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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM LINGÜÍSTICA E ENSINO
A GRAMÁTICA NO LIVRO DIDÁTICO:
ANÁLISE DE ABORDAGENS E PROPOSTAS METODOLÓGICAS
Antônio Bezerra Melo
João Pessoa
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM LINGÜÍSTICA E ENSINO
A GRAMÁTICA NO LIVRO DIDÁTICO:
ANÁLISE DE ABORDAGENS E PROPOSTAS METODOLÓGICAS
Antônio Bezerra Melo
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras da UFPB,
como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Lingüística e
Ensino.
ORIENTADORA: PROFª. DRª. EVANGELINA MARIA BRITO DE FARIA
João Pessoa
2007
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ANTÕNIO BEZERRA MELO
A GRAMÁTICA NO LIVRO DIDÁTICO:
ANÁLISE DE ABORDAGENS E PROPOSTAS METODOLÓGICAS
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras da UFPB,
como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Lingüística e
Ensino.
Aprovado em _____/_____/_____
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Evangelina Maria Brito de Faria (Orientadora)
Universidade Federal da Paraíba
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Maria das Graças Ribeiro Carvalho
Universidade Federal da Paraíba
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Marluce Pereira da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, Raimundo e Maria
(in memoriam), à minha esposa, Maria do Carmo,
minha grande incentivadora, e aos meus filhos, Victor
Felipe, Arthur Renato e Daniel Augusto, sempre felizes
com o meu desempenho.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, primeiramente, por me haver concedido a graça de poder fazer este curso, com a
consciência da força de Suas palavras: “Sem Mim, nada podeis fazer”.
Aos meus pais (in memoriam), pela constante alegria que tiveram comigo.
À minha esposa, Maria do Carmo, e aos meus filhos, Victor Felipe, Arthur Renato e Daniel
Augusto, que sempre se alegraram com os bons resultados que fui obtendo ao longo deste
período de estudo.
Ao meu amigo e compadre Lucas, pelo incentivo que sempre me dispensou, antes e durante o
curso.
À Profª. Draª. Evangelina Maria Brito de Faria, minha orientadora, por haver dedicado
grande parte de seu tempo no acompanhamento de meu trabalho. Ainda, pelas ricas lições
transmitidas, advindas das disciplinas que ministrou durante o curso.
À Coordenadora do curso de Pós-Graduação em Letras, Profª. Drª. Elisalva Madruga Dantas,
pelo ótimo tratamento a mim dispensado como aluno desse curso, na área de Linguagem e
Ensino (do qual me transferi).
Ao Profº. Dr. Dermeval da Hora, coordenador do Curso de Pós-Graduação em Lingüística-
PROLING, pela solicitude com que me acolheu nesse curso, na área de Lingüística e Ensino.
Também, pelas lições de Fonologia, ministrada durante o curso.
Às Profªs. Drªs. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante, Maria das Graças de Carvalho
Ribeiro e Ana Cristina de Sousa Aldrigue, pelas lições de sabedoria transmitidas durante este
período de estudo.
Às colegas do mestrado, Sandra, Janaína e Melissa, bem como aos demais, pela felicidade de
ter podido compartilhar de sua companhia durante esta caminhada.
A todos que, direta ou indiretamente, me prestaram apoio na consecução deste objetivo.
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RESUMO
Este trabalho “A gramática no livro didático: análise de abordagens e propostas
metodológicas” teve como objetivo analisar se a perspectiva do ensino da gramática adotada
no livro didático concorre para o letramento dos alunos, isto é, se ajuda a desenvolver a
capacidade de leitura e de escrita. Como suporte teórico, nos apoiamos em NEVES (1999),
TRAVAGLIA (2003), POSSENTI (1998), percorrendo um trajeto bibliográfico sobre
gramática a partir dos gregos até os dias atuais para entender como foram construídas as
diferentes concepções desse termo, no decorrer do tempo. Na análise, selecionamos duas
coleções didáticas: Português: uma proposta para o letramento ensino fundamental, da
autoria de Magda Soares, e Português: uma proposta para o letramento, da autoria de
William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães. O resultado nos aponta para a
coexistência de diferentes propostas metodológicas nos livros didáticos aprovados pelo
PNLD: uma em que há profunda articulação entre os eixos de leitura, escrita e análise
lingüística, concorrendo para um desenvolvimento maior da leitura e da escrita; outra, em
que a gramática vem desvinculada dos demais eixos e segue uma abordagem mais
tradicionalista de classificação e reconhecimento.
Palavras-chave: gramática, leitura e escrita, livro didático.
7
ABSTRACT
This work " THE grammar in the text book: analysis of approaches and proposed
methodological " had as objective analyzes the perspective of the teaching of the grammar
adopted in the text book it competes for the capacity to read and to write of the students, that
is, helps her to develop the reading capacity and of writing. As theoretical support, we leaned
on in NEVES (1999), TRAVAGLIA (2003), POSSENTI (1998), traveling a bibliographical
itinerary on grammar starting from the Greeks until the days acts to understand how the
different conceptions of this term were built, in elapsing of the time. In the analysis, we
selected two didactic collections: Portuguese: a proposal for the reading and writing -
teaching fundamental, of Magda Soares' authorship, and Portuguese: a proposal for the
reading and writing, of the authorship of William Roberto Cereja and Thereza Cochar
Magalhães. The result points us for the coexistence of different proposed methodological in
the approved text books for PNLD: one in that there is deep articulation among the reading
axes, writing and linguistic analysis, competing for a larger development of the reading and
of the writing; other, in that the grammar comes disentailed of the other axes and it follows
an approach more classification traditionalist and recognition.
Key-words: grammar, reading and writing, text book.
8
SUMÁRIO
I – INTRODUÇÃO.................................................................................................. 10
II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.................................................................... 12
CAPÍTULO 1 – HISTÓRIA DA GRAMÁTICA............................................ 12
1.1. A Lingüística na Grécia................................................ 12
1.1.1. As controvérsias................................................ 16
1.2. Da Grécia para Roma.................................................... 24
1.3. Estudos relativos à Idade Média.................................... 28
1.4. Estudos gramaticais no Renascimento.......................... 29
1.5. A Lingüística no século XX......................................... 31
1.5.1. O estruturalismo............................................... 31
1.5.2. Gramática gerativa........................................... 32
1.5.3. A Escola de Praga e o funcionalismo............... 33
1.5.4. A guinada pragmática....................................... 35
CAPÍTULO 2 – A GRAMÁTICA NA VISÃO DA LINGÜÍSTICA
MODERNA 37
CAPÍTULO 3 – GRAMÁTICA NOS PCN....................................................... 45
III – METODOLOGIA............................................................................................ 54
3.1. Tipo de pesquisa........................................................................................... 54
3.2. O corpus de análise..................................................................................... 54
3.3. Categorias de análise.................................................................................. 54
9
IV - ANÁLISE DE LIVROS..................................................................................... 56
4.1. Algumas considerações............................................................................... 119
V - CONCLUSÃO................................................................................................... 121
VI - BIBLIOGRAFIA................................................................................................ 125
10
I -- INTRODUÇÃO
Nessas últimas cadas, com o aprofundamento dos estudos lingüísticos, muito se tem
discutido sobre a necessidade de se ensinar gramática na escola. Muitos lingüistas como
Possenti (2003, p. 55-56) e Bagno (2002, p. 59), entre outros, questionam abertamente o
ensino tradicional da gramática normativa. De acordo com os PCNs (1979, p. 89), “é no
interior da situação de produção de texto, enquanto o escritor monitora a própria escrita para
assegurar sua adequação, coerência, coesão e correção, que ganham utilidade os
conhecimentos sobre os aspectos gramaticais”.
A partir dessa citação, é possível perceber que para a produção textual, seja oral ou
escrita, fazemos uma série de escolhas lingüísticas em que precisamos dos conhecimentos
gramaticais. E a questão que se coloca é: “como e para que ensinar a gramática”.
De um modo geral, no pensar dos lingüistas, o “como” se volta para a compreensão por
parte do aluno quanto ao funcionamento da língua e o “para” tem como direção o
aperfeiçoamento da língua, isto é, um desenvolvimento das habilidades orais e escritas do
sujeito aluno. Esse desenvolver o uso oral e escrito da língua tem como implicação uma
melhor produção textual, já que nos expressamos por meio de textos.
Dessas inquietações, surgiu o desejo de realizar este trabalho: “A gramática no livro
didático: análise de abordagens e propostas metodológicas”, com o objetivo de analisar como
os livros didáticos abordam os conteúdos gramaticais e se estes ajudam a desenvolver a
competência lingüística oral ou escrita dos alunos do Ensino Fundamental.
Para avaliar, em parte, essa questão, muito importante é colocar em evidência as
sugestões dos PCNs (1998 e 2000), referentes ao ensino da língua. Eles apresentam as
conquistas da Lingüística Moderna e propõem um ensino que integre os dois eixos de
conteúdo: o eixo USO, que envolve os usos e formas da ngua oral e escrita e o eixo
REFLEXÃO, que é direcionado à análise da língua. Sabemos, no entanto, que, nem sempre,
as conquistas de que falamos são levadas em conta pelos autores.
Partimos, então, da hipótese de que coexistem diferentes propostas nos livros didáticos
que circulam nas escolas, uma em que uma profunda articulação entre os eixos de ensino,
leitura, escrita e análise lingüística; outra em que a gramática vem desvinculada dos demais
eixos.
Para realizar este trabalho nos fundamentaremos em Neves (2004b), Travaglia (2003b),
Possenti (2000), Mira Mateus e Alina Villalva (2006) e, naturalmente, nos PCNs.
Metodologicamente, dividiremos o trabalho em duas partes. Na primeira, estaremos voltados
11
para os aspectos mais teóricos da pesquisa e, na segunda, aplicaremos as bases teóricas em
análises de duas coleções de livros didáticos, quais sejam: Português: uma proposta para o
letramento, da autoria de Magda Soares; e Português: Linguagens, da autoria de William
Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, procurando detectar a concepção de gramática
desenvolvida em cada uma delas. É preciso esclarecer que nosso trabalho de análise se
pautará no que vem indicado pelo PNLD, usado pelo MEC para o livro didático.
Esperamos, ao final da pesquisa, poder contribuir para a discussão em torno do ensino de
gramática na escola e, dessa forma, colaborar para uma melhoria do processo
ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa.
Para dar continuidade ao nosso estudo, consideramos importante, antes de tudo,
dispensar um olhar mais demorado sobre a gramática: parte de sua história; visão da
Lingüística Moderna sobre ela; sua relação com os PCNs.
12
II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1. HISTÓRIA DA GRAMÁTICA
1.1. A Lingüística na Grécia
Partindo da Grécia e acompanhando o curso dos estudos realizados na Europa, podemos
levar em consideração os trabalhos desenvolvidos fora do continente europeu no momento
em que nele se tornaram conhecidos, passando, portanto, a integrar e a enriquecer a
lingüística tal como o mundo a conhece hoje.
Antes da época em que encontramos os primeiros dados da ciência lingüística na Grécia,
o começo do período clássico no séc. V a. C., já tinham os gregos, muitas gerações, se
estabelecido nas partes habitáveis do continente, nas costas ocidentais da Ásia Menor, nas
ilhas do mar Egeu, nas costas orientais da Sicília e em alguns pontos do sul da Itália e em
outros lugares. A colonização da Grécia foi resultado de ondas sucessivas de invasores
vindos do Norte, que desceram até a Grécia e daí se espalharam por outras regiões. A última
invasão foi a dos povos dóricos, provavelmente nos fins do segundo milênio. A sua chegada
provocou a desintegração da primitiva civilização helênica, do chamado “período micênico”,
forjada por outras comunidades de fala grega que em séculos anteriores haviam se
estabelecido no continente e em algumas das ilhas.
Entre os fatores que suscitaram o interesse pela linguagem como manifestação da vida
humana, arrola-se o que os gregos do período clássico conheciam: a existência de povos
com línguas diferentes e de divisões dialetais dentro da comunidade de fala grega. Devem ter
sido intensos os contatos lingüísticos entre os gregos e os povos não helênicos no comércio,
na diplomacia e na vida diária de colônias estabelecidas nas costas da Ásia Menor e da Itália.
De tudo isso, surpreendentemente, sabemos muito pouco.
Heródoto e outros citam e comentam palavras estrangeiras; Platão (428-354 a.C.) admite
no Crátilo a possibilidade da origem alienígena de parte do vocabulário grego, a partir da
presença de falantes bilíngües e de intérpretes profissionais. Não há, porém, nenhuma
evidência de que existisse entre os gregos interesse pelas línguas em si mesmas. Um sintoma
da provável falta de interesse temos, ao contrário, na aplicação aos falantes estrangeiros do
termo bárbaroi (donde a nossa palavra “bárbaro”), com que os gregos sempre se referiam às
pessoas de fala ininteligível.
13
Muito diferente foi a consciência que eles tiveram de suas próprias divisões dialetais. Ao
lado disso, nem todos os dialetos tiveram representação gráfica. No período clássico, porém,
os mais importantes aparecem sob a forma escrita, conforme atestam inscrições ainda hoje
existentes. Apartada dos dialetos falados, os gregos cultos tinham consciência de que a língua
dos poemas homéricos, a Ilíada e a Odisséia, não se identificava precisamente com nenhum
dialeto vivo da época. Esses poemas desempenharam importante papel na educação grega;
eram recitados em público e considerados como fonte de preceitos morais. A “erudição
homérica” a fixação de textos aceitáveis dos poemas e a sua crítica começa em Atenas
durante o século VI a. C..
A primeira conquista do saber lingüístico na Grécia ocorreu antes do aparecimento dos
registros escritos. Nos primórdios do primeiro milênio a. C., foi criado para a língua grega
um sistema de escrita que serviu de base para o alfabeto ático (ateniense) clássico e para
outros dialetos literários. Esse sistema gráfico, juntamente com o alfabeto romano, derivado
de uma variação ocidental do alfabeto helênico, tornou-se a fonte das formas da escrita mais
amplamente difundidas no mundo de hoje.
Higounet (2004, p. 85 e 87) assim se expressa:
“A importância do alfabeto grego é capital na história de
nossa escrita e da civilização. Além de ter servido para notar a
mais rica ngua de cultura do mundo antigo e de ter transmitido a
mensagem de um pensamento incomparável, ele foi também o
intermediário ocidental entre o alfabeto semítico e o alfabeto
latino, intermediário não apenas histórico, geográfico e gráfico,
mas estrutural, pois foram os gregos os primeiros a ter a idéia da
notação integral e rigorosa das vogais”.
O alfabeto grego, tal como o conhecemos hoje, surgiu independentemente a partir de
uma adaptação do sistema gráfico fenício. Isso leva o autor acima (op. cit., p. 87) a afirmar:
“Já não há dúvida da origem fenícia do alfabeto grego. A forma primitiva de quase todas as
letras gregas, sua ordem e seu nome dão testemunho dessa origem e estão de acordo com a
tradição”.
Robins (1979, p. 9-10) comenta que, quando os gregos se serviram da escrita fenícia,
esta era na sua maior parte um conjunto de sinais consonânticos. Cabia à inteligência do
leitor acrescentar as vogais que faltavam, reconhecendo-as pelo sentido do que estava escrito.
Os gregos não possuem a glória de ter inventado a escrita; mas ao delinearem um
alfabeto, na acepção moderna do termo, que representa separadamente os segmentos
distintivos, tanto as vogais como as consoantes, podem reivindicar o mérito de haver dado
um vigoroso passo na aplicação da ciência lingüística.
14
Que o desenvolvimento e o uso da escrita constituem a pedra angular da erudição
lingüística na Grécia é atestado pela história da palavra grammatikós. Até a época de Platão e
Aristóteles (384-322 a.C.), inclusive, o vocábulo significava simplesmente aquele que
entendia o uso das letras, grámmata, e que podia ler e escrever; téchne grammatiké era a arte
de ler e escrever. A ampliação posterior do significado do termo e das suas formas correlatas
é conseqüência das mudanças, especialmente no campo da gramática, que ocorreram no
desenvolvimento da ciência lingüística.
O termo grammatiké significava, de início, apenas a compreensão das letras; o que hoje
se considera como investigação lingüística estava compreendido sob o título genérico de
philosophia, que cobria então um campo muito mais amplo do que o da “filosofia” de hoje,
pois abrangia virtualmente todos os setores do conhecimento humano.
Nos escritos que se conservaram dos filósofos pré-socráticos, dos retóricos do séc. V a.
C., de Sócrates (470-399 a.C.), Platão e Aristóteles, encontramos observações sobre a
linguagem, mais precisamente sobre a língua grega. na época dos estóicos, porém, é que
se o reconhecimento de um domínio separado de estudos lingüísticos dentro do vasto
campo da philosophía
Nosso conhecimento dos pré-socráticos e dos primeiros retóricos é fragmentário. Desde
os fins do século VI a. C., filósofos da Jônia e de outros lugares exploraram amplamente os
domínios da astronomia, física, matemática, ética e metafísica; também incluíram a
linguagem no seu campo de ão. No século V a. C., os retóricos tornaram-se famosos no
mundo grego, entre eles Górgias da Sicília.
Esses homens eram profissionais da oratória, e alguns deles percorriam o país dando
aulas em troca de remuneração e escrevendo livros sobre a sua matéria. Faziam parte daquela
classe de provedores ambulantes de qualquer espécie de ensino, conhecidos como sofistas.
Nossos conhecimentos de Sócrates também são indiretos. Não temos dele nenhuma obra,
mas seus argumentos e pontos de vista estão relatados em alguns escritos de Xenofonte e nas
mais famosas obras dialógicas de Platão, nas quais, todavia, é uma questão em aberto saber-
se o que se pode atribuir diretamente a Sócrates e o que não passa de pensamento de Platão
expresso através da fala de Sócrates. Com toda certeza, Sócrates foi partidário da crítica
corajosa e da liberdade total de expressão; morreu em defesa dos seus ideais. Sob a forma de
governo um tanto totalitário que Sócrates descreve na República de Platão, ele próprio teria
sido alvo de repressão ou estaria sujeito à pena de expulsão.
Um dos diálogos de Platão, o Crátilo, é todo consagrado a questões lingüísticas.
Referências à linguagem e à sua análise também se encontram em outros diálogos em que
15
Sócrates é o principal interlocutor. Embora Platão nunca tenha reunido e sistematizado suas
observações lingüísticas, um escritor da época posterior, Diógenes Laércio, atribui-lhe certo
papel na introdução dos estudos gramaticais na Grécia, ao afirmar que Platão “foi quem
primeiro investigou as potencialidades da gramática”.
Aristóteles teve conhecimento da obra de Platão, da qual partiu para desenvolver o seu
próprio pensamento. Foi provavelmente o mais notável intelectual da Antiguidade; quase
todos os domínios do conhecimento humano então explorados estiveram ao seu alcance.
Como acontece com relação a Platão, temos de extrair a doutrina lingüística de
Aristóteles de afirmações espalhadas em diversos trabalhos de gica e retórica Os contornos
da lingüística aristotélica são razoavelmente claros e pode-se observar que sua obra
representa um avanço em relação às posições alcançadas por Platão.
Entre as escolas filosóficas que surgiram em Atenas depois de Aristóteles, a mais
importante para a história da lingüística é a dos estóicos, fundada por Zenão (circa 300 a. C.).
Os estóicos trabalharam em vários campos que já tinham sido cultivados por Aristóteles, mas
em alguns pontos de filosofia e retórica desenvolveram os seus próprios métodos e doutrinas.
Com os estóicos, a lingüística conquistou um lugar definitivo dentro do contexto geral da
filosofia. As questões lingüísticas passaram a ser tratadas em obras específicas e de maneira
ordenada, porém essas obras perderam-se no tempo e delas só temos notícia através de
escritores que viveram em épocas posteriores.
O ponto de vista sobre a linguagem dentro do sistema estóico pode ser resumido em três
citações: “Primeiro vem a impressão; em seguida a mente, utilizando-se da fala, expressa
com palavras a experiência produzida pela impressão”. “Todas as coisas são percebidas
através de estudos dialéticos.” “A maioria das pessoas está de acordo em que é conveniente
começar o estudo de dialética pelo ponto que trata da fala.”
Os estóicos formalizaram a oposição que existe entre forma e sentido, distinguindo na
linguagem o “significante” e o “significado” em termos que surpreendentemente lembram a
dicotomia signifiant e signifié de Saussure (1995, p. 81).
Trataram de modo separado a fonética, a gramática e a etimologia, dedicando-lhes
considerável atenção. A sua mais notável contribuição, como também a de toda a lingüística
ocidental durante a Antigüidade, deu-se no campo da gramática, domínio em que podemos
acompanhar as várias etapas de um desenvolvimento progressivo da teoria e da terminologia.
