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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
BIANCA NEVES AMIGO
A TUTELA EXECUTIVA PECUNIÁRIA NO DIREITO AMBIENTAL: UM ENFOQUE
SOBRE A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL E A SOLVABILIDADE DO
POLUIDOR
VITÓRIA
2008
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BIANCA NEVES AMIGO
A TUTELA EXECUTIVA PECUNIÁRIA NO DIREITO AMBIENTAL: UM ENFOQUE
SOBRE A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL E A SOLVABILIDADE DO
POLUIDOR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Direito do Centro de Ciências
Jurídicas e Econômicas (CCJE) da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito para
obtenção do título de Mestre, na área de
concentração Direito Processual Civil.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Abelha Rodrigues.
VITÓRIA
2008
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BIANCA NEVES AMIGO
A TUTELA EXECUTIVA PECUNIÁRIA NO DIREITO AMBIENTAL: UM ENFOQUE
SOBRE A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL E A SOLVABILIDADE DO
POLUIDOR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas
e Econômicas (CCJE) da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção do
título de Mestre, na área de concentração Direito Processual Civil.
Aprovada em 03 de outubro de 2008.
COMISSÃO EXAMINADORA
_______________________________
Prof. Dr. Marcelo Abelha Rodrigues
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
_______________________________
Prof. Dr. Flávio Cheim Jorge
Universidade Federal do Espírito Santo
_______________________________
Prof. Dr. Kazuo Watanabe
Universidade de São Paulo
12
Agradeço a Deus pela insistência” para que
eu seguisse esse caminho, a minha família,
que me apoiou me compreendeu em todos os
momentos, a Bernardo, pelo incentivo
carinhoso e por sempre estar ao meu lado e,
especialmente ao Professor Marcelo Abelha
Rodrigues, que muito mais do que um
orientador, foi meu grande incentivador e que
me transmitiu, além da segurança, o
encantamento pela carreira acadêmica. Meus
sinceros agradecimentos ao Professor Kazuo
Watanabe que muito me honra em
disponibilizar o seu precioso tempo, aceitando
o convite para compor a banca e também ao
Professor Flávio Cheim Jorge, que em muito
me ajudou durante a minha caminhada no
mestrado. Por fim, agradeço à FAPES
(Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia
do Espírito Santo).
13
"Os bens do mundo não foram feitos para um
restrito número de privilegiados, mas para
todos os filhos de Deus.”
O. S. Marden
14
RESUMO
O presente trabalho cuida sobre os meios que proporcionam uma maior efetividade
para a tutela pecuniária ambiental. Partindo da relação homem-natureza, procura
estabelecer uma digressão histórica de como o homem se portava perante a
natureza da antiguidade até os dias de hoje. Verifica que, com a evolução das
sociedades o homem, se apropriou indevidamente dos elementos naturais e causou
danos ao meio ambiente. Afirma que o bem ambiental é um direito fundamental de
todos os cidadãos do presente e do futuro e que, por isso, toda forma de subtração
da natureza deve ser reparada. Constata que a melhor forma de tutela do meio
ambiente é a que previne os danos, mas se estes ocorrerem e o meio ambiente não
puder ser reparado in natura, deve-se utilizar a tutela pecuniária. Diante dos
obstáculos em se conseguir que a execução por quantia certa seja frutífera, estuda
os meios que podem trazer uma maior efetividade à reparação dos danos
ambientais.
Palavras-chave: meio ambiente – efetividade - tutela pecuniária.
15
ABSTRACT
This work intent to study about the best ways to give effectively to the environment
execution. Beginning with the relation man-nature, looks to establish a historical
analyze about the relationship between men and the environment from antiquity till
today. Verify that man has been wrongly appropriated of the natural elements and
caused an environmental damages. Asseverate that the environmental is a
fundamental right that belongs to all the present and the future citizens, and that’s
why all kinds of nature subtractions must be repaired. Certify that the best way to
protect the environmental is prevent damages, but if these have been occurred and
the environmental couldn’t be repaired in natura, the quantity execution must be
used. In front of the obstacles in achieve an efficient execution, study ways that might
brings an effectiveness environmental damages reparation.
Keywords: environment – effectiveness– quantity execution.
16
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................09
PARTE I
MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO
FUNDAMENTAL
1 A RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA: SUBMISSÃO, DOMINAÇÃO E
LIMITAÇÃO................................................................................................................11
2. O BEM AMBIENTAL E SUAS CARACTERÍSTICAS............................................26
2.1 CONTEÚDO DO BEM AMBIENTAL....................................................................27
2.2 CARACTERÍSTICAS DO BEM AMBIENTAL.......................................................33
3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE...........................................40
3.1 DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS................................................40
3.2 O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO...........................................................................................................55
PARTE II
DIREITO AMBIENTAL E SUA TUTELA PROCESSUAL CIVIL
1 DIREITO AMBIENTAL E DIREITO AMBIENTAL PROCESSUAL.........................62
1.1 O DIREITO, O HOMEM E A NATUREZA............................................................65
1.2 NECESSIDADE DE UM DIREITO PROCESSUAL ADAPTADO.........................71
2 TIPOS DE TUTELA PROCESSUAL CIVIL DO MEIO AMBIENTE........................77
2.1 TUTELA EXECUTIVA ESPECÍFICA....................................................................81
2.1.1 A efetividade e a tutela específica “lato sensu”...........................................83
2.1.2 Tutela específica “stricto sensu”...................................................................85
2.2.3 Resultado prático equivalente.......................................................................88
17
2.1.4 Poderes do juiz e a tutela específica “lato sensu”.......................................90
2.1.5 O pedido do autor............................................................................................90
2.1.6 Poderes do juiz e o princípio da congruência .............................................91
2.1.7 A fungibilidade da tutela específica “lato sensu”........................................93
2.2 TUTELA EXECUTIVA PECUNIÁRIA...................................................................94
2.2.1 Execução por quantia certa............................................................................95
2.2.2 O processo sincrético nas execuções por quantia certa............................96
2.2.3 Responsabilidade patrimonial.......................................................................99
PARTE III
O MEIO AMBIENTE E A SUA EXECUÇÃO CIVIL
1 QUESTÃO PRÉVIA: A QUANTIFICAÇÃO DO DANO AMBIENTAL..................105
1.1 LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO E LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS DOS
DANOS AMBIENTAIS..............................................................................................115
2 A SOLVABILIDADE DO POLUIDOR...................................................................118
3 TÉCNICAS PARA EFETIVAR A TUTELA PECUNIÁRIA....................................122
3.1 SOLIDARIEDADE..............................................................................................122
3.2 OBRIGAÇÕES AMBIENTAIS “PROPTER REM”...............................................130
3.3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA............................134
3.4 FUNDOS DE COMPENSAÇÃO E SEGUROS AMBIENTAIS............................140
3.4.1 Fundos de reparação do dano ambiental...................................................140
3.4.2 Fundo da Lei da Ação Civil Pública.............................................................142
3.4.3 Seguros ambientais......................................................................................145
CONCLUSÃO..........................................................................................................147
REFERÊNCIAS........................................................................................................149
18
INTRODUÇÃO
O homem sempre se relacionou com o seu entorno. A natureza sempre esteve
presente na evolução das sociedades e na medida em que elas foram evoluindo, o
comportamento do homem perante a natureza foi se alterando.
De um medo inicial aos fenômenos naturais, passou-se à dominação e à livre
disposição dos elementos naturais como se eles nunca fossem esgotar. A natureza,
que antes era respeitada, começou a ser tratada como fonte de matéria-prima para
as indústrias e sinônimo de lucro.
As indústrias se apropriaram de parcelas da natureza (matéria-prima) sem nada
retribuir para a sociedade. No entanto, o meio ambiente não pertence a uma parcela
da população, mas sim a todos e, por isso, todas as externalidades negativas que
surgiram em decorrência do proveito de alguns, não podem ser suportadas pela
sociedade.
Conforme o artigo 225 da Constituição, o meio ambiente é um bem de uso comum a
que todos têm o direito usufruir e o dever de proteger. Sendo um direito fundamental
de terceira dimensão, o Poder Público também deve atuar em conjunto com a
coletividade para a defesa e preservação da natureza.
Assim, o Direito deve colocar à disposição de todos os prejudicados instrumentos
que possam ser usados para tutelar o meio ambiente, seja impedindo a sua
degradação seja recuperando o entorno já danificado. No direito processual pode-se
classificar a tutela jurisdicional de várias formas. Aqui será utilizada a classificação
de tutela jurisdicional em específica e pecuniária.
Sabe-se que a tutela a específica preventiva é a melhor maneira de proteger esse
bem. Basta analisar os princípios que regem o Direito Ambiental, como por exemplo,
o princípio do poluidor pagador, os seus sub-princípios da prevenção e da
precaução. Por isso, devem ser utilizadas técnicas a fim de impedir que ocorra o
dano.
19
Isso porque, havendo o dano, dificilmente o bem ambiental será reparado in natura,
e a única forma de tutela que restaserá a pecuniária. Contudo, o ressarcimento
pecuniário não consegue proporcionar meios para que o local danificado volte ao
estado anterior à degradação. Vale lembrar que o meio ambiente não possui
equivalente pecuniário, mas uma execução pecuniária necessita que o dano seja
previamente liquidado.
Diante desse impasse, deve-se tentar quantificar o meio ambiente, pois adotar uma
postura contrária é consentir com a sua destruição. Se não for atribuído um valor ao
meio ambiente, não haverá outro modo para reparar o dano.
Todavia, os danos ambientais possuem diversos aspectos, pois eles podem atingir
vários locais e causar impactos tanto patrimoniais quanto extrapatrimoniais. Por isso,
a soma de todos os valores que somados correspondem ao prejuízo total que a
coletividade presente e futura sofrerá com a degradação, o montante ficará
extremamente alto.
Sendo assim, dificilmente o poluidor terá condições para arcar com a totalidade da
indenização que lhe foi imposta na liquidação e, muitas vezes, a execução por
quantia certa será infrutífera e o meio ambiente ficará sem reparação. Isso implica
perda para a coletividade, tanto presente quanto futura, em ter acesso a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
Por essa razão, que se deve lançar mão de algumas técnicas processuais que
permitam o ressarcimento pecuniário em sua totalidade. São elas: a solidariedade, a
desconsideração da personalidade jurídica, a constituição de fundos de
compensação e os seguros ambientais e as obrigações “propter rem”.
20
PARTE I
MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO
FUNDAMENTAL
1 A RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA: SUBMISSÃO, DOMINAÇÃO E LIMITAÇÃO
O homem, desde os primórdios, sempre se relacionou com natureza. Como não
poderia deixar de ser, o mundo natural envolveu, envolve e envolverá (?) a vida
humana.
Tendo a natureza ao seu redor, o ser humano envolveu-se cada vez mais com o
entorno, pois ele sempre teve a consciência de que depende totalmente da natureza
para sobreviver.
1
Nesse sentido, Martin Rock afirma que
[...] ser humano e natureza o são entidades individualizadas nem
isoladas no interior do nosso lar Terra. São parceiros inter-correspondentes
e inter-relacionados. Apenas quando vistos como uma totalidade, eles
podem cumprir o sentido de sua existência. O ser humano pode se
compreender como parte da natureza.
2
É certo que essa relação homem-natureza implica transformação. O homem causa
efeitos na natureza e a modifica conforme as suas necessidades. Assim, faz uso
dela para retirar seu sustento e garantir a sua subsistência.
3
O vínculo do homem com a natureza se estabeleceu principalmente com relação ao
solo, ou seja, a uma parcela da natureza de onde retira suas necessidades mais
básicas e, assim, se relaciona da forma mais primitiva com o seu meio.
1
Segundo Valls, “El hombre simpre tuvo plena consciencia de su dependencia del ambiente”. VALLS,
Mario Francisco. Manual de derecho ambiental. Buenos Aires: Ugerman Editor, 2001. p. 71.
2
ROCK, Martin. In: WITTELSBURGER, Helmut. Ecologia e economia. Tradução Sperber S. C. São
Paulo : Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung, 1992. p. 1-16. p. 3
3
Nesse sentido, afirma François Ost: “De certa forma, é desde a origem, desde a aparição da
espécie humana, que o homem transforma a natureza. Como qualquer outra espécie natural, o
homem, pela sua presença, pesa sobre os ecossistemas que o abrigam; como qualquer outro ser
vivo, o homem retira recursos para assegurar a sua sobrevivência e rejeita matérias usadas”.OST,
François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. p.
30-31.
21
Existe uma relação intrínseca entre a natureza e o homem ao se observar do direito
de propriedade. A propriedade é uma forma de contato ser humano – mundo natural.
Além disso, na visão da sociobiologia, o direito de propriedade é a manifestação, na
sociedade evoluída, do comportamento animal de territorialidade.
4
Inicialmente, o contato dos seres humanos com a natureza não tinha intenções de
manipulá-la e dominá-la, visto que o homem temia as forças naturais em razão do
seu desconhecimento. Esse temor à natureza era devido à falta de explicações
racionais dos fenômenos naturais. Desse modo,
A natureza surge diante do Homem como um fato extraordinário e
incompreensível. Não existia a base capaz de dar sustentáculo a uma
construção racional, pois um dos principais elementos que definem a
racionalidade é a capacidade de previsão e controle.
5
O sentimento de medo e submissão diante da natureza pode ser observado na
mitologia grega, que as explicações dadas aos fenômenos naturais eram
fundadas em poderes divinos, sobrenaturais e, portanto, humanamente
incontroláveis.
A sujeição do homem frente aos acontecimentos naturais refletia a inconsciência de
que ele era um ser com características peculiares, ou seja, um animal diferente dos
demais, com uma inteligência superior e capaz de alterar significativamente o seu
entorno e dominá-lo por meio da sua racionalidade.
6
4
“E perguntamos: é somente o ser humano que reconhece o território do outro? Certamente não.
Existem animais territoriais, isto é, animais que marcam seu território mediante rastros olfativos, ou
visuais e sonoros. Nós, mais sofisticados, utilizamos cercas, letreiros ou leis que delimitam ou
assinalam limites e fronteiras”. Molinaro, Carlos Alberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. grifo do autor. p. 30.
5
ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano Ambiental: uma abordagem conceitual. 1. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2002. p. 8.
6
Segundo Engels, a característica do homem que o diferencia dos outros animais é o trabalho.
Quando, depois de lutas milenares, se fixou finalmente a diferenciação da mão e do pé, donde
resultou o caminhar erecto, o homem se tornou diferente do mono; constituiu-se o fundamento do
desenvolvimento da linguagem articulada e da formidável expansão do cérebro que, desde então,
tornou intransponível o abismo que separa o homem do macaco. A especialização da mão: ela
significa a ferramenta; e a ferramenta significa a tarefa especificamente humana, a reação
transformadora do homem sobre a Natureza, sobre a produção”. Engels, Friedrich. Dialética da
natureza. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 25. Para uma leitura mais completa, ver o
manuscrito inacabado “Humanização do macaco pelo trabalho”, do mesmo autor.
22
O homem, então, se igualava à natureza, pois para ele não havia qualquer distinção
entre o seu ser e os outros animais. E esse pensamento vigorava por causa da
plena dependência humana aos contingentes fatos naturais. Isso resultava na
perspectiva de que o mundo natural era mágico.
O homem vê a natureza “encantada”
7
, pois acredita que divindades e espíritos estão
nos elementos naturais ou os influenciam. Assim, ele interage com a natureza
sempre tentando não alterar a sua ordem
8
, pois é temente aos deuses. Isso pode
ser demonstrado ao se observar o direito de propriedade na antiguidade.
O direito de propriedade é um instituto que tem origens na Grécia e Roma antigas, e
não se pode comparar a acepção da propriedade para essas sociedades com a
existente hoje em dia.
Interessante notar que a idéia de propriedade, como instituto de senhorio de uma
parcela da natureza existe desde a antiguidade. No entanto, essa propriedade não
tem as mesmas características da atual. Não havia uma situação de domínio e livre
disponibilidade do meio ambiente. Na verdade, na Grécia antiga e nas origens da
sociedade romana
9
, a propriedade era vinculada à religião.
Os antigos acreditavam que os deuses relacionavam-se com o solo. Cada família
tinha uma parcela da terra para fixar o seu lar e os seus antepassados. Esse local
7
Essa expressão é utilizada por Ost: “O homem primitivo não se arrisca a perturbar a ordem do
mundo senão mediante infinitas preocupações, consciente da sua pertença a um universo cósmico,
no seio do qual natureza e sociedade, grupo e indivíduo, coisa e pessoa, praticamente não se
distinguem [...] Assim, a natureza permanece <<encantada>>, ordenada para fins que ultrapassam o
humano, o podendo este conceber a sua sobrevivência senão na submissão aos seus ritmos e às
suas leis”. OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto
Piaget, 1995. p. 31.
8
Como não se diferencia da natureza e, em razão da relação de submissão extrema, o homem cria
ritos a fim de conviver pacificamente com os elementos naturais. Dessa forma, “todas las culturas
primitivas temían a los elementos naturales, los deificaban, les ofrecían sacrificios para que
preservaran su ambiente natural, imponían tabúes para protegerlos, se identificaban com los
elementos del ambiente y los idealizaban em sus tótems. Asi lo demuestra el culto de Pachamama
em nuestra América, el de Gea y Demeter em Grécia, el de Ceres em Roma y las enseñanzas de
Confúcio y lao Tse em el Antiguo Oriente asiático”. VALLS, Mario Francisco. Manual de derecho
ambiental. Buenos Aires: Ugerman Editor, 2001. p. 71.
9
Os historiadores encontram razões para acreditar que no início de Roma a propriedade era
inalienável, apesar de a Lei das XII Tábuas tratá-la como direito absoluto e passível de disposição (a
propriedade quiritária). Conforme explicado em COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo:
Martin Claret, 2002. p. 76 e GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa : Fundação
Calouste Gulbenkian, 2003. p. 638.
23
era sagrado e de caráter perpétuo e inalienável, pois, em regra, a família lá se fixava
até restar algum membro familiar vivo.
10
O lar possuía um altar que servia de culto aos deuses. Estes eram seus
antepassados mortos enterrados na propriedade. Desse modo, cada família tinha
seus próprios deuses que adoravam e um único domicílio.
O lar era sagrado e os limites físicos entre um lar e outro eram guardados pelos
deuses. Havia um ritual realizado em determinados dias do mês em que o pai de
família circundava a sua propriedade cantando hinos e oferecendo sacrifícios a fim
de atrair a benevolência dos deuses no seu campo e na sua casa. Ademais, havia
também rituais para a colocação dos termos ou marcos sagrados que delimitavam o
campo e deviam ficar eternamente no local demarcado. Esses termos simbolizavam
o deus Termo que tinha a função de guardar os limites da propriedade e torná-la
inviolável. Em Roma, quem ousasse deslocar os termos seria sacrificado juntamente
com seus animais.
11
Como se pode observar, o homem era submisso à natureza. Entretanto, essa
situação foi paulatinamente sendo alterada. Assim, o homem começou a,
progressivamente, dominar a natureza.
12
Essa imposição do homem sobre a natureza ocorreu no momento em que ele se
“descobriu” como um animal racional e diferente dos demais. Somente com a
racionalidade, ele percebeu que
[...] o animal apenas utiliza a Natureza, nela produzindo modificações
somente por sua presença; o homem a submete, pondo-a a serviço de
seus fins determinados, imprimindo-lhe as modificações que julga
necessárias, isto é domina a Natureza. E esta é a diferença essencial e
decisiva entre o homem e os demais animais; [....].
13
10
“A família está vinculada ao lar, e este, fortemente ligado a terra; estabeleceu-se, portanto, uma
estreita relação entre o solo e a família”. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin
Claret, 2002. p. 67.
11
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 72-74.
12
GÓMEZ, Narciso Sánchez. Derecho ambiental. México: Editorial Porruá, 2002. p. 8.
13
Engels, Friedrich. A humanização do macaco pelo trabalho. In: Engels, Friedrich. Dialética da
natureza. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 223. Para Engels, essa diferenciação ocorre
em virtude do trabalho.
24
Pode-se afirmar que a dominação se iniciou a partir do momento em que ele se
distinguiu da natureza. Agora ele se via como um ser pensante capaz de observar a
natureza com ares de superioridade.
E foi assim que, ao perceber a regularidade dos fenômenos da natureza, homem
estabeleceu regras gerais e foi possível prever os acontecimentos naturais.
14
A partir
daí, o medo da natureza foi se dissipando lentamente.
Não obstante o homem ter chegado a essas conclusões desde, pelo menos, a
Grécia antiga, a dominação da natureza não atingiu os mais variados campos
sociais. Como já foi visto, o direito de propriedade continuou “encantado”.
A mudança de concepção em relação à propriedade somente veio a acontecer a
partir do século XVII, período marcado pelo iluminismo, já que a humanidade passou
por um período de estagnação científica durante a Idade Média.
Na Idade Média, a terra era a base da economia feudal. A propriedade rural era a
única fonte de sobrevivência e riqueza, sendo conservada como bem inalienável e
proveniente de gerações anteriores. Assim, quem possuía terras detinha o poder
econômico.
Desse modo,
Para um trabalhador ou camponês, qualquer pessoa que possuísse uma
propriedade era um ‘cavalheiro’ e membro da classe dominante, e, vice-
versa, o status de nobre ou de gentil-homem (que dava privilégios políticos
e sociais e era ainda de fato a única via para os mais altos postos do
Estado) era inconcebível sem uma propriedade.
15
Os senhores feudais eram proprietários de imensos latifúndios trabalhados por
camponeses em um sistema comunitário que visava apenas a subsistência. Por
14
A filosofia foi primordial para a dominação da natureza. Antunes segue esse pensamento ao dizer:
“Com a filosofia, o Homem começa a se ver como um elemento capaz de intervir no mundo natural e
de transformá-lo de acordo com as suas conveniências. A Filosofia possibilita que o Homem se pense
colocado em um locus próprio na natureza, crie uma alteridade.” ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano
Ambiental: uma abordagem conceitual. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002. p. 10.
15
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1977. p. 32.
25
isso, a propriedade nesse período é considerada um tipo de propriedade-usufruto,
em que o direito de utilização da coisa, caracterizado por usos e costumes em que a
propriedade é conservada da deterioração, é mais importante do que o direito de
dispor dela.
16
No século XII, o feudalismo estava se tornando um sistema econômico obsoleto e
pensadores, como Galileu e Descartes, elaboravam teorias inovadoras embasadas
no racionalismo
17
, que contradiziam o modo de pensar da sociedade feudal.
Segundo o pensamento cartesiano, o homem devia se libertar dos costumes e das
tradições e partir em busca de um conhecimento verdadeiro sobre a natureza das
coisas. A dominação da natureza levaria o homem à condição de “senhor da
natureza” e utilizá-la para os eu benefício. Em suas palavras:
[...] Embora as minhas especulações me agradassem muito, acreditei que
os outros tinham também as suas, que lhes agradavam ainda mais. Mas
logo que adquiri algumas noções gerais a respeito da Física, e havendo
começado a experimentá-las em diversas dificuldades especiais, verifiquei
até onde elas podem conduzir e o quanto diferem dos princípios até agora
utilizados. [...]. Elas mostraram-me que é possível chegar a conhecimentos
que são muito úteis para a vida e que, em vez dessa filosofia especulativa
que é ensinada nas escolas, é possível encontrar uma prática, pela qual,
conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos
céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente quanto
conhecemos os diversos ofícios dos nossos artífices, poderíamos, do
mesmo modo, aplicá-los a todos os usos aos quais são próprios e, assim,
tornar-nos senhores e possuidores da natureza [...]
18
Um pouco mais tarde, os avanços na área científica e tecnológica ocasionaram o
declínio do feudalismo na medida em que o comércio e o setor manufatureiro,
embora ainda muito timidamente, surgiam. A nova classe de comerciantes,
administradores empresários, classe média, proprietários e os fabricantes eram
seguidores das idéias do iluminismo. Essa forma de pensar era traduzida na
16
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget,
1995. p. 55-57.
17
“El racionalismo supone la confianza plena em el valor de la razón como instrumento de
conocimiento. La razón servirá para dominar la Naturaleza, para descubrir sus regularidades y sus
leyes [...]”. MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba, Curso de derechos fundamentales: teoria general.
Madrid: Universidade Carlos III de Madrid, 1999. p. 181.
18
DESCARTES, René. Discurso do método. Tradução, prefácio e notas de João Cruz Costa. Rio de
Janeiro: Ediouro. p.125.
26
[...] convicção no progresso do conhecimento humano, na racionalidade, na
riqueza e no controle sobre a natureza de que estava profundamente
imbuído o século XVIII derivou sua força primordialmente do evidente
progresso da produção, do comércio e da racionalidade econômica e
científica que se acreditava estar associada a ambos.
19
O pensamento iluminista
20
proporcionou a quebra das amarras que o sistema feudal
tradicional causava no progresso científico e econômico. O homem passou a ser o
centro do universo, dotado de racionalidade e individualismo. Essa mentalidade
reflete a célebre frase de Protágoras: “o homem como medida de todas as coisas”.
21
A posição de superioridade do homem em relação à natureza proporcionada pelas
idéias iluministas permitiu que ele a visse como seu dono. Desse modo, ele poderia
usá-la como bem lhe aprouvesse.
O seu “slogan”: “liberdade, igualdade e fraternidade” serviu como inspiração para a
Revolução Francesa. Foi assim que a exigência da liberdade levou à constituição da
propriedade privada como sendo uma parcela da natureza sujeita à livre disposição
do homem.
Esse direito está previsto no artigo 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789: “Art. 16. O direito de propriedade é o que pertence a todo cidadão,
para a fruição e disposição, como ele bem entender, de seus bens, de suas rendas,
do fruto de seu trabalho e de sua indústria”.
22
19
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1977. p. 37-38.
20
Segundo Locke, o dinheiro propiciou o acúmulo da propriedade nas mãos de poucos e mesmo
assim os homens concordaram com essa desigualdade: “[...] vê-se claramente que os homens
concordaram com a posse desigual e desproporcional da terra, tendo encontrado, por consentimento
tácito e voluntário, um modo pelo qual alguém pode possuir com justiça mais terra que aquela cujos
produtos possa usar, recebendo em troca do excedente ouro e prata [...]”. LOCKE, John. Dois
tratados sobre o governo. Tradução Julio Fischer. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 428
21
Pré-socráticos. In: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 32.
22
Texto do artigo extraído do livro A afirmação histórica dos direitos humanos. COMPARATO, Fabio
Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
163. O direito de propriedade também se encontra no artigo da Declaração dos Direito do Homem
e do Cidadão de 1789: “Art. 2. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos
naturais e imprescritíveis do homem. Tais direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a
resistência à opressão”. Além do artigo 2º sobre a propriedade, ver o artigo 17 da mesma Declaração.
Uma observação deve ser feita em relação a esse artigo 17: nele a propriedade provada é tratada
como um direito sagrado, embora, como foi dito, sagrado era o direito de propriedade na
antiguidade. Sobre isso, Comparato faz uma crítica acertada: A declaração do caráter sagrado de
propriedade contida no art. 17, é um evidente anacronismo. Sagrada era a propriedade greco-
romana, intimamente ligada à religião doméstica, à casa da família, sede do deus do lar, e ao terreno
27
A partir desse momento, a propriedade privada não poderia mais ser inalienável. Ela
deveria obedecer aos fins econômicos e, por isso, o seu proprietário deveria utilizá-
la da melhor forma possível para auferir lucro, nem que para isso haja a degradação
ecológica. Para tanto, não basta usufruir, é necessário dela dispor livremente, tendo,
inclusive, o direito à destruição e deterioração.
Com o fim do feudalismo, foi superado o sistema em que se podia observar uma
harmonia entre o homem e a natureza, pois nele não se almejava o lucro e sim a
mera subsistência. Além disso, também não havia disposição e sim fruição da
parcela da terra. Iniciado, pois, o liberalismo econômico, “toda a protecção da
natureza é, assim, sacrificada sobre o altar da propriedade e da liberdade
econômica”
23
.
Desse modo, ficou clara a posição de diferenciação do homem com os demais
animais, como ser superior e dominador, como se a natureza fosse uma fonte
inesgotável de recursos e estivesse ali sempre à disposição para servi-lo e atender
às suas necessidades.
Pode-se, então, apontar dois aspectos em que a natureza é apropriada e dominada:
1) por meio da investigação científica
24
e 2) a partir do estabelecimento da
propriedade como exercício do direito à liberdade (principalmente liberdade
econômica). Eis o surgimento da propriedade intelectual e da propriedade privada.
adjacente onde ficavam as sepulturas dos membros da gens. A sacralidade desses bens, aliás, era
bem marcada pela sua fixidez e imobilidade: longe do caráter desprezível das coisas mobiliárias (res
mobilis, res vilis), a propriedade tradicional é sempre imóvel, à imagem das coisas divinas [...] o
caráter sagrado da propriedade, se se quiser insistir na qualificação, assimiu nos tempos modernos a
abstração simbólica de um mito”. COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos
humanos. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 152-153.
23
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget,
1995. p. 61.
24
Hoje as ciências chegaram a um ponto de evolução capaz de alterar ou “criar” organismos vivos e
tratá-los como objeto de apropriação. É o acontece no campo da engenharia genética e causa
grandes dilemas morais. Segundo Habermas: “Os avanços espetaculares da genética molecular
conduzem aquilo que somo ‘por natureza’ cada vez mais ao campo das intervenções biotécnicas. Do
ponto de vista das ciências naturais experimentais, essa tecnização da natureza humana
simplesmente continuidade à conhecida tendência de tornar progressivamente disponível o
ambiente natural. Sob a perspectiva do mundo da vida, certamente nossa atitude muda tão logo a
tecnização ultrapassa o limite entre a natureza ‘externa’ e a ‘interna’”. Em razão disso, tenta-se a
“moralização da natureza humana”. HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. São Paulo:
Martins Fontes, 2004. p. 33-34.
28
A propriedade privada, no sentido de livre disposição, foi um valor extremamente
protegido ao longo do Estado Liberal e é um instituto formulado com raízes no direito
privado. Foi constitucionalmente assegurado em uma época em que as relações
privadas eram preservadas da interferência estatal.
Partindo dessa visão antropocêntrica, o direito garantiu a propriedade privada a
alguns e incentivou a sua exploração econômica abusiva. Isso resultou em grandes
desequilíbrios ecológicos que afetam a sociedade.
25
Em razão do seu caráter privatístico, o direito à propriedade privada não é suficiente
para atender aos anseios dos novos interesses advindos de uma sociedade
pluralista, em que se exige do Estado (Social) o amparo a interesses difusos e
coletivos. Assim, na tentativa de amenizar os desequilíbrios ambientais, foram
implantadas limitações à propriedade.
26
A função social da propriedade foi reconhecida na Europa no período entre as duas
Guerras Mundiais, numa tentativa de tentar conciliar a tradição liberal e a inspiração
socialista
27-28
.
25
“A patrimonialização no âmbito do Direito clássico é tributária de uma concepção racionalista em
que a organização dos espaços territoriais se faz com a demarcação das fronteiras e apropriação do
solo. O primeiro movimento desta sinfonia cartesiana que separa o sujeito do objeto e impõe a
dominação do mundo é o sistema clássico de normas, que organiza a propriedade privada imobiliária.
A propriedade privada imobiliária parece inaugurar o desequilíbrio social da modernidade. Se a
Revolução Francesa preconizou a eliminação dos privilégios do status a sociedade burguesa
propiciou a chegada do reino da propriedade privada nos moldes de um exclusivismo que não
marcava a Idade Média. Com isto, se re-introduz o poder do mais forte, a saber, do mais forte em
economia e em meios de produção.” SILVA, José Robson da. Paradigma biocêntrico:do patrimônio
privado ao patrimônio ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 40.
26
“Neste final de milênio parece indiscutível que as exigências de protecção do ambiente natural ou
construído (<<protecção da natureza>>, << proteção do patromónio cultural>>), vêm colocar (ou
<<recolocar>>) dois problemas de particular importância: (1) o das relações recíprocas entre a
garantia institucional da <<propriedade>> e do direiro fundamental da propriedade, por um lado, e o
da proteção do ambiente, por outro; (2) o da conformação jurídica destas relações pelo legislador e
pelos tribunais”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Protecção do ambiente e direito de
propriedade: crítica de jurisprudência ambiental. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 96.
27
ALMEIDA, Paulo Guilherme de. Direito Agrário: a propriedade imobiliária rural. São Paulo: LTR,
1980.p. 21
28
O tratamento individualista dado à propriedade privada não foi diferente no Brasil. Influenciado pelo
Código Civil Alemão, que previa poucas limitações ao direito de propriedade, o Código Civil Brasileiro
não traz nenhuma limitação social. A idéia de função social da propriedade veio aparecer na
Constituição brasileira de 1934, embora somente tenha sido efetivada em 1946, em razão da
interrupção causada pelo Estado Novo. Na atual Constituição, a função social da propriedade es
presente nos artigos 5º, inciso XXIII e 170. Sobre o tema ver FRANCISCO, Caramuru Afonso. A
propriedade urbana na nova ordem constitucional. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). A propriedade
e os direitos reais na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1991.p. 22.
29
Ela traz uma idéia de que o proprietário não pode mais ser considerado senhor da
sua parcela de terra. Os seus poderes devem ser limitados
29
. A função social da
propriedade é vista como uma tentativa de amenizar os problemas decorrentes da
degradação ambiental, sem, contudo, deixar de assegurar a propriedade privada.
Durante o Estado Liberal, a propriedade foi vista como uma instituão que
propiciava o desenfreado aproveitamento econômico dos bens naturais “mas
depende de sua regulamentação o fato de que estes fiquem em os de poucos
privilegiados ou se distribuam entre todos os que convivem no conglomerado
social”
30
.
Até o início do século XX, o Estado tinha como sujeito de direito o proprietário.
Ressalta-se que na Idade Média e, principalmente, durante o Estado Liberal, quem
era proprietário detinha o poderio econômico. O objetivo da Revolução Francesa foi
exatamente o de reverter essa situação: repartir as terras propiciando a todos o
acesso ao patrimônio privado, pois o que acontecia na Idade Média era uma
centralização de terras nas mãos de poucos, tais como a nobreza e a Igreja.
Entretanto, esse objetivo era um ideal que não se concretizou na prática. Aconteceu
exatamente o contrário. A liberdade econômica, que vinha juntamente com o direito
à propriedade, favorecia apenas os que tinham recursos financeiros para investir
em suas terras e, assim, enriquecer facilmente
31
. Desse modo, a propriedade não foi
distribuída de forma eqüitativa.
29
A adoção da produção em massa e o desenvolvimento tecnológico intenso acabaram por gerar
situações no seio social que praticamente obrigaram a intervenção do organismo estatal, árbitro
supremo das pugnas que passaram a se travar no âmbito da sociedade. [...] Desenvolve-se a
doutrina da chamada “função social da propriedade”, ou seja, de que o uso da propriedade deve
relacionar-se com o bem da comunidade. Começa-se a investir contra a idéia de que o proprietário
dentro dos limites do território em que exerceu seu poder físico (aqui, obviamente, em sendo o bem
imóvel por natureza) é um vero soberano.” FRANCISCO, Caramuru Afonso. A propriedade urbana na
nova ordem constitucional. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). A propriedade e os direitos reais na
Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1991.p. 20.
30
ALMEIDA, Paulo Guilherme de. Direito Agrário: a propriedade imobiliária rural. São Paulo: LTR,
1980. p. 19.
31
“A Revolução pretendia multiplicar os pequenos proprietários nos quais via os melhores
sustentáculos do novo regime. No entanto, no imediato ela favorecia os mais poderosos e os mais
prudentes, que, através da especulação sobre os cereais, por exemplo, enriqueciam em poucos
meses”. OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto
Piaget, 1995. p. 61.
30
Com isso, a propriedade privada se concentrou com os ricos e os pobres restaram
excluídos de patrimônio. Nota-se que a propriedade, além de trazer riqueza, também
carrega consigo um valor constitucionalmente assegurado: a dignidade humana.
Destituído de um mínimo patrimonial, não condições de se manter uma vida
digna, pois
[...] a pessoa natural, ao lado de atributos inerentes à condição humana,
inalienáveis e insuscetíveis de apropriação, pode ser também, à luz do
Direito Civil brasileiro contemporâneo, dotada de uma garantia patrimonial
que integra sua esfera jurídica. Trata-se de um patrimônio mínimo
mensurado consoante parâmetros elementares de uma vida digna e do
qual não pode ser expropriada ou desapossada.
32
Essa idéia se desloca para o contexto do ambiente. Dessa forma, o patrimônio
mínimo ambiental é “um patrimônio que tem a natureza como um valor superior a ser
preservada na mesma dimensão da dignidade humana e da vida”.
33
A dignidade humana será assegurada desde que todos tenham acesso à
propriedade e, ainda, que o direito de propriedade crie mecanismos para zelar pelo
meio ambiente equilibrado.
O direito de propriedade sofreu uma enorme modificação quando a Constituição
incluiu em seu bojo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A partir
de então, houve uma mudança de perspectiva em relação ao sujeito do patrimônio,
que antes era particular ou público e passou a ser incluído também o difuso.
O modelo clássico de divisão patrimonial deve ser reconsiderado. o pode mais
subsistir a divisão em patrimônio público e privado. Deve ser inserido nesse contexto
o patrimônio difuso.
34
32
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 1.
33
SILVA, José Robson da. Paradigma biocêntrico:do patrimônio privado ao patrimônio ambiental. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002. p. 60.
34
Sobre a insuficiência da tradicional dicotomia público-privado, Cappelletti explica: “Um punto
preliminare che mi sembra emergere chiaramente dalle prime relazione e interventi, portato (o,
meglio, riportato) alla luce la chiara insufficienza della tradicionale dicotomia pubblico-privato. È uma
dicotomia superata, superata della realità [...] La realtà nella quale viviamo è quella di uma società di
produzione di massa, di consumo di massa, di scambi di massa, di turismo di massa, di conflitti o
conflittualittà di massa (in materia di lavoro, di rapporti fra razze, religioni, ecc.), per cui anche le
violazione contro le quali la <<giustizia>> è intesa a dare protezione, sono evidentemente non
31
É importante notar que o meio ambiente extrapola os limites da propriedade. A
propriedade difere do meio ambiente, pois este vai além da delimitação daquela.
Segundo a Constituição, o meio ambiente é um bem de uso comum do povo
35
.
Apesar de os bens de uso comum do povo serem bens públicos, ou seja, bens de
titularidade estatal, o meio ambiente não pode ser apropriado por um sujeito. Ele
é um bem comum no sentido de pertencer à coletividade, ao mesmo tempo em que
não cabe a ninguém a sua propriedade.
36
Daí o sentido de bem público que não se refere ao Estado como senhor possuidor,
mas pertence a todos. O que importa na noção de bem público é a pulverização de
titulares pertencentes à sociedade
37
.
Assim, o pode existir uma titularidade única do meio ambiente, diante da
necessidade de que ele possua titularidade coletiva. Sendo um bem de fruição
coletiva, deve pertencer a todos e não a uma individualidade.
Não obstante a característica de interesse difuso do meio ambiente, a Constituição,
ao assegurá-lo como bem de uso comum do povo, reparte a natureza em
fragmentos e permite a sua apropriação
38
.
soltanto violazioni di carattere individuale ma spesso anche di carattere colletivo, che coinvolgono e
colpiscono categorie, classi, collettività, sono insomma <<violazioni di massa>>. CAPPELLETTI,
Mauro. Appunti sulla tutela giurisdizionale degli interessi collettivi o diffusi. In: Le Azioni a tutela di
interessi collettivi : atti del Convegno di studio. Padova : CEDAM, 1976. p. 191-222. p. 191
35
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.
36
“Os bens públicos ou, melhor dizendo, bens comuns, como o meio ambiente, se caracterizariam
pela impossibilidade de apropriação privada, impondo o uso e fruição em comum.” SALLES, Carlos
Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.p. 68
37
“Logo, o meio ambiente, como macrobem, é bem público, não porque pertença ao Estado (pode
até pertencê-lo), mas porque apresenta no ordenamento, constitucional e infraconstitucional, como
‘direito de todos’, como bem destinado a satisfazer as necessidades de todos. É bem público em
sentido objetivo e não em sentido subjetivo, integrando uma certa ‘dominialidade coletiva’,
desconhecida do Direito tradicional Público, porque destinado à satisfação de todos e porque, por
isso mesmo, de domínio coletivo, o que não quer dizer domínio estatal”.BENJAMIN, Antonio Herman
V .Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.). Dano ambiental: prevenção,
reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 9-82.p. 66.
38
SILVA, José Robson da. Paradigma biocêntrico: do patrimônio privado ao patrimônio ambiental. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002. p. 86
32
Por um lado, essa divisão e apropriação pode parecer, à primeira vista, um tanto
destrutiva. Por outro lado, de certo modo, pode ser salutar se se considerar que o
proprietário tem o dever imposto constitucionalmente de defender e preservar o meio
ambiente ecologicamente equilibrado pertencente a todos.
