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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE
ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS - ENCE
A NOTÍCIA DA ESTATÍSTICA
A DIVULGAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS DO IBGE NA VISÃO DOS JORNALISTAS
SILVIA MAIA FONSECA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM ESTUDOS
POPULACIONAIS E PESQUISAS SOCIAIS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO:
POPULAÇÃO, SOCIEDADE E TERRITÓRIO
.
ORIENTADOR:
PROF. DOUTOR NELSON DE CASTRO SENRA
RIO DE JANEIRO
27 DE JULHO DE 2005
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE
ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS - ENCE
A NOTÍCIA DA ESTATÍSTICA
A DIVULGAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS DO IBGE NA VISÃO DOS
JORNALISTAS
Silvia Maia Fonseca
Dissertação de mestrado apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas
Sociais, na área de concentração população, sociedade e território, da
Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE).
ORIENTADOR:
PROF. DOUTOR NELSON DE CASTRO SENRA
RIO DE JANEIRO
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27 DE JULHO DE 2005
A NOTÍCIA DA ESTATÍSTICA
A DIVULGAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS DO IBGE NA VISÃO DOS
JORNALISTAS
Silvia Maia Fonseca
Dissertação de mestrado apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais, na área
de concentração população, sociedade e território, da
Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE).
27 DE JULHO DE 2005
Banca Examinadora
------------------------------------------------
Nelson de Castro Senra orientador
------------------------------------------------
Joelle Rachel Rouchou, Doutora
-----------------------------------------------
Paulo de Martino Jannuzzi, Doutor
Dedicado aos meus filhos
Carlos Eduardo
à memória de Victória
Ana Luíza
com muito amor
Meus agradecimentos
...ao professor Nelson Senra, incentivador constante, que com sua
habilidade e sabedoria me conduziu com paciência pelos caminhos
do saber;
...ao grande amigo Luiz Gazzaneo que me estimulou com suas
opiniões e sua ousadia no exercício da profissão;
...às amigas Adriana Saraiva e Cláudia Almeida que me ajudaram
na organização deste trabalho;
...aos amigos com quem tive e tenho a oportunidade de conviver
na assessoria de imprensa do IBGE;
...às amigas Andréa Vianna e Shirley Baron que me deram atenção
e estímulo;
...a todos que aceitaram participar da pesquisa e contribuíram para
o resultado deste trabalho.
Resumo
Esta pesquisa analisa o papel dos veículos de comunicação como mediadores sociais
na divulgação das estatísticas do IBGE, a partir de 2000. Nesse período, foram adotadas novas
estratégias de divulgação pela assessoria de imprensa, entre elas o embargo que estabeleceu
uma nova relação entre o produtor de estatística e o jornalista.
Através da mídia, o IBGE cumpre a missão institucional de “retratar o Brasil com
informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania”. Ao
longo do trabalho, observamos que a visibilidade que o IBGE atingiu com a ajuda da mídia
teve reflexos na demanda e disseminação das pesquisas, na credibilidade e legitimidade da
instituição. Com isso, o produtor de estatística passou a compreender que seu trabalho não se
encerra num extenso relatório e sim na divulgação dos resultados para os jornalistas. Na
sociedade da informação é fundamental para o técnico do IBGE compreender a importância
de disponibilizar parte do seu tempo para atendimento a imprensa.
A dissertação é construída a partir das entrevistas pessoais realizadas com jornalistas
que freqüentam o IBGE, editores de jornal e TV. Além disso, foi realizada uma observação
participante na redação de O Globo em um dia de divulgação da estatística do IBGE. Por fim,
para contextualizar essas mudanças dentro do IBGE foi necessário, também, entrevistar o ex -
presidente do IBGE, Sergio Besserman, e o atual assessor de imprensa, Luiz Gazzaneo.
Abstract
This study analyzes the role of media organizations in the dissemination of statistics
from the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) since 2000. During this
period, new information strategies were adopted that changed the relationship between the
producers of statistics and journalists, among them the embargo.
It is through the media that IBGE performs the following mission: ``to paint a picture
of Brazil with information essential to the understanding of Brazilian realities and to the
exercise of citizenship.'' During the study, we observed that the visibility obtained by IBGE
with the help of the media was reflected in the demand and dissemination of studies and in the
credibility and legitimacy of the institution. With this, the statistician has come to understand
that his or her job does not end with the completion of an extensive report, rather it ends with
the release of that report to journalists. In the information society it is fundamental for the
IBGE technician to understand the importance of making part of his or her time available to
the press.
The dissertation is based on personal interviews realized with journalists who frequent
IBGE and with newspaper and television editors. In addition to this, the researchers observed
activity in the newsroom of O Globo, a Rio de Janeiro newspaper, on the day an IBGE
statistical report was released. Finally, to put the changes at IBGE in context, we interviewed
Sergio Besserman, the ex-president of IBGE, and Luiz Gazzaneo, the current press
spokesman.
Sumário
Introdução
1
Capítulo 1 A informação estatística
7
O que são as estatísticas? 8
Para que servem as estatísticas? 10
Como são feitas as estatísticas? 14
As Instituições que produzem estatísticas 19
Capítulo 2 A divulgação das estatísticas
24
O que é notícia? 26
A disseminação das informações estatísticas 30
A divulgação das informações estatísticas 34
Estratégia de divulgação: release 39
Estratégia de divulgação: entrevista coletiva 44
Estratégia de divulgação: embargo 50
Capítulo 3 A notícia das estatísticas
57
Entrevistas pessoais: a quem perguntar? 57
Entrevistas pessoais: o que perguntar? 61
Quando um número estatístico é manchete? 63
Por que as estatísticas passaram a ocupar mais espaço na mídia? 64
O tempo e espaço de uma notícia sobre estatística dependem de que aspectos? 65
Como é o ambiente na redação na hora de produzir uma matéria de estatística? 67
Os responsáveis pela edição final compreendem as estatísticas? 70
Existe alguma recomendação na redação em relação às estatísticas? 72
A estatística é um produto conveniente para os veículos de comunicação? 76
O IBGE é uma fonte especialmente importante? 77
A observação participante 81
A metodologia da observação participante 82
O relato de uma experiência na coletiva de divulgação do PIB 84
O relato de uma experiência na redação de O Globo 88
Capítulo 4 Mídia uma ponte a ligar o IBGE com a sociedade
96
As entrevistas com Besserman e Gazzaneo 98
A chegada no IBGE 99
O jornalista como aliado 101
A iniciativa do embargo 102
O primeiro embargo bem sucedido no IBGE 105
A reação dos produtores de estatísticas do IBGE 106
A mídia responde ao embargo 110
O princípio da imparcialidade nos textos do IBGE 111
A defasagem entre a coleta dos dados e a divulgação das informações 113
Um momento de demanda e oferta 114
O futuro da assessoria de imprensa no IBGE 115
Considerações Finais
117
Bibliografia
122
1º Capítulo - A informação estatística
O jornalista (J) acrescenta:
- A estatística, para nós jornalistas, é uma ferram enta, um ponto
de partida para se fazer uma boa matéria.
Produtor de estatística (J) indaga:
- Mas as estatísticas podem desencadear significados
diferentes. É preciso admitir que estamos diante de uma
observação e não se pode compreender nada sem se estudar o
processo de observação estatística.
J- Na verdade, eu reconheço que as etapas da pesquisa têm
merecido pouca atenção dos jornalistas.
P-Então, nunca é tarde para se conhecer o trabalhoso processo
de produção das estatísticas.
Cada vez mais os jornalistas vêm aos institutos de estatísticas em busca de
informações para revelar e analisar fatos do cotidiano. São números relativos à população,
renda, produto nacional, urbanização, emprego, fecundidade, educação e muitos outros. A
proliferação das estatísticas acompanha a propagação de signos que caracterizam a sociedade
ocidental e a comunicação de massa. Longe do olhar de seus produtores, as estatísticas
circulam pelos jornais e são exibidas na televisão, porque existe um público.
Depois de publicadas, as estatísticas ganham vida própria e são utilizadas para diversas
finalidades, o que nem sempre é compatível com o modo como elas foram construídas. As
informações estatísticas parecem possuir o estatuto da verdade e exatidão, prescindindo,
portanto, de qualquer espécie de questionamento, de dúvida. Mas afinal o que são as
estatísticas? Para que servem? E como são produzidas dentro dos institutos de estatísticas, que
são, simultaneamente, centros de pesquisa?
Neste primeiro capítulo, dando seqüência ao diálogo entre o produtor de
estatísticas e o jornalista, vamos observar a natureza das estatísticas. Para que as
estatísticas sejam traduzidas corretamente na mídia é fundamental levar ao jornalista o
conhecimento sobre esse assunto. Portanto, cabe aqui a explicação sobre o laborioso
processo de produção das estatísticas oficiais, também conhecidas como estatísticas
públicas, dentro de um instituto ou agência estatística do governo.
Ao analisar um dos Princípios Fundamentais das Estatísticas Oficiais
(HANDBOOK, 2003), o que se refere ao direito dos organismos responsáveis pelas
estatísticas de formular observações sobre as interpretações errôneas e a utilização
indevida das estatísticas, De Vries (1999) observa que o mau uso das estatísticas por
órgãos de governo e pela imprensa pode exigir ações corretivas. Ele lembra que o
Statistics Canada tinha uma política padrão para o uso incorreto das informações
estatísticas oficiais pela imprensa. O instituto canadense enviava uma carta ao editor,
explicando que um erro havia sido cometido, e indicava como os dados deviam ser
apresentados corretamente. De fato, esta atitude em geral tem efeitos positivos em
relação à “educação de importantes usuários de estatísticas”. Entretanto, em sua
abrangente análise, Vries não deixa de argumentar que este princípio é redigido de
forma defensiva e que os órgãos de estatísticas em geral deveriam fazer um esforço
para educar e treinar usuários, não tanto para evitar o uso incorreto, mas para
promover o melhor uso possível. E é com esse propósito que se insere este capítulo.
O que são as estatísticas?
As estatísticas são expressões numéricas de coletividades previamente
organizadas. Elas constroem a realidade do país sob diversos ângulos, sem perder de
vista o que é registrado ou o que é registrável. Ademais, os números estatísticos
prometem a objetividade e por isso são cada vez mais procurados. Não basta afirmar
que a população brasileira é grande, é preciso revelar, através das estatísticas, que
somamos um contingente de 183 milhões de habitantes, como explica Senra (2005,
p.16).
As estatísticas, desejadas por sugerirem objetividade, são, de fato,
complexas objetivações. Como tudo nas ciências, naturais e sociais, e
nas pesquisas, as estatísticas são construções. Embora num primeiro
instante reduza-se (sintetize-se) a realidade, porquanto perdendo-se a
exuberância das individualidades, num segundo instante se a
amplifica, ganhando-se a riqueza do coletivo.
Mas como mensurar uma população tão heterogênea? O ponto de partida da
investigação é o princípio de equivalência, onde são observados os aspectos
individuais comuns que previamente configuram os aglomerados organizados. No
caso da população brasileira, são milhões de pessoas diferentes com diversas
características, mas a noção de equivalência é que são todos brasileiros e, por isso,
podem ser somados.
Embora não pareça agregável (pelos diferentes aspectos: sexo, idade, raça,
moradia, renda, etc), a população brasileira é configurada como um aglomerado
organizado, onde são observadas e registradas suas características individuais. Assim,
as estatísticas colocam ordem à desordem para configurar um coletivo organizado
dentro de uma determinada equivalência. Esse coletivo existe ou não existe? Um
brasileiro pode se perguntar como ele se insere nesse coletivo? Os brasileiros podem
se comparar entre si?
Na verdade, as estatísticas acabam construindo um coletivo. Primeiro, elas
reduzem o mundo de cada habitante (só alguns aspectos são observados); depois, com
as individualidades elas constroem uma realidade hipotética ( no contexto da
equivalência), e, por fim, recolocam o indivíduo na realidade organizada e construída. O
que vale dizer que as estatísticas, por serem agregações, não voltam mais ao indivíduo
diretamente lá na origem, onde foram coletados os dados. Ora, as estatísticas têm a
força nomeadora de nos recolocar dentro de um conjunto. É a reconstrução da imagem
de uma realidade.
Na ótica de Besson (1995, p.52), a realidade aparece pré-modelada pelas
categorias já existentes na representação ou na prática individual, social, administrativa.
Não acho que as estatísticas reflitam a realidade: elas são um espelho
no qual a sociedade se olha. Este olhar é inevitavelmente subjetivo,
seletivo, parcial e contingente. Mas, atenção! Substituir o espelho pela
fotografia só tem valor metafórico e serve para insistirmos sobre a
dimensão qualitativa do quantitativo e darmos conta do
“conservadorismo” das estatísticas: elas não podem conhecer, o que
fazem é reconhecer.
Assim, não é possível compreender nada sem entender o processo de
observação estatística. O primeiro passo é perceber que as estatísticas não são
apenas signos (números) de simples e imediato armazenamento no banco de dados.
São também informações, já que delas podem ser extraídos significados. Elas têm a
dupla força da sintática (o dado como um símbolo quantificável) e da semântica (a
significação usada na caracterização da informação), e por isso precisam ser usadas
com muito cuidado.
Para Setzer (2003), a informação é uma abstração informal que representa algo
significativo para alguém através de textos, imagens, sons ou animação. Entretanto,
não é possível processar informação diretamente em computador. Para isso, é preciso
reduzi-la a dados. Como instrumentos, os números estatísticos podem ser
resignificados dentro da ordem, respeitando as fronteiras originárias, conhecendo os
conceitos para se reutilizar a base de dados.
As informações estatísticas têm um papel fundamental na produção de
conhecimento. Através de seu uso, pessoas, governos, universidades, empresas,
sindicatos e outras organizações conseguem atuar na tentativa de obter os melhores
resultados. A circulação dessas informações na mídia pode beneficiar milhões de
pessoas por um meio mais popular do que os computadores ou as publicações
especializadas. Mas essas informações precisam estar bem colocadas para que a
sociedade entenda não só os limites, mas também os usos sociais das estatísticas.
Senra (2005, p.225) observa que somente conhecendo os limites das estatísticas
dentro das suas escolhas conceituais e os processos das pesquisas poderemos usá-las
corretamente, e alerta que “ em não se fazendo, atenta e corretamente, acaba-se (de
boa ou má fé) por mal usá-las, atribuindo-lhes mais do que são, tirando-lhes mais do
que têm; as estatísticas podem muito, mas não podem tudo”.
Para que servem as estatísticas?
Elas interessam a todos que agem nas e sobre as coletividades. As
estatísticas tornam conhecidos os vários aspectos do mundo distante, sobre os
quais se quer exercer o poder. Sentado na sua mesa de trabalho, o governante
precisa conhecer o que está distante para agir diretamente ou indiretamente através,
por exemplo, das campanhas ou políticas públicas.
A leitura de Foucault (1984, p.283) mostra que “governar é governar as coisas”
e assim governar um Estado é ter o controle e a vigilância em relação aos seus
habitantes, às riquezas, aos comportamentos individuais e coletivos. O Estado passa a
demandar cada vez mais, com a chancela da objetividade, os números estatísticos da
população, do território e da riqueza. Essas informações atendem bem à necessidade
dos governantes, onde o que importa é governar para a maioria, controlar a
coletividade. Senra (2005, p.95) destaca que as estatísticas são uma forma de saber e
uma fonte de poder.
Saber para poder; poder como capacidade transformadora, como
capacidade de intervir em eventos para mudá-los, seja no sentido da
disciplina, seja no sentido da regulação. Pessoas, objetos (coisas) e
situações (eventos) distantes são trazidos à presença dos decisores
(às suas mesas) na forma de tabelas e de alguns gráficos, quiçá na
forma de mapas (cartogramas); daí ações são promovidas ou são
estimuladas, decisões são tomadas. Pelas estatísticas, através das
ciências, fazem-se discursos de verdade!
Desde tempos longínquos, a informação estatística vem sendo essencial aos
governos, guiando suas ações. A expressão estatística tem origem na “statistik” alemã
do século XVIII, que era vista como a Ciência do Estado. A semelhança entre estes dois
termos, “Estado” e “Estatística”, não é acidental. Atender à demanda do Estado sempre
foi uma preocupação das instituições estatísticas de âmbito nacional que surgiram a
partir do século XIX. Mas para isso, era preciso saber fazer estatísticas, ou seja, era
necessário aprimorar o processo de elaboração das estatísticas. Foi a partir daí que os
métodos de pesquisas surgiram no interior das instituições e as escolhas metodológicas
buscaram o amparo da ciência.
Ao longo do tempo, a produção das estatísticas se diversifica e a demanda
atinge seu período mais dinâmico a partir da segunda metade do século XX, com o fim
da Segunda Guerra Mundial. Foi a chamada “era de ouro” das estatísticas, onde os
países envolvidos empenharam-se num esforço de reconstrução marcado por um
planejamento centralizado. As estatísticas foram usadas como ferramentas na
reconstrução nacional. A produção pôde acompanhar o ritmo da demanda graças à
adoção das pesquisas amostrais, representativas no plano nacional, e à entrada da
tecnologia com o uso dos computadores. A informática trouxe um resultado tão
surpreendente e permitiu, entre outras coisas, que conjuntos de dados muito mais
amplos fossem manipulados mais rapidamente, que pesquisadores pudessem executar
suas próprias análises e que a tradução das estatísticas pudesse ser disponibilizada em
disquetes, CD-ROMs e na rede da Internet.
Cabe aqui uma rápida referência à criação do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), nos anos 30. Embora anterior à era de ouro das estatísticas, o
nascimento do IBGE atende também a um planejamento centralizado no governo de
Getúlio Vargas e é um dos elementos de uma “tentativa ambiciosa de se organizar um
Estado moderno e autoritário, que poderia conhecer e governar um vasto e
desconhecido território, e sua população dispersa”, como observa Schwartzman
(1997).
A partir da década de 80, com a descentralização do poder, as estatísticas
transformam-se para atender a um Estado cada vez mais incapaz de sustentar não só
as políticas econômicas que estimulem o crescimento, mas também as políticas sociais
de caráter universal, como previdência e seguridade social. Além disso, as estatísticas
passam a atender a uma economia global, quantitativa por natureza, com capacidade
de funcionar como uma unidade em tempo real, em escala planetária. O movimento das
estatísticas, que era nacional, passa a ser internacional, e elas se comparam e se
fortalecem em todo o mundo, seguindo padrões internacionais.
Castells (1999) observa que, embora o modo capitalista de produção seja
caracterizado por sua expansão contínua, sempre tentando superar limites temporais e
espaciais, foi apenas no século XX que a economia mundial conseguiu se tornar
verdadeiramente global, com base na nova infra-estrutura, propiciada pelas tecnologias
da informação e comunicação. Ou seja, com a globalização econômica e cultural,
instala-se o que alguns estudiosos chamam de “sociedade da informação global”. Ela
se desenvolve à medida que se acelera a expans ão das tecnologias da informação e da
comunicação e estimula o crescimento dos principais setores econômicos. A infra-
estrutura da informação global mais se parece com uma imensa teia de aranha em
escala planetária, favorecendo a interconexão de todos os serviços ligados à
comunicação e à informação.
Todo esse processo desencadeia uma série de reflexos, que aos poucos impõe
alterações profundas no comportamento social do homem, mudanças difíceis de serem
quantificadas e que, até hoje, desafiam os institutos de estatísticas em todo o mundo.
No IBGE, cresceram as chances (técnicas e tecnológicas) de sobrecarregar os
programas de trabalho e diminuíram os recursos financeiros e humanos. Feijó (2002,
p.2) destaca que, hoje, as estatísticas oficiais
1
enfrentam novos desafios:
Para ter aceitação no mercado, os produtores e serviços das
instituições produtoras de estatísticas oficiais devem ter qualidade
reconhecida, além de atender a uma multiplicidade de usuários, com
demandas em graus diferenciados de sofisticação. Define-se desta
forma um conjunto de desafios que produtores de estatísticas oficiais
enfrentam atualmente em todo o mundo: produzir mais, de forma
eficiente e precisa e em menos tempo (e,em geral, com menos
recursos).
1
Estatísticas oficiais ou estatísticas públicas são aquelas produzidas por instituições de estatísticas públicas
A questão orçamentária deixa os produtores de estatísticas de pés e mãos
amarrados. Como produzir pesquisas e manter equipamentos? Em muitos países, o
corte nas despesas governamentais é motivo de grande preocupação nos órgãos que
produzem estatísticas. No Brasil, a pressão não é diferente, e o IBGE, que já teve
10.870 funcionários em 1993, chega a 2004 com 7.016. A restrição orçamentária do
IBGE já foi matéria de Cássia Almeida e Valderez Caetano, capa do caderno de
economia do jornal O Globo, no dia 25 de julho de 2004, com o título “IBGE de pires na
mão”.
Responsáveis pelos mais importantes indicadores socioeconômicos
do país - como o Censo Demográfico, as Contas Nacionais e a
Pesquisa Mensal de Emprego o IBGE sofre aos 68 anos de idade
da doença crônica do ajuste fiscal. Para se ter uma idéia: o programa
de ampliação para todo o país da coleta de preços para calcular o
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), taxa que orienta o
sistema de metas de inflação do governo, com verba prevista de R$
563 mil, não recebeu um tostão este ano.
Com um orçamento de R$ 661,4 milhões em 2004, o órgão, vinculado
ao Ministério do Planejamento, está com dificuldades para avançar no
censo Agropecuário, que não é realizado desde 1996, e a Contagem
da população, no ano que vem. Juntas, as pesquisas receberam até o
último dia 9 de julho apenas 2,51% dos R$ 29 milhões previstos.
Embora os recursos estejam diminuindo cada vez mais dentro das instituições
públicas de estatísticas, não se pode esperar que determinadas pesquisas sejam
produzidas por organizações privadas. Somente instituições públicas podem receber e
proteger o direito de acessos a dados confidenciais, como observa Schwartzman
(1999): “países precisam de informações de longo prazo, abrangentes, estáveis e
comparáveis internacionalmente, que são bens públicos”.
Jornalista:
- Agora, começo a entender o que são as estatísticas.
Produtor de estatística:
- É muito difícil entender as estatísticas, mas é fundamental
para quem trabalha com elas.
J- Claro, mas encontro algumas semelha nças entre o trabalho
dos jornalistas e pesquisadores. Eles coletam uma enorme
variedade de informações (as evidências) e, depois, decidem
sobre o que é relevante no foco da investigação. Esse processo
passa de mão em mão dentro de uma redação e de um cent ro
de pesquisa.
P Quando o trabalho do pesquisador termina é que começa o
do jornalista. O relatório de pesquisa é a base para a
reportagem, mas a diferença está na audiência. Enquanto os
jornalistas escrevem para o público amplo, os pesquisadores
esperam alcançar seus pares, os cientistas sociais e outros
profissionais...
J- Mas indiretamente a maioria dos pesquisadores espera
alcançar o grande público através do trabalho dos jornalistas e,
por outro lado, os jornalistas usam os resultados e idéias dos
pesquisadores para produzir suas reportagens.
P-De fato, nosso relacionamento pode gerar inúmeras
vantagens para os dois lados. O conhecimento do nosso
trabalho é o primeiro passo e, sem dúvida, vai ajudar muito na
produção de notícias sobre estatísticas.
Como são feitas as estatísticas?
Diferente das pesquisas acadêmicas, que trabalham em cima de hipóteses e
cujos resultados dificilmente são usados para outros estudos, as pesquisas
quantitativas das instituições de estatísticas públicas e oficiais são realizadas sem a
expectativa de comprovar algum resultado. O objetivo das instituições de estatísticas
é produzir resultados (conjuntos numéricos) que permitam uma ampla utilização (de
caráter público) e sirvam a diferentes abordagens ( a partir da base de dados).
Os problemas pesquisados pelas instituições de estatísticas públicas e oficiais
precisam ter valor social para fazerem valer o custo da investigação. A partir daí, o
processo de pesquisa, que tem a dimensão técnico-científica, pode ser dividido
essencialmente em quatro etapas: a primeira, da concepção, onde são encontrados
os fatos que se pretende revelar; a segunda, da obtenção dos registros individuais
através dos questionários; a terceira, das agregações dos registros, onde são
elaboradas as estatísticas; e a quarta, a etapa de avaliação, exploração e análise
das estatísticas.
Na primeira etapa da pesquisa, a concepção do que se quer investigar deve
estar amparada em sólidas fundações conceituais e processuais selecionadas por
profissionais com uma ampla gama de saberes. São os estaticistas, como mostra
Senra (2005, p.164), pois deste modo são conhecidos os produtores de estatísticas
em alguns países da Europa - profissionais de diferentes saberes (Economistas,
Sociólogos, Demógrafos, Estatísticos, Informatas e tantos outros), que atuam de
maneira interdisciplinar e dão origem a outro conhecimento específico: a elaboração
das estatísticas. Longe de ser ideológico, o “pensar a pesquisa” é científico.
Nesta etapa da pesquisa, o corte do tema e os conceitos das ciências são traduzidos em
perguntas estáveis nos questionários, onde são obtidos os registros individuais em meio impresso
ou eletrônico. Os questionários precisam estar bem desenhados, com espaços pré-determinados e
devem ser elaborados com perguntas simples e objetivas, já que o processo de pesquisa envolve
muitas pessoas e inscrições. Perguntas mal formuladas conduzem a erros. Além disso, as
perguntas devem ser agrupadas por assunto, a ordem das questões deve seguir a lógica natural de
uma conversa e, ainda, as respostas devem ser pré-definidas e pré-codificadas para facilitar seus
registros e sua digitação.
O mundo distante precisa ser reduzido para ser transportado, e esse movimento depende
da força da informação, como mostra Latour. A informação, elemento fundamental do controle
sobre o distante, é o resultado de uma relação estabelecida entre dois lugares: o primeiro, que se
torna uma periferia (emissor), e o segundo, que se torna um centro (receptor), sob a condição de
circularem entre eles as inscrições, que para simplificar podemos chamar de anotações. Com o
olhar atento, o observador negocia o que deve ser retirado da periferia, a fim de agir à distância
sobre ele, observa Latour (2000, p.362)
(...)como atuar à distância sobre eventos, lugares e pessoas pouco
conhecidos? Resposta: trazendo para casa esses acontecimentos,
lugares e pessoas. Como fazer isso se estão distantes? Inventando
meios que (a) os tornem móveis para que possam ser trazidos, (b) os
mantenham estáveis para que possam ser trazidos e levados sem
distorções, decomposição ou deterioração, e (c) sejam combináveis
de tal modo que, seja qual for a matéria de que são feitos, possam ser
acumulados, agregados ou embaralhados como um maço de cartas.
