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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM – MESTRADO
Resistência à
Resistência à Resistência à
Resistência à Punção Venosa: a “Infanto
Punção Venosa: a “InfantoPunção Venosa: a “Infanto
Punção Venosa: a “Infanto-
--
-batalha”
batalha”batalha”
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Sentimentos da enfermeira diante da criança que briga
DELAINE FIDLARCZYK
Rio de Janeiro
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM – MESTRADO
DELAINE FIDLARCZYK
Resistência à
Resistência à Resistência à
Resistência à P
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Sentimentos da enfermeira diante da criança que briga
Relatório final apresentado à Banca Examinadora como
requisito para obtenção do grau de Mestre em
Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem/Mestrado – UNIRIO.
Linha de Pesquisa: Enfermagem na atenção à saúde da
mulher, da criança.e do adolescente.
Orientadora:
Profª. Drª. Leila Rangel da Silva
Rio de Janeiro
2008
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Fidlarczyk, Delaine.
F451 Resistência à Punção Venosa : a “Infanto batalha” : sentimentos da En-
fermeira diante da criança que briga / Delaine Fidlarczyk, 2008.
100 f.
Orientador: Leila Rangel da Silva.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Federal do Esta-
do do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
1. Enfermagem. 2. Cuidados de Enfermagem. 3. Criança hospitalizada –
sentimentos. I. Silva, Leila Rangel da. II. Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro (2003-). Centro de Ciências Biológicas. Mestrado em En-
fermagem. III. Título.
CDD – 610.73
4
Folha de Aprovação
Fidlarczyk, Delaine
Dissertação: Resistência à Punção Venosa: a “Infanto-batalha” - Sentimentos da enfermeira
diante da criança que briga
Banca Examinadora
_______________________________________________________
Profa. Dra. Leila Rangel da Silva (Presidente)
_______________________________________________________
Profa. Dra. Marialda Moreira Christoffel (1ª Examinadora)
_______________________________________________________
Profa. Dra. Nébia Maria Almeida de Figueiredo (2ª Examinadora)
_______________________________________________________
Profa. Dra. Tânia Vignuda de Souza (Suplente)
_______________________________________________________
Profa. Dra. Sônia Regina de Souza (Suplente)
Parecer:
5
À Raisa & Rajla, por
permitirem que eu
experimentasse a emoção de
ser mãe e o sentimento mais
pleno: o amor.
6
Agradecimentos Especiais
Agradecimentos EspeciaisAgradecimentos Especiais
Agradecimentos Especiais
À energia mágica que move o mundo... que alguns chamam de A
AA
Amor
mormor
mor e outros, de Deus
DeusDeus
Deus.
Aos meus pais, Elza
ElzaElza
Elza e Joel
JoelJoel
Joel, por me ensinarem que o mundo existe para ser explorado e
sentido.
Ao Mario
MarioMario
Mario, que hoje representa na minha vida todas as emoções... e o sentido de viver.
Espero que possamos viver estas emoções juntos, até o recomeço!
Ao meu irmão Gláucio
GláucioGláucio
Gláucio e minha irmã Evelyn
EvelynEvelyn
Evelyn, sinto saudades das nossas brigas e
brincadeiras... que o nosso amor e amizade sejam eternos.
À Neusimar
NeusimarNeusimar
Neusimar, amiga de todas as horas e de todos os sonhos.
À Cristina Pimentel
Cristina PimentelCristina Pimentel
Cristina Pimentel, amiga do coração e prá sempre.
Ao Thiago
ThiagoThiago
Thiago, este pequeno ser de luz, fonte da minha inspiração para este trabalho.
À Leila Rangel
Leila RangelLeila Rangel
Leila Rangel, minha orientadora.... um anjo bom que Deus colocou no meu caminho.
Nem todas as palavras do mundo seriam suficientes para descrever a minha gratidão, meu
carinho e minha admiração.
À vovó Maria
vovó Mariavovó Maria
vovó Maria, vovô Ernesto
vovô Ernestovovô Ernesto
vovô Ernesto, vovó Mindla
vovó Mindlavovó Mindla
vovó Mindla e vovôJosef
vovôJosefvovôJosef
vovôJosef, sempre presentes na minha
saudade.
Aos meus amigos, de perto e de longe, que acreditaram em mim e que me ajudaram com seu
apoio, sorriso e oração: Laura Jane
Laura JaneLaura Jane
Laura Jane, Ignez
IgnezIgnez
Ignez, Claudinha Solares
Claudinha SolaresClaudinha Solares
Claudinha Solares, Rita
RitaRita
Rita, Manoel
Manoel Manoel
Manoel,
Simone
SimoneSimone
Simone, Marília
MaríliaMarília
Marília, Gesiane
GesianeGesiane
Gesiane, Slayne
SlayneSlayne
Slayne, Andrea
AndreaAndrea
Andrea, Ana Claúdia
Ana ClaúdiaAna Claúdia
Ana Claúdia, Ana Cristina
Ana CristinaAna Cristina
Ana Cristina, Wa
WaWa
Wagner
gnergner
gner, D.
D. D.
D.
Lucia
LuciaLucia
Lucia, Cacá
CacáCacá
Cacá, Daise,
Daise, Daise,
Daise, Ana Paula
Ana PaulaAna Paula
Ana Paula,
,,
, Dra. Iara,
Dra. Iara, Dra. Iara,
Dra. Iara,
Vanessa Garrot,
Vanessa Garrot, Vanessa Garrot,
Vanessa Garrot, Cristiane, Maryland e
Cristiane, Maryland e Cristiane, Maryland e
Cristiane, Maryland e
Arlene Cristina
Arlene CristinaArlene Cristina
Arlene Cristina.
À equipe de enfermagem
enfermagemenfermagem
enfermagem do HEMORIO, principalmente dos setores de Transfusão e
de Atendimento ao Doador, pelos anos maravilhosos de convivência e trabalho.
7
À minha deliciosa e maravilhosa Equipe da Seção de Documentação Médica
Equipe da Seção de Documentação MédicaEquipe da Seção de Documentação Médica
Equipe da Seção de Documentação Médica. Vocês
são mais do que funcionários, são amigos que eu aprendi a admirar. Vocês fazem parte de
cada linha deste trabalho. Muito obrigada!
Às enfermeiras
enfermeirasenfermeiras
enfermeiras que concordaram em participar do estudo, sem vocês ele não seria
possível.
Às professoras Marialda
MarialdaMarialda
Marialda
Christoffel
ChristoffelChristoffel
Christoffel e Nébia
NébiaNébia
Nébia Figueiredo
Figueiredo Figueiredo
Figueiredo, meus exemplos dentro da
enfermagem. Obrigada pelas orientações.
Às professoras Tânia
Tânia Tânia
Tânia Vignuda
VignudaVignuda
Vignuda e Sônia
SôniaSônia
Sônia, pela disponibilidade e carinho.
Às professoras Isabel Cristina
Isabel CristinaIsabel Cristina
Isabel Cristina, Enedina
EnedinaEnedina
Enedina e a “tia” Edilamar
EdilamarEdilamar
Edilamar, as primeiras a acreditarem em
mim.
Aos colegas de mestrado e, em especial, à Adriana
AdrianaAdriana
Adriana e à Marcelle
MarcelleMarcelle
Marcelle , cuja convivência em sala
de aula se transformou em uma grande amizade.
“A necessidade de amor faz part
A necessidade de amor faz partA necessidade de amor faz part
A necessidade de amor faz parte da nossa existência humana, e
e da nossa existência humana, e e da nossa existência humana, e
e da nossa existência humana, e
resulta da rede de dependência que nos une aos outros.
resulta da rede de dependência que nos une aos outros.resulta da rede de dependência que nos une aos outros.
resulta da rede de dependência que nos une aos outros.
Dalai Lama
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Resumo
A resistência da criança à punção venosa, aqui chamada “briga”, é um momento gerador de
uma variedade de sentimentos nas enfermeiras que, mesmo sem gostar de atuar em pediatria,
se vêem “obrigadas” pelo contexto institucional, a prestarem assistência a crianças. Por meio
da análise temática, este trabalho tem como objetivos descrever os sentimentos de nove
enfermeiras diante da “briga” e discutir as implicações destes sentimentos no cuidado
prestado para a realização de punção venosa. O estudo foi realizado nos setores de
Quimioterapia, Transfusão e Emergência de uma instituição pública especializada em
Hematologia e Hemoterapia do Estado do Rio de Janeiro, escolhidos por se tratarem de
setores onde quase todos os procedimentos envolvem a necessidade de punção venosa e por
atenderem clientes de todas as idades. A complexidade e variedade de sentimentos de
valoração negativa despertados nas enfermeiras pela “briga”. Isto mostra que, se por um lado
as enfermeiras sofrem, adoecem e são vítimas do contexto político-institucional de submissão
e da falta de autonomia, de outro as crianças são vítimas da imposição de práticas autoritárias
e de uma assistência fragmentada e traumatizante.
Palavras-chave: sentimentos; cuidados de enfermagem; criança hospitalizada
9
Abstract
The child resistance to venipuncture, which we call “fight” here, is a moment generator of a
variety of feelings in the nurses who, even disliking to work with paediatrics, see themselves
forced to care of children. It is a descriptive and exploratory research with qualitative
approach. Making use of the semi-structured review technique for the data collection, this
investigation aims to discuss the feelings of the nurse facing the “fight”, and also discuss the
consequences of these feelings in the care provided to the child who fights against being
punctured. The study was conducted with nine nurses who work in the Chemotherapy,
Transfusions and Emergency departments of a public institution from the state of Rio de
Janeiro, which is specialized in Hematology and Hemotherapy. These departments were
chosen because of being sectors where almost all procedures involve the need for
venipuncture and also because they take care of patients of all ages. Through thematic
analysis, the data were divided into two broad categories: “I feel” and “And now... take
care!”, where we can see that the complexity and the variety of negative evaluation feelings
which awakened in the nurses motivated by the “fight”. This shows that, if the nurses suffer,
fall ill and are victims of political-institutional context of submission and lack of autonomy,
on the other hand, the children are victims of the imposition of authoritarian practices and of a
fragmented and traumatic attendance.
Key-words: feelings; nursing care; hospitalized children
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Resumen
La resistencia del niño a la punción venosa, aquí llamada de “pelea”, es un momento
generador de una variedad de sentimientos en las enfermeras que, por más que no les guste
actuar en pediatría, se ven “obligadas” a cuidar de niños. Se trata de una pesquisa descriptiva-
exploratoria con abordaje cualitativa. Usando la técnica de entrevista semi-estructurada para
la colecta de datos, esta investigación tiene como objetivos discutir los sentimientos de la
enfermera delante de la “pelea” y discutir las implicaciones de estos sentimientos en el
cuidado prestado al niño que pelea para no ser puncionado. El estudio fue realizado con nueve
enfermeras que actúan en los sectores de Quimioterapia, Transfusión y Emergencia de una
institución pública especializada en Hematología y Hemoterapia del Estado de Río de Janeiro,
elegidos por tratarse de sectores donde casi todos los procedimientos envuelven la necesidad
de punción venosa y por atender clientes de todas las edades. A través del análisis temático,
los datos fueron divididos en dos grandes categorías: “Yo siento” y “Y ahora...tome
cuidado!”, donde observamos que la complejidad y variedad de sentimientos de valoración
negativa despertados en las enfermeras por la “pelea”. Esto muestra que, si por un lado las
enfermeras sufren, adolecen y son ctimas del contexto político-institucional de sumisión y
de la falta de autonomía, por otro lado los niños son víctimas de la imposición de prácticas
autoritarias y de una asistencia fragmentada y traumática.
Palabras-claves: sentimientos; cuidados de enfermería; niño hospitalizado
11
SUMÁRIO
Capítulo 1
Capítulo 1Capítulo 1
Capítulo 1 - Introdução
1.1 Vivências Pessoais e Profissionais
......................................................... Pág. 13
1.2 Relevância e Justificativa do Estudo
......................................................... Pág. 17
Capítulo 2
Capítulo 2Capítulo 2
Capítulo 2 – Aproximação com a temática estudada
Parte I - Hematologia
2.1 Conhecendo as doenças hematológicas
......................................................... Pág. 20
2.2 As doenças hematológicas e as crianças
......................................................... Pág. 24
Parte II – A criança:crescimento, desenvolvimento e hospitalização
2.3 Desenvolvimento da criança
............................................................................ Pág. 30
2.4 A hospitalização da criança e a Assistência de Enfermagem
................... Pág. 38
Parte III – Emoções e Sentimentos
2.5 Emoções e Sentimentos
............................................................................... Pág. 43
2.5.1 Emoções
..........................................................................
Pág. 44
2.5.1 Sentimentos
..........................................................................
Pág. 46
Capítulo
Capítulo Capítulo
Capítulo 3
33
3 – Delineamento Metodológico
3.1 Um longo caminho percorrido
........................................................................... Pág. 51
Capítulo
Capítulo Capítulo
Capítulo 4
44
4 – Resultados e Discussão
4.1 Apresentação das Categorias
.................................................................... Pág. 59
4.1.1 Categoria I – Eu sinto...
.....................................................
Pág. 60
4.1.1.a Eu sinto.... pela criança!
........................................................ Pág. 60
4.1.1.b Eu sinto.... por mim!
............................................................... Pág. 66
4.1.2 Categoria II – E agora.... Tome cuidado
.......................................
Pág. 75
Capítulo
Capítulo Capítulo
Capítulo 5
55
5 – Considerações finais
5.1 Considerações finais
....................................................................................... Pág. 86
Capítulo
Capítulo Capítulo
Capítulo 6
66
6 – Referências Bibliográficas
6.1 Referências Bibliográficas
...................................................................................... Pág. 89
Capítulo
Capítulo Capítulo
Capítulo 7
77
7 – Apêndices
7.1 Termo de Consentimento livre e Esclarecido
...................................
Pág. 96
7.2 Roterio de Entrevista
....................................................................
Pág. 97
Capítulo
Capítulo Capítulo
Capítulo 8
88
8 – Anexo
8.1 Aporvação do Comitê de ética em Pesquisa
...................................
Pág. 99
12
C
CC
C
apítulo
apítulo apítulo
apítulo 1
11
1
-
--
- Introdução
Introdução Introdução
Introdução
13
1.1 – VIVÊNCIAS PESSOAIS E PROFISSIONAIS
Relembro que quando era criança, brincava de “cientista louca”, fazendo experiência
com mistura de folhas, dando injeção em lagartas, colecionando insetos e brincando de cuidar
de animais doentes. Queria ser pesquisadora e inventora. Quando eu tinha oito ou nove anos,
meu avô materno, o vovô Ernesto, teve câncer de estômago e ficou na minha casa. Acho que
foi a minha primeira atuação como enfermeira.
Cuidava da hora do remédio, de fazer massagem em suas mãos e de ficar muito tempo
ao lado dele, ora conversando, ora calada. Ele me chamava carinhosamente de “sua
enfermeira” e, desde então, saboreei esse ópio que é o cuidar com amor.
Depois, como toda criança, cresci sonhando que seria mil coisas: professora,
aeromoça, secretária, cientista e escritora. Minha vida percorreu vários caminhos, alguns
felizes (outros nem tanto), e chegou a hora do vestibular. Intuitivamente optei pela
enfermagem, pois queria uma profissão onde eu pudesse unir ciência e o cuidar.
Ingressei com 18 anos na Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Onde me encantei com a profissão, vendo-me mergulhar no mundo que eu
havia escolhido viver. Não obstante, não foi um período sereno. Como tenho uma
personalidade muito crítica e questionadora, muitos momentos foram difíceis de serem
ultrapassados. Enfim, quando me formei estava decidida a nunca trabalhar em duas áreas:
oncologia e pediatria.
No entanto, como ninguém consegue ir contra aos desígnios divinos, meu primeiro
emprego foi em uma unidade de terapia neonatal e depois em uma escola onde trabalhava
com crianças carentes. Querendo outros ares, me aventurei em um hospital geral de uma
grande rede de saúde, que era referência para o atendimento de oncologia.
Mesmo com pouco tempo de formada e quase nenhuma experiência, desenvolvi
habilidades que chamavam a atenção da equipe de saúde e dos próprios pacientes e
acompanhantes. Duas destas, no entanto, acredito que sejam as mais importantes: a primeira é
compreender o outro, é conseguir entender o que ele precisa e respeitar esta necessidade ou
vontade ou desejo; a segunda é a habilidade para realizar punção venosa.
Porém, o contexto político, profissional e pessoal onde eu estava inserida e a minha
personalidade crítica e questionadora, aliada ao meu desejo de conhecer e experimentar novos
mundos me fez desistir da atuação em ambiente intra-hospitalar e fui trabalhar como
treinadora de equipe de higienização numa empresa multinacional.
Nesta experiência descobri mais uma habilidade: a de ensinar.
14
Apesar de gostar muito das atividades que eu exercia, tive a necessidade de voltar “a
ser enfermeira”. Foi quando comecei a trabalhar num Serviço de Hemoterapia privado,
prestando assistência aos doadores e, posteriormente, realizando transfusão de sangue.
Conclui que era a área que eu queria atuar, onde poderia exercitar e aprimorar minhas
habilidades e onde eu não precisaria cuidar de crianças nem de pacientes oncológicos.
Após cerca de cinco anos de atuação em nesta área, fui admitida, mediante concurso
público, como enfermeira do hemocentro coordenador do estado do Rio de Janeiro, o Instituto
Estadual de Hematologia e Hemoterapia Arthur de Siqueira Cavalcanti HEMORIO, onde
trabalho desde 2001.
Fui lotada no Setor de Transfusão, onde realizávamos cerca de mil e oitocentos
atendimentos por mês a pacientes, na sua maioria crianças, portadores de hemoglobinopatias,
coagulopatias e doenças onco-hematológicas.
Novamente seguindo os desígnios divinos, dediquei-me aos cuidados destes pacientes,
sempre me preocupando com a qualidade técnica, a organização do ambiente e o bem-estar
deles, principalmente das crianças, que desde muito cedo conviviam com doenças de difícil
tratamento e, em sua maioria, incuráveis.
Todos os procedimentos do setor envolviam a necessidade de punção venosa, seja para
coleta de amostras laboratoriais ou para terapia intravenosa (transfusão de hemocomponentes
e infusão de hemoderivados). Portanto, todas as nossas atividades tinham associada à sua
realização a idéia da dor. Mas eu não queria ser lembrada por estas crianças por provocar dor
e sofrimento nelas.
Adotamos, intuitivamente, estratégias para minimizar a ansiedade e os estímulos
álgicos. Decoramos a sala com motivos infantis e criamos o “Cantinho das Crianças”, um
local onde havia uma mesinha, cadeiras e brinquedos, onde as crianças podiam brincar e
desenhar. Oferecíamos o “kit bagulho”, um saquinho com algodão, seringa, tampinhas de
fator de coagulação, scalp sem agulha e curativo, para a criança brincar em casa, além das
“Medalhinhas de Campeão”, que eram adesivos coloridos que as crianças recebiam após a
punção. Desta forma, buscávamos criar uma atmosfera diferente do ambiente hospitalar,
muitas vezes frio e austero.
Tinha a consciência que proporcionava aos pacientes não o cuidado à sua doença,
mas cuidávamos dele como um todo, singular, complexo, respeitando seu direito de ser
criança.
Muitas cenas do cuidado marcaram este período de trabalho com crianças portadoras
de doenças hematológicas, porém uma foi especial e se tornou a mola propulsora deste
15
estudo. Até hoje, mesmo não mais atuando neste setor, que chefio dois anos uma seção
técnico-administrativa na mesma instituição, questiono-me sobre a conduta que adotei em
“benefício” do paciente.
Recebi no setor uma criança em idade escolar que necessitava de transfusão de
concentrado de plaquetas com urgência. Este menino era nosso conhecido e pouco
receptivo a qualquer tentativa de aproximação física, principalmente se esta aproximação
envolvesse algum procedimento “de injeção”.
O cuidado com esta criança, ao longo dos meses, fez com que eu desenvolvesse
estratégias de abordagens e habitualmente conseguia convencê-lo a realizar o procedimento,
entretanto, sempre com algum tipo de contenção. Mas nesse dia o menino estava mais agitado
e agressivo. Conversei com o médico sobre o estado dele e sobre a minha preocupação em
agitá-lo ainda mais. Não havia a possibilidade de sedação para evitar o risco de esconder um
quadro de alteração neurológica em função de risco de hemorragia no sistema nervoso central.
Diante deste quadro solicitei à equipe de contivesse a criança e realizei a punção
venosa periférica. Tal episódio, entre segurar e puncionar, não demorou mais que dois
minutos. Porém, ao fixar o dispositivo de punção e soltar o menino, que imediatamente se
acalmou ao “ver o esparadrapo”, não pude conter as minhas lágrimas. Retirei-me da sala e não
conseguia controlar o choro.
Tentei entender o que se passava comigo, porém não sei descrever a emoção que
tomou conta de mim naquele momento. Uma das técnicas de enfermagem veio ao meu
encontro perguntando-me se eu havia me machucado. A mãe veio me agradecer pelo carinho
com que eu tratava o seu filho, lembrando-me (usando suas próprias palavras), que eu havia
feito isso “pelo bem dele”. Um médico me disse que não entendia o motivo do choro e,
quando respondi que era porque eu havia segurado o menino, ele disse que “infelizmente era
necessário” (grifo meu).
Algum tempo depois fui chefiar outro setor e acabei por me afastar da assistência e
este episódio e os sentimentos despertados por ele ficaram guardados na minha memória.
Alguns anos após, fui visitar o setor de transfusão e deparei-me com o olhar “perdido” de uma
criança que estava sendo submetida à exsangüineotransfusão
1
. Perguntei para a técnica de
enfermagem o que estava acontecendo e ela disse que a menina sempre ficava assim, depois
1
Nota do autor: Exsangüineotransfusão ou transfusão de troca técnica transfusional utilizada para tratamento
e/ou prevenção de complicações da anemia falciforme, consiste na retirada de sangue do paciente com
concomitante infusão do sangue do doador, com o intuito de reduzir o percentual de hemoglobina S circulante.
(ANVISA. Manual de Diagnóstico e tratamento Condutas Básicas na Doença Falciforme. Brasília: 2001. pág.
48)
16
da “briga”. A palavra “briga” designava a resistência da criança ao ato de puncionar a veia
para realizar o procedimento.
As emoções e sentimentos daquela “briga” que eu havia experimentado ressurgiram,
aquele olhar perdido da criança, despertou-me o interesse de estudar os sentimentos que
envolvem a prática assistencial da enfermagem diante da resistência da criança à punção
venosa.
