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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Taína Rizzato Menegasso
Saberes em construção:
Os desafios da agroecologia no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Florianópolis
2009
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Taína Rizzato Menegasso
Saberes em construção:
Os desafios da agroecologia no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora Profª. Drª. Sônia Aparecida Branco
Beltrame
Florianópolis
2009
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Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina
M541 Menegasso, Taina Rizzato
Saberes em construção [dissertação] : desafios da agroecologia
no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra / Taina Rizzato
Menegasso ; orientadora, Sônia Aparecida Branco Beltrame. - Florianopolis,
SC, 2009.
150 f.: il., tabs.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina,
Centro de Ciências da Educação. Programa de Pós-Graduação em
Educação.
Inclui bibliografia
1. MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. 2. Educação.
3. Ecologia agricola. 4. Desenvolvimento sustentável. 5. Assentamentos
humanos. 6. Trabalhadores rurais - Ribeirão Preto (SP). I. Beltrame,
Sonia Aparecida Branco. II. Universidade Federal de Santa Catarina.
Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.
CDU 37
Aos meus pais
Pelo amor e toda sua pluralidade
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelas pessoas e lugares que pude conhecer em minha trajetória, e pelos que ainda
virão...
À minha orientadora, Prof
a
. Dr
a
. Sônia Beltrame, por respeitar minhas inquietações e
compartilhar seus conhecimentos com tanta dedicação;
Ao meu irmão Rafael, simplesmente meu orgulho;
Às primas Débora e Luiza, pelo carinho;
Ao Raul, Ju, Alê, Paula e Eloíza, pelos laços, eternos...
Ao casal amigo Ana Paula e Júnior, pelo acolhimento, torcida e poesia;
À Renata e família, meu segundo lar;
Aos amigos de São Paulo Peixe, Matheus, Nilton, Cv, Kbça, Catarro e Tchão. Pelas visitas e
por esta saudade boa que sinto de vocês;
À Fernanda e Guta, por cuidarem de mim em Ribeirão Preto;
À Casa da Bia, em especial à Aline, Gema, Inca, Norréia, Toskera e Natalina, pela
descontração e hospitalidade sem fim;
Às queridas amigas Kstanha e Longa, pelo companheirismo e cuidado constantes;
Ao amigo Jão, presente também na ausência consentida;
Ao Otavio, pelo carinho e por me incentivar na busca pelos meus sonhos;
Aos colegas de pós-graduação, em especial à Nete, Sílvia, Clarice, Eliana e Elizete pela
paciência e parceria;
À Turma de Psicologia 2006/1, especialmente à Eliza, Jamile, Diego, Rodrigo, Abelha, Vitor
e Aline pela deliciosa recepção em Florianópolis e pelo RU;
Ao Dé, Hamer, Dani, Atrofs e Carol, pela linda amizade! Por me ensinarem que pureza e
simplicidade são tudo nesta vida!
Ao acampamento Mário Lago, especialmente à Maria, Olavo, João e Felipe, pela recepção,
pela militância aprendida, pelos sonhos compartilhados, pelas portas abertas;
E, finalmente, à Lia e ao Moysés. Pessoas iluminadas com quem tive o prazer de morar. Por
estarem ao meu lado em todos os momentos, por serem responsáveis por minhas melhores
lembranças desta cidade maravilhosa. Belo trio Asa Branca!
“Hoje longe muitas léguas
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Para eu voltar pro meu sertão”.
“Há aqueles que lutam um dia, e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias, e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos, e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis”.
Bertolt Brecht
RESUMO
A crise ambiental e a desvalorização do trabalhador rural ressalvam as contradições existentes
entre a produção agrícola e a capacidade de suporte dos ecossistemas, trazendo a discussão da
agroecologia para a pauta. O presente trabalho foi realizado em um acampamento organizado
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Ribeirão Preto - SP, a fim
de observar as práticas agroecológicas e sua relação com os objetivos do MST. Optou-se por
uma abordagem qualitativa de cunho etnográfico através de observação participante e
entrevistas com roteiro semi-estruturado. Os moradores do acampamento demonstraram
possuir conhecimentos acerca dos princípios da agroecologia em diferentes vertentes
(ambiental, social, econômica etc.). Pôde-se observar que o caráter educativo da agroecologia
aproxima-se do ideário do MST na medida em que decorre do contato entre as pessoas, dos
momentos de decisão, das demonstrações de solidariedade entre outros. É possível crer,
portanto, que as práticas e os valores agroecológicos estão inseridos no cotidiano do
acampado e, se conduzidos de maneira correta, permanecerão e promoverão mudanças
significativas na agricultura convencional na busca por uma agricultura sustentável. Além
disso, a formação de cerca de 300 famílias, com diferentes histórias de vida, valores, crenças
e, acima de tudo, seus anseios, torna-se uma ousada proposta.
Palavras-chave:
Agroecologia. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Sustentabilidade.
ABSTRACT
The environmental crisis and the depreciation of the rural peasant show the contradictions
existing between agricultural production and the ecosystems capacity to survive, showing the
importance of discussing agroecology. This project was accomplished on a camp organized
by Landless Peasant Movement (MST), in Ribeirão Preto – SP, in order to observe the
agroecological practices compared to the aims of MST. A qualitative ethnological study was
chosen, done by participant observation and semi-structured interviews. The camp residents
demonstrated some knowledge about agroecological principles in different aspects
(environmental, social, economical etc). It was observed that the educational attitude towards
agroecology almost coincides with the propositions of MST, as it arises from contact among
people, from moments of decision, from solidarity demonstrations, among others. Therefore,
it is credible that the agro ecological practices and values are inserted in the camped daily life
and, if managed in the correct ways, will remain and promote significant changes within
traditional agriculture aiming a sustainable agriculture. Moreover, the development of around
300 families, with different life stories, values, beliefs, and above all, aspirations, becomes a
daring proposition.
Keywords:
Agroecology. Landless Peasant Movement. Sustainability.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Abastecimento de água pela DAERP e armazenamento em galões. ........................ 28
Figura 2. Venda de agrotóxicos no Brasil (A), venda de fertilizantes no Brasil (B). ............... 34
Figura 3. Sistemas aqüíferos da região hidrográfica do Paraná. .............................................. 36
Figura 4. Agroecologia e sustentabilidade. .............................................................................. 42
Figura 5. Irrigação realizada por acampado que mora próximo às fontes de água. ................. 49
Figura 6. Reflorestamento realizado pelos acampados. ........................................................... 58
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Disponibilidade de água superficial e subterrânea do Brasil. ................................... 31
SIGLAS E ABREVIATURAS
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
DAERP Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto
DNIT Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Trânsito
IBAMA Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA Instituto Nacional para Colonização e Reforma Agrária
MLST Movimento de Libertação dos Sem Terra
MMA Ministério do Meio Ambiente
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OEA Organização dos Estados Americanos
OGM Organismo Geneticamente Modificado
ONG Organização Não Governamental
PDS Projeto de Desenvolvimento Sustentável
PNRH Programa Nacional de Recursos Hídricos
PSAG Projeto Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero
Guarani
SAF Sistema Agroflorestal
SASP Sistema Aqüífero Sedimentar do Paraíba
SRU Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
1.1
Contextualização da pesquisa ................................................................................ 14
1.2
Trajetória metodológica ......................................................................................... 15
1.3
Os entrevistados ..................................................................................................... 17
1.4
Considerações éticas .............................................................................................. 20
2
CAPÍTULO I: O ACAMPAMENTO MÁRIO LAGO ........................................................ 21
2.1
Localização e histórico da área .............................................................................. 22
2.1.1
O município de Ribeirão Preto ..................................................................... 25
2.2
A organização do acampamento ............................................................................ 25
3.1
Histórico ................................................................................................................ 40
3.2
Definição................................................................................................................ 41
3.3
A agroecologia no acampamento Mário Lago....................................................... 43
3.3.1
Perspectivas ecológica e social da agroecologia .......................................... 44
3.3.2
Parâmetros de avaliação de sistemas de produção ....................................... 62
3.3.3
Desenvolvendo agroecossistemas sustentáveis ............................................ 71
4
CAPÍTULO III: O TRABALHO EDUCATIVO DO MST E A AGROECOLOGIA ........ 76
4.1
Encontro Nacional de Agroecologia ...................................................................... 77
4.2
Jornada de Agroecologia ....................................................................................... 78
4.3
Seminário Internacional sobre Agroecologia e Seminário Estadual de
Agroecologia ................................................................................................................... 79
4.4
A agroecologia na perspectiva do MST................................................................. 80
4.4.1
A vivência em grupo e as relações de gênero .............................................. 80
4.4.2
Segurança e soberania alimentares ............................................................... 82
4.4.3
Agrotóxicos e transgênicos .......................................................................... 83
4.4.4
Destino da produção ..................................................................................... 86
4.4.5
O cultivo ....................................................................................................... 87
4.4.6
A legislação e as políticas públicas .............................................................. 91
4.4.7
Agricultura transformadora .......................................................................... 93
4.4.8
A agroecologia e as instituições de ensino ................................................... 94
4.4.9
A agroecologia e o ensino formal ................................................................ 95
4.4.10
Sustentabilidade ........................................................................................... 97
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 99
6
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 104
APÊNDICE A ........................................................................................................................ 108
ANEXO 1 ............................................................................................................................... 109
ANEXO 2 ............................................................................................................................... 110
13
1 INTRODUÇÃO
14
1.1 Contextualização da pesquisa
“Caminho por uma rua que passa em muitos países.
Se não se vêem, eu vejo e saúdo velhos amigos.
(...) Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas”.
Carlos Drummond de Andrade
As inquietações desta dissertação surgiram a partir do trabalho de conclusão de curso
realizado pela pesquisadora para obtenção do tulo de bacharel em Ciências Biológicas pela
Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, câmpus de Jaboticabal, em 2006.
Com o intuito de se aprofundar nas questões da Educação Ambiental, surgiu a oportunidade
de pesquisar as relações de um acampamento de sem terra com a temática da sustentabilidade.
Este é um tema amplamente discutido nos dias atuais e, assim, seria interessante analisá-lo
sob a ótica de um movimento de contestação e de quebra dos paradigmas existentes, na
perspectiva de promover reflexões e mudanças justamente na dicotomia entre modelo de
desenvolvimento (capitalismo) e meio ambiente.
Por conseguinte, percebeu-se que as questões ambientais da sustentabilidade em um
movimento por reforma agrária se concentravam em uma temática principal: a agricultura.
Esta se mostrou ser o aspecto central de grande parte das discussões e resoluções dos
acampados.
Assim, ao longo dos estudos realizados, constatou-se que uma estreita relação entre
agricultura e sustentabilidade: a agroecologia. Pelo fato de o processo de assentamento não
estar finalizado, acreditou-se que as práticas agrícolas encontravam-se indefinidas estando,
então, em adaptação às condições ainda precárias do acampamento, mas sem perder o viés
sustentável pretendido pelo Movimento.
Portanto, as questões que culminaram na realização desta dissertação surgiram no
momento em que se percebeu que as diretrizes da agroecologia encaixavam-se no modelo de
desenvolvimento de agricultura vivido atualmente pelos acampados, principalmente no que se
refere ao meio ambiente, resistência na terra e formulação de objetivos coletivos. Nesta
perspectiva, a inserção desta dissertação na linha de pesquisa Educação e Movimentos Sociais
é extremamente relevante na medida em que amplia o caráter educativo dos movimentos
sociais ao pressupor que a formação do sujeito sem terra ocorre não unicamente nas
15
atividades propostas pelo MST, mas principalmente nas interrelações dos acampados com
seus anseios e suas histórias de vida.
1.2 Trajetória metodológica
As práticas agroecológicas podem ser encontradas nos primórdios da agricultura,
como por exemplo, sistemas agrícolas desenvolvidos de acordo com as demandas locais,
considerando a capacidade de suporte dos ecossistemas, utilização de recursos disponíveis na
área e manejo adequado do solo priorizando o uso de insumos orgânicos (ALTIERI, 2002).
Todavia, Altieri (2002) acredita que os processos que culminaram na dissolução destas
práticas na agricultura atual foram a destruição dos mecanismos populares de transmissão da
herança agrícola juntamente com sua vinculação à dinâmica mercadológica. Nesta
perspectiva, predomina a idéia de que “o ser humano é tão mais humano quanto mais ele
domina a natureza e os outros homens, tão mais homem quanto ele consegue estender o seu
controle sobre todos os níveis e todos os planos da existência” (UNGER, 1991, p.53).
Frente à conseqüente depreciação da natureza e de seus recursos e da desvalorização
das culturas das comunidades, a agroecologia surge como ferramenta para reestabelecer
relações harmônicas entre os seres humanos e entre eles e o meio ambiente do ponto de vista
da produção agrícola.
Nesta perspectiva, diversos movimentos sociais buscam aliar as questões econômicas
e ambientais aos temas políticos, sociais e culturais, tendo em vista que a sociedade é formada
por diversos atores sociais, com diferentes funções que não se anulam, não se destroem, se
interpõem.
Assim, a pesquisa foi realizada em um acampamento do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), localizado no município de Ribeirão Preto - SP.
Buscou-se observar (1) quais as práticas agroecológicas encontradas no acampamento frente
aos recursos naturais (Aqüífero Guarani, solo compactado pelo predomínio de monocultura,
baixa pluviosidade etc.) e sociais presentes (história de vida dos acampados, contato com a
população de Ribeirão Preto, localização do acampamento na cidade conhecida como capital
do agronegócio, proximidade com instituições de pesquisa com viés agronômico, entre
outros), (2) quais as relações existentes entre elas e o discurso agroecológico do MST e (3) de
16
que maneira estas relações foram construídas (devido à luta do Movimento, aos
conhecimentos individuais ou ambos).
Optou-se por uma abordagem qualitativa (BODGAN; BIKLEN, 1997) com viés
etnográfico (ROCKEWELL, 1989) através de entrevistas com roteiro semi-estruturado
(TRIVINÕS, 1992) (APÊNDICE A) e observação participante com visitas semanais ao
acampamento sendo produzido um diário de campo e suas notas serão disponibilizadas ao
longo do texto como “nota de campo”. As entrevistas foram realizadas com oito moradores do
acampamento, no período de março a agosto de 2008, e, além de serem um importante meio
de colher informações, ajudaram a esclarecer dúvidas surgidas através da observação
participante (HAMMERSLEY; ATIKINSON, 1992). As entrevistas foram gravadas e seu
conteúdo integralmente transcrito. Os dados foram analisados através do método de análise de
conteúdos (BARDIN, 1979).
O trabalho sedisposto em três capítulos. O primeiro será destinado a descrever o
acampamento, o número de famílias, sua organização, o histórico da área (tanto de ocupação
quanto da cidade de Ribeirão Preto), seu projeto de assentamento, e ainda, uma breve
apresentação dos entrevistados. Insere-se também uma explicação acerca do Aqüífero
Guarani, tendo em vista sua estrutura e importância biológica.
No segundo capítulo pretende-se abordar as práticas agroecológicas encontradas no
acampamento, bem como os mecanismos que os acampados dispõem para aprofundar seus
conhecimentos de produção baseando-se nos conceitos definidos por Caporal, Costabeber e
Altieri.
Por fim, o terceiro capítulo será destinado a observar quais as pretensões do MST
frente à agroecologia, de que maneira ele lida com a problemática ambiental em um
acampamento de sem terra através dos materiais bibliográficos disponíveis no sítio do MST
na internet e em documentos produzidos por ele em parceria com outros movimentos sociais
em eventos como conferências, simpósios e encontros.
Hoje, o processo de assentamento das famílias encontra-se praticamente finalizado. As
famílias foram homologadas, os lotes e as benfeitorias (estradas, área para o uso coletivo etc.)
foram delimitados. Atualmente a luta dos acampados destina-se a pressionar os órgãos
públicos para terem acesso à energia elétrica, água canalizada, sistema de esgoto ou
construção de fossas sépticas e, principalmente, liberação do fomento destinado à construção
das casas.
17
1.3 Os entrevistados
“O que será, que será
que andam suspirando pelas alcovas
que andam sussurrando em versos e trovas
que andam combinando no breu das tocas
que gritam nos mercados que com certeza
está na natureza, será, que será”.
Chico Buarque
Segue um breve histórico acerca dos entrevistados:
Cássia (52 anos): está no Movimento e no acampamento três anos. Trabalhava em
Ribeirão Preto como diarista, também exerceu o cargo de auxiliar de produção,
auxiliar de escritório, entre outros. Afirma que um dos objetivos que a levou ao
acampamento foi a tranqüilidade do lugar, muito diferente da vida turbulenta da
cidade, e a baixa remuneração. Cansou de “trabalhar pros outros e nunca ter nada”.
Além do que, gosta das responsabilidades atribuídas aos acampados. Sua família
sempre viveu da roça, no sul do país. Veio com o marido (já falecido) e dois filhos
para Ribeirão Preto 31 anos. Sua filha era militante do MST. Seu filho trabalha em
um escritório de advocacia e não aceita a opção da mãe em morar em um
acampamento de sem terra. Não se falam há alguns anos. Mora sozinha.
Marisa (50 anos): está no Movimento e no acampamento há seis anos, presente,
inclusive, na ocupação da Fazenda. Sua família sempre viveu da terra. Trabalhou em
uma cidade do interior de São Paulo como sapateira durante muitos anos, também
trabalhou como mecânica e em fazendas com atividades relacionadas ao manejo dos
animais. Mora sozinha. Seu marido, que mora na cidade, e uma de suas filhas são
militantes. Ela também mora no acampamento com a família.
Humberto (37 anos): está no acampamento quatro anos. Sua família, proveniente
do interior do estado de São Paulo, sempre trabalhou na roça. Aos 19 anos foi para a
cidade em busca de trabalho, pois a terra do pai era muito pequena e não comportaria
mais uma família no local. Já trabalhou como bóia-fria cortando cana-de-açúcar até
que conseguiu emprego em uma usina açucareira durante quatro anos. O principal
motivo que o levou a procurar o Movimento foi, além da busca por uma terra própria e
18
retornar às suas raízes, a insatisfação em trabalhar cumprindo normas que não
concorda sem poder se manifestar. Mora sozinho.
Roberta (29 anos): moradora do acampamento há cinco anos. Sempre morou em
Ribeirão Preto trabalhando como empregada doméstica. Mora com o marido e sempre
quis viver na roça. Mesmo nunca tendo contato com a vida na roça está gostando
muito do acampamento, principalmente pela qualidade de vida ser maior do que na
cidade, graças ao contato com a natureza e tranqüilidade do lugar. Mantém estreito
contato com a família e amigos da cidade. Durante o trabalho de base, conseguiu que
quatro vizinhos se interessassem e se mudassem para o acampamento.
Ana Carolina (55 anos): é de Minas Gerais e veio para São Paulo para procurar
emprego. Está no Mário Lago três anos, embora admire o MST 19, desde que
chegou em Ribeirão Preto onde trabalhava como caseira de fazenda. Participou da
primeira ocupação no acampamento, mas não acampou. Em Minas trabalhava na roça
e com tear. Em Belo Horizonte chegou a trabalhar como empregada doméstica, caixa
de supermercado e no cultivo da cana-de-açúcar. Trabalhou com plantio de café e
algodão no Paraná. Não possui propriedade na cidade. Participou do programa
Movimento Brasileiro de alfabetização (MOBRAL) como educadora.
Paulinho (45 anos): está a cinco anos no acampamento. Veio da Bahia adolescente
para trabalhar como cortador de cana-de-açúcar em São Paulo. Trabalhou como bóia-
fria, garçom, segurança. Chegando em Ribeirão Preto foi trabalhar como sacoleiro de
produtos paraguaios. Por problemas de saúde, foi aposentado por invalidez. Chegou ao
Mário Lago através de colegas acampados. Estudou até a segunda série do ensino
fundamental. Seu único filho mora com ele.
Geraldo (41 anos): Também está no acampamento cinco anos. É do norte de Minas
Gerais, sempre trabalhou na roça, mas precisou vender sua terra para cuidar da saúde.
Chegou em Ribeirão Preto com 22 anos para trabalhar como fiscal de terminal na
rodoviária. Hoje, trabalha com montagem de equipamento eletrônico (radar). Sentia-se
excluído por ser pobre, pela origem na roça. Acreditava que a vida no MST não seria
difícil, pois conhecia o trabalho no campo. Admite que se enganou, pois a ausência
de recursos financeiros e infra-estrutura prejudicam a vida dos trabalhadores. Mora
19
com a esposa, não tem filhos. Por trabalhar fora e pelo fato da esposa ser “medrosa”,
concilia trabalho, guarda do acampamento e permanência no lote. Fez curso técnico de
administração à distância. Fez o ensino médio estudando em casa, nunca freqüentou
escola. Sua sogra foi quem o convidou para se inserir no acampamento. Desde então,
acredita que as lutas do Movimento o tornaram mais corajoso, mais forte para
enfrentar as dificuldades, inclusive perante seu chefe. Todos sabem que é do MST,
mas ninguém “mexe” com ele.
Marcelo (12 anos): neto de acampada. Ele e sua mãe mudaram-se recentemente para
um loteamento em frente ao acampamento. Prefere o campo a cidade, onde mora seu
pai, que não aceita a condição de sem terra da família.
A escolha dos entrevistados ocorreu durante a observação participante. Pretendeu-se
unir pessoas de diferentes núcleos do acampamento. Foram entrevistados acampados que
moravam em locais privilegiados, perto da guarita e das fontes de água, por exemplo, em
núcleos de bastante visibilidade, com grande circulação de pessoas, inclusive da militância e
da direção regional. Foram entrevistados também aqueles acampados que moravam afastados,
em que era possível nenhuma pessoa passar por ali em um dia inteiro. Ou seja, a distribuição
dos lotes e de seus moradores não parece ocorrer ao acaso. É nítida a diferença entre estes
dois grupos de entrevistados (os que moram “longe” e os que moram “perto”) principalmente
no que se refere aos benefícios desta localização. Os acampados que moravam perto tinham
mais informações acerca do acampamento, sobre os próximos planos e atividades a serem
realizados e eram, em sua maioria, amigos íntimos dos militantes e da direção regional. Além
disso, recebiam alimentos e roupas provenientes de doações periodicamente. Nos lotes
distantes as notícias “pertinentes” eram divulgadas e muitas vezes as viagens para atividades
ocorriam sem nenhum preparo destes acampados, pois ocorrem de maneira surpresa. Todavia,
para a mesma atividade, os acampados que moravam perto já estavam de malas prontas a dias,
sabendo exatamente por quanto tempo permaneceriam fora e quais utensílios deveriam levar
(colchonete, roupa de frio, etc.).
Outro critério para escolha foram entrevistas com militantes e com não militantes para
perceber se havia diferença entre seus discursos, entre sua formação e entre sua maneira de
expor as informações para a pesquisadora.
Foi importante também identificar aqueles acampados conhecidos por serem
polêmicos no acampamento com o intuito de perceber os pontos em que discordavam da
20
maioria, se apenas problematizavam ou se propunham novas ações para a melhoria do grupo,
de que maneira se relacionavam com os colegas e quais as dificuldades encontradas por terem
(ou não) assumidos esta postura de enfrentamento e problematização das questões do
Movimento.
Por último, pretendeu-se entrevistar aqueles acampados antigos, que conheciam e/ou
participavam do Movimento antes da entrada no acampamento a fim de analisar quais as
mudanças que ocorreram ao longo dos anos e qual a opinião deste acampados frente ao MST
atual.
Alguns acampados que haviam sido escolhidos previamente não puderam ser
entrevistados por motivo de doença, pois se ausentaram do acampamento por longo período.
Todavia foi possível coletar dados através do estreito contato proporcionado pela observação
participante. Por sua vez, este contato mais aprofundado com os acampados foi decisivo para
a entrevista com o Marcelo, de 12 anos. Pelo fato da pesquisadora ter habitado o lote de sua
avó, não entrevistá-lo seria impossível tamanha satisfação do Marcelo em se sentir parte desta
pesquisa. Sua participação foi fundamental para o entendimento de algumas questões
relacionadas às atividades propostas às crianças e sua relação com a escola urbana.
1.4 Considerações éticas
Para as pessoas entrevistadas foi explicado que os dados seriam coletados mediante
entrevista gravada, sob garantia do anonimato em relação à autoria das respostas que
aparecem no conjunto do trabalho. Assim, os nomes dos entrevistados apresentados no corpo
deste trabalho são fictícios.
As pessoas somente foram selecionadas após terem concordado com a realização da
entrevista e a qualquer momento podiam interrompê-las ou finalizá-las.
Quanto às demais pessoas do acampamento, que foram alvo da observação
participante, foi explicado o objetivo do trabalho bem como sua metodologia durante uma
reunião da Coordenação Geral.
21
2 CAPÍTULO I: O ACAMPAMENTO MÁRIO LAGO
22
2.1 Localização e histórico da área
“O rio que tudo arrasta, diz-se que é violento.
Mas ninguém chama violentas
as margens que o comprimem”.
Bertolt Brecht
Em 2002 foi firmada uma parceria entre a Arquidiocese de Ribeirão Preto e o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para utilização do tio Pau D’Alho,
o que possibilitou a criação do Centro de Formação Dom Hélder Câmara cujo objetivo é
atender à demanda educacional dos moradores rurais e outros setores da sociedade, com uma
abrangência nacional. Nesta instituição são elaborados projetos que viabilizam a estruturação
dos assentamentos da região. O Centro possui uma horta agroecológica de 23.000 m
2
cujos
produtos destinam-se ao consumo pelos 20 moradores fixos do Centro e daqueles que estão
participando de atividades; doação a 12 entidades de Ribeirão Preto; comercialização através
da loja Sabor do Campo. também o projeto Troca Solidária em que vegetais são trocados
por produtos não perecíveis com entidades da região. Soma-se a isso a criação de suínos,
bovinos, coelhos, aves e peixes. A produção agropecuária tem por objetivo capacitar os
trabalhadores assentados e acampados da região de Ribeirão Preto quanto ao manejo
agroecológico, além de ser um importante elo do MST com a sociedade (MST, 2006b).
O acampamento Mário Lago é organizado pelo MST. Foi estabelecido na área da
então Fazenda da Barra, um latifúndio de 1780 hectares, localizado no município de Ribeirão
Preto, São Paulo, no bairro Ribeirão Verde, acesso pela Rodovia Anhangüera (SP 330).
A área da Fazenda foi considerada improdutiva pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA) em 2000 e seus proprietários estavam sendo alvos de denúncias
por parte do Ministério Público local devido à degradação ambiental. Planejavam vender a
Fazenda para um grupo de empreendedores com o intuito de estabelecer um condomínio de
luxo no local. Como tentativa de impedir o processo de desapropriação, a Fazenda foi coberta
pelo cultivo de cana-de-açúcar, alegando atividade agrícola.
Em 2003, 400 famílias ligadas ao MST passaram a lutar pela área da Fazenda da
Barra. Em março de 2004 ocorreu a primeira ocupação da área e em julho do mesmo ano
houve uma reintegração de posse e os trabalhadores acampados tiveram que deixar a Fazenda.
Em meados de 2004 houve outra ocupação em que as famílias foram organizadas em 21
23
núcleos, ocupando a Fazenda em sua totalidade. Formou-se, assim, a comunidade do
Acampamento Mário Lago.
