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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
MESTRADO EM GEOGRAFIA
JOUBERT DE ASSIS MARTINS
NOVA NITERÓI: A ORLA SEPULTADA
da Utopia à Agonia
NITERÓI
2006
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JOUBERT DE ASSIS MARTINS
NOVA NITERÓI: A ORLA SEPULTADA
da Utopia à Agonia
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Geografia da Universidade
Federal Fluminense, com requisito parcial
para obtenção do Grau de Mestre - Área de
Concentração: Ordenamento Territorial e
Ambiental.
Orientador: Prof. Dr. NELSON DA NÓBREGA FERNANDES
Niterói
2006
ii
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JOUBERT DE ASSIS MARTINS
NOVA NITERÓI: A ORLA SEPULTADA
da Utopia à Agonia
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Geografia da Universidade
Federal Fluminense, com requisito parcial
para obtenção do Grau de Mestre - Área de
Concentração: Ordenamento Territorial e
Ambiental.
Aprovado em dezembro de 2006
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
Prof. Dr. NELSON DA NÓBREGA FERNANDES
UFF
_____________________________________
Prof. Dr. RUI ERTHAL
UFF
_____________________________________
Profa. Dra. AUREANICE MELO CORRÊA
UERJ
Niterói
2006
iii
“[...] Quem não entende o passado não tem idéia de como se
representar no presente para poder avaliar o futuro”. (Selmo
Treiger - empresário e um dos idealizadores do Caminho
Niemeyer, no Aterro Praia Grande)
“Como sempre, as grandes obras são imposições políticas ou,
evidentemente, imposições do Poder”. (Affonso Accorsi –
professor e arquiteto)
iv
AGRADECIMENTOS
Ao orientador Nelson da Nóbrega Fernandes pelo devotamento à proposta, sempre
procurando incitar-nos a formular novas perguntas e buscar outras respostas.
À Profa. Marlice Nazareth Soares de Azevedo, pelo seu desprendimento e gentileza ao
disponibilizar seu acervo, trabalhos de sua autoria e pesquisas desenvolvidas pelo LDUB -
Niterói, tão fundamentais para a consecução dos nossos objetivos, bem como pelo tempo que
nos concedeu para satisfazermos diversas dúvidas.
À Equipe do LDUB - Niterói (Levantamento Documental sobre Urbanismo no Brasil)
pela consideração que dispensou às nossas demandas.
A Jourdan Amóra, jornalista de alto calibre, que franqueou seus inestimáveis arquivo e
acervo iconográfico, além de dispor de um amplo estoque de paciência ao ser por nós
importunado diversas vezes, em meio ao fechamento de edições de A Tribuna e Jornal de
Icaraí, se dispondo ainda, nos contar que viu e viveu na esfera de nosso estudo.
Ao Prof. Jorge Luiz Barbosa, que nos incentivou a abraçar o tema deste trabalho,
desde o seu nascedouro.
A todo o corpo docente do Curso de Mestrado ao nos descortinar veredas passíveis de
serem adentradas.
Ao historiador e pesquisador Emmanuel de Macedo Soares, que nos indicou o ponto
de partida documental para a pesquisa e, logo na largada, descobrimos um tesouro.
A Ana Glória Ventura, pela gentileza e amabilidade, não poupando esforços para
pinçar fontes do acervo da Biblioteca Estadual de Niterói, que certamente contribuíram para
conferir maior consistência à pesquisa.
A Maria José da Silva Fernandes Chefe do Centro de Memória Fluminense, na
Biblioteca Central do Gragoatá que nos municiou com preciosa documentação, nos
estimulando, pelo seu zelo, dinamismo e convicção daquilo que faz, em prosseguirmos na
tarefa de tentar resgatar uma parcela da memória local e regional.
A Dora Lucia Menezes de Souza, pela dedicação e espírito voluntário com que atuou
na finalização e editoração deste trabalho e de outros anteriores, abrindo mão de dias e noites.
A Victor Raposo, meu braço direito na confecção do trabalho, varando algumas
madrugadas na conquista de mais algumas páginas digitadas.
A Daniela Guimarães Barcelos e Vânia Menezes de Almeida, que tanto me
estimularam e apoiaram no nascimento do anteprojeto da presente pesquisa.
Ao Prof. Almir Luiz Antunes pela atenção e amabilidade com que se dispôs a
colaborar conosco, sendo vitima de diversos e insistentes telefonemas para intermediar
contatos.
A Affonso Accorsi, Dilson Gomes, Gilberto Alves, Índio Da Costa, Luiz Antonio
Pimentel, Sérgio Marcolini, por abrirem mão de tempo e paciência para nos conceder seus
imprescindíveis testemunhos.
A Sônia Mendes por nos sinalizar caminhos que não havíamos vislumbrado.
A Leila de Oliveira Lima, que surgiu, no apagar das luzes, para nos apontar fontes
promissoras.
À Secretaria do Curso de Mestrado pela consideração que nos dispensou.
E a todos que se mostraram conscientes da pertinência deste estudo.
v
RESUMO
A proposta da presente dissertação consiste em mostrar como o poder público e o
capital imobiliário atuaram como agentes modeladores do espaço urbano na orla central de
Niterói, transformando-o em suporte para seus planos, projetos e outros intentos subjacentes,
sempre subordinados às leis de acumulação capitalista e provocando, em decorrência, a
agressão ao patrimônio ambiental e histórico-cultural. A pesquisa procura analisar,
perpassando alguns de seus antecedentes, como tal processo ocorre na antiga Capital
Fluminense, durante o período que se estende de 1930 a 1975. Diante da rarefação de estudos
mais alentados sobre o assunto, recorreu-se, predominantemente, a periódicos, secundados
pela coleta de depoimentos e exame de documentos. Agentes modeladores do espaço urbano,
espaço produzido, paisagem e configuração territorial são os principais eixos conceituais em
que a pesquisa procura se apoiar.
Palavras-chave: Geografia Urbana, agentes modeladores do espaço urbano, planejamento
urbano, orla, Niterói.
vi
ABSTRACT
The purpose of this dissertation is to show how the public power and the real
estate capital acted as shaping agents of the urban space in the central shore of Niterói,
transforming it into support for their plans, projects and other underlying aims, always
yielding to the laws of capitalist accumulation and causing, due to this, aggression to the
environment, cultural and historical patrimony. The research aims to analyze, retracing
some of its antecedents, how this process occurred in the old Fluminense Capital, during
the period of 1930 to 1975. In face of the lack of more alert studies about the subject, the
research appealed mostly to journals, and also to the gathering of testimony and to the
analysis of documents. Shaping agents of the urban space, produced space, landscape
and territorial configuration are the main conceptual axis in which the research sustains
itself.
Key-words: Urban geography, shaping agents of the urban space, urban planning, shore,
Niterói.
vii
SUMÁRIO
Agradecimentos .................................................................................................................. v
Resumo ............................................................................................................................... vi
Abstract ............................................................................................................................... vii
I INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11
1.1 Apresentação ................................................................................................................ 11
1.2 Periodização .................................................................................................................. 15
1.3 Área de estudo .............................................................................................................. 17
1.4 Método .......................................................................................................................... 17
1.5 Metodologia .................................................................................................................. 18
1.6 Objetivos .......................................................................................................................19
II ORLA DE NITERÓI: PANORAMA DOS PROCESSOS GEOMORFOLÓGICOS DO
SÍTIO E DE SUA OCUPAÇÃO ........................................................................................ 22
2.1 Gênese da orla .............................................................................................................. 22
2.2 Orla Viva ...................................................................................................................... 26
2.3 Balanço dos aterramentos até 1930 .............................................................................. 28
2.4 Pontos de Aterramento ................................................................................................. 30
2.5 Aterramentos sob o conservadorismo (1930-1975) ...................................................... 40
2.6 Comentando................................................................................................................... 44
III PROJETOS DA “NOVA NITERÓI” (1930-1975)........................................................ 46
3.1 Avant Project de ACL................................................................................................... 47
3.2 Jardim Fluminense ........................................................................................................ 54
3.3 Projeto Praia Grande ..................................................................................................... 59
IV FASE PRIVADA (1945-1967): CONFLITOS E IMPASSES ...................................... 61
4.1 Triste aspecto ................................................................................................................ 61
4.2 Começo da história ....................................................................................................... 62
4.3 O projeto ....................................................................................................................... 63
4.4 Vantagens privadas ....................................................................................................... 64
4.5 Primeiras intervenções .................................................................................................. 64
4.6 Sucessão de fracassos ................................................................................................... 65
4.7 Conflitos e irregularidades ............................................................................................ 67
4.8 Disputas pelo botim ...................................................................................................... 69
4.9 Túmulo de empresas ..................................................................................................... 77
viii
4.10 Quatro Presidentes ...................................................................................................... 80
4.11 Nova hidroviária ......................................................................................................... 80
4.12 Demandas Judiciais .................................................................................................... 81
V GOVERNO PADILHA: O SEPULTAMENTO DA ORLA (1971-1975) ..................... 93
5.1 Projeto Praia Grande ..................................................................................................... 93
5.2 Comentando .................................................................................................................. 129
VI COMUNIDADE POR BAIXO ..................................................................................... 130
6.1 Prioridades equivocadas ............................................................................................... 131
6.2 Antidemocracia ............................................................................................................. 132
6.3 Chuva de Pedras ........................................................................................................... 133
6.4 Podridão líquida ............................................................................................................ 134
6.5 Pesadelo Demolidor ...................................................................................................... 135
6.6 Deslocamentos piscícolas ............................................................................................. 136
6.7 Repescagem .................................................................................................................. 137
6.8 Clubes ........................................................................................................................... 137
6.9 Centro de exposições .................................................................................................... 141
6.10 Shopping ..................................................................................................................... 141
6.11 Banhistas ..................................................................................................................... 142
6.12 Comentando ................................................................................................................ 142
VII CONCLUSÃO ............................................................................................................. 144
7.1 Paralelismos .................................................................................................................. 144
7.2 Antevisões .................................................................................................................... 145
7.3 Produzindo chão ........................................................................................................... 146
7.4 Olho grande .................................................................................................................. 147
7.5 Impedimento ................................................................................................................. 148
7.6 Sabotadores da cidade .................................................................................................. 148
7.7 Omissões ....................................................................................................................... 148
7.8 Ampliação territorial ..................................................................................................... 150
7.9 Alterações configurativas ............................................................................................. 150
7.10 Praia não ..................................................................................................................... 151
7.11 Fase Privada e Fase Estatal ......................................................................................... 151
7.12 Silêncio quase absoluto .............................................................................................. 153
7.13 Questionamento .......................................................................................................... 153
7.14 Libertação da chacota ................................................................................................. 154
ix
7.15 Funerárias e Cadáver .................................................................................................. 156
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 156
ANEXOS
x
M386 Martins, Joubert de Assis
Nova Niterói: a orla sepultada: da Utopia à Agonia /
Joubert de Assis Martins. – Niterói : [s.n.], 2006.
178 f.
Dissertação (Mestrado em Geografia) –
Universidade Federal Fluminense, 2006.
1.Geografia urbana. 2.Planejamento urbano.
3.Espaço urbano – agentes modeladores. I.Título.
CDD 918.153
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação
Implantação ou ampliação de portos (Santos, Rio de Janeiro, Niterói); saneamento,
ocupação imobiliária de natureza diversificada e portuária (Vitória); criação de parques com
espaços para a prática esportiva, de lazer e abertura de vias de circulação (Parque do
Flamengo, no Rio de Janeiro, e Parque da Marinha do Brasil, em Porto Alegre), implantação
de vias de circulação ligando vários pontos da orla continental e insular (Florianópolis);
atividades portuárias, comerciais e culturais, consorciadas as duas últimas com a prática do
lazer (Mercado Ver o Peso, em Belém do Pará)... Para finalidades como essas se destinam
diversos aterros espalhados pelo país, estando cada um vocacionado para o preenchimento de
determinadas funções como as acima enumeradas.
E o aterro Praia Grande, em Niterói? Para que finalidades foi criado? Em que prazo foi
concluído?
Em diversas cidades do país, houve aterros consolidados de maneira gradativa, mas que,
puxados pela determinação e vontade política de seus gestores, mesmo sofrendo adequações
ao longo de sua constituição, acabaram por ser concluídos completa e definitivamente, vindo
de encontro às demandas para as quais foram projetados.
Quanto ao Aterro Praia Grande, devido a fatores e circunstâncias de natureza político-
econômica, teve um largo trecho executado, mas, até hoje, os planos que presidiram sua
criação não foram integralmente cumpridos ou completados. Nem, tampouco, cumpriu
plenamente este aterro as funções para as quais foi concebido, segundo os diversos projetos,
ao estabelecerem sal destinação.
Por ter sido “vítima” de planos variados, com propostas distintas entre eles, o Aterro
Praia Grande padece de “crise de identidade” Pelas diversas formas com que tem sido alvo de
ocupação, percebe-se a condição esquizofrênica que o acomete quanto às diversas razões que
poderiam justificar sua real utilidade.
Na investigação a que nos propomos, pretendemos contar um pouco da história desse
ente composto de terra e pedra, retratando aspectos de sua conturbada existência, desde sua
gestação no útero público-privado até seu doloroso parto na condição de mostrengo enjeitado
pelo descaso com a coisa pública e com o patrimônio histórico-natural.
O projeto do Caminho Niemeyer, atualmente em andamento, parece ser o estuário de
um longo curso de destruição da orla original do Centro de Niterói, mediante operações de
aterramento e de planos de ocupação dessa área conquistada ao mar. O Caminho vem de
completar uma década, desde seu lançamento, sem que se vislumbre uma data para sua
conclusão, tendo seu projeto original sofrido alterações significativas quanto ao traçado (a
maior parte dos prédios ficou concentrada em uma faixa restrita do aterro no lado Norte, e até
hoje alguns prédios, como as catedrais Batista e Católica não lograram sair do chão.
Diante de condições impostas pelo crescimento e expansão da malha urbana, cidades
no litoral do país, como Santos, Vitória, Rio de Janeiro e Florianópolis, entre outras,
encontraram, como alternativa, proceder ao aterramento de áreas de marinha, pântanos,
manguezais e lagunas, para nelas implantar vias de tráfego, centros administrativos e de
negócios, complexos residenciais, estabelecimentos portuários, núcleos culturais e áreas de
lazer, entre outros.
Em Niterói, algo análogo ocorreu. Ultrapassado o portal de entrada da Baía de
Guanabara formado pelos lisos paredões do Pão de Açúcar e do Morro do Pico, descortina-se,
no flanco niteroiense da Baía, um relevo ondulado, intercalado por restingas. À medida que se
avança um pouco mais para o interior, depara-se com grandes penedos -barreiras naturais que
contribuíram para restringir as opções de circulação da cidade, embora, comparando-se com a
fisiografia carioca, se apresente uma topografia mais ondulada, com um relevo mais atenuado.
(LAMEGO, 1964, p.133, 135)
Assim, espremida entre o mar e uma cadeia de morros de altitude razoável, a cidade
encontrava poucos espaços para se expandir, bem como para otimizar sua circulação viária.
Desapropriar imóveis para liberar novas áreas seria bastante oneroso, provavelmente de
andamento trôpego e indutor de litígios judiciais. Uma opção como mais econômica foi à
12
conquista de áreas ao mar com subseqüentes aterramentos, embora tivessem sido feitas
desapropriações em espaços restritos. Ao longo de sua história urbana, Niterói tem sido objeto
de dezenas de aterros, particularmente em sua área central.
A observação atual da orla do centro da cidade pode possibilitar leituras diversas.
Contudo, sob a epiderme do Aterro Praia Grande, esconde-se uma série de episódios no
mínimo intrigantes que, no somatório, contribuíram na geração de uma imagem degradante
para a cidade, composta (a se crer em informações publicadas pela imprensa sobre o período
estudado) com pinceladas de autoritarismo, indecisão, complacência, leniência, omissão,
paralisia, impotência, especulação, apropriação, descaso, conivência, conluio... tudo sob o
signo da edificação de uma espécie de “Nova Niterói”, visando dar à cidade uma fisionomia
de “cidade-moça”, cidade moderna.
A sucessão de episódios, retratados neste trabalho, essencialmente no período que se
estende de 1940 a 1975, envolvendo projetos para a criação de uma “Nova Niterói”, remete a
uma certa mentalidade que contamina, desde tempos coloniais, significativa parcela de nossos
homens públicos. Referimo-nos àqueles que parecem nunca saber muito bem o que é o Estado
nem quais as suas finalidades. Talvez suponham tratar-se de uma sociedade anônima, usando
as estruturas do poder como se estas lhe pertencessem (SANTAYANNA, 2005, p. A-2).
Também releva, para a pesquisa, evidenciar que as diferentes concepções em torno da
idéia de uma “Nova Niterói” são sustentadas por frações do capital, pelos interesses políticos
e econômicos de segmentos da classe dominante, e que sua aplicabilidade se cristaliza ou não
em função das relações de força, no plano político, envolvendo objetivos e interesses ora
circunstancialmente comuns ora circunstancialmente divergentes, por parte dos agentes
privados (CASTELLS e GODARD, 1979, p.103)
Tendo como ponto principal de apoio o denominado Aterro Praia Grande, a pesquisa
tenciona mostrar como esses agentes modeladores do espaço atuaram na tentativa de obter
benefícios recíprocos, utilizando, para tanto, como pretexto, a necessidade de se promover
uma reorganização do espaço, mediante projetos de renovação urbana.
Em 1893, Niterói sofreu o bombardeio de navios e a invasão de contingentes da
Marinha de Guerra, durante o conflito conhecido como Revolta da Armada. Por sua tenaz
resistência e por derrotar os insurgentes em seu solo, foi considerada cidade “invicta” e
“imortal”. Porém, como a ação do governo do Estado do Rio foi prejudicada durante o
conflito, endossando a argumentação de determinada corrente que defendia a interiorização
do centro governante, decidiu-se mudar a Capital para Petrópolis, o que ocorreu em 20 de
fevereiro de 1894. (ALMEIDA, 1935, p.86)
13
Quase dez anos depois, em 20 de julho de 1903, o regime republicano vai devolver a
Niterói sua prerrogativa de capital
1
. Dona de tal condição, a cidade irá abraçar uma cultura
desenvolvimentista, com as administrações estadual e municipal imbuídas de um ímpeto
modernizador e alicerçadas em planos que preceituavam intervenções significativas na
morfologia da nova capital, como novos arruamentos e loteamentos, liberação de terras
conquistadas mediante desmonte de morros e incorporação de novas áreas ao território
municipal através da promoção de aterros na faixa litorânea.
Na República Velha, as administrações que se sucedem procuram, de fato, dotar a
cidade de qualificada infra-estrutura. A natureza das intervenções reflete a intenção de se
procurar organizar uma vida urbana condizente com a sua condição de Capital perante o
Estado fluminense. Não se tem notícia de obras inacabadas, abandonadas, que tenham se
transformado, por exemplo, em terrenos baldios, como a concessão dada a particulares para
implantar e explorar o Aterro Praia Grande, nem tampouco numa sapucaia, como ocorreu
mais recentemente, durante o regime militar de 64. Na República Velha, todas as obras foram
úteis, em alguma medida, e todas, com brevidade ou não, foram concluídas. Não se deixou
entulho acumulado na “porta de entrada” da cidade, como, posteriormente, se verificou no
governo Padilha. Ao contrário, o Centro administrativo da cidade recebeu benfeitorias de
porte. Apesar da crise do café, investiu-se consideravelmente na cidade, com resultados
bastante aceitáveis, ao passo que nos anos 30, apesar da escassez de recursos propalada na
época, os investimentos prosseguiram em algum grau. Mas, a partir dos anos 40, a incúria
passa a ser uma constante.
A cidade, ao recuperar seu status de Capital, passa a receber, ao longo das três
primeiras décadas do século XX, uma série de benfeitorias, como: alargamento e
pavimentação das principais ruas do Centro; avenidas à beira-mar no Gragoatá, Praia das
Flechas e Icaraí (1904); abertura da Alameda São Boaventura e criação do Jardim Botânico -
no bairro do Fonseca (1909); implantação da rede central de esgotos (1912); implantação do
jardim do Campo de São Bento (1910); modificações quanto ao uso e ocupação de Icaraí, que
passa a desfrutar do status de estação balneária (1913); desmonte do Morro Dr. Celestino
1
MARY, Cristina Pessanha (1988 p. 81): “Em 1902, durante os debates sobre a volta da capital do Estado para
Niterói, a discussão sobre a cidade teve como eixo a questão geopolítica. Nesse período, o tema em voga foi
tentar saber qual o melhor lugar para sediar o “centro” fluminense. [...] O debate sobre a localização da capital
do Estado dividiu as elites em dois grandes blocos. De um lado estavam os que achavam que a proximidade da
cidade do Rio de Janeiro era fator positivo -desse convívio Niterói poderia obter vantagens-, enquanto de
outro lado ficavam os que pensavam justamente o oposto: a vizinhança da capital federal dificultava a autonomia
de Niterói, impedindo que esta se desenvolvesse a contento.”
14
(que contribuiu para melhorar as condições de saneamento e circulação do Centro) e o
material dele retirado foi destinado ao aterramento dos mangues de São Lourenço, operação
paralela à construção do Porto de Niterói (1917-1927) e da Praça da República -com a
edificação dos prédios da Assembléia Legislativa, Palácio da Justiça, Secretaria de Segurança
e da Escola Normal( 1927-1937).
Em 1919, o empresário Aldovandro Graça irá propor, como parte do seu plano de
melhoramentos para a cidade, um aterro da Ponta da Armação à Ponta do Gragoatá, que
receberia quadras retangulares, com ruas em traçado xadrez (AZEVEDO, 1997- p. 74).
Aldovandro, no entanto, não obteve o esperado apoio das instituições oficiais.
Na esteira de todo esse conjunto de planos e intervenções, uma obra teórica irá coroar
esse idealizador e empreendedor estado de espírito por uma “Nova Niterói”. A apresentação,
na França, da tese de doutoramento do arquiteto e urbanista Attílio Corrêa Lima, oferecendo
um leque de elementos para a reestruturação urbana de Niterói, entre os quais a proposta de
Aldovandro de incorporação de novas áreas por intermédio do aterramento da orla central.
Posteriormente, a partir de 1940, a proposta de se promover o aterro será adotada pelo
Estado, que transferirá para a iniciativa privada a responsabilidade pela execução da obra e o
direito de ocupar e explorar o novo espaço.
O processo envolvendo o aterro caminhará de forma titubeante, conflituosa e
contraditória, ao longo de 25 anos, até sua conclusão, em 1975, sob o pesado e irresgatável
ônus, entre outros passivos, da desfiguração completa da faixa litorânea central da cidade.
1.2 Periodização
Perpassaremos de forma sintética, no próximo capítulo (II), o processo de formação da
Baía de Guanabara e, particularmente, da orla litorânea centro-sul de Niterói - constituindo-se
esta última em principal cenário do nosso estudo. Ou seja, o trecho que vai da enseada da
Praia Grande até a Praia das Flechas.
Em seguida, faremos um balanço dos sucessivos aterramentos que se abateram sobre
essa faixa do litoral niteroiense, até 1930. O período de índole marcadamente
conservacionista em relação ao meio ambiente (1930 a 1975) também será abordado em
breves nuances.
Com a abordagem desse conjunto de períodos, procuramos oferecer um panorama,
ainda que sucinto, da evolução da orla estudada, até ingressarmos na parte core do trabalho,
15
que começa no capítulo III e consiste em enfocar, a partir de 1930 e até 1975, três projetos
urbanísticos que postularam, para ser viabilizados, o aterramento da orla centro-sul da cidade:
1. De autoria do arquiteto Attílio Correa Lima (1930), que não tinha compromisso de
tornar-se ou atender a alguma demanda real por tratar-se de uma tese acadêmica de
doutoramento. Contudo, algumas intervenções que o autor defendia para Niterói
vieram a ocorrer independentemente, pelo que transparece, de qualquer acerto com o
arquiteto, sendo que outras proposições, por ele apresentadas no mesmo projeto, de
tempos em tempos voltam a ter sua realização cogitada;
2.Do escritório técnico Gabriel Fernandes (em 1941), conhecido como Plano de
Remodelação e Urbanização de Niterói (PRUN), modificado, em 1957, pela
Companhia União Territorial Fluminense, tendo então recebido nova denominação:
Jardim Fluminense. Trata-se de período conturbado, em virtude dos sucessivos
adiamentos que o projeto sofre em sua execução, se constituindo em background para
negociatas e barganhas, em meio a omissão e ao descaso das autoridades.
3. Por último, em 1971, o Projeto Praia Grande que, em realidade, teve três versões -
uma original e duas adaptações ou complementações, durante o governo de Raimundo
Padilha - nomeado pelo regime militar. Sobre este projeto nos deteremos com mais
vagar no capítulo seguinte (V), por tratar-se do período em que a maior parte do
aterramento (cerca de 80%) é executada e a orla assume, em definitivo, nova
configuração em meio a desmandos de diverso matizes e proporções.
Antes do capítulo V, porém, procuraremos reproduzir no capítulo que o antecede todo
um conjunto de intrigas, desentendimentos, conflitos, impasses, tratativas, que marcaram a
fase correspondente ao período que vai de 1945 (quando a concessionária do Plano de
Remodelação e urbanização de Niterói (PRUN) adquire, de fato, por parte das autoridades
governamentais, o domínio útil de acrescidos de marinha na orla Centro-Sul da cidade), e se
estende a 1967, quando surgem os primeiros indícios de que o Poder Público deverá intervir
no processo de concessão.
Finalmente, no capítulo VI, enfocaremos, ilustrando com situações concretas, o
silêncio e a passividade da comunidade diante de uma conjuntura forjada nos gabinetes dos
agentes produtores do espaço urbano capitalista - entenda-se o Poder Público e os
promotores imobiliários, que impõem suas diretrizes em qualquer conjuntura política e
econômica do período analisado, em meio a entendimentos e quedas-de-braço, de acordo com
as circunstâncias, para conquistar espaços de favorecimento, controle e lucratividade.
16
1.3 Área de estudo
O foco físico da pesquisa se deterá no trecho litorâneo compreendido entre a Ponta da
Armação e a Praia das Flechas, uma vez que estão conformados a tais limites os projetos que
postulavam intervenções efetivas no contorno da orla.
Concluído pouco mais de 30 anos, a área do Aterro Praia Grande apresenta, na atualidade,
entre fixos públicos e privados, uma configuração multifuncional -contrariamente à
destinação que lhe foi dada pelo projeto original, elaborado em 1941, de natureza
essencialmente residencial e que incluía alguns prédios públicos.
Tal configuração compreende prédios com finalidades culturais (Caminho Niemeyer-
predominantemente concentrado na parte Norte- e Estação Cantareira - no lado sul); prestação
de serviços públicos (Terminal Rodoviário Norte) e Estação de Tratamento de Esgotos);
atividade industrial (estaleiro), associativa (colônias de pescadores); supermercado e
lanchonete fast food (todos estes na parte Norte).
Na área Central, defronte à Praça Martim Afonso, permanecem as estações de
barcaças e aerobarcos este e a praia da Ponta do Gragoatá foram os únicos trechos não
aterrados na área Central.
Nos setores Norte, Central e Sul, funcionam estacionamentos de veículos.
Especificamente na face sul, existem duas praças, o Museu do Cinema Brasileiro
(pedaço isolado do caminho Niemeyer), um CIEP, o Campus da Universidade Federal
Fluminense e a Av. Litorânea, que se estende em sentido sul, alcançando a parte do projeto
que acabou por não receber aterro e onde se destaca, imponente, sobre uma falésia entre as
praias de Boa Viagem e Flechas, o Museu de Arte Contemporânea -prédio-símbolo da cidade,
concebido pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
1.4 Método
Na tentativa de melhor desvendar os meandros de nosso objeto de investigação nos
apoiaremos em três eixos: dois deles conceituais - o primeiro enunciado por Horacio Capel
Sáez, refere-se aos agentes modeladores do espaço; o segundo emitido por Roberto Lobato
Corrêa;- e, finalmente, o terceiro apoiado em critérios teóricos sugeridos por Sonia Barrios.
Capel sustenta que, em uma sociedade capitalista, a cidade e o espaço em geral não
pertencem a seus habitantes e não são modelados em função de seus interesses, e sim de
17
acordo com os interesses, às vezes contraditórios, de uma série de agentes, entre eles os que
atuam como protagonistas principais do presente trabalho: o Estado e os promotores
imobiliários. (CAPEL, 1983, p.85)
Por sua vez, Corrêa ressalta que o espaço urbano capitalista é um produto social,
resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e
consomem espaço. (CORRÊA, 1989, p. 12)
Aliado a tais concepções, teremos como plataforma teórica, que deverá transparecer
durante nosso percurso empírico, em um contexto terceiromundista, os seguintes critérios
formulados por Barrios: a) a produção do espaço é um fato técnico em sua aparência, porém
social em sua essência; b) o elemento dinamizador da totalidade social constitui os conflitos
da necessidade objetiva dos grupos dominantes de manter e fortalecer sua posição de classe
mediante os processos de acumulação, dos quais o espaço é o instrumento material.
(BARRIOS, 1986, p. 24)
Apoiados nesses enunciados, intentamos deslindar questões que se prendem ao
principal interesse de nosso estudo: apreender quais os fatores mais relevantes, que podem ter
impedido o eventual afloramento de projetos potencialmente mais consentâneos com a
realidade urbana de Niterói, e quais os que teriam contribuído para que se consubstanciassem,
na paisagem, projetos de expansão do território municipal, dilapidadores do patrimônio
ambiental urbano
2
.
1.5 Metodologia
Diante da aguda escassez de fontes livrescas referentes ao objeto pesquisado (embora
do reduzidíssimo acervo sobressaiam alguns trabalhos alentadores, dos quais não podemos
deixar de destacar aqueles da lavra de Marlice Nazareth Soares de Azevedo, professora e
pesquisadora da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal Fluminense, que foram de
imprescindível valia para a consecução desse estudo), optamos por recorrer,
predominantemente, a periódicos locais ou àqueles que, no período estudado, mantinham
representações ou sucursais no território niteroiense.
2
Patrimônio ambiental urbano, considerado como um fato social, produto de uma sociedade específica, é
constituído por um conjunto de bens, coisas físicas produzidas pelos homens -artefatos-, ou a natureza
transformada em objeto cultural, incorporada pela vida urbana. Trata-se, por exemplo, de paisagens, espaços,
construções, cujo sentido se manifesta não por si, mas pela articulação que entre si se estabelecem e que lhes
suporte (MENEZES, 1978 apud CRYCHYNO, 2000, p. 25)
18
Outra fonte importante para obtenção de informações e indicações ou coleta de
indícios, que apontassem caminhos vicinais para a pesquisa, foi a tomada de depoimentos de
personalidades envolvidas ou que acompanharam, de alguma forma, o processo.
A recorrência à legislação e outros documentos oficiais constituiu-se em nicho mais
restrito.
Com respeito à iconografia, obtivemo-la em livros, revistas e jornais, pertencentes ao
acervo de bibliotecas públicas, ao arquivo fotográfico da Editora Esquema e, ainda, junto ao
acervo de outros pesquisadores.
A empiria circunscreveu-se, essencialmente, a entrevistas e aos poucos fixos daquele
período, que permanecem, na atualidade, sobre o aterro - testemunhos inertes e restritos, em
extremo, para ajudar a dar conta, de modo significativo, ainda que aproximadamente, de uma
totalidade. A fonte de maior relevância para o aspecto mais arqueológico da investigação
consistiu no próprio Aterro Praia Grande, quanto às dimensões e contorno que exibe
atualmente.
1.6 Objetivos
Objetivo geral
O presente trabalho busca evidenciar como o Poder Público e o capital imobiliário,
como agentes modeladores do espaço, operam a questão do aterramento como suporte a seus
planos, projetos e outros intentos subjacentes, promovendo, em decorrência, a agressão ao
patrimônio ambiental e histórico-cultural.
O Aterro Praia Grande é produto do longevo Plano de Remodelação e Urbanização de
Niterói - criado em 1941- que também nunca se consumou. A concessionária encarregada de
executá-lo e suas sucessoras, receberam em troca o direito de vender lotes conquistados ao
mar a partir do aterramento de um extenso trecho da orla da cidade. O plano ficou longe de
ser satisfatoriamente implementado. Sucessivos adiamentos das obras geraram um sentimento
de descrédito em relação ao projeto em si, aos concessionários privados e aos poderes
constituídos, respingando tal postura de frouxidão e permissividade, por parte desses agentes
modeladores do espaço, na própria imagem e auto-estima da cidade.
Nos anos 1970, o Governo do Estado decide tomar a si a tarefa de tocar o
empreendimento com nova roupagem e novo nome de batismo: Projeto Praia Grande, que
continuará a ter como marca registrada uma série de episódios obscuros e incongruentes. O
19
aterramento foi concluído, mas o projeto em seu conjunto permanecerá anos luz do arremate,
sendo abandonado com a fusão Guanabara-Estado do Rio.
Mesmo após intervenções promovidas a posteriori por gestores públicos e privados, a
ocupação completa do Aterro não se consumará. Até hoje litígios entre os concessionários e o
Estado se arrastam nos tribunais, tendo como epitáfio o soterramento de uma das mais belas
faixas litorâneas do país, cuja operação de lenta e progressiva asfixia sorveu vultosos recursos
públicos para sustentar, sob as bênçãos de projetos urbanísticos, casamentos, divórcios, novas
uniões, interesses “intrafamiliares”, envolvendo segmentos atuantes nas esferas pública e
privada.
O Caminho Niemeyer não parece emitir sinais de conclusão em breves dias. se
vão de dez anos desde o lançamento da idéia e as obras prosseguem em ritmo stop and go.
Essa morosidade parece fazer parte da história do Aterro Praia Grande, onde o projeto do
Caminho está assentado.
Objetivos específicos
1. Resgatar uma fatia da memória espacial da cidade;
2. Demonstrar que o aterramento não respeitou a preservação ambiental, paisagística e as
estruturas histórico-culturais existentes na área pesquisada.
3. Retratar a desenvoltura com que os agentes modeladores do espaço se moviam à
sombra dos planos urbanísticos, por eles patrocinados, e que tinham no aterramento da
orla central um de seus esteios.
4. Detectar os níveis de conflito entre os agentes públicos e privados.
5. Detectar os graus de cooperação e interatividade entre as diversas instâncias do
aparelho estatal.
6. Deslindar o emaranhado de fatos que se deram em torno das concessões de
aterramento pelo Poder Público à iniciativa privada.
7. Identificar eventuais reações das comunidades e da sociedade local aos projetos e às
obras do Aterro Praia Grande.
Os objetivos aqui elencados procuram abrir caminho para a obtenção de informações
que possam esclarecer fatos conducentes à confirmação da seguinte hipótese:
Planos urbanísticos são instrumentos úteis, em certa medida, para escamotear
intenções de agentes públicos e privados quanto à gama de interesses envolvidos na
apropriação e uso da configuração material produzida.
20
Ao final do século XIX e início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro, então
capital do país, foi marcada por uma cultura desenvolvimentista. Bom exemplo, por ser
modelo urbano para o país, sofreu inúmeras intervenções. Grandes planos urbanísticos eram
pensados como instrumentos de transformação da vida econômica e social da população. “É
reconstruída e embelezada por Pereira Passos (1902/1906) para que tivéssemos uma capital
que não nos envergonhasse frente aos países progressistas e civilizados”. (SANTOS, 1988,
p.40)
Ampliar e reorganizar a cidade era a ordem estabelecida. Isto era justificado por várias
razões: garantia de salubridade, investimento em beleza, aumento de funcionalidade, desafogo
de áreas congestionadas e compatibilização com novas atividades econômicas. Esta
reestruturação urbana se materializou através de aberturas de vias, expansão de áreas através
de desmontes e aterros, modificações de usos e ocupação.
Também na vizinha Niterói esta cultura foi absorvida.
O regime republicano transforma a Província em Estado e o Rio de Janeiro tendo em
Niterói a sua capital a partir de 1903 ( recuperando, de certa forma, esta prerrogativa, pois
havia sido capital que em então provincial no período de 1889 1893) . Da mesma
forma como acontecia na capital federal, os governos municipal e estadual dão início a um
esforço modernizador da cidade.
Inaugurava-se, assim, a série de planos que previam desmontes de morros, grandes
faixas litorâneas de aterro, além de novos arruamentos e loteamentos.
21
CAPÍTULO II
ORLA DE NITERÓI: PANORAMA DOS PROCESSOS GEOMORFOLÓGICOS DO
SÍTIO E DE SUA OCUPAÇÃO
Alusões Fáusticas
“Natureza infinita, como poderei agarrá-la?
Onde estão suas tetas, fonte de toda vida (...)
por quem meu coração vazio anseia”.
(Marshall Berman citando o Fausto de Goethe)
“Isso me leva à beira da angústia desesperada!
Tanta energia propositalmente desatrelada!
Isso desafia meu espírito para além de tudo o que já vi;
aqui, sim, eu lutaria, para a tudo isso subjugar.”
(Idem)
2.1 Gênese da orla
Dos seis mil quilômetros de tropicalidade da faixa costeira do Brasil, os cerca de três
quilômetros quentes e úmidos da orla central de Niterói constituem um micro fragmento -
subproduto recente de uma longa história geológica, que começa com a separação,
aproximadamente 210 milhões de anos (período cretáceo inferior), entre Brasil e África,
resultando na intrusão das águas do mar entre os dois continentes, constituindo o que é hoje o
oceano Atlântico.
22
Todo esse processo megatectônico de separação entre Brasil e África vai ser
responsável pela formação da Bacia de Campos, Serra do Mar fluminense, Serra da Carioca, e
depressões costeiras e intermontanas modernas da região do Rio de Janeiro (AB’SÁBER,
2001, p.200).
A ação deformadora provocada pelo tectonismo irá produzir falhamentos bastante
incisivos, que se constituirão, durante o Cretáceo, em recipientes para sedimentações
oceânicas em todas as bacias supracitadas.
A alta contundência tectônica gravou a borda oriental do escudo brasileiro. Os
alinhamentos da Serra do Mar, em fins do Cretáceo e a fase inicial do Cenozóico (terciário)
constituem as principais falhas interiorizadas do conjunto de fragmentações que deram origem
às bacias de Campos e de Santos. Como parte desse processo, ocorreu o alinhamento de
separação entre o maciço costeiro de Niterói e o Pão de Açúcar, iniciado muito antes da
existência da Baía de Guanabara.
Em amplas áreas localizadas entre a Serra do Mar e a faixa litorânea, foram
constatadas duas ocorrências de sedimentação: uma bacia tectônica bem delineada com uma
capa de material sedimentar que se estende pela Baixada Fluminense, região de Campos e do
Espírito Santo.
Ab’Sáber (2001, p.201) observa que:
“Somente após essa sedimentação neogênica é que os cursos d’água da geração
paleo-rio da Guanabara se estabeleceram e se encaixaram por retomadas sucessivas
devido às variações climáticas relativamente rápidas do Quaternário”.
A estabilidade tectônica conquistada pelas áreas antigas e modernas, que constituem a
região guanabarina, ao se concluir o período de soerguimentos e acomodações das estruturas
continentais pleistocenas, fará com que, daí por diante, as variações na fachada litorânea da
Guanabara se devam exclusivamente a movimentos glácioeustáticos do Pleistoceno Superior
e Holoceno, sendo o último desses movimentos conhecido como Wurm IV- Wisconsin
Superior - responsável, tomando como referência o atual nível médio dos oceanos, por um
recuo e rebaixamento do mar em 100 metros; episódio que acabou por revelar o baixo curso
do antigo rio que antecedeu a formação da Baía de Guanabara e que:
“[...] era constituído por dois braços de rios afluentes hoje submersos. Um vindo do
Nordeste, mais longo o paleo-rio da Guanabara, e o outro proveniente de Oeste-
Sudoeste, cujo vale, com meandros encaixados, bordejava a Ilha do Governador [...].
Esse antigo curso d’água de Oeste-Sudoeste realizou erosão fluvial durante seu
encaixamento no costado oeste da referida ilha. Após o encontro dos dois afluentes,
o talvegue fundo do paleo-rio talhava o setor correspondente à barra da Guanabara,
localizado entre as serranias de Niterói e o Pão de Açúcar. Não se sabe com precisão
quando, durante o Quaternário, essa estreita e maravilhosa passagem de velhos rios e
mares se teria iniciado. Entretanto, após ter sido rio, a Guanabara se tornou baía com
23
a rápida ascensão do mar, entre 12.700 e 6.000 anos AP. O afogamento do eixo
principal do paleo-rio da Guanabara respondeu pela ampliação do embaiamento
regional. Enquanto as transgressões marinhas, por entre morros e penedos,
empurraram areias e criaram condições para gerar restingas, tômbolos e praias
maravilhosas que hoje constituem o diversificado sítio das cidades do Rio de Janeiro
e Niterói”.(IDEM, p.195)
No período extremamente frio e seco do Wurm IV-Wisconsin Superior (entre 23.00 e
12.700 AP) vai ser registrado um dos mais agudos processos de fragmentação da
tropicalidade, na América. Daí o recuo do mar na bacia tectônica da Guanabara. Contudo, o
Wurm IV é considerado o derradeiro momento em que ocorre fragmentação da tropicalidade.
Esse período findará com o processo de aquecimento ocorrido 12.000 anos,
provocando o derretimento de geleiras nas mais elevadas cordilheiras e regiões polares, além
de, gradativamente, assinalar o restabelecimento da tropicalidade.
Em função de tal processo, massas de areias serão tangidas para linhas do litoral recém
formadas, com sua localização e contorno redefinidas por correntes próximas à costa,
sofrendo esta, com a elevação do nível do oceano e consequente transgressão marinha, uma
certa retilinização se comparada a momento antecedente em que, no sudeste, a retroterra
estava intensamente esculpida por vales, esporões de serras, barras de rios serranos e angras.
E isso ainda após o processo de transgressão marinha atingir seu nível máximo de três metros
acima do atual.
Entre 6.000 e 5.500 anos AP, restingas iriam se multiplicar em função de elevações e
recuos do nível marinho - sendo parte delas restingas aprisionadoras de corpos d’água.
Sucessivos aterramentos e o processo de urbanização sepultaram esses registros sedimentários
produzidos pela ascensão holocênica do oceano. Observe-se, entretanto, que, na costa do Rio
e Niterói, verificam-se acidentes geográficos remanescentes desse período, como esporões de
serras, pontas de praias e pequenos maciços costeiros que, durante o optimum climaticum,
foram ilhas, incorporadas, posteriormente, ao continente por intermédio de tômbolos ou
duplos tômbolos.
A retropicalização do território oriental brasileiro comportou processos múltiplos e de
grande complexidade. Diante do intenso degelo das calotas polares e altas cordilheiras, o nível
geral dos oceanos e mares passa a se elevar progressivamente, ainda que de forma irregular,
ao longo de aproximadamente 6.000 anos. Simultâneo a esse processo, ocorrerão acentuadas
modificações no regime hidrográfico que acabará por restabelecer os climas tropicais ou
subtropicais úmidos, nas áreas leste, sudeste e sul do Brasil.
24
Enquanto se desenvolve todo esse processo de retropicalização, verificam-se
ingressões marinhas na segunda fase do Holoceno, pós-optimum climaticum, “[...] em
regiões de embaiamento, rios e lagunas, em feixes de restingas, em áreas de enseadas rasas,
sujeitas a pequenas flutuações terminais do nível marítimo”. (Ibidem, p.200).
Um dos tipos de penetração marinha mais bem marcada se deu em parcelas de vales
fluviais baixos, bem escavados e compartimentados. A Baía de Guanabara foi um deles e a
orla marítima central de Niterói uma pequena componente desse exuberante cenário natural.
A enseada da Praia Grande tem como um de seus extremos a Ponta da Armação - uma
antiga ilha, hoje pequena península ou tômbolo unido ao continente, mas que, na época do
Descobrimento, talvez estivesse deixando de ser ilha para ancorar a restinga que orlava o
recôncavo da enseada, cujo outro ponto extremo era a Ponta do Gragoatá. Ultrapassando-a,
havia restingas em cujas bordas se estendiam a Praia Vermelha (assim chamada devido à cor
de suas areias tingidas com as argilas de uma falésia erodida), a escarpa da Ilha da Boa
Viagem e a Praia das Flechas (que, possivelmente, recebeu tal denominação por haver
existido, em seus arredores, um brejo ocupado por taboas - planta que produz a flecha).
As duas zonas longitudinais em que se divide a petrografia do espigão da Boa Vista
(correspondente a um dobramento), entre a planície de Icaraí e de Santa Rosa e os bairros de
São Domingos e do Centro de Niterói, é composta de gnaisse superior ao sul e gnaisse
lenticular ao norte (LAMEGO, 1964, p.98)
Em um extremo desse espigão - do Gragoatá à Boa Viagem - era bastante visível, na
Praia Vermelha, antes do seu aterramento, o contato entre o gnaisse lenticular e o gnaisse
superior.
A face da Ilha da Boa Viagem mais próxima do continente provavelmente veria o
tômbolo que a toca totalmente destruído caso o aterro, previsto no projeto da Planurbs, fosse
consumado, soterrando, ainda, toda a Praia da Boa Viagem, a denominada Praia das Velhas e
a Praia das Flechas.
Da ilha da Boa Viagem até a Praia de Icaraí, verifica-se a presença, em quase toda a
extensão, de rocha superior. Apenas em um ponto registra-se a rocha lenticular penetrando no
mar e formando uma saliência (LAMEGO, 1964, p.97) na faixa de contato entre os dois tipos
de rocha. Grutas escavadas pelas ondas se fazem presentes, permanecendo incólumes devido
a imcompletude do Aterro. O grande arco natural existente na ponta da Itapuca não teve a
mesma sorte e foi destruído em meados do século XIX, durante a gestão do presidente da
Província Fluminense, Luiz Pedreira do Couto Ferraz (Barão do Bom Retiro), para facilitar o
acesso dos niteroienses a Icaraí. Restou apenas a chamada Pedra da Itapuca.
25
Entre a Ilha da Boa Viagem e a Praia das Flechas, se estendia soberano, como hoje,
todo um trecho escarpado e erosivo, batido intensamente pelo mar, principalmente por
ocasião das ressacas.
Finalmente, entre as praias das Flechas e de Icaraí (Akaray - rio dos Acarás)...