Comecei a observar, empiricamente, durante curtas visitas aos setores institucionais, os
comportamentos e reações de outras enfermeiras ao tentar puncionar outras crianças que
brigam. Cada qual adotava uma conduta, que não me cabia julgar certa ou errada, porém
pouco resolutiva na minimização da briga, culminando quase sempre na contenção da criança.
Decidi que iria estudar mais de perto esta situação da briga e optei por trazer como objeto
deste estudo os sentimentos das enfermeiras diante da criança com resistência à punção
venosa.
Vários estudos e autores nos dizem que as crianças brigam para se defender, brigam
para manterem sua integridade física, brigam para não serem afastadas de seus pais e amigos.
Porém, como nós, enfermeiras ficamos nesta briga? De que forma este cuidado necessário
(grifo meu) influencia o nosso cotidiano? Quais são os sentimentos da enfermeira diante da
criança com resistência à punção venosa, diante da criança que briga?
Objetivos:
Descrever os sentimentos da enfermeira diante da “briga” ao prestar o cuidado
à criança com resistência à punção venosa.
Discutir as implicações dos sentimentos das enfermeiras no cuidado prestado à
criança que briga, para não ser puncionada.
17
1.2 – RELEVÂNCIA E JUSTIFICATIVA DO ESTUDO
Este estudo está vinculado à linha de pesquisa Enfermagem na atenção à saúde da
mulher, da criança e do adolescente, que pertence ao Núcleo de Pesquisa, Estudos e
Experimentação em Enfermagem na Área da Saúde da Mulher e da Criança
NuPEEMC/UNIRIO, e pretende investigar os sentimentos da enfermeira diante da criança
com resistência à punção venosa, sendo esta resistência chamada de “briga”, definida por
Rocha (2000, pág. 99) como “defesa e luta” e por Ferreira (2004, pág. 188) como ”luta,
conflito, quebra de boas relações”.
Segundo Whaley e Wong (1999, g. 450) “após o primeiro ano, todas as crianças
temem a lesão corporal, seja por medo da mutilação, invasão corporal, mudança da imagem
corporal, incapacidade ou morte”. Finkel (2007) acrescenta que isto faz com que a punção
venosa, como qualquer outro procedimento invasivo, seja vivido, muito provavelmente, pela
criança como um “ataque ao corpo”, “um ataque ao seu próprio ser”.
A criança pode reagir ao cuidado oferecido com xingamento, agressões, chutes e
mordidas, pois, para o pequeno paciente, este procedimento invasivo não representa a dor,
mas também uma agressão ao seu ser, ao seu narcisismo, uma perda de controle, um maltrato,
uma ofensa e uma punição. A criança defende-se de algo que dói e, principalmente, expressa
uma retaliação, raiva pela ofensa, pela humilhação sentida, pelo medo da mutilação e pelo
temor de perder o amor de seus pais. (FINKEL, 2007)
A doença, principalmente a doença crônica, segundo Vieira e Lima (2002), faz com que
a criança vivencie outros sentimentos como: culpa, medo, raiva, angústia, depressão e apatia.
Estes sentimentos, nem sempre demonstrados com clareza, são traduzidos pelo
comportamento da criança que, muitas vezes, dificultam a realização dos procedimentos e a
adesão ao tratamento, fazendo este processo de cuidar algo doloroso e angustiante.
Finkel (2007) diz que os procedimentos invasivos trazem uma complexidade de
representações psicológicas para as crianças, indo além da dor física, sendo o grande desafio
da equipe de saúde levar à criança a “sentir-se tratada e não maltratada”.
Desse modo, ao prestar atendimento à criança, cabe ao profissional de saúde fazer com
que esta se sinta cuidada, respeitando suas necessidades físicas, emocionais e sua
singularidade neste momento de sua vida. É preciso fazê-la sentir-se cuidada e o
malcuidada. O cuidado, o cuidar é a essência da enfermagem.
Observa-se, frequentemente, a briga no momento da punção venosa periférica que é dos
procedimentos de enfermagem mais realizado no ambiente hospitalar (TORRES, 2003).
18
Apesar da aparente simplicidade, tendo em vista a grande freqüência em que este
procedimento é realizado, é um procedimento complexo que depende de habilidade motora do
técnico, conhecimentos de anatomia e fisiologia, além de habilidade para interagir com o
paciente, pois se trata de um procedimento doloroso e que, culturalmente, é rejeitado e traz
associada à sua realização o castigo, o medo e a dor.
A enfermeira precisa estar apta a desenvolver o procedimento de punção venosa mas,
durante o atendimento da criança, precisa ser capaz de analisar o ambiente, identificar os
estressores e delinear as intervenções de enfermagem que minimizem a dor e o estresse da
criança.
O estudo dos sentimentos das enfermeiras diante da sua prática profissional,
principalmente em momentos de conflitos e angústias, como se pode configurar a resistência
da criança, discutindo esta situação integralizando técnica, ciência, cultura, sociedade e ética,
irá trazer novas conhecimentos, informações e questionamentos sobre a formação acadêmica
e contexto profissional do enfermeiro.
De acordo com Morin (2006, págs. 13-7), a hiperespecialização, que cada vez mais
dissemina os saberes fragmentados que pode ser representada, neste estudo, pela assistência
especializada em pediatria (uma vez que o sujeito do cuidado é a criança) e pela
especialização em hematologia e hemoterapia (já que a instituição é uma instituição
especializada), entra em divergência com a realidade multidimensional e polidisciplinares.
“Os problemas particulares só podem ser posicionados e pensados corretamente em seus
contextos, e o próprio contexto desses problemas deve ser posicionado, cada vez mais, no
contexto planetário.” (Morin, 2006, pág. 14).
Morin (2006, pág. 17) afirma que “os conhecimentos fragmentados servem para usos
técnicos.” Porém, quando a técnica se aplica ao cuidado e o cuidado se refere ao sujeito, a
complexidade do próprio sujeito biológico, social, espiritual, cultural, emocional a
necessidade da contextualização do saber técnico é imperiosa.
No entanto, esta discussão não será confinada à formação do profissional, ela extrapola
os muros acadêmicos e mergulha na prática assistencial, apresentando estratégias e sugestões
no aprimoramento e melhoria da assistência das crianças portadoras ou não de doenças
hematológicas.
19
C
CC
C
apítulo
apítulo apítulo
apítulo 2
22
2
Aproximação com a temática estudada
Aproximação com a temática estudadaAproximação com a temática estudada
Aproximação com a temática estudada
20
Parte I
Parte IParte I
Parte I
-
--
- Hematologia
Hematologia Hematologia
Hematologia
2.1 – CONHECENDO AS DOENÇAS HEMATOLÓGICAS
2.1.1 – Doenças genéticas da hemoglobina:
Doença Falciforme as síndromes falcêmicas integram um grupo de doenças onde
herança do gene de β-globina S. A anemia de células falciformes homozigota (HbSS) é a mais
comum e é causada pela substituição do ácido glutâmico por valina na posição 6 da
hemoglobina.
A manifestação da HbSS é muito variável, com alguns pacientes tendo vida quase
normal enquanto outros sofrem graves crises que podem ser vasoclusivas, viscerais, aplásticas
e hemolíticas. A anemia falciforme é caracterizada por anemia hemolítica crônica e
fenômenos vasoclusivos que levam às crises dolorosas agudas e à lesão tecidual e orgânica
crônica e progressiva. O fenômeno de afoiçamento dos eritrócitos é responsável por todo o
quadro fisiopatológico apresentado pelos portadores de anemia falciforme.
A combinação da hemoglobina S com outros defeitos genéticos da hemoglobina
originam outras doenças: hemoglobinopatia C, hemoglobinopatia D e hemoglobinopatia E.
(HOFFBRAND, 2006, págs. 91-96).
Talassemia constituem um grupo heterogêneo de doenças de doenças genéticas que
resultam da diminuição do ritmo de síntese de cadeias α ou β. (HOFFBRAND, 2006, pág. 81)
As síndromes de α-talassemias são causadas geralmente por deleção de genes e a gravidade
clínica está relacionada com o número de genes que faltam ou estão inativos.
As síndromes de β-talassemia são provocadas por mutações pontuais de genes. A β-
talassemia maior tem como característica clínica a anemia grave, a hepatoesplenomegalia,
expansão dos ossos causada pela hiperplasia medular. O paciente deve ser mantido em
esquema de hipertransfusão e está sujeito à sobrecarga de ferro e suas complicações em
função deste tratamento. O paciente é susceptível a infecções.
Ainda existem a talassemia intermediária (de gravidade moderada) e a talassemia menor
(geralmente assintomática). (HOFFBRAND, 2006, págs. 81-91).
2.1.2 – Pancitopenias
:
21
A pancitopenia é a diminuição, no hemograma, de todas as principais linhagens de
células eritrócitos, leucócitos e plaquetas em decorrência da diminuição da função da
medula óssea ou aumento da destruição periférica.
Anemia Aplástica definida como uma pancitopenia resultante de aplasia medular.
Pode ser congênita (primária ou adquirida) doença de Fanconi e a anemia aplástica
adquirida ou secundária, que é quase sempre causada por lesão direta da medula óssea por
radiação e drogas citotóxicas. A doença também pode aparecer depois de hepatite viral.
Aplasia eritróide pura trata-se de uma síndrome rara, caracterizada por anemia com
leucócitos e plaquetas normais e eritroblastos muito baixos ou ausentes na medula óssea. A
forma congênita é conhecida como síndrome de Diamond-Blackfan e é herdada como doença
recessiva. A forma adquirida crônica pode ocorrer de forma idiopática ou pode ser observada
com algumas doenças auto-imunes.
Anemias desitropoética congênita são um grupo de anemias hereditárias
caracterizada por eritropoese ineficaz e eritroblastos multinucleados, com contagem de
leucócitos e plaquetas normais. A gravidade da anemia é variável e quase sempre notada na
primeira infância. (HOFFBRAND, 2006, págs. 98-105).
2.1.3 – Leucemias:
As leucemias são um grupo de doenças caracterizadas pelo acúmulo de leucócitos
malignos na medula óssea e no sangue. Essas células anormais causam sintomas por
insuficiência na medula óssea (anemia, trombocitopenia, neutropenia) e por infiltração dos
órgãos (fígado, baço, linfonodos, meninges, cérebro, pele e testículos).
Classificam-se em quatro tipos: leucemias agudas mielóides, leucemias agudas
linfóides, leucemias crônicas mielóides e leucemias crônicas linfóides.
Leucemia linfoblástica aguda (LLA) doença maligna mais comum na infância, com
incidência mais alta entre 3 e 7 anos. Seu quadro clínico é caracterizado por anemia, palidez,
letargia, dispnéia, neutropenia, febre, mal-estar, infecção da boca, gargamta, pele, vias aéreas
e outras infecções, plaquetopenia, equimoses espontâneas, sangramento gengival, púrpura e
22
petéquias. pode cursar, em caso de infiltração de órgãos, com dor óssea, linfaoadenopatia,
hepatoesplenomegalia e síndrome meníngea (cefaléia, náusea, võmito, visão turva e diplopia).
Leucemia mielóide aguda (LMA) a doença ocorre em todas as faixas etárias.,
representando cerca de 10 a 15% das leucemias na infância. As características clínicas são
semelhantes às da LLA.
Leucemia mielóide crônica (LMC) a doença ocorre mais frequentemente entre as
idades de 40 e 60 anos, porém pode aparecer em crianças e em recém-nascidos. Suas
características clínicas são: perda de peso, anorexia e sudorese noturna, esplenomegalia,
anemia, palidez, dispnéia e taquicardia, equimoses, epistaxe, e outros episódios hemorrágicos.
Leucemia linfocítica crônica (LLC) é a mais comum leucemia linfóide e acometem
idosos (60 e 80 anos), sendo muito rara antes da quinta década de vida. O sinal clínico mais
freqüente é o aumento simétrico de linfonodos e sinais e sintomas da anemia podem estar
presentes. (HOFFBRAND, 2006, págs. 106-206).
2.1.4 – Linfomas:
Os linfomas são um grupo heterogêneo de doenças causadas por linfócitos malignos que
usualmente se acumulam nos linfonodos e produzem o quadro clínico característico de
linfonodopatia. São divididos em: Doença (ou linfoma) de Hodgkin e linfoma não-Hodgkin.
Linfoma de Hodgkin A doença pode surgir em qualquer idade, porém tem picos de
incidência na terceira década e no idoso. Há predominância no sexo masculino (2:1). A
maioria dos pacientes apresenta aumento assimétrico de linfonodos, indolores à palpação.
Pode ocorrer esplenomegalia (50% dos casos), envolvimento do mediastino (6 a 11% dos
casos). Os sintomas/sinais gerais são proeminentes em pacientes com doença disseminada.
Pode-se observar: febre, prurido intenso, perda de peso, sudorese profusa, fraqueza, fadiga,
anorexia e caquexia.
Linfoma não-Hodgkin constituem um grupo diverso de doenças, variando desde de
tumores altamente proliferativos e rapidamente fatais até alguns dos tumores malignos mais
bem tolerados e indolentes encontrados em humanos. As caracterísitcas clínicas são:
23
linfoademopatia superficial, febre, sudorese noturna e perda de peso (menos freqüentes do
que na doença de Hodgkin). Pode ocorrer anemia, neutropenia com infecções e
trombocitopenia. O fígado e baço estão quase sempre aumentados. (HOFFBRAND, 2006,
págs. 207-222)
2.1.5 – Doenças hemorrágicas:
Púrpura trombocitopênica imune (PTI) pode ser dividia em crônica e aguda. A PTI
crônica é mais comum em mulheres com idade entre 15 e 50 anos. A sua patogenia resulta da
ação de anticorpos, usualmente IgG, contra as plaquetas, provocando sua destruição e
remoção prematura da circulação. Aparecimento é insidioso com petéquias, equimoses e
metrorragia.
A PTI aguda é mais comum em crianças. Em 75% dos casos, o episódio segue a
vacinação ou infecção. A maioria dos casos deve-se à ligação de imunocomplexos
inespecíficos. As remissões espontâneas são usuais. Em 5 a 10% dos casos, a doença torna-se
crônica (duração superior a seis meses).
Púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) Ocorre nas formas hereditária e
adquirida. A PTT é caracterizada por febre, trombocitopenia intensa, anemia hemolítica
microangiopática e sintomas neurológicos. O tratamento é realizado com troca de plasma e
pulsoterapia. As recidivas são freqüentes. A transfusão de plaquetas é contra-indicada.
(HOFFBRAND, 2006, págs. 245-268).
2.1.6 – Coagulopatias hereditárias:
Foram descritas deficiências hereditárias da de todos os fatores da coagulação, sendo
que as deficiências de fator VIII (hemofilia A), de fator IX (hemofilia B) e de fator de vW
(doença de von Willebrand) são as mais comuns. As demais deficiências são raras.
Hemofilia A é a mais comum das deficiências hereditárias de fatores da coagulação e
está ligada ao cromossomo X. O defeito é a ausência ou um baixo nível plasmático de fator
VIII. Caracteriza-se clinicamente por hemorragia profusa, hemorragia em articulações e
tecidos moles, equimoses e hematomas musculares. Pode ocorrer hematúria espontânea e
hemorragia gastrointestinal.
24
A gravidade da doença correlaciona-se com a extensão da deficiência do fator: grave
atividade do fator < 1%, moderada atividade do fator entre 1-5% e leve atividade do fator
entre 5-20%.
O tratamento é feito com administração intravenosa de concentrado de fator VIII (todas
as gravidades) e acetato de desmopressina (DDAVP) nos casos de hemofilia A leve ou
moderada.
Hemofilia B a herança genética e as características clínicas são idênticas à da
hemofilia A, porém o fator deficiente é o IX. Os episódios de sangramento são tratados com
administração intravenosa de concentrado de fator IX.
Doença de von Willebrand nesta doença diminuição do nível ou função anormal
do FvW, que é responsável pela promoção da adesão de plaquetas ao endotélio lesado. A
gravidade do sangramento é variável nos diferentes tipos. Tipicamente sangramento de
mucosas, epistaxe, gengivorragia, perda sanguínea excessiva depois de cortes e escoriações
superficiais, cirurgia e traumatismo. Hematomas musculares e hemartroses não são comuns,
exceto na doença tipo 3.
O tratamento é feito com administração de concentrado de FVIII rico em multímeros de
vW e uso de acetato de desmopressina nos tipos mais brandos da doença. (HOFFBRAND,
2006, págs. 269-273).
2.2 – As doenças hematológicas e as crianças
2.2.1 – Hemoglobinopatias:
As manifestações fisiopatológicas na anemia falciforme, a doença falciforme de maior
incidência no Brasil, são ocasionadas pela obstrução vascular causada pelos eritrócitos
falciformes e pela hemólise aumentada.
As manifestações clínicas variam quanto à freqüência e à gravidade. As mais
importantes são: as crises álgicas, o seqüestro esplênico, a síndrome torácica, o acidente
vascular cerebral e o priapismo (no caso dos meninos). (WHALEY E WONG, 1999, g.
812-4).
25
Atualmente, no Brasil, as hemoglobinopatias fazem parte do Programa Nacional de
Triagem Neonatal. (RAMALHO, MAGNA e PAIVA-E-SILVA, 2003, pág. 1195-96).
Quando a doença não é diagnosticada no início da lactância, é provável que os sintomas
apareçam até a fase pré-escolar. Como não existe cura, o tratamento tem como objetivo
reduzir o fenômeno de falcização e assistência durante as crises.
A prevenção das crises da doença falciforme consiste e manter a hemodiluição e
minimizar a vasoconstrição. De acordo com Whaley e Wong (1999, pág. 814), “a
implementação bem-sucedida deste objetivo depende mais frequentemente das intervenções
de enfermagem do que de terapias médicas”.
Para evitar as crises dolorosas, a criança deve manter-se hidratada, ingerindo bom
volume de líquidos, evitando desgaste físico, mantendo boa dieta. A criança deve manter
atualizado seu esquema vacinal, além de receberem vacinas contra meningococos e
pneumococos, a fim de evitar tais infecções. Cuidados com higiene, alimentação e estresse
físico e biológico também são importantes. (PILLITTERI, 1999, p. 718).
O programa preventivo proposto inclui: monitorização do crescimento e
desenvolvimento; educação da criança e da família sobre o que a doença falciforme e como
prevenir e tratar crises e agravos da doença (BRASIL, 2002, pág. 53).
O tratamento clínico é sintomático e consiste de hidratação venosa, analgesia,
antibioticoterapia e terapia transfusional.
Figura 1 – Complicações da vasoclusão causada pelas células falciformes.
Adaptado de Whaley e Wong, 1999, pág. 813.
Obstrução Vascular
AVC
Paralisia
Morte
Retinopatia
Cegueira
Pneumonia
Síndrome torácica
Hepatomegalia
Esplenomegalia
Dor abdominal
Hematúria
Priapismo
Dor
Osteomielite
Úlceras crônicas
(adultos)
Hemólise
Anemia
26
A talassemia, derivada da palavra grega thalassa (=mar) é aplicada a uma variedade de
distúrbios hematológicos hereditários, caracterizados por deficiência na produção de cadeias
específicas de globina na hemoglobina. A mais comum é a β-talassemia.
A fisiopatologia está relacionada ao aumento da hemólise e a instalação da anemia
grave, que leva a um aumento da produção de eritrócitos e conseqüente hiperplasia medular.
Habitualmente o diagnóstico é feito na segunda metade da fase de lactância.
O tratamento de suporte é o programa de hipertransfusão, com o intuito de manter a
hemoglobina acima de 10 g/dL, inibindo a expansão da medula, as deformidades ósseas e
permitir o crescimento.
Porém, o excesso de ferro decorrente das transfusões e da hemólise celular, leva à
hemossiderose (sobrecarga de ferro), que é combatido com o uso de terapia de quelação.
A maioria das crianças tratadas adequadamente com transfusão sanguínea e terapia
quelante sobrevivem até a idade adulta. A causa mais comum de morte são as complicações
cardíacas provenientes da sobrecarga de ferro. (WHALEY E WONG, 1999, pág. 817).
As crianças portadoras de anemia falciforme e talassemia, desde muito cedo convivem
com a dor, complicação da própria doença e conseqüente a intervenções terapêuticas. Além
disto, as freqüentes idas aos serviços de saúde também interferem na sua convivência escolar
e social.
Por se tratar de uma doença genética, frequentemente os pais se sentem responsáveis e a
família também precisa ser estimulada a discutir seus sentimentos.
Um aspecto extremamente relevante, no caso da anemia falciforme, é o cuidado que
deve ser ter com a orientação da família na identificação dos sinais e sintomas das
intercorrências, até que a família demonstre ter compreensão da doença, suas conseqüências e
das formas de prevenir e identificar as complicações da anemia falciforme. (WHALEY E
WONG, 1999, pág. 816).
Na talassemia, a meta do atendimento de enfermagem é ajudar a criança a enfrentar o
tratamento e os efeitos da doença, também ajudando a família a compreender o processo
fisiopatológico e a necessidade do tratamento.
Desta forma, a assistência de enfermagem às crianças portadoras de talassemia e as
doenças falciformes deve ser visualizar três aspectos principais: a idade, as complicações das
doenças e a adesão ao tratamento.
Uma parte do tratamento das hemoglobinopatias é a realização freqüente de
transfusão. Realizar e supervisionar a transfusão de componentes é uma atribuição do
enfermeiro (Resolução COFEN 306/2006).
27
O desafio da assistência de enfermagem é compreender o cuidado que o estado físico e
emocional da criança necessita, prestando apoio e assistência adequados para a superação da
crise e para a boa integração da criança com o mundo, minimizando os fatores estressantes do
tratamento.
2.2.2 – Citopenias:
Dentre as citopenias, a anemia aplástica se configura na doença mais comum e pode ser
primária (congênita) ou secundária (adquirida). Um exemplo de aplasia hereditária é anemia
de Fanconi.
As causas mais comuns de anemia Aplástica adquirida são: infecções por parvovírus
humano, hepatite, infecção maciça, irradiação, uso de fármacos (quimioterápicos e alguns
antibióticos), exposição a substâncias químicas industriais e, algumas vezes, não se pode
identificar a causa precipitante. (WHALEY E WONG, 1999, pág. 818).
O tratamento visa restaurar a função da medula óssea e envolve a terapia
imunossupressora e/ou reposição da medula óssea através do transplante.
Como o cuidado com a criança com anemia aplástica é muito semelhante com o cuidado
prestado à criança com leucemia, ele será discutido adiante.