Uma nova reintegração de posse foi decretada no final de 2004 e uma importante
demonstração de organização e resistência ocorreu. Através de uma forte articulação entre as
famílias, os dirigentes e militantes do MST, promotores de justiça e universitários, a
reintegração não se concretizou. Os policiais mobilizados para a tarefa recuaram sem entrar
na Fazenda e as famílias permaneceram no local até hoje. Este episódio é, por sua vez, um dos
mais lembrados pelos acampados por ter sido conduzido com palavras de ordem, músicas e
passividade.
Em dezembro de 2004, o presidente da república assinou o decreto afirmando que a
área era de interesse social para fins de Reforma Agrária.
Em 2005, o acampamento tornou-se o maior produtor de alimentos da região, com
safra estimada em 30 toneladas de milho, 15 de feijão e 20 de mandioca. Paralelamente a isto,
a organização das famílias permitiu melhoria das condições de vida dos acampados. Assim,
todas as crianças estão na escola e inúmeros projetos de parceria com a Secretaria da
Saúde.
Em 2006, o Movimento organizou uma passeata em que os acampados distribuíram
alimentos na Praça 15 de novembro e doaram sangue no Hemocentro de Ribeirão Preto. Em
2006 também, o juiz da Vara Federal de Ribeirão Preto negou o pedido de anulação do
laudo de improdutividade da Fazenda da Barra e concedeu a imissão de posse da área ao
INCRA.
Em comemoração a esta importante vitória o MST organizou em 13 de setembro de
2006 a segunda marcha do agora Pré-Assentamento Mário Lago ao centro de Ribeirão Preto,
com o objetivo de comemorar a decisão judicial e agradecer à sociedade pelo apoio nestes três
anos de luta. Ao final da marcha houve um ato na Praça da Catedral e os trabalhadores
seguiram para oito diferentes pontos da cidade, a fim de fazer reivindicações.
Em 2006, o INCRA efetuou a compra da área e decretou seu destino para o futuro
assentamento Mário Lago.
No primeiro semestre de 2008, o INCRA realizou uma reunião com todas as famílias
do acampamento a fim de homologá-las. A maioria das famílias possuía os documentos e os
requisitos fixados pelo INCRA para assentarem. De maneira geral, aquelas que não se
enquadraram era por possuírem firma aberta e por terem sido assentadas em outra região do
país.
24
Assim, as próximas atividades a serem desenvolvidas pelo INCRA são aberturas das
estradas, corte das áreas (do lote, da área comunitária, da área de preservação ambiental),
eletrificação e perfuração dos poços d’água. Até início de 2009 estas ações não ocorreram,
mas o INCRA já considera o Mário Lago com o processo de assentamento finalizado,
segundo depoimento dos acampados.
O assentamento Mário Lago foi idealizado através de um Projeto de Desenvolvimento
Sustentável (PDS). O PDS é uma normativa do INCRA criada a partir das reivindicações dos
movimentos sociais a fim de conciliar o assentamento de pessoas em áreas de interesse
ambiental, promovendo o desenvolvimento sustentável.
Os PDS têm como base:
O atendimento das especificidades regionais (extrativismo tradicional, resgatar o valor
econômico e social da floresta, do mangue, da várzea etc) ao invés de considerar
apenas o potencial agrícola da terra;
O interesse ecológico e social;
A valorização da organização social, do trabalho e da gestão comunitária;
A concessão de uso da terra, por determinado período, para a exploração
individualizada ou condominial, obedecendo a aptidão da área combinada à vocação
das famílias de produtores rurais, e
O interesse ecológico de recomposição do potencial original da área.
Vale destacar que o PDS é um projeto especial de assentamento nos seguintes
aspectos: a seleção das famílias deve obedecer a um critério de envolvimento com a defesa de
projetos ambientais, a concessão de uso da terra é coletiva, realizada através de uma
personalidade jurídica (associação, cooperativa etc ); a produção deve combinar o trabalho
familiar com práticas coletivas; respeito ao meio ambiente e desenvolvimento de práticas
agroecológicas.
25
2.1.1 O município de Ribeirão Preto
Ribeirão Preto está localizado a 319 km da cidade de São Paulo (DNIT, 2009), a
nordeste do estado. Possui uma população de 547.417 habitantes (IBGE, 2009a) e uma área
de 650 km
2
(IBGE, 2009b).
Conhecida como a capital brasileira do agronegócio, a cidade tem como pilar da
economia o setor sucroalcooleiro e o modelo agrícola adotado relaciona tecnologia,
exportação, monocultura, concentração fundiária e formação de corporações (REIS, 2006). É
considerada uma das maiores cidades interioranas do estado.
Graças à localização, é constante o fluxo de moradores da cidade ao acampamento em
busca de determinados produtos como rapadura, ovos, verduras etc. demonstrando que estes
moradores aprovam os produtos do acampamento. Da mesma forma, os acampados também
mantêm estreito contato com a cidade para assistência médica, mercados e escola.
2.2 A organização do acampamento
“Tem mais fazer em saber porque faz
tem mais querer em querer por demais
pra lá do que é muito
tem mais mundo, mais que um”.
Dante Ozzetti e Luiz Tatit
O acampamento é dividido em 19 núcleos com diferentes nomes. São eles: Antônio
Conselheiro (13 famílias), Caio Prado (12 famílias), Celso Furtado (20 famílias), Josué de
Castro (17 famílias), Camilo Torres (9 famílias), Che Guevara (13 famílias), Dandara (22
famílias), Dom Helder Câmara (5 famílias), Frei Tito (9 famílias), Paulo Freire (10 famílias),
Margarida Nunes (10 famílias), Oziel Alves (12 famílias), Patativa do Assaré (9 famílias),
Roseli Nunes (22 famílias), Rosa Luxemburgo (16 famílias), Padre Jansen (10 famílias),
Salete Strosaki (14 famílias), Zumbi dos Palmares (16 famílias) e Terra Sem Males (16
famílias).
As pessoas recém chegadas são encaminhadas para os núcleos com menor quantidade
de famílias. Contudo, leva-se em conta a presença de crianças e idosos, colocando a família
26
em questão próxima às fontes de água e às portarias do acampamento para facilitar a
locomoção.
Cada núcleo possui sua secretaria, onde são armazenados os cadastros de cada
morador, seus documentos pessoais, incluindo os de antecedentes criminais.
É de responsabilidade do morador a construção do seu barraco. Não qualquer tipo
de ajuda financeira para a compra de materiais por parte do Movimento. Alguns acampados
oferecem seus serviços para construí-los, custando em torno de R$300,00. Todos os barracos
são numerados.
Todos os núcleos possuem dois “coordenadores de núcleo”, ou seja, dois moradores
escolhidos pelos demais, responsáveis por relatar as necessidades do núcleo aos setores
responsáveis e à Coordenação Geral.
O acampamento é subdividido em setores. Cada setor é composto por dois moradores
de cada núcleo. Dois deles são escolhidos para serem os coordenadores gerais do setor, ou
seja, representantes na Coordenação Geral. Um dos membros de cada família é responsável
por algum setor do acampamento. Geralmente são escolhidos pelos próprios moradores um
homem e uma mulher, fazendo alusão à bandeira do MST.
As reuniões ocorrem quinzenalmente, com a elaboração de atas e lista de presença
(APÊNDICE B).
Os setores e seus intersetores são:
Coordenação Geral: é o maior dos setores. Reúne todos os coordenadores gerais de
cada setor, os coordenadores de cleo e os dirigentes do MST. Tem como função
estabelecer contato dos acampados com os dirigentes. Estes informam os moradores
sobre atividades, planejamentos e situação dos processos burocráticos para a entrega
dos lotes. Cada coordenador geral repassa as informações aos demais de seu setor e,
por sua vez, aos núcleos;
Segurança: é o segundo setor de maior importância no acampamento. Lida com
questões acerca das portarias do acampamento, troca da guarda
1
, trânsito de moradores
entre o MLST
2
e o MST, fiscalização para a ausência de drogas e para a não entrada
dos moradores que foram expulsos do acampamento;
1
Revesamento de moradores para controle e segurança nas guaritas do acampamento.
2
Movimento de Libertação dos Sem Terra. Surgiu em 1997, sendo conhecido como segundo movimento
nacional de luta pela terra. “O MLST é fruto de um esforço feito pelos seus coordenadores que conseguiram
unificar grupos de trabalhadores rurais sem terra independentes e localizados regionalmente em sete Estados
da Federação. Por ordem de importância no desenvolvimento do movimento são os estados de Pernambuco,
Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Paraíba, Maranhão, São Paulo, Bahia. Na verdade, por meio do
trabalho de algumas pessoas, o movimento surgiu para unificar focos de luta isolados, grupos independentes
27
Produção, Cooperação e Meio Ambiente: um setor muito visado no acampamento por
lidar diretamente com renda dos moradores. Elabora estratégias de viabilizar o
comércio, favorecer a compra de sementes, insumos e ferramentas. Luta pelo
estabelecimento e participação em cooperativas. Freqüentemente discute-se sobre
agroecologia, novas técnicas de produção, manejo e cultivo de policulturas;
Educação: neste setor, as reuniões seguem duas vertentes: os estudos da temática da
terra e do MST e a resolução de problemas de infra-estrutura, como ônibus e vaga nas
escolas urbanas. É obrigatória a presença de um representante do setor no ônibus que
realiza o percurso para a escola, bem como nas reuniões escolares. Eventualmente são
desenvolvidas atividades como cantigas e histórias. Intersetor Ciranda: geralmente
formado por mulheres, destina-se a cuidar das crianças enquanto os pais estão
desenvolvendo atividades para o Movimento e também desenvolve atividades lúdicas
aos sábados;
Saúde: destinado a informar sobre as campanhas de vacinação (humana e animal) do
município, promover palestras sobre prevenção de doenças e medidas contraceptivas,
encaminhamento aos postos de saúde para tratamento ou recebimento de
medicamentos;
Gênero: setor com objetivo de incentivar o trabalho das mulheres acampadas dentro e
fora do Movimento. Temas como resistência na terra, maternidade, machismo, divisão
de tarefas e métodos contraceptivos são freqüentemente abordados;
Direitos Humanos: debates sobre política, educação dos filhos, acontecimentos da
semana relacionados ao MST e seus militantes;
Esporte, Cultura e Lazer: responsável pela elaboração das místicas
3
e encontros.
Destina-se também a realizar campeonatos esportivos. Intersetor de Jovens: dedicado a
e grupos de trabalhadores rurais sem terra dissidentes de outros movimentos um movimento nacional de luta
pela Reforma Agrária e pelo Socialismo” (MITIDIERO JUNIOR, 2002, p. 144). “Assim o MST forma-se na
luta, antes e durante as ações organizadas pelas famílias sem terra. O MLST nasce durante a luta, mas após a
organização das famílias sem terra, isto é, o MLST apenas aglutinou as lutas já iniciadas, mudando o
discurso e a orientação ideológica delas. A bandeira do MST não nasce das famílias organizadas, ela é
colocada em uma organização independente ou em substituição à outra, ao aceitarem fazer parte do
movimento” (idem, p. 145).
3
“Toda mística expressa-se numa liturgia, ou seja, linguagem de símbolos que une a palavra ao gesto. [...] A
liturgia do MST é bastante diversificada e muito bela, na singeleza das formas que desvelam a presença da
cultura do povo rural. Essa cultura expressa a luta de uma população desde sempre oprimida por um
quotidiano vivido no limite da sobrevivência física; humilhado pela prepotência da classe social que a
explora; aviltado por um trabalho que se transformou em jugo. O fantástico é que, apesar dessa condição de
vida, o camponês brasileiro tenha sido capaz de produzir beleza, solidariedade, ternura, alegria. [...]
Reuniões, pequenas, grandes ou enormes, começam sempre com uma celebração. Ela será rápida nas
reuniões pequenas, demorada e complexa nas grandes. Os elementos dessas celebrações são sempre os
mesmos: terra, água, fogo, espigas de milho, cartilha de estudante, enxada, flor. As palavras o poucas.
28
desenvolver o senso crítico dos jovens acerca de temas atuais, e, principalmente, seu
papel dentro do MST, de forma a incentivá-los a lutar e seguir o Movimento.
O acampamento é desprovido de energia elétrica, saneamento básico e abastecimento
de água. Entre os entrevistados, o item mais crítico para permanecer na área é a falta de água,
como exemplifica a acampada Ana Carolina:
Então, você sabe que é por caminhão, [o abastecimento de água]. E a gente tem as caixas e
inclusive é uma das coisas que eu acho mais precária aqui no acampamento é em relação à
água. Porque energia elétrica você tem como substituir agora a água é insubstituível.
O abastecimento dos lotes é realizado quinzenalmente pelo Departamento de Água e
Esgoto de Ribeirão Preto (DAERP). Através de dois caminhões-pipa por dia, o DAERP
abastece três pontos de água por núcleo, região onde se localiza os galões de água dos
moradores, o chamado “ponto de água” (FIGURA 1).
A partir daí, os moradores improvisam um sistema de canalização para seu barraco ou
transporta a água através de baldes. A acampada Marisa explica:
É um abastecimento péssimo. O abastecimento de água é através da prefeitura, da DAERP, de
15 em 15 dias. Cai aqui no acampamento. Que são três acampamentos aqui pra eles abastecer.
Que é o MLST, Índio Galdino e depois MST. Tem vezes que se não houvesse o poço de água
ou as minas, nóis talvez...é... ficaria até sem água pra beber. Que às vezes a gente passa
necessidade de água, tanto pra tomar, pra banho, pra comida, pros afazeres do dia-a-dia, né.
Figura 1. Abastecimento de água pela DAERP e armazenamento em galões.
Fonte: arquivo pessoal.
Poéticas e convincentes, resgatam os poetas populares e os grandes poetas brasileiros. [...] O gestual é
contido e significativo: o canto, o punho cerrado, indicando a indignação, a disposição de luta, a esperança”
(SAMPAIO, 2002).
29
Como sinalizou a acampada Marisa, a água proveniente do abastecimento é, na
maioria das vezes, insuficiente no decorrer do período dos 15 dias, principalmente no período
de estiagem. Além disso, é comum os caminhões atrasarem a entrega da água em dias, como
ocorre geralmente nos feriados, em até semanas. Em um dos períodos o atraso chegou a 18
dias.
Um outro problema enfrentado pelos acampados é com relação à qualidade da água.
Por ela ficar armazenada em galões é comum haver proliferação de larvas de insetos. Quando
questionados acerca das orientações dadas pelo DAERP, a resposta da acampada Roberta foi:
“não, não conversam sobre nada disso. Eles só vêm, abastece as caixa mesmo e com muita má
vontade ainda”.
O acampado Paulinho complementa:
Sim, muita, muita mesmo [presença de larva]. Inclusive eu faço parte do Setor de Saúde do
Complexo Ribeirão Verde, onde eu tenho reunião todo mês com presidente de bairro, com
agente de posto de saúde, alguns vereador e delegado de polícia e aonde a gente discute muito
a respeito disso. Onde eu cito muito a presença do controle de vetores, de tudo aqui no
acampamento pra que tenha um acompanhamento pra que não aconteça uma coisa assim tipo
febre amarela, dengue, mas que tem muita tem. Inclusive eu pedi 2800 daquelas tampa de napa
pra colocar no tambor e nas caixa que fica aberta. Eu pedi isso já, mês passado e tô só
aguardando um retorno.
2.3 O Aqüífero Guarani
“Se em terra de cego, quem tem olho é rei
imagine quem tem os dois.
É muita rede pra pouco peixe
muito veneno pra se matar
muitos pedidos pra que se deixe
muitos humanos a proliferar”.
Zé Ramalho e Oswaldo Montenegro
A necessidade de abordar o Aqüífero Guarani em um subitem vai além da sua
importância biológica. Ao longo do trabalho foi possível observar que a agricultura
desenvolvida no acampamento estava intimamente ligada à presença do Aqüífero e que este
fato deriva-se da disposição dos acampados em preservá-lo, mérito este do caráter educativo
de um movimento social da magnitude do MST.
30
A água é um elemento fundamental para a manutenção de todas as formas de vida em
nosso planeta. Apesar de dois terços da superfície da Terra ser coberta por água, apenas uma
pequena porção desta água é doce (MMA, 2007).
Cada sociedade possui uma relação peculiar com a água, que reflete a diversidade de
valores e de experiências acumuladas. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA,
2006a), muitas vezes a água é utilizada como instrumento de dominação. Este processo vem
diminuindo na medida em que a sociedade se politiza e com o aprimoramento legal e
institucional para a gestão democrática e participativa dos recursos hídricos. A conservação e
as formas de utilização da água têm grandes relações com as questões de gênero (MMA,
2006a). Homens e mulheres utilizam a água de maneira diferente e, paralelamente, atribuem a
ela valores também diferenciados. “O grande desafio é garantir que estas diferentes visões se
somem [...], permitindo, dessa maneira, que a gestão de recursos hídricos caminhe em direção
à sustentabilidade” (MMA, 2006a, p. 13). Entretanto, os acampados demonstraram ter
práticas semelhantes com relação à água. Fato este que pode ser explicado através dos
diversos tipos de estrutura familiar. Família somente formada por homens, por mulheres, ou,
como ocorre em muitos casos, pessoas morando sozinhas, sem dependentes.
De toda a água doce disponível para consumo, 96% é proveniente de água subterrânea.
São elas as responsáveis pela garantia da sobrevivência de parte significativa da população
mundial. Países como Arábia Saudita, Dinamarca e Malta utilizam exclusivamente dessas
águas para todo o abastecimento humano (CPRM, 1997, apud MMA, 2007).
No Brasil, segundo o IBGE (2000, apud MMA, 2007), cerca de 55% dos distritos são
abastecidos por água subterrânea. Cidades como Ribeirão Preto (SP), Maceió (AL), Mossoró
(RN) e Manaus (AM), suprem todas as suas necessidades dricas utilizando esse tipo de
abastecimento. Além de atender diretamente à população, esses recursos são utilizados na
indústria, agricultura (irrigação), lazer etc.
Em função dessa crescente demanda, as águas subterrâneas estão sob forte pressão. A
superexploração, ou seja, a extração de água em volume maior do que o reposto pela natureza,
pode provocar redução da quantidade de água que abastece os rios, seca das nascentes,
esgotamento dos reservatórios, entre outros tantos impactos negativos.
Somam-se a esses os problemas relacionados com a contaminação das águas pelas
atividades humanas sendo as principais fontes de poluição: as fossas, os esgotos domésticos e
industriais, os vazamentos em postos de gasolina, os lixões, os agrotóxicos utilizados na
agricultura, os poços profundos mal instalados ou abandonados, entre outros.
31
A água doce não está uniformemente distribuída pela superfície do planeta, ocorrendo
regiões de extrema escassez e outras com relativa abundância. No Brasil, um dos países com
maior disponibilidade hídrica (13,8%), existe regiões extremamente ricas, como a Amazônica,
e outras com baixa disponibilidade (TABELA 1).
Tabela 1. Disponibilidade de água superficial e subterrânea do Brasil.
Disponibilidade hídrica
per capita (m
3
/hab/ano)
Estado
Disponibilidade
hídrica per capita
(m
3
/hab/ano)
Potencial hídrico
(% do total)
Abundância
> 20.000
Roraima 1.147.668 6.49
Amazonas 657.160 32.24
Amapá 410.874 3.42
Acre 276.220 2.69
Mato Grosso 208.557 9.11
Pará 181.629 19.62
Rondônia 108.857 2.62
Tocantins 106.128 2.14
Goiás 56.743 4.95
Mato Grosso do
Sul
33.542 1.22
Muito Rico
10.000 a 20.000
Rio Grande do Sul 18.650 3.31
Maranhão 14.987 1.48
Paraná 11.858 1.98
Santa Catarina 11.575 1.08
Minas Gerais 10.838 3.38
Rico
3.000 a 10.000
Piauí 8.722 0.43
Espírito Santo 6.070 0.33
Pobre < 3.000
Bahia 2.747 0.67
São Paulo 2.482 1.6
Ceará 2.086 0.27
Rio de Janeiro 2.057 0.52
Alagoas 1.559 0.08
Rio Grande do
Norte
1.549 0.08
Crítica < 1.500
Sergipe 1.457 0.05
Distrito Federal 1.365 0.05
Paraíba 1.336 0.08
Pernambuco 1.187 0.16
Fonte: Borghetti et al (2004), apud MMA (2007).
O ciclo hidrológico é o movimento contínuo da água presente nos oceanos, continente
(superfície, solo e rocha) e na atmosfera. Nos continentes, a água precipitada pode seguir
diferentes caminhos, sendo dois deles a infiltração pelo solo e posterior surgimento na
superfície, e infiltração no solo e armazenamento nos espaços entre as rochas. Ambos podem
formar os aqüíferos (MMA, 2007). As águas subterrâneas são aquelas que se encontram sob a
superfície da Terra, preenchendo os espaços vazios existentes entre os grãos, rochas e
32
fissuras. Entre as zonas de rochas mais duras e mais permeáveis encontra-se o chamado lençol
freático (LEINZ; AMARAL, 2003; MMA, 2007).
As rochas que permitem a circulação, armazenamento e extração de água com fins
econômicos são chamadas de aqüíferos (LEINZ; AMARAL, 2003; MMA, 2007). O Aqüífero
Guarani é do tipo poroso, funciona como uma verdadeira esponja. Além disso, a porção
central do Aqüífero favorece a construção de poços artesianos
4
(MMA, 2007).
A maioria dos aqüíferos é constantemente reabastecido, processo denominado recarga.
A recarga natural depende fundamentalmente do regime pluviométrico e do equilíbrio que se
estabelece entre infiltração, escoamento e evaporação. As áreas de recarga direta (infiltração
direta na superfície) geralmente estão localizadas em altos topográficos e afloramentos de
rochas sedimentares. São áreas extremamente importantes para a manutenção da qualidade e
quantidade das áreas subterrâneas, portanto, é de fundamental que estas áreas sejam
protegidas, evitando-se o desmatamento, o uso incorreto dos solos e a instalação de atividades
potencialmente poluidoras. O acampado Marcelo demonstra sua opinião a respeito da
presença do Aqüífero Guarani no acampamento:
O que acho do Aqüífero? Que a gente tem que preservar, né, por causo que nunca sabe...
Porque se deixar ruim, um dia pode acabar a água, né, a professora disse. Pode secar a água,
terra, tem que cuidar. Não pode jogar lixo, tem que preservar. Não pode jogar veneno, tem que
jogar adubo, essas coisas.
O acampado Paulinho, por sua vez, descreve as regiões de afloramento do Aqüífero no
acampamento:
O Aqüífero Guarani ele é uma água que tem por baixo da terra. Eles falam uma veia de água,
essa veia de água, ela tem uma dimensão muito grande e forte assim... no meu ponto de vista,
porque aqui, um exemplo, nessa fazenda aqui ele passa aqui por baixo, por isso que tem essa
riqueza de água aqui na Fazenda. Tem essas mina aqui inclusive tem uma acima do morro que
é uma coisa muito maravilhosa, no meio de umas pedra. É uma coisa muito bonita. E eu acho
uma coisa muito interessante também a gente respeitar essas nascente de água aqui.
Os acampados afirmaram haver de quatro a oito fontes de afloramento do Aqüífero,
denominadas pelos acampados como minas de água. Devido a sua importância, as minas são
limpas todos os dias, através do revezamento dos núcleos, com o intuito de evitar que ela seja
poluída e, conseqüentemente, inutilizada. As falas a seguir demonstram de que maneira essa
limpeza é realizada e como a organização do acampamento lida com o tema:
4
Poços em que a água emerge sem necessidade de bombeamento, por diferença de pressão com a atmosfera
(MMA, 2007).
33
Limpando o mato ali em volta, catando algum lixo, né, que fica... deixando a mangueira bem
limpinha porque essa água sai pela mangueira, né (Roberta).
É uma escala. Cada grupo vai uma semana limpar as mina, onde passa em todas as mina e vai
até o rio Pardo fazendo essa limpeza e dentro disso também a gente passa a orientação dentro
da Coordenação Geral, os coordenador passa na reunião dos grupo incentivando a comunidade
a manter a mina. [Qual a extensão da limpeza total?] dois quilômetros (Paulinho).
Todavia, a dinâmica da limpeza da mina não é satisfatória para todos. O acampado
Humberto discorda afirmando que “eu acho incorreto isso, fazer a limpeza por outras pessoas.
Se você chupa o sorvete vendo a lixeira, você não vai jogar o papel na rua, então isso
caberia cada um fazer a sua parte”. O acampado nunca participou da limpeza da mina,
alegando que “não é muito minha parte. A minha parte é mais da produção”.
A maioria dos entrevistados afirmou que diariamente é possível recolher objetos
deixados na margem das minas, como demonstram as falas a seguir:
Também após lavar roupa, recolhe [na limpeza] assim roupa velha, sacolinha, garrafa plástica,
essas coisas, coloca dentro de um saquinho e traz pra sua residência. Quem tá lavando a roupa,
se possível, até barreira em volta e traz pro seu barraco pra jogar lá na rua (Paulinho).
Roupa velha, pneu, fralda, sacolinha, garrafa pet, todo dia tem. Todo santo dia. Pena (Cássia).
Devido às baixas velocidades de infiltração e aos processos biológicos, físicos e
químicos que ocorrem no solo, os aqüíferos são naturalmente mais protegidos da poluição.
Entretanto, uma vez ocorrida a poluição, a recuperação é lenta podendo chegar a anos, devido
às baixas velocidades de fluxo dos aqüíferos. A poluição pode ser direta ou indireta,
relacionadas a atividades antrópicas e naturais. As principais fontes poluidoras são: deposição
de resíduos sólidos no solo através dos lixões, lançamento ou vazamento de esgotos e a
utilização de fossas construídas inadequadamente (principal causa de contaminação), como
sinaliza a preocupação da acampada Ana Carolina:
É... sempre a fossa tem que ficar longe. Ela tem que ficar longe da cisterna. [...] E às vezes a
cisterna fica pra baixo, a fossa não pode ficar pra cima, senão desce. [...] Esgoto, vai ter que ter
esgoto, né, porque aqui é o Aqüífero, né? Então, não pode nem sonhar de não ter saneamento
básico. Vai ter que ter.
Outras fontes poluidoras são: utilização de agrotóxico e fertilizantes (FIGURA 2) na
agricultura salientado pelos processos de irrigação mal manejados, destruição das matas
ciliares e da vegetação das áreas de recarga, exploração de minérios e utilização de
substâncias químicas xicas, vazamentos de tanques de combustível (oleoduto, gasoduto),
34
contaminação da água por microorganismos através dos cemitérios, poluição de um aqüífero
mais profundo por outro superior, contaminação natural provocada pela transformação
química e dissolução de minerais (ferro, manganês, carbonato), e poços mal construídos ou
abandonados (sem tamponamento).
Figura 2. Venda de agrotóxicos no Brasil (A), venda de fertilizantes no Brasil (B).
Fonte: ANA (2005), apud MMA (2006c).
O acampado Geraldo afirma que dentre as razões pelas quais optaram por não utilizar
agroquímicos foi a presença do Aqüífero Guarani na área:
Pelo que eu entendo, tive até olhando algum mapa... é até difícil de achar... o Aqüífero é a
maior reserva de água doce do mundo, né. E essa água a gente tem que preservar ela. Por
B
35
isso nós não podemos usar veneno, porque esse veneno desce pra terra, né, e chega até o lençol
freático, então adubo químico nós não podemos usar.
É importante salientar que a redução da quantidade e qualidade de água não influencia
igualmente a sociedade. Ela é potencializada na população residente na periferia e nos
agricultores de baixa renda (MMA, 2006a).