“Ocorriam diversas feições ruiniformes esculpidas no embasamento semi alterado,
que incluíam pináculos, grutas e túneis naturais, conferindo singular beleza ao litoral
dominado por praias paradisíacas, orladas por falésias. Eram as pedras Itapucas
(pedras furadas, segundo os tupis-guaranis), que testemunhavam a ação erosiva do
mar que batia inclemente na região”. (AMADOR, 1997, p.239).
2.2 Orla Viva
O litoral do município de Niterói se apresenta com várias pontas ou promontórios, que
formam suas enseadas e abrigos.
Entre a primeira ponta na entrada na Baía de Guanabara e a do Gragoatá existiam,
ainda nas duas primeiras décadas do século 20, várias e belas enseadas, com excelentes praias.
Um pequeno promontório, formado pelas praias de Icaraí e das Flechas, costeia ainda
hoje a Ilha da Boa Viagem, tendo seu extremo mais saliente na Ponta do Gragoatá. Neste
trecho do litoral, encontravam-se as praias da Boa Viagem e a Vermelha, que se prolongava
da anterior até a Ponta do Gragoatá.
Outra quase pequena península é a antiga Ilha, depois da Ponta da Armação
3
, banhada,
então, de um lado pela enseada da Praia Grande, e de outro pelo canal da Ponta d’Areia e
enseada de São Lourenço.
A Enseada da Praia Grande formava-se entre as pontas do Gragoatá e da Armação,
abrigando as praias do Gragoatá, de São Domingos, a ponta do morrote da Pampulha, as
praias do Cabaceiro, do Valonguinho e a Praia Grande propriamente dita que, numa seqüência
de pequeníssimas praias, ia até o Morro da Armação.
A partir da ponta constituída por aquele morro, se achavam as praias do Toque-Toque
e da Ponta d’Areia - ao fim desta última se encontrava a Enseada de São Lourenço (FORTE,
1935, p.135, 136)
4
.
3
Chamou-se assim porque tinham essa denominação os armazéns para onde eram levadas as baleias e se
fazia a extração de óleo dos cetáceos.
4
José Matoso Maia Forte, jornalista, historiador, escritor. Por ocasião da revolta de 1893, participou do
Batalhão Acadêmico em defesa de Niterói. Atuou em diversos jornais do Estado do Rio. Foi membro do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, da Academia
Fluminense de Letras e da ABI. Publicou, entre outros livros, Tradições de Niterói (1919), Esboço de Geografia
Econômica do Estado do Rio de Janeiro (1919), Hidrografia do Estado do Rio de Janeiro (1919), Notas para a
26
Em Amador (1997, pp. 236, 239, 240) encontramos outra descrição de como deveria
ser, quando da chegada dos portugueses, o litoral do setor oriental da Baía; descrição da qual
transcreveremos o trecho referente à orla niteroiense:
“[...] Diversas ilhas se aproximavam da costa, [...]a maior deste conjunto a Ilha da
Conceição. As ilhas e as pequenas reentrâncias no litoral, mescladas com praias
arenosas e manguezais se sucediam, até atingirem uma área notável do litoral, onde
ocorriam duas grandes enseadas separadas por uma península, as enseadas se São
Lourenço e da Praia Grande. A Enseada de São Lourenço, que é separada da Praia
Grande por uma pequena península, que tem ancoragem na ponta da Armação
(antiga ilha), possuia no seu interior um estuário orlado por praias e manguezais,
drenado pelo Rio Vicência, que descrevia meandros de maré. O estuário penetrava
vários quilômetros para o interior ocupando grandes extensões da atual Alameda
São Boa Ventura e o Cemitério de Maruí [...]”. [...] A Ponta da Armação, atualmente
uma pequena península ou tômbolo unido ao continente por um cordão arenoso,
provavelmente naquela época estava deixando de ser ilha e ancorava uma das
extremidades da Restinga da Praia Grande que orlava o recôncavo da enseada
homônima[...]”
No período colonial, o litoral da Baia de Guanabara era composto, em sua maior parte,
de pântanos e manguezais.
“As áreas de mangue naturais que subsistem no fundo da Baía (entre os rios
Guaxindiba, Macacu e Guapimirim) são o testemunho do que foi um dia esse litoral”
(WIEFELS, 2001, p. 234)
Com a expansão urbana, o Centro de Niterói irá presenciar o gradativo
desaparecimento de seus manguezais, charcos e áreas pantanosas - Diante do progressivo
aterramento, a orla central de Niterói sofrerá, evidentemente, modificações em seu contorno,
com a construção de cais e muradas retilíneos.
A Praia Grande, especificamente, tendo como limite a rua Visconde de Rio Branco, foi
alvo de aterramentos desde a elevação de Niterói à categoria de Vila, sendo propostos
diferentes traçados para sua ocupação. (AZEVEDO, 1999, p.74)
O arquiteto Attílio Corrêa Lima vai resgatar a proposta de se realizar um aterro de
grandes dimensões na orla do centro de Niterói (da Ponta da Armação à Ponta do Gragoatá),
apresentada, pouco mais de uma década antes (1919), por Aldovandro Graça, como parte de
um projeto de melhoramentos para a Capital do Estado do Rio. Tal idéia irá integrar a tese de
doutoramento defendida por Attílio, em Paris, no dia 13 de dezembro de 1930.
A proposta de Aldovandro, encampada por Attílio, será institucionalizada, dez anos
após (1940), pelo Governo Federal, ao autorizar a Prefeitura de Niterói a executar o Plano de
Urbanização e Remodelação da Cidade, que previa o aterramento, com novo contorno, da
História de Niterói (1935). Traduziu Viagens pela Província do Rio de Janeiro, de Saint Hilaire. (Perfil
biográfico adaptado da Enciclopédia de Niterói – Luis Antonio Pimentel (Org.)- Niterói Livros, 2004)
27
faixa litorânea desde a Ponta da Armação até a Praia das Flechas. Portanto, cerca de três
quilômetros além do que Aldovandro e Attílio haviam sugerido, ao fixarem a Ponta do
Gragoatá como um dos pontos extremos do aterro, ou seja, adstrito aos limites da Praia
Grande.
As obras do Aterrado Praia Grande levarão mais de 30 anos para ser concluídas, em
meio a batalhas judiciais, envolvendo agentes modeladores do espaço, públicos e privados,
que se prolongam até os dias de hoje.
Após o término das operações de aterramento, em 1975, como parte do Projeto Praia
Grande, lançado pelo último governante do antigo Estado do Rio, antes da fusão com o
Estado da Guanabara, Raimundo Padilha, a área do Aterro não será ocupada logo de início,
permanecendo praticamente abandonada.
A ocupação se dará, gradual e efetivamente (a “conta-gotas”), a partir do governo
do prefeito Moreira Franco (1976-1982) quando a extensa área receberá uma gama de
intervenções e projetos pontuais, em geral bastante diferenciados entre eles, quanto à natureza
e destinação, e não necessariamente complementares, sendo o mais recente o projeto do
Caminho Niemeyer
5
.
2.3 Balanço dos aterramentos até 1930
2.3.1 O que era e o que foi
“Entremeada de colinas arredondadas e verdejantes que lhe emprestam à fisionomia
uma expressão característica -e umas às outras se sucedem formando vales
graciosos- a cidade de Niteroy está plantada à margem direita da Guanabara,
apresentando um litoral desenvolvido e articulado em angras e praias encantadoras.
A terra e o mar interpenetram-se, ali, caprichosamente, em braços que se alongam e
pequenas penínsulas de agradáveis perspectivas, ostentando-se ainda a faixa de
beira-mar, de terras sedimentares, numa exuberância vegetal incomparável e
maravilhosa.
Do embate perene das ondas e da resistência do continente resultam os manguezais
que a mão do homem vem apagando de ano para ano [...]” (ALMEIDA, 1935, p.
11).
5
Projetado em 1992, pelo mundialmente conhecido arquiteto Oscar Niemeyer, o Caminho que leva seu nome
foi idealizado para se estender por toda a orla central e parte da orla sul da cidade, com construções bastante
espacejadas entre si, compreendendo, entre outras, Catedral Católica, Igreja Batista, Museu do Cinema,
Fundação Oscar Niemeyer (para abrigar boa parte do acervo de projetos do artista), Memorial Roberto Silveira
(destinado a preservar a memória da cidade), Teatro Popular e o Museu de Arte Contemporânea - primeiro
prédio concluído no Caminho e que se tornou símbolo oficial do município (A Tribuna- Edição especial
comemorativa de 431 anos de Niterói, 2004, p.15)
28
De fato, os aterros, desmatamentos, assoreamento, canalização dos sistemas fluviais e
a urbanização progressiva ocasionaram a destruição dos brejos, pântanos, manguezais e
lagunas existentes na área central de Niterói.
2.3.2 Modalidades Litorâneas
Nos primórdios da colonização, o território de Niterói era constituído por um conjunto
de ilhas, separadas por braços de mangues e mar de pequena profundidade, que foram ligados
e, nesse processo, apresentaram uma série de formações diferentes.
Nessa dinâmica, o acondicionamento das águas provavelmente redundou em
designações como “águas escondidas”, “mar morto”, “água que se esconde”, etc, que
acabaram por dar origem ao nome da cidade.
José Mattoso Maia Forte (1935), no primeiro capítulo de “Notas para história de
Niterói” ressalta algumas definições e significações etimológicas para justificar a grafia por
ele adotada.
Sendo assim, “os braços de mar e de mangue” entre as ilhas, que, aterrados, ligaram
umas às outras, poderiam ser “as águas escondidas”. O braço de mar, de pequena
profundidade, entre a Ilha da Armação e o litoral existente em 1568 (data da cessão da
sesmaria a Araribóia), por onde evoluiu a Ponta d’Areia, poderia ser o tal “mar morto”.
“[...] a necessidade de expansão, a conveniência do saneamento e a facilidade
existente para o movimento de terra determinaram uma constante transformação do
solo, transformação esta estimulada, desde os primórdios da fundação da cidade, por
leis municipais isentando de impostos as áreas saneadas, conquistadas, etc. Dessa
constante transformação, surgiram, então, os cabos, os istmos, as penínsulas e,
especialmente, as enseadas [...]”. (MATOS, 1974)
Em seguida, com base, principalmente, em levantamentos de Romeu Seixas Matos
(1973, 1974 e 1975)
6
e Carlos Wehrs (1984)
7
, detalharemos trechos da orla central da cidade
6
“Romeu de Seixas Matos - engenheiro, professor, jornalista, historiador. Como topógrafo da Prefeitura de
Niterói, realizou trabalhos como o nivelamento geral da cidade para o plano de esgotos, a organização de uma
caderneta de referências de níveis para a construção das galerias de esgotos sanitários. Como engenheiro
municipal, chefiou a Seção de Obras Públicas da mesma prefeitura; fez estudos para o reforço do abastecimento
de água; estudou diversos traçados para uma adutora, entre outros trabalhos. Com o material que coletou durante
sua vida profissional, se habilitou a escrever obras de pesquisa como Notas para o Abastecimento da Água de
Niterói; Demarcação das Sesmarias situadas na parte Oriental da Baía de Guanabara; Reconstituição e Evolução
dos Arruamentos, Aterros e Acidentes Desaparecidos, entre outros. Deixou dois livros prontos para o prelo:
Demarcação da Sesmaria de Araribóia sobre a Planta Atual da Cidade de Niterói e História do Serviço de Águas
e Esgotos de Niterói. Durante anos, escreveu sobre Niterói, suas histórias e sua gente, em O Fluminense, na
Revista Guanabara, em A Tribuna e no Diário Fluminense”. (PIMENTEL, 2004)
29
ou vizinhos a esta, que, ao longo do tempo, foram objeto de aterramentos
8
- operações que
proporcionaram, em grande parte, o suporte necessário para que o processo de urbanização
pudesse, gradualmente, avançar, embora a drenagem e saneamento de pântanos e brejos
tenham sido os principais objetivos dos primeiros aterramentos.
2.4 Pontos de Aterramento
Praia Grande
O memorialista Luís Antônio Pimentel (2005)
9
estranha o fato de terem retirado o
nome que o indígena deu “a uma das mais bonitas baías do mundo”, que é a Baía de
Guanabara, e cuja denominação original era Baía de Niterói (Água Escondida).
“Em verdade, Guanabara era o nome de um braço de mar que separava a Ilha do
Governador do continente e hoje foi aterrado” - esclarece Pimentel, que arremata:
“Portanto, deveríamos nos chamar, Praia Grande, e não Niterói, pois o primeiro
nome referia-se a de uma extensa praia, belíssima provavelmente, que ia da Ponta do
Gragoatá à Ponta da Armação, subdividindo-se, ainda no século XX, em pequenas
praias como Gragoatá, São Domingos, Centro, Esporte, Éden e outras partes
específicas para facilitar a localização dos diversos pontos da Praia Grande”.
(PIMENTEL, 2005).
Assim, o conjunto de ilhas ligadas entre si e ao continente fez desaparecer as “águas
escondidas”; a busca incessante de acrescidos de marinhas fez surgir e evoluir a “Ponta
d”Areia”, modificando o litoral que existiu em 1568, fazendo desaparecer a verdadeira “Praia
Grande da Banda do Além” (como era chamada nos tempos coloniais).
Quanto à referência de Mattoso Maia Forte (1935) contida no final da página 136 e
começo da 137 das “Notas para História de Niterói”, relativa à Praia Grande, Romeu Seixas
7
“Carlos Wehrs- Médico, professor, historiador, tradutor. Diplomou-se e doutorou-se pela Faculdade
Fluminense de Medicina. Recebeu os prêmios Madame Durocher (1960) e Carlos Chagas (1993), ambos da
Academia Nacional de Medicina -este último pela sua monografia “Homens e Instituições Fluminenses na luta
contra a Febre Amarela. (1993). Como historiador, publicou, dentre outros, O Rio Antigo: Pitoresco e Musical
(1980), Niterói, Cidade Sorriso: a história de um lugar (1984), Capítulos da Memória Niteroiense (1987), O Rio
Antigo de Aluísio Azevedo (Prêmio Joaquim Nabuco, da ABL), além de inúmeros trabalhos publicados, quase
todos pela revista do IHGB, da qual foi nomeado diretor em 1993. Traduziu para o português o raríssimo livro
de H. Trachsler, capítulo sobre o Rio de Janeiro, de 1989.” (PIMENTEL, 2004)
8
Mediante coleta de informações esparsas em obras dos dois autores, foi possível montar um quadro
aproximado, possivelmente dos primeiros aterramentos sofridos pela Praia Grande.
9
“Pimentel nasceu em Miracema em 29 de março de 1912. Filho de Alarico Figueiredo Pimentel e Adalgisa
Sant’Ana Pimentel, veio para Niterói em 1914, onde está até hoje. Cursou a Escola Técnica Fluminense e
estudou desenho na antiga Escola Nacional de Belas Artes. Pimentel foi diplomado jornalista pela Faculdade de
Filosofia da Universidade do Brasil, em 1952. Membro das academias Fluminense e Niteroiense de Letras e do
Instituto Histórico de Niterói. É verbete da enciclopédia Delta Larousse”. (VASCO, 2002, p.9,10)
30
Matos (1974) informa que o autor se baseou na planta de 1833,que indica aquela enseada
como “Saco da Praia Grande”, dividindo-a em Praia de Manoel Alves, Praia Grande e
Valonguinho.
Sucede, porém, que essa planta, nesse ponto, - sob a ótica de Matos (Op. cit.) -
apresenta uma série de incompatibilidades com elementos contidos na legislação provincial,
que o levaram a crer que a indicação de Praia Grande não foi profundamente estudada, não
levando em conta que a Ponta d’Areia não existia em 1568, que a sua evolução produziu duas
enseadas e que o antigo litoral que existiu em 1568 talvez fosse a “verdadeira” Praia Grande,
porque, de fato, era extenso, “tanto assim que, através dele, mediram as três mil braças
craveiras, ou sejam 6.600 metros, correspondentes a uma légua ao longo do mar, concedida na
sesmaria pertencente ao índio Araribóia” - observa Matos (Op. cit.), que também pondera:
“Se consultarmos documentos pertencentes à concessão de outras sesmarias
anteriores à do Araribóia, veremos que existem referências a duas “Praia Grande”-
uma que distinguiram como sendo em frente a Laje, e outra “a do Araribóia” a que
se referiam como sendo na “Banda do Além”.
E conclui: “Baseado nesses elementos, eu suponho que a verdadeira “Praia Grande” se
refere ao antigo litoral que existiu em 1568 e não ao local onde a planta de 1833 e Mattoso
Maia indicaram”. [...]
A enseada da Praia Grande formou-se entre as pontas do Gragoatá e da Armação. E,
mais recentemente, no seu contorno, estavam as praias do Gragoatá- com cais de cimento
armado; de São Domingos- desde as oficinas da Cantareira até a ponta do antigo morro da
Pampulha; o cais e a praia, antigamente conhecidos como Cabaceiro; a Praia do Valonguinho,
que se lhe seguia indo até o edifício do então “Hotel Imperial” e a Praia Grande, propriamente
dita, que ia até a base do Morro da Armação.
Os acrescidos de marinhas que, evoluindo progressivamente, formaram a Ponta
d’Areia, ocasionaram, durante essa evolução, uma série de transformações de caráter
geográfico: cabo, istmo, península, etc.
A Ilha da Armação se conectou, em 1842, com a Rua da Praia e, em 1855, com a Rua
Barão do Amazonas. Evolução esta pela qual a ponta transformou-se em cabo, o cabo em
istmo, formando depois a península e as enseadas que, por sua vez, desapareceram através
de novos aterros.
Ou seja, das enseadas que surgiram, então, não existe mais a de São Lourenço
-aterrada para a construção do respectivo porto- nem a da Praia Grande -aterrada de acordo
31
com o que previa o projeto do mesmo nome. Até o início do atual milênio, ainda existia, ao
lado da atual estação hidroviária da Barcas S.A ., uma nesga de areia -símbolo da teimosia da
Praia Grande em desaparecer definitivamente. A teimosia foi parcialmente dobrada:
aterraram o local e sobre ele criaram um estacionamento pavimentado. Mas ainda
sobrevivem cerca de 15 metros de areia.
Rua da Praia
Quando a Vila Real da Praia Grande passou à condição de capital da Província não
havia, ainda, um cais a delimitar a Rua da Praia (atual Visconde do Rio Branco). Somente em
1839, ao tempo do presidente provincial Paulino José Soares de Souza, foi construído o
primeiro trecho, no Cabaceiro e na Pampulha. Nessa primeira etapa, foram concluídos apenas
263 metros de paredão, em pedra e cal, com 1,5 a 2 metros de altura e 1,2 metros de
espessura.
Em 1842, era presidente da Província Honório Hermeto Carneiro Leão e o Decreto
Provincial n.º 291 autorizava a construção de outro segmento de cais, dessa vez da Armação
ao Centro da cidade. A obra foi feita, chegando até as proximidades do Caminho do Arrozal
(onde é hoje a Rua Cel. Gomes Machado). E, em 1855, sob o governo do Visconde de
Baependi, o decreto n.º 820 mandava estendê-la para os lados da Ponta d’Areia.
O cais seguinte, o de Gragoatá, foi erguido em 1908, na administração do prefeito
Pereira Ferraz. No mesmo ano, fez-se o calçamento a paralelepípedos da Rua Visconde do
Rio Branco, entre a Rua Saldanha Marinho e a Armação, e concluiu-se o novo cais, naquele
princípio de rua, que, alargado, possibilitou a criação de uma nova praça, próxima ao
Laboratório da Marinha.
Em 1905, defronte à Praça Martim Afonso - no trajeto da Rua da Praia -, a Cia.
Cantareira e Viação Fluminense iniciou a construção de seu embarcadouro central.
Hoje em dia nada mais se do velho cais da Rua Visconde do Rio Branco, sólido,
margeado de árvores e que tanto custou aos cofres públicos: desapareceu na execução do
Projeto Praia Grande.
Bairro da Ponta d’Areia
Quem visita o bairro que recebeu tal nome não registra existência de areia, nem de
qualquer ponta, não fazendo a menor idéia da propriedade do nome, uma vez que o único
32
acidente geográfico a sobressair no local é um maciço de pedra: o Morro da Armação, que
outrora foi uma ilha.
Entretanto, a “Ponta d’Areia” foi um acidente que surgiu, em determinada época, de
um acrescido de marinhas; evoluiu; de ponta transformou-se em istmo; ligou-se à ilha e
transformou-se em península. Nessa evolução, formou duas enseadas: a desaparecida enseada
de São Lourenço, aterrada no governo Feliciano Sodré, e a de Niterói (ou da Praia Grande),
também desaparecida, da mesma forma, por obras de aterramento, em função do Projeto Praia
Grande.
Em 1568, quando foi concedida a sesmaria ao índio Araribóia, naturalmente essa
“ponta” não existia e o terreno por onde ela se desenvolveu era constituído de mangue e de
mar de pequena profundidade, havendo nesse trajeto duas ilhas, uma pequena, cujo
remanescente que chegou próximo aos nossos dias foi o desaparecido Monte d’Ouro (que
ficava situado entre as atuais ruas Marechal Deodoro e Marquês de Caxias, e em meio ao
traçado da transversal rua Visconde de Sepetiba), e outra maior que é o Morro da Detenção,
onde existia, até alguns anos, um reservatório de abastecimento d’água da cidade, e onde,
ainda hoje, em uma das vertentes, está instalado um estabelecimento presidial.
Portanto, a Ponta d’Areia constituía uma língua de terra em crescimento, que, partindo
da antiga margem da Praia Grande em direção ao Morro da Armação, na época ainda uma
ilha, teria englobado ilhotas conhecidas depois como Monte d’Ouro e Morro da Detenção,
transformando o Morro da Armação em península e a própria Ponta d’Areia em istmo, ao
receber duas ligações com o continente em meados do século XIX.
Ou seja, o antigo contorno da Ilha ou Morro da Armação permaneceu até que o
Decreto Provincial n.º 291, de 29 de maio de 1842, autorizou a construção de um cais da
Armação à Ponta d’Areia (esse cais foi construído até a Rua Coronel Gomes Machado) e o
Decreto 820, de 19 de outubro de 1855 (também Provincial) autorizou a despender o que
fosse necessário para levar a efeito a continuação da rua da Ponta d’Areia à Armação.
Praça Martim Afonso
Matos (1974), ao conseguir, em 1968, demarcar a sesmaria concedida ao índio
Araribóia (Martim Afonso de Souza), verificou, em diversas plantas da cidade, que o terreno
da praça Martim Afonso, no centro de Niterói, de fronte a estação das barcas, estava
totalmente fora dos limites da sesmaria concedida a Araribóia, porque ficava situado no
acrescido de marinha que, evoluindo, formou a Ponta d’Areia, fora, portanto, do litoral que
33
existiu em 1568 – o qual Seixas Matos procurou reconstituir em planta, baseado no exame do
terreno e da documentação que conseguir encontrar.
Área de São Domingos
Palacete de São Domingos
“Uma esquina teve grande influência no rumo da história niteroiense, pois a cidade
que, então arraial, atravessara um grande período de vida vegetativa teve, com a
vinda para o Brasil da Família Real de Portugal e, especialmente, com a visita de
Dom João IV a Niterói, um progresso notável”.
Matos (1974) está se referindo a intersecção dos lados ímpares das ruas dos
Cabeceiros e do Ingá artérias que, atualmente, têm os nomes de Guilherme Briggs e José
Bonifácio.
Nessa esquina, existiu o Palácio de São Domingos, também conhecido como Palácio
de Dom João VI, até o ano de 1904, quando foi demolido.
O terreno onde foi construído esse prédio ficava fora da sesmaria concedida ao índio
Araribóia. Portanto, fora do litoral existente em 1568, porque foi obtido através de um
acrescido de marinhas, isto é, com o aterro da desaparecida Praia dos Cabaceiros e o
desmonte do Morro da Pampulha.
Do acrescido de marinha, onde foi edificado o Palácio de Dom João VI, também
faziam parte outros terrenos, tais como: o do Largo de São Domingos, o da Igreja do
Gragoatá, o das oficinas da Companhia Cantareira e Viação Fluminense, além de outros.
Cabaceiro
Era o local que se estendia desde a base do Morro do Hospital até as proximidades da
Rua Visconde de Morais.
A Praia dos Cabaceiros era um terreno alagadiço que se estendia até a Rua Nova de
São Domingos (atual Rua General Andrade Neves). Foi parcialmente aterrada, num primeiro
momento, desaparecendo, junto com ela, uma ilhota conhecida como Pampulha.
Posteriormente, o trecho de cais da atual Rua Visconde do Rio Branco, que ia do
ponto fronteiro à sede do Clube Canto do Rio até o início da Rua Guilherme Briggs (antiga
Rua do Cabaceiro) também desapareceu com o aterro previsto no Projeto Praia Grande.
34
Assim, extirpou-se o que restava da Praia dos Cabaceiros, que originalmente se estendia,
conforme já referido, até a Rua Nova de São Domingos (hoje Andrade Neves).
Pampulha
Entre a atual Rua Guilherme Briggs e o mar, havia um morro de pequena elevação,
conhecido por Pampulha. O local se estendia pela praia, abaixo da Trav. Guilherme Briggs até
a Praça Leoni Ramos e foi ligado a uma nesga de praia por duas pontes que se sucederam:
uma de madeira e outra de pedra que se prolongava pelo mar e foi soterrada pelo Aterro Praia
Grande.
Para Matos (1974), o Pampulha teria sido uma ilha, posteriormente ligada ao
continente, que foi demolido, fornecendo aterro para os pântanos adjacentes. O que restou
desse morro ainda podia ser visto, no início do século XX, na Rua Guilherme Briggs, onde
funcionava uma fábrica de vidros, que já não existe.
Praça da Rua Passo da Pátria
No início da Rua Fresca (atual Passo da Pátria), havia um grande atoleiro produzido
pelas águas de uma fonte existente nessa artéria, que foi aterrado entre 2 de outubro de 1879 e
30 de dezembro do mesmo ano.
Outros pontos de São Domingos
Das oficinas da Companhia Cantareira e Viação Fluminense foi retirada uma parte
para ampliação do Largo de São Domingos (Praça Leoni Ramos) e da Rua da Praia
(Visconde do Rio Branco).
Para alargamento da Praça Leoni Ramos e prolongamento da antiga Rua da Praia foi
feito um grande recuo no terreno onde funcionaram as oficinas da Companhia
Cantareira e Viação Fluminense (C.C.V.F.), sendo o restante absorvido, por sua vez,
pelo Aterro Praia Grande.
As duas pontes mencionadas anteriormente são remanescentes dos séculos XIX e XX,
que desapareceram com o advento do Projeto Praia Grande.
35
A Igreja de São Domingos, isto é, a Ermida do mesmo nome, construída por
Domingos de Araújo, esposo de D. Violante Soares de Souza - descendente de
Araribóia - também ficava em terreno do acrescido de marinhas. E as ondas do mar
quebravam-se bem perto dela. Ou seja, fora do litoral de 1568.
Praticamente defronte a essa Igreja, na faixa de praia, ficava o Audax Yacht Club, com
suas garagens para barcos, hoje desativado e sepultado sob o Aterro Praia Grande.
Próximo a Ponta do Gragoatá estão, até hoje, as dependências do Grupo de Regatas
Gragoatá (hoje um clube praticamente social, pois seu cais e garagens de barcos foram
soterrados pelo mesmo aterro).
Após o cais do Grupo de Regatas Gragoatá, havia uma cadeia de escolhos, terminando
na Pedra do Bem-Te-Vi, também soterrada pelo Aterro Praia Grande.
Praia do Forno
Entre a Pedra do Bem-Te-Vi e o Forte de Gragoatá, essa praia teve sua faixa de areia
aterrada apenas em parte.
Forte do Gragoatá
Construído sobre a ponta do mesmo nome, outrora conhecido por Forte de São
Domingos, foi edificado entre 1695 e 1702.
Seus grandes dias de glória foram durante a Revolta da Armada (1893-1894).
Organizaram-se, na época, para defender a causa de Floriano Peixoto, vários batalhões, entre
eles o Acadêmico, que ocupou o Forte, bombardeado duramente pelo cruzador Tamandaré e
pelo couraçado Aquidabã.
Atualmente, o forte, sob a responsabilidade da Segunda Brigada de Infantaria , está
desartilhado e tombado pelo SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Suas espessas muralhas, com ameias, seteiras e guaritas, avançando sobre as águas da Baía de
Guanabara, constituem atração turística. (Wehrs, 1974, p. 172 e 173)
36
Praia do Inferno
Vizinha à Praia Vermelha, era uma ponta das “Barreiras Vermelhas” que avançava
pelo mar até o Forte do Gragoatá. Não se podia ter acesso normal a ela através de São
Domingos porque a barreira existente impedia-o (esse acidente ainda não havia sofrido o corte
atual por trás do forte, queacesso ao bairro da Boa Viagem e por onde está traçada, hoje, a
Av. Gal. Milton Tavares de Souza também conhecida como Av. Litorânea).
O corte foi iniciativa do prefeito Pereira Ferraz (1906-1910), ao projetar uma via de
contorno, que deveria ligar a Armação ao bairro de São Francisco, conforme previsto no
Arruamento de 1840-1841, e, para isso, foi aberto o corte no morro que fica junto ao Forte,
dando passagem da Praia do Forno para a Praia Vermelha, ao preço da destruição da Praia do
Inferno.
Praia Vermelha (ou Roxa, segundo mapas antigos)
Vizinha à Praia da Boa Viagem, na primeira metade do século passado ainda era um
pouco selvagem. Possuía uma lombada de barro vermelho coberta por vegetação de Mata
Atlântica. Recebeu o nome “Vermelha” devido à cor de suas areias, resultado da mistura com
a argila erodida das históricas “Barreiras Vermelhas”.
Após a Segunda Guerra, as Barreiras Vermelhas, na condição de marco da sesmaria
que deram a Araribóia, cedida pelo fidalgo Antônio Mariz, foram destruídas por obras
inconclusas executadas pela Cia. Melhoramentos de Niterói. Em 1982, o prefeito Moreira
Franco concluiu a Av. Litorânea, dando um arremate ao enrocamento e aterro da Praia
Vermelha, executados na administração do último governador do antigo Estado do Rio,
Raimundo Padilha, dentro do previsto pelo Projeto Praia Grande. As Barreiras Vermelhas
permanecem apenas nas pinturas de alguns artistas plásticos.
Canal da Boa Viagem
Em 1659, o mar vinha até a antiga Rua do Ingá, atual Rua Tiradentes. Esse foi o
motivo, inclusive, pelo qual o piloto Manoel Vieira Pereira teve de recorrer a um
caminhamento, através de empréstimos sucessivos (adaptações cartográficas utilizadas, na
época, para contornar obstáculos físicos) na demarcação da linha de sertão do lado das
Barreiras Vermelhas, mandada proceder pelo governador Tomé Correia de Alvarenga.
37
Matos (1974) assegura que, naquela época, ainda havia um canal entre as terras das
Barreiras Vermelhas e uma ilha cujo remanescente que hoje existe é o morro da Boa Viagem,
situado nos fundos do Palácio Nilo Peçanha (hoje, Museu do Ingá), vindo até a Rua
igualmente denominada, anos atrás, de Boa Viagem (atual Antônio Parreiras) que ficava
fora do rumo da sesmaria concedida ao índio Araribóia. O canal, que ia desde a Praia
Vermelha até a desaparecida Gruta da Itapuca, acabou por ser aterrado e a ilha foi ligada ao
continente, formando-se uma península e sua respectiva enseada.
Através de um lento processo de sedimentação, que sempre existiu nas margens da
Baía de Guanabara, esse canal obstruiu-se primeiro na parte mais estreita, isto é, entre a Praia
Vermelha e o Jardim ou Praça Nilo Peçanha (onde havia um profundo brejo, aterrado em
1876, para expansão de um canavial), ficando a parte restante para formar a Enseada da Boa
Viagem, que também veio a desaparecer.
Sendo constituída por mangues e mar de pequena profundidade, havendo nas
proximidades facilidade para encontrar material para o aterro e, além disso, funcionando a
isenção de impostos, concedida por leis municipais para as construções feitas em zonas
saneadas e conquistadas ao mar, como incentivo para tais empreendimentos, a enseada foi
sendo aterrada e desaparecendo, pouco a pouco, em um processo lento.
Bairros da Boa Viagem e do Ingá
Nessa planície resultante do aterro do desaparecido canal e da aludida enseada da Boa
Viagem, foram traçadas as seguintes ruas e praças: a Rua dos Banhos - atual Presidente
Domiciano; o Jardim Nilo Peçanha; parte da Rua Fresca - hoje Passo da Pátria; parte da Rua
José Bonifácio - agora Professor Lara Vilela; parte da Ladeira Maestro Ricardo Ferreira; parte
da Rua São Luís - atual Visconde de Morais; a Rua Magnificência - hoje Nilo Peçanha; Rua
Formosa - agora Pereira Nunes; Rua Áurea - atual Paulo Alves; Rua da Fonte- agora
Presidente Pedreira; parte da Rua do Ingá - atual Rua Tiradentes; Rua Casimiro de Abreu;
Rua Justina Bulhões e o Jardim do Ingá.
Como referido anteriormente, o canal e a enseada iam desde a Praia Vermelha até a
ponta onde existiu a Gruta da Itapuca. O desmonte dessa gruta e de parte do respectivo morro,
segundo especulação de Matos (Op. cit.), deve ter fornecido grande quantidade de material
para aterrar essa superfície.
Na visão de Wehrs (1984, p. 180), o bairro da Boa Viagem, antes de atingido pelo
cataclismo que sacudiu toda aquela parte do município, e causado pela Cia. Melhoramentos
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de Niterói, contratada pelo governo para efetuar remodelações, era um minúsculo éden. A
obra foi iniciada com grande vigor: desapropriações de velhas chácaras e antigas mansões,
derrubadas de árvores frondosas e coqueiros altíssimos, extensa movimentação de terras por
meio de máquinas barulhentas, e, quando o caos era verdadeiramente completo, foi
arrefecendo o ritmo de trabalho até cessar de todo por insuficiência de verbas. A conclusão
dos planos não se fez, senão décadas depois.
“Antes dessa catástrofe, atrás da Praia e da Enseada da Boa Viagem não havia
construções, casas ou muros: a vegetação descia o morro chegando até a areia e era
constituída de árvores seculares com seus ramos pejados de gravatás, barba-de-velho
e cipós.
Entretanto, nos anos 80, a Praia da Boa viagem e adjacências voltaram a sofrer
grande modificação, ultimada com a construção da Avenida Litorânea, unindo o
Centro da cidade à Zona Sul. Inaugurada, em 1982, pelo prefeito Moreira Franco,
esta via acabou por rasgar o que restou das “Barreiras Vermelhas”. (WEHRS, 1984,
p. 180 e 181)
Jardim do Ingá e Praia das Flechas
O projeto para o “Jardim do Ingá” foi aprovado em 17 de fevereiro de 1876, pelo
presidente da província, Dr. Pinto Lima. Nele existia, junto à Praia das Flechas, um
quadrilátero de alvenaria.
Em 1911, ainda perdurava, em seu estado primitivo, o terreno do quarteirão limitado
pelas ruas Presidente Pedreira, Pereira Nunes, Praia das Flechas e Nilo Peçanha.
Nesse terreno, corria ao centro um rio que o tornava alagadiço, coberto com a
vegetação própria dos brejos, abundando a planta que produz a flecha e a paina de flecha.
Talvez a denominação de “Praia das Flechas” se deva a essa vegetação que existia em
abundância, e não às flechas usadas pelos índios.
Em 1912, quando foi calçada a asfalto com base de concreto a Rua Presidente Pedreira
e construída a rede de águas pluviais dessa região, o rio que alagava esse terreno foi
canalizado, sendo então aterrada aquela área e dividida em lotes.
Gruta da Itapuca (Praia das Flechas)
Em Forte (1935), no final da página n.º65 -primeira edição- das “Notas para História
de Niterói”, encontra-se:
"Essa beleza, entretanto, era um embaraço à comunicação franca das duas praias
(Flechas e Icaraí), e a engenharia da época não descobrira o meio de conservar a
gruta, abrindo uma passagem pelo morro, com um grande corte. A glória da
iniciativa coube ao presidente Pedreira que, em 1849, aproveitando-se das boas
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disposições dos habitantes da cidade, moradores no arrabalde de São Domingos,
promoveu uma subscrição agenciada [...] por moradores do Ingá”.
Em 1850, a gruta estava destruída. Partia-se para a construção das muralhas e fazia-
se o aterro em toda a extensão; obras para a qual concorreram com a maioria das despesas
diversos cidadãos e moradores do Ingá.
2.5 Aterramentos sob o “conservacionismo” (1930-1975)
A Ponta da Armação e a Praia Vermelha constituem os pontos extremos (AMADOR,
1997, p.236) do que outrora constituía a enseada da Praia Grande, formada originalmente por
uma extensa restinga e uma série de pequenas praias que, ao longo de décadas, foram sendo
aterradas. Na primeira metade do século XX, toda essa orla havia sido quase completamente
retilinizada, figurando como principal exceção a ainda relativamente selvagem Praia
Vermelha, que teimava em guardar certas características dos primeiros tempos do
descobrimento.
Com a Revolução de 30, o Estado brasileiro passa por um processo de fortalecimento.
A exploração do petróleo é nacionalizada e a exportação de ferro estatizada. A urbanização,
diante da crescente industrialização do país, se torna irreversível. O preceito de liberdade da
produção, ao sobrepujar visões determinísticas da matéria (LEFEBVRE, 2002, P.160) ira
induzir o país a acelerar a devastação do seu patrimônio natural.
Diante do problema, o Governo Federal promulga, em 1934, os códigos florestais, das
águas e das minas, iniciando, ainda que de forma tímida, um processo mais efetivo de
proteção ao meio ambiente e disciplinamento do uso de recursos naturais.
São criados parques nacionais e áreas florestais protegidas. O país confere à
regulamentação ambiental um novo peso, criando, inclusive, em face do desordenado
crescimento demográfico e sua concentração maciça ao longo do litoral, unidades de
conservação da Mata Atlântica (CUNHA, 2003, p.46,47)
Imbuído da tradicional e histórica obsessão dos governos pela criação-expansão de
terras, a decisão da administração federal de, em 1940, implantar um aterro na orla marítima
central de Niterói, irá decretar o começo do fim do que restou de faixas de praia
remanescentes da extensa enseada da Praia Grande. Trinta e quatro anos depois, com a
conclusão do aterro, isso implicará em três quilômetros conquistados ao mar, com 500 metros
ganhos em cada ponto da nova linha de litoral (O FLUMINENSE, 1973), acarretando a
40
destruição estética da paisagem original e de parcela do ambiente marinho, sem que, durante
anos, nada de relevante fosse implantado no novo espaço.
O primeiro governo de Getúlio Vargas vai circunscrever a preservação do meio
ambiente basicamente à proteção da fauna e da flora, sob o prisma da fiscalização. Trata-se de
uma redução naturalista do meio ambiente, assentada em um paradigma concervacionista, que
encara a natureza como exterior ao homem, como algo que segue suas próprias regras,
estando assim, o homem separado de seu meio e a história da natureza. (MESZÁROS,
ISTVÁN apud SADER, EMIR, 2006, p.3)
O governo getulista, relativamente cioso da necessidade de proteção à fauna, flora e às
riquezas minerais, não vai ter o mesmo zelo em relação a alterações na geomorfologia urbana,
mediante, como é o caso do objeto desse estudo, desmonte de morros e acrescidos de
marinha.
Saliente-se que o decreto de 40 é lavrado em plena vigência do Estado Novo, o que
habilita Vargas e seu genro, Amaral Peixoto - governador interventor do Estado do Rio, a
decidirem conceder para um grupo privado - sem qualquer licitação ou concorrência pública -
o direito de aterrar e ocupar a área, não providenciando sequer um levantamento prévio sobre
os possíveis obstáculos e conseqüências da iniciativa.
Até o final da década de 1970, o aterro vai ter ocupação rarefeita, predominando, nos
grandes vazios, capinzais, matagais, muito lixo, entulho, casebres e barracos.
Lentamente e em meio a grandes intervalos, o aterramento vai sendo executado. De
1940 até 1971, apenas 19% da área prevista haviam sido aterrados (AZEVEDO, 1997, p.
331), de forma intercalada e preponderantemente no lado Norte da orla, pela empresa
concessionária, que nunca cumpriu o acordo de, em troca da concessão obtida, implantar na
cidade redes de água e esgotos, galerias de águas pluviais, entre outros melhoramentos.
Mas, de 1971 a 1974, o aterro é completado, durante a administração do governador
Raimundo Padilha (IDEM, 1997, p. 331), indiretamente eleito, durante o regime militar, pela
Assembléia Legislativa do Antigo Estado do Rio de Janeiro. Uma área de 1 milhão de metros
quadrados foi conquistada ao mar, contribuindo, de forma significativa, para reduzir ainda
mais a bastante reduzida área total da Baía de Guanabara, objeto de sucessivos
aterramentos desde o início da colonização européia.
O meio ambiente nunca recebeu a devida atenção dos governos militares na
implementação das políticas públicas. Para o regime, seria contra-senso adotar um modelo de
desenvolvimento que incluísse a preservação ambiental.
41
“A constituição que os militares impuseram ao país, legitimada pela força,
remendada pela arbitrariedade, conservada pela desorganização da vida política do
país, não previa eleições diretas para a Presidência da República. Também não fazia
nenhuma referência especial ao combate à poluição e não garantia nenhum recurso
para a preservação do meio ambiente. Segundo as instituições previstas na Lei
Magna, o povo não participava nem da escolha de seus dirigentes, como não tinha
possibilidade de defender seu meio ambiente e intervir para evitar crimes ecológicos
que, durante anos, destruíram parcela importante do nosso meio ambiente.”
(VIEIRA, 1987, p. 141)
Assim é que, no início dos anos 70, os problemas ambientais, provocados pelo
impacto avassalador da urbanização e industrialização das últimas quatro décadas, começam a
se apresentar em toda a sua contundência, enquanto, cegamente, os tecnocratas, protegidos
pelo manto de chumbo do poder militar, “revolucionaram” o uso predatório dos recursos
naturais - antes tido como o “preço do atraso”, considerando-o como o “preço do progresso”
(PÁDUA, 1987, p. 61). Sob a cínica epígrafe “a pior poluição e a miséria”, implementava-se
uma política de atração de capitais que contribuíssem para o desenvolvimento do país, dentro
de um modelo que desconsiderava o preço a ser pago com a devastação ambiental.
Simultaneamente, o debate sobre o modelo de desenvolvimento vigente e o uso dos
recursos naturais (que havia esmaecido, no pós-guerra, em função da idéia, bastante
difundida, de desenvolvimentismo a qualquer custo), volta a se aquecer. Mas os detentores do
poder teimam em não tomar conhecimento de qualquer preocupação com o meio ambiente,
questão espinhosa, tida como óbice ao desenvolvimento do país.
“A ênfase nos processos de industrialização para os anos 60/70 promoveu a
urbanização como condição e modo de vida, alterando profundamente o caráter
social da apropriação da natureza. Neste território, em grande parte tropical, a
natureza reverte-se em recursos naturais a serem apropriados como condições de
desenvolvimento, como energia, água e esgotamento. [...] e apropriação inadequada
do espaço físico, por sobre morros, vales, várzeas e áreas de cobertura vegetal. [...]
Deve-se considerar, ainda, que a urbanização constitui-se em um mercado de
regulação do capital no Brasil, amplamente comandado pelo Estado que foi, em
grande parte, responsável pelos programas e projetos de infra-estrutura econômica e
urbana (com atuação marcante nas décadas de 60/70 [...]” (TASSARA. 1991, P.4,5)
É inserido nessa moldura, delineada por um modelo econômico antiecológico, de
completo descaso com a natureza, que o governador indicado pelos militares, Raimundo
Padilha, vai administrar o Estado do Rio e, a seu talante, na tentativa de realizar uma obra que
marcasse sua passagem pelo Executivo, determinar a retomada das operações de aterramento
da orla marítima central de Niterói, batizando de “Projeto Praia Grande” seu plano de
urbanização da área.
A administração Padilha (a última do antigo Estado do Rio, antes da fusão com o
Estado da Guanabara), não concluirá o plano urbanístico elaborado para a ocupação do aterro.
42
Seu sucessor, Faria Lima -igualmente nomeado pelo governo militar-, não dará continuidade
ao planejado por seu antecessor, nem realizará qualquer benfeitoria na área. Relegado ao
abandono, parte do Aterro se transformará em uma sapucaia, ao receber grande volume de
lixo, acrescido de todo tipo de entulho de obras e de milhares de toneladas de pedras, ali
depositadas pelo governo Padilha, que atingirão, em média, dez metros de altura, impedindo a
vista da Baía de Guanabara e de parte do litoral carioca. (A TRIBUNA, 1977)
O aterro foi dividido, pela Administração Padilha, em três partes, para facilitar o
planejamento e execução das obras. A área 3, correspondente ao trecho entre a Ponta do
Gragoatá e a Ilha da Boa Viagem, local conhecido como Praia Vermelha, que passou também
a integrar o Projeto Praia Grande, teve a encosta ali existente parcialmente escavada,
quebrando a estética da paisagem ao remover as conhecidas “barreiras vermelhas”, que
faziam parte da sesmaria concedida ao cacique Araribóia. Por sua vez, a água do mar ficou
empoçada ao ser confinada pelo enrocamento sem a complementação com aterramento,
transformando-se em depósito de esgotos de três bairros (Boa Viagem, São Domingos e
Ingá). A água pútrida virou foco de mosquitos e moscas; uma imensa fossa, exalando mau
cheiro e se constituindo em fonte potencial de contaminação dos moradores da localidade e
freqüentadores do entorno. Ainda como conseqüência da paralisação das obras, restaram
terrenos baldios (O FLUMINENSE, 1976), cobertos por capim e muito lixo.
Por outro lado, durante a gestão Padilha, pesados caminhões, carregando pedras dia e
noite, destruíram o piso de diversas ruas da cidade, desde a turística sub-enseada Praia de
Charitas (onde se situava a pedreira fornecedora) até áreas comerciais de maior movimento.
