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Priscila Sacchettin
Impressionismo em preto e branco
Desenho e gravura em Félix Bracquemond
Programa de Pós-Graduação do
Departamento de Filosofia da Universidade de
São Paulo
São Paulo
2008
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2
Universidade de São Paulo
Priscila Sacchettin
Impressionismo em preto e branco
Desenho e gravura em Félix Bracquemond
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Universidade de São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em Filosofia, sob a
orientação do Professor Doutor Lorenzo Mammì.
São Paulo
2008
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3
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
Prof. Dr. Lorenzo Mammì (orientador)
___________________________________
___________________________________
São Paulo, ____ de ____________________ de 2008.
4
AGRADECIMENTOS
Misto de luta e delícia, esta dissertação de Mestrado é o resultado de muitos encontros.
Agradeço aos meus pais, a quem dedico este trabalho, por sempre assegurarem a
retaguarda.
A meu orientador, Prof. Dr. Lorenzo Mammì, por manter a linha de fogo e ainda cuidar
da estratégia.
Aos membros da banca, Prof. Dr. Rodrigo Naves e Prof. Dr. Claudio Mubarac, por
fornecer munição.
Aos amigos Alberto Barros, Gisele Salgado, Heloísa Espada, Luiz Fernando
Mohammed Pilz, Raquel Weiss e Ulysses Bôscolo de Paula, pelo constante envio de reforços.
À Capes, pelo suprimento certo.
A todos aqueles que, direta ou indiretamente, fizeram parte deste trabalho, também
agradeço.
5
RESUMO
Esta dissertação examina a gravura impressionista, através da análise do conceito de desenho
e a relação deste com a gravura praticada na segunda metade do século XIX, na França. Para
isso, utilizo como guia o conceito de desenho desenvolvido por Félix Bracquemond (1833
1914) em seu ensaio Du Dessin et de la Couleur (1855). Pretendo mostrar como esse conceito
foi forjado em consonância com as pesquisas impressionistas no âmbito da gravura.
Palavras-chave: gravura; desenho; impressionismo; século XIX; Félix Bracquemond.
6
ABSTRACT
This dissertation focuses the impressionist engraving , through an analysis of the concept of
drawing, and its relations with the engraving made in France, at the second half of the XIX
century. Therefore, the concept of drawing such as developed on the essay Du Dessin et de la
Couleur (1885) by Félix Bracquemond (1833 1914), was taken as a guiding one. I intent to
demonstrate how this concept was formed according to the impressionists researches on
engraving.
Keywords: engraving; drawing; impressionism; XIX centuty; Félix Bracquemond.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Introdução, 9
CAPÍTULO I
A gravura impressionista: nomes e eventos.
1 A gravura impressionista, 14
1.1 A Société des Aquafortistes (1862 – 1867), 16
1.2 O grupo de Auvers (1873), 7
1.3 A Société anonyme des artistes peintres, sculpteurs et graveurs e suas oito exposições (1874
– 1886), 22
1.4 A Société des Peintres Graveurs (1890), 25
CAPÍTULO II
O desenho em Charles Blanc e Félix Bracquemond.
2 O desenho em Charles Blanc e Félix Bracquemond, 28
2.1 Charles Blanc, 29
2.1.1 Primazia do desenho, 30
2.1.1.1 Primeiros argumentos, 32
2.1.1.2 Natureza, arte e artista, 33
2.1.1.3 Desenho, definição pendular, 37
2.1.2 Cor, essência secundária, 39
2.2 Félix Bracquemond, 41
2.2.1 Desenho, nova definição, 41
2.2.1.1 Desenho, denominador comum, 43
2.2.2 Cor também é desenho, 47
2.3 Duas luzes sobre Rembrandt, 48
2.3.1 Rembrandt, gravador-poeta, 52
2.3.2 Rembrandt, dessinateur coloriste, 57
8
CAPÍTULO III
Algumas análises.
3 Algumas análises, 62
3.1 Luz solar enquanto tema, 63
3.2 Estados, movimento, 71
CONCLUSÃO
Conclusão, 76
BIBLIOGRAFIA
Introdução, 78
ANEXOS
Anexos, 81
9
INTRODUÇÃO
O projeto inicial desta dissertação pretendia tratar das relações entre gravura e fotografia
no contexto do advento desta técnica, no século XIX. O viés adotado pela pesquisa seria o da
reprodução de imagens, propondo uma investigação de como a utilização cada vez maior dos
processos fotográficos teria interferido na produção gráfica, uma vez que a gravura, até então
a única maneira de reproduzir imagens de maneira serial e idêntica, viu-se confrontada com
uma nova técnica, a fotografia, capaz de tomar para si a função de tal reprodução serial e
idêntica, porém com as vantagens da rapidez, praticidade e baixo custo. Mesmo interessante,
esse tema de pesquisa mostrou-se amplo demais, por exigir tratar de questões pertencentes a
dois universos muito amplos, aqueles da gravura e da fotografia, além de demandar
informações acerca do mercado de imagens gráficas e fotográficas da época, o que levaria a
um trabalho de pesquisa que extrapolaria os limites de uma dissertação de mestrado.
Nossa pesquisa caminhou, a partir disso, no sentido de uma delimitação mais precisa do
tema e, com isso em vista, pareceu-nos mais viável enfocar uma questão própria da história da
gravura, no caso, a separação estabelecida entre “estampa original” e “estampa de
interpretação”. Por meio das leituras realizadas sobre história da gravura, chegamos à seguinte
indagação: isso que hoje denominamos gravura original e estampa de interpretação constam
da história da gravura de estampa desde seus inícios no século XV, sendo que a distinção
entre uma e outra não se mostrava pertinente e assim foi durante muito tempo. Isso em vista,
o que ocorre para que, no século XIX, quatro séculos após o advento da gravura de estampa,
tal distinção passe a ser feita? O que faz com que ela se torne tão pertinente e continue sendo
usada até hoje, como uma espécie de “agente organizador” da história da gravura? Apesar de
um pouco mais delimitada, a questão ainda se mostrava muito ampla, podendo ser tratada de
várias maneiras.
Uma solução foi a apresentação para nós da obra de Félix Bracquemond (1833 1914),
gravador, pintor e teórico francês, cujos textos apresentam questões que vêm ao encontro
daquelas levantadas por nós. Nosso trabalho de pesquisa então consistiria no estudo das
noções de original e interpretação na gravura, centrando-se na produção de Bracquemond,
tanto teórica (textos publicados) quanto artística (gravuras ou mesmo pinturas disponíveis em
reproduções). Mas, ao entrar em contato com Bracquemond, chamou-nos a atenção seu ensaio
intitulado Du Dessin et de la Couleur (1885), no qual o autor discute com propriedade os
termos usados na linguagem das artes e propõe-lhes definições precisas. Tomar este ensaio
10
como objeto de nossos estudos era uma possibilidade de delimitação, porém ainda restava
saber como se aproximar dele, a partir de qual visada abordá-lo, uma vez que não se tratava
de um texto sobre gravura ou de história da gravura, mas de um ensaio de teoria da arte.
Essa questão solucionou-se ao encontrarmos um contraponto às idéias de Bracquemond:
a Grammaire des Arts du Dessin (1867), da autoria de Charles Blanc (1813 – 1882), obra cujo
objetivo era tornar acessível ao público letrado princípios teóricos das artes do desenho e
noções de filosofia da arte, bem como indicar a aplicação prática daqueles princípios. Assim,
através do contraste entre essas duas concepções teóricas acerca das artes do desenho,
chegamos à presente delimitação: ambos os autores tratam, nos dois textos mencionados, de
vários conceitos em comum (desenho, cor, luz, modelado), porém conferindo-lhes
significados bem distintos. A partir dessa constatação, analisaremos o conceito fundamental
para ambos, o desenho, juntamente com os demais conceitos que o cercam, para então
percebermos de que maneira cada um dos autores entende a gravura. Em outras palavras,
pretendemos mostrar como duas concepções distintas de desenho conduzem a duas
concepções diferentes de gravura.
Antes disso, porém, apresentamos uma breve biografia dos autores estudados.
Auguste-Alexandre-Philippe-Charles Blanc nasceu em 15 de novembro de 1813 na
cidade de Castres, no sul da França, a 72 quilômetros de Toulouse. Juntamente com seu irmão
Louis Blanc, famoso escritor e historiador socialista, Charles Blanc recebeu formação sólida
na área de estudos clássicos, retórica e filosofia. Foi um encontro casual com algumas
gravuras de Rembrandt, em sua juventude, o que despertou o interesse de Blanc pela história,
crítica e teoria da arte, atividades às quais se dedicaria ao longo de toda sua vida. Iniciou sua
carreira como crítico e salonnier, publicando seus textos em revistas e jornais dos quais seu
irmão também participava. Mais tarde, em 1859, foi responsável pela fundação da Gazette des
Beaux-arts, publicação de destaque dedicada à crítica e história da arte, da qual foi redator-
chefe. Em abril de 1848, Blanc inaugura sua bem-sucedida carreira acadêmica, ao ser
indicado para a direção da École des Beaux-arts. A partir de então, foi eleito membro da
Académie des Beaux-arts em 1868, membro da Académie Française em 1876 e em 1878
torna-se professor de história da arte no Collège de France, onde também inaugura a cadeira
de estética.
O livro de Blanc que estudaremos aqui, a Grammaire des Arts du Dessin, foi publicado
em fascículos pela Gazette des Beaux-arts entre os anos de 1860 e 1866, e divide-se em duas
partes: a primeira trata dos princípios teóricos que guiarão a explanação, consistindo numa
11
série de definições para termos como belo e sublime, arte e natureza, estilo e imitação, cor e
desenho. A segunda parte é composta por três livros, dedicados, nesta ordem, à arquitetura,
escultura e pintura, sendo que a gravura aparece como apêndice do terceiro livro, ou seja,
como complemento dos estudos sobre pintura. Esta segunda parte possui um tom de manual,
indicando as maneiras mais adequadas do artista proceder, constantemente retomando os
princípios expostos na primeira parte e relacionando-os aos procedimentos artísticos. A
respeito da Grammaire, Misook Song comenta:
The Grammaire des Arts du Dessin was generally accepted in the nineteenth century as a ‘complete
philosophy of art’ or a serious study of aesthetics. Ironically, it was written with the purpose of public
instruction, that is, with a practical end in mind. (…) Eclectic and simple as it appears to be, the merit of
his [Blanc] attempt lies in the fact that the Grammaire, the first of its genre, provides an intelligent
amalgam of fundamental principles and their application to the fine arts as seen through historical
experience; this was in itself a sizeable contribution to the practical course of aesthetics in nineteenth-
century France, if not in the whole of Europe. (…) Hence, Blanc’s aim in the Grammaire is to instruct the
public by presenting a ‘lucid summary’ of the historically cogent theoretical conceptions which constitute
a work of art, or as Blanc called it, ‘arts of design’. Thereby, he ultimately wished to elevate national taste
and restore the hitherto depressed national pride by reviving the true nature and dignity of classical
antiquity.
1
Escritor prolífico, Blanc publicou em vida diversas obras tratando de história da arte,
dentre as quais se destacam um catalogue raisonné da obra gráfica e pictórica de Rembrandt
(L’Oeuvre Complet de Rembrandt, 1859-61) e uma Histoire des peintres de toutes les écoles
em quatorze volumes, publicada entre 1861 e 1876. Quanto a textos teóricos, além da
Grammaire des arts du dessin, escreveu também uma Grammaire des arts décoratifs (1881) e
L’art dans la parure e dans le vêtement (1875). Blanc falece em Paris, em 17 de janeiro de
1882.
Dezoito anos após a publicação da Grammaire, Félix Bracquemond publica, em 1885,
seu ensaio Du Dessin et de la Couleur, texto de maior envergadura teórica deste autor, no
qual trata de teoria da arte, seus fundamentos e ensinamento. A data precisa do nascimento de
Bracquemond é incerta, mas estima-se que ele nasceu em 28 de maio de 1833, com certeza
em Paris
2
. Oriundo de família humilde, iniciou sua carreira artística como aluno do pintor
Joseph Guichard que, por sua vez, foi pupilo de Ingres e de Delacroix. Artista multifacetado,
Bracquemond foi pintor, gravador, designer (trabalhou para a Manufacture de Sèvres e para a
1
Song, pp.17-18. A respeito da repercussão da obra de Blanc, a autora acrescenta: “The carton F21 at the
Archives Nationales contains a letter dated June 6, 1872, asking Blanc’s permission to place a copy of the
Grammaire in all of the lycées and colleges of France. The letter is adressed to Blanc by the Univerty of France
p.126, nota 13.
2
Ambas as fotos aqui incluídas – o retrato de Bracquemond e a foto de seu atelier – pertencem ao acervo da
Biblioteca Nacional da França.
12
Maison Haviland de Limoges desenhando serviços de louça e cerâmicas) e também escritor,
refletindo em seus escritos toda a variedade de suas atividades e fazendo da crítica ao
academicismo na arte uma constante:
... mais il [Bracquemond] reste un indépendent, farouchement opposé à l’Institut. De nombreux textes
théoriques et critiques, à partir de 1878 surtout, développent sa théorie très personnelle du ‘modelé’, qui
trouve sa pleine expression dans son livre Du Dessin et de la Couleur, édité par Charpentier en 1885 : la
gravure, mais aussi la peinture, la céramique (qu’il continue de pratiquer et à laquelle il amène Gauguin
en 1886), la tapisserie, la reliure et l’ensemble des arts décoratifs font aussi l’objet d’un examen critique
serré où la production académique est empitoyablement prise à parti.
3
A carreira de Bracquemond como pintor
não foi longa ele chegou a expor em vários
Salons (1866, 1867, 1868, 1869) mas deixa de
pintar a partir de 1869. Sua dedicação à gravura
começa de maneira autodidata, por volta de
1849, de modo a tirar seu sustento, no início da
carreira, da realização de litografias comerciais.
Curiosamente, este gravador autodidata (que
viria a participar das exposições Impressionistas
de 1874, 1879 e 1880) desempenhou um papel
importante como professor de gravura e
incentivador desta arte entre vários de seus
amigos, iniciando artistas como Manet, Pissarro
e Degas. Além disso, Bracquemond foi um dos
primeiros responsáveis pela descoberta e divulgação da gravura japonesa, sendo grande
admirador da obra de Hokusai. Sua posição crítica em relação à Academia e sua disposição
para promover a gravura levaram-no a fundar e participar de diversas sociedades de artistas:
em 1862, inaugura a Société des Aquafortistes, que reunia boa parte dos gravadores que
utilizavam a água-forte na época
4
; foi membro fundador da Société des Artistes Français e,
em 1890, fundou a Société des Peintres-Graveurs Français, cujo propósito consistia no
fomento à gravura original frente à ascensão dos procedimentos foto-mecânicos.
3
Bouillon, Bracquemond: le Réalisme Absolu , p.7.
4
Certamente uma tentativa de mudar a situação da gravura em água-forte: ...la plus négligée, la plus méprisée
des techniques de l’estampe, écrasée entre le prestige du burin académique et le succès de la lithographie
commerciale.” Bouillon, idem, p.9.
13
Bracquemond falece aos 81 anos, em Sèvres, no dia 27 de outubro de 1914, deixando
uma obra gráfica de cerca de 900 gravuras, muitas das quais publicadas em importantes
revistas da época como L’Artiste, La Gazette de Beaux-Arts, L’Art e La Revue de l’art ancien
e moderne.
Os escritos de
Bracquemond levaram-
nos a uma aproximação
com a gravura
impressionista, arte da
qual este autor participou
com intensidade. Essa
aproximação levou-nos a
redigir, enquanto primeiro
capítulo, um panorama da
história da gravura impressionista, tomando como balizas três sociedades que se formaram
naquela época e foram fundamentais para o movimento: a Société des Aquafortistes, a Société
anonyme des artistes peintres, sculpteurs et graveurs e a Société des peintres graveurs.
Após a discussão conceitual em torno do desenho realizada no segundo capítulo,
voltamos a tratar mais especificamente da gravura impressionista no terceiro e último
capítulo, no qual analisamos algumas reproduções de obras da época, procurando evidenciar
nessas obras algumas características que as relacionam à análise feita no capítulo anterior.
A gravura impressionista, entendida aqui num sentido amplo, como será demonstrado
no primeiro capítulo, cobre um período de cerca de meio século, podendo ser estendida desde
a renovação, frente ao buril, da água-forte original no início dos anos de 1860, até o
desenvolvimento da litografia em cores, com os nabis, no fim do século XIX. Portanto, isto
que chamamos aqui de gravura impressionista excede, e muito, a circunscrição temporal das
oito exposições impressionistas propriamente ditas (1874 1886). Aos nomes famosos
presentes nessas exposições, acrescentam-se aqueles de aristas menos conhecidos do grande
público, tais como Paul Huet, Maxime Lalanne, Adolphe Appian e mesmo o próprio
Bracquemond, cujas obras são indispensáveis para termos a justa noção de conjunto do
movimento que integravam.
14
CAPÍTULO I
A gravura impressionista: nomes e eventos.
15
Durante as décadas de 60 e 70 do século XIX, a gravura viveu um período de intenso
questionamento, impulsionado pela revitalização da água-forte, frente à predominância, ao
longo do século XIX, da gravura de reprodução feita a buril. Esse período inquieto da história
das artes gráficas trouxe como resultado, cerca de duas décadas depois, o pleno
reconhecimento da gravura enquanto obra de arte original e autônoma. Esse impulso de
retomada e defesa da estampa original contou com vários artistas que, concomitantemente,
também colaboraram com o movimento de vanguarda daquele período, que a história da arte
convencionou chamar de Impressionismo. Sabemos que a pintura impressionista possui como
características gerais a pincelada solta, aparente e ritmada; a atividade ao ar-livre; a tentativa
de captura da fugacidade da cena observada e seus efeitos atmosféricos; o vigor cromático.
Estas características definidoras dificilmente se repetiriam na gravura, por ser esta uma arte
que demanda trabalho dentro do ateliê (pois lida com vernizes, ácidos, fogo, etc.), que, na
imensa maioria das vezes, é impressa em preto e branco e que, além disso, exige da mão do
artista a disciplina e o esforço de sulcar o metal.
Dessa maneira, um impressionismo gravado em preto e branco deveria ser uma
inapelável contradição. No entanto, lado a lado com a pintura impressionista, ele foi pensado,
feito, exposto, visto e publicado, o que talvez o torne a contradição mais atraente da história
da gravura. Uma estampa tem a propriedade de revelar um minucioso trabalho da luz, uma
vez que se restringe aos efeitos de luzes, sombras e meios-tons, usados para investigar os
acontecimentos corriqueiros e cenas cotidianas que escolhe como temas, distanciando-se da
idealização de uma pintura histórica e relacionando-se com mais intimidade com o desenho e
o esboço. Até mesmo por esse seu parentesco com o esboço, portanto com o inconcluso e o
despretensioso, a gravura permite com mais facilidade as composições ousadas, pontos de
vista insólitos e temas inusitados.