2.2.3 – Leucemias (Distúrbios neoplásicos):
A leucemia, o câncer dos tecidos hematopoiéticos, é a doença neoplásica mais comum
na infância. O termo leucemia se refere a um grupo de doenças malignas da medula óssea e
do sistema linfático, porém, com o desenvolvimento das técnicas diagnósticas e vários
estudos realizados, revelam que se trata de uma doença complexa e de heterogeneidade
variável. A identificação do subtipo de leucemia implica diretamente no tratamento e
prognóstico.
Nas crianças as formas mais comuns são: a leucemia linfóide aguda (LLA) e a leucemia
mielóide aguda (LMA).
A leucemia é uma proliferação irrestrita de leucócitos imaturos nos tecidos
hematopoiéticos do organismo. A condição patológica e suas manifestações clínicas são
causadas por infiltração e substituição de qualquer tecido do organismo pelas células
leucêmicas não-funcionais. (WHALEY E WONG, 1999, pág. 823).
28
Os sinais e sintomas mais comuns são: anemia, infecção e tendência hemorrágica.
Também há enfraquecimento ósseo e pode levar à dor intensa (com a invasão do periósteo).
aumento e posterior fibrose do baço, fígado e linfonodos. A hepatoesplenomegalia é
tipicamente mais comum do que a linfadenopatia. Também podem comprometer o sistema
nervoso central (SNC).
Para realizar o diagnóstico, observa-se no sangue periférico a presença de formas
imaturas de leucócitos associada à baixa contagem hematológica. O diagnóstico definitivo
baseia-se na biópsia da medula óssea, que apresenta hipocelular, sendo constituída
tipicamente de células blásticas.
O tratamento envolve o uso de agentes quimioterápicos, com ou sem irradiação craniana
e envolve três fases: indução, tratamento profilático do SNC e terapêutica de manutenção.
De acordo com Whaley e Wong (1999, g. 824) “embora o tratamento vigoroso do
câncer na infância venha produzindo notável melhora nos índices de sobrevida, existe uma
preocupação crescente quanto aos efeitos tardios”.
O cuidado de enfermagem à criança com leucemia está intimamente relacionado ao
esquema terapêutico proposto. Ressalta-se que o diagnóstico de leucemia gera uma grande
ansiedade na família.
Os testes terapêuticos e o próprio tratamento são traumáticos e dolorosos, por isso a
criança deve ser preparada e estimulada a participar do seu tratamento, devendo ser explicada,
de acordo com sua maturidade e desenvolvimento, porque e como será feito cada
procedimento. Também se pode empregar medidas farmacológicas e não-farmacológicas para
minimização do desconforto e da dor deste tratamento.
Ainda é preciso prevenir as complicações da mielossupressão, que resulta em processos
infecciosos, hemorrágicos e anemia. Ainda os efeitos colaterais previsíveis (náusea,
vômito, anorexia, ulcerações da mucosa gastrintestinal, neuropatia, cistite hemorrágica e
alopecia) da quimioterapia e outros que indicam toxicidade. As enfermeiras devem estar
atentas e aptas para reconhecer e diferenciar tais reações.
A esteroideterapia provoca alteração da imagem corporal, com o intumescimento e
arredondamento da face (face de “lua cheia”) e alterações do humor. (WHALEY E WONG,
1999, pág. 827).
A assistência de enfermagem às crianças portadoras de linfomas e leucemias
doenças onco-hematológicas – deve trazer como premissa que o enfermeiro cuida da pessoa, e
não de uma doença. O cuidado deve ser como forma de relacionamento com o outro e deve
29
ajudar este pequeno ser a caminhar adiante em sua nova concepção de vida. (NASCIMENTO,
2003, pág. 35).
De acordo com Nascimento e Rocha (2005, pág. 470), a família e a criança enfrentam
problemas como grandes períodos de hospitalização, reinternações freqüentes, terapêuticas
agressivas com efeitos colaterais indesejáveis, separação da família, interrupção das suas
atividades diárias, desajustes financeiros, limitações na capacidade de compreender o
diagnóstico e a evolução da doença, angústia, dor, sofrimento e o medo constante da morte.
A criança com câncer esfragilizada e tem sua vulnerabilidade aumentada. Ela se
num mundo novo e assustador. A enfermagem necessita cuidar deste pequeno ser,
considerando todos os aspectos que agora circundam a sua vida e se constitui num novo olhar
de seu mundo biológico, emocional, social e espiritual.
Nascimento e Rocha (2005, pág 471) nos contam que, num estudo realizado com pais
e crianças portadoras de câncer, a qualidade do cuidado foi avaliada através do grau de
confiança e simpatia transmitido pela equipe; da experiência profissional, conhecimentos e
habilidades em lidar com crianças; do oferecimento de informações sobre a doença e
terapêutica, principalmente no início do tratamento e da disponibilidade de equipamentos ma
unidade para a criança.
Ainda segundo as autoras, “a enfermagem precisa desenvolver métodos de abordagem
que apreendam as necessidades de assistência das crianças, particularizando o cuidado de
acordo com a singularidade de cada caso”.
2.2.4 – Linfomas:
Os linfomas formam o grupo de doenças neoplásicas que se originam dos sistemas
linfóides e hematopoético. Antes da adolescência, o linfoma mais comum é o Não-Hodgkin e,
após esta fase, a Doença de Hodgkin é mais freqüente.
A Doença de Hodgkin afeta principalmente os linfonodos e suspeita-se do diagnóstico
com base nas manifestações clínicas (febre baixa e/ou intermitente, anorexia, náusea, perda de
peso, sudorese noturna, prurido) e detecção dos linfonodos aumentados.
As principais modalidades de tratamento incluem a radiação e quimioterapia.
O cuidado de enfermagem tem os seguintes objetivos: preparação para os
procedimentos diagnósticos e terapêuticos; orientação da criança e dos familiares sobre os
efeitos colaterais do tratamento, apoio à criança e aos familiares. (WHALEY E WONG, 1999,
pág. 830-1).
30
O linfoma Não-Hodgkin (LNH), na criança difere notavelmente do LNH do adulto e da
Doença de Hodgkin, sendo mais difuso do que nodular, a disseminação é mais precoce e
rápida, comumente há comprometimento mediastínico e invasão de meninges.
As manifestações clínicas dependem do local anatômico e da extensão do
comprometimento e incluem os sintomas orgânicos decorrentes da compressão pressão
exercida pelo aumento dos linfonodos adjacentes (p.ex. obstrução intestinal, obstrução de vias
aéreas, paralisia de nervos cranianos ou espinhal), além de febre, anorexia e outros
sinais/sintomas observados nas leucemias.
O protocolo de tratamento do LNH inclue o uso agressivo da quimioterapia e irradiação.
São divididos em fase de indução, consolidação e manutenção; alguns incluem terapia
intratecal. O prognóstico para crianças com doença localizada é excelente e as remissões a
longo prazo são possíveis para muitos pacientes.
O cuidado de enfermagem a criança com LNH é muito semelhante ao de crianças com
leucemia, sendo direcionado para o controle dos efeitos colaterais dos quimioterápicos e
fornecimento de cuidado de suporte à criança e sua família. (WHALEY E WONG, 1999, pág.
837).
2.2.5 – Doenças Hemorrágicas:
As púrpuras são distúrbios hemorrágicos caracterizados por trombocitopenia
(plaquetopenia). A púrpura trambocitopênica imunológica (PTI), também chamada de
idiopática por alguns autores, ocorre de forma aguda e autolimitada, sendo comumente
observada após infecções virais, principalmente as viroses comuns da infância.
As manifestações clínicas da PTI são: petéquias e equimoses, hemorragias espontâneas
(epistaxe, gengival, hematúria), hematomas de membros inferiores e articulações (hemartrose)
na presença plaquetopenia severa.
O tratamento é primariamente de suporte, com restrição das atividades físicas, uso de
corticosteróides quando há grande risco hemorrágico. No caso de prolongamento do quadro se
aconselha a utilização de imunoglobulina intravenosa e, nas crianças com doenças crônicas
sintomáticas, não responsivas ao tratamento, a realização de esplenectomia.
A maioria das crianças apresenta evolução autolimitada sem complicações graves.
O cuidado de enfermagem é direcionado para o controle e prevenção dos episódios
hemorrágicos, com orientação cuidadosa da criança e seus pais sobre a terapêutica utilizada e
31
a importância de apoio aos esforços para cumprir as etapas do tratamento. (WHALEY E
WONG, 1999, pág. 821).
Para púrpura trombocitopênica trombótica (PTT), caracterizada por febre,
trombocitopenia intensa, anemia microangiopática e sintomas neurológicos, o tratamento é
realizado com transfusões de plasma e pulsoterapia. No caso da PTT, a plasmaférese é um
processo onde o plasma do paciente é seletivamente separado através de uma processadora
automática, permitindo a infusão de grande volume de plasma de doador.
A dificuldade de acesso venoso e o pequeno volume sanguíneo das crianças podem
limitar a possibilidade de utilização desta forma de terapia em crianças pequenas.
O cuidado de enfermagem é direcionado ao conforto, manutenção do acesso venoso,
cuidados na transfusão de sangue, identificação e controle de episódios hemorrágicos e
orientação da criança e familiares sobre terapêutica utilizada. (HOFFBRAND, 2006, gs.
245-68; e WHALEY E WONG, 1999, pág. 842-4).
2.2.6 – Coagulopatias hereditárias (Defeitos da Hemostasia):
De acordo com Whaley e Wong (1999, pág. 819) “a hemostasia é o processo que
interrompe o sangramento quando ocorre a lesão de um vaso sanguíneo.” Para que isto ocorra
é necessária a presença de fatores e coagulação vasculares e plasmáticos, além das plaquetas.
Este processo ocorre de maneira complexa, num sistema de coagulação, anticoagulação e
fibrinólise, que permite a formação do coágulo somente no local da lesão vascular.
A disfunção neste complexo sistema resulta em disfunção da coagulação, sangramento
ou coagulação anormal.
A hemofilia é a denominação usada para referir-se a um grupo de distúrbios
hemorrágicos caracterizados pela deficiência de um dos fatores de coagulação. As duas
formas mais comuns são: hemofilia A (deficiência de fator VIII) e hemofilia B (deficiência de
fator IX). Esta deficiência leva ao aparecimento de episódios hemorrágicos espontâneos e
prolongados, de acordo com a gravidade da doença (relacionada à atividade do fator de
coagulação). A hemofilia pode ser leve, moderada ou grave.
O principal tratamento da hemofilia consiste na reposição do fator de coagulação
deficiente. Um cumprimento regular de um programa de exercícios e/ou fisioterapia constitui
um aspecto importante do tratamento, pois fortalece a musculatura em torno das articulações
(mais afetadas nos casos mais graves de hemofilia).
32
A conduta de enfermagem consiste na orientação da criança e familiares, no
treinamento dos pais para identificação de sangramentos, em medidas de contenção dos
episódios hemorrágicos e no treinamento para administração de fatores de coagulação no lar,
pois quanto mais precoce o início do tratamento, menor é a probabilidade de complicações. A
enfermeira deve estimular a orientação familiar para que a doença não se transforme num
fator de desorganização familiar, para que a criança consiga manter sua regularidade de
freqüência na escola e que estimule o aumento da auto-estima da criança.
Embora não haja cura, o tratamento correto impede a ocorrência de deformidades
articulares e a criança pode levar uma vida normal. (WHALEY E WONG, 1999, pág. 819-21)
33
Parte I
Parte IParte I
Parte II
I I
I –
– A criança: crescimento, desenvolvimento e
A criança: crescimento, desenvolvimento e A criança: crescimento, desenvolvimento e
A criança: crescimento, desenvolvimento e hospitalização.
hospitalização.hospitalização.
hospitalização.
2.3 – Desenvolvimento da Criança
O desenvolvimento do indivíduo se dá através de diversas áreas: biológica, emocional,
intelectual, neurológica e cognitiva. Todavia, é preciso considerar o estabelecimento das
relações humanas, as emoções, os desejos e a forma de organização do pensamento. Segundo
Moreira (2002, pág. 32), não uma concordância entre os autores sobre a melhor
conceitualização sobre o funcionamento humano, porém todos concordam que cada área
contribui com o desenvolvimento de um todo, merecendo, desta forma, consideração.
No seleto grupo de teóricos do desenvolvimento infantil, encontra-se o psicólogo e
biólogo Jean Piaget que, na sua teoria do pensamento cognitivo, refutou a idéia reinante até o
início do século XX, de que a criança pensava e raciocinava da mesma maneira que o adulto.
A crença da maior parte das sociedades era a de que qualquer diferença entre os processos
cognitivos entre crianças e adultos era, sobretudo de grau: os adultos eram superiores
mentalmente, do mesmo modo que eram fisicamente maiores, mas os processos cognitivos
básicos eram os mesmos ao longo da vida. (ZACHARIA, 2006).
Zacharia (2006) afirma que, para Piaget, a criança é concebida como um ser dinâmico,
que a todo o momento interage com a realidade, operando ativamente com objetos e
pessoas. Essa interação com o ambiente faz com que construa estruturas mentais e adquira
maneiras de fazê-las funcionar. O eixo central, portanto, é a interação organismo-meio e essa
interação acontece através de dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação
ao meio, funções exercidas pelo organismo ao longo da vida.
O psicanalista Erickson diz que o desenvolvimento da criança se a partir da
integração dos três processos: biológico, social e individual, que se influenciam mutuamente.
Ele divide o desenvolvimento infantil em oito fases: (1) 0 a 1 ano de idade: sensório-oral, fase
da confiança; (2) 1 a 2 anos: músculo-anal, fase da autonomia; (3) 3 a 6 anos: genital-
locomotor, fase da iniciativa; (4) 6 a 12 anos: latência, fase da produtividade, aprendendo a
construir ao invés de se sentir inferior. A criança adquire noções sicas da vida em
sociedade; (5) 12 a 18 anos: turbulência, fase da identidade; (6) 19 a 30 anos, fase da
intimidade; (7) 30 a 50 anos, fase da criação; e (8) a partir de 50 anos de idade, a fase da
sabedoria. (MOREIRA, 2002, p. 33; ERICKSON, 2004 e ERICKSON, 1976).
34
Moreira (2002) afirma que por meio da interação com outras pessoas a criança
constrói as suas características, como seu modo de pensar, agir e sua visão de mundo. Este
processo de “individualização”, de construção de identidade, não se somente na infância,
acompanha a pessoa ao longo da vida.
A criança deve ser concebida como um ser dinâmico, que a todo o momento interage
com a realidade (ZACHARIA, 2006). A maneira como a criança responde à presença de uma
doença crônica dependerá de fatores relacionados à própria doença, relacionados à criança e
relacionados à família. Assim, as implicações de longo prazo da doença crônica orgânica
sobre o desenvolvimento cognitivo, social e emocional também diferem consideravelmente
dependendo da interação desses vários fatores. (PICCININI, 2003)
2.3.1 – Considerações do desenvolvimento da Criança
De acordo com Whaley e Wong (1999, g. 74), o crescimento e desenvolvimento da
criança expressam o somatório de numerosas alterações que ocorrem durante a vida e um
indivíduo, que engloba várias dimensões: (a) crescimento – aumento do número e no tamanho
de células, que resulta em aumento de peso e tamanho; (b) desenvolvimento avanço
individual a partir de estágios mais inferiores para mais avançados em complexidade; (c)
maturação aumento na competência e na adaptabilidade, usualmente utilizado para
descrever uma alteração qualitativa; e (d) diferenciação modificação sistematizada de
células e estruturas iniciais, para atingir propriedades físicas e químicas específicas,
desenvolvimento de atividades e funções simples para mais complexas.
Os padrões de crescimento e desenvolvimento definidos e previsíveis, contínuos,
ordenados e progressivos, são universais e básicos para todos os seres humanos.
O crescimento e desenvolvimento se dão em gradientes regulares e correlatos, refletindo
a maturação das funções neuromusculares. “O primeiro padrão é a direção cefalocaudal ou da
cabeça para o . (...) Em segundo lugar, a tendência próximo-distal ou de perto para
longe. (WHALEY E WONG, 1999, g. 74). Estes padrões ou tendências são bilaterais e
aparentemente simétricos. Para algumas funções neurológicas, essa simetria é apensas
externa, por causa da diferenciação unilateral da função no desenvolvimento pós-natal (opção
pela maior utilização de uma das mãos em relação à outra).
35
Fig. 02 - Tendências direcionais no crescimento
Adaptado de Whaley e Wong, 1999, pág. 75.
A diferenciação (terceira tendência) descreve o desenvolvimento a partir de operações
simples para atividades e funções mais complexas Todas as áreas de desenvolvimento
físico, social, mental e emocional – prosseguem nesta direção. Sendo que, em todas as
dimensões de crescimento e desenvolvimento, existe uma seqüência definida e previsível,
com as crianças atravessando normalmente todos os estágios.
Contudo, cada criança cresce de um modo único e pessoal. “A seqüência é previsível; o
momento exato não” (WHALEY E WONG, 1999, pág. 75).
O crescimento biológico e o desenvolvimento físico são as alterações na estrutura e
funções de tecidos e órgãos que refletem a aquisição gradativa de competência fisiológica. O
crescimento físico é o aspecto mais proeminente da infância e da adolescência, refletido no
peso e na altura. O ganho de peso do nascimento duplica-se nos primeiros meses de vida e é
triplicado ao final do primeiro ano. Para infantes, pré-escolares e escolares, o ganho anual de
peso é de 2-3 kg. Na adolescência ocorre o estirão de crescimento, com ganho médio de 17,5
kg para meninas (10-14 anos) e de 23,7 kg para meninos (11-16 anos).
Quanto a altura, o lactente cresce cerca de 2,5 cm por mês, do nascimento aos seis
meses de vida. O comprimento do nascimento aumenta aproximadamente 50% ao término do
primeiro ano. O ganho de altura durante o segundo e terceiro ano de vida é de cerca de 12 cm
e 7 com, respectivamente. Espera-se que a criança, aos quatro anos de vida, tenho o dobro da
altura do nascimento. Os escolares crescem, em média, 6 com por anos. Na adolescência, a
36
média de ganho de altura é de 20,5 cm para as meninas e de 27,5 cm para os meninos
(WHALEY E WONG, 1999, pág. 76-7).
A personalidade e as habilidades cognitivas desenvolvem-se, em grande parte, da
mesma forma que o crescimento biológico: “novas realizações construídas sobre habilidades
previamente dominadas” (WHALEY E WONG, 1999, pág. 80).
Vários autores fundamentam teoricamente o desenvolvimento da personalidade. O
desenvolvimento psicossexual descrito por Freud, considerou os estímulos sexuais como
significativos no desenvolvimento da personalidade, afirmando que durante a infância, certas
regiões do corpo assumem um significado psicológico proeminente como fonte de novos
prazeres e de novos conflitos.
Freud considerou cinco estágios de desenvolvimento: (1) Oral (0 a 1 anos) fonte de
prazer está nas atividades orais, como sugar, morder, mastigar e vocalizar; (2) Anal (1 a 3
anos) o interesse está no controle esfincteriano; (3) Fálico (3 a 6 anos) os órgãos genitais
tornam-se uma área sensível e interessante. As crianças reconhecem diferenças entre os sexos
e tornam-se curiosas sobre as diferenças; (4) Latência (6 a 12 anos) as energias física e
psíquica são canalizadas para aquisição de conhecimentos e brincadeiras vigorosas; e (5)
Genital (12 anos e mais) os órgãos genitais tornam-se as principais fontes de tensões e
prazeres sexuais, mas as energias também são investidas na formação de amizades.
Erickson descreveu a teoria do desenvolvimento psicossocial e enfatiza uma personalidade
saudável em oposição a uma abordagem patológica, com cada estágio do desenvolvimento
possuindo aspectos favoráveis e desfavoráveis do conflito central, e a progressão para o
próximo estágio depende da resolução deste conflito. Ele define oito estágios de
desenvolvimento, porém apenas os cinco primeiros estão relacionados à infância. (WHALEY
E WONG, 1999, pág. 81).
O psicanalista Erickson diz que o desenvolvimento da criança se a partir da
integração dos três processos: biológico, social e individual, que se influenciam mutuamente.
Ele divide o desenvolvimento infantil em oito fases: (1) 0 a 1 ano de idade: sensório-oral, fase
da confiança, aprendendo a confiar ao invés de desconfiar; (2) 1 a 2 anos: músculo-anal, fase
da autonomia, aprendendo a ser independente e a sentir vergonha; (3) 3 a 6 anos: genital-
locomotor, fase da iniciativa, aprendendo a ter iniciativa ao invés de sentir culpa. Nesta fase a
criança aprende a imaginar, a fantasiar, a cooperar com os outros e a dar e receber ordens; (4)
6 a 12 anos: latência, fase da produtividade, aprendendo a construir ao invés de se sentir
inferior. A criança adquire noções básicas da vida em sociedade; (5) 12 a 18 anos:
turbulência, fase da identidade, descobrindo quem é, esta fase é marcada pelo conflito
37
“identidade” versus “difusão de papéis”; (6) 19 a 30 anos, fase da intimidade, descoberta do
outro para não se isolar, nesta fase o adulto jovem e saudável está preparado psicologicamente
para ter intimidade afetiva e sexual com outra pessoa; (7) 30 a 50 anos, fase da criação,
aprendendo a gerar para evitar a estagnação. Na vida adulta, o indivíduo precisa produzir,
criar, seja através da maternidade ou paternidade, seja trabalhando produtiva e criativamente;
e (8) a partir de 50 anos de idade, a fase da sabedoria, é a fase da integridade do ego ao invés
da desesperança. Com a velhice chega o momento de reflexão sobre a vida e seu papel no
mundo. (MOREIRA, 2002; ERICKSON, 2004 e ERICKSON, 1976).
Ainda No seleto grupo de teóricos do desenvolvimento infantil, têm-se o psicólogo e
biólogo Jean Piaget que, na sua teoria do pensamento cognitivo, refutou a idéia reinante até o
início do século XX, de que a criança pensava e raciocinava da mesma maneira que o adulto.
A crença da maior parte das sociedades era a de que qualquer diferença entre os processos
cognitivos entre crianças e adultos era, sobretudo de grau: os adultos eram superiores
mentalmente, do mesmo modo que eram fisicamente maiores, mas os processos cognitivos
básicos eram os mesmos ao longo da vida. (ZACHARIA, 2006).
Piaget demonstra que existem formas de perceber, compreender e se comportar diante
do mundo própria de cada faixa etária, havendo uma compreensão e assimilação progressiva
do meio ambiente, que implica em uma acomodação das estruturas mentais ao novo dado do
mundo exterior (MOREIRA, 2002).