Por ser um bem pertencente à coletividade, ao mesmo tempo em que o cabe a
ninguém o seu domínio, podem acontecer situações em que, por não ter titularidade
definida, nenhum cidadão, ente particular ou público se disponha a protegê-lo diante
da sua deterioração (iminente ou não).
Assim, a apropriação da natureza nem sempre é prejudicial e pode estimular a
proteção ambiental, pois o titular do direito de propriedade, ao ver o seu patrimônio
sendo poluído, tem o interesse em reparar o dano e reconstruir o meio ambiente.
39
É nesse sentido que o direito de propriedade pode trazer benefícios à natureza.
Desse modo, o que se intenta não é a extinção da dominialidade sobre o ambiente,
mas sim a apropriação das parcelas naturais, sem que haja a exploração econômica
ou, se houver, que esta se realize de forma sustentável
40
.
A natureza não pode ser vista como um objeto usado para fins econômicos como se
fosse um supermercado barato em que a relação do homem para com a natureza
seja unicamente para fins lucrativos
41
.
O meio ambiente não suporta degradações, ainda que isoladas em cada
propriedade, pois os danos locais refletem em todos os cantos do mundo. Assim,
para manter um meio ambiente equilibrado, proporcionando condições de
39
Ainda que não o faça em decorrência do dever de zelo pelo ambiente, mas por tentar majorar o
valor econômico de sua propriedade, pois a degradação ambiental ocasiona a desvalorização no
mercado imobiliário.
40
O desenvolvimento sustentável do meio ambiente se efetiva por meio de compensação patrimonial.
41
A relação do ser humano com a natureza está gravemente adoentada quando ele a entende como
um tipo de supermercado gigante, no qual ele pode se servir à vontade. Quem considera a natureza
um <<shopping center>>, cujos diferentes produtos e prateleiras (paisagem, solo, flora, fauna, água,
ar) podem ser consumidos ad libitum como <<produtos ecológicos>> demonstra uma relação ruim
com a natureza [...] O ser humano deve orientar sua relação com a natureza pela compreensão de
que esta representa valores abstratos, psíquicos e estéticos, que o podem ser analisados
financeira ou tecnicamente, como uma questão de custo-benefício.” ROCK, Martin. In:
WITTELSBURGER, Helmut
. Ecologia e economia. Tradução Sperber S. C. o Paulo : Fundação
Konrad-Adenauer-Stiftung, 1992. p. 1-16. p. 4.
33
salubridade ambiental garantindo, por conseguinte, a dignidade humana, é
necessária a observância da função social da propriedade.
42
A função social da propriedade traz meios para garantir o mínimo patrimonial
ambiental. Indivíduos desprovidos de patrimônio encontram no princípio da função
social uma possibilidade de adquirirem a sua propriedade e se inserirem na ordem
econômica
43
.
Além disso, a limitação social da propriedade permite o acesso dos cidadãos aos
bens ambientais. Explica-se: quando uma parcela do meio ambiente está
degradada, os cidadãos têm o acesso restrito. Esse impedimento à utilização do
bem ambiental afronta tanto o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado quanto a função social da propriedade. Exemplo disso é a poluição de
um córrego causada por um determinado proprietário, sendo que essas águas
beneficiariam inúmeros cidadãos no seu curso.
Em conformidade com a sua função social e com o intuito de assegurar o acesso da
coletividade ao meio ambiente equilibrado, o Poder Público pode restringir o uso que
o proprietário faz do imóvel, a fim de constituir uma unidade de conservação
44
. Em
troca da propriedade, ou de sua parcela, o Poder Público indeniza o proprietário em
virtude do prejuízo que este virá a sofrer pela impossibilidade de utilização
econômica da terra.
45
O referido mecanismo, que se iniciou no direito norte-americano, consiste na
expropriação de uma parcela da propriedade pelo Estado com a finalidade de
constituir uma reserva protegida. Esse ato gera ao titular da propriedade o direito de
42
“Uma ligação visceral, no plano do regime jurídico, vincula o tratamento que se à propriedade,
enquanto instituto de direito e o tratamento que se dá à condução daqueles conflitos que se encerram
sob a designação de ambientais”. MAGALHAES, Maria Luiza Faro. Função social da propriedade e
meio ambiente. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e
repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 147-151. p. 147.
43
Usucapião e desapropriação para fins de reforma agrária.
44
Conforme dispõe o inciso III, §1º, da Constituição, incumbe ao Poder Público “definir, em todas as
unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos,
sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.
45
Ressalta-se que se a área for de preservação permanente, assim como dispõe o Código Florestal,
não que se pagar indenização, pois estas áreas não são suscetíveis de exploração econômica
segundo o §2º da Lei 4.771/65.
34
receber uma indenização por parte do poder público, que a área ficará
insuscetível de utilização econômica.
No direito comparado, essa modalidade de expropriação não se relaciona
diretamente com a função social da propriedade, pois para o direito norte-americano
“[...] uma coisa é a retirada de terras para a defesa de <<áreas naturais>>
mediante indemnização e segundo formas contratuais, e outra, muito
diferente, é a imposição unilateral de um vínculo ecológico
substancialmente reentrante no conteúdo essencial do direito de
propriedade”.
46
Apesar da escassez de jurisprudência acerca do tema, aparentemente, o direito
pátrio segue orientação diversa:
ADMINISTRATIVO. CRIAÇÃO DE ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL.
(DECRETO ESTADUAL 37.536/93). DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.
PRESSUPOSTOS: APOSSAMENTO, AFETAÇÃO À UTILIZAÇÃO
PÚBLICA, IRREVERSIBILIDADE.
NÃO-CARACTERIZAÇÃO.
1. A chamada "desapropriação indireta" é construção pretoriana criada
para dirimir conflitos concretos entre o direito de propriedade e o princípio
da função social das propriedades, nas hipóteses em que a Administração
ocupa propriedade privada, sem observância de prévio processo de
desapropriação, para implantar obra ou serviço público.
2. Para que se tenha por caracterizada situação que imponha ao particular
a substituição da prestação específica (restituir a coisa vindicada) por
prestação alternativa (indenizá-la em dinheiro), com a conseqüente
transferência compulsória do domínio ao Estado, é preciso que se
verifiquem, cumulativamente, as seguintes circunstâncias: (a) o
apossamento do bem pelo Estado, sem prévia observância do devido
processo de desapropriação; (b) a afetação do bem, isto é, sua destinação
à utilização pública; e (c) a impossibilidade material da outorga da tutela
específica ao proprietário, isto é, a irreversibilidade da situação fática
resultante do indevido apossamento e da afetação.
[...]
(REsp 628.588/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro
TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02.06.2005,
DJ 01.08.2005 p. 327)
No Estado Social, tanto o direito de propriedade quanto o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado são garantidos constitucionalmente. A relação entre eles
46
[...] coloca-se o problema de saber se a privação do uso dos solos, ou, se preferir, a sua limitação,
constitui ou não uma mera limitação da propriedade sem qualquer relevância indemnizatória, ou, se,
pelo contrário, existe aqui uma imposição autoritária de natureza ablatória (quase-expropriativa)
merecedora de compensação. A primeira apontará inequivocadamente para a idéia de uma função
ecológica do direito de propriedade [...]”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Protecção do ambiente
e direito de propriedade: crítica de jurisprudência ambiental. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p . 86.
35
ocorre por meio da limitação que foi imposta à propriedade, que o direito de
propriedade tem a função social de garantir o meio ambiente sadio.
47
Portanto, o meio ambiente não possui limites, assim como a propriedade. Ademais,
o direito ao meio ambiente não é suscetível de apropriação por uma única pessoa.
Embora as parcelas do meio ambiente sejam passíveis de serem apropriadas, em
todo momento deve ser levada em conta a função social da propriedade que traz à
tona o a titularidade coletiva caracterizadora do meio ambiente como direito difuso.
Essas características do bem ambiental serão analisadas, mais detidamente, no
próximo capítulo.
2. O BEM AMBIENTAL E SUAS CARACTERÍSTICAS
Antes de adentrar na noção de bem ambiental e das suas características, é preciso
fazer breves considerações acerca do conceito de bem jurídico.
De uma forma geral, bem jurídico é o objeto do direito. Ele é conceituado por
Venosa como: “aquilo que tem valor, abstraindo-se da noção pecuniária do termo”
48
.
Os bens são a finalidade da atividade humana, ou seja, são o objeto almejado pelos
homens (individualmente ou coletivamente considerados). Os bens que podem ser
objeto de direito podem ser classificados em materiais ou imateriais.
49
Sobre o conceito de bem jurídico, Vicente Ráo assim diz:
47
“Concebido esse direito, de início, com um cunho individualista, ou seja, como absoluto e
imperativo na condução do relacionamento entre a pessoa e a coisa, impregnado encontra-se ora de
valores sociais, dada a longa evolução por que passou a humanidade, na qual veio a adquirir feição,
de que ora desfruta, de direito compatível com a sua função social”.
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos
reais na Constituição de 1988. In: ______ (Coord.). A propriedade e os direitos reais na constituição
de 1988. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 1-14. p. 7.
48
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil . 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. I. p. 328.
49
Segundo Vicente Ráo, um direito também pode ser objeto de outro direito. RÁO, Vicente. O direito
e a vida dos direitos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.p. 837. No mesmo sentido:
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil . 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. I. p. 329.
36
Os direitos são conferidos aos homens para que eles possam alcançar os
bens, materiais ou imateriais, convenientes ou necessários à sua
conservação e ao seu aperfeiçoamento individual e social ou à
conservação e desenvolvimento de seus semelhantes, ou da coletividade
considerada em seu todo, bens que lhe proporcionam ademais, os meios
indispensáveis à livre expansão de sua personalidade, em busca do
destino que lhes é ditado por sua própria natureza.
50
A Constituição, em seu artigo 225, prevê que “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida [...]”. Ao dizer isso, estabelece que o meio ambiente
ecologicamente equilibrado é um direito fundamental.
Todos têm o direito constitucionalmente assegurado de alcançá-lo para a
manutenção da sadia qualidade de vida. Por isso, o meio ambiente ecologicamente
equilibrado é o bem jurídico a ser perseguido pela coletividade.
2.1 CONTEÚDO DO BEM AMBIENTAL
A idéia de que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é objeto de direito em
nada esclarece, visto que falta saber quais são os seus elementos. Em outras
palavras, resta ser averiguado de que se constitui o objeto de direito a ser tutelado.
O bem ambiental é explicitado no artigo 225 da Constituição, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Verifica-se, então, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve
ser buscado pelo Poder Público e pela coletividade. Sendo assim, o meio ambiente
ecologicamente equilibrado é o objeto de direito tutelado pelo Direito Ambiental e,
portanto, corresponde ao bem ambiental.
50
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.p. 835,
grifo nosso.
37
Mas o que seria o “meio ambiente ecologicamente equilibrado assegurado
constitucionalmente? Ou, uma indagação mais básica, o que seria “meio
ambiente
51
”?
Para responder a tais questões é necessário, primeiramente, recorrer à Lei da
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) que traz, no inciso I do seu
artigo 3º, o conceito de meio ambiente:
Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I- meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em
todas as suas formas.
[...]
Pelo disposto no artigo supracitado, deduz-se que o meio ambiente é composto pelo
conjunto de relações entre componentes bióticos e abióticos essenciais a todas as
formas de vida.
Esses elementos bióticos e abióticos, ou seja, seres vivos e não vivos referem-se
aos recursos presentes na natureza, tais como “a atmosfera, as águas interiores,
51
Não obstante grande parte da doutrina criticar o termo “meio ambiente”, afirmando que a junção
dessas duas palavras leva ao pleonasmo (como por exemplo: LEITE, José Rubens Morato. Dano
ambiental: do individual ao coletivos extrapatrimonial. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003. p. 69 ; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16. ed. rev.,
ampl e atual . São Paulo: Malheiros, 2008. p. 51.), não é esse o entendimento adotado neste
trabalho. Seguem-se aqui os ensinamentos de Marcelo Abelha Rodrigues, que explica: “Porquanto as
palavras ‘meio’ e ‘ambiente’ signifiquem o entorno, aquilo que envolve, o espaço, o recinto, a verdade
é que quando os vocábulos se unem, formando a expressão ‘meio ambiente’, não vemos uma
redundância como sói dizer a maior parte da doutrina, senão porque cuida de uma entidade nova,
autônoma e diferente dos simples conceitos de meio e de ambiente. O alcance da expressão é mais
largo e mais extenso do que o de simples ambiente”. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de
direito ambiental: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 64.
Sobre a origem da expressão “meio ambiente” Mario F. Valls afirma: “El hombre está inserto y se
desarrola em um medio que lo condiciona y, a su vez, es condicionado y modificado por su accíon. El
idioma castellano no tiene todavía um término unívoco para designar esse médio condicionante y a
su vez condicionado. Tampoco lo tenían otros idiomas porque la transcedencia de tales relaciones
recién se adivirtó em la década de 1960 y el concepto todavia se está formando. Para cubrir esse
vacío la prática anglosajona adoptó el neologismo ‘environment’ derivado a su vez del verbo francês
‘environner’ (rodear o circundar) y el correspondiente sustantivo ‘environs’ (alrededores), término que
volvió al idioma francês com su grafia propia de ‘environnement’. La mayor oarte de la literatura
ambiental se difundió em idioma inglês y algo menos em francés. Cundo se pretendió expresar el
concepto em castellano no se considero suficientemente explícito el sustantivo medio’ que sugiere
simplesmente la idea de alojar, rodear o circundar; el que sugiere la idea de condicionar es
‘ambiente’. Por ello se comenzó a aglutinar ambos os sustanivos em la denominación de ‘medio
ambiente’.” VALLS, Mario Francisco. Manual de derecho ambiental. Buenos Aires: Ugerman Editor,
2001. p. 23-24
38
superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os
elementos da biosfera”.
52
Eles também são denominados de bens ambientais
53
,
componentes ambientais, recursos ambientais ou recursos naturais.
Semelhante é a orientação no direito português:
“como componentes naturais, o legislador individualizou: o ar, a luz, a
água, o solo vivo, o subsolo, a fauna e a flora (art. 6º da LBA). Tais
componentes, que podemos designar como bens, são essencialmente, os
elementos bióticos (a fauna e a flora, enquanto organismos vivos) e
abióticos (ar, água, solo e luz) que compõem os ecossistemas”.
54
Isso quer dizer que os componentes ambientais (bióticos ou abióticos) são, na
realidade, os elementos do meio ambiente que o homem tem contato quando se
relaciona com a natureza, pois são observados ou sentidos de forma concreta. Em
conjunto, eles formam o meio ambiente.
Todavia, o meio ambiente não pode ser o bem jurídico perseguido pela coletividade.
O artigo 225 da Constituição deixa claro que o meio ambiente em equilíbrio deve ser
o objeto do direito. Assim, o meio ambiente, desde que equilibrado, é o bem
ambiental.
Em síntese, o bem ambiental é o objeto a ser tutelado pelo direito ambiental.
55
Ele
corresponde ao meio ambiente ecologicamente equilibrado que deve ser perseguido
por todos, em razão de ser essencial à manutenção de todas as formas de vida. O
meio ambiente é composto pelos bens ambientais que, equilibrados, são os
elementos materiais
56
do bem ambiental.
52
Conforme o inciso V do artigo da Lei 7.804/89. São recursos ambientais “a atmosfera, as águas
interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos
da biosfera, a fauna e a flora”.
53
Na realidade, os bens ambientais aqui referidos devem ser analisados em sentido estrito”
exatamente porque diferem do conceito de bem ambiental como meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
54
SENDIM, José de Sousa Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos. Coimbra: Almedina,
2002. p. 31.
55
Sobre a autonomia do direito ambiental, ver SERRENO, José-Luis.Concepto, formación y
autonomia del derecho ambiental. In: VARELLA, Marcelo Dias; BORGES, Roxana Cardoso de B. O
novo em direito ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 33-49.
56
Como irá ser visto mais adiante neste capítulo, o bem ambiental é imaterial.
39
Ainda em relação aos componentes do bem ambiental, ponto interessante a ser
abordado refere-se aos bens que constituem o meio ambiente em seu aspecto
natural.
Segundo José Afonso da Silva, o meio ambiente possui três aspectos
57
:
I- meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído,
consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e
dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em
geral: espaço urbano aberto); II- meio ambiente cultural, integrado pelo
patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que,
embora artificial, em regra, como obra do Homem, difere do anterior (que
também é cultural) pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se
impregnou; III- meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, a
água, o ar atmosférico, a flora; enfim, pela interação dos seres vivos e seu
meio, onde se a correlação recíproca entre as espécies e as relações
destas com o ambiente físico que ocupam. É este o aspecto do meio
ambiente que a Lei 6.938, de 31.8.1981, define em seu art. 3º, quando diz
que, para fins nela previstos, entende-se por meio ambiente o conjunto de
condições, leis, influencias e interações de ordem física, química e
biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
58
Deve-se ressaltar que, na verdade, o meio ambiente é uno e, portanto, insuscetível
de divisão. Todavia, esses aspectos do meio ambiente devem ser levados em
consideração em razão da tutela jurídica. Cada um dos aspectos acima elencados é
tratado em disciplina específica, pois são amparados por um campo diferente do
direito.
Alguns autores fazem a diferenciação entre recursos naturais e recursos ambientais,
pois afirmam que os “elementos da biosfera” fazem referência ao ecossistema
humano, sendo elementos ambientais os bens culturais. Segundo eles, o meio
ambiente é composto pelos recursos ambientais naturais e culturais
59
.
Não se pode, contudo, inserir nos recursos ambientais os bens culturais.
60
Isso
porque os aspectos culturais e artificiais do meio ambiente são objeto de proteção
57
Esse autor se refere a aspectos” e não divisões do meio ambiente, pois acredita que o meio
ambiente é unitário.
58
SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2000.p. 21.
59
Nesse sentido, MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2005. p. 104-105.
60
“Por coerência à nossa exposição ao longo deste trabalho, pensamos que o ecossistema artificial
(urbano, cultural e do trabalho) faz parte do entorno globalmente considerado, mas é tratado por
40
de disciplina específica, como o direito civil, direito tributário, direito administrativo,
direito urbanístico, etc.
Além disso, deve-se levar em conta na distinção entre os bens ambientais e culturais
o valor que se visa proteger em cada um deles. Em relação aos bens ambientais, o
equilíbrio ecológico deve ser protegido. Já no tocante aos bens culturais, a qualidade
de vida é o que deve ser protegido.
Sob a visão do direito português, Sendim afirma:
Verificou-se, contudo que tais bens [culturais e ambientais], embora
pudessem ser considerados desde uma perspectiva unitária, o
substancialmente diversos, quer no que respeita ao seu objecto, quer no
que toca à ratio da sua proteção. Desde o primeiro ângulo porque, no caso
dos bens jurídicos ecológicos, o objecto de protecção é o patrimônio
natural, como conjunto dos recursos bióticos (seres vivos) e abióticos (por
ex: ar, água, terra) e a sua interação (ou seja um conjunto de sistemas
ecológicos caracterizados pela sua interdependência, capacidade de auto-
regulação e de auto-regeneração) o que não sucede com os componentes
ambientais humanos, como a paisagem e o patrimônio construído, visto
serem, essencialmente, realidades culturais. Deve notar-se, em segundo
lugar, que a opção axiológica que preside à protecção dos bens ecológicos
e dos bens culturais também é substancialmente diversa. No primeiro tipo
de bens visa-se proteger a sua capacidade funcional ecológica e a sua
capacidade de aproveitamento humano, enquanto que, no que respeita aos
bens culturais, a ratio da protecção é fundamentalmente dirigida à melhoria
da qualidade de vida.
61
Ademais, “biosfera” não quer significar ecossistema humano, ela é a plataforma em
que o homem vive e é integrada pela atmosfera, pelo ar, pela hidrosfera pela água,
pela litosfera e pelo solo.
62
Se o legislador somente tivesse mencionado a biosfera
como componente ambiental, seria o suficiente para abarcar todos os elementos
bióticos e abióticos que ele descreveu (flora, ar atmosférico, fauna, etc.).
outras disciplinas, ainda que, tal como o ambiente natural, tenham por objetivo a proteção da
qualidade de vida. Isso porque, não obstante o próprio destacamento feito pelo legislador
constitucional, existe uma diferença ontológica entre eles, que se espraia no aspecto teleológico de
sua proteção. No meio ambiente natural é ecocêntrica a sua tutela para atender a proteção de todas
as formas de vida. O meio ambiente artificial é precipuamente antropocêntrico porque prioriza a sua
preocupação com a qualidade de vida da população. Por tudo isso pensamos que os recursos
ambientais referem-se aos recursos naturais. Os bens culturais (representativos da valoração
humana), por exemplo, embora indisponíveis e igualmente difusos, seriam tutelados por disciplina
específica. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 76.
61
SENDIM, José de Sousa Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos. Coimbra: Almedina,
2002. p. 35
62
MATEO, Rámon Martín. Manual de derecho ambiental. Madrid: Trivium Editorial, 1995. p. 21.
41
Portanto, o bem ambiental é composto apenas dos recursos naturais (que equivalem
aos recursos ambientais), como por exemplo, o ar atmosférico, o mar territorial, a
fauna e a flora
63
. Desse modo, não podem ser incluídos os bens culturais e nem os
bens artificiais no conteúdo de bem ambiental. Ficará a cargo do Direito Ambiental a
tutela apenas do bem ambiental, zelando pelo equilíbrio ecológico dos seus
componentes.
Agora que se sabe qual é a conceituação de meio ambiente e que o conteúdo do
bem ambiental é o meio ambiente ecologicamente equilibrado, deve-se passar à
noção do que seja o meio ambiente ecologicamente equilibrado, que constitui o bem
ambiental.
Considerando que a proteção dos elementos bióticos e abióticos significa a proteção
ao bem ambiental, que tem como conteúdo o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, a integridade desses componentes ambientais é
necessária para garantir o direito da coletividade.
64
Se o conjunto de tais elementos serve para “permitir, abrigar e reger a vida em todas
as suas formas”
65
, logo, pode-se entender que o meio ambiente ecologicamente
equilibrado visa a proteção de todas as formas de vida.
Assim, meio ambiente ecologicamente equilibrado é o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica que o sofrem
desequilíbrio ecológico, ou seja, que não sofrem nenhum tipo de agressão.
63
Los recursos naturales pueden definirse como Todo médio de subsistencia de las gente, que
éstas obtienen directamente de la naturezaNÁJERA,.Raquel Gutiérrez. Introducción al estúdio del
derecho ambiental. México: Editorial Porrúa, 2007. p. 1..
64
Dessa forma, o legislador constituinte disse, expressamente, que o direito de todas recai sobre um
meio ambiente ecologicamente equilibrado. Portanto, esse equilíbrio ecológico, é exatamente o bem
jurídico (imaterial) que constitui objeto de direito a que alude o texto constitucional. Ora, tendo em
vista que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é formado por um conjunto de interações entre
fatores bióticos e abióticos, certamente que a proteção desse elementos justifica-se como forma de
proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado”. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de
direito ambiental: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 71.
65
Lei nº 6.938/8, inciso I, artigo 3º.
42
Em contrapartida, o dano ambiental
66
traz um abalo na estrutura dos bens
ambientais materialmente considerados, ocasionando o desequilíbrio ecológico e,
consequentemente, prejuízo ao bem ambiental.
Necessário foi delimitar o bem ambiental somente na esfera dos componentes
ambientais, excluindo qualquer outro bem do seu conteúdo. Isso porque a noção de
bem ambiental é de suma importância para a se saber qual o seu alcance do dano
ambiental e, dessa forma, promover a reparação.
Em uma visão restrita do dano ambiental, considerando apenas os bens ambientais,
ele pode ser conceituado como:
Uma perturbação do patrimônio natural enquanto conjunto dos recursos
bióticos (seres vivos) e abióticos e de sua interacção que afecte a
capacidade funcional ecológica e a capacidade de aproveitamento humano
de tais bens, tutelada pelo sistema jurídico-ambiental.
67
2.2 CARACTERÍSTICAS DO BEM AMBIENTAL
Como foi explicado no capítulo anterior, o meio ambiente, é bem de uso comum
do povo. Ele é assim visto porque o pode ter uma titularidade única, que a sua
fruição é comum, ou seja, é utilizado por todos, sem exceções, de modo que “a
quantidade usada por um indivíduo seja disponível em igual quantidade para o uso
de todos”
68
.
Chega-se a essa conclusão com base no que está escrito no artigo 225 da
Constituição. No entanto, muito antes de ser tratado como bem de uso comum pela
Carta de 1988, a Lei 6.938/81 concedia ao meio ambiente o status de “patrimônio
público” em seu inciso I, artigo 2º.
66
Ressalta-se que neste trabalho, “bem ambiental” tem o mesmo sentido que alguns autores
atribuem a “dano ecológico” (SENDIM, José de Sousa Cunhal. Responsabilidade civil por danos
ecológicos. Coimbra: Almedina, 2002, por exemplo) que significa um prejuízo causado ao meio
ambiente natural.
67
SENDIM, José de Sousa Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos. Coimbra: Almedina,
2002. p. 35.
68
SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p. 68.
43
Como assinalado, não é bem público em razão de pertencer ao Estado, mas é
público no sentido de que a toda a coletividade pode se apropriar dele, por ser res
communes omnium. Possui, assim, natureza pública.
69
Além disso, por estar assegurado constitucionalmente que o meio ambiente
ecologicamente equilibrado é direito de todos, o bem ambiental tem natureza de
direito fundamental.
Segundo Herman Benjamin,
A natureza do bem ambiental pública enquanto realiza um fim público ao
fornecer utilidade a toda coletividade – e fundamentalenquanto essencial
à sobrevivência do homem -, é uma extensão do seu núcleo finalístico
principal: a valorização, preservação, recuperação, e desenvolvimento da
fruição coletiva do meio ambiente, suporte da vida humana. Em síntese, o
zelo, como conceito integral, pela qualidade do meio-ambiente.
70
Ao fazer essas afirmações, se pode deduzir que uma das características do bem
ambiental é não ser exclusivo, pois, ao mesmo tempo que pertence a todos, não é
de ninguém. Com base nesse raciocínio, também se pode concluir que o bem
ambiental é coletivo, dado que a sua titularidade pertence à totalidade dos
indivíduos.
Como foi dito, o bem ambiental é tutelado por disciplina autônoma, o Direito
Ambiental, daí resulta uma outra característica: a autonomia.
Devido a abstrata conceituação de meio ambiente feita pelo legislador no inciso I do
artigo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
71
, diz-se que o bem
ambiental é imaterial. Isso porque no referido artigo não determinação dos bens
69
Para corroborar a natureza de bem público do bem ambiental, as indenizações referentes aos
danos ambientais serão revertidas ao Fundo da Lei 7.347/85, que será estudado na terceira parte
deste trabalho.
70
BENJAMIN, Antonio Herman V.. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).
Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 9-82.
p. 74-75.
71
A Lei 6.938/81 traz, no inciso I do seu artigo 3º, o conceito de meio ambiente: Art. 3º. Para os
fins previstos nesta Lei, entende-se por: I- meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas.[...].
44
ambientais, como por exemplo, a água, o ar, o solo, que constituem o meio
ambiente. Ao contrário de esclarecer, o texto da lei torna o conceito difícil de ser
compreendido ao dizer que o meio ambiente é o conjunto de relações de ordem
variada (física, química e biológica) visando proteger todas as formas de vida.
Nesse sentido, Mirra explica
Aspecto importante no conceito jurídico de meio ambiente, nem sempre
observado com a devida atenção pela doutrina, é o de que o meio
ambiente, nos termos da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, não é
um bem corpóreo. A Lei 6.938/81 não diz que o meio ambiente é o
conjunto de bens formado pela água, pelo ar, pelo solo, pela fauna, pela
flora, pelos ecossistemas, pelos monumentos de valor histórico-cultural, os
quais são, em sua maioria, os elementos corpóreos que compõem o meio
ambiente. Este, para o nosso direito, é um conjunto de relações e
interações que condiciona a vida em todas as suas formas. É, pois,
essencialmente incorpóreo e imaterial.
72
.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado é composto por elementos materiais
que constituem a sua base, embora seja caracterizado como um bem imaterial.
Dada a imaterialidade ou abstração do bem ambiental, ele se difere dos elementos
materiais que o constituem, tais como um rio, uma montanha, uma árvore. Esses
bens ambientais são chamados de microbens.
Apesar de o bem ambiental ser imaterial, ou seja, não é palpável, isso não quer
dizer que os elementos ambientais tenham a sua proteção diminuída. Muito pelo
contrário, a ameaça ou violação de algum deles reflete em todo o bem ambiental e a
reparação deve considerá-lo de forma geral, pois a agressão sobre um desses
elementos poderá prejudicar o equilíbrio ecológico de outro(s).
73
72
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed.
atual. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p. 13. Dentre outros autores que afirmam ser o
bem ambiental imaterial destaca-se RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental:
parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 71. PIVA, Rui
Carvalho. Bem ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 143 e ss; BENJAMIN, Antonio Herman
V.. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.). Dano ambiental: prevenção,
reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 9-82. e; LEITE, José Rubens
Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivos extrapatrimonial. 2. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.p. 82 e ss.
73
“Sendo possível vislumbrar-se tal tipo de bem como macro-realidade abstrata e distinta dos
elementos que o compõem -, dando-se lhe relevância jurídica, é factível, então, que, em caso de
ataque, busque-se uma indenização específica para aquele e não apenas para os prejuízos causados
em sua realidade corpórea proteiforme [...] O meio ambiente, como bem público (em sentido objetivo),
teria sua contrapartida: o dano público (ou difuso), independente e distinto do dano individual”.
45
Por causa da característica da imaterialidade, o meio ambiente é considerado um
macrobem e, assim sendo, ele passa por cima das barreiras que isolam a natureza
quando ela é inserida na propriedade. O bem ambiental, desse modo, é
independente da propriedade sobre os seus microbens.
O proprietário, então, deve observar os limites que são a ele impostos para garantir
a função social da propriedade e, desse modo, preservar o equilíbrio do meio
ambiente.
74
Em razão de ser um macrobem, ele ultrapassa os limites da titularidade real. Isso
que dizer que o proprietário de um determinado imóvel pode até ter o domínio sobre
a terra que possui e os microbens que nela estão presentes (obviamente, desde que
não estejam protegidos por lei), mas não tem a titularidade do meio ambiente
sozinho, mesmo que a sua propriedade faça parte do meio ambiente como um todo.
Assim, posto que os elementos materiais do bem ambiental sejam de titularidade
pública ou privada, o macrobem como um valor pertencente a todos é que irá
predominar sobre o domínio individual.
A titularidade do meio ambiente não depende da titularidade do direito real. Tanto é
verdade que, mesmo os que são desprovidos de propriedade, são titulares do meio
ambiente.
Pode-se dizer que o bem ambiental, visto na perspectiva de um bem unitário e
composto por microbens, é considerado um “valor”
75
. “Valor” este que será de todos
ao tempo em que não será de ninguém.
BENJAMIN, Antonio Herman V.. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).
Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 73.
74
L´insufficienza e inadequatezza degli schemi proprietari impongono il loro superamento. Per le
ragioni indicate tale superamento potrà realizzarsi soltanto prescindendo dalla proprietà, cioè
dissociando la titolarità del diritto all´ambiente, e le relative situazioni giuridicamente tutelate, dalla
titolarità dei beni che <<formano>> l´ambiente [...] il diritto all´ambiente si estrinseca
indipendentemente dalla presenza di um diritto di tipo patrimoniale sul bene. Mutanto l´angolo di
visuale può dirsi allora che al diritto all´ambiente corrisponde um obbligo del titolare del bene, che può
decidere della destinazione econômica e della utilizazione del bene soltanto avendo riguardo al
mantenimento delle condizioni ambientali”. PATTI, Salvatore. La tutela civile dell´ambiente. Padova:
CEDAM, 1979. p. 143-144.
46
Ainda que todos os componentes ambientais sejam apropriados, ninguém pode se
apoderar, de forma egoísta, do meio ambiente. Isso demonstra que o bem ambiental
é indivisível
76
, pois não respeita demarcações.
A indivisibilidade é a característica do bem ambiental que se relaciona com o tipo de
interesse carente de tutela. O legislador tomou a indivisibilidade como um modo de
distinguir os direitos essencialmente coletivos dos interesses acidentalmente
coletivos
77
, todos elencados no parágrafo único do artigo 81 do Código de Defesa do
Consumidor.
78
Em importante definição, Barbosa Moreira denomina direitos coletivos como
[...] interesses que não pertencem a uma pessoa, e nem mesmo a um
grupo definido de pessoas, ao contrário do que se em figuras clássicas
como a do condomínio ou da pluralidade de credores numa única
obrigação. Em vez disso, o que se depara é uma série indeterminada e,
75
A idéia de meio ambiente salubre como um “valor” da sociedade encontra-se em PATTI, Salvatore.
La tutela civile dell´ambiente. Padova: CEDAM, 1979. p. 138.
76
Tendo em vista o fato de que tais bens são de propriedade (titularidade) do povo, está ele atado em
um liame que une cada cidadão, pelo simples fato de que são “donos” do mesmo bem. Jamais será
possível identificar cada um dos componentes do povo que é titular desse bem. São bens indivisíveis
por natureza, de modo que não se admite que cada um do povo pretenda tomar para si os referidos
bens, devendo-se limitar ao seu uso comum. Daí resulta o seu caráter não exclusivo RODRIGUES,
Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005.p. 82. No direito italiano, a Corte de Cassação fez a diferenciação entre
bem coletivo divisível e indivisível. Todavia, de acordo com a conceituação de bem divisível e
indivisível no referido ordenamento, o bem ambiental é considerado divisível: “I beni collettivi
indivisibili sarebbero collegati alla formazione o alla conservazione del núcleo sociale in
considerato v. la difesa nazionale e l´ordine pubblico sicché l´interesse dei singoli alla loro tutela
non può essere che mediato e resta assorbito nell´interesse indifferenziato della colettività. I beni
collettivi divisibili sarebbero preesistenti alla formazione del nucleo organizato e passibili di godimento
diretto da parte dei singoli, sicchè solo in via riflessa diventano beni della società v. la sanità edi l
patrimônio ambientale-. Ed è rispetto a questi beni collettivi divisibili, che è stato riconosciuto dalla
Corte di Cassazione um interesse diffuso, che evidenzia <<prima che um interesse generale, uma
plurarità d´interesse individuali dello stesso contenuto, relativi alla fruizione di uma utilità
determinata>> e che come tale <<non esclude le posizioni d´interesse legittimo e di diritto
soggetivo>>, che sono quindi azionabili nelle rispettive sedi giudizioarie.” PUNZI, Carmine. La tutela
giudiziale degli interessi diffusi e degli interessi colletivvi. Rivista di diritto processuale, ano LVII, n. 3,
p. 647-675. 2002. p. 657.
77
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos. In:
______. Temas de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 193-206. p. 197.
78
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em
juízo individualmente, ou a título coletivo.Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se
tratar de:I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste digo, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato;II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;III - interesses ou
direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
47
ao menos do ponto de vista prático, indeterminável de interessados, sem
que se possa discernir, sequer idealmente, onde acaba a ‘quota’ de um e
começa a de outro. A comunhão é indivisível; entre os destinos dos
interessados, por força das mais variadas circunstancias, instaura-se uma
união tão firma que a satisfação de um só implica de modo necessário a
satisfação de todos; e, reciprocamente, a lesão de um constitui, ipso
facto, lesão da inteira coletividade.
79
Por ser indivisível, o meio ambiente equilibrado é um bem difuso
80
. Conforme
estabelecido no artigo 225 da Constituição, o meio ambiente ecologicamente
equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida de todos. Isso quer dizer que a
titularidade do bem ambiental é coletiva. Em razão de sua titularidade ser de cunho
indeterminável e abstrato, que rechaça qualquer tipo de apropriação individual, o
bem ambiental é considerado difuso.
É impossível realizar a individualização de todos os titulares do bem ambiental
porque além das gerações presentes, as gerações futuras também possuem o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Importa mencionar que se
deve levar em conta o fato de essa peculiaridade do bem ambiental, de pertencer às
próximas gerações, no momento da compensação ecológica do dano ambiental,
assunto que será visto na próxima parte deste trabalho.
A indivisibilidade do bem ambiental é característica essencial dos interesses difusos
e coletivos. Por essa razão, ela se torna um critério para a determinação do núcleo
mínimo do interesse público, na tentativa de levar a justiça distributiva para o caso
concreto.
Com o avanço da civilização e o aguçamento progressivo da sensibilidade social,
observa-se o aparecimento de novos direitos que antes eram desconhecidos ou
negligenciados
81
. Dentre os direitos ou interesses que foram sendo paulatinamente
exigidos, estão os interesses difusos que pertencem a uma indeterminável
quantidade de titulares.
82
79
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A proteção jurídica dos interesses coletivos. In: ______. Temas
de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 173-182. p. 174.
80
Art. 81, p. único do CDC.
81
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A proteção jurídica dos interesses coletivos. In: ______. Temas
de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 173-182. p. 174.
82
“In poco tempo, divenne chiara la dimensione social edi tale interessi. Srogeva uma nuova
categoria política e giuridica, estranea all´interesse público e a quello privato [...] gli interessi sociali
48
Nesse ínterim, o Estado foi obrigado a sair de uma concepção individualista liberal
que o permeava e, na condição de Estado Social, passar a atender o interesse
público
83
relativamente a esses novos interesses da coletividade.
O interesse público difere do interesse particular, pois neste o Estado tenta conciliar
os interesses entre pessoas ou grupos bem definidos. Atuando sobre o interesse
público, o Estado decide entre interesses da sociedade, que pertencem à
coletividade na condição de sujeitos indeterminados ou indetermináveis.
É o interesse público que irá orientar as decisões discricionárias tomadas pelo Poder
Público para a escolha entre diversos interesses antagônicos para a aplicação de
recursos públicos. No entanto, como o conceito de interesse público tende a ser
demasiadamente abstrato, a decisão estatal deve ser orientada por algum critério
que servirá para definir o conteúdo desse interesse que permita conciliar os
interesses dos indivíduos e dos grupos com os da coletividade
.
84
Em relação ao meio ambiente, o critério para se alcançar a justiça na aplicação das
políticas públicas é a indivisibilidade do bem ambiental.
Essa indivisibilidade traduz um critério de justica distributiva, segundo o
qual aqueles bens necessários à sobrevivência e desenvolvimento da
coletividade são alocados a todo e qualquer de seus membros, na
sono comuni a um insieme di persone, e soltano a queste”.GRINOVER, Ada Pellegrini. Significato
sociale político e giuridico della tutela degli interessi diffusi. In: Rivista de dirito processuale, ano LIV,
n. 1. p. 17-24, 1999.p. 17.
83
Interesse público pode ser considerado o gênero que engloba o interesse difuso. “O primeiro seria
o interesse público propriamente dito, pertencente ao povo, e que o Estado (como ente
representativo) encarrega-se de promover e efetivar. O segundo (secundário) diz respeito ao
interesse privado do Estado que possui enquanto pessoa jurídica de direito público capaz de ter
direitos e obrigações como os demais sujeitos de direito. Obviamente que jamais se poderia pensar
na hipótese de os Estado atender a seus interesses secundários em detrimento ou contrariamente
aos interesses primários, que estes que ditam e governam a sua função. Apenas quando não
colidir com os interesses primários é que o Estado deve exercer o interesse secundário, sob pena de
subverter o sistema”. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2.
ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 46.
84
SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p. 68. Devido à indeterminação de seu conceito por depender da análise de cada
caso concreto, o interesse público deve ser sempre motivado pela Administração Pública. Nesse
sentido, CARDOSO, André Guskow. A noção de interesse público e o exercício da competência
discricionária. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curititba, 13, mar. 2008, disponível
em <http://www.justen.com.br/informativo>. Acesso em 15/04/2008.
49
permitindo, portanto, qualquer utilização (ou apropriação) excludente, isto
é, que impeça o pleno uso por outros de seus membros
.
85
Assim, leva-se em conta a característica da indivisibilidade do bem ambiental para
ajudar na determinação de qual será o interesse público no caso concreto.
Pelo que foi até agora explicado, o bem ambiental é um macrobem público que
possui titularidade difusa e tem como características a não exclusividade, a
coletividade, a autonomia, a imaterialidade e a indivisibilidade.
86
Se o bem ambiental é um objeto de direito, isto é, um bem jurídico imaterial
(conforme exposto neste item) a ser buscado por todos, à coletividade deve ser
dada condições para que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
seja tutelado. A constitucionalização é um importante passo para a efetivação da
tutela desse direito.
3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE
foi dito no decorrer deste trabalho que o meio ambiente ecologicamente
equilibrado é um direito de todos assegurado constitucionalmente. O que não foi
explicado até agora é como o direito ao meio ambiente sadio alcançou o patamar de
direito fundamental. É exatamente isso que será visto a seguir.
3.1 DIMENSÕES
87
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
85
SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p. 69
86
Tais características serão de grande importância para a terceira parte desta obra quando se tratará
sobre a reparação do dano ambiental sob a forma de ressarcimento em pecúnia.
