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Mariana Souza Pires de Amorim
O Novo Brutalismo de Alison e Peter Smithson
Em Busca da Ordem Espontânea da Vida
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em História Social da Cultura do Departamento
de História do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio.
Orientador: Prof. João Masao Kamita
Rio de Janeiro,
Novembro de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610407/CA
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Mariana Souza Pires de Amorim
O Novo Brutalismo de Alison e Peter Smithson:
Em Busca de Ordem Espontânea da Vida
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção
do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em
História Social da Cultura do Departamento de História do
Centro de Ciências Sociais da PUC-
Rio. Aprovada pela
Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. João Masao Kamita
Orientador
Departamento de História
PUC-Rio
Profª Maria Cristina Nascentes Cabral
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
UFRJ
Prof. Otávio Leonídio Ribeiro
Departamento de Artes e Design
PUC-Rio
Profº Nizar Messari
Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais
PUC-Rio
Rio de Janeiro, 19 de novembro de 2008.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610407/CA
Todos os direitos reservados. É proibida a
reprodução total ou parcial do trabalho sem
autorização da universidade, da autora e do
orientador.
Mariana Souza Pires de Amorim
Graduou-se em Arquitetura e Urbanismo na UFRJ
em 2004. Cursou Especialização em História da Arte
e Arquitetura no Brasil na PUC – Rio em 2006.
Ficha Catalográfica
CDD: 900
Amorim, Mariana Souza Pires de
O novo brutalismo de Alison e Peter
Smithson em busca da ordem espontânea da
vida / Mariana Souza Pires de Amorim ;
orientador: João Masao Kamita. – 2008.
154 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em História)–
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
Inclui bibliografia
1. História Teses. 2. História social da
cultura. 3. Novo brutalismo. 4. Arquitetura
moderna. 5. Alison Smithson. 6. Peter
Smithson. I. Kamita, João Masao. II. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de História. III. Título.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610407/CA
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Agradecimentos
Ao meu orientador Professor João Masao Kamita pela compreensão e parceria
para a realização deste trabalho.
À Capes e à PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho não
poderia ter sido realizado.
A minha mãe pela contribuição com as traduções além do apoio, carinho e
estimulo.
A minha tia Eduarda e meu tio Alfredo pelo interesse, compreensão e apoio
afetivo e material.
A minha avó Maria José pelas orações e oa meu irmão Pedro pela contribuição
com as imagens.
Aos meus amigos Rafael e Myriam por todo apoio e paciência. A minha mais
nova amiga Mara por ter me acolhido em sua casa em Londres e por ter me
apresentado a cidade.
Aos professores que participaram da banca examinadora.
A professora Ana Luisa Nobre pela contribuição de material fundamental para a
construção deste trabalho.
A todos os professores e funcionários do Departamento, em especial a Edna
Timbó pela dedicação e ajuda.
A biblioteca da PUC-Rio pela presteza com que responderam aos meus pedidos.
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Resumo
Amorim, Mariana Souza Pires de; Kamita, João Masao. O Novo
Brutalismo de Alison e Peter Smithson: Em Busca da Ordem
Espontânea da Vida. Rio de Janeiro, 2008. 154p. Dissertação de Mestrado
Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.
Alison e Peter Smithson foram os precursores do movimento arquitetônico
chamado de Novo Brutalismo que surgiu na Inglaterra no ano de 1953.
Interessados pelo Movimento Moderno em Arquitetura participaram dos últimos
Congressos do CIAM, do qual se desligaram para integrar o grupo Team 10.
Começaram suas carreiras no período do pós-guerra quando além de ser
necessário reconstruir parte da Europa bombardeada, foi preciso adequar as
cidades para o uso dos veículos motorizados que começavam a invadi-las. Diante
de tantas mudanças na vida das comunidades, sua grande preocupação foi a
preservação da identidade destas comunidades, respeitando seus hábitos sociais e
culturais. Este respeito pela vida, tradição e valores levou-os a propostas
absolutamente revolucionárias para a época: Projeto Hunstanton School; Projeto
Golden Lane; Projeto Universidade de Sheffield. Participaram do movimento
artístico britânico Independent Group” no qual fizeram as exposições “Parallel
Of Life and Art” e “This is Tomorrow”. Podemos definir seu trabalho e suas
ideologias com suas próprias palavras: “a arquitetura surge como resultado direto
de um sentimento de vida”.
Palavras – chave
Novo Brutalismo; Arquitetura Moderna; Alison Smithson; Peter Smithson.
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Abstract
Amorim, Mariana Souza Pires de; Kamita, João Masao. The New
Brutalism of Alison and Peter Smithson: The Search of Spontaneous
Order of Life. Rio de Janeiro, 2008. 154p. MSc Dissertation
Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.
Alison e Peter Smithson were the predecessors of the Architectural
Movement called New Brutalism that happened to appear in England in 1953.
They were involved with the Modern Architectural Movement and they took part
in the last CIAM Congresses, but broke up with it and organized themselves into a
new group Team 10. They began their careers in the post-war period when
besides being necessary to reconstruct part of Europe which had been devastated
by bombs, it was necessary to adapt the cities to the use of motor vehicles which
were beginning to invade them. In face of so many changes in the communities
lives they were very concerned in sustaining the identity of these communities,
respecting their culture and social values. This respect for life, tradition and values
led them to propose absolutely revolutionary for their time: Hunstanton School;
Golden Lane Project; University of Sheffield Project. They took part in the British
movement “Independent Group” within which they made the exhibitions “Parallel
of Life and Art” and This is Tomorrow”. We can define their work and their
ideas with their own words: we see architecture as the direct result of a way of
life.
Keywords
New Brutalism; Modern Architecture; Alison Smithson; Peter Smithson.
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Sumário
Introdução 11
1. A Situação Britânica no Pós-Guerra 15
1.1. O Plano para Grande Londres 15
1.2. New Town 17
1.3. Architect’s Department of the London County Council – LCC 21
1.4. Novos Palladinos ou Novos Acadêmicos 24
1.5. Antropologia, Sociologia e Etnologia na Sociedade Britânica 27
2. Atitude Formalista 34
2.1. Escola Secundária Hunstanton 34
3. Padrões de Associação e Identidade 44
3.1. Urban Re-Identification - 9º CIAM – 1953 44
3.2. An Urban Project 48
3.3. Urban Structuring 52
3.4. Golden Lane 63
3.5. Sheffield University 72
3.6. Casa do Futuro 80
4. Novo Brutalismo nas Artes 86
4.1. Independent Group 86
4.2. Parallel of Life and Art 91
4.3. This Is Tomorrow 98
5. Manifestos Brutalista 104
5.1. Manifesto Brutalista 104
5.2. Statement of Principles 106
5.3. Novo Brutalismo 108
6. O Brutalismo e o Team 10 110
6.1. CIAM 9 e antecedentes 110
6.2. Preparação para CIAM 10 112
6.2.1. Manifesto Doorn 113
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6.2.2. Urban Re-Identification 115
6.3. CIAM 10 e Team 10 118
6.3.1. Cluster City 120
6.3.2. Otterlo Statement 121
Conclusão 123
Referências Bibliográficas 124
Apêndice 127
An Urban Project – artigo original 128
An Urban Project – tradução livre 135
Urban Re-Identification – artigo original 138
Urban Re-Identification – tradução livre 142
Cluster City – artigo original 145
Cluster City – tradução livre 149
Manifesto Doorn 153
Otterlo Statement – artigo original 154
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Lista de figuras
Fig. 01 - Conjunto de casas de uma New Town. 20
Fig. 02 - Alton Estate em Roehampton. 24
Fig. 03 - Sede do Pionner Health Centre. 28
Fig. 04 - Interior do Centro: cafeteria e piscina. 30
Fig. 05 - Sede em um dia de festa. 31
Fig. 06 - Croqui do Centro Peckham. 32
Fig. 07 - Fotografia do conjunto de Hunstanton. 36
Fig. 08 - Desenho do conjunto de Hunstanton. 36
Fig. 09 - Hall e acessos ao primeiro pavimento
de Hunstanton. 37
Fig. 10 - Interior do hall de Hunstanton. 38
Fig. 11 - Pátio interno de Hunstanton. 39
Fig. 12 - Pias no lavatório de Hunstanton 40
Fig. 13 - Planta do pavimento térreo
de Hunstanton. 42
Fig. 14 - Planta do primeiro pavimento
de Hunstanton. 43
Fig. 15 - Planta do ginásio de Hunstanton:
térreo e 1º pavimento. 43
Fig. 16 - Painel Urban Re-Identification preparado
pelos Smithson para o 9º Congresso
do CIAM em Aix-en-Provence em 1953. 44
Fig. 17 - Bethnal Green 1956 – Foto de
Nigel Henderson. 45
Fig. 18 - Parte do painel de Urban Re-Identification. 46
Fig.19 - Imagens do livro Urban Structuring
– fotos de Nigel Henderson. 52
Fig. 20 - Planta de situação de Golden Lane. 65
Fig. 21 - Planta do nível abaixo ou acima da
street deck – unidade básica dos pais. 66
Fig. 22 - Planta do nível da street deck. 67
Fig. 23 - Housing in Spangen, Rotterdam,
Michiel Brinckman, 1920. 68
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Fig. 24 - Montagem (desenho e fotos) da
street deck de Golden Lane. 69
Fig. 25 - Desenho da elevação leste de
Golden Lane. 70
Fig. 26 - Desenho da elevação norte de
Golden Lane. 71
Fig. 27 – Situação de Sheffield: blocos existentes em preto. 73
Fig. 28 - Novos volumes de Sheffield em preto. 73
Fig. 29 – Sheffield: declive do terreno. 74
Fig. 30 - Perspectiva dos novos blocos de Sheffield. 76
Fig. 31 - Elevação do bloco de Artes e
Administração de Sheffield. 77
Fig. 32 - Perspectiva do novo bloco e das
ruas aéreas de Sheffield. 78
Fig. 33 - Perspectiva da Casa do Futuro. 80
Fig. 34 - Planta da Casa do Futuro. 80
Fig. 35 - Cômodo de vestir com os nichos. 82
Fig. 36 - Cadilac “ícone pop”. 84
Fig. 37 - Foto da maquete da Casa do Futuro. 85
Fig. 38 - Foto da exibição Parallel of Life and Art. 92
Fig. 39 - Foto da exibição Parallel of Life and Art. 93
Fig. 40 - Capa do catálogo da exibição
Parallel of Life and Art. 94
Fig. 41 - Perspectiva do projeto para
Patio and Pavilion. 99
Fig. 42 - Fotografia da exibição Patio and Pavilion 100
Fig. 43 - Fotografia da exibição Patio and Pavilion. 101
Fig. 44 - Imagem do catálogo This is Tomorow. 102
Fig. 45 - Foto da exibição Patio and Pavilion. 103
Fig. 46 - Imagem do catálogo This is Tomorow
com os componentes do Grupo 6. 103
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INTRODUÇÃO
“Neobrutalista não é o mesmo que Novo Brutalismo e foi esta última
frase que se adotou por parte do jovem setor de arquitetos britânicos. A
diferença de termos não é só gramatical: Neobrutalismo é uma
denominação estilística, como Neoclássico ou Neogótico, enquanto que
Novo Brutalismo responde a uma concepção ética e não estética.
Descreve um programa ou uma atitude em arquitetura.”
1
Reyner Banham
Esta dissertação investiga o Novo Brutalismo que surgiu na Inglaterra no
começo da década de 1950 através dos textos e projetos produzidos pelo casal de
arquitetos ingleses Alison e Peter Smithson considerados os principais
propagandistas do movimento.
Alison Margaret Gill e Peter Denham Smithson se mudaram para Londres e
se casaram no mesmo ano de 1949, logo após se formarem pela Faculdade de
Arquitetura de Durhan. Trabalharam como projetistas do London County Council,
na divisão de projetos de escolas e já em 1950 o casal Smithson estabeleceu seu
primeiro escritório de arquitetura por ter ganhado o concurso para a realização de
uma escola secundária em Hunstanton, Norfolk, Inglaterra.
Muito ativos na década de 1950, participaram dos dois últimos CIAM, do
Independent Group e do Team 10 além de ministrarem aulas no Central School of
Arts. Nesta primeira década de trabalho dos Smithsons, a mais engajada, o foco
de atenção se deu em torno do questionamento dos limites do Movimento
Moderno de Arquitetura, período em que produziram textos e projetos marcantes
para a história da Arquitetura Moderna Inglesa.
Os ambientes que freqüentavam foram decisivos para a formação de suas
idéias e manifestos. A Inglaterra do pós-guerra foi investigada como pano de
fundo para se entender o contexto que Alison e Peter Smithson estavam
1 BANHAM, R. El Brutalismo em Arquitectura: ética ou estética? Pag. 10.
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12
mergulhados. Alguns dos trabalhos de seus colegas arquitetos e artistas plásticos
foram decisivos na formação intelectual e profissional deste jovem casal.
As leituras e experimentos sociais, como os estudos antropológicos Mass
Observation e Peckhan Experiment – que veremos no capítulo 1 - que vinham
acontecendo de maneira tímida na Inglaterra no período entre guerras foram de
grande influência no trabalho destes dois jovens a ponto de suas novas idéias e
conceitos entrarem em conflito com as questões discutidas pelos arquitetos
fundadores do CIAM.
A publicação do material do 8º Congresso O Coração da Cidade em 1952,
evidencia uma mudança de rumo dentro do Movimento Moderno e os Smithson
são personagens importantes dentro dos últimos encontros. Em contato com
outros jovens arquitetos como J. B. Bakema e Aldo Van Eyck fundaram o Team
10, grupo de discussão sobre arquitetura e urbanismo que atuou por mais de 30
anos.
No Centre School of Arts Peter Smithson conheceu Nigel Henderson além
de outros artistas plásticos, passando a freqüentar o ICA, Institute of
Contemporary Art, no ano de 1950, e com outros jovens freqüentadores formaram
o IG, Independent Group, em 1952, com o qual o casal realizou algumas
exposições e instalações na década de 50. A atuação dos Smithson no IG refletiu-
se em seus projetos arquitetônicos assim como seus trabalhos artísticos
permearam seus projetos e escritos.
Na versão de Banham
2
o termo brutalista foi inventado pelo arquiteto Hans
Asplun em 1950 na Suécia, como ele mesmo explica em sua carta ao seu colega
Eric Maré, publicada na Architectural Review em agosto de 1956. Nesta carta
Asplun conta que chamou seus colegas arquitetos Bengt Edman e Lennart Holm
de neobrutalistas, termo utilizado de maneira sarcástica como comentário sobre
seus trabalhos. No verão seguinte, ao encontrar com seus colegas ingleses Michel
Ventris, Oliver Cox e Graeme Shankland, utilizou o termo novamente de maneira
2 BANHAM, R., op. cit., Pag. 10.
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13
jocosa. Passado-se um ano deste encontro, soube que o termo havia sido levado
para a Inglaterra e estava sendo adotado por certo setor dos jovens arquitetos
ingleses.
O mais curioso a respeito da utilização do termo Novo Brutalismo é que este
foi inventado antes mesmo do movimento arquitetônico ao qual o termo seria
aplicado. Passou a ser usado principalmente nos centros onde mais se debatia
arquitetura em Londres na época, o Architetural Association e o Architect’s
Department of London County Council.
No artigo The New Brutalism
3
, publicado em 1955, Banham afirma que
apesar de não haver um grupo com uma unidade programática ou intenção, existia
sim uma comunidade com certos interesses em comum, sobretudo as obras do
pós-guerra de Le Corbusier que assinala a poética de beton brut. No meio das
artes plásticas, a Art Brut de Jean Dubuffet assinala, de modo similar, uma
impressão de materialidade trágica. Em questão de pouco tempo o jovem casal
Alison e Peter Smithson se apropriaram do termo.
Para Banham o termo brutalista ficou ligado rapidamente ao casal Smithson
por duas razões: a primeira razão porque estavam preparados para justificar esta
conceituação e a segunda, mais anedótica, porque Peter Smithson era comparado
fisicamente com Brutus, já na sua época de estudante. Mas em dezembro de 1953,
com a publicação de seu projeto Casa no Soho, Alison Smithson declarou para a
imprensa: “De fato, se tivesse sido construída ela seria o primeiro expoente do
‘Novo Brutalismo’ na Inglaterra
4
”. Segundo Banham, ainda que o Novo
Brutalismo não existisse em dezembro de 1953, a situação que o converteu em
necessário já existia
5
.
No ano de 1953, o casal Smithson participa do 9º CIAM e apresenta novos
conceitos como comunidade e identidade, a serem inseridos nas discussões sobre
3 BANHAM, R. The New Brutalism. Architectural Review, dezembro de 1955.
4 SMITHSON, P. House of Soho. Architectural Design, dezembro de 1953.
5 BANHAM, R., op. cit., Pag.10.
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14
a Arquitetura Moderna. Já haviam montado a exposição Paralelismo Vida e Arte.
Os Smithsons trabalharam como arquitetos, artistas plásticos, críticos e
professores. Publicaram inúmeros artigos relevantes em sua época e projetos
inovadores, que muitas vezes não foram construídos.
Esta dissertação não faz uma análise estética e nem poética da arquitetura
dos Smithsons assim como não trata do Movimento Brutalista. Este trabalho opta
por lidar com outras questões - enfatiza a reconstrução do ambiente intelectual em
que Alison e Peter Smithson estavam envolvidos; prioriza a investigação das
discussões sobre o problema urbano; as condições dos debates e possibilidades
naquele momento, através de documentos originais, textos e exposições dos
Smithsons.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610407/CA
15
1
A Situação Britânica no Pós- Guerra
1.1
O Plano para Grande Londres
A Segunda Guerra Mundial causou muitos danos materiais nas cidades
européias, muito mais destruição que a Primeira Guerra. No período entre guerras
a Grã-Bretanha se deparou com um desequilibrado desenvolvimento econômico.
Esses problemas foram agravados por crises econômicas e habitacionais em
regiões como País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte.
6
Ao fim da guerra mais
de um terço da cidade de Londres havia sido bombardeada. Como o processo de
reconstrução inglês se deu de maneira acelerada, produziu-se um conflito entre os
procedimentos de emergência exigidos pela reconstrução e os procedimentos de
longo alcance exigidos pelo desenvolvimento econômico. Ou seja, conflito entre a
reconstrução e o planejamento da cidade.
7
C. B. Purdom e F.G. Osborn entusiastas das Cidades Jardins, seguidores das
idéias de Ebenezer Howard, ofereceram uma alternativa global aparentemente
capaz de superar as crises que ocorriam em meados da década de 1930 na Grã-
Bretanha. O Primeiro Ministro Neville Chamberlain, simpatizante dos
argumentos da Town and Country Planning Association, instituiu em 1937 uma
comissão para elaborar a distribuição das atividades produtivas nacionais, a
Comissão Barlow. A Comissão tinha como função investigar a distribuição da
população industrial, considerar quais eram as desvantagens sociais, econômicas
6 TAFURI, M., DAL CO, F. Modern Architecture. Pag. 130.
7 BENEVOLO, L. História da Arquitetura Moderna. Pag. 647.
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16
e estratégicas da concentração industrial e populacional, e propor uma solução
que poderia ser adotada a favor do interesse nacional.
8
O relatório final entregue em 1940 recomendava o desenvolvimento de
áreas congestionadas, a descentralização e dispersão das indústrias e da população
industrial e a diversificação do desenvolvimento industrial nas diferentes regiões
da Grã-Bretanha. Propunha novas cidades e subúrbios jardins, cidades satélites e
núcleos comerciais, e enfatizava a importância dos aspectos sociais assim como
as necessidades industriais e estratégias
9
.
Em 1942 o então Ministro do Trabalho Lord Reith elaborou um memorando
no qual continham propostas para um projeto de escala nacional que em muito se
assemelhava as propostas do antigo relatório da Comissão Barlow. Neste mesmo
ano Sir Patrick Abercrombie foi convocado para preparar um programa para a
área da Grande Londres:
“Os planos de Abercombrie para Londres foram os mais amplos
preparados até então. Este compreendia em dois estudos principais, o
Plano do Condado de Londres e o Plano para a Grande Londres. O
primeiro era um detalhado estudo de uma área limítrofe com o condado
de Londres, baseado nos princípios de aproveitamento de terreno,
descentralização, necessidades de espaços abertos, movimento de
tráfico e densidade de edificação. Identificaram as áreas com problemas
mais emergenciais, formularam as propostas e discutiram a mecânica
de sua realização. Chegou à conclusão que para levar a cabo as medidas
recomendadas haveria que se efetuar um grande deslocamento da
população para fora de Londres, o que originou o Plano da Grande
Londres, que propunha o local onde se acomodaria esta população
deslocada.”
10
O plano incluía subúrbios e cidades satélites fora do Cinturão Verde – área
agrária e de lazer promulgado em 1938 para bloquear a expansão de Londres.
Mas a proposição mais radical foi a de que para uma enorme quantidade de
8 LANDAU, R. Nuevos Caminos de la Arquitectura Inglesa. Pag. 15.
9 LANDAU, R., op. cit., Pag. 16.
10 Idem.
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17
população deslocada – um total de 500.000 pessoas – havia-se de construir de 7 a
10 cidades satélites.
Com a vitória do governo trabalhista, em 1946 se criou uma legislação,
denominada New Town Act, para a realização do plano de descentralização em
escala nacional. As New Towns, tipo de cidade proposta, seguiam o modelo das
Cidades Jardins, que já possuíam uns cinqüenta anos de tradição que havia
iniciado com a publicação de “Tomorrow: A Peaceful Path to Real Reform” de
Ebenezer Howard em 1898.
11
A realização das New Towns na Inglaterra, cerca de dez cidades já em 1954,
abriu espaço para a discussão do planejamento urbano e da formação de cidades
guetos ou suburbanas, como assim foram caracterizados pela crítica do casal
Alison e Peter Smithson.
1.2
New Town
A primeira legislação urbanística aprovada após a Segunda Guerra na Grã-
Bretanha em 1946, conhecida por New Town Act, seguiu as recomendações
constituídas pelo comitê de estudo especial da época de Lord Reith. Esta
legislação estabeleceu que cada New Town teria uma organização administrativa
em forma de corporações independentes (Development Corporations), possuindo
poderes para adquirir terrenos e com plena responsabilidade para toda ação
urbanística e de desenvolvimento. O financiamento das New Towns ficava sobe a
responsabilidade do governo central.
12
11 LANDAU, R., op. cit., Pag. 17.
12 Idem.
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18
Para estabelecer o critério do ordenamento físico das New Towns um estudo
preparatório foi feito por urbanistas resultando na estrutura urbana em anéis
concêntricos, quatros modelos distintos, o que se assemelha a tradição das
Cidades Jardins.
De acordo com Royston Landau, entre os anos de 1945 a 1951 dez novas
cidades foram fundadas na Inglaterra. As sete cidades que circundam Londres
formam parte das proposições do Plano para Grande Londres e representaram o
início da operação do projeto geral em escala regional. Estas foram Stevenage
(1946), Harlow (1947), Crawley (1947), Hemel Hempstead (1947), Hatfield e
Welwyn Garden City (1948), Basildon (1949), Blacknell (1949). As demais
cidades afastadas de Londres são Aycliffe (1947), Peterlee (1948) e Corby
(1950).
Os componentes comuns destas New Towns, classificadas como protótipo 1
eram
13
:
1. Centros urbanos.
2. Habitações – a maioria de dois andares com uma densidade
aproximada de 30 pessoas por acre.
3. Zona de tráfico industrial situada na periferia da cidade.
Na opinião de Royston Landau “o estilo de arquitetura das New Towns...
foi um estilo coerente, especialmente se considerarmos os muitos arquitetos que
se responsabilizaram por ele.
14
O estilo que o autor se refere é o de um
panorama pitoresco. Casas muito semelhantes construídas de tijolos aparente, o
que remonta a memória da arquitetura inglesa do século XIX, muitas árvores e
jardins criando um ambiente bucólico – uma concepção puramente visual e
paisagística de grupos de casas em agrupamentos irregulares que evocam a
pintura de paisagem. Landau atenta para o fato da legislação, normas de
13 LANDAU, R., op. cit., Pag. 19.
14 Idem.
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19
edificação, ter sido muito restritiva assim como o limitado orçamento e materiais,
como os métodos tradicionais de construção utilizados.
Muitas questões foram levantadas sobre a aparência, concepção urbana e
densidade populacional das New Towns o que gerou uma grande polêmica entre
gerações de arquitetos que trabalhavam no Architect’s Department of the London
County Council - LCC.
A política de habitação e a arquitetura como serviço social eram dois ideais
que se encontravam arraigados na mentalidade inglesa desde o século XIX
15
.
