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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
SUSI BERBEL MONTEIRO
A INDÚSTRIA CULTURAL E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA
AMPLIFICANDO A PERSONA
Sorocaba/SP
2008
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SUSI BERBEL MONTEIRO
A INDÚSTRIA CULTURAL E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA
AMPLIFICANDO A PERSONA
Dissertação apresentada à Banca
examinadora do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Cultura da Universidade
de Sorocaba, como exigência parcial para
obtenção do Título de Mestre em
Comunicação e Cultura.
Orientador: Prof. Dr. Osvando José de Morais.
Sorocaba/SP
2008
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―Sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer
minha resposta; caso contrário, estarei reduzido à resposta que o
mundo me der.‖
Memórias, Sonhos e Reflexões
Carl Gustav Jung
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SUSI BERBEL MONTEIRO
A INDÚSTRIA CULTURAL E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA
AMPLIFICANDO A PERSONA.
Defendida em: 27/11/2008
Professor Dr. Osvando José de Morais
Professora Drª. Ana Sílvia Lopes Davi Médola
Professora Drª. Olgária Chain Feres Matos
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Aos meus filhos, Renan e Bruno, pessoas que me
fizeram melhor do que eu poderia ser. Amor imenso.
6
AGRADECIMENTOS
Imensamente, obrigada.
Foram muitos os que cruzaram o meu caminho nesta longa jornada. A satisfação
de novas descobertas, a alegria do cumprimento das metas, a felicidade de realizar,
compartilho-as com todos eles: colegas de sala, professores, funcionários da
Universidade e outros passantes, que de longe acompanharam meu desarvoro. Fiz
alguns amigos que hoje me são muito caros.
Agradeço a todos os professores que marcaram meu retorno às salas de aula.
Paulo Schettino, obrigada pelo entusiasmo, Olgária Mattos pela razão e pela inspiração,
Jorge Anthonio por me desafiar, Paulo Celso pela humildade e generosidade, Ogécia e
Luciana pela crença em mim, Miriam, Maurício e Luiza pela camaradagem.
Especialmente agradeço ao Professor Doutor Osvando José de Morais, meu
querido orientador. Sem a sua ajuda essencial não teria encontrado caminhos,
descoberto tantos bons autores, que nesse período se tornaram amigos de cabeceira,
companheiros da madrugada. Particularmente agradeço sua generosidade em me
orientar sem me influenciar, em possibilitar que eu encontrasse o meu próprio caminho.
Meus clientes, colegas de trabalho e amigos também combateram o meu bom
combate. Regina e Ana Cristina obrigada pelos livros emprestados, Miriam por se
interessar pelo meu trabalho, José Silveira pela revisão e Izelte pelas acudidas nas
horas mais difíceis.
Aos meus familiares minha eterna gratidão. Fui mãe, filha, irmã, tia e cunhada
ausente. Só mesmo aqueles que me amam para entender essa minha condição.
A todos minha mais profunda gratidão.
Obrigada
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RESUMO
Este estudo se propõe a aprofundar as análises sobre os impactos da Indústria
Cultural e dos Meios de Comunicação de Massa na psique humana e reunir
argumentos relativos à questão da influência dos bens simbólicos, veiculados pelos
meios de comunicação de massa, na constituição do indivíduo.
O comportamento humano frente ao crescente desenvolvimento tecnológico vem
se transformando ao longo do tempo. A vida em sociedade mediada pela Indústria
Cultural e os meios de comunicação de massa propõe novos modelos e padrões de
relações humanas. A construção subjetiva do indivíduo, por conseguinte, também se dá
de forma diferenciada diante dos novos estímulos propostos.
O indivíduo na sociedade que tem a Indústria Cultural como paradigma de todas
as coisas se comporta e se constrói de acordo com padrões previamente estabelecidos.
Psiquicamente responde aos estímulos externos de forma a adaptar-se na sociedade.
A Persona, um dos arquétipos básicos que compõe a psique, recebeu especial
atenção neste estudo. Buscou-se avaliar se as características da sociedade
contemporânea facilitam e estimulam de forma mais contundente o desenvolvimento
deste arquétipo específico em detrimento dos demais. Analisou-se a amplificação deste
arquétipo e as conseqüências na psique como um todo.
Palavras Chave: Indústria Cultural, Simbolismo, Comunicação de Massa, Psicologia.
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ABSTRACT
This work aims to elaborate analysis about the impacts Culture Industry and
Mass Media have on human psyche and gather data about the influence of symbolic
goods, transmitted by mass media, on the constitution of individuals.
Human reaction to the increasing technological development changes as time
passes. Life in a society mediated by the Culture Industry and Mass Media offers new
models and patterns for human relationships. Thus, the construction of subjectivity by
individuals also happens in new ways before new stimuli proposed.
Individuals in a society having Culture Industry as the paradigm for all things act
and construct themselves according to ready-made patterns. Psychically, they respond
to external stimuli so as to adapt to society.
Persona, one of psyche‘s basic archetypes, was the main focus of this study. We
seek to determine whether the characteristics of modern society promote and encourage
in a deeper way the development of this particular archetype over all others. We
examined this archetype‘s amplification and the consequences this has on psyche as a
whole.
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RESUMEN
Este trabajo intenta desarrollar un análisis acerca de los impactos de la
Industria Cultural y de los Medios de Comunicación de Masa en la psiquis
humana y arrollar dados acerca de la influencia de los bienes simbólicos
trasmitidos por los medios de comunicación de masa, sobre la constitución de los
individuos.
La reacción humana a los crecientes avanzos tecnológicos se altera con el
trascurso de tiempo. La vida en una sociedad mediada por la Industria Cultural y
los Medios de Comunicación de Masa, propone nuevos modelos y padrones a
las relaciones humanas. Así, la construcción de la subjetividad por los individuos
también se hace de nuevas maneras delante los nuevos estímulos propuestos.
Los individuos de una sociedad que tiene la Industria Cultural como
paradigma de todas las cosas actúan y se construyen según padrones
previamente determinados. En términos psíquicos, responden a estímulos
externos según padrones de adaptación a la sociedad.
La persona, uno de los arquetipos esenciales de la psique, ha sido el foco
principal de este estudio. Buscamos determinar se las características de la
sociedad moderna promueven e estimulan de manera mas honda el desarrollo
de este arquetipo especifico en detrimento de los otros. Estudiamos la
amplificación de este arquetipo y las consecuencias que eso tiene sobre la
psique en general.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 01
2 O MUNDO ESPETACULAR: A INDÚSTRIA CULTURAL......................................... 06
3 O MUNDO INTERNO: O OUTRO LADO DO SER..................................................... 36
4 O MUNDO E O SER.................................................................................................... 71
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 111
REFERÊNCIAS............................................................................................................ 116
11
1 INTRODUÇÃO
“Nenhuma sociedade que contradiga o seu próprio conceito, o de humanidade,
pode ter plena consciência de si mesma.
Theodor Adorno
“A finalidade única da existência humana é a de acender uma luz na escuridão
do ser”.
Carl G. Jung
As questões postuladas por Theodor Adorno e Carl Jung no texto acima
motivaram, em parte, os trabalhos desenvolvidos nesta pesquisa. Ambos pensadores
argumentam, cada qual circunscrito em seu campo de investigação, sobre a temática
da humanidade e da consciência sobre si mesmo.
Adorno coloca o homem no centro das questões sociais. Defende o ser humano
como pressuposto da sociedade e alerta para a inversão dessa ordem. Pondera a
respeito da perda da consciência da sociedade, quando contraposta à sua própria
natureza.
Jung trata da questão da consciência de si mesmo a partir do ser, do indivíduo.
Indica-a como uma tarefa do homem, como uma ação reveladora, no sentido de apenas
expor o que está velado. Pressupõe, dessa forma, que no homem há em potencial
todas as possibilidades de realização. Observa que essa descoberta é uma
determinação da natureza humana.
O tema desta pesquisa é um extrato das preocupações expostas por Adorno e
Jung no texto acima. Versa sobre a redução do humano na sociedade contemporânea
e a conseqüente fragmentação do ser.
A análise aqui desenvolvida busca, especialmente, entendimento sobre a
condição psíquica desse indivíduo que se constitui como tal a partir da relação com a
sociedade, que recebe fortes estímulos sociais, prioritariamente na contemporaneidade
provenientes da Indústria Cultural e dos meios de comunicação de massa. Trata-se de
um estudo sobre as implicações e influências da sociedade midiática no
desenvolvimento da psique do indivíduo.
Para efeito de estudo, este tema recebeu um recorte. Um interesse em especial
12
foi destacado. Particularmente esta pesquisa tem em vista a apreciação de um dos
arquétipos básicos propostos por Jung: a persona, aquele que como hipótese neste
estudo, recebe mais influência e tem sua função amplificada pelos meios de
comunicação de massa.
O objetivo geral desta pesquisa é desenvolver uma análise que dê base para um
questionamento crítico a respeito dessas implicações e influências. Há, nesse intento, a
preocupação de que, inserido em uma sociedade que dita regras, impõe modelos e
padrões, manipula necessidades e desejos, o indivíduo corre o risco de se tornar
apático. A proposta é colher elementos que elucidem esse cenário do ponto de vista
psicológico, que possibilitem o entendimento do processo pelo qual o indivíduo tem sua
psique, sua alma, no conceito dos filósofos gregos, capturada pelo sistema vigente e
arregimentada para fins únicos da manutenção da ordem econômica.
Em síntese, o que se busca é subsídio para reação desse indivíduo, uma
possibilidade de resgate de sua inteireza, do ser em sua plenitude.
O desenvolvimento dessas idéias se dentro de um referencial teórico
interdisciplinar. Comunicação e psicologia são dois campos de conhecimento
explorados para responder às questões postuladas. As diferenças de enfoque e
métodos em cada um deles produzem a partir de comparações, de análises sob um e
outro ponto de vista, um efeito complementar. A unidade da pesquisa é alcançada na
soma das diferenças, na atualização de conceitos e teorias, na junção de argumentos,
na busca de equivalências entre as disciplinas postas como referências. O texto pode
ser lido em partes. Mas é em sua totalidade que se alcança a coesão das idéias e se
entende o esquema de argumentação.
A estrutura da pesquisa fundamenta-se em dois elementos interligados, que
podem ser avaliados em separado: a sociedade e a psique de seus indivíduos. A
análise dos processos sociais pelos quais as formas simbólicas permeiam o mundo, e
assim possibilitam a construção do indivíduo, condensa a argumentação que vai se
desenvolver ao longo da pesquisa.
De um lado, avaliam-se os processos sociais, no sentido de compor o contexto,
desenhar o cenário no qual o indivíduo está inserido. De outro, observa-se a linguagem
do inconsciente, pertinente a esse cenário, para entender como o desenvolvimento da
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psique pode ser influenciado.
Esta pesquisa buscou interpretar os conceitos de um e outro campo de análise,
promovendo a inter-relação entre eles de forma a obter um panorama mais amplo da
questão que se pretende responder, ou seja, as implicações e influencias da sociedade
midiática no desenvolvimento da psique do indivíduo.
A vida moderna apresentou novas configurações a partir do incremento dos
meios de comunicação de massa. As formas simbólicas, na contemporaneidade, têm
nesses meios seu grande mediador. A importância crescente dos meios de
comunicação de massa, sua natureza e implicações suscitaram a necessidade de uma
análise para além daquela formulada pelos teóricos do século XIX e início do século
XX.
As transformações sociais, em decorrência do desenvolvimento do capitalismo,
implicaram fenômenos sociais que até o estágio atual permeiam as relações na
sociedade. O intento, nesta pesquisa, foi aplicar aspectos estudados que ainda hoje
podem ser trabalhados, recolocados no contexto atual.
O ponto de partida foi a Indústria Cultural, conceito adorniano que justapõe
importantes questões na sociedade contemporânea. Esse conceito define um campo
de análise, na tentativa de tratar a questão da redução da condição humana do
indivíduo na sociedade, da fragmentação do ser.
A partir das idéias de autores como Adorno, Horkheimer e Marcuse, propõe-se
repensar o conceito sob a ótica dos desenvolvimentos na sociedade contemporânea.
Para esse feito, as considerações também de Baudrillard e Debord foram de suma
importância.
Os teóricos da Escola de Frankfurt contribuíram especialmente para esse intento,
por meio da análise do processo e da relação entre a Indústria Cultural e a razão
iluminista, aspecto que na contemporaneidade deve também ser preservado.
Outro estágio na estratégia argumentativa, que se constitui como mais um
campo de análise, foi a investigação de uma das partes constitutivas do ser, a psique.
Marcuse apontava nesta direção investigativa ao comentar filosoficamente a obra de
14
Freud
1
. Esse teórico da Escola de Frankfurt aludia à necessidade de focalizar o
indivíduo, em sua instância mais particular: a psique.
A partir de pesquisadores sobre a psique, suas idéias e argumentos, a proposta
foi tornar explicitas idéias para definir o enfoque deste estudo e indicar caminhos a
serem percorridos.
Além de Freud, que contribuiu para a evolução dessa argumentação no sentido
que indica a direção do estudo, Jung e seus comentadores, mais enfaticamente,
forneceram subsídios para a análise da influência dos processos sociais na psique.
A escolha de Jung como referencial teórico, embora a psicologia freudiana seja
mais aceita que a junguiana, se deu especialmente pelo fato de que esta pesquisa
busca avaliar as influências da Indústria Cultural e dos Meios de Comunicação de
Massa também na parte inconsciente coletiva da psique. Freud oferece referencial no
inconsciente pessoal, porém é de interesse deste estudo perceber como a psique em
sua expressão coletiva reage a essas influências. A persona objeto deste estudo,
particularmente, é um arquétipo básico do inconsciente coletivo. A análise de sua
amplificação, outro conceito específico de Jung, necessariamente demandou a
utilização de referencial da psicologia junguiana.
No decorrer do estudo, encontrou-se, conforme hipótese postulada, uma ligação
fortalecida entre a sociedade contemporânea e o papel social, representado pelo
indivíduo na vida em sociedade. Percebeu-se uma preferência pela representação de
papéis muito mais do que a vivência deles propriamente dita. Assim, o conceito de
persona vedete de Debord (1997) foi avaliado em paralelo com o conceito de persona
de Jung e de personalização de Baudrillard (2007). A pesquisa forneceu subsídios para
essa análise à medida que demonstrava a pertinência do comportamento psíquico à
realidade social, a influência do mundo externo, ou seja, da sociedade e dos processos
sociais que determinam as relações entre os indivíduos, no mundo interno, em outras
palavras, da psique como organização mental e espiritual do ser humano.
O interesse foi entender se e como o ser tem suas potencialidades humanas
reduzidas e se encontra fragmentado. A partir da hipótese de que a Indústria Cultural e
1
Ver Marcuse, X. Y. Eros e Civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. ___________. Ideologia da Sociedade
Industrial (Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1964).
15
os meios de comunicação de massa amplificam a persona, pode-se perceber o
desenvolvimento de uma instância psíquica em detrimento de outras, provocando ou
mantendo-se assim, a fragmentação do ser, a redução de suas potencialidades, uma
vez que ele não se torna inteiro, pleno.
O tema, de antemão pode se dizer, não foi abordado em todos os detalhes,
nem com todo rigor. impactos e implicações outras provenientes dos processos
sociais fundamentados nos meios de comunicação de massa no indivíduo e sua psique.
As próprias influências avaliadas carecem de um estudo mais aprofundado.
No decorrer da pesquisa vislumbraram-se novos horizontes, descobriram-se
outras possibilidades de exploração do tema. Tarefa essa que certamente se
desenvolvida em outro estudo.
16
2 O MUNDO ESPETACULAR: A INDÚSTRIA CULTURAL
A sociedade em que o indivíduo está inserido tem grande influência na construção
de sua subjetividade e identidade. É, portanto, forte referencial na construção de
sentidos e significados. Para analisar o impacto da Indústria Cultural, dos meios de
comunicação de massa na psique dos indivíduos é necessário primeiramente entender
como essa sociedade se estabelece, em que condições as relações pessoais se dão.
É na sociedade que o homem se desenvolve, constrói sua subjetividade e
identidade. É dela, na cultura que se estabelece por meio das relações pessoais
proporcionadas pela organização social, que o mundo interno, a psique do indivíduo,
recebe importantes interferências. Não se pode deixar de compreender como se a
construção desse mundo externocultural (enquanto conjunto de regras sociais),
material e objetivo, para então ingressar na sinuosidade do mundo internopsíquico e
subjetivo, e procurar entender que tipos de impactos essa interferência pode causar.
Theodor W. Adorno (2002, p. 89), considera que Nenhuma sociedade que
contradiga o seu próprio conceito, o de humanidade, pode ter plena consciência de si
mesma. A partir dessa análise busca-se entender a sociedade contemporânea,
fundamentada na Indústria Cultural, na apropriação da vida humana pelos meios de
comunicação de massa.
Antes, porém, faz-se necessário uma breve análise da técnica, da razão, enfim, do
pensamento Iluminista do qual, segundo Adorno e Horkheimer (1976), se originou a
ótica racional e material da sociedade fundamentada no capital.
São muitos os teóricos frankfurtianos que analisaram esse tema. Esta pesquisa se
delimita, no entanto, especialmente às teorias de Theodor Adorno e Max Horkheimer.
O mundo do capital, que tem na razão sua exigência revolucionária, coloca a
economia acima de todas as leis e domina a natureza sob o jugo de seus próprios
preceitos, submete o homem à inconsciência de si mesmo. Como peça de uma grande
engrenagem, ele apenas permanece, ao mesmo tempo em que sustenta o sistema que
o reprime.
Adorno e Horkheimer constataram que a promessa iluminista de emancipação social
por meio da ciência e da cnica não se cumpriu. Ao contrário, como herança do
17
pensamento iluminista, a crítica racionalista, transformada em razão técnica possibilitou
o surgimento de um sistema verdadeiramente materialista.
O mundo capitalista cindiu-se entre o material e o intelectual, o objetivo e o
subjetivo. Nas fábricas, os processos de produção afastaram o homem do resultado
final de seu próprio trabalho. Tarefas repetitivas, mecânicas, o isolaram da participação
no todo, pois responsável apenas por uma parte da produção, cabia-lhe meramente a
execução de atividades previamente estabelecidas, sem possibilidade de criação.
O trabalho alienado é então instituído. Por alienação, entende-se a perda da posse.
No conceito de Marx, uma perda da unidade entre o trabalhador e o produto de seu
próprio trabalho, da criação e execução, da produção enquanto expressão singular,
característica do sujeito. O trabalho o mais possibilita ao homem o desenvolvimento
pleno de sua energia mental e física, ao mesmo tempo em que o produto resultante
dele não carrega em si as características do homem que o produziu. A alienação
representa a falta de identificação, a perda da conexão e dissolução da unidade entre o
homem e sua criação. Essa condição se não pela redução das potencialidades
humanas, mas também pela repressão delas. Estabelece-se um modo de vida
segmentado, como se a vida pudesse ser fracionada sem que seu significado fosse
maculado.
A alienação, presente no trabalho, extrapola outras áreas de atuação do homem e
se estabelece como atributo nas relações, não materiais, mas também sociais e,
fundamentalmente, de poder. O que vale para a relação do homem com seu trabalho e
consigo mesmo vale também para as outras relações que ele estabelece na sociedade,
com os outros homens. Se ele não se reconhece em seu próprio trabalho, também não
se identifica com o outro.
Aliada ao poder econômico, a razão técnica tornou-se mecanismo de dominação.
Adorno (2002, p.9) explica:
O que se diz é que o ambiente em que a técnica adquire tanto poder sobre a
sociedade encarna o poder dos socialmente mais fortes sobre a mesma
sociedade. A racionalidade técnica hoje é racionalidade da própria dominação,
é o caráter repressivo da sociedade que se auto-aliena.
Uma realidade desconexa estava, então, instituída: o trabalho braçal, sem
possibilidades de desenvolvimento intelectual, a produção em massa sem
18
possibilidades de escolha. Nela cabem ao homem os papéis de operário e consumidor.
A experiência vivida na fábrica, na qual o indivíduo tem suas potencialidades limitadas,
torna-se referência como modelo de relação, de dinâmica social. Destituído de seu
poder de auto-reflexão e auto-realização, o homem autômato reproduz a experiência,
obedece à ordem instituída, embora ela não promova conexão alguma. Comentando os
teóricos da escola de Frankfurt, Olgária Matos (2005, p.24) escreveu:
Com efeito, o trabalho alienado não possibilita ao homem a realização de um
trabalho livre: quando o homem está no trabalho sente-se fora de si. Não se
afirma; nega-se. Não realiza uma livre atividade física e intelectual, mas
martiriza seu corpo e arruína seu espírito. Alienus significa aquilo que nos é
alheio, estranho. O trabalho alienado significa que o homem não controla suas
relações com a ‗primeira natureza‘, tão pouco com a natureza já transformada.
O conceito de humanidade foi suprimido da sociedade, segundo essa autora. Sob a
luz da razão, do conhecimento lógico e material, o mito que antes era tido pelo homem
uma forma de entendimento da vida e da natureza é afastado como modo de
compreensão do mundo. O mito, que guardava ainda uma conexão entre o homem e a
natureza, pois pretendia explicá-la preservando sua mística e completude, é
desmistificado, inserido dentro da lógica da razão, analisado por uma teoria incapaz de
dar conta de sua amplitude. O mito é logicamente explicado. Assim, também o é a
natureza. A racionalidade iluminadora que reflete o desejo do homem em dominar a
natureza submete-a a um julgamento analítico, o para compreendê-la, mas para
controlá-la.
É a razão iluminista, sob o paradigma da explicação lógica, a senhora de todos os
destinos, que afasta a ciência de sua destinação humana. A serviço do capital, ciência
e técnica tornam-se instrumentos de dominação da natureza para fins lucrativos,
configurando-se como a primeira forma de ditadura: a ditadura da produção, como
analisa Horkheimer, ―quanto mais artifícios inventamos para dominar a natureza, mais
devemos nos submeter a eles se queremos sobreviver.‖ (1976, p.108).
Em Dialética do Esclarecimento (1947), definitivamente, Adorno e Horkheimer
rompem com a proposta iluminista de emancipação pela razão. Analisam que
emancipação é promessa não cumprida, derrotada pelas relações de produção, pelo
capital. Assim, na esperança de compreender o mundo e libertar-se dos medos e do
19
desconhecido, o homem viu-se preso às dinâmicas do capital, às regras impostas pelos
processos de produção.
Bárbara Freitag (2004, p.20) avalia que:
A onipotência do sistema capitalista, reificado no mito da modernidade, estaria,
segundo esta nova análise, deturpando as consciências individuais,
narcotizando sua racionalidade e assimilando os indivíduos ao sistema
estabelecido. Estes se incorporam hoje na totalidade do sistema, sem
condições de uma autodeterminação, sem participação no futuro da
humanidade, sem possibilidade de resistência crítica.
No mundo da produção material, declaradamente apartado do mundo das idéias
e dos sentimentos, o homem se vê incompleto. Obscurecido, se não desaparece
enquanto indivíduo é fortemente reprimido.
O que se analisa aqui é a redução das dimensões humanas. A sociedade
capitalista, em toda a sua trajetória histórica, impõe um modo de vida que limita a
participação do homem na construção de sua própria humanidade. O mundo material,
da produção e da lógica da mercadoria, abarca toda a sua existência, impedindo que a
dimensão subjetiva, espiritual
2
seja realizada. A vida não é mais compreendida como
um contínuo entre corpo e espírito, natureza e pensamento, como um todo indivisível. A
separação foi consumada.
As reflexões de Olgária Matos (2005, p. 42) dão respaldo à questão acima
enunciada:
A racionalidade que separa sujeito de objeto, corpo e alma, eu e mundo,
natureza e cultura, acaba por transformar as paixões, as emoções, os sentidos,
a imaginação e a memória em inimigos do pensamento. [...] A ciência domina a
natureza ‗abolindo‘ matematicamente os acasos através do cálculo estatístico,
mas não controla a incoerência da vida.
Para ilustrar a vitória da razão iluminista, Adorno e Horkheimer fazem alusão à
aventura de Ulisses, o personagem principal da obra Odisséia de Homero (século IX
a.C.). Ulisses para se proteger do perigo do canto das sereias, durante a viagem de
2
A palavra „espiritual‟, no contexto desta pesquisa, designa a dimensão em oposição a material, que inclui além do
intelecto, das emoções e dos sentimentos. Trata-se aqui de um outro princípio vital que não pode ser explicado pela
ciência física, de uma hipótese filosófica de que existe, associado ao organismo humano, um princípio de
organização, um espírito, ser imaterial e permanente (pneuma para os gregos), dotado de propriedades inaveriguáveis
e indemonstráveis pela ciência física. Essa hipótese filosófica foi desenvolvida por grandes filósofos como Kant,
Hussel, Hegel e Heidegger, entre outros. Em A fenomenologia do Espírito, Hegel, propõe uma síntese entre o
conceito aparentemente metafísico de espírito e a realidade imediatamente fenomênica da história do mundo. É essa
a concepção de espírito utilizado ao longo desta pesquisa
20
retorno à Ítaca sonhada, usa de duas estratégias: tampa com cera os ouvidos dos
marinheiros para que esses não se enfeiticem com o canto e amarra-se ao mastro para
que possa ouvir o canto das sereias sem se atirar ao mar. Ulisses usa de uma razão
ardilosa, calculada, equivalente, hoje, à técnica para ouvir o canto, sem correr os riscos
das paixões por ele despertada, sem vivenciá-lo por inteiro. Tal como Ulisses, a
humanidade também, metaforicamente, fez uma viagem partindo do mito até a vitória
da razão, o que exigiu o cerceamento das paixões, dos sentimentos, enfim, do mundo
interno.
A razão iluminista cindiu o mundo, como mencionado acima, impactando não
apenas no mundo externo, material, mas também no mundo interno, subjetivo
simplificando o inexplicável pela razão, amortizando as emoções. A sociedade
industrial, de posse desse paradigma, estabeleceu nessas bases as condições para as
relações entre as pessoas.
Marcuse (1964), outro eminente frankfurtiano, retoma a distinção entre ‗cultura‘ e
‗civilização‘ (grifo nosso) difundida na Alemanha para explicar a oposição entre esses
mundos. A civilização, segundo ele, é representada pela necessidade, pelo trabalho
alienado, o sofrimento exigido para que se cumpra a realização material. A Cultura, ao
contrário, representa a liberdade, a realização espiritual, se não exercida no presente,
como grande promessa para o futuro.
O desequilíbrio com a supressão de uma das dimensões humanas, com a limitação
das potencialidades do homem, com a repressão do indivíduo é compensado com
promessas futuras. A realização espiritual é postergada continuamente a fim de que a
materialidade seja completamente realizada. Poucos eram, na sociedade burguesa,
aqueles que podiam usufruir a totalidade do ser. Àqueles que não detinham os meios
de produção não era dada, de fato, a possibilidade de viver plenamente. Restava-lhes a
parcialidade do ser.
Na sociedade contemporânea, que se assenta no capitalismo de consumo, não
mais no capitalismo de produção, a dinâmica de repressão do indivíduo ocorre de forma
análoga, porém edificada em outras bases. O capital encontrou outras formas de
exploração, além do trabalho, a fim de manter a ordem estabelecida.
21
A tensão entre trabalho e lazer, necessidade e liberdade, matéria e espírito,
conforme Bárbara Freitag analisa, associou-se ao par exterioridade-interioridade, sendo
o primeiro o mundo material, objetivo, e o segundo o mundo espiritual, subjetivo.
A exterioridade, segundo Hegel (1992), designa o puro ser fora de si, enquanto que
a interioridade, o ser dentro de si. Em ambas as categorias, externa ou interna, o ser é
o ponto de partida da análise e da diferenciação. O externo ou interno é definido aqui a
partir da visão do ser. Não se discute a interdependência entre um e outro, ao contrário,
interessa avaliar a oposição enquanto condição nefasta para a realização do ser
integral.
Da tensão entre exterioridade-interioridade surgiu a necessidade do emprego de
alguma forma de compensação. A dimensão humana da espiritualidade e da
subjetividade é como manobra compensatória utilizada para manter-se a ordem
estabelecida. Como explica Bárbara Freitag (2004, p.69):
A ênfase à dimensão subjetiva, à interioridade dos sentimentos, aos valores
espirituais, à dignidade da pobreza, etc., constitui uma forma de seduzir os
membros da sociedade para se contentarem com promessas ou expectativas
de felicidade no mundo espiritual, sem reivindicá-las ou estendê-las também às
suas condições materiais de vida. Estas condições eram favoráveis para
uma pequena minoria, detentora dos meios de produção. A grande maioria da
população estava excluída tanto do usufruto dos bens materiais e, portanto do
bem-estar e conforto individual quanto ao acesso ao consumo dos bens
culturais, como a pintura, escultura, música e outras manifestações de cultura.
No entanto, com o passar do tempo, o modelo de compensação por meio de
promessas futuras mostrou-se incapaz de manter o sistema de produção. A promessa
de realização futura da espiritualidade, da libertação e da satisfação pela cultura -
expectativa não alcançada - não mais dava conta de sustentar as exigências do capital.
Novas formas de repressão e exploração necessariamente precisavam ser lançadas.
Segundo Marcuse (1964), foi necessário mudar os padrões de organização cultural,
que gradativamente, foi sendo incorporado ao sistema de produção de bens materiais.
A cultura, então, é cooptada à civilização, não de forma a integrar-se, mas de submeter-
se ao sistema vigente, a moldar-se a ele, a servi-lo. A cultura transforma-se em
mercadoria.
22
2.1 A Indústria Cultural Uma releitura de Adorno e Horkheimer
A promessa de realização espiritual encontra no consumo um substituto material.
A cultura, então, é dada como mercadoria a ser consumida, sem que, no entanto,
novamente a promessa seja cumprida, o desejo plenamente realizado. Enquanto
representação da vida vivida, dos anseios e desejos dos homens, a cultura
industrializada é empregada como aparelho de manobra repressiva ao mesmo tempo
em que promove o consumo e garante a manutenção do sistema.
A exemplo da produção na indústria, a cultura percorre o caminho da
massificação, da reprodução técnica e da alienação, como parte constituinte em seu
próprio sistema e como produto final de sua linha de produção. Produzida para
consumo de massa, a cultura adquire o valor de troca, conforme as exigências
daqueles que detêm os meios de produção, e o valor de uso, sob a ótica daqueles que
a consomem. Transformada em mercadoria, segundo Adorno (2002, p.101), perde a
motivação de sua essência, não cumpre seu papel original, passa a meramente a ter
valor de troca:
A cultura materialmente transparente não se tornou materialisticamente mais
honesta, apenas mais vulgar. Com a perda de sua própria particularidade,
perdeu também o sal da verdade, que antigamente consistia em sua oposição a
outras particularidades.
O mundo perde seu encanto. A dimensão humana é extirpada da cultura a partir
de sua sistematização enquanto indústria. Não criação. A Indústria Cultural
sobrevive da repetição, da reprodução de modelos racionais, da lógica da produção
industrial. O mito, contestado como expressão de conhecimento e de entendimento da
vida, cede lugar à ciência, que por sua vez, sob a égide da razão iluminista, perdeu sua
destinação humana.
Aludindo mais uma vez à Odisséia de Homero, Ulisses encontra um método que
o permite preservar a própria vida, mas não lhe sacia o desejo. Ouve o canto, mas não
se entrega a seus encantos. Assim, a razão transformada em técnica fundamenta a
Indústria Cultural de forma a promover o objeto de consumo, mas não saciar o desejo
de realização.
23
Ao reproduzir, com a ajuda do desenvolvimento da técnica e com os meios de
comunicação de massa, mercadorias ditas culturais, a Indústria Cultural caracteriza-se
como anticultural, uma vez que destitui da arte seu valor aurático, ou seja, a energia
que vem do espírito, impregnada na obra no momento da criação. Nesse sentido, a
aura opõe-se à alienação, pois congrega ao objeto as dimensões materiais e
espirituais, cria uma atmosfera na qual o autor não se encontra separado de sua
criação e vice-versa.