87
Neste trabalho, não será utilizada a expressão “geração dos direitos fundamentais”, e sim
“dimensões dos direitos fundamentais”. Isso porque tem se entendido na doutrina que o termo
“gerações” a errônea idéia de que os direitos fundamentais são categorias estanques presentes
somente na época em que são reconhecidos, ocasionando assim a substituição de uma geração por
outra. Ao passo que o vocábulo “dimensão” sugere uma complementariedade e acumulação de todos
os direitos fundamentais anteriores. Nesse sentido, dentre outros: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia
dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 54,
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992.
50
Primeiramente deve ser dito que o se pretende exaurir o tema. Aliás, diante da
complexidade do que será explanado, deve ser até de fácil percepção pelo leitor que
seria quase impossível, em poucas páginas, tratar de modo completo acerca do
assunto.
Intenta-se, nesta sede, apenas fazer breves considerações sobre a evolução dos
direitos fundamentais. Sabe-se que não se cuida de tema em que existe uma
linearidade, no entanto, a ilusão de uma linha no tempo é necessária para fins
didáticos.
Discorrer acerca da evolução dos direitos humanos é, conseqüentemente,
acompanhar a história
88
das transformações dos Estados. É que se encontram os
meios pelos quais os direitos humanos foram adquirindo amplitude e diversidade.
A economia, a política e a filosofia têm importante papel no desenrolar da história
para se aferir a paulatina afirmação dos direitos humanos e sua tutela nos
ordenamentos jurídicos.
Antes de iniciar a exposição, é preciso fazer uma diferenciação entre o significado
das expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais”.
A nomenclatura utilizada para se definir aqueles direitos pertencentes ao homem
será alternada entre “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, dependendo do
contexto e sua significação.
89
É preciso, inicialmente, diferenciar ambos. Ao usar o termo “direitos humanos”
intenta-se expor os direitos que são inerentes ao indivíduo. Essa terminologia tem
uma visão puramente subjetiva, pois não leva em consideração as normas
constantes no ordenamento jurídico que positivam tais direitos.
88
Os direitos fundamentais são direitos históricos, pois surgiram e surgirão, em um processo gradual,
conforme as necessidades sociais. Nessa linha de pensamento: BOBBIO, Norberto. A era dos
direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 25 e MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba (Coord.). História
de los derechos fundamentales. Madrid: Dykinson, 2003. p. 2.
89
Segundo aproximação lingüística utilizada por MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de
derechos fundamentales: teoria general. Madrid: Universidade Carlos III de Madrid, 1999. p. 24-38.
51
No que tange à expressão “direitos fundamentais”, acentua-se que o significado
pode referir-se: à moralidade de uma idéia que se relaciona com a dignidade
humana e a um direito subjetivo protegido por uma norma jurídica. Desse modo, os
“direitos fundamentais” retratam tanto à moralidade, quanto à juridicidade.
Nesse mesmo sentido, Sarlet afirma
a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de
direito internacional, por referir-se àquela posições jurídicas que se
reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua
vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram
à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que
revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). [Em relação
aos direitos fundamentais, eles] são direitos reconhecidos, outorgados e
protegidos pela constituição de cada Estado.
90
Feitas essas diferenciações, dá-se continuidade explanação.
A história dos direitos do homem se inicia com direitos fundamentais, em sua face
moral, visto que ainda não estavam positivados em um ordenamento jurídico.
Somente com o trânsito da Idade Média para a modernidade que aparece a filosofia
dos direitos fundamentais, embora a noção de dignidade humana estivesse há muito
tempo presente. Os direitos fundamentais apenas se consolidarão no século XVIII,
em que se observa o final da passagem do sistema feudal para o Estado moderno.
Essa mudança de paradigma não gerou uma total ruptura com as instituições
passadas para o início de uma nova fase totalmente diferente e, nem mesmo, uma
continuidade de fases, em que os institutos eram comuns a ambas. O que realmente
aconteceu foi um entrecruzamento no tempo entre esses dois momentos, ou seja,
houve um trânsito para a modernidade.
91
90
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 36. Da mesma forma, pensa CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992. também a expressão “direitos do
homem” que são direitos de cunho jusnaturalista já positivados ou ainda não.
91
MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba (Coord.). História de los derechos fundamentales. Madrid:
Dykinson, 2003. p. 16-17. Para Canotilho, a defesa da liberdade religiosa não era bem um direito
fundamental, mas apenas uma idéia de tolerância religiosa diferentemente “da concepção da
liberdade de religião e crença como direito inalienável do homem, tal como veio a ser proclamado nos
modernos documentos constitucionais”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5.
ed. Coimbra: Almedina, 1992. p. 383
52
Com essa transmudação ao Estado Moderno, os direitos pertencentes ao homem
começaram a ser constitucionalizados e protegidos. Pode-se afirmar que o primeiro
dos direitos fundamentais a se fazer presente, talvez por ter sido necessário à
economia da época, foi o direito à liberdade de religião.
Em concreto, la Reforma protestante, con la ruptura de la unidad religiosa,
generará el pluralismo religioso y la necessidade de uma fórmula jurídica
que evitase las guerras que ensangrentaban a Europa por motivos
religiosos. La tolerancia, precursosra de la liberdad religiosa, será el primer
derecho fundamental que se formula com caráter moderno.
92
Esse direito foi necessário quando a Igreja Católica, tida como religião oficial do
Estado, por estar atrelada ao poder político, impedia a burguesia nascente de auferir
lucros, condenando suas atitudes de avareza.
Nesse momento, tornou-se necessária
[...] a exigência de uma liberdade de consciência contra toda forma de
imposição de uma crença (imposições freqüentemente seguidas de sanções
não espirituais, as também temporais);e [...] a demanda de liberdades
civis contra toda forma de despotismo.
93
Assim, a liberdade religiosa favoreceu e fortaleceu a burguesia em ascensão para
conseguir cada vez mais acumular capital e se tornar detentora do poder político.
Como já foi dito, não houve uma passagem radical da Idade Média ao Estado
moderno. Conforme se observa, o que existiu foi uma lenta e gradual assimilação de
alguns institutos medievais e a modificação de outros.
Assim, as cidades medievais se desenvolveram em razão das atividades produtivas
e do intenso comércio e destacaram-se de forma autônoma, obviamente contra a
vontade dos senhores e da Igreja.
92
Em concreto, a Reforma protestante, com a ruptura da unidade religiosa, gerará o pluralismo
religioso e a necessidade de uma fórmula jurídica que evitasse as guerras que ensangüentavam a
Europa por motivos religiosos. A tolerância, precursora da liberdade religiosa, será o primeiro direito
fundamental que se formula com caráter moderno”. MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba (Coord.).
História de los derechos fundamentales. Madrid: Dykinson, 2003.p. 22.
93
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 74.
53
Elas se organizaram em forma de corporações, voltadas sempre à necessidade do
comércio em cada região que estabeleciam direitos a todos os indivíduos a elas
filiados.
O comércio foi se expandindo e o meio feudal e a cidade não mais era suficiente. Foi
preciso ultrapassar territorialmente as cidades para comercializar. Dessa maneira, se
tornou indispensável, maiores estruturas de governo para regular tais relações
comerciais e as cidades começaram a fazer coligações.
Devido à complexidade do desenvolvimento das cidades, elas não poderiam ficar
atreladas às estruturas de governo existentes e esperar dos governantes à defesa
de seus interesses. Houve a necessidade da criação de novas estruturas, para
participar da condução do governo. Então, criou-se as chamadas cortes.
Assim, entre o sistema feudal de governo e o Estado absolutista, houve um tipo de
governo intermediário chamado de Ständestaat
94
que significa comunidade política
de estados ou cortes. Nesse momento, as cortes eram formadas com o intuito de
enfrentar ou colaborar com o governante.
Esse tipo de Estado, na condição de uma nova organização do poder político, sofria
influencia direta das cortes ou assembléias composta pela população, no entanto,
somente parte dela era realmente ouvida, a que detinha o poder econômico, ou seja,
os comerciantes ou artesãos.
A passagem da Idade Média ao Estado Absolutista não contribuiu em nada para a
aparição dos direitos fundamentais
95
. Em relação à filosofia dos direitos
fundamentais, a importância desse tipo de Estado está em que, somente com ele
que houve a real criação de um Estado como uma organização política centralizada.
94
Nesse sentido, POGGI, Gianfranco. A evolução do estado moderno: uma evolução sociológica. Rio
de Janeiro: Zahar, 1981. p. 49.
95
Canotilho lembra que a Magna Charta, apesar de não se tratar de uma manifestação acerca da
idéia de direitos fundamentais, era “uma afirmação de direitos corporativos da aristocracia feudal em
face do seu suserano” que fornecia “já <<aberturas>> para a transformação dos direitos corporativos
em direitos do homem”.CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra:
Almedina, 1992. p. 382-383.
54
Essa centralização foi herdada pelo Estado Liberal e, por causa dela, foi possível a
declaração dos direitos do homem.
Bonavides discorre a respeito do trânsito do Estado liberal ao Estado social sempre
com vistas à idéia da liberdade e de como esse conceito se desenvolveu ao logo dos
Estados. Segundo ele, a liberdade não existia no Estado absolutista, pois “o Estado
e a soberania implicavam antítese, restringiam a liberdade primitiva”.
96
Não obstante o Estado absolutista não propiciar um espaço à proteção dos direitos
fundamentais, a passagem da Idade Média a esse tipo de Estado foi necessária
para o fortalecimento da burguesia, que necessitava de uma centralização política e
segurança para suas relações comerciais.
Nesse sentido, é o que afirma Martínez
La nueva clase ascendente, la burguesia, cuyo poder se acrecienta y se
consolida em el tránsito a la modernidad, necesitará, trás el
derrumbamiento de las estructuras políticas medievales, o simplemente
ante su ineficácia, primeiro el orden, la seguridad. Así se consolida em el
mundo moderno la idéia de que la primeira función de todo poder político y
de todo sistema jurídico es la organización pacífica de la convivência. Sin
ella no hay sistema econômico possible y la burguesia ascendente
necessitaba esa convivencia ordenada para el progresso de sus
negocios.
97
A burguesia era uma classe que se destacava das demais, pois não era confundida
nem com a nobreza e nem com o artesão da Idade Média. Ela teve no mercantilismo
idéia de que quanto mais um país acumula riquezas, mais rico é seu
fortalecimento com a ajuda dos governantes e, mais tarde, utilizaria toda a sua
riqueza para tentar tomar o poder político.
Esse mesmo Estado que propiciou o aumento da força econômica da classe
burguesa, apoiando-a nas descobertas marítimas e favorecendo seu comércio além
96
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 40.
97
“A nova classe ascendente, a burguesia, cujo poder se acrescenta e se consolida no trânsito à
modernidade , necessitará, derrubar as estruturas medievais, ou simplesmente diante de sua
ineficácia, primeiro a ordem, a segurança. Assim, se consolida no mundo moderno a idéia de que a
primeira função de todo o poder político e de todo o sistema jurídico é a organização pacífica da
convivência. Sem ela não sistema econômico possível e a burguesia ascendente necessitava
dessa convivência ordenada para o progresso de seus negócios”. MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba
(Coord.). História de los derechos fundamentales. Madrid: Dykinson, 2003. p. 39.
55
mar com a centralização política, fora tido como um opressor das liberdades no
momento em que o que essa classe mais queria era assumir o poder. Desse modo
houve uma inversão de pensamento da burguesia.
Foi assim, na idéia de que o Estado Absolutista restringia a liberdade dos indivíduos
com poder absoluto e divino que deu margem ao surgimento do Estado Liberal, o
primeiro Estado de Direito.
A burguesia, como nova classe social, sofria com as limitações do Estado
Absolutista aos direitos fundamentais, que não favorecia aos seus interesses.
Com base em pensadores liberais como Locke, Montesquieu e Kant, a burguesia se
apegava mais à noção de que a liberdade dos homens devia ser protegida.
O pensamento de Kant teve influencia das idéias do pacto social de Rousseau em
que os homens entregavam sua liberdade ao Estado - assinalava que o Estado tinha
como função resguardar a liberdade dos homens e daí provinha a sua idéia do
conceito de Direito.
Locke e Montesquieu defendiam a separação de poderes em três: Executivo,
Judiciário e Legislativo, com o intuito de dissipar o poder nas mãos de uma única
pessoa, o que levaria (e levou nos Estados Absolutistas) ao autoritarismo.
Locke tinha uma visão mais teórica do que Montesquieu. Para ele, os poderes eram
limitados pelo consentimento, pelo direito natural e pela virtude dos governantes. Em
Montesquieu, por sua vez os poderes eram limitados por freios e contrapesos.
O princípio da separação de poderes teve como objetivo propiciar a superação
Estado absolutista, foi um pilar da revolução burguesa. No entanto, este postulado,
ainda existente, não pode servir de justificativa para a noção de Estado Democrático
que vivenciamos.
98
98
Vivia-se uma época de revolta, em que a ideologia amadurecera para as formas de concretização
social imediata. Precisava-se sepultar nos espíritos a Idade média, o corporativismo, a feudalidade e
seus privilégios, o absolutismo do rei e sua contradição com a liberdade moderna. Diluía-se o
organicismo social de outros tempos nas vastas antíteses que haveriam de emprestar feição
mecanicista à sociedade e reduzir o corpo social a uma poeira de átomos, refletida nos exageros da
56
A burguesia vitoriosa utilizava esse princípio para assumir todas as esferas o poder.
A defesa de que a liberdade servia para todos os cidadãos serviu o somente para
elevá-la ao controle da liberdade.
Após assumir o poder, a liberdade era meramente formal, pois a liberdade era usada
em seu benefício quase que exclusivamente.
Nas palavras de Bonavides,
Como se vê, o título de representação da liberdade fora usurpado pela
burguesia. Em verdade, o que ela representava era uma liberdade de
cunho político, que se compadecia harmoniosamente com os seus
interesses de classe social preponderante e com a ordem de relações
econômicas que sustentava, com força vanguardeira a Revolução
Francesa
.
99
Embora tenha sido de extrema importância na época do Renascimento, ao dar
suporte às idéias iluministas, esse princípio não pode se justificar no Estado Social.
Sua implementação foi útil aos revolucionários, na medida que dissipava os poderes
estatais. No entanto, ele também limitava o Estado.
Em um primeiro momento, essa teoria valeu ao Estado Liberal, visto que a
ampliação dos poderes que os particulares detinham longe da alçada estatal foi
característica dos direitos de igualdade.
Iniciou-se, então, um lento processo de evolução que vinha desde a Idade Média e
culminou na tomada do poder político pela burguesia, visto que esta detinha o
poder econômico. Destarte, “a falta de liberdade política da burguesia constituirá um
dos incentivos principais a favor da luta pelos direitos do homem”
100
.
teoria individualista. As idéias da Reforma e da Renascença, reinterpretando a Antiguidade clássica
em desacordo com Aristóteles e Platão, para fundar no direito natural laicizado, as bases políticas do
Estado liberal-democrático, alcançavam agora sua projeção indisputável sobre a consciência política
de todo um século. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. rev. e aum. São
Paulo: Malheiros, 2004. p. 66.
99
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. rev. e aum. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 67.
100
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992. p.
384.
57
A burguesia, assim, tomada por uma vontade de se elevar ao poder político, em
busca de estabelecer liberdades negativas do Estado, desencadeou a Revolução
Francesa. Essa classe queria a liberdade como o direito de decidir sobre o próprio
destino, capaz de legislar para si mesmo “como antítese de toda forma de poder
paterno ou patriarcal, que caracterizara os governos despóticos tradicionais”.
101
Foi com a Revolução Francesa, que a burguesia finalmente assumiu o poder e,
enfim, ditou as suas regras em total oposição à aristocracia. Após a Revolução
Francesa, a burguesia vitoriosa lavrou a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão.
Essa Declaração tinha inspiração jusnaturalista, pois reconhecia ao ser humano
direitos inatos ao homem, ou seja, direitos naturais, inalienáveis, invioláveis,
imprescritíveis pertencentes a todas as classes sociais. Isso gerou um entusiasmo
do povo em razão de ter condições para elaborar uma Constituição que ele
entendesse que fosse o bem de todos.
102
A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão representou:
[...] a manifestação da única prova através do qual um sistema de valores
pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido: e
essa prova é o consenso geral acerca da sua validade. (BOBBIO, 1992, p.
26).
Foi a mais ampla declaração destinada ao gênero humano. Pela primeira vez, um
sistema de princípios reguladores da conduta humana foi livre e expressamente
aceito por quase todos os cidadãos da Terra. Elaboraram um sistema em que a
humanidade partilha valores em comum, de modo a alcançar uma universalidade
inigualável.
No dizer de Bonavides:
A vinculação essencial dos direitos à liberdade e à dignidade humana,
enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirá sem óbices ao
101
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 100.
102
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2007.p. 52 e BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004. p. 100.
58
significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da
pessoa humana.
103
Não obstante ao enaltecimento dessa declaração e, com razão, visto representar um
conjunto de valores inestimável aos indivíduos, ela não foi colocada em prática. Era
composta por desejos, visto que havia uma enorme distancia entre os princípios da
declaração e a sua realização prática.
104
A burguesia, dona do poder estatal, elaborou tais direitos existentes apenas na
teoria. A real intenção dessa classe era poder controlar os poderes do Estado,
limitando-o para realizar seus interesses.
Tolher o Estado, segundo a teoria de Montesquieu, era a melhor solução, apesar de
beneficiar apenas a ela. Sua intenção era proteger as liberdades do indivíduo.
Importante assinalar que nesse momento começou a primeira etapa da Revolução
Francesa no tocante aos direitos fundamentais, qual seja, a fase da proteção aos
direitos de liberdade, um dos lemas dessa revolução. Instaura-se a primeira
dimensão dos direitos do homem: os direitos de primeira dimensão que
[...] têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como
faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu
traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição
perante o Estado.
105
Bonavides entende que a burguesia usava o seu poder político somente em seu
próprio benefício, pois os direitos que proclamara eram apenas teóricos quanto à
validade para toda a comunidade
106
.
Entretanto, essa visão não é unânime na doutrina. Em contrapartida, Martinez
defende que não se pode generalizar tal expressão, visto que existiam também
direitos que abrangiam todas as classes. Nas palavras do autor:
103
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. rev. e aum. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 562.
104
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constituición. 9. ed.
Madrid: Editorial Tecnos, 2005. p. 248.
105
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. rev. e aum. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 564.
106
BONAVIDES, Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 44
59
A través de los derechos fundamentales se construirá jurídicamente la
fundamentación del derecho de propiedad privada, y se superarán las
trabas que los restos de la organización medieval de la industria y de
comercio mantenían, a través de la liberdad de industria y comercio. Estos
derechos responderán directamente a los interesses de la burguesia. Pero
otros – liberdad de expresión, garantias processales – no nacerán tan
vinculados a los interesses de la clase burguesa. Responderán más bien a
la necessidad de superar el absolutismo del Estado Moderno.
107
Não obstante ser um Estado que primava pela liberdade, não se pode negar que um
importantíssimo direito não foi concedido a todos, qual seja, o sufrágio universal.
Dessa maneira, o Estado Liberal tutelava as liberdades, mas não o princípio
democrático. A Revolução Francesa não trouxe democracia, apenas inovou com
idéias do liberalismo.
108
Da liberdade do homem perante o Estado, na idade do liberalismo, avança-se para a
idéia mais democrática de participação total e indiscriminada desse mesmo Homem
na formação da vontade estatal. Do princípio liberal chega-se ao princípio
democrático.
109
O princípio democrático expressado na idéia de soberania popular condiciona a
legitimação constitucional do poder à participação política dos cidadãos em relação
aos seus direitos fundamentais e ao reconhecimento do pluralismo de iniciativas e
alternativas sociais. Além disso, representa uma forma de realização do processo
político e uma forma de limitação do poder estatal
110
.
Assim, houve uma mudança de perspectiva. O Estado Liberal não tem mais sentido,
pois o Estado não pode ser limitado para atender os interesses dos titulares. Embora
107
“Através dos direitos fundamentais se construirá juridicamente a fundamentação do direito de
propriedade privada, e se superam as travas que os resquícios da organização medieval, da indústria
e do comercio mantinham, através da liberdade de industria e de comércio. Estes direitos
responderão diretamente aos interesses da burguesia. Porém outros – liberdade de expressão,
garantias processuais não nascerão tão vinculados aos interesses da classe burguesa.
Responderão melhor a necessidade de superar o absolutismo do Estado Moderno”. MARTÍNEZ,
Gregório Peces-Barba (Coord.). História de los derechos fundamentales. Madrid: Dykinson, 2003. p.
34.
108
Paulo Bonavides faz a distinção entre liberalismo e democracia, pois apesar de parecidos, não
andam juntos. BONAVIDES, Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 52.
109
BONAVIDES, Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 43.
110
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constituición. 9. ed.
Madrid: Editorial Tecnos, 2005. p. 207.
60
haja a separação de poderes, o Executivo deve ser mais atuante com o objetivo de
assegurar ativamente esses novos direitos. Daí porque são chamados de direitos
positivos, que precisam de uma ação positiva estatal. Desse modo, houve a
passagem do Estado Liberal ao Estado Social.
São direitos de prestação, incluídos nas categorias igualdade e fraternidade,
também chamados de direitos de segunda e terceira dimensão. São
[...] direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos
ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas
de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da
reflexão antiliberal do culo XX. Nasceram abraçados ao princípio da
igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a
desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula.
111
Em relação aos direitos de segunda dimensão, sabe-se que a sua origem encontra-
se no desenvolvimento industrial e nas mudanças econômicas ocorridas entre a
segunda metade do século XIX e o início do século XX.
Apoiaram-se nas correntes socialistas, anarquistas e reformistas, na doutrina social
da Igreja Católica e nas Constituições Francesa de 1783 e 1848, Alemã de 1849,
Mexicana de 1917, Espanhola de 1931 e Brasileira de 1934.
Direitos de igualdade (ou de segunda dimensão) são os direitos de econômicos,
sociais e culturais. Eles buscam a intervenção direta do Estado para que este
outorgue ao indivíduo direitos a prestações sociais, tais como: assistência, social,
saúde e trabalho. Como afirmou Sarlet “não se cuidam mais de liberdade do e
perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado”.
112
Nesse sentido, Wolkmer e Leite afirmam que estes direitos “[...] não são contra o
Estado mas ensejam sua garantia e concessão a todos os indivíduos por parte do
111
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. rev. e aum. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 564.
112
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 57.
61
poder público [...]”
113
e por isso, são considerados direitos de alcance positivo.
Entretanto, assim como nos direitos de primeira dimensão, o titular é o homem em
sua individualidade.
A partir da década de 60, começou a surgir uma nova categoria de direitos
humanos: os direitos de terceira dimensão, também chamados de direitos de
fraternidade ou de solidariedade.
Diante das desigualdades sociais e econômicas, impactos tecnológicos, sociedades
multinacionais e grandes monopólios típicos do capitalismo, proteger somente o
homem, na sua individualidade, como titular de direitos, não era mais suficiente. Um
novo titular dos direitos fundamentais apareceu: a coletividade.
Nesse momento, o Estado modificou o enfoque dado às relações sociais, visto que
passa a proteger não somente o indivíduo abstrato, mas também os indivíduos
indeterminados ou indetermináveis, pois percebe que não poderia ignorar relações
sociais que não se enquadrassem no modelo individualista e que geravam conflitos
sem solução.
Para tanto, “[...] surgiu a necessidade de se prestar atenção não mais no dado da
titularidade do direito, mas nos próprios interesses em discussão e sua relevância
social, para encontrar uma maneira de tutelá-los [...]”
114
.
Contrapondo-se aos direitos de liberdade, os direitos aqui tratados necessitam da
ampliação da tutela estatal, por meio do ingresso no rol das atribuições da
Administração o dever de interferir na sociedade.
El Estado social de Derecho implica también la superación del caracter
negativo de los derechos fundamentales que dejan, de este modo, de ser
considerados como uns autolimitación del poder soberano del Estado para
devenir limites que el principio democrático de la soberania popular impone
a los órganos que de ella dependen.
115
113
WOLKMER, Antônio Carlos (Org.); LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os “novos” direitos no
Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003.p. 8.
114
WEIS, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999.p. 126.
115
O Estado social de Direito implica também na superação do caráter negativo dos direitos
fundamentais que deixam, deste modo, de ser considerados como uma auto limitação do poder
soberano do Estado para alterar os limites que o princípio democrático da soberania popular impõe
62
Esses direitos “pressupõem o dever de colaboração de todos os estados e não
apenas o actuar activo de cada um e transportam uma dimensão colectiva
justificadora de um outro nome dos direitos em causa: direitos dos povos.”
116
São o resultado da reflexão sobre temas relacionados aos direitos ao meio
ambiente, à paz, de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e de
comunicação, devido do surgimento da “sociedade de massa”
117
[...] em que a maioria das relações econômicas e políticas é marcada pelo
desaparecimento da individualidade do ser humano, diante da padronização
dos comportamentos e das regras correspondentes. Na realidade, a relação
não mais se estabelece com o indivíduo, mas com grupos mais ou menos
imprecisos de pessoas todas unidas por se encontrarem na mesma
situação jurídica ou fática
118
.
Tais direitos superaram o modelo individualista do processo em que havia somente
particulares nas relações jurídicas. No novo sistema de interesses estão os difusos e
coletivos, em que as relações jurídicas têm como um dos los seres humanos
agregados em um grupo indeterminável de indivíduos ou categoria, grupo ou classe
social.
Nesse sentido, Cappelletti leciona
[...] uma quantità crescente, per numero e per importanza, di rapporti e di
attività, coinvolgono non singoli soggetti soltanto, isoladamente presi, ma
grupi, classi, categorie intere. Interessi tipici di questo mondo nuovo, come
quelli alla salute e all´ambiente naturale, hanno carattere <<difuso>>,
<<collettivo>>, poiché non appartengono a singoli individui in quanto tali ma
alla collettività. La tutela contro la loro violazione, assume caratteristiche del
tutto particolari ed un´importanza ignota finora nella storia dell civilità e del
diritto.
119
Destarte, é indispensável apontar a distinção entre os direitos coletivos e difusos.
aos órgãos que dela dependem”. LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de
derecho y constituición. 9. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2005. p. 234.
116
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992. p.
386.
117
O termo “sociedade de massa” foi dito, pela primeira vez, por Cappelletti.
118
WEIS, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999.p. 125.
119
CAPPELLETTI, Mauro. Appunti sulla tutela giurisdizionale degli interessi collettivi o diffusi. In: Le
Azioni a tutela di interessi collettivi : atti del Convegno di studio. Padova : CEDAM, 1976. p. 191-222.
p. 192.
63
Nos interesses coletivos, o conjunto de pessoas é identificado por uma relação
jurídica de base, entre si ou em face da parte contrária. nos direitos difusos o
conjunto humano não apresenta contornos nítidos, visto que a união entre eles é
mera circunstância factual. Assim, a diferença nuclear entre esses interesses está
no critério subjetivo.
120
Desse modo, conforme os ensinamentos de Wolkmer e Leite:
[...] os direitos difusos centram-se em realidades fáticas, genéricas,
contingentes, acidentais e mutáveis que engendram satisfação comum a
todos (pessoas anônimas envolvidas mas que gastam produtos similares,
moram na mesma localidade etc.) enquanto os direitos coletivos envolvem
interesses comuns no interior de organizações sociais, de sindicatos, de
associações profissionais, etc.
121
Assim, a partir de uma concepção individualista da sociedade nasce uma visão
orgânica, em que os direitos do “todo” são protegidos pelo Estado, com base no
princípio democrático. Como afirma Bobbio,
[...] da concepção individualista da sociedade, nasce a democracia
moderna (a democracia no sentido do homem moderno da palavra), que
deve ser entendida não como faziam os antigos, isto é, como o ‘poder do
povo’, e sim como o poder dos indivíduos tomados um a um, de todos os
indivíduos que compõe uma sociedade regida por algumas regras
essenciais, entre as quais uma fundamental, a que atribui a cada um do
mesmo modo como a todos os outros, o direito de participar livremente na
tomada das decisões coletivas, ou seja, das decisões que obrigam toda a
coletividade.
122
Em razão da idéia de proteção da coletividade, ou seja, dos cidadãos como um
“todo”, chegou ao momento de o princípio democrático ser inserido no Estado Social
de Direito. Não houve uma mudança de Estado propriamente dita, visto que existe
íntima relação do Estado Social com o referido princípio.
123
120
Sobre o tema ver MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação popular no direito brasileiro como
instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos”. In: ______. Temas de direito
processual: primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 110-123. p. 112-113.
121
WOLKMER, Antônio Carlos (Org.); LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os “novos direitos no
Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 10.
122
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 129.
123
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constituición. 9. ed.
Madrid: Editorial Tecnos, 2005. p. 235.
64
É por meio do princípio democrático que os titulares dos direitos de terceira
dimensão conseguem alcançar seus objetivos realizando de pressões que incidem
no Estado e direciona-o ao seu favor. Nesse sentido,
Essas mesmas coalizões ou organizações representam e mobilizam
interesses de tal amplitude que se tornam capazes de empenhar vários
órgãos estatais num característico jogo de política de ‘pressão’ ou de
‘interesse’, realizado à margem do domínio público e sem a medição do
parlamento.
124
Em relação ao meio ambiente, assunto que interessa diretamente o presente
trabalho, a aceleração do desenvolvimento econômico após Segunda Guerra
Mundial necessitou de recursos naturais que, antes considerados ilimitados, foram
se esgotando de forma notória. Prevendo o pior em meio à crise ambiental,
cientistas, pensadores, meios de comunicação e grupos de defesa ambiental
advertiram sobre o perigo de deterioração do meio ambiente.
125
Diante dessas pressões, a Organização das Nações Unidas convocou a Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente que ocorreu em Estocolmo, no ano de
1972. A Declaração do Meio Ambiente adotada por essa Conferência
[...] abriu caminho para que as constituições supervenientes
reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um
direito fundamental entre os direitos sociais do Homem com sua
característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem
pertubados.
126
Esse foi o despertar da consciência ambiental.
3.2 O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO
No Brasil, desde o final dos anos 70, verificava-se a necessidade de proteção
jurisdicional dos direitos metaindividuais. O direito brasileiro, de forma pragmática, se
124
POGGI, Gianfranco. A evolução do estado moderno: uma evolução sociológica. Rio de Janeiro:
Zahar, 1981. p. 132.
125
VALLS, Mario Francisco. Manual de derecho ambiental. Buenos Aires: Ugerman Editor, 2001. p.
78-84.
126
SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 3. ed. rev. e atual. o Paulo: Malheiros,
2000.p. 67.
65
baseia na doutrina italiana dos anos setenta para construir um sistema de tutela
jurisdicional dos interesses difusos imediatamente operativo.
127
O primeiro instrumento para a defesa dos interesses difusos no Brasil foi a Lei da
Ação Popular (Lei 4.717/65). Isso porque a noção de patrimônio contida na
referida lei era bem ampliada, o que permitia o amparo não somente das lesões
pecuniárias, como também das lesões a bens imateriais ou refratários a uma
avaliação em termos de moeda como são, em regra, aqueles que constituem objeto
dos chamados ‘interesses difusos’”.
128
Todavia, essa lei continha algumas deficiências para a tutela jurisdicional dos
interesses difusos, como por exemplo: as dificuldades em relação à legitimação para
agir, pois esta pertencia ao cidadão que, hipossuficiente, não tinha condições para
arcar com uma demanda de altos custos e nem condições técnicas; a legitimidade
passiva, que era limitada contra a anulação de atos lesivos praticados em desfavor
ao Poder Público; seu objeto era somente a tutela do patrimônio público.
129
Em 1985, sobreveio a Lei 7.347/85, considerada um marco no país para a tutela dos
direitos e interesses difusos, pois ela
[...] veio inaugurar um autêntico sub-sistema de processo, voltado para a
tutela de uma tamm original espécie de direito material: a dos direitos
transindividuais, caracterizados por se situarem em domínio jurídico, não
de uma pessoa ou de pessoas determinadas, mas sim de uma
coletividade.
130
127
GRINOVER, Ada Pellegrini. A problemática dos interesses difusos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini
(coord.). A tutela dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984. p. 29-45. p. 19.
128
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação popular no direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados “interesses difusos”. In: ______. Temas de direito processual: primeira
série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 110-123. p. 115. Esse autor atenta para o fato de que a
reparação dos interesses difusos não se dá, de forma adequada, pela tutela ressarcitória. Esse
assunto, será visto neste trabalho mais adiante.
129
Sobre o tema ver ABELHA, Marcelo. Ação civil pública e meio ambiente. 2. ed. rev., atual. e ampl.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 13-14 e MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação
popular no direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados “interesses
difusos”. In: ______. Temas de direito processual: primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p.
110-123.
130
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007. p. 37.
66
Posteriormente, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o
legislador inovou ao admitir a admitir o meio ambiente ecologicamente equilibrado
como direito fundamental, devido à constatação da existência de uma terceira
espécie de bem
131
: o bem ambiental, conforme consta no artigo 225 da referida
Carta:
132
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Desse modo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado foi elevado ao patamar
constitucional, na condição de um direito fundamental de terceira dimensão. Possui,
então, titularidade difusa, que advém da impossibilidade de determinação de seus
titulares. Isso ocorre porque tanto as presentes quanto as futuras gerações têm esse
direito.
Herman Benjamin
133
, elenca os benefícios de se ter a proteção ao meio ambiente
equilibrado como um direito constitucionalizado. Dentre os benefícios substantivos
estão: 1) o dever de não degradar (impondo limites e condicionantes à exploração
da propriedade privada) que se contrapõe ao direito de exploração quase ilimitado
(salvo raras exceções como, por exemplo, o direito de vizinhança) que o direito de
propriedade permite; 2) a função social da propriedade; 3) o estabelecimento da
proteção ambiental como direito constitucional; 3) a legitimação constitucional da
função estatal reguladora; 4) redução da discricionariedade administrativa e; 5)
ampliação da participação pública.
131
O bem ambiente se distingue do bem particular (aquele cuja titularidade pertence a um particular)
e do bem público (bem de domínio do Estado).
132
Na seqüência, deve também ser lembrado o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078 de 1990,
que alargou o âmbito de incidência da lei de ação civil pública, a ser aplicado a todos os interesses
difusos e coletivos e, para tanto, todos os tipos de ações foram admitidos na tutela desses interesses.
Ademais, esta lei criou um novo tipo de interesse: o individual homogêneo. Importante lembrar que,
juntamente com a Lei de Ação Civil Pública, formou-se uma extensão à Lei de Ação Civil Pública no
que tange as regras processuais. Assim, por meio do artigo 117 do CDC houve a formação da base
do processo civil coletivo. A evolução nos instrumentos de tutela dos interesses difusos e coletivos
não pára por aí. Necessário mencionar o anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos
que foi entregue ao governo em 31 de dezembro de 2007.
133
BENJAMIN, Antônio Herman V.. Direito Constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO, José
Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. (Coord.). Direito constitucional ambiental brasileiro.
São Paulo: Saraiva, 2007. p. 57-130.
67
Dentre todos esses benefícios, será analisado neste item apenas o terceiro benefício
substantivo, qual seja, o direito ao meio ambiente equilibrado como direito
constitucional.
Mesmo estando localizado na Constituição no Título VIII (Da Ordem Social) e não no
Título I (Dos Direitos Fundamentais), é inegável a sua condição de direito
fundamental. Não importa qual o local da constituição que o direito fundamental
esteja inserido, pois basta lembrar que o §2º do artigo 5º assim dispõe:
Art. 5º [...]
[...]
§2º os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Para corroborar ainda mais com a afirmação de que o direito ao meio ambiente
sadio é um direito fundamental, basta verificar o artigo 225 da Constituição, quando
diz que “Todos têm direito”, incluindo-se também as futuras gerações. Aí está clara a
estrutura de norma de direito fundamental.
134
Como todo direito fundamental, o meio ambiente equilibrado possui as
características da irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade.
Assim, pelo que foi dito, não é difícil afirmar que o meio ambiente ecologicamente
equilibrado é um direito fundamental de solidariedade ou fraternidade. O mais difícil
em relação a ele é a sua proteção, pois “o problema fundamental em relação aos
direitos do homem, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de
um problema não filosófico, mas político”.
135
Ao observar o artigo 225 da Constituição, especificamente em relação à defesa e à
preservação do bem ambiental, percebe-se que a responsabilidade ecológica é tanto
do Poder Público quanto da coletividade.
134
“Entre el concepto de norma de derecho fundamental y el del derecho fundamental existen
estrechas conexiones. Simpre que alguien posee um derecho fundamental, existe uma norma válida
de derecho fundamental que le otorga este derecho”. ALEXY, Robert .Teoría de los derechos
fundamentales. Madrid: Editora Lael, 2002.p. 47.
135
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 24
68
Em razão disso, o direito de todos a um ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado implica
[...] o dever de todos suportarem os respectivos encargo. A defesa do
ambiente é uma tarefa solidária e não solitária e não se compadece com a
unilateral imposição de vínculos restritivos uns a favor dos outros. Era esta,
de resto, a dimensão fundamental do clássico princípio da igualdade perante
os encargos públicos.
136
Por ser um direito fundamental de terceira geração, cuja característica marcante do
Estado Social (mas não única
137
) é a exigência de uma conduta positiva por parte do
Estado, deduz-se que o Poder Público tem o dever de protegê-lo e defendê-lo, de
forma eqüitativa, em relação à coletividade para as presentes e futuras gerações. A
proteção do Estado relativamente às futuras gerações marca a “hora zero” do
garantismo ecológico.
138
A obrigação de defesa e proteção é explícita no texto constitucional. Todavia, existe
uma obrigação negativa, concomitante a esta, que se apresenta de forma mais
implícita: não degradação do meio ambiente. Nesse sentido, o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado se compara aos direitos de liberdades
negativas, prevalecentes de um Estado Liberal.
Além do Poder Público, pelo que se depreende da leitura do citado artigo, a
coletividade também tem o dever de preservação, defesa (ação positiva) e de não
deterioração (ação negativa) do meio ambiente
139
. Somente desse modo se pode
alcançar o desenvolvimento sustentável.
140
136
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Protecção do ambiente e direito de propriedade: crítica de
jurisprudência ambiental. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 105.
137
Como já foi dito no item anterior, as dimensões dos direitos fundamentais são cumulativas e o
sucessivas.
138
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjectivo. In: A tutela
jurídica do meio ambiente: presente e futuro. p. 47-57.p. 49.
139
Essa ação negativa está relacionada, por exemplo, à limitação do direito de propriedade.
140
A tutela ambiental não é um daqueles valores sociais em que basta assegurar uma liberdade
negativa, orientada a rejeitar a intervenção ilegítima ou o abuso do Estado. Além de ditar o que o
Estado deve fazer (=dever negativo) ou o que lhe cabe empreender (= dever positivo), a norma
constitucional estende seus tentáculos a todos os cidadãos, parceiros do pacto democrático,
convencida de que só assim chegará à sustentabilidade ecológica. BENJAMIN, Antônio Herman V..
Direito Constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José
Rubens Morato. (Coord.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 57-
130. p. 113.
69
Interessante notar que o Estado tem o objetivo fundamental de defesa e
preservação do meio ambiente para as gerações presentes e futuras. Em
contrapartida, quando os particulares o exercitam individualmente, por meio da ação
popular (art. 5º, LXXIII, da Constituição) tem-se o direito subjetivo ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, pois
[...] o tratamento jurídico do ambiente não se reduz, assim, à dimensão de
tarefa estadual, considerando-se que as normas reguladoras do ambiente
se destinam também à protecção de interesses dos particulares que, desta
forma são titulares de direitos subjetivos públicos. O direito fundamental ao
meio ambiente apresenta, pois, uma ´dupla natureza´, uma vez que, por
um lado, é um direito subjectivo e, por outro, constitui um elemento
fundamental da ordem objectiva da comunidade.
141
No entanto, isso não quer dizer que o agir individual retire a característica do meio
ambiente como um bem coletivo. O indivíduo exercita o seu direito a meio ambiente
ecologicamente equilibrado por todos os outros inclusive pelas gerações que estão
por vir.
Essa é a visão de uma comunidade com responsabilidade ambiental (shared
responsability) em que os cidadãos têm deveres fundamentais ecológicos de defesa
e proteção do meio ambiente e, conseqüentemente, das futuras gerações
juntamente com o Estado e as entidades públicas.
142
Agora que se sabe a quem compete a proteção do meio ambiente ecologicamente
equilibrado, resta saber como alcançar a sua efetividade.
A ecologização da constituição, elevando o direito ambiental a direito fundamental,
traz a importante vantagem de ser considerada uma norma definidora de direito
(fixadora de direitos fundamentais) que depende de uma norma infraconstitucional
integradora para sua eficácia social.
141
SENDIM, José de Sousa Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos. Coimbra:
Almedina, 2002. p. 30.
30. Interessante observar que, devido as peculiaridades do direito português, nem todos os autores
concordam que o direito ao meio ambiente é um direito subjetivo. Sobre o tema, ver CANOTILHO,
José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjectivo. In: A tutela jurídica do meio
ambiente: presente e futuro. p. 47-57.