Willian Morris Revival ou People’s Detailing (versão inglesa do Realismo Social
ou da estética marxista) e outros termos foram cunhados com a intenção de
reavivar as construções em tijolos e suas técnicas do século XIX. Ocasionalmente
estes termos foram dignificados pelo título de Novo Humanismo pela revista
Architectural Review, relacionando a arquitetura inglesa à arquitetura sueca, o
Novo Empirismo.
16
Para Banham os arquitetos do LCC tentaram se inspirar em
exemplos idôneos indo buscar inspiração na arquitetura sueca.
17
Ambos os estilos
mostravam aspirações ao agrupamento de casas de campo, baseado na visão
sentimental do uso do vernáculo do século XIX e uma relação livre e pitoresca
com a paisagem.
Charles Jencks relaciona a problemática gerada pelos programas de
habitação e das New Towns a influência do Liberalismo e suas propostas de bem-
estar e assistência social. Nas palavras do autor
18
“... em termos de política de
arquitetura era que o individualismo, a expressão e a arte seriam renegados em
nome da assistência do Estado aos cidadãos, da economia e do serviço social.”
15 JENCKS, C. Movimentos Modernos em Arquitetura. Pag. 231
16 BANHAM, R., op. cit., Pag. 12.
17 Ibid., Pag.11.
18 JENCKS, C., loc. cit.
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20
Para muitos arquitetos, principalmente da geração mais jovem, as novas
cidades seguiam uma estética ultrapassada e que não atendia as necessidades do
mundo contemporâneo. Antenados com o Movimento Moderno na Arquitetura
acreditavam que as New Towns eram um retrocesso.
Fig. 01 - Conjunto de casas de uma New Town.
Segundo Charles Jencks apesar da mais vasta política de habitação social, a
aparência das cidades era medíocre. A posição do Estado em relação aos
programas habitacionais e das New Towns seguia uma visão do “método de
descrição de casos”. “Uma série de exemplos adequados de paisagens urbanas
seria recolhida num álbum a distribuir por desenhistas regionais e autoridades
locais.”
19
Com o nome de Filosofia da Paisagem Urbana estes desenhos foram
utilizados com a intenção de se estabelecer uma coerência urbana. Acima de
tudo, estes modelos de paisagem, cidade e habitação social procuravam
estabelecer uma imagem de limpeza, acolhimento, saúde e natureza para afastar
19 JENCKS, C., op. cit., Pag. 234.
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21
os fantasmas da pobreza, insalubridade e morte que assombravam os planejadores
do século XIX como Patrick Geddes e Ebenezer Howard
20
.
1.3
Architect’s Department of the London County Council – LCC
O trabalho do Setor Público na área da arquitetura e do planejamento
urbano na Grã-Bretanha sempre foi produtivo e efetivo inclusive nos anos
anteriores a Segunda Guerra, pois possuía muitos recursos que ultrapassavam os
escritórios privados.
Um indício da influência do setor público, principalmente na década de
1950, pôde ser observado nas construções de praticamente todas as escolas da
Ilha (programas como o Hertfordshire
21
), nas New Towns, nos projetos de
urbanização de maiores proporções (como dos condados de Sheffield e
Roehampton) e na maioria dos projetos que compreendiam o desenvolvimento da
zona Central de Londres, desenhados nos escritórios públicos pertencentes aos
departamentos, os quais eram responsáveis anualmente por mais de 45% de toda a
produção de construções.
Com a gestão de Robert Matthew na chefia do Architect’s Department of
the London County Council no período entre 1946 e 1953, uma nova forma de
gestão nos departamentos foi estabelecida. Matthew aboliu o sistema de
hierarquia, no qual cada categoria superior possuía o controle e autoridade sobre
seus imediatos subordinados. Em seu lugar implantou uma organização por
divisões, estabelecendo equipes de desenho, sendo estas totalmente autônomas.
20 LAUDAN lembra que na época de Howard a densidade populacional nas áreas carentes
chegava a 600 pessoas por acre. Op. cit., Pag. 17.
21 Um programa de construção de escolas, as primeiras experiência em pré-fabricação,
aperfeiçoando um método de construção que não fosse caro, e ao mesmo tempo se revelasse
rápido e recorresse a pouca mão de obra. - JENCKS, C., op. cit., Pag.235.
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22
As equipes eram responsáveis pelos seus próprios projetos (dentro de certos
limites sociais, econômicos e programáticos), controlando-os até o término do
trabalho, supervisionados unicamente pelo chefe da divisão.
A nova autonomia das equipes despertou o interesse de uma leva de jovens
arquitetos desiludidos com a escassez de trabalho no mercado privado. Em 1955,
o LCC empregava 45% dos arquitetos da Grã Bretanha. O setor público era o
grande empregador dos jovens arquitetos recém formados.
Para Banham, uma violenta polêmica sobre estilo se instalou dentro do
Architect’s Department of the London County Council, uma clássica luta entre
gerações. Um confronto entre empirismo e formalismo representado pela
arquitetura das New Towns e a Arquitetura Moderna.
O confronto se manteve aberto e vivo sob um fator dominante: a
consciência social dos arquitetos da geração mais velha do departamento se
fortalecia em muitos casos pela aceitação da doutrina comunista. A consciência
social da arquitetura inglesa tem sua tradição decorrente de Willian Morris e nas
obras anteriores do LCC, que desde sua fundação produziu obras de domínio
social.
Com a subida ao poder do Governo Trabalhista, foi implantado o plano do
Estado Próspero. Os arquitetos do LCC que seguiam a orientação comunista
quiseram criar uma arquitetura equivalente ao Realismo Social da Rússia. Este
caráter de linha arquitetônica dos comunistas procedia em parte da autêntica
convicção de que qualquer coisa que se relacionasse com a construção em tijolo
inglês do século XIX era correta.
Os primeiros dias se dezembro de 1954, os membros comunistas
formularam sua concepção arquitetônica detalhadamente, como segue: os
edifícios de 4 pisos ou menos, por seu tamanho poderão considerar-se como
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23
autóctones e deverão ter telhado; porém os maiores que estes não se consideram
autóctones e a forma de sua cobertura deverá ser discutida no departamento.
22
Os jovens arquitetos buscaram deliberadamente normas não provincianas e
analisaram as obras das grandes figuras internacionais. Rejeitando a atitude
empírica e o tradicionalismo do pitoresco, seguiram as concepções de arquitetos
como Le Corbusier, Mies, Philip Johson (na sua fase Miesiana), Alvar Aalto ou
Enerto Rogers.
23
O projeto para Alton Estate em Roehampton é um excelente exemplo do
que acontecia dentro do LCC. Metade do projeto foi desenvolvida pelos jovens
arquitetos e a outra metade pelos antigos arquitetos seguidores da corrente do
people’s detailing. A diferença das características arquitetônicas das habitações,
densidade e desenho urbano são evidentes, “havia em seu noroeste, uma
arquitetura firmemente disciplinada, de expressão formalista, inspirada em Le
Corbusier, e no nordeste, um estilo pitoresco, de caráter informal, com telhados
de inspiração sueca...” como descreve Landau.
24
22 BANHAM, R., op. cit., Pag. 11.
23 BANHAM, R., op. cit., Pag. 14.
24 LANDAU, R., op. cit., Pag. 46.
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24
Fig. 02 - Alton Estate em Roehampton.
Já no 8º Congresso do CIAM realizado em 1951 na Inglaterra, os jovens
invadem o Congresso como seguidores dos grandes mestres, cujas concepções
admiram.
Ao mesmo tempo, estes jovens buscam bases históricas para suas
convicções arquitetônicas, a margem da tradição inglesa. Esta geração procurou
justificar suas concepções em dois domínios: as tradições da própria arquitetura
moderna e as mais remotas tradições do classicismo.
1.4
Novos Palladinos ou Novos Acadêmicos
Jencks afirma que a Inglaterra do pós-guerra passava por uma ambivalência
de estilos. Além dos já citados People´s Detailing, Novo Empirismo e Novo
Humanismo, que possuíam em comum os aspectos vernaculares e prosaicos,
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25
existia também um compromisso entre exigências tradicionais e modernas. Ele
explica que “o standard, o padrão, o vernáculo contemporâneo, transformou-se
em um Estilo Internacional aguado (...), ou seja, uma versão bem comportada e
barata do Purismo de Le Corbusier.”
25
A necessidade de uma arquitetura com uma linguagem nova e
contemporânea surgiu como uma arquitetura que possuía metáforas do passado,
mas com referências do presente: Os Novos Palladinos ou Novos Acadêmicos.
Essa nova linguagem foi adotada por grande parte dos jovens arquitetos. Era uma
resposta à arquitetura empirista adotada por parte de geração mais velha do LCC.
A grande insatisfação dos jovens arquitetos ingleses com a arquitetura do
People’s Detailing levou-os a buscarem referências e justificativas históricas para
suas concepções em arquitetura – principalmente em dois domínios: na tradição
da própria arquitetura moderna e nas antigas tradições clássicas.
Rudolf Wittkower trabalhou durante trinta anos em seu livro Architectural
Principles in the Age of Humanism. O que Wittkower procurou provar foi que a
arquitetura do Renascimento era basicamente simbólica e não abstrata. Ele o fez,
citando em particular as intenções expressas de arquitetos e clientes na Itália,
particularmente os trabalhos de Palladio e os ligados aos sistemas matemáticos de
proporção.
26
Assim quando o discípulo de Wittkower, Colin Rowe, publicou dois artigos
na Architectural Review, estava para nascer o Novo Palladianismo precisamente
como uma ramificação corbusiana.
Rowe utilizou a técnica de enlaçar o antigo e o moderno em dois ensaios
intitulados The Matematics of the Ideal Villa (comparando Palladio com Le
25 JENCKS, C., op. cit., Pag. 235.
26 JENCKS, C., op. cit., Pag. 236.
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26
Corbusier) e Manneirism and Modern Architecture (ampla investigação de
precedentes em um período da História da Arte pelo ângulo intelectual).
27
Colin Rowe mostrou haver um sistema proporcional similar de uma Villa
palladiana e em outra corbusiana. Ultrapassando a similaridade numérica Rowe
mostrou que ambas as construções se inseriam na tradição européia.
28
Banham cita uma crítica retirada da Architectural Design de 1954, na qual
Ruth Olitsky e John Voelcker diziam que raramente existe uma oportunidade de
publicações tão esclarecedoras na mesma época como o livro do Wittkower,
Architectural Principles in the Age of Humanism, e o livro de Le Corbusier
Modulor. E prosseguem dizendo que na opinião inglesa, a importância da
tradição clássica em suas disciplinas intelectuais abstratas (proporção e simetria) e
hábitos psicológicos (claridade e racionalismo) são mais importantes que questões
estilísticas de detalhes.
29
Rowe era da opinião que existia uma adequação arquitetônica direta entre o
passado clássico e a obra dos mestres do século XX. “O efeito dos artigos de
Rowe consistiu em dar à geração mais jovem de arquitetos a metáfora do
passado, da história, das referências, como um gerador viável da forma
presente.”
30
Jencks explica que o Novo Brutalismo inseria-se na tradição acadêmica dos
movimentos estruturados, como se vê na Escola Secundária de Hunstanton do
casal Smithson, no próximo capítulo.
27 BANHAM, R., op. cit., Pag. 15.
28 JENCKS, C., op. cit., Pag. 237.
29 BANHAM, R., loc. cit.
30 JENCKS, C., op. cit., Pag. 237.
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27
1.5
Antropologia, Sociologia e Etnologia na Sociedade Britânica
“Esta trajetória mais ampla (da cultura modernista) precisa ser colocada
dentro de um entendimento de modernismo mais abrangente, um
entendimento que iria incluir sociologia, antropologia, e psicanálise,
não como matérias intelectuais informando o modernismo, mas como
práticas modernistas por si mesmas.”
31
Quando os estudos antropológicos, sociológicos e etnológicos foram
introduzidos na Inglaterra na década de 1930, as pesquisas e experimentos sobre a
sociedade, a família, e o indivíduo foram realizados fora das Universidades, como
disciplinas independentes, pesquisadas por amadores e por professores
universitários, principalmente no campo da ciência social. A sociologia começou
a fazer parte da Academia só após a Segunda Guerra na Grã Bretanha.
32
Na década de 1930 em Londres duas pesquisas sobre o cotidiano da
sociedade britânica estavam em andamento. Estes estudos buscavam analisar o
cotidiano da vida social e as relações interpessoais e familiares em sua totalidade.
Segundo o pesquisador Ben Highmore estas investigações representam um
momento crucial da cultura modernista.
Um dos principais experimentos que ocorram em meados dos anos de 1930,
utilizando as palavras de Highmore, foi o “quase-sociológico” projeto Mass-
Observation. Seu fundador, Charles Madge era poeta e jornalista e possuía grande
interesse em etnologia. Inicialmente ele estava à procura da “poesia do povo”
inspirado pela combinação do Surrealismo, antropologia, Marxismo, Freud e os
veículos de comunicação de massa como televisão, rádio e jornal.
33
Um ano após
31 HIGHMORE, B. Hopscotch Modernism: On every Day life and Blurring of Art and
Social Science. Pag. 71.
32 Idem.
33 HIGHMORE, B., op. cit., Pag. 71.
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28
a fundação da organização, em 1937, Tom Harrisson se associou ao programa e
implementou um projeto mais prático e diversificado.
Com o slogan de “anthropology of ourselves” os fundadores da Mass-
Observation recrutaram pessoas comuns para que lhes enviassem diários,
relatórios e testemunhos das atividades de seus cotidianos uma vez ao mês. A
idéia era documentar a vida da população e suas crenças de maneira a contribuir
para a democratização do conhecimento sociológico.
Outro projeto de pesquisa que em muito se assemelha ao Mass-Observation
foi o Pioneer Health Centre, mais conhecido como Peckham Experiment. Este
projeto também começou a ser implantado em Londres em meados da década de
1930, mais precisamente em 1935. O Peckham Experiment se caracterizou pelo
estudo da natureza da saúde. Os principais investigadores foram George Scott
Williamson e Innes Pearse que decidiram estudar a unidade familiar, visando
entender o que contribuía para a saúde humana. Com a construção de uma
edificação Modernista no bairro de Peckham os pesquisadores conduziram sua
investigação através de exames médicos anuais e da observação da interação das
famílias em um ambiente com atividades sociais.
Fig. 03 - Sede do Pionner Health Centre.
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29
George Scott Williamson idealizou um edifício que facilitasse a
continuação de sua pesquisa sobre a natureza da saúde humana. Como médico
patologista, Williamson começou a questionar o porquê de as doenças tratadas
com sucesso acabavam por retornar em seus pacientes. A partir daí, com a ajuda
de seu assistente e logo parceiro de pesquisa Innes Pearse, fundaram o Pioneer
Health Centre. Sua pesquisa era sobre a saúde, a saúde não como um estado, mas
como um processo de interação com o meio ambiente, utilizando a família como
objeto da observação, considerando-a como a base biológica da unidade da
sociedade
34
.
A sede do Pioneer Health Centre foi projetada e construída por Sir Owen
Williams. Seu desenho funcionalista atendia as ambições sociológicas de
Williamson. O edifício atendia a dois principais objetivos da pesquisa que eram a
investigação médica/observação clínica e um centro para a vida familiar. A
principal característica do projeto arquitetônico era a sua grande piscina olímpica
no primeiro andar e mezaninos nos andares superiores que ficavam ao redor da
piscina. Tudo foi feito para que todos os espaços do edifício fossem visíveis para
todos. A edificação tinha sido planejada para que a visão das atividades
estimulasse a ação dos observadores. Todos os espaços - se utilizados por bebês e
crianças ou para as atividades dos adultos - eram flexíveis e disponíveis para
várias atividades em diferentes momentos do dia.
34 The Peckham Experiment: www.thephf.org/index.html.
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30
Fig. 04 - Interior do Centro: cafeteria e piscina.
O Centro Peckham foi um local destinado ao estudo e produção da saúde.
As únicas condições exigidas para que as famílias freqüentassem as suas
dependências eram que morassem nas proximidades e fizessem exames médicos
anuais. Em contrapartida as famílias poderiam usufruir diariamente de suas
instalações que incluíam piscina, ginásio, creche, mesas de tênis e cartas, taboas
de dardos, boxe, área coberta para jogos, pub, cafeteria, sala de dança, área verde,
além de atividades noturnas como festas dançantes, apresentações de teatro e
orquestras nas dependências do teatro entre outras atividades.
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31
Fig. 05 - Sede em um dia de festa.
Toda a edificação foi desenhada para promover o contato social entre as
famílias. O modernismo do Centro de Saúde Peckham era, precisamente, para a
totalidade da vida. Foi planejado para proporcionar um cotidiano saudável para o
ser humano e não a falta de saúde. O Experimento Peckham representou uma
profunda transformação no pensar sobre saúde. Utilizando jogos, danças, grupos
de teatro e diversas outras formas de associação humana, concluiu-se que a
sociabilidade contribuía para a saúde. Williamson designou sua prática como um
estudo de Etnologia. O Centro foi projetado para lidar com a subjetividade do
homem de maneira holística.
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32
Fig. 06 - Croqui do Centro Peckham.
O Experimento Peckham coincidiu com o nascimento do Mass-Observation
e enquanto estes dois projetos foram bastante distintos, existem conexões entre
eles, em suas tentativas de assistir ao complexo e confuso sistema da vida em sua
totalidade. As sinergias entre os projetos passaram a ter conexão em uma
exposição que foi organizada por Julian Trevelyan e Tom Harrisson (ambos do
Mass-Observation) em 1938 e apresentado no Peckham Health Centre. Esta foi
uma exposição de "Pintura não Profissional", que incluiu o trabalho de um dos
grupos de mineiros de Ashington, vários pintores de domingo do East End, bem
como uma variedade de outros pintores leigos.
35
A publicação originada do 8º CIAM, sobre O Coração da Cidade possui
um texto que se destaca entre tantos - o de G. S. Williamson, o fundador do
Pioneer Health Centre, ao descrever suas observações dentro do instituto, ele
afirma: “o principio da “família em seu lugar” é, pois, um princípio
fundamental: este é o “coração” do desenvolvimento humano.” É interessante
35 HIGHMORE, B., op. cit., Pag. 75.
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33
notar que este artigo foi o único escrito por um não arquiteto e por isso mesmo
aborda o tema do coração da cidade de maneira totalmente diferente. A família e
a comunidade são tratadas como as peças fundamentais da cidade. É a valorização
da concentração comunitária ao invés da abstração funcionalista.
“Evidentemente este “lugar” não tem a qualidade de um simples fator
físico; no entanto, tão pouco metafísico. Em nossos experimentos em
Peckham reunimos os componentes de várias famílias, e cada família
traz consigo ao Centro seu próprio lugar, ou aquelas partes do mesmo
que estavam dispostas a expor a vista do público. Um dos fatos mais
notáveis que podemos observar nesta concentração de oitocentas ou
novecentas famílias constantemente em contato foi precisamente isso:
trouxeram consigo não somente suas pessoas e suas personalidades,
mas sim algo a mais, a unidade de seus lugares. Este foi o fato mais
importante e impressionante de todos.”
36
E Williamson continua:
“O experimento de Peckham veio demonstrar, como resultado prático,
que todo o projeto para o futuro deve estar baseado em uma nova
unidade funcional, o organismo humano como um todo ou seja, a
“família em seu lugar” (...) Esta nova concepção representa um salto
enorme, se comparada com a antiga idéia do indivíduo e do
individualismo em coisas humanas, agora devemos abastecer
lugares...conceito quase inatingível e de difícil compreensão para os
arquitetos acostumados a lidar com tijolos e argamassa.”
37
Não é difícil imaginar a influência que estas pesquisas e experimentos
tiveram na formação das idéias e conceitos de Alison e Peter Smithson sobre
identidade e comunidade na arquitetura. Abordando as principais características
de pesquisas sociológicas baseadas em temas como o cotidiano e o
comum/coloquial da sociedade inglesa, somando com as questões já tratadas nos
itens anteriores, o panorama da situação britânica no pós-guerra torna-se um
pouco mais claro para o entendimento das questões levantadas nos trabalhos e
discussões do casal Smithson.
36 ROGERS, E.N., SERT, J.L., TYRWHITT, J. El Corazón de la Ciudad. Pag.31
37 Idem.
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2
Atitude Formalista
Banham apresenta em uma nota o significado, em arquitetura, do termo
formal e seus dois antônimos:
1
Formal: simetricamente composto, ou ordenado por alguma outra disciplina
geométrica ou abstrata.
Informal: assimétrico e sujeito a uma disciplina visual menos estrita (como
uma composição pitoresca).
Aformal: o que não concerne a técnicas de composição geométricas ou
visuais de tipo pré-concebido.
Para se compreender melhor os primeiros trabalhos do casal Smithson é
preciso esclarecer o termo formalismo utilizado para caracterizar uma obra
arquitetônica especificamente na Grã Bretanha. O termo está muito vinculado a
movimentos que surgiram no fim da década de 1940 na Inglaterra.
2.1
Escola Secundária Hunstanton
O primeiro edifício construído que os próprios arquitetos reconheceram
como pertencente ao Novo Brutalismo foi a Escola de Hunstanton em Norfolk,
Inglaterra. Projetada pelo casal Smithson, ganhou um concurso público no ano de
1949 e foi concluída em 1954. A razão do grande prazo transcorrido entre o
projeto e a finalização da obra se deveu a escassez de aço
2
no período do pós-
guerra. Por se tratar do principal material da edificação, já que toda a estrutura era
1 BANHAM, R., op. cit., Pag. 41.
2 O racionamento do aço na Inglaterra só terminou no ano de 1953. ROBBINS, D. The
Independent Group: Postwar Britain and the Aesthetics of Plenty. Pag 22.
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35
de perfis de aço aparente, constantemente a construção da escola era paralisada.
Neste ínterim o projeto se tornou uma manifestação do Novo Brutalismo e foi
publicado enquanto o trabalho estava ainda sendo realizado.
3
Banham lembra que neste mesmo período Le Corbusier se aproveitou da
circunstancia e projetou a Unité d’Habitation em concreto aparente, mas que, na
origem, foi prevista a adoção de estrutura metálica. Para Banham
4
, o fato dos
Smithson serem muito jovens e absolutistas implicou em não procurarem um
material alternativo para substituir o aço. Para eles deveria ser aço aparente ou
nada.
Em termos de linguagem arquitetônica, o projeto de Hunstanton se inspirara
nos edifícios do Illinois Institute of Technology de Chigago (IIT) de Mies van der
Rohe. A forma da escola foi resolvida por meio de uma planta ordenada e
simétrica, e na existência em uma grade de linhas verticais e horizontais. A
estrutura de dois andares é constituída de pórticos de aço modulados a cada 7
metros de comprimento dispostos a cada 3,20 metros. Ligada à estrutura principal
um painel seqüenciado de 1.5 metros de largura com vários tipos de abertura e
fechamento.
Segundo Banham, Hunstanton se adéqua aos esquemas clássicos da
psicologia arquitetônica inglesa – a insistência em uma grade de linhas verticais e
horizontais e seu aspecto de reprimido extremismo, elegante e cruel
intelectualismo, confinado a linha.
5
3 VIDOTTO, M. Alison + Peter Smithson: Obras y Proyectos. Pag. 22.
4 BANHAM, R., op. cit., Pag. 19.
5 Ibid., Pag. 20.
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36
Fig. 07 e 08 - Fotografia e desenho do conjunto de Hunstanton respectivamente.
A simetria da planta e das elevações não pode ser conceituada como
principal objetivo do projeto, ainda que Alison e Peter Smithson estivessem muito
imbuídos de idéias wittkowerianas ou palladianas. Para Charles Jencks, contudo
Hunstanton fez também referências explícitas a trabalhos passados, à linguagem
miesiana de estrutura e preenchimento e à ordem palladina de composição. Os
racionalistas liam o edifício como um objeto-lição sobre a simetria controlada, bi-
axial. Mas Jencks declara: “a ordenação formal é acadêmica, tanto palladiana
quanto miesiana, mas a atitude subjacente é ascética e literalista: tijolos são
tijolos, aço é aço e nunca serão uma metáfora.
6
.
O edifício ostenta arestas livres e definidas, e a fechada simetria da
composição das fachadas principais, tanto na escola como em seu ginásio, atraem
de imediato a atenção do olhar
7
. Isto aparece especialmente no ginásio, cujo
simples volume revela com maior clareza, sua simetria interna e externa. E no
6 JENCKS, C., op. cit., Pag. 238.
7 Em seu texto The New Brutalism, Banham define como uma das características do Novo
Brutalismo a legibilidade da edificação, a apreensão da forma - uma imagem marcante.
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37
mais amplo bloco da escola, propriamente dito, a simetria persiste ainda que
menos óbvia.