Em síntese, para se conhecer o mundo, segundo Latour, é preciso criar os móveis
imutáveis. Em outras palavras, criar meios que permitam a transformação das coisas em móveis,
para que sejam transportadas; estáveis, para que sejam movimentadas sem distorção, e
combináveis, para que sejam acumuladas formando o ciclo de acumulação no interior dos
centros.
A segunda etapa da pesquisa é a obtenção das informações individuais. Aqui se dá um
processo muito curioso: o idealizador da pesquisa abre mão do “coração” do processo científico e
deixa que alguém vá a campo buscar as evidências em seu lugar. Na prática, é o olhar delegado.
Como realizar uma pesquisa estatística em um país do tamanho do Brasil? Só com um exército de
pesquisadores. Eles vão a campo, todos com os mesmos questionários para serem preenchidos,
fazendo a todas as pessoas as mesmas perguntas e, em seguida, reunindo as diferentes respostas.
Para obterem as informações que interessam ao idealizador da pesquisa, as equipes de campo
devem estar bem treinadas e, mais do que isso, precisam caminhar como cegos que vêem com os
olhos de um único observador (centro). No entanto, o olhar delegado tem fatalmente um custo:
limita as possibilidades de investigação.
Para evitar que as informações não sejam resignificadas na origem, os estaticistas
procuram traduzir os conceitos da pesquisa para as equipes de campo, criam restrições especiais e
exigem medidas de controle na coleta das informações. Por tudo isso, as instituições só
conseguem fazer estatística por delegação de olhar do universo quantitativo, que é registrável ou
que está registrado no mundo formal.
Determinados fenômenos escapam das grandes instituições estatísticas, mas podem ser
vistos pelo telescópio do pesquisador acadêmico, que vai a campo observar de perto o fato e
improvisa soluções, como observa Becker (1999, p.13).
Tratados de estatística explicam como raciocinar de maneira
logicamente justificável a partir de uma amostra cuidadosamente
delineada sobre o universo de onde ela vem. Porém, muitos universos
não se prestam a estas descrições idealizadas da prática. Quando
pessoas se dedicam a atividades que preferem manter em sigilo, elas
não põem seus nomes em catálogos ou em listas de associados de modo
a tornar nossa tarefa mais fácil. Ao contrário, se empenham para
esconder o que fazem do conhecimento público, e isto oculta o que
fazem também de nós.
Vencida a etapa das entrevistas de campo, é hora da terceira etapa, onde o pesquisador
volta com os milhões de questionários que classificam a população por idade, sexo, raça, religião,
renda, entre outros aspectos. São os elementos que se quer transportar do mundo distante. Assim,
para que se tenha uma idéia da periferia, o observador precisa voltar ao centro abastecido com o
que selecionou - o carregamento das inscrições. E na medida em que aumenta a freqüência à
periferia, o observador consegue ver mais do que viu na primeira viagem. Em cada viagem, ele
sabe mais e está mais preparado para transportar as informações até o centro.
Esse movimento de redução leva a outro resultado: o de ampliação, que Latour (2000,
p.25) exemplifica recorrendo a uma fotografia do Museu de História Nacional, que tem aves
empalhadas trazidas do mundo inteiro por naturalistas dispersos no espaço e no tempo. “O
ornitólogo pode então, tranqüilamente, em local protegido, comparar traços característicos de
milhares de aves tornadas comparáveis pela imobilidade, pela pose, pelo empalhamento. O que
vivia disperso em estados singulares do mundo se unifica, se universaliza, sob o olhar preciso do
naturalista”.
Assim, o observador no centro de cálculo pode comparar todas as aves do
mundo sincronicamente reunidas em um só golpe de vista e isto lhe dá uma enorme
vantagem sobre quem só pode ter acesso a algumas aves vivas. Do mesmo jeito que
as aves empalhadas do museu ganham uma coerência que as torna comparáveis,
assim também todos os lugares do mundo, por mais diferentes que sejam, passam a se
integrar através dos mapas.
Em síntese, os centros de cálculos são pontos de convergência de inscrições
vindas de diferentes periferias sobre um ou diversos fenômenos. Um instituto de
pesquisas dedicado à coleta e ao tratamento de dados estatísticos é um exemplo de
centro de cálculo. Para Latour, no centro de cálculo existe um observador privilegiado
que pode capitalizar o conjunto de inscrições reunido por pesquisadores na periferia,
elaborar a idéia de relatividade e estar simultaneamente em vários lugares onde de fato
nunca esteve.
A enxurrada de inscrições e amostras é conseqüência do sucesso da mobilização, lembra
Latour (2000,p.379): “essa avalancha de inscrições é, digamos, uma vingança do mundo
mobilizado”. Nessa passagem, dentro do processo de pesquisa, são realizadas as agregações das
informações individuais, com o amparo dos métodos e a tecnologia dos computadores. As
estatísticas agregadas podem ser comparáveis e combináveis como as aves no Museu de História
Nacional.
As informações estatísticas (números) permitem a mobilidade das relações e têm
mais facilidade na imutabilidade do que elas transportam. Isso explica a demanda pelas
estatísticas. Ao reduzir a realidade para depois observá-la, o observador só verá partes
do mundo, aquelas partes que podemos transportar com estabilidade de um ponto a
outro, como mostra Senra (2005, p.94).
Sim, as estatísticas revelam os territórios, as populações, a
economia e a sociedade, em si e em suas relações, através das
instituições estatísticas, tal e qual os jardins e hortos botânicos
revelam as espécies vegetais vivas, os zoológicos revelam as
espécies animais vivas, os museus naturais revelam a natureza
inanimada, vegetal e/ou animal, passada ou presente, e nessa linha
em diante, os demais museus, as bibliotecas e os arquivos públicos,
dentre outras instituições com suas respectivas atividades. A elas,
chega um mundo reduzido, mas, se bem traduzido, posto que nelas
devidamente classificado, organizado, sai um mundo ampliado, por
certo, enriquecido.
Ultrapassadas as três primeiras etapas da pesquisa, chega-se finalmente à
quarta e última: a fase da avaliação e exploração dos resultados das estatísticas. Em
relação a esse mundo mobilizado, o observador no centro de cálculo tem uma única
saída: a elaboração de sínteses cada vez mais refinadas. Os institutos de estatísticas
fazem com os milhões de questionários censitários (também amostrais) aquilo que os
questionários fizeram com as pessoas, ou seja, extrair deles alguns elementos e
colocá-los em inúmeros formulários de sintetização, até chegar a um ponto último das
tabelas, com os totais formando gráficos e cartogramas. A produção de informação
implica seleção e conseqüentemente redução.
Todo esse material, resumido e organizado em tabelas que classificam diversos
aspectos de uma nação, é oferecido como expressão da coletividade, as
individualidades não estarão mais visíveis, e tem um valor fundamental para quem quer
agir sobre o coletivo. Retornamos aos centros de cálculos de Latour, onde ocorre o ciclo
de acumulação de móveis estáveis e combináveis com as inscrições que chegam a
todo o momento da periferia. “Na verdade, expedições, coleções, sondas, observatórios
e pesquisas são apenas alguns dos muitos meios graças aos quais um centro pode
atuar à distância” conclui Latour (2000, p.370).
Na fase da avaliação e exploração dos resultados das estatísticas, não há como
fugir das totalizações e das médias, que são exemplos de representações que
permitem ver um país por meio das estatísticas. Mas a média, por exemplo, não tem
muito sentido se não se conhece a dispersão dos casos individuais em torno dela. O
Brasil das médias pode ser artificial. É como aquela anedota: um homem sozinho
comeu dois frangos e o outro nenhum, mas a média é de um frango para cada homem.
O homem tem uma necessidade orgânica de simplificação. Muita informação
é sinal de nenhuma informação. Mas nas simplificações corremos o risco de
construir uma versão empobrecida. Por isso, podemos ver que a informação
organizada não será jamais o mundo, e sim uma representação do mundo ausente e
distante.
Besson (1995, p.211) observa que a informação recebida pelo público é ainda
mais sumária:
Os jornalistas, os analistas, os propagadores de informação pedem
e recebem quadros cada vez mais simplificados, e seu trabalho é de
simplificá-los ainda mais. As cifras que lemos no nosso jornal ou na
nossa revista são, assim, o extremo de toda uma cadeia de
interpretações: no começo desta cadeia se acha o questionário que
fixou o sistema de observação, depois temos os condicionantes
técnicos que limitaram o tratamento da informação bruta, a seleção
feita pelo estatístico para a publicação, a propagação dos “principais
resultados” e a extração, pelo jornalista, de algumas cifras
impactantes. Estas cifras não são escolhidas por acaso: elas devem
“falar” e devem ser entendidas.
Nas instituições de estatísticas, as sínteses e as análises correm em paralelo
à preparação dos produtos de disseminação, como as bases de dados e de
microdados. Nesta fase, também, começam as preocupações em relação ao
material que será divulgado para a imprensa. De que vale uma informação produzida
se ela é arquivada e não é divulgada
2
? Essa produção só faz sentido se as
informações forem acessíveis e utilizadas como subsídio para o conhecimento de
aspectos importante da vida econômica e social.
Para facilitar o acesso às informações, os produtores de estatísticas devem
explicar aos usuários as diferenças entre os fenômenos estudados na instituição. Os
econômicos são mais facilmente quantificados na coleta dos dados; já os
demográficos na essência, podem ser contados como a natalidade, a mortalidade, a
longevidade; mas e quanto aos sociais? Não basta saber o número de vagas na
escola, de anos de estudo, pois a natureza social não se apresenta em números.
Muita coisa ainda precisa ser feita nas investigações quantitativas desses
fenômenos, sem falar nas questões ambientais e ecológicas que parecem mais
complexas. Os estaticistas devem estar atentos às transformações que ocorrem, de
forma acelerada, no mundo que nos cerca, trazendo à tona questões novas que
podem ou não ser transformadas em números.
As Instituições que produzem estatísticas
Os institutos que produzem as estatísticas públicas e oficiais trabalham com duas
dimensões: sociopolítica e técnico-científica. A primeira é voltada para a demanda do
Estado, com a definição de um programa de trabalho, e a segunda é ligada ao “pensar
e fazer” a pesquisa, amparada nos métodos científicos. A independência na escolha de
métodos e conceitos para produzir as estatísticas fortalece a credibilidade do instituto
de estatísticas. Qualquer influência sociopolítica na produção da pesquisa é ilegítima e
desacredita os resultados.
Os institutos de estatísticas dependem da credibilidade e da legitimidade para
serem aceitos pelo Estado, Sociedade e Mercado. A credibilidade se fortalece pela
formação e independência do quadro técnico-científico da instituição, onde os conceitos
e as definições sobre os métodos de pesquisa são buscados nas ciências, e a
legitimidade é conseqüência do reconhecimento pela sociedade.
Em síntese, a origem da credibilidade nas instituições que produzem estatísticas
públicas, segundo Schwartzman (1997), abrange os seguintes aspectos:
independência, a informação confiável é aquela que vem de uma instituição confiável
que não esteja identificada com nenhum grupo ou ideologia específica; qualidade
profissional, a informação é aceita como confiável se ela é fornecida por pessoas ou
instituições com um forte perfil científico e técnico; continuidade, a importância da
estabilidade e a consistência dos procedimentos metodológicos; e por último, a
natureza dos dados, quando as informações estatísticas atendem a interesses
específicos elas tendem a serem questionadas.
Esse equilíbrio entre a dependência, marcada pela demanda das agendas de
governos, e a independência, balizada pela oferta diversificada de pesquisas, é
perseguido pelos produtores de estatísticas, que passam a compreender a
interdependência nessas ações. Quanto mais se atende as demandas, maior a
legitimidade das instituições estatísticas.
Credibilidade e legitimidade são, portanto, qualidades que devem ser
permanentemente conquistadas e mantidas pelos institutos de estatísticas. Em
relação às escolhas de conceitos e dos processos, para evitar polêmicas os
produtores de estatísticas amparam-se nos métodos da ciência, mas na ausência
2
A noção de divulgação está relacionada ao efeito de tornar público alguma coisa. Este processo não é
necessariamente voltado somente para o grande público, mas também para um grupo menor e mais restrito.
deles acabam buscando os procedimentos realizados pelas agências internacionais,
como observa Schwartzman (1997, p.12):
A agenda dos órgãos públicos de estatísticas é estabelecida a partir
de uma combinação de requisições do governo, demandas sociais,
conceitos desenvolvidos por economistas, demógrafos e cientistas
sociais, e metodologias desenvolvidas e testadas por estatísticos.
Agências internacionais, tais como os órgãos estatísticos regionais e
especializados das Nações Unidas, o Eurostat, o Banco Mundial, a
Organização Internacional do Trabalho e instituições semelhantes,
desempenham um papel muito importante no estabelecimento desta
agenda, definindo padrões de comparação e suprindo os órgãos de
estatísticas no mundo inteiro de treinamento técnico.
É por esta razão que, para assegurar a credibilidade, os estaticistas mantêm uma
atenção contínua aos métodos estatísticos e compatibilizam melhor os produtos com
as necessidades dos usuários. No sentido da legitimidade, podemos verificar a
atenção dedicada pelas instituições à necessidade de que se disseminem os
resultados dos levantamentos e os procedimentos adotados.
A sociedade civil, cada vez mais, depende dessas informações estatísticas
relevantes para se organizar e aumentar sua força de representação. Se a análise de
Foucault mostra que a estatística é utilizada pelo Estado para controlar a sociedade, no
sentido oposto, essa informação ajuda a sociedade a pressionar o governo e gera
benefícios ao cidadão.
Para realizar os levantamentos estatísticos, os pesquisadores invadem a
privacidade das pessoas, famílias ou organizações, ocupam parte do seu tempo e
garantem o sigilo das informações. Fellegi lembra que é preciso explicar à sociedade
como ela pode se beneficiar dos dados que são solicitados a fornecer e, para isso, os
órgãos de estatísticas devem desenvolver uma imagem de importância pública e
legitimidade - “tal imagem é adquirida ao longo do tempo, através do número e
qualidade de referências feitas pela mídia e personalidades públicas às informa ções
divulgadas pelos órgãos de estatística”, Fellegi (1990, p.15).
Os números estatísticos relativos à população, renda, educação, urbanização e
empregos, entre outros, têm uma pluralidade de papéis, contextos e perspectivas. Os
resultados do Censo Demográfico de 2000, por exemplo, foram utilizados para
acompanhar o crescimento, a distribuição geográfica e a evolução de outras
características da população ao longo do tempo, fornecendo parâmetros para identificar
as áreas de investimentos prioritários em saúde, educação, habitação, transporte,
energia e programas de assistência à infância e à velhice. As estatísticas do Censo
possibilitaram, também, a avaliação e revisão da alocação de recursos do Fundo
Nacional de Saúde (FNS), do Fundo Nacional de Educação (FNE) e de outras fontes de
recursos públicos e privados. Os dados censitários fornecem as referências para as
projeções populacionais, com base nas quais o Tribunal de Contas da União define as
cotas do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos
Municípios.
A legitimidade dos institutos de estatísticas assegura também maior qualidade do
dado primário coletado no campo, observa Feijó (2002, p.7)
Quanto melhor a “imagem” do órgão produtor junto ao público em
geral, tão melhor deverá ser a qualidade da informação que é
prestada. Desta forma, a construção de uma boa reputação pelo
órgão produtor de estatística não deve ser vista apenas como
relevante para a aceitação dos resultados produzidos pela sociedade.
A boa reputação é também importante para garantir a qualidade do
dado primário que é objeto de levantamento estatístico.
A importância e o potencial da informação estatística para a sociedade devem ser
acentuados através de várias ações do instituto de estatística. É preciso, segundo
Fellegi (1990, p.19), “captar o apoio explícito de aliados potenciais: acadêmicos e
técnicos de demografia, sociologia, economia, especialistas em áreas tais como saúde,
educação, comércio, consultores de negócios, e assim por diante. Devemos envol-los
na prioridade da revisão de nosso trabalho profissional, fazê-los conscientes de nossos
problemas, de modo a poder torná-los nossos porta-vozes autorizados”.
As estatísticas necessitam, portanto, estar acessíveis com informações claras
sobre métodos e conceitos utilizados para sua produção. Além disso, as informações
produzidas pelas instituições precisam estar disponíveis para um número amplo de
pessoas, e não apenas para os especialistas e acadêmicos. Isso implica a criação de
uma política de comunicação que procure identificar o jornalista como um novo aliado
potencial, além dos outros anunciados por Fellegi. É através da mídia que a maioria das
pessoas, principalmente no Brasil, obtém grande parte de sua informação geral. Os
números são traduzidos pelos jornalistas para um grande público leigo da importância
da estatística. As novidades no mundo das estatísticas viram notícias.
Não obstante ao atendimento por telefone, publicações, produtos eletrônicos e o
acesso ao banco de dados pela Internet, é necessário o apoio da mídia para divulgar as
informações estatísticas. Essa mudança de atitude é um dos novos desafios que os
produtores de estatísticas têm pela frente.
Dentro deste contexto, pude registrar nas entrevistas com os jornalistas
3
várias
indicações de mudança na comunicação do IBGE depois do ingresso, em 1999, do
economista Sergio Besserman Vianna, na Presidência, e, no ano seguinte, do jornalista
Luis Gazzaneo, na Coordenadoria de Comunicação Social. Tal fato me levou a
prosseguir na investigação e a procurar esses dois profissionais tão citados nas
entrevistas. As informações apuradas nessas entrevistas serão apresentadas mais
adiante, mas gostaria de acrescentar aqui um trecho do depoimento do ex- presidente
do IBGE Sergio Besserman Vianna, onde ele conta como convenceu os produtores de
estatísticas da Diretoria de Pesquisas sobre a importância da divulgação dentro da
missão do IBGE de retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de
sua realidade e ao exercício da cidadania. Sugiro este trecho da entrevista com
Besserman como passagem para o segundo capítulo, onde pretendo observar o
trabalho de divulgação.
“A estatística é o retrato. Lembrei me agora de como foi a minha
primeira conversa dura com a turma da Diretoria de Pesquisas do
IBGE. Vou colocar aqui uma questão filosófica. Não respondo porque é
uma questão filosófica que a filosofia não respondeu até hoje. Desde o
primeiro dia, desde que Adão começou a pensar nestas coisas até
hoje, você tem de um lado um grupo e de outro lado outro grupo,
idealistas, materialistas e tal, mas vou colocar uma questão: a gente
faz o retrato da realidade, está lá! Vocês me entregam o retrato e só eu
tenho o retrato. Vocês produziram a estatística e me entregaram o
retrato! Eu pego o retrato e guardo na gaveta, tranco ela, e nunca
ninguém viu o retrato porque tivemos uma explosão atômica dez anos
depois. Nunca ninguém viu aquele retrato. O retrato que é a nossa
missão existe ou não existe? Ele existiu ou nunca existiu? Nunca
ninguém viu e eu morri. Esse retrato existiu se os outros não viram?
Não responda, porque claro que tem uma resposta que sim, claro que
existiu, e tem outra resposta que não, se ninguém nunca viu. Existiu ou
não existiu não tem resposta, mas o eu quero dizer é o seguinte: nós
não estamos cumprindo a nossa missão se o retrato não for
eficientemente divulgado, disseminado e tal”.
3
As metodologias das entrevistas e da observação participante são apresentadas nos capítulos três e quatro desta
dissertação.
2º Capítulo - A divulgação das estatísticas
Jornalista:
- Em resumo, as estatísticas são informações agregadas de um
grupo de pessoas ou objetos que se queira estudar. Elas são
produzidas por equipes especializadas de alta qualidade,
segundo parâmetros internacionais.Para quantificar estes
fenômenos, os centros de pesquisa buscam autonomia e
credibilidade nas suas ações. E as informações est atísticas são
usadas pelos governantes e pela sociedade, já que ajudam os
cidadãos a se conhecerem, condição fundamental para se
transformar.
Produtor de estatística:
- Vejo que você rapidamente percebeu que as estatísticas
tentam colocar ordem na desordem. E organizar-se já é, de uma
certa maneira, começar a ter olhos.
J- Neste sentido, me incluo também. Vale lembrar que um dos
principais objetivos do jornalismo é a informação de fatos
correntes, devidamente interpretados e transmitidos
periodicamente à sociedade, com objetivo de difundir
conhecimento e orientar a opinião pública, no sentido de
promover o bem comum (BELTRÃO, 1992, p.67).
P- Terei muito prazer em conhecer os conceitos do jornalismo,
uma atividade essencial à vida das coletividades.Você pode me
responder o que é notícia e qual o critério do que é noticiável?
J- Bom, em primeiro lugar, não podemos perder de vista que, no
contexto em que o jornalismo surgiu e se desenvolveu, notícia é
produto. Mas a conceituação do que é notícia não é tão simp les
assim.
P - Numa palestra
4
, aqui no IBGE, o jornalista Elio Gaspari
exemplificou o que é notícia para os produtores de estatísticas.
Ele disse que, se passasse uma boiada com somente um boi
com rabo de elefante, esse animal seria um erro estatístico par a
4
Palestra do Elio Gaspari, realizada no dia 11/12/2001, no auditório do IBGE, no Rio de Janeiro, para os
produtores de estatísiticas.
o estaticista, mas para o jornalista seria uma grande notícia. Um
boi com rabo de elefante é novidade, é notícia.
J- Parece lógico: notícia é novidade. Mas volto a explicar que a
definição de notícia não é tão simples. Mesmo assim, parece
interessante refletir sobre esse assunto.
Na seqüência do diálogo entre o produtor de estatísticas e o jornalista, neste
segundo capítulo, conheceremos a visão dos jornalistas que freqüentam o IBGE.
Neste espaço, vamos refletir sobre a notícia e a noticiabilidade e, ainda, analisar as
estratégias da Coordenadoria de Comunicação Social, ligada diretamente à
Presidência do IBGE. Para simplificar, neste capítulo, chamaremos a Coordenadoria
de Comunicação Social de assessoria de imprensa.
Na sociedade contemporânea, os avanços na informática, nas
telecomunicações, nos serviços de informação e comunicação possibilitaram à
população um contato imediato com um volume de informações que lhe chegam
nos mais diferentes veículos. Essas informações circulam de maneira fluida e rápida
na mídia, que assume, cada vez mais, posição da mais alta relevância. Hoje em dia,
é comum que uma mesma pessoa ouça rádio em determinada hora do dia, assista
à TV em outra hora, acesse a Internet diariamente e leia jornal ou revista semanal.
As pessoas querem conhecer o “presente”, estar a par das idéias, eventos e
situações sociais que afetem direta ou indiretamente sua vida.
O que é noticiado, em tempo real ou não, nos meios de comunicação se
estabelece como verdadeiro. Como observa Castells (1999, p.361), as imagens na
TV, por exemplo, sugerem que se não há visão, não há fato.
Embora os efeitos da televisão sobre as opções políticas sejam
bastante diversos, a política e os políticos ausentes da televisão nas
sociedades desenvolvidas simplesmente não têm chance de obter
apoio popular, visto que as mentes das pessoas são informadas
fundamentalmente pelos meios de comunicação, sendo a televisão
o principal deles. O impacto social da televisão funciona no modo
binário: estar ou não estar. Desde que uma mensagem esteja na
televisão, ela poderá ser modificada, transformada ou mesmo
subvertida. Mas em uma sociedade organizada em torno da grande
mídia, a existência de mensagens fora da mídia fica restrita a redes
interpessoais, portanto desaparecendo do inconsciente coletivo.
Contudo, o preço a ser pago por uma mensagem colocada na
televisão não representa apenas dinheiro ou poder. É aceitar ser
misturado em um texto multissemântico, cuja sintaxe é
extremamente imprecisa.
O que é notícia?
Os manuais de jornalismo apresentam diversas definições sobre o que é
notícia jornalística. De acordo com a maioria deles, o significado da notícia está
relacionado a duas características fundamentais: novidade, um fato ou
acontecimento atual, e universalidade, deve interessar ao maior número possível de
pessoas. Mas a definição de notícia, além de complexa, é motivo de muita polêmica
entre acadêmicos e profissionais da imprensa. Ocorre que a idéia de atualidade de
uma notícia pode estar relacionada ao “tempo presente”, mas também ao que ele
representa no sentido de relevância pública. Assim, um fato “antigo” pode ser
considerado “novo” quando ele passa a interferir no cotidiano do indivíduo, na
consciência pública presente em determinado tempo. Beltrão (1992, p.72) observa
que a atualidade é uma das características dominantes do jornalismo, cuja obra é
constante, realiza-se praticamente dia-a-dia, hora-a-hora, na proporção em que os
fatos se sucedem.
O que acontece “hoje” esse “falemos hoje” que impõe como tema
de conversação jornalística a atualidade tem raízes no que
sucedeu “ontem” e é, por sua vez, germe do que sobreviverá
amanhã. Por isso, o vazio da atualidade, o que não ocorre, também
é atualidade. Como que num paradoxo, vemos o “velho” revestir-se
de atualidade. E, realmente, o jornalismo está a cada instante
valendo-se do passado, não apenas quando se faz doutrinário ou
opinativo, mas também, quando informa. É esse um dos matizes da
atualidade: a representação de fatos relacionados com a situação
presente. O registro de uma data histórica, por exemplo, “atualiza”
acontecimento que a marcou; o falecimento de uma personalidade
provoca a informação retrospectiva da sua vida e das suas
realizações; a descoberta ou julgamento de um criminoso “revive” o
crime praticado e até outros análogos; a realização de um “clássico”
desportivo põe em relevo matches anteriores de importância
idêntica.
Ademais, a informação sobre um determinado acontecimento é notícia
quando ela é capaz de despertar o interesse do maior número de pessoas. Com
uma linguagem fácil, leve e acessível à compreensão de (quase) todos, os
jornalistas se dirigem à coletividade e não a um indivíduo isolado. Assim, o
jornalismo é conhecido como uma atividade da comunicação de massa que se dirige
a uma audiência relativamente grande, heterogênea e anônima. Mas diante desse
aspecto apresentado, surge a pergunta: a notícia é aquilo que importa a quantas
pessoas?
A antiga percepção de que a notícia estaria “no sangue” e seria, portanto,
algo intuitivo que só o bom repórter saberia captar é analisada por Morestzsohn
(2002, p.64), que conclui que não há como definir notícia segundo critérios internos
à profissão.
A referência ao faro é importante porque, além da subjetividade que
comporta, diz bem de uma profissão que construiu para si própria a
imagem orgulhosa de ser essencialmente uma prática, o que
certamente indica alguma coisa a respeito da polêmica interminável
(pelo menos no Brasil) em torno da necessidade de cursos
específicos de formação profissional de nível superior, como
também informa algo sobre o tradicional desdém dos jornalistas em
relação aos acadêmicos.