142
Sobre o assunto, ver CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado constitucional ecológico e
democracia sustentada. In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato. Estado de direito
ambiental: tendências. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 3-18.p. 10.
70
Eficácia social da norma é
[...] o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a
materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a
aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normaivo e o
ser da realidade social.
143
No tocante ao plano político, a efetividade das normas constitucionais irá depender
do momento em que o legislador achar mais propício proteger valores e buscar fins.
Por isso que se diz que essa não é uma questão jurídica, mas sim política. Segundo
Barroso, “consumada a decisão pelo órgão próprio, ela se exterioriza, se formaliza
pela via do Direito, que irá então conformar a realidade social. Por este mecanismo,
o poder transforma-se de político em jurídico”
144
.
Para serem eficazes na sociedade, primeiramente
145
, os direitos fundamentais
precisam estar positivados no ordenamento jurídico. A partir do momento que
normas infra-constitucionais refletem a dimensão do direito fundamental, elas podem
trazer este direito para a realidade social. Segundo Peces-Barba, “el modelo integral
de derechos [...] humanos supone aceptar que la eficácia social de esas
pretensiones morales necesita de su incorporación al Derecho positivo [...]”
146
Assim, para saber os meios de se alcançar a efetividade do direito fundamental ao
meio ambiente, é necessário estudar as normas que se inspiram no direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sua aplicação no
mundo dos fatos. Desse modo, na próxima etapa do presente estudo, serão tratados
o direito ambiental e o seu tipo de tutela processual, que neste trabalho, se voltarão
apenas para o âmbito processual civil.
143
BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas : limites e
possibilidades da Constituição brasileira. 7. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 85.
144
Ibid., p. 76.
145
Não é somente com a elaboração legislativa que o processo poderá ser efetivo socialmente. A sua
eficácia social depende de outros fatores como, por exemplo, “uma ação enérgica das instâncias
administrativas; e que contar, sobretudo com a colaboração constante dos próprios membros da
comunidade [...]”. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: oitava série. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 17.
146
MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba (Coord.). História de los derechos fundamentales. Madrid:
Dykinson, 2003. p. 57.
71
PARTE II
DIREITO AMBIENTAL E SUA TUTELA PROCESSUAL CIVIL
1 DIREITO AMBIENTAL E DIREITO AMBIENTAL PROCESSUAL
Após a Revolução Industrial (nos meados do século XVIII), o aumento do
crescimento econômico ocorreu em virtude da passagem de uma economia apenas
de subsistência para uma economia de mercado.
147
Diante disso, a natureza, que antes sofria impactos degenerativos em pequena
escala, começou a ser amplamente danificada. Iniciou-se uma fase de utilização,
disposição e controle dos elementos do meio ambiente. Essa atitude, característica
do Estado Liberal, buscava o crescimento econômico, que realmente aconteceu -
apesar de ter ocorrido às custas dos recursos naturais.
148
Sobre os impactos ambientais que as sociedades atuais enfrentam Clive Ponting
explica que:
[...] os problemas ambientais não o novidade. No entanto, com a
expansão da Europa, que passou a dominar a maior parte do globo, o
rápido crescimento da população mundial, o aumento da área cultivada à
custa dos ecossistemas naturais e o surgimento de sociedades altamente
industrializadas, a escalada de problemas ambientais aumentou e tornou-
se mais complexa em sua natureza. O mundo enfrenta agora uma serie de
crises interligadas, causadas por ações passadas desmatamento, erosão
do solo, desertificação, salinização, perda crescente da vida selvagem e
das plantas, distribuição de alimentos, riquezas e amenidades humanas
147
Sobre esse tema, Maria de Souza Alexandre Aragão explica: “Dá-se um crescimento exponencial
as intensidade e da extensão de exploração económica dos recursos ambientais. Para o Homo
Economicus, a Natureza é um <<reservatório>> e um <vazadouro>>”. ARAGÃO, Maria Alexandra de
Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedra angular da política comunitária do ambiente. Coimbra:
Coimbra editora, 1997. p.18.
148
A utilização dos recursos naturais proporciona o crescimento econômico. Entretanto, esse uso
deve ser feito de forma sustentável, tratando a economia e a ecologia como entidades igualmente
importantes. Segundo Rock: “Conservação e proteção da natureza são, afinal, condições necessárias
para que se possa administrar e satisfazer as demandas de forma abrangente. Os bens naturais são
fatores produtivos cuja conservação e preservação são o que possibilita a própria realização da
economia. Política ecológica o é, portanto, inimiga da economia, pois ela visa, justamente,
preservar as condições para que uma economia seja possível. Logo, a ecologia serve à economia e a
economia bem compreendida e realizada é <<ecófila>>, isto é, estimula, preserva e é inócua à
natureza.” ROCK, Martin. In: WITTELSBURGER, Helmut.
Ecologia e economia. Tradução Sperber S.
C. São Paulo : Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung, 1992. p. 1-16.p.2.
72
básicas muito desiguais, níveis crescentes de poluição (e perigosos novos
coquetéis de ‘reações em cadeia’).
149
Dessa forma, instalou-se na modernidade uma crise ambiental e o aparecimento da
sociedade de risco que é “aquela que, em função de seu crescimento econômico,
pode sofrer a qualquer tempo uma catastrófe ambiental, por exemplo, em função do
seu crescimento econômico contínuo”.
150
Em meio à crise, a pressão dos movimentos ecológicos, dos meios de comunicação
e da comunidade científica, deu azo ao surgimento de uma regulação jurídica
estabelecendo normas entre a relação do homem-natureza. Deveria ser
estabelecido um limite à exploração da natureza que, ao mesmo tempo, não
impedisse o crescimento da economia.
151
Nasceu, assim, o Direito Ambiental.
O grande marco para o aparecimento de um Direito Ambiental foi a Convenção de
Estocolmo. Antes dela, o meio ambiente poderia aser regulado em determinados
países, assim como era no Brasil, mas não havia uma visão unitária ou global do
entorno. Os bens ambientais eram isoladamente regulados em leis esparsas
152
. Isso
dificultava enxergar o meio ambiente como um macrobem que é direito de todos
(das presentes e futuras gerações). Hoje está consolidado que o comportamento
das presentes gerações em relação ao meio ambiente compromete as condições de
vida das gerações futuras.
Passou-se, desse modo, da primeira geração dos problemas ecológicos, para a
segunda geração desses problemas. Segundo Canotilho, os problemas da primeira
geração “incidem fundamentalmente na protecção do ambiente tendo em conta os
149
PONTING, Clive. Uma história verde do mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p.
645.
150
LEITE, José Rubens Morato; PILATI, Luciana Cardoso; JAMUNDÁ, Woldemar. Estado de direito
ambiental no Brasil. In: KISHI, Sandra Akemi Shimada; SILVA, Solange Telles da; SOARES, Inês
Virgínia Prado. (Org.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo
Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 1994.p 611
151
O Clube de Roma encarregou o Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) para fazer um
estudo para prognosticar os limites de crescimento” e saber até quando os recursos naturais
poderiam ser usados até que se esgotassem. A difusão desse estudo inspirou a convicção de que o
desenvolvimento deveria ser limitado para evitar o esgotamento precoce.
152
No Brasil, por exemplo, já tínhamos o Código Florestal (Lei 4.771/34).
73
elementos constitutivos (poluição das águas, ar, solo)”
153
. os problemas da
segunda geração são atinentes aos “efeitos que extravasam a consideração isolada
dos elementos constitutivos do ambiente e com as implicações dos mesmos
(camada de ozônio, efeito estufa, mudanças climáticas). Além disso, o sujeito
relevante [...] passa a ser o <<sujeito geração>>”
154
.
Então, essa visão mercenária do homem em relação à natureza, que até então havia
permitido o desenvolvimento da maioria dos países (que hoje são do primeiro
mundo), foi cedendo espaço a uma visão contrária à coisificação e à monetarização
da natureza. Nem tudo pode ser apropriado e usado ilimitadamente.
O Direito Ambiental emergiu em meio a uma dualidade. O homem estava
acostumado a usar degradar ostensivamente os elementos naturais para obter lucro
e, ao mesmo tempo, ele percebe que esgotando os recursos, a sua qualidade de
vida e a das gerações futuras restarão prejudicadas.
Nesse sentido, Molinaro explica que o direito ambiental se constituiu
[...] desde uma tensão especificamente humana e contraditória: de um
lado, a cobiça, estimulada pela mercadização da natureza (num sentido
crematístico explícito), fundada numa idéia de desenvolvimento não
importando o custo, típica do individualismo liberal-econômico; de outro, o
avanço civilizacional fundado no primado dos interesses humanos atuais e
futuros, que reclamam proteção erga omnes.
155
A comunidade internacional reconheceu a concreção da anunciada crise ecológica
e, por isso, na Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (em
Estocolmo, no ano de 1972) reconheceu ao homem o direito fundamental ao meio
ambiente que favoreça a qualidade de vida.
153
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra
Editora, 2004. p.177.
154
Ibid. p. 177.
155
MOLINARO, Carlos Alberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007.p. 45.
74
Juntamente com a constitucionalização desse direito, o Direito Ambiental, como
disciplina autônoma
156
, se fez presente e necessário para condicionar a conduta
humana acerca do disfrute, da preservação e melhoramento do meio ambiente,
induzindo ações e omissões em favor do bem comum. Seu conteúdo é difuso
porque engloba as relações reguladas por todo o espectro jurídico enquanto essas
relações condicionam o meio ambiente.
157
1.3 O DIREITO, O HOMEM E A NATUREZA
O direito é uma ciência cultural
158
. Ele advém da vida em sociedade e não dos
elementos da natureza. Segundo Miguel Reale, ciências culturais são “aquelas que,
além de serem elementos da cultura, têm por objeto um bem cultural. A sociedade
humana, por exemplo, não é um fato natural, mas algo que sofreu no tempo a
interferência das gerações sucessivas”
159
.
A cultura pode ser produzida por cérebros evoluídos, desse modo, somente os
homens constroem a cultura e ao mesmo tempo são influenciados por ela. Sendo
um produto da história, “mudam os tempos“, mudam os comportamentos
humanos
160
. Assim, a sociedade estabelece processos de adaptação entre os
homens e o mundo social, e um desses processos é o direito.
Fato social, explica Pontes de Miranda, “é a relação de adaptação (ato, combinação,
fórmula) do indivíduo à vida social, a uma, duas ou mais coletividades (círculos
sociais de que faça parte ou a adaptação destas aos indivíduos entre si”.
161
Essa
156
Sobre o direito ambiental como disciplina autônoma ver SERRENO, José-Luis.Concepto,
formación y autonomia del derecho ambiental. In: VARELLA, Marcelo Dias; BORGES, Roxana
Cardoso de B. O novo em direito ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 33-49.
157
Nesse sentido, VALLS, Mario Francisco. Manual de derecho ambiental. Buenos Aires: Ugerman
Editor, 2001. p. 107.
158
Nesse sentido, REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
p. 31. Paulo de Dourado Gusmão explica o que é cultura: “O que vemos primeiro (montanha) é
natural, independe do homem, é a Natureza, enquanto o que deparamos depois (prédios, postos,
etc.) é cultural, foi feito pelo homem, depende do gênio, da imaginação criadora e da vontade
humana, tem destinação, sentido, é Cultura.” GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do
direito. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 39.
159
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 30.
160
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Direito quântico.8. ed. rev. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira,
2006. p. 266.
161
MIRANDA, Pontes de. Introdução à sociologia geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 15
75
adaptação “não se opera entre parte do ser e o meio, mas entre todo o ser e todo o
meio. Por isso, a sociedade humana difere da animal: os processos adaptativos não
se efetuam somente entre atos, e sim também entre pensamentos , porque os
homens são seres pensantes”
162
.
Em razão de ser um “ser pensante”, o homem acha que está em condição de
superioridade em relação à natureza e dificilmente esse paradigma se alterará. É
claro que essa reviravolta não é impossível, mas essa forma de pensar decorre da
confiança que o homem tem em se achar mais inteligente do que as outras formas
de vida.
163
Sobre o assunto, Pontes de Miranda assim entende:
No desenvolvimento das sociedades certa passagem das adaptações
exteriores para as interiores, do material para o psíquico, para as
representações, para a consciência. Não cessam as adaptações não-
psíquicas, - ondulam, de modo que se intelectualiza, que se espiritualiza a
vida social: à agregação física sucede a química, a fisiológica, a
psicológica, a cultural e das altas formas da mentalidade humana. Por isto
a sociedade dos seres pensantes é irredutível à dos animais inferiores,
como estas aos agrupamentos moleculares e atômicos. Não há identidade.
Não há, tampouco, separação absoluta; há, sim, continuação com fatores
novos.
164
A natureza, por sua vez, é também um fenômeno cultural. Pode parecer estranho,
mas o homem não consegue ter “acesso direto à natureza”. O homem produz a
162
MIRANDA, Pontes de. Introdução à sociologia geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 17
163
Os animais, como indicamos, modificam, por meio de sua atividade, a natureza ambiente, da
mesma forma (mas não no mesmo grau) que o homem; e essas transformações por eles produzidas
em seu ambiente, atuam, por sua vez, como já vimos, sobre elementos causais, modificando-os. Isso
porque, na Natureza, nada acontece isoladamente. [...] Mas, quando os animais exercem uma
influência duradoura sobre o ambiente em que vivem, isso se dá independentemente de sua vontade,
constituindo um fato puramente causal. O homem, porém, quanto mais se afasta da animalidade,
tanto mais sua influencia sobre a natureza ambiente adquire o caráter de uma ação prevista, que se
desenvolve segundo um plano, dirigida no sentido de objetivos antecipadamente conhecidos e
determinados. O animal destrói a vegetação de uma certa região, sem saber o que está fazendo. O
homem a destrói para semear grãos no terreno assim limpo, para plantar árvores ou vinhas, que, ele
o sabe perfeitamente, produzirão muitas vezes mais do que o semeado; transporta plantas úteis e
animais domésticos de um país para o outro, modificando assim a vegetação e a vida animal de
continentes inteiros. Ainda mais: por meios artificiais, plantas e animais são modificados pela mão do
homem e de tal forma que se tornam irreconhecíveis. ENGELS, Friedrich. Humanização do macaco
pelo trabalho. In: ENGELS, Friedrich. Dialética da natureza. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
p. 222 a 223.
164
MIRANDA, Pontes de. Introdução à sociologia geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 7.
76
natureza por meio de ações e pensamentos e, assim, a insere no mundo cultural. A
natureza para ele é parte de sua interpretação de como “uma natureza” deveria ser.
Cada um tem a sua diferente visão da natureza. Essa acepção do natural vai
depender, de um modo geral, do tipo de sociedade em que se vive.
Exemplo de cil visualização é uma floresta. Ao ver uma floresta, um ambientalista
logo pensa em preservá-la. Um fazendeiro, por sua vez, tem a vontade de derrubar
todas as árvores para fazer um pasto. um indivíduo que esteja apenas passando
por dentro dela a aprecia como forma de beleza natural. Uma outra pessoa pode ter
medo da floresta, e ter idéias amedrontadoras só de vê-la.
Nessa linha de pensamento, Ost afirma que
[...] ao contrário das outras espécies, o homem simboliza; não se
contentando nunca em registrar o espetáculo da natureza, ele forja uma
determinada representação desta, um conjunto de imagens que
condicionarão os usos que se achará autorizado a fazer dela. Assim, o
homem humaniza a terra, imprime-lhe a sua marca física e reveste-a de
símbolos que a fazem falar uma linguagem para ele inteligível.
165
A natureza é, pois, um conceito cultural. O ser humano passa a ver a natureza do
seu ângulo e ao seu benefício. Como dizia Protágoras, “o homem é a medida de
todas as coisas” e dificilmente ele verá a natureza com outros olhos que não seja o
de auferir vantagens para si. O homem constrói natureza ao seu modo, na sua
perspectiva. Ele observa as suas leis perenes e as aplica em sua sociedade em seu
benefício.
Da relação entre o homem e a natureza, surgem algumas correntes filosóficas
acerca do posicionamento do homem face ao seu entorno.
A visão do homem como um ser dominador que submete a natureza aos seus
caprichos e a trata como coisa, usando-a conforme suas necessidades, dá-se o
nome de antropocentrismo. Nessa corrente, o homem é o centro do mundo e o meio
ambiente um mero objeto do qual lhe propicia lucro. Essa mentalidade é típica de
165
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget,
1995. p. 31.
77
um Estado Liberal, onde a preocupação era imediatista: desenvolver a economia a
qualquer custo, nem que para isso seja preciso destruir o próprio ambiente em que
se vive.
Em contrapartida a esse modo de pensamento cartesiano, surgiu a deep ecology.
Dentro da ecologia profunda, estão as visões biocêntrica e ecocêntrica. Ressalta-se
que essas formas de pensar muitas vezes se confundem.
Os defensores da ecologia profunda vêem a natureza como um sujeito de direitos.
Defendem um monismo, e são contrários ao dualismo, pois o homem a natureza não
podem ser separados. Seria o modo de pensamento em que a natureza e o homem
estão em um plano de igualdade. Não há posição mais forte do que a outra, ou seja,
inexiste dominação. O homem, nessa perspectiva, se ajusta como apenas um dos
integrantes do meio ambiente. Assim, todas as formas de vida têm igual valor e
estão no centro desse pensamento.
Não se nega que a natureza possui um valor em si. Todavia, o grande problema da
deep ecology é igualar os seres humanos com a natureza e tratá-la como um sujeito
de direitos.
A natureza o pode ter direitos. O direito, como foi dito, é um fenômeno cultural
feito apenas para os homens. Assim, lógico que uma árvore, por exemplo, nunca
será titular de um direito subjetivo, pois se tivesse, nunca poderia reivindicá-lo. Ora,
árvores não podem demandar.
Os seres humanos não podem estar na em de igualdade com a natureza, eles
devem estar acima do seu meio. Uma das razões para isso, decorre do fato de que
os homens não têm contato com a natureza. Para eles, ela é cultural. Ademais, são
os seres humanos são quem possuem inteligência superior e modificam os rumos
do planeta com as suas decisões.
166
166
“A nossa crítica ao confunsionismo da deep ecology toma diversas formas; ela articula-se,
essencialmente, em torno da idéia segundo a qual nós não temos directamente acesso a esta
natureza, na qual somos chamados a fundir-nos. Habitamos, em espírito e em corpo, uma natureza
que, literalmente, <<produzimos>>. Por muito esforço que façamos, nunca seremos capazes de
pensar como uma montanha, pela simples razão de que a montanha não <<pensa>>; no silêncio
78
É claro que essa posição é um tanto antropocêntrica, pois não admite a equivalência
entre a natureza e a humanidade, no entanto, deve-se esclarecer que é uma
corrente filosófica desvinculada do antropocentrismo utilitarista que é destruidor do
meio ambiente.
A visão que está sendo explicada nesse momento é o antropocentrismo alargado.
Com base nele, os homens devem estar sempre em posição de superioridade (não
dominação) em relação à natureza, não para danificá-la e tratá-la como um meio de
satisfação das suas necessidades e, depois, devolvê-la como um mero dejeto. Ao
contrário disso, a natureza tem um valor em si mesma e deve ser preservada.
O antropocentrismo alargado defende que o homem deve estar sempre à frente da
natureza, visto que é ele quem deve prever suas ações e omissões para criar leis de
proteção à natureza.
Essa corrente filosófica permite a aproximação entre os direitos humanos o direito
do ambiente e, exatamente por isso, vigora na posição adotada pelo Grupo de
Consultores Jurídicos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA).
167
Atribuir personalidade jurídica à natureza, como faz a deep ecology deve ser
entendido como um registro simbólico. Ressalta-se que não se está dizendo aqui
que não se pode atribuir direitos à natureza em sede constitucional. É óbvio que isso
pode e deve ser feito, pois
[...] o
juiz, confrontado com a dificuldade quotidiana em aplicar uma
legislação ambiental, por vezes pletórica e sempre lacunar, deveria
encontrar na afirmação dos direitos da natureza um princípio geral de
interpretação, que lhe permitisse preencher as lacunas dos textos e
elucidar as obscuridades
168
gelado da atitude e na duração infinitamente extensa do tempo geológico, a montanha
<<mineraliza>>...”. OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa:
Instituto Piaget, 1995. p. 181.
167
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas
de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993. p. 24-25.
168
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget,
1995.p. 217.
79
O problema disso é que os direitos da natureza serão balanceados com os direitos
do homem e grande risco de eles não se efetivarem por nunca serem
considerados valores superiores aos dos homens.
Para garantir a efetividade da proteção à natureza, não é muito eficiente ponderar os
direitos do homem como os direitos da natureza. O pensamento deve ser feito
contrabalanceando os direitos dos homens das presentes gerações com os das
gerações futuras. Assim, “não se comparará mais o homem e a árvore, mas sim o
homem de hoje e o de amanhã, cuja sobrevivência depende igualmente da
árvore”.
169
É certo que protegendo o homem se protegerá a natureza.
Se o direito é um produto cultural e é destinado aos homens, é preciso que estes
ajam para elaborar um estatuto jurídico que não imponha a dominação de nenhum
dos elementos da relação homem-natureza, se preocupe com o desenvolvimento
sustentável e que confira às gerações futuras um meio ambiente qualitativa e
quantitativamente igual ao que as presentes gerações possuem.
A questão central é a proteção à dignidade humana. O desenvolvimento sustentável
e a manutenção da qualidade ambiental para as próximas gerações dependem de
se estabelecerem medidas melhoria das condições de vida da humanidade.
Isso porque, na maioria das vezes, uma população que vive em miséria, desprovida
de uma boa qualidade de vida, acaba por poluir o meio ambiente em que vive. Falta-
lhe saneamento básico, o lixo não é devidamente reciclado, habitações são feitas
em áreas de preservação ambiental, etc. Esses problemas característicos de países
em desenvolvimento ocasionam danos tanto à saúde humana quanto ao meio
ambiente.
170
169
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget,
1995. p. 219
170
Nesse sentido, uma das conclusões apresentadas no Seminário Interamericano sobre Direitos
Humanos e Meio Ambiente foi: “III. El vínculo entre medio ambiente y derechos humanos está
además claramente demostrado por el hecho de que la degradación ambiental puede agravar las
violaciones de derechos humanos, y, a su vez, las violaciones de derechos humanos pueden
igualmente llevar a la degradación ambiental o tornar más difícil la protección del medio ambiente.
Tales situaciones resaltan la necessidad de fortalecer o desarrollar los derechos a la alimentación, al
água y a la salud. Además, se debe asegurar la observância de la normas de derecho humanitário y
su fortalecimento. Es también necesario desarrollar aún más los princípios jurídicos internacionales
de responsabilidad por dano ambiental y de compensación.” TRINDADE, Antônio Augusto Cançado.
80
Como o direito ao meio ambiente equilibrado é um direito de todos, o ordenamento
jurídico deve estipular deveres de proteção destinados a coletividade para assegurar
às futuras gerações o desfrute de uma excelente qualidade de vida.
Neste contexto, no direito ambiental, a preservação do ambiente assume
relevância, e a implantação de modelos de desenvolvimento sustentado
revela-se como uma preocupação fundamental da sociedade e, por óbvio,
para o direito, que a degradação ambiental (incontida) pode conduzir a
impossibilidade de sobrevivência da humanidade. Daí a produção
normativa para garantir um equilíbrio da relação natural/cultural, garantido
assim, as condições de integridade e renovação dos sistemas naturais.
Tudo isso se concretiza num jogo de trunfo é promover um ambiente
equilibrado e sustentável para as gerações atuais e futuras.
171
1.4 NECESSIDADE DE UM DIREITO PROCESSUAL ADAPTADO
Como foi conferido aos homens o direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e concedido infraconstitucionalmente por regras do
direito material ambiental, verifica-se a necessidade de sua proteção processual.
que o direito ao meio ambiente sadio é um direito da coletividade e, ao mesmo
tempo, ela tem o dever de protegê-lo, deve haver um conjunto de normas
processuais à disposição de todos os cidadãos para que eles possam exercer seus
direitos e deveres.
Isso porque de nada adiantaria o direito material sem a existência de um
instrumento
172
de proteção no âmbito processual. E o processo é o meio pelo qual o
direito material se concretiza na sociedade.
Assim, o direito material depende de um instrumento, que consiste no direito
processual, para que se torne efetivo.
Em importante lição, Barbosa Moreira explica;
Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1993. p. 36.
171
MOLINARO, Carlos Alberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007.p. 46.
172
Para um estudo mais aprofundada da instrumentalidade do processo, ver DINAMARCO, Cândido
Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005.
81
Efetividade do processo é expressão que, superando as objeções de
alguns, se tem largamente difundido nos últimos anos. Querer que o
processo seja efetivo é querer que desempenhe com eficiência o papel que
lhe compete na economia do ordenamento jurídico. Visto que esse papel é
instrumental em relação ao direito substantivo, também se costuma falar da
instrumentalidade do processo. Uma noção conecta-se com a outra e por
assim dizer a implica. Qualquer instrumento será bom na medida em que
sirva de modo prestimoso à consecução dos fins da obra a que se ordena;
em outras palavras, na medida em que seja efetivo. Vale dizer: será efetivo
o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito
material.
173
Em se tratando de interesses difusos, o processo civil deve ser adaptado para
melhor atender às necessidades do direito material. Somente desse modo a
efetividade do processo será atingida.
174
O processo civil clássico tem índole privatística. É inspirado nos valores de um
Estado Liberal, quais sejam, a vida, a liberdade e a propriedade. Os seus institutos
foram elaborados com vistas à solução de lides entre particulares ou entre
particulares e o Estado e cuida de direitos que são, de um modo geral, suscetíveis
de divisão. Um interesse que seja diferente do interesse privado e do público fica
sem proteção nesse sistema, pois esse tipo de Estado não pode intervir na
sociedade para atender as suas exigências.
Com a necessidade política de se criar institucionalizar as formas de participação
coletiva para a tutela dos interesses difusos, o processo civil clássico teve de ser
modificado a fim de proporcionar efetividade no trato desses interesses.
175
Isso
porque
[...] onde a tutela dos interesses difusos se torna mais relevante é no plano
processual. Não somente porque é o processo como instrumento de
173
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Por um processo socialmente efetivo. In: ______. Temas de
direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 15-27. p. 15.
174
No mesmo sentido, Bedaque afirma: “o direito processual deve adaptar-se às necessidades
específicas de seu objeto, apresentado formas de tutela e de procedimento adequadas às situações
de vantagem asseguradas pela norma substancial. A partir do momento em que se afirma o caráter
instrumental da ciência processual, deve ser abandonada qualquer idéia fundada na sua
neutralidade”. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: influência do direito material
sobre o processo.4. ed, rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006., p. 21.
175
Cappelletti chama essa necessidade de adaptação do processo civil clássico de superação do
garantismo em sentido individual tradicional ao “garantismo social ou coletivo”. CAPPELLETTI,
Mauro. Appunti sulla tutela giurisdizionale degli interessi collettivi o diffusi. In: Le Azioni a tutela di
interessi collettivi : atti del Convegno di studio. Padova : CEDAM, 1976. p. 191-222. p. 207.
82
atuação de certas fórmulas constitucionais, que viabiliza sua garantia,
transformando o direito declarado em direito assegurado, mas ainda
porque, tratando-se de interesses difusos, o próprio processo se apresenta
em um novo enfoque, desafiando a argúcia e a criatividade do
processualista.
176
Os principais institutos que careceram de modificação foram a legitimidade, o
interesse de agir, a representação e a substituição processual, a ciência bilateral dos
atos processuais e o contraditório, a coisa julgada, os poderes do magistrado e a
função do Ministério Público.
177
Tornou-se, então, imperiosa uma modificação do processo civil clássico, de forma
que pudesse atender às exigências de um novo tipo de justiça, pois
[...] se questa esigenza dovesse non riuscire a prevaler, io ritengo che il
processo civile fallirà nel suo compito essenziale di strumento di tutela dei
diritti, e fallirà proprio di fronte a questi nuovi diritti, a questi nuovi interessi
<<ligittimi>> (in quanto protetti dalla lege), che coinvolgendo interi settori,
gruppi, classi, colletività, rappresentano um aspetto quant´altri mai vitale
per le società contemporanee.
178
Para tanto, o processo civil deve superar essa cultura egoística, onde o indivíduo
somente age com a finalidade de satisfazer seus interesses individuais para se
amoldar aos interesses coletivos em geral.
O bem ambiental é direito fundamental de “todos”. Sendo um direito fundamental
pertencente à coletividade, a titularidade não pode ser apenas individualizada, deve
ser difusa. Assim, não basta o indivíduo acionar o judiciário com base em um direito
subjetivo. A totalidade de indivíduos é quem deve defender e preservar o meio
ambiente equilibrado. Desse modo, a sentença deve beneficiar a todos os titulares
desse direito fundamental.
176
GRINOVER, Ada Pellegrini. A problemática dos interesses difusos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini
(coord.). A tutela dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984. p. 29-45. p. 36.
177
Ver MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação popular no direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados “interesses difusos”. In: ______. Temas de direito processual: primeira
série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 110-123; CAPPELLETTI, Mauro. Appunti sulla tutela
giurisdizionale degli interessi collettivi o diffusi. In: Le Azioni a tutela di interessi collettivi : atti del
Convegno di studio. Padova : CEDAM, 1976. p. 191-222. p. 199-207.
178
CAPPELLETTI, Mauro. Appunti sulla tutela giurisdizionale degli interessi collettivi o diffusi. In: Le
Azioni a tutela di interessi collettivi : atti del Convegno di studio. Padova : CEDAM, 1976. p. 191-222.
p. 197-198.
83
Em relação à titularidade, um obstáculo transpassado foi o da representação
ordinária adequada. Ficaria inviável à justiça se todos os titulares do direito ao meio
ambiente equilibrado viessem a juízo reivindicar seus direitos. Por isso, apenas
alguns entes devem ser legitimados para agir. Então, foi preciso inicialmente
flexibilizar a regra do artigo 6º do CPC (ninguém pode pleitear direito alheio em
nome próprio se não tiver autorização legal)
179
até que a Lei de Ação Civil Pública
fosse criada, trazendo o rol de legitimados no artigo 5º.
Mas, como ficaria o contraditório? Aos titulares do direito deveria ser dada a
oportunidade de serem ouvidos, pois pode acontecer de os entes legitimados
carecerem de informações importantes ou se tornarem desleixados
processualmente. Quanto a esse ponto, Cappelletti traz a idéia de que os
legitimados não precisam estar em rol fixo, pois o juiz
180
deve ter o poder de decidir
se aquele ente que ingressou em juízo tem condições de representar
adequadamente os demais (critério da representatividade adequada).
181
No direito brasileiro, sabe-se que prevaleceu o critério legal da legitimação. Isso
significa que os entes legitimados são indicados pelo legislador (art. 82 do Código de
Defesa do Consumidor). Claro que não se pode esquecer do §1º do artigo 82 do
CDC que amplia os poderes do juiz, permitindo que ele dispense a associação do
requisito da pré-constituição pelo menos um ano (conforme o inciso IV do artigo
82 do CDC), diante do “manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou
característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido”. Em razão
desse artigo, pode-se afirmar que, no Brasil, o juiz pode fazer o controle da
adequada representatividade
182
.
179
Sobre o tema, ver WATANABE, Kazuo Tutela jurisdicional dos interesses difusos: legitimação para
agir. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.). A tutela dos interesses difusos. São Paulo: Max
Limonad, 1984. p. 85-97.
180
O legislador pode elaborar uma norma dispondo sobre esse tipo de representação. O Anteprojeto
do digo Brasileiro de Processos Coletivos traz, expressamente, em seu artigo 8º, o critério da
representatividade adequada do legitimado.
181
É assim nas class actions do direito norte-americano. Ver Ada Pellegrini Grinover em WATANABE,
Kazuo, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8.
ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro, 2004. p. 904-907.
182
Nesse sentido, WATANABE e GRINOVER. WATANABE, Kazuo. et al. Código brasileiro de defesa
do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro,
2004. p. 824-827.
84
surge um outro problema: a coisa julgada. A conformação do instituto da coisa
julgada aos indivíduos que não compareceram em juízo, mas que sofrem os efeitos
da sentença foi solucionado pelo legislador pátrio com a coisa julgada secundum
eventum litis segundo o qual haverá coisa julgada erga omnes se houver
procedência do pedido. No entanto, se houver improcedência por insuficiência de
provas, qualquer legitimado pode repropor a ação, inclusive o mesmo autor da ação
rejeitada
183
. Sua base legal está nos artigos 16 da Lei de Ação Civil Pública e inciso I
do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor
184
.
Cumpre registrar que ainda uma outra questão acerca da coisa julgada nas
ações coletivas que ainda não foi solucionada: é a restrição da coisa julgada à
circunscrição territorial do órgão que prolatou a sentença, segundo o artigo 16 da
LACP. Esse dispositivo vai de encontro à indivisibilidade do bem ambiental e tem
até proposta de alteração no Anteprojeto do Código Brasileiro de Direitos Processos
Coletivos.
185
Como foi dito em capítulo anterior, o bem ambiental é insuscetível de divisão,
pois, uma de suas características é a indivisibilidade. Assim, ele não pode ser
dividido e nem apropriado por cada um de seus titulares. O processo civil clássico
está apto a lidar com as relações entre proprietários, no entanto, o meio ambiente
ultrapassa as barreiras da propriedade privada e, por isso, deve ser protegido em
sua totalidade. Desse modo, as decisões proferidas em seu favor devem ter eficácia
objetiva abrangendo todo o território internacional
186
e subjetiva erga omnes.
Um outro obstáculo à efetividade dos interesses difusos é o ressarcimento
pecuniário. Dentro processo civil clássico, a forma de repressão utilizada é a
183
GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. digo brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos
autores do anteprojeto. 8. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro, 2004 p. 926.
184
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do
órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em
que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova
prova. Art. 103. Nas ões coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada: I-erga
omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que
qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova,
na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; [...]
185
Art. 22. Coisa julgada Nas ações coletivas a sentença fará coisa julgada erga omnes, salvo
quando o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas.
186
De modo contrário a esse entendimento, o artigo 16 da LACP reduz a eficácia da sentença nos
limites da competência territorial do órgão prolator.
85
indenização. Entretanto a monetarização dos direitos impede a efetividade da tutela
dos interesses difusos. É que esses interesses não possuem um equivalente
pecuniário
187
. Para que haja uma tutela efetiva, é preciso lançar o de outras
formas que não sejam de repressão, como por exemplo, a tutela específica.
A tutela pecuniária é típica de um Estado Liberal, em que os direitos possuíam um
equivalente em pecúnia e a liberdade era considerada um valor superior. Desse
modo, ninguém poderia ser compelido a praticar ou deixar de praticar alguma
conduta, pois atentava contra o seu direito de liberdade. Por causa disso, quando o
indivíduo se negava a realizar obrigações de fazer e não-fazer, a forma de tutela
recaía sempre em uma indenização.
Sobre o assunto, Pisani afirma,
È apenna il caso di ricordare come normalmente sai da escludere che la
tutela degli interessi collettivi possa essere adeguatamente realizzata solo
attraverso la forma del rissarcimento del danno; se, infatti, in altre epoche
storiche (si pensa al diritto romano) la condanna al pagameno di una
somma di danaro poteva constituire una efficace misura coercitiva diretta a
<<spingere>> all´adepimento di un obbligo di fare o non fare, e se in uno
stato inspirato a valori esclusivamente egoistico-liberali il rissarcimento del
danno poteva essere considerato come adeguata forma di tutela generale,
la nostra constituizione - fondata sul rispetto dei <<diritti inviolabili
dell´uomo sia come singolo sia nelle formazione sociali ove si svolge la sua
personalità>> - impone di abbandonare una visione esclusivamente o
prevalentemente economicistica della vita, e di escludere, di conseguenza,
che tutti gli interessi, siano sempre monetizzazione sarà da escludere con
riferimento a tutte quelle situazioni di vantaggio che siano espressione
diretta o indiretta di un diritto di libertà, il che avviene con frequenza
elevatissima con riguardo agli interessi collettivvi in esame.
188
Apenas com a superação desse modelo de Estado é que se pôde flexibilizar a
execução. No Brasil, isso ocorreu em 1994 por meio da introdução do artigo 461 no
CPC, que permite a imposição de meios de persuasão psicológica ao executado
para que este cumpra a obrigação na forma específica, sem que haja necessidade
de tutela pecuniária.
187
O tema será visto na parte seguinte.
188
PISANI, Proto. Lezione di diritto processuale civile. 4. ed. Napoli: Jovene, 2002. p . 282.
86
Devido ao tema do presente trabalho, é patente a necessidade de ser aprofundado o
estudo da tutela processual do meio ambiente. Assim, no capítulo seguinte, serão
estudadas, com mais vagar, as tutelas específica e pecuniária.
2 TIPOS DE TUTELA PROCESSUAL CIVIL DO MEIO AMBIENTE
Antes de explicar os tipos de tutela processual civil do meio ambiente, é preciso
fazer duas considerações: 1) sobre o sentido do vocábulo “tutela” no presente
trabalho e; 2) acerca da diferenciação entre ilícito e dano.
Existe uma diferença entre o direito de ação e o direito à tutela jurisdicional.
O direito de ação refere-se à garantia de acesso ao Poder Judiciário, conforme o
artigo 5º, inciso XXXV da Constituição. É conceituado como o “direito ao exercício da
atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício)”
189
. Em outras palavras, é
a
[...] garantia de acesso ao mecanismo estatal de solução de controvérsias,
denominado ‘processo’. É assegurada a todos a possibilidade de serem
ouvidos em juízo, que não pode ser obstada ainda que o pedido não
apresente mínimas condições de ser examinado.
190
Em contrapartida, nem todos têm o direito à tutela jurisdicional porque quem o
possui é somente o titular do direito material, ou seja, quem está amparado pelo
direito material. Nesse caso o processo é visto da perspectiva de quem tem razão.
Dessa forma, a tutela jurisdicional pode conter o reconhecimento de uma vantagem
prevista na sentença de rito no processo de conhecimento ou a efetivação do
direito material no processo de execução.
191-192
189
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 257.
190
______. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 229.
191
A tutela jurisdicional, na ótica do resultado, somente existe se houver a efetiva entrega ao titular do
direito material aquilo que ele deseja. D porque alguns autores dizem que as sentenças
constitutivas e declaratórias oferecem a tutela jurisdicional, enquanto as condenatórias o têm essa
aptidão. Acontece que os provimentos declaratórios e constitutivos conseguem promover a
efetividade do direito material porque conseguem resolver as crises de situação e de certeza. Os
condenatórios não podem solucionar os conflitos sozinhos, visto que a sentença condenatória apenas
recomenda que o devedor cumpra a sentença e por isso ela precisa de um processo executivo para
atuar a sentença de forma física. Sobre o assunto, Botelho de Mesquita diz que a função jurisdicional
é “a atividade produtora de efeitos de fato e de direito, que o Estado exerce a favor dos destinatários
87
Nesse sentido, Bedaque afirma que a “tutela jurisdicional relaciona-se, pois, com o
direito material [...] é a análise do fenômeno processual do ângulo de quem tem
razão”
193
.
Entretanto, a tutela jurisdicional não pode ser vista apenas sob a ótica do resultado
no processo, deve também ser observada do ângulo dos meios que proporcionaram
esse resultado.
Não parece incorreto, contudo, admitir maior abrangência da examinada
locução tutela jurisdicional para com ela designar não apenas o
resultado do processo, mas igualmente os meios ordenados e predispostos
à obtenção desse mesmo resultado, A tutela, então, pode também ser
divisada no próprio instrumento, nos atos que o compõem, e bem, ainda
nos “princípios”, “regramentos” ou “garantias” que lhe são inerentes.
194
Assim a tutela jurisdicional abrange tanto o resultado favorável a uma das partes
quanto os meios previstos no ordenamento, pois, para se atribuir uma sentença de
mérito favorável ao titular do direito material, é preciso que sejam disponibilizados
meios procedimentais adequados a essa consecução.
Portanto, é o segundo sentido de tutela jurisdicional que se quer dizer com “tutela
processual civil do meio ambiente”, ou seja, é a busca de instrumentos (meios
da norma em cumprimento a um dever para com eles, nascido do impedimento legal, em que se
encontram, de produzir os mesmos efeitos por seus próprios meios. [...] segundo decorre da posição
que adotamos, a função jurisdicional se explica fundamentalmente na atividade de transformação do
mundo do direito e dos fatos, que se realiza através das sentenças constitutivas de direito material e
dos atos executórios. Vista a realidade processual através deste prisma, a produção de efeitos
puramente processuais de ser explicada em função de exigências criadas pela própria existência
da atividade jurisdicional ou como pressuposto do seu exercício. Incluem-se, no primeiro caso, as
sentenças declaratórias e as sentenças constitutivas de direito processual; e, no segundo, as
sentenças condenatórias.” MESQUITA, José Ignacio Botelho de. Teses, estudos e pareceres de
processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. I. p. 99-107. Já Marinoni entende que a
tutela jurisdicional é prestada pelos meios executivos. Ao definir a jurisdição no estado democrático
de direito, ele diz que para haver tutela jurisdicional, o direito tutelado deve ser realizado por meio da
técnica processual. Para ele, dois caminhos que o juiz deve seguir: o primeiro é a utilização da
técnica processual executiva estruturada em lei e o segundo obriga o juiz a pensar a técnica
processual segundo as necessidades do direito material particularizadas no caso concreto, com base
no direito fundamental à tutela jurisdicional. MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 113 (grifo nosso).
