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Roberto Tadeu Berro
Programa Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação
Turma Minter
RELAÇÕES ENTRE ARTE E MATEMÁTICA:
UM ESTUDO DA OBRA DE MAURITS CORNELIS ESCHER
Itatiba - SP
2008
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Roberto Tadeu Berro
Programa Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação
Turma Minter
RELAÇÕES ENTRE ARTE E MATEMÁTICA: UM ESTUDO
DA OBRA DE MAURITS CORNELIS ESCHER
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da
Universidade São Francisco, Itatiba - Turma
Minter, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Educação.
Orientadora: Alexandrina Monteiro
Itatiba - SP
2008
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Ficha catalográfica elaborada pelas bibliotecárias do Setor de
Processamento Técnico da Universidade São Francisco.
371.399.51 Berro, Roberto Tadeu.
B452r Relações entre arte e matemática: um estudo da
obra de Maurits Cornelis Escher / Roberto Tadeu
Berro. -- Itatiba, 2008.
107 p.
Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Educação da Universidade São
Francisco.
Orientação de: Alexandrina Monteiro.
1. Matemática. 2. Etnomatemática. 3. Arte.
4. Escher, M. C. (Maurits Cornelis), 1898-1971.
I. Monteiro, Alexandrina. II. Título.
A todas as pessoas
que sempre acreditaram e confiaram em mim.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por permitir-me a mais esta conquista pessoal, dando-me saúde, luz
paciência e sabedoria.
Aos meus pais que, mesmo passando por momentos difíceis, me proporcionaram a
oportunidade de estudar em uma ótima escola desde as séries iniciais, incentivando-me nos
estudos.
Aos meus amigos Jorge dos Santos Souza e Sônia Regina M. Almeida, companheiros
de mestrado que compartilharam comigo vários estudos, angústias e viagens, e que foram
fundamentais para que eu tivesse força, motivação e garra para galgar cada degrau nestes
24 meses de estudo.
Aos professores Júlio K. Inafuco, José Ivair Motta Filho, Suzete Beal e Giselli Hummelgen
que propiciaram todas as condições para que eu pudesse me dedicar ao mestrado,
concomitantemente às atividades profissionais subordinadas a eles ao longo do mestrado.
À minha orientadora, professora e amiga prof.
a
Dr.
a
Alexandrina Monteiro primeiramente
pela paciência demonstrada ao longo de todo o mestrado, e por ter acreditado que apesar
de todas as dificuldades seria possível chegar até esta dissertação. Agradeço de todo o meu
coração o desprendimento em querer me ajudar a vencer esta etapa, não fazendo restrições
de qualquer espécie nos atendimentos para as orientações, mesmo nos momentos de prazos
menos dilatados. Sua atenção, dedicação e empenho são exemplos eternos para mim.
Às professoras Dr.ª Denise Vilela e Dr.ª Jackeline Mendes pelas observações e
sugestões feitas com brilho nos olhos por ocasião do exame de qualificação. Perceber que
também para elas o tema era apaixonante, foi um incentivo a mais para que eu pudesse me
dedicar de corpo e alma para a fase final de escrita da dissertação.
Aos meus alunos, familiares e amigos que souberam compreender o período de estudos
no qual estava imerso e que se interessaram pelo meu tema, dando-me a oportunidade de
compartilhar meu entusiasmo e que dividiram comigo opiniões sobre o tema: todos têm
participação da mais alta importância no meu trabalho.
A você, que acredita que toda pessoa tem o direito de ser feliz: obrigado pelo amor e
pelo carinho!
“O gênio de Escher está em que ele não só imaginou,
mas na verdade, descreveu dezenas de mundos semi-
reais e semimíticos, mundos repletos de voltas estranhas,
aos quais ele parece convidar seus espectadores”.
Douglas Hofstader
BERRO, Roberto Tadeu. Relações entre Arte e Matemática: Um estudo da obra de
Maurits Cornelis Escher. 2008. Dissertação – Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Educação da Universidade São Francisco, Itatiba - Turma Minter.
RESUMO
A presente pesquisa tem como foco principal o estudo de algumas das condições de
produção das gravuras do artista holandês Maurits Cornelis Escher e sua apropriação no
contexto escolar. Para isso, buscaremos compreender especialmente algumas das influências
que alguns matemáticos como Bruno Ernst e Coxeter exerceram em sua obra, bem como
outros entornos sociais que influenciaram a sua produção. Será analisado como os
professores de matemática e de outras áreas de conhecimento interagem com este artista
apontando quais são as suas potencialidades em termos de contextualização e
aplicabilidade, tendo como pano de fundo uma visão da Matemática trazida pela Etnomate-
mática. Neste sentido, nosso trabalho nos remete a seguinte questão: A metodologia de
pesquisa requer uma abordagem qualitativa, de cunho bibliográfico e documental, tomando
como base a interação da obra do artista com as sensações evocadas pelas conexões do
olhar, sentir, pensar daqueles que se apropriam de sua obra no ambiente educacional.
Palavras-chave: ARTE, MATEMÁTICA, ESCHER, ETNOMATEMÁTICA.
ABSTRACT
The present research focus on the study of some of the production conditions within Escher
works, as well as its appropriation in the educational context. It mainly seeks to comprehend
the influence of mathematicians such as Bruno Ernst and Coxeter in his works and how
paradidatic and textbook authors use and give meaning to part of it. In this regard the study
analyses the transition from the second to the third stage of Escher works identifying the
mathematical concepts used, and above all, how they acquired different meanings. Such
approach to the artist´s works refers to the following: In the view of the academic
Mathematics, in general, the stamps are associated to the symmetry, geometries and infinite
approach studies, but taking also another perspectives and mathematics knowledge –
knowledge produced inside other social practices – would be other themes to be approached
in Escher’s works? The methodology of research requires a qualitative approach, based on
bibliography and documents, based on the interaction between the artistist’s pieces of work
and the sensations caused the eyes, feelings and thoughts of those who use his works in the
educational places
Key words: ARTS, MATHEMATICS, ESCHER, ETNOMATHEMATICS.
SUMÁRIO
1 A ARTE DO ENCONTRO: NADA NA VIDA ACONTECE POR ACASO........................... 12
1.1 Lembrando o passado ............................................................................................... 12
1.2 A Redescoberta da Arte............................................................................................. 14
1.3 As múltiplas possibilidades oferecidas por Escher................................................ 17
1.4 A definição da dissertação ........................................................................................ 20
1.5 Organização do trabalho ........................................................................................... 21
2 A ARTE DA REVELAÇÃO: DECIFRANDO MAURITS CORNELIS ESCHER .............. 25
2.1 Apresentando o artista............................................................................................... 25
2.2 Sobre as fases da obra de Escher ............................................................................ 32
3 A ARTE DA PERCEPÇÃO: COMPREENDENDO A PRODUÇÃO DO ARTISTA
NO CONTEXTO HISTÓRICO – SOCIAL........................................................................ 37
3.1 Introdução ................................................................................................................... 37
3.2 Produção matemática no século XX......................................................................... 38
3.3 Século XX: a grande explosão do estudo da leitura das imagens ........................ 40
3.4 A percepção visual e Escher..................................................................................... 45
3.4.1 Equilíbrio .................................................................................................................. 46
3.4.2 Configuração ........................................................................................................... 47
3.4.3 Forma........................................................................................................................ 48
3.4.4 Espaço...................................................................................................................... 49
3.4.5 Luz ............................................................................................................................ 53
3.4.6 Cor ............................................................................................................................ 55
3.4.7 Movimento................................................................................................................ 56
3.4.8 Dinâmica................................................................................................................... 57
3.4.9 Expressão ................................................................................................................ 58
4 ARTE DA PERFEIÇÃO: ESTUDO DA DIVISÃO DE SUPERFÍCIES NAS OBRAS
DE ESCHER.................................................................................................................... 60
4.1 Embasamento Histórico e Conceitual ...................................................................... 61
4.2 Relações Com o Contexto Educacional................................................................... 66
5 A ARTE DA ABSTRAÇÃO: ESTUDO DAS GEOMETRIAS NÃO EUCLIDEANAS
NAS OBRAS DE ESCHER ............................................................................................. 69
5.1 Embasamento histórico e conceitual ....................................................................... 70
5.2 Relações Com o Contexto Educacional................................................................... 78
6 A ARTE DA LOUCURA: ESTUDO DOS MUNDOS IMPOSSÍVEIS DE ESCHER ......... 82
6.1 Embasamento histórico e conceitual ....................................................................... 83
6.2 Relações Com o Contexto Educacional................................................................... 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS OU A ARTE DA SÍNTESE..................................................... 92
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 100
ANEXO - ENTENDENDO O OFÍCIO DE ESCHER - TÉCNICAS DE GRAVURAS ........... 102
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - ESCADA ACIMA E ESCADA ABAIXO, LITOGRAFIA, 1960........................... 13
FIGURA 2 - QUEDA D’ÁGUA - LITOGRAFIA, 1961 ........................................................... 13
FIGURA 3 - RELATIVIDADE, XILOGRAVURA, 1953......................................................... 15
FIGURA 4 - DESENHANDO-SE, 1953................................................................................ 16
FIGURA 5 - OLHO DE ESCHER, GRAVURA..................................................................... 16
FIGURA 6 - ENCONTRO, 1944, GRAVURA....................................................................... 17
FIGURA 7 - ESBOÇO A CORES DE AMALFI, BAIXA ITÁLIA FEITO POR ESCHER ....... 26
FIGURA 10 - AUTO – RETRATO, 1943, LITOGRAFIA ...................................................... 30
FIGURA 11 - PAINÉIS CONFECCIONADOS POR ESCHER SITUADOS NA
CÂMARA DE LEIDEN - HOLANDA............................................................... 30
FIGURA 12 - LIMITE CIRCULAR III, 1958, XILOGRAVURA.............................................. 31
FIGURA 13 - NATUREZA MORTA COM ESPELHO, 1934, LITOGRAFIA......................... 32
FIGURA 14 - COLUNAS DÓRICAS, 1944, XILOGRAVURA .............................................. 33
FIGURA 15 - LAÇOS DE MOEBIUS II, XILOGRAVURA, 1963 .......................................... 33
FIGURA 16 - GALERIA DE ARTE, 1956, LITOGRAFIA ..................................................... 34
FIGURA 17 - PRODUÇÃO DA MATEMÁTICA NO SÉCULO XX........................................ 38
FIGURA 18 - DIVISÃO CÚBICA DO ESPAÇO, LITOGRAFIA, 1952.................................. 52
FIGURA 19 - SOL E LUA, 1948, XILOGRAVURA .............................................................. 55
FIGURA 20 - AR E ÁGUA I, XILOGRAVURA, 1938 ........................................................... 60
FIGURA 21 - ESPELHO MÁGICO, LITOGRAFIA, 1946..................................................... 61
FIGURA 22 - ISOMETRIA POR TRANSLAÇÃO ................................................................. 63
FIGURA 23 - ISOMETRIA POR ROTAÇÃO........................................................................ 63
FIGURA 24 - ISOMETRIA POR REFLEXÃO ...................................................................... 64
FIGURA 25 - ISOMETRIA POR REFLEXÃO DESLIZANTE ............................................... 64
FIGURA 26 - LIMITE CIRCULAR I – XILOGRAVURA – 1958 ............................................ 69
FIGURA 27 - SERPENTES – XILOGRAVURA, 1969 ......................................................... 70
FIGURA 28 - LIMITE QUADRADO, 1964, XILOGRAVURA................................................ 71
FIGURA 29 - TURBILHÕES , 1957, XILOGRAVURA......................................................... 72
FIGURA 30 - ESTUDO DA GEOMETRIA HIPERBÓLICA .................................................. 75
FIGURA 31 - PLANO HIPERBÓLICO ................................................................................. 76
FIGURA 32 - MODELO DE POINCARÉ PARA O PANO HIPERBÓLICO .......................... 76
FIGURA 33 - RETAS COM PROPRIEDADES ESPECIAIS NO PLANO
HIPERBÓLICO .............................................................................................. 77
FIGURA 34 - RELATIVIDADE – LITOGRAFIA – 1953........................................................ 82
FIGURA 35 - BELVEDERE. LITOGRAFIA – 1958.............................................................. 83
FIGURA 36 - PERSPECTIVA FALSA, DE HOGARTH -1754 – GRAVURA ....................... 84
FIGURA 37 - PRISÕES IMAGINÁRIAS, DE PIRANESI – 1750 – ÁGUA FORTE .............. 84
FIGURA 38 - GRÁFICOS DOS PIONEIROS, PASSAGEIROS E PIRATAS....................... 86
FIGURA 39 - DESENHO DE UM TRIBAR .......................................................................... 88
FIGURA 40 - ESCADA DE PENROSE................................................................................ 89
FIGURA 41 - “UM OUTRO MUNDO II”, 1947, XILOGRAVURA ......................................... 96
12
1 A ARTE DO ENCONTRO: NADA NA VIDA ACONTECE POR ACASO
1.1 Lembrando o passado
São muitos os caminhos e histórias que geram pesquisas. Da mesma forma, são
muitas as angústias e dúvidas que pairam sobre as possibilidades de desenvolver um trabalho
que atenda a questões sociais, ou seja, meu compromisso de educador e, meu desejo
pessoal em pesquisar e aprofundar meus estudos sobre temas pertinentes à minha prática
de professor e aos meus interesses pessoais.
Deste modo, acredito que neste primeiro momento de contato com o projeto prevalece
um descobrir de novos caminhos no mundo acadêmico e a oportunidade deste autor expressar
e exercitar o seu poder discursivo, para preparar o leitor na compreensão dos caminhos e
opções feitas ou que ainda serão feitas.
Procurando resgatar memórias bem remotas, esta história se inicia com um professor de
Física que, ao trabalhar Óptica da Visão, proporcionou-me uma aula com a projeção de slides
enfatizando diapositivos que traziam imagens de ilusão de ótica, com muitas imagens de
Escher. Por ilusão de óptica vamos aqui definir como sendo todas as ilusões que enganam o
sistema visual humano, fazendo-nos ver qualquer coisa que não está presente na figura ou
ainda de modo equivocado, podendo ocorrer naturalmente ou por alguma deficiência do nosso
sistema visual. Este foi o primeiro contato de que me lembro com este gravurista , sem ainda
saber que se tratava dele. Por ter admiração e uma afinidade grande com este professor (ele é
meu amigo pessoal até hoje pois chegamos a lecionar juntos na mesma escola), acabei me
tornando professor de Física, procurando ter nele um modelo a ser seguido, como educador e
como pessoa. No início da minha trajetória profissional em muitos momentos acabei copiando-o
no intuito de ser considerado um bom profissional.
Desta aula a que me referi, lembro de duas gravuras apresentadas por ele como se
isso tivesse acontecido ontem, de tão marcante que foi este episódio para mim:
13
FIGURA 1 - ESCADA ACIMA E ESCADA ABAIXO,
LITOGRAFIA, 1960
Ao se apresentar esta imagem, o professor pediu que nós acompanhássemos visualmente
o movimento de um dos monges que estavam na escada. Apesar de todos estarem prontos
para subir na escada no degrau seguinte, após completarem um ciclo ou uma volta completa na
escada, voltarão ao ponto de partida sem na verdade subirem 1 centímetro sequer!
Este professor tinha lecionado na primeira série do antigo Segundo Grau (atual Ensino
Médio), e entre outras tantas imagens apresentadas, ele fez questão de apresentar esta:
FIGURA 2 - QUEDA D’ÁGUA - LITOGRAFIA, 1961
14
Aqui Escher fere o Princípio da Conservação da Energia (conteúdo de Física estudado na
primeira série), mostrando a água vencer sozinha a força gravitacional, e indo cair numa roda
d’água. Analisando a figura seguindo a água temos a impressão que ela corre para baixo,
afastando-se de nós. Mas subitamente, o ponto mais afastado e mais baixo parece ser idêntico
ao mais alto e mais perto, assim a água continua a cair e manter a roda em movimento eterno!
1.2 A Redescoberta da Arte
Passaram-se vários anos e mais tarde a mim foi propiciada a oportunidade de conhecer em
1997 uma arte-educadora que chegou a trabalhar na mesma instituição de ensino em que eu
lecionava. Brilhante professora e amante da história da arte, ela pôde reformular a minha visão
sobre as artes que, antes, era restrita a vagas lembranças que tinha de projetos de artes mal
sucedidos durante as aulas no colégio do Ensino Fundamental, geralmente relacionados a datas
comemorativas: dia das mães, dia dos pais, Páscoa, festa junina, Natal entre outras datas festivas.
Mas, a partir de visitas a muitas exposições de Arte, leituras de livros de história da arte e
discussões das relações que poderiam ser encontradas entre o estudo de vários artistas e os
mais diferentes ramos de conhecimento, principalmente aqueles ligados aos estudos curri-
culares, acabei deparando-me com um mundo novo que a muito poderia acrescentar na minha
prática de professor de Matemática e Física. Alguns artistas me fascinaram pela simplicidade na
sua obra artistas como Mondrian; outros pelos seus traços vigorosos no desenho com Van
Gogh; outros pela capacidade de trazer a exata noção de luz e sombra em suas telas como
Monet; outros pelo seu poder criativo e por sua genialidade como Reneé Magritte e Salvador
Dali. Porém nenhum me impressionou tanto e evocaram os mais distintos sentimentos,
sensações, reflexões e correlações com a minha prática que Maurits Cornelis Escher.
Quando a em instituição que eu leciono me convidou para trabalhar num projeto de
Matemática Contextualizada para professores da rede pública estadual, na localidade de
Faxinal do Céu em 2001, ocorreu-me a idéia de mostrar para os professores algumas
figuras de Escher. Minha intenção ao mostrar essas figuras era a de buscar caminhos que
pudessem auxiliar os professores em suas aulas de Matemática e, para a minha surpresa,
muitos desses professores desconheciam tanto o artista quanto sua obra.
A partir deste momento, comecei a me interessar cada vez mais pelas obras de Escher,
“consumindo” tudo o que via a minha frente sobre este artista. O ponto culminante deste
meu interesse está exatamente em curso agora, ou seja, neste momento no qual pretendo
investigar a obra desse artista e as possíveis relações com a educação Matemática atras
dessa investigação.
15
Atualmente eu trabalho com aulas de Física no Ensino Médio e com Estatística e
Matemática no Ensino Superior, no chamado ciclo básico dos cursos de Administração
Economia e Ciências Contábeis. Neste período, os acadêmicos têm aulas juntos sem
separação por curso, em várias salas diferentes. Nos momentos em que estou em sala de
aula, procuro dentro dos conteúdos que trabalho inserir as gravuras de Escher para ilustrar
e enriquecer as minhas explanações. Por exemplo, nas aulas de Física quando explico a
reflexão da luz e a óptica da visão, entendo que há inúmeras possibilidades de se trabalhar
com várias de suas gravuras, e para meu espanto, vejo que há por parte de alguns alunos
conhecimento da obra deste artista. Mesmo que uma pessoa nunca tenha aberto um livro de
História da Arte ou tenha visitado um museu ou uma galeria de arte, ela encontrará muitos
trabalhos desse artista, já que eles estão presentes nas diferentes mídias como tenho
presenciado em alguns entretenimentos de preferência pessoal, como seriados, desenhos,
músicas e jogos de vídeo game:
Matt Groening, criador de Os Simpsons (desenho que passa no canal FOX), utilizou
uma referência à Escher em sua tira Life in Hell. Numa paródia à obra Relatividade,
coelhos desenhados caem de escadas em ângulos impossíveis. Groening poste-
riormente usou a mesma situação cômica em um episódio de Futurama. Quando
jovem, o autor costumava colecionar pôsteres de Escher.
Em um episódio de Family Guy (desenho que passa no canal FX), Stewie e Brian
compartilham um quarto no qual Stewie coloca na parede uma gravura de Relativi-
dade, o qual ele chama escadas loucas. Ele então a quebra enquanto joga frisbee.
No filme “Labirinth” (Labirinto – A Magia do Tempo), de 1986, com David Bowie no
papel principal (Jareth), há uma cena nitidamente inspirada em Relatividade, de 1953.
FIGURA 3 - RELATIVIDADE, XILOGRAVURA, 1953
16
Um episódio de Os Padrinhos Mágicos (desenho que passa no canal Cartoon Network)
mostra em seu título um design similar à obra Desenhando-se.
O videoclipe da música Drive (2001), do grupo Incubus, é baseado em Desenhando-
se, começando com uma mão animada desenhando um pedaço de papel e uma
segunda mão, para então formar a própria obra de Escher. Também mostra a mão
desenhando o vocalista da banda Brandon Boyd.
FIGURA 4 - DESENHANDO-SE, 1953
A fase bônus do jogo Sonic, do Sega Mega Drive, contém uma animação de pássaros
se transformando em peixes, uma clara referência à Ar e Água.
O jogo Lemmings, da produtora Psygnosis, possui um nível chamado Tributo a
M.C. Escher, ainda que ele não apresente um cenário ao estilo do autor.
A figura de um grande olho com uma caveira em sua íris aparece na parede do
quarto de Donnie Darko, que é semelhante a uma das gravuras de Escher (cult
movie de 2001).
FIGURA 5 - OLHO DE ESCHER, GRAVURA
17
O videoclipe da canção Around the World (1992), do grupo Daft Punk, dirigido por
Michel Gondry, é baseado na obra Encontro.
FIGURA 6 - ENCONTRO, 1944, GRAVURA
A abertura da novelaTop Model (de 1989, na rede Globo) é inspirada da obra
“Escada Acima e Escada Abaixo,que mostra várias escadas de diversos ângulos
em um mesmo lugar, já mostrada no início deste capítulo.
1.3 As múltiplas possibilidades oferecidas por Escher
O acesso a obra de Escher pode ocorrer por vários caminhos e motivos, mas, no
campo da Matemática escolar essa aproximação tem se limitado ao campo da geometria,
em especial, aos trabalhos de simetria merecendo assim, um estudo mais amplo sobre as
obras desse artista. Diante disso, o foco deste trabalho estará voltado na necessidade de
refletir mais amplamente sobre as obras de Escher no ambiente escolar, principalmente no
campo da Educação Matemática, mas não se restringindo a ele, sendo que para isso alguns
passos serão meticulosamente dados ao longo do texto que se segue.
Na verdade, a escolha do tema foi simples assim que eu iniciei o mestrado: bastaram
alguns minutos de conversa com a orientadora do mestrado, para que de comum acordo e
dentro da linha de pesquisa existisse um comprometimento para que este estudo fosse
desenvolvido. Mas devido ao fato do tema ser apaixonante, e abrir um leque de opções
bastante grande de possibilidades de estudo, eu não apresentava até a qualificação do
mestrado um foco único para esta pesquisa, já que tudo era muito interessante e importante
para mim. A conseqüência disso é que eu não conseguia deixar nada de lado, apesar de
saber que dentro do prazo bem limitado oferecido por esta modalidade de mestrado
institucional eu não conseguiria aprofundar nada do que estava proposto.
18
A indecisão ou quem sabe a gana de esgotar o assunto estava tão grande antes da
qualificação que os professores responsáveis pela minha qualificação deste mestrado
identificaram seis ou sete perguntas orientadoras no texto enviado para a banca. É evidente
que esta multifocalidade não permitiria que a dissertação tivesse o grau de profundidade e
importância necessárias para que pudesse ser dado o meu quinhão de contribuição na área
da educação matemática, fato motivador deste mestrado. Antes do recorte feito em conjunto
com a banca de qualificação, o texto inicial da dissertação apresentava várias perguntas
orientadoras, as quais irei colocar aqui e, na seqüência, as justificativas que irão certificar o
porquê da decisão tomada no que diz respeito ao foco do trabalho.
As questões que fizeram parte do texto original da dissertação foram as seguintes:
1. Qual valor simbólico era atribuído ao discurso dos matemáticos, em especial dos
matemáticos que se relacionaram com Escher e o levaram a redimensionar sua
obra gerando sua terceira fase?
2. Como o discurso escolar tem se apropriado das obras de Escher, no que diz respeito
aos documentos escolares, notadamente no discurso presente nos livros didáticos
e paradidáticos?
3. Que recursos matemáticos possibilitaram a realização destas obras mesmo havendo a
negação por parte de Escher da intenção de usar a Matemática na sua prática?
4. Como o artista, o matemático, o aluno, ou pessoas de outros campos reconhecem
ou não certo tipo de Matemática presente na obra de Escher?
5. Que condições culturais e sociais propiciaram e influenciaram a produção artística
de Escher?
6. Como e que leituras – matemáticos e artistas – fizeram de sua obra nas diferentes
fases do seu trabalho e que influências isso causou em sua obra?
7. Sob o olhar da Matemática acadêmica, em geral, as gravuras são associadas ao
estudo da simetria, geometrias e da aproximação ao infinito, mas, partindo-se de
outras perspectivas e saberes matemáticos – saberes estes produzidos no interior
de outras práticas sociais – existiriam outras temáticas a serem exploradas na obra
de Escher?
Logo, nota-se que seria realmente impossível numa dissertação de mestrado interins-
titucional que apresenta um prazo menor do que os demais para a sua finalização responder
com propriedade a todas as questões levantadas.
O que se pretende ao colocarmos as questões levantadas na qualificação e para
indicar é indicar os motivos que nos levaram a abandonar o estudo de algumas delas como
segue, isto é, após cada pergunta dar-se-á o motivo ou motivos que levaram a abandonar a
questão outrora suscitada:
19
1. Qual valor simbólico era atribuído ao discurso dos matemáticos, em especial dos
matemáticos que se relacionaram com Escher e o levaram a redimensionar sua obra
gerando sua terceira fase? Com relação a esta questão primeiramente precisamos
situar ao leitor o que se significa esta terceira fase. O trabalho de Escher apresenta
três momentos distintos, sendo que na chamada terceira fase há uma apropriação
da matemática por parte do artista, que o conduzirá na produção das últimas obras
por ele produzidas. O abandono desta questão é justificado pela absoluta falta de
material bibliográfico que permite um estudo mais aprofundado do tema.
