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Universidade Severino Sombra
Programa de Mestrado em História
Selos Moedas e Poder:
O Estado imperial e seus símbolos
1840-1889
Luciano Mendes Cabral
Vassouras
2008
1
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Universidade Severino Sombra
Programa de Mestrado em História
Selos, Moedas e Poder:
O Estado imperial e seus símbolos
1840-1889
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Severino Sombra, como
requisito para obtenção do tulo de Mestre
em História
Orientador:
Prof. Dr. Eduardo Scheidt
Vassouras
2008
Luciano Mendes Cabral
2
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Selos, Moedas e Poder:
O Estado imperial e seus símbolos
1840-1889
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Severino Sombra, como
requisito para obtenção do tulo de Mestre
em História
Banca Examinadora
Prof. Dr. Eduardo Scheidt – USS ( membro )
Profª Drª Cláudia Regina Andrade dos Santos – USS ( membro )
Profª Drª Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves – UERJ ( membro )
Vassouras
2008
3
A minha família, razão de minha
vida e a meus alunos, sentido do meu
trabalho.
4
AGRADECIMENTOS
Tarefa, certamente, mais complexa do que a produção desse trabalho é agradecer
a todos que contribuíram para a sua realização. Digo isso, pois foram tantas as
manifestações de carinho e apoio, provenientes de todos as direções, que o medo de
deixar alguém de lado, ou de cometer alguma injustiça, dificulta tal empreitada. Mas,
desde , me desculpando com aqueles que, porventura, tenham ficado de fora sigo
nesse propósito, assegurando, porém, que os pontos positivos dessa pesquisa devem-se
em boa dose a esses muito queridos amigos, cabendo exclusivamente ao autor as
inúmeras falhas.
Acima de tudo agradeço a minha família. Com Regina, Arthur e Pedro adquiri
enorme dívida por todos os momentos em que tiveram de tolerar as crises e lamentações
inerentes às dificuldades do trabalho, pela constante compreensão e apoio, pelo amor
que sempre me dedicaram, e que foi o principal combustível que me trouxe até aqui. A
vocês, meus queridos, minha eterna gratidão e amor.
A minha mãe Vera, exemplo de mulher que me a certeza de que nunca estou
só, meu muito obrigado pela confiança e pelo constante apoio. A minha dinha Mariza e
a meus irmãos Lúcio e Leonardo, faltam palavras pelo companheirismo e constante
apoio que permitiram a superação dos inúmeros obstáculos. Ao Oswaldinho, amigo de
sempre e irmão do coração, não tenho como agradecer o suporte afetivo, humano e
muitas vezes financeiro que viabilizou a realização desse projeto. A Tereza e a
Margarete, meu Anjo da Guarda, obrigado pelo grande apoio.
Não poderia deixar de fazer especial menção ao querido amigo Simão Pedro dos
Santos e a Profª Drª Ana Maria da Silva Moura. Nos momentos em que tateava no
escuro e onde as dúvidas quase me fizeram desistir, foi seu desprendimento, amizade,
competência e confiança que fizeram com que esse projeto se concretizasse. A vocês,
obrigado.
Um lugar muito especial também é devido ao Prof. Dr. Eduardo Scheidt. Mais
do que um orientador tornou-se um amigo. Sua paciência, capacidade a constante
confiança em meu trabalho, foram fatores decisivos para que chegasse até aqui.
Aos professores do Programa de Mestrado em História da Universidade
Severino Sombra, mais do que minha gratidão externo a honra que foi ter sido aluno de
5
todos vocês. Aos Doutores José D’Assunção, Cláudio Monteiro, Lúcia Silva, Rosângela
Dias, Surama Conde, José Jorge, Carlos Engemann e Philomena Gebran meu muito
obrigado. A minha muito querida e sempre professora Drª Miridan Britto, faltam
palavras para dar forma ao que sinto. Uso, portanto, somente uma: obrigado.
Algumas pessoas marcam nossas vidas, outras nossas carreiras, algumas poucas
a ambas. Nesse último grupo não poderia deixar de agradecer aos maiores responsáveis
por fazer da História o meu ofício. Minha constante gratidão à irmã Maria Emília e a
meus inesquecíveis professores Drª Lúcia Maria Paschoal Guimarães, Dr. Celso
Péricles Thompson, Drª Lucia Bastos e Carlos Alberto Sertã.
Nos momentos em que faltaram as forças e a concentração para seguir nesse
trabalho, sobraram alguns amigos. Logo não poderia deixá-los de fora. Três em especial
me acompanham por mais de uma década, de seu carinho e amizade muito utilizei para
chegar até aqui. Aos professores Paulo César Machado, Joel Ferreira da Mota e Raul
Gomes de Siqueira Filho minha gratidão e inabalável amizade.
Sabendo que falta espaço para relacionar a muitos outros, cito alguns pois sei
que estenderão os votos de afeto aos amigos ausentes: José Pereira Pires, Guilherme
Morra, Oswaldo, Vandeílton, Amaro, França, Joanice, Vera, Antonio Marcelo, Lara,
Silas, Tânia, Cláudia, Paulo, Mariléia e Márcio. A todos vocês e muitos outros,
obrigado.
Se algumas questões me moveram para a realização desse trabalho, uma das
mais importantes foi a vontade de oferecer sempre mais aos alunos que tive e tenho
nesses quase vinte anos de magistério. A vocês, obrigado por esse estímulo.
Na certeza de que diferentes planos de existência nos privam do contato físico,
porém não separam nunca nossos espíritos e, muito menos, acabam com o amor
construído, agradeço de todo o meu coração a meu muito amado pai Edgard e avós
Cicinho e Olinda. Sem vocês nada disso seria possível.
Não poderia deixar de fora amigos que fizeram história, são história e que agora
me iluminam e apóiam para que faça a minha história. A Benedito, José, João, Maria e
Ana minha eterna gratidão.
Finalmente levo meu muito obrigado ao grande autor, compositor, arquiteto e,
por que não, síndico desse mundo em que vivemos. Obrigado meu Deus.
6
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo promover uma leitura da construção do Estado
Nacional brasileiro, no Segundo Reinado, a partir das imagens oficiais desse Estado
veiculadas nos selos postais e moedas do período. Acreditamos que essas imagens,
centradas na efígie do imperador, foram produzidas com base em matrizes ideológicas
que buscavam, essencialmente, referendar uma ordem produzida a partir dos interesses
da classe dominante, através das ações de um grupo de dirigentes políticos.
No primeiro capítulo discutimos os indivíduos que produziram essas imagens que,
seguindo uma proposta metodológica de análise de imagens de Roland Barthes,
chamamos de operatores. Nesse mesmo capítulo analisamos ainda os referenciais
ideológicos que orientaram esse processo, ao qual chamamos, ainda de acordo com
Barthes, de studium.
No capítulo 2 trabalhamos o padrão imagético predominante nos selos e moedas
brasileiras na década de 1840. Procuramos demonstrar como, nesse momento, não é
possível detectar uma ruptura com os padrões predominantes anteriormente, uma vez
que a imagem do imperador D. Pedro II ainda estaria sendo construída.
No terceiro capítulo de nosso trabalho demonstramos como, na segunda metade do
século XIX, um novo padrão de imagens foi inserido nos selos postais e moedas. Esse
novo padrão centrava-se na efígie do soberano, reflexo do desenvolvimento do capital
simbólico do mesmo. Estabelecemos ainda a relação da introdução desse padrão
imagético com as principais dificuldades enfrentadas pelas instituições monárquicas
nesse período, bem como com as discussões e críticas que passaram a freqüentar o
cenário político do Império do Brasil.
7
Sumário
Agradecimentos...................................................................................................................... 5
Introdução...............................................................................................................................10
Capítulo 1 – Operatores e Studium: a produção de imagens no Segundo Reinado..............29
1.1) Os Operatores: produtores de imagens no Império do Brasil........................................29
1.2) O Studium: pensamento e ideologia no Brasil do Segundo Reinado............................74
Capítulo 2 A Criação de uma Imagem: a produção imagética e o Estado no Brasil da
década de 1840..................................................................................................................... 76
2.1) Selos postais e moedas na primeira década do Segundo Reinado............................... 76
2.2) Uma Imagem em Construção: o padrão imagético dos selos postais e moedas do
Império do Brasil na década de 1840................................................................................... 85
Capítulo 3 O Spectrum: selos postais e moedas no Brasil da segunda metade do século
XIX..................................................................................................................................... 120
3.1) Selos postais e moedas no Brasil da segunda metade dos oitocentos......................... 122
3.2) Em cena o Imperador: mudanças no padrão imagético dos selos postais e moedas do
Brasil no Segundo Reinado................................................................................................ 129
Considerações Finais......................................................................................................... 166
Fontes e Referências Bibliográficas................................................................................... 170
1) Fontes............................................................................................................................. 170
2) Referências Bibliográficas............................................................................................. 174
8
Introdução
Para a mitologia grega, Proteu corresponde a uma divindade dos mares, filho de
Netuno e Fenice. Era o pastor dos rebanhos de seu pai, compostos por grandes peixes e
focas. Como recompensa, foi agraciado com o conhecimento do passado, do presente e
do futuro. Tal atributo fazia com que a divindade fosse constantemente procurada por
aqueles que pretendiam saber de sua sorte. Seu temperamento recluso, o que se
evidencia na opção de fugir do contato com a humanidade retirando-se para o Egito,
tornava o constante assédio e tentativas de consultas causa de grande tormento. A fim
de se livrar da insistência dos mortais, mudava constantemente a sua forma diante
daqueles que se aproximavam. Em alguns momentos era um leão, em outros um
9
leopardo, podendo também se metamorfosear em árvore, água e até mesmo fogo.
Portanto a sua imagem mudava constantemente
1
.
É a partir dessa perspectiva que a pesquisadora Martine Joly
2
constrói seu
conceito de imagem, e propõe o método que permitiria analisá-la. Para ela o termo
imagem guarda o caráter do Proteu mitológico, uma vez que possui diversos sentidos e
conotações que, a todo o momento, estão em mudança:
Embora certamente não exaustivo, o vertiginoso
apanhado das diferentes utilizações do termo “imagem”
lembra-nos o deus Proteu: parece que a imagem pode ser
tudo e seu contrário visual e imaterial, fabricada e
“natural”, real e virtual, móvel e imóvel, sagrada e profana,
antiga e contemporânea, vinculada à vida e à morte,
analógica, comparativa, convencional e expressiva,
comunicativa, construtora e destrutiva, benéfica e
ameaçadora.
3
Essa propriedade das imagens torna necessário, em um primeiro momento, que
ao tentarmos estudar a iconografia do Estado Imperial brasileiro entre 1840 e 1889,
estabeleçamos a definição do que entendemos por imagem e o tratamento metodológico
que damos ao nosso objeto.
Como imagem compreendemos algo visível, ou que remeta ao visível tomando
emprestado traços do visual, que depende de um ou mais sujeitos que a produz, e de um
ou mais sujeitos que a consomem
4
. Nesse sentido as imagens podem ter uma conotação
visual, midiática, psíquica, científica e virtual, entre diversas outras.
Em nosso caso priorizamos as imagens visuais que o Estado Monárquico
produziu dele mesmo durante o Segundo Reinado, em especial aquelas veiculadas nos
selos postais e nas moedas, as fontes iconográficas a partir das quais construímos nossa
análise. Entendemos que essas imagens correspondem a Imagens Oficiais do Estado, o
que se explica a partir de algumas questões.
1
Cf: COMMELIN, P. Nova Mythologia Grega e Romana. Paris: Garnier, s/d.
2
JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Campinas: Papirus, 1996. p. 26.
3
JOLY, Martine Op. Cit. p. 27.
4
Nosso conceito de imagem parte da visão de JOLY, Martine Op. Cit. p.13 – 16.
10
Em primeiro lugar os selos e as moedas foram concebidos a fim de
desempenhar um papel específico dentro da estrutura administrativa e financeira do
Império, sendo sua produção e distribuição incumbências do Aparelho Estatal. Um
segundo ponto, também fundamental, liga-se ao fato de que era o próprio Estado quem
determinava as características físicas dos mesmos, isto é, seus valores, formatos, cores,
os materiais com que eram confeccionados e principalmente as imagens que conteriam.
Acreditamos ainda que os selos e moedas exerciam o papel de veículos daquilo que Joly
chama de imagens de si ou imagens de marca
5
. Estas corresponderiam a operações
mentais, de caráter individual ou coletivo, centradas na construção de uma identidade ao
nível representacional, sem implicar, necessariamente, na reprodução de uma
semelhança visual. A conjugação desses fatores resultaria no padrão ao qual
denominamos anteriormente de imagens oficiais do Estado. Vale ainda ressaltar que os
selos e moedas o são os únicos a contê-las, ainda poderiam ser encontradas na
bandeira, no brasão e em diversas comendas e condecorações do período.
A utilização das imagens visuais como fontes históricas, embora fosse usual
desde os oitocentos, consolidou-se e ganhou nova dimensão a partir de meados dos anos
cinqüenta do século XX. Até esse momento predominava uma visão construída no
decorrer do século XIX, na qual o historiador corresponderia, principalmente, ao
homem de letras que trabalhava em bibliotecas, arquivos e gabinetes, distante do tempo
presente e das fontes não documentais. Apesar disso o aprofundamento das discussões
em torno da importância da materialidade da cultura para a produção historiográfica,
levou ao reconhecimento dos documentos materiais e à valorização das chamadas
Ciências Auxiliares da História. Surgiam então dois padrões de fontes: as fontes
materiais, correspondendo aos objetos, e as fontes imateriais, que seriam os textos
6
.
A partir da segunda metade do século XX, desenvolveu-se uma nova percepção
das antigas fontes materiais e, mais ainda, uma perspectiva bem mais ampla de sua
utilização pelos historiadores. Nesse momento os objetos materiais passaram a ser
concebidos como objetos culturais, portadores assim de sentidos imateriais
7
. Dessa
forma quadros, esculturas, obras arquitetônicas, moedas e uma variada gama de objetos
5
JOLY, Martine Op. Cit. p. 21.
6
Para as discussões do uso e da evolução de uma historiografia produzida a partir de fontes visuais,
lançamos mão do trabalho de Ângela de Castro Gomes e Mônica Almeida Kornis em:
GOMES, Ângela de Castro; KORNIS, Mônica Almeida. Com a História no Bolso: moeda e a República
no Brasil. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL “O outro lado da moeda”. (2001: Rio de Janeiro, RJ).
Livro do Seminário Internacional. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2002. p. 107-134.
7
GOMES, Ângela de Castro; KORNIS, Mônica Almeida. Op. Cit. p. 107 –108.
11
passaram a ser valorizados não só pelas imagens visuais das quais eram portadores, mas
também pelas possibilidades de interpretação e análise que se podia desenvolver a partir
delas. Intensificaram-se os debates acerca dos métodos e referenciais teóricos mais
eficazes na condução das análises e interpretações das fontes imagéticas.
Embora tenha sido a década de 1950 o marco dessa virada, no tocante ao uso de
fontes históricas não escritas, os trabalhos que alguns pioneiros vinham
desenvolvendo nesse campo foram de fundamental importância. Nesse sentido o maior
destaque cabe a Aby Warburg, que entre o final do século XIX e as primeiras cadas
do século XX, lançou as bases de muitas das propostas metodológicas atualmente
utilizadas. Nascido em 1866, em Hamburgo, descendia de banqueiros judeus, cujas
raízes na cidade remontavam ao século XVII. Afastou-se dos negócios da família,
dedicando-se integralmente aos seus estudos e à formação de sua importante biblioteca
que, em 1933 quando foi transferida para Londres fugindo dos riscos que o Nazismo
oferecia à cultura em geral, possuía um acervo de sessenta mil livros e milhares de
imagens. Em 1891 apresentou tese em Estrasburgo sobre O Nascimento de Vênus e A
Primavera de Botticelli, dando início a um trabalho de toda a vida
8
, cujas fontes
principais eram imagéticas
9
.
Ao morrer em 1929, Warburg havia desenvolvido um método de abordagem de
seu objeto baseado na utilização de testemunhos figurativos como fontes históricas
10
.
Tais testemunhos partem de um dado formal, a representação do movimento das vestes
e cabelos nas obras de arte da Renascença, com o propósito de chegar às atitudes
fundamentais do que considerava como Civilização Renascentista. Embora priorizasse
as imagens, defendia a utilização de tipos diversos de fontes, como testamentos, cartas
de mercadores, relatos de aventuras amorosas, além de tapeçarias e quadros, famosos e
obscuros. Tal postura promovia a recuperação do que chamava de documentos de pouca
importância, obviamente que para os pares de Warburg, das curiosidades
11
. Utilizava
como suportes teóricos para seu método, os trabalhos de Burkhardt, em especial seu
8
O objeto central do trabalho de Warburg era o Renascimento e a sobrevivência (nachieben) da
Antiguidade.
9
In: GUERREIRO, António. Aby Warburg e os arquivos da memória. Disponível em:
http://www.educ.fc.ul.pt. Acessado em 23/04/2007.
10
As considerações relativas ao método de Warburg foram construídas a partir da análise de Carlo
Ginsburg, In: GINSBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais. Morfologia e História. São Paulo: Cia. das
Letras, 1990. p. 41 a 93.
11
Nesse particular nos apoiamos na proposta warburguiana de lançar mão de fontes que poderiam ser
consideradas menores, posto que referenda e valida nossas fontes principais: os selos postais e as moedas.
Acreditamos, assim como o referido autor, que através desses pequenos elementos do cotidiano podemos
perceber a teia de relações que compõem o real.
12
conceito de cultura como entidade unitária, e Nietzsche, ao abordar o caráter dionisíaco
da Antiguidade.
O estudo dos trabalhos de Aby Warburg suscitou algumas questões, que
incorporamos como recursos metodológicos para as análises que desenvolvemos sobre
nossas fontes imagéticas. A primeira delas reporta-se às características das fontes
iconográficas
12
, que o autor considera como consideravelmente ambíguas e mais
propensas a interpretações diversas do que o que chama de fontes verbais. Além disso,
ainda ressalta a dificuldade de transposição dessas fontes para uma análise em um plano
racional e articulado
13
. Dessa forma torna-se necessário o uso combinado de fontes
imagéticas e fontes verbais
14
. Essa prática possibilita uma leitura mais psicologizante e
biográfica das imagens, uma vez que a ausência de documentos verbais poderia limitar
a ação do historiador a uma descrição de suas fontes
15
.
O século XX viu surgir seguidores do pensamento de Warburg, dentre os quais
destacamos Erwin Panofsky. Aprofundando os estudos de seu Mestre, Panofsky criou o
chamado Método Iconológico para o estudo de imagens. Esse método pressupõe a
existência de três níveis ou etapas para a análise das fontes iconográficas: a etapa
Fenomênica ou Pré-Iconográfica, a etapa do Significado ou Iconográfica, e a etapa do
Sentido da Essência ou Iconológica. Do método desse autor, no entanto, lançamos o
de dois conceitos a fim de construir nossa análise. O primeiro é o de dado iconográfico,
que corresponde a um elemento de mediação entre os diversos ambientes em que a
imagem foi produzida (cultural, religioso, político etc) e a própria imagem, cabendo ao
historiador descobrir em seu objeto os dados iconográficos que o compõem. Ainda em
relação ao modelo de Panofsky, destacamos o que ele considera como o elemento
legitimador da análise iconológica, isto é, o grau de coerência interna e de
correspondência entre textos e imagens, o que tornaria essa análise aceitável a partir do
momento em que o historiador consegue comprovar a existência desse elemento
16
.
Além das contribuições de Warburg e Panofsky, incorporamos ainda ao método
que utilizamos para o trabalho em nossas fontes, elementos de dois outros autores.
Acreditamos ser possível utilizar o método proposto por Roland Barthes
17
e Philippe
12
Utilizamos como sinônimos os conceitos de fonte iconográfica, fonte imagética e fonte visual fixa.
13
GINSBURG, Carlo. Op. Cit. p. 59.
14
Por fontes verbais Warburg entende toda fonte produzida a partir de uma linguagem escrita.
15
GINSBURG, Carlo. Op. Cit. p. 59 a 63.
16
Para a análise da obra de Panofsky, também utilizamos os trabalhos de Ginsburg, In: GINSBURG,
Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais. Morfologia e História. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. p. 41 a 93.
17
BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Nota sobre fotografia. Lisboa: Edições 70, 2006.
13
Dubois
18
, para a analise das imagens fotográficas, como veículo que possibilita pensar
os selos e moedas do Império Brasileiro como fontes históricas e imagens oficiais do
Estado, além de viabilizar a sua leitura.
Essa opção metodológica fundamenta-se, a princípio, na constatação de
semelhanças entre a imagem fotográfica e o padrão de imagens que está presente nos
selos e moedas do Brasil entre 1860 e 1889. Em um primeiro momento, percebemos
essas semelhanças no fato de que, assim como as fotografias, nossas fontes contêm
imagens que apresentam o que Barthes chama de paradoxo fotográfico, isto é,
pressupõem uma imagem sem código e uma imagem codificada. A primeira
corresponderia a uma analogia, enquanto a segunda seria a escrita ou retórica do fato.
Para o autor esse paradoxo se soluciona através do desenvolvimento de uma mensagem
de base conotativa a partir de uma mensagem sem código, uma identificação completa
entre conteúdo e expressão. Seria ainda possível estabelecer uma relação entre a
construção de Barthes e a visão de Jacques Le Goff, ao propor a existência de um duplo
caráter nas imagens: a imagem documento e a imagem monumento
19
. No paradoxo
barthesiano a imagem decodificada corresponderia à imagem documento, ao passo que
a imagem codificada seria a imagem monumento.
Da mesma forma que nas fotografias, em nossas fontes as imagens tomam forma
e sentido a partir de um duplo movimento: produção e consumo. É necessário que exista
um ou mais sujeitos que produzam essas imagens, o que na análise de Barthes
corresponderia ao operator. As imagens produzidas, ao mesmo tempo, necessitam de
um ou mais sujeitos que as consumam, o que para esse autor seria o spectator.
Além desses fatores, tanto nos selos e moedas quanto nas fotos as imagens estão
revestidas de um caráter artístico.
Partindo dessas semelhanças, podemos ler as imagens dos selos e moedas da
mesma forma que Barthes e Dubois lêem as imagens fotográficas.
Em um primeiro momento se faz mister analisar o processo que possibilitou a
produção dessas imagens. Para tanto é fundamental que avaliemos a relação da imagem
codificada com a situação referencial, isto é, os eventos ou os elementos que
corresponderiam ao conteúdo pictórico da imagem, o que poderíamos associar à
imagem decodificada. Esse exercício é realizado considerando o momento da produção
da imagem, ou a ação do operator.
18
DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico e outros Ensaios. Campinas: Papirus, 1993
19
LE GOFF, Jacques. Documento / Monumento. In Enciclopédia Eunaudi. Vol. 1 Memória e História.
Lisboa. Imprensa nacional – Casa da Moeda, 2003. p. 95 a 100.
14
Na proposta desses autores, especialmente de Dubois, a ação do operator
corresponderia a uma fragmentação do real. Através de sua câmera o fotógrafo recorta
uma parcela da realidade que pretende eternizar. Assim a foto aparece (...), no sentido
forte, como uma fatia, única e singular de espaço-tempo, literalmente cortada ao vivo
20
.
Tal fragmentação não ocorreria de forma aleatória, ela seria motivada pelo que Barthes
chama de studium, o que corresponderia a um saber ou educação que nos permitiria
chegar ao operator e a suas intenções
21
.
Como as imagens que estudamos não são produzidas a partir do uso de uma
câmera, entendemos que o studium de nossos operatores levaria a uma opção por
determinada imagem decodificada que será impressa e cunhada nos selos e moedas.
Acreditamos que nesse studium pode ser detectado o concurso de ideologias que
norteiam a ação dos operatores e de todo um poder simbólico inerente à imagem que foi
escolhida. Dessa forma nossa proposta consiste, nesse particular, em fazer o
levantamento dos operatores responsáveis pela produção das imagens presentes nos
selos e moedas do Brasil, durante o Segundo Reinado, bem como em analisar o studium
que atuava nessa produção.
Na outra ponta do processo encontram-se os agentes que consomem ou captam a
imagem produzida, os spectatores. Barthes propõe que esse consumo se através do
que chama de um estoque de signos
22
, que formaria um Código de Conotação
Fotográfica. Esse código é fruto de uma prática coletiva, cultural e, portanto, histórica.
Logo podemos concluir que o consumo da imagem de uma foto, e de outros tipos de
imagem, é algo que será, sempre, historicamente determinado. A adequação dessa
proposta metodológica às fontes que trabalhamos, exige que, em primeiro lugar,
definamos quem são os spectatores que consumiram as imagens dos selos e moedas no
período em questão e, principalmente, que seja estabelecido o código de conotação que
viabilizava esse consumo. Consideramos ainda que as ideologias, a partir de sua
capacidade de produzir significados, desempenham importante papel na produção desse
sistema de signos, o que estabeleceria um vínculo entre operatores e spectatores.
20
DUBOIS, Philippe. Op. Cit. p. 161.
21
LIMA, Osvaldo Santos. Câmera Clara, um diálogo com Barthes. Disponível em
http://www.bocc.ubi.pt. Acesso em 15/07/2007.
22
Para Roland Barthes, os signos que compõem esse código, corresponderiam a gestos, atitudes,
expressões, cores, efeitos especiais etc. No caso de nosso objeto os signos que formam o código de
conotação que possibilita o consumo da imagem possuem um caráter ideológico e simbólico.
15
O objetivo central dessas considerações metodológicas está ligado à necessidade
que sentimos de definir, de forma clara, o método que utilizamos para trabalhar os selos
postais e as moedas como fontes históricas. Tal procedimento torna-se relevante a
partir do caráter dessas próprias fontes, que em lugar de documentos escritos servem de
documentos imagéticos, cuja leitura exige cuidados diferentes daqueles que devemos ter
com os primeiros. Além disso, pensamos que as considerações anteriores são
fundamentais para a compreensão dos passos que daremos nos capítulos seguintes, uma
vez que os mesmos corresponderão a nossa análise da produção das imagens contidas
nessas fontes, entendidas como imagens oficiais do Estado Imperial, bem como da
função das mesmas no contexto histórico em que foram produzidas.
Nesse momento nos vemos na iminência de algumas discussões conceituais. A
primeira delas reporta-se ao que entendemos por ideologia. O ponto de partida dessa
discussão, a nosso ver, deve ser o reconhecimento do caráter polissêmico do termo.
Envolvendo toda uma série de sentidos que, muitas vezes, são incompatíveis, ela faz
com que seja quase impossível que se estabeleça aquilo que Eagleton chama de uma
“Grande Teoria Geral”
23
. Logo consideramos como fundamental definir que sentidos
seguimos em nossas análises.
Conscientes dessa polissemia e, conseqüentemente, da infinidade de abordagens
existentes, nos limitamos aos trabalhos dos críticos ingleses Terry Eagleton e Raymond
Williams. Segundo Eagleton
24
podemos discernir duas grandes linhas de pensamento no
tocante à questão da ideologia: uma mais tradicional, ligada às abordagens de Hegel,
Marx e Lukács, que encara a ideologia como uma ilusão, distorção e mistificação do
real e uma outra que analisa estas questões no contexto da função das idéias na vida
social, portanto sob um prisma mais amplo e vinculado, sobretudo, à perspectiva
sociológica, relegando a um segundo plano os aspectos epistemológicos. Nesse
contexto, ficaremos com a postura adotada por Eagleton que, sem deixar de lado o
aspecto epistemológico inerente ao conceito de Ideologia, prioriza o seu caráter
sociológico.
Para tanto partiremos de dois conceitos de ideologia elaborados pelos autores
ingleses. Segundo Eagleton a ideologia pode ser encarada como (...) um processo
material geral de produção de idéias, crenças e valores na vida social
25
. Esse
processo, segundo o autor, teria um sentido universal, correspondendo a ideologia tanto
23
EAGLETON, Terry. Ideologia – Uma Introdução. São Paulo: Unesp; Boitempo, 1997. p. 15.
24
EAGLETON, Terry. Op. cit. p.16.
25
Id. Ibid. p.20
16
aos produtos quanto aos processos envolvidos na significação
26
. Nesse contexto, e
sustentando tal argumentação, Williams nos diz que:
Finalmente, uma necessidade obvia de um termo
geral para descrever não os produtos, mas também os
processos de toda significação, inclusive a significação dos
valores. É interessante que ‘ideologia’ e ‘ideológico’ tenham
sido amplamente usados nesse sentido. Volosinov, por
exemplo, usa ‘ideológico’ para descrever o processo da
produção do significado através de signos, e ‘ideologia’ é
tomada como a dimensão da experiência social, na qual
significados e valores são produzidos.
27
A partir dessa definição, torna-se possível estabelecer algumas características
para as questões ideológicas, que favorecem sobremodo seu estudo e compreensão.
Inicialmente observamos uma estreita relação entre ideologia e poder, John B.
Thompson chega a afirmar que: Estudar ideologia, é estudar os modos pelos quais o
significado (ou significação) contribui para manter relações de dominação”
28
.
A interação da ideologia com essas relações de dominação ou poder se efetivaria
através de seis estratégias: a promoção de crenças valores; a naturalização e
universalização de crenças; a exclusão de formas rivais de pensamento; o
obscurecimento da realidade social de modo a favorecer o discurso ideológico e o fato
da ideologia atuar anulando idéias que a desafiam.
Ainda no tocante às suas relações com o poder, constatamos que a ideologia atua
como um ponto de interseção entre os sistemas de crenças e o poder político servindo,
portanto, como um veículo que permite aos homens postularem, explicarem e
justificarem seus fins e meios na ação social organizada, especialmente na ação política.
No entanto podemos detectar duas limitações fundamentais nesses vínculos existentes
entre as questões ideológicas, o poder e as relações de dominação. A primeira diz
respeito ao fato de que nem todo campo de crenças ideológicas está associado a um
26
Essa visão ganha força com as proposições de Raymond Williams, para quem a ideologia
corresponderia a um “(...) processo geral da produção de significados e idéias.” In: WILLIAMS,
Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro. Zahar, 1979. p. 75.
27
WILLIAMS, Raymond. Op. Cit. p. 75.
28
Cf: EAGLETON, Terry. Op. cit. p. 19.
17
poder político dominante e, além disso, percebemos também que nem todas as
ideologias são opressivas e dominadoras.
Outra importante característica das ideologias concerne à questão de elas
estarem vinculadas a uma prática discursiva, isto é, o exame e a compreensão dos
postulados ideológicos somente se tornam efetivos quando consideram o contexto
discursivo em que foram produzidos. Nesse sentido observamos também que as
ideologias funcionam como matrizes de significados, que permitem o entendimento, a
construção e a ação sobre o real, por parte dos indivíduos, grupos ou classes atuantes em
uma formação social. Tem, portanto, a propriedade de racionalizar o mundo e os
interesses sociais, produzindo justificativas para comportamentos e atitudes, gerando
motivações para a ação efetiva e explicando contradições e incoerências.
A partir dessa visão, acreditamos poder considerar as Ideologias como matrizes
para a produção de símbolos. Isso porque consideramos que os significados que
produzem, podem ser apreendidos e transmitidos tanto no plano dialógico quanto no de
uma linguagem simbólica.
Também como características das ideologias, devemos citar a sua intrínseca
ligação com o real. Muito embora viabilize a percepção e a construção (individual ou
coletiva) da realidade, as questões e os discursos ideológicos são produzidos com base
em uma realidade que lhe antecede e que existe objetivamente. Isso explica como as
ideologias são capazes de intervir na consciência daqueles que submetem ou que as
adotam, apropriando-se de suas experiências e refletindo-as. Tal análise permite
também que concebamos as questões ideológicas como elementos atuantes no plano
teórico e no prático, estando presentes nos mais elaborados sistemas de pensamento, ao
mesmo tempo em que interagem com a realidade cotidiana.
Finalmente constatamos que as ideologias não podem ser vistas como blocos
monolíticos, ao contrário, correspondem a formações diferenciadas, que conhecem
choques e conflitos entre seus elementos constitutivos, entre os agentes que as
produzem e aqueles que seriam os seus alvos. Isso faz com que sejam constantemente
reavaliadas, renegociadas e resolvidas, ocasionando as disputas ideológicas. Dessa
forma os discursos ideológicos não podem ser totalmente hegemônicos e absolutos, uma
vez que em cada sociedade subsiste um cadinho de formas de consciência dominantes,
residuais e emergentes.
Ainda nesse último aspecto, vale lembrar as considerações de Eagleton ao
afirmar que as ideologias o possuem um caráter “puro” ou “unitário”. Segundo o
18
autor, elas somente têm uma existência em relação a outras ideologias, com as quais tem
de, constantemente, estabelecer diálogos e canais de negociação. Dessa maneira
conseguem “apropriar-se da consciência” daqueles que pretendem subjugar, obtendo
assim o poder enquanto ideologias
29
.
Após a definição de nossos referenciais metodológicos e teóricos, consideramos
ser de fundamental importância tecermos algumas considerações sobre nossas fontes.
Nesse sentido tentaremos entender tanto a sua produção, quanto a função que exerciam
no contexto histórico em que foram criadas.
Os selos postais surgiram, no século XIX, com uma função vinculada ao serviço
de correios, e à comunicação à distância. Muito antes deles, no entanto, o homem se
preocupava com o estabelecimento de sistemas regulares, que levassem informações e
notícias a regiões distantes, viabilizando o encaminhamento e a solução de questões de
paz e de guerra. Desde as primeiras civilizações da Antiguidade observamos a
preocupação em enviar e receber mensagens, evidenciando o próprio desenvolvimento
das sociedades e do sistema de correios.
Não é nosso propósito historiar a evolução dos mecanismos utilizados para o
intercâmbio regular de correspondências, porém o caso da Inglaterra merece uma
análise à parte, posto que a partir do século XIX ela serve de modelo para todo o serviço
de Correios do mundo, evidenciando a eficácia do sistema ali implantado.
Do século XVI até acada de 1840, os ingleses não fugiam muito da realidade
existente no restante da Europa, no tocante ao envio de correspondências. Durante o
século XVI encontramos duas modalidades de correios, um primeiro que correspondia
ao sistema de mensageiros oficiais, e funcionava paralelamente a outro, mantido por
comerciantes da ilha e estrangeiros a fim de entregar sua correspondência. Os séculos
XVII e XVIII conheceram alguns avanços: o serviço de correios-cavaleiros, obrigados a
expedir a correspondência, no máximo, um quarto de hora após o seu recebimento; a
criação de uma linha regular entre a Inglaterra e a Escócia; a ampliação do uso do
serviço a todos os ingleses e ainda no século XVII a absorção de todo o serviço pelo
Estado.
No entanto, até os anos quarenta, do século XIX, o serviço postal da ilha era
deficitário gerando grandes prejuízos a Coroa
30
. Isso se explica pelo fato de que o porte
da correspondência era pago pelo destinatário, que na grande maioria dos casos
29
EAGLETON, Terry. Op. cit. p. 51.
30
QUEIROZ, Raymundo Galvão. Introdução ao Estudo da Filatelia. Brasília: Edição do autor, 1980.. p.
29 – 32.
19
simplesmente rejeitava as cartas e demais objetos enviados, não arcando com os custos.
Diante da negativa, os mensageiros eram obrigados a retornar com as remessas para as
agências de correios que as expediram, sem que as despesas envolvidas em todo o
processo fossem pagas, que nada obrigava os destinatários a fazê-lo.Essa situação
somente foi alterada a partir da reforma postal de 1839, proposta por Rowland Hill. Este
personagem era um professor, nascido em Kinderminster em 03 de dezembro de 1795 e
que faleceu em Hampstead a 27 de agosto de 1879, aos 84 anos de idade.
Podemos tentar entender a iniciativa da Reforma a partir de duas perspectivas.
Uma primeira, de caráter pitoresco, estaria muito mais ligada às tradições vigentes nos
meios filatélicos
31
. Segundo essa vertente, ao passear no campo, no noroeste da Escócia
em 1836, Hill presenciou uma situação que inspirou a mudança. Viu que após breve
discussão com o “carteiro” uma jovem camponesa não aceitou a correspondência,
despachando o entregador. Ao interpelar a jovem, constatou que a causa da recusa
devia-se ao fato da mesma saber do conteúdo da carta, pois esta havia sido mandada
por seu noivo com o qual desenvolveu um sistema de códigos baseado em pequenos
símbolos inscritos no envelope. Isso dispensava a sua abertura e conseqüentemente o
pagamento da postagem
32
.
Constatando que esse expediente era muito comum em toda a Inglaterra, Hill
encaminha ao Parlamento um projeto de Reforma Postal, o Post Office Reform: Its
Importance and Practibility”
33
, do qual constavam três itens principais: a cobrança das
tarifas em relação ao peso e não à distância percorrida, diminuindo o seu custo; o
pagamento da postagem pelo remetente e não pelo destinatário e a utilização de um
pequeno pedaço de papel adesivo que portearia a correspondência, o selo. Vale a pena
recorrermos às palavras do próprio autor da reforma, no tocante à visão que ele tinha do
que seria esse selo:
31
Filatelia é uma palavra que foi criada pelo francês Georges Herpin, que buscou no grego o radical
necessário para tanto. Em uma tradução livre significaria “amigo do selo”. Define o estudo dos selos
postais, bem como o gosto ou hábito de colecioná-los. Portanto ao nos referirmos aos meios filatélicos,
estamos aludindo ao universo dos estudiosos e colecionadores de selos postais.
In: WILLIAMS, Leon Norman; WILLIAMS, Maurice. A Filatelia: história e iniciação. Lisboa: Ulisseia,
1956. e MACHADO, Paulo Sá; QUEIROZ, Raymundo Galvão. Dicionário de Filatelia. Porto: Edições
ASA, 1994.
32
A versão relativa à viagem de Hill a Escócia, e ao seu testemunho da cena envolvendo a jovem
camponesa, embora esteja fortemente arraigada ao conhecimento filatélico e seja citada em inúmeras
obras especializadas em todo o mundo, não pode ser comprovada em termos documentais. Porém todos
os fatos posteriormente relatados são passíveis de comprovação documental.
33
In: ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. Selos Postais do Brasil. o Paulo:
Metalivros, 2003. p. 18.
20
(...) pedaço de papel de tamanho suficiente para
receber uma estampa, coberto na parte traseira com goma,
que o portador poderia, aplicando um pouco de umidade,
prender na parte posterior da carta.
34
Após uma primeira rejeição o projeto foi finalmente aprovado, em 17 de agosto
de 1839, sendo que em setembro do mesmo ano Hill foi nomeado Membro do Tesouro
a fim de supervisionar a Reforma. Em 01 de agosto de 1840 teve início a utilização do
selo postal na Inglaterra.
O primeiro exemplar foi resultado do trabalho de Benjamin Cheverton, vencedor
de um concurso realizado pelo Tesouro britânico em 1839, que escolheria o motivo e o
modelo do primeiro selo postal do mundo. Foi gravado em talho-doce, pela empresa
Perkins, Bacon & Sons de Londres, e trazia a efígie em perfil da rainha Vitória sobre
fundo negro, no valor de um penny, o que o tornou popularmente conhecido como
Penny Black
35
. A fim de produzir o seu selo, Cheverton utilizou uma gravura feita por
William Wyon em 1837, que retratava a rainha aos quinze anos de idade
36
. É interessante
observarmos as justificativas do próprio Benjamin Cheverton para a utilização da efígie
real como uma forma de evitar as falsificações do selo que então projetava, uma vez
que, como veremos adiante, contrasta totalmente com a postura adotada pelas
autoridades brasileiras no momento de definir o motivo de nosso primeiro selo postal:
Uma vez que a vista está educada para se aperceber
de diferenças nos traços do rosto, a descoberta de qualquer
discrepância da falsificação torna-se mais fácil – a diferença
de efeito saltará aos olhos do observador mais rapidamente
do que no caso de letras ou de simples desenho ornamental,
embora talvez não seja capaz de assimilar onde se encontra
a diferença ou no que consiste.
37
A partir de uma perspectiva histórica, podemos entender as reformas
promovidas nos sistemas de correios e o surgimento dos selos postais como um reflexo
do conjunto de mudanças ocorridas nas sociedades capitalistas do século XIX, quando
34
ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. Op. Cit. p. 19.
35
WILLIAMS, Leon Norman; WILLIAMS, Maurice. A Filatelia: história e iniciação. Lisboa: Ulisseia,
1956. p. 21 – 23.
36
WILLIAMS, Leon Norman; WILLIAMS, Maurice. Op. Cit. p. 33.
37
Id. Ibid. p. 32.
21
do advento dos Estados Nacionais. Tais mudanças se processaram tanto no campo
político quanto no econômico, e em ambos os casos é fácil percebermos como as
reformas postais e o advento dos selos são fruto de um conjunto de fatores históricos
então atuantes.
Segundo Eric Hobsbawm, o Estado moderno surge após a Revolução de 1789,
prenhe de novidades em diversos aspectos. Pode ser pensado como um território,
prioritariamente de caráter contínuo, com fronteiras bem definidas e dominando a todos
os seus habitantes. Tal domínio se processa no plano da política e da administração,
implicando na imposição de um mesmo conjunto de leis e de arranjos administrativos
em todo o território. Esse Estado deve estabelecer uma relação orgânica com os
habitantes de seu território, transformado-os em uma coletividade, formada de cidadãos
mobilizados por deveres e direitos políticos. A partir daí a sua construção enseja um
novo processo que lhe é necessário e complementar: a formação de uma nação.
38
Para tanto o poder do estado deve se constituir como “(...) agência nacional
suprema de domínio sobre seu território”,
39
devendo seus agentes e representantes
chegar às partes mais remotas do mesmo. Forças armadas e policiais, escolas e
professores assim como os correios e os carteiros passam a desempenhar essa função
multiplicadora e de onipresença do poder estatal. Ainda em sua construção, o Estado
Nacional deve subordinar todos os habitantes, “passíveis de serem sujeitos da
administração”, ao governo estatal. Com esse propósito cria uma complexa máquina
administrativa, forma uma classe de funcionários e estabelece aquilo que Hobsbawm
chama de uma “língua de comunicação”, privilegiando a língua escrita. Essas
operações estariam diretamente ligadas a uma expansão do Estado dentro de seu
território, assim como à ampliação de seu poder e autoridade.
40
É dentro desse contexto que acreditamos que ganham relevância tanto as
reformas postais, que ocorreram na Europa a partir de década de 1840, quanto o advento
do selo postal. A preocupação e os esforços voltados para a melhoria da eficiência e dos
resultados da remessa e entrega de correspondências, estaria associada a um movimento
mais amplo de incremento dos meios de comunicação. Sistemas de correios mais
eficazes, não só reduzem custos e despesas, como também levam o poder do Estado, e o
próprio Estado, a regiões cada vez mais distantes do território. Dessa forma tais regiões,
38
HOBSBAWM, Eric J. Nações e Nacionalismos desde 1780. Programa, mito e realidade. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 101-106.
39
HOBSBAWM, Eric J. Op. Cit. p. 102.
40
Id. Ibid. p. 103.
22
bem como seus habitantes, estariam mais fortemente vinculadas a um governo que,
mesmo espacialmente afastado, é capaz de se comunicar e fazer presente em tempo
relativamente curto e de forma eficaz.
Nesse aspecto os selos ganham uma relevância maior. Deixam de ser meros
papeizinhos coloridos que desempenham uma função administrativa, a de comprovar o
pagamento antecipado do serviço a ser prestado, e se tornam símbolos desse Estado que
pretende se fazer presente em todo o seu território. Passam a estar revestidos de um
poder simbólico
41
que atua na construção e na consolidação do Aparelho Estatal
42
. Não é
por acaso que nesse momento as primeiras emissões de selos postais estampam, na
maioria das vezes, a efígie dos soberanos ou governante então no poder.
Relacionamos, a seguir, alguns exemplos que confirmam nossa proposição: a
rainha Vitória nos selos ingleses em 1840; D. Maria II em Portugal em 1853; Napoleão
III na França em 1853; Frederico Guilherme IV na Prússia em 1850; Frederico Augusto
II no Saxe em 1851; Francisco José I na Áustria em 1858; Leopoldo I na Bélgica em
1849; Isabel II na Espanha em 1850; Guilherme III na Holanda em 1852; Miguel III no
Principado da Sérvia em 1866 além de importantes figuras do movimento
emancipacionista e constitucionalista nos selos das repúblicas americanas nesse mesmo
período
43
.
A construção dos Estados Nacionais implicaria, ainda, no estabelecimento de
laços de lealdade e de identificação dos cidadãos ao Estado
44
, envolvendo a produção e
a reformulação de “identidades nacionais coletivas”
45
, tais como pátria, país e nação.
Antigos padrões sociais são eliminados, e uma nova identidade social coletiva começa a
ser produzida, ganhando relevância nesse processo a nação
46
. A produção desses laços e
identidades se faz necessária tanto aos novos Estados, que então emergiam na América,
41
Nessa análise utilizamos o conceito de símbolo e de poder simbólico, conforme foram propostos por
Pierre Bourdieu. Nos capítulos seguintes discutiremos mais detidamente a aplicação desses referenciais
conceituais aos selos, moedas e imagens neles contidas.