Enquanto milhões de cruzeiros eram investidos no aterro, a então Capital fluminense
carecia de obras emergenciais para melhorar a rede de esgotos, o abastecimento de água e o
sistema viário (A TRIBUNA, 1973). Bueiros entupidos, águas estagnadas nas sarjetas, ruas
esburacadas e trânsito caótico eram uma constante. Adilson Lopes, vereador à época, chegou
a apresentar projeto (derrotado), proibindo a construção de edifícios com mais de dois
pavimentos, pelo prazo de dois anos, com o objetivo de amenizar a sobrecarga de esgotos e a
crônica falta de água, que assolavam a cidade.
As obras da Ponte Rio-Niterói também eram motivo de preocupação. Após sua
conclusão, qual seria o impacto sobre o super-congestionado tráfego da cidade, sem que
nenhuma obra de vulto tivesse sido realizada para amenizar tal pressão? Enquanto isso, as
obras do Aterro Praia Grande - não prioritárias nesse sentido - prosseguiam, absorvendo
recursos passíveis de aplicação na reurbanização da cidade (IDEM, 1973)
43
No início de seu governo, Padilha declarara: “Em Niterói se entra pelo quintal”. E
prometeu fazer do aterro uma “Sala de Visitas”. Mas deixou como marca de sua passagem
algo equivalente a uma latrina. Assim, ele, que fora ungido, pelo presidente Médici, no
Executivo Estadual, deu sua parcela de contribuição à degradação ambiental promovida pelo
autoritarismo, detentor, em 20 anos, de uma capacidade de destruição muito superior à de
quase todos os governos republicanos (GABEIRA, 1987, p. 175)
Finalmente, cerca de quatro anos após a saída de Padilha, a Presidência da República
baixaria ato, datado de 18 de março de 1978, proibindo a realização de novos aterros na Baía
de Guanabara, que, desde o início da colonização portuguesa, sofreu uma redução
significativa em suas dimensões. A decisão chegou a ser saudada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico como “uma medida de defesa ecológica”. Uma das poucas, diga-se, de todo o
período militar.
2.6 Comentando
Entre os diversos rebatimentos de Niterói em relação ao Rio está a sua conformação
litorânea no interior da Baia de Guanabara, com a qual o colonizador se deparou, na maioria
das vezes como obstáculo a superar: enseadas tendo como frisos restingas e areais, com
função simultaneamente delimitadora de lagunas, mangues e braços de mar.
Para melhorar a comunicação entre locais comprimidos por terrenos palúdicos, que se
espraiavam por entre morros e antiqüíssimas ilhotas, e procurando ao, mesmo tempo, resolver
ou minorar o permanente problema do saneamento, os aterramentos irão se dar
paulatinamente, no decurso da evolução urbana sobre os espaços litorâneos do município.
A freqüência com que os brejais marcam presença na topografia, limitando
grandemente a fluência da circulação, associada à notória precariedade técnica para remover e
transportar material, bem como a insipiência do povoamento da “banda de cá” constituem
fatores explicativos da lentidão com que esse processo de ocupação se nos três primeiros
séculos de povoamento, somente ganhando maior ritmo a partir da institucionalização do
povoado como vila e da implantação do plano de arruamento elaborado pelo pintor francês
Arnaud Julien Palière.
A exemplo da cidade do Rio de Janeiro, após o aterramento e a conseqüente abertura
de vias públicas pelas administrações governamentais - conforme assinala Lamego, (1964,
p.166), deveria caber aos ocupantes dos lotes em acrescidos de marinha complementar o
44
aterramento da parte dos fundos, até que, no decorrer de iniciativas idênticas e subseqüentes,
incluindo ocupantes de terrenos em artérias vizinhas, toda uma quadra se formasse.
Esses aterramentos se deviam, portanto, à necessidade de dominar o meio natural para
viabilizar necessidades de uma sociedade com um grau de complexidade muito menor.
Modernamente, tratar-se-á de aterrar áreas em busca de alternativas para problemas
surgidos, em grande parcela, não em decorrência do meio natural, mas do espaço
produzido, inclusive por aquela gente do passado que sequer vislumbrava o aparecimento de
máquinas como, por exemplo, os veículos automotores. Ruas estreitas precisam dar margem a
largas avenidas para atender às novas exigências de circulação.
Se a cidade do ontem se torna um anacronismo, impeditivo da maior mobilidade dos
agentes que forjam o espaço, então aterre-se a orla!
Quanto ao período conservacionista (1930-1975), deve-se sublinhar que, enquanto o
primeiro governo Getúlio Vargas plantava algumas áreas de conservação no país, determinava
e outorgava, por outro lado, a agentes privados o direito de soterrar a orla da Capital
fluminense e desfazer o que forças naturais despenderam milhões de anos para criar.
A partir do decreto federal de 1940, não se tem conhecimento de nenhuma voz política
local ou regional questionando a agressão à faixa litorânea centro-sul da cidade.
Com o regime militar de 64, a “sentença de morte” desse trecho da orla, pronunciada
em outro regime igualmente autoritário (Estado Novo), será cumprida quase integralmente,
“sobrevivendo” ao soterramento apenas o canal de manobras das barcas e aerobarcos e a praia
junto ao Forte Gragoatá. A mentalidade autoritário-desenvolvimentista, com a implementação
de projetos de conquista e desbravamento de áreas “incultas” (vide Transamazônica),
caudatários de um modelo econômico marcadamente predatório, irá possibilitar condições
ideológicas e materiais ainda mais propícias para que o aterramento definitivo da Praia
Grande e Praia Vermelha seja perpetrado.
45
CAPÍTULO III
PROJETOS DA “NOVA NITERÓI” (1930-1975)
Alusões fáusticas
“Não é o momento de o homem afirmar-se contra a arrogante tirania da natureza, de
enfrentar as forças naturais em nome do ‘livre espírito que protege todos os direitos’? [...] é
um absurdo que, despendendo toda essa energia, o mar apenas se mova, para a frente e para
trás, interminavelmente sem nada realizar.” (Marshall Berman citando o Fausto de Goethe-
1986)
“Levantem-se da cama, meus servos! Todos os homens! Deixem olhos felizes
contemplar meu plano audacioso. Apanhem suas ferramentas, agitem suas pás e cavadeiras! O
que foi planejado tem de ser imediatamente cumprido”.(Idem)
“Nada de sonhos e fantasias, nem sequer de teorias, mas programas concretos, planos
operacionais para transformar a terra e o oceano. E isso é possível! [...] Rápidos em minha
mente, planos e mais planos se desenvolvem.” (Ibidem)
Atmosfera ideológico-urbanística
“A visão de futuro dos urbanistas chamados modernistas, na maioria das vezes, é
materializada por um desenho da cidade imaginada. Perspectivas monumentais são
apresentadas como uma maneira de contrapor à cidade existente - “plena de problemas”-, uma
cidade ideal livre de qualquer entrave”. (Elson Manoel Pereira - 2006)
46
[...]” São as grandes avenidas, os edifícios “higienicamente” construídos e as funções
urbanas racionalmente distribuídas no espaço que servem de parâmetros para a avaliação da
cidade. A concepção do plano precede a avaliação das condições existentes. (IDEM)
3.1 Avant Project de ACL
3.1.1 Aménagement et d’extension de la Ville de Niterói
Pouco mais de três anos após a inauguração da Praça da República, ostentando o
monumento, concebido pelo escultor José Octávio Corrêa Lima, “O Triunfo da República”,
seu filho, Attílio Corrêa Lima apresentava, em Paris, tese de doutoramento intitulada Avant
Project d’Amenagement e d’Extension de la Ville de Niterói.
Existe a suposição de que, antes de optar por Niterói como foco de seu estudo, o jovem
arquiteto pretendia debruçar-se sobre a cidade do Rio de Janeiro - pretensão que teria sido
obstada pela concordância do prefeito Prado Júnior em acolher o Plano de Remodelação,
Extensão e Embelezamento da Capital Federal (1926-1930), do urbanista francês Alfred
Agache
10
.
O Túnel Charitas-Piratininga que, em breve, poderá se tornar realidade; o Aterro Praia
Grande, onde hoje começa a pontificar o Caminho Niemeyer, e a Ponte Rio-Niterói são
possíveis antevisões do urbanista Attílio Corrêa Lima, que foram ou estão sendo
materializadas, com adaptações, alguns anos após ele haver elaborado seu projeto-tese, cuja
viabilização não parece ter sido fundamental para seu autor.
Embora até hoje não seja possível correlacionar, com convicção, se as propostas de
Corrêa Lima inspiraram de fato as iniciativas urbanísticas efetivamente concretizadas ou em
processo, que guardam similitude com as idéias do arquiteto, tais “coincidências”, no mínimo,
permitem levantar hipóteses sobre a apropriação das idéias do urbanista em certos projetos
gestados para Niterói, a partir da década de 1940.
A propósito, ao lançar tal suposição, Azevedo (1997- p. 54) especula que:
[...] A presença e proximidade de Attílio Corrêa Lima com o Governo Federal e
Estadual no período Vargas-Amaral Peixoto, através de seus planos para a cidade
industrial de Volta Redonda e outros municípios fluminenses, pode ter permitido a
veiculação de algumas propostas de intervenção na cidade capital. De qualquer
10
Donat Alfred Agache (1875-1959), membro ativo da seção de higiene urbana e rural do Museu Social,
desde sua fundação, em 1908, colaborou com Eugène Henard e Henry Prost, no plano de extensão e
transformação de Paris, após a supressão das fortificações, e do plano de embelezamento do Rio de Janeiro
(1927). (AZEVEDO, 1997- p.39)
47
modo, este trabalho foi um prenúncio do Plano de Goiânia, realizado pelo arquiteto
alguns anos mais tarde.”
A influência de algumas idéias de Attílio muito provavelmente ocorreu, mais não se
tem conhecimento de que tenha havido encaminhamento do projeto a alguma autoridade
local, nem qualquer divulgação na cidade do trabalho do arquiteto.
3.1.2 O Projeto
Em 1930, no Instituto de Urbanismo de Paris (IUP), Attílio Corrêa Lima apresenta sua
tese de doutoramento sobre a então Capital fluminense.
O trabalho contém elementos e concepções integrantes do urbanismo vigente na
época, adotando preceitos defendidos por Ebenezer Howard
11
e guardando semelhanças com o
Plano Agache para a cidade do Rio de Janeiro.
Marlice Azevedo (1997, p. 51-53) debruçou-se sobre a tese de Attílio e esmiuçou-a.
Desse detalhamento objetivo extraímos a maioria dos elementos que se seguem:
Na primeira parte da tese, Attílio delineia, no capítulo “A Terra”, um quadro das
condições da Capital, traçando as suas principais características e contextualizando-a em
relação ao País, ao Estado e à cidade do Rio de Janeiro.
No capítulo “Homem”, o autor alinha dados a respeito da evolução demográfica e da
situação sanitária da cidade, que, segundo ele, seria responsável pelo crescimento
populacional, cujo maior pico foi alcançado justamente na década anterior, ou seja, nos anos
20, em que pese uma epidemia de varíola registrada em 1922 e apesar dos índices ainda
elevados, porém estáveis, de tuberculose. ficam patentes as preocupações higienistas
12
de
Corrêa Lima - uma marca registrada de grande parte dos planos elaborados na época.
Por guardar a convicção de que Niterói se constitui em um prolongamento da cidade
do Rio de Janeiro, Attílio alerta para a importância da implantação de um sistema contínuo de
transporte que integre mais direta e efetivamente as duas cidades, sobre ou sob as águas da
Baía. Será, então, necessário optar entre um túnel no fundo do mar ou uma ponte. Em seu
11
“Edenezer Howard (1850-1928), criador das cidades-jardins, autodidata, pertencia ao movimento socialista
inglês. Fundador da Associação das Cidades Jardins (1899) -, confiou a arquitetos ingleses a construção de
Letchwork e Welwyn, duas cidades que passam a ser modelos no mundo e servem de protótipo às cidades novas
da Inglaterra.” (AZEVEDO, 1997, p.53)
12
Higienistas: discurso articulado sobre as condições de vida na cidade, propondo intervenções mais ou menos
drásticas para restaurar o equilíbrio daquele “organismo” urbano que consideravam doente. (BENCHIMOL,
2002, p. 140)
48
projeto, Attílio faz minucioso estudo sobre cada uma dessas alternativas sem, contudo,
apresentar conclusão definitiva, exceto quanto ao ponto de partida para atingir o outro lado da
Baía. É escolhida a localidade do Gragoatá como ponto de acesso e de referência para a
elaboração do traçado geral da cidade, encampando para isso, o modelo da zona do porto,
inaugurado em 1927, no bairro de São Lourenço.
O arquiteto estabelece o traçado geral de Niterói, mediante a especificação de novos
aterros, através do desmonte de quatro morros na área central (o que, futuramente, irá se
traduzir e concentrar no chamado “Aterro Praia Grande”) e, nas áreas niveladas pelo
arrasamento dos morros, prevê a criação de um centro de irradiação. A empreitada, em seu
conjunto, liberaria 15 mil hectares e geraria, por aterramento, o acréscimo de 150 mil metros
quadrados, propiciando a constituição de um novo centro a 600 metros do original.
Attílio vai detalhar esta última intervenção:
Uma praça de grandes dimensões (240m x 300m), que polarizaria o novo centro
comercial da cidade;
O grande logradouro seria delimitado por edifícios de 100 metros de altura;
Seu sistema de circulação teria uma conformação giratória para melhor distribuir,
continuamente, o fluxo de veículos para os diferentes locais da cidade;
Oito vias desembocariam na praça. A principal delas teria 80 metros de largura,
possuindo diversas pistas e jardins;
Na borda das principais pistas dessa avenida, haveria palmeiras imperiais contribuindo
para criar uma atmosfera de “via triunfal”;
Por intermédio de um sistema de artérias, essa praça e centro comercial da cidade
estaria ligada aos bairros da zona sul (Icaraí, São Francisco, Cubango, Santa Rosa e
Piratininga), aos bairros da zona norte (Porto, Ilha da Conceição, Barreto, Fonseca), ao
vizinho município de São Gonçalo e ao interior do Estado do Rio;
Em uma outra praça monumental, junto à orla central, seria implantado o centro
cívico, com a edificação do Palácio do Governo e prédios das demais secretarias de
Estado. Nesse local, haveria um grande monumento alusivo à fundação da cidade e um
desembarcadouro de honra para eventos oficiais e eventos festivos;
Esse conjunto deveria se conectar com a praça Martim Afonso através de uma avenida
axial, com 50 metros de largura e edifícios públicos nas suas laterais
13
;
13
Seria, por parte de Corrêa Lima, a ideação antecipatória do que viria a ser a via mais importante do centro da
cidade: a Av. Amaral Peixoto.
49
A Praça Martim Afonso, por sua vez, seria ampliada e reprojetada;
Uma outra avenida, com platôs e fontes, ligaria a área da Praça Martim Afonso à Praça
da Prefeitura, que teria seu prédio demolido e reconstruído ao fundo do mesmo
logradouro, no eixo principal desse conjunto. Para isso, Attílio assinalava a
necessidade de demolição do casario entre as ruas da Conceição e José Clemente;
A Praça da República permaneceria praticamente inalterada, sofrendo uma pequena
modificação apenas no largo da Biblioteca, e estaria integrada ao conjunto único da
cidade.
3.1.3 Propostas para outras áreas
Attílio vai dividir o território niteroiense em quatro zonas: comercial, industrial,
habitacional e rural. Para incentivar cada tipo de utilização, ele vai sugerir a concessão de
benefícios fiscais. Cada zona terá, ainda, sua legislação específica de parcelamento, uso e
ocupação do solo, gabaritos, afastamentos e orientação solar.
As demais propostas de Attílio para outras áreas da cidade, são em essência, as
seguintes:
Além do novo centro comercial, o comércio ocuparia áreas satélites (ou seja, centros
de bairros);
Obedientes à tendência que vinha se manifestando, as indústrias continuariam a se
instalar entre a Ponta da Armação e o bairro do Barreto, aproveitando as vantagens de
estarem localizadas junto ao porto e a estrada de ferro;
Nas encostas do Barreto, com traçado em semicírculo, seria edificada uma cidade
operária, constituindo um pequeno centro, com estádio esportivo e instalações de
lazer;
Para a erradicação de favelas, seriam construídas, pelo Estado, habitações econômicas
e individualizadas;
No Cubango, seria implantada uma cidade universitária com faculdades, hospital e
residências para estudantes;
Entre os bairros do Cubango e Santa Rosa, em terreno elevado, seria erigido um
conjunto de museus.
Quanto à localidade de Piratininga, receberia um tratamento diferenciado. Seu
desenho urbanístico seria inspirado nos preceitos que Ebenezer Howard havia
50
elaborado para suas cidades-jardins, com traçado em semicírculos combinados com o
tradicional xadrez. Para dar sustentação ao plano de ocupação e ao saneamento da
lagoa, o autor sugere a formação de uma sociedade civil, que teria direito a
financiamento para ser saldado em 30 anos.
O acesso a Piratininga, segundo o urbanista, poderia ser feito, a princípio, através de
Jurujuba, passando pelo Forte Imbuí. E, posteriormente, através da abertura de um
túnel, ligando Charitas a Piratininga
14
.
3.1.4 Infra-estrutura
Após constatar um fluxo maior de bondes para a zona norte do município - Barreto e
Fonseca -, Atílio vai preconizar a adoção de um sistema assentado em três meios de
transporte: metrô, ônibus e bonde, os quais, mediante um esquema de baldeações, cobririam
toda a cidade.
O urbanista também dará especial destaque, fazendo recomendações, às redes de
esgotos, abastecimento d’água e drenagem.
3.1.5 Méritos
Uma prova de que as idéias de Atílio Corrêa Lima estavam afinadas com as
concepções urbanísticas da escola francesa de então reside no reconhecimento de Henri
Prost
15
ao projeto elaborado pelo arquiteto brasileiro.
Dois anos após a defesa de doutoramento, o órgão oficial do corpo docente do
Instituto de Urbanismo de Paris publicaria sua tese e, no prefácio da mesma, Prost se referiria
ao trabalho como “uma concepção ideal (itálicos nossos) de mérito indiscutível”.
14
Idéia que, hoje, decorridas quase oito décadas, volta a ser cogitada e poderá vir a se concretizar.
15
“Henri Prost (1874-1959), lugar no concurso para extensão da cidade de Anvers (1910), foi convidado
para planejar as novas capitais regionais do Marrocos (1913-1923), sendo que Casablanca passou a ser referência
do urbanismo moderno até o início da Segunda Guerra Mundial. Nomeado urbanista chefe de Paris, em 1932,
sofre oposições e só tem o plano aprovado às vésperas da Segunda Guerra”. (AZEVEDO, 1997, p.54)
51
3.1.6 Utopismo
O traçado da cidade de Niterói dificilmente permitiria a aplicação das concepções
urbanas que os principais centros europeus propagavam, na década de 1920, e com as quais
Attílio Corrêa Lima mantinha fina sintonia. Henri Prost refere-se, apropriadamente, ao
projeto-tese como “concepção ideal”. De fato, o plano “attiliano” de aterramento e expansão
do centro de Niterói possui algumas nuances tidas, por alguns analistas, como utópicas.
3.1.7 Planos no Brasil
Nascido em Roma a 8 de abril de 1901, era filho do escultor brasileiro José Octávio
Corrêa Lima. Formou-se engenheiro arquiteto em 1925, na Escola Nacional de Belas Artes.
Premiado com a Grande Medalha de Ouro conquistou, a seguir, o prêmio de viagem à
Europa, embarcando para Paris em princípio de 1927. Nesta cidade, fez o curso de urbanismo
no Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris.
De volta ao Rio de Janeiro em 1931, foi convidado a reger a cadeira de Urbanismo,
que acabava de ser criada no Brasil.
Além do estudo acerca da remodelação e extensão da cidade de Niterói, podem ser
citados outros trabalhos, como: o Plano de remodelação da Cidade de Recife; a estação de
passageiros do cais do porto do Rio de Janeiro; o Plano de Goiânia - nova capital do Estado
de Goiás; plano para os conjuntos residenciais da Várzea do Carmo e de Heliópolis, ambos
em São Paulo; Plano de Urbanização do Vale do Paraíba, na área compreendida entre Barra
Mansa e Pinheiros, no Estado do Rio de Janeiro, e o Plano da Cidade Industrial de Volta
Redonda. (IDEM, 1999, p.496, 497)
3.1.8 Comentando
Attílio Corrêa Lima, pela freqüência com que sua biografia apresenta serviços
prestados ao Estado (planos para as cidades de Goiânia, Recife e Volta Redonda, entre outras)
de forma acrítica, pode ser considerado como praticante de um urbanismo oficialista. Advoga
cirurgias profundas na feição das cidades. Praticando um intervencionismo reformador das
infra-estruturas existentes, tem como preocupação dominante equacionar os problemas de
circulação, ao mesmo tempo em que preceitua para as áreas mais centrais uma política urbana
emoldurada por um caráter triunfalista, com toques de monumentalidade.
52
Com o avant project para a Capital fluminense, Corrêa Lima oferece sua contribuição
ao conjunto de possíveis conformações assumidas pelo que poderia vir a ser uma “Nova
Niterói” - todas elas concebidas de modo plongé (de cima para baixo).
O urbanista, transparecendo na modernidade, não considerava justo que, diante do
desenvolvimento industrial e do progresso científico, se perdesse e desperdiçasse material
com “sistemas passadistas erradamente considerados como consetâneos com a natureza
humana”. E completava, manifestando sua crença no conformismo passivo dos cidadãos: “O
homem evolui e se transforma continuamente e está à moda como exemplo frisante,
modificando-se inúmeras vezes numa geração. O homem é um ser sociável por excelência
e, como tal, progressista, adaptando-se facilmente às inovações que o meio ambiente lhe trás,
desde que lhe proporcione maior conforto e estabilidade social”. (LEME, 1999, p. 496)
Atmosfera política estadonovista
O país vive em um regime autoritário, produto de um golpe de Estado e de uma
constituição outorgada. “As tendências políticas em que se repartiam às atividades liberais
democráticas não existem mais
16
.”
A censura faz sentir o peso do seu braço, a liberdade de opinião encontra-se
amordaçada. No dia 10 de novembro de 1937, dia do golpe e da promulgação da Constituição,
o ministro da Guerra, Gal. Eurico Gaspar Dutra faz a seguinte proclamação ao Exército:
“Qualquer perturbação da ordem será uma brecha para os inimigos da Pátria, para os
adversários do regime democrático que nos congrega. Cumpre evitá-la, exercendo
com serenidade e com firmeza a missão que nos corresponde. Se assim
procedermos, em nós continuará confiando a sociedade brasileira, garantia que
somos de sua tranqüilidade e propriedade inconteste; a Pátria e o regime repousarão
sob a nossa guarda”.
É sob essa atmosfera de exceção, que o decreto cairá sobre os destinos da Capital
fluminense.
16
Virgílio de Melo Franco em carta a Osvaldo Aranha, embaixador do Brasil em Washington (1943).
53
3.2 Jardim Fluminense
3.2.1 PRUN
A idéia do Aterrado Praia Grande, acalentada por Aldovandro Graça e Attílio,
ressurgirá sob a égide do Estado Novo (1937-1945), através do Decreto-Lei federal 2.441,
de 23 de julho de 1940, que autorizava a Prefeitura a executar o Plano de Remodelação e
Urbanização da cidade de Niterói. Caberia à Municipalidade providenciar a ocupação de toda
a faixa litorânea a ser aterrada - da Ponta da Armação até a Praia das Flechas.
O Decreto-Lei também transferia, sem ônus para o Estado, o domínio útil da área
aterrada, permitindo-lhe, ainda, transferir esses terrenos para empresas ou companhias
concessionárias, responsáveis pela realização das obras, por um prazo máximo de 5 anos, com
isenção do pagamento de imposto predial e territorial, além da dispensa de emolumentos de
obras para as primeiras construções.
Na década de 1940, em plena vigência do Estado Novo, a cidade do Rio de Janeiro
assiste a abertura da “monumental” Avenida Presidente Vargas, enquanto o genro de Vargas
marca sua presença, como interventor do Estado do Rio, replicando, em escala menor,
com a abertura de uma outra avenida na Capital Fluminense, que vai receber o nome do
próprio interventor: Amaral Peixoto
17
.
Em 1942, começou a ser construída a maior e mais emblemática avenida de Niterói,
cujo nome homenageia Ernani do Amaral Peixoto. No coração da cidade, a avenida foi
concebida para centralizar as principais atividades profissionais de Niterói.
Mesmo hoje, com a polarização do comércio na cidade, a avenida concentra centenas
de advogados, dentistas, contadores, comerciantes e outros profissionais liberais, mesmo com
a polarização do comércio para shopping center e para os bairros da Zona Sul da cidade.
17
Em 1930, deu apoio ao movimento político-militar e que levou Getulio Vargas à presidência da República.
Em novembro de 1937, poucos dias antes da implantação da ditadura do Estado Novo, foi nomeado interventor
federal no Estado do Rio de Janeiro. Durante sua gestão, o Estado do Rio conheceu significativo impulso
industrial, com a instalação das empresas estatais Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Fábrica Nacional e
Motores (FNM). [...] Em outubro de 1950, voltaria ao governo do Estado do Rio de Janeiro, dessa vez eleito
pelas urnas, ao mesmo tempo em que Vargas retornava à presidência da República. Como governador
fluminense assistiu de perto a crise política que resultou no suicídio de seu sogro, Getúlio Vargas, em agosto de
1954 (CPDOC-FGV, 2006). Além do Governo do Estado, a carreira política de Amaral Peixoto também foi
marcada por sua presença no Senado, na Câmara Federal, na Embaixada Brasileira em Washington (EUA) e no
Tribunal de Contas da União[...]. Terminou sua carreira política em 1986, exercendo mandato de senador. Era
casado com Alzira - filha única do presidente Vargas. (KANO, André, 2005, p.6)
54
Para abrigar um público tão seleto, foram desapropriadas dezenas de casas para a
construção dos edifícios que comporiam o cenário da avenida. A intenção era construir uma
espécie de corredor de boas-vindas para todos aqueles que chegavam à cidade pela estação de
barcas.
Até hoje, a dupla muralha de prédios, com arquitetura privilegiada, construídos sob
extenso espaço formado por pilotis, é um retrato imponente do Centro de Niterói.
A beleza do espaço atraiu famílias da alta sociedade niteroiense e de grandes
comerciantes, que passaram a se estabelecer nos prédios da avenida. Ainda hoje existem
muitos moradores que não deixam o local por nenhuma oferta de imóveis em outras partes da
cidade.
Milhares de pessoas transitam na Amaral Peixoto todos os dias. Em nenhum outro
lugar, a cidade é tão cosmopolita como em sua avenida central. também funciona o prédio
da Câmara Municipal e o Fórum da cidade.
Nos projetos de revitalização do Centro, a avenida figura como umas das prioridades,
tanto no sentido de melhorar a aparência das fachadas de seus edifícios, como para
reorganizar sua estrutura viária”. (O Fluminense, 10 e 11/07/2005)
Na década de 30, as finanças do Estado e do Município se encontravam em situação
não muito favorável, sendo poucos os investimentos realizados pelo Poder Público. A
despeito disto, Niterói elabora um ambicioso Plano de Remodelação do seu centro urbano.
Volta à cena o projeto de expansão da sede do município, cuja execução será autorizada
através do citado Decreto Federal 2.441. Aposta ao decreto, havia uma planta
esquemática, elaborada pelo Escritório Técnico Gabriel Fernandes, apontando a área a ser
aterrada e estabelecendo o traçado da futura Av. Amaral Peixoto, no coração da cidade.
Nesse período, Niterói vê-se envolvida por uma onda de obras públicas, decididas pelo
Estado e executadas pela iniciativa privada. Como prova eloqüente desse estreito vínculo vai
renascer, em 1940, ainda apenas no papel, a idéia do Aterro Praia Grande, embutida no Plano
de Remodelação e Urbanização da cidade. A elaboração da planta ficará a cargo do escritório
técnico Gabriel Fernandes. Em menos de um mês, os projetos de autoria deste em parceria
com Frederico Bokel são aprovados, estando previstos o arruamento e parcelamento de mais
de um milhão de metros quadrados de área aterrada, abrangendo também os loteamentos dos
morros do Gragoatá e do Palácio do Ingá. O plano propunha, ainda, um traçado em xadrez,
com duas vias em diagonal, que convergiriam até se encontrarem no terminal hidroviário.
55
3.2.2 O Projeto
Após a aprovação, Bokel e Fernandes constituem, em 1941, a Companhia
Melhoramentos de Niterói, que assume sem qualquer licitação, diretamente contratada pelo
Governo do Estado e pela Prefeitura, a responsabilidade pela execução das seguintes obras: -
desmonte do Morro de São Sebastião, situado entre o centro da cidade e o bairro do Ingá; -
construção de enrocamento e cais entre a Ponta da Armação e Gragoatá, de acordo com o
traçado aprovado pela Prefeitura; - construção de uma avenida contorno entre as praias do
Gragoatá e das Flechas; - obras de drenagem, arruamentos e criação de jardins na área
liberada pelo desmonte do morro e naquelas conquistadas ao mar.
Outra obrigação assumida pelos concessionários foi a de cederem à Prefeitura de
Niterói, gratuitamente, nos terrenos resultantes do aterro, as áreas necessárias à construção
dos edifícios da Prefeitura e Teatro Municipal (sendo a primeira de dois mil metros
quadrados), do mesmo modo que a de fazerem com que a Municipalidade, a partir do sexto
ano do contrato, passasse a participar dos lucros da sociedade.
Como contraprestação de serviços ou como compensação aos ônus assumidos pelos
concessionários, o Estado do Rio de Janeiro e a Prefeitura de Niterói se obrigaram a outorgar-
lhes os seguintes “favores”: 1) desapropriação de todos os imóveis cuja aquisição se tornasse
necessária à execução do plano de remodelação da cidade; 2) domínio útil dos terrenos de
marinha e acrescidos, de qualquer grau, resultantes do aterro; 3) isenção do imposto territorial
por 15 anos; 4) isenção do imposto predial por 7 anos; 5) isenção do imposto de transmissão
para as primeiras transações de compra e venda realizadas nos dez primeiros anos; 6) isenção
de emolumentos de obras nas primeiras construções, pelo prazo de dez anos; 7) isenção de
laudêmio para as primeiras transferências que se realizassem num prazo de 15 anos.
3.2.3 Caducidade
A cláusula quarta do Contrato de Concessão, firmado em 21 de dezembro de 1940,
fixou em cinco anos o prazo para conclusão das obras do plano de remodelação da cidade,
contados a partir da data de constituição definitiva da sociedade que Frederico Bokel e
Gabriel M. Fernandes se obrigaram, em um prazo de 60 dias, a organizar, o que se deu em 20
de janeiro de 1941.
Vencido o prazo, em 21 de janeiro de 1946, foi ele prorrogado, sendo mantidas todas
as demais cláusulas do contrato original, mas com um novo autor. O Governo do Estado
56
transfere, em 7 de junho de 1945, o domínio útil da área, ainda inexistente, do Aterro Praia
Grande à Cia. União Territorial Fluminense, sucessora da Cia. Melhoramentos de Niterói, que
depois também será sucedida pela Planurbs S.A Planejamento e Urbanização. Esse ato
assinala uma virtual privatização do espaço a ser criado com o aterrado.
Após isso, haveria ainda mais quatro dilações de prazos até o ato de desapropriação do
governo Raimundo Padilha.
3.2.4 Superestimativa
O plano original de remodelação e urbanização, de 1941, previa quadras destinadas à
construção de edifícios residenciais com 21 pavimentos, o que leva a concluir que, tendo os
lotes área construível de 400 metros quadrados, cada prédio teria, necessariamente, mais de
20 apartamentos.
A Cia. Melhoramentos de Niterói chegou a fazer um mal sucedido lançamento
imobiliário, cuja legenda publicitária era: “Niterói oferece oportunidades excepcionais para o
melhor emprego de capital”. (AZEVEDO, 2002)
Posteriormente, a sucessora, Cia. União Territorial Fluminense se preparava para
lançar, na segunda metade da década seguinte, uma versão adaptada do original, sob o nome
de Loteamento Jardim Fluminense, quando foi instituída a Lei Municipal 2070, de 9 de
agosto de 1957, estabelecendo que, em todo edifício de mais de 20 apartamentos, passassem a
ser construídas garagens com área mínima, em metros quadrados, igual a nove vezes o
número de apartamentos.
Então, a CUTF modificou a divisão das quadras destinadas à construção dos edifícios,
reservando áreas para garagens nos prédios de mais de 20 apartamentos.
Torna-se pertinente reproduzir o comentário de Marlice Azevedo sobre essa investida
imobiliária:
“Os empreendimentos da Dahne & Conceição (Cia. Melhoramentos de Niterói) e da
Cia. União Territorial Fluminense mostram a inconsistência mercadológica desses
lançamentos, que, em cálculos rasteiros, significariam um aumento de mais de 100 mil
habitantes para uma cidade que atingiu 220 mil habitantes pelo Censo de 1960, números
que a cidade atingiria no final dos anos 70, impulsionada pela construção da Ponte Rio-
Niterói”. (AZEVEDO, 2006)
57
3.2.5 Mais avanços para o mar
Transcorreram os anos e, no curso deles, alteraram-se os projetos e plantas do
loteamento Jardim Fluminense, modificando-se as concepções urbanísticas.
O plano derradeiro de loteamento foi aprovado pela Prefeitura de Niterói em 4 de
outubro de 1965 (após questionamentos na Justiça, conforme ver-se-á adiante, em Demandas
Judiciais), sendo projetado, pela Planurbs, em duas partes distintas:
Parte I - Enseada Grande: compreendendo entre a Ponta da Armação e o prolongamento
imaginário da Rua 15 de novembro.
Parte II - Enseada de São Domingos e Morro do Gragoatá: do prolongamento imaginário da
Rua 15 de Novembro até o Forte Gragoatá.
A Planurbs explicava que o novo plano havia sido elaborado em atendimento a
exigências não só do Ministério da Marinha no sentido de ser excluída a área de acrescidos de
marinha adjacente às suas instalações militares, na Ponta da Armação, considerada de
interesse da segurança nacional, como também do Departamento Nacional de Portos e Vias
Navegáveis, no sentido de ser modificada a linha de contorno do plano, mediante o seu
avanço para o mar, notadamente na parte fronteira à enseada de São Domingos, ampliando-se,
assim, a área a aterrar e a construção, partindo dessa nova área a ser aterrada, de um quebra-
mar providências essas, segundo a Planurbs, consideradas necessárias à segurança dos
serviços de transportes a cargo do Serviço de Transportes da Baía de Guanabara (STBG)
O plano assegurava a reserva de áreas para a Municipalidade, destinadas à construção
do Palácio da Prefeitura, do Teatro Municipal e de um centro cultural. Mais duas destinadas
ao STBG, para a construção de duas estações de passageiros e de carga (em substituição às
áreas por ela então ocupadas), além de seis áreas reservadas a parqueamentos de automóveis e
uma destinada à construção da estação de ônibus urbanos.
Quanto a utilização das quadras e seus lotes, o novo loteamento estava dividido em
três zonas: comercial central, mista e residencial (MEMORIAL PLANURBS, 1966, p.12)
O projeto do loteamento Jardim Fluminense não apresentava praticamente nenhuma
compatibilidade com a estrutura urbana então oferecida pelo Centro da cidade, nem quanto ao
traçado nem quanto ao sistema de circulação. Compreendendo 57 quadras constituídas por
1.140 lotes de dimensões variadas, o loteamento, desse conjunto, destacava áreas para
implantação de 7 praças e construção da nova sede da Prefeitura, Teatro Municipal, Centro
Cultural, escola e Mercado de Peixe. No capítulo 4, retornaremos a essa fase que designamos
como privada, procurando retratar a teia de desencontros, conflitos, tratativas e contradições,
58
que envolveu esse projeto “por” uma “Nova Niterói”. Detentora, conforme assinalado, do
domínio útil, a partir de 1945, dois acrescidos de marinha na orla central (toda a enseada da
Praia Grande) e em parte da orla Sul (da Praia Vermelha até a Praia das Flechas), a CUTF-
Planurbs, com as sucessivas prorrogações de prazos, para fazer deslanchar o Plano de
Remodelação e Urbanização, ira produzir, com essa incapacidade, todo um conjunto de
intrigas, disputas, gerando desgastes entre os agentes envolvidos e uma imagem de descrédito
para essa “Nova Niterói” de prancheta.
3.3 Projeto Praia Grande
3.3.1 Megalomania Imitativa
O Aterro Praia Grande foi executado entre os anos de 1971 a 1974, sob a supervisão
da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado do Rio de Janeiro - DESURJ, criada
pelo último governador do velho Estado do Rio, Raimundo Padilha.
Era previsto o aterramento da orla marítima desde a Ponta da Armação, na Ponta da
Areia, até a Praia do Gragoatá, com uma largura média de 500 a 600 metros, em uma
extensão de quase três quilômetros, o que totalizaria 1.200.000 metros quadrados de área.
Pretendendo a reurbanização da área central da cidade, o Poder Público previa uma
ocupação bastante megalômana, nos moldes do Aterro do Flamengo, idealizada pelas
autoridades locais e obedecendo a uma visão urbanística bem típica da época.
Essa parte nova da cidade compreenderia uma área estritamente destinada ao lazer, na
qual seriam construídos teatro grego, concha acústica, fontes sonoras e luminosas,
playgrounds, restaurantes turísticos, aquários, praças de esporte, planetário, passarelas e
auditórios ao ar livre.
O aterro contaria, também, com moderna Estação Hidrorrodoviária, além de um
bosque com 15 mil espécies vegetais.
Também seria construído no local o Museu-Monumento do IV Centenário de Niterói e
o prédio do Shopping Center Cultural.
Antigo problema de Niterói, a falta de hotéis, também seria resolvida. O topo do
Morro do Gragoatá, de onde se descortinava uma das mais belas vistas da Baía de Guanabara,
ganharia um hotel de categoria internacional, com salão de convenções para mais de mil
pessoas. Linhas regulares de aerobarcos ligariam o hotel aos aeroportos cariocas e ao bairro
de Copacabana.
59
Por ter sido responsável pelo aterramento de 80% da enseada da Praia Grande, em um
processo capitaneado pelo Estado, do começo ao fim, nos estenderemos mais exclusiva e
profundamente sobre esse período no próximo capítulo.
60
CAPÍTULO IV
FASE PRIVADA (1945-1967): CONFLITOS E IMPASSES
4.1 Triste aspecto
Em setembro de 1961, na edição de estréia de Praia Grande em Revista, publicação
fundada por Carlos Couto
18
, o jornalista Jourdan Amóra descreve o cenário resultante de um
projeto naufragante:
“No início dos anos 60, a orla marítima do Centro de Niterói tinha sido ferida por
aterros incompletos, que destruíram históricas praias, passando a ser ocupada por
feiras de ambulantes cercadas de lixo e matagais, com seus morros desnudos de
vegetação, além de sofrer a ação implacável de tratores. A antiga Vila Real da Praia
Grande como Niterói foi conhecida durante várias décadas - apresentava-se aos
olhos de turistas e visitantes como uma cidade triste e abandonada, não merecendo
mais o poético título de “Cidade Sorriso”, conferido pelo jornalista Gomes Filho e
acatado pela população nos áureos tempos de 1930, quando ainda se considerava a
“Invencível”
19
(*) e se orgulhava da luta de seu povo inclusive em praias agora
sepultadas pelos aterros abandonados.
Esse aspecto triste da cidade deveu-se, de início, a uma empresa que,
paradoxalmente, se instalou em 1941 com o título de Companhia de Melhoramentos
de Niterói, constituída pela holding Dahne & Conceição, comprometendo-se a
executar um plano de remodelação e urbanização, sem ônus para os cofres públicos
e capaz de dar à velha Praia Grande um aspecto e condições de vida dignos de uma
metrópole com perspectivas promissoras.
Antes de melhoramentos e progresso, a empresa fez a então a Capital
fluminense regredir à condição de uma cidade com aspecto de descaso, desprovida
de higiene e atrativos, uma vez que seu “portal de entrada” apresentava-se coberto
pelo mato, pontilhado de barracos e com terrenos revolvidos, descuidados”.
18
Teatrólogo, foi diretor, nos anos 80, do Teatro Municipal de Niterói. Em 1961, fundou o semanário Praia
Grande em Revista, de curta existência (13 meses), mas combativo. Português de nascimento, mantinha o
semanário em associação com a tradicional Gráfica Falcão, sustentando o periódico com o apoio de
comerciantes, em geral patrícios. Escreveu crônicas diárias para o radiofônico Grande Jornal Fluminense,
intituladas “O Homem da Rua”, que falava principalmente do cotidiano e da gente da então capital fluminense.
A sala de eventos culturais, anexa ao Teatro Municipal de Niterói, foi batizada com o seu nome.
19
Assim conhecida por sua tenaz resistência aos insurgentes, durante a Revolta da Armada.
61
A história do Plano de Remodelação e Urbanismo da Cidade e do seu atraso e
abandono está revestida, segundo a publicação Praia Grande em Revista, de uma série de
escândalos, de desmandos, de negociatas, de marchas e contramarchas. Ela se divide em
vários capítulos recheados de agressão à natureza e à cidade sem que as autoridades, via de
regra, adotassem providências efetivas para resguardar os interesses do município e dos
munícipes.
4.2 Começo da história
O grupo econômico gaúcho Dahne & Conceição, convocado pelo então presidente
Getúlio Vargas para controlar os serviços de abastecimento de águas e esgotos do Rio de
Janeiro, entusiasmou-se com a beleza da cidade situada do outro lado da Baía de Guanabara,
vendo nela excelentes condições para o futuro. O grupo vislumbrou um porvir econômico-
financeiro dos mais promissores para Niterói, apresentando inédito e arrojado plano às
autoridades federais, estaduais e municipais, acatado imediatamente e oficializado através do
decreto federal número 2.441, de 23 de julho de 1940 ( PMN SUMA, 1996, anexo 7), que
autorizava a Prefeitura a executar o plano de urbanização e remodelação da cidade, podendo,
por isso, permitir o aterramento da faixa litorânea compreendida entre a Ponta da Armação
(no sub-bairro da Ponta da Areia) até a Praia das Flechas. A União também transferia para o
Governo do Estado do Rio o domínio útil dos terrenos de marinha e acrescidos, de qualquer
grau, resultantes do referido aterro e dos desmontes de morros a serem efetuados, ficando o
Estado autorizado a decretar desapropriações e realizar a transferência desses terrenos à
empresa ou companhia à qual fosse confiada a execução das obras previstas no plano de
urbanização. Estipulava que a transferência de terrenos, feita pelo Estado, ficava isenta de
laudêmios, o mesmo acontecendo com as primeiras transferências da empresa a terceiros,
desde que dentro do prazo a ser ajustado e que não excederia de 15 anos.
Os favores concedidos à empresa concessionária, pelo decreto, se estendiam à isenção
do pagamento de vários impostos, como estabelecia o artigo do decreto do Estado Novo,
autorizando o Governo do Estado e a Prefeitura de Niterói a conceder por 15 anos a isenção
do imposto de transmissão para as primeiras vendas e dos impostos predial e territorial e
demais emolumentos para as primeiras construções.
62
O vulto, para os padrões da época, de tal empreendimento, parecia traduzir uma
fórmula de ganhar muito dinheiro, reformar e revitalizar uma cidade, enriquecendo os
patrimônios municipais e, o mais importante, sem despender um centavo dos cofres públicos.
4.3 O projeto
Em linhas gerais, consistia no desmonte dos morros São Sebastião, Dr. Celestino e
Gragoatá, que, escamoteados, viriam abrir novas vias de circulação, permitindo o
desenvolvimento da parte “velha” da cidade. As terras removidas seriam aproveitadas para a
conquista de novas áreas ao mar, desde o trecho compreendido entre a Ponta da Armação até
a Ponta do Gragoatá, seguindo dali ao Forte do Gragoatá (soterrando a Praia Vermelha), Ilha
da Boa Viagem até a Praia das Flechas.
Com o plano, seriam aterradas as praias da Ponta D’Areia, dos Pescadores, de Éden,
do Imperial, da Amendoeira e de Gragoatá, que seriam sucedidas, trezentos metros mais à
frente na direção do Rio de Janeiro por praias artificiais. Neste aspecto seria uma
antecipação do Parque do Flamengo que reimplantou a praia que havia sido destruída com a
construção da Av. Beira-Mar.
Por reconhecer que o tônus vital de Niterói residia no Centro da cidade, para onde
fluíam e refluíam, desde aquela época, multidões em busca de condução, do comércio, de
trabalho e de estudo, tendo como principal ponto de convergência a Praça Martim Afonso, a
Companhia se propunha a fazer o aterro obedecendo à concepção de diversificação da
convergência visando evitar conseqüências danosas. Previu a construção de amplas avenidas
horizontais para o escoamento do tráfego (uma delas teria o triplo da largura da Av. Amaral
Peixoto) e de avenidas verticais, também amplas, além de uma beira mar, ajardinada, para
funcionar como centro de movimentação turística. Tais avenidas teriam conexão com outras
artérias que seriam abertas na cidade “velha”, destacando-se a de ligação da Praça Martim
Afonso com a rua São Sebastião. Ainda no setor de trânsito, o plano previa a construção de
estações rodoviárias para as zonas norte e sul e discriminava a locação de pontos de carros de
aluguel e de abrigos para passageiros.
O trabalho projetado também previa a construção de praças ajardinadas, um lago
artificial na nova “porta de entrada” de Niterói (onde funcionaria a estação das barcas), clubes
náuticos e sociais, um novo mercado de peixe, cinemas, grandes magazines, um grande teatro
e o “Palácio da Prefeitura”. O arrojado plano tencionava “dar new face à antiga Praia Grande,
uma Nova Niterói para tirar-lhe o aspecto provinciano e proporcionar-lhe condições de uma
63
autêntica metrópole, capaz de voltar a merecer o título de “Cidade Sorriso”. (PRAIA
GRANDE EM REVISTA, nº1, p. 12, 13)
4.4 Vantagens privadas
Em princípio, parecia impossível executar obra de tal vulto, com tantas vantagens para
a cidade e para a Prefeitura, sem o aporte de verbas governamentais, a não ser financiamentos
concedidos por estabelecimentos de crédito oficiais.
O valor da transação consistia no seguinte: a Companhia Melhoramentos de Niterói
seria proprietária de toda a área aterrada (salvo as destinadas aos serviços públicos) e poderia
iniciar a venda dos lotes, tremendamente valorizados pela sua localização e pelos
melhoramentos a serem introduzidos, tão logo desse início às obras. Além disso, estava
habilitada a obter financiamentos vultosos de estabelecimentos de crédito oficiais para realizar
o empreendimento.