Nessa abordagem sobre notícia, entram em jogo outras variáveis que,
segundo Wolf (1995, p.169), articulam-se, principalmente, dentro de dois limites: a
cultura profissional dos jornalistas e a organização do trabalho e dos processos
produtivos.
A noticiabilidade é constituída pelo conjunto de requisitos que se
exigem dos acontecimentos do ponto de vista da estrutura do
trabalho nos órgãos de informação e do ponto de vista do
profissionalismo dos jornalistas - para adquirirem a existência
pública das notícias. Tudo o que não corresponde a esses requisitos
é <<excluído>>, por não ser adequado às rotinas produtivas e aos
cânones da cultura profissional. Não adquirindo o estatuto de
notícia, permanecendo simplesmente um acontecimento que se
perde entre a <matéria-prima> que o órgão de informação não
consegue transformar e que, por conseguinte, não irá fazer parte
dos acontecimentos do mundo adquiridos pelo público através das
comunicações de massa. Pode também dizer-se que a
noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e
instrumentos com os quais os órgãos de informação enfrentam a
tarefa de escolher, quotidianamente, de entre um número
imprevisível e indefinido de factos, uma quantidade finita e
tendencialmente estável de notícias.
Vale destacar que a definição de noticiabilidade, utilizada por Wolf, liga-se ao
conceito de perspectiva-da-notícia (newspaerspective) e que é a resposta que o órgão de
informação dá à questão que domina a atividade dos jornalistas: quais os fatos quotidianos
que são importantes?
<<As notícias são aquilo que os jornalistas definem como tal. Este
assunto raramente é explicitado, visto que parte do modus operandi
dos jornalistas é que as coisas acontecem ‘lá fora’ e eles limitam-se
simplesmente a relatá-las. Afirmar que fazem ou seleccionam
arbitrariamente as notícias, seria contrário à sua posição
epistemológica, uma teoria do conhecimento implícita, construída a
partir de procedimentos práticos para resolver exigências
organizativas>>(ALTHEIDE, 1976 apud WOLF, 1985, p.171)
Nessa ótica, notícia passa a ser um produto que está relacionado com as
práticas produtivas dos órgãos de informação e a escolha do que é noticiado deve
se realizar em tempos e recursos limitados. A produção de uma notícia é um
processo que envolve diversos profissionais com funções bem definidas, cujas
tarefas são executadas em setores aparentemente independentes, mas que
funcionam em sincronia perfeita, mantendo uma total interdependência. As equipes
obedecem a um cronograma rígido, que passa pela apuração do fato, pesquisa,
interpretação, seleção e uma redação adequada, de acordo com as normas de cada
veículo. O tempo e o espaço são estabelecidos por vários critérios como: hora de
fechamento (conclusão da produção das notícias), número de páginas ou minutos,
inserção de anúncios, horário da tiragem ou edição final e, por fim, a circulação ou
transmissão da notícia.
<Faz Notícia> aquilo que, depois de tornado pertinente pela cultura
profissional dos jornalistas, é susceptível de ser <trabalhado> pelo
órgão informativo sem demasiadas alterações e subversões do ciclo
produtivo normal. É obvio que, no caso de acontecimentos
excepcionais, o órgão de informação tem a flexibilidade necessária
para adaptar os seus procedimentos à contingência da situação.
Todavia, a noticiabilidade de um facto é, em geral, avaliada quanto
ao grau de integração que ele apresenta em relação ao curso,
normal e rotineiro, das fases de produção (WOLF, 1985, p.171).
Beltrão (1992, p.84) lembra que, entre as características do jornalismo, “a
periodicidade é a menos subjetiva, a mais formal, pois diz respeito aos intervalos em
que se registram as manifestações”. Ora, para isso os jornalistas precisam estar a
postos para o exercício de suas funções no tempo determinado, pois se forem
adiadas perdem a atualidade e deixam de atender ao atributo jornalístico de levar
constantemente informação ao conhecimento público.
Além de refletir aspectos ligados à disponibilidade e credibilidade da fonte, à
importância ou interesse do acontecimento e a sua atualidade, a notícia é também
um produto inserido na lógica industrial redução de custos e aumento de
produtividade. “As condições de trabalho, por seu lado, também impõem uma certa
forma de “fabricar” notícias, ao levar o repórter a agir e pensar automaticamente, de
modo a economizar tempo e cumprir suas tarefas cotidianas no prazo”, observa
Moretzsohn (2002, p.74) ao analisar a produção de notícias.
Esse aspecto é agravado pelo contexto de crise que a mídia brasileira
enfrenta nos últimos anos. Como observa Lobato (2004), as empresas apostaram no
crescimento da economia e na estabilidade do câmbio, na segunda metade dos
anos 90, e se endividaram em dólar para diversificar os negócios e aumentar a
capacidade de produção. Resultado: o câmbio triplicou e a receita do setor caiu, por
causa da redução da atividade econômica. Mergulhadas numa dívida estimada de
R$ 10 bilhões, as empresas de comunicação - rádios, TVs, jornais, revistas e
agências de notícias - cortaram 17 mil empregos, nos últimos dois anos, segundo
dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Com isso, as redações tornaram-se
mais enxutas e passaram a exigir maior produção dos jornalistas.
Diante deste quadro, verifica-se uma enorme utilização das fontes
institucionais, que fornecem material informativo pronto para a inserção nos jornais.
A relação entre os meios de comunicação e as fontes torna-se conveniente. Por um
lado, os jornalistas de redação precisam de boas fontes para traduzir fatos que não
observaram e assuntos que poucos entendem. Por outro lado, as fontes de
informação, com a ajuda dos assessores de imprensa detentores da capacidade
de traduzir -, não sobrevivem sem a comunicação com a sociedade precisam da
mídia. Moretzsohn (2002, p.69) analisa como as fontes se tornaram capazes de se
expressar na forma requisitada pelos jornalistas.
Essa forma é cuidadosamente trabalhada pelas assessorias de
imprensa em dois níveis essenciais: o treinamento de seus clientes
(discurso verbal, preparado para se tornar notícia, com o uso de
frases de efeito e outros recursos; comportamento diante do
repórter; preparo das condições da entrevista) e a racionalização
das atividades a serem divulgadas (ou eventos a serem
promovidos), adequando-os ao ritmo de trabalho (ao tempo) do
jornal. Portanto, o controle que as fontes exercem sobre o noticiário
pressupõe também esse tipo de submissão. Ajustando-se a essa
temporalidade, fontes já poderosas, como grandes empresas e
instituições, capacitam-se para atuar e participar dos processos
jornalísticos, aumentando o seu poder de influência na opinião
pública.
Portanto, longe vão os tempos em que bastava apenas a disseminação da
informação pelas fontes institucionais. Hoje, a divulgação das informações pela
mídia faz parte da estratégia de comunicação, cada vez mais crescente, nas
instituições de âmbito nacional. Seus produtos precisam de visibilidade para que
sejam percebidos pelo público como confiáveis e independentes.
No caso do IBGE, é através da disseminação e da divulgação pela mídia que
o produtor de estatísticas consegue fazer chegar à sociedade as laboriosas
informações que produz sobre a realidade brasileira, concretizando assim parte da
missão do Instituto
5
, que diz respeito ao exercício da cidadania.
Produtor de estatística:
- Nós avançamos muito na disseminação. Hoje, os dados estão
disponíveis de forma imediata pela Internet, que se tornou o
principal meio para difundir informações das agências públicas.
Jornalista:
- Claro, na era da informação era preciso avançar para não
morrer, mas a tarefa não termina com a disseminação. Na
redação, matéria boa é aquela que é publicada, e não a que fica
na gaveta. Com a informação estatística é a mesma coisa. Ela
precisa ser utilizada como ferramenta, e não guardada no
computador.
5
“Retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da
cidadania”.
A disseminação das informações estatísticas
Nos últimos anos, foram verificadas mudanças relevantes na disseminação
das informações estatísticas que, de certa forma, compensaram o aumento da
demanda nos institutos. No IBGE, como observa Senra (2005, p.200), são utilizados
três tipos de atendimento na disseminação: o clássico atendimento padronizado,
com produtos e serviços ajustados a determinados usuários; o atendimento
personalizado, voltado aos formadores de opinião, e, mais recentemente, o auto-
atendimento, com o uso da base de dados via Internet ou CD-ROM.
Até a metade da década de 90, a grande maioria das informações produzidas
pelo IBGE era publicada na forma de livros de tabelas, com tiragens restritas, e em
formatos tradicionais. Hoje, os dados são disseminados de forma imediata pela
Internet, que se tornou o principal meio para difundir informações das agências
públicas. O investimento no site do IBGE (www.ibge.gov.br) foi
tanto que, por três anos, ele recebeu o prêmio Ibest como o melhor sítio
governamental da Internet brasileira. Em 2002, data da última premiação, o site
IBGE foi indicado como vencedor tanto pelo júri popular como pelo de especialistas
do Ibest.
Com base nas entrevistas, podemos perceber que o site do IBGE é muito
utilizado nas redações dos veículos de comunicação. Todos os jornalistas
entrevistados afirmaram acessar com assiduidade a página do IBGE na Internet. Os
repórteres de jornais e agências de notícias buscam constantemente, na página do
IBGE na Internet, o Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), um
programa que possibilita construir tabelas de acordo com determinadas informações
selecionadas. Já os repórteres de rádios e TVs demonstram pouca “intimidade” com
o SIDRA e alegam, principalmente, falta de tempo para busca.
Outro fato a se destacar, levantado pela repórter Cássia Almeida (O Globo),
foi a utilização da página na Internet nos horários fora do expediente do IBGE.
Assim, através da Internet, o IBGE nunca fecha suas portas para a mídia, já que,
como foi dito anteriormente, ela funciona 24 horas por dia, em esquema de plantão,
e na proporção em que os fatos acontecem.
“Como o IBGE fecha às cinco horas da tarde, se eu não tiver o site do IBGE,
eu posso não ter uma série de informações”, explica Cássia Almeida, que às cinco
horas da tarde (horário em que termina o expediente do IBGE) realiza a apuração da
notícia e, geralmente, às dez da noite fecha sua matéria para o jornal O Globo.
A idéia de democratização das informações estatísticas do IBGE via Internet
é afastada pelo diretor-executivo da TV Globo, Ali Kamel.O jornalista, que utiliza
muito as estatísticas, foi o único, entre os entrevistados, que criticou o acesso ao
banco de dados no site do IBGE. Ele disse que teve dificuldade de acessar as
informações e, de fato, o banco de dados do IBGE é uma fonte que poucos sabem
usar, geralmente os pesquisadores.
Na verdade, o IBGE é um mar de informações que poucos usam
bem. O Ipea usa muito bem, mas o Ipea fala para a academia e para
o governo, numa linguagem extremamente técnica e, por isso,
impenetrável para o grande público. [...] Na verdade, seria preciso
democratizar radicalmente o banco de dados do IBGE. E
democratizá-lo não é apenas torná-lo disponível na Internet. É
preciso que o acesso seja simples, fácil, com mecanismos de busca
que todos entendam. Por exemplo, sou uma pessoa bem equipada,
entendo de estatísticas, gosto de estatísticas.Eu estava escrevendo
um artigo [...] e fui para a página do IBGE. É impossível você
conseguir fazer qualquer pesquisa ali. É uma democratização falsa.
A pessoa vai lá e digita os dados ou tabela que quer, mas não acha.
Fui dormir às duas e meia da manhã, tinha certeza que o dado
estava ali, mas não consegui fazer uso (KAMEL, 2004).
Com o avanço da tecnologia, diminuiu também o tempo necessário para
satisfazer ao público, que tem acesso quase imediato a tudo que está disponível.
Bradburn (1999) lembra que quando uma pessoa pode ter acesso aos dados no
computador em um minuto, ela passa a considerar inaceitável que informações
atuais não estejam na rede. Assim, a demanda pelas informações estatísticas se
torna mais exigente e os benefícios da computação, que antes só eram visíveis na
produção das estatísticas como vimos no capítulo anterior, passam a ser
insuficientes na disseminação.
É claro que as instituições estatísticas passaram a compartilhar mais as suas
informações e, com isso, evitaram maiores descontentamentos. A distribuição dos
microdados de suas pesquisas, na forma de CD-ROMs, teve como principal objetivo
permitir que estudiosos e analistas no país e no exterior elaborassem suas próprias
tabelas.
Cresce a pressão, e uma solução torna-se inadiável; é quando
decidem divulgar os chamados microdados, com a devida reserva
do sigilo. O que são os microdados? Em linhas gerais, são
informações individuais sem identificação dos indivíduos, portanto
com a perfeita reserva do sigilo. Isso é quase sempre possível, em
diferentes pesquisas, as sociais em especial, e quando não o é,
especialmente as econômicas, faz-se alguma agregação, ainda que
menor do que as usuais. De fato, nas pesquisas sociais em geral
pode-se revelar algo muito próximo da informação individual sem os
riscos de revelação, já no caso das pesquisas econômicas, a
situação é bastante diferente, uma vez que divulgá-las pode levar à
revelação dos informantes (nesses casos, muitas vezes, nem
agregação são possíveis). De todo modo, há um grande avanço
(SENRA, 2004, p.13).
Além disso, houve um esforço sistemático de aumentar a velocidade de
atendimento às solicitações externas, já que o acesso aos microdados só satisfaz a
um público especializado, aqueles que são capazes de compreender e de
manipular os dados. A maioria dos usuários tem dificuldade de acesso e recorre às
instituições estatísticas, que nem sempre conseguem responder na rapidez
desejada.
Para Senra (2004, p.14), a saída virá “na forma da criação de sistemas de
acesso e de análise (extração) dos microdados, facilitando a elaboração de tabelas,
gráficos e cartogramas, em agregações específicas”. Um exemplo foi a criação, pelo
IBGE, do Banco Multidimensional de Estatísticas (BME), que pode ser utilizado
através de assinatura na Internet.
Além disso, novas formas de venda e disseminação de dados são
experimentadas, pelo telefone, pelo correio eletrônico (loja virtual no site do IBGE na
Internet), pelo uso de bancas de jornal e por parcerias com empresas privadas.
Dentro da instituição, cresce a mentalidade de que o diferencial que sustenta
ou não cada produtor de estatística na sua posição não é a posse da informação,
mas sim o conhecimento dos conceitos e métodos utilizados na pesquisa, que vão
desde a coleta de campo até a disseminação. É o fim dos tempos em que o
pesquisador era chamado de “dono do dado”, onde as informações adicionais que
não estavam publicadas eram objeto de negociação com as áreas que as
produziam, sem falar nas restrições em nome da garantia do sigilo no uso das
informações individuais.
Dessa forma, para evitar riscos de quebra do sigilo, o ideal será
sempre divulgar o mínimo na máxima agregação. Eis a ideal oferta
padrão: poucas tabelas, bastante agregadas, contendo um enfoque
específico à compreensão das realidades complexas, o enfoque das
instituições estatísticas. Pouco a pouco, contudo, isso deixa de
atender aos estudiosos e aos pesquisadores, mais e mais
numerosos, querendo produzir suas agregações peculiares, com
seus próprios enfoques. Tabelas outras, fora as padrões, que não
satisfazem, são demandadas; isso preocupa as instituições
estatísticas (SENRA, 2004, p.13).
Ora, para tornar as informações públicas, é preciso tratá-las, garantindo a
qualidade dos dados e o cumprimento rigoroso da garantia de sigilo oferecida aos
informantes. Senra ( 2004, p.15) mostra como as instituições de estatísticas vivem
um curioso dilema entre o zelo, que atende à credibilidade do órgão, e o sigilo, onde
as restrições decorrentes ameaçam a legitimidade.
Em suma, não resta dúvida que as instituições estatísticas vivem
numa corda bamba: de um lado, zelam extremadamente por sua
credibilidade (posta de dentro para fora), e o fazem limitando a
divulgação das estatísticas. Não sendo possível limitar-se ao
conjunto mínimo de tabelas, que tradicionalmente disponibilizam
como acesso padrão, acabam criando condições para crescente
auto-atendimentos (já que não conseguem materializar
atendimentos personalizados), na forma de microdados (com
informações individuais não identificadas); ademais, criam também
especiais condições de acesso a informações individuais
identificadas, com restrições e reservas extremas. De outro lado,
tanto menos oferecem, por razões de credibilidade, tanto mais ferem
sua legitimidade (dada de fora para dentro), faces da mesma
moeda, a moeda da existência das instituições estatísticas.
Em resumo, para obterem a legitimidade, que vem do reconhecimento da
sociedade, as instituições de estatísticas utilizam-se da mídia e “vendem” seus produtos
como notícias. Já os veículos de comunicação buscam no IBGE (fonte) as estatísticas
para fundamentar suas matérias jornalísticas ou revelar um novo fenômeno. Na mídia,
as estatísticas são utilizadas nas análises sobre a realidade do país, no questionamento
de medidas governamentais, nas denúncias de desigualdades e eventuais retrocessos
na qualidade de vida da população, nas polêmicas com políticos e analistas
econômicos e sociais, sempre buscando manter ou aumentar sua empatia (traduzida
em audiência, para as TVs, ou circulação, no caso dos jornais) junto ao público. Um
momento importante de oferta e demanda.
Produtor de estatística:
- O diálogo franco entre os estaticistas e os jornalistas é
fundamental no processo de divulgação. Essa é uma relação de
mão-dupla. Nós precisamos de vocês e as informações que
produzimos são fundamentais para suas matérias.
Jornalista:
- É verdade. Precisamos cada vez mais de fontes seguras com
informações confiáveis. Mas vocês precisam aprender a no s
“vender” esse material.
A divulgação das informações estatísticas
Nos últimos anos, a imagem pública do IBGE alterou-se profundamente. O
Instituto está na imprensa todos os dias, mesmo nos últimos períodos de greve. As
informações são distribuídas com rapidez, e seus dados são aguardados com
respeito e consideração. A divulgação das pesquisas do IBGE na mídia contribui
decididamente na construção da imagem pública da instituição.
Esta imagem pública também se reflete dentro da instituição, criando um
clima de interesse e orgulho pelo trabalho realizado entre os funcionários, apesar
das dificuldades salariais que afetam o serviço público com um todo. Esse processo
teve um impacto positivo até na qualidade dos produtos, cujos resultados são
traduzidos numa linguagem mais acessível e aguardados pelos jornalistas de
diferentes veículos de comunicação.
Assim, estar na mídia é necessário, mas tem seu preço. Ao analisar o
discurso da informação ou da publicidade ou na cultura de massas, Ramonet (2003,
p.245) observa que ele apresenta, retoricamente, as mesmas características. Em
primeiro lugar, é um discurso rápido para evitar o tédio, na imprensa os artigos são
cada vez mais curtos, as frases são breves, os títulos impactantes, como um modelo
publicitário. Em segundo lugar, o discurso dominante, nos grandes sistemas
midiáticos, é muito elementar com um vocabulário que todo mundo possui, uma
construção retórica que todo mundo pode entender. E por fim, Ramonet destaca a
utilização de elementos de espetacularização, de dramatização: o riso, por exemplo,
no discurso publicitário e o tom eufórico ou a tragédia no discurso do noticiário.
Fazer rir ou fazer chorar. Em todo caso, expressar-se através das emoções.
Castells (1999, p.361) também mostra que estar na mídia é “aceitar ser
misturado em um texto multissemântico, cuja sintaxe é extremamente imprecisa”.
Isso gera uma certa insegurança entre os produtores de estatísticas. Os jornalistas
podem ajudar na divulgação, mas também podem criar dificuldades ao produzirem
matérias com informações inconsistentes. Entretanto, esses riscos devem ser
analisados dentro de um instituto de estatísticas, sem perder de vista a idéia de que
quanto mais se conhece a natureza da mídia melhor a tradução das estatísticas e
vice-versa. Em outras palavras, o diálogo franco entre os estaticistas e os jornalistas
é fundamental para ampliar a política de divulgação. É um caminho sem volta e que
pode ajudar muito o IBGE como observa Schwartzman (1997, p.12): “se os números
produzidos por uma instituição são adotados por todos, essa instituição irá conseguir
os recursos e o apoio para continuar seu trabalho, enquanto outras irão se eclipsar”.
Senra (2005, p.202) reconhece que não há como um instituto de estatísticas
fugir da mídia. O melhor que se deve fazer é aproximar e tornar seus produtos mais
palatáveis para os jornalistas.
[...] Voltar-se às mídias ( impressa, televisiva, radiofônica) é
importante, essencial mesmo, mas não sem riscos. É essencial
porque, ao divulgar os resultados das pesquisas, por lhes darem
visibilidade, propagandeia a legitimidade das instituições estatísticas.
Contudo, diante de estatísticas “desagradáveis”, facilita e amplifica a
atribuição de “incompetência” às instituições estatísticas, abalando
sua laboriosa credibilidade. Sim, quando as estatísticas “desagradam”
é fácil apor-se “culpa” às instituições estatísticas, dizer-se que elas
fracassaram, lançar-lhes suspeitas. Mas, embora atitudes tais não
decorram somente de exposição às mídias, sem dúvida, essa
exposição a magnifica; como seja, mesmo diante dos riscos, não há
como fugir às mídias, e para atendê-las, há de se tornar mais
analíticos os press-releases, e há de se reforçar o contato dos
jornalistas e dos especialistas.
Mas nem quantificar o mundo e nem noticiar as estatísticas são tarefas
simples. Para que as pesquisas sejam percebidas pelo público como confiáveis e
independentes, o papel da assessoria de imprensa é cada vez mais relevante dentro
dos institutos de estatísticas. Os produtores das informações estatísticas buscam
uma relação mais estreita com as mídias através de seus assessores, que elaboram
as estratégias de comunicação.
Assessoria de imprensa
No Brasil, a expansão das assessorias de imprensa coincide com o regime
militar implantado pós-64, como mostra Lima (1985, p.14). O país atravessou uma
fase de recessão econômica, as autoridades governamentais e lideranças
empresariais ficaram de quarentena e o diálogo periódico com os jornalistas foi
substituído pelos releases. O relacionamento entre profissionais de redação e de
assessorias de imprensa era cercado de divergências e antagonismo. Naturalmente,
muito dos resquícios do autoritarismo persistem e, ainda, alimentam algumas
distorções como: a figura do assessor que esconde a notícia e a do jornalista
inescrupuloso.
Mas foi também a partir da década de 60 que os veículos jornalísticos
começaram a se multiplicar, bem como a segmentação das informações, como
chama a atenção Rego (1987, p.39). Nos últimos anos dessa década, O Estado de
São Paulo, o Jornal do Brasil e a Folha de São Paulo implementaram intensivos
programas de modernização gráfica e editorial. Essa tendência foi seguida por
diversos jornais do interior do país. Nessa década, o país conheceu também a
expansão do mercado de revistas, cujas tiragens chegaram a ultrapassar 300 mil
exemplares, e o fortalecimento da informação especializada, como o jornalismo
econômico, o jornalismo técnico, o jornalismo científico, entre outros.
Com o regime democrático, o Brasil muda e os diferentes setores sociais
começam a se expressar com maior autonomia. O fim do regime autoritário e a
abertura política contribuíram para popularizar e consolidar a noção de direitos civis.
A sociedade quer se conhecer melhor e, com a estabilidade econômica, passa a
exigir mais e aprofundar a noção de cidadania com o suporte essencial da mídia,
cada vez mais entre nós.
Com isso, as assessorias de imprensa começam a se redimensionar e voltam
a descobrir o papel que lhes cabe de facilitadoras na busca dos repórteres pelas
notícias. O assessor de imprensa comporta-se como jornalista que é e cumpre o
papel de intermediário entre a empresa e os órgãos de comunicação, entendendo
que a primeira reportagem dentro da empresa quem faz é ele. É conhecendo
profundamente sua empresa que o assessor vai poder “vender” as pautas e inverter
o processo de busca da informação. Ao invés do repórter ir diretamente à fonte, as
fontes representadas pelos assessores de imprensa e pelos inúmeros releases de
assessorias passam a inundar as redações dos órgãos de comunicação.
Nesse novo quadro, o IBGE amplia sua política de divulgação, buscando
abrir suas portas para a mídia e para a sociedade. A idéia é transformar os
jornalistas em aliados, que veiculem as informações estatísticas tão necessárias ao
exercício democrático da cidadania.
O jornalista, pela importância do seu papel, recebe um atendimento especial
no IBGE. Nos últimos cinco anos, a assessoria de imprensa organizou diversos
cursos para os jornalistas do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Foram realizados
cursos sobre pesquisas mais complexas (por exemplo: PIB e Censo) e, também,
treinamentos para o uso de alguns instrumentos do IBGE, que permitem o acesso
rápido às informações estatísticas como, por exemplo, o uso do site na Internet,
Banco Multidimensional de Estatísticas (BME), Sistema IBGE de Recuperação
Automática (SIDRA) e Estatcart.
O aperfeiçoamento do jornalista é um caminho para qualificar as matérias sobre as
pesquisas do IBGE. Em sua palestra na Diretoria de Pesquisas (5 de junho de 2002, Rio de
Janeiro), o professor e jornalista Alberto Dines, do programa da TVE e site “Observatório da
Imprensa”
6
, chamou a atenção para a grande presença de jovens recém-formados nas
redações e alertou para necessidade do aperfeiçoamento desses profissionais. Lembrou que o
IBGE já possui uma Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) que pode dar apoio aos
jornalistas.
A demanda diária da mídia nacional, que não é pouca, é atendida por seis jornalistas
(cinco funcionários do Instituto e um prestador de serviço) e dois estagiários na sede do
IBGE, no Rio de Janeiro. Eles redigem releases e pautas para jornais e TVs, recebem
ligações, interpretam pedidos, apuram notas para colunas e agendam entrevistas com os
responsáveis pelas pesquisas. As ligações vêm de todos os cantos do país, sem contar os
jornalistas estrangeiros. A demanda cresceu tanto que, nos últimos dois anos, foram
contratadas mais duas jornalistas para servirem de base em locais estratégicos de divulgação:
Brasília e São Paulo. Só para se ter uma idéia da importância desse feito, a jornalista recém-
contratada do IBGE, em São Paulo, atende à mídia da capital e do interior do estado, que
6
- Vide www.observatoriadaimprensa.org.br
soma mais de 200 veículos de comunicação. Já em Brasília a jornalista (prestadora de
serviço) atende à mídia local e aos parlamentares no Congresso Nacional.