2. Como o discurso escolar tem se apropriado das obras de Escher, no que diz
respeito aos documentos escolares, notadamente no discurso presente nos livros
didáticos e paradidáticos? Infelizmente, ao analisarmos vários documentos escolares
constatamos que poucos utilizam este artista como exemplo para se trabalhar
conteúdos matemáticos de Ensino Fundamental e Médio, e infelizmente aqueles
que o apresentam fazem isso de forma repetida, sem qualquer criatividade. Logo,
seria uma tarefa grande de pesquisa sem a possibilidade de ter um material
consistente para futura análise.
3. Que recursos matemáticos possibilitaram a realização destas obras mesmo havendo a
negação por parte de Escher da intenção de usar a Matemática na sua prática? O
grande problema de se trabalhar com esta questão são as armadilhas que ela
mesma apresenta na sua discussão: esta negação realmente existe, ou foi uma
forma de Escher evitar que as pessoas atribuíssem significados para as suas
obras? Esta discussão vai trazer resultados práticos para os matemáticos? Enten-
demos, assim, que este aspecto não – posto dessa forma – não parece relevante
para ser um foco de pesquisa.
4. Como o artista, o matemático, o aluno, ou pessoas de outros campos reconhecem
ou não certo tipo de Matemática presente na obra de Escher? Esta discussão é
bem interessante e poderia ser feita sem maiores problemas, inclusive havia uma
tendência no início da pesquisa de percorrer este caminho. Alguns alunos do
Ensino Médio de uma das escolas que leciono inclusive participaram de uma
nquête para auxiliar na escolha de quais gravuras poderiam ser usadas nesta
análise. No entanto, as dificuldades de tempo e de se tirar as conclusões de forma
mais consistente acabaram fazendo com esta questão também fosse abandonada
5. Que condições culturais e sociais propiciaram e influenciaram a produção artística
de Escher? Evidentemente não há problema nenhum de se trabalhar com esta
questão orientadora, mas em se tratando de um mestrado em educação
matemática, procurou-se privilegiar estudos que pudessem auxiliar professores na
20
sua prática no que diz respeito ao que Escher pode oferecer dentro dos conteúdos
da matemática curricular.
6. Como e que leituras – matemáticos e artistas – fizeram de sua obra nas diferentes
fases do seu trabalho e que influências isso causou em sua obra? Aqui podemos
dizer que o estudo seria tão amplo e tão rico que daria um material farto não para
uma dissertação de mestrado e sim para uma tese de doutorado, dado a
multiplicidade de caminhos que poderiam ser buscados a partir das leituras de
matemáticos e artistas.
1.4 A definição da dissertação
Diante disso, optamos por deslocar nosso trabalho para as discussões que a obra
desse artista suscita sob o olhar da Matemática produzida em diferentes práticas sociais. Na
prática acadêmica, as gravuras, em geral, são associadas ao estudo da simetria, geometrias
e da aproximação ao infinito, mas, partindo-se de outras perspectivas e saberes
matemáticos – saberes estes produzidos no interior de outras práticas sociais – existiriam
outras temáticas a serem exploradas na obra de Escher?
Pretendemos encaminhar essa discussão como foco da pesquisa, ressaltando que o
objetivo será o de buscar sentidos que permitam ao professor de matemática ou de outras
áreas de conhecimento ter a obra desse artista como uma aliada no que diz respeito à
preparação, execução e aprimoramento no seu trabalho com os alunos notadamente de
Ensino Fundamental e Médio
Sob a perspectiva o trabalho em questão objetiva responder então a seguinte questão:
Sob o olhar da Matemática acadêmica, em geral, as gravuras são associadas ao
estudo da simetria, geometrias e da aproximação ao infinito, mas, partindo-se também de
outras perspectivas e saberes matemáticos – saberes estes produzidos no interior de outras
práticas sociais – existiriam outras temáticas a serem exploradas na obra de Escher?
Como já explicitado anteriormente, o foco deste trabalho estará voltado à necessidade
de refletir mais amplamente sobre as potencialidades das obras de Escher principalmente
no ambiente escolar, no campo da Educação Matemática, mas não se restringindo a ele, já
que, como iremos discutir, as possibilidades são de uma riqueza sem tamanho, em se
tratando deste renomado artista.
Diante disso, essa pesquisa segue uma abordagem qualitativa, com o uso de recursos
metodológicos de cunho bibliográfico e historiográfico. Como procedimento metodológico
pretendemos fazer pequenos ensaios temáticos com as obras de Escher, trabalhando
21
basicamente as idéias de simetria, da geometria não-euclidiana e da construção de mundos
impossíveis dentro de suas gravuras, com o objetivo de verificar se essas diferentes práticas
e experiências possibilitam outras leituras e significados matemáticos relacionados ao seu
trabalho.
1.5 Organização do trabalho
Depois da árdua tarefa de se decidir o que exatamente estudar do artista, e tomando
como base todas as considerações apontadas pela banca no momento da qualificação, a
pesquisa tomou corpo e permitiu que fossem descortinadas as reais possibilidades de se
estudar Escher na sua plenitude. Assim, o trabalho a partir do próximo capítulo está
estruturado da forma descrita nas linhas seguintes.
No capítulo 2 a temática principal será apresentar ao leitor o artista Maurits Cornelis
Escher, tanto no que concerne a sua trajetória pessoal, bem como as influências que o
levaram a produzir obras com temáticas tão distintas ao longo de sua carreira. Ainda se
procurará trazer quais foram as principais influências no que tange à produção deste notável
artista, a fim de que entendamos por quais razões temos um trabalho tão peculiar que o
caracterizam de forma única e peculiar.
Como referencial teórico para este capítulo podemos citar Janotti (2005, p. 16), que nos
mostra que o uso das fontes históricas variou ao longo da história da humanidade no tempo
e no espaço, de acordo com os interesses e objetivos dos historiadores em se apropriar
destas informações.
Segundo Janotti (2005, p. 17) as fontes históricas podem ser as mais variadas posveis,
como: as documentais, arqueológicas, impressas, orais, biográficas, audiovisuais entre outras,
sendo que todas elas têm um uso e uma importância que oscila de acordo com aquele que
manipula essas informações.
As fontes biográficas se baseiam em estudos feitos de forma bastante intensa e
meticulosa sobre a trajetória de uma pessoa que irá ser de interesse para um dado grupo de
pessoas, sendo hoje largamente produzidas por interesses fortemente comerciais pelas
editoras de livros.
Essa variedade de fontes buscam auxiliar o pesquisador a desenvolver o seu trabalho,
desde que sejam trabalhadas com olhar atento e criterioso. Ou seja, é importante estar atento a:
por que e por quem as fontes foram produzidas, em que época elas foram publicadas, quais são
as releituras disponíveis sobre as fontes e qual é o panorama político-social e econômico no
momento em que elas vieram a público e se tornaram fontes históricas.
22
Assim, nos parece relevante fazer um estudo biográfico deste artista a fim de
entendermos algumas características presentes em suas estampas. Segundo Aguilhon
(2005, p. 45).
a biografia é uma troca humana, é o que chamei um aperto de mão através
do tempo. É um ato de solidariedade humana e, à sua maneira, um ato de
reconhecimento e um ato de amor. Talvez a sua subjetividade romântica
seja precisamente a sua força. Confirma nossa necessidade de encontrar
nosso self no outro, de não estarmos sempre sós.
Dentro desta perspectiva, não há como estudar a produção de Escher sem citarmos o
matemático Bruno Ernst, que visitou o gravador por 12 meses de forma semanal, a fim de
repassar toda a produção artística e registrar isto de forma organizada. Deste trabalho
originou-se o livro “O Espelho Mágico de M. C. Escher, escrito por Ernst e cuidadosamente
revisado e repleto de comentários do artista. Ele é o principal ponto de partida para trabalhar
um dos aspectos importantes dessa pesquisa, que é a relação da Matemática com o artista
e vice-versa. Um outro livro importante que não pode ser deixado de lado como fonte
histórica fundamental é M. C. Escher – Gravuras e Desenhos no qual o próprio artista se
preocupa em comentar individualmente suas obras, passando para o apreciador de suas
gravuras as técnicas, razões e interpretações que podem ser dadas para cada uma de suas
produções. Além desses dois livros há outros que poderão ser usados como fontes
importantes para produção da pesquisa, bem como sites da Internet que podem oferecer
valiosos subsídios, já que para o verbete “Escher” no site de busca Google aparecem mais
de 5 milhões de páginas que podem trazer novas informações para a pesquisa.
Ainda neste mesmo capítulo 2 serão mostradas as várias fases do trabalho de Escher,
tomando como base dois parâmetros. Primeiramente, uma classificação feita por Bruno
Ernst, que identifica 4 fases na obra deste artista. Em seguida uma classificação feita
humildemente por mim, que leva em conta os diferentes momentos históricos e de conheci-
mento de matemática em que Escher viveu
No capítulo 3 será apresentado que relações existem entre as fases do trabalho de
Escher e o momento histórico em que ele vivia para que, fazendo o cruzamento destas
informações, possamos compreender melhor as gravuras que ele produzia. Ao se trabalhar
com um tema que terá como centro um artista plástico que produziu sua obra no século
passado, faz-se necessário a análise de fontes históricas que tragam elementos, evidências
e fatos que permitam uma análise mais profunda do entorno social que influenciou a
produção artística deste gravador.
23
Além disso, será feito o cruzamento entre a produção deste artista com a matemática
produzida na época, bem como considerações feitas sobre a grande explosão do estudo da
leitura de imagens no século passado.
Ainda neste mesmo capítulo, será trazida considerações feitas por Antonio Miguel
sobre a obra de Escher, apresentando algumas características na linguagem visual do
trabalho que mostram claramente esta ruptura com a geometria euclideana, criando um
novo diálogo entre a linguagem das artes visuais e a linguagem matemática.
Tomando como base ainda o artista foco da nossa pesquisa, será feita uma relação
entre arte e matemática, buscando enumerar os elementos que compõem a percepção
visual, tentando trazer alguma idéia de como Escher trabalhou com esses elementos.
Não há como dissociar o modo de uma pessoa agir, pensar, falar, trabalhar com o
meio no qual está inserida, não pensando em termos de qualquer tipo de determinismo, mas
sim usando a idéia de campo e de habitus explicitados por Bourdieu (1930) e que
posteriormente será aprofundado.
Nos capítulos 4, 5 e 6 se fará uma análise de algumas obras de Escher tomando como
base alguns conteúdos da matemática dita curricular, como estudo das simetrias, do infinito,
da geometria euclidiana e não euclidiana, o estudo das perspectivas, entre outros assuntos
que podem facilmente ser estudados e ensinados a partir das obras desse artista. É evidente
que não há como fazer uma análise de toda a sua obra; logo uma das tarefas difíceis foi
privilegiar algumas gravuras e deixar outras tantas de lado, para que houvesse tempo
necessário para encerrar este estudo no prazo estipulado dentro do programa do Minter.
A ênfase maior no capítulo 4 será estudar o estudo da divisão de superfícies na obra
de Escher, bem como o estudo das reflexões, discorrendo sobre a questão das simetrias e
isometrias, bem como aspectos ligados ao comportamento da luz em alguns tipos de super-
fícies, trazendo contribuições à Física.
Já no capítulo 5 será mostrado como Escher se apropriou das geometrias não eucli-
dianas, mais precisamente da geometria hiperbólica. É claro que aqui se faz necessário
apresentar o desenvolvimento da matemática nos estudos das diferentes geometrias, bem
como a Física Clássica e a Física Moderna estão usando estes modelos para discutir a
forma do Universo.
E dentro destes paralelos entre arte e matemática, o capítulo 6 oferece a possibilidade
de se discutir a produção de estampas nas quais o impossível é retratado, em termos de
produção de situações geométricas que somente são possíveis no papel, mas que jamais
poderiam ser observadas na prática. É Escher brincando, iludindo, divertindo o apreciador
da sua arte com a criatividade de sua mente engenhosa.
24
Finalmente as considerações finais oferecerá ao leitor as conclusões sobre o trabalho
em questão, buscando nos referenciais teóricos suporte para algumas análises de como
Escher e esta dissertação podem afinal de contas contribuir dentro da área educacional.
Tomando como base as potencialidades que o trabalho desse artista oferece para o
professor de matemática, serão dadas algumas sugestões da utilização de Escher e de
como hoje a matemática dita curricular têm hoje se apropriado dele, à luz da Etnomatetica,
privilegiando então o estudo da matemática dentro de certas práticas sociais. Pesquisadores
como D’ambrósio (1996), Monteiro(2001), Vilela (2005), Mendes (2004), e Miguel (1995)
foram minuciosamente estudados a fim de que estas conclusões fossem escritas.
Para finalizar, este capítulo ainda retrata as diferentes técnicas de gravuras que são
citadas ao longo das figuras aqui mostradas, para que o leitor conheça um pouco mais
sobre elas. A finalidade aqui é valorizar o trabalho do artista, pois fazer uma gravura, como
será fácil de perceber pelas descrições das técnicas é muito mais difícil que executar um
simples desenho.
25
2 A ARTE DA REVELAÇÃO: DECIFRANDO MAURITS CORNELIS
ESCHER
2.1 Apresentando o artista
Maurits Cornelis Escher nasceu em 1898 na Holanda, na cidade de Leeuwarden
sendo filho de um engenheiro hidráulico. Como outros gênios famosos da história da
humanidade não era um aluno brilhante, sendo que foi duas vezes reprovado. A única
matéria que ele se destacava era nas aulas de desenho, nas quais chegou a fazer as
primeiras linoleogravuras ( gravuras feitas numa placa feita de borracha bem flexível). O pai
de Escher achava que ele deveria seguir carreira na área de ciências exatas e o matriculou
na Escola de Arquitetura e Artes Decorativas, sob a orientação de um arquiteto bem
renomado desta escola.
Porém, em pouco tempo, verificou-se que ele não tinha nenhuma inclinação nem
talento para a área de arquitetura, e o futuro artista migrou para a área de Artes Decorativas.
Quem o acompanhou então foi o professor Samuel Jesserun de Mesquita, que lhe ensinava
técnicas de gravura artística, e ali ficou até 1922. Aprendeu técnicas de xilogravura (sobre
as diferentes técnicas de gravuras, basta consultar o adendo no final deste capítulo), e foi
considerado um aluno normal, sendo que o relatório oficial da escola (documento este que o
professor Mesquita ajudou a escrever) dizia que ele era demasiado pouco artista e que
faltava fantasia e idéias espontâneas. Escher manteve contato com o seu professor até
1944, ano que Mesquita e sua família foram assassinadas pelos alemães. O velho professor
recebia de tempos em tempos provas dos seus trabalhos mais recentes, para que ele
opinasse sobre as suas gravuras.
O ano de 1922 foi muito importante na vida deste artista, pois foi ele quando começou
a realizar algumas viagens, encantando-se pela Espanha e Itália. Aproveitou estas primeiras
viagens para fazer registros dos locais que ele visitava a partir de xilogravuras, técnica de
gravura que ele aprendeu a dominar com Mesquita. Primeiramente o trabalho dele consistia
em fazer, portanto gravuras das paisagens dos locais por onde ele passava, como mostra a
figura a seguir:
26
FIGURA 7 - ESBOÇO A CORES DE AMALFI, BAIXA ITÁLIA
FEITO POR ESCHER
Tendo visitado a Itália, tomou gosto pelo país e acabou se estabelecendo por lá, tendo
morado numa pensão entre os anos de 1922 e 1923 em Siena. Ali fez as primeiras xilogra-
vuras de paisagens italianas. Acabou conhecendo a sua esposa, Jetta Umiker, com a qual
casou em 1924, morando com ela e seus sogros em Roma. Em 1926 nasceu o primeiro
filho, e ao se mudarem para um apartamento maior Escher sentiu mais tranqüilidade para
trabalhar. Até 1935 ele viveu e trabalhou com tranqüilidade, como se fosse um italiano
legítimo. Fazia muitas incursões por todas as partes da Itália, ganhando inspiração para
novas produções artísticas a partir de esboços feitos durante as viagens.
Entretanto, a situação política de instabilidade que vivia toda a Itália acabou afetando o
trabalho deste artista. Um dos episódios marcantes de sua vida naquela época foi quando o
confundiram com uma pessoa que realizou um atentado contra o rei da Itália. Ele chegou a
ser preso, mas foi liberado em seguida.
Outro fato marcante foi quando seu filho chegou da escola usando o uniforme da
juventude fascista, isto o desgostou sobremaneira, e a família deixou a Itália.
Numa viagem à Espanha em 1937, outro incidente o levou para a prisão por algumas
horas. Enquanto ele fazia uns esboços dos muros de proteção de Cartagena acharam que
ele era um espião e confiscaram seus desenhos. No mesmo ano ele viajou para a Bélgica e
27
viveu ali num período difícil por causa do racionamento de alimentos causado pela guerra.
Em janeiro de 1941 ele retornou à Holanda, país que não servia de fonte de inspiração
externa para suas gravuras.
Ao fugir da Itália e da Bélgica por causa da Segunda Guerra Mundial, o artista um
pouco contrariado com a situação, mudou o foco da sua obra, trabalhando com gravuras de
figuras abstratas ou de desenhos inspirados em arabescos mouros que ele próprio teve a
oportunidade de visualizar nas suas viagens pela Espanha
É aí que a vida e a obra de Escher sofreram uma reviravolta depois da visita que o
artista fez ao palácio mourisco de Alhambra, em Granada, construído pelos árabes no
século 13, durante a ocupação da Espanha. Esteve ali por duas vezes, a primeira, em 1926,
a segunda, dez anos depois. Copiando obsessivamente os ornamentos decorativos das
paredes do palácio, o holandês descobriu os segredos da divisão regular do plano. Escher
podia não saber nada de Matemática, mas os árabes, sim. Um conhecimento, aliás, milenar.
Usando polígonos regulares e congruentes, como triângulos, quadrados e hexágonos, eles
criaram mosaicos de rara beleza, preenchendo as superfícies sempre sem sobreposição e
sem deixar espaços ou lacunas entre as figuras.
Ao copiá-los, Escher acabou descobrindo os movimentos empregados para que o
ornamento cubra-se a si mesmo: a translação, a rotação, a reflexão e a translação refletida,
transformações que os matemáticos chamam hoje de isometrias, pois têm a propriedade de
preservar a distância entre pontos. Alguns padrões permitem apenas um desses movimentos
como simetria, outros, uma combinação de dois ou mais deles. Existem, ao todo, 17 grupos
diferentes de combinações isométricas, que deixam um determinado ornamento invariante.
Escher conseguiu chegar neles pelo estudo sistemático e pela experimentação.
Hoje, Escher é um nome de referência nos estudos de Geometria, sendo suas obras
de rara composição, além dos padrões geométricos de pavimentação do plano, com suas
simetrias, Escher tem várias obras usando reflexões em espelhos.
Em muitas obras de Escher pode-se perceber o interesse por sólidos geométricos
simples como poliedros regulares, espirais no espaço e laços de Moebius. A admiração dele
por formas cristalográficas naturais foi o ponto de partida disso. O irmão dele era professor
de Geologia e escreveu um manual sobre Cristalografia e Mineralogia.
A cristalografia é uma ciência relativamente recente, já que a classificação dos cristais nos
diferentes sistemas cristalográficos é datada do final do século XIX. Assim como acontece em
vários vegetais e animais, nos cristais nota-se facilmente a existência de simetrias devido à
disposição das moléculas dos cristais. A estrutura cristalina está caracterizada microscopica-
mente pela agrupação de íons, átomos ou moléculas que seguem um modelo de repetição
28
periódica, em todas as direções. É por isso que as faces do cristal só podem ter certas formas,
pois acompanham as simetrias do modelo.
Os cristais formam-se com a alteração da temperatura, no interior da superfície terrestre.
A massa de moléculas e de átomos funde e depois arrefece lentamente. À medida que se dá
esse arrefecimento, os átomos se dispõem em estruturas simétricas. A estrutura molecular
unitária é a base que determina a forma do cristal. Os cristais formam-se segundo a maneira
como os seus átomos se ligam. Estes átomos formam sempre os mesmos padrões geomé-
tricos, uma vez que se dispõem sempre da mesma forma, a uma determinada temperatura.
Escher tornava-se lírico quando falava sobre cristais. Pegava num minúsculo cristal da
sua coleção, colocava-o na palma da mão e observava-o como se tivesse acabado de
recolher da terra o maior tesouro e nunca o tivesse visto na sua vida. Dizia ele: “Muito antes
de o homem aparecer na Terra, já na crosta terrestre cresciam todos os cristais. Um dia o
homem viu pela primeira vez a brilhar no chão um destes fragmentos de regularidade. Ou
talvez o partisse com o seu machado de pedra. Desfez-se em partes e caiu-lhe aos pés. Pegou
nele, examinou-o – e espantou-se. Há qualquer coisa de empolgante nas leis fundamentais
dos cristais. Não são criação do espírito humano. “São” – existem independentemente de
nós. Num momento de lucidez o homem pode, no máximo, descobrir que eles existem e
dar-se conta deles. Ainda dizia: “Este maravilhoso cristalzinho tem muitos milhões de anos.
Já estava na Terra muito antes de terem aparecido nela os seres vivos.”
FIGURA 8 - CRISTAL – 1947, XILOGRAVURA DE ESCHER
Realizou diversos trabalhos explorando as possibilidades dos poliedros, entre eles, a
conhecida xilogravura Estrelas, de 1948. Maravilhado por suas formas, chegou a declarar
29
seu amor por eles, dizendo que no caos da sociedade moderna “representam de maneira
ímpar o anelo de harmonia e ordem do homem”.
FIGURA 9 - ESTRELAS – 1948, XILOGRAVURA
Este interesse de Escher pelos cristais, e o estudo dos mosaicos árabes já citados
anteriormente, deu a ele um mundo de imagens fantástico e paradoxal, repleto de Matetica,
sem deixar de lado outros aspectos muito marcantes da sua obra.
Também há Matemática na divisão regular da superfície usada por Escher para criar suas
famosas séries de metamorfoses, onde formas geométricas abstratas ganham vida e vão, aos
poucos, se transformando em aves, peixes, répteis e até seres humanos. Esta precisão muito
característica da Matemática deixou os críticos de arte sem saber como realmente classificar a
obra deste artista, que foi ganhando a admiração de matemáticos, físicos, cristalógrafos entre
outros profissionais.
A partir de 1946, por influência de familiares que estudavam a cristalografia incluiu em
suas gravuras perspectivas e desenhos de sólidos geométricos simples. Nessa mesma
época, um amigo inglês lhe apresentou as faixas de Moebius e o interesse de Escher por
temas topológicos e aproximações do infinito foram surgindo. E, nos últimos vinte anos de
sua existência suas principais obras tematizam o infinito.
Convém lembrar que muito mais do que uma produção artística, tendo as mais diversas
fontes inspiradoras, os desenhos e gravuras representavam para Escher o seu sustento em
tempos tão difíceis e sombrios na Europa assolada por duas grandes guerras. Dentre estes
trabalhos podemos citar as ilustrações feitas para quatro livros e o de desenhista oficial
numa expedição arqueológica para a Itália, ainda no início de sua carreira.
30
FIGURA 10 - AUTO – RETRATO, 1943, LITOGRAFIA
Depois que a sua obra ficou mais conhecida surgiram algumas encomendas para decorar
artefatos como: capas de revistas, papéis de embrulhos, caixas de bombons, ou uma de suas
encomendas mais importantes: esboços para selos. Além disso, Escher recebeu do governo da
Holanda a incumbência de fazer desenhos para as novas notas de dinheiro do banco holandês,
que nunca chegaram a ser usadas, por haver divergências entre os traços dos seus desenhos e
as especificações técnicas necessárias para evitar falsificações.
As encomendas mais suntuosas que foram concretizadas são painéis de mais de 4
metros presentes em alguns órgãos públicos da Holanda, como na Câmara de Leiden e no
Correio de Haia, sendo que seu último trabalho de pompa foi o revestimento de ladrilhos de
dois pilares numa escola numa cidade holandesa.
FIGURA 11 - PAINÉIS CONFECCIONADOS POR ESCHER SITUADOS NA CÂMARA DE LEIDEN - HOLANDA
Voltando a produção artística de Escher nos seus vários momentos como artista, a
fase dos desenhos mais abstratos foi analisada por matemáticos da época como maravilhosa,
de uma harmonia com os postulados matemáticos e revestida de grande perfeição e
31
perfeccionismo, porém sem que o próprio gravurista se atentasse para essa Matemática
identificada por esses estudiosos. Somente quando o matemático Bruno Ernst começou a
trocar correspondências com Escher, e outros matemáticos estiveram em contato com ele, é
que ele passou a olhar para essa “Matemática” presente em sua obra.
Desse modo, num terceiro momento, a partir de contatos entre Escher e outro mate-
mático - Coxeter, esse artista passa a se interessar em trazer parte da Matemática
acadêmica como ponto de partida de sua obra, usando inclusive de geometrias não
euclideanas, como a geometria hiperbólica, como podemos notar na xilogravura “Limite
Circular III”:
FIGURA 12 - LIMITE CIRCULAR III, 1958, XILOGRAVURA
Depois que Escher voltou para a Holanda na década de 40 ele pôde ter uma produção
artística sensacional mesmo morando num país frio, nebuloso e com uma variabilidade de
paisagens bem menor da Itália e Espanha países que ele adorou visitar e morar. Por falar
nisso, ele fez ainda várias viagens de cargueiro no Mediterrâneo, porém não encontrou mais
inspiração externa para as suas estampas. Logo, o que prevaleceu mesmo na sua volta
para a Holanda foram figuras bem peculiares dos mundos criados por ele. Só em 1962,
quando adoeceu bastante e teve de submeter a uma grave operação, ficou parado por
um tempo.
