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Centro Universitário Feevale
Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental
Mestrado em Qualidade Ambiental
Fernanda Mallmann Pacheco
NEXO CAUSAL EM MATÉRIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL EM
CONTEXTOS DE INCERTEZA CIENTÍFICA: DO DANO AO RISCO
Novo Hamburgo
2009
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Centro Universitário Feevale
Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental
Mestrado em Qualidade Ambiental
Fernanda Mallmann Pacheco
NEXO CAUSAL EM MATÉRIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL EM
CONTEXTOS DE INCERTEZA CIENTÍFICA: DO DANO AO RISCO
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Qualidade Ambiental como requisito
para a obtenção do título de mestre
em Qualidade Ambiental.
Orientador: Prof. Dr. Délton Winter de Carvalho
Novo Hamburgo
2009
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Bibliotecária responsável: Susana Fernandes Pfarrius Ladeira – CRB 10/1484
Pacheco, Fernanda Mallmann
Nexo causal em matéria de responsabilidade civil ambiental em
contextos de incerteza científica: do dano ao risco / Fernanda Mallmann
Pacheco. – 2009.
125 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Qualidade
Ambiental) Feevale, Novo Hamburgo-RS,
2009.
Inclui bibliografia.
“Orientador: Prof. Dr. Délton Winter de
Carvalho”.
1. Responsabilidade civil ambiental. 2. Direito ambiental. 3.
Responsabilidade por danos ambientes. I. Título.
CDU 347.51:349.6
3
Centro Universitário Feevale
Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental
Mestrado em Qualidade Ambiental
Fernanda Mallmann Pacheco
NEXO CAUSAL EM MATÉRIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL EM
CONTEXTOS DE INCERTEZA CIENTÍFICA: DO DANO AO RISCO
Dissertação de mestrado aprovada pela banca examinadora em 14 de janeiro
de 2010, conferindo ao autor o título de mestre em Qualidade Ambiental.
Componentes da Banca Examinadora:
Prof. Dr. Délton Winter de Carvalho
(Orientador)
Centro Universitário Feevale
Prof.ª Dr.ª Fernanda Luiza Fontoura de
Medeiros
Universidade de Caxias do Sul
Prof. Dr. Roberto Harb Naime
Centro Universitário Feevale
4
Dedicatória
Ao Vilmar Pacheco, pela razão, pela
emoção, pelo amor que sinto.
Agradecimentos
Em especial ao meu orientador, Dr. Délton Winter de Carvalho,
pelo apoio incondicional. Teu silêncio e tuas palavras, sempre
tão sábias, que estimularam, desde o início, o interesse pelo
direito ambiental e a realização deste trabalho.
RESUMO
Diante de uma sociedade pós-industrial ou de risco, caracterizada por extremada
crise ambiental, principalmente no que diz respeito ao desenfreado crescimento
tecnológico e consequentemente um maior número de produção de danos e riscos
ambientais, posição apresentada por uma transferência de sociedade industrial à
sociedade de risco, faz-se imprescindível um estudo da dogmática jurídica
ambiental, em especial quanto à atuação do Poder Judiciário diante das lides
ambientais. Nesse sentido, esse trabalho tem como objetivo analisar a tutela jurídica
dos danos e dos riscos ambientais diante da necessidade da aplicação de novas
regras de responsabilidade civil, especialmente quanto à configuração do nexo
causal, não apenas pelos riscos concretos, mas diante dos riscos abstratos,
apresentados por uma sociedade de risco e incertezas científicas. Para tanto, foi
realizada pesquisa bibliográfica em obras de autores nacionais e estrangeiros e
procuramos direcionar o tema não para a teoria como para a prática jurídica
ambiental através de buscas jurisprudenciais. Assim, a relevância da pesquisa
justifica-se justamente na necessidade de aceitação pela doutrina e jurisprudência
de trabalharmos, diante de novas formas de interpretação probatória, quando da
discussão da prova do nexo causal, especialmente diante das incertezas científicas.
Como resultado, temos que embora o Direito apresente importantes instrumentos de
análise e controle dos riscos, verificamos deficiência na normatização e aplicação de
medidas preventivas adequadas.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil Ambiental. Nexo de Causalidade.
Sociedade de Risco.
ABSTRACT
Up against of a postindustrial or risk society, characterized by an extreme
environmental crisis, especially the wild technology growth and a bigger number of
production of damage and risk environmental, a position showed by the transference
of industrial society in risk society, it is indispensable to do a study about the
environmental legal dogmatic especially as for the performance of the Judiciary
Power up against of the environmental conflicts. In this meaning, this work has as
objective to analyze the legal guardianship of the damages and the environmental
risks up against of the necessity of the application of new rules of civil liability,
especially as for the configuration of the causal nexus, not only for the concrete risks,
but up against of the abstract risks, presented for a society of risk and scientific
uncertainties. So it was done a bibliographical research in national and foreign
authors’ works and we tried to direct the subject not only for the theory as for the
legal environmental practice the ambient through jurisprudential searches. Thus, the
relevance of the research is justificated in the necessity of acceptance for the
doctrine and jurisprudence to work, up against of new forms of probatory
interpretation, in the the quarrel of the test of the causal nexus, especially in the
scientific uncertainties. As result, we have that even so the Law presents important
instruments of analysis and control of the risks, we verified a deficiency in the
normatization and application of adjusted writs of prevention.
Key Words: Environmental Civil Liability. Link of Causality. Risk Society.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
1 O DIREITO E AS QUESTÕES SOCIOAMBIENTAIS NO SÉCULO XX ................ 12
1.1 A CRISE ECOLÓGICA ........................................................................................ 13
1.2 DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE ......................................................... 14
1.3 A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA .. 18
2 REGIMES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................... 22
2.1 A RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIIVA - TEORIA DA CULPA .................. 27
2.1.1 A Culpa ............................................................................................................ 27
2.1.2 O Nexo de Causalidade .................................................................................. 32
2.1.3 As Teorias Clássicas da Relação de Causalidade ...................................... 37
2.1.3.1 Teoria da equivalência das condições........................................................... 37
2.1.3.2 Teoria da causalidade necessária ................................................................. 38
2.1.3.3 Teoria da causalidade adequada .................................................................. 39
2.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA – TEORIA DO RISCO ..................... 43
2.2.1 As Possibilidades de Exclusão do Dever de Indenizar entre o Risco
Integral e o Risco Criado ........................................................................................ 46
2.2.2 As Excludentes na Responsabilidade Civil Ambiental ............................... 51
3 O DANO NO DIREITO AMBIENTAL ..................................................................... 54
3.1 AS CLASSIFICAÇÕES DO DANO AMBIENTAL ................................................. 58
3.2 AS DIFICULDADES NA REPARABILIDADE DO DANO AMBIENTAL ............... 65
3.3 NEXO CAUSAL NO PARADIGMA DO DANO .................................................... 69
3.4 INSTRUMENTOS DE ATENUAÇÃO DO NEXO CAUSAL .................................. 71
4 NEXO CAUSAL NO PARADIGMA DO RISCO: SOCIEDADE DE RISCO,
DIREITO E CIÊNCIA ................................................................................................. 78
4.1 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO NO DIREITO AMBIENTAL .............................. 83
4.2 O RISCO E A SUA ASSIMILAÇÃO PELO DIREITO AMBIENTAL ...................... 89
4.3 O DANO AMBIENTAL FUTURO ......................................................................... 91
4.4 NEXO CAUSAL NO PARADIGMA DO RISCO ................................................... 94
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 115
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 117
9
INTRODUÇÃO
Depois de séculos de exploração desenfreada do meio ambiente,
alcançamos, nos últimos anos, a percepção de que nenhuma atividade humana
passa incólume. Toda atividade tem alguma repercussão sobre o meio em que
vivemos, e o acúmulo destes efeitos inevitavelmente vem causar prejuízos visíveis e,
na maioria das vezes, irreversíveis.
Hoje, os reflexos nocivos da atividade humana são uma realidade inegável.
Por isso, se por um lado alguns segmentos podem questionar os todos utilizados
na abordagem dessa temática (a ambiental), por outro é inquestionável que o
problema existe e demanda muita atenção. Dessa forma, a ciência jurídica vem
apresentando uma extrema dificuldade em relação à complexidade da avaliação
probatória para que se configure o nexo causal entre as condutas lesivas e suas
consequências danosas, sobretudo quando estamos falando de danos ambientais,
já que não temos como não visualizar os complexos processos ecológicos que
enfrentamos em nossa atualidade.
Abordaremos nesta pesquisa as inúmeras dificuldades, fruto das incertezas
científicas, que impedem uma clara configuração de existência de nexo de
causalidade entre os fatos e os resultados danosos que destes decorrerem. É
inegável a importância do instituto da responsabilidade civil, por estarmos nos
dirigindo à restauração de um equilíbrio moral e patrimonial que há muito vem sendo
desfeito.
Podemos dizer que atualmente observamos duas espécies de riscos, os
riscos concretos e os riscos invisíveis ou abstratos, característicos da sociedade de
risco. Assim, quando falamos de responsabilidade civil em matéria ambiental,
estamos nos referindo diretamente aos princípios da prevenção e da precaução,
instrumentos necessários e fundamentais para o papel de evitar a ocorrência de
danos ambientais e sua reparação depois de já ocorridos.
Para que haja responsabilização por eventuais danos que o meio
ambiente possa vir a sofrer ou de que tenha sido vítima, necessidade de
verificação do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. Nossa legislação
brasileira identifica a responsabilidade civil tratando-a nas formas subjetiva e
objetiva. Na responsabilidade civil subjetiva, a importância está na culpa; na
10
responsabilidade objetiva (imputação objetiva), verifica-se a existência ou não do
nexo de causalidade. E quando tratamos de danos ambientais, assimilamos uma
árdua tarefa, pois a prova do dano nestes casos é algo extremamente complexo,
deixando, desta forma, que recaia sobre a relação de causalidade o maior problema,
hoje, no que se refere à responsabilidade civil.
A partir da formação da sociedade industrial, os danos ambientais passaram
a ser frequentemente produtos de várias causas concorrentes e sucessivas, não
tendo como característica uma causalidade simples, e sim muito complexa, o que
faz da incerteza científica um dos maiores obstáculos à prova do nexo causal para a
imputação da responsabilidade objetiva.
Evidenciamos hoje a importância da superação de teorias clássicas acerca
do nexo de causalidade, para uma maior avaliação e um melhor resultado quanto à
prova diante de danos ambientais e sua reparabilidade. A avaliação de danos e
resultados através de dados exclusivamente fáticos dificulta a prova do nexo causal
para eventos ocorridos em setores em que a atividade esteja estreitamente
vinculada ao desenvolvimento científico e tecnológico.
A realidade dos riscos contemporâneos vem mostrar ao Direito o desafio de
propor alternativas para problemas que não podem mais ser analisados apenas
restritivamente, em âmbito de ações locais e atuais. Necessitamos atualmente de
uma resposta jurisdicional quando tratamos de causas ambientais, o
necessariamente vinculadas à responsabilização objetiva, mas através de uma
análise mais aprofundada de causas e consequências, atuais e futuras, com maiores
critérios de configuração jurídica do nexo de causalidade para a atribuição da
imputação objetiva por danos ambientais.
Atualmente, a doutrina e a jurisprudência brasileiras, diante dessa
complexidade comprobatória em relação ao nexo causal em caso de danos
ambientais, têm verificado a forte necessidade de elaboração de tratamentos mais
adequados e menos dificultosos ao tema, surgindo a tendência de novas teorias
para a atenuação da prova do nexo causal. Isso ocorre diante da sensibilização do
Direito para um melhor atendimento jurisdicional em matéria ambiental.
Mas apesar de a preocupação ambiental ter crescido muito nos últimos
anos, o Direito Ambiental ainda é um ilustre desconhecido para muitos, e boa parte
da população considera a legislação ambiental um obstáculo ao desenvolvimento
econômico.
11
No que se refere à degradação do meio ambiente, o princípio da precaução
passou a ser aceito, tanto no âmbito internacional como no nacional, especialmente
nas últimas três décadas. Inovou-se o tratamento jurídico relativo a essas questões,
evitando antagonismos de leis, decretos e portarias. Implementar o princípio da
precaução não significa imobilizar as atividades humanas ou o impedimento a tudo,
este princípio surge para visar à durabilidade da sadia qualidade de vida das
gerações futuras e à continuidade de uma vida natural farta em nosso planeta.
Durante a pesquisa, tratamos de questões na ordem de responsabilidade
civil ambiental, dificuldades de sua comprovação probatória nos processos
ambientais, interferência dos avanços tecnológicos na verificação do dano ambiental
e, ainda, dificuldades de assimilação pelo Direito das incertezas científicas, fruto da
sociedade de risco.
Além de proceder à pesquisa bibliográfica, este trabalho investigou as
legislações ambientais de âmbito nacional e fez uma importante análise, através de
buscas jurisprudenciais, de algumas decisões do nosso Tribunal de Justiça do RS,
dos Tribunais de SC, SP e RJ, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, a fim de demonstrar a
evolução das decisões judiciais referentes à configuração do pressuposto do nexo
de causalidade, especialmente tratando-se de novas tecnologias e também para
avaliar como os riscos produzidos por essas decisões devem ser geridos.
12
1 O DIREITO E AS QUESTÕES SOCIOAMBIENTAIS NO SÉCULO XX
O Direito Ambiental nasceu devido a uma sociedade industrial, mas está
totalmente vinculado à sociedade de risco, também chamada de pós-industrial,
conceito desenvolvido pelo sociólogo alemão Ulrich Beck,
1
referindo-se à atual
sociedade, caracterizada pela busca incessante de novas tecnologias, mas também
por inúmeras falhas do sistema de garantia de previsibilidade das consequências
das decisões desta sociedade, que se obriga à adaptação de novos modelos de
desenvolvimento, dos quais vamos avaliar consequências e ponderar os princípios
ambientais, exigindo-se da tutela ambiental limites de critérios, ordem e função para
sua ideal aplicabilidade.
A ciência do Direito vem sofrendo um abalo de paradigmas, pois está
fundamentada em dogmas tradicionais em face de problemas sociais com novas
características. Para Ulrich Beck, o processo de industrialização é indissociável do
processo de produção de riscos, uma vez que uma das principais consequências do
desenvolvimento científico industrial é a exposição dos indivíduos e do meio
ambiente a riscos e a inúmeras modalidades de contaminação nunca observados
anteriormente. Portanto, os riscos, decorrentes da industrialização e do
desenvolvimento de novas tecnologias, acompanham a distribuição dos bens.
Do medievo até os dias de hoje, problemas tradicionais como guerras
(religiosas, civis ou de expansão territorial) e doenças continuam a assolar o mundo,
mas, a partir da segunda metade do século XX, um elemento novo na ideia de risco
é vislumbrado: o risco passa a ser global e não mais ameaça a existência de uma
pessoa concretamente considerada e exposta à determinada situação, passando a
ser contemplada uma ameaça da existência da sociedade como um todo.
2
1
Ulrich Beck, em sua obra Risk Society: towards a new modernity, fazendo uma síntese do que
chama de Sociedade de Risco, descreve três conceitos:
. Irresponsabilidade organizada: forças econômicas e políticas da sociedade, que escondem a
existência e as consequências dos riscos e atribuem a responsabilidade a situações do acaso.
. Estado de segurança industrial: a sociedade trata dos perigos a que ela mesma deu causa. Os
institutos tradicionais da sociedade industrial, como normas e formas de responsabilidades, são
capazes de lidar com os riscos atuais, através de novos instrumentos de reparação.
. Explosividade social dos perigos: surgimento de diversos conflitos sociais. Há reconhecimento de
que o sistema institucional é incapaz de lidar com os riscos e perigos e com suas consequências.
2
BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo Global. Madrid: Siglo Veintiuno de España Editores, 2002,
p. 25.
13
1.1 A CRISE ECOLÓGICA
A crise ecológica é apenas uma das faces da atual crise social evidente em
nossa modernidade. A proposta de superação dessa situação exige reflexão social
sobre os problemas e uma busca incansável de soluções e mudanças de
comportamento, bem como a compreensão social do ambiente e das relações que
ele mantém com o ser humano. Atualmente, a doutrina sociológica reconhece que
estamos em um período de crise, um período de transição da sociedade industrial
capitalista e até mesmo da própria modernidade para algo que não definimos e nem
identificamos claramente, mas que mostra seus sinais. E a problemática cresce a
partir do momento em que admitimos que a sociedade moderna assentou seus
padrões e estruturas de organização sobre as premissas, nem sempre verdadeiras,
baseadas numa racionalidade científica moderna.
Com o surgimento da sociedade industrial no século XIX, caracterizada pela
divisão de classes sociais, o Direito, a Economia e a Política são submetidas a
novas condições: no Direito, assiste-se à formação de uma ciência jurídica
sistematicamente organizada; na Economia, emerge um modelo capitalista da forma
industrial; e na Política, começam as construções do Welfare State. Após o Estado
liberal, Estado social, este é o Estado de bem-estar social, que “consistiu, na
verdade, em uma produção da racionalidade moderna para fomentar a lógica da
distribuição da riqueza (para uma sociedade de classes, hierarquizada, fundada na
distinção entre escassez e lucro), através de uma postura intervencionista”.
3
Segundo as ideias de Beck, os riscos aos quais a sociedade moderna está
exposta são resultados do desenvolvimento tecnológico e científico e se
caracterizam por não demonstrarem limitações entre tempo e espaço, por não se
enquadrarem nas regras tradicionais de responsabilidade e por serem
extremamente difíceis de indenizar. Na mesma linha, também citamos Giddens
4
, que
sustenta que os diversos atores dessa sociedade devem mobilizar-se para minimizar
os possíveis impactos negativos de novos riscos. E, contrário a essa ideia, De
3
CARVALHO, Delton Winter de. Dano ambiental futuro: A responsabilização civil pelo risco
ambiental. São Paulo: Forense universitária, 2008, p. 15.
4
GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e
estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 1997.
14
Giorgi
5
defende a impossibilidade ou não necessidade de imposição de medidas
precaucionais, porque a geração dos novos riscos faz parte da evolução social, e as
novas tecnologias oferecerão alternativas suficientes. Assim, podemos demonstrar
como vem sendo discutida, nas últimas décadas, essa ideia de sociedade moderna,
extremamente complexa, onde debates internacionais e nacionais, em casos
administrativos e judiciais, obrigam os operadores do Direito a decidir diante de
incertezas e divergências dos cientistas quanto a situações de riscos ambientais.
O desenvolvimento tecnológico e o aumento de riquezas propõem uma
transformação dos riscos, onde a ideia de uma sociedade de classes fica
abandonada e, além de problemas milenares de desigualdades sociais, somos
também expostos a perigos com características eminentemente novas.
Podemos constatar a formação de uma justiça intertemporal, caracterizada
por direitos e obrigações entre gerações distintas. Deve haver controle do futuro pela
teoria jurídica, levando-se em conta a evolução de uma sociedade para melhor
enfrentamento da teoria da imputação em tempos atuais e principalmente para
análise dos pressupostos da responsabilidade civil quando tratamos de danos e
riscos ambientais.
1.2 DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE
O direito humano ao meio ambiente se a partir de reivindicações sociais
por proteção dos recursos naturais como elemento essencial à sobrevivência da
população. É um direito de caráter principiológico, que reflete efeitos sobre todo o
ordenamento jurídico, orientando a interpretação e a aplicação das normas jurídicas.
A produção massificada e incontrolada de experimentos e aplicações de inovações
tecnológicas propicia situações com reflexos não mais preconceituosos, mas
generalizados (que atingem a todos indiscriminadamente) de direitos violados. o
direitos econômicos, sociais e culturais, políticos e civis, como: direito a posse de
terra; direito de ir e vir para os isolados; direito a saúde, trabalho e alimentação para
grupos atingidos por contaminação e direitos de moradores de áreas de risco.
5
DE GIORGI, Raffaele. Direito, Democracia e Risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre: Safe,
1998.
15
As populações tornam-se ainda mais desrespeitadas diante da pressão de
vários agentes públicos e empresários que insistem em construções e
empreendimentos industriais muitas vezes inviáveis, com indústrias altamente
mecanizadas e a tentativa de redução de exigências ambientais, flexibilizando
processos de licenciamento. Expansão da carcinicultura, da pecuária e da soja,
aumento do uso de agrotóxicos perigosos que faz crescer a contaminação nos
campos e nas águas e atinge moradores da zona rural e das cidades, são alguns
exemplos da difícil tarefa do controle ambiental. E, nesse sentido, a atuação do
judiciário não se manifesta significativamente. As decisões judiciais devem fazer
parte da construção de uma sociedade mais livre e justa.
Diante do compromisso social do operador do Direito para a formação de
uma ciência jurídica digna desta pós-modernidade, a crise ecológica parece conferir
uma certa transição de paradigmas, como descrevemos:
Esta busca, ampla e plural que é, passa também por uma perspectiva
emancipatória e não regulatória do Direito. Passa por uma redefinição do
mundo jurídico que regula nosso relacionamento com o ambiente, com a
casa, com o ecos. A busca passa por encontrar na norma ética uma
dimensão solidária para o agir humano. Passa por definir a relação homem-
ambiente a partir de outras bases, que não as da globalização neoliberal e
do utilitarismo. Vivemos uma era de transição. Uma transição de paradigma,
e por isto este caminho para uma segurança solidária e emancipatória, onde
o homem não seja prisioneiro e não esteja ameaçado por suas próprias
conquistas, passa pela conceituação de novos objetivos e passa pela
criação de um novo paradigma, dentro do qual serão construídos novos
direitos.
6
Um dos objetivos do Direito Ambiental é permitir um desenvolvimento
sustentável, em que haja comprometimento com a dimensão temporal futura,
ligando direitos e obrigações entre gerações passadas, presentes e futuras. E nisso
podemos verificar a importância de haver abrandamento e antecipações referentes
às avaliações do reconhecimento dos danos ambientais por instrumentos
processuais vigentes. E quando não houver formas de bases ao Direito Ambiental
por casos anteriores, o Direito deve criá-las.
6
BELLO FILHO, Ney de Barros. Teoria do direito e ecologia: apontamentos para um direito ambiental
no século XXI. In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, Jose Rubens Morato. Estado do direito do
ambiente: tendências, aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 73.
16
O sistema jurídico, quando tratamos de responsabilidade ambiental,
manifesta-se de forma vaga, diante da gravidade apresentada pela sociedade de
risco quando falamos de proteção do meio ambiente. Acreditamos que
[...] apenas com o reconhecimento dos riscos da atualidade, o que
pressupõe que sejam eles trazidos a público, o Direito Ambiental poderá ser
alicerçado sobre novas bases que viabilizarão a efetiva utilização de seus
instrumentos como forma de salvaguardar o meio ambiente ecologicamente
equilibrado para as gerações presentes e futuras.
7
Embora o ordenamento jurídico-ambiental brasileiro possua instrumentos
que não se limitam ao controle da produção e da proliferação de riscos, ressalta-se a
necessidade de afastar o Direito Ambiental da racionalidade da irresponsabilidade
organizada e desvinculá-lo da intenção do exercício de uma função meramente
simbólica.
O desenvolvimento global descontrolado e uma necessidade de proteção
efetiva do meio ambiente determinam o maior desafio das sociedades
contemporâneas. Mais prudência ambiental e gestão de riscos adequada são as
principais ocupações do Direito Ambiental. Mesmo com extrema capacitação técnica
e científica, o ser humano já se torna impotente diante deste desenvolvimento
insustentável que nos lançou a uma crise ecológica global em que o mundo atingiu
seus limites mais críticos da sua história.
Todo esse avanço das técnicas de produção são referenciais que
provocaram profundas transformações não apenas na forma de organização das
relações econômicas e sociais, mas sobretudo no modo como seriam, a partir desse
momento, definidas e legitimadas as relações de poder.
Em decorrência direta dessa evolução tecno-científica e de sua utilização
imediata pelo sistema econômico, desde de meados do século XX as instituições
sociais da sociedade industrial enfrentam, sem precedentes históricos, a
possibilidade de destruição das condições de vida no planeta, em virtude das
decisões que são ou que possam ser tomadas.
8
7
FERREIRA, Helini Sivini. A sociedade de risco e o principio da precaução no direito ambiental
brasileiro. Florianópolis. Dissertação do mestrado em direito. UFSC. 2003, p. 31.
8
BECK, Ulrich. La Sociedad de Riesgo. Hacia uma nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 2006,
p. 83.
17
A tutela do meio ambiente é uma das grandes preocupações de todo cenário
mundial. O desenvolvimento sustentável deve abranger critérios sociais, jurídicos,
econômicos e também políticas públicas eficientes para que os seus reflexos sejam
positivos na vida em sociedade, e o desenvolvimento econômico deve estar
amparado aos liames de um Estado Democrático de Direito, dentro das perspectivas
que norteiam a dignidade da pessoa humana.
A Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política
Nacional do Meio Ambiente, determinou as bases para o desenvolvimento
socioeconômico, os interesses de segurança nacional e a proteção da dignidade da
pessoa humana, diante de princípios estabelecidos e descritos nos seus artigos e
2º.
9
A referida legislação rege a atividade do homem na sustentação e
preservação das formas de vida como um todo, é a adaptação de um
desenvolvimento econômico que respeita os limites do meio ambiente. O direito
fundamental ao meio ambiente equilibrado decorre da importância da natureza para
a vida dos seres humanos
10
, tratando-se de um direito fundamental considerado de
3ª geração, onde as dimensões do Direito seguem o ideal da Revolução Francesa: a
construção de uma sociedade mais fraterna.
9
Art - Esta Lei, com fundamento no art. 8º, item XVII, alíneas c, h e i da Constituição Federal,
estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação,
constitui o Sistema Nacional do Meio Ambiente, cria o Conselho Nacional do Meio Ambiente e institui
o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental.
Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação
da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana,
atendidos os seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como
um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos
recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas;
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade,
objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.
10
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 6. ed. São Paulo, SP: Malheiros, 2007,
p. 58.
18
1.3 A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Em uma sociedade totalmente competitiva, sabemos que não são tarefas
fáceis a proteção dos princípios fundamentais, um desenvolvimento econômico com
visão sustentável do meio ambiente e principalmente o respeito aos parâmetros
legais. Mas desenvolver exige planejamento e um eficaz gerenciamento de recursos
que apresente monitoramento das condições ambientais, enfim, uma mudança no
modo estratégico de agir e de pensar o desenvolvimento, assegurando
compatibilidade de sobrevivência dos interesses econômicos e dos recursos
naturais. Essa complexidade da atual sociedade está diretamente vinculada à
conformação do Estado à ficção do Estado de Direito Ambiental, que visa a criar e
disponibilizar os meios mais eficazes à proteção do meio ambiente.
11
N
ecessitamos do estudo de mecanismos jurídicos que possibilitem a
conciliação dos interesses discutidos: o desenvolvimento das inovações
tecnológicas e a proteção ambiental, pois o progresso da ciência, da tecnologia e da
inovação vem promover a prosperidade da qualidade de vida dos seres humanos na
sociedade, mas esse progresso também resulta em riscos e consequências
irreversíveis à vida no planeta. Precisamos indicar as bases teóricas para o estudo
da efetividade do Direito, especialmente do Direito Ambiental, ao amparo da
seguridade das inovações tecnológicas, demonstrando maior interesse à aplicação
do princípio da precaução na construção desses modelos.
A Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano
(Estocolmo, 1972), já discorria em seu princípio 18
12
sobre a questão da cooperação
e o livre intercâmbio de informações científicas e técnicas, que aumentam o
desenvolvimento, a adaptação, a difusão e a transferência de tecnologias. Da
mesma forma, os princípios
13
definidos na Declaração das Nações Unidas sobre
11
CANTOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada.
In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Estado de Direito ambiental:
Tendências, aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.
3.
12
Princípio 18 – A ciência e a tecnologia, como parte de sua contribuição ao desenvolvimento
econômico e social, devem ser aplicadas para evitar, identificar e controlar os riscos que ameaçam o
meio ambiente e para solucionar os problemas ambientais, em benefício do bem comum da
humanidade.
13
Princípios da Rio 92:
Principio 1: os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento
sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.
19
Ambiente e Desenvolvimento (Rio, 1992) e ainda na Declaração de Joanesburgo
(2002) reafirmam a necessidade de assegurar o acesso à capacitação e ao uso de
tecnologia moderna que resulte em desenvolvimento.
Embora as novidades o estejam apenas no campo da tecnologia, trata-se
de um conjunto de fatores sociais, culturais e da própria organização da sociedade.
Se, por um lado, as descobertas e aplicações do século XXI podem ser
responsáveis por importantes progressos das próprias questões ambientais, como
tratamentos de resíduos, produção de energias renováveis e tratamento de poluição
do ar, da água e dos solos através de novas tecnologias, por outro lado, é
impossível negar que todas essas inovações desencadeiam novos riscos (riscos
futuros), diante dos efeitos combinados de produtos químicos ou tóxicos, novas
doenças ou novos vírus, enfim, riscos ligados às novas tecnologias que são
responsáveis pelo aumento da incerteza científica e da agravação dos conflitos
sobre o uso dos recursos naturais. Para demonstrar a evolução (ou involução) social
e sua consequência para os homens e para o meio ambiente, apresentamos o
quadro a seguir:
14
Principio 2: o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas
equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente de gerações presentes e
futuras.