In: BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
42
Nessa análise utilizamos os conceitos de Aparelho Estatal e de Aparelhos Ideológicos do estado de
Althusser.In: ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985. p. 66
– 72.
43
Essas referências foram obtidas em: YVERT & TELLIER. Catalogue de Timbre-Poste. Paris: Éditions
Yvert & Tellier, 1976. Tome I e II.
44
HOBSBAWM, Eric J. Op. Cit. p. 103.
45
Utilizamos esse conceito a partir da proposta de Jancsó e Pimenta In: JANCSÓ, István; PIMENTA,
João Paulo G. Peças de um Mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade
nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem Incompleta: a experiência
brasileira.São Paulo: Ed. SENAC, 2000.
46
HOBSBAWM, Eric J. Op. Cit. p. 104.
23
quanto aos mais antigos, uma vez que desde 1789 as fórmulas tradicionais de
legitimação vinham sofrendo constante oposição.
Eric Hobsbawm expõe de forma interessante um dos processos pelo quais o
Estado se legitima a partir da construção dessas novas identidades políticas coletivas.
Nos mostra que através da identificação da pátria, construção política, à nação, fruto de
um amálgama de elementos emocionais e culturais, torna-se possível fazer do
nacionalismo o “componente emocional central” do Estado, desde que integrado ao que
chama de “patriotismo estatal”. Essa integração se daria através da projeção de fatores
ligados a uma identidade regional ao que se constituía em uma identidade nacional,
sendo necessário, para tanto, o concurso de elementos capazes de promover essa
identificação: lugares, práticas, personagens, sinais e símbolos. Ainda para o autor o
Estado usaria a comunicação como um veículo de difusão da imagem e da herança
dessa nação junto aos seus habitantes, atuando também como instrumento que ligaria o
povo aos símbolos nacionais
47
.
É dentro desse contexto que acreditamos que os selos postais, novamente,
ganham importância. A ele são incorporados esses elementos de identificação, fazendo
com que passem a desempenhar uma função simbólica que permite que atuem, a partir
daí, como peças desse duplo processo de consolidação do Estado e de construção da
nação. Ao mesmo tempo as reformas e melhorias nos serviços postais levariam a
diversos pontos do território, e até mesmo a outros Estados, essa imagem e herança que
se pretendia difundir. Devemos considerar, também, que esse serviço, agora mais eficaz,
seria uma evidência da presença do próprio poder estatal.
Intrinsecamente ligados a esse complexo mecanismo que incrementa as
transformações no campo político e na cultura política, importantes movimentos
econômicos e demográficos se fazem sentir entre os anos 30 e 50 do século XIX. Tais
movimentos deram ao serviço de correios, e às suas inovações, um destacado papel não
no contexto das tessituras político-culturais, como também na produção da vida
material.
Usaremos como fio condutor de nossas reflexões as transformações econômicas
e o crescimento das cidades. Embora sejam perceptíveis desde o fim das guerras
napoleônicas, essas questões se fizeram mais relevantes nesse período. Tais
movimentos estavam relacionados a alguns fatores centrais, dentre os quais o
historiador René Rémond destaca: o afluxo de população camponesa, promovido pelo
47
HOBSBAWM, Eric J. Op. Cit. p. 108-111.
24
êxodo rural; o desenvolvimento técnico promovido pela criação da máquina e a
utilização de novas fontes de energia, o que gerou uma demanda por mão-de-obra
dentro das próprias cidades; um fascínio exercido pelas cidades sobre diversos setores
da população européia, que passa a encarar o espaço urbano como um sinônimo de
progresso econômico, riqueza e possibilidade de uma vida mais fácil; e ainda o avanço
das atividades ligadas ao setor terciário da economia, perceptível no crescimento do
comércio e da distribuição de mercadorias, na sofisticação do sistema bancário e de
crédito e na proliferação de profissionais liberais e de funcionários ligados ao poder
público, fruto de novas demandas geradas pela vida urbana
48
.
Dentre as inúmeras conseqüências, apontadas por Rémond, para o crescimento
das cidades, destacamos a ampliação do espaço físico ocupado até então pelas mesmas.
Tal crescimento fez com que a comunicação interna nas cidades, assim como a
comunicação entre as cidades surgissem como fatores de considerável importância. O
deslocamento para bairros cada vez mais distantes, o fluxo de mercadorias, produtos e
matérias primas envolvidas em uma atividade produtiva a cada dia maior e mais
dinâmica, assim como o intercâmbio de informações necessárias às práticas econômicas
e à vida social, tornaram-se questões fundamentais à vida nesse meio urbano.
Atendendo a esses estímulos alguns setores apresentaram consideráveis índices de
crescimento.
O primeiro deles seria o setor dos transportes. Inicialmente movidos por tração
animal, em pouco tempo conheceram grande desenvolvimento, a partir da incorporação
dos avanços técnicos do período aos meios de locomoção. Nesse momento o vapor e, no
último quartel dos oitocentos, a eletricidade tornaram-se elementos propulsores dos
trens e bondes utilizados para essa função
49
. O caso da Inglaterra é bastante elucidativo
nesse contexto. O ano de 1814 marcou a introdução do vapor nos meios de transportes
ingleses, desencadeando a grande expansão das ferrovias
50
.
Simultaneamente aos transportes, um outro setor que também apresentou
considerável desenvolvimento, respondendo às novas demandas geradas pelo
crescimento da vida urbana, foi o das comunicações. A partir da década de 1830
observamos um grande desenvolvimento em todos os seus campos culminando, na
segunda metade do século XIX, na telegrafia, na otimização dos serviços de correios e
48
RÉMOND, René. O Século XIX – 1815 / 1914. São Paulo: Cultrix, 1990. p. 139 – 141.
49
RÉMOND, René. Op. cit. p. 144.
50
MAURO, Frédéric. História Econômica Mundial. 1790 – 1970. Rio de Janeiro. Zahar, 1973. p. 38.
25
na associação das ferrovias ao intercâmbio de informações. É nesse mesmo período que
os jornais e demais publicações ganham maior projeção e periodicidade.
Nesse sentido torna-se compreensível e justificável a reforma postal proposta
por Rowland Hill na Inglaterra e, mais ainda, seu sucesso. Pode-se medir a dimensão e o
impacto causado pela introdução das “novidades” inglesas nos serviços de correios,
pelo fato de que em pouco mais de duas décadas esse sistema foi adotado em
praticamente todos os estados da Europa e da América, sendo acompanhado, um pouco
mais tarde, pelas nações independentes da África e da Ásia
51
.
A evidência maior de que tais reformas atenderiam às necessidades geradas pela
própria dinâmica de uma sociedade capitalista em expansão, viria com a criação da
União Postal Universal em 1874, que padronizava os serviços de correios, as tarifas e as
relações postais entre os países signatários
52
.
Incorporadas à produção historiográfica de forma bem mais freqüente do que os
selos postais, as moedas como fontes históricas não representam nenhuma inovação.
Tanto no Brasil, como na Europa e Estados Unidos, podemos encontrar diversos
trabalhos que aludem às moedas como fontes ou que as utilizem como principal suporte
das análises implementadas
53
.
O que em verdade constatamos é que a utilização das moedas no contexto do
trabalho do historiador é prática comum desde o século XIX, com o reconhecimento dos
documentos materiais como válidos para tal empresa. Resulta desse período a grande
importância da Numismática como “Ciência Auxiliar” da História. As palavras de
Ângela de Castro Gomes e Mônica Kornis não deixam dúvidas nesse sentido.
A cunhagem e impressão de moedas e medalhas com
imagens, símbolos, divisas e etc, tornaram-nas, muito,
documentos de grande valor e importância histórica. Até
51
A guisa de exemplo podemos citar o caso da Egito que introduziu o modelo inglês e os selos em 1866,
do Japão em 1871 e da China em 1878. In: YVERT & TELLIER. Catalogue de Timbre-Poste. Op. Cit.
p.250, 438 e 732. Tome II.
52
A União Postal Universal foi fundada em 1874, com sede em Berna na Suíça. Surgiu como resultado
de uma primeira Convenção Postal, com o nome de União Geral dos Correios. Mais tarde, durante o II
Congresso realizado em Paris, adotou o nome que possui atualmente, sendo mais conhecida por sua sigla
UPU. Em 1948 foi efetivada a sua filiação a Organização das Nações Unidas. In: MACHADO, Paulo
Sá; QUEIROZ, Raymundo Galvão. Dicionário de Filatelia. Porto: Edições ASA, 1994. p. 193.
53
Constam da bibliografia de nosso trabalho algumas dessas obras. Gostaríamos de salientar, no entanto,
que nos limitamos a relacionar aquelas que estão mais diretamente ligadas à pesquisa que realizamos. É
possível ampliar, consideravelmente, essa relação se a elas acrescentássemos os trabalhos relativos à
moeda brasileira do período colonial e, principalmente, as produções européias tratando das moedas
cunhadas na Antiguidade e na Idade Média, como fontes históricas.
26
mesmo devido a esse longevo reconhecimento, quando se
fala de numismática e de moedas para um público amplo, o
que vem à mente são coleções ou mesmo exemplares
singulares de moedas antigas, cunhadas em metais precisos
(ouro ou prata) e com alto grau de sofisticação artística,
inclusive porque vinculadas a uma produção de bases
artesanais.
54
No entanto não pensamos as moedas, como fontes históricas, sob a ótica do seu
exotismo, preciosidade ou raridade. Ainda dentro da análise das autoras citadas
anteriormente, acreditamos que “todo objeto material é um objeto cultural, quer dizer,
é portador de sentidos imateriais”
55
, logo toda moeda carrega uma variada gama de
funções sociais e simbólicas que se manifestam no campo da política, ideologia, arte,
economia e etc.
Nessa perspectiva a importância das moedas no contexto da formação dos
Estados Nacionais, é tão grande quanto a que acreditamos ter demonstrado em relação
aos selos, exercendo papel análogo. Para Ângela Gomes e Mônica Kornis, a construção
de uma identidade nacional passaria pela seleção e pela produção de uma forma
específica de tradição, manifestada em edificações e objetos. Dentre eles as moedas
ocupariam uma posição privilegiada, posto que funcionam como um dos principais
indicadores do poder do Estado, tornando-se monopólio e sinal desse mesmo poder.
Portanto moedas e construção de uma identidade nacional funcionariam como partes de
um mesmo processo
56
.
54
GOMES, Ângela de Castro; KORNIS, Mônica Almeida. Com a história no bolso: moeda e a
República no Brasil. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL O Outro Lado da Moeda”. (2001: Rio de
Janeiro, RJ). Livro do Seminário Internacional. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2002. p. 113.
55
GOMES, Ângela de Castro; KORNIS, Mônica Almeida. Op. Cit. p. 114.
56
Id. Ibid. p. 114.
27
Nos capítulos a seguir, pretendemos estudar a forma como as imagens contidas
nos selos e moedas do Império do Brasil, entre 1840 e 1889, foram produzidas para que,
através desse estudo, possamos oferecer mais uma possibilidade de leitura da
construção do próprio Estado Imperial. No primeiro capítulo, trataremos dos operatores
dessas imagens e do studium que orientou a sua produção. No capítulo dois,
abordaremos a produção de imagens no Império do Brasil, durante a década de 1840.
Finalmente, no terceiro capítulo trataremos das imagens veiculadas nos selos postais e
nas moedas brasileiras na segunda metade do século XIX.
Capítulo 1 – Operatores e Studium: a produção de imagens no Segundo Reinado.
1.1) Os Operatores: produtores de imagens no Império do Brasil.
Nosso objetivo é pensar a construção do Estado Nacional no Brasil, durante o
Segundo Reinado, a partir das imagens oficiais por ele produzidas. Com esse fim nos
voltamos para aquelas que eram veiculadas nos selos postais e moedas que circulavam
nesse período. Tais imagens, no entanto, não surgiram de forma aleatória, foram
28
produzidas por um conjunto de indivíduos que, de forma mais ou menos evidente,
estavam engajados em um projeto que pretendia dar determinado formato ao Estado
imperial brasileiro. Em nossa análise consideramos que tais indivíduos correspondem
aos operatores do processo de produção das imagens que surgiram no decorrer da
construção de nosso Estado.
Logo o ponto de partida das discussões desse capítulo, segundo pensamos,
consiste na própria definição de operatores, fornecida por Roland Barthes, e na forma
como esse autor concebe a produção das imagens fotográficas. Isso se justifica pelo fato
de, como já falamos em momentos anteriores, encontrarmos uma relação muito próxima
entre as essas imagens e aquelas veiculadas nos selos postais e moedas do Império do
Brasil, durante o Segundo Reinado.
Segundo as análises barthesianas, no processo de produção e consumo das
imagens presentes nas fotografias estariam presentes três elementos, que estabelecem
entre si vínculos que devem ser considerados indissolúveis, caso tencionemos promover
uma leitura acurada das mesmas. Para o autor esses elementos e suas relações podem
ser compreendidos da seguinte forma:
O Operator é o fotógrafo. O Spectator somos todos
nós que consultamos nos jornais, nos livros, álbuns e
arquivos, coleções de fotografias. E aquele ou aquilo que é
fotografado é o alvo, o referente, uma espécie de pequeno
simulacro, de “eidôlon” emitido pelo objeto, a que poderia
ser muito bem chamar-se de Spectrum da fotografia, porque
esta palavra conserva, através da raiz, uma relação com o
“espetáculo” e acrescenta-lhe essa coisa um pouco terrível
que existe em toda fotografia: o regresso do morto
57
.
Esse trecho nos permite concluir que os operatores correspondem aos agentes
que produzem a imagem, a partir de um dado spectrum, destinada a um ou mais
spectatores. Nesse sentido podemos considerar como os operatores do processo de
produção imagética, que se efetivará em nossos selos postais e moedas durante o
reinado de Pedro II, aqueles indivíduos que decidiam que elemento seria recortado do
real e transformado em uma imagem que, através desses veículos, circularia por todo o
57
BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Nota sobre fotografia. Lisboa: Edições 70, 2006. p. 17.
29
Império, atingindo ainda, em menor escala, outros Estados com os quais o Brasil
mantinha relações.
Tais indivíduos correspondem a um grupo restrito inserido no Aparelho de
Estado, no qual desempenha funções ligadas ao Executivo e à administração pública.
Em nosso caso específico, uma vez que centramos nossa análise nos selos postais e nas
moedas, tem seu principal campo de atuação na Secretaria de Estado dos Negócios do
Império, no Ministério da Fazenda, no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas
58
, na Casa da Moeda e na Diretoria Geral dos Correios da Corte. Chegamos a
essa conclusão a partir da análise da própria estrutura da administração imperial, que
pudemos vislumbrar através da compilação das fontes documentais utilizadas em nosso
trabalho.
A partir dos relatórios produzidos pelos ministros de Estado e entregues à
Assembléia Geral, em especial aqueles produzidos pelo secretário do Império
59
e pelo
ministro da fazenda, torna-se clara a subordinação da Casa da Moeda à pasta de
fazenda, e dos Correios à referida secretaria. De 1860 em diante, a responsabilidade
pelos Correios foi transferida para o recém criado Ministério da Agricultura, Comércio
e Obras Públicas. Dessa forma é possível concluir que as decisões relativas ao padrão
das imagens que estão presentes nos selos e moedas do Segundo Reinado partiam do
círculo formado pelos responsáveis por essas instâncias de nossa administração: os
competentes ministros, o provedor/diretor
60
da Casa da Moeda e o diretor geral dos
Correios da Corte.
Porém como poderíamos classificar esse grupo? A quem corresponderiam os
operatores desse processo que nos propusemos a estudar? Cabe aqui uma pequena
discussão historiográfica.
61
Segundo as análises de José Murilo de Carvalho, esse grupo representaria uma
parte das elites políticas brasileiras do século XIX. Para esse autor as elites não
58
Inserimos o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas na esfera de nossas discussões pelo
fato de que, a partir de sua criação em 1860, a gestão e a supervisão dos serviços de Correios no Império
do Brasil foi transferida para seus encargos.
59
Embora a designação do responsável pela Secretaria de Estado dos Negócios do Império seja a de
secretário, o mesmo tinha status de ministro de Estado.
60
Segundo constatamos nas referências relativas à Casa da Moeda, presentes no Almanak Laemert entre
1840 e 1873, a maior autoridade dessa instituição era o chamado provedor, a partir dessa data passa a ser
designado pelo título de diretor.
61
No decorrer do texto usaremos os conceitos de elite, ao nos referirmos à análise de José Murilo de
Carvalho, e o de classes dominantes e dirigentes políticos, quando tratarmos do trabalho de Ilmar Rohloff
de Mattos. Não significa que concordemos com ambos ou que os consideremos sinônimos. Ao final do
capítulo, esboçaremos nossa conclusão no sentido de que classificação damos ao conjunto de nossos
operatores.
30
correspondem aos grandes homens que, segundo algumas teorias, determinam os
acontecimentos por suas ações. Constituíam grupos especiais com características que os
distinguem da massa da população e de outros setores da própria elite
62
. Ainda para
Carvalho, esses grupos seriam condicionados por elementos sociais e políticos sobre os
quais não possuem grande controle, ou mesmo controle algum, e teriam suas ações
limitadas por fatores de ordem diversa, entre os quais destaca os econômicos.
Importantes questões que marcaram a história oitocentista do Brasil seriam, para o
autor, resultado dessas elites, tais como a independência, a adoção da monarquia, a
manutenção da unidade política e a construção de um governo civil estável
63
.
A eficácia da ação das elites políticas brasileiras estaria atrelada a sua
homogeneidade ideológica e de treinamento. Tal homogeneidade seria resultado de uma
mesma formação cultural e educacional e da experiência que os membros desse grupo
obtiveram na administração pública, primeiro lusitana e posteriormente imperial. Tal
fato permite que sejam destacadas algumas características específicas dessas elites
políticas: sua constituição à semelhança e imagem da elite portuguesa, uma maior
concentração de sua formação no campo jurídico, seu engajamento ao funcionalismo
público, e sua grande ligação à magistratura e ao exército. Dessa maneira podem
compartilhar de um projeto comum e agir em consenso e de modo coeso, o que
representaria considerável vantagem sobre as elites rivais
64
.
Ainda em sua análise, Carvalho constatou que essa coesão e homogeneidade de
nossas elites políticas trouxeram maiores vantagens e permitiu que as mesmas
ocupassem uma posição privilegiada no processo de construção do Estado. Desses
fatores resultaria um aparato estatal mais coeso e forte, além de uma considerável
redução de conflitos intestinos entre os grupos que controlavam o poder, determinando
a ausência de atritos que promovessem mudanças violentas. Em contrapartida aquilo
que o autor chama de “canais de mobilidade” presentes em nossa sociedade foram
consideravelmente reduzidos, restando àqueles que não faziam parte do grupo agrário-
escravista um mais importante e eficaz que era a burocracia estatal, o que tornava o
emprego público, segundo as palavras de Joaquim Nabuco citadas pelo autor, a
“vocação de todos”
65
.
62
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Teatro de Sombras: a
política imperial. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; Relume Dumará, 1996. p. 17
63
Id. Ibid. p. 17.
64
Id. Ibid. p. 34.
65
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 36.
31
O Estado construído por essas elites políticas dependia da agro-exportação, o
que fazia de seus interesses um limite claro ao poder e às ações desse Estado. Ainda
nesse contexto, a articulação entre o centro do poder estatal, ocupado pelas elites
políticas, e aqueles grupos situados à periferia do mesmo se dava de forma mais
consistente e com divergências descentralizantes relativamente pequenas, o que se
explica por algumas questões fundamentais: a manutenção da unidade nacional, o
controle civil do poder e a garantia de uma “democracia” limitada dos homens livres.
66
Dessa maneira constituiu-se um Estado sustentado sobre uma ideologia
conservadora que, apesar de não prescindir de uma base agro-exportadora, não era
controlado diretamente por representantes da mesma, tendo ainda capacidade para
acomodar e solucionar os problemas surgidos em sua esfera. Para o autor o
funcionamento desse Estado era possível a partir de um sistema imperial estável, que
atuava dentro de certas características:
A capacidade de processar conflitos entre grupos
dominantes dentro de normas constitucionais aceitas por
todos constituía o fulcro da estabilidade do sistema imperial.
Ela significava, de um lado, um conservadorismo básico na
medida em que o preço da legitimidade era a garantia de
interesses fundamentais da grande propriedade e a redução
do âmbito da participação política legítima. Mas, de outro
lado, permitia uma dinâmica de coalizões políticas capaz de
realizar reformas que seriam inviáveis em situação de pleno
domínio de proprietários rurais
67
.
Dentro desse Estado e daquilo que podemos chamar de sistema imperial, as
decisões políticas eram tomadas por indivíduos que ocupavam postos no Executivo e no
Legislativo. No entanto observamos que algumas instituições e instâncias influenciavam
a política nacional. Nesse sentido destacamos as associações de classe, como a
Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e a Associação Comercial, a imprensa e
aquilo que seria um segundo escalão da burocracia formado pelos presidentes de
província, diretores, chefes de seção e demais cargos burocráticos de maior relevo.
66
Id. Ibid. p. 38.
67
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 38.
32
Carvalho, dentro desse último grupo, destaca a importância dos presidentes de
província, membros de uma elite nacional que na grande maioria dos casos passa por
essa condição, que o exercício dessa função seria um importante passo para uma
carreira política promissora. No entanto, em relação aos outros funcionários considera
como tarefa complexa a avaliação de seu poder de influência, reconhecendo a
possibilidade de ele se manifestar através dos ministros e negando a existência de um
“espirit de corps” na burocracia imperial
68
.
Muito embora reconheçamos a validade e importância de diversos elementos de
seu trabalho, nesse particular temos uma visão diferente, conforme demonstraremos
mais à frente ao analisarmos o conjunto de funcionários envolvidos na produção das
imagens veiculadas pelos selos postais e moedas do Segundo Reinado.
Outra importante obra que pensa a ação dos protagonistas da política imperial
brasileira durante o Segundo Reinado é a de Ilmar Rohloff de Mattos. Ao contrário de
José Murilo de Carvalho, Ilmar de Mattos não trabalha com o conceito de elite política.
Considera como os principais agentes da política brasileira, entre 1840 e 1889, o que
chama de Dirigentes Saquaremas”. Esses elementos corresponderiam a uma “força
social” formada por um conjunto que envolvia a alta burocracia imperial (senadores,
magistrados, ministros, conselheiros de estado, bispos), os proprietários rurais
espalhados pelo Império e aqueles que chama de “agentes não públicos”, isto é,
professores, médicos, jornalistas e literatos entre outros elementos. A unidade desse
conjunto seria garantida pela adesão de seus membros a um projeto de Estado,
sustentado nos princípios de ordem e civilização.
69
Tais dirigentes saquaremas atuavam como articuladores da classe senhorial ao
Estado Imperial. O Estado Imperial além dos aparelhos de coerção e garantidores de
dominação, corresponderia também ao “locus” desses elementos, isto é, ao espaço
privilegiado de ação daqueles que, dentro de uma concepção gramsciana, exerciam uma
direção e dominação intelectual e moral através da ação estatal. Esse autor considera
que os interesses atuantes dentro desse Estado, bem como a própria visão que os
dirigentes saquaremas e, mais tarde, a classe senhorial fará do mesmo, estavam
vinculados a seu engajamento em uma “região de agricultura mercantil-escravista”.
70
68
Id. Ibid. p. 44 a 48.
69
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. A Formação do Estado Imperial. Rio de Janeiro:
ACESS, 1994. p. 3 e 4.
70
Id. Ibid. p. 4.
33
Nesse ponto vale ressaltar que os dirigentes saquaremas não são elementos
estranhos ou alheios à classe senhorial, ao contrário, compartilham de uma trajetória
histórica que forjou a consciência e os interesses específicos desses indivíduos. O trecho
a seguir é bastante elucidativo no tocante a concepção do autor em relação ao caráter
histórico da produção desses importantes componentes da sociedade imperial brasileira:
De outro lado, quando operamos com o conceito de
classe senhorial estamos operando com uma categoria
histórica, e não com uma mera classificação que leva em
consideração o lugar ocupado por um conjunto de
indivíduos no mundo da produção e a relação que mantêm
com uma outra classe fundamental. Estamos considerando,
antes de mais nada, uma trajetória assinalada por inúmeras
lutas, trajetória essa à qual não é estranha à direção
saquarema. Assim, a natureza da classe e seus elementos de
coesão sua identidade, em suma aparecem como
resultado de experiências comuns vividas por determinados
homens, experiências essas que lhes possibilitam sentir e
identificar seus interesses como algo que lhes é comum, e
desta forma contrapor-se a outros grupos de homens cujos
interesses são diferentes e mesmo antagônicos aos seus (...)
71
.
O projeto desses dirigentes saquaremas referia-se à construção de um modelo
de Estado que começou a se delinear na chamada Reação ou Regresso Conservador
(1836 1852). O ponto central desse projeto consistia no avanço do princípio da
autoridade e na recuperação do prestígio da Coroa, efetivado, em boa parte, através do
aumento das prerrogativas do Executivo. A Coroa corresponderia ao conjunto das
forças políticas e sociais predominantes no Estado imperial, no qual destacava-se a
figura do imperador, que simbolicamente concretizava a idéia de Império
72
.
Consolidada, a Coroa teria a função de, na visão dos saquaremas, restaurar a hierarquia
existente nas diversas regiões, privilegiar os interesses da expansão cafeeira e ordenar as
71
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 4.
72
Id. Ibid. p. 77 a 82.
34
grandes famílias no tocante a políticas públicas ligadas à terra, mão-de-obra, tributação,
moeda e crédito
73
.
Garantida essa primeira e essencial questão, o projeto saquarema pretendia
também “requalificar
74
o princípio da liberdade e redefinir a política do Estado,
visando à supressão das rebeliões escravas e a contenção daquilo que o autor chama de
“mundo da desordem”.
Essencialmente esse projeto está comprometido com a manutenção de um
modelo de sociedade que estaria dividido em três “mundos”: o “mundo do governo”
composto por aqueles indivíduos que detinham e lutavam por preservar a propriedade
de alguns monopólios, em especial o da terra e da liberdade de outros homens; o
“mundo da desordem” composto pelos homens livres pobres e, finalmente, o “mundo
do trabalho” do qual fazia parte o imenso contingente de escravos existente no Império
do Brasil, durante o governo de D. Pedro II
75
.
Na visão saquarema a estabilidade dessa estrutura era o compromisso maior do
Estado e, por extensão, do Império e de seu soberano. Tal importância levou inclusive a
reformulação do conceito da Soberania atribuída ao Império, que nas palavras do autor
passa a ser vista da seguinte forma:
Nestes termos, e assinalando um deslocamento, a
Soberania do Império não mais se constituía apenas pela
referência aos demais Estados, as “Nações Civilizadas”. Ela
era construída tendo como referência principal a própria
sociedade uma multidão de homens, unidos numa pessoa
única por um poder comum, para sua paz, sua defesa e seu
proveito comuns -, e fazia do Soberano ou do Poder o
responsável pela manutenção da paz e da ordem,
outorgando-lhe um monopólio: o monopólio de uma
responsabilidade.
76
73
Id. Ibid. p. 131.
74
Quando fala em “requalificar” o princípio da liberdade, Ilmar de Mattos refere-se ao processo de
afirmação de um ideal conservador de liberdade, baseado nas idéias de Thomas Hobbes e Jeremy
Bentham. Nesse ideal a liberdade estaria intimamente vinculada à manutenção da ordem, da monarquia
constitucional e da integridade territorial. Mais à frente, quando tratarmos da ideologia saquarema,
retomaremos essa discussão.
75
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 114 a 116.
76
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 139.
35
Na visão desse autor tais mundos embora coexistissem e, por vezes, se
interpenetrassem nunca poderiam se confundir, o que determinava grande empenho e
esforços, por parte da “boa sociedade” (entenda-se o Mundo da Ordem ou do Governo)
para manter clara as suas fronteiras. Nesse sentido era lido e lícito o recurso a uma
série de mecanismos e práticas, que iam da violência explícita ao método mais sutil e
sofisticado dos jogos políticos e ideológicos.
Finalmente podemos dizer que, na análise proposta por Mattos, a Monarquia era
vista pelos dirigentes saquaremas como a forma ideal de organização do Estado. Isso se
devia ao fato de eles pensarem que essa forma de governo seria uma garantia das noções
de organização e ordem, essenciais em sua concepção de mundo
77
.
O sucesso do projeto dos dirigentes saquaremas garantiu que estes passassem a
controlar o governo do Estado, o que obviamente significava a eliminação dos Liberais
bem como a inclusão dos demais Conservadores nesse governo. Tal proposição ganha
dimensões consideravelmente amplas uma vez que rompe com a tradicional visão
historiográfica que defende a alternância de Liberais e Conservadores no governo do
Estado Imperial, bem como por rever o próprio sentido do que seria esse “governo do
Estado”.
Dentro dessa nova perspectiva Ilmar de Mattos entende que o governo do Estado
transcendia ao mero controle dos Aparelhos de Repressão do mesmo, tais como a
polícia, tribunais, forças armadas e mesmo o Aparelho Burocrático. Para o autor, esse
efetivo governo passava pela capacidade de esses indivíduos exercerem uma “direção”
que se manifestava tanto no plano político quanto no intelectual e moral, mais uma vez
recorrendo às análises de Antonio Gramsci
78
.
Para o sucesso de seu projeto, bem como para o efetivo controle do governo do
Estado, foi fundamental aos dirigentes saquaremas, garantir a afirmação do poder
público sobre a esfera privada ou impor o governo do Estado” ao “governo da Casa”.
Com esse fim tais dirigentes desenvolveram algumas importantes estratégias e uma
eficaz política de alianças. Essas últimas obviamente que com aqueles grupos mais
diretamente ligados aos interesses da classe senhorial
79
, da qual não estavam
desvinculados, como os traficantes de escravos e os controladores do crédito e do
77
Id. Ibid. p. 132.
78
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 148.
79
Vale lembrar aqui que essa aliança com setores ligados à classe senhorial era fundamental para o
sucesso do projeto dos saquaremas, uma vez que nessa classe estavam presentes tanto correligionários do
Partido Conservador quanto elementos do Partido Liberal. Logo a eficácia dessas alianças teve papel
considerável na garantia desse projeto.
36
grande capital
80
. Tendo a seu lado os fornecedores dos braços e dos capitais necessários
à grande lavoura, os dirigentes saquaremas conquistaram um importante trunfo para a
afirmação governo do Estado sobre o governo da casa.
No tocante às estratégias utilizadas pelos saquaremas, podemos citar em
primeiro lugar a implementação de um projeto de expansão que se deu em dois sentidos.
O primeiro desses sentidos foi o horizontal, e consistiu na incorporação de outros
elementos que detinham o monopólio de terras e homens no interior da região de
agricultura mercantil-escravista, ao projeto saquarema. Essa incorporação se dava
individualmente ou em grupos, através da constituição de redes de alianças familiares, e
envolvia plantadores, comerciantes e capitalistas. O outro sentido foi o vertical,
baseado na cooptação de elementos de outras classes sociais ao projeto dos saquaremas.
Seu principal alvo foram médicos, tabeliães, advogados, professores, jornalistas,
guarda-livros, caixeiros e, principalmente, o funcionalismo público, tanto leigo quanto
eclesiástico.
Além dessa expansão outra importante estratégia utilizada pelos saquaremas,
correspondeu à produção de ideologias que, ao mesmo tempo, sustentavam seu projeto
e criavam as condições necessárias à sua efetivação, garantindo a afirmação do público
sobre o privado.
Finalmente Ilmar de Mattos nos mostra como a valorização das práticas e da
estrutura administrativa, foi fundamental tanto no momento da construção do projeto
político dos dirigentes saquaremas, quanto no contexto de sua efetivação. Na garantia
de seus interesses, reduziam a política à administração, promovendo, na esfera do
Estado, a distinção entre Governo e Administração
81
. A importância dessa última
evidencia-se nas palavras do Visconde do Uruguai
82
, citadas pelo autor:
Convenci-me ainda mais de que se a liberdade
política é essencial para a felicidade de uma Nação, boas
instituições administrativas apropriadas às suas
circunstâncias e convenientemente desenvolvidas não o são
80
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 155 a 157.
81
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 142.
82
É importante observarmos que Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai, assumiu a
Secretaria de Estado dos Negócios do Império nos anos de 1869 e 1870. Esse fato torna mais relevantes
suas idéias acerca da importância da administração no tocante ao nosso objeto.
37
menos. Aquela sem estas não pode produzir bons
resultados.
83
Analisadas as visões de José Murilo de Carvalho e de Ilmar de Mattos, e
aplicando-as àqueles que consideramos como os operatores do processo de produção
das imagens presentes nos selos postais e moedas do Segundo Reinado, chegamos a
algumas conclusões básicas, que desenvolvemos a seguir.
Tais conclusões são resultado de um estudo prosopográfico que desenvolvemos,
a partir dos titulares da Secretaria de Estado dos Negócios do Império, do Ministério da
Fazenda, da direção da Casa da Moeda e da Diretoria Geral dos Correios da Corte, entre
1840 e 1889 e do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, entre 1860 e
1889, pelas razões que já justificamos anteriormente.
A fim de chegar a um perfil de nossos operatores, estudamos um total de 76
indivíduos diferentes, que se distribuíam conforme a tabela a seguir. Na medida em que
desdobrarmos esse estudo, iremos indicando os pontos de aproximação e divergência
em relação às análises de Mattos e Carvalho.
a) Tabela Geral dos Indivíduos Estudados:
INSTITUIÇÃO TITULARES PERÍODO
Secretaria de Estado dos
Negócios do Império
28 titulares 1840 a 1889
Ministério da Fazenda 19 titulares 1840 a 1889
Ministério da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas
19 titulares 1860 a 1889
Provedoria / Diretoria da
Casa da Moeda
03 titulares 1840 a 1889
Diretoria Geral dos Correios
da Corte
07 titulares 1840 a 1889
Total 76 titulares 1840 a 1889
Fonte: Almanak Laemert( 1844 a 1889 ) / Relatórios dos Secretários e Ministros à Assembléia Geral
Legislativa( 1840 a 1889 ).
A tabela anterior demonstra, simplesmente, a distribuição desses titulares pelas
instâncias político-administrativas analisadas, durante o Segundo Reinado. No entanto,
podemos perceber com clareza um dado evidente: existe uma muito maior rotatividade
de pessoas nas pastas ministeriais do que nas funções técnico-administrativas.
83
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. Cit. p. 142.
38
Dos 76 casos estudados, 66 deles correspondem a ministros de Estado, isto é,
86,8%. Os outros dez casos, ou 13,1% atuam no que poderíamos considerar como um
segundo escalão da burocracia imperial. Obviamente as muito maiores implicações dos
Ministérios, assim como a poderosa moeda política que representavam durante o
Império, explicam a grande rotatividade de titulares, a uma média de, aproximadamente,
um ano e cinco meses de permanência. Essa média se torna bem menor para o caso do
Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas que entre 1860 e 1889 apresentou
os mesmos 19 titulares que o Ministério da Fazenda no período compreendido entre
1840 e 1889.
Porém o que consideramos mais relevante nesses dados é justamente a situação
oposta que se apresenta no segundo escalão. Na provedoria, e posteriormente na
diretoria da Casa da Moeda, nos 50 anos estudados encontramos somente três titulares:
Camillo João Valdetaro, de 1840 a 1850; Cândido de Azeredo Coutinho de 1850 a
1877, com uma lacuna em 1870 e Bento José Ribeiro Sobragy de 1879 a 1889. Tal
proporção representa uma média aproximada de 16 anos e seis meses de permanência
nessa função, considerando-se que nessa média o titular que menos tempo atuou, o fez
por 11 anos.
Para a Diretoria Geral dos Correios da Corte, o quadro não é muito diferente.
Durante os 50 anos de duração do Segundo Reinado, conheceu sete titulares. Não
constatamos uma permanência individual tão prolongada quanto na Casa da Moeda,
porém a média é consideravelmente elevada: oito anos e dois meses, aproximadamente.
Nessa instituição observamos períodos mais fragmentados e menos contínuos de
administração, no entanto notamos algo que não pode ser observado na Casa da Moeda:
o exercício da função pela mesma pessoa em momentos diferentes. É o caso de José
Maria Lopes da Costa (1846, 1848, 1850 e 1860), Gabriel Getúlio Monteiro de
Mendonça (1847 e 1849) e Thomaz José Pinto de Serqueira (1851 a 1859 e 1862 a
1865). Observamos ainda que somente João José Coutinho (1861) e João Wilkens de
Mattos (1881 e 1882), tiveram uma passagem curta na direção dessa instituição. Esse
quadro, portanto, nos permite concluir que muito mais do que uma rotatividade de
diretores, os Correios da Corte conheceram um revezamento entre um número restrito
de indivíduos em sua administração.
Essa primeira análise dos dados, quando cotejada com algumas questões
levantadas por José Murilo de Carvalho, nos permite chegar a algumas conclusões.
39
Levando-se em conta, conforme nos diz esse autor
84
, que ao mesmo tempo em que a
unidade e homogeneidade das elites políticas brasileiras promovia uma maior
estabilidade reduzia os canais disponíveis à mobilidade social, fazendo da burocracia e
do emprego público uma “vocação de todos”,
85
carreiras tão longas e estáveis seriam
algo de se estranhar. Principalmente quando constatamos uma grande rotatividade de
ministros nas pastas às quais essas instâncias secundárias da administração estavam
vinculadas, posto que a nomeação desses titulares dependia dos seus respectivos
ministros. Logo percebemos que, ao menos nessas duas funções administrativas de
caráter mais técnico
86
, havia uma considerável estabilidade.
Isso faz com que achemos questionável, quando pensamos a realidade sobre a
qual trabalhamos, a afirmação de Carvalho
87
de que inexistiria um “espirit de corps” no
segundo escalão da burocracia imperial, pressupondo uma possível pulverização da
unidade e identidade ideológica do que chama de elites políticas. Acreditamos que tão
longas permanências à frente dessas administrações, se o criavam tal “espirit de
corps”, ao menos constituíam uma identidade própria. Consideramos também que tal
identidade não entrava em choque com as diretrizes e princípios dos diversos ministros
pelos quais tais burocratas passavam, uma vez que se mantinham em suas funções
apesar das mudanças. Mesmo se levando em conta os seus conhecimentos técnicos,
pensamos que dificilmente esses diretores seriam preservados se divergissem
radicalmente de seus superiores hierárquicos. Além disso, alguns outros elementos que
desenvolveremos a seguir, servem de evidências nesse sentido.
Por outro lado pensamos que esses dados demonstram que os burocratas de
segundo escalão poderiam exercer influências nas decisões políticas, muitas vezes
através de seus ministros. As longas gestões davam a esses indivíduos autonomia em
certas decisões que, mesmo que não tivessem um peso político evidente, guardavam
relações estreitas com o processo de construção do Estado Imperial e com a sua própria
evolução. É o que pretendemos demonstrar quando discutirmos, especificamente, a
produção das imagens que foram incorporadas e veiculadas nos selos e moedas.
84
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 36.
85
Id. Ibid. p. 36.
86
Vale lembrar as discussões desenvolvidas no primeiro capítulo quando nos referimos ao processo de
confecção dos selos e moedas e das instâncias nas quais eram produzidas. Nesse sentido percebemos que
tanto nos Correios quanto, e principalmente, na Casa da Moeda os seus respectivos administradores
deveriam ter um considerável conhecimento técnico. Isso pelo fato de que tinham dar conta da complexa
e quase sempre deficitária engrenagem de nossos Correios no Império e das diversas oficinas existentes
na Casa da Moeda.
87
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 48.
40
Após essa verificação inicial, consideramos fundamental avaliar o grau de
envolvimento desses indivíduos com a construção do Estado Imperial, a fim de
constatar se efetivamente atuaram como os operatores das imagens oficiais desse
mesmo Estado. Para tanto, desdobramos nosso estudo prosopográfico a partir de alguns
crivos que expomos a seguir.
O primeiro crivo utilizado, com o propósito de verificar a vinculação desses
indivíduos ao processo de construção do Estado Nacional, baseou-se no na análise do
binômio composto por sua posição social e sua ligação com o governo imperial. Para
tanto pesquisamos a sua vinculação com a propriedade da terra e as atividades
profissionais exercidas pelos titulares em questão.
Em relação à propriedade da terra, privilegiamos o que consideramos como
vínculos diretos, isto é, a utilização da mesma dentro de um modelo compatível com a
grande empresa agro-escravista, fazendo com que tal atividade fosse o seu principal
suporte econômico e lhe ocupasse por um período prolongado. Nesse contexto, dos 76
indivíduos analisados, somente encontramos sete casos, correspondentes a 9,2% do
total. Tal fato corrobora as conclusões José Murilo de Carvalho
88
, ao afirmar que o que
considera como elites políticas, não fazia parte, em sua maioria, do grupo dos grandes
proprietários de terras ligados à agro-exportação. É importante ressaltar que esse autor
não reconhece uma oposição entre suas elites políticas e a agro-exportação, ao
contrário, afirma mesmo que os interesses da última funcionavam como um limite às
ações dos protagonistas da política imperial
89
.
Nesse particular é conveniente nos determos no trabalho de Ilmar de Mattos, que
em sua definição de dirigentes saquaremas, insere os “proprietários rurais localizados
nas mais diversas regiões e nos mais distantes pontos do Império (...)”.
90
, porém
reconhece como uma categoria vinculada aos interesses dos mesmos, ainda que
diferente do que chama de “alta burocracia imperial”.
91
Portanto, para esse autor,
mesmo inseridos em uma mesma classe social - a classe senhorial - os dirigentes
políticos do Império não estariam direta e necessariamente atuando como grandes
proprietários escravistas.
88
Ao estudar a vinculação dos ministros do Império com a terra, José Murilo estabeleceu critérios muito
mais flexíveis que os nossos, uma vez que consideramos somente referências diretas dos casos estudados
com a agro-exportação ou à produção para o mercado interno. Carvalho, conforme demonstra
estatisticamente, entre 1840 e 1889 nunca encontrou um índice de vinculação à terra que alcançasse os
50%, sendo sua maior marca os 48,48%. In: CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 99.
89
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 37.
90
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 3.
91
Id. Ibid. p. 3.
41
Assim aqueles que consideramos como nossos operatores, fariam parte dos
escalões mais elevados da burocracia imperial, sem evidenciar um envolvimento direto
com a agro-exportação, apesar de concordarmos com Mattos no sentido de participarem
do que o autor chama de Mundo da Ordem
92
.
Em relação às atividades profissionais dos casos estudados, chegamos a alguns
dados que organizamos na tabela a seguir.
b) Tabela das Atividades Profissionais dos Indivíduos Estudados.
ATIVIDADE TOTAL PERCENTUAL
Magistrados 25 32,8%
Funcionários Públicos 34 44,7%
Presidentes de Província 39 51,3%
Professores 14 18,4%
Advogados 13 17,1%
Jornalistas 07 9,2%
Diplomatas 07 9,2%
Capitalistas / Industriais 06 7,8%
Militares 04 5,2%
Outras atividades 04 5,2%
Fonte: Almanak Laemert (1844 a 1889)
A fim de podermos melhor dimensionar e compreender os dados acima é mister
fazermos alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar devemos citar que avaliamos o
conjunto das atividades profissionais desenvolvidas pelos indivíduos pesquisados, isto
é, levamos em consideração todas as funções que desempenharam antes de ocuparem as
funções estudadas, e aquelas que desenvolviam no decorrer deste exercício. Reputamos
tal procedimento como o mais eficiente, uma vez que nos uma visão mais completa
da trajetória profissional e social de cada caso.
Outro ponto relevante refere-se ao fato de no universo dos indivíduos estudados,
em especial entre os ministros de Estado, ser comum o exercício de mais de uma
atividade profissional, muitas vezes simultaneamente. Dessa forma é freqüente
encontrarmos funcionários públicos que são também advogados ou professores, e assim
por diante
93
.
Consideramos ainda importante, esclarecer que como funcionários públicos
enquadramos os indivíduos que desempenhavam funções técnicas ou administrativas
dentro do Aparelho de Estado, dessa forma chefes de polícia, promotores, fiscais e
auditores foram incluídos nessa categoria.
92
Id. Ibid. p. 115.
93
Tal situação vai de encontro às conclusões de José Murilo de Carvalho, em relação às elites políticas do
Império. Afirma o autor que era fenômeno freqüente a “ocupação múltipla, isto é, a mesma pessoa
exercendo mais de uma ocupação”.In: CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 83.
42
Finalmente vale mencionar que preferimos considerar os presidentes de
província em uma categoria à parte, dissociando-os dos funcionários públicos.Optamos
por esse caminho, em primeiro lugar, pela grande incidência com que aparecem entre as
atividades profissionais exercidas pelos indivíduos considerados. Conforme podemos
observar na tabela, a maioria de nossos titulares exerceram essa função. Tal fato ganha
ainda maior relevância quando constatamos que essa situação ocorre tanto ao nível dos
ministros de Estado, quanto dos funcionários de segundo escalão da burocracia
imperial. São os casos de Gabriel Getúlio Monteiro de Mendonça e João Wilkens de
Mattos, ambos Diretores Gerais dos Correios da Corte e com passagens pela presidência
de mais de uma província.