Em 1969 fez ainda uma estampa chamada “Serpentes”, uma xilogravura maravilhosa
que mostrava que agudeza do olhar e a habilidade de suas mãos não tinham sido perdidas
mesmo com a idade avançada. Em 1970, ele se mudou para Laren, ao norte da Holanda
para uma casa onde os artistas podiam ter os seus próprios estúdios e serem cuidados,
onde veio falecer em 27 de março de 1972.
32
2.2 Sobre as fases da obra de Escher
No livro “O Espelho Mágico de M. C. Escher” o matemático Bruno Ernst identifica
quatro (4) fases no trabalho de Escher.
Na primeira fase que vai de 1922 até 1937 a grande temática do seu trabalho foi a
confecção de gravuras de paisagens e pequenas cidades do sul da Itália. Deste período
ainda podemos encontrar alguns retratos, animais, plantas e já uma pequena demonstração
de querer fazer alguns desenhos diferentes com a interpenetração de mundos, como
podemos observar na litografia “Natureza Morta com Espelho”, de 1934:
FIGURA 13 - NATUREZA MORTA COM ESPELHO,
1934, LITOGRAFIA
Segundo Ernst, o próximo período vai de 1937 até 1945, caracterizado pelos desenhos
de metamorfoses, nas quais se observam ciclos e a passagem de figurais bidimensionais
em tridimensionais, nas quais a simetria e o encaixe perfeito de formas são marcas do seu
trabalho. A estampa “Colunas Dóricas” mostra de uma forma bem clara esta passagem da
bidimensionalidade em tridimensionalidade:
33
FIGURA 14 - COLUNAS DÓRICAS, 1944,
XILOGRAVURA
De 1946 até 1956, Escher trabalha com gravuras subordinadas à perspectiva, nas
quais Escher utilizava pontos de vista insólitos, ou vários pontos de vista, pontos de fugas e
perspectivas. É nesta fase que ele também mostra interesse em sólidos geométricos, devido
aos estudos que ele começa a fazer em mineralogia e cristalografia. As gravuras de
Moebius também pertencem a este grupo:
FIGURA 15 - LAÇOS DE MOEBIUS II,
XILOGRAVURA, 1963
34
E por fim, a quarta fase vai de 1956 até 1970 e é caracterizada pelo período da
aproximação do infinito, na qual ele faz várias gravuras que têm como tema central o infinito,
mas ainda há a produção das figuras impossíveis, sendo que o ponto culminante da sua
obra neste período é a litografia “Galeria de Arte”, uma obra-prima do seu trabalho:
FIGURA 16 - GALERIA DE ARTE, 1956, LITOGRAFIA
Porém, ao se estudar as gravuras de Escher, notam-se três momentos bem definidos
da sua produção artística que tem uma íntima relação com o meio em que ele estava
inserido e com as influências do meio científico e artístico da época.
A obra de Escher pode ser dividida em três momentos. Primeiramente o trabalho dele
consistia na produção de gravuras de paisagens que registravam os locais por ele visitados
em muitas de suas viagens. Depois, tendo que fugir da Itália por ocasião da Segunda
Guerra Mundial, o artista um pouco contrariado com a situação muda o foco da sua obra
trabalhando com gravuras de figuras abstratas ou de desenhos inspirados em arabescos
mouros que ele próprio teve a oportunidade de visualizar nas suas viagens para a Espanha.
As obras dessa fase são analisadas por alguns matemáticos sem que ele se atentasse para
essa aproximação da matemática dita curricular com sua obra realizada por esses
estudiosos.
Essa aproximação passa a ser revelada a Escher pelo matemático Bruno Ernst que
troca correspondências com esse artista, abrindo espaço para que outros matemáticos
também iniciassem esse contato.
Foi a partir desses contatos que Escher passou a olhar para aspectos matemmáticos que
permeavam e se mostravam presente em sua obra. Assim, num terceiro momento, a partir de
contatos entre Escher e outro professor de Matemática chamado Coxeter, esse artista passa
35
a se interessar por trazer parte da matemática acadêmica
1
como ponto de partida de sua
obra.
Desse modo, ao analisar essa passagem do segundo para o terceiro momento da
obra desse autor, nossa intenção é compreender a natureza dessa aproximação, analisar
quais conceitos matemáticos foram utilizados por Escher para inspirar suas gravuras e,
principalmente, como esses conceitos foram ressignificados em sua obra.
Além disso, urge aqui a relevância em se analisar o significado que o discurso de um
matemático tinha, na época de Escher, a fim de dimensionarmos algumas relações de poder
e valor simbólico que puderam influenciar algumas das ações deste artista ao longo de sua
produção como gravurista na terceira fase.
Para realizar essa investigação, partimos do entendimento que a matemática é um
saber plural, ou seja, não há uma matemática única verdadeira, mas matemáticas que são
produzidas, utilizadas e organizadas no interior de diferentes práticas sociais. Nesse sentido, as
técnicas de gravura serão compreendidas como uma prática social que possui conceitos e
procedimentos próprios deste tipo de prodão associados ao estilo e inspirões de trabalho
do artista.
Por tudo o que foi exposto até então, não podemos estudar este artista sem termos o
conhecimento da trajetória de vida e profissional que o caracteriza e o tornou mundialmente
conhecido. Isto significa que elas são essenciais na elaboração do desafio que nos propusemos
a analisar, ou seja, as relações de Escher com as matemáticas e das matemáticas com
Escher. Deste modo, tomaremos como referencial teórico os trabalhos advindos dos
campos da Etnomatemática bem como da história da matemática centrada na perspectiva
da prática social, conforme propõe Miguel (2002, p.27):
Prática social é toda ação ou conjunto intencional e organizado de ações
físico-afetivo-intelectuais realizadas, num tempo e espaço determinados, por
um conjunto de indivíduos, sobre o mundo material e/ou humano e/ou
institucional e/ou cultural, ações estas que, por serem, sempre, e em certa
medida, e por certo período de tempo, valorizadas por determinados
segmentos sociais, adquirem certa estabilidade e realizam-se com certa
regularidade.
Diante disso, torna-se relevante ressaltar mais uma vez que, partimos do princípio
que não existe uma matemática, mas diferentes matemáticas produzidas, usadas e signifi-
cadas nos contextos das práticas sociais nas quais estão inseridas. Como exemplifica Vilela
(2006, p.12):
1
Estamos nomeando por Matemática acadêmica, a Matemática produzida pelos os matemáticos
profissionais que pesquisam em academias e institutos de pesquisas.
36
os numerais podem ter significações diferentes conforme os jogos de
linguagem de que participam, como, por exemplo, uma quantidade, uma
posição, um código, um número de telefone, uma data, etc. O número,
nessa concepção, não é um conceito que está impregnado nos conjuntos
de coisas que existem por aí no mundo físico das experiências, assim como
não é uma entidade abstrata de um mundo platônico ou próprio da
racionalidade humana que se aplica às coisas que existem, de modo que,
em todos os casos em que são empregados permanecesse ou pudesse ser
detectada uma essência comum. Ou seja, ocorre com as palavras ou
conceitos da linguagem o mesmo que com o termo jogo que é usado de
diferentes e variadas maneiras, não tendo, portanto um significado unívoco.
Em relação aos significados matemáticos usados nos dois contextos aqui
considerados, o escolar e o de rua, entendo que eles também participam de
diferentes jogos de linguagem e, portanto, seus significados não
convergem. Mantém, entretanto, no máximo, como diria Wittgenstein, uma
semelhança de família.
Isto nos leva a pensar que a produção artística de Escher tinha para ele um
determinado significado, que evidentemente não é o mesmo que um leigo ou que um
matemático tem para a sua obra, já que os significados de seu trabalho, seja analisado
tendo como meta extrair aspectos matemáticos ou não, acaba reverberando de maneiras
diferentes de acordo com as superfícies receptoras e refletoras das nossas mentes.
37
3 A ARTE DA PERCEPÇÃO: COMPREENDENDO A PRODUÇÃO DO
ARTISTA NO CONTEXTO HISTÓRICO – SOCIAL
3.1 Introdução
Não há como dissociar o modo de uma pessoa agir, pensar, falar, trabalhar com o
meio no qual ela está inserido, não pensando em termos de qualquer tipo de determinismo,
mas sim usando a idéia de campo que foi exaustivamente explorado por Bourdieu (2000)
em seus textos.
Segundo Bordieu (2000) dentro do campo literário e artístico (que é o nosso objeto de
estudo por ora) nenhuma análise de essência, nenhuma definição formal pode esconder que
a afirmação da especificidade do literário ou do artista e da sua irredutibilidade a qualquer
outra forma de expressão é inseparável da afirmação da autonomia do campo de produção
que ela supõe e, ao mesmo tempo, reforça. Ele ainda nos fala que o movimento do campo
literário ou do campo artístico para a autonomia pode ser compreendido como um processo
de depuração em que cada gênero se orienta para aquilo que o distingue e o define de modo
exclusivo, para além dos mesmos sinais exteriores, socialmente conhecidos e reconhecidos,
da sua identidade.
Ainda Bordieu (2000) reforça a idéia de que de depuração em depuração, as lutas que
têm lugar no campo da produção literária e artística trazem universos relativamente
autônomos nessas áreas, que acabam originando um processo histórico que será a única
forma legítima da análise da essência. As lutas que têm lugar em qualquer campo científico,
intelectual, literário ou artístico têm o poder simbólico como coisa em jogo, isto é, o poder
sobre um uso particular de uma categoria particular de sinais e, deste modo, sobre a visão e
o sentido do mundo natural e social.
Ainda afirma Bordieu:
análise, em curso, de um universo econômico como o do campo dos
produtores de habitação, reconhece um certo número de características já
observadas em campos sociais como o da alta costura ou mesmo da pintura
ou da literatura: sobretudo o papel dos investimentos destinados a produzir
a crença no valor de um produto simultaneamente econômico e simbólico,
ou o fato de, nesse domínio como em outros, as estratégias das operações
dependerem da sua posição no campo da produção, quer dizer, na
estrutura da distribuição do capital específico (no qual se deve incluir a
reputação do nome da marca. (2000, p. 155)
38
Para compreendermos o trabalho de Escher e de que maneira ele se relaciona com a
Matemática, faz-se necessário cruzar a trajetória deste artista com os movimentos políticos
e sociais de sua época, em especial da 2.
a
Guerra Mundial, e no Período Pós-Guerra, bem
como a produção matemática, notadamente a partir da segunda metade do século passado.
3.2 Produção matemática no século XX
Segundo Boyer (1974, p. 366), a Matemática do século XX é marcada pela abstração
e preocupação com a análise de grandes esquemas, porém, as aplicações nas diversas
atividades profissionais conferem a ela um lugar de destaque no estudo da história da
ciência. Aqui poderíamos citar a Mecânica Quântica, a Relatividade e a Astrofísica que
tiveram na Física um tremendo avanço devido às aplicações Matemáticas. Desenvolver a
Física traz como conseqüência direta avanços na Engenharia, e aqui podemos citar desde a
construção das primeiras naves “mais pesadas do que o ar” até os computadores mais
modernos que utilizam processadores que funcionam com uma velocidade admirável.
No artigo “Matemática do Século XX: O Século em Breve Revista”, Lawrence Shirley
faz uma tabela na qual ela relaciona os grandes avanços da Matemática no século passado.
FIGURA 17 - PRODUÇÃO DA MATEMÁTICA NO SÉCULO XX
Nesta tabela podemos observar que em cada década do século passado tivemos
avanços na matemática aplicada, no seu uso na informática, estudos de matemática pura, e
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também alguns aspectos no que diz respeito à sua ação na educação e na sociedade,
sendo dado destaque à Etnomatemática na década de 80. Ainda analisando a tabela vemos
que na década de 30 tivemos estudos de topologia, assunto no qual Escher veio a se
interessar mais tarde, bem como o estudo da matemática feito por um grupo intitulado
Bourbaki, com grande destaque na França.
Em 1939 surge o primeiro volume de uma obra chamada "Elementos de Matemática",
assinado por ‘Nicolas Bourbaki’, que esteve em desenvolvimento até meados da década de
60. Na realidade, os autores da obra eram um grupo de matemáticos que, sob esse
pseudônimo, elaboraram um tratado que pretendia integrar de modo coerente e impeca-
velmente rigoroso os principais desenvolvimentos da matemática: as "Estruturas Fundamentais
da Análise”, com os subtítulos: Teoria dos Conjuntos, Álgebra, Topologia Geral, Funções de
Variável Real, Espos Vetoriais, Topologia e Integração. Ainda segundo Boyer (1974, p. 369),
nesse grupo de matemáticos, quase todos franceses, o qual formou uma espécie de
sociedade secreta, Jean Dieudonné e André Weil foram considerados os dois líderes mais
ativos. Os trabalhos de Bourbaki caracterizavam-se por uma adesão completa ao tratamento
axiomático, a uma forma abstrata e geral, retratando uma estrutura lógica. O lema do
movimento era “um objeto matemático é a sua definição”. Como conseqüência dessas
idéias, surgiu um movimento conhecido como "Matemática Moderna", que tentava adaptar a
formalização do movimento bourbakista para o ensino.
A chamada nos meios acadêmicos de Matemática Moderna teve seu apogeu nos
Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, por causa da Guerra Fria. Os americanos,
temendo um maior poderio militar da antiga URSS, procuraram reforçar a matemática e a
física para não ficar atrás do seu mais forte opositor político temendo uma corrida técnico-
científica. A partir disso , intensificou-se a pressão para a modernização do ensino da
Matemática e das Ciências, e o que se pretendia era uma nova abordagem da Matemática
escolar que apresentasse esta disciplina de modo unificado, recorrendo à linguagem dos
conjuntos e privilegiando o papel das estruturas, em especial das estruturas da álgebra
abstrata. Isso se traduziu numa visão formalista da Matemática, linguagem simbólica das
estruturas algébricas, rigor e ainda na formalização precoce dos conceitos. A partir de uma
atitude governamental, a reformulação do ensino se concentrou no currículo. O governo
norte-americano entendia que o melhoramento do currículo iria coroar de êxito toda aquela
questão da corrida técnico-científica, produzindo uma nova geração de cientistas. Especula-
se neste ato uma visão mecanicista: a crença de que a solução seria apenas alterar um
currículo, sem entendimento do “macro” mundo da educação. Este fenômeno de mudança
curricular aconteceu também na mesma época em países europeus e logo depois no Brasil.
Ainda segundo Kline (1976, p. 96), os matemáticos modernos defendiam as idéias do
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desenvolvimento lógico como a estrada para a compreensão; da importância do rigor em
Matemática bem como da precisão através da terminologia; e do simbolismo tanto quanto
da ênfase na “Matemática pelo que ela representa” (KLINE, 1976, p.97). Os matemáticos
modernos denominavam a Matemática tradicional “Matemática pré-1700” e consideravam
sua linguagem imprecisa e ultrapassada.
Contrariamente a seu colega alemão, seu grande rival do período anterior à guerra, a
comunidade Matemática francesa não sai totalmente sufocada do segundo conflito mundial.
Aliás, muito estimulada pela efervescência intelectual que os bourbakistas e franco-
atiradores como Jean Leray continuam causando, a França, com a paz reencontrada, vai
colecionar honrarias. Ela arremata em especial, entre 1950 e 1966, um terço das medalhas
Fields. Este prêmio, equivalente ao Nobel de Matemática, é atribuído todos os anos a
pesquisadores com menos de quarenta anos. Laurent Schwartz é coroado em 1950 por sua
"teoria das distribuições", Jean-Pierre Serre em 1954 por seus trabalhos em Matemática
pura e René Thom, que se tornou célebre por sua "teoria das catástrofes", em 1958. Em
1966, será a vez do genial Alexander Grothendieck, especialista em geometria algébrica,
alguns anos antes de decidir parar definitivamente com a Matemática e viver como ermitão.
3.3 Século XX: a grande explosão do estudo da leitura das imagens
A partir do momento que as primeiras produções artísticas foram produzidas e
legitimadas como obras de arte, com grande valor comercial pelos críticos, ou simplesmente
apreciadas pelo público em geral, havia o interesse de se decifrar ou ler aquilo que estava
representado no trabalho do artista, E esta tarefa de ler uma imagem é uma habilidade que
tem sido muito desenvolvida nos últimos anos devido às inovações tecnológicas que
estamos presenciando em todas as áreas para melhorar as condições de vida do ser
humano . A invenção da fotografia, do cinema, da televisão e o impacto da Internet nas
nossas vidas nos obrigam a ter uma facilidade em se fazer leituras de imagens que não era
tão essencial para os nossos antepassados.
Mas qualquer imagem pode ser lida? Ou, pelo menos, podemos criar uma leitura para
qualquer imagem? E, se for assim, toda imagem encerra uma cifra simplesmente porque ela
parece a nós seus espectadores, um sistema auto-suficiente de signos e regras? Qualquer
imagem admite tradução em uma linguagem compreensível, revelando ao espectador aquilo
que podemos chamar de narrativa da imagem?
Segundo Manguel (2006), as sombras na parede da caverna de Platão, os letreiros de
néon em um país estrangeiro cuja língua não falamos, o formato de uma nuvem que Hamlet
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e Polônio vêem no céu, certa tarde, o letreiro Bois-Charbon que se lê Police quando se vê
de certo ângulo, a escrita que os antigos sumérios acreditavam poder ler nas pegadas dos
pássaros sobre a lama do rio Eufrates, as figuras mitológicas que os astrônomos gregos
identificavam na concatenação dos pontos assinalados por estrelas distantes, o nome de
Alá que o fiel vislumbrou num abacate aberto e no logotipo dos artigos esportivos da Nike, a
escrita ardente de Deus na parede do palácio do Baltazar, sermões e livros que Shakespeare
encontrou em pedras e regatos, as cartas de tarô por meio das quais o viajante de Calvino
lia narrativas universais em “O castelo dos destinos cruzados”, paisagens e imagens
identificadas por viajantes do século XVIII nos veios de pedras de mármore, o bilhete
rasgado de um quadro de avisos e realojado em uma pintura de Tapies, o rio de Heráclito
que é também o fluxo de tempo, as folhas de chá nas quais os sábios chineses acreditam
poder ler nossas vidas, o vaso estilhaçado do Sahib Lurgan que quase se recompõe por
inteiro diante dos olhos incrédulos de Kim, a flor de Tennyson na parede gretadas, os olhos
do cão de Neruda nos quais o poeta descrente via Deus, o He kohau rongorongo, ou “pau
que fala”, da Ilha de Páscoa, que sabemos guardar uma mensagem indecifrada até hoje, a
cidade de Buenos Aires que, para o cego José Luis Borges, era “uma mapa das minhas
iluminações e dos meus fracassos”, os pontos de costura na roupa de Kisima Kamala,
alfaiate de Serra Leoa, nos quais ele viu o futuro alfabeto da escrita mande, a baleia errante
que São Brendam tomou por uma ilha, os três picos das Montanhas Rochosas que
delineiam o perfil de três irmãs contra o céu ocidental do Canadá, a geografia filosófica de
um jardim japonês, os cisnes selvagens em Coole, nos quais Yeats decifrou nossa transi-
toriedade- tudo isso oferece ou sugere, ou simplesmente comporta, uma leitura limitada
pelas nossas aptidões.
Já que a natureza e os frutos do acaso são passíveis de interpretação, de tradução em
palavras comuns, no vocabulário absolutamente artificial que construímos a partir de vários
sons e rabiscos, então estes sons e rabiscos vão permitir a construção de um acaso ecoado
e de uma natureza reflexiva no qual iremos criar um mundo paralelo de palavras e imagens
que nos darão totais subsídios para que entendamos o mundo real.
Enquanto as palavras escritas fluem constantemente para além dos limites das
páginas de um livro, as imagens se apresentam à nossa consciência instantaneamente
encerrada pela moldura, em uma superfície específica. Com o passar do tempo podemos,
entretanto ver mais ou menos detalhes em uma imagem, sondar mais fundo e descobrir
mais detalhes, associar e combinar outras imagens emprestar-lhes palavras para contar o
que vemos, mas, em si mesma, uma imagem existe no espaço que ocupa independente do
tempo que reservamos para contemplá-la. Quando lemos imagens sejam elas pintadas,
esculpidas, fotografadas ou encenadas atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa.
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Isto é, ampliamos o que é limitado por uma moldura através da arte de contar histórias para
algo com uma vida infinita e inesgotável.
Podemos afirmar que o vocabulário que utilizamos para fazer a narrativa de uma
imagem que está a nossa frente é determinado não apenas por aquilo que os críticos de
arte definem como sendo os parâmetros fundamentais para a sua interpretação, mas
também se levando em conta um leque multifacetado de experiências do leitor. Construímos
nossa narrativa por meio de ecos de outras narrativas, por meio da ilusão do auto-reflexo,
por meio do conhecimento técnico e histórico, por meio do engenho, do engodo, do
preconceito, dos devaneios e de nosso estado de espírito no momento que “lemos” a obra
ou construímos a narrativa.
A imagem de uma obra de arte existe em algum lugar entre percepções: entre aquele
que o artista imaginou e aquela que ele traduziu na sua obra; entre aquilo que vemos e
sentimos e aquilo que falamos dela. Quando observamos, por exemplo, uma das gravuras
de Escher ela pode parecer perdida num abismo de incompreensão formado por um
conjunto de interpretações múltiplas. As leituras de obras de arte existem desde o início dos
tempos, mas não conseguem com eficácia substituir as obras de arte, pois os sentimentos,
percepções e pensamentos evocados quando se “lê” uma obra de arte varia de indivíduo
para indivíduo, de acordo com o capital social, antropológico, cultural e intelectual. Toda a
imagem é um mundo, um retrato cujo modelo apareceu em visão sublime, banhada de luz,
facultada por uma voz interior, posta a nu por um dedo celestial que aponta, no passado de
uma vida inteira, para as fontes de expressão e inspiração. Logo, a criação de um sistema
coerente para ler imagens não é tão simples de criar como para ler a escrita. Isto ocorre
porque enquanto num texto escrito o significado dos signos deve ser estabelecido antes que
eles possam ser gravados na argila, no papel um numa tela eletrônica, o código que nos
habilita a ler uma imagem está impregnado de experiências anteriores e é criado após a
imagem se constituir, tendo assim características bem específicas dessa habilidade.
Se por um lado, a tarefa de leitura das imagens permeiam todas as questões que
foram levantadas até o momento, outro viés interessante a ser discutido agora seria os
efeitos da multiexposição de imagens, sejam elas obras de arte ou não, nos meios
midiáticos da nossa sociedade. Segundo Durand (2004), a civilização da imagem permitiu a
descoberta dos poderes da imagem, aprofundou as definições, os mecanismos de formação
e as deformações e elipses da imagem.. Por sua vez a explosão das imagens de vídeo já
criou um efeito contrário, já que a imagem “enlatada” paralisa qualquer julgamento de valor
por parte de um consumidor passivo, já que o valor depende de uma escolha, na qual o
espectador será orientado pelas atitudes coletivas da propaganda.
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A violentação das massas pelo poder dos meios de comunicação ocasionam um mal
tão grande quanto a incapacidade de se fazer a leitura de imagens, já que a voracidade ou a
falta de apetite com que se vê tudo o que se passa por exemplo na televisão cria uma
vulgarização da imagem no sentido de não dar a ela o devido respeito ou o valor.
E aí reside todo o problema: como as pessoas estão constantemente em contato com
imagens nas suas atividades diárias, não há tempo suficiente para que elas sejam
internalizadas, analisadas e interpretadas a fim de que elas façam sentido e diferença em
suas vidas. Logo, quando se fala em analisar as relações de Escher com a matemática e da
matemática com Escher, isto envolve tempo, dedicação e empenho para que estas leituras
de imagens sejam feitas sem deformações. Este perigo é premente, pois, quanto mais uma
sociedade é informada mais as instituições que a fundamenta se fragilizam, trazendo para o
espectador aqui no nosso caso uma castração ao imaginário, um nivelamento de valores e
uma submersão e erosão dos poderes constitutivos por uma revolução civilizacional que
escapa de qualquer controle individual ou coletivo.
Segundo Miguel (2005) o trabalho de interpretar imagens ganha em Escher contornos
bem mais complexos do que em outros artistas plásticos. Ele afirma que cada uma das
gravuras de Escher não é apenas algo a ser visto, mas sim um problema a resolver, um
convite ao exercício do raciocínio, da inteligência e, nesse sentido, a beleza do desenho só
se manifesta após o enfrentamento raciocinado de algo que provoca no observador um
estranhamento inicial. A beleza não flui imediatamente de um simples ato de contemplação
passiva, mas é construída ativamente através do esforço de uma participação analítica do
observador.
Logo, ao se analisar as gravuras de Escher notam-se forças de tensão entre razão e
emoção que não permitem ao apreciador excluir uma das partes e que também estiveram
presentes no momento que o gravurista fez as suas maravilhosas estampas. A forte impressão
que nos passa ao analisar a sua produção artística, e que cada gravura é minuciosamente
planejada, matematicamente estudada e refeita até atingir o efeito visual desejado.
Ainda segundo Miguel (2005), tanto a matemática quanto a arte apresentaram uma
mudança de rumo no que diz respeito à concepção euclidiana do mundo em termos de
espaço e da estética da divina proporção associada a ela no final do século 19. Neste
sentido Escher utilizou-se desta matemática, trabalhando com uma nova estética que rompe
com a geometria euclidiana em alguns momentos da sua trajetória. Ele apresenta algumas
características na linguagem visual do seu trabalho que mostram claramente esta ruptura
com a geometria euclideana, criando um novo diálogo entre a linguagem das artes visuais e
a linguagem matemática. Estas características serão apresentadas nas próximas linhas.