Com isso, a área de atuação da comunicação do IBGE alarga-se e seus efeitos se
multiplicam. O papel da assessoria de imprensa do IBGE foi questionado nas entrevistas
deste trabalho. A pergunta teve como objetivo principal buscar propostas maduras e viáveis
para aprimorar o trabalho da assessoria, adequando-a às reais necessidades dos milhares de
veículos de comunicação existentes no país.
De maneira geral, os jornalistas que cobrem as pesquisas do IBGE
mostraram-se satisfeitos com o trabalho desenvolvido pela assessoria de imprensa.
Mas os repórteres de jornais se queixaram da intermediação exercida pela
assessoria e manifestaram interesse em falar diretamente com a fonte. Para alguns
deles, a interferência da assessoria limita o acesso direto do repórter aos estaticistas
e acarreta perda de tempo.
Esta não é a opinião da repórter Jaqueline Farid, da agência de notícia em
tempo real Estado de SP, que, talvez pela natureza do veículo, considera
fundamental a assessoria de imprensa do IBGE: “não tem a menor condição de
cobrir o IBGE sem a assessoria”.
Já a produtora da TV Globo Happy Carvalho revela que no seu dia-a-dia na
redação de um telejornal não sobra tempo para uma leitura atenta das pesquisas
estruturais, mesmo quando são entregues antecipadamente nos embargos
7
.
Segundo ela, algumas pesquisas acabam sendo lidas em sua casa, fora do horário
de trabalho. “Eu acho que a assessoria deveria pegar aqueles calhamaços, como
censos da vida e POF, e dar uma destrinchada, uma lavada, uma melhorada para
chegar na mão da gente uma coisa mais enxuta. Um material que o assessor já
tenha trabalhado com o pesquisador”.
O trabalho da assessoria de imprensa do IBGE provocou os seguintes
comentários dos jornalistas que exercem funções de editores ou coordenadores de
jornalismo:
“O assessor precisa saber tratar a pesquisa como um bom produto a ser
“vendido”, o “vendido” é claro no jargão jornalístico. Ele precisa saber apresentar
bem para a imprensa e destacar a importância daquele trabalho de pesquisa. É
7
A prática do embargo consiste em antecipar, para os jornalistas, as informações das pesquisas com o
compromisso de divulgar em data e horário estabelecidos pelo IBGE. Esta estratégia de comunicação será
discutida ainda neste capítulo.
fundamental este papel”, afirma Mauro Silveira, coordenador de jornalismo da rádio
CBN.
“O IBGE tem uma assessoria de imprensa que tem a preocupação de fazer as
coisas bem feitas, com antecedência, para a mídia poder trabalhar bons textos e
colocar o corpo técnico à disposição. São dados positivos”, percebe Marcelo Beraba,
ombudsman da sucursal da Folha de São Paulo no Rio de Janeiro.
"Jornalista é meio um especialista em generalidade. Eu tenho jornalistas que
entendem de economia e da área social, por exemplo. A estatística está dentro de
todas essas áreas. Então, o básico eles entendem. Mas dependemos de vocês para
que as informações mais difíceis possam ser entendidas com mais facilidade. E
vocês cumprem bem esse papel", destaca Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo
da TV Globo.
Embora a atividade jornalística implique uma série de características
subjetivas, a assessoria de imprensa tenta tornar esse trabalho mais objetivo com a
implantação de alguns instrumentos de divulgação como: release, entrevistas
coletivas, embargos e outros. É importante reafirmar que esses instrumentos fazem
parte de uma ampla política de divulgação do IBGE, cujo objetivo principal é se
aproximar da sociedade através da parceria com os jornalistas.
O resultado disso foi observado por Besserman (2005): “a mídia aproveitou
extraordinariamente bem a oportunidade, e a cobertura das estatísticas do IBGE
passou a ter uma pluralidade e qualidade que se distinguem na imprensa mundial”.
Vale, portanto, avaliar cada estratégia de divulgação da assessoria e conhecer a
visão dos jornalistas que freqüentam o IBGE.
Estratégia de divulgação: release
Segundo a definição de Rabaça e Barbosa (1978, p. 402), o release é um
“texto informativo distribuído à imprensa por uma instituição privada, governamental
etc. , para ser divulgado gratuitamente, entre as notícias publicadas pelo veículo”. No
IBGE, o release é preparado pela assessoria de imprensa e enviado via Internet (ou
distribuído pessoalmente) aos repórteres ou editores que cobrem o setor.
Quando surgiu nos Estados Unidos, o release era um complemento de
informações distribuído antes das solenidades e das entrevistas coletivas, mas hoje
em dia, no Brasil, o aproveitamento desse material como notícia pronta é cada vez
mais freqüente, observou Lima (1985, p.47):
[...] Para muitos editores, hoje, o papel que chega à sua mesa de
trabalho recebe a chancela de notícia final e, como tal, é publicada.
Assim o dever que tem todo o bom jornalista de analisar, indagar,
questionar a informação que recebe vai aos poucos sendo relegado
a segundo plano diante da avalancha de press-release.
Sem se contar o problema de que alguns empresários donos
de jornal valem-se do press-release para encher páginas de jornal e
assim economizar mão-de-obra. Para que contratar mais uma
repórter se há quem forneça notícia pronta?
Lima (1985) lembra, ainda, que o profissional que produz um release deve
fazer com que os representantes da instituição saibam que a informação não vai ser
publicada exatamente do jeito que foi aprovada. Esse instrumento não limita o que o
jornalista pode fazer com a informação. Assim, a instituição deve estar certa de que
o release desencadeia um processo de informação, que poderá ampliar-se e
abranger outros setores.
Esse procedimento dos jornalistas demanda tempo e dedicação dos
profissionais das instituições estatísticas. No IBGE, alguns especialistas vivem um
conflito para conciliarem suas rotinas de trabalho com inúmeros atendimentos aos
jornalistas. Afirmam que se fossem atender a todos os telefonemas dos jornalistas
não teriam tempo para produzir as estatísticas. Em suma, não resta dúvida que
esses profissionais de estatísticas vivem numa corda bamba: de um lado, precisam
produzir mais, de forma eficiente e precisa e em menos tempo, e, de outro lado,
devem divulgar bem as informações produzidas na busca da legitimidade. A questão
é encontrar este ponto de equilíbrio que não prejudique a divulgação e nem a
produção, já que pesquisas divulgadas com atraso ou com informações incompletas
são rejeitadas pelos próprios jornalistas.
Para se ter uma idéia do tempo dedicado aos jornalistas, basta acompanhar a
divulgação de uma das pesquisas conjunturais do IBGE - os índices de preços do
INPC e do IPCA, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), a Pesquisa Industrial
Mensal (PIM), a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), o Levantamento Sistemático
da Produção Agrícola (LSPA), o índice de custo da construção civil (SINAPI) e o
Produto Interno Bruto (PIB), onde os técnicos responsáveis além de participarem
das coletivas, marcadas sempre às 9h30 da manhã, reservam o restante do dia para
atendimento à imprensa. Pelo telefone, eles tiram as dúvidas daqueles jornalistas
que compareceram ou não à coletiva, incluindo o s profissionais que trabalham nas
redações de outros estados. O número de jornalistas que recorre à instituição é tão
grande que alguns técnicos não conseguem encerrar seu expediente de trabalho no
horário normal.
Quanto à estrutura de conteúdo do release, no IBGE o texto é estritamente informativo
e não pode trazer a opinião de algum técnico. Além disso, o nome da instituição geralmente é
incluído no título ou dentro do próprio lead, parte mais importante do texto jornalístico.
O
lead é a abertura de uma notícia, sua leitura deve “fisgar” o interesse do leitor e persuadi-lo a
ler tudo até o final. De acordo com o dito jornalístico (WOLF, 1995, p.185), as notícias
deveriam ser como as saias de uma mulher: suficientemente compridas para cobrirem o
essencial e suficientemente curtas para reterem a atenção.
O lead de uma matéria também torna possível, para quem tem pouco tempo, tomar
conhecimento do fundamental de uma notícia. Segundo os manuais de jornalismo, o lead deve
responder algumas ou todas as questões básicas da informação: o quê, quem, quando, onde,
como e por quê.
O título do release, preparado pelos jornalistas da assessoria de imprensa do
IBGE, também segue as técnicas de redação jornalística, como destaca Lima (1985,
p.54).
O título de um press- release deve necessariamente ser “quente” e
chamar atenção do leitor, resumindo o mais importante do lead.
Quando falamos em quente nos referimos aos maior número de
características que a notícia preenche como as de ser recente,
inédita, verdadeira, objetiva e de interesse público.
O título deve ainda, de preferência, ter verbo, se possível de ação.
Quanto ao tempo do verbo, dependendo das circunstâncias, o
presente simples é o mais indicado. Por exemplo: ao invés de “avião
caiu e destruiu quatro casas”, “avião cai e destrói quatro casas” é
muito mais direto e quente.
Os releases do IBGE só podem ser enviados para os jornalistas depois de
aprovados pelo técnico responsável da pesquisa. Essa tradução do texto técnico
para o jornalístico avançou muito nos últimos quatro anos. O que antes parecia
indigesto para os técnicos, hoje faz parte do dia-a-dia como cortar, traduzir, frases
curtas, resumir resultados, etc. Houve um tempo, no IBGE, em que os técnicos
resistiam aos releases e não aceitavam o estilo jornalístico que se caracteriza por
ser claro, direto, com frases breves, vocabulário usual e verbos de ação que dão
vida à frase e estimulam o leitor. Os relatórios extensos e carregados de termos
técnicos foram, aos poucos, substituídos por textos estruturados numa ordem
decrescente de importância - é a técnica jornalística da pirâmide invertida como
explica Amaral (1982, p.53): “o método tem uma função prática que é prender a
atenção do leitor e permitir que o chefe de redação ou o secretário de oficina
suprimam os últimos parágrafos, em caso de necessidade de espaço, sem maiores
prejuízos para a própria informação”
Se considerarmos que um editor recebe diariamente dezenas de
comunicados, dos mais diversos assuntos, compreende-se facilmente que um
release já elaborado de acordo com as técnicas de redação da notícia, com um
título, um lead e um corpo de matéria, exerça uma certa tentação de ser utilizado. Se
levarmos em consideração o tempo restrito do jornalista para produzir a notícia, o
tema do release terá mais possibilidade de ser publicado do que o mesmo assunto
comunicado por meio de um texto rebuscado, onde os fatos mais importantes
dificilmente são revelados.
Nas entrevistas, o release foi apontado como um dos instrumentos de maior
valor para os jornalistas, seguido das análises dos resultados elaboradas pelos
técnicos e o ranking. Mais uma vez, a falta de tempo é o principal motivo para que o
release seja considerado fundamental pelos repórteres de agências de notícias e
emissoras de rádio.
“Como eu passo a notícia em tempo real, se o release estiver mal escrito ou
se estiver, como acontece às vezes, faltando alguma informação importante - é um
desastre na minha vida”, desabafa Jaqueline Farid, da agência de notícia Estado.
“Às vezes vem uma enxurrada de informações que para a gente não tem
muito valor. Então, quanto mais focado, mais direto, melhor”, explica Rodrigo Viga,
repórter da rádio Jovem Pan.
“O release tem valor porque a partir daí a gente pode desenvolver a matéria”,
comenta Cristiane Ribeiro, do sistema Radiobrás.
“Na última POF
8
, o release trazia uma informação que ninguém tinha visto no
embargo. Daí a gente mudou o lead da matéria principal. Era alguma coisa de
impostos relacionados ao consumo. Quer dizer, o release trouxe uma informação
8
POF Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE
importante que a gente não tinha visto antes”, destaca Pedro Soares, da Folha de
São Paulo.
No entanto, não basta apenas redigir um texto de acordo com as orientações
dos manuais de redações e esperar a publicação nos jornais do dia seguinte ou nas
programações de rádio e TV. É fundamental, também, pensar no “público jornalista”
que se quer atingir e no enfoque inicial da notícia, que vai depender da editoria na
qual atua o jornalista. Assim, o sucesso da divulgação do release depende também
do mailing-list ou a conhecida “listagem de imprensa”, que é organizada pelas
assessorias ou adquirida em empresas de comunicação especializadas neste
produto. A listagem de imprensa do IBGE tem cerca de 425 nomes de jornalistas de
diversos veículos de comunicação no país e no exterior. A listagem com o nome,
endereço eletrônico e o órgão de comunicação é atualizada periodicamente e
classificada por editorias como, por exemplo, economia, nacional, meio ambiente,
etc. Isto é fundamental porque se um release sobre animais em extinção for enviado
para uma editoria errada como, por exemplo, a de economia, o destino é um só: o
lixo.
A oportunidade antecipada, com a existência de um cronograma, também é
um aspecto importante na divulgação do IBGE. Um acontecimento previsto cuja
cobertura jornalística pode ser planejada possui uma boa noticiabilidade. Assim, na
página do IBGE na Internet pode ser encontrado o calendário anual de divulgação
das pesquisas. Esse procedimento, que é utilizado como salvaguarda para manter a
autonomia da Instituição, ajuda também os jornalistas.
Ainda em relação ao calendário de divulgação das pesquisas, que é
elaborado pelas diretorias do IBGE, observa-se que a assessoria de imprensa não
tem qualquer autonomia ou ingerência no sentido de recomendar determinados dias-
chave ou, até mesmo, impedir a superposição de divulgações que acarreta
superexposição num determinado dia. Neste aspecto, algumas instituições
organizam seus eventos de acordo com o “tempo” da mídia - por exemplo, as
notícias variam segundo o período do dia ( a parte da manhã é, jornalisticamente,
melhor), segundo os dias da semana (sexta-feira e os fins de semana não são
adequados) e os meses do ano (o verão não é um bom período, com as festas de
fim de ano e carnaval).
No IBGE, o calendário de divulgação leva em consideração dois tempos: o
primeiro, o tempo utilizado para a produção da pesquisa (incluindo todas as etapas
desde a coleta de dados até a tabulação e análise), e o segundo, o tempo de
disseminação (com todos os passos da editoração). O tempo da divulgação não é
levado em consideração na montagem do calendário e, quase sempre, é estimado
dentro do próprio período da disseminação. Ocorre que tanto a disseminação como
a divulgação guardam algumas particularidades no processo de produção. Por
exemplo: durante o embargo os jornalistas utilizam as primeiras reproduções
gráficas, sem capa ou acabamento, mas o único produto disponível no tempo da
disseminação. Alguns jornalistas chegam a encontrar erros nos textos ou nas
tabelas que escaparam ao revisor, mas no dia do lançamento, na entrega do
material definitivo, esses problemas são esclarecidos na errata.
Outra conseqüência da divulgação dentro do tempo da disseminação ocorre
no dia do lançamento da pesquisa. As publicações impressas não se encontram
disponíveis para a sociedade (exceto pela Internet) depois de anunciadas pela
mídia. Após a impressão, ainda serão distribuídas nas principais capitais, um tempo
demasiadamente longo para quem está interessado na consulta ou na compra
imediata desse material.
Estratégia de divulgação: entrevista coletiva
A entrevista coletiva é um tipo de entrevista em que o especialista atende à
imprensa em conjunto, respondendo às perguntas de todos os repórteres, e é muito
utilizado pelo IBGE. Inicialmente, essa prática (feita quase sempre na sede do IBGE,
no Rio de Janeiro) atende a alguns propósitos da instituição: economizar tempo do
entrevistado e proporcionar oportunidades iguais a todos os órgãos de imprensa.
Mas, com o passar do tempo, o entrevistado é cada vez mais requisitado, por
telefone, pelos diversos veículos de comunicação e estende seu atendimento aos
jornalistas durante o dia todo.
Além das pesquisas estruturais, o IBGE divulga mensalmente de sete a oito
pesquisas conjunturais. Para facilitar o trabalho dos jornalistas, a assessoria envia,
pelo correio eletrônico, para as redações, às sextas -feira, o calendário de divulgação
semanal das pesquisas e, ainda, na véspera da publicação do resultado remete um
convite, com local e horário da coletiva.
A maioria das divulgações é acompanhada de entrevista coletiva com os
técnicos responsáveis pelas pesquisas. As pesquisas conjunturais são divulgadas
sempre às 9h30 de acordo com a portaria nº 164, de 20 de dezembro de 1999,
assinada pelo ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Martus Tavares, o
qual o IBGE é subordinado. A portaria estabelece os seguintes procedimentos com
vistas à divulgação dos resultados de indicadores conjunturais produzidos pelo
IBGE:
O Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, no uso
das atribuições que lhe confere o inciso II, do artigo 87 da
Constituição resolve:
Art. 1º- Estabelecer procedimentos com vistas à divulgação dos
resultados de indicadores conjunturais produzidos pela Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE.
Parágrafo único Os resultados dos indicadores conjunturais, como
os índices de preços do INPC e do IPCA, a Pesquisa Mensal de
Emprego (PME), a Pesquisa Industrial Mensal (PIM), a Pesquisa
Mensal de Comércio (PMC), o Levantamento Sistemático da
Produção Agrícola (LSPA), o índice de custo da construção civil
(SINAPI) e o Produto Interno Bruto (PIB Trimestral), no dia da
divulgação obedecerão às seguintes etapas:
a)7h30 liberação para as autoridades da lista de precedência;
b)9h30 liberação para a imprensa e disponibilização na Internet
(http://www.ibge.gov.br) e via fax (21-220-6521); e
c)9h30 horário a partir do qual os técnicos do IBGE estarão
disponíveis para prestar esclarecimentos.
Art.2º- A relação das autoridades constantes da lista de precedência
será divulgada por intermédio de Nota Oficial da Instituição e
disponibilizada na página do IBGE na Internet no endereço:
http://www.ibge.gov.br.
Art. 3º- As autoridades constantes da lista de precedência deverão
observar o mais rigoroso sigilo das informações referentes aos
indicadores de que trata esta Portaria, nos termos do disposto na Lei
nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Essa medida segue os melhores procedimentos internacionais e confere
credibilidade e transparência ao instituto de estatísticas. Com isso, o governo passa
a receber os resultados das pesquisas conjunturais com apenas duas horas de
antecedência em relação à abe rtura dos mercados e à divulgação pública.
Não obstante, o atual governo, através do então ministro do Planejamento,
Orçamento e Gestão, Guido Mantega, resolveu alterar a antecedência com que as
autoridades recebem as pesquisas conjunturais. Com a nova portaria ( nº167), do
dia 5 de setembro de 2003, o ministro passa a receber a notícia com 24 horas de
antecedência. O horário da divulgação para a imprensa e para a sociedade não foi
alterado.
O Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, no uso
das atribuições que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos I e
II, da Constituição e considerando o disposto no art. 27, inciso XVII,
alínea “c”, da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, resolve:
Art. 1º- As informações relativas aos resultados de Indicadores
conjunturais produzidos pela Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística IBGE serão encaminhadas ao Ministro do
Planejamento, Orçamento e Gestão com antecedência de 24h (vinte
e quatro horas) ao horário fixado na Portaria 164/MP, de 20 de
dezembro de 1999, para divulgação.
Art. 2º - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
O atual governo também decidiu estabelecer regras mais rígidas em relação
às divulgações das pesquisas estruturais, que estavam fora das dete rminações das
duas portarias anteriores. Para evitar a divulgação de informações antes que o
governo tome conhecimento delas, foi publicada no Diário Oficial da União, no dia 28
de janeiro de 2005, a portaria nº 15, com a exigência de que as pesquisas
estruturais devam ser entregues ao Planalto pelo menos 48 horas antes de serem
distribuídas à imprensa.
O Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão,
Interino, no uso das atribuições que lhe confere o art. 87, parágrafo
único, incisos I e II, da Constituição e considerando o disposto no
art.27, inciso XVII, alínea “c”, da Lei nº 10.683, de 28 de maio de
2003, resolve:
Art. 1º Disciplinar os procedimentos a serem observados na
divulgação dos resultados de indicadores estruturais produzidos
pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE.
Art. 2º os resultados serão encaminhados pela Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE ao Ministro do
Planejamento, Orçamento e Gestão, com antecedência mínima de
quarenta e oito horas do horário fixado no art. 3º, inciso 1, desta
Portaria.
Art.3º No dia da divulgação dos resultados dos indicadores de que
se trata esta Portaria, serão observados:
I liberação para a imprensa e disponibilização pela Internet, no
endereço (http://www.ibge.gov.br), às 10 horas;
II - os técnicos do IBGE somente poderão prestar esclarecimentos
sobre os resultados dos indicadores estruturais após a liberação e
publicação na forma do inciso I.
Art.4º Os servidores que tenham conhecimento prévio dos
resultados deverão manter rigoroso sigilo, sob pena de
responsabilidade nos termos da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de
1990.
Art. 5º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Nelson Machado
A portaria diz que técnicos do IBGE só podem prestar esclarecimentos sobre
as pesquisas após a divulgação oficial, devendo manter o sigilo, sob a ameaça das
penalidades da lei. Isso atinge duas questões centrais: as relações entre o IBGE e a
mídia e a autonomia na política de divulgação das pesquisas. Por exemplo, a prática
do embargo (que será tratada mais adiante nesta dissertação), que consiste em
antecipar informações para a mídia, dá enorme visibilidade ao IBGE.
É claro que os jornalistas procuraram investigar se a insatisfação do governo
federal em relação ao resultado da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF),
divulgada em dezembro de 2004 pelo IBGE, motivou a publicação dessa portaria.
Essa relação foi afastada pela atual direção do IBGE. Mas não há como negar que a
divulgação da POF, que revelou a existência de mais obesos que subnutridos no
país, acabou despertando críticas aos programas sociais do governo de
transferência de renda.
Em resposta à surpreendente reação da sociedade em relação à portaria, o
Ministério do Planejamento divulgou uma nota à imprensa, no dia 31 de janeiro de
2005, assinada pelo ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Nelson
Machado, e o presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, com as seguintes
explicações:
Nota à imprensa
A propósito de matérias veiculadas na imprensa no fim de semana,
o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE esclarecem a respeito
da Portaria nº 15, de 27 de janeiro de 2004, que:
1 Por solicitação do IBGE, a Portaria foi assinada pelo Ministro
interino do Planejamento, Nelson Machado, com o objetivo de
organizar o fluxo de informações.
2 A Portaria normatiza a precedência das pesquisas estruturais do
Instituto ao Ministério do Planejamento, prática adotada por
Institutos de Estatística de vários países.
3 A edição da Portaria não altera as relações que o IBGE vem
mantendo com a imprensa há anos no que se refere à divulgação
das pesquisas estruturais.
4 Não existe possibilidade de manipulação de dados, pois o
Instituto tem ampla autonomia para produzir e analisar as pesquisas
que realiza e, principalmente, pela responsabilidade, seriedade e
fidelidade aos resultados de seus técnicos e de sua direção.
5 As pesquisas são extensas e complexas e já estão tabuladas,
formatadas e impressas quando repassadas ao Ministério.
6 A motivação do Planejamento é a utilização como fonte de
pesquisa e estudo da realidade do país para avaliação da
efetividade das políticas públicas e no acompanhamento dos
programas do Plano Plurianual de desenvolvimento;
7 Não existe qualquer tipo de censura ao IBGE ou a seus
servidores.
No dia da divulgação dessa nota à imprensa, o ministro do Plane jamento,
Nelson Machado, disse aos jornalistas que estaria mantida a praxe de entregar
estudos à imprensa uma semana antes e justificou “entregar com embargo não é
liberar” (GOBETTI, 2005). Portanto, só com o tempo poderemos avaliar a extensão
desta decisão do governo federal nas práticas de divulgação adotadas pelo IBGE
nos últimos anos, na relação entre técnicos do IBGE e jornalistas, e por
conseqüência com a sociedade a qual representam.
Na divulgação das pesquisas do IBGE, as entrevistas coletivas quase sempre
começam com uma apresentação dos resultados das pesquisas, seguida de
esclarecimentos por parte do entrevistado, geralmente o responsável pela pesquisa.
Durante a apresentação, algumas perguntas são feitas pelos repórteres
especializados que freqüentemente acompanham as divulgações do IBGE. São
esses jornalistas que, quase sempre, questionam determinados resultados ou
cruzamentos.
A assiduidade de alguns repórteres, principalmente os de jornais e agências
de notícias, facilita muito a divulgação, já que os profissionais tornam-se cada vez
mais preparados para escrever sobre o assunto. Embora esses repórteres não
tenham a responsabilidade de apurar todos os fatos que ocorrem e que podem ser
transformados em notícias dentro do IBGE, eles devem ser avisados sobre todas as
divulgações. Isso confere prestígio entre os colegas da redação e fortalece o
relacionamento com a assessoria do IBGE.
Nas coletivas, os responsáveis pelas pesquisas seguem um princípio rígido
dentro dos institutos de estatísticas: a imparcialidade. Os técnicos evitam fazer
qualquer comentário de natureza não estatística nas coletivas e se desviam das
análises sobre políticas públicas, até mesmo na divulgação de rankings que
sugerem comparações. Esta posição não parece muito confortável para os
estaticistas do IBGE diante da curiosidade dos jornalistas. Mas a idéia de se
“esconder” dentro de uma linguagem técnica pode explicitar a insegurança do
entrevistado.
Acho que o pesquisador deve estar muito seguro daquilo que ele está
falando, isso reflete na matéria. O que eu tenho reparado que acontece com a
pesquisa de emprego e com outras pesquisas é que o material acaba não sendo
completamente utilizado”, observa Rodrigo Viga, da rádio Jovem Pan.
“Olha, problema de linguagem é o PIB valores correntes, porque a impressão
que dá é que os técnicos não têm interesse que você entenda aquilo. Acho muito
difícil e fica parecendo que é outra língua”, revela Jaqueline Farid, da agência
Estado.
“Eles são muito técnicos e falam muito, muito e muito. Às vezes, podiam ser
mais objetivos, mas eu sou paciente e, tendo tempo, eu vou e fico conversando”, diz
Cristiane Ribeiro, da Radiobrás.
Na verdade, se você vai para coletiva normalmente, os pesquisadores,
acostumados com o mesmo grupo de jornalistas, acabam falando como se
estivessem falando para um igual, o que nem sempre acontece. Às vezes, uma
pessoa chega lá e não tem noção daqueles termos”, diz Cássia Almeida, do jornal O
Globo.
Diferente dos jornais e das agências de notícias, a informação televisiva para
se tornar notícia precisa de um bom material visual, ou seja, imagens significativas
que ilustrem alguns aspectos do acontecimento. As entrevistas, conhecidas como
sonoras pelos jornalistas de TV, são recursos que enriquecem o material jornalístico.
Elas complementam as informações do texto em off (voz da pessoa que não está
visível na cena) do repórter e contribuem para enriquecer o material televisivo.