E o imprevisto pode acontecer de inumeráveis maneiras já na etapa de trabalho da placa,
etapa intermediária que levará à prova final, depois de vários ensaios. A imagem que resulta
desse processo é uma imagem instável, móvel, incerta, que faz uma tentativa de fixação na
placa para em seguida, com a impressão, desdobrar-se em várias. Os diferentes estados de
uma gravura nada mais são que a fixação de diferentes momentos pelos quais a imagem passa
durante seu processo de, pouco a pouco, revelar-se aos olhos. Desse modo, é inerente à
16
gravura revelar as peculiaridades do processo que a engendrou, ao deixar evidentes os
momentos que constituíram tal processo.
Isto posto, três questões que devemos esclarecer se quisermos falar de uma “gravura
impressionista”: em primeiro lugar, a quais gravadores podemos atribuir o qualificativo
“impressionista”? Eles se identificam com os pintores impressionistas? Quando se estabelece
a gravura impressionista e em qual período circunscrevê-la?
Definir alguns marcos temporais pode ser útil para nosso esclarecimento, porém
devemos ter em mente que as raízes e desdobramentos dessa gravura ultrapassam em muito os
limites da segunda metade do século XIX.
1.1 A Société des Aquafortistes (18621867)
Em maio de 1862, o editor
Alfred Cadart funda a Société des
Aquafortistes, reunindo 52
membros. À época, essa sociedade
é responsável por ensejar novos
talentos na gravura e revigorar a
atividade daqueles que
praticavam essa arte; a intenção de
Cadart também é fornecer um
contrapeso à propagação da
fotografia, promovendo o convívio
e a emulação entre os gravadores e
estimulando no público o gosto pela
gravura. Mas, para além de questões de mercado e da defesa da gravura enquanto veículo, os
membros da Société se reúnem em torno do desejo comum de conferir à gravura o estatuto de
arte autônoma, como demonstra Théophile Gautier, no texto que escreve para o prefácio do
primeiro álbum: “chaque eau-forte est un dessin original”
5
.
Também a litografia foi alvo do interesse de Cadart que, em 1862, fornece pedras
litográficas a Félix Bracquemond, Henri Fantin-Latour, Alphonse Legros e Édouard Manet.
5
Apud MINDER, Nicole, L’impressionnisme et le renouveau de l’estampe dans la seconde moitié du XIXe.
siècle: quelques repères, in CAREY, Edith (org.). La gravure impressionniste: de l’école de Barbizon aux nabis,
p.16
Édouard Manet. Le Ballon, 1862. Litografia, estado único.
403 x 515 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional da
França, Paris.
17
Sua tentativa, porém, não é bem sucedida, pois era muita a inovação trazida pelo traço
atrevido e carregado de uma obra como Ballon, de Manet, que antecipava a ousadia das
faturas impressionistas.
Bracquemond será uma figura de primeiro plano na história da Société des
Aquafortistes, cujo primeiro álbum, formado por doze fascículos publicados entre 1° de
setembro de 1862 e 1° de agosto de 1863, traz como primeira prancha uma estampa de autoria
dele, L’Inconnu.
Os álbuns da Société trazem ao público um total de 328 águas-fortes, durante cinco anos
de publicação. Apesar da preocupação dessa sociedade em revigorar a água-forte, esta
técnica, longe de se encontrar esquecida,
vinha sendo praticada mais de vinte
anos por artistas tais como Paul Huet e
Charles-François Daubigny, e cerca de
dez anos pelo próprio Bracquemond, além
de Adolphe Appian, Maxime Lalanne e
Legros. Ao mesmo tempo, temos artistas
que voltam a gravar, como é o caso de
Jean-Baptiste-Camille Corot, que havia
feito uma tentativa em 1845 - Souvenir de
Toscane - mas a placa que ele então
Johan Jongkind. Canal, 1862. Água-forte.
175 x 215 mm. Cabinet cantonal des estampes, Vevey,
Suíça.
Félix Bracquemond. L’Inconnu, 1862. Água-forte.
186 x 317 mm. Cabinet cantonal des estampes, Vevey, Suíça.
18
gravara permaneceu não-impressa até 1862, quando
Bracquemond a retoma e se encarrega da morsura.
Fantin-Latour e Johan Barthold Jongkind iniciam
nesse momento seu envolvimento com a gravura,
sendo que as seis primeiras águas-fortes feitas por
Jongkind são impressas ainda em 1862 num volume
intitulado Vues de Hollande (Canal), sob os cuidados
do impressor Auguste Delâtre. Ao comentar esse
álbum, Charles Baudelaire utiliza palavras que
poderiam ser estendidas a várias outras gravuras da
Société: “singulières abreviations de sa peinture,
croquis que sauront lire tous les amateurs habitués à
déchiffrer l’âme d’un peintre dans ses plus rapides
‘gribouillages’”
6
.
As estampas publicadas pela Société des
Aquafortistes caracterizam-se pela liberdade do traço e
pela espontaneidade da fatura, diferentemente das
gravuras de interpretação feitas a buril ensinadas na
Academia. Mesmo ainda possuindo algum
comedimento em relação às estampas feitas na década
de 70, francamente experimentais, as estampas
presentes no primeiro fascículo do álbum da Société
escandalizaram parte do público da época, a ponto de
ser trocado o comitê de seleção para o segundo
fascículo, “pour rassurer les abonnés effarouchés [...]
par quelques planches trop brutales”
7
.
Entretanto, os gravadores são aceitos no Salão
oficial. Com sucesso, Lalanne submete ao júri, em
1863, três águas-fortes de sua autoria publicadas um
ano antes no álbum da Société des Aquafortistes, dentre as quais Le Percement du boulevard
Saint-Germain.
6
Apud MINDER, idem.
7
Philippe Burty, apud MINDER, idem.
Maxime Lalanne. Démolitions pour le
percement du boulevard Saint-Germain,
1863. Água-forte. 320 x 240 mm. Cabinet
cantonal des estampes, Vevey, Suíça.
Édouard Manet. Lola de Valence, 1863.
Litografia, estado único.
295 x 240 mm. Gabinete de Estampas da
Biblicoteca Nacional da França, Paris.
19
Nesse mesmo ano, é criado o Salon des Refusés, por iniciativa de alguns artistas que
viriam a se reunir no futuro grupo dos impressionistas e que se viram rejeitados pelo júri
oficial do Salon : Manet, Paul Cézanne, Camille Pissarro, James Whistler, Bracquemond e
Fantin-Latour, os quais o crítico Edmond Duranty, em texto de 1876, denominará
chercheurs’: “Au Salon des Refusés de 1863, apparurent, hardis et convaincus, les
chercheurs. Plusiers d’entre eux ont, depuis, obténu des médailles, ou se trouvent en asez
belle situation de renom, soit à Londres, soit à Paris”
8
.
Dentre os artistas que constaram dos quadros da Société
des Aquafortistes, apenas alguns participarão, futuramente, das
exposições do grupo impressionista, como é o caso de
Bracquemond, Legros e Pissarro. Este último, apesar de não
publicar nenhuma estampa nos álbuns da Société, é um de seus
membros, e se incentivado a fazer suas primeiras gravuras a
água-forte. Manet integra os álbuns com Los Gitanos e Lola de
Valence, e Edgar Degas volta a fazer água-forte, a qual ele
conhecia desde sua estadia na
Itália em 1856. O artista
reimprime placas que havia
gravado nos anos 50, como é o
caso do retrato Le graveur Joseph Tourny, e reelabora
outras, como o retrato de Manet assis, tourné `a gauche, no
qual o cobre na área do casaco é raspado com um brunidor,
resultando num efeito de tecido puído, após a impressão.
Os métodos tradicionais para fazer uma água-forte passam
a ser complementados por outros, considerados mais
heterodoxos, que continuarão se desenvolvendo através das
pesquisas dos gravadores impressionistas, sempre
interessados em criar novos efeitos através do manejo, cada
vez mais audacioso e refinado, da tinta, dos instrumentos e dos materiais empregados.
8
DURANTY, Edmond. La nouvelle peinture. in Denys Riout (org.), Les écrivains devant
l’impressionnisme, p.118
Edgar Degas. Le graveur
Joseph Tourny, 1857.
Água-forte. 230 x 144 mm.
Museum of Fine Arts, Boston.
Edgar Degas. Manet assis, tourné `a
gauche, 1864-1868. Água-forte e ponta-
seca. 171 x 120 mm. Coleção EWK,
Berna.
20
Em 1868, um ano após a conclusão das atividades da Société des Aquafortistes, uma
outra publicação coordenada por Cadart, L’Illustration Nouvelle, traz aos amadores da
estampa uma obra que anunciava, tanto na fatura quanto no título, o movimento que
conquistaria espaço na década seguinte tratava-se de Soleil couchant, port d’Anvers, de
Jongkind.
1.2 O grupo de Auvers (1873)
A década de 1870 é o período decisivo da história da
gravura impressionista. Artistas que vinham se dedicando à
gravura e também aqueles que passam a se dedicar a ela têm
nesse momento suas obras impulsionadas, criando assim um
contexto de ebulição nos ateliês e nas exposições que serão
realizadas, notadamente aquelas que viriam a ser chamadas de
‘impressionistas’.
Para Pissarro, 1873 é um ano de intensa dedicação à
gravura. Um ano antes, ele se muda com a família para uma
pequena cidade nos arredores de Paris, Pontoise, perto da qual
também já haviam se instalado Daubigny e Corot. É então que
Pissarro passa a adotar, em suas estampas, uma fatura e uma
composição de aspecto mais casual e espontâneo, distanciando-se aos poucos do tipo de
paisagismo adotado pela escola de Barbizon. Na mesma época, seus amigos Cézanne e doutor
Gachet (Paul Van Ryssel) também se mudam para um vilarejo próximo a Pontoise chamado
Johan Jongkind. Soleil couchant, port d`Anvers, 1868.
Água-forte. 151 x 233 mm. Coleção particular,
Lausanne.
Armand Guillaumin. Chemin
creux aux Hautes-Bruyeres, 1873.
Água-forte. 125 x 93 mm.
Cabinet cantonal des estampes,
Vevey, Suíça.
21
Auvers. Os três passam a se reunir na casa de Gachet,
incentivador do grupo, para gravarem juntos, às vezes também
contando com a participação de Armand Guillaumin, cuja
estampa Chemin creux aux Hautes-Bruyère é feita nesse período.
Pissarro realiza seu Portrait de Paul zann, e Cézanne, por sua
vez, executa suas primeiras e únicas gravuras em água-forte
(cinco, no total), dentre as quais um retrato de Guillaumin, uma
paisagem inspirada nos campos de Bicêtre e Tête de jeune fille
(anos mais tarde, entre 1896 e 1897,
Cézanne executa três litografias,
resumindo-se sua obra gráfica a essas
oito pranchas). Lugares como Bicêtre e la Bièvre tornam-se um
tema em comum para as composições destes artistas, envolvidos
no espírito de trabalho em grupo. As matrizes desse período
geralmente são executadas com presteza e depois longamente
expostas ao ácido, de modo a evidenciar o contraste entre claro e
escuro. É provável que Gachet se encarregasse das impressões,
pois se presume que ele possuía uma prensa. As provas obtidas,
com sua fatura descontraída que lembra um esboço, certamente
apresentavam, à época, um tom de contestação e provocação. Em 1876, portanto
contemporâneo às exposições dos impressionistas, o crítico Duranty observa:
Le public (...) n’admet guère et ne comprend que la correction, il veut le fini avant tout. L’artiste, charmé
des licatesses ou des éclats de la coloration, du caractère d’un geste, d’un groupement, s’inquiète
beaucoup moins de ce fini, de cette correction
9
.
Torna-se cada vez mais claro que a gravura está passando por uma transformação, pois
começam a mudar os interesses dos artistas, que tomam a liberdade e a pesquisa como valores
a serem buscados na elaboração de suas placas, valorizando também o esboço e o inconcluso.
Essa exploração dos aspectos técnicos e materiais da gravura parte de uma atitude aventureira,
de desbravamento, que não hesitava em se distanciar dos conhecimentos e procedimentos
estabelecidos. Podemos dizer que, no período relativo ao início da década de 1870 até início
da década de 80, o que guia estes gravadores é o interesse pelo fazer, pelo próprio ato de
elaboração de uma gravura. Esse período também põe em evidência a crescente adoção da
9
DURANTY, idem, p.130.
Camille Pissarro. Paul
Cézanne, 1874. Água-forte,
estado único. 270 x 214 mm.
Gabinete de Estampas da
Biblicoteca Nacional da
França, Paris.
Paul Cézanne. Tête de jeune
fille, 1873. Água-forte e
rolete.
131 x 105 mm. Kunsthaus,
Graphische Sammlung,
Zurique.
22
ponta-seca, que se torna um instrumento dos
mais atraentes para os artistas de então, pois com
ela é possível desenhar diretamente sobre a
placa, dispensando as etapas intermediárias do
verniz e da exposição ao ácido, ganhando em
rapidez de execução. A opção pela incisão direta
sobre o metal se torna mais uma das
características recorrentes na gravura
impressionista. Desde 1873, Marcellin Desboutin
se dedica a essa técnica, e em 1875, integra um
grupo composto por ele, Degas, Giuseppe De
Nittis e Alphonse Hirsch, que se reúnem com o
intuito de praticar a gravura a ponta-seca,
executando o retrato um do outro (Retrato de
Degas).
1.3 A Société anonyme des artistes
peintres, sculpteurs et graveurs e suas oito
exposições (1874 – 1886)
Em 15 de abril de 1874, no Boulevard des Capucines,
Paris, a Société anonyme des artistes peintres, sculpteurs et
graveurs, fundada em 27 de dezembro do ano anterior,
inaugura sua primeira exposição, que conta com obras de
Bracquemond, Degas, zanne, Guillaumin, Monet e Berthe
Morisot, entre vários outros, num total de vinte e seis artistas.
O objetivo da Société anonyme era criar condições que
permitissem a seus membros expor suas obras ao público de
maneira independente, sem ter que submetê-las à seleção de
um júri oficial, como acontecia no Salon. Durante os onze
anos seguintes, mais sete exposições serão organizadas,
reunindo, ao todo, cinqüenta e cinco artistas (Cf. Annexe I, no fim do capítulo). Édouard
Manet constitui um caso à parte pois, apesar de ligado ao grupo, não expõe com ele nenhuma
Marcellin Desboutin. Portrait de Degas en buste,
1876. Ponta-seca. 226 x 142 mm. Cabinet des
estampes, Genebra.
Edgar Degas. Alphonse Hirsch,
1875. Ponta-seca e água-tinta. 112 x
60 mm. Museum of Fine Arts,
Boston.
23
vez, e continua a submeter suas obras à seleção oficial do Salon. As intenções dos artistas ao
fundarem a Société anonyme são assim sintetizadas por Duranty, em seu texto citado
anteriormente:
L’idée, la première idée a été d’enlever la cloison qui separe l’atelier de la vie commune, ou d’y ouvrir ce
jour sur la rue. (...) Il fallait faire sortir le peintre de sa tabatière, de son cloître où il n’est enrelations
qu’avec le ciel, et le ramener parmi les hommes, dans le monde. (...) On a essayé de rendre la marche, le
mouvement, la trépidation et l’entrecroisement des passants, comme on a essayé de rendre le tremblement
des feuilles, le frissonement de l’eau et la vibration de l’air inondé de lumière, comme à côdes irisations
des rayons solaires, on a su saisir les douces enveloppes du jour gris
10
.
Os artistas da Société anonyme não pretendiam fundar
um novo estilo ou uma nova escola, tanto que não se
preocupavam em dar um título específico às suas exposições
mas, mesmo assim, alguns termos foram usados para falar
desses artistas enquanto um conjunto. Degas, por exemplo,
um mês antes da exposição de 1874, escreve: “Le
mouvement réaliste n’a plus besoin de lutter avec d’autres.
Il est, il existe, il doit se montrer à part”
11
. Dez dias depois
da abertura dessa mesma exposição, o crítico Louis Leroy,
do periódico Le Charivari, escreve um artigo sobre as obras
apresentadas pelo grupo, utilizando com ironia o termo
impressionniste, inspirado no título de uma pintura de
Manet, Impression, soleil levant. Apesar da intenção do
crítico de zombar do grupo, o qualificativo impressionniste
acabou sendo adotado como a designação mais habitual em
relação a esses artistas, apesar da recusa de alguns deles em
aceita-lo, como é o caso de Degas. O crítico Edmond
Duranty também evita seu uso, preferindo usar a expressão
nouvelle peinture. Outras designações aparecem nos textos
críticos, porém não se fixam - intransigeants, por exemplo.
O termo indépendants aparece no catálogo da exposição de
1883 (cujo título completo é Catalogue de la 7
e
exposition
des artistes indépendants), porém os demais catálogos
trazem como título somente a palavra exposition. O termo impressionniste, entretanto, ganha
10
DURANTY, idem, pp. 125 / 128.
11
Apud MINDER, idem, p.14.
Cham. In Le Charivari, 20 de abril
de 1879. Apud RIOUT, Denys, Les
écrivains devant l`impressionnisme.
Pif. In Le Charivari, 11 de abril de
1880. Apud RIOUT, Denys. Les
écrivains devat l`impressionnisme.
24
espaço entre os artistas, e a terceira exposição, em 1877, exibe este tulo sobre sua porta de
entrada.
A gravura também se engaja nessa busca por maior liberdade em relação aos padrões
instituídos e às regras do academicismo, resgatando procedimentos cujas origens são muito
anteriores ao século XIX (como é o caso da ponta-seca) e procurando utilizar de maneira
audaciosa as técnicas, materiais e instrumentos disponíveis. Duranty escreve :
La gravure se tourmente de procédés, elle aussi. La voilà qui reprend la pointe che et s’en sert comme
d’un crayon, abordant directement la plaque et traçant l’oeuvre d’un seul coup; la voilà qui jette des
accents inattendus dans l’eau-forte en employent le burin; voilà qui varie chaque planche à l’eau-forte,
l’éclaircit, l’emmystérise, la peint littéralement par un ingénieux maniement de l’encre au moment de
l’impression
12
.