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Uma primeira característica da linguagem visual escheriana é a sua quase obsessão
pelo desenho gráfico de mundos ou de projetos arquitetônicos impossíveis de serem
construídos ou viabilizados no espaço físico em que vivemos. Isso faz com que essa
linguagem se deixe orientar, ainda que não intencionalmente, por uma nova concepção de
espaço que está subjacente às chamadas geometrias não euclidianas, as primeiras das
quais foram propostas, no final do século XIX, pelo matemático russo Nicolai Ivanovich
Lobachevski (1793-1856), pelo matemático húngaro Janos Bolyai (1802-1860) e pelo
matemático alemão Bernhard Riemann (1826-1866). Após exaustivas e infrutíferas
tentativas de demonstração do quinto postulado da geometria euclidiana ao longo da história
e o reconhecimento de que esse quinto postulado era, de fato, um postulado e não um
teorema, os criadores dessas novas geometrias tiveram a genial idéia de substituir esse
postulado euclidiano por outro, sem dar importância ao fato de se o novo postulado se
adequava ou não àquilo que os nossos olhos pareciam nos informar e atestar como
verdadeiro acerca do espaço físico real. Acabaram desse modo, construindo outras geometrias
tão internamente consistentes como a euclidiana, e levantaram, consequentemente, a
surpreendente e inusitada questão acerca do espaço físico em que vivemos. Seria de fato
ele euclidiano ou seria legítimo afirmar que há vários espaços físicos possíveis e espaços
dentro de espaços e mundos dentro de mundos?
Escher nos sugere através de suas obras é que o espaço físico não é um produto divino
que uma única geometria deveria fielmente retratar e a arte dar visibilidade. É o cosmos que
deveria se submeter as múltiplas interpretações de diferentes linguagens humanas e não mais
as linguagens humanas submeterem-se a uma suposta interpretação única e previamente
divina do cosmos. Logo o espaço físico em que vivemos não é um produto exclusivo da
natureza mas sim um espaço simbólico que permite infinitas leituras humanas, não devendo
portanto ser falado no singular (espaço), mas sim no plural, ou seja, espaços.
Uma segunda característica da obra de Escher diz respeito ao amplo emprego de uma
concepção dinâmica e transformacional do espaço, que acaba tendo ressonância com a
proposta feita pelo matemático Christian Felix Klein (1849-1925). Klein defendia uma nova forma
de se conceber um objeto de estudo a partir das noções de movimento e de transformação, não
se preocupando com o estado estático das figuras geométricas, mas sim com o estudo
dinâmico das propriedades de uma figura que se revelassem invariantes depois de submetidas
a vários tipos de transformações, mudanças de caráter fortemente topológico.
Muitas da figuras de Escher seguem e exploram as idéias de movimento e
transformação, seja as quais deformam uma figura que só teria aquele formato se fosse
vista através de uma bolha ou de gota de água, ou por metamorfoses na figura que induzem
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ao observador a um movimento causado pela mudança de forma, cor ou equilíbrio da figura.
E não nenhum outro artista que faça isso de uma forma tão perfeita como ele.
Uma terceira característica da obra de Escher diz respeito ao amplo emprego intuitivo
da concepção de infinito atual presente na teoria dos números transfinitos, proposta, no final
do século XIX, pelo matemático Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845-1918), idéia
que contradiz a de infinito potencial. Enquanto o infinito potencial está ligado à idéia de não
exauribilidade de uma grandeza, quer quando ela vai ficando cada vez maior, quer quando
ela fica cada vez menor, o infinito atual segundo Cantor está ligado à noção de auto-
reflexividade ou auto-representatividade, que permite comparar conjuntos infinitos em
matemática. Escher trabalha esta idéia do infinito de várias formais diferentes, seja
utilizando a geometria hiperbólica, ou seja, a partir das figuras auto reflexivas presentes em
muitas de suas obras.
A quarta e a última característica segundo Miguel está relacionada à idéia de que cada
uma de suas gravuras é algo mais do que ser visto: é, antes de mais nada, um problema a
resolver, um convite ao raciocínio e à inteligência e, nesse sentido, a beleza do desenho se
manifesta apenas após o enfrentamento raciocinado de algo que provoca no observador um
estranhamento inicial. A beleza não flui imediatamente de um simples ato de contemplação
passiva, mas é construída ativamente através do esforço de uma participação analítica do
observador.
Isso significa que cada obra de Escher não é apenas fruto da emoção de quem a
observa e muito menos a do próprio artista. Tudo acontece como se ele estivesse brincando
com cada um de nós, como num livro de achar onde está o personagem perdido ou
escondido. Cada gravura é minuciosamente planejada, matematicamente estudada e refeita
até atingir o efeito desejado; nada é fruto do acaso. Ele tenta nos confundir trazendo a
fantasia como elemento desestabilizador da forma de nós olharmos o mundo já que temos
uma maneira que os nossos olhos enxergam o mundo habitual e culturalmente.
3.4 A percepção visual e Escher
Se alguém quer entender uma obra de arte, deve antes de tudo encará-la como um
todo. O que acontece? Qual o clima das cores, a dinâmica das formas e as reais intenções
do artista? Antes de identificarmos quaisquer elementos, a composição total da obra de arte
faz uma afirmação que não podemos desprezar. Se há um algum tema relacionado à obra
do artista não podemos desprezar, porque nada pode ser impunemente deixado de lado
pelo observador. Guiados com segurança pela idéia geral do artista, tentamos reconhecer
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as características gerais e, em seguida, explorar os detalhes que ficam pendentes, e assim
toda a riqueza da obra se mostra e, com vigor, conhecemos toda a mensagem que o artista
quis nos passar.
É exatamente nesta direção que o artista trabalha: o seu desejo é que o observador,
munido ou não de um arcabouço de idéias sobre percepção visual receba parcial ou
integralmente a mensagem que ele quis consciente ou inconscientemente passar a cada um
de nós. Uma das ferramentas que pode ser utilizada para interpretarmos obras de arte é
análise dos elementos que devem ser utilizados para se trabalhar com a percepção visual, a
qual de forma alguma io substituir a nossa intuição, mas sim dar a cada um de nós mais
elementos a fim de que cheguemos mais perto da aquilo que o artista pensou
essencialmente passar a cada um de nós.
Usando como base conceitos e dados disponíveis da psicologia da percepção,
tomando como base elementos trazidos por ARNHEIM (1980) as categorias que aqui serão
apresentadas têm como objetivo extrair princípios subjacentes e mostrar relações estruturais
que irão tornar os elementos presentes da obra comunicáveis e que irão confirmar
sentimentos ou desvelar intenções que não estão a princípio bem claras para quem
apreciam uma obra de arte. As categorias que irão ser esclarecidas nas próximas linhas são
as seguintes: o equilíbrio, a configuração, a forma, o desenvolvimento, o espaço, a luz, a
cor, o movimento, a dinâmica e a expressão. Assim, poderemos discutir melhor os
elementos estudados na percepção visual e as obras de Escher.
3.4.1 Equilíbrio
Em Física, dizemos que uma partícula está em equilíbrio quando a força resultante
sobre ela é igual a zero. Isto não significa que não podem existir forças sobre ela, mas sim
que, caso elas existam elas devem se distribuir de tal maneira sobre a partícula que certamente
se anularão. Numa obra de arte os elementos devem ser distribuídos de tal maneira que
resulte um estado de equilíbrio. Esta necessidade de equilíbrio não perpassa por prefencias
estilísticas, psicológicas ou sociais, mas sim uma qualidade necessária dos padrões visuais.
Numa composição equilibrada, todos os fatores como configuração, direção e locali-
zação determinam-se mutuamente de tal modo que nenhuma alteração parece possível, e o
todo assume o caráter de necessidade de todas as partes. Uma composição desequilibrada
parece acidental, transitória e, portanto inválida. Seus elementos apresentam uma tendência
para mudar de lugar ou forma a fim de conseguir um estado que melhor se relacione com a
estrutura total.
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Uma das maneiras de se obter equilíbrio numa obra de arte é pela da simetria, mas
não é a única. Por simetria entendemos aqui deixar duas partes de uma composição
exatamente iguais. Na maioria das vezes o artista trabalha com algum tipo de desigualdade,
o que terá na obra o efeito de realçar algum elemento sem que haja evidentemente um
abandono das questões de equilíbrio.
Equilíbrio ou desequilíbrio; possível ou impossível; dia ou noite; geometria euclidiana
ou não euclidiana; bidimensionalidade e tridimensionalidade? A dicotomização é uma marca
tão presente no trabalho de Escher que fica difícil avaliarmos que a busca de equilíbrio era
um alvo a ser atingido dentro de suas produções. Para isso, a análise deveria ser feita em
todas as suas obras, evitando qualquer tipo de generalização.
3.4.2 Configuração
O pensamento psicológico recente considera a visão uma atividade criadora da mente
humana. A percepção realiza ao nível sensório o que no domínio do raciocínio se conhece
como entendimento. O ato de ver de todo homem antecipa um modo modesto a capacidade,
tão admirada no artista, de produzir padrões que validamente interpretam a experiência de
forma organizada. O ver é compreender.
A configuração perceptiva é o resultado de uma interação entre o objeto físico, o meio
de luz agindo como transmissor de informação e as condições que prevalecem no sistema
nervoso do observador. Como a luz se propaga em linha reta e não atravessa os corpos que
não sejam transparentes ou translúcidos, o que vemos dos objetos é seu aspecto exterior,
vistos evidentemente de uma certa perspectiva ou ponto de vista. A vista frontal de um
objeto é diferente de uma visão lateral.
A forma com que vemos um objeto também depende da influência do passado.
Quando os primeiros navegadores chegaram à América (o chamado Novo Mundo), os
nativos não conseguiram identificar as naus e as caravelas como tais, pois nunca tinham
experimentado o contato visual com aqueles “objetos” anteriormente. Isto quer dizer que a
forma de um objeto não depende apenas de como a luz sensibiliza os cones e os bastonetes
(células fotos-receptoras) presentes na retina, camada mais interna dos nossos olhos, mas
também da totalidade das experiências visuais que tivemos com aquele objeto ou com
aquele tipo de objeto durante toda a nossa vida.
Toda experiência visual é inserida num contexto de espaço e tempo. Da mesma
maneira que a aparência dos objetos sofre influência dos objetos vizinhos no espaço, assim
também recebe influência do que viu antes. Mas admitir estas influências não é querer
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afirmar que tudo que circunda um objeto muda a sua forma ou a sua cor ou ainda dizer que
a aparência de um objeto é apenas o produto de todas as influências exercidas sobre ele.
Não se pode menosprezar a influência de experiências passadas, já que elas permitirão ao
observador estabelecer relações entre o desenho ou imagem analisada com resgates da
memória de situações anteriores já vividas. No que diz respeito às obras de Escher,
podemos afirmar que elas terão as mais diversas interpretações, já que não há uma única
forma de analisá-las poie dependerá de quem as observa num dado momento histórico. Um
estudante de Matemática observará configurações que um leigo ou que um artista plástico
não conseguirá notar com a mesma acuidade visual.
3.4.3 Forma
Como diferenciar forma de configuração? O pintor Bem Shahn, citado por Gombrich,
define forma como sendo a configuração visível do conteúdo. Quando percebemos a confi-
guração, consciente ou inconscientemente, nós a tomamos para representar algo, e desse
modo ser a forma de um conteúdo.
A feitura de uma imagem artística ou não, não começa da projeção ótica do objeto
representado, mas é um equivalente, executado com as propriedades de um meio específico
daquilo que se observa no objeto. Isto significa que a forma não é determinada apenas
pelas propriedades físicas do material, mas também pelo estilo de representação de uma
cultura ou de um artista individual. Se analisarmos as obras de arte do período cubista, há
uma forma bem característica de se representar os seres humanos que não se verifica em
outros momentos da nossa história. Já para outros artistas formas geométricas como uma
mancha plana colorida podem representar objetos bidimensionais ou tridimensionais,
dependendo da intenção do artista.
A expressão comunicada por qualquer forma visual é apenas tão clara quanto os
aspectos perceptivos que a transmitem. Elementos como direção, curvatura, claridade e
posição espacial são definidos de tal modo que a forma visual oferece um entrelaçado
simples de elementos simples, mas que junto com a cor, a massa e o contorno oferecem a
mensagem para o espectador.
No caso das obras de Escher é a forma que mais surpreende o espectador e que
permite as mais diversas interpretações. Ele mesmo diz que brinca com cada um e nós ao
fazer algumas figuras que, em princípio nos parecem indecifráveis mas que na verdade
reserva ao observador mais atento um deleite no que diz respeito àquilo que ele ousou
representar. Ele indagava: “Por que se tem de meter sempre o nariz na triste realidade? Por
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que não se pode brincar? Por vezes tenho a impressão: pode ser assim?” E com isso ele se
sentia muito à vontade para se trabalhar com as formas mais incomuns e inusitadas que
acabavam refletindo na genialidade das suas composições.
3.4.4 Espaço
A geometria nos diz que três dimensões são suficientes para descrever a forma de
qualquer sólido e as localizações dos objetos em relação mútua a qualquer momento dado.
Se for necessário considerar também as mudanças de forma e localização, deve-se
acrescentar a dimensão do tempo às três dimensões do espaço.
No estágio da primeira dimensão, a concepção espacial limita-se a uma marca linear,
sem a preocupação de se criar uma forma ou de se ter um ente corporificado, definido
apenas por sua localização relativa. Uma mente presa a esta concepção elementar de
espo seria realmente primitiva e não aprenderia mais do que se pode perceber acontecendo
por detrás de um orifício.
Uma concepção bidimensional produz dois grandes enriquecimentos. Primeiro oferece
extensão do espaço e as diversas possibilidades de tamanho e forma. Segundo, acrescenta
à simples distância as diferenças de direção e orientação. Podem-se diferenciar as configu-
rações de acordo com muitas direções possíveis para as quais apontam e com diversas
posições, e trabalhar com a idéia de movimento.
por sua vez o espaço tridimensional oferece liberdade completa: a forma estendendo-
se em qualquer direção perceptível, arranjos infinitos de objetos e a mobilidade total que o
espaço bidimensional não consegue oferecer. A imaginação não pode ir além destas três
dimensões espaciais, a não ser que seja por uma construção intelectual.
As linhas que caracterizam um espaço unidimensional podem ser de três tipos: linha
objeto, linha hachurada e linha de contorno. A primeira é aquela que em si só já representa
um objeto unidimensional, como se fossem lavradas em ferro ou em qualquer outro metal, e
que quando interceptadas guardam entre si as características individuais. O conjunto de
linhas individuais pode criar um padrão global formando uma superfície coerente. Neste
caso elas agirão como linhas hachuradas, muito utilizadas principalmente nos desenhos e
gravuras, especialmente na xilogravura. Em muitas obras de Escher podemos perceber a
utilização destas linhas para representar a curvatura em mais uma direção, para dar a idéia
de uma sela. Isto é, a curvatura de linhas hachuradas paralelas pode representar a flexão de
uma superfície em profundidade. Já a linha de contorno tem uma função importante: será a
região limítrofe de um objeto bidimensional, tornando-se parte de um todo. A influência da
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linha de contorno na superfície interna induzida varia com a distância. Quanto maior for a
área fechada, mais fraca será a influência da linha de contorno e o efeito diminui à medida
que nos afastamos do centro. E ainda dependerá também do tamanho relativo dessa área
em relação às figuras próximas.
Sobre imagens bidimensionais, a discussão mais rica que se pode fazer diz respeito a
questão de figura e fundo. Há muitos casos em que a bidimensionalidade prevalece no
sentido de que a imagem consiste de dois ou mais planos ou espaços pouco profundos que
se estendem paralelamente ao plano frontal e aparecem a distâncias diferentes do observador.
A bidimensionalidade como sistema de planos frontais é representada na sua forma mais
elementar pela relação figura-fundo Não se consideram mais do que dois planos. Um deles
tem que ocupar mais espaço do que o outro e, de fato, tem que ser ilimitado: a parte
imediatamente visível do outro tem que ser menor e confinada por uma borda. Uma delas se
encontra na frente da outra. Uma é a figura, e a outra, o fundo.
À medida que se prossegue da relação figura-fundo limitada entre dois planos até o
amontoado de objetos visuais frontais de modo mais geral, entendemos que se trata de um
caso especial de subdivisão. Na organização de figuras planas, descobriu-se que a subdivisão
ocorre quando uma combinação de partes autocontidas produz um padrão estruturalmente mais
simples do que o todo indiviso. Esta regra serve não apenas para a segunda dimensão, mas
também para a terceira dimensão. Áreas fisicamente localizadas no mesmo plano pictórico se
separam em profundidade e assumem uma configuração figura-fundo porque a simplicidade
aumenta quando a unilateralidade do contorno é inconteste e quando o fundo pode ser visto
como se continuasse sem interrupção, sob a figura.
Podemos agora discutir um pouco sobre a representação do tridimensional numa obra
de arte no que diz respeito ao espaço. Primeiramente é necessário entender por qual motivo
se vê profundidade. O que explica a tridimensionalidade da nossa visão é que a visão dos
objetos vem do fato de termos dois olhos que fazem com que a experiência visual consista
numa projeção bidimensional na retina. O princípio básico de percepção em profundidade
vem que um padrão parecerá tridimensional quando pode ser visto como a projeção de uma
situação tridimensional que é estruturalmente mais simples que uma bidimensional. Neste
contexto, o artista compreende que não pode simplesmente confiar no que o observador
conhece sobre o mundo físico. Ele sabe que no caso de um desenho, quadro ou gravura a
representação se dá numa superfície plana e para ela que os olhos estarão direcionados;
logo a experiência de profundidade será proporcionada pela própria imagem.
Para os artistas, a descoberta de como se trabalhar com a perspectiva foi de fundamental
importância. Destaca-se aqui o grande sistema de unificação do espaço pictórico
tridimensional: a perspectiva isométrica. Ela acomoda todo o assunto do quadro ou gravura
51
em sistemas de linhas paralelas, que entram de um lado, atravessam diagonalmente o
quadro, e o deixam novamente do outro lado. Isso provoca a sensação de um mundo que
não nos defronta em uma localização estável mas passa por nós como um trem. Quase
sempre o quadro é assimetricamente orientado para um lado e parece destinado a se
estender interminavelmente em ambas as direções. Não tem centro mas apresenta um
segmento de uma seqüência em faixa.
No período do Renascimento, mais precisamente na Itália, muitos artistas se apropriaram
da utilização da perspectiva central. Ela representa uma solução final para uma longa luta
por uma nova integração do espaço pictórico. Neste ponto, a procura do princípio da
convergência é um assunto estritamente do âmbito da pintura, recomendando-se ao artista
pela sua elegante simplicidade. É uma construção geométrica que envolve regras elaboradas
sobre como representar sólidos estereométricos de várias formas e localizações espaciais.
O esforço para a reprodução mecanicamente correta recebeu a sua base teórica a partir da
noção da pirâmide visual adotada por Alberti em 1435. A relação ótica entre o olho do
observador o objeto para o qual ele olha pode ser representada por um sistema de linhas
retas saindo de cada ponto da superfície frontal do objeto e encontrando-se no olho.
A descoberta da perspectiva central indica um perigoso desenvolvimento do pensamento
ocidental. Ela marcou uma preferência cientificamente orientada pela reprodução mecânica
e construções geométricas, aos produtos da imaginação criadora. Não é por acaso que a
perspectiva central não foi descoberta apenas alguns anos depois das primeiras xilogravuras
terem sido impressas na Europa. A xilogravura estabeleceu para a mente européia o
princípio quase completamente novo da reprodução mecânica. Desde a Renascença o
engodo da fidelidade mecânica tem sempre tentado a arte européia, especialmente na
produção do padrão medíocre para consumo de massa. A velha noção de ilusão como ideal
artístico tornou-se uma ameaça ao gosto popular com o advento da revolução industrial.
A perspectiva central envolve um paradoxo importante. Por um lado mostra um mundo
centralizado. O foco deste mundo é um ponto real na tela, sobre o qual o observador pode
tocar com as mãos. Na projeção completa do espaço bidimensional este centro fica no plano
frontal. Com profundidade crescente, o centro se afasta na distância, e, no espaço totalmente
estendido, com cem por cento de constância ele se colocaria no infinito.
Numa verdadeira composição pictórica, por isso, o status perceptivo do ponto focal é
ambíguo. O centro palpável da estrutura espacial que o desenhista pretende atingir com a
sua régua é ao mesmo tempo o ponto de fuga, que por definição está no infinito, onde as
paralelas se encontram. Nem a perspectiva bidimensional nem a isométrica defrontaram-se
claramente com o problema dos limites de espaço. Elas significavam que o espaço continua
52
infinitamente em sua solidez intangível, e pela primeira vez o artista inclui uma afirmação
sobre a natureza do infinito pela primeira vez.
Na maior parte das vezes, o artista se utiliza de certas regras para se trabalhar com
perspectiva que podem ser deduzidas de fórmulas matemáticas, tais como:
1. Linhas horizontais e verticais que correm paralelas no sentido da figura, repre-
sentam-se como linhas horizontais e verticais. As mesmas distâncias nestas linhas
são também mostradas como distâncias iguais na imagem.
2. Linhas paralelas que partem do observador, são representadas como linhas que
convergem num ponto: o ponto de fuga. As mesmas distâncias nestas linhas não
são representadas com as mesmas distâncias.
Escher observou com todo cuidado estas regras da perspectiva clássica quando da
composição de suas gravuras; e essa é a principal razão porque elas dão um efeito tão
sugestivo de espaço.
Em 1952 apareceu uma litografia “Divisão Cúbica do Espaço” cujo o único objetivo foi
representar a extensão infinita do espaço, com os meios da perspectiva clássica.
FIGURA 18 - DIVISÃO CÚBICA DO ESPAÇO, LITOGRAFIA, 1952
Embora vejamos esta extensão infinita do espaço como que através de uma janela
quadrada, todo o espaço é no entanto sugerido, pois é dividido em cubos inteiramente iguais,
através de barras que correm em três sentidos. Se continuarmos as barras verticais, elas dão
a impressão de se encontrar num único ponto, o nadir. Há mais dois pontos de fuga que
encontramos se prolongarmos as respectivas barras para a direita em cima, e para a
esquerda em cima. Estes três pontos de fuga ficam muito para além da superfície da imagem
e Escher precisou de folhas de papel de desenho muito grandes para a construção exata.
Como já citado anteriormente, a perspectiva clássica prescreve que feixes de linhas
paralelas, que correm no sentido da figura, sejam desenhados como linhas paralelas. Um tal
53
feixe de linhas não tem, portanto, nenhum ponto de fuga, ou como é comum se afirmar na
geometria de posição, o ponto de intersecção se encontra no infinito.
Isto seria contraditório com a experiência: se estivermos ao pé de um prédio, vemos
as linhas verticais convergirem num ponto, e se fizermos uma fotografia do mesmo lugar,
vemos isto ainda mais claro. Porém, também isto resulta das regras da perspectiva clássica,
porque o quadro já não é mais perpendicular à terra. Se colocarmos um quadro hori-
zontalmente e olharmos para baixo, vemos todas as linhas verticais convergirem num ponto
sobre os nossos pés: o nadir.
Este ponto de vista inusitado foi tomado por Escher em algumas xilogravuras,bem
como o zênite ( ponto de intersecção de linhas verticais), mostrando a versatilidade do
trabalho deste notável artista. Se traçarmos algumas linhas que convirjam num ponto, este
ponto pode representar o ponto de distância ou de fuga, o zênite, o nadir, tudo dependerá
completamente da relação em que está. E é nesse aspecto que Escher procurou
demonstrar este conhecimento de forma intensa nas suas gravuras e com isso brincar, iludir,
e entreter ao espectador e mostrando uma das suas preferências na confecção do seu
trabalho.
Ao longo do próximo capítulo novas questões serão levantadas com relação a
questões sobre espaço, profundidade, tridimensionalidade e perspectiva e pontos de fuga, já
que são assuntos que interessaram Escher ao longo do seu trabalho como gravador,
encantando a todos por causa da sua habilidade de trabalhar com estes elementos.
3.4.5 Luz
Aprende-se em Física que a luz é a onda do espectro eletromagnético capaz de
sensibilizar as células da nossa retina, causando-nos a impressão visual. Sem ela nenhum
objeto que está ao nosso redor seria visto, haja vista que esta é condição para que ele seja
enxergado: estar na presença de uma fonte de luz. O famoso filósofo grego Platão
imaginava que a visão de um objeto ocorria do seguinte modo: um “jato” emitido pelo
observador chegaria ao objeto, combinar-se-ia com um outro jato vindo da fonte ilumi-
nadora, dando origem a um terceiro “jato”, que indo do objeto para os olhos, provocaria a
sensação da visão. Na verdade, nossos olhos funcionam como um sistema receptivo, sendo
que a luz, ente de caráter dual que ora se apresenta como onda e ora como partícula, ao
incidir nos objetos é refletida, difundindo-se em várias direções diferentes, chegando então
nos nossos olhos.
54
Aspectos como iluminação, claridade, brilho, sombra e penumbra foram e são inten-
samente utilizados pelos artistas para dar mais realismo ou obter resultados especiais nas
suas produções. Do mesmo modo que, na perspectiva central, um sistema de convergência
é imposto sobre um conjunto de formas, a iluminação é a imposição perceptível de um
gradiente de luz sobre a claridade e cores do objeto do conjunto. Podemos afirmar que
todos os gradientes têm a capacidade e criar profundidade e os gradientes de claridade se
encontram entre os mais eficientes. Uma vez que a claridade da iluminação significa que
uma dada superfície está voltada para a fonte de luz, enquanto a obscuridade significa que
está afastada, a distribuição de claridade auxilia a definir a orientação dos objetos no
espaço, bem como as partes se relacionam entre si.
No início do Renascimento a luz ainda era usada essencialmente como um meio de
modelar o volume. O mundo é claro, os objetos por si só são luminosos e as sombras são
aplicadas para sugerir rotundidade. Nas obras de arte de cunho religioso a luz era usada
como destaque para mostrar as suas relações divinas: a luz divina não é mais um enfeite,
mas a experiência realística da energia radiante, e o espetáculo maravilhoso de luz e
sombra se transforma em uma revelação.
Seguindo uma linha do tempo, a iluminação mais tarde acabou tendo a função de uma
“bússola” para o observador, guiando seletivamente o olhar para aquilo que era motivo de
destaque dentro de uma obra de arte. Pela aproximação ou afastamento da luz, e ainda por
uma menor ou maior sombra faz-se que aspectos de uma obra de arte sejam vistos com
graus de importância distintos, dependendo daquilo que o artista quer realçar ou esconder.