192
Ressalta-se que a finalidade do processo de conhecimento é a prolação de uma sentença
favorável ou desfavorável, todavia, o escopo da execução é a transformação do direito em fatos.
193
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: influência do direito material sobre o
processo.4. ed, rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006.p. 28.
194
YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional . São Paulo: DJP. 2006. p. 27.
88
processuais) que proporcionam efetividade ao processo, a fim de que se alcance um
resultado em prol do titular do direito material.
195
Tratar-se-á, mais especificamente, dos meios executivos utilizados para permitir que
o processo ambiental alcance efetividade de modo a oferecer ao titular do direito
material exatamente aquilo que ele almeja.
Além do significado de tutela, um outro ponto deve ser abordado para o melhor
entendimento dos tipos de tutela processual civil do meio ambiente: insta fazer a
diferenciação entre dano e ilícito.
Esse tema foi muito debatido na doutrina italiana e duas correntes se formaram: uma
que afirmava que o dano não era elemento essencial e constitutivo para o ilícito e
que o ilícito poderia subsistir sem um dano; e outra que, partindo do ponto de vista
da obrigação de ressarcimento, defendia que não existe ilícito sem dano.
196
Isso acontecia porque havia uma grande influência da responsabilidade civil na
conceituação de ilícito, visto que este era considerado indenizável pela doutrina
civilística.
Esse entendimento provinha de uma época em que todos os direitos podiam ser
patrimonializáveis. Segundo Marinoni,
A confusão entre ilícito e dano é o reflexo de um árduo processo de
evolução histórico que culminou por fazer pensar através da suposição
de que o bem juridicamente protegido é a mercadoria, isto é, a res dotada
de valor de troca que a tutela privada do bem é o ressarcimento do
equivalente ao valor econômico da lesão.
197
Modernamente, sabe-se que a obrigação de ressarcimento, que constitui a
conseqüência da responsabilidade civil, o deriva do ato ilícito, mas do fato
195
Deve-se destacar que durante a exposição, haverá situações em que a expressão tutela
jurisdicional será utilizada também no sentido de resultado favorável ao titular do direito material.
196
CARBONE, Vicenzo. Il fatto dannoso nella responsabilità civile. Napoli: Casa Editrice Dott.
Eugenio Jovene, 1969. p. 97-98.
197
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 4. ed. rev, atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 37.
89
danoso
198
. Desse modo, pode haver um ilícito sem que tenha havido um dano e
vice-versa. Ambos os institutos são independentes e, por essa razão, devem ser
tutelados por instrumentos diversos.
O ilícito é conceituado como um “comportamento voluntário que transgride um
dever”.
199
Ele produz conseqüências no mundo exterior independente da
consciência do agente da ocorrência de efeitos materiais
200
.Assim, quando acontece
o ilícito, nem sempre há ocorrência de dano.
Portanto, quando se deseja impedir a prática, a tutela adequada será a inibitória, por
ser uma tutela preventiva que tem como finalidade a imposição de medidas
coercitivas para obstar a prática do ilícito. Entretanto, quando já houve o ilícito e este
tem caráter continuado, a supressão do mesmo será feita pela tutela de remoção de
ilícito, exatamente para impedir o dano futuro.
E no momento em que dano, a tutela processual utilizada será a ressarcitória,
visto que o dano enseja um equivalente em pecúnia.
Um ponto interessante a ser lembrado nesse momento é que, como o ilícito e o dano
são independentes, como já foi visto, pode haver o dano e, ao mesmo tempo o ilícito
ainda esteja acontecendo. Sendo assim, eles vão ser tutelados de forma
independente. O primeiro por meio da tutela ressarcitória e o segundo pela
específica.
198
Para Wambier, dano é a “situação resultante de ato ou de omissão, ilícitos ou não, em que
alguém, de forma culposa ou em razão do exercício de dada atividade, cujos riscos deva suportar
cause menos valia no patrimônio da vítima, mesmo que relativa a interesses não apreciáveis
economicamente, possibilitando, via de conseqüência, o nascimento da pretensão ressarcitória”. O
autor ainda complementa: “não ocorrendo, numa determinada situação concreta, a existência de
prejuízo, ou mais amplamente, de ofensa ou lesão a um dado bem jurídico, de ordem econômica ou
moral, não há que se cogitar de qualquer pretensão de cunho ressarcitório”. WAMBIER, Luiz
Rodrigues. Liquidação do dano: aspectos substanciais e processuais. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1988. p. 27.
199
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. IV. p. 22.
200
CARBONE, Vicenzo. Il fatto dannoso nella responsabilità civile. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio
Jovene, 1969. p. 102
90
Agora que foi explicado o sentido da palavra “tutela”, bem como se expôs a
autonomia entre ilícito e dano, passa-se ao estudo mais aprofundado das
modalidades de tutela que são utilizadas em cada caso.
2.1 TUTELA EXECUTIVA ESPECÍFICA
O bem ambiental é de difícil ou impossível quantificação monetária, pois, sendo um
interesse da coletividade, não pode ser reduzido em pecúnia. Em razão disso, a
tutela ressarcitória não é a mais adequada. Assim, a sentença condenatória que
sanciona o exeqüente ao pagamento de determinada quantia não é o meio mais
eficaz para proporcionar a reposição do bem lesado.
Por causa disso, o direito ambiental possui os princípios da prevenção e do poluidor
pagador que determinam a preferência pela tutela espefica do dano ambiental.
O princípio da prevenção tem por escopo não a reparação dos danos, mas a sua
prevenção, assim como seu próprio nome diz. Segundo Aragão,
[...] um grande número de instrumentos pode ser utilizado para esse fim:
avaliação do impacto de certos projectos sobre o ambiente; a definição de
condições de exploração para instalações industriais; testes e
procedimentos de notificação prévios à colocação no mercado de novos
produtos, máxime, produtos químicos; estabelecimento de valores limites
para as emissões de poluentes, etc.
201
Por sua vez, o princípio do poluidor pagador
[...] é um princípio típico do Estado social que obriga a criar norma que
alterem a ordenação espontânea de valores que se gera através das
regras do mercado (ordenação essa que redunda na subjugação da parte
mais fraca à mais forte) contribuindo assim para alcançar o bem-estar e a
justiça social.
202
201
ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedra angular da política
comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra editora, 1997. p. 70.
202
ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedra angular da política
comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra editora, 1997.p. 212. Para Benjamin, o PPP [...] impõe
ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição. Ou
seja, estabelece que o causador da poluição e da degradação dos recursos naturais deve ser o
responsável principal pelas conseqüências da sua ação (ou omissão). BENJAMIN, Antonio Herman
V. O princípio do poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman
V. (Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais,
91
A preferência pela tutela específica em sentido lato está configurada no §3º do artigo
225 da CF e no artigo 84 do Código de defesa do Consumidor:
Art. 225. [...]
§3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.
203
Art. 84. Na ão que tenha por objeto o cumprimento de uma obrigação
de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente
ao adimplemento.
Em matéria ambiental, sabe-se que a maior parte das obrigações são as de fazer ou
não-fazer. É preciso, então, recorrer a modalidades de tutela que imponham a
realização ou omissão de condutas e que não ensejam indenização.
Cada tipo de tutela será usada dependendo do momento em que se encontra o caso
concreto. Assim, se ainda não houve o dano, existe o ilícito que pode ser banido
pela tutela de remoção de ilícito. Exemplo disso é o descumprimento de uma
condicionante ambiental que obriga a enviar o relatório das atividades: ocorre o
ilícito, mas não o dano.
204
Além disso, a tutela específica em sentido estrito que impõe o não fazer (tutela
inibitória), também pode ser lançada mão nos casos em existe ilícito e se queira
impedir que a ação do agente cause danos ao meio ambiente. Da mesma forma, a
tutela específica em sentido estrito pode ser utilizada para impor ao agente a prática
de uma conduta, pois se houvesse abstenção haveria danos ambientais.
1993. p. 226-236.p. 228.Como se pode observar esse autor relaciona o princípio do poluidor pagador
com a responsabilidade civil ambiental.
203
Note-se que o referido artigo não fala sobre indenização dos danos, mas sim em uma obrigação
de reparar os danos causados “implicando, portanto, a realização de conduta comissiva no sentido de
reconduzir o bem lesado ao estado anterior à lesão”. SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial
em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.p. 308.
204
Sobre o tema, é importante ver: RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo civil ambiental. o
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008 p. 52 e ss.
92
Se, no entanto, o dano estiver caracterizado, primeiramente será tentada a forma
de compensação do dano por meio do resultado prático equivalente. Nesse caso, a
tutela específica “lato sensu” será acionada a fim de reparar o dano “in natura”.
Não sendo possível a concessão da medida compensatória, será o caso de usar,
de forma subsidiária, a tutela pecuniária, que irá sancionar o poluidor ao pagamento
de uma quantia.
Para uma melhor compreensão do tema, a tutela específica será analisada mais
profundamente a seguir.
2.1.1 A efetividade e a tutela específica “lato sensu”
“O processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito,
tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”
205
. Com essa
frase, Chiovenda demonstra, de forma clara, o real significado da efetividade do
processo.
Com vistas na relação de direito material, o processo deve servir como um
instrumento à consecução de um fim apto a entregar ao titular do direito material o
bem a ele devido. Isso se no momento em que é configurada a realização da
tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, da Constituição brasileira).
Nesse sentido, Taruffo explica que
“Infatti, il diritto de ottenere la prestazione dovuta è assistito dalla garanzia
constituzionale all’effettività della tutela, e quindi è um valore ‘più forte’,
perché più intensamente presidiato dall’ordinamento.”
206
Desse modo, para o processo atingir a sua efetividade, a satisfação do titular do
direito material por meio da bem da vida é preferível em relação ao ressarcimento
pecuniário.
205
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 2002.p. 67.
206
TARUFFO, Michele. Note sul diritto alla codanna e all’esecuzione. In: Revista de Processo. São
Paulo, ano 32, n. 144, fev. 2007. p. 57-84. p. 76.
93
Em razão disso, a execução genérica
207
não é eficaz quando se está diante da
transgressão de certos direitos, como os não-patrimoniais, tais como direito da
personalidade, interesses difusos ou coletivos, e nem quando as obrigações têm
natureza infungível
208
, que, em tais casos, o dinheiro não consegue realizar a
pretensão do credor.
Daí surge a necessidade da restauração da situação jurídica anterior. É preciso que
haja a “eliminazione degli effetti diretti della violazione sulla situazione giuridica
violata, ossi soddisfazione diretta dell´interesse che da quella situazione era
tutelato”.
209
Essa é a chamada tutela específica, que coloca à disposição do juiz os instrumentos
executivos de coerção e de sub-rogação, objetivando se alcançar o mesmo
resultado prático que o credor obteria se não fosse preciso recorrer ao órgão
jurisdicional.
Segundo os ensinamentos de Barbosa Moreira, tutela específica
[...] é o conjunto de remédios e providências tendentes a proporcionar
àquele (ou àqueles) em cujo benefício se estabeleceu a obrigação [...] o
preciso resultado prático atingível por meio do adimplemento, isto é, a não-
violação do direito ou do interesse tutelado.
210
Dessa forma, a prestação originária será convertida no equivalente pecuniário ou
no ressarcimento do dano se a tutela específica for impossível. Por isso, o valor do
207
“Execução ‘genérica’ [...] é assim chamada porque os meios executivos incidem sobre ‘qualquer
bem’ (inespecífico) sujeito à responsabilidade patrimonial e, a rigor, normalmente, para se alcançar o
dinheiro converte-se antes, juridicamente, um bem no valor devido. ABELHA, Marcelo. Manual de
execução civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.p. 40-41. Em consonância, Talamini: “Genérica é toda a
forma de tutela que tenda à obtenção de dinheiro no âmbito da responsabilidade patrimonial do
devedor”. TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão
aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 230.
208
Observa-se que a obrigação não é infungível. A infungibilidade está ligada à pessoa que irá
realizar a obrigação.
209
MANDRIOLI, Crisanto. esecuzione forzata in forma specifica: premesse e nozione generali.
Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1953. p.11. Para esse autor tutela específica é “dunque quella forma
di esecuzione che è idônea alla restaurazione della identica situazione giuridica violata attraverso una
diretta restituzione, e che realizza integralmente in via diretta codesta restaurazione col solo limite
derivante dalla mancata tempestividà della stessa”. p. 15.
210
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A tutela específica do credor nas obrigações negativas. In:
______.Temas de direito processual: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 30-44.p. 31.
94
direito de se obter a prestação devida por meio do adimplemento específico é muito
maior e não se compara à restituição em forma de pecúnia.
211
Assim, a tutela específica possui relação direta com a efetividade processual, que
por meio dela pode-se satisfazer a vontade do credor de forma mais precisa
possível: proporcionando o mesmo resultado que ele obteria se o devedor cumprisse
a obrigação espontaneamente.
212
2.1.2 Tutela específica “stricto sensu”
A expressão tutela específica prevista no “caput” dos artigos 84 do Código de
Defesa do Consumidor e 461 do Código de Processo Civil se refere à tutela
específica “stricto sensu”. Ela também está submetida aos mesmos ditames da
efetividade para se atingir o resultado prático igual ao cumprimento de forma
espontânea pelo devedor.
Recorre-se a ela sempre que a atuação do próprio devedor, no cumprimento da
obrigação, proporcionaria maior efetividade ao credor e é concretizada por meios
coercitivos que promovem uma persuasão psicológica a fim de estimular o devedor
a adimplir.
Os meios executivos de coerção são usados para todos os tipos de obrigação tanto
fungíveis
213
quanto infungíveis. No entanto, o seu manuseio é extremamente
importante quando nos deparamos com obrigações infungíveis na prática (ex. a
contratação de um pintor famoso para produzir uma obra de arte) e com direitos
211
TARUFFO, Michele. Note sul diritto alla codanna e allesecuzione. In: Revista de Processo. São
Paulo, ano 32, n. 144, fev. 2007. p. 57-84. p. 75.
212
É o que Barbosa Moreira quer dizer ao se referir ”postulado da maior coincidência possível”.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tendências na execução de sentenças e ordens judiciais. In:
______. Temas de direito processual: quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989.p. 215-242.p. 217.
213
Na opinião de que as obrigações fungíveis também comportam multa: MARIONI, Luiz Guilherme.
Tutela inibitória: individual e coletiva. 4. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 145, GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. In:
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva,
1996.p. 251-269.p. 255-256, TARUFFO, Michele. Note sul diritto alla codanna e all’esecuzione. In:
Revista de Processo. São Paulo, ano 32, n. 144, fev. 2007. p. 57-84.p. 80, ALVIM, Thereza. A tutela
específica do art. 461, do Código de Processo Civil. In: Revista de processo. São Paulo, ano 20. n.
80, out-dez 2005, p. 103-110. p. 107e MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil. 2. ed. rev., atual
e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 442-443
95
absolutos (ex. direitos da personalidade, meio ambiente), pois em ambos os casos é
imprescindível a prática da ação (ou omissão) pela pessoa do devedor.
214
Desse modo, a violação dos direitos absolutos determina o surgimento de um
comando positivo, ou seja, de uma obrigação pessoalmente determinada na pessoa
do violador. Dessa forma, o titular do direito não se atende por uma simples
abstenção, mas um comportamento (positivo) apto a restaurar a situação anterior.
215
Esse comportamento do devedor que azo ao adimplemento é determinado em
um provimento jurisdicional de eficácia mandamental dentro do processo de
conhecimento. Por meio dele é imposta uma ordem ao demandado, que deve ser
cumprida sob pena de configuração de crime de desobediência.
O juiz, ao ordenar os atos executivos coercitivos, tem à sua disposição a as medidas
do §5º do artigo 461 do CPC e §5º do artigo 84 do CDC como, por exemplo, multa
216
e a prisão civil. Essas medidas configuram a execução indireta que é uma classe de
execução identificada pela utilização de atos de pressão psicológica sobre o
executado de modo a persuadi-lo ao adimplemento da obrigação.
A multa não configura execução forçada, que é o tipo de execução em que a
constrição do patrimônio do obrigado. Na verdade, ela se refere à execução
indireta.
217
Para isso, o devedor deve acreditar que o cumprimento da obrigação é
muito mais vantajoso do que o meio coercitivo a ele imposto, motivo pelo qual a
coerção deve ser muito maior e mais pesarosa do que a própria prestação.
218
Por
essa mesma razão, resta claro que a multa não tem a finalidade indenizatória e sim
214
Sobre o tema ver MOREIRA, José Carlos Barbosa. A tutela específica do credor nas obrigações
negativas. In: ______.Temas de direito processual: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 30-
44 e ASSIS, Araken. Manual de execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 563.
215
MANDRIOLI, Crisanto. esecuzione forzata in forma specifica: premesse e nozione generali.
Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1953.35-36.
216
Essa multa tem a mesma natureza das “astreintes” do direito francês. Sobre a defesa sua
aplicação no direito italiano para as obrigações infungíveis ver DENTI, Vittorio. La giustizia civile.
Bologna: Il Mulino, 1989.p. 135 e PISANI, Proto. Lezione di diritto processuale civile. 4. ed. Napoli:
Jovene, 2002.p. 41.
217
GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. In: TEIXEIRA,
Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996.p.
251-269.p. 256.
218
Nesse sentido, MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: segunda série. São
Paulo: Saraiva, 1980.p. 38 e ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. Rio de Janeiro: Forense,
2006.p.35.
96
a de convencer o demandado a cumprir voluntariamente a obrigação, pois ela é
aplicada independentemente da indenização de perdas e danos.
219
Além disso, a multa pode ser imposta pelo juiz mesmo sem que o autor tenha
pedido, desde que ela seja “suficiente ou compatível com a obrigação”
220
, devendo
ser capaz de induzir o devedor a cumprir a obrigação, promovendo a tutela
específica.
Nesse sentido, Thereza Alvim afirma:
Suficiente ou compatível diz a lei, logo quer dizer o suficiente ou compatível
com a obrigação. Todavia, essa suficiência ou compatibilidade, com a
fixação da multa, de a obrigação vir a ser cumprida, de acordo com o juiz
da causa. Na concreção deste conceito vago não está o juiz adstrito ao
valor da obrigação ou qualquer limite, objetivando, exclusivamente a
adequação para a obtenção da tutela específica[...].
221
É óbvio, pois, que quando a prestação não for capaz de ensejar a tutela específica,
a multa não secabível, visto que a multa aplicada nesses casos não configuraria
medida coercitiva, mas mera punição.
222
A prisão civil, por sua vez, também é uma medida coercitiva. Ela é permitida
constitucionalmente apenas para os casos de dívida do devedor de alimentos e do
depositário infiel (art. 5º, LXVII da Constituição).
223
Há um entendimento na doutrina de que o artigo acima mencionado proíbe apenas a
prisão por dívidas, pois é o que está disposto expressamente, e, pelo seu silêncio,
219
É o sentido do §2º do art 461 CPC segundo: GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 188. WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela
específica das obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e 461 do CPC). In: TEIXEIRA, Sálvio de
Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 19-51. p. 47,
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p. 445 e DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do código de processo civil. 2.
ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1995. p.157.
220
É o que dispõe o §4º dos artigos 84 do CDC e 461 do CPC.
221
ALVIM, Thereza. A tutela específica do art. 461, do Código de Processo Civil. In: Revista de
processo. São Paulo, ano 20. n. 80, out-dez 2005, p. 103-110. p. 109.
222
GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p
192
223
Não obstante, o Pacto de San Jose da Costa Rica limita a prisão civil apenas para o caso de
devedor de alimentos.
97
permite a prisão em caso de desobediência de ordem do juiz em virtude dos
parágrafos 5º dos arts. 84 do CDC e 461 do CPC.
224
Em contrapartida, entende-se que a decisão descumprida refere-se a uma ordem do
juiz relacionada a um dever jurídico de pagar uma dívida e, por isso, ela não pode
ser aceita.
225
Na realidade, apesar de não se admitir a aplicação da prisão civil na hipótese dos
§§5º dos artigos 84 do Código de Defesa do Consumidor e 461 do Código de
Processo Civil, existe a possibilidade da prisão em razão do descumprimento de
ordem judicial. No entanto, essa prisão terá natureza penal e não civil, de acordo
com o artigo 330 do Código Penal.
226
Portanto, a tutela específica em sentido estrito é a utilização de meios coercitivos
com o objetivo de induzir o cumprimento (ou omissão) da obrigação pelo devedor.
2.2.3 Resultado prático equivalente
227
O resultado prático equivalente aludido no “caput” dos artigos 461 do Código de
Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor está inserido no conceito
de tutela específica em sentido “lato”
228
, visto que esta se divide em tutela específica
em sentido estrito e resultado prático equivalente.
Dito isso, fica claro que o resultado prático equivalente deverá se igualar ao mesmo
resultado que, para o credor
229
, seria aquele mesmo de quando houvesse
adimplemento. No entanto, o que o diferencia da tutela específica em sentido estrito
224
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. p. 208.
225
MEDINA afirma: “pois também nesse caso a prisão estaria ocorrendo por causa da dívida”.
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p. 461.
226
WATANABE, Kazuo et al. Código brasileiro de defesa do consumidor ... p. 847. MEDINA, José
Miguel Garcia. Execução civil.2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2004.p. 466.
227
Em que pese a respeitável e extremamente importante opinião do processualista Kazuo
Watanabe, que foi um dos membros da banca que avaliou o presente trabalho, a posição adotada
nesta sede é a de que a tutela específica e o resultado prático equivalente podem proporcionar
resultados diversos, em consonância com a efetividade do processo.
228
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.p. 214. TALAMINI.
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer...p. 230.
229
Houve o acréscimo a expressão “para o credor” por razões que abaixo irão ser demonstradas.
98
é que a obrigação não será realizada pelo devedor, mas pela conduta de terceiro
230
indicado pelo Estado-juiz.
Nos casos das obrigações que não são personalíssimas, ou seja, quando a
prestação é juridicamente infungível
231
ou fungíveis, não há necessidade de se
aguardar o devedor, que antes se recusou a cumprir espontaneamente a prestação,
a realizar sob coerção (de forma voluntária) se o credor tem a opção de lançar mão
de meios sub-rogatórios que independem da colaboração do obrigado.
Percebe-se que não se está aqui falando sobre sub-rogação da obrigação, que seria
a sua conversão em perdas e danos diante do descumprimento. O que se quer dizer
é que a sub-rogação é da via para a produção da situação final.
232
O provimento do juiz que determina os meios sub-rogatórios que substituem a
conduta do demandado possui eficácia executiva “lato sensu”
233
. Sendo assim, os
atos executivos serão realizados no próprio processo de conhecimento, tornando-se
desnecessário o processo autônomo de execução.
Assim, o resultado prático equivalente é o acionamento dos meios sub-rogatórios
para a satisfação do credor, trazendo o mesmo resultado que, em sua concepção, é
o mesmo do adimplemento.
230
É atribuído ao terceiro atos sub-rogatórios estatais por meio de um procedimento licitatório,
quando possível (exceto hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação). Em todo caso, a
relação é entre terceiro e o Estado e não entre o terceiro e o devedor, visto que essa relação tem
caráter público.É o que diz TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer ...
p. 298-299.
231
WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer
(arts. 273 e 461 do CPC). In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de
Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 19-51. p. 41 e GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela
jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.).
Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 251-269. p. 254
232
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos
deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003..p. 288 e WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela
específica das obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e 461 do CPC). In: TEIXEIRA, Sálvio de
Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 19-51. p. 44.
ABELHA, Marcelo. Elementos de direito processual civil. 2. ed. rev, atual e ampl. v. 2. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. nota 18.p. 232.
233
Barbosa Moreira não concorda com esse termo e, sempre que pode, pergunta se existe alguma
sentença executiva “stricto sensu”. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual:
oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 129-142. p. 132.
99
2.1.4 Poderes do juiz e a tutela específica “lato sensu”
A redação dos artigos 84 do Código de Defesa do Consumidor e 461 do Código de
Processo Civil trouxeram como inovação um novo tipo de tutela, a específica. A
complexidade da redação do dispositivo dá ensejo a diversas análises, tais como: a
ampliação dos poderes do juiz, a mitigação do princípio da congruência e a
fungibilidade da tutela específica em sentido lato. Todos serão vistos neste capítulo,
mas antes, para uma melhor compreensão deste item, urge discorrer sucintamente
acerca do pedido do autor no que tange à execução específica.
2.1.5 O pedido do autor
Ao elaborar a petição inicial, o autor formula um pedido que tem como conteúdo o
objeto do litígio. Ele pede ao órgão judicial a realização de determinada
providência.
234
Nesse momento, ele estabelece os limites do julgamento da
demanda. Esse é o princípio da congruência, ou da correlação que é a adstrição do
juiz ao pedido. Assim, uma restrição do juiz de conceder provimento igual ao que
foi pleiteado, nem mais, nem menos e nem diferente. Dentro do pedido estão
contidos o pedido imediato e o pedido mediato. Aquele é a providência jurisdicional
solicitada, já este é o bem da vida que o autor deseja obter.
Com relação ao tipo de tutela requerida pelos artigos 461 do diploma processual e
84 do CDC, o pedido imediato irá variar entre a tutela específica e/ou o resultado
prático equivalente. o pedido mediato irá ser configurado pela obrigação de fazer
ou de não fazer, ou seja, “o que fazer” ou “o que não fazer”. Ressalta-se que o
pedido mediato não sofrerá modificações, pois o provimento jurisdicional deve ser
emitido com base nas necessidades do autor, guiado por sua verdadeira vontade.
235
234
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 23. ed. rev e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 200. p. 10.
235
Nesse sentido TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer ... .p. 404.
E opinião contrária MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 4. ed. rev, atual.
e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 158.
100
2.1.6 Poderes do juiz e o princípio da congruência
Pelo que foi exposto, observa-se que os artigos 461 do CPC e 84 do CDC ensejam
a tutela tanto mandamental, por meio dos atos coercitivos quanto executiva “lato
sensu”, em razão dos atos sub-rogatórios. Portanto, pode haver a aplicação de um
ou outro ato como também a sua simultaneidade.
236
Fica a cargo do juiz a decisão sobre qual dos mecanismos executivos (coercitivos ou
sub-rogatórios) irá ser aplicado para cada caso concreto, desde que sejam
respeitados os limites do pedido do mediato autor.
237
A observância da relação
jurídica material será determinante para a escolha entre a tutela espefica “stricto
sensu” ou o resultado prático equivalente.
Como se pode observar, os poderes do juiz foram reforçados, na medida em que o
legislador conferiu a ele o poder de adotar as medidas adequadas à tutela espefica
em sentido estrito.
238
É claro que, em se tratando de obrigações de não fazer e de fazer infungível,
haverá a possibilidade de utilização da tutela específica. Nas obrigações de fazer
fungíveis, o resultado prático equivalente somente será acionado se ele proporcionar
o resultado de modo mais barato e rápido. De outro modo, a via da tutela específica
será a indicada.
Existem, ainda, hipóteses em que a coerção e a sub-rogação, em conjunto, irão
proporcionar o resultado mais proveitoso ao credor, pois nada impede o uso
simultâneo de ambos.
Dessa maneira, o magistrado pode adaptar os vários meios executivos que os
artigos 461 do CPC e 84 do CDC possibilitam, de forma adequada ao caso concreto,
236
Nesse sentido, WATANABE, Kazuo. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor ... . p. 845 e
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer ... . p. 284.
237
Não existe uma ordem de preferência entre os atos de coerção e de sub-rogação. TALAMINI,
Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer ..... p. 284.
238
WATANABE, Kazuo. et al. Código brasileiro de defesa ... . p. 791.
101
com a finalidade de atender a verdadeira intenção do autor no momento em que ele
faz seu pedido mediato.
239
Assim, o juiz está autorizado a conceder a tutela específica e/ou o resultado prático
equivalente, observando sempre o que o autor pediu, visto que o pedido mediato
vincula o juiz.
240
Observa-se que nem sempre o que foi pedido pelo autor será realizado exatamente
da mesma maneira que ele desejou inicialmente, por isso, suscita-se que este
dispositivo traz uma relativização do princípio da congruência
241-242
.
O que ocorre é a não aplicação do princípio da congruência ao pedido imediato
243
a
fim de que a correspondência entre o provimento e o pedido mediato proporcione
aquele mesmo resultado final desejado pelo autor. Nessa linha de raciocínio, as
demandas relativas aos artigos 84 do CDC e 461 do CPC configuram apenas uma
mitigação do princípio da congruência e, não uma exceção.
244
Todavia, nem sempre o juiz modificará o pedido imediato do autor, visto que se os
meios executivos requeridos possuam o condão de propiciar a real satisfação o
autor, a parte terá formulado o pedido correto e não haverá motivo para modificá-lo.
239
Não sub-rogação da obrigação e nem conversão da obrigação, existe uma única obrigação
que será solucionada por outros instrumentos executivos. Nesse sentido TALAMINI, Eduardo. Tutela
relativa aos ... p. 286. Em contraposição: WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela
específica... .p. 19-51. p. 44 e MARIONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva.... . p.
158.
240
O artigo fala que o resultado prático equivalente será concedido apenas se procedente o pedido,
no entanto acreditamos que ele possa ser concedido antes, em sede de tutela antecipada, é o que
diz, entre outros, ABELHA, Marcelo. Elementos de direito processual civil. 2. ed. rev, atual e ampl. v.
2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. nota 17.p. 232.
241
Kazuo Watanabe a rechaça a ofensa a esse princípio ao afirmar que o próprio legislador federal,
que tem competência legislativa em matéria processual que torna esse artigo exceção. WATANABE,
Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de... p. 43.
242
Guilherme Freire de Barros Teixeira acredita que nas demandas relativas às obrigações de fazer e
não fazer há, também, uma mitigação do princípio da eventualidade. TEIXEIRA, Guilherme Freire de
Barros. O princípio da eventualidade no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.p.
224.
243
O pedido mediato será o mesmo, entretanto haverá uma modificação do pedido imediato. Nesse
sentido, TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos
deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003., p. 404.
244
Em defesa da exceção ao princípio da congruência: MARIONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória:
individual e coletiva. 4. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 159. Para
esse autor tanto o pedido mediato quanto o imediato podem ser alterados.
102
No entanto, se o magistrado constatar a inutilidade de tais pedidos imediatos ou
perceber um outro meio mais eficaz
245
, ele não estará realizando um julgamento
“extra petita”, já que o autor, em sua inicial, sabe que está submetido a essa
possibilidade no momento que pleiteia a tutela específica em sentido lato.
2.1.7 A fungibilidade da tutela específica “lato sensu”
Como foi explicado anteriormente, os artigos 84 do CDC e 461 do CPC possibilitam
a alteração do meio executivo se aquele que foi previamente escolhido pelo autor
não for o suficiente para proporcionar ao titular do direito material tudo aquilo que ele
tenha o direito de obter do processo. Aí está configurada a aplicação do princípio da
fungibilidade
246
na tutela específica “lato sensu”.
Se o autor, hipoteticamente, requerer a tutela específica “stricto sensu” e o juiz
perceber que ela não é eficaz para aquele caso concreto ou, no decorrer do
processo ela perdeu sua eficácia, deve utilizar o resultado prático equivalente.
também fungibilidade no tocante às perdas e danos, que elas irão ser
aplicadas pelo juiz quando o resultado prático equivalente e a tutela específica
“stricto sensu” forem impossíveis de se alcançar.
247
É importante deixar claro que o autor não pode requerer a alteração do pedido para
obter perdas e danos se o resultado prático equivalente e a tutela específica em
sentido estrito puderem ser realizados de forma efetiva.
248
As perdas e danos são a
última opção que o autor pode conseguir. Primeiramente devem ser tentadas todas
as medidas capazes de entregar a quem de direito aquilo que deve receber.
245
Sempre observando o princípio do menor sacrifício possível do executado.
246
O princípio da fungibilidade é assim conceituado por Teixeira: “é a possibilidade de substituição de
uma medida por outra, admitindo-se aquela erroneamente utilizada como se tivesse sido empregada
uma outra mais adequada à situação concreta existente nos autos, sendo irrelevante eventual
equívoco no manejo de medida inapropriada pela parte”. O princípio da fungibilidade. Trabalho
apresentado para exame de qualificação, em Doutorado, à Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, 2005. p. 96.
247
É o que diz o § 1º do artigo 461 do CPC.
248
Talamini fala em indisponibilidade do resultado específico.TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos
deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e
461-A; CDC, art. 84). 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.p. 332.
103
Dessa forma, o provimento jurisdicional entregue pelo juiz deve ser o mais adequado
para a situação levada ao juízo. A única limitação que o juiz possui á a “efetividade
da proteção jurídica e o princípio da menor interferência. Dentro destes extremos, é
livre o juiz para conceder a medida que lhe pareça a mais conveniente”
249
.
2.2 TUTELA EXECUTIVA PECUNIÁRIA
Em matéria ambiental, a tutela executiva pecuniária é indesejável para reparar o
dano. Como se disse ao longo desse trabalho, o bem ambiental não comporta
reparação em pecúnia, haja vista que não possui equivalente em moeda.
A melhor tutela a ser utilizada é, sem dúvida, aquela que impede a degradação, pois
os danos ambientais são de difícil ou impossível reparação e, por isso, as presentes
e futuras gerações sofrerão com a sua falta. Assim, impedir o dano é permitir o
acesso de todos ao meio ambiente equilibrado.
No entanto, nas hipóteses em que houve dano, deve-se tentar, antes de tudo, a
reparação in natura que, como foi dito, é uma forma de tutela específica lato
sensu. Se o resultado prático equivalente não for possível, a tutela monetária será a
única saída.
É importante deixar claro que a tutela pecuniária somente será usada quando não
for possível a tutela específica. Conforme Salles,
A responsabilidade civil por dano ambiental é primordialmente de ‘recuperar’
o bem lesado em sentido próprio, impondo ao degradador a obrigação de
promover a eliminação dos danos a ele atribuídos. A obrigação de indenizar
ou ressarcir, em soma pecuniária, é medida secundária, subsidiária daquela
constitucionalmente referida. Deve, por isso, ser usada apenas quando
esgotadas as possibilidades de recomposição do bem lesado.
250
São os casos em que houve o dano, não comportam a reparação in natura e não
mais motivo para estabelecer medidas preventivas ou mesmo nos casos em que
249
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000.p. 129.
250
SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p. 309.
104
a tutela espefica impediu a continuação do ilícito, mas não foi suficiente para
sustar a ocorrência do dano.
situações que necessitam de uma indenização, pois o dano é irreparável de
outra forma. Pode-se citar como exemplo a extinção de uma espécie animal. Nesse
caso, não há o interesse para uma tutela específica.
Para tais casos, a Lei 7347/85 traz, no caput do seu artigo 13, a possibilidade de
haver pedido indenizatório na Ação Civil Pública:
Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano
causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por
Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério
Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados
à constituição dos bens lesados.
Apesar de a tutela monetária não ser a mais adequada, deve-se, ao menos, tentar
estabelecer meios de reparação pecuniária que permitam uma maior efetividade na
restauração do bem ambiental. Isso porque a degradação do meio ambiente é uma
forma de expropriação e o bem ambiental não se sujeita a apropriação por nenhum
dos titulares.
2.2.1 Execução por quantia certa
De acordo com a natureza da obrigação, o Código de Processo Civil estabeleceu
espécies de execução. Para as obrigações de pagar quantia, tem-se à disposição do
credor o procedimento da execução por quantia certa, regulado nos artigos 475-J e
ss e 646 e ss do CPC, para os títulos executivos judiciais e extrajudiciais,
respectivamente.
A natureza do direito ou interesse material, quer ele seja individual ou difuso, não
comporta tipos de execução diversos de acordo com o diploma processual. É certo
que existem normas (escassas) disciplinando a execução quando se trata de
interesses difusos ou coletivos. Todavia, quando há lacunas no microssistema
processual desses interesses coletivos “lato sensu”, a saída é recorrer às regras do
Código de Processo Civil.
105
Por isso, em se tratando de execução pecuniária dos interesses difusos, é
necessário estudar a execução por quantia certa no diploma processual, com a
ressalva de que o aplicador da lei não pode se deixar levar pelas generalidades
dispostas no CPC quando se trata de interesses difusos. Não é demais lembrar que
a elaboração do diploma processual sofreu influências do Estado Liberal e, por isso,
ele tem a função precípua de regular conflitos entre particulares. Para a tutela dos
interesses difusos, todavia, há necessidade de adaptar os institutos voltados à
proteção individual.
251
Oportuna é a lição de Salles:
Não se trata, é claro, de repudiar essa característica básica de
generalidade do sistema processual, mas de alertar para a diversidade de
situações, da qual emergem problemas, a exigir respostas processuais
diferenciadas.Impõe-se, pois tomar consciência dessa transubstancialidade
da norma processual, que, à falta de disposição específica, caberá ao
direito processual e ao juiz, no caso concreto, a tarefa de adaptação
interpretativa das regras procedimentais às situações concretas a ele
colocadas.
252
O cuidado na aplicação de determinadas normas do direito processual para
solucionar os problemas dos interesses difusos deve ser ainda maior quando a
tutela é pecuniária. Isso porque os interesses difusos o são patrimonializáveis e a
tentativa de estabelecer uma quantia a título de indenização para tentar reverter o
dano nem sempre proporciona a total reparação do dano e a entrega do bem
ambiental para o desfrute das presentes e futuras gerações.
2.2.2 O processo sincrético nas execuções por quantia certa
Na sistemática originária do Código de Processo Civil vigorava o princípio da
autonomia do processo de execução em relação ao processo de conhecimento. Isso
porque a cognição e a execução são atividades distintas. A primeira se presta à
análise da lide com a prolação de uma sentença. a segunda tem como objetivo a
atuação da sentença no mundo dos fatos.
251
Sobre o tema, ver capítulo 1, parte II do presente trabalho.
252
SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p. 309. p. 304.
106
Nesse sentido, Barbosa Moreira explica que enquanto a finalidade do processo de
conhecimento é a busca das partes pela sentença final, no processo de execução,
há necessidade de atos físicos para a atuação da norma jurídica concreta.
253
Em razão do caráter teleológico dessas duas formas de tutela jurisdicional, a
cognição tem o condão de determinar a procedência ou não do pedido e conferir ao
autor a possibilidade de iniciar a atividade de concreção do direito material previsto
na norma jurídica individual, característica da execução.
Em observância ao princípio da autonomia entre a cognição e a execução, tanto os
atos executivos como os cognitivos devem ser “puros”, ou seja, não pode existir
cognição na execução e nem vice-versa.
Nos dizeres de Liebman, “é, pois, natural que a cognição e a execução sejam
ordenadas em dois processos distintos, construídos sobre princípios e normas
diferentes, para a obtenção de finalidades muito diversas”
254
.
Assim, não discussão no processo executivo acerca da existência ou o do
crédito do exeqüente, o que existe são apenas atos de constrição de bens do
patrimônio do devedor para repassá-los ao credor.
Nessa linha de raciocínio, no processo de execução
[...] não se persegue uma sentença, mas um pagamento, que não efetuado
pelo devedor, como era de sua obrigação, haverá de ser ultima pelo juízo,
por meio de uma sub-rogação. O órgão blico invadirá a esfera
patrimonial do devedor para de lá extrair o bem ou valor com o qual se dará
cumprimento forçado à prestação que satisfará o direito do credor já
certificado no título executivo.
255
É importante observar, todavia, que não se pode confundir o binômio cognição-
execução com o processo de conhecimento-processo de execução. A cognição e a
execução não se misturam, porém os processos de conhecimento e de execução
253
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 25. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 2007. p. 203.
254
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução . 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 44.
255
THEODORO JÚNIOR, Humberto. A reforma da execução do título extrajudicial. Rio de Janeiro:
Forense, 2007. p. 174.
107
não são compartimentos estanques. Em outras palavras, pode existir uma execução
no processo de conhecimento (ex: ação mandamental e executiva), bem como uma
cognição no processo executivo.
256
Todavia, diante das reformas que vêm sendo feitas no Código de Processo Civil,
verifica-se que a tendência é a flexibilização do princípio da autonomia do processo
de execução.
O legislador já vinha com esse pensamento desde 1994, quando houve a reforma do
artigo 461 do CPC. Após a lei 8.952/94, o processo passou a ser uno nas execuções
das obrigações de fazer e não-fazer quando o título é judicial, ou seja, inicia-se com
a fase de conhecimento e, posteriormente passa-se à fase executiva sem que haja a
necessidade de interposição de uma nova ação execução. Nesses casos o juiz, de
ofício, inicia o cumprimento da sentença
257
.
Na seqüência de reformas do CPC, a Lei 11.232/05 trouxe uma inovação: as
sentenças condenatórias de pagamento de quantia passam a ser executadas na
mesma relação processual em que foram emitidas.