No Brasil localizam-se dois dos maiores sistemas aqüíferos do mundo, sendo um deles
localizado na Província Paraná (MMA, 2007). Segundo o MMA (2006b; 2007), a Província
Paraná possui os aqüíferos mais promissores do país: Guarani, Bauru-Caiuá e Serra Geral, e
com menor expressão Furnas, Ponta Grossa e Aquidauana totalizando 1.200.000 km
2
em área
e um volume de 50.400 km
3
(FIGURA 3). Neste sistema ocorrem recargas direta e indireta.
Nesta província localiza-se 32% da população nacional, abrangendo os biomas Mata
Atlântica e Cerrado e é o local onde ocorrem os maiores conflitos de usuários dos recursos
hídricos. As áreas agrícolas desta região abrangem 81.555.609 ha, sendo 57% destinada a
pecuária, 23% a lavouras e 20% são áreas nativas ou plantadas (MMA, 2006a). Destaca-se o
cultivo de laranja (21.169.861.000 frutos/ano), soja (18.298.960 toneladas/ano), café
(1.789.438 toneladas/ano), milho (26.798.401 toneladas/ano) e cana-de-açúcar (350.821.315
toneladas/ano) (IBGE PNRH-BASE, 2005, apud MMA, 2006c).
O Aqüífero Guarani é, provavelmente, o maior aqüífero transfronteiriço das Américas,
com área de 840.800 km
2
e 89.936km
2
de área de recarga, que inclui a cidade de Ribeirão
Preto (ANA, 2005, apud MMA, 2006b), como afirma o acampado Geraldo: “no caso nosso
aqui, a Fazenda da Barra é área de recarga”. Estendem-se desde a Bacia Sedimentar do Paraná
(Brasil, Paraguai e Uruguai) até a Bacia do Chaco (Argentina) (MMA, 2007). No Brasil (71%
da área total do Aqüífero), ocorre nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (MMA, 2006a).
Vários municípios já apresentam sinais de superexploração, notadamente Ribeirão
Preto e Bauru. O primeiro tem cerca de 500.000 habitantes abastecidos inteiramente com água
subterrânea, tendo como principal origem o Aqüífero Guarani, havendo relatos de
rebaixamento excessivo do nível de água nos poços desta cidade (ANA, 2005, apud MMA,
2006c).
36
Figura 3. Sistemas aqüíferos da região hidrográfica do Paraná.
Fonte: Bases do PNRH (2005), apud MMA (2006c).
A existência do Aqüífero Guarani não é muito difundida no país. A maior parte da
população desconhece sua importância, assim como grande parte dos acampados. Eles
afirmam que foi através do Movimento que tomaram conhecimento da existência de uma
fonte de água subterrânea, limpa e cujos cuidados precisam ser constantes, como afirma a
acampada Roberta:
Eu preocupo muito, sabe? Antes de vir pro MST eu só esbanjava água. Não é que eu
esbanjava, mas tipo assim escovar os dentes com a torneira aberta, e agora, sabe, parece que
virou... tem hora que eu penso que eu tô meia... meia neurótica com essa história, sabe? Que eu
vou nas minhas irmãs, na minha mãe [que também mora no acampamento] e eu fico falando da
37
água, sabe, falando do Aqüífero. E antes de eu vir pra eu nem sabia que tinha o Aqüífero,
nada disso. [Sua família também não conhecia a existência do Aqüífero?] Não, magina, a gente
nem... nunca conversou sobre o Aqüífero, sabe, depois que eu vim pra é que começou essas
idéias e minhas irmãs, não tão aqui né, mas por ouvir eu falar acabam tomando alguma
consciência, sabe.
Devido a freqüente presença de objetos nas minas de água, é possível concluirmos que
as informações disponibilizadas pelo Movimento para incentivar a construção do
conhecimento ambiental dos acampados não atinge a todos e é, na opinião de alguns,
incompleta, como demonstra a fala do acampado Geraldo:
O pessoal teria que ter uma educação ambiental, né. Eu tenho um pouco, o pessoal tem um
pouco de educação, mas nem todo mundo tem. Então teria que fazer um trabalho mais
completo. [...] A gente conseguiu aprender bastante com o MST, mas tem... ainda falta,
ainda é pouco ainda. Às vezes tem pessoas que capta mais que as outras, não falando de
mim, mas tem muita gente aqui que capta mais as coisa de educação ambiental, no caso. Tem
que trabalhar mais.
Quando questionado sobre o que seria necessário promover para melhorar esta
“educação ambiental”, o acampado responde:
Olha, eu acho que teria que trabalhar... tem que ser trabalhado principalmente nas criança, não
só no MST, mas é... nas escolas, os professores serem treinados pra trabalhar mais com a parte
de educação ambiental. Passar uns filmes mostrando... alguma coisa sobre lixo. Mostrar,
assim, a realidade, entendeu?
O acampado Humberto, ao ser questionado acerca da importância do Aqüífero,
demonstra entusiasmo e incrementa a pergunta: “Ah, assim... nacionais ou a fins mundiais?”.
E complementa:
Então eu vou radicalizar. A fim mundial seria assim uma luz no fim do túnel, que a água do
mundo acabando, porque nós temo 1% de água natural potável. Se a humanidade e as
geração futura não tomarem conta... a estimativa é de 50 anos, nós bem fraco de água, mas
acho que não chega a 30. Vai vendendo água a preço de ouro. Vai entrar num ditado muito
antigo que os velho falavam: um dia você vai ter dinheiro no bolso e não vai ter o que comer, o
que comprar. Tá chegando essa época.
Na atualidade, a preocupação com o acesso à água, sua conservação e a resolução de
conflitos de uso, colocam o tema na pauta da agenda internacional. No Brasil, a temática da
gestão da água é estratégica na medida em que a maior parte das fronteiras do país é definida
por rios (MMA, 2006b). Portanto, torna-se imprescindível a participação do país no cenário
internacional para o avanço de questões sobre gestão integrada dos recursos hídricos e sobre
as águas fronteiriças e transfronteiriças.
38
Assim, a partir da década de 90, diversas convenções e declarações internacionais
ocorreram. Entre os instrumentos negociados no âmbito do Mercosul está o Acordo-Quadro
sobre Meio Ambiente, aprovado em 2001, cuja área temática aborda a questão dos recursos
hídricos (MMA, 2006b).
Segundo o MMA (2007), dois projetos relacionados ao Aqüífero Guarani estão sendo
desenvolvidos. O primeiro deles, delineado em 2000 em Paris, é o Projeto Internacional de
Gestão de Aqüíferos Transfronteiriços das Américas (International Shared Aquifer Resources
Management - ISARM AMÉRICAS), uma iniciativa conjunta da UNESCO e da Secretaria
Geral dos Estados Americanos (Unidade de Meio Ambiente). Os objetivos do projeto são
elaborar diretrizes para a gestão dos aqüíferos transfronteiriços através de levantamento de
experiências internacionais e dos países americanos, identificar e caracterizar os aqüíferos, e
procurar fontes de financiamento para desenvolvimento de projetos conjuntos com outros
países. Até 2007, foram realizados levantamento bibliográfico, coleta de informações e
encontros entre técnicos dos diversos países o que resultou em elaboração de esboços
geológicos e dos limites dos onze principais aqüíferos transfronteiriços do Brasil.
O segundo projeto do qual o Brasil participa, juntamente com Argentina, Paraguai e
Uruguai, é o Projeto Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero Guarani
(PSAG), criado em 2000, cujo objetivo é ampliar o conhecimento hidrogeológico visando dar
maior eficiência ao gerenciamento e à preservação do Sistema através de implantação de rede
de monitoramento e de informação, bem como atividades de educação ambiental. Este projeto
é financiado com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente sendo o Banco Mundial a
agência implementadora dos recursos e a Organização dos Estados Americanos (OEA) a
agência executora internacional. No Brasil, a agência executora é a Secretaria de Recursos
Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (SRU/MMA).
39
3 CAPÍTULO II: A AGROECOLOGIA
40
3.1 Histórico
“De tanto ver fiquei cego;
surdo de tanto escutar.
Ainda me sinto gente, mas não posso respirar.
Tem veneno em toda a terra,
mil fumaças pelo ar.
Não tem pássaro nem bicho,
e monte de líquido de lixo
Se tornou água do mar”.
Belchior
O uso do termo agroecologia data da década de 70, mas a sua prática pode ser
encontrada nos primeiros relatos de agricultura, por exemplo, na agricultura indígena
(ALTIERI, 2002). Esta evidenciava sistemas agrícolas desenvolvidos localmente, com rotinas
e mecanismos para adaptação das culturas às condições ambientais, utilização de recursos
renováveis disponíveis na região e manejo do solo através de pousio e vegetação. Segundo
Altieri (2002), esta agricultura envolvia o manejo de diversos recursos, não apenas uma
determinada cultura comercial, de maneira a equilibrar os riscos ambientais e econômicos
mantendo a base produtiva ao longo dos anos, sendo o conhecimento agronômico localmente
desenvolvido fundamental para sua manutenção.
O autor afirma que os processos decisivos para que esta herança agrícola fosse
desconsiderada foram a destruição dos mecanismos populares de transmissão e codificação
das práticas agrícolas, e as mudanças demográficas nas sociedades indígenas não-ocidentais e
em seus sistemas de produção através da escravidão e dos processos de colonização e de
mercado.
O autor complementa que a visão orgânica da natureza foi substituída por uma
abordagem mecânica, que rejeitava outras formas de conhecimento científico, considerando-
os como uma superstição. Assim, esta posição depreciativa do camponês e da população
colonizada obscureceu os conhecimentos rurais, cujo conteúdo era expresso de forma
discursiva e simbólica.
A agroecologia (re)surge como conseqüência dos impactos das tecnologias na
natureza, a necessidade de compreendê-la resultou na decisão dos cientistas em estudar o que
os agricultores antigos haviam aprendido a fazer (KUHN, 1979, apud ALTIERI, 2002).
41
3.2 Definição
Em anos mais recentes, a referência constante em agroecologia, que se constitui uma
expressão sócio-política do processo de ecologização
5
, tem sido bastante positiva, pois nos
fazem lembrar estilos de agricultura menos agressivos ao meio ambiente, que promovem a
inclusão social e proporcionam melhores condições econômicas aos agricultores. Neste
sentido, são comuns as interpretações que vinculam a agroecologia à uma vida mais saudável,
à uma produção agrícola dentro de uma gica em que a natureza mostra o caminho, à uma
agricultura socialmente justa, ao ato de trabalhar dentro do meio ambiente, preservando-o, ao
equilíbrio entre nutrientes, solo, planta, água e animais, ao continuar tirando alimentos da
terra sem esgotar os recursos naturais, à uma agricultura que não exclui ninguém, entre outras
(CAPORAL; COSTABEBER, 2004).
Da mesma maneira, essa imagem de agroecologia é estendida aos acampados como
ilustra a fala do acampado Geraldo: “Pra mim agroecologia é um... é uma combinação de vida
com meio ambiente. Então seria você conviver bem com a natureza”.
Todavia, Caporal e Costabeber (2004) sinalizam que são cada vez mais evidentes
alguns equívocos no uso do termo agroecologia. Os autores afirmam que corriqueiramente
confunde-se agroecologia com um modelo de agricultura, com a adoção de práticas e
tecnologias agrícolas para obtenção de produtos “limpos” ou ecológicos. Agroecologia não é
sinônimo de agricultura alternativa. Por mais que essa vise atender requisitos sociais ou
ecológicos, não necessariamente terá que incorporar orientações mais amplas do enfoque
agroecológico. Por exemplo, a agricultura que não utiliza agrotóxicos ou fertilizantes
químicos em seu processo produtivo não necessariamente assegura a sustentabilidade dos
sistemas agrícolas. existem tipos de agriculturas alternativas que estão subordinadas às
normas de certificadoras internacionais ou estão dependentes de insumos importados, levando
à continuidade da subordinação dos agricultores (CAPORAL; COSTABEBER, 2004) e esta é
uma das premissas que a agroecologia visa modificar. Além disso, Altieri (2002) afirma que,
em muitos casos, a utilização de insumos químicos para a correção de nutrientes do solo, por
5
Introdução de valores ambientais nas práticas agrícolas, na opinião pública e nas agendas políticas para a
agricultura (BUTTEL, 1993, 1994, apud CAPORAL; COSTABEBER, 2004).
42
exemplo, torna-se fundamental e constitui-se uma prática agroecológica na medida em que
possibilita recuperação da área produtiva sem prejudicar o agroecossistema
6
.
No presente trabalho, utilizaremos duas definições de agroecologia que acreditamos
serem complementares.
A primeira delas é a de Altieri (2002) ao definir agroecologia como “uma abordagem
agrícola que incorpora cuidados especiais relativos ao ambiente, assim como aos problemas
sociais, enfocando não somente a produção, mas também a sustentabilidade ecológica do
sistema de produção” (p. 26).
A segunda definição é dos autores Caporal e Costabeber (2004) que complementa a de
Altieri (2002) na medida em que a relaciona com o tema da sustentabilidade nas dimensões
econômica, social, política, cultural, ecológica e ética. Quando se fala de agroecologia, está se
tratando de uma orientação cujas contribuições vão muito além de aspectos meramente
tecnológicos ou agronômicos da produção, incorporando dimensões mais amplas e complexas
(FIGURA 4).
Figura 4. Agroecologia e sustentabilidade.
Fonte: Altieri (2000), apud Caporal e Costabeber (2002).
Nota: Modificado
Logo, trabalharemos com a definição de agroecologia como sendo a base científica
(princípios, conceitos e metodologias) que se destina a apoiar a transição dos modelos atuais e
convencionais de agricultura para a agricultura sustentável.
6
Denominação dada às áreas agrícolas, tendo-as como ecossistemas com relações ecológicas diferenciadas e
próprias, constituindo-se a unidade de análise da agroecologia (ALTIERI, 2002).
Agricultura
Convencional
Agroecologia
(princípios, conceitos e
metodologias)
Agricultura
Sustentável
43
3.3 A agroecologia no acampamento Mário Lago
“E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior do que eu mesma
e não me alcanço”.
Clarice Lispector
Inicialmente, optou-se por descrever as práticas agroecológicas do acampamento em
sua perspectiva ecológica e posteriormente, social, como realizou Altieri (2002). Todavia, ao
longo da redação do texto, observou-se que as práticas dos acampados dificilmente
possibilitam esta subdivisão. Por se tratar de um acampamento organizado dentro de um
movimento social, torna-se imprescindível correlacionar as práticas ao seu caráter formador,
ou seja, se constituíram acampados aqueles que, inicialmente, lutavam por justiça social e
que, posteriormente, compreenderam que sua luta tomaria maiores proporções se abordasse
outras reivindicações, como a política, a ecológica, entre outras.
Esta reflexão vai ao encontro do conceito de sustentabilidade elaborado por Caporal e
Costabeber (2002) que enfatizam que suas dimensões (política, econômica, social, cultural e
ecológica) são indissociáveis dentro da agroecologia, pois dependem umas das outras para
existirem.
Optou-se, portanto, em subdividir este item do trabalho em duas vertentes. A primeira
delas, “perspectivas ecológica e social”, abordará as práticas do acampamento vistas sob esta
perspectiva na medida em que associará práticas agroecológicas a um movimento social de
caráter campesino. A segunda abordará quais os desafios existentes hoje para a inserção da
agroecologia como eficiente instrumento para o desenvolvimento da agricultura sustentável
dentro de um acampamento de trabalhadores sem terra.
É importante frizar que a agroecologia, como poderá ser observado ao longo do
trabalho, é uma viável alternativa na produção do acampamento não somente por suas
contribuições ecológicas e sociais mais também econômicas, pois prioriza a mínima
interferência no meio ambiente, apostando na sua capacidade de resiliência, o que diminui os
custos de produção, tornando-se, portanto, viável para um acampamento de trabalhadores sem
terra.
44
3.3.1 Perspectivas ecológica e social da agroecologia
A agricultura sustentável refere-se à busca de rendimentos duráveis, em longo prazo,
através do uso de tecnologias de manejo ecologicamente adequadas. Além disso, é preciso
considerar não apenas a produção econômica, mas também a questão vital da estabilidade
ecológica e da sustentabilidade (ALTIERI, 2002).
Uma das conseqüências da agricultura moderna são as radicais modificações no
processo de sucessão ecológica
7
, decorrentes de desmatamento, aração e introdução de
comunidades simples (ALTIERI, 2002). Estas características são comumente encontradas nos
cultivos de monoculturas, que substitui a comunidade complexa e destrói a comunidade
subterrânea. O acampado Geraldo exemplifica os malefícios da monocultura de cana-de-
açúcar:
Ultimamente tem divulgado muito na televisão, é... os impacto que tem causado a destruição
do meio ambiente. Como mesmo a cana, às vezes. Esses dias eu assisti uma reportagem
falando que a cana, que a cana é um negócio bom. Mas daí no final não falaram... falaram que
não polui quase, que é uma energia limpa. [...] A cana polui também, as queimadas, né.
Ao implantarem policultivos, a estratégia agrícola acompanha a tendência natural para
a complexidade, diminuindo a necessidade de insumos externos (ALTIERI, 2002). Podemos
observar que os acampados atribuem corretamente a agroecologia à variedade de cultivares,
demonstrando que conseguem observar com clareza os malefícios das monoculturas, como
mostram as falas a seguir:
Agroecologia... é... é uma plantação orgânica e de variedades, né. Vamos supor, se você
plantou mandioca, você pode plantar abóbora. É tudo num espaço só, você entendeu? [...].
Porque tem um determinado tempo, vamo supor, do arroz, não é época do feijão; na época da
abóbora não é época de outra fruta, então você planta variedades que você... de fruta, de cada
coisa um pouquinho (Marisa).
Agroecologia [...] manter a biodiversidade de cultura (Geraldo).
Por sua vez, Altieri (2002) afirma que a utilização de agroquímicos acelera o processo
de destruição dos agroecossistemas se realizado de maneira equivocada. Entre os acampados,
7
Processo pelo qual os organismos ocupam um local e modificam gradualmente as condições ambientais de
maneira que outras espécies possam substituir as que originalmente ali habitavam (ALTIERI, 2002).
45
foi unânime a opinião de que os agroquímicos devem ser abolidos da produção agrícola, como
demonstra a fala do acampado Geraldo:
Agroecologia ela mantém a terra natural igual tava falando de adubo, de veneno... então, isso
não é pro MST não, é para o mundo, a humanidade toda. s deixamos de usar veneno,
nós deixamos de contaminar o Aqüífero. No mundo só tem 3% de água doce, né. É... então nós
temos que preservar essa riqueza que nós temos.
Podemos observar que a principal preocupação com relação à utilização de insumos
químicos é a preservação do Aqüífero Guarani e a saúde dos consumidores. Caporal e
Costabeber (2002) englobam na dimensão social da sustentabilidade “a busca contínua de
melhores níveis de qualidade de vida mediante a produção e o consumo de alimentos com
qualidade biológica superior, por exemplo, a eliminação do uso de insumos tóxicos no
processo produtivo agrícola” (p. 77). Os acampados atribuem o aumento da expectativa de
vida e do vigor para o trabalho a uma alimentação denominada saudável, ou seja, sem
consumo de alimentos com agrotóxicos, como podemos observar com a fala da acampada
Marisa:
Se todos fizessem assim [agroecologicamente] talvez a saúde... a vida tinha mais... um tempo a
mais. Então eu acho que a agroecologia se todo mundo fizesse é... se eu tivesse que durar 50
anos, eu ia durar 100. Então eu acho que é muito bom pra saúde sim, tanto pra nós como pra
quem ta lá fora.
Todavia, a utilização de agroquímicos em si não constitui um fator de risco para os
agroecossistemas. Altieri (2002) defende a utilização de agroquímicos para a correção de
determinadas concentrações de nutrientes no solo, seja por motivos naturais (o próprio solo
possui deficiência nutricional) ou para contornar alterações ocasionadas por cultivos
incorretos do ser humano (principalmente correções nas áreas em que havia monocultura).
São a displicência e o manejo inadequado dos agroquímicos que os tornam nocivos ao meio
ambiente, mas utilizados de maneira equilibrada, são altamente benéficos. Todavia o autor
também atribui outros problemas decorrentes do uso de agroquímicos: a dependência dos
produtores às poucas empresas fabricantes destes insumos, na sua maioria transnacionais e,
portanto, defende o fortalecimento da produção e comercialização locais. Os acampados, por
sua vez, desconhecem ou ignoram estes benefícios citados por Altieri (2002) e condenam a
utilização dos agroquímicos em qualquer circunstância, atribuindo a eles, inclusive, algumas
doenças e conseqüente diminuição da qualidade da saúde. O MST e os acampados não
46
desenvolveram atividades de verificação das condições do solo durante o processo de coleta
de dados deste trabalho, como visitas técnicas, por exemplo.
Sendo a agroecologia um conjunto de conceitos e metodologias cujo objetivo é
transpor a agricultura convencional ao desenvolvimento rural sustentável, Conway (1985,
apud ALTIERI, 2002) estabeleceu dois parâmetros para serem analisados nos
agroecossistemas. O primeiro deles é o que ele chamou de estabilidade, como sendo a
constância de produção sob diversas condições. Assim, vários tipos de estabilidade definidas
pelo autor puderam ser encontradas no acampamento.
Inicialmente encontramos o que o autor denominou de estabilidade ecológica, ou seja,
parâmetros que consideram a ecologia a primeira ferramenta para a estabilidade de uma
produção. Um dos parâmetros é a escolha de culturas apropriadas ao ecossistema em que está
localizada e do desenvolvimento de métodos de cultivo que melhorem os rendimentos. Nas
práticas agroecológicas do acampamento, a estabilidade ecológica confunde-se com a
estabilidade de manejo, definida pelo autor como o conjunto de tecnologias escolhidas e
melhor adaptadas às necessidades e recursos do agricultor. Isto ocorre, pois as condições
financeiras e estruturais dos acampados e de seus lotes fazem com que os métodos de cultivo
sejam diretamente proporcionais aos recursos do agricultor. Isso significa que, enquanto
acampados, a condição financeira é que determina o método de cultivo em suas propriedades.
Os acampados demonstraram preocupação com o manejo das culturas que produzem,
como exemplifica a acampada Ana Carolina:
Eu acho que é isso aí. Aonde queima, cinco ano certeza que não nada. Eu acho que isso
que é importante, saber produzir, a época certa, o tempo certo de plantio, o tempo certo de
plantação, qual a plantação que deve pôr numa área, descansar aquela área por um ano, dois
anos, sabe? Então isso aí que deve ser usado.
Ana Carolina ainda complementa, juntamente com o acampado Paulinho, acerca dos
métodos adequados de cultivo, o que Altieri (2002) define como uma das práticas condizentes
aos sistemas sustentáveis na medida em que é eficaz na conservação do solo e da água:
A queimada destrói a coisa, mas toda folha, se o pequeno e grande agricultor, produtor, se ele
soubesse, ele nunca varria e nunca limpava a área. [...] Ele acerava, é diferente. Fazer um acero
é limpar o trilho onde vai plantar. Porque aí, aquela folha, aquela vegetação que fica no
solo, aquilo é o orgânico (Ana Carolina).
Pra preparar o solo da terra é... seria assim interessante que usasse o adubo de gado, misturado
com o adubo de porco e o... aquele o... me fugiu o nome agora da memória... calcário, que seje
misturado esses três tipos de adubo porque o calcário é pra tirar a acidez da terra, fortalecer
ela. [...] Ou então você pode introduzir esse adubo mesmo na plantadeira, plantando e o adubo
vai ficar só nas carreiras das sementes ali (Paulinho).
47
A acampada Ana Carolina exemplifica a importância da cobertura vegetal para
conservação da água:
Então eu sei que isso [reflorestamento] é importante. Igual as bacia dos rio, igual nóis têm
várias mina aqui, se a pessoa continuar desmatando as mina, a tendência é o chão repisar e as
mina secar porque vão tampar as veia de água.
A rotação de culturas, importante para a reciclagem de nutrientes (ALTIERI, 2002), é
outra prática inserida no parâmetro da estabilidade biológica, encontrada no acampamento por
diferentes razões.
Uma delas é a necessidade de aproveitar as condições climáticas das diferentes
estações do ano para produzir, armazenar e vender os alimentos ao longo do ano. Ribeirão
Preto está localizado em uma região de baixa pluviosidade, fazendo com que o cultivo de
arroz, por exemplo, seja impraticável, segundo os acampados. Foi curioso observar que o
cultivo de diversas espécies de feijão marca a época que precede as chuvas em todo o
acampamento. A dedicação em seu cultivo é visível entre os acampados, o que garante
alimentação da família durante muitos meses sendo possível, ainda, sua comercialização.
Como a chuva é escassa, alimentos mais resistentes como mandioca, batata doce e quiabo são
fartos durante todo o ano, como afirma a acampada Marisa:
Essa época de seca agora o que nóis tem da produção é a mandioca, porque tem aquele produto
que tem a resistência sobre a seca que é mandioca, batata doce. Então é esse tipo de alimento
que a gente tem mais na seca.
Além do cultivo de alimentos, a rotação de culturas tem sua importância reconhecida
pelos acampados ao se depararem com o solo extremamente compactado e com deficiência de
nutrientes devido ao cultivo de cana-de-açúcar presente na área. O que, muitas vezes,
necessita de aração e revolvimento do solo com inserção de matéria orgânica vegetal, como
observamos na fala a seguir:
Então, igual, nóis tem mamona, então eu tiro os casco pra tirar... pra poder vender a semente
ou fazer o azeite de mamona, porque a mamona é rica em óleo, lubrifica a terra, igual
amendoim. Eu passo a roçadeira, igual essa semana vai roçar meus lote tudo, às vezes, se tem
mandioca que ta lá não muito boa eu passo trator em tudo, roça (Ana Carolina).
Os acampados demonstraram cuidado com a estabilidade biológica do
agroecossistema ao incorporarem em sua produção um cultivo que favorece a utilização de
resíduos vegetais atrelada a métodos adequados de produção, como Ana Carolina:
48
Aí eu tombo a terra e deixo ela apodrecer, tanto que ó, tem gente que chega aqui, meus menino
chega aqui: “Nossa, mãe, que terreno sujo”. Daqui uns seis méis, cê vem e a matéria
orgânica que aí. Então tudo, às vezes até casca de batatinha eu jogo ali, apalha, sabugo, e
deixo. Lá no chiqueiro, eu não cimentei meu chiqueiro, eu jogo toda a palha, sabugo apodrecer
pra fazer adubo orgânico. Porque isso aí é importante pro nosso solo.
Assim, é possível encontrarmos a substituição de insumos químicos pelo adubo
orgânico que, em sua maioria, é agregado ao solo através da utilização de esterco de animais e
restos de alimentos consumidos pelos acampados, como ilustra a fala da acampada Cássia,
quando questionada sobre a origem do adubo orgânico utilizado: “Das fezes dos animais.
Cavalo, vaca, porco, galinha, né? E a gente mesmo faz, né, com comida, com sobra de
comida”.
A acampada Marisa complementa:
Ah sim, o adubo orgânico. Que é o esterco, né. É... tanto de galinha, vaca, cavalo. E... porco.
Então, é o nosso adubo e o lixo, as folhas... o próprio mato se torna o esterco orgânico, né. E o
calcário que é pra... é só. É... nada químico pra terra porque na plantação vai causar algum
dano, né, principalmente pra saúde. É esse o nosso... a nutrição da terra é essa.