No Impressionismo há um certo desprezo entre a diferença entre luz e sombra, de tal
maneira que o contorno dos objetos é borrado propositalmente. Também substituíram a
variedade de textura realística por uma qualidade uniforme de pequenos golpes de pincel
que permitiam diferenciar os objetos, de tal maneira que a iluminação dos objetos é
substituída por um mundo de luminosidade insubstancial. Esta tendência de representação
da luz atinge o seu ápice no Pontilhismo no qual na pintura cada ponto consiste numa fonte
luminosa em si, sem ter uma fonte luminosa dominante; o quadro é semelhante a um painel
repleto de pequenas lâmpadas, fortes e independentes uma das outras.
No Surrealismo alguns artistas como Reneé Magritte trabalharam de maneira mais
incomum ainda a questão de luz e sombra, trazendo situações em suas obras de arte nas
quais dia e noite se confundem, divertindo e encantando o apreciador de suas obras. Escher
utiliza o antagonismo entre o dia e noite para criar nas suas obras um efeito especial,
notadamente em uma das suas especialidades: a criação de metamorfoses, que será vista
com mais detalhes nos próximos capítulos. Ele consegue nos surpreender, pois ele criou um
55
meio, uma composição lógica absolutamente concludente, que torna possível o impossível,
como pode ser visto na xilogravura “O Sol e a Lua”, de 1948:
FIGURA 19 - SOL E LUA, 1948, XILOGRAVURA
3.4.6 Cor
Toda a aparência visual deve a sua existência à claridade e cor. Os limites que
determinam a configuração dos objetos provêm da capacidade dos olhos em distinguir entre
áreas de diferentes claridades e cores. Isto é válido mesmo para as linhas que definem a
configuração em desenhos; elas são visíveis apenas quando a tinta difere do papel, na cor.
Não obstante, pode-se falar em configuração e cor como fenômenos separados, já que um
deles é independente do outro.
Os nomes dos três primeiros pioneiros da teoria da cor podem ser responsáveis pelos
três principais componentes do processo a ser explicado no que diz respeito à percepção
das cores. Isaac Newton descreveu as cores como devidas às propriedades dos raios que
compõem as fontes luminosas; o poeta Goethe proclamou a contribuição dos meios físicos e
superfícies encontradas pela luz quando ela viaja de sua fonte aos olhos do observador; e
Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX, anteviu numa teoria de imaginação, a função
das respostas retinianas dos olhos, afirmando corretamente que a cor branca que é por nós
vista é resultado da reflexão de todas as radiações emitidas por um objeto, enquanto que o
preto resulta da ausência de ação.
Todos nós sabemos que as cores carregam intensa expressividade, mas ninguém
sabe como tal expressividade ocorre, havendo indícios que isto se dá pela associação. Diz-
56
se que o vermelho é excitante porque faz lembrar fogo, sangue e guerra. O verde suscita os
pensamentos restauradores da natureza e o azul é refrescante como a água. Alguns
experimentos demonstram uma resposta corpórea à cor. Força muscular, circulação sangüínea,
equilíbrio e principalmente estados psicológicos podem alterar devido às várias nuances das
cores. Quanto à expressividade das cores, a divisão mais comum atribuída a elas seria a de
cores quentes e frias, baseadas em critérios mais subjetivos, já que a claridade, a saturação
e a comparação com outros objetos coloridos podem nos levar a diferentes conclusões.
Uma folha de papel fracamente tingida por um vermelho esmaecido pode dar a sensação de
cor fria para um observador ou de cor quente para um outro que esteja olhando esta mesma
folha num contexto distinto.
A expressividade das cores também está relacionada a outros fatores como quais
foram os atributos que escritores, pintores, poetas, civilizações e culturas deram para cada
uma das cores, criando aqui um campo riquíssimo de discussão.
Escher trabalhava com a produção de gravuras, e a maioria delas era
predominantementee preta e branca. Nas xilogravuras quando se deseja dar uma idéia de
profundidade as cores são de fundamental importância para reforçar a sugestão de
profundidade. Com a utilização de duas cores Escher conseguiu introduzir uma chamada
perspectiva aérea, aumentando assim a sugestão de espaço que em grande parte já é
alcançada pela perspectiva linear.
Na verdade, para este grande gravurista a cor não era um meio de expressão. As
cores só aparecem nas suas obras onde ela é funcionalmente indispensável, como em
várias das suas divisões regulares de superfície. Só muito isoladamente usa a cor como
adição ornamental.
3.4.7 Movimento
O movimento é a atração visual mais intensa da atenção, seja nas questões de
proteção em termos de adaptarmos ao ambiente em que estamos habitando, seja para
reconhecermos aquilo que é do nosso cotidiano. Os olhos estão numa vigilante atitude de
acompanhar o que passa em nossa volta. E nas obras de arte já se atribui para a pintura, a
gravura e para a escultura um caráter temporal, idêntico à música a dança e ao teatro, ou
seja, munida de um certo movimento.
Quando um observador “varre” uma obra de arte com os seus olhos por toda a sua
superfície ele percebe as suas partes em sucessão. Na verdade, a ordem de uma pintura ou
de uma gravura existe apenas no espaço, em simultaneidade. O quadro contém um ou
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vários temas dominantes aos quais todo o resto se subordina. Esta hierarquia é válida e
compreensível somente quando todas as relações que ela envolve são captadas como
sendo coexistentes. O examinador olha cuidadosamente as várias áreas da pintura em
sucessão porque nem o olho e nem a mente são capazes de apreender o todo simulta-
neamente. E a ordem com que a pintura é observada não faz diferença, já que o caminho do
olhar não precisa aderir as direções vetoriais criadas pela composição. Observa-se portanto
a questão do movimento sendo aqui considerada.
A experiência visual de movimento se deve a três fatores: movimento físico, movimento
ótico ou movimento perceptivo, além de fatores cinestésicos que podem produzir a sensão de
movimento, como por exemplo uma pessoa que apresenta alguma labirintopatia. No caso da
admiração de uma obra de arte o movimento mais importante é o movimento ótico. Quando
movemos os nossos olhos para admirarmos um quadro, mudando a fixação do olhar, todo o
quadro se move nas retinas em direção oposta. Isso significa que além dos efeitos que o
próprio artista pode proporcionar na sua obra para que ela tenha para o apreciador o efeito
de movimento, os nossos sistemas oculares já trabalham buscando trazer sem fazermos
esforço algum a idéia de movimento.
Escher tratou bem de ludibriar a quem quisesse admirar as suas obras com a questão
do movimento com as suas figuras que se tornaram sua marca registrada: as metamorfoses,
as figuras impossíveis e a representação do infinito. Em todas elas não há como percebemos a
intenção do gravurista em oferecer a quem quer que seja, leigo ou crítico de arte, a idéia do
movimento.
3.4.8 Dinâmica
Verifica-se que cada objeto visual é uma questão eminentemente dinâmica. Este fato,
fundamental a toda percepção, é facilmente omitido quando se adere à prática comum de
descrever os fenômenos sensórios por meio de propriedades puramente métricas. Na
verdade as propriedades dinâmicas, inerentes a tudo que os olhos percebem, são tão funda-
mentais que podemos dizer: a percepção visual consiste na experimentação de forças
visuais, no sentido mais prático que possamos imaginar.
A dinâmica inerente a qualquer forma, cor ou movimento em particular pode fazer
sentir a sua presença apenas se integrar-se na ampla dinâmica da composição total. Suprir
uma única linha, uma forma apenas, com tensão dirigida, naturalmente, é muito mais fácil do
que conseguir isto em um padrão complexo como um todo. Por isto podem-se observar
comumente elementos visuais que, embora absolutamente dinâmicos em si mesmos, se
58
anulam reciprocamente e agregam-se para um bloqueio frustrador. Isto quer dizer que a
dinâmica de uma composição terá sucesso quando o “movimento” de cada detalhe se
adaptar logicamente ao movimento do todo. A obra de arte se organiza em torno de um
tema dinâmico dominante, do qual o movimento se irradia para a obra inteira, mais ou
menos semelhante como acontece com a circulação sangüínea em nosso organismo. O
olho percebe o padrão acabado como um todo junto com as inter-relações de suas partes,
ao passo que o processo de fazer um quadro ou uma gravura requer que cada parte seja
confeccionada separadamente. Por esta razão, o artista é tentado a se concentrar sobre
uma parte isolada do contexto.
Portanto, a dinâmica é uma parte integrante do que o observador vê, contanto que a
sua capacidade responsiva natural não tenha sido reprimida por uma educação tecnicista ao
extremo, já que a dinâmica não é uma propriedade do mundo físico. Ela resulta dos padrões
de estímulo projetados em nossas retinas e que determinam a série de qualidades
dinâmicas inerentes ao que se percebe, quando é processada pelo nosso sistema nervoso.
3.4.9 Expressão
A definição que a estética da arte nos dá para expressão é importante para colocarmos
em discussão esta categoria da percepção visual: a expressão retrata maneiras de
comportamentos orgânicos ou inorgânicos revelado na aparência dinâmica. No sentido mais
restrito, diz-se que a expressão só existe onde há um espírito a ser expresso. Mas isso não
se restringe a seres humanos: qualquer objeto carregam expressões em sentido figurado,
por mera analogia com o comportamento humano.
Pode-se afirmar que a expressão é o conteúdo primordial da visão na vida diária, e
isto deve ser muito forte e contundente na maneira que o artista observa o mundo. As
qualidades expressivas são seus meios de comunicação, Elas apreendem a sua atenção,
possibilitam-no a entender e a interpretar suas experiências e determinam os padrões
formais que ele cria. Por isso deve-se esperar que um artista busque sempre aguçar a sua
sensibilidade para que ele mostre na obra de arte um retrato daquilo que está a sua volta. É
claro que a leitura de uma obra de arte depende de certas convenções, mas também há
aspectos que perpassam pela liberdade de opinião de cada um. Quanto maior for relação
entre experiência e conhecimento, menor será a probabilidade de que haja coincidência
entre aquilo que o artista quis expressar é o que o apreciador está observando e concluindo
sobre o que está vendo.
59
Quem considerar a arte como uma expressão de sentimentos, terá de negar toda a
obra de Escher, depois de 1937. Pois ela é determinada pela razão, tanto quanto ao objetivo
quanto à execução. Isto não quer dizer que ele, juntamente com aquilo que relata, com o
conteúdo quer comunicar, não exprima de modo penetrante, ainda que sem ênfase, o
entusiasmo sobre a sua descoberta.
Para um crítico de arte, há uma certa facilidade em analisar a expressão na obra de
Escher, Basta que ele se convença que a compreensão da obra está ligada ao prazer de
uma descoberta, de uma investigação. E neste sentido que talvez o crítico tenha que
caminhar por um caminho mais tortuoso. Ele tem que se familiarizar com a problemática
geral levantada pela imagem frente ao seu contexto. E onde quer que a solução encontrada
fique no plano da construção, terá de ter em conta também o fundo matemático da gravura,
com base nos estudos que Escher fez para as suas estampas.
E aqui chegamos ao ponto nevrálgico da discussão que esta dissertação procurará
trazer nos próximos capítulos, que é tentar estabelecer relações entre a matemática dita
curricular com as obras desse artista, tendo como escopo a Etnomatemática.
Far-se-á necessário aqui a busca de pontos de tangência, reflexões, análises e
contextualizações entre a produção artística deste artista com aquilo que os matemáticos se
apropriam ou já se apropriaram, no sentido de que este trabalho venha contribuir na oferta
de novas opções para que todos, sejam professores ou não, gozem de uma gama maior de
subsídios para trabalharem quer seja com a matemática dita curricular ou com a simples e
agradável tarefa de contemplação das obras deste artista.
60
4 ARTE DA PERFEIÇÃO: ESTUDO DA DIVISÃO DE SUPERFÍCIES
NAS OBRAS DE ESCHER
FIGURA 20 - AR E ÁGUA I, XILOGRAVURA, 1938
Na linha média horizontal estão os peixes e as aves em iguais condições.
Mas com o vôo associamos o ar, por isso, para uma ave preta, os quatro
peixes que a rodeiam são o ar em que ela voa. Do mesmo modo,
associamos nadar com água, por isso as quatro aves pretas que rodeiam
um peixe tornam-se para este a água na qual ele nada. (ESCHER)
61
FIGURA 21 - ESPELHO MÁGICO, LITOGRAFIA, 1946
Sobre um chão ladrilhado está em vertical um espelho, donde nasce um
animal de fábula. Pedaço a pedaço, ele aparece até que, animal completo,
anda para a direita. A sua reflexão dirige-se para a esquerda, porém prova
ser igualmente real, pois atrás do espelho, ela aparece como realidade.
Primeiro andam numa fileira, atrás uns dos outros, depois aos pares e, por
fim, encontram-se as duas correntes numa fila a quatro. Ao mesmo tempo
perdem a sua plasticidade. Como peças de um “puzzle” juntam-se,
preenchem reciprocamente os espaços intermédios e unem-se com o chão,
sobre o qual está o espelho (ESCHER).
4.1 Embasamento Histórico e Conceitual
Para se estudar a simetria nas obras de Escher é fundamental que tenhamos em
mente a sua trajetória de vida, a fim de entendermos o porquê deste gosto particular em
trabalhar com gravuras desta natureza. Antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial, ele
viajou para diferentes lugares do sul da Europa, e ficou encantado por dois países em
particular: Itália e Espanha. O primeiro o fascinou pelas belezas naturais e pelo clima mais
quente do que a sua terra natal, a Holanda. Já no caso da Espanha o que mais chamou a
atenção dele foi a arquitetura de várias construções e palácios antigos, herança da dominão
moura no século VIII principalmente. Nestas construções ele encontrou uma farta utilização
dos mosaicos, nos quais figuras geométricas se encaixavam perfeitamente, já que a religião
mulçumana não permitia a representação de figuras humanas.
Segundo Boyer (1974) os primeiros mosaicos foram feitos pelos sumérios por volta de
4 mil anos antes de Cristo na Mesopotâmia. Eram de terracota e serviam para reforçar e
adornar as paredes. Na Grécia Antiga surgiram os primeiros mosaicos com padrões geomé-
tricos precisos, coloridos retratando cenas do cotidiano e motivos mitológicos. A expansão
62
do Império Romano levou a arte do mosaico para muitas regiões do Velho Mundo, sendo
que a Itália a partir de 40 a.C. tornou-se o maior centro de produção de mosaicos.
Com a ascensão do Império Bizantino e a decadência do Império Romano, a partir do
século V, a arte dos mosaicos sofreu influências orientais, com a utilização de outros
materiais que não fossem apenas rochas, como por exemplo o vidro esmaltado. Neste
período os mosaicos começaram a ser utilizados mais para enfeitar paredes do que adornar
pisos, geralmente com motivos religiosos. No século VIII, os invasores mulçumanos levaram
para a Península Ibérica a arte do ladrilhamento.
Diferentemente do mosaico bizantino, os islâmicos trabalhavam apenas com formas
geométricas como já dissemos anteriormente. Ao observarmos estes mosaicos, vemos que
para haver um encaixe perfeito é necessário que os lados e os ângulos fiquem bem
ajustados, sendo que os retângulos, os quadrados, os hexágonos regulares, e os triângulos
eqüiláteros aparecem com mais freqüência em mosaicos, já que os ângulos desses
polígonos são divisores de 360°.
Escher, desde a época que freqüentou a Escola de Arquitetura e Artes Decorativas,
tinha interesse em estudar a divisão regular de superfícies. Ele acreditava que ela fazia
parte das leis matemáticas e não era nenhuma invenção ou criação do homem, existindo
independente da mente humana. Após conhecer o palácio de Alhambra, em Granada, sul da
Espanha, motivado pelos painéis com preenchimento regular do plano que por lá observou,
se aprofundou no estudo do tema, copiando em suas anotações alguns ornamentos dos
mouriscos. Quando ele comparou aquilo que desenhou com livros de decoração e de
matemática, achou tudo de difícil compreensão. Restou a ele criar um sistema prático para
fazer a divisão de superfícies que ele próprio criou, formalizando este estudo em 1942, a
partir de desenhos. Ernst relata que a grande proeza de Escher é que ele descobriu por si
só quais são os movimentos que levam um desenho ou uma figura a cobrir-se a si mesmo.
Sabe-se hoje que existem 17 grupos diferentes através dos quais se pode transferir uma
figura em si mesma.
O estudo das transformações do plano através de movimentos de tal forma que não
ocorra distorção de formas e tamanhos dá-se o nome de isometria. Pertencem a esta
categoria todos os movimentos que conservam a distância e a posição relativa entre pontos.
São elas a translação, a rotação, a reflexão e a reflexão com deslizamento.
Na isometria por translação, todos os pontos de uma figura sofrem um deslocamento
na mesma intensidade e na mesma direção, de tal forma que a figura transformada
conserva a sua forma e tamanho. Isto significa basicamente que os todos os pontos do
objeto mudam de posição, como mostra a figura abaixo:
63
FIGURA 22 - ISOMETRIA POR TRANSLAÇÃO
Um outro tipo de isometria bastante utilizada é a rotação, que diferentemente da
translação, que possui um ponto fixo. Na rotação todos os pontos do plano se movimentam,
girando em torno de um ponto ou de eixo, aqui designados, ponto central ou eixo de
rotação. O fato de o movimento possuir ou não este ponto central ou eixo de rotação
diferencia estes dois tipos de isometria.
FIGURA 23 - ISOMETRIA POR ROTAÇÃO
Existem isometrias que possuem uma maior quantidade de pontos fixos. Na isometria
por reflexão, tomando como base uma linha ou um espelho imaginário, teremos uma infinidade
de pontos que coincidem com essa linha. A reflexão é, também, conhecida por simetria axial
dado que é determinada por um eixo. Este movimento verifica as seguintes propriedades:
- os pontos do espelho não se movem por efeito da reflexão;
- a distância de um ponto ao espelho é igual á distância da imagem desse ponto ao
espelho.
Verificamos, ainda, que ao designarmos na figura original um determinado sentido ele
aparece invertido na figura final, ou seja, a reflexão altera a orientação dos pontos do plano
como podemos observar na figura seguinte:
64
FIGURA 24 - ISOMETRIA POR REFLEXÃO
Podemos dizer que a inversão da orientação é simplesmente um reflexo do processo de
construção, já que para produzir a reflexão temos que levantar a figura e girá-la. Já na trans-
lação ou rotação faz-se apenas um arrastamento da figura original, sem que ela saia do plano.
O último tipo de isometria que podemos constatar é a reflexão deslizante, na qual se
combina um movimento de reflexão com um movimento de translação na direção do eixo de
reflexão. Assim, podemos observar que a reflexão deslizante não pode ser distinguida das
outras isometrias partindo, somente, do número de pontos fixos dado que, identicamente à
translação, este movimento não tem pontos fixos. De modo análogo, não podemos fazer
distinção das isometrias considerando, somente, o fato de o movimento preservar ou não a
orientação da figura. Efetivamente, sendo a reflexão deslizante uma composição das
isometrias reflexão e translação, este movimento vai alterar a orientação da figura no plano
e não vai fixar pontos, como ilustra a figura a seguir:
FIGURA 25 - ISOMETRIA POR REFLEXÃO DESLIZANTE
65
Contudo se considerarmos ambos os aspectos cada isometria, isto é a presença ou
não de pontos fixos e ainda a pretensa preservação da orientação, pode ser montada a
seguinte tabela para se comparar os principais tipos de isometrias:
Isometria Pontos fixos Orientação
Translação Não há Preserva
Rotação Um [ponto central] Preserva
Reflexão Infinitos [linha de espelho] Inverte
Reflexão deslizante Não há Inverte
A partir da utilização de softwares matemáticos como o programa Cabri-Géomètre
pode-se construir uma combinação de movimentos ou isometrias, obtendo os 17 grupos
diferentes de movimentos já citados anteriormente. Facilmente verifica-se que ao final do
processo obtemos sempre um movimento da lista inicial. Conclui-se que qualquer isometria
do plano é uma translação, rotação, reflexão ou reflexão deslizante dado que qualquer
combinação destes movimentos produz um deles.
Não se pretende aqui mostrar os grupos citados acima, mas sim destacar que Escher,
sem o auxílio de conhecimentos matemáticos ou de qualquer recurso tecnológico de
Informática, ciência esta que ainda estava dando os primeiros passos no auge da produção
do artista, descobriu todas estas possibilidades, a fim de se obter a divisão regular das
superfícies.
Segundo Ernst, uma característica especial e única da divisão de superfícies de
Escher é que ele escolhe sempre motivos que representam alguma coisa de concreto e que
lamentava o fato dos artistas árabes, mestres na arte de preencher superfícies sem lacunas
tivessem que usar, por causa da religião, figuras geométricas abstratas. Escher considerava
a divisão de superfícies como um instrumento, ou meio, e nunca fazia um desenho que
tivesse como tema principal a divisão regular de superfícies. Em dois temas estritamente
relacionados, ele usou de forma bastante explícita a divisão regular de superfícies: quando
trabalhou com metamorfoses e ciclos. Na metamorfose vemos formas abstratas indeterminadas
transformarem-se em formas concretas nitidamente limitadas e, de novo, em formas
abstratas. Assim uma ave pode se tornar um peixe ou vice-versa, de tal forma que isso
caracterizará uma metamorfose típica. Nas gravuras cíclicas também pode-se observar
metamorfoses, porém a ênfase se dá na continuidade e no regresso ao ponto de partida
66
4.2 Relações Com o Contexto Educacional
Nas duas gravuras mostradas no início deste capítulo mostram-se as duas temáticas
relatadas acima, sendo aqui colocadas como representantes apenas das formas que Escher
gostava de trabalhar com a divisão de superfícies. Elas nos mostram aplicações riquíssimas
que podem ser exploradas no campo da Geometria, dentro da matemática, como na Óptica,
para aqueles que têm como atividade principal a nobre arte do magistério.
Ao pesquisarmos nos livros de Ensino Fundamental e Médio na área de matemática,
percebemos que a primeira estampa é colocada como um convite ao aluno de testar formas
de criar mosaicos que fujam de um padrão tradicional. Para os alunos de Ensino Fundamental,
os mosaicos elaborados no estilo árabe são apresentados a fim de que eles tenham um
contato com a questão de forma dos polígonos, soma dos ângulos internos, número de
lados, entre outros aspectos. Porém pode ser aproveitado outros fatores que poderiam ser
explorados, como se falar sobre movimento das figuras, questões envolvendo simetrias, ou
ainda o estudo de razões ou proporções, trabalhando-se com partes das figuras que usam a
divisão regular da superfície. Ainda, dentro deste tema, pode-se também explorar em termos
de Ensino Médio conceitos de geometria de posição, a partir do entendimento das técnicas
utilizadas por Escher quando da confecção deste tipo de estampa. É evidente que estou
colocando aqui algumas possibilidades da utilização de um ínfima parte da produção de
Escher na matemática dita curricular.
Seria interessante reforçar que o fato da geometria ou de qualquer outro assunto
ensinados a partir da repetição de um padrão, desde que seja explorado com inteligência
nas mais diversas atividades, flexibiliza e acrescenta nosso potencial de conhecimentos
como docentes, bem como de nossos alunos, constituindo-se numa forma bastante eficaz e
privilegiada de aprendizagem. Um outro aspecto que pode ser vir à tona seria a comparação
do desafio de se criar uma obra de arte ou resolver um problema matemático. Em ambas as
situações, deve existir a experimentação de dificuldades, a superação de obstáculos e a
assimilação de conceitos, ou seja, um trabalho árduo e uma experimentação que ocorre não
apenas em um momento, mas de forma continuada.
No que diz respeito à segunda gravura, a ênfase maior da sua aplicabilidade poderia
ser dada na área de Física, mais precisamente na Óptica. Ao se trabalhar com o conteúdo
“Espelhos Planos”, por mais que os alunos utilizem dos espelhos no seu dia a dia, há muita
dificuldade em compreender, duas características básicas das imagens fornecidas pelos
espelhos planos: a propriedade de objeto e imagem serem simétricos e enantiomorfos entre
si. Diz-se que objeto e imagem são simétricos num espelho plano por estarem a uma
67
mesma distância dele, um a frente e o outro atrás do espelho. Isto explica o porquê de
termos a impressão de que a nossa imagem parecer menor quando estamos afastados de
um espelho, apesar de na verdade ela ser exatamente do nosso tamanho. Isso ocorre
porque se um estamos a x metros na frente de um espelho plano, a nossa imagem estará a
x metros atrás do espelho, diminuindo o nosso ângulo visual e, conseqüentemente, o
tamanho que enxergaremos a nossa própria imagem. Objeto e imagem nos espelhos planos
são enantiomorfos por apresentarem uma inversão na forma da imagem da direita para a
esquerda com relação ao objeto Nos livros didáticos de física este aspecto é geralmente
ilustrado colocando-se um triângulo escaleno na frente do espelho e representando a sua
respectiva imagem, para que fique bastante nítida a questão da inversão da imagem,
mostrando que objeto e imagem não são superponíveis. Mas por que não se pode
aproveitar figuras deste artista ou de tantos outros que em seus quadros divertiram o
apreciador de obras de arte com espelhos para ilustrar os livros de física? Será que esta
utilização da arte como exemplificação poderia fortalecer a relação e a afinidade que os
alunos apresentam nas áreas de matemática e física? A partir disso, podemos nos mais
diversos manuais pedagógicos propor novas temáticas envolvendo as obras de Escher e
matemática que serão pontos de apoio para um real aprendizado de vários conteúdos
dessas áreas dito curriculares. E isso deverá ser feito utilizando a linguagem visual, que os
adolescentes e jovens dominam com maestria.
Segundo D’Ambrósio, a matemática vem passando por uma grande transformação.