Nesse sentido, a importância de Bracquemond para a estampa impressionista é notável
logo na primeira exposição, em 1874, quando esse artista abre espaço aos gravadores
mostrando nada menos que trinta e duas águas-fortes. Ele também mostra gravuras nas duas
outras exposições impressionistas de que participa, a quarta (1879) e a quinta (1880). Outros
artistas fizeram o mesmo, e do total de cinqüenta e cinco integrantes que fizeram parte das
oito exposições, treze mostraram gravuras ao menos uma vez
13
, somando assim mais de uma
centena delas trazidas ao grande público, com franca predominância da água-forte e da ponta-
seca, pois quase não há litografias e a xilogravura aparece apenas na última exposição, por
Lucien Pissarro. Algumas monotipias constam dos catálogos, porém essa cnica era
incomum na época e sequer possuía um nome definido. Ludovic-Napoléon Lepic, por
exemplo, em um dos catálogos, fala em “épreuve tirée sur plaque sans gravure”, e Degas
menciona “dessins faits à l’encre grasse et imprimés”
14
. As gravuras são impressas em
branco e preto, com exceção de uma, da autoria de Bracquemond, Au Jardin d’Acclimatation,
datada de 1873 e exposta em 1879, na quarta exposição impressionista.
Isto a que chamamos ‘gravura impressionista’, porém, não se limita aos nomes daqueles
artistas que trouxeram estampas às exposições impressionistas.
Em primeiro lugar, muitos pintores-gravadores tiveram participação em alguma das oito
exposições, sem, no entanto, exibir gravuras, como é o caso de Odilon Redon. Artistas como
Alfred Sisley, Cézanne, Guillaumin e Morisot, por sua vez, possuem uma obra gráfica tão
12
DURANTY, idem, pp. 128 / 129.
13
Dentre esses artistas, encontramos Mary Cassatt (1880), Degas (1877, 1880, 1881), Desboutin (1876), Legros
(1876), Camille Pissarro (1880 e 1886), Lucien Pissarro (1886) e Henry Somm (1879).
14
Apud MINDER, idem, p.15.
25
reduzida
15
, que sua ausência nas exposições impressionistas não causa surpresa. Paul Signac
começa a gravar a partir de 1885, Auguste Renoir a partir de 1888 e Paul Gauguin a partir de
1889, portanto quando o período das exposições chegava a termo, e por isso expuseram
somente pintura.
Além disso, não podemos nos esquecer daqueles artistas cuja obra gráfica está em
consonância com o Impressionismo, porém jamais participaram de uma de suas exposições:
Manet, Félix Buhot, Whistler, Francis Seymour Haden, Lalanne ou mesmo Appian.
1.4 A Société des Peintres Graveurs (1890)
A dispersão do grupo impressionista começa a se fazer sentir a partir da oitava e última
exposição, em 1886, da qual participam Seurat, Signac e Redon, como prenúncio do
desenvolvimento da corrente simbolista.
Três anos mais tarde, em 1889, a fundação da Société des Peintres Graveurs representa
mais um ponto de inflexão na história da gravura: a prática da estampa original deixa de
possuir um caráter subversivo ou contestatório, pois seu reconhecimento e aceitação se
encontram razoavelmente consolidados perante o público, a crítica e os próprios artistas. É o
que podemos observar em um texto que Claude Roger-Marx escreve para uma das exposições
dessa Société: “Et qu’est-ce, à franc parler, une estampe originale, sinon ‘un dessin à plusieurs
exemplaires’? Comme le tableau, la statue, il faut la priser à la valeur d’une émancipation
directe, entière, complète de l’artiste”
16
.
Dentre os membros da Société des Peintres Graveurs, havia ex-membros da então
extinta Société des Aquafortistes (Appian, Fantin-Latour, Haden), integrantes das exposições
impressionistas (Cassatt, Degas, Desboutin, Camille e Lucien Pissarro, Somm e Redon) e
ainda artistas que, como Bracquemond
17
e Legros, participaram tanto destas exposições
quanto daquela sociedade. A colaboração de Bracquemond para o desenvolvimento da
gravura impressionista acontece, portanto, de maneira constante, uma vez que este artista está
presente nos três episódios de maior relevância desse movimento: a Société des Aquafortistes,
a Société anonyme des artistes peintres, sculpteurs et graveurs (organizadora das exposições
impressionistas) e a Société des Peintres Graveurs. Nicole Minder chama a atenção para a
continuidade que existe entre essas três sociedades: “la reconnaissance du statut de peintre
15
respectivamente, seis, oito, vinte e três e nove gravuras cada um.
16
Apud MINDER, idem, p.21.
17
Bracquemond foi membro fundador e presidente da Société des Peintres Graveurs.
26
graveur à part entière est l’aboutissement de la défense de l’estampe originale entreprise en
1862 par Cadart, et la confirmation de la supression de la hiérarchie des genres revendiquée
par la Société anonyme des artistes peintres, sculpteurs, graveurs”
18
.
A litografia em cores ganharia um notável impulso a partir dos primeiros anos da década
de 1890. Manet havia experimentado essa técnica em 1874, com Polichinelle, porém sua
tentativa, àquela época, não teve maiores repercussões. A dedicação à litografia colorida se
intensifica entre 1889 e 1893, com artistas tais como Eugène Carrière, Renoir, Paul Sérusier,
Félix Vallotton, Henri de Toulouse-Lautrec e Édouard Vuillard, os quais contam, inclusive,
com o apoio de marchands, notadamente Ambroise
Vollard, cujas edições Album des peintres graveurs (1897)
e o Álbum d’estampes originales (1897 – 1898) trariam ao
público várias de suas obras. Outras publicações também
divulgariam as inúmeras litografias coloridas feitas na
época: L’Estampe originale (1893 – 1895), Revue Blanche
(1893 – 1894) e L’Épreuve (1894 1895).
Doravante, a noção de grupo se enfraquece e
ganham força as exposições individuais, em muitas das
quais veremos gravuras e pinturas expostas lado a lado.
Cerca de quatro décadas se passaram desde aquela
iniciativa de Cadart de fomentar a água-forte, e o que
encontramos ao final dessa jornada, levada a cabo pelos
impressionistas, é o pleno reconhecimento do valor e das
especificidades da gravura original que, ao ter seu
território definido em relação à gravura de interpretação, pode existir enquanto
experimentação, pesquisa, meio de expressão e complemento a outras técnicas, mas sempre
guardando sua autonomia.
18
MINDER, idem, p.20.
Edouard Manet. Polochinelle, 1874.
Litografia em sete cores.
484 x 303 mm. Cabinet cantonal des
estampes, Vevey, Suíça.
27
Extraído de: CAREY, Edith (org.). La gravure impressionniste: de l’école de Barbizon aux nabis, p.22
28
CAPÍTULO II
O desenho em Charles Blanc e Félix Bracquemond.
29
2.1 Charles Blanc
Para Blanc, o desenho é essencial às três artes de que trata sua Grammaire: na
arquitetura, o desenho é essência e princípio gerador dessa arte, identifica-se com o próprio
pensamento do arquiteto, servindo de modelo e ideal ao edifício a ser erguido. Para o escultor,
o desenho é tudo, e à cor só é permitida uma função acessória, tão distante está da essência da
escultura. Completando a tríade das arts du dessin, também para a pintura o desenho é
essencial, porém, no caso desta arte, a relação que possui com a cor é de um tipo especial e
distinto daquele encontrado nas duas outras:
En peinture, c'est autre chose. La couleur y est essentielle, bien qu'elle occupe le second rang. L'union du
dessin et de la couleur est nécessaire pour engendrer la peinture, comme l'union de l'homme et de la
femme pour engendrer l'humanité; mais il faut que le dessin conserve sa préponderance sur la couleur. S'il
en est autrement, la peinture court à sa ruine; elle sera perdue par la couleur comme l'humanité fut perdue
par Ève
19
.
A cor é, inegavelmente, essência da pintura, porém uma essência de segunda ordem,
uma vez que deve sempre ser submetida ao desenho, a essência preponderante. Realizar uma
pintura sem a sinergia entre desenho e cor é tão impossível quanto engendrar um ser humano
sem a união entre um homem e uma mulher. A participação e a importância da cor nesta arte,
portanto, estão garantidas, e sua necessidade é reconhecida sem maiores dificuldades. Mas
esse reconhecimento não deve pôr em questão a superioridade do desenho, cujo domínio deve
ser preservado, sob pena de pôr toda a obra a perder. Cabe ao autor da Grammaire, então, a
tarefa de deixar claro o que é cada um dos termos - desenho, cor - qual seu status em relação
ao outro e que tipo de contribuição fornece à produção de uma pintura. Ainda quanto à
participação da cor na pintura, Blanc asserta:
... la couleur (...) joue dans l'art le le féminin, le rôle du sentiment; soumise au dessin comme le
sentiment doit être soumis à la raison, elle y ajoute du charme, de l'expresion et de la gce. Voilà
comment la peinture, qui est le dernier venu des trois arts, en est aussi le plus charmant
20
.
Evidencia-se, a partir dos trechos citados até aqui, que Blanc constrói dois eixos em sua
19
Blanc, p.22.
20
Idem, p.23.
30
explanação: um deles alinha desenho-masculino-Adão-razão, o outro agrupa cor-feminino-
Eva-sentimento. Esses dois eixos perpassam toda a seção que Blanc dedica à cor e ao
desenho, estruturando seu texto e sustentando, o tempo todo, a distinção entre os dois
elementos essenciais da pintura. É por isso que, para entender o conceito de desenho em
Blanc, faz-se também necessária a compreensão do conceito de cor para esse teórico, pois os
termos são explicados por um sistema de contraposições, no qual para cada característica de
um, encontramos no outro uma contraparte simétrica.
2.1.1 Primazia do desenho
Não é sem propósito a afirmação categórica com que Blanc abre a seção Du Dessin et
de la Couleur de sua Grammaire:
Le dessin est le sexe masculin de l'art; la couleur en est le sexe féminin
21
.
Um enunciado assim peremptório possui o mérito de situar claramente os termos da
questão: ao equiparar desenho-cor a masculino-feminino, Blanc define e delimita caracteres e
funções, recorrendo a uma divisão duplamente forte. Em primeiro lugar, a divisão masculino-
feminino possui a força de um argumento natural, ou seja, essa divisão existe
independentemente das opiniões a seu respeito, baseia-se em alguma lei inequívoca e
universal da natureza, seu reconhecimento é inevitável e a tentativa de refutá-la soa sem
sentido ou ridícula. Em segundo lugar, a comparação a entender que, justamente por sua
naturalidade, a separação dos termos (e seus respectivos papéis) deve ser mantida, e o
desrespeito a ela resulta em perversão, perdição ou desvirtuamento.
Vamos nos deter por um momento na simbologia que envolve Adão e Eva
22
, para
melhor entendermos porque essas duas figuras são invocadas por Blanc e de que maneira
contribuem para sua tese.
Adão simboliza o primeiro homem, não tanto no sentido cronológico ou histórico, como
sinônimo de primitivo, mas antes enquanto primeiro na ordem da natureza. Adão é o ápice da
criação, aquele que ocupa a posição mais alta frente aos outros seres, aquele que domina, que
é superior e supremo e cujo grau de perfeição é o mais elevado. Apogeu em humanidade,
homem dos homens, Adão é responsável por toda a linhagem que dele descende; sua
21
Blanc, p.21.
22
Cf. Chevalier, Dictionnaire des Symboles, pp.7, 422.
31
preeminência é de ordem moral, natural e ontológica. Ele é também imagem de Deus, o que
pode ser simbolicamente interpretado no sentido de que Adão foi feito à imagem de Deus da
mesma maneira que uma obra-prima é feita à imagem do artista que a criou. Adão simboliza a
realidade do espírito que é à imagem de Deus, porém não é Deus, invocando as idéias de
aparição do espírito na criação, de animação da matéria. Disso decorrem propriedades
associadas à figura do primeiro homem - consciência, razão, liberdade, responsabilidade,
autonomia; atributos do espírito, porém de um espírito encarnado, portanto nunca idêntico a
seu criador, apenas semelhante a ele.
Eva é a primeira mulher, mas não o primeiro humano. A crença na subordinação da
mulher frente ao homem ecoa o nascimento de Eva, criada a partir de uma costela de Adão
enquanto este dormia. É por ela que ele é tentado, pois não podendo dirigir-se a Adão (razão)
diretamente, a serpente (tentação) solicita Eva (sentimento) como via para conseguir seu
triunfo. A figura da primeira mulher invoca a sensibilidade do ser humano e seu elemento
irracional, é associada à carne e à concupiscência, mas também à afetividade e ao amor. Ela
pode ser considerada, num sentido de interioridade, como o elemento feminino presente no
homem; também pode significar a natural e necessária participação do corpo no ato de
conhecer, desde que submetido à razão.
Uma fonte segura para o uso dessa simbologia na teoria de Blanc é aquela indicada por
Misook Song
23
: segundo a autora, Blanc conhecia a obra de Humbert de Superville
24
intitulada
Essai sur les Signes inconditionels dans l'art. Neste livro, encontra-se discutida, de maneira
semelhante à de Blanc, a concepção a priori de que o masculino denota a faculdade racional e
ideal, enquanto o feminino possui um paralelo com a natureza e evoca emoção, sentimento; a
teoria de Superville, porém, é revestida de um caráter especulativo e mítico ausente no autor
francês. Ainda segundo Song, apesar das diferenças entre Blanc e Superville, foi através da
obra de ambos que a distinção masculino-linha-razão e feminino-cor-sentimento ganhou
divulgação no meio artístico da época.
23
Cf. Bibliografia.
24
David Pierre Giottino Humbert de Superville (1770 1849), artista e teórico holandês, publicou seu Essai sur
les signes inconditionnels dans l'art em fascículos, entre 1827 e 1832, no qual tratou de temas como a natureza
da expressão, fisiognomia e teoria dos signos. Suas idéias acerca das correspondências entre linha e cor
exerceram grande influência na formação da estética simbolista no fim do século XIX.
32
2.1.1.1 Primeiros argumentos
Como visto acima, na disputa sobre o que teria a primazia na pintura, se a cor ou o
desenho, Blanc claramente toma partido deste. É curioso notar que o autor preocupa-se em
deixar clara a diferença hierárquica entre desenho e cor antes mesmo de defini-los. Seguindo
a ordem argumentativa do texto aqui analisado, exporei, nesta seção, como tal diferença é
justificada, para em seguida, nas próximas seções, deter-me nas definições de desenho e de
cor e nas funções que lhes são reservadas no interior da arte da pintura.
O primeiro argumento apresentado para justificar a supremacia do desenho em relação
à cor recorre às leis da natureza:
La supériorité du dessin sur la couleur est écrite dans les lois mêmes de la nature; elle a voulu, en effet,
que les objets nous fussent connus par ce qui les dessine et non par ce qui les colore
25
.
Blanc desenvolve a primeira parte de sua justificativa fornecendo exemplos de como o
conhecimento daquilo que vemos acontece pelo desenho, e não pela cor, dado que vários
seres e objetos compartilham a mesma cor, porém nenhum possui exatamente a mesma forma
que outro. Os homens negros, diz ele, possuem em comum a cor de sua pele e, para individuar
sua figura, é necessário observar seu desenho, ou seja, a diferenciação entre um indivíduo e
outro é possível pelas diferenças de silhueta, altura, proporção. Além disso, se um artista
retrata um negro usando apenas um lápis branco, ninguém terá dificuldade em reconhecer o
retratado, pois o desenho de seus traços característicos será suficiente para demonstrar que se
trata de um homem negro, apesar do retrato ser executado em branco. Por outro lado, se um
pintor reproduzisse com suas tintas o tom exato da pele de uma determinada pessoa, ninguém
seria capaz de reconhecê-la enquanto não fossem fornecidos traços suficientes para evocar a
idéia de tal pessoa.
No campo da visualidade e do conhecimento visível, o desenho seria, então, a via de
acesso à identificação de cada ser, seja ele vivo ou inanimado. Ao mostrar-nos o conjunto de
características visuais que persistem num determinado ser, o desenho é responsável pela
distinção de uma pessoa ou de uma coisa, e torna possível sua individualização. É por ele que
se dá, segundo Blanc, nosso conhecimento dos objetos, e não pela cor, cuja participação no
que é visível, ao contrário, está ligada ao que é indiferenciado, à misturas e mesclas,
25
BLANC, p.22.
33
remetendo a diferenças sutis entre coisas mais ou menos similares.
O argumento seguinte em favor do desenho defende que este possui ainda outra
vantagem sobre a cor, no que diz respeito à invariabilidade, pois a cor define-se por sua
relatividade, enquanto a forma é absoluta. Isso porque a forma de um objeto é constante, ou
seja, ela conserva suas características independentemente do local ou do momento no qual é
percebida. O mesmo não sucede com a cor, variável e inconstante por natureza, sempre se
transformando de acordo com o meio onde está e sofrendo modificações de tudo aquilo que a
rodeia. Por isso, um rosa parecerá acinzentado quando posto ao lado de um vermelho forte,
um tom não é o mesmo visto na luz ou na sombra e um objeto que é azul de dia se mostrará
verde à noite.
Em seguida, Blanc refuta a afirmação de Diderot, quando este declara que C’est le
dessin qui donne la forme aux êtres: c’est la couleur qui leur donne la vie
26
, uma vez que são
vários os exemplos de obras que, como no caso do Laocoonte, possuem vivacidade sem o
concurso da cor, ou, melhor dizendo, fazendo uso de um tom em toda a obra.. Blanc
também acusa outro erro deste filósofo, quando ele alega que a cor é um dom mais raro e
mais precioso que o desenho, um dom impossível de ser ensinado. Blanc explica que,
observando a história da pintura, encontramos dentre os mestres de maior grandeza apenas
alguns poucos desenhistas excelentes, a saber, Leonardo, Michelangelo e Rafael. Por outro
lado, é mais fácil encontrarmos coloristas notáveis como Correggio, Tiziano, Veronese e
Rubens, que não trabalharam a cor admiravelmente como também ensinaram e
transmitiram através dos culos seus pretensos segredos. Para Blanc, portanto, o dom do
desenho é mais raro que aquele da cor, e não o contrário.
2.1.1.2 Natureza, arte e artista
Mas esses argumentos descritos acima são apenas uma parte da justificativa. Até aqui,
Blanc pretendeu mostrar que a cor, por pertencer ao domínio do sensível, ou seja, do mutável
e passageiro, deve ocupar uma posição subserviente ao desenho na pintura, sendo este a
essência pictórica superior, uma vez que pertence ao campo do intelecto, do abstrato e do
ideal. Logo, é possível auferir conhecimento do desenho, ligado que está às idéias, ao que
permanece idêntico a si mesmo para além das aparências sensíveis sempre flutuantes.
O ideal, para Blanc, pode tanto estar em nós quanto fora de nós. No primeiro caso, ele é
26
Idem, p.23.
34
a lembrança de uma perfeição vista outrora e a esperança de voltar a vê-la. No segundo caso,
quando externo a nós, o ideal é o exemplar primitivo e divino de todos os seres. Logo, o ideal
não se confunde com o imaginário, mas deve ser entendido como sendo a concentração do
verdadeiro, a essência do real, capacidade inata para identificar o belo:
De me que nous avons en nous un sentiment inné du juste, qui est la conscience, de même nous
apportons en naissant une secrète intuition du beau, qui est l’idéal. (...) l’idée du beau est sans doute une
secrète réminiscence de la grâce primitive du genre humain. Apprendre, dit Platon, c’est le ressouvenir
27
.
