Conforme Solange, pensar na vida antes de ter os filhos, é ver um “vazio muito
grande”.
Eu falei antes do nascimento dos meus filhos, né; é uma diferença bem grande, né,
na vida da gente; uma alegria muito grande sentir aquele bebezinho ali, né, junto da
gente e a responsabilidade, tem que cuidar e ficar, praticamente, o tempo inteiro
junto do bebezinho; exige bastante da gente, né, período integral, né, dia e noite, mas
muito, muito bom. Até, depois que a gente tem o primeiro filho, às vezes eu
comentava com meu marido, “como é que a gente podia viver antes sem ter?”. Que
ter um bebezinho em casa, né, a diferença; a diferença que é muito grande né; não dá
nem pra imaginar o que é ter uma criança dentro de casa. É muito bom. Dá bastante
trabalho, né, filhos dão muito trabalho, mas é uma coisa maravilhosa, né. Sem eles
não sei, é um vazio muito grande, né, pensar antes de ter eles é como se fosse um
vazio. Ter meus dois filhos foi uma coisa muito boa. [Solange, 106-116]
Outro aspecto ligado ao tema “tornar-se pai e mãe” é trazido por uma das
entrevistadas, Angélica. Conforme ela, a gravidez, o nascimento, sobretudo do primeiro filho,
implica perdas. E no seu caso, cuja gravidez não foi planejada e aconteceu na sua
adolescência, essas “perdas” se tornam ainda mais marcantes. É necessário frisar que toda a
entrevista de Angélica gira em torno dessa gravidez, dos conflitos familiares daí decorrentes e
das perdas que ela sofreu. São 67/93 unidades de informações para assuntos que envolvem a
sua gravidez. Conforme enfatiza Angélica, a gravidez aos dezesseis anos significou, para ela,
“largar” a adolescência, “perder toda uma etapa”, “ter que parar os estudos”, “deixar as
amizades de lado”. Além de tudo, Angélica experimentou muitos conflitos em casa, com a
mãe, em especial, e com o pai e diz que perdeu os seus direitos em casa.
Em torno de três meses, assim, se resumiu essas duas transições, que foi no
momento que engravidei e que perdi tudo que eu tinha, que eu tinha de amigos, que
eu tinha de companheiros, assim, e depois, da, dos direitos que eu tinha em casa, né.
Que daí eu tive que construir os meus direitos dentro da minha casa, né, das minhas
coisas, de lutar pelas minhas coisas. (Silêncio) [Angélica, 99-103]
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Tornar-se mãe e pai é passar para um status totalmente novo (e irrevogável). Como
diz Solange: “é uma diferença bem grande, né, na vida da gente”. Exige dedicação, tempo
integral, responsabilidade, “mas é muito bom”. Tornar-se mãe e pai é uma passagem na vida
que implica mudanças significativas, traz satisfações e alegrias, mas também perdas, como
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Detalhes do depoimento de Angélica sobre a sua gravidez, podem ser conferidos no texto que segue:
“Também por causa da minha gravidez, né, que foi, tive que largar minha adolescência, né, com dezesseis anos
engravidar, perder toda uma etapa, né, na verdade, eu perdi uma etapa, podia ta lá, né, ter feito outras coisas,
parei de estudar, né, isso daí também foi; daí eu tive que parar meus estudos, daí pra seguir outro lado, né,
deixar, deixar as amizades, no caso, de um lado; que todos, todos saíram, na verdade, saíram de perto, de perto
de mim, depois que engravidei; eu perdi todos, então, isso aí foi uma, todo mundo me deixou de lado. Eu fiquei
no mundo distante do deles, né. Como eu engravidei, eles podiam sair, se divertir, eu não, eu tinha que ficar em
casa, né. Então, isso aí, eu acho que foi uma transição, ter abandonado uma parte, uma parte de um divertimento,
né, eu podia sair com elas, podia pra qualquer lugar, né, depois aquilo ali foi abandonado.” [Angélica, 62-71]