Além disso, usando como referência os estudos de João Camillo de Oliveira
Torres
94
e José Murilo de Carvalho
95
, fica evidente a grande importância dessa função
na estrutura política do Império e nos mecanismos que ligavam o centro à periferia do
poder. Valeria ainda lembrar que o cargo de presidente de província tem um papel
relevante no processo de formação e ascensão dos políticos brasileiros, durante o
Império.
A análise das funções dos presidentes de província nos permite distinguir dois
níveis de atribuições, um político e outro administrativo. Em termos políticos seria
competência principal desse cargo regular e mediar a formação e as ações dos
Legislativos provinciais, destacando-se, portanto, o papel desempenhado pelo mesmo
no processo eleitoral. No campo administrativo constatamos que as funções dos
presidentes de província, estabelecidas pelo artigo cinco da lei de três de outubro de
1834, faziam deles “Delegados do poder imperial nas províncias”
96
, cabendo aos
mesmos executar e fazer executar as leis, dispor da força pública e, principalmente,
atuar junto à questão dos empregos públicos, tanto àqueles que a lei lhe facultava
quanto, de forma provisória, os que cabiam ao Imperador. Assim caberia ao presidente
de província o controle sobre nomeações de grande importância no cotidiano da vida
política de suas jurisdições. A eles era atribuído o poder de nomear promotores,
delegados e subdelegados de polícia, bem como os oficiais inferiores da Guarda
Nacional
97
.
94
TORRES, João Camillo de Oliveira. A Democracia Coroada. Teoria Política do Império do Brasil. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1957. p. 378 a 385.
95
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 107 a 110.
96
TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. 380.
97
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 109.
43
Consideramos a ingerência dos presidentes de província sobre os empregos
públicos, e os empregos em geral, um ponto extremamente relevante no papel
desempenhado pelo mesmo nos mecanismos da política imperial. Anteriormente
falamos do peso das funções públicas no tocante aos caminhos existentes na sociedade
imperial para a mobilidade social. Devemos ainda levar em consideração o fato desses
empregos funcionarem como importante moeda, ao mesmo tempo em que um
mecanismo de coerção, no momento das eleições. Raymundo Faoro nos mostra como o
seu uso, tanto na esfera pública quanto privada, funcionava como uma forma de garantir
a “conduta acarneirada”
98
dos eleitores. Controlados pelos presidentes de província os
cargos públicos eram negociados por aqueles que o autor chama de “cabos eleitorais”
99
, que tirando-os dos infiéis e concedendo-os aos correligionários acabavam contribuindo
para o resultado dos pleitos.
Nomeados pelo Poder Executivo do Império os presidentes de província não
tinham um mandato definido e, tanto pelo que constatamos em nossas pesquisas quanto
no que tivemos acesso na bibliografia disponível
100
, estavam sujeitos a uma grande
rotatividade. Nesse ponto percebemos através dos estudos prosopográficos que
realizamos, que essa rotatividade era um fato não entre os presidentes de província
quanto em alguns cargos do Executivo. Essa constatação vai de encontro às conclusões
de José Murilo, ao afirmar que a circulação das “elites políticas” brasileiras, tanto em
termos geográficos quanto de cargos, funcionaria como uma forma de garantir a
unidade política e administrativa em meio ao verdadeiro mosaico das províncias. Nas
palavras do autor:
Num país geograficamente tão diversificado e tão
pouco integrado, onde as pressões regionalistas se faziam
sentir com freqüência, a ampla circulação geográfica das
lideranças tinha um efeito unificador poderoso.
101
98
FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo. Cia. Editora Nacional,
1974. p. 142.
99
Para Faoro, os cabos eleitorais funcionavam como intermediários entre o centro do poder, e seus
representantes, e as periferias provinciais, nas eleições. Esses indivíduos normalmente eram pequenos
intelectuais, comerciantes locais, compadres de muitos afilhados que intercediam junto às autoridades e
articulavam os créditos e podiam, ou não, ser representantes da grande propriedade. Durante as disputas
deveriam agir “controlando as clientelas”. In: FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 143.
100
Nesse aspecto são bastante elucidativos os trabalhos de Carvalho e Torres. Cf: CARVALHO, José
Murilo de. Op. cit. p. 109. e TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 380 e 381.
101
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 107-110.
44
Essa visão foi compartilhada por testemunhas contemporâneas à atuação dos
presidentes de província do Império do Brasil. As transcrições abaixo, do Visconde do
Uruguai e de Tavares Bastos, respectivamente, deixam claro como eram restritos os
períodos de permanência desses representantes do Executivo, assim como o de outros
membros da burocracia imperial, e as preocupações e críticas que tal fato suscitava em
alguns setores:
O administrador que começava a tomar nos
negócios da Província é mudado, leva consigo o que a custo
aprendeu, e vem outro, o qual apenas concluído as
primeiras apalpadelas, é também mudado.(...) a
administração torna-se, como tem sido entre nós, uma
verdadeira teia de Penélope.
102
Cada ano vê-se aqui, de viagem para as províncias,
um enxame de presidentes, chefes de polícia e outros
empregados, que, sem demora, empreendem novas viagens
em demanda de novos climas.
103
A distribuição das atividades profissionais dos indivíduos estudados permite-nos
tecer algumas outras considerações no que tange a sua vinculação com o Estado
Imperial. Além da questão dos presidentes de província, que cremos ter deixado
bastante clara, observa-se que nos momentos que antecederam o exercício de suas
atividades como ministros ou diretores, ou mesmo durante esse exercício, um percentual
consideravelmente elevado de indivíduos exercia funções na magistratura (32,8%) e em
outras instâncias do funcionalismo público (44,7%).
A combinação dos ingredientes magistratura e funcionalismo público resultaria
em uma eficiente forma de se consolidar os laços que uniam esse grupo ao Estado
imperial, solidificando uma chamada orientação “estatista”. Os vínculos gerados pelo
emprego público são de ordem material e absolutamente evidente. Como falamos
anteriormente o exercício de funções dentro do Aparelho de Estado, especialmente o
102
Cf: TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 381.
103
Id. Ibid. p. 385..
45
Burocrático, seria o principal caminho aberto àqueles que são marginalizados pelo
sistema agro-exportador, tanto para aqueles que não conseguem se inserir na grande
atividade agrícola quanto aos que dela são excluídos
104
. Logo essa dependência
econômica, ao lado da vontade política que muitas vezes influenciava as escolhas e a
manutenção no cargo, faria com os laços entre os indivíduos em questão e o Estado
Imperial se solidificassem. Dentro da magistratura, partindo das análises de José Murilo
de Carvalho, podemos pensar que esses laços seriam resultado da educação, do
exercício cotidiano da aplicação das leis e do treinamento necessário para tanto
105
.
Na obra de Ilmar de Mattos, a percepção da importância do emprego público e
da magistratura no estabelecimento de vínculos com o Estado, parte da compreensão da
ação da Coroa, que definimos em momentos anteriores de nosso trabalho. Para o
autor a afirmação do projeto saquarema dependeria da atuação da Coroa enquanto um
partido, tendo à frente a figura do imperador, “promovendo associações e difundindo
uma civilização”.
106
No entanto é também fundamental que a ela estejam agrupados
alguns elementos que, para Mattos, estariam organizados, no contexto do Império, no
que chama de “círculos concêntricos”.
107
O primeiro desses círculos, e mais distante do centro do poder, seria aquele
formado pelos indivíduos que não tem uma ação política direta e efetiva, mas que
ganham força quando organizados e direcionados, seriam os:
(...) plantadores escravistas, em especial aquele
conjunto das áreas novas de produção cafeeira, (...) e
também os das mais antigas ligadas ao cultivo da cana-de-
açúcar, do algodão e do tabaco; são também os
charqueadores sulinos e os fazendeiros de gado dos ‘sertões
do Norte’; são ainda os inúmeros proprietários de escravos
na Província de Minas Gerais, não vinculados às atividades
exportadoras (...); são, por outro lado, os inúmeros sitiantes
espalhados por diversos pontos do Império; e, por fim, são
aqueles contingentes que, vivendo em cidades de diverso
104
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 36.
105
Id. Ibid. p. 87.
106
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 170.
107
Id. Ibid. p. 170.
46
porte, exercem atividades no comércio a retalho, no
tabelionato e no funcionalismo, entre outras.
108
O segundo círculo seria formado pelos elementos mais destacados dentre os
Dirigentes Saquaremas, correspondendo àquele que ativa e põem em funcionamento as
forças políticas do Império. Corresponderia aos deputados gerais, presidentes de
província, ministros de Estado, senadores e conselheiros de Estado
109
.
O terceiro círculo seria um círculo intermediário, que colocaria os dois primeiros
em contato, tanto física quanto moral e intelectualmente. Formado por uma classe
dominante regional, lançava mão de instituições forjadas pelo próprio Império a fim de
promover essa ligação. Nesse grupo destacavam-se indivíduos como o Visconde de
Ipiabas e o Barão do Pati do Alferes, que controlavam a Guarda Nacional em suas
localidades, e o Marquês de Valença, que se valia da seção local da Sociedade
Defensora bem como da Misericórdia, a fim de desempenharem essa função
110
.
Nesses três círculos, o segundo seria aquele em que se concentrariam os nossos
operatores
111
. Para Mattos, assim como para Carvalho, a educação superior
fundamentada na formação jurídica seria um fator de coalizão e unidade entre os seus
membros, fazendo com que esse “elemento unificador” encontrasse “um
desdobramento quase natural na carreira da magistratura, que quase todos
percorreram”,
112
o que em nossa análise evidenciaria a forma pela qual a magistratura
sedimentava os vínculos com o projeto de Estado defendido por tais indivíduos. Ainda
se referindo aos laços desses elementos com as carreiras jurídicas, em especial com as
magistraturas, e a forma pela qual promoviam sua ligação com a vida política e o
Estado, Ilmar de Mattos nos diz que:
E assim de fato ocorria com quase todos os elementos
constitutivos desse segmento: saltavam da magistratura para
a política, saltando também de relações que, efetivamente e
108
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 170.
109
Id. Ibid. p. 170 e 171.
110
Id. Ibid. p. 171.
111
Dentro da divisão proposta por Ilmar de Mattos, os Diretores da Casa da Moeda e dos Correios Gerais
da Corte estariam excluídos do segundo círculo, isto é, não corresponderiam à elite saquarema. No
entanto, a análise prosopográfica nos mostra que tais indivíduos, em sua trajetória, teriam passado por
uma ou mais das funções que Mattos insere no segundo círculo. Portanto, nesse aspecto, discordamos das
proposições do autor.
112
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 172.
47
antes que qualquer outro fator, lhes proporciona
homogeneidade. Neste processo, tornam-se dirigentes,
embora jamais se digam políticos.
113
Quanto à questão dos empregos públicos atuarem como uma forma de
estabelecimento de vínculos com o Estado, percebemos que em Mattos essa relação não
é tão clara quanto em José Murilo de Carvalho. Porém, podemos detectar tanto no
primeiro quanto no segundo círculo a presença de elementos ligados à estrutura
funcional e burocrática do Império do Brasil, como, por exemplo, os presidentes de
província, já discutidos em separado, e os elementos do “funcionalismo”
114
citados pelo
autor dentro do primeiro circulo.
É interessante ainda notar que para Mattos as funções dos indivíduos que
formavam o segundo dos três círculos, extrapolavam muitas vezes o aspecto puramente
político e atingiam o campo cultural, especialmente o jornalístico e literário. Segundo
suas palavras se autodenomivam “escritores públicos”,
115
dando aos jornais uma
considerável importância como veículos de difusão de suas idéias. Se cotejarmos esse
dado com os resultados de nossa tabela, perceberemos que um percentual de 18,4% dos
indivíduos que estudamos consideravam-se professores, ao passo que 9,2% diziam-se
jornalistas.
A primeira categoria, nesse trecho de sua obra, não é citada de forma específica,
porém sua vinculação com a produção de cultura e idéias é inquestionável. Muito
embora os percentuais não sejam, se vistos de forma absoluta, muito expressivos, temos
de levar em conta que essas atividades profissionais aparecem em quarta e sexta
posição, em meio a dez categorias sendo que a última delas reúne um conjunto de
atividades profissionais. Portanto concluímos que não o tão inexpressivas assim,
podendo estabelecer um elo entre os resultados que obtivemos e o pensamento de Ilmar
de Mattos.
Dessa maneira acreditamos que, quanto à posição social e ligações com o
governo imperial, conseguimos tornar evidentes os vínculos existentes entre os
indivíduos que estudamos e o processo de construção do Estado Imperial brasileiro,
habilitando-os dessa a atuarem como operatores da produção imagética inerente a esse
processo.
113
Id. Ibid. p. 172.
114
Id. Ibid. p. 170.
115
Id. Ibid. p. 173.
48
Outro crivo que também privilegiamos foi o da vinculação intelectual e
ideológica com os princípios que norteavam a construção do Estado Nacional brasileiro,
durante o Segundo Reinado. Para desenvolver esse segundo crivo, priorizamos em
nossas pesquisas alguns aspectos que dividimos em dois grupos. No primeiro buscamos
a titulação dos indivíduos, isto é, o fato de possuírem ou não títulos de nobreza e as
condecorações que porventura tivessem. No segundo grupo pesquisamos a formação
educacional de nossos titulares e as instituições nas quais a obtiveram.
Os resultados encontrados no primeiro desses grupos foram sintetizados nas
tabela a seguir.
c) Tabela dos Títulos e Condecorações dos Indivíduos Estudados
TÍTULO /
CONDECORAÇÃO
QUANTIDADE PERCENTUAL
116
PERCENTUAL DOS
CONDECORADOS
117
Títulos de Nobreza 28 36,8% -
Imperial Ordem da Rosa 32 42,1% 62,7%
Ordem Imperial do
Cruzeiro
15 19,7% 29,4%
Ordem de Cristo 35 46% 68,6%
Fonte: Almanak Laemert (1844 a 1889).
Optamos por pesquisar a titulação dos elementos estudados em função do
próprio caráter do que poderíamos chamar de uma nobreza brasileira, existente no
Segundo Reinado. Entender essa nobreza requer um exercício que nos remete à
América Portuguesa, uma vez que é nela que o sentido dessa classe deita as suas raízes.
Katia Mattoso nos mostra que, nesse momento de nossa história, o contexto escravista
das relações sociais, fazia com que qualquer homem branco livre, seja qual fosse sua
origem social, pretendesse ocupar uma posição destacada na sociedade e assumisse
“ares de nobreza”.
118
Paralelamente observa que a nobreza lusitana demonstrava grande
desprezo pelo Brasil, privilegiando a Índia que ocupava posição destacada no Império
Ultramarino português
119
. Tais fatores não teriam permitido que no Brasil se
desenvolvesse uma nobreza assentada nos referenciais de nascimento, tradição e
fidalguia, conforme encontrados na Europa, fazendo mesmo com que a suposta origem
nobre de muitas famílias brasileiras fosse bastante questionável.
116
Nessa coluna os percentuais foram calculados sobre o total dos casos estudados.
117
Nessa coluna levamos em consideração, no conjunto dos indivíduos estudados, aqueles que possuíam
condecorações. Dos 76 casos, 51deles foram condecorados, ou seja, 67,1% do total. Dessa forma os
índices percentuais em cada condecoração tornaram-se maiores.
118
MATTOSO, Katia M. de Queiroz. A Opulência na Província da Bahia. In: ALENCASTRO, Luiz
Felipe de (org.). História da Vida Privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São
Paulo: Cia. das Letras, 1997. p. 143 a 179.
119
Id. Ibid. p. 150.
49
Assim Katia Mattoso estabelece que novos referencias tem de ser forjados, a fim
de dar legitimidade aos nobres brasileiros, destacando nesse sentido a “estima”.
120
Essa
estima deveria partir de três pontos, quais sejam, o príncipe, o consenso dos que já são
nobres e o reconhecimento de toda a sociedade. Nesse sentido todo indivíduo que
transcendesse o vulgar e o corriqueiro todo aquele que se tornasse notável, poderia
aspirar ao título de nobreza. Para tanto deveria angariar o reconhecimento social e
possuir “bens e educação voltados para o serviço da pátria”.
121
A origem e o
nascimento perdem o sentido formando-se uma “nobreza da terra” sustentada pelo que
a autora chama de “meroticracia”, somente importando a questão de uma “origem
impura” quando julgassem ameaçada a classe dominante
122
.
Nessa realidade o Estado, a princípio o português e posteriormente o brasileiro,
tem uma importância crucial, posto que ele cria e legitima essa nobreza. É o Estado o
principal árbitro em relação ao mérito individual, é ele o agente que garante a ascensão
a um patamar que, em uma sociedade escravista e mestiça, é sinônimo de distinção e
poder. O título não distingue como estabelece uma relação de proximidade ao poder,
fazendo com que o nome perca a sua importância perante essa chancela do sucesso
social e econômico. A eficácia desse mecanismo pode ser verificada, até mesmo, nos
dias atuais. A toponímia de nossas ruas, o imaginário popular e o senso comum estão
povoados muito mais pelos Caxias, Sapucaís e Olindas do que pelos Luis Alves,
Cândido Josés ou Araújo Limas.
No Segundo Reinado a nobreza ganha um matiz ainda mais forte do que em
momentos anteriores. Compreender esse período de nossa história sem considerar essa
classe, seria incorrer no risco de deixar de lado relações políticas, sociais, culturais e
econômicas de grande significação na formação do que chamamos Brasil. Os títulos,
patentes, comendas e condecorações são um importante suporte para a análise das
relações que os homens constroem entre si, tanto vertical quanto horizontalmente, assim
como com o poder. Nesse sentido são contundentes as palavras de Raymundo Faoro:
O Segundo Reinado não se compreenderia sem os
barões, coronéis, comendadores e conselheiros. A imensa
rede de títulos, comendas e patentes doura a sociedade,
revelando, debaixo dos embelecos, rigoroso mecanismo de
120
Id. Ibid. p. 154.
121
Id. Ibid. p. 154.
122
Id. Ibid. p. 155 e 155.
50
coesão de forças. A Guarda Nacional no campo, sobretudo
no campo, sem ser estranha às cidades e vilas, incorpora e
domestica os proprietários rurais, atribuindo-lhes funções
políticas e de mantenedores da ordem. A baronia aproxima-
os, a eles e às notabilidades urbanas, do trono.
123
Nesse período o critério principal para a concessão de um título de nobreza
continua a ser o mérito. No entanto podemos observar que paralelamente a ele, outros
elementos condicionam à ascensão ao universo dos nobres. Segundo Faoro
124
, a
capacidade de manutenção de um padrão de vida elevado, seria condição fundamental
ao pretendente a um título. A suposta “tradição” da nobreza não poderia ser maculada
por aqueles que não dispusessem dos recursos necessários para freqüentar e bem receber
nos salões do Império, com suas damas e cavalheiros. A necessidade do suporte
econômico não estava ligada somente ao padrão de vida, as Mercês do Império geravam
um custo que não era, efetivamente, algo que estivesse ao alcance das camadas menos
favorecidas da população. A tabela abaixo nos dá uma idéia dessa questão.
d) Tabela dos Custos das Mercês no Segundo Reinado
TÍTULO CUSTO
Barão 300$000 réis
Visconde sem Grandeza
125
400$000 réis
Visconde com Grandeza 600$000 réis
Conde 600$000 réis
Marquês 800$000 réis
Duque 1:000$000 réis
Fonte: TORRES, João Camillo de Oliveira. A Democracia Coroada. Teoria Política do Império do Brasil.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1957. p. 446.
No governo de Pedro II, sem dúvida, a concessão de um tulo de nobreza
continuou a funcionar como uma forma de atrelar os indivíduos, principalmente os
representantes das classes dominantes, ao Estado, ao menos até os anos 1880. O
nobilitação não só distinguia socialmente aos mais abastados como ainda os aproximava
do poder, inserindo-os em uma esfera à qual os homens comuns, o “Mundo da
Desordem” e o “Mundo do Trabalho” de Ilmar de Mattos, não teriam acesso
referendando, assim, as fronteiras sociais. É o Estado Imperial e o imperador, figura que
123
FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 29.
124
Id. Ibid. p. 32.
125
A Grandeza, quando acrescentada ao título tinha um efeito de enaltecer e distinguir ainda mais ao
indivíduo, posto que somente era concedida aos homens de Estado mais destacados e àqueles que, não
ocupando essa posição, evidenciassem grande merecimento.
51
como veremos mais tarde ocupa papel central nessa “construção”, que agenciam e
garantem essa ascensão forjando uma realidade onde as classes sociais passam a estar
inseridas em relações políticas resultantes da produção desse Estado, e que são
controladas por seus agentes. Dessa forma, premiando àqueles que lhes são dedicados e
operosos com a distinção, o título e o cultivo de suas vaidades, desenvolve-se uma
dialética onde Estado e classes dominantes passam a integrar um novo contexto que
teria no que Ilmar de Mattos chama de Coroa”,
126
a sua principal personificação. O
trecho a seguir, retirado da obra de Raymundo Faoro, serve como mais uma evidência
nesse sentido.
Cobria o Império, com os títulos nobiliárquicos, as
camadas sociais existentes, domesticando-as, atrelando-as
ao seu carro. Não cunhava uma realidade existente, com os
dourados de uma nobreza de ficção. Não bastava ser rico,
fazendeiro ou comerciante, para obter a baronia, nem esta
era consequência daquele estado. Incorporava,
transformando; abraçava, assimilando. Do fazendeiro, fazia
um fazendeiro do Império; do comerciante, fazia um
comerciante do Império. Aceitava as classes como
fundamento, mas as legalizava, legitimando-as
socialmente, para integrá-las na ordem política.
127
Outro elemento que consideramos nessa etapa de nossa pesquisa foram as
Condecorações, ou Ordens Honoríficas, concedidas aos indivíduos que estudamos. João
Camillo Torres
128
considera a existência de quatro tipos de aristocratas no Império do
Brasil, em especial durante o Segundo Reinado: as altas patentes da Guarda Nacional,
os Titulados, os Conselheiros de Estado e Senadores e os detentores de Ordens
Honoríficas. Mesmo que não concordemos plenamente com a concepção desse autor,
ela ganha importância no sentido em que valoriza as Ordens Honoríficas como um
elemento de distinção social e, por razões que analisaremos a seguir, de aproximação
entre os seus possuidores e o Estado Imperial. Uma outra questão que ressaltaria ainda
mais a importância dessas Condecorações pode ser encontrada na obra de Raymundo
Faoro, quando considera que as mesmas corresponderiam a um “vestíbulo para a
126
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 77 a 82.
127
FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 33.
128
TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 439.
52
nobreza”
129
, indicando que a obtenção de uma dessas Ordens seria um primeiro passo
para se chegar a um título.
Ainda segundo Faoro
130
, as condecorações seriam concedidas aos altos cargos
administrativos. Estavam subdivididas internamente em graus hierárquicos
correspondendo as mesmas às antigas ordens de cavalaria portuguesas, tornadas
brasileiras e modificadas, e a três outras criadas pelo Império. As Ordens de cavalaria
portuguesas que foram adequadas à realidade brasileira perderam, segundo o Decreto
321 de 09/09/1843, seu caráter religioso guardando somente o aspecto honorífico,
correspondendo a três: a Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Ordem de São Bento
de Avis e a de São Tiago da Espada
131
. As que poderíamos chamar de brasileiras
também foram criação de D. Pedro I com o auxílio de artistas remanescentes da Missão
Francesa, como Debret e Pallière. A Ordem Imperial do Cruzeiro foi criada em
01/12/1822 com o objetivo de solenizar a fundação do Império do Brasil. A Ordem de
Pedro I surgiu em 16/04/1826 e recordava o reconhecimento lusitano de nossa
independência. Finalmente, a Imperial Ordem da Rosa veio à luz em 17/10/1826 a fim
de marcar o casamento de D. Pedro I com Amélia de Leuchtemberg
132
.
Assim como os títulos de nobreza, as Condecorações funcionavam como uma
forma de retribuir serviços prestados ao Estado sem acarretar nenhum custo ao mesmo,
chegando inclusive a proporcionar alguma receita uma vez que, tal qual os títulos, seus
recipiendários deveriam pagar uma taxa acrescida de um selo relativo às cartas de
condecoração. Na tabela abaixo reproduzimos esses valores.
e) Tabela dos Custos das Condecorações no Segundo Reinado
CONDECORAÇÃO CUSTO DA CONDECORAÇÁO SELO
Grã-Cruz de qualquer
Ordem
1:195$000 630$000
Grandes Dignitários da
Ordem da Rosa
950$000 500$000
Dignitários da Ordem do
Cruzeiro e da Rosa
735$000 390$000
Comendador da Ordem da
Rosa
405$000 280$000
Oficial da Ordem do
Cruzeiro e da Rosa
405$000 220$000
Comendador de outras
Ordens
330$000 180$000
Cavaleiro de qualquer
Ordem
195$000 110$000
129
FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 33.
130
Id. Ibid. p. 35.
131
TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit p. 449.
132
TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 449 e 450.
53
Fonte: TORRES, João Camillo de Oliveira. A Democracia Coroada. Teoria Política do Império do Brasil.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1957. p. 450 e 451.
Feitas essas considerações podemos agora nos voltar para a análise dos dados
obtidos. Em relação aos títulos de nobreza, constatamos que do universo dos indivíduos
estudados 36,8% deles eram titulados. Esse acanhado percentual poderia, se analisado
isoladamente, nos dar a idéia de um distanciamento de nossos personagens em relação
às honrarias e pompas do Império. Porém temos de considerar que, conforme
mostramos anteriormente, existia uma relação de continuidade entre as condecorações e
os títulos. Isso nos remete a uma outra realidade, uma vez que dos 76 casos estudados
51 deles eram detentores de condecorações, isto é, 67% dos indivíduos. Levando-se em
conta que, tanto nos títulos quanto nas Ordens Honoríficas, havia uma relação de
reciprocidade
133
entre os agraciados e o Estado Imperial, podemos concluir que se
estabelecia um vínculo que evidenciava uma aproximação no que tange a posturas
políticas e, em certo sentido, ideológicas.
Dizemos isso porque ao receber um título ou condecoração, os agraciados
passavam a incorporar a suas pessoas as honrarias que o mesmo proporciona.
Trabalhando com o Almanak Laemmert, percebemos um grande esforço em
acompanhar os nomes citados em toda a obra de suas graças e honrarias, havendo
mesmo a seção dos “Titulares do Império”. Um outro exemplo da grande importância
dada às “vantagens” advindas dostulos e condecorações nos é dado pela literatura de
época, sendo nesse sentido muito esclarecedora a obra de um dos mais argutos analistas
e críticos de sua época, Machado de Assis.
No trecho abaixo, escrito pelo Bruxo do Cosme Velho, podemos perceber
claramente o fascínio que tais elementos exerciam sobre uma considerável parcela da
sociedade imperial, a partir dos devaneios do personagem Rubião em torno de uma
noiva:
Os nomes eram os mais sonoros e fáceis da nossa
nobiliarquia. Eis aqui a explicação: poucas semanas antes,
Rubião apanhou um almanaque de Laemmert, e, entrando a
folheá-lo, deu com o capítulo dos titulares. Se ele sabia de
133
Acreditamos que essa relação de reciprocidade se evidencia pelo fato de que a concessão do título e ou
da condecoração é prerrogativa do Estado, logo ele o faz a quem julgar merecedor. Por outro lado o
recipiendário não tem uma postura passiva nesse processo, conforme percebemos em toda a literatura
consultada e fartamente citada, ele não se empenha para recebê-los, como tem de desembolsar uma
quantia mais do que razoável. Portanto existe nessa relação uma vontade de ambas as partes,
caracterizando assim a reciprocidade que aventamos.
54
alguns, estava longe de conhecer a todos. Comprou um
almanaque, e lia-o muitas vezes, deixando escorregar os
olhos por ali abaixo, desde os marqueses até os barões,
voltava atrás, repetia os nomes bonitos, trazia a muitos de
cor. Às vezes, pegava da pena e de uma folha de papel,
escolhia um título moderno ou antigo, e escrevia-o
repetidamente, como se fosse o próprio dono e assinasse
alguma coisa: Marquês de Barbacena, Marquês de
Barbacena, Marquês de Barbacena, Marquês de Barbacena,
Marquês de Barbacena, Marquês de Barbacena.
Ia assim até o fim da lauda, variando a letra, ora
grossa, ora miúda, caída para trás, em pé, de todos os
feitios. Quando acabava a folha, pegava nela, e comparava
as assinaturas; deixava o papel e perdia-se no ar.
134
Dessa maneira, direta ou indiretamente, esses indivíduos corroboravam com
uma Ordem, que prezavam em manter, e com um status quo necessário à construção do
Estado no qual, na totalidade dos casos estudados, estavam diretamente inseridos. Esses
laços eram consolidados mais ainda pela origem social dos titulares ou dos agraciados
pelas Ordens Honoríficas. A regra geral consistia na concessão dos títulos e das
condecorações a indivíduos que estivessem inseridos no Mundo do Governo.
Trabalhando com o conceito de estamento, com o qual não compactuamos, Faoro deixa
claro que uma presença anterior no “estamento” que controlava o poder era
fundamental para receber cargos e distinções honoríficas, porém mais do que isso
afirma que “(...) a posição de classe, habilitara ao cargo e ao título”.
135
O segundo grupo de elementos que estudamos a fim de levantar o grau de
vinculação intelectual e ideológica de nossos operatores com o Estado Imperial foi,
como dissemos, a sua formação educacional e as instituições nas quais a obtiveram.
Os resultados a que chegamos nesse campo foram sistematizados nas próximas tabelas.
f) Tabela da Formação Educacional dos Indivíduos Estudados
134
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo: FTD, 1992. p. 112 e 113.
135
FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 35.
55
ÁREA DE FORMAÇÃO QUANTIDADE PERCENTUAL
Direito 46 60,5%
Matemática 05 6,5%
Engenharia 05 6,5%
Ciências Naturais 02 2,6%
Ciências Sociais 02 2,6%
Medicina 02 2,6%
Academia Militar 02 2,6%
Outras áreas 05 6,5%
Sem formação identificada 17 22,3%
Fonte: Almanak Laemmert (1844 a 1889)
g) Tabela das Instituições de Ensino Freqüentadas pelos Indivíduos Estudados
INSTITUIÇÃO QUANTIDADE PERCENTUAL
Faculdade de São Paulo 18 22,3%
Universidade de Coimbra 16 21%
Universidade de Olinda 06 7,8%
Faculdade do Recife 05 6,5%
Faculdade do Rio de Janeiro 02 2,6%
Universidade de Paris 01 1,3%
Universidade de Karlsruhe 01 1,3%
Sem Instituição identificada 27 35,5%
Fonte: Almanak Laemmert (1844 a 1889)
O estudo desses dados nos leva às mesmas conclusões a que chegaram José
Murilo de Carvalho e Ilmar Rohllof de Mattos, ao analisarem, respectivamente, o que
chamavam de elites políticas e dirigentes saquaremas. Percebemos uma considerável
maioria de indivíduos com formação no campo jurídico, apresentando os estudos de
Direito o percentual de 60,5% dos casos. Esse percentual torna-se ainda mais
significativo quando observamos que em 17 casos, ou 22,3% do total, o foi possível
rastrearmos a formação dos elementos estudados. A partir das conclusões dos autores
citados e com base no padrão que identificamos, é muito provável que dentro dessa
faixa dos 22,3%, diversas sejam as situações em que o Direito foi a carreira estudada,
aumento dessa forma o índice inicial.
A segunda constatação diz respeito ao local onde esses indivíduos
desenvolveram seus estudos. Observamos que os dois principais centros de formação
corresponderam a Faculdade de Direito de São Paulo e a Universidade de Coimbra,
respondendo juntos por 43.3% do total, seguidos pelas instituições pernambucanas com
14,3%. Se levarmos em conta que em 35,5% dos elementos pesquisados não foi
56
possível averiguar em que instituições estudaram, portanto abrindo uma forte
possibilidade para que, como no caso anterior, esse padrão se repita, poderíamos chegar
a percentuais consideravelmente maiores.
É interessante avaliarmos o que Carvalho e Ilmar de Mattos tem a dizer em
relação a esse quadro. José Murilo constatou que um “(...) importante elemento
unificador da política imperial foi a educação superior”.
136
Faz essa afirmação, pois
em sua análise, as elites políticas apresentavam um padrão que se resumia em três
princípios: quase todos tiveram formação superior, constituindo o que chama de uma
“ilha de letrados num mar de analfabetos”; essa formação se concentrou no campo
jurídico, promovendo dessa maneira uma base comum de saberes e competências e
finalmente o fato da maior parte dessas elites ter passado pela Universidade de Coimbra
e pelos centros de estudos de quatro capitais de províncias
137
. A partir daí destaca que
esse padrão, originário de sua formação, promoveu entre as elites um considerável nível
homogeneidade que, conforme dissemos anteriormente, unificou a política imperial
em torno de posturas de caráter conservador.
Nesse sentido destaca a importância das instituições de ensino, em especial
Coimbra, que no turbilhão do final do século XVIII e início do XIX, conseguiu ficar
isenta de influências mais profundas e duradouras das idéias provenientes do
Iluminismo francês
138
. A criação das instituições de ensino superior no Brasil, nas quais
a maior parte de nossos operatores estudaram, e, em especial, as de ensino jurídico, não
teria promovido uma ruptura nesse padrão, segundo nos relata o autor. Apesar de terem
ocorrido adaptações de conteúdos e programas em relação à realidade brasileira, o
caráter conservador e o cunho estatista do ensino forma mantidos. Segundo Carvalho as
“(...) idéias radicais continuaram ausentes dos compêndios adotados”, voltando-se
esses centros para uma “(...) orientação mais pragmática e eclética sob a influência de
Bentham e Victor Cousin (...)”.
139
O trecho a seguir é bastante esclarecedor nesse
sentido:
Os cursos de Direito foram criados à imagem do
predecessor coimbrão. Os primeiros professores eram ex-
alunos de Coimbra e alguns dos primeiros alunos vieram de
136
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 55.
137
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 55.
138
Id. Ibid. p. 74.
139
Id. Ibid. p. 76.
57
transferidos. Mas houve importante adaptação no que se
refere ao conteúdo das disciplinas. O direito romano foi
abandonado em benefício de matérias mais diretamente
relacionadas com as necessidades do novo país, tais como os
direitos mercantil e marítimo e a economia política.
140
Constatamos que no governo de D. Pedro II essa realidade se manteve, somente
começando a sofrer maiores mudanças a partir da década de 1870, quando novos
componentes foram incorporados ao cenário educacional e intelectual do Brasil.
Muito embora Ilmar de Mattos não aborde de forma direta a questão da
hegemonia da formação jurídica entre os dirigentes saquaremas, podemos percebê-lo
pelas entrelinhas de sua obra. Tal percepção ocorre, em especial, nos exemplos com que
a ilustra, uma vez que evidenciam a importante atuação dos dirigentes saquaremas na
implementação de seu projeto de Estado, sendo que muitos deles são magistrados ou
juristas. O caso mais relevante é o de Paulino José Soares de Souza, o visconde do
Uruguai, citado em diversos momentos como um dos sustentáculos ideológicos da ação
saquarema.
Além disso, podemos perceber também que, assim como Carvalho, esse autor
aponta para uma orientação de cunho conservador e estatista nos centros de formação
jurídica no Brasil. Tal fato marcaria profundamente a formação e a ação dos dirigentes
políticos do Império. Nesse sentido podemos recorrer à citação que faz de Joaquim
Nabuco, ao comentar os cursos de Direito de Olinda e São Paulo, onde Nabuco fala de
uma “formação exclusivamente prática” que em grande parte se apoiava nas “teorias
constitucionais de Benjamin Constant, tudo sob a inspiração geral de Bentham”.
141
Em
outro trecho em que, novamente, desenvolve seu raciocínio a partir de Joaquim Nabuco,
Mattos deixa-nos enxergar o compromisso das Escolas de Direito com as necessidades
do Estado.
Joaquim Nabuco comentara que ‘as Faculdades de
Direito eram as ante-salas da Câmara’. Podemos
acrescentar que, além de centros formadores de dirigentes
políticos, eram também geradoras de agentes da
140
Id. Ibid. p. 66.
141
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 137 e 138.
58
administração imperial, ou seja, dos elementos que, de
acordo com o Visconde do Uruguai, punham o Poder
Executivo ‘em contato com os particulares que lhes
transmite as suas ordens, que estuda as suas necessidades e
recebe as suas reclamações.
142
Acreditamos com isso ter demonstrado como a convergência dos dados que
obtivemos com as conclusões dos autores trabalhados, é capaz de evidenciar a ligação
intelectual e ideológica do grupo que pesquisamos com a construção do Estado Imperial
e com o próprio Estado. Assim estariam, a nosso ver, habilitados a atuarem como os
operatores do processo de produção das imagens oficiais dessa organização estatal.
Um último elemento foi levado em consideração nesse estudo prosopográfico
que realizamos em torno dos indivíduos que, no contexto de nossa pesquisa,
consideramos como os produtores das imagens veiculadas nos selos e moedas do
Segundo Reinado. Corresponde à vinculação dos mesmos ao que chamamos de
instituições do Império. Consideramos como tais aqueles espaços onde,
simultaneamente, idéias e opiniões eram forjadas e absorvidas ao mesmo tempo em que
atuavam na produção e implementação de diretrizes políticas e administrativas para o
Império. Em outras palavras, seriam centros de produção e difusão ideológica e política.
Os resultados a que chegamos, estão sistematizados na tabela a seguir.
h) Tabela de Vinculação às Instituições do Império
INSTITUIÇÃO QUANTIDADE PERCENTUAL
Câmara Geral 39 51,3%
Senado 39 51,3%
Conselho de Estado 37 48,6%
Conselho do Imperador 29 38,1%
IHGB 18 23,6%
Sociedade Auxiliadora da
Indústria Nacional
04 5,2%
Maçonaria 03 3,9%
Outras Instituições 22 28,9%
Fonte: Almanak Laemmert (1844 a 1889)
Ao analisarmos nossos resultados, constatamos que essas instituições podem ser
divididas em dois grandes grupos. O primeiro deles é o das instituições de caráter
acentuadamente político, isto é, aquelas que atuam mais diretamente sobre as relações
políticas e as questões administrativas do Império. Nesse grupo inserimos as duas casas
142
Id. Ibid. p. 165.
59
que formavam o Legislativo, a Câmara Geral e o Senado, e o Conselho, tanto o
Conselho de Estado quanto o Conselho do Imperador, esse último de cunho muito mais
honorífico do que prático.
Quanto ao Senado e ao Conselho de Estado, podemos afirmar que
correspondiam a espaços ocupados por elementos de grande projeção na política
nacional correspondendo, na análise de João Camillo Torres, a uma “Aristocracia
Política” e “Administrativa”, respectivamente
143
. José Murilo de Carvalho privilegia
em sua análise o Conselho de Estado e, lançando mão das palavras de Joaquim Nabuco,
classifica-o como o “cérebro da monarquia”.
144
Formado por elementos escolhidos, de
forma criteriosa pelo imperador, tinha grande influência sobre os ministérios, em
especial aqueles de perfil mais administrativo, como a Secretaria de Estado dos
Negócios do Império e, a partir de 1860, o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas. Em função dessas características, Carvalho demonstra que o Conselho estaria
no círculo formado pelo “topo da pirâmide da administração imperial”,
145
um nível em
que, segundo esse autor, seria muito difícil estabelecer a separação entre política e
administração, sendo os conselheiros e sua instituição o melhor exemplo nesse sentido.
Entre o Conselho de Estado e o governo, constatamos uma identidade de pensamento,
uma vez que nele estavam representadas as idéias dos principais líderes dos partidos
políticos e daqueles servidores públicos desvinculados dos mesmos
146
. É bastante
interessante a imagem construída por esse autor ao pensar que o que chama de elites
políticas constituíam um clube” que controlava o poder durante o Império. Para
Carvalho a Câmara Geral corresponderia ao vestíbulo de acesso a esse clube, enquanto
que os membros do Senado e do Conselho de Estado já estariam dentro do mesmo
147
.
Ilmar Rohllof de Mattos desenvolve uma análise que difere em termos
conceituais de Carvalho, mas que não exclui deputados, senadores e conselheiros das
esferas mais altas da política brasileira do Segundo Reinado. Ao pensar os círculos que
se constituíram em torno do poder, durante esse período, o autor estabelece uma
hierarquia no círculo que se situa mais próximo ao mesmo. Essa estrutura hierárquica
partia dos deputados gerais passando por presidentes de província, ministros de estado,
senadores, conselheiros até chegar ao seu ápice no imperador.
143
TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 451 e 452.
144
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 327.
145
Id. Ibid. p. 136.
146
Id. Ibid. p. 327.
147
Id. Ibid. p.113.
60
Nessa ascensão linear na medida em que se avançava, o caráter político da
função ia se diluindo e a mesma ia ganhando uma conotação mais administrativa. A fim
de ilustrar sua análise, Mattos recolheu depoimentos de época onde percebemos que,
claramente, o caráter político e partidário da instituição vão deixando de ter relevância e
ser alvo de críticas, como aquelas que o Visconde do Uruguai fazia à Assembléia
Geral
148
, até chegar ao estágio de “centro de gravidade política desse país” que
Zacarias de Góis atribuía ao Senado
149
ou de “(...) o crisol dos nossos estadistas e a
arca das tradições do governo”, forma pela qual Joaquim Nabuco classificava o
Conselho de Estado.
De uma forma ou de outra, Carvalho e Mattos reconhecem que os membros da
Câmara, do Senado e do Conselho de Estado, correspondiam a um grupo seleto, que
tinha fortes laços com o Estado Imperial. A partir daí, podemos concluir que a
expressiva participação dos indivíduos que estudamos nessas instituições habilitava-os a
desempenhar importante papel dentro do Aparelho de Estado, atuando em sua
construção, manutenção e na produção de ideologias e imagens que ao mesmo tempo
em que moldavam, consolidavam sua obra.
O segundo grupo corresponderia àquelas instituições cuja atuação estava mais
relacionada à produção ideológica. Nesse contexto, uma instituição na qual constatamos
uma participação que se destaca em relação ao conjunto das ocorrências verificadas, é o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O índice a que chegamos, embora não tão
expressivo quanto nas três primeiras, torna relevante uma apreciação mais detida.
Criado em 1838 o Instituto surgiu, segundo Manoel Salgado, como um espaço onde se
começou a pensar uma “História Brasileira”, atendendo às exigências de um duplo
movimento que envolvia a construção da nação e a centralização do Estado
150
.
Os trabalhos dessa instituição tinham, em um primeiro momento, o objetivo de
produzir uma visão homogênea do Brasil dentro do que o autor chama de elites, a partir
dos esforços de seus 27 fundadores, que apresentavam o perfil de intelectuais com
funções no Aparelho de Estado. O recrutamento de novos membros, seguindo ao
modelo do período, baseou-se nas relações sociais e não na propriamente na produção
intelectual. Foi possível manter uma certa homogeneidade entre os membros do
148
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 178.
149
Id. Ibid. p. 179.
150
GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro. N. 1,
1988. p. 5-27.
61
Instituto em função de uma formação baseada nos estudos jurídicos, obtidos
principalmente em Coimbra
151
.
Portanto os 18 casos encontrados, ou 23,6% do total dos indivíduos pesquisados
pode ser um indício de uma vinculação mais forte dos membros desse grupo tanto com
a produção quanto com a assimilação dos princípios ideológicos ligados ao Estado
Imperial brasileiro, no governo de Pedro II.
Ainda nesse grupo, duas outras instituições que aparecem com um percentual de
participação bem menor que a anterior, mas que ainda assim gostaríamos de registrar,
são a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, com um índice de 5,2%, e a
Maçonaria, com 3,9%. A primeira pode ser vista, conforme já mencionamos, como uma
instituição de onde partiam influências e sugestões sobre as questões políticas do
Império
152
. Vale inclusive lembrar que o próprio IHGB foi criado sob os auspícios da
mesma.
Quanto à Maçonaria, acreditamos que o recurso a outros tipos de fontes
possibilitaria que chegássemos a um índice de adesão muito maior. Porém acreditamos
que mesmo que essa participação fosse bem mais expressiva, não haveria uma mudança
no perfil político e intelectual dos indivíduos considerados. Isso porque ainda que se
levando em conta as influências das idéias libertárias e menos conservadoras existentes
a Ordem Maçônica, é muito pouco provável pensarmos em maçons, ao menos até o
último quartel do século XIX, empenhados em projetos revolucionários de
transformação social. Nesse sentido ficamos com as palavras do historiador Alexandre
Barata, ainda que relativas aos anos 1820.
Mas ter em vista essa dimensão ‘transgressora’ não
significou ignorar suas próprias contradições. Ou seja, o
quanto, ao lado das suas feições modernas, a maçonaria era
tributária dos valores de uma sociedade do Antigo Regime.