Principio 3: para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte
integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste.
Principio 4: para todos os estados e todos os indivíduos, com requisitos indispensável para o
desenvolvimento sustentável, irão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, a fim de
reduzir as disparidades de padrões de vida e melhor atender as necessidades da maioria da
população do mundo.
14
Adaptado do quadro fornecido na obra de PORTO, Marcelo Firpo de Souza. Uma Ecologia
Política dos Riscos: Princípios para integrarmos o local e o local na promoção da saúde e da justiça
ambiental. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007, p. 67.
20
Século
XIX
Produção de
máquinas e
ferramentas
Impulso do setor
têxtil e da
siderurgia
ACIDENTES E
DESASTRES
Acidentes com maquinários
Contaminação por metais e
outros
Explosão em caldeiras e minas
de carvão
Início do
séc. XX
Usinas
hidrelétricas
Motores
elétricos e de
explosão
Muito
petróleo e
derivados
Extração e refino
de petróleo
Avanços na
indústria química
e farmacêutica
ACIDENTES E
DESASTRES
Contaminações por diversos
fatores químicos
Acidentes automobilísticos etc
Metade
séc.XX
Biotecnologia
Energia
nuclear
Telemática
Informática
Agricultura em
expansão com
sentido de uma
“revolução verde”
ACIDENTES E
DESASTRES
Ampliação dos desastres
diversos
Explosões, contaminações por
uso de agrotóxicos, tragédias
nucleares (Chernobyl)
Final
séc.XX
Energias
solar e eólica
Biotecnologia
genética
(OGM)
Informática,
Química,
Medicina,
Farmácia
Informações
digitais
Agricultura
“genética”
ACIDENTES E
DESASTRES
Reconhecimentos de riscos
ecológicos globais
Incertezas do uso de tecnologias
(genética, agrícola, médica etc)
Quando tratamos de novas tecnologias, precisamos discutir as questões dos
riscos, a partir do momento em que admitimos que o elemento caracterizador dos
riscos é a incerteza. Atualmente a questão mais delicada enfrentada pela sociedade
é a dificuldade de escolha dos riscos que se deseja assumir, ou seja, da verdadeira
necessidade de produzir determinada atividade para o seu desenvolvimento. É o
que as ciências exatas chamam de riscos admissíveis e inadmissíveis, através de
análises que possam estabelecer limites e possibilidades de transgressões de
normas, o que exige não apenas um exercício técnico, mas também político e social
eficaz.
No entanto, antes de um devido aprofundamento na pesquisa e discussão
dos riscos ambientais assumidos pela sociedade moderna diante de desenfreadas
tecnologias, exatamente por sua configuração abstrata, falemos das dificuldades
21
que a ciência do Direito enfrenta quando procura, da melhor forma, resolver suas
lides ambientais. E comecemos com os conceitos e peculiaridades sobre o instituto
da responsabilidade civil no Direito comum e no Direito Ambiental, demonstrando
ligeiramente as características de seus pressupostos e, em seguida, o
enfrentamento do dano ambiental, sua difícil determinação e reparação, para,
finalmente, acrescentar o imperioso discurso dos riscos ambientais.
22
2 REGIMES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Sabemos que todo desenvolvimento traz consigo algum grau de risco e, por
isso, diversas leis surgem a cada dia para tentar estabelecer e impor limites que
devem ser assimilados e respeitados pela sociedade. E para cumprir com maior
respeito o princípio da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente protegido,
cada vez mais surgem legislações relacionadas à proteção do meio ambiente que
dão sustentação à intenção desse princípio no momento em que permitem ou
restringem certas atividades humanas.
A responsabilidade civil é um instituto do Direito que serve para compensar o
prejuízo sofrido pela vítima e que está amparado por um princípio geral de direito.
Em um sentido amplo do termo, é possível compreender responsabilidade como
sendo o resultado decorrente do o cumprimento de uma obrigação. No momento
em que alguém se obriga perante outrem a uma conduta positiva ou negativa e não
a cumpre, arcará com as implicações decorrentes de tal ato, salvo se o não
cumprimento for decorrente de algum dos casos considerados excludentes da
ilicitude e do dever de indenizar, como, caso fortuito ou força maior, e, ainda assim,
desde que não esteja descrito no plano obrigacional que o agente responsabiliza-se
pelos seus atos.
A responsabilidade, por sua vez, decorre tanto de uma relação contratual
como extracontratual; porém, independente do tipo de relação, o princípio basilar é o
dever de indenizar. “A importância crescente da responsabilidade civil, no Direito
contemporâneo, é reconhecida pela doutrina como ‘um dos mais relevantes
capítulos de toda a ciência jurídica, cada vez mais na ordem do dia’”.
15
Genericamente, a responsabilidade civil é discutida por duas correntes:
teoria subjetiva da culpa e teoria objetiva da responsabilidade sem culpa. Esta última
é que iremos aprofundar e discutir, por ser ela a teoria admitida às causas
ambientais e por compreender os seguintes elementos básicos:
15
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das obrigações. 11. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 385.
23
a) existência de uma conduta ilícita (ação ou atividade em desacordo com o
direito); b) existência de um dano ressarcível, resultante de uma conduta
ilícita (ação ou omissão contrária ao direito) ou de uma conduta lícita, mas
causadora de prejuízo a outrem, ao patrimônio alheio (público ou privado)
ou ao meio ambiente externo ou interno (natural, sanitário, cultural,
socioeconômico ou do local do trabalho); c) existência do nexo de
causalidade entre o agente (pessoa física ou jurídica, de direito público ou
de direito privado) responsável pelo ato ilícito danoso ou pelo ato lícito
danoso e o dano ressarcível ao lesado.
16
Esse nexo de causalidade é o pressuposto que iremos discutir com ênfase
quando tratarmos de comprovação dos danos ambientais, por considerarmos o mais
complicado pressuposto da responsabilidade civil.
O sistema civil brasileiro originalmente abraçou a teoria subjetivista, o que se
pode observar com uma simples leitura dos artigos 186 do atual Código Civil e
anterior 159 do Código de 1916. Contudo, o artigo 927 do código civil de 2002 traz
grande inovação quando diz que “haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem”.
Em relação a sua conceituação, afirma Rui Stoco: “[...] a noção de
responsabilidade [...] vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a
necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos”.
17
Para Gonçalves,
“a palavra responsabilidade tem origem do latim re-spondere, que é a ideia de
segurança, garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado, sendo
assim, conceito de reposição ou ressarcimento”.
18
Assim, neste instituto, a obrigação
pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra por fato próprio ou
por fato de pessoas ou coisas que dela dependem.
Também destaca Stoco em sua obra:
16
CUSTÓDIO, Helita Barreira. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. Campinas:
Millennium, 2006, p. 102.
17
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Responsabilidade civil e sua interpretação
doutrinária e jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 90.
18
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 449.
24
[...] várias são, pois, as significações. Os que se fundam na doutrina do
livre-arbítrio, pondera o eminente Pontes de Miranda, sustentam uma
acepção que repugna à ciência. Outros se baseiam na distinção, aliás, bem
vaga e imprecisa, entre psicologia normal e patológica. Resta,
rigorosamente sociológica, a noção da responsabilidade como aspecto da
realidade social. Decorre dos fatos sociais, é o fato social. Os julgamentos
de responsabilidade (por exemplo: a condenação do assassino ou do
ladrão, do membro da família que a desonrou) são ‘reflexos individuais,
psicológicos, do fato exterior social, objetivo, que é a relação da
responsabilidade. Das relações de responsabilidade, a investigação
científica chega ao conceito de personalidade. Com efeito, o se
concebem nem a sanção, nem a indenização, nem a recompensa, sem o
indivíduo que as deva receber, como seu ponto de aplicação, ou seja, o
sujeito passivo, ou paciente [...].
19
Diversos conceitos e observações nos permitem verificar que, com o passar
dos tempos, tornou-se inevitável a célere transformação do instituto da
responsabilidade civil, sendo que as relações entre as pessoas também se
modificam e vão criando novas espécies de obrigações que se adaptam ao
comportamento e à vivência em sociedade, e o grande exemplo dessas situações
são os casos de responsabilização por danos ambientais, que apresentam a cada
dia maior complexidade aos olhos de doutrinadores, julgadores, técnicos, enfim,
operadores do Direito e sociedade em geral.
Costumam os doutrinadores classificar a responsabilidade civil em duas
espécies: a responsabilidade contratual, sempre prevista por um pacto ou negócio
jurídico realizado, e a responsabilidade extracontratual, caracterizada de preceito
legal e seus princípios. Essa responsabilidade extracontratual é a que nos interessa
para a discussão do tema proposto, por ser ela a responsabilidade discutida e
considerada pelo Direito quando tratamos das lides ambientais.
O ponto de partida para uma responsabilização civil é um dever violado.
Pode ser dentro ou fora de uma relação contratual. A culpa é um fundamento
genérico e um dos pressupostos da responsabilidade, quando assim exigir, tanto
contratual quanto extracontratual.
A maior distinção entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade
extracontratual está
19
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Responsabilidade civil e sua interpretação
doutrinária e jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 95.
25
[...] nas diversas características do fato ilícito que as gerou ou, melhor
ainda, na natureza diversa da ilicitude que caracteriza o fato. Assim,
enquanto na responsabilidade contratual a ilicitude do fato é dada pela
violação de uma normativa válida em relação a todos (erga omnes), no
último caso, trata-se da violação de normas na esfera dos direitos primários
e absolutos do particular, como o direito à vida, à incolumidade pessoal, à
integridade patrimonial, à honra, à intimidade, à reputação, etc.
20
Na culpa contratual, porém, examinamos o inadimplemento como seu
fundamento e os termos e limites da obrigação. Na culpa aquiliana ou extranegocial,
levamos em conta a conduta do agente e a culpa em sentido lato.
21
A doutrina
tradicional, em sua totalidade, conceitua a responsabilidade civil como contratual e
extracontratual, considerando que, no primeiro caso, um contrato entre o devedor
e o credor, referente à obrigação de indenizar, e, no segundo caso, não existe esse
contrato, e sim a infração de um dever de conduta, ou melhor, a obrigação de todos
de não lesar direitos de outrem. Já a culpa extracontratual é a resultante da violação
de dever fundado num princípio geral de direito, como o de respeito à pessoa e aos
bens alheios. [...] Por outro lado, a contratual é a violação de determinado dever,
inerente a um contrato. É o caso do mandatário que deixa de aplicar sua diligência
habitual na execução do mandato [...].
22
Podemos dizer que a responsabilidade civil
extracontratual é toda aquela que está fora do contrato, classificando-se de acordo
com a natureza jurídica violada, podendo ser uma responsabilidade de ordem penal,
civil ou administrativa.
Na responsabilidade contratual, havendo prejuízo decorrente de
descumprimento obrigado por um contrato, o dever de indenizar; na
responsabilidade extracontratual, conforme explica Gonçalves, “a responsabilidade
não deriva de contrato, mas sim da infração de um dever de conduta, ou dever legal,
preceituado de forma genérica no art. 927 do Código Civil”.
23
Ainda na questão da
natureza das responsabilidades, temos que, quando falamos de responsabilidade
contratual, o inadimplemento presume-se culposo, a inadimplência permite ao
devedor uma culpa presumida; e na extracontratual, incumbe ao lesado, o ônus de
20
CUSTÓDIO, Helita Barreira. A questão constitucional: propriedade, ordem econômica e dano
ambiental. In: BENJAMÍN, Antonio Herman. Dano ambiental, prevenção, reparação e repressão.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 97.
21
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.
30.
22
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das obrigações. 11. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 450.
23
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 451.
26
provar a culpa ou o dolo do causador do dano, e essa diferença se torna essencial
na busca de uma justa indenização.
Dessa forma, observamos que qualquer conduta ou atividade violadora de
normas do Direito enseja uma determinada responsabilidade, promovendo a ocasião
para uma responsabilidade civil, desde que dela decorra um dano ressarcível a
qualquer pessoa prejudicada, física ou jurídica, de direito público ou privado, ou
como quando tratarmos dos casos de meio ambiente.
Diante de alguns pressupostos indispensáveis, o instituto da
responsabilidade civil é discutido através de duas teorias: a teoria subjetiva, que é a
regra geral do nosso Código Civil desde 1916 e seguido pelo Código de 2002, e a
teoria objetiva, prevista também no Código Civil e em leis extravagantes,
adequando-se a cada caso com suas características e particularidades.
Por estar amparada na noção de culpa, a teoria subjetiva é a que predomina
para o Código Civil. Todavia, diante de inúmeros motivos, a doutrina nacional
muito percebeu que a responsabilidade civil subjetiva não estava mais cumprindo
com satisfação as demandas que vinham surgindo a cada dia. As atividades
humanas não podiam mais ser baseadas somente em resultados certos e
concretos, deveríamos visualizar os prováveis riscos de qualquer atividade. E assim
surge a teoria da responsabilidade civil objetiva, da qual podemos citar como
exemplo o artigo 927 do Código Civil Brasileiro, que descreve: “Aquele que, por ato
ilícito (art.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. O parágrafo
único do mesmo artigo 927
24
descreve, pela primeira vez, a independência da culpa
como pressuposto do dever de indenizar.
Sobre essa questão, afirma Rodrigues:
[...] a responsabilidade civil, dentro do nosso Código Civil, tem a
predominância a regra estabelecida na teoria da responsabilidade civil
subjetiva, sendo que a teoria objetiva vem com caso específico e adequado
a cada caso, com suas devidas particularidades e requisitos, pois esta
afasta a ideia de culpa.
25
24
§ único do artigo 927: haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
25
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 15.
27
2.1 A RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIIVA - TEORIA DA CULPA
A teoria clássica, chamada de teoria da culpa ou subjetiva, é aquela que tem
na culpa o fundamento para a responsabilização civil. Não havendo culpa, não
responsabilidade. Nesse caso, a prova da culpa é requisito necessário para a
caracterização de um dano indenizável. Dentro da doutrina subjetiva, encontramos o
princípio segundo o qual cada um responde pela própria culpa, cabendo sempre ao
autor o ônus de provar a culpa do réu.
O Código Civil brasileiro é filiado a essa teoria, como observamos pela
leitura do artigo 186,
26
que dispõe sobre o dolo e a culpa como elementos para a
obrigação de reparar o dano.
A culpa pressupõe elemento indispensável à caracterização da
responsabilidade civil. Apenas responsabilidade quando existe a vontade (dolo)
ou a culpa, comprovadamente. Há, então, necessidade, de modo geral, de
comprovação de culpa, dano e nexo causal. É a existência de um dano contra o
direito, a relação de causalidade entre esse dano e o fato imputável ao agente, e o
fato de ter o agente se ocupado de dolo ou culpa (negligência, imprudência ou
imperícia).
2.1.1 A Culpa
Culpa é
26
Artigo 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito”.
28
[...] o ilícito, a ação ou a omissão praticada contra o direito. O antigo direito
romano somente conhecia o delito; praticado este, a vitima tinha o direito a
vingança. Não havia a preocupação com os fatores subjetivos que tinham
gerado o ato ilícito. A própria lei das XII tábuas não modificou em essência a
situação originária. Foi somente a partir da Lei Aquiliana que esta
concepção começou a se modificar. Porém, que se considerar que
apenas a partir do cristianismo é que a noção de culpa penetrou com vigor
no pensamento jurídico.
27
Considerando a teoria subjetiva como regra geral do diploma civil para que
haja responsabilização e, consequentemente, indenização pelos danos causados,
definimos que, somente pela previsão legal expressa, ou quando a atividade
exercida representar risco para os direitos alheios, a teoria objetiva é reconhecida e
aplicada, o que melhor dissertaremos a seguir.
Stoco comenta que,
[...] partindo do princípio geral de que a culpa se corporifica em ato ilícito e
este é a violação de um dever preexistente, passa-se à verificação de que
esse dever tanto pode ser de ordem legal, como de um preceito moral
determinado, ou uma obrigação geral de não prejudicar.
28
Na teoria da responsabilidade subjetiva, cabe ao autor, quando pretender o
ressarcimento de danos causados, demonstrar a culpa do demandado diante do fato
danoso, que se fundamenta no dolo ou na culpa. Uma regra geral do Direito Civil é
caber a quem alega provar o seu direito; aqui, voltamos à referência do artigo 186 do
Código Civil, onde encontramos o pressuposto do dever de indenizar. Assim,
sempre comete o ilícito aquele que falta ao dever que lhe é imposto pelos preceitos
da lei, violando o ordenamento jurídico.
O sujeito que incorrer na ilicitude é responsável pelos prejuízos que causar.
O ilícito é reconhecido como a violação danosa ou culposa do direito de outrem.
Vale salientar a melhor exposição do que seja ato ilícito, ressaltando que este se
caracteriza por toda ação ou omissão de uma pessoa que resultar em dano a
outrem, ficando o culpado obrigado a indenizar, visto que deu causa a um dano que
feriu um direito protegido por lei. Nesse sentido, descreve Miranda que, “nos atos
27
ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de direito ambiental: doutrina, legislação e jurisprudência. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002, p. 130.
28
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Responsabilidade civil e sua interpretação
doutrinária e jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 98.
29
ilícitos de direito privado, a conduta é culposa, contrária ao direito e repulsável por
indenização”.
29
Citamos também Venosa, que afirma:
Se o agente dos negócios e atos jurídicos, por ação ou omissão, pratica ato
contra o direito, com ou sem intenção manifesta de prejudicar, mas
ocasiona prejuízo, dano a outrem, estamos no campo dos atos ilícitos. O ato
ilícito pode constituir-se de ato único, ou de série de atos, ou de conduta
ilícita. Assim, o ato ilícito es no procedimento contrário a um dever
preexistente, sendo que sempre que alguém falta ao dever a que é adstrito,
comete um ilícito, e como os deveres, qualquer que seja sua causa
imediata, na realidade, são sempre impostos pelos preceitos da lei, estando
o ato ilícito importado na violação do ordenamento jurídico.
30
O atual Código Civil trouxe um aperfeiçoamento ao conceito de ato ilícito,
sendo que houve a substituição do “ou” (anterior art. 159) por “e” (atual art. 186).
Com a alteração, o elemento subjetivo da culpa passa a ser o dever violado. No
entanto, ainda mesmo que exista violação de um dever jurídico, que haja culpa ou
dolo por parte do agente, não haverá obrigação de indenizar caso não se tenha
verificado prejuízo.
Sempre que falamos de responsabilização subjetiva, sabemos que esta
exige um ato humano, seja uma ação ou omissão, e é ele que dará ensejo à
responsabilização. Pontes de Miranda assim descreve:
[...] ato jurídico é, pois, o fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a
regra jurídica; portanto, o fato de que dimana, agora, ou mais tarde, talvez
condicionalmente, ou talvez não dimane, eficácia jurídica. Não importa se é
singular ou complexo, desde que tenha unidade. A oferta é fato jurídico:
produz efeitos jurídicos.
31
O ato humano se de forma comissiva, quando a ação do agente, uma
ação positiva, se vincula ao prejuízo que se revelou à vítima. É assim que se
29
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Direito das Obrigações. o
Paulo: Saraiva, 2003, p. 242.
30
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.
37.
31
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Parte especial. Direito das obrigações. o
Paulo: Saraiva, 2003, p. 126.
30
estabelece a relação de causalidade e se positiva a responsabilização. A ideia de
ação é explicada da seguinte forma por Coelho:
[...] a ação é um movimento físico qualquer: acionar o gatilho de arma de
fogo, acelerar automóvel, assinar um documento, deixar cair ou atirar um
objeto..., mas qualquer movimento físico serviria para ilustrar a ação, dos
simples reflexos até os que dependem de sofisticadas operações
mentais[...] como movimento físico, a ação desencadeia necessariamente
eventos, muitos dos quais não têm importância nenhuma para o Direito, o
irrelevantes à solução dos conflitos de interesses manifestados em
sociedade.
32
Nesse mesmo sentido, Pereira esclarece:
[...] no campo dos atos humanos, os que o voluntários e os que não
dependem da vontade do indivíduo, sendo que os primeiros se caracterizam
por serem ões resultantes da vontade, vão constituir a classe dos atos
jurídicos, quando preencherem algumas condições legais, pois não são
todas as ações humanas que se constituem em atos jurídicos, pois apenas
traduzem conformidades com a ordem legal, uma vez que as
contravenientes às determinações legais vão integrar a categoria dos atos
ilícitos.
33
Ainda por Coelho:
[...] o primeiro elemento constitutivo da responsabilidade civil subjetiva é um
ato de ser humano, de um homem ou mulher, adulto ou criança. Atendidos
determinados pressupostos, esse ato humano dará ensejo à
responsabilização de um sujeito de direito. O civilmente responsável pelo
ato poderá ser a própria pessoa física que o praticou, outra pessoa física,
como o caso de responsabilidade por atos de terceiros [...].
34
A responsabilização por omissão do agente está relacionada ao ato negativo
também de terceiro legalmente responsável, quando omissão de cautelas
necessárias para evitar determinado prejuízo. A lei refere-se a qualquer pessoa que,
por ação ou omissão, venha a causar dano a outrem.
32
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 304.
33
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. RJ: Forense, 1999, p. 303.
34
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 306.
31
O dano a ser reparado pode também ser vinculado a uma omissão humana
ou a quem tinha o dever de fazer e o o fez, causando, assim, prejuízo a outrem,
que fica amparado por lei para que ingresse com pedido de ressarcimento dos
danos suportados por sua omissão. Para que a pessoa seja responsabilizada pelo
ato negativo, como afirma Sampaio
35
, mesmo sendo de difícil visualização, o
comportamento omissivo podegerar uma obrigação de ressarcir o dano, havendo
a necessidade, para que esse ato negativo ganhe relevância, faz-se necessário que
se tenha presente o dever legal de praticar determinado fato, de não se omitir, e que
este descumprimento venha a causar o dano.
Coelho identifica a necessidade da serem apresentados dois requisitos
para que haja configuração da responsabilidade subjetiva por omissão: “a) o sujeito
a quem se imputa a responsabilidade tinha o dever de praticar o ato omitido; e b)
razoável expectativa (certeza ou grande probabilidade) de que a prática do ato
impediria o dano”.
36
Voltando à questão específica da caracterização de culpa, para não
deixarmos de citar, mas para resumidamente esclarecer, lembramos dos
significados que subdividem seu conceito em culpa in eligendo (pode ser oriunda de
escolha, por exemplo, de um representante), culpa in vigilando (quando faltar
devida vigilância), culpa in comitendo (quando o agente pratica um ato positivo),
culpa in omitendo (que decorre da própria omissão) e ainda culpa in abstracto
(quando o sujeito se afasta da diligência em que costuma atuar).
A culpa também é definida de forma gradual, através de uma classificação
que advém do Direito antigo, como culpa grave, leve ou levíssima, isso de acordo
com uma intensidade maior, média ou menor, respectivamente, diante da
negligência, imperícia ou imprudência da conduta que determina o dano e que
inevitavelmente se torna de grande interesse para a questão de avaliação da
responsabilização indenizatória.
Em relação ao valor da indenização, a doutrina de Rizzardo esclarece:
35
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil. Responsabilidade civil. São Paulo: Atlas,
2003, p. 31.
36
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 311.
32
Normalmente, o grau de culpa não importa em maior ou menor peso na
indenização, cujo critério para a fixação é medida pela extensão do dano.
Embora gravíssima a culpa, ou tenha o causador agido com dolo, não
ultrapassará a indenização o dano provocado, em obediência ao art. 944 do
Código Civil, que trouxe regra que o constava no estatuto civil revogado:
‘A indenização mede-se pela extensão do dano’.
37
A questão também é discutida pelo autor e magistrado Cahali:
A maior ou menor gravidade da falta não influi sobre a indenização, a qual
se medirá pela extensão do dano causado. A lei não olha para o
causador do prejuízo, a fim de medir-lhe o grau de culpa, e sim para o dano
[...]. A classificação da infração pode influir no sentido de atribuir-se ou não,
responsabilidade ao autor do dano, o que é diferente.
38
Diante das referidas considerações a respeito do conceito de culpa e das
suas diversas graduações e modalidades, podemos caracterizá-la como a violação
de uma norma preexistente no ordenamento jurídico que se determina por um ato
ilícito. Tanto na culpa contratual como na culpa extracontratual, o agente fica
responsável civilmente pelos danos causados. Assim, a culpa, referida por uma
conduta dolosa ou culposa, constitui um dos elementos substanciais dos atos ilícitos
e uma consequente responsabilidade subjetiva.
2.1.2 O Nexo de Causalidade
Para a caracterização de uma efetiva obrigação indenizatória, é
indispensável, além do ato comissivo ou omissivo do agente e o dano, o nexo de
causalidade existente entre estes. Esse é o outro pressuposto que se exige para que
seja configurada a responsabilidade civil. O nexo de causalidade é o elo entre o
dano e a ação ou omissão que lhe deu origem. Não importando que seja a
responsabilidade subjetiva ou objetiva, a comprovação da relação de causalidade
entre o fato praticado pelo agente e o dano enfrentado pela vítima é necessário.
37
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 7.
38
CAHALI, Yussef Said. Dano e indenização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 124.
33
Esse nexo é definido por Cavalieri Filho como “o vínculo, a ligação ou relação de
causa e efeito entre a conduta e o resultado”.
39
Tratando de responsabilidade civil, escreve Rizzardo, quando explica nexo
de causalidade:
Não é suficiente a prática de um fato contra legem ou contra jus, ou que
contrarie o padrão jurídico das condutas. Muitos erros de conduta ou
violações de leis, se não trazem consequências negativas ou se não
ofendem os direitos, são irrelevantes à responsabilidade [...]. De sorte que,
para a responsabilidade surgir, dá-se a ligação entre o fato, a lesão e o
causador ou autor. Daí surge a relação de causalidade, ou o vínculo
causal.
40
O nexo causal é a configuração de uma relação existente entre o dano e seu
causador, e é isso que torna possível imputar ao indivíduo certa responsabilização
civil. É elemento indispensável em qualquer espécie de responsabilidade civil, um
elemento de difícil identificação, pois na maioria das vezes o evento danoso está
cercado de condições que se multiplicam e dificultam a clareza quanto a sua causa.
Embora o estudo do nexo causal tenha uma frequente aplicação na prática,
o que exige uma estabilidade de soluções, essa matéria não foi tratada pelo
legislador como merecia, pois quando a lei disserta sobre o tema, apresenta-se
obscura, insuficiente e breve. A questão comprobatória do nexo causal sempre
atentou a doutrina e a jurisprudência por sua importância, especialmente pela
grande dificuldade de verificação da culpa e sua respectiva responsabilidade. O
grande exemplo está na comprovação da relação causal quando tratamos de danos
ambientais, devido à diversidade de fontes poluentes, das mais simples as mais
complexas (grandes complexos industriais), que produzem atividades altamente
prejudiciais, mantendo a ciência em extremo esforço na análise de prováveis (e
improváveis) resultados de cada caso concreto.
A determinação do nexo causal apresenta pelo menos duas questões muito
problemáticas para o Direito: primeiramente, a que diz respeito à dificuldade de sua
prova, e em segundo lugar, a questão da perfeita identificação do fato que gerou a
verdadeira causa do dano. No caso específico do nexo causal relativo aos danos
39
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 1998, p.
71.
40
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 72.
34
ambientais decorrentes de múltiplas fontes poluentes, das mais simples às mais
complexas, a matéria assume ainda uma maior relevância e complexidade, exigindo
cada vez mais dos juristas e representantes do Poder Judiciário uma profunda
análise e interpretação do Direito Positivo, aplicável a cada caso concreto, para a
melhor solução das lides ambientais.
Durante muitos anos, predominou o entendimento de que era a culpabilidade
que determinava a medida da responsabilidade. Contudo, sabemos que, para a
responsabilidade civil, o que importa não é a gravidade ou o peso da culpa, mas o
nexo da causalidade, pois culpa não significa causalidade, e essa determinação do
nexo causal é imprescindível mesmo na responsabilidade civil por omissão.
Indispensável, contudo, é a comprovação do nexo da causalidade entre o
dano suportado pela vítima e a ação ou omissão do agente, para que exista a
responsabilidade pela indenização. Caso contrário, essa ausência da relação de
causalidade vai justificar a improcedência de qualquer pedido indenizatório. Nesse
sentido, para que haja fundamentado motivo ao exercício da responsabilização,
indispensável se faz a constatação da obrigação, através do principal pressuposto, o
dano, como elemento comum a qualquer espécie de responsabilidade civil, objetiva
ou subjetiva.
O prejuízo sofrido pela vítima, chamado de dano, pode ser individual ou
coletivo, moral ou material. Mas para a questão da responsabilização, o que importa
é a constatação de um dano injusto, citando aqui o princípio neminem laedere, pelo
qual a ninguém é dado prejudicar outrem.
Expõe Caio Mario da Silva Pereira: “É claro, então, que, se a ação se fundar
em mero dano hipotético, não cabe reparação. Mas esta será devida se se
considerar dentro da ideia de perda de uma oportunidade (perte d’une chance) e
puder situar-se na certeza do dano”.
41
Sem que se prove o dano, ninguém pode ser
responsabilizado civilmente, não existe fundamento para o pedido indenizatório, pois
não há o que reparar ou compensar.