A escola estóica, fundada na chamada época helenística, período pós-alexandrino, se
caracterizou pela divergência entre o grego falado correntemente, a koiné, e a língua dos
autores clássicos atenienses, considerada como uso literário de todos os gregos cultos, com
16
exceção de Homero. Alguns estudiosos sustentam que a atenção dada pelos estóicos a
questões lingüísticas e o discernimento que demonstraram ao analisar a semântica do sistema
verbal grego, podem ser atribuídos em parte ao fato de Zenão, o fundador da escola, ter sido
bilíngüe: aprendera a falar primeiro uma língua semítica e só em idade madura veio a
aprender o grego.
Os estudos da literatura grega foram estimulados por vários governantes que sucederam
a Alexandre da Macedônia; estes mantiveram às suas expensas bibliotecas e protegeram os
homens de ciência, em parte para justificar o poder político sobre o mundo grego que caíra
sob o seu domínio.
As marcas de acento da escrita grega datam da época helenística; serviam de indicação
para a correta pronúncia das palavras. Sob o título genérico de prosódias (prosodiai), a
descrição dos traços de juntura e entoação, representados pelas fronteiras de palavras e sinais
de pontuação, era parte do movimento em favor da correção, conhecido por Helenismo
(Hellenismós). Os estudos homéricos atingiram nessa mesma época um estágio avançado;
alguns gramáticos, importantes por suas investigações lingüísticas, ficaram famosos pelos
seus trabalhos de fixação e exegese dos textos de Homero.
Tendo discorrido sobre os principais estudiosos da fase inicial da lingüística na Grécia,
voltemos a considerar as principais linhas de organização e desenvolvimento dos seus
trabalhos, as quais fazem surgir posições divergentes acerca dos temas discutidos por eles.
1.1.1. As controvérsias
Desde o começo, os problemas da linguagem, tendo sempre por base a língua grega,
foram considerados em termos de duas controvérsias, de certa forma relacionadas entre si.
A primeira delas é o embate entre os partidários da natureza (physis) e defensores do
princípio de convenção (nomos ou thesis).
A segunda é a discussão entre analogistas e anomalistas: para os primeiros, a fala
humana estaria sob o domínio do princípio da regularidade ou analogia (analogia); para os
segundos, sob o domínio do princípio da irregularidade ou anomalia (anomalia).
Essas duas dicotomias representam mais simples pontos de vista diferentes do que
debates contínuos e formalizados, com litigantes fortemente separados.
A primeira dessas controvérsias parece ter sido a mais antiga. A segunda, por sua vez,
persistiu durante toda a Antigüidade. Em ambas, as questões lingüísticas foram colocadas
17
num contexto mais amplo de discussões, o que permitia a cada lado contar sempre com
testemunhos óbvios em favor de sua posição.
Um importante tema discutido pelos filósofos pré-socráticos e pelos últimos sofistas, e
que também aparece em vários diálogos de Platão, consistia em saber até que ponto as
normas consagradas, as instituições e os julgamentos do que é certo ou errado, justo ou
injusto, eram baseados na natureza das coisas e até que ponto eram essencialmente produto
de uma convenção tácita ou mesmo de uma legislação explícita. O tema do Crátilo é um
debate sobre a origem da linguagem e sobre as relações entre as palavras e o que significam:
estarão ambas as coisas fundadas numa afinidade entre forma e significado da palavra ou
serão resultado de mera convenção ou acordo? As duas posições são discutidas pelos
participantes do diálogo, que não chegam, contudo, a uma conclusão definitiva.
A argumentação naturalista apoiou-se nas ocorrências onomatopaicas e no simbolismo
dos sons da estrutura de algumas palavras; muito se jogou com etimologias impossíveis e
fantasiosas, com a esperança de redescobrir as supostas formas originariamente “naturais”,
que era admitido pelos naturalistas que o tempo havia efetuado mudanças nas estruturas
“primitivas” das palavras. Os convencionalistas assinalaram que o vocabulário pode ser
modificado à vontade e que a linguagem continua igualmente eficaz após a mudança ter sido
aceita.
A controvérsia natureza-convenção não parece que esteja formulada apropriadamente ou
que seja muito frutífera no campo lingüístico. A linguagem é uma capacidade universal de
todo ser humano normal e, em termos de complexidade geral, de regularidade e adequação
cultural, não meios válidos para graduar as línguas ou para nelas descobrir vestígios de
primitivismo. Nesse sentido, a capacidade de comunicação por meio da linguagem (langage
de Saussure) é natural.
Do ponto de vista histórico, a importância da controvérsia se deve ao papel que
desempenhou no desenvolvimento inicial da teoria lingüística e o estímulo que deu para o
exame mais detalhado da língua grega. Ao defender ou atacar um dos lados do debate, as
pessoas foram levadas a olhar mais de perto as estruturas, os significados e os padrões
formais das palavras. Nessas investigações está o início de uma meticulosa análise
lingüística.
Os estudiosos de épocas posteriores tomaram posições mais bem definidas do que a de
Platão. Aristóteles adotou firmemente o ponto de vista convencionalista, quando afirmou que
a linguagem resulta de convenção, visto que nenhum nome surge naturalmente. A
onomatopéia não pode invalidar este princípio, pois as formas onomatopaicas variam de uma
18
língua para outra e são sempre configuradas de acordo com o sistema fonológico de cada
língua. A visão lingüística de Aristóteles está sintetizada no começo do De interpretatione,
onde ele diz que a fala é a representação das experiências da mente e a escrita é a
representação da fala.
Epicuro (341-270 a. C.) assumiu uma posição intermediária, sustentando que as formas
das palavras surgiram naturalmente, mas foram modificadas por convenção. De maior
importância para a história da lingüística foi a preferência que os estóicos tiveram pelo ponto
de vista naturalista, ainda apoiando-se essencialmente nas onomatopéias e no simbolismo dos
sons: Na opinião dos estóicos, os nomes são naturalmente constituídos; os sons das formas
primitivas imitam as coisas que nomeiam.
A posição de Aristóteles e a dos estóicos são importantes, visto que nos levam à segunda
controvérsia lingüística da Antigüidade: analogia versus anomalia. Esta polêmica não teve
exposição formal, com argumentos opostos enfileirados uns contra os outros, até que Varrão
(116-27 a. C.), escritor latino, desse ao problema amplo tratamento.
No terreno da linguagem, parece claro que Aristóteles preferiu a analogia e os estóicos, a
anomalia. O debate analogia-anomalia pode ter-se tornado mais intenso devido à rivalidade
entre Alexandria e Pérgamo, os dois principais centros do saber durante o governo
macedônio. Alexandria era dominada pelos analogistas e Pérgamo, pelos estóicos. Crisipo,
segundo fundador do estoicismo, chegou a escrever um tratado sobre a anomalia lingüística.
Os três principais ramos de estudo lingüístico que receberam atenção especial dos
antigos gregos foram a etimologia, a fonética (pronúncia) e a gramática. Na primeira, apesar
de muito entusiasmo, pouca coisa de valor se conseguiu: a controvérsia natureza-convenção a
respeito da origem da linguagem estimulou o interesse pela pesquisa etimológica, mas ao
mundo antigo ocidental faltou uma concepção adequada da mudança lingüística e dos fatores
que a produzem.
Maiores progressos foram conseguidos em fonética. Empreenderam-se algumas
classificações articulatórias e introduziu-se a sílaba como unidade estrutural de descrição
fonológica; na época dos estóicos, já se tinha uma idéia clara de que a fala era produzida pela
atuação dos órgãos articulatórios sobre a corrente de ar proveniente dos pulmões. Somente o
grego era estudado. Do melhor modo possível, procurava-se usar as letras gregas para
escrever as palavras estrangeiras, mas não há provas de que existisse interesse pelo estudo do
sistema de sons de outras línguas. A base de descrição fonética do grego foi o próprio
alfabeto grego; daí terem os estudos assumido a forma de explicações sobre a pronúncia das
letras.
19
Novos progressos em fonética foram feitos pelos estóicos, que consideraram o estudo
dos sons da fala como uma parte separada dos demais domínios de estudo da linguagem.
Com relação à letra, distinguiram três aspectos: o seu valor fonético, v.g. [a], a sua forma
escrita e o nome por que era designada, alpha. Essas três propriedades continuaram a ser
destacadas durante toda a Antigüidade e receberam em latim as designações de potestas
(poder), figura (forma) e nomen (nome).
Os sábios gregos, como posteriormente os gramáticos latinos, fizeram numerosos
comentários precisos e corretos sobre fonética, que são de grande valor para a reconstrução
da pronúncia do grego e do latim, respectivamente; cometeram, porém, graves omissões no
exame dos fatos e careceram de uma teoria descritiva adequada: na história da fonética,
conseqüentemente, a obra greco-romana não é de primordial significação. A fonética do
século XIX, ramo da lingüística que obteve acelerado progresso, encontrou sua principal
fonte de inspiração nas técnicas descritivas dos gramáticos hindus.
Robins (1979, p. 19) afirma ter sido no campo da gramática que os gregos (e os
romanos) melhor trabalharam. Diz, ainda, ter conhecimento da existência de obras
autorizadas de gramática do grego e do latim (muitas das quais ainda hoje se conservam) e
que as suas descrições foram mantidas através da Idade Média e do mundo moderno,
tornando-se na atualidade a base dos clássicos tratados gramaticais desses dois idiomas.
Esclarece, ainda, que, as teorias, as categorias e a nomenclatura que os antigos configuraram
ao estudar a gramática de suas próprias línguas tornaram-se parte do instrumental com que
trabalha a lingüística descritiva dos nossos dias.
Platão e Aristóteles fizeram diversos comentários sobre gramática, mas não a trataram
de modo ordenado ou como matéria específica de estudo. Platão, conforme se afirma, foi o
primeiro a considerar com seriedade o assunto, pois em seus diálogos vamos encontrar uma
divisão fundamental da frase em um componente nominal e outro verbal, onoma e rhema,
que permaneceu como distinção gramatical primária, subjacente à análise sintática e à
classificação de palavras de toda descrição lingüística subseqüente.
Aristóteles manteve esta distinção, mas acrescentou uma terceira classe de componente
sintático, a dos syndesmoi, que compreendia o que mais tarde se chamou conjunção, artigo e
pronome; incluía ainda, possivelmente, as preposições.
Aristóteles, além disso, deu uma definição formal da palavra como unidade lingüística:
parte da oração, meros logou, que tem significado próprio e que não pode ser dividida em
outras unidades significativas.
20
Sucessivas gerações de filósofos estóicos obtiveram numerosas conquistas no terreno
gramatical, e com o trabalho deles, dirão certamente alguns estudiosos, é que surgiu a
gramática no sentido moderno do termo. Porém a obra de seus predecessores forneceu-lhes o
necessário ponto de partida.
A gramática dos estóicos continuou como parte dos estudos de grego feitos no âmbito da
escola que fundaram, mas, na tradição histórica da lingüística da Grécia e de Roma, deve ser
considerada sobretudo como uma fase do desenvolvimento da teoria gramatical grega que foi
suplantada pelos estudos realizados em Alexandria. É importante, todavia, assinalar as
primeiras linhas do trabalho que efetuaram.
O sistema aristotélico foi articulado pelos estóicos em duas direções: aumentou-se o
número de classes de palavras e introduziram-se definições mais precisas e outras categorias
gramaticais para abranger a morfologia e parte da sintaxe destas classes. Separaram o que
Aristóteles chamou syndesmoi em elementos variáveis (pronomes e artigos) e elementos
invariáveis (preposições e conjunções), restringindo a estes a aplicação do termo syndesmos e
chamando aqueles de arthra; em segundo lugar, a categoria aristotélica denominada onoma
foi dividida em nome próprio, à qual se aplicou o termo onoma, e nome comum, que recebeu
a designação de prosegoria; finalmente, desta última classe se separou a dos advérbios ou
mesotis, que significa literalmente “aqueles que estão no meio”, talvez por se vincularem
sintaticamente ao verbo, ainda que, quanto à morfologia, estivessem mais ligados a temas
nominais.
A categoria de caso, no seu moderno emprego como categoria flexional dos nomes e de
outras palavras que se flexionam como os nomes, foi criação dos estóicos; a partir daí
generalizou-se o uso do termo klisis para indicar a variação gramatical da forma da palavra.
Na categoria verbo, a indicação de tempo, reconhecida por Aristóteles, é apenas um dos
valores das formas verbais do grego, que na realidade compreendem duas dimensões
semânticas: a referência temporal e a oposição entre ação acabada e inacabada ou contínua.
As escolas filosóficas estóicas deram continuidade à obra lingüística dos seus antigos
mentores; porém as alterações introduzidas pelos sábios alexandrinos nas posições dos
estóicos é que conferiram ao conhecimento lingüístico, particularmente na parte da
gramática, a forma com que posteriormente chegou aos gramáticos latinos e, através deles, à
tradição européia.
Ao contrário dos estóicos, os alexandrinos estavam interessados principalmente na
linguagem como parte dos estudos literários, tendo sido partidários da posição analogista.
21
Aplicaram os princípios analógicos na reconstrução dos textos e na determinação das normas
de aceitabilidade (Hellenismos).
Os estudos homéricos receberam especial atenção dos alexandrinos, e um dos mais
famosos entre eles, Aristarco (séc. II a.C.), é considerado o fundador dos estudos científicos
da obra de Homero; a ele também se atribuem numerosas realizações no campo da gramática,
além de ter sido mestre de Dionísio da Trácia (circa 100 a.C.), autor da primeira descrição
explícita que se conhece da língua grega.
A Techné grammatiké de Dionísio da Trácia tem quinze páginas e vinte e cinco seções,
apresentando uma explicação sumária da estrutura do grego. Sua única deficiência a destacar
é a omissão da parte da sintaxe, embora o sistema de classes de palavras e a análise
morfológica que ali se expõem tenham constituído a base das formulações sintáticas
posteriores. Foi fundamentalmente um trabalho alexandrino, mas é evidente que Dionísio
conhecia os estudos lingüísticos dos estóicos, cuja influência deixou marcas em sua obra.
A Techné começa com uma exposição do contexto de estudos gramaticais tal como era
visto pelos alexandrinos. Escreve Dionísio:
“A gramática é o conhecimento prático do uso lingüístico,
comum aos poetas e prosadores. Divide-se em seis partes:
primeira, leitura exata (em voz alta), com a devida atenção à
prosódia; segunda, explicação das expressões literárias das
obras; terceira, preparo de notas sobre fraseologia e temática;
quarta, descobrimento das etimologias; quinta, determinação das
regularidades analógicas; sexta, crítica das composições
literárias, que é a parte mais nobre da gramática”.
Somente a quinta divisão, o funcionamento das regularidades da linguagem, i.é, a
analogia, abrange o que então e mais tarde se considerou o domínio central da gramática; esta
é a única divisão que realmente teve desenvolvimento pormenorizado na obra. A primeira
gramática grega, que foi durante séculos marco de orientação dos trabalhos posteriores, pode
ser considerada como resultado da controvérsia entre analogistas e anomalistas.
Dionísio distinguiu oito classes de palavras;
- nomes próprios e comuns (onoma)
- verbo (rhema);
- particípio (metoché)
- conjunção (syndesmos);
- preposição (prothesis);
- artigo (árthron);
- pronome (antonymia); e
22
- advérbio (epirrhema).
A cada classe de palavra definida segue a indicação das categorias que a ela se aplicam.
Dionísio denominou-as parepómena, atributos conseqüentes”, que se referem de modo
coletivo a diferenças gramaticais relevantes das formas das palavras, incluindo categorias
flexionais e derivacionais. Os cinco parepómena que se aplicam à classe do nome são de:
- Génos (gênero): masculino, feminino e neutro.
- Eidos (tipo): primitivo e derivado.
- Schema (forma): simples e composta.
- Arithmós (número): singular, dual e plural; e
- Ptosis (caso): nominativo, vocativo, acusativo, genitivo e dativo.
Os parepómena do verbo são: modo, voz, tipo, forma, número, pessoa, tempo de
conjugação.
Os trabalhos posteriores de gramática grega assumiram a forma de desenvolvimento da
concisa descrição lingüística de Dionísio e comentários sobre passagens específicas da sua
Techné. Vale esclarecer que não há, nessa gramática, uma seção dedicada à sintaxe, embora o
termo syntaxis tenha sido empregado e algumas definições dadas impliquem o emprego da
análise sintática. Foi Alexandre Díscolo, que viveu em Alexandria no séc. II d.C., quem deu
amplo tratamento à sintaxe, tudo indicando que seu trabalho representou a primeira tentativa
de elaboração de uma ampla teoria sintática aplicada sistematicamente ao grego.
A importância de sua obra, e também a de Dionísio, foi reconhecida pelos seus
sucessores e pelo grande gramático latino Prisciano, que três séculos depois o cita como “a
maior autoridade em gramática” e explicitamente adota-lhe os métodos para descrever o
latim.
Ao final dessa exposição, acrescentamos que o grande trunfo dos gregos na vida
intelectual consiste em muito terem feito em muitos domínios, tais como trabalhos de lógica,
ética, política, retórica, matemática. As suas realizações naquela parte da lingüística que
melhor dominaram, o campo da teoria e descrição gramaticais, são suficientemente sólidas.
Neves (2004a, p. 111-113) apresenta-nos uma visão histórica em que afirma ser a
disciplina gramatical uma criação, na Grécia, da época helenística, a qual representa, em
relação à época helênica, não apenas uma diferença de organização política e social (o fim
das cidades-Estados), mas também o estabelecimento de um novo estilo de vida, um novo
ideal de cultura. Especialmente, verifica-se um esforço de pesquisa; reflete-se e exerce-se
crítica sobre tudo que ficara de séculos de criatividade. A atividade cultural se concentra nas
23
bibliotecas e tem em vista primordialmente a preservação, para transmissão, da herança
cultural helênica.
Continua a mesma autora afirmando que a necessidade de manter e cultivar o que seriam
as características helênicas em oposição às bárbaras importância primordial à
educação. O que o espírito helênico criou é agora zelosamente cultivado: pesquisa-se e
ensina-se.
Ela acrescenta, ainda, que o que essa educação representa, acima de tudo, é a
transmissão de um patrimônio literário, e, assim, o exame das grandes obras do passado
constitui a atividade cultural por excelência.
E, também, que particularmente importante é a explicação dos textos dos poetas
(exégesis), em especial a exegese homérica. Tendo-se tomado consciência de uma
discrepância entre os padrões do grego clássico e a linguagem corrente, contaminada de
barbarismos, põem-se em exame os autores cuja linguagem autenticamente grega oferece os
padrões ideais que devem ser preservados. Essa necessidade especial de divulgação do
helenismo impulsiona o desenvolvimento dos conhecimentos literários e lingüísticos;
buscam-se os textos verdadeiros, não corrompidos, especialmente os de Homero, e levantam-
se os fatos que caracterizam essa língua considerada modelo. Ao lado de uma crítica literária,
desenvolve-se uma atividade filológica.
Diz que Platão, no Teeteto, fala da filologia de Sócrates, que consiste no amor ao logos e
no interesse pela interpretação. Era a época da filosofia, a época do florescimento do espírito
grego.
A época helenística, por seu lado, cuida não de criação, mas de preservação. A cultura é,
acima de tudo, a memória do passado e se baseia, assim, em ensino e aprendizagem. E o
estudo de poetas e oradores de expressão bela e correta é atividade do filólogo.
Ainda de acordo com a autora, o termo philólogos se refere àquele que se interessa pela
cultura em geral; o que tenta a revisão crítica dos textos e a compreensão da obra literária se
chama mais especificamente grammatikós. Este não explica as obras como também as
julga; reconhece ou não a sua autenticidade, aponta suas belezas e defeitos. Faz a correção
dos textos (diórthosis) e exerce julgamento (krísis) em geral; é, portanto, um crítico
(kritikós), atividade que representa poder de decidir como juiz das obras escritas. É atividade
de pesquisa à qual se alia a docência, pois o gramático é o mestre-escola que sucede ao
gramatista (grammatistés, instrutor primário) ao qual sucede o retor (rhétor) (Marrou, 1971,
p. 251).
24
Era para facilitar a leitura dos primeiros poetas gregos que os gramáticos publicavam
comentários e tratados de gramática, que cumpriam duas tarefas: estabelecer e explicar a
língua desses autores (pesquisa) e proteger da corrupção essa língua “pura” e “correta”
(docência), que a língua cotidianamente falada nos centos do helenismo era considerada
corrompida. E, servindo à interpretação e à crítica, realiza-se o estudo metódico dos
elementos da língua e compõe-se o que tradicionalmente seria qualificado propriamente
como gramática.
A grammatiké que corresponde ao que comumente se chama gramática é instrumento de
cultivo e preservação dos valores: é obra típica da cultura helenística.