Para ele os meios de observação, de coleção de dados e de processamento de dados, que
são essenciais na criação matemática, mudaram profundamente. Além disso, e aqui que
desejo me aprofundar mais, a matemática hoje é muito afetada pela diversidade cultural. E
isto não acontece apenas com a matemática elementar, reconhecendo as etnomatemáticas
e procurando incorporá-las no currículo, mas também se reconhece diversidade naquilo que
chamamos segundo D’Ambrósio matemática avançada ou matemática universitária e a
pesquisa em matemática pura e aplicada. Essas aqui são afetadas pelo que poderíamos
chamar uma diversidade cultural na pesquisa, a inter e mesmo a transdisciplinaridade.
Pode-se dizer que a matemática é o estilo do pensamento dos dias de hoje, a linguagem
adequada para expressar as reflexões sobre a natureza e as maneiras de explicação.
Logo, aquilo que os pesquisadores em matemática denominam de matemática
discreta e os “casos patológicos”, como a não linearidade, a teoria do caos, fractais fuzzies,
teoria dos jogos, pesquisa operacional e a programação dinâmica serão mais explorados a
partir de agora. Estes assuntos trazem problemas interessantes, com características tais
como: a visualização é no estilo moderno, semelhante à linguagem utilizada pela televisão
68
e pelos computadores, portanto mais atraentes para os jovens, que como já dissemos
anteriormente, dominam fortemente esta linguagem visual.
A priori parece mais difícil um aluno se entusiasmar com a execução de um produto
notável, ou ainda com a demonstração do Teorema de Pitágoras ; mas apresente uma ou
mais gravuras de Escher: conte um pouco da vida dele, extraia ao máximo elementos
contidos na obra, seja nos aspectos estéticos ou gráficos, e experimente relacionar isto com
conteúdos curriculares que os alunos estejam aprendendo: o efeito será surpreendente, pois
o professor estará trazendo ao aluno o motivação que definitivamente o conquistará nas
aula de matemática.
69
5 A ARTE DA ABSTRAÇÃO: ESTUDO DAS GEOMETRIAS NÃO
EUCLIDEANAS NAS OBRAS DE ESCHER
FIGURA 26 - LIMITE CIRCULAR I – XILOGRAVURA – 1958
Até agora mostraram-se quatro exemplos com pontos, como limite do infi-
nitamente pequeno. A redução das figuras em direção contrária, de dentro para
fora, conduz a resultados mais satisfatórios. O limite já não é um ponto, mas
uma linha que abrange todo o complexo e o limita logicamente. Cria-se desta
forma, por assim dizer, um universo, uma hermeticidade geométrica. Se efetuar
a redução, radialmente na mesma proporção, o limite consistirá num círculo. No
presente caso a ordem dos componentes ainda deixa a desejar. Todas as
fileiras, por sua vez acentuadas pelos eixos do corpo, consistem em dois peixes
brancos que viram a cabeça um para o outro, e dois pretos, cujas caudas se
tocam. Assim, não há nenhuma continuidade, nem direção homogênea em
cada fileira. (ESCHER)
70
FIGURA 27 - SERPENTES – XILOGRAVURA, 1969
Uma cota de malha com pequenos anéis na margem e também no centro
de um círculo e entre eles grandes anéis. Através dos anéis deviam enrolar-
se serpentes. (ESCHER)
Esta era uma nova invenção: do centro do círculo, um número infinito de
anéis deveriam crescer até ao seu tamanho máximo e depois, em
movimento para a periferia de novo se tornarem infinitamente pequenos.
(BRUNO ERNST)
5.1 Embasamento histórico e conceitual
Escher iniciou o trabalho da divisão de superfícies em 1937, trabalhando basicamente
com figuras congruentes. Somente depois de 1955 há a utilização de figuras isomorfas, que
se aproximam do infinito por seriação. Entre as estampas que surgiram com figuras
isomorfas pode-se diferenciar três grupos:
a) as gravuras de limite quadrado: são as de construção mais simples, nelas ele tinha
como intenção representar o infinito; por serem de fácil construção, ele a usou
apenas três vezes, e uma delas na gravura “Limite Quadrado”:
71
FIGURA 28 - LIMITE QUADRADO, 1964, XILOGRAVURA
b) as gravuras com espiral: a linha mestra destas gravuras é uma superfície circular
dividida em espirais de figuras isomorfas; o objetivo da construção destas estampas
não é tanto a representação do infinitamente pequeno, mas sim o crescimento do
infinitamente pequeno até o infinitamente grande e de novo para o infinitamente
pequeno, para se fazer uma analogia com o ritmo biológico: nascimento, crescimento
e morte. Como exemplo desta fase podemos citar a xilogravura “Turbilhões”, que
trabalha com duas espirais logarítmicas:
72
FIGURA 29 - TURBILHÕES , 1957, XILOGRAVURA
c) as gravuras Coxeter: no livro do professor H.S.M. Coxeter, Escher descobriu um
diagrama feito a partir da representação através de um círculo de um plano do
espaço hiperbólico, conhecido como disco Σ ou disco de Poincaré, no qual ele
achou muito apropriado para representar uma série infinita. Aqui entram como
exemplos as 2 gravuras já inseridas no início deste capítulo.
Segundo Bruno Ernst, no livro “O Espelho Mágico de M. C. Escher, o artista era um
aluno com sérias dificuldades em Matemática, não tendo conseguido na sua trajetória
escolar sequer uma nota suficiente. É fantástico percebemos que ele parecia abordar teorias
matemáticas, sem que ele próprio pudesse as conhecer profundamente. E para espanto
dele, as suas gravuras passaram ilustrar os livros de Matemática sem que ele pudesse
compreender verdadeiramente o porquê disso. Mas o fato é que quem esperasse ouvir de
Escher uma explicação matemática mais profunda de suas obras, que ultrapasse os
73
conhecimentos de um aluno de Ensino Fundamental ou Médio, ficaria completamente
frustrado. Isso ocorreu com o professor catedrático Coxeter
2
.
Ao convidar Escher para participar de uma de suas aulas por admirar o conteúdo
matemático da obra do artista, a decepção foi total. Coxeter estava explicando um assunto
que tinha relação com algumas gravuras que ele tanto admirava. Como era de esperar,
Escher não dominava os fundamentos básicos do assunto. Ele não trabalhava como um
matemático, antes como um carpinteiro que, usando as suas ferramentas básicas, consegue
chegar ao seu obejtivo. Este encontro do matemático com o artista rendeu bons frutos.
Algumas figuras geométricas de Coxeter ajudaram Escher na produção de preenchimentos
de planos com repetição de figuras utilizando da geometria hiperbólica. Foi o primeiro
contato do gravurista com uma geometria não euclideana.
Segundo Coutinho (2001, p. 9) A Geometria de Euclides foi a primeira teoria matemática
a ser axiomatizada da maneira valorizada pela matemática formal , com poucos,
consistentes, suficientes e independentes postulados. Na sua famosa obra Os Elementos
Euclides (300 a.C.) apresentou um conjunto de cinco axiomas e cinco postulados. Os
axiomas são os seguintes:
1. Coisas iguais a uma terceira são iguais entre si;
2. Se quantidades iguais são adicionadas a iguais, os totais são iguais
3. Se quantidades iguais são subtraídas de iguais, os restos são iguais
4. Coisas que coincidem uma com as outras são iguais
5. O todo é maior do que qualquer de suas partes.
Já os postulados importantes no estudo da geometria curricular são estes:
1. Uma linha reta pode ser traçada de um ponto a outro, escolhidos à vontade.
2. Uma linha reta pode ser prolongada indefinidamente
3. Um círculo pode ser traçado com centro e raios arbitrários
4. Todos os ângulos retos são iguais.
2
Harold Scott MacDonald Coxeter é considerado um dos maiores estudiosos de geometria do século vinte. Ele nasceu em
Londres em 1907 e faleceu em março de 2003. Estudou na Universidade de Cambridge, mas trabalhou durante 60 anos na
Universidade de Toronto, no Canadá, onde publicou 12 livros e mais de 200 artigos acadêmicos. Seu principal trabalho em
geometria foi a teoria dos polítopos. Em geometria, um polítopo é a generalização, para um número arbitrário de dimensões
finitas, dos conceitos de polígono e poliedro; um polítopo convexo é o invólucro convexo de um número finito de pontos de um
espaço euclidiano; um polítopo genérico deve ser definido recursivamente: um polítopo de 0 dimensões é um ponto, e um
polítopo de n+1 dimensões tem, como faces, polítopos de n dimensões. Além disso ele estudou também a geometria não
euclideana, a teoria dos grupos e a análise combinatória.
74
5. Por um ponto P exterior a uma reta m, considerados em um mesmo plano, existe
uma única reta paralela à reta m.
Com estes axiomas e postulados Euclides construiu toda a geometria presente nos
nossos currículos escolares, e por cerca de dois mil anos foi considerada a única geometria
possível. O livro de Euclides é aquele que apresenta, depois da Bíblia, o maior número de
edições. Esta geometria permaneceu aceita como exclusiva devido ao fato de não contrariar
os nossos sentidos, e portanto, serem facilmente aceitas pela nossa intuição. A uma certa
altura da história da humanidade, os matemáticos, tomando como base idéias de vários
filósofos, argumentaram a seguinte idéia: se há a possibilidade de apenas uma única
geometria, certos postulados ou noções comuns seriam teoremas, isto é, facilmente demons-
tráveis. Tentaram fazer isto com o quinto postulado de Euclides e não obtiveram êxito, já
que ele não é conseqüência lógica dos quatro primeiros. Substituindo-o, criam-se novas
geometrias, tão boas e consistentes quanto a Euclideana. Após dois mil anos de história, a
geometria euclideana que era considerada a única possibilidade de explicação do mundo,
tem a companhia de outras possibilidades de interpretação.
As idéias do matemáticos Bolyai, Lobachevsky, Gauss e Riemann lançaram as bases
de geometrias tão logicamente aceitas quanto a Euclideana. De acordo com a substituição
que se faz do postulado das paralelas surgem dois tipos clássicos de geometrias não
euclideanas: a Geometria Hiperbólica e a Geometria Elíptica. Na Geometria Hiperbólica, o
postulado de Euclides é substituído pelo que afirma que, po um ponto dado P, fora de uma
reta r, existe mais de uma reta paralela a esta reta r, enquanto que na Geometria Elíptica
postula-se que não existe nenhuma paralela. Como não estamos acostumados com estas
“novas geometrias”, as novas situações descritas por elas são visualizadas a partir de
modelos que utilizam superfícies para representá-las. No caso da Geometria Hiperbólica
utilizaremos a pseudo-esfera que, conforme veremos adiante, tem curvatura negativa.
A Geometria Hiperbólica foi desenvolvida quase que simultaneamente, mas de forma
independente por dois matemáticos, o russo Nicolai Lobachevsky e o matemático húngaro
Janos Bolay. Este último sabia que tinha criado um universo novo com esta geometria,
porém não aprofundou a sua idéia, e não escreveu muito sobre ela.
Já Lobachevsky dedicou mais de vinte anos a seu desenvolvimento matemático.
Apresentou seu trabalho à Sociedade de Física-Matemática da cidade de Kazan, e trataram-
no como louco, já que ele punha em dúvida a consagrada Geometria Euclideana. Depois
publicou uma série de artigos científicos sobre o tema, culminando na publicação da obra
Pangeotermia, que foi ditada por ele, pois já se encontrava velho e cego, porém com a força
da sua mente e confiança na sua criação, conseguiu descrevê-la perfeitamente. Por este
motivo, esta geometria é universalmente conhecida como Geometria de Lobachevsky.
75
A Geometria Hiperbólica aceita todos os postulados da Geometria Euclideana, exceto
o quinto, ou o das paralelas, que é substituído por:
“Por um ponto P fora de uma reta L
1
passa mais de uma reta paralela à reta r”.
FIGURA 30 - ESTUDO DA GEOMETRIA HIPERBÓLICA
Entre as retas L
2
e L
3
passam infinitas retas, que não interceptam a reta L
1
. Tais retas
dizem-se retas não secantes, e não são consideradas como paralelas à reta L
1
. Somente L
2
e L
3
são consideradas paralelas, já que são construídas de tal maneira através da pseudo-
esfera que garante a elas esta particularidade. Marca-se uma distância arbitrária sobre a
reta L
1
. Com centro em P e um raio qualquer, traça-se um arco de círculo que intercepta
uma perpendicular à reta L
1
no ponto que foi marcada a distância arbitrária. A união destes
pontos sobre a perpendicular com o ponto P nos permite traçar as retas L
2
e L
3
.
Um das formas de representar por uma superfície plana a Geometria Hiperbólica foi
apresentado pelo matemático Felix Klein. A sua idéia foi simples: desenha-se um círculo num
plano euclideano, e a região no interior deste círculo passa a ser o plano de Lobachevsky. As
retas neste “plano hiperbólico” são cordas do círculo, excluindo as suas extremidades.
76
FIGURA 31 - PLANO HIPERBÓLICO
Por P podemos traçar as retas PC e PB paralelas à reta AB. As infinitas retas que passam
por P e situadas no interior do ângulo APC são as retas não secantes. Para complementar o
modelo, é necessário que as retas tenham uma extensão infinita dentro de uma área finita.
Pode-se superar a dificuldade introduzindo uma unidade de medida variável, isto é, seu
tamanho diminui na proporção que se aproxima da fronteira do plano (circunferência do círculo).
Neste caso a extensão de uma reta, que no caso do modelo corresponde a uma corda, torna-se
infinita, pois se insistirmos em medi-la não conseguiremos atingir a “extremidade” da corda, pois
a nossa unidade de medida vai encolhendo numa razão tanto maior quanto mais próximos
estivermos da fronteira.
Quem criou um outro modelo para representar por uma superfície plana elementos da
Geometria Hiperbólica foi o matemático Henri Poincaré. O modelo dele difere do modelo de
Klein no que diz respeito às retas, pois aqui elas são arcos de círculos perpendiculares ao
círculo que representa o plano hiperbólico.
FIGURA 32 - MODELO DE POINCARÉ PARA
O PANO HIPERBÓLICO
Entre os pontos A e B passa uma reta e só uma única reta, que tem o formato de
círculo e cujas as bordas são perpendiculares ao chamado disco de Poincaré, nos pontos S
e T. Na prática estes pontos realmente não existem, já que esta reta que passa por A e B é
77
infinita para ambos os lados. Somente as retas que passam pelo centro do disco de
Poincaré serão representadas da forma que costumeiramente vemos:
FIGURA 33 - RETAS COM PROPRIEDADES
ESPECIAIS NO PLANO
HIPERBÓLICO
Ainda sob as idéias da Geometria Hiperbólica, há outros teoremas que para aqueles
que estão acostumados com a Geometria Euclideana pode causar uma certo
estranhamento inicial , tais como:
- em qualquer triângulo a soma dos ângulos internos é menor do que 180
0
;
- é impossível a construção de um quadrilátero que apresente os quatro ângulos
internos retos;
- dois polígonos são equivalentes quando podem ser divididos no mesmo número
finito de pares de triângulos congruentes;
- há três tipos de círculos: a curva limitante, a curva eqüidistante e o círculo
propriamente dito podem ser obtidos com a utilização da Geometria Hiperbólica e
que só se apresenta de uma maneira na Geometria Euclideana.;
Convém frisar que a divulgação da Geometria Hiperbólica foi a porta de entrada para
que novas teorias surgissem, como por exemplo, a Geometria Elíptica ou de Riemann, que
em 1851 apontou novas possibilidades para a geometria.
Segundo Paiva (1999, p. 74), as superfícies fechadas são modelos naturais para as
geometrias de Riemann, onde não há o infinito. Nas geometrias de Lobachevsky, chamadas
hiperbólicas, o infinito invade o real e a busca de modelos naturais se torna muito mais
elaborada e abstrata. O plano hiperbólico em si é uma abstração, e a linha reta é um
conceito abstrato que se assemelha à reta euclideana, exceto pelas propriedades de para-
lelismo. Logo, os modelos matemáticos que citamos acima são necessários para possibilitar
a visão de uma superfície não euclideana.
78
Dos modelos apresentados, destacaremos aqui o de Poincaré, pois ele transformou o
todo de uma superfície infinita para um disco finito, onde o infinito é resgatado de sua impossi-
bilidade para habitar a borda do disco, o círculo propriamente dito, Como já dissemos
anteriormente, Escher se inspirou na Geometria Hiperbólica, mas precisamente no modelo de
Poincaré para representar o infinito em suas obras da série de Limite Circular em 1958.
O conhecimento deste modelo trouxe para o gravurista novas maneiras de se
representar aproximações ao infinito de uma forma que nenhum artista tinha se proposto a
fazer anteriormente, graças ao seu contato com o professor Coxeter. Ele tinha por si só
buscado uma forma de se fazer redução de figuras de dentro para fora, e só alcançou isso
graças ao conhecimento da Geometria Hiperbólica. Curiosamente, somente seis anos mais
tarde, em 1964, é que Escher se propôs a fazer um desenho com forma quadrada com a
mesma filosofia aplicada às obras de Limite Circular. No entanto ao mostrar este desenho a
Coxeter ele não se mostrou muito animado, já que o desenho segundo ele, citado por Ernst,
era muito bonito mas bastante banal e euclideano, diferentemente dos limites circulares.
5.2 Relações Com o Contexto Educacional
As possibilidades para se trabalhar com as figuras apresentadas neste capítulo trans-
cendem às aplicações evidentes que podemos extrair pensando simplesmente naquilo que os
currículos da matemática escolar tratam em termos de Geometria, que é notadamente de
supremacia euclideana nos currículos de Ensino Fundamental e de Ensino Médio.
Não se exclui evidentemente as grandes vantagens que um professor teria de
comparar as diferentes geometrias hoje estudadas a fim de que os alunos comecem a
enxergar o Universo com olhares distintos do que estão acostumados a fitar, bem como ter
uma visão mais crítica do que passa ao seu redor. Certamente, é uma oportunidade
excepcional de apresentar um tema complexo utilizando figuras de rara beleza, do ponto de
vista artístico, estético e matemático.
Mas como seria a reação dos alunos para aprenderem e apreenderem a idéia do
infinito através dessas figuras? Nossos alunos têm dificuldade de entender as concepções
de infinito potencial e de infinito atual. Vilela cita que Arist´toelas cria a idéia de infinito
potencial como algo que representa somente a possibilidade, a potência, de aumentar ou
diminuir indefinidamente, mas seria impossível considerar o infinito como um todo dado, ou
o infinito atual. Não se pode considerar a infinito como número, mas apenas como
qualidade. Um infinito potencial é uma coleção que cresce em direção ao infinito como seu
limite, mas nunca alcança o seu intento. Uma distância finita pode ser dividida em muitas
79
partes, e estas poderão ser subdivididas e nunca chegaremos realmente a uma parte
infinitésima ou a um número de partes realmente finito. Já por sua vez o infinito real é uma
coleção em que o número de elementos é realmente infinito. É do infinito atuaç que se trata
quando se fala da infinitude do universo, que pode entender-se como infinito no tempo (sem
princípio nem fim), no espaço (sem limites), ou ambas as coisas. Essa não de infinito
confunde-se facilmente com o infinito potencial, com o indeterminado, ou com aquilo que
está em estado evolutivo, com possibilidades ainda não precisamente explicitadas.
As figuras de Limite Circular de Escher têm o seu valor para mostrar a idéia de infinito
potencial, saindo do lugar comum de se trabalhar com o paradoxo de Zenon, com a estória
de Aquiles e a tartaruga, ou ainda aquela tentativa de induzir ao aluno a dividir a reta
numérica num número sem par de divisões para se passar esta noção de infinito potencial.
As gravuras de limite quadrado também podem ser usadas com esta finalidade. A vantagem
de se trabalhar com as de limite circular é que se pode utilizar também a questão do disco
de Poincaré para apresentar o conceito de infinito real, já que é assim que esta represen-
tação da Geometria Hiperbólica trata esta superfície. Estas possibilidades podem também
enriquecer em muito o trabalho com estes temas.
Ainda pode-se vislumbrar outras aplicações de importantes conteúdos da matemática dita
curricular. Quando nos deparamos com as figuras de limites quadrados, cada uma das figuras
tem exatamente a metade do tamanho da anterior, de tal forma que os desenhos estão em
progressão geométrica, formando uma P.G. infinita, podendo trabalhar com a idéia inclusive de
soma de termos de uma P.G. infinita de uma forma que consiga aliar a Álgebra com a Geome-
tria de uma maneira mais atraente do que a convencional. No caso das figuras com limites
circulares não podemos fazer o mesmo uso, já que elas diminuem de tamanho do centro para
as extremidades não de uma forma proporcional, apresentando uma certa razão de decréscimo.
Estudo de limites, razões, proporções, seqüências são outros assuntos que com um
pouco de coragem e uma dose de criatividade poderiam ser explorados facilmente a partir de
gravuras de Escher, só tomando como base aquilo que foi mostrado ao longo deste capítulo.
São possibilidades para que o professor reinvente a sua aula, que ouse em sair do lugar
comum e que ofereça ao aluno outras possibilidades de se apaixonar pela matemática e pela
arte.
Rumando para outras áreas de conhecimento, as obras de Escher que versam sobre
este tema podem ser um material alternativo para discutir dentro da Física qual seria a
forma geométrica do Universo, discutindo a curvatura do espaço em que vivemos. Esta é
uma discussão que envolve tópicos de Física Moderna, assunto que está cada vez mais
presente nos currículos da Física trabalhada no Ensino Médio.
80
Segundo Coutinho, ao usarmos o modelo que considera o nosso Universo é elíptico,
como pretende a teoria de Einstein, vivemos num mundo hiperesférico do espaço
quadridimensional e, por conseqüência, a soma dos ângulos de qualquer triângulo é maior
do que 180
o
, e essa diferença é tão maior quanto maior for a área do triângulo. A curvatura
positiva do nosso espaço, não sentida por nós, seria facilmente perceptível por um
observador da quarta dimensão. Entende-se isto fazendo a analogia com os seres
bidimensionais que habitassem uma superfície esférica. Esses seres hipotéticos não se
aperceberiam da curvatura do seu mundo, enquanto que nós, seres de três dimensões,
sentimo-la facilmente. Da mesma forma seres imaginários da quarta dimensão, observando
nosso cosmo, veriam uma curvatura no sentido perpendicular às três dimensões que
conhecemos.
Ainda de acordo com Coutinho, se utilizarmos o mdelo no qual se considera o
Universo hiperbólico, a curvatura é também constante, mas negativa. E, nesse caso, a hiper
pseudo-esfera mergulhada no espaço de quatro dimensões seria a superfície indicada pra
modelar o nosso Universo. E para observarmos esta curvatura, novamente teríamos que ir
para um espaço quadridimensional e de lá medirmos essa curvatura.
Na verdade, para fins práticos, nada muda em nossa vida saber se o Universo é ou
não euclideano. Henri Poincaré dizia que nenhuma geometria é mais correta do que a outra,
sim somente mais conveniente ou menos conveniente, de acordo com aquilo que se deseja
defender ou demonstrar. Porém trazer discussões como essas para a sala de aula desperta
nos alunos um interesse maior pela Física, já que a exposição nos meios midiáticos da
Física Moderna tem se feito de uma forma mais contínua e agressiva do que a Física
Clássica, como se ela fosse mais imponente, filosófica ou intelectualizada, quando na
verdade uma delas complementa o entendimento da outra.
O trabalho pedagógico na sala de aula do Ensino Fundamental ou Médio contempla a
possibilidade de desenvolver novas atitudes em relação ao professor e ao aluno no tratamento
dos conteúdos escolares. Consideramos o trabalho investigativo como parte integrante das
aulas de Matemática ou de Física, um encaminhamento metodológico importante.
Este trabalho, usando diferentes recursos, como trazer a análise de obras de Arte, exige
também dos professores que as atividades escolares sejam organizadas, pois necessitam de
certo gerenciamento das aulas como todas as outras atividades. Para incorporar essa tendência
em seu cotidiano, é possível que o professor repense e avale a sua concepção do ensino de
Matemática, revendo seu referencial teórico e aprofundando seus conhecimentos, incorporando
algumas mudanças em seu trabalho pedagógico diário, tentando a aproximação entre teoria e
prática.
81
Frente às novas tecnologias, o professor necessita incorporar na sua prática pedagógica o
uso de novas ferramentas. E os recursos de que dispomos hoje são fontes excelentes como
apoio pedagógico para o processo ensino/aprendizagem. Não que ele, o recurso tecnológico,
por si só garanta a efetividade do processo, mas como destacada ferramenta de apoio.
82
6 A ARTE DA LOUCURA: ESTUDO DOS MUNDOS IMPOSSÍVEIS
DE ESCHER
FIGURA 34 - RELATIVIDADE – LITOGRAFIA – 1953
Três planos de gravitação agem aqui verticalmente uns sobre os outros. Três
superfícies terrestres, vivendo em cada uma delas seres humanos, intersectam
em ângulo reto. Dois habitantes de mundos diferentes não podem andar,
sentar-se ou ficar em pé no mesmo solo, pois a sua concepção de horizontal e
vertical não se conjuga. Eles podem, contudo, usar a mesma escada. Na
escada mais alta das aqui representadas, movem-se, lado a lado, duas
pessoas na mesma direção. Todavia, uma desce e outra sobe. É claramente
impossível um contato entre ambas, pois vivem em mundos diferentes e não
sabem, portanto, da existência uma da outra. (ESCHER)
83
FIGURA 35 - BELVEDERE. LITOGRAFIA – 1958
Em primeiro plano, em baixo, à esquerda, está uma folha de papel, sobre a
qual foram desenhadas as linhas de um dado. Dois círculos indicam os
pontos onde as linhas se cruzam. Que linha está à frente, que linha está
atrás? Atrás e à frente, ao mesmo tempo, não é possível num mundo
tridimensional e não pode por isso ser representado. Mas pode ser
desenhado um objeto que, visto de cima, representa uma realidade
diferente da de quando visto de baixo. O rapaz, que está sentado no banco,
tem nas mãos uma tal absurdidade, em forma de cubo. Ele observa
pensativamente o objeto impossível e não parece ter consciência de que o
belvedere, atrás das costas dele, é construído de forma impossível. No piso
inferior, no interior da casa, está encostada uma escada pela qual sobem
duas pessoas. Mas chegadas a um piso acima, estão de novo ao ar livre e
têm de voltar a entrar no edifício. É então estranho que ninguém desta
comunidade se preocupe com o destino do preso no subterrâneo que,
queixoso, pões de fora a cabeça, através das grades? (ESCHER)
6.1 Embasamento histórico e conceitual
Quando se estuda a produção de Escher é inegável observar que há uma mudança de
estilo, no qual ele deixa de produzir paisagens para viver uma fase mais abstrata nas suas
gravuras. Ao se falar aqui em paisagem estamos nos referindo ao sentido mais simples a
este termo, isto é, a uma atitude de observação: são elementos físicos, montanhas, rios,
bosques, vales, prados, rebanhos, habitações, campos plantados, cercas divisórias,
caminhos, tudo perfeitamente mensurável e mesmo quantificável. Nesta nova fase, onde a
abstração e a criação de mundos impossíveis são exploradas usando como pano de fundo a
Matemática, a utilização de falsas perspectivas e de vários pontos de fuga são uma
constante. Há críticos da arte que afirmam não ser Escher o pioneiro nessa forma de
representação, como cita Gombrich (1995, p. 258), já que Hogarth em 1754 na obra “Perspec-
84
tiva Falsa” e Piranesi em 1750 na obra “Carceri”, no qual o observador, ao tentar resolver o
problema das coisas com a visão fica frente a frente com os paradoxos da composição.
