPRE – UMA
MESMA LITERATURA?...................................................................................
39
CAPÍTULO III....................................................................................................
47
3. LITERATURA DE CORDEL: TALHANDO UMA POSSIBILIDADE DE
LEITURA..........................................................................................................
47
3.1. PERCORRENDO OS CAMINHOS DE SÃO SARUÊ................................ 49
11
3. 1. 1. Sobre a temática, personagem e linguagem presentes no poema...... 53
3. 1. 2. Sobre o tempo e o espaço.................................................................... 58
3. 2. O CASAMENTO DA RAPOSA COM O TIMBU........................................ 60
3. 2. 1. Quanto ao tema e aos personagens..................................................... 61
3. 2. 2. Quanto ao tempo e ao espaço.............................................................. 67
3. 3. A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO.............................................. 67
3. 3. 1. Quanto ao tema.................................................................................... 68
3. 3. 2. Caracterização dos personagens......................................................... 72
3. 3. 3. Aspectos da linguagem......................................................................... 76
3. 3. 4. Sobre o tempo e o espaço.................................................................... 76
CAPÍTULO IV...................................................................................................
78
4. COMUNIDADE DE LEITORES DO CLUBE DE MÃES SAGRADA
FAMÍLIA: PROPOSTAS E DESAFIOS............................................................
78
4. 1. BREVE COMENTÁRIO SOBRE A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO.............. 78
4. 2. VIAGEM A SÃO SARUÊ: UMA EXPERIÊNCIA MEDIADA PELO RISO. 81
4. 3. O CASAMENTO DA RAPOSA COM O TIMBU........................................ 102
4. 4. A CHEGADA DE LAMPIÃO AO INFERNO: DE VOLTA AO RISO........... 120
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................
132
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................
136
ANEXOS...........................................................................................................
138
12
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O anseio em pesquisar a literatura de cordel data do último ano de graduação
do Curso de Letras (2002), quando nos matriculamos no curso de extensão em
“Literatura Popular”, ministrado pela professora Geralda Medeiros na UEPB. Esse
desejo foi ampliado quando, em 2003, travamos contato com a obra O cordel na sala
de aula, que nos apontou vários caminhos metodológicos de como utilizar o folheto
nas aulas de literatura.
Por outro lado, ao visitar a nossa memória, percebemos que esse contato
com a literatura popular deu-se durante toda a vida: os “causos de assombração”, as
histórias de Pedro Malazarte e Cancão de Fogo, contados em reuniões de família.
Não imaginávamos que as narrativas que povoavam a nossa infância se tratavam de
literatura. O mais importante é que essas experiências foram muito significativas,
nos projetando de alguma forma para o futuro. E foi dessa prática familiar, que
despertamos o interesse pela literatura popular, o que resultou em um trabalho
monográfico do curso de especialização: O cordel na sala de aula: um convite ao
prazer
1
.
Em sala de aula, observamos que não apenas o livro didático, mas toda a
escola silencia a voz da literatura popular, calando, assim, o saber que alguns
alunos trazem consigo, quer sejam de escolas privadas, quer sejam de escolas
públicas. Prova disso é que em 2003, quando realizamos uma experiência de leitura
com o cordel na escola pública Severino Cabral, com alunos da 1ª série do ensino
médio, percebemos o quanto eles não atribuíam valor cultural ao cordel. Isto devido
a preconceitos, distanciamento e até desconhecimento dessa produção literária.
1
Monografia de nossa autoria apresentada ao Departamento de Letras da UFCG, em cumprimento às exigências
do curso de especialização em Linguagem e Ensino no ano de 2004.
13
Assim, esta experiência se mostrou importante, tanto para eles, quanto para nós, na
medida em que pudemos perceber o interesse e o envolvimento da turma pela
leitura dos folhetos.
O encantamento atravessou os muros da escola e muitos alunos relataram
que leram o folheto em casa para seus familiares: pais, filhos (as), esposo (as).
Apesar disto, verificamos que o cordel não era entendido como manifestação
literária.
Em virtude da nossa experiência com o cordel na sala e do contato com
trabalhos comunitários e religiosos, surgiu o anseio de trabalharmos com o texto
literário fora do ambiente escolar. Quando iniciamos a pesquisa em 2006,
ensinávamos na escola Raul Córdula, situada na localidade do Presidente Médice,
onde atendíamos a muitos alunos oriundos do bairro das Cidades, comunidade
bastante carente do município de Campina Grande. Por este motivo, resolvemos
realizar a experiência de leitura, nesta localidade, pois era um meio de sabermos um
pouco mais sobre a realidade dos nossos alunos.
Nessa perspectiva, visamos promover a literatura de cordéis, que fossem
perpassados pelo viés do humor, para jovens em bairro periférico de Campina
Grande, com o intuito de observar o efeito do folheto e a recepção por parte dos
leitores a esse gênero literário.
Estruturamos esse nosso trabalho em quatro capítulos. No primeiro,
descrevemos o percurso metodológico, no qual apresentamos o local, os sujeitos
envolvidos na pesquisa e a nossa metodologia de trabalho.
No capítulo seguinte, intitulado Literatura de cordel: versos e controvérsia,
abordamos, de modo sucinto, conceito, origem e temas da literatura de cordel no
Brasil, além de refletir sobre concepções distorcidas que sempre foram e que ainda
14
são difundidas sobre o cordel e a cultura popular. Promovemos, ainda, o contraponto
entre os primeiros e os novos leitores, desse gênero.
Já no terceiro, apresentamos, a partir de alguns enfoques da estrutura da
narrativa, a análise de três folhetos: Viagem a São Saruê, de Manuel Camilo dos
Santos, O casamento da Raposa com o Timbu, de Arievaldo Viana, A chegada de
Lampião no Inferno, de José Pacheco. Nesse sentido, atentamos, também, para os
recursos estilísticos utilizados pelos poetas populares, conferindo qualidade estética
às obras em questão.
No quarto e último capítulo, descrevemos o relato de experiência com o
cordel, fundamentados pelos pressupostos teóricos da estética da recepção. Nele,
apresentamos a vivência de leitura com os três cordéis, realizada no Bairro das
Cidades, com jovens leitores daquela localidade.
Em suma, em nossa experiência, buscamos atentar para as diferentes atitudes
observadas nos sujeitos envolvidos na pesquisa, diante do poema lido; atitudes essas
que reflitam a recepção individual ou coletiva dos leitores. Sem perder de vista o
momento singular que é o contato com a obra literária, sobretudo o poema,
principalmente quando ele reflete a força e o magnetismo da cultura local e, ao mesmo
tempo, universal como é o caso da literatura de cordel.
15
CAPÍTULO I
1. PERCURSO METODOLÓGICO
1. 1. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
As investigações científicas de natureza qualitativa em educação no Brasil,
como em diversas localidades do mundo, têm crescido. Isto porque essa abordagem
não faz uso, apenas, da objetividade numérica tão peculiar para as ciências
positivistas que se difundiram por longas décadas nos centros acadêmicos. Para
Bogdan & Biklen (1999, p.19), os estudos em pesquisa qualitativa possuem longa
tradição, sua origem remete ao século XIX. Entretanto, só em meados do século XX,
verificamos a oferta de bolsas, destinadas a esse tipo de investigação, nas
instituições de pesquisa em programas federais.
Apesar de ter sofrido certa marginalização no meio acadêmico, a pesquisa
qualitativa denota, entre as características que podemos evidenciar, um cuidado com os
sujeitos-colaboradores do processo, além de ter a sua atenção direcionada mais para o
desenvolvimento do que para o resultado final da investigação. Por esta mesma razão
(idem, ibidem, p.48) “Os investigadores qualitativos freqüentam o local de estudo
porque se preocupam com o contexto (...) e para eles divorciar o acto, a palavra ou o
contexto é perder de vista o significado.” Neste sentido, aplicar investigações em
educação sob essa roupagem, é possibilitar ao pesquisador um trabalho mais dinâmico
e afetivo.
Com o intuito de melhor desempenharmos a pesquisa, que ora empreendemos,
fizemos uso da investigação de natureza qualitativa, cujas inspirações foram de base
16
etnográfica e de pesquisa-ação. Para o pesquisador que almeje desenvolver um
trabalho com a cultura popular, faz-se necessário que ele possa, além de se aproximar
dela, manter uma relação dialógica e uma pedagogia de respeito e partilha com as
pessoas que emanam dessa cultura e a produzem. Diante do nosso objeto de estudo, a
literatura de cordel, acreditamos ser necessária essa postura de maior envolvimento do
pesquisador, pois, como afirma Ayala (2003, p.92), “A cultura popular é um fazer dentro
da vida”.
É por esse motivo que se torna imprescindível nos inspirarmos no método
etnográfico, na presente pesquisa. Para André (1995, p.35), a etnografia valoriza os
sujeitos colaboradores, partindo de sua historia pessoal e coletiva, isto atrelado aos
aspectos culturais (concepções, valores, significados dos envolvidos). A partir desse
olhar o pesquisador deve evitar descrevê-los e encaixá-los nas suas próprias
concepções e valores de mundo.
Lançaremos mão, também, do método inspirado em pesquisa-ação, pois,
conforme Barbier (2004, p.14), “a pesquisa-ação obriga o pesquisador de [sic] implicar-
se. Ele percebe como está implicado pela estrutura social na qual está inserido. Ele
também implica os outros por meio de seu olhar e de sua ação singular no mundo”.
Nesta relação dialética consigo mesmo, com o outro e o mundo, ele pode agir de modo
a promover ações significativas no microcontexto em que estiver atuando.
1. 2. CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS E LOCAL DA PESQUISA
A presente pesquisa foi realizada no Clube de Mães Sagrada Família, situado
no Bairro das Cidades, do município de Campina Grande, onde foram ministradas
17
oficinas com leitura de literatura de cordel. O público alvo foi constituído de crianças,
adolescentes e jovens, compreendendo a faixa etária entre 09 e 22 anos.
O Bairro das Cidades possui, hoje, cerca de 10.000 moradores e foi fundado há
20 anos, em 20 de Novembro de 1987. Antes de sua fundação, recebia todo lixo que
era recolhido da cidade de Campina Grande, sediando o antigo lixão do município. Em
sua estrutura educacional oferece aos habitantes, uma creche, duas escolas municipais
e uma escolinha particular. Há ainda duas Ongs atuando no bairro, A menina Feliz e a
Proamev. A primeira atua diretamente com meninas compreendendo a faixa etária de
13 a 18 anos. Já a segunda, tem o seu trabalho voltado para um público misto, embora
haja uma freqüência maior do público masculino. Quanto aos aspectos religiosos, na
comunidade, encontra-se uma igreja católica, três evangélicas e dois terreiros de
umbanda.
O Clube de mães, local onde funcionaram as oficinas de leitura, da presente
pesquisa, foi fundado no ano de 1996. Desde sua inauguração o prédio apresenta a
seguinte estrutura física: um salão único, uma cantina, que funciona como cozinha, uma
secretaria e dois banheiros, além de espaço para um jardim. Nesta instituição
comunitária, são desenvolvidas atividades de cunho profissionalizante, cultural e
filantrópico, são elas: curso de pintura, vagonite e de preparação de material para
limpeza (desinfetante, detergente e cloro), que são vendidos pelas sócias, na tentativa
de aumentar orçamento familiar; liberação do espaço, como sede para realização de
ensaios de um grupo local, o Dance Music; além da distribuição de porções de sopa
toda sexta-feira para os moradores, alimentando cerca de 50 famílias.
18
Fi
g
. 1 - Clube de Mães do Bairro das Cidades
Visão interna
Fi
g
. 2 - Clube de Mães do Bairro das Cidades
Visão interna
19
A atividade mais recente do clube de mães é “a sala de leitura”. Semanalmente,
são atendidas, aproximadamente, 40 crianças que se dividem em dois turnos (tarde e
manhã). Essa atividade surgiu, conforme informações da atual presidente, a partir de
reivindicações de algumas mães que, diante das dificuldades dos filhos com a leitura na
escola, recorreram à instituição comunitária, a fim de que, lá, pudesse ser desenvolvido
um trabalho paralelo com a escola. Geralmente, as mães trabalham em horário integral,
não dispondo de tempo, nem mesmo de escolarização adequada para atender às
dúvidas dos filhos.
Para a presidente, além do reforço escolar, o espaço para leitura tem uma função
social muito importante, pois evita que as crianças estejam na rua, coibindo assim, o
possível envolvimento delas com as drogas, visto que o tráfico de drogas é um dos
problemas graves enfrentado pelos moradores do Bairro das Cidades.
As atividades de leitura são desenvolvidas por três jovens moradores e sócios do
clube de mães. Embora essa atividade envolva um número considerável de crianças, os
trabalhos acabam sendo desenvolvidos de modo precário, isto porque contam com
apenas oito livros infantis, três gibis, três livros didáticos, e dois jornais Mundo Jovem
para atender cerca de 40 crianças.
Fi
g
. 3 - Clube de Mães do Bairro das Cidades
Livros utilizados
p
elas crian
ç
as
20
1. 3. CORPUS
Escolhemos para aplicação das oficinas de leitura três cordéis que foram lidos
para e pelo grupo. Dos folhetos escolhidos, dois apresentam o formato em oito páginas
e um em 16 páginas. Os folhetos foram entregues, semanalmente, aos participantes.
No final da experiência, eles receberam, em forma de kit, os cordéis trabalhados em
uma pasta.
Antes do início das oficinas, o projeto foi divulgado entre os associados do
clube de mães e interessados. Os participantes preencheram ficha de inscrição que
possibilitaram o ingresso deles no projeto. As oficinas de leitura foram pautadas no
diálogo entre pesquisador e participantes, com intuito de investigar as experiências que
eles trazem sobre a literatura popular, especificamente sobre o cordel; desejávamos
saber se possuíam pai, avô, amigos leitores e /ou produtores de folhetos. O objetivo
deste levantamento foi o de convidar moradores do bairro que fossem poetas populares
ou que possuíssem uma experiência significativa com a literatura popular e desejassem
expor seus trabalhos no encerramento de nossas atividades.
21
O primeiro cordel trabalhado foi Viagem a São Saruê, de Manuel Camilo dos
Santos. Neste momento, priorizamos a leitura seguida de debate. Esta obra focaliza
uma viagem fantástica. Além desse, outros temas nortearam as discussões sobre a
obra, como a utopia e a crítica social. Lemos, também, Câboca do Ciará e Carta
matuta, do poeta Zé da Luz.
No segundo encontro, trabalhamos o cordel O casamento da raposa com o
timbu, de Arievaldo Viana Lima. A atividade inicial foi uma leitura realizada pelo
pesquisador, seguida de debate. Ao final do encontro, lançamos a proposta de trabalhar
na semana subseqüente o cordel atrelado ao jogo dramático
2
. Porém, a proposta não
foi aceita, devido a pouca receptividade dos participantes em relação ao cordel. O que
nos levou a acrescentar mais dois encontros em nossas atividades.
No terceiro momento, realizamos a leitura do cordel A chegada de Lampião no
inferno de José Pacheco. A leitura foi seguida de debate em torno do cangaço e da
figura de Lampião.
Na quarta etapa, trabalhamos O gostosão, de Maria de Godelivie e o poema
Ah! Que saudades que eu tenho do sertão de antigamente, de Manoel Monteiro. O
poema o futebol no inferno, de José Soares, foi o folheto trabalhado no quinto encontro.
No sexto momento, promovemos uma apresentação de artistas ligados à
cultura popular: cantores, poetas, contadores de história, do bairro, além da
apresentação do poema dramatizado O gostosão.
Os três cordéis, cujos títulos seguem em negrito no quadro abaixo, abordam
temas variados: viagens imaginárias, cangaço, casamento, política. Contudo, todos
2
Segundo
(SLADE, 1978), O jogo dramático pode ser classificado de dois modos. No primeiro momento, a mente se sobressai em relação ao
corpo, a criança se utiliza de objetos que podem ser criados ou animados por ela, temos, portanto o jogo projetado. Na segunda etapa a mente
trabalha na mesma proporção que o corpo, a pessoa converte-se no ser ou objeto representado, incorporando um papel. segundo (SLADE,
1978).
22
estão pautados no humor, elemento muitas vezes decisivos para cultivar a atenção dos
leitores.
QUADRO DE ATIVIDADES
Cordel Atividades Datas
Viagem a São Saruê - Manuel C. dos Santos
Cabôca do ciará e carta matuta – Zé da Luz
Leitura e Debate
13/05/2007
O casamento da Raposa com o Timbu
Leitura e Debate
20/05/2007
A chegada de Lampião no inferno –
Zé Pacheco
Leitura e debate
27/05/2007
O gostosão Maria Godilivie
Ah! Que saudades do sertão de antigamente-
M. Monteiro
Leitura, debate e
Jogo dramático
07/07/2007
O futebol no inferno – José Soares Leitura, debate e
audição de CD
14/07/2007
Os moradores do Bairro das cidades preencheram, no total, 25 fichas de
inscrição para as atividades de leitura com o cordel. Desses moradores, contamos com
a presença assídua de 12 participantes. Nas fichas, continha um questionário cujas
informações nos possibilitaram os seguintes dados:
23
Sujeitos
Sexo
Idade
G
rau de escolaridad
e
Renda familiar
Experiência
de leitura
com cordel
Colaboradores diretos
Colaboradores indireto
M
F
Crianças (05)
Jovens (07)
1° fase do fund. (3° 4° séries)
2° fase do fund.(5°, 6°,7ºséries)
Ensino Médio
Inferior um salário mínimo
Salário Mínimo
Superior ao Mínimo
Possuem
Não possuem
12 02 07 05
9/11
anos
15/22
anos
02 04 06 03 06 03 07 05
Como pudemos perceber, contamos com a presença de 05 crianças, na faixa
etária de 09 a11 anos e de 07 jovens na faixa etária de 15 a 22 anos. Com relação ao
grau de escolaridade, 02 participantes estavam cursando 3º e 4° séries do ensino
fundamental, 04 distribuíam-se na 1° fase do fundamental da 5ª à 7° séries, enquanto
os seis demais estavam no ensino médio. No que diz respeito à renda familiar, há uma
oscilação entre um e dois salários mínimos. E, o que consideramos de fundamental
importância, mais de 50% dos colaboradores afirmaram já ter tido contato com o gênero
cordel, enquanto 40% não conheciam essa literatura.
24
1. 4. CONTEXTUALIZAÇÃO DA COLETA E ANÁLISE DE DADOS
A principal atividade das oficinas foi a leitura dos cordéis em voz alta para e
pelos alunos, porque acreditamos ser essa prática de fundamental importância para
revelar o ritmo do poema lido e, quando bem realizada, acaba sendo fator
preponderante para a apreciação e compreensão da poesia. Sobre a metodologia de
trabalho a ser utilizada com o cordel, Pinheiro e Lúcio (2001, p.80 -81) orientam:
Compreendemos que qualquer sugestão metodológica no campo do
trabalho com a literatura de cordel pressupõe este envolvimento com a
cultura popular. Estudos recentes sobre metodologia de ensino têm
rompido com uma visão tecnicista da didática. (...) o trabalho com o
cordel terá que favorecer o diálogo com a cultura da qual ele emana e,
ao mesmo tempo, uma experiência dialogal entre professores, alunos e
demais participantes (...)
Por essa razão, buscamos desenvolver uma boa relação com os participantes e
as demais pessoas da comunidade, colaboradores da pesquisa priorizando a interação
e o diálogo. Desse modo, ouvimos dos participantes: as vivências, as sugestões e os
anseios em ralação à experiência. Esse contato foi passo fundamental para partimos
para as obras e, a partir delas, estimular os participantes a perceberem como a
literatura está diretamente relacionada à realidade na qual estamos inseridos.
A nossa atuação no Bairro das Cidades começou desde Março de 2006, período
no qual, além de visitarmos o Bairro, buscamos saber onde se localizavam as principais
instituições da comunidade como igrejas, escolas, clube de mães, ongs, etc. Mas só a
partir de Abril de 2007 pudemos retornar as atividades de campo.
Neste período, contamos com a colaboração do artista Manuel de Freitas, que,
além de contador de histórias, é poeta, compositor, cantor, tendo publicado um livro de
máximas, A lógica das palavras, e lançado um CD Viagem Nua. “Manu”, como é
25
popular e carinhosamente conhecido, não freqüentou a escola e afirma que tudo que
aprendeu foi por conta própria; por essa razão, pode ser considerado um autodidata.
Além das atividades mencionas, ele ministra palestras sobre assuntos diversos em
núcleos Espíritas e em eventos, como O encontro Para Nova Consciência, além de dar
aulas de violão e trabalhar como vendedor.
Um fato importante da relação com este colaborador é que iniciamos o contato
com ele, ainda no período da graduação, quando desenvolvemos um projeto sobre a
arte de contar histórias e realizamos algumas entrevistas com o poeta. Participamos do
lançamento de seu livro, e podemos dizer que, daquele período para cá,
desenvolvemos com Manu uma relação de amizade.
Uma outra colaboradora de fundamental contribuição para nosso trabalho foi a
presidente do clube de mães, Dona Severina
3
, que conhecemos através de Manu. Ela
nos concedeu algumas entrevistas acerca de fatores históricos e sociais do bairro, além
de nos fazer conhecer um pouco do perfil dos moradores do Bairro das cidades.
A líder comunitária nos advertiu quanto à dificuldade de desenvolver atividades
comunitárias na localidade, pois, segundo ela, havia uma falta de interesse dos
moradores; afirmou, ainda, que isso tem tornado seu trabalho um desafio. Contudo,
além de cultivar o bom ânimo e a esperança, Dona Severina é responsável por algumas
melhorias na comunidade, como a chegada da escola municipal; fazendo jus, de fato, a
designação de líder comunitária, como pudemos observar em algumas reuniões de que
participamos no clube de mães.
Pudemos constatar, das várias vezes que caminhamos com aquela líder
comunitária pelo bairro, como ela é querida pelas pessoas daquela localidade.
3
Informamos que todos os nomes dos colaboradores diretos desta pesquisa são fictícios para que possamos
preservar á imagem dos mesmos.
26
Observamos o seu interesse em convidar os moradores para participar dos encontros
de leitura.
Dona Severina fez questão de nos acompanhar em quase todas as experiências,
uma forma de incentivar os jovens, além de ter demonstrado muito interesse pela
literatura de cordel. Ela foi moradora da zona rural na cidade de Boqueirão, onde era
comum, em sua infância, a presença do folheto. Relembrou com saudade os momentos
em que se reunia com parentes e amigos para ler cordéis. Um outro motivo que a levou
a nos acompanhar foi o receio que tinha de que alguns moradores “desocupados”
interrompessem a experiência, principalmente, através de ações de vandalismo, como
lançar pedras no telhado.
Devemos dizer que não tivemos nenhum problema de comportamento com
aqueles jovens, todos se mostraram interessados em participar da experiência. Mas o
fato de estarmos no clube de mães, e não numa sala de aula, implicou motivações
diferentes daquelas que, de um modo geral, movem os alunos a comparecer à escola;
como receber uma nota, ou atender às exigências da família. Percebíamos que a
motivação para que participassem da experiência, era o interesse pelo texto e pela
conversa, após as atividades.
Nesse sentido, não tínhamos o estigma de professora, mas de alguém que, ao
demonstrar interesse pelo bairro, acabava sendo bem recebida por aquele grupo
específico de moradores. Eles nos deixavam na parada de ônibus e sempre contavam
histórias que envolviam as festas do clube de mães, da SAB, da igreja católica, da
escola, compartilhavam, também, seus projetos de vida, inclusive problemas de ordem
familiar.
Segundo Ayala (2003, p.94) “para apreender a riqueza da literatura popular ou
de qualquer outra manifestação da cultura popular é preciso estudar com os olhos e
27
ouvidos atentos”. Para que possamos melhor desenvolver capacidade de ver e ouvir,
sabendo usar de empatia para com outro, partiremos não apenas do lugar
socialmente estabelecido pelas convenções humanas, (pesquisador versus sujeitos
pesquisados), mas atentaremos, também, para o fato de sermos pessoas complexas,
dotadas de liberdade, criatividade, imaginação e atitude, atuando, assim, de modo
singular no mundo.
Ao refletir sobre essa nova postura que o pesquisador deve assumir na
pesquisa-ação, René Barbier apresenta o conceito de escuta sensível que, segundo o
autor:
Trata-se de um “escutar/ver” que pende para o lado da atitude
meditativa no sentido oriental do termo. A escuta sensível apóia-se na
empatia. O pesquisador deve saber o universo afetivo, imaginário
cognitivo do outro para compreender do interior as atitudes e os
comportamentos, o sistema de idéias, de valores, de símbolos e de
mitos. (BARBIER, 2004, p.94)
O início das oficinas estava previsto para 15 de Abril de 2007 e término previsto
para 20 de Maio. Contudo, devido a vários imprevistos, como encontros de catequese,
torneios, atuação do trabalho de pastoral da igreja católica, no bairro, as experiências
foram adiadas. Iniciamos as atividades só a partir do dia 13 de maio. O término das
experiências, com os três cordéis escolhidos para análise, deu-se no dia 27 de Maio.
Durante o mês de Junho, devido às festividades de nossa cidade
4
, não
pudemos dar continuidade às atividades. Retornamos no mês de julho, nos dias 07 e
14. Findamos, nesta última data, as oficinas de leitura. O cordel O gostosão foi bem
recebido pelos participantes que, instigados pelo tema adultério, abordado no poema,
escolheram-no para o jogo dramático.
4
A cidade de campina Grande, no mês de Junho sedia o evento que ficou conhecido nacionalmente como o
maior São João do mundo. Essa festa atrai turistas do Brasil inteiro, sendo considerada o principal evento no
calendário de turismo do município.
28
Começamos a fazer novas leituras e ensaio do folheto, durante o mês de Julho
e marcamos a apresentação do grupo para a primeira semana do mês de Agosto.
Devido à programação do clube de mães, assim como a festa do dia dos pais e outros
eventos, não foi possível a realização da atividade na data marcada. Além da
dramatização de O gostosão, o evento contou com a participação de artistas do bairro.
Desse modo, o enceramento das atividades ocorreu no dia 25/08/2007.
Houve o registro dos encontros com intuito de que todo material coletado
(questionário, fotografia e filmagem, além de diário de campo) nos auxiliasse na análise
dos dados que é descritiva e interpretativa. Também nos comprometemos de entregar
um dvd da experiência para o clube de mães, além de marcar uma data para, juntos,
assistirmos às gravações. De acordo com a orientação de Barbier (2004, p. 1006).