Portanto, o tempo de transmissão que uma reportagem pode ocupar no noticiário de
TV depende não só do valor da notícia, mas também da possibilidade de serem
produzidas sonoras adequadas sobre o assunto. Esse aspecto foi abordado, em
entrevista, pela produtora da TV Globo Happy Carvalho. Segundo ela, muitas vezes
os estaticistas do IBGE perdem a oportunidade de aparecer no Jornal Nacional por
causa da linguagem técnica que torna as sonoras “impraticáveis”.
“O pesquisador tem que pensar que ele está falando para uma população
ampla, sempre digo isso no telefone para ele: - olha, o senhor não fala dessa
maneira, senão a gente não vai poder entrevistar o senhor. Eu sou muito sincera”,
conta Happy Carvalho.
Em relação ao ranking das estatísticas, muito questionado pelos
estaticistas, os jornalistas têm um ponto de vista bem prático: é mais um
atrativo para o leitor dentro da cobertura jornalística. Eis alguns dos
comentários:
"As pessoas gostam de se comparar, de comparar o seu país com os demais e sua
cidade com outras. Ranking vai sempre para a escalada. Escalada, a abertura do telejornal
onde os apresentadores revelam as notícias mais importantes do dia: o Brasil é o décimo
segundo em concentração de renda", explica Ali Kamel, diretor-executivo do jornalismo da
TV Globo.
“A rádio usa ranking porque você acaba tendo que se conhecer como país,
como cidadão. Até porque a gente lida com um país que é tristemente famoso pela
desigualdade. Então, a gente passa a conhecer os extremos em vários aspectos
como: econômico, social educacional e tudo mais”, mostra Mauro Silveira, CBN.
“O ranking tem sempre um apelo jornalístico, mas o importante é a pesquisa,
se o resultado é ou não importante, não importando se tem ranking”, lembra
Marcelo Beraba, Folha de SP.
“O ranking é um atrativo. Primeiro, porque é fácil dar título: é maior desde
tanto, é menor desde tanto. Segundo, porque dá a dimensão de que ou a coisa está
muito ruim ou está muito boa”, simplifica Pedro Soares, repórter da Folha de São
Paulo.
“O ranking para o leitor atrai muito e dá mais sentido para a estatística”, afirma
Jaqueline Farid, da agência Estado
“O ranking é muito legal porque você estabelece os melhores e os piores.
Você tem condição de comparar o seu estado, o seu emprego, o setor que você
trabalha com os outros e ver se está melhor ou pior”, percebe Cássia Almeida do
jornal O Globo.
Estratégia de divulgação: embargo
Desde as divulgações do Censo 2000, o IBGE vem adotando uma nova
estratégia de comunicação: o embargo. Essa prática consiste em antecipar para os
veículos de comunicação o material sobre uma pesquisa estrutural (geralmente são
publicações volumosas), com o compromisso de os jornalistas só a divulgarem em
data e horário estabelecidos pelo IBGE. Esse procedimento vem obtendo sucesso,
tendo sido inclusive elogiado na coluna Panorama Econômico (Leitão,2004, p.32),
de O Globo
Os leitores já repararam que, nos últimos anos, os jornais e as
televisões fazem longas reportagens sobre as grandes pesquisas do
IBGE. Em geral, as reportagens são ilustradas com pessoas cujas
histórias dão vida aos números encontrados pelos pesquisadores.
Isso, em parte, é possível pelo trabalho do pessoal do IBGE e dos
técnicos do instituto. Eles antecipam os estudos para que os
jornalistas possam entender tudo e transformar todas aquelas
informações em material jornalístico. Depois, uma entrevista com os
técnicos tira as dúvidas. Portanto, amigos do IBGE, fiquem com o
nosso agradecimento.
Graças ao embargo, os jornais, revistas, agências de notícias e emissoras de
rádios e TVs têm tempo hábil para selecionar as informações mais importantes para
o público, elaborar matérias, ilustrar com personagens de todo o país, infográficos,
entrevistas diversas etc. Wolf (1995, p.197) observa que os acontecimentos
planificados e previstos possuem uma boa noticiabilidade, já que só com um
conhecimento preliminar desses eventos é possível distribuir as imagens (ou fotos)
filmadas, marcar as entrevistas necessárias e programar o tempo (ou espaço) nos
noticiários. Vale mencionar, ainda, um fato curioso verificado nos últimos embargos
das pesquisas do IBGE. Os cadernos especiais, com as informações estatísticas,
produzidos pelos grandes jornais nas capitais, são vendidos para pequenos
impressos no interior do país.
Na semana que antecede à divulgação, os responsáveis pela pesquisa
envolvidos com o embargo ficam à disposição da mí dia para esclarecer o significado
das informações, analisar os resultados e orientar as reportagens. Essa etapa é
considerada fundamental para os repórteres, já que eles precisam produzir diversas
matérias dentro de um determinado prazo.
A maratona da divulgação parece não ter fim para os técnicos do IBGE
mesmo depois do lançamento da pesquisa. Nos dias subseqüentes, os veículos de
comunicação de outros estados, que não puderam estar presentes à coletiva,
repercutem pelo telefone a divulgação. Evidentemente, os técnicos não respondem
diretamente a todas essas solicitações. Os jornalistas da assessoria de imprensa
ajudam a dirimir as dúvidas e filtram os veículos de comunicação, assim como eles
selecionam as notícias.
A prática do embargo trouxe alguns resultados positivos para o IBGE:
Estabeleceu uma relação de confiança entre estaticistas e jornalistas. Os
embargos geralmente são realizados com aproximadamente dez empresas
de comunicação. Algumas grandes empresas chegam a enviar equipes de
reportagens, com dois ou três repórteres, para a cobertura da divulgação de
determinadas pesquisas. Nas equipes de reportagem cada repórter fica
encarregado de um aspecto ou de um local envolvido na pesquisa. Há quatro
anos, os embargos são realizados pelo IBGE para divulgar, por exemplo, as
pesquisas da PNAD e Censo Demográfico, e apenas uma vez o acordo não
foi cumprido por uma rede de televisão que anunciou o resultado da
mortalidade infantil do Censo 2000 na noite anterior à divulgação oficial. Essa
atitude, que acabou excluindo da lista de embargo a emissora de TV, não só
foi rejeitada pelo IBGE como também pelos colegas jornalistas.
Garantiu ao IBGE enorme visibilidade. A antecipação do material ajudou os
jornalistas a planejarem e venderem suas reportagens dentro das empresas
de comunicação. Com isso, alguns jornais elaboraram cadernos especiais ou
dedicaram, pelo menos, três páginas inteiras às informações compiladas pelo
IBGE, sem falar nos minutos nas rádios e TVs. Um bom exemplo foi uma das
divulgações dos Resultados da Amostra do Censo 2000, que originou
reportagens durante cinco dias seguidos no Jornal Nacional, no início de
2003. Naquela semana, a soma dos tempos de cada uma das matérias sobre
o IBGE veiculadas por todas as emissoras de TV superou o total de cinco
horas (como demonstram as gravações do serviço de clipping de vídeo
contratado pelo CDDI/IBGE, onde esse material está arquivado). Destaque
semelhante recebeu a divulgação das Estatísticas do Século XX, que além de
ocupar um enorme espaço na TV, conquistou as primeiras páginas dos cinco
principais jornais do País (O Globo, Folha de São Paulo, Estado de São
Paulo, Jornal do Brasil e O Dia) por dois dias consecutivos.
No rastro de uma grande divulgação, aumenta a disseminação dos produtos
do IBGE. A visibilidade tem um efeito multiplicador e com isso cresce muito o
número de usuários à procura das informações veiculadas pelas empresas de
comunicação. Governantes, professores, estudantes, empresários, entre
outros profissionais, recorrem às unidades do IBGE espalhadas em todo o
país à procura, principalmente, de publicações e CD -ROMs.
A repercussão na mídia levanta o moral dos técnicos do IBGE e introduz uma
nova consciência sobre a importância da divulgação. Isso pode ser visto na
melhoria da qualidade do atendimento aos jornalistas, na produção de
relatórios voltados para a mídia, com uma linguagem mais acessível.
Nas entrevistas, o embargo foi citado por todos os jornalistas como um
instrumento já solidificado na divulgação das grandes pesquisas (as estruturais) e
marca, ainda, o ingresso do jornalista Luis Gazzaneo na Coordenadoria de
Comunicação Social do IBGE. Do ponto de vista dos jornalistas, o embargo, além de
tornar o trabalho mais produtivo, é uma oportunidade de difundir conhecimentos e
orientar a opinião pública, no sentido de promover o bem comum, elementos que
definem o papel do jornalismo.
“Os jornais hoje têm a seguinte convicção: eu prefiro receber uma semana antes,
quinze dias antes, com muita antecedência e me comprometer a cumprir o embargo.
Mas vou fazer isso bem feito. Vou ter mais tempo do que receber em cima da hora
aquela maçaroca e fazer de qualquer maneira”, entende Marcelo Beraba,
ombudsman da Folha de SP.
"Querer que um jornalista receba informações estatísticas volumosas às 10 horas da
manhã e seja capaz de traduzi-la a uma hora da tarde, com o mínimo de precisão, para o jornal
Hoje e depois no Jornal Nacional, é querer demais.. É cruel com o jornalista", afirma Ali
Kamel, diretor-executivo de jornalismo da TV Globo.
“Quando chega o material embargado, você fica ligado e já pressupõe que é um
trabalho a ser feito de forma mais cuidadosa. Você vai ter que estar mais atento para
aquilo. Vou fazer uma matéria grande? Vou fazer uma série?”, destaca Mauro
Silveira, CBN.
“ Se a pesquisa é muito grande, você tem que ter um tempo para digerir aquilo,
fazer um resumo do que vai ser a matéria e vender para o Jornal Nacional. A
pesquisa é discutida numa reunião e a partir daí temos o aval se vamos ou não fazer
a matéria”, indica Happy Carvalho, produtora da TV Globo.
“ O IBGE tem feito uma coisa legal, que são os embargos e as reuniões dos
embargos. Faz com que a gente traduza um pouco aqueles números e tente
entender o que tem de diferente, o que é novo e não é novo, o que é o mais
importante na pesquisa”, resume Cássia Almeida, O Globo.
“No trabalho embargado da POF, você pôde conversar com o pessoal e saber
para onde caminhar [...] Se a POF fosse divulgada naquele dia encheria uma
página, no máximo duas porque éramos dois repórteres, mas com o embargo a
gente acabou publicando seis páginas e nós planejamos fazer oito páginas”, revela
Pedro Soares, da Folha de SP.
“O embargo para mim é muito importante também. Só que, infelizmente, eu não
posso fazer com ele o que uma pessoa do jornal faz quando fica uma semana por
conta dessas publicações. Meu trabalho é mais restrito, mesmo assim preciso do
material embargado”, afirma Jaqueline Farid, agência Estado.
“Se pudesse chegar com o embargo um mês antes, seria melhor ainda. Eu acho
pequeno o tempo do embargo. O jornalismo passa por uma crise histórica, você vê
colegas que estavam aqui no IBGE há 10 ou 15 anos e foram demitidos”, desabafa
Rodrigo Viga, da rádio Jovem Pan.
“Dependendo da pesquisa, aquelas pesquisas sociais mais trabalhosas, eu
consulto alguma coisa com orientação de alguém do IBGE. Mas sozinha, eu
raramente consulto”, observa Cristiane Ribeiro, Radiobrás.
O embargo, implantado no IBGE há cinco anos, trouxe novos conceitos como a
importância da relação de confiança com o jornalista e a transparência das
informações que são produzidas e entregues antecipadamente. Sem dúvida, o
embargo tem um efeito aglutinador.
A cobertura das estatísticas alcançou novo patamar, no conceito dos técnicos do
IBGE, com o embargo. Os jornalistas mostraram mais conhecimento sobre as
pesquisas e o nível de informação foi constatado nas perguntas durante a coletiva.
Outro aspecto a ser levado em consideração é o tamanho das pesquisas
estruturais. São publicações volumosas e complexas, cheias de tabelas, gráficos e
textos, exigem tempo para serem desvendadas e parece impensável divulgá-las
sem o compromisso do embargo. Só para se ter uma idéia, a Síntese de Indicadores
Sociais 2003, por exemplo, atingiu 403 páginas, as Estatísticas do Século foram
lançadas no mesmo ano com 539 páginas, sem falar nas diversas publicações do
Censo 2000. Ademais, não é difícil imaginar a tensão que a entrega desse material
gera dentro de uma redação, com o compromisso diário de produzir notícias. Em
todo caso, para ilustrar esse momento, foram selecionadas algumas respostas dos
jornalistas diante da seguinte indagação: o que vem à mente quando você recebe
uma publicação do IBGE cheia de gráficos, tabelas e análises?
“Desespero. Meu Deus, onde está a notícia nesse
bando de gráficos? O que é notícia nisso aqui?”
repórter de O Globo
“Isso vai me dar um trabalho do cacete
9
, eu tenho
que entender esse troço e não sei nem por onde
começar. As vezes, bate um desespero...”
Mauro Silveira
coordenador da CBN
“Eu quero dar um tiro na minha cabeça!”
Happy Carvalho
produtora da TV Globo
“Estou perdida!”
Jaqueline Farid
repórter da agência Estado
“Em primeiro lugar, vem o medo. Você sabe que
aquilo ao mesmo tempo está sendo recebido por
várias pessoas, e que, apesar de serem seus
colegas no dia-a-dia, trabalham para empresas
concorrentes...”
Rodrigo Viga
repórter da rádio Jovem
PAN
Como quantificar ou qualificar a importância, para o IBGE, de ter o nome da
instituição, por exemplo, pronunciado pela apresentadora Fátima Bernardes durante
a exibição do Jornal Nacional? Medir pela audiência do telejornal da TV Globo não
parece suficiente.
O material do IBGE, divulgado pelos jornais impressos e agências de notícias, é
levantado diariamente pela equipe do clipping (três funcionários) da assessoria de imprensa e
disponibilizado na intranet do Instituto. Além disso, nos últimos cinco anos o IBGE
contratou o serviço de uma empresa especializada em clipping eletrônico e, com isso, pode
documentar as matérias (e a soma dos tempos) veiculadas por todas as emissoras de TV.
Embora o IBGE não tenha feito até hoje qualquer análise desse material,
vários fatores devem ser levados em conta a fim de se examinar a importância do
clipping.
No Brasil, os critérios ainda são superficiais, dando-se valor ao
conteúdo (principalmente elogios), ao veículo em que foi publicado
(muitas vezes o título do órgão e não a região que cobre) e ao
tamanho ocupado pela matéria.
Noutros países os critérios de análise são menos empíricos. Mede-
se conteúdo do texto publicado através de sistemas de méritos
dados ao recorte, dentro de um esquema convencional existente
entre as empresas de recortes. (LIMA, 1985, p.63)
Além disso, devemos considerar, também, o tamanho da notícia, a sua
localização no jornal (a primeira página e as páginas de número ímpar seriam mais
lidas do que as demais) e o número de leitores que o jornal possui.
9
A regra metodológica aplicada nesta dissertação foi a de manter a linguagem coloquial.
Entretanto, do ponto de vista editorial, sabe-se que as colunas e artigos
teriam legibilidade maior do que as matérias comuns, que ocupam a maior parte
dos jornais. Assim, ser mencionado na coluna da Mirian Leitão, Tereza Cruvinel,
Boechat e Ancelmo Góis, por exemplo, conferiria mais visibilidade do que uma
simples matéria na página três do caderno de economia.
Uma medida muito utilizada por algumas assessorias é “converter” o espaço
ocupado das matérias nas quais seus clientes aparecem em espaço publicitário.
Assim, o espaço destinado à matéria, sobre tal cliente, corresponderia a um anúncio
de tantos reais ou a uma campanha publicitária (no caso de a presença estar sendo
medida ao longo do tempo) de tantos reais. Esse critério não leva em consideração
um aspecto muito importante: uma matéria jornalística tem confiabilidade, atributo
que não tem preço e nem pode ser conferido aos anúncios. Uma análise mais
profunda a respeito dos textos publicados ou veiculados não parece uma tarefa tão
simples dentro da assessoria. Entretanto, essa lacuna acaba sendo preenchida por
análises subjetivas na instituição.
3º Capítulo - A notícia das estatísticas
Este terceiro capítulo é resultado do diálogo, que transcorreu nos primeiros
tópicos desta dissertação, entre o produtor de estatísticas e o jornalista. Nesta etapa
do trabalho, houve necessidade de se buscar o contato direto com os jornalistas,
ouvir suas queixas e ações dentro da redação, bem como foi imprescindível
observar o processo de produção das notícias sobre as informações estatísticas do
IBGE dentro de uma redação.
Antes de expor os pontos principais das abordagens, descrevo
cuidadosamente o aspecto metodológico da primeira, das duas pesquisas
desenvolvidas nesta dissertação, e que se enquadra perfeitamente para o estudo
dos problemas e ambientes relacionados com o objeto de estudo. Os dois métodos
de pesquisa realizados foram: entrevistas pessoais e observação participante. As
entrevistas qualitativas desempenharam um papel vital na combinação com o
método de observação na redação que será tratado mais adiante. Como se verá na
dissertação, as entrevistas forneceram informações valiosas para ajudar a entender
o contexto de trabalho dos jornalistas.
Entrevistas pessoais: a quem perguntar?
Antes de começar as entrevistas pessoais, foi necessário responder duas
questões centrais: a quem perguntar e o que perguntar? Em relação à primeira
questão, não tive dúvida que o universo da pesquisa é o grupo de jornalistas, de 10
a 15 profissionais, que participa semanalmente das divulgações das pesquisas do
IBGE. Eles representam os principais jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo
(Jornal do Brasil, O Globo, Folha de SP, Estado de SP, Valor Econômico, O Dia e
Jornal do Comércio), emissoras de rádio e TVs (TV Globo, Globonews, CBN, Jovem
Pan e Radiobrás) e agências de notícias (agência Folha, Estado, Reuters e
Bloomberg). Esse grupo freqüenta as coletivas e se relaciona quase que diariamente
(por telefone ou pessoalmente) com os assessores de imprensa e produtores de
estatísticas do IBGE. A oportunidade de entrevistar esses jornalistas, que entendem
um pouco mais as estatísticas do IBGE e que têm continuidade na relação com a
fonte, é explorada neste trabalho.
Não obstante ser um universo pequeno, fiz uma amostra de nove jornalistas,
de diferentes veículos de comunicação, de acordo com os seguintes critérios:
O primeiro corte foi selecionar jornalistas de empresas do Rio e São Paulo,
esperando com isso atingir os dois estados responsáveis pela maior produção de
material jornalístico no país.
O segundo corte foi escolher um representante de cada mídia ( rádio, jornal e
agência de notícia), em cada estado, seguindo o critério do repórter com mais tempo
de cobertura das pesquisas do IBGE. A justificativa para essa seleção segue
também à idéia de explorar as experiências individuais detalhadas dos jornalistas
com as características particulares de cada veículo de comunicação. É importante
ressaltar que as únicas televisões que rotineiramente cobrem as pesquisas do IBGE
são a TV Globo e a Globonews, ambas com sede no Rio de Janeiro e pertencentes
ao mesmo grupo econômico. Por esta razão, considerei necessário apenas
entrevistar uma jornalista da TV Globo que freqüentemente utiliza as pesquisas do
IBGE. A seleção foi a seguinte: um jornal do Rio ( O Globo), um jornal de SP ( Folha
de São Paulo), uma emissora de rádio do Rio ( CBN), uma emissora de rádio de SP
(Jovem Pan), uma agência de notícias do Rio (Radiobrás), uma agência de SP
(Estado) e uma emissora de TV (TV Globo).
A rádio CBN não tem repórter preparado somente para as coberturas das
pesquisas do IBGE. Entretanto, o jornalista Mauro Silveira, coordenador de
jornalismo da Rede CBN Rio, acompanhou nos últimos oito anos (de 1996 a 2004)
as divulgações do IBGE e participou dos embargos pela rádio. A entrevista com este
profissional atende aos objetivos desta pesquisa, tanto no aspecto do conhecimento
do trabalho do repórter de rádio quanto no esclarecimento sobre a edição. Agendada
com antecedência, a entrevista foi realizada no dia 5 de agosto de 2004, alguns dias
depois de o jornalista
10
ser demitido da rádio. Este fato inesperado foi considerado
irrelevante diante da larga experiência desse jornalista na divulgação das pesquisas
do IBGE, um depoimento importante para a o estudo do tema.
Além desses jornalistas, tive a oportunidade de entrevistar o diretor-executivo
de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, e o ombudsman da sucursal da Folha de São
10
Logo depois, Mauro Silveira assumiu a chefia de redação da Rádio BANDNEWS FM, no Rio de Janeiro.
Paulo, no Rio de Janeiro, Marcelo Beraba. Considerei uma excelente oportunidade
para investigar o processo de seleção das notícias dentro da redação. Para se
transformarem em notícias, as estatísticas passam por zonas de filtro controladas
por um sistema de regras dentro de cada redação. Geralmente, cabe a um indivíduo
ou grupo decidir se publica ou não a informação. É quando se ouve no jargão
jornalístico que uma “matéria caiu”, ela é eliminada por inúmeras razões, que vão
desde a falta de espaço no jornal até uma simples dificuldade no processo produtivo
da notícia.
No total, foram realizadas nove entrevistas e algumas considerações devem
ser destacadas. Em primeiro lugar, embora as experiências possam parecer únicas
aos indivíduos, algumas observações sobre as divulgações das estatísticas são
compartilhadas pelo grupo específico de jornalistas e ser tornam repetitivas nas
entrevistas. Isto fortaleceu o meu argumento de que era redundante entrevistar todo
o universo da pesquisa. Em segundo lugar, há a questão do tamanho do corpus a
ser analisado. A transcrição de cada entrevista chegou em média a oito páginas,
num total de cerca de 80 páginas a serem analisadas.
Outro ponto a ser levado em consideração foi a inclusão de mais duas
entrevistas não previstas no projeto de pesquisa. Após analisar o material de textos
extraídos das entrevistas e comparar os comentários dos diferentes entrevistados,
cheguei à conclusão que deveria entrevistar o jornalista Luiz Gazzaneo,
Coordenador de Comunicação Social do IBGE, e o economista Sergio Besserman,
ex-presidente do IBGE. Os dois foram citados pelos jornalistas como responsáveis
pelas transformações na política de divulgação do IBGE. Era preciso trazer à
memória as mudanças dentro do IBGE neste período. Essa abordagem, que será
tratada no próximo capítulo, foi essencial para quase se viver, através das
entrevistas de Gazzaneo e Besserman, e relembrar os passos dentro do IBGE rumo
a uma divulgação mais ativa.
Portanto, voltamos aos aspectos metodológicos da pesquisa-dissertação.
Todos os nove jornalistas selecionados concordaram em conceder as entrevistas,
não havendo um caso de recusa ou desistência. Tal atitude pode ser explicada pelos
seguintes fatores: coleguismo, um comportamento compreensivo e acolhedor entre
colegas de profissão; colaboração, o resultado das entrevistas pode ajudar na
melhoria da divulgação do IBGE, e atendimento à entrevistadora que é vinculada à
assessoria de imprensa. As entrevistas eram marcadas rapidamente e a maioria dos
entrevistados preferiu falar sobre os temas da dissertação no horário do almoço, nos
primeiros dias da semana (segunda ou terça-feira) já que a quinta e sexta-feira são
considerados dias de trabalho exaustivo na produção de notícias. Nesses dias, os
jornalistas precisam produzir as notícias programadas no dia e, também, as do fim
de semana. As entrevistas foram todas gravadas com autorização dos
respondentes.
A seguir, a lista dos nove jornalistas entrevistados nesta pesquisa:
Veículo UF Nome e idade Qualificação O porquê da seleção
RÁDIO
Coordenador de
jornalismo da
Rede CBN Rio
RJ Mauro Silveira,
46 anos
Graduado em
Comunicação (PUC
RJ) e professor da
Facha (RJ),
Nos últimos oito anos,
coordenou a cobertura das
pesquisas do IBGE na rádio.
RÁDIO
Repórter da rádio
Jovem Pan (SP),
sucursal Rio
SP Rodrigo Viga,
28 anos
Graduado em
Comunicação na
PUC (RJ). Escreve
também para a
agência de notícias
Reuters.
Participa da cobertura das
pesquisas do IBGE há cinco
anos
JORNAL
Repórter de
economia do
Jornal O Globo
RJ Cássia Almeida,
41 anos
Graduação em
História e
especialização na
Escola de Políticas
Públicas e Governo
(IUPERJ)
Participa da cobertura das
pesquisas do IBGE há quatro
anos
JORNAL
Repórter de
economia da
Folha de São
Paulo
SP Pedro Soares,
27 anos
Graduado em
Comunicação
(Universidade São
Judas-SP)
Participa da cobertura das
pesquisas do IBGE há quatro
anos
AGÊNCIA
Repórter da
Agência Estado,
na sucursal Rio
de Janeiro
SP Jaqueline Farid,
37 anos
Graduada em
Comunicação (PUC-
MG)
Participa da cobertura das
pesquisas do IBGE há cinco
anos
AGÊNCIA
Repórter do
sistema
Radiobrás e da
Agência Brasil
RJ Cristiane
Ribeiro,
43 anos
Graduada em
Comunicação na
Univercidade (antiga
CUP-RJ) (escreve
também para Rádio
Nacional, NBR e
Voz do Brasil)
Participa da cobertura das
pesquisas do IBGE há 15 anos
TELEVISÂO
Produtora da
editoria Rio para
o Jornal
Nacional, TV
Globo
RJ Happy
Carvalho,
50 anos
Graduada em
Comunicação (PUC
RJ)
Participa da cobertura das
pesquisas do IBGE há sete anos
Veículo UF Nome e idade Qualificação O porquê da seleção
Diretor -
executivo de
jornalismo da
TV Globo
RJ Ali Kamel,
42 anos
Gradução em
Sociologia (UFRJ) e
Comunicação
(PUC-RJ)
Utiliza com freqüência os dados
do IBGE e critica o material
jornalístico produzido na TV
Ombudsman
11
da sucursal da
Folha de São
Paulo, no Rio de
Janeiro
SP Marcelo Beraba,
53 anos
Graduação em
Comunicação
(UFRJ)
Utiliza com freqüência os dados
do IBGE e critica o material
jornalístico produzido no jornal
Outro aspecto que não deve ser deixado de lado, nesta exposição
metodológica, é a presumível dificuldade do jornalista entrevistado de dizer o que
pensa diante da entrevistadora que, além de pesquisadora, trabalha na assessoria
de imprensa do IBGE. A possível omissão de alguns detalhes, por parte do
entrevistado, pode ser considerada uma limitação nas entrevistas pessoais, mas não
invalida o método da pesquisa. De uma forma geral, o diálogo com os participantes
da pesquisa fez com que o trabalho crescesse de importância.