A autora conclui seus comentários afirmando que a gramática não poderia negar o
espírito grego que presidiu o seu nascimento.
1.2. Da Grécia para Roma
Ao passar da Grécia para Roma, entramos, segundo Robins (1979, p. 35), num mundo
muito diferente, o que leva o autor a falar da existência de um período greco-romano,
referindo-se à civilização que floresceu em torno do Mediterrâneo. Acrescenta que os papéis
representados pela Grécia e por Roma foram diferentes e complementares e que sem a
presença de uma, a contribuição da outra para a civilização européia teria sido menos
significativa e fecunda.
Durante muito tempo, os romanos desfrutaram do contato com a cultura que os helenos
levaram para as colônias que fundaram no sul da Itália; com os gregos ocidentais, por sua
vez, foram aprender o uso da escrita.
Para ilustrar, acrescentamos o que se vê em Higounet (2004, p.103), quanto ao alfabeto
latino:
“... A forma dos caracteres desses primeiros documentos
latinos não deixa dúvida sobre a derivação de um alfabeto grego
ocidental. Mas essa derivação foi direta ou indireta? Segundo a
tese tradicional, que tem seus defensores, o alfabeto latino, assim
como o alfabeto etrusco, teria sido um empréstimo direto tanto da
escrita da colônia calcídica de Cumes como, de modo mais geral,
das escritas gregas da Itália. Mas, segundo a tese que recebe mais
crédito, Roma teria recebido indiretamente sua escrita por meio
dos etruscos. As diferenças de forma entre o alfabeto grego e o
alfabeto latino provêm, em todo caso, da origem oriental daquele e
ocidental deste”.
25
Após essa ilustração, voltemos a atenção para Robins. Ele afirma que, no decorrer dos
séculos III e II a.C., a Grécia caiu sob o controle de Roma, que então dominava toda a
península itálica. No princípio da era cristã, o Império Romano se aproximara do ponto
máximo de sua expansão, alcançando ao mesmo tempo uma situação relativamente estável
que, apesar de pequenas alterações na Grã-Bretanha e nas fronteiras do norte e do leste, não
foi conturbada por guerras importantes durante os dois séculos seguintes.
Ao apoderar-se do mundo helenístico, os romanos colocaram sob seu jugo o povo judeu
e a terra do Antigo e Novo Testamento. O passado intelectual da Grécia e Judéia, junto com a
unidade política e a liberdade de comunicação decorrentes da estabilidade do poder romano,
formaram o quadro em que se deu o nascimento e expansão do Cristianismo, que se tornou
no século IV d. C. a religião oficial do Império Romano. A estes três povos, gregos, romanos
e judeus, a Europa atual e grande parte do mundo moderno devem a origem de sua
civilização intelectual, moral, política e religiosa.
Desde os primeiros contatos, os romanos reconheceram de bom grado a superioridade
das realizações intelectuais e artísticas dos gregos. Lingüisticamente isto está patenteado na
diferença entre as províncias orientais e as ocidentais, no que concerne à linguagem comum
adotada. Na metade ocidental do Império, onde não houve nenhum contato com qualquer
civilização conhecida, o latim se tornou a língua da administração, dos negócios, do direito,
da erudição e da promoção social. O latim falado (que de modo algum se identifica com o
latim clássico dos textos literários) foi paulatinamente substituindo as línguas primitivas na
maioria das províncias ocidentais, transformando-se, no decorrer do tempo, nas modernas
línguas românicas, ou neolatinas, da Europa contemporânea. No leste, todavia, em que a
administração grega predominava desde o império helenístico, o grego manteve a posição
que então havia alcançado; os funcionários romanos freqüentemente aprendiam grego para o
desempenho das suas funções, e havia grande respeito pela literatura e filosofia da Grécia.
Esta divisão lingüística foi politicamente reconhecida com a separação do Império Romano
em dois, o Império Ocidental e o Oriental. Este último teve como capital Constantinopla
(Bizâncio), que nesta condição permaneceu, após muitas lutas e tribulações, até o começo do
Renascimento ocidental.
No campo da ciência lingüística, as experiências dos romanos não fugiram à influência
do trabalho intelectual dos gregos. A lingüística romana foi em grande parte aplicação à
língua latina do pensamento grego, controvérsias gregas e categorias do grego.
No século II a. C., pensadores gregos e a erudição grega introduziam-se de modo
crescente no mundo romano; no tempo de Varrão (116-27 a.C.), as opiniões dos estóicos
26
sobre a linguagem eram conhecidas e discutidas. Varrão é o primeiro grande gramático latino
importante de que temos notícia. O seu pensamento lingüístico está exposto em De Língua
Latina, obra que compreende vinte e cinco volumes, dos quais conservamos os livros de 5 a
10 e fragmentos dos demais.
Embora seu estilo tenha sido considerado pouco atraente, em questões lingüísticas Varrão
foi provavelmente o mais original de todos os escritores latinos. A definição que ele deu de
gramática o conhecimento sistemático do uso lingüístico da maioria dos poetas,
historiadores e oradores – é quase uma cópia fiel da definição de Dionísio da Trácia.
Observa-se que Varrão não apenas adaptou ao estudo do latim as idéias dos seus
predecessores e contemporâneos gregos, mas também soube delas tirar proveito de modo
inteligente.
Na avaliação da obra de Varrão sobre linguagem, encontramos como obstáculo o fato de
que se preservaram somente seis dos vinte e cinco tomos do De ngua Latina. Da sua
divisão dos estudos lingüísticos em etimologia, morfologia e sintaxe, o material disponível
permite comentários apenas sobre a primeira e a segunda.
Para Varrão, a linguagem desenvolveu-se a partir de um conjunto limitado de palavras
básicas que se fizeram aceitas para representar os objetos a que serviram para produzir novas
palavras através das mudanças de letras ou da forma fonética.
Varrão se mostrou original na classificação morfológica que propôs para as palavras
latinas. Ele reconheceu, como os gregos, que o caso e o tempo eram as categorias que
primariamente serviam para diferençar os vocábulos com flexão das nguas clássicas.
Estabeleceu, assim, um sistema de classes de palavras baseado em quatro contrastes
flexionais:
- Palavras com flexão de caso nomes (incluindo os adjetivos)
- Palavras com flexão de tempo verbos
- Palavras com flexão de caso e de tempo particípios
- Palavras sem flexão de caso e de tempo advérbios
As palavras dessas quatro classes foram ainda definidas como formas que
respectivamente nomeiam, declaram, participam (i.e., compartilham da sintaxe dos nomes e
dos verbos) e auxiliam (i.e., acompanham os verbos, aos quais se subordinam).
Varrão, Quintiliano e outros autores pertencentes ao período clássico de Roma deixam
claro em suas obras o processo de absorção não da teoria lingüística como também das
controvérsias e categorias dos gregos. O que, porém, mais se conhece da erudição lingüística
romana é a formalização descritiva da gramática latina que se tornou a base de toda a
27
educação nos fins da Antiguidade e Idade Média e do ensino tradicional do mundo moderno.
As gramáticas atuais do latim são descendentes diretas das compilações dos últimos
gramáticos latinos, como pode evidenciar uma leitura superficial das Institutiones
grammaticae de Prisciano.
A gramática de Prisciano (circa 500 d. C.), que consta de dezoito livros e cerca de mil
páginas, pode ser considerada a mais representativa da erudição latina. Desde o século I d.
C., encontramos em vários pontos do Império Romano estudiosos que se dedicaram a
escrever trabalhos gramaticais. Dentre eles, os mais conhecidos são Donato (séc. IV d. C.) e
Prisciano. Entre os gramáticos latinos, podemos ainda destacar Macróbio (circa 400 d. C.),
que realizou um trabalho sobre as “diferenças e semelhanças” entre o verbo grego e latino,
trabalho esse que carece de profundidade, pois limita-se quase exclusivamente a apresentar
listas paralelas de formas verbais de ambas as línguas.
Os gramáticos latinos, cujos pontos de vista eram semelhantes aos dos estudiosos gregos
de Alexandria, voltaram, como estes, a atenção para a linguagem da literatura clássica, pois a
gramática servia como introdução e fundamentação dos estudos literários.
Com o decorrer do tempo, os diversos usos do latim se diferençavam cada vez mais do
uso clássico da língua. Isto pode ser observado quando se compara a gramática e estilo da
tradução da Bíblia (a Vulgata) feita por São Jerônimo no século IV, texto em que se
antecipam diversas características das línguas românicas, com o latim preservado e descrito
pelos gramáticos. Observe-se que um desses gramáticos, Donato, que perde em prestígio
para Prisciano, foi professor de São Jerônimo.
A índole e os méritos dos últimos gramáticos latinos podem ser melhor apreciados
através do estudo da obra de seu representante máximo, Prisciano, que ensinou gramática
latina em Constantinopla durante a segunda metade do século V. A admiração que tinha pela
lingüística grega, particularmente pelas idéias de Apolônio e de seu filho Herodiano, as
maiores autoridades em gramática, aparece claro na introdução e em várias passagens da sua
gramática.
Vale salientar que os estudos morfológicos de Prisciano são pormenorizados e
ordenados, apresentando para muitos casos soluções definitivas. O mesmo, todavia, não se
pode dizer de seus estudos sintáticos.
Em seu trabalho, Prisciano busca descrever de modo amplo, profundo e pormenorizado o
latim dos autores clássicos. A sua descrição serviu durante oito séculos como base das teorias
gramaticais e ainda permanece em nossos dias como fundamento do ensino da língua latina.
Os acréscimos e correções que as gerações seguintes tiveram de realizar, especialmente no
28
campo da sintaxe, podem facilmente incorporar-se ao esquema inicial que ele procurou
configurar.
Terminamos, aqui, com Prisciano, o relato sobre a ciência lingüística romana, que
prepara o terreno para a discussão na Idade Média.
1.3. Estudos relativos à Idade Média
Emprega-se o termo “Idade Média” para designar e caracterizar o período da história da
Europa compreendido entre a queda do Império Romano, como área unitária de civilização e
administração, e a série de acontecimentos e mudanças culturais conhecidos com o nome de
Renascimento, que é genericamente considerado como marco inicial da Idade Moderna.
Mattos e Silva (2002, p. 21) afirma ser a Idade Média a ponte que liga Grécia e Roma ao
mundo moderno, isto é, o intervalo entre o fim do Império Romano, século V, e os fins do
século XV, momento de abertura da Europa para outros mundos. Diz, ainda, que nesses dez
séculos de desorganização e reorganização na Europa ocidental frutificaram novas sementes
e cultivaram-se as velhas.
Quanto às reflexões sobre a lingüística, constata-se que, no período medieval, duas
vertentes existem nos estudos sobre a linguagem: o prosseguimento do estudo da língua
latina, que foi a “língua da cultura” de toda a Europa medieval, seguindo a gramática greco-
latina e o início da observação e estudo das línguas submetidas, as línguas nativas das
populações dominadas por Roma, primeiro, e depois pelo avanço do catolicismo romano,
que tinha como “língua instrumental” também o latim.
Quanto à primeira vertente, as “especulações” medievais continuam os modelos
anteriores, sendo Donato e Prisciano os preferidos entre os gramáticos latinos. É importante
notar que o termo especulação se origina de speculum (= espelho) e neste contexto significa
que a “língua espelha o mundo” idéia central da reflexão sobre a linguagem que vem desde
Platão, em que a língua é intermediária entre o pensamento e a realidade. Assim sendo,
ocupam sobremaneira os especuladores medievais os escritos sobre a significação, a relação
semântica entre as designações e os objetos designados os modi significandi. Origina-se
daí uma denominação genérica para os gramáticos e filósofos medievais que trabalharam
sobre a linguagem os modistae (os modistas). Essa face da reflexão medieval, ou seja, as
teorias medievais sobre o signo e a significação não são muito estudadas e conhecidas, pela
dificuldade intrínseca e por terem sido censuradas pelo formalismo que se impôs no século
XVI.
29
Vale, no entanto, destacar aqui a obra Doctrinale puerorum, de Alexandre Villedieu
(séc. XIII), uma gramática do latim já voltada para aqueles que não tinham mais o latim nem
como língua de berço, nem como língua de comunicação generalizada, mas como a língua da
escola, no caso mais comum, as escolas dos mosteiros e das sés medievais. Sem inovar nos
princípios básicos, nem na sua constituição interna, certamente, se direciona a um público
que tem como referência outras línguas de berço, os “vulgares”, ou seja, as línguas românicas
já constituídas e já nos seus inícios de codificação escrita.
Essa nova realidade lingüística a dos “vulgares” que se instala no mundo românico-
cristão, virá a ser trabalhada pelos gramáticos, esporadicamente, no século XIV: a
primeira gramática do francês, a de Walter de Bibbesworth, é de um inglês, e, já no século
XV, a gramática francesa de Sylvius, que adapta ao francês as regras da gramática latina,
estabelecendo equivalência funcional entre os termos de um segmento no francês e os termos
do mesmo segmento no latim. Tanto a de Bibbesworth como a de Sylvius são gramáticas
que, mesmo que não explicitamente, têm um direcionamento pedagógico e não apenas
especulativo.
A outra vertente que mencionamos, ou a nova semente lançada nos inícios da Idade
Média, é da observação e análise das línguas que envolviam o mundo românico: célticas,
germânicas, eslavas etc. É esta a vertente inovadora medieval, pouco destacada, que abre
caminho para outras realidades lingüísticas para além do grego e do latim. Esse interesse
pelas línguas não latinas gera a invenção de alfabetos para tradução das Escrituras Sagradas
cristãs, como tratados que defendem o direito à existência dessas línguas. E até mesmo
gramáticas dos “vulgares” não-latinos surgiram: gramáticas do islandês (século VII), do
anglo-saxão (século X), do basco (século X), do irlandês (século XII). As primeiras
gramáticas do francês são de viajantes ingleses dos séculos XIV-XV.
Essa vertente de estudos lingüísticos se instala no Renascimento, a partir dos fins do
século XV. O interesse então se desloca do latim para as línguas nacionais românicas, nas
quais se continua a procurar um fundo comum, natural ou universal.
É para o Renascimento que iremos agora.
1.4. Estudos gramaticais no Renascimento
Kristeva (1974, p. 203) abre este período, afirmando:
“O Renascimento orienta definitivamente o interesse lingüístico
para o estudo das línguas modernas. O latim continua a ser o
30
molde segundo o qual todos os outros idiomas são pensados, mas
não é o único e além disso a teoria que é estabelecida a partir
dele sofre consideráveis modificações para poder adaptar-se às
especificidades das línguas vulgares”.
Tem-se aí o início do interesse pelas línguas modernas.
Mattos e Silva (2002, p. 23) assevera que, além do alongamento do âmbito do objeto de
estudo, não o grego e o latim, mas os “vulgares” românicos e também as línguas então
chamadas exóticas com que os europeus entraram em contato na África, na Ásia, na
América, o trabalho lingüístico do Renascimento é marcado profundamente pelo fato de a
língua começar a ser trabalhada de modo generalizado como objeto de ensino. Isto decorre
da necessidade social de se ensinarem as línguas “vulgares” e não apenas o latim nas escolas
da Europa e das novas populações que deveriam ser cristianizadas nos outros continentes.
Talvez esses dois fatores tenham contribuído para mudar de rumo os estudos gramaticais
quanto a seu método de trabalho. A necessidade de clareza, sistematização e eficácia,
necessárias às aplicações pedagógicas, acaba por refrear as especulações lingüísticas
medievais.
Um dos grandes gramáticos do Renascimento, J. C. Scaliger (1540), consagra-se à
língua latina. Como todos os humanistas, preocupa-se, sobretudo, com o uso e se baseia nos
dados e nos fatos, mas não se preocupa menos com a razão que subjaz e determina esses
fatos. Embora para ele a gramática não tenha um fim em si mesmo, pois faz parte de uma
teoria do conhecimento, Scaliger tenta delimitar o campo da gramática como ciência,
diferencia-a da lógica e da retórica e da interpretação dos autores literários, e constrói, por
fim, uma gramática de caráter normativo da língua latina, fundada na forma clássica dessa
língua.
Considera-se unanimemente que o representante mais elaborado da gramática formalista
do século XVI é o francês Ramus. Merece destacar, como exemplo, da metodologia da obra
gramatical de Ramus (Dialectique, 1556, e Gramere, 1562) a introdução de princípios
formais e não semânticos ou lógicos para distinguir as partes do discurso, por exemplo,
“nome é uma palavra com número e gênero” e não “o que designa alguma coisa” ou “a quem
se atribui um predicado”. Se a gramática de Ramus avança na análise da morfologia quanto à
ordenação, sistematização e formalização, ela “pára no limiar da análise sintática por não
poder definir as relações que funcionam por entre as marcas formais e que dispõem o
enunciado” (KRISTEVA, p. 214).
31
Em síntese, pode-se dizer que a reflexão lingüística do século XVI liberta-se do âmbito
das nguas clássicas latim e grego para ampliar seu campo de observação e análise
empírica. Liberta-se das disciplinas afluentes, da lógica, principalmente, deixa de ser uma
especulação para se tornar uma observação, privilegiando o uso lingüístico, mas sem
abandonar a relação pensamento-língua. E desenvolve definitivamente um dispositivo
pedagógico que introduz na gramática uma ambivalência, que é a de pretender trabalhar
sobre a língua como objeto de estudo e como objeto de ensino, tentando ser, ao mesmo
tempo, gramáticas descritivas e gramáticas normativas.
Concluídos estes comentários sobre o Renascimento, iremos ao século XX, para estudo de
assuntos que se mostram muito importantes.
1.5. A Lingüística no século XX
1.5.1 O estruturalismo
Nosso estudo, a partir de agora, tratadas grandes linhas seguidas pela lingüística ao
longo do século XX, com início, como se vê, no estruturalismo, termo usado como um rótulo
para qualificar certo número de diferentes escolas de pensamento lingüístico. É necessário
esclarecer que ele tem implicações um tanto diferentes segundo o contexto em que é
empregado. Convém, antes de tudo, estabelecer uma ampla distinção entre o estruturalismo
europeu e o americano e, em seguida, tratá-los separadamente.
A lingüística estrutural na Europa e nos Estados Unidos
Segundo Trask (2004, p. 100-101), estruturalismo é uma abordagem no estudo da
linguagem que considera os idiomas como sistemas estruturados. E continua afirmando que,
antes do século XX, os lingüistas adotaram a respeito das línguas uma perspectiva
atomística: eles assumiram os idiomas essencialmente como coleções de elementos
individuais tais como os sons da fala, as palavras e as desinências gramaticais. No início do
século XX, o lingüista suíço Ferdinand de Saussure introduziu uma perspectiva muito
diferente: ele defendeu a idéia de que se faz mais justiça às línguas considerando-as como
sistemas estruturados, no interior dos quais cada elemento se define primordialmente pela
maneira como está relacionado aos outros elementos. Segundo essa perspectiva, que recebeu
32
o nome de estruturalismo, o objeto primário de estudo é o sistema, não os elementos
particulares presentes no sistema.
A influência de Saussure fez com que o estruturalismo se tornasse a orientação
dominante na lingüística européia. Nos Estados Unidos, idéias estruturalistas foram
desenvolvidas de maneira relativamente independente por Edward Sapir e, especialmente,
por Leonard Bloomfield. Nas décadas de 1940 e 1950, as idéias de Bloomfield foram levadas
ao extremo por seus sucessores, no desenvolvimento do estruturalismo americano, uma
abordagem da descrição lingüística que foi vigorosa, mas excessivamente dogmática, e
atribuiu uma importância extrema à distribuição. Nos anos 1960, Noam Chomsky e seus
seguidores rebelaram-se contra os excessos desses predecessores, e chegaram a usar a
palavra estruturalismo como um xingamento para denotar tudo aquilo de que eles não
gostavam no trabalho da geração anterior, mas, de fato, a gramática gerativa de Chomsky
não é menos estruturalista, no sentido original do termo, do que o são outras abordagens. Na
verdade, virtualmente, toda a pesquisa lingüística séria do século XX foi estruturalista em seu
objetivo, embora muitos lingüistas contemporâneos continuem a considerar estruturalismo
um termo ofensivo, e não estejam dispostos a aplicá-lo a seu próprio trabalho.
Algumas idéias estruturalistas acabaram sendo extraídas, sobretudo do influente lingüista
russo Roman Jakobson, pelo antropólogo francês Claude Levi-Strauss, que as introduziu na
antropologia, a disciplina que serviu de base para que se espalhassem nas ciências sociais em
geral, e mesmo em domínios como a crítica literária.
Vale salientar que, na crítica literária, atualmente, o estruturalismo foi em grande medida
substituído pelo pós-estruturalismo, que acentua a natureza fluida dos textos e o papel que
tem o leitor na atribuição de um conteúdo ao texto literário.