A pesquisa-ação visa mudança de atitude, de prática de situações, de
produtos, de discurso... em função de um projeto que exprime sempre
um sistema de valores, uma filosofia de vida, individual e coletiva,
suposta melhor do que a que preside à ordem estabelecida.
Como já mencionamos, aplicamos, ainda, dois questionários após a
experiência de leitura, como forma de melhor refletir sobre a experiência e sobre os
aspectos sócio-histórico-culturais dos sujeitos envolvidos na pesquisa. A primeira
pergunta foi: Possui o habito de leitura? Quais os gêneros que costuma ler? 90% dos
colaboradores afirmaram possuir o hábito de leitura. Apenas uma participante afirmou
não ter tal hábito, constituindo, assim, 10% dos entrevistados. Interrogados sobre os
gêneros literários que costumavam ler, 40% afirmaram preferir gibis; 20% romances;
outros 20% afirmam ler uma diversidade de gêneros; o texto jornalístico apareceu em
10% das respostas; ao lado de 10% que não responderam a essa pergunta.
Sobre os temas preferidos, abordados nas obras literárias, mais da metade das
respostas apontou relações familiares como sendo um assunto muito importante a ser
29
discutido, foi citado, inclusive, o fato de membros, de algumas famílias, brigarem entre
si.
Interrogados se “Quando criança alguém da família costumava ler para eles? E
Quais os gêneros?” A maioria dos colaboradores afirmou que sim; os gêneros mais
citados foram contos infantis, gibis e textos bíblicos. Apenas 20% afirmaram não ter tido
essa experiência na infância. Questionados se alguém da família possuía o hábito de
ler, todos afirmaram positivamente, os textos citados foram a bíblia, revistas de
artesanato, jornais, gibis.
Quase todos os participantes da experiência afirmaram gostar das aulas de
literatura ou aulas que envolvam leitura literária. Citaram romances, poemas e contos
como os gêneros preferidos. Apenas um participante afirmou não gostar das aulas,
alegando que a professora de literatura é “chata” e não sabe dar aulas. Sobre o
procedimento dos professores com relação à leitura literária, quase todos afirmaram
que os professores tanto liam, como solicitavam leitura extra-sala. Apenas um
colaborador - o mesmo que disse não gostar da professora e de sua metodologia -
afirmou que ela não lia em classe e não solicitava leitura extra-sala.
Outro ponto relevante, explorado no questionário, diz respeito à orientação
religiosa dos colaboradores, dos quais, 91,3% são católicos, havendo apenas uma
participante protestante. Questionados se desenvolvem alguma atividade em seu
núcleo religioso, mais da metade afirmou participar da catequese. A participante de
orientação protestante disse também realizar um trabalho com crianças e adolescentes
em sua igreja. Indagados sobre o tipo de leitura realizada no ambiente religioso, todos
afirmaram ler a bíblia.
Interpelados acerca da atuação no clube de mães ou na associação de
moradores, a maioria respondeu que não era associado às referidas instituições.
30
Apenas dois participantes afirmaram ser associados ao Clube de Mães e participar das
atividades lá desenvolvidas como cursos de artesanato e dança.
Sobre as ONGs PROAMEV e Menina Feliz, que atuam no Bairro das Cidades,
apenas dois colaboradores informaram participar dessas instituições. Eles afirmaram
que nestes espaços era comum a leitura de textos variados e que sempre estavam
relacionados com os temas a serem debatidos.
Ao serem perguntados sobre o folheto de que mais tinham gostado na
experiência de leitura que realizamos no Clube de Mães, a maioria dos participantes
afirmou ter gostado de Viagem a São Saruê. A chegada de Lampião ao Inferno foi
citado por dois participantes. E apenas uma pessoa afirmou ter gostado mais do folheto
O Gostosão. Todos os envolvidos na experiência declararam ter gostado de todos os
folhetos trabalhados. Indagados acerca do trabalho de leitura de cordéis, realizado pela
pesquisadora, os colaboradores responderem que gostaram muito da experiência. Um
participante, inclusive, afirmou: “na verdade eu achei proveitoso porque não temos uma
aula de literatura tão proveitosa, não temos grupos que valorizasse o incentivo à
leitura”.
No segundo questionário aplicado, quando interpelados sobre qual o lazer
preferido por eles, as respostas foram bastante variadas: alguns elegeram a piscina
como o lazer preferido, outros, o passeio com os amigos, shoppings Centers, Ir à igreja,
game, cinema, cantar e ler. Esta última atividade foi selecionada, apenas por uma
participante, como atividade de laser.
No que diz respeito à quantidade de livros lidos em 2007, 02 participante
afirmaram ter lido vários livros. A média foi de 02 até 03 livros lidos por ano. Uma
colaboradora afirmou ter lido 05 cordéis, fazendo referência, talvez aos folhetos da
experiência. Os títulos foram variados, havendo ocorrência maior dos contos infantis: O
31
patinho feio, Branca de Neves, Pinóquio, Peter Pan, O Ganso de Ouro, A bela e a fera,
Tom Sawyer, O Gostosão, A chegada de lampião ao inferno, O Código da Vinci,
Capitães de Areia, Romeu e Julieta, O Gay que queria ser homem, O bom crioulo e
Terra de santa Cruz. Estes dois últimos livros foram, a propósito, indicados para o
vestibular de 2008 da UEPB.
Dos 12 participantes envolvidos com a pesquisa, 50% afirmaram ter lido algum
livro em 2008, enquanto os outros 50% não havia lido; alguns informaram ter relido
obras do ano anterior, como: Peter Pan, O ganso de ouro, A bela e a fera, O gostosão e
A chegada de Lampião ao inferno. Outros mencionaram novos títulos, como:
carioca, A princesa, A pequena sereia e O significado dos sonhos. Perguntamos se,
naquele momento, eles estavam lendo algum livro; 10 colaboradores responderam que
não; apenas dois afirmaram estar lendo e citaram os títulos: Como encontrar a paz
interior e a Bíblia.
Perguntamos, ainda, se eles só liam quando a escola, através do professor,
solicitava a leitura: 90% responderam que não, enquanto os 10% restante disse ler
apenas em cumprimento às atividades escolares. Inquiridos se, depois da experiência
de leitura, eles leram por conta própria algum cordel, 06 participantes afirmaram que
não, os demais colaboradores afirmaram ter lido. Desses, 02 disseram que não
lembrava o nome dos folhetos; 03 afirmaram ter lido O PROCON, Como anda a Paraíba
e Confissão de Caboclo; 01 participante afirmou ter lido folhetos escritos por um amigo,
mas não mencionou os títulos dos cordéis.
Interpelados se já haviam ganhado algum livro de presente, 06 sujeitos
afirmaram que sim, os demais disseram que nunca haviam ganhado; um dos jovens
mencionou, inclusive, que, apesar de ter o desejo de ganhar, nunca o havia realizado.
Perguntamos, também se eles costumavam comprar livros, revistas, jornais, gibis; 50%
32
afirmaram comprar ou pedir para alguém da família o fizesse; os gêneros mencionados
foram contos infantis e revistas de signos. Os outros 50% afirmaram que não
compravam, nem pediam para ninguém de casa comprar.
Com base nos questionários aplicados aos colaboradores da pesquisa,
pudemos observar o grau de envolvimento deles com a literatura, bem como a
contribuição do gênero Cordel no estímulo da leitura, além de ter uma idéia de como a
literatura se apresenta no cotidiano desses participantes.
33
CAPÍTULO II
2. LITERATURA DE CORDEL: VERSOS E CONTROVÉRSIAS
2. 1. BREVE OLHAR SOBRE O CONCEITO, TEMAS E ORIGEM DA LITERATURA
DE CORDEL NO BRASIL
O folheto brasileiro é relativamente jovem. Os primeiros registros de que temos
notícias desse gênero impresso, data do final do século XIX. Para muitos
pesquisadores o primeiro cordelista a publicar os seus versos no país foi Leandro
Gomes de Barro, contudo não se pode precisar, ao certo, se ele foi o primeiro a dar
corpo a essa poesia, cujas regras de composição já houvera se firmado através dos
repentes e cantorias entoadas pelo sertão nordestino e pelo Brasil afora. Sobre a
impressão dos primeiro folhetos e o comportamento dos poetas iniciadores desta arte,
Abreu (1999, p. 91-92) informa que:
Não se sabe quem foi o primeiro autor a imprimir seus poemas, mas
Leandro Gomes de Barros foi o responsável pelo início da publicação
sistemática. Em folheto editado em 1907, ele afirmava escrever
poemas desde 1889. [...] os primeiros poetas costumavam anotar
suas composições em tiras de papel ou em cadernos, sem intenção
de editá-los. Muitos evitavam a publicação, acreditando ser melhor
conservá-los exclusivamente para apresentações orais.
Observa-se que a resistência de alguns poetas, neste período, em não
materializar, através da palavra escrita, seus versos, é bastante significativa, uma vez
que acaba por revelar a tentativa de preservar a poesia, evitando plágios,
possibilitando ineditismo da obra; sem contarmos que a maioria dos cordelistas, quase
sempre, eram homens oriundos de classes populares, apresentando pouca
familiaridade com a escrita. “João Faustino, poeta e vendedor de folhetos, fazia
34
poemas, mas jamais os publicou, afirmando: ‘Eu faço romance em verso, mas não
solto se não perde a graça’” (ABREU, 1999, p.92).
Do início de sua publicação até os dias atuais, o cordel passou por algumas
transformações, no tocante à forma de venda, público consumidor, divulgação, etc.,
acompanhando as transformações socioculturais de seu tempo. E, embora definir e
classificar sejam atividades difíceis de realizar, principalmente, quando nos referimos
à poesia, pelo caráter flexível que este assume, tentamos, aqui, apresentar algumas
definições e classificações propostas por diferentes autores para a literatura de cordel.
Ao refletir sobre a popularização do termo cordel, no Brasil, Pinheiro e Lúcio
(2001, p.13) afirmam que “a expressão Literatura de Cordel foi inicialmente
empregada pelos estudiosos de nossa cultura para designar os folhetos vendidos nas
feiras”; desse modo, constatamos que o “batismo” do termo cordel foi dado pelos
pesquisadores e não pelo povo, numa tentativa de comparar essa manifestação
literária “com o que acontecia em terras portuguesas” (p.13).
Em pesquisa recente, realizada com leitores das décadas de 30 a 50 do século
passado, do estado de Pernambuco, pode-se perceber que ainda é comum, entre os
leitores, sobretudo os mais antigos, a utilização de outros nomes, como informa
Galvão, (2001, p.26):
folheto, ‘livrinho de feira’, ‘livro de histórias matutas’,
‘romance’,'folhinha’,livrinho,!livrinhozinho’ou livrinho veio’, livrinho de
poesia matuta’, ‘poesia matuta’, histórias de João Grilo’, ‘leitura e leitura
de cordel’, histórias de João Martins de Athayde ou simplesmente
livrinho.
Embora o termo cordel apareça nas denominações acima, ainda segundo
Galvão (2001, p 27), os entrevistados afirmavam ter notícia deste termo sem, contudo,
ser usual entre eles. Hoje, como ressalta Pinheiro e Lúcio (2001, p.14) “os próprios
poetas se reconhecem como cordelistas”. A expressão também ganha popularidade
35
entre os novos leitores do cordel. Para Galvão (2001, p. 27), a literatura de cordel pode
ser compreendida como:
[...] uma forma de poesia impressa, produzida e consumida,
predominantemente, em alguns Estados da região Nordeste. Embora
caracterizado pela forte presença da oralidade em seu texto e forma o
cordel é necessariamente impresso distinguido-se de outras formas
de poesia oral, como as pelejas e os desafios, “cantados” pelos
cantadores ou repentistas.
Já para o poeta e pesquisador Sobrinho (2003, p.109), o termo “folheto”,
comumente utilizado pelos antigos leitores, é uma expressão genérica para referir-se
aos poemas que se inserem na literatura de cordel. Para ele, na classificação desse
gênero, quanto ao número de páginas, o folheto compreende entre 8, 12 ou 16 páginas.
Os romances ou histórias compreendem produções de 24, 32, 48, ou 64 páginas.
Atualmente, podemos encontrar folhetos com o numero inferior a 8 páginas,
demonstrando, assim, uma flexibilidade em relação ao número comumente utilizado,
que acabava por determinar a classificação do cordel, além de revelar o barateamento
do folheto para o poeta.
Quanto aos temas abordados na literatura de cordel, há uma grande variedade,
conforme Galvão (2001, p.35):
Religião e misticismo (com a forte presença de Cristo, dos Santos, do
beato-Padre Cícero e Frei Damião – e do diabo), relatos de
acontecimentos cotidianos e políticos mais amplos, descrição de
fenômenos naturais (como as secas e as enchentes) e sociais (como o
cangaço), “decadência dos costumes” (muitas vezes associada ao
urbano), narração de histórias tradicionais, aventura de heróis e anti-
heróis.
No entender do pesquisador Luyten (1992, p.41-42), dividir a literatura de cordel
por temas é um absurdo, pois, para ele, devemos ter bem definido o fato de a
literatura de cordel possuir autores que se interessam por temas variados, como em
36
qualquer outra literatura, por esta razão Luyten aconselha que se estude os folhetos
por seus autores e não pelos temas abordados nesta literatura.
2. 2. O CORDEL – NA CORDA BAMBA?
De modo geral, no cenário da cultura brasileira, os estudos sobre a literatura
popular eram escassos, uma vez que poucos estudiosos se interessavam pelas
manifestações oriundas do povo. A literatura de cordel e outras expressões da
literatura popular estiveram fora de escolas e academias por serem consideradas
manifestações de classes tidas com subalternas, “coisa de pobre”. Na maioria das
vezes, a literatura popular não é interpretada como arte, logo, esta má compreensão
dificulta seu estudo. “Na universidade muitos insistem em achar que não é arte, que
não é cultura, que não é literatura aquilo que iletrados e semi-letrados fazem” (AYALA,
2003, p.98). Essa visão acerca do cordel e de toda literatura popular revela, além de
pouco estudo sobre o assunto, uma postura preconceituosa dos que assim procedem.
Desse modo, a não aceitação da literatura popular, enquanto arte, por alguns, ou
olhares distorcidos, de outros, que a vejam como “prática exótica”, que devem ter seu
espaço reservado nas escolas, apenas no dia do folclore, são idéias já difundidas,
cristalizadas e cultivadas por uma boa parte da população brasileira e, por muitos
pesquisadores sobre o assunto. De modo que eles acabam reforçando o ideário do
senso comum. Paradoxalmente, o povo passa a não valorizar suas práticas culturais
pelas razões acima expostas.
Um outro ponto que levantamos, sobre a dificuldade no estudo da literatura
popular, é a compreensão do que vem a ser popular, na manifestação da cultura, ou
seja, como definir a cultura popular? E, conseqüentemente, a literatura popular?
37
Sobre o conceito de cultura popular Chartier (1995, p.179) faz uma afirmação
aparentemente contraditória: ”a cultura popular é uma categoria erudita”. Ao leitor pode
soar estranha tal afirmação que se assemelha a um trocadilho, contudo o autor parece
querer mostrar que essa denominação é utilizada a despeito do próprio conhecimento
dos praticantes dessa cultura. Nesse sentido, o termo é muito mais erudito do que
popular, uma vez que foi criado e utilizado por intelectuais e não pelo povo.
Desse modo, mesmo correndo o risco de ser reducionista, Chartier (op. Cit
p.179) apresenta o conceito de cultura popular em dois grandes blocos: o descritivo e o
interpretativo. O primeiro, cujo objetivo central é pensar a cultura popular como um
sistema simbólico e autônomo, independente da cultura letrada, no qual idéias
etnocêntricas não são postas em discussões; o segundo confronta as práticas
populares com o sistema da cultura dominante. Dessa forma passa-se a entender a
primeira, através de sua “carência” e “dependência” com relação à segunda. Conforme
o pesquisador esses dois modelos perpassam todas as ciências que se debruçam no
estudo do popular.
Parece que a escolha e utilização de um dos modelos acima mencionados pelo
pesquisador, implicam correr o risco de extremismo, uma vez que o caráter
plurissignificativo – e, por isso mesmo, dinâmico da cultura popular - pede também a
diversidades de olhares e perspectivas teóricas, mediante seu estudo. Daí porque a
soma de abordagens pode favorecer a compreensão do que é ou está sendo popular.
No compreender de Ayala (2003, p.106):
A literatura popular, como as outras práticas populares se nutre da
mistura. Seu fazer precisa da mescla. E esse processo de
hibridização talvez seja um dos seus componentes mais duradouros e
mais característicos. (...) A literatura popular não conhece
delimitações e é isso que torna difícil seu estudo. Impossível
compartimentá-la em gêneros, espécies tipos rígidos; tampouco é
possível definir quando e onde se encontra a literatura popular. Isto
vale para as narrativas, para a poesia, para as representações
38
dramáticas. Existe, mas não é visível para todos. Em sua existência,
mantém-se de difícil definição classificação.
Um outro ponto que ressaltamos sobre o caráter dinâmico da literatura popular é
sua capacidade de dialogar, imbricar-se com suas próprias manifestações ou de
outras culturas. “A cultura popular dialoga com a cultura de massa. Esta com a cultura
erudita; e vice-versa. Além de velhas culturas ibéricas, indígenas e africanas” (BOSI,
2003, p.07).
Acreditamos ser essa dinamicidade, o caráter híbrido da literatura popular que
despertou o interesse em pesquisadores e estudiosos do mundo inteiro, pelo cordel.
Temos “a partir dos anos 90, assistido a uma revalorização dos movimentos culturais,
calcados na cultura popular” (GALVÃO, 2001, P. 18).
Contudo, esse crescente interesse, gerou, em décadas anteriores, algumas
idéias equivocadas a respeito do cordel, como a de que é preciso “resgatá-lo” antes
que venha perecer, pois estaria o cordel fadado a extinção. Uma das explicações
elaboradas seria a de queOs mestres do momento áureo do cordel envelheceram ou
morreram, outros, por necessidade, foram obrigados a procurar outros meios de
ganhar o pão de cada dia” (CURRAN, 1991, p.143).
Endossar o pensamento do pesquisador seria crer na máxima: morto o artista,
morta a obra. Parece problemática essa idéia defendida por Curran, uma vez que novos
poetas cordelistas estão surgindo. E mesmo no caso de poetas já falecidos como
Leandro Gomes de Barros, Zé Pacheco, Manoel Camilo dos Santos, responsáveis por
clássicos da literatura de cordel, nota-se que as suas respectivas obras continuam
sendo reeditadas e vendidas.
Nesse quadro, no qual o cordel é retratado como um moribundo, prestes a se
ultimar, caberia ao pesquisador o feito heróico de divulgá-lo entre a população, mesmo
que sem muito sucesso, além de colecionar alguns exemplares para serem
39
apresentados à posteridade. Daí a idéia disseminada de que os indivíduos que
constituem o povo seriam os “guardiães da memória”, prestes a cair no esquecimento.
”Tudo se passa como se o campo da cultura popular fosse análogo ao de uma
formação geológica (...) O intelectual, como o geólogo, caminharia pelas camadas
intermediárias, para finalmente recuperar os restos arqueológicos coberto pela poeira
da história” (ORTIZ, 1992, p.27). Logo é, desse momento, o princípio: “resgatar antes
que acabe”, utilizado para qualquer manifestação popular, inclusive o cordel.
Essas previsões não se consolidaram e, em dias atuais, podemos ver um
crescente incentivo por parte dos poderes públicos, tanto ao cordel quanto à cultura
popular como um todo, através de programas locais e federais que objetivam o
financiamento de projetos ligados a essa área do saber. Podemos citar como
exemplo, o BNB cultural que já está na sua terceira edição e vem promovendo a
cultura popular pelo Nordeste. Sabemos que tais incentivos não dão conta da
demanda cultural nordestina, cuja abundância e diversidade são provas da riqueza da
cultura popular.
2. 3. A LITERATURA DE CORDEL – ONTEM, HOJE E SEMPRE – UMA MESMA
LITERATURA?
O Brasil, como o resto do mundo, vem passando e assistindo a crescentes e
abruptas transformações no meio social. E, indiscutivelmente, as transformações
observadas no campo científico e tecnológico, durante o século XX foram as mais
radicais. Isto porque foi durante este século que se deram os avanços na computação,
na cibernética, na genética e tantos outros setores, influenciando, diretamente, o
comportamento das pessoas.
40
Hoje, assistimos a um mundo globalizado cujas distâncias materiais, em tese,
são menores: o avião, a internet, o celular parecem facilitar a comunicação entre os
povos. Contudo, por outro lado, há quem argumente que a tecnologia parece
promover o distanciamento emocional das pessoas. Sem querermos defender essa ou
aquela idéia, constatamos, apenas, que todas essas mudanças acabaram
influenciando os meios de produção da escrita, e, por conseguinte, também da
literatura, uma vez que esta, além de migrar para novos suportes, passa a se valer de
novas técnicas de produção.
A literatura de cordel é prova viva, e bem viva de todas essas mudanças. Do
fim do século XIX, ao início do século XXI as formas de produção e venda do folheto
vem passando por crescentes e largas mudanças. A priori, o folheto era produzido
manualmente. Os poetas entregavam aos tipógrafos o material, que era impresso
manualmente, letra por letra, num sistema rudimentar, conforme explicação do poeta
cordelista Manoel Monteiro, que diz ter trabalhado em duas tipografias em Campina
Grande, no setor de acabamento. Ele informou, ainda, que alguns poetas, às vezes,
dominavam a técnica de impressão, o que era mais raro de acontecer.
O sistema de ilustração também passou por transformações. Inicialmente,
conforme Luyten (1987, p.50), as capas eram ilustradas de forma simples, a partir de
vinhetas e pequenas ilustrações, em seguida surgiram os desenhos baseados em
cartões postais. Para o pesquisador, as xilogravuras só entraram em cena a partir do
fim dos anos 50 e início dos anos 60, partindo da iniciativa do artista entalhador de
santos, Mestre Nosa. Nesse sentido, Luyten (op. cit. 50) atesta que:
Tudo começou com o famoso mestre Nosa, em Juazeiro do Norte. Ele
sempre foi santeiro conhecido (entalhador de estátuas) e resolver cortar
uma tabunhia para servir de capa a um folheto. A coisa deu certo e
aceitação foi imediata. Alguns anos depois, já havia diversos
gravadores, e muitos estudiosos achavam que a xilogravura era a forma
mais original de se ilustrar o folheto de cordel. Hoje em dia, boa parte
41
dos livretos apresenta gravuras na capa e criou-se, assim, uma nova e
muito forte modalidade artística popular.
Para Manoel Monteiro, que atua como poeta popular há mais de cinqüenta
anos, as colocações de Luyten sobre a xilogravura não são tão precisas assim, uma
vez que o cordelista afirma que à arte de talhar madeiras como uma prática milenar.
Monteiro afirma
5
ainda que as xilogravuras no folheto já eram utilizadas pelos poetas,
bem antes da década de 60.
Nesse sentido, não podemos afirmar com muita exatidão, quando começou o
uso das xilogravuras nos folhetos. Registramos apenas que ela é um importante
recurso visual na confecção dos folhetos e que acontecia de forma rudimentar, de
modo que os poetas talhavam a madeira, conforme a gravura desejada, e
carimbavam as capas do folheto.
Hoje, com o advento das novas tecnologias, o sistema de impressão do cordel,
bem como da confecção das capas, inspiradas nas xilogravuras, acompanha a
aceleração da sociedade moderna, de modo que observamos a impressão das
xilogravuras sendo realizada em larga escala, através do processo de informatização,
obedecendo ao ritmo da sociedade industrial e digital.
Conforme afirma o artista gráfico e poeta cordelista Silas
6
: “trabalhar nos
moldes de antigamente se torna cada vez mais difícil, na medida em que se perde
tempo”. Por esse motivo, o artista gráfico continua fazendo uso do mesmo desenho
vazado, utilizado antigamente e, ainda em nossos dias, pelos xilógrafos. Contudo, alia
a esse procedimento o nanquim, técnica chinesa de pintura, surgida há mais de 2000
anos.
5
Entrevista concedida pelo poeta no dia 04 de Fevereiro de 2008
6
Entrevista concedida pelo poeta no dia 10 de Fevereiro de 2008
42
Em seguida, Silas diz que o desenho vai para o scanner e afirma que ,mesmo
talhando com a madeira, o desenho também tem de se submeter ao scanneamento,
para tornar o processo mais ágil. Desse modo, o cordelista afirma que esse processo,
utilizado por ele, possui o mesmo efeito da xilogravura e torna o procedimento mais
rápido, além de ser politicamente correto, pois a imburana está cada vez mais rara de
ser encontrada, passando mesmo pelo processo de extinção.
Do início do século XX, até nossos dias, não foram apenas as formas de
produção que mudaram, houve transformações, também, nas formas de vendas do
folheto. Para Abreu (1999), no início do século XX, muitos poetas abandonaram a vida
campesina, se estabeleceram na cidade, onde passaram a compor, editar e vender
suas obras, de modo que suas próprias casas passavam a ser ponto de venda, a
exemplo de Leandro Gomes de Barros, que costumava anunciar seu endereço nas
capas e contracapas dos folhetos. “Os livrinhos poderiam também ser encomendados
pelo correio, ou comprados em livrarias” (p.95). Todavia, a pesquisadora afirma que
boa parte das vendas era realizada em viagens excursionadas pelos autores e
vendedores. Sobre o assunto, também reflete Galvão (2001, p. 31):
As histórias eram veiculadas por cantadores ambulantes, que iam de
fazenda em fazenda, de feira em feira, transmitindo notícias de um lugar
para outro, aproximando as pessoas. Reproduzindo histórias,
inventando casos, improvisos, repentes, desafios e pelejas entre
cantadas.
Hoje, as formas de venda do folheto divergem das formas de antigamente; os
folhetos não são mais encontrados nas feiras com a mesma freqüência e abundância
que antes. No passado, como recorda o poeta Manoel Monteiro, havia pelo menos oito
pontos de venda de folheto na feira central de nossa cidade. Sobre os novos espaços
de vendas e de leitura que o folheto vem conquistando, o poeta popular Manoel
Monteiro comenta:
43
O que acontece com o poeta de hoje é que ele esta preparado
psicologicamente para vender seu peixe nas universidades, para
mostrar o seu trabalho nas escolas de qualquer nível, isso fez com que
os alunos conheçam que [...] existe também o folheto que tem uma
mensagem, que tem uma cultura
7
.