Entrevistas pessoais: o que perguntar?
Em relação à questão sobre o que perguntar, foram elaboradas cerca de
quinze perguntas para que o tempo de entrevista não ultrapassasse o período de
uma hora, considerando a falta de tempo do jornalista e a extensão do material a
ser analisado. Os temas escolhidos foram discutidos cuidadosamente com o
orientador, que sugeriu, ainda, a elaboração de uma carta para ser entregue a cada
respondente com os tópicos principais da entrevista. A idéia era oferecer ao
entrevistado a opção de pensar no assunto anteriormente. Mas, de modo geral,
poucos jornalistas se interessaram em conhecer o teor da entrevista
antecipadamente.
Antes de cada entrevista houve uma breve explicação sobre a pesquisa. Em
seguida, foi dado ao entrevistado tempo para pensar antes de responder a cada
pergunta. Ao final, todos, sem exceção, autorizaram ser identificados na dissertação.
Somente um jornalista pediu para ler antecipadamente o material da sua entrevista
que seria publicado. Ele foi atendido e teve a oportunidade de revisar seu texto,
11
Segundo Beraba, o ombudsman tem basicamente três funções: realizar diariamente uma critica interna do
jornal, atender as queixas dos leitores, reclamações e sugestões e, por fim, escrever uma coluna semanal sobre a
imprensa.
dando um tom mais formal. Vale acrescentar que os demais entrevistados utilizam a
linguagem coloquial, própria das entrevistas pessoais.
A seguir a relação de perguntas da entrevista:
1. Gostaria que você me falasse sobre sua formação acadêmica e há quanto
tempo você escreve sobre as estatísticas do IBGE. (justificativa para qualificar
o jornalista e descobrir sua cultura profissional)
2. Poderia me contar sobre o ambiente (ou a pressão) na redação na hora de
produzir uma matéria de estatística? (tempo para produzir, ilustrações etc)
3. Você acha que os jornalistas responsáveis pela edição final (na hierarquia da
redação) do seu jornal têm referencial suficiente para decodificar todas essas
informações quantitativas?
4. A quantidade de tempo e espaço que uma notícia sobre estatística pode
ocupar no seu jornal depende de que aspectos (assunto, entrevista, formato,
ranking, material visual)?
5. Como você descreveria o tratamento jornalístico que é dado por seu jornal
(ou outro veículo) para que o leitor entenda com facilidade a informação
estatística? Existe alguma recomendação na redação?
6. O que vem à mente quando você recebe uma publicação do IBGE cheia de
gráficos, tabelas e análises?
7. Na sua avaliação, quando esses números estatísticos geram notícias?
Quando um número é manchete?
8. O que pensaria você sobre a importância da estatística como notícia? É
importante pelo seu interesse nacional, por sua capacidade de influir ou de
incidir no interesse do país, e quanto à oportunidade e conveniência que o
produto informativo oferece dentro do tempo e recursos limitados do veículo
de comunicação?
9. O que você pensa sobre o papel intermediário da assessoria de imprensa do
IBGE?
10. O que tem mais valor para você na divulgação? (o release, a entrevista, os
gráficos, o ranking, a leitura analítica, a disponibilidade da matéria e o
embargo)
11. Como é, em geral, sua relação com os produtores de estatísticas?
12. Que tipo de formação você acha que o jornalista que cobre o IBGE deveria
ter? Qual a sua opinião sobre os cursos de capacitação, promovido pelo
IBGE, para os jornalistas?
13. Na sua opinião, qual a importância do IBGE como fonte de informação para a
mídia?
14. Na sua experiência, qual estatística que falta? E qual o limite da estatística
para o jornalista?
15. Há algo mais que você gostaria de me dizer?
Ainda que não tenha sido realizado nenhum pré-teste no questionário, as
duas primeiras entrevistas ajudaram a amadurecer alguns pontos da pesquisa. Além
disso, deve-se acrescentar que as informações obtidas nessas entrevistas dos
jornalistas Ali Kamel e Cássia Almeida levaram-me a incluir mais duas perguntas no
questionário. A primeira pergunta foi em relação ao uso da página do IBGE na
Internet e a segunda, mais complexa, investiga sobre a possibilidade de algum tipo
de viés nos textos do IBGE. Essas duas questões são, também, abordadas na
análise das entrevistas.
Quando um número estatístico é manchete?
No capítulo anterior, foi mostrado que para um acontecimento se tornar
notícia existe um conjunto de critérios através do quais os meios de comunicação
controlam e geram os fatos a serem publicados ou exibidos. O valor da notícia pode
variar entre os diversos aspectos que tornam um acontecimento suficientemente
interessante e significativo, até a facilidade nos rotineiros processos dentro de uma
redação, permitindo inclusive que a seleção do material seja executada com rapidez.
Os acontecimentos negativos, que representam um desvio ou uma ruptura do
curso normal das coisas, e que reforçam os ditos jornalísticos tão difundidos como:
“notícia ruim é notícia boa” ou “quanto pior, melhor”, além de simplificarem o critério
de noticiabilidade não são suficientes para explicar algumas manchetes dos jornais.
Na avaliação dos jornalistas, a manchete sobre as estatísticas está geralmente
ligada a um fato novo e relevante, sem perder de vista o quanto aquela informação
pode afetar diretamente a vida da população.
“Um recorde, uma coisa que ultrapassou um limite positivo ou negativo. O
desemprego cresce pelo terceiro mês consecutivo ou o recorde de desempregados
ou o recorde de armas apreendidas”, explica Ali Kamel, da TV Globo.
“Normalmente desemprego é sempre manchete. Dá uma queda grande ou dá
uma subida grande, isso normalmente é manchete. Outra coisa, por exemplo,
indicadores sociais que saíram recentemente: morre não sei quantos milhões de
pessoas. Isso é uma manchete”, destaca Cássia Almeida, de O Globo.
“Tem números que realmente dão manchete. Quando você mexe com o bolso
da população em geral onde os números traduzem, por exemplo, o consumo ou os
gastos, geralmente dá manchete”, diz Happy Carvalho, da TV Globo.
“Tem alguns índices que já caíram nas graças e dificilmente, só quando o
Brasil for uma superpotência, a gente vai dar um espaço menor. Eu diria que o PIB é
sempre notícia, emprego é sempre notícia e inflação é sempre notícia”, afirma
Rodrigo Viga, da Jovem Pan.
“Quase 100% das vezes o PIB é manchete. Mas a inflação, por exemplo, se
você tem uma deflação depois de muito tempo de alta, ela é manchete com certeza”,
entende Jaqueline Farid, do Estadão.
“Manchete é quando o desemprego estava num patamar de 13% e baixa para
um patamar de 11%. Manchete é quando se vislumbra a possibilidade de uma nova
tendência”, explica Pedro Soares, da Folha de SP.
Porque as estatísticas passaram a ocupar mais espaço na mídia?
O processo de seleção do material jornalístico dentro de uma redação não é
tão simples. Ele é influenciado por múltiplos fatores e por um certo grau de
flexibilidade, como explica Wolf (1995, p.177):
Das duas considerações gerais que falta dizer, a primeira diz
respeito ao carácter dinâmico dos valores/notícia: mudam no tempo
e, embora revelem um forte homogeneidade no interior da cultura
profissional para lá de divisões ideológicas, de geração, de meio
de expressão, etc.- não permanecem sempre os mesmos (...)
Assuntos que, há alguns anos, simplesmente <<não existiam>>,
constituem actualmente, de um forma geral, notícia, demonstrando a
extensão gradual do número do tipo de temas considerados
noticiáveis.
A segunda consideração de Wolf (1995, p.179) aponta no sentido de que os
valores da notícia se traduzem em práticas organizativas, onde as notícias tendem a
refletir a estrutura do staff. “A organização de uma redação em setores temáticos
específicos, o tipo de correspondentes e especialistas que ela possui, são
indicações, a nível do órgão de informação, dos critérios de noticiabilidade que nele
vigoram”.
Nesse aspecto, pode-se notar que, nos últimos anos, a mídia reservou mais
espaço para as pesquisas sociais e econômicas do IBGE. Na visão dos jornalistas,
esta cobertura informativa específica coincide com dois movimentos fundamentais: o
primeiro vai ao encontro do interesse do público (demanda) e o segundo a ampla
divulgação das informações públicas do IBGE (oferta), mais especificamente a partir
do Censo 2000.
O jornalista Marcelo Beraba, ombudsman da Folha de São Paulo, observou
uma profissionalização tanto da assessoria de imprensa do IBGE como dos
jornalistas que cobrem o setor. Na segunda metade da década de 80, Beraba
recorda que as matérias sobre o IBGE eram limitadas ao pessoal da economia e “a
divulgação era restrita, hermética, como se estivesse preservando os dados”. A
partir de 1999, o jornalista identifica uma grande mudança nesse comportamento,
“ou seja, nós queríamos estar mais bem preparados e o IBGE não só fornecia mais
informações como também criava a necessidade de nos prepararmos. Então,
quando acontecia, por exemplo, o Censo, desde a preparação nós ficamos
enchendo a paciência do IBGE querendo fazer cursos e conhecer as fontes”.
Mauro Silveira, coordenador de jornalismo da Rede CBN, também destaca o
trabalho sistemático de divulgação das pesquisas do IBGE verificado,
principalmente, a partir de 1998. Para ele, a divulgação do Censo 2000 abriu um
leque de informações, bem diferentes dos censos anteriores. “As pesquisas traziam
pelo menos um enfoque novo ou destacavam informações que teriam ficado
escondidas nas divulgações oficiais dos censos. O detalhamento dessas
informações tornou-se interessante para o público de um modo geral e
conseqüentemente tornou-se interessante para a imprensa”, percebe Mauro Silveira.
A união desses fatores foi responsável por algumas transformações dentro
das redações. É claro que essas mudanças devem ser analisadas dentro de um
contexto que torna favorável e propícia a produção de informações especializadas e,
conseqüentemente, a divulgação das pesquisas do IBGE. Nas entrevistas com os
jornalistas, foi possível observar essa tendência.
A jornalista Jaqueline Farid durante três anos e meio escreveu sobre as
pesquisas do IBGE para a agência de notícias Estado e, também, para o jornal
Estado de São Paulo. Segundo ela, a expansão dos serviços da agência de notícias
em tempo real, associada à gama de informaçõ es oferecidas nas pesquisas do
IBGE, alterarou a rotina na redação. “Agora vai ter uma mudança porque a agência
está querendo que eu desenvolva mais o material do IBGE e, provavelmente, outro
repórter vai passar a fazer matéria para o jornal. É a transição que está
acontecendo”.
As transformações chegaram até a rede oficial de notícias do governo.
Segundo a repórter do sistema Radiobrás, Cristiane Ribeiro, nos últimos dois anos o
espaço para as pesquisas do IBGE aumentou nos noticiários e, se antes ela se
preocupava só com o lead da pesquisa, agora ela precisa repercutir as informações
e ouvir especialistas. O mais tradicional noticiário de rádio do país, a Voz do Brasil,
também deu novo tratamento ao material do IBGE. Vale lembrar que, em 2003, a
Voz do Brasil inaugurou uma nova fase com mudanças no conteúdo dos textos e
foco no cidadão. “Na Voz do Brasil, a mudança foi mais recente, tem
aproximadamente um ano. Às vezes, eu vou a coletiva do IBGE, volto e faço o texto.
Quando estou saindo da redação, eles me ligam e perguntam: a gente não entendeu
isso ou por que você botou aquilo?”, conta a repórter sobre os telefonemas que
recebe da redação da Voz do Brasil, em Brasília.
O tempo e espaço de uma notícia sobre estatística dependem de que
aspectos?
As estatísticas passaram a ocupar mais espaço na mídia e vale observar, do
ponto de vista jornalístico, os aspectos que as tornaram mais atraentes para a mídia.
Assim, antes de examinar as respostas dos jornalistas sobre esse tema, é
necessário fazer algumas considerações sobre os valores da notícia, que derivam de
quatro pressupostos cuidadosamente estudados por Wolf (1995, p.179)
O primeiro é o conteúdo das notícias que pode ser determinado pelo grau
hierárquico dos indivíduos (ou instituições governamentais e outros organismos)
envolvidos no acontecimento noticiável, pelo impacto sobre a nação e sobre o
interesse nacional, pela quantidade de pessoas que o acontecimento envolve
(quanto mais elevado for o número de indivíduos envolvidos num desastre maior a
visibilidade) e a relevância do acontecimento quanto à evolução futura de uma
determinada situação.
O segundo pressuposto é a disponibilidade do material e as características
específicas do produto informativo. Em relação à disponibilidade, podemos observar
o quanto o acontecimento é acessível aos jornalistas, como pode ser tratado dentro
das técnicas de cada mídia e, ainda, se está apresentado de forma a ser facilmente
produzido. Já os critérios relativos ao produto variam de acordo com cada notícia,
visando sempre os procedimentos produtivos e os limites de cada veículo de
comunicação.
O terceiro critério refere-se à imagem que os jornalistas têm do público. Um
aspecto difícil já que os jornalistas conhecem pouco o seu público. Um exemplo
disso foi verificado nesta pesquisa. Quando perguntado sobre o grau de interesse do
público pelas estatísticas, nenhum jornalista soube responder. Lembraram apenas
que os órgãos de informação não realizaram pesquisa com essas características da
audiência. Assim, parece que as opiniões que os jornalistas têm acerca do público
estão relacionadas às experiências relativas à profissão, imersos no mundo das
notícias.
O quarto pressuposto observado por Wolf são os critérios relativos à
concorrência. Embora as mídias compitam na obtenção de matérias exclusivas e
nos pormenores de um determinado acontecimento, não se pode deixar de registrar
o laço comum entre elas, no sentido de selecionar uma notícia ou uma informação
porque se espera que as outras mídias concorrentes façam o mesmo. Além disso,
as pautas são elaboradas a partir do que os jornais publicam criando um círculo
vicioso. Tal comportamento desencoraja as inovações na seleção de notícias e
contribui para a semelhança das coberturas informativas entre noticiários.
Esses critérios abordados por Wolf ajudam a esclarecer o ponto de vista dos
jornalistas em relação às informações divulgadas pelo IBGE e o formato que elas
ganham nos noticiários. A quantidade de tempo e espaço que uma notícia sobre
estatística pode ocupar na mídia depende, segundo os jornalistas, dos seguintes
aspectos:
“O interesse que essa informação possa despertar, isso é um critério que
pode ser aplicado para qualquer outro tipo de notícia. É a intensidade dessa
informação que a pesquisa traz, o imediatismo dessa informação”, destaca Mauro
Silveira da CBN.
“Ela tem que revelar alguma coisa. Eu não posso dizer, por exemplo, que se
uma estatística disser o óbvio, ela não tem importância. Tudo o que o IBGE faz é
uma radiografia do Brasil”, diz Ali Kamel, da TV Globo.
“A relevância no sentido do peso econômico, social e político que aquela
informação possa ter ou a relevância no sentido de que ela ajude a entender um
fenômeno. Essa é a questão mais importante de todas”, indica Marcelo Beraba, da
Folha de SP.
“Depende do que ela traz em termos de informação nova, quer dizer se ela
mostra uma relação forte da economia ou uma retração da inflação, ela certamente
vai garantir um espaço maior”, diz Jaqueline Farid, do Estadão.
“Depende de tudo, a começar pela quantidade de anúncio, o que já determina
o espaço que você vai ter, depois a relevância e o dia. Cada dia é um dia, um dia a
matéria pode ocupar um pé de página outro dia pode ser manchete do jornal, se não
tiver nada melhor para ser publicado”, admite Pedro Soares, da Folha de SP.
“Isso depende de muita coisa. Depende do dia que a matéria está entrando
no ar, se naquele dia o jornal está cheio. Depende da importância, se no dia tem
coisas mais importantes, se for uma quarta-feira, por exemplo, é dia de jogo de
futebol e o jornal fica apertado”, afirma Happy Carvalho, da TV Globo.
“Depende do interesse. Por exemplo, o emprego é algo que mexe com a vida
de todo mundo, independente do cara estar empregado ou estar desempregado.
Emprego é um assunto muito interessante, inflação é um assunto que está na
moda”, simplifica Rodrigo Viga, da Jovem Pan.
Como é o ambiente na redação na hora de produzir uma matéria de estatística?
A ‘corrida contra o tempo”que sempre marcou a prática do jornalismo, criando
um ambiente de pressão dentro da redação, agrava-se com a chegada e a
imposição do “tempo real”. É um marco na vida dos jornalistas e nas condições de
trabalho desses profissionais. Wolf (1995, p.213) observa que “ assiste-se ao
fenômeno pelo qual as redações estão, tecnologicamente, cada vez mais em
condições de dar informações em tempo real, mas a propósito de um número de
assuntos, temas e indivíduos cada vez mais delimitados antecipadamente”.
Os repórteres das agências em tempo real sabem que seu trabalho está
condicionado à rapidez, à velocidade da notícia, que passa a ser transmitida
instantaneamente. São as exigências da era da informação e do mundo globalizado.
O profissional de imprensa deve agir e pensar rapidamente, sempre raciocinando
que a transmissão de uma notícia com alguns segundos de atraso representa perder
a concorrência para outro veículo.
A imposição do tempo real também mudou a rotina de divulgação do IBGE na
sala de imprensa. Nas divulgações de indicadores considerados importantes pelo
mercado financeiro como, por exemplo, os índices de preços ao consumidor (INPC e
IPCA), a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e o Produto Interno Bruto (PIB-
trimestral), jornalistas e assessores negociaram uma alternativa para o jornalismo
on line. Alguns minutos antes da divulgação oficial, às 9h30, os releases são
distribuídos para os jornalistas com os textos virados para baixo, em seguida eles
ligam pelo celular para as redações e somente depois da contagem regressiva e a
autorização “já”, é permitido passar os flashes ou notas com as informações. Para
quem não conhece as regras do tempo real, todo esse espetáculo parece no mínimo
grotesco. Mas para quem vive nesse ritmo de trabalho situações aparentemente
normais, como a distribuição ordenada do release ou a dificuldade de completar uma
ligação para a redação, podem representar segundos a mais sobre a agência
concorrente.
Além de toda essa angústia, o relógio do assessor na sala de imprensa deve
estar sintonizado com o do técnico que libera a notícia na página do IBGE na
Internet. Só faltava, para o desespero dos repórteres, serem “furados”, como se diz
no jargão jornalístico, pelo próprio IBGE na Internet.
A repórter Jaqueline Farid, da agência de notícias em tempo real, Estado de
São Paulo, revela como a cobertura das divulgações do IBGE fica sujeita ao tempo
do mercado financeiro.
As estatísticas do IBGE são muito importantes para a agência de
notícias em tempo real.Você não pode soltar o dado que o IBGE
divulga nem um minuto depois das outras agências. É uma tensão
muito grande na hora de você passar o dado do IBGE, por exemplo,
o IPCA ficou em X - tem que ser às nove e meia mesmo, nove e
trinta e um você já passou atrasado. Os clientes, os operadores de
mesa do mercado e tal, eles chegam a ligar para reclamar para a
agência se eles vêem que estavam grudados nela, mas a Reuters,
por exemplo, deu antes. É bem tenso, é a parte mais tensa.
O tipo de pressão que o jornalista sofre varia de acordo com cada veículo.
Nos jornais, por exemplo, os repórteres são pressionados pelo tempo que se leva
para produzir os gráficos com ilustração, conhecidos pelos estatísticos como
pictogramas
12
, produzir as fotos e finalmente preencher o número de páginas
determinado para o assunto. Normalmente, é o repórter que seleciona a principal
notícia, e isso, segundo eles, por motivos óbvios. Afinal, eles participam da coletiva,
lêem todo o material e conversam com os técnicos responsáveis pela pesquisa.
“A pressão varia a começar pela importância da divulgação. Se for, por
exemplo, uma indústria regional a pressão é zero, mas se for o PIB ou se for o
Emprego (PME), que vai ser manchete do jornal, daí tem uma pressão muito grande
e a primeira pressão é não errar”, diz Pedro Soares, da Folha de SP.
“A primeira pressão é saber qual a informação principal dependendo da
pesquisa. Se for uma pesquisa conjuntural, é mais simples, você tem um dado
preciso que subiu ou desceu especificamente. Quando são as estruturais, é mais
complicado você estabelecer qual é a notícia mais importante, nem sempre fica
visível”, observa Cássia Almeida, de O Globo.
Na televisão, a procura por imagens que correspondam às informações
divulgadas pelo IBGE e o tempo reduzido de produção são os principais
responsáveis pelo alto grau de tensão no trabalho da produtora do Jornal Nacional
Happy Carvalho. Ela conta que depois da morte do jornalista Tim Lopes
13
, os
repórteres da TV Globo não entram mais nas favelas em busca de imagens e
depoimentos. Isso, segundo a produtora, limitou o material visual que era utilizado
nas divulgações, por exemplo, das pesquisas sociais. Já foi o tempo em que para
produzir uma matéria sobre saneamento, habitação, nutrição, economia informal,
menores carentes, entre outros assuntos, bastava subir o morro com uma câmera de
filmar no ombro.
12
Pictograma é similar a um gráfico de barras, mas ao invés de usar barras usam-se figuras representativas do
fenômeno que se quer ilustrar. Ver texto de Besson (1995), A tentação do modo de usar.
13
Tim Lopes, 51 anos, foi assassinado pelos traficantes da favela da Vila Cruzeiro em junho de 2002.
Na ocasião, ele trabalhava para a TV Globo e preparava uma reportagem sobre o suposto abuso de
menores de idade e consumo de drogas em bailes funk promovidos por traficantes da zona norte
carioca.
“Não é um jornal que você senta e escreve o negócio. Você procura
enquadrar uma pessoa, um personagem dentro daquela pesquisa. Por isso é muito
mais difícil e muito mais pressão”, afirma Happy Carvalho, produtora da TV Globo.
Os repórteres de rádio sofrem outro tipo de pressão que está ligada à falta de
conhecimento dos editores em relação ao IBGE. Em alguns casos, esses
responsáveis pelo noticiário cobram, pelo celular, dos repórteres, durante as
coletivas, informações descabidas como conta Rodrigo Viga, da rádio Jovem Pan:
“eles não conseguem entender muito, por mais que eu explique e porque são vários
chefes, então eu tenho que repetir a resposta mais de uma vez. Eles não entendem
essa história do IBGE não fazer previsão, não olhar para o futuro. Eu tento mostrar
para eles que não pode porque não é papel do IBGE”.
Os responsáveis pela edição final compreendem as estatísticas?
A falta de tempo e a busca pela informação instantânea são justificativas para
o pouco conhecimento sobre determinados assuntos entre os jornalistas. A
afirmação, recorrente no meio profissional, de que o jornalista “não tem tempo para
pensar” é questionada por Moretzsohn (2002, p.165).
Na verdade, esse “não pensar” revela uma forma muito particular de
pensar por estereótipos, que se traduz em inúmeros exemplos
observáveis sem qualquer esforço todos os dias, em todas as
editorias de todos os grandes jornais. Podem ser percebidos na
orientação da cobertura das questões da educação voltada para sua
sintonia com o mercado ( a “educação para o trabalho”), levando-
nos a achar muito natural que seja esta a função principal da
educação, ou que um jovem de classe média possa dedicar-se
exclusivamente aos estudos, enquanto o pobre deva acumular o
estudo com o trabalho.
O “pensar por estereótipo” pode ser preocupante quando se trata de
pesquisas que revelam novos fenômenos sociais e econômicos. É claro que
entender as estatísticas não é uma tarefa simples, mas seus resultados nem sempre
podem ser tratados na forma de dois extremos: subiu ou desceu, melhorou ou
piorou, desacelerou ou disparou.
Em entrevista, quase todos os repórteres afirmaram que os editores (ou
responsáveis pela edição final na hierarquia da redação) não têm informação
suficiente para decodificar as pesquisas quantitativas do IBGE.
“Para a maior parte é um mistério. Por exemplo, no jornal tem uma editora de
São Paulo que entende porque acho que ela já fez isso antes. Ela consegue
compreender a matéria e consegue até achar erros que a gente passa daqui. Agora,
tem muita gente que não faz idéia sobre o assunto e toda a vez que você vai passar
tem que explicar a mesma coisa de novo”, revela Jaqueline Farid, do Estadão.
“Às vezes, você perde uma matéria muito boa por causa do repórter que não
capta direito. Quer dizer, ele não complementa as informações que eu já tinha
buscado, não se aprofunda e não trabalha com os números direito. Aí chega na
edição, também, o editor não trabalha direito isso como edição e fica uma coisa meio
capenga”, diz Happy Carvalho, da TV Globo.
“Eu diria que os editores e chefes não têm conhecimento estatístico na
prática. Se tiver que aplicar algum elemento desse daqui numa calculadora, um
cálculo assim, eles não têm condições. Na Reuters, acho que eles têm um pouco
mais de noção porque são focados”, conta Rodrigo Viga, da Jovem Pan e Reuters.
“É muito importante para o repórter, e eu acho que são poucos os que vão
cobrir o IBGE e que têm isso, é ter muito claro o conceito. Por exemplo, chegar ali e
dizer tem um número de subocupados e, ainda, você saber dizer exatamente o que
é um subocupado para o chefe. Ele fica o tempo todo querendo saber o que é
aquilo, o conceito de não PEA, PEA”, observa Pedro Soares, da Folha de SP.
A compreensão das pesquisas conjunturais, que são divulgadas
mensalmente, se torna mais fácil dentro da redação a partir da própria repetição,
segundo os jornalistas. Mas as estruturais exigem um esforço maior por parte dos
repórteres e editores, como assinalaram alguns:
“Nas estruturais muda um pouco porque às vezes tem conceitos mais
específicos na pesquisa. Alguns dados que você consegue mostrar, mas quando a
pessoa pergunta (editor), com uma idéia de comparar pesquisas diferentes por que
aquela pesquisa dá isso e essa não dá aquilo?”, lembra Cássia Almeida, de O
Globo.
“As pesquisas mais detalhadas exigem um esforço por parte dos repórteres,
por parte da coordenação, até para que a gente possa realmente tornar a divulgação
interessante, valorizar aquilo que elas trazem de interessante” diz Mauro Silveira, da
CBN.