As sobras de comida, todavia, ocorre com pouca freqüência, pois, mesmo desprovidos
de energia elétrica para o resfriamento e conservação dos alimentos, serve para alimentar os
animais. Além disso, é comum entre os acampados a troca de alimentos e os convites para as
refeições quando esta se mostra excessiva para aquela família. Altieri (2002) afirma que a
conciliação entre a criação de animais e a produção vegetal é enriquecedora para a
diversidade do agroecossistema, pois promove a atividade biológica do solo.
Os acampados demonstraram se preocupar com a estabilidade ecológica novamente ao
buscarem incorporar à produção um sistema de irrigação, como demonstra a fala do
acampado Paulinho:
Agroecologia pra mim é onde tem um... assim um assentamento que tem água pra irrigação.
Na minha mente tem isso porque também você vai ter uma produção melhor, com mais
qualidade, sem produto químico, com produto orgânico, uma alimentação sadia, né.
A presença de sistema de irrigação está incorporada à qualidade de vida, como
demonstra o acampado Paulinho, e está diretamente relacionada ao seu entendimento de
sustentabilidade:
E através da irrigação que vai ter um assim... tirar um... um... é sustentável, né. Você vai
tirar pra sustentar sua família desse 3 hectare ponto 14, então é importante que tenha água e
irrigação. Se ela não tiver, não tem condição de tirar o sustento da família e sobrevivência.
49
Porque é muito pouca terra e se contar com chuva... A produção você vai plantar uma, duas
vezes só por ano e com a irrigação, que é a agroecologia você vai ter produção o ano inteiro.
É importante observarmos que, como afirmaram Caporal e Costabeber (2004), o
conceito agroecologia confunde-se com suas próprias metodologias, reduzindo sua real
definição. Isto ocorre, inclusive, entre os acampados cujo próprio Movimento estimula e
fornece subsídios para a formação de agentes agroecológicos.
No acampamento, como dito, a maior dificuldade encontrada é a escassez de água.
Entretanto, os acampados que moram próximos às fontes de água e possuem recursos
financeiros e experiência na elaboração de mecanismos de captação de água estabelecem o
sistema de irrigação sem prejudicar as reservas de água destinadas à alimentação (FIGURA
5).
Maria Rita e seu esposo, Vinícius, construíram um sistema de irrigação manual, como eles
próprios denominaram. Eles moram próximos ao rio e elaboraram um sistema de captação de
água através de encanamentos superficiais, o que possibilitou haver água em todas as torneiras
do lote, sem necessidade de utilizar a água em baldes. A horta deles é farta e garante uma boa
renda com a venda, além de garantir a alimentação da família. Sua irrigação é feita pelo
Vinícius todos os dias. A horta pode ser vista de longe, um tapete verde destoando na paisagem
seca do acampamento [Nota de campo].
Figura 5. Irrigação realizada por acampado que mora próximo às fontes de água.
Fonte: arquivo pessoal.
Além dos pontos abordados, Altieri (2002) complementa citando que o
estabelecimento de sistemas agroflorestais contribui para a diversidade biológica, aspecto
50
fundamental para o desenvolvimento de agroecossistemas sustentáveis e esta prática está
inserida nos planos dos acampados frente à produção nos lotes.
E florestamento, você não precisa florestar de árvores, mas sim de frutos árvores,
aproveitando a floresta. É a manga, é a jaca, tudo o que se dê de árvore, a fruta. Então você vai
florestar e vai colher (Marisa).
Ai, Taína, agroecologia eu acho que é agricultura junto com a ecologia, entendeu? Porque
assim... tipo assim... plantar e... no meio da mata, por exemplo, plantar árvores frutíferas,
entendeu? Eu entendo isso como agroecologia (Roberta).
A diversificação também pode ocorrer fora da propriedade, nos limites das plantações,
com o uso de quebra-ventos, cinturões de proteção e cercas vivas, que podem melhorar o
ambiente à fauna silvestre e aos insetos, proporcionando fontes de madeira, matérias orgânica,
recursos para insetos polinizadores, além de modificar a velocidade do vento e o microclima
(ALTIERI, 2002). Preocupações estas encontradas no acampamento, como demonstram as
falas a seguir em relação ao microclima:
É preciso [reflorestamento], vixe. Porque num dia igual hoje que eu to passando mal, sabe?
Pela baixa umidade do ar, porque não tem árvore. Aqui é um calor terrível. Porque se tivesse
umas árvores seria mais fresco, a própria cidade de Ribeirão falta árvores (Roberta).
Aqui na parte da agricultura é o básico que você tem que ter quando você mora no sítio,
alguma coisa. Primeiro, prioridade, que é a árvore em volta da casa. Fruta, pomar, alguma
coisa. Isso aí é de lei, por quê? Porque fica esse clima arejado, fresco. É a mesma coisa de você
no deserto, se você não tiver onde se esconder à noite você congela e de dia você frita
(Humberto).
O acampado Paulinho demonstra sua preocupação com a qualidade da fauna no
acampamento:
Concordo, como esse projeto de 20% mais 15% de áreas frutíferas. E o que é interessante
que eu acho em árvore frutífera, interessante porque você vai ter fruta pra vender, pra doar, pra
visitante que vem visitar e além disso tem os passarinho também, que eles vivem de fruta,
macaco, pássaro, tucano. Eu não sei se você viu que eles passam em rebanho de seis, oito
tucano, coisa mais linda do mundo e isso é muito interessante e importante. [...] E a população
do agronegócio, da capital do agronegócio vim visitar e uma coisa dessa, isso vai ser... vai
ser um cartão postal de Ribeirão Preto. Eu acredito.
Geraldo, por sua vez, aborda a importância dos cinturões verdes:
Porque como aqui é um lugar muito explorado, os canaviais já tomou conta de tudo, então 20%
é muito pouco, porque tão aqui trabalhando pra ver um... cinturão verde aqui em Ribeirão,
tentando fazer... 30% é uma quantidade boa. Não pode ser mais senão nóis não ia ter terra pra
plantar.
51
O acampado Humberto sugere um novo modelo de corte da área justamente para
favorecer os aspectos anteriormente citados por Altieri (2002):
Tem um projeto de corte de área que você pode reflorestar ainda mais. Por morador, na faixa
de 1% por morador. [...] Se todo mundo abriu mão desse ponto 14 [a medida do lote será 3,14
hectares]. [...] Daria 10 metros de largura por 140, uma área se você for ver irrisória, você pode
fazer pomar, árvore nativa, mas o sistema de corte seria... bem configurado antes de fazer o
corte. Porque ele teria que ser fundo com fundo de terreno. [...] Da mata até aqui seria um
corredor verde. Imagina um corredor de fora a fora até em cima. O que que... pra danos
ambientais... nenhum. Agora apóio 100%. Por quê? Fauna, flora, intempérie. Seria um divisor
de pragas e doenças, que o vento bateria nele e não transmitiria doença, propagação de pragas.
Frutas, variedades, de biodiversidades. Macaco, paca, tatu, é... insetos. Eles automaticamente
ia chegar dentro desse corredor (Humberto).
Em sistema de produção também deve-se se preocupar em reduzir o uso de energia e
controlar seu uso a fim de reduzir os custos e aumentar a eficiência e a viabilidade econômica
das pequenas e médias propriedades, promovendo sistemas agrícolas diversificados e
potencialmente resilientes (CAPORAL; COSTABEBER, 2002). Algumas formas de reutilizar
a energia foram mencionadas anteriormente, como utilizar o esterco dos animais como
adubo e a alimentar os animais com restos de alimentos (diminuindo gastos com insumos
externos). O acampado Humberto possui, inclusive, um planejamento para reduzir seus gastos
com energia otimizando sua produção:
O tratamento de esgoto mais próximo daqui é o Caiçara. Daqui vai dar mais ou menos 10,
12 quilômetros. Então você canalizar todo esse esgoto aqui, tubular beirando a margem do rio
pra dar seu nível, até chegar é um absurdo. Tem hoje uns processo que são de filtro, né.
Você faz o filtro com decantação, depois vem o filtro de pedra, areia, brita, areia média, areia
fina, carvão mineral. Essa água ela não vai sair potável, mas sim ela sai pra irrigação, pra lavar
carro, pra outros fins. Então essa água no caso é uma porcentagem muito baixa, ela vai ser
agregada junto com a água de captação de chuva que eu tenho pra chuva. [...] Se eu pegar toda
essa cobertura de todas as estruturas, jogar dentro de uma caixa, eu vou encher mais de
duzentos mil litros de água na época da chuva e essa água, se eu trabalhar ela com
gotejamento, igual aqui é uma região que venta bastante, é ponhá um cata-vento com uma
caixa grande em cima. O que que eu vou ter? Pressão pra gotejamento, sem danos ambientais.
No tratamento de esgoto vai entrar massa sólida do biodigestor. Aquilo dali fermentado,
tratado, vai se tornar adubo. Então seria viável e de um gasto baixo. [...] O biogás produz um
adubo líquido que você vai poder usar com o gás num motorzinho.
Os acampados também demonstram interesse quanto aos sistemas alternativos de
geração de energia:
Eu conheço assim, na teoria, tem a energia eólica, que tem o cata-vento. Tem aquela outra
energia, a de angra 3 lá, angra 1, que é uma energia que contamina, que é a nuclear. [...] A
energia elétrica tá em primeiro lugar, tem que ter, mas eu tenho pensado no uso aqui na casa na
energia solar pra aquecedor solar, pra economizando cerca de mais de 30% do que seria
gasto na energia elétrica. O chuveiro é o maior responsável pelo consumo de energia. Então
estaria economizando um pouco aí (Geraldo).
52
Energia elétrica, né, gerada pelo gerador da água, pelas turbina. Eu conheço a energia elétrica
vinda do bagaço da cana [...]. Outra coisa, através dos cata-vento, produz. [...] É o gerador de
força através do óleo, do combustível. Energia solar... (Ana Carolina).
Além dos projetos paralelos, o acampamento conta com um sistema de reciclagem.
Todavia, a prática de separação do lixo foi vista em apenas um barraco visitado e os
acampados não mencionaram participar da reciclagem, nem contribuindo com os materiais
recicláveis.
Os projetos de reciclagem aqui eles até funciona e... a respeito de garrafa pet, latinha e
plástico. Esse projeto ele tava assim sendo recolhido uma vez por semana, o rapaz do ferro
velho vinha, recolhia, pesava e pagava. Dava pouco dinheiro, mas o pouco que dava era pra
ajudar no setor da ciranda. [...] Tem que tudo separado [o lixo], mas não são todo mundo
que separa não. Tem uns também que recolhe pra vender. Até isso a gente pra eles e têm
outros que mesmo junta, leva e põe na lixeira lá fora (Paulinho).
Eu acho que a reciclagem aqui deixa muito a desejar porque tem muita coisa que poderia ser
aproveitado e as pessoa ainda não se conscientizou. O pau da banana artesanato, o bambu
artesanato, a garrafa pet você faz poltrona, faz carrinho. A palha você faz peteca, faz
luminária, bonequinhas, chapéu, só que não sei por que não funciona (Ana Carolina).
Outra estabilidade definida por Conway (1985, apud ALTIERI, 2002) é a estabilidade
cultural, que depende da manutenção da organização e do contexto sócio-cultural em que o
agroecossistema foi moldado através das gerações. Caporal e Costabeber (2002) acrescentam
que a agricultura deve ser entendida como atividade econômica e sociocultural realizada por
sujeitos que se caracterizam por uma forma particular de relacionamento com o meio
ambiente. Todavia esta faceta não pode comprometer o processo de problematização das
práticas adotadas mesmo que estas sejam práticas culturalmente determinadas, mas que
venham a prejudicar o meio ambiente.
A organização do MST difere entre as regiões do Brasil dependendo, segundo os
acampados, dos dirigentes regionais e dos militantes escolhidos. O acampamento, na opinião
dos moradores, é um local que preza pela ordem e hierarquia, em que as oportunidades são
compartilhadas igualmente e as questões devem ser decididas de maneira vertical, respeitando
a magnitude de cada grupo (assembléia, núcleos, setores etc.).
O Regimento Interno (APÊNDICE C) é o documento que favorece esta organização.
Embora muitos acampados apontem falhas, eles lutam para que ele seja respeitado e, caso
contrário, que as devidas providências sejam tomadas. Foi ele, inclusive, o item mais citado
durante as entrevistas, em que os acampados foram questionados sobre o que mais havia
chamado sua atenção no momento em que conheceram o Movimento, como demonstram as
falas a seguir:
53
O que mais me chamou atenção aqui no Movimento foi o regimento interno. O respeito de
qual e vim de uma família simples, criado... nascido e criado na roça. Hoje meus pais moram
na Bahia, na roça, e lá também tinha esse respeito. Não é Movimento lá, mas tinha esse
respeito com a comunidade. Eu já tinha esse costume, né (Paulinho).
O primeiro impacto que chamou atenção foi o Regimento Interno daqui de dentro. Porque se
não tivesse o Regimento Interno pra enfrentar todas as dificuldades que tem aqui, eu não
estaria aqui não. Eu vi que aqui era um local organizado. [...] Teve alguns problemas aqui no
acampamento, teve, mas o Regimento Interno garantiu que aquelas pessoas que fizeram
alguma coisa foi punido e alguns nem esaqui mais. É... eu saio daqui, eu fico tranqüilo com
o ambiente aqui dentro, não fico preocupado com o meu barraco. Eu tenho casa fora e fico
preocupado se alguém vai entrar, vai roubar (Geraldo).
Por ter sido formulado pelos próprios acampados, o Regimento Interno torna-se mais
valorizado e com maior credibilidade do que as leis brasileiras, como mostra a fala do
acampado Paulinho:
E o que me chamou atenção foi esse respeito da comunidade, esse regimento interno, onde
fora a gente não tem nada disso, a gente sempre com medo. [...] As leis não funciona, a
gente tem que ser bem claro. Esses dias eu tava na conferência do... na conferência dos direitos
humanos, VI Conferência dos Direitos Humanos. Uma coisa me chamou muito atenção e
realmente verdade que as leis existe, mas no papel, ela não sai do papel. Por quê? Porque a
população não se mobiliza, não se une pra cobrá. Porque só através da mobilização que cobra
as coisas, no individual não consegue. A não ser quem tem um entendimento, quem é formado
em direito porque caso contrário não consegue que as lei seje colocado em prática [...]. Cada
um quer saber de trabalhar, cuidar da sua vida, entra pra dentro, trancou o portão, cabô. As
pessoa são acomodada. E o MST não é assim.
É importante observar que a supervalorização do MST por parte dos acampados é algo
presente na maioria das respostas dos entrevistados. Como afirma Conway (1985, apud
ALTIERI, 2002), a estabilidade cultural engloba o contexto sócio-cultural em que o
agroecossistema é formado. Assim, a agroecologia pretendida pelo Movimento é favorecida
pelo fato de seus integrantes terem, na maioria, origem campesina (trabalharam/moraram na
roça ou são filhos de trabalhadores rurais), o que os torna próximos quanto aos seus valores e
sua cultura. Além disso, percebe-se uma grande satisfação em pertencerem ao MST, onde o
atribuem como local de luta pela reforma agrária (e conseqüentemente, pelos direitos de
retorno a terra), de combate à desigualdade social (muitos acampados que sofreram o
processo de êxodo rural chegaram a passar fome, tiveram contato com pessoas que
trabalhavam com tráfico de drogas, se sentiam explorados na medida em que o salário que
recebiam era insuficiente para o pagamento de suas contas e para o transporte para
encontrarem seus familiares) e de segurança e companheirismo frente à violência e
individualismo das cidades. Quando questionada se acreditava que o MST, além de lutar pela
reforma agrária, contribuía para o combate à violência, a acampada Ana Carolina respondeu:
54
Tem muitos movimento que deixa um pouco a desejar em matéria de assim... Mas até hoje o
que eu tenho visto dentro do nosso movimento, as nossas invasões, as nossas coisa, você
que pra cá, às vezes fora, pro Mato Grosso, você falar de morte, de coisa, mas eu assim,
na nossa região aqui eu acho muito passivo. Eu acho que ele combate a violência. Porque a
gente não aceita a violência. A gente não aceita uma mãe batendo numa criança, é o nosso
regulamento. [...] Eu acho que o movimento em prol da violência ele luta muito contra a
violência. E contra as desigualdade social, né.
Nesta perspectiva, o estabelecimento de uma agricultura com bases agroecológicas
torna-se facilitada pelo fato de o acampamento oferecer uma estrutura capaz de reunir
trabalhadores do campo e trabalhadores urbanos que sofreram com processos de exploração
nas cidades e cuja oportunidade de acesso à terra para subsistência tornou-se distante na
medida em que a concentração fundiária no país aumentou.
Todavia, mesmo que o Regimento Interno garanta a organização estrutural do
acampamento, falta de organização no sentido de orientação e educação dos acampados
frente à agricultura, principalmente os que nunca ingressaram em um movimento social e,
muitas vezes, nunca tiveram contato com a roça ou com a agroecologia. Segundo o acampado
Humberto:
[Quando perguntado sobre o que mais lhe chamou atenção no Movimento] A desestruturação
das famílias. Eu vim de roça, eu sei o que é morar no campo. Desestruturação das pessoas
chegar num lugar e não saber o que ta fazendo, totalmente desorientado. Eu achei que aqui era
feito um trabalho de orientação. Olha, vocês têm que começar assim, assim, até a pessoa
engrenar. Isso não ocorre. A pessoa tem que aprender pelo jeito mais doloroso que tem, no dia-
a-dia e se torna difícil pra quem não conhece. Quem vai pagar o pato é sempre as criança e os
idoso.
A fala do acampado Humberto torna-se fundamental, pois vai ao encontro de outro
aspecto observado durante as entrevistas: praticamente nenhum entrevistado havia realizado o
curso de agroecologia oferecido pelo Movimento. Apenas uma acampada afirmou ter iniciado
o curso, mas não chegou a finalizá-lo.
Como afirmou a acampada Cássia, o curso de agroecologia tem a duração de três anos,
sendo cada etapa de três meses. A acampada disse que participa do curso os acampados
interessados:
Quem tem a oitava [série] vai, é querer. [...] Aqui do acampamento acho que tem umas
quinze pessoas que vai fazer o curso. Teve gente que não quis ir, né? Um não tem a oitava,
outro não quis ir, outros foi duas semanas, três semanas e depois não quis ir mais.
O acampado Humberto questiona a eficácia dos cursos de capacitação em
agroecologia oferecidos pelo MST:
55
[O curso] ajuda se a pessoa não pegar o curso e enterrar dentro de uma gaveta e botar em
prática. Ocorre na maioria das vezes. Por quê? Porque a pessoa não tem o dom de mexer com a
terra. De tanto ficar no provisório [lote indefinido] a pessoa evita de fazer e cai no
esquecimento, esquece. Não usa, acaba guardando pra si e não passa pra frente.
O acampado Humberto acredita que o contexto sócio-cultural do acampamento
permite subdividir seus moradores em três categorias: os moradores que pretendem viver e
morar da terra, os moradores que pretendem morar na terra e os moradores que querem se
aproveitar do processo de reforma agrária para enriquecer, como sinaliza o acampado
Humberto:
Então, que aqui, numa proporção que eu enxergo, seria 30% viver da terra, tirar o sustento
da terra, mais 40% que quer ficar na terra, que você pode ter muitos aqui que nunca mexeu
com nada [...]. E tem a parte que quer a terra, mas é pra negócio. Tão esperando o crédito pra
dar linha. É... esse aí que é o erro.
Este contexto dificulta o estabelecimento da agroecologia, pois, sendo o limite entre
estas subdivisões muito tênue, às vezes o Movimento incentiva a formação de pessoas que
não estão interessadas na melhoria do sistema de produção do grupo e não compartilham o
conteúdo estudado nos cursos. Periodicamente, o acampamento e sua luta pela posse da terra
são prejudicados pela ação e conseqüente saída destas pessoas. No presente trabalho,
ocorreram três acontecimentos que colocam em dúvida a credibilidade dos acampados e
militantes, de acordo com a descrição dos próprios acampados.
O primeiro foi que o Movimento confirmou a hipótese de que um dos dirigentes estava
ligado a outro movimento social pela reforma agrária, um movimento com idéias contrárias às
do MST e que constantemente envolve-se em escândalos que comprometem o MST perante a
população em geral. Este dirigente foi expulso do Movimento, entretanto, pelo processo de
distribuição dos lotes estar encaminhado, os acampados tiveram que redobrar a segurança
com receito de que este retorne e se fixe em algum lote.
O segundo evento foi o afastamento de um dos militantes, morador de um
assentamento do Movimento, devido a desentendimentos pessoais e conseqüente conflito com
outro militante. Esta notícia repercutiu nas demais lideranças regionais do MST e enfraqueceu
a credibilidade do acampamento de Ribeirão Preto frente aos demais localizados pelo Brasil.
O terceiro acontecimento, ainda mal explicado, foi a saída de vários militantes do
Movimento por alegarem que as atividades realizadas por outros estavam em desacordo com
os princípios do MST, que elas não dispunham da transparência que um movimento social
56
exige a fim de conquistar seguidores e cumprir com os compromissos assumidos aos que
participam do MST.
Estas três ocorrências abalaram o acampamento. Primeiramente por não ter havido um
esclarecimento convincente da parte da liderança regional, o que favoreceu as conversas
paralelas e, talvez, a distorção dos fatos. Em segundo lugar, a credibilidade dos militantes foi
abalada de maneira que todas as informações que vinham deles tornavam-se duvidosas, o que
resultava em descaso de alguns moradores. Isto prejudicou, principalmente, os segmentos
mais frágeis e de resultado não imediato, como preparo de místicas e festas e as práticas
agroecológicas.
Juntamente com a aproximação da etapa de divisão dos lotes, o enfraquecimento de
parte das lideranças e o medo de perder mais moradores fizeram com que alguns acampados
deixassem de participar de atividades de reflorestamento, por exemplo. Nestes dias, era
possível ouvir discursos como “Eu não vou plantar [reflorestar] nada. Agora a terra vai ser
minha mesmo” [Nota de campo].
O acampado Humberto sintetiza a ambigüidade de sentimentos dos acampados frente
ao Movimento. De um lado a crença de que o Movimento é um local de pessoas
trabalhadoras, em busca de um ideal comum e, por outro lado, a desconfiança de que a
instabilidade do ser humano seja capaz de modificar e estremecer os laços que os unem:
Então, ele [Movimento] luta [por objetivos além da reforma agrária], mas é muito
individualmente a si próprio. Aqui no acampamento eles qué um posto de saúde, escola,
creche. Não sou contra, mas acho que são colocadas essas reivindicações fora de hora.
Primeiro você tem que reivindicar o assentamento, seria a colocação da família, pra você
formar uma sociedade e ser reconhecida como comunidade.
Um dos acampados ainda complementa dizendo que algumas vezes os militantes
parecem preencher o tempo dos acampados com assuntos secundários como forma de acalmá-
los frente a algum problema e ocupá-los com outras atividades de menor importância. Este
fato pôde ser observado com o depoimento de uma acampada ironizando o fato da entrega das
cestas básicas ocorrer exatamente após o cancelamento da reunião que haveria entre os
acampados e o INCRA, para “acalmar o povo”.
Uma outra característica fortemente presente no acampamento é a interculturalidade
de geração. Na maioria das vezes ela enriquece o relacionamento dos acampados na medida
em que favorece o diálogo sobre experiências, dicas de plantio, companheirismo na troca de
favores etc. A acampada Ana Carolina exemplifica: ”Eu tenho um livro de mais de 290
57
páginas que hoje eu dei pro Seu Chico porque eu acho que na mão dele teria mais como fazer
do que eu”.
É comum observar entre os acampados as trocas e as doações de alimentos; de mudas
de plantas, de sementes para o plantio; de material de construção como madeira e tela. As
conversas giram em torno dos acontecimentos do acampamento e lembranças de como seriam
resolvidos no passado. Geralmente, se não de maneira unânime, os moradores mais idosos são
respeitados e admirados pelos demais. Um caso que chamou a atenção foi que nos primeiros
dias da pesquisadora no acampamento, uma moradora imediatamente disse que iria contribuir,
mas que aconselharia a procurar o acampado Chico, pois ele havia dedicado a vida ao
Movimento, vivenciou as dificuldades e os perigos e que hoje morava no Mário Lago. Disse
que esta conversa seria importantíssima para este trabalho. Sobre o acampado Chico, Ana
Carolina ainda complementa, se referindo aos motivos pelo qual ela chegou ao Movimento:
Olha, o que eu mais gostei, o que mais eu amei desde o começo no Movimento, em primeiro
lugar porque eu vi uma pessoa que foi fundadora do Movimento deslumbrar com as coisas que
ele fazia e com as coisas que ele falava.
Estas práticas vão ao encontro do que Caporal e Costabeber (2002) chamam de “ética
da solidariedade”. Uma agricultura que atenda requisitos de solidariedade entre gerações
atuais e para com as futuras gerações, ou seja, uma agricultura sustentável.
O acampado Chico, com idade acima de 70 anos, é uma referência no acampamento
como sinônimo de persistência e honestidade. Está sempre disposto a conversar, preparado
para contribuir com seus conhecimentos e ainda trabalha no lote, sendo este um dos mais bem
cuidados do acampamento. Todavia, diante da sua vasta experiência dentro do Movimento,
sente-se “aposentado” pelos colegas do acampamento por ser uma “pessoa polêmica”, “não
admitir trabalho mal feito” e pela idade avançada. É clara sua mágoa por não incluí-lo da
liderança do Movimento, lamenta pelo fato de não terem maturidade e sabedoria suficiente
para utilizarem seus conhecimentos e sua experiência. Hoje, limita-se a cuidar do seu lote e a
freqüentar as reuniões de núcleo.
Para o acampado Chico, algumas decisões tomadas pelo Movimento são difíceis de
compreender. Um exemplo sobre isso é com relação à área destinada à preservação
permanente no acampamento.
Segundo os acampados, a legislação brasileira exige que 25% de toda propriedade seja
reservada à preservação permanente (área de preservação permanente - APP), intocada e, se
necessário, reflorestada. O Movimento, como bandeira para estabelecer e acelerar o processo
58
de reforma agrária, propôs que destinassem 35% da área da Fazenda para APP. Ou seja, o
Movimento estabeleceu que o acampamento deixaria intocável a mata existente e ainda
reflorestaria a área necessária para completar 35% de mata preservada, 10% a mais do que
exige a legislação brasileira.
Alguns acampados apóiam a iniciativa, vislumbrando os benefícios e a importância do
reflorestamento (FIGURA 6), como podemos observar a seguir:
Figura 6. Reflorestamento realizado pelos acampados.
Fonte: arquivo pessoal.
Então é... por exemplo, igual eu já vi um estudo que a USP
8
fez há muito tempo atrás que tinha
uma fazenda no estado de São Paulo que tinha muitas mina. o cara s umas vacas pra
pastar, cortou as árvores e colocou as vacas pra pastar e ali aquela água de cima montava um
rio e o rio foi secando. eles descobriu que a bacia do rio saia daquele lugar onde ele s as
vaca pra pastar. Porque as vaca pisava e tampou todas as mina. o que eles fizero: cercaram
de arame, reflorestaram as mina e aí voltou a funcionar a água (Ana Carolina).