O desenvolvimento cognitivo é a teoria descrita por Piaget, que propôs três estágios de
raciocínio: intuitivo, operacional concreto e operacional formal, que são caracterizados pelas
alterações que ocorrem nas atividades mentais das crianças, ligadas à idade. Cada estágio é
construído sobre a realização do estágio anterior, num processo contínuo e ordenado. O
primeiro estágio é o sensoriomotor (0 até 2 anos de idade), onde a criança progride da
atividade reflexa através de comportamentos repetitivos simples até o comportamento
imitativo. Demonstra alto nível de curiosidade, experimentação e da novidade, além de
começar a desenvolver um sentido de individualidade. Próximo ao término deste período, ela
começa a usar a linguagem e o pensamento representacional.
O segundo estágio de Piaget é o pré-operacional (2 a 7 anos), onde a característica
predominante é o egocentrismo, onde a criança é incapaz de ver as coisas de qualquer
perspectiva diferente dela mesma. O pensamento pré-operacional é concreto e tangível, e a
criança carece da capacidade de fazer deduções ou generalizações. O pensamento é dominado
pelo que ela vê, ouve e experimenta.
38
O terceiro estágio é de operações concretas (7 até 11 anos de idade), o pensamento vai
se tornando cada vez mais lógico e coerente. A criança, nesta fase, pode considerar os pontos
de vistas diferentes dos próprios e o pensamento torna-se socializado.
O último estágio é o de operações formais (11 aos 15 anos), que se caracteriza pela
adaptabilidade e flexibilidade O adolescente pode pensar de forma abstrata, é capaz de pensar
tanto sobre seus próprios pensamentos como sobre o pensamento de outras pessoas.
(WHALEY E WONG, 1999, pág. 80-2).
Partindo destas observações, pode-se concluir que o cuidado prestado à criança deve
considerar o estágio de desenvolvimento que ela se encontra.
2.4 – A Hospitalização da Criança e a Assistência de Enfermagem
Para Ângelo (apud SILVA, 1995, pág. 50), “quando uma criança é hospitalizada, ela
não leva apenas um corpo doente. Ela leva a si mesma e toda a sua família, além de todas as
experiências que viveu até esse momento.”
De acordo com Nascimento, Rocha, Hayes e Lima (2005), a família e a criança
enfrentam problemas como grandes períodos de hospitalização, efeitos colaterais indesejáveis
da terapêutica, separação da família, interrupção das suas atividades diárias, desajustes
financeiros, limitações na capacidade de compreender o diagnóstico e a evolução da doença,
angústia, dor, sofrimento e o medo constante da morte.
A hospitalização da criança significa agressão ao seu mundo lúdico e mágico.
Segundo Whaley e Wong (1999, pág. 543), “a doença e a hospitalização constituem as
primeiras crises com as quais as crianças se deparam”, pois repercutem em uma mudança da
sua rotina ambiental, social e de saúde.
A hospitalização pode se configurar numa experiência traumática, pois afasta a criança
de sua vida cotidiana, do ambiente familiar e promove um confronto com a dor, com a
limitação física e a passividade, aflorando sentimentos de culpa, punição e medo da morte.
(MITRE e GOMES, 2004).
As crianças possuem um número limitado de mecanismos para enfrentar e superar
experiências conflitantes e, de acordo com Whaley e Wong (1999, gs. 543-52) essas
reações são influenciadas por fatores como: idade de desenvolvimento, experiências
anteriores de doença, separação ou hospitalização, sistema de apoio disponível e gravidade da
doença.
39
O cuidado dispensado à criança hospitalizada deve ultrapassar a prestação de cuidados
físicos e os conhecimentos a respeito de sua doença e dos tratamentos clínicos que devem ser
realizados. “As necessidades emocionais e sociais da criança devem ser consideradas. O
cuidado deve ser entendido como forma de relacionamento com o outro e deve ajudar este
pequeno ser a caminhar adiante em sua nova concepção de vida”. (NASCIMENTO, 2003,
pág. 35).
A assistência de enfermagem tem como propósito promover as condições de saúde
mais satisfatórias possíveis a cada criança, a fim de obter e manter o melhor nível de saúde e
de desenvolvimento possível, e de oferecer o melhor tratamento e cuidados para as crianças
com desvio de saúde (WHALEY & WONG, 1999).
O desafio da assistência de enfermagem é compreender o cuidado que o estado físico e
emocional da criança necessita, prestando apoio e assistência adequados para a superação da
crise e para a boa integração da criança com o mundo, minimizando os fatores estressantes do
tratamento. Nascimento, Rocha, Hayes e Lima (2005, pág. 471) afirmam que “a enfermagem
precisa desenvolver métodos de abordagem que apreendam as necessidades de assistência das
crianças, particularizando o cuidado de acordo com a singularidade de cada caso.”
A doença, principalmente a doença crônica, segundo Vieira e Lima (2002), faz com
que a criança vivencie outros sentimentos como: culpa, medo, raiva, angústia, depressão e
apatia. Estes sentimentos, nem sempre demonstrados com clareza, são traduzidos pelo
comportamento da criança que, muitas vezes, dificultam a realização dos procedimentos e a
adesão ao tratamento, fazendo este processo de cuidar algo doloroso e angustiante.
As atitudes e reações das crianças à hospitalização foram classificadas por Barton
(apud SILVA, 1995) em três comportamentos – de dependência, de agressão, de ansiedade ou
medo (ver quadro 1) –, e por Almeida (apud RIBEIRO, SABATES e RIBEIRO, 2001) em
comportamentos 5 comportamentos: de agressão, de expressão verbal, de movimentação do
corpo, de expressão de emoção e de dependência, a saber:
Comportamentos de Agressão A criança bate, chuta, puxa o braço para evitar a
punção venosa, empurra, segura o equipamento que será usado para o procedimento.
Comportamento de Expressão Verbal A criança grita, ameaça, discute, se culpa,
exige algo ou alguém, nega a necessidade ou a própria realização do procedimento.
Comportamento de Movimentação do Corpo A criança fica inquieta durante a
realização do procedimento, manipula o corpo (se coça, alisa, esfrega as mãos, etc.) e
se movimenta dificultando a realização do procedimento.
40
Comportamento de Expressões de Emoções Representado pelo choro da criança,
que pode ser intenso ou não. A criança também demonstra o comportamento de
emoção quando sorri, ri e dá gargalhada.
Comportamento de Dependência a criança agarra-se aos pais, deseja ir para o colo,
pede socorro ou ajuda às pessoas próximas (principalmente à mãe).
Quadro 1 – Classificação dos tipos de reação a partir das três categorias de Barton.
Tipos de reação Classificação
Procura ajuda e atenção, simpatia, afeto, proteção ou aconchego físico
Chora (principalmente quando é período de separação dos pais)
Insiste em ser ajudada em tarefas que pode realizar sozinha
Agarra seu brinquedo ou objeto predileto
Comportamento
de Dependência
Bate, chuta, morde, empurra – agride fisicamente
Agride objetos inanimados
Agride verbalmente (ameaças, críticas, discussões, censuras, explosões de
raiva, exigências e reclamações)
Fingir que não ouve. Ignora contatos verbais. Comando em direção oposta.
Comportamento
de Agressão
Reação de pânico, retraimento, apatia, inibição para brincar. Choro
prolongado
Explosões verbais ou motoras de medo. Mudança de expressão facial.
Desconfiança das pessoas, isolamento.
Distúrbios comportamentais (chupar dedo, balançar na cama, bater com a
cabeça, masturbação)
Comportamento
de Ansiedade ou
Medo
Adaptado de Barton (apud SILVA, 1995, p. 53-54)
Finkel (2007) afirma que a criança pode reagir ao cuidado oferecido com xingamento,
agressões, chutes e mordidas, pois, para o pequeno paciente, este “procedimento invasivo não
representa a dor, mas também uma agressão ao seu ser, ao seu narcisismo, uma perda de
controle, um maltrato, uma ofensa e uma punição”.
2.4.1 – O medo da lesão corporal e dor... e a punção venosa
As crianças, de acordo com seu estágio de desenvolvimento, possuem preocupações a
respeito de lesão corporal e respondem de maneiras diferentes à dor.
Nos lactentes, o indicador mais consistente de dor é a expressão facial do desconforto e
os movimentos corporais que incluem contorções e contrações. Após a punção venosa, alguns
lactentes fortemente e outros são facilmente tranqüilizados com afagos. Ressalta-se que a
resposta das crianças à dor é cada vez mais influenciada por suas experiências dolorosas
41
prévias e pela reação emocional dos pais durante o procedimento. (WHALEY & WONG,
1999, pág. 545-7).
Pode-se minimizar a dor e o medo através de medidas simples. O primeiro passo é
orientar a mãe sobre o procedimento que será realizado, explicando que ela precisa manter-se
calma para que a criança também se sinta segura. A mãe manter-se próxima da criança,
segurando-a no colo ou aproximando seu rosto do dela ou afagando-a carinhosamente. A
presença da mãe aumenta a confiança da criança e diminui a ansiedade pelo medo da
separação.
Apesar da distração não diminuir suas reações imediatas à dor, ela pode ser usada para
diminuir o estresse, minimizando medos e resistência.
Nos infantes, o conceito de imagem corporal é mal desenvolvido e todas as
experiências invasivas, mesmo um simples exame com otoscópio, gera muita ansiedade. Eles
podem reagir a procedimentos indolores de forma tão intensa quanto perante a um
procedimento doloroso. “As crianças desta faixa etária costumam reagir com intenso
desconforto emocional e resistência física a qualquer experiência dolorosa real ou imaginária
(WHALEY & WONG, 1999, pág. 547). Os comportamentos indicativos de dor são: caretas,
cerrar dentes e lábios, abrir os olhos exageradamente, balançar o corpo e agir agressivamente,
estas crianças tornam-se agitadas e ativas diante da dor, e esta resposta nem sempre é
reconhecida como uma conseqüência da dor.
Na idade escolar costumam estar mais preocupadas com a morte e com a incapacidade
do que com a dor. Porém, as crianças com doenças crônicas consideram os procedimentos
invasivos como estressantes, enquanto os sintomas físicos aparecem como estressantes nas
crianças agudamente doentes. Em geral, as crianças comunicam verbalmente a sua dor, sua
localização e intensidade. No momento do procedimento invasivo, costumam adotar
mecanismos de diminuição da dor, como cerrar os punhos e manterem-se rígidas. Podem
tentar enfrentar a dor, porém, quando demonstram sinais de resistência ao procedimento,
como chutar, bater, chorar, tendem a negar estas reações mais adiante para colegas e outras
pessoas, pois temem o embaraço.
Nestas fases, para realizar a punção venosa, é preciso entrar no mundo lúdico da
criança, compreendendo seu estágio de desenvolvimento e permitindo que ela autonomia
sobre o seu cuidado A criança pode participar efetivamente da punção, escolhendo o local
onde ela será realizada, segurando o algodão e ajudando a colar o esparadrapo.
Pode-se recorrer a estratégias de distração e é fundamental que a mãe participe destas
atividades, diminuindo o estresse e a ansiedade da criança.
42
A criança deve ser estimulada a falar de seus medos e ela mesma pode sugerir
estratégias de minimização. Como, por exemplo, uma criança pode solicitar que alguém
segure sua mão ou feche os seus olhos durante a punção, porque ela tem medo de ver.
Estratégias lúdicas podem ser usadas, a punção pode ser primeiramente realizada numa
boneca, pode-se cobrir o local da punção com compressas mágicas (gaze embebida em álcool)
que acabam com a dor.
O importante é que a enfermeira reconheça que seu grande desafio é prestar um cuidado
atraumático, pois, de acordo com Whaley e Wong (1999, pág. 9):
Apesar de um avanço tremendo ter ocorrido quanto à atenção
pediátrica, muito do que é feito com as crianças para curar a doença e
prolongar a vida é traumático, doloroso, desagradável e ameaçador
Infelizmente, a minimização do trauma das intervenções médicas não
tem caminhado juntamente com os avanços tecnológicos.
Quando se conhece os agentes estressores impostos para a família e para a criança, é
fundamental que as enfermeiras dirijam sua atenção pra a realização de cuidados, chamados
atraumáticos, que se preocupando com quem, o quê, quando, onde, por que e como o
procedimento é realizado na criança.
“Cuidado atraumático é a provisão de cuidados terapêuticos (...) e dirige-se ao uso de
intervenções que minimizam o desconforto psicológico e físico experimentados pelas crianças
e seus familiares no sistema de atenção à saúde” (WHALEY & WONG, 1999, pág. 10).
43
Parte
Parte Parte
Parte II
IIII
III
II
I
– Emoções e Sentimentos
Emoções e Sentimentos Emoções e Sentimentos
Emoções e Sentimentos
2.5 – EMOÇÕES & SENTIMENTOS
“ Somos donos de nossos atos,
mas não donos de nossos sentimentos;
Somos culpados pelo que fazemos,
mas não somos culpados pelo que sentimos;
Podemos prometer atos,
mas não podemos prometer sentimentos...
Atos são pássaros engaiolados,
sentimentos são pássaros em vôo.”
Mário Quintana
O que são os Sentimentos e as Emoções?
De acordo com Silvia Lane (apud LEITE, 2005, Prefácio), “são velhos temas (...) que
surgem como um novo desafio a ser desvendado”. Desvendar, do recôndito da alma, a
essência das emoções e sentimentos importantes na constituição da subjetividade humana, que
se reflete nos atos, ações e opções do indivíduo.
Para Damásio (2004, pág. 35), “as emoções são ações ou movimentos, muitos deles
públicos, que ocorrem no rosto, na voz ou em comportamentos específicos (...). Os
sentimentos, pelo contrário, são necessariamente invisíveis para o público”. Desta forma, “as
emoções ocorrem no teatro do corpo, os sentimentos no teatro da mente.”
De acordo com o autor, as emoções parecem preceder os sentimentos, porém estão tão
intimamente relacionados, que tendemos a vê-los como uma entidade simples. Porém
“transformar emoções e sentimentos em objetos separados de pesquisa ajuda-nos a descobrir
como se sente.” (DAMÁSIO, 2004, pág. 36).
A dificuldade da análise da seqüência exata do fenômeno que vai do estímulo
emocionalmente competente, ao desencadeamento das emoções, que dão lugar aos
sentimentos e, posteriormente, aos pensamentos que se relacionam com as emoções, está na
velocidade em que este fluxo ocorre. Pois estes pensamentos podem gerar novos estímulos, e
iniciar novamente o processo. Depois de todos esses fenômenos, é difícil analisar a sua ordem
exata de ocorrência.
44
2.5.1 - Emoções
Do ponto de vista biológico, de acordo com Leite (2005, págs. 90-91), podemos admitir
que a “expressão das emoções surge como resultado do funcionamento dos centros sub-
corticais e possuem caráter involuntário que é, sem dúvida, temporal.”. Damásio (2004, pág.
37) nos diz que as emoções são construídas a partir de reações simples, com o objetivo de
promover a sobrevivência de um organismo.
A emoção é uma resposta , desencadeada por um motivo, sendo as reações emocionais
organizadas de maneira sistemáticas pelo cérebro, podendo, contudo, ser reprimidas.
Essa repressão das emoções surge a partir do momento em que o indivíduo nasce e sofre
as marcas do grupo que lhe regula os motivos e as formas de expressão, imprimindo-lhe uma
marca, modelando-lhe a emoção.
“As emoções podem ser reprimidas, e esta regulação se consegue no processo de
socialização e aprendizagem através da interiorização das formas de conduta admitidas e os
modos de relações sociais que se estabelecem.” Desta forma, “o sujeito experimenta uma
situação que não é boa nem má, quem colore e uma conotação valorativa à situação é o
meio social, a cultura em que o indivíduo se insere.” (LEITE, 2005, págs. 92-93)
Desta forma, a aprendizagem assume um papel importante na modelagem da execução
dos padrões de exteriorização das emoções. E “quanto mais complexa a reação, mais a
aprendizagem assume este papel”. (DAMÁSIO, 2004, pág.42)
Outro aspecto fundamental a ser relatado é a intima relação entre emoção-linguagem. É
por meio da emoção, por intermédio do seu caráter mediador, que o indivíduo faz a
aprendizagem da representação simbólica e da linguagem, adquirindo instrumentos que
possibilitam operar as distinções e classificações necessárias ao conhecimento, interagindo e
integrando as esferas cognitiva e afetiva. De acordo com Leontiev (apud LEITE, 2005, pág.
95) as emoções “realizam a função de sinais internos; refletem as relações entre motivos e
necessidades; surgem como conseqüência e antes da valoração racional”.
O comportamento emocional manifesta-se por meio de reações nos sistemas orgânicos,
fazendo manifestações físicas como: alteração na freqüência cardíaca e respiratória, espasmos
intestinais, liberação esfincteriana, rubor, alterações posturais com tensão e relaxamento de
músculos e nervos. E o meio exterior intervém na medida em que se combina com as
disposições orgânicas. Porém, com freqüência, estas expressões físicas se manifestam antes
que a pessoa tenha consciência do motivo que as causou.
45
De acordo com Damásio (2004), estas reações no organismo visam produzir um estado
de vida melhor que o neutro, produzir quilo que pensamos como bem-estar. É a busca da
sobrevivência através da autropreservação, do equilíbrio, da homeostasia. Mesmo que nem
todas as emoções sejam iguais no que diz respeito à sua capacidade de promover a sobrevida
e bem-estar, elas visam a regulação da vida, direta ou indiretamente.
Ressaltando, porém, que é necessário que as emoções estejam contextualizadas ,
realmente vinculadas a uma realidade objetiva, para que elas tenham significado e expressão.
Alterações fisiológicas seriam simples reações orgânicas se não houvesse nenhum tipo de
vinculação ao contexto sócio-histórico-cultural.
Podemos observar que, numa sociedade moderna, algumas emoções são
contraproducentes (como a ira e a tristeza), outras se transformam em obstáculos (fobia,
medo, insegurança), e no entanto, no decorrer da história e da evolução, estas mesmas
emoções foram responsáveis pela manutenção e por salvar muitas vidas. Existem emoções
que são “más conselheiras”. Podemos identificá-las, compreende-las e procurar modos de
suprimi-las (DAMÁSIO, 2004, pág. 48)
“Como importante constatação, podemos destacar que as emoções possuem uma
qualidade: expressam-se, exteriorizam-se tonicamente de maneira difusa e generalizada por
todo o organismo. (...) A emoção possui a propriedade de transmitir-se (...), ao fazerem parte
integrante da experiência sócio-histórica, tornam-se de caráter ontogenético .” (LEITE, 2005,
pág. 89)
Damásio (2004, págs. 51-55) classifica as emoções em três categorias: as emoções de
fundo, as emoções primárias e as emoções sociais.
As emoções de fundo são sutis e seu diagnóstico depende da observação dos
movimentos dos membros, do corpo e das expressões faciais. Quanto à linguagem, a
musicalidade da voz, a cadência do discurso e a prosódia são mais significantes do que as
palavras. Damásio (2004, pág. 52) imagina as emoções de fundo como o “resultado
imprevisível do desencadeamento simultâneo de diversos processos regulatórios dentro do
nosso organismo (...) O nosso bem-estar ou mal-estar resulta dessa calda imensa de interações
regulatórias”.
As emoções primárias ou básicas são mais bem estabelecidas. São elas: o medo, a raiva,
o nojo, a surpresa, a tristeza, a felicidade. Esta facilidade de identificação provém da forma
como se podem identificar rapidamente estas emoções no ser humano das mais diversas
culturas e também em seres não-humanos.
46
As emoções sociais incluem a simpatia, a compaixão, a vergonha, o embaraço, o
orgulho, a culpa, o ciúme, a inveja, a gratidão, a admiração, o espanto e o desprezo.
“Numerosas reações regulatórias, bem como componentes das emoções primárias, são parte
integrante, em diversas combinações, das emoções sociais.” (DAMÁSIO, 2004, pág. 54).
Desta forma, percebemos que as emoções, em certos casos, são inatas e, noutros casos,
requerem um grau nimo de exposição apropriada ao ambiente, à cultura e à sociedade; e
que, ainda, é provável que as emoções sócias tenham tido um papel no desenvolvimento dos
mecanismos culturais de regulação social.
As emoções acontecem no âmbito biológico. Existe um desencadeamento que leva à
execução as emoções. Esta cadeia se inicia com o aparecimento de um estímulo
emocionalmente competente um estímulo que tem competência, capacidade de gerar uma
emoção que é apresentado às diversas regiões sensitivas (córtices visuais ou auditivos).
Estas regiões liberam sinais para outras áreas cerebrais e as atividades nesses locais
desencadeadores é a causa imediata do estado emocional que ocorre no corpo e no cérebro.
As emoções articulam o orgânico e o social, o objetivo e o subjetivo. “Nelas se
incorpora o tríplice caráter humano, qual seja: o biológico, o psicológico e o social.;” (LEITE,
2005, pág. 96). As emoções são “um meio natural de avaliar o ambiente que nos rodeia e
reagir de forma adaptativa” (DAMASIO, 2004, pág. 62).
2.5.2 - Sentimentos
Seguindo o pensamento de Damásio (2004, pág. 72), para conseguir compreender o
processo que vai da emoção ao sentimento, devemos considerá-lo “uma simples cadeia de
acontecimentos, que começaria com um estímulo singular e terminaria com estabelecimento
das bases do sentimento relacionadas com esse estímulo. (...) Curiosamente, quando o
processo atinge a fase dos sentimentos, regressa ao domínio mental onde tudo começou.”
Petrovsky (apud LEITE, 2005, pág. 97) afirma que os sentimentos são “o reflexo, no
cérebro do homem, de suas relações reais, ou seja, das relações do sujeito que experimenta as
necessidades com objetos que têm significado para ele.”
Leite (2005, g. 97) nos diz que existem dois grupos de sentimentos: os sentimentos
disjuntivos – que favorecem o afastamento entre os homens e os sentimentos conjunturais
que aproximam os homens.
Não é tão fácil estabelecer a diferença entre os sentimentos e as emoções, pois na vida
cotidiana estas palavras são em muitas acepções. A diferença entre emoções e sentimentos, de
47
acordo com Leite (2005, pág. 98) é que as emoções são entendidas como mediadoras do
processo psíquico, experimentam os sentimentos que se manifestam com extrema qualidade
na língua. (...) Os sentimentos manifestam-se na vida psíquica como fluxos e impressões
emocionais distintos por sua intensidade, grau, complexidade e conteúdo.”