Atualmente, podemos encontrá-lo, facilmente, nas bancas de revistas, nas
livrarias e nos shoppings centers locais. Contudo, sabemos que a disponibilidade do
folheto, não é comum a todas as cidades nordestinas e, talvez, em demais regiões
como a sul, ele se torne mesmo raro, por questões culturais. As vendas ambulantes
realizadas pelos autores e/ou vendedores, pelas fazendas e lugarejos, de fato não
existem mais. Todavia, surgem novos espaços de divulgação e de venda, através da
internet e dos webers sites.
A Partir das transformações no modo de produção e de venda do folheto, surge
um novo público consumidor da literatura de cordel no Brasil. De acordo com Galvão,
durante quase todo o século XX, principalmente no período que compreende às
décadas de 30, 40, 50, conhecido como o apogeu do folheto, os leitores eram
masculinos, embora as mulheres e crianças também participassem como ouvintes das
rodas de leitura, mas, sobretudo, do espaço doméstico, uma vez que a leitura dos
folhetos, em espaços fora do lar e de folhetos mais jocosos, era destinada aos
homens.
Os negros, no grupo de pessoas entrevistado pela pesquisadora, denotam
minoria do público leitor; já os brancos eram a maioria. Durante o período, já
mencionado, boa parte dos leitores de folheto no estado de Pernambuco, local onde
se desenvolveu a pesquisa de Galvão, era analfabeta, haja vista que, desse tipo de
entretenimento, as pessoas com um bom poder aquisitivo não costumava se dedicar a
7
Entrevista concedida pelo poeta no dia 04 de fevereiro de abril de 2004
44
essa cultura. Sobre essa questão, Zé Moreno, poeta popular entrevistado por Galvão
(2001, p. 1004), afirma que:
Pessoas de poder aquisitivo melhor ia se preocupar com outras coisa,
às vezes ainda era estudante, era outra coisa... Ia se preocupar com
estudo dele, outras coisas mais importante, que era aquilo era coisa
passageira... [...] Era difícil, porque cada uma tinha a sua, suas
ocupações, suas funções a desempenhar. Não ia se passar pr’aquilo.
Só pessoa menos culta é que gostava disso, porque isso, também
instruía, né?
De acordo com o comentário do poeta popular Zé Moreno, podemos inferir que
a leitura da literatura de cordel era realizada por pessoas das classes mais populares
como se, mesmo naquele momento, considerado como o apogeu do folheto, em que
as vendas atingiam números gigantescos, ele era pouco privilegiado pelas classes
ricas, demonstrando já o preconceito que, até em nossos dias, se verifica em relação
à arte produzida pelo povo.
Nesse sentido, podemos afirmar que o cordel esteve presente durante muito
tempo na vida das pessoas, oriundas das classes pobres, como uma atividade de
entretenimento, uma vez que os meios de diversão eram bastante escassos naquele
período. A maioria das pessoas entrevistadas por Galvão (2001, p.174) chegou a
atribuir o sucesso dos folhetos à inexistência da TV e aos altos custos do rádio, como
podemos observar no trecho da entrevista concedida pelo poeta Zé Mariano (apud,
Galvão, 2001):
Televisão ninguém tinha, não tinha televisão, não tinha um rádio, às
vezes não tinha rádio... Era difícil um pobre naquele...naquele mundo
ter um rádio, um rádio pra escutar, né? [...] Era muito difícil, tinha um
pobrezinho que tinha um rádio, às vezes nem tinha um rádio. Ai o pobre
faz um folheto pra num...pra se distrair em casa. Às vezes os vizinhos
ia pra lá, aí juntava um bocado de gente:” O D. Maria, vamos ler um
folheto hoje? Seu marido...” [..] “Seu galdino, vamos ler um folheto hoje
pra gente ouvir? “ Os folhetos, meu pai tinha aquele bocado de
folheto...Ai ele chegava, dizia...Aí chegava gente, juntava tudo, ficava,
na...na...na sala, muita gente, sala grande, aí papai lia o folheto... Lia
[...] Era bonito... O divertimento que existia naquele tempo era isso, né?
45
Presente nas feiras, nas praças, nas fazendas, nas reuniões familiares, o
cordel era lido de modo coletivo (mais comum) e individualmente (mais esporádico),
sendo, inclusive, um instrumento de educação popular, uma educação extra-oficial,
uma vez que o folheto, ao que tudo indica, não circulava nas escolas e nas
academias. A educação oficial não se interessava pelo cordel, em função disso “as
bibliotecas não tinham [...] folhetos em seus acervos” (Galvão op. Cit. 133).
As instituições educacionais e a mídia reconhecem aos poucos o valor cultural
e estético do folheto, de modo que ele passa a ser objeto de estudo de universidades,
além de inspirar o cinema, o teatro e artistas ligados a MPB, ganhando espaço nos
meios de comunicação. Sobre esse novo público leitor do cordel, Pinheiro e Lúcio
(2001, p.7) esclarecem que:
O contato com alunos de escolas públicas, particulares e estudantes
universitários tem revelado que significativo número de jovens e de
professores que conhece e cultivam a leitura de folheto aqui no
Nordeste, sem falar nos leitores tradicionais. Quando conversamos
sobre as narrativas e a literatura de cordel em geral; nos dias seguintes
muitos alunos nos trazem folhetos para mostrar, contam histórias de
cantadores e embaladores, enfim falam de sua experiência com a
literatura popular.
No estado da Paraíba, uma prova do ingresso do folheto na sala de aula é a
indicação de obras da literatura de cordel, por três anos consecutivos, para o vestibular
da Universidade Estadual da Paraíba. No primeiro ano, em 2006, tivemos a indicação
de um clássico de Leandro Gomes de Barros, O cachorro dos mortos. Em 2007, foi
indicado como uma das obras A História da Donzela Teodora, uma narrativa que tem
origem na península hibérica, recontada também por Leandro Gomes de Barros. Na
relação das obras do ano de 2008, tivemos O pavão misterioso, de José Camilo.
Todavia, se imaginarmos a quantidade de universidades existentes no Brasil, veremos
que a aceitação do cordel enquanto gênero literário é um desafio, apesar do inegável
incentivo da UEPB.
46
A cidade de Campina Grande vem estimulando a leitura e a produção de
cordel, através de projetos desenvolvidos pela UFCG em parceria com a prefeitura,
além de projetos como O cordel campinense realizado há quatro anos em novembro
2004, e organizado pela Secretaria de Educação, Esporte e Cultura. O evento ocorreu
em praça pública e teve como objetivo a publicação de dez títulos; desses autores,
cinco são mulheres, quebrando um pouco a tradição que tem sempre destacado
apenas os homens nessa arte. Não obstante, cremos que tais iniciativas deveriam
ocorrer de modo sistematizado, não apenas em relação ao cordel, mas a toda literatura
e cultura popular.
Em suma, a literatura de cordel vem fazendo história no cenário da cultura
popular brasileira. No início do século XX, era vendida de modo que refletia o contexto
sócio – político e cultural da época. Hoje, o folheto é vendido e produzido de modo que
reflete o comportamento da sociedade moderna, apropriando-se das novas tecnologias.
Contudo as mudanças ocorridas não afetam as suas regras de Composição (sextilhas,
setilhas ou décimas). Talvez sejam, justamente, essas transformações que possibilitem
a sua sobrevivência, atravessando séculos e encantando, da mesma forma, diferentes
públicos de leitores pelo Brasil afora.
47
CAPÍTULO III
3. LITERATURA DE CORDEL: TALHANDO UMA POSSIBILIDADE DE LEITURA
Este capítulo apresenta a análise de três poemas, que abordam temáticas
diferentes, perpassando-as pelo víeis do humor, são eles: Viagem a são saruê, de
Manoel Camilo dos Santos; o casamento da raposa com o Timbu, de Arievaldo Viana
e A chegada de Lampião no inferno, de José Pacheco.
A literatura de cordel apresenta um rico repertório de temas, todavia é inegável
a predominância daqueles, cuja abordagem focaliza problemas de ordem social. Por
esse motivo, analisaremos os poemas acima citados a partir das reflexões de Pinheiro
e Lucio (2001), Galvão (2001) e de outros autores que refletem sobre a literatura de
cordel.
No que diz respeito aos aspectos estruturais, nos nortearemos pelas
contribuições da teoria da estrutura da narrativa, por entendermos que o cordel é um
tipo de poema narrativo, cuja organização pode ser melhor compreendida à luz desse
olhar. Contudo, estaremos cientes de que a complexidade do texto poético, mesmo
que apresente uma predominância de um determinado aspecto temático-formal, deve
ser lido a partir da sensibilidade do interprete, além dos vários aparatos teóricos de
que o pesquisador possa lançar mão para apreender o objeto.
Sobre o trabalho de interpretação da obra literária, compreendemos, com base
nas reflexões de Bosi (2003, p.461), que “Se os sinais gráficos que desenham a
superfície do texto literário fossem transparentes, se o olho que neles batesse visse de
chofre o sentido ali presente, então não haveria forma simbólica, nem se faria esse
trabalho tenaz que se chama interpretação” .
Por este motivo, quando estamos diante do texto literário, quer sejamos
professores, quer sejamos alunos, somos convidados, ou melhor, arrastados para as
48
reflexões propostas por este campo plurissignificativo, principalmente, “Se entendermos
o texto não como uma coisa ou fato dado, mas como reflexões sobre a experiência da
reflexão, teremos que reconhecer, que enquanto leitores, participamos desse
trabalho”(CHIAPPINI, 2005, p. 115). O ato de interpretação faz parte de uma camada
mais profunda da leitura, não basta apenas deslizar os olhos sobre a página do papel.
Para Bosi ( op. cit. 462 ):
Ler é colher tudo quanto vem escrito. Mas interpretar é eleger (ex-
legere: escolher), na messe das possibilidades semânticas, apenas
aquelas que se move no encalço da questão crucial: o que o texto que
dizer?[...] Entre o querer dizer do texto e o texto ultimado há a distancia
que separa (e afinal, une) evento aberto e a forma que o encerra. A
forma, nos casos de êxito, será o claro enigma que o poeta Carlos
Drummond de Andrade escolheu para sua palavra.
Entendemos que o ato de interpretação da obra de arte exige do intérprete uma
postura seletiva, mais precisamente analítica. Neste sentido, o labor do interprete
consiste em mediar o dito, expresso na forma, com o não dito da obra de arte, a partir
do evento, categoria rica e complexa, cuja definição pode ser compreendida como:
“todo acontecer vivido na existência que motiva as operações textuais, nelas
penetrando como temporalidade e subjetividade” (op.cit. 463).
A reflexão em torno da interpretação da obra de arte nos leva a crer que esta
atividade assume uma postura muito mais intensa, quando nos deparamos com o texto
poético. Para Candido (2004, p.19):
A atividade poética é revestida de um caráter superior dentro da
literatura, e a poesia é como a pedra de toque para avaliarmos a
importância e a capacidade criadora desta. Sobretudo levando em
consideração que a poesia foi até os tempos modernos a atividade
criadora por excelência, pois todos os gêneros nobres eram cultivados
em verso. Hoje o desenvolvimento do romance do teatro em prosa
mudou essas coisas, mas mostra por isto mesmo como toda literatura
saiu da nebulosa criadora da poesia.
49
A tradição poética brasileira apresenta uma variada produção, prova disso é a
riqueza da literatura popular, a exemplo do cordel que sempre teve um público cativo
de leitores, principalmente entre as pessoas oriundas das classes mais populares,
todavia, esse gênero não era concebido como literatura entre pesquisadores e leitores
de outrora.
Debruçamo-nos sobre o folheto, no presente trabalho, com o intuito de
apresentarmos uma possibilidade de leitura, diante das várias que a poesia nos
permite, atentando para a beleza das construções poéticas desse gênero de poesia
popular, além de observarmos como se apresentam os aspectos referentes à
estrutura da narrativa em cada obra.
3. 1. PERCORRENDO OS CAMINHOS DE SÃO SARUÊ
Escrito na década de cinqüenta (1950)
8
, o poema Viagem a São Saruê, do
poeta Manoel Camilo dos Santos, pode ser considerado um clássico da literatura de
cordel. De caráter narrativo, o poema se decompõe em 206 versos distribuídos por 33
estrofes, quase todas escritas em sextilhas sete silábicas (a forma fixa mais popular do
cordel), além de duas estrofes escritas em décimas. As rimas obedecem ao esquema
ABCBDB, bastante utilizadas pelos poetas cordelistas.
O poema em análise apresenta um ritmo envolvente, capaz de conduzir o leitor à
viagem que o narrador propõe. Isto pode ser observado a partir do título Viagem a São
saruê, o qual, ao ser submetido ao processo de escansão, revela sete sílabas métricas:
Via / gem /a /São / Sa /ru /ê. Instaura-se a partir do início a musicalidade que vai ser
reforçada por figuras sonoras como assonâncias /a/ e consoantes de sons aproximados
como o / g /s/ .
8
Informações concedidas pelo poeta Manoel Monteiro
50
Nesta perspectiva, passamos a avaliar o referente semântico do signo Saruê,
haja vista que a palavra não remete a nenhum país conhecido da geografia do mundo
real. Desse modo, cabe a pergunta: qual a origem e significado da palavra Saruê?
Conforme a Wikipédia:
Saruê seria um pequeno roedor conhecido cientificamente como,
Didelphis aurita, gambá-de-orelha-preta, é um marsupial. Podendo
atingir 60 a 90cm e pesar até 1,6 kg, alimenta-se praticamente de tudo o
que encontra: insetos, larvas, frutas, pequenos roedores, ovos, cobras
Habitam florestas, regiões cultivadas e áreas urbanas em toda a Mata
Atlântica e Restinga brasileira, ocorrendo também no norte do Rio
Grande do Sul e Amazônia. A etimologia desses nomes populares em
tupi-guarani
revela a sua identidade em relação à bolsa em que criam
os filhos: gambá, de "guá-mbá" (ventre aberto, barriga oca, peito oco),
saru (de manso, calado), xuê (devagar) e sarigué "desoór-igué" (animal
de saco). Ocorrem ainda as seguintes variantes: sarué, sarigueia e
soríghê
9
.
Neste caso, parece-nos parodoxal que o poeta nomeie este lugar de maravilhas
e de sonhos como se configura São Saruê, com o mesmo nome de um animal que
expele odores, considerado desagradável como os gambás. Por outro lado, a
sonoridade do termo originário do tupi-guarani, a versatilidade desses animais que
parecem se adaptar facilmente às regiões brasileiras, além da capacidade de
procriação, de perpetuar a vida, sugere uma possibilidade de leitura que acaba indo
ao encontro da proposta alegórica elaborada no poema, como sendo um país
inusitado e abundante.
Este animal, embora pequeno, é capaz de alimentar e abrigar até vinte filhotes
nas cavidades anatômicas que traz em si, sendo comparadas com bolsas.
Compreende-se que, da mesma forma que o animal pode saciar a fome dos filhotes,
São Saruê é um país que possui abundância capaz se suprir as necessidades
materiais de seus moradores.
9
http://pt.wikipedia.org/wiki/Saru%C3%AA
51
Outra questão semântica, que envolve o título do folheto, é o significado da
palavra “São”, presente no título, que nos remete a um lugar sagrado. Encontramos
desse modo, a partir da descrição do país São Saruê uma forte intertextualidade com
a bíblia, quando em Isaías cap.54, v.12; e cap. 55, v.1, respectivamente , o profeta
fala da necessidade do povo de Israel deixar o exílio e voltar à terra prometida,
descrevendo como será suas construções, além da vida que se teria nesta região:
Farei os teus baluartes de rubi, as tuas portas de carbúnculos, e toda a
tua muralha de pedras preciosas (...) Ah! Todos vós os que tendes
sedes, vinde ás águas e vós os que não tendes dinheiro, vinde e
comprai, sem dinheiro e sem preço vinho e leite.
A terra prometida aos hebreus foi descrita pelo profeta Isaías como sendo um
lugar de muita riqueza e fartura. Do mesmo modo é descrito o país de São Saruê,
pelo poeta Manoel Camilo, como sendo um lugar onde não existe fome, nem miséria.
Vejamos duas estofes abaixo do poema:
Lá os tijolos das casa
São de cristal e marfim
As portas barras de prata
Fechaduras “de rubim”
As telhas folhas de ouro
E o piso de cetim.
Lá eu vi os rios de leite
Barreira de carne assada
Lagoas de mel de abelha
Atoleiro de coalhada
Açudes de vinho do porto
Montes de carne guisada
.
Sobre o poema, afirmamos, ainda, que ele está dividido em três etapas distintas:
1) o percurso da viagem até São Saruê; 2) a chegada e a descrição do país; 3) a
despedida deste lugar de maravilhas. O primeiro momento se dá, quando o narrador-
personagem, Camilo, se propõe a viajar para conhecer Saruê:
Doutor mestre pensamento
Me disse um dia: Você
Camilo vá visitar
O país São Saruê
52
Pois é o lugar melhor
Que neste mundo se vê
Esta etapa compreende as primeiras estrofes do poema. Nela, o poeta
emprega o maior número de personificações; além de apresentar delicadeza e sutileza
na descrição do cenário da natureza, assumindo um tom solene e comovente, como
podemos conferir na estrofe que segue:
Enquanto a tarde caía
entre mistério e segredo
a viração docilmente
afagava os arvoredos,
os últimos raios do sol
bordavam os altos penêdos
.
A partir da décima estofe, o poeta muda o tom e passa a fazer o uso da
descontração, tornando o poema mais humorado, como pode ser percebido na seguinte
estrofe: Lá tem um rio chamado/ O banho da mocidade/Onde um velho de cem
anos/Tomando banho a vontade/Quando sai fora parece/Ter vinte anos de idade. Esta
descontração permeia o cordel até a trigésima estrofe (30°), sendo interrompida na
trigésima primeira e segunda (31° e 32°), e retomada na última estrofe. Marca também
a chegada do narrador a esse país fabuloso:
Avistei uma cidade
Como nunca vi igual
Toda coberta de ouro
e forrada de cristal
ali não existe pobre
é tudo rico em geral
O terceiro momento presente no poema é marcado pela despedida do narrador-
personagem, que muda novamente o tom do poema, passando da descontração a um
tom solene. Para melhor expressar essa despedida, o poeta muda, também, a estrutura
das estrofes que, de sextilhas sete silábicas, passam a ser construídas em décimas.
Lá existe tudo quanto é de beleza
53
Tudo quanto é bom, belo e bonito,
Parece um lugar santo e bendito,
Ou jardim da divina natureza:
Imita muito bem pela grandeza
A terra da antiga promissão
Para onde Moisés e Aarão
Conduzia o povo de Israel,
Onde dizem que corriam leite e mel
E caia manjar do céu no chão.
Tudo lá é festa e harmonia
Amor, paz, benquerer, felicidade,
Descanso, sossego, e amizade,
Prazer tranqüilidade e alegria,
Na véspera de eu sair naquele dia
Um discurso poético eu fiz,
Me deram um mandado de juiz
Um anel de brilhante e de “rubim”
No qual um letreiro diz assim:
-é feliz quem visita este país.
Verificamos que este recurso estrutural, com a utilização das décimas, contribui
para a construção do significado do poema, haja vista que tal recurso torna o
andamento do poema lento, como se buscasse se demorar um pouco mais naquela
região, mostrando a melancolia da qual o narrador faz uso para demarcar que a
descrição do país São Saruê está chegando ao término. Neste sentido, a construção
formal colabora ou enfatiza o significado do poema.
3. 1. 1. Sobre a temática, personagem e linguagem presentes no poema
O poema aborda o tema das viagens fantásticas muito comuns na literatura.
Encontramos essa temática na Grécia antiga: na Odisséia com Ulisses. No século XVIII
com a obra a Viagens de Gulliver, escrita por Jonathan Swift, sem contarmos com
histórias e lendas de todos os povos, a exemplo das Histórias das mil e uma noites
10
10
Tradução ferreira Gullar – Editora Revan, 2006, Rio de Janeiro.
54
que se perdem no tempo, até os dias atuais. Escrito na década de cinqüenta, o
Saruê apresenta uma forte intertextualidade com as narrativas do país da Cocanha
11
,
[...]
Lá quem mais dorme mais ganha.
A ninguém é ali permitido trabalhar,
Velho ou jovem, forte ou fraco.
Ali ninguém morre.
As casas ali têm paredes de salsichas,
As cercas são de peixes de água doce,
[...]
cuja data remete ao século XIII, e com o Folheto Viagem ao céu, de Leandro Gomes de
Barros.
Vi cerca de queijo e prata
E lagoa de coalhada
Atoleiro de manteiga
Mata de carne quisada
Riacho de vinho do porto
Só não tinha imaculada
Sobre a construção do fantástico, presente em São Saruê, pudemos perceber a
criação de um universo utópico, em que há a presença da felicidade e do prazer, de
modo intenso e permanente, em detrimento da infelicidade promovida pelas
desigualdades sociais, presente em nossa sociedade. Em relação a isso, Pinheiro e
Lucio (2001, p. 46) comentam:
Viagem a Saruê, de Manuel Camilo dos Santos nos oferece um
contraponto forte ao modelo de vida que conhecemos. Tudo em São
Saruê é farto, rico e bonito. Beleza, fartura e riqueza levam à felicidade
nesta cidade em que não há proprietário, nem exploração. A riqueza,
portanto, é de todos.
Sobre a recorrência das imagens presentes em Viagem a São Saruê, destaca-
se a personificação, nas primeiras estrofes, como já mencionamos, e a hipérbole
12
que
11
12
(Grego hyperbolê, transporte por cima, excesso. Figura de linguagem que consiste na ênfase do
resultante do exagero deliberado, quer no sentido negativo, quer no positivo, isto é, “encarecer a
grandeza do objeto, ou em panegírico, ou em sátira” (Baltasar Grácian, Agudeza y Arte de Ingenio,
1642, discurso XIX). Constitui efetivamente uma forma de “exagerar a verdade, mas com respeito à
beleza, seja por amplificação*, seja por atenuação” (Quitiliano, Institutio Oratoriae,VIII,6, 67).). (...) E
55
se faz recorrente em muitos momentos do poema – barreiras de carne assada/ lagoa
de mel de abelha –, cujo emprego contribui na construção do humor. O poeta enfatiza,
também, a questão temática, uma vez que, contrastando com a escassez vivida no
Nordeste, por questões climáticas, mas acima de tudo políticas, ele constrói, pelo
menos na ficção, um mundo às avessas, onde a fartura torna-se uma constante; e,
subjaz a essa construção, a ironia, na medida em que o narrador afirma na ficção
aquilo que é negado no mundo real. É o que podemos constatar nas estrofes abaixo:
Lá eu vi rios de leite
Barreiras de carne assada
Lagoa de mel de abelha
Atoleiros de coalhada
Açude de vinho do porto
Montes de carne guisada
Feijão lá nasce no mato
Maduro e já cozinhado
O arroz nasce nas várzeas
Já prontinho e despolpado
Peru nasce de escova
Sem comer vive cevado.
Tudo lá é bom e fácil
Não precisa se comprar
Não há fome nem doença
O povo vive a gozar
Tem tudo e não falta nada
Sem precisar trabalhar
Ao tratar sobre o Tema que anima o objeto estético, Sartre (1989, p. 51) afirma
que:
Qualquer que seja o tema, uma espécie de leveza essencial deve
aparecer por toda parte, lembrando que a obra não é dado natural, mas
uma exigência um dom. E se esse mundo me é dado com suas injustiças,
não é para que eu as contemple com frieza, mas para que eu as anime
com a minha indignação, para que eu as desvende e as crie com sua
natureza de injustiças, isto é, de abusos-que-devem-ser-suprimidos.
pode ocorrer em estado puro ou de mistura com outras figuras de pensamento. V. metáfora e tropo
Moisés (1978, p.226).
56
Em Viagem a São Saruê, o poeta aborda a viagem fantástica, apontando para
uma região utópica, uma vez que propõe um mundo onde igualdade social, a saúde, a
juventude são vivenciados, de modo pleno, por todos os moradores daquele país.
Nesse sentido, acreditamos que o poema de Camilo pode ser, conforme o pensamento
Sartreano, considerado um poema engajado. O poeta, neste caso, revela sua
insatisfação com as injustiças sociais de seu tempo, uma vez que expressa seu desejo
de transformar a realidade, construindo um mundo de fartura, como podemos verificar a
partir das seguintes estrofes:
Os peixes lá são tão mansos
Com o povo acostumados
Saem do mar vem pras casas
São grandes gordos, cevados
É só pegar e comer
Pois todos vivem guisados
Os pés de notas de mil
Carrega chega encapota
Pode tirar-se a vontade
Quanto mais tirar-se mais bota
Além dos chachos que tem
Casca e folha tudo é nota.
Sobre a linguagem do poema, um aspecto interessante é revelado a partir da
seleção vocabular, pois o poeta faz uso de expressões e descrições de lugares e
comidas típicos da cultura nordestina: atoleiros de coalhada (estrofe 15°, verso 88°) /
As pedras em São saruê / são de queijo e rapadura/ as cacimbas são
café(estrofe17°, versos 91°, 92°, 93°, respectivamente).
Acreditamos que a obra Viagem a São Saruê consegue retomar a realidade,
partindo de elementos ficcionais – rios de leite, barreiras de carne assada, atoleiros
de coalhada, entre outros – ao passo que denuncia, reivindica e propõe
transformações para a realidade de exploração e miséria de que é vítima, não
57
apenas a região nordestina, mas boa parte do mundo capitalista. E isto sem perder
de vista a qualidade estética da obra, sem correr, também, o risco de ser uma obra
com tom panfletário.
Por fim, o poeta se despede, retomando o clima de descontração verificado na
maioria das estrofes:
Vou terminar avisando
A qualquer um amiguinho
Que quizer ir para lá
Posso ensinar o caminho
Porém só ensino a quem
Me comprar um folhetinho
No folheto Viagem a São Saruê encontramos Camilo que protagoniza a
narrativa e se apresenta como um narrador-personagem, neste caso, ele “não tem
acesso ao estado mental das personagens. Narra os fatos a partir de um centro fixo,
limitado, quase sempre preso às suas percepções, pensamentos e sentimentos”
(CHIAPPINI & LEITE, 1988, p. 43).
Neste poema narrativo, não encontramos outro personagem, além de Camilo,
embora em alguns momentos da narrativa, elementos inanimados ganhem vida,
assumindo características humanas, como por exemplo: Doutor mestre pensamento/
me disse um dia : - Você/ Camilo vá visitar/ o país São Saruê.