4.5 Primeiras intervenções
Em suas primeiras oito edições, a publicação Praia Grande em Revista procura
esmiuçar a história do Aterro, em sua fase que classificaremos como privada - período de
1940 a 1967, em que as concessionárias têm do Estado, sem maiores restrições, a outorga do
direito de explorar o Aterro - até a desapropriação indireta (negativa da prorrogação do prazo
por parte do Governo do Estado e da Prefeitura). Para reproduzir aspectos dessa historia
problemática, reproduziremos relatos publicados nas oito edições daquele semanário,
resultado de levantamento feito pelos jornalistas Jourdan Amóra
20
e Alvear Barroso
21
.
20
Jourdan Amóra trabalhou no Grande Jornal Fluminense (radiofônico), Última Hora, A Noite, Diário Carioca
e Jornal do Brasil, entre outras publicações. Em 1964, com o fechamento do jornal Última Hora, pela ditadura
militar, adquiriu, no ano seguinte, com o apoio de amigos, diário niteroiense A Tribuna. Na década de 1970,
lançou o primeiro jornal de bairro de Niterói, Jornal de Icaraí, que hoje, segundo o próprio Jourdan, é o de maior
circulação na cidade. Foi presidente, em 1988, da Associação Brasileira de Jornais do Interior (Abrajori).
Posteriormente, fundou, no Estado do Rio, a Associação de Jornais do Interior (Adjori). Criou, editou e ajudou a
criar uma série de jornais regionais e locais. Durante o regime militar de 64, foi objeto de vários atentados, sendo
gravemente baleado em 1989. Teve edições apreendidas de seu jornal diário e sofreu censura direta. Criou e
dirige o Museu da Imprensa, sediado em Niterói.
21
Além de Praia Grande em Revista, Alvear Barroso atuou em outros veículos, mas fez carreira principalmente
no meio radiofônico. Trabalhou vários anos nas rádios niteroienses Federal (hoje Manchete-AM) e Difusora
Fluminense. Nesta última, apresentava um informativo noturno -o Panorama Jornal, que veiculava noticias sobre
a política e a administração fluminense. Presidiu a Associação Fluminense de Jornalistas.
64
Pontuando cada relato, citaremos, ao final, a edição correspondente à publicação da matéria,
tomando a liberdade, para tentar facilitar ainda mais a leitura e a compreensão de fatos que se
deram, no mínimo, mais de 30 anos, de proceder a algumas adaptações nos textos (por
exemplo: tempo verbal, maior fragmentação de parágrafos). Vamos aos fatos:
A firma subsidiária da Dahne & Conceição estabeleceu-se em Niterói e no então
Distrito Federal (depois Estado da Guanabara), tendo como principal diretor Francisco Dahne,
considerado grande financista.
Tão logo a Dahne & Conceição constituiu a Companhia Melhoramentos de Niterói, os
morros da Boa Viagem e Gragoatá começaram a sentir os efeitos destruidores dos tratores,
que devastaram a vegetação e começaram a rasgar avenidas para permitir a venda dos
primeiros lotes. Paralelamente, a firma começou o enrocamento, estendendo três braços de
cimento rumo ao mar para realizar o aterro da orla marítima: um na Ponta da Armação e dois,
em sentido contrário, na Ponta do Gragoatá, começando a lançar terra junto aos
enrocamentos. Em seguida, deu-se início a várias desapropriações, para permitir a execução
de obras (PRAIA GRANDE EM REVISTA, 1961- nº 1- p. 12 e 13).
4.6 Sucessão de fracassos
O prazo estipulado (15 anos) para a execução completa do plano, incluídas as
edificações previstas (como Prefeitura e Teatro Municipal) venceu em janeiro de 1956, com
as obras paralisadas, enfeando a cidade. Em vez de trazer qualquer melhoramento, ocasionou,
ao contrário, dificuldades para o desenvolvimento da velha Praia Grande.
Na pretensão de executar o plano, a Companhia fez vultosos empréstimos,
hipotecando algumas áreas de sua propriedade medida que marcou o início da derrocada.
Mesmo de posse de créditos, a empresa quase nada realizou, tendo, apenas, enfeado o trecho
marítimo em que agiu com aterros incompletos e demolido alguns prédios no lado Norte da
orla. Com a ameaça de fazer novas desapropriações, a empresa obstou o progresso da área de
que era concessionária e de outras situadas nas imediações.
Apesar dos grandes empréstimos contraídos, a Companhia Melhoramentos de Niterói
não conseguiu cumprir suas promessas reiteradas e prorrogadas várias vezes. Diversas
anormalidades, como a aplicação dos créditos obtidos, levaram a Companhia ao caminho
da falência. E teria chegado a este estado após quatro anos de fracassos caso o ditador
presidente Getúlio Vargas não houvesse decretado sua encampação, o que ocorreu em 2 de
maio de 1944, através do decreto 6466.
65
Não decorreu um ano e novo decreto apareceu, fazendo a desincorporação dos bens e
direitos da empresa do Patrimônio Nacional. Isso ocorreu em 30 de outubro do mesmo ano
(Decreto 6998).
Por influências políticas, o Estado e a Prefeitura de Niterói fizeram nova concessão,
entregando-a, em 7 de junho de 1945, à Companhia União Territorial Fluminense (CUTF),
com os bens e direitos da Companhia Melhoramentos de Niterói, subsidiária da Dahne &
Conceição.
Nesta nova fase, a empresa não sofreu grande alteração na sua direção e continuou a
ser controlada pela mesma holding.
O contrato feito, então, estipulou participação da Prefeitura nos lucros líquidos da
CUTF, auferidos com as vendas de terrenos, obedecendo-se ao seguinte esquema: a
Prefeitura teria direito à participação quando as vendas excedessem a três milhões de
cruzeiros, deduzidos dividendos, calculados em 12 por cento sobre o capital.
De posse da concessão, a Companhia União Territorial Fluminense firmou numerosos
compromissos de vendas dos terrenos que surgiriam com o aterro; tornou efetivas algumas
desapropriações, saldou as dívidas anteriores e... parou por aí.
Em todas as etapas, a Companhia tinha compromissos com a Prefeitura e o Estado
com relação a prazos para execução das obras, sob pena de perder a concessão. Os prazos
foram vencidos sem que fossem cumpridos. A empresa não sofreu nenhuma ação dos poderes
públicos. Ao contrário, teve novas e sucessivas prorrogações.
Mantendo a concessão, a Companhia fez novos empréstimos ao Banco do Brasil e às
Caixas Econômicas dos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e do antigo Distrito
Federal.
Decorrido um tempo, o então Ministro da Fazenda, Souza Costa, após fazer um
levantamento das dívidas contraídas pela Companhia junto ao Banco do Brasil, determinou
que essa instituição financeira não concedesse mais qualquer empréstimo à CUTF ou à firma
Dahne & Conceição.
O principal sócio da empresa, Frederico Dahne, entendendo que negativas de
consolidação das dívidas envolviam uma negociata para retirar-lhe a concessão, a isso se opôs
tenazmente. Valendo-se de seu prestígio pessoal e por conhecer a fundo a situação da empresa
subsidiária, Frederico Dahne conseguiu levantar elevadas somas no Banco Financial do
Brasil, visando levar as obras avante. Nesse período, a CUTF enfrentava uma crise financeira,
possuindo elevados débitos. Consta que, segundo teria revelado na época o próprio Frederico,
seu sócio Laurílio Conceição teria aplicado os empréstimos em despesas particulares.
66
Nessa época, Frederico Dahne também procurava obter do governador Amaral Peixoto
– já ligado às obras por interesses políticos – meios para forçar os vereadores do PSD (Partido
Social Democrático) e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) a dilatar os prazos expirados.
Vencidas as etapas de ameaça de perda da concessão e de solução de problemas
provocados por dívidas menores com fornecedores, empregados e outras empresas, Frederico
Dahne constatou, em fins de 1953, que os empréstimos contraídos no Banco Financial e
outros estabelecimentos de crédito, ultrapassavam o valor das obras. Não resistiu ao choque,
vindo a falecer, vitimado por um colapso cardíaco. Seu sócio, Laurílio Conceição, assumiu o
controle da empresa.
Decorridos os quinze anos do prazo para caducar o contrato de concessão que exigia a
conclusão de todas as obras, a empresa ainda nada tinha realizado e obteve novas
prorrogações (29 de setembro de 1954 foi à penúltima) mediante novas promessas, sem
saldar, contudo, suas dívidas.
O Banco Financial, temendo a perda total dos créditos, adquiriu o acervo da
Companhia em março de 1957. Para concluir a transação, se viu forçado a desfazer-se de doze
agências. Imaginava recuperar o dinheiro com a venda dos terrenos e, para melhor executar
seu plano, aliou-se a outro grupo financeiro e obteve nova prorrogação do prazo de concessão.
A última prorrogação de prazo foi concedida em 27 de fevereiro de 1960 e anulada
dias depois. O novo grupo econômico viu na obra um “negócio da China” e o meio de
salvaguardar seus créditos.
Nessa época, o Banco do Brasil comunicou à Prefeitura que a SUMOC
(Superintendência da Moeda e do Crédito) aprovara a proposta dos controladores da
Companhia para obter novo financiamento para a execução do Plano de Remodelação e
Urbanização da cidade, com a salvaguarda, assim, dos vultosos empréstimos em jogo, “desde
que voltando a vigorar o contrato da concessionária”.
Em 4 de maio de 1960, o Banco do Brasil dirigiu uma carta à Prefeitura afirmando que
havia aprovado o esquema de conclusão das obras estipulado pelo Banco Financial e outras
empresas associadas e pertencentes ao Grupo Séglia, dirigido pelo italiano Silvério Séglia,
que passou a controlar as ações do Banco Financial, da CUTF e de outras empresas.(PRAIA
GRANDE EM REVISTA, 1961 - nº2 - pp.10,11)
4.7 Conflitos e irregularidades
67
Nesta época, o procurador da Prefeitura de Niterói, Ramon Alonso Filho, emitiu
parecer contrário à nova concessão, proferindo contundente libelo contra a CUTF. No parecer,
o procurador revelava inúmeros compromissos que a Companhia deixou de cumprir com a
Municipalidade, com o Estado, com seus promitentes-compradores e com os seus credores. A
certa altura, o procurador registra que a Companhia é devedora da Prefeitura em 20 milhões
de cruzeiros. Este compromisso foi assumido com a Municipalidade em março de 1957. O
depósito deveria realizar-se seis meses após, mas não foi efetuado nem nos três anos seguintes
e sem que a Procuradoria, a Divisão de Fazenda ou o próprio prefeito e a Câmara Municipal
tomassem qualquer providência junto à empresa, na defesa dos interesses da Municipalidade.
Mais adiante, diz o parecer:
“A Companhia não provou o cumprimento das cláusulas e 11ª do contrato
firmado em 4 de julho de 1946, pelos quais se comprometia a apresentar os projetos
para construção do novo Teatro Municipal de Niterói e do Palácio da Prefeitura; e
nem tampouco fez entrega da importância de hum milhão de cruzeiros para o início
da construção, que deveria ocorrer em terrenos bem situados e dados pela
Companhia”.
Excedendo-se, segundo a Procuradoria, no desrespeito aos poderes públicos, a
Companhia não se limitou, apenas, a deixar de cumprir suas promessas e as obrigações
contratuais, mas, também, desrespeitou vários outros dispositivos legais. O parecer do Sr.
Ramon Alonso revelava mais: que a Companhia “não depositou 4 milhões da dívida pública
federal, estadual e municipal, pelas vendas que realizou de terrenos compreendidos na área
concedida para sua exploração, como determina a cláusula do contrato firmado em 21 de
dezembro de 1940”.
A CUTF parece jamais haver se preocupado em atender as exigências da Prefeitura e
em satisfazer as suas próprias exigências, desde as de menor importância às mais sérias e
relevantes que envolvessem interesses de terceiros. Isto é o que procura demonstrar o parecer
(que, durante muito tempo, segundo Praia Grande em Revista 3, ficou guardado sob o
maior sigilo) ao apontar as seguintes omissões, falhas e atos ilegais da empresa:
1. A CUTF nunca deu informações à Prefeitura do andamento das obras que realizou ou
programou;
2. Não tinha nota de venda dos terrenos vendidos ou compromissados, com
discriminação do local, data e preço;
3. Não tinha quadro de debêntures emitidas ou resgatadas;
4. Não estava informada das desapropriações feitas ou programadas;
68
5. Não adotou qualquer providência junto ao Estado e a Prefeitura Municipal, com
relação à reforma e instalação das redes de águas e esgotos nas áreas existentes e nas
novas.
Em conseqüência das dívidas que possuía, a CUTF foi obrigada a oferecer grande
parte dos terrenos que tinha no morro da Boa Viagem como pagamento ao Banco Lar
Brasileiro, ao Banco de Crédito Móvel e a outras instituições de crédito e organizações
comerciais. No entanto, a Prefeitura não podia cobrar impostos predial e territorial aos novos
proprietários dos terrenos (cujas dívidas com a PMN se elevaram a centenas de milhões de
cruzeiros) porque a CUTF não regularizou a situação dos imóveis, como determinava a
cláusula 32 do contrato de 21 de dezembro de 1940. Ficou, assim, a Municipalidade tolhida
de fixar o que lhe era devido pela empresa e pelos proprietários.
Apesar do parecer, emitido em 7 de outubro de 1960, a Câmara Municipal concedeu,
em 16 de outubro do mesmo ano, uma nova prorrogação por mais quatro anos (até 1964).
Talvez porque percebesse as influências políticas que vinham sendo exercidas junto
a Prefeitura e a Câmara Municipal, o Procurador, depois de se manifestar energicamente
contra a prorrogação, incluiu no seu parecer a adoção de uma série de modificações no
contrato existente, caso fosse deferido o pedido de licença para a prorrogação da concessão
extinta. Uma das cláusulas que o procurador sugeria era a inclusão de uma multa de 100
milhões de cruzeiros à CUTF, caso esta não cumprisse certas obrigações do contrato
prorrogado. Esta sugestão foi acatada e consta do documento prorrogado e assinado em 1960.
(PRAIA GRANDE EM REVISTA, 1961 – nº3 - p.10,11)
Por deixar de cumprir suas promessas e as obrigações contratuais, como também
desrespeitar vários outros dispositivos legais, o Procurador Geral da Prefeitura se manifestou
de forma contundente contra a CUTF e, talvez por sentir as possíveis manobras políticas da
concessionária junto à Municipalidade e à Câmara de Vereadores, assim se expressou: “As
“influências” políticas e os “acertos” suspendem qualquer lei, quanto mais as cláusulas de
contratos...”. (PRAIA GRANDE EM REVISTA, Ano I - nº 3 - de 24 a 30/09/1961- p.11)
4.8 Disputas pelo botim
Além dos erros e omissões de sua própria responsabilidade, o antigo grupo
concessionário do plano alegava ter de enfrentar sérios obstáculos externos para dar seqüência
às suas atividades, interpostos, entre outros, pelo Governo do Estado, por caixas econômicas e
pelo Banco do Brasil, obrigando a empresa a deslocar sua atenção para outro campo: o da luta
69
contra a advocacia administrativa, contra a burocracia e contra aproveitadores de diferentes
extrações.
Entre as dificuldades, segundo a CUTF, criadas por órgãos públicos para a
normalização dos compromissos da empresa, visando o reinício das obras do “Aterro de
Niterói” (cujos resultados foram praticamente nulos durante quase 25 anos), figura a de não
aprovação, pela Caixa Econômica Federal, do pedido de alteração parcial do Plano de
Remodelação e Urbanização de Niterói, que lhe foi encaminhado, em 1959, pela Companhia
União Territorial Fluminense.
O envolvimento da Caixa no empreendimento pode ser justificado pelo fato,
mencionado, de que o antigo grupo Dahne Conceição & Companhia contraiu empréstimos
com as caixas econômicas federais dos estados do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e do
então Distrito Federal, no montante de 60 milhões de cruzeiros.
Como conseqüência da dívida e da difícil situação financeira do grupo Dahne,
Conceição & Companhia, as três agências da Caixa Econômica Federal penhoraram as áreas
hipotéticas a serem conquistadas ao mar pelo aterro, impondo uma cláusula no contrato que
obrigava o grupo a consultar aqueles estabelecimentos antes de proceder a qualquer alteração
no plano urbanístico, muito embora este direito coubesse, exclusivamente, à Prefeitura do
Município.
Com a posse da concessão transferida para outro grupo, após a morte do Sr. Frederico
Dahne, a empresa saldou grande parte da dívida, baseada no regulamento geral da própria
Caixa, pleiteou a liberação da área com o objetivo de dar prosseguimento à obra. Apesar dos
pareceres favoráveis dos órgãos técnicos, o então presidente da Caixa Econômica Federal,
José Kezen, baseado em opinião do procurador, Aloísio Picanço, negou-se a atender à
pretensão. Ele, provavelmente, temia assumir sozinho a responsabilidade do ato e defendeu a
necessidade de serem consultadas as outras agências (da então Guanabara e Rio Grande do
Sul).
Portanto, em face da cláusula do contrato com a Caixa Econômica, a empresa não
pode dar seqüência às suas atividades. Decorreram mais de dois anos da entrega do pedido e a
Caixa não respondeu à empresa, contraindo, assim, a sua parcela de responsabilidade pelo
atraso das obras.
O procurador Aloísio Picanço, ao se colocar contra o pedido a despeito de parecer
favorável do documento de engenharia –, entendeu que a própria Caixa Econômica deveria
assumir a responsabilidade da obra, executando o plano para auferir vultosos lucros.
70
Contra esta opinião se colocaram funcionários da própria Caixa ao julgarem a
instituição sem condições de executar o plano, que importava no dispêndio de mais de hum
bilhão e 400 milhões de cruzeiros em investimentos, enquanto o crédito da Caixa com a
empresa era de menos de 30 milhões de cruzeiros. Outro argumento que se levantou contra a
pretensão do procurador se referia ao fato de que a Caixa Econômica não tinha, à época,
condições sequer de construir sua sede própria em terreno que possuía, sendo obrigada a
despender centenas de milhares de cruzeiros mensais, em aluguéis de salas para abrigar suas
instalações, dispersas em vários pontos da cidade.
Além dos obstáculos burocráticos, das dificuldades financeiras e de composição das
dívidas, de golpes políticos e econômicos, a Companhia encontrou, entre os percalços,
oposição muito grande da chamada “advocacia administrativa”, que veio contribuir para a não
execução das obras, alargando o espaço de tempo de atraso que se verificou, inclusive, por
sua própria inoperância.
Vários advogados, procuradores de órgãos públicos, secretários de Estado e outros, ao
serem chamados a emitir pareceres para órgãos estatais sobre transações com a Companhia,
provavelmente se articulavam com grupos, no estudo de uma fórmula para negar atendimento
à pretensão da empresa, visando permitir que a concessão do Plano de Remodelação e
Urbanização fosse transferida para outros grupos. Tal suspeita foi levantada pela publicação
informativa niteroiense Praia Grande em Revista, de 1961, em sua edição de n° 4, sustentando
que, nessa situação, se encontravam representantes do Banco do Brasil, o ex-Secretário
Estadual de Finanças, Augusto De Gregório e outros. (PRAIA GRANDE EM REVISTA,
1961 - nº4 - p.10,11)
A publicação se refere ao Sr. De Gregório como deputado federal, ex-candidato a
candidato ao governo do Estado do Rio, dono de “todo” o ferro do Brasil, grande acionista de
muitos e poderosos grupos econômicos, co-proprietário de um diário carioca e ex-secretário
de finanças no Governo Roberto Silveira.
Segundo a revista, ao tomar conhecimento do Plano de Remodelação, por intermédio
de assessores do Conselho de Desenvolvimento Econômico do Estado, o Sr. Augusto De
Gregório se entusiasmou pelo vulto do empreendimento e convenceu o governador do Estado
do Rio, Roberto Silveira, da sua importância, influenciando-o quanto a necessidade de
transferir a concessão, que, de direito, cabia à Prefeitura, para um novo grupo econômico que
pudesse “concluir a obra”, “com vantagens para o Estado”.
Esse grupo econômico surgirá mais tarde, sob a direção do próprio Sr. Augusto De
Gregório.
71
Ainda conforme a versão da mesma revista, De Gregório “trabalhou” Roberto Silveira:
o Grupo Séglia não poderia dar andamento às obras porque estava endividado e não levantaria
vultosos empréstimos indispensáveis ao cumprimento das cláusulas contratuais. Além do
mais, - argumentava esse grupo não era considerado idôneo, financeiramente, pelo Banco
do Brasil.
Roberto Silveira resolveu, então, cassar a concessão, entregando-a à Planurbs S.A.
Planejamento e Urbanismo –, exigindo que a nova empresa fizesse um acordo a ser celebrado
com o Estado e a ele transferisse os terrenos situados na região da Praia da Boa Viagem, para
aproveitamento turístico.
Roberto Silveira determinou, no processo, que a assinatura do novo acordo deveria ser
feita depois que o processo voltasse às suas mãos, com o parecer do Conselho de
Desenvolvimento Econômico, impedindo, assim, que o Secretário de Obras, Bernardo Bello,
voltasse a assinar, como acontecera anteriormente, a importante decisão, sem sua autorização.
E anulou o termo de acordo assinado antes de novembro de 1960, entre a Companhia União
Territorial Fluminense (CUTF) então controlada pelo Grupo Séglia e a Secretaria de
Obras.
Nesse ínterim, Roberto Silveira foi alertado sobre o possível equívoco que ia cometer.
Alguém lhe rememorou toda a história da empresa; os golpes que havia sofrido de pessoas,
políticos e grupos inescrupulosos; mostrou-lhe os erros, omissões e dificuldades da própria
concessionária; advertiu-lhe da possibilidade da “sugestão” envolver uma grande bandalheira;
mostrou-lhe as dificuldades de ordem legal que haveria de enfrentar para consumar a
transferência e, finalmente, disse-lhe esse alguém (até hoje incógnito) que a medida poderia
significar o início de uma luta judicial que poderia culminar com a paralisação definitiva dos
processos de regularização da empresa, impedindo o prosseguimento das obras.
Depois de alguns contatos com o advogado da empresa concessionária, Roberto
Silveira se convenceu da armadilha e voltou atrás. Mas fez uma imposição à CUTF: as obras
deveriam ser executadas pela Yamagata Engenharia
22
, firma tida como competente e idônea.
E assim se fez.
Praia Grande em Revista ressalta que toda essa luta não foi travada no solo
fluminense. Verificou-se nos “atapetados gabinetes de ar condicionado de grupos particulares
do outro lado da Baía de Guanabara, na chamada “zona bancária carioca” e nas “boates” do
22
Fumio Yamagata, um dos fundadores e vice-presidente daquela empresa, deixou a diretoria e passou a presidir,
em 1968, a Planurbs, posto que ocupou até seus últimos dias. Durante sua gestão, conseguiu realizar alguns
aterramentos na orla. (PIMENTEL, 2004, p. 159)
72
Rio de Janeiro. E se estendia às dependências do Banco do Brasil, onde a advocacia
administrativa funcionou movida por fortes “pistolões”, até que uma de suas etapas se
transferiu para o Palácio do Ingá, onde o forasteiro-nobre se viu derrotado exatamente no
momento em que mais contava com a vitória [...]”. (PRAIA GRANDE EM REVISTA, 1961
– nº5 - p.10,11)
O periódico garantia, ainda, que o Banco do Brasil, pelos seus procuradores, também
quis o domínio da concessão, lutando denodadamente pelo financiamento da obra, pois
pensava poder alcançar o seu propósito, uma vez que a SUMOC também considerava o grupo
acionário da CUTF (Grupo Séglia) como inidôneo.
No segundo semestre de 1961, surgiram rumores de que o Grupo Séglia, não podendo
contornar os problemas criados pelo Banco do Brasil, estaria disposto a abrir mão de seus
direitos como concessionário do Plano de Remodelação e Urbanização de Niterói em favor de
outro grupo econômico que atendesse às exigências do estabelecimento de crédito oficial e
que tivesse melhores condições financeiras para levar a obra adiante.
De acordo com certas especulações, pelos planos em andamento (e na dependência do
pronunciamento de cerca de 13 órgãos públicos e particulares), o controle acionário da CUTF
seria transferido para o capitalista nordestino João Pereira dos Santos, considerado idôneo,
moral e financeiramente, pela SUMOC, em 4 de maio de 1960 – fato levado ao conhecimento
de outras autoridades ligadas ao assunto.
Em verdade, a transferência definitiva vinha sendo tentada algum tempo e seu
adiamento provocou vultosos prejuízos à empresa, que acabou por enterrar milhões de
cruzeiros no aterro somente em estudos e reformulações do plano, projetos de obras e estudos
de início das atividades, além de ter uma despesa mensal da ordem de 600 mil cruzeiros com
a manutenção de um escritório em Niterói, que nada de concreto pode realizar para a
execução do plano e nenhum retorno financeiro proporcionou à Companhia.
Inicialmente, a transferência havia sido estimada em um bilhão de cruzeiros,
importância a ser empregada na execução das obras. O plano de financiamento, com este
total, apurado pelo grupo de João Pereira dos Santos, chegou a ser aprovado pelo Banco do
Brasil. Depois de marchas e contra-marchas não houve decisão final. O custo das obras foi
orçado pela Yamagata Engenharia em um bilhão e setecentos milhões de cruzeiros, com
previsão de nova elevação para dois bilhões de cruzeiros.
A direção do Banco do Brasil, que tanto procrastinou as soluções, a seu critério, do
problema, também pretendeu conforme mencionado assumir o domínio da concessão,
tencionando substituir os planos de financiamento feitos por João Pereira dos Santos e vir a
73
ser o próprio financiador do empreendimento –, propósito um tanto quanto inadequado por
não se tratar de investimento produtivo e, sim, ligado a especulações imobiliárias.
A publicação Praia Grande em Revista (edição 6), em reportagem assinada, mais
uma vez, pelos jornalistas Jourdan Amora e Alvear Barroso, considerou que, não podendo
satisfazer seus interesses, o Banco do Brasil entravou o andamento do projeto durante vários
anos, podendo, assim, ser incluído no rol dos responsáveis pelo atraso do empreendimento e
pelas conseqüências ruinosas que isso trouxe à ex-capital fluminense, “aprofundando o
aspecto provinciano que possuía em 1940, quando a Companhia Melhoramentos de Niterói
se comprometeu a remodelá-la, mediante a execução de um plano de urbanização à altura de
uma capital de Estado”. (PRAIA GRANDE EM REVISTA, 1961 – nº6 - p.10,11)
Em outubro de 1961, o prefeito interino de Niterói, Dalmo Oberlaender, anunciou a
intenção de examinar, detidamente, a concessão para a execução do Plano de Remodelação e
Urbanização de Niterói, no aterro da faixa marítima central da cidade.
Após uma avaliação do caso, Dalmo Oberlaender manifestou a disposição de recorrer
à Justiça visando anular a concessão em poder do Grupo Séglia. Na sua edição de 7, em
1961, Praia Grande em Revista informava que a Prefeitura ia ingressar com uma ação na
Justiça contra a Companhia União Territorial Fluminense, visando cassar a concessão dada à
empresa para fazer o aterro da faixa de mar compreendida entre a Ponta da Boa Viagem e o
Toque-Toque, ou Ponta da Armação , no bairro Ponta D’Areia.
Para fundamentar a ação rescisória a ser impetrada na Vara de Feitos da Fazenda
Pública, a Procuradoria Geral da Prefeitura elaborou um longo parecer, assegurando que a
concessão havia caducado, embora a tivesse recebido mais de um decênio, não
cumprindo os compromissos assumidos com a Municipalidade, sem apresentar, também,
razões plausíveis para justificar as suas faltas.
O documento repetia vários argumentos avocados do parecer emitido pelo procurador
Ramon Alonso, em 7 de outubro de 1960, contrariamente à prorrogação da concessão.
Destacava, principalmente, os seguintes fatos:
1. A empresa nunca cumpriu os prazos para execução das obras e nem conseguiu atender
as exigências da Municipalidade;
2. Detinha a concessão para promover a urbanização e melhorar o aspecto da cidade,
vários anos, sem nada ter realizado, mas, ao contrário, fez com que a cidade tivesse
sua aparência e estética sensivelmente prejudicadas.
3. Não cumpriu os compromissos com a PMN no que se referia a pagamento de
contribuições e fornecimento de material;
74
A decisão de Dalmo Oberlaender foi motivada por vários pedidos que lhe foram
enviados e cobrados pela imprensa, sem que pudesse atendê-los, exatamente em face da
existência da concessão dessa importante área de Niterói.
O primeiro problema que surgiu para fundamentar a decisão do prefeito foi a
exigência feita à Municipalidade pela superintendência das Frotas Carioca e Barreto que
operavam o transporte marítimo de passageiros entre Niterói e Rio de Janeiro -, reclamando a
fixação do local para a construção da estação hidroviária, em caráter definitivo
23
. De acordo
com a concessão em poder da CUTF, essa estação seria construída na faixa a ser aterrada e
por conta da própria companhia.
As outras questões se referiam à necessidade da construção de um pavilhão para os
ônibus com destino a Zona Norte de Niterói e ao vizinho município de São Gonçalo.
A Inspetoria de Trânsito, de comum acordo com os empresários de ônibus e sem ônus
para os cofres municipais, planejou construir uma estação terminal para as linhas da Zona
Norte.
A Flumitur Empresa Estadual de Turismo (já extinta), apresentou estudos para
construir um grande pavilhão de turismo na área então ocupada pela antiga estação da Frota
Popular – que também operava no transporte marítimo de passageiros.
Um grupo de particulares também pediu permissão à Municipalidade, para construir,
nas proximidades da Ponta D´Areia, um moderno mercado de peixes, igualmente sem
nenhum ônus para o poder permissionário.
Praia Grande em Revista, em sua edição de 7, registrava o contra-ataque da
Companhia União Territorial Fluminense que destacara alguns dos seus representantes para
tomarem conhecimento mais amplo dos argumentos da Procuradoria Geral do Município,
visando contestá-la em Juízo, caso a Prefeitura não aceitasse sua argumentação extra-oficial e
concretizasse o propósito de requerer, judicialmente, a cassação da concessão.
Na mesma reportagem, consta que o sr. Silvério Séglia (presidente do grupo Séglia)
alimentava grandes esperanças de manter os seus direitos sobre a área a ser aterrada. Baseava-
se, para isso - de acordo com a publicação, no fato da Comarca Municipal ter-lhe concedido à
23
“Em 22 de maio de 1959, em meio a uma greve dos marítimos e com o povo irritado pelos maus serviços
do monopólio estabelecido pela família Carreteiro, a população se revoltou depredando a bela e histórica
hidroviária. Em seguida, partiu para o saque e incêndio das mansões da família, no local conhecido como Ponto
de Cem Réis. O governador Roberto Silveira chegou a ser acusado de incitar a multidão e o presidente JK
ameaçou intervir no Estado [...].” (A Tribuna - Edição especial comemorativa dos 431 anos de Niterói, 2004,
p.11)
75
prorrogação de quatro anos para executar as obras e de a Procuradoria, possivelmente, não ter
levado em consideração os compromissos da concessionária, referentes à área do aterro,
assumidos com diversas autarquias e outros estabelecimentos oficiais.
Aventou-se, inclusive, na época, a possibilidade do Sr. Silvério Séglia convidar o
prefeito Dalmo Oberlaender e seus auxiliares para conhecerem de perto, em seu escritório no
Rio de Janeiro, o vulto do empreendimento, sua importância para Niterói e o dossiê
justificando os motivos que causaram o atraso na execução das obras. O Sr. Dalmo
Oberlaender seria inteirado, ainda, das volumosas despesas feitas pela empresa para concluir
os estudos objetivando o início das obras.
Silvério Séglia, segundo auxiliares, também estaria disposto a ir mais adiante na
defesa da concessão, exercendo, inclusive, uma ação mais intensa junto a outras autoridades.
Para evitar a consumação da medida preconizada pelo prefeito, a CUTF estaria disposta a
fazer algumas “concessões” à Municipalidade, inclusive de auxílio material para a realização
de obras e pagamento adiantado de obrigações financeiras contratuais, numa oferta
“oportuna” para a crise de natureza político-administrativa que o governo local atravessava
naquele momento. (PRAIA GRANDE EM REVISTA, 1961 – nº7, p.10,11)
Todo esse feixe de desentendimentos, com a elevação da temperatura das disputas
entre os agentes envolvidos, ficando os ânimos mais acessos, coincide com o período em que,
tempos após a conclusão das operações de aterramento, o projeto do Parque do Flamengo,
elaborado mais de uma década depois do seu congênere niteroiense, está em vias de receber
seus últimos retoques, no final dos anos 50, para ser implantado, enquanto o Praia Grande mal
saiu do papel.
E a publicação, em sua edição de nº 8, a última de uma série de matérias sobre o
assunto, informava que:
Surgiram, inclusive, rumores de que Silvério Séglia teria destacado um de seus
advogados para convencer o prefeito a voltar atrás em sua decisão, porque a CUTF teria
tudo encaminhado para dar início às obras e não seria justo tentar cassar a concessão
exatamente no momento em que a empresa estaria vencendo obstáculos, colocados à sua
frente, para executar o Plano de Remodelação e Urbanização de Niterói.
O prefeito, que estava no propósito de ingressar em juízo com uma ação rescisória, ao
ser informado de que a firma se encontrava prestes a dar início às obras, manifestou sua
disposição em designar uma equipe de técnicos para fornecer-lhe informações, mais precisas e
amplas, sobre tal intenção. Se tudo estivesse em ordem, Dalmo Oberlaender garantiu que não
rescindiria o contrato com a CUTF.
76
De fato, após entendimentos, ficou decidido que a Prefeitura de Niterói não entraria
em juízo com a ação rescisória que fora planejada. O prefeito se convenceu de que as obras
poderiam começar de um momento para outro e não desejava complicar ainda mais um caso
já tão complicado.
Por sua vez, o Banco do Brasil havia ficado de decidir a sorte financeira do “Aterro de
Niterói” até o final de 1961, quando deveria concluir os estudos para efetivar a composição
das dívidas do Grupo Séglia com vários estabelecimentos de crédito oficiais e particulares, a
fim de transferir a direção do Grupo ao industrial pernambucano João Pereira dos Santos.
A partir da decisão, o Sr. João Pereira dos Santos, usineiro de Pernambuco, firmaria
contratos de financiamento de dois bilhões de cruzeiros para dar início imediato às obras do
Plano, entregando ao Sr. Silvério Séglia a corretagem dos terrenos a serem conquistados ao
mar.
Posteriormente, a CUTF, com um novo nome - Planurbs - seria negociada por
Silverio Séglia ao grupo Yamagata; isto após uma ligeira passagem do poder ao grupo da
indústria do cimento Severino Pereira da Silva. (Praia Grande em Revista, 1971- nº 8 - p. 10)
4.9 Túmulo de empresas
Ainda na última matéria da série sobre o Aterro, Praia Grande em Revista chama a
atenção para o que qualificava de “maldição financeira”.
Praia Grande em Revista, em sua edição de 8, um fecho à série de reportagens
assinadas por Jourdan Amora e Alvear Barroso, chamando a atenção para uma suposta
“maldição” financeira do Aterro:
A transferência do controle acionário para João Pereira dos Santos marcaria a
destruição financeira de mais um dos importantes grupos econômicos do país, entre os que
tentaram auferir grandes lucros no empreendimento e encontraram, na burocracia e na
advocacia administrativa, bem como na sua própria incapacidade, os prováveis obstáculos que
os levaram ao fracasso.
O Sr. Silvério Séglia cidadão de origem italiana que iniciou suas atividades no
Brasil, desde criança, em funções humildes, e chegou a ser o dirigente de uma das maiores
holdings do país, chegou à beira da falência por ter abraçado o sonho de Frederico Dahne de
executar o monumental plano de urbanização e remodelação de Niterói. Realmente, Silvério
quase foi à bancarrota para assumir o controle acionário da CUTF, após a morte de Frederico
Dahne, a quem havia concedido portentosos empréstimos feitos à antiga direção da CUTF,
77
somados aos gastos com estudos técnicos pagos a companhias estrangeiras da Holanda e
França.
Por isso, ao transferir o controle acionário da CUTF para João Pereira dos Santos,
além de livrar-se das enormes dívidas, seria recompensado com o direito de assumir a
corretagem da venda dos terrenos a serem conquistados ao mar com o aterro de Niterói,
mediante comissões de 20 a 30 por cento.
A aparente “maldição” financeira do aterro de Niterói começou antes mesmo do
momento em que a antiga Dahne, Conceição & Companhia recebeu a concessão para executar
o Plano de Remodelação e Urbanização de Niterói. naquela época, essa mesma companhia
estava a caminho da falência, em virtude de transação feita com a Rio Light S.A. para
construir a represa de Ribeirão das Lajes, situada no território fluminense e destinada a
fornecer luz e força ao que viria a ser o Estado da Guanabara.
Tendo orçado a obra da represa, em 1938, por um determinado preço, a empresa se viu
em dificuldades face a elevação do custo de vida, determinada pela eclosão da II Guerra
Mundial. nasceram as suas dificuldades financeiras, obrigando seus dirigentes a contrair
fabulosos empréstimos com estabelecimentos de crédito oficiais e particulares.
Empresa poderosa, com vários contratos de obras públicas de grande envergadura, a
Dahne, Conceição & Cia, acreditava recuperar-se em outros empreendimentos. Seus
dirigentes conseguiram vultosos empréstimos que foram creditados à conta de novas
realizações, a exemplo do Plano de Remodelação e Urbanização de Niterói.
Obtida a concessão para executar o plano, a empresa iniciou algumas obras em
Niterói. Fez o enrocamento do Gragoatá e Ponta D’Areia, removeu terras na Boa Viagem e
traçou o arruamento; comprou algumas máquinas que foram destruídas pelo tempo; construiu
25 quilômetros de redes de águas e esgotos; construiu a estação depuradora da Rua Lemos
Cunha, em Icaraí, e um reservatório de água, no bairro do Fonseca.
A realização dessas obras importou em despesas vultuosíssimas, com as quais a
Companhia não poderia arcar, gerando inclusive vários movimentos de insatisfação do seu
operariado, que tinha seus ordenados freqüentemente atrasados.
Ante o porte da obra, os empréstimos, em função do plano para Niterói, foram obtidos
com certa facilidade. Mas existiam obstáculos que eram vencidos com concessões feitas aos
financiadores para facilitar o andamento das obras. Ao mesmo tempo em que se faziam às
concessões, a empresa encontrava outros obstáculos criados por grupos desejosos de obter a
permissão sobre o Aterro, afastando a CUTF. Por outro lado, um dos sócios, o Sr. Frederico
78
Dahne, desviou para outros empreendimentos parte dos empréstimos obtidos, resultando na
falência do grupo.
Conforme a menção anterior, o Sr. Silvério Séglia assumiu a direção da CUTF para
não perder as expressivas importâncias que tinha emprestado ao Sr. Frederico Dahne, a quem
considerava “um santo”, idealista, derrotado pelos falsos amigos e a “burocracia”.
O passivo que foi transferido, então, era da ordem de 450 milhões de cruzeiros, o que
o obrigou a vender dezenas de agências do Banco Industrial do Brasil, iniciando, assim, a sua
liquidação.
No controle da empresa, o Sr. Silvério Séglia foi forçado a contrair novos
empréstimos, na esperança de realizar as obras e recuperar o capital empatado. Teve de
enfrentar a burocracia. E, segundo dizia, os “abutres que viam no PRUN uma boa carniça”
24
,
além de outras dificuldades. Mas fez novas dívidas. Dispendeu milhões de cruzeiros na
realização de estudos para execução das obras e outros milhões na manutenção de um luxuoso
escritório em Niterói.
Em um certo momento, as dívidas do Grupo Séglia somavam um bilhão de cruzeiros,
muito embora o capital da sua principal empresa o Banco Industrial do Brasil fosse de
apenas 100 milhões de cruzeiros. Face a estas dívidas, o Banco do Brasil passou a considerar
o Grupo Silvério Séglia como inidôneo, recusando-se a autorizar a realização de novos
contratos de financiamento para outros empreendimentos ou conclusão daqueles que se
encontravam em andamento, a exemplo do PRUN.
Repetindo o drama de Frederico Dahne, o Sr. Silvério Séglia encontrou no Aterro o
caminho que poderia levá-lo à falência total. Para salvar-se, pleiteou do Banco do Brasil a
composição das dívidas de todas as empresas que compunham o seu grupo (Organização
Territorial Sociedade Anônima, ISA, Banco Industrial do Brasil, Companhia União Territorial
Fluminense e outras menores).
Posteriormente, o controle das empresas do Grupo Séglia foi transferido para o
domínio do usineiro pernambucano João Pereira dos Santos, que obteve contratos de
24
AMÓRA, Jourdan (2006): “Como profissionais de jornal, temos a obrigação de mostrar o fato, de levar à
comunidade e ao conhecimento das autoridades para ver se resulta em alguma ação. E, no caso do escandaloso
“Aterro das Barcas”, não resultou. Certa vez, inclusive, me chamaram a uma reunião que “eles” faziam com
vereadores para prorrogar o contrato... Levei, antecipadamente, o fato ao conhecimento das autoridades. Como
eu vinha “perturbando” muito “eles”. queriam que eu fosse onde estariam distribuindo umas benesses. Então,
comuniquei tal “convite” a um juiz e um delegado (dos quais não vou citar os nomes). Mas estes disseram não
ser “assim que a coisa funciona”. Era necessário ter uma prova concreta. Sustentei que a prova concreta seria eu
chegar lá e tentarem me subornar. E eles tentariam. Mas, infelizmente, não tomaram nenhuma atitude.”
79
financiamento para o reinício das obras do Aterro de Niterói. (PRAIA GRANDE EM
REVISTA, 1961 – nº8, p.10,11)
4.10 Quatro Presidentes
Durante a transferência do controle acionário da CUTF do grupo Séglia para o
empresário João Pereira dos Santos, o Banco do Brasil informou que despacharia os processos
encaminhados pela CUTF e que, por sua vez, dependiam de parecer da Superintendência da
Moeda e do Credito (Sumoc), que somente se reunia uma vez por mês. Somente trinta dias
após a conclusão da tramitação, o novo controlador da empresa concessionária poderia dar
início à execução do PRUN.
Em outubro de 1961, um funcionário da direção do Banco do Brasil explicou,
inclusive, que os processos da CUTF teriam sido aprovados com mais rapidez, caso não
houvesse tantas mudanças de presidentes da República, em tão pouco tempo, esclarecendo
que estas modificações criavam problemas, também, para a administração do estabelecimento
oficial, com a alteração de suas diretorias. E salientou: “De janeiro até hoje, tivemos quatro
presidentes: Juscelino Kubitcheck, até janeiro; Jânio Quadros, até 26 de agosto, e Ranieri
Mazzilli, até o início de setembro”.
Fazendo ironia, o mesmo funcionário disse que, se não houvesse nova alteração na
Presidência da Republica ou na alta direção do Banco do Brasil, os planos de financiamento e
todos os processos da CUTF estariam aprovados naquele mesmo mês (outubro de 1961) ou no
mês seguinte. (PRAIA GRANDE EM REVISTA, ano I, nº6 - de 15 a 21/10/1961- p.11)
Se tal acontecesse e se a CUTF cumprisse o prometido, as obras de urbanização de
Niterói seriam iniciadas em dezembro daquele mesmo ano, o que, segundo Praia Grande em
Revista, em sua edição de nº6, representaria “um bom presente de natal para os niteroienses”.
Presente que não chegou.
4.11 Nova hidroviária
Para se ter uma noção da inoperância da concessionária e dos impasses gerados em
função do PRUN de 1941, a situação abaixo descrita é emblemática.
O comandante Heitor Plaisant Filho, superintendente das frotas Carioca e Barreto
(que, ao lado de outras frotas de lanchas, faziam o transporte marítimo de passageiros entre
Niterói e Rio) revelou a Praia Grande em Revista, nº5, no segundo semestre de 1961, que a
80
construção da nova estação de embarque da Capital fluminense estava na dependência da
conclusão das obras do aterro. Informou, ainda, que era seu propósito dotar a cidade de
Niterói de uma moderna e confortável estação, ressalvando, contudo, que não poderia
despender verbas das frotas numa obra que, em pouco tempo, poderia se tornar inútil.
E esclareceu: “Não posso atender a este anseio da população, quando sei que o aterro
projetado poderá ser reiniciado a qualquer hora, dominando o local do atual ancoradouro das
lanchas. Quando eu souber o local em que posso executar a obra, imediatamente darei início a
tudo. O que não posso e despender milhões que serão jogados fora”.
O comandante assegurava, ainda, que já tinha prontos os estudos para a nova estação e
que - repisava ele - era o único obstáculo encontrado para tirá-la do papel e torná-la realidade.
(PRAIA GRANDE EM REVISTA, Ano I, nº5 - 8 a 14/10/1961- p.11)
4.12 Demandas Judiciais
A Prefeitura de Niterói ao fazer, através da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente,
um levantamento histórico do Aterro Praia Grande Norte (1996), conta que:
A Cia. Melhoramentos de Niterói embora tenha sido constituída em metade do prazo
de 60 dias, exigido, em 1940, pela Municipalidade, para fazer jus à concessão, nunca esteve
perto de concluir o Plano de Remodelação e Urbanização da cidade, conforme o estabelecido
em 21/12/1940.
Vencido o prazo inicial de 5 anos em 21 de janeiro de 1946, foi ele prorrogado, como
de resto o foram todos os termos do acordo original, até 1949, através da escritura de
aditamento lavrada em 04/07/1946, no cartório do 13º Oficio de Niterói, Livro nº11, fls. 136.
Foi novamente prorrogado até 21/12/1954, por força da escritura de aditamento
lavrada em 03/01/1951, no cartório do Oficio de Niterói, Livro 183, às fls. 121, como
decorrência da Deliberação nº 1769 e Decreto Municipal nº 520, de 02/01/1951.
Expirado também este prazo, operou-se nova dilação até 21/12/1959, mantidas ainda,
outra vez, todas as demais cláusulas do contrato original, através do Decreto Municipal
879, de 29/05/1954, aprovado pela Deliberação 1942, de 30/11/1954 e escritura de
aditamento lavrada em 12/01/1955 no cartório do 2º Oficio de Niterói, Livro nº 211, às fls. 56.