As emoções experimentam os sentimentos que se radicam nas
condições de existência social, refletindo as exigências, as normas e
valores historicamente acumulados e assimilados pelo homem
individualmente. Os sentimentos pertencem à esfera ideológica,
porque encontram-se cristalizados nas significações sócio-históricas
que são a consciência social de um determinado momento e
constituem um sistema de sinais do que ocorre no mundo. (LEITE,
2005, pág. 98)
Os sentimentos do homem são manifestados na sua conduta, nas suas ações e na sua
fala. O contexto social regula as emoções e as normas de conduta são internalizadas pelos
sujeitos. O sujeito passa a regular seu comportamento emocional. Os sentimentos, originados
socialmente, vão depender das relações interpessoais e do contexto social do indivíduo. Os
sentimentos, entendidos como produto social, são fixados no indivíduo e podem ter uma
valoração positiva ou negativa.
O vínculo entre emoções e sentimentos ocorre quando a humanização das emoções se
manifesta no conteúdo qualitativo dos sentimentos que elas experimentam. Assim, o homem
domina as suas emoções e as valora através dos seus sentimentos. (LEITE, 2005, pág.100)
De acordo com Petrovsky (apud, op.cit.), os sentimentos podem ser classificados em 4
grupos:
Sentimentos na práxis – mais importante. Centra-se na relação homem/natureza
Sentimentos intelectuais são inseparáveis das atividades cognitivas e expressam a
relação do homem com as idéias.
Sentimentos morais expressam as relações sociais, no qual o homem valora as
atuações dos outros homens e as suas próprias.
Sentimentos estéticos – expressam a relação do homem com os fatos da vida.
Os sentimentos possuem um caráter normativo e são a expressão de algo sentido
relacionado com as condições que os provocam. Os sentimentos são reguladores da conduta,
das emoções e do meio social e expressam-se pela linguagem verbal e o verbal, centrados
48
na percepção que o sujeito tem do outro. “Os sentimentos encontram-se contidos nas
objetivações humanas, na consciência social de uma época, nas significações sócio-históricas
que a caracterizam. São signos que portam em seu cerne um significado que é aprendido no
processo de apropriação.” (LEITE, 2005, pág. 03)
Damásio (2004, gs 89-91), sugere que o leitor se imagine, por algum tempo, numa
bela praia, com um sol de final da tarde aquecendo o corpo, o mar acariciando suavemente os
pés, uma brisa leve e um céu deslumbrantemente azul. Que tempo ao tempo e recorde a
experiência nos seus mínimos detalhes.
Agora, o leitor deve perceber as conseqüências mentais deste pensamento: o corpo
torna-se leve e é possível sentir o organismo funcionando harmonicamente. Em suma, o corpo
se modifica ao longo de diversas dimensões, algumas óbvias e de fácil identificação – como a
sensação de calor na pele, o vento, a respiração ritmada e leve –, outras dimensões mais
difíceis de identificar – como localizar no corpo a sensação de bem-estar daquele momento.
Nesta experiência, o sentimento do momento estava gerando duas conseqüências: (1) o
aparecimento de pensamentos cujos temas eram consonantes com a emoção e o sentimento
que você estava sendo experimentado e (2) o estabelecimento de um modo de pensamento, de
um processo mental que aumenta a velocidade da geração de imagens mentais que
estimulavam os sentimentos e pensamentos originais.
Para Damásio (2004, g. 91), o sentimento (de uma emoção) é diferente de qualquer
outro tipo de pensamento, o sentimento é a representação mental idéia, percepção do
corpo funcionando de uma certa maneira. “De um modo geral, os sentimentos traduzem o
estado da vida na linguagem do espírito.”
“Quando se remove essa essência corporal, deixa de ser possível dizer “sinto-me feliz”.
(...) Se não tivéssemos a presença do corpo em estado aprazíveis e que consideramos “bons” e
“positivos” no enquadramento geral da vida, não teríamos nenhuma razão para considerar
qualquer pensamento feliz ou triste.” (DAMÁSIO, 2004, pág. 93)
2.5.3 - A árvore de Damásio
A árvore de Damásio (figura 1) retrata o que o autor chama de “máquina de
homeostasia”, onde cada ramo representa os fenômenos automáticos da regulação da vida.
Cada ramo da árvore representa um sistema ou um grupo de sistemas, a saber:
O ramo mais baixo (tronco) representa os processos metabólicos, incluindo os
componentes químicos e mecânicos que mantêm o equilíbrio orgânico. Os reflexos básicos
49
incluem o reflexo de startle (susto ou alarme) e os tropismos. O sistema imunológico está
representado nas respostas imunes, constituindo a primeira linha de defesa dos organismos
vivos.
Os ramos médios representam os comportamentos normalmente associados à noção de
dor (punição) ou prazer (recompensa). Esses comportamentos são uma série de ações, muitas
vezes sutis, com o que a natureza tenta restabelecer o equilíbrio biológico.
Os ramos intermediários representam certas pulsões e motivações. Como exemplo,
temos a fome, a sede, a curiosidade, os comportamentos exploratórios, lúdicos e sexuais.
Próximo do cume encontramos as emoções propriamente ditas. “É aqui que
encontramos as jóias da regulação automática da vida: as emoções no sentido estremo do
termo – da alegria à mágoa, do medo ao orgulho, da vergonha à simpatia.”
No cume temos os sentimentos, que são a expressão mental de todos os outros níveis da
regulação homeostática. Os sentimentos suportam o nível de regulação homeostática que se
segue ao das emoções propriamente ditas.
Figura 3: A árvore de Damásio
Adaptado de: DAMÁSIO, A. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos. SP: Companhia das Letras, 2004. página: 44
Emoções sociais
Emoções primárias
Emoções de fundo
Respostas Imunitárias
Reflexos Básicos
Regulação Metabólica
Comportamento de dor e prazer
Pulsões e motivações
Sentimentos
50
Ca
CaCa
Ca
pítulo
pítulo pítulo
pítulo 3
3 3
3 –
Delineamento Metodológico
Delineamento Metodológico Delineamento Metodológico
Delineamento Metodológico
51
3.1 – UM LONGO CAMINHO PERCORRIDO
Trata-se um estudo descritivo-exploratório, à luz da abordagem qualitativa, por
considerar a subjetividade do objeto de estudo e pela possibilidade oferecida por este tipo de
abordagem, que permite que os dados coletados sejam narrados, minuciosamente, com toda a
sua riqueza. O universo das investigações qualitativas é o cotidiano e as experiências do senso
comum, interpretadas e re-interpretadas pelos sujeitos que as vivenciam. (MINAYO, 2006).
O projeto de pesquisa foi apresentado e aprovado pelo Comide Ética em Pesquisa
do Instituto Estadual de Hematologia e Hemoterapia Arthur de Siqueira Cavalcanti
HEMORIO, pelo parecer CEP nº 116/07 (Anexo 1).
O cenário foi um hospital estadual especializado em atendimento hematológico,
situado no município do Rio de Janeiro, mas precisamente os setores de emergência,
quimioterapia, transfusão e internação. A escolha destes setores se deu por se tratar de locais
onde o profissional se depara com clientes de todas as faixas etárias, inclusive crianças, e
onde um grande número de procedimentos invasivos (punção venosa, ativação de cateter,
punção de medula óssea).
Os sujeitos do estudo foram enfermeiras que atuam nestes setores, prestando cuidados
diretos à pacientes de todas as faixas etárias. Um primeiro contato foi feito com quinze
enfermeiras, onde foi apresentado o trabalho e realizado o convite para a participação na
pesquisa. Após o contato, houve o agendamento de data para a realização da entrevista. Para
participar do estudo, todas as enfermeiras concordaram e assinaram o termo de consentimento
livre e esclarecido (Apêndice 1). Este termo firmou o compromisso de manter o sigilo da
identidade dos sujeitos, a privacidade e confiabilidade das informações utilizadas no estudo.
A pesquisa respeitou os princípios básicos da bioética, encontrados na Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde, que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de
pesquisa envolvendo seres humanos.
52
A coleta de dados seu deu no período de 21 de março a 19 de abril de 2008 através de
uma entrevista semi-estruturada (Apêndice 2) técnica em que o entrevistador está presente
junto ao informante onde aborda questões relativas ao seu objeto de pesquisa. Na pesquisa
qualitativa a entrevista é um recurso importante, pois tem a vantagem essencial, que são os
mesmos atores sociais que proporcionam os dados relativos às suas condutas, opiniões,
desejos e expectativas. (LEOPARDI, 2001)
Foram entrevistadas onze enfermeiras, porém duas entrevistas foram descartadas: uma
porque houve intervenção da entrevistadora, que em alguns momentos interferiu na resposta,
completando as falas e influenciando na resposta obtida e outra por problemas técnicos com a
gravação. As entrevistas duraram cerca de cinqüenta minutos e foram transcritas. A partir da
oitava entrevista se observava a repetição do discurso e saturação dos dados, porém optou-
se pela realização de mais três entrevistas.
A entrevista sempre se iniciava com questões simples, que possibilitava a identificação
pessoal e preferência profissional. A seguir, era solicitado à enfermeira que falasse um pouco
da sua experiência profissional, de maneira livre. Após esta etapa, a enfermeira era estimulada
a falar sobre sua experiência no cuidado às crianças, se havia experimentado cuidar de
crianças que resistiam ao cuidado oferecido e quais eram suas reações diante desta briga. Por
fim, elas eram estimuladas a falar de seus sentimentos diante da criança com resistência à
punção venosa.
Para a análise dos dados optou-se pela análise temática que, de acordo com Minayo
(2006, g. 316), “consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma
comunicação, cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico
visado”.
53
Em termos operacionais, a análise do material seguiu as etapas sugeridas por Minayo
(2006, págs. 313-15). Num primeiro momento, após a realização da entrevista, esta era ouvida
e transcrita.
O conjunto de entrevistas foi ouvido e exaustivamente lido. A partir desta imersão no
conteúdo das falas, foi determinado que o material contemplava todos os aspectos levantados
durante a entrevista, que havia saturação dos temas e que as entrevistadas representavam bem
o universo pretendido.
Estabeleceu-se, então, que se delimitaria em nove o mero de entrevistas a serem
trabalhadas, considerando que as falas abordaram a questão central do estudo, não sendo
necessária a realização de mais entrevistas.
Após a transcrição e leitura de todas as entrevistas, deu-se início a exploração do
material. Cada entrevista foi cuidadosamente lida e, com a ajuda do localizador de palavras do
programa Microsoft Office Word 2003, buscou-se palavras comuns nos discursos das
enfermeiras.
A primeira entrevista serviu de ponto de partida para a análise das demais. As palavras
e frases foram procuradas com o localizador e o número de vezes em que elas apareciam era
contabilizado. Foram aceitos também algumas variações das palavras como, por exemplo,
necessidade, necessário, necessitando, necessária. No caso da palavra e, quando foi usada
para indicar o vínculo maternal entre a enfermeira e a criança, foi aceita a palavra filho, por
exemplo, na expressão “poderia ser meu filho”.
No quadro abaixo estão descritas as palavras buscadas e o número de vezes que elas
apareceram em cada entrevista.
54
Quadro 2 – Resultado numérico da busca de palavras nas falas das enfermeiras entrevistadas.
Fonte: Transcrição das entrevistas das 09 enfermeiras.
Com esta análise e a exaustiva leitura do material, foi possível identificar a repetição
de vários temas nas falas das enfermeiras entrevistadas.
Na busca de se manter na direção do objeto estudado, optou-se por alinhar as
categorias com os objetivos do estudo. Assim, finalmente, o trabalho apresenta sua discussão
em duas grandes categorias:
I) “Eu sinto...” onde o discutidos os sentimentos da enfermeira. Para melhor
compreensão e discussão, esta categoria foi subdividida em duas categorias: (a) Eu sinto...
por ela!” onde são discutidos os sentimentos das enfermeiras em relação à criança e (b) “Eu
sinto... por mim!”- – onde são discutidos os sentimentos da enfermeira no momento do
cuidado à criança que briga.
Entrevistas
Palavras
01 02 03 04 05 06 07 08 09
Medo do desconhecido 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Medo 04 01 01 01 01 01 01 08 02
Estresse / esgotamento 04 01 04 01 01 02 01 03 04
Amor / afeto / carinho 01 -- 01 07 -- 03 01 03 01
Dor 03 -- 04 03 -- -- 06 02 03
Pena / dó 01 01 02 -- 01 01 02 04
Angústia / triste / tristeza 01 02 01 -- 01 04 06 02
Sofrimento / sofrer 01 03 01 01 01 03 18 02 01
Dificuldade / difícil 03 03 01 -- -- 04 01 01 01
Raiva 01 -- -- -- -- -- -- -- --
Desespero / desesperada 01 -- 01 -- -- 01 -- -- --
Mãe / vínculo / maternidade 13 01 06 01 01 04 01 02 02
Mãe (referindo-se à mãe da criança) 06 06 06 01 02 02 01 06 02
Necessidade / necessário 01 01 01 02 02 01 06 01 02
Autonomia 01 -- 01 -- -- -- -- -- --
Tem que fazer 11 03 01 03 02 02 05 02 01
Para o bem -- 03 -- -- 01 01 02 03 01
Lado profissional 18 03 01 02 02 03 03 02 02
Vontade 11 -- 02 02 -- -- -- -- --
Deixar / permitir 01 04 03 04 02 01 -- -- 01
Força / segurar / contenção 05 01 02 01 02 02 05 06 04
55
II) “E agora... tome cuidado!” onde são discutidas as implicações dos sentimentos
das enfermeiras no cuidado prestado à criança que briga, para não ser puncionada.
Apesar de tradicionalmente a análise temática ser bastante racional, optou-se por uma
variante desta abordagem que trabalha “com significados em lugar de investir em inferências
estatísticas” (MINAYO, 2006, pág. 318), desta forma, apesar de considerar o número de
vezes em que o tema foi citado, desconsiderou-se a necessidade da análise estatística (em
percentual), ressaltando a força do discurso de cada entrevistada.
Respeitando o sigilo da identidade das enfermeiras entrevistadas, seus nomes foram
substituídos por pseudônimos, que foram escolhidos de acordo com a personalidade de cada
enfermeira. A explicação da escolha dos pseudônimos e a caracterização da enfermeira
fazem-se necessárias para permitir uma aproximação com seu universo e características
pessoais.
A primeira entrevistada é a enfermeira Joana D’Arc, 41 anos de idade e 18 anos de
profissão. Evangélica, casada, mãe de duas filhas. Seu pseudônimo foi escolhido em
homenagem à santa-guerreira francesa, com uma inabalável em Deus e nas suas idéias,
Joana se expõe e expressa todos os sentimentos, sem medo da fogueira.
A segunda enfermeira é Maria, 35 anos de idade e 08 de profissão. Católica, solteira.
Seu pseudônimo foi escolhido em homenagem à Maria Madalena, figura feminina bíblica,
que ora é apresentada como mulher forte, ora como ser frágil e doce. Vive suas emoções e
sentimentos de forma reservada, com voz sempre serena, transmitindo suas angústias em
frases curtas e lágrimas contidas.
A seguir vem Teresa, 49 anos, 08 anos de profissão. Casada, mãe de um filho. Segura
e precisa. Traz a experiência de vida na voz e sua constante preocupação com o saber
“científico”. Escolheu a profissão numa fase madura da sua vida, com o desejo de cuidar de
pessoas, de se doar. Seu pseudônimo é uma homenagem à Madre Teresa, mulher que
56
escolheu, no dia 24 de maio de 1931, sua profissão religiosa, com o intuito de ajudar as
pessoas e se doar.
Nossa quarta entrevistada é Vitória, 31 anos de idade e 07 anos de profissão. Budista,
solteira e mãe de duas filhas. Seu pseudônimo é uma homenagem à Rainha Vitória da
Inglaterra, que foi a primeira rainha a se casar por amor, não por conveniência. A enfermeira
Vitória traz no seu discurso, constantemente, a paixão pela sua profissão e o seu amor pela
vida.
Catarina é uma mulher falante e engraçada, com um olhar triste. 42 anos de idade,
católica, casada, mãe de dois filhos. 19 anos de profissão. Seu pseudônimo é uma homenagem
à Rainha Catarina da ssia, mulher forte, que enfrentou diversas lutas na sua vida pessoal e
política, saindo-se vitoriosa em todas elas.
A sexta entrevistada é Isabel, figura cativante, alegre, extrovertida e extremamente
falante e agitada. 45 anos de idade e 20 anos de profissão. Espírita, casada e mãe de dois
filhos. Seu pseudônimo é uma homenagem à Princesa Isabel por duas razões: (1) pela sua
opção religiosa, pois segundo alguns estudiosos, apesar de católica, a princesa Isabel
alimentava velada simpatia pela recém organizada doutrina espírita e (2) pelo seu esforço em
libertar seus escravos da dor e do sofrimento. Assim como a princesa, a enfermeira Isabel não
poupa esforços para libertar seus clientes da dor.
Evita, a sétima entrevistada, tem 41 anos, casada, católica, sem filhos. Trabalha 17
anos como enfermeira. De fala contida e direta, reservada e, ao mesmo tempo, audaciosa. Seu
pseudônimo é uma homenagem a Evita Perón.
Elizabeth é comedida e reflete muito antes de falar. 30 anos de idade e 06 de profissão,
católica, solteira e sem filhos. Seu pseudônimo é uma homenagem à rainha Elizabeth I da
Inglaterra, mulher astuta e inteligente, que usufruía dos seus recursos em prol de sua
afirmação de vitória e poder.
57
Por fim, a nona entrevistada é Anita, 37 anos, solteira e evangélica, 10 anos de
profissão. Segura e independente, seu pseudônimo é uma homenagem à heroína brasileira
Anita Garibaldi, mulher de caráter independente e obstinado.
De fato, a personalidade e a vida de cada uma destas mulheres estão representadas em
suas falas e sentimentos diante da criança com resistência à punção venosa, porém, apesar de
tão diferentes, os seus discursos convergem a pontos em comum, assim como, em comum,
elas são mulheres e enfermeiras.
58
Ca
CaCa
Ca
pítulo
pítulo pítulo
pítulo 4
4 4
4 –
Resultados e Discussão
Resultados e Discussão Resultados e Discussão
Resultados e Discussão
59
4.1 – APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS
As categorias foram determinadas a partir das falas das entrevistadas, num processo de
leitura, releitura e alinhamento do conteúdo das entrevistas aos objetivos de estudo.
As falas foram distribuídas em duas grandes categorias, que se alinhavam aos
objetivos do estudo. A primeira categoria, intitulada “Eu sinto...” apresentará e discutirá os
sentimentos que foram referidos pelas enfermeiras em relação às crianças com resistência à
punção venosa e, posteriormente, serão apresentados e discutidos quais são os sentimentos
despertados nas enfermeiras pela briga. Para tanto, esta categoria foi dividida em duas sub-
categorias, identificadas pelos títulos: (a) “Eu sinto... pela criança!” e (b) “Eu sinto... por
mim!”.
Esta primeira categoria atende ao primeiro objetivo do estudo, que é descrever os
sentimentos da enfermeira diante da briga. Optou-se por adicionar este questionamento na
apresentação de cada categoria de análise, para auxiliar na construção e análise destas.
A segunda categoria, chamada de “E agora... tome cuidado!” discute as implicações
destes sentimentos das enfermeiras no cuidado prestado às crianças resistentes à punção
venosa.
60
Categoria I
Categoria I Categoria I
Categoria I –
– Eu sinto...
Eu sinto... Eu sinto...
Eu sinto...
4.1.1 – CATEGORIA I
4.1.1.a – Eu sinto... pela criança! – Discutindo os sentimentos das enfermeiras pelas crianças
com resistência à punção venosa, as crianças que brigam.
Esta categoria discute o que a enfermeira sente diante desta criança que briga e reúne
as falas das enfermeiras que descrevem seus sentimentos em relação à criança. O
questionamento que durante a entrevista estimulou a fala das enfermeiras, que por fim gerou
esta categoria foi: O que você sente pela criança que briga?
De acordo com Leite (2005, gs. 97-106) o homem tem como grande desafio
desvendar, do recôndito da alma, a essência das emoções e sentimentos importantes na
constituição da subjetividade humana, que se reflete nos atos, ações e opções do indivíduo. O
vínculo entre emoções e sentimentos ocorre quando a humanização das emoções se manifesta
no conteúdo qualitativo dos sentimentos que elas experimentam.
A complexidade e variedade dos sentimentos humanos foram convergidas para o
sentimento de maternidade, onde enfermeiras se viam como as mães ou no lugar das mães das
crianças.
A sociedade espera que a mulher viva para procriar. Segundo Scavone (2001, pág. 47-
58), do ponto de vista da cultura ocidental, uma identificação pela qual ser mãe seria o
destino natural de todas as mulheres. Esta transferência (e obrigação) do papel materno se
configurou na base dos sentimentos despertados nas enfermeiras, mesmo naquelas que não
tinham filhos.
E quando você é mãe, você sabe que seu filho estaria naquela posição você falaria
assim: não! Não vai fazer e acabou (gaguejando) ao passo que muitas mães têm que
ficar o quê? Esperando. (Enfª Joana D’Arc)
61
E, quando você lida com a fragilidade da criança, você está lidando com a sua. Eu
tenho filho também. Então a gente sempre é... se coloca na, na posição da própria
mãe, sabe? [...] Eu, eu sou mãe. Eu to dizendo: eu sou mãe. (Enfª Teresa)
Então assim, sempre me i muito saber, pôxa, podia ser o meu [...]. Então eu acho
que vem muito pelo o emocional mesmo... (Enfª Evita)
Os meus sentimentos... eu fico com daquela criança, com pena... eu lembro, eu
fico pensando que poderia ser alguém da minha família, meus sobrinhos, que eu
amo e que poderiam estar doentes. É como se eu fizesse algo ruim para eles e para
mim mesma. Se eu pudesse e não estaria ali. Sinto angústia, pena. É difícil. (Enfª
Anita)
O sentimento de proteção, de cuidado à criança, também é expresso nas falas das
enfermeiras, através dos sentimentos de amor, carinho e respeito. É a fragilidade da criança,
vista como um ser especial, que mobiliza estas emoções.