A primazia do desenho, portanto, se justifica por sua intelectualidade, mas o que
justifica a primazia do intelecto? Para entendermos, no interior da argumentação deste teórico,
porque a “essência ideal” prevalece sobre a “essência sensível”, temos que compreender de
que maneira este autor entende três termos fundamentais de sua teoria: natureza, arte e artista.
a. Natureza.
Tous les germes de beauté sont dans la nature, mais il n’appartient qu’à l’esprit de l’homme de les en
dégager. Quand la nature est belle, le peintre sait qu’elle est belle, mais la nature n’en sait rien. Ainsi la
beauté n’existe qu’à la condition d’être comprise, c’est-à-dire de recevoir une seconde vie dans la pensée
humaine. L’artiste, qui comprend le beau, est supérieur à la nature, qui le montre
28
.
A natureza para Blanc é celeiro da beleza, ponto de partida para todo belo artístico. Mas,
enquanto confinada na natureza, a beleza se encontra ainda incompleta, ignorada, em
potência, existindo somente de maneira obscura e latente. Cabe ao espírito humano libertá-la,
concedendo-lhe vida e acabamento. Notemos que, para que a beleza ingresse em sua segunda
vida, não basta que ela seja apenas vista pelos olhos humanos, ou seja, a percepção sensível,
por si só, não é capaz de libertar os germens da beleza contidos na natureza. Para isso, Blanc
deixa claro, é necessário ainda mais - o homem (ou o artista, ou o pintor) deve aplicar à
natureza sua compreensão, sua capacidade mental. Procurar e identificar a beleza engastada
no visível exige um esforço intelectual, de abstração, e não de percepção. O intelecto é posto,
desse modo, como nada menos que condição da beleza. O artista que se conta disto e
elabora sua representação da beleza é, portanto, superior à natureza, por acrescentar-lhe algo
que esta não possui, a saber, sua compreensão.
Em seguida, de acordo com o que foi dito acima, Blanc descreve de que maneira,
gradualmente, transforma-se o modo como a natureza aparece ao artista: de início, ela é para
27
Blanc, p. 7.
28
Blanc, p.9.
35
ele fonte primeira de inspiração, objeto de sua observação e de seus desenhos. Ele a imita de
maneira ingênua e sem maiores críticas, considerando admiráveis todas as suas partes.
Entretanto, a percepção artística não é em si suficiente, e deve desenvolver-se na direção de
um processo cognitivo e seletivo: aos poucos, o artista aprende a exercer sua capacidade de
reconhecer a beleza e, ao mesmo tempo, aquilo que na natureza é defeituoso. Assim, através
do estudo, ele torna-se capaz de fazer escolhas em sua imitação, deixando de imitar,
indistintamente, tudo o que percebe, passando a distinguir, em seu modelo, as partes
acessórias e o que lhe é característico, filtrando o que vê. Esse processo de conhecimento e
seleção culmina na descoberta das leis da criação, inscritas na natureza e reveladas pelas
observações profundas e recorrentes feitas pelo artista. Desse modo ele aprende como extrair
do emaranhado de formas da natureza somente aquelas que são absolutamente belas ou, na
expressão de Blanc, conformes les desseins de Dieu.
Resumindo, podemos dizer que a natureza, segundo Blanc, é o visível, o perceptível, a
realidade,
29
a origem da beleza. Ela também é aquilo que deve passar por um processo de
purificação pelas mãos, ou melhor, pelo pensamento do artista. A esse processo Blanc o
nome de interpretação, vejamos a seguir em quê consiste.
b. Arte, artista.
Em relação à natureza, a arte pode, como visto acima, valer-se tanto da imitação, quanto
da interpretação, quanto da idealização da natureza. Blanc porém, um pouco
contraditoriamente, desaconselha os dois extremos (imitação, idealização), alegando que
podem conduzir o artista a dois erros que devem ser evitados: imitar a natureza em demasia, o
que acarretaria a reprodução também de suas misérias, e idealizá-la em demasia, o que
suprimiria da obra as "tonalidades da vida" (accents de la vie). A arte se definirá, pois, pelo
termo mediano, qual seja, a interpretação da natureza
30
. Não custa notar que justamente o
elemento definidor da arte é posto em relação direta com a inteligência, na citação acima. A
obra de arte é uma criação que, longe de se limitar a uma cópia exata da realidade, deve
penetrar o espírito das coisas para além de suas aparências, aproximando os seres das idéias
que lhes inspiraram a concepção:
29
Não podemos esquecer, entretanto, que o real, neste contexto, não é o verdadeiro. A verdade pertence ao
domínio do ideal, e a realidade possui dela apenas indícios.
30
“La juste définition de l’art se trouvera donc entre la traduction littérale et la paraphrase éloquente, et nous
dirons: LART EST LINTERPRETATION DE LA NATURE.” Blanc, p.9 / 10.
36
Comprendre! C’est le grandeur de l’art. (...) l’art n’est pas seulement l’imitation, mais l’interprétation de
la nature, et sa plus haute mission est de manifester le beau, dont la nature contient les germes, en
débrouillant ce qui est confus, en simplificant ce qui est compliqué, en éclairant ce qui est obscur
31
.
Se arte é interpretação, o artista é um intérprete
32
. Vale a pena citar o exemplo que Blanc
fornece de um caso de interpretação da natureza pelo artista, descrevendo como ocorre esse
processo:
Nicolas Poussin, se promenant um jour sur le bord du Tibre, rencontre une femme qui, après avoir baigné
son enfant dans le fleuve, le ramène au rivage, l’enveloppe de linges et le caresse. Aussitôt sa pensèe se
reporte aux temps antiques ; il s’imagine voir Moïse sauvé des eaux du Nil. L’enfant du Transtévère
devient pour lui le gislateur des Hébreux ; la sauvage campagne de Rome lui apparaît comme le désert
égyptien, et s’il aperçoit au loin un obélisque en ruine ou la pyramide de Cestius, il lui suffit d’ajouter un
palmier au paysage pour achever la géographie du tableau... Voilà comment une scène de la vie commune
s’èlève tout à coup à la dignité d’une peinture historique. L’artiste a emprunté de la nature ses gces
naïves, et du paysage son caractère solennel ; mais, avant de mettre en oeuvre les éléments qu’il a sous les
yeux, sa pensée a tout élevé, tout agrandi, et le cachet de l’art a éimprimé sur la réalila plus simple.
Ainsi se vérifie cette autre définition de l’art, donée par le grand Bacon, et si semblable à celle que nous
venons de formuler : Hommo additus naturae, l’homme ajoutant son âme à la nature
33
.
Neste exemplo, a interpretação consiste em elevar o valor de uma cena corriqueira
observada pelo artista, tomando-a como ponto de partida para a representação de uma outra
cena, de importância histórica e religiosa, no caso, o resgate do pequeno Moisés das águas do
Nilo. Guiado pelo ideal (intuition du beau), vemos como o artista submete o visível, isto é, a
natureza, a um processo de seleção, escolhendo primeiramente a própria cena, ou seja,
identificando em algo visto matéria-prima adequada para a arte. Em seguida, o artista decide o
que excluir e o que conservar da cena escolhida, decidindo também como elaborar aquilo que
conservou. O pensamento eleva o que o artista tem perante os olhos, em outras palavras,
ocorre uma elaboração intelectual do sensível. Isso não significa que esse processo seja de
ordem racional; ele é, isto sim, intuitivo: o artista não aplica raciocínios lógicos à natureza à
medida que realiza sua seleção, ao invés disso, utiliza sua capacidade inata de intuir o ideal,
de identificar a beleza potencial da realidade. Dessa maneira, o artista cumpre seu objetivo de
manifestar o belo, de sublimar a natureza convertendo-a em obra de arte.
Disso conclui-se que, para Blanc, arte e natureza se relacionam de maneira mediata,
sendo a interpretação do artista o que desempenha a função mediadora, servindo como
31
Idem, ps. 9 / 65.
32
“Mais, il faut le répéter, si l’artiste est l’interptète de la nature, c’est a lui de découvrir le sens voilé, le sens
profond de ce poème obscur, pour le traduire dans sa langue, ou plutôt pour lui prêter un langage, car la nature
est silencieuse”
33
Idem, p.10. Grifo meu.
37
purificador e fio condutor de um extremo a outro do processo. Essa mediação torna-se
necessária por causa da separação pressuposta por Blanc entre o real-visível e o ideal-belo,
criando entre esses dois domínios uma distância que o artista é obrigado a percorrer:
Placé entre la nature et l’idéal, entre ce qui est e ce que doit être, l’artiste a une vaste carrière a parcourir
pour aller, de la réalité qu’il voit, à la beauté qu’il devine
34
.
Veremos entretanto, na seção seguinte, na qual exponho a definição de desenho, que a
interpretação do artista acontece principalmente através de sua intuição, mas não apenas, pois
envolve também seu sentimento e sua personalidade, compondo o que Blanc denominará
estilo.
2.1.1.3 Desenho, definição pendular
Notaremos, na definição de Blanc para o termo desenho, íntima afinidade com a
concepção vasariana do mesmo termo. Reproduzimos a seguir a exposição que Giorgio
Vasari faz acerca desse termo, na edição de 1568 das Vite, conhecida como Edizione
Giuntina:
Perché il disegno, padre delle tre arti nostre architettura, scultura e pittura, procedendo dall'intelletto cava
di molte cose un giudizio universale simile a una forma overo idea di tutte le cose della natura, la quale è
singolarissima nelle sue misure, di qui è che non solo nei corpi umani e degl'animali, ma nelle piante
ancora e nelle fabriche e sculture e pitture, cognosce la proporzione che ha il tutto con le parti e che hanno
le parti fra loro e col tutto insieme; e perché da questa cognizione nasce un certo concetto e giudizio, che
si forma nella mente quella tal cosa che poi espressa con le mani si chiama disegno, si pconchiudere
che esso disegno altro non sia che una apparente espressione e dichiarazione del concetto che si ha
nell'animo, e di quello che altri si è nella mente imaginato e fabricato nell'idea. E da questo per avventura
nacque il proverbio de' Greci Dell'ugna un leone, quando quel valente uomo, vedendo sculpita in un
masso l'ugna sola d'un leone, comprese con l'intelletto da quella misura e forma le parti di tutto l'animale
e dopo il tutto insieme, come se l'avesse avuto presente e dinanzi agl'occhi.
Credono alcuni che il padre del disegno e dell'arti fusse il caso, e che l'uso e la sperienza, come balia e
pedagogo, lo nutrissero con l'aiuto della cognizione e del discorso; ma io credo che con più verità si possa
dire il caso aver più tosto dato occasione che potersi chiamar padre del disegno. Ma sia come si voglia,
questo disegno ha bisogno, quando cava l'invenzione d'una qualche cosa dal giudizio, che la mano sia
mediante lo studio et essercizio di molti anni spedita et atta a disegnare et esprimere bene qualunche cosa
ha la natura creato, con penna, con stile, con carbone, con matita o con altra cosa; perché, quando
l'intelletto manda fuori i concetti purgati e con giudizio, fanno quelle mani che hanno molti anni
essercitato il disegno conoscere la perfezzione e eccellenza dell'arti et il sapere dell'artefice insieme
35
.
34
Idem, p.10.
35
VASARI, Giorgio. Le vite dei piu eccellenti pittori, scultori e architetti. Roma : Grandi Tascabili Economici
Newton, 1993.
38
Na Grammaire, a maneira como o desenho é entendido estrutura-se a partir de duas
idéias fundamentais, ambas apresentadas na seção Principes, que inicia o manual. Em
primeiro lugar, o duplo sentido que o termo desenho carrega, querendo dizer, ao mesmo
tempo, projeto e execução. Em segundo lugar, a defesa da superioridade do desenho em
relação à cor, já exposta acima, e o conseqüente primado dele na constituição de uma pintura.
No contexto teórico de Blanc, desenhar algo, um objeto qualquer, significa, por um
lado, representar visualmente tal objeto por meio de linhas, luz e sombra. Em seu sentido
prático e material, o desenho é a elaboração sensível, porque visual, de uma idéia, que
encontra sua expressão na execução manual de um contorno, de um conjunto de traços.
Por outro lado, o desenho também pode ser entendido como desígnio, vontade e projeto.
O desenho, neste seu aspecto teórico e ideal, é concepção e invenção, atividade mental que
orienta a execução manual. De matriz vasariana, é esta dúplice concepção de desenho a
adotada por Blanc. O significado deste termo não está nem em uma nem em outra definição
em particular, mas será encontrado no constante movimento pendular entre ambas:
Le mot dessin a deux significations. Dessiner un objet, c’est le représenter avec des traits, des clairs et des
ombres. Dessiner un tableau, un édifice, un groupe, c’est y exprimé sa pensée. Voilà pourquoi nos pères
écrivaient dessein
36
, et cette orthographe intelligente disait clairement que tout dessin est un projet de
l’esprit
37
.
Quanto a esta expressão projet de l’esprit, parece-me possível atribuir também a ela um
sentido ambíguo, mesmo que essa ambigüidade não esteja explicitada no texto de Blanc. Por
um lado, o termo projet pode ser entendido enquanto escopo, intento, plano, aquilo que é
mentalmente planejado e precede a ação; podemos identificar este sentido àquela definição de
dessin de cunho intelectual.
Além disso, é possível também que a expressão projeto do espírito seja interpretada no
sentido de projeção do espírito, subentendendo o verbo projetar no reflexivo, projetar-se,
significando fazer-se incidir sobre, estender-se, prolongar-se:
...l’artiste accomplit son oeuvre par toutes les puissances de l’esprit et du sentiment ; il y compromet son
coeur. Aussi choisit-il dans son imitation ce qui peut exprimer sa personnalitout entière, c’est-à-dire
qu’il imite la nature, non pas précisément comme elle est, elle, mais comme il est, lui. De naissent les
différents caractères de l’art, ce qu’on nomme les divers styles
38
.
36
Lembro que dessein possui como sinônimos palavras como but, détermination, intention, objet, projet, propos,
résolution, visée, volonté, vue.
37
Blanc, p.22.
38
Idem, p.19.
39
Blanc utiliza então o exemplo de uma mulher que, passeando pela rua, é vista por
Michelangelo, Rafael e Da Vinci, que realizam cada um, seu próprio desenho a partir da
mulher observada. O primeiro a transforma numa sibila, o segundo, numa Virgem, e o
terceiro, numa mulher admirável. Blanc pretende, desse modo, mostrar que cada artista
imprime em suas interpretações seu caráter pessoal, e o conjunto da cena representada pode
variar de acordo com as inumeráveis nuances de sentimento e temperamento individuais.
Este segundo sentido para projeto do espírito tem a utilidade de criar, ou evidenciar, um
nexo interno entre desenho e estilo (ou caráter), pois o estilo de uma obra consiste justamente
nessa projeção (ou projeto) da personalidade do artista sobre as escolhas que faz para a
realização da obra. Sem tal projeção, a obra seria mera cópia da natureza, tão limitada quanto
exata, totalmente desaconselhada por Blanc: “Des grandes et nobles créations de l’homme, en
est-il une seule qu’ait produite cette imitation sans choix qu’on apelle, dans l’idiome du jour,
le réalisme?O estilo poderia ser pensado, então, como um momento do desenho e, mais
especificamente, como um momento de particularização do desenho.
2.1.2 Cor, essência secundária
A definição oferecida por Blanc para o termo cor refere-se à teoria newtoniana e coloca
a cor em relação direta com a luz:
Qu’est-ce que la couleur ? C’est la proprieté qu’ont tous les corps de réfléchir certains rayons de la
lumière en éteignant tous les autres
39
.
Como vimos acima, Blanc acredita que, para a pintura, tanto o desenho quanto a cor são
essenciais, sendo que esta última encontra-se mais intimamente ligada ao sentimento: sua
função é representar o que move o coração e sua importância na pintura reside em seu vigor
como veículo de sentimentos e sensações variáveis, transitórias e vagas. o desenho, íntimo
que é do pensamento, deve nos mostrar o que se passa na mente e manifestar a forma -
precisa, palpável e permanente. Mas apesar da oposição, ou mesmo por causa dela, a
existência de um depende da existência do outro. Mesmo insistindo que a cor é o elemento
39
Idem, p.561.
40
feminino e secundário na pintura, guiado mais pelos sentimentos que pelo intelecto, Blanc
afirma contraditoriamente que a cor obedece a um conjunto de princípios certos e invariáveis,
o que permite seu ensinamento. A cor não somente pode ser aprendida, sujeita que está a leis
fixas, como é mais cil seu aprendizado do que aquele do desenho, cujos princípios
absolutos, para Blanc, não podem ser ensinados.
A teoria das cores de Blanc divide-se em dois tópicos: chiaroscuro e colorido. Ele
define o chiaroscuro como sendo a distribuição das luzes e sombras, uma parte essencial da
pintura que consiste em saber clareá-la. As funções desses dois elementos chiaroscuro e
colorido são distintas, o primeiro particulariza os objetos por meio do relevo, enquanto o
segundo o faz pela cor.
41
2.2 Félix Bracquemond
2.2.1 Desenho, nova definição
Vimos anteriormente a definição de desenho dada por Blanc; cito agora a definição de
Félix Bracquemond oferece para o mesmo termo, em seu ensaio Du Desin et de la Couleur:
Le dessin est le moyen artificiel d’inscrire et d’imiter la lumière naturelle. Dans la nature, tout se montre
par la lumière, et par ces compléments, le reflet, l’ombre. C’est ce que le dessin constate. Il est la lumière
factice des arts. Le dessin sert à représenter les choses que nous voyons et à figurer celles que notre
imagination conçoit et nous fait voir.
(...)Le dessin, sous quelque forme qu’on l’envisage, ne peut exprimer que des alités. Il est tout
extérieur
40
.
A diferença entre as duas definições principia quanto ao lugar da luz numa e noutra:
para Blanc, a luz é a matéria-prima do chiaroscuro e o veículo das cores, ambos elementos
que perfazem a pintura, depois de composto o desenho. Este, por sua vez, é pensado como a
representação sublimada de uma pessoa, cena ou objeto inseridos na realidade sensível. Mas
esta luz que completa a pintura liga-se muito mais ao projet de l’esprit, a um projeto mental
que determina a execução da obra, do que à observação direta da luz natural. Pensemos, por
exemplo, na praxe de então das pinturas feitas de modo seriado, com a participação de
ajudantes encarregados, cada um, de executar determinada parte do quadro (céu, vegetação,
panejamento, etc.). Some-se a isso o fato de que as pinturas eram realizadas em ateliês
fechados, e compreendemos como o modelo de pintura pensado por Blanc estava afastado da
luz natural, da luz ambiente. No exemplo acima citado envolvendo Poussin e sua
interpretação de uma cena campestre, a luz natural observada em tal cena não aparece como
um dos elementos a ser reelaborado, o que sugere que sua inserção no quadro ocorreria de
maneira integralmente convencional, sem remissões ao que foi observado de início.