A teoria geral da responsabilidade civil passou por períodos de constantes
transformações e de intensos debates públicos. Após o advento da CF/88, fica
caracterizada a preocupação da responsabilidade civil o mais em responsabilizar
comportamentos negligentes, mas sim em proteger vítimas de danos injustos. Foi o
41
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. RJ: Forense, 1999, p. 45.
35
momento que muitos chamaram de um processo de “desculpabilização” com o
incremento das hipóteses de responsabilidade objetiva. maior preocupação com
o ofendido e não com o ofensor. E assim, mais flexibilidade para o conceito de nexo
causal.
A questão de relação de causalidade, além de tratar também de aspectos
filosóficos, apresenta dificuldades de ordem prática. Os fatos, nem pelo lado da
causa, nem pelo lado do resultado, são de fácil verificação, as causalidades são
sempre complexas, múltiplas, interligadas. É como descreve Steigleder:
A determinação do nexo de causalidade aponta para a dicotomia entre o
jurídico e o científico. Perales refere que todas as teorias gerais sobre
causalidade têm um mesmo modo de aproximar-se do conceito de causa,
definindo-a a partir de dados puramente fáticos, fornecidos pela realidade.
No entanto, o autor distingue a causalidade jurídica da causalidade
naturalística ou científica, estabelecendo que, enquanto os cientistas
tendem a exigir um alto grau de prova para admitir uma determinada
relação de causa e efeito, o Direito busca, em primeiro lugar, a partir de
critérios que lhe são próprios, encontrar o sujeito agente e imputar-lhe a
responsabilidade que lhe corresponda. Estes critérios residem em juízos de
probabilidade, e não de certeza.
42
O nexo de causalidade para a teoria subjetiva significa, em verdade,
instrumento de cognição, que permite verificar o dano causado pelo agente e a
obrigação de este repará-lo ou não. Já a teoria objetiva elabora outro nível de
cognição, bastando conhecer da ocorrência do dano, como previsto em lei e desde
logo a imposição da reparabilidade do dano, não se perquirindo de culpa do agente,
bastando o risco, admitindo, assim, uma relação exclusivamente putativa.
A determinação do nexo causal é difícil porque impõe dois problemas
principais para o Direito: a questão da dificuldade da prova e a identificação do fato
que constitui a verdadeira causa do dano. Mais problemática ainda a questão se
torna quando estivermos tratando de casos em que o fato constitutivo da
responsabilidade não foi a única causa do dano, exemplo que normalmente
acontece nas situações dos danos causados ao meio ambiente.
Na matéria ambiental, a dificuldade de verificação do liame causal entre
conduta e resultado danoso ocorre devido à característica de uma sociedade pós-
42
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano
ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 197.
36
industrial que trabalha com riscos ambientais, tendo, como consequência de seus
atos, causas concorrentes e sucessivas, não permitindo uma forma simples de
avaliação por parte do Direito. A distância, a multiplicidade de focos emissores de
poluição e o tempo são os responsáveis pela dificuldade da prova do nexo causal.
E porque na maioria dos casos o resultado danoso ao meio ambiente resulta
de indeterminados e indetermináveis fontes, dificultando a responsabilidade de cada
agente pelos seus atos, é que muitos autores preocupam-se com essa situação.
Lembramos de Pontes de Miranda, quando conceitua:
concausação quando duas ou mais pessoas concorrem para o mesmo
resultado. Os responsáveis são co-autores, porque houve concausas e não
uma causa só ou pluralidade de causas para resultados diferentes, que
deram ensejo ao dano. Os concausadores ou são instigadores, ou
cúmplices, ou causadores, sem ligação, do mesmo dano, que nenhum
deles, sozinho, poderia determinar. Os causadores de danos, que se
juntaram, não são concausadores: cada um responde por sua parte ou
porção, porque a relação causal é entre o ato e o dano que cada um
produziu, e não o dano total. Se uma causa não produziria o mesmo
dano, nem duas ou mais causas, separadas, o o produziriam,
concausas. Se cada uma provocou situação que a outra agravou, mas
somente a última fez o dano, porque a primeira não o poderia determinar,
não há concausa.
43
É esse o maior questionamento na atualidade. Nas situações em que se
pode identificar o agente responsável, deixamos as vítimas sem reparação?
Nessa primeira análise já podemos demonstrar a necessidade de adaptação
do sistema de responsabilidade civil a essa complexidade de fatos que vem
ocorrendo na sociedade com o passar dos tempos, pois a responsabilização, em
sua forma tradicional, trabalha apenas com o dano ocorrido. Os pressupostos, em
especial o nexo de causalidade, a aceitabilidade das excludentes da
responsabilidade e as formas de reparação dos danos, são elementos
imprescindíveis às novas necessidades do modelo de responsabilidade.
43
MIRANDA, Francisco Pontes de. Tratado de direito privado, tomo XXII. 3. ed. Rio de Janeiro:
Editor Borsoi, 1971, p. 190.
37
2.1.3 As Teorias Clássicas da Relação de Causalidade
Diversas são as teorias no âmbito da própria teoria geral da
responsabilidade civil que procuram desenvolver critérios para esclarecer as
situações em que seja possível e desejável o reconhecimento de relação entre a
atividade do sujeito e a causação de um dano.
Nem sempre é tarefa cil sabermos se a contribuição de um fato para um
determinado dano é indispensável para considerá-lo o seu responsável. Existem
muitas dúvidas que são suscitadas no decorrer de uma tentativa de identificação da
relação causal quando ocorrem danos relacionados ao meio ambiente.
As teorias de causalidade tentam responder a esses questionamentos
através de variadas formas. Contudo, dentre essas teorias gerais podemos
mencionar ao menos três: equivalência das condições, causalidade necessária e
causalidade adequada.
2.1.3.1 Teoria da equivalência das condições
A teoria da equivalência das condições considera como causa do dano toda
e qualquer condição que, de forma direta ou indireta, tem influência na ocorrência do
dano. Para esta teoria, não diferença entre causas e condições de um dano.
Qualquer condição que seja indispensável para o evento é causa. E quando houver
pluralidade de causas, todas devem ser consideradas eficientes para a produção do
dano.
Acontece que, diante desta concepção teórica, o existem limites para a
imposição da obrigação de indenizar. É como afirma Noronha: “a extensão dos
danos indenizáveis ficaria impossibilitada de determinação”.
44
Podemos dizer, então,
que as condições são equivalentes entre si, não havendo uma determinada
condição para considerá-la a causa do dano, todas as condições são igualmente
necessárias e essenciais.
44
NORONHA, Fernando. O nexo de causalidade na responsabilidade civil. Revista dos Tribunais,
São Paulo, v. 92, n. 816, out. 2003, p. 736.
38
De início, essa teoria da equivalência de condições teve alguns seguidores
civilistas em Portugal, França, Itália
45
, mas, mesmo no âmbito do Direito Civil, foi
considerada muito ampla, recebendo muitas críticas por o assumir nenhuma
restrição quanto à regra da relação de causa e efeito, o que na aplicação do Direito
significa resultados preocupantes.
Na verdade, essa teoria não resolveria, por exemplo, a questão de
multiplicidade de causas para o resultado danoso, pois considera cada uma
individualmente suficiente para sua efetivação. Assim, a doutrina tentou em várias
situações fazer adaptações a essa teoria, limitando seu sentido e alcance, fazendo
considerações de causas juridicamente relevantes e irrelevantes; contudo, sabe-se
que é muito difícil a verificação de concausas na prática, o que faz permanecerem
os grandes problemas jurídicos.
2.1.3.2 Teoria da causalidade necessária
Seguindo sobre as teorias gerais de causalidade, citamos, em segundo
lugar, a teoria da causalidade necessária, que se preocupa em estabelecer, entre
todas as causas, a que mais apresenta relevância. Esta seria a considerada
determinante ao resultado, a mais importante.
Existiram várias tentativas de formulação de teorias, como a chamada teoria
da causa próxima, desenvolvida pelo reconhecido filósofo inglês Francis Bacon no
século XVI. Para essa teoria, a causa mais eficiente, um ato de ação ou de omissão
que movimenta uma sequência de causas, seria a determinante para o resultado
danoso. Segundo essa teoria,
45
Jaime Augusto Cardoso de Gouveia (Portugal); Mazeaud e Mazeaud, Lalou, Demogue, Marteau
(França); Marco Capecchi (Itália).
39
[...] entre outras tentativas, figura a teoria que, para tal, escolheu a última
condição, o que não deixa de ser lógico: se o efeito resulta do conjunto das
condições necessárias, estas só têm força causal quando estiverem
reunidas, e isso se sucede quando às outras se juntar a última condição.
Seria esta que daria a todas a força causal. É a teoria da última condição ou
da causa próxima.
46
No entanto, embora aparentemente coerente, a teoria da causa próxima
sofreu inúmeras críticas, não sendo seguida nem na França, nem na Itália e muito
menos no Brasil, mas segue ainda hoje com forte influência nos países da common
law, embora abandonada, pois a ciência jurídica reconheceu sua difícil aplicação.
Assim, a teoria da causalidade necessária, que vínhamos referindo, teve
melhor aceitação, pois o nexo de causalidade apresentava-se como uma relação
necessária entre o fato e o evento responsável pelo dano.
Além de influenciar a redação de alguns códigos, como o Código Civil de
Portugal de 1867, aqui no Brasil, em meados do século XX, Agostinho Alvim, que foi
Ministro do Supremo Tribunal Federal, defendeu essa teoria. Na sua interpretação,
podemos dizer que causalidade necessária ocorre quando a causa do dano é
necessária e suficiente para a ocorrência do dano, embora essa exigência seja
muito excessiva para uma formulação jurídica.
2.1.3.3 Teoria da causalidade adequada
Temos ainda, em terceiro lugar de nossa conceituação sobre as teorias
gerais, uma teoria subjetiva da causalidade, chamada de teoria da causalidade
adequada, que parece receber maior adesão entre os doutrinadores e que foi criada
por Ludwig von Bar e desenvolvida pelo filósofo alemão Johannes von Kries no
século XIX.
Explica-se essa teoria partindo de uma relação de pura condição, quer dizer,
o fato que vai determinar o dano é uma das condictiones sine quibus non para o
resultado final. Examina-se a adequação da causa em função da possibilidade e da
probabilidade de determinado fato vir a ocorrer, parte-se de uma relação puramente
46
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaios sobre os pressupostos da
responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1999, p. 391.
40
condicional. Considera-se a existência do nexo de causalidade a partir do curso
ordinário das coisas. A causa do dano será uma condição em que fatos da
normalidade poderiam produzir o resultado. Sua identificação passa por uma análise
de momentos anteriores ao dano e se verifica a previsibilidade de sua ocorrência.
Em caso positivo, vai se constatar a presença de nexo entre a atividade e o
resultado danoso.
Observa Noronha que:
[...] a teoria da causalidade adequada desdobra-se em duas formulações:
para uns, causa adequada é aquela que favorece a produção do dano; para
outros, é aquela que não é estranha a tal produção. Disso resulta que a
teoria da causalidade adequada se apresente sob duas formulações
fundamentais, chamadas de formulações positiva e negativa.
47
Para essa teoria, quanto maior é a aparência com que determinada causa se
apresente para gerar um dano, mais adequada é a causa em relação a esse dano.
Diante de pluralidade de concausas, verifica-se qual delas pode ser considerada
própria a causar o resultado.
Para entender melhor o raciocínio dessa teoria, citamos Alvim:
Apreciando certo dano, temos que concluir se o fato que originou era capaz
de lhe dar causa. Mas, pergunta-se, tal relação de causa e efeito existe
sempre, em casos dessa natureza, ou existiu nesse caso, por força de
circunstâncias especiais? Se existe sempre, diz-se que a causa era
adequada a produzir o efeito; se somente uma circunstância acidental
explica essa causalidade, diz-se que a causa não era adequada.
48
Assim, a responsabilidade não existe quando o dano é produzido por
diversas circunstâncias que sejam consideradas excepcionais, porque, nesses
casos, o nexo de causalidade não será adequado. É nesse aspecto que a teoria da
causalidade adequada mais se difere da teoria da equivalência de condições, pois a
causa é estabelecida em abstrato, na ordem natural das coisas, e não em concreto.
47
NORONHA, Fernando. O nexo de causalidade na responsabilidade civil. Revista dos Tribunais,
São Paulo, v. 92, n. 816, out. 2003, p. 743.
48
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. São Paulo: Saraiva,
1980, p. 369.
41
O julgador terá de retroagir ao momento da ação ou omissão para que possa
determinar se esta era ou não adequada para a produção do dano. Por sua vez, não
existirá nexo de causalidade adequado quando o dano for fruto de um concurso de
circunstâncias excepcionais das experiências que comumente acontecem na vida,
não sendo caracterizada a responsabilidade.
Antunes Varela discorre:
Não basta que a causa seja condição sine qua non do prejuízo, é preciso
que constitua, em abstrato, uma causa adequada para o dano. Nossa
jurisprudência tem efetivado a teoria da causalidade adequada, dando conta
da necessidade de uma relação de causalidade adequada entre o fato e o
dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de molde a provocar o
dano sofrido pela vitima, segundo o curso normal das coisas e a experiência
comum da vida.
49
Mas essa teoria da causalidade adequada, com o passar do tempo, para
que houvesse maior certeza da causa adequada ao dano, apresentou-se diante de
duas concepções, chamadas de formulação positiva e negativa. Na verdade,
procurou-se examinar, da melhor forma, a adequação da causa através de
possibilidades e probabilidades de determinado resultado vir a ocorrer diante de
acontecimentos de experiência da vida comum.
Quando falamos de formulações positiva ou negativa, queremos explicar
que, para alguns doutrinadores, causa adequada é aquela que vai favorecer a
produção do dano (formulação positiva) e, para outros, é aquela que não é
indiferente a essa produção (formulação negativa). Em relação a esse aspecto, a
causalidade se exclui quando tratar de circunstâncias estranhas ao fato. Os que
seguem a formulação positiva explicam que, sempre que se possa prever o dano
como uma consequência natural ou um efeito provável daquele fato, será
considerado causa adequada. os partidários da formulação negativa (maioria)
produzem um raciocínio inverso: vai se verificar se o fato é causa inadequada para a
produção do dano e, consequentemente, também irrelevante.
Para Noronha, a formulação negativa é a mais eficiente:
49
ANTUNES VARELA, João de Mattos. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina, 2003, p. 617.
42
[..] a formulação negativa deixa entrever a razão de subsistência do nexo
causal mesmo quando outros fatos tenham contribuído para o evento
danoso; a formulação negativa dilata o âmbito da causalidade; é mais
favorável para o lesado, porque facilita a prova do nexo causal; e, por fim, é
mais vantajosa também, quando o caso seja de simples modificação dos
riscos a que a coisa ou a pessoa estavam sujeitas.
50
Mesmo os autores que defenderam essa teoria de relação de causalidade
adequada observaram mais tarde a necessidade de algumas modificações que a
tornaria mais satisfatória, por exemplo, não analisar somente a causa e o efeito, mas
sim todo o processo causal. Canotilho, analisando as deficiências dessa teoria,
afirma:
Umas vezes porque a questão não pode ser solucionável em sede de
causalidade. A mudança de uma estrada, a supressão de uma via férrea, a
deslocação de uma universidade, serão actos estaduais susceptíveis de
acarretarem o aniquilamento econômico dos hoteleiros ou livreiros que
tinham a sua actividade dependente da existência de uma via de
comunicação ou de um estabelecimento de ensino. A medida estadual é
abstractamente causa adequada dos danos sofridos pelos comerciantes
referidos. É fácil de reconhecer, porém, que, ao alargar a responsabilidade
estadual a todos os danos desta espécie, cairíamos na aceitação de uma
responsabilidade objetiva geral do Estado [...]. Noutros casos passa-se o
inverso: a teoria da causalidade adequada leva-nos a negar a existência de
um nexo causalístico para certos danos, que razoavelmente se devem
considerar merecedores de tutela reparatória a cargo do Estado.
51
Embora criticada por apresentar características muito filosóficas, pois sua
aplicação concreta exige muito do arbítrio do julgador, essa teoria é uma das mais
aplicadas pela doutrina e jurisprudência no Brasil no momento em que procuram da
melhor forma identificar o nexo de causalidade. A causalidade adequada ficou
entendida como a teoria que explica a ligação entre um fato e um dano que é
consequência provável, natural e previsível; a ideia mais ajustada aos preceitos
constitucionais e legais sobre o dever de indenizar no Direito Ambiental.
Mas muitos seguidores dessa teoria, quando tentam explicar o nexo de
causalidade, frequentemente buscam constatar a causa necessária do dano,
confundindo-a com a teoria do nexo causal direto e imediato, que tenta resolver a
questão da interrupção do nexo causal na tradução do atual artigo 403 do Código
50
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 602.
51
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O problema da responsabilidade do Estado por actos
lícitos. Coimbra: Almedina, 1974, p. 313.
43
Civil
52
, que cita efeito direto e imediato. Por isso, torna-se muito complexa a
identificação da posição dominante dos Tribunais, que não demonstram muita
precisão em suas decisões.
A teoria da causalidade adequada é vista ainda, pela maioria da doutrina,
como a melhor explicação para a imputação do resultado ao agente que causou o
fato danoso. Consta da redação do artigo 403 do Código Civil, mas deve servir para
harmonizar o sistema jurídico em sua totalidade diante do instituto da
responsabilização. O critério probabilístico surge aqui, como interpretam os autores:
A teoria da causalidade adequada, na apuração da responsabilidade, lida
com a ideia cultural de probabilidade: ou seja, não é qualquer condição do
processo causal que é causa. Causa é condição que se mostra apropriada
a produzir o resultado que a respeito de cuja lesividade se indaga. A
questão seria saber responder à pergunta: é um fato deste tipo apto a
produzir este gênero de dano?
53
Contudo, todas essas teorias citadas na responsabilidade civil tradicional
mostram-se insuficientes para o adequado desenvolvimento em relação à
responsabilidade civil ambiental, que trataremos a seguir, diante de suas
peculiaridades, complexidades e dificuldades. Precisamos de uma dogmática
específica sobre a responsabilidade civil quando falamos em tutela de bens difusos.
2.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA – TEORIA DO RISCO
O século XX trouxe uma grande evolução para áreas científicas e
tecnológicas e, juntamente a ela, apareceram novas situações, ações e
preocupações criadas pelas atividades de risco que ficaram à mercê de uma
garantia jurídica ineficaz para o contexto apresentado por todas essas
necessidades. A teoria da responsabilidade subjetiva torna-se incapaz de solucionar
tais situações e começam a surgir as teorias do risco, não abandonando, contudo,
52
Artigo 403 do Código Civil: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos
incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo
do disposto na lei processual”.
53
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 609.
44
teorias a então consideradas. Mas a aplicação da teoria subjetiva, que exige a
demonstração da culpa para a reparabilidade, não encontra mais total amparo
doutrinário e jurisprudencial.
A teoria da responsabilidade objetiva, ou da culpa presumida, surge para a
satisfação de diversas situações fáticas que foram tornando-se corriqueiras e
exigiram da doutrina e da jurisprudência uma visão e uma solução mais segura e
aceitável para o enfrentamento da responsabilização civil brasileira. A construção
desse sistema foi decorrência da constatação da ineficiência que a questão da culpa
apresentava. O critério da responsabilidade findada na culpa não podia mais suprir
as necessidades da sociedade moderna. Surgiram novas necessidades por parte do
Direito, em virtude dos riscos das atividades, e a obrigação de reparar propagou-se
com a insuficiência da doutrina.
Diante da necessidade de uma melhor resposta ao instituto, a aplicação
desta teoria, obviamente, não é aceitável para a solução de todos os conflitos entre
as partes. Devemos o necessário respeito e cuidado a vários princípios do Direito,
como o princípio da legalidade. Contudo, quando tratamos de responsabilização,
sabemos que diversas condutas e acontecimentos precisam também ser amparadas
e resolvidas pela aplicação da teoria que trata da culpa presumida. Desta forma é
que respeitamos os princípios da prevenção e da precaução para aquelas condutas
complexas que não nos permitem, de imediato, definir sua extensão, relevância e
perigo. É o caso das situações de responsabilização em matéria ambiental, que
trabalha diretamente com os princípios da precaução e da prevenção, por serem
fundamentais para o papel de evitar a ocorrência de danos.
É devido à grande complexidade de comprovação probatória diante de um
dever indenizatório que o Direito do Consumidor e o Direito Ambiental são os ramos
que mais se entregam a essa teoria. A responsabilidade civil ambiental está
fundamentada no artigo 225, parágrafo da CF de 88, que recepcionou o artigo 14,
parágrafo 1 da lei 6938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), onde determina:
“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os
danos causados ao meio ambiente e a terceiro, afetados por sua atividade”.
54
54
BRASIL. Lei 6938/81. Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em:
<http://www.lei.adv.br/6938-81.htm>. Acesso em: 05 out. 2009.
45
A grande preocupação atual, especialmente diante da análise da
responsabilidade civil quanto aos resultados das atividades humanas em geral, está
no fato de que os reflexos danosos não estão apenas no presente, eles perpetuam
para as gerações seguintes indiscriminadamente, como bem cita Canotilho:
O direito intergeracional, estatuído no artigo 225 da Constituição da
República, corrobora a adoção do antropocentrismo alargado. O pacto de
preservação do ambiente que deve dar-se entre toda a coletividade e o
Estado (responsabilidade compartilhada) não se restringe a benefícios
atuais, mas sim, benefícios para as imemoriáveis futuras gerações,
proporcionando não uma concepção de preservação utilitarista, haja vista
que passa a haver um arrefecimento pela ideia de preservação pelo
benefício (pois os sujeitos beneficiados são abstratos), senão a reafirmação
de uma perspectiva autônoma do meio ambiente.
55
O instituto da responsabilidade civil objetiva sugere que, mesmo não tendo o
agente culpa alguma pelo dano causado à vítima, mesmo não havendo ato ilícito,
fica obrigado a indenizar quando comprovado o dano e o nexo de causalidade entre
o agente e o prejuízo refletido. O mesmo instituto também afasta o pressuposto da
culpa e indica que todo o dano é indenizável, sem haver necessidade de perquirição
da subjetividade do agente.
Na responsabilidade civil objetiva, também considerada de responsabilidade
fundada no risco, pois a ela não interessam julgamentos e condições particulares,
basta que os danos estejam relacionados às condutas para que aquele que exerceu
determinada atividade responda pelos riscos desta. Nesse sentido, Helita Barreira
Custodio disserta:
[...] com a teoria do risco, o juiz não mais examina o caráter lícito ou ilícito
do ato reprovado, evidenciando-se que as questões de responsabilidade se
transformam em simples problemas objetivos que se reduzem a simples
verificação de um nexo de causalidade.
56
Os doutrinadores em geral citam a previsão da responsabilidade objetiva
(sem culpa), em várias normas gerais e específicas. Dessa forma, a culpa não mais
55
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, Jose Rubens Morato. Direito Constitucional
Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 142.
56
CUSTÓDIO, Helita Barreira. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. Campinas,
SP: Millennium, 2006, p. 227.
46
se configura necessária para a caracterização da responsabilidade civil; a isso vai
interessar a causalidade que se verificar entre o resultado danoso e o fato que o
caracterizou, com aplicação do princípio segundo o qual toda pessoa que cause a
outrem um dano está sujeita a repará-lo.
Citamos aqui um acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: “Ao
poluidor responsável por fato lesivo ao meio ambiente descabe invocar a licitude da
atividade ensejada pela autorização da autoridade competente. A responsabilidade
no âmbito da defesa ambiental é objetiva”.
57
Seguimos com a doutrina:
A responsabilidade do poluidor, independentemente da comprovação de
sua culpa, impõe a aplicação objetiva da responsabilidade civil em casos de
danos ambientais como manifestação imediata dos princípios do poluidor-
pagador (quem contamina, paga) e da prevenção.
58
A responsabilidade civil baseada na regra da objetividade tem se adequado
cada dia mais à nossa realidade social e automaticamente vem demonstrando
evoluções por parte desse instituto no auxílio à ciência do Direito, através de
instrumentos jurídicos mais eficientes às questões complexas. Contudo, os efeitos
dos danos ambientais podem ser múltiplos, indo desde alterações climáticas até a
perda da biodiversidade, tudo com grandes reflexos negativos à qualidade de vida
humana. Isso justifica a característica complexa de causas e efeitos, tornando
insuficientes e insatisfatórios os padrões ortodoxos da responsabilidade civil, mesmo
na modalidade objetiva, ainda mais quando falamos de danos e riscos ambientais.
2.2.1 As Possibilidades de Exclusão do Dever de Indenizar entre o Risco
Integral e o Risco Criado
Ainda tratando de caracterização de responsabilidade civil, não podemos
deixar de citar as causas conhecidas como excludentes da responsabilidade. São
causas determinadas pela exclusão da ilicitude, da obrigação de indenizar; são os
57
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 3. ed. rev. atual. e ampl. o Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p. 443.
58
CARVALHO, Delton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 75.
47
casos de fato exclusivo da vítima, fato exclusivo de terceiro, e casos fortuitos e de
força maior.
Nesse sentido, disserta Coelho:
[...] verificada a excludente, a responsabilidade civil não se constitui. São
três as razões de exclusão da responsabilidade civil, subjetiva ou objetiva: a
inexistência de danos ou da relação de causalidade e a cláusula de não
indenizar. À vítima, em princípio, cabe provar os elementos constitutivos da
responsabilidade civil, enquanto ao demandado incumbe a prova da
excludente que tiver suscitado.
59
Quando as excludentes de responsabilidade forem verificadas, podem ser
arguidas pelo réu, cabendo tanto a responsabilidade subjetiva como objetiva,
ressaltando que incumbe ao réu o ônus de provar a existência das excludentes,
enquanto que, ao lesado, de modo geral, cabe a comprovação dos elementos que
caracterizam a responsabilidade civil.
Não raras vezes, a própria vítima contribui para a produção do dano. É o
caso que, pela doutrina e jurisprudência, devido ao silêncio da lei, chamamos de
culpa exclusiva da vítima. Quando constatamos esse fato exclusivo da vítima, ensina
Rodrigues que “o agente que causa diretamente o dano é apenas um instrumento do
acidente, não se podendo realmente falar em liame de causalidade entre seu ato e o
prejuízo por aquele experimentado”.
60
Nesse caso, o agente atuará como mera
ferramenta ao evento danoso.
Essa culpa exclusiva da vítima é uma das causas que interferem na
caracterização do vínculo entre o dano e a conduta do agente. Dessa forma, até
mesmo quando falamos de responsabilidade objetiva, que não exige a configuração
de culpa para responsabilizar, o agente fica excluído do dever de indenizar, pois a
ação exclusiva da vítima interfere na relação de causa que o relaciona ao dano.
Também podemos verificar uma concorrência de culpa, que é configurada
quando a vítima concorre com o agente para o resultado do fato danoso. Nesse
caso, conforme salienta Pontes de Miranda,
59
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 383.
60
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 165.
48
[..] não se trata de compensação de culpas, pois culpas não se compensam.
Trata-se apenas de verificar em que extensão o ofendido concorreu para o
dano ou se o aumentou, pois a relação de causação entre o dano e o fato
pelo qual outrem é responsável, é apenas a do dano causado menos aquele
que se liga ao ato do ofendido.
61
O fato exclusivo de terceiro é outra causa que exclui a responsabilidade do
agente. Assim como o fato exclusivo da vítima, o fato exclusivo de terceiro
interrompe a relação de causa que deve unir o agente ao dano. Disserta Silvio
Rodrigues: “Ocorre o dano, identifica-se o responsável aparente, mas o incorre
este em responsabilidade, porque foi a conduta do terceiro que interveio para negar
a equação agente-vítima, ou para afastar do nexo causal o indigitado autor”.
62
A participação de um terceiro na configuração de um resultado danoso
também pode ocorrer de forma total ou parcial. De forma total, o dano ocorre por
culpa exclusiva do terceiro; já na participação parcial, o terceiro é apenas coparticipe
no resultado. Nesse caso, não há a exclusão do nexo causal e a consequente
exclusão da responsabilidade, mas o agente concorre com a responsabilização.
O fato de terceiro não é considerado pelo nosso Código Civil como uma
excludente de responsabilidade expressamente. o Código de Defesa do
Consumidor o elencou de forma expressa, por exemplo em seu artigo 12, §3º, inciso
III e artigo 14, §3º, inciso II, onde a culpa de terceiro está como excludente de
responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços.
O fato de terceiro não se presume; o agente, quando responsabilizado, é
que deve provar a sua existência e sua ligação com o dano, identificando o nexo
causal entre o terceiro e o resultado. E não é qualquer fato do terceiro que quebra o
vínculo causal entre a conduta do agente e o dano. Contudo, a maioria dos
doutrinadores defendem claramente que, para a existência de exclusão da
responsabilidade do agente, não basta qualquer fato de terceiro, é necessária a
caracterização de pressupostos de causalidade que excluam a relação do agente
com o dano, como quando surgir um fato de todo distinto e autônomo do agente e
que seja capaz de produzir o evento danoso.
Também existe a discussão doutrinária a respeito da exigência ou não de ter
o terceiro uma conduta necessariamente culposa para a interferência da relação
61
MIRANDA, Francisco Pontes de. Tratado de direito privado, tomo XXII. 3. ed. Rio de Janeiro:
Editor Borsoi, 1971, p. 197.