FIGURA 36 - PERSPECTIVA FALSA, DE HOGARTH -
1754 – GRAVURA
FIGURA 37 - PRISÕES IMAGINÁRIAS, DE PIRANESI –
1750 – ÁGUA FORTE
Giovanni Battista Piranesi foi um dos precursores da Revolução Romântica da Arte, e
assombrou o mundo no meio do século XVIII com a figura acima que, até aquele momento,
nenhum outro artista tinha ousado fazer. Seus desenhos, talvez não de forma intencional,
quebraram as leis da perspectiva por serem impossíveis. Ele era arquiteto também, mas
ficou mais conhecido pela sua série de notáveis gravuras conhecidas por “Prisões
Imaginárias”. Elas foram publicadas inicialmente em 1745 e foram revisadas, desenhadas de
uma forma mais extraordinária, e reapresentadas em 1760. Evidentemente, a apresentação de
suas gravuras foram os primeiros e um dos mais significantes presságios da chegada do
Movimento Romântico que estava por vir e varrer todo o mundo das artes. Pode-se notar
85
nas gravuras de Piranesi a inclusão de alguns pontos de vista que aparentam minar
fortemente as idéias de perspectiva clássica utilizada pelos artistas renascentistas.
Além de mostrar toda uma carga de dramaticidade necessária numa obra romântica,
Piranesi começa a transcender a habitual representação tridimensional. A preocupação
maciça da arquitetura da sua gravura com suas sombras ameaçadoras quase obscura o fato
que há alguma coisa estranha com a arquitetura desta prisão.
Se olharmos atentamente veremos que a parede do fundo com as três torres góticas
parte logicamente da esquerda. Entretanto, o a arco central parece se mover para um
primeiro plano na sua seção mais baixa, tornando-se parte de uma série de três arcos
arredondados no centro do primeiro plano. A escadaria aparece correndo inicialmente
paralela a esta parede maciça mas depois ela se move imperceptivelmente atrás dela .
Consciente ou inconscientemente, ele realmente criou com a sua figura planos múltiplos de
uma forma na qual é verdadeiramente confuso para o observador.
Marielle H. Van Dijk, no artigo “Como o Gerenciamento da Inovação Mata a Criati-
vidade”, nos coloca que uma característica do mundo competitivo é a busca de soluções
rápidas, eficientes e que buscam um novo método, idéia e pesquisa que vão solucionar um
problema imediato no mercado. E que isto pode ser chamado de criatividade, na medida
que houver investimento em tempo, paixão, seguida de um forte desejo de aprender ou
conhecer algo novo. Ainda no mesmo artigo, ela nos relata que a criatividade apresenta seis
características básicas: nível intelectual, conhecimento, maneira de pensar, personalidade,
motivação e ambiente. A partir disso as pessoas podem ser divididos em três grupos, que
ela chama de 3Ps: pioneiros, passageiros e piratas.
Pioneiros são os artistas e inventores. Eles se distinguem por apresentarem um fluxo
contínuo de curiosidade, o rumo deles é a investigação, a aventura é a pesquisa, o motor a
paixão como fazem isso. A autora do artigo coloca Piranesi como pioneiro, já que foi o
primeiro que pintou usando perspectivas não muito usuais para a época que ele viveu.
Já os passageiros são aqueles que usam as idéias ou conceitos dos pioneiros e
conseguem aprimorar as suas idéias nas suas produções. Escher, para ela é considerado
um passageiro, já que através de Piranesi aprendeu a fazer desenhos fantasiosos jogando
com a perspectiva.
O terceiro grupo de pessoas seriam os piratas. Em contraste com os pioneiros e os
passageiros, estas pessoas roubam as idéias e conceitos dos outros, sem dar-lhes os
devidos créditos, só buscando a exploração e o lucro. Segundo ainda a autora a paixão e a
ganância que cada um destes grupos apresenta distingue-os e caracteriza-os muito bem, de
acordo com o gráfico a seguir:
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Pioneiros
Passageiros
Piratas
Paixão
Lucro
FIGURA 38 - GRÁFICOS DOS PIONEIROS, PASSAGEIROS E PIRATAS
Podemos então colocar Escher como alguém que está exatamente no ponto de
intersecção destas 2 curvas (paixão e lucro), já que seu interesse em fazer as gravuras era
duplo: divertir-se deixando as pessoas inquietas com as suas abstrações, bem como obter
vantagens financeiras com a venda do seu trabalho.
Ao se analisar muitos de seus trabalhos, podemos notar que Escher se ocupou por muitos
anos com problemas bem peculiares de perspectivas que iludem ao espectador. Num primeiro
estágio ele usou as leis clássicas da perspectiva de um modo original. Ele chegou a trabalhar
com vários pontos de fuga numa mesma figura, mostrando que zênite, nadir e ponto de
distância são conceitos relativos. Além disso, ele também usou perspectivas com linhas curvas
as quais ele desenvolveu sozinho, uma fantástica e interessante descoberta.
Na litografia Relatividade, da qual há indícios que ele tenha se inspirado nos trabalhos
de Piranesi para executá-la tem como característica básica a coexistência de mundos
impossíveis. Na verdade, são três mundos completamente diferentes construídos numa
unidade inalterável. Isto foi possível devido a utilização de três pontos de fuga, os quais
estão além do plano da imagem e que formam um triângulo eqüilátero com lados de 2
metros de comprimento, cada um deles com três significações diferentes, podendo ser
nadir, zênite ou ponto de distância. Olhando atentamente a gravura podemos dividir as 16
pessoas que ali estão em três grupos, nos quais cada grupo vive num mundo peculiar , em
que o desenho os objetos e as coisas têm nomes diferentes e funções diferentes. O que
pode representar uma porta para o habitante de um mundo pode ser a janela para outro
habitante de outro mundo e, assim sucessivamente. Nesta imagem portanto coexistem três
campos gravitacionais diferentes, que são perpendiculares uns aos outros. Isto quer dizer
que para cada um dos três habitantes, que por sua vez experimenta o efeito de apenas um
dos campos gravitacionais, uma das três superfícies existentes lhes serve de chão.
Evidentemente, a utilização desta figura em sala de aula pode trazer ao professor as
mais interessantes alternativas de atividades, dependendo da criatividade. Primeiramente, i
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confundir e aguçar a visão do aluno em três dimensões. Para aqueles que têm dificuldade de
se posicionar espacialmente e de enxergar a tridimensionalidade, a gravura será impactante
Mas a partir do momento que o professor começar a explicar o que é ponto de fuga e procurar
mostrar a forma com que Escher utilizou nesta figura três pontos de fuga que fogem dos
limites da figura, isso provavelmente fará com que muitos alunos tentem por si só fazer
desenhos que procurem se aproximar das gravuras deste artista. Em seguida, esta obra pode
auxiliar o aluno na Geometria Analítica, par a localização de pontos, retas e outros elementos
geométricos num plano cartesiano, bem como ser uma porta de entrada para que o aluno
compreenda melhor conceitos da Geometria Espacial e da Geometria de Posição. É claro que
são algumas contribuições que esta figura especificamente pode trazer para um professor que
lecione Matemática, Desenho Geométrico ou áreas de conhecimento correlatas.
Seria interessante recordar que pelo fato do irmão de Escher ser geólogo e ter escrito um
manual de Mineralogia e Cristalografia, este gravurista acabou produzindo várias obras que
envolvem sólidos geométricos, formando várias composições diferentes, através dos poliedros
de Platão (poliedros convexos que possuem todas as faces sendo polígonos regulares
congruentes entre si e cujos ângulos poliédricos são regulares e congruentes entre si). Eviden-
temente quaisquer gravuras que envolvam este têm aplicação rápida e eficiente.
Além disso, as figuras geométricas de Escher são bem eficazes para mostrar para os
alunos que a repetição de uma mesma forma simula os fractais, assunto que muitos já
conhecem por causa da exposição da mídia ou pelos computadores. A geometria fractal é o
ramo da matemática que estuda as propriedades e comportamento dos fractais. Descreve
muitas situações que não podem ser explicadas facilmente pela geometria clássica, e foram
aplicadas em ciência, tecnologia e arte gerada por computador. As raízes conceituais dos
fractais remontam a tentativas de medir o tamanho de objetos para os quais as definições
tradicionais baseadas na geometria euclidiana falham.
Um fractal (anteriormente conhecido como curva monstro) é um objeto geométrico que
pode ser dividido em partes, cada uma das quais semelhante ao objeto original. Diz-se que
os fractais têm infinitos detalhes, são geralmente auto-similares e independem de escala.
Em muitos casos um fractal pode ser gerado por um padrão repetido, tipicamente um
processo recorrente ou iterativo. Uma das características das obras de Escher é a repetição
de padrões e é claro que isso pode ser fortemente explorado.
Voltando à temática da construção dos mundos impossíveis, vamos fazer agora
algumas considerações sobre a segunda gravura apresentada no início deste capítulo. De
acordo com o livro “Incredible Optical Illusions”, as figuras impossíveis podem nem sempre
confundir nossos olhos, mas elas certamente confundirão a nossa mente. Mesmo que não
conheçamos todas as leis da geometria, compreendemos enquanto olhamos para eles que
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eles basicamente não podem existir na prática. Uma das primeiras e mais conhecidas
figuras impossíveis foi descoberta pelo artista sueco Oscar Reutersvard, em 1934: é o tribar.
FIGURA 39 - DESENHO DE UM TRIBAR
Fitando-o pela primeira vez, nossos olhos aceitam como uma figura triangular
tridimensional representada num plano bidimensional. Mas, a nossa mente, um instante
mais tarde, rejeita a figura porque seria logicamente impossível. Isso vem do fato de
enxergamos como ângulos internos do triângulo três ângulos de 90
o
, isto é , todos os lados
são perpendiculares entre si, fazendo com que a soma dos ângulos internos deste triângulo
seja equivalente a 270
o
, quando na verdade esta soma não deveria passar de 180
o
. Por
mais que tentemos quebrar o tribar e redesenhá-lo para que ele se torne possível de existir
na prática, não há como conseguir este intento.
Em 1958 dois professores de psicologia L.S. Penrose e Roger Penrose (pai e filho)
publicaram o primeiro artigo científico para explicar objetos impossíveis, mas não tomando
como base a figura do sueco, mas sim a partir de algumas obras de Escher , que eles já
tinham um contato inicial. Eles afirmaram no artigo que cada parte de uma figura impossível
é aceita como a representação de um objeto normalmente situado no espaço tridimensional,
e ainda possuindo falsas conexões com as partes, a aceitação de toda a figura nesta base
dá o efeito ilusório de uma figura impossível. Eles ilustraram o que acabaram de afirmar
construindo um conjunto de três triângulos entrelaçados, semelhante ao tribar mostrado na
figura anterior, bem como uma escada, hoje conhecida nos estudos de Arte e Psicologia
como escada de Penrose:
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FIGURA 40 - ESCADA DE PENROSE
É esta escada que está presente na gravura “Escada acima e escada abaixo”, a qual me
referi no primeiro capítulo dessa dissertação, e que muito me despertou o interesse para
conhecer mais deste artista, na qual a construção da escada onde os soldados circulam é
impossível de se construir na prática. A escada de Penrose se apresenta descendo e subindo
continuamente. Cada secção desta estranha escada parece uma figura razoável de um lance de
escadas, mas as conexões entre as quatro secções exatamente não fazem sentido. Os degraus
parecem descer sempre no sentido horário, algo que é naturalmente impossível.
Na segunda gravura inserida no início deste capítulo, a arquitetura da torre é
impossível. Se tentarmos fazer uma maquete da construção ali representada ela desafiará
todas as leis da Física e não ficará de pé. Nela todas as representações da realidade
tridimensional são tidas como a projeção desta realidade sobre um plano. Por outro lado,
nem todas as representações têm de ser uma projeção da realidade tridimensional. A senha
para se entender a construção está no cubo que o menino tem nas mãos à frente da torre: a
questão de se representar o côncavo e o convexo de forma aleatória para propositadamente
possa confundir aquele que está olhando para a torre.
Na outra gravura conhecida como “Belvedere”, à primeira vista ela aparenta
representar uma misteriosa e antiga torre na qual pessoas silenciosas, romanticamente
vestidas com roupas medievais, deixam o olhar correr para admirar um mágica paisagem. A
paisagem foi desenhada de acordo com as leis tradicionais da perspectiva e isto ajuda
enganar os olhos, e a princípio tomamos a figura como um todo sendo verdadeira. Mas a
mente humana poderá avisar que há algo ilógico na figura. A colunata que circula o primeiro
e principal piso , com as suas nobres colunas que suportam um teto arqueado no estilo
90
peculiar que Escher gosta de representar, falha em fazer uma lógica conexão entre o andar
superior e o andar inferior.
Pode-se ver isto mais claramente ao perceber que a escada que é colocada para alcançar
o andar superior, onde os arcos subitamente movem do primeiro plano para o plano de fundo.
Isto não faz sentido e não há maneira de se interpretar este fato. A razão é que, bem no centro
da figura, Escher criou uma impossível mas maravilhosamente discreto cubóide (objeto
retangular). Ele provoca e seduz o olhar a pensar conhecer exatamente o que tudo está
perfeitamente encaixado, enquanto ele nos deixa absolutamente perplexo. Para se entender
como Escher concebeu esta gravura temos que examinar as estruturas subjacentes. A chave
para a ilusão está nas pistas deixadas pela enganosa perspectiva. O plano horizontal do
cubóide é longo e estreito. Escher coloca partes do cubo as quais contradizem cada uma das
outras tão diferentes quanto possível e tem o cuidado de ocultar suas contradições. O teto, por
exemplo, está semi-oculto pelos arcos enquanto que o chão é oculto pela balaustrada. Então
Escher pode disfarçar o fato que o andar superior é realmente perpendicular ao andar de baixo.
A mulher no andar de cima está fitando numa direção diferente do homem que está abaixo,
ainda que ambos estejam nas mesmas linhas de colunas. Para que este trabalho tenha um que
de realidade as colunas deveriam ser fortemente curvadas. Por esta minuciosa realidade que
Escher tenta transmitir em algumas partes da sua gravura, ele consegue com habilidade
camuflar o cerne da sua grande contradição.
6.2 Relações Com o Contexto Educacional
Não há como negar que a genialidade de Escher pode e em muito trazer novas
alternativas para o professor de matemática trabalhar em sala de aula. Esta gravura que
acabamos de descrever tem a sua utilidade no sentido de despertar no aluno a curiosidade
em trabalhar com a tridimensionalidade e explorar em outras figuras de Escher as
características que um desenho tem que apresentar para que ela seja considerada ou não
uma figura impossível. Seria uma discussão riquíssima, já que os próprios alunos poderiam
trazer outras imagens que apresentam características semelhantes, já que hoje é bastante
comum as chamadas “correntes de e-mails” que divertem e instigam os internautas com
figuras inusitadas. Sempre é bom recordarmos que a linguagem visual é uma habilidade que
é facilmente verificada em nível avançado nas crianças e adolescentes principalmente.
Para a área de conhecimento de Física, as figuras impossíveis são um material farto
para que seja trabalhado a óptica da visão no que concerne as ilusões de óptica. Por ilusão
de óptica vamos aqui definir como sendo todas as ilusões que enganam o sistema visual
91
humano, fazendo-nos ver qualquer coisa que não está presente na figura ou ainda de modo
equivocado, podendo ocorrer naturalmente ou por alguma deficiência do nosso sistema
visual. Quando se trabalha este conteúdo explicando o funcionamento do olho normal ou
emétrope (sem defeitos de vio de quaisquer espécies, seja de ordem refrativo ou congênita) ,
é comum se relacionar depois as ametropias, e os motivos pelas quais elas acontecem. E
neste aspecto, faz-se necessário distinguir os problemas de visão de outros que são
conseqüências de análises erradas que a nossa mente faz em conjunto com o sentido da
visão. Ainda na área de Óptica, além das figuras impossíveis, poderíamos aqui ainda relacionar
outras tantas que trabalham com a reflexão da luz em superfícies planas e esféricas que
seriam de extrema aplicabilidade pra se explicar o comportamento da luz nos espelhos
planos e nos espelhos esféricos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS OU A ARTE DA SÍNTESE
A Matemática é quase tão antiga quanto a espécie humana. Bem antes da invenção
dosmeros, os homens tiveram que desenvolver métodos para resolver problemas cotidianos,
como se localizar no tempo e no espaço e para tentar descrever e explicar o mundo físico.
Estes métodos se desenvolveram paralelamente à evolução das linguagens, das ferramentas,
das ciências, e por que não dizer a arte.
Entre os matemáticos que estudam a Etnomatemática há aqueles que afirmam que o
conhecimento é criado e organizado intelectualmente pelo indivíduo em resposta a um
ambiente natural, cultural e social; depois de ter sido difundido pela comunicação, ele é
organizado socialmente, tornando-se assim parte integrante de uma comunidade ou cultura,
para se explicar fatos e fenômenos. Muitas pessoas como sábios, observadores, “guardiões
do poder” e os professores são responsáveis em analisar este conhecimento, depurá-lo e
passá-lo adiante. E isto vale para todas as formas estruturadas de conhecimento, desde a
religião, passando pela culinária, pela arte e pela matemática.
Ao se reconhecer uma ou mais práticas matemáticas, aceitamos que existem diversas
respostas a ambientes diferentes, isto é, há mais de uma maneira de se compreender a
realidade. E dentro da visão da etnomatemática, os estudantes devem er expostos à
etnomatemática praticada pelos seus futuros pares, a fim de que possam estar cada vez
mais preparados para exercer suas atividades profissionais, além de trazer uma diminuição
da agressividade, da arrogância, da intolerância, da segregação e da injustiça. Como a
matemática pertence a todas as classes e contextos culturais, ela é marca da civilização
humana em sua pluralidade. Dentro de uma visão mais ampla da prática pedagógica,
instigar ao educando ter essa visão da matemática, permeado com o olhar atento aos vários
pontos de tangência que a matemática tem com outras ciências, áreas do saber e
notadamente com a arte traz para todos nós novas possibilidades de trabalho com os
nossos alunos.
O estudo da obra de Escher nos permitiu compreender as diferentes possibilidade e
familiaridades entre saberes produzidos nas práticas desse artista e nas práticas da matemática
escolar. Do ponto de vista da filosofia da linguagem, baseando-se em Wittgenstein e tantos
outros que discutiram este assunto, como a organização social humana é baseada quase
inteiramente sobre o uso de significados, logo o uso das obras de Escher poderá fazer um
maior ou menor sentido de acordo com os objetivos e com a visão que cada educador tem
da matemática, seja ela escolarmente estabelecida ou não, tendo em vista que do ponto de
vista da Etnomatmática, são produzidas nos meios sociais várias matemáticas distintas.
93
Tomando como referência as idéias de Wittgenstein, a apropriação feita pelos meios
escolares da obra de Escher reflete que, qualquer explicação de uma estrutura social como
uma instituição, precisaria explicar os significados partilhados que criam e sustentam a
estrutura, e isso faz com que o estudo deste artista dentro de uma perspectiva matemática
possa ter um forte significado para o educador no seu trabalho docente.
Quem corrobora com este pensamento é Vilela (2006, p. 4), ao explicar que para
Wittgenstein os jogos de linguagem, estão relacionados, a formas de vida, e não convergem
para uma essência. Assim, jogos distintos geram significados também distintos, o que leva a
pesquisadora a discutir as tensões entre o que é chamado de matemática escolar e aquilo
que é conhecido como matemática da rua, indicando que as mesmas possuem pontos de
tangências ou semelhanças, mas, são de natureza diferentes – natureza essa definida aos
usos (não no sentido pragmático do termo) a que estão vinculados.
Ainda sob esta mesma perspectiva, Villela (2006) busca compreender esse movimento
dos saberes em práticas escolares e não escolares, partindo do estudo de trabalhos, em
especial no campo da Etnomatemática, que têm adjetivado a matemática como: matemática
escolar e cotidiana, ou matemática escolar e matemática da rua, entre outros. Para essa
busca, essa autora, apóia-se na já mostrada anteriormente na concepção wittgensteiniana
de Jogos de Linguagem. Logo, isto nos leva a concluir que a natureza da matemática não é
una, mas sim que ela apresenta múltiplas faces, isto é, vamos partir do princípio que não
existe uma matemática, mas diferentes matemáticas, produzidas, usadas e significadas nos
contextos de diferentes práticas sociais.
De acordo com Paul Ernst a preocupação com as dimensões sociais externas da
matemática, que inclui também suas aplicações e usos, tem reforçado o desejo de delinear um
quadro multidisicplinar da matemática inspirando em muitas correntes de pensamento nas quais
se incluem a etnomatemática, o social construtivismo e a retórica da ciência, o pós-
estruturalismo, o pós-modernismo, a semiótica, a psicologia social construcionista, a filosofia
geral entre outras correntes. Logo, as pesquisas mais modernas sobre a educação matemática
precisam passar pelo crivo das dimensões sociais e externas da matemática, passando pela
sua história, aplicações, usos e um forte desejo de ver uma consideração multidisciplinar da
matemática que acomode a etnomatemática, os estudos em educação matemática e as críticas
multiculturais, impelidos pelo senso da responsabilidade social da matemática.
Seguindo esta linha de raciocínio, nossas análises vão adentrando no campo da
Etnomatemática a qual será aqui compreendida como uma idéia vinculada em analisar os
conceitos, os sentidos e os significados de saberes matemáticos que emergem de diferentes
práticas, como aquelas que motivaram Escher a elaborar os seus desenhos em certo
período de sua carreira, bem como todos os artistas que fizeram da Matemática o pano de
94
fundo de suas obras. E neste sentido podemos aqui propor se não mudanças de currículo,
pelo menos estratégias de ações diferenciadas para os professores tornarem a matemática
escolar mais atraente e plena de significados para os estudantes.
No que diz respeito ao currículo, artigos de Monteiro e Mendes (2005) indicam as
proximidades e possibilidades de discussões sobre o currículo de matemática a partir da
convergência de estudos nos campos da matemática escolarizada e da prática social. Para
elas, muitas das questões apresentadas enfocam a ação pedagógica, ou seja, buscam
responder às perguntas: quais são as implicações das reflexões desenvolvidas por esse
campo de pesquisa para a prática escolar e o currículo de matemática? Qual modelo de
escola essa perspectiva pressupõe? Segundo as autoras, tais questões têm gerado, na
Etnomatemática, um debate recente, que envolve discussões sobre diferença, multicultura-
lidade entre outras, vai ao encontro das discussões apresentadas pelas teorias que discutem o
currículo num escopo mais voltado para o lado social. As autoras complementam a idéia
colocando-nos a necessidade da criação de um espaço que não exija um apagamento do
que o aluno traz de seu cotidiano, suas formas de conhecimentos não validados e não
legitimados pela prática dominante, para que ele “aprenda” a falar dentro do discurso do
conhecimento escolar. Esse apagamento tem se dado de forma que aquilo que o aluno traz
é silenciado e, às vezes, deixado de lado em função do modo como é apresentada a
matemática escolar, como uma forma única e não como uma opção de ação sobre a
realidade diante de outras possibilidades que fazem parte das diversas experiências dos
alunos na sua prática diária.
D´Ambrosio (1996, p. 95) também nos serve de inspiração e nos traz as diretrizes de
como um currículo de vê ser montado: ele deve ser dinâmico, e contextualizado no seu sentido
mais amplo, reconhecendo a heterogeneidade entre os alunos e oferecendo estratégias que
ampliem o intercâmbio de idéias entre alunos e educadores, possibilitando um crescimento
social e intelectual de ambos os lados. Esse autor acrescenta, ainda, que a pesquisa é o elo
entre teoria e prática. Então, é possível caminhar para a prática por meio da pesquisa, desde
que esta seja fundamentada numa teoria que contém metodologias que contemplem a prática.
Isso pode ser estendido pela idéia de como Escher pode ser inserido no contexto
escolar pela matemática. Cada vez mais elementos do mundo científico, sua linguagem e a
visão de mundo que o traduz, estão presentes em um amplo conjunto de manisfestações
sociais. Isto acaba acontecendo porque a matemática e outras ciências igualmente
influenciam outros ramos de conhecimento, bem como rcebe influências destes ramos,
passando por questões que envolvem basicamente a realidade histórica, a afetividade, a
subjetividade e a influência da sociologia e das ciências sociais.