Nesse aspecto, Walter Benjamim, discorda de Adorno e Horkheimer. Para
Benjamim, embora a reprodução provoque a destruição da unicidade e singularidade da
obra-de-arte e a perda de seu valor de culto, tem seu valor de exposição intensificado,
torna-se mais acessível a um número maior de pessoas. Adorno, Horkheimer e,
posteriormente, Marcuse, acreditam que a dissolução da obra-de-arte coincide com a
unidimensionamento do mundo, com o contentamento com o presente, ou seja, uma
forma de repressão e padronização das consciências. O mundo inteiro é forçado a
passar pelo crivo da Indústria Cultural. Entende-se que o pensamento desses autores
seja mais adequado para os fins desejados nesta pesquisa, uma vez que o
desenvolvimento da psique será analisado em um contexto no qual estão
estabelecidos padrões de comportamentos e de processos mentais bastante rígidos,
nos quais a participação das pessoas se dá de forma meramente passiva.
Assim, ao definir modelos, propor padrões de comportamentos, a Indústria
Cultural abarca a consciência do indivíduo, furtando sua capacidade crítica. Reduz sua
condição criativa. O indivíduo que não pensa por si próprio, está isento de reação o que
lhe impõe uma participação meramente passiva. Na sociedade contemporânea, essa
passividade assume contornos de infantilidade. O indivíduo desresponsabilizadado pela
condução de sua própria vida, tal qual uma criança, precisa ser tutelado pelo sistema.
O conceito, proposto por Marcuse (1964), de sociedade unidimensional, a
dessublimação da obra-de-arte e sua conseqüência na sociedade e na psique humana
carecem de investigação. No momento, no entanto, é importante perceber que o
fenômeno da reificação, atributo daquilo que não tem energia da aura, que está
desprovido do espírito, tal qual apontado na teoria de Karl Marx, acaba por abarcar
também a obra-de-arte, a cultura de forma geral. Segundo Marx, a mercadoria provoca
24
a ilusão de relações sociais sob a forma de relação entre coisas. A reificação,
representação material da alienação, seria a expressão automática, falsa e ilusória de
sentimentos, emoções, no contexto da materialização, da racionalização de tudo que
cerca o homem. Horkheimer entende que é do caráter de exterioridade que decorre o
fenômeno da reificação, também denominada coisificação.
A cultura reificada torna-se mercadoria cultural que, consumida, sustenta o
mercado, atende suas exigências, ao mesmo tempo em que aliena e reprime o
indivíduo em busca de realização espiritual. Mantém, dessa forma, a ordem do capital.
Bárbara Freitag (2004, p.73), explica que:
Preenchidas estas funções, a reprodução das relações sociais como um todo
está novamente assegurada, já que os indivíduos não têm mais oportunidade
de se conscientizarem das relações de exploração em que vivem. Foi lhes
tomado o tempo para pensarem, e foi-lhes tirada a esperança preservada
outrora em obras culturais de que o presente poderia ser melhor. São
sugestionados, ainda, para consumirem incessantemente, pois o consumo é
apresentado como caminho para a realização pessoal.
A Industrial Cultural é evidência do predomínio do mundo externo sob o mundo
interno, seu cerceamento e redução. O planejamento e controle das necessidades,
além das materiais, na tentativa de satisfazer desejos e pulsões caracterizam-se, de
acordo com o pensamento de Marcuse, como uma administração do psiquismo. Uma
ligação libidinosa com a mercadoria é provocada nos indivíduos em resposta a anseios
provocados pelos impulsos mais íntimos.
Adorno (2002, p.25), citando o pensador francês Charle Aléxis Henri Clérel de
Tocqueville, em seu livro A Indústria Cultural e Sociedade, diz que: ―Sob o monopólio
privado da cultura sucede de fato que a tirania deixa livre o corpo e investe diretamente
sobre a alma.‖
A cultura como espaço da sobrevivência psíquica é analisada, com o intuito de
se entender como se deu essa falsa conciliação entre produção material e espiritual,
como o indivíduo desprovido de crítica deixou-se lograr por uma farsa cultural, que sob
a promessa de o fazer feliz, integrado, trouxe-lhe ruína e infelicidade.
A ascensão da técnica como parte constituinte dos meios de comunicação de
massa não pode ser relegada no âmbito desta pesquisa. A compreensão da estrutura e
25
organização social favorecida pela Indústria Cultural passa, inegavelmente, pelo
esclarecimento do uso do aparato tecnológico para atingir a grande massa.
Adorno (2002, p.16) entende que como método, a tecnologia a serviço dos meios
de comunicação de massa, atende não à necessidade de reprodução em série, mas
cuida também da manutenção da repressão do indivíduo.
A atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural de hoje
não tem necessidade de ser explicada em termos psicológicos. Os próprios
produtos, desde o mais típico, o filme sonoro, paralisam aquelas capacidades
pela sua própria constituição objetiva. Eles são feitos de modo que sua
apreensão adequada exige, por um lado, rapidez de percepção, capacidade de
observação e competência específica, por outro lado é feito de modo a vetar, de
fato, a atividade mental do espectador. Se ele não quiser perder os fatos que
rapidamente de desenrolam à sua frente.
O pensar reflexivo o é condição inerente do consumir. É o não pensar, o
abster-se de crítica, de elaboração racional do conteúdo da mensagem transmitida que
prevalece quando a mente, inundada rapidamente pela profusão de imagens e efeitos
especiais, da televisão, do cinema ou da internet, recebe a informação. A tecnologia
imprime um ritmo demasiado acelerado, muitas vezes incapaz de ser acompanhado por
uma análise mais apurada. Esse ritmo, para além da atividade mental, está presente na
vida cotidiana, provocando aceleração de atividades outras como comer, trabalhar,
locomover-se, relacionar-se afetivamente etc.
Segundo Adorno (2002), o aperfeiçoamento da técnica é também responsável
por imprimir um ideal de naturalidade à mercadoria cultural. Embora as necessidades
despertadas pelos programas de rádio e televisão, entre outros meios de comunicação
de massa, sejam controladas e previamente planejadas, a sensação de veracidade
reproduzida pela imagem e sonoridade remonta um ar de naturalidade presente na vida
cotidiana. A rotina fica assim disfarçada de natureza. Dessa forma, a esfera pública
avança para a particular. O que se vivia de forma solitária, subjetiva; ou seja, a
realização espiritual, é massificado, compartilhado objetivamente.
O homem, que já tem grande parte de seu tempo tomado pelo trabalho alienado,
tem absorvido, também, o seu tempo de descanso pelos produtos da Indústria Cultural.
As possibilidades de insurreição do indivíduo ficam, assim, minimizadas, quase
que nulas diante da repressão absoluta que a sociedade impõe aos homens. Adorno
(2002, p.16) afirma que:
26
Quem não se adapta é massacrado pela impotência econômica que se
prolonga na impotência espiritual do isolado. [...] A totalidade das instituições
existentes os aprisiona de corpo e alma a ponto de sem resistência sucumbirem
diante de tudo que lhes é oferecido.
Ou se é arrastado pela força da Indústria Cultural ou se é afastado da multidão,
posto à parte, de forma isolada. Aqueles que surpreendentemente, tamanha é a
eficácia dos meios de comunicação de massa, ousam a não acompanhar o modismo
estabelecido, o movimento que se forma com o desenrolar dos acontecimentos
repercutidos, é tachado como desatualizado, fica marginalizado das conversas
cotidianas, das relações que se estabelecem a partir dos temas transmitidos. Não faz
parte do coletivo, da massa de pessoas anônimas, indistintas e atomizadas. Algo, do
ponto de vista do homem, gregário por natureza, visto como inapropriado. Fazer parte,
pertencer é condição humana de sobrevivência física, social e psíquica.
As massas são assim controladas. A repetição contínua das formas dos produtos
de comunicação de massa dá condições para que esse estado de estupor permaneça e
se perpetue. O espectador o tem nenhum estímulo à atividade intelectual. É lhe
cerceada a faculdade de pensar, criticar, escolher.
Segundo Adorno, a força da Indústria Cultural se estabelece não em função
das necessidades criadas por ela, mas por sua onipotência em face da impotência
provocada. A perpetuação está garantida, pois, as necessidades são geradas
continuamente e as promessas de satisfação para atendê-las jamais são cumpridas,
posto que, como num círculo vicioso, o sistema se mantém, gerando novas
necessidades, propondo novas promessas.
Preso em uma grande rede, o homem, reduzido à condição de consumidor,
perde sua singularidade, torna-se mais um, no meio da multidão. Reifica-se. Adorno usa
a palavra genérico, para definir a condição na qual a Indústria Cultural reduziu o ser
humano. Para ele, ―cada um é apenas aquilo que qualquer outro pode substituir.‖ O
homem reificado, sem a aura, perde a condição que lhe permitia singularidade, que o
tornava único.
Assim, o indivíduo nada mais é do que um igual, passível de substituição, uma
vez que nada o diferencia dos demais. As pessoas tornam-se coisas, que podem ser
27
dispostas de acordo com a vontade daqueles que as detêm. O conceito de humanidade
não está intrínseco nessa relação.
Olgária Matos (2005, p. 49) comenta que:
As expressões Indústria Cultural, nas palavras de Adorno e Horkheimer, e
sociedade unidimensional, em Marcuse, apontam para um mundo dominado
pelo princípio de indiferença, tal como este é concebido no pensamento de
Marx, a indiferença entre coisas e coisas, coisas e homens, homens e homens.
Em nome do progresso e do bem-estar, ciência e tecnologia tornam-se
legitimadoras do sistema capitalista, à medida que, dominam as massas, controlam as
reações das pessoas, produzem riquezas e facilitam o trabalho. Transformam-se em
ideologia, não como forma de expressão de um ideário, como uma maneira de
conhecimento ou de manifestação das idéias que constituem uma sociedade, mas
especialmente como possibilidade de ocultação dos propósitos do capital. O
conhecimento tecnológico é posto como idéia, como referência dos comportamentos
sociais, definitivamente a serviço do capital, como já advertia Karl Marx.
Conforme Bárbara Freitag (2004, p.95), a ideologia tecnocrática dispensa as
lutas de classes e negociações e aplica o princípio instrumental na solução de questões
políticas. A autora comenta:
Em sua obra A ideologia da sociedade Industrial, publicada no mesmo ano em
que apresentou o ensaio citado, Marcuse defende a tese a moderna ciência e
tecnologia, além de serem forças produtivas (conforme o denunciou Marx em o
capital) funcionam como ‗ideologia‘ para legitimar o sistema. A ciência
unidimensionalisada é utilizada para dominar a natureza e com isso acelerar a
produção através da dinamização das forças produtivas. Mas a mesma ciência
é utilizada para dominar os homens, que eles se subordinam cada vez mais
ao processo produtivo acelerado pela ciência e tecnologia.
O funcionamento da economia delimita o funcionamento da sociedade. Se a
economia prospera, assegurando um relativo bem-estar material, se autolegitima, assim
como o sistema político que lhe garanta tal feito. O Estado, nada tem a justificar, se o
crescimento econômico estiver garantido. O poder econômico se funde ao poder
técnico de forma a subjugar a dimensão política individual, que se reduz meramente às
questões técnicas. o mais necessidade de lutas de classes e embates políticos,
uma vez que, racional e tecnicamente, as decisões do grupo político que controlam o
Estado mantêm o funcionamento da sociedade.
28
Profundas transformações nas estruturas sociais, a partir daí, acontecem. Uma
massa única e homogênea se compõe como sociedade: sem crítica, sem negação, sem
antagonismo. As relações não se dão mais sem a intervenção e a mediação intensa
dos meios de comunicação de massa e da tecnologia em especial.
O homem tem seu modo de vida pautado por demandas previamente
idealizadas. O mundo externo, a sociedade na qual ele vive e se desenvolve, não
conta mais com a sua legitima contribuição. É um mundo diferente, uma referência
social e psíquica que produz impactos outros na constituição do indivíduo e na de sua
psique.
Olgária Matos (2005) diz que o desencantamento do mundo e a formalização da
razão caminham juntos. À medida que, os aspectos míticos, sagrados e proféticos são
sobrepostos pela razão, o real vai se tornando mecânico, repetitivo. O mundo vai se
tornando utilitário, funcional. O resultado é um imenso vazio na alma.
29
2.2 A Sociedade Pós-Moderna
Sob a ótica do iluminismo, o mundo cinde-se em objetivo e subjetivo, material e
espiritual. A racionalidade técnica institui-se como paradigma de todas as coisas. A
Indústria Cultural foi dada como resposta à tensão provocada pela cisão do mundo em
material e espiritual, instituída como forma de compensação para o equilíbrio das
necessidades humanas a fim de que a manutenção do sistema capitalista fosse
garantida. O resultado é uma falsa conciliação entre o espiritual e o material, que se
utiliza da Indústria Cultural e dos meios de comunicação de massa, segundo Marcuse,
como instrumento de dominação ideológica e eles próprios uma ideologia.
A essa sociedade, que tem na tecnologia sua gênese, Marcuse (1964, p. 24)
chamou de Sociedade Unidimensional. ―[...] uma coordenação técnico-econômica não-
terrorista que opera através da manipulação das necessidades por interesses
adquiridos. Impede, assim, o surgimento de uma oposição eficaz ao todo.
A dominação exercida pela totalidade sobre a subjetividade do indivíduo
constitui-se na sociedade pós-moderna como mecanismo infalível para aplainar as
consciências, homogeneizar uma massa uniforme. O espaço da cultura, ocupado aqui
pela Indústria Cultural e seus produtos, continua a exercer um papel preponderante na
delimitação de padrões de comportamentos de grupos ou indivíduos, porém, na
sociedade unidimensional, a subjetividade é deformada. Em seu texto Contribuição à
crítica do hedonismo, Olgária Matos (2005, p. 95) faz uma ponderação pertinente à
reflexão aqui proposta:
O verdadeiro interesse, o da universalidade, objetiva-se para os indivíduos e
toma a forma de uma potência que os domina. [...] Mas o protesto contra a
universalidade reificada e os sacrifícios desprovidos de sentido que exige (sic)
pode nos fazer penetrar ainda mais no isolamento e antagonismo entre os
indivíduos, enquanto não forem formadas e concebidas as formas históricas
que poderão transformar a sociedade existente em uma verdadeira
universalidade.
A unidimensionalidade apontada por Marcuse não reside apenas como
referência, padrão institucionalizado ou na presença expansiva do Estado tanto em
questões públicas como privadas, mas também no comportamento unidimensional
30
expresso e reiterado pelos meios de comunicação de massa, na repressão exercida por
eles para a manutenção da ordem.
Dessublimação repressiva foi o termo cunhado por Marcuse (1972, p.38) para
definir essa repressão, que segundo Freud
3
, é necessária para a manutenção da vida
em sociedade, em especial, numa sociedade de massas, na qual o indivíduo perde
suas características essenciais. A repressão tal qual explicada pelo médico, fundador
da psicanálise, é aquela que instintivamente germina do indivíduo a fim de que seus
próprios impulsos não se sobreponham aos interesses da sociedade. É o pospor, o
postergar da satisfação do prazer, em nome da convivência. É a sublimação da libido
4
.
Enquanto a motivação para a sublimação da libido, de acordo com o
pensamento freudiano, tem no indivíduo sua força e a manutenção da vida em
sociedade seu objetivo, na dessublimação repressiva, apontada por Marcuse (1972),
essa força se encontra no aparato tecnológico, em uma administração externa, e o
objetivo é a conservação da ordem que privilegia o capital, da sociedade de massas.
A sublimação preserva a consciência da renúncia, do pospor da satisfação do
desejo, a dessublimação apaga qualquer indício de reflexão, é acrílica.
No mundo tecnológico a realidade ultrapassa a cultura. A técnica permitiu ao
homem a realização de feitos antes impensáveis, de atos heróicos antes mistificados,
expressos culturalmente numa fase de desenvolvimento anterior na sociedade. O que
Marcuse discute, não é a submissão ou a incorporação da cultura superior pela cultura
de massa, mas a competência dessa cultura em representar a realidade.
Assim como a integração política se deu na sociedade industrial, Marcuse (1972)
entende que integração cultural foi outro elemento chave para a hegemonia da
sociedade unidimensional. Cultura e política foram recursos utilizados para criar e gerir
padrões de comportamento social, para impor um modo de vida não apenas comum,
mas único no meio social. Se por um lado a política, regida por poucos, estabelecia
3
Segundo Herbert Marcuse, (1972, p.38), para Sigmund Freud, a psique humana é comandada por dois instintos
básicos. O primeiro, regido por Eros, é o princípio do Prazer, voltado para a vida e tudo a que pertence a esse campo
semântico. O segundo, regido por Thanatos, é o princípio da Realidade, voltado para o campo semântico morte. A
história da civilização, da vida em sociedade, está marcada pela repressão de Eros, em favor, de Thanatos.
4
Segundo Edward C. Whitmont (2002, P.39), para Freud, a libido é a energia psíquica, um estado natural de apetite,
de desejo, exclusivamente, sexual. Jung, que foi discípulo de Freud, amplia esse estado de desejo para além do
sexual, incluindo fome, emoções, entre outras necessidades instintivas humanas.
31
regras e normas de convivência social, por outro, a cultura provocava e estimulava
forma de expressões adequadas ao sistema vigente. Agir e pensar não mais eram
ações espontâneas, naturais, mas delimitadas e orientadas.
Na sociedade pré-tecnológica
5
, embora a cultura superior, se mantivesse
alienante, mesmo sem enlear a ordem instituída ou perturbar a realidade, pela oposição
propunha uma outra dimensão à sociedade. A tensão, embora mínima entre essas
duas dimensões, permitia ainda ao mundo uma noção de desigualdade, de luta de
classes, de ambigüidade. No mundo pré-tecnológico o homem e a natureza ainda o
estavam destinados à condição de coisa. A cultura trazia em parte conteúdos de uma
realidade vivida. Era forma de refutar ou recriar sua existência real. Marcuse afirma
que, como rito ou não, a arte contém a racionalidade de negação, propõe uma
discussão sobre a diferenciação, a existência de um ser único, especial, diferente: o
autor.
Na sociedade industrial, essa negação foi negada. O antagonismo findou-se. Os
elementos de oposição submetem-se ao processo de dessublimação. Enquanto a arte
superior burguesa expressava uma felicidade inalcançável pela grande maioria das
pessoas, através do apelo transcendente que evocava substituía a necessidade de
alcançá-la. A arte embora representasse um contexto muito além daquele que pudesse
ser vivido, proporcionava a possibilidade de percebê-lo e vivenciá-lo em outra dimensão
que não a material. Como imagens culturais tornavam a condição irreconciliável com o
princípio de realidade tolerável, até mesmo edificantes e úteis, como explicou Marcuse.
A dessublimação repressiva torna aceitável essa condição irreconciliável através
do consumo.
A arte e a cultura, transformadas em mercadoria, reproduzidas e exibidas em
escala maciça, têm seu poder de subversão, de questionamento e oposição
aniquilados. Como Olgária Matos (2005, p. 62) esclarece: ―A arte na época de sua
‗reprodutibilidade técnica‘, para utilizar uma expressão de Benjamim, serve para
conciliar a audiência com o status quo.‖
5
Marcuse (1964) chama de sociedade pré-tecnológica aquela que antecede o domínio da tecnologia como novo
sistema cultural, que resguarda a possibilidade, mesmo que ínfima, de oposição, portanto, é ainda bidimensional. Na
sociedade moderna, tecnológica, a cultura é cooptada à civilização, e assume seu caráter unidimensional. Nesta
sociedade, para Marcuse, a tecnologia é veículo de uma cultura de dominação.
32
Adorno, em seu livro Indústria Cultural e Sociedade, antecipava essa idéia,
dizia que as obras de arte, assim como as palavras de ordem, são oportunamente
adaptadas pela Indústria Cultural.
O material, em uma sociedade que está capacitada a conceder mais do que
antes, que idealizou necessidades a fim de negociar a oferta de sua satisfação, insurge
como resposta espiritual e psíquica. A satisfação mediata, construída pela análise, por
intermédio da reflexão, pela elaboração de conteúdos internos integrados aos externos,
cede lugar à satisfação imediata, pronta entrega, proporcionada pelo produto material.
Como esclarece Marcuse (1964, p. 82), os interesses da sociedade unidimensional,
transformam os impulsos mais íntimos de seus cidadãos. Não amplia sua liberdade, ao
atender seus impulsos, ao contrário, expande seu próprio controle sobre o indivíduo.
Cria uma dependência permanente. A repressão que antes se dava pela escassez, pela
falta, segundo esse autor, agora se estabelece pela abundância, pelo excesso. As
pseudo-necessidades, não apenas as materiais, são geradas de forma a permitir a
continuidade do sistema. O indivíduo acrítico, sem poder de reação, torna-se prisioneiro
dessa dinâmica que lhe toma de assalto, a dimensão psíquica. A Indústria Cultural
avança sobre a psique, parte a colonizar também essa esfera.
O Princípio do Prazer absorve o Princípio de Realidade; a sexualidade é
liberada (ou antes, liberalizada) sob formas socialmente construtivas. Esta
noção implica a existência de formas repressivas de dessublimação. Em
comparação com as quais os impulsos e objetivos sublimados contêm mais
desvio, mais liberdade e mais recusa em observar os tabus sociais. Parece que
tal dessublimação repressiva é de fato operante na esfera sexual e que aqui,
como na dessublimação da cultura superior, opera como um subproduto dos
controles sociais da realidade tecnológica, que amplia a liberdade enquanto
intensifica a dominação.
Na dessublimação proposta pelo aparato tecnológico uma liberação
controlada, cuja satisfação se encontra nos produtos ofertados pela sociedade, porém,
essa condição gera uma submissão permanente e inviabiliza a reação do indivíduo. A
sublimação é limitada, controlada.
É importante evidenciar, nesse momento, a influência da cultura, da sociedade,
enfim, do mundo externo na estrutura da psique. A tensão entre o desejo e sua
satisfação parece ter sido reduzida, no contexto do modelo social que oferece
satisfação puramente material. O princípio de realidade passa a ser mais palatável,
33
menos penoso e doloroso, o aparelho mental, então passa a aceitar como que pré -
condicionado tudo o que lhe é ofertado pela sociedade. A dessublimação é
institucionalizada. Como explica Marcuse (1964, p. 84) ―O progresso técnico e a vida
mais confortável permitem a inclusão sistemática de componentes da libido no campo
da produção e troca de mercadorias.‖
Entende-se que assim configura-se uma superestrutura, que permeia toda a vida
humana, abrangendo até as dimensões mais impensadas, organizando a sociedade,
administrada de forma central pela Indústria Cultural e os interesses do capital, como
explica Adorno (2002, p. 13):
Na alma agia, segundo Kant, um mecanismo secreto que já preparava os dados
de imediato de modo que se adaptassem ao sistema da pura razão. Hoje o
enigma está revelado. Mesmo se a planificação dos mecanismos por parte
daqueles que manipulam os dados da Indústria Cultural seja imposta em virtude
da própria força de uma sociedade que, não obstante toda racionalização, se
mantém irracional, esta tendência fatal, passando pelas agências da indústria,
transforma-se na intencionalidade astuta da própria indústria.
O indivíduo -se preso à armadilha. O progresso técnico acelera a vida. Do
computador pessoal ao lap top, do telefone sem fio ao celular, do caixa eletrônico à
internet, tem suas mais corriqueiras atividades postas no ritmo da tecnologia. A
velocidade das informações por televisão, cinema, dio que podem ser ouvidas pelo
celular, não lhe consente análise. Os conteúdos são absorvidos sem elaboração, livres
de questionamento. Na psique, essas impressões deixam marcas.
Marcuse argumenta que, a mesma dinâmica social de arrefecimento da
oposição, redução do antagonismo na política e na cultura, encontra-se também na
esfera psíquica, com a atrofia do aparelho mental, que tem reduzida sua percepção de
contradições e alternativas.
A ordem social passa a falar diretamente com o inconsciente, uma vez que o
consciente é parte do indivíduo automatizada, condicionada e não apresenta
resistência à invasão dos efeitos da Indústria Cultural na esfera psíquica.
O ego, a instância psíquica que organiza conscientemente a psique, está
condicionado ao externamente institucionalizado. A referência social, que dita as
normas de convivência, o comportamento individual, foi incorporada ao ego. Assim, a
34
energia libidinal é direcionada pelo ego para fazer parte do próprio coletivo que o
reprime. O indivíduo conscientemente busca adequar-se à organização que o cerca.
Marcuse (1964, p. 83) alerta para o perigo da limitação do espaço de experiência
da libido.
Assim, diminuindo a energia erótica e intensificando a energia sexual, a
realidade tecnológica limita o alcance da sublimação. Reduz também a
necessidade de sublimação. [...] O indivíduo deve adaptar-se a um mundo que
não parece exigir a negação de suas necessidades mais íntimas um mundo
que não é essencialmente hostil.
Na sociedade pré-tecnológica, embora a miséria e a labuta fizessem parte do
contexto social, reservavam um espaço para a experiência do prazer e do
contentamento, em seu próprio antagonismo. O homem encontrava ainda em suas
experiências lugar para expressão individual. O mundo tecnológico canalizou a libido,
reduzindo as experiências eróticas em sexuais. A fase da sensação de prazer, que
necessariamente implica na elaboração interna, singular, única, é subtraída, levando o
homem à busca do prazer institucionalizado, padronizado, posto como referência pela
sociedade.
Adorno e Horkheimer (1985, p. 181) avaliam assim esse estado da vida humana
na sociedade do capital:
O indivíduo não precisa mais recorrer a si mesmo para decidir o que deve fazer,
numa dolorosa dialética interna de consciência moral, autoconservação e
impulsos. Sua vida profissional é determinada pela hierarquia das organizações
e pela administração pública, e sua vida privada pelo esquema da Indústria
Cultural, que seqüestra até os últimos impulsos íntimos dos consumidores
compulsórios. [...] As massas, privadas até da aparência de sua personalidade,
se conformam mais docilmente aos modelos e às palavras de ordem que as
pulsões à censura interna.
As ideologias, que tinham o poder de convencer quem acreditava nelas, foram
substituídas pelo aparato tecnológico, os meios de comunicação de massa que, não por
meio de convencimento, mas por força da sua repressão, da dessublimação repressiva,
administram os indivíduos e a própria massa. A coesão e o contentamento social são
construídos através dos prazeres que a sociedade concede e repetidamente comunica.
A exploração aqui é levada a um nível psicológico e a repressão que antes se
dava pela privação física, agora acontece pela oferta enriquecida de pseudo
35
necessidades, das quais o indivíduo também não encontra satisfação. A Indústria
Cultural expandiu-se transformando a realidade mesma criada por ela.
Guy Debord (2003, p.9), escritor francês com fortes influências marxistas, um
dos pensadores da Internacional Situacionista
6
, trata também da questão da expansão
da Indústria Cultural na sociedade pós-moderna. Em linha com Adorno e Horkheimer,
atualizando alguns dos conceitos até então apresentados, classifica a sociedade
contemporânea como Sociedade do Espetáculo.
O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu
instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo
concentra todo olhar e toda consciência. Por ser algo separado, ele é foco do
olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa
senão a linguagem oficial da separação generalizada. O espetáculo não é um
conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizadas por
imagens.
Debord considera que a separação consumada entre o homem e a natureza, o
trabalho e seu fruto, promoveu uma realidade parcial, contemplativa. O que antes era
vivido passa a ser representado. O mundo, segundo ele, cindiu-se entre realidade e
imagem, uma análise um tanto quanto diferenciada de Adorno e Horkheimer, que
estabelece essa cisão entre material e intelectual, objetivo e subjetivo. Não se trata
aqui de uma mudança do paradigma apresentado, mas de uma visão de continuidade,
em decorrência da expansão da Indústria Cultural.
Marcuse (1964, p. 77) apontava para a transformação psicológica dos
símbolos, imagem e idéias do mundo por conta da transformação material desse
mesmo mundo.
Obviamente, a transformação física do mundo acarreta a transformação
psicológica de seus símbolos, imagens e idéias. Obviamente , quando cidades
e rodovias e Parques Nacionais substituem vilas, vales e florestas; quando
embarcações a motor correm nos lagos e aviões cortam os céus então estas
áreas perdem seu caráter como uma realidade qualitativamente diferente, como
áreas de contradição.
Propondo uma relação entre os pontos de vista apresentados por Debord e
Marcuse, entende-se que as imagens espetaculares, enquanto substituição concreta da
vida, ocupam espaços das representações simbólicas, suprimidas da produção
psíquica do indivíduo, que tem também essa esfera sob o domínio do status quo.
6
Movimento internacional de cunho político e artístico que ganhou forças no final da década de 60.
36
Debord (2003, p.137) comenta que:
A necessidade de imitação que o consumidor sente é precisamente uma
necessidade infantil, condicionada por todos os aspectos da sua despossessão
fundamental. Segundo os termos que Gabel
7
aplica a este nível patológico
completamente diferente, a necessidade anormal de representação compensa
o sentimento torturante de estar à margem da existência.
Os aspectos apartados da vida humana, entre eles a realização da dimensão
espiritual e emocional, encontram no espetáculo, no plano da imagem, uma
oportunidade de se integrarem, de uma forma virtual, não real.
Segundo Debord (2003), o primeiro estágio da evolução histórica da alienação
levou o homem a valorizar o ‗ter‘, em substituição ao ‗ser‘. No estágio atual, o ‗parecer‘
é a feição mais evidente da alienação. O empobrecimento da vida vivida se institui de
forma ainda mais bárbara e alimenta a manutenção da dinâmica social, fundamentada
no capital. A imagem propõe a falsa sensação de que a vida está integrada material e
espiritualmente. Sugere a realização da satisfação dos ímpetos mais íntimos, da libido
cerceada. Projeta a realização plena do ser, que contempla e não vive a realidade.
O problema, de acordo com Anselm Jasppe (1999, p.21), não é a imagem ou a
representação propriamente dita, mas a sociedade que dela necessita. O comentarista
de Guy Debord esclarece:
É verdade que o espetáculo utiliza sobretudo a visão, ‗o sentido mais abstrato e
passível de mistificação‘ (Sde, parágrafo 18), mas o problema es na
independência atingida por estas representações que escapa ao controle dos
homens e lhes falam sobre a forma de monólogo, banindo da vida qualquer
diálogo. Elas nascem da prática social coletiva, mas se comportam como seres
independentes.
Esse movimento de banalização, que deriva inicialmente da mercadoria
abundante, promove na aparência papéis a desempenhar e objetos a escolher, gera a
abundância espetacular. Esses papéis substituem a referência da família e da religião,
como elementos de repressão moral, produzindo um pseudogozo
8
que traz consigo a
repressão. O homem se representa através do papel que a sociedade espetacular
propõe que ele desempenhe. Vive de forma aparente.
7
Joseph Gabel, autor de A falsa consciência: ensaio sobre a reificação.
8
A palavra gozo, em Debord não faz referência à concepção lacaniana do termo.
37
Na psique, esses papéis assumem forte referência para a construção de
identidade social do indivíduo. Especialmente a persona
9
, a instância psíquica
responsável pela adaptação social, se molda ao externamente proposto e tem sua
função amplificada na sociedade do espetáculo.
Na abundância espetacular, a pseudo-escolha entre modelos se dá entre falsas
oposições e afrontamentos irrisórios, que vão desde o desporto competitivo até as
eleições. Essas oposições espetaculares são máscaras que escondem as formas
diversas da mesma alienação e, portanto, constituem-se na unidade a partir da miséria.
A abundância espetacular, o movimento de banalização faz com que a
mercadoria não mais satisfaça apenas pelo uso. Passa-se então a buscá-la no
reconhecimento de seu valor enquanto mercadoria e todos os significados carregados
por ela. O valor da mercadoria transcende seu valor de uso, representa a esperança de
ascensão e individualização. Esperança essa frustrada por sua pobreza essencial, pela
negativa da satisfação como também pelo implemento de uma nova necessidade, para
o bem do próprio sistema e do consumo desenfreado.
Debord (2003) aponta para o absolutismo da ordem social, que expande seu
poder para além das relações políticas e do capital.
As noções de tempo e espaço são adulteradas de forma a atenderem as
exigências do capital. A transformação de noções tão fundamentais para a
compreensão da vida humana implica a mudança de eixo do próprio pensamento
humano, provocam grandes mudanças na vida em sua extensão material, como
também emocional e espiritual. A psique do indivíduo, nessa sociedade que apresenta
noções de tempo e espaço até então não conhecidas, recebe fortes impactos.
O tempo interno, aquele vivenciado na interioridade do indivíduo, restrito à sua
experiência única, pessoal, não é o mesmo que aquele da realidade social, material. A
contagem do tempo por ciclos permitia ao indivíduo uma elaboração interna, reflexiva
de suas experiências. No tempo histórico irreversível, o indivíduo não se reconhece
mais, a não ser como ser historicamente comprometido, como ator social.