62
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 301.
49
causal. No entanto, por maioria, sugere-se que, quando o fato de terceiro for a única
causa verdadeira do dano, a responsabilidade do agente deve ser afastada, sem a
verificação da noção de culpa.
Contudo, como nem o Código Civil anterior nem mesmo o atual
preocuparam-se de forma clara e específica com a questão do fato de terceiro, os
juristas deparam-se com constantes conflitos em relação a esse fato, até mesmo
fazendo uma confusão de conceitos, como às vezes faz a doutrina, com as
excludentes de caso fortuito e de força maior, como verificamos com a explicação de
Aguiar Dias:
[...] concluímos que não se pode confundir a causa estranha ou fato de
terceiro com a força maior, não obstante seus pontos de contato e a
possibilidade de sua coincidência no mesmo fato; que a causa estranha é,
em sentido relativo, o que a força maior representa em sentido absoluto,
que, portanto, para exonerar o devedor, a causa estranha deve revestir o
caráter de imprevisibilidade, não em termos abstratos , mas apreciada em
função do dever que incumbe ao agente.
63
Ainda como excludentes de responsabilidade, temos que além de ação
exclusiva da vítima e de fato de terceiro, o vínculo causal também pode ser
constatado por fatos que independem de atuação do agente, sendo o evento danoso
resultado de uma fatalidade, de um desdobramento anormal de acontecimentos.
Nesse caso, o autor do fato não terá responsabilidade pela indenização da vítima,
são os exemplos de caso fortuito e de força maior.
Durante muito tempo, a doutrina tentou distinguir os conceitos de caso
fortuito e força maior. Um dos critérios da distinção verificamos com Cavalieri Filho:
“[...] enquanto o caso fortuito era marcado pela imprevisibilidade, a força maior
caracterizava-se pela irresistibilidade. [...] a imprevisibilidade, portanto, é elemento
indispensável para a caracterização do caso fortuito, enquanto a inevitabilidade é o
da força maior”.
64
Com o passar do tempo, os civilistas começaram a defender que a distinção
não era um fato caracterizado pela natureza, e sim pelo grau, o que refletiu na
questão probatória. No entanto, essas distinções são importantes para as questões
63
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 685.
64
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 1998, p.
67.
50
práticas, mas novamente não houve preocupação de distinção por parte da
legislação no Código Civil anterior e nem mesmo no atual, que, por sinal, em várias
passagens, tratam os dois diplomas indistintamente.
A doutrina aponta algumas características exigíveis para a caracterização da
exclusão do liame entre o agente e o dano nos casos de caso fortuito e de força
maior, como a inevitabilidade, a imprevisibilidade, a atualidade e a
extraordinariedade, sendo que esses requisitos devem ser demonstrados pelo
agente.
O caso fortuito e a força maior são, tradicionalmente, causas de exclusão da
responsabilidade civil. Nas questões de Direito Ambiental, existem três
entendimentos distintos. Os que seguem a teoria do risco integral, que vamos
abordar adiante, não admitem nenhuma dessas excludentes, pois elas implicariam o
afastamento da condição de culpa, que não importa para a responsabilidade
objetiva.
Os que defendem a teoria do risco criado admitem as excludentes diante da
constatação de uma ruptura do nexo de causalidade entre o fato do agente e o
resultado. Verificamos, ainda, uma posição intermediária, que admite apenas a força
maior e o fato de terceiro como excludentes da responsabilidade, por constituírem
fatos imprevisíveis, irresistíveis e externos. Hoje, no Brasil, esta é a corrente mais
seguida pelos adeptos da teoria do risco criado, que admitem, como excludentes, a
força maior e o fato de terceiro.
A respeito disso, citamos Morato Leite:
[...] o motivo de força maior, para sua caracterização, requer a ocorrência de
três fatores: imprevisibilidade, irresistibilidade e exterioridade. Se o dano foi
causado somente por força da natureza, como um abalo sísmico, sem a
ocorrência do agente poluidor, dita força maior, nestas condições, faz
excluir o nexo causal entre prejuízo e ação ou omissão da pessoa a quem
se atribuiu a responsabilidade pelo prejuízo.
65
Contudo, diante de uma ou outra posição doutrinária, as excludentes de
responsabilidade civil serão invocadas para promover a defesa do réu. Com a
devida comprovação de alguma das situações de exclusão da responsabilidade,
65
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2003, p. 208.
51
desfaz-se o nexo de causalidade entre o agente e o resultado danoso, o que
desobriga o réu, legalmente, ao cumprimento da indenização.
2.2.2 As Excludentes na Responsabilidade Civil Ambiental
Discutindo sobre a possibilidade de incidência de algum tipo de excludente
da responsabilidade civil ambiental, muitos autores ainda entendem não ser possível
sua aplicação. É o que podemos verificar nas palavras de Morato Leite:
É oportuno esclarecer que a força maior diz respeito ao fato de a natureza,
superior às forças humanas, pelo estipulado no art. 1.058 do Código Civil,
excluir a responsabilidade do agente. Por seu turno, o caso fortuito diz
respeito a uma obra do acaso, como, por exemplo, a quebra de uma peça,
ocasionando lesão. [...] Entende-se, quando se adota a teoria do risco,
como é o caso da responsabilidade por dano ambiental no direito brasileiro,
trazer alterações às regras de exclusão previstas no Código Civil.
Lembremo-nos de que, nas regras do risco, o causador do dano é
responsável em virtude de sua atividade potencialmente poluidora,
sujeitando-se ao seu ônus, independente do exame da subjetividade do
agente.
66
O autor segue afirmando que o agente poluidor deve ser responsabilizado
integralmente pelos riscos oriundos de sua atividade.
Relacionando as ideias com as teorias do risco integral e do risco criado,
temos que os doutrinadores que seguem a linha do risco criado discutem os
problemas do risco, buscando identificar “entre as diversas causas que podem ter
condicionado a verificação do dano, aquela que, numa perspectiva de normalidade e
adequação sociais, apresente sérias probabilidades de ter criado um risco
socialmente inaceitável, risco esse, concretizado no resultado danoso”.
67
na teoria do risco integral, qualquer risco que a atividade possa produzir
justifica a presença de uma responsabilização. Apenas os fatos exteriores ao
homem é que não são causas de responsabilidade. Não se discute o motivo ou a
forma da ocorrência do dano, apenas se ele realmente ocorreu e se está vinculado
66
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2003, p. 208.
67
CRUZ apud STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões
do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 91.
52
ao fato. Essa teoria não admite excludentes de responsabilidade no caso de dano
ambiental, uma vez que, tendo a atividade causado o dano, esta deve responder na
sua totalidade e, quando houver mais de uma causa provável que justifique o
resultado danoso, todos serão reputados responsáveis.
Sobre as teorias do risco, descreve Steigleder:
[...] de um lado, (está) a teoria do risco integral, mediante a qual todo e
qualquer risco conexo ao empreendimento deverá ser integralmente
internalizado pelo processo produtivo, devendo o responsável reparar
quaisquer danos que tenham conexão com sua atividade; e de outro, a
teoria do risco criado, a qual procura vislumbrar, dentre todos os fatores de
risco, apenas aquele que, por apresentar periculosidade, é efetivamente
apto a gerar as situações lesivas, para fins de imposição de
responsabilidade.
68
Como exemplo da teoria do risco criado, citamos:
[...] não há que falar em responsabilidade de um eventual poluidor, se houve
ação de terceiros na causa do dano ambiental, vítima ou o, e,
evidentemente, nesse rol, ainda estão o caso fortuito (evento causado pela
ação humana de terceiros) e a força maior (evento causado pela
natureza).
69
Julgamos importante também o posicionamento de Paulo Affonso Leme
Machado:
Terremotos, raios e inundações constituem exemplos de fatos necessários
que poderão gerar efeitos que, em tese, poderiam afastar a
responsabilidade do devedor. Mas é preciso que sejam examinados os
casos concretos para comprovar se os efeitos desses fatos podiam ser
evitados e impedidos.
70
E segue:
68
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano
ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 198.
69
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004, p.
279.
70
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004, p.
344.
53
O possível responsável pelos danos ambientais diante dos fatos da
Natureza e de fatos de terceiro deve considerar, pelo menos, um duplo
posicionamento psicológico: prever a ocorrência desses fatos e prever seus
prováveis efeitos.
71
Assim, sobre as excludentes da responsabilidade civil ambiental, podemos
encontrar, na doutrina e na jurisprudência brasileira, seguidores que acompanham
tanto a teoria do risco integral, onde não se admite a incidência das excludentes
conhecidas como caso fortuito, força maior, fato de terceiro e culpa exclusiva da
vítima, como a teoria do risco criado, onde é admitida a incidência dessas
excludentes da responsabilidade civil ambiental.
71
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004, p.
345.
54
3 O DANO NO DIREITO AMBIENTAL
O dano ambiental vem propor um dos maiores desafios para o processo de
desenvolvimento econômico no mundo globalizado, tanto para os países
desenvolvidos, bem como para aqueles reconhecidamente emergentes. Contudo, a
quantificação e a reparação desses danos se tornaram o maior desafio para o poder
judiciário e os operadores do Direito, como podemos exemplificar especificamente
com o art. 225 da Constituição Federal de 1988.
72
A partir de 1988, com o advento da Constituição Federal, o meio ambiente
ganhou tutela jurisdicional diferenciada, apresentando normas constitucionais que
regulamentam as atividades econômicas, na busca do desenvolvimento mais
consciente, baseado no controle do Estado pela sociedade e na necessidade
mundial de novas avaliações das questões ambientais, bem como das relações
econômicas e políticas de cada nação.
Os fenômenos que afetam o meio natural se caracterizam muito por sua
complexidade. Mas é preciso, sobretudo, colocar em relevo os seguintes
elementos, que raramente se encontram nos danos não ecológicos: as
consequências danosas de uma lesão ao meio ambiente são irreversíveis
(não se reconstitui um biótipo ou uma espécie em vias de extinção), estando
vinculadas ao progresso tecnológico; a poluição tem efeitos cumulativos e
sinergéticos, que fazem com que estas se somem e se acumulem entre si; a
acumulação de danos ao longo de uma cadeia alimentar pode ter
consequências catastróficas (enfermidade de Minamata no Japão); os
efeitos dos danos ecológicos podem manifestar-se muito além das
proximidades vizinhas (efeitos comprovados pela contaminação das águas,
pelas chuvas ácidas, devidas ao transporte atmosférico a longa distância do
CO²); são danos coletivos por suas próprias causas (pluralidade de autores,
desenvolvimento industrial, concentração urbana) e seus efeitos (custos
sociais); são danos difusos ou individuais homogêneos em sua
manifestação (ar, radioatividade, poluição das águas) e no estabelecimento
do nexo de causalidade; têm repercussão na medida em que implicam
agressões principalmente ao elemento natural e, por rebote ou ricochete,
aos direitos individuais.
73
72
[...] Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
73
PRIEUR apud LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo
extrapatrimonial. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 99.
55
Para falar de dano ambiental, precisamos, antes de tudo, conceituar meio
ambiente. O homem é apenas parte da natureza e com esta deve interagir. Uma
acepção jurídica de meio ambiente está expressa no artigo 3º, inciso I da Lei
6938/81: “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,
química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
74
Nesse mesmo artigo de lei, da Política Nacional do Meio Ambiente, o
conceito de poluição vem definido de maneira extremamente ampla:
[...] degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta
ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou
sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo
com os padrões ambientais estabelecidos.
Podemos verificar que, quando a legislação fala de dano ambiental, permite
um conceito relativamente deficiente e indefinido, pois nem toda alteração negativa
do meio ambiente pode ser qualificada como poluição ou dano.
A doutrina normalmente aponta três grandes características quando trata do
dano ambiental:
[...] a sua anormalidade, que existe onde houver modificação das
propriedades físicas e químicas dos elementos naturais de tal grandeza que
estes percam, parcial ou totalmente, sua propriedade ao uso; a sua
periodicidade, não bastando a eventual emissão poluidora; e a sua
gravidade, devendo ocorrer transposição daquele limite máximo de
absorção de agressões que possuem os seres humanos e os elementos
naturais.
75
Conceituar dano e poluição ambiental, embora problemático, não parece ser
o mais importante diante da questão de se verificar se existe ou o o fato ou o
perigo quando há uma transformação do meio ambiente e, ainda mais, se essa
mudança é legal ou ilegal e se o causador das mudanças ecológicas deve ser
responsável ou não pela indenização daqueles que sofreram os prejuízos.
74
BRASIL. Lei 6938/81. Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em:
<http://www.lei.adv.br/6938-81.htm>. Acesso em: 05 out. 2009.
75
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004, p.
253.
56
Queremos dizer que é a gravidade do dano o ponto mais importante para a questão
da reparação do dano ambiental. A tolerabilidade pode excluir a ilicitude e anular a
responsabilização civil. A perda da qualidade ambiental é o ponto para determinar
quando um dano passa de tolerável a intolerável.
Uma questão muito discutida pelos aplicadores e doutrinadores do Direito
Ambiental é em relação às autorizações e licenças válidas concedidas pelos órgãos
ambientais competentes para que uma atividade possa ser desenvolvida, pela
questão de não servirem como excludente da responsabilidade por dano ambiental.
Alegam esses profissionais que autorizações e licenças geralmente são outorgadas
pelos órgãos administrativos com a “inerente ressalva de direitos de terceiros”.
76
Esse trecho pode se justificar pela semelhança com várias regras do nosso Código
Civil, por exemplo: quando tratamos dos direitos de vizinhança, queremos dizer que
tem de haver indenização ao prejudicado que teve de suportar uma turbação de seu
direito. Não é justo que um indivíduo sofra um dano ou prejuízo no seu patrimônio,
ainda que a atividade seja legal por ter sido autorizada pelo poder público.
No entanto, tratando-se de dano ambiental difuso, a situação é diferente. É a
coletividade que sofre uma interferência injusta nos seus direitos; quem reivindica é
a coletividade, cujos interesses, no Estado de Direito, estão sendo defendidos por
parte do poder blico, sobretudo dos órgãos administrativos da União, Estados e
Municípios, não se tratando de questões privadas.
Na concessão de uma autorização pública para a realização de uma
atividade que onera os recursos naturais, o efeito negativo sobre o meio ambiente
muitas vezes pode ser previsível, outras não. A produção de cimento, celulose,
produtos químicos e petrolíferos o exemplos de atividades que sempre causam
impactos negativos para o meio ambiente. E empregar processos e métodos
tecnológicos modernos de filtragem e limpeza dos efluentes, das emanações e dos
resíduos sólidos, ajuda na diminuição desses efeitos, mas nunca elimina os riscos e
perigos totalmente, até porque o dano ambiental projeta seus efeitos no tempo e
cada vez mais justifica incerteza no seu controle de periculosidade, como são os
chamados danos anônimos, cujos resultados não podemos certificar pelo
conhecimento científico atual.
Em relação à apuração do dano ambiental, mencionamos Antunes:
76
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.
216.
57
Por muito que se tenha falado sobre o assunto, a realidade é que, até hoje,
não existe um critério para a fixação do que, efetivamente, constitui o dano
ambiental e como este deve ser reparado. A primeira hipótese a ser
considerada é a da repristinação do ambiente agredido ao seu status quo
ante. Todos nós sabemos que não é simples a reconstrução de um local
degradado. Muitas vezes, a degradação de um determinado local implicou a
extinção de uma espécie vegetal, por exemplo. Evidentemente, no caso,
não será possível a plantação de novas plantas semelhantes àquelas que
foram destruídas. Como proceder? A morte de um animal ou de uma planta,
como pode ser compensada?
77
Devido a tantos questionamentos e incertezas, tornou-se cada vez mais
importante e fundamental o papel dos peritos ambientais na intermediação e
fundamentação dos interesses difusos, coletivos e individuais, representados pelo
setor público, estabelecendo-se, com o saber desses profissionais, um nexo entre as
causas e os efeitos da poluição ambiental e o impacto econômico gerado sobre a
coletividade.
Nossa realidade atual é de imaterialidade e não de concretude, e neste
ponto encontramos a grande diferença entre a existência de certeza e a atual
incerteza científica. Os riscos abstratos são riscos globais, invisíveis e
intergeracionais, e o Direito não pode ficar imune a isto. Na sociedade industrial, o
indivíduo era o centro de tudo, mas na sociedade pós-industrial, os riscos são
transindividuais, fronteiriços, atingindo a todos e ao meio ambiente
indiscriminadamente.
O dano implica alteração de uma situação jurídica, material ou moral,
incluindo apenas as alterações negativas, pois havendo mudanças positivas, não
que se falar em dano. Por isso, é preciso cautela ao falarmos dessa matéria, como
nos lembra Antunes: “A ressarcibilidade do dano não é, contudo, uma matéria
tranquila. A doutrina civilista tem entendido, por maioria, que é ressarcível o dano
que preencha três requisitos, a saber: certeza, atualidade e subsistência”.
78
Ainda sobre conceito de dano ambiental, dissemos que
77
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 247.
78
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 203.
58
[...] pode ser definido como toda degradação do meio ambiente, incluindo os
aspectos naturais, culturais e artificiais que permitem e condicionam a vida,
visto como bem unitário imaterial coletivo e indivisível, e dos bens
ambientais e seus elementos corpóreos e incorpóreos específicos que o
compõem, caracterizadora da violação do direito difuso e fundamental de
toda a sadia qualidade de vida em um ambiente são e ecologicamente
equilibrado.
79
Analisando a legislação nacional, o dano ambiental
[...] deve ser compreendido como toda lesão intolerável causada por
qualquer ação humana (culposa ou o) ao meio ambiente, diretamente
como macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção
totalizante, e indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e
individualizáveis e que refletem no macrobem.
80
E assim é que, para o Direito Ambiental, surgem tantos problemas, pois este
vem baseado numa estrutura de Direito que precisa e quer ver o dano, mas deve se
encaminhar pelos princípios da prevenção e da precaução, é um Direito que está
pronto e que agora conflita com a sociedade de risco.
3.1 AS CLASSIFICAÇÕES DO DANO AMBIENTAL
O dano ambiental, embora esteja relacionado diretamente ao meio ambiente
e suas propriedades com prejuízo da coletividade, também pode, em alguns casos,
refletir, material ou moralmente, sobre os interesses ou o patrimônio de um indivíduo
ou grupo determinado. Isso nos permite uma classificação de dano ambiental em:
dano ambiental coletivo (o dano ambiental propriamente dito), considerando o meio
ambiente como patrimônio coletivo; e dano ambiental individual, aquele que atinge
os indivíduos diretamente através de seu patrimônio material ou moral.
Podemos compreender o dano ambiental como uma lesão ao interesse da
coletividade em sentido amplo, ou de seus integrantes, individualmente
79
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 89.
80
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 104.
59
considerados, em sentido estrito. Dano ambiental significa, em uma primeira
acepção, uma alteração indesejável ao conjunto de elementos chamados de meio
ambiente, por exemplo, a poluição atmosférica; seria, assim, a lesão ao direito
fundamental que todos têm de gozar do meio ambiente apropriado. Contudo, em sua
segunda conceituação, dano ambiental engloba os efeitos que essa modificação
gera na saúde das pessoas e em seus interesses.
81
Sempre que nos referimos ao dano ambiental coletivo, visualizamos as
características transindividual e indivisível do direito tutelado. Como leciona Winter
de Carvalho, os danos ambientais coletivos
[...] dizem respeito aos sinistros causados ao meio ambiente latu sensu,
repercutindo em interesses difusos, pois lesam diretamente uma
coletividade indeterminada ou indeterminável de titulares. Os direitos
decorrentes dessas agressões caracterizam-se pela inexistência de uma
relação jurídica base, no aspecto subjetivo, e pela indivisibilidade (ao
contrário dos danos ambientais pessoais) do bem jurídico, diante do
aspecto objetivo.
82
Como instrumentos utilizados para a defesa ambiental coletiva destacam-se
a ação civil pública e a ação popular. A primeira, disciplinada pela Lei nº. 7347/85
83
e
considerada por muitos o meio mais adequado para reprimir ou impedir danos ao
meio ambiente, pode ser proposta pelo Ministério Público, pelas pessoas de direito
público interno, pelas paraestatais e pelas associações ambientalistas constituídas
legalmente pelo menos um ano. A segunda, regulada pela Lei . 4717/65, é
utilizada para o mesmo fim, bastando que haja os requisitos da ilegalidade e da
lesividade do ato ou fato que se pretende combater, tendo como titular o cidadão
comum. E existem ainda outros instrumentos legalmente eficientes, como o
mandado de segurança coletivo, que foi criado pela Constituição Federal de 1988,
no art. 5º, LXX.
81
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 94.
82
CARVALHO, Delton Winter de. A proteção jurisdicional do meio ambiente: uma relação jurídica
comunitária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 197.
83
Lei n 7347/85, onde o art.1º estabelece: “regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da
Ação Popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio
ambiente (inc. I) e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico
(inc.III).
60
Assim, quando falamos de dano ambiental coletivo, esclarecemos que toda
a sociedade será o titular da ação, mesmo quando pleiteada por uma instituição
específica, como uma entidade ambientalista, por exemplo, diferentemente do que
ocorre com o dano ambiental individual, em que uma pessoa ou um grupo de
pessoas será o titular da ação, havendo um procedimento judicial específico para
cada um, de acordo com cada dano e cada prejuízo.
Embora a matéria ambiental genericamente seja coletiva, latu sensu, o dano
ambiental pode apresentar característica individual ou pessoal, a exemplo do caso
em que apenas uma pessoa ou um grupo de pessoas sejam lesados em seu caráter
patrimonial ou moral; nesse caso, ação ordinária é o instrumento jurídico adequado
para a vítima dos danos de natureza patrimonial ou extrapatrimonial em matéria
ambiental, mas a ação cautelar e o mandado de segurança individual podem
também ser utilizados se os seus requisitos estiverem presentes. O nosso
ordenamento jurídico prevê os danos individuais e os causados a terceiros, mas
segundo a maioria da doutrina, as ações ambientais individuais são bem menos
corriqueiras que as coletivas.
Esse dano ambiental individual é também chamado de dano reflexo ou dano
ricochete, como explicamos com as palavras de Milaré: “essa é a modalidade de
dano ambiental que, ao afetar desfavoravelmente a qualidade do meio, repercute de
forma reflexa sobre a esfera de interesses patrimoniais ou extrapatrimoniais de
outrem”.
84
Quanto a isso, o interesse imediato é o de proteger a lesão ao patrimônio
e demais interesses da pessoa particularmente. E de uma forma mediata, é que se
vai defender o meio ambiente da coletividade, sua proteção e exercício da cidadania
ambiental. No entanto, pode o interessado valer-se de seu direito, fundamentando
seu pedido “em responsabilidade objetiva, na forma do citado art. 14, §1º, da lei
6938/81 e do art. 927, parágrafo único do novo Código Civil, provando que a sua
lesão pessoal foi oriunda de um ato de poluição, degradação ambiental ou risco
provocado pelo demandado”.
85
No que se refere à sua extensão, os danos ambientais podem ser de
natureza a) patrimonial, relativa à reparação ou indenização do bem ambiental
lesado (dano ambiental patrimonial); e/ou b) extrapatrimonial (ou moral), referente às
84
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 5. ed. rev. atual. e ampl. o Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 813.
85
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 139.
61
perdas de natureza não patrimonial suportadas pela coletividade ou indivíduo, em
razão da degradação do meio ambiente (dano ambiental extrapatrimonial).
86
Steigleder ainda justifica algumas divisões da dimensão extrapatrimonial do
dano ambiental autônomo: a) dano moral ambiental coletivo, caracterizado pela
diminuição da qualidade de vida e do bem-estar da coletividade; b) dano social,
identificado pela privação imposta à coletividade de gozo e fruição do equilíbrio
ambiental proporcionado pelos microbens ambientais degradados; e c) dano ao
valor intrínseco do meio ambiente, vinculado ao reconhecimento de um valor ao
meio ambiente em si considerado e, portanto, dissociado de sua utilidade ou valor
econômico, que “decorre da irreversibilidade do dano ambiental, no sentido de
que a Natureza jamais se repete”.
87
Destacamos que, nas questões referentes ao dano ambiental moral, ainda
estamos caminhando na busca de uma eficaz e necessária apreciação tanto por
parte da doutrina quanto da jurisprudência. O principal motivo é provavelmente o
fato de a legislação ambiental ser relativamente nova e desconhecida. E também
autores que não reconhecem tal categoria por entenderem que o dano moral é um
ataque a bens personalíssimos. No entanto, dano moral existe independente de se
tratar de matéria ambiental ou não, bastando que tenham sido atingidos valores
personalíssimos do ser humano, e se aplica tanto para os danos ambientais de
caráter individual quanto para os coletivos.
Relacionamos, a seguir, um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Paraná nos autos de um Reexame Necessário, onde em ação de indenização
formulada em face de um Município alegou-se que o lançamento de esgotos numa
galeria pluvial resultou em um processo de mortandade de peixes em riacho onde
desaguavam as águas poluídas. O autor da ação, que exercia, por onde passa o
riacho, atividade de piscicultura e explorava economicamente a área como um
pesque-pague, postulou indenização pelos danos materiais e morais consequentes
da poluição gerada pelo lançamento indevido de esgoto. Fundamentou seu pedido
diante do abalo emocional e patrimonial, devido à impossibilidade de continuar em
sua atividade. Imputaram ao Município responsabilidade por omissão de
86
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 97.
87
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano
ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 174.
62
fiscalização, e ainda, condenação por danos morais fundamentada no abalo sofrido
pelo autor pelo fim do seu negócio e tratamento psicológico que se prestou.
88
Os desequilíbrios do meio ambiente se refletem diretamente sobre as
condições de vida da sociedade e, em matéria ambiental, o que se protege é
exatamente a qualidade da vida humana, justificando a importância do aspecto
moral em se tratando de danos ao meio ambiente. Se mesmo a reparação do bem
ambiental sob a forma de indenização em dinheiro tem o seu lado moral, evidente
está o seu caráter muito mais compensatório do que ressarcitório.
Quando o dano material ambiental também gerar sentimentos de comoção
social negativos, como intranquilidade, desgosto, medo etc, haverá configuração do
denominado dano moral ambiental.
89
Entre diversos exemplos que podemos encontrar sobre dano moral
ambiental individual, referimos Freitas,
90
ao citar o caso de um cidadão que,
acostumado a pescar nas limpas águas de um rio, vê-se impossibilitado de o
continuar fazendo, porque um curtume passou a jogar detritos na água, sem
oferecer nenhum tratamento. Embora não tenha tido nenhum dano patrimonial, ele
tem total direito ao ressarcimento de seus danos morais e espirituais, e inclusive de
maneira individual, segundo expressão do jurista, que se viu privado de um lazer
essencial ao seu bem-estar. Segundo o magistrado, o dano moral ambiental é uma
88
TJPR, 3ª Cam. Civ. Reexame Nacessario: 120.571-2, Rel. Dês. Antonio Prado Filho. j. 25/06/2002.
89
São muitos os exemplos de dano moral ambiental. No plano nacional, é pertinente citar o episódio
ocorrido no Município de Araucária, em 16 de julho de 2000, envolvendo a Petrobrás. O fato consiste
no vazamento de quatro milhões de litros de petróleo, que atingiu os rios Barigüi e Iguaçu, neste
estendendo-se por 40 km. Houve comprometimento das águas, da flora e da fauna ali existentes. O
impacto emocional, a intranquilidade e insegurança atingiram a comunidade municipal, estadual e
nacional. Os efeitos do desastre foram sentidos também pela população do Município de União da
Vitória, distante cerca de 300 km do local dos fatos, pois seu abastecimento de água ficou
comprometido. Na cena internacional, foi marcante o episódio ocorrido na Baía de Minamata, no
Japão, Município de Kumamoto. Entre os anos de 1932 a 1968, esteve em atividade, no ramo de
fertilizantes, e, posteriormente, nos ramos petroquímicos e de plásticos, a empresa Chisso
Corporation, que, para efetuar suas atividades, despejou aproximadamente vinte e sete toneladas de
compostos de mercúrio junto à Baía de Minamata, afetando a fauna ictiológica e, consequentemente,
a população local, cuja alimentação era, basicamente, composta por peixes. Ao longo dos anos, os
efeitos desse processo de envenenamento dos peixes foram sentidos pela população respectiva em
meados dos anos 50. Constatou-se a degeneração do sistema nervoso central nas pessoas afetadas.
Apenas no final da década de 90 é que houve o fim dos levantamentos oficiais e a apuração do nexo
de causalidade, reconhecendo-se que quase treze mil pessoas foram vítimas da doença pela ação do
mercúrio. Esse quadro crítico vivenciado por décadas pela comunidade japonesa caracteriza, sem
dúvidas, um dano moral ambiental”. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 252.
90
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das Normas Ambientais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 37.
63
ocorrência mundial, tendo sido o direito positivo do meio ambiente adotado pela
legislação de diversos países.
Mas, como todas as questões relacionadas à indenização envolvem grandes
discussões e opiniões divergentes, colacionamos também uma decisão proferida no
Estado do Rio Grande do Sul, que aponta e defende outro ponto de vista quanto à
configuração de dano moral:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSTRUÇÃO DA USINA HIDRELÉTRICA.