A rotinização bem-sucedida das coberturas jornalísticas sobre pesquisas
levou a uma melhora representativa entre os profissionais que escrevem sobre
estatística, esta opinião é compartilhada por Ali Kamel e Beraba.
O ombudsman Marcelo Beraba lembrou que a Folha de São Paulo começou
a trabalhar com estatísticas no início do projeto editorial, em 1984, por entender que
eram necessárias informações mais precisas para melhorar a qualidade do seu
produto. Foi criado, então, o Datafolha, que começou a trabalhar com pesquisa
eleitoral e, segundo Beraba, percebeu-se que a redação não sabia trabalhar com
aquelas informações e nem sabia distinguir ponto percentual de porcentagem. Para
Beraba, foi a partir daí que o jornal começou a ter uma preocupação muito grande
de preparar os jornalistas e foram realizados diversos cursos sobre como ler
pesquisa eleitoral e um pouco de matemática ou estatística voltada para o
jornalismo.
“Com o tempo, essas pesquisas foram ficando muito comuns no jornal, o
jornal começou a fazer pesquisa sobre tudo, de opinião e não só as eleitorais. Então,
isso era utilizado pela economia, usado pela política, cidade e foi obrigando essa
cultura se disseminar. Então, a Folha ainda erra muito, mas erra infinitamente menos
que os outros jornais”, diz Marcelo Beraba.
"Eles entendem cada vez mais. Mas eu acho que a gente ainda está aquém do que
deveria. Na área de pesquisa eleitoral a gente está muito bem, mas na área do IBGE, eu diria
que dá para a gente dizer que, em dez anos, a gente melhorou muito, porque também o
volume de informações do IBGE aumentou muito e assessoria melhorou muito", diz Ali
Kamel, da TV Globo.
Existe alguma recomendação na redação em relação às estatísticas?
A palavra é tão importante no jornal quanto na televisão ou na rádio. Mas
existem diferenças - por exemplo, o texto do jornal é para ser lido pelo público e o da
televisão e da rádio para ser ouvido. Na televisão e na rádio não dá para voltar atrás
e ouvir de novo; além disso, dentro ou fora de casa, os dois veículos sofrem a
concorrência de outros fatores como: gente entrando e saindo, outras tarefas
acontecendo ao mesmo tempo, bagunça de crianças e outros.
Assim, é importante que, além do texto claro e direto, as matérias devam
seguir as recomendações internas de cada redação. O manual de Telejornalismo da
TV Globo (1985, p.9) é bem claro:
É importante pois que o texto seja claro, direto, simples, enfim,
tenha as virtudes da linguagem coloquial. O locutor conversa com o
telespectador.
O livro “Television News” faz uma comparação feliz: é como se a
gente abrisse a janela e contasse para o vizinho a novidade do dia.
Se a gente fizer assim, certamente começará o papo com a
expressão do gênero: Ei, João, sabe o que aconteceu? esse é um
truque que você deve usar na hora de escrever uma notícia. Imagine
que você está contando alguma coisa para alguém.
Ao apresentar uma notícia clara e simples que seja compreendida pelo
público, o jornalista reforça também “a imagem de pedagogo e de tutor que se atribui
à profissão, o que representa, portanto, uma reafirmação da sua utilidade social”,
como observa Wolf (1995, p.221).
Durante as entrevistas, todos os jornalistas afirmaram não ter conhecimento
sobre qualquer tipo de pesquisa sobre o interesse do público pelas estatísticas, mas
eles consideram este tema muito importante para os leitores, ouvintes ou
telespectadores em virtude da sua vasta experiência profissional e dos contatos
diários com pessoas que formam esse público.
Segundo os jornalistas, são várias as recomendações em relação ao
tratamento jornalístico que deve ser utilizado na redação para que o público entenda
com facilidade a informação estatística. Mas cada veículo guarda a sua
particularidade como mostra Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da TV Globo.
Existe uma recomendação geral de traduzir o máximo, recomendação válida
para todas as matérias. Nós temos pesquisa mostrando que a dificuldade de
entendimento do telespectador é muito grande. Nós temos a seguinte
dificuldade: não pode ser tatibitate porque isso ofenderia o telespectador,
mas se falarmos para nós mesmos ou considerarmos que as pessoas têm
uma formação universitária, as pessoas não vão entender, não entendem
nada. Então, às vezes, nós erramos muito. Por exemplo, a reforma
tributária: eu mesmo me penitencio de ter aceitado esse nome. Nós falamos
com 80% dos brasileiros todas as noites e podíamos dizer “a modificação
do sistema de impostos” e não reforma tributária. Fizemos uma pesquisa
depois de 20 séries sobre reforma tributária e as pessoas continuavam sem
entender o que é a reforma tributária. Então trocamos tudo em miúdos, mas
nem sempre temos êxito. Na verdade, o Jornal Nacional é visto pela família.
Nós temos um grande aliado que os jornais impressos não têm na formação
de leitores, de espectadores. Segundo pesquisas que fizemos, o chefe da
casa, a pessoa de referência, acha que é importante que o adolescente veja o
Jornal Nacional. Então ele chama o filho para ver. Nas casas que só tem um
televisor, quem manda é o pai. Então, ele foge da novelinha infantil no SBT
e ele assiste. No jornal impresso isso é mais difícil de acontecer. Existe o
mesmo aliado, mas é impossível garantir que o filho está lendo o jornal.
Mas isso é possível com a TV. E se não conseguimos falar pelo menos para
esse chefe, perdemos esse aliado. Porque, segundo as pesquisas que
fizemos, ele é o explicador da casa. Então, tudo que a dona de casa não
entende ou a mãe, as tias ou os garotos e as garotas, perguntam para esse
“explicador” e, se ele não sabe, ele fica humilhado, muda de assunto. E os
filhos sabem que ele ficou humilhado e mudam de assunto. Mas se
constantemente ele for desafiado e não conseguir traduzir a notícia estamos
matando o nosso telespectador. Então, nós temos uma brincadeira de que
temos pelo menos que nos fazer entender para todo mundo, mas em especial
para esse “explicador” . Porque é ele que vai, com a maior dificuldade do
mundo, tentar traduzir o que não conseguimos traduzir para os que têm mais
deficiências. Então, nós brincamos aqui que temos esse explicador que
também tem enormes dificuldades, não é o gênio da raça, ele tem
dificuldade de entender, mas se nós conseguimos traduzir para ele e ele
conseguiu explicar, ele é o nosso aliado. Isso em estatística também. Nós
não podemos abusar de números, entrou um número tem que entrar o
número escrito na imagem, na faixa, um gráfico. Nós usamos sempre um
personagem, nós sempre vamos a campo buscar um exemplo vivo do que
aquilo está dizendo e traduzir isso.
Embora o cotidiano seja pautado por uma série de referências quantitativas,
já incorporadas como naturais, os números são de difícil assimilação tanto nos
jornais como nas rádios e televisões. Por isso, nas reportagens as estatísticas
deixam as tabelas para se transformarem em histórias com nomes, caras e até
sofrimento. Assim, os jornalistas partem do pressuposto, possivelmente plausível,
que as estatísticas podem ser mais bem traduzidas e assimiladas com a utilização
de personagens. Segundo Marcelo Beraba, ombudsman da Folha de São Paulo,
essa solução ainda é um desafio para os jornais.
Tem recomendação, mas o mais importante é saber traduzir esses
números de uma maneira que você possa captar a essência deles,
que não seja uma coisa só numérica. Você deve ter a capacidade
de transformar esses números em uma maneira que o leitor consiga
compreender o fenômeno que você está tentando escrever. Não
precisa necessariamente ter uma avalanche de números, você tem
que saber captar os mais importantes e às vezes os mais
relevantes, mais importantes, não são aqueles que são mostrados
pelo próprio instituto ou por quem fez a pesquisa, às vezes você vai
perceber no meio daquilo ali algo que não estava sendo destacado.
E a segunda coisa, que é forte, é a dificuldade maior que os jornais
têm em geral de saber combinar esses números com a reportagem
propriamente dita, ou seja, saber transformá-los em vida, cor,
personagem, ambiente, rua. Quer dizer tirá-los daquela coisa fria da
estatística, da máquina de calcular e tudo mais. Esse é um desafio
para os jornais. Eu acho que eles fazem melhor do que já fizeram,
mas fazem mal ainda. A gente ou faz só números ou faz matérias
meio esquizofrênicas. Você tem números e aí separado você vai
buscar um ou dois personagens quase que para dizer olha! eu não
fiz só número, eu tenho personagem e tudo mais.
Na rádio, como observa Mauro Silveira, coordenador de jornalismo da rádio
CBN Rio, o desafio é transformar “num mundo real a realidade trazida pelos
números” já que a preocupação é não enfatizar os números, pois, no momento em
que o ouvinte tentar decodificar o número ele pode acabar perdendo a seqüência da
informação.
A gente usa o número até o momento em que esse número pode
ser assimilado. Quando os números são muito significativos, por si
só são as principais notícias, claro que eles são destacados. Isto
não significa omitir os números, mas apenas tomar cuidado com o
excesso de números. O ouvinte, quando ele ouve rádio, ele está
fazendo outras coisas ao mesmo tempo. Então ele não pode perder
a concentração e é fácil perder a concentração quando você só usa
um sentido, a sua visão está passeando. Você ouve rádio fazendo
uma série de outras coisas. Então, é fundamental e aí entra também
a capacidade do jornalista que está elaborando essa matéria, na
possibilidade dele transformar essa matéria em uma coisa realmente
assimilável, consumível por parte do ouvinte e que desperte o
interesse.
Para a repórter Cássia Almeida, do jornal O Globo, a economia pode ser
explicada com números e histórias. Ela mesma conta que numa divulgação do IBGE,
sobre as Estatísticas do Século XX, encontrou uma mulher que se “encaixava”
perfeitamente como personagem na sua matéria do jornal. Segundo a repórter, a
mulher tinha passado por todos os caminhos identificados pelas estatísticas. Ela
tinha deixado o campo em troca de um futuro melhor na cidade, ingressou no
mercado de trabalho junto com outras mulheres, conseguiu um emprego formal e,
nos últimos anos, acabou desempregada e entrou na informalidade. Cássia lembra
que o personagem liga o leitor ao fenômeno que está sendo mostrado. Mas ela
acrescenta outras recomendações que são utilizadas no seu jornal, quando se trata
de escrever sobre as estatísticas.
Primeiro, as matérias têm que ser de fácil leitura, quer dizer, você
não pode usar termos técnicos nas reportagens e se usar tem que
explicar claramente.(...) Eu, por exemplo, quando escrevo sobre
mercado de trabalho não falo PEA, falo da força de trabalho ou as
pessoas disponíveis para trabalhar. Outra coisa que a gente usa
também são os infográficos. Nos infográficos, a gente tenta explicar
o que é a pesquisa e tenta jogar uma quantidade de números maior,
para que você enxugue do texto as informações numéricas que
acabam afastando o leitor daquela reportagem. Você permite que a
matéria fique mais focada nas análises daqueles números, os
analistas ganham mais espaço para explicar (...) Outro tratamento
que a gente dá é que nas pesquisas, grandes ou pequenas,
normalmente você escuta os analistas. O repórter não faz análise da
pesquisa nunca, normalmente ele vai usar as pessoas que se
debruçam sobre aqueles números mensalmente para tentar explicar
para gente e para o leitor por que aquilo aconteceu. Outra forma que
O Globo usa e é legal é o traduzindo o economês ou então como
isso afeta sua vida. Por que a produção industrial crescendo é legal?
Porque a produção vai crescer a tendência de aumento nos
investimentos, a tendência de que o emprego aumente, aí você
tenta dizer ao leitor por que aquela informação é importante.
Na resposta da repórter de O Globo, podemos perceber que os jornais
utilizam vários recursos para tornar a matéria sobre estatísticas atraente e mais
abrangente. Já os profissionais das rádios e televisões vivem situações diferentes.
Precisam filmar ou gravar tendo sempre em mente a montagem rápida do material
jornalístico, numa edição controlada por minutos e segundos. Isso reforça a
necessidade, que os repórteres de rádio e televisão têm, de entrevistar os
responsáveis pela pesquisa com a intenção de somente enfatizar a síntese da
pesquisa. Esses profissionais podem ter menos opções de recursos, comparado ao
pessoal do jornal impresso, mas é no áudio e no suporte visual da informação
televisiva que, verdadeiramente, as estatísticas parecem ganhar vida, uma fantasia
motivada pelo som dos entrevistados e o movimento das cenas.
Você já aprendeu o modelo. Tem que ter personagem. Você não dá uma
estatística em TV sem personagem porque fica uma chatice só e as pessoas não
prestam atenção, fica feio” simplifica Happy Carvalho, produtora do Jornal Nacional
TV Globo.
“Eu preciso correr atrás de personagens, a característica do rádio é justamente
essa: se tiver a ilustração, se tiver uma gravação, alguém que possa acrescentar
algo numa declaração é fundamental, ajuda bastante”, diz Rodrigo Viga, repórter da
Rádio Jovem PAN (SP) e Agência de notícias Reuters.
“A recomendação é que fique mais fácil para a população entender. Na Voz
do Brasil, eles querem um personagem e na agência pedem a repercussão com os
especialistas” afirma Cristiane Ribeiro, repórter da Radiobrás, Voz do Brasil e
agência do governo NBR.
Embora a estatística, depois de agregada, não volte ao indivíduo na origem,
é curioso observar que quando são apresentadas aos jornalistas, as informações
obrigatoriamente saem do papel e são interpretadas. Não é a toa que os próprios
jornalistas chamam de “personagens” as pessoas que eles buscam para ilustrar as
matérias.
A estatística é um produto conveniente para os veículos de comunicação?
A falta de tempo, associada ao quadro reduzido de profissionais nas
redações, contribui para o movimento de busca dos jornalistas por importantes
fontes institucionais. Estas fontes oferecem informações seguras e confiáveis que
podem, ainda, ser adequadas ao tempo de transmissão ou ao espaço de impressão.
Wolf (1995, p.197) observa a presença de informações da área político- institucional
na mídia.
A fase de recolha dos materiais noticiáveis é influenciada pela
necessidade de se ter um fluxo constante e seguro de notícias, de
modo a conseguir-se sempre executar o produto exigido. Isso leva,
naturalmente, a que se privilegie os canais de recolha e as fontes
que melhor satisfazem essa exigência: as fontes institucionais e as
agências.
Esse comportamento se contrapõe à ideologia profissional que retrata o
jornalista como o “caçador de notícias”. Por conseguinte, nas entrevistas, a pergunta
sobre a oportunidade e conveniência que as pesquisas do IBGE oferecem dentro do
tempo e recursos limitados dos veículos de comunicação, não foi compreendida por
grande parte dos entrevistados. Poucos opinaram sobre esse tema.
"São as duas coisas: o interesse jornalístico do fato em si mesmo e essa outra
conveniência também. Mas eu diria que o primordial é a relevância dos números. O que me
adianta ter uma pesquisa aqui toda montadinha, se ela não for relevante aos nossos olhos de
editores. Ela não vai entrar nem que a vaca tussa", diz Ali Kamel, da TV Globo.
“Eu acho o seguinte: primeiro que é o órgão oficial de estatística, então
teoricamente a estatística mais confiável que existe. Mas acho que também tem um
pouco disso que você diz, porque já é um material que vem pronto, que você tem só
que decodificar, transformar em uma coisa agradável para a leitura”, observa Pedro
Soares, da Folha de SP.
“A estatística é uma notícia muito importante e que exige pouca investigação.
Você tem praticamente uma fonte que te dá tudo o que você precisa para fazer uma
boa matéria, no caso o IBGE”, afirma Jaqueline Farid, do Estadão.
A repórter da agência Estado de SP disse, ainda, que as divulgações
estruturais não são tão convenientes para a mídia do ponto de vista da produção do
material. Neste caso, o jornal precisa investir no repórter ou numa equipe de
reportagem e isso, dá um trabalho “danado”, já que as equipes estão cada vez mais
enxutas no jornal. Cássia Almeida concorda com os argumentos da repórter do
Estadão.
“A gente dá as pesquisas porque são importantes como notícias.
Não tem essa coisa da conveniência não. A pesquisa do IBGE é
super trabalhosa. Ela precisa que um repórter fique sem fazer outras
coisas, fique debruçado nas informações, fazendo pauta em cima da
pesquisa, indo a reunião de embargo, contratando free lancer no
Brasil, já que é uma pesquisa nacional. A chefia tem que olhar
aquela pauta, tem que ter uma previsão se vai dar um caderno ou
não. Então não é prático para o jornal ter aquela pesquisa.
Novamente ela é trabalhosa, é boa porque a gente sabe que vai ter
um material de qualidade e que vai conseguir fazer um trabalho bom
jornalístico em cima daquilo”.
O IBGE é uma fonte especialmente importante?
Hoje, o IBGE é um exemplo de instituição acessível aos repórteres e que tem
clareza do que diz Wolf (1995,p.199): “as fontes são um fator determinante para a
qualidade das informações produzida pelos mass media”.
No sentido inverso, como se poderia esperar, o acesso do IBGE aos
jornalistas na redação acontece também. Mas como, também, observa Wolf (1995,
p.201), “do ponto de vista do interesse da fonte em ter acesso aos jornalistas, os
factores relevantes parecem ser quatro: a. os incentivos; b. o poder da fonte; c. a
sua capacidade de fornecer informações credíveis; d. a proximidade social e
geográfica em relação ao jornalista”
Nesta confluência de interesses, a mídia leva o IBGE a se relacionar com a
sociedade e a Instituição oferece aos jornalistas material confiável, de acordo com
um calendário previamente divulgado. Desta forma, portanto, os jornalistas podem
se organizar dentro dos recursos disponíveis como observa Wolf (1995, p.201).
Do ponto de vista da oportunidade e da conveniência dos jornalistas
em utilizarem uma determinada fonte, a relação centra-se em alguns
fatores associados entre si e objectivados, sobretudo, para a
eficiência, isto é, para a necessidade de concluir um produto
informativo dentro de um prazo de tempo fixo e instransponível e
com meios limitados à disposição.
Esses fatores são: a. a oportunidade antecipadamente revelada; b. a
produtividade; c. a credibilidade, d. a garantia; e. a responsabilidade.
A vantagem indicada anteriormente refere-se ao facto de as fontes,
que, em outras ocasiões, forneceram materiais credíveis, terem
boas probabilidades de continuarem a ser utilizadas, até se
transformarem em fontes regulares.
As fontes regulares com quem o jornalista tem contato freqüente acabam
tendo mais credibilidade do que outras, pois estão sendo avaliadas ao longo do
tempo. Quando a credibilidade de um fato ( ou fenômeno) não pode ser rapidamente
confirmada, o jornalista procura basear-se na confiabilidade da fonte. Isso explica
alguns títulos de matérias onde os jornalistas preferem fazer referência ao IBGE da
seguinte forma: “IBGE diz...” ou “Para IBGE...”.
Outro aspecto que merece ser investigado é a relação que se estabelece
entre jornalistas e fonte. Nas divulgações do IBGE é comum encontrar os mesmos
repórteres de jornais e das agências de notícias, que podemos chamar de jornalistas
especializados nas pesquisas do IBGE. Situação inversa acontece com os
repórteres de rádios e TVs - são jornalistas diferentes que executam seus trabalhos
sem possuírem conhecimentos anteriores sobre a fonte e sem tempo para
aprofundar algumas noções sobre as pesquisas. Em algumas situações, esses
repórteres não especializados sentem-se deslocados diante da conversa entre os
técnicos das pesquisas e os jornalistas que freqüentam o IBGE. Wolf (1995, p.203)
observa importantes aspectos no relacionamento entre jornalistas especializados e
fontes.
Normalmente, os jornalistas especializados estabelecem relações
estreitas e continuadas com as próprias fontes, que acabam por se
transformar em fontes pessoais, quase informadores que mantêm os
repórteres actualizados, fornecendo-lhes indiscrições, notícias
reservadas. Isto é, cria-se uma relação quase simbiótica de
obrigações recíprocas entre fonte e jornalista especializado, o que
simplifica e, simultaneamente, dificulta o trabalho, visto que o custo
de se perder semelhante tipo de fonte acaba por ser bastante
elevado, levando, mais tarde ou mais cedo, o jornalista a uma
dependência mais ou menos consciente, justificada pela
produtividade da própria fonte. No jogo da corda, o poder está
tendencialmente do lado dessas fontes.
Sem dúvida, o uso que os jornalistas fazem das estatísticas oficiais deixa o
IBGE numa posição favorável como fonte. Há, portanto, que se considerar esse um
dos aspectos relevantes para o sucesso do embargo, onde as regras são
rigorosamente respeitadas pelos jornalistas. Não interessa a este profissional “furar”
o embargo já que isso representa um prejuízo na relação de confiança com a fonte -
IBGE.
Nas entrevistas, todos os jornalistas realçaram a importância do IBGE como
fonte institucional de credibilidade, já que desempenha um papel fundamental de
fornecer informações estatísticas de todo o país.
“É fundamental, é a grande fonte de informação sobre o país, para atender o
país, para sair do achismo, do impressionismo e ter uma base” observa Marcelo
Beraba da Folha de SP.
"Eu preciso do material que o IBGE tem e sem a imprensa o IBGE não existiria (...)
Tudo o que o IBGE faz, ele tem feito com muita qualidade, e a imprensa é muito bem tratada
no sentido que vocês aprenderam de alguma forma a conhecer as nossas deficiências e como é
que a gente trabalha" observa Ali Kamel, da TV Globo.
“Ele vai escrever sobre a economia industrial do Rio de Janeiro, ele vai
escrever sobre saneamento, mesmo que o IBGE não seja o corpo da matéria, mas a
informação vai ajudar muito. É o órgão oficial de estatística, a importância dele é
enorme não só para quem cobre os indicadores conjunturais, mas também para
quem prepara outra matéria”, afirma Pedro Soares da Folha de SP.
“É o único instituto de estatística que tem no Brasil que consegue retratar o
Brasil, né? Consegue dar informação sobre tudo que se passa, fazer um retrato do
Brasil”, observa Cristiane Ribeiro, da Radiobrás.
Wolf argumenta que “a relação entre aperfeiçoamento tecnológico e
necessidade de programar o trabalho reflete diretamente na escolha das fontes que
permitem organizar melhor o trabalho do órgão informativo”. Tudo isso contribui para
a tendência, verificada por alguns estudiosos, da estabilidade da cobertura
jornalística em detrimento da falta de investimento no jornalismo investigado.
Entender que ao assumir uma posição de fonte de credibilidade o IBGE está
isento de qualquer crítica, por parte dos jornalistas, pode levar a um grande
equívoco. O conteúdo do material e das análises divulgadas pelo IBGE foi
cuidadosamente discutido pelos jornalistas nas entrevistas. Embora este assunto,
inicialmente, não tenha sido tratado no questionário de pesquisa, ele surgiu entre as
respostas, reafirmando o olhar crítico e atento constitutivo do jornalismo.
“Em alguns momentos, já identifiquei alguma vontade de mostrar que a
situação não era tão ruim assim quanto o número mostrava. Acho que tem um viés
de ser mais otimista sim, de evitar mostrar um pouco o fundo do poço quando ele
acontece”, percebe Jaqueline Farid, do Estadão.
“Acho que tem um viés, não é uma tendência tendenciosa, é uma tendência
pró governo”, simplifica Rodrigo Viga, da Jovem Pan.
Na discussão sobre um possível viés nos textos dos releases ou nas análises
das pesquisas do IBGE, os repórteres identificaram um aspecto: uma conotação
positiva com a intenção de mostrar um quadro mais favorável para o país, tanto do
ponto de vista econômico como social. Entretanto, a avaliação dos textos de
divulgação das pesquisas do IBGE permitiu ao diretor-executivo de jornalismo da TV
Globo, Ali Kamel, algumas críticas que merecem uma reflexão mais profunda dentro
da instituição.
Ali Kamel observou uma linguagem “pretensiosamente neutra” nas análises
sobre desigualdades raciais, das publicações “Síntese de Indicadores Sociais”,
divulgadas anualmente pelo IBGE. Para o jornalista, que em diversos artigos
defende a tese de que no Brasil a desigualdade é social, os técnicos do IBGE
interpretam os números de acordo com suas crenças pessoais e estão “dedicados a
provar que nós somos um país racista e que os números mostram isso”.
O IBGE comprou a tese. Talvez eles estejam certo- isso não é ruim se for
uma verdade. Mas eu me sinto como aquele soldado que é o único a
marchar diferente. Os pesquisadores têm frisado muito frases do tipo "a
desigualdade de cor é ainda maior do que as desigualdades de gênero", ou o
contrário, para frisar que uma coisa é escandalosa: " a desigualdade de
gênero ainda é maior que a desigualdade de raça". As estatísticas do IBGE
nesse campo, todas elas dos últimos dois anos para cá, batem nessa tecla de
que há uma desigualdade racial. E há. Por isso não é um erro, os números
estão certos. O que está errado é dizer que a desigualdade é fruto da
discriminação. Desigualdade e discriminação são coisas diferentes, minha
tese é que a desigualdade racial é igual à desigualdade com os pobres o
Brasil é mais classista do que racista.
A imparcialidade, embora faça parte dos Princípios Fundamentais das
Estatísticas Oficiais adotados pelas Nações Unidas, é um problema complexo para a
maioria dos institutos de estatísticas que segue a tradição de evitar comentários de
natureza não estatística sobre seus dados. Este princípio pode parecer
relativamente simples na elaboração de um release, entretanto, como evitar
comentários não estatísticos na construção de uma análise mais profunda sobre
determinado fenômeno? Além disso, esse problema é enfrentado pelo técnico da
pesquisa na divulgação dos resultados, que é instigado pelos jornalistas a analisar
as informações, sem falar nos insistentes pedidos por previsões.
Mesmo diante do desejo de aumentar a cobertura da imprensa sobre as
pesquisas e atender bem o jornalista, os técnicos das pesquisas e da assessoria de
imprensa não devem avançar o sinal e nem levar os jornalistas a concluírem o que o
não é comprovado na pesquisa. A imparcialidade do produtor de estatística é um
assunto que merece muita atenção no IBGE e, por isso, deve ser exaustivamente
discutida.
A observação participante
O segundo método de pesquisa utilizado nesta dissertação foi a observação
participante, técnica de pesquisa muito utilizada na sociologia e na antropologia. A
sua importância está associada ao fato de fornecer a oportunidade de observar os
jornalistas no seu ambiente de trabalho. A observação participante se desenvolveu
depois das entrevistas qualitativas com os jornalistas: os depoimentos contribuíram
muito para nortear as observações dentro da redação.