Outros aditamentos se operaram, todos formal e materialmente perfeitos, até que, no
último deles, firmado por escritura de acordo, lavrada em 05/08/1955, no Cartório do
Oficio de Niterói, Livro 200, às fls. 48, o prazo de conclusão das obras se estendeu ate
05/08/1970, tendo a Prefeitura de Niterói aprovado a nova linha de contorno da área do aterro
81
e estabelecido obrigações urbanísticas diversas à concessionária, desta recebendo, em
compensação, vinte viaturas utilitárias (caminhões) e obras de pavimentação no bairro de São
Francisco, no valor de duzentos milhões de cruzeiros
25
.
Prossegue o estudo da PMN-Suma: Ainda na vigência original do Contrato de
Constituição de Aforamento, de 02/01/1944, lavrado na Delegacia do Serviço de Patrimônio
da União (SPU) do antigo Estado do Rio de Janeiro, no Livro 5 de Termos de Contrato de
Constituição de Aforamento, fls. 125/126 , devidamente inscrito sob o 357- Liv. 4, fls.
133, no registro de imóveis da circunscrição de Niterói e do respectivo Termo de
Transferência - Livro 4, fls. 199v. 200v., o Estado do Rio de Janeiro transferiu o domínio útil
da área do Aterro Praia Grande, representado no S.P.U como Lote 2554, à Cia União
Territorial Fluminense S/A, depois Planurbs S/A - Planejamento e Urbanização, por escritura
lavrada em 07/06/1945, no Cartório do 13º Oficio de Niterói (liv. nº 8, fls. 127), transcrita sob
o 5.327 (liv. 3-E, fls. 45), no Registro de Imóveis da Circunscrição de Niterói, e
averbada sob o 157, no Livro 1 de Averbações, às fls. 70, da Delegacia do Serviço de
Patrimônio da União.
Todo este breve relato histórico demonstra que o denominado Aterro Praia Grande
tornou-se área de domínio útil privado, em decorrência de constituição de Aforamento e sua
transferência com respectivas transcrições e averbações imobiliárias. Como em decorrência,
também, de decisão judicial prolatada pela Câmara Cível do Tribunal de Justiça do antigo
Estado do Rio de Janeiro, em acórdão de 26/01/1966, no Agravo de Petição 7075 (DO.
03/10/1956)-, que, confirmando sentença deferidora da inscrição do Loteamento Jardim
Fluminense, na área do Aterro Praia Grande, entendeu legítimo o direito da concessionária
lotear e iniciar a venda de lotes, mesmo sub-acqua, na área demarcada para ser aterrada, posto
que dela, concessionária, não fora exigida a complementação do aterro para, depois, lotear a
área
26
, e, assim, lhe assegurou o domínio útil da área, de cuja faixa de mar de 1.050.000
25
“Vereadores se reuniam com a concessionária e recebiam em dinheiro. Por exemplo, em troca de uma
prorrogação do contrato, a concessionária asfaltou um trecho em frente ao Canto do Rio futebol clube, até onde
hoje funciona um posto de gasolina. Asfaltou, também, outra pista, onde, hoje, está instalada a sede da Ampla
(local conhecido como Pampulha). Além dos asfaltamentos, a concessionária doou caminhões para a limpeza
pública da cidade. Mas políticos também se beneficiaram ilicitamente da prorrogação”. (jornalista Jourdan
Amóra, em depoimento, para a pesquisa, no dia 25/09/2006)
26
A propósito, o jornalista Jourdan Amora (2006) ironiza a permissão para a venda de lotes sub acqua: “A
designação terra aquática está incluída em algum dicionário? Em Niterói, isso é típico: lote aquático na orla
central, lote aquático nas lagoas de Piratininga e Itaipu – ou seja, o lote foi vendido, mas ainda não foi aterrado, e
se fica à espera de que o seja. Nesse ponto, Niterói realmente inovou para o nosso léxico.”
82
metros quadrados, recuperou cerca de 400.000 metros quadrados e destes terá vendido cerca
de oitenta mil metros quadrados.
Em que pese tratar-se de área de domínio pleno da União Federal, o domínio útil dela
era considerado privado. Ainda hoje, no registro de imóveis, a área do Aterro Praia Grande é
de domínio útil privado, pertence à Planurbs S/A- Planejamento e Urbanização, ou seus
sucessores.
Somente em fins de 1955, na vigência da segunda prorrogação contratual, foi que a
concessionária concluiu a planta do loteamento da área a aterrar, solicitando aprovação na
Prefeitura e requerendo o respectivo registro e inscrição na Circunscrição Imobiliária, nos
termos do Dec. Lei 58/37 e Dec. 3079/38. O pedido, entretanto, foi impugnado:
1. Pela Prefeitura de Niterói, sob a alegação, em síntese, de que terrenos por aterrar não
podiam constituir objeto de loteamento;
2. Pelo Estado do Rio de Janeiro, sob as mesmas alegações da Prefeitura de Niterói;
3. Pela Cia. Cantareira e Viação Fluminense, sob a alegação de que o projetado aterro
prejudicaria os seus direitos e os serviços a seu cargo;
4. Pelo Banco do País S.A, alegando que, na planta submetida a registro, havia sido
modificada, sem a sua concordância, a situação de lotes de que era promissário
comprador, na conformidade da escritura de 14/06/1950, lavrada em notas do cartório
do 2º Oficio de Niterói, no Livro nº 179, fls. 159v.
Não tardou muito, entretanto, e a Cia. Cantareira e Viação Fluminense celebrou com a
loteadora uma transação que, nos termos do art. 1030 do Código Civil, produz o efeito de
coisa julgada, desistindo da impugnação (Livro 141, fls. 76, Cartório do Oficio de
Niterói).
Finalmente, por sentença de 27/01/1956, prolatada pelo juiz da Vara da Fazenda
Pública do Estado do Rio de Janeiro, foram julgadas improcedentes as impugnações.
Dessa sentença, houve recurso de ofício e voluntário, este manifestado pelos três
impugnantes remanescentes, que deles vieram a desistir.
Por força do acordo celebrado por escritura de 23/03/1956, lavrada em notas do
cartório do Ofício de Niterói (Liv. 144, fls. 5vº), o Banco do País S.A desistiu do recurso
interposto. E o Estado do Rio de Janeiro, como consta do Termo de Acordo assinado em
05/07/1956, publicado no Diário Oficial do Estado de 15/07/1956- pág. 14/15, não só desistiu
do recurso como também se obrigou a promover a edição de lei especial, ratificando e
homologando o mesmo acordo, e, ainda, concedendo à concessionária loteadora os favores
83
fiscais mencionados na cláusula 29º do contrato de concessão, como resulta expresso no item
6º.
A Prefeitura de Niterói discordou dos termos do acordo celebrado entre o Governo do
Estado do Rio e a concessionária, em que o primeiro desistiu do recurso interposto, sendo
certo que a Lei Estadual 2931, de 14 de agosto de 1956, aprovou o entendimento entre as
partes. Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado também acabou por negar provimento ao
recurso da Prefeitura. (PMA-Suma, 1996, p.4-11)
4.12.1 Troca-troca
O acordo acertado, em janeiro de 1956, entre a Cia. União Territorial Fluminense e a
Cia, Cantareira e Viação Fluminense compreendia, fundamentalmente, a troca do domínio e
posse de terrenos e acrescidos de marinha para que a CUTF pudesse, em andamento ao plano
de remodelação e urbanização da cidade, aterrar o canal de manobras e atracação das barcas
Rio-Niterói, suprimindo, desse modo, os cais e as estações de passageiros e de cargas,
existentes no Centro, assim como o Estaleiro Rodrigues Alves, na Praça Leoni Ramos, no
sub-bairro de São Domingos.
Em contrapartida, a CUTF transferia à concessionária de transportes marítimos da
Baía de Guanabara -na época, sob controle da família Carreteiro- duas áreas distintas,
aterradas e com enrocamentos apropriados, no prolongamento da Av. Feliciano Sodré e da
Ernani do Amaral Peixoto, com área mínima de 12 mil m
2
cada uma, com os respectivos cais
já construídos e em condições de receber edificações.
Contudo, nenhuma das cláusulas estabelecidas no acordo foi cumprida, uma vez que a
CUTF não entregou as áreas prometidas dentro das condições estipuladas.
4.12.2 Sentença generosa
O autor da sentença, na ação de impugnação intentada pelo Estado e Prefeitura,
transparece, na sua lavratura, compreensão e generosidade para com a Planurbs Araribóia:
“[...] desassiste ao Estado e à Prefeitura interesse real de impugnar, porque o fato da
Companhia pretender a inscrição do Loteamento antes de efetivar o aterro de parte
da Baía de Guanabara não constitui prejuízo direto para o Estado ou para a
Prefeitura, porque, se assim fosse, o Estado e a Prefeitura, dando cumprimento ao
Decreto-Lei 2.441, de 23 de julho de 1940, teriam exigido da Companhia a
completação do aterro para, depois, lotear a área aterrada; mas o que se verifica é
que, nem o Estado nem a Prefeitura fizeram, na ocasião, tal exigência. O fato da
Companhia pretender inscrever o loteamento antes de ser aterrada a área não traz
84
qualquer prejuízo ao Estado ou à Prefeitura. Muito ao contrário, o desenvolvimento
da transação com a venda de lotes trará pra o Estado e para a Prefeitura
rendas apreciáveis. Considerando que o fato da Companhia apresentante pretender
lotear áreas que ainda não foram aterradas não constitui gravame ou infringência ao
Decreto-Lei 58, porque ela não esconde, não oculta este fato aos possíveis
adquirentes. (negritos nossos) Tratando-se de uma obra de grande vulto, que
implica na movimentação de grandes capitais, somente com a concorrência de
capitais privados será possível a sua concretização”.
Em seguida, o magistrado filosofa:
“O direito não é estático. Evolui como todos os fenômenos sociais. Não podemos
ficar chumbados a normas caídas em desuso, pelo simples fato de não querermos
evoluir. Na sistemática do direito real constante do Código Civil brasileiro, área de
terra é somente aquela que existe no momento da transação; mas com o processo
material dos tempos de hoje, é possível o aterro, em pouco espaço de tempo
27
, de
grandes extensões de áreas líquidas, como no caso em discussão. Não é justo que,
olhando bizantinamente a questão, se proíba a realização de uma obra de grande
vulto, porque o local que se pretende lotear ainda está ocupado pelo mar”.
4.12.3 Parecer estranho
O Decreto-Lei “estadonovista” 2.441, de 23 de julho de 1940, dispondo sobre o
Plano de Remodelação e Urbanização de Niterói, especifica que será transferido o domínio
útil dos terrenos de marinha e acrescidos resultante do aterro e dos desmontes.
A escritura do contrato de concessão, lavrada em 21 de dezembro de 1940, cujas
cláusulas foram mantidas ao longo das sucessivas prorrogações, independente do seu
cumprimento ou não, mantém-se fiel ao determinado pelo decreto-lei federal.
Causa estranheza, portanto, o parecer do Tribunal de Justiça do antigo Estado do Rio
considerando legítimo o direito da concessionária lotear e vender, mesmo sub-acqua,
terrenos na área demarcada para ser aterrada, uma vez que “não foi exigida da concessionária
a complementação do aterro para, depois, lotear a área”.
Contudo, está bem claro no decreto-lei getulista e na escritura de concessão: domínio
útil dos terrenos de marinha e acrescidos, de qualquer grau, resultantes do aterro.
4.12.4 Acordo do túnel
Após desistir da impugnação ao pedido, apresentado pela Companhia União
Territorial Fluminense ao Cartório do Registro de Imóveis, de inscrição do Loteamento
27
E já lá se iam mais de 15 anos, com o aterramento acordado longe de se completar.
85
Jardim Fluminense, o Governo do Estado e a CUTF celebraram acordo, em 5 de julho de
1956, estabelecendo obrigações recíprocas sobre o Plano de Remodelação de Niterói.
No acordo, a Companhia assumia, entre outras, as seguintes obrigações:
Após ouvir a Prefeitura e respeitando a legislação que regia a matéria, revisar seu
plano de urbanização e loteamento da enseada da Praia Grande, com a finalidade de
abrir uma larga avenida de acesso a um futuro túnel que ligaria Niterói ao Rio de
Janeiro
28
;
A Companhia destinaria uma cooperação financeira de 30% sobre os preços dos
terrenos acrescidos de marinha vendidos e a vender, resultantes do aterro da orla
marítima e constantes do seu plano imobiliário. A quantia seria compulsoriamente
empregada pelo Estado na construção do túnel supracitado;
Por seu lado, caso a construção do túnel não fosse iniciada, o Governo do Estado se
comprometia a devolver, com juros, as importâncias recolhidas, correspondentes à
contribuição de 30 % por parte da CUTF;
O Estado também declarava desistir da impugnação do pedido, apresentado pela
CUTF em Cartório, de inscrição da nova planta do Loteamento Jardim Fluminense, e
ratificava sua concordância com todas as escrituras referentes a alterações no
loteamento original, a prorrogação da concessão por mais cinco anos, assim como
todas as cláusulas e condições anteriores, inclusive obrigando-se a Administração
Estadual a desapropriar, em favor da concessionária, todos os imóveis necessários à
execução do plano de remodelação que não fossem da alçada do Município.
Caso a CUTF não cumprisse suas obrigações no acordo, o Estado teria direito à posse
dos lotes de terreno não vendidos, em número suficiente para garantir as quantias não
depositadas.
Em 14 de agosto de 1956, o governador Miguel Couto Filho assinou lei aprovando o
acordo e fazendo referência especial às isenções e reduções de impostos em favor da
concessionária, que continuariam a ser concedidas como previsto no anterior decreto estadual
nº 745, de 7 de junho de 1943.
28
Em 23 de dezembro de 1955, o então Ministério da Viação e Obras Públicas e a firma Études et Enterprises,
de Paris, com a interveniência do governo do Estado do Rio de Janeiro, celebraram contrato para que a firma
francesa realizasse estudos relativos à construção do túnel. (D.O. (RJ) 15/08/1956 - p.1)
86
4.12.5 Essência dos lotes
A Planurbs S.A, ao apresentar, em 1955, a planta modificada do loteamento da área a
aterrar, requerendo o registro e inscrição naCircunscrição Imobiliária, teve o pedido, como
visto, impugnado pelo Banco do País S.A que alegava ter sido a planta original
profundamente modificada, sem a sua concordância, em relação aos lotes que havia adquirido
em 1950, acarretando o risco de vir a sofrer prejuízos consideráveis.
Mas, em 27 de janeiro de 1956, o juiz da Vara da Fazenda Pública do Estado do Rio
julgou improcedente a impugnação, sustentando que os lotes vendidos ao banco não haviam
sofrido qualquer modificação em sua essência e em sua localização. “O que houve foi
modificação quanto ao regime de ruas e logradouros públicos, mas não se pode dizer que tal
modificação afetou a essência dos lotes vendidos” - salientou o magistrado. Transcorreram os
anos e, no curso deles, alteram-se os projetos e plantas do Loteamento Jardim Fluminense,
modificando-se as concepções urbanísticas. O plano de loteamento resultou aprovado pela
Prefeitura de Niterói em 29/08/1967, pelo Processo 869/67, e se acha registrado no Liv.
Aux. 8, fls. 40 e 75, sob os nºs 21 e 25, no Registro de Imóveis da 2º Circunscrição de Niterói,
nos termos do Decreto Lei nº 58/37 e Decreto 3079/38.
O Loteamento Jardim Fluminense foi projetado em duas partes distintas, uma
denominada Parte I e outra denominada Parte II, aquela compreendendo a área entre a Ponta
da Armação e o prolongamento imaginário da Rua 15 de novembro, e esta compreendendo a
área que se segue ao prolongamento da Rua 15 de novembro até o Forte Gragoatá, cujas
plantas e respectivos memoriais foram aprovados, com sua última modificação, na Secretaria
de Obras e Urbanismo da Prefeitura, em 28/08/1967, e inscrita e registrada no Registro de
Imóveis da 2º Circunscrição de Niterói, em 28/12/1967, sob o nº 23, no Livro nº8, fls.75.
4.12.6 Justificativas ex-crescentes
Entre os motivos que as concessionárias perfilavam para justificar os pedidos de
prorrogação de prazos, figuravam os seguintes: modificação da conjuntura econômica,
inflação galopante, insuficiência de recursos, boicote de autoridades municipais.
Nenhuma dessas razões constava, especificamente, da cláusula trigésima quinta do
contrato de remodelação da cidade Niterói, celebrado, em 1941, entre o Governo do Estado,
Prefeitura e a sociedade de Frederico Bokel e Gabriel Fernandes, que rezava:
87
“Nenhuma multa ou penalidade, inclusive rescisão, será imposta aos
concessionários, desde que a falta que se lhe atribui resulte de caso fortuito ou de
força maior, entendendo-se, como tal, os casos definidos e admitidos em direito,
como acidentes de natureza e os acontecimentos sociais, entre estes, guerra, motins,
revoluções intestinas, rebeliões, greves”.
4.12.7 Desapropriação indireta
Em 1969, próximo a encerrar-se o prazo da última prorrogação, a Prefeitura, com o
apoio do Governo do Estado, manifestou seu desconsentimento em outra dilação contratual,
apresentando como argumento a necessidade de preservar-se contra novos abusos e danos
acumulados ao longo de 28 anos ininterruptos, durante os quais não foram executados nem
19% das obras que a concessionária se obrigara a concluir em 5 anos.
Diante do posicionamento da Municipalidade, a concessionária Planurbs acionou o
Governo do Estado e a Prefeitura, pleiteando indenização por desapossamento administrativo,
ou desapropriação indireta, com restituição do prazo contratual de concessão.
Entre as alegações contra a decisão do Executivo, a concessionária apresentou as
seguintes:
Havia sido forçada a comprar, por 50 milhões de cruzeiros, a participação da
Prefeitura nos resultados da exploração do contrato, isto porque, atrasada, há quase um
ano, no pagamento do funcionalismo, a Municipalidade precisava daquela quantia
para colocar em dia suas obrigações com os servidores.
A Prefeitura havia se desinteressado do contrato, pois havia vendido tudo o que nele
tinha direito; daí o comportamento da Municipalidade, não como principal interessada
e colaboradora na execução do contrato, mas como verdadeira opositora à sua
realização, inclusive criando obstáculos, por vários meios, à obtenção de recursos
financeiros externos.
A concessionária havia concluído, segundo assegurava, 430 mil metros quadrados
de uma área total de 1.050.000, mas a Prefeitura não havia executado, na área
“recuperada” ao mar, nenhuma obra de água e esgoto, a fim de possibilitar a execução,
pela concessionária, das demais obras.
A Prefeitura começara a obstaculizar, a partir de 1956, os trabalhos de execução do
plano de remodelação da cidade, quando impugnou em juízo a inscrição do loteamento
Jardim Fluminense. A concessionária alegava que, se a Municipalidade não tivesse
88
ingressado em juízo, a primeira poderia, mediante uma mais rápida legalização do
loteamento, ter obtido recursos para implementar as obras e cumprir o prazo
contratual.
Finalmente, em 1969, a Municipalidade não só autorizou a implantação de
estacionamentos indevidos como ainda iniciou a construção de vias públicas na área
de concessão.
E, advertia a concessionária, que “a ninguém é lícito transformar a própria falta em um
título de direito contra o seu pactuário”.
4.12.8 Contrato danoso
Na réplica, a Prefeitura procedeu às seguintes argüições:
Desde 1940, portanto durante 29 anos, a concessionária havia recebido a benesse de
uma concessão, nunca antes outorgada a ninguém, para remodelação e urbanização da
cidade, nada tendo feito, porém, durante esse longo período, em caráter definitivo. A
atividade da concessionária se limitara a meras prorrogações de prazo contratual para,
dentro das dilações indefinidamente obtidas, realizar o comércio de terrenos até sub
acqua, obtendo proveitos e privilégios de toda sorte em detrimento do interesse
coletivo.
Na escritura de prorrogação de 1960, a concessionária havia se obrigado a executar o
aterro hidráulico da enseada da Praia Grande, o desmonte do Morro do Gragoatá e os
serviços complementares de nivelação e urbanização. Mas nada teria realizado nesse
sentido.
Quando a Municipalidade socorreu-se do Judiciário para compelir a concessionária a
cumprir as obrigações contratadas, esta afirmara estar lutando para conseguir
empréstimos em dólares e, assim, poder executar as obras previstas no contrato. A
concessionária conseguiu um empréstimo de 5 milhões de dólares, mas nem assim
honrou suas obrigações.
Em função do não cumprimento sucessivo dos acordos e do previsto em contrato, de
modo “culposo e doloso”, segundo a Prefeitura, não foi mais possível alongar o contrato de
concessão, considerado pela Municipalidade como “superlativamente danoso” ao interesse
público. Com essas colocações perante o Judiciário, a Municipalidade se negava à
prorrogação ao mesmo tempo em que buscava ressarcir-se das perdas e danos.
89
(PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO DE NITERÓI: Parecer 02/85 sobre
proposta de acordo da Planurbs, 1985, p. 13 e 14)
No curso dessas demandas, sobreveio, em 25/11/1971, com o Decreto Estadual
15.453, o impacto da Declaração de Utilidade Pública, para fins de desapropriação: “... dos
imóveis e benfeitorias, se existentes, constantes da planta do Loteamento Jardim Fluminense,
do projeto de urbanização dos morros do Ingá, Boa Viagem, Gragoatá e terrenos
conquistados ao mar na enseada da Praia Grande e Praia Vermelha, entre a Ponta da
Armação e a Praia das Flechas, em Niterói”.
Complementarmente, o Decreto Estadual 15.751, de 30/08/1972, delimitou
parcialmente a área desapropriada pelo Dec. 15.453, à região do morro e praia de Gragoatá, e,
após, em 18/10/1972, o Estado distribuiu a medida judicial, na Vara Federal da seção
judiciária do antigo Estado do Rio de Janeiro, com pedido de recolhimento da quantia de CR$
49.960,00, correspondentes ao valor cadastral do imóvel para fins de lançamento do Imposto
Predial Territorial Urbano (IPTU).
4.12.9 Geremias intervém
O Aterro Praia Grande foi eleito obra prioritária para o governo Raimundo Padilha,
que assumiria em 1971 e mobilizaria, inclusive, recursos externos para executar o
empreendimento.
A série de reportagens-denúncia, publicadas no semanário Praia Grande em Revista,
cujos impasses relatados ainda perduravam em sua maioria, levou o antecessor, governador
Geremias Fontes (1967-1971), a iniciar o processo de anulação da concessão assegurada aos
sucessores da extinta Dahne e Conceição.
A decisão de tentar por um fim no chamado “Escândalo do Aterro” foi tomada em
uma reunião do governador com autoridades municipais.
Assim, dois anos antes de Raimundo Padilha tomar posse, o governador Geremias
Fontes decidiu intervir no aterro com a concordância do prefeito então em exercício, Emílio
Abunahman (1964-1971) e outras autoridades do e escalões das esferas estadual e
municipal.
Geremias, através de acordo com a Yamagata Engenharia, reiniciou o aterramento da
orla, executando um trecho onde hoje está situado o shopping Bay Market.
90
4.13 Comentando
As prorrogações de prazos firmados e contrato para a implementação do PRUN e,
posteriormente, do Jardim Fluminense, assim como os impasses gerados por essas
procrastinações, acarretaram prejuízos à imagem da cidade Capital, agravada com a execução
homeopática do aterro.
Presa a uma teia de interesses irresolvíveis, a cidade via toldadas suas perspectivas de
viabilizar outras alternativas urbanísticas que poderiam eventualmente beneficiá-la e
desenhar-lhe, quem sabe, um futuro mais promissor.
A virtual privatização, em meados dos anos 40, do PRUN, quando o Poder Público
(Governo do Estado e Prefeitura) parecem se omitir, abrindo mão de qualquer interferência,
durante mais de dez anos, sem pressionar para que a CUTF andamento, de fato, ao
acordado, faz com que a conformação de uma “nova” orla e sua urbanização permaneçam
hibernando, sem praticamente sair do papel, enquanto, nos bastidores, os agentes envolvidos
calibram seus interesses, ora costurando composições e acomodações, ora se digladiando pela
divisão do “espólio litorâneo” que, durante anos, permanecerá como uma peça de ficção, pela
incapacidade, intencional ou não, em materializá-lo.
91
CAPÍTULO V
GOVERNO PADILHA: O SEPULTAMENTO DA ORLA (1971-1975)
Atmosfera política do Brasil Grande
“Afirmando crer num mundo sem fronteiras, Médici teve o seu governo pautado pelas
linhas de arame farpado que separam os que estão com o governo daqueles com quem o
governo não quer estar”. (Maria Cecília Ribas; Hélio Silva, 1983 - p. 21)
“[...] o governo Médici assinala o fortalecimento da chamada linha-dura, mais voltada
para a pressão do que para o entendimento político”.
“[...] o governo considerava perigosa qualquer oposição”. (Idem, 1983- p.29)
Padilhianas
“A reurbanização de Niterói é a maior obra em exibição no país por um governo
estadual”.
“Sensacional”
(Carlo Enrico Giglioli- Embaixador italiano no Brasil, ao visitar, em lancha especial, as obras
do Projeto Praia Grande - jornal O DIA – 09/11/1973)
“Ao se propor a mudar a face de Niterói, quatro séculos depois de sua fundação, o
governador assumiu o papel de visionário do futuro, pois planta, desde a Ponta da Armação
até o Morro do Gragoatá, as bases de uma nova cidade”.
(vereador João Batista da Costa Sobrinho – O Dia – 05/05/1974)
92
“A obra de urbanização de Niterói é, acima de tudo, uma obra de amor, porque revela o
cuidado de um governo que foi buscar, nos próprios anseios do homem, as aspirações
necessárias para ativar novos programas de administração. A Capital fluminense está
ganhando, na nova área de lazer, da Ponta da Armação ao bairro do Gragoatá; uma obra que
somente as gerações do futuro terão condições de avaliar. O projeto em si, desde o terminal
hidrorrodoviário até o Hotel Internacional de Gragoatá, volta-se para as próprias expectativas
do homem. Os contornos do novo terminal hidrorrodoviário de Niterói podem ser delineados
nas próprias estacas, fincadas, depois de uma grande luta do homem para vencer os obstáculos
do mar”.
(Antônio Luís Morgado - presidente da Câmara Municipal de Niterói jornal O Dia-
21/04/1974)
“O governador Raimundo Padilha passará à história como o homem que pôde, em
pouco tempo, mudar a face de Niterói”.
(deputado estadual José Sally - jornal O Dia – (30/05/1974)
5.1 Projeto Praia Grande
5.1.1 Quintal Imundo
O ano de 1974 é um marco na história de Niterói, pela sucessão de fatos que acabaram
lhe sendo adversos. Primeiro, a cidade perdeu sua condição de capital de Estado, com a fusão
entre os Estados da Guanabara e Rio de Janeiro
29
, tornando-se assim apenas mais um
município entre tantos outros da nova unidade da Federação. Em segundo lugar, veio a Ponte,
cujas promessas de maior integração e rapidez do acesso ao Rio, logo foi percebida como uma
verdadeira invasão de veículos que demandavam o interior do Estado, cujo fluxo intenso foi
degradando o bairro do Fonseca e a bela Alameda São Boa Ventura. Logo veio a consciência
de que “a ponte estuprou Niterói”. Conjugados, estes dois fatos aprofundaram sua posição
periférica do Rio, antes neutralizada pela separação geográfica e política. Estas duas
desgraças vieram pelas mãos do Governo Federal. Porém, a terceira - o Aterro da Praia
Grande-, que é objeto desta dissertação, foi obra de suas elites.
29
FREIRE, Américo (2002): “Lei da fusão: lei complementar 20, de de julho de 1974. [...]uma estratégia
implementada pelo governo federal no sentido de transferir, não apenas de direito, mas de fato, a sede do poder
para Brasília, transformando a Guanabara em capital de âmbito regional –pólo de uma nova região
metropolitana[...].
93
Naqueles anos, o litoral, que é a sua porta de entrada, foi transformado em uma
montanha do lixo e escombros, impedindo até mesmo que a beleza da Baía de Guanabara e do
Rio fossem vistas pelos niteroienses. Paradoxalmente, a interação político-geográfica com a
“cidade maravilhosa”, que então se consumava, foi obstaculizada por uma gigantesca
“sapucaia”, que transformou em quintal imundo sua outrora sala de visitas. Nisto tudo,
parecia até haver a intenção de se ficar livre da conhecida chacota de que o melhor de Niterói
está na paisagem do Rio.
5.1.2 Desapropriação
Em 25 de novembro de 1971, o governador Raimundo Padilha
30
assina o decreto de
utilidade pública 15.553, desapropriando o loteamento Jardim Fluminense e os imóveis
previstos em projetos de reurbanização de 1940, compreendendo a área do aterro da orla
marítima central de Niterói, por não ter a Planurbs, em 32 anos, cumprido as suas obrigações
de urbanizar o trecho que ia da Ponta da Armação até o início da Praia das Flechas.
Padilha, na época, revelou que a matéria, além do presidente Médici, foi tratada “com
as mais altas autoridades da República” e havia sido objeto de considerações do Governador e
de sua equipe de governo, mesmo antes da posse no Executivo fluminense (A Tribuna-
26/11/1971, p.5)
No segundo semestre de 1971, o terceiro presidente da república durante o regime
militar, Emílio Garrastazu Médici, baixou ato complementar transferindo para o Poder
Público a missão de prosseguir o aterro da orla marítima central de Niterói, até então entregue
à firma Planurbs, como sucessora das várias empresas responsáveis pela série de escândalos,
iniciada no Governo Vargas. (A TRIBUNA, 7/10/1971, p. 1)
Com o ato complementar, baixado pelo presidente Médici, no segundo semestre de
1971, o Poder Público poderia não apenas concluir o Aterro “uma mancha na História e na
vida de Niterói” (segundo o jornal A Tribuna de 7/10/71) como vender lotes e transformar
30
Raimundo Delmiriano Padilha formado em economia, filiou-se ao movimento integralista. Tomou parte na
revolta de 1938, sendo condenado a três meses de prisão. Indicado para chefiar o movimento no Brasil durante o
exílio de Plínio Salgado, foi acusado, em 1942, de manter contatos com espiões alemães. Embora não tenha sido
condenado, foi pressionado a demitir-se do cargo de inspetor e técnico em operações de câmbio do Banco do
Brasil. Com o fim do Estado Novo, ajudou a formar e registrou o Partido de Representação Popular (PRP),
integrado por remanescentes da Ação Integralista Brasileira (AIB). Defensor do movimento militar de 1964.
Após a edição do Ato Institucional 2, filiou-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena). Eleito governador do
Estado pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, em 1970, ocupou o cargo até 15 de março de 1975,
quando ocorreu a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, a que Padilha sempre se opôs. Faleceu no
Rio de Janeiro. (www.alerj.rj.gov.br, 2006)
94
Niterói “numa das cidades mais modernas do mundo”, pois as áreas a serem urbanizadas
teriam quadras com apenas um edifício, com áreas de estacionamento e jardins, independente
das ruas largas a serem abertas e das praças a serem implantadas.
Niterói iria aplicar, inclusive, o sistema de “cores”, solução urbanística que previa a
fixação de um centro comercial livre, sem a movimentação de carros, cercado apenas por área
de estacionamento. (A TRIBUNA, pág.1, 7/10/71)
O governo do Estado assumiu o controle do chamado “aterro das barcas”, estando suas
pretensões dependentes de prosseguir as obras de conquista de áreas ao mar.
O Sr. Raimundo Padilha tencionava implantar no aterro da orla central de Niterói
uma verdadeira sala de visitas para Niterói, onde hoje se entra pela cozinha”.
A desapropriação da área, que passou a ser meta do governador, desde sua escolha
para o Governo do Estado, deveria ser decretada através de Ato Complementar, mas foi
cumprida por decreto, após encontro do Governador com o presidente Médici (A TRIBUNA,
26/11/1971, p.1).
O decreto assinado por Padilha declarava de utilidade pública, para fins de
desapropriação, em favor do Estado do Rio, os imóveis e benfeitorias, se existentes,
constantes da planta do loteamento “Jardim Fluminense”, do projeto de reurbanização dos
Morros do Ingá, Boa Viagem, Gragoatá e terrenos conquistados ao mar na enseada da Praia
Grande e Praia Vermelha, entre a Ponta da Armação e a Praia das Flechas, objeto de
operações legítimas - imóveis esses que tinham sido de compra e venda ou doação em
pagamento. Estabelecia, ainda, que o Estado do Rio promoveria a desapropriação, cobrindo as
despesas por conta de verba orçamentária própria. (A TRIBUNA- 26/11/1971, p.5)
O decreto 15.453, de 25 de novembro de 1971, estabelecia a desapropriação, por
interesse público, de áreas situadas na faixa de terras onde seria implantado o Projeto Praia
Grande da reurbanização de Niterói, determinava que as desapropriações, feitas em favor da
DESURJ, se dariam mediante composição amigável ou procedimento judicial, alcançando, se
existentes na área, imóveis e benfeitorias.
A primeira área a ser desapropriada, dentro do plano piloto de reurbanização, foi
delimitada no trecho compreendido pelo Morro do Gragoatá.
A DESURJ - Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado do Rio de janeiro -
promoveria a desapropriação utilizando verbas próprias, constantes de sua receita, O decreto
governamental 15.751, de 30 de agosto de 1972, declarava essa primeira desapropriação
como “de urgência”, para efeito de imediata imissão de posse.
95
A desapropriação, entretanto, resultou inócua porque o expropriante não se imitiu
judicialmente em sua posse, não depositou o seu preço e não consumou assim a
desapropriação, tendo resultado, em novembro de 1976, a decadência expropriatória e a
liberação da área.
Todas as demandas judiciais posteriores se reuniram no Juízo da Vara da Justiça
Federal do Estado do Rio.
A administração Padilha teve o mérito de colocar um ponto final no chamado
“escândalo do aterro” (A TRIBUNA- 22/12/1971, p.1) e o demérito de, no término seu
governo, deixar outro escândalo borbulhando.
5.1.3 Justificativa
Ao comentar o decreto de desapropriação por ele assinado, Padilha sustentava ser
fundamental a reurbanização, entre outras coisas porque Niterói era uma cidade sacrificada
pela densidade demográfica e a construção da ponte, sendo que esta última iria “gerar
problemas cujas conseqüências ainda não se podia medir”.
Considerava a estrutura urbanística de Niterói um atentado ao bom gosto e a qualquer
espírito de renovação social, porque não “existiam áreas de lazer nem lugar onde se pudesse
refugiar uma população de 400 mil habitantes
31
, embora a cidade fosse geograficamente
privilegiada pela natureza, por suas partes atlânticas e pela parte que lhe cabe na Baía de
Guanabara, dois terços da área”. (A TRIBUNA- 26/11/1971, p.5)
O chefe do Gabinete Civil do governador e membro do Grupo Executivo da Nova
Niterói, Sr. Mário Gliosci, ressaltava, logo após a criação do GEUNN, o empenho do governo
fluminense na efetivação de medidas destinadas a favorecer a economia do Estado,
proporcionando à sua capital a criação de novos núcleos residenciais, que assegurem
desenvolvimento sempre crescente” e de providências imediatas que propiciem a solução do
sistema viário para complementar a Ponte Costa e Silva (Rio-Niterói).
“A antiga concessionária da orla marítima alienou, em proveito próprio, cerca de 80
mil metros quadrados de áreas de terra firme e, em grande parte, de supostas áreas
descritas no plano de loteamento, mas inexistentes, ainda, pela sua localização em
pleno mar. A reurbanização de Niterói representa uma das metas prioritárias do
governador, revelada em seu discurso de posse. Os decretos [...] assinados são o
primeiro passo para a realização dessa importante obra, que dará nova fisionomia à
capital fluminense” - enfatizava o Sr. Mário Gliosci.
31
Na realidade, a população de Niterói, no inicio daquela década era calculada em torno de 330 mil habitantes.
96
E concluía:
“O contrato de concessão da orla marítima de Niterói foi prorrogado diversas vezes,
inexplicavelmente, ocasionando a paralisação, durante mais de 30 anos, do
progresso da Capital do Estado, em detrimento dos mais altos e legítimos interesses
da Administração Pública municipal, estadual e federal. A decisão do governador
Raimundo Padilha, que tem o apoio das autoridades federais, reiterado pelo
presidente Emílio Médici, vai recuperar todo o tempo perdido. Niterói terá a
dignidade urbanística de uma capital de Estado” (A Tribuna- 27/11/1971, p.1).
5.1.4 Grupo Executivo
Um segundo decreto, assinado por Padilha na mesma data do decreto de
desapropriação (25/11/71), criava, em substituição a CEPGRAN - Comissão de Planejamento
da Grande Niterói -, o Grupo Executivo de Urbanização do Novo Niterói (GEUNN)
32
,
diretamente subordinado ao Governador do Estado.
Competia, prioritariamente, ao Grupo Executivo, pela forma que julgasse mais
conveniente e obedecidos os preceitos da legislação estadual e municipal, um plano de
urbanização e remodelação da cidade, na área compreendida entre a Ponta da Armação e a
Praia João Caetano (mais conhecida pelo seu nome original: Praia das Flechas), permitindo,
inclusive, o estudo e a execução dos acréscimos do espaço físico-territorial da área
metropolitana.
O grupo tinha como finalidade e atribuições elaborar programas e projetos de interesse
da região; definir e promover as formas operacionais de colaboração e participação entre os
vários setores do Poder Público, estadual e municipal; sugerir a celebração de convênios,
ajustes de acordos com entidades públicas ou privadas para o atendimento de suas finalidades;
contratar os serviços de firmas e empresas especializadas em planejamento e obras, obedecida
à legislação em vigor; promover e coordenar as medidas necessárias ao desenvolvimento do
projeto e da sua execução e elaborar um cronograma de execução e de desembolso financeiro
do plano ou projeto aprovado.
O decreto estabelecia, ainda, que o Grupo Executivo teria prazo de até 120 dias para a
elaboração do planejamento físico-territorial de urbanização da área metropolitana de Niterói,
32
CEPGRAN: Comissão criada pelo governo estadual em 16/06/1969, com o objetivo de planejar a integração
da micro-região denominada Grande Niterói (referentes ao complexo urbano constituído pelo município-pólo da
Capital fluminense -Niterói- e de zonas adjacentes em que avultavam São Gonçalo, Maricá, Itaboraí e Magé)
(Padilha, 1975, p.166) e também com a finalidade de elaborar projetos específicos, para a então Capital
fluminense, nos setores de saneamento e transportes. Logo no início da Administração Raimundo Padilha, a
CEPGRAN foi extinta, dando lugar ao GEUNN. (Grupo Executivo de Urbanização do Novo Niterói) (Azevedo,
2001)
97
inclusive toda área do Aterro - entre a Ponta da Armação e a Praia João Caetano (Praia das
Flechas). (A Tribuna, 27/11/1971, p. 1)
Os membros do grupo que exercessem cargos ou funções no Estado não fariam jus a
qualquer retribuição e os órgãos da administração estadual e municipal deveriam prestar ao
grupo a cooperação que lhes fosse solicitada sob qualquer forma, inclusive a de trabalhos
técnicos.
As despesas de funcionamento do Grupo correriam, “no presente exercício”, por conta
dos recursos do Gabinete do Governador.
O Grupo Executivo do Novo Niterói - nomeado pelo governador Raimundo Padilha e
encarregado de planejar a urbanização da área do “Aterro das Barcas”, então desapropriado -
era integrado por dois auxiliares diretos do governador - Mário Gliosci, Raimundo Meirelles
Padilha (seu filho, também conhecido como Padilhinha ou Raimundinho), além de três
técnicos: Francisco Eduardo Pinheiro Guimarães, Teodoro de Campello Faveret e Murilo
Pessoa.
O Grupo Executivo de Urbanização da Nova Niterói deu o nome de “Projeto Praia
Grande” ao trabalho de urbanização que pretendia, ao menos no papel, dar uma nova capital
ao Estado do Rio.
A não inclusão no Grupo Executivo do prefeito ou mesmo de um engenheiro urbanista
ou arquiteto, indicado pela Municipalidade, foi interpretada, na época, como uma evidência
do profundo descontentamento do governador com o prefeito por ele escolhido para “dar um
salto histórico na ex-Cidade Sorriso”, na antevéspera do seu IV Centenário
33
.
Marlice Azevedo (2001) conta que, ao ocorrer uma crise na administração municipal,
o governador, por deter tal prerrogativa no período de exceção, nomeou um novo Prefeito,
Ivan de Barros Nunes, proveniente do Rio de Janeiro e que, junto com sua equipe de trabalho,
fortaleceu os canais de negociação para tramitação dos projetos programados.
33
Aponta-se a implantação do aldeamento dos índios Temiminós, no outeiro de São Lourenço, em 1573, como
o ponto inicial do centro urbano que hoje é Niterói. Parecer da Comissão da Academia Fluminense de Letras,
emitido pelo relator Oliveira Vianna, co-referendado por Alberto Lamego Filho e Lacerda Nogueira, em 9 de
abril de 1935, pondera, contudo, que o pequeno núcleo de aborígines aldeiados, sob chefia do cacique Araribóia,
não exerceu o papel de centro gerador da futura cidade. “O verdadeiro centro germinal foi, porém, - salienta o
parecer- o pequeno nódulo de São Domingos [...]. O período de transmigração da família real e da corte
portuguesa e o período da independência encontraram a cidade ainda agregada em torno da pequena praça são
dominguense [...] os principais acontecimentos ocorridos por esta época que tiveram por cenário este ponto
inicial da futura capital fluminense: As visitas de Dom João VI e do primeiro Imperador; a fundação da Vila
Real; as primeiras edificações indicativas da organização do poder político”. Wehrs (1984) outra explicação:
“[...] o progresso que vinha do outro lado da Baia de Guanabara localizou-se na parte mais plana, mais fácil de
ser alcançada por mar, e sem a necessidade de atravessar os terrenos pantanosos junto a enseada de São
Lourenço. Assim surgiram os núcleos de São Domingos, Praia Grande [...]”.
98
Tal medida drástica teria sido provocada, segundo alguns críticos da época, pela total
omissão do prefeito José Pitombo diante dos problemas da cidade. Alguns auxiliares do
governador acusavam-no de prejudicar os planos do Sr. Raimundo Padilha (A TRIBUNA-
3/12/1971, p.1).
Todas as frentes de obras na faixa do aterro eram supervisionadas pela DESURJ, cujo
presidente era o chefe da casa civil, tendo como diretor o “assessor especial” do governador:
seu filho e homônimo. (A TRIBUNA- 12/04/1973, p.5).
5.1.5 O Projeto
5.1.5.1 Lazer e circulação
“Com o Projeto Praia Grande, Niterói lança-se em uma nova conquista; vai avançar
um milhão de metros quadrados sobre a Baía de Guanabara, na faixa que se espraia
desde o Gragoatá até a Ponta d’Areia. É um plano de reurbanização que se propõe,
em 18 meses, a estabelecer uma singela e harmônica convivência entre o homem, a
pedra e o cal.
Dia e noite, intensos, homens e máquinas trabalham sem cessar, transportando areia
e pedras, aterrando, perfurando, na fase mais dura e penosa dos trabalhos. Depois,
numa extensão de três quilômetros conquistados ao mar, vão nascer áreas de
arborização compacta, espaços livres para a prática de esportes, um centro de arte e
cultura, com pequenas edificações, um moderno terminal hidroviário.
No parque, serão criadas áreas especiais para piqueniques, com mesas e bancos
rústicos, além de churrasqueiras de cimento. Ali vai dominar a natureza e toda a
potencialidade do ambiente será aproveitada. Nos fins-de-semana, crianças e adultos
poderão se reunir na fuga coletiva da psicose urbana.
Outras opções de lazer também integram-se a este panorama natural. Surgirão áreas
destinadas ao esporte e recreação, um restaurante e bar, num terreno de três mil
metros quadrados, espaço onde será construído o museu-monumento do IV
Centenário (um Centro Cívico).
O [...] prédio do Shopping Center, situado no lado Norte do aterro, próximo, a
estação das barcas com 18 mil metros quadrados, será readaptado para receber uma
seqüência rica e variada de opções: centro cultural com teatro polivalente (este a ser
construído em um anexo complementar ao conjunto), cinema, biblioteca, pinacoteca
e grande auditório. Para as crianças, imensos playground, além de um teatro,
especialmente montado para funcionar, inclusive, como cinema.
Um terminal hidroviário, de características modernas, será implantado na área
utilizada, atualmente, pelo STBG, como ancoradouro de suas barcaças de carga. O
projeto conquistará 500 metros ao mar, na faixa do aterro, obra que permitirá à
cidade avançar um milhão de metros quadrados sobre a Baía da Guanabara.
O atual porto de embarque
34
será deslocado para um ponto estratégico, nas
imediações do porto de Niterói. Com a mudança, serão evitadas a circulação em alta
escala dos veículos de carga nas ruas centrais e o prolongamento de filas de carros
34
Refere-se ao transporte de veículos, por barcaças de carga entre Niterói e Rio de Janeiro. Autoridades da
época acreditavam que o transporte marítimo de veículos e cargas, independente da conclusão da ponte,
continuaria a ser uma alternativa de transporte entre Rio e Niterói. Mas a realidade provou o contrário e o
serviço foi desativado.
99
de passeio, em dias de grande movimento. Pelo terminal
35
circularão, anualmente, 56
milhões de pessoas, com uma média diária de 40 mil passageiros.
No seu interior, serão instaladas lojas de utilidades, butiques, agências bancárias,
postos de telefone público, agências de passagens, centro turístico, livrarias,
discotecas, pronto socorro, bares, restaurantes, além de áreas especiais para
exposições de pintura e artesanato. O terminal manterá comunicação com a cidade
através de uma passarela de 500 metros, por onde circularão, nos dois sentidos, os
passageiros das lanchas e dos aerobarcos. Os veículos cruzarão por baixo, onde
também serão construídos dois terminais de ônibus, para servir a Zona Sul e a Zona
Norte da cidade”. (O Fluminense – 22/11/1973- p.6).
Outra versão do projeto, publicada na imprensa:
“No aterro da orla marítima central de Niterói será criado um parque florestal de
2.500 metros quadrados, entre teatro, restaurantes, quadras de esportes, museus,
centros culturais e o terminal hidroviário de grande porte.