Camilo, narrador – protagonista não descreve a si mesmo, mas todo tempo se
ocupa em descrever o país visitado, de modo que deste personagem sabemos,
apenas que ele é poeta e que vende folhetos: “todo esse tempo ocupei-me/ em recitar
poesia.”, “porém só ensino a quem comprar um folhetinho.” Pela a importância de São
Saruê para a história narrada, podemos afirmar que o espaço, aqui, assume
características de personagem.
58
3. 1. 2. Sobre o tempo e o espaço
Como entendermos o significado e a função desempenhados pelo tempo em
uma determinada narrativa? Em primeiro lugar, para a teoria literária numa visão
estrutural “o tempo é apenas um termo semântico: significa a sucessão dos fatos
(história) e as seqüências do discurso, como elemento de um sistema de signos”
(NUNES, 1988, p. 74).
Em virtude disto, é importante ressaltarmos, a partir do enfoque
fenomenológico apresentado por Nunes (1988, p. 75):
que o tempo ficcional reconfigura o tempo cronológico, que é, conforme
vimos a representação dominante do tempo real. Mas na ficção
narrativa há uma dupla temporalidade. Como, então falar de um tempo
ficcional? É o que precisamos considerar, revendo a função dos dois
tempos.
Em Viagem a São Saruê, o narrador apresenta, a longo da narrativa, vários
elementos que fazem referência ao tempo cronológico: “Iniciei a viagem/ às quatro da
madrugada”, “enquanto a tarde caía”, “Morreu a tarde e a noite/assumiu sua chefia”, “Ao
surgir da nova aurora(...)”. Neste momento da narrativa, o tempo cronológico passa pelo
processo de personificação, uma vez que a eles são atribuídas características
humanas. Desse modo, o tempo ficcional reelabora o tempo cronológico.
Como marca do tempo na narrativa, na sucessão de ações engendradas pelo
narrador, destacamos o uso dos verbos, que é realizada de duas formas: quando o
narrador - personagem refere-se às ações, por ele praticadas, em visita a São Saruê, os
verbos quase sempre estão no pretérito perfeito: avistei uma cidade/ como nunca vi
igual (10° estrofe, no 55°e 56° versos). Quando o narrador descreve o país fabuloso os
verbos são sempre utilizados no presente do indicativo: o povo em São Saruê/ tudo tem
felicidade/ passa bem anda decente/ não contrariedade/não precisa trabalhar/e tem
59
dinheiro a vontade (13º estrofe), de modo que presente e passado parece alternarem-se
nas lembranças do narrador.
Podemos afirmar, ainda sobre o tempo, que ele apresenta característica
cronológica, pois, conforme verificamos no poema, o poeta narra sua viagem de modo
linear, embora toda essa viagem desenrole-se no interior de seu pensamento. Vejamos,
a 3ª estrofe:
Inicie a viagem
as quatro da madrugada
tomei o carro da brisa
passei pela alvorada
juntou do quebrar da barra
Eu vi a aurora abismada.
O espaço em que a presente história se desenrola é a parte mais significativa
desta narrativa, uma vez que “região entra na literatura popular nordestina de
diferentes maneiras. No folheto viagem a São Saruê, de Manoel Camilo dos Santos,
tem-se a utopia, na qual a conexão com a realidade nordestina é feita pelo avesso”
(Ayala,1997, p.163). São Saruê surge como uma criação mítica, cuja predominância
do fantástico permite ao leitor se deparar, a cada nova estrofe lida, com o inusitado,
com um mundo que só o universo da literatura pode oferecer aos seus leitores. Sobre
a descrição do espaço em São Saruê, destacamos a seguinte estrofe:
As pedras em São Saruê
São de queijo e rapadura
As cacimbas são café
Já coado e com quentura
De tudo assim por diante
existe grande fartura.
Nesta perspectiva, afirmamos que na criação do espaço em São Saruê há uma
espécie de cumplicidade entre o leitor e o autor. Este pacto se estabelece no início da
1ª estrofe, em que o poeta avisa ao leitor que é através do pensamento que toda a
aventura acontece. Este procedimento acontece, também, no final, quando o narrador
60
se dirige aos leitores, mas não a qualquer leitor. Neste caso as crianças, avisando
qual a condição para que ele possa ensinar o caminho para são saruê. Vejamos a 1ª
e a ultima estrofe, do folheto, respectivamente:
Doutor mestre pensamento
Me disse um dia: - Você
Camilo vá visitar
O país são saruê
Pois é o lugar melhor
Que neste mundo se vê.
Vou terminar avisando
A qualquer um amiguinho
Que quiser ir para lá
Posso ensinar o caminho,
Porém só ensino a quem
Me comprar um folhetinho.
A proposta de uma viagem a um mundo fantástico é tema que bem encantando
os leitores em várias épocas históricas, de modo que Viagem a São Saruê consegue
reunir o lúdico, a utopia e sensibilizar o leitor a visitar esse país de sonhos.
3. 2. O CASAMENTO DA RAPOSA COM O TIMBU
O cordel O casamento da Raposa com o Timbu, de Arievaldo Viana, tem como
enredo o casamento arranjado entre os personagens que nomeiam a história. A
Raposa possuía uma boa posição social, “espécie de socialite” dos dias atuais e era
amante do Rei Leão que era o “mandachuva” da floresta, cuja corte ficava na capital.
O Timbu, por sua vez, era um sujeito de má índole, aspirava a um cargo político para
poder encobrir sua vida de crimes e falcatruas. Quando a esposa do rei Leão
descobriu a traição do marido, ele se viu obrigado, junto com a Raposa, a por em
prática a manobra de forjarem o casamento desta última para evitar um escândalo
maior. O timbu era a pessoa mais indicada, pois reunia “qualidades necessárias” para
tal missão. A marquesa dona cobra foi designada a convencê-lo do casamento. Ele
não se fez de rogado e pediu muito dinheiro para subir ao altar. O casamento foi
61
marcado seguido de os todos preparativos. Contudo, ninguém contava com
intromissão de dom Macaco, jornalista e dono do pasquim “A trombeta”, cujo fim era
destinado a fofocas e extorsão de toda natureza. Através de seu jornal, ele deu notícia
da farsa do casamento do Timbu com a Raposa, divulgando que este consentia ser
traído por dinheiro. O macaco cobrou caro para retirar essa nota de seu jornal. Mesmo
recebendo a quantia, o jornalista continuou divulgando a situação de marido traído,
que enfrentaria o Timbu, após o casamento.
Por esta razão, o macaco amanheceu morto, crime praticado pelo Tamanduá e
encomendado pelo Noivo Timbu. O Sagüi que era jornalista da Trombeta e primo da
dona macaca vingou a morte do patrão, assassinando o Timbu, quando ele saia da
igreja junto com a Raposa. Em seguida, foi preso e morto na cadeia pelo delegado
Cururu. A trombeta foi vendida ao cururu, financiada pelo rei Leão. Logo, a viúva do
macaco se mudou. E a raposa e o leão continuaram sendo amantes e saíram
impunes dessa situação.
3. 2. 1. Quanto ao tema e aos personagens
O cordel de Viana pode ser considerado uma fábula
13
, uma vez que os
personagens assumem características humanas. O uso da alegoria é um recurso
muito recorrente de que lançam mão os poetas na composição das histórias da
literatura de cordel. O autor, no “tom aparentemente infantil”, constrói uma sátira da
sociedade moderna, abordando temas como o casamento por interesse, a traição, a
corrupção do meio político e dos meios de comunicação e a impunidade.
13
Narrativa curta não raro identificada com apólogo e a parábola*, em razão da moral implícita ou
explícita que deve encerrar, e de sua estrutura* dramática. No geral, é protagonizada por animais
irracionais, cujo comportamento, preservando as características próprias, deixa transparecer uma
alusão*, via de regra satírica ou pedagógica aos seres humanos (Moisés, p.
62
O folheto se compõe em 62 duas estrofes sete silábicas, cuja distribuição dá-se
por 434 versos. Podemos afirmar que o cordel assume um caráter de crítica e
denúncia dos problemas encontrados na sociedade. O autor debruça-se,
principalmente, sobre a alta classe, pois os personagens representam não
individualidades, mas tipos comuns de profissionais ou grupos sociais, facilmente
identificados na referida classe. É o que podemos conferir com as seguintes estrofes:
Lá pelos tempos do Bumba
Quando os animais falavam
Rei Leão mandava em tudo
E os bichos não contestavam
Pois Leão era.carrasco
Para não virar churrasco
Os mais fracos se calavam
Somente o Marechal Tigre
Pessoa de posição
Ousava contrariar
As ordens de Rei Leão
(Pobre ficava calado,
Seja qual for o estado
Pobre não vence questão).
Vamos falar do Timbu
Um velhaco interesseiro
Malandro de profissão
Jogador e cachaceiro
Puxa-saco descarado
Traficante, viciado.
Delator e maconheiro
A Baronesa Raposa
Todavia, mas, porém
Apesar de fofoqueira
E caloteira também
Tinha fortuna em dinheiro
Aos olhos do mundo inteiro
Era pessoa do bem.
Ainda sobre o tema, verificar-se que, ao longo dos seus mais de cem anos de
histórias na literatura popular, o cordel sempre fez uso de temas sociais, alguns
poetas inclusive se autodenominam como “porta voz do povo”. Mark j. Curran
(1986), em sua obra A sátira e a crítica social na literatura de cordel, realizou uma
série de entrevistas com poetas populares com o intuito de comprovar a sua teoria
63
de que o poeta popular “ é ligado estritamente ao povo e aos seus problemas devido
a sua vida em comum, a sua tradição cultural e a sua condição social”
(CURRAN,1986, p. 311).
Das perguntas elaboradas pelo pesquisador aos poetas, as mais relevantes
foram: “1) O senhor considera-se porta-voz do povo? 2) São representados em sua
poesia os problemas e as queixas do povo?” (1986, p.311). A maioria dos poetas
entrevistados respondeu que não se consideravam representantes daquele. Embora
todos, sem exceção, afirmaram ter compromisso em sua poesia de revelar as
injustiças de ordem social cometidas contra o povo.
O poeta e editor José Costa Leite residente em Pernambuco não atribui para
si a função de porta-voz do povo, embora se considere ”um pequeno instrutor das
classes mais humildes, homens do campo.” ((CURRAN, 1986, p. 311).
O estudo de Curran revela, desse modo, que os poetas populares, utilizam a
literatura de cordel, também, com fins de denunciar as desigualdades de ordem
social, além de reivindicar por melhorias neste setor.
No cordel em questão, fica claro, em várias passagens do poema, que o
poeta constrói um narrador onisciente, que tudo vê e tudo sabe sobre os
personagens da narrativa. Este revela-nos a degradação da sociedade, através do
comportamento vil dos personagens. Vejamos as estrofes abaixo:
Para evitar um escândalo
Ali naquele momento
Rei Leão chamou Raposa
Entraram em entendimento
O acordo foi firmado:
Encontrar um abestado
Que a pedisse em casamento
Timbu, que não era besta
Mas se fingia de cego
Dizia com seus botões
Eu sei de tudo não nego
Isso são coisas do amor,
64
Eu serei embaixador
No Reino da caixa prego!
O folheto apresenta 12 personagens que podem ser classificados em planas,
isto porque durante a narrativa eles são previsíveis, não apresentando uma
complexidade psicológica capaz de surpreender o leitor. Esta linearidade dos
personagens é muito comum na literatura de cordel, uma vez que a brevidade da
narrativa não possibilita a criação de personagens que apresentem uma
complexidade psicológica maior.
Sobre o nome dos personagens, é importante ressaltar que embora os
animais representem os tipos humanos, eles, de modo geral, não possuem nomes
próprios, salvo o sonhim, que se chamava Paulo Pedrosa Paulino, além de
jornalista, tornou-se o assassino do Timbu.
No poema em análise, os animais não se constituem em individualidades,
mas em tipos humanos presentes na alta classe da sociedade, em sua maioria,
reconhecidos pela posição social, pela profissão, pelo traço comportamental que são
comuns a um dado grupo de indivíduos. Por esta razão, os personagens eram
tratados na narrativa pelos títulos de nobreza, dos quais eram possuidores ou pela
função desempenhada no campo profissional. Como podemos perceber nos
seguintes trechos: “o Marechal Tigre”, “A Baronesa Raposa”, “Rei Leão”, “ Dom
macaco”, “A marquesa Dona Cobra”, “mestre Tamanduá”, “doutor Cururu”, “ O cabo
surucucu”
Um outro ponto interessante é o fato do autor ter escolhido animais
possuidores de algumas características, comumente, atribuídas a determinado tipo
de comportamento humano, pelo senso comum. Por exemplo, em nossa sociedade,
associa-se uma pessoa esperta a uma raposa, ou ainda no sentido depreciativo,
quando um indivíduo possui um comportamento vil, afirma-se, de igual modo que ele
65
assemelha-se a uma raposa.
Da mesma forma, a palavra rato pode ser atribuída àqueles que roubam, se
aproveitam, exploram, de alguma forma indivíduos ou instituições sociais, a exemplo
do Timbu, que é uma espécie de roedor muito comum de ser encontrado no
Nordeste, cujo objetivo na história era sempre de levar vantagens. Da mesma forma
que atribuímos ao leão o título de rei da selva, pela força deste animal em relação
aos demais. Na história, ele desfila como uma espécie de chefe de estado, cuja
força é argumento para sua tirania e autoritarismo. Vejamos as estrofes abaixo:
A raposa era tratada
Como distinta pessoa
Era de fato uma quenga
De qualidade atoa
Amante do rei Leão
Houve grande confusão
Quando contaram à Leoa.
Timbu fazia planos
Para vida de casado
Tratou então de esquecer
Seu nebuloso passado
Cheio de roubo e maldade
Perante a sociedade
Tornou-se um sujeito honrado.
O Tigre se enfureceu
E contra ele marchou
Nisto o Leão se ergueu
E sua força mostrou
Com a raiva concentrada
Deu-lhe tão grande patada
Que a cabeça voou.
Nesse sentido, verificamos que a escolha dos animais não foi feita de modo
aleatório, uma vez que, se os papéis desempenhados pelos personagens principais
fossem realizados por outros animais, a crítica que subjaz à história ao
comportamento humano, possivelmente, não teria a mesma intensidade. Se o papel
do rei leão, por exemplo, fosse atribuído ao beija-flor, parte da idéia de tirania e
abuso de poder descritos na narrativa não seria compreendida do mesmo modo.
66
Um outro aspecto interessante na história de Viana é o fato do envolvimento
amoroso dar-se com animais de espécies diferentes: o timbu, a raposa, o leão são
animais de espécies e tamanhos bem distintos, demarca-se, assim a classe social
de cada um, numa posição de hierarquia social. O Timbu representa a classe pobre,
a Raposa a classe média, o Rei Leão a classe alta.
Para o narrador, nesta relação que se estabelece entre classes sociais, vence
sempre aquela que detém poder. O timbu acabou pagando com a sua vida por todas
as manobras escusas em que se envolveu. Já a Raposa e o Leão, não sofreram
nenhum tipo de represália e continuaram sendo amantes. Como podemos conferir
nas estrofes 6º, 39º e 61º, respectivamente:
Porque só vale quem tem
Diz um dito popular
O mundo só prestigia
Quem possui o que gastar
Aquele que nada tem
Não passa de Zé ninguém
Não pode se destacar
E como a corda só quebra
Sempre do lado mais fraco
O símio pensou consigo
Ao leão eu não ataco
Que é medonho e sururu
Vou extorqui de timbu
Pensou consigo o macaco.
E a viúva raposa
Sujeita vil e pedante
Esqueceu de toda cena
Continuo sendo amante
Do leão, tudo vai bem
Por que só vale quem tem
Tenho ouvido isso bastante
A partir das reflexões apresentadas sobre o tema “o poder dos mais fortes” e
os personagens, pudemos verificar que, além de detectar os problemas de ordem
política, como corrupção, autoritarismo, o autor, também, denuncia a impunidade, o
abuso da imprensa, constituindo-se, hoje, como o quarto poder, além da corrupção
67
policial, dentre outros.
A sociedade no cordel representada retrata de forma alegórica a realidade
brasileira. Para o poeta, contudo, essa realidade não pode ser alterada, uma vez
que a ideologia pregada em toda a história é a de que: “... só vale quem tem/ (...) o
mundo só prestigia/ Quem possui o que gastar (...)”.
3. 2. 2. Quanto ao tempo e ao espaço
Na história, observamos que o tempo se configura, miticamente, de modo
alegórico, cujo início é impossível de precisar: “Lá pelos tempos do Bumba/ Quando
os animais falavam”, como também cronológica e linear. Como podemos observar
em diversos momentos: “Raposa desde menina”, “No outro dia (...)”, “quando foi no
outro dia”, “Irá casar-se amanhã”, “nesse tempo não havia”. Para Nunes (1980, p.
66), não existe a rigor um tempo mítico, isto por que:
O que quer que o mito narre, ele sempre conta o que se produziu num
tempo único que ele mesmo instaura, e no qual aquilo que uma vez
aconteceu continua se produzindo toda vez que é narrado, será mais
correto dizer que o mito retrata um acontecimento genérico que não
cessa de reproduzir-se: uma origem coletiva – tal o drama do Éden –
e a repetição dessa origem – a nostalgia do paraíso perdido num
presente intemporal, que se insinua na linha imutável da vida
individual.
Quanto ao espaço, ele é imprescindível nas histórias narradas. Não se
concebem histórias nas quais os personagens estejam à deriva, soltos no ar. Na
presente história, os espaços são citados, sem, contudo, serem detalhados, de
modo que é possível, apenas, enumerá-los: “altas rodas”, “Europa”, “a corte do Rei
Leão”, “capita do reinado”, “a floresta”, “igreja”, ”pé de laranja-lima, cadeia”.
3.3. A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO
Escrito por José Pacheco na década de 50, A chegada de lampião no inferno
68
está elaborado a partir de 31 estofes escritas em setilhas sete silábicas, distribuídas
por 217 versos. Este folheto já é considerado um clássico da literatura de cordel. O
cangaço foi sem dúvida um dos temas mais recorrentes nesta literatura. Lampião
desfila pelas páginas dos folhetos, ora como herói, espécie de Robin Hood
brasileiro, ora como facínora, bandido, malfeitor da humanidade.
No caso do cordel em análise, o poeta brinca com a possibilidade de Lampião
vencer até o Satanás no inferno, meio de ressaltar a astúcia desse personagem.
Pacheco cria uma história cujo enredo está centrado na tentativa do rei do cangaço
entrar à força no inferno, sem a permissão do chefe do lugar. Logo, o humor se
estabelece, uma vez que fica subentendido, inicialmente, para o leitor, que a fama
atribuída a Virgulino de desordeiro, diante dos crimes por ele cometidos, assusta até
o próprio Satanás: “Lampião é um bandido/ Ladrão da honestidade / Só vem
desmoralizar/ a minha propriedade/ E eu não vou procurar / Sarna pra mim coçar /
sem haver necessidade”.
A fim de impedir a entrada do cangaceiro em seu estabelecimento, o
proprietário do inferno convoca toda sorte de demônios: jovens, velhos, moças e
crianças para, em batalhão, enfrentarem a Virgulino. Arma-se, então o conflito,
lampião põe fogo no inferno, espanta todos os colaboradores de Satanás e se retira
vitorioso do local.
3. 3. 1. Quanto ao tema:
O tema, predominante, do folheto em questão, é o cangaço, contudo
podemos detectar, facilmente, outros temas paralelos, que são de igual modo,
trabalhados pelo poeta. A priori, temos a questão da religiosidade que se delineia a
partir do título A chegada de Lampião no inferno. A crença numa região de
69
sofrimento na qual as almas, depois da morte, vão pagar pelos pecados cometidos,
quando viviam na terra, sempre animou algumas religiões.
A crença numa região circunscrita, denominada de inferno é crença da
maioria das religiões que se reconhecem como cristãs. Embora, no folheto de
Pacheco, em nenhum momento, seja mencionado nome de religião. Para alguns
pesquisadores, durante o apogeu de venda e produção dos cordéis a maioria dos
temas religiosos, quando abordados no folheto quase sempre estavam vinculados à
religião católica, isto porque a maioria dos leitores e produtores desse tipo de poema
pertencia a esse universo religioso.
Em pesquisa realizada por Galvão (2002), acerca dos leitores e ouvintes do
estado de Pernambuco, das décadas de 30 e 50 do século passado, a autora pode
constatar que:
Todos os entrevistados disseram-se católicos. Zé Mariano e Zé
Moreno afirmaram que os crentes não gostavam de folhetos, pois
além de não se identificarem com os conteúdos das histórias dos
gozadores dos “nova-ceita”, não se coadunavam com a maneira de
viver dos poetas e também dos leitores / ouvintes, muitas vezes
associadas à boemia. (GALVÃO, 2001, p.103)
A idéia de que almas de outro mundo possam se comunicar com o mundo
dos vivos é outro pensamento bastante disseminado na cultura popular, mesmo que
a rigor não seja aceita, oficialmente, pela igreja católica. Vejamos os versos abaixo:
Um cabra de Lampião
Por nome Pilão deitado
Que morreu numa trincheira
Em certo tempo passado
Agora pelo sertão
Ando Correndo visão
Fazendo mal-assombrado
E foi quem trouxe a notícia
Que viu Lampião chegar
(...)
A apropriação dos elementos tidos como religiosos, o aspecto de humor, e
por que não dizer até de deboche com os elementos tidos como religiosos, colabora
70
com a descontração evidenciada no folheto.
O inferno é representado como um lugar que possui certa ordem e
organização como verificadas nas cidades, lá inclusive seria desenvolvido o
comércio como é sugerido nos seguintes versos: “O inferno neste dia / Faltou pouco
pra virar / Incendiou o mercado...” O narrador prossegue dando notícia dos estragos
realizados pelo rei do cangaço, nesta região de tormentos, mostrando que o lugar
com a presença de Lampião tornou-se impossível e num tom hiperbólico e de
deboche acrescenta: “morreu tanto cão queimado / que faz pena até contar”.
A possibilidade de matar aquele que simbolicamente já está morto, reforça o
humor presente no cordel, além de colocar Virgulino numa situação de
superioridade; mais do que herói, ele passa a posição de figura mítica. Se satanás é
a figura, para os cristãos, antagônica a Deus, uma vez derrotado por Lampião, este
passa a ser visto como superior “as forças do mal”. Vejamos a estrofe que
demonstra tal reflexão:
Satanás com esse incêndio
Tocou um búzio chamando
Correram todos os negros
Os que estavam brigando
Lampião pegou olhar
Não viu mais com quem brigar
Também foi se retirando
Houve grande prejuízo
No inferno nesse dia
Queimou-se todo dinheiro
Que Satanás possuía
Queimou-se o livro de pontos
Perderam seiscentos contos
Somente em mercadoria
A superioridade conferida a lampião, por derrotar a Satanás e seus
comparsas, nos permite a seguinte observação: ora, se Virgulino está contra
Satanás, ele estaria contra o mal e a favor do bem? Neste caso, a favor de Deus?
Parece que as respostas a essas perguntas não podem ser dadas de modo
71
simplista, uma vez que a figura de Lampião no cordel parece subverter a idéia de
bem e mal pregada pelas religiões. Entender lampião sob a égide do maniqueísmo
religioso parece diminuir a representação de sua imagem, quer seja neste cordel,
quer no meio social.
O cordel de Pacheco põe o cangaceiro numa posição de liberdade e
autonomia, um fora da lei da justiça da terra e da justiça divina. Lampião não serve a
Deus, nem ao demônio, mas serve a si mesmo e numa visão fantástica sobre o
destino deste personagem, o autor sugere que ele possa estar no o sertão. Leiamos
o que diz o autor sobre isso, na penúltima estrofe do poema:
Leitores vou terminar
Tratando de lampião
Muito embora que não posso
Vos dar a resolução
No inferno não ficou
No céu também não chegou
Por certo está no sertão
A morte desta personagem histórica aumentou a especulação em torno do
cangaço e, por conseguinte de sua pessoa, de modo que depois de morto lampião
continuou inspirando a cultura nordestina, e porque não dizer, brasileira, através da
música, cinema, teatro. Sobre o assunto Pinheiro e Lúcio (2001, p.75) fazem o
seguinte comentário:
Embora “bandido”, e “ladrão da honestidade”, lampião termina como
herói, valente e brigão. Não chegou nem mesmo a purgar os seus
pecados, não precisa pagar o que fez na terra, volta para o sertão,
permanece na memória das pessoas. Depois de morto, deixa o
sertão e invade as grandes cidades, torna-se personagem de
cinema, é cantado pelos jovens do Nordeste. Todos sabem de suas
maldades com os inimigos, com os moradores de sítios e fazendas,
com as mulheres, mas a cada época a sua imagem assume novos
significados. Lampião é imitado no jeito de se vestir, na sua postura
diante da vida e da sociedade.
Além da temática religiosa, outros assuntos permeiam o poema como a crítica
aos órgãos públicos, pois o inferno apresenta uma estrutura que sugere a mesma
encontrada nos referidos órgãos. Façamos à leitura da estrofe que demonstra tal
72
crítica:
O vigia disse assim:
-Fique fora que eu entro
Vou conversar com o chefe
No gabinete do centro
Por certo ele não lhe quer
Mas conforme o que disser
Eu levo o senhor pra dentro
A problemática da seca é um tema bastante recorrente nos folhetos por afetar
diretamente o povo nordestino. De modo geral, a literatura de cordel sempre
abordou temas ligados aos tempos difíceis, elabora críticas à desigualdade social, a
injustiça de ordem política e econômica, para isso se utiliza, muitas vezes da sátira.
Aqui Pacheco faz alusão à seca enfrentada pelo nordestino a partir das queixas de
Satanás:
Reclama Satanás:
- Horror maior não precisa
Os anos ruins de safra
E mais agora essa pisa
Se não houver bom inverno
Tão cedo aqui no inferno
Ninguém compra uma camisa
Diante da construção humana do inferno, apresentada pelo narrador, o leitor
pode depreender que este não é um lugar tão ruim como sempre foi dito, afinal de
contas tudo que encontramos aqui pode ser encontrado lá, pelos menos na ficção:
mercado, padaria, dinheiro, repartições públicas, secas; ou ainda tantas
semelhanças sugeridas, levam a deduzir que o inferno é aqui agora.
3. 3. 2. Caracterização das personagens
Na presente narração, podemos destacar, inicialmente, dois personagens:
Lampião, protagonista da história e Satanás, o antagonista que tenta a todo custo
impedir que o cangaceiro entre em sua propriedade. Além de Satanás, observamos
73
que a tropa de demônios comandada por este último, forma uma “verdadeira legião”,
igualmente disposta a fazer oposição ao personagem principal. Segue abaixo a 19ª
estrofe que demonstra tal passagem:
Quando Lampião deu fé
Da tropa negra encostada
Disse: só na abissínia
Oh! Tropa preta danada
O chefe do batalhão
Gritou: as armas na mão
Toca-lhe fogo negrada!