O que muda, com a definição de Bracquemond, é que justamente a lumière naturelle
passa a ser o ponto de partida para o pintor; a luz passa a ser a procura do artista: o desenho
ainda está engajado na representação de um objeto, mas visa, sobretudo, à tradução da luz
natural em lumière factice. O uso que Bracquemond faz, na definição acima, dos termos
inscrire e imiter, indica que, apesar de transfigurada na obra, a luz natural continua
pressuposta, de algum modo preservada, ela conserva sua emanação através da luz factícia a
40
BRACQUEMOND, Du Dessin et de la Couleur, p.22 / 26.
42
que deu origem. Pelo desenho, a luz natural é inscrita, ou seja, gravada, trazida para dentro da
pintura e nela convertida, estando por isso sempre presente. Sua imitação é a luz factícia, que,
como toda imitação, remete-nos ao imitado, assim evocando-o continuamente. Ambas as
operações do pintor inscrição e imitação acontecem simultaneamente. O que deve ficar
claro é que tanto Blanc quanto Bracquemond sabem que pintura é artifício (não por acaso
Bracquemond usa o termo moyen artificiel para definir o desenho); porém o que diferencia
ambos é o modo como cada um pensa a artifício em relação à luz natural: no primeiro caso,
ela é afastada, no segundo, absorvida. A partir da constatação, feita pelo desenho, de que o
visível existe graças à luz, esta se torna o assunto da pintura, é assumida como seu ânimo,
aquilo que merece ser estudado. Deve ser buscada, então, onde se mostra generosamente -
daí, por exemplo, a prática da pintura plein air que, à altura da publicação do ensaio de
Bracquemond (1885), já havia sido adotada por diversos pintores.
Nenhuma referência é feita a idéias ou ideais nesta concepção de desenho; em vez disso,
é a natureza que participa da definição deste termo. Assim, a relação do pintor com o que é
visualmente perceptível, ou seja, com a natureza, também se transforma, em conseqüência da
redefinição do desenho e da realocação da luz em um novo contexto. Aquela relação de
sublimação e abstração entre pintor e natureza, vista anteriormente em Blanc, agora dá lugar a
uma espécie de confronto direto: o pintor busca o corpo-a-corpo com a natureza, procura nela
a captação da realidade sensível, presente. Ele aceita e valoriza a dimensão empírica, concreta
e material do visível, faz-se disponível a ela, desobriga-se da busca de alguma verdade eterna
ao alojar a verdade no mundo mesmo. Aquela Verdade perenal pressuposta por Blanc perde o
sentido, pois o que se busca são as verdades fugazes de cada instante de uma cena
impermanente porque mundana, e a pintura torna a encontrar o perene, não enquanto ideal,
mas na conversão da luz transitória da natureza na luz imanente à arte. A tarefa do pintor é
capturar a luz natural como um pássaro em pleno vôo e trazê-lo para a tela, seu desafio é fazê-
lo sem recorrer a gaiolas ou empalhamentos: mesmo fixada, a luz deve conservar a habilidade
do vôo. É como se tudo aquilo que, em Blanc, pertencia à esfera abstrata do ideal, fosse em
Bracquemond sorvido pela materialidade da pintura.
Se o desenho é a luz factícia das artes e se a atividade do pintor passa a ser o embate
corpo-a-corpo com o visível, então não mais espaço para a dimensão teórico-vasariana do
desenho, aquela que assimilava este termo a um projeto anterior à execução e que lhe servia
de guia. Uma vez esvaziada essa dimensão puramente abstrata do desenho, não mais se
sustenta aquele elemento mediador (projeto, interpretação) entre pintor e natureza. Devemos
43
compreender que a interpretação por parte do artista continua a existir, pois nega-lo seria
pensar a pintura enquanto registro neutro de uma realidade unívoca, o que não é de modo
algum o caso. Ocorre que a interpretação, assim como a luz, também é realocada, pois o que
era mediação torna-se interno ao processo pictórico. O pintor interpreta o que no próprio
ato de pintar, ou seja, a fatura da obra e a interpretação são simultâneas e coincidentes. Ele
não precisa mais percorrer aquele longo caminho que separa a aparência da essência, pois
parte da luz para chegar à luz mesma, ou seja, ela é o fundamento comum que une a realidade
visível e a realização pictórica.
Em decorrência, altera-se as concepções de representação ou cópia da natureza e as
maneiras de realizá-las. Representar a natureza, agora, não é mais concretizar em traços, luz e
sombra uma idéia dela originada e depurada. Bracquemond afirma que o desenho serve para
representar as coisas que vemos e para figurar aquelas que vemos em nossa imaginação, ou
seja, o desenho reporta-se àquilo que está, ou poderia estar, diante dos olhos, reafirmando seu
pertencimento ao domínio do sensível. O pintor procura imitar as ações e efeitos da luz
observados na natureza, traduzindo-os para os termos bidimensionais do quadro. O objeto
representado na pintura aparecerá, assim, como resultado de uma construção luminosa
derivada da observação direta da natureza:
...le peintre distingue les qualités diverses de la clarté contenues sur l'objet naturel; il les inscrit dans la
forme de cet objet; ou, pour dire plus juste, ce sont elles qui déterminent cette forme
41
.
2.2.1.1 Desenho, denominador comum
Bracquemond apresenta ao longo de seu texto o que, em sua concepção, são os vários
desdobramentos possíveis do desenho. Estes termos apresentados em tópicos - forma, linha
cor, contorno, execução, etc. - são como instrumentos à disposição do pintor que, ao longo do
texto, são definidos e diferenciados dos demais, expondo sua forma de utilização em relação
ao conjunto de procedimentos para a fatura do quadro. Podemos dizer que Bracquemond
procede como alguém que expõe uma caixa de ferramentas: a cada tópico, nos apresenta uma
delas, diz para o quê serve e como pode ser usada. Vejamos, por exemplo, o caso do termo
traço. Primeiramente, o autor fornece a definição -
Le trait est la formule qui représente et fixe conventionnellement le contour des formes. Rien dans la
nature n'indique cette formule, le contour n'étant, pour notre vue qui est double, que la limite apparente
41
Bracquemond, p.25.
44
des corps
42
.
Explica sua função -
Le trait est un instrument, il est l'échafaudage, l'armature, qui sert à construire toutes les choses le
dessin intervient; il délimite et localise la forme.
E distingue-o de um termo próximo em significado com o qual poderia ser confundido,
no caso, o próprio desenho -
Le trait a une telle importance d'application qu'il peut, dans nombre de cas, être consideré comme le
dessin lui-même. Cependant il n'est que son auxiliaire plus ou moins apparent, mais inévitable, puisqu'il
représente le contour des formes.
Seguindo a argumentação de Bracquemond, a palavra dessin sintetiza todos os termos
empregados nas artes plásticas, funcionando como uma espécie de fundamento comum para
todos eles. O desenho está sempre subentendido, o emprego de qualquer termo técnico ligado
às artes sempre pressupõe sua participação. Expressões tais como as citadas acima - traço,
modelado, forma, linha, etc. são úteis na medida em que enriquecem o significado do termo
desenho, ao decompor seus elementos para descrevê-los e examiná-los separadamente. Uma
pintura seria, para Bracquemond, pura luz, e todos os componentes dessa pintura seriam como
modificações dessa mesma substância original. O desenho é a própria luz (assim como todos
as demais expressões apresentadas) e o uso de um desses dois termos evoca necessariamente
o outro. É provável que Bracquemond tenha preferido utilizar dessin em seu texto, quando
quer dizer luz, justamente para deixar claro que estava se referindo à lumière factice, ou seja,
à luz inserida no domínio da pintura. É uma delimitação do campo de sua argumentação e
uma correta colocação da questão.
Pode-se também depreender do texto uma ênfase no caráter convencional da arte, quer
dizer, somos levados à conclusão de que a obra de arte é um construto. De acordo com o que
escreve Bracquemond, por não poderem perceber uma forma senão pela extensão e pelo
volume, as artes atribuem a essa mesma forma uma espécie de conjunto de membros, que
seriam o contorno, o modelado, a cor, etc., ou seja, elementos convencionais empregados para
fazer a passagem entre a realidade da natureza e aquela da tela bidimensional, no caso da
pintura. Em seguida, esses elementos teóricos são isolados, de modo a serem aplicados cada
qual a seu uso específico. Pelas artes, eles são reduzidos a fórmulas, sendo unidos ou
separados segundo o serviço que prestam no conjunto da obra.
42
idem, p.62. Idem para as próximas duas citações.
45
Assim, precisar os termos usados nos debates, estudos e pesquisas sobre arte e utilizados
pelo próprio artista em sua atividade significa, então, precisar os instrumentos que participam
da construção da obra. Disso decorre a preocupação em fazer distinções muito sutis, para que
a confusão dos meios não leve a resultados equivocados:
Un terme bien défini ne peut-il être considéré comme un outil professionnel, comme un instrument de
précision? (...) Il faut donc reconnaître la valeur d'expression propre à chacun des éléments naturels
réduits par l'art en formule, pour apprécier la part apportée par chacun d'eux à l'unité de la forme, unité
qui est absolue dans la nature par la confusion intime des ces éléments, qu'on peut bien distinguer, mais
qu'il est impossible de disjoindre
43
.
Outro exemplo dessa preocupação em delimitar cada termo e distingui-los ocorre com
os termos luz e claridade:
La lumière réunit toutes les couleurs comme en un bloc, elle est la couleur me. Elle se caractérise par
le double effet d'éclairer tous les objets qu'elle atteint de son rayonnement, et de les colorer de sa propre
couleur
44
.
La clarté ne fait que continuer l'action éclairante de la lumière sans transporter aucune couleur. Elle est
donc caracterisée par l'énervement, la cessation de l'activité colorante qui éclaire, sans la modifier, la
couleur particulière des choses
45
.
A argumentação de Bracquemond leva-nos a pensar um quadro como uma espécie de
máquina, como um sistema que funciona, cuja engrenagem deve ser conhecida pelo artista.
Esta idéia também está presente no Salon de 1846, de Charles Baudelaire, a quem
Bracquemond conhecia pessoalmente. Não é possível afirmar com certeza que Bracquemond
leu esta obra do poeta e crítico francês e fez dela uma das fontes de suas formulações teóricas,
mas a proximidade entre ambos, comprovada pela correspondência publicada do poeta, a
importância de um texto como o Salon e a semelhança de pensamento reforçam a hipótese de
que isso aconteceu. Assim como Bracquemond, Baudelaire afirma a idéia do quadro enquanto
máquina e enquanto sistema funcional - na seção dedicada a Eugène Delacroix o poeta
escreve:
Il n'y a pas de hasard dans l'art, non plus qu'en canique. Une chose heureusement trouvée est la simple
conséquence d'un bon raisonnement, dont on a quelquefois sauté les déductions intermédiaires, comme
une faute est la conséquence d'un faux principe. Un tableau est une machine dont tous les systèmes sont
intelligibles pour un oeil exercé; tout a sa raison d'être, si le tableau est bon; un ton est toujours
43
Idem, ps.18 / 20.
44
Idem, ps.39 / 40.
45
Idem, p.40.
46
destiné à en faire valoir un autre; une faute occasionnelle de dessin est quelquefois nécessaire pour ne
pas sacrifier quelque chose de plus important.
Como exposto anteriormente, a obra de arte possui um vínculo permanente com a
natureza, uma vez que a representação ainda faz parte do intuito do artista e a luz natural é
ininterruptamente citada; porém, se após sua conclusão, a obra de arte converte-se num
sistema fechado que funciona por si, segundo regras internas, não seria de todo impertinente
supor a existência de alguma autonomia por parte desse sistema, mesmo que tal autonomia
não esteja na origem da obra. Poderíamos dizer, dando continuidade à comparação, que a luz
natural serviria como matéria-prima para a máquina-pintura, mas essa máquina deve ser
construída, posta em andamento e continuar funcionando segundo especificações próprias, ou
seja, internas ao pensamento pictórico.
Dissemos anteriormente que a idéia de projeto implícita na definição tradicional de
desenho não se sustenta na definição de Bracquemond. Mesmo assim, parece justo afirmar
que nesta definição continua a existir uma considerável dimensão intelectual. Isso ocorre na
medida em que se trata de esforço intelectual a orquestração de todos aqueles elementos
expostos, que devem confluir para a realização da obra. A intelectualidade estaria, portanto,
não mais num projeto, mas na organização e harmonização dos diversos componentes do
desenho; o esforço intelectual, neste caso, insere-se nos momentos de elaboração da pintura,
ou seja, é indissociável da atividade manual. Paralelamente, parece haver uma ênfase na
materialidade da obra, uma assunção mais clara de seus elementos físicos, concretos. Essa
assunção é motivada pela explicitação de que não foi casual tudo o que foi empregado nessa
construção, ou seja, Bracquemond parece sublinhar a intencionalidade que existe na
determinação dos meios e objetivos de uma obra.
2.2.2 Cor também é desenho
A mudança na definição de desenho acarreta também uma mudança no status da cor
para a pintura. O termo é definido assim:
... couleur désigne une apparence physionomique superficielle qui distingue les unes des autres toutes les
choses que nous percevons. Ainsi, un objet est rond, de plus, il est rose; il est encore ou clair ou sombre.
Il faut noter que la couleur de toute chose est mobile, changeante, suivant les mille variation que la
lumière lui impose en la rendant visible.
Couleur signe aussi les matières emplyèes par la peinture, l’aquarelle, la détrempe, le pastel, etc.
47
Dans ce deux sens, le blanc, le noir, le gris, qui, selon les diverses manières d’envisager la couleur par la
physique et par les arts, sont la négation ou plutôt l’absence de la couleur, sont des couleurs
46
.
A cor adquire uma importância diferente da que possuía antes, quando era entendida,
por exemplo, como maquiagem, preenchimento ou feitiço. Essa nova valoração acontece
porque a cor deixa de ter uma posição hierarquicamente inferior em relação ao desenho e
passa a ser mais um de seus elementos, tão funcional quanto os demais - linha, modelado, etc.
Ao pensar o desenho enquanto denominador comum de todos esses termos, Bracquemond
promove uma equiparação, em termos de importância para a construção da obra, entre todos
esses elementos. O que se evidencia, além disso, é a relação de interdependência dos
componentes da pintura, visando o mesmo fim e se determinando mutuamente.
Daí o interesse e a importância de entender o funcionamento da luz enquanto cor, pois
esta é o elemento mais variável do conjunto e, portanto, exige ser examinada de perto para ser
bem compreendida. A partir de um estudo detido da cor, o pintor saberá trabalhar com as
variações cromáticas, manipulando-as e usando-as a seu favor. Vemos aqui outra mudança,
pois em Blanc a inconstância da cor era pensada negativamente, como desvantagem em
relação ao desenho; era o elemento indomesticável, que escapava à intelectualização, aquilo
que criava dificuldades para o domínio do pintor face ao objeto a ser representado. Para
Bracquemond, é precisamente por conta dessa instabilidade que a cor torna-se um
instrumento dos mais interessantes, com uma enorme possibilidade de exploração, uma oferta
quase infinita de usos.
46
Bracquemond, p.28.
48
2.3 Duas luzes sobre Rembrandt
O conceito de desenho, tal como está entendido na Grammaire de Charles Blanc,
estrutura-se, como vimos, a partir de duas idéias fundamentais, ambas apresentadas na seção
Principes, que inicia o manual. Em primeiro lugar, o duplo sentido que o termo desenho
carrega, querendo dizer, ao mesmo tempo, projeto e execução. Em segundo lugar, a defesa da
superioridade do desenho em relação à cor e o conseqüente primado dele na constituição de
uma pintura. Uma vez expostos os argumentos que sustentam as duas idéias mencionadas
acima, pretendo agora identificar o reflexo de tais idéias quando aplicadas à gravura. A
maneira como esta é definida por Blanc, assim como o posicionamento dele quanto à gravura
de interpretação, não seriam devidamente compreendidos sem que antes se esclarecessem
suas concepções acerca do desenho. Concluirei esta exposição sobre a gravura na Grammaire
examinando como é o olhar de Blanc sobre a obra de Rembrandt, gravador por quem o
teórico francês nutria grande admiração. Com esse exame pretendo fornecer exemplo visuais
dos princípios e concepções que exponho a seguir.
Também tenho como intento criar um termo de comparação entre Charles Blanc e Félix
Bracquemond, uma vez que ambos consideram Rembrandt um mestre na arte da gravura,
dedicando ao artista holandês, entretanto, olhares muito diferentes. Com isto, espero mostrar
que a diferença na interpretação da obra rembrandtiana deve-se, em grande medida, à
diferença dos conceitos de desenho adotados por cada um dos dois autores aqui em questão.
A definição de desenho tal como apresentada na Grammaire permite-nos compreender
algumas afirmações de Blanc relativas à gravura, a começar por duas definições do termo
oferecidas por ele:
A la peinture se rattache la gravure, qui est l’art de retracer en creux sur le métal, ou en relief sur le
bois, un dessin dont on peut tirer des empreintes
47
.
Em outras palavras, a gravura define-se por três elementos: desenho, incisão e
impressão. Mas por que Blanc diz retracer
48
? A idéia de retraçar, ou seja, traçar novamente o
desenho, sugere uma anterioridade deste, e o gravar seria o passo seguinte. Essa anterioridade
poderia ser, digamos assim, física, no sentido de que o artista desenharia sobre o metal ou
sobre a madeira para em seguida abrir as talhas guiando-se pelo desenho feito. Poderia
47
Blanc, p.616
48
No Robert, o primeiro sentido de retracer é desenhar diferentemente: “1. Tracer a nouveau (ce qui était effacé)
ou dessiner autrement”. O verbete traz também um segundo sentido, em que retracer é sinônimo de relater.
49
também ser mentalmente anterior, no sentido de que o desenho estaria presente na mente do
artista, que buscaria a materialização desse desenho no metal ou na madeira.
Algumas páginas após a primeira definição, encontramos o seguinte acréscimo:
La gravure est un dessin qui se fait avec un instrument d’acier au lieu de se faire avec une plume ou un
crayon
49
.
Nesta passagem, a relação entre desenho e gravura parece ser de simultaneidade ou
mesmo de identidade, desaparecendo aquela distância antes posta entre os atos de desenhar e
gravar: a gravura é um desenho, que se diferencia pelos instrumentos utilizados e pela
superfície empregada. Poderíamos indagar se haveria conflito entre aquela definição acima,
que sugere um hiato entre desenho e gravura, e esta segunda definição, cujo tom é de
identificação entre uma e outro. Afinal, quando e como gravura e desenho se encontram?