Também está prevista a construção de uma área de lazer no Gragoatá, que se
integrará, naturalmente, ao conjunto que será montado na faixa do aterro.
A orla litorânea central de Niterói está sendo preparada para se tornar o pórtico da
Capital Fluminense.
Na área, não haverá pistas de alta velocidade”. (A TRIBUNA,- 15/05/1973 – p.3)
Em seguida, reproduzimos a sinopse de um dos três projetos elaborados para o aterro.
O arquiteto carioca Índio da Costa, lembra que o Projeto Praia Grande foi por ele
elaborado em 1972.
Com a palavra o arquiteto:
“Fui encarregado pelo governador Padilha de elaborar um plano piloto para Niterói e
o Projeto Praia Grande fazia parte desse plano.
Quando peguei a tarefa, não havia nada implantado. A área era um grande capinzal,
um grande terreno baldio. Entre outros empreendimentos, o plano previa a
construção de um hotel em forma de pirâmide, com seis andares escalonados
erguido, mais tarde, com projeto arquitetónico de outro escritório.
Como elemento importante, havia um sistema de integração intermodal, baseado em
uma estação de barcas e uma estação rodoviária que ocupariam um espaço contíguo.
Estava prevista, ainda, uma avenida que cortaria toda a extensão do aterro: a
chamada via Cem
36
. Com isso, o Estado queria refazer o sistema viário, desobstruir a
rua Visconde do Rio Branco através de outro sistema paralelo, à semelhança do
Aterro do Flamengo, na cidade do Rio de Janeiro, que incluiria tráfego por dentro da
área. Toda a parte física da idéia foi materializada por mim. Inclusive, na época, foi
montado um estande na Praça Araribóia, para exibição de uma maquete que
reproduzia todo o projeto por nós elaborado”. (COSTA, 2006)
A idéia era criar um extenso aterro de 70 mil metros quadrados, com um grande
parque à beira da Baía de Guanabara - uma espécie de Aterro do Flamengo de Niterói.
No local, campos de esportes, áreas de lazer, teatros, estacionamentos e bastante
espaço livre.
35
Refere-se, provavelmente, retomando o assunto, à nova Estação Hidroviária de passageiros, cuja conclusão
também estava prevista.
36
Essa artéria não se concretizou
100
Como elemento importante, havia o sistema de integração intermodal, baseado em
uma estação de barcas e uma estação rodoviária.
O plano previa, ainda, a construção de um hotel no Morro do Gragoatá
37
.
Dentro das obras do Projeto Praia Grande destacavam-se o novo terminal hidroviário
das lanchas do Serviço de Transportes da Baía de Guanabara e o hotel internacional do
Gragoatá, com oito andares, 140 apartamentos e 10 suítes na categoria quatro estrelas. O hotel
internacional seria construído em uma área autônoma, que não interferisse diretamente no
funcionamento do parque do aterro, ocupando o platô do morro do Gragoatá, num corte de
500 mil metros quadrados, com recursos de um grupo particular. Haveria, ainda, um centro
náutico, um amplo playground e grandes áreas de estacionamento de veículos.
A Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado do Rio de Janeiro (DESURJ)
também conseguiu iniciar as primeiras obras de sustentação viária na área litorânea central da
cidade.
A faixa do aterro, em toda a sua extensão, da Ponta da Armação ao Forte do Gragoatá
exigiria (calculava-se na época) a movimentação de um milhão de metros cúbicos de pedra e
areia.
O avanço da Capital em direção ao mar seria de 500 metros em alguns trechos e 400
metros em outros.
A extensão do aterro, de uma ponta à outra, seria de três quilômetros.
Nas obras, o governo pretendia investir, entre recursos próprios e financiamentos
internos e externos, Cr$ 230 milhões.
A área de lazer do Gragoatá, com aquários grandes e pequenos bosques, se integraria
naturalmente na faixa de aterro (A Tribuna- 12/04/1973) este último previsto, para os
terrenos que Niterói ganharia ao mar, em nível mais baixo.
5.1.5.2 Aproveitamento da Boa Viagem
O morro da Boa Viagem foi reservado para a construção de um anfiteatro ao ar livre,
destinado às promoções especiais de massa. As características físicas do local permitiriam a
construção em encosta e sua área envolvente disponibilizaria espaço para a criação de grandes
estacionamentos. Estava prevista, também, a criação de mirantes na área.
37
Erguido depois com projeto arquitetônico adaptado do original, elaborado por outro escritório.
101
Quanto à Ilha da Boa viagem, “elemento fortemente marcante pelo seu aspecto
histórico e pela sua feliz harmonia estética”, segundo o governador Padilha
38
, seria preservada
como ilha, devendo apenas receber uma nova passarela de ligação com o continente em
substituição a existente. (PADILHA, 1975 - p.176)
5.1.6 Um aterro e três projetos
Em realidade, não se tratou de um único projeto, mas de três, de certa forma
complementares, todos derivantes do chamado Plano Piloto da Grande Niterói.
Em um primeiro momento, a empresa escolhida, sem licitação, diga-se, foi a SPL, para
executar as seguintes obras:
Um grande parque (nos moldes do Parque do Flamengo)
Um grande estacionamento
Um terminal integrado
Teatro
Centro Cultural
Hotel turístico, de categoria internacional, com centro de convenções.
Posteriormente, a SPL foi sucedida pela Tecnoplan, que, além de assumir a
empreitada, foi incumbida também dos seguintes fixos:
Centro terminal, com estação hidroviária junto aos previstos túnel Guanabara-Niterói
e terminal de Aero-Trem Niterói Alcântara.
Terminais de ônibus zonas Norte e Sul
Centro cívico e recreativo
Passarelas sobre vias de acesso e circulação
Além de parceira do governo estadual, na execução do Projeto Praia Grande, a
Prefeitura passou a atuar como co-gestora do que ficou conhecido como Plano Prioritário de
Urbanização, que propunha, entre outras realizações, a abertura do túnel Charitas-Piratininga,
retomando, assim, a idéia lançada, mais de 40 anos antes, por Attílio Corrêa Lima.
38
Raimundo Padilha em sua mensagem de um Quadriênio de Governo a Assembléia Legislativa.
102
Os responsáveis pelo plano procuraram, no que concerne ao Projeto Praia Grande, dar
prioridade aos empreendimentos mais viáveis, como a conclusão do próprio aterro e a
construção do hotel.
5.1.7 DESURJ
5.1.7.1 Função
Posteriormente, em decreto, o governador transferiu à Companhia Fluminense de
Desenvolvimento Urbano (DESURJ) a competência e as atribuições do Grupo Executivo da
Nova Niterói, para elaboração do plano de urbanização da área Central conquistada ao mar.
A Companhia ficou incumbida de promover o planejamento das áreas metropolitanas
do Estado do Rio, bem como os estudos e projetos com ele relacionados, inclusive
identificando as ditas áreas e promovendo sua exata limitação, além de realizar obras, serviços
e atividades de interesse das mesmas. (A TRIBUNA- 10/08/1972, p.3)
5.1.7.2 Finanças
A Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado do Rio (DESURJ) pretendia
aplicar Cr$ 230 milhões no Projeto Praia Grande, incluindo, nessa previsão, a construção,
além da reurbanização da Capital Fluminense, a construção do novo terminal hidroviário da
cidade e da rodovia litorânea Niterói-Rio das Ostras. (JORNAL DO BRASIL- 18/11/1973,
p.10)
O investimento no Projeto Praia Grande, com recursos estaduais, federais e
internacionais, era da ordem de 230 milhões de cruzeiros, entre investimentos internos e
externos. (A TRIBUNA- 11/05/1973, p.5)
Ou seja, estava orçado pelo equivalente a 20 milhões de dólares, obtidos através de
financiamentos internacionais, contratados dentro das normas pré-estabelecidas pelos gestores
do sistema monetário do Brasil, depois de autorizações expressas do Senado e da Assembléia
Legislativa do Estado do Rio.
O empréstimo de Cr$ 230 milhões, contratado com o Banco do Brasil, obedecia ao
preceituado pelo Fundo de Desenvolvimento Urbano do Ministério do Interior.
103
Em maio de 1974, o Diário Oficial do Estado publicava Lei que autorizava o Poder
Executivo a contratar com o Banco do Brasil operação de crédito até a importância de Cr$
230 milhões, a ser aplicada no Projeto Praia Grande.
Os recursos, segundo a mensagem aprovada pela Assembléia Legislativa e sancionada
pelo Governador Raimundo Padilha, seriam aplicados em implantação dos equipamentos
integrados de transporte de massa terminais hidroviário e rodoviário e recuperação de
áreas degenerescentes, ficando o Poder Executivo autorizado a abrir, oportunamente, crédito
especial até esse montante.
Em garantia do financiamento, o Estado cederia ao Banco do Brasil parcelas das
quotas do Fundo de Participação dos Estados, as quais ficavam vinculadas à operação de
crédito em montantes anuais necessários para amortizar as prestações do principal e os
acessórios da dívida na forma da legislação federal pertinente e atendido o disposto no artigo
14 do Decreto Federal de 8 de fevereiro de 1974, ficando o Poder Executivo autorizado a
abrir, em adicional ao orçamento vigente, créditos especiais até a importância de Cr$ 57
milhões destinados ao pagamento de obrigações decorrentes da operação de crédito, bem
como para assegurar a participação de recursos próprios ao financiamento do Projeto Praia
Grande.
Tendo recebido uma contribuição de Cr$ 6 milhões do Estado, a DESURJ apresentou,
em seu balanço, um prejuízo de Cr$ 1 milhão a empresa do aterro deixaria o custo da obra
para ser pago pelo novo governo, que seria escolhido em 1974. (A TRIBUNA- 04/05/1973,
p.1) O Projeto não reservara nenhuma fonte de renda para a empresa estadual.
5.1.7.3 Deficitária
O jornal A Tribuna, em sua edição de 04/05/1973, revelava: “A Companhia
Fluminense de Desenvolvimento Urbano- DESURJ- era uma empresa “sui-generis”. Com um
capital de Cr$ 1 milhão, apresentou, no primeiro período de atividades, um prejuízo declarado
de Cr$ 1.053.844,800. Tudo isso sem falar em “contribuições” que recebeu do Estado da
ordem de Cr$ 6 milhões”.
“E tem mais” - acrescentava o jornal: “como a DESURJ iria pagar as desapropriações
por toda a área do Aterro?”
Em seu balanço, a empresa declarava ter realizado “obras públicas”, como despesa de
capital, da ordem de Cr$ 6.770.497,60.
104
Conforme mencionado, a DESURJ não tinha fonte de receita, senão doações do
Estado.
Mas teria de receber muitas doações para concluir a obra do Aterro: a urbanização, a
construção de prédios e o pagamento de desapropriações, sendo que este último item deveria
ultrapassar a casa dos Cr$ 25 milhões.
Para arcar com as despesas da DESURJ, o Estado contraiu empréstimo superior a Cr$
130 milhões.
Qual o governo que iria pagar?- indagava a Tribuna.
Em que base foi feita à concessão para a construção do hotel particular do Gragoatá
ninguém teve conhecimento. A DESURJ era um mistério. Mas uma coisa se sabia: era
dirigida pelos seguintes titulares: Presidente o chefe do Gabinete Civil do Governador;
Diretor de Finanças e Administração um dos diretores da CELF (Centrais Elétricas
Fluminenses); e mais: o “assessor especial” do governador (seu filho, Padilhinha) e um diretor
da SANERJ. (Companhia de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro) (A TRIBUNA -
04/05/1973, p.3)
5.1.8 Frentes de obras
O jornal A Tribuna focaliza, em diversas edições, os equipamentos mobilizados e as
ações desenvolvidas em cada setor das frentes de trabalho. Citaremos as edições ao final dos
relatos que lhes correspondem passíveis estes de algumas adaptações quanto à forma (por
exemplo: tempo verbal, maior fragmentação de parágrafos), visando facilitar ainda mais a
compreensão de fatos mediatizados pela imprensa e de cujo contato e apreensão, na condição
de pesquisadores, não pudemos participar diretamente, por serem, obviamente, pretéritos, no
mínimo, em três décadas. Tal procedimento oferece, ainda, a vantagem de contribuir, em
linhas gerais, para a originalidade dos registros feitos pela imprensa da época.
5.1.8.1 Divisão
O Projeto Praia Grande dividiu as frentes de obras em três áreas:
1. Ponta da Armação (Ponta da Areia)
2. Passagem das lanchas, aerobarcos e barcaças;
3. Gragoatá
105
Na edição de 12/04/1973, A Tribuna verificava que: uma grande faixa de terra ganha
ao mar constituía a infra-estrutura e também a parte mais concreta do Projeto Praia Grande.
Dividida em três áreas distintas, seu avanço, mar adentro, servia também de termômetro do
andamento das obras para quem as acompanhava desde o início.
E, observava a publicação:
“Não era difícil notar que, em meados de 1974, as partes um e três (justamente seus
extremos) estavam prontas, faltando aterrar apenas a pequena enseada artificial
por onde penetravam e aportam até hoje as barcas do STBG até alcançar a Estação
Hidroviária de Niterói.
Para que o projeto se transformasse num todo seria preciso, portanto, que fosse
aterrada a parte dois, além de completados os serviços hidráulicos e mecânicos da
área.
As negociações nesse sentido estavam sendo mantidas em nível de governo, porque
elas implicavam na saída das barcas para outro local.
Se concluída a transferência, a DESURJ garantia que, em noventa dias, seria
aterrada a área, passando-se à urbanização prevista no projeto.
O aterro havia sido dimensionado para ocupar uma área de 1.200 mil metros
quadrados.
Dragas - uma da EMAQ, com capacidade para movimentar 200 mil metros cúbicos
de aterro por mês; outra, a STER 2 (que havia trabalhado no Canal do Panamá e em
praias artificiais da Guanabara: Botafogo, Flamengo e Cocotá)- operaram, em
conjunto, na feitura do aterro que recebeu, em sua execução, milhares (mais de 50
mil) de metros cúbicos de terra e areia do fundo da Baía, até 300 metros do litoral.
Destaque para draga STER 2: em setembro de 1973, entrava em funcionamento a
draga Ster, que deveria trabalhar 24 horas por dia, parando aos domingos, para
conservação. O seu motor tinha potência de 2.500 cavalos e os tubos de sucção
mediam 26 polegadas de diâmetro. Os varredores caminhavam em semicírculo,
colhendo areia num raio de 90 metros. Era a maior draga da América do Sul e uma
das maiores do mundo, com capacidade para movimentar mil metros cúbicos de
areia por hora e tripulação de oitenta homens.
A expectativa era de que, ao entrar em operação, a draga permitisse a conclusão, até
o final de 1973, da primeira parte do Projeto Praia Grande, compreendendo o trecho
localizado entre o Forte Gragoatá e a Praça do Valonguinho.
Ao assistir ao início das operações da draga, o governador Raimundo Padilha
assegurava que a urbanização da orla marítima- “um magnífico pórtico de entrada”
(O Fluminense- 19/09/1973) de Niterói estaria concluída até o final de seu governo,
recebendo a cidade uma área de 1 milhão e 200 mil metros quadrados, inteiramente
destinada ao lazer. A previsão oficial era de que, até março de 1974, a área estivesse
totalmente urbanizada.
As milhares de toneladas de pedras para o enrocamento foram extraídas do Morro
do Samanguaiá, em Jurujuba.
Espigões de pedras foram colocados pelo Consórcio Codrasa-Ster (empresa
encarregada de executar as obras de aterramento), para dar ao aterro a proteção
necessária para que as águas do mar podessem ser, efetivamente, afastadas. Eram
fixados no fundo da Baía e passavam a constituir uma muralha firme para o suporte
de areia, dando ao aterro a proteção necessária para que as águas do mar pudessem
ser efetivamente afastadas.
Os espigões eram formados por blocos de granito; em alguns trechos mediam mais
de 15 metros de largura e 10 de profundidade.
Calculava-se que a faixa de aterro, em toda a sua extensão, exigiria a movimentação
de um milhão de metros cúbicos de pedra e areia.
O avanço da Capital em direção ao mar seria de até 500 metros em alguns trechos.
O consórcio Codrasa-Ster, responsável pelo empreendimento, orientado pela
Tecnoplan - empresa de consultoria e construção-, promoveu, paralelamente, com as
obras do aterro da orla central de Niterói, um corte no Morro do Gragoatá, da ordem
de 500 mil metros cúbicos. Para o local, estava prevista, como se viu, a
106
construção, por um grupo empresarial, de um hotel de turismo e convenções de
categoria internacional”. (A TRIBUNA- 12/04/1973, p.5)
As pedras utilizadas para o enrocamento do aterro saíam principalmente do Morro do
Samanguaiá, em Jurujuba. Eram transportadas, dia e noite, em caminhões, numa distância de
cerca de 10 quilômetros.
De um extremo ao outro, a área a ser aterrada, como visto, tinha pouco mais de três
quilômetros, exigindo, como base de um trabalho planejado de aterro, a movimentação de
cerca de 205 mil toneladas de pedra. Cerca de 50 caminhões transportavam pedras para as
obras do enrocamento.
5.1.8.2 Praia Vermelha
As obras do aterro na Praia Vermelha –trecho de umas das três áreas em que estavam
divididas as frentes de obras: no caso, a área 3- foram conduzidas pelo DER e pela Prefeitura.
O trecho serviria para dar prosseguimento ao aterro da Praia Grande, ligando o
Gragoatá à Boa Viagem, daí prosseguindo até a Praia das Flechas, através do leito de rua
aberto, na década de 1940, pela antiga Dahne e Conceição.
Por sua vez, o fato é que o Morro da Praia Vermelha estava sendo desbastado por
exigência do Ministério da Aeronáutica, visando diminuir a altitude do hotel particular ali
projetado construir pelo Estado.
Bem próximo ao trecho onde os tratores movimentavam a terra a ser transportada por
caminhões, tornou-se necessário, para efetivar aquela obra de ligação viária, entre a Praia
Vermelha e a Paia das Flechas, desbastar também o Morro da Boa Viagem. (A TRIBUNA,
01/09/1973, p. 3)
5.1.8.3 Ligação Boa Viagem - Praia das Flechas
No dia 22 de novembro de 1973, como parte das comemorações do IV Centenário do
município, foi inaugurada a nova avenida obedecendo traçado elaborado 43 anos antes- de
ligação pelo litoral entre as localidades de Boa Viagem e Praia das Flechas, que também
passou a se constituir em ponto privilegiado para apreciação de aspectos da paisagem,
proporcionados pela Baía de Guanabara.
O trecho era ajardinado, com calçadas para pedestres e iluminação a vapor de
mercúrio. (A TRIBUNA- 21/11/1973, p.3)
107
5.1.8.4 Hidroviária
A construção da nova estação hidroviária de Niterói, que ficaria localizada no trecho
do aterro situado entre as ruas Marquês de Caxias e Marechal Deodoro, chegou a ser iniciada,
com a implantação de estacas.
Ela teria 15 metros de comprimento (extensão) e 70 metros de largura atenderia a
passageiros das barcas, aerobarcos e ônibus das linhas urbanas.
A previsão é que a obra seria concluída em 18 meses, mas, antes, as barcas seriam
transferidas para um ancoradouro provisório a fim de permitir o prosseguimento do previsto
no Projeto Praia Grande.
O Consórcio Codrasa-Ster também ficou responsável por este empreendimento.
As tubulações para o aterro hidráulico foram disponibilizadas na orla (A TRIBUNA-
27/04/1973, p.3).
Cravar estacas metálicas, que sustentariam o prédio da nova estação das barcas, exigia
o rompimento de enormes rochas no subsolo marinho.
O processo de estaqueamento da nova estação compreendia moderno sistema de
sondagem e perfuração do solo, em alguns casos com profundidade de até 40 metros.
A nova estação era uma das etapas principais do Projeto Praia Grande.
De um total de mil estacas metálicas a serem fincadas, pelo menos trezentas delas
foram cravadas.
A estação ocuparia uma área de 30 mil metros quadrados e iria substituir a outra em
frente a Praça Araribóia, que cederia sua área para ser aterrada.
As instalações da estação existente, na opinião de técnicos, não atendia mais às
exigências “do progresso” da cidade. Os seus ancoradouros eram considerados rudimentares,
de madeira, enquanto os da nova hidroviária, num total de oito, seriam de estrutura de
concreto sobre as estacas metálicas – estas, na área onde estavam sendo cravadas, tinham uma
variação de descida muito acentuada, especialmente por causa das ondulações do subsolo.
Segundo os técnicos, o ponto ideal, em média, para dar perfeita sustentação ao prédio
da estação era de 40 metros de profundidade. Para atingir esse nível, seria preciso vencer
muitas camadas de areia, lodo, argilas marinhas, até chegar nas rochas penetráveis e,
finalmente, nas impenetráveis.
Esse sistema estava sendo adotado, através de tubos de concreto, na fixação dos
pilares da Ponte Presidente Costa e Silva. (A TRIBUNA- 27/10/1973, p.3)
108
O governo fluminense destacava, no terminal hidroviário, a característica móvel do
projeto, que permitiria, se necessário, a sua futura ampliação. Definia a obra como pórtico
de entrada da Capital”. O terminal, por isso, teria, em seu interior, boutiques, lojas de
utilidades, restaurantes, agências de viagem e de bancos (para conversão de câmbio,
inclusive) e centros de exposições de pinturas e artesanatos.
A programação de obras estaduais, em Niterói, previa, também, a integração do
sistema vário de escoamento da Ponte Presidente Costa e Silva (Rio-Niterói) ao terminal
hidroviário, que teria, conjugados, atracadouros para as lanchas do Serviço de Transportes da
Baía de Guanabara (STBG) e os aerobarcos da Transtur. Os passageiros que utilizassem o
terminal usariam uma passarela distante 500 metros da rua Visconde do Rio Branco.
O terminal ocuparia uma área delimitada, inicialmente, entre a rua Marechal Deodoro
e a Avenida Feliciano Sodré.
A DESURJ estimava que, anualmente, transitariam no interior da estação, 56 milhões
de pessoas. A abertura da Ponte Rio-Niterói, segundo técnicos da empresa, não iria alterar o
transporte de massa sobre a Baía da Guanabara.
A estrutura do terminal hidroviário seria toda em concreto armado, com vãos livres de
25 metros e paredes flexíveis. Na cobertura, seriam usados tubos de concreto, de igual
dimensão dos vãos, ligados por telhas transparentes e coloridas, que facilitariam a montagem
interior, de jardins de inverno.
Segundo consta, o governador Raimundo Padilha foi o idealizador do terminal,
transmitindo à Tecnoplan empresa que encarregada da elaboração do projeto técnico o
padrão desejado.
O terminal, pela estrutura de serviços que iria oferecer aos passageiros em trânsito, se
assemelharia, de acordo com técnicos ligados ao projeto,aos aeroportos dos Estados Unidos
e Europa, tendo alguma intimidade com a estrutura, por exemplo, do aeroporto de Orly, na
França”.
A combinação do Terminal Hidroviário com os eixos viários urbanos, que serviriam,
indistintamente, aos transportes coletivos e táxis em demanda das zonas Sul e Norte de
Niterói, seria no sentido de forçar cada veículo parar três minutos, no mínimo, à entrada da
passarela central.
Os ônibus urbanos, depois de concluída a obra, circulariam pelas ruas Marechal
Deodoro e Feliciano Sodré, desde o entroncamento de ambas com a Rua Visconde de Rio
Branco. Se concluído o projetado, o Terminal Rodoviário. Que estaria acoplado ao
Hidroviário, obrigaria a que o Detran promovesse um novo remanejamento no esquema de
109
tráfego do centro de Niterói, a fim de que, em torno das lanchas e aerobarcos, os transportes
coletivos circulassem em termos de moto constante, descarregando somente os passageiros.
Como parte integrante do Projeto Praia Grande, a estação não seria, teoricamente,
cortada por pistas de alta velocidade.
O centro comercial de Niterói, estrangulado, ainda hoje, entre a Rua Visconde do Rio
Branco e as ruas paralelas à Av. Amaral Peixoto, seria deslocado também, de maneira natural,
para o eixo de maior mobilização de público: as áreas circundantes do terminal hidroviário.
Foi essa a razão que levou o governo estadual a integrar o terminal ao Projeto Praia
Grande de reurbanização de Niterói fazendo-o, na verdade, o centro de todo o fluxo de
veículos de transporte dos passageiros, das lanchas e aerobarcos.
O público atrai o comércio e o planejamento da DESURJ, conforme explicou na época
seu presidente, Mário Gliosci, “previu esse acontecimento normal dentro da vida das grandes
cidades” (JORNAL DO BRASIL - 18/11/1973).
Foi iniciada pelo governo do Estado, em meados de novembro de 1974, a colocação da
laje do piso sobre o qual seria erguida a Estação de Aerobarcos da firma Transtur parte da
nova Estação hidroviária de Niterói. Agora existiam, segundo o governo, homens trabalhando
no Projeto Praia Grande, desde a Ponta da Armação até o Gragoatá. A Codrasa firma
responsável pela dragagem, aterro e construção da nova estação estava admitindo operários
para acelerar o ritmo das obras.
A estimativa dos executores da obra era de que, a partir de meados de janeiro de 1975,
os aerobarcos e as lanchas que faziam o transporte marítimo entre Rio e Niterói pudessem
utilizar os novos atracadouros áreas com 400 metros de largura e 600 de comprimento, com
seis metros de profundidade.
Segundo os planos, o Terminal Hidroviário ficaria acoplado a um jardim em que seria
transformada aquela parte do trecho Norte da orla marítima. Estaria, também, conectado aos
previstos terminal de aerotrem Niterói-São Gonçalo e ao túnel Guanabara- Niterói.
O terminal estava sendo construído numa área total de 52 mil metros quadrados.
Em novembro de 1974, a parte de fundações e estrutura do prédio foi concluída, como
também os quatro atracadouros para as lanchas e dois pequenos para aerobarcos. Eram
dotados de flutuantes de concreto armado, pesando, cada um, cerca de 45 toneladas.
O prédio do terminal de barcas estava previsto para ser construído em dois
pavimentos, tendo uma área total de 26 mil metros quadrados; ficaria situado em meio a uma
grande praça, cercada por espelhos d’água. Ele foi projetado pelo sistema de módulos, que
permitiria sua ampliação na medida das necessidades. No térreo, ficariam os salões de espera
110
das duas empresas que exploravam a travessia Rio-Niterói. E, no segundo pavimento,
funcionariam, além dos setores administrativos, bares, lojas e butiques.
A estação seria interligada, por uma passarela, ao terminal rodoviário destinado aos
ônibus e táxis, que ocuparia, nessa primeira etapa, em uma área de 17.900 metros quadrados.
No térreo, ficariam as plataformas dos ônibus para as zonas Norte e Sul e São Gonçalo. E, no
segundo pavimento, 60 lojas destinadas ao comércio (A TRIBUNA- 20/11/1974, p.3).
Anunciava-se que, após a conclusão do aterramento da primeira parte, que ia do Forte
Gragoatá à Praça do Valonguinho, prevista para agosto de 1973, também deveria ser efetuada
a mudança da Estação das Barcas para o cais provisório que estava sendo montado nas
imediações da Rua Marquês de Caxias, permitindo o aterro da antiga estação e de seu canal
navegável; ou seja, da parte onde atracavam as lanchas e que seria mais demorado, em face da
maior profundidade do mar.
O cais provisório, que serviria para a atracação das lanchas do STBG ficaria a poucos
metros do ponto onde seria construída a nova estação hidroviária, prevista no Projeto Praia
Grande, próxima à Rua Marquês de Caxias.
Os terminais das lanchas e aerobarcos seriam transferidos para a nova estação
hidroviária. Depois seria iniciado o enrocamento do canal navegável da antiga estação, o que
nunca ocorreu.
No início de janeiro de 1974, as obras do futuro terminal de barcas atingiram o estágio
de 656 estacas (estaqueamento metálico) e mais de 252 de revestimento protetor (A
TRIBUNA- 10/01/1974, p.5). A partir daí, as obras pouco avançaram, acabando por ser
definitivamente interrompidas.
5.1.8.5 Hotel
Em setembro de 1972, a assessoria de imprensa do governador, em nota oficial,
anunciava a construção de um hotel de categoria internacional, com vinte andares e salão
de convenções para três mil pessoas, em Niterói, no topo do morro do Gragoatá, de onde se
descortina uma das mais belas vistas da Baía de Guanabara”.
A nota informava, ainda, que as obras, iniciadas com o desmonte de parte do morro,
seriam concluídas em um ano e três meses, segundo a firma construtora.
E acrescentava: Linhas especiais de aerobarcos ligarão o hotel a Copacabana e ao
aeroporto do Galeão em penas dez minutos”. (A TRIBUNA- 15/09/1972, p.1)
111
5.1.8.6 Mercado de Peixe
No dia 3 de julho de 1971, a Prefeitura de Niterói concluiu a demolição dos boxes do
antigo mercado de Peixe São Pedro, no lado Norte da linha de cais da rua Visconde de Rio
Branco, na altura da confluência com a rua Marquês de Caxias, depois que os últimos
comerciantes se transferiram para outros estabelecimentos de venda de pescado da cidade.
Em princípio, cogitou-se em transformar a área do antigo mercado em parque de
estacionamento para automóveis, havendo, para isso, entendimentos com o Detran sobre as
possibilidades técnicas de sua implantação.
Um mês antes da demolição completa, um novo mercado de peixe havia passado a
funcionar na Av. Feliciano Sodré, junto ao Mercado Municipal (atualmente depósito do
governo do Estado). Dizia-se que era mais moderno, dotado de todos os recursos de higiene e
sob permanente fiscalização sanitária. (A TRIBUNA- 04/07/1971, p.2)
O novo mercado, construído pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado
do Rio, não duraria muito tempo naquele local, sendo transferido novamente para um novo
prédio na Ponta d’Areia, também em 1971- local onde funciona até hoje.
5.1.8.7 Sistema Viário
As pistas principais do sistema viário, no Projeto Praia Grande, fariam parte do anel de
contorno de Niterói, prevendo-se efeito altamente favorável no esquema de tráfego do centro
da cidade, uma vez que prometia:
1. Aliviar as vias existentes, com a eliminação do tráfego entre bairros no centro
comercial, as quais passariam a atender exclusivamente as atividades locais;
2. Proporcionar o desafogo ao tráfego que provinha da Ponte Rio-Niterói e que, na
situação existente, congestionava as vias do centro comercial.
Acompanhando a nova faixa litorânea no prolongamento natural da Avenida Feliciano
Sodré, as pistas se desenvolveriam paralelamente ao litoral até o Gragoatá, permitindo,
conexão em alguns pontos, com o sistema viário existente.
As pistas principais, em número de duas, teriam 10,50 metros de largura, com 3 faixas
de rolamento em cada sentido, poderiam, no futuro, ser ampliadas para 14 metros de largura e
4 faixas de rolamento. O canteiro central seria de largura variável, com o mínimo de 11
metros, com exceção dos trechos sob obras de arte, onde o mínimo seria de 5 metros.
Os retornos teriam 7 metros de largura com duas faixas de rolamento.
112
A pista de atendimento à estação de barcas teria 7 metros de largura, com 2 faixas de
rolamento, num sentido de mão única.
As pistas de parada de ônibus teriam 9 metros de largura, para facilitar as
ultrapassagens de veículos. (PADILHA, 1975, p.176)
5.1.9 Contratempos
5.1.9.1 Prazos
A previsão é de que o aterro ficasse pronto em junho de 1973”. (A TRIBUNA -
27/04/1973, p.31)
“[...] afirmamos [...] e reafirmamos em editorial: o aterro não será concluído no atual
governo”. (A Tribuna - 13/02/1974), p.3)
A Nova Niterói poderá ser inaugurada antes de março de 1975 (Raimundo Meireles
Padilha- jornal O Dia – 30/05/1974)
A urbanização da orla marítima de Niterói estará concluída até o final do atual
governo”. (Governador Raimundo Padilha e Mário Augusto Gliosci - presidente da DESURJ-
jornal O Dia- 21/04/1974)
Padilha foi buscar [...] para a execução de um projeto tão importante, um homem que
faz do amor e da dedicação à causa pública suas grandes constantes: Mário Gliosci,
presidente da DESURJ que responde pela plena evolução das obras programadas”.
(Vereador João Batista da Costa Sobrinho- O Dia- 05/05/1974)
A Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado do Rio (DESURJ) confirmou
para fevereiro do ano que vem (1975) a entrega das obras do Projeto Praia Grande, na orla
marítima da Capital fluminense”.(O Dia - 07/06/1974)
No início de dezembro de 1974, o jornal O Fluminense prognosticava que, pelo
volume de obras e pela lentidão com que elas caminhavam, o Projeto Praia Grande não teria
condições de ser concluído até 15 de março do ano seguinte, ainda na gestão do governador
Raimundo Padilha, conforme havia sido prometido e anunciado exaustivamente pelo Palácio
Nilo Peçanha. “Na DESURJ” - informava o jornal - “não se tem informações sobre a previsão
do cronograma; embora o projeto tenha absorvido, somente no ano passado, recursos da
ordem de aproximadamente 70 mil cruzeiros novos (70 milhões de cruzeiros antigos), ou seja,
dez milhões de dólares conseguidos de empréstimos em um grupo de sete bancos
internacionais”.
113
“Além disso” - completava O Fluminense - “os 1.200.000 metros quadrados de área
verde, anunciados para serem entregues ainda na Administração Raimundo Padilha, ao que
tudo indica não sairão mesmo, antes do vice-almirante Floriano Peixoto Faria Lima tomar
posse”. (O FLUMINENSE- 08/12/1974)
Em 5 de junho de 1974, o governador Raimundo Padilha garantia que o seu programa
de obras objetivos e bases administrativas divulgado pouco antes de sua posse não seria
alterado diante das disposições previstas no anteprojeto de lei complementar da fusão
Guanabara-Estado do Rio.
A promessa da DESURJ - feita na ocasião em que o Governo do Estado contraiu
empréstimo no montante de 10 milhões de dólares para a execução do chamado Projeto Praia
Grande - de que, o aterro da orla marítima da cidade ficaria pronto em oito meses não pode
ser cumprida, uma vez que aquele prazo encerrou-se em julho de 1974. Dificilmente - se
antevia em dezembro de 1974 - Niterói conquistaria a prometida área antes do término do
atual governo e, muito menos, os melhoramentos anunciados, tais como o centro cultural e
artístico, parque infantil, hotel internacional, teatro grego e fontes luminosas.
A única garantia dada pelos técnicos era de que o terminal hidroviário estaria pronto
para funcionar em fevereiro de 1975, deixando dúvida quanto à continuidade dos trabalhos
pelo sucessor, vice-almirante Faria Lima, mais atento, segundo se especulava, a setores
básicos da economia. (O FLUMINENSE- 07/12/1974)
5.1.9.2 Descalabro/descompasso
“[...] o governador (Padilha) vem sendo mal informado pelos seus assessores, nos
quais acredita. E não os fiscaliza nem leva em boa consideração as críticas feitas à sua
administração por atos de auxiliares praticados em seu nome”. (A Tribuna, 13/02/1974, p.3)
Em 8 de dezembro de 1974, restando três meses para o término do governo do sr.
Raimundo Padilha, o jornal O Fluminense registrava: está esburacado o asfalto no trecho
de pista paralelo à rua Visconde do Rio Branco, logo na altura da saída da Av. Feliciano
Sodré, que acesso ao Aterro do Projeto Praia Grande, enquanto as obras se desenvolvem
com muita lentidão em meio a lamaçais e matagais ao lado dos canteiros de obras. Aos
domingos, os catadores de papéis, com marginais, exploram a área”.
Os relatos na imprensa sobre a descoordenação, os desmandos, desacertos, na
condução do Projeto Praia Grande, são numerosos. Selecionamos alguns deles com
adaptações, nos textos, cuja natureza já explicitamos anteriormente.
114
Ao final de 1974, o volume de obras a ser realizado e sua lentidão demonstravam que
o projeto não tinha condições de ser concluído até 15 de março, ainda na gestão do
governador Raimundo Padilha, como sempre fora anunciado ampla e exaustivamente. Na
DESURJ, não havia informações sobre a previsão do cronograma, embora o projeto tivesse
absorvido, somente em 1973, aproximadamente 70 mil cruzeiros novos (70 milhões de
cruzeiros antigos, ou seja, dez milhões de dólares conseguidos de empréstimo em um grupo
de sete bancos internacionais).
Dessa forma, os 1.200.000 metros quadrados de área verde, anunciados para serem
entregues ainda na Administração Padilha, ao que tudo indicava não sairiam mesmo antes que
o vice-almirante Floriano Peixoto Faria Lima tomasse posse.
5.1.9.3 Crise
A “obra-sonho” do governador estava ameaçada inclusive pela falta de uma solução
técnica entre a SANERJ - Empresa Estadual de Saneamento - e a Prefeitura para o problema
das redes de águas pluviais e dos esgotos, na área do “aterro das barcas”, provocando, em
agosto de 1973, a paralisação quase total das obras.
Cento e vinte caminhões, que eram empregados nos serviços do aterro e
terraplenagem, foram dispensados pela DESURJ até que fosse encontrada uma solução.
Mas, para evitar descontentamentos, a empresa permitiu que os caminhões formassem
um verdadeiro estoque de pedras sobre o aterro. (A TRIBUNA- 17/08/1973, p.1)
A obra do aterro, executada pela DESURJ, teve seu ritmo reduzido a quase o nível
zero, em que pese o interesse do governador por ele afirmado de concluí-la e deixá-la
como um marco de sua administração, inclusive por ser o aterro da Praia Grande uma obra
para atender às necessidades de desafogo do tráfego, com a inauguração da Ponte Presidente
Costa e Silva, marcada para janeiro de 1974.
“Quem passasse pelas obras de aterramento, em agosto de 1973 - salientava A
Tribuna naquela mesma edição-, teria a impressão que o governador não estava
sendo bem assessorado pelos seus auxiliares diretos. A SANERJ, por exemplo, não
havia dado solução aos problemas das redes de águas e esgotos, obrigando os
caminhões a fazerem voltas, pois não podiam aterrar os valões onde os esgotos eram
dirigidos ao mar. A Prefeitura não deu solução ao escoamento das águas pluviais,
deixando de construir galerias, em extensão às “bocas” da orla, que terminariam no
enrocamento do trecho aterrado.
Por outro lado também não se decidia a questão com o Serviço de Transportes da
Baía de Guanabara (STBG), que pretendia deixar a antiga hidroviária quando
fosse para se instalar no terminal definitivo (que se encontrava em construção) e
não em um provisório, como pretendia a DESURJ.
Diante desses impasses, a DESURJ não sabia o que fazer com as pedras retiradas da
pedreira de Jurujuba e transportadas por caminhões com chapas de estados sulistas.
115
Mas, enfim, acabou tomando uma decisão: passou a acumular as pedras (destinadas
ao futuro enrocamento, que atingiria o canal navegável Rio-Niterói, no qual as
barcas do STBG manobravam), na parte aterrada, no Gragoatá, que logo se
transformaria numa pedreira artificial e fracionada. Havia pedra estocada suficiente
para fazer a ligação granítica Rio-Niterói – é o que afirmava o jornal A Tribuna.
Aliás, para pagar esse transporte e não provocar descontentamento com os donos de
caminhões com uma paralisação das obras, a DESURJ sacou, na época, dois
cheques: um de Cr$ 28 milhões e outro de Cr$ 19,5 milhões, junto a CODERJ
39
importância que corresponderia a 50% da receita de todo o Estado, em um mês;
quase o dobro do custo da Central de Abastecimento do Colubandê (hoje Ceasa) e
suficiente para construir 5 mil salas de aula ou para pagar, na época, o aumento de
15% do funcionalismo, durante quatro meses.
Todos esses gastos em função de um plano, considerado por alguns técnicos e
analistas como não prioritário na escala de problemas até então suportados pela
Capital fluminense.
E a ata?
haviam se passado cinco meses em 30 de agosto de 1973, sem que a ata de uma
reunião convocada pela diretoria da DESURJ, para ser realizada em 20 de abril
daquele ano, tivesse sido publicada, conforme exigia a legislação em vigor.
O curioso é que não se sabia se a reunião havia sido realizada ou não, ao mesmo
tempo em que, nesse último caso, não houve qualquer convocação para a
Assembléia, caso a reunião anterior não tivesse sido realizada. E o jornal A Tribuna
de 17/08/1973 - edição 11.211- indagava: “Pode uma empresa permanecer tanto
tempo sem realizar Assembléia quando importantes temas estão em suspenso?” (A
TRIBUNA- 17/08/1973, p.3).
Na realidade, além dos problemas que a DESURJ enfrentava com o STBG, SANERJ e
Prefeitura de Niterói, havia também questões de natureza jurídica, que o governo não
estava, efetivamente, de posse da área do aterro.
Para executar apenas 2.070 metros quadrados de enrocamento, a DESURJ conseguiu
formar duas “montanhas” de pedras na Baía de Guanabara, fazendo um estoque inédito que
ocupava uma área de 300 mil metros quadrados.
Na época, houve desmentidos, mas o jornal A Tribuna informava que cada caminhão
recebia Cr$ 1,5 mil por dia, apenas para transportar as pedras que estavam sendo
armazenadas, com uma despesa diária de transporte de Cr$ 77 mil (A TRIBUNA- 16 e
17/09/1973, p. 1 e 4).
De fato, a obra do Aterro Praia Grande estava sendo envolvida em sigilo quanto aos
custos de seus serviços. Junto à direção da DESURJ não se conseguiam detalhes sobre o
assunto, embora fosse do interesse público e conduzido por uma empresa pública. Da mesma
forma os engenheiros e até modestos servidores ou trabalhadores se negavam a dar
39
A Companhia de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro -CODERJ- teve como sucessora a Nova
CODERJ, Crédito, Financiamento e Investimentos, que constituía um sistema, formado pelo BERJ - banco
oficial do Estado; CODERJ Seguros; CODERJ Crédito Imobiliário, voltada para o financiamento de unidades
residenciais e empreendimentos urbanísticos de interesse comunitário; CODERJ Distribuidora - com atuação no
mercado de capitais; BANCODERJ - banco de desenvolvimento e fomento à industria, comércio e agropecuária.
(PADILHA, 1975)
116
informações. Um dos engenheiros procurados por um repórter do jornal A Tribuna mandou o
jornalista ir fazer perguntas no Palácio do Ingá”, embora a sede da DESURJ estivesse
localizada na Rua Visconde de Moraes, próximo ao Palácio.
Ao procurar-se saber qual “a empresa” proprietária dos caminhões, o sigilo foi maior,
revelando-se, apenas, que havia um carreteiro responsável pelo movimento.
A única informação diária obtida entre os executores do aterro - salvo as fornecidas
em caráter oficial - é a de que cada caminhão transportava de 15 a 20 toneladas de pedra, por
viagem, sendo pagos Cr$ 4.00 por tonelada.
As outras informações eram de domínio público: os caminhões trabalhavam as 24
horas do dia, cobrindo o percurso e executando a operação de embarque e desembarque, com
tranquilidade, no espaço de uma hora.
Na falta de informações oficiais ou extra-oficiais para saber o quanto estava custando
o aterro, em termos de transporte de pedras, restava fazer o cálculo com os dados acima e
mais o detalhe divulgado, na época, em matéria distribuída pela Agência Fluminense de
Informações - AFI, órgão também subordinado ao Gabinete Civil, cujo chefe, Mário Gliosci,
acumulava a presidência da DESURJ: A AFI revelava que, naquele momento (setembro de
1973), “atuavam em todo o projeto (..) 530 homens e 50 caminhões”.
Com base nesses dados reunidos, o jornal A Tribuna procedeu aos cálculos que,
então, seriam os seguintes:
1. Média de transporte por caminhão: 17,5 toneladas a Cr$ 4,00 a tonelada, é igual a Cr$
70.00 por viagem.
2. Cada viagem era cumprida em uma hora, ao custo de Cr$ 70,00, e os caminhões,
trabalhando dia e noite, apresentariam uma média de 22 horas por dia, totalizando Cr$
1.540,00 de despesa por caminhão.
3. Sendo empregados 50 caminhões ao custo/dia de Cr$ 1.540,00 “per capita”, atingia-se
o gasto diário de Cr$ 77 mil.
4. Como os caminhões trabalhavam sábados, domingos e feriados, o gasto de transporte
se elevaria a Cr$ 2.310.000,00 por mês (A TRIBUNA- 16 e 17/09/1973, p. 1 e 4).
5.1.9.4 Dragagem
Três dragas trabalhavam, em setembro de 1973, com a missão de promover o aterro
hidráulico, nos trechos do Gragoatá e da Armação. Juntas, elas tinham capacidade para
produzir mensalmente 700 mil metros cúbicos de aterro, sendo que as áreas a serem cobertas
117
careciam de 2.670.000 metros cúbicos para a conclusão. Quanto ao trecho do canal navegável
das barcas, a DESURJ considerava-o como ponto crítico de maior profundidade a exigir
2.080.000 metros cúbicos de aterro. A empresa, contudo, não revelava quando seria iniciado o
trabalho naquele trecho. Mas sabia-se, como vimos, que o STBG mudaria para a nova
hidroviária quando ela estivesse pronta, o que nunca ocorreu.
Separadamente, cada draga produzia as seguintes quantidades de aterro por mês: Ster I
350 mil metros cúbicos; King 250 mil metros cúbicos; e Elizabeth 100 mil metros
cúbicos. Porém, o custo do serviço nunca foi revelado.
Também não foram revelados dados quanto ao custo da pedra extraída das duas
pedreiras, localizadas em Jurujuba, e nem tampouco sobre o andamento do processo de
desapropriação do Aterro e de suas benfeitorias, além de outras despesas. (A TRIBUNA- 16 e
17/09/1973, p.4)
5.1.9.5 Pedração
Em termos de enrocamento, foram previstos 3.770 metros, estando concluídos
segundo informações da DESURJ, em setembro de 1973: 1.700 metros, restando concluir
2.070 – exatamente o que faltava para completar o aterro.
Contudo, A Tribuna, acompanhando, periodicamente, o andamento das obras,
manifestava sua estranheza:
1. Por que acumular montanhas de “até três metros de altura”, segundo o governo
(quando, na verdade, atingiam até cinco metros), em uma área de 300 mil metros
quadrados, quando se pretendia fazer o enrocamento de apenas 1.700 metros de
extensão, com três metros de altura e dois de largura?