Há quem aconselhe melhor:
Eu não concordo, mas acho favorável aumentar para 40%. Mas não pro pequeno produtor
rural, isso devia ser lei por propriedade tanto o pequeno, vamo suponhar que seja 30%, mas
8
Universidade de São Paulo.
59
o grande produtor que tem muita área, os mesmos 30%. [...] Então teria aquele impasse e
desigualdade. Todo mundo taria fazendo a mesma parte, tanto o rico como o pequeno
(Humberto).
Todavia, o acampado Chico é contra destinar 35% da área da Fazenda para
preservação permanente, que a lei exige 25%. Alega que os lotes são pequenos e que
muitas famílias. Acha que esta iniciativa do Movimento em aumentar a área pode não
contribuir para os acampados, decepcionando-os. “Se a lei exige menos, porque dar mais?
(Chico).
É importante observar a importância do diálogo dentro de um movimento social, tendo
em vista que os processos participativos e democráticos que se desenvolvem no contexto
agrícola devem ser concebidos a partir de concepções culturais e políticas de cada acampado e
do Movimento como um todo, estabelecendo assim a dimensão política da agroecologia
(CAPORAL; COSTABEBER, 2002). O acampado Chico possui idéias que divergem da
maioria dos demais acampados, entretanto continua sendo valorizado pelos colegas.
O acampado Chico conhece o Movimento desde seu início, inclusive é amigo de um
de seus fundadores. Conheceu e acompanhou o Movimento em outras épocas, em que a
preservação da qualidade ambiental era desconhecida da população, tão pouco estava inserida
nos planos de reforma agrária do MST.
No início dos anos 60, esta realidade de descaso com o meio ambiente começou a
mudar graças ao ambientalismo, que questionava os valores da sociedade capitalista (GRÜN,
1996). Sato (2004) sinaliza que o desenvolvimento da consciência ambiental vem ocorrendo
mais acentuadamente desde os anos 80, com base em uma série de conferências e tratados
(Conferências de Estocolmo e Tibilisi, Relatório Brundland e a Carta da Terra). Assim, todo
um conjunto de práticas voltadas para o meio ambiente tem se instituído nos programas de
governo tanto quanto nas diversas iniciativas de grupo, de associações e de movimentos
sociais (SATO, 2004), bem como no MST.
Como o contexto em que o agroecossistema está inserido é fundamental para o
estabelecimento de uma agroecologia com características próprias, a educação dentro dos
Movimentos Sociais faz-se presente nas práticas agrícolas a partir do momento em que
influencia as decisões. A acampada Roberta salienta que a “liberdade” proporcionada pelo
MST faz com que suas lutas sejam mais enriquecidas e prazerosas:
Ai, o que mais me chamou atenção foi mesmo a liberdade, sabe, Taína, porque somos livres ou
quase livres. Se não somos tão livres é graças aos governantes, você entendeu? Mas a gente
tem assim... autonomia pra falar as coisas e... e é melhor. Ao contrário de lá de fora.
60
Esta “autonomia” citada por Roberta reflete o que Gohn (2001) insere na expressão “o
movimento educa”. Segundo a autora, o ato de participar de um movimento, como o
movimento social, proporciona uma concepção de educação que vai além das práticas
pedagógicas e conteúdos específicos convencionais, o que nos remete à cidadania coletiva
construída “no cotidiano através do processo de identidade político-cultural que as lutas
cotidianas geram” (GOHN, 2001, p. 16). Essa busca pela cidadania vai ao encontro do próprio
conceito de sustentabilidade ética na agroecologia desenvolvido por Caporal e Costabeber
(2002) na medida em que os autores incluem o resgate da dignidade humana, a luta contra a
miséria e a fome e o resgate da cidadania como fatores com causadores de modificações no
meio ambiente.
Enfim a estabilidade econômica defendida por Conway (1985, apud ALTIERI,
2002) como a habilidade do produtor em prever os preços de mercado dos insumos e da
produção e manter a renda da propriedade. poucos indícios da estabilidade econômica no
acampamento, justamente por se tratar de uma organização provisória, em que não se
estabeleceu o assentamento e em constante modificação por fatores como definição da área
dos lotes, da área destinadas à infra-estrutura (estradas, escola e outros), áreas de preservação
permanente e, principalmente, definição da terra para plantio coletivo e individual. O maior
contato que os acampados possuem com os valores do preço da produção em Ribeirão Preto é
graças ao preço pago pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) pelos alimentos
produzidos. O maior meio de comercialização dos produtos, e provavelmente o único
utilizado pelos acampados, é a CONAB. Dois caminhões da CONAB, em média a cada
quinze dias, vão até o acampamento e permanecem durante todo o dia. Os acampados,
então, se locomovem até eles em locais pré-determinados e deixam suas mercadorias. A
CONAB entrega ao acampado uma espécie de recibo pela entrega, onde consta o produto
entregue, a quantidade e o valor a ser pago pela Companhia após 30 dias. Toda semana os
produtores ficam ansiosos pela chegada do caminhão para a compra das mercadorias, que
não há data fixa para estas entregas. Quando o caminhão atrasa ou falta, a frustração é visível.
Poucos acampados demonstraram insegurança quanto ao valor pago pela CONAB. A maioria
não se apegou a este detalhe, a venda em si se constitui o ponto principal. O alimento vendido
à CONAB destina-se a instituições de caráter social do município.
Por sua vez, este sistema de comercialização acaba prejudicando o modo coletivo de
produção, sendo este um grande dilema no acampamento. Destacam-se duas razões: (1) a
CONAB emite o recibo da mercadoria e conseqüente compromisso de pagamento pela mesma
de acordo com um cadastro por família. Tendo a mercadoria vários donos, como no modo
61
coletivo, um outro sistema de pagamento deveria ser adotado, o que ainda não ocorreu, (2) a
CONAB recebe qualquer tipo de frutas, legumes e verduras. Não se preocupa com a
variabilidade, o que resulta em comodismo por parte dos acampados em produzir diferentes
tipos de alimentos e, consequentemente, em dinamizar a produção através do trabalho
coletivo. Desta maneira, os alimentos “da época” ou perenes acabam sendo cultivos na
maioria dos lotes, como ocorre com a mandioca, mamão e quiabo.
O INCRA, juntamente com o MST, está definindo a área para cada família de 2
hectares para produção individual, onde se localizará também a casa, e 1,14 hectares para
produção coletiva, que se localizará longe da casa, na região central do acampamento, todas
as famílias reunidas. A maioria dos entrevistados não concorda com o modo de produção no
coletivo, e sim a comercialização ser unificada, como demonstram as falas a seguir:
É o seguinte, eu tô falando aqui por mim, não tô falando em nome do MST não, porque o MST
se fosse falar teria que falar um coletivo já. O que eu penso assim, eu penso que o coletivo
funciona só que na parte da agroindústria. [...] Suponhamos que eu plante mandioca e os outros
também, a gente faz um coletivo de agroindústria de mandioca, uma farinheira no caso.
quando a gente tiver com essa mandioca pronta, seria agendado um dia pra eu fazer minha
farinha, outro pra fazer sua farinha. Eu acho que coletivo funciona mais nesse sentido. Em
vez de você plantar a roça junto, você planta e cuida com a sua família. [...] Tem diversidade
de pensamento... pra fazer uma cooperação pra plantar tudo junto tem que ter muita afinidade.
Então é mais provável que certo a agricultura familiar mesmo, porque daí você não precisa
ficar anotando hora, entendeu, quem trabalhou mais, quem trabalhou menos... A venda
também pode ser feita no coletivo [...], que providencia as coisas jurídicas, código de barra, pra
ficar um produto acabadinho, bonito (Geraldo).
No coletivo tem que saber ser bem trabalhado, bem conversado e ter uma afinidade muito forte
pra ele funcionar. Eu acredito no coletivo, pois através do coletivo a gente conquista as coisa
dentro do Movimento Social. Já pra trabalhar na roça, junto, no coletivo, já não vai dar certo,
não dá. Eu acho assim, que cada um faz sua parte do mesmo nível, vamo supor, vai plantar
milho na área coletiva, cada um planta o seu na área coletiva, mas cada um cuida do seu, mas
ser só milho pra na hora de vender você ter um... uma quantidade grande pra vender no
atacado, então é melhor a venda (Paulinho).
O acampado Paulinho defende que a produção seja feita no modo individual, mas na
área coletiva. A definição da área coletiva longe da casa do produtor dificultou o trabalho,
pois necessidade de transportar as ferramentas, os sacos de sementes, o adubo, a água para
beber, entre outros. A maioria dos acampados não possui meio de transporte e são idosos. Os
acampados concordam com o que acampado Humberto definiu como “sistema de parcerias”:
Eu sou favorável ao sistema de parcerias. Companheirismo. Frete, cotação de preço, compra e
venda. Isso daí é o básico porque eu sei se eu for comprar um ou uma sacaria pra guardar o
milho, eu vou pagar no preço individual, mas se eu pegar em dez e for comprar, o preço é
outro. sim eu sou a favor do coletivo, mas não é um coletivo com contrato fixo, mas sim na
parceria. [...] Tem coisas que até pra comprar coletivamente, mas tem outras coisa que não.
Hoje eu tô de bom humor, amanhã eu posso não estar.
62
Entretanto, a acampada Cássia ainda defende o modo de produção coletiva:
Eu prefiro coletivo. Coletivo parece que... as pessoas trabalham mais com vontade do que o
individual. Eu quero sim trabalho coletivo. Sabe por quê? Eu fui no Sul [região Sul do país] e
no Sul eu participei... fui numa colônia que tinha o individual e os coletivo. Na mesma
fazenda. O coletivo é tudo de melhor, tudo de bom e o individual não tinha nada. [...] Tinha
padaria, uma mini fabriquinha de açúcar mascavo. Granja de galinha, porco, tudo no coletivo.
sim eles colhe tudo no coletivo. na hora de repartir eles saem repartindo 3 quilos de
arroz, 3 de feijão, por semana, aí vai levando nas casas, muito legal.
A estabilidade econômica pôde ser sinalizada nas falas dos acampados ao
demonstrarem que eles possuem uma boa visão do mercado na medida em que conseguem
definir o modo de produção e os mecanismos de comercialização que mais contribuirão para a
renda da família futuramente, como demonstra o acampado Humberto:
3,14 [medida do lote, em hectare] vai passar de um alquere. 2,4 um alqueire de terra. 3,14
vai dar um adquire e pouco mais de meio. Ó, se a pessoa plantar... se você pegar esse adquire e
meio, pegar meio adquire e plantar feijão, a minha família, a sua família, a família do teu
irmão, da tua irmã não come o feijão que produz. Inteira, famílias inteiras. [Demoraria quanto
tempo?] Em noventa dias. Se tudo correr bem. Então você que é uma coisa... e isso é no
meio adquire, então é uma coisa que produz muito.
As ferramentas e o maquinário agrícola são geralmente emprestados, doados ou
alugados dos próprios acampados. Entretanto, quem tenha conhecimento acerca de preço
do trator, utilizado para a aração do lote, e pretende aumentar o número de tratores para
continuar com este trabalho, já que o aluguel de um trator por hora custa em torno de
R$100,00.
A perspectiva ecológica da agroecologia tem importância fundamental no
desenvolvimento de agriculturas sustentáveis, pois se preocupa com a resiliência da natureza
(COX; ATKINS, 1979, apud ALTIERI, 2002). Como defende os autores, a capacidade de
recuperação e suporte do meio ambiente obriga a uma reflexão acerca da longevidade do uso
dos recursos naturais, tornando essencial o planejamento de agroecossistemas.
3.3.2 Parâmetros de avaliação de sistemas de produção
A fim de desenvolver uma abordagem mais holística para avaliar os sistemas de
produção do ponto de vista da agroecologia, Meyer et al (1992, apud ALTIERI, 2002)
63
identificaram dois parâmetros de avaliação. Os parâmetros são: contaminação dos recursos
naturais e qualidade da paisagem agrícola.
Os autores inseriram, no item contaminação dos recursos naturais, a alteração da
qualidade do ar, água e solo causada pelos insumos ou pelas colheitas dos agroecossistemas.
Nesta perspectiva, os acampados demonstraram cuidado com a poluição dos recursos
naturais na maioria das etapas do sistema de produção, plantio, colheita e destino dos
produtos. Com relação à alteração da qualidade do ar, muitos acampados mostraram
insatisfação quanto à prática de queimada dos cultivos de cana-de-açúcar, como mostra o
acampado Geraldo: “Só que aqui, quando à noite, o pessoal começa a sentar fogo nos
canaviais, entende? Aí solta fumaça pra meio mundo, chega a ficar ruim a respiração”.
A fazenda onde se localiza o acampamento era destinada à produção de cana-de-
açúcar, portanto, para a construção dos barracos e do preparo da terra para o plantio, foi
necessário retirar a cana existente, o que ocorreu de manualmente, por homens e mulheres.
Alguns acampados dispunham de máquinas. Durante o presente trabalho não se observou a
retirada da cana-de-açúcar ocorrendo através de queimadas.
A única prática de queimada vista no acampamento foi a queimada do lixo, realizada
por alguns acampados que moram longe do local disponibilizado para coleta do lixo.
apenas um local no acampamento inteiro.
Os cuidados com a água e o solo estão presentes nos discursos dos acampados devido
à presença do Aqüífero Guarani. Todos os entrevistados tinham conhecimento do Aqüífero
bem como descreveram as formas de prevenção de sua contaminação. As mais citadas foram
a não utilização de insumos químicos e a localização das fossas.
Então, é aonde que a gente briga muito pelo meio ambiente pra que não atinge ele, né. É...
máquinas pesadas, né. É... fossa funda, a não ser o poço de água. A fossa tem que manter bem
à distância (Marisa).
O banheiro é colocado... feito um banheiro normal, mas ele assim... muita gente coloca tábua
no chão, outros cimenta, coloca o vaso e abre uma fossa que não seja muito funda pra que não
venha assim atingir o meio ambiente (Paulinho).
Utilizam adubo orgânico e respeitam o tempo de resiliência do solo, entretanto, a
compactação do solo devido ao cultivo da cana-de-açúcar os obriga a revolvê-lo com arado no
início da época de plantio, ou seja, na época das chuvas. No restante do ano, o preparo da
terra ocorre manualmente, também pelas mulheres.
64
Os acampados evitam a erosão e a lixiviação do solo restabelecendo a cobertura
vegetal através do reflorestamento, como afirma o acampado Paulinho:
O reflorestamento é muito importante e interessante. Não é aqui, pra mim é no Brasil
inteiro. É... o reflorestamento, ele vai preserva o meio ambiente, preservar as nascentes de
água, preservar os córrego, os rio, a natureza e é muito bonito isso e também acho que ajuda
muito a... assim... a água, né, não secar muito a água, porque se a céu aberto, a tendência é
acabar.
O acampado Humberto explica de que maneira evita o assoreamento do poço que
utiliza:
A gente fizemo um acompanhamento, compramo um motorzinho, puzemo um motor, bomba,
fizemo um investimento. Que saía muito mais viável, por quê? Porque se você começar a tirar
água na corda, automaticamente a água ondula no fundo do poço, ela começa a barranquear,
assorear o poço e isso vai acabar assoreando as mina.
O parâmetro “qualidade da paisagem agrícola”, por sua vez, aborda de que maneira os
modelos agrícolas, ao utilizarem a terra, modificam a paisagem e influenciam os processos
ecológicos. Nesta perspectiva, poucas considerações podem ser feitas que o sistema de
produção do acampamento encontra-se indefinido na maioria dos lotes. A paisagem do
acampamento foi radicalmente modificada no momento em que a área era utilizada para o
cultivo da cana-de-açúcar, ou seja, eles não sabem como era a paisagem desta região antes
disso. Hoje os acampados trabalham para reverter este quadro através de constante trabalho de
reflorestamento. Todavia, muitas áreas do acampamento ainda possuem muita cana-de-açúcar
ou estão sem plantação alguma. A nova paisagem que se pretende obter ainda está em
discussão, como pudemos observar nas falas anteriores sobre a definição das áreas de plantio
e das áreas de preservação permanente.
Os agroecossistemas não são apenas determinados pelos fatores bióticos. Para Altieri
(2002), questões como a queda dos preços de mercado e as mudanças na posse da terra podem
desestruturar um sistema de produção tanto quantos fatores como estiagem, pragas e baixa
fertilidade do solo.
Como dito anteriormente, os acampados de maneira geral demonstraram pouco
conhecimento acerca do valor de mercado dos produtos que produziam, pois a única
referência concreta deles é a CONAB. Não há feiras de alimentos nem vendas para o mercado
atacadista ou varejista. Esta situação é compreensível devido às inúmeras dificuldades
existentes por ainda serem acampados e não assentados, como falta de água e de energia para
irrigação. Durante o presente trabalho, os acampados destinavam seus dias a discutir e esperar
65
as ações do INCRA para o “corte das terras”, como eles próprios denominam a prática de
mapear e dividir o acampamento em lotes, estradas, entre outros. Entretanto, alguns
moradores conseguiram se adaptar às deficiências e elaboraram um sistema de irrigação e de
retirada de água do poço através de motor movido à gasolina; plantio manual, como o
acampado Chico e sua esposa Elis, que, com mais de setenta anos, possuem um dos lotes mais
produtivos do acampamento.
Além disso, há o fator da baixa transferência de tecnologia, que Altieri (2002) atribui à
desvalorização do produtor e sua conseqüente dificuldade em adquirir créditos. A
desvalorização do produtor, amplamente conhecida inclusive pela relação de competição entre
o campo e a cidade, acentua-se pelo fato dos trabalhadores participarem de um movimento de
sem terra.
Houve uma grande melhora aos olhos do povo fora com nós aqui dentro, mas acho que
ainda falta muito, tem bastante ignorância ainda em nos conhecer, sabe, em saber quem
realmente é os trabalhadores rurais sem terra. Eu me sinto incomodada assim, na questão de
que eles estão perdendo e não eu, entendeu? Em não saber do MST, mas que eles tão
perdendo. Lá fora eles estão sofrendo, sem saber. [...] Eu sinto pena deles, não de mim
(Roberta).
A fala da acampada Roberta sinaliza que os acampados têm consciência do
preconceito que acomete os trabalhadores sem terra. Por conta disso, a preocupação com a
imagem do Movimento é intensa, fazendo com que seja receosa sua relação com os demais
movimentos de reforma agrária por não partilharem da mesma organização e formas de luta.
As duas principais faces de atuação do MST se mostram à sociedade através das
ocupações, dos acampamentos e das manifestações promovidas. De acordo com a dimensão
política definida por Caporal e Costabeber (2002), ambas atuações do MST são mecanismos
para estabelecer relações com a sociedade maior, “privilegiando o estabelecimento de
plataformas de negociação nos quais os atores locais possam expressar seus interesses e suas
necessidades em pé de igualdade com outros atores envolvidos” (p. 79).
Gohn (2001) complementa o texto dos autores através do que chama de “dimensão da
cultura política nos movimentos sociais”, que se constitui como utilizar os conhecimentos do
passado para a construção do futuro:
Aprende-se a não ter medo de tudo aquilo que foi inculcado como proibido, inacessível.
Aprende-se a decodificar o porquê das restrições e proibições. Aprende-se a acreditar no poder
da fala e dar idéias, quando expressas em lugares e ocasiões adequadas. Aprende-se a criar
códigos específicos para solidificar as mensagens e bandeiras de luta, tais como as músicas e
folhetins. [...] Isto porque ocorre a identificação do processo de ocultamento das diferenças
66
sociais existentes e, conseqüentemente, a identificação dos distintos interesses de classes
presentes (p. 19).
A acampada Ana Carolina exemplifica a fala da autora ao demonstrar o processo de
construção do conhecimento dos acampados sem terra frente à sociedade:
Eu acho que [manifestação] é [benefício] porque aí eles vão medir a força que nóis tem.
Porque nóis tamo ali, nós não vamos aceitar aquilo. is não pode ir de céu aberto, peito
aberto? Então nóis vamo que nem a tartaruga, debaixo do casco, escondidinho, chegamo e
passamo a perna neles tudo [...]. O Movimento é um desenvolvimento assim, ele... tem coisa
errada? Tem, não vou falar pra você que nóis é santo, nóis não é santo. Mas quando nóis vai
fazer uma coisa, Taína, você pode ter certeza de uma coisa que quando nóis entra numa briga,
nóis entra pra ajudar a população, pra ajudar o país, porque nóis ganha no grito. is é a
turma dos bagunceiro que quer tudo certo.
No ano de 2008 três manifestações relacionadas ao meio ambiente ocorreram. A
primeira delas foi contra uma multinacional que produzia mudas de milho transgênicas. As
falas das acampadas ilustram os objetivos da manifestação:
Bom, a do transgênico é... ocupou a Empresa 1
9
, é... reivindicando o agrotóxico que tava né...
[...] O da Empresa 1 a gente ocupou devido é... a morte do Beto
10
. E a gente ocupamo,
chegamo de manhã, sem ter ninguém, conseguimos entrar e então a gente fez a
reivindicação. A gente reivindicou é... sobre a morte (Marisa).
O Beto é um... foi um revolucionário que eu não sei te explicar de onde que ele é. Sei bem te
explicar que ele era do MST. E por defesa dos transgênicos ele foi morto, né. [...] Pra que
colocassem na cabeça que mexeu com um, mexeu com todos (Marisa).
Muito milho. [...] Dizem que eram uns milhos bonitos, entendeu? Mas só que assim, eu não
sei, mas o transgênicos, igual o milho da Empresa 1 são sementes que não produzem mais,
produzem uma vez e você tem que comprar dela pra ela produzir (Roberta).
Logo, podemos observar através das falas que duas hipóteses acerca dos objetivos
da manifestação: 1) a manifestação foi realizada com três objetivos (alertar para o uso dos
agrotóxicos, para a morte do militante Beto e para a produção de transgênicos), 2) não ficou
claro para as acampadas o objetivo da manifestação e, mesmo nesta condição, uma delas
participou da atividade.
Outra manifestação ocorreu na entrada do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Renováveis (IBAMA). A acampada Marisa, que participou da manifestação, disse
que o objetivo era pressionar o IBAMA para aumentar a fiscalização acerca dos
desmatamentos. Os acampados conseguiram ser ouvidos, mas não ficaram satisfeitos, como
9
Nome fictício da empresa que realiza pesquisas com alimentos transgênicos.
10
Beto é o nome fictício de um militante assassinado por seguranças de uma empresa de alimentos transgênicos
em 2007 (MST, 2008d).
67
afirma Marisa, “e até então houve muita promessa que nóis aguardando. Promessa tem pra
tudo quanto é lado que você vai. Mas nunca cumpre correto.”.
Assim, o MST demonstrou preocupação acerca da qualidade dos biomas brasileiros.
Nesta manifestação foram mobilizadas cerca de 130 pessoas, de diversas regiões do Estado de
São Paulo, segundo a acampada.
A terceira manifestação foi realizada em uma rede de supermercados cujo objetivo foi:
A gente queria mostrar ao público como que consegue identificar o transgênico e o não
transgênico. Mas até então não deixaram a gente entrar, né, pra dentro do supermercado. Que o
selo é tão pequenininho que a maioria das pessoas não presta atenção, né. Aí a gente ia mostrar
como que se identifica. eles não deixaram. Mas nós ficamos na porta. E falando um pouco
do que a gente sabia (Marisa).
A reação dos clientes do supermercado frente aos acampados exemplifica uma
ambigüidade de opiniões e sentimentos acerca dos trabalhadores sem terra. Alguns reagiram
com preconceito, outros com curiosidade. Também é possível perceber que os alimentos
produzidos no acampamento têm pouco espaço (ou nenhum) nos supermercados, o que
dificulta sua entrada no mercado, mesmo que os produtos sejam produzidos de maneira
agroecológica.
Tinha uns que chegava e perguntava que que nós tava.... A gente explicava que... tinha uns
folheto que a gente passava para cada um a respeito do transgênico. Então a gente dava nossa
explicação. Explicava que nós, brasileiros, tinha que aprender a identificar com as coisas na
prateleira do mercado. Porque tem... a maioria dos transgênicos tem um selinho. Mas muito
pequenininho que você nem percebe (Marisa).
Ah... foi muito tumultuada, né, porque nós chegamos lá, a hora que chegou os estudante da
agroecologia, fecharam o portão nas crianças. [Qual foi a reação dos clientes?] Tudo tirando
sarro da cara da gente, chamando a gente de vagabundo. Mandando a gente ir trabalhar...
falando que a gente tava atrapalhando (Cássia).
Na busca pelo desenvolvimento de agroecossistemas sustentáveis, Caporal e
Costabeber (2002, p. 76) defendem a eliminação de insumos “cujos efeitos sobre o meio
ambiente são incertos ou desconhecidos (por exemplo, Organismos Geneticamente
Modificados)”. Dessa maneira, as manifestações do MST demonstraram preocupação com a
incerteza da qualidade e dos benefícios dos produtos transgênicos, inclusive para a saúde
humana. Os acampados, de maneira geral, demonstraram insegurança quanto ao entendimento
do conceito de transgênico, como podemos observar nas falas a seguir:
Sabe, eu acho que transgênico não deve fazer nenhum bem à natureza nem a nós, no
organismo sabe? Porque eu acho que o transgênico é alguma coisa que eles modificaram a
68
genética dele. E eu vou te dar um exemplo, você vai num rio, você pesca um peixe, isso é que
eu entendo do transgênico. [...] Vopega um frango de granja que você compra no mercado,
desmanchando na tua mão. Você pega um frango caipira, um frango que você cria ele
natural assim, o poder ativo dele ali, leva uns 7, 8 meses pra ele se formar um frango, você vai
comer ele, o sabor é outro. Porque é a base de hormônio, quer dizer, ele é um transgênico, não
é? Porque se um frango normal demora 7 meses, 1 ano pra virar frango, o outrocom 72 dias
é um frango, então ele é transgênico também (Ana Carolina).
O que eu acho que é transgênico? Eu acho... salsicha, esses frango que dentro de um mês, dois
meses já ta bom pra comer. Salgadinho, esses tempero. Acho que faz mal à saúde, né. Muita
química, né. Muito... como fala... muito adubo, muito veneno (Cássia).
A química que é usada nos alimentos. Esse é o nosso transgênico, é o que a gente conhece
como transgênico. É as... para que muito, para que bonito, que dê grande, então usa uma
química e essa química prejudica os ser humano (Marisa).
Há quem possua um conhecimento mais aprofundado acerca do tema dos transgênicos,
mas admite que este conhecimento foi adquirido fora do acampamento, como o acampado
Humberto:
Transgênico seria uma variedade geneticamente modificada. Pelo pouco que eu entendi, eu
acompanho algumas reportagens, eles pegam o genoma de uma planta que é agressiva pra
certo tipo de praga ou doença e insere em outra planta. Faz uma enxertia de DNA (Humberto).
A acampada Roberta ainda complementa:
Olha, o transgênico é muito confuso, sabe? Porque aqui dentro do MST fala uma coisa, na
mídia fora pela televisão que eu vejo eles falam assim: que o transgênico... não foi
comprovado cientificamente que faz mal à saúde, mas aqui dentro eu escuto outra coisa e eu
prefiro assim, no meu coração, dar ouvidos e confiança ao que eu escuto aqui dentro (Roberta).