Na composição das personagens, verificamos que Lampião é descrito como o
herói, valente, brigão e desordeiro. Já Satanás mostra-se temeroso, esconde-se
atrás de seus subordinados e evita o confronto direto com cangaceiro, comandando
a luta à distancia, na condição de autor intelectual do enfrentamento, pode inspirar
certa covardia para o leitor. Como podemos conferir nas estrofes abaixo, que
revelam características dos personagens:
Lampião disse: - vá logo
Quem conversa perde hora
Vá depressa e volte já
Eu quero pouca demora
Se não me derem ingresso
Eu viro tudo asavesso
Toco fogo e vou embora
Lúcifer mais Satanás
Vieram olhar o terraço
Todos contra Lampião
De cacete, faca e braço
O comandante no grito
Dizia: - briga bonito
Negrada, chega-lhe o aço
São inúmeros os personagens secundários deste folheto; destacamos a
atuação de Pilão Deitado, personagem citado pelo narrador e o vigia que recepciona
lampião na porta do inferno, além da infinidade de demônios que são apenas
citados.
No folheto, a descrição acerca do personagem Pilão Deitado assume,
74
contextualmente, um aspecto de humor. Já o vigia é descrito como sendo jovem,
além de educado, parece não levar “desaforo” para casa, mostrando coragem e até
ousadia diante da figura de lampião. Vejamos as estrofes abaixo:
Vamos tratar da chegada
Quando lampião bateu
Um moleque ainda moço
Na porta apareceu
-Quem é você cavaleiro?
-Moleque eu sou cangaceiro
Lampião lhe respondeu
-Moleque não! Sou vigia
E não sou seu parceiro
E você aqui não entra
Sem dizer quem é primeiro
Saiba que sou Lampião
Assombro do mundo inteiro
O vigia disse assim:
-Fique fora que eu entro
Vou conversar com o chefe
No gabinete do centro
Por certo ele não lhe quer
Mas conforme o que disser
Eu levo o senhor pra dentro
Ainda sobre a caracterização dos personagens secundários, que participam
da luta contra Lampião, observamos que esta se dá a partir da 3° estrofe.
Inicialmente, nos chama atenção o nome dos personagens pelo inusitado, porque
não dizer pela extravagância que acaba revelando possíveis características físicas
ou psicológicas destes personagens. Segue abaixo a 3º estrofe:
Morreu a mãe de canguinha
O pai de Forrobodó
Três netos de Parafuso
Um Cão chamado Cotó
Escapuliu boca Ensossa
E uma diabinha moça
Quase queimava o totó
Outra característica física sobre a representação dos demônios, é que todos
são representados como negros, demonstrando, dessa forma, um forte preconceito
étnico, comum à época e que infelizmente se estende, ainda, em dias atuais.
75
Vejamos alguns versos das estrofes 4ª, 14ª, 15ª, 19ª, 20ª respectivamente, que
apontam para tal preconceito:
Morreram 10 negros velhos
Que não trabalhavam mais
(...)
Leve 3 dúzias de negros
Entre homem e mulher
(...)
E reuniram-se a negrada
(...)
Quando lampião deu fé
da tropa negra encostada
(...)
Oh! Tropa preta danada
(...)
Tinha um negro nesse meio
Que durante o tiroteio
Brigou tomando tabaco
Assim, o narrador prossegue sempre se referindo aos demônios da história
como pertencentes à raça negra. Este fato é muito comum na literatura de cordel,
pois “Como muitos estudos já mostraram, o preconceito contra o negro e o índio
está presente, de maneira marcante, em muitos folhetos”. (GALVÃO, 2001, p.99-
100).
Em entrevista realizada por Galvão com os poetas e leitores/ouvintes de
folheto do Recife, de meados do século XX, muitos afirmaram que os negros ouviam
as histórias e compravam os folhetos, porque achavam “natural”, comum que o
negro fosse destratado nas histórias lidas, da mesma forma que a mulher. É como
se o preconceito fosse algo “cultural”, de modo que as pessoas o aceitavam
passivamente. Para Zé Moreno, conforme Galvão( 2001, p.100-101):
hoje é que a consciência negra tá se acordando e tá lutando,
danadamente. E que tava muito próximo da escravidão, né? Eles
tavam querendo mais se afirmar, que tinha sido do cativeiro. Mas
agora não, eles tão consciente de que tem seu lugar no céu, porque
tem mesmo...
76
3. 3. 3. Aspectos da linguagem
Quanto à linguagem, observamos que o folheto quase não possui pontuação,
mostrando que esse gênero conserva uma forte marca da oralidade, uma vez que
eram elaborados para serem declamados em reuniões familiares, feiras, sempre
visando a um público leitor/ouvinte. Um outro fato específico do folheto em questão é
que a pouca pontuação permite uma maior fluidez das ações narradas, em quase
todas as estrofes verifica-se, apenas o uso do ponto final, como pode ser verificada
na estrofe abaixo:
E reuniram-se a negrada
Primeiro chegou fuchico
com o bacamarte velho
gritando por cão de bico
Que trouxesse o pau de prensa
E fosse chamar Tangença
em casa de maçarico
.
O uso de apelidos, em lugar do nome próprio, é uma marca comum da região
Nordeste, também evidenciada entre os personagens da história, a exemplo do
próprio Virgulino Ferreira da Silva, Lampião. No poema, também podemos encontrar
alguns vocábulos bastante utilizados entre os nordestinos, como: “pisa”, “terreiro”,
“se dana”, “danada”. Outros, inclusive, grafados no português informal:
“malassombrado”, ” asavesso”, “fuchico”.
3. 3. 4. Sobre o tempo e o espaço
Em A chegada de Lampião no inferno O narrador apresenta a sucessão de
fatos ocorridos no passado. Para isso, alterna os acontecimentos entre pretérito
perfeito e pretérito imperfeito: ... morreu numa trincheira”, “faltou poço pra virar”,
77
morreram cem negros velhos...”, “Uma moleca moça quase queimava o totó”. O
presente aparece no poema, apenas quando o narrador apresenta alguns diálogos
realizados pelos personagens: “Quem é você cavaleiro?” / “Moleque, eu sou
cangaceiro”. Há outros indícios textuais da marca do tempo, como o emprego de
alguns advérbios: “quando Lampião bateu”,” Agora a ripa vadeia”. Embora não
tenhamos encontrado referência a dia, mês ou ano, os elementos acima citados,
permitem observar uma linearidade no tempo, por esta razão ele pode ser
classificado como cronológico.
Isso nos sugere, ainda, que ao tempo cronológico soma-se o tempo
imaginário, revelado pelo caráter fantástico da história narrada, como também o
tempo histórico, por fazer menção, mesmo que de modo ficcional, a um personagem
histórico. Em função disto, podemos verificar, conforme Nunes (1988, p. 74) que:
Embora a palavra “tempo” tenha um pendor para significar uma única
realidade, não é menos um termo polissêmico com que se harmoniza
a conceituação de um termo plural, como conjunto de relações
variáveis entre acontecimentos, com apoio na experiência interna ou
externa, na cultura ou na vida social e histórica.”
O espaço, talvez seja um dos elementos mais importantes desta narrativa,
uma vez que instiga a leitura do folheto, por criar expectativas e clima de tensão no
leitor. Esta expectativa se delineia a partir do título que já traz em si o indicativo do
espaço, onde a história se desenrolará. A surpresa intensifica-se, pelo fato do
narrador, aos poucos, apresentar um inferno semelhante à organização de uma
cidade, mas não a qualquer cidade. A região descrita não se trata do brejo ou litoral,
mas do Sertão. Os moradores, o modo de falar, os hábitos, os problemas como a
seca, tudo leva o leitor a transitar livremente por este espaço no qual ele pode se
reconhecer, haja vista que durante muito tempo os cordelistas e leitores/ouvintes
eram oriundos de regiões campesinas.
78
CAPÍTULO IV
Leitores da comunidade: entre o riso, o silêncio e o encantamento
4.1. BREVE COMENTÁRIO SOBRE A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
Segundo Zilberman (2002), a década de 60 foi, indiscutivelmente, uma época
marcada por várias transformações nos diferentes campos do conhecimento humano.
Momento em que os modelos de estudos consagrados no âmbito acadêmico
começavam a ser questionados. Foi, justamente, neste período que Hans Robert Jauss,
juntamente com outros estudiosos da arte literária, começaram a rever os métodos de
estudo que vigoravam na Alemanha e refletiam, por conseguinte, a metodologia
empregada em todo ocidente.
Em conferência, na cidade de Constança, em 1967, Jauss apresenta o ensaio
Provocação que já pré-anuncia suas inquietações enquanto professor, pesquisador e
demais estudiosos que se mostrem desejosos de um novo olhar sobre as investigações
literárias. Assim, o leitor passa a ganhar voz no campo da literatura, redimensionando
estudo dessa arte, visto que, com a estética da recepção, são levados em consideração
os horizontes de expectativas dos leitores, focalizando a recepção da obra literária, por
parte destes, a partir do efeito que ela cause no público alvo.
A proposta de trabalho de Jauss (1994, p.51) está dividida em sete teses que
norteiam a metodologia da teoria já citada. De acordo com esse teórico, em sua sétima
tese, a história da literatura só cumpre com o seu papel quando:
(...) a produção literária é não apenas apresentada sincrônica e
diacronicamente na sucessão de seus sistemas, mas vista também
como história particular, em sua relação própria com a historiografia
geral. Tal relação não se esgota no fato de podermos encontrar na
literatura de todas as épocas um quadro tipificado, idealizado, satírico
ou utópico da vida social. A função social somente se manifesta na
plenitude de suas expectativa de sua vida prática, pré-formando seu
entendimento do mundo e, assim, retroagindo sobre seu
comportamento social. (JAUSS, 1994, p.51)
79
Para se ter tal visão, acerca da história da literatura, tem que se levar em
consideração o caráter aberto da obra literária, que permite a projeção do leitor. Nas
conjecturas de Bosi (2002, p.39) sobre o assunto, o pesquisador lembra que “a
literatura não é só, nem principalmente, o espelho das estruturas dominantes, mas um
campo minado de tensões. O grande escritor é uma antena capaz de apreender os
sinais de fratura entre épocas, entre classe, entre grupos e entre indivíduos”. E é
justamente neste campo de tensões que o leitor se insere, partindo da sua “história
particular” de sujeito, na qual são acionados mecanismos diversos de ordem histórico-
político e sociocultural, que o permite interagir de modo singular no ato de leitura de
uma determina obra literária. Sobre o papel da leitura e do leitor para obra literária
Sartre (1989, p.37), em reflexões anteriores à estética da recepção, discorre:
A leitura, de fato parece ser a síntese da percepção e da criação; ela
coloca ao mesmo tempo a essencialidade do sujeito e objeto. O objeto
é essencial porque é rigorosamente transcendente, porque impõe suas
estruturas próprias e porque se deve esperá-lo e observa-lo; mas o
sujeito também é essencial porque é necessário, não só para desvendar
o objeto (isto é, para fazer com que haja um objeto), mas também para
que esse objeto seja em termos absolutos (isto é, para produzi-lo). Em
suma, o leitor tem consciência de desvendar e ao mesmo tempo de
criar; de desvendar criando, de criar pelo desvendamento.
Contudo, mesmo com o enfoque que é atribuído ao papel do leitor, com a
estética da recepção e outras abordagens que destacam a relevância dessa peça
primordial no processo de leitura, as atenções ainda gravitam em torno do texto-autor,
visto que o leitor sai de cena.
Atualmente, a divulgação da estética da recepção e de outras teorias que
valorizem o leitor tem ganhado espaço no meio acadêmico, o que proporciona uma
postura reflexiva em torno da prática do professor/pesquisador.
Todavia, essa teoria
não tem sido devidamente trabalhada em sala de aula no que diz respeito à abordagem
80
do texto literário. Segundo Jauss (1994, p. 32) só a partir da receptividade de uma obra
realizada por seus leitores é que se pode medir o seu valor estético. Este efeito pode
contrariar, afirmar, reforçar a expectativa do público leitor.
Iser (1979), outro teórico da Escola de Constância, se apropria desses conceitos
para mostrar que todo texto literário possui vazios, lacunas que poderão ser
preenchidas a partir da relação de interação que o leitor manterá com o texto. Para o
autor, a comunicação só se estabelecer entre texto e leitor, quando de fato essas
lacunas são preenchidas, na medida em que “os vazios textuais são assimetria
fundamental entre texto e leitor, originam a comunicação no processo de leitura” (ISER,
1979, p.88).
Por este motivo, o professor deve sondar o universo de expectativa de seus
alunos, atentando para o contexto no qual eles estão inseridos. Desse modo, ele
poderá proporcionar leituras em que se estabeleçam a comunicação entre as duas
instâncias, texto e leitor.
Além dessa perspectiva contextual, conforme Iser (op.cit p.91), há de se atentar
para construção interativa que se estabelece entre texto e leitor a partir da negação.
Os vazios e as negações contribuem de diversos modos para o
processo de comunicação que se desenrola, mas em conjunto, têm
como efeito final aparecerem como estâncias de controle. Os vazios
possibilitam as relações entre as perspectivas de representações e
incitam o leitor a coordenar estas perspectivas. Os vários tipos de
negação invocam elementos conhecidos ou determinados para
suprimí-los; o que é suprimido, contudo, permanece à vista e assim
provoca modificações na atitude do leitor quanto a seu valor negado.
As negações, portanto, provocam o leitor a situar-se perante o texto.
Através destas duas instâncias, vazios e negações, presentes no texto, o
leitor pode se projetar dialogando com o texto, constituindo, assim, o processo de
interação textual. É nesse processo dialético do ato de ler que não se pode perder
de vista o prazer estético. Jauss (1979, p.81), Inicialmente, baseado em Aristóteles,
81
apresenta três categorias fundamentais da fruição estética: a poiesis, a aisthesis e a
katharsis.
A primeira, a poiesis, é compreendida no sentido da “faculdade poética”, o
prazer ante a obra que nós mesmos realizamos. Já a aistheisis: designa o prazer
estético, explicado através da dupla razão do prazer ante o imitado, compreende
como contemplação desinteressada da plenitude do objeto. Enquanto Kathasis
constitui o prazer dos afetos provocado pelo discurso ou pela poesia, capaz de
conduzir o ouvinte, tanto à transformação de suas convicções, quanto à liberação de
sua psique; corresponde tanto à tarefa prática das artes como função social, quanto
à determinação ideal de toda arte autônoma. Estas três categorias, contudo, são
divididas apenas para fins didáticos e não devem ser vista em hierarquias, uma vez
que: ”não se subordinam umas às outras, mas podem estabelecer relações de
seqüência” (JAUSS, 1979, p.81).
4. 2. VIAGEM A SÃO SARUÊ: UMA EXPERIÊNCIA MEDIADA PELO RISO
Apresentaremos de modo analítico, as experiências de leitura com a literatura de
cordel desenvolvida no Bairro das Cidades, nos meses de Maio e Julho de 2007. As
Atividades se encerraram no mês de Agosto, do referido ano com a apresentação do
folheto O Gostosão, de Maria Godilivie. Inicialmente, nos detemos ao relato da
experiência, mostrando como se deu a participação do grupo, mediante a recepção das
obras.
Observamos a recepção dos participantes com base nas reações individuais e
coletivas diante dos poemas lidos. Para tanto, analisamos a interação entre texto e
leitor a partir das intervenções como riso, comentários, críticas “favoráveis” ao texto,
82
silêncio, ou negação, observada através da apatia, do silêncio, da crítica “desfavorável”
ao texto.
Para analisarmos os dados coletados, lançamos mão de alguns conceitos da
estética da recepção, a partir das reflexões de Iser (1979), quando este discorre sobre
os vazios que todo texto possui e que, preenchidos pelo leitor, possibilitam a interação
entre texto-leitor. Apoiaremo-nos, também, em Jauss (1979) quando o pesquisador
discute o conceito de horizonte de expectativa e a possibilidade de rompimento. Os
estudos de Chartier (2002) sobre comunidade de leitores, também nos foram úteis no
planejamento e elaboração deste trabalho.
No primeiro encontro, realizado no dia treze de Maio do ano de 2007, os
jovens, em sua maioria, se mostraram, inicialmente, bastante tímidos. Observamos que
eles interagiam entre si, mas, alguns de cabeça baixa, evitavam nos olhar.
Expressavam, assim, a pouca familiaridade conosco, visto que éramos, até então, para
a maioria, “uma estranha” na comunidade. Outros, mais ativos, advertiam os mais
novos, pedindo para que eles pudessem participar naturalmente, sem timidez, já
demonstrando certa liderança, além de se expressarem e se deslocarem, quando
necessário, com maior facilidade.
Os convidamos a por as cadeiras em círculo e começamos a nos apresentar.
Boa parte dos participantes já nos conhecia da semana anterior, quando havia sido
preenchida a ficha de inscrição; outros estavam chegando naquele momento. Pedimos
para que eles também se apresentassem. Alguns não conseguiram dizer o nome. As
atividades eram mediadas com ajuda de Danilo – um dos colaboradores da pesquisa –,
jovem bastante dinâmico, como pudemos perceber depois. Mais tarde, ficamos
sabendo que ele era o catequista de muitos participantes ali presentes, além de atuar
nas atividades do clube de mães.
83
Antes de distribuir o folheto, convidamos Dona Severina para filmar a
experiência; a maioria teve logo uma reação contrária diante do equipamento, diziam
que não queriam ser filmados, outros, poucos, gostaram da idéia. Explicamos os
motivos pelos quais teríamos de filmar. Devemos ressaltar que a presença da câmara
só causou transtorno no início, logo em seguida eles se portaram de modo natural.
Dando sequência, distribuímos o cordel Viagem a São Saruê e pedimos para
que ninguém o folheasse. Convidamos todos a ler o nome do cordel e prestar atenção
na ilustração da capa. Perguntamos quem já conhecia a história, e o lugar, e se, por
exemplo, sabiam em que continente ficava São Saruê. Ninguém conhecia a história.
Sugerimos, então, que eles escolhessem um veículo para chegar ao lugar. Cláudia,
uma das participantes, disse que ia de avião, Dona Severina disse que ia de Navio,
outro participante disse que ia de Jumento. Logo o humor tomou conta e todos nós,
rimos.
Fig. 5- Capa do folheto Viagem a São Saruê
84
Ao tomarmos como ponto de partida da experiência, a leitura da capa,
começamos a desconfiar de que o cordel teria uma boa recepção por parte do grupo,
uma vez que o título despertou interesse nos leitores. Estes embarcaram na fantasia
proposta pela história, ao escolherem o veiculo que iriam transportá-los a São Saruê,
também se mostraram curiosos com relação à localização do país, visto que ninguém
conseguia identificá-lo geograficamente.
Neste sentido, constamos que o processo comunicativo entre texto e leitor, já
havia se estabelecido, “Como atividade comandada pelo texto, a leitura une o
processamento do texto ao efeito sobre o leitor” (ISER, 1979, p.83). Esta influência
recíproca é descrita como interação. Logo, a participação dos jovens do Bairro das
Cidades com relação às discussões em torno do título e imagem da capa, já apontava
para o feito do texto literário sobre aquele grupo de jovens leitores.
Um outro aspecto que destacamos sobre a recepção é o suporte no qual texto
se apresenta, pois este pode influenciar e determinar a recepção do leitor. No entender
de Chartier (1999, p.17 ):
Deve-se lembrar que não existe texto fora do suporte que o dar a ler (ou
a ouvir), e sublinhar o fato de que não existe compreensão de um texto,
qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais
ele atinge seu leitor [...] Os autores não escrevem livros: não, eles
escrevem textos que se tornam objetos escritos, manuscritos gravados,
impressos e, hoje, informatizados. Essa clivagem, espaço onde, aliás,
constrói-se um sentido, foi durante muito tempo, esquecida.
Com base nas reflexões de Chartier, acerca do suporte no qual o texto se
apresenta, pudemos verificar que a obra Viagem a São Saruê não teria a mesma
recepção caso se apresentasse digitada em folha oficio, recurso comumente utilizado
pelos professores, em sala de aula, isto porque nem sempre a escola dispõe da
quantidade de exemplares dos poemas suficientes para os alunos. E mesmo no caso
do cordel, que possui um baixo custo financeiro – hoje ele é vendido por um real em
85
nossa cidade –, os alunos, principalmente, oriundos de escolas públicas, às vezes
alegam não dispor do dinheiro para adquiri-lo.
Obviamente que, na falta de meios para trabalhar com o texto no suporte, que
lhe é peculiar, o professor/pesquisador não deve deixar de oportunizar a experiência de
leitura estética aos alunos/leitores. Contudo, enfatizamos que, no caso do cordel, pelo
colorido de sua capa e pela presença da xilogravura, toda a composição de texto
contribui para uma melhor leitura e entendimento do gênero. Por isso acreditamos que
não devemos desprezar as suas formas tipográficas.
Fig. 6- Forma tipográfica que se apresenta o folheto
86
No caso de Viagem a São saruê, verificamos que a presença do folheto em seu
suporte original possibilitou, inclusive, a ampliação da proposta de leitura para o
primeiro encontro (como descreveremos mais adiante), porque o cordel possuía mais
dois poemas em sua ordenação, que foram, também, lidos. Esta inserção de mais de
um poema em um mesmo cordel é utilizada por alguns poetas/editores ou
codificadores de cordel.
Iniciamos a leitura e pedimos para que cada um abrisse o folheto. Embora
tivéssemos planejado que iríamos realizar a leitura, perguntamos quem gostaria de
iniciar, para observar a reação deles. Para nossa surpresa, a reação de recusa foi mais
intensa do que a verificada em relação à filmagem, em que quase todos protestaram.
Pudemos perceber isso, por exemplo, com a colaboradora Carmem, uma jovem de 22
anos que estava cursando o 3º ano do ensino médio, ao alegar que nunca lia em sala
de aula. Iniciamos a leitura e verificamos que a atividade ia transcorrendo em silêncio,
talvez pelo fato de que as nove (09) primeiras estrofes assumem um tom lírico-solene,
como constatamos na terceira e quarta estrofes, respectivamente:
Iniciei a viagem
as quatro da madrugada
Fig. 7- Forma tipográfica que se apresenta o folheto
87
tomei o carro da brisa
passei pela alvorada
junto do quebrar da barra
eu vi a aurora abismada.
Pela aragem matutina
eu avistei bem de fronte
a irmã da linda aurora
que se banhava na fonte
já o sol vinha espagindo
no além do horizonte.
Contudo, quando chegamos na 10º estrofe, na qual o poeta começa a descrever
a cidade, os risos começaram surgir. Eles realizaram intervenções com os seguintes
comentários “Tá, que lugar bom danado”, “eu quero ir pra lá”, “eu também”. À medida
que a timidez ia ficando para trás, percebemos que a recepção havia modificado,
naquele momento, o comportamento do grupo. Outros, embora rissem, pediam silêncio
para não atrapalhar a leitura. Eles silenciavam, mas tornavam a rir e a participar com
novos comentários: “[...] e ninguém rouba, não é [...] todinha de ouro!”, “[...] se todo
mundo é rico, pra que roubar!”. Transcrevemos abaixo a décima estrofe (10º):
Avistei uma cidade
como nunca vi outra igual
toda coberta de ouro
e forrada de cristal
ali não existe pobre
é tudo rico em geral
Esta mudança no comportamento do grupo a partir da leitura literária, para a
nossa experiência, é bastante significativa uma vez que, de acordo com ZIilberman
(1989, p.49 ), o conceito de leitor de Jauss baseia-se em duas categorias:
a de horizonte de expectativas, misto dos códigos vigentes e da soma
das experiências acumuladas: e da emancipação, entendida como
efeito alcançado pela arte que libera seu destinatário das percepções
usuais e confere-lhe nova visão da realidade”.
88
Detectamos que a timidez inicial verificada no grupo, que refletia fatores de
diversas naturezas, inclusive de ordem socioeconômica e cultural, foi modificada a partir
da recepção da obra e do efeito que ela ia produzindo nos leitores.
A experiência, aqui descrita, não foi realizada em sala de aula, o que nos
permitiu observar maior liberdade na interação dos participantes no que diz respeito à
participação, à contestação e à rejeição de atividades. Sabemos que, na maioria das
vezes, em sala de aula, a liberdade dos alunos acaba sendo tolhida por todo processo
institucional da escola, no qual estão inseridos professor e aluno. Além disso, a
literatura é estudada a partir de secções de períodos que acabam priorizando mais a
história do que a experiência estética, tornando as aulas monótonas no que se refere a
um tipo de ensino que é imposto ao aluno. Para Jauss (1980, p. 24):
A história da literatura é um processo de recepção e produção
estética, que se realiza na produção dos textos literários por parte
do leitor que os recebe, do escritor, que se faz novamente, produtor,
e do crítico, que sobre eles reflete. A soma – crescente a perder de
vista – de “fatos” literários conforme os registram as histórias da
literatura convencionais é um mero resíduo desse processo, nada
mais que passado coletado e classificado, por isso mesmo
não
construindo história alguma mais pseudo-história.
Neste sentido, o conceito de leitor proposto por jauss acaba por dinamizar os
conceitos construídos ao longo da história da literatura que quase sempre priorizavam o
texto e o autor em detrimento do leitor. Segundo Chiappini (2005, p. 50):
Se do ponto de vista do autor, o texto é um trabalho com e sobre a
experiência concreta, do ponto de vista do leitor, é uma nova
experiência que ele vai viver e transformar, transformando-se na medida
mesma que incorpora sua essencial novidade a seu mundo de
vivências.
A experiência promovida pela obra literária é de fundamental importância para
formação de leitores críticos, que possam romper com o “véu da alienação”
estabelecida pelo senso comum, pelo automatismo da vida moderna que reifica os
indivíduos, os afastando das experiências estéticas singulares. Desse modo, promove-
89
se o crescimento intelectual deles, além de contribuir para que estes mesmos leitores
tornem-se sujeitos ativos do contexto sócio-cultural no qual estão inseridos.