2. Qual a razão técnica para tão impressionante estoque de pedras?
3. Como seriam transportadas as pedras, em sua segunda fase, encarecendo ainda mais o
transporte?
4. Por que formar aquele estoque para fazer o pequeno enrocamento do canal navegável
das barcas, quando se sabia que ele não poderia ser executado naquele período, mas
somente quando ficasse pronta a nova hidroviária? (A TRIBUNA- 16 e 17/09/1973, p.
1 e 4)
118
Além dessas, muitas outras perguntas e conjecturas ficavam no ar
40
. Mas uma resposta
do governo se fez sentir:
O jornalista Jourdan Amóra - diretor responsável e proprietário da Editora Esquema,
que publica os jornais A Tribuna e Jornal de Icaraí - foi preso para interrogatório durante a
Ditadura Militar, quando Raimundo Padilha governava o antigo Estado do Rio, por denunciar
o “Escândalo das Pedras”: dezenas de caminhões transportavam, dia e noite, toneladas de
pedras que eram amontoadas no Aterro Praia Grande. Comentava-se que o transporte era pago
a “peso de ouro” com as balanças pesando “quilos em toneladas”.
“A ‘montanha’ de pedras - conta Jourdan - ocupava cerca de 200 metros de
comprimento e 150 de largura, com altura, no mínimo, duas vezes superior à de um homem
de altura mediana. Raimundinho Padilha - filho do governador - era apontado como o mentor
desse processo. A DESURJ - empresa criada na época - gastou uma fortuna e não realizou
nada, tanto com essa obra quanto com a promessa de construção da rodovia litorânea Niterói
-Rio das Ostras”.
“Essas denúncias” - prossegue Jourdan -, “feitas no jornal A Tribuna, somadas a
outras relativas a outros escândalos daquela administração, resultaram em perseguição do
governo contra mim e contra o jornal, com apreensão de edições e minha detenção pelo
DOPS (Departamento da Ordem Política e Social), no dia 20 de abril de 1972. Prestei
depoimento, durante 13 horas, na Comissão Geral de Investigações, subordinada ao
Ministério da Justiça, mas com membros designados pelo Ministério do Exército”. (Jourdan
Amóra - em depoimento no dia 25/09/2006)
5.1.9.6 Obras sem fim
Quando, a 21 de agosto de 1968, o presidente da República aprovou os estudos sobre a
construção da Ponte Rio-Niterói e encaminhou mensagem ao Congresso Nacional, pedindo
autorização para sua execução, não havia dúvidas de que o governo, com todos os poderes
discricionários, executaria a obra então tida como um sonho.
40
Uma hipótese para a formação da “cordilheira padilhiana” consistiria na sua futura utilização no aterramento
do canal das Barcas. Mas a quantidade de pedras era considerada pela imprensa da época como muito além da
capacidade do canal. Outra possibilidade seria o aproveitamento de toda aquela tonelagem pétrea nas obras de
construção da rodovia litorânea Niterói-Rio das Ostras, que o governo estadual estava abrindo (e também não
concluiu). Mas para que transportar tantas pedras para um local tão distante do canteiro de obras da rodovia, que
começava na localidade de Itaipuaçu, no município vizinho de Marica? Enfim, até hoje não se conhece qual a
finalidade de todo aquele “entulho orogênico”, que lá permaneceu anos após o fim do mandato de Padilha.
119
A partir daí e até 4 de março de 1974, o governo do Estado do Rio e a Prefeitura de
Niterói dispunham de seis anos para a execução de um plano urbanístico capaz de preparar a
cidade para receber o fluxo de tráfego e desenvolvimento, por todos previsto. E bastaria
executar planos traçados desde a interventoria Amaral Peixoto ou aqueles traçados ou
renovados pela Comissão do Planejamento da Grande Niterói (CEPGRAN).
A ponte tornou-se uma realidade, enquanto os projetos antigos para a cidade foram
abandonados e, em planos de urbanismo, o atual governo do Estado gastou centenas de
milhões de cruzeiros com o Aterro Praia Grande, que nada representaria em função da Ponte e
nem ficaria pronto um ano após sua conclusão. (A TRIBUNA- 15/02/1974, p.1)
Quando assumiu o Palácio Nilo Peçanha, o governo Padilha anunciou suas obras
prioritárias: a) Aterro da Praia Grande; b) Estrada Litorânea Niterói-Rio das Ostras; c)
Construção do interceptor oceânico; e d) Construção de um hotel. Tudo em Niterói, onde o
então MDB venceu as eleições.
Faltando pouco para deixar o governo (março de 1975), com Raimundo Padilha
também acabaria o antigo Estado do Rio, sem que nenhuma das obras prioritárias estivesse
concluída. Seriam como “cadáveres insepultos”, deixados como herança para o sucessor,
almirante Faria Lima, e não haveria dinheiro para ressuscitar ou enterrar esses cadáveres, pois
a eles se juntavam tantos outros inconclusos, alguns deles iniciados em administrações
anteriores e jamais finalizados.
Como se não bastassem os milhões de cruzeiros gastos no Aterro da Praia Grande,
deixado inacabado, Faria Lima se depararia com outro sério problema: em 1975, terminaria o
prazo para o Estado pagar cr$ 25 milhões pela desapropriação, não efetivada, da área então
em aterramento.
Das metas prioritárias de Padilha, restava o Hotel Internacional. Em meados de
dezembro de 1974, prometia o governo inaugurá-lo em fevereiro seguinte, para entregá-lo à
exploração de um grupo particular
41
. Mas faltavam, ainda, obras de revestimento externo,
sistema de ar refrigerado para os 135 apartamentos, revestimento interno, instalações
elétricas, hidráulicas e sanitárias, instalação do centro fisioterapêutico, colocação de
elevadores para seus oito pavimentos, construção de área de estacionamento, ajardinamento,
41
CAPEL, Horacio 1983, p. 142: “[...] a preparação por parte dos órgãos públicos representantes, não
duvida, dos interesses da classe dominante- das ações precisas para potencializar e facilitar a obtenção de mais–
valias pelo capital privado (construção de infra-estruturas, preparação do solo urbanizado ou do solo industrial,
etc). Faltava pouco tempo (três meses para quatro anos de governo) sem que, ao menos, as “obras prioritárias”
da Administração Padilha tivessem chegado ao fim. (A TRIBUNA- 17/12/1974, p.1)
120
serviços de luz, força e telefone, capeamento asfáltico das pistas de acesso e ajardinamento do
entorno onde estava localizado.
O governador Raimundo Padilha não admitia qualquer suspeita sobre a conclusão do
Aterro Praia Grande - sua meta - sonho - até o final de sua permanência no Palácio Nilo
Peçanha. (A TRIBUNA- 21/08/1973, p.3)
Mas, em agosto de 1973 (quando Raimundo Padilha se aproximava de seu terceiro ano
de governo), uma coisa estava andando: após uma momentânea paralização das obras do
aterro, os caminhões voltaram à carga, com toda força, despejando toneladas de pedras
misturadas com terra onde existia uma “montanha” do mesmo material -, que seria para
fazer o enrocamento do trecho estação de cargas (do STBG)-Canto do Rio F.C. O volume de
pedra praticamente cobria a área até então aterrada, sendo que 50% do total de toda a área a
ser aterrada estava pronta quando a DESURJ iniciou seu controle. (A TRIBUNA-
23/08/1973, p.3). “Era inacreditável’ a capacidade da DESURJ em formar tal estoque de
pedras”. (A TRIBUNA- 21/08/1973, p.3)
5.1.9.7 Inversão de prioridades
Mas como estavam sendo aplicados os recursos e de onde eles estavam sendo sacados
para execução da obra?
No início de 1973, quando divulgou seu balanço - não - submetido ao Tribunal de
Contas -, a DESURJ fez inserir uma doação de 60 milhões (um mês da arrecadação do
Estado, à época), em favor dela própria, para as obras do aterro. Meses após, em 16 de maio
de 1973, a Secretaria Estadual de Finanças emitiu outro cheque de cr$ 60 milhões, por conta
de um empréstimo de valor equivalente em dólares.
Uma vez que tanto dinheiro havia sido investido na obra, iniciada 40 anos antes, era
preciso concluí-la. Porém, por não se tratar de obra prioritária, mas de elevado custo, e tendo
o governo criado uma empresa para levá-la avante, dever-se-iam encontrar os meios para
torná-la autofinanciável. Não, evidentemente, como previsto no programa anterior, que
previa a ocupação da área conquistada ao mar com 70% de blocos de concreto”. (IDEM).
“[...] E nada foi planejado pelas autoridades municipais e estaduais” [...], incapacitadas
para imporem aos concessionários do Aterro Praia Grande a exigência de sua conclusão; para
traçarem e executarem um plano de urbanismo que adaptasse o traçado das ruas, projetadas
por José Clemente Pereira, em 1819, às necessidades atuais - necessidades que se tornaram
mais exigentes a contar da implantação da indústria automobilística, em 1957; para combater
121
a poluição da Baía de Guanabara, ampliar os sistemas de águas e esgotos, acabar com as
favelas; para darem ao menos o apoio para que a capital pudesse ter um hotel; para apoiar as
iniciativas artístico-culturais; para impedir a extinção, por parte da volúpia imobiliária, de
praças esportivas e jardins; para preservar as áreas verdes; para dar à cidade condições de
receber um fluxo maior de desenvolvimento urbano com a Ponte Rio-Niterói ou, ainda, para
disciplinar a conquista da zona rural e da região das praias oceânicas, como continuidade da
cidade em expansão e delas fazer um núcleo humano [...]” (A TRIBUNA- 22/11/1973, p.1)
O Aterro era executado em ritmo de “Brasil Grande”, mas obras para dar condições de
habitabilidade e circulação a Niterói não eram executadas.
A Ponte Rio-Niterói ficaria pronta, mas nem buracos nas ruas, que complementariam
seu traçado e deveriam ser alargadas e receber viadutos, foram tapados.
A Tribuna fazia críticas ao mesmo tempo em que apontava alternativas:
“O Estado vinha fazendo vultoso investimento na obra do aterro, incompatível com
a sua realidade financeira (e tanto é verdade que o aumento de vencimentos do
funcionalismo era devido quase dois anos) e sem espírito de prioridade ou
identificação com os planos federais para a cidade. Antes do aterro, a cidade
necessitava de obras para solucionar sua grave situação sanitária e para receber a
Ponte Rio-Niterói, dando-se condições de circulação na “Niterói existente”. Por
outro lado, o aterro poderia ser efetuado mediante um plano estudado, no qual se
incluiriam algumas quadras para a construção de modernos edifícios (sem afetar o
espírito de área de lazer e até compondo com ele) - áreas que representassem pelo
menos a garantia de cobertura de 50% da obra. (A TRIBUNA- 04/05/1973, p.1 e 3)
A promessa de se fazer uma “Nova Niterói” (quando?) na área do “Aterro das
Barcas”, estava inebriando as autoridades da época, que se esqueciam do fato de que a cidade
necessitava - isto sim - de obras urgentes dentro da “velha Niterói”, para solucionar, de
imediato, os problemas de tráfego.
Estas obras tornavam-se urgentes não apenas porque as ruas, 10 anos, eram
insuficientes para o tráfego, como também porque o movimento de veículos na cidade havia
aumentando intensamente em função da expectativa de conclusão das obras da Ponte Rio-
Niterói, induzindo a que centenas de apartamentos começassem a ser construídos na cidade,
pelas Cohabs e construtoras privadas.
“Enquanto “badalavam” maquetes de uma obra imaginária (o projeto Praia Grande),
sem qualquer efeito prático imediato, as autoridades ignoravam os dramas vividos
pelos niteroienses, que enfrentavam dificuldades no seu dia-a-dia, diante da
precariedade dos serviços urbanos”. (A TRIBUNA- 22/08/1972 - pág.1)
Para o governador Raimundo Padilha, o Estado do Rio havia se preparado para receber
a Ponte Rio-Niterói. E ele citava o “Aterro da Praia Grande” como umas das iniciativas de sua
122
administração para atender às necessidades do tráfego, decorrentes da importante obra de
ligação com a cidade do Rio de Janeiro.
Mas A Tribuna contrapunha:
“Talvez, mesmo que o aterro tivesse sido concluído na sua gestão e pudesse ser
considerado uma grande obra, mas não uma obra prioritária. Antes de se jogar todo
o prestígio e capacidade de mobilização em uma obra daquela envergadura, numa
área nova, era indispensável dar as condições mínimas de viabilidade na área
original de Niterói.
O que foi gasto no Aterro, que não ficaria concluído quando da inauguração da
Ponte e nem no governo de Padilha, seria suficiente para abrir os túneis Genserico
Ribeiro-Largo do Marrom (que nunca foi concretizado), o segundo túnel de São
Francisco (na época, ainda não aberto) e o túnel Charitas-Piratininga, além de se
poder abrir duas novas ligações contornando a Caixa d’água, (no bairro da Fonseca)
– início da Rodovia Amaral Peixoto.
Por sua vez, -acreditava A Tribuna Prefeitura- deveria ter consumado o alargamento
das ruas São Lourenço, Benjamim Constant, Visconde de Sepetiba, Visconde de Rio
Branco e tantas outras, essenciais para que a mudança radical no tráfego, a partir da
entrada em funcionamento da ponte, não se transformasse em um problema, mas se
completasse como solução.
Por outro lado, a Prefeitura permitiu um desenfreado crescimento imobiliário da
cidade, agravando seus problemas de água, esgoto e trânsito, por falta de
planejamento.
Nem mesmo os buracos de ruas ou a conclusão de obras de alargamento (recuo de
meios-fios, defronte a prédios recuados) foram considerados pelos poderes públicos,
na iminência de conclusão da Ponte, quando os turistas encontrarão uma cidade
andrajosa e de dentes cariados”. (A TRIBUNA- 22/02/1974, p.1)
Sérgio Marcolini (2005), ex-vereador e ex-secretário Municipal de Obras debitam a
interrupção do projeto Praia Grande, com o fim do governo Padilha, ao desfecho do processo
da fusão:
“O Projeto Praia Grande consistiria, a partir da conclusão do aterro, na remodelação
do centro de Niterói. Mas o governo de Raimundo Padilha não terminou o projeto,
que, possivelmente, parou por causa da fusão. O problema todo foi esse. Todas as
obras, que eram de iniciativa do governo do antigo Estado do Rio de Janeiro, foram
ignoradas pelo pessoal oriundo do Estado da Guanabara, como foi o caso, além do
aterro, do projeto do emissário submarino de Niterói, cujos tubos foram fabricados e
acabaram ficando depositados em Charitas, no Preventório. O emissário, que estava
praticamente pronto, foi simplesmente paralisado, abandonado, com a fusão.
Desconsideraram tecnicamente o antigo Estado do Rio”.
O arquiteto e professor universitário Affonso Accorsi (2006) apresenta um quadro
caviloso envolvendo o transporte de pedras para o Aterro:
“Raimundo Padilha (designado pelo governo de exceção do período militar), e seu
filho Padilhinha... fizeram o aterro sem a menor pretensão de concretizar alguma
coisa, a não ser o objetivo de enriquecer enriquecimento ilícito. Eles precisavam
completar o enrocamento para, depois, a draga aterrar. Foram buscar pedras, quase
perto de Jurujuba, de uma pedreira que até hoje esta lá meio aberta.
Se fosse um aterro sério, se fosse um aterro que viesse integrar a cidade, expandir a
cidade..., desarticular, por assim dizer, uma articulação no limite, liberar essa
articulação... ela teria sido feita com um grau de otimização e economicidade. Se é
para efetivar o aterro, se isso é uma contribuição extremamente importante para a
123
cidade, como proceder? Pega-se a pedra em Jurujuba e a transporta em chatas
imensas, depositando-as na área do aterro para o enrocamento.
E o que eles fizeram? Embora tenham sido informados sobre tal alternativa,
promoveram uma “festa de caminhões” que passavam por toda a orla próxima a
Jurujuba, Charitas, São Francisco, Icaraí, Ingá, São Domingos, para virem até o
aterro, entrando pela Praia Vermelha.
Moral: esses caminhões eram recrutados em todo o território nacional. Trabalhavam
sem chapa porque o governo do Estado autorizou que eles fizessem o registro
mesmo sem chapa. Transitavam liberados. Destruíram a pavimentação toda. Um
negócio brutal, uma agressão física à cidade.
Conta-se que o pagamento da cota era feito de uma maneira extremamente irregular.
Quanto maior percurso existisse, mais custava o trajeto, e a passagem pela saída da
pedreira era feita quantas vezes quisessem, enquanto o Governo do Estado ia
desembolsando. Um percentual era para os caminhões e outro para o Padilhinha,
que, depois, teve que fugir, sendo processado pelo Poder Público ao incorrer em
crime por amealhar recursos públicos. Foi processado, preso, fugiu para o exterior
e, posteriormente, conseguiu se livrar”.
Dílson Gomes (2006), ex-secretário municipal de Urbanismo e ex-diretor de
Patrimônio da Prefeitura de Niterói, levanta uma hipótese no mínimo intrigante em meio às
causas que teriam precipitado a fusão:
“Uma das razões que teria contribuído para precipitar a fusão entre Estado do Rio e
Guanabara seria o desmando, o desgoverno da gestão Raimundo Padilha, que
acabou repercutindo em Brasília, levando o então Presidente Ernesto Geisel a
penalizar o grupo ocupante do Palácio Nilo Peçanha. Essa versão corrente sustentou
que, diante de muitas coisas mal conduzidas, Brasília decidiu-se pela fusão. E
Niterói perdeu muito: sua condição de Capital. Por outro lado, houve o
esvaziamento do poder político dos municípios do interior que, até então, tinham
contribuído para eleger governadores do antigo Estado. A fusão é uma discussão
histórica, mas, talvez, a complicada gestão Padilha tenha precipitado acontecimento
tão traumatizante para a cidade”.
5.1.9.8 Conflito com STBG
Em 26 de dezembro de 1972, a juíza Maria Helena Pellegrinetti Lourenço concedeu
liminar para impedir o aterro da orla marítima de Niterói nas proximidades da Estação
Hidroviária do STBG.
A medida foi tomada porque o aterro estaria prejudicando sensivelmente a manobra
das embarcações que faziam o tráfego Rio-Niterói. (A TRIBUNA- 27/12/1972, p.1)
Posteriormente, em 1973, o Serviço de Transportes da Baía de Guanabara (STBG)
ingressou, na Vara da Fazenda Publica, com interdito proibitório contra o Governo do Estado,
Prefeitura de Niterói e Cia. Fluminense de Desenvolvimento Urbano.
O STBG alegava que o Aterro Praia Grande prejudicava sensivelmente a manobra de
suas embarcações ao fazerem o tráfego Rio-Niterói.
O juiz Bernardo Machado Leituga considerou-se incompetente para julgar a causa (A
TRIBUNA – 30/11/1973- p.1) e remeter o caso a instância superior.
124
Porém, o final do imbróglio estacionou no patamar de onde nunca saiu: O trecho na foi
aterrado, inclusive porque o Governo do Estado nunca concluiu a nova hidroviária.
5.1.9.9 Paisagem estuprada
Ao se investir no governo do antigo Estado do Rio, por indicação do regime militar, o
Sr. Raymundo Padilha declarou: Em Niterói, se entra pelo quintal”. Ele prometeu construir
uma “sala de visitas”, no aterro da orla do centro da cidade, mas acabou transformando aquele
espaço em uma sapucaia e sorvedouro do dinheiro público gerado nos gabinetes do ex-Palácio
do Ingá (hoje museu), sob a inspiração de seu filho Raimundo Meirelles Padilha, e do seu
chefe da Casa Civil, Mário Gliosci. É o que registrava o jornal A Tribuna, em sua edição do
dia 11 de março de 1977, p.4, completando:
“A despeito da recomendação do Presidente Geisel, antes das eleições, mandando os
governadores concluírem as obras inacabadas “que irritam a população”, o Aterro
Praia Grande ficou paralizado nestes dois anos de Governo da Fusão e vem se
transformando no vazadouro de todo o tipo de aterro e também de lixo, formando
montanhas que impedem –mesmo quem passa de ônibus- gozar as vantagens de uma
cidade litorânea e compreender a “gozação” dos cariocas, segundo a qual “o que
Niterói tem de bom é a vista do Rio”.
Como se viu, a história do Aterro Praia Grande foi marcada por escândalos desde
quando, em 1941, foi constituída a Companhia Melhoramentos de Niterói e, a partir daí,
passando para novas figuras jurídicas: Companhia União Territorial Fluminense, Dahne &
Conceição, grupos Silvério Séglia, João Pereira dos Santos e, finalmente Planurbs, sendo que
episódios envolvendo esta última, possivelmente, teriam levado ao suicídio o então ministro
da Fazenda Souza Dantas, que estaria envolvido em um emaranhado de questões espinhosas
vividas pela empresa.
Desapropriado, em parte, por seu antecessor, Geremias Fontes, o aterro foi entregue ao
governador Padilha, que teria prazo de 4,5 anos para depositar os valores e se investir na sua
posse, mas ele preferiu projetar um mirabolante plano urbanístico, sem mesmo consultar o
Serviço de Transportes da Baía de Guanabara (STBG), que rejeitou a Estação Hidroviária em
construção, pelo seu governo, perto da Ponta D’Areia.
Esgotado o prazo jurídico para o Estado se investir na posse legal da área, indenizando
os proprietários –inclusive a Caixa Econômica Federal, nada foi feito, e toda ela, beneficiada
com obras executadas, acabou sendo o pivô de ações na Justiça, movidas por proprietários
privados, que se achavam no direito de ser indenizados ou recuperar a posse dos terrenos.
125
Consumindo verbas superiores a arrecadação de cinco anos da Prefeitura de Niterói, o
Aterro ficou inacabado no governo Padilha. E o governo do almirante Faria Lima, além de
não prosseguir a obra, manteve, com novas despesas para o Estado, a firma DESURJ -
encarregada, na administração anterior, de supervisionar as obras do Aterro -, que deveria ter
sido extinta por falta de finalidade.
A Tribuna, na mesma edição anteriormente citada, registrou ainda:
“Além de somas fabulosas, pagas com dragagem hidráulica e um escandaloso
transporte de pedras (uma montanha delas permanece no Gragoatá), executando
mais 1/3 do Aterro, o Governo passado nada deixou em benefício de Niterói mas, ao
contrário, agravou a situação de abandono exatamente na entrada da cidade”.
(IDEM)
Quem passasse pela orla marítima de Niterói, na segunda metade dos anos 70, não
conseguiria mais admirar a paisagem da Baía de Guanabara ou a passagem de lanchas e
aerobarcos. E nem mesmo a visão panorâmica do litoral carioca.
Após os equívocos cometidos pelo Estado, a Prefeitura vinha permitindo que
construtores despejassem caminhões de terra naquela área, colocando-a a um nível superior
em três metros do piso das avenidas litorâneas. Além disso, outros caminhões, e até mesmo
comerciantes das imediações e veículos da Municipalidade, despejavam lixo naquela área
mais central da cidade, que deveria se constituir na sua “sala de visitas”. Nem mesmo para
estacionamento a extensa área vinha sendo usada, sendo palco de “crimes de morte, abrigo de
mendigos e esconderijo de marginais”. (IBIDEM)
O mato crescia, o mau cheiro dominava a área, que se transformou em ponto ideal
para a proliferação de mosquitos e ratos, pondo em risco a saúde da população, que
enfrentava, por outro lado, o agravamento do drama das inundações nos dias de chuva, porque
as saídas das galerias de águas pluviais estavam entupidas. Em outros trechos, o
empoçamento de água de esgotos ou chuvas servia à criação de “caramujos” e se constituía
numa latente ameaça à saúde pública.
Os inquéritos conduzidos pelo coronel Ney Fassheber de Castro e Silva, quando
presidente da Comissão Geral de Investigações, estavam paralisados, com o governo da Fusão
se negando, inclusive, a processar o ex-governante que teve suas contas rejeitadas pelo
Tribunal de Contas e pela Assembléia Legislativa, bem como outros desmandos comprovados
por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, cuja denúncia foi arquivada pela Procuradoria
Geral do Estado.
Até 1978, o aterro permaneceria praticamente inalterado tal como foi deixado pelo
governo Padilha. Ou seja, relegado ao abandono.
126
O secretário de Obras e Urbanismo da Prefeitura de Niterói, na época, Mário de
Abreu, considerava o Aterro Praia Grande como uma verdadeira casa da mãe Joana (O
FLUMINENSE, 23/03/1978, p.10), uma casa sem dono. E recomendava que o melhor a fazer
fosse cercar a área, deixando entradas em alguns trechos, até que o governo do Estado se
dispusesse a manifestar interesse em seu aproveitamento.
Ao mesmo tempo, Mário de Abreu anunciava que a Prefeitura de Niterói iria utilizar
uma faixa do aterro, a título precário”, para instalar terminais de ônibus que circulassem
entre Niterói e São Gonçalo.
A recuperação da área, para Mário de Abreu, dependeria de órgãos da esfera estadual,
principalmente da Secretaria de Estado de Transportes, salientando, contudo, que as obras
seriam de grande vulto, além de conter implicações jurídicas complicadas. De qualquer forma,
- para ele - aquilo não poderia ficar per omnia saecula saeculorum.
Mário de Abreu mostrava-se cético com a situação da área aterrada no que teria sido o
Projeto Praia Grande. A fiscalização era precária. Guardas da Prefeitura, em número
insuficiente, rondavam a área apenas durante o dia, permitindo, com isso, que caminhões
despejassem, durante a noite, lixo e materiais imprestáveis.
O Secretário Municipal de Obras e Urbanismo descrevia um pouco da atividade
humana na área: Ali tem de tudo, é uma “zona”, um depósito de lixo e entulho. Caminhões
de mudança estacionam, a Coderte explora estacionamentos, vem circo, vem feira, as
empreiteiras instalam canteiros de obras, como é o exemplo da SIT e da Telerj, que se
encontram no setor”. (O FLUMINENSE- 23/03/1978)
5.1.9.10 Estudos + estudos
Em abril de 1975, durante o governo Faria Lima, o então secretário de Obras e
Serviços Públicos, Hugo de Mattos, anunciava que as obras do aterro da orla marítima de
Niterói seriam reiniciadas depois da conclusão dos estudos, que estavam sendo feitos por
comissões especiais e grupos de trabalho.
Um desses grupos estava verificando o Projeto Praia Grande, onde muita coisa seria
modificada, melhorando a obra e procurando dar um outro aspecto no lado urbanístico (O
FLUMINENSE, 17/04/1975). Somente depois da conclusão desses estudos de verificação e
viabilidade é que o governo prosseguiria as obras.
Ao mesmo tempo, a Secretaria de Obras e Serviços Públicos estava fazendo um
levantamento, - de acordo com entendimento feito pelo Secretário de Obras e Serviços
127
Públicos com o presidente da Associação Brasileira dos Empreiteiros de Obras Públicas
(ABEOP), Fernando Petrucci – da situação real de débito do Estado para com os empreiteiros,
visando determinar uma forma de pagamento aos mesmos.
Entretanto, a Assessoria de Comunicação Social da Secretaria de Estado informava
que não havia “problema nem quanto ao pagamento nem com relação à continuidade das
obras”. Estas, segundo as mesmas fontes, não haviam sido paralisadas totalmente, ocorrendo
apenas uma diminuição do ritmo de trabalho de vários serviços.
Por seu lado, segundo a ABEOP, a dívida do Estado estava por volta de Cr$ 350 a Cr$
400 milhões. (IDEM)
5.1.9.11 Dolorosa desfiguração
O resultado de todo esse conjunto de disparates e agressões ao meio ambiente foi
sintetizado pelo o memorialista Luiz Antônio Pimentel (2002, p.14, 15) ao avaliar a
transformação pela qual passou a orla central de Niterói.
“O aterro foi chamado de Aterro da Praia Grande, ficando assim pomposo até como
se estivessem respeitando a Praia Grande na obra funesta, na obra de grande
desrespeito à Praia Grande que foi o aludido aterro. Ele foi engendrado por uma
firma do tempo das intervenções - porque com a Revolução de 30 passou a ser
intervenção sobre intervenção, não havia eleição, não havia coisa nenhuma. E
começaram a desfigurar a cidade. Desfigura daqui, desfigura dali, desfigura acolá.
Até que, em nossos dias, coisa muito recente, a desfiguração mais dolorosa, mais
criminosa, mais radical teria sido feita na Praia Vermelha, que é aquela praia que
ficava entre a ilha da Boa Viagem e a ponta do Gragoatá, praia que foi o grande
motivo dos grandes pintores da escola do ar livre, porque tinha realmente uma
beleza extraordinária. Era uma lombada grande com uma vegetação em cima, aquela
gengiva de barro vermelho, aquela lombada verde que os pintores cansaram de
pintar, divulgando as belezas da nossa terra.
Essa mania de aterramento começa na intervenção do senhor Amaral Peixoto. Mas,
como eu dizia, a parte mais dolorosa mesmo não teria sido essa desfiguração que
eles fizeram assim, essas mordidas, essas dentadinhas - teria sido aquela, drástica,
que fizeram demolindo totalmente a lombada que ia dali da rua da Boa Viagem,
daquele caminho que vai dar em cima da ilha da Boa Viagem, até a ponta do
Gragoatá, aquela parte selvagem ali. Eles derrubaram aquilo, puseram na cota zero,
esquecendo e desrespeitando que ali era o marco inicial das medidas do Sesmo ou da
Sesmaria que o Araribóía teria recebido da Coroa. Então, aquilo estando na cota
zero, o que eles pegaram da demolição aterrando a praia fizeram um simulacro de
Avenida Beira-Mar, uma avenidinha beira-mar de proveta, e para não ficar assim
muito nu, puseram ali uma construção muito boa e muito bem feita, o prédio das
Geociências da UFF. Era ali a Praia Vermelha. Para a Universidade é o edifício das
Geociências, para mim - eu que sou moleque daquele tempo - é o Mausoléu das
Barreiras Vermelhas. A antiga Praia Vermelha ali existiu, ali foi soterrada... Foi
desterrada, que não é o caso de soterrar. Foi desterrada, como foram as barreiras
vermelhas que figuram na Sesmaria doada a Araribóia.
Não bastasse isso, quase nos nossos dias, depois da quartelada de primeiro de
abril, depois da ditadura de primeiro de abril, continuaram a coisa, e dentro do que
haviam projetado fizeram um aterro. Mas aterraram mesmo! Está para quem
quiser ver. Aterraram da Ponta do Gragoatá à Ponta da Armação, deixando apenas
128
uma meia-luazinha para a atracação das barcas. (...)” (Luís Antônio Pimentel -
depoimento prestado no livro Memória de Niterói- 12 depoimentos).
5.2 Comentando
Obras inacabadas têm ocorrido, com certa freqüência, ao longo da história urbana
hodierna de Niterói: assim foi, por exemplo, com a construção do Hotel Panorama, na década
de 1950, cujo esqueleto permanece até hoje em pé, no Morro da Viração; o prédio do novo
Tribunal de Justiça, levantado no centro da Praça da República, nos anos 60, pelo governo
Geremias Fontes, e implodido na Administração Padilha; o Caminho Niemeyer, ingressando
agora na segunda década de execução; e o próprio processo de ocupação do Aterro Praia
Grande - definido em diversos projetos, de modo abrangente ou pontual, mas nunca
completamente concluído, permanecendo dessa forma até hoje.
A área do aterro se tornou, inclusive, uma ameaça ao interesse público, pois não tendo
o governo Padilha efetuado a desapropriação, poderia voltar ao domínio particular, com
incalculáveis prejuízos para o Estado. Até hoje, inclusive, ocupações de iniciativa do Poder
Púbico vêm sendo argüidas judicialmente por interesses privados, que se consideram
esbulhados em seus direitos, pleiteando, em conseqüência, vultosas indenizações.
Por outro lado, o grupo palaciano que cercava Padilha demonstra que, freqüentemente,
os núcleos duros do poder procuram auferir benefícios no mínimo paroquiais, aproveitando-se
da posição de que, em geral fugaz, mas sofregamente, desfrutam nas coxias dos núcleos
decisórios, o que muitas vezes, implica na malversação de recursos públicos.
129
CAPÍTULO VI
COMUNIDADE POR BAIXO
Alusões fáusticas
Eles iriam esbravejar em vão todos os dias,
Cavar e esburacar pazada por pazada;
Onde as tochas enxameavam à noite,
Havia uma represa quando acordávamos.
Sacrifícios humanos sangravam,
Gritos de horror iriam fender a noite,
E onde as chamas se estreitam na direção do mar
Um canal iria saudar a luz.”
(Marshall Berman citando o Fausto, de Goethe)
Pois o ouro acirra os ânimos,
Depende do ouro tudo o que pesa sobre nós, os pobres”!
(Idem)
Atmosfera política sufocante
“Se tem sentido falar em esquizofrenia para um País, aqueles foram sem dúvida os
anos de esquizofrenia política brasileira. O Estado fecha-se na esfera pública-institucional, ou
anti-Estado, e a sociedade apenas aglomerava indivíduos desarticulados politicamente e
assolados pelo medo”.
(Franciso Weffort, 1988, p. 17)
130
“[...] A política tem sido, na era moderna e, essencialmente, nos regimes autoritários,
uma guerra para soterrar as diferenças [...] O autoritarismo brasileiro (pós-golpe de 64) é a
tentativa da nossa história talvez mais violenta, no sentido de se tentar construir um
“consenso”, “homogeneizar” as vontades políticas e eleger atores “autorizados” para o seu
exercício”.
(Diógenes)
“[...] Chegamos a um dos problemas mais perturbadores: a extraordinária passividade
das pessoas diretamente interessadas, concernidas pelos projetos, postas em questão pelas
estratégias. Por que esse silêncio dos usuários? Por que os balbucios informes das
“aspirações” quando nos dignamos consultá-los? Como explicar essa estranha situação? [...]
“[...] que prática é possível se o habitante e o usuário permanecem mudos?”
“A passividade dos que habitam, mas que poderiam e deveriam “habitar como poetas”
(Holderlin), não poderia ser comparada ao estranho bloqueio que freia o pensamento
arquitetural e urbanístico?”
“Os projetos são atingidos por uma espécie de maldição. Eles não podem ir além da
utilização de alguns procedimentos gráficos ou tecnológicos. A imaginação não consegue
alçar vôo [...]”.
“A intervenção maciça dos interessados mudaria a situação. Ela permitiria à pesquisa,
às reflexões, aos projetos, transpor o limiar diante do qual estancam? Talvez.Ora, a
intervenção nunca aconteceu. Pode-se notar aqui ou ali alguns indícios de um interesse novo.”
Em nenhuma parte ocorreu um movimento político, ou seja, que politizasse os
problemas e os objetivos da “construção”.
(Henri Lefebvre)
6.1 Prioridades equivocadas
Os termos “viabilidade” e “prioridade” foram inovações no dicionário administrativo
do Poder Público, implantados pela nova geração de técnicos e administradores surgida e
projetada pelo regime militar de 1964 e que induziu, na época, à expectativa de uma nova
visão e forma de conduzir a Administração Pública, sob os ditames da produtividade. O
governo Raimundo Padilha parecia caminhar na contramão de tal filosofia, perpetrando
avaliações equivocadas e invertendo prioridades, com conseqüências funestas.
Conforme registrava o jornal A Tribuna:
131
“O Aterro Praia Grande abraçando planos das décadas de 1930 e 1940 era uma
obra que, se concluída, talvez pudesse ser admirada pela sua beleza, mas não se
constituía em empreendimento de que a cidade prioritariamente necessitasse.
O que parcela da opinião pública reclamava é que os recursos aplicados, no Aterro
Praia Grande e na Estrada Litorânea Niterói-Rio das Ostras (na qual estava incluída
a abertura do túnel Charitas-Piratininga dois carros-chefe da Administração
Padilha) fossem direcionados, em caráter emergencial, para a reconstrução da rede
de águas e esgotos (para que a construção de novos imóveis não sofresse
interrupção, segundo uma lei que tramitava na Câmara Municipal) no alargamento
de ruas, construção de viadutos, pontes, praças de esporte, escolas, postos de saúde,
unidades habitacionais e criação de jardins nos bairros.
Depois, em um segundo momento, se atacaria a “obra do aterro” - considerada pela
comunidade como não essencial para resolver problemas de habitalidade, que não
seriam estipendiados pelo governo Padilha teimoso em ignorar tais demandas”.
(A TRIBUNA- 27/03/1973, p.3)
6.2 Antidemocracia
Ao assumir o controle do “Aterro das Barcas” com a intenção de prosseguir na
conquista de áreas ao mar e cumprir o desiderato do Sr. Raimundo Padilha de ali implantar
uma verdadeira sala de visitas para Niterói, onde hoje se entra pela cozinha (A
TRIBUNA, 22/12/1971, p.1), o Governo do Estado, diante de questão de tamanha relevância,
de importância tão direta para os interesses dos municípios, deveria ter submetido,
antecipadamente, suas pretensões ao conhecimento popular. Democraticamente, o povo
deveria ter sido ouvido sobre os planos dos técnicos para transformar a vida da cidade.
E tal pronunciamento deveria ter sido feito, também, para esclarecer a situação de dez
mil cotistas lesados pelo “golpe do shopping center”, que foi incluído na desapropriação, mas
os proprietários de dependências no shopping nada receberam do Estado; para situar a posição
dos clubes da orla marítima, que tinham promessas de ocupar novas posições à beira mar,
após a conclusão do aterramento; para definir se o plano de aproveitamento da área atenderia
aos autênticos interesses da população, não se constituindo, meramente, em um plano técnico,
ou um plano inumano ou um plano a mais...
E o jornal A Tribuna, na edição de 22/12/1971, indagava e propunha:
Por que não aliar a beleza paisagística, o arrojo do plano moderno, a uma obtenção
de recursos - com venda de áreas mínimas - para ampliar-se a urbanização da “velha
Niterói”, pois o povo prefere a liberdade de movimentação, vagas para estacionar,
vias modernas e seguras, a um plano apenas belo e de aproveitamento apenas nas
horas de lazer. Quer, evidentemente, um jardim amplo e moderno, mas, acima de
tudo, uma cidade habitável, no conjunto”.
A obra do aterro era estadual, atendendo a um município: Niterói, na sua condição
de Capital.
Qual a sua importância?
Dar beleza à entrada da cidade. Construir um novo cenário de cartão postal; gerar
conforto, com uma expressiva área verde, para quem pudesse consumir conforto
(embora para sair da área verde e embarcar nas lanchas fosse preciso andar um tanto
quanto); realizar uma obra que a iniciativa privada não conseguiu concretizar em
132
mais de 30 anos, deixando-a como marca de um governo. Mas, por outro lado, seria
uma obra para recuperação do município, tão carente, na época, de melhorias no
setor de águas e esgotos, vivendo a cidade em estado de significativa precariedade
sanitária, sendo parcela de sua população acometida de tifo, hepatite e outras
doenças.
Em dimensão mais geral, um empreendimento a exigir maior imediatismo era a
reurbanização. As obras da Ponte Rio-Niterói, em 1973, caminhavam céleres. O
Governo Federal havia lançado um plano de “vias expressas” para oferecer
alternativas de escoamento do trânsito em cidades que sequer tinham os problemas
que uma obra como a Ponte geraria. Eram problemas menores e, no entanto,
considerados graves e merecedores de preocupação por parte da Administração
Federal.
Enquanto isso, as autoridades fluminenses não se movimentavam para conquistar o
apoio do governo central na efetivação de soluções. Até meados de 1973, não fora
iniciada qualquer obra para permitir o escoamento do tráfego maciço oriundo da
Ponte, nem mesmo o alargamento de ruas próximas aos acessos da Ponte. Ou seja,
nenhuma obra de reurbanização, pelo menos nos trechos mais próximos e vitais para
a Ponte, havia sido iniciada.
Onde a Ponte iria desembocar? Na super congestionada Rua Marquês do Paraná ou
na complicada Alameda São Boaventura? Como os veículos conseguiriam andar? -
indagava a população impotente e parte da imprensa local.
Enquanto isso, potente draga executa um aterro faraônico, tocado como se fosse à
obra de salvação do Estado do Rio. E a impressão de que todos os cofres do
Estado foram fechados para esta realização, que implica em financiamentos
internos e externos, os quais não se sabe até qual governo terão que ser
saldados.”(A TRIBUNA- 23/05/1973, p.1)
6.3 Chuva de Pedras
Em novembro de 1973, o engenheiro Irajá Demaria Ziesemer teve que se apresentar
perante o juiz João Antonio da Silva para responder a acusação de estar provocando explosões
criminosas na Pedreira de São Pedro, no morro do Samanguaiá, em Jurujuba, que estariam
colocando em perigo a vida dos moradores da localidade de Peixe Galo, próximo ao Hotel
também denominado Samanguaiá.
Fragmentos de pedra produzidos pelas explosões estavam sendo utilizados no
aterramento da Baía de Guanabara, em função do Projeto Praia Grande, mas várias casas das
proximidades haviam sido atingidas, embora, surpreendentemente, até aquele momento,
ninguém tivesse sofrido ferimentos. Os moradores estavam, entretanto, apavorados com as
conseqüências reais e eventuais das explosões.
O engenheiro Irajá declarou ao magistrado que as cargas de dinamite obedeciam ao
padrão usual nesse tipo de atividade e que o fenômeno, culminando por afetar residências, era
conhecido como “dispersão de pedras” ou “pombo correio”. Tratava-se, segundo ele, de algo
imprevisível e não havia normas de prevenção para evitar que casas próximas fossem
atingidas. (A TRIBUNA- 30/11/1973)
133
6.4 Podridão líquida
A conclusão apenas parcial do aterramento da Praia Vermelha e Boa Viagem gerou
uma série de transtornos para a comunidade local: por trás da beleza da paisagem que ainda
podia ser descortinada, a água do mar havia ficado empoçada em três lagoas, que se
transformaram em focos de mosquitos e moscas, depósitos de esgotos de três bairros, pontos
de encontro de usuários e traficantes de drogas, abrigo de assaltantes.
A partir de 1975, os moradores passaram a manifestar seu descontentamento com o
abandono da área e o descaso das autoridades, ora prestando depoimentos a veículos de
comunicação, ora se unindo, ainda que timidamente, para dirigir apelos às instâncias
responsáveis.
Quando as obras do aterro foram paralizadas, ao término da gestão Padilha, havia
restado uma extensão de mar, cercada de terra, a qual, sem possibilidade de renovação,
apodreceu. Ocorre que, naquele local, eram despejados os esgotos de três bairros: Boa
Viagem, São Domingos e Ingá.
As malcheirosas lagoas, em que o mar aprisionado se transformara, acabaram se
tornando uma imensa fossa. Na podridão líquida, boiavam fezes e lixo. O cheiro sórdido era
sentido pelos moradores dos edifícios e casas das imediações, principalmente pelos residentes
nas ruas Edmundo March e Presidente Dominicano. A “fossa do aterro” era fonte de perigo de
contágio para crianças que costumavam se dirigir ao local para brincar. “Precisamos estar
atentos para evitar a contaminação “- dizia Roque Furtado um morador do bairro, à
reportagem do jornal O Fluminense, acrescentando:- “Desde que a DESURJ começou a
construção do aterro, ninguém mais teve sossego. Casos de hepatite tornaram-se comuns”.
Mas a visão da imensa fossa em que havia se transformado o Projeto Praia Grande era
tão deprimente quanto os terrenos baldios cobertos de capim, que serviam de refúgio
segundo a comunidade local a desclassificados de toda espécie. “Essa imensa fauna de
marginais serve de escândalo aos moradores daqui, especialmente às nossas crianças, que se
reúnem para brincar e voltam correndo, apavoradas com as cenas que presenciam” -
declarava o cidadão Roque Furtado, morador na Rua Edmundo March. (O FLUMINENSE -
17/02/1976)
134
6.5 Pesadelo Demolidor
A partir do primeiro semestre de 1973, a falta de definição em torno das ruas que
seriam atingidas pelo projeto de urbanização da orla marítima de Niterói passou a preocupar a
maioria dos moradores do bairro de São Domingos, alarmados com a informação de que o
governo poderia, a qualquer instante, decretar uma série de desapropriações sem respeitar o
valor histórico de velhos casarões, que consagraram o bairro como o mais tradicional da
cidade.
Comerciantes antigos temiam, inclusive, que a tranqüilidade das ruas estreitas, como a
Passos da Pátria (que ainda guardava algumas características da era imperial, onde D. Pedro
II, segundo constava para moradores locais, costumava visitar amigos) se transformasse em
injustificáveis pistas de alta velocidade, tirando também o hábito de encontros entre políticos
e seresteiros.
A área mais ameaçada de demolição, conforme comentários entre os funcionários do
Consórcio Codrasa/Ster responsável pelas obras do Projeto Praia Grande era o quarteirão
que abrangia a Praça de São Domingos, defronte ao antigo Estaleiro Cantareira, que poderia
atingir um lado inteiro da Rua Guilherme Briggs, onde as novas construções estavam
proibidas desde 1930, tendo sido aberta apenas uma exceção para a instalação do Colégio
Maria Thereza (hoje um conjunto de faculdades). (A TRIBUNA- 19/04/1973, p.5)
Ao mesmo tempo, os moradores dos bairros de São Domingos e Gragoatá – durante as
operações de aterramento da sua orla manifestavam entre si a insatisfação com a lentidão
das obras, com a poeira que invadia suas casas (produzida pelos serviços de terraplanagem) e
com a insegurança gerada pelos caminhões que trafegavam carregados de pedras. Em
determinada ocasião, inclusive, um deles foi apreendido pelo Detran, o que se constituiu em
situação constrangedora, pois um órgão do Estado se via na contingência de punir uma
empresa a serviço do Estado: o Consórcio Codrasa-Ster. (O FLUMINENSE – 8/12/1974)
A insatisfação dos moradores, contudo, viria a se tornar mais explícita em 1982 (o
regime militar encontrava-se em processo de franca distensão), quando as pedras depositadas
no aterro 8 anos antes, pela Administração Padilha, começaram a ser retiradas e levadas para
um novo aterro na Av. do Contorno, a ser ocupado pelos Estaleiros Cobrema embora,
durante a presidência do general Ernesto Geisel tivessem sido proibidos novos aterros na
Baía.