Exclusão e hierarquia eram também feições dessa nova
sociabilidade.
153
151
Id. Ibid.p. 10 e 11.
152
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 43.
153
BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência (1790 1822).
Juiz de Fora: Ed. UFJF; São Paulo: Annablume, 2006. p. 251.
62
Após as análises que fizemos sobre o conjunto dos ministros e altos funcionários
administrativos que estudamos, acreditamos ter conseguido chegar a algumas
conclusões que, de forma clara, permitem-nos classificá-los como os operatores do
processo de produção imagética que se manifestará nos selos postais e moedas do
Brasil, entre 1840 e 1889. Em primeiro lugar constatamos que esses indivíduos formam
um grupo com características e interesses próprios diante do Império e da sociedade.
Tais características poderiam enquadrá-los no que José Murilo de Carvalho chama de
elites políticas, posto que muito do padrão estabelecido pelo autor se reproduz em nosso
caso. No entanto preferimos integrá-los ao que Ilmar de Mattos considera como os
dirigentes políticos do Império. Mais do que uma simples mudança de palavras notamos
uma importante questão conceitual. Sendo assim optamos pela análise de Mattos que
entende esses elementos como parte de uma classe social, a classe senhorial. Essa
opção, obviamente, se fundamenta no fato de as características levantadas não entrarem
em choque com as conclusões desse autor.
Uma segunda e última questão que consideramos muito importante corresponde
ao fato de, em diversos momentos, termos encontrado pontos de contato e aproximação
entre nossos operatores e o Estado Imperial. Tais pontos se manifestam ao nível de sua
vinculação e participação no Aparelho de Estado, assim como na ideologia que
produzem e absorvem, intimamente relacionada a esse último. Esses vínculos se
exteriorizavam e manifestavam através de atos políticos e administrativos, de
pronunciamentos e escritos, dos bordados e galões que enfeitavam os “trajes de
cerimônia”
154
de ministros, titulares e conselheiros, das condecorações e comendas que
traziam em seu peito nos momentos de gala, assim como em toda uma produção de
imagens e símbolos que analisaremos a diante.
1.2) O Studium: pensamento e ideologia no Brasil do Segundo Reinado.
Nas páginas anteriores identificamos os elementos responsáveis pela produção
das imagens veiculadas em nossos selos postais e moedas, durante o Segundo Reinado,
ou seja, definimos os operatores desse processo. Porém, caberia perguntar, em que
fundamentavam a sua produção? Com base em que valores e princípios produziam
essas imagens?
154
Sobre os trajes de cerimônia, Cf: TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 457 a 461.
63
Mais uma vez, recorremos a Roland Barthes a fim de responder a essas
questões. Como o autor, acreditamos que os operatores partiam daquilo que chama de
studium. Barthes assim o define:
O studium é uma espécie de educação (saber e
delicadeza) que nos permite encontrar o Operator, viver os
pontos de vista que criam e animam as suas práticas, mas, de
certo modo, vivê-los inversamente, segundo meu querer de
spectator.
155
Partindo desse conceito, concluímos que o studium corresponderia ao elemento
que o operator possui e que o possibilita a produzir significados, a pensar e se
posicionar no universo em que tramita, norteando-o na produção de suas imagens.
Dessa forma, chegando a esse studium estaríamos em condições de “(...) descobrir as
intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprová-las, desaprová-las, mas
sempre compreendê-las, discuti-las interiormente (...)”.
156
Ainda nas análises de Barthes, constatamos que ao abordar o studium que atua
sobre os operatores, no decurso da produção imagética, podemos chegar a níveis mais
profundos tanto desses últimos, quanto da própria atividade na qual estão empenhados.
Segundo esse autor, através do studium podemos chegar aos “mitos do fotógrafo”, que
atuariam no sentido de reatar os laços entre as fotografias e a sociedade. Refeita essa
ligação a foto passaria a estar revestida de algumas funções: informar, representar,
surpreender, dar significação, provocar desejo
157
.
A partir dessa análise, defendemos que o studium que atuava sobre os
operatores das imagens contidas em nossos selos e moedas, no período em questão,
seria a ideologia que, simultaneamente, produziam e das quais eram alvo. Assim como
na perspectiva barthesiana, pensamos que a ideologia é capaz de orientar a ação desse
grupo, servindo, ao mesmo tempo, como um fio condutor de suas intenções e dos
móveis mais profundos da mesma. Através dessa ideologia podemos atingir o complexo
de significados que servia de base à produção simbólica que gerava o que chamamos de
imagens oficiais do Estado Imperial.
155
BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Nota sobre fotografia. Lisboa: Edições 70, 2006. p. 36.
156
Id. Ibid. p. 36.
157
Id. Ibid. p. 36 e 37.
64
Partindo dessas questões, estamos habilitados a pensar em que contexto histórico
se produziu esse studium e quais os principais elementos definidores do mesmo. Nesse
primeiro ponto, adotamos a premissa de Lúcia Pereira das Neves e Humberto Machado
que entendem o Império do Brasil como fruto de uma dialética estabelecida entre um
“país real” e um “país ideal”
158
. A nosso ver o “país ideal” organizava-se a partir de
um projeto de Estado e nação defendido por uma parcela da classe dominante do Brasil
oitocentista, que aqui chamamos de dirigentes políticos. Este foi construído sobre os
ideais de uma monarquia constitucional nos moldes europeus, marco da civilização do
velho mundo nos trópicos.
A monarquia que almejavam, foi erguida usando a argamassa resultante de um
tipo de Liberalismo que, simultaneamente, garantia a ordem e a tranqüilidade defendida
por essa facção de classe, e promovia novos vínculos entre a economia brasileira e o
mercado capitalista
159
. Ao lado desse país situava-se um “país real”, correspondente
àquele em que vivam os representantes do Mundo da Desordem e do Mundo do
Trabalho, de Ilmar de Mattos, assim como o grosso dos plantadores e grandes
proprietários, dispersos pelos diversos rincões do Império.
Essa dualidade cria entre os habitantes de nosso país ideal um tipo de identidade
que os faz se conceberem como membros de um mundo civilizado e movido pelo ideal
de progresso. Tal percepção acaba por promover uma divisão do Império em duas
porções que abrigam, concomitantemente, um componente geográfico e ideológico. De
um lado teríamos o sertão, sinônimo de isolamento
160
e barbárie, de outro o litoral
locus da civilização e espaço do progresso
161
. É interessante ressaltar que esse ideal de
civilização fundamentava-se, a princípio, no desenvolvimento das atividades agrícolas.
Influência do que poderíamos chamar de um pensamento fisiocrata português,
proveniente da Academia Real de Ciências, a vinculação dos ideais de progresso e
civilização às práticas agrícolas manteve-se sólida durante boa parte do Segundo
158
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. O Império do Brasil.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 183.
159
A visão que a classe dominante brasileira fazia de ordem, civilização e sua própria concepção de
Liberalismo, estava explícita no discurso ideológico que produzia. Teremos oportunidade de discutir mais
adiante esses elementos.
160
É importante salientar que a partir dos anos 1860, esse isolamento do sertão” começa a ser superado.
Isso seria reflexo das melhorias materiais pelas quais o Império vinha passando desde a década anterior,
destacando-se o transporte ferroviário e as comunicações, assim como da consolidação da centralização
monárquica implementada desde o Regresso. A partir daí passou a estar em questão a expansão da
civilização pelo Império. Em outros momentos de nosso trabalho, termos oportunidade de discutir mais
pormenorizadamente essa questão.
161
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 32-34.
65
Reinado. Nesse sentido são bastante elucidativas as palavras de Rodrigues Torres,
ministro da Fazenda, já em 1850:
Não se entenda porém ser minha opinião que
devamos ou possamos promover desde todos os ramos de
manufaturas à custa e com sacrifícios da indústria
agrícola(...). Nenhum ramo de indústria manufatureira ou
fabril deve no seu conceito ser protegido, ao menos por ora,
cujas matérias-primas não se possam vir a ser facilmente
produzidas no Brasil.
162
Em relação à população do Império, o país ideal do qual tratamos foi criado por
uma parcela muito restrita da mesma. No entanto, na medida em que esses elementos
iam galgando posições de destaque na estrutura administrativa do Estado, ao mesmo
tempo em que nele ingressavam representantes da classe economicamente dominante,
ele conheceu, segundo Lúcia Neves e Humberto Machado, um processo de
oficialização
163
. Essa oficialização foi acompanhada pela produção do que esses
historiadores consideram como sendo sua “moldura institucional”,
164
baseada na
Constituição de 1824 e em um saber e uma cultura desenvolvidos no seio de espaços de
sociabilidade como as Lojas Maçônicas, o IHGB, a Academia Imperial de Belas Artes e
o Imperial Colégio de Pedro II.
Acreditamos que a existência desses dois contextos sociais, que representam
duas formas distintas de percepção da realidade, o tem suas origens no Império.
Partindo das idéias de Paulo Mercadante
165
, pensamos que as raízes dessa situação estão
vinculadas a nossa própria formação histórica condicionada, em boa parte, à
colonização portuguesa. Desse legado resultaria, no século XIX, o que autor chama de
“duplicidade ética”, ou seja, o resultado da necessidade de conciliar em uma mesma
formação social os valores pertinentes ao Liberalismo, sinônimo de modernidade e
civilização, com a defesa das relações escravistas de produção, fundamento das
atividades produtivas
166
. Essa duplicidade se manifesta em diversos sentidos,
162
Cf: MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 34.
163
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 186.
164
Id. Ibid. p. 187.
165
MERCADANTE, Paulo. A Consciência Conservadora no Brasil. Contribuição ao Estudo da
Formação Brasileira. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.
166
Id. Ibid. p. 25-26.
66
construindo na sociedade oitocentista do Segundo Reinado o que aqui chamamos de
alguns pares antagônicos
167
: forma de organização da economia forma de organização
do mundo; escravização da força de trabalho liberdade privada de comércio e
acumulação dos lucros; liberdade – opressão.
A garantia institucional dessa duplicidade ética” seria efetiva ao nível do
Estado, que para tanto adotava, no Império do Brasil, aquilo que Mercadante chama de
um “estilo conciliador”. O principal resultado dessa conciliação em relação à sociedade
e ao campo político seria o desenvolvimento de uma “consciência conservadora”, que
marcava não as práticas políticas das classes dominantes, mas como toda a sua
postura em relação ao cotidiano
168
. Nesse aspecto consideramos de extrema relevância
definir o que entendemos como conservadorismo e como concebemos essa
“consciência conservadora” de Paulo Mercadante.
Pensamos que o conservadorismo correspondia a uma matriz ideológica que
permitia aos dirigentes políticos brasileiros do Segundo Reinado, construírem o
conjunto de significados que norteavam sua ação e compreensão do social, bem como
servia de fundamento para a sua produção dialógica e simbólica. Dessa forma tal
consciência conservadora não se desenvolveu como uma postura de oposição ao
progresso, ao contrário, corresponderia a um projeto que, nas palavras de Mercadante,
pretendia definir uma nova forma de “orientar o progresso”,
169
a partir de um modelo
específico de liberalismo e de uma “aceitação gradualista da história e do lento evoluir
de sua base de valores”.
170
Iremos encontrar exemplos desse conservadorismo, e de seu caráter conciliador,
em diversos trabalhos de Paulino José Soares de Souza, o visconde do Uruguai. Em seu
“Tratado de Direito Administrativo”, ao falar das relações entre as províncias e o
governo central, deixa claro que as primeiras ao mesmo tempo em que devem ter
liberdade para gerir suas questões específicas, podendo “providenciarem com eficácia
sobre o que fosse peculiar às suas localidades e urgências”, deveriam se manter
atreladas ao governo imperial, “sem cortar ou enlear os grandes laços que as devem
167
Pensamos ser possível uma aproximação do sentido que damos aos “pares antagônicos”, com o
pensamento de Claude Lévi-Strauss. Esse autor, ao trabalhar com as estruturas, estabelece que as mesmas
são produzidas e reproduzidas a partir do estabelecimento de antônimos que permitem a explicação e a
compreensão do mundo. Embora não utilizemos o conceito de estrutura, ao menos na forma como o
utiliza Lévi-Strauss, entendemos que os nossos pares antagônicos possibilitam uma leitura, compreensão
e uma forma específica de interação daqueles que os produzem com a sua realidade social. Cf: LÉVI-
STRAUSS, Claude. O Cru e o Cozido – Mitológicas 1. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
168
MERCADANTE, Paulo. Op. cit. p. 26.
169
Id. Ibid. p. 38.
170
Id. Ibid. p. 40.
67
unir”.
171
A fim de melhor ilustrar seu pensamento conciliador, Uruguai lança mão dos
versos de Sá de Miranda, que transcrevemos a seguir:
A Fortaleza Louvada
Anda em braços com a prudência
Irmã sua muito amada
.....................................................
O bem todo está no meio
O mal todo nos extremos.
172
Um outro exemplo dessa ideologia conservadora que marca o pensamento
brasileiro do Segundo Reinado seria a corrente eclética da filosofia ou o que Wilson
Martins chama de um “Espiritualismo Eclético”.
173
Segundo o autor, esse pensamento
correspondia a “um esforço para conciliar o pensamento filosófico do tempo,
claramente ‘materialista’ e ‘cientificista’, com as crenças tradicionais do Catolicismo”,
representando um esforço de moderar as idéias que chegavam da Europa, de essência
“assustadoramente agnóstica” com as “barreiras das crenças tradicionais”.
174
Uma
das expressões maiores desse movimento foi Gonçalves de Magalhães, que chega a
declarar ser o ecletismo a “filosofia oficial da nação brasileira”, em seu “Discurso
sobre o Objeto e a Importância da Filosofia” proferido na abertura do curso de
Filosofia do Imperial Colégio de Pedro II, em fevereiro de 1842
175
.
Entretanto a maior teorização do conservadorismo conciliador foi feita por
Justiniano José da Rocha em seu importante texto “Ação, Reação e Transação”, onde
divide a evolução política do Brasil em três fases: a da ação, situada entre 1822 e 1836
onde observava o desenvolvimento das idéias liberais radicais; a reação, compreendida
entre 1836 e 1855 na qual o movimento do Regresso inverte o sentido das práticas
políticas, consolidando o princípio monárquico e a fase da transação que teria início em
1855, quando desenvolve seu pensamento, correspondendo ao amadurecimento político
do Império. Nesse último momento, conhecido pelos historiadores como Conciliação,
Justiniano da Rocha conclamava os governantes a desenvolverem os mecanismos
171
Cf: Id. Ibid. p. 166-167.
172
MERCADANTE, Paulo. Op. cit. p. 168.
173
MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira (1794 1855). São Paulo. Cultrix; Ed. da
Universidade de São Paulo, 1977. vol. II. p. 260-261.
174
Id. Ibid. p. 260.
175
Id. Ibid. p. 261.
68
necessários para se levar “a um justo equilíbrio os princípios e elementos que haviam
lutado”.
176
A ideologia conservadora, além do princípio da conciliação, fundamentava-se
também nos ideais de ordem, unidade e civilização. A questão de ordem, em certo
sentido, deriva-se da dualidade ética. Tal postura fazia com que a classe dominante, em
especial os dirigentes políticos que faziam muitas vezes o papel de teóricos dessa classe,
dividisse a sociedade em duas realidades: a flor da sociedade ou a boa sociedade e a
escória da população. Nessa divisão o Mundo do Governo estaria contido na boa
sociedade, enquanto o Mundo da Desordem e o do Trabalho, formariam a escória
social. As origens dessa divisão, como argumentamos, remotam à colonização e, no
Segundo Reinado, ela foi compartilhada por luzias e saquaremas. No decorrer da
construção do Estado Imperial, era mister se levar em conta tal questão, uma vez que tal
Estado estava comprometido com a manutenção das fronteiras entre esses mundos,
perenizando a distinção entre a flor e a escória, o que representaria a garantia da ordem
dentro dessa concepção de sociedade.
Nesse contexto, os membros da boa sociedade desenvolveram um projeto de
vida, baseado no aumento de sua felicidade. Ilmar de Mattos acena para o fato de que a
concepção de felicidade que vigorava na classe dominante brasileira, durante o
oitocentos, partia especialmente das idéias de Jeremy Bentham (1748 / 1832)
177
. Para
esse pensador a felicidade dentro da sociedade seria resultado das leis que vigoravam na
mesma, uma vez que o conteúdo de todas as leis nunca poderia prescindir de sua
utilidade, de sua racionalidade e da “maior felicidade do maior número”.
178
Partindo dessa concepção o Mundo do Governo desenvolveu todo um aparato
jurídico e político que garantisse sua felicidade. Isso porque essa felicidade seria
resultado da quantidade de prazer individual que pudessem garantir. Esse prazer seria
determinado, principalmente, pela posse de bens materiais, pela expansão de suas
riquezas e pela garantia de seus monopólios, sobre a propriedade e sobre a liberdade
179
.
Nesse contexto liberdade e propriedade configuram-se como os principais
elementos de distinção social. Liberdade e propriedade estabelecem a distinção entre
homens livres e escravos, portanto entre cidadãos e não cidadãos; determinam a
diferenciação entre cidadão passivo, aquele que possui somente a sua pessoa, e cidadão
176
Cf: MERCADANTE, Paulo. Op. cit. p. 197.
177
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 109-111.
178
MERQUIOR, José Guilherme. O Liberalismo. Antigo e Moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1991. p. 78-81.
179
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit.p. 109.
69
ativo, aquele que é proprietário de outras pessoas. Daí decorre a divisão entre sociedade
civil e sociedade política. A sociedade civil abrigaria a todos os cidadãos, ao passo que
a sociedade política seria formada somente pelos cidadãos ativos, isto é, pela boa
sociedade
180
.
Logo podemos concluir que somente a partir do momento em que as fronteiras
sociais estivessem bem nítidas e definidas é que seria possível promover tais distinções,
reservando à flor da sociedade a garantia de sua posição como cidadãos ativos,
condutores da sociedade política. Era imprescindível, portanto, que se efetivasse a
ordem.
Outro princípio que também fundamentava o pensamento conservador brasileiro
durante o Segundo Reinado, era o da unidade. Essa unidade compreendia tanto o
território, base física do Império, quanto o seu corpo político. Essa unidade referendava
o ideal de um “Império um e único”, defendido por José Antônio Pimenta Bueno - o
marquês de São Vicente, posto que era fundamental que se desenvolvesse naquilo que
hoje consideramos como o plano ideológico, elementos que compensassem a ausência
de uma coesão social.
Na medida em que se avançava no processo de construção do Estado Imperial,
cada vez mais o ideal de unidade territorial se confundia com a unidade do corpo
político. Passam a ser as duas faces de uma mesma moeda, que se cunharia a partir da
centralização do poder monárquico. A unidade política e territorial fortaleceria a coroa,
que a partir daí seria gestora de uma nova realidade onde, outra vez, a dualidade ética se
manifestaria. Isso porque ao lado da garantia das relações escravistas de produção ela
deveria, segundo Ilmar de Mattos, intermediar as relações do Império do Brasil com
uma nova conjuntura capitalista, marcada pelo aumento da produção, da acumulação, da
concorrência e do crédito
181
.
O início desse processo pode ser situado no Regresso, ainda durante as
Regências. A administração de Feijó dava mostras de que tanto a ordem quanto a
unidade estavam francamente ameaçadas. Em seu “Manifesto à Nação” o regente
falava na introdução de colonos que tornassem os escravos desnecessários,
paralelamente admitia sua descrença na possibilidade de manter unido o território do
Império, diante das revoltas no sul e no norte
182
.
180
Id. Ibid. p. 110-111.
181
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 94.
182
MERCADANTE, Paulo. Op. cit. p. 158-159.
70
Dessa forma o movimento regressista articulado por Araújo Lima e outros
representantes do grupo que constituiu o Partido Conservador, correspondia a uma
tentativa de restabelecimento da ordem e de preservação da unidade. Para tanto visavam
a centralização do poder a partir da recuperação da autoridade da coroa, sendo
fundamental nesse sentido a recuperação da imagem do imperador que, doravante,
deveria estar revestida de uma aura de poder e autoridade. Nesse último aspecto é
sintomática a atitude de Araújo Lima que, em sua gestão, tornou obrigatória a presença
da fotografia do Imperador em todas as repartições públicas, ao mesmo tempo em que
“recuperava” a cerimônia do beija mão, ao beijar as mãos do imperador menino durante
a abertura dos trabalhos da Assembléia Geral, logo no início de sua regência
183
.
Um terceiro princípio implícito no conservadorismo brasileiro do Segundo
Reinado era o da civilização. A monarquia brasileira foi construída a partir de um
modelo europeu e deveria ser um polo de irradiação da civilização desse continente em
meio à barbárie americana. O modelo monárquico correspondia, no pensamento de
nossas classes dominantes, ao veículo que conduziria o Brasil ao conjunto dos países
civilizados do mundo. Logo a consolidação do poder monárquico corresponderia a um
movimento de legitimação dos interesses internos dessa classe, bem como à inserção do
Império no cenário mundial em uma posição superior àquela ocupada pelos demais
países americanos.
Consolidada a monarquia, estavam legitimadas a ordem e a unidade do Império
do Brasil. Porém era mister que se superassem, internamente, as tradições do Antigo
Regime e que se efetivassem as transformações necessárias à construção de uma nova
ordem; o Brasil deveria se modernizar a partir da difusão da civilização
184
. Mais do que
uma questão cultural, esse modernização estaria engajada em um projeto de dominação
ideológica que, a partir da expansão dos ideais civilizadores dos dirigentes políticos,
garantiria simultaneamente a superação da barbárie dos sertões, da desordem das ruas, a
imposição do poder público sobre o privado e a superação dos ideais localistas
185
,
completando, por assim dizer, o projeto dos saquaremas.
Um dos veículos de difusão da civilização no Império do Brasil foi, de acordo
com as idéias da época, a educação. Entendida como instrução, especialmente instrução
pública, a educação seria o instrumento usado pelo Estado Imperial a fim de difundir
183
LYRA, Maria de Lourdes Viana. O Império em Construção: Primeiro Reinado e Regências. São
Paulo. Atual Editora, 2000. p. 116.
184
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 227.
185
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 245.
71
uma “pedagogia da civilização”
186
cujo propósito era o de levar o Brasil aos estágios da
Europa. No decorrer desse movimento, que ganhou força a partir dos anos 1850, foi
possível promover o que Lúcia Neves e Humberto Machado chamam de uma
“fabricação dos cidadãos”.
187
Instruir e educar passam a ser funções do poder público que, utilizando o
modelo francês do Império Napoleônico e da Monarquia de Junho de 1830, visava a boa
sociedade e o povo miúdo, excluindo desse processo, obviamente, os escravos
188
. O
exemplo maior desse ímpeto educacional do Império era, sem sombra de dúvidas, o
Imperial Colégio de Pedro II.
A todos os fatores discutidos, soma-se, finalmente, um modelo específico de
Liberalismo que, segundo acreditamos, contribuiu também na constituição do studium
que moldou a ação de nossos operatores. Não acreditamos que o Liberalismo e os
postulados liberais do século XIX possam ser encarados como uma construção única, a
ser compreendida a partir de uma teoria geral. Ao contrário pensamos que o mesmo foi
historicamente produzido, atendendo e respondendo a necessidades e realidades
distintas, assumindo assim matizes específicos, determinados pelas mesmas. Nesse
sentido, transcrevemos a seguir a visão da historiadora Lucia Guimarães:
A linguagem do ideário liberal, no entanto, é
bastante abstrata. Seus enunciados não esclarecem quem é a
nação, ou quem são os cidadãos. Tampouco, explicam a
quem compete elaborar as leis. Ou, ainda, quem pode e
quem não pode participar do sistema representativo nessa
proposta de reordenação da sociedade. Por conseguinte, foi
na prática política que se estabeleceram os limites e as
possibilidades de apropriação do credo liberal. Seus
postulados acabaram tomando múltiplas feições, de acordo
com as circunstâncias históricas e os grupos sociais a eles
identificados.
189
186
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 227.
187
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 227.
188
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 247.
189
GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Liberalismo Moderado: postulados ideológicos e práticas
políticas no Período Regencial. In: GUIMARÃES, Lucia M. Paschoal; PRADO, Maria Emilia (orgs.). O
Liberalismo no Brasil. Origens, Conceito e Prática. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 103-104.
72
Dessa forma acreditamos que no Brasil do Segundo Reinado, integrando a
ideologia produzida pela classe dominante, estava presente um tipo específico de
liberalismo que atendia aos interesses e necessidades da mesma, no contexto da
articulação do Império à economia capitalista da segunda metade do século XIX.
Esse liberalismo deveria promover a ligação do Império do Brasil à Europa
através do estabelecimento de novos vínculos, em substituição àqueles característicos da
etapa colonial, que atendessem tanto às necessidades de um novo contexto da produção
capitalista marcado pelo início da Segunda Revolução Industrial, quanto às
especificidades e necessidades brasileiras. Nesse último ponto merece destaque a
questão da manutenção das relações escravistas de produção. Obviamente que a
produção desses vínculos não se daria de forma harmoniosa, ao contrário, ela foi
cenário de choques e embates de interesses. Os acordos e desavenças entre Brasil e
Inglaterra, no tocante à questão do tráfico, são elucidativos nesse sentido.
Sendo assim, o que aqui chamamos de um liberalismo brasileiro assumiu
características que o distinguia dos modelos liberais encontrados em muitos países da
Europa. Dentre essas características, uma da mais importantes dizia respeito à
necessidade das práticas liberais no Império não perderem nunca de vista a manutenção
dos monopólios que a classe dominante detinha sobre a mão-de-obra, a terra, os
negócios, a política e as pessoas
190
. A partir daí, fundamentou-se sobre um conceito
específico de liberdade que tomou forma mais definida entre 1836 e 1850, durante o que
convencionamos chamar de Regresso.
Esse ideal de liberdade baseava-se nas idéias de Thomas Hobbes, Jeremy
Bentham e James Mill
191
. Porém o fator que melhor o define são as influências de
Hobbes sobre o pensamento liberal do Império. Esse pensador defendia a tese de que,
uma vez instituídos os governos, a liberdade passa a estar atrelada à matéria legal, logo
ela é igualada a tudo aquilo que é permitido pelas leis, ou seja, aquilo que as leis não
proíbem. Tal proposição associada à idéia de que, segundo Hobbes, ao serem instituídos
os contratos sociais, os indivíduos alienam aos soberanos seus direitos naturais por
inteiro, dava ao Estado uma enorme carga de poderes e uma grande capacidade de
ingerência sobre a liberdade
192
.
A partir dessa arquitetura intelectual, foi possível aos dirigentes políticos do
Império atuarem sob a bandeira de um modelo de liberalismo que os possibilitava a, nas
190
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 108.
191
Id. Ibid. p. 108.
192
MERQUIOR, José Guilherme. Op. cit. p. 27-45.
73
palavras de José Clemente Pereira, fortalecer o governo, organizar o Exército e a
Armada e dotar o país de uma circulação monetária uniforme na firme convicção de que
estavam agindo de forma a implementar as “medidas necessárias à plena vigência da
liberdade”
193
.
Toda esse aparato ideológico funcionou como o studium dos operatores que de
forma direta e decisiva, durante o governo de D. Pedro II, atuaram na produção de
discursos, imagens e símbolos, pertinentes a um modelo de Estado e de nação que então
se construía. O que faremos nos capítulos seguintes é demonstrar as articulações
existentes entre cada uma dessas peças, evidenciando os pontos de encaixe e os
estímulos que determinaram essas conexões, chegando assim às imagens contidas nos
selos postais e nas moedas.
193
Cf: MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 137.
74
Capítulo 2: A Criação de uma Imagem: a produção imagética e o Estado no Brasil
da década de 1840.
Nesse capítulo tratamos das imagens contidas nos selos e moedas do Segundo
Reinado, durante a sua primeira década. Nesse contexto procuramos entender a
produção dessas imagens, estabelecendo os vínculos e conexões desse processo com
outro de maior amplitude no qual, acreditamos, que estava contido: a construção do
Estado Nacional.
2.1) Selos postais e moedas na primeira década do Segundo Reinado.
Da introdução dos serviços de remessa de correspondências no Brasil, à
utilização dos selos postais, em 1842, uma longa trajetória a ser percorrida. No
entanto nos limitaremos a analisar, sucintamente, o funcionamento dos correios
brasileiros no século XIX, a fim de melhor entendermos a introdução do padrão inglês
de postagem e do conseqüente advento dos selos postais no Império. Podemos adiantar
que o Brasil foi o segundo país do mundo a implementar o modelo criado pela reforma
de Rowland Hill, embora houvessem sido realizadas algumas experiências locais de
utilização dos selos para o pagamento prévio dos serviços postais
194
.
A transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808, e o natural
crescimento da demanda por serviços postais, tanto por questões pessoais como por
questões de Estado, gerou a necessidade de ampliação da capacidade de operações do
sistema de correios até então vigente. A fim de atender essa demanda foi criado o
Regulamento Provisional para a Administração Geral do Correio da Corte e
Província do Rio de Janeiro”,
195
com o objetivo de centralizar a administração dos
serviços de correspondências, tornando-os mais rápidos e eficientes. Para tanto
estabeleceu normas de trabalho, os horários de funcionamento do que seriam as
“agências postais” e ainda padronizou os mecanismos de recebimento e expedição da
correspondência
196
.
194
Essas experiências correspondem ao projeto da “US City Despach Post”, uma companhia privada de
correios de Nova York e àquela desenvolvida pelo cantão suíço de Zurich. In: ALMEIDA, Cícero
Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. p. 23.
195
ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. Op. Cit. p. 55.
196
NETO, João Pinheiro de Barros. A Difícil Missão de Vencer Distâncias. Nossa História. n. 34, p. 32
36, jun. 2006.
75
A independência em 1822, e a conseqüente organização da máquina
administrativa do Estado suscitaram a necessidade da criação de uma legislação postal
para o Império do Brasil. Essa iniciativa foi tomada por José Clemente Pereira, ministro
e secretário dos Negócios do Império, através do decreto de 30 de setembro de 1828,
que previa a reorganização do Correio-Geral e a criação dos Correios de Mar e Terra
entre as províncias
197
. Um novo decreto de 05 de março de 1829 criava a Administração
Geral dos Correios, estabelecendo a organização do sistema de transportes de
correspondências no Império, a criação de agências nas cidades e vilas nas quais elas
não existiam e a instituição do cargo de diretor geral dos correios, a fim de administrar e
dirigir a instituição
198
. Apesar desses esforços os serviços postais no Brasil, durante o
Primeiro Reinado, mostravam-se consideravelmente precários. A título de exemplo,
constatamos que, nesse momento, a correspondência enviada para províncias como a de
São Paulo era levada por mensageiros pagos pelos interessados ou por viajantes que se
dispusessem a fazê-lo. Na própria Corte, empresas e particulares somente conseguiam
receber suas correspondências a domicílio, se solicitassem previamente o serviço à
administração dos Correios e, mesmo assim, mediante um pagamento trimestral ou
semestral
199
. Somente no Segundo Reinado é que podemos perceber uma melhoria nos
serviços postais.
A reforma do sistema postal brasileiro, durante o governo de D. Pedro II, teve
como ponto de partida a lei número 243 de 30 de novembro de 1841, cuja competência
era fixar a despesa, o orçamento e a receita para o exercício do ano financeiro do
Império de 1842 e 1843. Em seu artigo 17, estabelecia um prazo de um ano para que
fossem promovidas melhorias em diversos setores da administração pública, dentre os
quais os serviços de correios, destinando para tanto cento e oitenta contos de réis. Em
relação a este último, diz o referido artigo:
(...) e dos Correios; e a despender com este último
ramo do Serviço Público até a soma de cento e oitenta
contos de is, podendo alterar as taxas estabelecidas no
Regulamento de 5 de março de 1829, e as mais disposições
do mesmo Regulamento, e de quaisquer Leis relativas a este
objeto, tendo porém em vista, que se houverem de criar
197
NETO, João Pinheiro de Barros. Op. Cit. p. 34.
198
ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. Id. Ibid. p. 55.
199
NETO, João Pinheiro de Barros. Op. Cit. p. 33.
76
novos lugares, serão de preferência preenchidos com
indivíduos da classe das Repartições extintas.
200
A justificativa para essa reforma, pode ser encontrada nos relatórios enviados à
Assembléia Geral Legislativa, pela Secretaria de Estado para os Negócios do Império,
relativos aos anos de 1840 e 1841, quando era ministro e secretário
201
Candido José de
Araújo Vianna, o marquês de Sapucaí. No primeiro relatório, Candido José após se
referir a algumas das dificuldades envolvidas nos serviços inerentes ao trato das
correspondências, faz alusão ao fato de que o “Encarregado de negócios de Sua
Majestade Britânica propôs a adoção de certas medidas, que o Governo de sua Nação
deseja se façam extensivas, por meio de arranjos recíprocos, aos países estrangeiros
(...)”.
202
Nesse ponto podemos observar os interesses ingleses em levar a outros países as
reformas promovidas, naquele momento, em seu sistema de correios, o que sem dúvida
facilitaria consideravelmente sua troca de correspondências.
Além desse elemento, que poderíamos considerar como uma influência externa
para a reforma, no relatório de 1841 o secretário aponta o déficit existente nos serviços
postais brasileiros como um fator determinante para que tais mudanças fossem
efetivadas. Referindo-se a lei 243, de 1841, que autorizou a reforma, faz menção à
exposição que fez ao Conselho de Estado, onde apontava as dimensões desse déficit.
Segundo as palavras do próprio Candido:
Existe um déficit neste ramo do Serviço Publico,
superior em mais do quíntuplo da Receita, pois montando
está em 68.000$ réis, e a despesa orçada em 380.000$ réis; e
se em todos os tempos um ficit e objeto que não pode
deixar de atrair a atenção do Governo, muito mais o deve
ser nos apuros financeiros, com que luta o Tesouro
Publico.
203
200
BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1841. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1842. p. 81.
201
Essa designação aparece no corpo dos próprios relatórios, uma vez que os Secretários de Estado dos
Negócios do Império tinham o status de ministros de Estado.
202
BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Sessão Ordinária de 1841, pelo
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1841.
p. 42.
203
BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Sessão da Legislatura, pelo
Respectivo Ministro e Secretário D’ Estado Candido Jose d’Araujo Vianna. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1843. p. 46.
77
Como causas para tão grande disparidade entre receita e despesas cita o baixo
preço pago pelo porte da correspondência enviada por Correios de mar”,
204
isto é,
aquela que era transportada por via marítima e que acarretava um custo
consideravelmente mais elevado, e as enormes dificuldades de fiscalização das contas
dos correios do Império. Nesse último ponto o secretário afirma que a forma pela qual
funcionavam os serviços postais brasileiros dificultava enormemente a manutenção de
um controle eficiente sobre esse serviço. Basta lembrar que até a reforma em questão, os
custos da remessa de correspondências eram calculados sobre as distâncias percorridas e
o pagamento era feito pelo destinatário, ou pelo menos quando o mesmo se dispunha a
fazê-lo. O trecho a seguir evidencia essa questão:
Em verdade e impossível verificar o numero de
cartas, que o Correio recebe, segundo o sistema atual, por
mais forte, e sustentada que seja a atenção, zelo, e diligência
posta neste trabalho. É penoso, e enfadonho verificar
pequenas adições entradas em diferentes épocas, combiná-
las com outras arrecadadas em diversos lugares, e épocas
correspondentes; e dando-se assim a confusão, cometer-se-
ão multiplicados erros, alem de se não poder verificar a
exatidão das cargas feitas aos responsáveis.
205
Feitas essas considerações, Candido Jose aponta diversas mudanças que
poderiam ser realizadas a fim de melhorar os serviços postais, nitidamente inspiradas no
modelo inglês. Essas modificações serão regulamentadas pelos decretos 254 e 255,
ambos de 29 de novembro de 1842. Tais decretos efetivavam as mudanças autorizadas
pela lei 243 de 30 de novembro de 1841, colocando em prática no Brasil um sistema de
entrega de correspondências que, em boa parte, reproduzia aquelas introduzidas pouco
antes na Inglaterra.
204
Id. Ibid. p. 46.
205
BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Sessão da Legislatura, pelo
Respectivo Ministro e Secretário D’ Estado Candido Jose d’Araujo Vianna. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1843. p. 47.
78
Em seu artigo 1º, o decreto 254 estabelecia que o cálculo dos custos relativos ao
porte de correspondências seria feito pelo peso das mesmas, independentemente da
distância percorrida. Os valores podem ser vistos na tabela a seguir
206
.
a) Tabela dos Custos do Porte de Correspondências
Peso da correspondência Correio de terra Correio de mar
Até 4 oitavas
207
60 réis 120 réis
De 4 a 6 oitavas 90 réis 180 réis
De 6 a 8 oitavas 120 réis 240 réis
Fonte: Coleção das Leis do Império, Decreto 254 de 1842.
Acima das oito oitavas, seriam acrescentadas a cada duas oitavas, trinta réis para
o porte terrestre e sessenta réis para o porte marítimo.
O artigo 16 do mesmo decreto determinou que os portes seriam pagos
adiantados e através de papel selado. Coube ao decreto 255 a função de regulamentar os
valores e mecanismos para o uso dos selos. Do artigo quinto ao décimo primeiro,
definia os seguintes elementos: os valores e modelos dos selos
208
, o valor de 30 réis
como o menor porte, o uso de um carimbo como forma de obliterar os selos a fim de
evitar a sua reutilização, as sanções imputadas àqueles que falsificassem os selos postais
e os elementos competentes para a venda dos selos. Vale ressaltar que em seu artigo 12,
esse decreto determinava que a correspondência passaria a ser entregue nas casas dos
destinatários por um carteiro. Dessa forma surgiam, legalmente, os selos postais
brasileiros.
Nossos primeiros selos postais corresponderam aos chamados Olhos de Boi.
Foram emitidos pela Casa da Moeda nos valores de 30, 60 e 90 réis. Os autores do
desenho dos selos foram Carlos Custódio de Azevedo e Quintino José de Faria, sendo o
trabalho de impressão executado em talho doce
209
. Entraram em circulação em 01 de
agosto de 1843, sendo sua produção suspensa em dezembro do mesmo ano, e foram
206
A tabela foi construída com base nos valores expressos no artigo 254 de 29 de novembro de 1842. In:
BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1842.Tomo V. Parte II. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1843. p. 491.
207
A oitava corresponde à oitava parte de uma onça. Considerando que a onça é equivalente a 31,091g.,
cada oitava pesa 3,887g.
208
É interessante observar que, aparentemente, houve um engano no momento de redigir a legislação em
questão ou no ato da encomenda dos selos postais. Isso porque uma disparidade entre o texto da lei e
os selos produzidos. O artigo determina que os portes serão pagos em papel selado no valor de trinta,
setenta e noventa réis, enquanto que os selos emitidos correspondem aos valores de trinta, sessenta e
noventa réis.
209
QUEIROZ, Raymundo Galvão de. Introdução ao Estudo da Filatelia. Brasília: Edição do autor, 1980.
p. 35.
79
substituídos em 01 de julho de 1844
210
. O período relativamente curto de circulação dos
olhos de boi pode ser entendido por questão bastante peculiar. O papel no qual eram
impressos caracterizava-se por ser espesso e de boa qualidade, além disso, a tinta
utilizada pelos carimbos que obliteravam os selos, geralmente, era inferior e facilmente
lavável. A combinação desses dois fatores proporcionava a reutilização dos selos, após a
sua retirada do sobrescrito das correspondências e uma rápida lavagem
211
.
Figura 1: Olhos de Boi
Fonte: acervo do autor.
Mesmo após a substituição dos Olhos de Boi, até 01 de julho de 1866,
estabeleceu-se um padrão de imagens para os selos brasileiros que, como falamos
anteriormente, diferia da maior parte dos países do mundo que adotavam esse sistema
em seus serviços postais. Esse padrão consistia na utilização somente de numerais,
indicando o valor do selo, sobre fundo composto por arabescos e outras formas na parte
impressa. Dele estavam excluídos elementos como o nome do país emissor, a data e a
efígie do soberano ou governante, o que era comum a praticamente todas as demais
emissões do período.
Os selos que se seguiram às nossas primeiras emissões são conhecidos pelos
filatelistas como Inclinados. Assim como os anteriores traziam suas cifras na cor branca
com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado preto. Foram emitidos nos
valores de 10, 30, 60, 90, 180, 300 e 600 réis. Guardavam uma diferença fundamental
em relação à primeira série emitida, seu papel era muito mais fino e menos resistente.
210
MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003. p.
11.
211
QUEIROZ, Raymundo Galvão de. Introdução ao Estudo da Filatelia. Brasília: Edição do autor, 1980.
p. 38.
80
Tal opção foi feita de forma deliberada, esperando assim dificultar o reaproveitamento
dos selos após sua primeira utilização
212
.
Figura 2: Inclinados
Fonte: acervo do autor
Após essa análise relativa ao surgimento dos selos postais no Brasil, pensamos
ser possível passar a tratar do segundo tipo de fonte iconográfica desse período sobre o
qual trabalhamos: as moedas.
212
ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. Op. Cit. p. 65.
81
A chegada dos portugueses introduziu no Brasil o seu primeiro padrão
monetário: o real. A moeda usada na Colônia era cunhada na Metrópole, em Lisboa e no
Porto, e na Índia, em Conchim e Goa
213
.
Durante todo o período colonial, o caráter escravocrata da economia gerou um
problema crônico que era a falta de moeda em circulação
214
. Tal circunstância ocasionou
algumas situações bastante inusitadas. A principal delas foi a utilização de produtos da
terra como moeda. Esse fato, aliás, não era específico do Brasil, como nos mostra
Ruggiero Romano ao afirmar que na América Espanhola essa mesma carência de
moedas em circulação levou a utilização de folhas de coca em seu lugar
215
. Entre nós o
açúcar foi utilizado como moeda oficial por ordem do governador Constantino
Menelau, que em 1614 chega inclusive a regulamentar o valor da arroba: 1$000 para o
açúcar branco, 640 réis para o mascavo e 320 réis para as demais variedades
216
. Com a
União Ibérica foram introduzidas em nosso numerário as moedas de prata espanholas,
que circularam por aproximadamente 200 anos. O efeito dessa introdução foi quase que
imediato o que fica evidente com a lei de 25 de novembro de 1582, que estabelecia a
relação entre o dinheiro espanhol e o português. Outro produto que também serviu de
moeda, embora em uma escala bem menor, foi o algodão que exerceu esse papel por
longos anos no Maranhão. Uma alternativa ao problema da escassez de numerário foi a
prática de carimbar as moedas aumentando seu valor, buscando assim atender à
demanda da própria economia
217
.
A partir do século XVII a Colônia começou a cunhar moedas através da criação
das primeiras Casas da Moeda, que daí por diante tiveram vida itinerante: 1694 Bahia,
1698 Rio de Janeiro, 1700 Pernambuco, 1702 Rio de Janeiro, 1714 Bahia e de 1724 a
1734 Vila Rica que passou a funcionar simultaneamente a da Bahia. No século XVIII as
moedas de ouro eram cunhadas no Brasil e remetidas, em sua maior parte, para a
Metrópole; as de cobre utilizadas cotidianamente pela população colonial vinham de
Lisboa. Esse aparente desequilíbrio, associado às primeiras fissuras que então se
manifestavam no sistema colonial português, levaram a Coroa a incluir nas moedas de
cobre a inscrição Aes Usibus Aptius Auro (O cobre é mais próprio para o uso que o
213
TRIGUEIROS, F. dos Santos. Dinheiro no Brasil. Rio de Janeiro: Reper, 1966. p. 50.
214
CALDEIRA, Jorge. A Nação Mercantilista. Ensaios sobre o Brasil. São Paulo: Ed. 34, 1999. p. 58.
215
ROMANO, Ruggiero.Os Mecanismos da Conquista Colonial. São Paulo: Perspectiva, 1995. p. 35.
216
TRIGUEIROS, F. dos Santos. Op Cit. p.50.
217
Id. Ibid. p.51.
82
ouro)
218
. Poderíamos perceber uma tentativa de através da moeda, dissimular os
mecanismos tradicionais de exploração, uma vez que a remessa das moedas mais
valiosas para Portugal e a circulação daquelas de menor valor no Brasil, aumentavam a
insatisfação em relação à Metrópole.
O Período Joanino conheceu as primeiras tentativas de caracterizar uma moeda
brasileira. Isso se evidencia na aplicação de um carimbo de 960 réis nas moedas de prata
espanholas de oito reales e, a partir de 1810, na cunhagem da nova moeda de três
patacas.
A Independência não modificou o padrão monetário, trazendo, porém a criação
de uma moeda mais caracteristicamente brasileira, cunhada nas Casas da Moeda do
país
219
.
Em 1832 surgiram medidas com o fim de promover um maior controle sobre
nosso meio circulante. Nesse ano foram extintas as diversas Casas da Moeda, que foram
unificadas no Rio de Janeiro. Além disso, adotou-se um novo sistema de moedas de
ouro de 22 quilates. De 1834 a 1848 foram cunhadas as moedas de prata da série
cruzados. Quanto ao ouro as leis 59 de 08 de outubro de 1833 e 401 de 11 de setembro
de 1846 alteraram o preço da onça, acarretando novas emissões.