1.5.2 Gramática Gerativa
Essa gramática é uma teoria lingüística elaborada por Noam Chomsky e pelos
lingüistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), entre 1960 e 1965. Criticando
conforme se em Jean Dubois et alii (1998, p. 314) o modelo dos constituintes
imediatos da lingüística estrutural, que, segundo eles, descrevem somente as frases realizadas
e não podem explicar um grande número de dados lingüísticos, Noam Chomsky define uma
teoria capaz de dar conta da criatividade do falante, de sua capacidade de emitir e de
compreender frases inéditas. Ele formula hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da
linguagem: esta última, específica à espécie humana, repousa sobre a existência de estruturas
33
universais inatas (como a relação sujeito/predicado) que tornam possível a aquisição (a
aprendizagem) pela criança dos sistemas particulares que são as línguas: o contexto
lingüístico ativa essas estruturas inerentes à espécie, que subentendem o funcionamento da
linguagem. Nessa perspectiva, a gramática é um mecanismo finito que permite gerar
(engendrar) o conjunto infinito das frases gramaticais (bem formadas, corretas) de uma
língua, e somente elas. Formada de regras que definem as seqüências de palavras ou de sons
permitidos, essa gramática constitui o saber lingüístico dos indivíduos que falam uma língua,
isto é, a sua competência lingüística; a utilização particular que cada locutor faz da língua em
uma situação particular de comunicação corresponde à performance, sendo esta a
manifestação da competência dos falantes nos seus múltiplos atos de fala.
Um aspecto importante da proposta de Chomsky, segundo Weedwood (2002, p. 155), foi
o aparato técnico que ele elaborou para tornar explícita a noção de competência o sistema
de regras e símbolos que oferece uma representação formal da estrutura sintática, semântica e
fonológica dos enunciados. Uma noção primordial a regra transformacional fez com que
essa abordagem fosse designada comumente como gramática transformacional. A partir da
década de 1950, boa parte da lingüística se encarregou de desenvolver a forma das
gramáticas gerativas, e a teoria original foi reformulada diversas vezes. Durante o mesmo
período, também houve várias propostas de modelos de análise gramatical alternativos aos
expostos por Chomsky e seus seguidores, algumas das quais têm recebido considerável
apoio.
E quanto à reação surgida às idéias de Chomsky, vale salientar que o efeito delas tem
sido extraordinário. Não é exagero dizer que não existe nenhuma questão teórica importante
na lingüística de hoje que não seja debatida nos termos em que ele optou por defini-la, e
cada escola de lingüística tende a definir sua posição em relação à dele. Não por suas
idéias acerca da linguagem, mas igualmente por sua atuação política de crítico radical ao
imperialismo norte-americano.
1.5.3 A Escola de Praga e o funcionalismo
Vejamos o que diz Neves (1997, p. 1):
“Caracterizar o funcionalismo é uma tarefa difícil, já que os rótulos
que se conferem aos estudos ditos ‘funcionalistas’ mais
representativos geralmente se ligam diretamente aos nomes dos
estudiosos que os desenvolveram, o a características
definidoras da corrente teórica em que eles se colocam”.
34
Essa afirmação despertou nosso interesse pelo assunto em destaque dentro do estudo
da Lingüística do Século XX considerando, segundo Neves (p.16), que “os mais
representativos desenvolvimentos da visão funcionalista da linguagem são comumente
relacionados às concepções da Escola Lingüística de Praga”, designação esta atribuída a um
grupo bastante amplo de pesquisadores, sobretudo europeus, que começou a atuar antes de
1930. “Esses estudiosos, embora possam não ter sido membros diretos da Escola de Praga, se
inspiraram no trabalho de Vilém Mathesius, Nikolai Trubetzkoy, Roman Jakobson e outros
estudiosos baseados em Praga” (WEEDWOOD, 2002, p. 137).
Para esses pesquisadores, a linguagem faculta ao homem reação e referência à realidade
extralingüística. Eles vêem as frases como unidades comunicativas que transmitem
informações, ao mesmo tempo que instituem ligação com a situação de fala e com o próprio
texto lingüístico. Assim, o que se analisa são frases efetivamente realizadas, para cuja
interpretação se atribui especial importância ao contexto, tanto verbal quanto não-verbal.
De acordo com Neves (1997, p. 17), a abordagem da Escola de Praga é caracterizada
como um estruturalismo funcional; é do domínio comum a afirmação das Thèses (1929) do
Círculo Lingüístico de Praga de que a língua é um sistema funcional, no qual aparecem, lado
a lado, o estrutural (sistêmico) e o funcional.
Continua essa autora afirmando que a aplicação dos termos funcionalismo e abordagem
funcional, entretanto, como observa Ivir (1987, p. 471), não se restringe à Escola de Praga;
esses termos são usados em referência a qualquer abordagem ligada aos fins a que as
unidades lingüísticas servem, isto é, ligada às funções dos meios lingüísticos de expressão.
Na verdade, embora o conceito de funcionalismo em lingüística esteja indubitavelmente
ligado à Escola Lingüística de Praga, várias outras abordagens “funcionais” surgiram no
Ocidente e no Oriente, e o funcionalismo tomou, depois, vida própria e independente.
A Escola de Praga apresenta a definição de língua com uma visão funcional, ao afirmar
que a língua é vista como um “sistema de meios apropriados a um fim” (Thèses, 1929; apud
Ilari, 1992, p. 25), e um “sistema de sistemas” (Ilari, 1992, p. 24), que a cada função
corresponde um subsistema. Diferentemente do que se postula nas concepções estruturalistas
em geral, todos esses subsistemas dizem respeito à mesma unidade, a frase. Distinguem-se
“níveis sintáticos” de organização da frase, abrigando-se nesses níveis a semântica uma
gramática de casos e a pragmática – uma gramática da comunicação, definida pela imagem
do interlocutor.
A partir daí, dedicou-se, de acordo, ainda, com Neves (1979, p. 18), atenção especial à
“perspectiva funcional da frase”, ou seja, à organização das palavras nas frases, vista na sua
35
função de organização da informação. A frase é reconhecida, desse modo, como uma
unidade susceptível de análise não apenas nos níveis fonológico, morfológico e sintático, mas
também no nível comunicativo. Essa análise biparte a frase em um elemento
comunicativamente estático, o tema, e um elemento comunicativamente dinâmico, o rema ou
comentário. O tema tem baixa informatividade porque tem sua referência estabelecida (ou
facilmente recuperável), e o rema, nas condições opostas, tem maior informatividade. Na
língua a cuja análise os estudiosos da Escola de Praga especialmente se dedicavam, o tcheco,
a ordem das palavras constitui o principal fator de organização informativa da frase, razão
pela qual ela foi alvo privilegiado de exame. O que se buscava, afinal, nessa análise, era a
avaliação da frase efetivamente realizada, com determinação da sua função no ato de
comunicação, e com base no princípio de não biunivocidade entre formas e funções.
1.5.4 A guinada pragmática
É comum dizer, conforme afirma Weedwood (2002, p. 143-148), que a lingüística
sofreu, na segunda metade do século XX, uma “guinada pragmática”: em vez de se preocupar
com a estrutura abstrata da língua, com seu sistema subjacente (com a langue de Saussure e a
competência de Chomsky), muitos lingüistas se debruçaram sobre os fenômenos mais
diretamente ligados ao uso que os falantes fazem da língua. Para retomar a metáfora
saussuriana, em vez de se preocupar em conhecer a partitura seguida por diferentes músicos
na execução de uma mesma peça musical, o lingüista quer conhecer precisamente em que e
por que houve diferenças na execução, de que forma elas se manifestaram e que efeito
tiveram sobre o público ouvinte.
A pragmática estuda os fatores que regem nossas escolhas lingüísticas na interação
social e os efeitos de nossas escolhas sobre as outras pessoas. Na teoria, podemos dizer
qualquer coisa que quisermos. Na prática, seguimos um grande número de regras sociais (a
maioria delas inconscientemente) que constrangem nosso modo de falar. Não lei alguma
que diga que não se podem contar piadas durante um enterro, mas em geral não se faz isso.
De modo menos óbvio, existem normas de formalidade e polidez que assimilamos
intuitivamente e que seguimos quando falamos com pessoas mais velhas, do sexo oposto, e
assim por diante. Nosso comportamento, ao escrever e usar sinais, é regulado da mesma
maneira.
36
Os fatores pragmáticos sempre influenciam nossa seleção de sons, de construções
gramaticais e de vocabulário dentro dos recursos da língua. Algumas coerções nos são
ensinadas em idade muito tenra.
A pragmática e a semântica levam em conta noções como as intenções do falante, os
efeitos de um enunciado sobre os ouvintes, as implicações que seguem o expressar alguma
coisa de certo modo, e os conhecimentos, crenças e pressuposições acerca do mundo sobre os
quais os falantes e ouvintes se baseiam quando interagem.
A estilística e a sociolingüística se sobrepõem à pragmática em seu estudo das relações
sociais que existem entre os participantes, e do modo como o contexto extralingüístico, a
atividade e o tema da conversa regulam a escolha de aspectos e variedades lingüísticas.
A pragmática e a psicolingüística investigam os estados psicológicos e as habilidades
mentais dos participantes que terão um maior efeito sobre seu desempenho verbal fatores
como atenção, memória e personalidade.
A pragmática e a análise da conversação compartilham várias das noções filosóficas e
lingüísticas, que foram desenvolvidas para lidar com o exame das interações verbais (o modo
como a informação é distribuída dentro de uma frase, as formas dêiticas, a noção de
“máximas” conversacionais etc.).
Em conseqüência dessas superposições de áreas de interesse, diversas definições
conflitantes do escopo da pragmática têm sido propostas. Uma abordagem se concentra nos
fatores formalmente codificados na estrutura da ngua (formas honoríficas, opção tu/vous) e
assim por diante. Outra relaciona a pragmática a uma visão particular da semântica: aqui, ela
é vista como o estudo de todos os aspectos do significado que não os envolvidos na análise
das sentenças em termos de condições de verdade. Outras abordagens adotam uma
perspectiva muito mais ampla. A mais ampla de todas a pragmática como o estudo dos
princípios e práticas que subjazem a todo o desempenho lingüístico interativo incluindo
todos os aspectos do uso da língua, compreensão e adequação.
A pragmática lingüística nasceu, primeiramente, no campo da filosofia e por isso os
nomes mais importantes, nesta área, são os de três filósofos de língua inglesa: John L Austin
(1911-1960), John Searle e H. P. Grice. Por ser uma corrente de estudo em pleno
desenvolvimento, não admira que a pragmática ainda não tenha fixado seus cânones, o que
indica que ela talvez seja o campo de estudo mais fértil para a lingüística do século XXI.
37
2. A GRAMÁTICA NA VISÃO DA LINGÜÍSTICA MODERNA
A Pragmática nos coloca numa concepção de língua de uso, de ação, que requer outra
concepção de ensino. Todas essas modificações anteriores na lingüística concorreram para
uma nova visão do ensino de língua e, naturalmente, de gramática. Esta tem sido concebida,
ao longo dos anos, de diferentes formas. Essa afirmação nos encaminha a verificar, nos
autores nomeados a seguir, o que eles nos oferecem a respeito dessa verdade:
Neves (2004b, p.79-80) conceitua a gramática como um sistema de princípios que
organiza os enunciados, pelo qual, naturalmente, os falantes nativos de uma dada língua se
comunicam nas diversas situações de uso. Acrescenta que essa interação é possível porque
cada indivíduo de uma comunidade lingüística tem natural conhecimento de sua língua
materna, passando a colocar esse conhecimento nas mais diversas situações de uso.
Essa autora apresenta, ainda, uma segunda concepção de gramática, em que esta é
concebida como uma disciplina que, de algum modo, explicita o funcionamento da
linguagem.
Quanto à primeira concepção, é importante esclarecer que, mesmo sem nunca ter-se tido
aulas, adquire-se a língua e a “gramática” que a organiza. Isso se graças à capacidade que
todo falante tem de, frente às restrições de sua língua materna, proceder a escolhas adequadas
para comunicar-se, o que acontece, obviamente, com a presença da gramática da língua em
uso, pois não discurso sem gramática. Salientamos que a gramática de uma língua em
funcionamento não tem regras rígidas de aplicação.
Aos conceitos de gramática vistos acima, Neves (2004b) acrescenta outros, a partir da
gramática como disciplina, gramática esta em que a visão se amplia e possibilita outros
modos de conceber o fenômeno gramatical, da seguinte forma: no modelo normativo puro, a
gramática como o conjunto de regras que o usuário deve aprender para falar e escrever
corretamente a língua; no modelo descritivo ou expositivo, a gramática como conjunto que
descreve os fatos de uma dada língua; no modelo estruturalista, a gramática como descrição
das formas e estruturas de uma língua; no modelo gerativo, a gramática como o sistema de
regras que o falante aciona intuitivamente ao falar ou entender sua língua.
Encontramos, também, em Neves (2002, p. 18) uma passagem que caracteriza este
último conceito de gramática apresentado. Assim ela se expressa:
[...] “no ser que fala, no que chamamos de usuário da língua, está,
então, a gramática. [..........] Seguramente, a imagem do usuário
que é o homem que fala precedeu a da gramática. Ela está nele:
na sua fala uma gramática, que ele possui”. E reforça a
38
afirmação (p.19): “Na história do pensamento grego, a gramática,
como busca do mecanismo interno à língua, precedeu a gramática
como descrição, com vistas à prescrição de determinados usos da
língua”.
Ainda em Neves (1997), encontramos comentários sobre outro tipo de gramática: a
funcional, que ela diz ser uma gramática do uso, que busca, essencialmente, verificar como
se processa a comunicação em uma determinada língua, e, para isso, não assume como tarefa
descrever a língua enquanto sistema autônomo, e, portanto, não desvincula as peças desse
sistema das funções que elas preenchem. Essa gramática vê a relação entre estrutura e função
como algo instável, que reflete o caráter dinâmico da linguagem. Não pretende explicitar
simplesmente o mecanismo de codificação ou de decodificação das expressões lingüísticas,
mas põe em consideração o uso e a interpretação interacionalmente satisfatórias dessas
expressões.
Para Travaglia (2003b, p. 24-28) há, basicamente, três conceitos para o termo
“gramática”.
No primeiro, a gramática é concebida como um manual com regras de bom uso da
língua a serem seguidas por aqueles que querem se expressar adequadamente. Dessa forma,
gramatical aqui será aquilo que obedece, que segue as normas de bom uso da língua,
configurando o falar e o escrever bem.
O autor cita Franchi (1991, p. 48), para quem, nessa concepção, que normalmente é
considerada como gramática normativa, “gramática é o conjunto sistemático de normas para
bem falar e escrever, estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado
pelos bons escritores”. Poderíamos perguntar: como reconhecer esses “bons escritores?
Nesse primeiro sentido, afirma-se que a língua é a variedade dita padrão ou culta e
que todas as outras formas de uso da língua são desvios, erros, deformações, degenerações.
Também neste sentido, a gramática trata da variedade de língua que se considerou como
de acordo com a norma culta, fazendo uma descrição dessa variedade e considerando erro
tudo o que não está de acordo com o que é usado nessa variedade da língua. Tudo o que não
segue esse padrão é considerado “errado” (agramatical ou não-gramatical) e o que atende a
esses padrões é “certo” (gramatical). Para esta concepção, a gramática é vista como algo
definitivo e absoluto.
Desta forma, para Travaglia (op. cit., p. 24-25), frases como as de (1) seriam
agramaticais, permitidas apenas pela gramática de variedades não-cultas da língua.
(1) (a) Eu vi ele ontem.
39
(b) Os meninos saiu correndo.
(c) Me empresta seu livro.
(d) Vende-se frangos.
(e) O chefe pediu para mim dar o recado.
Entendemos que, se a gramática de uso se faz presente nas frases de (1), elas,
obviamente, são gramaticais. Temos que levar em conta, no caso, os fatores estritamente
lingüísticos, e não, a gramática dita como “certa”.
A gramática, nessa primeira concepção, se baseia, em geral, mais nos fatos da língua
escrita e dá pouca importância à variedade oral da norma culta.
A gramática normativa apresenta e dita normas de bem falar e escrever, normas para a
correta utilização oral e escrita do idioma, prescreve o que se deve e o que não se deve usar
na língua.
É dessa gramática normativa que mais se fala na escola e, quase sempre, quando os
professores falam em ensino de gramática, estão pensando apenas nesse tipo de gramática,
por força da tradição (daí ser chamada tradicional).
Ainda conforme Travaglia (2003b)), a segunda concepção de gramática é a de
gramática descritiva, porque faz, na verdade, uma descrição da estrutura e funcionamento
da língua, de sua forma e função. A gramática seria então “um conjunto de regras que o
cientista encontra nos dados que analisa, à luz de determinada teoria e método” (POSSENTI,
2000, p. 47). Essas regras seriam as “utilizadas pelos falantes na construção real de
enunciados” (NEDER, 1992, p. 49). Mais uma vez, Travaglia cita Franchi (1991, p. 52-53),
para quem, gramática, nessa concepção, “é um sistema de noções mediante as quais se
descrevem os fatos de uma língua, permitindo associar a cada expressão dessa língua uma
descrição estrutural e estabelecer suas regras de uso, de modo a separar o que é gramatical do
que não é gramatical”. Gramatical será, então, tudo o que atende às regras de funcionamento
da língua de acordo com determinada variedade lingüística. O critério é propriamente
lingüístico e objetivo, pois não se diz que não pertencem à língua formas e usos presentes no
dizer dos usuários da língua e aceitas por estes como próprias da língua que estão usando.
Assim, as frases de (1), apresentadas anteriormente, serão consideradas como gramaticais,
porque atendem às regras de funcionamento da língua em uma de suas variedades.
Essa gramática descreve e registra para uma determinada variedade da língua, em um
dado momento de sua existência (portanto, numa abordagem sincrônica), as unidades e
categorias lingüísticas existentes, os tipos de construção possíveis e a função desses
elementos, o modo e as condições de uso dos mesmos. Portanto, a gramática descritiva
40
trabalha com qualquer variedade da língua e não apenas com a variedade culta e
preferência para a forma oral desta variedade. Podemos, então, ter gramática descritiva de
qualquer variedade da língua.
Essa gramática será o resultado do trabalho do lingüista a partir da observação do que se
diz ou se escreve na realidade e trata de explicitar o mecanismo da ngua, construindo
hipóteses que expliquem o seu funcionamento (PERINI, 1976, p. 20 e 22).
Com freqüência, as gramáticas descritivas recebem nomes ligados às correntes
lingüísticas, daí falar-se em gramáticas estrutural, gerativo-transformacional, funcional etc.
Ainda de acordo com Travaglia (2003b), a terceira concepção de gramática é aquela que,
considerando a língua como um conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade, de
acordo com o exigido pela situação de interação comunicativa em que o usuário da ngua
está engajado, percebe a gramática como o conjunto das regras que o falante de fato
aprendeu e das quais lança mão ao falar.
Saber gramática não depende, em princípio, de escolarização, ou, de quaisquer processos
de aprendizado sistemático, mas da ativação e amadurecimento progressivo (ou da
construção progressiva), na própria atividade lingüística, de hipóteses sobre o que seja a
linguagem e de seus princípios e regras. Não existem livros dessa gramática, pois ela é o
objeto da descrição, daí por que normalmente ela é chamada gramática internalizada.
Nessa concepção de gramática, não o erro lingüístico, mas a inadequação da
variedade lingüística utilizada em uma determinada situação de interação comunicativa, por
não atendimento das normas sociais de uso da língua, ou a inadequação do uso de um
determinado recurso lingüístico para a consecução de uma determinada intenção
comunicativa, que seria melhor alcançada usando-se outro(s) recurso(s). É o que teríamos se
alguém, numa situação de velório, dissesse o que temos em (2-b), pois, considerando tudo o
que socialmente está estabelecido sobre o comportamento que se deve ter nesse tipo de
situação e, desde que estejamos querendo demonstrar consideração e apreço pelo morto e por
seus familiares na dor da perda, seria mais conveniente utilizar algo parecido com o que
temos em (2-c).
(2) a – Meus sentimentos, porque sua mãe bateu as botas.
b – Então a velha bateu as botas?!
c – Meus sentimentos pela perda de sua mãe.
Evidentemente, se alguém quer demonstrar desapreço, talvez seja mais adequado e
eficiente usar as formas (2-a e 2-b). Na verdade ninguém considera ruim o texto de (3) lido
41
em um jornal sensacionalista e popular, que trata com certo descaso a perda da vida humana,
principalmente dos seres humanos tidos como maléficos ao restante da sociedade.
(3) José S. V., conhecido traficante de drogas, com mais de 50 mortes nas costas,
abotoou ontem o paletó de madeira em um tiroteio com a polícia, quando recebia mais um
carregamento de cocaína.