9
Persona é um conceito cunhado por Jung para descrever uma falsa imagem que a pessoa forma a seu próprio
respeito. Segundo esse autor, em seu livro O Eu e o Inconsciente (1982): “A persona é um complicado sistema de
relação entre a consciência individual e a sociedade; é uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um
determinado efeito sobre os outros e, por outro lado, a ocultar a verdadeira natureza do indivíduo.
38
Anselm Jasppe (1999, p.21) comenta que
[...] o que o indivíduo pode viver em seu cotidiano é estranho ao tempo oficial e
permanece incompreendido, dado que não dispõe dos instrumentos para
relacionar seu vivido individual com o vivido coletivo e dar-lhe significado mais
importante.
É importante que essas noções de tempo e espaço sejam um pouco mais
aclaradas.
A ordem social passa a controlar o tempo, como explica o autor de Sociedade do
Espetáculo em sua tese número 132: Os possuidores da história puseram no tempo
um sentido: uma direção que também é uma significação. (DEBORD, 2003, p. 89).
Segundo ele, o tempo do trabalho consolida-se como tempo histórico, separando e
alienando o tempo cíclico das organizações sociais. O mundo, nesse momento, mudou
de base.
O ciclo representado pelo fim do dia e o começo da noite, das passagens entre o
outono inverno, primavera e verão, deixa de ser considerado enquanto unidade de
medida do tempo. Enquanto o tempo cíclico permitia ao homem a possibilidade de
desenvolver a vida a partir de ritos, de mitificar a passagem do tempo explorando outra
dimensão que a material, o tempo histórico, aquele que tem no poder político e
econômico sua verdadeira essência, passa a organizar a vida de acordo com os
pressupostos necessários para a manutenção do poder. Horas trabalhadas, produção,
passaram a ser outras referências na contagem do tempo.
É no desenrolar da história no tempo que entendemos como as sociedades se
desenvolveram e passaram a se organizar de acordo com o poder estabelecido, do
Estado ou da igreja que assumiu o papel outrora desempenhado pelo mito - e a forma
de produção vigente. A burguesia, senhora e dona do tempo histórico, apropria-se
também da religião como elemento modelador e traz de volta esse complemento mítico,
adequado aos seus propósitos de dominação. Debord (2003, p.140), em sua tese
número 144, esclarece:
A burguesia concluiu, então, com esta religião um compromisso que se exprime
também na apresentação do tempo: o seu próprio calendário abandonado, o
seu tempo irreversível voltou a moldar-se na era cristã, de que ele continua a
sucessão.
39
Com o desenvolvimento do capitalismo, esse tempo irreversível é unificado
mundialmente. Trata-se do tempo do mercado mundial.
A história, que antes era privilégio da classe dominante, impõe-se como
movimento geral. O tempo histórico irreversível, com forte base na política econômica,
transforma-se no tempo das coisas que se impõe de sobressalto, diferentemente do
tempo cíclico que conviveu em fases de transformação com o tempo histórico.
O tempo das coisas exclui qualquer outra referência temporal, pois a história
reificada não permite senão a manutenção de sua própria história. É ferramental
utilitário para a satisfação das necessidades da ordem social, do capital. Passa, ele
também, a constituir-se como mercadoria vendida e consumida. Esse é denominado,
por Debord, como tempo espetacular.
Na fase mais avançada do capitalismo, o tempo além da produção de
mercadorias, propicia a expansão dos serviços, ampliando assim sua função
espetacular. É o tempo do consumo de imagens produção e mercadoria - e também a
imagem do consumo do tempo ócio e férias. O tempo espetacular organiza a vida
espetacular de forma a inverter a realidade e transforma-a em realidade realmente
espetacular. Nega a história, pois o espetáculo, conforme Jasppe, é o reino de um
eterno presente.
O homem, no centro dessa organização, não tem participação senão passiva. O
espetáculo recria momentos do tempo cíclico à sua própria lógica. A história acaba por
ser dominada por um presente contínuo, no qual o indivíduo, como pseudoparticipante,
não vive sua própria história. Está alienado do seu próprio tempo. O espetáculo suprime
o indivíduo a favor do próprio espetáculo. Desumaniza, inclusive, o tempo.
Assim como a noção de tempo é transformada na Sociedade Espetacular, a de
espaço também o é.
Segundo Debord (2003, p. 89), fazia-se necessária uma nova organização
espacial, que proporcionasse a quebra das distâncias geográficas, das barreiras
regionais, legais e comerciais. O mundo precisava ser unificado, através da unificação
do espaço abstrato do mercado.
Tornando-se cada vez mais idêntico a si mesmo, e aproximando-se o máximo
possível da monotonia imóvel, o espaço livre da mercadoria é a cada instante
modificado e reconstruído. Esta sociedade que suprime a distância geográfica,
amplia a distância interior, na forma de uma sensação espetacular.
40
A própria integração no sistema deveria dar conta de recuperar os indivíduos
isolados, contudo, como isolados em conjunto. A característica do indivíduo nessa
sociedade é de um ser afastado de suas potencialidades, alienado, isolado, uma vez
que o sistema impede sua totalidade como ser. Isolados de si mesmo, não poderiam
esses seres integrar-se uns aos outros. A integração do sistema, portanto, não se
tendo como objeto o indivíduo, mas a própria dinâmica do sistema, o fluxo do capital, o
espetáculo, a estrutura que captura e submete o indivíduo às deliberações da
sociedade. É a mercadoria o objeto da integração. O homem, mero espectador. Como
explica Jasppe (1999, p.21):
Da fragmentação dos processos produtivos que parecem desenvolverem-se
independentemente dos trabalhadores, à estrutura fundamental do pensamento
burguês, com sua oposição entre sujeito e objeto, tudo leva os serem humanos
a contemplarem passivamente a realidade em forma de ‗coisas‘, ‗fatose ‗leis‘.
Quarenta anos antes de Debord, Lukács caracterizou esta condição do ser
humano como a do ‗espectador‘.
Do campo para a cidade, estabeleceu-se um espaço propício ao consumo, que
se expandiu tal qual o capitalismo, extrapolando fronteiras geográficas. A produção
capitalista unificou espaços, não mais limitados pelas sociedades, mas determinados
pelo consumo. As fronteiras são estabelecidas pelo mercado.
41
2.3 O indivíduo reduzido
Os teóricos, citados anteriormente, são enfáticos ao apontar a redução do
indivíduo, de sua qualidade humana.
A razão iluminista desconsidera o homem, à medida que não reconhece sua
totalidade, ignora suas emoções e sentimentos. O homem participa da sociedade
enquanto ser dotado de razão. Em nome da civilização, os indivíduos têm seus instintos
amortizados.
A sociedade tem sua organização fundamentada na razão, no entanto, apesar
de toda racionalidade, mantém-se irracional. O homem fragmentado e obstruído,
destituído de uma de suas dimensões humanas, atua, como ser social e também como
indivíduo sem exercer seu potencial de criação, sua capacidade crítica.
Na sociedade regida pelo capital, que tem na razão técnica sua gênese, a
racionalização destrói a relação direta entre os indivíduos e coloca a mercadoria no
centro da vida. O próprio homem assume o status de coisa.
Por fim, na sociedade unidimensional conforme conceito de Marcuse e na
sociedade espetacular de acordo com a crítica de Debord, o homem tem seus instintos
mais íntimos capturados pela ordem social e aplicados na manutenção do status quo.
A exploração que até então se dava na esfera material, passa a conquistar a esfera
psíquica, espiritual.
O pensamento de Adorno (2002, p. 57) é citado aqui para aclarar essa idéia:
O princípio da individualidade sempre foi contraditório. Antes de tudo, nunca se
chegou a uma verdadeira individuação. A auto-conservação das classes
mantém a todos na condição de meros seres genéticos. Todo caráter burguês
alemão exprimia, não obstantes seus desvios e mesmo nestes, uma só e
mesma coisa: a dureza da sociedade competitiva. O indivíduo sob o qual a
sociedade se regia, portava o seguinte estigma; ele, em sua liberdade aparente,
era o produto do aparato econômico e social. [...] Por outro lado, a sociedade
burguesa, em seu curso, também desenvolveu o indivíduo. Contra a vontade de
seus controladores, a técnica educou o homem desde criança. Mas todo o
processo de individuação neste sentido se cumpriu em prejuízo à
individualidade, em cujo nome se dava, e desta só manteve a decisão de
perseguir tão-só e sempre a sua meta. [...] A Indústria Cultural pode fazer o que
quer da individualidade, somente porque nela, e sempre, se reproduziu a íntima
fratura da sociedade.
42
O indivíduo foi incorporado como peça componente da engrenagem da
sociedade e como tal, destituído de suas qualidades essenciais. É um ser genérico.
Paradoxalmente, esse ser teoricamente indivisível, único, é posto como um elemento
igual entre os iguais, substituível, destituído de seu caráter privado, particular. A cultura
de massas criou um pseudo-indivíduo, por meio de uma indistinta harmonia entre
universal e particular.
Guy Debord (2003, p.111) faz análise semelhante a Adorno sobre essa questão:
A integração no sistema deve apoderar-se dos indivíduos isolados em conjunto:
fábricas, casas da cultura, colônias de férias, todas essas coisas devem
funcionar como ‗grandes conjuntos habitacionais‘, especialmente organizados
para os fins desta pseudo-coletividade que acompanha também o indivíduo
isolado na célula familiar: o emprego generalizado dos receptores da
mensagem espetacular faz com que o seu isolamento se encontre povoado
pelas imagens dominantes, imagens que somente através deste isolamento
adquirem seu pleno poderio.
O homem torna-se incapaz de se identificar consigo mesmo e com aqueles que o
cercam. Na esfera blica, tem toda sua vida regrada e planejada, cumpre um papel
previamente estabelecido. Na esfera privada, em seu campo mais íntimo, tem seus
instintos manipulados em favor dos propósitos do capital. Torna-se um ser fragmentado,
aquém de suas possibilidades de realização.
De tal forma o indivíduo passa a ser controlado pela sociedade, que até mesmo
sua dimensão espiritual, psíquica, que por intento poderia manifestar-se de forma
distinta e independente, submete-se à dinâmica imposta pela sociedade. Como afirma
Adorno (2002, p. 78):
As malhas do todo são atadas cada vez mais conforme o modelo do ato de
troca. Esse permite à consciência individual cada vez menos espaço de
manobra, passa a formulá-la de ante-mão, de um modo cada vez mais radical,
cortando-lhe a priori a possibilidade da diferença, que se degrada em mera
nuance no interior da homogeneidade da oferta.
Marcuse (1972, p.37) apóia o desenvolvimento dessas idéias. Ele considera que
a vida em sociedade acarreta uma modificação repressiva dos instintos. Organizado em
sociedade, o homem deixa de ser senhor dos seus desejos e da alteração da realidade
que o cerca. A gratificação dos desejos, portanto, não é do sujeito, mas da sociedade.
O motivo da sociedade, ao impor a modificação decisiva da estrutura instintiva,
é, pois, ‗econômico‘; como o tem meios suficientes para sustentar a vida de
seus membros sem trabalho por parte deles, [a sociedade] trata de restringir o
número de seus membros e desviar as suas energias das atividades sexuais
para o trabalho.
43
Esse desvio apontado por Marcuse (1972), encontra na sociedade
contemporânea, outro foco. O desenvolvimento do capital propôs outras formas de
produção de riquezas, o próprio conceito de trabalho, na atualidade assumiu contorno
diverso daquele apontado por esse filósofo.
Marcuse (1972) vislumbrava que, com o avanço da tecnologia e da redução da
jornada de trabalho, a ordem social poderia propor novas formas de relação entre os
homens. Analisando as obras de Freud, ele acreditava que o trabalho não alienado
poderia representar uma possibilidade de autotranscendência da libido.
Esse prognóstico se cumpriu em parte. Novas formas de relação foram
determinadas pela ordem social, porém, a transformação social esperada não ocorreu
de forma a promover uma liberação dos impulsos libidinais sem prejuízo à civilização.
O desvio da libido encontra hoje foco no consumo, além da produção.
A esse respeito, comenta Jean Baudrillard
10
(2007, p.154), teórico que apresenta
em sua obra Sociedade de Consumo uma atualização da sociedade originada na Era
industrial:
Parece que uma coletividade gravemente dissociada, porque cortada do
passado e sem imaginação para o futuro, está a renascer para um mundo
quase puro das pulsões, mesclando na mesma insatisfação febril as
determinações imediatas do lucro e do sexo. O enfraquecimento das relações
sociais, a colusão precária e a concorrência encarniçada que fazem a
ambivalência do mundo econômico repercutem-se nos nervos e nos sentidos e
a sexualidade, deixando de ser fator de coesão e de exaltação comum, torna-se
frenesi individual do lucro. Por meio da obsessão, isola cada indivíduo.
Na luta entre o princípio do prazer e o princípio da realidade, pressuposto para a
civilização, segundo Freud, o indivíduo tem seus instintos modificados, a certa altura,
não pela realidade externa. A repetida experiência da repressão faz com que o
indivíduo introjete dominação e dominador no aparelho mental, reproduzindo
internamente a mesma dinâmica instalada na sociedade. A auto-repressão passa ser
uma medida que retroalimenta, como num círculo vicioso, o status quo. ―É essa
dinâmica mental que Freud desvenda como a dinâmica da civilização‖ (MARCUSE,
1972, p. 37).
10
Embora esse autor mantenha algumas reservas em relação à Escola de Frankfurt, esta pesquisa se vale de
conceitos, por ele formulados, que se aproximam das idéias aqui apresentadas.
44
Porém, não de todo a civilização cabo dos instintos. É no inconsciente que o
homem lugar aos desejos reprimidos, ao princípio do prazer derrotado. Essa força
reprimida não apenas sobrevive no inconsciente, como também, afeta de formas
diversas a realidade e a própria civilização.
Outro importante estudioso da psique, Carl Gustav Jung, que, por muitos anos
foi um dos discípulos mais destacados de Freud, apóia essa idéia. Para Jung, o
inconsciente tem uma autonomia no que diz respeito à sua própria transformação.
Segundo ele, no processo de desenvolvimento da psique um paralelismo histórico e
étnico de caráter universal. Jung analisou a composição do inconsciente, tal qual
proposto por Freud, e concluiu que havia uma outra camada, ainda mais profunda, no
inconsciente: o inconsciente coletivo, um reservatório de imagens pré-dadas, herdadas
pela mente por intermédio de seu correspondente físico, o rebro, que imprime no
homem certas qualidades básicas e impessoais da humanidade no indivíduo. Essa
concepção distanciou radicalmente Jung de Freud. Porém, a análise de ambos sobre o
inconsciente foi um prognóstico do que mais tarde outros pensadores e cientistas,
inclusive das chamadas ciências duras, chamaram de um novo paradigma, o holístico,
não-causal e sistêmico.
Jung (1982, p. VIII) entende que, para além da racionalidade desenvolvida pelo
homem, pela consciência crítica, há conhecimentos que nos escapam à compreensão.
Como a psique constitui um dado irracional, não podendo ser equiparada a uma
razão mais ou menos dividida, não é de estranhar-se que na experiência
psicológica, encontremos, com certa freqüência, processos e vivências alheios
à nossa experiência racional e por isso mesmo rejeitados pela atitude
racionalística da nossa consciência. Tal mentalidade não é adequada à
observação psicológica e é profundamente anticientífica.
Na cultura ocidental, a consciência se auto-intitula independente, sem
interferência do inconsciente. Ignora ou coloca à margem as experiências que não
podem ser explicadas pela da razão. O homem ocidental tem o ego no centro de sua
consciência, identifica-se por influência cultural com o pensamento.
Segundo Amnéris Maroni (1988, p.23), comentadora da obra de Jung, essa
identificação permite uma melhor adaptação ao meio social em que o indivíduo vive,
mas ao mesmo tempo provoca uma profunda unilateralidade na personalidade. A
45
autora enfatiza que: ―Este novo indivíduo amalgamou-se com o projeto de razão, que é
também típico do ocidente‖.
O pensamento é trazido à consciência, deixando encobertos, no inconsciente,
outros focos de subjetividade, como a sensação, o sentimento ou a intuição.
Desse modo, os conceitos de Jung, em especial, são úteis para elucidar a
questão dos impactos da Indústria Cultural e dos meios de comunicação de massa na
psique. Possibilitam uma análise de como as instâncias da psique reagem aos
estímulos lançados pelo mundo espetacular.
46
3 O MUNDO INTERNO: O OUTRO LADO DO SER
Ulisses, personagem da obra Odisséia de Homero, conforme análise de Adorno
e Horkheimer
11
, usa da razão enquanto técnica na viagem de retorno a Ítaca, na Grécia.
Astutamente ele amarra-se ao mastro, tampa com cera os ouvidos dos marujos e passa
incólume pelo canto das sereias. Ouve o canto, mas não se deixa entregar às paixões
despertadas por ele.
Essa passagem ilustra a vitória da razão iluminista, paradigma sob o qual se
estabelece a sociedade. Revela a ruptura entre o pensamento e o sentimento, o
material e o espiritual, a exterioridade e a interioridade. O homem enquanto um todo
contínuo, ser completo e total, deixa de existir. Apenas uma de suas dimensões
encontra eco na sociedade que se constitui a partir do pressuposto da razão. O mundo
externo, representado pela sociedade e pela cultura, se impõe sobre o mundo interno,
da subjetividade e dos sentimentos, de modo a subjugá-lo e reprimi-lo.
Na Odisséia de Homero, o personagem Ulisses deixa de correr os riscos das
paixões provocadas pelo canto das sereias. Numa analogia desse mito com o homem
na sociedade contemporânea, percebe-se o engodo. O indivíduo foi seduzido pela
razão. O que Ulisses temia que a paixão provocasse; o entorpecimento, a perda do
controle sobre si mesmo; foi na verdade a conseqüência provocada por se
desconsiderar os sentimentos, se revogar o espírito, enfim, por se relegar o mundo
interno. A paga para o Ulisses contemporâneo é a redução do indivíduo, a perda de sua
personalidade potencial.
Na sociedade ocidental, especialmente, essa razão é transformada em técnica.
Aliada ao poder econômico, define de forma inquestionável e inapelável os contornos
das relações sociais. O avanço da técnica permite um controle ainda mais eficaz sobre
a sociedade e o homem em si. A Indústria Cultural surge, então, como recurso de falsa
reconciliação entre esses dois mundos. Reificada, a cultura se põe a serviço da
manutenção da organização social, do poder econômico e político. Cria condição de
massificação, um falso coletivo, em nome do qual o sistema capitalista se legitima.
11
Ver Matos C.F. Matos, A Escola de Frankfurt Luzes e Sombras do Iluminismo, Editora Moderna, 2005
47
Edward C. Whitmont (2002, p.17), médico da Universidade de Viena e estudioso
da obra de Jung, diz que:
Na nossa época, este racionalismo extrovertido chegou a tal extremo que se
comentou que não apenas o mundo ocidental, mas a humanidade como um
todo corre o risco de perder sua alma para as coisas externas da vida. Nossas
forças extrovertidas do intelecto estão ocupadas com a alimentação adequada,
com os cuidados higiênicos das regiões subdesenvolvidas do mundo, assim
como o nosso padrão de vida, que as funções irracionais, o coração e a alma,
estão cada vez mais ameaçados de atrofia.
O mundo, constituído a partir da Indústria Cultural, sob a égide do sistema
econômico e político, vigente à luz da razão técnica, torna-se espetacular. O indivíduo,
inserido nesse mundo externo, perde, definitivamente, lugar no coletivo.
Nesse contexto, o mundo interno, que tem sua base no indivíduo, sua
subjetividade, emoções e sentimentos, carece de uma análise mais aprofundada.
A compreensão do indivíduo não depende apenas de sua relação com a
sociedade atual, mas de todo o processo histórico que conduziu a sociedade até o
recente estágio. Depende também da relação que ele estabelece, consigo mesmo, a
partir de sua relação com a sociedade.
As produções humanas na medida em que se realizam são capazes de construir
não a realidade social, mas também o próprio indivíduo. O que se busca esclarecer
é em que medida a realidade social, fundamentada na realidade racional, objetiva,
prevalece sobre a subjetividade, a individualidade e dispõe dela para se manter. As
questões psíquicas são aqui analisadas sob as influências da sociedade, especialmente
da sociedade unidimensional, que particularmente provocou a redução do indivíduo, a
limitação de suas potencialidades.
Antes, porém, é necessário delimitar a abrangência da noção de ser e definir sob
qual ponto de vista esta pesquisa tratará o mundo interno.
48
3.1 O ser e o mundo interno
O conceito de ser é distinto de qualquer outro, não apenas por suas diversas
significações, mas também pelas inúmeras interpretações de cada uma delas. Pode-se
entender esse vocábulo como existência, essência, ente ou substância. Uma definição
precisa depende do ponto de vista da análise, do ponto de partida da avaliação a ser
desenvolvida, e ainda assim, limita-se a uma parte do significado da palavra, do
conceito atribuído a ela. São interpretações diferentes, legítimas cada uma delas,
dependendo do campo de avaliação, da referência e da dimensão adotada.
Uma acepção em particular é adotada nesta pesquisa. Porém, se faz necessário
um entendimento um pouco mais amplo do que significa o ser.
Os gregos foram os primeiros a se perguntarem, diante do todo, sobre o ser.
Acreditavam que as coisas tinham um ser, confiavam que poderiam encontrá-lo e
supunham que poderiam fazê-lo sem nenhum auxílio externo, transcendente a eles
mesmos. Embora suas perguntas fossem direcionadas, a princípio, a um Deus, a
deuses ou simplesmente ao destino, os gregos consideravam que o interrogante era o
próprio homem, condição que lhe permitiria encontrar respostas sem ajuda exterior. A
origem do pensamento filosófico sobre o ser encontra-se nessa condição: não aguardar
a revelação divina, mas esforçar-se para encontrá-la. A possível dissolução do
horizonte divino, mesmo que de forma transitória, possibilita o aparecimento do
horizonte do filósofo.
O ser para o qual perguntavam, partindo do princípio que precisava ser
encontrado, estava escondido. O fato de não estar presente, de não ocupar espaço no
tempo, conferia-lhe a característica de permanência, de um ser sempre, contínuo.
Os pensadores gregos expressaram a noção de ser em um vocábulo que não
encontrou correspondente na tradução de autores latinos clássicos. O vocábulo grego,
uma substantivação verbal, reunia significados que na tradução não se encerravam em
um outro substantivo, mas em um verbo. Aristóteles advertia para a diferença entre o
ser e o efeito de algo que seja. O ser como aquilo que faz com que o segundo seja: o
ser, como princípio, e o ente como manifestação. Porém as dificuldades no aclaramento
da noção de ser não se esgotaram aí.
49
Aristóteles propõe dois pontos de vista em busca de uma definição: o lógico e o
metafísico. O ser é o ser mais comum de todos, segundo sua análise lógica. É a classe
de todas as classes, não mais elevado de que qualquer outro gênero. Expressa uma
espécie, uma qualidade natural. Do ponto de vista metafísico, ser significa algo mais
elevado, supremo. É o princípio de tudo, a origem da vida. Expressa uma
transcendência, uma qualidade divina.
São Tomás de Aquino, partindo desse aspecto, entendia o ser como uma parte
sensível, mas também como existência única. Definia-o, como transcendental por que
está absorvido em todos os seres e ao mesmo tempo por cima deles. Para ele, a
unidade não absorve a particularidade. O ser não se reduz ao particular nem ao
universal.
Na concepção aristotélica, seguida por muitos filósofos, o ser se toma de várias
acepções, mas cada acepção se faz por relação a um princípio único. É a tese da
analogia entre substâncias, existência palpável, real, e não-substâncias, o
transcendental.
A dialética entre essência e existência, que se estabelece quando se pergunta
pelo ser, encontra resposta no sentido da pergunta. A forma como se compõe a
pergunta é a dimensão mais importante do problema.
São diversas as interpretações filosóficas sobre a noção do ser. Para Kant, o ser
não é um predicado real, já Hegel desenvolve a idéia de que a falta de determinação do
ser o aproxima e o identifica com o nada. Heidegger, assim como vários filósofos
cristãos, considera esse o problema central da filosofia.
Aristóteles propõe em busca da noção do ser, um estudo das formas do ser,
assim postuladas por ele: o ser em si, o ser fora de si e o ser para si.
O ser em si é o ser que permanece dentro de si mesmo, imanente. É o princípio
de suas manifestações, uma potencialidade que pode realizar-se em qualquer
realidade. A palavra substância pode ser usada como exemplo para designar essa
forma.
O ser fora de si caracteriza-se pela tendência à alteridade, ele se constitui
como ser na medida em que amplia sua realidade por meio de novas experiências. Na
concepção hegeliana, o ser fora de si representa uma alienação do ser, mas uma
50
alienação necessária. No prefácio de seu livro a Fenomenologia do Espírito, o filósofo
alemão argumenta: ―Se o embrião é de fato homem em si, contudo não o é para si.
Somente como razão cultivada e desenvolvida que se fez a si mesma o que é em si
é homem para si; só essa é sua efetividade.‖ (HEGEL, 1992).
O ser para si tem a capacidade de manifestar e transcender a si mesmo.
Expressa de forma mais verdadeira a intimidade do ser, sua capacidade de refletir
sobre si mesmo. Enquanto o ser em si é imanente, o ser para si é transcendente. O que
Hegel aponta é que o ser precisa tornar-se, alienar-se de si mesmo, para então, ser si
mesmo. Alguns filósofos entendem que o ser para si é determinado pela constituição
do ser em si, como o próprio Hegel, por exemplo. Outros acreditam que seja um
complemento indeterminado do ser em si. aqueles, ainda, que o relacionam com a
existência real objetiva.
Para entender como a Indústria Cultural e os meios de comunicação de massa
podem impactar nesse desenvolvimento, a título de análise, é dado foco especial ao
mundo interno, ou seja, à psique, ao indivíduo. O intento, longe de reforçar a dualidade
entre realidade objetiva e subjetiva, matéria e espírito, corpo e mente, é entender como
se a continuidade entre um e outro, como a psique recebe e elabora a experiência
vivida e, por conseguinte, como o indivíduo se constrói subjetivamente.
51
3.2 A estrutura da psique
―A finalidade única da existência humana é a de acender uma luz na
escuridão do ser‖. Carl G. Jung
O pressuposto do ser para si é a interioridade, que por sua vez, supõe a
existência de um mecanismo, uma organização com existência própria que permita sua
realização. Essa organização, segundo Freud e também Jung, é a psique.
Na acepção de Aristóteles a psique (alma) e o mundo exterior guardam profunda
conexão. O filósofo grego conceitua a psique a partir de três significações. A primeira
delas pode ser compreendida como sinônimo de natureza, pois pertence ao reino da
natureza e dá origem a todo entendimento dos seres animados ou vivos: plantas,
animais e humanos. O princípio da ação é outra significação proposta, pois origem
a funções, ações e movimentos nos seres vivos, compreende também o significado de
energia. Por último, o princípio da individuação, ou seja, a possibilidade de realização
de todas as potencialidades que cada ser vivo traz em seu íntimo. No pensamento
aristotélico, a psique é um intermediário entre o sensível e o inteligível.
Sigmund Freud, inicialmente, e Carl. C. Jung, posteriormente, incluíram o
conceito de psique nas ciências modernas. Em especial, entre os estudiosos da
psicanálise e da psicologia, o termo tem grande predileção. É o objeto de estudo da
psicologia. Para ambos os autores, a psique é uma dimensão humana, capaz de
organizar o mundo interno, de possibilitar a realização da individualidade, da
subjetividade, enfim, da interioridade do ser.
Assim como o corpo físico é dotado de uma estrutura que lhe permite a
existência, a experiência prática, a psique também é estruturada de forma a dar
condições de realização das atividades mentais, conscientes ou inconscientes, e
também das atividades que transcendem o ser para si.
A estrutura da psique e a inter-relação entre seus componentes é assunto que se
insere no campo desta pesquisa, a fim de que se possa avaliar a amplificação da
persona, uma das instâncias psíquicas. Não se faz aqui uma análise com objetivo
clínico, densa tecnicamente. O que se pretende é criar um contexto no qual os termos
sejam aclarados e possam ser úteis ao entendimento proposto.
52
Embora o ser humano tenha o aparelho mental como forma constitutiva, é na
dinâmica e no desenvolvimento da psique, na história em marcha de sua própria
existência que ele irá constituir-se como ser. Assim, segundo Jung, a psique não é
coisa dada, imutável, mas organiza-se ao longo de suas experiências.
Para Sigmund Freud o homem nada mais é do que um animal preso às
dinâmicas da cultura. A realidade externa, conforme comenta Marcuse, em Eros e
Civilização, transforma os instintos animais em instintos humanos, na medida em que
coage e reprime os próprios instintos com o objetivo de promover o progresso, a vida
em sociedade. Eros, o instinto do prazer, da vida, quando incontrolado é tão devastador
quanto Thanatos, o instinto da realidade, da morte. Marcuse (1972, p.38) explica que,
Freud discute a cultura não de um ponto de vista romântico ou utópico, mas
com base no sofrimento e miséria que sua implementação acarreta. Assim, a
liberdade cultural surge-nos à luz da escravidão, e o progresso cultural à luz da
coação. Por conseguinte, a cultura o é refutada: escravidão e coação
representam o preço que deve ser pago.
Jung, por sua vez, acredita que o homem é um animal que diante das dinâmicas
culturais é capaz de se destacar, simultaneamente influenciando e sendo influenciado
pelo contexto que o cerca. As circunstâncias externas, segundo ele, não podem
substituir as de ordem interna. Para além da vida em sociedade, Jung (apud, Carvalho,
1986, p.74) sustenta que o ser humano:
Traz ao nascer sistemas organizados especificamente humanos e prontos a
funcionar, que deve aos milhares de anos da evolução humana... ao nascer, o
homem traz o desenho fundamental do seu ser, não de sua natureza
individual mas também de sua natureza coletiva. Os sistemas herdados
correspondem às situações humanas que prevalecem desde os tempos mais
antigos, o que significa quejuventude e velhice, nascimento e morte, filhos e
filhas, pais e mães, acasalamento, etc. A consciência individual vive estes
fatores pela primeira vez. Para o sistema corporal e para o inconsciente, não é
novidade.
Essa condição da pré-figuração, do desenho fundamental herdado encontra-se
no inconsciente coletivo, segundo Jung.
O psicanalista suíço não descarta a relação entre o ser humano e a cultura, ao
contrário coloca-a como parte constitutiva na psique, por meio do inconsciente coletivo,
e entende que, dessa forma, o homem se destaca ao mesmo tempo como produto e
produtor da cultura, da sociedade.
53
Ambos, Freud e Jung, consideram como negativos os impactos da sociedade
contemporânea na existência humana e especificamente apontam esses danos no
desenvolvimento da psique.
Para Jung, o homem nasce como um todo. Ao longo de sua existência cabe a
ele desenvolver esse todo essencial. À busca por essa unidade, Jung chamou de
individuação: o grau maior de autoconsciência possível através de uma
personalidade harmônica, não dissociada, nem deformada, ou seja, de uma estrutura
equilibrada.
Nise da Silveira (1968, p.87) explica assim o processo de individuação:
Todo ser tende a realizar o que existe nele em germe, a crescer, a completar-
se. Assim é para a semente do vegetal e para o embrião do animal. Assim é
para o homem quanto ao corpo e à psique. Mas no homem, embora o
desenvolvimento de suas potencialidades seja impulsionado por forças
instintivas inconscientes, adquiri caráter peculiar: o homem é capaz de tomar
consciência desse desenvolvimento e influenciá-lo. Precisamente no confronto
do inconsciente pelo consciente, no conflito como na colaboração entre ambos
é que os diversos componentes da personalidade amadurecem e se unem
numa síntese, na realização do indivíduo específico e inteiro.
A unidade da psique, harmonia e equilíbrio entre todas as suas instâncias e
componentes, não pode ser considerada tarefa fácil. Jung, no livro O Homem e seus
Símbolos (1964), diz que essa unidade ameaça fragmentar-se facilmente diante de
emoções não contidas.
Freud propõe um modelo estrutural da psique composto por três instâncias: id,
ego e superego. Cada uma dessas instâncias, segundo suas demandas, organiza-se
no consciente e/ou no inconsciente. Dotadas de caráter dinâmico e operacional
próprios, interagem entre si formando uma unidade psíquica. O id representa a parte
mais instintiva e inconsciente da psique humana. As internalizações morais de uma
dada cultura à qual o indivíduo foi exposto constituem o superego. O equilíbrio entre o
instinto e a moral é fruto da ação da última instância, o ego. Freud identificou ainda que
essas instâncias que organizam a psique são constituídas em certas fases do
desenvolvimento humano: oral, anal, fálica, de latência e genital.