Eu sinto... primeiro... amor. Eu sinto muito amor. [...] Então, primeiro é o amor que
sinto. A segunda é a necessidade, porque a gente sabe que elas precisam da
medicação. [...]. O terceiro é o respeito, por aquele corpinho pequenininho, por
aquela veinha minúscula... aquele susto. (Enfª Vitoria)
Eu tenho um carinho muito grande por crianças. Eu tenho uma identificação muito
grande com as crianças, coisa que eu nem tenho com idoso. Com criança eu tenho
aquele negócio de pegar, de querer pegar no colo, querer acolher... (Enfª Elisabeth)
Porque a criança precisa de atenção. [...]. E criança... tem... volto a dizer, é uma
pessoinha especial. (Enfª Catarina)
que fica, s temos que atender, nós temos que fazer todo o procedimento. Mas
eu prefiro trabalhar com o adulto porque a criança é muito angelical, muita pena
de puncionar, aquele estresse que a criança fica, eu acabo ficando também estressada
[olha para baixo, cerra os lábios]. (Enfª Anita)
É triste ver uma pessoa que nem bem começou a vida, estar passando por tanto
sofrimento. Isso eu acho que não deixa de atingir a todos. (Enfª Evita)
Esta fragilidade, aliada ao desenvolvimento clínico e tratamento imposto às crianças
com doenças hematológicas, também estimula o aparecimento do sentimento de piedade, que
deve ser transformado em paciência e calma para o atendimento da criança e execução do
procedimento.
que infelizmente, para tentar salvá-la e tudo, ela vai ter que estar aqui com a
gente. Infelizmente está todo mundo nisso, inclusive eu. Eu não sei qual é o meu
sentimento na verdade, às vezes é pena, às vezes a gente pega aquela amizade como
se fosse o nosso filho, entendeu? (Enfª Isabel)
O que eu sinto? (pausa) Ai... (pausa longa) Eu sinto assim: eu quero fazer o meu
serviço, mas ao mesmo tempo eu sinto assim: coitadinha da menina, coitadinha da
criança... vou chegar ali, vou furar, ela vai sentir dor, e ela não quer e eu vou ter que
fazer... (Enfª Joana D’Arc)
62
Eu sinto muita pena. Eu sinto pena por aquela criança estar sofrendo e
principalmente quando a gente não consegue puncionar de imediato [...] O que eu
sinto em relação àquela criança é pena. Eu não gostaria de estar fazendo aquele
procedimento. (Enfª Anita)
Olha, peço a Papai do Céu para me dar muita paciência. (...) A gente tenta... tenta,
não. A gente tem que ter toda paciência do mundo, todo critério do mundo... (Enfª
Teresa)
É... em geral, a gente tenta ser o mais calmo possível, apesar de às vezes isso não
acontecer. (Enfª Elisabeth)
Somente a Enfª Joana D’Arc referiu sentir raiva durante o atendimento da criança que
briga:
Eu tive uma experiência que eu levei uma “pesada” no peito que eu bati na parede.
[...] Porque ela não queria ser puncionada de jeito nenhum. Mas estava assim: um
segurando um braço de um lado, outro segurando de outro. Ela tinha um cateter
implantado no hemitórax. Um segurando um braço de um lado, a mãe, o pai,
segurando do outro... e eu tentando convencer a ela a me deixar puncionar o cateter
dela. E ela chegou e falou: “Não vai não! Não vai não!” (voz simulando gritos e o
corpo fazia o gesto de querer se soltar) e Puff! Enfiou o pé em mim! Eu estava
desprevenida, levei uma pesada e fui parar na parede. (pausa) então, são algumas
situações... [O que você sentiu?] Na hora, eu vou te falar um negócio. Assim, o que
eu senti foi vontade de dar um “tapãonela! Ta? vontade. Porque você uma
criança de cinco anos... (pausa) em que os pais não conseguem dominar, né?... e que
muitas das vezes a criança reage com agressividade por conta de quê? Porque é uma
defesa dela. você, na hora que ela te bate... a vontade que você tem é de bater de
volta. Porque você é mãe, você é ser humano... Pô! Vou deixar uma criança bater em
mim? Na hora a vontade é essa... , que assim, mesmo que fosse um filho seu você
não faria isso. Você não voltaria. Então, a mesma coisa com o paciente. Você não
vai voltar e dar um “tapão” na criança... mas que dá vontade, dá! (risos). (Enf
a
Joana
D’Arc)
E as enfermeiras Elisabeth e Isabel referiram sentir receio diante da criança, medo de
não prestar o cuidado adequado ou de gerar um trauma.
A criança se assusta com o procedimento... é... depois vem a questão do receio de
não conseguir pegar a veia, de, de repente, não dar certo, dela mexer na hora errada.
Ahmm... depois do receio, o medo... dessa criança, de repente, sentir um pouco de
repulsa pelo profissional, dela ter um trauma futuro, eu acho que é muito importante
porque a gente não sabe o que que vai ser do amanhã dessa criança e... muita pena.
(Enfª Elisabeth)
“Eu fico tremendo, tremo, tremo, tremo... fico tremendo... mas aí eu tento me
controlar. Sinto um calor no corpo... O sentimento? Eu não sei. É medo de eu não
conseguir resolver o problema daquela criança. Não sei o que que é... não sei te dizer
o que que é... Dá vontade de fugir, dá vontade de fugir e nunca mais aparecer... (Enfª
Isabel)
Martino e Misko (2004; págs. 161-7) estudaram os estados emocionais de enfermeiros
e concluíram que o aspecto emocional interfere no cotidiano dos profissionais, tornando-os
63
alheios a seus próprios sentimentos e que o perfil emocional dos enfermeiros sofre alterações
que refletem o desgaste e o estresse próprios da profissão.
A dificuldade das enfermeiras em lidar com a complexidade e variedade de
sentimentos das crianças e dos seus próprios sentimentos, remete à observação de um aspecto
interessante a ser ressaltado: é a visão que as enfermeiras possuem sobre o bom profissional,
talvez estimulada por uma formação enraizada no modelo biomédico.
Para as entrevistadas, a enfermeira competente é aquela que não sente emoções pelo
seu paciente, revelando em vários momentos a dicotomia emocional que deve haver entre a
profissional e a pessoa. Existe a preocupação em não permitir que seus sentimentos interfiram
no cuidado ao invés de usá-los como aliados da boa prática assistencial.
De acordo com Whaley e Wong (1999, g. 11), a enfermeira precisa reconhecer seus
sentimentos e necessidades e distingui-los dos sentimentos das crianças e dos familiares,
porém precisa estabelecer um “relacionamento terapêutico”, para poder prover um cuidado de
enfermagem de qualidade.
A dicotomia referida pelas enfermeiras impede o estabelecimento de qualquer
relacionamento terapêutico, pois o limite não é compreendido e a obrigação de manter-se “a-
sentimental”, gera mais angústia e sofrimento.
A fala da Enfª Joana D’Arc ilustra bem esta concepção da boa profissional e da
necessidade da dicotomia de sentimentos e dos conflitos emocionais que envolvem e
emergem da assistência à criança.
vontade de você sair correndo, desesperada, de falar: eu não quero mais não! Eu
vou embora!... [...] Mas muitas das vezes você não tem como fazer isso e você
tem que enfrentar... [...] e fala assim: não! “Baixa” o profissional em você e você
esquece a parte emotiva. [...] Não! Eu vou fazer, tenho que fazer e acabou! E você
tem que conseguir lidar com isso. Muitas vezes a gente consegue, outras vezes a
gente chora... vai ao banheiro... lava o rosto... [...] Eu me sinto mal como pessoa, não
como profissional. Não tem nada a ver com a parte profissional, porque eu sei que
tenho a capacidade de chegar ali e fazer o procedimento. Mas eu digo assim em
relação à parte emocional mesmo sua, enquanto mãe, enquanto mulher, enquanto... e
você tem que fazer uma coisa que a pessoa não quer. É difícil colocar isso em
palavras, sentir é mais fácil que falar. [...] Então, ao mesmo tempo em que o teu
humano, o teu lado não-profissional diz: “não faz!”, o teu profissional vem em cima
64
e diz: “Não! Tem que fazer, porque precisa!... [suspiro] É meio difícil isso: é um
lado Joana D’Arc e do outro, a enfermeira Joana. (Enfª Joana D’Arc)
De acordo com Noeli Ferreira (1996, g. 229-53), este conflito se estabelece pela
necessidade que o enfermeiro tem de se proteger da ansiedade que todo contexto de trabalho
com o ser doente, principalmente criança, suscita. A dificuldade está em aliar o trabalho e
suas obrigações com a convivência contínua com o sofrimento dos pacientes, que remetem ao
seu próprio sofrimento e sua fragilidade humana.
De acordo com Whaley e Wong (1999, págs. 1-17) as enfermeiras precisam separar-se
dos familiares e da própria criança suficientemente para distinguir seus próprios sentimentos e
necessidades.
Costa (2005, pág. 45) afirma que “no ambiente hospitalar são formadas coletivamente
estratégias psicológicas de defesa dos trabalhadores”. A adoção destas estratégias visa
possibilitar a convivência com situações geradoras de ansiedade. “De maneira geral [...] os
mecanismos de defesa psicológica se revelam, principalmente, pelo comportamento de
negação e distanciamento afetivo”.
O cotidiano profissional das enfermeiras que atendem crianças hospitalizadas é
permeado de emoções motivadas pelas diversas situações de sofrimento experimentadas pelas
crianças, porém a enfermeira pode demonstrar seus sentimentos sem que isso signifique
fragilidade ou incapacidade técnica. “Era ensinado às estudantes de enfermagem a
necessidade de não “envolver-se” com o cliente, como se fosse possível abolir [...] as
emoções e os sentimentos da enfermeira”. (OLIVEIRA, 1999, pág. 131)
No momento em que as enfermeiras adotam inúmeros mecanismos de defesa e
mantêm a dicotomia entre o ser-pessoae o ser-enfermeira”, buscam o controle da situação
do cuidado e de suas emoções e sentimentos. No entanto, as estratégias de diminuição da
ansiedade nem sempre são eficientes e acabam por se transformar em estratégias mutiladoras.
65
A enfermeira vive o momento da briga entre os sentimentos de medo e dor que ela
acredita despertar na criança e seus sentimentos. Ele vive a piedade pela fragilidade do seu
paciente, o medo de não conseguir atender da melhor forma, o sentimento de maternidade e
de necessidade de proteger e, diante da sua impossibilidade de solucionar a briga e acabar o
conflito, a enfermeira se recorta: de um lado a enfermeira (máquina prestadora dos cuidados)
e de outro a humana (que quer fugir, que chora e que sofre).
Figura 4 Discussão esquemática da categoria “Eu sinto… pela criança!” Sentimentos das
enfermeiras em relação a criança que briga.
Criação: Delaine Fidlarczyk
Fonte: Fidlarczyk, D. Resistência à punção venosa: a Infanto-batalha. Dissertação de Mestrado, UNIRIO, 2008. página.s: 59-64
Maternidade
Criança
Proteção
Piedade
Raiva
Receio
Concepção biomédica
Ser
enfermeira
Doença Hematológica
E
E
s
s
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r
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a
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é
é
g
g
i
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e
e
d
d
e
e
f
f
e
e
s
s
a
a
Estratégias mutiladoras
Ser
pessoa
Dicotomia Emocional
C
C
O
O
N
N
F
F
L
L
I
I
T
T
O
O
66
4.1.1.b – Eu sinto... por mim! – Discutindo os sentimentos das enfermeiras diante da briga.
Esta categoria discute quais são os sentimentos despertados na enfermeira durante a
briga com a criança. O questionamento que durante a entrevista estimulou a fala das
enfermeiras, que por fim gerou esta categoria foi: O que você sente durante a realização da
punção venosa com a criança que briga?
De acordo com Leite (2005, pág. 99) o “indivíduo, em nome de determinadas normas
sociais [...] passa a regular em certa medida seu comportamento emocional”. Sendo estes
sentimentos dependentes da posição social que o indivíduo ocupa e das relações interpessoais
por ele estabelecidas.
Ao falar sobre o objeto que desperta sentimento, o indivíduo exterioriza e manifesta o
conteúdo dos seus sentimentos, permitindo assim o julgamento e entendimento destes. “Os
sentimentos, assim como todos os fenômenos subjetivos do ser humano, manifestam-se, antes
de tudo, nas ações e na conduta humana”. (LEITE, 2005, pág. 98).
Estudos sobre os estados emocionais dos enfermeiros e sobre estresse apontam que
vários fatores externos e internos podem causar transtornos físicos e emocionais, tais como o
excesso e diversidade de atividades, o contato direto com a morte e com o sofrimento, a
desvalorização profissional, as jornadas de trabalho e a remuneração, levando o
profissional a alterações psicológicas e ao estresse. (MARTINO e MISKO, 2004, págs. 161-3)
Ao falarem sobre seus sentimentos, as enfermeiras entrevistadas reafirmam a
necessidade de separar seus sentimentos pessoais dos sentimentos profissionais, como uma
obrigação da “boa profissional” que, no entendimento das entrevistadas, é aquela que
consegue executar as tarefas determinadas pela instituição e pela prescrição médica.
A gente essas crianças todas aqui a gente fica... meio triste, né? Mas a nossa
profissão é essa. (Enfª Isabel)
Eu tento me manter em cima salto [risos]. Mas às vezes é difícil. [olha pra baixo e
cerra os lábios] (Enfª Evita)
67
Segundo Costa (2005, pág. 161) a “cultura das organizações de saúde exige da equipe
de enfermagem uma postura linear, através de uma aparência sempre saudável, alegre e
educada.” Como se os enfermeiros fossem máquinas programadas para o bem servir, alheias
aos sentimentos dos pacientes e indiferentes aos seus próprios sentimentos.
As enfermeiras que atendem as crianças nos setores que serviram de cenário para este
estudo, não optaram por trabalhar com este tipo de clientela e algumas, inclusive, não se
sentem emocionalmente preparadas para esta atividade.
Lidar com criança, para mim, realmente, é um pouco difícil. [...] mas meio que você
se sente quando você não é para aquilo, porque tem pessoas que são para aquilo
você se sente meio que uma bruxa. Você tem fazer, mas quando a criança grita e
pede assim: “tia, por favor, não me fura...”.... te corta o coração. [...] Não, eu não
consigo. Por isso eu não me especializei em pediatria, não teria coragem de fazer
isso
...
(Enfª Maria)
É muito difícil trabalhar com criança. [...] Eu também sinto isso...me sinto arrasada.
Eu também sinto... que eu não, ai... também não gostaria. [...] Eu não me sinto muito
bem, mas sou obrigada... não vejo [deu de ombros]... mas tenho que dar assistência,
mas não me sinto muito bem.... (Enfª Isabel)
Minha experiência? [...] É a pior possível. Porque eu não gosto de trabalhar com
criança, eu não gosto de pediatria. A criança não deveria sentir dor e não deveria
ficar doente. (Enfª Anita)
A organização institucional faz com que as enfermeiras, que não são preparadas para
atender crianças, se vejam obrigadas a prestar um atendimento que, para conseguir resultados
realmente terapêuticos, precisa ser executado por profissionais com habilidades técnicas,
científicas e emocionais, para prestar assistência pediátrica.
Logo, para as enfermeiras, atender criança é uma experiência ruim e desgastante.
Damásio (2004, págs. 142-3), Leite (2005, págs. 99-100) e Costa (2005, págs. 161-2) afirmam
que os sentimentos originados de situações consideradas boas, que refletem no corpo estado
de prazer e de ausência de dor, são valorados como positivos. Enquanto outros sentimentos
que são percebidos como punições, associados com situações más, refletidos no corpo como
ausência de prazer e presença de dor, são valorados negativamente.
68
A vivência do cuidar da criança e da experiência da briga gera dor e sofrimento nas
enfermeiras. A dor apontada como um componente físico (dor e mal-estar) e também uma dor
moral (dor e sofrimento).
É... dói, né? [pausa] Dói na criança e dói na gente, também. (Enfª Teresa)
Por que mexe muito com o meu emocional. Eu acho que... que é uma agressão... [...]
Uma agressão à criança, uma agressão a mim também, porque eu sinto dor... eu
sinto dor ao ver aquela criança chorar. (Enfª Vitória)
...a tia sabe que dói, que isso faz mal também pra mim, entendeu? Que não é bom,
que a tia não gosta de fazer aquilo, que aquilo é muito ruim também para mim. (Enfª
Elizabeth)
As enfermeiras entram numa batalha íntima de contenção dos seus próprios
sentimentos. Não conseguindo reprimir suas emoções, deixam transparecer que são seres
humanos e suas ações exteriorizam os seus sentimentos íntimos de conflito: a respiração
demonstra a sua coragem (e necessidade) de prestar o cuidado; as lágrimas gritam a sua
angústia e sofrimento.
... e você tem que enfrentar... respira fundo [faz uma respiração longa], bebe uma
aguinha e fala assim: não! “Baixa” o profissional em você e você esquece a parte
emotiva. [...]. Muitas vezes a gente consegue, outras vezes a gente chora... (Enfª
Joana D’Arc)
É... eu sinto vontade de chorar, algumas vezes. (Enfª Vitória)
Depois, nem que depois eu saia, eu grite, eu chore, eu faça o que for. Mas naquele
momento eu tento me manter e consigo, graças a Deus, me manter bem segura do
que eu to fazendo e tentar não passar a minha aflição. (Enfª Catarina)
Este duelo de sentimentos traduz-se pelo sentimento de impotência da enfermeira
diante da situação do cuidado. Para elas, este sentimento é alimentado pela falta de autonomia
profissional e pelas imposições institucionais.
... De chegar para o médico e pedir: pelo amor de Deus, faz alguma outra coisa
porque a nossa técnica não está dando mais certo. Então, é assim, é um momento em
que você está no limite mesmo. (Enfª Evita)
Precisa de um acesso mais profundo que você não é habilitada, teoricamente, para
fazer... e eu não consigo. E, dentre esses, um caso eu perdi uma criança... e isso me
machucou muito mas eu sei que não foi, diretamente, culpa minha. Mas perder uma
criança pra mim, eu não aceito. (Enfª Catarina)
69
A gente tem que estudar a possibilidade de uma outra questão. De ser uma
subcutânea, de ser uma intramuscular. A gente coloca isso para o médico
primeiramente, né? A questão da criança e... não tendo jeito, vai ter que ser feito.
(Enfª Vitória)
Aliado ao poder médico institucionalizado, na busca de manter sua valorização dentro
da equipe de saúde, as enfermeiras temem ser vistas como profissionais incompetentes, tanto
pela equipe quanto por outros pacientes. Por isso impõe sua vontade sobre a da criança,
buscando a realização da punção venosa, prova de capacidade cnica, permitindo e
perpetuando a briga.
Porque, às vezes, o que acontece, a gente não quer dizer para os outros que a gente
não foi capaz. Ah, não. Porque se eu falar que eu não puncionei, vão falar que eu
não sou capaz de puncionar uma veia. Ou que eu não consigo convencer uma
criança a puncionar uma veia. (Enfª Joana D’Arc)
...eu percebo que os outros pacientes ficam agoniados também com aquela criança
chorando... às vezes eu tenho a impressão que eles acham que nós somos
incompetentes [enfatizando incompetentes] de não estar conseguindo puncionar
aquela veia. (Enfª Anita)
As enfermeiras não adotam estratégias para minimização da dor e do estresse da
criança. Apesar de reconhecerem que a briga é um mecanismo de defesa, não estimulam um
comportamento diferente nas crianças, através da utilização de intervenções não-
farmacológicas, como o brinquedo terapêutico, a distração e a massagem, e até mesmo
farmacológicas, como a utilização de anestésicos tópicos e sedação.
Diante da imposição do cuidado à criança e da necessidade de provar sua competência
técnica, surge na enfermeira outro sentimento de valoração negativa: a culpa. A culpa pela
falta de autonomia, a culpa por causar sofrimento e a culpa por se ver “obrigada” a realizar o
procedimento.
Você tem vontade, às vezes, de sair batendo com a cabeça na parede, porque você se
sente culpada pelo sofrimento que, sem querer, a gente ta causando a criança. (Enfª
Teresa)
Se eu puncionar quatro vezes uma criança, depois eu peço desculpas. Desculpa a tia,
perdão por estar tendo que te furar, a tia precisa fazer isso, você ta precisando da
veinha para receber a medicação... (Enfª Elizabeth)
70
Segundo Costa (2005, pág. 169), agir contra os seus princípios e a reação contrária ao
que considera correto, além da culpa, leva à equipe à frustração e angústia, sentimentos
também referidos pelas enfermeiras.
Eu como enfermeira me sinto frustrada. Como eu já disse antes, e repito, admiro
muito quem foi talhado para isso [para trabalhar com criança]. [...] Não é o meu
caso. Eu sofro. Eu faço, mas eu sofro. (Enfª Maria)
É... uma frustração quando você punciona e não consegue. [...] É mais a frustração, a
paciência que você tem que ter, é a acomodação que você tem que ter. (Enfª Teresa)
Um pouco, assim, no fundo, é... como é... agressora no sentido de ter [enfatizando o
ter] que fazer, que é para o bem dessa criança. E incompetência quando eu não
consigo. Frustração quando eu não consigo... fazer este ato, que eu sei que, no
fundo, a vida dessa criança depende disso. (Enfª Catarina)
Ao submeter seu corpo às regras do saber científico e tecnológico, submissas ao poder
médico, num modelo assistencial centrado na doença, as enfermeiras submetem as crianças ao
tratamento e aos procedimentos, sem considerar a opinião delas. (Costa, 2005, pág. 161-2).
Esta submissão gera os sentimentos de culpa, frustração e angústia, alimentam o conflito das
enfermeiras que, apesar de valorizarem o cuidado técnico, entendem a necessidade que inclua
os aspectos biológicos, psicossociais e espirituais. Esta culpa leva ao arrependimento,
sofrimento e à tristeza.
E uma experiência que não é boa porque você vai para a casa e começa a pensar:
poxa... eu não devia ter feito aquilo, né? Eu não devia ter segurado, eu não devia ter
forçado... eu devia ter tentado de outra forma e você fica se sentindo mal
[suspiro]. Eu me sinto mal, muito mal, por muitas vezes ter que fazer o
procedimento sem a criança querer [silêncio e olha para o chão]. (Enfª Joana
D’Arc)
É triste ver uma pessoa que nem bem começou a vida, estar passando por tanto
sofrimento. Isso eu acho que não deixa de atingir a todos. [...] Então, eu acho que o
primeiro momento é de tristeza mesmo, porque ele está passando por aquele
momento e porque voexperimenta o sofrimento daquela criança. Eu acho que é
uma das coisas, para mim, é pior. (Enfª Evita)
De acordo com Damásio (2004, págs. 146-8), os estímulos emocionalmente
competentes geram emoções. As emoções levam à construção de mapas neurais e estes mapas
formam a base do estado mental, que também se reflete no corpo. Os mapas ligados à alegria
71
significam estados de equilíbrio no corpo, traduzem uma coordenação fisiológica ótima e
conduzem à sobrevida com bem-estar e uma maior facilidade da capacidade de agir.