Vejamos mais uma afirmação de Blanc sobre essa relação:
Elle [a gravura] doit être un art qui se distingue du dessin pur. Il faut que le dessin gravé soit rendu plus
interéssent par une certaine manière de l’inciser dans le métal, manière qui est à la garavure ce qu’est à la
peinture la touche, et à l’ecriture la calligraphie
50
.
Ou seja, temos novamente uma distinção: a gravura não pode como deve ser
diferente do desenho puro, ou seja, desenho sem incisão.
As duas definições apresentadas acima poderiam, num primeiro momento, parecer
conflitantes entre si. A primeira indica uma distinção entre desenho e gravura, pois que
anterioridade daquele em relação a esta: o desenho já existe e é refeito de outra maneira sobre
o metal ou a madeira. Na segunda definição, este hiato parece se desfazer, e a gravura é
identificada com o desenho, diferindo apenas quanto ao instrumento utilizado para sua
execução. Mas o aparente conflito se desfaz quando entendemos que, na primeira definição,
Blanc refere-se ao desenho enquanto concepção, enquanto que, ao definir a gravura pela
segunda vez, usa o termo desenho no sentido de execução manual de um traço.
A ambivalência do desenho está presente também em outra passagem, quando Blanc
trata da reprodução, através da gravura, de uma obra de arte:
Si c’est la reproduction d’un ouvrage d’art, peinture, sculpture, architecture, camée, monnaie, médaille,
vase, ornement, la première qualité du graveur est la fidélité, en ce sens qu’il doit non seulement rendre
l’original trait pour trait, en redire les contours et les reliefs, mais encore, et surtout, conserver l’esprit et
49
Blanc, p.620
50
idem, p.624
50
l’aspect de l’ouvrage reproduit, en faire valoir les qualités, en avouer me les défauts, enfin en révéler
franchement le caractère
51
.
Desse modo, a tarefa e o desafio do gravador intérprete é dar conta, de forma integral,
do desenho da obra reproduzida, tanto no sentido de projeto quanto no sentido de execução.
Ainda seguindo o pensamento de Blanc, poderíamos afirmar que o primado do desenho
sobre a cor é o que permite e também o que justifica a estampa de interpretação. A gravura,
como exposto acima, é desenho e, para a interpretação de uma pintura, isto basta. Sendo o
desenho suficiente para a interpretação, a ausência de cor não chega a ser empecilho de
nenhum tipo. Digo que o desenho permite a gravura de reprodução porque a linha, ou o traço,
que é do que o gravador dispõe, é um elemento capaz de dar conta da reprodução de uma
pintura, tanto em sua aparência e seu contorno quanto em seu caráter e seu projeto. O desenho
também justifica essa gravura porque, uma vez que o caráter de uma pintura, como mostrado
acima, inscreve-se em seu desenho, reproduzi-la sem recorrer à cor não implica desvirtuar ou
deturpar tal obra, mesmo sendo a cor parte necessária ao engendramento de uma pintura.
Assim, a cor é indispensável na pintura, porém não dominante - ela deve submeter-se ao
desenho e reconhecer sua superioridade. Algo semelhante ocorre também com a gravura:
Le style, en gravure, c’est la prééminence du dessin sur la couleur et de la beauté sur la richesse. Je dis la
couleur, puisque le graveur, bien que réduit à l’effet monochrome du blanc e du noir, a cependent sa
manière à lui d’être coloriste
52
.
Essa maneira de ser colorista própria do gravador é o que possibilita a tradução:
Il traduit vraiment en clair-obscur le coloris du tableau et, faisant abstraction des teintes, il n’en donne que
la valeur
53
.
Blanc explica o procedimento de considerar as cores como áreas mais ou menos
luminosas, correspondendo a esses valores determinado tipo de talha mais leve e espaçada
para uma cor clara, mais fechada e escura quanto mais a cor se aproxima da sombra. Desse
modo, usando o claro-escuro como ponte entre a cor e o desenho, o gravador pode lidar com a
ausência das cores locais.
Também poderíamos concluir que é por meio da intelectualidade do desenho, defendida
e justificada na Grammaire, que podemos pensar o gravador como tradutor e não como
51
idem, p.620
52
idem, p.626
53
idem, p.620
51
copista. Isso porque, ao verter uma obra de uma linguagem para outra da pictórica para a
gráfica – o gravador procede como o tradutor, no sentido de que preserva o essencial,
conserva o sentido da obra original. Trata-se, então, de uma operação intelectual, pois que se
desenrola no âmbito do desenho, e não apenas de um procedimento manual. Pensar a
atividade do gravador intérprete enquanto simples cópia, seria desconsiderar toda uma
dimensão de invenção e abstração que tal atividade exige. Criando ao copiar, o gravador
interpreta.
Isso tudo em vista, Blanc procede a uma separação das técnicas, definindo diferentes
lugares de atuação para o buril e para a água-forte. Falando de Marcantonio Raimondi e sua
concepção de gravura, Blanc oferece uma síntese do que seria a gravura como reprodução de
uma obra:
Il la conçoît comme une traduction concise qui met en lumière l’essentiel, qui sait pourtant tout indiquer,
tout dire, et qui, privée du langage des couleurs, insiste sur la suprême beauté des contours
54
.
A reprodução é o domínio do buril, cuja índole elegante e metódica é adequada às
obras-primas da pintura e escultura. O buril é o instrumento apropriado para as composições
solenes e convém às figuras ideais.
E existe também, além do gravador-intérprete, o gravador-inventor:
Son estampe ne sera pas une traduction: ce sera une oeuvre originale. Il y écrira lui-même sa pensée ou
ses impressions. Mais comment va-t-il faire pour être à la fois le dessinateur de sa gravure et le graveur de
son dessin ? Voyons-le opérer
55
.
E o que se segue é uma descrição dos procedimentos técnicos para fazer uma água-forte.
Em contraste com o buril, a água-forte é recomendada para assuntos familiares e campestres,
paisagens agrestes, para captar o pitoresco das ruínas. Ela convém às cenas da vida cotidiana
e aos acontecimentos fugidios vistos pelo artista, além de ser adequada ao irregular, ao
bizarro, ao inacabado, ao fortuito, àquilo que está em ruínas. Comparando ambas as técnicas,
Blanc resume:
Le burin, en un mot, répond à la majesté de l’art et à la sévère éloquence du dessin; l’eau-forte représente
l’improvisation, la liberté et la couleur
56
.
54
idem, p.626
55
idem, p.634
56
idem, p.636
52
2.3.1 Rembrandt, gravador-poeta
Mais que um mestre da água-forte, Blanc considera Rembrandt o inventor de direito da
técnica:
L’eau-forte ne devait compléter son expression, acquerir sa valeur, on peut dire sa couleur, qu’au XVII
e
siècle. Rembrandt, à vrai dire, en fut l’inventeur, parce qu’il en fut le pte, le Shakespeare. Ce fut lui qui,
d’un simple procédé, fit un art. Éclairant de son génie cette planche noire, il y fit scintiller tous les
phénomènes de la lumière; il sut y graduer toutes les nuances de l’ombre
57
.
Percebemos que o interesse pela obra do mestre holandês reside na liberdade de seu
traço, na genialidade com que sabe aproveitar as condições oferecidas pela água-forte. Além
disso, Blanc dedica a Rembrandt um enfoque literário, pois lhe chamam a atenção,
principalmente, as gravuras que ilustram episódios bíblicos ou pequenas narrativas cotidianas.
Nesse contexto, o admirável manejo da luz teria como intuito revelar, da melhor maneira
possível, a carga emotiva e a dramaticidade da cena retratada, conferindo à própria luz, muitas
vezes, um caráter metafórico ou mesmo o valor de um personagem.
Algo semelhante observamos na gravura Cristo pregando
58
, na qual uma grande
diagonal percorre a gravura. Esse eixo, traçado pelos doentes que vieram a Cristo, parte da
cabeça do velho de barbas à esquerda, desce pelo braço estendido do homem ajoelhado à
esquerda de Cristo e vai até a cabeça enfaixada do doente deitado próximo ao canto inferior
direito. Essa linha divide a imagem em duas: da diagonal para cima, vemos o fundo da cena,
aquilo que está às costas de Cristo e, por isso mesmo, imerso na sombra, num exemplo de
emprego metafórico da luz. Na parte inferior à diagonal, vemos aqueles que se colocam
perante Cristo e dele recebem suas palavras, e que estão, portanto, iluminados. O fundo da
cena é todo escuridão, o papel encontra-se completamente encoberto por uma retícula cerrada
que sobrepõe áreas de água-tinta e de água-forte, um pouco menos densa nas laterais mas
totalmente fechada no centro. Quase que totalmente negra, essa área central eleva o contraste
com a figura luminosa do Cristo e lhe dá destaque.
Percebemos que o interesse pela obra do mestre holandês reside na liberdade de seu
traço, na genialidade com que sabe aproveitar as condições oferecidas pela água-forte. Além
disso, Blanc dedica a Rembrandt um enfoque literário, pois lhe chamam a atenção,
57
idem, p.634 / 635
58
Esta gravura é citada por Blanc, na página 636. A próxima gravura que analiso, A mulher das panquecas,
encontra-se reproduzida na página 635 da Grammaire.
53
principalmente, as gravuras que ilustram episódios bíblicos ou pequenas narrativas cotidianas.
Nesse contexto, o admirável manejo da luz teria como intuito revelar, da melhor maneira
possível, a carga emotiva e a dramaticidade da cena retratada, conferindo à própria luz, muitas
vezes, um caráter metafórico ou mesmo o valor de um personagem.
Algo semelhante observamos na gravura Cristo pregando
59
, na qual uma grande
diagonal percorre a gravura. Esse eixo, traçado pelos doentes que vieram a Cristo, parte da
cabeça do velho de barbas à esquerda, desce pelo braço estendido do homem ajoelhado à
esquerda de Cristo e vai até a cabeça enfaixada do doente deitado próximo ao canto inferior
direito. Essa linha divide a imagem em duas: da diagonal para cima, vemos o fundo da cena,
aquilo que está às costas de Cristo e, por isso mesmo, imerso na sombra, num exemplo de
emprego metafórico da luz. Na parte inferior à diagonal, vemos aqueles que se colocam
perante Cristo e dele recebem suas palavras, e que estão, portanto, iluminados. O fundo da
cena é todo escuridão, o papel encontra-se completamente encoberto por uma retícula cerrada
que sobrepõe áreas de água-tinta e de água-forte, um pouco menos densa nas laterais mas
totalmente fechada no centro. Quase que totalmente negra, essa área central eleva o contraste
com a figura luminosa do Cristo e lhe dá destaque.
59
Esta gravura é citada por Blanc, na página 636. A próxima gravura que analiso, A mulher das panquecas,
encontra-se reproduzida na página 635 da Grammaire.
54
Rembrandt van Rijn. Cristo pregando, 1643-49. Água-forte, ponta-seca e buril.
268 x 388 mm. Rijksmuseum, Amsterdã.
Na metade abaixo da diagonal, a composição se subdivide de maneira assimétrica:
observamos, em primeiro lugar, um arranjo triangular cujo vértice é a cabeça iluminada de
Cristo, que se acima de todas as outras. Um dos lados do triângulo vai da cabeça de Cristo
até a ponta da espada do homem em pé na extremidade esquerda, tal linha sustentando-se pelo
braço direito estendido de Cristo e pelas cabeças alinhadas na diagonal das pessoas que
aguardam o milagre da cura. O outro lado parte do mesmo vértice e coincide com aquela
diagonal maior que divide a cena em duas, terminando no enfermo deitado. No interior desse
triângulo temos um outro menor, à direita, composto por uma enferma que desfalece e por
duas mulheres ajoelhadas que pedem por ela. As mãos unidas de uma dessas mulheres
projetam sua sombra na túnica de Cristo, numa delicada água-tinta. Colocadas no centro da
imagem, essas mãos suplicantes e sua sombra sintetizam toda a cena retratada.
Equilibrando todas essas diagonais, notamos um eixo horizontal à esquerda, formado
pelas figuras que se debruçam sobre uma espécie de mureta. Essas figuras são as únicas na
cena que dão as costas a Cristo e não lhe dirigem o olhar (com exceção da enferma
55
desfalecida, que não vê Cristo porém o procura com a mão direita), e preferem prestar atenção
ao que diz o velho de barbas, cujo gesto e cuja expressão do rosto parecem denotar descrença.
Curiosamente, talvez por um uso metafórico da luz novamente, tais figuras estão feitas de
maneira mais ligeira, sem o mesmo modelado das outras, de modo que parecem esmaecidas e
com a força de sua presença diminuída em relação ao peso dos demais.
Por outro lado, a água-forte aparece na Grammaire como uma técnica que permite ao
gravador certa licença poética, opondo-se ao rigor da gravura a buril:
La gravure a l’eau-forte, quand elle n’est pas une préparation pour la taille-douce, doit être généralement
exécutée sans régularité apparente, avec des traits librement conduits et rarement croisés, qui, ne couvrant
pas toute la planche, laissent jouer un rôle a la blancheur du papier
60
.
Enquanto exemplo deste princípio, aplicado ao caso de Rembrandt, podemos citar A
mulher da panqueca, na qual temos como tema uma cena banal, do cotidiano, sem
idealizações: vemos uma senhora que cozinha, talvez na rua mesmo, os doces que em seguida
venderá. Os interessados no produto conversam enquanto aguardam o preparo, e um pequeno
cão tenta roubar um quitute das mãos de uma criança, que corre assustada. Podemos notar,
nesta cena, a estrutura irregular da composição: no centro da imagem está colocado o braço
direito da velha, segurando uma espátula. Sentada de perfil, a velha cozinheira forma um
triângulo, também centralizado na imagem, sustentando a composição. Um eixo horizontal
serve de base, formado, da direita para a esquerda, por um cesto, um gato e o cão que
persegue o menino, cuja sombra se projeta até a borda esquerda. Completando a composição
das figuras, cortado por este eixo horizontal descrito e envolvendo a figura triangular da
velha, temos um semicírculo irregular desenhado pelos fregueses à espera de seus quitutes,
começando no bebê à esquerda e percorrendo todo o terceiro plano até a panela e o fogareiro,
na extremidade direita. Vemos em primeiro plano, então, a cena do cão perseguindo a criança;
em segundo plano, a velha fazendo as panquecas; em terceiro plano seus fregueses reunidos e,
atrás deles, um quarto plano intrigante. Formado por linhas soltas, como que traçadas ao
acaso, neste plano a trama esparsa deixa espaço para o papel, que está quase intacto na metade
esquerda. Podemos interpretar essas linhas de vários modos, enxergando nelas, por exemplo,
a sugestão de uma tenda, a fumaça vinda do fogareiro, uma sombra projetada numa suposta
parede ou simplesmente um pequeno non-finito.
60
Idem, p.633
56
A distribuição da luz também é
curiosa: a sombra concentra-se na figura
central, que é a mais escura da imagem.
Essa figura é formada por uma retícula
mais fechada (exceção nos cabelos e
rosto), com as linhas bem próximas umas
das outras, lado a lado nos joelhos e na
manga da blusa, cruzando-se e
sobrepondo-se no chapéu, no casaco e no
assento. Com trama bem fechada
também é feito o gato que espreita atrás
do cesto, aos pés da velha. À meia
sombra, como zona de transição, está o
jovem curvado atrás dela, cujo corpo é
quase todo feito de linhas paralelas, e
cujo chapéu está feito apenas no
contorno, sem preenchimento. Essa
despreocupação com o preenchimento acontece nas demais figuras, que têm apenas notações
de sombra nas vestes e na cabeça, como no caso do homem de chapéu de abas largas, que
conversa com a velha, a sua direita. A composição da luz, desse modo, partilha da
irregularidade da composição geral da cena, e somos levados a concluir que a imagem é
iluminada a partir de mais de uma fonte: uma delas incide na cena a partir do canto direito,
fazendo com que a sombra do menino se projete na diagonal e fazendo também com que a
sombra do assento da velha projete-se sobre as pernas do bebê. A outra fonte é mais difícil de
precisar, pois incide homogeneamente sobre os fregueses, deixando na contraluz, porém, a
velha e o jovem curvado atrás dela.
2.3.2 Rembrandt, dessinateur coloriste
No interior do conceito bracquemondiano de desenho, analisado nas páginas anteriores,
existe uma divisão entre dessin des dessinateurs e dessin des coloristes. Bracquemond
esclarece que essa divisão é a decorrência de duas maneiras distintas de olhar a natureza,
sendo que ambas têm como intuito imita-la, e a escolha entre uma ou outra é opção voluntária
Rembrandt van Rijn. A mulher das panquecas, 1635. Água-
forte. 109 x 77 mm. Rijksmuseum, Amsterdã.
57
de cada artista. Não se trata de duas atividades díspares, mas da adoção de princípios,
métodos e convenções próprios a cada um dos dois modos de pensar a relação entre arte,
natureza, observação e imitação.
Isto posto, Bracquemond pensa Rembrandt enquanto exemplo de dessinateur coloriste,
e assim caracteriza a obra do artista holandês:
...la vue pénètre partout; partout elle circule et peut vérifier chacun des incidents que la lumière provoque.
Ici il n’y a pas, que l’on permettre encore une exagération d’image, de sujet principal: tout a le me
intérêt; c’est que tout a été mis au jour par la lumière d’abord, par le reflet ensuite
61
.
Esta passagem pode ser ilustrada por uma gravura de Rembrandt intitulada Fazendas e
torre cercadas de árvores, na qual vemos uma cena campestre. A composição se sustenta
pelas duas horizontais formadas pelo prado e pelo céu, sobrepondo-se à linha do horizonte a
fileira de árvores que envolvem as duas casas, cujos telhados vemos acima das copas. Para
contrabalançar essas três horizontais marcadas, que atravessam a imagem de lado a lado,
temos a diagonal formada pela estreita estrada cujo início está em primeiro plano e posto na
metade da largura da estampa, o que atrai o olhar do espectador e o leva a percorrer a
distância que conduz até o interior do bosque, passando pelas duas verticais traçadas pelos
marcos do caminho, que também servem de contraponto às grandes horizontais. Assim que
alcançamos a sombra do bosque, temos nosso olhar novamente atraído pela torre da igreja
apontando para o céu, no fundo à direita, e mais uma vez somos levados a correr os olhos pela
imagem, passando pelas árvores e pela casa maior. E ainda não paramos aí: as nuvens pesadas
que se aproximam pela esquerda atraem nosso olhar de volta para esse lado, de novo
percorrendo a largura da estampa, porém desta vez pela faixa superior representada pelo céu,
para enfim pousarmos os olhos sobre as duas pequeníssimas e distantes árvores na extrema
esquerda da linha do horizonte, coladas à margem.
61
Bracquemond, p.58
58
Rembrandt van Rijn. Fazendas e torre cercadas de árvores, 1651. Água-forte, ponta-seca.