NÃO COMPROVADO O DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
Como é sabido, em se tratando de responsabilidade objetiva atinente as
concessionárias de serviço público, na forma do disposto no art. 37, § 6º, da
Constituição Federal, ainda que os danos, eventualmente causados, sejam
oriundos de obra pública, em caso de obrigação de indenizar, a
demonstração do dano e do nexo causal são elementos indispensáveis para
tanto. In casu, extrai-se dos elementos constantes nos autos, a ausência de
prova efetiva a corroborar a alegação de danos morais sofridos pelos
autores, a ponto de ser acolhida a pretensão da reparação indenizatória ora
postulada. Ocorre que a demandada atendeu a um interesse público, ou
seja, de certa forma atendendo a interesses da população residente no local
de sua implantação. Assim pode-se evidenciar a instauração de processo
de licenciamento ambiental, com a realização de estudo dos impactos, bem
como da elaboração de um sistema que proporcionou remanejamento das
famílias direta e indiretamente atingidas. Porquanto, insubsistente a
alegação de inexecução de medidas necessárias ao melhoramento e
redução dos efeitos ocorridos na área afetada, eis que não restou
comprovada nos autos tal afirmação. Assim conclui-se que meros
transtornos ou aborrecimentos suportados pelos autores, não são
suficientes à configuração de dano moral pretendido. Sentença de
improcedência mantida. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. NÃO
CUMPRIDO O DISPOSTO NO ARTIGO 523 DO CPC. PRELIMINARES
PREJUDICADAS.
POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECERAM DO AGRAVO RETIDO,
JULGARAM PREJUDICADAS AS PRELIMINARES E NEGARAM
PROVIMENTO AO APELO.
91
Nesse julgamento, analisando detidamente os elementos probatórios, os
juízes, tanto de 1ª como de 2ª instâncias, defenderam não existir
91
TJRS, CÂM. CÍVEL, APELAÇÃO CÍVEL Nº 70019237551, REL. DES. ANGELO MARANINCHI
GIANNAKOS, JULGADO EM 14/12/2007.
64
[...] evidência efetiva da existência do dano moral passível de reparação, [...]
ressaltando que a Usina Hidrelétrica Machadinho, em que pesem eventuais
controvérsias articuladas pelos apelantes, por certo atendeu interesse
público e, sendo assim, por óbvio da população residente no local de sua
implantação.
92
Salientamos esses julgados como exemplos das diversas posições
enfrentadas por nossos Tribunais em qualquer situação apresentada em face de
questões ambientais indenizatórias. Ainda nesta mesma linha de raciocínio,
encontramos outro julgado, que discutiu a instalação da Usina Hidroelétrica de Dona
Francisca, e que também julgou baseado na idéia de não configuração da
responsabilidade civil, por haver a
[...] ruptura do nexo de causalidade como pressuposto do dever de
indenizar. Nesse processo, foi alegado que pequenas contrariedades da
vida, os dissabores, aborrecimentos, não são tidos como causa de
indenização econômica. Se assim fosse, inviabilizar-se-ia a convivência
social. o bastam meros aborrecimentos a embasar pedido de
indenização por danos morais.
93
O dano ambiental, por sua vez, diante de suas diversas classificações,
constitui “uma expressão ambivalente, que designa, certas vezes, alterações
nocivas ao meio ambiente, e outras ainda, os efeitos que tal alteração provoca na
saúde das pessoas e em seus interesses”.
94
Contudo, diante da complexidade de se
explicar e conceituar os danos ambientais em toda a sua extensão e ainda diante de
pouca contribuição fornecida pelo texto legal, acreditamos que a melhor solução
para essas questões está na presença ativa da doutrina e da jurisprudência e na
aplicação indispensável dos princípios gerais do Direito Ambiental.
92
TJRS, CÂM. CÍVEL, APELAÇÃO CÍVEL Nº 70019237551, REL. DES. ANGELO MARANINCHI
GIANNAKOS, JULGADO EM 14/12/2007.
93
TJRS, Câm. Cível, Apelação cível 70016534752, Rel. Dês. Íris Helena Medeiros Nogueira,
julgado em 28/03/2007.
94
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2003, p. 94.
65
3.2 AS DIFICULDADES NA REPARABILIDADE DO DANO AMBIENTAL
A reparação civil em matéria ambiental apresenta cunho material ou moral,
visto que segue a mesma estrutura das reparações civis propriamente ditas. Em se
tratando dos danos materiais causados ao meio ambiente, a única providência
indispensável é a tentativa de reparação dos prejuízos por parte de quem os
ocasionou se estes já estiverem consumados.
Para Antunes “enquanto as sanções penais e administrativas têm um caráter
de castigo, a reparação do dano busca a recomposição, quando possível, do que foi
danificado”.
95
No mesmo sentido, temos a própria Constituição Federal, que, em seu
artigo 225, declara a necessidade da reparar ou restaurar o meio ambiente lesado
ao seu status quo ante.
96
A gravidade do dano é ponto fundamental para se exigir reparação. A
tolerabilidade exclui a ilicitude e, em consequência, não deriva responsabilidade civil.
Um dano passa de tolerável a intolerável sempre que a qualidade ambiental, quer na
capacidade atinente ao ecossistema, quer na sua capacidade de aproveitamento ao
homem e a sua qualidade de vida, perder seu equilíbrio.
O dano ambiental é regido pela prioridade específica de reparação do
mesmo, estabelecendo a lei duas formas para que isto ocorra: a reparação natural
ou específica (ressarcimento “in natura”); e a indenização em dinheiro
97
. A reparação
natural ou específica é aquela forma de reparação em que o agente deve ver a
possibilidade em caráter prioritário do retorno ao estado em que estava o ambiente
antes de ser degradado. Caso não haja possibilidade de devolver o estado anterior
do ambiente, serelacionada a via de reparação de dano sobre um quantum a ser
ressarcido pelo agente causador do ato danoso. Sabemos que na maioria dos casos
é impossível o retorno do bem ambiental à condição anterior, o que inclusive vem
95
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 175.
96
§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das
espécies e ecossistemas;
§ 2º. Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a reparar o meio ambiente degradado, de
acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de
reparar os danos causados.
97
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 211.
66
justificar a grande importância à adoção dos princípios da prevenção e da
precaução, que no decorrer deste trabalho ainda iremos comentar.
Uma espécie extinta o tem como ser revista, assim como um rio
contaminado jamais apresentará as mesmas características naturais anteriores;
além do que, os resultado de cada degradação ambiental se somam ao de todos os
outros danos ecológicos ocorridos, potencializando-se cumulativamente. Para tais
casos, a indenização em dinheiro serve como uma forma de compensação ou de
reparação indireta aos atingidos pelo dano.
Leciona Mirra
98
que a degradação do meio ambiente, na sua dimensão de
bem material e dos diversos elementos corpóreos e incorpóreos que o integram,
seja no meio natural, cultural ou artificial, não permite em absoluto o retorno ao
estado inicial e é invariavelmente definitiva. A natureza, ao ter a sua composição
física ou biológica modificada por agressões que ela não consegue absorver ou
tolerar, não pode jamais ser verdadeiramente restabelecida do ponto de vista
ecológico.
Quando falamos de restauração natural do dano, o princípio da reparação
integral pode ser aplicado de forma relativa, sofrendo, em alguns casos, certas
limitações diante da proporcionalidade existente entre o dano e a reparação, sendo
que precisamos avaliar a capacidade de reconstrução do meio ambiente. O princípio
da proporcionalidade trabalha com a verificação das possibilidades jurídicas do caso
concreto, apresentando alternativas e limites adequados à restauração natural do
dano. Mas, ainda em nível de restauração integral, alegam alguns autores que
[...] em função da natureza coletiva do dano e da indisponibilidade do bem
jurídico protegido, objeto de direito fundamental, nenhuma das exceções da
regra da reparação integral pode incidir nessa matéria. Mais precisamente,
nem o legislador, por questões de política legislativa, nem os litigantes na
ação de responsabilidade civil, pela via da transação, nem os juízes,
fundados em critérios de equidade, podem estabelecer limites à reparação
do dano causado ao meio ambiente.
99
98
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 307.
99
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 317.
67
E, quando não considerarmos viável este modelo de restauração,
procuraremos a compensação, que vai substituir o bem ou elemento lesionado por
outro equivalente, com intuito de buscar uma situação ao menos semelhante àquela
anterior ao dano. Como muito bem distingue Milaré, “no primeiro caso, visa-se à
reintegração ou recuperação, in situ, dos bens afetados. No segundo, o objetivo é a
substituição dos bens lesados por outros funcionalmente equivalentes, ainda que
situados em local diferente”.
100
Por fim, sempre como última alternativa, temos a
indenização pecuniária como forma de compensação econômica, sendo que, no
Brasil, os valores arrecadados são revertidos aos fundos de defesa dos direitos
difusos, expressos na Lei da Ação Civil Pública.
101
No artigo 4º da Lei 6938/81, em seus incisos VI e VII
102
, a legislação
brasileira deixa clara a sua preferência pela primeira alternativa, o que nos parece
óbvio por pretender preservar o bem da natureza e não uma outra forma de
substituição. A compensação ecológica pressupõe a impossibilidade de se
recuperarem e restaurarem as áreas atingidas, mas também pode ser usada quando
a prestação pecuniária a ser cobrada pelo dano é tão alta que se torna inviável a
recuperação natural do bem ambiental.
O mesmo texto de lei define como sujeito responsável o poluidor e o
conceitua como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação
ambiental. Avançando a novos rumos para a responsabilização pelos danos
ambientais, após o Código das Águas e o Código Florestal, por exemplo, a Lei
6.938, de 1981, inovou ao instituir uma política nacional do meio ambiente, visando a
assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico, à segurança nacional e à
proteção da dignidade humana numa perspectiva de preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental, e ainda com a criação do Sisnama (Sistema
Nacional do Meio Ambiente), constituído de diversos órgãos com competências de
100
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 818.
101
Art. 13 da lei 7347/85: Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado
reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que
participarão necessariamente o ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus
recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.
102
Art. 4°: “A política nacional do meio Ambiente visará:
Inciso VI: à preservação e restauração dos recursos naturais com vista a sua utilização racional e
disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício a vida;
Inciso VII: à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos
causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.
68
âmbito federal, estadual e municipal, responsáveis pela implantação, controle e
fiscalização de uma política de desenvolvimento economicamente sustentável.
Mas o que queremos discutir é algo ainda mais complexo do que novidades
da legislação, da interpretação e das relações entre Estado e sociedade. O grande
desafio está em resolvermos e tratarmos da melhor forma a responsabilização pelos
danos ambientais, diante de casos e soluções diversas, através de novas técnicas
jurídicas reparatórias e preventivas. Exatamente porque o dano ambiental foge de
uma visão tradicional de dano é que encontramos os maiores desafios quanto ao
cumprimento de alguns pressupostos para o reconhecimento da responsabilização e
a imputação da obrigação de reparar. Por exemplo, como identificamos a
característica da pessoalidade no dano ambiental? E a verificação da certeza, que
depende de minuciosos fatores? Podemos citar infinitas questões ambientais de
difícil solução em razão do caráter difuso das fontes poluidoras e dos seus efeitos
cumulativos.
A questão da responsabilização civil em matéria ambiental tem como
principal objetivo a prevenção e possui como funções, além da prevenção e da
precaução do dano, também a internalização dos custos ambientais, o
encorajamento das empresas para investimentos e desenvolvimento para aumentar
o conhecimento e melhorar a tecnologia e o fomento de atitudes mais responsáveis
por parte dos poluidores.
Toda atividade humana pode revelar um resultado ao meio ambiente, mas
nem toda alteração ecológica resultante dessa atividade pode ser considerada dano
ambiental, sob consequência de travarmos totalmente o desenvolvimento
socioeconômico da humanidade. Como determinar, então, o nível de tolerância do
dano, sua gravidade no tempo e espaço, sua anormalidade e impessoalidade? O
dano ambiental normalmente não respeita fronteiras e repartições de competência
humanamente estabelecidas, nem limites espaciais quanto aos seus efeitos;
geralmente é um dano que se prolonga no tempo, em causa e efeito.
Diante de toda essa especialidade transdisciplinar, tica e jurídica,
analisaremos agora, mais detalhadamente, a questão probatória, em especial a
verificação do nexo causal nas lides ambientais.
69
3.3 NEXO CAUSAL NO PARADIGMA DO DANO
O problema do nexo de causalidade é, provavelmente, o que tem originado
maiores dificuldades em matéria de tutela do meio ambiente, sobretudo no que diz
respeito aos aspectos probatórios. Trata-se, em síntese, de situação jurídica que em
regra experimenta uma causalidade complexa. Não é fácil saber se a contribuição
de um fato para um dano é suficiente para considerá-lo gerador deste. Ainda pode
ocorrer que um só dano seja atribuído a diversas causas.
Nessa questão, ilustram Morato Leite e Carvalho: “[...] da mesma maneira, a
própria complexidade inerente ao ambiente ecológico e às interações entre os bens
ambientais e seus elementos fazem da incerteza científica um dos maiores
obstáculos à prova do nexo causal para a imputação da responsabilidade
objetiva”.
103
A responsabilização objetiva, quando tratamos de matéria ambiental, não
ignora a demonstração, no caso concreto, do nexo de causalidade entre a conduta
do agente e o dano causado, mas desvincula da prova de culpa. Esta necessidade
de apresentação do nexo causal é o que obriga o processo ambiental a ir além do
conhecimento jurídico, apegando-se ao estudo científico.
Preceitua Milaré, ao tratar da Tutela Civil do Ambiente:
Em matéria de dano ambiental, ao adotar o regime da responsabilidade civil
objetiva, a Lei nº. 6.938/81 afasta a investigação e a discussão da culpa,
mas não prescinde do nexo causal, vale dizer, da relação de causa e efeito
entre a atividade do agente e o dano dela advindo. Analisa-se a atividade do
agente, indagando se o dano foi causado em razão dela, para se concluir
que o risco oriundo dessa atividade é suficiente para estabelecer o dever de
reparar o prejuízo. Em outro modo de dizer, basta que se demonstre a
existência do dano para cujo desenlace o risco da atividade influenciou
decisivamente.
104
Nítidas são a dificuldade e a complexidade da questão de responsabilização
e reparação dos danos ambientais. Mesmo considerado o avanço nos casos de
103
CARVALHO, Delton Winter de. O nexo de causalidade na responsabilidade civil por danos
ambientais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 12, n. 47, jul./set. 2007, p. 78.
104
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 438.
70
responsabilidade civil objetiva, que é a que trata de danos ambientais, a prova do
dano torna-se de difícil comprovação por parte da vítima.
Uma verificação de que as teorias existentes para configuração da
responsabilidade civil se fazem insuficientes aos problemas ambientais, podemos
constatar nas palavras de Goldenberg e Cafferatta:
[...] al examinar las teorias generales sobre causalidad [...] se comproba que
todas tienem um mismo modo de aproximarse al concepto de la causa, em
cuanto la tratan de definir a partir de datos puramente fácticos que la
realidad nos da. Este enfoque debe entenderse, sin embargo, como um
elemento de confusíon, pues el elemento nexo causal, em cuanto concepto
jurídico que integra la responsabilidad civil, no tiene naturaleza fáctica, sino
jurídica.
105
A lesão ao ambiente, considerado enquanto conjunto de relações física,
química, biológica e cultural, traz especial dificuldade para a delimitação da extensão
do dano ocorrido, pois as interações existentes, quando afetadas, podem provocar,
por exemplo, somente a verificação do dano no futuro, e sua avaliação fica na
dependência de prova técnica. A poluição pode ocorrer de diversas atividades, e
muitas vezes essas atividades podem ser incertas, pois o dano ambiental, em regra,
não é de cil verificação, seu resultado pode aparecer depois de muito tempo.
Devido a todas essas incertezas apresentadas pelos fenômenos do meio ambiente e
condutas de agentes diversos, é que anunciamos a urgência do Direito à
modernização, também a técnicas jurídicas mais eficientes aplicadas à repressão e
reparação, bem como à educação ambiental de uma sociedade em geral.
Isso tudo porque sabemos que danos ambientais quase sempre resultam de
mais de uma causa, concorrentes, simultâneas e sucessivas. Os resultados danosos
ao meio ambiente são fruto de comportamentos cumulativos, e essa distância
temporal prejudica a prova do nexo causal entre o fato e o dano. Citamos aqui a
observação de Benjamin:
105
GOLBENBERG, Isidoro H.; CAFFERATTA, Nestor A. Dano ambiental: problemática de suralación
causal. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2007, p. 38.
71
É desafiador relacionar causa e efeito na maioria dos problemas ambientais
(efeitos sinergéticos, transporte de poluição a longas distâncias, efeitos
demorados, levando à pulverização da própria ideia de nexo de
causalidade). unanimidade na doutrina ao reconhecer-se que ‘os factos
da poluição são frequentemente de natureza complexa com efeitos difusos,
ocasionando danos distanciados da sua fonte e prolongados no tempo, em
concurso porventura com outras fontes poluentes.
106
Ainda em relação à multiplicidade de agentes, disserta Carvalho sobre a
solidariedade na responsabilização ambiental:
[...] todos aqueles que contribuam de qualquer forma para a ocorrência de
um dano ambiental devem responder pela integralidade do dano, cabendo a
repartição dos prejuízos internamente entre os causadores do dano, por
meio do exercício do direito de regresso por aquele que indenizou ou
reparou os danos em montante excedente ao seu percentual de
participação na lesão ambiental.
107
Sabemos que a prova, quando referida no processo civil, deve ser alegada
por aquele que diz possuir o direito, resultado da previsão legal instituída pelo
legislador a fatos corriqueiros. Essa regra, contudo, quando tratamos de direitos
difusos e coletivos, é flexibilizada, admitindo-se instrumentos facilitadores à
comprovação do nexo causal.
3.4 INSTRUMENTOS DE ATENUAÇÃO DO NEXO CAUSAL
Como primeiro exemplo, citamos os casos da inversão do ônus da prova,
com a justificativa de existir hipossuficiência por uma das partes, quando da
comprovação probatória. É a teoria que se ocupa das questões de relação de
consumo, como determina o Código de Defesa do Consumidor, quando facilita ao
consumidor a defesa de seus direitos com a possibilidade de inversão do ônus da
prova.
106
BENJAMIN, Antonio Herman. Responsabilidade vel pelo dano ambiental. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, v. 9, jan. 1998, p. 44.
107
CARVALHO, Delton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 109.
72
Nas questões ambientais, vai-se transferir ao empreendedor de uma
atividade considerada de risco ou de perigo a responsabilidade de demonstrar que
não houve relação de causalidade entre sua atividade e o dano, será dele o ônus de
provar. Dessa forma, o andamento das demandas ambientais seria facilitado, e o
juiz poderia exercer um grande poder discricionário, que é o que acontece nas
relações de consumo, onde se admite a inversão do ônus de provar quando o juiz
achar que, para determinada causa, o demandante é hipossuficiente.
Alguns autores acreditam ser válido o uso do artigo da lei do Código de
Defesa do Consumidor nos casos de danos ambientais, por apresentarem situações
parecidas, mas para a maioria, um grande alargamento no poder de decisão do
magistrado. Citamos a própria Lei da Ação Civil Pública, que referiu a aplicação
subsidiária do Código de Defesa do Consumidor quando se tratar de interesses
difusos e coletivos. É nítido caso de inversão do ônus da prova em matéria
ambiental.
108
Nesse sentido, discorre Marchezan que
[...] a possibilidade ope juris de inversão do ônus da prova afigura-se como
precioso instrumento para assegurar a efetividade da proteção aos
interesses difusos e coletivos, em especial ao meio ambiente, em cujas
demandas a questão probatória é de fato o verdadeiro ’calcanhar de
Aquiles‘ a dificultar os juízos de procedência.
109
Ainda sobre a difícil tarefa da comprovação do nexo causal entre as
atividades degradadoras e os danos apurados, esclarece Mirra:
108
O STJ, com o precedente do Recurso especial 1.049.822 RS, DJe 18/05/2009. STJ Recurso
especial 972902 / RS, segunda turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 25/08/2009, cravou
entendimento sobre a inversão do ônus da prova em Ação civil Pública que objetiva reparação de
Dano Ambiental, combinando o artigo 6º, inciso VIII da Lei 8.078/1990 c/c o artigo 21 da Lei
7347/1985 (ACP) e ainda juntamente com o princípio da precaução.
109
MARCHEZAN, Ana Maria Moreira. Ônus da prova em matéria ambiental. São Paulo: Júris
Síntese, 2004, p. 73.
73
De fato, como determinar a ocorrência e a amplitude da poluição do ar, de
um curso d’água ou do mar e de todas as consequências prejudiciais, atuais
e futuras, do fato danoso? Como apurar a existência efetiva e a extensão do
dano ambiental na realização de desmatamentos, levando em consideração
as características próprias do bem ou meio afetado? E o que dizer, então,
da destruição de exemplares de determinada espécie da fauna silvestre e
de atentados a bens integrantes do patrimônio histórico e cultural?
110
Fazer a prova do nexo causal é um dos maiores problemas para a ciência do
Direito quando tratamos de relações do meio ambiente, pois os danos são
frequentemente consequência de causas concorrentes, sucessivas, onde figuram
vários atores. Esses vários fatores complexos dificultam muito a prova do nexo
causal, cuja falta pode levar à ausência de reparação. Para Catalá, as maiores
dificuldades são la distancia, la multiplicidad de fuentes, el tiempo e la duda
cientifica”.
111
Não há dúvida de que a forma de operar da sociedade industrial refletiu essa
complexidade e, para o melhor enfrentamento na questão da demonstração e da
prova do nexo causal na responsabilidade civil por danos ambientais, esclarecemos
as principais concepções teóricas do Direito Ambiental, que surgem para amenizar
esses obstáculos. Encontramos autores que defendem a responsabilidade por
parcela de mercado (market share liability)
112
, uma postura que se volta para
enfrentar situações de grande complexidade. Foram os tribunais americanos que a
consideraram uma saída para a discussão de muitos acontecimentos. Contudo, é
uma posição muito extremada em relação à demonstração de causa e efeito.
Os danos ambientais apresentam grande dificuldade em relação a sua
prova, pois são danos causados por poluição crônica, com características
cumulativas, de atividades praticadas por multiplicidade de agentes, muitas vezes
indetermináveis. Eis alguns exemplos:
110
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente. o
Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 252.
111
CATALÁ, Lucía Gomis. Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente. Pamplona: Arazandi
Editorial, 1998, p. 161.
112
Por esta teoria, considera-se responsável todo aquele que não puder demonstrar sua total
independência quanto ao dano ambiental, sendo a responsabilidade medida pela parte que cada uma
das empresas possuía no mercado. O nexo de causalidade não é afastado, mas é compreendido da
forma mais tênue possível, que de outra forma não existiria possibilidade de atribuir
responsabilidade.
74
[...] neste sentido é o efeito estufa, que tem degradado a camada de ozônio,
e também a ocorrência de chuvas ácidas, provocadas por emissões de
poluentes na atmosfera. Assim, nestes casos, os danos são consequências
de efeitos cumulativos, pois um ato isolado não seria capaz de provocar tais
danos, mas sim o conjunto de atividades, inviabilizando a determinação de
suas causas em concreto.
113
Quanto à multiplicidade de agentes, o nosso Código Civil, ao tratar de
responsabilidade civil em seu artigo 942, na segunda parte, determina: “e, se a
ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.
Assim, quando houver múltiplos causadores do dano, todos serão considerados
responsáveis, existindo uma regra de solidariedade, até porque nosso Código Civil
apresenta uma regra de possibilidade de ação regressiva que permite a um agente
sozinho considerado responsável por conduta de que também participaram outros
agentes, ingressar com essa ação para tentar amenizar sua responsabilidade.
Em um segundo momento e diante das dificuldades de comprovação do
nexo de causalidade, “surge, em âmbito europeu, mais especificamente, pela
doutrina espanhola, a teoria das probabilidades como padrão interpretativo em
matéria de nexo de causalidade para responsabilização civil por danos
ambientais”.
114
A teoria das probabilidades parece servir como uma construção
específica da responsabilidade civil ambiental que, apesar de ainda não conseguir
resolver situações de extrema complexidade, pode oferecer um regime jurídico com
evidente potencial generalizador para situações de dano ambiental.
As dificuldades determinadas pela sociedade de risco não encontram. nas
teorias clássicas uma boa fundamentação. Nesse sentido é que refere Catalá:
115
Sin ànimo de menospreciar la valiosa aportación de los expertos científicos em um
proceso de responsabilidad por daños, hay que tener presente, por tanto, que la
incertidumbre científica no debe conducir a la incertidumbre jurídica”.
A legislação brasileira o apresenta, em sua estrutura, mecanismos que
favoreçam a carga probatória do nexo de causalidade nos casos de danos
ambientais. O Ministério blico é quem ainda pode atuar mais largamente nessas
questões a partir de sua investigação durante o inquérito civil público, com facilitação
113
CARVALHO, Delton Winter de. O nexo de causalidade na responsabilidade civil por danos
ambientais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 12, n. 47, jul./set. 2007, p. 75.
114
CARVALHO, Delton Winter de. O nexo de causalidade na responsabilidade civil por danos
ambientais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 12, n. 47, jul./set. 2007, p. 75.
115
CATALÁ, Lucía Gomis. Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente. Pamplona: Arazandi
Editorial, 1998, p. 164.
75
de pedido de informações, depoimentos e documentos que pode utilizar para o
devido andamento do inquérito.
Orientando-se pelo princípio da precaução em matéria de Direito Ambiental,
a teoria das probabilidades trabalha com o nexo de causalidade através de uma
aproximação entre as atividades potencialmente poluidoras e o dano identificado ou
suposto. Verificada nessa aproximação a probabilidade de a atividade ter causado o
dano, tem-se configurado o nexo de causalidade. Evidencia-se que tal situação não
se manifesta em abstrato, mas sim por meio de procedimento técnico-científico, sem
que haja necessidade de apontar certeza, bastando a probabilidade.
A partir da tensão entre enfoques científico e jurídico, a causalidade deve
restar comprovada quando os elementos apresentados levam a ‘um grau
suficiente de probabilidade’, a uma ‘alta probabilidade’, ou, ainda, quando
levam a uma probabilidade ‘próxima da certeza’.
116
O Direito, diante desta característica de causalidade complexa, obrigou-se a
oferecer soluções diferentes aos problemas ambientais, tomando decisões jurídicas
baseadas em probabilidades e não mais somente em fatos concretos, para a
caracterização de uma imputação objetiva. A responsabilidade derivada do risco tem
uma função econômica que a justifica. Esta função prende-se à teoria econômica da
distribuição de custos e proveitos. A escolha de exercer certa atividade pelo
empreendedor passa pela avaliação sobre o que produzir e de que modo fazê-lo.
Dessa forma, os danos derivados do exercício da atividade devem ser
alocados enquanto custo da própria atividade. Não é possível excluir todos os riscos,
que tais medidas seriam excessivamente custosas, muitas vezes aniquilando a
própria atividade.
Assim, atribuir ao empreendedor a responsabilidade pelo risco tem a função
de exercer uma pressão econômica na própria atividade, que resultará em medidas
suplementares de segurança, substituição do método de produção e, em casos
extremos, a própria extinção da atividade pela empresa. A compreensão dos
elementos que compõem a responsabilidade civil ambiental exige a identificação
técnico-científica da probabilidade, para a análise de cada caso individualmente.
116
CARVALHO, Delton Winter de. O nexo de causalidade na responsabilidade civil por danos
ambientais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 12, n. 47, jul./set. 2007, p. 98.
76
Busca-se sempre o maior grau de certeza possível, tanto na vinculação entre
atividade e dano quanto na determinação do próprio dano ambiental.
Embora o Direito reflita com muita resistência a questão de facilitação da
prova do nexo causal nas demandas ambientais, podemos encontrar e observar a
aceitação da probabilidade em alguns julgados, como o que citamos a seguir:
Ementa: Ação de Indenização. Poluição Ambiental. Agentes Poluentes.
Perícia. Nexo Causal. Tendo a perícia comprovado o procedimento nocivo
da ré, poluindo o meio ambiente com a emissão de partículas diretamente e
sem tratamento ao meio ambiente externo à empresa, de forma não
compatível com as legislações que regem a matéria e que, por isso,
advieram danos aos autores, assente a obrigação de indenizar. Quadro
alérgico congênito. Não obstante a patologia da autora se justifique por
quadro alérgico congênito, acentuado pelo hábito de fumar, concluindo o
laudo pericial que ela estava exposta por longo lapso de tempo aos diversos
fatores agressivos decorrentes da atividade poluidora da empresa, que
contribuíram efetivamente para o desencadeamento, ou agravamento da
patologia diagnosticada, presentes os pressupostos da responsabilidade
civil e decorrente obrigação de indenizar. Sentença mantida. Apelo
desprovido.
117
Apresentamos esse julgado para demonstrar a necessidade de as decisões
em matéria ambiental serem tomadas de maneira que os conhecimentos (e
incertezas) científicos não obstem a dimensão de melhores medidas aplicadas.
Assim, uma das alternativas legais é o Direito trabalhar com a ideia da precaução,
em que a teoria das probabilidades faz o reconhecimento do nexo de causalidade
através da aproximação da atividade potencialmente poluidora e o dano que se
suspeita, realizada por meio técnico-científico, sem, contudo, apontamento da
certeza, mas configurada a mera probabilidade.