Marcuse (1967, p. 47 e 48), quando interpreta de forma filosófica o pensamento
de Freud, entende que essas instâncias são prosseguimentos uma da outra. Id, Ego e
54
Superego, nessa visão, são complementos realizados a partir do desenvolvimento da
psique.
A camada fundamental mais antiga e maior é o id, o domínio do inconsciente,
dos instintos primários. O id está isento das formas e princípios que constituem
o indivíduo consciente e social. [...] Sob influência do mundo externo (o meio),
uma parte do id, a que está equipada com os órgão para a recepção e proteção
contra os estímulos, desenvolve-se gradualmente até formar o ego. É o
‗mediador‘ entre o id e o mundo externo. [...] O principal papel do ego é
coordenar, alterar, organizar e controlar os impulsos do id de modo a reduzir ao
mínimo os conflitos com a realidade, reprimir os impulsos que sejam
compatíveis com a realidade, ‗reconciliar‘ outros com a realidade, mudando seu
objeto, retardando ou desviando a sua gratificação. [...] No curso do
desenvolvimento do ego, outra ‗entidade‘ mental surge: o superego. Tem
origem na prolongada dependência da criança de tenra idade, em relação aos
pais; a influência parental converte-se no núcleo permanente do superego.
Subsequentemente, uma série de influências sociais e culturais são admitidas
pelo superego, até se solidificar no representante poderoso da moralidade
estabelecida daquilo que as pessoas chamam de coisas superiores na vida
humana.
A relação entre homem e cultura, portanto, é fundamental no desenvolvimento
da psique. Os instintos básicos do homem são modelados e adaptados à realidade
externa. Freud (1986) entende que esse comportamento no indivíduo assume
contornos mais amplos ainda no coletivo. Para ele, os processos mentais são mais
familiarizados e mais acessíveis à consciência quanto mais estiverem presentes no
comportamento do grupo. A referência externa indica caminhos para a psique, tanto
consciente através do ego, como inconsciente, a partir do id. A cultura atua na
totalidade da psique, em suas instâncias conscientes ou inconscientes.
A própria civilização, segundo Freud, adquire uma instância capaz de imprimir
parâmetros ditos morais e regras superiores de convivência: o superego cultural. Como
um correspondente social do superego no indivíduo, o superego cultural é portador de
todo julgamento coletivo, do ajuizamento que estabelece o que é certo e o que é
errado, o que deve ou não ser feito. Determina basicamente os padrões morais da
sociedade.
Freud (1969, p.144) explica o papel do superego:
Ele também não se preocupa de modo suficiente com os fatos da constituição
mental dos seres humanos. Emite uma ordem e não pergunta se é possível às
pessoas obedecê-la. Pelo contrário, presume que o ego do homem é
possivelmente capaz de tudo que lhe é exigido, que o ego deste homem dispõe
de um domínio ilimitado de seu id. Trata-se de um equívoco e, mesmo naquelas
que são conhecidas como pessoas normais, o id não pode ser controlado além
55
de certos limites. Caso se exija mais de um homem, produzir-senele uma
revolta ou uma neurose, ou ele se tornará infeliz.
O que o médico austríaco aponta é quem em nome da civilização, da vida em
sociedade, como resultado da luta entre Eros e Thanatos, algumas das dimensões
psíquicas são relegadas. De fato não há equilíbrio entre um e outro instinto básico, mas
repressão de um pelo outro, sem se dar conta das conseqüências decorrentes.
Seremos todos cidadãos neuróticos? A totalidade da humanidade sofrerá de algum tipo
de insanidade? As questões são formuladas pelo próprio Freud em sua obra O Mal
Estar da Civilização.
Marcuse (1967), ao refletir sobre as questões postuladas por Freud, argumenta
que em determinado estágio da sociedade unidimensional é possível que o indivíduo
tenha seu superego suprimido e substituído por essa instância que se apresenta como
uma entidade quase divina, acima do bem e do mal, que dispensa qualquer crítica ou
reflexão individual.
Essa transformação na psique, também para Jung, tem efeitos devastadores nas
outras instâncias psíquicas e, por conseguinte, no processo de individuação.
Diferentemente de Freud, a estrutura psíquica, à qual Jung se refere é composta
por inúmeros sistemas e níveis diferentes, todos eles interligados. Segundo ele, são
três níveis na psique: o consciente, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo.
Embora as instâncias identificadas por Jung o sejam as mesmas propostas
por Freud, elas guardam entre si certa semelhança. Ambos concordam que a dinâmica
do psiquismo é reflexo da interação dessas instâncias organizadas em sistemas.
Para Jung, é no consciente, a única parte da mente conhecida conscientemente
pelo indivíduo, que se estabelece a busca por constituir-se como ser.
São ilimitadas as diferenças na individualidade humana. Algumas
particularidades básicas, no entanto, minimamente nos orientam para o entendimento
dessas diferenças. Jung percebeu que essas diferenças poderiam se dar por uma
forma singular de enxergar os mesmos fatos, do indivíduo ver e sentir o mundo. Por
meio de suas pesquisas, descobriu que os indivíduos possuem funções e atitudes
mentais das quais fazem uso para se posicionarem no mundo.
56
Para ele, quatro funções mentais ampliam a percepção consciente: pensamento,
sentimento, sensação e intuição. Captamos as informações que nos cercam utilizando
essas funções. É também a história de vida, os estímulos externos, como a cultura e o
meio em que se vive que vão estabelecer a predileção por essa ou aquela função
mental em cada pessoa. A utilização predominante de uma dessas funções define o
caráter básico do indivíduo. Todos nós em potencial podemos exercer as quatro
funções, porém, optamos por especialmente uma, como explica Nise da Silveira (1968,
p.55):
Na grande maioria das pessoas uma única destas funções desenvolvese e
diferencia-se roubando energia às outras. Jung chegou a admitir que a
atividade destas funções, quando se realiza em graus muito desiguais, possa
causar preocupações neuróticas. Se uma função não é empregada, diz ele,
perigo de que escape de todo manejo consciente, tornando-se autônoma e
mergulhando no inconsciente onde vá procurar ativação anormal.
Duas atitudes mentais, além dessas quatro funções, determinam à orientação da
psique consciente. A extroversão é caracterizada pela orientação da mente para o
mundo externo, objetivo. Já a introversão orienta a mente para o mundo interno,
subjetivo. Para Nise da Silveira, a forma como se processa a energia psíquica, a libido,
é que determina a adoção de uma dessas atitudes. Possuímos ambas de forma
equânime, porém desenvolvemos uma de maneira mais acentuada do que a outra em
função dos estímulos em que o meio nos coloca.
É apropriado avaliar que o meio tem importante interferência no desenvolvimento
da psique, que ele define a adoção de atitudes ou funções mentais de acordo com os
estímulos que ele próprio propõe. A diferença entre a civilização ocidental e oriental, por
exemplo, explica a predileção da extroversão pelos indivíduos do mundo ocidental em
contraposição à introversão no mundo oriental.
O paradigma da razão iluminista, a sociedade que tem a base no material e no
capital, junto com a Indústria Cultural, instituíram um contexto no qual a psique ao
interagir, se adapta, adotando uma dinâmica que lhe parece mais adequada. Vale
ressaltar que essa seria uma dinâmica natural, porém, quando artificialmente
provocada, elevando uma função em detrimento da outra, para fins únicos de
sustentação do status quo, pode provocar danos significativos na psique e no equilíbrio
da personalidade e representar fortes barreiras no processo de individuação, conforme
57
proposto por Jung. Essa interferência se dá em outras instâncias da estrutura da
psique, inclusive.
O Ego é a instância psíquica que organiza a mente, conforme Jung. Seleciona
quais informações serão trazidas ao consciente.
Whitmont (2002, p.206) diz que operacionalmente:
Ele [o ego] funciona como o centro, sujeito e objeto da identidade pessoal e da
consciência, isto é, a consciência da identidade pessoal, que se prolonga e
continua através da seqüência do tempo, do espaço e causa e efeito, o que é
capaz de refletir sobre si mesma, como no ‗Cogito ergo sum‘, de Descarte. Ele é
o centro e o causador, pelo menos aparentemente, de plano de ações, decisões
e escolhas pessoais, e o ponto de referência para julgamento de valor. É o
causador dos impulsos pessoais, o desejo que traduz decisões em ações
dirigidas para fins específicos.
As experiências vividas encontram barreira no ego para transpor o nível da
consciência. Experiências muito fortes podem forçar a entrada pelas barreiras do ego,
enquanto que experiências mais amenas podem ser facilmente repelidas.
Características pessoais não aceitas pelo ideal do ego, podem ser divididas e parte
delas encaminhada à sombra. Aquelas que não se adaptam ao tipo psicológico
predominante, permanecem no inconsciente como o anima e animus.
O processo de individuação está intimamente ligado ao ego, uma vez que a
autoconsciência desejada na individuação depende do volume de experiências que o
ego permitirá tornar-se consciente. Um ego extremamente forte, estimulado e
desenvolvido, pode provocar deformações na personalidade quando se sobrepõe a
outras instâncias psíquicas, provocando desequilíbrio na própria estrutura.
Freud (1969, p.75) também identifica o ego como instância organizadora do
consciente e compartilha com Jung a definição desse conceito. Segundo ele, é o ego a
instância balizadora entre moral e instinto.
O ego nos parece como autônomo e unitário, distintamente demarcado de tudo
o mais. Ser esta aparência enganadora apesar de que, o ego seja continuado
para dentro, sem qualquer delimitação nítida, por uma entidade mental
inconsciente que denominamos id, à qual o ego serve de fachada configurou
uma descoberta efetuada pela primeira vez através da pesquisa psicanalítica,
que, de resto deve ter muito mais a nos dizer sobre o relacionamento do ego
com o id.
58
As semelhanças entre as instâncias psíquicas definidas por Freud e Jung
encontram paralelo até em parte do nível inconsciente. Para Freud o inconsciente era
puramente pessoal. Cada indivíduo detinha nele seus próprios conteúdos reprimidos.
No prefácio de seu livro, O Eu e o Inconsciente, Jung (1982, p. VII) aponta a
diferenciação dos conceitos formulados por ele e Freud.
A idéia da autonomia do inconsciente, que separa radicalmente minha
concepção da de Freud, ocorreu em 1902, ocasião em que me ocupava do
processo de desenvolvimento psíquico de uma jovem sonâmbula. [...] Em 1912
descrevi, apoiado num caso individual, as fases principais do processo,
indicando ao mesmo tempo o paralelismo histórico e étnico desses
acontecimentos psíquicos, cujo caráter é evidentemente universal.
Enquanto Freud entende o inconsciente como reservatório das experiências
reprimidas da personalidade, isto é, características que poderiam se tornar conscientes
se não tivessem sido contidas pela realidade externa, Jung decompõe o inconsciente
em duas camadas: o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. Para ele o
inconsciente pessoal representa uma parte mais subjetiva do psiquismo, enquanto que
o inconsciente coletivo, a parte mais objetiva. Ambos, Freud e Jung, no entanto,
entendem que o inconsciente é o fundo de toda vida psíquica.
O inconsciente pessoal de Jung, tal qual o inconsciente de Freud, armazena as
experiências pessoais que não chegaram ao consciente, por terem sido reprimidas ou
desprezadas pelo ego. Trata-se de um receptáculo de conteúdos que ainda não
puderam ser digeridos de forma consciente ou simplesmente de informações julgadas
não importantes. Ao buscar, por exemplo, lembrar-se do nome de um antigo amigo, o
consciente pode valer-se das informações armazenadas no inconsciente pessoal.
Nise da Silveira (1968, p.71) esclarece que o inconsciente pessoal,
[...] se refere às camadas mais superficiais do inconsciente, cujas fronteiras com
o consciente são bastante imprevistas. Aí estão incluídas as percepções e
impressões subliminares dotadas de carga energética insuficiente para atingir o
consciente; combinações de idéias ainda demasiado fracas e indiferenciadas;
traços de acontecimentos ocorridos durante o curso da vida e perdido na
memória consciente; recordações penosas de serem lembradas; e, sobretudo,
grupos de representações carregados de forte potencial afetivo, incompatíveis
com a atitude consciente (complexos).
Os complexos são outras formas menos previsíveis de ingresso ao consciente.
Freud havia esboçado em sua obra, A Interpretação dos sonhos (1974) os fatos
59
fundamentais do Complexo de Édipo. Porém, foi Jung que introduziu na psicanálise a
noção de complexo.
São emoções inconscientes que, segundo Nise da Silveira, se reúnem em
grupos de pensamentos, sentimentos ou lembranças reprimidos. Não digeridos pelo
consciente, explicados e entendidos pelo indivíduo, esses complexos ganham
autonomia no inconsciente pessoal. Atuam de forma a influenciar e em alguns casos a
controlar pensamentos e sentimentos. Como exemplo, podemos citar a predileção de
homens por mulheres mais velhas. Essa preferência pode revelar um complexo
materno, pelo qual o indivíduo tem sempre a imagem da mãe gravada em sua mente e
tenta incluí-la, a ela própria ou a outra imagem relacionada a ela, em experiências
cotidianas: coloca o tema em conversas corriqueiras, tenta imitar a mãe adotando as
mesmas preferências dela, etc.
Para Freud (1974), os complexos geralmente têm origem em experiências
traumáticas da infância. Jung concorda até certo ponto.
Freud parte do ponto de vista do doente para explicar os complexos, Jung, por
sua vez, analisa o termo sob a perspectiva do sadio. Entende que os complexos têm
origem em aspectos não digeridos, conflitantes, mas não estabelecem nenhuma
comprovação doentia. Para o mais destacado discípulo de Freud, o complexo faz parte
do inconsciente e dos fenômenos normais da vida. São elementos necessários para o
desenvolvimento da psique.
Além dessa discordância sobre a função do complexo, Jung difere de Freud na
determinação da origem. Para ele, não apenas as experiências pessoais podem
resultar em complexos. Jung não acredita que o inconsciente seja apenas fruto de
vivências individuais, mas também de experiências transmitidas pela evolução e
hereditariedade, ou seja, pelo inconsciente coletivo.
Jolande Jacobi (1995, p. 27 e 28) discípula de Jung, explica a diferença entre a
concepção de um e de outro autor:
Foi a concordância quanto à natureza e os efeitos dos fatores psíquicos
denominados ‗complexos‘, descobertos por vias completamente diferente por
ambos os pesquisadores, que primeiro chamou (1902) a atenção de um para o
outro e, mais tarde, os uniu e os levou a caminhar juntos durante algum tempo.
No entanto, foi a concepção posterior e profundamente modificada de Jung
sobre o mesmo problema que os separou novamente (1913), porque, segundo
sua teoria, que com o correr do tempo procedeu a distinção bem clara entre o
60
inconsciente pessoal (que corresponde à noção freudiana de inconsciente, cujo
conteúdo era constituído exclusivamente do material de vivências repelidas e
reprimidas) e um inconsciente coletivo (constituído das formas primitivas típicas
de vivências e comportamentos da espécie humana, isto é, pura e
simplesmente da possibilidade herdada de um funcionamento psíquico), os
complexos também receberam uma ampliação de significado e de função.
Para Jung (1982, p.13) são dois os tipos de complexos: o que se origina na
esfera individual, tem teor emocional e caracteriza-se pela experiência pessoal e o que
tem suas raízes no coletivo, ao qual Jung denominou arquétipos.
O inconsciente coletivo, terceiro nível da psique, conforme concluiu Jung, é a
dimensão psíquica na qual o arquétipo se aloja. Esse autor entende que a mente, por
intermédio de seu correspondente físico, o cérebro, herda características de nossos
antepassados. A mente é pré-figurada pela evolução. Imagens latentes, às quais Jung
chamou de primordiais, são transmitidas de geração a geração. São predisposições,
respostas em potencial, tais quais nossos antepassados tinham, frente à experiência no
mundo. Quando essas imagens encontram seu correspondente real, são reconhecidas
e tornam-se realidade consciente. Podemos citar como exemplo, novamente a imagem
da mãe. Presente no inconsciente coletivo, essa imagem se expressará logo no
primeiro contato de uma pequena criança com a mãe real. Jung descreveu o
inconsciente coletivo dessa forma:
[...] devemos afirmar que o inconsciente contém, não só componentes de ordem
pessoal, mas também impessoal, coletiva, sob a forma de categorias herdadas
ou arquétipos. propus antes que o inconsciente, em seus níveis mais
profundos, possui conteúdos coletivos em estado relativamente ativo; por isso o
designei inconsciente coletivo.
O inconsciente coletivo, uma dimensão da psique não completamente
conhecida, dotada de características que a nossa razão lógica não pode entender,
independe, portanto, das experiências pessoais vividas.
Segundo Jung, em O Homem e seus Símbolos (1964), o homem nasce com
predisposições para o pensar, o sentir, o perceber e o agir. Carrega, no inconsciente
coletivo, um padrão pré-figurado de comportamento pessoal. No entanto, o
desenvolvimento de tais predisposições depende inteiramente da experiência individual,
da história pessoal vivida.
61
Jung (1964, p. 82) comenta que na sociedade contemporânea o homem separa,
cada vez mais, a consciência das camadas instintivas mais profundas da psique. No
ocidente, especialmente, o homem é centrado das atividades do ego, que é regido pela
consciência e identifica-se com a razão lógica, com os atributos do pensamento
iluminista, como se o inconsciente não existisse. Porém, como parte integrante e
importante da psique ele continua em plena atividade. Jung sustenta que:
[...] homem contemporâneo paga o preço de uma incrível falta de introspecção.
Não consegue perceber que apesar de toda sua racionalização e toda sua
eficiência, continua possuído por ‗forças‘ fora do controle. Seus deuses e
demônios absolutamente não desapareceram; têm, apenas, outros nomes. E
conserva em contato íntimo com a inquietude, com apreensões vagas, com
complicações psicológicas, com uma insaciável necessidade de pílulas, álcool,
fumo, alimento e, acima de tudo, com uma enorme coleção de neuroses.
Os conteúdos do inconsciente coletivo, tais como do inconsciente pessoal, têm
grande importância no processo de individuação. Quanto mais experiências o indivíduo
vivenciar, maior será a possibilidade de manifestação consciente dessas imagens.
Arquétipos, modelo original ou protótipo, foi o nome dado por Jung (1982, p.48) à
parte dos conteúdos do inconsciente coletivo. Enquanto o complexo reflete a experiência
pessoal depositada no inconsciente individual, o arquétipo transmite a imagem de
experiências coletivas, depositadas, portanto, no inconsciente coletivo.
Existem tantos arquétipos quantas as situações típicas da vida. Uma repetição
infinita gravou estas experiências em nossa constituição psíquica, não sob
forma de imagens saturadas, mas a princípio somente como formas sem
conteúdo que representavam apenas a possibilidade de um certo tipo de
percepção e de ação.
Arquétipos não são representações bem definidas, como uma foto, por exemplo.
São como imagens em negativo percebidas plenamente depois de reveladas pelo
processo químico. Nise da Silveira define assim esse conceito: [...] o possibilidades
herdadas para representar imagens similares, são formas instintivas de imaginar. São
matrizes arcaicas onde configurações análogas ou semelhantes tomam forma.‖
(SILVEIRA, 1968, p.77). Resultam, segundo essa autora, de impressões deixadas por
vivências fundamentais comuns a todos os seres humanos, repetidas ao longo de toda
a nossa existência. Seriam também disposições próprias da estrutura do sistema
nervoso, que conduziram à produção de representações semelhantes. Assim como o
homem tem punções herdadas, com os instintos que lhe confere comportamento
62
semelhante a outro homem, possui também tendências herdadas a produzir
representações semelhantes.
Jung observou que algumas dessas representações se repetiam nos contos de
fadas, nos mitos, nos dogmas e ritos das religiões, nas artes, na filosofia, enfim, nas
produções do inconsciente. Foi assim que concluiu que essas configurações são
universais, ou seja, todos os homens herdam as mesmas predisposições a essas
imagens primordiais, independentemente de raça, credo ou cultura. É na expressão do
arquétipo e na forma de interpretação dele que as diferenças se manifestarão, uma vez
que o mundo externo tem influência no desenvolvimento das predisposições registradas
no inconsciente coletivo. A tradição, a cultura, a linguagem, no entanto, não o
responsáveis pela origem do arquétipo, apenas interferem em sua forma de
manifestação. Para Jung, o arquétipo é dado à estrutura da psique e atualizado de
acordo com as experiências internas e externas do indivíduo.
Jolande Jacob (1995, p. 73) alerta para a distinção entre arquétipo e símbolo. O
primeiro é definido por Jung como essencialmente energia psíquica, totalmente
abstrata. o segundo, caracteriza-se pelo seu aspecto material, encarnado à medida
que ganha corpo e humaniza-se. O símbolo carrega o sentido invisível e mais profundo
do arquétipo ao apresentá-lo de forma objetiva e visível. Conforme essa autora,
[...] assim que o conteúdo puramente humano-coletivo do arquétipo que
representa a matéria-prima fornecida pelo inconsciente coletivo se relaciona
com o consciente e o caráter formativo deste, o arquétipo recebe ‗corpo‘,
‗matéria‘, ‗forma plástica‘, etc.; passa agora a ser apresentável e uma
verdadeira imagem, uma imagem arquetípica, um símbolo.
Uma das formas de expressão dos arquétipos, que particularmente interessa
para a análise dos impactos da Indústria Cultural na psique humana, é a mitologia: uma
configuração ancestral de significação das imagens universais que herdamos. Para
Roland Barthes (1975), o mito, é uma imagem arquetípica, ―uma forma de discurso, um
sistema semiológico e uma modalidade de significação‖.
Jung entende que o mito é um acontecimento psíquico, revela a própria natureza
da psique, é uma forma do inconsciente desvendar a busca incessante do homem pela
individuação. Como explica Nise da Silveira, ―Resultam da tendência incoercível do
inconsciente para projetar as ocorrências internas, que se desdobram invisivelmente em
63
seu íntimo, sobre os fenômenos do mundo exterior, traduzindo-as em imagens.‖
(SILVEIRA, 1968, p. 128).
Na sociedade contemporânea, a Indústria Cultural se apropriou da
representação mitológica, da imagem arquetípica. Os meios de comunicação de massa
têm nela conteúdo utilizado para capturar a atenção do espectador, sem, no entanto,
oferecer em troca possibilidade de reflexão ou interiorização. Ao contrário, conforme
comenta Jolande Jacob, essas representações arquetípicas, embora se originem de um
núcleo simbólico, não são símbolos, são conceitos racionais que ganham força à
medida que abarcam um maior número de pessoas, de opiniões, se fazem presentes
negando ao homem sua base instintiva.
Massificada, posta como mercadoria produzida em série, a imagem arquetípica
perde também sua característica de representação do divino, do inexplicável, enfim, do
inconsciente. Essa interface, que de alguma forma reconhecia e valorizava a produção
do inconsciente, é relegada. Na psique, essa imagem arquetípica pasteurizada, é
assimilada, mas pode produzir resultados outros, como a adaptação ao mundo externo,
a exteriorização exacerbada, o desequilíbrio da psique. Amnéris Maroni, ao interpretar o
pensamento junguiano em relação ao mito diz que ―[...] o significado vivo do mito está
perdido e, com isso o homem deixou de compreender o que acontece no inconsciente
e, assim, esqueceu-se da inscrição de Delfos, que dizia: ‗Lembra-te que não passas de
um homem.‖ (MARONI, 1988, p.53).
O fascínio do homem pelo mito, pela representação simbólica de verdades
subjetivas, que reproduzem os desejos e anseios da humanidade, é o chamariz que
conduz o homem contemporâneo ao engodo do consumo das imagens arquetípicas
modelizadas, padronizadas de acordo com a necessidade da Indústria Cultural. Ao
mesmo tempo em que esse homem, carente de sentidos, preso às malhas da razão,
busca de alguma forma acessar a dimensão inconsciente, recai nas armadilhas do
sistema que o conduz ao consumo, ao materialismo, à lógica e o distancia ainda mais
da essência de sua natureza humana. Como explica Jung (1964, p. 95):
À medida que aumenta o conhecimento científico diminui o grau de
humanização em nosso mundo. O homem sente-se isolado no cosmos porque,
não estando envolvido com a natureza, perdeu sua ‗identificação emocional
inconsciente‘ com os fenômenos naturais. E os fenômenos naturais, por sua
vez, perderam aos poucos suas implicações simbólicas.
64
O distanciamento das imagens arquetípicas e o afastamento do inconsciente,
produzem no homem moderno um desequilíbrio na psique. A sociedade
contemporânea restringe a manifestação do ser, enquanto ser total, estabelece limites
que sustentam suas próprias normas e regras.
65
3.2.1 Arquétipos básicos, segundo Jung
Jung dedicou especial atenção a alguns arquétipos, que, segundo ele, têm
grande importância na formação de nossa personalidade, são eles: persona, anima e
animus, sombra e Eu. Não são componentes da psique separados, independentes. Ao
contrario, atuam de forma conjunta, interagindo um com o outro e com os demais
componentes da estrutura da personalidade.
A energia psíquica não se dispersa, ela se equilibra. Assim, ocorre que se um
desses componentes se enfraquece, a energia utilizada por ele, até então, se direciona
a outra instância ou componente.
A Persona é o arquétipo responsável pela adaptação social. O nome vem das
antigas máscaras do teatro grego, que eram utilizadas para representação desse ou
daquele personagem. Para Jung (1982, p.13) esse é o significado de persona: uma
máscara ou fachada aparente que utilizamos para viver esse ou aquele papel
(profissional, amigo, amante, etc.) na vida, facilitando a comunicação com o mundo
externo. Por meio dela, o indivíduo tem a possibilidade de compor um personagem
adequado ao convívio social, conforme sua necessidade.
A persona é um complicado sistema de relação entre a consciência individual e
a sociedade; é uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um
determinado efeito sobre os outros e, por outro lado, a ocultar a verdadeira
natureza do indivíduo. quem estiver totalmente identificado com a sua
persona a o ponto de não conhecer-se a si mesmo, poderá considerar
supérflua essa natureza mais profunda. No entanto só negará a necessidade da
persona quem desconhecer a verdadeira natureza de seus semelhantes.
No decorrer do mesmo dia o indivíduo pode se valer de várias máscaras,
assumindo o personagem mãe, pai, profissional, como um médico, por exemplo, amigo,
marido, entre outros. A sociedade de forma geral, não espera que nos comportemos no
trabalho como em casa ou com um amigo como com um filho. Assim, a persona permite
que desempenhemos diversos papéis de modo a nos adaptarmos à vida em sociedade.
Jung explica que, embora seja uma expressão individual, a persona enquanto arquétipo
tem origem no inconsciente coletivo. O indivíduo recorre às referências, às imagens
postas no coletivo para buscar referência para o papel que tem a desempenhar na
sociedade.
66
Ao conjunto de scaras, de personagens que utilizamos, -se o nome de
persona, a face externa da psique.
Esse arquétipo, imprescindível à sobrevivência, não tem, em si, um caráter
positivo ou negativo. No entanto, pode apresentar-se de forma prejudicial quando o
indivíduo, preocupado demasiadamente com um papel desempenhado, promove uma
grande identificação do ego com o personagem, deixando de lado outros aspectos da
personalidade. Nise da Silveira (1968, p.90) chama atenção para esse aspecto peculiar
do arquétipo persona:
Se, numa certa medida, a persona representa um sistema útil de defesa,
poderá suceder que o seja tão excessivamente valorizada a ponto do ego
consciente se identificar com ela. O indivíduo funde-se então aos seus cargos e
títulos, ficando reduzido a uma impermeável casca de revestimento. Por dentro
não passa de um lamentável farrapo, que facilmente será estraçalhado se
soprarem lufadas fortes vindas do inconsciente.
O conto O Espelho, de Machado de Assis (Obra Completa, 1994) é um rico
exemplo da identificação exacerbada do indivíduo com a persona. No episódio narrado
nesse conto, um pequeno grupo de moradores de uma cidade pequena, discute
questões metafísicas. Qual a natureza da alma? Jacobina, o integrante mais calado do
grupo, ao ser convidado a opinar, diz que não existe uma alma, mas, sim duas. Uma
que olha de dentro para fora e outra de fora para dentro. Está última, uma alma exterior,
fluida, como um espírito. As duas com igual importância. Tal qual uma laranja cortada
ao meio, que sem uma das metades não se faz inteira, assim é a alma, sem a interior
ou a exterior, o homem não se completo. Para ilustrar sua argumentação, Jacobina
narra sua própria história. Era um jovem de vinte e cinco anos, pobre quando foi
nomeado alferes da guarda nacional, uma honra e orgulho sem precedentes para toda
a cidade e especial para sua simples família. Todos ao seu redor expressavam alegria,
contentamento e até mesmo inveja. Era tratado com reverência e honrarias. Uma tia
distante convida-o para uma visita em seu sítio e pede que ele leve sua bela farda. Lá o
tratamento não é outro se não de veneração e adoração. Um espelho da mais alta
qualidade e requinte é colocado pela tia num espaço de destaque no quarto,
especialmente reservado a ele. Uma dentre tantas honrarias que lhe o oferecidas.
Durante alguns dias as duas naturezas da alma se equilibraram, mas em poucas
semanas o rapaz sucumbiu à sedução que sua nova personalidade proporcionava-lhe.
67
O alferes eliminou o homem. Quando acostumado ao novo status, é forçado, por
circunstâncias incontroláveis, a ficar sozinho, sem que ninguém lhe rendesse as
homenagens e as demonstrações de respeito à patente. Sente-se entristecido,
incomodado, mas obrigado a esperar, mesmo depois da fuga dos escravos, o regresso
da tia. Dias longos se passam e a tristeza aumenta tornando-se quase insuportável. O
jovem rapaz se sente dois, não inteiro, amargurado. Ao olhar-se no espelho, vê apenas
um leve borrão, uma silhueta mal desenhada. Foi então que lhe ocorreu vestir a farda.
Aos poucos os contornos se fizeram fortes, a imagem austera e potente reapareceu no
espelho.
Machado de Assis, nesse conto, revela o poder da persona que extremamente
identificada com o ego, governa o indivíduo. O jovem alferes elimina sua condição de
humano para assumir um cargo, uma patente que lhe rende benesses sociais.
Assim também o homem contemporâneo recebe os estímulos da Indústria
Cultural, tal qual uma tia carinhosa. Iludido com o status da vida projetada e inventada
pelos meios de comunicação de massa, sucumbe ao status quo. O homem é eliminado
e resta-lhe a imagem que ele projeta de si para a sociedade. O grande espelho é a tela
da televisão, os filmes no cinema, os meios de comunicação de massa que lhe
conferem a silhueta, os contornos do personagem criado. Não estivesse ele
sobrepondo-se à outra natureza, como citada no conto de Machado de Assis, haveria
equilíbrio entre o Eu e a Persona, possibilitando uma integração saudável para o
indivíduo. Mas ocorre que a persona é exacerbada, ao ponto de se fazer única.
Governado por essa persona, o indivíduo tem provocado um desequilíbrio na
psique, distancia-se da sua própria natureza e do processo de individuação. O papel
desempenhado assume contornos inteiramente desenhados pelo coletivo. A esse
fenômeno Jung chamou de inflação da persona. Segundo ele, os costumes, a cultura
em geral, constituem-se como uma expressão da psique coletiva. Impõem padrões de
comportamento a todo grupo ou sociedade, desconsiderando as necessidades
individuais. Podem representar evidentes riscos ao equilíbrio da psique. Jung (1982,
p.70) explica que: ―Essas identificações com o papel social são fontes abundantes de
neuroses. O homem jamais conseguirá desembaraçar-se de si mesmo, em benefício de
uma personalidade artificial‖. O inconsciente não tolera tal desvio. A persona
68
exacerbada, inflada, como expressão do mundo exterior vai gerar no mundo interior,
como forma compensatória, uma representação dissociada, uma vida particular.
Se a persona é a face externa da psique, para Jung, anima e animus são a face
interna. Na tensão entre as instâncias psíquicas, representam a força de oposição à
persona.