O processo, então, é dividido em duas fases: a cognitiva e a executiva e, na
passagem de uma para outra, não haverá propositura de uma nova ação especifica
de execução de sentença e, conseqüentemente, não haverá uma nova petição
inicial. Haverá apenas um requerimento do exeqüente sem a citação do executado,
que será intimado dos atos de constrição executiva, conforme o parágrafo do
artigo 475-J do CPC.
O “processo sincrético”
258
nas execuções das obrigações de pagar quantia foi
elaborado com o propósito de trazer uma maior efetividade e economia processuais.
256
WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: DJP, 2005. p.
53.
257
Segundo o artigo 475-I, “o cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta
Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos
deste capítulo”.
258
Processo sincrético” é expressão utilizada por Barbosa Moreira para designar o processo que
possui as fases cognitiva e executiva em um só tempo.
108
É sobre a execução por quantia certa que o tópico seguinte irá tratar. Em razão do
tema deste trabalho, será dada ênfase à responsabilidade patrimonial.
2.2.3 Responsabilidade patrimonial
A partir do século XIX, após a elaboração da teoria Shuld und Haftung pelo
doutrinador alemão Alois Brinz, a essência da obrigação não era mais considerada
uma prestação do devedor (débito) face ao direito de exigir o cumprimento da
obrigação por parte do credor (crédito). Começou a vigorar o entendimento de que a
obrigação é dividida em dois elementos autônomos: o débito e a responsabilidade. E
esta seria a verdadeira essência da relação obrigacional.
259
Seguindo essa teoria, o obrigado tem o dever de cumprir a obrigação (débito).
Entretanto, caso fique inadimplente, o credor não tem o direito a uma prestação do
devedor, mas o seu direito recai sobre o patrimônio do obrigado
260
. Essa garantia
que tem o credor de poder “usar” o patrimônio do devedor para a satisfação da
obrigação chama-se responsabilidade patrimonial.
261
Verifica-se, então, que
259
“Aprofundada a análise, verifica-se que a obligatio [responsabilidade] é da essência da relação
obrigacional, pois não contém apenas o dever de prestação, mas sujeição do patrimônio do devedor,
ou de outrem ao pagamento da dívida” GOMES, Orlando. Obrigações . 16. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 20.
260
Ressalta-se que não há direito do credor sobre os bens do patrimônio do devedor, mas a
responsabilidade patrimonial permite que esses bens se sujeitem à execução. Conforme afirma Satta:
“Se così è prerò, noi questo diritto do invasione della sfera giuridica del debitore lo conosciamo già: e
sappiamo che non è um diritto, ma um potere, del titolare del diretto, e precisamente l´azione: nella
sua forma più pura, e magari pprimitiva, ma azione. Il legame dunque fra bene del debitore e il
diritto è dato proprio dall´azione, che è il potere di escludere il debitore dal bene, di prendere, contro la
sua volontà, il bene dovuto”. SATTA, Salvatore. L´esecuzione forzata. Milano: Mvlta Pavcis, 1967.p.
37.
261
Na antiguidade, especificamente no direito romano, a dívida era paga com liberdade do devedor,
que deveria se tornava escravo em caso de inadimplemento: “A expropriação por dívidas também é
desconhecida pelo antigo direito das cidades. A Lei das Doze Tábuas seguramente não poupa o
devedor, mas não permite que a sua propriedade seja confiscada em proveito do credor. O corpo do
homem responde pela dívida, não o faz a terra, porque esta é inseparável da família. Era mais fácil
escravizar o homem que lhe tirar o direito de propriedade, que pertencia mais à família do que a
ele próprio; o devedor está nas mãos do credor; a sua terra, contudo, de modo algum o acompanha
na servidão. O senhor que, em seu proveito uso das forças físicas do homem, goza também dos
frutos da terra, mas não se torna seu proprietário. Como o direito de propriedade é inviolável e
superior a qualquer outro direito!” COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret,
2002. p. 77.Com o passar do tempo o direito inverteu os valores. Atualmente, a inadimplência permite
a apropriação dos bens do devedor por meio de medidas executivas.
109
[...] o direito de crédito tem como fim imediato uma prestação, e remoto, a
sujeição do patrimônio do devedor. Encarada essa dupla finalidade
sucessiva pelo lado passivo, pode-se distinguir, correspondentemente, o
dever de prestação, a ser cumprido espontaneamente, da sujeição do
devedor, na ordem patrimonial, ao poder coativo do credor. Analisada a
obrigação perfeita sob essa dupla perspectiva, descortinam-se dois
elementos que compõem seu conceito. Ao dever de prestação corresponde
o debitum, à sujeição, a obligatio, isto é, a responsabilidade.
262
Para garantir a satisfação do direito do credor, caso haja inadimplemento, o
patrimônio do devedor fica em um estado de sujeição perante a execução. As
medidas executivas irão substituir a vontade do devedor e retirar bens do seu
patrimônio para convertê-los em pecúnia.
263
Segundo Liebman, a execução é considerada uma sanção, pois ela permite que o
Estado adentre no patrimônio do obrigado contra ou sem a sua vontade para
satisfazer o direito do credor.
264
Para tanto, são utilizados meios sub-rogatórios a fim
de que os bens do patrimônio do devedor sejam retirados de sua esfera patrimonial
e, posteriormente, expropriados para o pagamento da dívida.
Assim, havendo o descumprimento da obrigação de pagar uma determinada
quantia
265
, a esfera patrimonial do devedor é invadida a fim de que seus bens sejam
transformados em dinheiro para proporcionar ao credor exatamente o que ele queria
ter recebido da obrigação original.
Ressalta-se que quando o descumprimento de uma obrigação específica (fazer,
não-fazer ou entrega de coisa), a execução se converterá em execução por quantia
262
GOMES, Orlando. Obrigações . 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 19.
263
A submissão do devedor não significa que ele não possa se defender dos atos de constrição.
Basta lembrar que ele possui defesas das quais pode lançar mão sempre que necessário.
264
Em suas palavras, é “a atividade desenvolvida pelos órgãos judiciários para dar atuação à sanção
recebe o nome de execução; em especial, execução civil é aquela que tem por finalidade conseguir
por meio do processo, e sem o concurso da vontade do obrigado, o resultado prático a que tendia a
regra jurídica que não foi obedecida”. LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução . 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 1980. p. 4.
265
Alguns autores entendem que a responsabilidade patrimonial também se faz presente nas
execuções para entrega de coisa quando o bem objeto da execução pertence ao executado. Dentre
outros: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros,
2004. v. IV. p. 326. ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007. p. 200. No entanto, a responsabilidade patrimonial recai sobre quaisquer bens do executado
(com exceções, claro) para que haja a transformação em dinheiro (execução genérica) e não sobre
um bem específico do seu patrimônio (execução específica). Daí porque se entende aqui que
somente há de se falar em responsabilidade patrimonial nas execuções por quantia certa.
110
certa. Somente aí é que se pode observar a incidência da responsabilidade
patrimonial.
266
Pelo que foi dito extrai-se que a responsabilidade patrimonial é a sujeitabilidade do
patrimônio do devedor às medidas executivas para a satisfação do crédito. Ela
vincula os bens do obrigado (passíveis de expropriação) para fazer com que eles
respondam pela dívida.
Ela é considerada a garantia que tem o credor que a sua dívida sepaga, porque
ele sabe que aquele patrimônio está disponível para o pagamento em caso de não
cumprimento da obrigação.
De acordo com Cahali,
[...] o patrimônio do devedor é a garantia comum dos credores, ou, mais
precisamente, no patrimônio do devedor encontra-se a garantia dos
credores, na medida em que tal patrimônio responde pelas obrigações
assumidas pelo seu titular, em caso de inadimplemento voluntário.
267
A atuação do Estado-juiz para invadir o patrimônio do devedor poderá ser requerida
quando houver o descumprimento da obrigação
268
. Antes disso, a execução não
poderá ser iniciada porque falta lhe um dos requisitos básicos para a sua
propositura: o inadimplemento
269
.
Por ser uma garantia do credor diante do inadimplemento do devedor, a
responsabilidade patrimonial existe desde a formação do vínculo obrigacional e
266
Pode-se dizer que há tutela específica nos casos em que a obrigação originária é o dever de pagar
uma quantia e a execução proporciona o pagamento, visto que já era o que o credor desejava antes
do inadimplemento. No entanto, quando o devedor não cumpre uma obrigação específica (fazer, não-
fazer ou entrega de coisa) pode acontecer de os bens do devedor serem expropriados para o
pagamento de indenização por perdas e danos. Nesse caso, tem-se a execução genérica.
267
CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p. 24.
268
A responsabilidade patrimonial “[...] relaciona-se com o inadimplemento, que é fato superveniente
à formação do vínculo obrigacional, pois somente após descumprir o dever de prestar o obrigado
sujeitará seus bens à execução. Por conseguinte, antes do inadimplemento o credor não pode iniciar
a execução [...]”. ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007. p. 200.
269
Não é demais lembrar que o inadimplemento e a obrigação líquida, certa e exigível (representada
no título executivo) são os requisitos para dar início a uma execução, conforme o artigo 580 do CPC.
111
perdura até a satisfação do direito do credor. Desse modo, ela é considerada uma
limitação ao patrimônio do devedor desde o seu surgimento porque
ao vincular-se, porém, a uma obrigação, o devedor não sujeita-se a
prestar aquilo que lhe constitui o objeto, como, ao mesmo tempo, assume
outra obrigação, de natureza subsidiária, de natural conseqüência, que é a
de não desfalcar o seu patrimônio aquém do nível de equilíbrio entre os
seus bens e suas dívidas.
270
Por isso, a responsabilidade patrimonial é apenas uma expectativa de direito no
momento em que as partes contratam. Entretanto, ao haver o descumprimento da
obrigação, essa expectativa transforma-se em direito do credor de ver o patrimônio
do devedor submetido à execução forçada.
271
Assim, o nascimento da responsabilidade patrimonial ocorre no momento em que
surge a obrigação, mas apenas como uma expectativa, que somente virá a se tornar
direito em caso de inadimplemento.
272
270
CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p. 467. Segundo Alcides de Mendonça Lima, “Desde o momento em que se forma a
obrigação, o credor passa a ter interesse no patrimônio do devedor no mínimo em que esse se
conserve como era. Qualquer desfalque material ou jurídico poderá ser ruinoso para o credor,
pois pouco a pouco, os bens poderão desaparecer, e, conseqüentemente, extinguir-se a garantia que
os mesmos representam, se o devedor se tornar inadimplente. LIMA, Alcides de Mendonça.
Comentários ao código de processo civil. 6. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1990. v. VI. p.
419.
271
Alguns autores entendem que a responsabilidade patrimonial passa a existir no momento em que
execução. É certo que a responsabilidade patrimonial existirá também no momento da execução,
entretanto o núcleo do seu conceito é a “garantia” e, por isso ela existe desde a formação da
obrigação. Se, por outro lado, a responsabilidade patrimonial fosse relacionada às medidas
executivas, sim ela existiria quando houvesse a execução.
Observando a responsabilidade
patrimonial do ponto de vista das fraudes contra credores, fica claro que o seu nascimento deve
acontecer juntamente com a obrigação. Isso se deve ao fato de que a fraude contra credores ocorre
quando ainda o processo (nem de execução e nem mesmo de conhecimento) e, por isso, os
bens do devedor devem garantir a dívida (pelo menos na forma de uma expectativa) desde a
formação da obrigação. De forma contrária ao entendimento aqui defendido, Dinamarco afirma que a
responsabilidade patrimonial corresponde às atividades realizadas pelo Estado-juiz para trazer ao
credor os bens do patrimônio do devedor por meio dos atos executivos. Assim, para ele, a
responsabilidade patrimonial tem natureza processual. Por isso ele diz que a responsabilidade
patrimonial é dinâmica e o débito é estático porque este é categoria do direito material. Ainda
segundo ele, o bito ou obrigação é uma situação jurídica de desvantagem consistente na mera
expectativa alimentada pelo direito de que do patrimônio de um sujeito saia algum bem para a
satisfação do crédito de outro. Não estabelece o que o credor deve fazer quando o obrigado não
cumpre a obrigação. O débito (ou obrigação) é categoria do direito material e por isso é estático
porque não confere ao titular do direito a força para trazer para si os bens do devedor. DINAMARCO,
Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2004. v. IV. p. 323-326.
Nesse mesmo sentido: CASTRO, Amílcar de. Do procedimento de execução: código de processo
civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 52. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de
execução e cumprimento de sentença. 25. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: LEUD, 2008. p. 160.
272
Pensam assim, dentre outros: ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 3. ed. rev., atual e
ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 68-69. CAHALI, Yussef Said. Fraude contra
credores. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 22.
112
Portanto, de acordo com o princípio da responsabilidade patrimonial, os bens do
devedor o utilizados como um meio subsidiário para o pagamento da obrigação.
Espera-se primeiro o devedor cumprir a obrigação que ele deveria, no entanto se ele
ficar inadimplente, os seus bens são expropriados para a quitação da dívida.
Essa regra é disposta no artigo 591 do CPC, segundo a qual “o devedor responde,
para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e
futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
Esse artigo merece críticas porque não indica o marco temporal para se aferir a
partir de que data os bens são considerados presentes ou futuros, ou seja, os bens
são presentes e futuros em relação a que dia? Entretanto, a doutrina tem afirmado
que os bens sujeitos à responsabilidade patrimonial são aqueles presentes e futuros
ao tempo da formação do vínculo obrigacional, pois com a formação da obrigação
tem início a responsabilidade patrimonial.
273
O citado artigo traz dois pontos importantes. Ele dispõe que todos os bens do
devedor vão responder pelas obrigações contraídas (inclusive os que ingressarem
em seu patrimônio depois de contraída a dívida ou iniciada a execução). Além disso,
ele diz que somente os bens do devedor vão responder por suas obrigações.
274
No entanto, o artigo 591 do CPC estabelece exceções. Segundo ele: 1) bens do
devedor que não respondem por suas obrigações; e 2) bens de terceiros que
respondem por elas.
Em relação à primeira exceção, podem existir bens dentro do patrimônio do devedor
excluídos da responsabilidade patrimonial. São os bens impenhoráveis e
inalienáveis.
275
273
Pensam assim, dentre outros: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual
civil. São Paulo: Malheiros, 2004. v. IV. p. 328. ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 3. ed.
rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 72. Em sentido contrário: CASTRO,
Amílcar de. Do procedimento de execução: código de processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2000. p. 52.
274
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução . 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980.p. 100.
275
Conforme disposição do artigo 648 do CPC Não estão sujeitos à execução os bens que a lei
considera impenhoráveis ou inalienáveis”.
113
No que tange à segunda, os bens de terceiro respondem pela dívida de outrem em
razão da autonomia entre a dívida e a responsabilidade. Por isso, pode acontecer de
os terceiros sujeitarem-se aos efeitos da execução sem que figurem na condição de
parte (devedor). É o que Liebman chama de responsabilidade executória
secundária
276
. Os bens de terceiros que se submetem à responsabilidade
patrimonial são, conforme o artigo 592 do CPC, do sucessor a título singular, do
sócio, do cônjuge e o do adquirente ou beneficiário da oneração de bem alienado ou
gravado em fraude de execução.
277
Na próxima parte deste trabalho, o tema da responsabilidade patrimonial será
retomado, ao serem estudadas as técnicas para trazer efetividade à tutela
pecuniária.
276
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução . 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 95.
277
Propositadamente excluiu-se desse rol o inciso III do artigo 592, haja vista que os bens do devedor
em poder de terceiros nada mais são do que bens de propriedade do devedor.
114
PARTE III
O MEIO AMBIENTE E A SUA EXECUÇÃO CIVIL
1 QUESTÃO PRÉVIA: A QUANTIFICAÇÃO DO DANO AMBIENTAL
Para quantificar o dano ambiental, é preciso, antes de tudo, saber quanto vale o
meio ambiente. Atribuir um valor à natureza é um problema de difícil solução,
contudo, quando não há possibilidades de se evitar o dano e nem de repará-lo in
natura, o ressarcimento pecuniário é a única saída. Nesses casos, aceitar que o
meio ambiente não possa ser reparado por uma quantia é o mesmo que deixá-lo
sem proteção.
Não nada de extraordinário encontrar, em uma floricultura, etiquetas indicando
quais os preços das mudas de plantas ou mesmo em saquinhos de terra vegetal.
É interessante notar que ninguém se espanta ao se deparar com esse tipo de
valoração da natureza.
Pega-se como exemplo uma mudinha de ipê. Imagine que essa muda seja vendida
pela quantia de R$ 4,00 (quatro reais). Será mesmo que uma parcela da natureza,
ainda que ínfima, vale míseros quatro reais?
O valor dado à natureza corresponde ao direito fundamental ao meio ambiente
sadio, que não é do dono da floricultura (que mensurou o valor das suas
“mercadorias”), mas é de toda a coletividade presente e futura.
Então será que vale a pena quantificar o meio ambiente? Atribuir um valor monetário
ao meio ambiente tem seus benefícios. Conforme resultado do estudo econômico
realizado nos países da OCDE, as vantagens em atribuir um valor ao meio ambiente
são:
115
Em primeiro lugar, porque permite demonstrar até que ponto o ambiente é
importante para uma boa parte da população, legitimando
democraticamente as políticas ambientais em curso. Em segundo lugar,
permite comparar custos e benefícios, analisando, do ponto de vista
financeiro, o valor social dos investimentos e despesas efectuadas pelos
poderes públicos.
278
Quando ocorre o dano ambiental
279
e este não puder ser reparado tão somente in
natura, surge a necessidade de se estipular um valor para fins de reparação, pois o
meio ambiente é um direito fundamental de todos e, por essa razão, os seus titulares
não podem dele dispor e, nem mesmo, se apropriar.
Ora, sabe-se que a poluição gera a apropriação indevida, ou seja, uma expropriação
do bem ambiental.
280
Diante disso, sempre que alguém causar um dano ao meio
ambiente terá que pagar pelo prejuízo causado
281
. Esse é o princípio da
responsabilidade civil
282
disposto no §1º, artigo 14 da Lei da Política Nacional do
Meio Ambiente:
278
ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedra angular da política
comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. p. 237.
279
Na maioria das vezes, o dano ambiental acontecerá quando o poluidor não internalizar nos custos
de sua produção as externalidades negativas, ou seja, não adotando medidas preventivas, tais como
a instalação de filtros antipoluentes, utilizando matérias prima que não causem impactos ambientais,
etc. O princípio do poluidor pagador serve a esse fim preventivo, qual seja, impedir que as
externalidades negativas afetem o meio ambiente.
280
O dano ambiental, sob essa ótica, é uma indevida apropriação individual de um bem coletivo (ou
de parcelas dele), rompendo uma proporcionalidade distributiva básica do sistema social. O remédio
judicial para essa situação, portanto, deve ser tal que recupere aquela proporcionalidade afastada
pelo dano. SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1999. p. 69.
281
Apesar de a formulação do princípio do poluidor pagador de que quem polui deve pagar, ele não é
um princípio especial da responsabilidade civil, pois visa à prevenção e não à reparação. A
responsabilidade civil, pelo contrário, tem o condão apenas de reparar e não de prevenir. Nesse
sentido, ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedra angular da
política comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra editora, 1997.107-115.
282
A responsabilidade civil clássica deve ser adaptada para melhor atender à reparação do dano
ambiental. Segundo Benjamin, “Levando em conta exatamente os obstáculos inerentes ao modelo
jusprivatista clássico, o Direito Ambiental procura, ao reforma-la, estabelecer pressupostos de eficácia
da responsabilidade civil, utilizando, para tanto, de vários mecanismos: ampliação do rol dos sujeitos
responsáveis, adotando-se a solidariedade entre eles e abrindo-se a possibilidade de
desconsideração da personalidade jurídica; flexibilização do universo de eventuais vítimas,
reconhecendo-se o interesse dos sujeitos intermediários; permissivo para o afastamento integral da
existência da culpa; facilitação da prova da causalidade (inclusive com a inversão do ônus probandi);
redefinição do conceito de dano e instituição de formas inovadoras para sua liquidação; enxugamento
das hipóteses de exclusão; modelagem peculiar para os remédios reparatórios, enfatizando-se a
reconstituição do bem lesado; um regime próprio para a prescrição e decadência; seguro obrigatório
ou mecanismo similar em algumas atividades perigosas; facilitação do acesso à justiça para os
prejudicados por danos ambientais; instituição de fundos compensatórios de futuras vítimas; e multa
civil, para nomear apenas alguns”. BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade Civil pelo dano
ambiental. Revista de direito ambiental, São Paulo, ano 3,n. 9, p. 5-52, 1998. p. 20-21.
116
Art. 14. [...]
§ Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o
poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar
ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por
sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá
legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por
danos causados ao meio ambiente.
Tal dispositivo foi inovador, visto que trouxe a responsabilidade objetiva, além de
legitimar o Ministério Público a propor ações de cobrança. Ele foi recepcionado pela
Constituição de 1988 de forma expressa, ao determinar que:
Art. 225. [...]
[...]
§3º as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.
Desse modo, constatado o prejuízo ao meio ambiente deve haver a obrigação de
reparar e, se no caso concreto não couber a reparação in natura, o passo seguinte é
estabelecer um valor para a indenização
283
. Para tanto, indaga-se: quanto vale o
meio ambiente? É claro que essa questão não tem uma resposta exata, mas deve-
se, ao menos, tentar solucioná-la para permitir a cobrança em uma execução
pecuniária.
284
Existe uma série de dificuldades em se tentar atribuir um valor à natureza. Isso
porque o bem ambiental possui características peculiares. Ele é um bem de uso
comum do povo, macrobem indivisível e pertencente às presentes e futuras
gerações.
Por ser um macrobem, os danos que incidem sobre ele são refletidos em várias
partes dos seus componentes nos mais variados locais. Assim, se, por acaso, um
determinado rio é contaminado logo perto da sua nascente, todos os locais pelos
quais ele irá percorrer sofrerão com essa poluição, pois a
283
[...] poluição e degradação dos recursos ambientais inegavelmente são dano e onde dano
deve haver responsabilidade” BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade Civil pelo dano
ambiental. Revista de direito ambiental, São Paulo, ano 3,n. 9, p. 5-52, 1998. p. 8. (grifo do autor).
284
Ressalta-se que este trabalho não tem a pretensão de resolver esse grande problema, mas
deseja-se apenas refletir sobre ele.
117
importação e exportação de poluição ambiental não se detém em sinais de
<<pare>> ou cancelas, como as que existem nas fronteiras. Desta forma,
proteção ambiental é uma empreita que não termina onde placas ou
barreiras delimitam a fronteira.
285
O dano ao meio ambiente pode atingir reflexamente diversos locais e nem sempre
de forma concomitante. Ele pode ocorrer em um local determinado e, no entanto,
pode se espalhar por vários outros lugares rapidamente (uma queimada) ou de
forma gradual (por meio das correntes de ar, por exemplo). Pode, ainda, ser um
dano de caráter cumulativo
286
.
Assim, esse fator deve ser levado em conta na valoração do dano pelo Judiciário. O
julgador não pode se basear apenas no que foi levado a ele por meio do processo.
Segundo o que consta nos autos, o dano do caso concreto é, muitas vezes, menor
do que o dano real que deve ser reparado, pois o magistrado tende considerar
somente o dano local para fins de quantificação.
Ademais, o bem ambiental pertence a toda a coletividade, tanto às presentes quanto
às futuras gerações e, como bem de uso comum do povo, o seu acesso deve ser
livre e irrestrito a todos os indivíduos. Na quantificação do dano, essas
características também devem ser levadas em conta. Basta lembrar que existem
danos que afetam não somente os seres humanos existentes hoje, mas também os
futuros, por exemplo: uma floresta destruída pode até ser aparentemente
reconstituída, no entanto, o que a natureza levou anos para construir dificilmente
será reposto em alguns dias ou meses. Ainda que mudas sejam compradas e haja o
replantio com espécies nativas, o tempo que elas irão necessitar para crescer e
desenvolver todo um ecossistema no local impedirá o acesso desse bem às
gerações presentes e futuras.
A atual dimensão dos danos ambientais se dá em razão de toda uma cultura
antropocêntrica destrutiva que estabeleceu premissas falsas acerca dos bens
ambientais. O antropocentrismo induz à falácia de que os recursos naturais o
285
ROCK, Martin. In: WITTELSBURGER, Helmut. Ecologia e economia. Tradução Sperber S. C. São
Paulo : Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung, 1992. p. 1-16. p. 11.
286
Dano cumulativo é aquele que um poluidor apenas não conseguiria causar o dano de forma total
como se apresenta, pois ele é causado por diversos poluidores e, muitas vezes, é difícil estabelecer a
quantidade de dano que cada um deles produziu.
118
ilimitados, res nullius e de que o homem é pode se apoderar de toda a natureza se
lhe dar nada em troca. Por isso, dentro do Estado Liberal, o meio ambiente tinha um
valor zero.
287
Ao tentar estipular um preço ao meio ambiente, o direito ambiental entre em contato
com a economia. Assim, o meio ambiente
[...] foi também integrado à Economia. Ele é aglutinado às demais variáveis
econômicas tais como as do capital, do trabalho, da terra, da tecnologia
etc. [...] Até recentemente, o MA [meio ambiente] assumia apenas dois
valores: zero ou infinito. Só que atribuir um valor zero aos recursos naturais
consiste, em última instância, em afirmar que não têm preço. Se assim for,
eles são duplamente gratuitos. De um lado, eles são usados na produção
de bens e serviços, mas não entram na contabilidade econômica porque
são considerados bens gratuitos, por serem dom da natureza; de outro,
não são mensurados por serem bens protegidos ou patrimoniais.
Conseqüentemente, para sair-se dessa concepção de gratuidade, do dom
da natureza...passa-se a “custear” o MA, atribuindo-lhe um preço.
288
Quando se pensa em atribuir um valor ao meio ambiente, a primeira idéia que se
tem é verificar o preço de mercado do bem lesado e estabelecer a indenização.
Imagine um rio que foi totalmente poluído. O seu valor poderia ser equiparado ao
preço de um aquário (com peixes, plantas e equipamentos) na mesma proporção do
local degradado mais as despesas para retirar os resíduos poluentes. Se esses
dejetos poluentes se estenderam até a foz, deve-se acrescentar também o valor da
despoluição e reconstrução do local de deságüe do rio, que pode ser outro rio, o
mar, o oceano, um lago ou uma lagoa.
Todavia, essa equação está incompleta. Existem outros aspectos do dano que não
podem ser equiparados ao preço de mercado. Dentro do rio não existem apenas
peixes e plantas (seres que possuem valor econômico), todo um ecossistema
formado com algas, bactérias e demais microorganismos que não possuem
correspondentes no mercado. Além disso, até que haja a formação total (o que
muitas vezes é impossível) da fauna e da flora, as gerações presentes e futuras irão
287
No direito civil clássico existiam muito mais res nullius do que atualmente.Tais bens somente não
foram desde logo apropriados por falta de interesse econômico, pois quem irá querer adquirir toda a
água do mar?. Hoje, a maioria dos bens são objeto de apropriação, ainda que pelo Estado. O mar,
por exemplo, é bem de uso comum, de domínio do Estado e este o usa da forma que convém ao
interesse público.
288
BENAKOUCHE, Rabah; CRUZ, ReSanta. Avaliação monetária do meio ambiente. São Paulo:
Makron Books, 1994. p. 87-88.
119
sofrer com a falta desse bem, pois o rio deixará de representar para todos os
indivíduos uma bela paisagem ou um local de recreação.
Considerando os diversos valores que compõem o meio ambiente, a economia
chegou a seguinte fórmula: valor econômico total = valor de uso + valor de opção +
valor de existência. O valor de uso é o valor que os indivíduos consideram pelo uso
dos recursos naturais. O valor de opção corresponde ao valor que será despendido
para a proteção do meio ambiente hoje, para que os indivíduos possam usar direta
ou indiretamente o meio ambiente no futuro. o valor de existência representa o
valor da natureza em si, com todas as suas qualidades e sem que esteja inserido
nele o uso. Ele tem uma dimensão ética, pois o homem deve querer para o meio
ambiente o mesmo que deseja para sua espécie.
289
O valor econômico total é calculado com base nos benefícios que o meio ambiente
proporciona a cada um dos indivíduos da coletividade, pois “a preservação ou
melhoria do meio ambiente, natural ou construído, geram benefícios para os
usuários e têm benefício intrínseco
290
. Ressalta-se que tais benefícios não possuem
correspondência no mercado, ou seja, eles são não-mercantis
291
.
Desse modo, não se pode tomar sempre em consideração a valoração do bem
ambiental no mercado, pois tanto os benefícios de uso, conservação e melhoria do
bem ambiental para a coletividade quanto alguns bens ambientais (no exemplo que
foi dado acima, as bactérias e as algas mortas pela poluição) não são quantificáveis
por meio de padrões econômicos. Por isso, foram elaboradas técnicas que permitem
chegar ao valor do meio ambiente que foi degradado quando se baseiam em preços
289
Muitos autores utilizam essa fórmula, ou expressões matemáticas similares. A descrita no texto,
especificamente, é retirada de PARAÍSO, Maria Letícia de Souza. Metodologias de avaliação
econômica dos recursos naturais. In: Revista de Direito Ambiental. v. 6, p. 97-107. p. 97-98.
290
BENAKOUCHE, Rabah; CRUZ, ReSanta. Avaliação monetária do meio ambiente. São Paulo:
Makron Books, 1994. p. 111.
291
O cálculo desses benefícios é feito com base no excedente de consumidor. “Quando um homem
toma uma cerveja num dia de grande calor, ele considera que o gasto valeu a pena. Quando ele
compra um pé-de-cabra para abrir uma caixa contendo um tesouro, ele pagaria facilmente um preço
muito mais alto e ficaria satisfeitíssimo. Marshall designou esses sentimentos fugazes por um
conceito esquisito de ‘excedente de consumidor’. Define-se esse excesso como a quantia excedente
e acima do preço real pago pelo consumidor que prefere obter um quantum de um bem do que não
pode obtê-lo”. BENAKOUCHE, Rabah; CRUZ, René Santa. Avaliação monetária do meio ambiente.
São Paulo: Makron Books, 1994. p. 114.
120
existentes, os chamados métodos diretos ou, por meio dos métodos indiretos,
quando não existe valor correspondente no mercado.
A avaliação hedonista é uma forma de avaliação do bem ambiental por meio do
valor atribuído aos bens negociáveis no mercado. Pela lei da oferta e da procura,
pode-se auferir a partir de quanto um indivíduo é capaz de pagar para se beneficiar
com uma externalidade positiva. Uma residência com um jardim localizada em uma
rua repleta de árvores tende a ser mais valorizada do que se estivesse em um local
sem os elementos naturais.
292
A avaliação contingente ou método hipotético consiste em perguntar aos indivíduos
afetados pelos danos ambientais, por meio de questionários, o quanto eles estão
dispostos a pagar para receber os benefícios de um bem ambiental como, por
exemplo, o ar puro, a água potável, etc, ou o quanto eles desejam receber como
recompensa pela perda desse benefício.
Existe também a cnica de custo de viagem, que permite mensurar o dano
ambiental em pecúnia comparando o valor e o tempo que o indivíduo gasta em uma
viagem para visitar uma área ambiental, pois quanto maior a demanda para essa
área, maior o valor a coletividade atribui a esse bem. Se alguém viaja para uma
praia, deseja obter todos os benefícios que esse ambiente pode oferecer (tais como,
a água despoluída, a areia limpa) porque, assim, os custos da viagem irão se
igualar ao acesso ao bem ambiental equilibrado.
Esses são os principais métodos que permitem a avaliação dos danos ambientais,
todavia, existem diversos outros. A Assessoria Ambiental do Ministério blico do
Estado do Rio Grande do Sul adota um método simples, embora muito eficiente na
prática, para a quantificação do dano ambiental. É o chamado Valor Econômico
Associado ao Dano Ambiental (VERD) que utiliza a variável “q(quantificáveis) para
os valores que podem ser mensurados e “i” (intangíveis) para aqueles que não
podem ser associados a um valor econômico, e, por isso, a essa variável são
292
O problema desse tipo de avaliação consiste em ter que se considerar que o mercado é
extremamente competitivo e que as pessoas possuem salários que permitam escolher uma casa
entre esses dois locais. Na realidade, muitas vezes, a população mais pobre acaba sofrendo mais os
impactos ambientais do que a parte mais rica da sociedade.
121
atribuídos valores em uma escala de 0 a 4, em função crescente de intensidade e
duração do dano.
293
Ainda que as mais modernas técnicas sejam utilizadas para a quantificação do dano
ambiental, dificilmente elas permitirão chegar a um valor equivalente, de forma
exata, ao que foi danificado na natureza, porque o dano ambiental possui aspectos
patrimoniais e extrapatrimoniais e, mesmo que todos eles sejam considerados no
cálculo, sempre haverá danos impossíveis de serem recuperados totalmente.
294
Não existe um equivalente monetário para os danos extrapatrimoniais, ou seja, não
existe uma igualdade entre o dano e a quantia devida, pois a quantia paga não
ressarce totalmente o prejuízo, já que é uma forma de satisfação pelos danos
causados. A quantia em dinheiro serve mais como uma sanção imposta ao poluidor
para que haja a reparação do que para o ressarcimento do dano, ou seja, ela tem
fins meramente compensatórios. No que tange aos danos patrimoniais, a
indenização serve como um meio de sanção para que haja o retorno ao estado
anterior ao dano.
295
293
Para mais detalhes desse método, ver CARDOSO, Artur Renato Albeche. A degradação ambiental
e seus valores econômicos associados. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003.
294
Na medida em que, infelizmente, ainda não existem métodos fáceis e adequados de avaliação dos
danos ambientais, em particular os ecológicos stricto sensu que não sejam passíveis de
recomposição, o efeito preventivo da responsabilidade civil ambiental fica sempre aquém do
desejável, pois a técnica, quando aplicada, não terá condições de atingir plenamente o bolso do
degradador, inexistindo qualquer garantia de que eventual indenização seja, realmente equivalente
ao dano causado. BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade Civil pelo dano ambiental.
Revista de direito ambiental, São Paulo, ano 3,n. 9, p. 5-52, 1998. p. 16.
295
Sobre o tema, Cahali afirma “no dano patrimonial, busca-se a reposição em espécie ou em
dinheiro pelo valor equivalente, de modo a poder-se indenizar plenamente o ofendido, reconduzindo o
seu patrimônio ao estado em que se encontraria se não tivesse ocorrido o fato danoso; com a
reposição do equivalente pecuniário, opera-se o ressarcimento do dano patrimonial. Diversamente, a
sanção do dano moral não se resolve numa indenização propriamente, que indenização significa
eliminação do prejuízo e das suas conseqüências, o que não é possível quando se trata de dano
extrapatrimonial; a sua reparação se faz através de uma compensação, e não de um ressarcimento;
impondo ao ofensor a obrigação de pagamento de uma certa quantia em dinheiro em favor do
ofendido, ao mesmo tempo que agrava o patrimônio daquele, proporcionando a este uma reparação
satisfativa. CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005. p. 44.
122
De acordo com o exemplo acima, os danos patrimoniais correspondem o preço pago
com a despoluição do rio. os danos extrapatrimoniais coletivos, no
supramencionado exemplo, seriam representados pelas bactérias e algas mortas.
296
Em razão dos diversos aspectos do dano ambiental, os danos extrapatrimoniais
dividem-se em dois
297
: 1) os prejuízos causados aos componentes ambientais
coletivamente considerados, também chamados de danos extrapatrimoniais
coletivos
298
e; 2) os danos reflexos ou danos “em ricochete”, que atingem as esferas
particulares dos indivíduos. É um sentimento de perda causado pela degradação do
meio ambiente. Esses últimos corresponderiam à privação que sofreria a população
de apreciar uma paisagem natural livre de poluição e de utilizar o local danificado
para fins recreativos.
299
Da mesma forma, uma divisão em relação aos danos patrimoniais, sendo que os
danos patrimoniais individuais corresponderiam aos prejuízos sofridos pelos
particulares diretamente sobre o seu patrimônio (incluindo os lucros cessantes).
Exemplo disso é a perda suportada pelos pescadores com a morte de peixes em
decorrência da poluição do rio e os prejuízos causados aos particulares com a falta
de energia elétrica, caso ele fosse interligado a uma usina hidrelétrica,
corresponderiam aos danos extrapatrimoniais individuais.
Apesar de o dano ambiental ter vários aspectos, que a sua deterioração pode
causar impactos tanto ao meio ambiente propriamente dito quanto aos indivíduos
singularmente considerados, o dano a esses últimos não faz parte da tutela do meio
ambiente. A ação civil pública ambiental somente irá propiciar a reparação dos
296
De certa forma, ainda que os peixes e plantas possuam um valor de mercado, isso não significa
que a morte desses seres corresponda a um dano patrimonial. Isso porque mesmo que sejam
introduzidos no rio alevinos e mudas de plantas, não haverá o retorno ao status quo ante.
297
Sobre o tema, ver LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivos
extrapatrimonial. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
298
Como já foi dito na primeira parte deste trabalho (item 2.1), o dano ambiental é restrito aos
prejuízos causados aos componentes ambientais. Não se inclui dentro dele os danos causados a
cada um dos indivíduos.
299
O artigo 1º da LACP dispõe sobre a responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais e
patrimoniais ambientais: “Regem-se pelas disposições dessa Lei, sem prejuízos da ão popular, as
ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I- ao meio ambiente [...]”. Além
dele, o artigo 6º do CDC também trata da mesma matéria nos incisos VI e VII.
123
danos coletivos (tanto patrimoniais, quanto extrapatrimoniais coletivos), ou seja,
apenas em relação aos prejuízos ao equilíbrio ecológico.
300-301
Ainda que os danos ambientais tenham aspectos não somente patrimoniais, mas
também extrapatrimoniais coletivos, a sua liquidação deverá ser realizada com a
utilização de perícia ambiental. Isso porque, como explicado, as técnicas usadas
pelos peritos são elaboradas para se quantificar até mesmo os danos que não
possuem um equivalente pecuniário.
Sabe-se que tais métodos de quantificação dos danos ambientais não são muito
exatos e são, em sua maioria, bastante complexos, no entanto, fazer com que o juiz
se apóie neles para decidir, é muito mais seguro para o bem ambiental do que
deixar que o magistrado arbitre
302
um valor ao dano, sem que esteja amparado por
nenhum tipo de avaliação técnica.
Assim, proferida uma sentença genérica na ação civil pública em decorrência de um
dano ambiental, a liquidação deverá ser feita por arbitramento ou por artigos,
sempre com o auxílio de peritos ambientais.
300
PROCESSUAL CIVIL. ÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO.
NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO
PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE
TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE
DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (REsp 598.281/MG, Rel.
Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 02.05.2006, DJ 01.06.2006 p. 147). Nesse sentido, LEITE, José Rubens Morato. Dano
ambiental: do individual ao coletivos extrapatrimonial. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003; FREITAS, Vladimir Passos. A Constituição Federal e a efetividade das normas
ambientais.3. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 190-193.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 181-
184. Segundo este, “no nosso sentir, o dano ambiental é um só: o dano ao meio ambiente como bem
jurídico autônomo, independentemente de ter ‘ricocheteado’ ou não para as esferas particulares dos
indivíduos [...] o eventual dano ambiental (stricto sensu) será reparado por ação civil pública que vise
a tutela desse interesse difuso, e a medida jurisdicional pleiteada não poderá ir além da proteção
difusa do referido bem”.
301
É claro que os direitos individuais não ficarão desprotegidos, pois, segundo o §3º do artigo 103 do
CDC, a sua tutela processual se dará por meio de ação individual ou ação civil pública com base em
interesses individuais homogêneos: “Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado
com o art. 13 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por
danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se
procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e
à execução, nos termos dos arts. 96 a 99”. Essa é a já comentada coisa julgada in utilibus.
302
A reparação do dano moral se faz por arbitramento, conforme o artigo 953 do CC: “Se o ofendido
não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na
conformidade com as circunstancias do caso”.
124
1.1 LIQUIDAÇÃO
303
POR ARBITRAMENTO E LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS DOS
DANOS AMBIENTAIS
A liquidação por arbitramento vai ocorrer quando a sentença
304
contenha todos os
elementos para declarar o valor do débito, mas se faz necessário um perito, alguém
que tenha conhecimentos especializados, para estimar o valor do dano ambiental.
Essa perícia tem caráter complexo e multidisciplinar
305
(431-B do CPC) porque
[...] não um profissional habilitado que seja experto em todas as áreas
do conhecimento referentes ao equilíbrio ecológico. Basta imaginar que
uma contaminação de um rio possivelmente ensejará a perícia de um
especialista em recursos hídricos, de um especialista em fauna aquática,
de um especialista em flora, de um especialista em saúde pública, um
químico, etc.