Tudo isso é reflexo de um contexto sócio-histórico-ideológico, ou seja, de um modo de
nossa sociedade ver os fatos em determinado momento de sua história, que regula e afeta o
uso da linguagem.
A gramática internalizada ou competência lingüística internalizada do falante é o
próprio “mecanismo”, o conjunto de regras que é dominado pelos falantes é que lhes permite
o uso normal da língua . ( PERINI, 1976, p. 20-22).
É importante registrar, reafirmar e destacar que a gramática de que se trata é a que
constitui não só a competência gramatical do usuário, mas também sua competência textual e
sua competência discursiva e, portanto, a que possibilita sua competência comunicativa.
Possenti (2000, p. 47-48) conceitua a gramática, dando ao termo os seguintes
entendimentos:
a) conjunto de regras que devem ser seguidas;
b) conjunto de regras que são seguidas;
c) conjunto de regras que o falante da língua domina.
O primeiro dos conceitos encerra o sentido mais comum do termo gramática. Ele é o
mais conhecido do professor de primeiro e segundo graus, porque é, em geral, a definição
que se adota nas gramáticas pedagógicas e nos livros didáticos. Com efeito, como se pode ler
com bastante freqüência nas apresentações feitas por seus autores, esses compêndios se
destinam a fazer com que seus leitores aprendam a “falar e escrever corretamente”. Para
tanto, apresentam um conjunto de regras, relativamente explícitas e relativamente coerentes,
que, se dominadas, poderão produzir como efeito o emprego da variedade padrão (escrita
e/ou oral). Um exemplo de regra deste tipo é a que diz que o verbo deve concordar com o
sujeito, por um lado, e, por outro, que existe uma forma determinada e única para cada
tempo, modo e pessoa do verbo: a forma de “pôr” que concorda com “eles” no pretérito
perfeito do indicativo é “puseram”, e não “pusero”, “pôs”, “ponharam” ou “ponhou”.
Gramáticas desse tipo são conhecidas como normativas ou prescritivas.
A segunda definição de gramática conjunto de regras que são seguidas é a que
orienta o trabalho dos lingüistas, cuja preocupação é descrever e/ou explicar as línguas tais
42
como elas são faladas. Neste tipo de trabalho, a preocupação central é tornar conhecidas, de
forma explícita, as regras de fato utilizadas pelos falantes daí a expressão “regras que são
seguidas”.
Pode haver diferença entre as regras que devem ser seguidas e as que são seguidas, em parte
como conseqüência do fato de que as línguas mudam e as gramáticas normativas podem
continuar propondo regras que os falantes não seguem mais ou regras que muito poucos
falantes ainda seguem, embora apenas raramente. Vejamos alguns exemplos de diferenças
entre o que espera uma gramática normativa e o que nos revela uma gramática descritiva.
Se observarmos as conjugações verbais, veremos que algumas formas não existem mais,
ou só existem na escrita. Em especial:
a) as segundas pessoas do plural que encontramos nas gramáticas desapareceram (vós
fostes, vós iríeis). Hoje se diz “vocês foram”, “vocês iriam” etc.;
b) os futuros sintéticos praticamente não se ouvem mais. Na modalidade oral, eles são
expressos por locuções: vou sair, e não sairei; vai dormir e não dormirá etc.
c) a forma do infinitivo não tem mais o “r” final. Ninguém fala, de fato, “vou dormir,
mas “vou dormi”.
O gramático descritivista não está preocupado em apontar erros, mas pode ir além da
constatação de que essas formas existem, verificando, por exemplo, que elas são utilizadas
por pessoas de diferentes grupos sociais ou, eventualmente, pelas mesmas pessoas em
situações diferentes; constatará ainda que uma certa resistência ou prevenção em relação a
“eles pusero” e “eles pôsporque não são formas utilizadas pelas pessoas cultas. Percebe-se,
assim, que o critério de correção não é lingüístico, mas social. A conceituação, aqui, é de
gramática descritiva.
No terceiro caso, a palavra gramática designa o conjunto de regras que o falante de fato
aprendeu e do qual lança mão ao falar. É preciso que fique claro que sempre que alguém fala,
o faz segundo regras de uma certa gramática, fato que nos leva a afirmar que, usualmente,
não se “inventam” regras para construir expressões Pelo conhecimento não consciente, em
geral, de tais regras, o falante sabe sua língua, pelo menos uma ou algumas de suas
variedades. O conjunto de regras lingüísticas que um falante conhece constitui a sua
gramática, o seu repertório lingüístico. Tem-se, neste caso, a gramática internalizada.
Mira Mateus e Villalva (2006, p. 84, 96-97) afirmam que diversas interpretações
para o termo gramática e mesmo diferentes objetos a que se este nome. A interpretação
mais comum é aquela que identifica manuais que têm como objetivo ensinar “o que se deve
43
dizer”, qual é o uso correto de uma língua. Estas são as gramáticas normativas (porque
descrevem o dialeto considerado como a norma de uma ngua), também chamadas
gramáticas prescritivas (porque apresentam conjuntos de regras e exceções) ou gramáticas
tradicionais (porque o seu formato é muito próximo do formato das primeiras gramáticas
gregas e latinas. Conforme as autoras, trata-se, neste último caso, de gramáticas escolares
apropriadas ao ensino da língua, manuais de gramática destinados ao uso corrente, cuja
consulta deverá esclarecer os falantes quanto ao uso da língua consagrado pela norma.
As mesmas autoras apresentam, ainda, outro entendimento sobre gramática. É o de que
ela é descritiva, por descrever o funcionamento dos sistemas de elementos que pertencem
aos vários níveis da língua (ou seja, dos sons, das palavras e das frases) e da interrelação
existente entre esses sistemas, tomando como base tanto a sua utilização oral como a escrita.
Há, ainda, conforme essas autoras, a denominação de gramática como interiorizada, que
constitui o conhecimento que o falante tem do modo de funcionamento da sua língua, das
estruturas gramaticais e lexicais. Este conhecimento é adquirido inconscientemente durante o
período de aquisição da língua.
Como vemos, os autores são unânimes quanto à existência de: gramática normativa
(normativa pura, para Neves), descritiva (ou expositiva) e internalizada (ou interiorizada).
O falar e escrever “certo”, em contraposição ao falar e escrever “errado”, além da
conceituação de gramática como arte, caracterizam a gramática normativa.
Temos, em escritores antigos, partindo, aqui, do Século XVI - época em que começam a
aparecer as primeiras gramáticas do Português - às primeiras décadas do Século XX,
exemplos patentes do que dissemos acima. Entre esses gramáticos, herdeiros da tradição
greco-latina, estão, de acordo com Bastos e Palma (2004, p. 143 e 144 e 2006, p. 28, 50, 151
e 90), os seguintes:
§ Fernão de Oliveira: A Gramática da Linguagem Portuguesa” (1536, p. 38): A
Gramática é (...) notação em algumas coisas do falar português, na qual ou nas quais eu não
presumo ensinar aos que mais sabem, mas notarei o seu bom costume para que muitos
aprendam e saibam quanto prima é a natureza dos nossos homens porque ela por sua
vontade busca e tem de seu a perfeição da arte que outras nações adquirem com muito
trabalho(...)
§ Amaro de Roboredo: “Porta de Línguas” (séc. XVII): “... os fiis da Grãmatica são
dous, a saber, fallar concertadamento, e este he o principal comum á arte, e ao uso; e
ensinar scientificamente os preceitos, com os quaes se faz acquirir a conveniência”.
44
§ Antônio José dos Reis Lobato: “A Arte da Grammatica da Língua Portugueza”
(1771, p. 125): Gramática é a arte, que ensina a fazer sem erros a oração Portugueza.
§ Filipe Benício de Oliveira Condurú: Grammatica Elementar da Língua
Portugueza” (1850): Gramática é a arte que trata da linguagem articulada, quer esta se
exprima de viva voz, quer por caracteres que a representem, e cuja finalidade é dar preceitos
e regras para fallar, escrever e ler com acerto.
§ João Ribeiro: “Grammatica Portugueza” (1887): Gramática é a coordenação das
fórmulas, leis ou regras da linguagem literária ou polida.
§ Eduardo Carlos Pereira: “Gramática Expositiva da Língua Portuguesa” (1907):
Gramática é a sciencia das palavras e suas relações, e a arte de usal-as com acerto na
expressão do pensamento.
§ Rocha Lima (Carlos Henrique da): “Gramática Normativa da Língua Portuguesa”
(1969, 14ª. ed.): Gramática é uma disciplina, didática por excelência, que tem por finalidade
codificar o uso idiomático, dele induzindo, por classificação e sistematização, as normas
que, em determinada época, representam o ideal de expressão correta. Ele afirma, ainda
(1985, 26ª. ed.): Fundamentam-se as regras da Gramática Normativa nas obras dos grandes
escritores, em cuja linguagem as classes ilustradas põem o seu ideal de perfeição, porque
nela é que se espelha o que o uso idiomático estabilizou e consagrou
As gramáticas s tradicionais fixam-se no caráter da correção, sendo elas um mecanismo
para falar de modo erudito e correto. Vejamos como se posicionam os PCNs em relação à
concepção de gramática.
.
45
3. GRAMÁTICA NOS PCN
Iniciamos este capítulo esclarecendo que os Parâmetros Curriculares Nacionais-PCN,
documento emitido pelo Ministério da Educação (1998), objetivam apontar metas de
qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo,
reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.
Esse documento foi elaborado procurando, de um lado, respeitar diversidades regionais,
culturais, políticas existentes no país e, de outro, considerar a necessidade de construir
referências comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras, cabendo a cada
escola levada em conta a efetiva participação dos professores abrir a discussão sobre o
processo educativo que ela desenvolverá.
Com isso, serão levadas a efeito ações com vistas à reflexão sobre a prática pedagógica,
ao planejamento das aulas, à análise e seleção de materiais didáticos e de recursos
tecnológicos.
No nosso caso, o que nos interessa é direcionar essas informações para o ensino da
Língua Portuguesa, com a concepção de que a gramática é um conjunto de recursos
lingüísticos de que podem dispor os usuários da língua, tanto na expressão oral quanto na
escrita, valorizando a situação de uso desses recursos, ou seja, se esse uso está presente no
âmbito coloquial ou formal.
Para discutir o ensino da gramática na perspectiva do letramento, é necessário rever os
conceitos de letramento e de gramática e situá-los na visão dos PCNs. Iniciemos por esse
documento que, comentando sobre ensino e natureza da linguagem, assim se expressa:
“Considerando os diferentes níveis de conhecimento prévio, cabe à escola promover sua
ampliação de forma que, progressivamente, durante os oito anos de ensino fundamental, cada
aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a
palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas situações” (PCN,
1998, p. 19).
Aqui aparece claramente o papel da escola no ensino de língua, o de ampliar a
capacidade de interpretar e produzir textos. E nossa preocupação se volta para a pergunta: o
que é um texto? Como se constrói essa textualidade? Que elementos concorrem para a
construção da textualidade? E o que é texto para os PCNs?
“O discurso manifesta-se lingüisticamente por meio de textos. O produto da atividade
discursiva oral ou escrita que forma um todo significativo, qualquer que seja sua extensão, é
46
o texto, uma seqüência verbal constituída por um conjunto de relações que se estabelecem a
partir da coesão e da coerência. Em outras palavras, um texto é um texto quando pode ser
compreendido como unidade significativa global, caso contrário, não passa de um amontoado
aleatório de enunciados. [...] Os textos, como resultantes da atividade discursiva, estão em
constante e contínua relação uns com os outros, ainda que, em sua linearidade, isso não se
explicite. [...] Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções
comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram novos
usos sociais que os determinam. Os gêneros são, portanto, determinados historicamente,
constituindo formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura” (op. cit., p.
21).
Nesse trecho, vê-se claramente uma concepção bakhtiniana da linguagem, em que a
Língua é entendida como discurso e texto, como sua manifestação verbal. Nessa concepção,
a língua é viva, produzida na história e, ao mesmo tempo, produtora da história dos homens.
Ela é constituída nas diversas enunciações que têm lugar nas diferentes situações sociais,
pelos gêneros do discurso.
Tal concepção de língua é diversa e, muitas vezes, oposta àquelas que circulam nas salas
de aula de língua portuguesa, em que o texto é, em geral, utilizado para o ensino de
gramática. Essa perspectiva redireciona o papel do ensino que deixa de se voltar para a
ampliação da capacidade de produzir e interpretar textos para o aprofundamento do
conhecimento da norma culta através do enfoque gramatical. Conhecimento que não garante
uma eficácia na produção e recepção de textos. Na visão dos PCNs, a gramática vai estar
ligada aos textos e não mais à frase. Como conseqüência, temos uma gramática
intrinsecamente voltada para a leitura e para a produção textual.
Em decorrência dessa concepção de língua, vejamos como os PCNs apresentam
os eixos organizadores dos conteúdos no ensino fundamental.
“Quando se afirma que a finalidade do ensino de Língua
Portuguesa é a expansão das possibilidades do uso da linguagem,
assume-se que as capacidades a serem desenvolvidas estão
relacionadas às quatro habilidades lingüísticas básicas: falar,
escutar, ler e escrever.
[...] Disso decorre que os conteúdos de Língua Portuguesa no
ensino fundamental devem ser selecionados em função do
desenvolvimento dessas habilidades e organizados em torno de
dois eixos básicos: o uso da língua oral e escrita e a análise e
reflexão sobre a língua, conforme demonstra o quadro dos blocos
de conteúdo” (PCN, 2000, p. 43).
47
Eixos de conteúdo
Língua oral:
usos e formas
Língua escrita:
usos e formas
Análise e reflexão sobre a língua
Por esse quadro, pode-se perceber que as diretrizes dos PCNs colocam a oralidade em
relação de igualdade com a escrita, propondo análise e reflexão sobre as duas modalidades e
abrindo, assim, caminhos para o tratamento da linguagem como ão social, reafirmando o
continuum das práticas sociointeracionais que se estabelecem na e pela linguagem. Essa nova
visão direciona o ensino de língua para uma outra abordagem em substituição ao antigo
domínio da escrita. É uma visão que conduz ao tratamento do uso da língua como
competência comunicativa, que permite que se inicie, em relação à oralidade, pelas noções
básicas da organização da língua na interação cotidiana, para se chegar aos usos orais
formais e públicos, tendo em mente as características lingüísticas da produção oral (formais e
informais) e as diversas relações que se estabelecem entre língua falada e língua escrita.
Quanto à análise lingüística, o direcionamento à análise da língua em uso, visando à
construção de conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem, o sistema lingüístico, as
variedades da língua, os diferentes registros, os mecanismos próprios de estruturação de cada
gênero, considerados relevantes para as práticas de produção de textos falar e escrever e
de recepção de textos – ouvir e ler.
Conteúdos em relação à análise lingüística para o 3º. e 4º. ciclos do fundamental
1. Análise da qualidade da produção oral alheia e própria, reconhecendo progressivamente a
relação entre as condições de produção e o texto decorrente (no que diz respeito tanto à
linguagem como à organização do conteúdo).
2. Comparação entre diferentes registros utilizados em situações comunicativas.
3. Análise dos sentidos atribuídos a um texto nas diferentes leituras individuais e discussões
dos elementos que validem ou não essas atribuições de sentido.
4. Revisão do próprio texto:
§ - durante o processo de redação, relendo cada parte escrita, verificando a
articulação com o já escrito e planejando o que falta escrever;
§ - depois de produzida uma primeira versão, trabalhando sobre o rascunho para
aprimorá-lo, considerando as seguintes questões: adequação ao gênero, coerência e coesão
textuais, pontuação, paginação e ortografia.
48
5. Exploração das possibilidades e recursos da linguagem que se usa para escrever, a partir da
observação e análise de textos especialmente bem escritos.
6. Análise de regularidades da escrita:
§ - derivação de regras ortográficas; - concordância verbal e nominal (e outros
aspectos que se mostrem necessários a partir das dificuldades de redações; - relações entre
acentuação e tonicidades; regras de acentuação.
É uma gramática intrinsecamente ligada ao texto. Chamando atenção para o texto, os
PCNs se direcionam para o processo de construção textual, na preocupação de dar relevo à
textualidade e à situação interlocutiva como um todo. Para se alcançar esse objetivo, o
professor deverá explicitar as condições de produção (finalidade, especificidade do gênero,
interlocutor eleito etc.), os procedimentos para elaboração do texto (tema, levantamento de
idéias, planejamento, revisão), quais mecanismos de coerência e de coesão textuais,
conforme o gênero e os propósitos do texto (manutenção da continuidade do tema, seleção
apropriada do léxico em função do tema, relevância das informações em relação ao tema e ao
ponto de vista adotado, os argumentos elaborados, adequação dos recursos lingüísticos na
construção da textualidade), utilização de marcas de segmentação do texto. O conteúdo
selecionado está diretamente relacionado com a finalidade do ensino de Língua Portuguesa
expansão das possibilidades do uso da linguagem na fala, na escrita, na escuta e na leitura,
ensino integrado: leitura, produção e gramática.
A finalidade do ensino traduz a necessidade de se responder a inquietações da sociedade
quanto aos usos da leitura e da escrita. Assim, ensinar deve ser letrar. E aqui trazemos a
definição de Letramento como sendo estado ou condição de quem não sabe ler e
escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e de escrita que circulam na sociedade em
que vive, conjugando-as com as práticas sociais de integração oral”. (SOARES, 1999).
Nesse conceito, está implícita a idéia de que a escrita traz conseqüências sociais,
culturais, econômicas, cognitivas, lingüísticas, quer para o grupo social em que seja
introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la. Tendo em mente o letramento, os
PCNs ressaltam como objetivo de ensino de língua: desenvolver no aluno comportamentos
de leitura e escrita que lhe permitam fazer maior e mais eficiente uso possível das
capacidades técnicas de ler e escrever. Pensando nisso, Possenti (2001) faz a proposta de
colocar, no lugar da velha decoreba de nomenclatura e de aplicação mecânica de exercícios
classificatórios, leitura de material variado (jornais, revistas, literatura - especialmente
literatura) em alta escala e na própria escola; além de escrita constante, várias vezes por
49
dia, todos os dias: narrativas, cartas etc. Muita leitura e muita escrita, simplesmente porque é
assim que se aprende. Em sua estruturação, os PCNs defendem uma proposta de trabalho que
integra os eixos de ensino: leitura, produção e análise lingüística, todos voltados para o
letramento.
Os PCNs (2000, p. 38) refletem sobre a “A prática de reflexão sobre a língua”, marco a
partir do qual damos início ao assunto central do capítulo.
Nesse documento oficial, lemos que, quando pensamos e falamos sobre a linguagem
mesma, realizamos uma atividade reflexiva, uma atividade de análise lingüística. Lemos,
ainda, que essa reflexão é fundamental para a expressão da capacidade de produzir e
interpretar textos.
Assim, não separação entre gramática (análise lingüística) e produção/compreensão
de textos, com os quais o homem se comunica.
A análise e reflexão sobre a língua são, de acordo com os PCNs (op. cit., p. 78),
atividades que tomam determinadas características da linguagem como objeto de reflexão.
Essas atividades, também chamadas de análise lingüística, apóiam-se em dois fatores:
§ a capacidade humana de refletir, analisar, pensar sobre os fatos e os fenômenos da
linguagem; e
§ a propriedade que a linguagem tem de poder referir-se a si mesma, de falar sobre a
própria linguagem.
O objetivo delas é melhorar a capacidade de compreensão e expressão dos alunos, em
situações de comunicação tanto escrita como oral e podem apresentar-se como atividades
epilingüísticas e metalingüísticas. Geraldi (1997 [1991], p. 190), explicando-as, assim se
expressa: “As primeiras refletem sobre a linguagem, e a direção desta reflexão tem por
objetivos o uso destes recursos expressivos em função das atividades lingüísticas em que se
está engajado. Já nas segundas, a análise volta-se para a descrição, por meio da categorização
e sistematização dos elementos lingüísticos’.
Continua o autor (op. cit., p. 190-191): “Considero as atividades metalingüísticas como
uma reflexão analítica sobre os recursos expressivos, que levam à construção de noções com
as quais se torne possível categorizar tais recursos”.
Os PCNs (2000, p. 39) apregoam que:
“O objetivo principal do trabalho de análise e reflexão sobre a
língua é imprimir maior qualidade ao uso da linguagem. As
situações didáticas devem centrar-se na atividade epilingüística, na
reflexão sobre a língua em situações de produção e interpretação,
como caminho para tomar consciência e aprimorar o controle sobre
a própria produção lingüística. E, a partir daí, introduzir
50
progressivamente os elementos para uma análise de natureza
metalingüística. O lugar natural, na sala de aula, para esse tipo de
prática parece ser a reflexão compartilhada sobre textos reais”.