A experiência que a obra literária proporciona aos leitores dá-se, no
pensamento de Bosi (2003, p.08-09), pela “singularidade infinita e indefinida da obra
literária” que reflete “a individualidade irredutível de cada autor”. Para Bosi a literatura
entra no contexto histórico, mas o atravessa, o transcende e, por isso, atinge a
característica de arte. Para Candido (2004, p. 175) “A literatura é um instrumento
poderoso de instrução e educação - equipamento intelectual e afetivo (...), ela confirma
e nega, propõe e denuncia, apóia e combate, fornecendo a oportunidade de vivermos
dialeticamente o problema”.
Daí porque, podemos, conforme Candido, afirmar que a literatura possui um
caráter humanizador e pedagógico, que pode ser vivenciado pelos professores em sala
de aula ou fora dela, acima de tudo por cada leitor.
Um dos participantes, João – outro colaborador –, ao chegar na 14° estrofe,
exclamou: “uma casa dessa, oxe! Eu vendia”! E novas gargalhadas romperam no local.
Percebemos que o ambiente estava mediado pelo riso que o cordel provocava. As
participações quase sempre produziam novos risos, e isto não exatamente pelo que era
dito, mas como era dito, estimulado, obviamente, pelo humor que eles viram no poema.
Lá os tijolos das casas
são de cristal e marfim
as portas barras de prata
Fechadura de “rubim”
As telhas folhas de ouro
e o piso de cetim
( 14º estrofe )
O humor pode ser uma importante porta de entrada para despertar no leitor o
gosto pela leitura. Num mundo cheio de injustiças de ordem política e social, rir, mais do
que desafio, torna-se um ato de resistência e contestação. Por esta razão, o papel
desempenhado pelo humor assume um caráter de irreverência, rebeldia, de liberdade,
90
às vezes não tão bem vivenciado por poemas considerados sérios. Desse modo, o
humor acaba por provocar a desestabilização de estruturas formais, como a ordem
econômica, as relações trabalhistas e sociais, por revelar as fragilidades em que se
alicerçam essas estruturas. Isto pode ser comprovado com a leitura das 21ª e 22ª
estrofes, respectivamente, que transcrevemos abaixo:
Lá os pés de casimira
Brim, bochacha e tropical,
De nycron, belga e linho
E o famoso diagonal
Já botam as roupas prontas
Próprias para o pessoal
Os pés de chapéu de massa
São grandes e carregados
Os de sapato da moda
Têem cada chachos “aloprados”
Os pés de meia de seda
Chega vive “encangalhado”
No caso das estrofes acima transcritas, o riso surge pelo fato de se imaginar que
no mundo como São Saruê, a preocupação com roupas, sapatos e acessórios não faz
parte da vida dos moradores, uma vez que tudo é fornecido pela natureza. Logo as
indústrias têxteis, lojas, Shoppings centers não existiriam. Ora, se tudo é dado sem
esforço dos habitantes, logo também não haveria necessidade de se trabalhar.
Fica claro, com isso, que no poema as principais atividades do sistema
capitalista são abolidas, e com elas o trabalho, o cansaço e o estresse. Por esta razão,
alguns participantes fizeram os seguintes comentários: “desse jeito, então, ninguém
precisava trabalhar”, “nem gastar dinheiro”. “... e todo mundo ia ter roupa boa”. Talvez
tenha sido todo esse poder conferido ao riso que o levou a ser banido das esferas
oficiais ideológicas da idade média, uma forma de manter uma suposta ordem. Sobre
esse fato comenta Bakhtin (1996, p. 63):
o riso na Idade Média estava relegado para fora de todas as esferas
sociais da ideologia e de todas as formas oficiais, rigorosas, da
91
vida, do comércio humano. O riso tinha sido expurgado do culto
religioso, do cerimonial feudal e estatal, da etiqueta social e de todos
os gêneros da ideologia elevada. O tom sério exclusivo caracteriza a
cultura medieval oficial.
No caso do mundo proposto pelo poema é perceptível que rir é questionar os
modelos pré-estabelecidos pela organização social, pois a sugestão de um mundo às
avessas, afronta as regras do mundo capitalista, criando um mundo utópico e
politicamente anárquico, provocando no leitor a reflexão acerca da realidade a partir da
comparação que se estabelece entre o mundo fantástico e o mundo real.
Um outro momento significativo da leitura foi quando lemos as 24° e 25° estrofes,
nas quais o poeta menciona a forma como os moradores de São Saruê adquirem
dinheiro. Novas intervenções surgiram, risos e comentários em disparada “ah, se
arranjo uma mudinha dessa pra plantar no meu quintal”! “Seria bom se fosse de
verdade”!
Sítios de pés de dinheiro
Que faz chamar atenção
Os cachos de notas grandes
Chega arrastam pelo chão
As moitas de prata e ouro
São mesmo que algodão.
Os pés de notas de mil
Carrega chega encapota
Pode tirar-se a vontade
Quanto mais tira mais bota
Além dos cachos que tem
Casca e folha tudo é nota.
Na sociedade capitalista, na qual vivemos, as pessoas quase sempre são
motivadas pelo desejo desenfreado de consumir, de possuir os bens produzidos pela
indústria do consumo e veiculados pela mídia, principal mantedora da cultura de
massas.
Assim, a busca pelo dinheiro torna-se uma constante entre os indivíduos.
Imaginar um país, onde o dinheiro poderia ser adquirido sem muito esforço, é por às
avessas a ordem “desordenada” do capitalismo. Por esse motivo, existe a possibilidade
92
de que o poema causasse risos em leitores e grupos pertencentes a qualquer classe
social. Entretanto, percebemos que no grupo de jovens leitores do Bairro das cidades,
como talvez em qualquer localidade, onde a escassez seja uma constante na vida dos
moradores, a idéia de que o dinheiro pudesse brotar do chão, além do humor, causou
um prazer, talvez o de ver erradicado, ao menos no mundo de ficção, de uma vez por
todas, a pobreza, a miséria e tantos males provocados pela desigualdade social.
Um outro momento em que o riso tomou conta de nossa leitura foi quando
lemos a 29º estrofe, na qual o poeta trata de um desejo antigo da humanidade: o de
adquirir a juventude eterna. Neste momento, Dona Severina, a presidente do clube de
mães, que conta com a idade de 50 anos aproximadamente, disse que estava
precisando tomar um banho no rio da juventude. O comentário dela provocou novos
risos no grupo. A estrofe descrita é a seguinte:
Lá tem um rio chamado
O banho da mocidade
Onde um velho de cem anos
Tomando banho a vontade
Quando sai fora parece
Ter vinte anos de idade.
Suspeitamos que um dos pontos estimuladores do riso, durante a leitura, do
folheto, foi às cenas e situações em que a vida comparece sem exploração, sem fome,
sem acumulação de riquezas, ou seja, é possível que aquela comunidade de pessoas
pobres tenha sido tocada pela fantasia veiculada pelo folheto. Noutras palavras, eles
foram preenchendo os vazios de modo peculiar, uma vez que não esperavam a
finalização da leitura para realizarem suas projeções. Ao refletir sobre os vazios
presentes no texto, Iser (1976, p. 91) afirma:
O texto é um sistema de tais combinações e assim deve haver um lugar
dentro do sistema para aquele a quem cabe realizar a combinação. Este
lugar é dado pelos vazios (leerstellen) no texto, que assim se oferece
para a ocupação do leitor. Como eles não podem ser preenchidos pelo
93
próprio sistema, só o podem ser por meio de outro sistema. Quando
isso sucede, se inicia a atividade de constituição, pela qual os vazios
funcionam como um comutador central de interação entre texto e leitor.
Ressaltamos, mais uma vez, a importância do humor presente no texto para a
experiência desenvolvida, uma vez que ele possibilitou uma maior interação entre obra
e leitor e, consequentemente, uma boa comunicação entre ambos, tornando, assim, a
atividade de leitura, prazerosa. Sobre a função do prazer presente no texto literário,
Barthes (1999, p.35) revela a existência de três modos de prazer de ler:
O primeiro modo, o leitor tem, com o texto lido, uma relação feiticista:
sente prazer com as palavras, com certos arranjos de palavras;
desenham-se no texto praias, ilhas em cujo fascínio o sujeito se abisma,
se perde: tratar-se-ia de um tipo de leitura metafórica ou poética; para
desfrutar deste prazer, será necessário uma longa cultura de
linguagem? Não é certo: mesmo a criança muito jovem, no momento do
balbucio, conhece o erotismo da palavra, prática oral e sonora oferecida
a pulsão. De acordo, com o segundo modo oposto ao primeiro, o leitor é
de alguma maneira puxado para frente ao longo do livro, por uma força
que está sempre ou mais ou menos disfarçada, da ordem do suspense:
o livro é abolido pouco a pouco, e é nessa usura, impaciente,
arrebatadora que reside a fruição [...] trata-se do prazer metonímico [...]
Sobre os tipos de leitura, descritos por Barthes, acreditamos que eles não se
desenvolvem de forma separada, pois numa mesma leitura podemos fazer uso de todas
as formas. Na experiência, aqui descrita, pudemos verificar os dois primeiros tipos de
leitura em que os participantes, ora se mostravam envolvidos pela construção das
imagens poéticas, ora curiosos pela descrição de um mundo tão fantástico, como o
proposto em São Saruê.
Daí, porque, a necessidade da realização leitura em voz alta do texto poético,
cuja prática, quando realizada com adequação, possibilita uma melhor fruição da poesia
e um envolvimento maior dos leitores/participantes. Nas reflexões sobre esse assunto
Hélder (2002, p. 32) adverte:
A leitura que não seja minimamente adequada compromete a
apreciação e o reconhecimento do valor da obra. Ler em voz alta é um
modo de acertar a leitura, de adequar a percepção a uma realização
94
objetiva. Portanto não é tarefa ligeira. É preciso de ler e reler o poema,
valorizar determinadas palavras, descobrir as pausas adequadas, e, o
que não é fácil, adequar a leitura ao tom do poema.
Um outro ponto interessante destacado pelos participantes foi a presença de
imagens internas no folheto.
João afirmou: “O que me chamou atenção foram os desenhos junto
com o poema, eu já tinha lido outros cordéis na escola, mas só tinha
desenho na capa, esse não, é diferente possui desenhos dentro e
fora do folheto”.
A pesquisadora perguntou: “Qual a função das imagens internas na
história? Teriam alguma função?”.
Renato respondeu: “Acho que com os desenhos fica mais fácil da
gente imaginar como era o país”.
Concordamos com a resposta dada pelo participante, enfatizando que as
imagens aparecem como um recurso que reforça, ainda mais, as descrições realizadas
pelo poeta. Contudo, a presença das ilustrações no corpus do folheto poderia ser
retirada do texto sem comprometer a obra e sua recepção.
O comentário do participante para nós foi importante por revelar já a sua
vivência com o folheto, de modo que, para ele, as ilustrações não passaram
despercebidas, pois não é uma tradição na literatura de cordel o uso de imagens
internas:
95
Após a leitura do folheto Viagem a São Saruê, propomos um debate sobre esse
cordel. Contudo, os participantes lançaram outra proposta: a de lermos logo os poema
Cabôca do Ciará e Carta matuta, ambos do poeta Zé da Luz e que estavam presentes
no mesmo folheto do primeiro poema lido. Havíamos nos programado para lê-los
também, mas só após o debate. Acabamos concordando por verificar que a
curiosidade, o interesse tinham sidos aguçados a partir da leitura do primeiro poema.
As leituras foram seguidas de novos risos. Percebemos que os risos provocados pelos
poemas, davam-se pelo aspecto da linguagem matuta, neles presentes. Já em São
Saruê a proposta de humor estava centrada no mundo fantástico, no qual os
problemas de ordem social são todos solucionados. Selecionamos duas estrofes que
caracterizam os textos citados:
Cabôca do Ciará
Tu sôis, morena triguêra,
a cabôca mais faceira
Qui mora no Ciará,
Tú sois um diabo-de-saia
Qui minha vida atrapaia
Sem querer mi atrapaiá.
Carta matuta
Apezá do seu criado
Não ter aprendido a lê
Nem conta, nem iscreve
Vai ditá esse recado
Pra manda pra vosmicê
Na leitura dos poemas Cabôca do Ciará e Carta matuta, verificamos o prazer
que os participantes demonstravam em repetir expressões da linguagem matuta do
poeta, não era um riso de deboche ou de desdém, como, infelizmente, costumam fazer
as pessoas, quando estão diante de outras que não se expressam de acordo com o
português formal, mas sim de contentamento.
Fig. 8 Xilogravuras no corpus do folheto
96
Antes de retornarmos à atividade do debate, sugerimos um “rodízio” de leitura,
no qual cada participante, em círculo, pudesse reler uma estrofe de São Saruê,
atentando para o ritmo e tom do poema. Perguntamos se eles consideravam o poema
triste ou alegre. Todos responderam que era alegre. Perguntamos, também, se o ritmo
do folheto era lento ou rápido; eles ficaram com segunda alternativa. Aconselhamos,
portanto que levassem esses fatores em consideração na ora da leitura (essa atividade
foi proposta, porque após a leitura dos três poemas, alguns participantes mostraram-se
desejosos de participarem da leitura).
Ao termino da atividade, pedimos para que cada participante destacassem uma
estrofe que mais tivesse chamado à atenção dele, quer fosse pela beleza, pelo humor
ou pelo o inusitado presente no poema. Quase todos participaram desta atividade. As
estrofes mais recorrentes na preferência dos participantes foram as seguintes,
respectivamente, 15º, 16°, 24°, 29º:
Lá eu vi rios de leite
barreiras de carne assada
lagoas de mel de abelha
atoleiros de coalhada
açude de vinho do porto
montes de carne guisada.
As pedras em São Saruê
são de queijo e rapadura
as cacimbas são café
já coado e com quentura
de tudo assim por diante
existe grande fartura.
Sítios de pé de dinheiro
Que faz chamar atenção
Os cachos de nota grande
Chegam arrastam pelo chão
as moita de prata e ouro
são mesmo que algodão.
Lá tem um rio chamado
O banho da mocidade
Onde um velho de cem anos
97
Tomando banho a vontade
Quando sai fora parece
Ter vinte anos de idade.
Após esse momento de apreciação da obra, lançamos algumas questões,
previamente elaborada, além de outras lançadas conforme as colocações que eram
feitas. “A primeira pergunta elaborada foi:” Como é descrita a realidade em São
Saruê?”
Renato: “... Acho que é descrita como um lugar de sonhos, só de
coisas boas... Acho que todo mundo gostaria de viver num lugar
desses”.
João: “É um lugar que não existem pobres, nem sofrimento...”
Carmem: “É um lugar encantado, onde as pessoas não são
egoístas, como geralmente acontece, aqui, em nosso mundo... Só no
pensamento mesmo...”
A partir das respostas dadas pelos participantes, pudemos observar, também,
que a obra de arte serviu de ponte para eles correlacionarem a ficção com a realidade,
apresentando, assim, um nível de consciência de si e do contexto social no qual estão
inseridos. Para Candido (2004,177), isto é possível por que:
A literatura, enquanto objeto constituído tem o poder de modelador
mental (de sentimentos e visão mental). A organização da palavra
comunica-se ao nosso espírito e o leva primeiro a se organizar; em
seguida, a organizar o mundo. Isto ocorre desde formas mais simples,
como a quadrinha, o provérbio, as histórias de bichos a experi
ência e a
reduzem a sugestão, norma, conselho, ou simples espetáculo mental.
Neste caso, podemos afirmar que a literatura contribui para organização
psicológica e social dos indivíduos, na medida em que fornece meios para uma
“modelação mental”, no qual projetamos a nós mesmos, o nosso semelhante e o meio
social como um todo, como vimos na recepção do poema.
Na segunda pergunta elaborada: “Será que a abundância verificada no Brasil não
parece com a de São Saruê?” Quase todos foram unânimes em afirmar que não.
98
Daniel declarou: “Não, de jeito nenhum. O Brasil é país, onde as
pessoas passam fome, dificuldade, violência, aqui também tem muito
roubo”.
Renato: “Acho que em parte sim, porque se a gente olhar pra uma
floresta como a Amazonas, a gente vai ver como a gente é rico...”.
Danilo: “É, e de que diante essa riqueza toda, se a maioria vive
passando dificuldade?”.
Carmem: “Eu acho assim... O problema é esse, o Brasil é muito rico,
mas poucos têm direito a essa riqueza...”.
Pesquisadora: “Então, vocês estão afirmando que a riqueza do
Brasil é semelhante a do país São Saruê?”.
Adriana: “Igual, igual, não é não. Porque na história tem muita coisa
que foge da realidade: pé de dinheiro, rio da juventude, mas o Brasil
é um país rico...”.
Welington: “Igual a São Saruê, o Brasil não é não, mas muita coisa
por aqui poderia ser melhor...”.
O fato de estarmos trabalhando com um grupo misto, no que diz respeito à
faixa etária, talvez tenha provocado certa inibição nos participantes mais jovens.
Notamos que, durante o debate, os sujeitos mais participativos eram aqueles que
estavam cursando o ensino médio, ou seja, os participantes mais velhos; as crianças se
retraiam, naturalmente, se mostravam mais inibidas na ora de participarem das
discussões. Partimos para a terceira questão: “Como podemos explicar as
desigualdades sociais existentes em nosso país ?”
Luciano: “Creio que é porque quem tem quanto mais tem, mais quer
ter, como por exemplo, os políticos que roubam. A gente vota neles,
pra eles ajudarem a gente e quando eles chegam lá só pensam em
roubar, em dar emprego pra os parentes deles e assim vão
‘enricando’ cada vez mais”.
Welington: “Em minha opinião se no Brasil a gente dividisse as
riquezas, aí ninguém passava fome, não ia existir pessoas pedindo
nas ruas, nas portas”.
99
Carmem: “Só que tem um detalhe, quem tem dinheiro, não pensa
em quem não tem, só pensam em si, desse jeito não tem como as
coisas melhorarem”.
Renato: “Seria muito bom se fosse diferente, mas por enquanto tá
difícil de mudar...”
Pesquisadora: “E de quem depende a mudança para que haja uma
transformação na sociedade, para que haja reforma agrária, para que
todos tenham o que comer empregos de modo mais igualitário?”.
João: “Acho que Luciano já respondeu a culpa é dos políticos, eles
roubam o dinheiro do povo e quando é na época das eleições eles,
dão uma de bonzinho e fingem ser preocupar com a gente”.
A pesquisadora: “Mas quem elege os políticos somos nós, conheço
uma pessoa que votou em um determinado político porque recebeu
uma prótese nova e uma consulta para um oftalmologista... Vocês
acham essa postura correta? Houve uma pausa maior”.
Luciano: “Certo não é não, mas se ela estava precisando, né?
Também esses políticos roubam muito o povo, a gente tem que
aproveitar alguma coisa!”.
A pesquisadora: “É verdade o que você afirma. Os políticos... Não
digo todos, mas quase todos são desonestos. Contudo, como então
mudar, se o povo acaba se comportando como os políticos querendo
levar vantagem em tudo?”.
Adriana: “Acho que nunca vai mudar, sempre vai ser assim...”.
Pesquisadora: “Então vocês acham que não devemos lutar por uma
sociedade mais justa?”.
Danilo: “Acho que temos que reclamar das coisas erradas que
acontecem, acho que todo mundo tem o direito de ter comida, casa
para morar, mas no mundo real é complicado. Acho que só no
mundo mesmo como São Saruê”.
Diante das colocações dos colaboradores, pudemos perceber que eles
apresentam um nível de consciência de si e da sociedade já desperto para os
problemas de ordem política e econômica do país. Contudo, analisamos que muitas das
colocações repetem os lugares-comuns discursivos utilizados ora pela mídia, ora pelo
senso comum, que, ao invés de instigar ação particular ou mesma coletiva dos
indivíduos, acabam por transferir a responsabilidade sobre a problemática social,
isentando uma boa parcela da sociedade de seus compromissos.
100
É o caso de afirmações do tipo a “culpa é dos políticos”, em que se acredita
que uma forma de superação desse problema, seria o povo, também, se beneficiar com
as vendas de votos, tráficos de influência e assim por diante.
Prosseguimos no debate em torno do texto. Elaboramos, assim, a quarta
questão: “Pudemos observar que folheto provocou risos no grupo. O que torna o texto
engraçado?”.
Yasmim: “Eu acho que é pelo jeito que o texto foi escrito, assim em
forma de versos, com rima...”.
Adriana: “Eu também concordo”.
Pesquisadora: “Então vocês estão me dizendo que o que torna o
texto engraçado é a estrutura na qual ele se apresenta?”.
Renato: “Pode ser até por isso também, mas eu acho que é mais
pelo fato de mostrar coisas que não existem”, como “barreira de
carne assada”, “casa de ouro”.
Daniel: “É isso mesmo, quem não iria achar divertido um lugar que
ninguém trabalha? Se fosse de verdade todo mundo ia querer ir pra
lá...”.
Neste caso, de acordo com as colocações dos participantes, os elementos mais
significativos do poema foram as metáforas, responsáveis pela veiculação da fantasia
em São Saruê e da linguagem que desatomatiza o leitor. Parece que as imagens
inusitadas como “barreira de carne assada”, “rio de leite” contribuíram para uma
recepção pelo viés do humor.
A partir do debate foi possível, investigar as reflexões que o texto literário
suscitou sobre os problemas de ordem social, nos participantes. Isto só foi possível
devido ao caráter dialógico no qual a obra literária se estrutura. A esse respeito Cosson
(2006, p.27) declara:
101
Ao ler estou abrindo uma porta entre meu mundo e o mundo do outro. O
sentido do texto só se completa quando esse trânsito se efetiva, quando
se faz a passagem de um para o outro. Se acredito que o mundo está
absolutamente completo e nada mais pode ser dito, a leitura não faz
sentido para mim. É preciso está aberto à multiplicidade do mundo e à
capacidade da palavra de dizê-lo para que atividade de leitura seja
significativa. Abrir-se ao outro para compreendê-lo, ainda que isso não
implique em aceitá-lo, é o gesto essencialmente solidário exigido pela
leitura de qualquer texto.
Perguntamos se eles tinham achado interessante o cordel: todos responderam
que sim, que haviam gostado muito. Finalizamos o primeiro encontro, falando de
forma resumida sobre o autor. Antecipamos que o cordel da semana seguinte seria O
casamento da Raposa com o Timbu. Ao ouvirem o título Alguns participantes sorriram.
Renato – colaborador – afirmou que não iria perder.
Acreditamos que São Saruê atendeu ao horizonte de expectativa dos jovens do
Bairro das Cidades pelas visíveis alterações observadas nos comportamentos
daqueles, haja vista que se, inicialmente, eles se mostraram tímidos e pouco naturais,
no final do primeiro encontro eles já interagiam de modo mais descontraído conosco;
além de demonstrarem o contentamento com a leitura realizada. Contentamento esse
traduzido pela desinibição dos olhares, na leveza dos semblantes, na fluidez das
conversas e dos sorrisos, até a forma de sentar passou a revelar que, de algum modo,
o prazer do riso causado pela leitura havia modificado o comportamento inicial, uma
vez que no inicio da leitura, alguns participantes demonstraram muita timidez.
No transcorrer dessa primeira experiência, pudemos verificar a fruição do
prazer estético vivenciado pelos participantes que, obviamente, se não operou alguma
cura no entender aristotélico, certamente, modificou o estado de ânimo dos
participantes, naquele momento. Já havíamos trabalho com o folheto Viagem a são
Saruê com turmas de 2° do ensino médio, e o poema tinha provocado risos na turma.
Mas confessamos que a receptividade por parte dos jovens do Bairro das cidades nos
102
surpreendeu, pois a aceitação e a participação foram bem maiores com relação as
nossas experiências anteriores, e a minha própria expectativa. Acreditamos mesmo
que tenha rompido o horizonte de expectativa daquele grupo de leitores.
4. 3. O CASAMENTO DA RAPOSA COM O TIMBU: O SILÊNCIO DIZ TUDO
Realizamos a segunda experiência de leitura de cordel, no dia 20 de maio de
2007, ainda, sob o efeito agradável da boa recepção que tivera Viagem a São Saruê
entre os jovens daquela localidade. Como já mencionamos, havíamos antecipado o
título do folheto O casamento do timbu com a Raposa desde semana anterior. Os
participantes demonstraram interesse em ler o folheto. Partindo de nossa expectativa,
acreditávamos que este poema, também causaria “sucesso” entre os jovens leitores.
A nossa hipótese se justificava, principalmente, pelo viés temático abordado:
corrupção no meio político, impunidade, adultério.
Naquele período, a mídia estava divulgando uma sucessão de escândalos no
senado brasileiro, cujo alvo principal era o senador Renan Calheiros, acusado de
adultério e corrupção. Um outro motivo era o fato da história se tratar de uma fábula.
Acreditávamos que temas tão atuais e que suscitassem reflexões profundas,
transportados para o universo das fábulas, causariam, invariavelmente, o riso no
leitor.
Antes de iniciarmos a leitura, explicamos porque estávamos levando o poema
digitado em folha de papel ofício e não no suporte vou sair agora, vou terminar a
resenha lá na cozinha.... e que lhe é próprio, pois tínhamos encontrado dificuldades
na aquisição do folheto, uma vez que o cordelista Arievaldo Viana, morava no Ceará
103
e, diferentemente do folheto Viagem a São Saruê, o seu poema não era tão
conhecido, o que não facilitava a aquisição. Esta explicação foi dada porque notamos,
durante o encontro anterior, como o formato do folheto, principalmente “o colorido”,
tinha sido motivo para chamar a atenção dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa.
Procedemos da mesma forma da semana anterior, realizamos a leitura de todo
o folheto, em seguida, uma breve apreciação, em que cada participante escolheu uma
estrofe da qual tivesse gostado mais, para ler. Após, esse momento, sugerimos uma
outra atividade que consistia em lançar a idéia de, juntos, elaborarmos uma adaptação
para o folheto, para ser realizado em forma de jogo dramático, de modo que
déssemos destaque para o casamento da Raposa com o Timbu, fazendo um
casamento junino. Reservamos essa proposta para final do encontro.
É importante ressaltar que a escolha pelo jogo dramático deu-se pelo fato deles
declararem que gostavam muito de trabalhar com peças. Os participantes relataram,
ainda, o sucesso que tinha tido uma peça que falava sobre a familia, encenada no
clube em comemoração ao dia das mães.
Quando distribuímos o poema para o grupo, de imediato, Renato fez a seguinte
observação: “eita, como é grande!”. Comentamos: “é, de fato, este é mais extenso,
mas é ótimo...”.
Em seguida, conversamos um pouco sobre os animais, cujos nomes aparecem
no título do cordel. Perguntamos quem já tinha visto uma raposa e um timbu.