Diante dessa análise, podemos então discorrer sobre as mais recentes
discussões e assimilações pela ciência jurídica em relação à responsabilização e à
imposição da reparação pelo dano ambiental, de uma obrigação de fazer ou não
fazer, sem a existência de um dano ambiental concreto, e ainda do reconhecimento
de uma responsabilização civil por risco, em caso de dano ambiental futuro, que
“não obstante a existência de previsões doutrinárias ou mesmo legais, [...] carece de
descrições caracterizadoras, bem como de uma teoria jurídica de base que lhe
117
Ap. Civ., TJRS, 9ª Câmara Cível, rel. juíza Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, j. 27.11.2002.
77
sustentação, aplicabilidade e operacionalidade”.
118
São os riscos reconhecidos pelas
possibilidades e probabilidades, em que não se exige o pressuposto tradicional do
dano (a certeza), mas fica atrelado a um dos princípios mais importantes para o
Direito Aambiental, o principio da precaução.
Experiências diárias demonstram à sociedade contemporânea que as
atividades perigosas e indiscriminadas resultam geralmente em danos irreversíveis,
irremediáveis e, quando possibilitam alguma restauração ou reparação, exigem
muito da questão do tempo e da técnica. Com essas observações e para que
possamos melhor compreender o caminho percorrido pela ciência do Direito para o
enfrentamento da questão da responsabilização, analisemos agora outras
circunstâncias de total importância para os instrumentos jurídicos do Direito
Ambiental e a indispensável interpretação das leis e das técnicas para o meio
ambiente.
118
CARVALHO, Delton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 121.
78
4 NEXO CAUSAL NO PARADIGMA DO RISCO: SOCIEDADE DE RISCO,
DIREITO E CIÊNCIA
Seguindo com a análise das questões problemáticas e características da
sociedade de risco e fortalecendo o discurso das relações entre Direito, Economia e
Sociedade e sua evolução, os autores Beck e Giddens,
119
avaliando a sociedade
industrial, destacaram que a ciência e a tecnologia eram as chaves para a
prosperidade material. Os métodos científicos utilizados pelos peritos não foram
questionados pela sociedade. E, diante da transição desta primeira modernidade
para a segunda modernidade, esta mesma ciência e tecnologia tornaram-se a base
dos problemas que originaram os chamados novos riscos. Para Beck
120
, a ciência
uniu-se à tecnologia e tudo transformou, o mundo se entre perigos e riscos, a
noção de controle de risco lugar a múltiplas formas de riscos e atinge a
população indiscriminadamente no momento em que tornam-se incalculáveis os
perigos e riscos sociais.
Em 1986, diante do caminho percorrido pela industrialização, o autor afirmou
que não se tratava mais de prever e indenizar os riscos, era necessário decidir e
assegurar uma distribuição mais justa. Mais tarde, em sua obra Sociedade de Risco
Global, ele retoma a discussão e procura definir o que vem a ser a modernidade,
como verificamos nesta passagem:
119
BECK, Ulrich. A reivindicação da Política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: BECK,
Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na
ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1997.
120
BECK, Ulrich. A reivindicação da Política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: BECK,
Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na
ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1997.
79
Na segunda modernidade, a estrutura da comunidade, do grupo e da
identidade perde sua base ontológica. Depois da democratização política (o
estado democrático) e da democratização social (o estado de bem-estar),
uma democratização cultural está transformando os fundamentos da família,
das relações do gênero, do amor, da sexualidade e da intimidade. Nossas
declarações sobre a liberdade começam a converter-se em fatos e a
desafiar as bases da vida cotidiana, assim como da política global. Sendo
‘filhos de liberdade’, vivemos em condições de democracia radicalizada para
as quais muitos dos conceitos e fórmulas da primeira modernidade se
fazem inadequados.
121
Direcionando para um conceito ambiental, Beck
122
esclarece que o
desenvolvimento tecnológico, refletido aagora, vem demonstrar um esgotamento
de recursos naturais diante do excesso de poluição, geração de resíduos, passivos
ambientais e inadequadas práticas de consumo, tornando insustentável este modelo
de progresso contemporâneo.
Uma linguagem científica das questões do Direito do Ambiente exige
tradução específica por parte de seus operadores, que se vêem, cada dia mais,
obrigados a entender e produzir respostas a esse meio. Neste contexto, Ost
descreve:
A questão da tradução da linguagem científica da ecologia para a linguagem
normativa dos juristas é aqui colocada. Para traçar o limite do permitido e do
interdito, instituir responsabilidades, identificar os interessados, determinar
campos de aplicação de regras no tempo e no espaço, o direito tem o
costume de se servir de definições com contornos nítidos, critérios estáveis,
fronteiras intangíveis. A ecologia reclama conceitos englobantes e
condições evolutivas; o direito responde com critérios fixos e categorias que
segmentam o real. A ecologia fala em termos de ecossistemas e de
biosfera, o direito responde em termos de limites e de fronteiras; um
desenvolve o tempo longo, por vezes extremamente longo, dos seus ciclos
naturais, o outro impõe o ritmo curto das previsões humanas. E eis o
dilema: ou o direito do ambiente é obra dos juristas e não compreende, de
forma útil, um dado decididamente complexo e variável; ou a norma é
redigida pelo especialista e o jurista nega este filho bastardo... recheado de
números e de definições incertas, acompanhado de listas intermináveis e
constantemente revistas...E no entanto, juristas e científicos, de igual modo
mobilizados pela urgência ecológica, são condenados a entenderem-se.
123
121
BECK, Ulrich. La Sociedad de Riesgo. Hacia uma nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 2006,
p.15.
122
BECK, Ulrich. La Sociedad de Riesgo. Hacia uma nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 2006.
123
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto
Piaget, 1997, p. 111.
80
O termo ‘Direito’ apresenta diversas acepções, e sua aplicação pelos
operadores e órgãos jurisdicionais privilegia o sentido da norma jurídica. É o ramo
das ciências sociais que busca e regula as relações sociais e um dever-ser entre
indivíduos e Estado e Estado e cidadãos e, apesar de termos uma ordem jurídica
única, dividimos as questões em direito público e direito privado. No entanto, esse
direito que estamos discutindo, descrito e protegido constitucionalmente, o direito ao
meio ambiente ‘ecologicamente equilibrado’, é direito difuso, garantido e merecido
por todos os cidadãos indiscriminadamente. E os operadores desta ciência vêm
sofrendo enormes desafios no momento de sua efetiva aplicação diante das
dificuldades e incertezas transmitidas às lides ambientais por parte dos cnicos e
profissionais das ciências exatas.
Diante de inúmeras ameaças de danos irreversíveis ao ambiente, ainda que
não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma atividade
e os seus efeitos, devem ser exigidas e tomadas as medidas necessárias para
impedir uma confirmação danosa. necessidade de atuação ante a falta de
certeza científica. É a melhor forma e ideia de gestão dos riscos ambientais, sendo
que para tanto, faz-se necessária a adoção de atitudes de antecipação preventiva, o
que resulta, a longo prazo, em uma economia para a sociedade e o ambiente. Deve-
se aplicar a inversão do ônus da prova, cabendo àquele que pretende exercer uma
determinada atividade ou desenvolver uma nova técnica, demonstrar que os riscos a
ela associáveis são suportáveis pelo meio ambiente. Assim, se houver probabilidade
de irreversibilidade e gravidade de uma situação, não se devem correr riscos, em
face da proteção ambiental. No âmbito de um estudo do risco, de uma avaliação do
impacto ambiental ou análise de custos / benefícios, quando houver danos sérios e
irreversíveis ao ambiente, o risco de um erro deve ser ponderado em favor do
ambiente, embora saibamos que, na prática, ainda hoje os interesses políticos se
sobrepõem muitas vezes aos interesses de ordem técnica, impossibilitando uma
eficaz atuação preventiva.
Podemos dizer que a modernidade nos presenteou com uma complexidade
dos conhecimentos tecnológicos e uma impossibilidade de manipulação do tempo
conforme nossa própria vontade. O tempo e o espaço tornam-se cada vez mais
impessoais, e as atividades humanas são produto de indefinições e falta de controle
por parte dos indivíduos modernos, que estabelecem, a cada dia, novas relações de
incerteza, dando maior credibilidade aos conhecimentos específicos, como técnica e
81
perícia. Segundo Giddens,
124
esta confiança produzida na modernidade está
relacionada ao conceito de risco. O avanço tecnológico e a capacidade de
destruição do meio ambiente diante das relações humanas, dentro desse espaço,
refletem um período de instabilidade e indefinição crescentes que foram produzidas
pelo próprio homem que confiou sua segurança e que, agora, a tecnologia moderna
vem expor aos novos riscos.
Diante da dinâmica das relações sociais caracterizadas, como foi dito,
pelo avanço tecnológico, pela capacidade de destruição do meio ambiente e pelo
deslocamento das relações no tempo e no espaço, é criado um ambiente de
instabilidade crescente. As relações humanas estão cada vez mais distanciadas,
não podemos realizar qualquer tipo de controle da ação humana, nem garantia
de correspondência entre expectativa e resultado; enfim, o indivíduo confiou a
própria segurança particular e coletiva, permitindo, dessa forma, a crescente
potencialidade destrutiva, inerente à tecnologia moderna, e a produção constante de
novos riscos e ameaças.
Controlar as situações de risco é não aceitar qualquer risco, não permitir os
riscos considerados inaceitáveis, como aqueles que colocam em perigo o meio
ambiente em todas as suas formas, o ecossistema e suas espécies, enfim, nossos
valores constitucionais protegidos.
As relações entre inovações tecnológicas e proteção ambiental podem ser
complementares ou antagônicas. No primeiro caso, essa relação pode ser analisada
como uma possibilidade de pesquisas e inovações tecnológicas que tenham relação
direta com o meio ambiente. Preocupações ambientais estariam impulsionando a
adoção de mecanismos limpos e inovadores, como as técnicas que buscam o
consumo mínimo de matérias-primas e energias, a redução da geração de resíduos
e efluentes e a redução dos riscos.
124
GIDDENS. Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.
82
As tecnologias limpas
125
ou também modernas fundamentam-se em uma
visão integrada da problemática ambiental e buscam a redução dos impactos
ambientais. Essas tecnologias, do ponto de vista ambiental, o são apenas
tecnologias isoladas, mas sistemas que incluem conhecimentos técnico-científicos,
procedimentos, serviços e equipamentos e seu manejo adequado. Devem ser
tecnologias compatíveis com as prioridades socioeconômicas, culturais e ambientais
da sociedade, conforme a determinação da Política Nacional do Meio Ambiente,
126
que elegeu, entre seus instrumentos, os incentivos à produção e instalação de
equipamentos e à criação ou absorção de tecnologia voltados para a melhoria da
qualidade ambiental. Contudo, a relação entre inovação tecnológica e proteção
ambiental requer uma reflexão sobre a própria utilização e desenvolvimento da
pesquisa e das inovações e seus respectivos reflexos na sociedade.
De forma antagônica, essa relação é efetivada através da busca de uma
segurança reforçada da proteção ambiental, ou seja, a redução da incerteza
evidenciada pela própria inovação, buscando implantar a gica da precaução entre
a ciência, a tecnologia e a inovação. Esse princípio da precaução, adotado pela
Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento em 1992,
demonstra a dinâmica do Direito Internacional ao integrar a necessidade de uma
125
“Tecnologias Limpas nada mais são do que a adoção de qualquer medida de mudança ou
transformação de métodos utilizados para reduzir, ou melhor, eliminar, já na fonte, a produção de
qualquer tipo de poluição sonora, atmosférica, hidrosférica, etc evidentemente, que ajude de
alguma forma a economizar matéria-prima e energia, em suma todos os recursos, naturais ou não.
Na verdade três palavras principais estão por detrás do conceito de tecnologia limpa: redução,
reutilização e reciclagem (Maurício Fernandes Pereira; Myriam Siqueira da Cunha; Luciana
Fernandes Pereira. Tecnologias Limpas: uma nova postura empresarial. Artigo da revista do
departamento de administração da UFSC).
Para descrever o método dos 3R: reduzir, reutilizar, reciclar, utilizamos os conceitos de Naime:
“Redução: todos os esforços das pessoas dentro das organizações e das instituições devem buscar
uma redução na quantidade de resíduos que geram, diminuindo a quantidade de produtos
descartáveis, eliminandi ao máximo os desperdícios com matéria-prima, o que significa economia
para o conjunto das operações, evitando excesso de embalagens ou mesmo embalagens
dispendiosas, e outros procedimentos nesta direção;
Reutilização: todos os materiais que podem ser utilizados novamente com a mesma ou com outra
finalidade, ainda que isto signifique o aumento de dificuldade em operações, devem ser práticas
estimuladas; por exemplo, potes de vidros e embalagens plásticas podem ser reutilizados para
armazenamento de materiais ou guarda de pequenos objetos, livros usados podem ser doados ou
vendidos, madeira pode ser reaproveitada ou empregada como lenha se não estiver contaminada.
Reciclagem: os resíduos gerados podem ser direcionados para empresas que possam utilizá-los
novamente como matéria-prima: os exemplos no Brasil são inúmeros, de verdadeiras cadeias
produtivas assentadas sobre a reutilização de materiais, e os melhores exemplos talvez sejam as
latinhas de alumínio, o vidro, o papel, o papelão e o plástico”. NAIME, Roberto Harb. Gestão de
resíduos sólidos: Uma abordagem prática. Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2005, p. 33.
126
Artigo 9º, inciso V da Lei nº. 6.938/81.
83
nova postura perante os riscos e as incertezas científicas, estabelecendo em seu
princípio 15:
Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá
ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas
capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a
ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o
adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação
ambiental.
127
A incerteza diante dos riscos deve ser uma forma de ampliar as atitudes de
prudência. Numa aplicação jurídica, o juiz, tomando por base os riscos eventuais de
certas atividades, deve impor, ainda com mais cautela, diversas exigências e
obrigações a serem cumpridas, antes de tomadas de decisões.
4.1 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO NO DIREITO AMBIENTAL
A partir do século XX, o surgimento de riscos ambientais de significância
crescente em nível global, por vezes acarretando situações até mesmo de ameaças
à soberania de nações, trouxe à tona a necessidade de se criarem mecanismos
reguladores no plano internacional sob a forma de tratados e convenções,
objetivando a proteção dos ecossistemas e do meio ambiente em geral.
“Precaução”, nas palavras de Milaré, é “substantivo do verbo precaver-se
(do Latim prae = antes e cavere = tomar cuidado) e sugere cuidados antecipados,
cautela para que uma atitude ou ação não venha a resultar em efeitos
indesejáveis”
128
. Para Derani, tal princípio está ligado aos conceitos de afastamento
de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade
ambiental das atividades humanas.
127
ACPO. Os fundamentos do princípio da precaução. Disponível em: <http://www.acpo.org.br/
princ_precaucao.htm>. Acesso em: 10 out. 2009.
128
MILARÉ apud MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio
Ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 101.
84
Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana,
seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da
integridade da vida humana. A partir dessa premissa, deve-se também
considerar não só o risco iminente de uma determinada atividade como
também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os
quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência
jamais conseguem captar em toda densidade.
129
O princípio da precaução surgiu na Alemanha, no início da década de 70,
como resposta a uma política intervencionista e centralizadora na área de poluição
atmosférica e a um contexto de grande agitação política e de preocupação social
para com a saúde pública, não só pela poluição do ar propriamente dita, mas, ainda,
pela destruição das florestas e pelas chuvas ácidas.
130
Presente no Direito Alemão
desde o culo passado, hoje é acolhido no Direito Internacional e no Direito
Comunitário, bem como em diversos sistemas nacionais, como do Reino Unido, da
Holanda, dos Estados Unidos e do Brasil.
Esse princípio está previsto em nosso texto constitucional quando
consagrado o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado para
as presentes e também futuras gerações. O fato de se exigir um estudo prévio de
impacto ambiental
131
quando tratarmos de atividades potencialmente causadoras de
significativa degradação do meio ambiente, é um claro exemplo da efetivação do
princípio da precaução. Não se trata de impedimentos ao desenvolvimento
econômico e tecnológico, como muitos acreditam, mas, simplesmente, de uma
maneira de avaliar possíveis riscos de danos presentes ou futuros dessas atividades
e alertar sobre eles.
Para o Direito Ambiental, princípios são regras abstratas, flexíveis a uma
interpretação. As ideias gerais podem ser modificadas conforme o sistema, e essas
características tornam o Direito Ambiental uma ciência muito mais forte. O princípio
da precaução ainda é muito confundido com o da prevenção; contudo, sempre que
falarmos de tutela de urgência no Direito Ambiental, precisamos distinguir se
estamos discutindo risco concreto ou risco abstrato. É de total importância esta
distinção para que ocorra uma justa manifestação jurídica por parte dos julgadores
129
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 167.
130
MARTINS, Ana Gouveia e Freitas. O Princípio da Precaução no Direito do Ambiente. Lisboa,
Portugal: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2002, p. 25.
131
Inciso IV, parágrafo do artigo 225 da Constituição Federal de 1988: “IVexigir, na forma da lei,
para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente, estudo prévio de impacto ambiental”.
85
quando lidam com situações de danos ambientais. Os julgadores precisam ter uma
visão diferente quando tratam de Direito Ambiental: uma coisa é a prevenção, que
exige cautela, outra é a precaução, que previne o risco e necessariamente
abandona a lógica da certeza.
Prevenção e precaução o princípios basilares do Direito Ambiental.
Lembramos Milaré, quando refere:
Enquanto a repressão e a reparação cuidam do dano causado, a
prevenção e a precaução, ao revés, atêm-se a momento anterior: a do mero
risco. Na prevenção e na precaução, há ação inibitória. Na reparação,
remédio ressarcitório. É essa a ótica que orienta todo o Direito Ambiental.
Não podem a humanidade e o próprio Direito contentar-se em reparar e
reprimir o dano ambiental; a degradação ambiental, como regra, é
irreparável.
132
O principio da precaução tornou-se relevante no cenário ambiental
internacional a partir da Conferencia das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, na
Rio 92, onde vinte e sete princípios foram aprovados, entre eles, o da precaução.
Este princípio tem a função de não permitir que o ambiente fique sujeito a dúvidas
científicas.
Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como
preconiza o principio da prevenção. Em caso de dúvida ou de incerteza,
também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da
precaução. A vida científica, expressa com argumentos razoáveis, o
dispensa a prevenção.
133
O princípio da prevenção é menos abrangente, como nos define Tesseler:
132
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 898.
133
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros,
2006, p.102.
86
O princípio da prevenção determina a eliminação dos perigos comprovados;
o da precaução impõe que a ação, para eliminar possíveis impactos
danosos ao meio ambiente, seja tomada antes de se ter estabelecido um
nexo causal com uma evidência científica absoluta.
134
A prevenção é fundamento de ações preventivas ambientais, tendo em vista
a inviolabilidade do bem jurídico ambiental. O Judiciário não só pode mas deve atuar
com o escopo de prevenir não apenas o dano como, inclusive, a prática do ilícito.
Mesmo diante dos avanços da matéria de responsabilidade civil por danos
ambientais, existe a necessidade de constante aperfeiçoamento do sistema
tradicional. Sabemos que a adoção da responsabilidade civil objetiva pela legislação
brasileira não basta para a solução de problemas ambientais complexos; por isso, os
princípios gerais do Direito Ambiental são de grande importância para o
aprimoramento destas discussões, como brilhantemente disserta Benjamin:
Não imaginemos, todavia, que a utilização pelo Direito Ambiental de uma
responsabilidade civil revitalizada resolverá, de vez, a degradação do
planeta. Inicialmente, é bom lembrar que as técnicas de proteção do
ambiente são (e precisam ser) complementares entre si e devem funcionar
de maneira integrada, da responsabilidade civil, penal e administrativa ao
planejamento, auditorias e instrumentos econômicos.
135
A ideia precaucional pode ser considerada o maior avanço da área do Direito
Ambiental, a partir do momento que obriga ao afastamento do risco lesivo, mesmo
sem comprovação de certeza científica. Este princípio vem baseado em duas
situações relevantes. Primeiramente pelo fato de que, por possuir característica de
irreversibilidade, o perigo de dano ao meio ambiente é suficiente para obrigar uma
suspensão de atividade potencialmente poluidora; segundo, porque, se o risco da
atividade exercida é nitidamente relevante, deve haver a suspensão desta atividade
em beneficio dos interesses da coletividade. A precaução trabalha contra o risco,
tentando preveni-lo ou evitá-lo. Como diria Morato Leite, o princípio da precaução
134
TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas Jurisdicionais do Meio Ambiente: tutela inibitória, tutela
de remoção, tutela do ressarcimento na forma específica. o Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.
116.
135
BENJAMIN, Antonio Herman. Responsabilidade cível pelo dano ambiental. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, v. 9, jan. 1998, p. 10.
87
“assegura que a poluição é combatida na sua incipiência e que os recursos naturais
são utilizados numa base de produção sustentada”.
136
Diante do complexo tema de responsabilidade civil, a adoção do princípio da
precaução importa, principalmente, por dois pontos iniciais: primeiramente quando
modifica de alguma forma a própria noção de dano, pois afasta os requisitos de
previsibilidade e certeza e espaço à proposta da probabilidade; e ainda, quando
vem propor a atenuação do nexo de causalidade, pois ficará a cargo do réu a
demonstração de que sua atividade, com total segurança, não acarreta ou não
acarretará lesão ao meio ambiente, configurando, este ponto, caso de inversão do
ônus da prova.
Enfim, nossa sociedade enfrenta momentos de experimentação diários,
alargando as possibilidades de presunção de danos e riscos. Trabalhar pela
concretização do princípio de precaução, diante do desenvolvimento das inovações
tecnológicas, é o primeiro passo para a conquista de uma qualidade ambiental.
A incerteza científica e os riscos abstratos estão indiscutivelmente
relacionados à idéia de precaução. Reações diversas por parte do Direito às
incertezas científicas e à aplicação do princípio da precaução trazem, sem dúvida,
as maiores polêmicas e discussões da atualidade. A mídia, a ciência, as políticas
públicas e os empresários, ocupando posição de expectadores e interventores,
exigem dos operadores do Direito ainda mais cautela, investigação e análises para a
tomada de decisão.
O princípio da precaução defende que, diante do dilema da incerteza e da
relatividade dos conhecimentos científicos, uma decisão justa seja tomada antes
mesmo da necessidade de demonstração do nexo de causalidade entre uma
atividade e um dano ou risco potencial irreversível.
O princípio da precaução não exige de novos produtos ou tecnologias uma
prova científica de inocuidade a longo prazo, nem se aplica a riscos hipotéticos. Ao
contrário de uma regra de abstenção, é um princípio de ação que, diante da
incerteza, exige a realização de processos de avaliação e gestão de riscos. A
ausência de conhecimento da totalidade dos riscos decorrentes de um
136
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 47.
88
empreendimento ou atividade não justifica a sua proibição até que tal certeza se
concretize.
137
A grande questão está na visão, ainda nebulosa, de diversas doutrinas e,
dentro de nossos tribunais, no conceito e aplicação deste princípio quando muitos
ainda temem uma radical mudança de paradigma da norma jurídica. Ainda que
muitas vezes mencionado na jurisprudência brasileira, nos artigos científicos e na
doutrina em geral, o princípio da precaução, além de ser discutido superficialmente,
é também confundido conceitualmente com os demais princípios do Direito
Ambiental.
Atualmente, questões ambientais ocupam não os debates incessantes
das empresas, mas também produzem diversas discussões e negociações entre
países do mundo todo, assim como o Brasil que, desde que sediou a Conferência
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92, vem reunindo-se em
encontros do mundo todo para discutir e avaliar as medidas a serem tomadas diante
da problemática ambiental e a propagação, pelo desenvolvimento, de resultados
negativos em relação a danos e riscos causados ao meio ambiente.
Desenvolver de forma sustentável deixou de ser modismo e passou a ser
elemento concreto de garantia da existência da vida no planeta. Produzir mais bens
e serviços utilizando menos recursos e gerando menos poluição, acompanhado do
respeito aos princípios norteadores do Direito Ambiental, deve ser a regra quando o
discurso é gestão ambiental.
A partir do século XX, surgem enfoques alternativos que procuram integrar
os aspectos socioeconômicos com os biofísicos na compreensão e busca de
soluções dos problemas ambientais de níveis local, regional e global, diante de
possibilidades de curto, médio e longo prazo para os processos de degradação
ambiental e diferenças sociais que ameaçam de forma assustadora a
sustentabilidade ambiental. São transformações que exigem a formulação de
estratégias adequadas ao enfrentamento dos desafios impostos pelo modelo de
desenvolvimento econômico das sociedades industriais.
137
SETZER, Joana; GOUVEIA, Nelson da Cruz. Princípio da precaução rima com ação. Revista de
Direito ambiental, ano 13, n. 49, jan./mar. 2008, p. 168.
89
4.2 O RISCO E A SUA ASSIMILAÇÃO PELO DIREITO AMBIENTAL
O risco não é um conceito novo, nem mesmo desconhecido. O sociólogo
alemão Ulrich Beck, em sua obra Sociedade de Risco, de 1986, relata que está
havendo um elevado grau de preocupação com os riscos, especialmente riscos
causados pela tecnologia moderna, embora a humanidade sempre tenha enfrentado
situações de risco.
O risco, segundo a definição predominante na literatura sobre segurança, é
a probabilidade de um evento futuro adverso multiplicada por sua magnitude
138
.
Assim, é uma palavra que tem seu significado referido ao futuro, ou seja, sem
existência objetiva para ele. Riscos sempre existiram, a questão está na adaptação,
pelas ciências, tanto exatas quanto jurídicas, da formação de riscos produzidos por
uma sociedade contemporânea, pós-industrial, e sua incontrolável potencialidade
destrutiva.
Risco e incerteza assumiram papel de termos técnicos sobre risco e
segurança desde 1921, quando Frank Knight afirmou que: “se você não sabe ao
certo o que acontecerá, mas conhece as probabilidades, isso é risco, e se você não
conhece nem mesmo as probabilidades, é incerteza”
139
. Então, quando não se sabe
exatamente o que vai acontecer, mas as chances do que possa acontecer são
conhecidas, estamos falando de risco, e quando não se conhece nem mesmo as
chances, é incerteza.
Os riscos da sociedade industrial eram produto de atividades humanas, uma
corrida incansável pela industrialização, invenções tecnológicas e descobertas
científicas. No entanto, os riscos criados pela sociedade de risco refletem espaços
locais e temporais ilimitados, atingindo pessoas indiscriminadamente. De acordo
com Beck, a distribuição dos riscos apresenta um efeito boomerang e uma tendência
globalizante.
140
138
ADAMS, John. Risco. São Paulo: SENAC São Paulo, 2009, p. 111.
139
KNIGHT apud ADAMS, John. Risco. São Paulo: SENAC São Paulo, 2009, p. 60.
140
BECK, Ulrich. La Sociedad de Riesgo. Hacia uma nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 2006,
p. 42.
90
Como bem disserta Adams, “os riscos são culturalmente construídos não
porque as pessoas preferem a ficção aos fatos, mas porque, no momento da
decisão, não há fatos suficientes disponíveis”.
141
O Direito não passou invisível e distante dessas transformações sociais, e as
mudanças ocorridas diante de novas garantias, direitos e deveres relativos ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, estabelecido pela Constituição Federal,
142
não
foram suficientes para regrar as novas dimensões de interesses transindividuais
reconhecidas pelos princípios informadores do Direito Ambiental, especialmente
solidariedade das gerações presentes e futuras, prevenção e precaução e
participação pública dos indivíduos na proteção do bem ambiental. O sistema
jurídico brasileiro, especialmente na questão da responsabilização civil, diante de
uma mudança radical da realidade social, vem obrigando–se a apresentar novos
contornos e formas de assimilação pelos riscos ambientais. Então, como reagir a
incertezas científicas e à falta de verdades concretas?
Um adequado discurso sobre tal dificuldade é observado nas palavras de
Tessler:
Como não se pode obstar o desenvolvimento, é necessário que a sociedade
– e, sobretudo o Direito – instrumentalizem-se com o fim de administrar este
problema. Para o empresariado, o risco passou a ser mais um dos fatores a
ser incorporado na atividade econômica da empresa; o peso da
internalização do risco precisa ser contabilizado no processo produtivo. Ao
legislador, surge a função de delimitar o grau de tolerabilidade do risco a
partir da definição de ilícitos. Ao judiciário compete a função de prestar a
adequada tutela contra o risco.
143
Nos dias atuais, as questões ambientais que mais preocupam a
humanidade, como introdução no mercado de novas tecnologias, organismos
geneticamente modificados, aquecimento global e outros, transferem ao Direito
Ambiental a difícil tarefa de estabelecer mecanismos satisfatórios de imputação da
responsabilização, exigindo dele uma gestão preventiva desses riscos ambientais e
a implementação de um regime jurídico diferenciado do da responsabilidade por
dano ou risco concreto.
141
ADAMS, John. Risco. São Paulo: SENAC São Paulo, 2009, p. 252.
142
Artigo 225 da CF/88.
143
TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas Jurisdicionais do Meio Ambiente. Dissertação de
Mestrado em Direito. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2003, p. 149.