Os PCNs colocam em relevo a atividade epilingüística, isto é, a gramática voltada para o
uso da língua nos textos orais e escritos.
Entenda-se que, quanto aos textos de que se fala, estão incluídos tanto os escritos,
quanto os orais. E a sala de aula representa o espaço adequado para o aluno exercer sua
prática no âmbito de ambas as modalidades.
Saliente-se, no entanto, que o desenvolvimento da capacidade de expressão oral do
aluno, de acordo com os PCNs (op. cit., p.49) depende de a escola ensinar-lhe os usos da
língua adequados a diferentes situações comunicativas.
Dirijamos, então, nosso foco para o ensino da Língua Portuguesa.
Iniciamos com a afirmação de que o ensino da gramática, efetuado de acordo com as
sugestões dos PCNs (1998 e 2000), vem apresentando avanços significativos quanto a novas
metodologias empregadas na abordagem dos conteúdos. Essas metodologias quebram a
concepção de ensino tradicional de língua materna de feitio normativo e conceitual. Também,
a concepção de análise de língua – acima referida - possibilita uma superação das práticas de
ensino de gramática normativa como determinantes da qualidade da aprendizagem sobre
língua.
Afinado com as idéias dos PCNs, Geraldi (2003, p. 135) diz: “Considero a produção de
textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de
ensino de língua”. Continua o autor: “Se quisermos traçar uma especificidade para o ensino
de língua portuguesa, é no trabalho com textos que a encontraremos. Ou seja: o específico da
aula de português é o trabalho com textos”.
Santos (2005, p. 173-174) afirma que, no que se refere às aulas de Língua Portuguesa,
os PCNs (2000) apresentam propostas de trabalho que valorizam a participação crítica do
aluno com relação à sua língua e que mostram as variedades e a pluralidade de uso inerentes
a qualquer idioma. Ela acrescenta que, nesse documento do MEC, a Língua Portuguesa é
apresentada como uma área em mudança, no que se refere ao ensino, pois tem se passado de
excesso de regras e tradicionalismo típicos das escolas para um questionamento de regras e
comportamentos lingüísticos. Acrescenta, ainda, que exercícios repetitivos, exaustivos, com
modelos feitos para serem inconscientemente repetidos, fazem com que o aluno não julgue,
não sintetize, não construa. Ele apenas evoca e analisa, numa atitude passiva de quem
cumpre o que foi mandado fazer.
51
Importante é o que pensam Oliveira & Monnerat (2005, p. 100) ao afirmarem que,
articulando a gramática ao texto, o professor, então, estará contribuindo para um ensino mais
consciente e produtivo dos conteúdos gramaticais. Dessa forma, como diz Marcuschi (2001,
p. 48), “o dilema gramática ou texto? é um falso dilema. Não se vai longe sem gramática e
não se usa a gramática a não ser para produzir textos”. Logo, não se pode desvincular a
gramática do texto.
Nos PCNs encontramos orientações que nos favorecem reforçar o que está escrito
acima. Tem-se que o ensino de gramática tradicional tomava como base de reflexão a frase,
parando no ponto final. Funcionava partindo da teoria para os exemplos geralmente
extraído dos textos clássicos e, depois, para os exercícios. A partir dos ensinamentos da
Lingüística Aplicada, a aprendizagem da gramática concentrou-se no texto como unidade de
trabalho. Surgiram, então, diversos temas novos para análise. Entender como se articulam as
diversas frases de um texto ou como se a coesão de um período ganhou importância na
análise lingüística praticada atualmente. Por outro lado, algumas minúcias da gramática
normativa tornam-se, muitas vezes, dispensáveis.
Complementando esses pensamentos – e enfatizando a presença da gramática no texto - ,
podemos afirmar, com base em Travaglia (2003a, p. 45), que, quando se estudam aspectos
gramaticais de uma língua, estão sendo estudados os recursos de que a língua dispõe para que
o falante/escritor constitua seus textos para produzir o efeito de sentido que pretende seja
percebido pelo ouvinte/leitor. E quando são estudados aspectos textuais da língua, estamos
estudando como esses recursos funcionam na interação comunicativa.
Esses dizeres levam-nos à “reflexão gramatical na prática pedagógica”, à luz dos PCNs
(1998, p. 28-29)), onde encontramos que, na perspectiva de uma didática voltada para a
produção e interpretação de textos, a atividade metalingüística deve ser instrumento de apoio
para a discussão dos aspectos da língua que o professor seleciona e ordena no curso do
ensino-aprendizagem.
Assim, também de acordo com os PCNs (op. cit., p. 28), não se justifica tratar o ensino
gramatical desarticulado das práticas de linguagem. É o caso, por exemplo, da gramática que,
ensinada de forma descontextualizada, tornou-se emblemática de um conteúdo estritamente
escolar, do tipo que serve para sair-se bem na prova e passar de ano uma prática
pedagógica que vai da metalíngua para a língua por meio de exemplificação, exercícios de
reconhecimento e memorização de terminologia. Em função disso, discute-se se ou não
necessidade de ensinar gramática. Dessa falsa questão falamos anteriormente. A questão
verdadeira é o que, para que e como ensiná-la.
52
Deve-se ter claro, na seleção dos conteúdos de análise lingüística, que a referência não
pode ser a gramática tradicional. A preocupação não é reconstruir com os alunos o quadro
descritivo constante dos manuais de gramática escolar (por exemplo, o estudo ordenado das
classes de palavras com suas múltiplas subdivisões, a construção de paradigmas
morfológicos, como as conjugações verbais estudadas de um fôlego em todas as suas formas
temporais e modais, ou de pontos de gramática, como todas as regras de concordância, com
suas exceções reconhecidas).
O que deve ser ensinado não responde às imposições de organização clássica de
conteúdos na gramática escolar, mas aos aspectos que precisam ser tematizados em função
das necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades de produção, leitura e escuta de
textos.
O modo de ensinar, por sua vez, não reproduz a clássica metodologia de definição,
classificação e exercitação, mas corresponde a uma prática que parte da reflexão produzida
pelos alunos mediante a utilização de uma terminologia simples e se aproxima,
progressivamente, pela mediação do professor, do conhecimento gramatical produzido. Isso
implica, muitas vezes, chegar a resultados diferentes daqueles obtidos pela gramática
tradicional, cuja descrição, em muitos aspectos, não corresponde aos usos atuais da
linguagem, o que coloca a necessidade de busca de apoio em outros materiais e fontes.
Sendo o trabalho com a linguagem o objetivo primordial do ensino de Língua
Portuguesa, os PCNs (1998, p. 49) apresentam, em “objetivos de ensino”, diretrizes a serem
seguidas, e destacam que, no trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas de
linguagem (escuta de textos orais e de leitura de textos escritos e produção de textos orais e
escritos), a escola deverá organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno
desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso da linguagem,
levando em conta a situação de produção social e material do texto (lugar social do locutor
em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do
autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os
gêneros adequados para a produção do texto, operando sobre as dimensões pragmática,
semântica e gramatical.
Os PCNs complementam esse assunto (op. cit., p. 52), falando sobre o “processo de
análise lingüística”, em que explicitam que, nesse processo, espera-se do aluno:
- constituição de um conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem e
sobre o sistema lingüístico relevantes para as práticas de escuta, leitura e produção de textos;
53
- apropriação dos instrumentos de natureza procedimental e conceitual necessários para a
análise e reflexão lingüística (delimitação e identificação de unidades, compreensão das
relações estabelecidas entre as unidades e das funções discursivas associadas a elas no
contexto);
- capacidade de verificar as regularidades das diferentes variedades do Português,
reconhecendo os valores sociais nelas implicados e, conseqüentemente, capacidade de
verificar, também, se preconceito contra as formas populares em oposição às formas dos
grupos socialmente favorecidos.
Como se vê, o que mais se destaca, neste capítulo, é a necessidade de correlacionar-se
gramática com texto, necessidade essa apregoada pelos PCNs e pelos autores citados neste
espaço. Com isso, queremos reforçar o conceito de gramática de Travaglia: “A gramática de
uma língua é o conjunto de condições lingüísticas para a significação. Portanto, o conjunto
desses recursos, mecanismos, fatores e princípios que usaremos para produzir efeitos de
sentido é a gramática de uma língua”. E é essa gramática que deve ser abordada na sala de
aula para a construção da textualidade dos discursos orais ou escritos dos alunos.
Assim, a nova metodologia de ensino dessa disciplina deve ser levada a efeito por todos
aqueles que militam como docentes de Língua Portuguesa..
Passamos, em seguida, para a “Metodologia”, com suas especificidades
54
III – METODOLOGIA
3.1. Tipo de pesquisa
A pesquisa em questão caracteriza-se, quanto à natureza dos dados observados, como
sendo qualitativa, de caráter interpretativo, que nos preocupamos com a interpretação dos
fenômenos contidos nos livros didáticos.
Quanto ao tipo, caracteriza-se como documental, em que se procede a uma análise
teórico-analítica.
3.2. O corpus de análise
A pesquisa será realizada em duas coleções didáticas, quais sejam, a primeira delas é de
autoria de Magda Soares: “Português Uma proposta para o letramento Ensino
Fundamental, que abrange as séries do 3º. ciclo (5ª. e 6ª. séries) e as do 4º. (7ª. e 8ª). A
segunda coleção tem a autoria de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães:
“Português: Linguagens”, que engloba, igualmente, as séries do 3º. e 4º. ciclos.
A razão para a escolha é o fato de as duas serem muito usadas pelas escolas públicas e
privadas na cidade de João Pessoa-PB.
Não obstante a análise haver sido efetuada no todo desses livros, trouxemos para
explanação o mais significativo, retirado dos volumes de 5ª. e 8ª. séries, por elas
representarem o início e o fim do 3º. e 4º. ciclos, respectivamente.
3.3. Categorias de análise
Para a discussão dos dados, escolhemos dois itens constantes no plano de análise do
PNLD 2007, na avaliação de livros dessas séries.
1. Quanto ao trabalho com a gramática:
a) Há descrição do sistema lingüístico?
b) prescrição de regras a serem seguidas em determinadas instâncias socialmente
privilegiadas de uso da língua?
c) economia de conceitos e definições, isto é, evita-se o detalhamento das categorias
e subcategorias?
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d) A metalinguagem é apresentada como recurso que contribui para a compreensão do
fato lingüístico estudado?
2. Quanto ao texto e ao discurso, os livros exploram conhecimentos lingüísticos:
a) Constitutivos dos processos coesivos (conexão)?
b) Constitutivos de construção de sentido (humor, discurso relatado, modalização)?
De posse dessas análises, esperamos poder indicar se no livro didático, mais
explicitamente, no ensino de gramática, uma preocupação com a construção de textualidade,
no discurso oral ou escrito dos alunos do fundamental.
.
.
56
IV – ANÁLISE DE LIVROS
Iniciamos nosso trabalho com os livros 5 e 8 (5ª. e 8ª. séries) de Magda Soares, citados
anteriormente. Cada um deles compõe-se de 4 unidades temáticas. Nessas unidades,
encontram-se textos de diferentes gêneros (literários, jornalísticos e de histórias em
quadrinhos, entre outros). Como as unidades apresentam temas específicos, os textos que são
veiculados em cada uma delas relacionam-se, necessariamente, com esses temas.
Por outro lado, os eixos em que se distribuem as atividades, nesses livros, são os
seguintes:
LEITURA: Preparação para a Leitura,
Leitura Oral,
Leitura Silenciosa,
Interpretação Oral,
Interpretação Escrita,
Sugestões de Leitura.
PRODUÇÃO DE TEXTO
LINGUAGEM ORAL
LÍNGUA ORAL - LÍNGUA ESCRITA
VOCABULÁRIO
REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA.
As atividades propostas não são excludentes e, sim, complementares. Contemplam tanto
a oralidade quanto a escrita. Assim, levando em conta o que preconizam os PCNs (1998, p.
35), verifica-se que os conteúdos de Língua Portuguesa estão sendo atendidos, justamente
porque a “articulação em torno dos dois eixos básicos: Prática de escuta e de leitura de
textos e Prática de produção de textos orais e escritos, ambas articuladas no eixo USO; e
Prática de análise lingüística organizada no eixo REFLEXÃO” (PCNs, 1998, p. 35).
Para maior visualização, com vistas ao início efetivo do trabalho, apresentamos adiante,
o livro 5 (em parte), direcionado à 5ª. série.
57
58
59
60
Tendo em vista que o sumário desses livros não comenta dados de gramática traz,
apenas, o título dos textos e seus respectivos autores -, resolvemos apresentar quadros,
contendo os termos gramaticais surgidos ao longo dos livros.
Quadro 1
CONTEÚDOS GRAMATICAIS SELECIONADOS (5ª. SÉRIE)
ITENS GRAMATICAIS OCORRÊNCIAS
01. Estrangeirismo
02. Vocabulário (significados
03. Gíria
04. Verbo
05. Pontuação
06. Afixo (prefixo/sufixo)
07. Conjunção
08. Dígrafo
09. Pontuação/Entoação
10. Pronome Pessoal (Reto)
11. Advérbio
12. Gênero (M/F)
13. Palavra composta
14. Substantivo (próprio/comum)
30
20
12
05
04
02
02
02
02
02
01
01
01
01
TOTAL: 14 TOTAL: 85
Todos os itens gramaticais citados acima, que não receberam, por parte da autora,
nenhuma definição ou classificação, surgiram a partir de textos veiculados nas unidades
temáticas dos livros em estudo. trinta textos no livro da 5ª. série e vinte e um no da 8ª.
Para todos são apresentadas as mais variadas atividades, conforme expostas no início deste
capítulo, mais precisamente, no segundo parágrafo.
Como se percebe, um conteúdo gramatical simplificado, se comparado com outros
livros didáticos, mesmo com os de Cereja e Magalhães. Em seus livros, Magda apresenta um
conteúdo de gramática, que deixa de lado as minúcias, para se deter no essencial.
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Em nossa análise, teremos os itens dos livros: reflexão sobre a língua como base. Em
um caso, apenas, o item vocabulário substituiu aqueles.
Nesta atividade, a reflexão sobre a língua volta-se para a observação e análise da língua
em uso, visando à construção de conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem, o
sistema lingüístico, as variedades da língua portuguesa, os diferentes registros, selecionados
aqueles conhecimentos considerados relevantes para as práticas de produção de textos falar
e escrever, e de recepção de textos – ouvir e ler.
Grande ou pequeno? (Texto 1)
Como exemplo de análise neste momento, trazemos, da 1ª. unidade do livro 5, p. 9 (5ª.
série) o texto 1, exposto abaixo, um poema da autoria de Pedro Bandeira, que sugere, para
reflexão lingüística, o uso da “gíria”, levando os alunos a refletirem sobre a variação no uso
da ngua, praticada, aqui, por crianças e adolescentes, que podem acrescentar, às gírias do
quadro abaixo, outras de sua região ou de sua comunidade.
Se eu me meto na conversa,
para ouvir do que é que falam
os adultos e os parentes,
lá vem bronca da mamãe:
- Não, não, não! Já para fora!
Você é muito pequeno
para ouvir nossa conversa.
Mas se eu faço algum errinho,
qualquer coisinha malfeita,
ou alguma reinação,
lá vem bronca do papai:
- Mas você não tem vergonha?
Isso é coisa que se faça?
Você já está muito grande
para coisas como essa!
Afinal, quem é que eu sou?
62
Ou eu sou muito pequeno,
Ou sou grande até demais!
Ora, tenham paciência!
Deixem-me crescer em paz!” Mais respeito, eu sou criança!
Dele transcrevemos os seguintes trechos:
“Se eu me meto na conversa,
para ouvir do que é que falam
os adultos e os parentes,
lá vem bronca da mamãe: ...” (grifo nosso).
E:
“Mas se eu faço algum errinho,
qualquer coisinha malfeita,
ou alguma reinação,
lá vem bronca do papai: ...” (grifo nosso).
Certamente são esses dois termos destacados, que estabelecem uma variedade
lingüística, no caso a gíria, que levaram a autora a trazer à reflexão, sem preconceito, o uso
de termos diferentes, que nem sempre fazem parte do vocabulário de grande número dos
usuários da língua, mas são constitutivos da natureza da linguagem. É o que temos na p. 23 a
seguir, em que se encontram algumas gírias usadas pela moçada. O uso de gírias por crianças
e adolescentes é muito comum.
Esse estudo traz a oportunidade de muita discussão sobre o tema, também porque a
variação lingüística por trazer pluralidade de discursos, mormente na linguagem oral
desperta o interesse dos lingüistas, que se põem à busca da descrição desse fenômeno de
linguagem em uso.
O surgimento da gíria dá-se, mais, na oralidade. Diz-se assim porque ela pode aparecer
também – e acontece – na linguagem escrita, em textos informais.
A discussão levada ao aluno é no sentido de ele ficar orientado quanto ao uso desse
recurso lingüístico, uso esse que se deve dar somente em situações em que é permitido.
Deve-se estar atento para o fato de que usar ou não a gíria depende do nível de
familiaridade e liberdade com o interlocutor, do grau de formalidade da situação.
Preti (2004, p. 66) afirma: “seria um erro pensarmos que, hoje, a gíria continua sendo,
como sempre se pensou, a linguagem específica dos jovens”. Ao lado disso, apresenta,
justamente, as palavras de um jovem de dezessete anos, que diz:“As gírias mudam e não vão
63
deixar de existir. A gente não fala mais ‘é brasa, mora?’ que era moda nos anos 70. No lugar
disso, falamos outras coisas. O mais legal disso tudo é que ampliamos o nosso vocabulário.
Eu também sei falar formalmente, mas não gosto”. (Jornal do Brasil, 5 maio 1996, p. 12).
Sobre o termo destacado acima, vemos, ainda, em Preti (op. cit., p. 65) o seguinte: “A
ministra Dorothea Werneck (Indústria e Comércio) deu ontem uma bronca nos
empresários...”. (Folha de S. Paulo, 9.fev., 1996, p. 2-10).
O autor acrescenta que a expressão dar uma bronca pertence ao léxico popular,
integrou-se ao uso oral do falante comum e tornou-se, por isso, normal na mídia, mas não
passa de um termo gírio.
Normalmente criada por um grupo social ou profissional, a gíria, por conter forte
expressividade, acaba penetrando na linguagem de todas as camadas sociais.
p. 23
64
O segundo texto proposto para “reflexão sobre a língua” foi retirado da mesma unidade e
livro citados acima (pág.42). De autoria de Lalau, o assunto de ngua que mais interessa,
nesta oportunidade, é estudo do verbo (alguns aspectos), conforme se na página 44 do
referido livro.
INFÂNCIA (Texto 2)
.
Do poema, retiramos o trecho que norteará nossos comentários:
Chutei bola na chuva,
Roubei laranja, banana,
Goiaba e uva,
Xinguei a professora,”
Alguém praticou essas ações e é necessário que o nomeemos: eu, em cada caso.
Assim, teremos:
[eu] Chutei...
[eu] Roubei...
[eu] Xinguei...
65
O “eu” citado funciona como agente, ou seja, como responsável pelas ações que os
verbos indicam, na forma em que se encontram, em sintonia com o pronome “eu”.
Os verbos poderiam tomar outras formas e, assim, determinar se os fatos foram
praticados pela pessoa que está falando (de acordo com o texto) ou por outras imaginadas por
nós. Para isso, temos que alterar a terminação do verbo.
Assim, podemos dizer:
Pedro e Paulo (eles) chutaram bola na chuva, roubaram laranja, banana, goiaba e uva,
xingaram a professora.
Ou:
Pedro (ele) chutou bola..., roubou laranja..., xingou a professora.
Se fôssemos nós os atores, teríamos:
Nós chutamos bola..., roubamos laranja..., xingamos a professora.
Como vimos, as pessoas envolvidas (agentes) foram alteradas. Isso, obviamente,
modificou a autoria das ações, a estrutura das formas de dizer e, conseqüentemente, o sentido
do discurso, já que, com essas mudanças, passamos a afirmar fatos diferentes em cada caso.
Quanto ao tempo em que esses fatos aconteceram, percebe-se que tudo foi levado a
efeito no passado. Em outra esfera, temos que atentar para o que diz Ilari (2001: pp. 10-11):
“os fatos de que se pode tratar nos períodos simples da língua portuguesa podem ser
conceitualizados como ações que se repetem”. Pelo que se depreende a partir do texto, os
eventos ali apontados não aconteceram uma só vez e sim, repetidas vezes.
Essas mesmas ações podem ser trazidas para o presente ou projetadas para o futuro.
Desta forma, poderemos ter:
No presente: Chuto bola na chuva,
Roubo laranja, banana,
Goiaba e uva,
Xingo a professora,...
No futuro: Chutarei bola na chuva,
Roubarei laranja, banana,
Goiaba e uva,
Xingarei a professora,...