Segundo o autor, os mapas relacionados com a mágoa estão associados a estados de
desequilíbrio funcional, nota-se a presença da dor, sinais de doença ou de desacordo
fisiológico. A facilidade de ação se reduz. Estes sentimentos não teriam maiores implicações
na vida destas enfermeiras se fossem esporádicos. Porém, o sentimento traduz de uma
maneira particular do estado do corpo e do espírito, emergem das mais variadas reações
orgânicas pela manutenção da vida e do bem-estar. “Sentir tristeza não diz respeito somente
ao mal-estar. Diz respeito também a um modo ineficiente de pensar, concentrado em torno de
um número limitado de perdas” (DAMÁSIO; 2004, pág. 90-7) . Os momentos de tristeza,
medo, raiva, de forma isolada, não precipitam a espiral de deterioração da doença. Contudo,
toda ocasião de emoção negativa coloca o organismo num estado marginal e, se a mágoa
(sentimento de valoração negativa) não é corrigida, seguem-se a doença e a morte.
(DAMÁSIO, 2004, pág. 148)
Os sentimentos oriundos da briga tristeza, culpa, angústia e frustração –, levam as
enfermeiras a um desgaste emocional e, algumas vezes, com repercussões físicas.
É... [Pausa longa]... É...de certa forma ela acaba sugando um pouco a sua energia de
tanto você....[...]. Ela desestrutura um pouco, sim, mas não a nível prático, mas
emocional do profissional, no caso, o meu. Eu saio um pouco esgotada. (Enfª
Catarina)
Quando eu comecei a trabalhar com pediatria, na verdade, eu tive um descontrole
emocional. Eu engordei muito e fiquei com muita espinha. (Enfª Maria)
É muito difícil trabalhar com criança [...] você se pega numa situação... você se pega
numa morte na sua frente... e aí você olha para traz e não ninguém... e acaba
você não dormindo... e nós aqui não temos acompanhamento psicológico. Então...
eu não dormi... eu tomava remédio... eu não dormi. [...] É muito difícil. [...] A gente
tantas coisas que as pessoas não têm nem idéia do que a gente aqui dentro.
(Enfª Teresa)
Então, o choro, o grito... isto tudo faz o que: você fica desestruturada
psicologicamente, você fica com os nervos à flor da pele. (Enfª Joana D’Arc).
72
Figura 5 Construção de Mapas Neurais a partir de Estímulos Emocionalmente Competentes
e seus reflexos corporais.
Criação: Delaine Fidlarczyk
Fonte: DAMÁSIO, A. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos. SP: Companhia das Letras, 2004.
Fica evidente o despreparo emocional das enfermeiras para prestar o cuidado às
crianças. O atendimento à criança é referido inúmeras vezes como um momento de estresse
físico e emocional.
Olha, é sempre estressante, né?... primeiro porque é criança.[...]. E, quando você lida
com a fragilidade da criança, você está lidando com a sua. (Enfª Teresa)
Se for um plantão onde você tem várias crianças resistentes e você não consegue dar
conta daquilo tudo, o serviço acaba ficando sobrecarregado, isso se torna algo
estressante para o profissional. (Enfª Elisabeth)
Mas eu prefiro trabalhar com o adulto porque a criança é muito angelical, muita
pena de puncionar, aquele estresse que a criança fica, eu acabo ficando também
estressada [olha para baixo, cerra os lábios e faz “não” com a cabeça]... e eu não
gosto. Eu não gosto de realizar o procedimento porque eu sei que vai gerar um
estresse tanto pra criança quanto pra mim também. (Enfª Anita)
A enfermagem foi classificada pela Health Education Authority como a quarta
profissão mais estressante no serviço público, em função de diversos fatores: achatamento
Estímulos
Emocionalmente
Competentes
Emoções
Construção de
Mapas Neurais
Formam a base
do estado mental
Reflete no corpo
Alegria
Positivas
Equilíbrio
Bem-estar
Maior facilidade da
capacidade de agir
Negativa
Mágoa
Desequilíbrio
Dor / doença
Redução da
facilidade de ação
Desgaste
emocional e físico
Síndrome de Burnout
73
salarial, condições inadequadas de trabalho, carga mensal de trabalho, desgaste emocional em
função da proximidade com a dor, o sofrimento e a morte. (MUROFUSE, ABRANCHES e
NAPOLEÃO, 2005; SILVA e MELO, 2006; STACCIARINI e TRÓCCOLI, 2001)
O estresse é um termo amplamente utilizado, sendo empregado como sinônimo de
cansaço, dificuldades, frustrações, ansiedade desamparo e desmotivação. É considerado um
dos principais problemas da vida moderna. (MUROFUSE, ABRANCHES e NAPOLEÃO,
2005; BOTTI e BARBOSA, 2008)
O estresse pode ser definido como um desgaste geral do organismo que ocorre quando
o indivíduo é forçado a enfrentar situações que alteram seu estado psicofisiológico. O
estímulo que provoca o desencadeamento do estresse depende da significação atribuída pelo
indivíduo. Interessante ressaltar que o estressor é um estímulo que leva a pessoa a uma
emoção, tanto positiva quanto negativa. No entanto, os estressores negativos são
marcadamente mais comprometedores do sistema psíquico. (MANGOLIN, NUNES, ZOLA,
FERREIRA, ANDRADE, 2004; PAFARO e MARTINO, 2004)
A resistência da criança em receber o cuidado, a briga no momento da punção, é um
estressor negativo de grande impacto para as enfermeiras. Os sintomas físicos do estresse
variam de pessoa para pessoa. Os sintomas físicos incluem perda ou ganho de peso excessivo,
padrões de sono irregular, náuseas, cefaléia, distúrbios gastrintestinais, disfunções
glandulares, chegando a alterações do aparelho cárdio-circulatório e do sistema imunológico.
As alterações psico-emocionais são expressas por irritabilidade, angústia mental, oscilações
de humor e de comportamento. (BATISTA, GUEDES, 2004; MANGOLIN, NUNES, ZOLA,
FERREIRA, ANDRADE, 2004; PAFARO e MARTINO, 2004)
Várias falas das enfermeiras demonstram alguns sinais/sintomas de estresse descritos
acima: a Enfª Maria referiu ganho de peso e aparecimento de acne; a Enfª Joana D’Arc refere
74
angústia e alteração de humor; a Enfª Catarina refere desgaste emocional e tristeza. Durante as
entrevistas várias enfermeiras choraram.
Vários estudos apontam que as enfermeiras são comprometidas pelo estresse
emocional em veis variados. As enfermeiras com situações extremas de sofrimento,
proximidade com a morte, a vivência da morte, situações agravadas pelo fato do despreparo
emocional de lidar com os pacientes pediátricos.
As situações estressoras levam ao surgimento de sentimentos de valoração negativa,
sentimentos desagradáveis, que podem gerar disfunções psicológicas e biológicas. Dentre os
possíveis acometimentos, destaca-se a síndrome de Burnout, caracterizada por três traços
fundamentais: sentimento de desgaste emocional (esgotamento), de despersonalização
(decepção) e de reduzida competência profissional (falta de interesse nas atividades do
trabalho). (BOTTI, BARBOSA, 2008; MANGOLIN, NUNES, ZOLA, FERREIRA,
ANDRADE, 2004).
De acordo com BOTTI e BARBOSA (2008, pág. 10) “A Síndrome de Burnout inicia-
se no cotidiano do trabalho, produzindo sofrimento psíquico ao trabalhador e comprometendo
seu desempenho profissional”.
O discurso das enfermeiras mostra o sofrimento presente no seu cotidiano de trabalho,
porém a fala da enfermeira Evita demonstra o desejo de cuidar...
Eu acho que às vezes confunde o sentimento, porque a gente quer fazer, mas a gente
quer minimizar o sofrimento da criança e minimizar o nosso também que está ali.
Não é o da criança que a gente minimiza, a gente quer minimizar o sofrimento de
todos. (Enfª Evita)
75
Categoria II
Categoria II Categoria II
Categoria II –
– E agora.... Tome cuidado.
E agora.... Tome cuidado. E agora.... Tome cuidado.
E agora.... Tome cuidado.
4.1.2 – CATEGORIA II – E agora... Tome cuidado
Esta categoria reúne as falas das enfermeiras que referem o cuidado prestado às crianças
com resistência à punção venosa e as possíveis implicações dos sentimentos das enfermeiras
no oferecimento deste cuidado.
Os questionamentos da entrevista que geraram esta categoria foram: quais são os fatores
que, para você, levam a criança a brigar? Qual a sua reação quando esta criança se torna
resistente e briga no momento da punção?
A criança que briga pôxa... ela vai brigar mesmo. Eu não ia deixar alguém me
furar... Adulto briga... pôxa... imagina uma criança que está começando a
ver o mundo? De repente ela está numa brincadeira, daqui a pouco ela se vê
dentro de um hospital. Pôxa! Os pais ficam toda hora... aquele quartinho cheio
de brinquedos, aquela coisa toda... Vem para cá, todo mundo de branco,
aquelas camas... todo mundo ali com aquelas coisas... Ao invés de uma bola
pendurada, é um soro pendurado... então... você acha que ela não ia brigar?
Uma agulha para te furar? Eu também ia brigar, eu ia brigar muito. (Enfª
Isabel)
As enfermeiras acreditam que diversos fatores determinam este comportamento de
resistência aos cuidados pelas crianças, sendo o medo do desconhecido o mais citado entre as
entrevistadas.
Olha, eu acho que muitas vezes, nem todas, o medo do desconhecido. (Enfª. Maria)
Ah! Um dos fatores é você chegar e não ter falado nada para ele, né!? É uma coisa
desconhecida para ele. Nem sabe o que é um hospital, é a primeira vez e de repente
ele está aqui dentro. (Enfª. Isabel)
Primeiro é medo e o desconhecimento da técnica que vai ser utilizada. Muitas vezes
é primeira vez que está na emergência ou durante um trauma [sico] que é a área
onde eu trabalho, né? (Enfª. Evita)
Eu acho que são os fatores familiares, a história dela é muito importante. Porque,
quando a criança carrega uma história ruim, por exemplo, um pai que ela não
conhece, briga dentro de casa, o desconhecimento da própria doença... isso traz com
que a criança ela... faz com que a criança, ela venha já com problemas prévios, antes
mesmo do procedimento. Ela não consegue entender o porquê e ela luta ainda mais
contra, luta contra tanto a mãe, quanto o profissional, quanto ela mesma. (Enfª
Vitória)
De acordo com Whaley e Wong (1999, pág. 560), para a criança “o medo do
desconhecido excede o temor do conhecido”. As enfermeiras possuem o entendimento de que
76
o medo do desconhecido é um fator importante gerador da resistência da criança. Diversos
estudos na área da Enfermagem e da Psicologia apontam que este medo é gerado porque a
criança hospitalizada passa a habitar um universo totalmente novo, com regras, pessoas,
espaços diferentes e estranhos ao seu cotidiano e realidade, além do que, também enfrentam o
medo do abandono, da separação de seus pais, gerando fantasias inconscientes que acabam
por transformar a hospitalização numa espécie de castigo, sendo a resistência um mecanismo
de defesa. (FINKEL, 2007; NASCIMENTO, 2003; NASCIMENTO, ROCHA, HAYES e
LIMA, 2005; QUINTANA, ARPINI, PEREIRA e SANTOS, 2007; RIBEIRO e ANGELO,
2004)
As enfermeiras entrevistadas compartilham da idéia de que esta briga é um mecanismo
de defesa, uma estratégia adotada pela criança na busca da manutenção da sua integridade
física e emocional.
Outro fato também é... é... porque a criança é um ser muito especial... então, ele
sente o que ele está passando e, para mim, é uma forma de defesa, principalmente...
para eles. (Enfª Catarina)
Entretanto, o discurso revela a freqüente ligação entre a imagem cultural enraizada na
criança, principalmente pelos pais, de que o hospital é um lugar ruim e de tristeza, onde a
injeção é um castigo e os “anjos de branco” têm a missão de provocar dor e sofrimento.
A criança não tem medo da agulha, ela tem medo daquilo que a mãe ficou a vida
toda dizendo para ela (imitando a voz da mãe) “olha, se você não fizer isso, eu vou
levar você para tomar injeção, hein.” “Olha, se você não fizer aquilo, eu vou levar
você para o hospital para o médico te dar injeção!”Então, a criança já associa a
injeção a uma coisa ruim. A uma coisa...pôxa, a minha mãe falou a vida inteira que
injeção é uma coisa ruim. Eu vou chegar e a enfermeira vai me dar injeção. (Enfª
Joana D’Arc)
Porque agulha, dizem para ela que fura e que machuca, e de repente vem alguém
para ela e diz para ela que uma agulha vai fazer bem porque... Fazer bem por que, se
ela sempre escutou que fura e que machuca? (Enfª Maria)
Olha, eu acho que... “n” fatores. Primeiro isso é cultural. Aquela coisa idiota de se
assustar a criança: ‘se você não se comportar vou te levar no médico... se você não
se comportar, vou te dar injeção! (Enfª Teresa)
Em primeiro lugar o medo embutido nelas, principalmente pelos pais. [...] “Ah! Se
ficar chorando como uma punição vou chamar a enfermeira para te dar injeção.”
[...] elas mesmas acabam criando uma barreira, né, entre o profissional de saúde que
está tentando ajudá-la e a própria criança. (Enfª Catarina)
Caberia, então, a adoção de medidas de minimização da ansiedade, do estresse e do
medo. A criança precisa ser cuidada considerando toda a sua complexidade, promovendo a
77
assistência integral, com o objetivo de proporcionar bem-estar e segurança à criança,
estimulando sua reabilitação e, no caso das doenças sem possibilidade de cura, que ela se sinta
confortável e aconchegada.
Os sentimentos são os reguladores do comportamento humano. Para Leite (2005,
pág.102-3), está claro que “o caráter dos sentimentos é determinado pelas condições
socialmente criadas” e que a cultura social e a historicidade do indivíduo influenciam na
significação da experiência vivenciada e do sentimento correspondente.
Sendo assim, as enfermeiras afirmam que o medo da injeção e a briga são, de certa
forma, estimulada pelos pais e pela própria sociedade.
Muitas vezes, no entanto, o comportamento de briga é apontado como um desrespeito
aos pais, como se a criança adotasse esse comportamento estimulada pela proteção materna
ou pelo “descontrole” dos pais em relação à própria criança. Este pensamento faz com que
algumas enfermeiras culpem os pais, adotando o comportamento de retirá-los do ambiente no
momento da briga.
Então, a mãe, muitas vezes, por conta dessa doença, de saber da gravidade, ela
estimula na criança, de forma inconsciente, ganhos secundários. Então a criança
grita, a criança se debate, a criança manipula, muitas vezes, a mãe. (Enfª Teresa)
E aí, a partir do momento que você chega, essa criança entra, chorando dentro
do setor, gritando dizendo que não quer... a mãe, muitas vezes, não tem domínio
sobre a criança, aí a criança xinga, a criança bate, ela esperneia. (Enfª Joana D’Arc)
E depois, o segundo sentimento é o que? De indignação com o pai ou com a mãe
que não consegue ter um controle da criança, mas aí, ao mesmo tempo, é um período
tão curto de tempo que você leva para pensar em isso tudo, que você analisa a
situação do pai, a situação da mãe, a situação daquela criança que está ali [...] e
você para e fala: não, vamos respirar fundo. “Olha aí! Vome bateu, me empurrou,
machucou a tia e tal... mas vamos tentar de novo? (Enfª Joana D’Arc)
Collet e Rocha (2004, gs. 191-7) discutem, em um estudo, a negociação e interação
da equipe de enfermagem e das mães de crianças hospitalizadas no compartilhamento do
cuidado e afirmam que tanto os pais quanto a equipe de enfermagem têm, pelo menos, “um
objetivo em comum: o restabelecimento da saúde da criança” e, em função deste objetivo,
cabe a enfermagem compreender a importância da participação dos pais no cuidado,
estabelecendo um cuidado compartilhado. Entretanto, de acordo com as autoras, falta diálogo
entre os pais e a equipe de enfermagem.
É fundamental o desenvolvimento e manutenção de atitudes de empatia entre
enfermagem e pais, pois este comportamento iproporcionar um ambiente mais agradável,
78
onde os pais se sintam mais seguros e fortalecidos para enfrentar a hospitalização de seu filho.
(COLLET e ROCHA, 2004, pág. 196).
A abordagem assistencial descrita pelas enfermeiras está centrada na patologia e não
na criança. De acordo com Pauli e Bousso (2003, pág. 285), o cuidado centrado na família e a
humanização da assistência são considerados como a filosofia ideal para o cuidado à criança.
Ainda de acordo com as autoras, é preciso oferecer habilidades às enfermeiras, a fim que estas
estejam preparadas para prestar uma assistência integral, minimizando o estresse das crianças,
dos pais e dos profissionais, além de reduzir os conflitos da família com a equipe.
Se as atitudes de empatia não se estabelecem e o sentimento das enfermeiras em culpar
os pais pelo comportamento de resistência da criança acarreta em prejuízos assistenciais, que
acabam por transformar a própria instituição e os profissionais em perpetuadores do medo e
da resistência da criança.
E aqui, eu acredito que é pela constante necessidade de estar sendo puncionada.
Experiências negativas, experiências desagradáveis, mesmo porque aqui no hospital
a dificuldade de rede vascular é muito grande, então ela sabe que existe este
problema. Então o medo, eu acredito, que seja o primeiro instante que ela passa. (...)
O conhecimento, amesmo dessa experiência da dor, eu acredito que esse seja o
maior problema para a dor. (Enfª Evita)
O medo da agulha, a dor que a criança sabe que ele vai sentir quando um
profissional de branco se aproximar... Na verdade a criança já sabe todo o
procedimento que vai ser feito, né? chegou no hospital, acho que quando vai
chegando no hospital ele já sabe que vai ser, ou vai colher um sangue, ou vai receber
alguma coisa, ou um fator ou um sangue que tenha que ser puncionado. E a partir
daí a criança começa a ficar estressada, sabe que vai sentir dor, já sabe que
virão várias pessoas segurá-la... e a reação da criança é o que? É se defender de
alguma forma: eu não quero esse procedimento, eu não quero sentir dor, eu o
quero ser furada... e aí ela reage desta forma, que é natural. (Enfª Anita)
O enfermeiro, além do entendimento das necessidades biológicas das crianças, precisa
considerar as necessidades emocionais dos pequenos pacientes e de seus pais, considerando
que “apesar da crescente tecnologia que exige do profissional de saúde habilidades técnicas, é
preciso refletir sobre as habilidades humanas na atenção à saúde da criança.”
(MAGNOBOSCO, TONELLI, SOUZA, 2008, pág. 107)
Quando estas habilidades pessoais/profissionais não são observadas e valorizadas, os
enfermeiros não compreendem a necessidade de respeitá-las. Iremos observar nas falas das
entrevistadas, comportamentos que vão de encontro aos direitos da criança previstos na
Declaração dos Direitos da Criança (ONU, 1959) e ratificado no Brasil pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei 8069, 13/07/1990) e ao Código de Ética dos Profissionais de
Enfermagem (COFEN, 08/02/2007).
79
Tem gente, tem profissional que gosta de pedir que a mãe saia para fazer o
procedimento. [...] E outras vezes, também, por profissionais que talvez, eu não sei
por que, não sei se... desistiram da profissão ou deixaram de gostar... não sei o que
aconteceu no meio do caminho, possam ter, de alguma maneira, maltratado esta
criança e esta criança pode ter ficado com algum trauma. (Enfª Maria)
Às vezes o profissional não tem a paciência que tem que ter. (Enfª Teresa)
Infelizmente a gente vai ter que fazer o que ela mais odeia: é chamar três, quatro
pessoas para segurar as pernas, segurar os braços...[...] Mas não tem outra forma de
puncioná-la a não ser prendê-la e fazer exatamente o que ela não quer: segurá-la de
uma forma mais agressiva. (Enfª Anita)
Apesar das enfermeiras entrevistadas relatam que compreendem como legítimo o
comportamento da criança que briga, entendem que é um mecanismo de defesa e uma
representação do medo, suas reações e os comportamentos descritos não demonstram este
entendimento e despertam a necessidade de uma discussão baseada num olhar ético.
Oguisso e Zaboli (2006, gs. 131-3) discutem o enfoque dado por Carol Gilligan
sobre a “ética do cuidado”, que valoriza, além dos atos, caráter e motivações dos envolvidos,
o favorecimento para o estabelecimento ou não de relações positivas. Os problemas éticos
conformam problemas de relações humanas”. (OGUISSO e ZABOLI, pág. 132). Sob esta
ótica, o ideal do cuidado consiste numa atividade de relacionamento, de perceber e de
responder às necessidades uns dos outros, impedindo a ocorrência de danos físicos e/ou
emocionais.
Considera-se uma situação conflituosa a recusa da criança, como de qualquer outro
paciente, a receber um determinado tratamento, que se configura num conflito emocional e
físico. A assistência centrada na doença, na qual as enfermeiras encontram-se imersas,
focaliza como prioritária a realização de tarefas e direciona as ações do cuidado.
A todo o momento, e principalmente diante de conflitos, os enfermeiros tomam
decisões baseadas na ponderação entre princípios bioéticos, mesmo sem perceber que estão
optando por um deles em detrimento de outros. (OGUISSO e ZABOLI, 2006, pág. 125).
As enfermeiras, diante da criança com resistência à punção venosa, agem (mesmo que
inconscientemente) de acordo com os valores bioéticos que, por sua vez, são baseados em
suas crenças e vivências pessoais e profissionais, valorizando a beneficência em detrimento da
não-maleficência e autonomia.
Talvez esta valorização da beneficência (de realizar a tarefa) se deva ao fato do cuidado
tecnológico, centrado na cura, que reflete a forma que o cuidado foi ensinado e desenvolvido
na prática em campo, onde “as intervenções de enfermagem (...) dependem de uma prescrição
médica e cujo objetivo é o de tratamento de uma enfermidade”. (WALDOW, 2001, pág. 57)
80
Ao não reconhecerem na criança o direito à autonomia, a realização do procedimento é
imposta, muitas vezes à força, por meio da contenção; deixando de ter como objeto da
enfermagem o cuidado ao paciente, enfocando somente a execução da tarefa.