Durante a primeira década do Segundo Reinado, foram cunhadas moedas em
ouro, prata e bronze. Porém as de maior circulação foram aquelas produzidas a partir da
prata e bronze. Nas moedas de ouro podemos encontrar dois tipos de emissão.
220
O primeiro deles corresponde ao que é chamado na numismática brasileira de
“Almirante”, cunhada entre 1841 e 1848. Em seu anverso essa moeda contem a efígie
do imperador com feições jovens e fardamento militar, e a inscrição “PETRUS II D. G.
CONST. IMP. ET PERP. BRAS. DEF.”; em seu reverso
221
ela trás seu valor, 10 mil réis,
e a inscrição “IN.HOC.SIGNO.VINCE”. O segundo tipo seria o “Papo de Tucano”,
cuja cunhagem ocorreu entre 1849 e 1851, nos valores de 10 mil e 20 mil réis. Seu
anverso trás a efígie imperial com feições mais maduras e fardamento militar, e no
218
COSTA. Ney Chrysostomo da. Dicionário de Numismática. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1969. p.
264.
219
TRIGUEIROS, F. dos Santos. Op Cit. p.56 –57 .
220
Durante as Regências foi cunhada uma moeda de ouro com a efígie do monarca. Ficou conhecida
como Pedro Menino. Nesse mesmo capítulo trataremos dela com maiores detalhes.
221
Aqui utilizamos a conceituação mais usual na Numismática, na qual anverso corresponde à face
principal da moeda, onde se encontram efígies, letreiros mais relevantes e o nome do Estado. O reverso
seria o lado oposto, onde geralmente encontramos o valor e a data da cunhagem. In: COSTA. Ney
Chrysostomo da. Dicionário de Numismática. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1969. p. 488 e 499.
83
reverso seus valores. As inscrições são as mesmas do tipo anterior e foram cunhadas nas
mesmas faces.
As moedas de prata e bronze seguiram padrão diferenciado. Traziam em seu
anverso o brasão do império e a inscrição “PETRUS II D. G. CONST. IMP. ET PERP.
BRAS. DEF”. No reverso traziam seu valor e a inscrição “IN. HOC. SIGNO. VINCE”.
Figura 3: Moedas de ouro do Segundo Reinado
Fonte: www.pralmeida.org.br
2.2) Uma Imagem em Construção: o padrão imagético dos selos postais e moedas
do Império do Brasil na década de 1840.
Trabalhando sobre nossas fontes, constatamos que do início do Segundo
Reinado à década de 50 do século XIX, inexistia nas mesmas uma imagem que
representasse esse Estado Imperial e que remetesse a um padrão de identidade nacional
a ele pertinente. As imagens contidas tanto nos selos quanto nas moedas, como vimos,
não apresentavam nenhuma marca que as vinculasse ao modelo de Estado e ao projeto
84
de nação, que então se desenvolvia. Selos e moedas incorporavam, respectivamente,
numerais indicativos de seus valores e, em se tratando das moedas, também o brasão
imperial, criação do I Reinado. Em ambos os casos ainda não se percebia claramente o
que chamamos aqui de uma ruptura imagética com o modelo de Estado, e
conseqüentemente com a concepção de nação, que vigorou até, pelo menos, o Período
do Regresso, ainda nas Regências.
A inserção do brasão imperial nas moedas é bastante significativa nesse sentido.
A própria composição heráldica desse brasão deixa tal proposição em evidência, uma
vez que seus vínculos com o projeto político do Brasil pós-independência são explícitos.
Figura 4: Brasão imperial brasileiro
Fonte: www.klepsidra.net
O brasão foi instituído por decreto de 18 de setembro de 1822, sendo concebido
como um escudo encimado pela coroa imperial. Tal escudo teria fundo verde, cor
adotada por D. Pedro I como sendo uma marca dos Bragança da dinastia do Brasil.
Continha também outros componentes heráldicos que evidenciam um projeto de Estado
e nação que, nesse momento, não estaria desvinculado totalmente da antiga metrópole,
bem como de alguns elementos característicos da cultura política luso-brasileira do
início dos oitocentos. Nesse sentido chamamos a atenção para a esfera armilar, símbolo
das conquistas e da influência portuguesa no mundo, e da cruz da Ordem de Cristo,
85
alusiva aos navegadores portugueses tendo sido instituída por D. Diniz em 1318 e
adotada por D. Manuel I.
Como componentes americanos, alusivos a um modelo de nacionalidade que se
pretendia construir, destacam-se as 20 estrelas brancas que circundam a esfera e a cruz,
correspondendo às províncias brasileiras então existentes, e os ramos de tabaco e café.
A análise dos elementos simbólicos contidos no brasão demonstra os próprios
limites da ruptura de 1822, e o projeto dos grupos que a conduziram e que, nesse
momento, estavam ao lado Imperador. A quebra dos elos que uniam os dois lados do
Atlântico ainda não era algo totalmente incorporado às idéias de uma parte dos setores
que protagonizaram os episódios de 1822. O ideal de um Império Atlântico, de sólidas
raízes no velho e no novo mundo, ainda não estava superado no contexto desse Estado
que começava a se formar. Nesse sentido podemos recorrer às palavras da historiadora
Lúcia Pereira das Neves:
Na raiz da cultura política da Independência,
encontrava-se a idéia do Império luso-brasileiro. Anunciada
desde muito cedo e elaborada desde finais do século XVIII,
como antídoto aos temores gerados pela independência das
colônias inglesas da América e pela Revolução Francesa,
essa concepção era partilhada convictamente pelas elites de
ambos os lados do Atlântico. As leituras conflitantes que os
dois grupos dela faziam, porém, vieram à tona de 1820 a
1822(...). Desse conflito político, agravado pelos ruídos
inevitáveis, gerados pela precariedade das comunicações na
época, resultou o Império do Brasil e, para a elite
portuguesa, o projeto de um novo Império com as possessões
da Ásia e, sobretudo, da África.
222
As atribulações políticas do I Reinado fizeram perecer, junto com ele, o ideal de
um Poderoso Império Atlântico. No entanto o brasão de Pedro I e algo de seu conteúdo
se mantiveram.
222
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e Constitucionais. A Cultura Política da
Independência (1820 – 1822). Rio de Janeiro: Revan; FAPERJ, 2003. p. 414 – 415.
86
Não pretendemos, aqui, afirmar que da abdicação de D. Pedro I ao Regresso
Conservador do Período Regencial ainda predominasse entre os dirigentes políticos
brasileiros o ideal de um Império que unisse o Brasil a Portugal, idéia essa que não se
sustenta em nenhum aspecto. O que pensamos é que a inserção do brasão imperial no
meio circulante funciona, tanto no plano ideológico quanto simbólico, como uma
tentativa de solução de continuidade com princípios que orientaram os primeiros
esforços ligados à construção de um Estado Nacional, sob a égide de uma monarquia
vinculada à tradição da dinastia européia dos Bragança que, simultaneamente, seria um
fator de garantia da ordem interna e de inserção do Brasil no cenário das nações livres e
civilizadas. A comparação das imagens contidas nas moedas do Primeiro Reinado com
aquelas que, até a década de 1850, encontramos no Brasil deixa clara essa proposição. A
figura a seguir, a nosso ver, referenda tal raciocínio.
Figura 5: Moeda do I Reinado (1824) e II Reinado (1846)
Fonte: acervo do autor
No caso dos selos postais, assim como nas moedas, observamos a inexistência
de algum tipo de imagem que, entre a sua primeira emissão em 1843 e os anos 1860,
aluda a um novo modelo de Estado e de nação. A análise da figura 11 evidencia esse
ponto de vista.
87
Figura 6: Olho de Boi ( 1843 ) e Vertical ( 1850 )
Fonte: acervo do autor
Entendemos essa situação como o reflexo do movimento de construção de um
modelo de organização estatal e de um tipo específico de identidade nacional que, entre
o início do governo de Pedro II e meados do século XIX, ainda estava em andamento.
Nesse caso as ausências falam mais do que as presenças. A inexistência de um padrão
definido nas imagens contidas nos selos e moedas demonstraria que, no que se refere ao
que chamamos de Imagens Oficiais do Estado, ainda se davam os primeiros passos.
Detectamos nessa etapa dois níveis de produção que se interpenetram, um político-
institucional e outro de ordem ideológica e simbólica articulados à construção do
Estado, da nação e de todo o acervo de imagens pertinentes a ambos. A análise dos
mesmos torna mais claras nossas proposições.
Na compreensão da produção do Estado, da nação e de todo o conjunto de
imagens resultante desse processo, no Brasil do século XIX, devemos considerar, antes
de tudo, a postura historiográfica que iremos adotar para tal empresa. Richard Graham
nos alerta que, nesse particular, existem duas principais correntes: uma primeira que
admite que a identidade nacional preexistiu ao surgimento dos Estados, e uma segunda
posição que defende que os Estados antecederam à formação de um ideal nacional na
América Latina. Assim como esse autor ficamos com a segunda posição, ressalvando
porém que entendemos que a formação de ambas as instituições se deu em um sentido
que, em lugar da linearidade, primou pela circularidade
223
. Fazemos essa afirmação, pois
acreditamos que Estado e nação, a partir do surgimento do primeiro, foram se
constituindo de forma recíproca, em espiral.
223
GRAHAM, Richard. Op. cit. p. 17-18.
88
No caso brasileiro tanto a formação do Estado quanto da nação, correspondeu
àquilo que Ilmar de Mattos chama de uma “expansão para dentro”,
224
que partindo do
Rio de Janeiro baseou-se em dois elementos que herdou de Portugal: o território e a
noção de império que engendrou o Império do Brasil. Nesse momento, no entanto, não
havia um único projeto de Estado Nacional. A partir de uma disputa de posições saiu
vitorioso aquele que fez com que a independência tivesse um significado especifico, que
pode ser percebido nas palavras do próprio autor:
A independência política criara a liberdade frente à
dominação metropolitana, mas não foi capaz de gerar uma
unidade do ponto de vista de uma nação moderna,
constituída por indivíduos livres e iguais perante a lei e
partícipes de uma mesma comunidade imaginada (...) A
liberdade política não apenas não se desdobra em unidade;
ela repelia a igualdade, deixando-se guiar por um
sentimento aristocrático que se apresentava como uma
espécie de gramática para todos aqueles que reproduziam, a
cada instante, as hierarquias que definiam a sociedade.
225
Dessa forma a constituição de um Estado no Brasil, corresponderia à sua
afirmação perante as demais nações do mundo ao mesmo tempo em que referendava as
hierarquias internas. Vislumbrava-se, assim, o ideal de uma nação brasileira que
persistiria enquanto mantivesse sob seu domínio as demais nações, com as quais
convivia internamente.
226
Tratava-se, desse momento em diante, de dar um corpo a esse conceito nebuloso
que era a nação. Até então inexistia uma brasilidade no contexto da América
Portuguesa e o conceito que se atribuía a determinadas identidades políticas coletivas
não atendia às necessidades do pós 1822. Segundo João Paulo Pimenta e István Jancsó
entendia-se como pátria o lugar de origem dos indivíduos, país poderia ser o Brasil,
porém a nação correspondia à nação portuguesa.
227
Tornava-se necessário o
224
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e Herdeiros: a trama dos interesses na construção da
unidade política. Rio de Janeiro. Almanack Braziliense. N. 1. p. 8 – 26, 2005. p. 8.
225
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 21-22.
226
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 25-26.
227
JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um Mosaico (ou apontamentos para o estudo da
emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem Incompleta:
89
aprofundamento do movimento que, desde a elevação de 1815, tornava possível se
pensar em uma identidade específica do Reino do Brasil. Porém para tanto seria
fundamental que se organizasse o corpo institucional que sustentaria essa construção
nacional, logo em um movimento circular Estado e nação foram se constituindo.
Alguns desafios deveriam ser enfrentados a fim de garantir a consolidação desse
projeto. Fazia-se mister, em primeiro lugar, a superação dos regionalismos que, no dizer
de Richard Graham, marcavam profundamente a cultura política de portugueses e
espanhóis. Estes viam nos “conselhos locais” verdadeiros depositários da soberania.
228
Maior que a soberania dos mesmos somente a dos reis
229
pois, além de sobrepujar aos
poderes regionais, ainda teria condições de garantir as hierarquias internas preservando
o sentimento aristocrático” que, segundo Mattos, norteava as relações sociais e
fundamentava o projeto nacional.
Surgia assim o Império do Brasil no qual Pedro I é aclamado, sagrado e coroado
a partir de uma ritualística que exacerbando as tradições características dos soberanos
lusitanos, forneceria um arsenal de “figuras emblemáticas” e de “representações
simbólicas” que legitimavam, ao mesmo tempo, o novo soberano, preservando a
tradição dinástica dos Bragança, e a “nação em face das outras nações do mundo”.
230
É
importante destacar que, nesse momento mais uma vez se caracteriza a necessidade do
Estado a fim de referendar a própria nação. Isto porque é o primeiro que possibilita a
sua existência a partir da concentração do ideal nacional na figura do monarca e de sua
representação simbólica através de todo um complexo e pesado cerimonial.
231
A segunda grande questão que se fazia eminente dizia respeito à produção
daquilo que Ricardo Salles chama de um “substrato cultural brasileiro” a partir do qual
se efetivaria a construção da nação
232
. Este corresponderia a um conjunto de valores
que, com sólidas raízes no pensamento da classe dominante, particularizariam e
distinguiriam o Brasil em meio às demais nações independentes. Nesse contexto
destacava-se uma “variante nacional de língua portuguesa” e uma forma de nativismo
a experiência brasileira. São Paulo: SENAC, 2000. p. 130.
228
GRAHAM, Richard. Constructing a Nation in Nineteenth-Century Brazil: Old and New Views on
Class, Culture and the State. Journal of the Historical Society. V. 1. no. 2-3. p. 17-56, 2001.p. 21.
229
Id. Ibid. p. 21.
230
RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Os Símbolos do Poder. Cerimônias e Imagens do Estado
Monárquico no Brasil. Brasília: Ed. UNB, 1995. p. 72.
231
RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Op. cit. p. 72.
232
SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial. A Formação da Identidade Nacional no Brasil do Segundo
Reinado. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. p. 79 – 81.
90
na qual o “ser brasileiro em oposição ao ser português” era o fator determinante
233
.
Pouco mais tarde, com o Romantismo, à questão da língua se soma a da natureza, e uma
forma de identidade nacional mais complexa sobrepujou o antilusitanismo.
Durante o governo de Pedro I, entretanto, uma série de tensões e atritos
envolveram o Imperador e todo um setor da classe dominante brasileira, em especial
uma parcela dos dirigentes políticos do Primeiro Reinado. Na análise de Maria de
Lourdes Viana Lyra, essa conjuntura foi desencadeada por questões que opunham o
soberano a esses elementos, em especial a reivindicação, por parte dos últimos, de um
maior espaço de atuação na vida política do Império, uma maior autonomia do
Legislativo e a total rejeição de qualquer tentativa de união com Portugal
234
.
Essa oposição foi promovida, principalmente, por representantes de uma “nova
geração de políticos” que emergiu no cenário brasileiro a partir da legislatura de 1826
da Assembléia Geral, na qual se destacavam Bernardo Pereira de Vasconcelos, Antonio
Francisco de Paula, Antonio Diogo Feijó, José Martiniano de Alencar, Evaristo da
Veiga e Nicolau de Campos Vergueiro, entre outros
235
.
Embora não se opusessem à estrutura centralizadora do Estado, não admitiam
determinadas posturas que refletiam um excesso de autoritarismo do monarca,
materializadas, sobretudo, em uma pesada política tributária e no arbítrio, considerado
indevido, na área judicial
236
. Tais medidas revelavam, em boa parte, as contradições da
personalidade de D. Pedro I e os limites de seu liberalismo. Nesse sentido podemos
entendê-lo, nas palavras de Lúcia Pereira das Neves, como “um homem de dois
mundos”, dividido entre um tipo de realidade liberal pertinente ao país que ajudava a
construir, e sua formação impregnada de elementos característicos de um modelo
Absolutista de Estado, governado pelos Bragança entre o fim de século XVIII e início
do XIX
237
. Tal situação tornou complexas as relações políticas do Império,
principalmente por afastar o soberano dos setores mais ativos da classe dominante
brasileira. Conforme Lucia Pereira das Neves, observamos que:
233
SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial. A Formação da Identidade Nacional no Brasil do Segundo
Reinado. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. p. 80.
234
LYRA, Maria de Lourdes Viana. O Império em construção: Primeiro Reinado e Regências. São Paulo:
Atual, 2000. p. 53.
235
Id. Ibid. p. 53.
236
Id. Ibid. p. 53.
237
NEVES, Lúcia Maria Bastos P. das.Um homem de dois mundos. Nossa História. n. 23, p. 44 48, set.
2005.
91
O exercício do governo, apesar do poder moderador
que a Constituição lhe possibilitava, mostrou-se cada vez
mais difícil a partir de 1826, quando teve início a primeira
legislatura brasileira, dominada pelos liberais. Privado dos
conselhos moderadores de d. Leopoldina, que falecera, com
a atenção dividida, após a morte de seu pai nesse mesmo
ano, entre a situação no Brasil e os problemas sucessórios
em Portugal, além de desgastado pela independência da
Cisplatina(1828), d. Pedro não soube conviver com o
funcionamento regular de um sistema parlamentar público,
preferindo atuar cada vez mais no espaço privado do poder
formado pela Corte e ocupado por conselheiros e favoritos
predominantemente de origem portuguesa.
238
A evolução dessa situação culminou nos episódios de 1831, que levaram à
Abdicação, dando início ao Período Regencial. A experiência regencial representou um
momento em que a ordem da sociedade, elemento central no projeto de Estado e nação
da classe dominante brasileira, se viu fortemente ameaçada. A ausência de um soberano
à frente do governo, e conseqüentemente de toda a carga simbólica e ideológica
inerentes à sua imagem, permitiu que os grupos dominantes locais empreendessem
esforços no sentido de implementar uma maior liberdade em relação ao Rio de Janeiro,
buscando o que Richard Graham chama de uma monarquia federal” ou em alguns
casos uma república
239
. Para esse autor os movimentos desencadeados pela classe
dominante, à exceção da Farroupilha, fugiram do controle de seus articuladores,
permitindo a emergência no campo das relações políticas e dos movimentos sociais de
outras classes que, até esse momento, eram mantidas alheias aos mesmos e sob o seu
domínio. O Mundo do Trabalho mostrava uma face muito temida, ao mesmo tempo
em que o Mundo da Desordem fazia jus a seu nome. Ainda nas palavras de Richard
Graham, observamos que:
Em esforços subseqüentes para sustentar o
autogoverno regional ou a independência completa do
238
Id. Ibid. p. 47-48.
239
GRAHAM, Richard. Op. cit. p. 28.
92
governo centralizado, ficou gradualmente claro que abalar a
unidade do império significava enfraquecer a autoridade dos
senhores de propriedades, não somente sobre os escravos,
mas sobre as classes inferiores em geral. Daí o espectro da
desordem social.
240
Esse quadro começou a se inverter a partir da ascensão dos Conservadores ao
poder, com a renúncia de Feijó e a posse de Araújo Lima, o que se ratificou com sua
posterior vitória nas eleições regenciais. Foi o início do Regresso Conservador.
Sob o ponto de vista ideológico, discutimos no primeiro capítulo de nosso
trabalho o que teria representado a fase do Regresso. Agora pretendemos analisar a
concretização da construção do Estado e da nação, nesse período e na primeira década
do Segundo Reinado, demonstrando suas relações com a produção simbólica e
imagética que paralelamente se empreendia, inserindo nesse contexto as nossas
principais fontes.
A segunda metade de década de 1830 marcou a retomada de um movimento que
pretendia dar ao Estado Nacional brasileiro um caráter centralizado, que se efetivaria no
reforço da autoridade do Executivo, na ênfase às práticas administrativas, na imposição
do poder público ao privado e, como uma garantia desse processo, no fortalecimento da
figura do Imperador. Tal empresa corresponderia ao projeto saquarema, analisado por
Ilmar de Mattos. Nesse contexto a coroa ocupa papel de destaque, uma vez que além de
articular todo o processo, ainda preenche importante função simbólica na construção do
Estado e da ordem social. A partir desse momento a coroa passa a estar diretamente
vinculada à figura do Imperador, representando o Golpe da Maioridade a consolidação
da primeira
241
.
A figura do soberano tinha importância capital nesse processo. Sua força no
pensamento e na cultura política do Brasil imperial era considerável. Entendemos que
essa força é resultado de uma estrutura de longa duração cujas origens podem ser
encontradas na tradição medieval que atribuía duas naturezas ao corpo e à própria figura
do rei
242
.
240
Id. Ibid. p. 30.
241
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. A Formação do Estado Imperial. Rio de Janeiro:
ACESS, 1994. p. 77.
242
KANTOROWICZ, Ernest H. Os Dois Corpos do Rei. Um estudo sobre teologia política medieval. São
Paulo: Cia. das Letras, 1998.
93
Essa concepção, cujas origens estão no que Ernest Kantorowicz chama de uma
“teologia jurídica medieval”, atribui ao corpo do rei e ao próprio monarca uma
natureza transitória, que nasce e morre, sujeita ao ciclo natural da vida e um elemento
perene, que se manteria através dos tempos, funcionando dessa forma como um dos
fundamentos físicos do reino
243
. Ao discutir a teoria de Kantorowicz, Michel Foucault
atribui a esse caráter dual do corpo do rei a propriedade de gerar todo um conjunto de
elementos que consideramos como ideológicos e simbólicos: uma iconografia própria,
uma teoria política da monarquia, mecanismos jurídicos que ligam e distinguem a
pessoa do rei à coroa e alguns rituais específicos, tais como a coroação, os funerais e as
cerimônias de submissão
244
.
A força dessa concepção no pensamento político ocidental pode ser medida por
alguns exemplos citados pelo próprio Kantorowicz. Um primeiro diz respeito ao rei
George III que pediu ao Parlamento autorização para possuir terras como um homem e
não como um rei. Um segundo corresponde a postura assumida pelos vassalos de um
dos traidores da rebelião inglesa de 1715, cuja baronia foi confiscada pelo rei; estes
manifestaram sua satisfação, pois, a partir desse momento, estariam dispensados do
pagamento do “resgate costumeiro (...) pela morte de seu senhorio” uma vez que sendo
o mesmo o rei, e não sendo ele totalmente humano, seus vassalos diretos não estariam
sujeitos às mesmas leis criadas para os homens comuns
245
.
Além dos efeitos ideológicos e simbólicos, resultantes dessa herança medieval,
ao poder e à importância do soberano, no Brasil do início do Segundo Reinado,
acrescenta-se um fator de ordem prática. A monarquia e o rei se apresentavam como
uma solução para o problema da fragmentação do território, do corpo político e da
ameaça à ordem social, existente por volta do final da década de 1830. O Imperador
seria uma garantia de continuidade ao mesmo tempo em que funcionaria como um
agente de legitimação, simultaneamente, dos poderes do Estado que se pretendia
construir e dos “chefes locais”
246
. Richard Graham nos mostra que estes últimos tinham
sua autoridade sustentada por seus “recursos econômicos, suas alianças políticas ou
pela força”, porém, além disso, careciam de um “status individual de deres” que
243
Id. Ibid. p. 193-195.
244
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 30-34.
245
KANTOROWICZ, Ernest H. Op. cit. p. 17-18.
246
GRAHAM, Richard. Op. cit. p. 34.
94
fizesse com fossem aceitos como autoridades por suas clientelas
247
e demais
seguidores
248
.
O rei, como uma instância maior de poder e de legitimidade, não só solucionaria
essa questão como também seria um agente mediador dos conflitos surgidos dentro da
própria classe dominante, uma vez que poderia julgar os litígios e tomar decisões sem
abalar o “status individual de líderes” das partes envolvidas. José da Silva Lisboa, o
visconde de Cairú, sintetizou muito bem essa visão nas palavras transcritas a seguir:
A providência mantem a todas as classes na dourada
cadeia da subordinação, para sempre ter em vista a
pirâmide monárquica, contendo os indivíduos em seus
competentes ofícios e na devida distância de suma alteza do
soberano.
249
Podemos concluir, portanto, que a partir do Regresso Conservador percebemos
uma gradativa adesão ao projeto saquarema de Estado. Isso se deu em função de dois
fatores principais. O primeiro deles correspondia aos interesses das lideranças locais em
aderir a um governo centralizado, visto como uma garantia da legitimidade de seu poder
e autoridade sobre suas clientelas. O segundo fator representaria a própria expansão
desse projeto saquarema, que seguindo um sentido tanto vertical quanto horizontal,
conforme falamos anteriormente, foi sendo introjetado por boa parte da classe
senhorial brasileira.
Paralelamente a essa construção política e institucional, desenvolvia-se um
movimento mais complexo e delicado que correspondia à produção de um conceito de
nação e nacionalidade, cujas origens estariam nas idéias que, na visão de Ilmar de
Mattos, já circulavam nos momentos imediatamente posteriores a 1822
250
.
Essa nação seria construída a partir de um sentido determinado pelas distinções
entre povo - plebe e sociedade civil – sociedade política, fundamental para a garantia da
ordem e das fronteiras sociais. A nação abrigaria tanto ao povo quanto a plebe, porém
247
Aqui usamos o conceito do próprio Richard Graham para clientela, o autor entende como tal o
conjunto dos elementos que dependiam dos grandes proprietários e, em troca, ofereciam sua lealdade.
Esse conjunto envolvia, normalmente, a própria família desses proprietários, membros da casa, meeiros e
negociantes. Cf: Id Ibid. p. 36-39.
248
Id. Ibid. p. 34-35.
249
Cf: Id. Ibid. p. 34.
250
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e Herdeiros: a trama dos interesses na construção da
unidade política. Rio de Janeiro. Almanack Braziliense. N. 1. p. 8 – 26, 2005. p. 21-22.
95
somente o povo, isto é, os cidadãos ativos, é que formaria a sociedade política a quem
competia o governo do Estado. Vale ainda ressaltar que os escravos estavam excluídos
dessa nação, posto que o critério da liberdade privava-os da cidadania.A construção
dessa nação se efetivou a partir de uma orientação européia e americana
251
.
O sentido europeu era perceptível na idéia de que a nação deveria se efetivar
através de um império soberano, semelhante aos Estados Nacionais europeus, no qual as
conquistas liberais, as garantias constitucionais e o repúdio ao despotismo e ao
clericalismo seriam marcas características. No plano americano essa nação teria de
resistir às investidas britânicas contra a escravidão e o tráfico, garantir as distinções
sociais e as fronteiras entre os mundos, ou nações, que abrigava internamente e
neutralizar as rebeliões, sedições e insurreições que a ameaçassem. O ponto de
equilíbrio entre esses dois estímulos seria a figura do imperador
252
.
É interessante notar que nesses dois vetores que orientavam a construção da
nação, mais uma vez encontramos o componente ideológico que Paulo Mercadante
chama de duplicidade ética”. Ao tentar combinar o conteúdo europeu à realidade
americana, percebemos que os construtores dessa nação, novamente, exercitam o estilo
conservador, marco de muitas das práticas ideológicas e políticas do Império do Brasil.
Nesse momento a construção da nação se desenvolveu a partir da produção de
um tipo de cultura que poderíamos chamar de cultura nacional, uma vez que, no dizer
de Ricardo Salles, deveria promover a “individualização da nova nação que se
constituía”.
253
Essa cultura, que o autor intitula “Cultura Imperial”, atendia à produção
ideológica do período e comportava um considerável grau de intencionalidade, tendo no
Romantismo um dos fatores de maior relevância. O europeísmo, o bacharelismo, a
pompa e a prolixidade da cultura letrada eram seus traços distintivos, funcionando como
um agente garantidor da “coerência interna” da produção cultural da classe dominante,
em meio a um quadro tido como “hostil e selvagem”, o que lhe proporcionava algo
como uma “missão civilizadora”.
254
O desenvolvimento desse padrão de cultura tinha um duplo objetivo, vinculado à
criação de uma imagem externa e interna da nação. No primeiro sentido, estava
comprometido com a promoção do reconhecimento externo dessa nação que então se
constituía. Internamente procurava criar um padrão de civilização para o país, fazendo
251
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. A Formação do Estado Imperial. Rio de Janeiro:
ACESS, 1994. p. 119-120.
252
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 119-120.
253
SALLES, Ricardo. Op. cit. p. 75-77.
254
SALLES, Ricardo. Op. cit. p. 93.
96
do Brasil um exemplo de monarquia européia transplantada para a América.
Obviamente que o Mundo do Trabalho, assim como o Mundo da Desordem, apesar da
proximidade física, estavam excluídos dessa cultura e dessa civilização.
A criação da nação e, conseqüentemente, do conceito de nacionalidade a ela
pertinente, sustentava-se na dialética estabelecida, no plano da cultura, entre dois
conceitos: civilização e natureza. Considerando o Estado como o elemento definidor da
nação, a “Cultura Imperial” fazia dele o “portador e impulsionador do processo
civilizatório”, sendo a natureza vista como a “base territorial e material desse Estado”,
ao mesmo tempo em que, conforme já mencionamos, funcionava como o principal traço
definidor das suas particularidades americanas
255
. Mais uma vez percebemos um
desdobramento da duplicidade ética de Mercadante.
A partir desse momento teve início construção de uma imagem do imperador
que o transformaria na personificação maior da missão civilizadora do Brasil e da nação
brasileira, tornando-o o “Imperador sábio, sempre em sintonia com as últimas
novidades da Europa”.
256
Essa imagem também deveria funcionar como um elemento
garantidor do estilo conservador, que reputamos como importante característica do
panorama ideológico do período. Como um juiz supremo, o soberano deveria pairar
acima das questões políticas e partidárias, garantindo a ordem, preservando a
continuidade do corpo político e do território, atenuando os choques e tensões internas à
classe dominante e conciliando em um mesmo Estado e nação a civilização européia e a
exuberância e exotismo americanos. Atribuindo esse papel ao imperador, promovia-se,
simultaneamente, a perpetuação de uma estrutura social baseada nas relações escravistas
de produção.
Essa posição ocupada por D. Pedro II no modelo de Estado e nação que se
construía a partir do Golpe da Maioridade, seria garantida a partir de todo um trabalho
de construção de sua imagem. A partir desse processo proporcionava-se ao soberano
certos atributos, assim como o controle sobre determinadas relações de poder, que se
manifestariam no plano simbólico, ideológico e político-administrativo. Um dos marcos
desse movimento pode ser encontrado na Lei da Presidência do Conselho de Ministros
de 23 de novembro de 1841. Representou um primeiro passo que permitiu a efetivação
desse projeto imperial de poder, cujo sucesso pode ser medido pela máxima que seria
255
Id. Ibid. p. 98-99.
256
Id. Ibid. p. 101.
97
criada pelo Visconde de Itaboraí, por volta de 1868, segundo a qual no Brasil o
Imperador reina, governa e administra”
257
.
A efetivação do projeto de Estado e nação passava, necessariamente, pela
difusão desse modelo de cultura e de toda a carga ideológica a ele incorporada, assim
como da produção de elementos que ao nível de um discurso textual e imagético
materializassem os ideais e princípios a ele pertinentes. Nesse particular observamos
que o Estado assume a função de incentivador e financiador tanto dos veículos de
produção quanto de difusão dessa produção cultural.
No plano institucional, destacamos o advento do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, de cuja criação em 1838 falamos em momentos anteriores de nosso
trabalho. Esse Instituto surgiu como um espaço comprometido com a produção de um
tipo de história e memória, cujo compromisso maior era o de, segundo a análise de
Manoel Luís Salgado, (...) pensar o Brasil segundo os postulados próprios de uma
história comprometida com o desenvolvimento do processo de gênese da nação (...)”.
Segundo esse mesmo autor, a historiografia que se produzia em seu bojo inseria dentro
de um mesmo contexto, no tocante ao “problema nacional”, nação, Coroa e Estado
258
.
Ainda no plano das instituições voltadas para a produção e reprodução da Cultura
Imperial, foram de grande relevância no final dos anos 30 e no decorrer das décadas
seguintes do século XIX, o Imperial Colégio de Pedro II(1837) e o Arquivo Público
(1838).
No que tange a criação e reprodução da cultura que então se desenvolvia, merece
destaque a produção artística que veio à tona no campo da literatura, da ópera e da
pintura. Na literatura, indiscutivelmente, o Romantismo foi uma das peças centrais
nesse processo. Conforme observamos no trabalho de Lucia Pereira das Neves e
Humberto Machado, atuou no sentido de produzir um “conceito positivo de
brasilidade” transcendendo um padrão de identidade nacional baseado na negação, isto
é, a idéia de ser brasileiro por não ser português
259
. Foi nesse momento que surgiram
importantes obras românticas que, ao mesmo tempo, superavam a visão universalista
originada pela ilustração portuguesa e buscavam “tradições e valores do território
americano” que dariam um corpo ao projeto de nação que então se implementava.
260
Ao
lado da natureza o indígena também foi incorporado à literatura romântica como um
257
Cf: MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 185.
258
GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Op. cit. p. 6.
259
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 196.
260
Id. Ibid. p. 197.
98
símbolo da nacionalidade. Idealizado e, muitas vezes, europeizado tinha alguns de seus
traços realçados a fim de atender às necessidades da construção desse modelo de
identidade nacional, surgia nas obras de então como um “(...) exemplo de pureza, um
modelo de honra a ser seguido”
261
. Dento dessa vertente indianista da literatura
romântica constatamos que os tupis eram retratados como os modelos da nacionalidade,
uma vez que a eles eram incorporadas as virtudes do meio americano e os avanços
morais da civilização européia, ao passo que aimorés e timbiras eram os símbolos da
barbárie e da degenerescência que, no plano ideológico e simbólico, o Império deveria
superar; nesse sentido as práticas canibalescas dos últimos eram a maior evidência.
A relação de algumas obras, seus respectivos autores e o período em que vieram
à luz, é bastante elucidativa nesse aspecto: a Canção do Exílio de Gonçalves Dias em
1843; a fundação da revista Niterói, no mesmo ano, por Januário da Cunha Barbosa,
Antonio Francisco Dutra e Melo, Santiago Nunes Ribeiro e Antonio Gonçalves Teixeira
e Souza e a Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo de 1844.
262
No campo musical a obra de Carlos Gomes pode ser enquadrada nesse processo,
em especial a sua versão de O Guarani. Porém foi na pintura, ao lado da literatura
romântica, que constatamos com maior clareza a associação da produção artística à do
Estado e da nação. Nesse campo teve importante papel a Academia Imperial de Belas
Artes que, criada em 1826 porém implementada no governo de Pedro II, atuou tanto
como centro de produção de um tipo específico de arte quanto como um instrumento
para o mecenato estatal. Distribuindo prêmios, medalhas e bolsas de estudo, bem como
organizando as anuais Exposições Gerais de Belas Artes, o Estado colocava-se na
posição de principal consumidor das obras produzidas, ao mesmo tempo em que
determinava o sentido dessa produção
263
.
Enquanto a literatura romântica levava para as páginas dos livros uma visão
idealizada da natureza e do homem americano, símbolos do ideal nacional, a pintura
histórica e romântica, produzida a partir da Academia Imperial de Belas Artes e
consumida principalmente pelo Estado, deu o tom central dos modelos imagéticos do
Imperio do Brasil na primeira metade do século XIX. O modelo de representação
veiculado por esses artistas, no dizer de Lilia Schwarcz, fazia com que:
261
SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. A Natureza como paisagem: imagem e representação no Segundo
Reinado. In: Revista da USP. São Paulo. N. 58, jun.-ago. 2003. p. 6-29.
262
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p.197-200.
263
SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. Op. cit. p. 19.
99
(...) ao lado dos episódios oficiais, ganhasse lugar,
também, os motivos locais os naturais e a natureza tal
qual registros da nacionalidade. Com efeito, na Academia a
exaltação do exótico, de uma natureza modelar e do
indígena romântico tornou-se uma marca na produção
pictórica, que traduzia a história em termos mais idealizados
do que propriamente realistas.
264
Dentro desse padrão de imagens em que a natureza tornava-se um “emblema da
nação”
265
nota-se, pelas próprias observações da autora, que na produção resultante era
muito mais significativo e relevante aquilo que se imaginava do que o que
necessariamente se via. Em certo sentido podemos afirmar que essa postura
representacional derivou-se, em grande parte, da influência de artistas e cientistas
estrangeiros, que passaram pelo Brasil entre o final das Regências e o início do Segundo
Reinado. Esse olhar do estrangeiro deu à produção nacional aquilo que Ana Maria
Mauad chama de “uma sensação de não estar no todo”. Através dele, inseria-se na
produção pictórica de então somente aquilo que fosse interessante e, ao mesmo tempo,
fosse de encontro aos interesses dos operatores da mesma, que, por sua vez, estavam
direta ou indiretamente vinculados
266
ao projeto de Estado Nacional que se construía
267
.
Segundo essa autora:
(...) foi o olhar do estrangeiro que nos enquadrou, ao
mesmo tempo em que educava o nosso olhar, para que nós
mesmos pudéssemos nos mirar nos espelhos da cultura
importada de seus países de origem.
268
Essas imagens, produzidas a partir de uma cultura ligada à ideologia da classe
dominante e veiculadas em uma produção artística de cunho acadêmico, acabam por
264
Id. Ibid. p. 19.
265
Id. Ibid. p. 9.
266
Essa vinculação torna-se clara quando constatamos que a grande maioria dos artistas que produziam
nesse momento o fazia a partir de bolsas ou subvenções do governo imperial, ou tinham no Estado o seu
principal consumidor. Em outros casos esses mesmos artistas estavam engajados ao funcionalismo
público, muitas vezes como professores na própria Academia Imperial de Belas Artes.
267
MAUAD, Ana Maria. A Imagem e Auto-Imagem do Segundo Reinado. In:ALENCASTRO, Luiz Felipe
de(org. ). História da Vida Privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo:
Cia. das Letras, 1997. p. 181-231.
268
Id. Ibid. p. 184.
100
assumir o papel de imagens oficiais do Estado, devido aos vínculos que explicitamos
anteriormente. Tais imagens exerceram, também, importante papel no processo de
construção de um projeto saquarema de Estado e no tipo de identidade nacional a ele
pertinente. Tal proposição baseia-se na importância da “experiência visual” no Brasil
do século XIX, uma vez que ela viabiliza um tipo de conhecimento mais generalizado
favorecendo a consolidação de uma auto-representação”,
269
para aqueles que
deveriam formar a nação e em especial aos membros da sociedade política.
O trabalho dos escritores românticos e dos pintores acadêmicos, entre o final dos
anos 30 e o início dos anos 50 do século XIX, funcionou, em relação ao complexo
imagético e simbólico do Império do Brasil, como o que poderíamos chamar de um
suporte, necessário à produção do Estado e do tipo de identidade nacional que esse
Império materializava.
Porém toda essa arquitetura que envolvia o Estado, a nação, a Cultura Imperial
e, conseqüentemente, o acervo de símbolos e imagens a eles pertinentes, foi orientada
por um discurso ideológico no qual a questão da duplicidade ética e do sentido
conciliador eram elementos de grande peso. Devemos ter sempre em mente que toda
essa produção esteve comprometida com a conciliação de uma realidade americana a
outra européia, com o convívio de relações escravistas de produção com um modelo de
liberalismo que articulasse o Brasil ao centro da produção capitalista.
Além disso, não podemos perder de vista o fato de que, pelo menos até os anos
1850, a centralização política e a estabilidade interna almejadas pelo Regresso
Conservador ainda não haviam se efetivado. Dessa maneira acreditamos que nos dez
primeiros anos do governo de Pedro II a questão da ordem se impunha a da civilização,
uma vez que a primeira seria pré-condição para se chegar a outra.
Logo, no contexto das imagens oficiais do Estado, ao lado desse viés americano
deveriam estar presentes elementos que reportassem à civilização e à tradição
provenientes da Europa, mas principalmente que fossem reconhecidos como agentes
garantidores da ordem que se pretendia estabelecer. Tais imagens deveriam comportar
elementos que simbolizassem o lado europeu e civilizado desse Império dos Trópicos,
mas também que legitimassem o poder e a autoridade do Estado que então se construía,
principalmente após as conturbações das Regências, que ainda não estavam totalmente
superadas imediatamente após a Maioridade. Dessa maneira dava-se ao conjunto maior
consistência e, portanto, uma maior capacidade de garantia da ordem e de delimitação
269
Id. Ibid. p. 189.
101
das fronteiras sociais. Buscava-se a redução de uma maior visibilidade e espaço de
participação que foi conquistado pelos mundos do Trabalho e da Desordem.
A peça chave nessa questão seria o imperador. Tratava-se nesse momento de dar
início à construção de uma imagem que fizesse do soberano, então um adolescente, o
ponto de equilíbrio do Império. Deveria ser a síntese da idéia de Estado e de nação,
personificando e garantindo a ordem social, política e econômica que se pretendia
construir. Os primeiros passos foram dados, como já falamos anteriormente, pelo
próprio Araújo Lima. Porém a restauração do beija-mão e a valorização dos retratos do
monarca não era suficiente, algo mais profundo e complexo foi desenvolvido.
As iniciativas nesse sentido foram tomadas desde a emancipação do imperador,
com o Golpe da Maioridade. Segundo Maria Eurydice Ribeiro, as cerimônias de
coroação e sagração utilizadas para Pedro I foram repetidas
270
. A importância desse fato
torna-se maior quando constatamos que, segundo essa mesma autora, no “caso do
Brasil, a independência monárquica, singular no contexto americano, conduziu à
exacerbação do modelo português” que envolvia a ascensão de um novo soberano ao
trono. Buscava-se, dessa forma, aumentar a solenidade do cerimonial e a legitimidade
do monarca
271
.
Desde sua aclamação que o soberano era visto como um veículo de salvação do
Império. É bastante reveladora a atitude de José Bonifácio ao erguê-lo para que todos o
vissem não da forma comum, mas suspenso do chão por seu tutor, fazendo com que o
príncipe se parecesse com um “anjo” reforçando mais ainda o seu caráter mágico-
simbólico”.
272
O jovem Pedro II foi sagrado em 15 de junho de 1841. Nessa última cerimônia
manifestou-se a preocupação com a legitimidade do soberano, como um fator de
garantia da ordem, ao mesmo tempo em que se introduziam elementos pertinentes a
uma realidade liberal, dentro da lógica da duplicidade ética. Na cerimônia estavam
presentes as insígnias do Império: o manto, a espada e a constituição. Os dois primeiros,
uma clara alusão à tradição monárquica, o último um sinal do avanço das idéias liberais.
O conteúdo simbólico da cerimônia nos permite concluir que embora as insígnias
tenham sido sagradas, segundo a tradição, foram conferidas ao imperador pela
270
RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Op. cit. p. 100.
271
Id. Ibid. p. 72.
272
Id. Ibid. p. 101.
102
Constituição.
273
Legitima-se assim, no plano simbólico, o Estado que se pretendia
construir.
Dos anos 1840 aos anos 1850, transformava-se a imagem do jovem Pedro II
naquela que Lilia Schwarckz considera como a do “Grande Imperador”.
274
A partir de
então o soberano passou a cumprir uma agenda oficial em que era apresentado à nação
em momentos solenes, através de uma pomposa ritualística e de uma rigorosa etiqueta.
A pompa e a solenidade desses momentos em que o imperador se manifestava eram tão
grandes, raiando o exagero, que chegava mesmo a despertar a atenção de observadores
estrangeiros que a eles se sujeitavam. É o caso da baronesa Victorine Émilie de
Langsdorff, esposa do barão de Langsdorff, este último ministro plenipotenciário do rei
Luís Filipe de Orleans, enviado ao Brasil a fim de negociar o casamento do príncipe de
Joinville com a princesa Francisca, irmã do Imperador. No diário que produziu em sua
viagem por terras brasileiras, entre 1842 e 1843, a baronesa relata o seguinte episódio,
referindo-se à etiqueta da corte tropical:
O Imperador e a irmã entraram. No salão ao lado,
um grupo de mulatos tocou a marcha imperial durante todo
o tempo em que os dois irmãos atravessaram a sala.(...) Com
exceção dos minutos iniciais, glaciais e cerimoniosos,
sentimo-nos a vontade no paço. Mas assim que o Imperador
entra, o gelo derretido forma-se de novo; então todos nos
levantamos e ficamos em silêncio. O Imperador atravessa a
sala(...) a seguir senta-se num canapé, baixa os olhos e toda
a gente se cala.(...) Ouvi várias pessoas a zombarem da
formalidade da corte, que consideram ridícula e
ultrapassada, mas já vi as mesmas pessoas erguerem-se
precipitadamente à simples aproximação do Imperador, não
por hábito mas por obediência a um impulso irresistível.
275
273
RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Op. cit. p. 90.
274
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador. D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 85-86.
275
Cf: CABRAL, Luciano Mendes. Os Diários como fontes históricas: gênero, cultura e poder em
fragmentos cotidianos. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
N. 15, 2006. p. 133-146.
103
Tratava-se de fazer do monarca uma “representação de si”.