O que temos acima é que, pela forma como os verbos se apresentam (no modo
indicativo), com certeza, os fatos relatados aconteceram ( passado), acontecem (presente) e
acontecerão (futuro).
66
Foi introduzido aqui, em contexto de uso (no texto), e de forma indutiva, o conceito de
verbo, que o aluno aprenderá intuitivamente pela experiência lingüística de usar essa classe
de palavras na construção do texto.
Objetivou-se, também, levar o aluno a identificar o fenômeno da flexão verbal (de
número, pessoa e tempo), o que o levará a observar essa questão no contexto de uso dessa
flexão.
Para a próxima “análise”, temos um texto descritivo, de autoria de Samir Meserani. Ele
encontra-se no mesmo livro citado acima, porém, na unidade 2, pág. 59. Veremos, aqui, o
uso de conjunções adversativas, como recursos de coesão textual. Objetiva-se levar o aluno a
identificar a relação semântica de contraste ou oposição entre idéias que elas estabelecem.
A FILHA (Texto 3)
A filha é uma mulher que quando é criança é uma gracinha. Uns dizem que nasceu com
a cara da mãe. Outros acham que é do pai. Houve alguma discussão para escolher seu nome:
Ana, Andréa, Apoena, Carla, Carmen, Dalva, Georgiana, Leila, Lúcia, Marisa, Marta,
Miriam, dia... Tudo, menos um nome composto, alguém gritou. E ela acabou se
chamando...
Em pequena vestia-se de cor-de-rosa, usava roupinhas bonitas, fitinhas e flores no
cabelo. Brincava de boneca e de casinha. Chega uma fase, pelos doze anos em diante, em
que a filha começa a deixar de ser criança, porém não chega a ser uma moça. Não sei como
dizer. Os humanos usam uma expressão para a fase em que ela vai entrar, “menina-moça”. É
uma mulher de duas palavras, como beija-flor, peixe-boi, guarda-chuva e outras misturas
parecidas. Mas para entender. Nessa fase a filha tem coisas de criança, como dormir
abraçada com um ursinho de pelúcia que ganhou quando tinha três anos. Ao mesmo tempo,
como uma moça, sonha estar abraçada com um colega de classe de quem gosta mas não quer
que ninguém perceba, principalmente ele. Qual a vantagem dele não perceber, também não
sei. Creio que é medo dele não gostar dela.
[........] A mãe acha que o pai mima demais a filha. Mimar quer dizer agradar, fazer as
vontades e desejos, dar muito carinho. A pessoa mimada acaba fazendo tudo o que quer.
Entretanto, a filha sabe que “tudo tem seus limites”, como diz o próprio pai. Não pode, por
exemplo, chegar em casa tarde da noite, como o filho. Mas às vezes, quando tem uma festa,
67
chega. Não pode ficar quase uma hora no telefone falando com uma amiga que viu de manhã
na escola sobre coisas fúteis. Mas todo dia fica. [........]
Em nossa análise, contemplaremos os seguintes trechos do texto:
“Chega uma fase, pelos doze anos em diante, em que a filha começa a deixar de ser
criança, porém não chega a ser uma moça.”
“A pessoa mimada acaba fazendo tudo que quer. Entretanto, a filha sabe que “tudo tem
seus limites”, como diz o próprio pai.”
“Não pode ficar quase uma hora no telefone falando com uma amiga que viu de manhã
na escola sobre coisas fúteis. Mas todo dia fica.”
Temos palavras destacadas que denotam ligação entre as idéias presentes em cada um
desses blocos. Elas são chamadas, também, de marcadores de coesão textual. Essas palavras
possuem um valor semântico que indica ruptura entre essas idéias, no caso, a partir do
ponto onde elas estão posicionadas nos períodos.
outros termos do mesmo valor, que podem substituir os colocados pelo autor, sem
prejuízo ao sentido de contradição ou ruptura que esses períodos contêm.
Vejamos:
“Chega uma fase, pelos doze anos em diante, em que a filha começa a deixar de ser
criança, todavia não chega a ser uma moça”
“A pessoa mimada acaba fazendo tudo que quer. No entanto, a filha sabe que “tudo tem
seus limites”, como diz o próprio pai.”
“Não pode ficar quase uma hora no telefone falando com uma amiga que viu de manhã
na escola sobre coisas fúteis. Contudo todo dia fica.”
Temos, com isso, a possibilidade de escolha dessas palavras no momento da fala ou da
escrita. O importante dissemos acima é que as substituições não alterem o sentido
pretendido pelo autor em sua mensagem.
Há, ainda, nesses casos, a possibilidade de alterar a posição desses termos destacados,
assim:
“Chega uma fase, pelos doze anos em diante, em que a filha começa a deixar de ser
criança, (e) não chega, todavia, a ser uma moça.”
68
“A pessoa mimada acaba fazendo tudo que quer. A filha sabe, no entanto, que “tudo
tem seus limites”, como diz o próprio pai.”
“Não pode ficar quase uma hora no telefone falando com uma amiga que viu de manhã
na escola sobre coisas fúteis. Todo dia fica, contudo.”
Registre-se que o mas fica sempre no início, razão por que não sugerimos alteração da
posição dele no período. o porém e o entretanto, que estão usados em casos anteriores,
podem tomar novas posições nos períodos.
Observemos que a pontuação (a vírgula) é presença marcante quando se usam esses
termos. Elas imprimem pausa e ritmo no momento da leitura oral.
Nesses conteúdos da . série, foram abordadas: a gíria, a flexão verbal e a coesão.
Concluídas essas considerações, passaremos a efetuar estudos no livro 8, também da autora
Magda Soares.
69
70
71
Exporemos, em seguida, o Quadro 2, que, conforme vislumbramos, enfoca assuntos
não contemplados no Sumário do livro 8.
Quadro 2
CONTEÚDOS GRAMATICAIS SELECIONADOS (8ª. SÉRIE)
72
ITENS GRAMATICAIS OCORRÊNCIAS
01. Vocabulário (significados)
02. Expressões latinas
03. Gíria
04. Estrangeirismo
05. Verbo
06. Prefixo
07. Artigo
25
20
11
05
03
01
01
TOTAL: 07 TOTAL: 66
Mais uma vez, chamamos a atenção para a diminuição do conteúdo gramatical presente
no livro. uma opção clara pelo trabalho com a leitura e a escrita, em que a análise
lingüística serve de suporte para o desenvolvimento desses eixos.
Passemos, agora, a trabalhar com textos encontrados no livro 8 (8ª. série), da mesma
autora, Magda Soares, iniciando pelo texto 1 da unidade 1 (p. 9), com reflexão proposta na
página 15. Trata-se de dados colhidos no 4º. parágrafo do artigo (de jornal) constante da
folha escaneada do livro. O objetivo é que o aluno confronte, interprete e diferencie
estruturas que expressam dois tipos de relações condicionais: uma relação do hipoteticamente
possível (Se recebermos...) e uma relação do possível improvável (Se respondêssemos...).
Não nos preocupamos, aqui, com o que a ciência diz a respeito do assunto. Deter-nos-emos,
apenas, com as orações sob comentário.
Onde estão os ETs? (Texto 4) pp. 9/10
Marcelo Gleiser
Especial para a Folha
São mais de 100 bilhões de estrelas apenas em nossa galáxia, a Via Láctea. Inúmeras
observações recentes provaram que a existência de planetas não é um privilégio do nosso
sistema solar, mas uma conseqüência corriqueira do processo de formação de estrelas.
Na Terra, que tem em torno de 4,6 bilhões de anos, a vida surgiu bem cedo; amostras de
rochas australianas contêm bactérias fossilizadas com 3,5 bilhões de anos. E, para chegar a
essas bactérias, a evolução de seres vivos devia ter começado bem antes, talvez 4 bilhões
de anos atrás. Ou seja, a vida teve início por aqui tão logo as condições ambientais –
73
temperatura , quantidade de água, nitrogênio e oxigênio o permitiram. É difícil imaginar
que o mesmo não tenha se repetido pela galáxia afora, em talvez milhões de planetas. A vida
extraterrestre é, a meu ver, praticamente certa.
E a vida inteligente? já são outros quinhentos. Vários cientistas levam a possibilidade
da existência de civilizações extraterrestres ultra-avançadas muito a sério. Programas como o
Seti (do inglês, “Busca por Inteligência Extraterrestre”) vêm vasculhando os céus em busca
de sinais de rádio gerados por outros seres inteligentes. A idéia é que outras civilizações
também tenham desenvolvido tecnologias para transmitir e receber ondas de rádio, que
poderiam ser captadas por antenas daqui. Dadas as absurdas distâncias interestelares, “ouvir”
vida extraterrestre é uma solução muito mais em conta do que embarcar em explorações ao
vivo de outros sistemas solares.
Mesmo supondo que essas civilizações existam, estabelecer um diálogo seria muito
frustrante. Imagine uma civilização em um planeta orbitando uma estrela em nossa
vizinhança cósmica, a, digamos, 50 anos-luz daqui. (A Via Láctea tem um diâmetro
aproximado de 100 mil anos-luz; um raio de luz ou uma onda de rádio demora 100 mil
anos para atravessá-la, viajando a uma velocidade de 300 mil quilômetros por segundo.) Se,
um dia, recebermos uma transmissão de lá, ela saiu 50 anos. Se nós a respondermos,
sempre uma questão a ser considerada com muito cuidado, eles a receberão em 50 anos.
Não vai dar para muita conversa, pelo menos em uma geração.
Até o momento, não ouvimos nada. Defensores do programa Seti argumentam que a
galáxia é muito grande, que civilizações precisam de transmissores potentes para que seus
sinais cheguem até nós ou que, talvez, essas civilizações não estejam interessadas em
conversar conosco. Como dizia Carl Sagan, “a ausência de evidência não significa evidência
de ausência”. Talvez. Muito possivelmente, a resposta está na raridade que é o
desenvolvimento de inteligência dentro do processo evolucionário. Um cálculo simples
mostra que, se inteligência fosse uma conseqüência automática da vida, nossa galáxia deveria
ter milhões de civilizações, a maioria bem mais antiga e desenvolvida do que a nossa. Essas
civilizações teriam tecnologias de exploração espacial que nós nem podemos ainda conceber,
e a galáxia inteira já estaria colonizada por elas. A menos que nós mesmos sejamos uma
criação dessas civilizações, uma possibilidade bastante absurda, não encontramos evidência
da sua presença na Terra ou em outros planetas. Onde estão esses visitantes quase divinos de
outros mundos?
Se a vida não é tão rara, a inteligência, ao menos aqui na Terra, surgiu por acaso,
conseqüência de uma série de eventos completamente aleatórios.
74
È importante lembrar que os dinossauros reinaram sobre a Terra durante 150 milhões de
anos. Nada indicava que essa situação fosse se alterar. Uma colisão com um asteróide ou
cometa, 65 milhões de anos, mudou o balanço da vida no planeta, criando condições para
que os até então insignificantes mamíferos pudessem evoluir, enquanto os dinossauros foram
extintos.
Podemos mesmo dizer que, se a história da vida, ao menos a que podemos imaginar, é
um experimento evolucionário que depende delicadamente de condições muito particulares, a
história da vida inteligente depende de uma combinação de fatores que a torna extremamente
rara. Quem sabe não seremos nós a civilização que irá colonizar a galáxia?
Folha de S. Paulo, Caderno Mais!, São Paulo, 23 julho
2000, p. 29.
No texto encontramos:
[ .... ] Se nós a respondermos, sempre uma questão a ser considerada com muito
cuidado, eles só a receberão
em 50 anos.
Temos aí, em destaque, a conjunção “se”, que acompanha a oração subordinada: ”se nós
a respondermos” e é típica para expressar uma condição para que ocorra o fato expresso na
oração principal, no caso: “eles só a receberão em 50 anos”.
Notamos que o “se” estabelece a incerteza nessas afirmações, que passam a transmitir
idéias hipotéticas.
Observa-se, aí, uma correlação entre os modos e tempos verbais: para a oração
subordinada, citada, onde se encontra a hipótese, usa-se o futuro do subjuntivo; para a
principal (também já citada), o futuro do presente do indicativo.
Vejamos esta outra forma:
Se nós a respondêssemos, eles só a receberiam em 50 anos.”
Aqui, para a oração subordinada (“Se nós a respondêssemos”), usa-se o imperfeito do
subjuntivo; para a principal (“eles a receberiam em 50 anos”), o futuro do pretérito do
indicativo.
Temos, no caso, clara a hipótese de que o fato (a resposta a uma mensagem)
provavelmente não acontecerá.
Outros casos:
a) Se houver água e carbono em Marte, poderá haver vida. (Condição, incerteza).
b) Se houvesse água e carbono em Marte, poderia haver vida. ((Probabilidade de não
haver).
75
c) Se água e carbono em Marte, pode haver vida. (Probabilidade de existência, sem
anular a dúvida, assegurada pelo “se”).
REPORTAGEM (Texto 5)
Tomamos, como base da presente reflexão sobre a língua, proposta na página 23 do
livro 8, uma manchete de capa da revista Superinteressante, n. 12, dez. 1999, mostrada
abaixo.
O objetivo desta atividade é encaminhar os alunos a identificarem a mudança de sentido,
resultante do emprego ou não de artigo definido em determinadas estruturas lingüísticas,
orientando-os para uma avaliação crítica de frases do texto, em que o artigo é usado.
Para a introdução deste tópico, tomaremos um pequeno trecho que abre a reportagem
que a capa da revista anuncia:
“Astrônomos acham que a grande descoberta dos próximos 100 anos será a da vida fora
da Terra”.
Comparemos o trecho acima com o seguinte e vejamos que o sentido que eles contêm é
diferente. Notemos que essa alteração de sentido deve-se ao acréscimo de um pequeno termo
(destacado) à segunda afirmação.
Os astrônomos acham que a grande descoberta dos próximos 100 anos será a da vida
fora da Terra”.
Na primeira frase, fala-se de uma parte dos astrônomos; na segunda, da totalidade deles.
Seguimos, colocando outras situações em que a mudança de sentido aparece.
76
Observemos as duas maneiras diferentes de nos referir a cientistas:
Na capa: “Mas os cientistas já não têm dúvidas...”
No Sumário: “Cientistas importantes afirmam...”
Pelo que se nota, os termos destacados na capa, referem-se a todos os cientistas; o
destacado no Sumário, refere-se a alguns cientistas.
uma diferença de sentido entre essas duas frases, causada, exatamente, pelo uso do
artigo definido “os”. É isso que queremos ressaltar.
Nesses exemplos, não há uma apresentação da tipologia. Não há preocupação com
classificação. No entanto, o ensino do artigo insere-se na produção do sentido, concorrendo
para a compreensão do texto.
Nas frases apresentadas, se destaque ao efeito de sentido criado com o uso ou a
omissão do artigo definido.
Faremos, a partir do texto narrativo abaixo, de Gustavo Corção, encontrado no
mesmo livro 8, unidade 2, página 71 e reflexão proposta na página 74, considerações acerca
do verbo ser, que se apresenta no 4º. Parágrafo.
O MUNDO SEM MIM (Texto 6)
77
Consideraremos o uso do verbo “ser”, que aparece no texto nas formas “era” e “fosse”,
em situação de intransitividade. Neste caso, não cabe falar de predicado nominal nem de
predicativo do sujeito nem de núcleo verbal... E como nada disso se leva em conta, também
porque esses elementos não estão presentes nessa situação de intransitividade, o uso das
formas do verbo “ser” (destacadas) parecem estranhas.
Antes de tudo, tomemos trechos do texto, em que o uso do verbo sob comentário não
causa estranheza:
“O mundo, evidentemente, era mais antigo do que o menino...” ( 4º. parágrafo).
“E de todas as transmutações era essa a que me parecia mais incompreensível.” (4º.
parágrafo).
Para os casos em que o uso do verbo ser parece incompreensível, precisamos efetuar a
“transmutação” do sentido de: era por existia; fosse por existisse (4º. parágrafo).
Assim, com a mudança dos verbos, surgirá a clareza de sentido pretendida:
De: “... revivia um mundo em que não era; nem havia necessidade que fosse”.
Para:
[...] “...revivia um mundo em que eu não existia; nem havia necessidade que existisse”.
Observemos outros casos que exigem mudança de sentido do verbo ser, já que as formas
apresentadas podem nos parecer incompreensíveis:
a) O passado inclui tudo o que foi (existiu), e o futuro, tudo o que será (existirá).
b) Aqui foi (existia, havia) antigamente uma floresta, hoje já não resta uma só árvore.
c) Viva bem o seu dia, porque ele nunca mais será (existirá, voltará).
78
É necessário entender, no entanto, que o uso do verbo “ser”, em todos os casos
apresentados, é perfeitamente aceita. O nosso propósito, aqui, é refletir sobre a língua e, no
caso, ver como mudanças podem acontecer em termos da oração, sem prejuízo do sentido
que se quer dar ao enunciado.
Atividades como essa despertam nossa curiosidade em relação à ngua. Vemos que ela
oferece amplas possibilidades de uso, bastando, para isso, que se dê atenção ao sentido dos
termos que utilizamos e à estrutura frasal de nossos textos, além do uso de nossa
criatividade.
No mesmo livro e unidade que usamos para a reflexão anterior, encontramos, na página
91, a crônica, cujo tulo vem destacado abaixo. O autor é Rubem Alves. Esta crônica faz
parte do livro Tempus Fugit, editado em 1990. Com certeza, o aparecimento desses termos
provenientes do Latim despertaram o interesse da autora do livro didático pelo assunto:
expressões latinas, das quais trataremos.
O RELÓGIO (Texto 7)
79
80
Encontramos, em nossas leituras e ouvimos, também, nas conversas, muitas outras
expressões latinas, além da que o cronista citou e daquelas que estão inscritas no livro.
Elencamos algumas delas, com apoio em Rónai (1980):
a) “ante-meridiem” = antes do meio-dia;
“ post-meridiem” = depois do meio-dia;
b) “bona fide” = de boa fé;
c) “circa” = aproximadamente;
d) “data venia” = com a devida vênia;
e) “exempli gratia” (e.g.) = por exemplo;
f ) “fac simile” = reprodução, fotografia;
g) “grosso modo” = de modo grosseiro (aproximadamente);
h) “hodie” = hoje;
i) “ibidem” = no mesmo lugar;
j) “jus gentium” = o direito das nações;
l} “lapsus calami” = lapso da pena;
m}”manu militari” = com mão militar;
n) “nota bene” = observa bem (N.B.);
o) “opere citato” = na obra citada” (o.c.);
p) “per capita” = por pessoa;
q) “quorum” = (o número) dos quais (é necessário);
r) “res, non verba” = fatos, não palavras;
s) “sic” = assim;
“sub judice” = em julgamento;
t) “tolle, lege” = toma, lê;
u) “Urbe et orbi” = à Urbe (Roma) e ao mundo;
v) “versus” = contra.
Vejamos algumas frases:
a) “Fiat lux” = haja luz ou faça-se a luz;
b) “Mens sana in corpore sano” = mente sã em corpo são;
c) “Roma locuta, causa finita” = Roma falou, a questão está resolvida.
Mesmo ausente dos programas de ensino, o Latim continua presente no dia-a-dia de
muitas pessoas, cultas, sobretudo.
Essa presença nos leva a afirmar que, a rigor, o Latim não morreu.
81
É importante esclarecer que temos como objetivo deste estudo de vocabulário – visando,
como vemos, às expressões latinas levar os alunos a conhecerem ou reconhecerem o uso
dessas expressões incorporado à língua portuguesa.
Exercícios de vocabulário possibilitam aos alunos a ampliação do repertório lexical que
eles detêm. Esse enriquecimento facilitará a eles melhor desempenho na leitura e produção
de textos.
Na 8ª. rie (livro 8), selecionamos: os tempos verbais, os artigos definidos e o verbo
ser.
Na coleção de Magda Soares, o trabalho de desenvolvimento dos conhecimentos
lingüísticos organiza-se em sintonia com a compreensão e a produção textuais, centralizando-
se na reflexão sobre o uso da língua. Para o desenvolvimento dos conhecimentos lingüísticos,
o enfoque teórico-metodológico recai predominantemente sobre as atividades epilingüísticas.
Parte-se da reflexão para a apreensão, levando o aluno a compreender o processo de
estruturação da língua, sem a preocupação exaustiva com a nomenclatura. A metodologia é
predominantemente indutiva. Nesses exemplos selecionamos: a flexão verbal, os tempos
verbais, os artigos, o verbo ser, mecanismos de coesão são abordados numa perspectiva
discursiva, isto é, considerados quanto ao uso e quanto à sua função discursiva. O estudo da
flexão verbal dá-se contextualmente, a flexão pode ser observada no texto, vendo as
implicações na autoria das ações. O uso dos tempos verbais é enfocado sob o prisma do
efeito de sentido que cria no texto e não na apresentação dos paradigmas verbais. Os
mecanismos de coesão, das conjunções adversativas, ressaltam a ligação entre as orações,
destacando a criação de sentido. Todos esses elementos gramaticais foram discutidos a partir
da leitura, colocando sempre em relevo a função. É uma abordagem inovadora. um
favorecimento da reflexão sobre os usos da língua em detrimento da reflexão metalingüística,
pois as observações centram-se na função textual e não na classe gramatical. Percebe-se um
direcionamento para a compreensão dos efeitos de sentido que esses elementos gramaticais
evocam no texto.