306
303
Antes da Lei 11.232/05, a liquidação de sentença era feita em um processo autônomo de
liquidação que complementava o processo de conhecimento. Havia o processo de conhecimento, o
processo de liquidação e o processo de execução. Todos autônomos. Era assim porque no
procedimento de liquidação havia citação e terminava por uma sentença de mérito que fazia coisa
julgada material. Dessa sentença cabia o recurso de apelação. Então havia duas sentenças que
juntas formavam um titulo executivo: a sentença do processo de conhecimento e a de
liquidação.Após a lei 11.232/05, a liquidação de sentença passou a ser apenas um fase do processo
sincrético. Há uma fase de conhecimento, após isso uma fase de liquidação e depois a fase
executiva. A liquidação hoje é um incidente no processo que se inicia com um requerimento e
prossegue com intimação do requerido. A sua decisão não é mais sentença, mas uma decisão
interlocutória. Essa decisão interlocutória é complementar à fase cognitiva, pois a sentença genérica
da fase cognitiva se junta à decisão interlocutória da fase de liquidação e formam o titulo executivo
judicial. Desse modo, a liquidação é um incidente processual cognitivo, que obedece as regras do
processo de conhecimento, no que for cabível, dentro do processo sincrético. No entanto, é
autônomo à fase de cognição e à fase de execução, que possui objeto diferente dessas duas
fases. O objeto da cognição é fixar o an debeatur (ser devido), quis debeat (quem deve) e cui
debeatur (a quem se deve) e o quid debeatur (o que é devido). O objeto da execução é a satisfação
do crédito. Já o da liquidação é determinar o quantum debeatur (a quantidade que se deve). No
procedimento liquidatório vai ser determinado o valor e individualizado objeto da condenação.
304
Vale lembrar que dentro de um sistema de tutela dos interesses difusos e coletivos, existe a
possibilidade de liquidação do Compromisso de Ajustamento de Conduta, que é um título executivo
extrajudicial, desde que não contenha o quantum devido. A liquidação pode ocorrer se não for
possível a tutela específica dos TACs que têm como objeto uma obrigação de dar, fazer ou não fazer.
Nesse sentido, PIZZOL, Patrícia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. LEJUS: São Paulo, 1998.
p. 211.
305
NERY JÚNIOR, Nelson. Perícia múltipla na ação civil pública ambiental. In: Ação civil pública após
20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 431-438 e ANTUNES,
Paulo de Bessa. Prova Pericial. In: Ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005. p. 461-470.
306
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.
181- 184.
125
A liquidação por arbitramento está disposta no artigo 475-C do CPC: “Far-se-á a
liquidação por arbitramento quando: I- determinado pela sentença ou convencionado
pelas partes; II- o exigir a natureza do objeto da liquidação”.
307
Está claro que nas hipóteses em que esteja configurado o dano ao meio ambiente,
ainda que a espécie de liquidação não esteja determinada na sentença, a própria
natureza da quantificação reclama que haja perícia. Desse modo,
[...] considerando que a liquidação por arbitramento consiste, basicamente,
na produção de prova pericial, de se entender como exigência
determinante dessa espécie de procedimento a hipótese em que a perícia
seja o meio mais adequado para apurar o valor da obrigação. Ora, ao tratar
da prova pericial, o Código a tem como não cabível quando ’a prova do fato
não depender do conhecimento especial de técnico’ (CPC, art. 420,
parágrafo único, I). Interpretação a contrario sensu desse dispositivo
permite afirmar que a perícia –e, portanto, a liquidação por arbitramento
será cabível quando a apuração do valor do quantum debeatur exigir
conhecimento especial de técnico.
308
Os peritos, cada um atuando em seu campo de conhecimento específico, irão
perquirir sobre a existência e a extensão dos danos ambientais, bem como a
respeito do nexo de causalidade entre a atividade da parte requerida e os impactos
ambientais. Ademais, informará ao juiz a melhor forma de restauração do local
agredido.
309
307
A opção pelo procedimento pode ser feita pelo juiz na sentença ou pelo credor quando ele fizer o
requerimento de liquidação. Na verdade, nem a parte e nem o juiz podem determinar o tipo de
liquidação. O próprio caso concreto que vai determinar. Se a sentença liquidanda depender apenas
de operações aritméticas se realizará por calculo do credor, se necessitar de perícia será feita a
liquidação por arbitramento e se necessitar de provas se fará por artigos. Se o autor escolher o tipo
de liquidação errado para o caso, o juiz pode converter o procedimento no adequado, assim em um
caso que precise de provas, não se pode fazer por arbitramento, o juiz convertera para liquidação por
artigos de acordo com a economia processual. Lembrando, claro, que o juiz deve oportunizar as
partes de se manifestar. Nesse sentido ver WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil : liquidação e
cumprimento. 3. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 133 e ss. Em
sentido contrário, entendendo que a liquidação inadequada deve ser extinta sem julgamento do
mérito e o credor deve iniciar outra liquidação do tipo correto . ARRUDA, Antonio Carlos Matteis.
Liquidação de sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p.141.
308
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004. p. 419.
309
Como lembra Nelson Nery Júnior, apesar de os custos das periciais serem altos, quem deu causa
aos danos ambientais devem arcar com eles porque “qualquer que seja o custo do processo, será
sempre ainda menor do que o malefício que a ação das rés tem provocado ao meio ambiente” NERY
JÚNIOR, Nelson. Perícia múltipla na ação civil pública ambiental. In: Ação civil pública após 20 anos:
efetividade e desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 431-438. p. 434.
126
a liquidação por artigos
310
será realizada sempre quando houver a necessidade
de se alegar um fato novo.
Os fatos novos o aqueles danos que ocorreram após a prolação da sentença e
que tenham relação com o conteúdo da sentença condenatória ou aqueles danos
que tenham ocorrido antes da sentença sem que tivessem sido alegados e provados
na fase de conhecimento.
311
Assim, na liquidação, haverá cognição acerca da
existência e da extensão dos danos ambientais.
Os danos ambientais possuem diversos aspectos e, por isso, existe a possibilidade
de alguns danos ambientais terem sido suscitados nos autos desde o início do
módulo cognitivo e outros não. Se estes ocorreram antes da sentença condenatória
ou mesmo durante o procedimento da liquidação (antes da decisão final do
procedimento liquidatório), nada impede que eles sejam incluídos na quantificação.
É muito comum que o impacto causado pelo dano ambiental ocorra em um
determinado local, mas os seus efeitos se prolonguem no tempo e atinjam,
reflexamente, outros lugares, ampliando os prejuízos ao meio ambiente equilibrado.
Acontece que a perícia deve ser realizada tanto para a comprovação da existência
dos danos ambientais, quanto para demonstrar a extensão dos mesmos. Isso pode
gerar dúvidas em relação ao procedimento adequado para a liquidação
(arbitramento ou por artigos).
310
Artigo 475-E do CPC.
311
Em sentido contrário, defendendo que fato novo é aquele ocorrido antes da sentença condenatória
genérica, Matteis Arruda afirma que “é aquele que surge (aparece) sempre por ocasião da
instauração do processo de liquidação da sentença e que se encontra contido virtualmente dentro da
sentença condenatória genérica típica, ligado ao seu conteúdo, não importando se o seu
aparecimento, no mundo empírico, se verificou antes do ajuizamento da ação condenatória genérica,
não tendo sido expressamente alegado, discutido e provado dentro do processo por ela instaurado
(fato pretérito), ou se veio a materializar-se durante o desenrolar deste último ou, ainda, após a
prolação da condenação (fato superveniente à instauração ou término do processo condenatório) ou,
finalmente, se o seu surgimento se deu após a própria instauração do processo de liquidação (fato
superveniente à instauração do processo de liquidação, mas surgido antes da prolação da sentença
que julga e põe termo a este processo), sendo, portanto, passível de liquidação por artigos, na
medida em que é considerado ‘fato novo’. ARRUDA, Antonio Carlos Matteis. Liquidação de sentença.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p. 105.
127
O procedimento da liquidação por arbitramento basicamente serve para a produção
de prova pericial, por isso, o seria apropriado que o perito tivesse a incumbência
de alegar e provar fatos novos. É função do credor indicar, no requerimento inicial,
os fatos novos (um em cada artigo) para servirem de base à liquidação. Assim,
havendo a necessidade de seres comprovados os “fatos novos”, ainda que para isso
haja perícia, o procedimento correto seria o de liquidação por artigos.
312
Portanto, independente do procedimento da liquidação, o juiz pode se valer de
peritos ambientais para a determinação do quantum devido pelo agente degradador.
2 A SOLVABILIDADE DO POLUIDOR
Feita a liquidação do dano, dá-se início à fase da execução por quantia certa. Esse
tipo de execução tem como objetivo a expropriação de bens do devedor suficientes
para o pagamento da dívida.
Todavia, apesar de o patrimônio do devedor servir de garantia comum a todos os
seus credores, podem acontecer situações em que ele não terá valor suficiente para
assegurar o adimplemento de todas as obrigações.
Quando o devedor possui mais dívidas do que bens para garanti-las, ou seja,
quando não puder “oferecer aos credores a garantia patrimonial reclamada para a
inteira satisfação de seus direitos”
313
, tem-se a insolvabilidade do devedor.
Segundo o artigo 748 do Código de Processo Civil, “Dá-se a insolvência toda vez
que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor”.
314
Ressalta-se que,
312
Nesse sentido, ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3. ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 420.
313
THEODORO JÚNIOR, Humberto. A insolvência civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997 p. 39.
314
Insolvência e insolvabilidade têm definições distintas. A falta de bens para o pagamento da vida
na insolvência é apenas momentânea, na insolvabilidade é definitiva. Apesar disso, o legislador
não faz nenhuma diferenciação e ao invés de dizer insolvabilidade, disse insolvência. Conforme os
ensinamentos de Pontes de Miranda: “Insolvabilidade é o estado econômico em que a pessoa não
pode satisfazer as dívidas, por que o ativo é menor que do o passivo, o que seria mister para as
despesas a prestar. [...] Por outro lado, o ativo pode ser, no momento, maior do que o passivo, porém
faltarem disponibilidades para a satisfação dos credores: há, aí, insolvência ocasional, que pode ser
de serias conseqüências. As leis, ao tratarem das liquidações, das falências e do concurso de
credores civil, o se referem somente à insolvência duradoura ou definitiva, e por vezes aludem às
128
juridicamente, o devedor será considerado insolvente mediante sentença
constitutiva dessa situação.
315
Por isso, o Código de Processo Civil estipula dois procedimentos para execução por
quantia certa: um para o devedor solvente e, outro quando o devedor for insolvente.
No primeiro, a execução terá índole individualista, pois somente irá beneficiar quem
a promoveu e, havendo mais de um credor, a expropriação do bem delimitado no
patrimônio do devedor será realizada mediante a ordem de preferência da penhora.
É a chamada execução singular ou individual.
o segundo, tem como característica a universalidade, pois a totalidade do
patrimônio do devedor será liquidada em benefício de todos os credores, ainda que
somente um deles tenha dado início à execução, pois haverá o vencimento
antecipado das dívidas. Aos credores é garantido a par condicio creditorum,
significando que os credores quirografários terão igual tratamento, pois não há
preferência da penhora
316
. Ela tem o nome de execução coletiva ou universal.
317
A situação de solvabilidade do devedor reflete nos contornos da responsabilidade
patrimonial que, conforme o artigo 591 do CPC, é a garantia de que todos os bens
do devedor responderão pelas suas dívidas.
318
Se o devedor for solvente, a responsabilidade patrimonial incidirá apenas nos bens
específicos que forem penhorados. Sendo insolvente, todos os bens do patrimônio
simples dificuldades.” MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1976. Tomo XI. p. 203.
315
Ainda que o devedor seja faticamente insolvente e não tenha sido determinada judicialmente a sua
insolvência, os credores podem intentar execuções singulares, pois eles não são obrigados a propor
execução universal se ainda encontrarem bens penhoráveis no patrimônio do devedor.
316
Destaca-se que os credores possuidores de crédito privilegiado ou garantia real continuam tendo
posições privilegiadas sobre os quirografários (que não têm garantia nenhuma). A classificação dos
créditos será feita no concurso universal de credores.
317
Deve-se ter atenção para não confundir a execução universal ou coletiva que se refere à execução
por quantia certa contra devedor insolvente com a execução coletiva relacionada à execução em que
o título executivo contém interesses difusos ou coletivos. Sobre as espécies de execução, ver:
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 3. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2008. p. 44-45.
318
Com as devidas exceções: alguns bens do patrimônio do devedor não responderão pelas suas
dívidas e, além disso, bens de terceiro poderão responder pela dívida de outrem.
129
do devedor, desde que penhoráveis, irão responder pelas dívidas contraídas com
todos os credores.
Portanto, a execução coletiva ou universal
se caracteriza pela universalidade, quer do ponto de vista objetivo por
atingir necessariamente não apenas um determinado bem, ou alguns, mas
a totalidade dos bens do devedor, suscetíveis de excussão -, quer do ponto
de vista subjetivo – por não ser promovida em benefício de um único credor
ou de alguns, mas de todos os credores, convocados a participar do
processo, a fim de receberem os quinhões que no produto lhes venham
tocar.
319
O procedimento da execução por quantia certa baseado em título executivo
contendo interesses difusos sofre a mesma divisão em se tratando da solvabilidade
do devedor.
Conforme foi dito no capítulo anterior, para se quantificar o dano ambiental devem
ser levados em conta diversos valores que, somados, elevam demasiadamente o
custo da execução.
Por essa razão, dificilmente o poluidor terá condições de arcar com o pagamento da
quantia liquidada e, na maioria das vezes, acaba se tornando insolvente.
Ocorre que apesar de o rito procedimental da execução universal ser diferenciado
para tentar proporcionar uma maior viabilidade, na maioria dos casos, ela é
infrutífera perante a grande parte dos credores, principalmente em relação aos
quirografários, pois o rateio do montante arrecadado com a alienação dos bens do
devedor geralmente se faz entre os credores com algum tipo de destaque ou
privilégio, não sobrando nada para os demais.
Sendo assim, não há muitos benefícios em se requerer a insolvência do devedor nas
execuções por quantia certa em matéria ambiental, haja vista que os credores (a
coletividade) não têm nenhum tipo de garantias ou privilégios sobre o patrimônio do
319
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 25. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 2007. p. 277.
130
executado e, em concorrência com os demais credores (se houver) privilegiados,
será, ainda mais tormentoso, o recebimento do crédito.
O mesmo ocorre quando o devedor é faticamente insolvente e algum dos credores
inicia a execução seguindo o rito da execução por quantia certa contra devedor
solvente. Nesse caso, também não nenhum crédito privilegiado, pois até mesmo
os créditos decorrentes de execução referente aos interesses individuais
homogêneos terão preferência sobre os créditos provenientes da execução
ambiental.
320
Não havendo bens penhoráveis no patrimônio do devedor, contudo,
haverá a suspensão da execução
321
até que o devedor adquira novos bens ou se
encontrem bens do devedor ainda não descobertos.
322
Para promover o ressarcimento pecuniário do dano ambiental, é necessário oferecer
meios tanto ao executado, para o pagamento de sua dívida, quanto ao exeqüente,
para que este possa ampliar a responsabilidade patrimonial sobre os bens de
terceiros.
Na prática, dificilmente os bens do devedor (sozinhos) conseguirão responder pela
dívida decorrente de um dano ambiental. Uma das maneiras para atribuir uma maior
efetividade à execução pecuniária ambiental é à exceção prevista no artigo 590 do
CPC, quando diz que a responsabilidade patrimonial pode incidir sobre bens de
outrem.
Uma outra forma de impedir que o devedor fique insolvente e deixe de arcar com a
reparação do dano ao meio ambiente seria a constituição de fundos de
compensação e a sua inclusão como segurado dos seguros ambientais.
As medidas que proporcionam uma maior efetividade à execução pecuniária
ambiental permitindo o ressarcimento pecuniário do dano ao meio ambiente serão
melhor estudadas no próximo capítulo.
320
É o que dispõe o artigo 99 do CDC: “Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação
prevista na Lei. 7.347, de 24 de julho de 1985, e de indenizações pelos prejuízos individuais
resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento”.
321
Conforme inciso III do artigo 791 do CPC.
322
Diante da suspensão da execução, nada impede que o credor requeira a insolvabilidade do
devedor e se prossiga com o rito da execução por quantia certa contra devedor insolvente.
131
3 TÉCNICAS PARA EFETIVAR A TUTELA PECUNIÁRIA
Segundo Dinamarco, técnica é
[...] a predisposição ordenada de meios destinados a obter certos
resultados. Toda técnica, por isso, é eminentemente instrumental, no
sentido de que se justifica em razão da existência de alguma finalidade
a cumprir e de que deve ser instituída e praticada com vistas à plena
consecução da finalidade
.
323
Com base no conceito de técnica como sendo meios destinados a um fim, serão
estudadas, nos próximos itens, técnicas que têm a finalidade de efetivarem a tutela
pecuniária. São elas: a solidariedade, a desconsideração da personalidade jurídica,
os fundos de compensação e seguros ambientais e as obrigações “propter rem”.
3.1 A SOLIDARIEDADE
A grande inovação da Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) foi a
elevação do meio ambiente à condição de bem jurídico tutelado de forma
autônoma.
324
Por causa disso, a sistemática do Código Civil, que amparava os conflitos
ambientais da mesma forma que os conflitos de vizinhança, teve de ser alterada.
Isso porque a responsabilidade civil tinha índole privatista baseada na culpa, em que
havia um ou mais agentes identificáveis e um dano correspondente à conduta
observado de forma imediata.
325
323
DINAMARCO, ndido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 273-274.
324
BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade Civil pelo dano ambiental. Revista de direito
ambiental, São Paulo, ano 3,n. 9, p. 5-52, 1998.p. 36.
325
Em clássico artigo, Sérgio Ferraz afirma “[...] uma das principais metas do homem do direito e do
estadista residirá em formular preceitos que garantam a tutela ambiental, que garantam amplamente
a qualquer cidadão de, ao se sentir ameaçado, buscar proteção do Direito, independentemente de
considerações de legitimação lastreadas em mero prejuízo patrimonial. Até porque o patrimônio maior
não é o mero patrimônio econômico, mas o patrimônio de sobrevivência. O ordenamento jurídico tem
que ser acordado para essa necessidade gritante, para a qual persistimos, entretanto, tragicamente
adormecidos.” FERRAZ, Sérgio. Responsabilidade civil por dano ecológico. Revista de direito público,
São Paulo, v. 10, n. 49/50, jan. 1979. p. 34-41. p. 35.
132
Todavia, o meio ambiente requer uma responsabilidade civil especial, haja vista que
o tipo de bem tutelado é peculiar, pois os agentes nem sempre são identificáveis e o
dano pode surgir com o tempo e reflexamente. Não se trata mais de danos à
propriedade privada, mas de um prejuízo à vida da humanidade presente e futura.
Em virtude da importância do bem ambiental, a responsabilidade civil foi adaptada
às exigências de uma maior proteção ao meio ambiente. Por isso, foi preciso retirar
o elemento da culpa e flexibilizar o nexo causal.
Assim, os danos ambientais passaram a ser tutelados sob os moldes da
responsabilidade objetiva, conforme a primeira parte do §1º do artigo 14: ”Sem
obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade [...]”.
Segundo esse artigo, para haver a incidência da obrigação de reparar o prejuízo ao
meio ambiente é necessária a presença de dois requisitos: o dano
326
e o nexo
causal
327
. Desse modo, a responsabilidade civil ambiental é objetiva, pois prescinde
do elemento culpa, e está inserida na modalidade do risco integral, que, em
virtude da atividade potencialmente poluidora, o agente degradador indenizará
independentemente da ocorrência de caso fortuito ou força maior
328-329
.
326
O evento danoso é “o fato ensejador do prejuízo ao meio ambiente.” NERY JÚNIOR, Nelson.
Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação civil pública. JUSTITIA, São Paulo, a. 46, v. 126,
1984. p. 174.
327
O nexo de causalidade é o vínculo entre a conduta do agente e o dano. É claro que nem sempre o
nexo de causalidade deverá ser comprovado. Basta lembrar dos casos em que ocorre caso fortuito
ou força maior, que são excludentes do nexo causal, que o interrompem. Nesse sentido: VENOSA,
Sílvio de Salvo. Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. IV. p. 39.
328
Segundo Nery, “Mas, quais são as conseqüências advindas da adoção, pelo legislador, da
responsabilidade objetiva pelo dano causado ao meio-ambiente?Em suma são as seguintes: a)
prescindibilidade da culpa para o dever de reparar; b) irrelevância da licitude da atividade; c)
irrelevância do caso fortuito e da força maior como causas excludentes da responsabilidade. [...]
Dessa maneira, não se operam, como causas excludentes de responsabilidade, o caso fortuito a
força maior. Ainda que a indústria tenha tomado todas as precauções para evitar acidentes danosos
ao meio-ambiente, se, por exemplo, explode um reator controlador da emissão de agentes químicos
poluidores (caso fortuito), subsiste o dever de indenizar. Do mesmo modo, se por um fato da natureza
ocorrer derramamento de substancia tóxica existente no deposito de uma indústria (força maior), pelo
simples fato de existir a atividade há o dever de indenizar”. NERY JÚNIOR, Nelson. Responsabilidade
civil por dano ecológico e a ação civil pública. JUSTITIA, São Paulo, a. 46, v. 126, 1984. p. 168-189.p.
171-172. Corroboram com esse entendimento, dentre outros: BENJAMIN, Antônio Herman V.
Responsabilidade Civil pelo dano ambiental. Revista de direito ambiental, o Paulo, ano 3, n. 9, p.
5-52, 1998. p. 41; VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. IV. p. 151.
133
Apesar de o legislador ter tentado facilitar a responsabilização dos poluidores na
medida em que retirou o requisito subjetivo da culpa, ele apenas amenizou apenas
um dos problemas da responsabilidade civil ambiental.
330
Uma das grandes questões relacionadas à responsabilidade civil ambiental é a
determinação do nexo de causalidade.
331
Essa dificuldade existe porque, em muitos
casos, é difícil saber quem foi o causador do dano.
O nexo causal visa indicar o agente poluidor por meio da conduta danosa. Assim, a
partir do exame da relação causal é que se conclui quem foi o causador do dano.
332
O conceito de poluidor dado pelo legislador está disposto no inciso IV do artigo 3º da
Lei de Política Nacional do Meio Ambiente:
Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
[...]
Em posição contrária: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16. ed. rev., ampl
e atual . São Paulo: Malheiros, 2008. p. 363-366.
329
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS AMBIENTAIS. PESCA
PREDATÓRIA DE ARRASTO DENTRO DAS TRÊS MILHAS MARÍTIMAS. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. PÓLO PASSIVO DA LIDE. LEGITIMIDADE. INDENIZAÇÃO. 1. [...]. 4. A Lei
6.938/1981, artigo 14, § 1º, adotou a teoria do risco da atividade ou da empresa, que se traduz na
responsabilidade objetiva. As principais conseqüências da adoção pelo nosso sistema legal em vigor
são a prescindibilidade da culpa ou dolo para que haja o dever de reparar o dano; a irrelevância da
licitude da conduta do causador do dano, a conduta pode ser lícita (no caso não foi); e a inaplicação
em seu sistema, de regra, das cláusulas de exclusão da responsabilidade civil administrativa e penal.
Assim, perante a responsabilidade objetiva não vale como cláusula de exclusão do dever, alegar caso
de força maior, fortuito e, especialmente, não prospera a cláusula de não-indenizar, incluída em
contratos particulares, ambientalmente, os contratados são solidariamente responsáveis. Ademais,
conforme o disposto no artigo 942 do digo Civil, a responsabilidade ambiental é solidária. [...]
(TRF4, AC 2006.71.00.004789-8, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E.
05/05/2008).
330
Segundo Benjamin, existem quatro ordens de dificuldades da responsabilidade civil: “a) a difícil
identificação dos sujeitos da relação jurídica obrigacional, pois a “dobradinha” autor-vítima quase
nunca aparece com seus contornos bem definidos (atuação coletiva e vitimização também coletiva,
com a conseqüente fragmentação de responsabilidades e de titularidade), na medida em que
estamos diante de relações jurídicas poligonais ou multilaterais, próprias da sociedade pós-industria;
b) a exigência de caracterização da culpa do degradador naqueles sistemas que ainda a exigem (não
é o caso do brasileiro após a promulgação da Lei n. 6.938/81 e da Constituição Federal de 1988 [...];
c) a complexidade do nexo causal; d) o caráter fluido e esquivo do dano ambiental”. BENJAMIN,
Antônio Herman V. Responsabilidade Civil pelo dano ambiental. Revista de direito ambiental, São
Paulo, ano 3, n. 9, p. 5-52, 1998. p. 12. grifo do autor.
331
Sobre as dificuldades da determinação do nexo causal, Caio Mário afirma que “este é o mais
delicado dos elementos da responsabilidade civil e o mais difícil de ser determinado. Aliás, sempre
que um problema jurídico vai ter na indagação ou na pesquisa da causa, desponta a sua
complexidade maior. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 8. ed. rev. Rio de
Janeiro: Saraiva, 1998. p. 76
332
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. IV. p. 39.
134
IV- poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de
degradação ambiental;
[...]
Segundo o referido dispositivo, o poluidor é responsável direta ou indiretamente
pelos danos ambientais. Com a extensão do nexo causal às condutas dos
degradadores que indiretamente ocasionam o dano, fica mais complexa a
identificação.
333
Quando a poluição ocorre durante a fabricação de um produto, fica fácil determinar
quem se o agente que deve indenizar que, no caso, é a fábrica, pois foi a sua
atividade que desencadeou a poluição.
No entanto, há situações em que é difícil precisar o agente poluidor responsável pelo
pagamento. Basta pensar na hipótese em que a fabricação de um produto não
cause impacto ambiental, no entanto, a sua utilização pelo consumidor final é que
polui o meio ambiente. Nesse caso, o poluidor direto é o consumidor e o indireto
333
Poluidor direto é “aquele que, com a sua actividade física, vai provocar directamente a poluição”
Poluidor indireto é “aquele que se beneficia da actividade poluente ou cria condições para que a
poluição se produza”. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedra
angular da política comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra editora, 1997.p. 140. Os poluidores
indiretos que criam condições para que a poluição seja produzida são aqueles que, de alguma forma,
contribuem para a ocorrência do dano. Como por exemplo: engenheiros que construíram uma obra
que causou um dano ao ambiente, bancos que financiam os empreendimentos poluentes:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRETENDIDA INDENIZAÇÃO
POR DANOS AMBIENTAIS EM PROPRIEDADE PRIVADA NA AÇÃO PRINCIPAL. LEGITIMIDADE
PASSIVA DO DNPM, IBAMA, ESTADO DE MINAS GERAIS (COPAM), FEAM, IGAM E BNDES. O
ESTADO RESPONDE CIVILMENTE POR ATO OMISSIVO DO QUAL RESULTE LESÃO
AMBIENTAL EM PROPRIEDADE DE TERCEIRO.[...] 6. Quanto ao BNDES, o simples fato de ser ele
a instituição financeira incumbida de financiar a atividade mineradora da CMM, em princípio, por si só,
não o legitima para figurar no pólo passivo da demanda. Todavia, se vier a ficar comprovado, no
curso da ação ordinária, que a referida empresa pública, mesmo ciente da ocorrência dos danos
ambientais que se mostram sérios e graves e que refletem significativa degradação do meio
ambiente, ou ciente do início da ocorrência deles, houver liberado parcelas intermediárias ou finais
dos recursos para o projeto de exploração minerária da dita empresa, aí, sim, caber-lhe-á responder
solidariamente com as demais entidades-rés pelos danos ocasionados no imóvel de que se trata, por
força da norma inscrita no art. 225, caput, § 1º, e respectivos incisos, notadamente os incisos IV, V e
VII, da Lei Maior.
[...].(AG 2002.01.00.036329-1/MG, Rel. Desembargador Federal Fagundes de Deus,
Quinta Turma, DJ p.185 de 19/12/2003), etc. Tanto os poluidores diretos quanto indiretos respondem
pelos danos ambientais: EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANO
AMBIENTAL. SOLIDARIEDADE. l. A ação civil pública pode ser proposta contra o responsável direto,
o responsável indireto ou contra ambos, pelos danos causados ao meio ambiente, por se tratar de
responsabilidade solidária, a ensejar o litisconsórcio facultativo. 2. A omissão do Poder Público no
tocante ao dever constitucional de assegurar proteção ao meio ambiente o exclui a
responsabilidade dos particulares por suas condutas lesivas, bastando, para tanto, a existência do
dano e nexo com a fonte poluidora ou degradadora. Agravo parcialmente provido. (TRF4, AG
96.04.63343-0, Terceira Turma, Relatora Vivian Josete Pantaleão Caminha, DJ 29/09/1999).
135
seria a fábrica responsável pelo desenvolvimento do produto, na medida em que se
beneficia com a atividade poluente.
334
Nesse último exemplo, os poluidores que devem pagar são os fabricantes. Isso
porque eles têm condições de elaborar produtos que não sejam poluentes utilizando
matérias primas que o ocasionem poluição quando do uso do produto ou
acrescentando neles equipamentos que, ao serem usados pelos consumidores, não
causarão impactos ao meio ambiente. Assim, as fábricas possuem meios de evitar a
poluição, visto que são elas quem detém conhecimentos técnicos e científicos
suficientes para tanto.
É por essa razão que os consumidores não podem ser responsabilizados a pagar
quando poluem simplesmente por usarem um bem de consumo.
335
Isso acaba por
implicar uma modificação no nexo de causalidade, que, na verdade, os
consumidores são os responsáveis pela prática das condutas danosas (evento
danoso) e deram causa à poluição (dano). Isso quer dizer que, diante da análise do
nexo de causalidade, os poluidores que deveriam pagar seriam os consumidores.
Contudo, existe uma tendência de ampliação do nexo de causalidade, pois, ainda
que os produtores não pratiquem a conduta e nem produzam o dano, foram eles os
que lucraram com a poluição e, por isso, devem ser responsabilizados a pagar os
custos da reparação ambiental.
Verifica-se aí uma presunção relativa
336
do nexo de causalidade em razão do risco
da atividade
337
. Desse modo, se uma atividade é considerada potencialmente
334
Sobre o tema, ver ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedra
angular da política comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra editora, 1997. Essa autora
exemplos claros desse tipo de situação, tais como a fabricação de automóveis e a produção de
agrotóxicos.
335
É certo que os consumidores não vão ser responsabilizados em hipóteses com essa, entretanto,
eles podem exigir que as empresas fabriquem produtos com selo verde, na medida em que deixem
de comprar produtos que não respeitem o meio ambiente para dar preferência aos que preservam a
natureza. Claro que essa “pressão” que os consumidores podem fazer perante as indústrias é
limitada pela falta de condições financeiras da maioria da população, que prefere pagar um preço
menor em um produto, ainda que este não obedeça aos critérios de uma produção ecologicamente
adequada.
336
A presunção relativa do nexo de causalidade vem sendo aceita na Alemanha e no Japão. Ver:
ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedra angular da política
136
danosa ao meio ambiente, os danos ambientais serão considerados (sob forma de
presunção relativa) decorrentes do processo produtivo de tais indústrias.
É com base nessa presunção relativa que um dos problemas relativos ao nexo de
causalidade pode ser enfrentado. Sabe-se que os danos ambientais nem sempre
irão ocorrer de forma imediata. casos em que a conduta danosa é produzida
hoje, mas os reflexos do impacto irão aparecer no ecossistema após um grande
lapso temporal. Por isso, ainda que o dano ocorra daqui a algum tempo, existirá a
possibilidade de se presumir (presunção relativa) que uma determinada indústria
local deu causa a tais danos e ser responsabilizada apenas por praticar atividade de
risco ao meio ambiente.
338
Outras duas questões que envolvem o nexo de causalidade referem-se à
multiplicidade de agentes causadores do dano, ensejando a concorrência de causas
da poluição, também chamada de concausalidade. São elas: a poluição cumulativa,
que ocorre nos casos em que existem vários poluidores em um conglomerado
industrial causando o dano ambiental ao mesmo tempo e a continuidade delitiva, em
que uma cadeia de poluidores já vem degradando o local com o passar do tempo.
comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra editora, 1997. p. 138; MACHADO, Paulo Affonso Leme.
Direito ambiental brasileiro. 16. ed. rev., ampl e atual . São Paulo: Malheiros, 2008. p. 354-358.
337
O Código Civil estabelece a responsabilidade pelo risco da atividade no parágrafo único do artigo
927: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em
lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem”. Esse é o entendimento da jurisprudência: EMENTA:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS AMBIENTAIS. PESCA PREDATÓRIA DE
ARRASTO DENTRO DAS TRÊS MILHAS MARÍTIMAS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PÓLO
PASSIVO DA LIDE. LEGITIMIDADE. INDENIZAÇÃO. [...]s. 4. A Lei 6.938/1981, artigo 14, § 1º,
adotou a teoria do risco da atividade ou da empresa, que se traduz na responsabilidade objetiva. As
principais conseqüências da adoção pelo nosso sistema legal em vigor são a prescindibilidade da
culpa ou dolo para que haja o dever de reparar o dano; a irrelevância da licitude da conduta do
causador do dano, a conduta pode ser lícita (no caso não foi); e a inaplicação em seu sistema, de
regra, das cláusulas de exclusão da responsabilidade civil administrativa e penal. Assim, perante a
responsabilidade objetiva não vale como cláusula de exclusão do dever, alegar caso de força maior,
fortuito e, especialmente, não prospera a cláusula de não-indenizar, incluída em contratos
particulares, ambientalmente, os contratados são solidariamente responsáveis. Ademais, conforme o
disposto no artigo 942 do Código Civil, a responsabilidade ambiental é solidária. [...]. (TRF4, AC
2006.71.00.004789-8, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 05/05/2008).
338
Podem ocorrer situações em que o dano se apresenta em um local, mas foi causado em outro
lugar bem distante. Para tentar solucionar esse problema, deve-se procurar onde o dano foi causado
(observando a movimentação das correntes marítimas, por exemplo) para responsabilizar o(s)
causador (es) da conduta. Todavia, como essa perquirição é extremamente difícil em certos casos, a
presunção relativa do nexo de causalidade pode ser uma saída, e a indústria do local onde o dano se
manifestou deverá fazer prova de que sua atividade não causou o dano.
137
Para essas situações a lei prevê a solidariedade
339
passiva na responsabilidade
objetiva ambiental, conforme disposto no artigo 942 do Código Civil, 2ª parte: “[...] se
a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.
Assim, “havendo dano causado por mais de uma pessoa, todos são solidariamente
responsáveis”
340
.
Independentemente de terem causado a totalidade do dano ou não, se o legitimado
passivo também concorreu de alguma forma para o surgimento da degradação
ambiental poderá indenizar a dívida toda. Como assevera Ferraz,
[...] não é relevante que a intenção danosa possa ser repartida por muitas
pessoas. O importante é que se buscar algumas dessas pessoas. O
importante é que todas aquelas que possam ser identificadas sejam
colhidas, pouco molestando que algumas tenham escala maior de
participação no dano do que outras. O importante é que, no nexo de
causalidade, alguém tenha participado e, tendo participado, de alguma
sorte, deve ser apanhado nas tramas da responsabilidade objetiva
341
.
Isso acontece porque o nexo causal na solidariedade é plúrimo
342
, o que permite a
escolha do legitimado passivo pelo autor da ação civil pública. Os legitimados ativos
poderão escolher o poluidor solvente, ou seja, o que possui uma situação financeira
mais forte para responsabilizar. Com isso, exclui-se da possibilidade de imputar a
responsabilidade aos co-autores incapazes de arcar com os danos.
339
Nas obrigações solidárias, pluralidade de devedores, respondendo cada qual por toda a dívida,
e liberando os outros, se paga integralmente. Não obstante o credor pode exigir, dos devedores
individualmente considerados, não só o pagamento da totalidade da dívida comum, mas também que
cada qual, ou alguns deles, concorra parcialmente para saldá-la. Se duas pessoas se obrigam
solidariamente ao pagamento de certa quantia obtida por empréstimo, o credor pode exigi-la
integralmente de qualquer dos devedores, à sua escolha, ou de todos ao mesmo tempo. Importa que
receba a vida comum uma vez. GOMES, Orlando. Obrigações. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006. p. 71. (grifo do autor).
340
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria B. B. de Andrade. Responsabilidade civil, meio-
ambiente e ação coletiva ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.). Dano ambiental:
prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p 278-307. p. 284.
341
FERRAZ, Sérgio. Responsabilidade civil por dano ecológico. Revista de direito público, São Paulo,
v. 10, n. 49/50, jan. 1979. p. 34-41.p. 39.
342
“[...] se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente. A regra foi reproduzida
no Projeto de Código Civil de 1975 (Projeto 634-B), art. 944. Com tal disposição, o nosso direito
positivo afasta a idéia da “causalidade parcial”, que surgiu nos tribunais franceses, mas não logrou
êxito: a Corte de Cassação, ao sustentar que ‘todo co-autor de um dano deve assegurar plena
reparação’, vai alcançar o princípio da solidariedade’ [...] Conseguintemente, pode a vítima reclamar
de qualquer um a reparação integral do dano [...] Assim dispondo, o direito positivo brasileiro institui
um nexo causal plúrimo. Em havendo mais de um agente causador do dano, não se perquire qual
deles deve ser chamado como responsável direto ou principal. Beneficiando, mais uma vez, a vítima,
permite-lhe eleger, dentre os co-responsáveis, aquele de maior resistência econômica, para suportar
o encargo ressarcitório” PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 8. ed. rev. Rio de
Janeiro: Saraiva, 1998. p. 82.
138
Portanto, havendo vários poluidores no mesmo local contribuindo para a
degradação, ainda que apenas alguns deles tenham causado uma pequena parcela
do dano, poderão ser responsabilizados pela totalidade do valor da dívida. Da
mesma forma, se o dano foi causado por vários poluidores de forma contínua no
tempo, nada impede que o poluidor atual (ou poluidores atuais) daquela cadeia seja
condenado a arcar com a dívida toda.
343
Assim, como a responsabilidade civil é solidária, havendo mais de um co-
responsável direto ou indireto no lo passivo da demanda, ocorrerá a formação de
litisconsórcio facultativo. O litisconsórcio facultativo
[...] facilita a tutela do meio ambiente, porque não é imprescindível que o
demandante identifique todos os responsáveis, diretos e indiretos, pelo
dano ambiental. Do contrário, caso se tivesse que localizar todos os
agentes poluidores, poder-se-ia inviabilizar a ação civil pública.
344
Contudo, posteriormente, o legitimado passivo poderá cobrar regressivamente dos
outros poluidores que agiram para ocasionar o mesmo dano. A solidariedade vai
permitir que o requerido exercite o direito de regresso contra os demais poluidores
que não foram acionados.
Se couber a denunciação da lide no caso concreto
345
, a sentença da ação civil
pública irá determinar o an debeatur tanto em relação à lide principal quanto
343
Se houver mais de um poluidor emitindo detritos poluentes e apenas um deles pratica uma
conduta que causa sobrecarga do ecossistema, todos irão ser responsabilizados solidariamente e
não só o que excedeu os limites da poluição.
344
MARANHÃO, Clayton; CAMBI, Eduardo. Partes e terceiros na ação civil pública por dano
ambiental. In: DIDIER JR, Fredie; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polêmicos e atuais
sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 97-
130. p. 119.
345
Segundo entendimento dominante no STJ (corrente restritiva), a denunciação da lide na ação civil
pública é cabível quando existe o direito de regresso decorrente de lei ou contrato e não houver a
introdução de fundamento jurídico novo na demanda originária. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
LANÇAMENTO EM RIO DE ESGOTO SEM TRATAMENTO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA
TUTELA PARA IMPOR À A REALIZAÇÃO DE OBRAS PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA.
REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC.REEXAME DE PROVA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO PARA A DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS.I O Ministério Público, segundo expressa
disposição constitucional, tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.É destes interesses que se cuida no caso, pois
visa o parquet a coibir o lançamento em rio de esgoto não tratado, problema cuja solução, segundo
procura demonstrar o autor, cabe à recorrente.II – O deferimento de antecipação dos efeitos da tutela
não pode ser revisto em recurso especial quando, para tanto, for necessário o reexame das provas
que caracterizam a verossimilhança da alegação e a iminência de dano grave irreparável. Aplicação
139
secundária. Assim, o legitimado passivo secondenado a pagar a dívida e, a partir
daí, fica a discussão entre os poluidores sobre a proporção da dívida de cada um em
sede de liquidação da ação subsidiária.
346
3.2 OBRIGAÇÕES AMBIENTAIS “PROPTER REM”
As obrigações “propter rem o aquelas ligadas à coisa (“res”). Quem detém a
coisa (proprietário ou possuidor) é o sujeito desse tipo de obrigação apenas pela
situação jurídica em que se encontra: a de ser proprietário ou possuidor da coisa.
De acordo com os ensinamentos de Orlando Gomes
[...] tais obrigações existem quando o titular de um direito real é obrigado,
devido a essa condição, a satisfazer determinada prestação. O direito de
quem pode exigi-la é subjetivamente real. Quem quer que seja o
proprietário da coisa, ou titular de outro direito real, é, ipso facto, devedor
da prestação. Pouco importa, assim, a pessoa em que surgiu pela primeira
vez. A obrigação está vinculada à coisa.