276
Foi nesse sentido
que se direcionou a produção de imagens, concretizada na iconografia de então.
Deliberadamente envelhecia-se o imperador nos seus inúmeros retratos, expostos em
jornais, casas da corte, repartições públicas e em outros locais do Brasil e do exterior.
Buscava-se um certo padrão de visibilidade para um soberano até então invisível, e
preservado nos limites de seu rculo mais íntimo. Esforçavam-se os operatores desse
momento, por dar ao líder supremo dos brasileiros as feições de um “rei seguro, jovem
e forte”.
277
Nas imagens a seguir são perceptíveis os esforços dos artistas em reproduzir
um modelo no qual as feições do jovem Pedro são idealizadas e, associadas a
determinados símbolos do poder
278
. Almejam formar um conjunto que retratasse a
tradição, a autoridade e a segurança que o imperador deveria transmitir a seus súditos.
Valia, inclusive, antecipar o surgimento de uma bem constituída barba, ela em si um
símbolo de virilidade e experiência
279
. Tal fato chega a ser mencionado pelo mordomo
imperial, Paulo Barbosa, ao dizer que “(...) sua majestade traz a aparência diferente,
até suas barbas estão mais e mais formadas”.
280
276
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit. p. 85.
277
Id. Ibid. p. 87.
278
É importante observar que nos retratos e representações do imperador, nesse período, ele sempre se
encontra cercado por elementos como o cetro, a coroa, a espada ou a constituição. Além disso, sua
indumentária sempre tem um caráter marcial e majestático. Em ambas as situações objetivava-se criar
uma aura de poder e solenidade em torno do monarca. Cf: Id. Ibid. p. 87-88.
279
Tradicionalmente a barba é considerada um símbolo de virilidade, coragem e sabedoria. Diversas
divindades e heróis das mitologias do mundo são representados barbados, além do fato de que, na
Antiguidade eram dadas barbas postiças aos homens imberbes e às mulheres que dessem prova de
sabedoria e coragem. Cf: CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de
Janeiro: José Olympio Editora, 2003. p. 120-121.
280
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit. p. 87.
104
Figura 7: Retratos de D. Pedro II. No primeiro o detalhe a ser notado é a Constituição sobre a qual
D. Pedro se apoia, no segundo merece destaque a Espada Imperial.
Fonte: www.monarquia.org.br
Ao nos voltarmos para os selos postais e as moedas, alvo de nossas reflexões,
observamos que o quadro que encontramos não corresponde ao que foi acima descrito.
Como falamos anteriormente
281
, ainda não é possível perceber, ao menos até os anos
1850, a veiculação de um padrão de imagem nesses elementos, que evidencie um
compromisso com o projeto de Estado e de nação que então se procurava efetivar.
Acreditamos que esse esforço de construção de uma imagem do imperador estava
ausente dos selos e moedas, nesses momentos iniciais, basicamente por duas questões
intimamente ligadas. A primeira corresponderia ao próprio processo de construção
dessa imagem, que entre os anos 40 e 50 do século XIX ainda estava em andamento. O
segundo fator diz respeito ao caráter desses possíveis veículos de difusão da imagem
imperial, os selos e moedas, no período em questão.
No que se refere à primeira dessas duas questões, observamos que no momento
em que os dirigentes saquaremas começaram a desenvolver seus esforços a fim de
efetivar um projeto de Estado e nação, entre o Regresso e a Maioridade, D. Pedro era
281
Cf: páginas 91-94.
105
uma criança que se aproximava da adolescência. Seu contato com o país, assim como
sua própria visibilidade, era muito limitada. Tornava-se necessário que se produzisse
uma imagem que refletisse um poder, uma força e uma majestade que, até então, os
spectatores da mesma desconheciam ou não associavam à nebulosa figura do monarca.
Essa produção era de grande relevância, principalmente, quando constatamos que tais
spectatores correspondiam, nesse momento, à classe senhorial e em especial àqueles
que até então se opunham ao projeto saquarema.
Nunca é demais lembrar que, até os anos 1850 a hegemonia dos Conservadores
bem como a posição das lideranças saquaremas enquanto dirigentes políticos, ainda
estava em construção. Nesse primeiro momento estavam sendo articuladas as peças que
garantiriam a almejada centralização do poder, efetivando a ordem imperial. Os efeitos
da reforma tributária das Regências, que classificaram as receitas e despesas e
promoveram o “esvaziamento financeiro dos municípios e províncias” se faziam sentir,
atrelando os poderes locais à Corte, uma vez que tal situação “transformou regiões
ricas em deficitárias”.
282
Os interesses da cafeicultura emergente aproximavam ainda
mais os setores envolvidos na atividade do governo central, elemento capaz de suprir as
necessidades dessa empresa que, principalmente a partir dos anos 1840, despontava
como vanguarda da economia imperial. Finalmente era o momento em que o
fortalecimento da ordem monárquica representava a normalização das relações sociais e
preservação das fronteiras que a classe dominante almejava perenizar dentro do
contexto da sociedade de então.
Porém a argamassa que uniria as pedras sobre as quais as lideranças saquaremas
pretendiam erguer seu modelo de Estado Nacional era o imperador. Para tanto o jovem
Pedro II deveria possuir um capital simbólico que, em 1840 não tinha. Uma
possibilidade de compreensão dessa situação se apresenta quando lançamos mão das
análises de Pierre Bourdieu, em especial quando trata do que chama de “capital
político”. Para esse autor:
O capital político é uma forma de capital simbólico,
crédito firmado na crença e no reconhecimento ou, mais
precisamente, nas inúmeras operações de crédito pelas quais
282
LYRA, Maria de Lourdes Viana. Op. cit. p. 118.
106
os agentes conferem a uma pessoa ou a um objeto os
próprios poderes que eles lhe reconhecem.
283
Ainda para Bourdieu esse capital político pode se apresentar como um capital
pessoal quando o indivíduo tem reconhecido em sua pessoa certo número de qualidades
específicas, que assegurem a sua notoriedade ou popularidade. Tal manifestação pode se
dar sob a forma de um capital pessoal heróico ou profético e como um capital pessoal
notável. Na primeira situação ele é produto de uma “ação inaugural, realizada no vazio
deixado pelas instituições e aparelhos”; no segundo caso é resultado de “uma
acumulação lenta e contínua”, que em geral pode demandar “toda uma vida”.
284
Aplicando essa análise ao Império do Brasil, poderíamos afirmar que D. Pedro I
seria detentor de um capital pessoal heróico ou profético, uma vez que dentro do
contexto do imaginário
285
criado a partir da Independência foi o principal agente da ação
inaugural que originou o Império no vazio deixado pela ruptura com Portugal. No
entanto esse não era o caso de seu filho. Pedro II deveria construir um capital pessoal
notável, adquirido como fruto de uma acumulação lenta e contínua que, gradativamente,
deveria se refletir em sua imagem.
Partindo dessa análise, pensamos que até a década de 50 do século XIX a
imagem do soberano, além de sua própria pessoa, deveria estar associada a elementos
que contribuíssem para a constituição de seu capital pessoal notável. Obviamente que
esse capital deveria estar em sintonia com os referenciais ideológicos que sustentavam o
projeto de Estado e nação defendido pelos operatores envolvidos na produção de sua
imagem. Isso explicaria a presença de certos elementos simbólicos junto à figura do
Imperador, tais como a Espada Imperial, o manto, a Constituição, trajes majestáticos ou
marciais e sua própria barba.
Além disso, os veículos de difusão do padrão de imagem que o soberano
incorporava, deveriam conter certos atributos que compensassem o capital político ou
simbólico que ainda não havia adquirido plenamente. Esses veículos teriam a função de
283
BOURDIEU, Pierre. Op. cit. p. 187-188.
284
BOURDIEU, Pierre. Op. cit. p. 190-191.
285
Aqui utilizamos o conceito de imaginário a partir do paradigma da “auto-intuição” do social,
conforme as propostas de Claude Leford e Castoriadis. Nesse contexto o imaginário transforma-se em um
agente de formação do social, uma vez que atua no sentido de organizar o “mundo histórico social”, a
partir de um ato continuado de produção de significados. Cf: CAPELATO, Maria Helena Rolim;
DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Representação Política. O reconhecimento de um conceito na
historiografia brasileira. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; MALERBA, Jurandir (Orgs.).
Representações: contribuição a um debate transdisciplinar. São Paulo: Papirus, 2000. p. 228.
107
reforçar, em consonância com a etiqueta e os rituais que envolviam as aparições
imperiais, todos os atributos que se pretendia incutir na imagem de D. Pedro II. Em
alguns casos através de um forte impacto pictórico, como nas pinturas e retratos, e em
outros através de um reconhecido valor simbólico, como o de alguns metais usados na
cunhagem de moedas e medalhas, em especial o ouro.
Figura 8: Busto de Zephérin Feréz (1846) e óleo de Luis de Miranda Pereira.
Fonte: www.mnba.gov.br
Na figura 8, observamos tanto a importância dos elementos que compõem a
figura do Imperador, quanto de seus veículos. No busto, notamos a presença da murça
do manto imperial brasileiro além do próprio peso da representação escultórica, uma
vez que a chamada “estatuamania” foi uma das marcas distintivas das artes plásticas do
século XIX
286
. Na tela de Luis Miranda a linguagem do artista faz com que a imagem do
soberano ganhe em força e autoridade, o que se efetiva na majestade dos trajes militares
e na pose napoleônica.
O segundo fator que explicaria a ausência da imagem do Imperador na maioria
das moedas e nos selos postais que circularam entre as décadas de 40 e 60 do século
XIX, pode ser encontrado na própria situação desses elementos no contexto do Império
do Brasil.
286
MAUAD, Ana Maria. Op. cit. p. 226-227.
108
Em relação às moedas, constatamos que a imagem de D. Pedro II somente
esteve presente naquelas cunhadas em ouro. Entre 1840 e 1850 conhecemos dois tipos
de moedas que traziam a efígie do soberano. O primeiro tipo corresponde, na
numismática brasileira, ao padrão Pedro Menino. Essas moedas foram cunhadas em três
valores, e traziam a efígie do monarca com feições infantis. Seus dados técnicos podem
ser vistos na tabela abaixo:
b) Tabela das Moedas Pedro Menino
VALOR TEOR DIÂMETRO PESO
10.000 réis 22 K 28 mm 14,34 g
6.400 réis 22 K 31,5 mm 14,34 g
4.000 réis 22 K 27 mm 8,06 g
Fonte: Catálogo Vieira das Moedas Brasileiras. p. 67-68.
Chama a atenção o fato das moedas de 6.400 réis terem o mesmo peso que as de
10 mil réis. Essa situação se explica quando constatamos que o primeiro valor deixou de
ser cunhado em 1833, sendo substituído pelas de 10 mil réis, que passaram ao trazer
mais o seu valor facial. Essa mudança foi resultado da desvalorização da moeda e do
conseqüente aumento do ouro, o que acarretou a adoção desse novo padrão. Como
podemos constatar na figura 10, essas moedas não incorporam nada dos elementos que
compõem a imagem do monarca a partir da maioridade, porém sua emissão ocorreu
ainda durante as Regências, em um momento em que não se efetivavam os projetos de
Estado e nação que marcaram o Império do Brasil a partir dos anos 40 dos oitocentos.
Figura 9: Moeda Pedro Menino, padrão 10.000 réis
Fonte: www.itaucultural.org.br
Os dois padrões seguintes foram, respectivamente, aqueles que chamamos de
Almirante e Papo de Tucano. O primeiro foi cunhado entre 1841 e 1848 e correspondia
a 10 mil réis, o segundo foi produzido entre 1849 e 1851 valendo 10 e 20 mil réis.
Ambas não traziam valores faciais.
109
Figura 10: Moedas Almirante e Papo de Tucano
Fonte: www.itaucultural.org.br
Como podemos observar, nessas moedas a imagem do Imperador aparece
acrescida de elementos que visavam fornecer à mesma os atributos necessários para que
passe a funcionar como um símbolo do modelo de Estado e de identidade nacional que
se pretendia construir. Na primeira o capital simbólico do monarca é ampliado pela
farda utilizada pela autoridade maior da prestigiada e tradicional arma que era a
Marinha, daí sua designação de Almirante. Não consideramos casual a escolha dessa
indumentária para o soberano. Como podemos perceber pelas palavras de José Murilo
de Carvalho, o prestígio da Marinha teria um peso considerável na construção da
imagem do Imperador:
Durante o período imperial, a Marinha manteve um
padrão de recrutamento mais alto do que o do Exército.
Podemos encontrar almirantes filhos de importantes
políticos, como o barão de Jaceguai, de famílias nobres,
como Saldanha da Gama, e filhos de oficiais, principalmente
da própria Marinha. No depoimento de um oficial dessa
força, a oficialidade da marinha sempre foi, ao menos uma
parte, das mais escolhidas da alta sociedade do Brasil’.
287
287
CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2005. p. 19.
110
Na segunda moeda, a ausência da farda é compensada pela prestigiosa murça do
manto da coroação, o que origem a sua alcunha no meio numismático Papo de
Tucano. Nessa imagem símbolos da autoridade imperial são incorporados à efígie do
monarca, dando a mesma um maior poder simbólico.
Outra questão que não pode deixar de ser mencionada é o metal no qual essas
moedas foram cunhadas e o seu papel na economia do Império. Todas foram feitas em
ouro, o que carrega grande peso simbólico. A definição a seguir, de Jean Chevalier e
Alain Gheerbrant, permite que tenhamos uma idéia da importância desse metal no
pensamento e no imaginário do homem:
Considerado na tradição como o mais precioso dos
metais, o ouro é o metal perfeito.(...) Tem o brilho da luz; o
ouro, diz-se na Índia, é a luz mineral. Tem o caráter ígneo,
solar e real, até mesmo divino. Em certos países a carne dos
deuses é feita de ouro, o que também se verifica com os
Faraós egípcios. Os ícones de Buda são dourados, signo da
iluminação e da perfeição absoluta. O fundo dos ícones
bizantinos as vezes o das imagens budistas é dourado,
reflexo da luz celeste.
288
Pelo trecho anterior, fica patente o grande poder simbólico do metal, o que por
um processo de transferência ampliaria o do próprio imperador. Além disso, as moedas
de ouro não tinham como seu principal destino a circulação. Seu alto valor fazia delas
uma forma de pecúlio ou entesouramento, bem como um instrumento de pagamento de
dívidas públicas ou negócios de grande monta. De qualquer forma guardavam em sua
essência um valor simbólico considerável, que as distinguia das demais. Dessa maneira,
a incorporação da imagem de D. Pedro II a essas moedas, estaria atuando no sentido de
consolidá-la e de constituir o capital político necessário ao seu papel no contexto da
formação do Estado Nacional.
288
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Op. cit. p. 669.
111
Quanto às demais moedas, cunhadas em cobre e prata, observamos a ausência da
efígie do soberano. Traziam na face o brasão do Império e no reverso seus valores. É
interessante destacar que, circundando os valores encontramos a inscrição latina
PETRUS II, D. G. CONST. IMP. ET. PERP. BRAS. DEFF.
289
, na qual a alusão ao
modelo de Estado e ao papel do imperador no mesmo é bem clara; porém a associação
de sua imagem a essa função ainda não foi efetivada. Conforme já falamos
anteriormente, e podemos constatar na figura a seguir, não houve uma ruptura imagética
com o padrão do I Reinado e das Regências. Entre 1840 e a década de 1860 essas
moedas foram cunhadas em valores que variaram de 20 a 2000 réis, portanto de largo
uso e circulação em todo o território.
Figura 11: Moedas de prata, 400 e 100 réis. Ambas de 1847.
Fonte: acervo do autor
Entendemos que a imagem do Imperador estava ausente, de forma explícita,
dessas moedas em função dos metais com que eram cunhadas e da grande utilização das
mesmas, no cotidiano das atividades econômicas do Brasil.
289
Pedro II, por graça de Deus, Imperador Constitucional e Perpétuo Defensor do Brasil.
112
Mesmo a prata carecia, nesse momento, de um valor simbólico que viabilizasse
a inserção da efígie do monarca nas moedas feitas a partir desse metal. Como já falamos
a imagem que nossos operatores produziam para o soberano, ainda necessitava de
outros elementos, que não sua figura, para atingir seu objetivo em relação ao Estado
Nacional. A prata e, muito menos o cobre, não ofereciam esses atributos simbólicos.
Além disso, o uso diário e constante levava a um nível de desgaste sico muito
grande dessas moedas que, em nossa análise, não seria compatível com uma imagem
imperial ainda em construção e que, portanto, necessitava de um padrão diferenciado e
mais sofisticado de difusão. A imagem abaixo mostra uma moeda de cobre cunhada em
1832 e que, teoricamente, teria circulado no período que tratamos. Seu bom estado de
conservação constitui uma exceção, uma vez que a grande maioria das moedas
cunhadas nesse metal apresentam-se muito desgastadas.
Figura 12: Moeda de cobre de 80 réis, 1832.
Fonte: acervo do autor.
Quando comparamos as moedas cunhadas no Brasil, no período em questão,
com aquelas que foram produzidas por outros Estados monárquicos de maior tradição,
como o caso de Portugal e Espanha, percebemos que nos últimos a presença da efígie
do soberano no meio circulante é uma marca característica. Mesmo na França, com as
grandes conturbações e oscilações advindas do movimento revolucionário do século
XVIII, nos governos monárquicos a efígie do soberano se encontra presente. Esse
elemento comparativo, principalmente por se referir a um mesmo período, reforça a
peculiaridade da construção de nossa monarquia no contexto da formação do Estado
Nação.
113
Pensamos que a inclusão das efígies reais no numerário desses países do Velho
Mundo, no momento em que se buscava legitimar uma nova relação dos cidadãos com o
Estado, a partir de construção de identidades sociais coletivas próprias do século XIX
290
,
aponta para realidades diferentes do Império do Brasil. Nelas estariam ausentes os
desafios inerentes à coexistência de componentes historicamente distintos e que
marcaram a nossa duplicidade ética. A ausência das relações escravistas de produção e
da coexistência e submissão de diversas nações a uma nação hegemônica fazia com que
a construção de uma imagem dos soberanos, adequada a uma nova identidade nacional,
demandasse um trabalho de produção menos sofisticado do que aquele que se exigia dos
operatores brasileiros. Daí a incorporação das efígies desses reis a veículos de difusão
que, embora não guardassem um conteúdo simbólico da magnitude do ouro ou das
imponentes obras de arte, podiam atingir a um grande número de pessoas. Estariam
inseridas nesse caso as moedas de todos os valores e, como pretendemos demonstrar
adiante, os selos postais. A título de ilustração de nosso raciocínio, apresentamos a
seguir alguns exemplos de moedas que se encaixam na proposta que levantamos para as
monarquias européias de meados do século XIX.
Figura 13: França, Louis Philippe I – 1844
Fonte: acervo do autor
290
HOBSBAWM, Eric J. Op. Cit. p. 104.
114
Figura 14: França, Napoleão III – 1856
Fonte: acervo do autor
No caso dos selos, a ausência da imagem do Imperador é ainda mais evidente
que nas moedas. Isso porque, até 1866, ela não aparece sob nenhuma forma nessas
fontes. Conforme dissemos, tal fato não correspondia ao que poderíamos considerar
como uma regra nos países que adotaram o sistema inglês de Correios, no século XIX.
Em certo sentido podemos afirmar que os selos estavam relacionados, ainda que
indiretamente, aos esforços empreendidos pelos dirigentes políticos saquaremas em
implementar um modelo de Estado sustentado pelo binômio ordem civilização.
Segundo Ilmar de Mattos, as particularidades brasileiras fizeram com que a
implementação desse projeto se desse a partir de um movimento de centralização do
poder, pautado, em boa parte, no desenvolvimento de práticas e reformas
administrativas. Assim viabilizava-se a imposição do poder público sobre o privado,
levando “os olhos do Imperador”, maior símbolo do primeiro, a todo o Império
291
.
Podemos inserir a Reforma Postal de 1843, na qual foram introduzidos os selos no
Brasil, nesse processo. A otimização dos serviços de Correios ampliaria a presença do
Estado Imperial no território nacional, levando os “olhos” de soberano a regiões cada
vez mais distantes da Corte. Logo, nada mais natural que a sua figura estivesse
estampada nos selos que garantiam a remessa das cartas e impressos que circulavam
pelo Brasil e fora dele.
Inicialmente esse foi o impulso que orientou a confecção de nossos primeiros
selos. Percebemos tal fato no relatório de 1842 do secretário geral dos negócios do
Império, Cândido José de Araújo Viana, à Assembléia Geral Legislativa quando ainda
se discutia a reforma que, no ano seguinte, seria feita no sistema postal brasileiro. Ao se
291
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 192-195.
115
referir ao parecer do Conselho de Estado sobre essa questão, o secretário afirma
textualmente que os conselheiros preferiam:
(...) ao sistema atual o pagamento adiantado dos
portes em papel selado, do tamanho de uma moeda de prata
com a Efígie do Monarcha, circulada de um letreiro, que
designe o seu preço; papel selado, que se colara no
sobrescrito.
292
Porém a proposta dos conselheiros de estado não se efetivou, conforme
demonstram os selos impressos até 1866. Podemos detectar as origens desse fato na
correspondência remetida pelo provedor da Casa da Moeda, Camillo João Valdetaro, ao
presidente do Tribunal do Tesouro, Joaquim Francisco Vianna, em 23 de fevereiro de
1843. Nessa carta o provedor respondia à solicitação do último, que lhe enviou
exemplares do primeiro selo inglês, a fim de saber se o mesmo modelo poderia ser
utilizado como modelo, e se a Casa da Moeda poderia produzir selos para o Brasil.
Dizia na carta
293
:
(...) Como nessa repartição é onde naturalmente se
hão de fazer os selos ou chapas, (...) julguei do meu dever
levar ao conhecimento de V. Exª esta dúvida (...). Na
Inglaterra se usa em tais selos, e estampas, gravar a efígie
da rainha com o valor da respectiva taxa, isto ali pode ser
muito próprio, e sou levado a crer que é fundado em
utilidade pública, mas entre nós, além de impróprio, pode
dar lugar a continuadas falsificações, e as razões em que me
baseio são essas: usa-se aqui por princípio de dever e
respeito pôr a efígie do monarca em objetos perduráveis
292
BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Sessão da Legislatura, pelo
Respectivo Ministro e Secretário D’ Estado Candido Jose d’Araujo Vianna. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1842. p. 49.
293
As informações relativas a essa correspondência foram obtidas a partir do artigo de Rubem Porto Jr. e
do livro de Cícero de Almeida e Pedro Karp Vasquez. O conteúdo da carta é reproduzido, com o mesmo
teor, em diversas publicações filatélicas, ou sobre filatelia, em períodos dos mais distintos. Cf: PORTO,
Rubem Jr. A Primeira Emissão Brasileira: os Olhos de Boi. Disponível em
http://www.clubefilatelicodobrasil.com.br . Acesso em 07/02/2008 e ALMEIDA, Cícero Antonio F. De;
VASQUEZ, Pedro Karp. Op. Cit. p. 63.
116
ou dignos de veneração, e nunca naqueles que, por sua
natureza, pouco tempo depois de feitos m de ser
necessariamente inutilizados; e de mais a mais acresce a
facilidade que de se copiar um retrato por todos
conhecido.
294
A análise da carta de Camillo Valdetaro nos permite chegar a algumas
conclusões. Em primeiro lugar a influência de funcionários do segundo escalão da
administração pública sobre determinadas decisões de cunho político-
administrativo.Observamos que o parecer de Valdetaro predominou sobre a proposta do
Conselho de Estado. Tal fato demonstra que os operatores das imagens veiculadas nos
selos e moedas do Império do Brasil faziam parte de um círculo que transcendia os
limites do Gabinete e das instâncias maiores do Poder Executivo.
A segunda, e mais relevante, questão, prende-se ao fato de que a postura do
provedor, em nossa concepção, corrobora a análise que empreendemos em relação às
moedas. Ao afirmar que o “retrato” do Imperador era “por todos conhecido”, nosso
interlocutor demonstra o grande esforço do governo em difundir, nesse momento, a
figura do Imperador. Porém ao afirmar ser prática inserir a efígie imperial somente
naqueles veículos “dignos de veneração” e de caráter “perdurável”, Valdetaro reforça
nossa tese de que o fato da imagem de D. Pedro II ainda não estar totalmente construída
e, portanto, consolidada exigia um capital simbólico adicional. Tal capital seria obtido a
partir de signos que comporiam a imagem do soberano, e dos próprios veículos de
difusão da mesma.
No início do Segundo Reinado os selos postais o atenderiam, assim como as
moedas de pequeno valor real e simbólico, os requisitos necessários para que se
constituíssem em veículos da imagem imperial. Em primeiro lugar por serem algo muito
recente e não incorporado a uma tradição. Basta lembrar que, como afirmamos, o
Brasil foi o segundo país no mundo a utilizar sistematicamente os selos. Além disso, o
caráter perecível e pouco nobre do papel o seria um suporte suficiente, a essa época,
para solenizar a efígie de D. Pedro. Finalmente devemos ressaltar as possibilidades de
falsificação e adulteração às quais Camillo Valdetaro se refere, o que seria uma ameaça
à imagem que então se produzia.
294
ALMEIDA, Cícero Antonio F. de; VASQUEZ, Pedro Karp. Op. Cit. p. 63.
117
Outro fator decisivo era a precariedade do serviço de Correios no Brasil, no
decorrer da década de 40 e boa parte dos anos 50 do século XIX. Compulsando os
relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios do Império, constatamos que, nesse
período, os secretários são unânimes em corroborar essa situação. No relatório de 1841,
Cândido de Araújo Viana afirma que o serviço dos Correios, no que tange à
“Administração Geral da Corte é excessivamente pesado, e seu pessoal pouco
numeroso para bem desempenhá-lo”, o que justificaria a necessária Reforma que então
se articulava
295
. No relatório de 1851, portanto oito anos após a Reforma Postal, o
então secretário, o visconde de Monte Alegre, afirmava que o “(...) serviço do Correio
tem melhorado” no entanto “(...) está ainda longe do grau de perfeição a que pode ser
levado”.
296
Essa situação pouco confortável era agravada por uma considerável carência
de pessoal, queixa também recorrente, e um número pequeno de agências postais no
Império.
Ao menos até meados dos anos 1850, não bastava que se sugerisse ou se
indicasse de forma indireta a figura do Imperador. Nessa fase de consolidação de um
modelo específico de Estado e de um tipo de identidade nacional, era mister que se
construísse e divulgasse sua imagem de forma a atender às necessidades dessa empresa,
ligadas à consolidação do soberano e da coroa como forma de efetivação da
centralização do poder administrativo e, conseqüentemente, político. Logo a
precariedade do serviço de Correios, associada a uma reduzida população alfabetizada,
portanto usuária dos mesmos e dos selos postais, fazia com que os últimos não se
mostrassem, até os anos 1860, como veículos ideais para a difusão da imagem do
Imperador.
Em muitos Estados onde a tradição monárquica tinha uma antiguidade maior do
que no Brasil, ou mesmo naqueles em que a ruptura com a antiga Metrópole levou a
uma opção republicana, mesmo tendo utilizado o padrão inglês de correspondências
após o Império brasileiro, a inserção da efígie dos governantes nos selos postais foi
imediata. Atribuímos essa questão a duas situações básicas. A primeira diz respeito à
própria antiguidade dessa tradição, o que, como discutimos em relação às moedas,
exigia uma construção menos intrincada da imagem dos soberanos. A segunda situação
295
BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Sessão Ordinaria de 1841, pelo
Respectivo Ministro e Secretário D’ Estado Candido Jose d’Araujo Vianna. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1841. p. 41.
296
BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Sessão da Legislatura, pelo
Respectivo Ministro e Secretário Visconde de Mont’alegre. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1851.
p. 39.
118
estaria relacionada ao fato de que, na maioria das repúblicas onde os governantes
tiveram sua efígie retratada nos primeiros selos postais, os mesmos desempenharam
importante papel no processo de independência desses países. Tal fato atribuía a eles um
considerável capital político pessoal do tipo heróico ou profético, o que também
viabilizaria, em nossa análise, esse tipo de inserção. As imagens a seguir ilustram e
exemplificam nossa proposição.
Figura 15: Selos postais de monarquias européias com a efígie de seus soberanos.
Fonte: acervo do autor
Na figura 15, observamos alguns selos postais emitidos em meados do século
XIX, por monarquias da Europa, que estampavam a efígie de seus soberanos. Da
esquerda para a direita a ilustração retrata o Penny Black, primeiro selo da Inglaterra,
emitido em 1840 com a efígie da rainha Vitória; o segundo e terceiro exemplo
correspondem a selos emitidos em Portugal em 1853 retratando Dna. Maria II; a seguir
observamos o rei Leopoldo I da Bélgica, em selo emitido em 1849; e finalmente o selo
do Reino das Duas Sicílias com a efígie de Fernando II. Vale ressaltar o fato de que
todos os exemplos correspondem aos primeiros selos emitidos nesses países.
Os anos 50 do século XIX foram marcados no Brasil por profundas mudanças
no campo econômico e político, com reflexos de grande monta na organização social do
país. O conjunto dessas mudanças se refletiu na imagem do Imperador e na forma como
ela era veiculada. A segunda metade dessa década e, especialmente, os anos 1860
conheceram uma considerável mudança na forma como D. Pedro II passou a ser visto e
sua imagem consumida por spectatores de todo o Império. Essas transformações e seus
reflexos sobre a imagem imperial serão alvo de nossas reflexões no terceiro capítulo de
nosso trabalho.
119
Capítulo 3 – “O Spectrum: selos postais, moedas e a produção de imagens no
Brasil da segunda metade do século XIX”.
Roland Barthes considera como spectrum o alvo do processo fotográfico, isto é,
uma espécie de “pequeno simulacro” ou de “eidôlon” emitido pelo objeto que está na
mira do fotógrafo. Para esse autor o conceito de spectrum guarda em relação à
fotografia tanto o sentido do espetáculo quanto do “retorno do morto”, o que para ele
120
seria o “lado terrível” da foto
297
. Logo, no spectrum estaria representado tanto o
elemento objetivo da imagem quanto o conjunto de significados a ela pertinente,
impregnado de toda a construção histórica e ideológica que o engendrou.
Continuando a aplicar o método barthesiano de análise das imagens fotográficas
a nossas fontes, podemos dizer que as imagens veiculadas nas mesmas, na segunda
metade dos oitocentos, corresponderiam ao spectrum desse processo de produção
imagética. No entanto esse paralelo entre a imagem fotográfica e aquela que
encontramos nos selos e moedas, exige cuidados uma vez que, descontadas as
semelhanças, persistem particularidades e especificidades que requerem uma maior
atenção. Além da evidente ligação mais próxima e direta da fotografia com o que
chamaríamos de realidade, as imagens contidas nos selos e moedas guardam, em seu
spectrum, uma carga ideológica e simbólica que, muitas vezes, é maior do que a sua
vinculação com elementos diretamente perceptíveis no real. Acreditamos ainda que na
produção das imagens contidas nessas fontes, exista uma participação mais intensa e
objetiva daqueles que chamamos operatores.
Essas diferenças estariam relacionadas ainda ao fato de no caso dos selos e
moedas, haver um tipo de vinculação entre continente e conteúdo que resulta em um
poder simbólico consideravelmente maior do que nas fotos. Vale ressaltar que, nesse
caso, utilizamos o conceito de poder simbólico formulado por Pierre Bourdieu, que o
concebe como o:
“Poder de construir o dado pela enunciação, de fazer
ver e fazer crer, de confirmar ou transformar a visão do
mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o
mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente
daquilo que é obtido pela força (física ou econômica),
graças ao efeito específico de mobilização, se exerce se
for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário”.
298
297
BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Nota sobre fotografia. Lisboa: Edições 70, 2006. p. 17.
298
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 14.
121
No tocante à potencialização do poder simbólico do conjunto, pensamos que o
melhor resultado seja efeito da associação do capital simbólico
299
das imagens com o de
seus veículos. Isso se torna evidente a partir dos anos 1860 quando, como veremos mais
adiante, a imagem do imperador foi incorporada tanto aos selos postais quanto às
moedas que circulavam no Império.
Os selos estariam diretamente ligados ao campo da linguagem escrita, da
transmissão de informações e idéias, da comunicação epistolar e conseqüentemente do
saber. No caso das moedas a carga simbólica é considerável, isso devido a sua estreita
vinculação a um símbolo da energia física e da capacidade de transformação e obtenção
no campo material – o dinheiro.
Além disso, as relações das moedas com a formação dos Estados Nacionais no
século XIX, bem como com os processos de construção de identidades, característicos
desse movimento, são muito grandes. Angela de Castro Gomes e Mônica Kornis
afirmam que “(...) A moeda talvez seja um dos mais indicativos documentos do poder
do Estado moderno e de seu projeto de domínio da população, com a criação de um
sentimento de nação”.
300
Nesse contexto as moedas teriam uma importância funcional,
como um instrumento econômico desse Estado, e simbólica, contribuindo para efetivar
seu “domínio sobre a população” e na “criação de um sentimento de nação”.
301
Tanto no caso dos selos, atrelados ao saber, quanto nas moedas, relacionadas ao
possuir e ao seu caráter de instrumento funcional e simbólico do Estado, chegamos ao
poder. A partir do momento em que tais veículos começaram a ser portadores da efígie
de D. Pedro II, além do capital simbólico a eles inerente, foi incorporado o da imagem
do soberano, resultando daí um poder simbólico consideravelmente maior, como
afirmamos.
Porém, esse spectrum, com toda a carga ideológica e simbólica a ele atrelada,
não se constituiu de forma isolada. Ele estava relacionado às oscilações ocorridas no
decorrer da formação do Estado e da nação, durante o Segundo Reinado, chegando
mesmo a atuar de forma efetiva dentro desse processo. O cenário político e ideológico
299
Por Capital Simbólico, Bourdieu entende a propriedade que determinados objetos ou pessoas possuem
de inspirar crédito, confiança e transmitir significados, baseados na crença que os agentes sociais neles
depositam, bem como em seu reconhecimento por esses últimos. A formação desse capital é resultado de
um processo de transferência de poderes dos mesmos agentes sociais a tais pessoas e objetos por eles
distinguidos e reconhecidos. Cf: BOURDIEU, Pierre. Op. cit. p. 187-188.
300
GOMES, Ângela de Castro; KORNIS, Mônica Almeida. Op. Cit. p. 114.
301
Id. Ibid. p. 114.
122
do governo de D. Pedro II, na segunda metade do século XIX, foi marcado por algumas
questões que se materializaram nas imagens oficiais que o Estado produzia dele mesmo.
3.1) Selos postais e moedas no Brasil da segunda metade dos oitocentos.
Após a emissão dos inclinados, na década de 1840, uma nova série foi emitida
em 01 de janeiro de 1850. Atualmente esses selos o conhecidos por Verticais ou
Olhos de Cabra. Sua criação ocorreu em 1849 e está relacionada ao mau estado de
conservação das chapas de impressão dos Inclinados, bem como a uma prática então
adotada pela Casa da Moeda que consistia na mudança freqüente do padrão dos selos
postais, a fim de evitar as falsificações. Essa série foi composta de cifras na cor branca
com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado preto. Esses valores
correspondiam a 10, 20, 30, 60, 90, 180, 300 e 600 réis
302
.
Entre 1854 e 1861 novos selos foram criados, dando origem aos que
conhecemos por Coloridos. Correspondem a quatro valores, sendo que dois foram
reaproveitados das matrizes dos Verticais, porém impressos em cores diferentes. Os
selos de 280 e 430 réis, os valores novos, foram concebidos a partir da assinatura da
Convenção Postal Brasil França, que originou a necessidade dessas franquias.
Correspondiam a cifras na cor branca com os valores dos portes, sobre moldura, em
rendilhado com cores variadas. Os valores e cores foram, respectivamente, os de: 10
réis (azul claro), 30 réis (azul claro), 280 réis (vermelho) e 430 réis (amarelo).
302
Id. Ibid. p. 66.
123
Figura 1: Verticais e Coloridos
Fonte: acervo do autor
A partir de 01 de julho de 1866 surgiu um novo padrão de imagem, incorporado
aos selos postais brasileiros. Além da indicação do país emissor Brazil e do valor, a
efígie do imperador se transformou no elemento que dominava praticamente todo a área
impressa.
A primeira dessas novas emissões surgiu em 01 de julho de 1866. Corresponde à
série conhecida pelos filatelistas como D. Pedro barba preta denteados, designação que
se entende através das características dos selos. Traziam a efígie de D. Pedro II, gravada
124
a partir de um de seus retratos, aos 41 anos de idade
303
, sendo que dois selos da série
retratavam o perfil imperial voltado para a esquerda
304
. Uma outra inovação foi
incorporada nessa emissão, consistiu no método de separação dos selos.
Figura 2: Séries D. Pedro II
Fonte: acervo do autor
Até então os selos eram impressos em uma única folha sem separação, cabendo
aos funcionários das agências postais, com o uso de tesouras ou outros objetos de corte,
separá-los a fim de atender aos pedidos. Os selos impressos dessa forma são chamados
percê. Essa nova emissão trás os selos impressos em uma folha, porém com uma
separação delineada a partir de uma série de pequenos furos feitos por máquina nos
limites dos mesmos, o que facilitaria o trabalho nas agências, pois dessa forma bastaria
303
A autoria dos retratos que serviram de base aos gravadores da companhia norte-americana é atribuída a
Sthal e Wahnschaffe, que teriam produzido as imagens do imperador no Rio de Janeiro em 1865. In:
MEYER, Peter. Catálogo Enciclopédico de Selos & História Postal do Brasil. Das origens a 1890. São
Paulo: Editora RHM, 1999. p. 149.
304
HENNAN, Clarence W. As Emissões D. Pedro, 1866-1879. Brasil Filatélico. Rio de Janeiro. Ano
XLIV, n. 174, p. 3-27, out/dez 1975.
125
destacá-los. Tal método foi usado em larga escala no século XIX e chega aos dias
atuais, é conhecido por denteamento ou picotagem
305
.
Esses selos foram impressos na American Bank Note Co., de Nova York, em
papel branco de espessura variável ficando em uso por mais de dez anos
306
. A primeira
encomenda feita a companhia norte-americana deu entrada na mesma em fevereiro de
1866, a primeira remessa feita ao Brasil ocorreu em 27 de abril e o pedido foi concluído
em 20 de julho do mesmo ano
307
. Os valores e cores dos selos correspondem a
determinado padrão: 10 réis, vermelho; 20 réis, castanho lilás; 50 réis, azul; 80 réis,
violeta; 100 réis, verde; 200 réis, preto e 500 réis, laranja
308
. Os montantes impressos
podem ser avaliados pela tabela que se segue, vale ressaltar que as cifras evidenciam um
índice de circulação e um movimento de correspondências considerável para a realidade
sul-americana do século XIX
309
.
a) Tabela das Emissões D. Pedro II
Valor Primeiras ordens Total de emissões
10 réis 1 milhão 25 milhões
20 réis 500 mil 15 milhões
50 réis 1 milhão 10,4 milhões
80 réis 300 mil 5,7 milhões
100 réis 300 mil 44,6 milhões
310
200 réis 300 mil 8,8 milhões
500 réis 200 mil 2,9 milhões
Fonte: HENNAN, Clarence W. As Emissões D. Pedro, 1866-1879. Brasil Filatélico. Rio de Janeiro. Ano
XLIV, n. 174, p. 3-27, out/dez 1975.
Entre 1876 e 1877 foram produzidos novos selos. Nessa emissão, os valores e
cores foram mantidos, porém não incorporava a picotagem às folhas impressas,
retornando ao modelo percê. Para Hennan
311
essa mudança correspondeu a uma nova
política da American Bank Note, uma vez que outros clientes da empresa, como a
Argentina, Chile e Nicarágua, também conheceram essa alteração.
Em 1877 foi encomendada uma nova série de selos à companhia norte-
americana, tendo começado a circular no Brasil entre janeiro de 1878 e setembro de
1879. Foi batizada no meio filatélico de D. Pedro II barba branca. Era composta de dez
305
A utilização do método da picotagem nos selos postais foi obra do irlandês Henry Archer, que utilizou
uma máquina que fazia o mesmo em outros tipos de papéis. In: WILLIAMS, Leon Norman;
WILLIAMS, Maurice. Op. Cit. p. 23.
306
HENNAN, Clarence W. Op. Cit. p. 3 – 5 .
307
Id. Ibid. p. 12.
308
MEYER, Rolf Harald. Op. Cit. p. 11.
309
Os dados da tabela forma retirados de: HENNAN, Clarence W. Op. cit. p. 12.
310
O que pode explicar as quantidades muito maiores desse valor em relação aos demais, é o fato de que
100 réis era o preço da franquia usual para uma correspondência que circulasse dentro do Império.
311
HENNAN, Clarence W. Op. cit. p. 11.
126
valores, sendo que nove deles correspondiam à efígie do imperador gravada a partir de
um retrato feito por ocasião da Exposição do Centenário dos Estados Unidos, realizada
na cidade da Filadélfia em 1876. O selo de 20 réis era o mesmo das séries anteriores. Na
maior parte dessas emissões D. Pedro II aparecia com feições envelhecidas e com as
barbas e cabelos brancos, o que originou o apelido das mesmas. Quatro novos valores
foram incorporados a essa série: 260, 300, 700 e 1000 réis.
Tal fato pode ser explicado pela adesão do Brasil à Convenção Postal de 1874,
realizada em Berna. O 260 réis franqueava a carta padrão de meia onça, instituída pelo
acordo, para portear as cartas destinadas ao estrangeiro. Enquanto que os de 300, 700 e
1000 réis deveriam ser utilizados para correspondências mais caras circuladas dentro do
Império e para aquelas enviadas para países não signatários da Convenção
312
. Os valores
e cores dessa série foram: 10 réis, vermelho; 20 réis, violeta; 50 réis, azul; 80 réis,
carmim; 100 réis, verde; 200 réis, preto; 260 réis, castanho; 300 réis, ocre; 700 réis,
castanho e 1000 réis, cinza
313
.
Figura 3: D. Pedro II "Barba Branca"
Fonte: acervo do autor
A 21 de agosto de 1878 foi produzido pela Continental Bank Note Co. de Nova
Iorque o primeiro selo brasileiro de duas cores. O chamado Auriverde tinha o valor de
300 réis, e trazia a efígie de D. Pedro II impressa em tons de verde, retratando o
imperador com feições jovens, semelhantes à das séries de 1866 e 1876. A moldura da
imagem de D. Pedro foi impressa em tons de amarelo com matizes que variavam do
amarelo-laranja ao laranja carregado. Segundo Clarence Hennan, as cores do selo foram
312
HENNAN, Clarence W. Op. Cit. p. 17 – 20.
313
MEYER, Rolf Harald. Op. Cit. p. 11.
127
determinadas pelo cliente, portanto pelo Império do Brasil
314
. A analogia das cores do
selo com as da bandeira do Império é obvia e imediata.
Os selos emitidos pelas empresas norte-americanas eram de excelente qualidade,
tanto no que se referia ao papel quanto às tintas. Tal situação permitiu que o
reaproveitamento fosse prática no Brasil. A fim de acabar com esse problema, a partir
de 1880, a Casa da Moeda voltou a se responsabilizar pela emissão de nossos selos.
Para tanto foram utilizados papéis mais finos e tintas inferiores, o que dificultava a sua
reutilização, uma vez que eles esgarçavam e desbotavam
315
. De 15 de julho de 1881 a
1888 foram emitidas cinco séries de selos, das quais quatro tinham na efígie do
imperador o essencial de imagem que reproduziam. Somente a última delas, emitida
entre 1884 e 1888, incorporou novos elementos ao padrão de imagem.
As quatro primeiras séries ficaram conhecidas, nos meios filatélicos, como,
respectivamente, Dom Pedro II Cabeça Pequena, Dom Pedro II Cabeça Grande, Dom
Pedro II Fundo Linhado e Cruzado e Dom Pedro II Cabecinha. Em todas elas
observamos a imagem do imperador gravada a partir do selo de 20 réis da série de 1866.
Pequenas diferenças e detalhes podem ser notados, porém a base da imagem é a mesma.
Os valores e cores dos selos, estão expressos nas tabelas a seguir
316
.
b) Tabela das Emissões Dom Pedro II “Cabeça Pequena”
Valor Cor
50 réis Azul
100 réis verde oliva
200 réis castanho alaranjado
Fonte: MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003.
c) Tabela das Emissões Dom Pedro II “Cabeça Grande”
Valor Cor
10 réis Preto
10 réis Laranja
50 réis Azul
100 réis verde claro
100 réis verde claro com linhas verticais
200 réis castanho claro
200 réis lilás rosa
Fonte: MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003.
314
HENNAN, Clarence W. Op. Cit. p. 26.
315
SANTOS, A. G. Selos do Brasil com a Efígie de D. Pedro II. Brasil Filatélico. Rio de Janeiro. Ano
XLIV, n. 174, p. 68-75, out/dez 1975.
316
Os dados para a construção das tabelas foram retirados de: MEYER, Rolf Harald. Op. Cit. p. 11 e 12.