Assim como toda pessoa, homem ou mulher, possui hormônios masculinos e
femininos, possui também qualidades do sexo oposto, expressas em atitudes e
sentimentos. Whitmont (2002, p. 159) explica que:
Podemos entender melhor este fato se lembrarmos que a biologia nos mostrou
que o indivíduo macho tem características femininas recessivas, órgão
femininos rudimentares e também hormônios sexuais femininos em sua
corrente sanguínea; e o indivíduo fêmea tem características masculinas
recessivas. Assim, a masculinidade e a feminilidade não são determinadas por
uma predominância absoluta, mas relativa de um conjunto de características
sobre o outro; o conjunto recessivo feminilidade no homem e masculinidade
na mulher opera meramente fora do campo de visão, numa posição de
relativo segundo plano. Assim, o postulado de uma masculinidade recessiva na
mulher (animus) e da feminilidade recessiva no homem (anima), ao qual Jung
chegou através da observação psicológica independente da biologia, pode ser
entendido e aceito como análogo às descobertas biológicas. (WHITIMONT,
2002, p. 159).
Jung afirma ainda que as experiências fundamentais que o homem teve com a
mulher através dos milênios e a mulher com o homem são componentes constitutivos
da anima e do animus respectivamente.
O arquétipo anima constitui o lado feminino da psique masculina; traduz-se na
feminilidade inconsciente do homem. O animus é o correspondente masculino na
psique feminina; exprime-se como a masculinidade inconsciente na mulher.
Animus se identifica com homens heróicos, atletas famosos, guerreiros. A
imagem latente é de luta, força, vitória. a anima é projetada na figura desamparada,
superficial, estética. A imagem latente é de beleza, sutileza. Ambos têm importância
fundamental para a sobrevivência psíquica do ser humano. Tanto um quanto outro,
enquanto instância constitutiva, têm que encontrar expressão na personalidade, sob o
risco de provocar desequilíbrio na psique. Têm a função de possibilitar a relação do
indivíduo com seu inconsciente e proporcionar a busca pela harmonia da
personalidade. No entanto, como explica Jung (1982, p.86),
Se não os utilizarmos como funções, continuarão a ser complexos
personificados e neste estado terão de ser reconhecidos como personalidades
69
relativamente independentes. Por outro lado, não podem ser interligados à
consciência enquanto seus conteúdos permanecerem desconhecidos.
O indivíduo que voz ao seu mundo interior, escuta os apelos da anima ou
animus, procura entendê-los e harmonizá-los na vida cotidiana, pode encontrar
equilíbrio em sua condição psíquica. Uma personalidade equilibrada expressa de forma
natural sentimentos e comportamentos do sexo oposto, em determinadas situações.
Quando ao contrário, essa voz interior é negligenciada as expressões de feminilidade
no homem e de masculinidade na mulher insurgem de forma descontrolada, escapam
do escudo desenhado pela persona e se manifestam de forma incontrolada. Nessas
situações, homens têm comportamentos histéricos e as mulheres posturas
extremamente agressivas, por exemplo. Para Nise da Silveira (1968, p.94) no decorrer
das experiências vividas, o desenvolvimento da anima pode ser diferente:
Na primeira metade da vida a anima projeta-se de preferência no exterior, sobre
seres reais, estando presentes nas problemáticas do amor, suas ilusões e
desilusões. Mas na segunda metade da existência, quando o jogo dessas
projeções vai se esgotando é a mulher dentro do homem, durante anos
reprimida (porque no consenso coletivo um homem nunca deve permitir que o
sentimento influa na sua conduta) quem penetra em sua vida sem ser chamada.
O mesmo pode se dizer do animus. Durante as fases da vida, ocupa
determinado espaço na personalidade feminina. Para Jung, a compreensão tanto da
sensibilidade da anima, como a força do animus é de fundamental importância para o
equilíbrio da psique de homens e mulheres.
A civilização ocidental atribui aos papéis masculino e feminino, aparentemente,
um alto valor. Anima e animus encontram nessa sociedade barreiras para seu
desenvolvimento. Ao homem é exigida a repressão da anima, assim como na mulher do
animus. Desde criança, os meninos são encorajados a se tornarem valentões e as
meninas doces figuras. É forte o referencial proposto pelos meios de comunicação de
massa para esses papéis. A protagonista da telenovela, linda, magra, feliz, povoa o
inconsciente de milhares de telespectadoras e se põe como modelo a ser seguido,
assim como as garotas-propaganda de um sem número de comerciais na televisão. Da
mesma forma, como modelo masculino, os meios de comunicação de massa lançam
mão do cowboy forte e viril. Os tipos andrógenos, homossexuais apresentados pela
Indústria Cultural não representam a harmonia entre animus e anima, ao contrário,
70
exacerbam um ou outro, em detrimento do equilíbrio do indivíduo. Servem ao propósito
do consumo. Em especial, esse nicho de mercado foi identificado como promissor, em
função do poder aquisitivo dos homossexuais.
Por outro lado, na sociedade contemporânea, esse mesmo modelo que na
questão do gênero impõe padrões rígidos no que diz respeito ao apelo sexual, estimula
comportamentos fortemente racionais nas mulheres, enquanto força geradora de
trabalho, como consumidora em potencial. O animus, no contexto da Indústria Cultura,
foi valorizado e incitado.
Assim, a persona, a máscara, utilizada para essa adaptação social tende a
prevalecer sobre o arquétipo anima ou animus, ou ainda, a utilizar-se dele.
Subestimado, anima ou animus é obstruído e não encontra espaço para sua expressão
consciente, voluntária. Em determinadas situações, quando o ego não está totalmente
no controle e a persona é confrontada, o arquétipo anima ou animus provoca reações
exageradas, como, por exemplo, um homem histérico ou uma mulher extremamente
agressiva. Escapa do controle do ego, da barreira da persona e se expressa de forma
irracional, inconsciente. Jung (1982, p.81) explica que:
As coisas do mundo interior influencia-nos subjetiva e poderosamente, por
serem inconscientes. Assim, pois, quem quiser incrementar o progresso em seu
próprio ambiente cultural (pois toda cultura começa no indivíduo), deverá tentar
objetivar as atuações da anima, cujos conteúdos subjazem a essas atuações.
Neste sentindo, o homem se adaptará e ao mesmo tempo se protegerá contra o
invisível. Toda adaptação resulta de concessões aos dois mundos. Das
considerações das exigências do mundo interno e do mundo externo, ou
melhor, do conflito entre ambos procederá o possível e o necessário.
Infelizmente o espírito ocidental, desprovido de cultura, em relação ao problema
que nos ocupa, jamais concebeu um conceito para a união dos contrários no
caminho do meio.
Outro arquétipo básico que segundo o psiquiatra suíço, é a maior expressão da
natureza animal na psique humana é a sombra. Ela é fonte do que de melhor e
também do que há de pior no homem. Ao mesmo tempo em que carrega sua sabedoria
instintiva, condição que permite ao homem respostas rápidas e adequadas à questão
da sobrevivência, comporta ímpetos, expressões nem sempre socialmente aceitáveis.
No entanto, não podemos considerar a sombra como um arquétipo negativo.
Esses mesmos instintos e ímpetos são responsáveis pela vitalidade, criatividade,
vivacidade e vigor do homem. Para Whitmont (2002, p.144),
71
O termo sombra refere-se à parte da personalidade que foi reprimida em
benefício do ego ideal. Como tudo que é inconsciente é projetado, encontramos
a sombra na projeção em nossa visão da ‗outra pessoa‘. Como figura dos
sonhos e fantasias, a sombra representa o inconsciente pessoal. Ela é como
uma combinação das cascas pessoais dos nossos complexos e, portanto, o
limiar de todas as experiências transpessoais. Na prática é comum a sombra
aparecer como uma personalidade inferior. Contudo, sempre pode haver uma
sombra positiva que surge quando apresentamos a tendência de nos identificar
com nossas qualidades negativas e reprimir as positivas.
Quando expressa de forma equilibrada, harmônica com as demais instâncias da
psique, a sombra confere à personalidade do homem uma qualidade de plenitude. Jung
a compara a uma pessoa com a qual temos que conviver, às vezes resistindo às suas
opiniões, outras vezes cedendo. Quando ignorada, se torna hostil. A rejeição da sombra
reduz a personalidade.
Refletindo sobre o pensamento de Jung, Amnéris Maroni, explica que a sombra é
uma grande fonte de subjetividade, tanto do homem como da cultura. Esse arquétipo
reserva qualidades que, embora questionadas e muitas vezes adaptadas à realidade
social, tem origem no individual, a formação única do ser. No entanto, a aceitação pura
e simplesmente da sombra, segundo essa autora, não é o suficiente para a
individuação, a busca pelo equilíbrio e pela harmonia. Jung propõe o diálogo entre os
aspectos belos, bons e verdadeiros e as características feias, sujas e malvadas. É o
reconhecimento da existência de ambas as partes e a compreensão delas que permitirá
o rebaixamento da projeção, reduzirá a dinâmica de compensação criadas a partir do
desconhecimento da sombra.
No livro O Homem e seus Símbolos, Marie Louise von Franz (1964, p. 173),
comenta que ―a função da sombra é representar o lado contrário do ego e encarnar
precisamente os traços de caráter que mais detestamos nos outros.‖
Na civilização ocidental, especialmente, o homem se vê impelido a encobrir
aspectos socialmente postos como feios e inadequados. A religião, particularmente o
cristianismo, separa o bem do mal, desconsiderando esse último como uma
manifestação divina. Porém, esse afastamento se de forma aparente, ilusória.
Segundo Jung (1982, p.113),
A personalidade não se enriquece, torna-se pobre e sufoca. O que parece mal,
ou pelo menos carente de sentido e de valor para a experiência e conhecimento
contemporâneos, pode ser, num nível mais alto de experiência e conhecimento,
a fonte do melhor. Naturalmente tudo dependerá do uso que fizermos dos
72
nossos sete demônios. Explicá-los como desprovidos de sentido priva a
personalidade da sombra que corresponde a eles e tira-lhe a forma. A forma
viva precisa das sombras profundas, a fim de revelar sua realidade plástica.
Sem as sombras ela fica reduzida a uma ilusão bidimensional ou então a uma
criança mais ou menos comportada.
A civilização, em parte, domou esses instintos e ímpetos. A questão que Jung
propõe é se esse processo não foi levado longe demais e, de fato, qual o preço que os
seres humanos pagaram por isso, pois, no inconsciente esses ímpetos pululam,
mantêm-se vivos e ativos. Mantidos no inconsciente, expressam-se, na grande maioria
das vezes, de forma involuntária e irresistível, têm seu potencial revelador e criativo,
tamponado e obstruído. A sombra, no entanto, o deixa de existir. Amnéris Maroni
(1988), responde ao questionamento de Jung ao argumentar que o homem quando não
assume os conteúdos indesejados da sombra, necessariamente projeta-o no outro,
como também na sociedade.
Segundo essa autora, a utopia progressiva iluminista, representada por Freud,
acreditou que a repressão dos instintos, em busca de uma sociedade na qual os
homens convivessem, fosse a condição para a civilização, mesmo que seu subproduto
fosse a guerra. Nesse aspecto, Jung discorda frontalmente do médico austríaco. Para
ele, a extinção do indivíduo, por meio do rebaixamento de sua personalidade, não
justifica a constituição desse tipo de sociedade. Ao contrário, Jung acredita que o
indivíduo pleno, ele, seria capaz de barrar as propostas totalitárias e criar novos
modelos e valores sociais.
O caminho para a realização desse homem pleno necessariamente passa pela
integração da sombra à personalidade. Whitmont (2002, p.148), em concordância à
teoria de Jung, considera que, ―Apenas quando reconhecemos aquela parte de s
mesmos que ainda não vimos ou preferimos não ver é que podemos seguir em frente,
questionar e encontrar as fontes em que ela se alimenta e a base em que repousa.‖.
Nessa citação Whitmont se refere ao Eu ou, como alguns autores costumam
denominar, Self, outro arquétipo básico, apontado por Jung como o de grande
relevância. Segundo o psicanalista, ele é o núcleo da nossa psique.
Ele é o princípio interno organizador da personalidade. Pode ser descrito como
um fator interior de orientação, bem diferente do ego que organiza a mente consciente
73
do ponto de vista exterior, o Eu atua internamente, confere unidade à personalidade.
Enquanto o ego recebe do mundo externo as referências que pautam sua atuação, o
Eu busca a auto-realização. Atrai e harmoniza os demais arquétipos, suas atuações
nos complexos e na consciência. Une a personalidade.
Marie Louise Von Franz (1964, p.162) assim descreve o Eu,
O self pode ser definido como um fator de orientação íntima, diferente da
personalidade consciente e que pode ser apreendido através da
investigação do sonho de cada um. Estes sonhos mostram-no como um centro
regulador, centro que provoca um constante desenvolvimento e
amadurecimento da personalidade.
Para essa autora, o Eu o está contido inteiramente em nossa experiência
consciente de tempo e espaço, de certa forma está onipresente em nosso ser.
Manifesta-se como uma inspiração divina, uma solução criadora. Não raras vezes, está
representado como um ser cósmico, um humano gigante capaz de abarcar todo o
universo. Simbolicamente o Eu é representado em diversas culturas por meio dos mitos
e de símbolos religiosos como Cristo, Buda, Krishna, etc. Trata-se de uma imagem
presente no espírito humano, que tem por objetivo expressar o mistério fundamental de
nossa vida.
Segundo Jung, o Eu é um resumo hipotético de uma totalidade indestrutível, ou
seja, é o centro e o conteúdo da personalidade como um todo, a raiz da qual a
experiência e a consciência do ser individual assumem papel secundário. É o princípio
de tudo que deve ser resgatado pelo indivíduo ao longo de sua existência.
Conforme as observações de Jung, o Eu só se manifesta na maturidade, quando
houve minimamente um desenvolvimento da personalidade. A maturidade e o
desenvolvimento exigem um confronto entre o Ego e o Self. No entanto, para que a
auto-realização almejada pelo Eu, a individuação da personalidade, seja atingida é
necessário que os conteúdos inconscientes se tornem conscientes. Assim, o homem
pode viver em mais harmonia com a própria natureza.
O processo de individuação, segundo Jung, é uma luta consciente para que a
pessoa se torne o que ela é, ou melhor, o que ela está predestinada a ser. Ele é a meta
da nossa existência. Como explica Whitmont (2002, p.197):
Contudo, que o alvo desse processo, o Self, é como um existente à priori‘, ‗o
Deus dentro de nós‘, a individuação é sempre uma estrada, um caminho, um
74
processo, viagem ou labuta, um dinamismo, ela nunca é um estado estático ou
concluído, pelo menos enquanto a pessoa viver no tempo e no espaço.
Na sociedade contemporânea cada vez menos espaço para o
desenvolvimento da personalidade e especialmente para o processo de individuação. O
mundo interno, desconsiderado e contido, não encontra conexão saudável e natural
com o mundo externo. O desenvolvimento individual não é desprezado como
também desaconselhável em prol da coletividade instituída. Amnéris Maroni (1988, p.
32) comenta que:
Na sociedade moderna o indivíduo é uma espécie em extinção, pois o homem
fez de si mesmo uma quantité négligeable. Compreende-se assim que na
sociedade moderna um profundo abismo entre o que se é como indivíduo e
o que se é como coletivo. A função do indivíduo é desenvolvida à custa de sua
individualidade.
A obstrução de uma instância psíquica, de um dos arquétipos, implica segundo,
Jung, na orientação de sua energia para outra instância ou arquétipo. Os componentes
da psique não se encontram de forma isolada. Eles interagem entre si. Para Jung, o
inconsciente sempre compensa as fraquezas, a falta de equilíbrio do sistema da
personalidade. Isso equivale a dizer que se a persona se sobrepõe à sombra, por
exemplo, o inconsciente direcionará a energia para esse último arquétipo, a fim de que
a personalidade retome seu equilíbrio. No entanto, essa condição não se consolida de
imediato. Essa dinâmica consome tempo e esforço do indivíduo e nem sempre se
concretiza. Encontra barreiras, na atualidade, nos meios de comunicação de massa, na
Indústria Cultural, que cria referenciais e produz estímulos contrários à individuação, ao
equilíbrio da personalidade propriamente dito. Nem sempre o equilíbrio almejado é
encontrado e a psique vivencia uma constante compensação de sua energia. M. L. von
Franz (1964, p.212), conclui que:
Hoje em dia um número cada vez maior de pessoas, sobretudo as que vivem
nas grandes cidades, sofre de uma terrível sensação de vazio e tédio, como se
estivesse à espera de algo que nunca acontece. Cinema e televisão,
espetáculos esportivos, agitações políticas podem distraí-las por algum tempo
mas, exaustas e desencantadas, acabam sempre por voltar ao deserto de suas
próprias vidas.
O mundo externo, as manobras compensatórias da Indústria Cultural, não
poderão atender aos apelos de interiorização, de integração, entre consciente e
75
inconsciente que, segundo Jung, se propõe como a finalidade única de nossa
existência. A individuação, a busca pelo equilíbrio da psique, inibida pelo contexto
social, não encontrou na sociedade contemporânea correspondente à altura.
76
3.3. A energia psíquica e sua dinâmica
A mente reage aos estímulos externos, se organiza frente às experiências
vividas, ao mesmo tempo em que influencia a realidade externa, hoje dada pela
Industrial Cultural e pelos meios de comunicação de massa.
Todos os fenômenos psíquicos são de natureza energética. Arquétipos e
complexos são energia em estado virtual, que transformadas pelo símbolo, adquirem
conotação real. Essa energia gera uma dinâmica incessante na psique. Como explica
Nise da Silveira (1968, p.46):
Correntes de energia cruzam-se continuamente. Tensões diferentes, pólos
opostos, correntes em progressão ou regressão entretêm movimentos
constantes. A progressão da libido resulta da necessidade vital de adaptação
ao meio. Nos seus esforços para responder às exigências exteriores, a libido
espraia-se sobre o mundo. Mas quando as possibilidades de que dispõe o
indivíduo (dentro de suas peculiaridades, dentro de seu tipo psicológico) não
são capazes de corresponder a essas exigências ou os obstáculos que se
levantam no seu caminho são demasiadamente fortes, a energia se detém.
Acumula-se, fica estagnada ou acaba recuando. A marcha retrógrada da libido
terá por efeito a reativação de conteúdos do mundo interior.
A dinâmica entre os componentes da estrutura psíquica pode se dar pela
progressão, regressão, compensação, contraposição e também pela união. A teoria
junguiana da personalidade está baseada no princípio de oposição e conflito, porque a
tensão criada constitui a própria essência da vida.
A união dos contrários, a busca pela harmonização pode levar à individuação.
Conflitos tolerados levam a realização criativa e à força vital, malresolvidos, por sua
vez, nos levam à neurose e até à psicose.
Segundo Jung, a psique é um sistema relativamente fechado, dotado de um tipo
de energia que se concentra exclusivamente no sistema. Segundo Nise da Silveira
(1968, p. 43 e 44):
A energia psíquica (libido) é a intensidade do processo psíquico, seu valor
psicológico. Não se trata de um valor em acepção moral, estético ou intelectual.
Valor tem aqui o significado de intensidade, que se manifesta por efeitos
definidos ou rendimentos psíquicos. Energia psíquica é um conceito abstrato de
relações de movimento, algo inapreensível, um X, comparável (mas não
idêntica) à energia física.
A psique recebe energia externa, do mundo que cerca o ser humano, inclusive
de seu próprio corpo, porém essa energia não se dispersa. Concentrada na psique ela
77
se aplica mais a um ou outro componente psíquico de acordo com o momento vivido, o
estado mental do indivíduo. É a própria psique que determina o destino dessa energia
adicionada pelo externo.
Assim como o alimento está para o corpo, como fonte de energia é necessidade
imperativa para a sobrevivência, os sentidos estão para psique. A fonte externa de
energia da psique são os sentidos. Tato, olfato, paladar, visão, audição, enfim, todos os
poros da pele, como preconizam as teorias de comunicação modernas, constituem-se
fonte contínua de estimulação, pela qual a psique é alimentada. A fonte da energia
natural está nos instintos.
Os estímulos provenientes do meio, assim como aqueles que se originam no
próprio corpo, provocam uma constante redistribuição ou transferência da energia no
sistema. Por isto, Jung (1982, p.37) acredita que à psique é dada apenas uma
estabilidade relativa. Não é possível atingir-se um estado perfeito de equilíbrio. Ele
próprio explica essa condição:
[...] encaro a perda de equilíbrio como algo adequado, pois substitui a
consciência falha, pela atividade automática e instintiva do inconsciente, que
sempre visa a criação de um novo equilíbrio; tal meta será alcançada sempre
que a consciência for capaz de assimilar os conteúdos produzidos pelo
inconsciente, isto é, quando puder compreendê-los e digeri-los. Se o
inconsciente dominar a consciência ver-seum estado psicótico. No caso de
não prevalecer nem processar-se uma compreensão adequada, o resultado
será um conflito que paralisará todo progresso ulterior. O problema ulterior.
As conseqüências no estado mental de uma pessoa não se determinam
meramente pela quantidade de estímulos, mas especialmente pelos resultados
provocados por eles na psique. Um estímulo insignificante pode ao mesmo tempo
provocar uma grande catástrofe ou produzir um grande efeito satisfatório no
comportamento de uma pessoa. É como a pressão em um gatilho em uma arma
carregada: o menor movimento pode dispará-la.
Não estamos preparados para enfrentar todas as experiências que o convívio
social pode apresentar. Não possibilidade de estarmos prontos a vivenciar todas as
situações possíveis. Nossas experiências provocam sucessivamente estados de
desequilíbrio e acomodação. A psique oscila. Jung acredita que um abandono periódico
do mundo, a redução de estímulos, poderia contribuir para o restabelecimento do
equilíbrio, conforme comenta Aniela Jaffé (1964, p. 223), autora que colaborou na
78
elaboração do livro o Homem e seus Símbolos: ―[...] devemos entregar-nos
constantemente a um recolhimento que nos deixe ouvir a nossa voz interna a fim de
descobrimos o ponto de vista individual que o self nos reserva.‖. Jung acredita que a
personalidade saudável atua de forma intermediária entre a abertura e o fechamento do
sistema de energia da psique.
Para Jung, diferentemente do que para Freud, a libido, como se denomina a
energia psíquica é um estado natural de apetite, que pode ser de fome, de sexo, assim
como de emoções. Freud qualificava a libido exclusivamente como desejo sexual. Jung
(1974, p. 13) observa:
[...] achei oportuno admitir uma grandeza hipotética, uma ‗energia‘, como
princípio de explicação psicológica e designá-la ‗libido‘, no sentido clássico da
palavra (desejo impetuoso), sem com isso fazer qualquer afirmação sobre a sua
substancialidade. Com esta grandeza, os processos dinâmicos podem
facilmente ser explicados e sem aquela deturpação própria de uma explicação
baseada em um motivo concreto. Se, portanto, a linha freudiana declara o
sentido religioso ou qualquer outra grandeza da esfera espiritual como ‗nada
mais‘ que desejos sexuais proibidos, reprimidos e posteriormente ‗sublimados‘,
isso corresponderia na física à seguinte afirmação: a eletricidade nada mais é
que uma queda d‘água interceptada e levada a uma turbina através de um
sistema de tubos, portanto, nada mais que uma queda d‘água ‗culturalmente‘
deformada, uma argumentação que poderia até convir a um movimento
ecológico, mas nunca a um raciocínio científico.
No conceito junguiano, a libido se manifesta nas atividades psicológicas, tal qual
o alimento, fonte de energia para o corpo, se manifesta em atividades fisiológicas.
Essas atividades psicológicas podem estar sob a forma de forças reais, como o
pensar, o sentir, o lembrar, etc., e também como forças potenciais, ou seja,
predisposições ou tendências latentes em nosso estado mental.
Jung (1974, p. 85) considera que a energia psíquica transforma-se em energia
física e vice-versa. Pensamentos e sentimentos afetam as funções fisiológicas, assim
como as atividades físicas provocam alterações no funcionamento psicológico.
A direção e o emprego dessa energia na psique, segundo Jung, são definidos
por valores psíquicos. O valor, para Jung, é uma medida da quantidade de energia
destinada a um elemento psíquico em especial. Se uma pessoa tem grande
preocupação com a aparência física, por exemplo, emprega grande parte de sua
energia psíquica em busca do ideal de beleza. Tem seu comportamento fortemente
79
influenciado por esse valor: destina parte de seu tempo a atividades relacionadas à
beleza, cerca-se do belo, associa-se a pessoas bonitas, etc.
O valor influencia sobremaneira o comportamento do indivíduo. Não pode ser
medido de forma absoluta, mas relativa. Se compararmos o dispêndio de energia para
essa ou aquela ação, relativamente, podemos avaliar a predileção por esse ou aquele
comportamento. Os complexos podem empregar grande quantidade de energia
psíquica. Um complexo pode possuir alto valor quando sua capacidade de constelação,
de agrupamento de sentimentos e emoções, é maior que de outro complexo.
A sociedade e o meio em que vivemos oferecem parâmetros, influenciam a
definição de nossos valores psíquicos. Numa sociedade na qual a aparência física é
estimulada fortemente pelos meios de comunicação de massa, por exemplo, tende a
estabelecer o valor da beleza como parâmetro a ser seguido. Em demasia, a
preocupação com a beleza pode consumir grande quantidade de energia psíquica.
Não perda de energia na psique, se um valor desaparece por contingência ou
entendimento e superação de um complexo, a energia é destinada a outro valor.
Cada vez que algum aspecto importante é desvalorizado na consciência, vindo
a desaparecer, surge por sua vez uma compensação no inconsciente. Isto
acontece em analogia à lei fundamental de conservação de energia, pois
também os nossos fenômenos psíquicos são processos energéticos. Nenhum
valor psíquico pode desaparecer sem ser substituído por um equivalente.
Segundo Jung, a libido pode ainda fluir em duas direções: tanto
progressivamente, quando a psique busca uma adaptação às situações externas, como
regressivamente, quando parte do inconsciente precisa ser ativada. Pode ainda ser
canalizada, ou seja, desviada para um elemento análogo de forma a produzir
resultados, a alcançar objetivos especiais. É na canalização que o homem exercita a
criação dos símbolos. Transfere a energia de um objeto para um objeto análogo, que
simboliza o primeiro. Rituais, cerimoniais, por analogia, se estabelecem como
atividades culturais que canalizam energias instintivas a fim de produzir determinados
resultados. Estabelecidas culturalmente, essas atividades ganham características e
qualidades próprias. Como comenta Jolande Jacobi (1995, p. 75 e 76):
O símbolo entrou para sempre, como conceito, no mundo da linguagem cristã-
católico para designar determinados conteúdos dogmáticos e fenômenos
religiosos. Será difícil encontrar alguma esfera do espírito humano em que a
palavra símbolo não tenha sido aplicada, seja na mitologia, na filosofia, na arte,
80
na técnica, na medicina ou na psicologia e atualmente se transformou até
mesmo em palavra da moda.
Nesse aspecto, Jung traça um paralelo entre o indivíduo e a cultura,
especialmente a cultura cristã, que, por sua análise, é, ao lado do protestantismo, a
grande responsável pelo direcionamento da libido de forma coletiva, pela instituição de
uma psique coletiva rebaixada.
O psicanalista suíço entende, assim como os pensadores românticos, que o
cristianismo possibilitou a organização de uma cultura coletiva que traduz no âmbito
psíquico a submissão da massa. Através de um processo psicológico, da busca pela
alma imortal, instala-se uma cultura coletiva, que garante os direitos dos homens, como
nunca antes ocorrido, porém, o direito de homens escravos, submetidos ao status quo.
O indivíduo, enquanto ser total, perde espaço. Ascende socialmente a partir de uma
única função, uma parte ínfima de seu Ser que lhe da representação na coletividade.
Assim, o indivíduo moderno é rebaixado a mera função. Comentando esse pensamento
de Jung, Amnéris Maroni (1988, p. 31 e 32) diz que:
[...] com o cristianismo, efetivamente, foram criadas condições para uma cultura
coletiva, para a ‗ditadura‘ de uma das funções, de um dos tipos e a escravidão
dos demais. Ao cristianismo impôs, portanto, uma direção precisa para a libido,
excluindo todas as outras orientações possíveis. O paralelo entre o indivíduo e
a cultura cristã é constante na obra de Jung: como se a libido (nestes dois
níveis) percorresse sempre o mesmo caminho.
Jung acredita que a libido, no homem moderno, produz essa simbologia não
mais na forma de rituais e cerimoniais, mas como ciência.
A Era da ciência produz sonhos mágicos de controle dos fenômenos naturais.
Canalizando a energia dos instintos para os símbolos científicos, o homem tem sido
capaz de moldar o mundo. Porém, como alerta Jung (1964), o homem está perdendo
sua dimensão humana.
81
4 O MUNDO E O SER
O mundo espetacular, fundado na razão iluminista, cindiu-se entre o material e o
espiritual, entre o objetivo e o subjetivo, entre o cultural e o natural, segundo os teóricos
da Escola de Frankfurt. Adorno e Horkheimer, especialmente, são pensadores da teoria
crítica que apontam enfaticamente a utilização da razão como instrumento posto a
serviço da ordem social. Para esses autores, a razão iluminista prenunciou a
supremacia racional e material da sociedade fundamentada no capital.
Baudrillard e Debord, autores que também teorizaram sobre as transformações
da sociedade, da mesma forma que os frankfurtianos, entendem que o mundo
modificado pelo desenvolvimento do capital, pela adoção da economia como medida de
todas as coisas apresenta-se de forma cindida. A razão enquanto técnica pôs de lado a
emoção e o sentimento, anulou o conhecimento originado em outras fontes que não ela
própria. A mitologia, a partir do simbologismo que apresenta, perdeu-se entre as
comprovações práticas e lógicas propostas pela racionalização. O homem deixou de
valer-se de conhecimentos outros que não a razão, rebaixou a imaginação.
Jung e seus comentadores compartilham das idéias dos teóricos, acima citados,
e alertam ainda para implicações decorrentes da exacerbada racionalidade e da
embotada emoção. O mundo e o ser, tanto um quanto outro, encontram-se
fragmentados. O ser, por ter reduzida uma de suas potencialidades, por apresentar-se
de forma única e unidimensional, circunspecto a padrões e modelos rígidos impostos
pela sociedade. O mundo, da mesma forma, por relegar sua própria natureza, por
definir-se a partir da lógica racional e funcional, por adotar a ordem econômica como
paradigma de todas as coisas.
É nesse mundo em que habita o ser. É dele que o indivíduo capta energia e se
desenvolve. Segundo Heidegger, a noção de ser-no-mundo está pautada na
historicidade e na temporalidade. O ser-aí, como descreve o filósofo alemão, em seu
livro O Ser e o Tempo, é o ser humano a partir de sua existência cotidiana, das relações
com outros homens: ―[...] é na presença que o homem constrói o seu modo de ser, a
sua existência, a sua história.‖ (HEIDEGGER, 1995, p. 309).
82
Refletindo sobre a noção de Heidegger de ser no mundo, como condição
humana do ser, podese entender que o mundo e o ser formam um contínuo.
Conciliando essa noção às idéias de teóricos citados nesta pesquisa, entende-se que
na contemporaneidade, esse contínuo foi artificialmente cindido, descontinuado. O
mundo e o ser se apresentam fragmentados.
Essa cisão artificial e fabricada, no entanto, se consolida de forma aparente
apenas no mundo externo, no mundo espetacular. Segundo Guy Debord (2003, p.11), é
essa aparência, forjada, porém socialmente compartilhada, a que se subordina o
espetáculo.
O conceito de espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de
fenômenos aparentes. As suas diversidades e contrastes são as aparências
organizadas socialmente, que devem, elas próprias, serem reconhecidas na
sua verdade geral. Considerado segundo os seus próprios termos, o espetáculo
é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana, socialmente
falando, como simples aparência. Mas a crítica que atinge a verdade do
espetáculo descobre-o como a negação visível da vida; uma negação da vida
que se tornou visível.
A visão, o sentido mais mistificável do ser humano, segundo o autor francês,
corresponde à abstração na sociedade contemporânea. É a partir dela que o mundo
externo se consolida. A visão remete o homem ao mundo externo e, combinada com
outros sentidos, fornece subsídios para a interpretação dos diversos fenômenos da
sociedade. A imagem transmite informações e conhecimentos muitas vezes de forma
mais ampla e aprofundada que a palavra. Evoca sentimentos, implica reações que não
necessariamente conscientes. Na sociedade espetacular, a visão como sentido mais
estimulado e exigido, é o conduto de interpretação das representações produzidas pelo
mundo espetacular.