Doze caminhões faziam cinco viagens diárias, cada um removendo 600 metros
cúbicos. Mas o bairro de São Domingos ficou sufocado pela poeira e pela lama que se
135
soltavam durante o trajeto. Os moradores em tempos de liberalização do regime não
escondiam seu descontentamento com o transtorno e começaram a cogitar, mais efetivamente,
da fundação de uma Associação de Moradores.
As pedras, pertencentes ao Estado que pagou uma fortuna para acumulá-las e que,
segundo denúncias, teriam enriquecido o filho do ex-governador Raimundo Padilha, sem que
houvesse qualquer punição -, estavam, em 1982, em área já de domínio da UFF (Universidade
Federal Fluminense), que deu concessão à Planter para removê-las e vendê-las para o aterro
dos Estaleiros Cobrema.
A revolta e a necessidade de união para defender seus interesses ante a indiferença da
UFF e a omissão da Prefeitura, que fazia vistas grossas para o problema, fez com que os
moradores de São Domingos, diante desse e de outros problemas, começassem a se articular
para a criação da Associação de Moradores. (JORNAL DE ICARAÍ – 01 a 07/05/1982)
6.6 Deslocamentos piscícolas
Devido ao aterramento de uma parte do lado Norte da orla, o Mercado de Peixe da
Rua Visconde de Rio Branco, defronte à Rua Marques de Caxias, foi desativado e a Prefeitura
concluiu a demolição dos boxes no dia 3 de julho de 1971, depois que os últimos
comerciantes se transferiram para outros estabelecimentos de venda de pescado,
principalmente para boxes na Galeria Carretero, próxima ao antigo mercado, ou para
instalações reformadas, pela Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento., no interior
do antigo Mercado Municipal, hoje depósito do Governo Estadual, situado na Avenida
Feliciano Sodré. (A TRIBUNA, 04/07/1971)
Porém, mesmo antes da desativação do antigo mercado, parte dos comerciantes que
atuavam neste último local, sentindo que haveria queda da clientela, formaram uma
associação, se cotizaram, adquiriram um terreno na Ponta d’Areia, também na rua Visconde
de Rio Branco, e edificaram, sem nenhum apoio do Estado, a nova sede do Mercado de Peixe
São Pedro. Tão logo foi concluído, em 29 de junho de 1971, comerciantes, em sua maioria
com boxes no ex Mercado Municipal, abandonaram aquele ponto e passaram a trabalhar no
novo local.
Hoje, além da comercialização de pescado, o mercado se transformou em local de
encontro e já pode ser considerado um ponto turístico da cidade.
136
6.7 Repescagem
Durante o processo de aterramento da orla do centro da cidade, as comunidades de
pescadores perderam seus espaços, sendo o maior deles nas laterais do antigo Mercado de
Peixe, que funcionava sobre um cais na Rua da Praia (ou Visconde de Rio Branco).
Essa concentração de pescadores era a maior base da Colônia Z8 na Praia Grande.
Com os aterramentos, os pescadores do Centro buscaram inserção em outras
comunidades, como as de Jurujuba, Ponta d’Areia e Ilha da Conceição.
Hoje, na orla do Centro, existem comunidades de pescadores na borda do Caminho
Niemeyer (próxima ao atual mercado de peixe) e entre o Terminal Norte de ônibus e o
shopping Bay Market. (ALVES, 2006)
42
6.8 Clubes
Além da ameaça de demolição de grande número de casas, que não se consumou, os
responsáveis pela execução do Projeto Praia Grande decretaram o fim da principal razão de
dois tradicionais clubes do bairro: o Grupo de Regatas Gragoatá – o mais antigo de Niterói – e
o Audax Clube duas tradicionais agremiações fluminenses, dedicadas fundamentalmente a
práticas náuticas. Anos antes da implantação do Projeto Praia Grande, O clube Fluminense de
Natação e Regatas havia perdido seu acesso ao mar, com o início tímido das ações de
aterramento pela Planurbs e sua antecessora, CUTF.
Em abril de 1973, a imprensa começava a noticiar que o Grupo de Regatas Gragoatá e
o Audax estavam ameaçados de perder o acesso ao mar com o fechamento do anel marítimo
para a execução de obras do aterro pela DESURJ. (A Tribuna- 10/04/1973)
Estava prevista, naquele mesmo mês, a conclusão de enrocamento do trecho Gragoatá-
Centro, deixando dezenas de barcos retidos em terra, sem acesso ao mar.
Pelo projeto antigo do Aterro - 1940 -, os clubes tinham assegurada, após o
fechamento do trecho marítimo, a conquista de áreas mais amplas à beira-mar.
Mas, por seu lado, a DESURJ ainda não havia definido a área a ser destinada aos dois
clubes e nem esclarecido se respeitaria os compromissos e direitos das duas agremiações. (A
TRIBUNA- 07/04/1973, p.1)
42
Gilberto Alves, presidente da colônia de pescadores Z-8.
137
Os clubes náuticos, ameaçados de ficarem sem caminho para o mar, com o aterro da
orla marítima de Niterói, e na esperança de uma solução imediata para a acessibilidade de
suas embarcações, iniciaram um movimento para forçar uma decisão da DESURJ, acusada de
não apresentar nenhuma fórmula concreta e clara para a garantia de seus direitos (A
TRIBUNA- 06/04/1973, p.1). Entre outros, por serem consideradas, pela Câmara de
Vereadores, entidades de utilidade pública, não poderiam ser extintas com o aterro, perdendo
seus galpões e cais de atracação para barcos e lanchas. (A TRIBUNA- 25 e 26/03/1973)
6.8.1 Negociações
A assessoria especial do governo do Estado chegou a reunir-se com os dirigentes das
duas agremiações, mas nenhuma solução concreta foi tomada para a construção de novas
sedes.
Reunidos no Palácio Nilo Peçanha, em abril de 1973, dirigentes do Grupo de Regatas
Gragoatá e do Audax Clube obtiveram o compromisso formal do “assessor especial” do
governador e diretor da DESURJ, Raimundo Meireles Padilha (filho do governador), de que
teriam respeitados seus direitos como entidades náuticas com sede à beira-mar, mesmo que as
obras do aterro da orla marítima culminassem na destruição de suas sedes originais.
E os planos da DESURJ previam, efetivamente, não apenas o fechamento do anel
marítimo, onde eles se situavam, mas também a demolição de suas sedes construídas mais de
cinco décadas antes.
O assessor especial confirmou ter conhecimento de que o plano do aterro, traçado em
1940, na época do Estado Novo, reconhecia o direito dos dois clubes disporem de novas áreas
à beira mar, mas informou que pretendia conhecer os projetos de suas novas sedes e submetê-
los aos arquitetos da DESURJ para que não contrastassem com os “nossos planos
urbanísticos”. (A TRIBUNA- 11/04/1973, p. 1 e 3)
Por sua vez, os dois dirigentes clubísticos reafirmavam que não abririam mão de seus
direitos, conquistados e conservados por várias gerações, mas garantiam não pretender
prejudicar o plano global do governo, compreendendo que as partes deveriam se entender
para uma ação em beneficio da coletividade, sem prejuízo de quem quer que fosse”. (IDEM)
138
6.8.2 Gragoatá
Fundado em 5 de fevereiro de 1885, o clube foi o vencedor da primeira regata
realizada no Rio de Janeiro, em 1889, com a canoa Alpha, que integra o seu acervo histórico,
sendo, tanto na regata como em natação, o clube que mais glórias obteve no país até a década
de 1940, tendo conquistado o 1º Campeonato Brasileiro de Remo, em 1898.
O Grupo de Regatas Gragoatá - segundo clube esportivo mais antigo do Estado do
Rio, antes da fusão com o Estado da Guanabara, e o terceiro do país - havia construído um
ginásio e garagem de barcos à beira mar. Porém, quando o clube, em 1974, estava
comemorando 79 anos de fundação, teve todo esse trecho aterrado em função do Projeto Praia
Grande.
Em contrapartida, o governo estadual prometeu doar à agremiação uma área de 25 mil
metros quadrados para a construção da nova sede, que teria três piscinas (uma olímpica, outra
semi-olímpica e uma para recreação infantil), ginásio completo (com dormitórios, saunas e
restaurantes), além de um moderno campo de atletismo com seis pistas de 400 metros, tendo
ao centro um campo de futebol mirim. Haveria, ainda, playground e uma concha acústica para
a realização de concertos e conferências. (A TRIBUNA- 02/02/1974, p.3).
Baseando-se na promessa de doação de uma nova área, no local a ser aterrado, com
dimensões previamente estabelecidas (o que não ocorreu em relação ao Audax), a diretoria do
Gragoatá entregou ao Palácio Nilo Peçanha o projeto de construção de sua nova sede, cujas
obras seriam iniciadas na década de 1980, pois, antes, a Prefeitura havia se recusado a
remover a “montanha de pedras” formada no Aterro, durante o governo Padilha.
6.8.3 Audax
O Audax Club (que teve como sócio fundador o Marechal Eurico Gaspar Dutra
ministro da Guerra, no primeiro governo Vargas, e 16º presidente da República, período
1946-1951) não encontrou a mesma sorte, acabando por perder seu acesso ao mar com as
obras de aterramento.
Dezenas de embarcações ficaram sem acesso ao mar, pois a DESURJ - empresa estatal
- não cuidou de disponibilizar uma área para a agremiação instalar sua garagem provisória ou
para preservar o direito daquela entidade associativa-recreativa ter outra área à beira mar que
acolhesse uma nova sede, passível de ser projetada de acordo com a concepção geral do plano
do aterro. Ao contrário, a DESURJ aterrou a área do clube em uma faixa de 500 metros e
139
colocou uma “muralha” de pedras, com mais de três metros de altura, à frente da sua sede
social.
O diretor da empresa estatal e assessor especial do governador chegou a reunir-se com
os dirigentes do Audax, mas não deu uma solução concreta para os duzentos associados -
ameaçados de perderem um patrimônio pessoal, entre as dezenas de embarcações, e outro
coletivo. (A TRIBUNA - 13 e 14/05/1974, p.1)
A fórmula final, apresentada pelo governo estadual, não foi a transferência para outro
local, mas que os próprios associados entrassem em entendimentos com as diretorias de
outros clubes náuticos para resolverem seus destinos e o de suas embarcações( A TRIBUNA-
19/04/1973, p.5).
Assim, diante do bloqueio pelo aterro hidráulico, o Audax, que havia sido, durante
vários anos, campeão de motonáutica na América Latina, foi sumariamente condenado à
extinção.
6.8.4 Resistência
Impedido de funcionar como agremiação náutica porque o aterro da orla marítima
fechou a saída de suas embarcações para o mar, os sócios e conselheiros, a principio,
demonstraram não estar dispostos a perder o clube. Tentaram acionar judicialmente o governo
com um mandado de segurança. Conseguiram, inclusive, financiamento para a construção de
uma nova sede junto a nova linha do litoral. Tudo em vão. O governo Padilha venceu a
queda-de-braço. (A TRIBUNA- 03 e 04/03/1974, p.1 e 3)
Anteriormente, o Audax já havia recusado proposta governamental para que
procedesse à fusão com o Grupo de Regatas Gragoatá.
O assessor especial do governador Raimundo Padilha também solicitaria ao comodoro
do Audax o projeto de sua nova sede, para ser estudado pelos nossos urbanistas”. Mas o
comodoro alegou que não o possuía, pois não poderia elaborar tal projeto sem antes saber
qual a área que caberia ao clube como indenização pela perda da sede original.
De fato, tal compensação nunca se consumou. Na esteira do Fluminense de Natação e
Regatas, cujo cais, na Ponta d’Areia, vários anos antes também fora aterrado, dirigentes e
associados do Audax assistiram impotentes, no dia 20 de outubro de 1973, a draga “Ster”
lançar areia em frente ao cais de atracação, enquanto caminhões despejavam terra ao lado do
prédio-sede e tapavam as saídas de esgotos. Trinta barcos remanescentes ficaram sem saída
para o mar.
140
Esse quadro agonizante precedeu o funeral do Audax Clube, sepultando seus 40 anos
de existência. Aliás, toda a história do clube foi marcada por aterramentos: na Urca, onde ele
nasceu e, depois, transferido para a Rua Santa Luzia (Passeio Público), voltou a perder sua
área para o Aterro do Flamengo. Veio, então, para Niterói, ocupando terreno que pertencera
ao Iate Clube Brasileiro.
A promessa aos dirigentes do Audax, feita pelo assessor especial do governador, de
que reservaria uma área para o clube à beira-mar, não foi cumprida, deixando imobilizados
dezenas de barcos e lanchas, sem saberem o destino que lhes seria reservado para preservar o
patrimônio de milhões de cruzeiros de dezenas de sócios.
O Audax dos prêmios náuticos, serestas à beira-mar, virou um pedaço de terra com
cais aterrado e lanchas sem saída para a Baía de Guanabara.
6.9 Centro de exposições
O governo Padilha decidiu demolir, no apagar das luzes de sua gestão, o Centro de
Exposições do Estado do Rio, que ficava situado no lado norte do Aterro Praia Grande - bem
próximo a estação das barcas.
No mínimo, esperava-se que o pavilhão fosse montado em outro local, como na região
das praias oceânicas ou na área aterrada do Gragoatá, onde Niterói pudesse, talvez, contar, no
mesmo imóvel, com um centro de convenções. Mas acabou ocorrendo apenas um simples
desmonte, sem que houvesse opção por outro espaço. (A TRIBUNA, 14/06/1974, p.1)
6.10 Shopping
A cidade também assistia, anos, a uma outra destruição: o gigantesco prédio do
Shopping Center, onde dezenas de investidores perderam seus recursos poupados, foi deixado
ao abandono, sendo destruído pela ação do tempo, embora tenha sido desapropriado pela
administração Padilha com promessa de aproveitamento.
No final de 1974, parecia consolidada a frustração de duzentos cotistas do Shopping
Center (em construção no lado norte do aterro), que haviam investido suas modestas
economias no empreendimento, desapropriado pelo Estado na Administração Padilha.
Antes do decreto de desapropriação, ainda no governo Geremias Fontes, os cotistas
estavam frustados e chegaram a se movimentar, através de advogados, para reaver suas
economias, pois a obra se encontrava paralisada.
141
Com o decreto de desapropriação, houve esperança de que o governo indenizaria os
cotistas, mas não surgiu qualquer definição a respeito nem na DESURJ nem no Palácio Nilo
Peçanha.
Como conseqüência da interrupção das obras no shopping, a área defronte ao prédio
inacabado passou a ser utilizada para estacionamento de automóveis, com renda auferida pela
Flubem - Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor, que foi contestada judicialmente,
com resultado favorável aos impetrantes, mas sem qualquer conseqüência prática.
Outra conseqüência da obra inconclusa: o prédio passou a ser utilizado como
dormitório para moradores de rua e como base para desclassificados operarem no centro da
cidade (O FLUMINENSE, 08/12/1974).
No segundo semestre de 1974, o Shopping Center do Brasil, pertencente ao grupo
Brascan, ingressava na Vara da Fazenda Pública com uma ação contra o Estado, reclamando a
devolução do prédio de construção inacabada, no aterro da orla marítima (próximo onde hoje
está instalado o terminal hidroviário de aerobarcos da Transtur) e no local onde funciona o
Bay Market, além de uma indenização por perdas e danos.
A Bolsa de Valores do Estado do Rio, que havia adquirido salas, ainda na planta,
também reclamou contra o esbulho e o juiz Índio Brasileiro da Rocha chegou a representar ao
Tribunal de Justiça, pedindo a intervenção federal no Estado para que o governo Padilha
cumprisse a decisão judicial.
O contencioso acabou por suscitar o interesse da União e o feito foi remetido à Justiça
Federal, que ficou de dar a última palavra sobre o assunto. (A TRIBUNA- 17/12/1974, p.5)
6.11 Banhistas
Antes do aterro se concretizar, paulatinamente, parte da população, do centro da
cidade principalmente, usava a orla, mesmo quando poluída para banhos de mar, inclusive
comunidades excluídas.
Com o aterramento, os freqüentadores usuais dessas praias foram forçados a se
deslocar para outras mais distantes.
6.12 Comentando
Desde o decreto getulista de 1940, atravessando o pós-guerra e todo o (conturbado)
período democrático que vai até 1964, a sociedade da então Capital do Estado do Rio parece
142
estar de costas para a sua orla central, desatenta às ações e manobras dos agentes que
pretendem auferir benefícios de monta com a estruturação de uma proclamada “Nova
Niterói”.
A pesquisa não detectou qualquer crítica, protesto ou manifestação de preocupação em
relação à destruição do patrimônio histórico-natural, nem à desfiguração da orla, nem
tampouco aos arranjos para troca de benesses entre o poder público e os promotores
imobiliários, que detêm a concessão sobre as áreas de marinha. A sociedade denota completa
indiferença com os destinos de sua “sala de visitas”.
Quando sob a vigência do regime militar, compreensivelmente, a comunidade se
mantém calada, impotente, asfixiada pela poeira, pelas pedras do Aterro, amordaçada pelo AI-
5. Incapaz de manifestar, sua indignação face aos desmandos do grupo domiciliado no Palácio
do Ingá - então sede do governo estadual, e diante da inoperância da Prefeitura, cujo
mandatário, na época, era indicado pelo governador que, por seu turno, era nomeado pelo
ditador de plantão.
143
CAPÍTULO VII
CONCLUSÃO
Atmosfera política
“A moderna sociedade burguesa, uma sociedade que desenvolveu meios de troca e
produção, é como o feiticeiro incapaz de controlar os poderes ocultos que desencadeou com
suas formulas mágicas”.
(Manifesto do Partido Comunista)
“... aquela aparente desordem que é, na verdade, o mais alto grau de ordem burguesa”.
(Dostoievski)
7.1 Paralelismos
Entre aqueles que consideravam o Aterro Praia Grande uma alternativa viável ou a
única possível para o estrangulamento do Centro da cidade, há os que acreditam ser a idéia tão
boa que, para eles, as autoridades cariocas copiaram-na, mais tarde, realizando o Aterro do
Flamengo.
Estabeleçamos alguns paralelismos entre ambos, tendo como referência de apoio, em
relação às considerações sobre o Aterro do Flamengo, o compêndio Urbanismo no Brasil,
capítulo... de autoria...
O Aterro do Flamengo foi tombado para não ser privatizado, nem profundamente
alterado. O Aterro Praia Grande, mesmo antes de ter sido iniciado, foi privatizado,
depois desapropriado e, após a conclusão, tem sofrido intervenções diferenciadas que
nada têm a ver com os projetos que lhe deram origem.
144
O Aterro do Flamengo foi criado, fundamentalmente, com o objetivo de melhorar a
circulação e criar áreas de lazer. O Aterro Praia Grande foi criado para favorecer,
principalmente, a promoção imobiliária, em troca de melhorias de infra-estrutura no
município e da construção de próprios da Municipalidade na área a ser aterrada. Na
segunda fase de sua conclusão (período Padilha), parece ter sido executado para
favorecer o grupo palaciano no poder.
O Aterro do Flamengo foi executado, em sua maior parte, de acordo com o planejado,
inclusive quanto à implantação dos fixos previstos. O Praia Grande, quanto ao
aterramento em si, permanece, no que tange à preservação ambiental e integridade da
paisagem, até hoje inconcluso, no trecho entre a Praia Vermelha e a Praia das Flechas,
bem como em relação aos fixos previstos nos diversos planos.
O Aterro do Flamengo reservou novas praias criadas para os banhistas.
No Aterro Praia Grande, não houve qualquer preocupação nesse sentido.
7.2 Antevisões
a suposição de que o Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, teria se inspirado no
Plano de Remodelação e Urbanização da Cidade de Niterói (PRUN), criado pelo decreto de
1940, do Estado Novo, que, por sua vez, também possivelmente, teria sido influenciado por
Attílio Corrêa Lima em alguns pontos, como a abertura da Av. Amaral Peixoto e a
institucionalização da idéia de realizar um grande aterramento da orla central.
O avant project de Corrêa Lima - curiosamente o único elaborado com propósito
essencialmente acadêmico, sem a intenção manifesta de vir a ser implantado na sua cidade-
objeto, além de conter ingredientes considerados utópicos para a adequação a certas
características urbanas que o município de Niterói apresentava à época, foi o único projeto,
sem pretensão de inscrever-se na paisagem, a ter algumas de suas indicações concretizadas,
como o próprio Aterro Praia Grande (também preconizado por Aldovandro Graça)
43
, e outras
não exatamente nos locais por ele imaginados, como a Av. Amaral Peixoto; a cidade
universitária (hoje o Campus da UFF); o hospital universitário Antônio Pedro; um túnel ou
ponte que ligasse Niterói ao Rio de Janeiro (a Ponte Rio-Niterói), assim como outras
43
Curiosamente, também, Corrêa Lima, que antecipou-se propondo o Aterro Praia Grande, veio a falecer, de
modo trágico, em área igualmente aterrada: um acidente aéreo no Aeroporto Santos Dumont, em 1943. (LEME,
1999, p.497)
145
sugestões com o selo ACL voltam a ter sua viabilidade avaliada: os túneis Gragoatá-
Calabouço (mais uma alternativa de ligação entre as duas cidades) e Charitas-Piratininga.
Comprovadamente, Corrêa Lima dominava os conhecimentos teóricos e técnicos
indispensáveis para a concepção de uma cidade moderna. Ele levava em consideração os
fatores topográficos, geológicos, hidrográficos, climáticos, históricos, culturais, sociais e
econômicos. Também atinha-se no zoneamento da cidade setorizada por atividades, ou seja,
de acordo com as funções exercidas por cada grupo de agentes sociais -habitar, circular,
trabalhar e recrear (segmentação recomendada pelo urbanismo modernista), bem como na
integração dos espaços urbanos e rurais, no controle das terras urbanas pelo poder público e
na legislação urbana (LEME, 1999, p.226)
Por outro lado, o urbanista era discípulo da arquitetura racionalista e defensor da
adoção de uma política de erradicação de favelas
44
. Corrêa Lima acreditava na coordenação
do desenvolvimento de critérios preestabelecidos para que os empreendimentos fossem
racionalmente proveitosos. E a habitação deveria ser salvaguardada de “vizinhanças nocivas”.
(higienismo).
7.3 Produzindo chão
Na condição de agente modelador do espaço urbano capitalista e na tentativa, ao
menos aparente, de viabilizar o Projeto Praia Grande, o governo Padilha vai utilizar alguns
instrumentos para a criação de solo urbano, como: exercer o direito de desapropriação,
realizar investimento público na produção do espaço, via obras de drenagem, desmontes,
aterros e planejamento da infra-estrutura (sem consumar sua implantação).
O governo do Estado Novo (era Vargas-Amaral Peixoto) também fez uso de uma
dessas possibilidades de ação do Estado capitalista, que consistiu na mobilização de reservas
44
(LEFEBVRE, Henri, 1968, p.26,27) “[...] do ponto de vista do racionalismo tecnicista, o resultado imediato
dos processos examinados representa apenas um caos. Na “realidade” que eles observam de modo crítico -
subúrbios e tecido urbano e núcleos subsistentes -, esses racionalistas não reconhecem as condições de sua
própria existência. É apenas diante deles que a contradição é desordem [...] Como por ordem nessa confusão
caótica? É assim que o racionalismo de organização coloca seu problema. Essa desordem não é normal. Como
instituí-la a título de norma e de normalidade? É inconcebível. Essa desordem é malsã. O médico da sociedade
moderna se como um médico do espaço social doente. A finalidade? O remédio? É a coerência. O
racionalismo vai instaurar ou restaurar a coerência na realidade caótica que ele observa e que se oferece à sua
ação. Este racionalista corre o risco de não perceber que a coerência é uma forma, portanto mais um meio do que
um fim, e que ele vai sistematizar a lógica do habitat subjacente à desordem e à incoerência aparentes, tomando-
a por ponto de partida de suas demarches coerentes na direção da coerência do real [...]
146
fundiárias públicas, afetando o preço da terra e orientando, mediante aplicação do urbanismo,
a ocupação do espaço.
Essa capacidade do Estado produzir chão (ainda que, por vezes, apenas em
representação (projetos ainda no papel) (RAFFESTIN, 1993, p. 144)
45
acabou por beneficiar
promotores imobiliários e proprietários fundiários. Interessante, por um lado, que um Estado
centralizador como aquele pós 1930, tenha transferido à iniciativa privada praticamente toda a
competência para realizar e gerir um projeto em área pública, conferindo-lhe inclusive o
domínio útil sobre a mesma. Tal atitude não foi coerente com o perfil de um Estado
interventor com o de Getúlio Vargas. pode ser compreendida sob a luz do tráfico de
influência. A conseqüência que mais sobressai é que tanto o capital privado quanto o Estado
fracassaram rotundamente.
7.4 Olho grande
Em que pese os erros e omissões das empresas concessionárias do PRUN, a história da
paralisação das obras de remodelação e urbanização da faixa central de Niterói possui
capítulos até hoje não revelados, encerrando, igualmente, pecados cometidos por outros
grupos econômicos cobiçosos pela concessão, personalidades influentes, estabelecimentos de
crédito, políticos e órgãos públicos.
Sérios obstáculos também foram intencionalmente levantados contra os
concessionários, contribuindo para impedir que dessem seqüência às suas atividades,
praticamente nulas por três décadas.
A partir da década de 1950, as empresas credenciadas são obrigadas a deslocar as
atenções para outro campo: o da luta contra a advocacia administrativa, contra a burocracia e
contra aventureiros de todas as ordens.
“Esta é uma história que, provavelmente, envolve múltiplas desonestidades
praticadas por pessoas ligadas (direta ou indiretamente) ao empreendimento. Viam
essas pessoas, no aterro, a oportunidade de ganhar muito dinheiro e, por isso,
cometeram uma série de irregularidades [...]; muitos fatos atestam grande divisão de
irresponsabilidades.
Uma coisa ficou clara: órgãos públicos, como caixas econômicas e o Banco do
Brasil por exemplo, criaram algumas dificuldades para a normalização dos
compromissos da empresa, interpondo obstáculos”. (PRAIA GRANDE EM
REVISTA- Ano I- 1 a 7/10/1961- nº4)
45
RAFFESTEIN, Claude: “Produzir uma representação do espaço é uma apropriação, uma empresa, um
controle, portanto, mesmo se isso permanece nos limites de um conhecimento. Qualquer projeto no espaço que é
expresso por uma representação revela a imagem desejada de um território, de um local de relações”.
147
Praia Grande em Revista (1961 - nº5, p.10) revela (como vimos), que o Banco do
Brasil e o deputado federal Augusto De Gregório, que exercia uma secretaria de Estado,
foram dois dos obstáculos que se colocaram à frente da Companhia União Territorial
Fluminense. Ambos queriam tomar-lhe a concessão do PRUN.
A transferência da concessão foi tentada por eles, várias vezes. “Entusiasmados com o
vulto da obra e a possibilidade de virem a auferir bilhões de cruzeiros, usaram todos os
artifícios imagináveis” - diz a matéria.
E a bandalheira por pouco não se concretizou. (PRAIA GRANDE EM REVISTA, ano
I- nº5 - de 8 a 14/10/1961)
7.5 Impedimento
Ao aceitarem, por decisão ou omissão, as prorrogações de prazos das concessionárias,
os poderes constituídos, indiscutivelmente, contribuíram para a não oportunização e
aproveitamento de outros projetos eventualmente mais viáveis e menos agressivos ao
patrimônio ambiental da cidade.
7.6 Sabotadores da cidade
Na lista de sabotadores da capacidade potencial da cidade em traçar rumos mais
condizentes com o respeito a suas características naturais incluiam-se os sucessores da
Companhia Melhoramentos de Niterói, das diversas direções da Companhia União Territorial
Fluminense, vários prefeitos, governadores, vereadores, procuradores autárquicos, além das
caixas econômicas dos estados do Rio, Rio Grande do Sul e Guanabara; Superintendência da
Moeda e do Crédito (SUMOC); a Caixa de Mobilização Bancária; a fracassada Planurbs, e
tantos outros órgãos, poderes e pessoas. (PRAIA GRANDE EM REVISTA - Ano I - nº6
1961 - de 15 a 21/10)
7.7 Omissões
A Administração Padilha vai enterrar milhões de cruzeiros no Aterro Praia Grande e
irá, concretamente, omitir-se quanto à participação em obras de infra-estrutura indispensáveis
para o descongestionamento da circulação viária do município, embora reconhecesse a
148
necessidade de se facilitar o acesso à zona central e a zonas cujas vias de ligação se
encontravam saturadas, como Icaraí e Santa Rosa, ou que exigiam percursos extensos, como
Itacoatiara, Piratininga e Itaipu.
“Ao fazer um balanço final de seu governo, Raimundo Padilha também reconhece que
o sistema viário se apresentava altamente deficiente, “propiciando circulação e retardando
o desenvolvimento das zonas mais afastadas do Centro”. (PADILHA, 1975, p.174)
Nesse sentido, ele declara ter seu governo concebido uma rede viária que possibilitará
a expansão das áreas mais afastadas do centro e propiciará um desenvolvimento mais
harmônico de todo o município.
Como se pode verificar, o governo de Padilha concebe, imagina, planeja, até opera,
mas não arremata
46
. Por sinal, ao se acompanhar os discursos e declarações do governador e
de seus auxiliares mais diretos, percebe-se que os verbos são, em sua grande maioria,
conjugados no tempo futuro, raramente no passado recente.
Quanto ao projeto Praia Grande, Padilha concluirá, parcialmente, as operações de
aterramento, uma vez que o canal das Barcas não foi coberto. Mas deixou como legado uma
imensa quantidade de pedras e terra, suficientes, dizem, em tom de ironia, testemunhos da
época, para fazer outro aterro das mesmas dimensões. Padilha também ostentará, como grande
realização do projeto, o hotel sobre o Morro do Gragoatá, que foi entregue semi-acabado. “A
singularidade de sua localização, a felicidade de seu desenho, a perfeição de sua planta e a
qualidade do material nele empregado tornam o hotel um dos mais belos do país - dirá
Padilha (1975, p. 18) sobre a “jóia da coroa”. Por sinal, o único fixo plantado pelo seu
governo na área aterrada.
Padilha terminará sua gestão com o Projeto Praia Grande inconcluso. O terminal
hidroviário deixará como testemunho apenas suas caríssimas fundações e estrutura.
O governador, em sua última mensagem ao Legislativo, ignora os desmandos
possivelmente praticados durante sua gestão, apontados pela imprensa:
“Ambicioso embora, o Projeto Praia Grande poderia estar praticamente ultimado,
não fosse a interferência de fatores antagônicos como as constantes elevações de
custos de material, particularmente agravados com as delongas da enfermidade
burocrática de diversos órgãos a que cumpria, em alguns casos, por dispositivos
46
AMÓRA, Jourdan (2006): “Acho que Raimundo Padilha tinha conhecimento das coisas, até porque
denunciávamos no jornal. Mas ele era uma personalidade telúrica, era um poeta, um sonhador; acho que não
tinha muito os pés no chão. E, apesar de ser deputado federal pelo Estado do Rio, não tinha muita vinculação
com o Estado. O voto nele foi ideológico, sendo eleito, em grande parte, pelos integralistas. Ele não convivia
realmente com o povo, com a gente do Estado do Rio, nem com muitos prefeitos. Então, vivia um pouco isolado.
[...] A impressão e que ele não era governador; deixou os outros governarem. Continuava um literato, que não se
empolgou com nenhuma idéia de grande obra; falava na obra, mas não tinha determinação de levar adiante”.
149
legais retrógrados, submeter etapas do plano de obras. Registre-se, por exemplo, que
um parecer, mais tarde tornado inócuo, retardou seis meses de construção.” (Idem,
p.17)
Em verdade, a administração Padilha vai promover a destruição da maior parte da
paisagem anterior da orla, destruindo praticamente toda a linha de cais, muradas e o
patrimônio histórico-natural, sem quase nada colocar no novo espaço produzido com o aterro,
a não ser quantidades elefantinas de pedra e terra e o decantado prédio do hotel internacional.
O Projeto Praia Grande é a cereja sobre um bolo de obras deixadas inacabadas, sendo
uma das mais notórias as do interceptor oceânico. Para a fabricação e assentamento da
tubulação, foram contratados serviços da ordem de 7.440.00 milhões de dólares, fora às obras
civis de escavação de valas em terra, pesos de concreto para lastro, e apoio, além de
equipamentos auxiliares. A Administração Padilha deixou ao relento, como herança, 60 por
cento dos 9.400 metros de tubulação e quase todos os pesos de concreto previstos.
7.8 Ampliação territorial
Enquanto o Aterrado São Lourenço, concluído em 1927, ampliou significativamente a
área de então, a participação do Aterro Praia Grande na ampliação da mancha urbana foi,
proporcionalmente, bem menos significativa e gerou conseqüências negativas, conforme
assinalado.
Afinal, 50 anos após a conclusão do aterrado São Lourenço, ocorreu um ponderável
avanço da urbanização sobre áreas periféricas do município.
7.9 Alterações configurativas
A desativação da antiga estação de barcaças de carga, a supressão do antigo mercado
de peixes, o aterramento dos cais do Fluminense de Natação Regatas, Audax e Regatas
Gragoatá (clubes tradicionais da cidade), a destruição das barreiras vermelhas (no Morro do
Gragoatá), o corte realizado na vertente do Morro do Ingá para a abertura de acesso entre as
praias da Boa Viagem e das Flechas, além do aterramento de diversas praias delineando um
novo contorno para a orla, entre outras alterações no quadro então existente, fornecem uma
idéia de como a faixa centro-sul do litoral assumiu uma nova configuração, ainda que, em boa
medida, exibindo um cenário de terra arrasada.
150
7.10 Praia não
É de interesse da Segurança Nacional o uso do mar territorial e zona contígua, das
águas interiores, da plataforma submarina, dos terrenos de marinha e seus acrescidos, e ,
ainda, dos terrenos marginais dos rios, lagos e canais.
O decreto “estadonovista”, de 1940, permitindo aterramento da orla central e os
decretos padilhistas de desapropriação de 1971, assumindo a conclusão do aterro, parecem ter
desconhecido qualquer referência à legislação pertinente, assim como aquela que se reportava
ao acesso coletivo às praias - bens públicos de uso comum, inabaláveis e consagrados
perpetuamente à utilidade geral da população. O plano de Melhoramentos de Niterói, de
1941, e o projeto Praia Grande, de 1971, não faziam qualquer menção à criação de praias
artificiais. Mas o PRUN, que sucedeu ao plano de 1941, foi o único a fazer alguma referência
a tal medida.
De 1940 a 1975, não registro de qualquer requerimento da Prefeitura de Niterói
solicitando a cessão de terrenos de marinha e realização de obras que garantissem o acesso
público a praias eventualmente criadas no aterro.
Do mesmo modo, os sucessivos governantes, que passaram pela Administração
Estadual, não definiram quaisquer áreas de interesse especial, no aterro, passíveis de proteção
do seu patrimônio cultural, histórico e paisagístico.
Além de uma pequeníssima faixa de praia ao lado da estação das barcas (cerca de 15
metros), a outra praia parcialmente sobrevivente foi a da Ponta do Gragoatá, por se situar à
margem de qualquer previsão de expansão ou circulação, por parte da administração Padilha.
7.11 Fase Privada e Fase Estatal
Teçamos, em seguida, observações sobre esses dois períodos:
Nas duas fases, haverá imposições de projetos, sem nenhum debate com a sociedade.
A institucionalização da idéia do aterramento começa em um regime ditatorial (Estado
Novo Getúlio Vargas) e termina em outro período de exceção (Revolução de 64 -
Emílio Médici e Ernesto Geisel)
Desconsideração com as comunidades locais ou tradicionais, principalmente favelados
e pescadores, com remoção de ambas.
151
Aviltamento da legislação referente às áreas de marinha, ao se decidirem pela
conquista de áreas ao mar.
A paisagem então existente será alvo de uma espécie de “estupro maquínico”, com o
soterramento de toda a orla, sem qualquer sensibilidade ou cuidado para com um dos
mais belos panoramas paisagísticos do Estado. Os projetos não respeitam nenhum
aspecto da paisagem a ser alterada. É como se ela não existisse, considerando-se,
apenas, aquela engendrada pelos projetos.
Na fase, o Poder Público lava as mãos, se omitindo e deixando a urbanização a
critério da iniciativa privada, que, em nenhum momento cumpre o acordado,
especulando e enveredando por uma série de manobras pouco claras para obter
prorrogações de prazos.
Na 2º fase, o Estado assume o comando do processo de aterramento e urbanização,
mas de forma autoritária, perdulária, desencontrada, invertendo prioridades e vindo de
encontro, provavelmente, a interesses estranhos aos da coletividade.
Em nenhuma fase, é efetivamente executado o conjunto do que estava projetado. As
empresas concessionárias não concretizam nenhum de seus objetivos. O prédio do
Shopping Center do Brasil foi construído por outro grupo; a concessionária teve que
se desfazer da área para honrar dívidas contraídas junto a bancos.
O Governo Padilha concretiza o aterramento, erige o prédio do hotel e nada mais.
Nas duas fases, os projetos, embora distintos, têm características predominantemente
centralizadoras.
Os projetos da fase previam conjuntos de unidades comerciais, residenciais e
administrativas. Aqueles da fase congregam pontos turísticos e de lazer, além de
terminal de transportes, que constitui pletora de veículos e usuários. Ou seja, no fundo,
ambos formam pólos de convergência para o Centro da cidade, sobrecarregando-o
ainda mais.
Quanto à integração do aterro com o restante da cidade, os projetos da fase sequer
cogitam disso; os da fase se circunscrevem à complementaridade do aterro como
parte do fluxo da Ponte Rio-Niterói e ao terminal multimodal de transportes como
organismo receptor e emissor em relação às diversas localidades da então chamada
Grande Niterói, abrangendo São Gonçalo, Itaboraí, Marica e Magé.
152
Nas duas fases - a de forma quase incipiente e a completamente -, a
sobreposição de um novo espaço ao espaço marítimo, mas não ocorre a
territorialização planejada com a implantação sequer dos diversos fixos previstos.
7.12 Silêncio quase absoluto
Embora houvesse entidades criadas para representar os interesses da comunidade,
como os centros pró-melhoramentos - criados na era Vargas (que, depois, se transformaram
nas associações de moradores), durante todo o período em análise (1940-1975), não
registro de nenhum protesto ou discordância pública por parte da comunidade, da sociedade
niteroiense, contra desmandos ou contra a idéia do aterro ou dos projetos para ele previstos.
De igual modo, nãoinformação de qualquer pronunciamento dissonante na Câmara
Municipal ou na Assembléia Legislativa.
Do lado do empresariado, sempre tendo uma parcela ponderável vinculada ao “poder
da hora”, a mudez também é total.
Poder-se-ia alegar que se viveu, nesse período, sob dois regimes totalitários.
Entretanto, mesmo no interregno das duas ditaduras - Estado Novo e Revolução de 64-, não
noticia de que tenha havido qualquer tipo de reação às intenções em relação à orla ou a
negociatas em torno dela.
Da imprensa, os únicos veículos percebidos como críticos do processo foram os
jornais Praia Grande em Revista, A Tribuna e Jornal de Icaraí estes dois últimos
pertencentes a uma mesma editora.
algumas poucas entidades profissionais, ligadas à questão urbanística, irão se
manifestar: das poucas entidades que assim o fizeram, constam apenas algumas associações
profissionais locais, particularmente a Associação Fluminense de Engenheiros e Arquitetos
(AFEA) e do Departamento Estadual do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), que irão se
preocupar “com todo esse movimento fora de qualquer debate local, num momento em que as
questões relacionadas ao planejamento urbano eclodiam”. (AZEVEDO, 2002)
7.13 Questionamento
A história que cerca o aterramento da orla central de Niterói, de 1940 a 1975, coloca
em cheque a responsabilidade dos governantes do Estado e do Município, o discernimento da
Justiça e a capacidade reguladora e fiscalizadora dos legislativos (local e estadual), sem deixar
153
de levantar dúvidas sobre a credibilidade de todos eles, ao permitirem que um bem público (a
res publicae) seja utilizado ora como biombo para expedientes obscuros ora como massa de
manobra ou moeda de troca no atendimento de interesses estranhos ao bem comum
47
.
Estranha-se a nitidez escandalosa como grupos privados teriam conseguido, junto ao
Poder Público, lavrar escrituras e assumir a propriedade de um patrimônio público,
descumprindo prazos e metas estabelecidos em contratos.
O hotel do Gragoatá é emblemático desse quadro aberrante. O prédio foi construído
pelo Estado, mas a concessionária ganhou a propriedade do estabelecimento, mesmo não
tendo cumprido sua parte nos acordos com o Estado.
Até hoje esse processo continua, com a concessionária Planurbs obtendo sentenças
favoráveis na Justiça, como se nada houvesse para desabonar seus antecedentes.
Mas isso é... continuação da mesma história.
7.14 Libertação da chacota
Uma das justificativas mais causticas é de que a Praia Grande tinha no aterro que leva
seu nome a única oportunidade de se ver livre da chacota dos cariocas a qual “a única coisa
bonita que a Capital fluminense tem é a vista do Rio de Janeiro” (PRAIA GRANDE EM
REVISTA - nº1 - ano 1 - 10 a 16/9/1961 - pág. 13)
Como deve ter ficado patente, ao longo do presente estudo, os movimentos de
engendramento dos projetos que demandavam o aterro da orla implicaram na mobilização de
agentes protagonizadores de um intricado conjunto de ações e operações (CORRÊA, 1989,
p.11), tendo em vista a incorporação de novas áreas mediante a asfixia do mar. A
conseqüência mais epidérmica dessas tentativas de reorganização espacial pode,
resumidamente, assim traduzir-se:
A aparência foi, em grande parte, resultante de alguns espíritos desejosos em
auferir lucros enormes a pretexto da criação de uma Nova Niterói.
“Uma área que antes era a fachada tinha se transformado nos fundos da cidade”.
(AFONSO, 1996, p.9)
47
Em uma sociedade capitalista, a cidade e o espaço em geral são modelados de acordo com os interesses, às
vezes contraditórios, de uma série de agentes. [...] entre eles os órgãos públicos ora agentes ora árbitros no
processo de produção do espaço urbano - agentes enquanto realizam operações concretas que contribuem para
modelar a cidade, e árbitros quando intervêem nos conflitos surgidos entre os outros agentes, contribuindo assim
para superar suas contradições. (CAPEL, 1983, p.85)
154
Com sua beleza natural sacrificada pelas obras de aterramento, a Praia Grande
aguardava, esperançosamente, ressurgir da poeira do aterro, que cobriu grandes extensões de
mar e enfeou sua orla litorânea. Lutando contra as obras que a mão do homem criou, a
paisagem continuava bela em alguns pontos; porém, na maioria de sua extensão, perdeu seu
antigo viço, à custa dos maus tratos infligidos. (texto adaptado de O FLUMINENSE,
17/02/1976)
7.15 Funerárias e Cadáver
Algumas sugestões de Attílio Corrêa Lima, tidas como utópicas, podem não ter sido
viabilizadas, mas a proposta do aterro, na orla central de Niterói, foi consumada não com a
aparente inofensividade de um desenho “faz de conta” na prancheta de Corrêa Lima, mas com
o efetivo sepultamento da orla então existente.
Enquanto a Praia Grande ia morrendo lentamente, as “funerárias e seus agentes” se
antecipavam ao desenlace, negociando vantagens mútuas em cima do futuro cadáver.
155
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PRAIA GRANDE EM REVISTA - NITEROI-RJ
10 a 16/09/1961. nº1. AMÓRA, Jourdan; BARROSO, Alvear. Uma história triste. Companhia
do sul prometeu progresso e deu a Niterói atraso de 20 anos, p.10, 11
17 a 23/09/1961.nº2. AMÓRA, Jourdan; BARROSO, Alvear. Uma história triste. Um bilhão
impede Niterói de crescer, p.10, 11.
24
a 30/09/1961.nº3. AMÓRA, Jourdan; BARROSO, Alvear. Uma história triste. Aterro: as
influências políticas e os “acertos” suspendem qualquer lei, p.10, 11.
01 a 07/10/1961.nº.4. AMÓRA, Jourdan; BARROSO, Alvear. Uma história triste. Choque de
interesses prejudica (também) as obras do aterro, p.10, 11.
08 a 14/10/1961 5. AMÓRA, Jourdan; BARROSO, Alvear. Uma história triste. A batalha
do Aterro gerou um “Gregório” na vida de Roberto, p.10, 11.
15 a 21/10/1961. 6. AMÓRA, Jourdan; BARROSO, Alvear. Uma história triste. Aterro
deverá ter novo dono, p.10, 11.
22 a 28/10/1961.7. AMÓRA, Jourdan; BARROSO, Alvear. Uma história triste. O Prefeito
vai mexer com o aterro, p.10, 11.
29 a 4/11/1961 . 8. AMÓRA, Jourdan; BARROSO, Alvear. Uma história triste. “Sonho do
Aterro” leva grupos poderosos a caminho da falência, p.10, 11.
162
ANEXO CAPÍTULO I
CARTOGRAFIAS DO ATERRO
163
164
ANEXO CAPÍTULO II
ASPECTOS DA ORLA QUE MANTÊM ALGUMAS
CARACTERÍSTICAS ORIGINAIS
165
166
167
ANEXO CAPÍTULO II
PROJETOS DA “NOVA NITERÓI”
Avant Project de Attílio Corrêa Lima
Fonte: Urbanismo no Brasil, 1895 – 1965
Planos de Remodelação e Urbanização de Niterói (PRUN)
Escritório Técnico Gabriel Fernandes
Fonte: PMN-SUMA
168
Projeção do PRUN para o Aterro Praia Grande
Escritório Técnico Gabriel Fernandes
Fonte: PMN-SUMA
Projeção do PRUN para a Av. Litorânea
Escritório Técnico Gabriel Fernandes
Fonte: PMN-SUMA
169
Projeto Jardim Fluminense
PLANURBS
Acervo: LDUB - Niterói
Projeto Jardim Fluminense
PLANURBS
Acervo: LDUB - Niterói
170
171
ANEXO CAPÍTULO IV
A ORLA ANTES DO ATERRO
Acervo: Biblioteca Estadual de Niterói
172
ANEXO CAPÍTULO V
DURANTE O ATERRAMENTO
Acervo: A Tribuna
173
Acervo: LDUB – Niterói
174
Acervo: LDUB – Niterói
175
ANEXO CAPÍTULO VI
APÓS O ATERRO
Acervo: A Tribuna
176
Acervo: A Tribuna
177
Acervo: A Tribuna
178
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