128
d) Tabela das Emissões Dom Pedro II “Fundo Cruzado e Linhado”
Valor Cor
100 réis lilás fundo cruzado
100 réis lilás fundo linhado
Fonte: MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003.
e) Tabela das Emissões Dom Pedro II “Cabecinha”
Valor Cor
100 réis Cinza
Fonte: MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003.
A última série de selos emitida no Império do Brasil foi utilizada entre 1884 e
1888, e como falamos anteriormente incorporou novos elementos à iconografia presente
nos selos postais. Além do retorno das cifras, expressando o valor do porte, surgem o
cruzeiro do sul, a coroa imperial e o Pão de Açúcar. Da mesma forma que nas questões
anteriores, deixaremos para nossas reflexões posteriores a analise dos fatores envolvidos
nessa mudança. Por agora iremos fornecer os valores, a imagem presente e a cor de cada
uma dessas fontes. Para tanto lançamos mão da tabela a seguir.
f) Tabela das Emissões “Cifras”
Valor Cor Padrão de Imagem
20 réis verde claro Cifra
20 réis oliva esverdeado Cifra
50 réis azul ultramar Cifra
100 réis lilás e branco Cifra
100 réis lilás Cifra
300 réis Azul ultramar cruzeiro do sul
500 réis oliva coroa imperial
700 réis violeta Cifra
1000 réis azul Pão de Açúcar
Fonte: MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003.
Figura 4: Série Cifras
Fonte: acervo do autor
No tocante às moedas, observamos que em 1851 surgiram novas moedas de ouro
com a efígie do Imperador. Foram cunhadas a partir de dois tipos, respectivamente entre
129
1851 e 1852 e 1853 e 1889. Tinham o valor de 20 mil réis e não traziam cunhado o seu
facial. Nelas, conforme podemos verificar na figura abaixo, a efígie do soberano se
apresenta enquanto elemento único da imagem, desprovida de símbolos de majestade e
poder, porém ainda associada ao ouro e ao significado desse tipo de moeda no contexto
sócio-econômico do Império. A nosso ver, essa mudança é um reflexo do conjunto de
transformações vividas pelo Brasil no decorrer de década de 1850, e do qual trataremos
adiante.
Quanto ao numerário cunhado em outros metais, constatamos que a partir dos
anos de 1867 e 1868, ele incorporou a efígie do imperador, seguindo o padrão do
“Monarca Cidadão”. No anverso das moedas essa imagem estava associada à mesma
inscrição do período anterior. Já em seu reverso, continuam a trazer seus valores.
Figura 5: Moeda de ouro padrão Pedro II
Fonte: www.itaucultural.org.br
Figura 6: Moeda de Bronze do Segundo Reinado, na segunda metade do século XIX.
Fonte: acervo do autor
130
Levando-se em consideração que as moedas de ouro tinham pouca circulação,
como vimos, e que as demais eram aquelas usadas cotidianamente pela população, a
combinação das imagens com os períodos em que aparecem, tanto nesse caso das
moedas quanto dos selos postais, permite que cheguemos a diversas conclusões e
estabeleçamos leituras do processo de construção do Estado e da nação. Isso se torna
patente a partir dos anos sessenta do oitocentos, quando ocorre essa mudança no padrão
das imagens de nossas fontes.
3.2) Em cena o Imperador: mudanças no padrão imagético dos selos postais e
moedas do Brasil no Segundo Reinado.
A compreensão das mudanças ocorridas no padrão das imagens veiculadas nos
selos e moedas no governo de Pedro II exige que pensemos esse processo como reflexo
de um movimento maior que, na segunda metade do século XIX, se desenvolvia tanto
no Império do Brasil como em todo contexto capitalista.
Nos centros dinâmicos dessa sociedade capitalista, situados na Europa Ocidental
e em menor proporção na América do Norte, evidenciava-se um considerável
desenvolvimento das forças produtivas. Novas fontes de energia, como a eletricidade e
o petróleo, e novas matérias primas, como o aço, se difundiam e ganhavam espaço no
universo da produção e do cotidiano, em especial da classe burguesa. Tal movimento
ensejava a criação de novas relações a fim de regulamentar a produção e reprodução da
vida material. A chamada Segunda Revolução Industrial representaria a manifestação
mais objetiva desse movimento.
No plano cultural e ideológico sensíveis mudanças se manifestavam,
influenciadas pelo impacto das idéias evolucionistas, pela consolidação dos princípios
liberais e pelos movimentos que refletiam as profundas contradições inerentes ao
modelo capitalista. Foi a fase que testemunhou o avanço do movimento operário que, de
braços com o Socialismo e o Anarquismo, refletia os conflitos que se materializavam
nas relações de classe dessa sociedade. Em novembro de 1847, a liga dos Comunistas
delegava poderes para que, em seu Congresso de Londres, se elaborasse e publicasse, de
forma pormenorizada, o programa teórico e prático do que seria o seu partido
317
. Surgia
assim o Manifesto do Partido Comunista, cujas idéias influenciaram consideravelmente
317
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Global, 1986. p. 9.
131
muitos projetos e propostas defendidas nas décadas subseqüentes. Propunha uma nova
leitura do social que entendia, nas palavras do próprio Marx, que:
A história da Sociedade se confunde até hoje com a
história das lutas de classe. Homem livre e escravo, patrício
e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e
companheiro, em outros termos, opressores e oprimidos em
permanente conflito entre si, não cessam de se guerrearem
em luta aberta ou camuflada(...).
318
No contexto das transformações no plano cultural, observamos que dez anos
após a publicação do Manifesto de Marx e Engels, surgiu na Europa, através do trabalho
de Allan Kardec o Livro dos Espíritos. Com sua primeira edição em 18 de abril de
1857, propunha uma nova visão da existência humana, sistematizando questões
relativas à vida após a morte, à reencarnação e à evolução espiritual
319
. Em oposição ao
materialismo marxista, porém, assim como ele, fortemente influenciado pelos princípios
evolucionistas, o Espiritismo corresponderia a mais um dos elementos que refletiam as
transformações sensíveis tanto nas estruturas dessa sociedade, quanto nas tradições
judaico-cristãs até então cultivadas.
Em um contexto macro-econômico e segunda metade do século XIX
testemunhou o crescimento da exportação de capitais por parte das potências européias,
tendo por principal alvo os países da América, em especial aqueles da porção sul do
continente. Esse aporte de riquezas permitiu que, nos últimos cinqüenta anos desse
século, testemunhássemos movimentos, ainda que pontuais, de incremento da atividade
industrial e da vida urbana
320
.
Ainda que em um ritmo menos acelerado, o Império do Brasil também viveu
uma conjuntura de mudanças nas últimas cinco décadas do século XIX. A partir de
1850 as cidades do litoral passaram a estar “(...) crescentemente inseridas no mundo
dinâmico do capitalismo internacional”
321
, incorporando certas características que
evidenciavam essa nova situação. A Corte, por exemplo, conheceu um grande
crescimento após a proibição do tráfico de escravos.
318
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Op. cit. p. 19.
319
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Brasília: Editora da FEB, 1984. p. 13 a 48.
320
FILHO, Afonso de Alencastro Graça; LIBBY, Douglas Cole. A Economia do Império do Brasileiro.
São Paulo: Atual, 2004. p. 66.
321
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 234.
132
Nesse momento percebemos que em algumas cidades do Império ampliaram-se
as camadas médias da sociedade. Formadas por funcionários públicos, empregados das
firmas de importação, pequenos empresários e comerciantes, não guardavam uma
vinculação direta com a ordem escravista
322
. Buscavam a sua incorporação à boa
sociedade partilhando de sua formação intelectual, convivendo com a mesma no espaço
da corte e estabelecendo laços de apadrinhamento que proporcionariam não
vantagens econômicas como também distinção e status social
323
. Traço característico
desse setor da sociedade é a grande valorização dos cursos e diplomas universitários,
especialmente os de Direito, permitindo a difusão do bacharelismo, elemento marcante
na cultura brasileira.
Questão de grande relevância no conjunto das inovações que vieram à tona na
sociedade imperial brasileira, na segunda metade dos oitocentos, foi a formação de uma
opinião pública. Composta por representantes dessas camadas intermediárias, assim
como de elementos da classe dominante, passou a exercer um peso considerável nas
discussões e decisões políticas do período. Algumas reivindicações e críticas, reflexo
das transformações que gradativamente vão se processando nas estruturas sócio-
econômicas, foram colocadas em primeiro plano nos debates de então através dessa
opinião pública. A modernização, que deveria cada vez mais afirmar os valores
europeus no Brasil; as reformas assim como as críticas em relação à escravidão; a
precariedade dos serviços públicos; as deficiências da educação; o caráter antiquado da
religião e da vida social e o próprio Estado Imperial marcam os principais pontos de
vista que então defendia
324
.
A partir dos anos 1850 e 1860, segundo Silvana Mota Barbosa
325
, percebemos
três espaços principais nos quais se processavam os debates políticos, ao mesmo tempo
em que divulgavam as questões de opinião. O primeiro deles seriam os livros que,
embora “limitados e estreitos” na visão de Machado de Assis
326
, cumpriam com esse
papel. Outro de muito maior relevância era a imprensa, que por essa época tinha seus
principais órgãos nas três maiores folhas da Corte: o Correio Mercantil, o Diário do
Rio de Janeiro e o Jornal do Comércio. Finalmente teríamos os panfletos. Publicados
322
Id. Ibid. p. 234.
323
Id. Ibid. p. 235.
324
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 234-235.
325
BARBOSA, Silvana Mota. Panfletos vendidos como canela: anotações em torno do debate político
nos anos 1860. In: CARVALHO, José Murilo de (org.). Cidadania no Império: novos horizontes. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 155-156.
326
BARBOSA, Silvana Mota. Op. cit. p. 155.
133
na imprensa e transformados em opúsculos ou produzidos e vendidos em tipografias,
permitiam a difusão em larga escala, para os padrões da época, das questões que mais
inflamavam a opinião pública, sendo muitas vezes “vendidos como canela”.
327
O começo dos anos 1850 caracterizou-se, também, por alguns avanços
perceptíveis no campo econômico. Um dos principais referenciais utilizados pelos
historiadores para marcar o início desses avanços, é a lei 581 de 04 de setembro de
1850, ou Lei Eusébio de Queirós. Complementada pelo decreto nº 708 de 14 de outubro
do mesmo ano, determinava a extinção do tráfico de escravos no Brasil. Embora os
efeitos provocados pela supressão desse ramo da atividade comercial sejam alvo de
importantes discussões no meio historiográfico, inquestionavelmente contribuíram de
forma efetiva para as mudanças perceptíveis nesse setor da vida social.
Nesse sentido é interessante observarmos os valores envolvidos no tráfico, a fim
de dimensionarmos o volume de capitais que a atividade movimentava e que a partir da
promulgação dessa lei foram realocados. Segundo Virgílio Noya Pinto, entre 1842 e
1852 entraram no Brasil cerca de 322.328 escravos. Atribuindo um preço médio de 60
libras por escravo, esse autor chegou ao montante de 19.578.900 libras
328
.
Além do fim do tráfico intercontinental de escravos, outro importante marco no
contexto das transformações econômicas do Império, foi a lei 601 de 18 de setembro
de 1850, ou a Lei de Terras. Dispondo sobre a questão fundiária no Brasil, tratava das
terras devolutas do Império e sobre aquelas que se possuía sob a forma de sesmarias. Os
objetivos implícitos no espírito dessa lei estavam ligados, segundo Ilmar de Mattos, a
“(...) um esforço de construção, ao propor uma organização que se desdobrava ainda
na definição de uma política de colonização”.
329
Essa tomada de posição do Estado
Imperial frente à questão fundiária, contribuiu para a definição de importantes questões
relativas aos rumos da produção da vida econômica no Brasil da segunda metade do
século XIX.
A partir de sua promulgação, a lei encaminhava a solução do problema das
disputas entre “senhores de terras e grandes e pequenos posseiros”, assim como
transformava em “mercadoria” as terras pertencentes ao Estado
330
. Pretendia-se
referendar a ordem interna, através de supressão de conflitos antigos ligados à disputa
pela terra. Ao mesmo tempo, promovia-se a criação de obstáculos reais diante de um
327
Id. Ibid. 155-156.
328
PINTO, Virgílio Noya. Balanço das Transformações Econômicas no Século XIX. In: MOTA, Carlos
Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. São Paulo: DIFEL, 1973. p. 126-145.
329
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 162.
330
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 148-149.
134
problema que já se anunciava nos horizontes da classe dominante imperial: o acesso dos
libertos e imigrantes à propriedade fundiária. Com a lei, no dizer de João Luís Fragoso e
Francisco Carlos Teixeira, promovia-se a “(...) subordinação do trabalhador livre
enquanto produtor de sobretrabalho para outro”.
331
Os reflexos da modernização social e econômica manifestavam-se também no
contexto da vida material. Uma série de medidas legais e administrativas promoveram o
incremento dos negócios e o aumento do fluxo de recursos para o Estado. Essas
medidas, estabelecidas pelas leis 542 e 556 e pelos decretos 575 e 625, publicados entre
10 de janeiro de 1849 e 25 de junho de 1850, regulamentavam as sociedades anônimas,
promulgavam o Código Comercial do Império do Brasil, tratavam da questão do meio
circulante e modificavam as regras para a emissão de papéis e títulos pelo Estado
332
.
Os meios de transporte e de comunicação cresceram em ritmo acelerado,
permitindo o incremento da economia no interior do Império e a ampliação do mercado
interno
333
. Os contatos dentro do Brasil tornaram-se mais efetivos, através do
desenvolvimento de ferrovias, linhas de navegação marítimas e fluviais e de estradas
pavimentadas, como a União Indústria. Construída entre 1856 e 1861, com seus 144
Km. ligava o Rio de Janeiro a Juiz de Fora
334
. Mauá começava a explorar a navegação a
vapor entre a Corte e porto da Estrela, assim como no rio Amazonas. Começava ainda a
construir ferrovias ligando o Rio de Janeiro a Raiz da Serra e Petrópolis ao rio Paraíba,
passando pelos portos de Três Barras e pelo Novo do Cunha
335
. Os serviços
telegráficos, criados em 1852, alcançariam os 6286 Km de linhas em 1875, unindo
diversos pontos do Império em tempo, praticamente, real
336
.
Favorecida pelas melhorias infraestruturais do período, pelos grandes capitais
provenientes, principalmente, do comércio e pelos efeitos positivos de uma incerta
política tarifária, que teve no chamado Período Alves Branco seu exemplo mais
promissor
337
, as atividades industriais no Império conheceram considerável progresso.
Foi nesse contexto que ganhou projeção a figura de Irineu Evangelista de Sousa, o barão
331
FRAGOSO, João Luís. A Política no Império e no Início da República Velha: dos barões aos
coronéis. In: LINHARES, Maria Yedda( org. ). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
p. 184.
332
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 164-165.
333
PINTO, Virgílio Noya. Op. cit. 140.
334
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP; FDE, 1995. p. 198.
335
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 165.
336
PINTO, Virgílio Noya. Op. cit. 141.
337
Vale ressaltar que os efeitos positivos das reformas tributárias promovidas por Alves Branco, forma
neutralizados pelas revisões dessa política em 1857 e 1860.
135
e visconde de Mauá, que através de suas iniciativas e ligações com o capital estrangeiro
foi figura destacada nas atividades industriais do Segundo Reinado.
No bojo dos efeitos positivos dessas transformações e melhorias, perceptíveis na
vida econômica, e da efetivação do projeto político dos dirigentes saquaremas, os anos
1850 conheceram também a consolidação do poder imperial e a centralização política e
administrativa. Importante conseqüência desse fato foi a grande projeção da Coroa e,
em especial, da figura do imperador
338
.
O soberano passou a deter o que Ilmar de Mattos chama de “monopólio da
responsabilidade” sobre o poder público, situando-se acima das paixões partidárias e
atuando como uma garantia de neutralidade nas disputas e debates políticos.
Paradoxalmente esse fortalecimento da coroa, acabou por “eclipsar”, posteriormente,
aos Conservadores e projetar o poder da classe, ou melhor, de um setor dentro dessa
classe – os dirigentes políticos
339
.
Esse fortalecimento da Coroa e da figura imperial desenvolveu-se,
principalmente, no qüinqüênio compreendido entre 1848 e 1853, compreendido entre a
ascensão dos Conservadores e o início da Conciliação. No plano externo a vitória
brasileira em 1852 contra Rosas, em Monte Caseros, contribuiu significativamente
nesse processo
340
. A neutralização dos projetos políticos desse último em relação ao
Prata, consolidou a posição do Império do Brasil e acabou contribuindo para a
afirmação do próprio poder imperial.
Outra questão também de grande relevância no contexto da garantia do poder do
Estado Imperial e de D. Pedro II, foi a contenção da Revolução Praieira de 1848. Tal
fato pode ser visto a partir de variadas dimensões. Em um primeiro sentido, representou
o fim de todo um ciclo de revoltas que, desde 1817, faziam do Nordeste um constante
foco de oposição a um modelo político-administrativo que tinha no Centro-Sul o seu
foco. Marcou também a supressão dos movimentos que, desde as Regências, opunham o
centro à periferia do poder, ameaçando a unidade e a ordem dentro do Estado Nacional.
Finalmente podemos afirmar que, conforme Lúcia Bastos e Humberto Machado, essa
vitória correspondeu ao “(...) triunfo de um certo Estado-nação brasileiro”.
341
A
repressão do movimento de 1848 proporcionou a garantia da hegemonia de uma “nação
brasileira” extensiva a todo o corpo do Império, em detrimento das antigas identidades
338
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 168.
339
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 166.
340
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 242.
341
Id. Ibid. p. 239.
136
políticas coletivas, construídas sobre o princípio das “pátrias locais”. Garantia-se assim
a autoridade do Rio de Janeiro, sustentada pelo café e pelo poder da Coroa.
342
O corolário dessa política pode ser situado, a nosso ver, na Conciliação. Foi
instituída pelo décimo segundo Gabinete do Império, de 06 de setembro de 1853, e
articulada por Honório Hermeto Carneiro Leão, o marquês de Paraná. Buscava através
da alternância das principais forças políticas no governo, reafirmar o princípio da
autoridade imperial e a efetivação do poder público sobre o privado, plasmando no
campo político os postulados ideológicos que nortearam a construção desse Estado
Imperial: ordem, continuidade e integridade
343
.
Objetivando garantir os ideais de conservação e progresso, a política do Império
durante o Período da Conciliação, girou em torno de algumas questões mais relevantes:
a vida financeira, ameaçada pela manutenção de uma política emissionista; a Reforma
Judiciária, proposta por Nabuco de Araújo em 1854 e a Reforma Eleitoral, concretizada
na Lei dos Círculos de 1855.
Dessas questões consideramos que a última representa, em certo sentido, a
maturidade política do governo de D. Pedro II, uma vez que evidencia a preocupação
em ampliar a representação da sociedade política nas instâncias do poder. Nesse sentido
podemos lançar mão do trecho a seguir:
A proposta conhecida como lei dos Círculos,
consistia na criação de distritos eleitorais, nas províncias,
para a eleição de cada deputado, com o objetivo de apurar a
escolha, sob a justificativa de que, ao delimitar uma unidade
menor, o círculo permitiria ao eleitor conhecer os
candidatos de maneira mais efetiva. Segundo o marquês de
Paraná, caminhava-se, assim, para a representação do país
real, uma vez que, fosse quem fosse o deputado, a eleição
expressaria o desejo das maiorias locais, em vez de resultar
da escolha de ministros e presidentes de província.
344
342
Id. Ibid. p. 241.
343
Nesse aspecto, podemos entender também a Conciliação como resultado da dualidade ética que
caracterizou o pensamento brasileiro no século XIX. Corresponderia a uma expressão da consciência
conservadora no plano das práticas políticas.
344
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 245.
137
Apesar da aparente idéia de estagnação ou sonolência
345
, a Conciliação não
anulou os debates e muito menos os choques pessoais
346
. Os efeitos dessa etapa
conciliadora sobre o campo da política imperial, teriam determinado por um lado a
ascensão de uma nova geração de políticos ao poder, marcando o ocaso da hegemonia
da “Trindade Saquarema”
347
. Ao mesmo tempo o arrefecimento das disputas, abriu
espaço para o crescimento de práticas como o clientelismo, o fisiologismo e o patronato,
que apesar de não serem estranhas à política imperial, encontraram nesse período um
campo fértil. Tal fato, em médio prazo, pesou no sentido de desmoralizar as instituições
monárquicas
348
. Portanto no interior da estabilidade, já estavam em gestação os germens
da crise.
No plano da produção das imagens, em especial das imagens oficiais do Estado,
entendemos que os anos 1850 correspondem a um momento em que é perceptível um
gradativo processo de mudança. Esse processo reflete a consolidação e o
amadurecimento do poder do Estado e do imperador. Agora, mais que em fases
anteriores, a figura do monarca é o principal símbolo desse Estado e dos discursos
ideológicos que o produzira e sustentara.
Nesse período, lia Schwarcz destaca que se manteve a preocupação em
promover a difusão da imagem do imperador, que “(...) deveria ser veiculada à
exaustão”.
349
Principalmente a partir da Conciliação, a imagem de D. Pedro II passou a
representar, no plano simbólico, um Estado cujo poder se consolidou e que daí em
diante deveria reinar soberano acima das paixões e gerindo o progresso e a civilização,
que se evidenciavam nas transformações pelas quais o Brasil passava.
Gradativamente os resquícios do Antigo Regime vão sendo deixados de lado e
os símbolos da modernidade começam a se incorporar à figura no imperador. Uma
evidência nesse sentido estaria na própria forma como o monarca é representado na
moeda de ouro de 1851
350
. Percebemos nesse particular o início de um processo que, no
plano imagético, representaria a transição do que Schwarcz considera como a imagem
do “Grande Monarca” para a de um “Monarca Cidadão”. Mesmo sem prescindir do
345
HOLANDA, Sérgio Buarque de( org. ). O Brasil Monárquico: do Império à República. São Paulo:
DIFEL, 1985. p. 61-62.
346
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 243.
347
Id. Ibid. p. 247.
348
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 89.
349
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador. D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 90-91.
350
Cf: figura 5.
138
poder simbólico inerente ao metal no qual a moeda foi cunhada, o ouro, os tradicionais
símbolos do poder já não estão mais presentes.
Ao mesmo tempo em que se despia dos símbolos tradicionais de legitimação de
seu poder, D. Pedro II cada vez mais abraçava as atividades intelectuais e culturais,
absorvendo a aura de erudição, progresso e modernidade que as mesmas continham.
Nesse aspecto são emblemáticas as relações do soberano com o IHGB. Desde a
inauguração de suas novas instalações em 15 de dezembro de 1849, que o soberano
passou a ser uma “presença assídua e participante” em suas sessões
351
. Segundo
Manoel Salgado:
Sua intervenção se faz sentir na sugestão de temas
para discussão e reflexão dos membros, no estabelecimento
de prêmios para trabalhos de natureza científica e no apoio
financeiro que assegura o processo de expansão da
instituição. (...) Paralelamente, o instituto passa a dar
prioridade à produção de trabalhos inéditos nos campos da
história, da geografia e da etnologia, relegando a segundo
plano a tarefa até então prioritária de coleta e
armazenamento de documentos.
352
Podemos perceber com clareza como se tornavam mais sólidos os vínculos entre
o soberano e um saber que, além de exaltá-lo ainda referendava uma determinada
nacionalidade, alcançado sua culminância na década subseqüente.
Ainda nesse sentido podemos colher outros exemplos na obra de Lilia Schwarcz,
quando se refere ao mecenato imperial. A encomenda de uma obra lírica para o Rio de
Janeiro a Wagner em 1857, quando o artista passava por momentos de dificuldades, e a
fundação da Academia de Música e da Ópera Nacional no mesmo ano são fatos bastante
esclarecedores. Ainda, segundo a autora, as ligações de D. Pedro com a ciência e o
conhecimento tornavam-se cada vez mais sólidos:
O monarca se interessava por medicina, financiava o
estudo de médicos brasileiros e apoiava o hospício da corte
351
GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Op. cit. p. 11.
352
GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Op. cit. p. 11.
139
que, em 1850, recebia o seu nome. A primeira Comissão
Científica do Império (1859) – apelidada por seus opositores
de Comissão das Borboletas fez diversas coletas em
províncias do Norte e também foi patrocinada por D.
Pedro.
353
Dessa forma não é surpreendente que em 1861, ao escrever o seu diário, o
imperador assim distribuísse seu tempo e compromissos:
Pretendo distribuir assim o tempo. Acordar às seis a
até às sete grego ou hebraico. Dez horas almoço. Das doze
às catorze exame de negócios e estudo. Jantar às cinco e
meia e lições de inglês e alemão dadas às minhas filhas(...)
Às terças-feiras Lusíadas das sete e meia às oito da noite.
Quarta latim com minhas filhas. Quinta Lusíadas(...)
Domingos e dias santos leituras de Lucena(...) das raízes
gregas à noite. O tempo que não tem emprego será ocupado
com leituras, conversas ou recebimento de visitas (...).
354
Modernização da vida econômica e social, consolidação do poder imperial e do
Estado e a crescente vinculação do monarca com o saber e o conhecimento foram
fatores que se amalgamaram a fim de produzir uma imagem oficial do Estado brasileiro,
nos anos 1850.
Esse processo pode ser entendido através do que Pierre Bourdieu chama de
Eufemização
355
. Para o autor a Eufemização corresponderia ao processo que permite a
transformação de diversos tipos de capital em capital simbólico. Corresponderia a uma
simultânea “dissimulação” e “transfiguração”, que transubstancia as relações de força
e faz com que se “ignore –reconheça” a violência que encerram, fazendo delas um
poder simbólico que produz efeitos reais sem gasto de energia
356
.
Partindo dessa análise, podemos entender que o capital político acumulado pelo
Estado e pela coroa, além dos capitais provenientes das transformações materiais e do
353
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit. p . 152-153.
354
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit. p. 153.
355
BOURDIEU, Pierre. Op. cit. p . 13-15.
356
Id. Ibid. p. 14 -15.
140
saber ao qual D. Pedro cada vez mais se vinculava, produziram uma resultante de
relações de força que, no decorrer dos anos 1850, foi sendo gradativamente
transubstanciada em poder e capital simbólico, vinculados à figura do imperador. Dessa
forma, no início dos anos 1860 encontramos uma nova imagem constituída,
impregnada de um capital pessoal de notoriedade
357
, capaz de representar no plano
simbólico o próprio estado.
A mudança que, nos anos 50 do século XIX, se efetivava em torno da imagem
do soberano, pode ser percebida por sua inserção em elementos como a moeda de 20
mil réis, da qual falamos. Além dela, gradativamente outros veículos começaram a
divulgar, no decorrer dessa década, uma imagem imperial menos impregnada de
símbolos que remetiam a mecanismos anacrônicos de legitimação de seu poder, e cada
vez mais essa imagem se aproximava de um padrão que expressaria uma autoridade
inserida no contexto dos discursos ideológicos da época.
Construía-se, no plano simbólico, a imagem de um Estado constitucional que
funcionava dentro de padrões de representatividade ditados pelo pensamento liberal de
então. Mesmo que tal concepção não correspondesse, necessariamente, à prática, era
essa a carga simbólica que se constituía em torno da figura de D. Pedro II que agora,
cada vez mais, corresponderia à imagem do próprio Estado imperial brasileiro.
A figura 7 corresponde à tela de François Moreaux na qual o artista retrata o
soberano já casado e com filhos. Por ela percebemos nitidamente uma mudança na
imagem imperial e no conteúdo simbólico a ela incorporado. Os signos tradicionais do
poder real se encontram ausentes, passando para um primeiro plano, nessa
construção, a figura do próprio soberano. Com sua “maturidade”, proveniente não só da
idade, mas também do matrimônio e dos filhos
358
, e o capital simbólico que havia
adquirido D. Pedro, ao final dos anos 1850, se distanciava dos elementos simbólicos
ligados a antigas formas de identidade e legitimação política e se mostrava como um
“Monarca Cidadão”, da segunda metade do século XIX.
357
Id. Ibid. p. 190-191.
358
D. Pedro II nasceu a 02 de dezembro de 1825 e se casou com Teresa Cristina Maria de Bourbon em 30
de maio de 1843, por procuração. Logo no momento retratado na tela, o Imperador tinha 32 anos de idade
e 14 de casado.
141
Figura 7. Tela da Família Imperial - François René Moreaux / 1857.
Fonte: www.vejaabril.com.br
Os anos 1860 chegaram trazendo importantes mudanças e suscitando intensos
debates no campo da vida política e social. Foi dentro desse panorama que se produziu a
imagem do imperador que ficou para a posteridade e a qual estamos, de forma mais ou
menos próxima, até hoje vinculados.
Entendemos que foi a partir dessa década que, mais intensamente, a figura de D.
Pedro II passou a desempenhar o papel de uma imagem documento e monumento
359
,
revelando a seus contemporâneos e às futuras gerações, no plano simbólico, a idéia de
Estado e de nação que se pretendia incorporar ao Império do Brasil. Nesse momento
consideramos que se define, conforme Barthes, o spectrum da imagem do Imperador,
que a partir de então não funcionava como um símbolo do Estado Imperial, como
procurava contribuir para a sua própria sustentação.
A morte do marquês de Paraná, em 1856, abalou as bases da política da
Conciliação. Daí por diante o equilíbrio e a estabilidade construídos começaram a se
esfacelar. Nesse sentido tiveram considerável influência os resultados das eleições para
a Assembléia Geral no período 1857-1860. Nelas percebemos o retorno de alguns
liberais e o desaparecimento de algumas figuras de peso e tradição na política imperial.
Embora tenha se mantido uma maioria conservadora, os efeitos da Lei dos Círculos se
fizeram sentir, possibilitando a emergência de um poder local
360
.
Em conversa com Caxias, por volta do final da década de 1850, o próprio
soberano declarava que não acreditava mais na possibilidade e, principalmente, na
359
Aqui utilizamos a idéia de imagem documento-monumento conforme a proposição de Jacques Le
Goff.
360
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 248.
142
validade da manutenção do projeto da Conciliação, uma vez que a ausência de partidos
ativos e organizados permitia que a culpa pelos descaminhos da política e da
administração incidisse sobre o monarca
361
.
Da morte de Paraná, presidente do sétimo gabinete, ao início dos anos 1860,
sucederam-se quatro gabinetes conservadores. O oitavo foi presidido por Caxias
(03/09/1856 a 04/05/ 1857), sendo sucedido por Araújo Lima (marquês de Olinda),
Limpo de Abreu (visconde de Abaeté) e Ângelo Muniz da Silva Ferraz (barão de
Uruguaiana).
em 1858 constatava-se uma grande distância separando conservadores de
liberais. Problemas econômicos ligados ao alto preço dos alimentos e ao
desabastecimento, a especulação, a política emissionista do governo e as discussões em
torno de um reforma na Lei dos Círculos
362
, acirravam os debates e despertavam os
clamores por reformas. Dentro desse quadro realizaram-se as eleições de 1860, nas
quais observamos a vitória dos liberais nos maiores centros, em especial o Rio de
Janeiro, Ouro Preto e São Paulo. As tensões e a distância entre luzias e saquaremas
aumenta ainda mais, evidenciando uma clara divisão de forças na Câmara
363
. Nesse
cenário Caxias assume a presidência do conselho, inaugurando o décimo segundo
gabinete do Império (02/03/1861 a 24/05/1862).
As críticas ao governo, a oposição à política imperial e as pressões por reformas
eram muito fortes nos primeiros anos da década de 1860. Foi nesse cenário que teve
início o movimento de reação liderado pelo senador Nabuco de Araújo. Para o senador e
seu grupo, fazia-se mister que se promovessem reformas que modernizassem o país e
incrementassem o progresso. A situação política, marcada por abusos e nepotismo, era
insustentável e o Legislativo fragmentado não podia exercer suas funções. Em suas
palavras:
O Parlamento está dividido em três partidos: o
Partido Conservador puro, que domina todas as posições
oficiais, e não pode por consequência deixar de ter
proselitismo e adesões, e os dois partidos, Moderado e
361
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 61-62.
362
Essa reforma se efetivou em 1860, quando se estabeleceu que cada distrito elegeria três deputados,
exceto nas províncias menores que continuariam e eleger somente um.
363
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 248-250.
143
Liberal, que repelem esse uti possidetis do Partido
Conservador.
364
Para Nabuco, era fundamental que se efetivasse a “(...) definição de um perfil
próprio, baseado nos princípios comuns, sob a forma de um novo partido”
365
. Surgia a
chamada Liga ou Partido Progressista, ao mesmo tempo em que caía o gabinete de
Caxias e ascendia à presidência Zacarias de Góis Vasconcelos. Dessa forma, de 1862 a
1868, o Império do Brasil viveu a chamada Fase do Progresso, marcada pela sucessão
de seis gabinetes.
Os seis anos pelos quais se estendeu a política progressista podem ser encarados
como uma fase em que se buscava a recuperação do equilíbrio e da estabilidade
perdidos com o fim da Conciliação. Porém nesse momento percebemos uma diferença
fundamental, o grande maestro das articulações políticas e da construção do equilíbrio
de forças foi o próprio imperador. Para tanto o soberano usou, de fato, do poder do qual
estava revestido, o que acabou por suscitar uma das principais discussões políticas de
então: as críticas ao imperialismo. Convêm, antes de discutirmos essa questão,
estabelecer, em linhas gerais, o sentido da fase progressista.
De 24 de maio de 1862 a 16 de julho de 1868, a liderança dos seis gabinetes
formados coube a Zacarias de Góis e ao veterano e astuto Pedro de Araújo Lima, o
marquês de Olinda. Somente constatamos uma breve interrupção nesse revezamento
entre 31 de agosto de 1864 e 12 de maio de 1865, quando o gabinete foi presidido pelo
liberal Francisco José Furtado. Prevaleceu a defesa da chamada “bandeira do
progresso” que, isolando os conservadores ortodoxos, defendia a implementação de
reformas necessárias à modernização do Império. No entanto os desafios enfrentados
pelos progressistas eram de grande monta. Além da natural oposição política, ainda
tiveram de dar conta de problemas internos e, principalmente, externos.
Internamente tiveram de administrar as questões relacionadas às dificuldades
financeiras, que acabaram por determinar uma das maiores crises econômicas do
Segundo Reinado, desencadeada pela falência da firma J. Alves & Cia. em abril de
1864
366
. Constatamos ainda que entre 1860 e 1889 a corrupção crescia a passos largos,
sob os “olhos atentos” do monarca. Nesse particular D. Pedro II preferia não intervir a
fim de aliviar as críticas em relação ao seu “despotismo”, reservando a sua ação direta
364
Id. Ibid. p. 250.
365
Id. Ibid. p. 250.
366
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 251.
144
somente para as questões que pudessem se tornar em escândalos nacionais
367
.
Finalmente, foi ainda nessa fase, em 1866, que o soberano levou ao Conselho de
Ministros a questão da emancipação dos escravos, sob o impacto dos efeitos da Guerra
de Secessão dos Estados Unidos. Embora tenha promovido grande comoção no
ambiente político do país, a política externa adiou essa discussão.
No plano externo a fase progressista teve de administrar o maior conflito da
história brasileira: a Guerra do Paraguai. Embora a guerra, até a batalha de Curupaiti,
tenha amenizado as tensões políticas, seus efeitos sobre a economia do Império foram
desastrosos. Alguns dados podem nos dar uma idéia dessa situação.
O apoio aos aliados fez a dívida do Uruguai com Brasil subir à casa dos 6000
contos, enquanto a da Argentina atingiu os 2000. Entre 1866 e 1867 as despesas
militares representaram 58% do orçamento do Império, tendo chegado aos 60% no
período seguinte.Entre 1865 e 1869 os gastos externos do país aumentaram em 196%
em relação ao período de 1861 a 1864, sendo que nessa mesma fase o valor da saca de
café de cinco arrobas caiu de 43 para 37 mil is. Finalmente o imenso volume de
moeda emitida e a conseqüente queda do câmbio, completavam esse quadro
368
.
Além dos reveses econômicos a Guerra do Paraguai trouxe outras conseqüências
para o Império do Brasil. O início do conflito despertou reações contraditórias no país,
conforme podemos perceber na análise de Francisco Doratioto:
O ataque paraguaio a Mato Grosso causou
indignação no Brasil, visto como ato traiçoeiro e
injustificável, pois eram normais as relações entre os dois
países, bem como pelo fato de o Marquês de Olinda ter sido
aprisionado sem declaração de guerra. Por todo o país
houve, de início, entusiasmo popular e voluntários se
apresentaram para o campo de batalha. O mesmo ardor não
foi demonstrado pela Guarda Nacional, milícia controlada
pelas elites regionais.
369
367
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 90.
368
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 91-93.
369
DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra. Nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Cia. das
Letras, 2002. p. 111.
145
Como podemos observar, a reação da Guarda Nacional evidencia que, ao nível
das províncias, não existia uma completa adesão aos projetos bélicos do Império. Esse
afastamento em relação à guerra foi se agravando devido à longa duração da mesma.
Por volta de 1866 e 1867 podemos constatar a existência de manifestações claras de
oposição a alguns projetos militares do governo. Nesse sentido vale ressaltar as críticas
publicadas no Correio Mercantil, em 1866, às exigências feitas à Guarda Nacional para
que ela suprisse a necessidade de tropas na frente de batalha. Através de uma série de
artigos declarava-se que os membros dessa milícia que conseguissem escapar do “(...)
açougue do Paraguai”, deveriam, mutilados, “mendigar da caridade pública o pão
cotidiano” bem como a generosa” pensão de 400 réis
370
. No ano seguinte as mulheres
de Atibaia, São Paulo, compuseram a Marcha dos Voluntários da Pátria, que trazia os
seguintes versos:
Aos vinte e cinco de agosto
às cinco prás seis da tarde
Embarcam os voluntários
Ai meu Deus, que crueldade.
As mães choram prôs seus filhos,
As mulheres prôs seus maridos,
As irmãs prôs seus irmãos,
As jovens prôs seus queridos.
371
O sentimento popular em relação ao conflito, pode ainda ser medido pela canção
de ninar que transcrevemos a seguir:
Na, na, na, na, na,
Que é feito do papai?
Na, na, na, na, na,
Morreu no Paraguai,
Na, na, na, na, na,
Na tropa se alistou,
370
Id. Ibid. p.269-270.
371
DORATIOTO, Francisco. Op. cit. p. 269.
146
Na, na, na, na, na,
E nunca mais voltou...
372
As reações contrárias à participação no conflito, não partiram somente de dentro
do Império. Apesar das atitudes agressivas do rival Solano López, o Brasil teve de
empreender considerável esforço para angariar aliados para sua causa, assim como para
amealhar os capitais necessários ao esforço de guerra. É o que podemos constatar
através do trecho a seguir:
A opinião pública internacional ficou contrária ao
Brasil, desconsiderando a agressão de Solano López a essa
nação, o que obrigou a diplomacia brasileira a um grande
esforço no sentido de esclarecer governos e sociedades,
principalmente no continente americano. Também não foi
menor o esforço necessário para obter recursos materiais e
financeiros no exterior, em países cujos governos desejavam
o fim imediato da guerra.
373
Diante das resistências internas e externas à sua posição no conflito, o Império
inicia uma campanha que procurava legitimar suas ações na região do Prata. Essa
empresa foi orientada no sentido de associar o Paraguai à idéia de barbárie e atraso, bem
como de fazer de seu governante um tirano que passou a ser criticado e ridicularizado
nos veículos de comunicação. Para tanto eram utilizados tanto textos escritos quanto
imagens, sendo que nessas últimas as caricaturas tiveram importante papel
374
. A poesia,
transcrita a seguir, foi publicada na Revista Ilustrada em oito de janeiro de 1865, e pode
nos dar uma idéia da imagem que pretendia se construir de Solano López no Brasil:
372
Id. Ibid. p. 269.
373
BARROS, Orlando de. Sinopse da História das Relações Externas Brasileiras. In: LESSA, Mônica
Leite; GONÇALVES, Williams da Silva (orgs.). História das Relações Internacionais. Teoria e
Processos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007. p. 57.
374
CARVALHO, Mariana Nunes de. O Bem versus o Mal: Brasil e Paraguai através da visão dos
caricaturistas. História, Imagem e narrativas. n. 3, p. 177-187, set. 2006.
147
Caminha, caminha, louco,
Por esse plano inclinado,
É satanás quem te guia.
Caminha, caminha, ousado.
Satanás, rei dos soberbos,
Quis no mundo reinar só.
Quando caiu miserável!
Ninguém dele teve dó.
As almas que seduziu,
Nas chamas precipitou;
Com elas o predomínio
Das trevas foi que lucrou.
Vais cair dentro do abismo
Que hás cavado, fanfarrão,
Arrastando em tua queda,
A tua escrava nação.
375
Ao mesmo tempo em que se denegria o Paraguai e López, procurava-se em
solidificar a imagem de D. Pedro II e do Brasil, que passava a ser símbolo de civilização
e modernidade no contexto do continente americano. Pretendia-se que a guerra fosse
veículo de difusão dos atributos positivos desse império americano pelo restante do
continente, em especial no “infernal e bárbaro território governado por Solano
López”.
376
Nos textos escritos ao Brasil estavam associados conceitos como Luz,
Nobreza do Pensamento, Missão Civilizadora, Pátria Valente e Teto Amado, enquanto
que nos textos imagéticos era representado por um índio, em consonância com a fase
indianista do movimento romântico.
377
Simultaneamente ao conflito militar, trava-se no Brasil uma batalha de palavras
e imagens, que pretendia veicular à recém-criada opinião pública uma idéia de um
poderoso e exuberante Império que, com o sacrifício de seus filhos, deveria vencer a
barbárie e difundir as luzes da civilização entre as repúblicas americanas.
375
CARVALHO, Mariana Nunes de. Op. cit. p. 177.
376
Id. Ibid. p. 180.
377
Id. Ibid. p. 181.
148
Figura 8: Caricatura em que Solano López é representado como ave de rapina que tem em suas
garras as impotentes nações da América.
Fonte: www.veja.abril.com.br
Ainda no contexto das questões políticas e sociais dos anos 1860, tiveram
grande importância as discussões que começaram a se desenvolver em torno do
imperialismo de D. Pedro II. Nesse momento podemos entender imperialismo como a
expressão que designava a hipertrofia do poder imperial bem como a ação das pessoas
ou partidos que respaldavam esse poder. Nesse último grupo inseriam-se os homens ou
facções sobre os quais o soberano deixava incidir a responsabilidade por seus atos, bem
como aqueles conservadores que, atuando no Senado ou no Conselho de Estado,
partiam em sua defesa. A partir daí o Imperador bem como muitas de suas medidas, sob
a pecha do imperialismo, começam a ser alvo de duras críticas.
378
Nesse contexto vinham à tona importantes questões políticas da época, que
giravam em torno da dimensão do poder imperial, da responsabilidade do Imperador
perante a vida política e administrativa do país e da própria representatividade do
sistema. Tais questões encabeçavam a pauta das reformas e medidas modernizadoras
que então se reivindicava.
A profusão de panfletos publicados no decorrer dos anos 1860 tratava da ruptura
da idéia de neutralidade política do monarca, a partir do seu engajamento em questões
378
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 63-66.
149
partidárias, ao mesmo tempo em que denunciavam a crise da “Irresponsabilidade do
Poder Imperial” que começava a ser posta em dúvida e criticada. Nesse contexto,
cerravam-se as baterias sobre o Poder Moderador, tido como a origem dessas
mazelas.
379
Segundo Sérgio Buarque de Holanda, tais críticas esmaeciam a “aura
sagrada” do poder do soberano, evidenciando o amadurecimento do sistema político do
Império, que nesse momento, em função das modernizações dos anos 1850, almejava
por padrões que viabilizariam uma maior representatividade.
380
Foi a partir da inauguração da estátua de D. Pedro I, em 1862, que as críticas ao
Imperador tornaram-se mais duras. Embora muitas vezes o soberano tentasse dissimular
os seus atos, desde sua consolidação no poder jamais abriu mão de suas prerrogativas.
Mesmo dispensando os adornos e “alegorias” inerentes a sua autoridade, manipulava
as relações entre o Gabinete e a Câmara, coordenava a rotatividade dos grupos no poder
e a sua vontade fazia a função de um “corpo eleitoral”.
381
Tais práticas tinham o efeito de atrelar ao soberano os destinos do país, ao
mesmo tempo em que personificavam o exercício do poder. Assim, embora detivesse
em suas mãos as rédeas da vida política e administrativa do Império, tornava-se
vulnerável às críticas. As palavras a seguir, de Louis Couty professor estrangeiro da
Escola Politécnica da Corte, sintetizam bem essa situação:
Uma personalidade resume essa nação de dez
milhões de habitantes: todos aqui, os que desejam avançar e
os que preferem estacionar, dela reclamam, de seu impulso,
as reformas fecundas ou os paliativos ilusórios de que o país
tem urgente necessidade e, a não ser numa província, a de
São Paulo, a iniciativa privada nem ao menos tenta abordar
seriamente os problemas de cuja solução se impõe. Tudo
depende de uma vontade só e todos ficam à espera dela.