O que parece ser é. O espetáculo converteu imagens em realidade. O
representado, projetado, a imagem que se faz dos objetos, é eleita em detrimento da
coisa, da realidade em si a qual representa. A moda, por exemplo, amplamente
estimulada pelas propagandas e programas na TV, pelas revistas particularmente as
femininas, associa à roupa ao estilo de vida. Uma mulher que se veste com o figurino
apresentado pela modelo, supostamente deve assumir também suas qualidades de
beleza, de atitude frente aos acontecimentos da vida. O carro, o telefone celular, o tipo
de computador definem a que classe, a ‗tribo‘, o grupo seu proprietário pertencem,
83
mesmo que o celular seja uma imitação barata, o carro financiado em parcelas
intermináveis e juros altos. Os livros expostos na estante de casa não precisam ser
lidos, basta que sejam mostrados para expressarem a idéia de intelectualização.
A aparência se institucionaliza como realidade. Uma realidade cindida, separada,
mas socialmente vivida.
Os meios de comunicação de massa, na sociedade contemporânea, têm forte
apelo visual. As técnicas sofisticadas, os avanços tecnológicos permitiram ao cinema, à
televisão e mais recentemente ao computador, recriar situações tão próximas ao real e
produzir tantas outras fantasiosas, mas com tamanha coerência e sofisticação que ao
deixar a sala de projeção, desligar a televisão ou o computador, o espectador ou
usuário sente que parte da vida ficou na programação da qual participava.
O cineasta Woody Allen, em 1985, representou essa condição inebriante do
cinema no filme ―A Rosa Púrpura do Cairo‖, no qual uma garçonete desempregada, na
época da grande depressão dos EUA, nos anos 30, mantém uma relação afetiva com o
herói do filme, que de forma surreal, sai literalmente da tela para relacionar-se com ela
na vida real. Cecília, a protagonista representada por Mia Farrow, encontra nas
imagens consolo para os problemas do dia-a-dia, se deixa levar pela magia da grande
tela do cinema.
O mesmo acontece hoje na tela pequena do computador, com os participantes
das histórias do Second Life
12
, um fenômeno na internet que tem atraído jovens do
mundo inteiro. No filme de Wood Allen, o personagem adentra pela vida real. No
Second Life, um jogo de representação no qual os participantes criam personagens de
si mesmos, a vida, ou segunda vida, como o nome do jogo sugere, é realizada na
representação.
A televisão, um dos meios de comunicação de massa mais populares, promove a
mesma sensação ao telespectador. Especialmente a telenovela no Brasil, assume o
papel central nas conversas familiares, no comportamento de seus integrantes, como
referência de vida, representada, não vivida.
A esse respeito, Baudrillard (2007, p.130) diz:
12
Esta pesquisa se limitará a observar as implicações na psique promovidas dos meios de comunicação de massa
citados no âmbito do desenvolvimento da personalidade.
84
Através da respectiva organização técnica, a TV veicula a idéia (a ideologia) de
um mundo visualizável e seccional à vontade, que é possível ler em imagens.
Veicula a ideologia da omnipotência de um sistema de leitura do mundo
transformado em sistemas de signos. As imagens da TV pretendem ser a
metalinguagem de um mundo ausente. Assim como o menor objeto técnico, o
mais pequeno (sic) gadget é promessa de arrebatamento técnico universal,
assim também, as imagens/signos, surgem como presunção da imaginação
exaustiva do mundo, da assunção total do mundo real na imagem que
constituiria como que a sua memória e a célula da leitura universal. Por detrás
do ‗consumo de imagens‘, perfila-se o imperialismo do sistema de leitura: cada
vez mais tende a existir o que pode ler-se (o que deve ler-se: o ‗lendário‘). E
então, não se tratará da verdade ou da história do mundo, mas apenas da
coerência interna do sistema de leitura. Desta maneira, ao mundo confuso,
conflituoso e contraditório, cada meio de comunicação impõe a própria lógica
mais abstrata e mais coerente; sendo meio, impõem-se como mensagem na
expressão de McLuhan. [...] indo além da Metafísica das Necessidades e da
Abundância, para a verdadeira análise da lógica social do consumo. Tal lógica
não é o da apropriação individual do valor de uso dos bens e serviços lógica
de produção desigual, em que uns têm direito ao milagre e outros apenas às
migalhas do milagre -; também não é a lógica da satisfação, mas a lógica da
produção e manipulação de significantes.
Ocorre que a imagem tem a capacidade de expressar conteúdo e informações
que a razão não pode perceber e entender. Palavras, conceitos, enfim, a linguagem
analítica, muitas vezes não tem a abrangência de significados que a imagem pode
evocar.
A imagem, por ser a linguagem natural do inconsciente, tem a capacidade de
acessar os conhecimentos presentes nessa esfera da psique. Mircea Eliade (1996, p.
13) diz que: ―Na realidade, se existe uma solidariedade total do gênero humano, ela
pode ser sentida e „atuada‟ (grifo do autor) no nível das Imagens.‖. Além da
concordância sobre as implicações da imagem no inconsciente, Eliade aponta ainda
outro aspecto importante, divisado sobremaneira pela Indústria Cultural e seus
articuladores: a imagem fala ao inconsciente e ao inconsciente da massa.
Longe, no entanto, de apresentar-se com uma possibilidade de resgate e
aproximação entre as partes cindidas do mundo e do ser, a imagem, quando
espetacularizada, acaba por constituir-se como tentativa de reconstrução material da
conexão com o imundo interno. Esse intuito, verdadeiramente, não obtém êxito, pois
essas imagens estão desligadas de vários aspectos da vida, especialmente aqueles
que dão conta da transcendência humana, como argumenta Jolande Jacobi (1991,
p.100). Essas imagens estão conectadas ao status quo, ao sistema que as produz.
85
A cisão entre material e espiritual, consolida-se, portanto, apenas de forma
aparente no mundo externo, na sociedade espetacular.
No mundo interno, onde se encontra o outro lado do ser, latente uma energia
natural que atua de forma integrada, que desconhece a separação artificialmente
implementada pelo sistema. A dinâmica estrutural da psique, seu funcionamento, não
segue a lógica da razão, não está sob as normas e regras do capital.
A garota que experimentou ser mais alta e magra no Second Life, o rapaz que
sentiu alegria e a emoção do herói do cinema, ou ainda a dona de casa que viu o
programa de auto-ajuda na TV, podem por determinado período se esquecer de seus
sentimentos, ignorar suas mais íntimas necessidades, mas nenhum desses aspectos
deixará de existir. Manifestar-se-ão em outras situações, poderão ser projetados em
outros objetos, mas estarão presentes na psique.
A compensação fornecida pela Indústria Cultural, não conta de satisfazer
instintos internos, impulsos naturais, responder a anseios espirituais. A não-adaptação
social da garota alta e magra apenas no Second Life se fapresente quando ela se
encontrar com outras pessoas na vida real ou se colocar à frente do espelho. A
experiência proporcionada pelo jogo de representação da internet não promove, salvo
exceções, o amadurecimento, a consciência sobre si mesmo, ao contrário, além de
alienar, infantiliza o indivíduo. Da mesma forma, a programação de TV ou de cinema,
embora utilize linguagem simbólica, originadas em conceitos racionais, não em núcleos
arquetípicos, não promove o contato do indivíduo consigo mesmo, remete-no para
modelos e padrões institucionalizados.
A lógica racional, o conhecimento instrumentalizado não trouxe a revelação, nem
tão pouco a explicação dos fenômenos da vida. Em oposição a essa expectativa,
instituiu-se como verdade absoluta, sem oposição ou contra-referência, relegando o
inexplicável pela lógica.
Muitos traços primitivos, no indivíduo, permanecem latentes, prontos a se
manifestarem, sem lógica ou razão, a partir de situações cotidianas. O mundo interno,
praticamente inexplorado na sociedade contemporânea, especialmente no ocidente,
insinua-se de forma dissimulada. O ser manifesta-se parcialmente. Tanto na
86
experiência do Second Life, como na vida real, por exemplo, a garota não se manifesta
de forma integrada, nem vislumbra a possibilidade de integração.
Nem a mais alta tecnologia forneceu ao homem recurso interno para seu
desenvolvimento único e singular. Embora a consciência da humanidade tenha
avançado extraordinariamente e a ciência explicado fenômenos antes nem sequer
imaginados, o homem ainda carrega os mesmos recursos internos que seus ancestrais:
sua psique. O pensamento junguiano dá sustentação a esse argumento:
[...] parece que a superfície do globo foi purgada de todo e qualquer elemento
irracional e supersticioso. Agora, se o nosso verdadeiro mundo interior (e não a
imagem fictícia que fazemos dele) também está liberto de todo este
primitivismo, é uma outra questão. O número 13, por exemplo, não continua
sendo um tabu para muita gente? E quantas pessoas ainda são dominadas por
preconceitos irracionais, por projeções e ilusões infantis? Um quadro realístico
da mente humana revela que ainda subsistem muitos destes traços primitivos
agindo como se nada tivesse acontecido nos últimos quinhentos anos. (JUNG,
1964, p. 96)
A Indústria Cultural e os meios de comunicação de massa criaram uma realidade
parcial, um mundo externo no qual o ser fora de si se configura como manifestação
imperativa do ser em si. A alienação necessária, conforme Hegel (1992, p.38), da
conceituação do ser fora de si, constitui-se na sociedade contemporânea, como
condição única de expressão do ser.
Para o filósofo alemão, em seu livro Fenomenologia do Espírito (1992), o espírito
no ser em si, não se pode conhecer diretamente. Antes, precisa negar-se, sair de si,
reconhecer-se no outro, exteriorizando-se. O ser fora de si, que se manifesta no mundo
exterior, deve viver uma fase de alienação necessária para o reconhecimento de si
mesmo e, então quando regressar a origem, alcançar o conhecimento verdadeiro, a
consciência do espírito, em estado absoluto.
O espírito alcança sua verdade à medida que se encontra a si mesmo no
dilaceramento absoluto. Ele não é essa potência como o positivo que se afasta
do negativo como ao dizer de alguma coisa que é nula ou falsa, liquidamos
com ela e passamos a outro assunto. Ao contrário, o espírito só é essa potência
enquanto encara diretamente o negativo e se demora junto dele. Esse demorar-
se é o poder mágico que converte o negativo em ser. Trata-se do mesmo poder
que acima se denominou sujeito, e que ao dar, em seu elemento, ser-aí à
determinidade, suprassume a imediatez abstrata, quer dizer, a imediatez que é
apenas essente em geral. Portanto, o sujeito é a substância verdadeira, o ser
ou a imediatez que não tem fora de si a mediação, mas é a mediação
mesma.
87
Na dialética hegeliana, o ser em si, imanente, precisa exteriorizar-se, sair de si,
negar-se como ser fora de si, para então, retornar para si como ser transcendente.
Na contemporaneidade, esse retorno do ser para si, que possibilita a
transcendência, encontra limitações. Os meios de comunicação de massa colocam-se
como barreiras que direcionam o ser fortemente para fora de si, reduzindo suas
possibilidades de manifestação em estado absoluto, num encontro consigo mesmo.
Nesse sentido, Debord (2003, p. 40) acolhe o pensamento de Hegel e o insere no
contexto da sociedade do espetáculo. Na perspectiva do pensador francês, o tempo é
pressuposto para a alienação necessária. Transformado em mercadoria, o tempo
fundamenta a alienação dominante.
O tempo é a alienação necessária, como o mostrava Hegel, o meio pelo qual o
sujeito se realiza perdendo-se, tornando-se outro para se tornar a verdade de si
mesmo. Mas o seu contrário é justamente a alienação dominante, que é
suportada pelo produtor de um presente estranho. Nesta alienação espacial, a
sociedade que separa na raiz o sujeito e a atividade que ela lhe furta, separa-o
antes de tudo do seu próprio tempo. A alienação social superável é justamente
aquela que interditou e petrificou as possibilidades e os riscos de alienação viva
no tempo.
Um presente perpétuo, ausente dos fenômenos da sucessão, não ampara o
processo de alienação viva, pois exclui a historicidade e a temporalidade do ser, elimina
o contexto em que se estabelece sua existência. Alienado, o ser fora de si torna-se
passivo, não elabora os acontecimentos cotidianos nem pondera sobre eles e suas
conseqüências sobre si mesmo.
Baudrillard (2007, p.206) exemplifica essa ausência de reflexão, de perspectiva
sobre si mesmo, a partir do consumo. Segundo esse autor, o consumo caracteriza-se
como a era da alienação radical. ―O seu processo não é um processo de trabalho e
ultrapassamento, mas processo de absorção de signo e absorção através dos signos.
Caracteriza-se, portanto - como diz Marcuse pelo fim da transcendência.‖.
O indivíduo, centrado no mundo externo, no consumo e no material, não elabora
seus conteúdos internos, não reflete sobre eles a fim de lhes dar significância.
O ser no mundo, na dinâmica de sua relação com outros homens e na evolução
da consciência humana, distanciou-se do conhecimento inconsciente. Não fez o
caminho de volta a si mesmo, mantendo-se alienado de uma parte de si carregada de
88
significados, não traduzidos, nem explicados. Na sociedade contemporânea, esses
significados foram meramente apartados da vida humana.
O mundo interno, pressuposto para realização do ser para si, é relegado,
depreciado pela razão. No entanto, não deixa de existir e manifesta-se de outras
formas.
Essa condição de antagonismo proposta pela sociedade contemporânea, que
refuta os conteúdos internos, ignora o inconsciente, segundo Jung (1993), é prejudicial
ao desenvolvimento da psique. Os conteúdos relegados o carregados de energia,
que de uma forma ou de outra encontra espaço para manifestação, se não consciente,
de modo inconsciente, muitas vezes sob a forma de neurose
13
.
Jung, em seu livro Civilização em Transição (1993), entende que a relação entre
consciente e inconsciente é de complementaridade. O conhecimento consciente,
segundo esse autor, nunca será capaz de abarcar todas as respostas sobre os
fenômenos que nos cercam. O inconsciente deve juntar-se a ele para trazer à luz essas
explicações.
A tentativa de resgate da mente inconsciente é que origem ao símbolo, como
explica Jung (1964, p. 98) em O Homem e seus Símbolos:
Num passado distante esta mente original era toda a personalidade do homem.
À medida que ele desenvolveu sua consciência é que sua mente foi perdendo
contato com uma porção daquela energia psíquica primitiva. A mente
consciente, portanto, jamais conheceu aquele mente original, rejeitada no
próprio processo de desenvolvimento desta consciência diferenciada, a única
capaz de perceber tudo isso.
Ainda assim, parece que aquilo que chamamos de inconsciência guardou as
características primitivas que faziam parte da mente original. É a estas
características que os símbolos dos sonhos quase sempre se referem, como se
o inconsciente procurasse ressuscitar tudo aquilo que a mente se libertou no
seu processo evolutivo ilusões, fantasias, formas arcaicas de pensamento,
instintos básicos, etc.
O símbolo seria como uma ponte de acesso entre o consciente e o inconsciente.
Uma tentativa genuína de aproximar essas duas esferas da psique. Uma possibilidade,
refletindo-se sobre as postulações de Hegel, do ser se transcender.
13
Segundo Andrew Samuels (1988, p.135), comentador da obra de Jung, a neurose é uma falha provisória da
capacidade natural da psique de exercer uma função auto-reguladora. Os sintomas neuróticos podem ser vistos como
uma tentativa de auto-cura, ao chamarem a atenção da pessoa para um estágio de desequilíbrio.
89
Mircea Eliade (1996) argumenta que o símbolo, enquanto representação
concreta, material do arquétipo é uma linguagem do inconsciente, uma maneira de
revelar a realidade total, inacessível a outros meios de conhecimento do homem. É a
linguagem que possibilita a transferência de conhecimentos do mundo interno,
inconsciente, para o mundo externo, consciente. A partir da interpretação consciente do
símbolo, seu entendimento e experimentação, o homem pode trazer para dentro de si o
conhecimento do inconsciente, não apenas por meio de uma explicação lógica e
racional, mas pela vivência.
Os arquétipos, dessa forma, têm grande importância na construção da
personalidade, na formação do indivíduo e da sociedade.
, no entanto, uma distinção entre arquétipos do inconsciente coletivo, aqueles
que influenciam o comportamento humano, no sentido biológico-instintivo, espiritual-
imaginativo e arquétipos do consciente coletivo, aqueles que pautam o comportamento
social, no sentido das normas e regras típicas do ambiente cultural. Como explica
Jolande Jacobi (1995, p. 100), os primeiros produzem símbolos originais, importantes
para o resgate da base instintiva do homem. Os demais, embora tenham sua origem
em um cleo simbólico, um fundamento arquetípico, não são símbolos. São conceitos
racionais que encontraram eco na sociedade e se propagaram pela repetição; são
aqueles explorados amplamente pelos meios de comunicação de massa.
Enquanto os primeiros, carregados mágica e numinosamente, outorgam o
dinamismo da base instintiva do homem uma forma e uma aparência plenas de
sentido e representa a manifestação espontânea da verdadeira natureza do ser,
os últimos são como que derivados do papel dos primeiros, que, no entanto,
quando se aglomeram formando um gigantesco monte de opiniões correntes
que se tornam ―normas de trânsito‖, são capazes de engrossar
inesperadamente tornando-se poderosos ―ismos‖. Depois subjugam o homem
na medida em que este se afasta e se alheia da sua base instintiva.
O homem em sociedade produziu arquétipos, modelos, como padrão de conduta
social, dissociados de sua base instintiva. Marcuse, em Eros e Civilização,
argumentava, ao analisar o pensamento de Freud, que essa seria a paga do homem
para a vida em sociedade: transformar seus instintos animais em instintos humanos,
acarretando perdas necessárias para o desenvolvimento da civilização. Ocorre que na
sociedade contemporânea não essa perda necessária se deu, mas de forma
90
premeditada, houve também a manipulação desses arquétipos coletivos a fim de que a
condução da vida social estivesse sob controle de um poder único.
Os arquétipos do consciente coletivo, dos quais se originam os conceitos
racionais, conduzem de forma astuta e arbitrária o comportamento do homem
contemporâneo, povoam a produção da Indústria Cultural, são propagados
insistentemente pelos meios de comunicação de massa.
Os temas épicos, por exemplo, têm sido definidos nas produções
cinematográficas, especialmente infantis. Da história original, reserva-se pouco, adapta-
se muito. Roupas, trilhas sonoras acompanham o modismo da atualidade,
intensificando as possibilidades de venda, não do filme em sim, mas dos acessórios
criados a partir dele. Vale ressaltar que não necessariamente a imagem arquetípica
está baseada no mito, porém o mito, fundamentalmente origina-se no arquétipo.
A Indústria Cultural, segundo Ecléa Bossi (1996), apropriou-se desses núcleos
simbólicos para estabelecer uma relação de identidade com o público. A partir de uma
relação aparentemente genuína, supostamente natural, visto que esses conceitos
racionais são oferecidos como uma forma de resgate ao instinto primitivo, como um elo
com o inconsciente, a Indústria Cultural concretiza seus objetivos econômicos e de
poder.
A sociedade contemporânea, assim acaba por encarregar-se da produção dos
significados apartados do homem, primeiro pela condição da vida em sociedade ou
seja, em nome da civilização, segundo pela razão que se propõe como paradigma de
todas as coisas e finalmente pelos interesses do capital.
O conceito de sociedade de consumo de Baudrillard (2007, p.59) ampara o
argumento de que a sociedade se caracteriza pelo fornecimento de significados que
balizam o comportamento humano, uma vez que o homem tem sua capacidade de
produção de símbolos limitada.
[...] indo além da Metafísica das Necessidades e da Abundância, para a
verdadeira análise da lógica social do consumo. Tal lógica não é o da
apropriação individual do valor de uso dos bens e serviços lógica de produção
desigual, em que uns têm direito ao milagre e outros apenas às migalhas do
milagre -; também não é a lógica da satisfação, mas a lógica da produção e
manipulação de significantes.
91
O consumo se o pelo valor de uso do objeto, mas pelo significado que ele
pode agregar à pessoa. Como numa linguagem, os objetos são signos que suscitam
sentidos, adicionam qualidades, promovem diferenciação. A aquisição de objetos,
portanto, permite ao indivíduo definir-se. A lógica da produção e manipulação de
significantes é responsável pela geração de necessidades psicológicas, uma vez que o
que se consome não é o objeto em si, mas a aparente satisfação de uma carência
abstrata, originada na própria necessidade do ser em entender-se, fazer-se presente no
mundo. Beleza, status, inteligência são características, entre tantas outras, adquiridas
nas prateleiras do consumo.
O tipo de celular, o modelo de carro, a marca de bolsa podem representar, além
de status, o grupo social ao qual o indivíduo se subordina, principalmente se o objeto
em questão é utilizado pela ‗socialite‘ na foto da capa da última revista de celebridades.
Um fenômeno curioso é o surgimento dos objetos genéricos, imitações daqueles
de alto valor financeiro, vendidos em centros de comércio popular, que produzem o
mesmo efeito de status, para uma determinada faixa da população.
O indivíduo ao adquirir determinado produto, leva consigo a sensação de
incorporar qualidades que o objeto suscita, qualidades essas reconhecidas, aceitas e
estimuladas pela sociedade. O consumo psíquico amplia a possibilidade do consumo
material.
Enquanto complexo de produção de bens, a Indústria Cultural estabelece uma
estrutura que se articula a partir da possibilidade de consumo, da comercialização e
não da necessidade do consumidor. Essa estrutura é que determina a produção cultural
em escala, massificada, caracterizada pela reprodução de padrões.
Nesse sentido, o conceito de espetáculo de Debord se aproxima do pensamento
de Baudrillard. Uma das vias de realização do espetáculo é o consumo. É essa
condição de consumidor que permite ao indivíduo a sensação de participação social.
Baudrillard (2007) argumenta que o consumo se estabelece como forma de relação
social, como base do sistema cultural. Cria uma nova mitologia baseada nos objetos
que estabelece, longe de seu valor de uso, uma conexão com a lógica social e a lógica
do desejo no campo inconsciente da significação. O padrão de consumo, dessa forma,
tem, ainda que superficialmente, vinculação com o mundo interno, o inconsciente.
92
A mesma linha de pensamento é desenvolvida por Ecléa Bossi (1996, p. 52).
Comentando a obra de Edgar Morin, ela diz que:
O padrão, na Indústria Cultural, adviria do recurso aos arquétipos, ―padrões-
modelos‖ do espírito humano, necessidades estruturadas‖. Morin da aqui a
chave metodológica da sua abordagem: ela não é contextual, mas
estruturalista: Toda cultura está constituída por ―padrões-modelos‖, que
ordenam os sonhos e as atitudes. A análise estrutural nos mostra que os mitos
e as atitudes culturais se podem reduzir a estruturas matemáticas; a indústria
pode, pois, em princípio, criar standards a partir de ―padrões-modelos culturais‖.
Efetivamente a Indústria Cultural nos ensina que é possível fundar a
estandardização sobre os grandes temas românticos, transformar os arquétipos
em estereótipos. Fabricam-se praticamente novelas sentimentais em cadeia, a
partir de certos modelos que chegam a ser conscientes e racionalizados.
Também o coração pode ser posto em conserva.
A dessacralização do homem moderno alterou o conteúdo de sua vida espiritual.
Karl Marx e Friedrich Engels antecipavam essa condição no texto Manifesto Comunista,
cerca de 160 anos: ―Tudo o que era sólido se desmanchava no ar, tudo o que era
sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade
sua posição social e suas relações recíprocas.‖ (REIS, 1998, p.11). No entanto, o
homem moderno não rompeu em definitivo com as imagens do sagrado, com as
verdades em potencial propostas pelos arquétipos, mitos e símbolos, mas posicionou-
as numa zona o controlada da psique. Como se a esconder por debaixo do tapete,
tamponou o conhecimento não explicado pela razão, sem prescindir dele.
O resultado é que o homem moderno, destituído de sua capacidade de
interiorização, de transcendência, torna-se ainda mais enfraquecido diante dos
fenômenos da vida, continua, ainda que sem um propósito racional e aparente, a
buscar uma forma de reconciliação com o inconsciente. Mircea Eliade (1996, p. 15)
explica o porquê:
O homem moderno é livre para menosprezar as mitologias e as teologias; isso
não impedirá de continuar a se alimentar dos mitos decadentes e das imagens
degradadas. A mais terrível crise histórica do mundo moderno a segunda
guerra mundial e tudo que ela desencadeou, com ela e depois dela mostrou
suficientemente que a extirpação dos mitos e símbolos é ilusória. Mesmo na
―situação histórica‖ mais desesperada (nas trincheiras de Stalingrado, nos
campos de concentração nazistas e soviéticos) homens e mulheres cantaram
romanças, escutaram histórias (a ponto de sacrificar uma parte de suas magras
rações para obtê-las); essas histórias apenas substituíam os mitos, essas
músicas estavam repletas de nostalgia. Toda essa porção essencial e
imprescritível do homem que se chama imaginação está imersa em pleno
simbolismo e continua a viver dos mitos e das teologias arcaicas.
93
A razão instrumental trouxe conhecimentos inestimáveis ao homem moderno,
mas não abarcou a totalidade do ser, provocando lacunas no que se refere ao
conhecimento de si mesmo. O menosprezo a mitologias genuínas criou um abismo
entre o mundo interno e o externo.
A nova mitologia proposta pelo consumo, conforme argumenta Baudrillard, não
conta de promover a conexão necessária com o mundo interno. Embora simule o
sentimento do ser, trata-se de imagens degradadas, espetacularizadas, no conceito de
Debord, que não cumprem a função de substituir mitos e símbolos. O que essa nova
mitologia representa é a vida separada, não vivida pelo indivíduo de forma integral, mas
apenas aparente.
É a intenção de tamponar a existência do mundo interno e suas míticas
proposições. Mesmo o homem moderno, que encontra na ciência e na tecnologia a
resposta para as mais diversas situações de vida, o pode prescindir da imaginação e
da fantasia. Essa é parte constituinte do seu ser.
Nesse mesmo sentido, Jung considera a função criadora de símbolos a mais
importante do inconsciente, pois ela revela fontes instintivas e intuitivas de
conhecimento, capazes de despertar uma ação vital no homem, sem equivalente no
conhecimento racional, nas forças da racionalidade. É no inconsciente que se encontra
a centelha divina que acende na vida do homem a possibilidade de novos
desdobramentos e horizontes. Nenhum conhecimento técnico, nenhum aparato
tecnológico é capaz de suscitar no homem genuinamente sua força vital. Não foram as
teorias lógicas e racionais, os equipamentos de alta tecnologia que ampararam o
homem nos momentos mais difíceis da história da humanidade.
Na sociedade contemporânea, a função criadora de símbolo não encontra
desempenho adequado no intento de conciliar inconsciente e consciente, de despertar
nesse último o conhecimento necessário para transformação de comportamentos.
Segundo Jung (1993, p. 23):
Esta função age automaticamente, mas, devido à atrofia dos instintos do
homem civilizado, é muitas vezes fraca demais para modificar efetivamente a
orientação consciente unilateral apoiada na sociedade humana como um todo.
Por isso é e sempre foi necessário o emprego de artifícios para trazer à luz do
dia a salutar colaboração das forças inconscientes. Foram principalmente as
religiões que se incumbiram desta tarefa sob as mais diversas formas.
Tomando as manifestações do inconsciente como sinais, revelações ou
94
advertências divinos ou demoníacos, tinham para o inconsciente uma
concepção ou visão determinadas. Chamavam, desta forma, atenção especial
para todos os fenômenos de natureza inconsciente, quer se tratasse de sonhos,
visões, sentimentos, fantasias ou suas projeções (transferência para fora) em
pessoas estranhas e incomuns ou de acontecimentos extraordinários de
natureza animada ou inanimada.
Os livros de auto-ajuda, que depois se desdobram em cursos e palestras, são,
como substitutos materiais, propostas para se a ocupar esse espaço em que na alma
se apresenta como um grande vazio, como argumenta Olgária Matos (2005) a respeito
do desencantamento do mundo. Agem da mesma forma as denominações religiosas
fundadas nas promessas de prosperidade material, que buscam na carência espiritual o
lucro do capital.
É importante ressaltar que o inconsciente fornece o agente, o germe, a
possibilidade de criação do símbolo, mas é a forma de pensar consciente que o revela.
É necessária uma disposição consciente bem específica para desvendar o símbolo, que
de forma latente se encontrava como arquétipo. Essa condição consciente está
intimamente ligada ao mundo externo, intensamente na sociedade contemporânea por
meio das influências dos meios de comunicação de massa, dos produtos da Indústria
Cultural. Como argumenta Ecléa Bossi (1996), o conteúdo concreto da consciência,
acompanha os meios materiais de sobrevivência, ou seja: a estrutura material que nos
cerca, a superestrutura capitalista também é responsável em parte pela revelação do
símbolo.
Baudrillard (2007, p.15) vai além dessa constatação e revela os efeitos do
ambiente no comportamento humano:
Os conceitos de ‗ambiente‘ e ‗ambiência‘ se divulgaram a partir do momento
em que no fundo começávamos a viver menos na proximidade dos outros
homens, na sua presença e no seu discurso; e mais sob o olhar mudo dos
objectos obedientes e alucinantes que nos repetem sempre o mesmo discurso
isto é, o do nosso poder medusado, da nossa abundância virtual, da ausência
mútua de uns aos outros. Como a criança lobo se torna lobo à força de com
eles viver, também nós, pouco a pouco, nos tornamos funcionais.
O homem passa a ser uma estatística. Na sociedade de consumo, a relação se
dá mediada pelos objetos. O homem deixou de ter como referência o próprio homem. O
outro não é um ser, é uma coisa. Ao definir-se a partir da aquisição de objetos, das
qualidades que eles suscitam, o indivíduo vai se assemelhando a essas mercadorias,
95
tornando-se ele próprio um artigo disponível no mercado, ao mesmo tempo em que
assim enxerga o outro.
Com base na argumentação do filósofo e sociólogo francês é possível considerar
que tanto a produção de símbolos, como sua percepção, na sociedade contemporânea
está intimamente ligada a objetos, ao material de forma quase imperativa. Nesse
ambiente consciente, material prioritariamente, a revelação dos símbolos, ainda que
originais, instintivos, com numinosidade, se de forma tendenciosa. Os arquétipos
encontram um canal de realização no objeto, enquanto produto do consciente coletivo,
e não no humano. Sensações, sentimentos, emoções materializam-se no objeto, não
são vivenciadas, sentidas, elaboradas.
As manifestações arquetípicas, de fundamental importância no processo de
desenvolvimento da personalidade, não se dão a partir do ser, mas do que é externo a
ele. Não se trata de uma ação essencialmente humana, que tem o ser como
protagonista. Nesse caso, o indivíduo é espectador na revelação dos símbolos que dão
significados à sua vida.
No futebol espetáculo, por exemplo, o jogador que conquista a vitória para seu
time, está na mídia com freqüência, rodeado por belas mulheres. Esse, em geral de
origem familiar, simples acaba sendo visto como um símbolo de vitória, talento,
esperteza. O significado que suscita é alcançar bons resultados por meio de um talento
natural, um diferencial não obtido a partir do estudo, ao aprendizado formal. Significa
sobressair à média da população.
Ocorre que esse simbolismo e significado estão impregnados das informações
da mídia e contam pouco com a crítica e a elaboração interna do indivíduo. Ser-lhe-ão
de pouca valia na construção de sua personalidade enquanto indivíduo.
Jolande Jacobi (1995, p. 101), ao analisar as teorias de Jung, entende que o
indivíduo quando absorvido pelo consciente coletivo, quando manipulado pelas
mensagens transmitidas por meio de símbolos artificiais, perde sua autonomia e nessa
condição, enquanto ser, está no mundo como homem-massa.
Quando o conteúdo de um símbolo se esgota, isso significa que o mistério que
ele continha tornou-se inteiramente acessível ao consciente e, desse modo, se
racionalizou ou desapareceu deste e retornou completamente ao inconsciente,
perdendo a sua intransparência arquetípica e a sua numinosidade, deixando
apenas como que a casca do símbolo e passando a fazer parte do consciente
coletivo. Os conteúdos destes são, por assim dizer, invólucros vazios de
96
arquétipos, miragens ou reflexos formais dos conteúdos do inconsciente
coletivo. Estes já não atuam com a numinosidade dos arquétipos, mas de
maneira parecida no sentido de que seus chamados ―ideais‖ são, inicialmente,
numinosos como os arquétipos -; no entanto, com o tempo, são substituídos
pela propaganda e a violentação da opinião, a cujo serviço se utilizam
ocasionalmente até mesmo símbolos genuínos, como aconteceu, por exemplo,
com a suásticas no nacional-socialismo.