Prossigamos efetuando nossos comentários sobre assuntos gramaticais veiculados nos
livros 5 e 8 (5ª. e 8ª. séries): “Português: Linguagens”, de autoria de William Roberto
Cereja e Thereza Cochar Magalhães. A forma como os livros se apresentam encontra-se bem
definida no sumário de cada um deles, fato que dispensou a confecção de quadros relativos
às ocorrências gramaticais neles verificadas.
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89
Percebe-se nítida diferença entre a coleção de Magda Soares e esta, de Cereja e
Magalhães, no que se refere à exaustão, nesta, de conteúdos gramaticais.
Vejamos o que sugere, para estudo, o livro 5, com a denominação de a língua em foco,
inserida no capítulo 2 (página 85 e seguintes), reproduzidas abaixo.
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86
91
92
93
94
Neste tópico, o modo como o assunto é tratado leva o aluno, apenas, à memorização da
nomenclatura, sem levar-se em conta a reflexão que o discente deve fazer sobre a língua e a
gramática, possibilitando a ele enriquecer a compreensão dos sentidos veiculados nos textos.
Mais, o que se vê é uma preocupação por oferecer conceito e classificação dos termos ali
presentes, o que revela uma concepção de língua ainda estruturalista. O texto é mero pretexto
para o ensino da gramática.
A comprovação do que dissemos encontra-se nos exercícios (p. 87 do livro). No item 1,
vemos o pedido de identificação, em frases, de substantivos sobrecomuns e outros. No item
2, vemos: “classifique quanto ao gênero”. E nos exercícios da p. 88 do livro, pede-se que se
indique plural correto (marcação com “x”) e se use diminutivo, nos itens 1 e 2,
respectivamente. Ainda, nos exercícios da pág. 89, item 1, solicita-se reescrita de frases para
exercitar o plural de substantivos e adjetivos, além da leitura de um poema para o mesmo
fim.
A língua em foco (p. 137 do livro 5) nos apresenta para apreciação o pronome.
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96
1
97
98
99
.
100
Também neste tópico, a metodologia é a mesma encontrada no anterior. Aqui, o ensino
de gramática é pautado na construção de conceitos de classes de palavras, classificação delas
e resposta a exercícios soltos, desvinculados do texto.
Na página 39 deste trabalho, citamos autores que afirmam: “Articulando a gramática ao
texto, o professor, então, estará contribuindo para um ensino mais consciente e produtivo dos
conteúdos gramaticais” (OLIVEIRA & MONNERAT). E também: “Não se vai longe sem
gramática e não se usa a gramática a não ser para produzir textos” (MARCUSCHI).
Logo, não se pode desvincular a gramática do texto.
Na seqüência, nosso estudo se dará a partir do livro 8 (8ª. série), dos mesmos autores do
livro 5, citado anteriormente.
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104
105
106
107
Também aqui percebe-se, à vista do sumário, a priorização que é dada a conteúdos
gramaticais.
Os assuntos a serem considerados, a partir deste ponto, são propostos, como os dois
anteriores, pelo tópico a língua em foco, neste caso, na página 32, comentando o “Período
composto por subordinação – as orações adjetivas”.
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110
111
112
Repete-se aqui a forma de ensino de gramática levada a efeito nos dois tópicos
anteriores, destacada em nossos comentários, aos quais acrescentamos que o texto – em todos
os casos – vem sendo deixado de lado para partir-se para o nível da frase.
Nota-se a existência de excessiva preocupação com a criação de conceito e classificação
de termos.
Vejamos, por exemplo, em exercícios da página 35 do livro, a presença de método
tradicional de ensino da língua, visto já a partir da proposta de atividade, assim:
Item 2: “Destaque, nos textos a seguir, as orações subordinadas adjetivas e classifique-as”.
Item 6: “As orações destacadas no período seguinte são subordinadas substantivas ou adjeti-
vas?”
113
Veremos, a seguir, o “Período composto por coordenação as orações coordenadas”,
conforme sugere a língua em foco da página 92 do livro 8.
114
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117
118
Observa-se aqui o uso de frases soltas. Mesmo quando se usa o texto, a abordagem é
para retirar frases e classificar. Também há casos, nos exercícios (p. 95-96), em que os textos
são utilizados para o ensino das orações.
Na coleção de Cereja e Magalhães, os conhecimentos lingüísticos são abordados numa
perspectiva mais descritiva, voltada para a organização do sistema da língua, com ênfase na
classificação das unidades lingüísticas, como se nos sumários expostos. A gramática
insere-se na seção a língua em foco e traz os seguintes conteúdos: No livro 5: substantivo e
adjetivo classificação e flexão de gênero e número; locução adjetiva classificação; artigo
classificação e flexão; numeral classificação e flexão de gênero e número; pronomes
classificação: pessoais, de tratamento, possessivos, demonstrativos, indefinidos,
interrogativos; verbo – flexão, conjugações, tempos; advérbio. No livro 8: pronomes relativos
- cujo, onde; período composto por subordinação as orações adjetivas; período composto
por subordinação as orações adverbiais; período composto por coordenação as orações
coordenadas classificação: sindéticas; figuras de sintaxe; estrutura e formação de palavras;
concordância nominal e verbal; concordância do verbo ser; regência verbal e nominal;
colocação pronominal. É um conteúdo denso, muito detalhado. Na coleção, uma
predominância na classificação dos elementos da língua, como no trabalho com as orações
adjetivas. Em todos esses exemplos, vê-se um olhar direcionado para o objeto gramatical em
detrimento dos aspectos discursivos que eles proporcionam no texto, os conhecimentos
lingüísticos são mobilizados com clareza e correção, porém ainda são expostos com excesso
de detalhamento das categorias, com direcionamento para a classificação das formas e numa
abordagem totalmente isolada dos eixos da leitura e da produção. Além disso, a maior parte
das análises se restringe ao âmbito da frase e muitas vezes o texto serve apenas como
pretexto para o ensino da gramática. um esvaziamento no que tange à exploração dos
efeitos estéticos e literários, e também quanto aos processos de coesão constitutivos dos
gêneros literários. A abordagem peca pelo viés estrutural, dando um maior relevo ao aspecto
formal e deixando de colocar em relevo a particularidade do texto literário. Toda a
abordagem segue desvinculada do processo da leitura e da produção. Na ênfase gramatical,
muitas vezes o texto é usado como pretexto para o estudo das orações em detrimento da
construção de sentido. Salientamos, ainda, a ausência de um trabalho mais fecundo com
relação aos mecanismos de coesão implicados na construção dos diferentes gêneros textuais
abordados e uma inexpressiva contribuição quanto à formação do aluno como leitor literário.
119
4.1. Algumas considerações
Utilizamos, neste capítulo 5, para estudo, os livros 5 e 8 de duas coleções didáticas de
Língua Portuguesa – Ensino Fundamental.
Os dois primeiros são de autoria de Magda Soares, e neles o nosso ponto de estudo
fixou-se em atividades de reflexão sobre a língua; em um caso, apenas, de vocabulário.
A autora faz opção por uma gramática de uso, que valoriza a variedade lingüística,
enriquecedora da expressão por meio da fala e da escrita.
Observa-se, em ambos os livros, a ausência de terminologias ou nomenclaturas
gramaticais, além de classificações, conceitos e definições, muito presentes em gramáticas
tradicionais.
Nos livros, notável presença de textos de variados gêneros, o que possibilita aos
alunos, através do contato com eles, tornarem-se bons leitores e produtores de textos. Essa
deve ser a preocupação primeira da escola.
Vejamos o que se encontra na página 40 deste trabalho: “O que deve ser ensinado não
responde às imposições de organização clássica de conteúdos na gramática escolar, mas aos
aspectos que precisam ser tematizados em função das necessidades apresentadas pelos alunos
nas atividades de produção, leitura e escuta de textos”. (PCN, 1998).
Daí que, ao tratar de verbos, por exemplo, a autora não cita os termos flexão, pessoa
gramatical, além de modo, tempo, ou, verbos de ligação, intransitivos etc. Ao tratar de
conjunções coordenativas adversativas, denomina-as, pelo aspecto semântico, como palavras
que trazem idéia de oposição ou contraste; ou as considera como recursos de coesão textual.
Assim, no que se refere à apresentação da gramática, e por não utilizar terminologias,
como dissemos, a autora coloca cada caso de forma indutiva, levando o aluno a chegar,
passo a passo, à plena compreensão do caso gramatical em questão.
Ressaltamos que, ao referir-se ao método de ensino que apregoa, Magda Soares afirma
reconhecer que professores que têm preferência por outro modo de ensinar, e coloca a
critério deles a decisão sobre como proceder ao seu trabalho.
Nos outros dois livros, 5 e 8, da autoria de William Roberto Cereja e Thereza Cochar
Magalhães, estudamos pontos gramaticais apresentados bem ao estilo da gramática
tradicional.
É o que observamos, em cada caso, a partir do tópico a língua em foco, em que nos
baseamos no trabalho com esses livros.
120
Os autores usam em sua exposição: definir, descrever classes e categorias, fazer uso de
terminologias: substantivo, adjetivo, pronome, orações subordinadas, orações coordenadas,
sujeito, predicado, número, pessoa, modo etc.
Voltando à página 40 deste trabalho, vê-se que “deve-se ter claro, na seleção dos
conteúdos de análise lingüística, que a referência não pode ser a gramática tradicional. A
preocupação não é reconstruir com os alunos o quadro descritivo da gramática escolar”.
Possenti (2000, p. 38) reforça essa idéia ao confirmar que “o domínio efetivo e ativo de uma
língua dispensa o domínio de uma metalinguagem técnica. É perfeitamente possível aprendê-
la sem conhecer os termos técnicos com os quais ela é analisada”.
O que esse autor enfatiza é que a gramática não seja transmitida ao aluno como um
conteúdo para ser memorizado, o que acontece quando se estimula o estudo das
classificações de categorias e subcategorias.
Nos livros, n’a língua em foco, a subseção intitulada exercícios, em que são
propostos exercícios práticos de reconhecimento da categoria gramatical enfocada e de
criação do fato lingüístico observado: construção de orações, emprego de objetos diretos,
emprego de substantivos, adjetivos, conjunções etc. “Exercícios repetitivos, exaustivos, com
modelos feitos para serem inconscientemente repetidos, fazem com que o aluno não julgue,
não sintetiza, não construa”. (SANTOS, 2005, p. 171).
É necessário que haja mudança de metodologia de ensino (e conseqüente atendimento
dos livros didáticos a essa exigência), de forma a fazer-se com que as lições da Lingüística
sejam aplicadas, com êxito, no trabalho docente de Língua Portuguesa.
Concluímos essas considerações dizendo que, nas duas coleções citadas acima, o estudo
da gramática se desenvolve de modo diferente.
Na primeira, de Magda Soares, ela é inserida no texto e ganha relevo o efeito de sentido.
Na segunda, de Cereja e Magalhães, ela é vista de forma isolada, com destaque para a
aprendizagem de metalinguagem. É uma gramática desvinculada do uso, e que não concorre
para a construção da textualidade, seja oral ou escrita.
121
V – CONCLUSÃO
O próprio título deste estudo nos oferece pistas do que nos levou aos objetivos
pretendidos: observar como a gramática é apresentada a alunos do Ensino Fundamental, em
livros didáticos de Língua Portuguesa. Ainda, dedicar um olhar mais demorado sobre essa
disciplina, iniciando por pontos de sua história, considerando a forma como ela é vista pela
Lingüística Moderna, além de observar sua relação com os PCNs de Língua Portuguesa.
A história serviu de ponto de partida para este estudo. Por outro lado, a aplicação
prática, em análise de livros, da teoria adquirida através da pesquisa, determinou o ponto de
chegada de nossa trajetória.
Importante é esclarecer, em primeiro lugar, que, mesmo tendo-se iniciado este estudo
pela história da lingüística européia, a obra lingüística dos chineses, dos árabes e dos hindus
tem sido amplamente estudada, levando em conta sua importância na cultura e literatura
desses povos.
É importante destacar, em segundo lugar, que foram os pensadores gregos os primeiros a
especularem sobre a linguagem e sobre os problemas suscitados pelas investigações
lingüísticas. Foram, ainda, os iniciadores, na Europa, dos estudos a que podemos chamar
ciência lingüística no seu sentido mais amplo.
Uma das provas contundentes que temos é que o Crátilo, de Platão, é todo dedicado a
questões lingüísticas, sendo esse filósofo quem primeiro investigou as potencialidades da
gramática.
É em Dionísio da Trácia (circa 100 a. C.), no entanto, que encontramos a afirmação de
que “a gramática é o conhecimento prático do uso lingüístico, comum aos poetas e
prosadores”. Esse conceito, que estabelece o de “certo” e errado”, que quem não fosse
poeta nem prosador não teria, em princípio, esse conhecimento prático, é o que perdura até
hoje em nossas gramáticas normativas. É Dionísio o precursor da gramática normativa.
Observe-se que a preocupação dos gramáticos da época era com os escritores clássicos
como acontece até hoje, em menor escala, é certo, graças à chegada da Lingüística Moderna
(final do séc. XIX e início do XX) -, pois era para facilitar a leitura dos primeiros poetas
gregos que os gramáticos publicavam comentários e tratados de gramática.
Assim, fica claro que a gramática não poderia negar o espírito grego que presidiu o seu
nascimento, com caráter normativo, sobre o modelo de bem dizer, tanto na prosa como na
poesia.
122
em Roma, para onde viemos, as experiências, no campo da lingüística, não fugiram à
influência intelectual dos gregos, que conseguiram injetar ali o seu pensamento.
Varrão (116-27 a. C.), com sua obra De ngua latina, foi o primeiro grande gramático
latino e, em questões lingüísticas, foi o mais original de todos os escritores latinos. Ele foi
discípulo direto de gramáticos da escola alexandrina (II a. C. II d. C.), entre eles, Crates de
Malos e aplicou a gramática do grego ao latim. Isso significa dizer que a gramática
normativa, surgida na Grécia, continuou viva em Roma.
Vejamos a definição de gramática dada por Varrão: “a arte de escrever e falar
corretamente e de compreender os poetas”
Sob a sombra da gramática normativa encontra-se, também, a Idade Média e o
Renascimento.
No primeiro período, Donato (circa 500 d. C.) e Prisciano (da mesma época) são os dois
gramáticos latinos mais estudados.
Há, nesta época, o prosseguimento do estudo da língua latina, que foi a “língua da
cultura”, seguindo a gramática greco-latina.
No segundo período, o que abre definitivamente o interesse para o estudo das línguas
modernas, o trabalho lingüístico é marcado profundamente pelo fato de a língua começar a
ser trabalhada de modo generalizado como objeto de ensino.
Surge o gramático J. C. Scaliger (1540), que constrói uma gramática de caráter
normativo de língua latina, fundada na forma clássica dessa língua.
Em tempos adiante, mais precisamente no século XX, encontramos o estruturalismo
europeu e o americano.
A influência de Saussure fez com que o estruturalismo se tornasse a orientação
dominante na lingüística européia.
nos Estados Unidos, Edward Sapir e Leonard Bloomfield surgiram com idéias
estruturalistas e as desenvolveram de maneira independente.
O que se tem é que toda a pesquisa lingüística séria desse século foi estruturalista em seu
objetivo.
É desse período, também, a gramática gerativa, uma teoria lingüística elaborada por
Noam Chomsky e outros lingüistas, que defendem a criatividade do falante, de sua
capacidade de emitir e de compreender frases inéditas.
Também na Lingüística do século XX se insere a Escola de Praga e o funcionalismo.
Para os pesquisadores a ela ligados, inspirados em Vilém Mathesius, Nikolai Trubetzkoy,
Roman Jakobson e outros estudiosos, a linguagem faculta ao homem reação e referência à
123
realidade extralingüística. Eles vêem as frases como unidades comunicativas que transmitem
informações, ao mesmo tempo que instituem ligação com a situação de fala e com o próprio
texto lingüístico.
Chamamos a atenção para a guinada pragmática ocorrida com a lingüística na segunda
metade do século XX, em que muitos lingüistas, em vez de se preocupar com a estrutura
abstrata da língua, com seu sistema subjacente (com a langue de Saussure e a competência de
Chomsky), se debruçaram sobre os fenômenos mais diretamente ligados ao uso que os
falantes fazem da língua.
A gramática estuda os fatores que regem nossas escolhas lingüísticas na interação social
e os efeitos de nossas escolhas sobre as outras pessoas.
Nesta proposta de “conclusão”, muito se falou sobre lingüística e gramática a
normativa, sobretudo - . Interessa-nos ver, em seguida, como autores consultados citados
adiante conceituam gramática, adiantando que unanimidade entre eles ao considerá-la
como: normativa, descritiva e internalizada (ou interiorizada).
Observamos que a conceituação aplicada por esses estudiosos atuais a essa disciplina é
bem mais abrangente do que em épocas passadas, antes do surgimento da Lingüística
Moderna.
Quanto ao aspecto normativo, deve-se à herança que nos foi transmitida pelos gregos e
romanos.
Assim, temos, as definições de gramática normativa dadas por eles:
Ø conjunto de regras que o usuário deve aprender para falar e escrever corretamente a
língua (Neves);
Ø conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos
especialistas, com base no uso da língua consagrado pelos bons escritores (Travaglia);
Ø conjunto de regras que devem ser seguidas (Possenti);
Ø conjunto de regras que determinam “o que se deve dizer” (Mira Mateus e Villalva).
A prova da herança, de que falamos, pode ser vista na comparação das definições que
seguem com as apresentadas acima que, em suma, englobam o mesmo sentido:
Da Grécia: “a gramática é o conhecimento prático de uso lingüístico, comum aos poetas e
prosadores” (Dionísio);
De Roma: “a gramática é o conhecimento sistemático do uso lingüístico da maioria dos
poetas, historiadores e oradores” (Varrão).
Ao lado disso, unanimidade, também, entre esses autores, na definição de gramática
descritiva e internalizada.
124
Vejamos, a partir de agora, a forma como a gramática é considerada em relação aos
PCNs. Aqui ela é tida como um conjunto de recursos lingüísticos de que podem dispor os
usuários da língua, tanto na expressão oral quanto na escrita. Essa expressão dá-se,
primordialmente, através do texto.
O texto é o elemento básico com que devemos trabalhar no processo de ensino de
qualquer disciplina. É através dele que o usuário da língua desenvolve a sua capacidade de
organizar o pensamento, aliado ao conhecimento, e de transmitir idéias, informações,
opiniões em situações comunicativas. Ele é, antes de tudo, uma unidade de linguagem em
uso.
Para que o texto se apresente com as características que o compõem, devemos trabalhar a
gramática do texto, no texto e pelo texto. Essa tarefa é um desafio para os lingüistas e
professores.
Isso significa considerar que estamos vivendo um momento de transição entre o “velho”
e o “novo” no ensino da língua portuguesa. Isto é, estamos tentando descentralizar o papel da
gramática no ensino de ngua e dar a ela sua verdadeira dimensão. O que temos de fazer é
substituir os quadros teóricos que serviram à tradição gramatical e, em seu lugar, colocar uma
nova mediação entre a teoria lingüística e a prática pedagógica.
Ao levarmos em conta essa teoria e essa prática, acrescentamos que, em relação a nossas
análises, podemos concluir que:
Primeiro: na coleção de Magda Soares, a análise lingüística é trabalhada em função de
leitura e produção, concorrendo para a unidade entre os eixos de ensino e para o letramento.
Segundo: a coleção de Cereja e Magalhães apresenta-se com o “foco de interesse
direcionado para conceitos, definições e instrumentos de análise oferecidos pela gramática
tradicional e que se limitam ao estudo da frase: o ponto final da frase escrita é o ponto final
da análise gramatical”. (BAGNO, 2007, p. 66).
Esse fato nos leva à seguinte observação: coexistem, nos livros didáticos, apesar da
avaliação do PNLD, diferentes abordagens na análise lingüística, uma mais ligada à língua
como interação; outra que considera a língua como sistema.
Aqui terminamos o caminho que nos propusemos trilhar ao longo deste trabalho. É nosso
desejo que as lições colhidas e aqui apresentadas contribuam para a melhoria do trabalho de
todos os que lidam com o ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa.
125
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