123 x 318 mm. Rijksmuseum, Amsterdã
Quando analisamos a distribuição da luz, percebemos que uma correspondência com
todo esse percurso, construído com o propósito de alternar luz e sombra: o prado
intensamente iluminado, a penumbra nas primeiras árvores do bosque, as copas iluminadas
pela lateral, da esquerda para a direita, assim como o telhado, a torre da igreja sombreada, ao
longe, depois o céu claro e por fim as nuvens que o escurecem. Dessa maneira, todos os
elementos vistos nesta cena se equivalem, pois todos concorrem para o mesmo fim, qual seja,
imitar e revelar a própria luz.
Mas o que diferencia o dessin des dessinateurs do dessin des coloristes? Quais os fins e
os meios de um e de outro? Para compreendermos melhor o modo como Bracquemond a
obra de Rembrandt, será útil esclarecermos a diferença entre estas duas maneiras distintas de
proceder. Quanto ao primeiro termo, ele é assim definido:
Le dessinateur analyse particulièrement de la clar. Pour discerner les particularités qui caractérisent la
forme, et pour s’en emparer plus sûrement en les soulignant dans son oeuvre, il isole conventionnellement
et effectivement son modèle de tout rayonnement et le considère dans la clarté la plus stable qu’il puisse
combiner
62
.
Exemplos desse tipo de artista são Ingres, Leonardo, Holbein e Rafael. O procedimento
adotado consiste em desconsiderar o reflexo
63
e suprimi-lo da fatura da obra; desse modo, o
dessinateur ocupa-se preponderantemente do objeto que escolheu para representar, valendo-se
62
idem, p.56
63
Bracquemond fornece a seguinte definição de reflexo: Cette action lumineuse est représentée par le mot
reflet. Mot qui fait voir et comprendre que les rayons lumineux, aps avoir touché un corps, sont en partie
renvoyés, reflétés sur les objets qui environnent ce corps, et cela jusqu’à l’extinction compte de la lumière
portée par la réflexion aux endroits même les plus profonds. C’est ce renvoi, ce reflet, qui, pénétrant là même où
la lumière directe ne peut pénétrer, modifie à l’infini tous les aspects des choses” (p.59).
59
de uma composição luminosa convencionada, que não leva em conta o
ambiente do qual participa tal objeto. Luzes e sombras são empregadas
para reproduzir a forma do objeto, e a ele estão referidas o tempo todo:
Le dessinateur dessine l’objet éclairé. C’est le caractère permanent de cet
objet qu’il veut constater; il concentre sans intermédiaire les contrastes clairs
et obscurs dans l’expression d’une forme; son action s’exerce du contour au
centre de l’objet
64
.
Podemos concluir que, na realização de sua obra, este artista
adota o tema (o objeto, figura ou cena reproduzidos) como seu
elemento principal e fio condutor, colocando a seu serviço a
distribuição dos valores luminosos pela superfície do quadro ou da gravura. O colorista
procede diferentemente, e sua atividade é assim definida:
Le coloriste analyse particulièrement de la lumière. Il en recherche
et veut en constater les aspects généraux et les moindres effets. Il
laisse son modèle dans le milieu il l’entrevoit ou le conçoit,
sous la lumière active qui, par le reflet, circule et influence tout ce
dont il est environné. Aussi, est-ce l’imitation de la lumre, par
réflexion et sans solution de continuité, qui, plutôt que la copie de
la forme, fait le coloriste; chez lui, la convention d’art est
l’élimination de détails intimes au profit de l’ensemble; sa forme
est conventionelle. Exclusivement préocupé d’imiter les intensités
lumineuses, il cherche avant tout à distinguer toutes les qualités
des valeurs influencées par les reflets
65
.
Aqui tudo se inverte: o interesse principal do colorista é
a análise e reprodução da própria luz, sendo que a forma do
modelo observado torna-se convencionada e seus detalhes particulares são atenuados.
Bracquemond assinala que, de maneira quase involuntária, são sacrificadas as particularidades
das formas, que se perdem na luz.
Le coloriste dessine la lumière elle-même. Il ne retient que l’apparence momentanée des choses; il étend
le rayonnement lumineux dans toutes les parties de son oeuvre; son action rayonne du centre aux
contours, ceux-ci étant plus ou moins constatés, plus ou moins éliminés
66
.
64
idem, p.57
65
idem, p.56/57
66
idem, p.57
Rembrandt van Rijn. Auto-
retrato usando uma boina
chata, 1642. Água-forte.
93 x 62 mm. Rijksmuseum,
Amsterdã
Rembrandt van Rijn. Velho
protegendo os olhos com a mão, 1639.
Água-forte, ponta-seca.
138 x 115 mm. Rijksmuseum, Amsterdã
60
Exemplo disso é a gravura Velho olhando para
baixo, na qual vemos retratado um velho com o queixo
recolhido e os olhos fechados. A figura do velho está
iluminada da direita para esquerda da imagem, e o foco
de luz não está exatamente a seu lado, mas um pouco
atrás. Essa luz atinge a blusa do velho tão diretamente,
que boa parte desta praticamente se confunde com o
fundo abstrato e completamente branco, que revela
totalmente o papel. É possível notar o que seria o braço
esquerdo da figura apenas por conta de alguns traços
muito sutis, quase imperceptíveis, entre a ponta da barba
e o canto inferior direito da imagem. Na medida em que se aproxima do braço direito, a parte
da figura mais próxima do espectador, a luz vai perdendo sua intensidade e a sombra
gradualmente toma seu lugar, em direção ao canto inferior esquerdo. Assim, percorrendo a
gravura da direita para esquerda, vemos o branco intocado do papel e depois algumas linhas
paralelas que prontamente se somam a outras diagonais, verticais e horizontais, fechando a
retícula quase que por completo. Tratamento similar recebe a cabeça do velho: a luz lhe atinge
em sua face esquerda e faz desaparecer parte de seus cabelos. Porém, por não se tratar de uma
superfície lisa e irregular como a da blusa, a luminosidade desde se mistura com zonas de
sombra, ocasionadas pelos olhos fundos e pela flacidez da pele. É como se o velho
emprestasse cada ruga sua, cada fio de cabelo ou de barba, cada traço de seu rosto e seu
próprio corpo para dar corpo à própria luz. A outra metade da cabeça está fora do alcance da
luz direta, e mal podemos perceber o contorno do olho e da narina. A própria cabeça projeta
sua sombra sobre o ombro, enquanto o corpo provoca uma leve sombra no que seria uma
parede ou um espaldar atrás do velho.
A sensação que temos é que essa figura tornou-se visível não graças à luz, que ameaça
absorvê-la por completo, mas graças à sombra que percorre o dorso, o ombro e a cabeça do
velho. É esta mesma sombra a responsável por preservar-lhe o volume: notemos como a
metade iluminada da testa e dos cabelos pouco se diferencia do fundo, aparentando estar
aderida a ele, enquanto que os cabelos sombreados da outra metade empurram o branco para o
fundo, afastando-o da figura. Este tipo de relação entre o claro e o escuro leva Bracquemond a
Rembrandt van Rijn. Velho olhando para
baixo, 1631. Água-forte.
119 x 117 mm. Rijksmuseum, Amsterdã
61
afirmar que, no proceder do colorista, a sombra é pensada como uma das várias formas
assumidas pela luz, e não como seu oposto: “...le sombre n’étant qu’une forme de la lumière.
67
Voltando à diferenciação entre o dessinateur e o coloriste, notemos, por fim, que o que
estabelece a diferença entre um e outro não é o emprego das cores propriamente ditas, mas a
maneira de aplicar o desenho (sempre entendido como a construção, na obra, de uma luz
artificial). Bracquemond acrescenta que quanto mais se aplica a fórmula do dessinateur, tanto
mais a reflexão da luz é desconsiderada; e quanto mais praticada for a rmula do colorista,
tanto mais a ação da luz será afirmada.
67
idem, p.57
62
CAPÍTULO III
Algumas análises.
63
3.1 Luz solar enquanto tema
A l’unité matière-lumière sur laquelle se fonde encore la peinture tonale de Courbet et Corot dont le le
initiateur est considérable, l’impressionnisme substitue l’unité lumière-couleur. La lumière solaire devient
principe de style parce qu’elle est dans la alité le flux universel à quoi se réduisent les apparences
visuelles quand elles sont saisies dans leur fraîcheur et leur instantanéité. La lumière brise la fixides
contours et la densité de la matière, pulvérise le motif en taches vives de couleurs papillotant dans le
rayonnement de l’atmosphère. (...) Contrairement aux assertions courantes, l’impressionnisme n’abolit
pas le dessin mais ce à son usage son propre dessin, un type nouveau d’écriture flexible, allusive,
discontinue, perméable à la couleur, à la lumière, au mouvement, aux ondes fugitives de l’instant. Or les
techniques les plus souples de l’estampe, l’aquatinte et la lithographie, accueillent et favorisent au mieux
cette sténographie sans contour ni relief épousant sur le blanc du papier la modulation des valeurs
68
.
Em Le bateau du teinturier (1868), nenhum contorno se fixa por muito tempo: a
superfície da água desloca-se com o correr vagaroso do rio, assim como as copas das árvores
se agitam com o vento, que também agita a blusa posta para secar dentro do barco. O leito do
rio ocupa cerca de um terço da altura da imagem e toda sua largura em primeiro plano, o que
confere a toda a cena uma sensação de flutuação, pois sua própria base é instável, e a terra
68
Michel Melot, Les Gravures des impressionnistes, p.V / VI
Félix Bracquemond. Le bateau du teinturier (Bas-
Meudon), 1868. Água-forte, primeiro estado. 160 x 120
mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional da
França, Paris.
64
firme que ao das árvores está escondida pela vegetação. Dessa maneira, não apenas o
barco, mas também o bosque, as margens e as casas ao fundo parecem sustentados por baixo,
pela água, e participam de seu fluxo. Notamos o primeiro plano estruturado pelas linhas
horizontais que representam a sombra das árvores; esse plano horizontal encontra eco nas
casas enfileiradas ao fundo e nas copas indefinidas da última vegetação. Em contraponto, uma
árvore se ergue à direita, lançando ao alto seus galhos em diagonais de diferentes ângulos.
Outra árvore faz o mesmo, um pouco mais atrás, cortada pela margem esquerda. Completando
a composição baseada na assimetria, o barco está descentralizado e posto mais à direita, na
metade inferior da imagem. Em oposição, vemos o espaço limpo de céu, descentralizado à
esquerda, na metade superior, estabelecendo, em diagonal, uma ligação e uma oposição entre
a porção da estampa na qual a retícula é mais cerrada (casco do barco) e aquela na qual não
retícula alguma (céu).
Percebemos então que a cena está construída de maneira a criar duas áreas contrastantes:
uma delas esdiretamente iluminada e podemos comparar seu formato a uma letra ele’ (L)
maiúscula, cujo eixo vertical consiste no céu e nas árvores da margem esquerda e cujo eixo
horizontal coincide com as casas, uma pequena porção iluminada de água e a elevação
arborizada ao fundo, estendendo-se até a margem direita da imagem, subentendida por trás da
vegetação em primeiro plano. Notamos que, para criar o efeito de iluminação direta e intensa,
o artista limitou-se a sugerir as formas, desenhando a vegetação com traços rápidos e breves,
apenas esboçando a estrutura das casas e deixando intocada a porção de papel que representa
o céu, de modo que os detalhes parecem ofuscados pela abundância de luz.
A outra área que constitui a imagem também se assemelha a um ‘Lmaiúsculo, mas
desta vez invertido, sobrepondo-se ao outro. Seu eixo vertical parte do limite superior da
estampa, com a copa da árvore à direita, e estende-se até a base da imagem através do leito do
rio, incluindo o barco e a pequena canoa a seu lado; o eixo vertical forma-se com a superfície
sombreada da água, de lado a lado. Essa área, em contraste com a anterior, está em contra-luz,
iluminada por trás, o que permite observar com um pouco mais de detalhe as folhas da
vegetação e o casco do barco.
65
O efeito de luz se altera no segundo estado dessa gravura. O que anteriormente era um
dia ensolarado, com forte contraste entre luz e sombra, agora se transforma num dia nublado.
Vemos como Bracquemond soma áreas de uma água-tinta sutil às linhas da água-forte para
obter tal efeito. O céu agora está enevoado e a água turva, impressão que resulta de passagens
mais suaves entre claros e escuros. Um cinza um pouco mais denso recobre a folhagem da
árvore à direita, bem como sua sombra sobre a água. A árvore à esquerda e o bosque ao fundo
também estão acinzentados, porém com menos intensidade. A cena continua em contra-luz
como na estampa anterior, ou seja, a fonte luminosa e sua posição não mudaram, porém sua
intensidade e seus efeitos sobre os anteparos, sim. É como se o artista quisesse testar uma
variável inscrita numa determinada experiência (a cena observada), conservando inalteradas
as demais variáveis e modificando somente aquela que lhe interessa, neste caso, a luz do sol.
Como conseqüência inevitável da alteração dos contrastes, nesta segunda estampa os volumes
parecem mais acentuados e densos as copas das árvores, por exemplo, tanto as das laterais
quanto aquelas do fundo, são mais cerradas. Além disso, o plano intermediário formado pelas
casas e pelo bosque parece mais distante em relação ao barco e à canoa, assim como também
se destaca mais em relação ao fundo formado pelo céu, atrás de si.
Félix Bracquemond. Le bateau du teinturier (Bas-
Meudon), 1868. Água-forte e verniz mole, segundo
estado. 160 x 120 mm. Gabinete de Estampas da
Biblicoteca Nacional da França, Paris.
66
Em Le lever du soleil (1850), de Charles-François Daubigny, o artista se confronta com
o desafio de reproduzir na placa de cobre uma fonte luminosa não difusa, e que portanto não
atinge a cena de forma homogênea.
A luz solar, no caso desta estampa, está concentrada e posta frontalmente em relação ao
espectador, daí a dificuldade a ser superada pelo gravador de reproduzir uma radiação intensa
porém sem violência, conservando o caráter ameno e bucólico da cena. Para atingir tal efeito,
Daubigny lança mão de alguns recursos; notamos, em primeiro lugar, que a cena está dividida
em duas partes quase iguais, uma representando o céu e a outra a terra, e ambas estão
trabalhadas de maneira a confluírem para o efeito desejado. Vemos que o céu é muito claro e
limpo, porém não totalmente branco, o que traria uma sensação de ofuscamento. Uma
finíssima retícula de água-forte, formada por linhas oblíquas, foi aplicada junto às margens
esquerda e direita do papel, de modo a suavizar a radiação. Essa retícula está mais fechada nas
bordas e junto à linha do horizonte e levemente se abre à medida que se aproxima do sol.
Este também foi gravado de maneira a sugerir luz intensa e mal podemos vê-lo, notamos
apenas seu contorno esférico quase imperceptível, porém indicado pelos raios provenientes
dele, feitos com linhas retas também muito finas. Assim, a sensação é de um amanhecer
límpido e promissor de um dia luminoso, porém não sufocante.
Charles-François Daubigny. Le lever du soleil, 1850. Água-forte, terceiro estado.
134 x 233 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
67
O recurso mais interessante, porém, está na metade inferior da imagem: o artista cria
uma irregularidade sinuosa no terreno, o que possibilita ao espectador situar-se numa área de
contra-luz, portanto abrigado da luz solar direta. A parte mais baixa da pastagem, que vai da
margem direita ao centro da imagem, está banhada na luz e vemos apenas alguns traços a
sugerir seus contornos, em linhas espaçadas que quase não se cruzam. Mais próxima ao
primeiro plano, esta área entra na contra-luz: as sombras das árvores estão projetadas no chão
e suas folhas são feitas com breves linhas de ponta-seca, reforçando o efeito de sombra. Uma
fatura semelhante se estende à estreita faixa de pastagem situada entre esse grupo de árvores e
a margem inferior a retícula ainda é aberta, notamos como o branco do papel aparece por
trás dela, mas as linhas são mais espessas e se espalham de um modo um pouco mais
descontínuo e nervoso, conservando ainda alguma vibração do plano anterior. A porção de
pastagem que vai do centro da estampa até a margem esquerda apresenta fatura bem mais
tranqüila, onde repousa o olhar do espectador. Aqui, a retícula de água-forte é mais fechada, a
ponto de quase não distinguirmos o pequeno curso de água no qual o gado bebe; as linhas são
mais alongadas e o contraste entre luz e sombra é amenizado. Daubigny apresenta, com esta
estampa, um estudo da luz no qual equilibra o vigor solar ao lhe contrapor diferentes
intensidades de sombra, distribuídas pela superfície da imagem.
68
Podemos fazer uma comparação com o tratamento da luz solar numa outra gravura, feita
por Bracquemond, intitulada La Seine au Bas Meudon (1868). Somos apresentados a um dia
claro à margem do Sena, onde algumas mulheres lavam roupa na margem do rio, enquanto
uma moça de chapéu encostada na árvore junto ao muro observa o rapaz que prepara-se para
sair com seu bote. Alguns barcos passeiam pelo rio, que faz uma curva para direita e segue
seu curso. Uma estrada ensolarada nos conduz em perspectiva do primeiro plano até o centro
da imagem, onde esse caminho sofre um declive e continua mais ao fundo, separando as casas
do leito do rio. O principal eixo organizador dessa composição é precisamente este caminho,
que se encontra bem no meio da cena e serve de transição entre dois planos o primeiro e o
último e duas áreas de luz. A composição ganha certa instabilidade por adotar dois pontos
de fuga: este de que falamos, criado pela estrada e ainda outro, deslocado à direita, formado
pelo curso do rio. Porém duas diagonais marcadas e opostas concorrem para privilegiar o
primeiro uma delas, à esquerda, é formada pelo muro de verticais ritmadas e que
abruptamente é cortado, perto do primeiro plano, pelas cinco tábuas que vemos frontalmente.
A segunda diagonal é mais irregular e coincide com a margem que serpenteia junto ao
rio até se encontrar com a primeira diagonal, no centro da imagem. Podemos também
perceber uma terceira diagonal, não traçada porém sugerida, formada pela posição ritmada
dos três grupos de árvores da cena: o primeiro à esquerda, o segundo quase no centro e o
Félix Bracquemond. La Seine au Bas-Meudon, 1868. Água-forte, terceiro estado.
155 x 223 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
69
terceiro junto à margem direita. Esse eixo visual corta as duas diagonais anteriores e atravessa
a imagem, fazendo com que nosso olhar percorra a cena no sentido da largura, após tê-la
percorrido no sentido da altura, pelo caminho ensolarado. É possível concluir, a partir do
percurso que o gravador solicita-nos a fazer, que nesta imagem não há hierarquia: tudo
interessa, tudo aqui deve ser reparado e observado, pois tudo participa do fenômeno
explorado e por ele é tocado, ou seja, todos os elementos da gravura estão para revelar a
elaboração da luz natural em luz artificial.