8
A polêmica se dá em relação ao uso de grandes módulos pré-fabricados ao
contrario do que normalmente era usado na arquitetura pública inglesa do pós-
guerra. A armadura básica se fez em parte de elementos de aço pré-soldado, e
calculados para alcançar uma extrema economia.
Fig. 09 - Hall e acessos ao primeiro pavimento.
O edifício principal é um grande bloco retangular medindo 88,50 por 31,40
metros. A área central da construção é formada por um hall de pé direito duplo
ladeado por dois pátios internos gramados. Este hall de entrada flui livremente até
os blocos secundários onde ficam as áreas que produzem maior ruído como a
cozinha, o refeitório e os ateliês de carpintaria e metal. O hall recebe luz natural
através dos pátios e por iluminação zenital. Este espaço por onde se entra para a
escola é também por onde se distribui a circulação de pessoal do térreo e primeiro
8 BANHAM, R., op. cit., Pag. 19.
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38
pavimento. Quase que completamente de vidro, nenhuma porta se abre para os
pátios. Somente janelas com basculantes para ventilação, evitando que as crianças
tenham acesso direto aos pátios. Estes pátios gramados são áreas de iluminação,
livres de barulho. Este projeto representa um modelo de iluminação natural e dá
uma solução compacta e econômica para um programa complicado para uma
escola com 510 alunos.
O hall foi idealizado como um espaço agregador e de convívio. É o centro
da edificação onde todos os freqüentadores têm que transitar. Não foi planejado
um corredor que circundasse todo o primeiro pavimento onde se localizam as
salas de aula. Assim é necessário descer para o térreo e passar pelo hall para se ir
de uma sala a outra ou de um lado ao outro da escola - é preciso passar pelo
coração da edificação.
Fig. 10 - Interior do hall.
Não é difícil verificar que a proposta do projeto era de promover o convívio
e o estímulo das relações sociais. Mais que um espaço de circulação, o hall
fomenta as relações humanas. Neste sentido pode-se comparar o projeto de
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39
Hunstanton, com o projeto da edificação do Pioneer Health Centre em Peckham
de 1935, onde as diferentes atividades se realizavam em torno de uma área central
principal.
Fig. 11 - Pátio interno.
Essa configuração espacial tinha uma funcionalidade que podia ser
criticada, mas, também, é certo que não se tratava de um funcionalismo
otimizador do tempo, apenas de um motivador das relações. Algo da cidade, com
relação aos convívios que esta possibilitava ou deveria possibilitar, surgia nesse
edifício. A inclusão da cidade no projeto arquitetônico ganharia uma forte
expressão em outros trabalhos desse casal de arquitetos.
9
“Onde quer que se vá, no interior da escola, vê-se os materiais
construtivos expostos, sem retoque e quase sempre sem pintura. As
instalações elétricas, hidráulicas e outros serviços ficam visíveis com
igual franqueza. O piso e a cobertura são de laje pré-fabricada de
concreto e se colocaram de modo que a face inferior ficou a vista, sem
nenhum tipo de forro. As paredes de tijolos aparentes vistas no exterior
também são vistas no interior sem nenhum revestimento.”
10
A representação do edifício como brutalista estaria na plena exposição dos
elementos, tais como, tubulações de água, condutores da fiação e dutos da rede de
calefação junto com a presença das lajes pré-moldadas; dos pisos e da cobertura
aparentes e sem o acabamento de tetos falsos, que ocultassem o seu desenho. Em
9 BUZZAR, M. A. Joao Batista Vilanova Artigas. Capítulo 2, pag. 15.
10 BANHAM, R., op. cit., Pag. 20.
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40
seu conjunto, predomina a articulação entre esses dois componentes do edifício –
como, por exemplo, a tubulação aparente fixada na laje exposta sobre os espaços
de uso coletivo. Todo esse arranjo projetual tinha como intenção, o didatismo dos
detalhes. Ao invés de um especialista, o projeto previa um uso por um usuário
novo - pessoas comuns - que necessita ser informado do funcionamento do
edifício (ou do fenômeno edifício) exibindo o seu mecanismo. Uma imagem
emblemática disso seria a bateria de pias e encanamentos de água servida dos
sanitários. Onde deveriam ser instalados sifões em cada pia e um ralo sifonado,
tinha-se para cada pia um pequeno cano conectando o seu ralo a uma estreita
canaleta, em meia cana, portanto aberta, que recolhia e conduzia a água sob o
olhar.
11
Fig. 12 - Pias no lavatório.
Esta imagem das baterias de pias com a canaleta a mostra transmite uma
sensação de que elas estão ali também com a função de despertar o usuário para a
11 BUZZAR, M. A., loc. cit.
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41
economia do consumo. Poder ver todo o percurso da água até o fim, remete a
idéia de que era impossível não se pensar na questão do desperdício no período
pós-guerra.
Quando Peter Smithson faleceu em 2003, algumas pessoas deixaram seus
depoimentos em seu obituário. Estes testemunhos são interessantes já que
apresentaram as experiências da pós-ocupação da escola. A seguir trechos do
depoimento da professora J.T.A. Shorten
12
:
“Apesar o edifício ter importância pelo seu estilo arquitetônico ele está
muito longe da praticidade. A escola Hunstanton era uma tragédia
como uma escola. Eu passei 37 anos como professora naquele lugar -
de 1955 (um ano depois de ter sido aberto) até 1992.
Peter Smithson não permitia que as salas de aula fossem pintadas, o que
tornava o ambiente muito depressivo. Depois de implorarmos por sete
anos ele permitiu que uma das salas fosse pintada. Com os anos parte
da escola foi pintada, o que tornou o ambiente muito mais alegre para
as crianças.”
Depois de vencerem o concurso da Escola Secundária de Hunstanton o
casal Smithson participou de outro concurso só que para uma catedral – Catedral
de Coventry. Sem sucesso, apesar de Banham afirmar que o projeto foi muito
admirado pela escola litúrgica, este foi seu último projeto formal – com o uso de
uma grade simplificada sugerindo o uso dos traçados reguladores.
13
No entanto, quando o formalismo palladiano e as regras da simetria
estavam para se cristalizar nas obras dos Smithsons, eles declararam sua deserção
claramente em um manifesto em 1952 e na exibição de Parallel of Life and Art,
dizendo: NÃO ESTAMOS AQUI FALAR DE SIMETRIA E PROPORÇÃO.
14
Seu projeto seguinte, o conjunto de habitações Golden Lane teve uma
abordagem caracterizada por Banham como aformalista.
12 www.smithdonhighschool.org.uk/media/documents/history/Lives%20remembered.pdf
13 BANHAM, R., op. cit., Pag. 41.
14 JENCKS, C., op. cit., Pag. 242.
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42
Este mudança de rumo nos trabalhos do casal será apresentada no capítulo 3
deste trabalho.
Fig. 13 - Planta do pavimento térreo.
Legenda do pavimento térreo
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43
Fig. 14 - Planta do primeiro pavimento.
Legenda do primeiro pavimento
Fig. 15 - Planta do ginásio: térreo e 1º pavimento.
Legenda do ginásio - térreo e 1º pavimento
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3
Padrões de Associação e Identidade
3.1
Urban Re-Identification – 9º CIAM – 1953
Fig. 16 - Painel Urban Re-Identification preparado pelos Smithson para o
Congresso do CIAM em Aix-en-Provence em 1953.
Urban Re-Identification foi um trabalho apresentado no 9º Congresso do
CIAM em 1953 na cidade francesa de Aix-en-Provence. A polêmica central deste
trabalho envolve uma crítica ao caráter abstrato da matriz racionalista do CIAM,
considerado demasiado idealizante para interagir com a particularidade da vida
cotidiana. O trabalho mostra fotografias de crianças brincando nas ruas,
retratando assim os padrões de associação – a rua como extensão da casa e a
formação da identidade e da vida comunitária. O projeto Golden Lane também é
mostrado em uma parte da grade.
Em 1953 os Smithsons apresentaram dentro do CIAM fotografias de
crianças jogando em Chisenhale Road, no bairro de Bethnal Green, tiradas por
seu amigo Nigel Henderson. No livro Urban Structuring o casal Smithson
reconhece que “algum entendimento do problema de associação humana, que foi
necessário para este estudo, foi adquirido durante visitas à casa dos Henderson
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45
em Bethnal Green a partir de 1950.”
1
(Referindo-se ao Projeto Golden Lane de
1952).
Fig. 17 - Bethnal Green 1956 – Foto de Nigel Henderson.
Houve uma razão mais direta para que Judith e Nigel Henderson vivessem
em Bethnal Green e isso foi devido ao trabalho antropológico de Judith
Henderson: J. Henderson deu um curso com o sociólogo JL Peterson chamado
Descubra seu vizinho, que visava adaptar os princípios da antropologia para uso
geral. Um curso para profissionais, médicos, clérigos, estagiários oficiais, que
lhes desse conhecimento sobre a cultura em que eles trabalhavam. E morar em
Bethnal Green foi uma condição do trabalho.
1 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson. Pag. 14.
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46
As fotografias das crianças brincando nas ruas do bairro de Bethnal Green
dominaram o painel Urban Re-Identification preparado pelos Smithson para o 9º
Congresso. As crianças jogando tiveram uma função específica para os
Smithsons. A polêmica central de Urban Re-Identification é uma crítica a
abstração do CIAM, uma crítica as quatro funções (habitação, trabalho, recreação
e transporte) que consideravam insuficientes para registrar a particularidade da
vida cotidiana.
Fig. 18 - Parte do painel de Urban Re-Identification.
Para o pesquisador Highmore o fim do CIAM, de alguma forma, foi
anunciado por estas fotografias. Na opinião dele, eles não provocaram o colapso
em si, mas apontaram para o aspecto que o CIAM tinha perdido de vista a
ambição do modernismo, de assistir a totalidade da vida cotidiana.
Alison e Peter Smithson tentaram proteger esta herança do modernismo. O
desafio, uma vez que ele foi descoberto, foi a manutenção de uma ligação com o
cotidiano visando ao mesmo tempo o futuro. E Peter Smithson descreveu as
fotografias de Nigel Henderson: “a ‘vida nas ruas’ mostrada por estas fotos é
sobrevivente de uma cultura anterior – uma cultura substancial. Mas nós ainda
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47
não descobrimos uma forma equivalente para a forma da rua no presente
momento. Todos nós sabemos que a rua tem sido invalidada pelo carro.”
2
Em Urban Structuring os Smithson citam um trecho do livro de Michael
Young e Peter Willmott: “O carro e o telefone não representam uma melhora no
padrão de vida se comparados com a facilidade de se chegar ao seu local de
lazer e congraçamento sem a necessidade de um carro.” – Family and Kinship in
East London.
Segundo Highmore, no momento em que as fotografias de Henderson
foram tiradas em Chisenhale Road, e que Judith Henderson dava lições aos
profissionais em Bethnal Green, Michael Young e Peter Willmott estavam
fazendo um detalhado trabalho etnográfico na mesma comunidade.
Michael Young e Peter Willmott estavam realizando seus estudos do East
End. Em 1954 os dois fundaram o Instituto de Estudos Comunitários em Bethnal
Green.
3
Eles caminharam pelas mesmas ruas, falaram com as mesmas pessoas
que os Hendersons. Os resultados foram publicados em 1957 com o título Família
e Parentesco em East London. Banham afirma que a obra destes dois sociólogos
foi fundamental como apoio a teoria urbana do Brutalismo.
4
Para Highmore:
“Em Família e Parentesco em East London, a "família” constituída de
irmãos, irmãs, mães, pais, avós, tios e tias, e assim por diante - em
outras palavras ‘a’ família é uma família alargada da classe
trabalhadora. Mas é também todos as "tias" e "tios" com os quais não
existem ligações diretas de sangue, mas onde existem acordos de cuidar
das crianças reciprocamente, laços sociais e de amizades. Família e
Parentesco, como o Urban Re-Identification, e como Jane Jacobs A
Morte e Vida de Grandes Cidades, privilegia a localidade, a associação
humana imediata, espontânea e formas de sociabilidade.
5
2 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring. Pag. 10
3 http://www.infed.org/thinkers/peter_willmott.htm
4 BANHAM, R. op. cit., Pag. 42.
5 HIGHMORE, B. op. cit., Pag. 77.
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48
Estas questões como associação humana, comunidade e identidade são
aprofundadas nas análises dos textos do casal Alison e Peter Smithson.
Dois textos foram publicados sobre o tema Urban Re-Identification. O
primeiro foi A Urban Project em 1953, apresentando Golden Lane como um
projeto piloto de aplicação dos princípios de Urban Re-Identification e o segundo
denominado Urban Re-Identification será apresentado no capítulo 6.
3.2
An Urban Project
An Urban Project
6
, publicado em 1953, começa com uma crítica tanto ao
planejamento urbano inglês quanto ao conceito da Unité d’Habitation de Le
Corbusier. É preciso reparar que a escolha destes exemplos é muito significativa
na medida em que o projeto moderno inglês se baseia nos princípios urbanos
funcionalistas, e obviamente na Unité – a síntese da Ville Radieuse – não por
acaso escolhida – na qual a questão da provisão de um espaço para o
desenvolvimento das relações interpessoais, comunitárias e sociais não fora
devidamente considerado. O rígido isolamento da comunidade caracterizada
principalmente pela dificuldade de comunicação dos agrupamentos humanos
foram questões de suma importância nos estudo dos Smithsons.
Este artigo trata da rua, ou da idéia de rua, e a sua estreita relação com a
formação da identidade de uma comunidade. A rua como elemento agregador de
uma sociedade, gerador de relações humanas e palco das atividades cotidianas.
Para tanto, Alison e Peter Smithson se miram nas ruas degradadas e áreas
6 SMITHSON, A., SMITHSON, P. An Urban Project. Architect’s Yearbook, Volume 5,
1953.
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suburbanas, onde eles dizem que a relação vital entre a casa e a rua ainda
sobrevivem.
A questão principal discutida pelo casal é que ainda se faz necessário
manter estas atividades cotidianas que promovem a identidade da comunidade e
relações de associação humana para o novo contexto das cidades altamente
densas, com grande fluxo de veículos motorizado e com altos edifícios de
apartamentos.
Alison e Peter Smithson apresentam com base numa metodologia
antropológica e sociológica, uma síntese dos padrões de contato urbanos: da casa
em relação à rua, este em relação ao bairro e por último o bairro em relação à
cidade. Decidem que a melhor forma de se estudar o espaço urbano não é mais
através das quatro funções da arquitetura funcionalista, mas “em direção a teoria
humana baseada na associação de pessoas umas com as outras e com seus
trabalhos” – estabelecendo uma nova hierarquia de elementos urbanos.
Para justificarem esta teoria da associação humana, o jovem casal descreve
a rua com suas atividades tradicionais e valores comunitários. A vida urbana
agitada não permite mais que certas práticas sociais tradicionais continuem
existindo nas ruas. Por isso os subúrbios e ruas degradadas, “locais ainda
calmos”, apresentam estas qualidades inerentes da vida em comunidade.
O exemplo das crianças brincando na rua chega a ser uma visão
emblemática da poética da rua ideal. A rua é primeiro contato externo com o
mundo fora da família, onde as crianças aprendem as mudanças das estações com
a mudança das brincadeiras e aprendem sobre o cotidiano com o ciclo das horas
das atividades comerciais – de um dia a um ano, a vivência na rua apresenta a
escala do tempo para o pequeno aprendiz, de como a vida cotidiana acontece e se
modifica – a rotina estabelecida pela natureza, dia e noite, inverno e verão. A vida
na rua como a primeira escola, o primeiro aprendizado fora do núcleo familiar.
É a visão sociológica que pairava ‘no ar’ naquele momento, na década de
1950 na Inglaterra, o estudo do dia-a-dia, do cotidiano e das relações sociais. E é
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isto que os Smithsons agregam na arquitetura e no planejamento urbano. O casal
institui o termo elemento plástico finito para designar a casa, a rua, o bairro e a
cidade estabelecendo uma hierarquia plástica para que possa definir a comunidade
como um todo e suas subdivisões.
Assim a casa é estabelecida como o primeiro elemento plástico finito. Tais
elementos primários devem possuir características visuais que as aproximem com
as demais, características visuais que comuniquem uma identidade, que as
identifiquem como um conjunto, como uma comunidade – estabelecendo o
segundo elemento plástico finito: a rua.
A rua é o local onde as relações interpessoais se estabelecem, onde o
congraçamento entre seus habitantes se sucede proporcionado pela identificação
da vizinhança com seu meio ambiente. E o bairro é a expressão da comunidade
secundária – o conjunto de ruas, conjunto de comunidades. A cidade é a
expressão de uma região econômica.
Os Smithsons admitem que com o aumento populacional a densidade das
cidades aumenta dramaticamente. E que a única maneira de manter o contato com
a natureza, como o sol, com o espaço verde é construindo edifícios de
apartamento com muitos andares. A problemática levantada pelo casal em relação
aos edifícios altos é que eles não permitem uma comunicação entre as famílias e
não possuem um espaço para o congraçamento como as ruas estudadas: “as
possibilidades de se formar amizades como se fossem uma ‘família alargada’ é
dificultado pela total ausência de comunicação horizontal no mesmo nível, e da
ineficácia da comunicação vertical.”
A questão fundamental e inquietante é a perda das qualidades inerentes das
ruas - rua como uma idéia - na qual a função vital de identificação e
congraçamento é possível. A idéia de uma malha de ruas no ar - uma conexão de
vias aéreas entre os edifícios capazes de adquirir qualidades da rua tradicional é o
que defini o partido do projeto de Golden Lane. Ruas com subsídios que
possibilite o encontro e troca entre as pessoas, com atividades econômicas, como
lojas e correios. Para isso cada rua aérea “deve ser acessada por um número
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suficiente de pessoas para que ela se torne uma entidade social e esteja ao
alcance de um número cada vez maior de pessoas no mesmo nível.”
É verdade que na Europa é comum se ver ruas aéreas, conectando centros
comerciais ao metrô, ou entre edifícios. No inverno estas ruas são muito
utilizadas, por serem fechadas por vidro. A diferença é que tais ruas são
simplesmente acessos e não possuem identidade e nem pretendem criar um
ambiente de congraçamento ou de associação entre seus usuários.
No caso de Golden Lane os corredores se transformam em largas passagens
de maneira que as relações interpessoais podem ser mantidas neste espaço de
socialização – como extensão concreta da casa – e como tal se configuram como
espaço semi-publico de livre apropriação.
Ao final do texto, advertem a necessidade e a urgência de uma reorientação
do pensamento urbano, na teoria e conceitos produzidos pelo CIAM. Afirmam
que a preocupação do planejador deve estar direcionada para os padrões de
associação humana. E sentenciam: “esta re-identificação deve começar com a
renovação da relação entre a casa e a rua.”
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3.3
Urban Structuring
Fig. 19 - Imagens do livro Urban Structuring – fotos de Nigel Henderson.
Urban structuring
7
- tradução livre:
Padrões de Associação
Em uma sociedade fortemente entrelaçada como nas ruas Byelaw existe
um sentimento arraigado de segurança e ligação social que tem muito a
ver com a ordem obvia e simples da rua. Mais ou menos 40 casas ficam
de frente a um espaço comum. A rua não é somente um meio de acesso,
mas também uma arena para expressão social. Nestas “ruas slum”
existe uma relação direta entre a casa e a rua.
Como as pessoas usariam um ambiente “bom”? Quantos dos atos
tradicionais de expressão (de alegria, de passar tempo, de fé, de
ensinamento) vão provavelmente continuar achando sua expressão?
40 ou 50 casas fazem uma boa rua.
As Ruas com muitos pequenos serviços locais e alguns
estabelecimentos maiores nas suas interseções e em seus arredores
fazem reconhecidamente um Bairro.
7 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson.
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53
Quando os estabelecimentos comerciais e de serviços se tornam
maiores que o necessário para apenas o Bairro especificamente, então
teremos uma Cidade.
Casa, Rua, Bairro, são “elementos de uma cidade”.
Quando primeiro se propôs a construção de um conjunto de habitação
em 1952, houve uma quebra destes Elementos das Cidades, usou-se um
alto padrão de construção e atendeu-se as necessidade sociais conforme
delineados pelos sociólogos oficiais. Mas lá faltava uma qualidade vital
muito importante: uma qualidade que era indiscutivelmente necessária
para se conseguir conjuntos de habitações ativos e criativos. Esta
qualidade que faltava – essencial para o bem estar do homem era a
IDENTIDADE.
Era possível reconhecer identidade em conjuntos de habitações antigos
(mas também se reconheceu um grau ainda mais alto nas casas
geminadas dos bairros residenciais.)
Uma grande parte dos padrões sociais, como observados pelo sociólogo
do Byelaw Street, ainda sobrevivem – modificados pelo seu meio
ambiente particular – de padrões ainda mais antigos. Não existe um
motivo para se perpetuar este modo de viver mas pode ser pior ainda
olhar mais para traz, nas suas raízes, para se ter uma visão do
desenvolvimento de uma sociedade em particular.
O objetivo do urbanismo é a compreensão. Isto é, claridade de
organização. A comunidade é por definição uma coisa inteligível e
inteligibilidade deveria portanto ser uma característica das partes. As
subdivisões da comunidade devem ser pensadas como unidades
perceptíveis. Uma unidade perceptível não é um ‘grupo visualmente
identificável’ ou uma ‘vizinhança’, mas parte de uma aglomeração
humana, que pode ser “sentida”. As unidades perceptíveis devem ser
diferentes para cada tipo de comunidade. Sua escala, de unidade
perceptível, deve aumentar com a escala da comunidade. Uma grande
comunidade não pode ser formada de unidades perceptíveis que
evoluíram de uma pequena comunidade sob diferentes condições
(exemplo: casas em volta de uma praça). Para cada comunidade em
particular deve-se definir a sua estrutura e as suas subdivisões.
O arquiteto urbanista não deve ficar cego para o fato de que os padrões
de associações humanas podem, em certos países, mostrarem-se como
um padrão de dissociação. Associação não significa necessariamente
contato.
Associação está presente até mesmo em um farol, através dos meios
básicos de comunicação: telegrafo, correspondência, imprensa, radio,
TV. Nas vilas e aldeias começam uma segunda linha de comunicação
que é de comunicação impessoal – cinema. Através destes canais as
forças do mundo exterior podem alcançar a todos.
Tal hierarquia de associação pode ser expressa em um diagrama:
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Identidade
Este estudo está relacionado com o problema de identidade em uma
sociedade móvel. Ele propõe que a comunidade deve ser construída a
partir de uma hierarquia de elementos associados. E tenta expressar os
vários níveis de associação – a casa, a rua, o bairro, a cidade. É
importante reconhecer que os termos usados, rua, bairro etc. não são
para ser tomados como uma realidade mas uma idéia. E esta é a nossa
tarefa. Achar novos equivalentes para estas formas de associação para a
nossa sociedade não demonstrativa.
A Casa
Deveria haver um programa básico para habitação que considerasse as
atividades da família, considerando-as individualmente e em associação
umas com as outras.
A Rua
A habitação pensada em termos de associação humana deveria levar em
consideração não somente a família, mas também aquelas
responsabilidades adicionais que variam em todas as famílias em todos
os países - esta atividade adicional dá identidade as habitações e seus
habitantes.
A rua tradicional considerada como um meio ambiente ativo está agora
sendo modificada por uma mobilidade crescente.
A re-identificação do homem com seu meio ambiente não pode ser
alcançada através do uso das formas históricas, na forma de
agrupamento de casas: ruas, praças, quarteirões, etc., já que a realidade
social que elas representam não existe mais.
O principio de identidade que nós propomos é a base do Projeto Golden
Lane – uma cidade de muitos níveis “com ruas residenciais suspensas”.
O lado de fora da casa é o primeiro ponto de contato onde as crianças
aprendem pela primeira vez sobre o mundo exterior. Lá, são realizadas
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aquelas atividades dos adultos que são essenciais ao dia-dia; compras,
lavagem de carro, conserto de motocicletas, envio de correspondência.
O Bairro
Do lado de fora da casa fica seu “street-deck”. Acessado diretamente da
casa, é na verdade sua extensão. Os padrões mutantes do céu e da
cidade vistos do chão através dos “jardins-quintais” e das street-decks
em si, ampliam a visão do estranho que passa.
As street-decks são entendidas como amplos espaços largos o suficiente
para duas mães com carrinhos pararem para conversar e ainda deixar
espaços para outro passar. Uma geometria mais complexa do que “uma
divisão racional em partes” atende as necessidades de um meio
ambiente socialmente ativo e criativo. Na rua as pessoas estão em
contato direto com uma quantidade maior de atividades que dão
identidade a comunidade.