347
da Súmula n.º 7 desta Corte.III É incabível a denunciação da lide se o alegado direito de regresso
não decorre de lei ou contrato, mas depende ainda de apuração segundo as regras genéricas da
responsabilidade civil. Assim sendo, não viola o art. 70, III, do Código de Processo Civil o acórdão
que indefere pedido de denunciação da Fazenda local sob o fundamento de que os deveres impostos
ao Estado pela Constituição Federal e pela Constituição Estadual não implicam o reconhecimento
automático do direito de regresso.IV Recurso especial improvido.(REsp 397.840/SP, Rel. Ministro
FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21.02.2006, DJ 13.03.2006 p. 186);
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL.1. É parte legítima para figurar no
pólo passivo daão Civil Pública a pessoa jurídica ou física apontada como tendo praticado o dano
ambiental.2. A Ação Civil Pública deve discutir, unicamente, a relação jurídica referente à proteção do
meio ambiente e das suas conseqüências pela violação a ele praticada.3. Incabível, por essa
afirmação, a denunciação da lide.4. Direito de regresso, se decorrente do fenômeno de violação ao
meio ambiente, deve ser discutido em ação própria.5. As questões de ordem pública decididas no
saneador não são atingidas pela preclusão.6. Recurso especial improvido.(STJ, Primeira Turma,
REsp 232187/SP, Relator Min. José Delgado, j. 23.03.2000, DJ 08.05.2000, p. 67.). Em contrapartida,
a corrente ampliativa em relação ao cabimento da denunciação da lide defende que a análise do dolo
ou culpa para o reconhecimento do direito de regresso não significa um novo fundamento jurídico
introduzido na demanda: [...] não colhe o argumento em contrário, às vezes suscitado, de que a
denunciação da lide ao funcionário introduz no processo novo ‘thema decidendum’, por depender da
ocorrência de culpa ou dolo daquele o reconhecimento do direito regressivo da pessoa jurídica de
direito público. Tal argumento prova demais, porque com a denunciação, em qualquer caso, se
introduz novo ‘thema decidendum’ ; questioná-lo equivaleria a pensar que algum denunciado fique
impedido de defender-se negando a obrigação de reembolsar o denunciante, isto é, contestando o
direito regressivo deste. Na verdade nenhum denunciado se recusa à possibilidade de contestá-lo.
Pouco importa que ela se relacione com a exigência de dolo ou culpa ou com qualquer outra
circunstância: a situação é sempre, substancialmente, a mesma [...]. (TJRJ, ap. civ., 8.995, Des.
Rel. José Carlos Barbosa Moreira. J. 17.10.1979)”.
346
Se for o caso de chamamento ao processo, o direito de regresso será cobrado em ação autônoma.
347
GOMES, Orlando. Direitos reais. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 13.
140
Como se pode observar, essas obrigações têm caráter misto
348
, pois surgem
atreladas ao um direito real. Por isso, o identificados dois elementos nas
obrigações “propter rem”: o obrigacional e o real.
Segundo Venosa, “o elemento obrigacional é fornecido pelo conteúdo dessa
obrigação, enquanto o elemento real se realça na vinculação do proprietário como
sujeito passivo da obrigação”
349
.
Como as obrigações “propter rem” seguem a coisa, ao ser transferida a propriedade,
o titular seguinte vai, conseqüentemente, estar submetido a essa obrigação. A
transmissão da obrigação ocorre de forma automática e o adquirente não pode
recusar-se a assumi-la.
350
Esse raciocínio é empregado em sede ambiental com base no princípio da função
social da propriedade.
Função social da propriedade é uma afetação genérica e abstrata,
constitucional, que faz parte do conceito de direito de propriedade, no
sentido de que este seja dirigido para, além da satisfação dos interesses do
proprietário, a satisfação dos interesses da sociedade.
351
Ela responde aos anseios do Estado Social, pois acaba com a noção de que a
propriedade impõe a todos um dever de abstenção para que não molestem o direito
real alheio. Na realidade, a função social da propriedade estabelece exatamente o
inverso. Ela permite uma apropriação coletiva da propriedade, pois determina ao
proprietário a observância das normas constitucionais que dispõem acerca da
proteção e preservação do meio ambiente o que, em última análise, assegura os
interesses da coletividade sobre aquele imóvel.
348
Conforme a maioria da doutrina. Dentre outros, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil
brasileiro: teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2004; PEREIRA, Caio Mário da Silva.
Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v .IV; GOMES, Orlando. Direitos reais. 14.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999; VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil . 4. ed. São Paulo: Atlas,
2004. v. V.
349
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil . 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. v. V. p. 30.
350
GOMES, Orlando. Obrigações. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 29.
351
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental da propriedade rural. São Paulo: LTr,
1999. p. 79.
141
As obrigações ambientais “propter rem” têm como elemento obrigacional o dever de
defender e preservar o meio ambiente (em consonância com o artigo 225 da
Constituição) e como elemento real o direito de propriedade sobre o imóvel
degradado. Desse modo, a obrigação de reparar o dano ambiental é do proprietário
do bem, independentemente de ter sido ele quem deu causa ou não ao prejuízo.
352
Em suma, o adquirente de áreas degradadas, ainda que não tenha causado os
danos ambientais na propriedade, vai ser responsabilizado pela reparação dos
prejuízos ao meio ambiente simplesmente pelo fato de estar na condição de
proprietário.
353
352
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. TERRAS RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MATAS.
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ART. 476 DO CPC. FACULDADE DO
ÓRGÃO JULGADOR.1. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a ratio essendi da
Lei 6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina que o poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar
os danos ao meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação persiste, mesmo sem
culpa. Precedentes do STJ:RESP 826976/PR, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006;
AgRg no REsp 504626/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR,
Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP,
desta relatoria, DJ de 22.04.2003.2. A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem,
por isso que a Lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os
responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, máxime porque a referida norma referendou o
próprio Código Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às propriedades
rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de
cada propriedade, em prol do interesse coletivo. Precedente do STJ: RESP 343.741/PR, Relator
Ministro Franciulli Netto, DJ de 07.10.2002.[...] (REsp 745.363/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2007, DJ 18/10/2007 p. 270); DECISÃO: Trata-se de agravo de
instrumento interposto de decisão que, deferindo parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela em
ação civil pública por danos ambientais, determinou à parte agravante a fixação de placa, em seu
imóvel, com os dizeres: Área objeto da ação civil blica n.º 2007.72.01005111-0 - Proibido edificar
ou promover qualquer modificação no local. Aduz a parte agravante, em síntese, que o imóvel foi
adquirido já devastado, sem restinga, configurando a responsabilidade por danos ambientais do
antigo proprietário, motivo pelo qual não haveria como restringir o exercício de seu direito de
propriedade sem maior dilação probatória que esclareça ter o Agravante alguma responsabilidade (fl.
06). Ademais, assevera que a colocação de placas configura verdadeira sanção prévia, o que deve
ser afastado de plano, motivo pelo qual requer a concessão de efeito suspensivo ao agravo (fl. 07). É
o relatório. Com base no art. 527, II, do CPC, passo a decidir. Inicialmente, registro que, ao contrário
do sustentado pela parte agravante, a responsabilidade civil em matéria ambiental, além de objetiva,
é propter rem, por isso que se impõe ao adquirente do imóvel tanto a obrigação de reparar o dano
como de preservação do imóvel [...] [...] (TRF4, AG 2008.04.00.016088-9, Quarta Turma, Relator
Edgard Antônio Lippmann Júnior, D.E. 19/05/2008).
353
RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS "A" E "C" - PROPRIEDADE RURAL - ATIVIDADE
AGROPASTORIL - RESERVA LEGAL - TERRENO ADQUIRIDO PELO RECORRENTE
DESMATADO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ADQUIRENTE
DO IMÓVEL - EXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 16 ALÍNEA "A" E § 2º DA LEI N. 4.771/65; 3º E
267, IV, DO CPC - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC - DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA.Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer
propriedade, incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, de maneira
que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, referidas zonas não podem servir como
pastagens.Aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo,
142
Claro que a responsabilidade civil vai ser imputada sem a necessidade de que se
verifique o nexo causal. Como foi dito, o nexo de causalidade objetiva indicar o
causador do dano para atribuir-lhe a responsabilidade de reparação. Tratando-se
das obrigações “propter rem”, debalde saber quem praticou o ilícito, pois se tem a
segurança de que o proprietário será responsabilizado.
Isso acontece nos casos em que alguém adquire a propriedade de uma área que
foi degradada pelo alienante e o adquirente acaba na figurando como legitimado
passivo em uma ação civil pública ambiental.
Apesar de o mecanismo da obrigação “propter rem” permitir a imputação da
responsabilidade ao proprietário atual, o alienante foi quem efetivamente causou o
dano e se beneficiou dele. Por isso, o alienante e o adquirente são solidariamente
responsáveis
354
e o litisconsórcio entre eles formado pode ser necessário ou
facultativo.
Caso somente o adquirente seja citado em uma ação civil pública ambiental, não
obrigatoriedade de que o alienante integre o pólo passivo juntamente com ele. O
chamamento ao processo (art. 77, III, CPC) poderá ou não ocorrer porque o
adquirente pode responder sozinho pela dívida.
355
Na hipótese de o adquirente
arcar com o débito, ele terá direito de regresso em face do adquirente.
Se apenas o alienante for citado na ação civil pública, o litisconsórcio será
necessário. Isso porque, nas palavras do Desembargador Federal Edgard Lippmann
Jr.,
praticando o ilícito. A obrigação de conservação é automaticamente transferida do alienante ao
adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental.
Na linha do raciocínio acima expendido, confira-se o Recurso Especial n. 343.741/PR, cuja relatoria
coube a este signatário, publicado no DJU de 07.10.2002.Recurso especial provido para afastar a
ilegitimidade passiva ad causam do requerido e determinar o retorno dos autos à Corte de origem
para exame das demais questões envolvidas na demanda. (REsp 217.858/PR, Rel. Ministro
FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2003, DJ 19/12/2003 p. 386).
354
Entendem que a responsabilidade é solidária, dentre outros: SALLES, Carlos Alberto de.
Propriedade imobiliária e obrigações propter rem pela recuperação ambiental do solo degradado. In:
Revista de Direito Ambiental, a. 9, v. 34, abr-jun, 2004. p. 9-18. p. 17; STEIGLEDER, Annelise
Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 229.
355
É importante lembra que a obrigação tem natureza pessoal e não real, desse modo, o adquirente
responderá pela dívida com todo o seu patrimônio.
143
[...]
a obrigação reparatória contemplada na sentença somente é viável
com a concorrência das seguintes condições: o adquirente do imóvel
franqueie o acesso; consinta com o corte da vegetação exótica assim como
com o plantio das mudas nativas; não se aproprie do valor resultante da
venda da madeira, a ser usado, na forma alternativa contemplada no
decisum, para fins de custeio do próprio PRAD. Faz-se necessária, assim,
sua citação a fim de que integre a lide. - Ainda que não tenham as partes
indicado a necessidade de citação do litisconsorte passivo necessário, tal
providência, por decorrer de norma de ordem pública, é imposta ao órgão
julgador pelo ordenamento processual, descabendo falar em preclusão.
356
Assim, por causa das determinações judiciais que incidem em seu direito real de
propriedade, o adquirente deverá ser incluído no pólo passivo e se submeterá ao
acerto do montante da condenação.
As obrigações ambientais “propter rem”, dessa forma, permitem que a dívida
decorrente da degradação ambiental causada em um imóvel seja cobrada tanto do
proprietário atual, quanto do anterior, que realmente causou o dano. Isso acaba
sendo um meio de efetivar a tutela pecuniária, visto que tanto o patrimônio do
alienante quanto o do adquirente poderá de ser expropriado.
3.3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Uma das exceções à regra do artigo 591 do Código de Processo Civil, que
estabelece a responsabilidade patrimonial de todos os bens pertencentes ao
devedor, é a incidência dessa garantia dos credores sobre os bens dos sócios.
Existe aí uma ampliação da responsabilidade patrimonial que, em regra, ficaria
atrelada somente em relação aos bens do devedor. É o que determina o inciso II do
artigo 592 do CPC: “Ficam sujeitos à execução os bens: [...] II- dos sócios, nos
termos da lei [...] ”.
Desse modo, quando a sociedade estiver na condição de devedora, em primeiro
lugar os seus bens serão expropriados e, se eles o bastarem à execução,
356
TRF4, AC 2004.72.00.002803-4, Quarta Turma, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior, D.E.
30/06/2008.
144
havendo previsão legal, os bens dos sócios responderão por toda a dívida
daquela.
357
Assim, o patrimônio dos sócios irá ser utilizado como pagamento dos credores em
razão das dívidas adquiridas pela sociedade nas situações em que a
responsabilidade deles for considerada ilimitada
358
.
A desconsideração da personalidade jurídica é uma técnica de atribuição da
responsabilidade ilimitada dos sócios que autoriza a submissão de seus bens à
responsabilidade patrimonial.
359
Ela permite que se busquem os verdadeiros agentes provocadores do dano,
responsabilizando-os por seus atos, como se a pessoa jurídica não existisse.
Surgiu em decorrência da crise de limitação da responsabilidade dos cios, visto
que eles se “acobertavam” na teoria da personalidade jurídica que afirmava a
autonomia patrimonial, “tornando a responsabilidade dos sócios estranha à
responsabilidade social, e mesmo quando se trate de sócio com responsabilidade
ilimitada e solidária é sempre ela subsidiária”.
360
357
Esse é o chamado benefício de ordem, disposto no artigo 596 do CPC: “Art. 596. Os bens
particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei;
o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os
bens da sociedade.”
358
Neste trabalho, “responsabilidade ilimitada dos sócios” significa responsabilidade patrimonial.
Ressalta-se que a responsabilidade patrimonial dos sócios não irá independer do tipo de sociedade,
pois ainda que a sociedade seja limitada, nada impede que a responsabilidade dos sócios possa se
tornar ilimitada.
359
Alguns autores entendem que, devido à origem histórica da responsabilidade patrimonial dos
sócios, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem relação com a responsabilidade
dos sócios e não com a personalidade jurídica. Isso porque, segundo eles, a personalidade jurídica
não é causa da limitação da responsabilidade dos sócios. A limitação da responsabilidade teve,
desde a societas romana até as primeiras sociedades por ões, causas outras que não a
personalidade jurídica [...] Entre as causas da limitação da responsabilidade dos sócios “não se
incluirá a personificação das formas individuais ou societárias de organização da empresa”. Para ele,
são causas da flexibilização da personalidade jurídica: WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge.
Responsabilidade dos sócios : a crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 97. Ainda segundo esse autor, a limitação da
responsabilidade dos sócios baseia-se na existência de domínios sobre o patrimônio da sociedade e
dos seus resultados.
360
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (“disregard
doctrine”). In: Aspectos modernos de direito comercial: estudos e pareceres. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 1988. v. I. p. 67-84. p. 71.
145
A disregard doctrine foi desenvolvida pelos tribunais norte-americanos com o intuito
de impedir que uma sociedade seja utilizada com fins contrários ao direito, ou de
forma fraudulenta. Em razão disso, originariamente o abuso de direito e a fraude
eram requisitos para a aplicação dessa teoria.
361
No âmbito da economia, a limitação da responsabilidade dos sócios precisou ser
relativizada devido aos problemas no incentivo da concorrência e à externalização
dos custos sociais das empresas. Segundo Walfrido Jorge Warde Júnior a crise foi
ocasionada pela:
1º) recepção da Teoria da Concorrência Imperfeita (ou concorrência
monopolística), em substituição à Teoria dos Equilíbrios Particulares, e as
transformações no objeto da disciplina da concorrência; 2º) a grande
dificuldade de promover uma disciplina da responsabilidade dos sócios que
garantisse a concreção de suas funções (e.g., a diminuição do risco
empresarias e dos custos de capital), sem enfraquecer a proteção dos
direitos de crédito; 3º) os custos sociais não compensáveis, impostos pela
limitação da responsabilidade.
362
Isso porque a limitação da responsabilidade dos sócios incentiva a prática de
condutas de risco, pois as externalidades negativas decorrentes da atividade da
empresa vão acabar ocasionando prejuízos à sociedade sem que haja
responsabilização dos sócios. Algumas empresas podem produzir e comercializar
produtos defeituosos ou que causem danos ao meio ambiente (utilizando matérias
primas inferiores, por exemplo) ou mesmo deixar de instalar equipamentos anti-
poluentes
363
, acreditando que o privilégio da responsabilidade limitada irá protegê-
las de eventuais pedidos de indenizações.
361
A desconsideração da personalidade jurídica no Brasil teve Rubens Requião como precursor. Ele
foi o primeiro doutrinador no país a tratar sobre o tema. Ela foi introduzida na legislação brasileira
pelo artigo 134 do digo Tributário Nacional e, posteriormente, foi consagrado pelo Código do
Consumidor, em seu artigo 28. É, ainda, norma no Código Civil: Art. 50. Em caso de abuso de
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o
juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
362
WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge. Responsabilidade dos sócios : a crise da limitação e a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 165.
363
É muito importante assinalar que o princípio do poluidor-pagador o tem relação com a
responsabilidade civil dos sócios de que se trata este capítulo. O referido princípio é um instrumento
utilizado quando as empresas deixem de prevenir o acontecimento de danos e, desse modo, as
externalidades negativas acabam por atingir a sociedade, que sofre com os danos ambientais. No
entanto, a responsabilidade civil que incidirá sobre os bens dos sócios não tem índole preventiva,
apenas repressiva, razão pela qual o principio do poluidor pagador não tem natureza de
responsabilidade civil. Sobre o tema ver ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor
146
Seguindo essa linha de pensamento, a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98),
trouxe a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica para o direito
ambiental: “Art. 4º. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre a sua
personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do
meio ambiente”.
364
Esse dispositivo relaciona-se com a responsabilidade civil pelos danos ao meio
ambiente e, por essa razão, o lugar mais apropriado para ele seria a Lei da Ação
Civil Pública.
365
Nota-se que não há, na descrição do citado artigo, nenhum requisito que seja
relacionado com a fraude ou com o abuso de direito por parte da sociedade, a não
ser que a empresa causadora do dano ao ambiente impeça o ressarcimento dos
danos ambientais.
366
Em outras palavras, sempre que a empresa poluidora não tiver
pagador: pedra angular da política comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. Em
sentido contrário: BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade Civil pelo dano ambiental.
Revista de direito ambiental, São Paulo, ano 3,n. 9, p. 5-52, 1998. p. 20-21.
364
No caso do art. da Lei 9.605/98, existe também uma possibilidade de desconsideração da
personalidade jurídica, apesar de não estar expressa no texto legal, pois a hipótese descrita é a de
abuso do poder de controle da pessoa jurídica para o seu próprio benefício. Assim, se isso ocorrer e
a empresa estiver insolvente, haverá clara possibilidade de ser aplicada a desconsideração da
personalidade jurídica. Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e
penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão
de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua
entidade.
365
FREITAS, Vladmir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 73-74.
366
Nesse sentido já se pronunciou o STJ: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DIREITO
AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL BLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. JULGAMENTO EXTRA
E ULTRA PETITA. ARTS. 460 e 461, DO CPC. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ.1. [...] 3. O Juiz Singular julgou procedente o pedido
engendrado pelo Ministério Público Estadual às fls. 729/737 e opostos embargos de declaração pelo
Parquet (fls. 699/707), restaram acolhidos para sanar as omissões e, consectariamente, atribuir à
parte dispositiva da sentença a seguinte redação: "Pelo exposto, julgo procedente o pedido inicial,
tornando definitiva a liminar deferida, para os seguintes termos: 1) desconsiderar a personalidade
jurídica da Associação Comunitária Nossa Terra, para o fim de responsabilizar solidariamente os réus
CARLOS LAGARES LUIZ, EUSTÁQUIO CHAVES E ADEMIR CARVALHO DE ASSIS,
respectivamente, presidente, secretário e tesoureiro da Associação; 2) nas áreas de primeira
categoria as edificações devem ser totalmente removidas. No local, os réus solidários devem efetuar
restauração para a completa recomposição do complexo ecológico atingido.3. Na áreas de segunda
categoria, as construções existentes poderão permanecer, cabendo aos réus a implantação de
estrutura tendente a minimizar as conseqüências da implantação do loteamento, consistente em a)
recuperação integral das áreas de categoria ou de preservação permanente, conforme o diploma
legal;b) pavimentação da via com material impermeável; c) congelamento dos lotes valos;d)
vegetação das calçadas e arborização;e) coleta e tratamento dos esgotos;f) demolição das
construções exclusivamente comerciais;g) aquisição de área de compensação.4) é fixado o prazo de
trinta dias para início das obras atribuídas aos réus nesta decisão e o prazo de cento e vinte dias para
o seu término;5) condenar os réus solidários pelos danos ambientais não recuperados, o que deverá
147
patrimônio o suficiente para arcar com a indenização, ou seja, quando ela foi
insolvável, a sua personalidade jurídica pode ser desconsiderada e, desse modo, os
sócios, gerentes ou diretores deverão ser solidariamente responsáveis pela dívida.
Todavia, deve-se fazer uma ressalva. Caso os sócios atuais não forem os
responsáveis pelos danos, tendo em vista que ingressaram posteriormente na
sociedade, por exemplo, não que se pensar em desconsideração da
personalidade jurídica da empresa.
Apesar de não ter sido criada servindo a esse fim, é perfeitamente possível a
desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa causadora de danos
ambientais com base em uma ponderação de valores. Isso quer dizer que o
legislador considerou a tutela ao bem ambiental muito mais importante do que a
limitação da responsabilidade dos sócios.
367
Assim, se uma empresa lançar grande quantidade de resíduos tóxicos na atmosfera
e não tiver capital suficiente para arcar com a reparação do dano, o juiz poderá
determinar a desconsideração da personalidade jurídica. É uma forma de a empresa
internalizar as externalidades negativas, impedindo, assim, que os custos da
degradação sejam suportados pela sociedade, pois “a análise econômica do direito
[...] tem na desconsideração da personalidade jurídica um instrumento de
compensação de custos externalizados pela limitação de responsabilidade
368
.
O artigo da Lei 9.605/98 apenas faz menção ao estado de insolvabilidade do
agente degradador como único requisito para a imputação da responsabilidade aos
ser apurado em regular liquidação de sentença por arbitramento.6) no caso de descumprimento das
obrigações, a a execução poderá ser efetuada por terceiro ( podendo ser efetuada por terceiro
podendo ser órgão da Secretaria do Meio Ambiente), à expensas dos réus solidários.Condeno os
réus solidários no pagamento das custas e despesas processuais. [...].(REsp 797.999/SP, Rel.
Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24.04.2007, DJ 04.06.2007 p. 311).
367
Haverá, ainda, imputação da responsabilidade dos sócios nos casos m que o legislador ou o
magistrado entenderem que a limitação de sua responsabilidade é menos preferível do que a tutela
de um bem jurídico qualquer. As hipóteses de imputação de responsabilidade têm então,
invariavelmente, dois fundamentos concorrentes ou sucessivos: (1) o exercício da empresa por um ou
mais sócios, com a ‘apropriação’ dos fatores de produção e de indistintos resultados da atividade; (2)
um juízo de (in) eficiência acerca da limitação da responsabilidade.” WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge.
Responsabilidade dos sócios : a crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 254. No mesmo sentido: KOURY, Suzy Elizabeth
Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de
empresas. 2. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1995. p. 79.
368
WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge. Responsabilidade dos sócios : a crise da limitação e a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 195.
148
sócios. Assim, por razões de economia e celeridade processuais, seria ideal que
logo no início da execução, houvesse a presunção da insolvabilidade do devedor
com a demonstração das seguintes situações elencadas no artigo 94 da Lei de
Falências:
Art. 94. Será decretada a falência:
I- sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida
materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma
ultrapasse o equivalente a quarenta salários-mínimos na data do pedido
da falência;
II- executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não
nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal.
III- [...]
O credor, então, dependendo do tipo de título executivo que tem em mãos, deve
comprovar a ocorrência de uma das circunstâncias acima mencionadas para que a
personalidade jurídica possa ser desconsiderada pelo magistrado.
Se se tratar de execução com base em título executivo extrajudicial, isto é, se algum
dos órgãos legitimados a propor a ação civil pública tiver firmado o TAC (Termo de
Ajustamento de Conduta) com a empresa poluidora
369
e esta não cumprir com o que
foi acordado
370
, vai ficar caracterizada a sua impontualidade
371
. Desse modo, o título
será protestado e a execução pode ser iniciada com o requerimento para que haja a
desconsideração da personalidade jurídica, incluindo os sócios, diretores e
gerentes no pólo passivo.
Se o legitimado extraordinário possuir um título executivo judicial e o devedor não
pagar em 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado da sentença
369
Para ser título extrajudicial, TAC deve ser firmado antes do início da ação civil blica, pois do
contrário, ele será homologado judicialmente e se tornará um título executivo judicial.
370
Paulo Affonso Leme Machado lembra que o vocábulo “Termo de Ajustamento de Conduta” poderia
trazer a errônea idéia de que existe uma concessão de interesses (transação). Como são interesses
sociais indisponíveis, não por parte do Ministério Público renúncia ou concessões desses
interesses. Segundo ele, nas obrigações legais ajustadas “incluem-se comportamentos vinculados e
discricionários. Nos comportamentos vinculados ou regrados não pode haver opção sobre sua
exigibilidade imediata (a não ser que a legislação preveja prazos). Os comportamentos discricionários
irão permitir a análise da Administração ambiental ou do Ministério Público quanto à sua conveniência
e oportunidade, desde que a interpretação leve em conta o interesse ambiental. O termo ‘acordo’
retrata melhor a finalidade do ‘compromisso de ajustamento de condutas’ do que o termo ‘transação’”.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16. ed. rev., ampl e atual . São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 375.
371
A impontualidade revela a insolvência do devedor.
149
condenatória
372
, o credor poderá, juntamente com o requerimento da execução,
pleitear a desconsideração da personalidade jurídica e incluir os sócios, diretores e
gerentes no pólo passivo da execução.
373
Todavia, uma ressalva deve ser feita. Como a desconsideração da personalidade
jurídica é um incidente cognitivo dentro da execução, de ser oportunizado o
contraditório aos sócios, a fim de que seja discutido se realmente tal medida é
necessária no caso concreto, que eles podem provar que a empresa não se
encontra insolvente. Por isso, não é adequado que o magistrado aprecie o
requerimento e determine que o patrimônio pessoal dos cios seja invadido sem
que o devido processo legal seja obedecido.
Assim, se a empresa for insolvente e o juiz verificar que o existe outra
possibilidade de ela adimplir, a execução poderá ser realizada diretamente contra o
patrimônio dos sócios.
3.4 FUNDOS DE COMPENSAÇÃO E SEGUROS AMBIENTAIS
Segundo os moldes da responsabilidade objetiva ambiental, o dano ambiental deve
ser integralmente reparado e, por isso, não pode existir um limite à condenação.
374
Ocorre que as indenizações para a reparação dos danos ambientais são, em sua
grande maioria, extremamente altas e dificilmente os poluidores terão condições
financeiras de arcar com tais quantias. É que entram os fundos e os seguros
ambientais, que se prestam a garantir que o dano será reparado.
3.4.1 Fundos de reparação do dano ambiental
372
Conforme o art. 475-J. Cumpre lembrar que artigo 94 da Lei de Falências está desatualizado em
relação às alterações do CPC feitas pela Lei 11.232/05.
373
Se no processo cognitivo houver a demonstração de que a empresa é insolvente, nada impede
que a desconsideração da personalidade jurídica seja feita em sede de tutela de urgência, segundo
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo civil ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.
196.
374
A regra da reparação integral do meio ambiente significa que ele deve ser reparado de forma a se
apresentar no estado mais próximo possível daquele que ele estaria se não tivesse havido o dano.
Sobre o tema ver MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio
ambiente. 2. ed. atual. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004.
150
Em relação aos fundos de compensação autônomos
375
, eles são criados em razão
das dificuldades encontradas em se identificar quais foram os autores dos danos e
em que proporção eles contribuíram para a danificação do meio ambiente. É um
mecanismo de financiamento coletivo que, além de permitir acelerar os processos
de reparação, é uma solução para os casos em que o devedor é insolvente.
Segundo Sánchez, o fundo de compensação “es una instituición de carácter público,
privado o mixto, cuya misíon es facilitar la indemnización de los prejudicados y la
restauración del medio ambiente”.
376
O fundo é financiado por potenciais poluidores que fazem parte dos setores
econômicos mais diretamente envolvidos com a ocorrência dos danos ambientais,
por meio de multas ou contribuições.
Existem vários tipos de fundo, são eles: os de garantia, que indeniza a vítima do
dano quando se desconhece o agente causador; o fundo complementário, que atua
quando existe um limite máximo de responsabilidade; o fundo autônomo que opera
em casos de danos produzidos por origens não identificadas que é necessário à
vítima provar que sofreu um dano; fundo de indenização, que reembolsa os
operadores de carga e descarga de hidrocarbonetos e; os fundos de sub-rogação,
que repara automaticamente o dano e logo busca a responsabilidade concreta para
uma posterior ação de regresso.
Esses últimos são os mais benéficos para o meio ambiente, pois os poluidores
contribuem com a preocupação de não poluir futuramente, haja vista a possível ação
de regresso que irão responder.
Embora as vantagens da criação desses fundos sejam superiores às desvantagens,
não se pode deixar de apontar alguns defeitos. Os custos burocráticos de
manutenção deles é alto, é muito difícil estabelecer critérios para imputar
375
Ressalta-se que os fundos de compensação aqui tratados diferem do fundo do artigo 13 da Lei da
Ação Civil Pública (Lei 7.347/85).
376
SÁNCHEZ, Antonio Cabanillas. La reparación de los daños al medio ambiente. Pamplona:
Aranzadi Editorial, 1996. p. 298.
151
contribuições para cada poluidor de forma diferenciada e o mais importante é que
com a disseminação deles, o direito ambiental pode acabar perdendo a sua mais
importante função que é a preventiva, pois os agentes contribuintes acreditam que
se estão pagando antecipadamente, podem poluir que estão cobertas pelo fundo.
Um dos meios para solucionar o último e mais grave problema, está em outorgar ao
fundo o direito de regresso contra o verdadeiro responsável para recuperar a quantia
desembolsada, como sugere a Declaração de Limonges
377
.
Um dos fundos mais famosos é o Superfund. É um fundo de compensação federal
dos EUA, que segundo, a conceitução do governo americano é “the federal
government's program to clean up the nation's uncontrolled hazardous waste sites.
We're committed to ensuring that remaining National Priorities List hazardous waste
sites are cleaned up to protect the environment and the health of all Americans”
378
.
Ele funciona para financiar o saneamento nas áreas degradadas por resíduos
tóxicos ou perigosos. O Superfund age de maneira subsidiária, ou seja, ele suporta
os gastos caso não seja possível determinar o agente responsável. É custeado por
impostos que incidem sobre o petróleo, matérias-primas químicas e outros impostos
ambientais.
Eles foram elaborados em diversos países, dentre eles os EUA, a Holanda e o
Japão. No Brasil ainda não existe esse tipo de fundo autônomo e nem previsão
na Lei Brasileira de Política Nacional do Meio Ambiente, existindo apenas o fundo da
Lei 7347/85.
3.4.2 Fundo da Lei da Ação Civil Pública
377
Sobre o direito de regresso dos fundos, ver: LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do
individual ao coletivos extrapatrimonial. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 227 e SÁNCHEZ, Antonio Cabanillas. La reparación de los daños al medio ambiente.
Pamplona: Aranzadi Editorial, 1996. p. 305.
378
http://www.epa.gov/superfund/
152
Nas execuções pecuniárias ambientais, o artigo 13 da Lei 7347/85
379
determina que
a soma em dinheiro arrecadada com a condenação será destinada a um fundo que
irá arrecadar e gerir esses recursos, a fim de reconstituir o meio ambiente lesado.
O artigo não deixa claro onde vai ser aplicado esse dinheiro. Ele apenas dispõe que
os recursos serão “destinados à reconstituição dos bens lesados”
380
. Assim, pode se
interpretar que o dinheiro reparará especificamente os bens degradados pelos
responsáveis que são objeto daquele caso que ensejou a reparação ou o montante
arrecadado será usado para a reparação do meio ambiente em geral, podendo ser
direcionado para qualquer recurso natural lesado.
É sabido que o magistrado pode determinar que o poluidor direcione do montante,
que seria fruto da condenação, para a reparação do dano in natura, sem a
necessidade de haver o depósito na conta do fundo. Isso porque o julgador pode
lançar o do resultado prático equivalente e, desse modo, poderá impor ao
poluidor uma forma de compensar a degradação do meio ambiente.
A tutela pecuniária será utilizada apenas em último caso, ou seja, quando o dano for
irreparável ou de difícil reparação e, por isso, quando o caso concreto permitir a
compensação do dano, não haverá condenação em dinheiro. Assim, o dinheiro que
é arrecadado pelo fundo deve ser revertido em medidas que não estão diretamente
relacionadas ao dano daquele caso concreto. É o caso da construção de um centro
de estudos e pesquisas ambientais, da divulgação de programas de educação
ambiental e de combate aos danos ambientais, etc.
381
No âmbito federal, existe o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos que é gerido pelo
Conselho Federal. Em relação ao direcionamento dos recursos arrecadados pelo
379
“Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um
fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão
necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos
destinados à reconstituição dos bens lesados.”
380
Como os danos ambientais podem ser irreparáveis, o vocábulo “reconstituição” é indevido. Nesse
sentido: VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000.p. 114.
381
Ocorre que nas hipóteses em que o juiz determinar que o dinheiro seja depositado diretamente no
fundo, sem que ele tenha observado se naquele caso existe a possibilidade de imposição de uma
medida compensatória, havendo condições para a compensação in natura do dano, seria
interessante que o montante daquela condenação destinada ao fundo seja aplicado a fim de que o
dano específico seja reparado.
153
FDD: “serão aplicados na recuperação de bens, na promoção de eventos
educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente
relacionados com a natureza da infração ou do dano causado, bem como na
modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das
políticas relativas às áreas mencionadas no § 1º deste artigo”.
382
Além das condenações judiciais, o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos é suprido
por recursos advindos: I - das condenações judiciais de que tratam os arts. 11 e 13
da Lei nº 7.347, de 1985; II - das multas e indenizações decorrentes da aplicação da
Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, desde que não destinadas à reparação de
danos a interesses individuais; III - dos valores destinados à União em virtude da
aplicação da multa prevista no art. 57 e seu parágrafo único e do produto da
indenização prevista no art. 100, parágrafo único, da Lei 8.078, de 11 de
setembro de 1990; IV - das condenações judiciais de que trata o § do art. da
Lei nº 7.913, de 7 de dezembro de 1989; V - das multas referidas no art. 84 da Lei nº
8.884, de 11 de junho de 1994; VI - dos rendimentos auferidos com a aplicação dos
recursos do Fundo; VII - de outras receitas que vierem a ser destinadas ao Fundo;
VIII - de doações de pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras,
conforme disposição do § do artigo da Lei 9.008/95, responsável pela criação
do Conselho Federal do artigo 13 da Lei 7347/85.
383
Em relação aos Estados, cada um deles pode criar os seus fundos inspirados no
artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública, tendo como gestor um Conselho Estadual.
Em São Paulo, o Fundo Especial de Despesa de Reparação de lnteresses Difusos
Lesados, criado pela Lei Estadual n. 6.536/89, integra a estrutura organizacional do
Ministério Público do Estado de São Paulo. Atualmente, o Projeto de Lei n. 203/2001
visa revogar a referida Lei Estadual para criar o Fundo Estadual de Defesa dos
Interesses Difusos, detalhando muito mais acerca da aplicação dos recursos do
fundo e de onde vem a sua receita.
382
Segundo o § 3º do artigo 1º da Lei 9.008/95:
383
Segundo o relatório de atividades do ano de 2005, a arrecadação do Fundo de Defesa dos Direitos
Difusos de 1995 a 2005 foi de R$ 36.806.603,00.
154
No Estado do Espírito Santo, apesar de a Lei Estadual n. 4.329/90 determinar a
criação de um Conselho Estadual, o fundo é gerido apenas pelo Ministério Público.
Como não há a formação desse Conselho, foi iniciado o procedimento administrativo
MP 341/96 a fim de definir quais serão os seus membros, com a posterior
regulamentação pelo Poder Executivo.
Um dos problemas do fundo da Lei 7347/85 é que primeiramente deve-se esperar o
pagamento da condenação de forma espontânea ou voluntária para, em seguida,
reverter o dinheiro em benefício do ambiente. Desse modo, nos casos em que existe
urgência na utilização do dinheiro para impedir uma degradação maior, não existe a
possibilidade de arcar com os gastos antes de serem estabelecidas as
responsabilidades e, posteriormente, cobrar regressivamente dos poluidores.
3.4.3 Seguros ambientais
No que tange aos seguros, é comum em vários países, dentre eles o Brasil, a
alocação do risco de poluição em vários ramos de seguros, de acordo com o tipo de
atividade do segurado. Com o seguro ambiental, os custos de uma condenação por
danos ambientais ficam cobertos pelo seguro.
Existem muitas críticas feitas aos seguros como forma de reparação dos danos
ambientais que, em sua maioria, dizem respeito às dificuldades que a seguradora irá
impor para que seja pago a indenização.
384
Em primeiro lugar, para que exista cobertura por parte da seguradora, deve ser
demonstrado que o segurado é civilmente responsável. E isso representa inúmeras
dificuldades e, por essa razão, a responsabilidade civil não se apresenta como um
mecanismo válido.
Em segundo lugar, ainda que se demonstre a responsabilidade de um sujeito, este
pode estar mal segurado.
384
Sobre o tema ver SÁNCHEZ, Antonio Cabanillas. La reparación de los daños al medio ambiente.
Pamplona: Aranzadi Editorial, 1996.
155
Em terceiro lugar, o seguro pode não cobrir todos os danos que podem acontecer
em decorrência de sua atividade, pois existem limites ao seguro no que se refere
aos riscos de contaminação.
Esta prática, contudo, vem sendo abandonada por alguns países, na medida em que
o risco de poluição ambiental vem se tornando, a cada dia, um dos maiores fatores
de risco para os segurados e resseguradores mundiais.
385
385
POLIDO, Walter. Seguros para riscos ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 183.
156
CONCLUSÃO
Pelo que foi exposto, ainda que o bem ambiental não possua um equivalente em
pecúnia, deixar os danos ambientais sem reparação é o mesmo que aceitar a
degradação.
Mesmo sabendo que o mais correto não é a tutela pecuniária e sim uma tutela
preventiva, haja vista as dificuldades em se quantificar os danos, deve-se tentar
condenar o poluidor para que este repare os danos que cometeu e devolva à
sociedade o meio ambiente ecologicamente equilibrado, livre de externalidades
negativas.
É certo que a soma dos valores totais correspondentes à amplitude de aspectos que
os danos ambientais possuem resulta em uma quantia exorbitante. Isso geralmente
é um grande obstáculo em sede de reparação dos danos ambientais e, na maioria
das vezes, a execução resta infrutífera.
Para mudar esse panorama, deve-se lançar mão de técnicas a fim de efetivar a
tutela pecuniária e, desse modo, oferecer meios aos poluidores para que paguem as
indenizações pelos prejuízos que causaram ao bem ambiental.
É nesse sentido que a responsabilidade civil objetiva ambiental permite que os
poluidores sejam responsabilizados de forma solidária, não necessitando que todos
eles integrem o pólo passivo da ação civil pública, que cada um pode responder
pela totalidade da dívida, ainda que tenha contribuído apenas com uma pequena
parte do dano.
Outra técnica com esse mesmo objetivo é a desconsideração da personalidade
jurídica das empresas, a fim de que a responsabilidade patrimonial, que é garantia
de que o pagamento será realizado que os credores (representados na ação civil
pública pelos legitimados extraordinários) possuem, recaia sobre o patrimônio dos
sócios. Isso deve ser feito porque o meio ambiente é um bem muito superior do que
a proteção à personalidade jurídica das empresas e os sócios não podem ser
157
beneficiados pelos danos que ocasionaram à sociedade simplesmente pelo fato de
que estão escudados atrás de uma empresa.
Além disso, um outro meio que pode atingir a finalidade de reparação do meio
ambiente é o auxílio dos fundos de compensação e dos seguros ambientais.
Cumpre dizer que apesar de terem o mesmo objetivo, os primeiros são mais
eficazes, principalmente se eles possuírem autonomia o suficiente para fazer o
pedido de regresso. Ressalta-se que o grande problema dessas técnicas é não
permitir a prevenção dos danos e, por isso, o poluidor pode achar que está pagando
para poluir futuramente, certo de que não será cobrado pelos prováveis ou possíveis
danos.
Assim, conforme exposto no corpo presente trabalho, deve-se pesquisar soluções
viáveis para encontrar tanto os responsáveis pelo dano ambiental quanto os bens
suficientes destinados ao pagamento da condenação, a fim de que a tutela
pecuniária ambiental seja efetivada.
158
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