Suspeitávamos de que, pelo fato do Bairro das Cidades se situar em região próxima
da zona rural de Campina Grande, os participantes pudessem conhecer mais
facilmente estes animais. Para nossa surpresa, apenas dois participantes disseram já
ter visto os animais mencionados, inclusive um dos caminhos que dá acesso ao bairro
104
possui uma estrada de terra com uma porteira em desuso, sinalizando que ali, há
pouco tempo havia um sítio.
Um outro fato de nosso conhecimento é que alguns moradores possuem terras
próximas à comunidade, cujo fim é para plantio de pequenos roçados. Todos os esses
fortes indícios de vida rural nos levaram a crê que esses animais faziam parte da
experiência de vidas daqueles leitores. Mas nossas suspeitas não se confirmaram.
Iniciamos a leitura, cuja duração foi de 20 minutos. Esperávamos ansiosos
pelos risos e a descontração que poderiam ser entendido pela pesquisadora como o
estabelecimento da comunicação entre texto e leitor. Contudo, os risos não vieram.
Durante a leitura, os jovens praticamente não dialogaram com o texto. E, mesmo na
condição de mediadora, a recepção deles nos causou um “sentimento de solidão” na
mesma proporção que o “sentimento de cumplicidade” verificada no encontro anterior.
Quando levantávamos o rosto, víamos como os participantes estavam sérios,
não havia diálogo; mais do que isso, eles visivelmente estavam desapontados e
expressavam com a seriedade, pouco movimento e um semblante sisudo. Já no meio
da leitura ficamos com a sensação de que eles estivessem ressentidos com alguma
coisa que nós não conseguimos detectar de imediato o que era.
Neste caso, a comunicação não se estabeleceu com o êxito que esperávamos
uma vez que o principio de negação foi a estância que regeu o processo de leitura.
Assim, pode-se afirmar que a assimetria existente entre texto e leitor foi reforçada pelo
não preenchimento dos vazios textuais. Pois, é em função da mudança do leitor,
mediante a recepção da obra, que a “assimetria começa dar lugar ao campo comum
de uma situação.” (ISER, 1979, p.88)
Durante a leitura realizada pela pesquisadora, os únicos momentos de riso
ocorreram quando foram lidas a 8ª e a 20ª estrofes, respectivamente:
105
Era pessoa grã-fina
Embora já fosse idosa
Pôs silicone no rabo
Para ficar mais gostosa
De ouro, jóia e cristal,
Tinha um vasto cabedal
De origem duvidosa
O Tigre se enfureceu
E contra ele marchou
Nisto o Leão se ergueu
E sua força mostrou
Com a raiva concentrada
Deu-lhe tão grande patada
Que a cabeça voou.
No caso da primeira estrofe, o que nos chamou a atenção foi o fato do riso ter
partido de apenas um participante. O modo discreto do riso não nos permitiu
identificar quem o tinha realizado; não parecia um riso espontâneo, dado quando de
fato sentimos prazer em ler algo. Quando planejávamos a segunda experiência,
acreditávamos que a 8ª seria uma das estrofes que mais suscitaria risos na turma, na
medida em que aborda aspectos sobre a estética feminina, constantemente divulgada
pela mídia, como o caso do silicone.
Nesta estrofe, a sugestão da cena, em que a raposa aparece fazendo uso de
uma situação comum à mulher da sociedade moderna, poderia provocar o riso.
Contudo, a nossa expectativa não se confirmou.
Zilberman (1989, p.64), refletindo sobre a teoria de Iser, expõe que a obra de
arte, por apresentar uma estrutura comunicativa, só se concretiza mediante
significação realizada pelo leitor. Na verdade “as reações do leitor são predeterminada
pelas estruturas de apelo. Estas precisam do leitor para adquirir sentido.”
Um outro momento, que despertou a nossa atenção, foi quando realizamos a
leitura da 20ª estrofe. Observamos que três alunos se entreolharam e riram de modo
bastante discreto. Contudo, continuamos a realizar a leitura até o fim do poema e, em
106
nenhum outro momento, eles participaram com intervenções verbalizadas ou risos
significativos.
Partimos, então, para a primeira atividade, o debate. A proposta estava pautada
na questão temática do cordel, além da estrutura da narrativa. Provocamos os
participantes para que eles pudessem externar, de fato, o que eles acharam sobre o
cordel, tendo vista que, para nós, já estava muito claro que eles não tinham gostado
do folheto. Houve um entrave inicial. O grupo de leitores teve dificuldades de romper
com o silêncio, mesmo que a pesquisadora insistisse para que o debate fosse
iniciado.
Pesquisadora: “O que vocês acharam do cordel? (silêncio) Ele é
bem crítico, não é? (silêncio) Quem poderia destacar uma estrofe?
(silêncio) Uma estrofe que você tenha gostado?”
Kércia: “Aquela que a raposa colocou silicone no rabo (risos)”.
Nesse momento, os participantes riram. Notamos que muito mais pela forma
que a participante falou do que pela estrofe em si, uma vez que, fazendo referência à
imagem, a cena sugerida no cordel, Kércia se levantou do lugar e começou a imitar o
suposto andar da raposa com silicone no rabo. Depois esta participante passou a
conversar com um dos participantes. Percebemos que ela tentava chamar atenção do
grupo.
Pesquisadora: o que vocês acham dessa estrofe?(silêncio) solicitamos,
então, destaquem outra estrofe? (silêncio) Quem pode
destacar?(silêncio).
Ninguém se aventurou a ler outra estrofe. Insistíamos com aquele grupo de
jovens, porque gostaríamos de ouvir deles, inicialmente, o motivo de não terem
gostado do poema:
Kércia: “ei, Janaina, vê aquele que a raposa botou silicone. A
pesquisadora releu a estrofe, todos riram, sutilmente”.
107
Pesquisadora: “O que mais a gente pode destacar desse cordel,
vamos lá, é difícil de entender? Vocês compreenderam bem a
historia?”.
Renato: “Um pouco difícil de entender, eu achei!”.
Pesquisadora: “Welington achou difícil de entender esse cordel?”.
Welington: “Pouquinho...”.
Dirigimos-nos especificamente para Welington, pois ele já tinha sido nosso
aluno no 1º ano do ensino médio, ocasião na qual trabalhamos sistematicamente com
o folheto em sala de aula. Ele já tinha lido outros cordéis, por essa razão, para nós,
era importante ouvi-lo, de modo que pudéssemos observar se ele apresentava a
mesma “dificuldade” dos demais participantes na compreensão da história lida.
Retomamos a história, pedimos para que eles citassem as personagens da
narrativa, então, fizeram referência ao faisão e à galinha, cuja participação, na
história, se dava apenas como animais caçados pela gangue do Leão. Verificamos
que, de fato, uma das dificuldades encontradas por eles foi a extensão da história.
Nesse sentido, mais de um participante comentou:
Renato: “Acho muita informação...”.
Carmem: “Ele é bem extenso, bem grande... E o da semana
passada foi melhor...”.
Renato: “Acho que deixou a desejar o texto!”.
Pesquisadora: “Em que sentido?”.
Renato: “Eu não sei... Eu acho que... eu não sei se foi porque eu
num entendi... Não é bem claro não, o final! Eu acho...”.
Esperávamos por um comentário semelhante a este, tecido por Renato, mas,
diante da constatação verbalizada, tivemos dificuldade de entender exatamente qual
elemento presente no texto não permitia que a interação ocorresse ali, de forma
positiva, de modo que os leitores pudessem correlacionar o folheto com experiências
práticas da vida deles. Segundo Jauss (1979, p. 52):
108
A função social somente se manifesta na plenitude de suas
possibilidades quando a experiência literária do leitor adentra o
horizonte de expectativa de sua vida prática, pré-formando seu
entendimento do mundo e, assim, retroagindo sobre seu
comportamento social.
Aquele cordel especifico parece não ter atendido aos horizontes de
expectativa dos participantes. A negação e o silêncio diante do poema eram prova
cabal disto. A recepção deles era contrária a nossa recepção e a recepção que
imaginávamos que eles pudessem ter.
Encontramos muita dificuldade de compreender o motivo pelo qual aqueles
leitores se negavam dialogar com a obra literária já citada. Zilberman, a partir do
pensamento de Jauss, expõe que a literatura “quando age sobre o leitor, convida-o a
participar de um horizonte que pela simples razão de provir de um outro, difere do
seu. É solidária e difere ao mesmo tempo, sintetizando nesse aspecto o significado
das relações sociais” (1989, ZILBERMAN, p.110).
Apesar de ter havido um silenciamento dos leitores diante do cordel O
casamento da raposa com o timbu, isto não significou uma falta de interação com o
texto, pois, o próprio calar revela um tipo de projeção, na medida em que negam a
ideologia disseminada no folheto.
A aceitação e a rejeição unânime, do primeiro e do segundo cordel,
respectivamente, nos deixou intrigados. O primeiro tinha correspondido ao horizonte
de expectativas daquela comunidade de leitores, mais do que esperávamos, de
modo que chegamos a nos surpreender com determinadas passagens, já citadas na
reflexão da 1ª experiência. Pensávamos que a 2ª experiência pudesse suscitar o riso
de forma intensa e isto não foi evidenciado entre os presentes. Neste caso, O
casamento da raposa com o Timbu, despertou nossa atenção pelo fato dele não ter
correspondido às expectativas dos leitores, na mesma proporção que o primeiro
folheto correspondeu.
109
De nossa experiência com literatura em sala de aula, pudemos perceber que é
difícil uma obra literária agradar, assim como desagradar a todos os leitores com a
mesma intensidade. Ao refletirmos sobre a questão, percebemos que ambos os textos
possuem elementos temáticos e estruturais diferentes entre si, que, por sua vez,
foram perceptíveis àquela comunidade de leitores e que, de imediato, não pudemos
observar.
Sobre a temática do segundo cordel, observamos que o modo em que o
casamento foi representado no poema não gerou empatia no grupo de leitores, uma
vez que o autor apresenta uma crítica ao casamento por interesse, tão comum na
sociedade atual como em outras passadas. Logo, a união feliz, em que se concebe o
amor como sendo a força motivadora entre os cônjuges, não aparece em nenhum
momento na história. Este fato causou um dos primeiros desencontros entre a
proposta do texto e o horizonte de expectativas do grupo. Sobre a questão alguns
participantes comentaram:
Carmem: “Mais o casamento deixou muito a desejar...”.
Pesquisadora: “Se deixou a desejar, vocês esperavam o que? Então
esse cordel não correspondeu à expectativa que vocês imaginavam
sobre o casamento?”.
Renato: “Eu esperava que o final fosse só eles dois aqui, porque eu
acho que teve muito bicho, muito animal”.
Carmem: “Teve muitos animais envolvidos”.
Diego: “É muita coisa!”.
Carmem: “E ela terminou sendo viúva...”.
Verificamos, pelos comentários de alguns participantes, que eles estavam
esperando uma narrativa que envolvesse apenas os personagens citados no título
da história e que a união se desse de modo romanceado, sem fazer alusão ao
casamento por interesse. Na verdade, pela frustração revelada através dos
comentários, percebe-se que os colaboradores esperavam uma história de amor. Ao
110
retomarmos a fala de Renato: “Eu esperava que o final fosse só eles dois aqui,
porque eu acho que teve muito bicho, muito animal”. Podemos entender que a ela
subjaz o desejo do leitor em ver, em algum momento do folheto, a representação do
casamento, talvez, sob a ótica dos finais de contos de fada, cujo desfecho deságua
no lugar comum do “feliz para sempre”. E isto de fato não acontece.
Suspeitamos que o teor fortemente engajado da obra, pode ter sido um outro
motivo responsável pelo silenciamento dos leitores diante do poema, na medida em
que o poeta constrói uma critica cujo objetivo é fazer uma radiografia das mazelas
sociais, envolvendo adultérios, roubos, assassinatos, corrupção, abuso de poder,
casamento por interesse. Acreditamos que essa representação da sociedade de
modo tão real, com o intuito mesmo de informar, ensinar o leitor, não proporcionou o
encantamento ou a fantasia.
Nesse sentido, assumimos parcialmente a responsabilidade, devido ao fato
de que partimos da nossa própria vivência com a militância religiosa e comunitária,
sem partir da realidade dos colaboradores.
Acreditávamos na possibilidade de atendermos ao horizonte de expectativa
deles, na medida em que o folheto fazia essa reflexão de ordem social, sem
deixarmos de lado a fantasia, o sonho, o fabuloso.
Retornando, ainda, para as questões temáticas e estruturais de ambos os
poemas, um fator nos despertou a atenção: o maniqueísmo, tão comum na
literatura, principalmente na de cordel, não aparece em nenhum dos textos citados
da forma como conhecemos, visto que não se apresenta a partir da concepção
dicotômica de bem e mal. Em São Saruê só existe bondade, felicidade plena.
Já em o Casamento da raposa com O Timbu, a maldade prevalece do início
ao fim da narrativa. Sobre o maniqueísmo, tão comum de ser encontrado nas
111
narrativas, Suleiman (apud, Jouve, 2006, p. 38) afirma que, no caso de obras
maniqueístas, “o leitor, coptado desde o início do lado do herói, encontra-se
estruturalmente – portanto, necessariamente – do lado “bom””.
No cordel em análise não encontramos heróis, apenas vilões, de modo que o
leitor parece não querer estar ao lado daqueles que não lutam em seu nome e
representam “o mal”.
Geralmente, na primeira estrofe dos cordéis, utiliza-se uma asserção
generalizante e introdutória do assunto a ser abordado, este processo pode ser
observado na composição dos dois cordéis. Nos folhetos citados, os usos das
asserções prenunciam o teor dessa visão unilateral sobre a vida.
A partir da introdução de cada poema percebem-se as seguintes estruturas:
Viagem São saruê parte da realidade, para, logo após, apresentar um mundo de
delícias e fantasias, como já foi visto no segundo capítulo deste trabalho. Já O
casamento da Raposa com o Timbu parte da fantasia, da fábula para se constituir
em um mundo tão real como o nosso. Nesse sentido, entendemos que, no tocante à
construção da teia narrativa, um é o inverso do outro. Este fator, também, foi
perceptível na compreensão dos participantes que, sem titubear, preferiram o folheto
que apresentava a proposta mais lúdica, mais utópica.
A fim de demonstrar tal afirmação, transcrevemos a fala de um dos
participantes:
Carmem: “Não gostei porque foi extenso, é porque foi assim... No
começo ele começou, assim... legal e no final ele terminou de uma
maneira totalmente diferente. Já da semana passada ele começou
como não queria nada e no final... Foi muito interessante... É porque
é assim uma coisa que retrata a realidade a gente não quer aceitar e
uma coisa que é um sonho aí você vai e aceita. O sonho é melhor do
que a realidade...”.
112
Nesse momento, verificamos que, após eles verbalizarem o fato de não terem
gostado do cordel, esse grupo de leitores se mostrou mais descontraído para falar
sobre a impressão que o folheto havia causado. Perguntamos se alguém queria
fazer alusão a alguma estrofe do folheto. Três participantes, Renato, Welington e
Danilo citaram a 9ª, 28ª, 21ª estrofes, respectivamente:
[...]
Pois seu falecido pai
Foi grande contrabandista
Comprava tudo fiado
E depois vendia à vista
Mas não pagava a ninguém
Enganou a mais de cem
O velho-capitalista.
[...]
Essas coisas da política
São mesmo de admirar
Pessoa limpa e honesta
É difícil prosperar
Porém o vil trapaceiro
Ganha prestígio e dinheiro
Conforme pode provar.
[...]
O Tigre se enfureceu
E contra ele marchou
Nisto o Leão se ergueu
E sua força mostrou
Com a raiva concentrada
Deu-lhe tão grande patada
Que a cabeça voou.
[...]
Ao fazer referência a essa última estrofe, Danilo e outros jovens riram com uma
intensidade maior do que a verificada quando realizamos a leitura dela, pela primeira vez.
Perguntamos, então, o que, especificamente, a estrofe trazia de engraçado. Eles,
inicialmente, não souberem responder. Perguntamos o que havia de tão engraçado
naquela passagem, ele respondeu:
Danilo: “Sabe o que é engraçado? A patada (risos)”.
Pesquisadora: “A patada? Explica pra gente Danilo o que é que
você gostou tanto dessa passagem?”.
113
Danilo: “(Risos...)”.
Para Danilo, a recepção dessa estrofe tinha se dado a partir do riso, mesmo
que ela sugerisse uma cena de violência. Os demais participantes riam mais do
modo pelo qual ele interagiu, nesse momento, com texto do que pelo texto em si.
Para nossa pesquisa, esse cordel constitui-se em um “divisor de águas”, no tocante
às reflexões suscitadas em nossa experiência. Começamos a observar que, mesmo
um texto que apresente uma perspectiva de humor, pode ter uma recepção diferente
por parte dos leitores, causando um efeito de pesar, de incomodo, de tédio.
Acreditamos, por essa razão, que o inverso pode se dar de igual modo. Um
texto literário cuja perspectiva seja de comoção e de tristeza pode ser compreendido
pelos leitores a partir do viés do humor, de acordo com o contexto ou a faixa etária
dos envolvidos. Alguns fatores podem corroborar para que isso ocorra, tais como o
envolvimento emocional do(s) leitor(es) com a obra em questão, os argumentos
utilizados pelo autor no momento de convencer os leitores, pois que “a intenção de
convencer está, de um modo ou de outro, presente em toda narrativa”(JOUVE,
2002, p.21).
Uma outra questão que deve ser considerada é que, se quisermos entender
como se processa a atividade de leitura, devemos atentar para a diversidade da
organização social em classes, profissões, faixa etária, gênero, grupos religiosos;
uma vez que essa variedade de grupos e, consequentemente, interesses se
constituem em comunidades de leitores com normas e práticas específicas. Sobre
essa questão o pesquisador Roger Chartier (1999, p.27) tece algumas
considerações:
Construir comunidades de leitores (...) observar como as formas
materiais afetam seus sentidos, localizar a diferença social nas
práticas mais do que nas diferenças estatísticas, são muitas das vias
114
possíveis para quem quer entender, como historiador essa “produção
silenciosa” que é a “atividade leitora”.
No caso da comunidade de leitores do Clube de Mães Sagrada Família,
verificou-se que a recepção, em relação ao cordel O casamento da raposa com o
Timbu, foi de rejeição, vivenciada de forma coletiva. Denotando, assim, como as
questões de ordem social e cultural, colaboram para que uma obra provoque efeito
similar em leitores de um mesmo grupo. Ficou claro que houve um distanciamento
emocional por parte dos leitores. Assim, o que se verificou foi apatia, rejeição e, até
certo ponto, frustração, diante da obra lida. Sobre o processo afetivo causado pela
leitura, Jouve (2002, p. 19) realiza a seguinte assertiva:
Os charmes da leitura provem em grande parte das emoções que ele
suscita. Se a recepção do texto recorre às capacidades reflexivas do
leitor, influi igualmente – talvez, sobretudo – sobre sua afetividade. As
emoções estão de fato na base do princípio de identificação, motor,
essencial da leitura de ficção. É por que elas provocam em nós
admiração, piedade, riso ou simpatia que as personagens romanescas
despertam nosso interesse.
Nesta perspectiva, os participantes demonstraram a falta de empatia, de
envolvimento emocional com o folheto trabalhado, quando emitiram os seguintes
comentários:
Carmem: “Oxe... nã... Eu esperava que a raposa fosse uma santa,
né?!”.
Renato: “Eu achava que a raposa fosse uma santa, que eles se
casassem realmente e que eles ficassem assim... Felizes, mas que
tivesse uma tramazinha na história como teve, né?".
Em seguida, dando continuidade às atividades, passamos para a segunda
etapa, que consistia na releitura do folheto e na apresentação da proposta dele, a
partir do jogo dramático.
Hesitamos no momento de prosseguir com a proposta acima citada, pois o
contexto era de pouco acolhimento do poema, por parte dos participantes, como já
115
foi citado. Contudo, o fato dos envolvidos terem se mostrado favoráveis para o
prosseguimento da proposta nos impulsionou a continuar. Perguntamos se eles
gostariam, de fato, de fazer uma releitura do texto, eles responderam que sim. “É
certo que os ‘efeitos em troca’ permitidos pela releitura são indispensáveis para
apreciar, ou até mesmo simplesmente entender tal passagem textual” (JOUVE,
2002, p. 30).
Após o termino da segunda leitura, eles alegaram que havia compreendido
melhor a história. Este fato não alterou muita coisa no efeito causado pela obra nos
leitores, como já suspeitávamos, uma vez que acreditávamos que o problema não
era de entendimento por parte dos envolvidos, mas de gosto, de empatia como foi
comprovado.
Dando prosseguimento as nossas atividades, lançamos a proposta para
adaptarmos o texto O casamento da Raposa com o Timbu em forma de jogo
dramático, como já imaginávamos, ninguém aceitou.
Renato sugeriu: “Seria mais interessante, Janaina se a gente... É
porque você já conhece os cordéis, mas seria mais interessante à
gente conhecer mais, ler mais e ver o que a gente se interessa fazer,
o que a gente, realmente gostou”.
Ao analisarmos a sugestão de Renato, percebemos a sua autonomia
enquanto leitor, que, além de revelar interesse em conhecer outros cordéis, também
reclamava para si e para o grupo o direito de escolha. Talvez a sua atitude tenha
sido proporcionada pelo espaço que nos encontrávamos. Visto que, no Clube de
Mães, estávamos reunidos a fim de ler folhetos, não tínhamos compromisso com
notas, em atender a determinados conteúdos. E, embora pudesse ficar
subentendido que eles tivessem algum compromisso conosco ou com dona
Severina, essa relação não era institucionalizada. Eles não eram alunos, mas
crianças e jovens que se dispuseram a participar de uma experiência de leitura.
116
O elo que nos ligava esses colaboradores era a própria a literatura, através
dos poemas. E era pelos poemas, pelo prazer, pela descoberta, que aquele grupo se
reunia, em tardes de domingo, para ler. A nossa função era a de mediadora da
experiência, embora as suas práticas de leitura, como a daque meu sonho, dentro de
um navio...”les jovens, estivessem, como de fato está a nossa prática, fortemente
marcada pela escola.
Concordamos com Renato e, por esta razão, não apresentamos a nossa
proposta para o folheto O casamento da Raposa com o Timbu e passamos a citar os
cordéis que poderíamos ler no próximo encontro. Alguns jovens já conheciam os
cordéis citados.
Pesquisadora: “Eu vou, então, citar os nomes de alguns dos
folhetos que eu tenho em casa, além de trazer outros, porque vocês
poderão escolher. Eu tenho um que é a chegada de lampião ao
inferno. Já ouviram falar nesse folheto?”.
Renato: “Eeeitaa! Deve ser interessante!”.
Carmem: “Não, mais ele é interessante ou é como esse? Começa
interessante no começo e no final...”.
Pesquisadora: “Ele é interessante, eu já montei uma peça com A
chegada de Lampião no inferno é muito engraçado, alguém conhece
o texto aqui?”.
Daniel: “Não”.
Pesquisadora: “Não!?”.
Adriana: “Já vi a peça sobre Lampião...”.
Luciano: “Parece com a música de Caju e Castanha que conta uma
história como se Lampião tivesse no inferno...”.
Pesquisadora: “Será que você sabe cantar a musica?”.
Luciano: “Não, a musica não, mas eu posso trazer o CD”.
Pesquisadora: “Pronto, faça isso, traga o CD...”.
Carmem: “Eu já vi a de Lampião mais num cheguei até o inferno não
(risos)”.
Pesquisadora: “Não! (risos) “
117
Luciano: “... fala do jogo do inferno, que, que demora num sei
quanto tempo”.
Pesquisadora: “Ah, esse é outro cordel... É O futebol no inferno, de
José Soares”.
Luciano: “É um cordel?”.
Pesquisadora: “É sim, Lampião vai pro inferno e faz um time pra
disputar com o time de satanás”.
Luciano: “Que dura três dias sem parar, a trave é imensa...”.
Pesquisadora: “Isso mesmo!... Bom, então, eu vou trazer, pra
semana que vem A chegada de Lampião no inferno, e O Gostosão e
Uma partida de futebol no inferno para depois...”.
Verificamos, neste momento, que os jovens se mostraram mais participativos,
riram quando anunciamos os títulos dos folhetos, demonstrando interesse nas
futuras leituras; além de apresentarem sugestões e citarem, como no caso de
Luciano, folhetos já conhecidos, inclusive já dialogando com os próximos textos.
Quando anunciamos que levaria o Gostosão, todos riram e Carmem
desafiou: “traga pra gente vê se ele é o gostosão mesmo!” A experiência já chegava
ao fim. Mostravamos-nos mais tranqüila, por perceber que, o fato daquele cordel
não ter correspondido às expectativas do grupo, não causou desestímulos para os
encontros futuros. Neste dia, concluímos a experiência 30 min. mais cedo. Antes de
encerrarmos, perguntamos se alguém tinha alguma coisa a mais sobre o poema
trabalhado. Logo, os participantes responderam:
Renato: “Não”.
Pesquisadora: “Nenhuma a mais? Está certo, então...”.
Carmem: “Mas uma peça podia ficar interessante”.
Mediante o interesse de Carmem, perguntamos se eles gostariam de ouvir a
nossa sugestão de atividade. Diante do consentimento, começamos a explicar para
o grupo a proposta de adaptação do cordel para o jogo dramático, que consistia em
118
montar uma quadrilha, a partir do poema lido. Pretendíamos montar um casamento
matuto como ocorre de costume nesse tipo de festa, muito comum, aqui na região
Nordeste. A encenação do texto seria apresentada no último encontro, junto à
apresentação dos artistas populares.
Nesse instante, eles passaram a avaliar a idéia, e se posicionaram de modo
favorável e até com certa empolgação, como pudemos perceber de acordo com os
comentários abaixo:
Daniel: “Acho que vai ser bom”.
Carmem: “É uma idéia bem interessante...”.
Renato: “Eu acho que fazendo as adaptações o texto fica legal!”.
Welington: “Eu vou ser o leão (risos)”.
Renato: “Eu sou o timbu”.
Devido ao interesse demonstrado pelo grupo, pela proposta de adaptação,
resolvemos entregar os textos para que, mais uma vez, fossem lidos por eles em
casa, mas não decidimos de imediato se, de fato, esse cordel seria o escolhido para
o jogo dramático. No próximo encontro, leríamos outros poemas, a fim de que
pudéssemos decidir, em conjunto, qual seria o cordel mais interessante para
encenarmos.