Entretanto, o acampado Humberto tem outra opinião acerca das manifestações:
Não, eu não costumo nem acompanhar [as manifestações] porque eu sou contra esse tipo de
agressividade. Vamos suponhar assim, fazer um manifesto na Empresa 1, no supermercado. O
que que um mercado tem a ver com isso? São todas firma estrangeira. Sendo que quem abriu
as porta pra entrar é o governo daqui. Então eu acho que você não tem que crucificar o boi
porque ele pulou a cerca, mas sim quem deixou a porteira aberta. Quem tá deixando isso aí são
os político daqui e quem tá deixando automaticamente somos nós porque colocamos os
políticos lá. Então eu acho que tamo penalizando as pessoas erradas.
No contexto da agroecologia, o que Altieri (2002) denomina de abordagem co-
evolucionista, em que todos os itens envolvidos são partes do processo, não sendo possível
subdividi-lo sem causar desequilíbrio. Altieri (2002) exemplifica a abordagem através da
utilização de pesticidas sem levar em conta os predadores naturais do ambiente, enfatizando
que esta prática pode levar a graves conseqüências ecológicas que resultarão em um dano
69
maior. Os fertilizantes sintéticos substituem a simbiose entre plantas e bactérias fixadoras de
nitrogênio, dominam os agroecossistemas em vez de trabalhar com eles. Fungicidas e
inseticidas substituem os mecanismos de equilíbrio natural exercidos por predadores e
parasitas. Isto indica que ao estar alerta ao processo de mudança, podemos intervir nele mais
efetivamente, facilitando mudanças co-evolucionárias que favoreçam as populações e a
sustentabilidade ambiental (ALTIERI, 2002).
Uma característica da abordagem co-evolucionista é o fato de ela dar legitimidade ao
conhecimento cultural e intuitivo dos agricultores. Muitas práticas encontradas no
acampamento são frutos deste conhecimento. Como muitos afirmaram, as informações
disponibilizadas pelo MST nem sempre são repassadas aos demais moradores, são parciais, o
que resulta em desconfiança e enfraquecimento do processo de construção da luta. Pôde-se
observar que muitas práticas realizadas pelos acampados são provenientes de conhecimento
construído durante suas vidas, sem necessária correlação com o MST:
Não, isso daí eu já... eu sempre fui moleque, sempre gostei de sonhar, eu sempre fui
preocupado mesmo com as coisas tipo da área ambiental. Não sei o porquê, mas sempre já tive
isso já. Acho que é por causa da criação de infância, vo não mata o bichinho, já era o
ensinamento dos pais. Então você não corta aquela árvore, aquela ali faz sombra, aquela faz
fruta, aquela você pode cortar que ta morta e planta outra no lugar. Então vai trilhando um
outro tipo de caminho (Humberto).
O acampado Humberto sinaliza ainda a falta de acompanhamento do MST com
relação aos acampados e a agroecologia:
Pros acampados [a agroecologia] é uma experiência nova. A falta do conhecimento da turma, a
maioria não tem conhecimento nem de como planta as coisa. Vão indo na sombra dos poucos
que sabem viver da terra. Poucos sabem e muitos querem saber.
A acampada Roberta concorda, e acrescenta que o MST consegue capacitar os
acampados para a agroecologia, mas que é preciso “investir mais, as pessoas vai tomar
consciência se educando”.
Com relação aos cuidados com a água e a proliferação de doenças, o Setor de Saúde é
o responsável pela propagação das informações, mas ainda a maior parte das ações ocorre por
parte das acampados com base nos seus próprios conhecimentos e experiência de vida, como
afirma a acampada Ana Carolina:
Bom, isso [prevenção de vetores] eu já trago porque eu morei em outros lugar que não tinha
água potável. [No acampamento algum tipo de instrução?] Ai, eu acho que não. Acho que
isso aí é uma coisa que... eu tenho orientado muito eles pra fazer isso, inclusive eu brigo com o
70
homem do caminhão [da DAERP] porque de vez em quando eu faço ele trazer cloro pra eu
distribuir com a turma. [...] que tem muitas pessoas que não sabem que a gente que a gente
tem direito a esse cloreto, vem nuns vidrinho, o governo fornece.
A fala da acampada ainda ilustra o que Gohn (2001) descreve como caráter educativo
dos movimentos sociais na perspectiva da formação política, ou seja, o conhecimento dos
direitos e deveres dos indivíduos na sociedade com a agregação de informações dispersas
sobre o funcionamento de órgãos públicos, administração de fundos, maneira de proceder em
determinadas situações, etc.
Segundo Altieri (2002), a modernização agrícola na América Latina ocorreu através de
tecnologias convencionais que trouxeram consigo incrementos na produtividade agrícola e na
obtenção de divisas através da exportação. Desta maneira, aqueles agricultores que possuíam
terras e posição socioeconômica compatíveis com estas tecnologias ingressaram no mercado.
Porém, o autor afirma que a modernização foi um processo de ruptura cultural, ecológica e
social. Os agricultores que não dispunham de terra e recursos suficientes não se ajustaram às
condições ecológicas e socioeconômicas da agricultura convencional e permaneceram fora do
desenvolvimento rural (ALTIERI, 2002).
Assim, Redclifty e Goodman (1991, apud ALTIERI, 2002) afirmam que o setor
alimentar da América Latina tornou-se extremamente dependente da importação de produtos
agrícolas, insumos e maquinário para o processamento de alimentos. Segundo Altieri (2002),
a instabilidade na produção e no consumo de alimentos tem aumentado nos últimos anos.
Embora tenha havido um aumento da população de agricultores em toda a América Latina,
sua participação na produção agrícola total tem decrescido. Estima-se, todavia, que 41% de
todos os produtos se originam da produção familiar. Este constitui um dos argumentos do
MST à realização da reforma agrária no país. Em 2005, o acampamento tornou-se fornecedor
de alimentos suprindo parte da demanda de Ribeirão Preto.
A modernização também impôs um enorme dano ambiental. A colonização, o
extrativismo e as atividades de produção criaram perturbações e grandes transformações,
especialmente nas florestas tropicais. Utilizou-se demasiada e/ou inadequadamente os
fertilizantes, inseticidas e herbicidas, exercendo danos diretos à saúde humana através de sua
toxicidade e conseqüências mais indiretas através de danos ambientais. A acampada Ana
Carolina enfatiza os danos à saúde humana: “Então eu acho que é muito importante a gente
manter. É igual a gente manter as floresta né, se a gente não manter, não tem ar pra respirar”.
Segundo Altieri (2002), a agricultura moderna estimula o distanciamento entre os
produtores e os consumidores. Este fato é ainda mais acentuado entre os trabalhadores sem
71
terra, pois constantemente necessitam comprovar a qualidade dos seus produtos; superar as
dificuldades encontradas no campo para tornar-se competitivo, que não dispõem das
mesmas facilidades e tecnologias encontradas nos latifúndios e ainda, necessitam superar a
resistência existente entre a comunidade urbana e os sem terra.
Além disso, as diferenças de idade e sexo diversificam ainda mais as estratégias de
sobrevivência. A participação da mulher aumentou consideravelmente, entre 15 e 30% dos
lares rurais têm a mulher como chefe de família, como demonstra a fala da acampada Marisa:
“É, porque é uma reivindicação das mulheres pra significar, pra mostrar que não só os homens
podem, mas sim as mulheres também”.
Altieri atribui o sucesso de sistemas agrícolas sustentáveis à produção local de
alimentos adaptados ao contexto natural e socioeconômico do agroecossistema. Neste
aspecto, o item mais abordado pelos acampados acerca do que eles esperavam do
acampamento Mário Lago daqui a vários anos, a resposta mais ouvida foi:
Olha, eu espero que aqui esteja um projeto concluído mesmo, trabalhando, com suas
plantações, produzindo, suas criações. A gente tendo tudo, tudo o que comer daqui, se chegar
alguém em casa vai ter o que comer, vai ter coisa pra doar, pra levar, ter coisas pra vender
também, pra comprar aquilo que a gente não tem aqui (Geraldo).
Ai, menina do céu... na minha imaginação é lindo. A gente faz... eu pelo menos faço do Mário
Lago acho que uma riqueza que não pra achar em outro canto, sabe? Verde, plantação,
muita produção. Um assentamento inesquecível de você olhar e crescer o olho (Marisa).
3.3.3 Desenvolvendo agroecossistemas sustentáveis
“Nada a temer senão o correr da luta”
Luis Carlos Sá, Sérgio Magrão e Milton Nascimento
Iniciamos este item abordando o que os acampados entendem pelo termo
sustentabilidade. A maior parte das respostas obtidas se referiu à sustentabilidade como
mantença alimentar da família:
Sustentabilidade é sustentar a família, sustentar onde você vai produzir pra sustentar sua
família e sustentar também outras famílias e até mesmo também a população. Como exemplo,
essa Ribeirão Preto é a capital do agronegócio. Lá não tem produção nenhuma, só tem
produção de cana. Aqui o MST do lado, praticamente dentro de Ribeirão, produzindo feijão,
arroz, milho, mandioca, abóbora, verdura. Olha que coisa maravilhosa dentro da capital do
72
agronegócio. Então, eu acho assim que é um programa muito bom, e ultimamente mesmo
fazendo essa... essa... venda da CONAB que ta entregando nas entidades e nos bairros, né,
então é muito importante isso, o pessoal fica muito feliz (Paulinho).
Sustentabilidade é eu produzir pra sustentar minha família, sem depender de comprar as coisa
de fora e o excedente ou passar para terceiros, vizinhos que estejam produzindo outro tipo
de mantimento e o excedente passar pra fora que seria... a sustentabilidade... o equivalente de
produção dessa fazenda aqui, ela é capaz de sustentar quase 1/3 de Ribeirão Preto, 1/4 não
sei... em potencial de área. Se todo mundo produz alimento dá pra sustentar. Então você vê que
é uma pequena área, agora imagina se juntasse um monte de fazendas em volta. Sendo que
hoje, em volta aqui dessa fazenda que tão tentando fazer reforma agrária pras famílias, é
cana, e cana só serve pra gado e álcool só serve pra carro (Humberto).
A acampada Roberta, por sua vez, incluiu no conceito de sustentabilidade aspectos
sociais como escola e trabalho:
Olha, pra mim sustentabilidade é assim, a gente estar sustentável em todos os sentidos, Taína.
Você estar sustentável em um lugar onde não te falta nada. Sempre falta alguma coisa na vida
da gente. Um lugar... uma escola, trabalho, moradia, você ter um alimento dentro de casa. Eu
acho que isso é sustentabilidade para um ser humano, que todo ser humano merece ter,
educação... (Roberta).
Outros acampados inseriram em suas falas que a ões realizadas hoje terão
conseqüências no futuro, sendo, portanto, fundamental pensar nos “filhos e netos” como
afirmou o acampado Geraldo e garantir a eles os mesmos direitos de qualidade ambiental que
estamos tendo:
Pode ser uma coisa assim que não... a pessoa às vezes não enxerga assim... sabe... mas isso aí é
pras geração futura até, né, mais pra frente... o pessoal ta começando a enxergar isso [a
poluição que a monocultura de cana-de-açúcar causa] (Geraldo).
Assim citamos o que Caporal e Costabeber (2002) definem como a dimensão ética da
sustentabilidade, na medida em que se relaciona diretamente com a “solidariedade intra e
intergeracional e com novas responsabilidades dos indivíduos com respeito à preservação do
meio ambiente” (p. 79).
De maneira geral, é possível sintetizarmos as modificações e as propostas realizadas
para estabelecermos agroecossistemas sustentáveis através dos itens desenvolvidos por
Raeburn (1984, apud ALTIERI, 2002). A seguir estão os quatro sub-sistemas da agricultura
sustentável:
a) Biológico: plantas, animais e os efeitos biológicos dos fatores físicos e químicos (clima,
solo) e das atividades de manejo (irrigação, fertilização, preparo do solo) no desempenho
vegetal e animal;
73
b) Trabalho: as tarefas físicas da agricultura e de que maneira podem ser realizadas ao se
combinar mão-de-obra, conhecimento, maquinário e energia;
c) Economia agrícola: o custo da produção e o preço da colheita, as quantidades
produzidas e utilizadas, os riscos, além de outros determinantes da renda agrícola;
d) Sócio-econômico: mercados para produtos agrícolas, direitos de uso da terra, mão-de-
obra, maquinário, combustível, insumos, crédito, impostos, pesquisa e assistência técnica.
O estudo destes sub-sistemas é possível no enfoque agroecológico, pois este
proporciona uma estrutura conceitual que admite a inter-relação como algo fundamental em
qualquer sistema de produção, sem o qual tornam-se incompletos. Para Altieri (2002), uma
vantagem dessa abordagem é que os seres humanos podem ser estudados como componentes
integrantes dos agroecossistemas.
Nesta perspectiva, se os acampados englobarem a agroecologia de maneira eficiente,
podem encontrar nela uma ferramenta para aumentar suas afinidades e fortalecer seus ideais.
Entretanto, o acampamento e o Movimento não demonstraram ter esta compreensão da
agroecologia, limitando-a a suas metodologias, suas técnicas. Este fato pode ser
exemplificado analisando as definições de agroecologia explicitadas pelos acampados: se
referenciam a ela como agricultura da variabilidade, do cuidado com a natureza, da
preservação do Aqüífero Guarani e melhoria da saúde e qualidade de vida. Não citaram os
benefícios da agroecologia como sistema de produção que favorece a democracia, o
coletivismo, as relações sociais.
Para Altieri (2002), a implantação de sistemas agrícolas sustentáveis é prejudicada
pela resistência oferecida através do preconceito existente nas instituições, nas forças de
mercado, nas políticas públicas e nas iniciativas de pesquisa.
O principal desafio torna-se, portanto, a criação de políticas que reduzam os custos
ambientais de produção e promovam a sustentabilidade social e ecológica (ALTIERI, 2002).
Entretanto, as políticas, isoladamente, não são suficientes. Problemas como dívida externa,
pobreza, distribuição de rendas, falta de tecnologia apropriada e forças internacionais
constituem grandes obstáculos. Todavia, qualquer estratégia deve priorizar o desenvolvimento
regional através da redução da pobreza, abastecimento adequado de alimentos e auto-
suficiência, conservação dos recursos naturais e capacitação das comunidades locais e
participação efetiva da população rural pobre no processo de desenvolvimento (GALLOPIN
et al, 1989; LACDE, 1990 apud ALTIERI, 2002).
Nesta perspectiva, os autores acreditam que a estrutura política deve basear-se em
aumentar a produtividade agrícola e da mão-de-obra, para satisfazer às necessidades de
74
alimentos; aumentar a renda rural e moderar o avanço da fronteira agrícola; introduzir a
racionalidade ecológica na agricultura para disciplinar o uso de insumos químicos;
complementar os programas de bacias hidrográficas e de conservação dos solos; planejar a
agricultura de acordo com a capacidade de uso da terra de cada região e promover o uso
eficiente da água, das florestas e de outros recursos naturais não-renováveis; coordenar as
políticas agrícola, ambiental e econômica, relacionadas com preços, impostos, acesso e
distribuição de terras e recursos e assistência técnica.
Segundo Altieri (2002), muitos esforços e avanços ocorreram para o desenvolvimento
participativo e a redução da pobreza, entretanto, os sucessos foram heterogêneos. Uma razão é
que neste ambiente de trabalho as pessoas têm pouco acesso aos recursos políticos e
econômicos, prevalecendo as tendências institucionais contra a pequena produção. O autor
afirma que o desenvolvimento social é dificilmente alcançado em locais onde é muito grande
a concentração da terra ou onde os amparos institucionais (por exemplo, crédito e assistência
técnica) e os fatores de mercado favorecem o setor das grandes propriedades. É o caso da
cidade de Ribeirão Preto, onde está localizado o acampamento Mário Lago. Uma dificuldade
encontrada pelos militantes inclui as universidades públicas. Em uma universidade pública de
ciências agrárias, localizada em uma cidade próxima a Ribeirão Preto, as pesquisas, os cursos
de capacitação, o discurso político, práticas em sala de aula e as assistências técnicas são, na
sua maioria, voltadas ao agronegócio. Caporal e Costabeber (2002) defendem, como
prioridade da participação ativa do Estado, a socialização de conhecimento e saberes
agroecológicos entre agricultores, pesquisadores, estudantes, professores, políticos e técnicos.
Cabe também aos cidadãos o dever e o direito de trabalhar pela ampliação dos saberes sócio-
ambientais para consolidar um novo paradigma de desenvolvimento rural.
Para Altieri (2002), os obstáculos políticos são os mais difíceis de serem atravessados.
Para tal é necessário que sejam eliminados o preconceito contra a agricultura familiar com
relação ao crédito e às pesquisas, a falta de investimento social nas comunidades rurais
(educação, saúde e infra-estrutura), dos subsídios à agricultura intensiva baseada em
agroquímicos. O acampado Humberto acredita que o MST deveria contribuir com a formação
agroecológica dos acampados para a agroecologia, e não assumi-la inteiramente para si. Ele
acredita que “no caso seria o Governo Federal. Um órgão federal, o INCRA. Então... se é um
projeto federal [a reforma agrária] quem tem que dar apoio técnico, estrutura no caso, seria
um órgão federal”.
Encontra-se, todavia, uma permanente contradição: a predominância do discurso da
substituição de insumos, a partir do qual a agricultura industrial incorporou seus conceitos de
75
sustentabilidade de acordo com os próprios interesses. Enfatiza-se a substituição dos
agroquímicos sem o enfrentamento da questão crucial dos modelos baseados em
monoculturas, o que diminui substancialmente o potencial da agricultura sustentável de
superar as causas básicas da crise socioeconômica e ambiental que atingem a agricultura
levando os pequenos agricultores ao endividamento, conseqüência conhecida em todo o
mundo (ALTIERI, 2002).
A agroecologia fornece abordagem e diretrizes para uma agricultura mais diversificada
e produtiva, mais adequada ambientalmente e, também, capaz de preservar a estrutura social
das comunidades rurais, sendo, portanto, uma alternativa viável para trabalhadores sem terra.
A superação dos desafios depende da capacidade de diálogo e aprendizagem coletiva,
e reconhecimento de que a sustentabilidade não encerra apenas abstrações teóricas e
perspectivas para o futuro, mas sim elementos que devem ser adotados no cotidiano
(CAPORAL; COSTABEBER, 2002).
76
4 CAPÍTULO III: O TRABALHO EDUCATIVO DO MST E A
AGROECOLOGIA
77
“Sem homens e mulheres o verde não tem cor”
Paulo Freire
Diversas atividades são organizadas pelo MST relacionados à reforma agrária e
agricultura familiar sobre as questões da agroecologia.
Este capítulo visa abordar quais os principais eventos (encontros, congressos,
atividades) organizados pelos movimentos sociais e com a participação da sociedade como
um todo, relacionados à reforma agrária e agricultura familiar. Observar-se-á como são
organizados, quais são seus objetivos, seus debates e seus resultados/conclusões com o intuito
de colocar em pauta aspectos do discurso do MST frente às práticas observadas no
acampamento Mário Lago. Parte-se do pressuposto de que a presença do Movimento nestes
eventos torna-o crente e defensor de tais ideais promovendo a articulação da ideologia do
Movimento com os temas abordados nos eventos em seus acampamentos e assentamentos.
Também serão utilizadas informações contidas no sítio do MST na internet
(www.mst.org.br) tendo em vista que este instrumento constitui-se uma fonte que contempla
os mais diversos acontecimentos nacionais e regionais relacionados ao Movimento, sendo de
fácil acesso aos acampados, seus parentes, amigos e demais interessados.
Três eventos principais foram relacionados para este trabalho por serem referências
sobre a agroecologia entre os trabalhadores do campo: o Encontro Nacional de Agroecologia,
a Jornada de Agroecologia, o Seminário Internacional sobre Agroecologia e o Seminário
Estadual de Agroecologia.
4.1 Encontro Nacional de Agroecologia
Inicialmente discutiremos sobre o Encontro Nacional de Agroecologia (ENA). De
maneira geral, o objetivo do ENA é afirmar a agroecologia como modelo alternativo no meio
rural em oposição ao modelo agroquímico atual; estimular a articulação entre diferentes
setores que atuam na promoção da agroecologia como instrumento da agricultura familiar,
agroextrativismo e reforma agrária, e formular propostas de políticas públicas a partir de
experiências concretas dos participantes do ENA.
Do I ENA, ocorrido em 2002 na cidade do Rio de Janeiro (ENA, 2009a), e do II ENA
(ENA, 2009b), que aconteceu em 2006 em Recife - PE, participaram 1100 e 1730 pessoas,
78
respectivamente, representando diferentes entidades sócio-culturais, sendo eles agricultores
familiares, camponeses, agroextrativistas, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais,
ribeirinhos, faxinalenses, geraizeiros, sertanejos, caiçaras, técnicos, professores,
pesquisadores, extensionistas, estudantes, profissionais de organizações governamentais e não
governamentais envolvidos direta ou indiretamente com a agroecologia. Ao final de cada
Encontro foi elaborada uma Carta Política abordando os temas discutidos, a postura dos
participantes frente a eles e as medidas propostas para solucioná-los.
As Cartas Políticas de ambos os Encontros iniciam-se abordando os pontos negativos
do agronegócio. Os participantes afirmam que:
O enfrentamento do modelo do agronegócio e o fortalecimento da produção familiar
agroecológica significam antes de tudo um desafio no plano político. [...] Um número cada vez
mais significativo de trabalhadores e trabalhadoras e suas organizações em todo o país
acreditam que a agroecologia terá capacidade política de transformação se for efetivamente
desenvolvida através de práticas concretas que garantam o atendimento de suas necessidades e
do conjunto da sociedade (ENA, 2009a).
Defendem que ao mesmo tempo em que são experimentadas e disseminadas
localmente, as práticas agroecológicas já constituem embriões de um novo modelo que inspira
a formulação de um projeto coletivo de âmbito nacional, mas que depende impreterivelmente
do apoio do Estado. Isso porque, além de um novo modelo de agricultura, a agroecologia ao
se inserir em uma grande variedade de ecossistemas, envolve também variedade de
identidades culturais e formas de organização produtiva e de apropriação e uso dos recursos
naturais, o que demanda políticas públicas para ser eqüitativamente distribuído.
4.2 Jornada de Agroecologia
A Jornada de Agroecologia (2009), por sua vez, é uma articulação de várias entidades
ligadas aos trabalhadores do campo que ocorre anualmente desde 2002, no Paraná. Participam
trabalhadores sem terra, agricultores familiares, estudantes, professores, técnicos e
engenheiros agrônomos. A Jornada tem se firmado como uma forma de construir uma ão
dinâmica, permanente e aglutinadora de articulação da proposta de Agricultura Familiar
Ecológica baseada no tema “Terra livre de Transgênicos e sem Agrotóxicos”. Os três
primeiros eventos (2002, 2003 e 2004) ocorreram no município de Ponta Grossa e os outros
três (2005, 2006 e 2007) em Cascavel.
79
A Jornada não se resume ao evento anual. Ocorrem, paralelamente, várias atividades
durante todo o ano em diversos locais, sempre atrelados ao processo da Jornada. Os resultados
da Jornada têm grande repercussão no campo, sendo possível observar diversas experiências
em assentamentos com em relação às sementes, produção agroecológica, criação de centros
de estudo em agroecologia, destacando-se a criação da Escola Latino-americana de
Agroecologia, em Lapa - PR. Em busca do vínculo com as futuras gerações, a Jornada, pelo
viés da agroecologia, visa intimidar as empresas transnacionais do agronegócio com sua
“tecnologia da morte” os agrotóxicos e os transgênicos. Desta perspectiva emerge a
militância nas organizações, trabalho cuidadoso com a terra, a água, as florestas, as sementes,
os animais, em um modo de trabalhar garantindo o sustento da vida e a garantia da soberania
alimentar com a oferta de alimentos saudáveis.
4.3 Seminário Internacional sobre Agroecologia e Seminário Estadual de Agroecologia
Por sua vez, ainda dois encontros são realizados anualmente desde 1999, no Rio
Grande do Sul: o Seminário Internacional sobre Agroecologia e o Seminário Estadual de
Agroecologia. Ambos foram criados a partir de demandas reivindicando a manutenção de
espaços específicos para apresentação e debate de trabalhos científicos sobre Agroecologia,
sendo realizados pela Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica
e Extensão Rural (EMATER/RS).
O evento baseou-se nos autores Miguel A. Altieri, Stephen R. Gliessman, Eduardo
Sevilla Guzmán, Francisco Roberto Caporal e José Antônio Costabeber, utilizando o seguinte
conceito de agroecologia (EMATER/RS, 2009):
Ciência ou campo de conhecimentos de natureza multidisciplinar, cujos ensinamentos
pretendem contribuir na construção de estilos de agricultura de base ecológica e na elaboração
de estratégias de desenvolvimento rural, tendo-se como referência os ideais da sustentabilidade
numa perspectiva multidimensional.
Diversos temas são abordados, como a produção e consumo de alimentos, seus
processos tecnológicos, respeito pelo meio ambiente, inclusão social, soberania alimentar dos
povos, desenvolvimento rural com eqüidade, valorização dos aspectos culturais e a produção
de alimentos de qualidade biológica superior, respeitando a saúde dos agricultores e
consumidores (EMATER/RS, 2009).
80
4.4 A agroecologia na perspectiva do MST
Os materiais bibliográficos encontrados sobre o tema da agroecologia no MST
(Jornadas, Encontros, Seminários e sítio do Movimento na internet) foram considerados
pertinentes e suficientes para englobar as principais informações coletadas no acampamento a
fim de confrontá-las com os conceitos de agricultura sustentável dos autores escolhidos para
este trabalho: Altieri, Caporal e Costabeber.
Desta maneira, os itens elencados a seguir visam estabelecer uma ligação entre a teoria
agroecológica do Movimento, as práticas encontradas no acampamento e sua real eficiência
na promoção da agroecologia. Vale ressaltar que grande parte dos autores citados a seguir
teve seus depoimento e entrevistas retiradas de documentos disponibilizados pelo MST, ou
seja, foram escolhidos pelo Movimento.
4.4.1 A vivência em grupo e as relações de gênero
Para promoção da agroecologia a participação das mulheres é fundamental, sendo
necessária a valorização do seu trabalho, defendendo o compartilhamento das atividades
domésticas (cuidados com a casa e a família) reafirmando seu direito de serem reconhecidas
como agricultoras, camponesas e extrativistas (ENA, 2009a, b).
Essa prática pôde ser observada no acampamento através da presença maciça das
mulheres nas manifestações pela reforma agrária, como demonstrou as falas da acampada
Marisa, e que o direito a terra não se restringe aos homens. Além disso, faz-se necessário
ressaltar que o número de mulheres no acampamento é superior ao de homens e mais
mulheres chefes de família do que do sexo masculino.
Vários motivos podem ter levado a este quadro. O primeiro deles é o de que o cadastro
e a titulação do lote são realizados no nome da mulher, aumentando a garantia do direito das
mulheres a terra. Outro fator é o de que não encontramos nenhuma mulher que trabalhasse
fora do acampamento, apenas homens, o que favorece o aumento da responsabilidade das
mulheres frente aos encargos do lote, dando-lhes autonomia para as decisões e conhecimento
acerca das necessidades de sua família (seja na parte financeira, com na obtenção de
ferramentas e sementes; seja na parte social como garantia de vagas nas escolas). Além disso,
81
prioriza-se que as mulheres fiquem com a guarda dos filhos no caso de separação do casal.
Desta maneira, o acampamento estimula o homem a deixar o acampamento, como medida
para que as mulheres e as crianças sejam poupadas de procurar abrigo em caso de expulsão.