382
Diante desse descompasso entre o modelo através do qual o poder imperial era
exercido, e o nível de maturidade a que o sistema político brasileiro havia chegado,
alguns setores políticos reivindicavam por reformas modernizadoras.
379
BARBOSA, Silvana Mota. Op. cit. p. 175-178.
380
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 68.
381
Id. Ibid. p. 72-75.
382
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 75.
150
Portanto, foi dentro de um quadro marcado pela ascensão dos progressistas ao
poder, e a sua demanda por reformas modernizadoras, pela necessidade de superar as
pressões internas e externas geradas pela participação do Brasil na Guerra do Paraguai e
pelas críticas ao imperialismo tido por muitos como a marca característica do exercício
do poder no Império, que chegamos à segunda metade da década de 1860. Foi nesse
momento que constatamos que a imagem de D. Pedro II passou a estar inserida nos
selos postais e nas moedas de maior circulação, sendo a partir de então maciçamente
veiculada.
Consideramos que tal fato se deu de forma deliberada, posto que nesse
momento, conforme discutimos, o imperador havia conquistado um considerável
capital político fazendo com que sua imagem fosse portadora de um poder simbólico
capaz não só de representar o Estado Imperial, como também de neutralizar as pressões
que eram feitas contra ele. A massificação dessa imagem, inserindo-a em veículos de
grande circulação, levaria os ideais de cultura, civilização e modernidade inerentes a
esse Monarca Cidadão, que conforme vimos era sua marca nos anos 1860, aos diversos
lugares do Império e até mesmo fora dele.
Suas vinculações com o saber, o conhecimento e as instituições que os
produziam e difundiam no Brasil oitocentista, fariam de sua imagem um símbolo da
modernidade, do progresso e das reformas necessárias para a sua efetivação. Ao mesmo
tempo, a circulação da efígie imperial teria a função de reforçar a missão civilizadora
implícita na participação do Brasil no conflito com o Paraguai. Nesse sentido vale
ressaltar que, mesmo durante a guerra, em nenhum momento os selos e as moedas
brasileiras retrataram D. Pedro II com um der militar, mantendo-se fiéis ao padrão do
Monarca Cidadão.
Além disso, de acordo com a análise de Mariana Nunes de Carvalho, nas
charges e caricaturas que faziam alusão direta à guerra, o Brasil era representado,
conforme dissemos, pela imagem de um indígena permitindo desvincular o país do
governo. Assim o soberano, símbolo maior desse governo, pairava acima do país e de
suas paixões, servindo como baluarte dos valores inerentes à civilização, ameaçados
pelas ambições e projetos de López.
A inserção mais direta e maciça da imagem de D. Pedro II no cotidiano do país
serviria para tornar o monarca mais próximo dos seus súditos, resultando disso,
obviamente, uma popularização ainda maior da mesma. Essa popularidade, associada à
aura de saber e progresso que havia se incorporado ao seu capital simbólico, serviria
151
para neutralizar as críticas feitas ao estilo imperialista de seu governo. No plano das
práticas políticas e das relações de poder essa operação simbólica seria completada
pelos gabinetes progressistas que se sucederam entre 1862 e 1868.
Dentro desse contexto, a imagem do Monarca Cidadão, presente como
dissemos nos selos e moedas, encaixava-se perfeitamente dentro das necessidades da
época. Despida dos tradicionais signos do poder e inserida em um padrão mais próximo
dos modernos regimes representativos das nações civilizadas do velho mundo, a
imagem de D. Pedro marcaria a inserção do Império do Brasil em uma fase de
progresso e modernidade. Tal inserção encontraria respaldo nas transformações
materiais vividas internamente a partir dos anos 1850; na política externa brasileira em
relação ao Prata, impregnada do ideal civilizador e nos esforços do soberano em
promover a cultura e as artes no país.
Podemos constatar o compromisso do próprio soberano com a afirmação desse
padrão em relação a sua imagem. Tal fato fica evidente quando do projeto de confecção
de uma estátua eqüestre do soberano elaborado em 1866, porém retomado após a
Guerra do Paraguai. Em 19 de março de 1870 o Diário do Rio de Janeiro noticiava:
(...) uma reunião em que se deliberou erigir uma
estátua eqüestre ao Sr. D. Pedro II, como primeiro cidadão,
pela constância e tenacidade que mostrou sempre na
sustentação da luta contra o tirano do Paraguai, devendo o
monumento ser fundido no país com o bronze das peças
tomadas ao inimigo.
383
Porém quando o projeto ganhou maior projeção, o próprio Imperador apresentou
uma carta pública, publicada no Diário do Rio de Janeiro e no Jornal do Comércio,
onde declarava que declinava da homenagem em troca da idéia da construção de escolas
públicas, em suas palavras:
Se querem perpetuar a lembrança do quanto confiei
no patriotismo dos brasileiros para desagravo completo da
honra nacional e prestígio do nome brasileiro. (...) O senhor
383
As referências relativas ao episódio da estátua eqüestre de D. Pedro foram retiradas de: KNAUSS,
Paulo. Discurso de posse no Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. Proferido em 13 de
outubro de 2005. p. 1- 19.
152
e seus predecessores sabem como sempre tenho falado no
sentido de cuidarmos da educação pública, e nada me
agradaria tanto a ver a nova era de paz firmada sobre
conceitos de dignidade dos brasileiros começar por um
grande ato de iniciativa deles ao bem da educação
pública.
384
Pelo episódio anterior podemos constatar que, nesse momento, o Imperador
torna-se operator de sua própria imagem. No entanto mesmo antes já podemos
considerar que o padrão imagético que discutimos se encontrava firmado, o
havendo, portanto, divergências que pudessem evidenciar a existência de lutas
simbólicas entre os operatores dessa imagem.
Partindo do estudo dos primeiros selos postais impressos com a efígie do
soberano constatamos que, ao contrário do ocorrido na emissão de 1843, o houve
nenhuma dúvida quanto ao que deveriam conter. O Decreto 3443 de 12 de abril de
1865, que dispunha sobre o novo regulamento para o serviço dos correios do Império,
em seu artigo 29 do capítulo V, dispunha que:
Art. 29. Os atuais selos serão substituídos por outros
dos seguintes valores: 10, 20, 50, 80, 160, 200 e 500 réis,
todos com a efígie de Sua Majestade o Imperador. Cada
série de selos terá uma cor especial.
385
Coerente com o padrão das imagens fotográficas do século XIX, que segundo
Ana Mauad era marcado pela “(...) simplicidade, em contraponto aos babados e
brocados do Antigo Regime”, a veiculação desse modelo do Monarca Cidadão se
beneficiou da própria fotografia, que ganhou projeção no Brasil entre os anos 1860 e
1870. Nesse particular, podemos perceber que havia uma preocupação deliberada em
utilizar as fotografias como veículo de difusão da imagem do Imperador e da família
imperial.
384
KNAUSS, Paulo. Op. cit. p. 13.
385
BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1865.Tomo IV. Parte I. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1866. p. 123.
153
Ao lado dos selos postais e da própria moeda do Império, as imagens
fotográficas atingiam a um número de spectatores cada vez maior e disperso por um
espaço cada vez mais amplo. Nesse sentido é interessante observar a prática de enviar
fotografias “às exposições universais” onde o “(...) imperador é retratado
acompanhado por livros, pelo globo e por canetas-tinteiros, todos signos condizentes
com um Brasil moderno e culto”.
386
Consolidava-se com um vigor acentuado a imagem
do Monarca Cidadão, condizente com o Brasil moderno e progressista que emergia nos
anos 1860.
Figura 9: Auto-retrato em São Cristóvão.
Fonte: www.almanaquebrasil.com.br
O impacto causado pela inserção da imagem do imperador nos selos postais e
nas moedas, pode ser medido pelo volume de circulação desses dois veículos, a partir
dos anos 1860. Os esforços financeiros e gastos que o Império teve de despender
durante o conflito com o Paraguai, fizeram com que a necessidade de moeda dentro do
país se tornasse consideravelmente maior. Diante desse fato, foi dada continuidade a
uma política emissionista que vinha sendo desenvolvida desde o gabinete presidido
por Ângelo Moniz da Silva Ferraz, o barão de Uruguaiana (10 de agosto de 1859 a 02
de março de 1861). A quantidade de numerário em circulação dentro do Brasil cresce de
forma acentuada.
386
Id. Ibid. p. 197.
154
Justamente nesse período em que as emissões tornaram-se maiores, as moedas
de menor valor passaram a conter a efígie do imperador, retratada no padrão do
Monarca Cidadão. A partir de 1866 as moedas de prata de 500, 1000 e 2000 réis e de
1868 as moedas de bronze no valor de 10, 20 e 40 réis, as duas últimas conhecidas
popularmente como vintém e dois vinténs, passaram a promover a circulação da
imagem de D.Pedro II entre enorme parcela da população brasileira.
No que se refere aos selos postais basta observarmos a tabela a, nesse capítulo,
para constarmos que o montante total dos selos encomendados a American Bank Note
chegou aos 112,4 milhões de unidades, em todas as séries. Outro fator de relevante
importância é o aumento constante do movimento dos correios no período situado entre
meados dos anos 1860 e a década de 1870. Tal fato evidencia que um volume cada vez
maior de correspondência passou a circular dentro do Brasil, proporcionando,
conseqüentemente, uma divulgação da imagem de D. Pedro II, estampada nos selos que
porteavam essa correspondência.
Mesmo se levando em conta o alto índice de analfabetismo existente no Império
do Brasil, os efeitos dessa difusão não seriam reduzidos. Isso pelas próprias
características do texto imagético, que é acessível a todos aqueles que possam enxergá-
lo, independentemente do fato de dominarem ou não a linguagem escrita. Considerando
que esses selos deveriam ser colados à frente dos envelopes que continham as cartas,
um número considerável de pessoas, além dos destinatários, teria um contato direto ou
indireto com as imagens dos mesmos.
Nesse sentido vale mencionar as instruções para o bom funcionamento dos
serviços postais, contidas no Almanak Laemert de 1867. Em seu suplemento, à página
195, ele diz que “Os selos devem ser colados no lado do sobrescrito da
correspondência, no ângulo superior do lado direito, a fim de habilitar o correio a
servir com maior presteza”.
387
Na tabela a seguir, demonstramos o volume de arrecadação dos correios do
Império, entre 1865 e 1882, a fim de referendar a questão da ampliação dos seus
serviços.
g) Tabela da renda arrecadada pela administração dos Correios nos exercícios indicados.
EXERCÍCIO VALOR
1865-1866 419:985$002
1866-1867 546:679$873
387
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro. Almanak Laemmert. 1867. p. 195.
155
1867-1868 586:146$198
1868-1869 589:117$651
1869-1870 700:117$311
1870-1871 718:114$106
1871-1872 810:771$207
1872-1873 882:044$707
1873-1874 937:383$315
1874-1875 1.016:207$836
1875-1876 1.059:035$390
1876-1877 1.100:440$891
1877-1878 1.145:224$314
1878-1879 1.215:349$751
1879-1880 1.303:099$185
1880-1881 1.441:698$699
1881-1882 1.513:871$805
Fonte: BRASIL. Relatórios Apresentados à Assembléia Geral Legislativa, pelos Ministros e Secretários de Estado
dos Negócios do Império. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1863 a 1883.
O ano de 1868 marcou o fim do período progressista, com a queda do último
gabinete presidido por Zacarias de Góes e Vasconcelos. A queda dos progressistas foi
desencadeada pelas divergências em torno de escolha de do conservador menos votado
na lista tríplice, Sales Torres Homem, para a vaga no Senado pelo Rio Grande do Norte,
bem como das divergências entre Zacarias e Caxias no sentido da manutenção do último
no comando do exército.
388
Para o lugar de Zacarias foi escolhido José Rodrigues Torres, o visconde de
Itaboraí. Aliado de Caxias e especialista em questões financeiras, Itaboraí representava
uma possibilidade de solução dos problemas econômicos relacionados à guerra bem
como de um término mais rápido e honroso para o conflito.
389
Sua indicação
proporcionava, por outro lado, o retorno dos conservadores ortodoxos ao poder. Dessa
forma o desacordo entre o Gabinete Itaboraí e a Câmara, de maioria liberal e
progressista, era evidente. Para os deputados esse gabinete não era legítimo.
390
A
solução para esse desacordo veio em 19 de julho de 1868, com a dissolução da Câmara.
As palavras de Nabuco de Araújo, transcritas a seguir, evidenciam o clima político de
então:
Ora dizei-me: não é isto uma farsa? Não é isto um
verdadeiro absolutismo, no estado em que se acham as
eleições em nosso país? Vede este sorites fatal, este sorites
que acaba com a existência do sistema representativo: o
388
Em relação à queda do Gabinete Zacarias, Cf: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p.103-
104 e NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 253.
389
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 106-107.
390
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 253.
156
Poder Moderador pode chamar a quem quiser para
organizar ministérios; essa pessoa faz a eleição, porque
de fazê-la, essa eleição faz a maioria. Eis está o sistema
representativo de nosso país.
391
A dissolução da Câmara abriu espaço para que se definisse uma nova
organização das forças políticas no Império. Os liberais históricos, associados aos
antigos progressistas formaram o novo Partido Liberal. Por outro lado os liberais
extremados organizaram-se, a partir de 1870, no Partido Republicano. Manteve-se o
Partido Conservador, como reduto daqueles que se mantiveram fiéis ao princípio da
ordem, um dos elementos que nortearam a construção de um modelo de Estado que
agora enfrentava sérios abalos. Para o historiador Francisco Iglesias, no que se refere ao
Império do Brasil, o ano de 1868 encerrou “(...) o período de esplendor e abre o das
crises que levarão a sua ruína”.
392
Foi dentro desse cenário que a Coroa, após a conclusão do conflito com o
Paraguai, iniciou, de forma mais evidente, os trabalhos e articulações para uma das mais
importantes, e ao mesmo tempo complexa, de suas reformas: a questão da emancipação
do trabalho escravo. em 1866, como falamos, D. Pedro II levou a questão da
emancipação ao Conselho de Ministros, refletindo as preocupações que nutria diante da
Guerra de Secessão dos Estados Unidos. Dessa feita sua manifestação “revolucionou o
ambiente político”, no entanto “nada resultou de concreto”.
393
Nesse sentido também
vale destacar os efeitos das pressões da Junta Francesa de Emancipação sobre o
soberano. Em um tom reverente o documento encaminhado ao imperador mexia,
segundo Sérgio Buarque de Holanda, com seus “brios”, estimulando uma tomada de
posição. Apesar da força que a questão ganhou com o terceiro gabinete de Zacarias, de
3 de agosto de 1866, ela foi protelada para depois da guerra.
394
A vitória brasileira na batalha de Aquidabã acabou, em termos práticos, pondo
um fim no longo conflito contra o país de Solano López. Abria-se assim o espaço para a
retomada das questões relativas ao trabalho escravo. Os debates se deram em um
contexto onde a Coroa se defrontava com constantes pressões por reformas. Já em 1866
o jornal Opinião Liberal, de Limpo de Abreu, Francisco Pestana e Monteiro de Sousa,
391
Id. Ibid. p. 253.
392
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 254.
393
Id. Ibid. p. 252.
394
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 113-114.
157
defendia reformas de longo alcance. Esse grupo erguia a bandeira das eleições diretas,
da abolição do Poder Moderador, de eleições para presidente de província, da supressão
da Guarda Nacional e da polícia eletiva.
395
Foi nesse cenário, portanto, que D. Pedro II começou a negociar com Itaboraí e
seu gabinete a inserção da questão da emancipação na Fala do Trono de 1869. A
negativa foi imediata, desencadeando o progressivo afastamento do imperador de seu
ministério, ensejando uma “conspiração da Coroa contra o governo”.
396
O Gabinete
Itaboraí acabou caindo em 29 de setembro de 1870, queda que foi seguida pela ascensão
de José Antonio Pimenta Bueno, o visconde de São Vicente.
O gabinete de São Vicente (29 de setembro de 1870 a 7 de março de 1871) e
aquele que o sucedeu, o de José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco(7 de
março de 1871 a 25 de junho de 1875), evidenciavam a preocupação e o esforço da
Coroa nas reformas relativas à emancipação. Coube inclusive ao último a promulgação
da Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871, construída com base no projeto de
reforma de Pimenta Bueno, enviado ao Conselho de Estado ainda em 1867.
397
Paralelamente ao encaminhamento dessas reformas, o imperador promovia os
preparativos de sua primeira viagem ao exterior. Em certo sentido isso explica sua
urgência em ver concretizadas medidas emancipatórias, uma vez que não pretendia
levar em suas malas o peso da escravidão que grassava no Brasil, aumentado ainda pela
existência da pena de morte em seu Império. Tanto a escravidão quanto a pena capital
eram questões controversas e duramente criticadas no velho mundo. Essa obstinação
acabou por despertar a oposição dos defensores do trabalho escravo, tanto liberais
quanto conservadores.
A extinção do trabalho escravo, associada à presença de um partido
declaradamente republicano e ao próprio encaminhamento que a Coroa deu a uma série
de questões que marcaram os anos 70 e 80 do século XIX, acabaram conduzindo aos
eventos do 15 de novembro de 1889.
Nos últimos dezoito anos do governo de D. Pedro II, notamos a existência de
duas grandes preocupações, no que se refere à imagem do imperador. A primeira
correspondia ao esforço em associá-la, cada vez mais, à idéia de civilização. Ao mesmo
tempo, buscava-se enfatizar o capital simbólico do monarca fazendo com que servisse
395
Id. Ibid. p. 117-118.
396
Id. Ibid. p. 122.
397
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 117.
158
como um anteparo para as críticas que de todos os lados começavam a brotar contra as
instituições monárquicas.
Nos dois casos o objetivo central estava ligado ao projeto de modernização e
consolidação do Império. Nesse sentido podemos incluir as viagens que, a partir de
1871, D. Pedro II começou a realizar. Tais viagens ocorreram em 1871, tendo a Europa
como cenário, em 1876, quando o soberano vai aos Estados Unidos onde, na Exposição
da Filadélfia, encontrou o inventor do telefone, Graham Bell, e trouxe a novidade para o
Brasil e finalmente entre 1887 e 1888, novamente para o continente europeu.
398
Podemos detectar nessa empresa a preocupação do soberano em levar para fora do
Império a imagem de um Brasil civilizado e progressista, conceitos que nesse momento
se incorporavam de forma definitiva ao seu patrimônio simbólico.
Dessa forma a efígie do Monarca Cidadão, e todo o seu poder simbólico, se
manteve presente nas moedas brasileiras até que a criação de um numerário republicano
as tirou de circulação.
Quanto aos selos postais constatamos processo análogo. falamos, nesse
mesmo capítulo, das emissões surgidas entre os anos 1870 e 1880. Em 1877 foram
emitidos selos com a efígie de um imperador envelhecido e dotado de uma imponente
barba branca, imagem reproduzida da fotografia que D. Pedro tirou na exposição da
Filadélfia. Em 1878 foi a vez do auriverde que, usando a imagem das primeiras
emissões, inseriu tons de verde e amarelo em sua impressão. Entre 1881 e 1884 foram
emitidas várias séries de selos, novamente pela Casa da Moeda, tendo todas a imagem
do Monarca Cidadão como tema central.
Esse compromisso com a civilização justifica-se pela própria dimensão da
empresa que se apresentava à Coroa a partir dos anos 1870. Tinha pela frente a função
de reparar a imagem do Império do Brasil, avariada pelas críticas e pelos efeitos
destrutivos provenientes de seu longo envolvimento na guerra contra o Paraguai. Os
horrores do conflito macularam a idéia de um império tropical construído sobre valores
europeus. Cabia agora ao soberano e ao capital simbólico que acumulou desde 1840,
reverter essa situação.
Nesse sentido contava o seu notório saber e erudição, potencializado por seus
contatos e ligações com expoentes do mundo artístico e cultural. Nessa relação o
intelectual francês Georges Readers arrolou em artigo escrito em 1955, para o
398
GALLAS, Alfredo O. G. e Fernanda Disperatti. As Moedas Contam a História do Brasil.São Paulo:
Magma, 2007. p. 345-346.
159
suplemento da Revista da Universidade Católica de São Paulo, ilustres figuras com
quem o imperador manteve relações pessoais ou epistolares: Lamartine, Pasteur,
Renan, Georges Sand, Charcot, Mistral, Sully Prudhomme, Maspéro e Maxime du
Camp entre outros.
399
Poderíamos citar ainda o convívio e a correspondência do imperador com
Gobineau, porém de todos os seus contatos aquele que consideramos mais relevante foi
com o escritor Vitor Hugo. Reconhecido militante da causa republicana e abolicionista,
além de ferrenho opositor da pena de morte, o velho escritor recebeu em sua casa, no
número 21 da rue de Clichy, às nove horas do dia 22 de maio de 1877 o soberano de um
Império escravista no qual a pena de morte era uma realidade.
400
A explicação para esse
encontro, que inaugurou uma posterior afinidade, somente pode ser encontrada no
significado que a imagem de D. Pedro II havia adquirido, mesmo fora do Brasil, em
fins da década de 1870.
Esse ideal de civilização também serviria de base para um projeto modernizador
que tinha na supressão do trabalho escravo o seu principal tópico. Caberia à Coroa a
promoção desse movimento, mantendo em suas mãos as rédeas do processo, garantindo
que uma nova ordem fosse produzida, porém mantendo sob controle as conseqüentes
transformações advindas dessa construção. De certa forma podemos considerar esse
movimento como uma modernização conservadora.
Nesse momento mais do que nunca se tornava necessário que a imagem do
soberano, e todo o poder e capital simbólico a ela inerente, fosse utilizada. A
autoridade, o sentido de ordem e unidade que ela possuía, bem como a idéia de
civilização que havia incorporado, serviriam para amenizar as críticas e a oposição de
adversários e antigos aliados, buscando levar a bom termo o movimento que havia sido
desencadeado. Além dos confrontos com republicanos, militares e outros grupos que
buscavam espaço na sociedade brasileira do final do século XIX, o Império teve ainda
de enfrentar o assédio de novas ideologias que, a partir da década de 1870 passaram a
circular no país. Entrava em cena a chamada geração de 1870.
Vinculados aos discursos ideológicos produzidos nos principais centros
intelectuais do velho e do novo mundo, bem como a todo um conjunto de práticas
políticas a eles pertinentes, os membros desse movimento representavam mais um
399
MONTEIRO, Cláudio Antonio Santos. France et Brésil: de l’Empire à la Republique (1851-1891).
2006. Tese (Doutorado) – Universidade Robert Shuman. Strasbourg, 2006. p. 416.
400
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. A história e o romance de um condenado à morte. Rio de Janeiro:
Record, 1998. p. 3-7.
160
elemento com o qual o Estado Imperial deveria lidar. As palavras de Angela Alonso
sintetizam bem o caráter e a dimensão que essa nova componente adquiriu, na resultante
de forças existente nos momentos de crise da monarquia brasileira:
Em meio à conjuntura de crise política e
modernização conservadora tomou corpo o movimento
intelectual da geração de 1870. Seus intérpretes pouco
atentaram para seus vínculos com o contexto. Privilegiaram
suas componentes intelectuais positivistas, spencerianas,
darwinistas – em detrimento das políticas. Entretanto,
empiricamente os membros do movimento tanto se
identificaram recorrendo a termos doutrinários quanto a
posições políticas. Não justificativa para seccionar as
discussões intelectuais do debate político, sobretudo
considerando a indistinção entre as duas esferas no
Império.
401
A partir dos anos 1870 e até a queda da monarquia, vivia-se uma fase onde no
contexto dos debates e choques políticos, inseriam-se as disputas ideológicas e
simbólicas, até então mantidas sob controle pela consolidação da ordem e pela
concretização de um projeto de Estado e nação. Chegava-se a um momento em que se
fazia mister a construção de um novo equilíbrio, aliando ao soberano e a imagem que
dele se produziu novos agentes que, no entanto, ainda dependiam de sua força e
autoridade.
Com esse propósito a efígie de D. Pedro II, e todo o poder simbólico nela
contida, continuavam a circular pelo Império do Brasil em seus selos postais e em suas
moedas. Em posição destacada nos envelopes, tal qual o arauto de notícias solenes ou
de pequenas indiscrições, circulando pelo Brasil e fora dele, estava o Imperador. Ou
senão nos bolsos daqueles que nesse momento começavam, novamente, a pensar em o
que é ser brasileiro; como a dizer que apesar das críticas a Coroa estava viva e
empenhada em dar uma resposta às questões que se levantava.Assim chegamos aos anos
1880.
401
ALONSO, Angela. Idéias em Movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo:
Paz e Terra, 2002. p. 97.
161
Com a nova década acirram-se as discussões em torno da escravidão e, nesse
momento, do futuro do regime. A saúde do corpo físico do monarca começava a dar os
primeiros sinais de desgaste, no entanto seu vigor se mantinha no plano simbólico.
Apesar disso o ano de 1884 foi marcado pelo surgimento de uma nova série de selos
conhecida no meio filatélico como Cifras. Nela a imagem de D. Pedro II não está mais
presente, saía de cena o Imperador.
Porém alguns detalhes merecem especial atenção nesses selos. No conjunto de
imagens que comportavam, encontramos, em alguns, os numerais indicativos do valor,
assim como nas primeiras emissões. Outros trazem o Pão-de-Açúcar e o cruzeiro do sul,
alusão à exuberante natureza do Império. Finalmente, estampada no selo de 500 réis,
estava a coroa imperial, agora sem um rosto que a identificasse. A explicação para esse
novo padrão imagético abre espaço para diversas especulações que, nesse momento, nos
furtamos de desenvolver.
Finalmente, valeria refletir sobre os efeitos das imagens veiculadas nos selos
postais e moedas do Segundo Reinado sobre os seus spectatores. Nesse sentido
constatamos que essas imagens causaram forte impressão sobre aqueles para os quais
foram produzidas. Essa situação ganha relevância a partir de meados dos anos 1860.
Podemos ainda afirmar que tais influências se manifestam tanto ao nível das classes
dominantes quanto nas camadas menos favorecidas da população, no momento em que
foram produzidas e, até mesmo, em períodos posteriores.
Nesse sentido, acreditamos que a partir de alguns sinais ou indícios é possível
nos aproximarmos dos efeitos que as imagens veiculadas nos selos e moedas do
Segundo Reinado exerceram sobre aqueles que seriam os seus spectatores. Para tanto
consideramos os testemunhos provenientes de manifestações populares em torno do
imperador e do fim da monarquia, elementos presentes na imprensa européia do final do
século XIX e relatos de escritores das primeiras décadas do século XX, que funcionam
como uma evidência das influências da imagem imperial, mesmo após a morte de D.
Pedro.
No primeiro caso, transcrevemos a seguir versos colhidos por Euclides da Cunha
e perpetuados em sua obra Os Sertões:
Saiu D. Pedro segundo
Para o reino de Lisboa
Acabou-se a monarquia
162
O Brasil ficou à toa!
Garantidos pela lei
Aqueles malvados estão
Nós temos a lei de Deus
Eles têm a lei do Cão!
Bem desgraçados são eles
Pra fazerem eleição
Abatendo a lei de Deus
Suspendendo a lei do Cão!
Casamento vão fazendo
Só para o povo iludir
Vão casar o povo todo
No casamento civil.
402
Mesmo se levando em conta as particularidades históricas do movimento
liderado por Antonio Conselheiro, marcado pelo messianismo e pela oposição a
algumas medidas republicanas, fica bem clara a posição, ao nível do imaginário
popular, do Imperador e da própria monarquia. A primeira estrofe evidencia a idéia de
que o fim do regime e o exílio do soberano teriam privado o país dos elementos que até
então impediram que ficasse “à toa”.
Outro interessante exemplo pode ser encontrado em trova criada em São Paulo,
logo após a queda da monarquia:
A mãe do Deodoro disse:
Este filho já foi meu;
Agora tá amaldiçoado
De minha parte e de Deus.
403
402
CUNHA, Euclides da. Os sertões. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 210-211.
403
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit. p . 498.
163
A reação negativa do povo em relação à República é evidente nessa trova.
Merecedor da maldição materna, Deodoro foi transformado no agente que derrubou o
soberano cujos laços com o imaginário e a simpatia do povo eram evidentes.
No entanto, seria o povo ou a classe dominante o alvo da imagem produzida e
que tinha no imperador o seu cerne? Pensamos que em um primeiro momento o
objetivo era a classe dominante. No entanto acreditamos que a partir dos anos 1860,
esse espectro foi ampliado, chegando às classes populares. Isso faz com que tanto os
selos como, principalmente, as moedas tenham um importante papel na difusão da
imagem do monarca.
Entretanto, em ambos os casos, consideramos que os efeitos dessa imagem sobre
seus spectatores foram consideráveis, principalmente no que toca à consolidação do
poder imperial. Em relação às reações da classe dominante, reputamos como bastante
significativo o trecho a seguir retirado da obra de Gustavo Barroso:
O dono de uma fazenda era monarquista ferrenho e
pendurara um retrato de D. Pedro II, com a longa barba
patriarcal alvejando num caixilho de cedro envernizado, na
sala de casa, junto ao oratório pobre, terminando uma longa
fila de litografias de santos. Na casa, era de uso antigo
fazerem trezenas e novenas.
Terminadas elas, os matutos osculavam o pano franjado do
oratório, as litografias ilustres dos santos e o retrato do
velho imperador. Sabiam lá quem era! Tinha a cara
barbada, era santo. Beijavam-no... Aliás, muitos, embora o
soubessem, beijá-lo-iam, porque ainda nos sertões adustos o
habitante num gesto de secular respeito servil de camponês
ao falar-lhe no nome ergue da cabeça o chapéu de couro
como faziam os mujiques da Moscóvia, ouvindo o nome
santo de Alexandre I.
404
404
BARROSO, Gustavo. Terra de sol. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1962. p. 165.
164
Através desse relato produzido por Barroso, no século XX, podemos perceber
indícios do poder simbólico do imperador e dos efeitos do mesmo. Estes são evidentes
no grande proprietário, que aloca sua imagem em posição de honra junto aos santos na
sala de sua casa. Quanto aos homens livres pobres percebemos que, ao beijar o
desconhecido ou ao tirar reverentemente o chapéu quando pronunciavam o nome de
alguém que conhecem, demonstram o modo como sua imagem atuava profundamente
sobre os mesmos.
Em relação à vinculação da imagem de D. Pedro II aos ideais de civilização e
modernidade, acreditamos que os indícios nesse sentido são mais evidentes nas
manifestações que chegam da Europa em relação ao monarca. Exemplo emblemático foi
descrito no terceiro capítulo desse trabalho, quando falamos da entrevista do imperador
com Vitor Hugo.
Além do encontro com Hugo, consideramos extremamente elucidativas as
diversas manifestações surgidas nos jornais franceses, quando da morte do soberano
deposto. O Le Temps, em 6 de dezembro de 1891 referindo-se a D. Pedro dizia que
“Este americano era tão bom europeu que a Europa seria ingrata se não mostrasse o
seu arrependimento”.
405
Exemplo ainda mais importante pode ser encontrado na primeira página do
Journal des Débats de 7 de dezembro de 1891, onde se lia:
A indústria do país, graças aos esforços de dom
Pedro II, havia adquirido um crescimento notável: dom
Pedro II inaugurou uma era de prosperidade comercial, não
conhecida até então, proclamando, após longas negociações
com os governos vizinhos, a liberdade de navegação no Rio
da Prata, abrindo em seguida o Amazonas à navegação aos
navios de todas as nações amigas. O sistema métrico foi
introduzido no Brasil e grandes obras públicas foram
inauguradas. As estradas de ferro foram construídas, um
cabo submarino foi construído, o qual ligava o Império aos
países da Europa, havendo grandes progressos na instrução
pública brasileira”.
406
405
Cf: MONTEIRO, Cláudio Antonio Santos. Op. cit. p. 408.
406
Id. Ibid. p. 405-406.
165
Nessa mesma matéria, até mesmo a longa duração da escravidão tão duramente
criticada e combatida, acabou sendo uma responsabilidade que foi retirada, em boa
parte, dos ombros do imperador:
Dom Pedro II havia estimado que era seu dever ou
sua missão de soberano de uma grande nação civilizada
trabalhar para a abolição da escravidão, e ele sonhou, desde
os primeiros tempos de seu reino; mas as agitações internas
e as guerras no interior do seu reino lhe impediram,
inicialmente, de realizar seu projeto”.
407
Através desses indícios acreditamos que, se não pudemos provar, ao menos nos
aproximamos bastante de um ponto em que fica clara a forte influência que a imagem
de D. Pedro II exerceu sobre seus contemporâneos, brasileiros e estrangeiros, bem como
sobre gerações posteriores.
407
Id. Ibid. p. 407.
166
Considerações Finais
Ao discutir as imagens fotográficas, assim Roland Barthes define o que chama
de punctum de uma foto:
Existe uma palavra em latim para designar essa
ferida, essa picada, essa marca feita por um instrumento
aguçado; essa palavra convinha-me sobremaneira porque
remetia também para a idéia de pontuação e porque as fotos
a que me refiro estão efetivamente pontuadas, por vezes até
salpicadas, por esses pontos sensíveis. Essas marcas, essas
feridas são, precisamente, pontos. A esse segundo elemento
que vem perturbar o studium eu chamaria, portanto,
punctum (...). O punctum de uma fotografia é esse acaso que
nela me fere (mas também me mortifica, me apunhala).
408
Pensando na definição de punctum construída por Barthes, concluímos que o
mesmo corresponde àquele elemento da imagem que foge ao controle do operator.
Seria o efeito que a mesma desperta sobre os spectatores e que, quebrando com o
studium e, portanto, fora dos limites inicialmente estabelecidos pelos discursos
ideológicos que atuaram na produção dessa imagem, desperta algo particular e intenso
408
BARTHES, Roland. Op. cit. p. 35.
167
naquele que a consome. É a picada e ao mesmo tempo aquele ponto, que marca
profundamente. Evidência, ao mesmo tempo, da autonomia e da subjetividade do
processo de produção imagética.
A partir dessas reflexões, será que poderíamos encontrar um punctum nas
imagens dos selos e moedas do Segundo Reinado? Haveria nas imagens contidas em
nossas fontes algo capaz de atuar como a picada, que nos conecta aos elementos
codificados presentes nessas imagens? Seriam essas imagens documentos e
monumentos? Conteriam o paradoxo que Barthes percebe nas fotografias?A essas
questões, respondemos que sim. E isso por diversas razões.
Em um primeiro momento pelo próprio fato de a partir do conteúdo imagético
dessas fontes, termos percebido a possibilidade de promover a análise da construção de
um modelo de Estado e de nação específico do Brasil do século XIX. Nesse sentido,
como spectatores do século XXI, encontramos nas mesmas aquele ponto que nos feriu,
que despertou nossa atenção.
Porém mais do que isso pensamos que podemos refletir sobre duas outras
questões inerentes a visão de punctum proposta por Barthes. Em primeiro lugar aquela
que diz respeito ao poder que as imagens tem de fugir do studium que as produziu,
possibilitando, portanto, efeitos que muitas vezes o foram pensados por seus
operatores. A segunda dessas questões corresponde à possibilidade de entendermos as
influências que essas imagens exerceram, sobre os spectatores contemporâneos à sua
produção.
Em relação à primeira dessas reflexões, acreditamos que os selos e moedas do
Segundo Reinado guardam efetivamente em suas imagens, a partir de meados da década
de 1860, algo que poderíamos considerar como o seu punctum. Isso se explica ao
aceitarmos que a imagem que veiculavam, centrada na efígie do imperador, começou a
ser produzida a fim de referendar o processo de construção de um modelo de Estado e
de nação sustentado pelo discurso ideológico produzido pelos chamados Dirigentes
Saquaremas.
Porém o amadurecimento dessa imagem correspondeu ao amadurecimento do
próprio monarca, à formação de seu capital político pessoal e, desse momento em diante
ele se torna operator de sua própria imagem. Foi nesse contexto que surgiu o padrão do
Monarca Cidadão que, no período em questão foi incorporado aos selos e moedas.
Os elementos simbólicos contidos nesse padrão imagético tinham uma dupla
significação. Em um certo sentido, referendavam a promoção das reformas
168
modernizadoras que, então, o Império necessitava. Porém, além disso, acreditamos que
também correspondiam a um projeto de Estado e de nação que, distanciando-se dos
esforços e expectativas dos operatores originais, começava a ser delineado pelo próprio
soberano. Esse descompasso pode explicar as críticas ao imperialismo, bem como as
dissidências e choques que, a partir do encaminhamento da emancipação dos escravos,
opuseram a Coroa a importantes setores da classe dominante.
Embora estejamos transitando, muito mais, no campo especulativo, acreditamos
que alguns indícios nos permitem fazer tais afirmações. A preocupação de D. Pedro em
consolidar sua imagem na Europa, a associação da sua imagem à da Família Imperial e
o próprio desaparecimento da efígie imperial dos selos postais, nos anos 1880,
apontariam para esse sentido.
Em relação à segunda questão, isto é, à possibilidade de pensarmos os efeitos
exercidos por essas imagens sobre os spectatores do século XIX, acreditamos que
estaremos entrando em um campo no qual as dificuldades e limitações são bem maiores.
Pensamos que o passaporte que nos permitiria entrar nesse campo seria o paradigma
indiciário proposto por Ginsburg. A partir de ferramentas metodológicas recuperadas
dos trabalhos de Giovanni Morelli, de Sigmund Freud e do fabuloso Sherlock Holmes,
criado por Conan Doyle, esse autor abre possibilidades de análise de determinados
objetos que, a partir de todos mais rígidos e menos ecléticos, dificilmente seriam
operacionalizáveis.
409
Símbolo de força, autoridade, progresso e civilização, presente em selos postais,
moedas, quadros e nos mais diversos objetos, sua imagem circulou através do tempo e
do espaço, servindo de ponte que nos leva a um campo onde produção simbólica,
discursos ideológicos e relações de poder permitem a compreensão de um processo que
produziu um Estado e uma nação.
Consideramos ainda relevante levantarmos uma última questão. Está ligada à
inclusão de um novo padrão imagético nos selos postais, a partir dos anos 1880. Qual o
sentido dessas imagens? Representariam, no plano simbólico, a mudança que se
vislumbrava em um futuro não muito distante? O poder simbólico do velho imperador,
ao contrário do que pensamos, havia se esgotado? Refletiam um novo modelo de Estado
monárquico então em produção? Possibilidades de leitura e instigantes questões
historiográficas para as quais, por hora, não temos a resposta.
409
GINSBURG, Carlo. Op. cit. p. 143-179.
169
Porém em meio a essas indagações, um elemento pode ser destacado com
grande convicção. Na história da iconografia do Estado Imperial brasileiro entre 1840 e
1889, em especial nas imagens oficiais desse Estado veiculadas nos selos postais e
moedas, por suas ausências e presenças destaca-se a figura de D. Pedro II. O imperador
que, em meio a livros, idéias e em um luxuriante cenário tropical, representou no plano
simbólico o país que governava e a nação de cuja construção marcadamente participou.
Acreditamos assim que é possível falar em um punctum imperial. Ao olharmos
para o imperador e suas barbas, algo se acende e nos impulsiona a buscar dentro de sua
efígie a intrincada teia de relações de forças simbólicas e ideológicas presentes na
sociedade brasileira do século XIX. A partir do ponto ao qual se referia Barthes, somos
incitados e penetrar nos domínios fascinantes e, ao mesmo tempo, tão árduos da
História. Em suma, somos desafiados e exercer o ofício do historiador.
170
Fontes e Referências Bibliográficas
1) Fontes
1.1 – Fontes Iconográficas
Todas as fontes iconográficas relacionadas a seguir, mesmo aquelas cujos créditos
aludem ao acervo do autor, estão disponíveis nas coleções de filatelia e numismática do
Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro.
1.1.1 – Selos Postais
A – Olhos de Boi
- emissão: 01/08/1843
- desenho: cifras na cor branca com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado
preto
- valores: 30, 60 e 90 réis
B – Inclinados
- emissão: 01/07/1844
- desenho: cifras na cor branca com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado
preto
- valores: 10, 30, 60, 90, 180, 300 e 600 réis
C- Verticais
171
- emissão: 01/01/1850
- desenho: cifras na cor branca com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado
preto
- valores: 10, 20, 30, 60, 90, 180, 300 e 600 réis
D – Coloridos
- emissão: 1861
- desenho: cifras na cor branca com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado
com cores variadas
- valores: 10 réis( azul claro ), 30 réis( azul claro ), 280 réis( vermelho ) e 430
réis(amarelo )
E - D. Pedro II denteados
- emissão: 01/07/1866
- desenho: efígie do imperador em cores variadas
- valores: 10, 20, 50, 80, 100, 200 e 500 réis
F – D. Pedro II percê
- emissão: 01/07/1876
- desenho: efígie do imperador em cores variadas
- valores: 10, 20, 50, 80, 100, 200 e 500 réis
G- D. Pedro II “barbas brancas”
- emissão: 1877/1879
- desenho: efígie do imperador, com barbas brancas, em cores variadas
- valores: 10, 20, 50, 80, 100, 200, 260, 300 e 700 réis
H – D. Pedro II “auriverde”
- emissão: 21/08/1878
172
- desenho: efígie do imperador em moldura verde e amarela
- valores: 300 réis
I – D. Pedro II “cabeça pequena”
- emissão: 15/07/1881
- desenho: efígie do imperador em formato pequeno
- valores: 50,100 e 200 réis
J – D. Pedro II “cabeça grande”
- emissão: 07/09/1882
- desenho: efígie do imperador em formato grande
- valores: 10, 50, 100 e 200 réis
L – Cifras
-emissão: 01/01/1884
- desenho: numerais, representação do cruzeiro do sul e o Pão-de-Açúcar
- valores: 20, 50, 100, 300, 500, 700 e 1000 réis
M – D. Pedro II “cabecinha”
-emissão: 19/06/1884
-desenho: efígie do imperador em pequeno formato
-valores: 100 réis
1.1.2 – Moedas
A – Ouro
- “Pedro Menino”
. verso: valor e inscrição
. reverso: efígie do imperador, com feições infantis, revestida das insígnias do poder
173
. período de cunhagem: 1832 / 1840
. valores: 4000, 6400 e 10000 réis
- “Almirante”
. verso: valor e inscrição
. reverso: efígie do imperador, com feições jovens, com fardamento militar
. período de cunhagem: 1841 / 1848
. valores: 10000 réis
- “Papo de Tucano”
. verso: valores e inscrição
. reverso: efígie imperial, com feições mais maduras, de fardamento e suíças
. período de cunhagem: 1849 / 1851
. valores: 10000 e 20000 réis
- D. Pedro II
. verso: valores e inscrição
. reverso: efígie imperial, monarca-cidadão
. período de cunhagem: 1º tipo – 1851 / 1852 2° tipo – 1853 / 1889
. valores: 5000, 10000 e 20000 réis
B – Prata
- Brasão do Império
. verso: valor e inscrição
. reverso: brasão do Império e inscrição
. período de cunhagem: 1832 / 1867
- Monarca-Cidadão
. verso: valor, brasão do Império e inscrição
. reverso: efígie do imperador, monarca-cidadão
. período de cunhagem: 1867 / 1889
C – Cobre
174
- Brasão do Império
. verso: valor e inscrição
. reverso: brasão do Império e inscrição
. período de cunhagem: 1831 / 1834D – Bronze
- Monarca-Cidadão
. verso: brasão do Império e valor
. reverso: efígie do imperador, monarca cidadão e inscrição
. período de cunhagem: 1868 a 1889
Com relação às inscrições que encontramos nas moedas anteriormente
relacionadas, destacamos as seguintes:
- padrão OURO, PRATA e COBRE
verso: “ PETRUS II D. G. CONST. IMP. ET PERP. BRAS. DEF.”
reverso: “ IN. HOC. SIGNO. VINCE.”
- padrão BRONZE
reverso: “PETRUS II D. G. C. IMP. ET PERP. BRAS. DEF.”
1.2 – Fontes Documentais
1.2.1 - Relatórios da Repartição ou Secretaria Geral dos Negócios do Império - 1840 /
1889. Universidade de Chicago. Site:www.crl.uchicago.edu
1.2.2 - Coleção das Leis do Império. Universidade de Chicago.
Site:www.crl.uchicago.edu.
1.2.3 - Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro. Almanak
Laemmert.1844-1889. Site:www.crl.uchicago.edu
175
2) Referências Bibliográficas
ABREU, Regina. A Fabricação do Imortal: memória, História e estratégias de
consagração no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco; Lapa, 1996.
ALENCASTRO, Luiz Felipe( Org. ). História da Vida Privada no Brasil Império: a
Corte e a Modernidade Nacional. São Paulo: Cia. Das Letras, 1997.
ALMEIDA, Cícero Antonio F. de; VASQUEZ, Pedro Karp. Selos Postais do Brasil.
São Paulo: Metalivros, 2003.
ALONSO, Angela. Idéias em Movimento. A geração de 1870 na crise do Brasil
Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
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