Apesar de reproduzir uma cena iluminada por um sol de verão quase a pino,
Bracquemond consegue, assim como Daubigny, conferir certa doçura à estampa. A fonte
luminosa propriamente dita não está incluída na imagem. Vemos apenas os raios que chegam
dela cortando o céu. Para criar esse efeito, Bracquemond desenhou algumas nuvens com
linhas de água-forte de morsura muito leve, o que resulta em linhas que quase se confundem
com o próprio papel. Também como Daubigny, ele recobre porções do céu com uma retícula
muito fina, mas, neste caso, essa retícula é composta de linhas diagonais no mesmo sentido
dos raios de sol, causando a impressão de uma bruma suave sendo atravessada pela luz até
tocar o solo. Os primeiros anteparos que a luz encontra em seu percurso até o chão são as
copas das árvores. Notamos então uma gradação quanto ao contraste: no grupo de árvores que
se erguem à esquerda, por trás do muro, temos folhagens diretamente atingidas pelo sol e que,
por isso, confundem-se com o branco do papel. Aos poucos, a retícula se fecha, partindo de
áreas levemente hachuradas no topo da copa, feitas com morsura leve, passando por áreas de
retícula não tão fechada, porém com linhas de morsura mais profunda, até chegarmos na parte
inferior da copa, cujas linhas são mais unidas e espessas. Esse contraste intenso está presente
também na margem do rio, quase ofuscante na sua luminosidade. Em conseqüência, sombras
marcadas atravessam o caminho em paralelas horizontais que encontram continuidade nas
horizontais traçadas pelos botes alongados vistos em contra-luz.
Nos outros dois grupos de árvores, a intensidade luminosa também é diminuída da
esquerda para direita e de cima para baixo, porém mais suavemente, de modo que o pequeno
grupo à direita, no outro lado do rio, é quase todo feito apenas de contornos e paralelas muito
finas, apenas com uma retícula ligeira na base. Tal suavidade estende-se à superfície da água
que, ao invés de refletir o sol diretamente, recobre-se de curtas paralelas e ondulações breves.
O tratamento da luz é bem outro em Dans les champs à Ennery (1875), de Pissarro. De
maneira definida, não vemos mais que duas árvores, no entanto, sabemos que se trata de uma
estrada no meio de um bosque. Pissarro consegue, nesta estampa, de maneira totalmente
70
alusiva, evocar os volumes e contornos da vegetação, assim como executa com presteza a
figura da mulher que caminha e do rapaz que sacode um galho de árvore. Estruturando a
composição, temos apenas dois eixos verticais, um em cada lado da estrada, formados pelas
árvores, e uma linha sinuosa que parte do limite inferior de gravura e vai ao encontro de umas
folhas de capim na parte central da imagem.
Aqui, tudo é sugestão: as folhagens são sugeridas por breves hachuras de ponta-seca,
assim como a vegetação rasteira e a terra batida da estrada. O contraste entre luz e sombra é
intenso, opondo o branco geral do papel à sombra densa formadas pelas linhas da ponta-seca,
causando a sensação de que a cena es mergulhada na claridade, criando na estampa um
efeito de máxima permeabilidade à luz. Praticamente não há separação de planos nesta
imagem, uma vez que os limites são indistintos, e não sabemos ao certo onde terminam as
árvores e começa o u, ou em que parte da imagem a estrada encontra a linha do horizonte.
No entanto, o artista soube manejar os volumes o suficiente para que a imagem não ficasse
plana demais, e de fato temos ainda alguma ilusão de profundidade na cena.
Camille Pissarro. Dans les champs à Ennery, 1875. Ponta-seca sobre zinco, estado único.
248 x 282 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
71
É interessante notar a escolha de Pissarro quanto ao único instrumento de gravação a
ponta-seca e o metal escolhido para a matriz o zinco. Parece que o artista procurava
mesmo o efeito de sombras cerradas, manchas negras e compactas, diferentes de uma sombra
feita a partir de retícula (como vimos nas estampas anteriores). Sabemos que a talha feita à
ponta-seca deixa rebarbas no metal, e que estas retêm a tinta e resultam, depois de
estampadas, em linhas aveludadas e geralmente mais espessas que aquelas da água-forte. O
zinco, por ser menos dúctil que o cobre, também favorece o vigor da linha impressa. Notamos
como, nas sombras da árvore à direita, as linhas foram gravadas tão próximas e com tanta
intensidade, que se uniram por meio das rebarbas e resultaram em manchas negras e maciças.
O comentário de Edmond Duranty sobre como os artistas da nouvelle peinture lidavam
com a cor e a luz poderia ser estendido a esta gravura de Pissarro, sintetizando seu efeito:
La découverte de ceux d’ici consiste proprement à avoir reconnu que la grande lumière décolore les tons,
que le soleil reflété par les objets tend, à force de clarté, à les ramener à cette unité lumineuse qui fond ses
sept rayons prismatiques en un seul éclat incolore, qui est la lumière
69
.
3.2 Estados, movimento
L’art classique est un art de limmobile: lorsque le mouvement y intervient, il s’empare d’un objet déjà
existant et dont la réalité se fonde sur la permanence de son espace, de son volume et de son poids. Tout
l’apprentissage académique du dessin repose sur ce postulat. Progressivement, depuis le maniérisme, cette
vision figée du monde avait é mise à l’épreuve par des artistes audacieux. L’impressionnisme à cet
égard est un achèvement, mais il marque aussi une rupture: pour le peintre moderne, le mouvement,
comme la couleur, ne se superposent pas à un objet préexistant, ils font partie de son existence;
mouvement et couleur ne sont plus des qualités ajoutées au modèle: on ne peut plus parler d’un objet en
mouvement, ni de la couleur d’un objet, mais du mouvement ou d’une couleur à travers lesquels nous
apparaissent des objets toujours provisoires
70
.
Este comentário de Melot remete-nos, por exemplo, à série Cathédrales de Rouen,
pintada por Claude Monet entre 1890 e 1893, na qual o artista investiga os sucessivos efeitos
de luz sobre a catedral ao longo do dia, fixando em cada tela determinado momento e seu
respectivo contexto luminoso, buscando captar com agilidade as características particulares de
um ambiente em constante transformação.
A gravura, arte de procedimentos indiretos, encontrou na elaboração e na valorização
dos estados a resposta para a questão da captação da fugacidade do instante. Pela alteração da
69
Duranty, La nouvelle peinture. In RIOUT, Denys, Les écrivains devant l`impressionnisme, p.121
70
Michel Melot, Une autre histoire de l`impressionnisme. in CAREY, Edith (org.). La gravure impressionniste:
de l’école de Barbizon aux nabis, p.37
72
matriz, o gravador pode transformar os efeitos de
luz, o ambiente retratado, a vibração da cena
gravada, acrescentando-lhe ou subtraindo-lhe
elementos, conservando outros. Através da
sucessão dos estados, a gravura permite traduzir as
ininterruptas modificações do ambiente. O artista
também pode variar a tiragem de um mesmo
estado ao lançar mão de diferentes efeitos de
entintagem e impressão da placa. Até então, os
estados de uma gravura eram considerados simples
curiosidades, registros que documentavam o
processo de elaboração do estado definitivo ou
somente um esboço, um ensaio. Esse recurso, porém, foi retomado pelos impressionistas
enquanto legítimo meio de expressão: o estado deixa de ser uma etapa intermediária, impresso
com a função de controlar a morsura, e passa a ser
considerado como uma das várias versões fugidias
da obra, em igualdade de estatuto com estados
posteriores ou mesmo anteriores. Michel Melot
sintetiza assim esse percurso:
Pendant la seconde moitié du XIX
e
siècle, l’estampe connut
une mutation en un objet d’art à part entière qui, sous le nom
‘d’estampe originale’, réalise encore de nos jours le mystère
de l’oeuvre à la fois unique et multiple. L’estampe dartiste a
toujours existé et les amateurs du XVII
e
siècle distinguaient
les estampes originales ‘des maîtres’ de celles qui
reproduisaient leurs oeuvres. Mais cette distinction ne
fondait pas une hiérarchie et souvent les graveurs de
reproduction étaient plus prisés que les créateurs dont les
eaux-fortes ne faisaient souvent figure que de curiosités, en
tout cas dexceptions dans un monde de l’estampe qui
s’appuyait, avec celui du livre et de l’imprimerie, sur
l’édition et la librairie. C’est au XVIII
e
siècle, avec
l’apparition de collectionneurs, peut-être moins fortunés, que
se développèrent les distinctions subtiles entre les états et les
épreuves d’une même estampe, à partir desquelles on pouvait laisser croire que chaque ‘impression’ était
unique. La rareté devenait un critère d’appréciation et de jouissance qui tournait le dos à l’économie
éditoriale du livre pour rejoindre celle du dessin. Au XIX
e
siècle, les estampes passèrent des librairies aux
galeries et des bibliothèques aux musées. (...) La question de l’unicité dans la quantité, de l’exception
dans la série est au coeur de la société nouvelle
71
.
71
Melot, idem, p.38
Camille Pissarro. Femme vidant une brouette, 1880.
Água-forte e água-tinta, quarto estado.
317 x 230 mm. The Art Institute of Chicago.
Camille Pissarro. Femme vidant une brouette,
1880. Água-forte e água-tinta, sexto estado.
317 x 230 mm. The Art Institute of Chicago.
73
Nos diferentes estados de La Nuée d’orage, de Bracquemond, a placa de cobre é
progressivamente modificada para mostrar a aproximação de uma nuvem de tempestade e, em
seguida, sua dissipação. A composição geral não muda de um estado para outro, mas o artista
altera a intensidade da luz e a proporção de claros e escuros da imagem. O eixo horizontal
formado pela campina e pela fileira de árvores junto à linha do horizonte não ocupa mais que
um terço da altura da estampa, realçando, assim, o efeito de amplidão do céu e de
grandiosidade das nuvens carregadas. Observando o terceiro estado, vemos que a trama
fechada com que é feita a grande nuvem da esquerda contrasta com a limpidez da porção de
papel intocado no centro.
Félix Bracquemond. La Nuée d`orage, 1882. Água-forte, terceiro estado.
240 x 340 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
74
No quarto estado, esse forte contraste é mitigado em favor de uma transição mais
modulada entre tons de cinza, o que fomenta a sensação de um dia que escurece. Notemos que
o artista levemente acinzenta a área central do céu, sem, no entanto, gravar uma retícula. Esse
efeito é alcançado através da entintagem, deixando um pouco de tinta sobre a placa e
imprimindo-a assim, sem ter sido totalmente limpa, o que resulta numa espécie de “véu de
cor” que recobre a imagem homogeneamente. Ao equilibrar os contrastes pelos meios-tons,
Bracquemond pode fechar quase que totalmente a retícula da grande nuvem e aprofundar a
morsura de suas linhas, porém ainda conservando certa delicadeza geral da imagem, atingindo
assim um efeito harmonioso de peso e volume das nuvens.
Para sugerir a tempestade que cessa e começa a se afastar, vemos que, no quinto estado,
o artista abre mais talhas na área central do céu, mas as linhas agora acrescentadas são finas e
superficiais, para evitar que se escureça demais a imagem. São também acrescentadas
algumas nuvens volumosas, de contornos bem marcados mas pouco preenchidas, apenas
sendo trespassadas pelas linhas paralelas dos raios de sol, que voltam a se afirmar.
Félix Bracquemond. La Nuée d`orage, 1882. Água-forte, quarto estado.
240 x 340 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
75
Além disso, logo
acima do grupo de árvores
mais altas, perto da margem
esquerda, pouca tinta é
deixada na placa e algumas
talhas são raspadas para
acomodar menos tinta, de
modo a abrir mais uma área
de luz no céu. No décimo
primeiro estado, é dia
claro. O artista raspa boa
parte da retícula cerrada que
antes recobria a parte
superior da imagem e deixa em seu lugar uma retícula mais aberta, de linhas mais suaves e
morsura leve, reaproximando-se do contraste mais marcado presente no terceiro estado.
Félix Bracquemond. La Nuée d`orage, 1882. Água-forte, quinto estado.
240 x 340 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
Félix Bracquemond. La Nuée d`orage, 1882. Água-forte, décimo primeiro
estado. 240 x 340 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional da França,
Paris.
76
Conclusão
Depois de visitar a segunda
exposição da Société anonyme des
peintres, sculpteurs et graveurs, em
1876, o crítico Edmond Duranty escreve:
...quand je vois ces expositions, ces
tentatives, je suis pris d’un peu de
mélancolie à mon tour, et je me dis: ces
artistes, qui sont presque tous mes amis,
que j’ai vus avec plaisir s’embarquer pour
la route inconnue, qui ont répondu en
partie à ces programmes d’art que nous
lancions dans notre première jeunesse,
vont-ils? Accroîtront-ils leur bien et les
garderont-ils?
72
Este parágrafo de Duranty cativa-nos na medida em que a justa noção da aposta que
então estava lançada, tanto por parte dos artistas envolvidos no movimento impressionista,
quanto por parte dos críticos e mesmo dos galeristas e marchands que decidiram participar de
uma história em comum, a história de uma pintura que ambicionava a amplidão do espaço e a
luminosidade de cada dia do ano.
Nosso olhar em relação ao impressionismo (ou à Nouvelle Peinture, como preferia
Duranty), acaba por perder essa dimensão de aposta que era própria ao movimento, por ser
um olhar situado posteriormente a esses acontecimentos: vemos o que acontecia na segunda
metade do século XIX já cientes do que ocorreu no início do século XX, e mais além. Ou seja,
voltamo-nos ao impressionismo sabendo que os artistas que dele participaram ou que a ele se
ligaram de algum modo, tiveram seus esforços reconhecidos não apenas em termos de
mercado ou de lugar garantido em museus, mas, principalmente, porque suas obras serviram
de ensejo para muitas outras, e o olhar que lançaram ao mundo serviu para formar o olhar de
muitos outros que viriam depois deles.
A gravura impressionista, com seu universo ao mesmo tempo minucioso e variado,
apresenta-se como terreno de solidificação de experiências tão originais quanto aquelas da
pintura. Encontramos as raízes dessa gravura em solos muito diversos e por vezes distantes:
em alguns casos, trata-se da influência de um grande mestre do passado, como Velázquez e
72
DURANTY, in RIOUT, Denys, op. cit., p.133.
Félix Bracquemond. Les Saules des Mottiaux, 1868. Água-forte,
primeiro estado. 203 x 296 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca
Nacional da França, Paris.
Félix Bracquemond. Les Saules des Mottiaux, 1868. Água-forte e
ponta-seca, terceiro estado. 202 x 296 mm. Gabinete de Estampas da
Biblicoteca Nacional da França, Paris.
77
Goya para Manet, ou Rembrandt para Degas e Bracquemond. Também pode ser a referência a
alguma corrente estética então em evidência, como o Japonismo; em outros casos, essas raízes
são simplesmente a sensibilidade do próprio artista.
O desenvolvimento de uma nova forma, a busca por uma outra organização das relações
entre o preto da tinta e o branco do papel exposto, são inseparáveis da inspiração advinda dos
próprios recursos materiais da gravura placas, metais, ácidos, vernizes, instrumentos,
variações de pressão, calor, tempo de morsura, etc. O trabalho manual do artista leva-nos a
entender a gravura impressionista enquanto pesquisa que toma a si mesma como objeto,
indagando-se sobre seus meios, procedimentos e alcances, fazendo da estampa uma obra de
arte e, ao mesmo tempo, um instrumento cognitivo.
Seria equivocado, portanto, ver a gravura apenas enquanto premissa de uma obra
pictórica posterior, enquanto trabalho preparatório de outros. A obra gráfica dos
impressionistas, apesar da freqüente aparência de inacabamento e espontaneidade, não
constitui um ensaio para as pinturas. Ao invés disso, são obras independentes e únicas que
buscam traduzir a sensação vida de um instante ou de um movimento, tentam fixar uma
impressão fugaz, valendo-se, para isso, de uma longa e delicada lida de ateliê.
Nesta outra passagem de seu texto sobre a segunda exposição impressionista, Duranty
confessa uma esperança que, ao que tudo indica, teve um grato destino:
C’est que, vraiment, c’est une grand surprise, à une époque comme celle-ci, il paraissait qu’il n’y avait
plus rien à trouver; à une époque où l’on a tellement analysé les périodes antérieures, l’on est comme
étouffé sous la masse et le poids des créations des siècles passés, c’est vraiment une surprise que de voir
jaillir soudainement des does nouvelles, une création spéciale. Un jeune rameau s’est développé sur le
vieux tronc de l’art. Se couvrira-t-il de feuilles, de fleurs et de fruits? Je l’espère
73
.
73
idem, ibidem, p.121.
78
Bibliografia
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81
ANEXOS
Reproduções de gravuras de Félix Bracquemond.
82
Félix Bracquemond. La scierie du Bas-Meudon, 1868. Água-forte. 159 x 249 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca
Nacional da França, Paris.
83
Félix Bracquemond. Le pêcheur à l`épervier, 1868. Água-forte, terceiro estado. 150 x 238 mm. Gabinete de
Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
84
Félix Bracquemond. Rue des Bruyères, à Sèvres, 1868. Água-forte, primeiro estado. 175 x 253 mm. Gabinete de
Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
85
Félix Bracquemond. Trembles au bord de la Seine, 1884. Água-forte, terceiro estado. 102 x 151 mm. Gabinete de
Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
86
Félix Bracquemond. Butte avec arbres clairsemés, 1893-1894. Água-forte, primeiro estado. 110 x 175 mm.
Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
Félix Bracquemond. Butte avec arbres clairsemés, 1893-1894. Água-forte e ponta-seca, quarto estado. 110 x
175 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
87
Félix Bracquemond. Le coup de vent, 1905. Ponta-seca. 340 x 485 mm. Gabinete de Estampas da Biblicoteca Nacional
da França, Paris.
88
Félix Bracquemond. La maison dans les bois, 1909. Água-forte. 175 x 128 mm. Gabinete de
Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
89
Félix Bracquemond. Portrait de Meryon, 1853. Água-forte. 202 x 151 mm. Gabinete de Estampas da
Biblicoteca Nacional da França, Paris.
90
Félix Bracquemond. Alfred de Curzon, 1853. Água-forte, estado único. 204 x 152 mm. Gabinete de Estampas da
Biblicoteca Nacional da França, Paris.
91
Félix Bracquemond. Zacharie Astruc, 1865. Água-forte, primeiro estado. 318 x 240 mm. Gabinete de
Estampas da Biblicoteca Nacional da França, Paris.
92
Félix Bracquemond. Ernest d`Hervilly, 1883. Água-forte. 398 x 28 (sic) mm. Gabinete de Estampas da
Biblicoteca Nacional da França, Paris.
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