91
A ciência e a tecnologia modernas produziram uma sociedade onde a
produção da riqueza deu espaço à produção dos riscos. Acontece que estas
situações geram consequências que se verificam e se agravam diante de um
período normalmente indeterminado, o que torna a configuração do nexo causal
praticamente invisível, apresentando um quadro reconhecido por incertezas
científicas e necessidade de aplicação de princípios preventivos como argumentos
ao reconhecimento de uma possível responsabilização, pois a falta de certeza
científica não deve ser argumento para postergar medidas em defesa da proteção
ambiental.
A incerteza e a ignorância desde sempre caracterizaram o conhecimento
humano, e a verdade é que hoje constituem o paradigma e elemento estruturante da
nossa sociedade, a qual move-se no reino da incerteza.
144
Exatamente pela constante alteração no meio ambiente, devido às atuações
e atividades humanas, é que devemos considerar que nem tudo produz ou irá
produzir um dano ambiental, devemos adaptar conceitos de admissibilidade, ou
melhor, das consequências toleráveis ou não toleráveis ao meio ambiente. É neste
momento que voltamos ao reconhecimento da importância do papel assumido pelo
Direito na aplicação de princípios apropriados à gestão dos riscos ambientais,
buscando, desta forma, impedir o resultado danoso.
Procurando estabelecer a ligação do Direito Ambiental com a questão do
risco e da incerteza, podemos afirmar que o Direito necessita, mais do que nunca,
da interpretação e da ciência, para que possa trabalhar de forma mais adequada,
baseado em conhecimentos e dados técnicos.
4.3 O DANO AMBIENTAL FUTURO
Mesmo diante de diversas transformações na lógica e nos resultados das
atividades humanas para o meio ambiente, desde a revolução industrial até muito
pouco, apenas se discutia a responsabilização por danos materialmente
consumados. No entanto, atualmente, através da aceitação pela doutrina e
144
CANOTILHO apud MARTINS, Ana Gouveia e Freitas. O Princípio da Precaução no Direito do
Ambiente. Lisboa, Portugal: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, 2002, p. 12.
92
jurisprudência, e diante dos reflexos de uma sociedade pós-industrial, os
pressupostos da responsabilidade civil foram adaptados a esta nova realidade,
admitindo-se a responsabilidade civil pela figura do dano futuro e risco de dano,
agora, não mais através de reparação, indenização ou recuperação, mas por
instrumentos preventivos que possam impedir a materialização do dano, uma forma
de o Direito exercer uma função de proteção ambiental efetiva.
A caracterização do dano ambiental futuro faz-se possível a partir de uma
nova teoria do risco (teoria do risco abstrato), em oposição ao seu sentido dogmático
clássico teoria do risco (concreto) -, que exige a existência de um dano para a
atribuição da responsabilidade civil.
145
Como estamos tratando de risco, não existe
aqui a total certeza científica, nem mesmo dano atual. Na verdade é uma
expectativa de dano ao meio ambiente, o que enseja a responsabilização através da
configuração de uma “alta probabilidade ou probabilidade determinante”
146
de um
resultado danoso, e esta forma diferenciada e nova de admissão de
responsabilidade sem dano se faz nitidamente aceitável pela imposição de medidas
preventivas, especialmente quanto à aplicação do princípio da precaução.
Destacamos que o dano ambiental futuro é reconhecido por duas espécies
distintas. Primeiro pela “alta probabilidade de ocorrência futura de danos ambientais
em virtude da ocorrência de determinada conduta, ou seja, o risco do dano em
momento futuro”, e numa segunda espécie, as consequência futuras de danos
ambientais concretizados.
147
Podemos dizer que o dano futuro é a ocorrência
certa em tempo futuro, e o risco de dano é baseado na grande probabilidade da
geração de riscos, mas com incerteza de dano.
A transferência de uma teoria do risco concreto para uma teoria do risco
abstrato é elucidada diante dos reflexos surgidos de uma sociedade “na qual as
indústrias química e atômica demarcaram uma produção de riscos globais invisíveis
e de consequências ambientais imprevisíveis”,
148
riscos assimilados por uma
indefinição de tempo e espaço e, ainda, arcados por toda a humanidade de forma
indiscriminada.
145
CARVALHO, Delton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 125.
146
CARVALHO, Delton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 127.
147
CARVALHO, Delton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 87.
148
CARVALHO, Delton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 77.
93
Não falamos em configuração de dano prévio, até porque a teoria do risco
concreto deixa a desejar quanto a sua aplicação quando, para responsabilizar,
leva em consideração dano atual e certo, mas falamos, sim, de situações de riscos e
de perigos complexos, sendo que
[...] a comunicação do risco consiste exatamente na comunicação e
indecisões sobre as incertezas sobre as consequências futuras das
decisões presentes... o perigo detém o sentido de descrever situações
em que as consequências indesejadas são provenientes do ambiente
(externas ao sistema observador).
149
A admissão da teoria do risco abstrato permite uma responsabilização civil
ambiental estabelecida não apenas para a reparação de danos, mas especialmente
para a prevenção de riscos. Se a fundamentação da responsabilidade civil ambiental
está legalmente determinada pela Lei 6938/81, no parágrafo primeiro do artigo 14º e
no artigo 225 da Constituição Federal, a teoria do risco abstrato e a
responsabilização pelo risco ambiental encontram sua fundamentação normativa
nos artigos 187 do Código Civil, 225 da Constituição Federal e artigo 3º da Lei
7347/85 (Lei da Ação Civil Pública).
Até muito pouco tempo, se falava em tutela de danos consumados,
materializados, mas, atualmente, diante da aplicação dos princípios que norteiam
uma efetiva proteção ambiental e em decorrência dos reflexos predatórios da
sociedade contemporânea, a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo a
responsabilidade pelos danos ambientais futuros. Com isso, aplica instrumentos
preventivos, como multas diárias, obrigações de fazer e não fazer, paralisação de
atividades geradoras de riscos e outras imputações, fazendo, desta forma, com que
os pressupostos da responsabilidade civil ambiental (conduta resultado e nexo
de causalidade) sejam visualizados através de novos contornos. Busca-se evitar e
prevenir o dano antes de sua concretização, diante de um adequado gerenciamento
dos possíveis riscos.
Inúmeros casos se fazem exemplos da importância da responsabilização
pelo risco ambiental diante da teoria do risco abstrato. Como ilustração, podemos
citar a catástrofe de Chernobyl, mencionada por Adams:
149
CARVALHO, Delton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 79.
94
[...] ninguém consegue prever a frequência de futuros desastres...dado o
longo período de tempo de latência da baixa radiação antes que os efeitos
na saúde se tornem aparentes, também não se pode dizer qual será, em
termos definitivos, o custo de Chernobyl.
150
Neste caso e em diversos outros como efeito estufa, poluição de ar e solo,
segurança sobre os organismos geneticamente modificados - quando as evidências
não são conclusivas, o buraco deixado pela incerteza da ciência deve ser
preenchido por práticas preventivas, e nada mais efetivo, para o Direito, do que a
admissão de sistemas de afrouxamento na configuração do nexo causal para a
responsabilização pelo risco ambiental.
4.4 NEXO CAUSAL NO PARADIGMA DO RISCO
Retornamos à questão do nexo de causalidade que, na própria teoria geral
da responsabilidade civil, é matéria de controvertidos e duvidosos discursos.
Quando debatemos sua compreensão diante de situações que envolvam o meio
ambiente e a saúde humana, as dúvidas surgem ainda com maior intensidade,
principalmente por ocasião da falta de padrões científicos claros e exatos para sua
análise e configuração. O debate da incerteza científica toma força, como lembram
Leite e Carvalho ao afirmarem que “a própria complexidade inerente ao ambiente
ecológico e às interações entre os bens ambientais e seus elementos fazem da
incerteza científica um dos maiores obstáculos à prova do nexo causal para a
imputação da responsabilidade objetiva”.
151
Mais do que uma teoria adequada para a discussão nas lides ambientais,
necessitamos de formas mais facilitadoras para a prova. Objetivando alcançar uma
melhor percepção das dificuldades existentes na aplicação de métodos que possam
decidir sobre questões probatórias pelo poder Judiciário Brasileiro, nos níveis
estadual e federal e, especialmente, nas situações determinadas não apenas na
configuração de danos e riscos concretos, mas no tratamento de riscos abstratos,
buscamos discorrer, por meio de análise jurisprudencial, sobre o conteúdo de
150
ADAMS, John. Risco. São Paulo: SENAC São Paulo, 2009, p. 67.
151
CARVALHO, Delton Winter de. O nexo de causalidade na responsabilidade civil por danos
ambientais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 12, n. 47, jul./set. 2007, p. 78.
95
algumas decisões pesquisadas e previamente escolhidas diante dos objetivos do
presente estudo. Procuraremos demonstrar como está sendo discutida a questão da
responsabilidade civil quanto à comprovação do nexo causal, especialmente no
enfrentamento, não mais determinado por danos e riscos concretos, mas diante da
aceitação, pelo Direito, da responsabilização pelos riscos ambientais abstratos,
modelo das incertezas produzidas por uma sociedade contemporânea.
O contexto tradicional da responsabilidade civil com fundamento em uma
atuação culposa, seguido posteriormente por uma aceitação da imputação pelo risco
concreto, em casos de atividades perigosas e agora uma aceitação acanhada, de
que se está responsabilizando através de instrumentos preventivos por riscos
abstratos é, sem vida, uma evolução nos critérios de imputação, onde podemos
perceber uma abertura do sistema jurídico às peculiaridades das questões
ambientais da sociedade moderna.
A análise da efetividade do Direito Ambiental, especialmente diante da
aplicação e consequência das novas tecnologias, serve para que possamos estudar
os mecanismos jurídicos que possibilitam a conciliação dos interesses sociais que
estão em jogo o desenvolvimento tecnológico e a proteção ambiental pois se,
por um lado, o progresso da ciência e da tecnologia promove a prosperidade,
criando condições para a melhoria da qualidade de vida dos seres humanos em
sociedade, por outro lado, esse mesmo progresso também implica riscos que podem
trazer resultados irreversíveis à vida no planeta.
Como o objetivo desta pesquisa é lançar as bases teóricas para o estudo da
efetividade do Direito Ambiental, na construção de respostas à segurança reforçada
em face da incerteza científica refletida pelas novas tecnologias, destacando,
primeiramente, a importância do papel do princípio de precaução como instrumento
eficaz a essa nova realidade, procuramos demonstrar, não doutrinária mas
jurisprudencialmente, como o Direito está lidando com essas novas situações
ambientais.
O que pode haver de mais atuante no Direito Ambiental é a busca de
qualidade de vida para os seres humanos, integrando a perspectiva de um
desenvolvimento sustentável e sustentado. A sua efetividade passa, portanto, pela
compreensão do significado das normas ambientais e de sua justa aplicação.
Refletir sobre essas circunstâncias, em face das novas tecnologias, conduz à
96
necessidade de concretização do princípio de precaução diante das situações de
risco.
Realizamos primeiramente uma vasta pesquisa quantitativa, através de
palavras-chave,
152
nos Tribunais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo,
Rio de Janeiro, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Superior Tribunal de Justiça
e Supremo Tribunal Federal, para verificar quantos resultados seriam apresentados
sobre os assuntos. Demonstramos:
PALAVRAS-CHAVE: DANO AMBIENTAL – NEXO CAUSAL – PROVA
TRIBUNAIS
NÚMERO DE JULGADOS
ENCONTRADOS
TJRS 13
TJSC 10
TJSP 1563
153
TJRJ 112
TRF4 NÃO ENCONTRADOS
STJ NÃO ENCONTRADOS
STF NÃO ENCONTRADOS
TOTAL 1698
Em um segundo momento, lançamos, nos mesmos tribunais, outra palavra-
chave, para direcionar ainda mais a pesquisa ao conteúdo desejado.
Demonstramos:
152
É importante destacar que houve tentativa de lançar outras palavras-chave (incerteza científica;
probabilidade; risco), mas não obtivemos êxito, nada constando. Então, optamos pelas selecionadas.
153
Observamos que, destes 1563 resultados do TJSP, não verificamos desejada ligação com a
matéria discutida. Em sua maioria, não faziam referência ao contexto ambiental desta pesquisa, não
havendo, assim, interesse de análise neste momento.
97
PALAVRA-CHAVE: NOVAS TECNOLOGIAS
TRIBUNAIS
NÚMERO DE JULGADOS
ENCONTRADOS
TJRS 01
TJSC 10
TJSP 04
TJRJ 04
TRF4 06
STJ NÃO ENCONTRADOS
STF 04
TOTAL 29
Exatamente pela importância e atualidade do tema, ainda para fundamentar
com mais precisão, lançamos outra palavra-chave, para que pudéssemos analisar
qual sua conceituação e qualificação pelos tribunais. Demonstramos:
PALAVRA-CHAVE: BIOTECNOLOGIA
TRIBUNAIS
NÚMERO DE JULGADOS
ENCONTRADOS
TJRS 01
TJSC 05
TJSP 91
TJRJ 01
TRF4 07
STJ 02
STF 04
TOTAL 111
Diante da análise destes diversos julgados e da inviabilidade de se discorrer
sobre a sua totalidade, resolvemos selecionar aqueles que entendemos ter maior
98
ligação com o interesse da pesquisa, do conteúdo e do fundamento nas discussões
jurídicas e técnicas que surgiram em cada caso específico.
154
Embora as decisões não fizessem referência à aplicação de uma teoria do
risco abstrato, onde não existe a necessidade de comprovação de dano ambiental
concreto nem mesmo de risco concreto, ficamos totalmente convencidos e iremos
demonstrar que esta teoria, conforme os julgados selecionados, está sendo aplicada
por nossos tribunais em diversas manifestações acerca de incertezas científicas.
Passamos então à análise objetiva de quatro (4) julgados e suas respectivas
ementas colacionadas, dando preferência aos do Estado do Rio Grande do Sul, que
acreditamos ser de suma importância devido à matéria discutida. São julgados dos
Tribunais do RS, SP e TRF4ª Região:
EMENTA
(TJRS, Câm. Cível, Apelação vel 70012795845, Des. Rel. Ângelo
Maraninchi Giannakos, 04/12/2007)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ESTAÇAO DE RÁDIO-BASE.
TELEFONIA CELULAR. cidade de iraí. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA
PRECAUÇÃO E DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
I - PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL.
- Ação que objetiva a dois provimentos autônomos: de não-fazer (não
instalação de ERB sem prévio EIA e licenciamento) e de fazer (providenciar
o EIA e o licenciamento ambiental). Primeiro pedido prejudicado diante da
autorização judicial de instalação e operação das Estações de dio-Base
sem que, no entanto, gere ausência de interesse recursal, pois se mantém o
pedido de realização do Estudo de Impacto Ambiental.
- Estudo apresentado pela TELET S/A firmado por bióloga que retrata
apenas o impacto da ERB em vista do paisagismo urbano. Ausência de
estudo relativo a exposição prolongada ao espectro eletromagnético.
- Especificação, em razões de apelo, do laudo necessário à comprovação
de ausência de dano ao meio ambiente (laudo radiométrico) que não se
traduz em modificação do pedido, na medida em que fundamentação
exposta na exordial, relativamente aos danos potenciais que revela qual a
espécie de estudo a ser realizado. Ademais, considerando que as recorridas
exploram serviço de telefonia têm total conhecimento de qual o estudo que
melhor reflete as possibilidades de danos advindos da exposição
prolongada ao espectro magnético.
MÉRITO.
- Dever imposto pela Constituição Federal artigo 225 - ao Poder Público e
à própria coletividade de defender e preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações, sujeitando-se os infratores a sanções penais
e administrativas, independentemente de reparação do dano ocasionado.
154
A pesquisa jurisprudencial foi realizada durante toda a produção do texto e encerrada, com as
últimas buscas, em 06/08/2009, ás 17hs.
99
- Estudo de Impacto Ambiental com a devida publicização para a instalação
de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação
ambiental exigido com base no artigo 225, IV, da Constituição Federal e na
aplicação dos princípios da precaução e do direito ao desenvolvimento
sustentável a fim de evitar-se o dano e não apenas repará-lo. Precedente
da Câmara e do e. STJ.
- Ônus da empresa de comprovar que a atividade praticada o gera danos
ao meio ambiente.
- Dispensa do licenciamento ambiental que não afasta a necessidade de
realização do EIA, pois a licença concedida por um órgão (estadual) não
dispensa a aquiescência de outros órgãos (federal e municipal). Ademais, o
EIA não serve apenas para embasar a licença, mas para dar à sociedade
conhecimento acerca da possível degradação do meio ambiente.
- Ausência de afronta aos princípios da isonomia e da impessoalidade, pois
contra a empresa VIVO foi instaurado Inquérito Cível e exigido em
Compromisso de Ajustamento, a realização de Estudo de Impacto
Ambiental, realizado, com publicidade à sociedade através de audiência
pública. REJEITARAM AS PRELIMINARES E DERAM PROVIMENTO À
APELAÇÃO.
Trata a ementa de Apelação Cível interposta contra decisão de primeira
instância que julgou improcedente Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público
contra TIM CELULAR S/A e TELET S/A, e tinha por objeto a falta de EIA Estudo
de Impacto Ambiental – para instalação de estação de Rádio-Base na cidade de Iraí.
O Ministério Público não discutiu na inicial ressarcimento por dano
ambiental, mas firmou contrariedade por não existir estudo conclusivo por parte das
empresas acerca dos efeitos causados, atuais e futuros, da exposição temporal
deste tipo de instalação. Como agravante, a torre de transmissão está localizada ao
lado da sede da APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais da
cidade.
Alega o recorrente que a questão de ser isenta de licenciamento ambiental
estadual não sugere a falta de EIA e sua devida publicidade, e avalia a situação
defendendo que, se não há afirmação de que não existem efeitos negativos, deve-se
aplicar o princípio da precaução, devido a todas as circunstâncias do caso concreto.
Em sua defesa, a empresa recorrida alegou, em síntese: 1) que o EIA foi
realizado; 2) que houve publicidade; 3) que há muito já se utiliza determinada
tecnologia de ERB Estação de Rádio-base – por outra empresa naquela cidade; 4)
que possui todas as licenças exigidas e; 5) que, pelo fato de não existir lei no
município de Iraí, cumpriu todos os requisitos seguidos pela legislação da cidade de
Porto Alegre.
100
No texto de sua decisão, o órgão julgador da Apelação lembrou que o
Ministério Público não tentava reconhecimento de dano ambiental, mas
simplesmente a realização de EIA a fim de comprovar a inexistência de dano.
É um pedido que busca dois sentidos obrigacionais: um não-fazer (para que
a ERB não seja instalada antes de EIA e da obtenção de licença) e um fazer
(providenciar o EIA e o licenciamento dentro dos parâmetros legais).
Colacionamos parte da fundamentação do voto do Desembargador Relator:
[...] Dentre os potenciais danos ao meio, exsurgem, de forma preocupante,
aqueles oriundos dos efeitos da exposição prolongada ao espectro
eletromagnético. Para que o EIA cumpra sua função e possa medir tais
danos, mostra-se indispensável a realização de laudo radiométrico
específico, vez que é o método adequado para tanto.
O laudo apresentado pela TELET S/A nas fls. 151/172 foi firmado por uma
bióloga, e retrata o impacto das ERBs em vista do paisagismo urbano.
Referido estudo mostra-se importante, porém não abarca o objeto de futuro
laudo radiométrico específico, visto que se tratam de estudos
completamente distintos.
Não há, portanto, como pretender dar ao laudo ofertado pela Apelada
natureza que não tem, sob pena de afronta à ciência , com mal ferimento
das mais basilares normas técnicas.
Não foi por outra razão que o Apelante prosseguiu no presente processo,
visto que o laudo de fls. 151/172 não satisfez o pedido vertido na petição
inicial. E se o Ministério Público vem, agora, especificar qual espécie de
estudo deva ser feito, é porque reputa necessário ao bom desenvolvimento
do processo, ante o fato de que a Apelada apresentou estudo diverso, e que
pretende seja dado como satisfatório. A fundamentação posta na petição
inicial, relativamente aos danos potenciais revela, sem sombra de vida,
qual a espécie de estudo a ser feita.
Nem se diga que as Apeladas não sabem qual o estudo que melhor reflete
as possibilidades de danos advindos da exposição prolongada ao espectro
magnético, visto que, na condição de exploradora de serviço de telefonia
móvel, conhecem bem quais os danos potenciais deste tipo de atividade,
admitidos ou não, tornados de conhecimento público ou não.
Embora não possamos encontrar em nosso ordenamento jurídico uma
legislação específica para a instalação e para possíveis riscos ambientais
provenientes de telefonia celular, assim como a maioria dos casos que
consideramos novas tecnologias, podemos encontrar argumentos conceituais na
legislação genérica a respeito de poluição.
Para sorte dos estudiosos e defensores do meio ambiente, com sólida
argumentação, o órgão colegiado julgador, baseado em legislações e citações
doutrinárias, relacionando a matéria com outras decisões no mesmo sentido e,
considerando direitos fundamentais reconhecidos na nossa Constituição Federal,
101
deu provimento ao apelo para condenar as empresas TIM e TELET S/A a realizar o
EIA no prazo de 90 dias e dar publicidade desse estudo em audiência pública.
Importante destaque a esta decisão se faz diante da sua fundamentação,
que justifica a aplicação do princípio da precaução e do direito ao desenvolvimento
sustentável no momento em que a ausência da certeza científica absoluta não deve
servir como pretexto para procrastinar medidas efetivas que possam evitar o dano
ambiental. Sobretudo porque nesta área existem diversos estudos que alegam o
grande cuidado a ser tomado diante dessas tecnologias, como observa o julgador,
ainda em sua decisão, com as palavras transcritas de um doutrinador do Direito
Ambiental:
A poluição por ondas eletromagnéticas é um tipo de poluição invisível,
sem cheiro e pouco conhecida, mas que interfere em aparelhos
eletrônicos e na saúde do homem. Esse tipo de poluição é emitido por
antenas de televisão, telefonia celular e rádio e prova interferência em
aparelhos eletroeletrônicos, marcapassos e válvulas cardíacas a
rádios e computadores, podendo afetar ainda plantas, animais e a
saúde do homem. Essas ondas eletromagnéticas podem causar
prejuízos aos órgãos e sistemas orgânicos, sendo ‘suscetíveis a
distúrbios funcionais e alterações estruturais; riscos de lesões aos
olhos, testículos, efeitos de ordem neurológica, genética,
hematopoético, neuroendócrinos, cardiovasculares e auditivos’. Houve
caso da necessidade de mudança de antena de telefonia celular de
determinado lugar por causa do intenso nível de radiação eletromagnética
medida no local por técnicos do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em
Telecomunicações. Constatou-se, além disso, que as radiações emitidas
por antenas de telefonia celular podem causar queimaduras e parada
cardíaca.
São denominadas ‘radiações por radiofreqüência’ as radiações
emitidas por antenas de telefonia celular, televisão e rádio.
Realizaram-se estudos nos EUA, na Inglaterra e na Austrália e
constatou-se que ‘a exposição contínua a campos de radiofreqüência
pode provocar sensação de cansaço, mudanças de comportamento,
perda da memória,mal de Parkinson, mal de Alzheimer e até câncer’.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que os riscos ‘demandam
urgência no desenvolvimento de programas que levem a um consenso
científico que possibilite a clarificação desses assuntos.
155
Devemos destacar que a proteção ambiental e a responsabilização pelas
situações de riscos e danos da forma mais preventiva possível são interesses
primeiros do Direito Público. Quando falamos em responsabilidade civil ambiental,
pela teoria do risco concreto, dois pressupostos se fazem obrigatórios: o dano e o
nexo de causalidade. Contudo, devido à grande dificuldade de recuperação e
155
SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 127.
102
restauração do meio ambiente, quando reconhecido o resultado danoso de
determinada atividade, é que se faz mais do que necessária a aplicação de
instrumentos precaucionais e preventivos a qualquer situação duvidosa,
fundamentando a responsabilização do explorador de atividade perigosa e incerta
pelos riscos e impactos e ainda para que sejam tomadas todas as cautelas possíveis
antecipadamente ao exercício da atividade, inclusive, como no caso em tela, a
admissão da flexibilização da configuração do nexo causal. Fundamentando nosso
posicionamento quanto às dificuldades de orientação para as soluções ambientais
de uma sociedade pós-industrial, lembramos as palavras de Benjamin, quando
refere que esta complexidade probatória surge da interação entre o mau
funcionamento técnico ou tecnológico, erro humano e procedimentos de segurança
inadequados, o que cria enormes dificuldades em termos de causalidade, pois
raramente há um único responsável.
156
A avaliação de impacto ambiental e o licenciamento ambiental
157
para a
instalação de obras ou atividades potencialmente poluidoras são exemplos mais
corriqueiros de ações preventivas. No entanto, diante dos riscos potenciais
tecnológicos, diversos estudos tornam-se insuficientes. O EIA serve para indicar
possíveis impactos que uma hidroelétrica, uma ampliação de estrada, uma atividade
industrial, entre outros, terão sobre o meio ambiente, afetando qualidade do solo, do
ar, das águas e da saúde dos homens. Contudo, esse estudo não é suficiente para
os casos de incertezas, como, por exemplo, as ondas eletromagnéticas geradas por
estações de rádio-base, sendo que em tais situações a necessidade da avaliação de
risco é a ferramenta mais adequada.
No caso que acabamos de analisar, se a administração pública falhou em
relação às exigências necessárias, elogiável foi a decisão do poder judiciário, que,
em segundo grau jurisdicional, com aprofundados fundamentos, decidiu pela
desnecessidade da prova do liame causal entre a atividade e o risco de dano, para
determinar uma obrigação de fazer e não fazer legalmente admitidas.
Outra situação que apresenta relevantes argumentos quanto à
responsabilização civil pelo risco ambiental é a que apresentamos a seguir.
156
BENJAMIN, Antonio Herman. Responsabilidade vel pelo dano ambiental. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, v. 9, p. 27, jan. 1998, p. 10.
157
Artigo 9º, incisos III e IV da lei 6938/81 (lei da política Nacional do Meio Ambiente).
103
EMENTA
(TJSP, Câmara Especial do Meio Ambiente, Apelação Cível 679.208-5/5-
00, Des. Rel. Renato Nalini, 31/07/2008)
[...] Construção de torres e linhas de transmissão de energia elétrica, com
significativo aumento da tensão produzida - pleito para redução da
intensidade dos campos eletromagnéticos alegação de que a radiação é
potencialmente cancerígena - sentença de procedência julgado
fundamentado em robusta prova técnica recurso da concessionária
desprovido ação civil pública ambiental fornecimento de energia elétrica -
condenação da concessionária a adotar medidas para reduzir a intensidade
dos campos eletromagnéticos oriundos das linhas de transmissão -
cabimento - embora inexista um estudo conclusivo sobre o tema, impossível
desconsiderar, diante das investigações até então realizadas, a grande
possibilidade dos campos eletromagnéticos de baixa frequência serem
agentes carcinogênicos para seres humanos - aplicação do princípio da
precaução - recurso desprovido princípio da precaução.
Sempre que houver uma probabilidade mínima de que o dano ocorra como
consequência da atividade suspeita de ser lesiva, necessária se faz
providência de ordem cautelar - o princípio é corolário da diretiva
constitucional que assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado e à sadia qualidade de vida - inteligência dos arts. 5°, caput, e
225, ambos da CF Recurso desprovido. Inversão do ônus probatório
cabe àquele que pratica a atividade de risco comprovar a inocuidade dos
procedimentos ao meio ambiente, além de indicar que tomou medidas de
precaução específicas. Vultosidade dos investimentos necessários à
providência irrelevância do argumento diante do bem juridicamente
tutelado. Os estudos colacionados aos autos demonstram que a radiação
não-ionizante decorrente das linhas de transmissão de energia elétrica está
ligada direta ou indiretamente à incidência de algumas doenças,
principalmente o câncer.
Ação civil blica ambiental - obrigação da concessionária de energia
elétrica em reduzir o campo eletromagnético da linha de transmissão a 01
(um) \\t (micro tesla) cabimento inaplicabilidade do valor de 83,3 \\t
adotado pela comissão internacional de proteção contra a radiação não
ionizante - o valor da ícnirp não é seguro para exposições de longa duração
e desconsidera efeitos biológicos demonstrados em estudos experimentais
– recurso desprovido
Ação civil blica ambiental - obrigação da concessionária de energia
elétrica em reduzir o campo eletromagnético da linha de transmissão a 01
(um) mt (micro tesla) - cumprimento - dilação do prazo fixado na sentença
necessidade - o estado-juiz não pode desconsiderar fatores de ordem
material na prolação de suas decisões - nesse tópico, recurso da
Eletropaulo parcialmente provido
Ação civil pública - destinação da multa cominatória às associações autoras
- descabimento direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à
sadia qualidade de vida interesses transindividuais difusos destinação ao
fundo especial previsto no art. 13 da lei federal 7.347/85 - gestão dos
recursos por fundo estadual, e não federal - nesse tópico, recurso da
Eletropaulo parcialmente provido.
A apelação cível reproduzida acima foi analisada e julgada pela Câmara
Especial do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, interposta contra uma sentença
que julgou procedente ação civil blica ajuizada pela Sociedade dos Amigos do
Bairro City Boaçava e outros, que defendia a incolumidade física e a saúde dos
moradores do bairro, para que não fossem permitidas obras de aumento da carga de
104
energia elétrica, que elevariam os níveis de irradiação em acem vezes acima do
permitido pelas normas e padrões internacionais de segurança.