Todavia, alguns casos se diferenciam do citado acima. alguns homens que cuidam
sozinhos de seus filhos, pois se separaram de suas esposas e também senhores idosos que
moram sozinhos.
Nesta perspectiva, os participantes do ENA assumiram que:
Nós, participantes do II ENA, assumimos o compromisso de continuar apoiando e participando
da construção de um movimento agroecológico com igualdade de gênero, opondo-nos também
a todas as formas de manifestação de violência contra as mulheres.
O uso de bebidas alcoólicas é permitido no acampamento, desde que o usuário
permaneça no seu lote e não prejudique nenhum outro morador. Vários acampados saíram
do acampamento por descumprir esta norma mesmo que a mobilização de seus companheiros,
incentivando-os a procurarem ajuda seja constante. Dois casos de advertência sobre a bebida
ocorreram durante a pesquisa. No primeiro caso, o morador procurou ajuda de instituições
especializadas em tratamento de alcoólicos e hoje desenvolve diversas atividades no
acampamento, é tido como “uma outra pessoa”. Por sua vez, outro acampado, que mora
sozinho, muito reconhecido por ser “trabalhador e caprichoso nos serviços do lote”, afirmou
ter interesse em sair do acampamento devido à demora para assentar e gostaria de “vender”
seu barraco. Como esta prática não é permitida, o acampado ainda permanece no lote e seus
vizinhos se esforçam para mantê-lo animado com o processo de reforma agrária e sempre o
inserem nas atividades, atribuindo-lhe diversas tarefas.
O alcoolismo de um dos cônjuges é o principal motivo de brigas entre o casal e
conseqüente violência contra a mulher. Este é, inclusive, um assunto que provoca grande
comoção entre os acampados. Geralmente as brigas se iniciam dentro do barraco. Entretanto,
conforme vão se agravando chegam a ocorrer em áreas fora do lote, em áreas comuns. Ações
para mitigar este fato só ocorrem se um dos cônjuges expuser em reunião de núcleo as
dificuldades enfrentadas e peça auxílio aos demais. Caso contrário, os acampados nada
podem/devem fazer. São inúmeros os casos em que este assunto é exposto em reunião de
núcleo ou da Coordenação Geral, em que as medidas cabíveis em ordem crescente são:
advertência ao marido, aviso de expulsão a ele, e decisão da mulher se gostaria de sair com
ele ou permanecer sozinha no acampamento.
82
muitas mulheres que, por conta de violência, permaneceram no barraco e
administram seu lote sozinhas ou somente com ajuda dos filhos.
O grande conflito que esta situação gera é que, em caso de expulsão, a pessoa expulsa
é proibida de entrar ao acampamento, inclusive para visitas à família. o receio de que esta
pessoa retorne aos poucos ao acampamento e se instale nele novamente, o que não é
permitido. Esta é uma medida que visa dificultar que a pessoa expulsa queira se “vingar” e
cause transtornos aos responsáveis pela sua expulsão, geralmente os participantes do setor de
segurança.
Outra prática comum no acampamento diz respeito aos relacionamentos amorosos
entre acampados. Como exemplo, um dos acampados tinha a intenção de namorar a filha de
um companheiro e para isso foi necessário um pedido formal para os pais da moça. É como se
eles precisassem se sentir autorizados pelo grupo. Como a maioria dos acampados se
conhecem e, conseqüentemente, sabem da história de vida de cada um, é comum os
acampados expressarem quais são suas intenções de relacionamento e quais são suas
responsabilidades dentro do acampamento (de qual setor fazem parte, por exemplo). Este
cuidado dos acampados serve para manter relações harmônicas no acampamento e preservar a
integridade do grupo frente a boatos que possam desestruturar o núcleo.
4.4.2 Segurança e soberania alimentares
Os princípios de agroecologia devem abordar a segurança e a soberania alimentares
através da conservação de sementes e raças de animais contribuindo para um novo padrão de
consumo que valoriza a sustentabilidade social, cultural e econômica (ENA, 2009b).
No acampamento, pouca preocupação com conservação de sementes foi observada. A
maior parte do plantio é realizada com sementes compradas na cidade por cada acampado, as
compras no modo coletivo não ocorrem com freqüência, embora este modelo seja descrito por
Altieri como o mais eficaz na agroecologia. A principal prática ainda são as trocas de
produtos entre as famílias próximas, em pouca quantidade, com o intuito de produzir para a
subsistência e não para a comercialização.
Novamente, aborda-se a valorização do papel histórico da mulher na construção da
agricultura com soberania alimentar, com oferta de alimentos saudáveis; comercialização dos
alimentos, que são realizados muitas vezes dentro do próprio acampamento, e como
83
detentoras do patrimônio culinário do país. Um exemplo desta responsabilidade das mulheres
pode ser observado no preparo das comidas picas oferecidas nas diversas festas do
Movimento. Segundo os participantes dos II ENA: “Essa valorização deve traduzir-se em
políticas de empoderamento e autonomia das mulheres, gerando renda, distribuindo terra e os
meios necessários para a garantia da segurança alimentar”.
Almejando a segurança e soberania alimentares, o MST desenvolveu algumas
iniciativas sustentáveis. Dentre elas podemos destacar a Campanha Sementes Patrimônio dos
Povos a Serviço da Humanidade, que estimula a criação de bancos de sementes e o resgate de
sementes crioulas; a criação da Rede de Pesquisa Agroecológica em diversos biomas
brasileiros, em que se desenvolvem pesquisas agrícolas com metodologias participativas e
buscando aprimorar as técnicas agroecológicas, e a criação dos Centros Irradiadores do
Manejo da Agrobiodiversidade, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, em que sete
centros estão se transformando em unidades demonstrativas da sustentabilidade agrícola, com
todo o processo orientado pelos assentados (ZARREF, 2007).
4.4.3 Agrotóxicos e transgênicos
O seguinte trecho foi extraído do texto Manifesto das Américas em Defesa da
Natureza e da Diversidade Biológica e Cultural (MST, 2006a):
Nos opomos resolutamente à introdução de organismos transgênicos no ambiente. Não é
aceitável a introdução de OGMs [organismos geneticamente modificados] seja na agricultura,
nas plantações, na pecuária ou qualquer outro cultivo no meio ambiente, pois além de não
serem necessários, não servem para nada, a não ser para o lucro de umas poucas empresas
transnacionais. Trazem riscos potenciais à saúde das pessoas e geram modificações
permanentes e irreversíveis para a natureza e aos ecossistemas. Opomos-nos enfaticamente a
introdução de árvores transgênicas, que significam um perigo ainda maior devido, entre outras
coisas, ao fato de que o len tem a possibilidade de disseminação ao longo de milhares de
quilômetros, contaminando inevitavelmente outras florestas, incluindo as florestas nativas,
com multiplicação de impactos sobre a flora, os insetos e outros componentes da fauna,
afetando também o sustento dos povos indígenas, pescadores, camponeses, quilombolas e
outras comunidades locais.
Segundo os debates realizados durantes os encontros de agroecologia, a vigilância
sanitária dos alimentos não deve se restringir à sua avaliação microbiológica, mas sim
assegurar que os alimentos sejam livres de agrotóxicos e transgênicos. Inclusive o Estado
deveria indenizar os agricultores que venham a ter sua produção contaminada por estes
produtos. Nesta perspectiva, o Movimento acredita que a omissão oficial ajuda a consolidar a
84
introdução rápida e desregulada dos transgênicos, consolidando a impressão de que a
contaminação é uma estratégia consciente:
Primeiro as indústrias da biotecnologia acham uma brecha para contaminar as sementes do
principal produto agrícola do país. Feito isso, elas permitem, num primeiro momento, que o
mercado ilegal de sementes se expanda e, num segundo momento, pressionam junto com
produtores para que os governos reconheçam e legitimem o fato consumado. Além do caso
brasileiro, isso aconteceu em vários outros países, como na Índia, na Romênia, no Paraguai, na
Argentina, na África do Sul e em países da África Ocidental (FERNANDES, 2006).
Observa-se, portanto, que o MST é radicalmente contra a utilização de insumos
químicos, o que contraria a opinião de Altieri, que defende que, em muitos casos, devem-se
utilizar insumos químicos, pois os insumos orgânicos não são suficientes para corrigir os
danos causados. Além disso, solos que naturalmente são impróprios para a agricultura,
mas que podem ser corrigidos e melhorados com a adição de insumos químicos, tornando-se,
assim, férteis.
Desta maneira, estímulos por parte dos militantes para a ocupação de centros de
pesquisa e produção de alimentos/sementes transgênicas e conseqüente punição das empresas
relacionadas a esta prática pelos crimes ambientais e a desapropriação da área para formação
de centros de agroecologia para camponeses.
Diversos conflitos já foram testemunhados entre os trabalhadores do campo e as
empresas transnacionais produtoras de transgênicos. Um exemplo disso são as inúmeras
ocupações e manifestações que ocorrem em suas áreas, como o que ocorreu no Paraná, em
que uma área, pertencente à Empresa 2, fora ocupada três vezes por famílias da Via
Campesina, o que resultou em assinatura por parte da Empresa da escritura de cessão da área
de 127 hectares usada para a realização de experimentos transgênicos ilegais. Uma destas
ocupações resultou em morte do sem terra Beto, em 2007, executado por uma milícia privada
de uma empresa responsável pelo maior caso de contaminação genética comprovada. Deste
acontecimento resultaram as duas motivações para a ocupação e conseqüente destruição da
plantação do milho da Empresa 1 realizada pelos acampados do Mário Lago: (1) os milhos
eram transgênicos e estavam sendo estudados e produzidos ilegalmente, (2) os acampados
queriam relembrar o episódio ocorrido com seu companheiro Beto, conhecido pelos sem terra
como o primeiro mártir das transnacionais com os acampados do Mário Lago (MST, 2008d).
O Movimento afirma que, com a liberação para plantio comercial da soja e do algodão
transgênicos e das demais culturas, a Justiça brasileira passará a ser mais requisitada, por três
motivos. O primeiro deles é a não aplicação da lei de rotulagem para alimentos que
contenham ou que sejam derivados de transgênicos. Este fato pôde ser observado no
85
acampamento por ser um dos fatores que motivou a manifestação em uma grande rede de
supermercados. Embora alguns acampados afirmassem que não foram bem recebidos, alguns
consumidores demonstraram interesse pela causa (FERNANDES, 2006).
O segundo motivo são os supostos processos movidos por agricultores orgânicos ou
convencionais que tenham suas lavouras contaminadas por vizinhos que plantam
transgênicos. Segundo Fernandes (2006), existe um grande risco de contaminação da
produção orgânica e a transgênica, principalmente através do transporte das sementes que
acabam caindo dos caminhões. Além disso, possibilidade de contaminação pelo pólen,
vento e pássaros. O autor alega também o que chama de plantio inadvertido, ou seja,
distribuição dessas sementes e grãos para agricultores que não sabem que se trata de
transgênicos. Esta preocupação não foi abordada entre os acampados durante a pesquisa.
O terceiro motivo são os processos que as grandes empresas de OGMs moverão
alegando uso indevido de sua tecnologia e violação de patentes. Hoje, segundo Fernandes
(2006), as empresas de insumos são as mesmas das de sementes e de fármacos. Um grupo não
maior do que seis empresas multinacionais comprou praticamente todas as empresas nacionais
de insumos, e controla o setor. Uma delas chega a controlar mais de 90% do mercado de
transgênico no mundo.
O Movimento acredita que o uso de sementes transgênicas destrói a biodiversidade,
elimina as sementes nativas, causa danos à saúde dos camponeses e consumidores além de
transferir para as transnacionais o controle político e econômico das sementes (MST, 2008c).
Como observado, os danos que as sementes e alimentos transgênicos podem causar à saúde é
um tema amplamente discutido no acampamento bem como a possibilidade de tornarem-se
dependentes da tecnologia de empresas transnacionais. Santos (2008), afirma que depois da
introdução dos transgênicos, não é possível retirá-lo da cadeia produtiva:
Os transgênicos entram em processo de auto-reprodução, porque é um ser vivo. Não será
possível reverter os efeitos da introdução de algum transgênico que cause problemas ainda não
percebidos. A contaminação da natureza se apresenta em um patamar não conhecido
anteriormente.
Todavia, foi possível observar que, em muitos momentos, os acampados se
confundiam quanto ao conceito de transgenia, associando a ele alimentos industrializados,
como corantes, enlatados, conservantes, entre outros.
Como caminho para os pequenos agricultores, o autor afirma que é necessário buscar
estratégias de diversificação e produção orgânica, sendo possível, portanto, baixar os custos,
86
produzir alimentos melhores e garantir o respeito à natureza. Afirma que é preciso trabalhar
com cooperação, criando, assim, condições para competir com os grandes agricultores
(FERNANDES, 2006).
É possível percebermos que o Movimento possui um amplo conhecimento acerca dos
transgênicos. Todavia pôde-se observar que poucos acampados do Mário Lago souberam
explicar o conceito de transgenia. A primeira resposta era de que não sabiam definir. Em
segundo momento demonstravam certo conhecimento que, na maioria das vezes, era
confundido com alimentos industrializados. É importante, então, refletir sobre a real formação
dos acampados e assentados, na medida em o Movimento busca a emancipação de seus
trabalhadores e, ao mesmo tempo, permite que acampados localizados em estratégica região
ainda sejam incentivados a manifestar por aquilo que ainda não sabem bem do que se trata.
Em outro aspecto, nos perguntamos qual a importância os acampados realmente dão à
construção de conhecimento? Será que o Movimento falha na formação ou os acampados não
significam as informações disponibilizadas e mantém seu pensamento no lote de terra?
Acreditamos que estas sejam duas questões que mereçam uma reflexão mais aprofundada em
outro momento, que não será contemplada neste trabalho.
No presente trabalho, não foi observado uma explanação por parte da militância sobre
o uso dos transgênicos. As informações eram passadas de acampado para acampado em
conversas informais.
4.4.4 Destino da produção
É direito dos agricultores produzir, trocar e comercializar suas sementes, tendo as
políticas públicas como garantia para promover este direito, como exemplo a Companhia
Nacional de Abastecimento (CONAB) (ENA, 2009b). Todavia, como dito no capítulo
anterior, as vendas realizadas para a CONAB não estimulam a produção coletiva, importante
item para a promoção da agroecologia.
Segundo Tardin (2006), a prioridade do Movimento é promover o abastecimento das
famílias acampadas e assentadas. Em segundo momento, tem-se a venda para o mercado local
e em terceiro lugar, dá-se o comércio com o mercado regional. ainda cooperativas de
trabalhadores do campo que chegam a exportar, como ocorre no Rio Grande do Sul com
87
produção de chá ecológico. As famílias que hoje trabalham em menor escala, enfatiza o autor,
devem se dedicar às feiras: “Por iniciativa delas, começam a crescer as feiras municipais”.
De acordo com o II ENA, os mercados locais e a venda direta têm se mostrado espaços
privilegiados para a construção de relações mais justas e favoráveis às famílias produtoras e
consumidoras. Todavia, a discriminação contra mulheres produtoras ainda existe, resultando
em venda dos seus produtos abaixo do valor de mercado e o artesanato não é considerado
produto da agricultura pelas políticas públicas. Como afirmou Altieri (2002), questões como a
queda dos preços e mercado e mudanças na posse da terra podem desestruturar um sistema de
produção com a mesma intensidade das questões ambientais. Dessa forma, as mulheres se
mantêm em desvantagem.
A comercialização dos produtos do acampamento ocorre de duas maneiras: (1)
individualmente, em que os consumidores se deslocam até o acampamento para comprar os
produtos ou os acampados levam diretamente a eles, (2) através da CONAB. Não se observou
comércio realizado de forma coletiva ou em feiras. O que ocorre é a dependência dos
acampados com a CONAB, sendo sua chegada muito esperada a cada semana. Todavia, ao
contrário do que os próprios acampados esperavam, a parceria com a CONAB não promoveu
estímulo ao aumento de produção ou variabilidade dos produtos. O que ocorreu foi a venda
dos produtos já existentes, sendo a maioria, mamão.
Uma das razões atribuídas pelos acampados a este episódio foi que o lote definitivo
ainda não foi delimitado, o que os deixavam receosos em investir em uma área e depois serem
remanejados, perdendo as benfeitorias.
Os alimentos vendidos à CONAB são direcionados a entidades de caráter social no
próprio bairro do acampamento e na cidade de Ribeirão Preto. Os alimentos não são
destinados à venda em mercados, contrariando o que afirmou o assentado Celso José, do
Paraná: “Deu uma segurança a mais, porque tudo que nós vamos produzindo tem uma
venda garantida na cidade, e é um orgulho saber que a produção vai direto para entidades e
escolas” (MST, 2007b).
4.4.5 O cultivo
O uso da terra para produção de alimentos é uma prioridade dentro do MST (MST,
2008c). Porém, o sistema atual de produção prioriza o monocultivo em grandes extensões de
88
terra, o que afeta o meio ambiente deteriorando solos e ainda exigem elevada quantidade de
agrotóxicos. Além disso, potencializa a exploração dos trabalhadores, desrespeitando os
direitos trabalhistas e gerando desemprego, pobreza e violência.
O atual modelo agrícola também incentiva a produção de etanol para exportação,
promovendo a ampliação do plantio da monocultura de cana-de-açúcar, o que acarreta em
aumento dos preços dos alimentos e a concentração da propriedade de terra por empresas
estrangeiras (MST, 2008c). O MST se opõe também à introdução de espécies exóticas e
homogêneas (como o eucalipto e o pinus), que destroem os ecossistemas naturais e provocam
fortes impactos sociais aos povos que moram nestas áreas. “Levam o lucro, os dólares, a
celulose, o carvão, água sugada, e deixam a degradação e a pobreza” (MST, 2006a).
Esta realidade, no entanto, começa a ser alterada (ZARREF, 2007). Sindicatos e
ONGs vêm construindo um número considerável de experiências sustentáveis: Sistema
Aqüífero Sedimentar do Paraíba (SASP), agroextrativismo, artesanato. Outro exemplo é a
integração entre propriedade e floresta, consolidando iniciativas como o Sistema Agroflorestal
(SAF). Também não foi diferente no MST:
A relação entre a organização e os movimentos com engajamento ecológico, bem como a
própria percepção interna de que o modelo convencional de produção é altamente
insustentável, levou a organização a uma reflexão sobre as questões ambientais (ZARREF,
2007).
A primeira etapa para constituir uma agricultura ambientalmente sustentável é o
preparo do solo. Tardin
(PONCE; ENGELMANN, 2006) exemplifica de que maneira uma
família pode iniciar um plantio agroecológico:
A família vai adotar algumas técnicas básicas, que são especialmente as práticas de
recuperação e conservação do solo. Algumas delas mecânicas, mas o insumo mais importante
é a semente de adubação verde. A partir daí ela começa a experimentar outras formas de
manejo do solo. No sistema convencional, o agricultor lavra e gradeia. Isto destrói a vida do
solo e favorece os processos de erosão. Na medida em que ele vai adotando a adubação verde,
partes da sua área em que pode adotar o cultivo mínimo, que é um sistema em que o solo é
revolvido apenas onde plantio, o resto fica adubação verde. E em outras áreas que tem
menos plantas espontâneas (que na agricultura convencional eles chamam de erva-daninha) se
adota o plantio direto. Não revolve o solo em nenhum espaço. A semente é colocada sob um
solo que tem uma camada de plantas que serve como adubo e como protetora da superfície do
solo. Protege da chuva, do excesso de sol, da enxurrada. A água infiltra mais, conserva a
umidade por muito mais tempo, não sofre com a estiagem. Essa técnica a família adota
paulatinamente. Além disso, na agricultura convencional milho e feijão, por exemplo, são
plantados em áreas diferentes. Na agricultura ecológica as plantas se misturam na mesma área.
Isso aumenta a eficiência da fotossíntese, pois mais plantas absorvem a energia solar. E como
essas plantas têm sistemas radiculares diferentes, ocupam espaços diferentes do solo e
aproveitam mais a água e os nutrientes. Por outro lado, eliminam uma série de substâncias que
vão alimentar milhares de microorganismos que tornam o solo mais fértil. Então uma prática
89
vai puxando outros processos ecológicos e tornando aquele ambiente mais equilibrado e mais
fértil.
A descrição dos acampados acerca do processo de preparo do solo condiz com a feita
por Tardin
(PONCE; ENGELMANN, 2006), o que demonstra que as práticas do
acampamento são condizentes com a agricultura planejada pelo MST, principalmente no que
se refere à adubação verde.
Assim, o MST vem proporcionando, nos últimos anos, um conjunto de experiências
ligadas à agroecologia na perspectiva de que pode ser entendida como uma agricultura
consignada à conservação do meio ambiente, aos laços culturais e às relações sociais justas
(ZARREF, 2007).
Nesta perspectiva, o MST busca diversificar a produção agrícola através do manejo de
policulturas, respeitando o meio ambiente e utilizando técnicas de produção compatíveis à
agroecologia (ZARREF, 2007). Essa dinâmica de policultivos pode ser encontrada em
práticas conhecidas como agroflorestais.
A utilização de espaços comuns, como os Sistemas Agroflorestais (SAFs
11
), para a
produção agrícola e florestal, bem como a preservação de áreas florestais nativas, potencializa
a produção e cria uma série de vantagens ambientais, como a proteção dos recursos hídricos, o
controle de pragas, a conservação dos solos, a diminuição de ventos, entre outras. É dentro
dessa visão de diversidade que MST está construindo o Programa Florestal para as Áreas de
Assentamentos. É compreendendo a floresta que o MST busca desenvolver a agroecologia e
enfrentar o modelo do agronegócio (ZARREF, 2007).
De acordo com os debates realizados no II ENA, os manejos florestais devem ser
realizados devido à grande diversidade de florestas nativas e do sucesso dos sistemas
agroflorestais como ferramenta para preservação das espécies autóctones, conclusão
condizente com os preceitos de agroecologia defendidas por Altieri (2002).
As áreas de latifúndios improdutivos, que deveriam ser destinadas à reforma agrária,
geralmente são compradas pelas empresas de celulose e papel, transformando-as em maciços
florestais homogêneos. Este manejo contraria o dos trabalhadores do campo, em que as
florestas são fontes de complementação alimentar, remédios naturais, artesanato, lazer, lenha,
madeira, ferramentas, além de ser um elemento importante da cultura popular e na
manutenção do microclima da região (ENA, 2009b).
11
É uma técnica alternativa de uso da terra que visa proporcionar um rendimento sustentável ao longo do tempo,
introduzindo espécies anuais nos primeiros anos, seguidas de frutíferas semi-perenes e perenes e por fim as
madeiráveis. Podem ainda ser consorciadas com animais (FERREIRA, 2005).
90
No entanto, a ação do Estado não investiu em assistência cnica preparada para
trabalhar o componente florestal e, por outro lado, investiu em uma legislação bem detalhada
e em órgãos que não distinguiam a diferença entre os grandes e pequenos agricultores: “O
caráter repressor da fiscalização e não educativo determinou a segmentação da propriedade
em “mato preservado” e área do lote (a área agrícola e de habitação)” (ZARREF, 2007).
Por meio de iniciativas regionais, o MST desenvolve experiências que consolidam os
biomas com alternativas sustentáveis, como por exemplo, os SAFs em Ribeirão Preto - SP,
manejo dos babaçuais nos assentamentos do Maranhão, o extrativismo de frutos do cerrado,
em assentamentos no Goiás e no entorno do Distrito Federal (ZARREF, 2007).
Uma outra prática defendida nos sistemas agroecológica é a agricultura orgânica. A
chegada da agricultura orgânica no mundo ocidental possibilitou orientar os agricultores
descontentes com a agricultura convencional e de substituir os insumos tóxicos por insumos
orgânicos, basicamente esterco. Isso permitiu a mudança na base dos insumos, mas não
significou trabalhar também com a mudança do ser humano. É esta completa modificação que
pretende o novo modelo de agricultura promovido pelo Movimento (PONCE;
ENGELMANN, 2006).
Dentro destas medidas de mudanças visando práticas e valores ambientalmente
sustentáveis encaixa-se a preocupação com a qualidade da água, com atenção especial ao
Aqüífero Guarani e o combate ao aquecimento global (MST, 2007). Foi possível constatar
que muitas práticas agrícolas desenvolvidas pelos acampados são baseadas na presença do
Aqüífero. Todos eles tinham conhecimento de sua existência e o utilizava como “bandeira” na
defesa de seus direitos de reforma agrária. Além disso, os acampados demonstraram perceber
que a temperatura na cidade de Ribeirão Preto parece ser maior do que a do acampamento.
Disseram que as árvores é que tornam o ambiente mais fresco, sendo este um dos critérios
para construção do barraco. Também acreditam que a temperatura no campo foi menor e
que hoje está elevando por causa das queimadas ocorridas na produção de cana-de-açúcar.
Nesta perspectiva, o MST assume um protagonismo nas lutas pela alteração no
modelo produtivo (ZARREF, 2007), de maneira a associar outros movimentos sociais,
sociedade civil organizada e o governo para viabilizar a atividades próspera de agricultura
florestal, preservação ambiental e soberania alimentar.
91
4.4.6 A legislação e as políticas públicas
A legislação brasileira deve ser holística, de maneira a respeitar a diversidade social,
ambiental e cultural, mitigando os conflitos na implementação de sistemas agroecológicos
(ENA, 2009b). Grigolo (2007) afirma que para preservar a natureza não basta manter a mata
ciliar ou as áreas de preservação permanente se existe um sistema de produção altamente
contaminante: os agrotóxicos e a monocultura. A legislação ainda trata da mesma forma,
pequenas e grandes propriedades e apresenta muitas falhas; é proibitiva, punitiva e não está
disposta a dialogar e construir uma solução com a sociedade (COBALCHINI, 2007).
Para Tardin (2007)
:
A presença do Estado no apoio às famílias camponesas que praticam a agroecologia tem se
restringido a iniciativas políticas pontuais e dispersas. São ações desarticuladas, que não
permitem a criação de uma política sistemática, permanente e estruturante, que contasse com
orçamento anual voltado para a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, o ensino técnico e
universitário, os serviços de assessoria técnica e de formação de camponeses e camponesas,
fomento e crédito subsidiados, abastecimento popular, realização de ampla Reforma Agrária,
democratização do acesso à água, o uso sustentado e conservação das florestas nativas, entre
outros, a exemplo do que vem sendo formulado e pautado junto às autoridades governamentais
por iniciativa da Jornada de Agroecologia nos últimos anos.
Ponce e Engelmann (2006) afirmam que: "O Estado tem sido extremamente alheio,
não tem política estabelecida para incrementar a agroecologia". Entendem como política todo
um conjunto de iniciativas que envolvam a formação de técnicos, de camponeses, da
juventude; a pesquisa em agroecologia, o desenvolvimento de máquinas e equipamentos
adequados; sistemas agroindustriais de pequeno porte e mudanças na legislação, tendo em
vista que os autores acreditam que um dos grandes empecilhos seja a legislação brasileira por
ser totalmente voltada para favorecer os grandes complexos industriais. Altieri (2002)
reafirma essa necessidade de políticas públicas que atendam às diferenças de modos de
produção, promovendo a sustentabilidade ecológica e social. Para o autor, deve-se priorizar a
redução da pobreza, promover a distribuição de renda e conservar os recursos naturais através
da participação efetiva da população. O autor sinaliza também que o preconceito contra a
agricultura familiar precisa ser superado facilitando o acesso a créditos, pesquisa e
desenvolvimento social.