A emoção, a sensação desse homem-massa está densamente ligada ao que o
mundo exterior propõe, aos objetos como substitutos dos sentimentos, aos pseudo-
arquétipos manejados pela sociedade. O indivíduo, dessa forma, é absorvido pelo
consciente coletivo, é transformado em massa homogênea, facilmente manipulável.
Ecléa Bossi (1996) sustenta que o homem-massa é partícipe secundário da
sociedade de massas, um lugar onde não há espaço para a criatividade, para a
realização subjetiva, para a produção autêntica e, sim, apenas para o consumo e para a
competição. Os bens culturais, comercializados em larga escala, funcionam como
utilitários. ―A cultura de massas satisfaria a uma necessidade imposta e artificial de
aprimoramento, mas que não é uma conquista do indivíduo por não ser radicada na sua
inteligência e sensibilidade‖. (BOSSI, 1996, p. 61).
Guy Debord (2003, p. 40) ilustra a participação secundária, apontada por Ecléa
Bossi, em sua tese 68, no livro A Sociedade do Espetáculo:
Sem dúvida, a pseudo-necessidade imposta no consumo moderno não se opõe
a nenhuma necessidade ou desejo autêntico, que não seja, ele próprio,
modelado pela sociedade e pela sua história. Mas a mercadoria abundante está
como a ruptura absoluta de um desenvolvimento orgânico das necessidades
sociais. A sua acumulação mecânica liberta um artificial ilimitado, perante o qual
o desejo vivo fica desarmado. A potência cumulativa de um artificial
independente conduz em toda parte à falsificação da vida social.
A mercadoria tem participação primária na sociedade. Em torno dela giram os
demais participantes. O homem, nesse contexto, é coadjuvante. Tem suas
necessidades modeladas de acordo com a necessidade do capital.
Entende-se, portanto, que a Indústria Cultural se instala e toma espaço nas mais
diversas manifestações culturais, apropriando-se delas, modelando-as e transformando-
as em produtos culturais. O modo de vida social não mais se referencia à cultura
propriamente dita, mais aos produtos da Indústria Cultural, centra-se no objeto.
O homem-massa, enquanto indivíduo partícipe dessa sociedade unidimensional
tal qual apresentada por Marcuse ou da sociedade do espetáculo como referido por
97
Debord, ou ainda, da sociedade de consumo como proposto por Baudrillard, é um ser
desprovido de suas características elementares, inábil na produção de símbolos,
limitado em sua capacidade de revelá-los, posto que é a sociedade que produz e
manipula, conforme Baudrillard (2007), os significantes.
Segundo esse autor, uma nova mitologia criada pela sociedade do consumo,
esta centrada no objeto e define uma nova forma de relação humana, mediada pelo
consumo. O consciente coletivo produz uma série de conteúdos originados em núcleos
simbólicos, mas racionalizados e transformados em conceitos, expressões de um
arquétipo que não tem outra função a não ser pautar a vida em sociedade.
Esses arquétipos coletivos, que não possuem a numinosidade do símbolo, que
são fabricados pela Indústria Cultural e propagados pelos meios de comunicação de
massa, apresentam-se a partir da representação dessa nova mitologia proposta pela
sociedade de consumo. Para além da linguagem analítica e racional, a imagem
enquanto linguagem do inconsciente é o canal de transmissão dessa representação.
Um sem-números de marcas e logotipos poderiam aqui ser citados como
exemplo. Alguns deles assumem tamanha projeção que permeiam por gerações o
inconsciente coletivo.
Guy Debord (2003, p.19) apontava o papel da imagem na sociedade
contemporânea. Para ele, o espetáculo cindiu o mundo em realidade e imagem. O real
se converte em imagens e essas imagens são vistas como reais, transformando-se em
motivações típicas do comportamento hipnótico. Em sua tese número 30, ele
fundamenta essa idéia.
A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o
resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais
ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens
dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e
o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que
age aparece nisto, os seus próprios gestos não são seus, mas de um outro
que lhos apresenta. Eis porque o espectador não se sente em casa em parte
alguma, porque o espetáculo está em toda a parte.
Os arquétipos do consciente coletivo são arremessados à psique por meio de
imagens espetaculares. Mais do que propor modelos de comportamentos, esses
arquétipos colocam-se como resposta às necessidades por eles mesmos geradas.
Assim, a vida acontece na projeção, no espetáculo, na satisfação de necessidades
98
apenas pelo ato de assistir, de testemunhar a emoção, os sentimentos, em uma
imagem, pelo fato de ter e parecer algo ou alguém a partir da posse, consumo. O
indivíduo é privado da identidade de si mesmo.
Na sociedade do espetáculo, para Debord, o indivíduo perde a capacidade de
produção real, uma vez que passa a produzir, em série, partes de um todo, sem um
sentido unitário. As condições de produção geram a separação do homem e do produto
final de seu trabalho. Promovem assim, uma realidade parcial, separada. Mas não só.
O escritor francês argumenta ainda que a alienação de Marx se estende além do
aspecto material, para a dimensão psíquica. O indivíduo perde também a capacidade
de construir as representações da própria realidade, pois ela própria não mais existe.
Desse modo, toda realidade individual torna-se social, despersonalizada. A unidade e a
comunicação tornam-se atribuições exclusivas da direção do sistema.
Assim, a função de representação da própria realidade passa a ser desenvolvida
pela Indústria Cultural e pelos meios de comunicação de massa. A vida passa a ser
representada, não por uma representação arquetípica, simbólica, elaborada e vivida,
mas uma representação falaciosa, artificial e tendenciosa através das imagens
dominantes do sistema. A produção e a interpretação de símbolos, dessa forma, ficam
restritas ao social, ao mundo externo, sem a participação efetiva do indivíduo.
Nesse sentido, mais uma vez, o pensamento de Debord se aproxima de
Baudrillard: produção de significados é a lógica que se instaura na sociedade de
consumo.
Muito próximas às imagens genuinamente arquetípicas, as imagens dominantes,
assim denominadas por Debord, são de igual forma absorvidas pela estrutura da
psique. Como arquétipos do consciente coletivo, essas imagens dominantes, são
postas muitas vezes como expressões arquetípicas básicas. Refletem, assim, a
persona, a sombra, a anima e o animus, e também o Eu, mas, sem permitir uma
elaboração interna para o seu desenvolvimento. De forma passiva, o indivíduo assiste à
manifestação desses pseudo-arquétipos. A Indústria Cultural e os meios de
comunicação de massa criam personagens que projetam, a partir de imagens pseudo-
arquetípicas, modelos de comportamento. Esses personagens têm estilo de vida,
hábitos de consumo, formas de pensar que são referências para os espectadores.
99
Projetam alegrias, tristezas, revolta, enfim, os sentimentos não vividos pelo indivíduo,
mas trazidos do mundo interno e representados de forma a contê-los e moderá-los,
mantendo o controle do sistema.
Jung (1964) alerta para as conseqüências da redução do arquétipo na psique.
Para ele, sem nunimonisidade, as imagens pseudo-arquetípicas não passam de um
amontoado de conceitos mitológicos que podem ser juntados para provar que todas as
coisas têm alguma significação, mas por outro lado, não podem evocar a experiência
do sentimento através de seu significado. São meramente imagens descritivas. Diz ele:
―Quando então a sua numinosidade é assim (ilegitimamente) afastada tem início um
processo ilimitado de substituições em outras palavras, escorrega-se facilmente de
um arquétipo para outro, tudo querendo significar tudo.‖ (JUNG, 1964, p. 99)
Sob esse ponto de vista, pode-se dizer que essa substituição, apontada por Jung
(JUNG, 1964, p. 94), se na sociedade contemporânea, através do consumo
como proposta de significação. Juventude, beleza, segurança, até mesmo felicidade
são adquiridas por meio dos objetos que as representam e consumidas em abundância.
No mercado encontram-se os produtos, na Indústria Cultural, a representação, o
significado que eles projetam. A propaganda, a publicidade, o cinema, a televisão,
enfim, os mais diversos meios de comunicação de massa propagam o que as coisas
devem parecer, o que o homem deve imaginar viver. Estabeleceu-se um mecanismo de
comprar e gastar, que segundo o psicanalista suíço, não conta de compreender o
verdadeiro e mais amplo significado da vida.
O homem moderno não entende o quanto o seu ―racionalismo‖ (que lhe destruiu
a capacidade para reagir a idéias e símbolos numinosos) o deixou à mercê do
―submundo‖ psíquico. Libertou-se das superstições‖ (ou pelo menos pensa -
lo feito), - grifos do autor - mas nesse processo perdeu os valores em escala
positivamente alarmante. Suas tradições morais e espirituais desintegram-se e,
por isso, paga agora um alto preço em termos de desorientação e dissociações
universais.
O submundo a que Jung se refere, é formado pelos conteúdos da psique
negligenciados, reprimidos que encontram espaço para manifestação de sua energia
apenas no inconsciente. O homem moderno tamponou emoções, sentimentos, todo
conhecimento não explicado pela razão. Porém, esses conteúdos negligenciados não
foram afastados, mas apenas desviados para o inconsciente.
100
A energia produzida por eles, que parece ter sido dispersada, serve para
mobilizar o que predomina no inconsciente. Em circunstâncias não determinadas, dá-se
a reação desses conteúdos, ou seja, das tendências que não haviam antes encontrado
oportunidade de se expressar ou não tinham sido autorizadas pelo consciente. São
geralmente reações explosivas, intempestivas, incontroláveis. Mesmo as tendências
mais benéficas, quando reprimidas, transformam-se em nocivas. Não é possível ao
homem manter-se todo o tempo sob as rédeas do consciente. Não lhe é dado esse
controle absoluto sobre si mesmo, principalmente quando em vez de analisar, perceber
e sentir os conteúdos emocionais os racionaliza, os insere de forma simplista dentro
dos padrões socialmente aceitos ou, ainda, os ignora ingenuamente. Quando
acionados por gatilhos não facilmente identificáveis, esses conteúdos podem causar
grandes estragos tanto ao indivíduo como à sociedade.
Baudrillard (2007, p.204) também faz um paralelo entre os conteúdos reprimidos
e o comportamento do indivíduo na sociedade. A esse fenômeno ele chama de
alienação.
A alienação é mais profunda. À parte de nós mesmos que nos foge, não lhe
escapamos. O objecto (a alma, a sombra, o produto do nosso trabalho
transformado em objectos) vinga-se. Tudo aquilo de que nós somos
desapossados permanece ligado a nós, mas de modo negativo, isto é, assedia-
nos.
Para integrar-se à sociedade, o indivíduo paga como preço a negligência sobre
si mesmo. Sobretudo na sociedade contemporânea, deixa de realizar-se como um todo,
como um ser integral, para supostamente realizar-se no todo, como ser coletivo.
A dessacralização na vida moderna figurou como uma ruptura no diálogo entre o
consciente e o inconsciente ao menosprezar a linguagem simbólica que fazia a ligação
entre eles. Debord (2003, p.14) denuncia, na sociedade do espetáculo, a manipulação
da linguagem simbólica a serviço do sistema estabelecido:
O espetáculo é a reconstrução material da ilusão religiosa. A técnica
espetacular não dissipou as nuvens religiosas onde os homens tinham colocado
os seus próprios poderes desligados de si: ela ligou-os somente a uma base
terrestre. Assim, é a mais terrestre das vidas que se toma opaca e irrespirável.
Ela não reenvia para o céu, mas alberga em si a sua recusa absoluta, o seu
falacioso paraíso. O espetáculo é a realização técnica do exílio dos poderes
humanos num além; a cisão acabada no interior do homem.
101
Nem mesmo a religião, que guardava em si resquícios simbólicos é capaz de
resgatar a numinosidade do símbolo. A racionalização dos fenômenos vividos, a
explicação simplista dos conhecimentos não lógicos, produziram uma significação
vazia, mas iluminada pela razão, pela lógica pragmática e funcional. A cisão, a
alienação se no interior do homem, na essência do indivíduo. Toda a superestrutura
externa regulamenta não só o mundo externo, mas também o ser e suas características
internas.
102
4.1. Os arquétipos no mundo espetacular
Os arquétipos do consciente coletivo, na sociedade contemporânea, fabricados e
propostos pela Indústria Cultural e pelos meios de comunicação de massa, além de
pautarem a vida em sociedade, refletem-se também em transformações psíquicas.
As instâncias psíquicas reagem aos estímulos do mundo externo, na verdade é
deles que elas captam suas energias, coletam conteúdo para se desenvolverem. Essa
dinâmica natural na sociedade contemporânea é significativamente provocada.
Como argumenta Amnéris Maroni (1988, p. 23), o homem especialmente no
ocidente tende a identificar-se apenas com um tipo e uma função mental: extroversão e
pensamento. Está centrado no ego como forma de melhor adaptação ao mundo
externo. Isto o torna profundamente unilateral, desprovido da capacidade de oposição,
visto que toma a si mesmo como referência ao todo. Está moldado à sociedade:
Nestes traços de subjetividade do homem ocidental que se identifica com o
ego, acredita em sua potência e anula todos os ―outros‖, vale dizer, tudo que
representa alteridade, porque incansavelmente neles projeta sua forma de ser e
também é absolutamente incapaz de simbolizar podemos adivinhar a
presença de narciso.
Como instância organizadora da psique consciente, o ego, alinhado com a
função pensar, especialmente no ocidente, fica mais sensível a esses estímulos e
desenvolve-se mais que as outras instâncias. Focado no ego, o homem na sociedade
contemporânea articula-se de forma individualista, uma vez que a referência é ele
mesmo.
A individualidade que não pode se realizar, embora a necessidade de
individuação permaneça latente na psique, manifesta-se, então, como forma de rebeldia
contra o coletivo que a esmaga. O homem, nesse cenário, em vez de fazer parte,
tornar-se uno, inteiro para integrar-se também ao coletivo, luta contra a força
esmagadora não se realizando a si mesmo e, como resultado bizarro, produz um traço
que o vincula ao coletivo: o individualismo, esse o mal que nos assola na
contemporaneidade.
Os meios de comunicação de massa estimulam e valorizam o individualismo.
Promovem a competição exacerbada como forma de diferenciar-se, de constituir-se
como ser.
103
A individualidade na sociedade contemporânea, cada vez mais cerceada, e
impossibilitada de realizar-se, está intrinsecamente associada ao narcisismo, ao
embotamento do homem. Manifesta-se, então, sob uma nova forma de individualismo, a
que Amnéris Maroni (1988, p.23) e outros autores denominam como o mal do século.
Baudrillard (2007, p.88) entende que na sociedade do consumo o indivíduo
enquanto pessoa é uma pessoa morta. Não espaço nessa sociedade para a
realização do ser, sim uma compensação direta através do consumo, uma busca
pelo encontro do sujeito por meio da aquisição de bens ou serviços que lhe confira
algum significado, algum sentido social. O que se procura consumir é algo que lhe afere
personalidade.
Esta fórmula ‗super-reflexa‘ (personalizar-se a si mesmo... em pessoa!) constitui
a última palavra da história. Tudo o que diz essa retórica, a debater-se com a
impossibilidade de o dizer, é precisamente que não existe ninguém, que seja a
‗pessoa‘ em valor absoluto, com os traços irredutíveis e com peso específico, tal
como a forjou a tradição ocidental enquanto mito organizador do Sujeito, com
paixões, vontade e caráter próprio quer... a sua banalidade; semelhante pessoa
se encontra ausente, morta, varrida de nosso universo funcional. É essa pessoa
ausente, esta instância perdida que tem que ‗personalizar-se‘. Este ser perdido
é que tenta reconstruir-se in abstrato pela força dos signos, no leque
desmultiplicado das diferenças, no Mercado, no pequeno tom claro, noutros
inumeráveis signos reunidos e constelados para recriar uma individualidade de
síntese e, no fundo, para desaparecer no anonimato mais total, que a
diferença é, por definição, o que não tem nome.
A individualidade é uma tentativa inútil de recompor-se como ser integral, único,
especial. A individuação, no conceito proposto por Jung, não sendo possível, cede
espaço à individualidade, como proposta de personalizar-se, conforme o conceito de
Baudrillard.
Os arquétipos básicos persona, animus e anima, sombra e Eu que segundo
Jung se integrados, harmonizados levam à individuação, no processo de
―personalização‖, da individualidade, são apartados. A procura dessa personalidade, do
resgate aparente da pessoa morta, conforme Baudrillard, passa necessariamente pela
conformação dos arquétipos básicos do inconsciente coletivo quando defrontados com
a consciência social, ou seja, o consciente coletivo. O mundo interno reage ao mundo
externo.
O ego, como instância organizadora do consciente, é tão influenciado pela
sociedade, que não mais se encontra internamente no indivíduo. O ego é um mito
104
externo, um superego cultural, como Freud previa, uma instância social que define a
organização interna do ser.
Mas não a parte consciente da psique se molda ao mundo externo, não
apenas ele recebe influências que determinam seu próprio desenvolvimento e também
o da personalidade como um todo. A psique reage de forma a se moldar.
Vale ressaltar, no entanto, que não apenas os meios de comunicação de massa,
especialmente aqui avaliados, promovem implicações na psique. Toda a estrutura do
mundo externo deve ser levada em conta no decorrer da análise de conformação dos
arquétipos na sociedade espetacular.
Os estímulos do mundo externo são absorvidos pela psique sob a forma de
energia. Essa energia impele o desenvolvimento mais intensamente de algumas
instâncias psíquicas do que outras.
Nessa condição encontram-se os arquétipos básicos. Persona, anima e animus,
sombra e Eu, na sociedade contemporânea, têm suas manifestações genuínas
tamponadas, rigidamente moldadas a padrões previamente definidos, seguidos
socialmente e amplamente repercutidos pelos meios de comunicação de massa. Não
se manifestam, cada um deles em separado, de forma satisfatória, nem alcançam a
possibilidade de integração, o que na argumentação de Jung configura-se como o
caminho que leva o indivíduo à individuação.
Alguns arquétipos básicos na sociedade espetacular recebem mais estímulos,
têm maior espaço para desenvolvimento e manifestação do que outros. Como a energia
psíquica não se dispersa, ela busca equilíbrio sendo direcionada a outro arquétipo, a
outra instância psíquica.
Assim, quando o ego se torna o centro da personalidade, como exemplificado
por Amnéris Maroni, outro arquétipo é enfraquecido e tem sua energia deslocada. É o
caso do Self ou Eu. O princípio organizador interno, diminuído, deixa de se manifestar,
permanece aprisionado ao inconsciente. Quando o ego fecha as portas do consciente
para o Eu, ignora suas mais sutis mensagens, bloqueia a possibilidade do indivíduo de
conhecer a si mesmo.
O homem contemporâneo teve inibida a manifestação do Eu, que
essencialmente se traduz como uma entidade orientadora, uma força natural que se
105
aloja no interior do ser. Jung (1964, p. 213) aponta o ego supervalorizado como uma
das razões da perda do contato do homem consigo mesmo.
duas razões que fazem o homem perder o contato com o centro regulador
de sua alma. Uma delas é o impulso instintivo ou imagem emocional que,
levando-o a uma unilateralidade, o faz perder o equilíbrio. [...] O segundo
obstáculo é exatamente o oposto, e deve-se a uma consolidação excessiva do
ego. Apesar da consciência disciplinada ser indispensável à realização de
atividades civilizadas (sabemos o que acontece quando um sinaleiro de estrada
de ferro se entrega a devaneios), também uma séria desvantagem de ela se
tornar um obstáculo à recepção de impulsos e imagens vindas do centro
psíquico.
A reificação da natureza humana é outra das razões para o rebaixamento do Eu.
Enquanto coisa, matéria, o homem-estatística substituível por qualquer outro homem,
não consegue mais perceber que em seu interior uma centelha viva, algo que torna
único, que mantém um registro essencial de seu ser. Desacreditado de si mesmo,
deslocou sua crença para os objetos, para a lógica racional, para o concreto. Intuições,
premonições, sensações que em épocas passadas eram avaliadas, hoje são
simplesmente ignoradas. Não se discute aqui aspectos mágicos, nem fantasias, mas as
forças naturais que também compõem o ser, a alma e a psique. O que se defende é o
equilíbrio necessário para que o Eu também encontre expressão na personalidade.
Os meios de comunicação de massa não incitam a manifestação do arquétipo
Eu, por conta da racionalidade instituída e também porque personalidades integradas
não se apresentam como grande público consumidor. Jung diz que esse arquétipo
tende a manifestar-se naturalmente na maturidade. No entanto, o que os meios de
comunicação de massa estimulam, é a infantilidade, ladeada pela necessidade de auto
afirmar-se através do consumo. Debord (2003, p.107), em 1967, ano em que
publicou o livro A Sociedade do Espetáculo, alertava sobre o retardamento da
maturidade.
Do ponto de vista da frente do bombardeamento publicitário é terminantemente
proibido envelhecer. Tratar-se de poupar, em cada qual, um ‗capital-juventude
que, por ter sido mediocremente empregado, não pode pretender adquirir a
realidade durável e cumulativa do capital financeiro. Esta ausência social da
morte é idêntica à ausência social da vida.
A passagem do tempo individual, segundo Debord, não encontra espaço na
sociedade contemporânea. O que conta como realidade durável e cumulativa do capital
106
é apenas a mercadoria, o produto, o consumo. A experiência, a maturidade, não podem
ser consideradas pois a vida, sob o ponto de vista do pensador francês, não é vivida.
O homem desaprendeu a linguagem do Eu, até mesmo porque, esse contato
com o interior da própria psique exige um recolhimento, um afastamento da vida social,
de forma geral, impraticável nos dias de hoje. Os meios de comunicação de massa, da
televisão à internet, penetraram os mais reservados espaços da vida humana. A
tecnologia, do telefone celular ao sistema de posicionamento global, popularmente
conhecido como GPS, abarcaram e minimizaram as possibilidades de privacidade.
Assim, o indivíduo, desprovido da capacidade de ouvir e entender a si mesmo, vive em
constante insatisfação, sofre de uma terrível sensação de vazio, supostamente
preenchido pelo consumo.
A sombra é outro exemplo de conformação dos arquétipos básicos. Quando ela
não é integrada numa disposição psíquica coerente, eclode de forma a provocar danos
significativos à vida do indivíduo e da sociedade como um todo. Na cultura ocidental,
especialmente, esse arquétipo é discriminado. A divisão do mundo entre o bem e o mal,
o certo e o errado, reafirmada pelo cristianismo e intensamente explorada pelos meios
de comunicação de massa, coloca a sombra e seus elementos nos limites rígidos dos
modelos apresentados. No cinema a luta entre ‗mocinhos‘ e ‗bandidos‘, a vitória do
herói libertador, sobre o malfeitor que nutre sentimentos ruins, representa a
discriminação da sombra, sua redução e rebaixamento. Condena os sentimentos ditos
inferiores à prisão na psique, ao porão do inconsciente. Socialmente, os conteúdos
ditos pecaminosos como inveja, raiva, entre outros, não são elaborados, assumidos
pelo consciente. Livres de ajuizamento e análise manifestam-se incontrolavelmente.
Amnéris Maroni (1988, p. 136) argumenta que a sombra pode manifestar-se
também coletivamente.
Estes lados cruéis e destrutivos do homem, quando não assumidos e levados
em conta, quando inconscientes, necessariamente projetam-se no outro seja
outra raça, outro indivíduo ou grupo social (étnico, religioso ou político) e, no
limite, projetam-se na sociedade. Rosseau é exemplo, para Jung, dessa
projeção, pois criou as ciências humanas quando, a caminho de Vincennes,
entreviu que ‗o homem nasce bom e a sociedade o corrompe‘- preceito que,
como se sabe, serviu de base a todas as utopias revolucionárias dos séculos
XIX e XX. Jung combate essa vivência projetiva e socialmente considerada
normal pois ela sim leva à guerra e a conflitos fraticidas. O reconhecimento
pelo indivíduo dessas partes feias, sujas e malvadas é parte da utopia
junguiana se é que se pode usar tal termo.
107
Como o herói do cinema encontra no ‗bandido‘ a manifestação da sombra, a
representação dos sentimentos inferiores, assim, na sociedade o indivíduo busca
também essa manifestação. Não a assumindo em si mesmo, projeta-a no outro ou nos
outros, como Amnéris argumenta. Dessa forma, purga-se do pecado da inveja, da raiva,
da promiscuidade, que passa a estar representada no outro.
O homem sem sombra, na sociedade contemporânea é, para Jung (1986), o tipo
humano estatisticamente mais comum. É aquele que acredita ser apenas a parte que
gostaria de conhecer de si mesmo, é o homem da massa que em princípio não toma
consciência de nada e nem precisa fazê-lo, pois em sua ilusão ou alienação o único
que pode cometer falhas é o grande anônimo, convencionalmente definido como
Estado ou sociedade.
O Second Life mais uma vez pode ser aqui usado como exemplo. Na
comunidade virtual os conteúdos indesejados podem ser extirpados, assim como, as
redes de pedofilia na internet, apresentam-se também como simulacros sob os quais a
sombra atua. Resguardadas as identidades por detrás do computador, a sombra
rejeitada, se revela de forma negativa.
Os jogos violentos de vídeo game, os filmes de lutas, guerras, mortes,sexo e
promiscuidade atraem grande público porque tratam da sombra tamponada, dos
sentimentos mal trabalhados dentro de cada um dos telespectadores.
Nos exemplos acima, a sombra não é elaborada a ponto de integrar-se à
personalidade. Ela apenas é extravasada.
A projeção da sombra na sociedade, como arquétipo coletivo, é uma exigência
do consumo, conforme Baudrillard (2007, p.26). A moral, a ética, a paz de espírito e a
tranqüilidade transformam-se, em oposição aos conteúdos indesejados da sombra,
mercadorias a serem comercializadas e consumidas.
Para milhões de pessoas sem história e felizes de o serem, é de toda
necessidade desculpabilizar a passividade. Aqui intervém por intermédio do
‗mass media‘ (o ‗fait divers‘/catástrofe como categoria generalizada de todas as
mensagens): de maneira a resolver entre a moral puritana e a moral hedonista,
importa que a tranqüilidade da vida privada surja como valor disputado,
constantemente ameaçado, rodeado por um destino de catástrofe. É preciso a
violência e a inumanidade do mundo exterior para que a segurança não se
experimente como tal maior profundidade (no plano da economia de fruição)
108
mas para que se sinta justificada em escolher-se a si mesma, em cada
momento (no plano da economia moral da salvação).
Os meios de comunicação de massa o força à dinâmica de compensação
criadas a partir do desconhecimento da sombra, propagam a catástrofe, a violência
como ação do outro. O sujeito da sombra não é o próprio indivíduo, mas o outro, o
anônimo, que se enche de culpa, que assume os conteúdos indesejados da sombra.
Em oposição, o prazer individual e imediato é assim justificável e desculpabilizado.
que se ressaltar que não apenas aspectos negativos compõem a sombra.
Criatividade, inventividade, impulsos vitais, também fazem parte desse arquétipo, que,
de qualquer forma, se encontra reduzido na sociedade contemporânea.
A conformação de anima e animus, arquétipos básicos que respectivamente
traduzem aspectos da feminilidade no homem e da masculinidade na mulher, é
histórica e cultural. A cultura patriarcal, especialmente no ocidente, promoveu a
desvalorização do valor do feminino e desencadeou a redução da anima. Como explica
Whitmont (2002, p.178):
O medo da anima conduziu histórica e coletivamente à degradação das
mulheres. Hoje, esse medo se exprime na masculinização do mundo e na
depreciação do feminino que é exclusivamente definido em termos de
maternidade e serviços domésticos e, portanto, no declínio da verdadeira auto-
estima da mulher como mulher, e não como imitadora do funcionamento do
homem. O fracasso para integrar culturalmente o mundo do Yin conduziu à
difundida rigidez de atitudes mentais dogmáticas e abstratas, resultando na
sociedade atual, que é estéril, dissociada do sentimento e do instinto e super-
racionalista.
Aspectos do mundo feminino, no homem ou na mulher, como sensibilidade,
afetividade, assim como os elementos impulsivos relacionados à vida como fenômeno
natural foram desenraizados da sociedade moderna com o rebaixamento da anima.
Em contrapartida, elementos do animus, como vigor, competitividade, ímpeto de
ação e capacidade de julgamento, foram destacados nesse contexto. A lógica da razão,
identificada no pensamento, afastou o sentimento e a dinâmica da emoção, do
comportamento do indivíduo.
O mito do herói, forte e guerreiro, que toma decisões, enfrenta os dragões, é
vivenciado indistintamente por jovens de ambos os sexos. Jung (1964) atenta para o
fato de que as jovens da sociedade moderna tendem a reprimir seus conteúdos do
universo feminino, visto que a prerrogativa recente, a emancipação e a competição,
109
podem ser consolidadas por meio do rebaixamento da emoção, numa atitude
tipicamente masculina. A mulher não se traduz como feminino, mas como imitação do
masculino.
As heroínas no cinema, via de regra, são executivas competentes, que adiam a
realização pessoal em nome da profissional, são inteligentes, lindas e sexys sem que,
no entanto, todos esses atribuídos lhes imprimam uma aura gica. Associa-se a
competência, na mulher, ao rebaixamento das emoções. No geral, a executiva é fria,
lógica, racional. Transmite-se o símbolo de que se pode ser competente, almejar
lucro, sendo racional. No entanto, a executiva do cinema tem que ser bela. A beleza, na
mulher, não se coloca como empecilho aos ditames da ordem social, ao contrário,
promove o lucro.
Baudrillard (2007, p.146) situa o conceito do feminino nos dias atuais, na
sociedade de consumo.
Acerca das mulheres, pode-se dizer-se o que se afirma do corpo, dos jovens e
de todas as categorias que a emancipação constitui o ‗leitmovit‘ da sociedade
democrática moderna: tudo aquilo em que em nome se realiza a ‗emancipação‘
a liberdade sexual, o erotismo, o jogo, etc. institui-se em si um sistema de
valores ‗de tutela‘. Valores, portanto, ‗irresponsáveis‘, que orientam ao mesmo
tempo conduta de consumo, e relegação social que a própria exaltação e o
excesso de honra impedem a responsabilidade econômica e social real.
As mulheres, o jovem, o corpo cuja emergência após milênios de servidão e
esquecimento constitui a virtualidade mais revolucionária, e por conseqüência,
o risco mais fundamental seja para que ordem estabelecida for vêem-se
integrados e recuperados como mito de emancipação.
Mesmo no contexto atual, no qual supostamente a mulher alcançou espaço na
sociedade de forma economicamente ativa, essa redução da anima se manifesta na
depreciação do feminino em termos de objeto sexual. O corpo feminino também se
transformou em mercadoria, como expressa a propaganda e a publicidade de produtos,
sobretudo dirigidos ao público masculino.
O filósofo e sociólogo francês, além de ratificar a redução da anima, argumenta
que a nova mitologia fundamentada no consumo, explora a questão do feminino
unicamente como proposta de compra e venda. Não discorda, porém, que essa
condição atual promove maior liberdade de ação e maior integração positiva das
mulheres. Esclarece apenas que a relativa emancipação é resultado secundário da
intenção primária de fomentar o consumo a partir da representação da mulher-objeto,
110
corpo-sexualidade. Assim como a mulher e o corpo foram solidários na servidão,
também o são na configuração da nova mitologia do consumo. A emancipação da
mulher pressupõe a liberação do corpo, mantendo o subjugo ao feminino.
A anima e o animus tendem também a conformarem-se à ordem estabelecida.
Acabam por expressar-se, ao menos de forma aparente, em linha com as expectativas
sociais, da mesma forma que os demais arquétipos básicos.
A Indústria Cultural e os meios de comunicação de massa exercem influência na
psique a ponto de interferir em seu desenvolvimento natural. A psique é moldada.
Dessa forma, entende-se que a fragmentação do ser é assim reiterada. A unidade, a
integração de suas partes, como finalidade da psique ao longo da construção da
personalidade do ser é prejudicada. A propensão é de que os arquétipos básicos
apartados, conformados, fragmentariam a tal ponto a psique que a individuação se
afastaria como proposta de realização do ser.
A fragmentação, segundo Debord (2003), é implicação lógica da supremacia da
razão, do conhecimento instrumental, da ordem econômica como paradigma de todas
as coisas. Esse autor afirma: Assim, portanto, a ciência especializada da dominação se
especializa: fragmentando tudo, em sociologia, psicotécnica, cibernética, semiologia,
etc., velando pela auto-regulação de todos os níveis do processo.Da mesma forma,
pode se entender, que essa fragmentação especializada tende a produzir também
implicações sobre a psique. A ciência especializada da dominação estende sua
possessão à psique.