A criança, ela não tem como dizer não. Ela diz não, mas você diz para ela: mas tem
que fazer! Não quero nem saber! Você tem que fazer!... porque ela é criança. Porque
se é um adulto você respeita [...] agora a criança, a criança se ela não quiser, você
vai até na força. (Enfª Joana D’Arc)
Infelizmente a gente vai ter que fazer o que ela mais odeia: é chamar três, quatro
pessoas para segurar as pernas, segurar os braços... tentar acalentar: já vai terminar...
ou tentar acariciá-la de alguma forma. Mas não tem outra forma de puncioná-la a
não ser prendê-la e fazer exatamente o que ela não quer: segurá-la de forma mais
agressiva. (Enfª Anita)
Figura 6 Apresentação esquemática da repercussão da briga na assistência de enfermagem,
com enfoque nos valores bioéticos, de acordo com as enfermeiras entrevistadas.
Criação: Delaine Fidlarczyk
Fonte: Fidlarczyk, D. Resistência à punção venosa: a Infanto-batalha. Dissertação de Mestrado, UNIRIO, 2008. página.s: 74-69.
Medo do desconhecido
Defesa
Imagem cultural
Desrespeito aos pais
B
B
R
R
I
I
G
G
A
A
Enfermeira
Culpa os pais
Não compartilham o cuidado
Falta atitudes de empatia
Prejuízos assistenciais
Instituição perpetua a briga
Assistência
Centrada na doença
Não
maleficência
Autono
mia
Beneficência
81
A imposição dos cuidados e o desrespeito aos direitos das crianças de ficarem com
seus pais, de terem preservadas sua integridade física e emocional, remete-nos à violência
institucional que, segundo Mury (2008): Violência Institucional é aquela praticada nas
instituições prestadoras de serviços públicos como hospitais, postos de saúde, escolas,
delegacias, judiciário”. É quando o poder abusivo do Estado (representado pelos seus
servidores) se concretiza nos espaços institucionais.
De acordo com o Ministério da Saúde (2001, pág. 21) a “violência institucional é
aquela exercida nos/pelos próprios serviços públicos, por ação ou omissão. (...) Abrange
abusos cometidos em virtude das relações de poder desiguais entre usuários e profissionais”.
As enfermeiras impõem o “cuidado” e adotam medidas violentas, como a contenção
agressiva e a não adoção de medidas para minimização da dor e do estresse. Utilizam de
práticas autoritárias, que tem um fim em si mesmas e, pelo abuso injusto do poder, acabam
banalizando esta conduta e violência, sem a consciência deste fato.
De acordo com Gomes, Nations e Luz (2008, pág. 70), o profissional também é
afetado pela violência institucional e precisa compreender a natureza e sentido do seu
trabalho, nutrindo generosidade e respeito para aqueles sob seus cuidados
.
As enfermeiras reconhecem que esta atitude de obrigar a criança, através da
contenção, a serem puncionadas, pode trazer efeitos negativos que impactarão no tratamento e
perpetuarão o medo e a resistência da criança.
Na busca do equilíbrio e da harmonização adotam tímidas estratégias para
minimização desta resistência, algumas baseadas na permissão de uma discreta autonomia da
criança, porém sempre focadas na necessidade de administração do medicamento.
É esperar que aquela criança aguarde, porque não para pegar na marra, não
para você violentar, porque vai ser pior. [...] Então a gente tem que ter muito
cuidado, porque senão uma experiência negativa leva a outra mais negativa, e mais
negativa, e complica par a criança e para o próprio profissional. (Enfª Teresa)
Eu acho que isso [a contenção] interfere negativamente. [...] muitas vezes ela passa
por esse processo de negatividade primeiro: pô... de novo, vão me prender, vão me
segurar para puncionar, vai causar dor... eu acho que tudo isso pode ser uma
problemática para a segunda vez que ela venha à emergência... (Enfª Evita)
...ou então, espera um tempinho, dá um tempinho para criança e para a mãe se
recompor... e novamente tenta daqui a uns quinze minutinhos, vinte minutinhos, se
não tiver tanta urgência. Entendeu? Se tiver uma emergência realmente, não tem
jeito. É pegar à força, pedir para a mãe sair, chamar as pessoas capazes realmente e
fazerem a colocação mais correta profissionalmente naquela situação. (Enfª
Elisabeth)
82
Porém estas estratégias não são caracterizam o cuidado atraumático nem são
fundamentas em literatura especializada. As enfermeiras somente “esperam” que a criança se
acalme.
Algumas estratégias simples poderiam ser adotadas como a realização de brincadeiras
e canções para estimular a aproximação da criança; o uso do brinquedo terapêutico que
proporciona à criança a possibilidade de reorganização de seus sentimentos, assimilação de
novas situações e redução da ansiedade.
Se a enfermeira não se sente apta à enfrentar esta briga, deve procurar auxílio com
enfermeiras especializadas em pediatria, cujas características pessoais e profissionais tornam a
compreensão da situação mais fácil, e o conhecimento teórico sobre as etapas do
desenvolvimento infantil e técnicas de abordagem, permitem uma aproximação mais efetiva e
menos traumática.
Em função do contexto hospitalar e acreditando que a criança necessita do tratamento
para a manutenção de sua vida – o bem maior as enfermeiras entrevistadas adotam o
comportamento de obrigá-la a aceitar a punção através da contenção. Mas este
comportamento fere a própria enfermeira, que quer ser uma boa profissional, que se sente
agredindo a criança e que também se agride.
Se eu pudesse... eu tenho vontade de fugir quando tenho que puncionar uma criança.
Só faço porque sei que é necessário... mas não gosto. (Enfª Anita)
Um pouco, assim, no fundo, é... como é... agressora no sentido de ter [enfatizando o
ter] que fazer, que é para o bem dessa criança. (Enfª Catarina)
De acordo com Waldow (2006, pág. 27) a enfermagem é “a profissionalização da
capacidade humana de cuidar, através da aquisição e aplicação dos conhecimentos, de atitudes
e habilidades apropriadas aos papéis prescritos à enfermagem”. Ser um bom profissional não
é executar somente a técnica, ser um bom enfermeiro significa saber tratar o paciente com
dignidade, respeitando seu corpo, valores, crenças e desejos, entendendo que os problemas
humanos não são nunca exclusivamente biológicos, mas também morais.
A fala da Enfª Joana D’Arc resume, de maneira simples, a complexidade dos
sentimentos das crianças que brigam e do estabelecimento de uma relação harmoniosa entre
enfermeira-criança.
Bom, (pausa) eu acho na primeira vez é o medo do desconhecido. Primeiro que ela
não te conhece. Segundo que ela não sabe o que vai acontecer com ela, né? É...
Então fica apavorada mesmo, fica com medo de a gente machucar, ferir, ser
83
agredida, não sei, ela não sabe qual é o procedimento. E nas próximas vezes é...
porque uma vez você errou, ou porque alguém errou uma, duas, três vezes e ela
dessa vez volta e ela não afim de levar duas, três furadas, né? Então pode ser por
isso, e também na Hematologia tem criança que desiste do tratamento, tem criança
que fala “eu não quero mais”, “eu vou morrer”, isso aconteceu comigo várias
vezes... “eu não quero mais”(...pausa...) aí você tem que ... ao mesmo tempo é...
você enquanto ser humano você vai falar o que com a criança: “tudo bem, querida,
a tia entende, mas olha a gente precisa fazer isso porque vododói. Você não
quer ficar bom?” ela fala para você assim: “não!”. (pausa) E você fala assim:
não...(respira), mas aí...(pausa) você sempre dá um jeito e tal. Isso leva a um estresse
terrível porque você fica, você sabe que tem que fazer um procedimento, você sabe
que precisa fazer um procedimento e ao mesmo tempo aquela criança não quer
receber aquilo. (respira) Então, você tem que dar uma respirada e dizer daqui a
pouco a tia volta. E volta para tentar convencer novamente aquela criança. (Enfª
Joana D’Arc)
Quintana, Arpini, Pereira e Santos (2007, pág. 420) afirmam que, após o primeiro
impacto causado pela roupa branca e pela posição hierárquica que a enfermagem ocupa em
relação às crianças, a equipe de enfermagem é vista como “cuidadosa, preocupada e
interessada na melhora” e os pequenos pacientes manifestaram mais intensamente os aspectos
positivos da relação.
Porém, em nenhum momento este aspecto positivo do relacionamento foi citado pelas
entrevistadas. Os sentimentos das crianças que brigam em relação à enfermeira, a partir do
olhar desta enfermeira, são sempre de recusa da aproximação e de rejeição.
Na visão das enfermeiras, as crianças sentem-se “agredidas” e não-cuidadas. De
acordo com Waldow (2006, pág. 29), “a ausência de cuidado é uma experiência mais
facilmente lembrada, pois parece provocar sentimentos negativos marcantes e, por vezes,
traumáticos.” Cria-se, então, um círculo vicioso onde os sentimentos de rejeição ao cuidado
da criança geram a briga e a briga estimula ainda mais os sentimentos de rejeição ao cuidado.
Num estudo coordenado por Waldow (2001, págs. 108-15) que propôs verificar os
elementos para o cuidar/cuidado na perspectiva de quem é cuidado, identificou que os
pacientes entrevistados ao completarem a questão: “para que uma pessoa cuide de mim ela
precisa...” utilizavam as palavras: atenção, carinho e amor. O cuidado implica numa relação
interpessoal e a pessoa que cuida necessita demonstrar este comportamento amoroso.
Para Leite (2005, g. 105), as emoções e sentimentos possuem um caráter
comunicativo que implica em contágio, determinado pelo afeto. Diversos exemplos podem ser
citados: a tristeza diante de uma mãe que chora a perda de um filho, a ira que leva à
depredações, o político que beija crianças demonstrando carinho e simpatia (em busca de
carinho e simpatia do povo).
84
As enfermeiras acreditam que os sentimentos despertados na criança pela situação da
briga são de valoração negativa, e que esses sentimentos se estendem a elas. As enfermeiras
que vivenciam estes sentimentos de valoração negativa das crianças e retribuem este
sentimento, concretizando a relação enfermeira-paciente.
Figura 7 Representação esquemática da categoria II com enfoque na violência institucional
como fonte geradora da briga e a briga como retroalimentação para a violência institucional.
Criação: Delaine Fidlarczyk
Fonte: Fidlarczyk, D. Resistência à punção venosa: a Infanto-batalha. Dissertação de Mestrado, UNIRIO, 2008. páginas: 74-83.
Imposição do
Procedimento
Contenção física e
afastamento dos pais
Não adoção de medidas
de minimização da dor e
do estresse
Impacto negativo
BRIGA
Violência
Institucional
Criança
Enfermeira
Sentimentos de valoração negativa
85
Ca
CaCa
Ca
pítulo
pítulo pítulo
pítulo 5
5 5
5 –
Considerações finais
Considerações finais Considerações finais
Considerações finais
86
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desejo de estudar os sentimentos das enfermeiras diante da resistência da criança,
aqui denominada “briga”, surgiu da minha experiência profissional em cuidar de crianças
portadoras de doenças hematológicas e pelo meu compromisso com a assistência integral,
humanizada e voltada as necessidades do doente e não se restringindo somente à doença.
A Hematologia e, principalmente a Onco-hematologia, são especialidades cheias de
peculiaridades, onde a convivência muito próxima com a dor, o sofrimento e a morte,
sendo quase impossível desvincular o cuidado do envolvimento emocional.
Ao iniciar este estudo, sabia que teria pela frente uma longa jornada, porém não
vislumbrava que o tema traria questões tão complexas e abrangentes sobre os sentimentos que
envolvem a prática assistencial das enfermeiras sem especialização na área de pediatria e que
se vêem obrigadas a cuidar de crianças e, como grande desafio, são “obrigadas” a causar mais
dor e sofrimento, através da punção venosa.
A briga desperta, nas enfermeiras, sentimentos contraditórios e de valoração negativa.
Elas se colocam como mães”, que têm a obrigação de proteger e de amar. A criança e sua
aparente fragilidade, desperta a piedade e, contraditoriamente, o medo. A enfermeira teme não
saber cuidar, porque tem a consciência da sua limitação emocional para lidar com a situação
da resistência da criança.
Desta forma, impossibilitada de lidar com a complexidade de seus sentimentos, a
enfermeira se recorta e se mutila, tenta-se manter “a-sentimental”. Instaura-se a dicotomia
entre o “ser-pessoa” e o “ser-enfermeira”, onde de um lado se põe a máquina prestadora de
cuidados (a enfermeira) e do outro a mulher-mãe-humana.
As enfermeiras travam uma batalha íntima de contenção dos seus próprios
sentimentos, alimentada pela estrutura e ambiente institucional, que reforçam sua falta de
autonomia e reafirmam seu sentimento de impotência.
Na busca de uma valorização profissional, alimentada por uma assistência centrada no
modelo biomédico que privilegia a doença, elas impõem a sua vontade sobre a da criança e,
sem adoção de estratégias de minimização da dor e do estresse, realizam a punção venosa
utilizando a contenção, quase sempre traumática.
Este comportamento leva aos sentimentos de culpa, frustração, angústia,
arrependimento, sofrimento e tristeza; e alimenta ainda mais a batalha íntima de seus
sentimentos.
87
Todos estes sentimentos de valoração negativa se traduzem de uma maneira particular
no estado do corpo, levando a um “modo ineficiente de pensar” e à doença física e emocional,
tais como o estresse e a síndrome de Burnout.
Por um lado as enfermeiras sofrem e adoecem e, de outro, este estado emocional se
reflete no cuidado que é oferecido à criança.
Muitas vezes a briga, que é um mecanismo de defesa da criança, é encarada como uma
falta de respeito aos pais, que não sabem “controlar” seu filho; o que faz com que algumas
enfermeiras culpem os pais pela briga, impossibilitando o diálogo entre os pais e a enfermeira,
adotando medidas que ferem os direitos da criança de não sentir dor e de ficar próxima de
seus pais, e a proposta do cuidado atraumático.
Desta forma, a assistência oferecida é uma imposição do desejo do mais forte, detentor
do poder de decisão e vontade, que exerce a violência institucional, desrespeitando a
autonomia e impondo práticas autoritárias, banalizando a conduta violenta, contudo, sem ter
consciência deste fato.
Não obstante, a enfermeira também é vítima da mesma violência, quando se
atrelada ao contexto político-institucional de submissão e falta de autonomia. Ao mesmo
tempo em que a enfermeira agride, é agredida.
Esta diversidade de sentimentos e sua repercussão no cuidado me fazem refletir acerca
da necessidade premente de adoção de estratégias e meios que visem minimizar o estresse das
crianças diante da punção venosa e que ofereçam subsídios técnicos e emocionais a estas
enfermeiras para lidarem com a resistência da criança.
As enfermeiras que prestam assistência a crianças devem ser preparadas para tal. A
realização de treinamentos, aulas teóricas e estudos dirigidos, que abordem questões relativas
ao crescimento e desenvolvimento infantil, são extremamente importantes para que as
enfermeiras compreendam o processo pelo qual a criança está passando, quais reações
comportamentais ela deve esperar e quais medidas terapêuticas podem ser adotadas para a
minimização da dor, do estresse e do medo.
Este treinamento, no entanto, não pode ser restrito aos profissionais que optaram
trabalhar em pediatria. Ele tem que ser estimulado entre as enfermeiras que não se sentem
emocionalmente competentes para cuidar de crianças, objetivando orientá-las a lidar melhor
com as situações de conflito de maneira saudável, tanto para a criança, quanto para a própria
enfermeira, sem ter que se dividir entre a pessoa que sofre e a profissional que faz porque tem
que fazer.
88
Minha impressão é que esta dicotomia entre o que se sente e o que se faz, estimula
ainda mais a “fragmentação” do paciente e desestimula a adoção de práticas integradoras e
humanizadas no cuidado de enfermagem.
Outro aspecto a ser ressaltado é a necessidade que estas enfermeiras têm de expressar
seus sentimentos e angústias, para que se reconduzam ao caminho de um “ser-total”. Acredito
que a instituição deva oferecer e estimular a implantação de ferramentas que proporcionem a
discussão e análise das situações de conflito pelas enfermeiras, além de outros aspectos de
cunho pessoal, como questões relativas ao relacionamento interpessoal e a convivência
próxima com a dor e a morte. Tais estratégias seriam de grande valia para a minimização do
estresse, dos sentimentos de valoração negativa e da própria síndrome de Burnout.
Considero, ainda, que este estudo não se encerra aqui, ao passo que vislumbro novas
possibilidades de desdobramento das idéias aqui apontadas, no sentido de repensar as
estratégias de educação continuada, de promoção da saúde do trabalhador e da implementação
de uma prática assistencial que busque a integralidade, que favoreça o desenvolvimento dos
pequenos pacientes, que estimule a adoção do cuidado atraumático e do vínculo saudável
entre o enfermeiro, a criança e a família.
89
Ca
CaCa
Ca
pítulo
pítulo pítulo
pítulo 6
6 6
6 –
Referências Bibliográficas
Referências Bibliográficas Referências Bibliográficas
Referências Bibliográficas
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6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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95
Ca
CaCa
Ca
pítulo
pítulo pítulo
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7 7
7 –
Apêndices
Apêndices Apêndices
Apêndices
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7.1 - APÊNDICE 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezada Enfermeira,
Estamos realizando um estudo com o intuito de ampliar o conhecimento e a discussão de enfermagem
sobre os sentimentos da enfermeira sobre o cuidado prestado à criança que apresenta resistência diante
da punção venosa.
Trata-se de uma pesquisa para obtenção do título de mestre em Enfermagem pela Universidade Federal
do estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.
Os dados serão obtidos através de uma entrevista que deverá ser gravada, sendo garantida a
privacidade, anonimato e sigilo da participante.
Esclareço que não tenho como proposta interferir na assistência oferecida e/ou avaliar o trabalho
realizado na instituição e que a qualquer momento poderá ser solicitada a sua retirada no estudo.
Comprometo-me a esclarecer as dúvidas das participantes no momento em que estas acharem
necessário.
Desse modo, informamos e solicitamos sua autorização para sua inclusão neste estudo.
Desde já agradeço sua colaboração,
Atenciosamente,
_________________________________
Delaine Fidlarczyk
Tel: XXXX-XXXX Cel: XXXX-XXXX e-mail: [email protected]
Eu, ..........................................................................., RG nº. ........................................, estou ciente das
informações recebidas e concordo com a minha participação no estudo “Punção venosa: a infanto-
batalha. Os sentimentos da enfermeira sobre o cuidado prestado à criança que briga”, que será realizada
sob responsabilidade de Delaine Fidlarczyk, aluna do Curso de Mestrado da EEAP/UNIRIO. Estou
informado que a autora se compromete em manter sigilo de meus dados e que em nenhum momento
serei exposta a riscos causados pelo estudo. Ainda estou ciente que a qualquer momento poderei solicitar
a minha retirada do grupo estudado, sem que isso cause prejuízos diretos ou indiretos a mim. Estou
ciente que não terei nenhum tipo de despesa ou gratificação pela participação no referido estudo, e de
que os resultados encontrados serão usados somente para fins científicos-didáticos, podendo ser
publicados em periódicos científicos.
______________________________
Assinatura da Enfermeira Depoente
RG nº:
97
7.2 - APÊNDICE 2 – Roteiro de Entrevista
Roteiro de Entrevista
Enfermeira: Data:
Idade:
Estado civil:
Anos de profissão:
Especialização:
Local onde trabalha:
Área de atuação:
Tempo de serviço:
Fale um pouco da sua experiência profissional
Quais são os fatores que, para você, levam à criança a brigar para não ser puncionada?
Qual a sua experiência com a criança que é resistente no momento de ser puncionada?
Qual a sua reação quando a criança se torna resistente e briga no momento da punção?
O que você sente durante a realização da punção venosa com a criança que briga? Fale
um pouco sobre essa experiência.
98
Ca
CaCa
Ca
pítulo
pítulo pítulo
pítulo 8
8 8
8 –
Anexo
Anexo Anexo
Anexo
99
8.1 - ANEXO 1 – Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
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R
R
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I
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Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 2008.
ASSUNTO: Parecer consubstanciado de projeto de pesquisa avaliado pelo CEP HEMORIO
Prezada Pesquisadora,
O projeto, Punção Venosa: a “Infanto-batalha”. Os sentimentos da enfermeira sobre o cuidado prestado à criança que
briga”, cadastrado no CEP HEMORIO sob o 116/07, foi aprovado pelo Comitê desta Instituição, conforme a Resolução
CNS 196, de 10/outubro de 1996, após respostas às exigências apontadas.
Ressaltamos abaixo, algumas orientações fundamentais, as quais o pesquisador deve estar muito atento:
O sujeito da pesquisa tem a liberdade de recusar-se a participar ou de retirar seu consentimento em qualquer fase da
pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado e deve receber uma cópia do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, na íntegra, por ele assinado;
O pesquisador deve desenvolver a pesquisa conforme delineada no protocolo aprovado e descontinuar o estudo somente
após análise das razões da descontinuidade pelo CEP que o aprovou, aguardando seu parecer, exceto quando perceber
risco ou dano não previsto ao sujeito participante ou quando constatar a superioridade de regime oferecido a um dos
grupos da pesquisa que requeira ação imediata;
O CEP deve ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos relevantes que alterem o curso normal do estudo. É papel
do pesquisador assegurar medidas imediatas adequadas frente a evento adverso grave ocorrido (mesmo que tenha sido
em outro centro) e enviar notificações ao CEP e à ANVISA, junto com seu posicionamento;
Eventuais modificações ou emendas ao protocolo devem ser apresentadas ao CEP de forma clara e sucinta, identificando
a parte do protocolo a ser modificada e suas justificativas. Em caso de projetos do Grupo I ou II apresentados
anteriormente à ANVISA, o pesquisador ou patrocinador deve enviá-las também à mesma, junto com o parecer
aprovatório do CEP, para serem juntadas ao protocolo inicial.
Relatórios parciais e final devem ser apresentados ao CEP, inicialmente até 17/07/2008 e ao término do estudo.
Sendo assim, por favor, contate a Coordenação do CEP HEMORIO (Laura Jane ou Thaís Oliveira) pelo
telefone 2299-9442, ramal 2141, a fim de estabelecermos o fluxo de sua pesquisa e tomarmos outras
providências pertinentes.
Atenciosamente,
Laura Jane Neumann
Coordenadora do CEP HEMORIO
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
Rua Frei Caneca, 8 – Centro – Rio de Janeiro – CEP 20211-030
Tel.: (21) 2299-9442 R. 2141 – Fax: 2224-1212 – www.hemorio.rj.gov.br – [email protected]
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