A Cidade
Mesmo uma pequena cidade precisa ser compacta. Com quarteirões
espalhados cada um com certo tipo de função – banco, docas, comércio
- e variando em altura e densidade para cobrir as necessidades, o
complexo se ergueria pelos campos, com a silhueta desigual e limites
definidos como uma cidade de colina italiana ou grega.
“Streets in the air” (ruas suspensas) seriam ligadas umas as outras em
um complexo contínuo de múltiplos níveis, conectadas, onde
necessário, ao trabalho e aqueles espaços necessários a cada nível de
associação, situação. Nossa “hierarquia de associação” é tramada para
ser um modulado contínuo que represente a verdadeira complexidade
das associações humanas.
Vários bairros associados geram a necessidade de uma escala maior de
atividades que por sua vez dão identidade a comunidade final.
Qualquer nova combinação de moradias, e seus acessos imediatos que
precise interagir com a cidade, precisaria ter uma conexão com as
construções e as redes de rodovias e serviços já existentes. Sua função
seria a renovação, dos centros em extinção e das áreas abandonadas,
das áreas entre as vias expressas, entre os viadutos e as antigas áreas
industriais. A nova construção pode esperar pouca ajuda vinda da sua
redondeza em termos de meio ambiente mas pode trazer consigo uma
renovação.
O emaranhado de ruas horizontais iria se abrir para circulações verticais
de outros edifícios numa tentativa de fundir muitos tipos diferentes de
edifícios de múltiplos níveis já existentes (ex: escritório, lojas de
departamentos, ed. garagens), para fazer com que a cidade seja
concebida como um aglomerado de pontos onde a população se
concentra e não uma pirâmide abstrata de níveis de densidade. Tal idéia
oferece “germe de uma cidade convincentemente urbana, valorizada,
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em crescimento - não fechada em uma hierarquia de formas únicas,
fixas e de um só valor.”
“Para conseguir uma fácil movimentação nós propomos uma cidade de
múltiplos níveis, com ruas residenciais suspensas”.
Padrões de Crescimento
Os estudos de Associação e Identidade conduzem para o
desenvolvimento de sistemas de complexos de edifícios interligados,
que tenderiam a corresponder mais exatamente a cadeia de relações
sociais como elas existem agora, do que os espaços definidos, fechados,
auto-contidos. Estes sistemas mais livres são mais capazes de mudanças
e particularmente, em novas comunidades, de mutações em escalas e
intenções com o passar do tempo.
Chegou-se a conclusão que o erro essencial das New Towns inglesas
foi que elas foram concebidas muito rigidamente e em 1956 nós
lançamos um sistema alternativo em que a infra-estrutura (ruas e
serviços) seria a única coisa fixa. O sistema de ruas foi criado para ser o
mais simples possível e para dar fácil acesso para todas as partes
igualmente.
Princípios de Desenvolvimento da Cidade
Uma cidade é por definição um padrão de associação especifico um
padrão único para cada pessoa, em cada localização, em cada tempo.
Para alcançar este padrão especifico, ela deve se desenvolver a partir de
princípios que dêem ao organismo em evolução consistência e unidade.
Planejamento urbano pode ser definido como método de aplicação
daqueles princípios.
A realização da cidade atual deve estar na mão de construtores de
prédios, que, compreendendo a intenção geral deve a cada estágio
avaliar o que foi que aconteceu antes e através de suas atividades
mudarem (se necessário redirecionar) o todo.
Ao se construir uma nova cidade a natureza da 1ª área construída será
bastante diferente das áreas subseqüentes. Qualquer planejamento geral
deve ser passível de receber mudança nas construções ao longo do
processo. O tipo existente de planejamento municipal (Municipal
Planning) tenta criar um padrão antes das circunstancias – ele planeja a
forma da nova comunidade como um objeto pronto. Isto naturalmente é
impossível, já que a forma é gerada em parte como resposta a forma já
existente e em parte como resposta ao Zeitgeist do período que não
pode ser pré-planejado. Qualquer acréscimo a uma comunidade, toda
mudança de circunstância, vai gerar uma nova resposta. Um aspecto
desta resposta é a escala – o modo pelo qual a nova parte é organizada
plasticamente para ter significado dentro do complexo total. Conforme
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o complexo muda, com a adição de novas partes, também a escala das
partes deve mudar, de forma que as partes e o todo permaneçam em
uma resposta dinâmica um ao outro. A escala tem alguma coisa a ver
com tamanho, mas muito mais a ver com o efeito do tamanho.
Nas complexas associações que formam a comunidade, a coesão social
só pode ser alcançada se a mobilidade for possível. O pressuposto que
uma comunidade pode ser criada por isolamento geográfico é inválido.
Os verdadeiros grupos sociais atravessam as barreiras geográficas e o
principal suporte para a coesão e a frouxidão do agrupamento e a
facilidade de comunicação mais do que o rígido isolamento da
comunidade em seções arbitrárias com dificuldade de comunicação.
Urban Structuring: Estudos de Alison e Peter Smithson é um livro escrito
pelo próprio casal publicado em 1967. A introdução foi escrita por Theo Crosby e
no pequeno prefácio os Smithsons dizem que o livro é um recorte de suas
pesquisas. Apresentam seus estudos urbanos em uma divisão de cinco conceitos:
Associação, Identidade, Padrões de Crescimento, Cluster e Mobilidade. Estes
pontos não só contém seus estudos como também, segundo eles, são as palavras
chaves de uma nova concepção.
Esta dissertação abordará os quatro primeiros conceitos, já que o conceito
de mobilidade abrange outras preocupações que não interessam nesta discussão.
O livro apresenta os temas de Associação, Identidade e Padrões de Crescimento
(o conceito de Cluster será discutido no capítulo 5). O primeiro capítulo intitulado
Padrões de Associação e Identidade: Bethnal Green 1951-52 se resume a 9 fotos
de crianças brincando nas ruas - as mesmas fotos de Nigel Henderson utilizadas
no painel de Urban Re-Identification, no 9º Congresso do CIAM – com uma
pequena legenda:
“A ‘vida nas ruas’ mostrada por estas fotos é sobrevivente de uma
cultura anterior – uma cultura substancial. Mas nós ainda não
descobrimos uma forma equivalente para a forma da rua no presente
momento. Todos nós sabemos que a rua tem sido invalidada pelo carro,
por padrões de vida mais elevados e por mudanças de valores. Tentar
reviver é historicismo. Ao se observar a organização natural dos jogos
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das crianças nós vemos um padrão válido e nisto está uma indicação
para um tipo de organização mais livre. ”
8
É incrível como estas fotos realmente transmitem a idéia da ‘vida nas ruas
e ajudam a compreender o discurso sobre as relações que se formam pelo contato
urbano – uma verdadeira comunidade, uma “família alargada”.
Os Smithsons argumentam que estes padrões de associação acontecem
porque a rua é um espaço comum a varias casas e não somente um acesso, mas
uma área de expressão. A questão da densidade também é considerada
importante. Uma rua com 40 ou 50 casas fazem uma boa rua porque o trânsito de
pessoas, o comércio da esquina e as atividades diárias - como a lavagem do carro,
compras para o dia-a-dia, conserto de motocicletas - permitem a formação de uma
comunidade, onde todos se conhecem e existe uma interação social.
Novamente o jovem casal de arquitetos apresenta as qualidades sociológicas
e antropológicas que sobrevivem nas ruas degradadas da cidade de Londres –
ligação social, sentimento de segurança, arena de expressão social, família
alargada que se estabelece entre a vizinhança.
Todos estes atributos das ruas de Byelaw geram identidade e associações
humanas, elementos que, segundo os autores podem ser criados através de uma
perspectiva física e plástica das casas e edificações, contanto que o planejador
esteja atento a estas questões subjetivas, que dão bem estar espiritual e qualidade
de vida ao ser humano. Sem o planejamento de um espaço, de um ambiente que
possibilite o contato e interação entre as famílias o isolamento destas é inevitável.
O estudo sobre identidade, por sua vez, está relacionado a uma sociedade
móvel na qual para se construir uma identidade particular deve-se primeiro
estabelecer uma hierarquia de elementos associados e não uma divisão funcional
da cidade.
8 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson. Pag. 10.
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As atividades que acontecem na rua são as que estabelecem a identidade da
comunidade. A quebra desta acaba por eliminar qualquer possibilidade de uma
ligação social e comunitária.
Conforme os Smithsons “o objetivo do urbanismo é a compreensão. Isto é,
claridade de organização”. Obviamente, esta organização não começa com a
divisão da cidade nas 4 funções e sim pela consideração primeira dos padrões de
associação – hierarquia de elementos associados, nova divisão: casa, rua, bairro e
cidade. Trata-se de um princípio de natureza mais subjetivo se comparado com o
raciocínio analítico da cidade estabelecida pela Carta de Atenas. Para os
Smithsons o urbanista deve entender e capturar as características que formam a
identidade de uma aglomeração humana e prover uma estrutura particular para
que a interação entre as pessoas seja possível.
A comunidade é por definição uma coisa inteligível, mas isso não significa
que ela seja visualmente identificável. As subdivisões da comunidade devem ser
pensadas como unidades perceptíveis – parte de uma aglomeração humana que
pode ser “sentida”. Segundo os Smithsons, essas unidades perceptíveis devem ser
diferentes para cada grupo, para cada tipo de comunidade.
Para se obter o padrão de associação humana necessária para que se
constitua uma comunidade, vários aspectos sociológicos devem ser analisados –
como a questão da unidade perceptível, que não precisa ser vista, mas sentida.
O olhar amplo e totalizante que vê a cidade do alto cede lugar à visão do
pormenor, o olhar pontual da escala da rua e suas relações com as casas. Somente
desta forma, alterando a escala do macro para o micro, o urbanista poderá sentir e
compreender o que deve ser feito na estrutura urbana, para criar a forma das
subdivisões de uma comunidade.
O casal Smithson continua a temática de padrões de associação
esclarecendo que em determinadas situações o que provoca associação pode em
outros lugares se mostrar um elemento de dissociação. De fato, associação nem
sempre significa contato entre pessoas. Este aspecto é exemplificado através da
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televisão, de outros meios de comunicação e do cinema. Comunidades que se
formam por possuírem os mesmos interesses, mas onde o contato e o convívio –
as relações interpessoais não existem.
A questão da identidade é aqui aprofundada por se tratar de uma
comunidade móvel, isto é, quando a identidade ultrapassa as relações
estabelecidas na rua e envolvem o bairro e a cidade.
As metrópoles modernas geram associações e padrões de identidade
ininterruptos, uma vez que as pessoas encontram-se em constante movimento.
Mais uma vez a questão da comunidade é expressa por uma hierarquia de
elementos associados: rua, bairro e cidade. Mas estes elementos devem ser
entendidos não como uma realidade física, mas como uma idéia. A tarefa é
encontrar novos equivalentes para estas formas de associação já que se trata de
uma sociedade não demonstrativa, em grande movimento.
A casa deve possuir um programa direcionado de modo que possibilite a
interação de seus moradores com seus vizinhos.
A rua deve ser pensada como um ambiente para a família e suas atividades
cotidianas como um todo, um espaço que permita desenvolver atividades para as
crianças, para os adultos e para os idosos. Pequenos comércios e áreas de lazer
constituídos como pontos de congraçamento entre seus habitantes.
Os Smithsons falam da necessidade de re-identificação do homem com seu
meio-ambiente - dado que estão cientes de que as formas tradicionais de interação
social não mais satisfazem. A atenção dos autores está claramente endereçada ao
homem da modernidade, com um homem ativo em uma sociedade que não se
identifica mais com os padrões de convivência artesanais, típico das ruas, praças e
quarteirões das cidades antigas.
Na questão dos bairros o casal acredita que lidando com uma sociedade
móvel e ativa deva-se criar uma geometria de circulação e acessos mais
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complexos e com mais atividades para que o ambiente reflita a nova situação. Só
desta forma os padrões de associação e identidade poderão se formar.
A cidade deve ser compacta. Uma nova cidade com malhas de ruas no ar,
de múltiplos níveis representando a complexidade da sociedade. As ruas aéreas
conectando trabalho, escritórios, apartamentos, lojas, edifícios garagens de modo
livre e necessário. Um emaranhado de ruas horizontais se espalhando pela cidade
onde a circulação vertical – dos edifícios – possibilite a troca para outros níveis de
ruas ou seu destino final.
Este circuito de ruas no ar se assemelha a malha subterrânea do metrô
londrino, onde existem vários níveis, andares, de linhas de trem. Em cada nível,
uma rota diferente. A diferença no caso da cidade com malhas aéreas é que ao
longo do percurso do pedestre várias atividade e comércios, como lojas e bares,
úteis a vida cotidiana, dão identidade a estas ruas. As ruas aéreas não são tratadas
apenas como conexões como as linhas do metrô, mas sim como um
prolongamento da casa no qual as pessoas criam vínculos e identidade com estes
espaços, como nas ruas tradicionais.
Estas malhas mantêm o contato direto do homem com o exterior além de
prover as conexões necessárias para uma sociedade móvel. Assim os edifícios de
muitos andares não perdem os padrões de associação e de identidade devido a sua
verticalidade, falta de comunicação e isolamento. Estarão interagindo com outras
ruas, com bairros formando estes novos padrões de associação e identidade desta
nova sociedade mais complexa.
O Padrão de Crescimento já é um estudo mais avançado da questão destes
edifícios interligados e das cadeias de relações sociais como uma resposta a
sociedade móvel e complexa. Este conceito está muito ligado ao projeto do casal
Smithson para a Universidade de Sheffield, que será apresentado neste capítulo.
Esta proposta de ligação dos edifícios por ruas no ar formam sistemas livres
e flexíveis com a capacidade de se adaptar com o passar do tempo. Este é um dos
princípios utilizados em Sheffield, que está relacionado à “estética da mudança”
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62
e a “estética do perecível”. Em Sheffield os dois principais conceitos são a
mobilidade e a capacidade da nova edificação se adaptar as novas necessidades.
Os Princípios de Desenvolvimento das Cidades sugerem que cada qual tem
por definição seu padrão de associação, um padrão único para cada indivíduo,
para um local em um determinado tempo. Este padrão de princípio só é alcançado
em um organismo flexível que está sempre em evolução.
O construtor e o urbanista devem entender que qualquer planejamento
urbano deve ser passível de mudanças observadas em cada estágio das atividades
e se for necessário, redirecionar todo o processo. A questão específica aqui é que
a cada nova intervenção na cidade, a natureza da primeira área construída será
bastante diferente das áreas subseqüentes. O ponto em discussão é que o
Planejamento Municipal Inglês cria um padrão urbano e o aplica sem avaliar as
circunstancias e a comunidade já estabelecida. Não tentam integrar a forma já
existente com a nova. Para os Smithsons a nova forma é gerada em parte como
resposta da forma existente.
O projeto para Universidade de Sheffield apresenta e demonstra estas
questões. Como eram edifícios anexos – a proposta do casal foi de projetá-los de
maneira que as edificações existentes se comunicassem com os novos edifícios
através de um sistema de circulação – ruas no ar – mantendo os padrões de
associação e fortalecendo a identidade da comunidade universitária. A mobilidade
é alcançada neste projeto.
Os Smithsons concluíram que o erro essencial das New Towns foi seu
rígido planejamento urbano. Em 1956 eles conceberam um sistema alternativo no
qual somente as ruas e serviços são os elementos fixos. O sistema de ruas é o
mais simples possível para facilitar o acesso a todas as partes igualmente.
O conceito de Padrões de Crescimento levou o casal a desenvolver outro
estudo, o conceito de Cluster – que foi apresentado no CIAM 10 juntamente com
outros arquitetos do Team 10. Este novo conceito será apresentado no capítulo 5.
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63
3.4
Golden Lane
O projeto de Golden Lane foi realizado em 1952 para participar de um
concurso para habitação, tendo sido rejeitado. A edificação se localizaria em uma
área no centro de Londres conhecida como Bunhill Fields e fazia parte do projeto
para o Desenvolvimento Global de Londres do LCC. O bairro havia sido quase
que completamente arrasado pelos bombardeios e estava sob escombros. O
projeto Golden Lane foi desenvolvido como um modelo urbano de alojamento, e
apresentado no 9º Congresso do CIAM em Aix–en-Provence em 1953, onde as
palavras associação e identidade foram introduzidas no pensamento
arquitetônico.
9
A principal preocupação de Alison e Peter Smithson era conseguir
promover através da arquitetura, meios que facilitassem e até mesmo
incentivassem a evolução de padrões comunitários tais quais acontecem em
sociedades que se formam espontaneamente.
A rua cercada por casas residenciais, pequenos comércios e serviços era o
local tradicional onde se desenvolvia toda uma atividade social para crianças e
adultos. Porém, os tipos de relação entre rua e casa existente já não podiam
produzir um ambiente aceitável física e socialmente porque as formas da rua
haviam chegado a ser antiquadas com a crescente intensificação do tráfico
motorizado. Por isto foi introduzido o conceito de cidade de múltiplos níveis, com
streets–in–the-air” ou “street deck”, para o Projeto Golden Lane. Neste projeto,
a rota residencial deveria ser algo mais que um simples vínculo entre os lares,
pois deveria ser um lugar de reunião e uma zona de confluência nas esquinas das
streets decks.
9 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson. Pag. 14.
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64
O princípio de identificação do homem com seu ambiente foi o ponto inicial
do projeto Golden Lane. Os níveis de associação foram descritos como a casa em
relação a rua – em relação com o bairro – em relação com a cidade.
Alison e Peter Smithson propuseram uma edificação de alta densidade
demográfica. A área total do local, incluindo porções de ruas circundantes era de
4,7 hectares.
10
A densidade populacional aprovada para o local era de 200 pessoas
por acre
11
. A população prevista seria de 1,1 pessoas por cômodos habitáveis, e a
proposta era que se construíssem habitações de vários tipos. “Dentro deste
quadro, e com estrito respeito à economia tentamos provar que viver em andares
altos não significa necessariamente viver em padrões mais baixos e que é
possível se viver nas cidades de formas infinitamente mais rica e mais
satisfatória, aqui e agora.”
12
10 SMITHSON, A., SMITHSON, P. An Urban Project. Architect’s Yearbook, 1953.
11 Uma grande diferença de densidade para as New Towns que foram projetadas para uma
densidade de 30 pessoas por acre – como já foi visto no capítulo 1.
12 SMITHSON, A., SMITHSON, P. An Urban Project. Architect’s Yearbook, 1953.
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65
Fig. 20 - Planta de situação de Golden Lane.
A idéia era abandonar o conceito tradicional de apartamento que se abria
para um corredor escuro onde as pessoas se sentiriam como que morando em um
arquivo. No Golden Lane a entrada do apartamento seria através de corredores
largos, como se fossem ruas cobertas, corredores estes voltados para o espaço
aberto. Todas as casas teriam suas entradas no nível da rua-deck e sua principal
acomodação seria um nível acima ou um nível abaixo. A unidade básica padrão, a
que eles chamavam de unidades dos pais, seria igual em todas as casas o que iria
variar seria o número de quartos no nível da rua-deck onde se acomodariam as
crianças.
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66
Banham acredita que o Projeto Golden Lane segue subordinado a manifesta
influência de Le Corbusier e da sua Unité d’Habitation. Para Banham a evidência
está na semelhança da estrutura da cobertura de Golden Lane com a edificação de
Marseilles, mas principalmente na intenção de corrigir a “rua-corredor” escura,
sem iluminação natural da Unité. Ele aponta a diferença entre a “rua-corredor” da
Unité com a “rua-corredor” dos Smithsons. Estes mudaram o corredor para uma
área externa do bloco – com 4 metros de largura – dando o nome de “street
deck”.
13
Fig. 21 - Planta do nível abaixo ou acima da street deck – unidade básica dos pais.
13 BANHAM, R. The New Brutalism: Ethic or Aesthetic? Pag. 42.
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67
Fig. 22 - Planta do nível da street deck.
Kenneth Frampton também considera que Golden Lane deve muito ao
desenho da rua no ar, da Unité de Le Corbusier, mas acrescenta a influência do
projeto do de Michiel Brinckman - Spangen Housing – construído em Rotterdam
no ano de 1920.
14
É bem provável que em 1952, Peter Smithson tenha tomado
conhecimento do projeto já que em agosto de 1954 ele publicou um artigo sobre a
arquitetura e arquitetos holandeses – principalmente os que iniciaram o
Movimento Moderno na década de 1920.
15
Inclusive Banham admite que o
conceito de street deck não era propriedade privada do casal Smithson, porque
para a mesma competição outros jovens arquitetos se utilizaram deste conceito –
que seria por influencia do próprio casal.
16
14 FRAMPTON, K. The English Crucible. www.team10online.com.
15 BANHAM, R. op. cit., Pag. 45.
16 Ibid., Pag. 42.
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68
Fig. 23 - Housing in Spangen, Rotterdam, Michiel Brinckman, 1920.
No Golden Lane existiriam três níveis de “street deck". Em cada rua-deck
viveriam 90 famílias. E sua atividade social estaria concentrada nos cruzamentos
das ruas-deck. Estas interseções teriam três vezes a largura dos corredores das
ruas-deck, convidando seus moradores a passar parte do tempo ali. A circulação
vertical seria possível nos cruzamentos e nos finais das ruas-deck que seriam
também três vezes mais largas.
17
O programa de Golden Lane previa o maior número possível de
apartamentos, atendendo a diferentes tamanhos, com 2, 3 ou 4 quartos.
18
Com
estes quartos adicionais também se acrescentariam pátios-jardins. Quando se
adicionasse um quarto, o pátio-jardim teria 14 por 7 metros e quando se
adicionasse 2 quartos o pátio-jardim teria 14 por 14 metros. A maioria das casas
tinha esses pátios-jardins. Estes ligados as ruas-deck trariam um espaço extra para
17 SMITHSON, A., SMITHSON, P. An Urban Project. Architect’s Yearbook, 1953.
18 VIDOTTO, M. Alison + Peter Smithson: Obras y Proyectos. Pag. 34.
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69
cada habitação onde se poderia fazer jardinagem, limpeza de bicicleta, manter
pequenos animais, fazer festas infantis.
19
Fig. 24 - Montagem (desenho e fotos) da street deck de Golden Lane.
Estas ruas-deck cobertas seriam um lugar de lazer para as crianças e um
lugar de bate papo como no fundo dos quintais. As habitações ganhariam um
espaço para o lado de fora. Daí este corredor propiciaria a formação de diversos
níveis de associação e envolveria a comunidade. Estas ruas-deck seriam unidas
até formar uma rede contínua.
As ruas têm as seguintes Casas padrão
20
:
Térreo = casas para 1 e 4 pessoas.
Primeiro deck = casas para 2 e 4 pessoas.
Segundo deck = casas para 3 pessoas.
Terceiro deck = casas para 2 e 3 pessoas.
Esta combinação é feita de tal forma que qualquer secção vertical do
complexo contenha casas na mesma proporção que o total, mas como o mesmo
padrão de unidade aparece por todo o projeto a composição poderia ser variada
19 SMITHSON, A., SMITHSON, P. An Urban Project. Architect’s Yearbook, 1953.
20 Idem.
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70
para se adaptar as necessidades familiares, as necessidades de aumento ou
diminuição dentro de cada família.
21
O uso das casas como pequenas lojas ou como locais de prestação de
serviços não iria interferir no planejamento, já que existiria sempre a
possibilidade de duas portas da frente. O pátio-jardim pode ser usado como meio
de acesso alternativo ou como um depósito.
22
Plasticamente o complexo poderia ser enriquecido mais do que destruído
por tais mudanças. As fachadas seriam o resultado de uma disposição lógica das
partes, de acordo com uma atitude social consistente. A interação dos pátios-
jardins nas fachadas dissolve o efeito monótono das paredes cegas dos blocos
convencionais e produzem um padrão sempre mutante de vida. “A casa individual
é a medida e a razão do todo. As pessoas são a própria ornamentação. ”
23
Fig. 25 - Desenho da elevação leste de Golden Lane.
E continuam: “A ordem é biométrica e não geométrica o princípio gerador
da ordem é a disposição das escadas que estabelecem o padrão vertical e
horizontal.”
24
21 SMITHSON, A., SMITHSON, P. An Urban Project. Architect’s Yearbook, 1953.
22 Idem.
23 Idem.
24 Idem.
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71
Fig. 26 - Desenho da elevação norte de Golden Lane.
As casas básicas são construídas dentro de uma caixa reforçada de concreto
armado. Com 7 polegadas nas paredes e 6 polegadas de piso. As únicas paredes
de concreto aparente expostas são as das escadas abertas e dos elevadores. Os
restantes das superfícies exteriores são de materiais auto-limpantes, vidro e placas
de aço esmaltadas.