111
4.2. A amplificação da Persona
Conforme considerações de Jung, em seu livro O Eu e o inconsciente, a psique é
sistema relativamente fechado que recebe energia de fontes naturais, como os instintos
próprios do ser humano, e de fontes externas, como o corpo e mundo. Através dos
sentidos, o homem capta essas energias externas. Uma estabilidade relativa, portanto,
é dada a esse sistema, uma vez que a circulação de energia nunca cessa. A psique
vive uma seqüência de desequilíbrio e acomodação. Nesse ponto, situamos a psique
no contexto da sociedade contemporânea.
Como preconizava Adorno, Horkheimer e Marcuse, a dimensão humana foi
desarraigada. Em linha com o pensamento desses teóricos da Escola de Frankfurt,
Jung, vai além da análise social e foca o indivíduo e sua constituição enquanto ser.
Atribui também a fragmentação do ser à tendência exclusivista da racionalidade. O
psicanalista suíço entende que a razão instrumental se impõe pela exclusão de outras
formas de obtenção de conhecimento, de ampliação da consciência do indivíduo.
Assim, suprime partes importantes da constituição do ser, como a espiritualidade, a
capacidade de simbolização de suas experiências, promovendo sua fragmentação.
Na sociedade contemporânea, os estímulos são intensos, a grande maioria deles
provocados pelos meios de comunicação de massa. Em oposição, as condições para
acomodação da energia são mínimas. O indivíduo não alcança seu mundo interno a
ponto de elaborar sentimentos e sensações e assim ajustar a energia proveniente do
externo.
A manifestação dos arquétipos tem grande importância no desenvolvimento da
personalidade. Mas esses também são afetados pelas condições externas, pelo
ambiente no qual o indivíduo está inserido.
Nessa circunstância, portanto, a persona também recebe impacto da Indústria
Cultural e dos meios de comunicação de massa. Enquanto arquétipo responsável pela
adaptação social, pode-se entender que está mais sensível num primeiro momento às
influências sociais do que a anima, o animus, a sombra e o Eu. Nise da Silveira (1968)
adverte que o desvestimento das falsas roupagens da persona é a ação preliminar para
o alcance da individuação.
112
Sendo assim, a persona pode representar, na atualidade, um grande empecilho
à individuação de Jung. Por outro lado, pode se apresentar como forte auxílio no
processo de personalização, como descrito por Baudrillard.
A persona é um intrincado sistema de relação entre a consciência individual e a
sociedade. Ao mesmo tempo em que carrega significados individuais, assume também
os padrões e modelos apontados pelo coletivo. É uma forma de apresentação social do
indivíduo, algo que o representa em determinadas situões. Um professor, em sala de
aula, assim deve ser e parecer: um profissional dedicado à orientação e ao ensino dos
alunos. Num passeio com os amigos, esse mesmo indivíduo não pode, nem deve ser e
parecer professor, deve assumir outra máscara, revelar outro aspecto de sua
personalidade, assim como quando se relaciona com a esposa, com os filhos ou num
ambiente desconhecido. Representar esses diversos papéis, em harmonia e equilíbrio,
é uma contribuição positiva da persona ao desenvolvimento da personalidade. As
máscaras vestidas pelo indivíduo lhe conferem participação social adequada, se
manifestadas em harmonia com as outras instâncias psíquicas.
Amnéris Maroni (1988, p. 28) argumenta que o ambiente externo, a sociedade,
entre outras implicações, cerceou o desenvolvimento da persona a partir da redução da
dimensão humana.
No mundo moderno, argumenta Jung retomando Schiller, não é o homem que
conta, mas a sua função diferenciada. [...] Assim, o indivíduo moderno é
rebaixado à mera função, pois é ela quem representa um valor coletivo palpável
e suficiente para garantir uma possível sobrevivência. Essa é a ferida que a
cultura instituiu. Poderia essa clivagem entre natureza e cultura ter sido evitada
ou diminuída? Todo projeto político de Rosseau (Do Contrato social, Emílio ou
da Educação) afirma que: ‗Essa oposição pode ser reduzida ao mínimo, porém,
nunca evitada, pois é constitutiva do social, da história, uma certa fissura entre
o ser e o parecer‘. E é exatamente que Rosseau situa a origem do mal. O
exemplo máximo dessa fissura, para ele, é o Antigo Regime, a sociedade de
seu tempo: deixado ao acaso, o processo histórico produziu um abismo entre a
essência do homem e sua aparência. Vale dizer, no alvorecer mesmo da
modernidade, a fissura ser e parecer (entre a essência e a aparência do
homem, a natureza e a cultura) transformou-se em perigoso abismo e, com ela,
o mal espraiou-se.
Forçosamente identificado com sua função, o indivíduo assume essa persona,
essa máscara que lhe possibilidade de convívio social como sua identidade.
Socialmente valorizada e estimulada, a persona sobrepõe-se, então, a outras
dimensões psíquicas intensificando a fragmentação do ser e, conseqüentemente, a
113
redução de sua humanidade. Jung (1982, p. 109), em seu livro O Eu e o Inconsciente
argumenta que ―O homem possuído por um arquétipo converte-se numa figura coletiva,
numa espécie de máscara atrás da qual sua humanidade não pode desenvolver-se,
atrofiando-se cada vez mais‖.
O professor que toma como sua identidade a máscara concebida por sua função,
é um professor, no sentido que é só isso. Assim as pessoas se referem a ele, assim ele
se comporta com os amigos, os filhos, etc.
Embora conteúdos internos também interfiram na adoção dessa ou daquela
máscara, são os estímulos externos que recebem maior peso na escolha. Na sociedade
do espetáculo, segundo Debord (2003, p.37), não alternativa. Esse autor argumenta
que a própria sociedade faz a escolha da máscara a ser utilizada pelo indivíduo.
Com esta vedeta absoluta, deve cada um identificar-se magicamente, ou
desaparecer. Pois trata-se do senhor do seu não-consumo, e da imagem
heróica de um sentido aceitável para a exploração absoluta, que é na realidade
a acumulação primitiva acelerada pelo terror. Na medida em que cada chinês
deve aprender Mao, e assim ser Mao, ele não tem mais nada para ser. onde
domina o espetacular concentrado domina também a polícia.
A persona, para Debord, é determinada pelo consumo, que desenvolve
diferentes mercadorias-vedetes, ou seja, objetos de consumo que conduzem para a
adoção de um modelo, de um papel a ser desempenhado, para sustentar seu projeto
de compra e venda. A mercadoria-vedete de Debord é a materialização da persona,
sua correspondência no consumo. Por exemplo, a saia da personagem da telenovela é
adquirida pelas garotas para que elas também tornarem-se sexys e admiradas, para
que assumas o papel desempenhado pelo personagem.
Com o desenvolvimento da sociedade, da cnica e do capital, a questão da
aparência e da representação abarca outros aspectos da vida. Debord (2003) afirma
que toda realidade individual tornou-se social com estreita dependência da economia.
Nesse estágio do sistema capitalista, a definição da realização humana focou-se no
parecer, no lugar do ter, que havia suplantado o ser. O filósofo e sociólogo francês
entende que, por onde o consumo estende seus domínios, lá está a necessidade
multiplicada na aparência dos papéis a desempenhar e dos objetos a escolher.
O arquétipo persona reduzido a um conceito racional, sem numinosidade, nesse
estágio da sociedade não está a serviço do indivíduo, mas corresponde aos anseios da
114
sociedade. Enquanto o indivíduo se coisifica, se reifica por meio da identificação com a
persona espetacular, a mercadoria se personifica. No mercado criam-se artifícios que
conferem um tom de vida à mercadoria. Debord (2003, p.33) explica assim essa
situação:
Ao concentrar na vedeta, a imagem de um possível papel a desempenhar, a
representação espetacular do homem vivo, concentra, pois, esta banalidade. A
condição de vedeta é a especialização do viver aparente, o objeto da
identificação com a vida aparente sem profundidade, que deve compensar as
infinitas subdivisões das especializações produtivas efetivamente vividas. As
vedetas existem para figurar tipos variados de estilos de vida e de estilos de
compreensão da sociedade, livres de se exercerem globalmente.
A vedeta, segundo Debord, é o contrário do indivíduo, tanto em si própria, como
no outro. Na sociedade contemporânea essas vedetas são encontradas nas capas de
revistas de entretenimento, nos Realities Shows, no Orkut, nos sites de relacionamento,
entre outros. Ao mesmo tempo em que coisificam a si próprias, coisificam também o
outro.
Baudrillard, nesse sentido, acede e vai um pouco além da análise de Debord. O
autor de Sociedade do Consumo argumenta que a mitologia própria do consumo
encarrega-se de criar heróis e modelos a serem seguidos. Esses mitos do consumo são
referências para a persona. Colocam-se como as mercadorias-vedetes no sentido em
que orientam a expressão do indivíduo enquanto ser social. Porém, Baudrillard (2007,
p. 209) acrescenta que o mito foi reduzido, o símbolo perdeu a numinosidade. Os heróis
do consumo são imitações propagadas repetitivamente.
Assim, a opinião pública, outrora expressão do público, reveste cada vez mais a
forma de uma imagem à qual o público conforma sua expressão. Tal opinião
enche-se com o que contém. O povo contempla-se no espelho. É também o
que se passa com as celebridades, com as vedetas e os heróis do consumo.
Outrora os heróis representavam um modelo: a celebridade é uma tautologia...
o único título de glória da celebridade, é a própria celebridade, o facto de serem
conhecidas... Ora semelhante celebridade reduz-se à versão de nós próprios
enaltecida pela publicidade. Ao imitá-la, procurando vestir-nos com ela, falar a
sua linguagem, apresentar a sua aparência, nada mais fazemos do que
imitarmos a nós mesmos... Ao copiarmos tautologias, também nós nos
tornamos tautologia: candidatos a ser o que somos... procuramos modelos e
contemplamos nosso próprio reflexo. E quanto à televisão, tentamos conformar
a vida do lar com a imagem das famílias felizes que a televisão nos apresenta;
ora tais famílias limitam-se a ser a síntese divertida de todas as nossas.
A representação mítica do consumo, segundo esse autor, torna-se empobrecida.
Não passa de uma imitação repetitiva, automatizada, vivenciada sem emoção ou
115
sentimento, muito diferente da expressão mítica arquetípica. Baudrillard ressalta que o
indivíduo assume os papéis referenciados nos meios de comunicação de massa por
mera repetição, apenas como expressão social como se essa caricatura representasse
sua identidade.
Jung denominou a condição de identificação do ego com a persona de inflação
da persona. Whitmont (2002, p.141) explica: ―Quando a individualidade é assim
confundida com o papel social, quando a adaptação à realidade não é individual, mas
inteiramente coletiva, o resultado pode ser um estado de inflação.‖
A persona inflada é aquela que em detrimento às outras instâncias psíquicas
apresenta-se como a própria personalidade. Desempenha um papel, mantém a
máscara colada ao rosto, como se por trás dela nada houvesse.
Como no conto de Machado de Assis (1994), O Espelho, o indivíduo não a si
mesmo, mas apenas a imagem que projeta de si para os outros. Tomado pela persona,
ele é a função que exerce ou a mercadoria que consome e que lhe status social.
Jacobina é seu fardamento, a roupa que usa e o status que ela lhe traz. Na sociedade
contemporânea, os meios de comunicação de massa estão para o indivíduo, como o
espelho para Jacobina, o personagem de Machado de Assis. Refletem a imagem do ser
fragmentado, apenas a porção que interage com a sociedade de acordo com os
ditames da ordem instituída. O indivíduo é apenas aquilo que aparenta, a roupa que
usa, os objetos que lhe dão status. Ele é a persona inflada pelos estímulos da Indústria
Cultural. A ordem social rebaixou o ser a tal ponto que a representação, a imagem
reproduzida assemelha-se, no vazio da alma, ao próprio ser reduzido à condição de
coisa.
Associação foi o método de interpretação, particularmente do sonho ou da
fantasia, criado por Jung (1986, p. 7). O psicanalista buscava estabelecer um contexto
pessoal para análise do paciente a partir de associações. Parte desse método foi
denominada amplificação, que se diferencia da associação livre, outra parte desse
mesmo método, pelo fato de fazer paralelismos míticos, históricos e culturais a fim de
esclarecer e ampliar o conteúdo metafórico do sonho ou da fantasia narrada pelo
paciente num contexto universal.
O método, com efeito, se baseia em apreciar o símbolo, isto é, a imagem
onírica ou a fantasia, não mais semioticamente, como sinal, por assim dizer, de
116
processos instintivos elementares, mas simbolicamente no verdadeiro sentido,
entendendo-se ‗símbolo‘ como termo que melhor traduz um fato complexo e
ainda não claramente apreendido pela consciência.
Na associação livre a imagem original do sonho ou fantasia é utilizada apenas
como trampolim, impulso para associações diversas que podem resultar em
significados distantes daquele proposto inicialmente. Diferentemente da amplificação,
que mantém a imagem original no centro, ampliando seus significados, por analogias
ou contrastes das associações que dela procedem.
A amplificação, enquanto método que se utiliza das imagens universais, a
simbologia como forma de esclarecimento e entendimento, permite que a imagem
onírica ou fantasiosa seja colocada num contexto cultural análogo, como se com essa
lente se obtivesse melhor foco, por meio do qual, aspectos desconhecidos do símbolo
se tornem conhecidos e emerjam para a consciência. Jung dessa forma explora a
compreensão do significado por meio de uma análise racional e consciente, sem, no
entanto, desprezar os aspectos inconscientes contidos na imagem. O conhecimento
daquilo que o mitologema, as imagens associadas a símbolos e mitos, significou
historicamente pode permitir a ampliação tanto do contexto como do significado total.
Idéia e emoção devem estar integradas para que a consciência seja ampla.
Amnéris Maroni (1988, p. 49), explica:
A amplificação torna possível dar um estatuto próprio à fantasia, ao símbolo,
sem reduzi-lo a signos conhecidos, a alegorias. É de redução que Jung acusa
Freud, em decorrência da qual, o conhecido jamais pode ser simbolizado, mas
expresso de forma alegórica ou semiótica. Ora, a linguagem da psique é a
fantasia. Vivemos num mundo de imagens. São as imagens e as fantasias que
produzem efeitos, que atuam: portanto, são reais. Não tem sentido, pois, para
Jung, o que chamamos de ilusão. Para a psique, ilusão é realidade.
Um símbolo não é um signo que oculta algo desconhecido, ao contrário, é uma
tentativa de revelação do arquétipo, produzida pelos indivíduos em sociedade, não de
todo completa. Jung (1993) argumenta que a história do homem é um registro de sua
busca por melhores símbolos, afim da individualização do arquétipo, através da
consciência plena. Representações que atendam os aspectos da natureza humana
podem ser consideradas como símbolos melhores, aquelas que, no entanto, não
abarquem a totalidade do ser, que se limitam a reproduzir facetas da humanidade, não
produzem símbolos que conduzam à consciência plena do indivíduo. A história nada
117
mais é do que o mundo externo, no qual o germe, a possibilidade fornecida pelo
inconsciente, ou ainda, o arquétipo sem forma e de contornos velados, encontra
material para ser revelado. Assim, cada período histórico produz símbolos específicos,
próprios de seu tempo.
Os símbolos modernos são unilaterais, reduções simbólicas representadas por
máquinas, corporações internacionais, armas, tecnologia, mercadorias prontas para o
consumo. Podem ser expressões da sombra e da persona. Na sociedade
contemporânea, a Indústria Cultural e os meios de comunicação de massa se põem a
propor símbolos e fornecer significados ao indivíduo. Representam apenas a parte
material e racional dos verdadeiros símbolos. Expressam de forma reduzida a imagem
simbólica.
Whitmont (2002, p.73) diz que:
A libido humana é poderosamente motivada, não apenas pelos impulsos
biológicos, mas por anseios espirituais. Um nunca pode ser compreendido e
integrado sem o outro, e nenhum dos dois pode ser desprezado ou explicado
de modo banal em outros termos.
A tentativa de explicar em outros termos representações mitológicas
inconscientes, cujo significado confinamos dentro do nosso sistema de
referência racional e presumimos que podemos conhecer de antemão é, na
verdade, uma negação da dimensão inconsciente como uma entidade
independente; ela presume uma psique que pode ser deduzida do consciente.
Eliade (1996) considera que a fixação de uma imagem sobre um único plano de
referência é sinal de desequilíbrio psíquico. Como o homem moderno tem o ego como
centro de sua psique, o pensamento como preferência na elucidação de
conhecimentos, é provável que o desequilíbrio apontado por Eliade aconteça nos dias
de hoje.
A superintelectualização e a racionalização do sentimento, da emoção evocada
pela imagem mitológica são riscos do uso da amplificação como método de
interpretação, apontado por Samuels (1998, p.27). O homem moderno que se
desvenciliou do mito, a partir do esclarecimento científico, à luz do conhecimento
racional, tende a intelectualizar sentimentos e emoções. O próprio mito passa a ser
analisado de forma racional e lógica, tende a ser explicado cientificamente e perde,
portanto, a possibilidade de transcendência.
118
Esse autor alega ainda que outro risco é a proliferação de significados, a partir
da apresentação de perspectivas diferentes, e conseqüente inflação da imagem
evocada.
Os meios de comunicação de massa, a partir dessa perspectiva, atuam de forma
a proliferar significados diversos a fim de manter a ordem econômica proposta pela
Indústria Cultural. Situam os símbolos no plano de referência racional, ordinariamente
destinado ao estímulo do consumo.
Baudrillard (2007, p. 113) argumenta que a cultura está submetida, assim como
tudo na sociedade contemporânea, também à condição de „coisa‟ (grifo nosso), como já
prenunciava os teóricos da Escola de Frankfurt. O autor de Sociedade de Consumo
acrescenta que na sociedade de consumo, a cultura, tal qual os demais objetos
concorrem para a procura de signos, é produzida a partir de tal procura.
Em última análise, o que acontece aos indivíduos em tal ‗cultura‘ que exclui
tanto o autodidata, herói marginal da cultura tradicional, como homem culto,
florão humanístico embalsamado e em vias de desaparecimento é a
‗reciclagem‘ cultural, reciclagem estética, que constitui um dos elementos da
‗personalização‘ generalizada do indivíduo, do encarecimento cultural em plena
sociedade de concorrência e que equivale, guardada todas as proporções, ao
encarecimento do objeto por meio do condicionamento.
A busca da personificação, por meio dos significados propostos pela Indústria
Cultural, promove a inflação da persona. A mitologia na sociedade do consumo não se
refere à totalidade da existência humana, mas a aspectos específicos como
sexualidade, juventude, corpo saudável, poder, etc.
A sociedade contemporânea, dessa forma, estimula a identificação do indivíduo
com o papel representado socialmente, com o signo que lhe é atribuído por meio da
aquisição de objetos. A narrativa é repetida pelos meios de comunicação de massa,
com agilidade e destreza tecnológica, até se tornar coletiva e socialmente aceita.
Além da inflação da persona, como reação individual, massificada, aos estímulos
da Indústria Cultural, esta pesquisa entende que amplificação da persona, no
sentido que, a amplificação na sociedade contemporânea não se como método de
interpretação e análise das questões internas e individuais, mas como processo de
produção de signos, de significados, arregimentado pela Indústria Cultural.
119
O mito da beleza e do encantamento pelo belo, personificado pela modelo Gisele
Bündchen, é um exemplo de amplificação da persona. Jovens modelos abrem mão da
saúde para se manterem magras e ―belas‖ conforme o modelo proposto. Relegam
aspectos outros da psique, ignoram outro aspecto do ser que não o externo, o visual. É
provável que a persona de Gisele Bündchen esteja inflacionada, para ela mesma,
enquanto indivíduo, e amplificada para as centenas de jovens que seguem esse
modelo. A Indústria Cultural, nesse exemplo, amplifica a imagem mítica da beleza, para
produzir signos que induzam ao consumo.
O jovem bem-sucedido entendendo-se por sucesso reconhecimento financeiro
- que desfruta dos prazeres da vida, é outro pseudo-símbolo representado por
empresários que ocupam as páginas das revistas de entretenimento ou nos canais de
televisão paga, sobre os tapetes vermelhos dos eventos de Hollywood.
Os símbolos reduzidos, enquanto linguagem do inconsciente, perdem a
qualidade de interpretação, deslizando diretamente para o objetivo de apresentar-se
como resposta pronta, modelo dogmático, padrão sentencial. Promovem um engodo no
qual a psique já tão reduzida e tamponada se deixa lograr, pois, embora racionalizados,
traduzidos em conceitos lógicos, guardam ainda uma base afetiva, emotiva, instalada
no inconsciente.
Esse processo de amplificação está presente na propaganda, na publicidade, no
cinema, na televisão, enfim, nos meios de comunicação de massa a serviço da Indústria
Cultural.
A imagem simbólica, presente no inconsciente, é evocada pela imagem
midiática, trazida para um contexto cultural análogo e traduzida em significados
coerentes com a sociedade. O símbolo evocado não é elaborado, compreendido,
trazido ao consciente como forma de aprendizado. Ao contrário, é posto como resposta
pronta.
O mito do herói, por exemplo, é reavivado nos filmes de ação e invariavelmente,
atua em aspectos como força, poder, beleza estimulando o consumo de objetos que
encarnem esses aspectos.
O cinema, a propósito, é reconhecido pela prática de evocar temas míticos em
suas produções. Dois dos últimos filmes que alcançaram recordes de bilheteria nos
120
últimos tempos, Harry Porter e O Senhor dos Anéis, expressaram aspectos importantes
da mitologia. Evocam a busca pelo autoconhecimento, o encontro com a personalidade
integral. No entanto, estabelecem um limite superficial, delimitado pelo conhecimento
racional, instituído como paradigma da sociedade. Os temas míticos, mesmo que
apresentados como símbolos que permitam a busca pelo esclarecimento de aspectos
transcendentes da natureza humana, são racionalizados, intelectualizados pela maioria
dos telespectadores, condicionados à não reflexão, à não crítica. São colocados
como modelos a serem seguidos, não de fato como símbolos que proporcionem
autoconhecimento. Por exemplo, grupos de adolescentes que se reúnem para falar
sobre o filme, como um fã clube. Nessas ocasiões se vestem como o bruxinho do
cinema, usam as terminologias adotadas nas tramas, vivenciam o modelos circunscritos
às salas de encontro e bate papos, representam papéis, sem elaborar internamente os
significados dos mitologemas apresentados nos filmes. Representam o Ser de forma
aparente, como um personagem.
A sociedade contemporânea, dessa forma, valoriza a persona, a expressão
externa da psique, sua forma aparente, e não o indivíduo propriamente. A persona
inflada, no contexto social, é ainda amplificada pela Indústria cultural. Os paralelismos
míticos e históricos, percebe-se no contexto desta pesquisa, o utilizados pela
Indústria Cultural como processos de produção de sentidos. Alcançam a psique de seus
espectadores, falam diretamente ao inconsciente dos indivíduos, de forma a provocar
os efeitos desejados pela ordem estabelecida: o consumo.
121
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema central desta pesquisa, os efeitos da Indústria Cultural e dos meios de
comunicação de massa na psique humana, estava definido mesmo antes dos trabalhos
se iniciarem. A questão fazia parte do universo do pesquisador, de sua história de
vida. Integrante de uma das primeiras gerações a crescerem frente à televisão, nos
anos 60, percebia que de alguma forma aquela máquina falante no centro da sala de
estar lhe dizia algo mais do que lhe era permitido ou possível entender.
Os assuntos periféricos, a forma, o objeto, no entanto, se alteraram ao longo do
levantamento das informações e da leitura dos textos de referência. A princípio,
pensava-se em entender quais eram os efeitos da Indústria Cultural, em particular a
programação televisiva, na psique de mulheres. O objetivo era identificar as influências
da televisão, especialmente das telenovelas, no comportamento e nas atitudes
femininas e entender como essa oferta agia na psique das mulheres.
Entretanto, no decorrer do trabalho de pesquisa, percebeu-se que para entender
os efeitos, havia necessidade de uma análise mais aprofundada sobre as possíveis
causas. Decidiu-se, então, avaliar o contexto no qual a ação comunicacional
supostamente acontece, ou seja, a sociedade (sob a ótica dos teóricos da Escola de
Frankfurt, Guy Debord e Jean Baudrillard) e também a psique (na perspectiva de Jung e
seus comentadores). Buscou-se, além disso, entender a dinâmica da comunicação,
representada pela Indústria Cultural e os meios de comunicação de massa, na
sociedade contemporânea.
Todavia, à vastidão do tema impunha uma demarcação, ainda que mantivesse
sua amplitude. Optou-se por fazer um recorte na questão postulada pela psique. Uma
instância psíquica em especial, a Persona, o arquétipo básico responsável pela
adaptação social do indivíduo, foi objeto de uma análise mais minuciosa, embora os
aspectos da psique, seu desenvolvimento e dinâmica energética, tenham sido
avaliados.
O tema central, os efeitos da Indústria Cultural e dos meios de comunicação de
massa na psique humana, foi, dessa forma, analisado no contexto histórico e social, a
122
partir de uma investigação teórica, tendo o indivíduo como ponto convergente de todas
as considerações.
O presente estudo revelou aspectos importantes no tocante ao entendimento da
interface e interligação entre a Indústria Cultural, os meios de comunicação de massa e
a psique do homem moderno. Trouxe elementos significantes na busca de elucidação
sobre os efeitos da Indústria Cultural na psique humana. Mas não esgotou o tema, nem
mesmo se aproximou de uma conclusão derradeira. Ao contrário, suscitou outras
perguntas, abriu espaço para novas reflexões.
A releitura de Adorno e Horkheimer aponta para a atualidade em essência das
teorias desenvolvidas por esses autores da Escola de Frankfurt. Coloca a dinâmica da
sociedade contemporânea, a força e o movimento por ela produzido, na ordem de
referência prevista pelos precursores da teoria crítica. Apresenta os impactos da
razão posta como instrumento em busca do conhecimento, do entendimento de todas
as coisas. Revisitada, essa teoria mostra que na origem se delineava em parte o que
se configura hoje: a redução do indivíduo, sua reificação, por meio de uma
superestrutura que adquiriu formas de independência e autonomia. Parafraseando
Nietzsche
14
, o indivíduo está morto. As potencialidades humanas inseridas no contexto
da sociedade contemporânea são reduzidas e tamponadas. Apenas o ser funcional
pode manifestar-se. O Ser integral, conforme Hegel e Heidegger, o tem espaço na
atualidade para sua expressão. A transcendência como forma de retorno a si mesmo e
completude do ser, não é condição privilegiada nos dias atuais. O homem moderno,
racional e lógico, distanciou-se de outras formas de conhecimento que não a razão, das
expressões de natureza espiritual do ser.
Nesse contexto, Carl Gustav Jung forneceu subsídio para a análise do ponto de
vista psicológico desse indivíduo, desse Ser cerceado. A análise do psicanalista suíço e
14
Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os
algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos
golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de
desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós?
Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu acto mais
grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste acto, de uma história superior
a toda a história até hoje! NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência, §125.
123
de seus comentadores versa sobre o mesmo tema proposto por Adorno e Horkheimer.
Enquanto esses partem da sociedade para o entendimento do indivíduo, Jung e seus
seguidores fornecem subsídios para uma análise do indivíduo, sua constituição
psíquica, para então refletir sobre a vida em sociedade. A psicologia junguiana contribui
também com a perspectiva de uma psique coletiva, não apenas consciente, mas
também inconsciente. O vasto e rico conhecimento sobre a linguagem simbólica e a
herança do inconsciente coletivo revelaram o mecanismo pelo qual a Indústria Cultural
alcança os mais inusitados espaços da vida em sociedade.
Desse modo, frankfurtianos e junguianos, surpreendentemente, repercutem
sobre questões que afetam os serem humanos e se encontram no propósito de discutir
a humanidade e restituir o papel do homem no centro de todas as questões.
A interdisciplinaridade, entre psicologia e comunicação, foi decisiva na busca
pelo entendimento do objeto desta pesquisa: a amplificação da persona pelos meios de
comunicação de massa e pela Indústria Cultural. A íntima conexão entre essas duas
ciências humanas e sociais exigiu a colaboração de uma e outra área de conhecimento
para que esta pesquisa alcançasse o panorama delineado.
A multiplicidade de caminhos, todos eles, no entanto, convergindo para o mesmo
ponto, permitiu a elucidação de certos aspectos importantes como o papel da cultura no
desenvolvimento da psique, a reação psíquica aos estímulos da sociedade, os apelos
da Indústria Cultural e a busca de individuação pelo homem, como proposta de
realização enquanto Ser.
Guy Debord, inicialmente e Jean Baudrillard, posteriormente vieram se juntar a
esta análise trazendo conteúdos mais próximos sobre a sociedade, midiática por
excelência, na atualidade. Ambos contribuíram para a verificação da hipótese de que a
Indústria Cultural e os meios de comunicação de massa amplificam a persona, o
arquétipo básico que segundo Jung configura-se como a face externa da psique.
A instigante crítica de Debord serviu como inspiração para o trabalho proposto.
Encontrou-se nesse autor um correspondente social para a Persona, instância psíquica
apontada por Jung: a mercadoria vedete, elemento fundamental na verificação da
investigação sobre a amplificação da persona. A partir da análise desse pensador
estabeleceu-se um vínculo entre os estímulos e os efeitos provocados pela Indústria
124
Cultural na psique. Debord contribuiu também com o conceito de espetáculo e a
valorização da imagem enquanto representação da vida.
De igual importância foi o tributo de Jean Baudrillard. Esse filósofo e sociólogo
francês atualizou os conceitos de Indústria Cultural, sociedade espetacular e agregou
informações a respeito dos meios de comunicação de massa. De Baudrillard ressalta-se
o conceito sobre personalização apontado no livro A Sociedade de Consumo, ou seja, a
necessidade imperativa, de acordo com o autor, de diferenciação pessoal na sociedade
contemporânea que tem o indivíduo como uma pessoa morta. Esse conceito foi
vinculado ao conceito de individuação de Jung e apresentado como substituto imposto
pela sociedade ao processo individual que, segundo o psicanalista suíço, probabiliza a
realização de todas as potencialidades que cada ser vivo traz em seu íntimo. Um
paralelo entre os processos de individualização e personalização é traçado a fim de se
estabelecer um campo de análise sobre a manifestação dos arquétipos básicos,
inclusive a persona, em ambos os casos.
O resultado alcançado por este trabalho, no que diz respeito à atividade do
pesquisador, atingiu o objetivo proposto, muito embora tenha deixado evidente a
necessidade de continuidade da pesquisa. Tanto a análise da Indústria Cultural, como a
da psique, carece de investigação mais aprofundada. No tocante à Indústria Cultural e
aos meios de comunicação de massa será necessário avaliar com maior critério o
desenvolvimento de novas tecnologias e a geração de produtos culturais no contexto
enfocado. É importante também buscar mais elementos para a apreciação sobre a
cultura pós-moderna, estabelecer campos para o exame e a apreensão do
contemporâneo. Uma discussão sobre a pós-modernidade social, econômica e política
será de grande valor para entender o contexto no qual o indivíduo encontra subsídios
para o desenvolvimento de sua psique.
A análise da psique revelou-se básica, tendo em vista o vasto campo de
possibilidades que os estudos junguianos podem apresentar. Ademais, a psique
configura-se, apesar de todo o conhecimento científico alcançado pelo homem, como
um grande mistério para a humanidade.
A simbologia como linguagem do inconsciente é a área, por suposto, que
necessita de maior referencial. O pensamento de Jung, também sustentado por Mircea
125
Eliade e Eleazar Meletínski contribuirá para a investigação no que diz respeito à
amplificação enquanto método de interpretação e processo de produção da Indústria
Cultural, em uma segunda pesquisa.
Ao final do trabalho, ainda que se tenha a percepção de que um longo caminho
foi percorrido, novos horizontes foram prenunciados e outras questões foram
postuladas.
A Indústria Cultural subjugou o inconsciente do homem contemporâneo ou essa
parte da psique foi transformada? O inconsciente pode ser influenciado ou apenas
aprisionado, reduzido e relegado? Cessando o estímulo, desaparece o efeito, ou o
comportamento do homem contemporâneo tem lugar como registro hereditário no
inconsciente coletivo? possibilidade de resgate do Ser, do indivíduo em sua
plenitude?
Estas questões não puderam ser respondidas pelo presente estudo. Uma nova
pesquisa deve abrir portas para a compreensão nesse campo de investigação.
126
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