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Diante dessa teia de relações que acabam tornando a nossa prática docente ao
mesmo tempo apaixonante e desafiadora, temos uma primeira pergunta a que não pretendo
responder categoricamente, mas trazer alternativas e uma pequena contribuição par todos
que usufruam desta pesquisa futuramente. De que forma podemos trabalhar com a
matemática escolar como sendo fruto de uma construção humana, inserida num processo
histórico e social identificada em várias manifestações da vida comum de um ser humano
qualquer, em diferentes âmbitos e setores, como nas artes ou em quaisquer atividades que
tenham um sentido ou significado para as nossas vidas? Ou ainda, de que forma podemos
pensar em organização de trabalhos, atividades e encaminhamentos didáticos pedagógicos
que proporcionem aos alunos tanto se aproximar de saberes e valores artísticos como
escolares transcendendo ao saber técnico geralmente abordado tanto nas aulas de
matemática quanto nas de artes?
Para cativar, abrir e despertar o interesse dos nossos alunos e para o público geral em
Matemática, uma das alternativas é fazer esta ligação com a Arte através de propostas de
trabalho com os alunos que transcendam o formalismo da apresentação de conteúdos.
Normalmente, isso é executado nos trabalhos escolares com os livros paradidáticos, que
dão pistas de como podemos usar recursos educacionais os mais distintos possíveis para
trabalharmos com metodologias adequadas para fins educacionais. E neste aspecto temos
traçar algumas considerações.
Por razões não totalmente identificadas, do ponto de vista da arte, nota-se que os
livros paraditicos da área de matemática apresentam sérias limitações tanto no que diz
respeito aos conteúdos abordados, bem como nas atividades propostas que muitas vezes
partem sempre de repetidas situações do cotidiano. Passa-se a idéia de que todos os
alunos vivem num mesmo contexto social e que o conhecimento do aluno se restringe a
algumas atividades práticas que até apresentam conexões com a matemática, mas que não
devem ser tomadas como as únicas que fazem parte da realidade do estudante.
Segundo Silva (2004), o processo da produção dos manuais pedagógicos, e aqui
incluímos os livros didáticos e paradidáticos, é complexo e envolve diversos fatores, tais
como os dispositivos de organização dos conteúdos a serem estudados, constantes dos
currículos e programas da escola normal, as leis mediantes as quais o governo controla a
literatura escolar em geral e o desenvolvimento de iniciativas editoriais. Todos esses
aspectos deverão ser evidentemente observados, a fim de que entendamos as razões pelas
quais muitas vezes não encontramos livros que apresentem este viés de compartilhar
conhecimentos que emergem de áreas que a priori não apresentem uma maior relação.
Dos vários livros que tive contato, apenas um deles tinha como proposta associar a
Arte com a Matemática, algo que o livro faz de forma coerente, no entanto utilizando
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apenas as obras de arte como uma forma do aluno adentrar no campo da geometria, como
o estudo de formas geométricas, áreas, simetrias, mosaicos, não ultrapassando muito esta
fronteira de conhecimento, sem provocar, evocar, instigar e amadurecer nos alunos outras
concepções que a matemática pode vir a ter quando correlacionadas com uma obra de arte.
Certamente é válido, mas no entanto restringe as potencialidades que estão latentes no
estudo de vários artistas no que tange nos paralelos que podem ser estabelecidos com o
estudo da matemática.
Como já foi exposto nos capítulos anteriores, a obra de Escher oferece ao professor
de matemática um material para que o ele transforme a sua sala de aula num ambiente no
qual o aluno amplia seus conhecimentos e seu gosto pela arte e pela matemática, através
da combinação inteligente destes fatores. Por razões pessoais escolhi este artista, mas
porém há outros como Volpi, Mondrian, Salvador Dali, Magritte , Tarsila do Amaral, entre
tantos gênios das artes que podem ser aplicados pelo professor em seu trabalho na sala de
aula.
FIGURA 41 - “UM OUTRO MUNDO II”, 1947, XILOGRAVURA
Tomemos como base essa figura de Escher intitulada “Um Outro Mundo II”, de 1946.
A escolha por esta figura foi aleatória, dentre tantas outras possibilidades que o artista
oferece dentro da sua genialidade. Não se pode esperar apenas que a figura sirva de uma
forma de provocação sobre qual é a maneira certa de se ver este desenho, mas sim discuti-
la sob todos os aspectos matemáticos. Primeiramente e mais primariamente analisar quais
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as são as formas geométricas que ali podem ser observadas. Depois tentar junto com os
alunos passar a idéia de ponto de fuga e verificar quantos ali foram utilizadas para que o
gravurista passasse esta sensação de profundidade, de confusão que quase beira a um
certo mal-estar para o expectador. Para a surpresa de todos, só há um ponto de fuga
utilizado nesta gravura, sendo que na verdade ele apresenta uma função tripla para
confundir cima com baixo, direita com esquerda e frente com trás!
Pode-se aproveitar a mesma figura para abordar outros temas interessantes como falar
sobre a maneira que enxergamos o mundo do ponto de vista da influência euclideana e da
existência de outras geometrias que podem explicar fatos que esta geometria milenar não
consegue desvendar. Ou ainda falar da existência de buracos negros, gravidade e curvatura do
tempo-espaço e inserindo conceitos que estão cada vez mais difundidos em documentários na
televisão e revistas, procurando trazer ao leigo mais noções sobre o espaço e o universo. Uma
outra possibilidade é também falar sobre o Universo e a sua provável infinitude para associar
com a representação assintótica de algumas funções matemáticas bem como a existência de
séries matemáticas infinitas, que muitas vezes podem ser somadas, dando-nos um valor real,
como a soma de uma progressão geométrica infinita.
É evidente que algumas provocações acima colocadas não podem ser aceitas para
alunos de quaisquer séries ou ainda de quaisquer escolas, e talvez a figura acima não seja
a mais apropriada para os temas levantados pelas questões. É fato também que existam
outros conteúdos estudados na matemática escolar bem como na física que poderiam ser
abordados com a utilização desta mesma gravura, mas aqui objetivei apenas mostrar que as
possibilidades são inúmeras. E isso que torna empolgante o estudo das relações entre arte
e matemática tomando como base este artista.
Ao longo do estudo de Maurits Cornelis Escher vivi as mais diversas emoções e
sensações. Uma delas que gostaria de compartilhar agora é o temor de não saber delimitar
e delinear quais aspectos deveriam ser abordados para que este estudo pudesse ter as
informações que realmente pudessem ser de interesse comum para quem quisesse
adentrar mais a fundo no estudo deste artista. Como relatei no início deste texto, antes da
qualificação não consegui me fixar em uma questão orientadora apenas, mas sim em várias,
dado as várias possibilidades que enxergava ao se trabalhar com este artista que
definitivamente vai marcar a minha trajetória de vida.
Tendo em vista a pergunta orientadora que impregnou o meu coração e a minha
mente nos últimos 24 meses, acredito que foi uma tarefa complexa e prazerosa comprovar
as mais distintas possibilidades e temáticas que podem ser exploradas a partir de Escher
tomando como base as mais diversas perspectivas e saberes matemáticos, principalmente
aqueles produzidos dentro das mais diferentes práticas sociais . De forma sutil, Escher me
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conduziu a olhar seus desenhos de todos os ângulos e com os mais diferentes
pensamentos em mente para que busquemos as imagens, mensagens e pensamentos que
permearam a mente do artista quando da execução dos seus desenhos. Apesar de agora no
final da pesquisa, com a biografia dissecada e conscientes que alguns de seus desenhos
foram feitos por pura diversão sem querer trazer nenhum significado extra tanto pelo artista
como também através de suas obras, acabamos treinando a nossa mente para testarmos os
limites da nossa percepção visual.
É inegável que as análises finais nos conduzam a compartilhar as responsabilidades e
tarefas no que concernem a termos a nossa prática escolar modificada com este trabalho.
Não havia em Escher o compromisso de que cada uma de suas obras fossem didaticamente
dispostas para que elas acompanhassem os conteúdos escolares. E nem é a proposta
desta dissertação oferecer ao leitor propostas concretas de atividades extra-curriculares ou
não que podem serem trabalhadas para cada uma das obras. Mas indubitavelmente foi a
minha intenção trazer que, apesar dos nossos sentidos serem equivocados, e sentirmos frio
quando o calor prevalece ou ainda de escutar um ruído que para nós poderia ser um som
desagradável, mas que muitas vezes é um fragmento de uma bela sinfonia, os nossos
sentimentos expressam muito bem o que se passa em cada um de nós. Logo, que essa
combinação do nosso olhar que espelha a alma de cada indivíduo, com a nossa percepção
e o desejo de sermos professores que possam contribuir para termos um mundo melhor,
sem injustiças, desigualdades sociais ou ignorância tenham em Escher um combustível, um
moto perpétuo, um sopro divino propulsor a ponto de nos levar a regiões do conhecimento
que antes nem sabíamos que existia por não oferecermos o tempo de termos a experiência
de passarmos por estas situações, no sentido mais larrossiano da palavra.
Segundo Larrosa a experiência já não é o que nos acontece e o modo como lhe
atribuímos ou não um sentido, mas o modo como o mundo nos mostra sua cara legível, a
série de regularidades a partir das quais podemos conhecer a verdade do que são as coisas
e dominá-las. A partir daí o conhecimento já não é um páthei matos, uma aprendizagem na
prova e pela prova, com toda a incerteza que isso implica, mas um mathema, uma
acumulação progressiva de verdades objetivas que, no entanto, permanecerão externas ao
homem. Ainda Larrosa afirma que a experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça
ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos
que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais
devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar,
demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade,
suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os
99
ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros; cultivar a
arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.
Esta verdadeira experiência que cada um de nós pode ter com o artista certamente
fará com que o enxergamos com olhos, corações e mentes completamente diferentes, que
nos colocará num outro lugar dentro da matemática muito semelhante a tantos outros que
Escher representou nos seus desenhos: a princípio um mundo impossível, mas de rara
beleza que nos prende, assombra, encanta e maravilha e que nos transforma como educadores
e como pessoas!
100
REFERÊNCIAS
AGUILHON, Maurice. O aprendizado da república. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
ANDRÉ, Marli Eliza D. A. de. Etnografia da prática escolar. Campinas (SP): Papirus, 1995.
ARNHEIM Rudolf. Arte e percepção visual. São Paulo: Pioneira, 1994
BORDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: 3. ed. Bertrand Brasil, 2000.
BOYER, Carl B. História da matemática. São Paulo. 2.ed. Edgard Blucher.
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação matemática: Da teoria à prática. 9. ed. Campinas (SP):
Papirus, 1996.
______. Etnomatemática: Arte ou técnica de explicar e conhecer. 5. ed. São Paulo: Ática,
1998.
DURAND, Gilbert. O imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. 3. ed.
Rio de Janeiro: DIFEL, 2004.
ERNST, Bruno. O espelho mágico de M. C. Escher. Colônia (Alemanha): Taschen, 1978.
FLORES, Claudia Regina. Olhar, saber, representar: Ensaios sobre a representação em
perspectiva. UFSC, Florianópolis, 2003, tese de doutorado.
GOMBRICH, Ernest Hans. Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação
pictórica. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
GONÇALES. Tereza Cristina Bertoncini. A imagem indecidível: um viés sobre o papel da
fotografia na arte contemporânea. UNICAMP, Campinas, 2006, tese de doutorado.
JANOTTI, Maria de Lourdes et al. Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
JORGE, Alice. Técnicas da gravura artística. Lisboa (Portugal), Livros Horizonte, 1986.
KLINE, M. O fracasso da matemática moderna. Ibrasa, 1976
LARROSA, J. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Trad. de Alfredo Veiga-
Neto. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006.
MIGUEL, Antonio. A constituição do paradigma do formalismo pedagógico clássico em
educação matemática. Revista Zetetike, n. 3, 1995.
______. Escher, espaços curvos e corvos: sobrepondo jogos de linguagem visual e
verbal. Mesa Redonda: IV Seminário Linguagens na Educação Infantil , UNICAMP - 2005.
101
MONTEIRO Alexandrina; MENDES, Jackeline R. Currículo de Matemática: reflexões sobre a
incorporação de saberes e práticas excluídas do contexto escolar. In: Anais VI Colóquio
sobre questões curriculares, II colóquio Luso Brasileiro sobre questões curriculares.
Currículo: Pensar, Inventar, diferir 16 a 19/08. UERJ. 2004.
MONTEIRO, Alexandrina; JUNIOR, Geraldo Pompeu. A matemática e os temas
transversais. São Paulo: Moderna, 2001.
PAIVA, Heloisa Borges. O infinito na matemática e suas manifestações na arte de M.C.
Escher. CEFET, Rio de Janeiro, 1999, dissertação de mestrado.
SILVA, Vivian Batista; CORREIA, Antonio Carlos da Luz. Saberes em viagem nos
manuais pedagógicos. Cadernos de Pesquisa, v.34, n. 123.
VILELA, Denise. Uma compreensão das matemáticas como práticas sociais. UNICAMP,
2005.
________ Dos gregos à modernidade, o medo do infinito., Scientific American Brasil,
Os grandes erros da Ciência. São Paulo: Duetto, 2007
102
ANEXO
ENTENDENDO O OFÍCIO DE ESCHER - TÉCNICAS DE GRAVURAS
Quando analisadas com acuidade, utilizando até de lentes de aumento, as gravuras de
Escher são perfeitas, sem reparos no que diz respeito à agudeza dos seus olhos e a certeza
de suas mãos. Ao iniciar o seu trabalho, o artista limitou-se por opção, a alguns tipos de
materiais e técnicas. Ainda na escola fez linoleogravuras, não chegou a usar pintura a óleo e
aquarelas por não gostar e nas gravuras só utilizou a cor quando ela era indispensável para
a compreensão, sendo raríssimas as estampas nas quais a cor é fator de ornamentação.
Escher admirava muito o saber técnico, procurando se esmerar em aplicá-lo na sua
totalidade, porém a técnica não era um fim em si mesmo. Afirmava que não sabia desenhar,
buscando os desenhos na sua memória, ou seja, ela precisava sempre de um molde, ou de
uma estrutura concreta para reproduzir o desenho. Para desenhar uma borboleta, por
exemplo, Escher não conseguia fazer o desenho apenas imaginando a borboleta, mas sim
olhando uma figura do inseto num livro, foto ou de um modelo feito de qualquer material.
Estranhamente não havia conexão entre as mãos e o cérebro, mas sim entre as mãos
e os olhos, ficando a sua criatividade limitada a reproduzir figuras que estavam ao alcance
da sua visão. Fazer a observação in loco do que desejava mostrar a sua arte se tornava
então indispensável. Quando ele inseria nas suas gravuras pessoas ou animais era
necessário copiar da natureza; para isso havia basicamente duas possibilidades: olhar
ilustrações em livros ou fazer modelos em barro, plasticina, ou qualquer outro material que
possibilitasse uma eventual reprodução. Interessante é saber que ele mesmo posou na
frente do espelho para algumas de suas obras.
Durante os seus estudos Escher aprendeu várias técnicas de gravura. Não gostava da
calcografia, porque tinha preferência em trabalhar do preto para o branco, como nas
linoleogravuras e xilogravuras. As linoleogravuras foram inicialmente confeccionadas na
Escola Secundária de Arnheim, sob a orientação de Samuel Jesserun de Mesquita. Lá ele
aprendeu a xilogravura usando a técnica no sentido da fibra da madeira, deixando
reconhecer no impresso a textura da madeira. Quando sentiu a necessidade de reproduzir
com pormenores mais finos, foi-se afastando cada vez mais da madeira de fibra e passou a
utilizar a madeira de topo.
A necessidade de poder reproduzir também os seus desenhos levou-o à litografia. A
princípio trabalhava na pedra litográfica como se quisesse fazer um desenho por raspagem.
A partir de 1930, desenhava normalmente na pedra com lápis litográfico, que dava maior
liberdade do que a xilogravura, pois com o lápis passar do preto para o cinza e depois
103
posteriormente para o branco era mais simples. As litografias eram reproduzidas em
tipografias que Escher conhecia, e as pedras que ele trabalhava eram emprestadas, sendo
que da ocasião de sua morte muitas de suas obras se perderam por este fato.
Segundo Jorge (1984) o conceito de gravura original apresenta grandes controvérsias
já que as reproduções, as cópias e as fotografias de revistas e jornais, por exemplo, também
podem ser tecnicamente chamadas de gravuras. Logo, existe a necessidade de se
diferenciar a gravura original de cunho artístico, que é o nosso foco no momento da
reprodução mecânica. A gravura original é aquela concebida e executada pelo próprio
artista ou sob a sua orientação.
A prova considerada final é aprovada para tiragem e assinada a lápis pelo autor,
entregue ao impressor, como prova de apoio ou definitiva, ficando esta fora da série. As
matrizes são destruídas e as tiragens são numeradas com o número de prova e de tiragem,
sendo que alguns exemplares são numerados a parte, pois ficarão de provas do artista, que
são as mais procuradas pelos colecionadores devido à sua raridade.
Todas as gravuras têm dois tipos de informação: uma técnica e outra estética, sendo
que a primeira refere-se ao processo utilizado para obtenção da matriz, e a outra diz
respeito à parte formal e estilo utilizado pelos artistas que a realizam. É sobre o primeiro tipo
de informação que vamos aqui discorrer um pouco mais.
A gravura sobre madeira ou xilogravura foi a mais antiga técnica que permitiu a
multiplicação de suas provas, usada inicialmente na estampagem de tecidos ou para
imprimir gravuras em livros. Na Europa as estampas eram confeccionadas com fins
religiosos, nas ornamentações de vestes e igrejas. Longe da descoberta da imprensa que
acontece com Gutenberg no século XV, a influência da estampagem em madeira fez a sua
aparição no século XIV. As gravuras aparecem nos livros não só como ilustrações, mas
também nas grandes iniciais decorativas, dando sinais de que a gravura em madeira estava
a substituir cada vez mais o manuscrito. Com a difusão da xilogravura, aumentou a
impressão de imagens de santos, calendários e cenas religiosas, que eram o único meio de
comunicação e contemplação de imagens religiosas que o povo podia adquirir, aquecendo o
comércio da época, e para a Igreja Católica a única maneira de evangelizar as pessoas que
não eram alfabetizados.
No Renascimento, com a invenção dos tipos gráficos móveis o gravurista deixa de ser
o artífice medieval e passa a ser o artista moderno. O gosto pela arte, seguido de
investimentos financeiros, provoca uma procura crescente por obras de arte. O artista não é
mais um simples executor, mas um autônomo, no qual a sua assinatura, dentro do mundo
da arte, passa a ter um valor social e econômico que é socialmente estabelecido.
104
Há duas técnicas distintas para se trabalhar com xilogravura: a gravura de fibra e a
gravura de topo, as quais serão explicadas mais detalhadamente na seqüência do texto.
Das duas técnicas, a gravura de topo é a mais recente historicamente falando.
Uma gravura talhada em madeira é uma matriz pronta para a reprodução de várias
provas em preto e branco ou a várias cores impressas sobre uma folha de papel. A gravura
sobre madeira de fibra é a mais antiga e a mais utilizada pelos artistas contemporâneos. No
final deste capítulo podemos encontrar algumas figuras que farão comparações sobre as
mais diferentes técnicas de gravura.
A impressão em relevo é feita como em tipografia, o relevo ou o plano da madeira é
impregnado de tinta e as superfícies rebaixadas ou sulcadas conservam-se brancas. A
madeira de fibra, assim designada pelo fato da prancha onde se grava ser cortada no
sentido longitudinal de tronco da árvore, ou seja, no sentido da altura, deixa ver os veios da
madeira, rígidos e salientes, ou pequenos sulcos de que os artistas tiram efeitos especiais,
dando preferência às madeiras compactas e fáceis de serem trabalhadas, como a pereira, a
cerejeira e o pau marfim. As principais ferramentas utilizadas para a gravura sobre madeira
no sentido da fibra são: o canivete com lâmina triangular em bisel, os formões de lâmina
reta, oblíqua e curva, as goivas em forma de V e em forma de U, maço de madeira e os
grampos. A gravura sobre a madeira requer ferramentas constantemente afiadas, método e
boas condições de trabalho. Mesa em uma altura ideal, luminosidade, fixação dos
elementos que serão utilizados são alguns detalhes que não deverão ser desprezados. A
gravura sobre a madeira é semelhante a um carimbo. A estampa obtida possui o desenho
do relevo que recebe a tinta e a parte clara corresponde às depressões do carimbo que não
tem cor.
Desenhar sobre uma madeira polida, esvaziando os claros do desenho e deixando só
os traços salientes e entintá-los, aplicar com pressão uma folha de papel sobre esta
superfície, ainda com a tinta fresca, é o princípio da estampa gravada em relevo. A
impressão pode ser feita com a prensa ou manualmente com um rolo ou usando um
instrumento de madeira lisa, sem quinas, com o qual vai se pressionando a superfície
entintada com uma ou várias cores, sendo que para cada cor é necessário uma matriz. A
cor tradicionalmente usada pelo gravador é a preta e os papéis são especiais, geralmente
artesanais, utilizados para este fim específico.
Já no processo de gravar sobre a madeira de topo há a utilização de uma ferramenta
chamada buril, responsável em abrir os sulcos, sendo que contrariamente à gravura de fibra,
não é a ferramenta que muda de posição segundo o desenho, mas o desenho que vai de
encontro ao buril com o girar da madeira. Na madeira de topo o gravador tem a liberdade de
gravar à sua vontade, e orientar os traços do buril, desde que respeite os valores que o
105
artista fixou no desenho. Nos dois tipos de xilogravura os brancos serão sempre os traços
abertos com os instrumentos, e para a obtenção do desenho, este deve ser decalcado em
vegetal e invertido na madeira para que na prova final fique no sentido correto. O processo
de gravura de topo teve como principal fim a ilustração de livros e jornais, mais utilizados
como processo de reprodução.
Outra técnica de gravação utilizada é o linóleo como matriz em relevo. Alguns artistas
(como o próprio Escher) usam este material feito de plástico sintetizado para gravar devido à
sua textura fechada e macia. De aparência pobre, ele possibilita bons efeitos gráficos, pois
os cortes podem ser feitos em todas as direções, pois não tem o obstáculo da fibra. Na
execução dos cortes, as ferramentas utilizadas são as goivas com que se trabalham na
madeira e outras especiais, próprias para serem usadas num material mais leve. Para
facilitar o trabalho do corte o linóleo pode ser grudado numa madeira de igual tamanho, a
fim de evitar a destruição do material em cortes mais profundos. Como qualquer gravura em
relevo, o linóleo se imprime da mesma maneira sendo que a tintagem pode variar, podendo-
se obter efeitos de sobreposição de cores.
Já a litografia é um processo de gravura plana, inventado pelo alemão Aloys Senefelder
em 1798, que se baseia na incompatibilidade entre duas substâncias – a gordura e a água. A
pedra é desenhada com os materiais próprios, tinta ou lápis litográfico a base de gordura. Em
seguida ela é acidulada, isto é, coberta com uma solução de goma arábica e ácido nítrico nas
proporções convenientes para cada tipo de trabalho. As propriedades da goma arábica vão
contribuir para que o desenho se fixe. Por sua vez, as zonas não desenhadas ficam aptas a
rejeitarem a gordura da tinta de imprimir devido às qualidades de absorção da pedra que é
sempre umedecida na fase de impressão. Muitas vezes se utilizam placas de zinco ou de cobre
em substituição das pedras. As pedras de xistos calcáreos são as mais recomendadas para a
litografia, devido as suas propriedades de porosidade e dureza.
Não há muitas restrições quanto ao tamanho das pedras, bem como à espessura,
desde que elas tenham uma espessura mínima de 6 cm. Como quebram com facilidade,
devem ser manuseadas com cuidado. A superfície da pedra deve ser granida com abrasivos
próprios, Existem pós apropriados para se fazer a limpeza das pedras como aqueles
originários do ácido de alumínio e da mistura de carbono e silício. Os materiais a serem
utilizados para a impressão aqui são um pouco distintos dos outros já citados nas outras
técnicas de gravuras: pincéis, trinchas, escovas pequenas, lápis litográfico, tinta litográfica
sólida e líquida, terebintina, água destilada, canetas e aparos, lâminas, pontas e bisturis, e
por fim barra de pedra-pomes.
Sobre o lápis litográfico é pertinente citar que ele é feito de cera, sabão, negro de fumo
e goma-laca, sendo que este último determina o grau de dureza. Já a tinta litográfica
106
aparece no mercado com o nome de tushe e se deve dar opção para as tintas sólidas, pois
as líquidas são apenas recomendadas para cobrir zonas lisas ou desenhos sem grande
detalhe ou delicadeza, de tal forma que a preferência do artista é que vai definir quais são
os materiais que deverão ser utilizados pelo gravador.
As transferências de gravuras podem ser feitas tanto para a pedra como para as
chapas. Existem papéis cuja superfície lisa foi previamente preparada a base de
substâncias solúveis na água que servem como transportes de desenhos ou outras
imagens, para serem passadas para as placas ou chapas. Para isso devemos desenhar
com a tinta ou a lápis no papel de transporte. O papel é colocado em cima da pedra, de
modo que a superfície desenhada fique em contato com a pedra ou chapa. Prende-se com
fita gomada num dos lados e aplica-se por cima papel umedecido. Passa-se a prensa várias
vezes fortemente. Depois umedece as costas do papel com uma esponja umedecida com
água morna, secando a pedra em seguida. E depois se prepara a pedra para iniciar a
gravação.
Na impressão em plano, as partes entintadas e não entintadas ficam no mesmo plano,
bem diferente dos processos anteriores. A separação entre as zonas com ou sem desenhos
se dá através de um fenômeno químico, a repulsão entre gordura e água. O desenho é
traçado com tinta gordurosa sobre a pedra porosa que é em seguida molhada com água.
Repelida pela gordura, a água se acumula nas partes sem tinta. Ao aplicar na pedra a tinta
de impressão, as áreas trabalhadas com a tinta litográfica a aceitam
, e as partes com água,
não. O impressor vai alternadamente umedecendo, entintando e fazendo as estampas.
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