Segundo Ponce e Engelmann (2006), quando a família opta pela agroecologia, assume
todos os riscos, já que há uma deslealdade em relação à produção em grande escala:
92
Enquanto para o agronegócio, que destrói a natureza e contamina os alimentos, o Estado tem
um conjunto de políticas. E ainda assim, quando os grandes empresários entram em falência
numa safra, o Estado prorroga suas dívidas em condições favoráveis.
O MST, por sua vez, propõe políticas articuladas que tenham como objetivo garantir a
integridade e a beleza dos ecossistemas e dos povos que cuidam e dependem dela. Tendo em
vista o valor intrínseco da natureza e seus benefícios aos seres humanos, a preservação da
diversidade biológica e cultural, da integridade e da beleza oferece sustentabilidade em
diversas dimensões (econômica, social, política, ambiental, entre outros) também para as
gerações futuras, através da água potável, alimentos, plantas medicinais, prevenção de
inundações, etc. Ao mesmo tempo contemplam os seres humanos na recreação, estética e
espiritualidade (MST, 2006a).
Além disso, o MST defende: (1) que as políticas públicas voltadas à agroecologia
sejam fortalecidas e ampliadas nos níveis federal, estadual e municipal, com a inclusão de
produtos agroecológicos nas compras públicas de alimentos, como, por exemplo, na merenda
escolar; (2) que o Congresso Nacional rejeite a proposta de legislação que prevê a autorização
para agrotóxicos e aumente a tributação sobre a produção e comercialização de agrotóxicos no
Brasil.
Após a Jornada de Agroecologia, os 5000 participantes do encontro entregaram ao
governador do Paraná uma carta com propostas de políticas públicas para a ampliação da
agroecologia na agricultura camponesa brasileira (ENGELMANN, 2007):
O documento cobra do governo estadual e federal a efetivação de um projeto estruturante para
a agroecologia e propõe mudanças em torno da gestão democrática e das políticas públicas,
tecnologia de produção agroecológica, transgênicos, agrotóxicos, educação do campo e
culturas camponesas tradicionais, recursos naturais, crédito, infra-esturura rural,
beneficiamento, agroindustrialização e comercialização e energia.
Além da falta de políticas públicas que visem o enriquecimento da produção
agroecológica, os acampados ainda sofrem com as recentes formas de financiamentos para
sistemas agroecológicos. De acordo com o II ENA, é necessário ajustes para se adequarem às
variedades de agroecossistemas e se tornarem disponíveis aos trabalhadores do campo.
As dificuldades de acesso aos créditos são de diversas naturezas, desde discriminação
até limitações para tornar as propostas agroecológicas em projetos a serem aceitos pelos
bancos, principalmente entre as mulheres. Um exemplo destas dificuldades foi sinalizado
pelos acampados ao relatarem que estavam sendo influenciados por um órgão federal a
comprar materiais de construção de determinadas lojas em Ribeirão Preto. Os acampados,
93
após pesquisa de mercado, afirmaram que havia inúmeras lojas com preços mais acessíveis
dos que as disponibilizadas por este órgão e demonstraram vidas acerca da eficiência do
órgão e até idoneidade.
4.4.7 Agricultura transformadora
Segundo Carrano (2008), para o MST, a agroecologia e suas técnicas devem ser
analisadas como um processo e não como fins em si mesmas:
Do meu ponto de vista, a agroecologia não deve negar a tecnologia, mas sim do ponto do
avanço, mas sim negar a modernidade do ponto de vista do capitalismo, da concentração e do
dano ao meio ambiente. Neste momento da luta de classes, a agroecologia é a proposta de
enfrentamento no campo.
As experiências em agroecologia realçam o ativo papel de trabalhadores do campo
como possuidores e mantenedores de importante patrimônio cultural (ENA, 2009b). Esse
domínio dos processos de produção e circulação de conhecimento nas famílias rurais tem se
mostrado condição essencial para a elevação da auto-estima e da autonomia para gestão de
projetos coletivos na comunidade.
Sendo o MST um Movimento que lida, há mais de 20 anos, com questões econômicas,
políticas e, acima de tudo, sociais, cujos avanços geralmente são percebidos em longo prazo;
sua organização inclui a infância como instrumento de luta. Faz-se necessário “pensar as
crianças como sujeitos de direito, como vivem nos assentamentos, como estudam e como a
comunidade vai assumir o processo de formação dos Sem Terrinha”. A formação das crianças
ocorre nas escolas, através da educação formal, e nas cirandas, que ocorrem aos sábados no
acampamento Mário Lago. “É o que lhes permitirá desde cedo formar consciência de pertença
à organização da classe trabalhadora” (MST, 2007).
Para Tardin (PONCE; ENGELMANN, 2006), a agroecologia é uma forma de
trabalhar a agricultura tendo como base os conhecimentos tradicionais, aquele que os
agricultores, as comunidades e os povos indígenas desenvolveram ao longo de séculos, e
científico, como os conhecimentos construídos a partir da Botânica, Química, Biologia, entre
outros, que ajudam a compreender os processos ecológicos. Segundo o autor, na agroecologia
também se incorporam as Ciências Sociais e Políticas, trabalhando a consciência dos
camponeses, sendo este o principal motivo pelo qual o MST optou pela agroecologia:
94
A agroecologia, ao juntar Ciências Sociais e Políticas, naturais, biológicas e o conhecimento
tradicional, permite aos movimentos sociais ter um referencial mais completo. Uma forma de
fazer agricultura que agregue também a mudança cultural do ser humano (PONCE;
ENGEMANN, 2006).
Nesta perspectiva, é possível deduzirmos que os produtores familiares detêm vasto
conhecimento acerca dos recursos naturais e o meio ambiente e, quando integrados a
processos de diálogo com o meio científico, têm potencializado sua capacidade na inovação
tecnológica (ENA, 2009b). Vale salientar que a legitimidade do conhecimento cultural e
intuitivo dos agricultores faz parte do que Altieri (2002) denomina abordagem co-
evolucionista.
4.4.8 A agroecologia e as instituições de ensino
Um papel importante a ser desempenhado pelas instituições de ensino, extensão e
pesquisa é o de reconhecer o conhecimento dos trabalhadores do campo e promover a
sistematização e o desenvolvimento deste conhecimento na perspectiva agroecológica (ENA,
2009b).
Para tal, essas instituições precisam ampliar seu leque de estudos e incorporar o
conhecimento das comunidades campesinas. É necessário, portanto, romper seu isolamento
em relação às comunidades rurais e estabelecer relações de cooperação e convivência para a
superação de limitações tecnológicas sócio-organizativas, pois ainda prevalecem as pesquisas
orientadas para o desenvolvimento e disseminação de pacotes tecnológicos do agronegócio
(ENA, 2009b), que favorecem os interesses das empresas transnacionais e dos latifundiários,
controlando desde a agricultura da produção à comercialização de insumos e sementes (MST,
2008
c
).
O Movimento defende que a sociedade e o Estado reconheçam e recompensem o papel
dos camponeses, povos indígenas e populações tradicionais por desenvolverem atividades
ambientalmente sustentáveis. De acordo com a Carta Política do I ENA, o produtor familiar
agroecológico deve ser visto como pesquisador e extensionista e deve ser apoiado nessas
funções também financeiramente.
O MST (2007) ressalta ainda o papel da mídia na propagação das informações:
95
No Brasil a mídia é tão servil que todos os dias tenta criminalizar os movimentos sociais. Não
consegue porque os movimentos sociais estão enraizados no conjunto da sociedade. Não
conhecem nossa organização, nosso modelo de agricultura baseado nos princípios da
agroecologia, nossa forma de produção. Não reconhecem nossa organização, nosso projeto de
educação e participação. Nos chamam de revolucionários como forma de nos enquadrar em um
mero recurso de linguagem, como se o modelo de sociedade que defendemos significasse
atraso e retrocesso na chamada modernidade.
Assim, a indisposição dos acampados com a população de Ribeirão Preto foi, muitas
vezes, atribuída à falta de informação acerca do Movimento e, principalmente, acerca dos
trabalhadores rurais. Muitos acampados afirmaram que, antes de participar do Movimento,
“morriam de medo de sem terra” devido às informações disponibilizadas pela televisão. Este
receio começou a ser transformado em militância quando começaram a participar das reuniões
e perceber que o acampamento era um local seguro, de pessoas trabalhadoras, desmistificando
as informações de senso comum.
4.4.9 A agroecologia e o ensino formal
De acordo com a carta política formulada no II ENA, em termos do ensino formal, a
agroecologia aponta caminhos inovadores para a elaboração de conteúdos e métodos
pedagógicos, estimulando as discussões sobre educação do campo. A promoção do
conhecimento agroecológico pressupõe a democratização dos meios de disseminação dos
conhecimentos, inclusive os conhecimentos de informática. O acampado Geraldo demonstrou
que os conhecimentos que construiu sobre agroecologia foram realizados através da internet e
também em cursos à distância, que geralmente realiza.
Nesta perspectiva, o I ENA enfatiza a necessidade da formação de técnicos de nível
médio e superior voltada para o fortalecimento e defesa da produção familiar e da
agroecologia, bem como a pesquisa e o ensino públicos voltados para o campo.
Frente à carência de técnicos em agroecologia e ausência do Estado para solucionar
esta questão, os movimentos camponeses articulados à Via Campesina criaram escolas
técnicas (TARDIN, 2007). No Paraná há três escolas de nível médio: Centro de
Desenvolvimento e Capacitação em Agroecologia, Escola José Gomes da Silva e Escola
Milton Santos, em cuja primeira turma, Karl Marx, formou-se 13 técnicos em 2005. Stédile
(MST, 2008a) afirma que “faltam agrônomos que dominem os processos da agroecologia.
96
Para fazer a transição do modelo de produção é preciso difusão do conhecimento,
convencimento e apoio do governo".
Por sua vez, a Via Campesina Brasil criou a Escola Latino-Americana de
Agroecologia, de nível superior, com parceria da Universidade Federal do Paraná, governo da
Venezuela e MST (TARDIN, 2007). A escola conta com 88 educandos de 18 estados
brasileiros e do Paraguai, todos filhos de camponeses, assentados e pequenos agricultores.
duas turmas. A primeira chamada “Mata Atlântica” está na sexta etapa do curso e a turma
“Resistência Camponesa” inicia a quarta etapa em outubro. O curso tem duração de três anos,
com aulas que funcionam por etapas, em regime de alternância, entre tempo escola e tempo
comunidade, com uma média de 60 a 70 dias cada etapa. também o primeiro curso de
Agronomia com ênfase em agroecologia do Brasil, que funciona na Universidade Estadual do
Mato Grosso. Por sua vez, na Universidade Federal de Santa Catarina há o projeto de pesquisa
intitulado “Produção e industrialização de plantas medicinais: resgate cultural e viabilidade
técnica, econômica e comercial nas áreas de assentamentos de reforma agrária do norte de
Santa Catarina”, realizado pelo Centro de Ciências Agrárias.
Uma outra ferramenta para a construção do conhecimento agroecológico são as
escolas itinerantes, em que os educadores são militantes do próprio acampamento onde
lecionam e recebem qualificação e assessoria permanente do Setor de Educação do
Movimento. O MST mantém 11 delas em funcionamento no Paraná, embasadas no princípio
da auto-organização, na coletividade e na formação crítica dos educandos. As escolas
funcionam dentro dos acampamentos e atendem 1500 jovens e adultos. O projeto político-
pedagógico das escolas itinerantes utiliza as práticas da educação popular e o método
pedagógico proposto por Paulo Freire, que considera os educandos como sujeitos inseridos
em uma realidade social que deve ser levada em conta no processo educativo (MST, 2008a).
Este conjunto de instituições demonstra algumas contribuições do MST para as
mudanças na base de produção do campo, bem como para romper com o modelo de sociedade
atual. Desta maneira, o MST almeja que o Ministério da Educação incentive a criação de
curso de técnicos, tecnólogos, bacharelado e pós-graduação em Agroecologia; que as redes
escolares do ensino fundamental e médio disponibilizem em suas bibliotecas livros com
enfoque agroecológico (EMATER/RS, 2009).
Todavia, embora haja um conjunto de estratégias para a disseminação de informações
e capacitação agroecológica, nenhum acampado havia realizado qualquer curso
disponibilizado no próprio Centro de Formação. A intenção do Movimento em fornecer
subsídios para a prática agroecológica parece estar desarticulada da prática dos acampados,
97
em que deveriam, neste final do processo de assentamento, estar cada vez mais aptos e
confiantes com as práticas agroecológicas. Ao contrário, o que se observa é que o
conhecimento dos acampados é, em grande parte, fruto de seu contato com a terra antes do
ingresso no Movimento.
4.4.10 Sustentabilidade
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ao lidar com questões relacionadas
à Função Social da Terra busca reformular a agricultura convencional para uma agricultura
sustentável. Para isso necessita modificar as relações que se estabelecem no campo e no seu
entorno no que se refere ao meio ambiente, ao mercado, ao respeito às tradições das
comunidades, à valorização da agricultura familiar, entre outros.
Todavia, as dificuldades enfrentadas pelos movimentos sociais, em especial o MST,
possuem várias vertentes sendo a primeira delas a descrença da sociedade: “A sociedade não
acredita que os pobres podem se organizar e fazer as coisas” (MST, 2008a). O que
potencializa a importância e capacidade de modificação da agroecologia.
De maneira geral, a agroecologia como ferramenta para a agricultura sustentável
pressupõe modificações no processo produtivo como um todo. Para praticá-la é necessário
que as questões sociais, políticas e culturais também sejam colocadas em pauta.
Desta forma, nos debates do II ENA, o Movimento define que o desenvolvimento
rural sustentável só sepossível se baseado na justiça social, na distribuição dos recursos
produtivos e no uso de tecnologias que conservem o meio ambiente e garantam níveis de
produção adequados.
Necessita-se, portanto, compreender que conservar a diversidade biológica e cultural
nos ecossistemas significa cuidar do conjunto de organismos vivos em seus habitats e também
da interdependência entre eles dentro do equilíbrio dinâmico, próprio de cada região ecológica
e das características singulares das espécies, assim como da interação social e ecologicamente
sustentável dos povos que vivem na região (MST, 2006a).
Além disso, o caráter transformador da agroecologia permite modificações no âmbito
social e político, em que é possível:
98
Vencer o medo de falar, participar ativamente dos processos de tomada de decisão. Garantir
que as mulheres e os jovens assumam cada vez mais o comando de nossa organização para,
assim, revigorar as instâncias de decisão, respeitando as determinações tomadas pelos
coletivos. E aprender com as lições de outras organizações que existiram antes de nós [sem
terra] (MST, 2007).
Desta maneira, a agroecologia vai ao encontro do caráter educativo do Movimento,
que se preocupa com a formação econômica e também política, social e cultural, como
sinalizou Gohn (2001) ao afirmar que o estar em Movimento se constitui, por si só, um
processo de emancipação e formação.
É, prioritariamente, através das manifestações blicas que a sociedade percebe nos
trabalhadores do campo a necessidade de luta pela reforma agrária, em que se estabelecem as
ferramentas de negociação de todos os atores sociais e ainda, que eles possam se expressar
(CAPORAL; COSTABEBER, 2002).
99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
100
“Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança”.
Thiago de Mello
Os processos que culminaram na dissolução das práticas agroecológicas
desvalorização da cultura camponesa, instituição de tecnologia para produção de monocultivo
em grande escala e degradação ambiental – retornam à pauta das discussões.
Os moradores do acampamento Mário Lago demonstraram se embasar nos princípios
da agroecologia em suas práticas agrícolas, principalmente no que se refere à preservação do
Aqüífero Guarani. Todos os acampados souberam explicar o que é o Aqüífero e qual é sua
importância. Não se limitaram ao acampamento, foram além, e fizeram conexões sobre a
importância global desta reserva de água doce. Demonstraram conhecer os aspectos nocivos
dos agrotóxicos e dos insumos químicos decidindo não utilizá-los em sua produção em
nenhum momento, embora, como visto ao longo do texto, os autores citados afirmem a
necessidade destes insumos na agricultura.
Por se localizarem em região com predomínio da monocultura da cana-de-açúcar,
plantam em solo compactado, o que acarreta em relativa perda das sementes. Poucos
acampados possuem maquinário para plantar, necessitando alugá-los anualmente. A prática da
agroecologia é observada com clareza no preparo do solo e do plantio: utilizam adubo
orgânico formado por folhas e fezes de animais, estimulam o plantio de árvores para obterem
sombra para as mudas, realizam “caldas” para afastar as pragas, mantém os cinturões verdes e
utilizam água de chuva para a irrigação. Todavia, os acampados estão localizados em uma
área de baixa pluviosidade, o que os obriga a buscar água nas minas e em poços do
acampamento com baldes e tambores. A água é escassa. Os poucos poços e as minas de água
são distantes para a maioria e insuficientes às quase 300 famílias, em grande parte formada
por mulheres.
O acampamento Mário Lago, de maneira geral, possui a maioria de suas práticas
embasadas nos princípios da agroecologia, mesmo que não saibam o significado desta
palavra. Nas decisões, desde o preparo do solo à divisão do trabalho, a participação dos
acampados é vital. Constituem-se agentes de suas práticas e as disseminam boca a boca, ainda
que os militantes, algumas vezes não valorizem este conhecimento, o que provoca
desconforto nos acampados. Sua organização em núcleos permite que seus laços se estreitem
101
e as práticas coletivas possam ocorrer de maneira tranqüila, porém cuidadosa, afinal, a
individualidade precisa ser respeitada.
O MST, na luta pela reforma agrária no Brasil, instituiu a agroecologia em seu
discurso. Através dos relatos dos acampados e da observação participante percebe-se que o
discurso não constitui o principal meio para a formação agroecológica dos sem terra, e sim as
práticas por eles realizadas, o que possibilitaria que os próprios acampados ministrassem os
cursos de agroecologia e não profissionais de fora do acampamento. São provenientes de seu
contato anterior com a terra, antes do processo de êxodo rural sofrido por suas famílias.
Famílias estas que, na maioria das vezes, são provenientes de outros estados e migraram para
São Paulo em busca de oportunidades de empregos e não encontraram. Diante das
dificuldades de emprego, alimentação e moradia, descobriram no Mário Lago um lar e o
defendem arduamente. Algumas famílias possuem bens na sua cidade de origem ou em
Ribeirão Preto, e se aliaram ao Movimento talvez, entre outras razões, devido à nostalgia de
retorno a terra.
Como decorrência, a diferença de origem e a proximidade com o centro urbano
constituem características que possivelmente expliquem as razões pelas quais ainda não haja
fortes vínculos de pertencimento dos moradores ao acampamento. Foi possível perceber que,
talvez, o retorno a terra seja uma motivação frágil em alguns momentos, o que pode
potencializar eventuais práticas individualizadas.
Todavia, a permanência no acampamento fez com que se tornassem mais sábios, a
conhecerem os por quês e a lutarem por eles, mesmo que a formação do grupo ainda seja
eventual, pois o ensino formal se destina aos assentamentos, não sendo priorizados os
acampamentos nesta questão
12
. Os moradores não realizam curso de agroecologia de forma
integral, mesmo aqueles disponibilizados em seu próprio centro de formação. Os acampados
alegam que é necessário ter completado a oitava série do ensino fundamental (o que muitos
não possuem); precisam ficar longe de seus barracos, familiares e plantação (não recebem
ressarcimento pelos eventuais prejuízos, ficam com a produção atrasada); os conhecimentos
são engavetados, pois não há incentivo para sua aplicação. Permanecem realizando as práticas
“de antigamente”, sem nenhuma melhoria. O Movimento parece se dedicar à agroecologia
quando o assentamento estiver finalizado, todavia os acampados já a realizam desde sempre.
A necessidade de eliminar as queimadas da cana-de-açúcar é sentida na saúde, em
uma cidade com as condições climáticas de Ribeirão Preto. Partem do discurso de lutar contra
12
Em outras regiões do Brasil é possível afirmar que já existem experiências mais sólidas de educação
escolarizada.
102
o agronegócio à prática com o prejuízo de terem sua produção familiar discriminada nos
mercados.
Por sua vez, a fragilidade das instituições de ensino e pesquisa, dependentes do capital
do agronegócio e de grandes empresas de transgênicos, dificulta a melhoria do manejo
agroecológico. Falta incentivo às inovações, praticidade e eficiência. Mas, mesmo diante do
modelo de desenvolvimento atual, concentrador e excludente, o MST ainda encontra seu
espaço nos debates universitários ainda que predomine as resistências. A resistência das
instituições em incluir o conhecimento tradicional no seu cotidiano é um dos pontos que
Altieri afirma serem cruciais à disseminação das práticas agroecológicas. Para o autor, as
políticas públicas também necessitam de mudanças e os acampados demonstraram que
concordam, ao elaborarem passeatas e manifestações periodicamente. Todavia, nem todos
concordam com estas atividades, se sentem excluídos do processo decisório já que as medidas
são tomadas verticalmente pelos militantes, na maioria das vezes.
As manifestações ainda assustam a população da cidade. Não sabem como reagir
frente à massa com bonés e bandeiras vermelhas, exigindo explicações e procedência dos
alimentos transgênicos que lhes são impostos. Assim como os autores estudados, os
acampados demonstraram profundo interesse nas questões dos alimentos modificados
geneticamente. Não conhecem este conceito, mas sabem os males que eles podem causar,
tanto para a saúde quanto para a produção agrícola do pequeno produtor.
A participação dos moradores em um movimento social é positiva, segundo eles,
porque desenvolvem sua autoconfiança, sua capacidade de argumentação, se sentem
respeitados e prontos para enfrentar as diversidades da vida na cidade (em seus empregos na
cidade, com seus familiares, com bancos, com escolas, com hospitais etc.). Muitos homens
ainda mantêm seus empregos na cidade, alegando que, pelo processo de assentamento não ter
sido finalizado, a falta de infra-estrutura os obriga a manterem a estabilidade financeira na
cidade, embora façam planos de agroecologia para sua produção e sonham em “nunca mais
precisar pegar nada na cidade”.
Em síntese, os acampados demonstraram um amplo conhecimento das práticas
agroecológicas. Todavia, faz-se necessário que o próprio Movimento apóie esse
conhecimento, o que, muitas vezes, não ocorre, como por exemplo ao privilegiar profissionais
ligados à agroecologia para ministrarem os cursos de formação. Por outro lado, o aspecto
social da agroecologia é bastante difundido desde a entrada do trabalhador na luta. Pode ser
observada nas tomadas de decisões (ainda que ocorram exceções), no contato com a
população urbana, na valorização do trabalho feminino, da cultura camponesa, do
103
desenvolvimento das comunidades locais e na persistência em manter as crianças na escola.
Segundo os autores estudados, estas características observadas no acampamento são as de
maior importância para a manutenção de agroecossistemas, juntamente com as políticas
públicas para valorização dos produtos oriundos desta agricultura, que são alvo das lutas do
Movimento. Logo, o caráter educativo da agroecologia aproxima-se do ideário do MST na
medida em que ocorre paulatinamente, no contato entre as pessoas, nos momentos de decisão,
ou seja, as práticas e os valores agroecológicos estão inseridos no cotidiano do acampado e, se
conduzidos de maneira correta, permanecerão e promoverão mudanças significativas na
agricultura convencional vislumbrando uma agricultura sustentável.
104
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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108
APÊNDICE A
Roteiro semi-estruturado
1) Como é o abastecimento de água do acampamento?
2) Você tem algum sistema para guardar água da chuva?
3) Você já viu mosquitos ou larvas de dengue na água?
4) Como vocês evitam as doenças ligadas à água?
5) Vocês recebem algum tipo de instrução de como evitar doenças?
6) Para onde vão os detritos? Quais critérios usou para construção do banheiro?
7) Vocês terão saneamento básico?
8) Como funciona a limpeza da mina de água? Já participou?
9) Você participa da horta medicinal?
10) Você já ouviu falar no Aqüífero Guarani? O que é?
11) Qual o tipo de adubo que vocês utilizam? Como o adquire?
12) Há projeto de reciclagem no acampamento?
13) O que é agroecologia?
14) Você acha agroecologia importante para o MST? E para a sociedade como um todo?
15) Você acha que o MST capacita os acampados para a agroecologia? Como?
16) Você já participou de reflorestamentos? Você concorda com os 30% destinado a ele?
17) É preciso reflorestar o acampamento?
18) Você já ouviu falar em sustentabilidade?
19) Você sabe o que é transgênico?
20) Quais as manifestações que o MST e o acampamento prepararam este ano em defesa do
meio ambiente? Você concorda?
22) Você sabe como será o pagamento de água e luz quando assentarem?
23) Quais as fontes de energia que você conhece? Pretende utilizar alguma?
24) Você acha melhor o trabalho coletivo ou individual?
25) Você acha que o MST ajuda no combate à violência e à fome?
26) O que chamou mais sua atenção quando conheceu o Movimento?
27) Como espera que esteja o Mário Lago daqui a 10 anos?
109
ANEXO 1
Lista de presença
ACAMPAMENTO MÁRIO LAGO
SETOR DE_______________________________
P= PRESENÇA F= FALTA MÊS:_________ DIA:__________
Núcleos Nome P F Nome P F Barraco
Antonio Conselheiro
Caio Prado
Camilo Torres
Celso Furtado
Che Guevara
Chico Mendes
Dandara
Dom Helder Camara
Frei Tito
Iasser Arafat
Josué de Castro
Margarida Alves
Oziel Nunes
Padre Jansen
Patativa do Assaré
Paulo Freire
Rosa Luxemburgo
Rosely Nunes
Salete Strosaki
Terra Sem Males
Zumbi dos Palmares
Observação:
A cada reuniões os cordenadores deverão fazer um relatório e anexar junto a esse
controle.
Ao final de cada reunião os cordenadores deverão assinar e entregar para os
cordenadores da secretaria.
Nome do coordenador:___________________________
110
ANEXO 2
MST
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA
Regimento interno
Para que seja possível o avanço da luta, para o bom andamento do acampamento e
para que venhamos avançar nas conquistas, nós do acampamento Mário Lago, nos
comprometemos a defender as normas que por nós foram criadas e estabelecidas, e se
eventualmente essas normas forem descumpridas, temos clareza que poderemos sofrer
punições e inclusive sermos afastado efetivamente do acampamento.
Segue abaixo as normas internas a serem respeitadas por todos os membros desta
comunidade.
1. Não usar nem comercializar entorpecentes.
2. Não roubar nem furtar tanto dentro como fora do acampamento.
3. Estupro e abuso sexual de qualquer natureza serão punidos com a expulsão.
4. Fica proibido qualquer tipo de prostituição.
5. Não agredir fisicamente e nem proferir qualquer ameaça a pessoas da comunidade.
6. Não desrespeitar e nem agredir o Meio Ambiente
7. Não fazer arrecadação e comercialização individual.
8. Não ficar embriagado devido ao excesso de álcool
9. É necessária a participação de todas as atividades do movimento.
10. Horário de silêncio fica estabelecido às 23hs.
11. As famílias que receberem visitas serão responsáveis pelas mesmas e se estas
descumprirem o regimento quem sofrerá as conseqüências serão as pessoas que acolheram
este indivíduo.
12. É necessário que sejam identificadas todas as pessoas que entrarem em nosso
acampamento.
Sendo de comum acordo nós famílias acampadas no acampamento Mário Lago, que nos
comprometemos a zelar e respeitar as nossas normas internas, abaixo assinamos como
compromisso.
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