Para refletir a continuidade da malha das ruas-deck os blocos entram um
pelo outro com uma articulação ininterrupta, cujas junções que são mais largas,
enfatizam a continuidade.
Anexo ao edifício principal seria construído um centro para a comunidade,
com atividades esportivas, e uma área a céu aberto para as crianças brincarem. O
acesso para as duas ruas, Fann Street e Golden Lane, se daria por meio de vários
caminhos pelo grande gramado, onde a edificação seria implantada.
O street deck contribui para criar a continuidade das rotas de circulação. As
implicações totais deste modo topológico de composição por meio de rotas de
circulação resultam mais evidentes no projeto seguinte dos Smithson a
Universidade de Sheffield.
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72
3.5
Sheffield University
Um concurso promovido pela Universidade de Sheffield, na Inglaterra, no
ano de 1953, para a ampliação de suas instalações, atraiu grande número de
arquitetos, inclusive Alison e Peter Smithson. Apesar de não saírem vitoriosos, o
projeto proposto se tornou muito relevante para os desdobramentos do Novo
Brutalismo.
O projeto consiste de vários blocos interligados e uma rua aérea que conecta
todo o complexo de edificações da Universidade – dos existentes ao novo
conjunto de blocos. Para os Smithsons, a vida da Universidade ficaria prejudicada
sem um sistema de circulação apropriado: “os padrões para o movimento de
pedestre são a chave para a organização arquitetônica dos edifícios.”
25
O
conceito gerador do projeto de Sheffield foi o de mobilidade – o fluxo contínuo
nas novas edificações, no terreno e na rua-no-ar.
Para o casal o maior problema era adicionar uma nova edificação de
enormes proporções em meio as construções existentes, num terreno dividido por
uma avenida de tráfego intenso, com instalações em ambos os lados, na área norte
e na área sul. Uma solução convencional de separar as faculdades em vários
blocos ocuparia boa parte do terreno e seccionaria a circulação dos estudantes e
dos serviços.
26
A alternativa encontrada foi a de criar um conjunto de blocos
horizontalizados, ligados por um sistema de circulação contínuo, de modo que os
blocos parecessem uma única edificação - que ‘serpenteia’ os limites periféricos
do terreno na área norte. Esta nova edificação, com uma rua-no-ar em seu nível
intermediário, se conecta com o antigo bloco da área norte e prossegue em linha
25 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson. Pag. 48.
26 VIDOTTO, M. op. cit., Pag. 42.
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73
reta, cruzando a avenida – conectando os dois lados do terreno até atingir a
edificação existente na área sul – de modo que todas as partes da Universidade
podem ser alcançadas.
A ligação norte-sul feita pela rua aérea é contínua e sobre ela tem um andar
de serviços completos - mantendo a área térrea, livre de circulação possibilitando
que o verde entre pelas áreas anexas dos edifícios existentes e novos.
27
Fig. 27 – Situação: blocos existentes em preto Fig. 28 - Novos volumes em preto.
Segundo os Smithsons, um túnel ou uma ponte não seriam suficientes para
estabelecer a ligação entre os dois setores e para incentivar os dois aspectos
básicos da vida universitária - associação humana e comunidade - “já que a
ligação tem que ser tanto um símbolo como um gerador do complexo como um
todo”.
28
A circulação suspensa, nada mais é que um modo de fortalecer os laços
da comunidade universitária, um sistema de circulação que é o princípio
unificador do projeto.
27 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson. Pag. 48.
28 Idem.
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74
“Por esta razão nós propomos um novo ‘dominant’ – uma ligação
norte-sul suspensa que irá passar através de todo o complexo no nível
da entrada principal existente, ligando o terreno norte e sul, mesclando
edifícios velhos e novos em uma unidade. (...) sem que esta ligação seja
feita (...) a vida da Universidade ficaria prejudicada pela segregação do
comunitário e das atividades dos estudantes em particular.”
29
Aproveitando-se desta característica definiram que as faculdades com maior
número de alunos, como de medicina, ficariam mais distantes das áreas de
encontro e biblioteca, para que a circulação suspensa, o percurso do pedestre–
sempre esteja com muito movimento:
“Os estudantes de medicina, que ficam a maior parte do tempo na
Universidade, se comparados com a maioria dos estudantes, são
colocados mais longe das partes comuns de convivência e refeitório
tendo que passar pelo nível confluente de um lado para o outro,
mantendo assim a circulação suspensa bastante cheia
.
30
A concepção da circulação e serviços suspensos num complexo de
edifícios contínuos torna possível satisfazer o desejo da Universidade de se
expandir horizontalmente e não verticalmente. Além do mais, Sheffield parecia
apontar para edifícios com máxima flexibilidade. Esta é mais facilmente
alcançada com uma estrutura simples, repetitiva e contínua, como são os blocos
novos.
Fig. 29 – Sheffield: declive do terreno.
29 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson. Pag. 48.
30 Ibid., Pag. 49.
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75
Os Smithsons definem o projeto de Sheffield como a estética da mudança.
A característica marcante da nova edificação é a consolidação de uma estrutura
que pode facilmente ser reorganizada de acordo com as futuras necessidades.
Como eles mesmo disseram: “todos os edifícios da nova Universidade compõem-
se de uma construção fixa de concreto armado e uma construção flexível em aço
leve.”
31
Dois andares permitem a reorganização do espaço, no sentido de serem
modificadas estruturalmente. “isto significa que as acomodações podem ser
grandes ou pequenas, simples ou com pé direito duplo. A identidade da
edificação é estabelecida por seus modos de utilização e não apenas pelo seu
desenho.”
32
E continuam: “assim os laboratórios de hoje podem se tornar salas
de estudo amanhã.”
33
31 VIDOTTO, M. op. cit., Pag. 42.
32 Idem.
33 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson. Pag. 48.
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76
Fig. 30 - Perspectiva dos novos blocos de Sheffield.
A nova edificação mantém a mesma altura dos blocos existentes, mas como
o terreno escolhido apresenta desníveis topográficos, o casal tira partido dessa
situação acrescentando pavimentos nas áreas em declive. Assim, visualmente
existe uma diferença no número de pavimentos nos blocos contínuos – indicando
quais são as maiores e menores faculdades. Como o terreno caía para leste,
aqueles departamentos que exigiam maiores espaços (Química e Medicina) foram
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77
localizados na parte leste do conjunto e aqueles que precisavam de menores
espaços (Artes, Administração, Física) estão na parte oeste do conjunto.
34
Fig. 31 - Elevação do bloco de Artes e Administração.
Setores com funções altamente especializadas recebem formas bastante
identificáveis que pontuam e sinalizam um determinado ponto no complexo
principal – o teatro de artes e a biblioteca ficam no norte e as atividades
comunitárias no sul.
35
A forma da nova organização se acomoda à escala da Universidade e da
cidade. A comunicação – universidade e cidade, departamentos e atividades,
resulta do desenho da nova edificação e da organização da circulação.
36
34 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson. Pag. 49.
35 Idem.
36 VIDOTTO, M. op. cit., Pag. 42.
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78
Fig. 32 - Perspectiva do novo bloco e das ruas aéreas.
Banham considera o projeto da ampliação da Universidade de Sheffield um
deliberado confrontamento com tudo o que pode ser chamado de arquitetura.
37
Para ele a primeira vista o agrupamento de edifícios parece solto e pouco rigoroso
– como uma composição pitoresca. Mas o efeito da disposição oferecida resulta
de um projeto muito distante do pitoresco, “deliberadamente carente de graça,
substituindo a doçura e o sentimentalismo por uma rude e livre correlação de
estrutura e função em cada parte”
38
. Para Banham, sobretudo:Graças a estes
amplos desdobramentos do sistema de circulação, o princípio unificador do
projeto – em ausência de toda a estética visual perceptível como tal - é
determinado por esta conexão geral da circulação.”
39
37 BANHAM, R. The New Brutalism: Ethic or Aesthetic? Pag. 43.
38 Idem.
39 Idem.
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79
Esse distanciamento da estética é definido por Banhan como uma atitude
anti-formalista.
“Quanto aos Smithsons, o anti-formalismo de Sheffield representa um
ponto extremo. Nada posterior projetado por eles alcançou a mesma
indiferença em sua qualidade, e é como se tivessem feito uma viagem
particular de exploração pelo domínio do anti-arquitetônico, sem
retornar a ele.”
40
Para Charles Jencks o projeto de Sheffield estabelece três qualidades de
perecibilidade. Mostra que um complexo mutável deste tamanho tem que ser
organizado por uma via circulatória, dado que esta é a forma mais dominante e
que provavelmente tende a continuar sendo; que a forma deve ser infinitamente
aberta e aformal, de modo a permitir a mudança que não perturbasse o todo; e por
fim, que a estrutura e os painéis têm que ser suficientemente gerais e repetitivos,
de modo a poderem ser trocados conforme as transformações internas.
41
A questão da perecibilidade
42
faz parte dos estudos desenvolvidos pelos
Smithsons no Independent Group. Nesta época o casal, juntamente com os outros
componentes do IG, principalmente Banham, estudavam a cultura popular
americana– uma estética do perecível – da embalagem perdida.
Ainda que considerado por Banham como o exemplo mais avançado da
Arquitetura Brutalista, Sheffield não explorou outras possibilidades
arquitetônicas, que caracterizaram o experimentalismo dos Smithsons a partir de
1955, possibilidades que deviam muito a sua relação com o movimento anti-
arte
43
.
40 BANHAM, R. op. cit., Pag 43.
41 JENCKS, C. op. cit., Pag. 258.
42 JENCKS, C. op. cit., Pag 257.
43 BANHAM, R. op. cit., Pag 62.
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80
3.6
Casa do Futuro
Alison e Peter Smithson projetaram e construíram um protótipo em
tamanho natural da Casa do Futuro. Esta “casa de 1980” foi projetada para a
“Exibição do Lar Ideal”, no ano de 1956. Os arquitetos também desenharam o
mobiliário - como a conhecida “Pogo” - uma cadeira de jantar empilhável.
Esta casa em particular foi pensada como uma casa urbana que não se
implanta em seu jardim, mas contém o seu próprio jardim no seu interior. Toda a
parte interna da habitação se dispõe em torno de uma superfície envidraçada
contínua que se volta para um pátio oval no centro da residência.
44
O projeto ofereceu para os visitantes uma caixa carente de janelas, com uma
única porta em um dos lados – de modo a permitir que mais 3 casas similares
possam ser acopladas – podendo-se alcançar uma grande densidade populacional
com casas de apenas 1 só pavimento.
Fig. 33 - Perspectiva da Casa do Futuro. Fig. 34 - Planta da Casa do Futuro.
44 VIDOTTO, M. op. cit., Pag. 60
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81
Sob o ponto de vista construtivo, o projeto procura assumir a tecnologia de
ponta. A estrutura da casa é modelada em plástico impregnado de gesso fibroso.
Trata-se de uma estrutura composta por partes independentes, com juntas
flexíveis que absorvem o movimento e proporcionam uma descontinuidade
estrutural.
45
As três paredes comuns têm um revestimento exterior com chapa de
alumínio á prova de som e fogo.
46
Dentro da casa paredes, piso e teto parcialmente translúcidos são da cor de
mel com juntas marrons entre cada unidade completa. O plano transparente que
dá para o jardim central é moldado em plástico reforçado com metal e apresenta
uma abertura corrediça entre o jardim e a sala de estar. Todos os equipamentos
são embutidos e modulados na superfície das paredes e vedados por portas
sanfonadas flexíveis. A iluminação, que é parte integral da superfície das paredes
“pode ser aumentada ou diminuída para atender as necessidades, o humor ou o
momento”.
A casa em si, que tem aquecimento e ar condicionado central, consistindo
em um número de compartimentos fechados agrupados em torno de um jardim
central. Estes são ligados por um sistema de passagens tipo labirinto, uma forma
distinta em cada cômodo que diferem em tamanho, forma e altura - um caminho
sinuoso que proporciona a privacidade. A inclinação do telhado sobre os
banheiros permite que a luz do sol entre através do jardim interno e entre na sala
de estar
47
. A altura da cobertura varia segundo uma curva contínua em relação a
luz diurna e o uso e aspecto de cada casa em torno do pátio.
45 VIDOTTO, M. op. cit., Pag.60.
46 ARCHITECTS' JOURNAL. Forward to back-to-back Housing : a preview of the
Smithsons' ideal home.
47 Idem.
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82
Fig. 35 - Cômodo de vestir com os nichos.
A porta de entrada é sanfonada, podendo ser eletronicamente operada desde
a cozinha. Inclusive o rádio e a TV que estão na sala podem ser ligados através de
um controle de ondas curtas. Na sala de estar pode-se acionar um botão que faz
emergir do chão uma mesa grande ou pequena, onde estão somente as cadeiras
espalhadas. Em direção a cozinha todos os utensílios estão acima do nível da
cintura para poupar o tempo e os equipamentos são embutidos dentro das paredes.
Um detalhe que não aparece no modelo é uma ilha, contendo 2 fornos (um deles é
de super-freqüência), que separa a cozinha do “cômodo utilitário”. Este cômodo
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83
contém uma máquina de lavar, um armário aquecido para secar e uma mesa de
trabalho (que dá para o jardim) com seu próprio suprimento de água e uma
máquina de costura embutida. Um cubículo cilíndrico separa o cômodo utilitário
do banheiro, onde tem uma banheira que enche de baixo para cima com auto-
enxague e termostaticamente controlada.
48
No cubículo existem bocais que podem borrifar água ou ar quente. Do
banheiro, o labirinto vai levar ao quarto de vestir que tem uma pia de pé, armários
e uma série de nichos. O quarto de dormir não é mobiliado, a não ser uma cama e
um coletor de poeira que funciona por eletro-estática. Na saída se encontra o WC,
que tem uma única característica – uma porta – a sua direita e uma magnífica
vista da gárgula do jardim que pinga a água da chuva que sai da calha para dentro
de um recipiente no nível do chão do jardim.
49
Os Smithsons se apropriam de processos e técnicas derivados do
automobilismo, admitidas como parte inevitável da situação criada pela produção
maciça, refundindo-os com uma das mais tradicionais concepções arquitetônicas
– a casa com pátio.
50
Segundo Banham, o protótipo da Casa do Futuro foi um verdadeiro intento
de criar uma “Pop-Arquitetura”, comparável a Pop-Art – que apareceu pouco
depois nos EUA e na Inglaterra considerado um fenômeno do início da década de
1960. Porém o grupo que se reuniu para a exposição “Paralelismo Vida e Arte
foi seu verdadeiro precursor.
51
A forma da estrutura proposta representa um tipo distinto de incursão ao
desenho industrial norte-americano: a dupla casca de plástico foi concebida como
um molde de carroceria de automóvel. Deste modo, um simples painel não
48 ARCHITECTS' JOURNAL. Forward to back-to-back Housing: a preview of the
Smithsons' ideal home.
49 Idem.
50 BANHAM, R. op.cit., Pag. 64.
51 Idem.
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84
poderia ser trocado de lugar com outro da mesma casa, só com o equivalente de
outra habitação.
52
A economia prática do desenho implica em um volume de produção que
poderia rivalizar com um grande fabricante de automóveis de Detroit. A Casa do
Futuro foi estilizada na medida do possível. Toda a estética de painéis e juntas foi
prevista, e inclusive no exterior se buscou acentuar seu parentesco com o estilo
cromado das carrocerias dos carros. Também se previu a troca anual do modelo.
53
A Casa do Futuro se enquadra no princípio do perecível. A casa padrão
consiste em uma cápsula leve, flexível, plástica, dividida por juntas escuras,
muito como um carro montado e dividido.
54
Fig. 36 - Cadilac “ícone pop”.
52 BANHAM, R. The New Brutalism: Ethic or Aesthetic? Pag. 64.
53 Idem.
54 JENCKS, C. op. cit., Pag 259.
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85
Fig. 37 - Foto da maquete da Casa do Futuro.
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4
O Novo Brutalismo nas Artes
4.1
Independent Group – IG
De todos os eventos, o mais significativo do Independent Group, IG, foi a
fundação, em fevereiro de 1948, do Institute of Contemporary Arts, ICA - na
Academia de Cinema com a exibição 40 anos de Arte Moderna.
1
O Instituto não teve uma sede permanente até meados de 1950 quando se
instalou em Dover Street. Ficou por lá até o ano de 1968 quando se mudou para o
The Mall, onde está instalado até hoje.
2
O ICA era um dos poucos fóruns de discutição no pós-guerra em Londres,
no qual artistas, escritores, arquitetos, músicos e qualquer pessoa preocupada com
a cultura contemporânea podia freqüentar. Após sua inauguração na Dover Street,
com a exposição Aspects of Britsh Arts, uma vívida e ampla programação de
eventos foi inaugurada sob a direção de Ewan Phillips e após a sua saída em
1951, por Dorothy Morland.
3
O ICA atraiu logo de início muitos artistas jovens que descobriram
afinidades entre si nos eventos e em reuniões informais que ocorriam no bar do
Instituto - muitos deles se conheciam porque eram professores no Central School
of Arts. Já em 1952 estes jovens começaram a sondar a possibilidade de
estabelecer por conta própria, palestras e debates dentro do ICA.
4
1 ROBBINS, D. The Independent Group: Postwar Britain and the Aesthetics of Plenty.
Pag. 13.
2 Idem.
3 Idem.
4 Ibid. Pag. 8.
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87
Essa nova geração, coletivamente, não suportava a arrogância da corrente
humanista britânica, iniciando uma reação em direção a uma estética da mudança
e da inclusão – anti-elitista e anti-acadêmica, em suma – de subversão hierárquica
e interesse pela cultura de massa norte-americana. A questão comum a este grupo
de jovens era integrar-se completamente à vida contemporânea.
Logo no começo do ano, o assistente da galeria do ICA, Richard Lannoy,
pediu a diretora Dorothy Morland, se ele poderia organizar um encontro separado
da programação do ICA. Os convidados seriam os membros que freqüentavam o
Instituto desde 1951, que Morland chamava de grupo jovem. Com a ajuda da
Central School, especialmente William Turnbull, Lannoy selecionou-se 15
nomes. O primeiro encontro semi-oficial do grupo jovem ocorreu em uma noite
de abril e aproximadamente 35 pessoas compareceram. Edoardo Paolozzi
projetou imagens - tiradas de revistas populares, cartões postais, propagandas e
diagramas – em um projetor suspenso chamado epidiascópio, uma espécie de
retro-projetor.
5
Foi muito significativo o fato destas imagens virem de fontes não
usualmente associadas as belas-artes. Paolozzi apresentou o material sem
nenhuma ordem particular – era uma seleção de imagens sem hierarquia, de bom
ou ruim, sem uma temática consciente – nenhum comentário a não ser
julgamentos do tipo “este é melhor e este é maior”.
6
Estes encontros semi-oficiais acabaram quando Reyner Banham se juntou
ao ICA, para seu estudo de PHD, e obteve o título de gerente do grupo. Durante
sua liderança, o grupo se tornou mais unido, as discussões e debates passaram a
ocorrer tanto dentro do ICA como fora dele: estabeleceu uma identidade, um
nome - Independent Group.
7
5 ROBBINS, D. op. cit. Pag. 20.
6 Idem.
7 Idem.
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88
O interesse de Banham pela arquitetura dominava algumas discussões, mas
havia também um interesse geral em explorar o papel e o impacto da ciência e da
tecnologia na vida cotidiana.
8
Em setembro de 1953 a exibição Parallel of Life and Art inaugurou a
galeria do ICA. A exposição dispunha de inúmeros aspectos que podiam ser
associados ao IG, como o enfoque não hierárquico da imagem e sua disposição
não convencional. Mas isso foi uma criação de Nigel Henderson, Edoardo
Paolozzi e Alison e Peter Smithson, não do IG como um todo. A criatividade
autônoma para os membros do IG era crucial para sua eficácia comunicativa.
Nunca houve uma manifestação exclusiva do Independent Group em forma de
exibição, palestra ou qualquer outra apresentação compositiva.
9
A “organização” era informal. As participações dos membros eram fluidas e
houve uma interrupção de um ano e meio entre os primeiros encontros nos anos
de 1952/53 e nos anos de 1954/55. A composição dos membros é indefinida (em
1955 o número de participantes variava entre 14 a 22). Seus principais
componentes são: Lawrence Alloway, Reyner Banham como críticos; o editor e
crítico Toni Del Renzio; o músico Franck Cordell; os artistas Magda Cordell,
Richard Hamilton, Nigel Henderson, John McHale, Edoardo Paolozzi e William
Turnbull; os arquitetos eram Geoffrey Holroyd, Alison e Peter Smithson, James
Stirling e Colin St. John Wilson. O arquiteto, editor Theo Crosby participou dos
primeiros encontros, publicou a maior parte das idéias do IG como editor da
Architectural Design, organizou a exibição This Is Tomorrow e foi editor da
Uppercase. Mesmo assim ele não é reconhecido como membro do IG.
10
Nos anos de 1954/55, muitas palestras e debates foram promovidas pelo IG.
Neste momento eles estavam fascinados pela cultura de massa, incluindo o design
8 ROBBINS, D. op. cit. Pag. 24.
9 Idem.
10 Ibid. Pag. 8.
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89
de carros, propaganda, comunicação, teoria da informação, ficção científica,
filmes de Hollywood, e música popular. Como Lawrence Alloway descreve:
11
“O IG esteve parado e voltou a reunir-se no inverno de 1954/55 (...)
para debater a cultura popular (...) a área de contato era a cultura urbana
produzida em massa: filmes, publicidade, ficção científica, música pop.
Não sentíamos desprezo pela cultura comercial que era normal entre a
maior parte dos intelectuais, mas aceitávamos como um fato,
discutíamos em pormenor e consumíamos entusiasticamente...
Hollywood, Detroit e a Madison Avenue, em termos do nosso interesse,
estavam produzindo a melhor cultura popular. Assim a arte perecível,
designação dada por Banham, opunha-se agressivamente ás teorias
idealistas e absolutistas da arte. Entre os assuntos abordados pelo IG em
1954/55, tínhamos: Banham estudava a moda e a estilização do
automóvel (Detroit e sex-symbols); os Smithsons os verdadeiros sonhos
da publicidade versus ideais arquitetônicos; Richard Hamilton os bens
de consumo; e Frank Cordell a música popular (aliás, música que ele
mesmo fazia). De uma forma ou de outra, a primeira fase da Pop Art
em Londres nasceu no IG... Nas reuniões participava sempre pouca
gente e, no final dessa estação, todos conhecíamos as idéias uns dos
outros e tão bem que uma das últimas reuniões se transformou numa
festa familiar, em que toda a gente acabou por ir ao cinema.”
Já em 1950, a iconografia da desordem urbana era atacada em um número
da Architectural Review “O Pesadelo Sintético Americano”. Encontrava-se ali
todos os ícones do proto-pop, desde cartazes gigantescos ao cemitério de
automóveis; o que era preciso era uma nova atitude, uma nova orientação. Como
Jencks esclarece: “como acontece tantas vezes na história, a relação entre forma
e conteúdo explode quando se torna demasiada explícita.”
12
Esta colocação de Jencks é esclarecedora porque o período pós-guerra
britânico foi muito difícil e longo. O racionamento de alimentos, roupas, petróleo,
aço e alumínio, por exemplo, só acabou completamente em 1954. Durante vários
anos os preços foram tabelados, houve uma alta taxação de impostos e em geral o
11 JENCKS. C. op. cit. Pag 255.
12 Ibid. Pag 234.
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90
clima era de austeridade. Para muitas pessoas era como se a guerra ainda não
tivesse acabado.
13
Realmente só uma nova sensibilidade para inverter a relação e reagir com
uma nova postura. Tal referência de futuro e oportunidades sem precedentes
foram buscados nos EUA com sua cultura popular e ao mesmo tempo pragmática
e consumista. O ardor da experimentação e a análise dos efeitos das mudanças era
o atributo unificador destes jovens membros do IG.
Banham que era um grande entusiasta do design dos automóveis,
particularmente do Cadilac, descreve em seu livro que os poucos veículos
importados existentes na década de 1950 pertenciam aos consulados e que o
domínio do design Americano era extremamente superior ao britânico. “a visão
daquele artefato era perturbadora, era o testemunho do ‘outro mundo’”.
14
Lentamente esta juventude tornou-se consciente de uma nova atitude e
despreconceituosamente puderam fruir sem embaraço, do que na Inglaterra era
considerado um mal desenho.
15
Na linha estética do Pop, Banham introduz a palavra perecível. Era a
estética dos bens de consumo e a estética da cultura popular, ou seja, “uma
estética que será usada, gasta tão depressa como o produto e rapidamente
esquecida”.