Ao concluirmos a experiência desse dia, percebemos que o ambiente estava
mais descontraído do que o verificado no início da leitura de O casamento da
Raposa com o Timbu, isto nos tranqüilizou. A experiência, de fato, tinha sido rica. E
só com o amadurecimento da pesquisa é que pudemos perceber isso com clareza.
No caminho de volta para casa, refletíamos sobre o efeito diferente que cada obra
lida podia causar em um mesmo grupo. Algumas falas eram recorrentes na nossa
memória:
119
Renato: “Eu acho que o primeiro apresentou um objetivo que todo
mundo deseja para um país... O que o escritor do cordel São Saruê
fala é uma coisa impossível, né, de acontecer, mas..”.
Carmem: “É porque é assim... Uma coisa que retrata na realidade a
gente não quer aceitar e uma coisa que é um sonho aí você vai e
aceita. O sonho é melhor do que a realidade...”.
Enquanto voltávamos para casa, nesse dia, houve uma grande confusão no
Bairro das Cidades. Do ônibus, observamos a cena, talvez corriqueira, três homens,
visivelmente, embriagados se atracavam, enquanto uma mulher tentava apartar a
confusão, sem muito sucesso. Talvez o fato tivesse passado despercebido, se não
fossem os comentários dos participantes diante de um folheto que retratava, de
modo tão enfático a violência, as desigualdades e mazelas sociais. Assim,
compreendemos melhor a recepção do grupo, o folheto falava de experiências muito
próximas de todos nós, roubos, mortes, embriagues, uso de entorpecentes, mas
que, em comunidades carentes, assumem visibilidade maior. Logo, o que importa se
São Saruê não exista? “O sonho é melhor do que a realidade”.
Ao retornamos, recentemente, ao bairro das Cidades, com o intuito de
guardamos os livros que conseguimos para implementação da biblioteca
comunitária, encontramos todos bastante tristes e assustados. Pudemos perceber
isso mais fortemente quando encontramos Dona Severina, a presidente do Clube de
Mães Sagrada Família, que tinha apenas dois filhos, Renato, que participou da
experiência de leitura, e Roberto, que foi, barbaramente, assassinado em uma
chacina que vitimou três pessoas da mesma família.
Em um dos primeiros contatos que travamos com aquela líder comunitária,
ela alegou que um dos principais motivos pelo qual estava montando a sala de
leitura era para evitar que as crianças do Bairro se envolvessem com narcotráfico. E
120
relatava em lágrimas, para nós, como tinha, inclusive, arriscado sua vida para
resgatar seu filho mais velho do universo das drogas.
Mesmo com sua vida refeita, casado, trabalhando, Roberto foi assassinado. A
família não consegue entender, mas tenta se consolar; os jornais falam em queima
de arquivo. De fato a arte imita a vida e, mais uma vez, as palavras de Carmem,
mediante a recepção do folheto O casamento da Raposa com o Timbu ressoam
forte em nossa memória: “uma coisa que retrata a realidade a gente não quer
aceitar. E um sonho... aí você vai e aceita. O sonho é melhor do que a realidade...”.
4. 4. A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO: DE VOLTA AO RISO
No dia 27 de maio de 2007 deu-se o terceiro encontro de leitura no Clube de
mães Sagrada Família. Levamos o folheto A chegada de Lampião no inferno, como
havia combinado. Neste dia, em virtude de um encontro da catequese, alguns
participantes faltaram e contamos com a presença de oito pessoas. Antes de
iniciarmos a leitura travamos uma conversa inicial com os participantes, como era de
costume
14
.
Após a conversa, perguntamos quem tinha relido o folheto O casamento da
Raposa com o Timbu, a maioria afirmou que tinha realizado uma nova leitura em
casa, mas, apenas, Luciano e Danilo levaram os textos para o clube. Informamos
que não havia problema, nós leríamos outros folhetos e depois faríamos a escolha
do poema para realização do jogo dramático.
Em seguida, iniciamos a leitura do folheto A chegada de Lampião no inferno;
a priori, realizamos a leitura, conforme a vontade dos participantes. Após essa
14
Tínhamos nos programado para assistir, após a leitura do folheto, ao filme O Baile
Perfumado que abordava a história de Lampião. Contudo, devido à dificuldade de encontrar o
material, suspendemos a exibição do filme.
121
etapa, começamos a ouvir as impressões deles acerca do folheto. De modo geral,
todos gostaram muito do poema. Durante a leitura, notamos que algumas
passagens suscitaram risos no grupo, mais do que outras. Destacamos esses
momentos através das estrofes, respectivamente:
Morreu a mãe de Canguinha
O pai de Forrobodó
Três netos de Parafuso
Um cão chamado Cotó
Escapuliu Boca Ensossa
E uma moleca moça
Quase queimava o totó
Veio uma diaba moça
Com a calçola de meia
Puxou a vara da cerca
Dizendo: a coisa está feia
Hoje o negócio se dana
E disse: eita baiana
Agora a ripa vadeia
Nessa voz ouviu-se tiros
Que só pipoca no caco
Lampião pulava tanto
Que parecia macaco
Tinha um negro nesse meio
Que durante o tiroteio
Brigou, tomando tabaco
Lampião pôde apanhar
Uma caveira de boi
Sacudiu na testa dum,
Ele só fez dizer: oi!
Ainda correu 10 braças
E caiu enchendo as calças
Mas eu não sei de que foi
No caso da primeira estrofe, verifica-se, a priori, a recorrência de nomes
exóticos das personagens. Após a leitura, os participantes teceram algumas
considerações acerca dos apelidos das personagens.
diferentes... e é tudo nome de demônio, né?”.
122
Yasmim: “Muita gente é mais conhecida por apelido do que pelos
nomes próprios”.
A pesquisadora perguntou: “Vocês possuem apelidos ou conhecem
pessoas que tem apelidos diferentes aqui no bairro?”.
Luciano: “Muita gente...”.
Dona Severina: “Qual teu apelido Luciano?”.
Luciano: “O meu é pequeno (risos)”.
Nesse momento, percebemos que o riso do participante parecia ter sido
provocado pelo processo de identificação com a questão dos apelidos posta no
folheto e pela experiência vivida, também, por ele, em seu cotidiano. Em outras
palavras “se a leitura tem um impacto no leitor, é porque ela relaciona o universo do
sujeito com o universo do texto” (JOUVE, 2006, p.138).
Parece que o uso de apelidos tem a função de designar alguém que
gostamos de forma carinhosa, é o caso do uso de nomes no diminutivo, no
aumentativo ou das reduções, como, por exemplo, Pedrinho, Serjão, Pri etc. Além
de poder guardar o cunho de afetividade, pode revelar, também, alguma
característica do apelidado, provocando, assim o riso, e por isso mesmo
desagradando o apelidado.
No caso do folheto, nomes como “Canguinha”, “Forrobodó”, “Cotó” fazem
menção a possíveis características dos personagens. E, por conseqüência, a
descrição dos demônios, como criaturas horrendas, torna-se engraçada, pelas
possíveis características de que são possuidoras e reveladas pelos nomes. Os dois
últimos versos da 3ª estrofe, na recepção do grupo, parecem ter sido responsáveis
pelos risos mais intensos.
Morreu a mãe de Canguinha
O pai de Forrobodó
123
Três netos de Parafuso
Um cão chamado Cotó
Escapuliu Boca Ensossa
E uma moleca moça
Quase queimava o totó
Yago: a parte que eu mais gostei, foi essa da moça... (risos)
com fogo no cabelo.
Verificam-se tanto nos dois últimos versos da 3ª estrofe, como nas demais
estrofes, cujo riso foi suscitado com maior intensidade, que as sugestões das cenas
em que os personagens aparecem em situações inusitadas são as grandes
responsáveis pelo efeito de riso provocado pelo texto no leitor. Para Iser (apud
Jouve, 2002, p.127):
Pode-se dizer que a obra literária tem dois pólos: o pólo artístico e o
pólo estético. O pólo artístico refere-se ao texto produzido pelo autor,
enquanto que o pólo estético diz respeito à concretização realizada
pelo leitor. Existem, sempre, portanto, duas dimensões na leitura: uma
comum a todo leitor porque determinada pelo texto; a outra
infinitamente variável porque depende daquilo que cada um projeta de
si próprio.
É importante ressaltarmos que a recepção deste folheto atendeu aos
horizontes de expectativas dos leitores, sem, contudo, ser verificada a mesma
intensidade do envolvimento, ou efeito de riso, observado na leitura do primeiro
cordel Viagem a São saruê. Também notamos que ele agradou, significativamente,
se comparado com poema, O casamento da Raposa com o Timbu.
Convidamos os participantes a lerem as estrofes que tinham gostado, eles
realizavam a leitura de modo espontâneo. Desde o início da leitura, o aspecto de
leveza e descontração era de novo verificado no ambiente. O fato de o cordel tratar
de temas do universo religioso, como o inferno, região de muito sofrimento, assim
descrita por algumas religiões, poderia, no entender da pesquisadora, não produzir
um efeito de empatia nos leitores. Pois, os jovens da experiência, em sua maioria,
124
eram católicos ou protestantes. Contudo, eles em nenhum momento se colocaram
em uma posição de censura. A forma lúdica e descontraída com que o poeta
descreve o inferno, a Satanás e seu séqüito foram aceita por aquele grupo de modo
natural. Um dos participantes chegou, inclusive a afirmar que a parte mais
interessante do cordel, era a última estrofe:
Quem duvidar dessa história
Pensar que não foi assim
Querer zombar do meu sério
Não acreditando em mim
Vá comprar papel moderno
Escreva para inferno
Mande saber de Caim.
Um outro ponto interessante foi o quando falávamos sobre a caracterização
das personagens. Ao serem indagados como eram representadas, fisicamente, as
personagens, aquele grupo de leitores respondeu com o silêncio. Notamos certo
constrangimento no grupo em responder a pergunta, uma vez que os demônios
eram representados como negros e, a aqueles jovens eram, em sua maioria, negros.
Pesquisadora: “Como eram descritos fisicamente os personagens
da história?”.
Danilo: “Eu sei”.
Pesquisadora: “Pode falar...”.
Danilo: “Yasmin diz aí”.
Yasmim: “Ochê!!!”.
Pesquisadora: “Não, se você quem sabe por que Yasmim é quem
vai dizer?”.
Danilo: “É que eu não gosto de falar não!!!”.
Pesquisadora: “Você não gosta de falar?!”.
Luciano: “Diga ao menos qual é a estrofe”.
Danilo: “A décima quinta”.
Yasmim: “Eu não quero falar...”.
125
Pesquisadora: “Tudo bem... então eu leio pra vocês”.
Reuniu-se a negrada,
Primeiro chegou Fuxico
Com um bacamarte velho
Gritando por Cão de Bico
Que trouxesse o pau da prensa
E fosse chamar Trangença
Na casa de Maçarico
Observamos resistência e até constrangimento por parte dos leitores para
falar do preconceito racial presente no cordel. Mesmo depois de lermos a estrofe,
eles não conseguiam fazer menção a questão do racismo presente no poema. Este
fato não comprometeu a recepção do grupo que, durante toda leitura, riu, afirmando
ter gostado do poema. Contudo, a consciência de si, de sua cor, de sua raça, diante
da pergunta feita pela pesquisadora, fez aquele grupo de leitores refletir sobre o
preconceito.
E por todas as reflexões suscitadas em torno da questão racial, atualmente, é
quase impossível que textos que veiculem preconceito sejam lidos sem reflexão por
parte do leitor. Acreditamos que, no período que este poema começou a circular a
recepção por parte dos leitores/ ouvintes com relação à questão racial, nele posta,
não produziam discussões como em dias atuais, afinal de contas o contexto
sóciopolítico e cultural era outro.
Hoje, embora o preconceito racial, ainda,
ocorra no Brasil, com freqüência, o contexto histórico é outro. Diversas
instituições (escolas, igrejas, etc.) tentam combatê-lo através de campanhas
educativas que valorizam a cultura negra. A própria mídia, a partir dos diversos
meios de comunicação, divulga campanhas, denuncia descriminação de ordem
racial, permite que a população, também conheça as leis criadas para esse fim, o de
combate ao preconceito. Mesmo assim, percebemos como as pessoas, de modo
126
geral, têm dificuldade de abordar esse assunto. Dificuldade presente também entre
os jovens daquela comunidade específica de leitores.
Após a leitura da 15ª estrofe apontada por Danilo, e mediante o silêncio do
grupo, a pesquisadora, mais uma vez perguntou: “então como é caracterizado,
fisicamente, os personagens secundários que fazem oposição a lampião nesta
estrofe?” Foi evidenciado novo silêncio. A pesquisadora inquiriu, novamente, agora a
um participante especifico:
Pesquisadora: Você sabe Luciano?”.
Luciano: “Claro!”.
Pesquisadora: “Pode falar...”.
Luciano: “É que aqui fala da negrada que quando se refere aos
demônios”.
Pesquisadora: “Isso mesmo! Mostra bem que... que naquele tempo,
quando o cordel foi escrito havia muito preconceito. Hoje não é tão
diferente, só que naquele tempo era maior. A liberdade alcançada
pela raça negra, ainda era muito recente...”.
Luciano: “Antigamente, o povo achava que quando morriam os afro-
descendentes eles só iam pro inferno, não iam pro céu não!”.
Pesquisadora: “Pois era desse jeito... Eu me pergunto, então, o céu
se de fato existir, seria, apenas para os brancos? Deus faria seleção
pela cor da pele? Na verdade o fato de existir diferenças de raças,
como aqui no Brasil, que existem negros, brancos, índios, ruivos e
assim por diante, só prova o quanto Deus é criativo, se fosse de
outro jeito seria muito chato vocês não acham?”.
Danilo: “É verdade... só que, teve um filme, num sei onde foi
gravado, sei que foi aqui na Paraíba, que já mostrou ao contrario,
Jesus era moreno”.
Pesquisadora: “Isso...”.
Danilo: “E o diabo era branco, só não sei qual foi o filme, mas sei
que foi assim... (risos)”.
Yiago: “Eu, eu sei, eu assisti!”.
Luciano: “O Alto da Compadecida. Pronto”
A pesquisadora percebeu a dificuldade que os participantes demonstraram em
127
utilizarem a palavra negro, no momento em que fizeram menção ao preconceito racial
veiculado pelo folheto, como se a palavra em si fosse, de algum modo, ofensiva. Em
função disso, eles utilizaram termos que, para eles, pareciam suavizar a expressão
como moreno e afro-descendentes.
Aproveitamos, neste momento, para relembrarmos a cena do filme O Auto da
Compadecida em que Emmanuel é representado como negro. Encerramos a
discussão em torno da questão do preconceito racial representado no cordel,
advertindo o grupo para o fato de ser comum nos folhetos de antigamente
encontrarmos discriminação contra o negro, a mulher e o pobre. Embora nem sempre
possamos concordar com a ideologia veiculada nos folhetos, devemos observar o
valor estético do cordel, se ele é divertido e se trata o assunto proposto com
criatividade. Nesse sentido, “se deve buscar a contribuição específica da literatura
para a vida social, precisamente, onde a literatura não se esgota na função de uma
arte de representação” (JAUSS, 1979, p.57):
Neste dia, levamos vários cordéis para que os participantes pudessem, caso
desejassem, levá-los para ler em casa, de modo que, no encontro seguinte, antes de
iniciarmos a leitura, eles apresentariam individualmente, para o grupo o cordel lido,
relatando a opinião deles sobre o folheto, isso é os que espontaneamente
quisessem participar.
Dentre eles, destacamos: O cavalo que defecava dinheiro, de Leandro Gomes
de Barros e Proezas de João Grilo, de João Ferreira de Lima. Aproveitamos para
falar que a obra de Ariano Suassuna, O auto da compadecida, que foi adaptada para
o cinema, dialogava com esses dois cordéis. Além desses, levamos, também,
História da Donzela Teodora, de Leandro Gomes de Barros. A opção por este
folheto atendeu a um pedido realizado por Carmem, que iria se submeter ao exame
128
de vestibular da Universidade Estadual da Paraíba. Instituição que adotou esta obra,
dentre outras obras literárias, para a prova de seleção do ano de 2007.
Ressaltamos que, neste dia, a presença de Dona Severina foi bastante
relevante para a experiência. Ela participou contando histórias sobre Lampião, além
de relatar para todos nós a sua experiência com elementos rurais, citados no cordel,
como, por exemplo, o pilão de bater café, a trempe de cozinha, dentre outros.
Outras passagens do poema que despertou interesse dos participantes foram
às três últimas estrofes do folheto. Eles comentaram que o inferno era descrito, por
Pacheco, como um lugar parecido com a organização das cidades, principalmente, a
região nordeste.
Welington: “Achei interessante o fato de o inferno ser parecido com
o Nordeste... Até seca tem!”.
Luciano: “O final é interessante também... Já pensou o cabra
mandar escrever pro inferno pra saber de Caim...”.
Welington: “Será que chega?”.
Luciano: “Se o inferno for que nem o povo sonha, tendo tanto fogo
assim num vai chegar, num tem papel e nem dinheiro (risos)”.
Vejamos as três últimas estrofes, respectivamente:
Reclamava Satanás:
- Horror maior não precisa
Os anos ruins de safra
E mais agora essa pisa
Se não houver bom inverno
Tão cedo aqui no inferno
Ninguém compra uma camisa
Leitores vou terminar
Tratando de Lampião
Muito embora que não posso
Vos dar a resolução
No inferno não ficou
No céu também não chegou
129
Por certo está no sertão
Quem duvidar nessa história
Pensar que não foi assim
Querer zombar do meu sério
Não acreditando em mim
Vá comprar papel moderno
Escreva para inferno
Mande saber de caim.
Ao concluirmos a experiência de leitura do 3º encontro, no último domingo do
mês de maio de 2007, verificamos. pelo diálogo mantido com o texto, através dos
risos e comentários, que o folheto havia correspondido aos horizontes de
expectativas do grupo em questão. Havíamos nos programado para, apenas, três
oficinas de leitura, mas de acordo com o interesse demonstrado pelo grupo,
resolvemos acrescentar ao nosso cronograma outras visitas ao bairro da Cidade.
Precisávamos escolher, também, o cordel que seria apresentado na festa de
encerramento de nossas atividades.
O mês de junho tornou-se inviável para darmos continuidade ao projeto de
leitura, tanto pelo calendário de festividades do Clube de Mães, como, também,
pelas festividades realizadas em Campina Grande. Retornamos em Julho,
concluímos as oficinas de leitura na segunda semana e o cordel O Gostosão foi o
escolhido, por todos, para a encenação. Na última semana de Agosto, realizamos a
festa e entregamos o kit contendo os cordéis da experiência para os participantes.
Embora, houvéssemos convidado sanfoneiros do bairro e alguns poetas populares
para o encerramento das atividades, devido a compromissos profissionais, eles não
puderam comparecer.
Apresentamos o folheto O Gostosão, de Maria Godilivie, em forma de jogo
dramático realizado por três integrantes do Grupo: Danilo, Yasmim e Adriana.
Contamos, ainda, com a participação de Manuel de Freitas (Manu), que além de
130
contar histórias, apresentou o seu CD Viagem Nua. Foi um momento muito
significativo para a nossa experiência. Muitos pais e moradores do bairro
compareceram. Alguns pais, inclusive, nos relataram que seus filhos tinham gostado
muito da experiência de leitura, chegando a falar sobre os cordéis em casa.
Fig. 9 Imagem dos moradores do Bairro das Cidades – festa de encerramento
131
Fig. 11 - Manuel de Freitas ( Manu ) festa de
encerramento- Bairro das Cidades
Fig.10- Imagem dos moradores do Bairro das Cidades –
festa de encerramento
132
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho, sobre leitura de cordel, fundamentou-se em alguns aspectos
teóricos da estética da recepção e teve como objetivo promover a leitura de folhetos
de literatura de cordel, que perpassem pelo viés do humor entre crianças e jovens,
com o intuito de observar o efeito do folheto e a recepção, de modo individual e
coletivo, por parte daquela comunidade.
Para isso, observamos, anotamos e interpretamos, no momento da leitura,
como se dava a reação dos participantes do experimento: risos, comentários,
atenção, brincadeiras, silenciamento, indiferença, expressões faciais que pudessem
sugerir contentamento, alegria, insatisfação ou desagrado, mediante o poema lido.
Verificamos, ainda, que a presença do humor nos cordéis pode ser entendida
como um mecanismo de incentivo para a realização da leitura literária, uma vez que
a maioria das obras trabalhadas provocou um efeito de riso, contentamento nos
sujeitos implicados nesta pesquisa.
A partir dos temas, da linguagem, da musicalidade, das imagens presentes
nos folhetos, conseguimos, assim, sensibilizar um grupo de crianças e jovens para
ler Literatura de cordel aos domingos à tarde, sem fins escolares ou didáticos.
Verificamos que, através dessa experiência, a leitura de poemas foi entendida por
aquela comunidade de leitores como atividade de prazer e lazer, na medida em que,
pela literatura, deixaram de realizar, no período que se encontravam na experiência,
possíveis atividades, costumeiramente, praticadas em fins de semana, tais como:
assistir TV, filmes, visitar amigos, parentes, etc.
Constatamos, conforme Candido (2004, p.176), que a literatura, de fato, é
uma necessidade universal de todo homem, de toda mulher, que deveria ser
133
garantida pelo Estado. Mas isso não acontece. A escola acaba sendo uma das
principais portas de acesso às classes com pouco poder aquisitivo ao universo do
literário. Dependendo da metodologia empregada pelo professor, poderá ser um
meio para estimular ou desestimular os novos leitores, em função do didatismo
empregado nas atividades que revelam, por vezes, a preocupação com a nota e não
com o prazer do leitor.
Embora a poesia não tenha sido apontada como sendo o texto literário,
comumente lido pelos colaboradores da pesquisa, houve uma excelente recepção
desse gênero pelos leitores em questão. Assim, verificamos o gosto pela leitura
literária daquela comunidade de leitores, não só pelo fato deles comparecerem aos
encontros, motivados pelos folhetos, mas por que sugeriam temas, falavam de suas
experiências de leitura com outros gêneros: contos, romances, etc., como, também,
através de nossa sugestão e da iniciativa deles, porque eles pediam os folhetos
emprestados para ler em casa.
Desse modo, constatamos ainda que o cordel, a despeito de idéias
equivocadas que circulam sobre a sua extinção, continua encantando os leitores,
principalmente, aqueles que se encontra em idade escolar. A prova disso é o fato de
ele se adaptar ao contexto da sociedade moderna, fazendo uso, facilmente, dos
diversos aparatos tecnológicos no momento de sua produção e venda.
Na elaboração desse trabalho, lançamos mão dos apontamentos elaborados
por Chartier (1999) sobre comunidade de leitores, uma vez que tais reflexões nos
permitiram estruturar nosso trabalho, através de um olhar que não reduzisse as
diferenças culturais encontradas no meio social.
Percebemos que as diversas comunidades que se estruturam na sociedade,
possuem regras, hábitos e especificidades próprias que devem ser respeitadas para
134
que possamos ter uma educação plural, democrática e holística, cujo objetivo é dar
voz (e porque não silêncio?!) aos sujeitos, se, assim, eles desejarem.
Nesse sentido, compete ao educador/pesquisador, além do planejamento
prévio, desenvolver a sua sensibilidade na escolha dos poemas a serem trabalhados
com os leitores. Devemos criar condições para que eles tenham uma boa atitude
receptiva, mediante a obra. Entendemos que tal postura metodológica só é possível
a partir de uma prática pautada na reflexão e no respeito às regras e estruturas da
comunidade de leitores em questão.
Ressaltamos, ainda, que de acordo com a recepção dos indivíduos, uma obra
que possui em sua estrutura um apelo para o riso pode ter o efeito reforçado ou
negado pela recepção dos leitores. Foi o que constatamos ao trabalharmos o folheto
Viagem a São Saruê, cuja obra possibilitou a fusão entre o horizonte de expectativa
do texto e os horizontes de expectativas dos leitores, causando um efeito de riso
maior do que o esperado.
Já no caso do cordel O casamento da Raposa com o Timbu, em que é
abordado o tema casamento por interesse, pautado no riso, verificamos que ele não
teve a recepção pelo víeis do humor, como também não atendeu aos horizontes de
expectativas daquela comunidade de leitores. Uma das possíveis explicações para
tal reação seria o fato deste cordel ter um caráter informativo, visando ensinar,
“doutrinar” o leitor, moralizar, não possibilitando o sonho, a fantasia.
Dentre os ganhos metodológicos desse trabalho, privilegiamos a relação,
pautada no diálogo que estabelecemos com os colaboradores. Outro fato relevante
e que ressaltamos foi ter escolhido um espaço comunitário para as leituras, como o
clube de mães, onde só os colaboradores que estavam, realmente, interessados
compareceram. Um espaço de leitura que se destacou por ser livre de cobranças de
135
exercícios, de provas ou qualquer outra prática que se assemelhasse com a
escolarização da literatura. Dessa forma, observamos que os participantes
demonstraram uma atitude de maior liberdade no momento de aceitar ou rejeitar os
poemas lidos, uma vez que o ambiente não era o escolar.
Por outro lado, percebemos que encontramos dificuldades com a metodologia
empregada, na medida em que, em alguns momentos, nos encontramos presos,
ainda, aos métodos tradicionais de ensino de literatura. Na maioria das vezes, o
educador/pesquisador não está pronto para os imprevistos, os acontecimentos que
fogem ao que ele havia planejado. Isto foi perceptível, em nossa prática, quando os
participantes agiram com indiferença ao lermos o folheto O casamento da Raposa
com o Timbu.
De imediato, não aceitamos a recepção deles e, até certo ponto, insistimos
para que eles pudessem, de algum modo, apreciar o folheto. Neste caso, podemos
afirmar que nossa frustração acerca da recepção que os colaboradores
demonstraram com a leitura do folheto, levou-nos a uma postura pouco dialógica.
Refletir sobre esse procedimento didático e tentar apresentar maior abertura, foi um
ganho para nossa prática.
Em suma, acreditamos que uma das maiores contribuições dessa pesquisa
foi mostrar uma possibilidade de caminho trilhado em prol da formação de leitores de
literatura, a partir do cordel. A elaboração do texto dissertativo, também nos
possibilitou refletir que, em se tratando de ensino e literatura, não existem fórmulas
mágicas, receitas prontas e infalíveis que possam apontar os caminhos a serem
seguidos. Em outras palavras, tudo depende do planejamento, do envolvimento e de
uma atitude de reflexão e respeito por parte de cada educador/pesquisador, além
das condições materiais necessárias ao desenvolvimento de sua prática.
136
6. REFERÊNCIAS
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