Na ação civil blica, a parte autora alertou sobre a necessidade de
aplicação dos princípios da prevenção, precaução e prudência, devido a grandes
restrições nos estudos de diversos países sobre campos eletromagnéticos por linhas
de alta tensão.
Foram produzidas, pelas partes, diversas provas que demonstraram que
essas linhas existiam muitos anos e que as novas obras assustaram a população
do bairro e da vizinhança. A sentença do juízo a quo condenou à pena de multa
diária a Eletropaulo Eletricidade São Paulo S/A que, inconformada, apelou alegando:
a) que não havia provas da nocividade da atividade; b) que não havia imposição de
legislações internacionais, como da Suíça, indicadas pelos apelados (moradores do
bairro); c) que houve licenciamento pela prefeitura; d) que não se deve aplicar
princípio de precaução para impedir capacidade do Estado que acabe
desequilibrando a administração pública pelo princípio da separação dos poderes; e)
que o prazo conferido pelo juiz para as adequações e estudos eram impraticáveis; e
f) que o valor da multa aplicada era absurdamente elevado.
Diante de toda a manifestação das partes na inicial e no recurso, o julgador
decidiu por manter parcialmente a sentença do juiz de grau, acreditando e
justificando que todas as provas trazidas e buscadas aos autos, com diversas
análises de estudos feitos em relação à matéria, militavam contra os interesses do
apelante (ELETROPAULO), concordando com a condenação do primeiro juízo mas
ampliando o tempo para a redução dos campos eletromagnéticos de 6 meses para 3
anos. Manifesta o acórdão no mérito que
[...] o estado atual da ciência revela controvérsia sobre os efeitos da
radiação eletromagnética de baixa frequência, mas já permite afirmar que a
possibilidade de ocorrência de danos não é meramente hipotética. O dano à
saúde já deixou de ser considerado um evento aleatório, passando a ser
examinado como um risco para a população, risco maior do que a mera e
longínqua potencialidade de dano, pois tanto os estudos ofertados pelas
autoras como os laudos produzidos pelos peritos judiciais atestam o perigo
iminente a ameaçar vasta parcela da população paulistana. (fl. 13).
Observamos na decisão do tribunal brilhante e oportuna cautela, uma vez
que defendemos a importância de considerar todos os trabalhos e estudos
105
apresentados por técnicos e peritos da matéria que envolva a saúde pública, não se
baseando em especulações, mas sim em agentes de riscos de dano produzidos por
uma nova sociedade. Ainda não conhecemos os verdadeiros resultados dessa
decisão preventiva, mas acreditamos na sua eficácia.
São estatísticas, mas não podemos de forma alguma ignorá-las diante da
possibilidade de danos ambientais causarem resultados irreversíveis, como apontam
os estudos que indicam o aparecimento de câncer nos seres humanos por
transmissão de campos magnéticos. Ora, não devemos exigir a comprovação do
liame causal entre eles, mas sim tomar medidas precaucionais diante da
probabilidade da existência desta relação.
É importante destacar a invejável descrição feita pelo desembargador relator
das possíveis doenças que se sabe serem causadas por esse tipo de radiação. Para
defender seu voto, ele citou autores que explicam essa relação:
[...] doenças cuja ocorrência foi considerada nos últimos dez anos, depois
de muitos e aprofundados estudos, em razão da relação estatística entre
ocorrência e radiação eletromagnética são as que seguem:
a) leucemia em adultos e crianças;
b) câncer no cérebro de adultos e crianças;
c) câncer de mama em homens e mulheres;
d) campos eletromagnéticos como agente carcinogênico de amplo espectro
para todas as espécies de câncer;
e) aborto espontâneo;
f) outras disfunções da reprodução ou do desenvolvimento;
g) esclerose lateral amíotrófica (doença de Lou Gehrig);
h) mal de Alzheimer;
i) infarto agudo do miocárdio;
j) suicídio;
k) outras consequências nocivas à saúde, diversas do câncer, tais como
depressão, sensibilidade à eletricidade.
158
É importante demonstrar que o judiciário, em algumas decisões, já está
caminhando para o julgamento baseado em possibilidades de risco de dano, não
exigindo a difícil tarefa de comprovação de determinados pressupostos para que
possa haver direito a indenizações materiais e morais. No momento em que
considera a mera possibilidade dos campos eletromagnéticos de baixa frequência
158
Extraído do voto do Desembargador Relator a fl. 13 do acórdão, citando a obra de BOITEUX, Elza
Antônia P. C.; BOITEUX, Fernando Netto. Poluição Eletromagnética e Meio Ambiente. O Principio
da Precaução. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 25.
106
serem agentes prejudiciais à saúde dos seres humanos, configurada está a
aceitação da teoria do risco abstrato, com utilização do princípio da precaução. Se o
dano poderá ocorrer como consequência futura da atividade duvidosa, devem ser
tomadas medidas cautelares, como bem se fez, assegurando, consequentemente,
direitos protegidos constitucionalmente, de meio ambiente ecologicamente
equilibrado e de sadia qualidade de vida a todos.
Outro ponto relevante na discussão judicial é quanto à questão da prática de
atividade de risco e da devida inversão do ônus da prova por parte de quem pratica
a atividade, considerando que o Estado, na figura do juiz, deve considerar qualquer
forma de evitar resultados danosos ao seres vivos e ao meio.
No caso em tela, são discutidos interesses transindividuais, difusos, isto é,
de todos, indiscriminadamente.
Não importa se ainda não ocorreram danos concretos, mas sendo
apresentados perigos de dano, receios não confirmados por falta de provas com
certezas científicas, ainda que não seja possível a comprovação do nexo causal
entre a lesão e determinada causa provável, mas havendo grande probabilidade de
sê-lo. No mesmo sentido da posição tomada pelo órgão julgador, nos posicionamos
a favor de que sejam tomadas providências cautelares que não interfiram no
desenvolvimento e progresso de uma sociedade, mas que, diante da dúvida,
resolva-se pela preservação dos direitos à saúde e ao ambiente, para que haja
devida efetividade na função do Direito Ambiental.
É interessante ressaltar que as condutas omissivas também devem ser
consideradas para situações de possíveis danos e riscos, ou por falta de
cumprimento de interposta obrigação legal ou devido ao exercício imprudente de
determinada atividade que não seja exercida com cuidado e vigilância. Nesse
sentido defendemos a responsabilização civil objetiva por omissão, quando alguém,
podendo ter agido para minimizar efeitos danosos, não o faz.
Para demonstrar a aplicação da solidariedade, citamos a decisão do tribunal
de justiça de Santa Catarina em julgamento de um agravo de instrumento, na ação
civil pública proposta pelo representante do Ministério Publico Estadual contra a
cidade de Palhoça – SC:
107
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICA DANO
AO MEIO AMBIENTE –LITISCONSÓRCIO PASSIVO DO MUNICIPIO COM
PARTICULAR POSSIBILIDADE OMISSÃO, EM TESE, DO DEVER DE
FISCALIZAÇÃO DEFESA DE INTERESSE METAINDIVIDUAL
RECURSO PROVIDO. É parte legitima para figurar no pólo passivo da
ação civil pública, solidariamente, o responsável direto pela violação às
normas de preservação do meio ambiente, bem assim a pessoa jurídica que
aprova o projeto danoso. Na realização de obras e loteamentos, é o
município responsável solidário pelos danos ambientais que possam advir
do empreendimento, juntamente com o dono do imóvel.
159
O nexo de causalidade, nesta questão, fica determinado pela falta de ação
em benefício do meio ambiente, o que desrespeita a norma jurídica de proteção
ambiental de presentes e futuras gerações, sendo que foi referido também como
importante princípio ambiental a equidade intergeracional.
Seguindo na análise de importantes decisões relacionadas a riscos
ambientais e especialmente em contextos de aplicação de novas tecnologias,
observamos as discussões jurídicas na decisão democrática a seguir.
DECISÃO MONOCRÁTICA
(TRF da 4ª Região, Agravo de Instrumento nº 2007.04.00.026471-0/PR,
Decisão Monocrática da Des. Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, 06/02/2008)
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada com pedido liminar por meio do qual
busca a parte autora: a) a suspensão dos efeitos da autorização de
liberação comercial do milho geneticamente modificado denominado Liberty
Link, constante do Parecer Técnico 987/2007, proferida pela CTNBio nos
autos do Processo Administrativo 12000.005154/1998-36; b) seja
determinado à CTNBio que se abstenha de autorizar qualquer pedido de
liberação comercial de milho transgênico até que sejam criadas as normas
técnicas de liberação comercial de OGM, em obediência à legislação
vigente; e até que se proceda preliminarmente à elaboração de medidas de
biossegurança que garantam a coexistência das variedades orgânicas,
convencionais ou ecológicas com as variedades transgênicas.
[...]
Destarte, tenho que a CTNBio proferiu a decisão cnica em questão no
exercício da competência legalmente a ela atribuída, restando o
procedimento administrativo em tela de acordo com as exigências legais,
não existindo a necessidade do cumprimento de qualquer outra obrigação
imposta por lei.
De outro lado, a citada manifestação da CTNBio consiste em apenas uma
das etapas para a liberação comercial do OGM em discussão, motivo pelo
qual entendo que não se apresenta o alegado perigo da demora.
159
Agravo de Instrumento 2004.003967-0 do TJSC, julgado em 31/08/2004. Desembargador Relator
Rui Fortes.
108
Portanto, com fundamento nos termos da decisão acima transcrita,
mantenho meu posicionamento no sentido de não entender como presentes
os pressupostos do perigo da demora e da verossimilhança do direito
alegado, necessários à concessão da pretendida antecipação dos efeitos da
tutela jurisdicional, motivo pelo qual indefiro a liminar pleiteada. Diligências
legais.
Discutimos agora a decisão monocrática de uma desembargadora federal
sobre a problemática liberação de plantio de organismos geneticamente
modificados, popularmente conhecidos como transgênicos.
Trata-se de recurso de agravo de instrumento, com pedido de efeito
suspensivo, oposto pela ASPTA Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura
Alternativa, que sustenta a preocupação da liberação comercial em discussão,
devido à ilegalidade da decisão técnica proferida pelos técnicos da CTNBio, que
diverge da posição do IBAMA e da ANVISA que, em relação à liberação, destacam a
possibilidade de ocorrerem diversos danos à saúde, ao meio ambiente e à
agricultura. O recurso requer que sejam suspensos os efeitos da autorização da
liberação comercial do milho Liberty Link e que sejam realizados estudos ambientais
em todas as regiões do país. Acreditando configurados os pressupostos de fumus
boni iuris e periculum in mora, pleiteia que o pedido seja decidido favoravelmente em
decisão monocrática liminar.
A julgadora do agravo de instrumento, após relatar toda a situação e as
divergências apontadas pelas partes, similar à outra decisão tomada em agravo de
instrumento que discutiu a mesma matéria, após analisar os pareceres conferidos
pelos técnicos da CTNBio, presta sua decisão liminar, conforme colacionado.
Embora respeitando a decisão da julgadora, não verificamos nenhuma
análise fundamentada juridicamente em relação à sua posição. Sabemos que a
questão dos OGMs organismos geneticamente modificados é um dos assuntos
mais polêmicos da modernidade. Dificuldades técnicas e periciais apresentadas e
principalmente a questão da dúvida científica na relação de causalidade à exposição
a contaminações diversas e o risco de dano, bem como os danos cumulativos e
continuados apresentados por atividades potencialmente incertas, trazem problemas
intransponíveis para a determinação do liame causal.
Nesse caso em especial, sabemos que a falta de conhecimento e segurança
científicos sobre os riscos da liberação e prática de atividades transgênicas deve
tornar seu explorador uma figura exposta a responsabilidades por todos os impactos
109
que de sua atividade possam resultar. Mais do que nunca, a teoria da causalidade
adequada, adotada até hoje pelo nosso Código Civil, não deve servir neste
momento. Devido às diversas incertezas científicas, a aplicação desta nova
tecnologia deve admitir a responsabilização pelo risco ambiental, através da
constatação baseada não em certezas, mas em probabilidades em relação a
causalidade entre atividade e resultado. Meras probabilidades são características de
uma nova realidade para o Direito. Como comenta Branca Martins Cruz: “[...] à
verdade substutui-se a verossimilhança; a certeza dá lugar à probabilidade”.
160
Além do mais, acreditamos que na área da biotecnologia podemos nos valer
do princípio da precaução com maior força. A Convenção da Diversidade Biológica
firmada no Rio de Janeiro, em 1992, tratou pela primeira vez das questões genéticas
e biotecnológicas em âmbito de Direito Internacional, e neste momento o princípio
da precaução se fez presente quando alegou-se que a falta de certeza científica não
deve ser motivo de inutilização de medidas que possam evitar ou minimizar
ameaças ao meio ambiente.
O caso dos OGMs pode ser considerado uma das categorias da sociedade
de risco, principalmente quanto à questão dos limites do sistema técnico-científico
de segurança alimentar para lidar com o conhecimento incerto e a longo prazo.
A organização não-governamental Greenpeace
161
defende que os
transgênicos estão sendo utilizados de forma indiscriminada na alimentação animal
e humana sem estudos científicos suficientes quanto à sua segurança, e exige a
implementação do princípio da precaução para os transgênicos.
Podemos entender que a CTNBio o atua com nenhuma preocupação de
cautela. São fornecidos pareceres favoráveis ao plantio e comercialização de OGMs
sem que haja, ao menos, pesquisas ambientais nos locais referidos para cada
situação.
A Lei de Biossegurança
162
possui um princípio que chamamos de caso a
caso, expresso em um de seus artigos, onde competência à CTNBio para
proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, em relação aos projetos a
atividades que englobem organismos geneticamente modificados e derivados. Isso
160
CRUZ, Branca Martins da. Responsabilidade civil por dano ecológico. Revista de Ciência e
Cultura, Porto, Portugal, 1996, p. 32.
161
GREENPEACE. Transgênicos. Disponível em: <http://www.greenpeace.org.br/transgenicos>.
Acesso em: 20 jul. 2008.
162
Lei nº 11.105/2005, artigo 14º, inciso IV.
110
faz com que seu pretenso explorador apresente análise prévia e singular do risco, e
vincula ao poder público o exercício efetivo de controle e fiscalização individual de
cada OMG ou seu derivado.
Demandas ambientais surgem a cada dia, e o poder judiciário, como
verificamos na decisão apresentada, sem bases e conhecimentos relevantes à
matéria, dispensa análises mais argumentativas e fundamentadas e julga
favoravelmente à função ilustrativa da comissão técnica da CTNBio para as
questões biotecnológicas, permitindo que as medidas de biossegurança fiquem
restritas às apreciações técnicas e estatísticas sobre os riscos ambientais.
Ressaltamos que, quando discutimos a aceitação ou não do lançamento de
substâncias perigosas e duvidosas ao meio, devemos trabalhar além dos
conhecimentos científicos, através de decisões que possam evitar um possível risco
de dano ou dano futuro, que é um risco intolerável, sem esperar a certeza e assim a
irreversibilidade de um dano consumado.
Em um enfoque ambiental, baseando-nos especialmente nas ideias de Beck
sobre a sociedade de risco, que durante o desenvolvimento do presente trabalho
foram citadas, visualizamos com clareza que o desenvolvimento tecnológico, da
forma como vem sendo conduzido até os dias atuais, encontra-se num impasse
decorrente do esgotamento dos recursos naturais. Excesso de poluição, geração de
resíduos, passivos ambientais e formas de consumo impraticáveis, assim como o
estímulo econômico globalizado e o livre-comércio, representam o modelo
insustentável de progresso técnico desta sociedade de risco.
Por isso, lembramos mais uma vez da importância de instrumentos
preventivos para as situações de incerteza.
Enquanto o nível de risco para a saúde ou para o ambiente não possa ser
avaliado com suficiente certeza, o legislador não tem fundamento jurídico
para autorizar a utilização da substância, a não ser em condições
excepcionais para a realização de ensaios.
163
No caso do milho transgênico liberty link, reconhecemos o interesse
comercial e econômico das pesquisas realizadas, o que justificaria não ter havido
163
MACHADO, Paulo Afonso Leme. O princípio da precaução e a avaliação de riscos. Direito e
Ambiente, Lisboa, n.1, 2008, p. 289.
111
discussões ou questionamentos sobre as preocupações ambientais presentes e
futuras que é reflexo de sua natureza. Como, inquestionavelmente, deve prevalecer
o direito constitucional à garantia da saúde humana e a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado sobre os interesses políticos e econômicos,
consideramos ilegal o parecer cnico da CTNBio e consequentemente a decisão
judicial favorável à liberação do plantio desse transgênico ante a carência de
licenciamento ambiental e falta de aplicação de prudência pelo princípio da
precaução e outras medidas protetivas.
Em mais um contexto de risco, passamos à analise do último julgado
selecionado:
EMENTA
(TJRS, Câm. Cível, Agravo de Instrumento 70025340027, Des. Rel.
Agathe Elsa Schmidt da Silva, 22/10/2008)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO.
AÇAO CIVIL PÚBLICA. SILVICULTURA. UNIDADES DE PAISAGENS
NATURAIS (UPN´S) EXCLUDENTES. INEXISTÊNCIA DE RISCOS
AMBIENTAIS COM A SIMPLES EXPEDIÇÃO DE LICENÇAS PRÉVIAS.
AUSÊNCIA DE LIMITES OBJETIVOS NO ZONEAMENTO AMBIENTAL.
INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRECAUÇÃO.
DA PROIBIÇÃO DE EXPEDIÇÃO DE LICENÇAS PRÉVIAS NAS UPN´S
DITAS EXCLUDENTES. Em que pese sua inequívoca importância, a
licença prévia o autoriza nenhuma forma de modificação do meio
ambiente, possibilitando apenas a prática de atos de planejamento pelo
empreendedor. Assim sendo, não se consubstanciando riscos ao meio
ambiente com a simples expedição de licença prévia, não há falar em
necessidade de prolação de um comando decisório proibitivo.
DA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS LIMITES PROPOSTOS
PELOS TÉCNICOS DA FUNDAÇÃO ZOOBOTÂNICA (FZB) NAS
FUTURAS LICENÇAS A SEREM EXPEDIDAS PELA FEPAM. O
zoneamento ambiental atento ao direito fundamental ao meio ambiente,
previsto nos artigos 170, inciso VI, e 225 da Constituição Federal, é aquele
que identifica as limitações ambientais, apresentando uma matriz de
vulnerabilidade. Sua função precípua é mapear regiões, apresentando
diretrizes de macroestrutura regional a serem consideradas no momento do
licenciamento ambiental. Esse é seu núcleo substancial, sua razão de ser e
existir.
O zoneamento ambiental aprovado pelo CONSEMA não contemplou limites
numéricos ao plantio em nenhuma das Unidades de Paisagens Naturais, o
que está a indicar a sua inconsistência, com reflexos na Resolução nº.
178/2008 do CONSEMA.
O fato de existirem dúvidas científicas consistentes acerca dos efeitos
ambientais da silvicultura autoriza a aplicação do princípio da precaução,
que tem assento constitucional.
Em razão disso, afigura-se temerário e demasiadamente arriscado deixar
exclusivamente ao arbítrio dos técnicos da FEPAM a aferição acerca das
limitações ambientais, até porque as análises que são por eles realizadas
não consideram as regiões como um todo, limitando-se a examinar as áreas
específicas apontadas pelos empreendedores.
112
Assim, na defesa do interesse preponderante em discussão, considerada a
verossimilhança das alegações da inicial e o fundado receio de dano
irreparável, tem-se que deverá o réu arcar com o ônus do tempo do
processo até que seja possível exaurir as alegações postas em juízo.
Por consequência, a FEPAM deverá se abster de emitir licenças sem a
observância dos limites propostos pelos técnicos da FZB, até que sejam
conferidos limites objetivos ao zoneamento ambiental pelo plenário do
CONSEMA. Em caso de descumprimento, a FEPAM arcará com multa de
R$ 10.000,00 por licença expedida. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO
AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME.
O Ministério Público ajuizou ação civil pública contra a FEPAM Fundação
Estadual de Proteção Ambiental –, para que esta se abstivesse de,
indiscriminadamente, autorizar a expedição de licenças prévias para a silvicultura
nas UPN’s (Unidades de Paisagens Naturais), nos limites estaduais, e que apenas o
fizesse a partir da observância dos critérios objetivos que deveriam ser definidos
pelos técnicos da Fundação Zoobotânica.
Em razão do indeferimento da liminar pleiteada, o MP opôs agravo de
instrumento e o órgão julgador deu provimento parcial ao recurso baseando-se na
tutela protetiva e na efetividade da jurisdição, decidindo pela vedação da recorrida
(FEPAM/CONSEMA) de emitir licenças enquanto não forem definidos pela
Fundação Zoobotânica critérios objetivos para o zoneamento ambiental; até porque,
como descreveu em sua fundamentação, ‘torna-se inseguro a exclusividade de
opinião por parte dos técnicos da FEPAM quanto aos limites ambientais, até porque
as análises que o por eles realizadas não consideram as regiões como um todo,
limitando-se a examinar as áreas específicas apontadas pelos empreendedores’.
Na verdade, escolhemos este julgado pela importância que destacamos de
avaliar como estão sendo discutidas e resolvidas, tanto na seara administrativa
como judicial, as novas realidades e interferências da modernidade científica no
meio ambiente.
113
A ciência não é responsável pelos armamentos atômicos, pelo buraco na
camada de ozônio, pelo derretimento da calota polar e assim por diante: a
ciência talvez seja ainda a única coisa capaz de alertar-nos dos riscos que
corremos quando, ao usar o que acreditamos ser seus princípios, confiamos
em tecnologias irresponsáveis.
164
Propor limites mais claros e definidos do zoneamento ambiental para a
silvicultura nos parece o mínimo de prevenção na tomada de decisões;
apontamentos indicativos de prováveis riscos ao meio ambiente já configura direito à
utilização da aplicação de instrumentos cautelares; presumir, em defesa do
ambiente e da incolumidade à saúde do homem, é uma alternativa relevante para os
casos de atividades que produzem riscos sociais, pois o risco e a probabilidade
criam presunções para o Direito.
Nas situações que chamamos de potencialmente poluidoras, ou porque
causam prováveis riscos à saúde, ou porque possibilitam extinção de espécies
(como é o exemplo do caso em tela), temos de usar de probabilidades ou, caso
contrário, o resultado se justifica pela falta de reconhecimento probatório para
responsabilizar.
Uma responsabilização objetiva não exige comprovação de culpa, mas exigir
a constatação de dano e do nexo de causalidade como pressupostos ao dever de
indenizar também é problemático e descabido, diante das grandes dificuldades de
ordem prática para efetivar a responsabilização em casos de risco. Por isso,
achamos interessante este pedido ministerial, pois a expedição de licenças para a
silvicultura, assim como para quaisquer atividades que produzam incertezas, diante
de padrões não bem definidos quanto aos seus prováveis riscos, em um primeiro
momento, pode não causar o dano ambiental na sua concretude, mas certamente
será esta a consequência se a administração não atuar de forma preventiva, sendo,
então, bastante justa esta ação por parte do poder judiciário.
Contudo, em tais situações, devem-se dispensar determinadas regras
instrumentais e focar a realidade fática em prol de uma efetiva e ampla proteção ao
meio ambiente. A sociedade contemporânea apresenta diversos desafios para as
ciências exatas e para a ciência do Direito, especialmente no campo das novas
aplicações tecnológicas, promovendo, desta forma, uma imensidão de incertezas
164
MACHADO, Paulo Afonso Leme. O princípio da precaução e a avaliação de riscos. Direito e
Ambiente, Lisboa, n. 1, 2008, p. 290.
114
quanto aos riscos por estas produzidos, o que exige, dos operadores do Direito,
muito mais consciência e cautela no momento de decidir antes da confirmação da
configuração de um dano ambiental, mas precisamente, para poder evitá-lo.
Analisando adequadamente a questão, citamos as palavras de Leme
Machado, que ensina:
Há situações em que o Poder Público não detém as informações ambientais
relevantes, e não não as detém como não se propõe a coletá-las ou
requisitá-las. Nessa situação, as pessoas e as associações podem
organizar-se para a coleta e comunicação de informações [...]. Não se trata
de usurpar a atribuição dos governos, mas é o caso do exercício de uma
competência subsidiária, para a sobrevivência.
165
Considerando que as descobertas científicas e tecnológicas exercem imensa
influência sobre a vida em sociedade, incumbe ao Direito o papel de organizar uma
sociedade complexa, ágil e desprotegida. Consequentemente, alimentando-se de
maneira substancial de dados científicos, o operador do Direito precisa de muita
sensibilidade para lidar com interesses sociais múltiplos e coragem e discernimento
para discutir a verdade perante todos esses interesses.
Pela busca e seleção na jurisprudência, podemos observar que ainda são
poucas as decisões a respeito de riscos ambientais exatamente pela resistência de
aplicação á novas formas de responsabilização civil. Não tratar de matéria de dano
consumado, mas de risco, induz o aplicador do Direito à inutilização ortodoxa dos
pressupostos da responsabilidade civil, obrigando-os a novos instrumentos jurídicos
que tutelem as questões ambientais apresentadas por uma sociedade de risco.
Portanto, para que haja uma efetiva responsabilização civil, através de
princípios e instrumentos preventivos, é necessário o afrouxamento quanto á
comprovação do nexo de causalidade em casos de incerteza científica. A
responsabilidade deve prevalecer como resultado de uma proteção dos nossos
direitos fundamentais, à vida, saúde, dignidade e preservação do meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
165
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 261.
115
CONCLUSÃO
A partir de uma revolução industrial, as relações sociais apresentaram a
necessidade de uma reorientação envolvendo o Direito, a Sociedade e a Economia,
tudo devido á exagerada potencialização da técnica e da ciência. Desta forma, o
Direito o pode mais resolver suas questões baseado no conceito tradicional de
culpa, pressuposto do instituto da responsabilidade civil.
A lei da Política Nacional do Meio Ambiente, lei nº 6938/81, cria um regime
de reparação autônomo para a área ambiental, e define a responsabilidade civil
objetiva, deixando de exigir a comprovação de culpa, bastando a constatação do
nexo de causalidade entre o ato e a lesão sofrida e o dano, para que haja imputação
de responsabilidade. Neste momento passa a tratar da responsabilidade de forma
mais ampla, porém, segue restrito à comprovação do dano ambiental concreto.
A sociedade pós-moderna ou de risco, tem como principal característica a
generalização da incerteza o do risco das atividades. Isso vem apresentar grande
desafio para o Direito, diante da dificuldade em regular essas situações novas,
fazendo com que essa ciência avance nas discussões quanto a princípios e
processos de tomada de decisão.
Cada vez mais á aplicação de novas tecnologias interferem na vida e na
saúde das pessoas, tudo devido aos principais ciclos de expansão econômica e
tecnológica que registram a evolução da industrialização moderna e as principais
discussões estão concentradas nos vários tipos de incertezas relacionadas à
capacidade da ciência em prever e avaliar as consequências decorrentes dessas
novidades da tecnologia.
O problema desta incerteza é que, o progresso científico e tecnológico, a
muito, trabalha na medida em que novas tragédias surgem. Precisamos adotar
mecanismos que evitem a degradação do meio e não apenas sua recuperação
quando já ocorrido à situação danosa.
A multiplicidade de fatores e situações; a invisibilidade de riscos; a
temporalidade entre atividade e resultado e as incertezas relacionadas ao problema,
são os aspectos mais dificultosos ao reconhecimento da responsabilização por
riscos ambientais. É importante para qualquer tomada de decisão, tanto
administrativa quanto judicial, analisar a estrutura dos riscos ambientais desde sua
116
geração aseus potenciais efeitos e a exposição da saúde e meio ambiente aos
riscos existentes no passado e no presente e os possíveis efeitos futuros.
A simples ausência de comprovação de efeitos negativos não justifica o risco
potencial de destruição. Assim, exigências legais, como o licenciamento ambiental e
o estudo de impacto ambiental são procedimentos exercidos para gerir os riscos
ambientais concretos, a partir do momento que são realizados diante de
conhecimentos científicos, que partem de situações conhecidas e determinadas.
Contudo, a aplicação do princípio da precaução refere-se aos efeitos potencialmente
perigosos decorrentes da utilização de processos e produtos em que haja
incapacidade de avaliação científica e apresente insegurança quanto aos possíveis
riscos.
Encontramos uma visível deficiência do arcabouço jurídico-legal, permitindo
auto-regulação e instrumentos processuais que assegurem melhor análises de
riscos. Poucos acórdãos são referidos na pesquisa exatamente em virtude da
análise de risco e seu nexo de causalidade para a imposição de medidas
preventivas serem ainda matéria muito nova ao Direito.
A forma de participação pelo Direito, no gerenciamento dos riscos
ambientais, não concretos, mas também abstratos, surge na complexa avaliação
da licitude e da admissibilidade ou não dos riscos e a partir destas verificações,
devemos trabalhar com aplicação de instrumentos preventivos e até mesmo
proibitivos, se assim se fizer necessário, para a defesa deste bem
constitucionalmente protegido que é o meio ambiente.
117
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