16
O discurso de Banham se contrapõe claramente ao da Arquitetura Moderna
– sobretudo aos dos grandes mestres do racionalismo Le Corbusier e Gropius, que
mantinham a crença de se alcançar um “estilo universal” - “Porque se o homem e
a máquina fossem deixados à sua ‘natureza’ intrínseca, produziriam símbolos
13 ROBBINS, D. op. cit. Pag. 13.
14 BANHAM, R. op. cit. Pag. 63.
15 Idem.
16 JENCKS. C. op. cit. Pag 257.
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91
complexos, mutáveis, ornamentais, que estariam a um passo a frente das pessoas
e não formas eternas e simples de ‘seleção natural. ’”
Esta postura vai ressoar nos trabalhos dos Smithsons - Sheffield e Casa do
Futuro - com a assimilação do conceito de perecidade e da estética da mudança.
Evidencias claras da influencias dos debates do IG no trabalho do casal.
Em 1956 é inaugurada e exposição This Is Tomorrow no Whitechapel Art
Gallery. Esta exposição foi dividida em 12 grupos de expositores. Cada grupo se
produziu independente dos outros grupos e recebeu suas posições na galeria onde
os visitantes faziam o percurso começando pelo grupo um e terminando do grupo
doze. Aparentemente houve uma divisão entre membros ligados ao IG e membros
ligados ao Construtivismo. Somente sete grupos possuíam integrantes do IG. Esta
exibição é considerada o ponto final do IG, como será analisado neste capítulo.
17
4.2
Parallel of Life and Art
Comentando sobre Parallel of Life and Art Bryan Robertson descreve “uma
exibição bonita e compensadora... que deveria ver vista por todo mundo”
18
. Esta
foi a única crítica positiva que acompanhou a exposição. Geralmente eram feitas
aqueles tipos de críticas reservadas para manifestações avant-gard, e não é difícil
de se saber por que: a galeria do ICA foi coberta com fotografias brancas e pretas
de vários tamanhos, presas e apoiadas contra as paredes e suspensas por arames a
partir do teto. Um aviso dizia “pegue suas pernas de paus por alguma razão a
17 ROBBINS, D. op. cit. Pag. 36.
18 Ibid. Pag. 124.
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92
maior parte desta exposição foi dependurada um nível acima de suas cabeças.”
19
Portanto o sistema de exibição – montando as fotografias em cartolinas e
prendendo-as com braçadeiras nos cantos de forma que elas pudessem ser
suspensas - tinha vantagens práticas. Ela enfatizava o aparente acaso das imagens
dispostas e apresentava as fotos de uma maneira singularmente fascinante.
20
Fig. 38 - Foto da exibição Parallel of Life and Art.
19 Idem.
20 ROBBINS, D. The Independent Group: Postwar Britain and the Aesthetics of Plenty.
Pag. 124.
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93
Fig. 39 - Foto da exibição Parallel of Life and Art.
Os organizadores do Parallel of Life and Art eram os Smithsons, Nigel
Henderson e Edoardo Paolozzi. Todos freqüentavam o ICA e com exceção de
Alison Smithson todos davam aulas na Central School of Art.
Aparentemente foi sugestão de Paolozzi organizar uma exposição. O
conceito inicial não era mais do que “investigar algum lugar comum, algum lugar
básico onde (os expositores) sentissem certa mutualidade. Eles concordaram de
se encontrar uma vez por semana e geralmente em ‘manter contato e....’ jogar
material dentro da roda para discussão geral, aprovação ou rejeição, e construir
um tipo de caixa de imagens e talvez um carrossel de idéias realmente para ver o
que aconteceria – se alguma coisa mais tangível e usável pudesse aparecer” . A
escolha das imagens ficaria limitada aquelas a que os 4 organizadores
concordassem, parcialmente em ordem, para manter o número de imagens em um
nível administrável. A proposta da exposição foi colocada para o ICA em abril de
1952, naquele momento o titulo era Sources; mais tarde ele mudou para
Documentes’53 e finalmente Parallel of Life and Art. O ICA foi relutante em
aceitá-los; Jane Draw disse ao comitê administrativo que “uma parte do material
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94
era interessante, apesar de um pouco incoerente.” Paolozzi mais do que qualquer
um, insistiu como ICA para aceitar a exibição. Não foi uma tarefa fácil, mas em
algum momento os membros do comitê concordaram que se os custos da exibição
fossem cobertos eles iriam aceita-la. Em março de 1953, as garantias financeiras
foram conseguidas, a maior parte através de Ronald Jenkins, que já tinha
trabalhado com os Smithson em Hunstanton.
21
Parallel of Life and Art teve sua inauguração em 10 de setembro de 1953
(encerrando em 18 de outubro). É, de fato, significativo que os 4 organizadores
fossem membros fundadores do IG. Antes da oficialização dos encontros por
Richard Lannoy e antes de Banham se tornar o lider, os Smithson, Paollozi,
Henderson e outros já se encontravam no ICA para debates. Desta maneira idéias
similares foram levadas para o IG e para exposição.
Fig. 40 - Capa do catálogo da exibição.
21 ROBBINS, D. op. cit. Pag. 125.
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95
A coerência existente na mostra era análoga em princípio à unidade
assumida em suas vidas pessoais. A exposição tratava de uma compilação de
interesses pessoais desde chapas de raios-x até imagens dos drippings de Jackson
Pollock. Pendurados ao acaso as imagens foram agrupadas em um catalogo como
tópicos casuais. Fotografias de arquitetura e arte se misturaram naturalmente com
as de anatomia, natureza, medicina e geologia, todas as quais pertenciam às
ciências naturais, que Henderson havia estudado antes da guerra. Mas outras
categorias sem muito sentido fizeram parte também. Caligrafia datada de 1901,
paisagem, ficção científica e futebol.
A sensibilidade brutalista ganhou notoriedade pública pela primeira vez
nesta exposição. Os protagonistas reuniram mais de cem imagens da vida,
apresentando-as em fotografias vulgares, com uma textura arenosa. Esta
exposição deu as primeiras indicações sobre as relações existentes entre o Novo
Brutalismo e manifestações similares em outras artes.
Influenciada pela action painting de Pollock, as propostas do IG podiam ser
caracterizadas como provocações livres, abertas e imediatas: as imagens tinham
todas uma violência compulsiva, como se estivessem sido propositadamente
arrancadas de um contexto determinado tendo em conta seu impacto direto. Por
detrás desta qualidade obsessiva, havia uma, pode-se dizer, “lógica científica”. A
maior parte delas apresentava imagens de caráter científico ou tecnológico: por
exemplo, a número 100 era um tumor benigno constituído de células X53 em
proliferação.... Não há qualquer tentativa para humanizar a imagem da ciência,
não se pretende antropomorfizar a verdade. O que se procura de um modo
consistente é a visão não domesticada da investigação atual: o equivalente visual
da verdade cosmológica, tal como era então conhecida. O resultado de tudo isto
foi um conjunto de fotografias granuladas e arenosas que tudo traduziam numa
textura biomórfica destituída de escala: o brutalismo era definido praticamente
como a imagem direta da ciência.
22
22 JENCKS. C. op. cit. Pag 241.
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96
Com deliberado menosprezo, as imagens brutalistas contradiziam não só
idéias convencionais como os padrões convencionais de beleza, do que deve ser
uma boa fotografia.
Em todas as seções, a exposição mostrou antes de tudo imagens estranhas
ou antiestéticas tomada de revistas, livros científicos e antropológicos ou
modalidades de extrema visão, como raio x ou as fotomicrografias. Sua escolha
deve-se ao seu impacto direto (e com freqüência inexplicável), ao efeito
emocional imediato que exerceu sobre os organizadores e em muito dos
visitantes.
23
Porém a exploração destas qualidades para caracterizar a violência, a
distorção e certo humor negro constituiu uma inovação subversiva cuja
importância não passou inadvertida.
24
ADENDO
25
: Textos que documentam o desenvolvimento do Parallel of
Life and Art, por Alison e Peter Smithson
Fontes (primeiro nome dado), 1952:
Ao apresentar fenômenos de nossos vários campos, podemos
demonstrar a existência de um novo movimento – clássico – complexo
– humano – uma visão fundamental de fontes comuns para uma síntese
futura.
“Este é um movimento que chamo epifania”
James Joyce: Stephen Hero: 1904-1906.
(Epifania: “A reality behind the appearance.”)
A. & P. S., Nigel Henderson, Eduardo Paolozzi.
Documentos 1953 (título posteriormente alterado para Paralelo da Vida
e da Arte), 1953:
23 BANHAM, R. op. cit. Pag. 61.
24 Ibid. Pag. 62.
25 ROBBINS, D. op. cit. Pag. 129.
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97
“Evidências de uma nova atitude”.
Em 1952, o núcleo de uma idéia para uma exposição foi
apresentado à ICA por Alison e Peter Smithson (para a qual o modelo
da Catedral de Coventry foi feito: exposição não realizada).
Isto assumiu a forma de um manifesto.
O primeiro grande período criativo da arquitetura moderna se
encerrou em 1929, e trabalhos subseqüentes podem ser vistos como
exploratórios para o segundo grande período criativo que começa
agora.
Ambos os períodos se caracterizam por desenvolvimentos
paralelos simultâneos na arquitetura – engenharia – pintura – escultura:
as atitudes, teoremas, imagens de cada encontrando consonância não-
proposital com os outros.
Nos anos 20, um trabalho de arte ou uma peça de arquitetura era
uma composição finita de elementos simples: elementos que não têm
identidades separadas, mas que existem apenas em relação ao todo. O
problema dos anos 50 é reter a claridade e senso de finito do todo,
porém oferecendo às partes suas próprias disciplinas e complexidades
internas.
O segundo grande período criativo deve ser proclamado por uma
exposição na qual a justaposição de fenômenos de nossos vários
campos deixaria óbvia a existência de uma nova atitude. Nossa
exposição apresentaria a fase de abertura do movimento de nosso
tempo e a registraria como o vemos agora, como o fez o Pavilhão Esprit
Nouveau para 1925.
Como resultado deste manifesto, uma exposição de documentos,
etc. – principalmente fotografias e diagramas – foi marcada no Instituto
de Artes Contemporâneas, em 17 Dover Street, W1, entre 2 e 27 de
setembro de 1953.
Os editores deste material são:
Nigel Henderson – fotógrafo
R. S. Jenkins – engenheiro
E. Paolozzi – escultor
A. e P. Smithson – arquitetos
A exposição apresentará materiais pertencentes intimamente à
realidade de todos hoje. Muito deles foi abandonado de maneira tão
completa ao ponto de ter afundado abaixo do nível de percepção
consciente. Uma introdução a estes derivados visuais de nossa maneira
de pensar talvez elimine o espanto que as pessoas sentem quando
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98
confrontadas com as manifestações mais recentes das atividades
humanas.
A exibição oferecerá uma chave – uma espécie de Pedra de
Rosetta – através da qual as descobertas das ciências e das artes possam
ser vistas como aspectos do mesmo conjunto, fenômeno relacionado,
partes da “Nova Paisagem” que a ciência experimental revelou e que
artistas e teóricos criaram.
O método utilizado será justapor foto-ampliação das imagens
consideradas significativas pelos editores. Estas imagens não podem ser
organizadas para formar um depoimento consecutivo. Em vez disto,
elas estabelecerão as intricadas séries de inter-relacionamentos entre
campos diferentes e arte e técnica. Elas tocaram uma ampla gama de
associações, e oferecerão analogias frutíferas.
Em resumo, elas fornecerão um panorama, uma delineação fugaz
das características de nossa época conforme elas pareceram a um grupo
particular de pessoas trabalhando em conjunto.
O material para a exposição será retirado da vida – natureza –
indústria – construção – artes – e está sendo selecionado de modo a
mostrar não tanto a aparência, mas sim o princípio – a realidade por
detrás da aparência – ou seja, aquelas imagens que resumem os
desenvolvimentos significativos em cada campo desde 1925 e que
contêm dentro de si as sementes do futuro.
4.3
This is Tomorrow
A exposição This is Tomorrow levou dois anos para ser planejada. A
intenção inicial era de montar uma exibição com a colaboração de pintores,
escultores e arquitetos. A idéia partiu de Paule Vézelay, representante do Le
Groupe Espace de Paris. A iniciativa não deu certo devido às várias desavenças
entre Vézelay com grupo de Colin St. John Willson, Victor Pasmore, Robert
Adams, Roger Hilton e Theo Crosby.
26
Theo Crosby insistiu na idéia de montar em larga escala uma exibição na
Whitechapel Gallery. O espaço da galeria foi dividido entre os grupos que
26 ROBBINS, D. op. cit. Pag. 135.
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99
resolveram participar de forma autônoma – cada qual produzindo seu trabalho
sem ter que haver uma conexão necessária entre eles: de um lado os
Construtivistas e do outro os membros do Independent Group. Mesmo com a
mostra em exibição a divisão era visível.
27
Fig. 41 - Perspectiva do projeto para Patio and Pavilion.
Ao todo, doze grupos foram formados e desenvolveram seus projetos
separadamente. O Grupo Seis, formado por Nigel Henderson, Edoardo Paolozzi e
Alison e Peter Smithson exibiu o tema Patio and Pavilion. Alison e Peter
Smithson projetaram o espaço do “pavilhão” e Henderson e Paolozzi
preencheram o “pátio” com objetos e imagens. Pátio e Pavilhão como o próprio
nome sugere, era um simbólico Habitat das necessidades humanas – espaço,
proteção e privacidade – e os objetos que lá estavam expostos representavam os
componentes das atividades humanas.
28
27 ROBBINS, D. op. cit. Pag. 135.
28 Ibid. Pag. 141.
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100
Fig. 42 - Fotografia da exibição Patio and Pavilion.
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101
Fig. 43 - Fotografia da exibição Patio and Pavilion.
Este gesto, porém, não era de modo algum retrospectivo de todo, pois
dentro desta metáfora críptica e quase casual do abrigo, o passado remoto e o
futuro imediato fundiam-se em uma entidade única. Assim, o pátio do pavilhão
foi guarnecido não apenas por uma roda velha e um avião de brinquedo, mas
também por uma televisão. Em resumo, dentro de uma estrutura urbana decadente
e destroçada (isto é, bombardeada), já se começava a divisar a “afluência” de um
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102
consumismo volúvel que, além do mais, era usado como substancia vital de um
novo vernáculo industrial.
A estrutura do pavilhão era de madeira, boa parte reciclada. A cobertura
translúcida, de plástico corrugado através do qual se podia ver objetos sobre ele.
As paredes que circundavam o pátio eram de alumínio refletindo a luz interna de
maneira física e simbólica.
29
Numa explicita referência crítica a tendência historicista, inúmeros objetos
foram feitos ou incluídos pelo grupo, colocando-os sobre condutos de areia de um
modo que recordava a disposição como aparecem os objetos arqueológicos em
documentos que mostram seu achado.
30
Fig. 44 - Imagem do catálogo This is Tomorow.
Mas não se deram conta que esta “casinha com jardim”, com suas rodas
oxidadas de bicicleta, sua trombeta estropiada e outros equipamentos, tinham sido
escavados de um holocausto atômico, descobrindo-se que formava parte de uma
29 ROBBINS, D. op. cit. Pag. 141.
30 BANHAM, R. op. cit. Pag. 65.
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103
tradição européia de urbanização que retrocede até a Grécia arcaica e ainda mais
além.
31
Logo após a montagem desta exposição, o casal partiu para Dubrovnik, para
participar do 10º e último Congresso do CIAM.
Fig. 45 - Foto da exibição Patio and Pavilion.
Fig. 46 - Imagem do catálogo This is Tomorow com os componentes do Grupo 6.
31 BANHAM, R. op. cit. Pag. 65.
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5
Manifesto Brutalista
5.1
Manifesto Novo Brutalismo - 1955
Os Smithsons contribuíram com conceitos e orientações sobre o Novo
Brutalismo principalmente depois que Theo Crosby assumiu o cargo de diretor da
Architectural Design em 1954. Em janeiro de 1955 os Smithsons publicam o
primeiro manifesto brutalista
1
no editorial da Architectural Design com uma
introdução de Theo Crosby.
Em 1954, uma nova e tardia explosão se produziu no cenário
arquitetônico. Durante os anos que seguem a guerra, havíamos
continuado degradando a invenção de Le Corbusier, criando assim um
estilo - “contemporâneo” – facilmente reconhecível por seu mau uso
dos materiais tradicionais e seu emprego aparente de pormenores
“modernos”, tais como pilotis decorativos (...). A reação apareceu no
fim da escola de Hunstanton (por Alison e Peter Smithson) como
ilustração do “Novo Brutalismo”. O nome é novo: o método, uma
revalorização dos edifícios mais avançados das décadas de 1920/1940,
cujas lições (por causa de algumas fissuras nas superfícies) haviam sido
negadas. Igualmente, exerceram efeito certas lições sobre o emprego
formal da proporção (do professor Wittkower) e o respeito pelo valor
sensorial de cada material (dos japoneses). Naturalmente, a teoria que
se embasava no geralmente aceito e facilmente produzido como
“contemporâneo” havia de criar oposição. Sobre tudo, no país que
tínhamos convidado a prestar atenção para a nova mensagem. Na
esperança de conseguir tantos leitores como fosse possível, em vista de
um pensamento mais profundo sobre a forma e seu propósito na sua
arte, pedimos aos Smithsons, como profetas do movimento, que
fizessem uma opinião ou declaração que, parcialmente editamos:
Nossa crença de que o Novo Brutalismo é a única evolução possível,
neste momento, no que diz respeito ao movimento avançado (na
arquitetura), parte não só do conhecimento de que Le Corbusier é um
de seus defensores (arrancando do concreto bruto a sua Unité), sendo
também que, fundamentalmente, ambos os movimentos tem levado em
conta a arquitetura japonesa, sua idéia essencial, espírito e princípios. A
arquitetura japonesa seduziu a geração que floresceu em 1900,
produzindo, em Frank Lloyd Wright, a planta aberta e uma modalidade
solta de construção decorativa; em Le Corbusier, o purista estético, as
partes que se pode deslocar a vontade, o espaço continuo, o poder
1 BANHAM, R. The New Brutalism: Ethic or Aesthetic? Pag. 46. Original: SMITHSON,
A, SMITHSON, P. Novo Brutalismo. Architectural Design: 1955.
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expressivo das cores branco e terrosas; em Mies, a estrutura e as
superfícies são absolutas. Através da arquitetura japonesa, os anseios da
geração de Garnier e Behrens encontraram FORM.
Porém, para os japoneses, esta FORM só era uma parte de sua
concepção geral da vida, uma sorte de expressão reverencial do mundo
natural e, partindo daí, dos materiais usados no mundo da construção.
Este respeito e amor aos materiais – um modo de realização da
afinidade que pode estabelecer-se entre os edifícios e o homem – está
na raiz do chamado Novo Brutalismo.
Tem-se discutido que a escola de Hunstanton, a qual provavelmente
deve tanto a arquitetura japonesa como a Mies, seja a primeira
realização do Novo Brutalismo na Inglaterra.
Seu particular tratamento dos materiais, não no sentido astuto de Frank
Lloyd Wright, mas mediante a sua apreciação intelectual, tem sido
muito levado em conta pelo movimento arquitetônico avançado, como,
realmente, conhecedores dos primeiros arquitetos alemães se deram
conta imediatamente.
O inovador no Novo Brutalismo, entre as tendências recentes, é que
acha suas mais intimas afinidades, não com os estilos do passado, mas
nas formas das casas populares. Nada se realiza com astucia. A
arquitetura surge como resultado direto de um sentimento da vida. O
ano de 1954 foi um ano chave. Viu o surgimento do Neodadaísmo
americano, com sua peculiar imaginação sobre imposta; a construção
da obra mestra do automóvel que é o Cadilac conversível (...),
verdadeira casa sobre rodas; o brotar de novas orientações no CIAM; a
revalorização da obra de Gropius; e a Villa de Garches repintada?
Banham
2
destaca certos pontos deste texto. Um dos principais é que o casal
expõe suas inquietudes pessoais o que resulta em um texto difícil de ser entendido
e inoperante. Nesta época os Smithsons já possuíam mais conhecimento do que o
apresentado no artigo. Banham aponta para o preâmbulo de Crosby que intenta
fixar o Novo Brutalismo num contexto histórico para estabelecer a pertinência das
concepções do casal Smithson.
Crosby faz menção a influência formalista em Hunstanton e o emprego das
lições wittkowerianas, no entanto o casal não menciona o assunto e delega a
influência japonesa a sua atitude formalista – FORM.
2 BANHAM, R. op. cit. Pag. 46.
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106
Banham afirma que nenhum dos dois esteve no Japão e a arquitetura a que
eles se referem é única e exclusivamente retirada de um livro de Bruni Taut de
1937, sobre casas japonesas e do filme Porta do Inferno. O mesmo acontece
sobre casas populares, uma descoberta orientada pelos croquis da arquitetura
mediterrânea de Le Corbusier e do Trabalho de Wittkower sobre a Itália.
3
No entanto a insistência nas declarações sobre a importância dos materiais -
principalmente baseado na clara manifestação dos materiais e em suas superfícies
não recobertas e nem polidas - quase que suprimindo todos os outros aspectos da
arquitetura do Novo Brutalismo, não faz justiça ao que pensavam os Smithsons
naquele tempo. Mas foi com este tipo de declaração que a idéia do brutalismo
como um estilo se generalizou. Em outro manifesto, os Smithsons demonstram
sua decepção quanto a este rumo no movimento.
A demonstração que o casal faz sobre suas outras preocupações aparece na
frase – “consideramos a arquitetura como resultado direto de um sentimento da
vida” – reflete suas preocupações com a sociedade e o rumo das considerações
urbanas que estavam sendo levantadas por eles no CIAM.
5.2
Statement of Principles
No ano de 1955 o casal Smithson escreve um artigo para a Architectural
Design sobre o trabalho do grupo ATBAT – AFRIQUE
4
de Vladimir Bodiansky,
Candilis e Woods. Extraem dele uma comparação com suas próprias intenções
arquitetônico-sociais em Golden Lane e em outros lugares. A introdução do texto
3 BANHAM, R. op. cit. Pag. 47.
4 SMITHSON, A, SMITHSON, P. Collective Housing in Morocco. Architectural Design:
1955.
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107
Casas Coletivas no Marrocos e a Declaração de Princípios está reproduzida na
integra.
Neste ano, no 10º CIAM o assunto em discussão será novamente
“l´habitat*”, em um momento em que se é esperado que os primeiros
passos para uma abordagem do CIAM sobre os problemas de habitação
seja formulada. No Congresso de 1953, em Aix-en-Provence, apesar de
diversos esquemas terem sido apresentados de todas as partes do
mundo, as únicas contribuições realmente novas surgiram de grupos da
Grã-Bretanha, Holanda e Marrocos, e se interessavam a respeito da
organização de novas formas de habitação coletiva, as quais poderiam
ser desenvolvidas em padrões urbanos maiores.
A resenha sobre “A Arquitetura Moderna na Holanda” (Architectural
Design, Agosto, 1954), embora não tenha lidado especificamente com o
“habitat”, tentou de fato apresentar o sentindo que os holandeses estão
desenvolvendo.
Nossa ligação particular com o grupo marroquino (ATBAT-AFRIQUE)
se dá porque descobrimos que, como nós, eles trabalham por meio de
suas próprias circunstâncias na “extensão” da habitação. O que nós
denominamos de “quintal” no Golden Lane foi chamado por eles de
“pátio”, definindo seus conhecimentos sobre as necessidades árabes de
uma área de grande migração atrás das montanhas do Atlas, onde o
sistema coletivo constituído inclui uma área ao ar livre.
Julgamos que estes edifícios no Marrocos são as maiores façanhas
desde a Unité d´Habitation de Le Corbusier em Marseilles. Enquanto a
Unité foi o ápice de uma técnica de se pensar o “habitat”, iniciado há
quarenta anos, a importância dos edifícios marroquinos se dá porque é a
primeira manifestação de uma nova forma de se pensar.
Devido a isto, eles são apresentados como idéias; mas é sua
concretização que nos convence que aqui temos um novo universo.
Declaração de Princípios
É impossível para cada homem construir sua própria casa.
Cabe ao arquiteto tornar possível ao homem fazer de seu apartamento
sua casa, de sua pequena casa o seu “habitat”.
Até agora, tanto no Manual como de fato, a casa é construída até o
último detalhe e o homem é comprimido em sua residência – na
essência, o mesmo da Escócia até a Costa Dourada – e se adapta da
melhor maneira que pode para a vida que o arquiteto o provê.
Os membros mais jovens do CIAM requerem, como uma “primeira
proposição do L´habitat”, a extinção voluntária da arquitetura.
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108
Devemos preparar o “habitat” somente até o ponto em que o homem
pode controlá-lo.
Objetivamos fornecer um esquema no qual o homem pode ser
novamente o mestre de sua casa.
No Marrocos, a liberdade do homem de adaptar para si próprio foi feita
um princípio do “habitat”.
* “Habitat” é uma palavra francesa para descrever tanto o domicílio
como seu ambiente e tudo pertencente a este.
Este texto publicado na mesma edição que o Manifesto Novo Brutalismo
responde muito mais as questões sobre habitação e sobre a identidade do homem
com seu ambiente - questões mais relevantes para o pensamento brutalista que as
trazidas no próprio manifesto. Este novo modo de pensar (como fala o casal) é um
equivalente ao estudo que já vinha sendo desenvolvido por eles em Golden Lane.
Trata-se de agregar ao projeto de habitação identidade e valores culturais locais
que o homem necessita. A diferença aqui é que estas idéias e estudos foram
concretizados e experimentados nas edificações construídas.
Estes estudos tratam de considerar a cultura local e suas atualidades, como
certo grau de tolerância em relação aos diferentes projetos, como afirma
Banham.
5
5.3
Novo Brutalismo
Está é a resposta dada pelos Smithsons as várias concepções sobre o
brutalismo que já tinha se internacionalizado em 1957. É considerado o segundo
5 BANHAM, R. op. cit. Pag. 47.
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109
manifesto brutalista
6
. Nesta época o casal deixa bem claro as preocupações do
Novo Brutalismo – lidar com uma sociedade complexa sem perder de vista seus
valores culturais, tecnológicos e sua identidade. Afirmam que a arquitetura
brutalista deve ser apreciada pelo seu conteúdo ético e não estético.
Se o academicismo pode ser definido como as respostas de ontem para
os problemas de hoje, então logicamente os objetivos e técnicas
estéticas de uma verdadeira arquitetura (ou verdadeira arte) devem estar
em mudança contínua. No período subseqüente ao pós-guerra, parecia
ser importante demonstrar que a arquitetura ainda era viável, e
definimos a criação de uma arquitetura regrada e compacta contra os
vagos planejamentos e a formas.
Simples objetivos, uma vez alcançados, mudam a situação, e as técnicas
usadas para alcançá-los tornam-se inúteis.
De edifícios isolados, totalmente disciplinados pelas técnicas estéticas
clássicas, avançamos para uma análise como um todo do problema das
associações humanas e das relações entre estas e os edifícios e a
comunidade. Deste estudo surgiu uma nova postura e uma estética não-
clássica.
Qualquer debate sobre o Brutalismo perderá seu foco caso não
considere a sua tentativa de ser objetivo sobre a “realidade” – os
objetivos culturais da sociedade, seus anseios, suas técnicas e daí por
diante. O Brutalismo tenta confrontar uma sociedade de produção em
massa e tirar uma rude poesia das forças intensas e confusas que
vigoram. Até agora, o Brutalismo foi debatido de forma estilística, ao
passo que sua essência é ética.
6 ROBBINS, D. The Independent Group: Postwar Britain and the Aesthetics of Plenty.
Pag. 186. Original SMITHSON, A, SMITHSON, P. The New Brutalism. Architectural Design:
abril de 1957
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6
Brutalismo e o Team 10
6.1
CIAM 9 e Antecedentes
Segundo Banham a relação entre as idéias brutalistas e o colapso do CIAM
é direto, determinando o início das atividades do Team 10
1
. A falência do CIAM
não ocorreu de maneira inesperada. Os jovens arquitetos começaram a freqüentar
os congressos a partir de 1949 em Bergamo - principalmente os ingleses, para
entrarem em contato com o movimento arquitetônico internacional para adquirir
valores arquitetônicos não limitados ao “espírito do lugar”.
Em Hoddesdon, em 1951, o tema Coração da Cidade, surge como uma
oportunidade para fazer emergir as diferentes formas de entender o problema da
cidade - escapando da rigidez do modelo funcionalista que restringia a
problemática urbana a critérios convencionados pelo grupo dominante.
A sugestão do tema partiu do grupo inglês MARS, que estava interessado
em incluir um novo elemento na discussão da cidade: a questão da comunidade.
Para isto escolheram o núcleo, ou o coração físico do organismo urbano, no
sentido de formular hipóteses para a pergunta: o que faz da comunidade uma
comunidade?
2
O grupo MARS convidou o fundador do Peckham Health Centre, G. Scott
Williamson, para no artigo O Indivíduo e a Comunidade – apresentar o conceito
de lugar e comunidade.
Desde o 8º Congresso a participação da nova geração é marcante.
C.Candilis e W. Howell são os representantes do grupo no Conselho. J. Bakema
1 BANHAM, R. op. cit. Pag. 70.
2 BARONE, A. C. C. Team 10: arquitetura como crítica. Pag. 52.
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111
apresenta um projeto de conjunto de habitações coletivas em Rotterdam e um
texto intitulado Relações entre Homens e Coisas, na qual fala das relações entre o
espaço, o núcleo, e a comunidade
3
.
S. Giedion, responsável pelo relatório final do congresso, intitulado O
Coração da Cidade: Resumo apresenta a nova geração de arquitetos:
“Hoje contemplamos a nova geração como uma continuação da obra já
iniciada por nós e que deverá se desenvolver com sua própria
imaginação. Entre os jovens mais dotados (...) observamos uma
tendência mais enérgica que a nossa, a repelir o racionalismo e a
limitação da especialização. Considerar a geração futura como uma
ajuda e não uma ameaça faz parte do CIAM.”
4
Os jovens queriam continuar o debate, ampliando os conceitos
fundamentais colocados em pauta. Para fomentar a discussão, o tema proposto
para o congresso seguinte foi o Habitat, uma questão que novamente polariza
opiniões, reforçando a unidade de oposição dos mais jovens em relação aos
mestres. O tema, contudo, foi sugerido por Le Corbusier, que pretendia com isso
voltar a reforçar a idéia de habitação como função urbana primordial. O 9º
Congresso de Aix-en-Provance, em 1953, mostrou que não havia possibilidade de
consenso entre os dois pontos de vista.
5
A exposição Urban Re-Identification do casal Smithson apresentou as
questões de padrões de associação e identidade que entraram em pauta e
incomodaram os antigos mestres e fundadores do CIAM. Foi o tema do Habitat
que serviu de suporte para a formação do Team 10 como equipe de discussão.
3 ROGERS, E.N., SERT, J.L., TYRWHITT, J. El Corazón de la Ciudad. Pag. 67
4 Ibid. Pag. 163
5 BARONE, A. C. C. op. cit. Pag. 57.
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112
6.2
A Preparação para o CIAM 10
O grupo que ficou responsável pela preparação do 10º Congresso - Alison e
Peter Smithson, Candilis, Gutmann, Howell, van Eyck, Voelcker, Jacob Bakema,
- ficou conhecido como Team 10. Em janeiro de 1954 na cidade de Doorn, em um
encontro para tratar da organização do Congresso publicaram seu primeiro
manifesto - Manifesto de Doorn - expressando suas insatisfações com a abstração
das 4 funções da Carta de Atenas, ressaltando suas preocupações com os padrões
de associações humanas renegados pelos velhos mestres do CIAM.
Os postulados básicos da Carta de Atenas reduzem a cidade em 4 funções
básicas: trabalho, residência, lazer e circulação. Muito embora, alguns dos
membros mais antigos do CIAM estivessem já convencidos da irrelevância destas
categorias e procedimentos não as negaram, limitando-se a agregar novas
categorias funcionais, tal como apresentado por Sert, Leger e Gideon em Nine
Points on Monumentality
6
,como “monumentos históricos” – ou “o centro” no
CIAM em Hoddesdon em 1951
7
. O que não foi suficiente para os jovens que
condenaram por completo todas as categorias estabelecidas na Carta, e o avanço
de sua subversão foi assim resumido por Theo Crosby:
8
“O CIAM realizado em na cidade de Aix-em-Provence em 1953
assistiu a primeira cisão na sólida teoria do movimento moderno. Os
Smithsons apresentaram fotos de Henderson, conheceram Candilis,
J.B.Bakema da Holanda e muitos outros jovens que também
consideravam a Carta de Atenas obsoleta. Eles formaram um grupo
para trocar informações. Este grupo, Team 10, ficou responsável por
preparar o programa do 10º CIAM na cidade de Dubrovnik em 1956.
Para os projetos admitidos, o método de análise utilizado era em termos
de associação humana em lugar da organização funcional, desta forma
ocasionando uma divisão no pensamento arquitetônico.
6 SERT, J. L., LÉGER, F., GIEDION, S. Nine Points on Monumentality. (1943).
7 BANHAM, R. op. cit. Pag. 71.
8 Retirado da introdução de Urban Structuring Londres, 1966 e introdução de Uppercase 3
Londres, 1960
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113
Em Dubrovnik ficou evidente que o CIAM, com mais de 3000
membros, se tornara muito difuso para cobrir qualquer assunto que não
fosse mera generalização. Aconteceu também a divisão entre os
fundadores, antigos, famosos e muito ocupados dos seguidores jovens,
com pouco trabalho e vorazes por poder. O congresso se partiu
deixando o Team 10 dono do terreno. A maioria dos grupos divididos
por nação se dissolveu. O Team 10 continuou a se encontrar em Paris
(1959) e em Otterloo (1959). Mas eles se encontravam como
indivíduos.”
6.2.1
Manifesto Doorn
9
1- é inútil considerar a casa exceto, como parte de uma comunidade por
causa de relações que existe entre as casas;
2- nós não devemos perder nosso tempo codificando os elementos da
casa até que o outro relacionamento tenha sido cristalizado;
3- habitat está relacionado com uma casa em particular, em um tipo
particular de comunidade.
4- as comunidades são as mesmas em todo lugar:
1. - casas isoladas (fazenda)
2. -vilas
3. - pequenas cidades de vários tipos (industrial,
administrativa)
4. - cidades (multifuncionais)
5- elas podem ser demonstradas em relação ao seu meio ambiente
(habitat) - no corte do vale de Geddes.
9 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson. Pag. 19 - Encontro realizado na cidade de Doorn, em janeiro de 1954. Escrito por
Bakema, van Eyck, van Ginkel, Hovens-Greve, Smithson e Voelker.
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114
6- qualquer comunidade deve ser internamente conveniente – ter
circulação fácil, usando-se do tipo de transporte disponível. O
transporte deve? crescer conforme a população aumenta. Ex: 1 é menos
densa e 4 é mais densa.
7- nós devemos portanto estudar a moradia e os serviços que são
necessários para produzir comunidades convenientes em vários pontos
do corte do vale.
8- a propriedade de qualquer solução deve estar no campo da invenção
arquitetônica mais que no campo da antropologia social.
Declarações sobre Habitação
A técnica de planejamento da Carta de Atenas foi a analise das funções.
Apesar de isto ter tornado possível pensar-se claramente sobre a
desordem mecânica das cidades ele se provou inadequado na prática,
porque era muito conceitual. O urbanismo considerado nos termos da
Carta tende a produzir comunidades nas quais as associações humanas
vitais são inadequadamente expressas.
Tornou-se obvio que a construção das cidades estava além do
pensamento puramente analítico. O problema das relações humanas
passou pela rede das ‘4 funções’. Numa tentativa de corrigir isto o
Manifesto Doorn propôs: “para se compreender o padrão das
associações humanas nós devemos considerar cada sociedade no seu
meio ambiente particular”.
Logos após este artigo, Smithsons manifestaram sua primeira declaração
pública sobre urbanismo no artigo Urban Re-Identification de 1955.
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115
6.2.2
Urban Re-Identification
O texto Urban Re-Identification
10
se inicia com um desabafo da nova
geração. Um descontentamento com a idéia de ordem e com os edifícios que
surgem por toda a volta. Os Smithsons, de maneira muito elegante, justificam que
este tipo de sentimento é natural, que faz parte de toda nova geração, que isso é
arquitetura. Mas conforme vai se desenvolvendo, fica bastante obvio que a
suavidade inicial foi se transformando em uma árdua crítica ao Movimento das
Cidades Jardins e ao Movimento da Arquitetura Racionalista.
É importante se ter em mente que a Inglaterra nunca aceitou muito bem a
Arquitetura Moderna. Apesar de muitos arquitetos terem se refugiado na Ilha nos
anos de 1930/1940, como Walter Gropius e Eric Mendelsohn, eles pouco
atuaram. Laudan diz que a Arquitetura Racionalista do pré-guerra chegou a ser
convincente para uma pequena minoria de pessoas, mas para a maioria a
arquitetura moderna resultou em um vanguardismo inaceitável, polêmico e
controverso.”
11
O 8º Congresso do CIAM, realizado em Hoddesdon, ocorreu em
função da realização do Festival Britânico, em que vários edifícios de Estilo
Internacional, com grande afinidade com a arquitetura Sueca
12
, foram construídos
- o que representou um enorme descontentamento para a nova geração. Tanto que
foi neste Congresso que começou a invasão dos jovens arquitetos ingleses a
procura de seus Mestres.
Quando os Smithsons falam que os arquitetos perderam contato com a
realidade, eles estão se referindo tanto a arquitetura do Estilo Internacional quanto
ao Movimento das Cidades Jardins – as New Towns. Um conceito muito utilizado
na Grã Bretanha, o do Direito Comum, no qual só se utiliza o que já foi testado,
10
SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Reidentification . Architectural Design: 1955.
11 LANDAU, R. Nuevos Caminos de la Arquitectura Inglesa. Pag 26.
12 FRAMPTON, K. The English Crucible. www.team10online.com.
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116
tal como discutido por Jencks, “o método de descrição de casos”
13
, parece ser o
fundamento das New Towns, em que convencionalmente instituído, no caso a
Paisagem Urbana bucólica aparece como modelo.
Com as Novas Cidades a crença positiva numa estrutura social balanceada
perde totalmente o sentido – inclusive os Smithsons colocaram o termo entre
aspas de forma irônica. Como exposto em capítulo anterior, as New Towns foram
formadas para alojar a classe trabalhadora de Londres o que acabou por gerar
unidades com forte uniformidade social. Para os Smithson o sistema rodoviário
era inadequado, assim como a baixa densidade populacional, além das áreas de
lazer dispersas, como eles mesmos dizem, “alcançou seu anticlímax máximo”.
Questionam, por outro lado, o reacionarismo das Cidades Jardins por usarem
padrões muito diferentes dos de sua época. A inspiração no modelo Sueco-
pitoresco não agrada pois redundam em “imitações das cidades antigas (...)
negando o direito de ter formas urbanas.”
Quando começam a comparar o Movimento das Cidades Jardins com o
Movimento da Arquitetura Racionalista dos anos 1930 – lamentam que esta
tenha se tornado rapidamente acadêmica - ficando clara a crítica ao esquematismo
ascético e abstrato que permeava a Carta de Atenas. Daí o sentimento de
indignação a qualquer um dos Movimentos “em prover um ambiente que dê
forma à idéia de ordem para a nossa geração”.
A Carta de Atenas de 1933 ainda tinha como referência os padrões de
habitações nocivos da Era da Revolução Industrial – no qual as cidades eram
super-populosas, as condições habitacionais dos operários insalubres e
degradantes. “Na época o maior problema enfrentado pelos projetistas era a
pobreza e a falta de higiene nos cortiços, o racionalismo da moradia mínima,
transporte de massa eficiente, segregação da indústria e a criação de áreas
amplas ao ar livre.”
14
Apesar do casal viver em um momento em que Londres se
13 JENCKS, C. op. cit. Pag 234.
14 CROSBY, Theo in: SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of
Alison and Peter Smithson. Pag. 7.
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117
encontrava em grande parte sob escombros, e parte da população pobre enfrentar
quase os mesmos tipos de problemas – os Smithsons não acreditavam mais na
idéia salvacionista da ordem funcionalista. As relações entre o homem e seu meio
ambiente, sua comunidade seus valores de vida eram os pontos a serem atacados
pela arquitetura do pós-guerra.
Para tanto, promovem uma polêmica inversão: a reconsideração do
significado de lugar, da rua como extensão da casa e dos componentes da cidade,
tendo em vista a formação de novos padrões de associação humana.
Ao afirmar que o problema da Inglaterra é a habitação urbana, colocam em
questão os dois tipos de moradia propostos no período: o das New Towns e o das
áreas centrais de Londres. A principal crítica e o temor dos arquitetos em relação
às alternativas propostas era a ameaça de o novo desenho destruir a comunidade
já formada, com padrões de associação e identidade formados. No caso específico
das Novas Cidades o processo de criação de uma nova estrutura urbana ignorou a
comunidade estabelecida – destruindo as relações de associação existentes - e
implantou um projeto urbanístico fundamentado no racionalismo das quatro
funções. Eles criticam a forma como tais comunidades perderam o antigo padrão
de associação e identidade. Para os Smithson qualquer planejamento deve ser
passível de mudança ao longo do processo para possibilitar uma resposta
satisfatória dentro do complexo total.
Na seqüência, argumentam que a autoridade das formas históricas deve-se à
força significativa que alcançaram perante a comunidade. Preocupam-se em achar
uma solução possível de se colocar novas construções junto as já existentes, de
maneira que o novo elemento revitalize a estrutura existente e não a destrua. As
relações entre os elementos da cidade traduzem-se em forma. E dizem: “Forma é
uma força ativa, ela cria uma comunidade, é a vida em si, de forma manifesta.”
Assumindo-se como “doadores de forma”, postulam uma arquitetura que
proporcione um ambiente em que o homem possa expressar a vitalidade e
singularidade de seu presente histórico. O Projeto Golden Lane surge neste
contexto como uma solução possível para os edifícios de apartamentos nos
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118
centros urbanos. A proposta era manter os padrões de associação e identidade em
um edifício de vários andares. A possibilidade de se construir um meio ambiente
saudável, mesmo em tipologias de grande densidade populacional, era a aposta
dos arquitetos.
Os Smithsons almejavam desenvolver uma arquitetura complexa à justa
medida da sociedade em que viviam – uma forma que representasse seu tempo e
sua geração. O que não significava, porém, a defesa de um arquitetura de tipo
“tecnológico e artificial”, ao contrário, manifestavam grande preocupação em
proporcionar ao homem o contato com a natureza e com espaços ao ar livre em
seus projetos. A valorização do indivíduo e suas relações sociais eram os
princípios do projeto: “a arquitetura trazendo vida, um equivalente (...) de nossa
paixão pelo mundo natural e da nossa convicção na nobreza do homem.”
O conceito desenvolvido em Golden Lane é a dos edifícios interligados –
através de malhas de ruas no ar - para que se aumente o espaço ao ar livre e as
relações de proximidade e interações sociais.
6.3
CIAM 10 e Team 10
“Somente aqueles, que fizeram 40 anos, nascidos em torno de 1916
durante as guerras e revoluções, e aqueles que estão agora com mais ou
menos 25 anos, nascidos em torno de 1930 durante a preparação de
uma nova guerra, e em meio a uma profunda crise econômica, social e
política -, assim, se encontrando, no coração do atual período, os únicos
capazes de sentir os problemas reais de uma forma pessoal,
profundamente. São estes os que podem melhor definir as metas a
seguir, os meios para chegar a elas, a patética urgência da situação
atual. Eles estão no saber. Os seus antecessores já não são, eles estão
fora, eles já não estão sujeitos à incidência direta da situação.”
15
Carta de Le Corbusier ao 10º CIAM em Dubrovnik. - 10º CIAM, 1956
15 SMITHSON, A, SMITHSON, P. CIAM, Team 10. Architectural Design: 1960.
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119
Parece que somente o Team 10, entre os 250 delegados em Dubrovnik,
aceitou o desafio colocado na carta de Le Corbusier.
Ficou mais do que claro o limite de atuação do CIAM diante dos dilemas do
segundo pós-guerra, apesar de muitos encontros acontecerem até o Congresso de
Otterlo em 1959 no qual o fim do CIAM foi declarado oficialmente.
No 10º e último Congresso em Dubrovnik, os Smithsons apresentam um
novo conceito – cluster. Segundo os seus autores: “O objetivo do Team 10, que
organizou o trabalho para o Congresso, dentro dos princípios do Manifesto de
Doorn, foi demonstrar que uma forma específica de “Habitat” deve ser
desenvolvida para cada situação. ”
16
Para tornar este ponto bem claro o casal preparou para o Congresso, 5
projetos para situações específicas. Em cada um o padrão de desenvolvimento foi
ao mesmo tempo ‘livre’ e ainda assim sistematizado. Esta forma de organização
eles chamaram de cluster.
“A palavra cluster, significando um padrão específico de associação, foi
introduzida para substituir grupos de conceitos tais como: casa, rua,
bairro, cidade (subdivisões de comunidades) ou ‘isolado, vila, pequena
cidade, grande cidade’ (entidades de grupo) que são muito carregadas
de conotações históricas. Qualquer ajuntamento é cluster: cluster foi o
termo usado para substituir a palavra casa durante o processo de criação
de novos tipos.
Certos estudos subestimaram a natureza de cluster. A intenção dos
nossos estudos em que as ‘condicionantes’ foram totalmente criadas e
não reais, foi mostrar, levando em consideração as formas de
construção existentes, que uma nova visão urbanística era possível. Em
outras palavras, a intenção foi apresentar uma Imagem
. Uma nova
estética foi proposta assim como um novo modo de vida.
16 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson. Pag. 33.
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120
É nossa tese que para toda forma de associação existe um padrão
específico de construção.”
17
6.3.1
Cluster City
Cluster City
18
reafirma todos os conceitos anteriores do Novo Brutalismo -
as preocupações com a comunidade e com a cultura de maneira geral - e destaca
que a principal preocupação do arquiteto deve ser achar uma “solução específica
para uma situação particular.”
Alison e Peter Smithson já haviam deixado claro, anos antes, no artigo
Urban Project que o grande desafio do arquiteto urbanista é encontrar um padrão
de associação e identidade em uma sociedade móvel, sob a forma de uma unidade
perceptível, uma expressão plástica como fator de unidade da comunidade.
A diferença fundamental neste texto Cluster City é a introdução da palavra
Imagem. Esta palavra é utilizada como uma forma de se enxergar o todo diante da
nova estrutura criada. A Imagem é a expressão ativa da comunidade.
Cluster City é como um resumo de todos os conceitos apresentados pelo
casal: padrões de associação, identidade, padrões de crescimento, mobilidade, que
agora estão agregados em um único conceito, o de cluster “como um novo ideal
em planejamento urbano”.
Ratificam que são funcionalistas, mas que a realidade contemporânea como
“viver onde trabalhamos” não é mais possível.
17 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Structuring: Studies of Alison and Peter
Smithson. Pag. 34.
18 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Cluster City. Architectural Review: 1957.
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121
Le Corbusier se reavaliou e que continuou exercendo um grande fascínio
sobre o pensamento do Team 10 e dos brutalistas, inclusive depois que a Carta de
Atenas foi declarada antiquada, como neste artigo em questão.
6.3.2
Otterlo Statement
Otterlo 1959 declaração:
19
O objetivo da reunião era: a confrontação das opiniões dos convidados,
participantes sobre a situação em que se encontrava a arquitetura e o
urbanismo; e a reorganização do tipo de contacto internacional como
foi feito pelo CIAM La Sarraz desde 1928.
Havia 40 participantes apresentando os seus planos no Museu Krõller-
Múller construído por Henry van de Velde em 1937 - 1953.
Resultado: verificou-se que os trabalhos sobre o painel podem ser
distinguidos em duas partes:
(1) Uma parte que poderia ser descrito como "neutro" na situação da
época. Este é um trabalho principalmente de boa qualidade dando
soluções para os problemas por meio de arquitetura e urbanismo como
foi promovido desde 1928 pela atividade do CIAM.
(2) Uma parte que poderia ser descrito como "agressivo" na situação da
época.
Os trabalhos sobre estes painéis mostram uma tentativa de descobrir se
a arquitetura poderia ser uma linguagem comunicativa mais direta sobre
o comportamento humano.
Esta parte dos painéis pode ser distinguida como:
a) Uma pequena parte mostrando a arquitetura utilizando os meios
modernos e tradicionais de expressão.
b) Uma grande parte tentando tocar, atingir, qualidades individuais e
sociais da qual uma nova linguagem arquitetônica poderia ser
desenvolvida.
19 SMITHSON, A., SMITHSON, P. CIAM, Team 10. Architectural Design: 1960
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122
Muitos destes painéis foram do grupo que preparou o 10º CIAM em
1956, em Dubrovnik.
Este grupo foi chamado Team 10.
Organização: Concluiu-se que o pensamento do CIAM foi um dos
elementos essenciais desde 1928 na evolução da arquitetura e
urbanismo, mas que a confrontação com as novas circunstâncias
resultou em diferentes formas de pensar.
Para intensificar as tentativas para encontrar uma nova linguagem
arquitetônica, indivíduos e grupos devem trabalhar na sua própria
maneira.
Foi, portanto, concluído que o nome ‘CIAM’ não seria mais utilizado
em relação às futuras atividades dos participantes.
Ao mesmo tempo, revelou-se alguma vontade de novamente se reunir e
comparar os resultados das futuras atividades quer feito por grupos ou
feito individualmente.
Com este objetivo, o secretário JB Bakema iria ficar disponível,
Posthoornstraat 12B, Rotterdam.
A declaração Otterlo não foi inesperada.
Era aguardada com crescente impaciência pelos membros subseqüentes
do Team 10 durante o período de cinco anos desde Aix-en-Provence
(1953).
Foi em 1959, na reunião em Otterlo que ficou definido que não se
usaria mais o nome do CIAM.
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CONCLUSÃO
Esta dissertação apresenta o casal Alison e Peter Smithson como
promotores de um planejamento urbano e arquitetônico antropológicos onde a
máxima deve ser o respeito a identidade social do grupo.
Aqui estão disponibilizados textos e artigos escritos por Alison e Peter
Smithson, materiais que são de grande importância para a compreensão do debate
arquitetônico e urbanístico na Inglaterra no período após a segunda-guerra.
A reunião destes documentos e suas traduções facilitam a pesquisa tanto
sobre as idéias do casal Smithson como do período caracterizado como o fim do
CIAM. Este trabalho abre espaço para que novas pesquisas possam ser
desenvolvidas ainda dentro do universo do casal Alison e Peter Smithson - a
análise tanto estética como poética de seus projetos arquitetônicos e urbanísticos.
Outro encaminhamento é a análise da mudança do Novo Brutalismo em
direção a uma arquitetura muito diferente da iniciada pelo casal, se distanciando
do idealismo e caminhando no sentido puramente estético.
Também vale ressaltar a relação entre a arquitetura do pós-guerra,
principalmente a do casal Alison e Peter Smithson com as artes, abrindo o diálogo
com a Pop-Art.
Inúmeras direções podem ser tomadas a partir do resgate destes documentos
e de todo o conteúdo desta dissertação. Este material ajuda a entendermos um
pouco mais sobre o Brutalismo Inglês abrindo o campo de visão para
entendermos o Brutalismo no Brasil.
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124
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA
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30 de junho de 2007
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APÊNDICE
Este apêndice apresenta os artigos An Urban Project, Urban Re-
Identification e Cluster City tal como foram publicados e suas traduções livres
para o português. Ainda apresenta o Manifesto de Doorn em inglês e o artigo
Otterlo Statement como fora publicado dentro do artigo CIAM Team 10.
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An Urban Project
1
O pressuposto que uma comunidade pode ser criada por isolamento
geográfico é inválido.
Os verdadeiros grupos sociais atravessam as barreiras geográficas e o
principal suporte para a coesão é a frouxidão do agrupamento e a
facilidade de comunicação mais do que o rígido isolamento da
comunidade em seções arbitrárias com dificuldade de comunicação,
como se caracteriza, tanto o caso do planejamento de vizinhança inglês
quanto o conceito da Unité de Le Corbusier.
A criação de espaços não-arbitrários para grupos é a principal função
do planejador. O grupo básico é, obviamente, a família.
Tradicionalmente o seguinte agrupamento social é a rua (ou praça ou
verde, qualquer palavra que implique, por definição congraçamento ou
posse -, assim, "na nossa rua", mas "na estrada"), a seguir o bairro e,
finalmente, a cidade. É o trabalho do planejador tornar visíveis esses
agrupamentos como realidade plástica finita.
Nos subúrbios e áreas degradadas a relação vital entre a casa e a rua
sobrevive, as crianças correm, (a rua é relativamente calma), e as
pessoas param e falam, os veículos desmontados estão estacionados:
nos quintais estão pombos e furões e as lojas estão na esquina: você
conhece o leiteiro, você está fora de sua casa em sua rua.
A casa, a casca que se encaixa na corcunda do homem, olha, quando
para dentro a família e quando para fora a sociedade. Sua organização
deve refletir esta dualidade de orientação e a liberdade de organização.
A facilidade de comunicação essencial, nas comunidades maiores deve
estar presente nestas, as menores.
A casa é o primeiro elemento finito da cidade.
As casas podem ser pensadas de modo que, apenas com pequenos
complementos que se revelarem necessários para sustentar a vida física
e espiritual, esta nova coisa finita, a expressão plástica da comunidade
primária, seja criada.
A rua é o nosso segundo elemento finito da cidade.
A rua é uma extensão da casa, em que as crianças aprendem pela
primeira vez o mundo fora da família, microcosmo do mundo em que
os jogos de rua mudam com as estações e as horas se refletem no ciclo
de atividades da rua.
Mas, no subúrbio e bairros degradados, conforme uma rua sucede a
outra, fica logo evidente que embora os nomes dos bairros sobrevivam,
como entidade física eles já não existem mais; mas todos nós sabemos
1
SMITHSON, A., SMITHSON, P. An Urban Project. Architect’s Yearbook, Volume 5,
1953.
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136
que houve uma época que essas ruas foram organizadas de tal modo,
com tantas coisas complementares que se revelaram necessárias para
sustentar vida física e espiritual que se formou o terceiro elemento
finito da cidade, o bairro, a expressão plástica da comunidade
secundária.
A diferença entre cidades e metrópoles é apenas o tamanho, já que as
duas são modalidades finitas de bairros, apenas com complementos que
se mostram necessários para sustentar a vida física e espiritual.
A cidade é a comunidade em sua expressão maior, "a expressão
tangível de uma região econômica".
Para manter a frouxidão do agrupamento e a facilidade de
comunicação, a densidade deverá aumentar à medida que a população
aumente, e ter alta densidade. Se quisermos manter a alegria essencial
do sol, do espaço, e do verde, temos de construir edifícios elevados.
No passado a aceitação dos edifícios altos levou a uma forma de viver
na vertical, na qual a família é privada da tão necessária vida ao ar
livre, e manter contato com outras famílias é difícil, se não impossível,
através de estreitas varandas e do corredor que lhes são o único meio de
comunhão e de comunicação. Além disso, fora alguns de seus vizinhos
imediatos, muitas vezes limitados a apenas três famílias, as
possibilidades de se formar amizades como se fossem uma “família
alargada” é dificultado pela total ausência de comunicação horizontal
no mesmo nível, e da ineficácia da comunicação vertical.
A idéia de "rua" tem sido esquecida.
É a idéia de rua, não a realidade da rua que é importante - a criação de
grupos-espaços que satisfaça a função vital de identificação e
congraçamento tornando possível a socialmente vital vida–na–rua.
É possível que se tenha ruas de todas as densidades com a criação de
uma verdadeira malha de ruas suspensas, cada rua tendo um grande
número de pessoas dependendo delas para seus acessos e, além disto,
algumas ruas que funcionem como vias - que conduzam a lugares – de
forma que cada rua suspensa adquira características especiais pelas
quais possam ser identificadas.
Cada rua suspensa deve ser acessada por um número suficiente de
pessoas para que ela se torne uma entidade social e esteja ao alcance de
um número ainda maior de pessoas no mesmo nível.
As ruas devem ser lugares e não corredores ou varandas. Vias onde
existam lojas, correios, quiosques de telefones.
Sempre que uma rua suspensa for puramente residencial a casa
individual com jardim-quintal irá fornecer o mesmo padrão de vida que
uma verdadeira rua ou praça; nada fica perdido e se ganha em
qualidade. O simples bloco desaparece e a vida na vertical se torna uma
realidade. A lixeira toma o lugar do poço nas aldeias.
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Chegou a hora de uma reorientação do pensamento urbano, uma
reviravolta na teoria até agora usada pelo CIAM, em direção à teoria
humana baseada na associação de pessoas umas com as outras e com
seus trabalhos. Estas associações constituem a preocupação básica do
planejador; definidos com precisão elas podem tornar realidades
plásticas finitas, restabelecendo a verdadeira estatura do homem – sua
identidade – a tarefa destas décadas.
Esta re-identificação deve começar com a renovação da relação entre a
casa e a rua.
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Urban Re-Identification
2
Cada geração sente uma nova insatisfação e concebe uma nova idéia de
ordem.
Isso é arquitetura.
Os jovens arquitetos de hoje sentem uma insatisfação enorme com os
edifícios que eles vêem subindo a sua volta.
Para eles, as grandes propriedades, os centros sociais e os edifícios de
apartamentos são sem sentido e irrelevantes. Sentem que a maioria dos
arquitetos perdeu contato com a realidade e constroem sonhos de ontem
enquanto alguns “acordam” no hoje. Estes estão insatisfeitos com as
idéias que representam estes edifícios, as idéias do Movimento das
Cidades Jardim e o Movimento da Arquitetura Racional.
Esses dois movimentos tiveram suas formas de construção a partir de
um significado estético e com o objetivo de alcançar programas sociais.
O movimento das Cidades Jardins é basicamente um movimento social;
Ebenezer Howard viu na idéia de combinar cidade e o campo, um
caminho pacífico para a verdadeira reforma - “Peacefull Path to Real
Reform”.
A imagem deixada pelo seu livro é de uma arquitetura das ferrovias
com trabalhadores limpos porem confusos.
A idéia de Cidade Jardim foi de Ebenezer Howard, porém esta forma
veio de Camillo Sitte, que primeiro concebeu o seu “desenho urbano”.
Antes de Camillo Sitte não havia ocorrido a ninguém que a cidade
poderia ser qualquer outra coisa que a mais conveniente e significativa
organização da hierarquia social. Depois de Camillo Sitte, a idéia era
criar uma townscape. A concepção das Cidades Jardins se deve mais à
falta de compreensão das cidades medievais do que a uma reforma que
se ajustasse a era das ferrovias.
Com as Cidades Jardins vieram 40 anos de legislação para o
planejamento urbano. Eles fixaram a densidade estrutural, o padrão de
casa e jardim, um sistema rodoviário sem propósito/inadequado. Eles
perpetuaram até hoje a opinião oficial, de 1912, sobre o que o
trabalhador mereceria ter.
2
SMITHSON, A., SMITHSON, P. Urban Reidentification . Architectural Design: 1955.
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O Movimento das Cidades Jardins foi a mãe do movimento das Novas
Cidades. Neles o conceito de “estrutura social balanceada”, e do lazer
necessário, alcançou seu anticlímax máximo.
Nos lugares mais progressistas, a tradição das Cidades Jardins deu lugar
ao Movimento da Arquitetura Racionalista dos anos 30.
A grande diretriz social deste movimento foi a da limpeza de ruas sujas,
a provisão de sol, luz, ar, e espaço verde nas cidades superpopulosas.
Este conteúdo social esteve perfeitamente compatível com a forma da
arquitetura funcionalista, a arquitetura do período acadêmico, que
seguiu o grande período do cubismo, Dada, e Stijl, do espírito nouveau.
Este era o período da cozinha mínima e das quatro funções, o conceito
da arquitetura mecânica.
O descontentamento que nós sentimos hoje é devido à incapacidade de
qualquer um destes movimentos em prover um ambiente que configure
a idéia de ordem, como vista pela nossa geração. As configurações das
construções históricas não aconteceram por casualidade ou Arte,
alcançaram se desenho por uma organização significativa, e as formas
têm validez permanente, uma vida secreta que sobrevive à utilidade
direta delas. Cada um de nós reconhece a Rua, o Lugar, a Praça, o
Bulevar principal, o Kraal, ou o Bidonville, como invenções urbanas,
extensões da casa e componentes da cidade que satisfez as necessidades
e aspirações de gerações passadas, em outros lugares. Por que é que nós
não podemos achar para cada lugar, a forma para nossa geração? Nós
somos os membros de uma sociedade não-demonstrativa. Nós já não
nos agrupamos ao redor do poço, não nos encontramos na feira, não
dançamos na praça, não buscamos leite na fazenda, não visitamos para
saber notícias, e não viajamos para nos informar. Em nossas casas
chegam luz, calor, água, entretenimento, informação, comida, etc. Nós
já não somos obrigados por nossas necessidades físicas a participar dos
velhos padrões de associação. Seguramente nós devemos ficar furiosos
por continuar criando formas desenvolvidas em culturas anteriores com
seus padrões únicos de associação e até mesmo esperar que eles sejam
adequadas?
Na Inglaterra o problema é habitação urbana.
Deve-se achar uma configuração em que seja possível colocar uma casa
junto com outras de tipo semelhante, formando elementos maiores e
abrangentes que possam ser colocados juntos as outras construções já
existentes nos vilarejos ou pequenas cidades de tal modo que o novo
revitalize as estruturas tradicionalmente existentes e não as destrua. A
relação entre o campo e a cidade, o banco e a casa, a escola e o bar é
traduzida pela configuração que eles tomam. Configuração é uma força
ativa, ela cria a comunidade, é a vida em si, de forma manifesta.
Hoje nós temos uma sociedade alfabetizada. Não temos mais
camponeses. O homem profissional já não pode esconder a
incompetência dele atrás da cortina de ignorância. Nós estamos
envolvidos com habitações coletivas, não como reformadores mas
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como doadores de forma. Nós temos que desenvolver a arquitetura
trazendo vida, um equivalente da complexidade de nosso modo de
pensar, de nossa paixão por um mundo natural e da nossa convicção na
nobreza de homem.
Nosso próprio projeto de Golden Lane, 1952, tentou dar uma medida de
humanidade para os edifícios de apartamentos na cidade de Londres. A
base deste esquema era abandonar a idéia de apartamento. Nós
abandonamos o sistema de colocar as moradias como num arquivo,
dependentes das varandas e dos acessos por escadas. Optamos por
corredores largos ou ruas cobertas o que iria dar um lugar de lazer para
as crianças e um lugar de bate papo como nos fundos dos quintais.
As habitações familiares ganharam espaço do lado de fora como se
fossem quintais, no mesmo nível da habitação. Assim a família poderia
contribuir com a arquitetura da rua.
As ruas seriam unidas até formar uma rede contínua em uma tentativa
de lidar com o problema da cidade realmente grande, fazendo-se desta
forma uma mudança de escala comparável a que foi feita no século
XIX pelas ferrovias. Até agora a maioria dos arquitetos se omitiu em
relação a este assunto e tem construído imitações de cidades antigas
tanto dentro quanto ao redor de nossas grandes cidades, negando a elas
o direito de ser formas urbanas. Ao mesmo tempo, nós sugerimos que
em lugares pequenos soluções de multi-níveis são absurdas, porque
ninguém quer perder o toque com a terra, se ele puder evitar isto. Mas,
se for inevitável, pela pressão da densidade, espaço ao ar livre deve ser
criado diretamente fora da habitação: realmente é na cidade que este
espaço ao ar livre se torna vital.
E finalmente, a nova estética.
A arquitetura magnífica, intensamente intelectual dos anos vinte, a
arquitetura geometria lírica e policromática não mostrou interesse pelos
materiais em si. Esta arquitetura se tornou acadêmica em tempo
recorde, como provavelmente aconteceu com o palladianismo na Itália
no século XVII.
A nova estética começa novamente com vida e com amor aos materiais.
Tenta agregar a natureza dos materiais com as técnicas com que eles
são usados, de uma forma completamente natural estabelecendo uma
unidade entre a forma construída e o homem que a usa.
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Cluster City
3
Cidade Aglomerada - Uma nova forma para a comunidade
Por toda a primeira parte do presente século, desde seu primeiro
Congresso em La Sarraz em 1928 ate sua virtual dissolução no ano
passado, o CIAM juntou os mestres da arquitetura funcionalista – Le
Corbusier, Gropius, Van Eesteren e muitos outros – em discussões
sobre os problemas de suas artes, e do planejamento urbano em
particular. Suas conclusões, formuladas em documentos metodicamente
organizados, o mais notável sendo a Carta de Atenas de 1933, agora
começam a parecer muito diagramáticos, formais e legalistas e aqui,
Alison e Peter Smithson, que participaram de muitas atividades do
CIAM no pós-guerra levantam um argumento para rever as doutrinas
funcionalistas em bases mais humanas e pragmáticas.
O arquiteto moderno está interessado nas implicações de sua construção
na comunidade e na cultura com um todo. Sua primeira preocupação é
com o problema geral, no qual a solução específica da situação
particular está envolvida. A declaração do 1º CIAM em 1928 estava
voltada não somente para o abandono de formas obsoletas e das
Academias, mas com a relação do princípio de funcionalidade da nova
arquitetura com a economia, com a racionalização da construção e
também com o planejamento da cidade, já que a Cidade Funcional seria
a extensão natural da Arquitetura Funcional.
A situação para o arquiteto moderno hoje, é fundamentalmente a
mesma, nós ainda somos funcionalistas e nós ainda aceitamos a
responsabilidade pela comunidade como um todo, mas hoje a palavra
funcional não significa meramente mecânico, como foi há trinta anos.
Nosso funcionalismo significa aceitar a realidade da situação com todas
as suas contradições e confusões e tentar fazer alguma coisa com elas.
Em conseqüência nós temos que criar um planejamento arquitetônico e
urbano que - através da forma construída – possa tornar significativos a
mudança, o crescimento, o fluxo, a vitalidade da comunidade.
Deve estar inerente na organização de cada edifício a renovação da
estrutura comunitária como um todo. Pegue, por exemplo, o problema
de reconstruir 3 casas numa rua já existente, as casas de cada lado
formam com a rua em si uma idéia urbana específica, as 3 novas casas
não poderiam simplesmente descartar esta velha idéia, mas deveriam
dar uma indicação, um sinal, de um novo tipo de estrutura comunitária.
Mas isto não pode ser feito a não ser que o arquiteto tenha mais ou
menos uma idéia ou um ideal completamente concebido para o qual
todo o seu trabalho esteja dirigido.
Agora é obvio que o conceito funcional-mecanicista de planejamento
urbano e a estética Cartesiana da velha Arquitetura Moderna não são
mais relevantes. O sonho de Le Corbusier de uma Ville Radieuse foi
3 SMITHSON, A., SMITHSON, P. Cluster City. Architectural Review: 1957.
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sustentado por uma geometria de banalidade chocante. Esta é a maneira
como o vemos agora – os projetos nos “tocam” tão pouco quanto os
padrões das toalhas de mesa da velha Paris, que é realmente onde eles
devem ter se originado (como são diferentes nossas reações para a
mesma imagem! Sob seu olhar – vibração; sob nosso olhar, curiosidade
histórica).
Ainda assim seu sonho era bastante real e ele ainda é relevante.
Le Corbusier – Une Ville Contenporaine – Paris 1922:
“Aqui temos uma calçada para pedestres, subindo numa leve rampa
para o primeiro andar que se estende diante de nós num terraço
quilométrico. Ele é ladeado por cafés sombreados por copas de árvores
que dão para o pavimento térreo abaixo. Outra rampa nos leva para uma
segunda calçada – dois níveis acima da primeira – de um lado dela está
a Rue de La Paix – com as melhores lojas; no outro se tem uma ampla
visão da cidade até seus limites. Ainda uma terceira rampa nos conduz
para uma esplanada ao longo das quais clubes e restaurantes estão
agrupados. Nos encontramos acima de grandes áreas de parques com
um mar verde saltando abaixo de nós. E para a direita e esquerda, lá
longe, e mais longe ainda, aqueles prismas gigantes e majestosos da
mais pura transparência, suas cabeças umas sobre as outras num
espetáculo ofuscante de grandeza, serenidade e alegria....”
“Aqueles jardins suspensos de Semirramis, os terraços triplos
entrelaçados, são “ruas de quietude”. Suas linhas horizontais delicadas
formam vãos nos intervalos entre as enormes torres de vidro verticais,
ligando-as com uma trama atenuada... Aquela fantástica colunata que
desaparece no horizonte como um filamento que vai sumindo aos
poucos e uma auto-estrada elevada, de mão única, na qual os carros
cortam Paris a uma velocidade estonteante.”
“Quando a noite cai, a passagem dos carros pela auto-estrada traça
riscos luminosos que são iguais a traços de meteoritos cruzando
velozmente os céus de verão.” - Este texto é retirado de um artigo
chamado A Rua que apareceu pela primeira vez em L’Intransigeant em
maio de 1929, que se referia aos princípios e tipos de edifícios do
projeto de Le Corbusier Une Ville Contenporaine para Paris 1922.
Nós ainda somos tocados por este sonho mas nós não mais acreditamos
nos meios pelos quais ele imaginou que os objetivos fossem
alcançados. Sua cidade é um tabuleiro de xadrez, colossal, axialmente
organizada. O que nós somos depois disto é alguma coisa mais
complexa e menos geométrica. Nós estamos mais preocupados com
“fluxo” do que com “medidas”. A idéia geral que atende a estes
requisitos é a idéia de cluster (conglomerados).
O cluster – um entrelaçado (tricot) apertado, complicado,
freqüentemente uma agregação em movimento, mas uma agregação
com uma estrutura peculiar. Isto é talvez o mais perto que se possa
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chegar da descrição de um novo ideal em planejamento arquitetônico e
urbano.
Dado esta descrição o problema de construir as 3 casas em uma rua
existente é o de achar uma maneira de (enquanto ainda atendendo a
idéia da rua) intervindo na fachada do velho edifício, construir algo que
possa fornecer uma sugestão, um sinal, de uma nova estrutura
comunitária.
É tradicionalmente o trabalho do arquiteto criar os símbolos ou imagens
que representem as funções, aspirações e crenças da comunidade e criá-
las de tal maneira que possam acrescentar algo ao todo em geral. O
conceito de cluster nos dá uma maneira de criar novas imagens, usando
as técnicas que tenham sido desenvolvidas para lidar com o problema
de uma sociedade de produção em massa, as técnicas, por exemplo de
engenharia para estradas e comunicações. Muitas soluções foram
apresentadas para tratar dos problemas do transito – vias expressas
ligando centros populacionais, vias expressas urbanas dentro das
comunidades, estacionamentos periféricos controlados ao redor dos
velhos centros, shopping-centers fora das cidades, fábricas pouco
distantes das vias expressas, cidades dormitório; soluções que ou
dispersam as energias das comunidades ou as integra numa maneira
totalmente nova.
O conceito existente para a cidade é o de anéis concêntricos, com
densidade de residências e uso do solo decrescendo para as
extremidades, com o padrão de ruas radiais vindo do ponto
historicamente considerado central. A este esquema têm sido
ultimamente agregadas cidades satélites de baixa densidade, que
também são dispostas de forma concêntrica e que são auto-suficientes,
(isoladas em torno de Londres e conectadas a Estocolmo).
No conceito de cluster a cidade não tem um centro, mas muitos. Os
pontos de pressão populacional estão ligados à indústria e ao comércio
e estes seriam os pontos naturais para que a vitalidade da comunidade
ache sua expressão – as luzes cintilantes e as multidões em movimento.
Estes pontos comerciais e industriais de pressão demográfica são
ligados por vias expressas com os bairros residenciais ou cidades
dormitórios. É inútil tentar racionalizar dizendo que nossas vidas são
tão simples que todos nós podemos “viver onde trabalhamos” – nós
temos que aceitar a mobilidade populacional e estar um passo a frente
deste fenômeno, controlando a forma que ele tome – criando novas
imagens, tanto para os elementos novos em si, como os velhos
elementos que se transformam.
Nós devemos planejar para cada lugar o tipo de estrutura que possa
crescer e ainda ficar livre, e ser facilmente compreendida em cada
estágio do desenvolvimento. A palavra cluster carrega em si o espírito
deste tipo de estrutura. Técnicas de planejamento existentes tais como o
controle de densidade residencial, índices de ocupação de espaço,
redesenvolvimento amplo é o que comanda (pelo menos na Inglaterra).
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Parece não existir razão para que comunidades com um fluxo mais
livre, mais variado, mais úteis não possam ser construídas.
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THE DOORN MANIFESTO
1. It is useless to consider the house except as a part of a community
owing to the inter-action of these on each other.
2. We should not waste our time codifying the elements of the house
until the other relationship has been crystallized.
3. 'Habitat' is concerned with the particular house in the particular type
of community.
4. Communities are the same everywhere.
(1) Detached house-farm.
(2) Village.
(3) Towns of various sorts (industrial/admin./special).
(4) Cities (multi-functional).
5. They can be shown in relationship to their environment (habitat) in
the Geddes valley section.
6. Any community must be internally convenient-have ease of
circulation; in consequence, whatever type of transport is available, density
must increase as population Increases, i.e. (1) is least dense, (4) is most
dense.
7. We must therefore study the dwelling and the groupings that are
necessary to produce convenient communities at various points on the valley
section.
8. The appropriateness of any solution may lie in the field of
architectural invention rather than social anthropology.
Holland, 1954
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610407/CA
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