Nesta etapa da pesquisa, pretendo narrar a seqüência de acontecimentos
dentro de uma redação, os aspectos relacionados ao ambiente e aos instrumentos
de trabalho. Meu comportamento durante a observação será percebido ao longo da
narrativa onde levo em conta as leituras de Neuma Aguiar (1978) e Howard’s Becker
(1994).
Do ponto de vista de instrumento de análise, a conjugação de métodos de
observação participante e entrevistas pessoais não esgota os problemas levantados
nesta dissertação, mas indica um bom caminho para uma reflexão mais profunda na
divulgação das estatísticas do IBGE.
A metodologia da observação participante
Como escolher o dia?
Os relatos dos jornalistas que cobrem o IBGE, nas entrevistas pessoais,
levaram-me a algumas conclusões: a divulgação do PIB gera muita tensão dentro do
ambiente de uma redação, representa um dia de trabalho exaustivo para o jornalista,
e as matérias sobre o PIB, comparadas aos outros indicadores conjunturais, ocupam
mais espaço na mídia e quase sempre ganham destaque na primeira página do
Jornal (ou na chamada do locutor do telejornal).
Assim, procurei tirar partido dessas informações para realizar a observação
participante no dia da divulgação do PIB, uma boa oportunidade para conhecer o
processo produtivo dentro de uma redação.
Como escolher o local?
Além da localização ( Rio de Janeiro), a seleção do jornal O Globo seguiu os
seguintes critérios: jornal diário de maior tiragem no Rio e a freqüente utilização das
estatísticas do IBGE nas reportagens. Procurei, assim, autorização para permanecer
na redação durante um dia (31 de agosto de 2004 - terça-feira), data da divulgação
das Contas Nacionais Trimestrais ( PIB-Trimestral)- indicadores de volume
abril/junho de 2004. A autorização, que teve a mediação da repórter de economia do
jornal Cássia Almeida, foi dada pela editoria de economia do jornal.
A meu favor, Cássia argumentou que a presença de uma funcionária da
assessoria de imprensa do IBGE e pesquisadora não constituiria qualquer influência
na natureza do trabalho deles, no qual utilizam um rigoroso processo de seleção das
informações. Em princípio, qualquer um pode acompanhar o que se passa dentro de
um jornal, não há mistérios na produção de notícias. A favor do jornal, a repórter
manifestou a possibilidade de esta pesquisa ajudar na melhoraria do trabalho deles.
Qual o tempo necessário para observação?
Outro aspecto importante foi o período de observação da pesquisa: um dia
(31 de agosto de 2004 - terça-feira). Neste período, acompanhei a repórter Cássia
Almeida desde a coletiva de divulgação do PIB, às 9h30, na sede do IBGE, até o
fechamento do jornal, às 22h15, na redação de O Globo. Um período curto, mas
satisfatório para o objetivo da minha dissertação. Contudo, bem diferente das
pesquisas que se aprofundam sobre as rotinas produtivas que operam nas
empresas de comunicação de massa, onde o reduzido tempo de observação é
considerado por Wolf (1995, p.168) como um dos momentos delicados da pesquisa,
já que “situa-se no início do período de observação, quando, habitualmente, é
permitido o acesso ao órgão de informação por um período muitíssimo curto (dois ou
três dias), evidentemente insuficiente até para uma familiarização com o ambiente”.
Deste modo, ao seguir as estatísticas do PIB, reconheci as principais etapas
do jornal como, por exemplo, o departamento de artes, onde são feitos os gráficos
(conhecidos como pictogramas pelos estatísticos) e as tabelas a partir das
estatísticas. Neste departamento, os profissionais, que na maioria são graduados em
desenho industrial, têm pouquíssima intimidade com as estatísticas e utilizam os
programas de computador (Adobe). No departamento de artes, a informação visual,
com figuras representativas do fenômeno que se quer ilustrar, é tão importante
quanto o texto do jornalista. Apesar de os profissionais de estatística não se
cansarem de apontar as imperfeições nos gráficos dos jornais, é importante deixar
claro que esse rigor na precisão numérica não está entre as preocupações do jornal.
Como me comportar na observação?
Ao conduzir a pesquisa, esbarrei numa questão teórica: a necessidade do
estranhamento do objeto investigado na observação participante. Neste caso,
considerando a minha biografia profissional, vivi a oscilação entre ser a observadora
da pesquisa e a jornalista capaz de identificar facilmente os processos de seleção da
notícia. Minha formação de jornalista me trouxe alguns embaraços no processo de
pesquisa, era necessário explicar para alguns colegas que aquele não era um
encontro casual e sim um trabalho de observação. Fora esse entrave, procurei
extrair das minhas observações informações suficientes para se entender a
produção da notícia sobre estatística dentro de um jornal.
A técnica da observação participante, comum nas pesquisas sobre os meios
de comunicação, é um método que reúne, ordenadamente, informações e dados
fundamentais sobre as rotinas produtivas nas mídias. Para Wolf (1995, p.167) a fase
de observação deve estar orientada segundo pressupostos teóricos, e não
indiferenciada e casual.
Quanto ao modo como o investigador se comporta na cena social
que está a analisar, pode, igualmente, haver amplas variações que
vão desde uma atitude de observador passivo, que reduz ao mínimo
as interações com os indivíduos analisados, até uma atitude mais
participativa e integrada. Contudo, mais cedo ou mais tarde, o
observador atinge um momento em que o seu papel corre o risco de
se confundir com o de participante-a-título-inteiro na atividade
observada.
Quanto à presença de uma estranha na redação, isso não gerou nenhum tipo
de problema ou embaraço. Na verdade, o meu comparecimento ao local foi
noticiado a todos, pela rede de computadores, através de uma mensagem da editora
de economia. Todos sabiam, portanto, o que eu estava fazendo ali. Tanto nas
conversas informais como nas reuniões percebi que os jornalistas não se sentiam
constrangidos na minha frente e, tampouco, recriminaram brincadeiras apimentadas
de seus colegas durante o trabalho.
Em relação às minhas anotações durante a observação, achei por bem
manter uma certa discrição. No bolso da minha calça comprida, carreguei
prudentemente lápis e papel onde fiz anotações no banheiro da redação ou quando
me encontrava só. Concluí que deixaria de observar pontos fundamentais da minha
pesquisa se ficasse voltada às anotações.
O relato de uma experiência na coletiva de divulgação do PIB
O ponto de partida da observação
Rio de Janeiro, 31 de agosto de 2004.
Tomarei como ponto de partida deste trabalho a coletiva (9h30), mas antes
disso, para dar uma idéia de como aquela terça-feira foi cercada de expectativa, vou
retroceder algumas horas, às sete horas da manhã, até o programa Bom Dia Brasil
da TV Globo, onde o ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Guido
Mantega, concedera uma entrevista ao vivo sobre a proposta de orçamento para
2005 enviada ao Congresso. Ele fez a seguinte declaração ( Bom Dia Brasil, grifo
nosso):
“(..)Nós estamos preocupados no médio e no longo prazo, porque o
país está crescendo, crescendo vigorosamente. Vocês vão ver os
dados que serão anunciados pelo IBGE logo mais. O segundo
trimestre teve um desempenho muito favorável. Eu não posso
dizer de quanto, porque é uma regra que existe, e o IBGE vai
anunciar em breve. Mas o Brasil já está em crescimento vigoroso,
sustentável. Nós temos que dar continuidade a isso. E, para isso, no
orçamento de 2005, nós vamos começar com uma cifra em torno de
R$11,5 bilhões.(..)”
É importante ressaltar que o ministro já tinha recebido o resultado da
pesquisa com antecedência de 24 horas, conforme a portaria nº167 de 5 de
setembro de 2003, que estabelece regras para a divulgação das pesquisas
conjunturais. Se fosse uma pesquisa estrutural, o governo receberia o resultado com
48 horas de antecedência. Toda esta operação é cercada de muito cuidado e
discrição já que a informação só pode ser liberada para a imprensa e disponibilizada
na página do IBGE, na Internet, às 9h30.
A produção do release no dia anterior também é cercada de cuidados. Na
véspera da divulgação (às 9h22), o técnico da Coordenação de Contas Nacionais do
IBGE enviou, pela rede interna de computadores, à assessoria de imprensa o
caderno de Indicadores IBGE- Contas Nacionais Trimestrais Indicadores de
Volume abril/junho 2004, com 36 páginas. Em quatro horas, os jornalistas da
assessoria de imprensa sintetizaram as informações num release de sete páginas. O
texto traduzido para os jornalistas foi reenviado, pelo computador, para que fosse
aprovado pelo responsável da pesquisa. Após a confirmação, o texto foi impresso
para ser distribuído no dia seguinte entre os jornalistas da coletiva. Tudo isso fica
guardado, na véspera, a sete chaves dentro da assessoria de imprensa.
Desde o início do dia da divulgação, já se especulava sobre o possível
número que seria divulgado oficialmente, dentro de poucas horas, pelo IBGE. No
auditório da Instituição, na avenida Franklin Rosevelt, centro do Rio de Janeiro, com
vista panorâmica para a Baía de Guanabara, aos poucos, os jornalistas foram
tomando seus lugares. Às nove horas, o auditório estava praticamente lotado, com
17 jornalistas já sentados nas suas cadeiras (em posição de sala de aula), além dos
fotógrafos e cinegrafistas à procura das melhores posições. Tripé para as máquinas,
fios para iluminação, neste cenário foi anunciado o PIB trimestral tão esperado por
todos. A mídia estava representada pelos jornalistas das agências de notícias
Radiobrás, Bloomberg, Estado de SP, Folha de SP, Reuters, Globo Mais, Dow
Jones, as rádios CBN, Jovem Pan, os jornais Valor, O Globo, O Dia, Folha de SP,
Estado de SP, Jornal do Comércio, e as televisões Globonews e Educativa.
Na frente dos jornalistas, sentados à uma mesa de madeira, os técnicos
responsáveis pelas Contas Trimestrais preparavam-se para o início da coletiva.
Quando faltavam cinco minutos para o horário oficial de divulgação, uma das
assessoras de imprensa começou a distribuir os releases para todos os jornalistas
(sentados na suas cadeiras) com a garantia de que o número só seria divulgado às
9h30 depois do sinal da assessoria. Os números pareciam estar saindo do forno
naquele minuto, a notícia era tão quente que não dava para segurar na mão, era
preciso passar imediatamente. Os repórteres das agências em tempo real teclavam
seus celulares para se manterem ligados às redações, embora nada ainda pudesse
ser anunciado pelo telefone. Para garantir o tempo real, era melhor completar a
ligação antecipadamente do que sofrer a angústia de encontrar o número ocupado,
fora da área, ou a falta de uma bateria.
Assim, às 9h30, em ponto, com os releases distribuídos, canetas e bloco na
mesa e celulares em posição de largada, a assessora dispara duas palavras: pode
passar! E ao mesmo tempo, com um certo frenesi, se ouvem os números:
- “five point seven”- diz o repórter da Bloomberg
- “cinco vírgula sete” diz a repórter da agência Estado
Os números eram transmitidos numa velocidade espantosa, dando a
sensação que nada mais seria tão importante naquele momento, no mundo, do que
a seguinte informação: o “PIB cresce 4,2% no primeiro semestre de 2004, em
relação a igual período de 2003. No segundo trimestre de 2004, o crescimento foi de
1,5% em relação ao primeiro trimestre do ano e de 5,7% na comparação com o
segundo trimestre de 2003”.
Parece que a angústia do tempo real causa uma certa cegueira nos
jornalistas. Cegos que, vendo, não vêem os números no release.
Desesperadamente, eles pedem socorro aos técnicos do IBGE que acompanham os
movimentos dos repórteres em silêncio, sentados à mesa. Àquela altura, fica claro
para os produtores de estatísticas a importância da informação que eles divulgam e
a necessidade de entender o processo de produção de um repórter.
Vencida esta etapa, os repórteres, já aliviados de cumprir sua missão,
dirigem-se para seus lugares ao lado dos outros jornalistas e se preparam para a
coletiva, onde serão feitas as primeiras análises da pesquisa.
A entrevista coletiva
Às 10 horas começa a coletiva com a apresentação dos primeiros resultados.
A explicação do gerente do PIB Trimestral é interrompida a todo o momento pelas
perguntas dos jornalistas, que na maioria são especializados nas pesquisas do
IBGE. Os repórteres não especializados acompanham atentamente os
esclarecimentos, embora pareça difícil, para quem não está acostumado a participar
das coletivas sobre PIB, acompanhar a velocidade das informações e do diálogo que
se estabelece entre técnicos e jornalistas especializados. Parece um bate-papo
entre pares. É curioso observar que alguns jornalistas, não acostumados com a
divulgação do PIB, chegam a acrescentar os repórteres especializados à lista das
fontes. Nessa troca de informações, o colega mais preparado acaba exercendo, em
relação aos novos repórteres, uma função de condutor da notícia.
Não demora muito e o gerente da pesquisa, já experiente em conceder
entrevistas coletivas, ouve a seguinte indagação da repórter do jornal Folha de São
Paulo:
- “Para o leitor, é melhor comparar com o trimestre anterior ou o mesmo trimestre do
ano anterior?”
O gerente da pesquisa mostra a importância de todos os percentuais, que são
comparações com períodos diferentes, mas adverte que a escolha do que pode ser
melhor para o leitor cabe à jornalista. Angustiados diante de tantos números
diferentes, os jornalistas pedem ao gerente um comentário síntese sobre o quadro
econômico. Mas antes que ele consiga terminar sua explanação, os jornalistas, sem
perceber, voltam a bombardeá-lo com perguntas. Confusa com tanta informação, a
repórter do jornal Valor pede aos colegas - “vamos primeiro esgotar esse
pensamento”.
Nas coletivas, os técnicos do IBGE seguem um princípio rígido dentro dos
institutos de estatísticas: a imparcialidade. Os jornalistas que freqüentam as
coletivas conhecem bem esse procedimento dentro do IBGE de não fazer projeções
e nem análises sobre possíveis tendências no campo econômico. Mas ainda assim,
eles não deixam de pedir previsões e comentários para aumentar o espaço ou o
impacto da matéria jornalística. É como se esperassem, em cada coletiva, através
de insistentes tentativas, um desabafo do técnico sobre as estatísticas. Essa
situação não é, nem de longe, confortável para um entrevistado que, sendo também
um pesquisador, tem seus vieses com relação aos fenômenos que observa. Mas
aqui, ele não pode ultrapassar o limite, respira fundo e repete inúmeras vezes o
papel do IBGE, lembrando que as previsões adicionais devem ficar para políticos,
analistas e outros.
O jornalista da Radiobrás, que está sempre presente nas coletivas, faz uma
brincadeira provocante em relação a essa postura defendida pelos produtores de
estatísticas. Na presença de outros colegas, o repórter diz para o gerente “sair de
cima do muro”.
E, com sorte, o comentário maldoso não surtiu nenhum efeito a não ser o de
despertar o movimento ligeiro de uma das assessoras de imprensa. Era a deixa para
interromper a entrevista coletiva, abrindo espaço para que os jornalistas de rádio e
TVs pudessem gravar o depoimento. Às vezes, os profissionais dos jornais reagem a
essa interrupção, mas dessa vez eles brincaram e aproveitaram para anotar a
declaração do entrevistado que sempre é mais resumida para as rádios e TVs. As
luzes dos cinegrafistas são acesas, e é preciso um pouco de silêncio para não
atrapalhar o áudio (microfone) da entrevista.
Depois de dez minutos de gravação, o entrevistado já parece cansado, mas
ainda não está livre dos repórteres. Os repórteres de jornais solicitam as séries
históricas para a produção de novos gráficos, e, aos poucos, a coletiva chega ao fim.
Para o jornalista, é o início de um dia tenso de trabalho. Vencida esta etapa, passo a
acompanhar a jornalista Cássia Almeida, do jornal O Globo, na produção da sua
matéria. Satisfeita com o material que recolheu na coletiva, a repórter toma um táxi
em direção à redação.
O relato de uma experiência na redação de O Globo
Apuração dos fatos e redação do texto
Logo que entrei na redação (às 12h), Cássia me pediu para esperar um
pouco, sentada na mesa de uma outra repórter que estava viajando, enquanto ela
passava os números do PIB para o pessoal do infográfico. Na sua mesa, Cássia
seleciona as tabelas do IBGE que devem ser transformadas em gráficos com
ilustração para o jornal. Ela digita número por número no computador e, em seguida,
envia, pela rede do jornal, ao departamento de artes, onde são feitos os infográficos,
a poucos metros da mesa da jornalista.
Naquele horário, a redação ainda estava silenciosa, o som vem dos aparelhos
de televisão suspensos que transmitem o noticiário da TV Globo e da Globonews.
Muitas mesas ainda estão vazias, e a sensação é de que a indústria da notícia ainda
não começou a funcionar.
Enquanto aguardava a repórter digitar os números no seu computador, pude
observar detalhadamente a redação, que ocupa um andar inteiro do prédio nº 70 da
Rua Irineu Marinho, no centro do Rio de Janeiro - uma ampla sala sem divisórias e
cheia de mesas com computadores; nas paredes podemos, através dos mapas, ver
todo o Rio de Janeiro e o mundo. As mesas de trabalho são bem pequenas e mal
cabem os computadores, telefones e algumas publicações para consulta, que vão
desde dicionários, livros e pesquisas do IBGE. A disposição do mobiliário, que não
pode ser considerado tão moderno nem tão antigo, revela discretamente a
existência de divisórias invisíveis, o que parece um contra-senso para quem
idealizou um território sem fronteiras e livre para a circulação das informações. As
posições das mesas mostram claramente as diferentes editorias, entre elas a de
economia, esporte, país, Rio, mundo e segundo caderno.
A linha que separa cada editoria parece visível pela forma de vestir e de falar
dos jornalistas. Por exemplo, na editoria da economia, que fica ao lado da turma do
esporte, as mulheres são maioria e se vestem de maneira mais formal (o único
repórter da economia usava blazer preto). Elas devem estar sempre preparadas
para eventuais compromissos com diretores de empresas, consultores e analistas.
Gente do mundo da economia. Já na editoria de esporte, os homens são maioria,
escutam-se vozes altas, alegria fora de hora e roupa “casual”. O volume da TV, no
noticiário esportivo, parece não interromper a concentração dos repórteres da
editoria de economia. Ninguém se queixa do som do vizinho.
Livre da sua primeira tarefa (12h40), Cássia levanta-se da sua mesa em
direção à coordenadora de pauta e conversam sobre a matéria. A coordenadora,
que ainda não tinha encontrado com a repórter, já estava bem informada sobre os
resultados do IBGE. Ela já tinha “vendido” a matéria sobre o PIB na reunião com as
chefias às 11 horas da manhã. E, mesmo longe da coletiva, já tinha acessado o
release, pela Internet, além das notícias das agências. Na pauta daquele dia no
jornal, estava prevista a matéria da Cássia sobre o PIB, a repercussão do resultado
com a Fazenda, o Planejamento, o Congresso, o Planalto e a CNI, pela sucursal de
Brasília, e, ainda, os reflexos na Indústria e no Comércio, pela sucursal de São
Paulo.
No encontro com Cássia, a coordenadora de pauta observa, também, o
aumento do consumo das famílias revelado na pesquisa do IBGE e diz para a
repórter que quer “um pouco de vida real” na matéria. Ela recomenda que seja feita
uma foto de uma família mostrando o aumento de consumo no domicílio, mas, logo
em seguida, reconhece a dificuldade para encontrar uma família dentro de casa,
naquele horário da tarde. Cássia, então, sugere uma foto numa loja de
eletrodomésticos mostrando uma dona-de-casa comprando um produto, tarefa que
pode ser mais simples para o fotógrafo. A coordenadora concorda com a idéia da
repórter e mais uma vez enfatiza que precisa de “vida” na matéria.
Antes de se despedir, a coordenadora de pauta brinca com a repórter
perguntando onde está esse crescimento do PIB, anunciado pelo IBGE, e reitera
que na sua casa não houve aumento de consumo e nem crescimento da economia.
A repórter, também, reconhece que esse aumento de consumo verificado nas
estatísticas do IBGE não foi constatado por ela na sua família.
Naquele horário, quase uma hora da tarde, a coordenadora já sabia que o
PIB seria a manchete do jornal no dia seguinte e, com isso, era necessário escalar
outro repórter para ajudar na produção das notícias. Imediatamente, um repórter,
especialista em assuntos de finanças, que já estava envolvido em outras duas
matérias, foi escalado para entrevistar alguns analistas de mercado sobre a possível
revisão. Ele tirou o paletó, entrou na página do IBGE, na Internet, para ler o release
sobre o PIB antes de telefonar para os entrevistados.
Às 14h, Cássia decide almoçar no restaurante do jornal, exclusivo para os
funcionários, e me convida. Num local amplo e limpo são oferecidas várias opções
para o almoço, como: filé de peixe com suflê de queijo, saladas variadas, feijão com
arroz e de sobremesa frutas e pudim de leite moça. Meu almoço foi creditado no
crachá da repórter que registra o desconto que será feito na folha de pagamento.
Dentro do jornal, tanto no restaurante como na lanchonete, não se utiliza moeda
monetária, sendo que tudo é creditado nos crachás dos funcionários. Com isso, para
evitar maiores constrangimentos, decidi não aceitar mais nada, fora o almoço e um
pequeno pão de queijo no fim da tarde.
No restaurante, repórteres, editores e coordenadores se encontram, e não é
raro falarem sobre suas tarefas naquele dia. O almoço durou 45 minutos, e, dentro
deste curto tempo, ainda encontramos a coordenadora, que falou sobre sua previsão
de pedir mais páginas para a economia, já que só o PIB ocuparia três. Para a
repórter, almoçar ali significa economia de tempo e dinheiro, sem falar na qualidade
da comida.
De volta a sua mesa, Cássia começa a repercutir, pelo telefone, o resultado
do PIB. Tenta ouvir um pesquisador do IPEA, da UFRJ e outros. Alguns estão
viajando e outros estão ocupados. A saída é deixar um recado com a secretária e,
depois, aguardar uma resposta.
Às três da tarde, a redação começa a ficar mais movimentada, com
praticamente todas as mesas ocupadas. O repórter escalado para ajudar a equipe já
tinha entrevistado, pelo telefone, dois analistas do mercado financeiro, mas naquele
momento ele tinha que colocar o paletó e acompanhar o fotógrafo na busca de um
personagem para a matéria. Ele leva seu bloco com as anotações das entrevistas,
que só serão redigidas na volta a redação, depois do trabalho de rua nas lojas de
eletrodomésticos com o fotógrafo. Na sua mesa, deixa o computador com a caixa de
mensagem exposta, uma indicação de que não deveria demorar.
No telefone, Cássia continua tentando ouvir os analistas sobre o crescimento
do PIB. Um deles pede para ela ligar no final da tarde, já que, antes da entrevista,
precisava ler as últimas notícias sobre o PIB nas agências. Outro entrevistado
estava num seminário e a repórter deixa o número do telefone do jornal na
esperança de um retorno. Diante da impossibilidade de realizar as entrevistas
imediatamente, Cássia aproveita seu tempo para marcar uma entrevista para o dia
seguinte, que será utilizada na sua matéria dominical.
14
O repórter de economia que está na rua liga para Cássia e pede ajuda. Ele
não consegue autorização para fotografar uma loja de eletrodoméstico e pede a
Cássia para entrar em contato com a assessoria de imprensa da loja. Na redação, a
repórter pede, pelo telefone, permissão para fotos e entrevistas dentro da loja, no
centro da cidade. Ela liga de volta para o repórter que está no local e avisa que ele
está autorizado a prosseguir seu trabalho.
14
Durante a semana, além das suas matérias diárias, os repórteres são responsáveis, também, por algumas
reportagens para o jornal de domingo. No fim de semana, a redação funciona com um grupo reduzido de
Naquela altura (às 16h30), a produção de notícias na redação e stava a todo
vapor. O ambiente é movimentado e os diálogos entre repórteres e editores são
mais freqüentes. A entrevista de um jogador de futebol exibida na TV da editoria de
esporte alastrasse no ambiente da economia onde Cássia ouve, pelo telefone, um
entrevistado sobre o PIB. São jornalistas com funções e atuações bem definidas,
cujas tarefas são executadas em sincronia perfeita, na busca do mesmo objetivo:
produzir notícias.
A escolha dos assuntos e a edição
Todos os repórteres de economia são chamados pela editora de economia (17h)
para uma reunião. Diferente das tradicionais reuniões, aqui são todos convocados
em voz alta e a reunião é em pé, ao lado da mesa de quem está no comando das
decisões: a editora. Ela precisa anotar o que será “vendido”, para o jornal do dia
seguinte, na reunião com os editores- executivos de todas as áreas. Cada jornalista
avalia a notícia que tem em mãos e, nesta hora, Cássia fala sobre os resultados do
PIB, sem dúvida a notícia mais relevante do dia na economia. A chefe da editoria
anota tudo no seu caderno e se mostra preocupada com a falta de informações
sobre os personagens na matéria de Cássia. A repórter explica que a equipe ainda
está na rua a serviço, mas certamente voltará com um bom material e fotos.
Ainda nesta primeira reunião, o subeditor de economia examina a matéria que
chega da agência de notícias sobre a Organização Mundial do Comércio (OMC) que,
segundo ele, se não fosse a existência da divulgação do PIB, o assunto concorreria
à primeira página do caderno d e economia. A OMC condenou a lei antidumping
americana, aceitou ação movida pela União Européia e mais sete países, entre eles
o Brasil, e autorizou sanções contra os EUA. Outra jornalista fala, também, sobre
uma boa matéria do dia: uma nova reserva de petróleo, descoberta pela Petrobras,
em Sergipe, e que faz o estado ser o quarto maior produtor do país. A reunião não
havia terminado quando o repórter que estava em busca de um personagem para a
matéria do PIB chega a tempo de contar o que recolheu na rua. Fez fotos e
entrevistou uma dona-de-casa que comprava um vídeocassete.
jornalistas de plantão, e por isso o jornal deve estar praticamente produzido na sexta-feira. É o “dia do
pescoção”, como os jornalistas de jornal chamam a sexta-feira de muito trabalho e horário estendido.
Além de anotar as notícias do dia, a chefe da editoria precisou negociar o
espaço dos anúncios nas páginas do jornal dedicadas à economia. Ela liga para o
departamento comercial e tenta trocar alguns anúncios de lugar. Seu objetivo é
conseguir mais espaço para as reportagens nas três páginas dedicadas ao PIB, mas
sabe que pouca coisa pode ser feita nesse sentido. Por exemplo, é certo que na
primeira página do caderno de economia uma boa parte da página é dedicada à
propaganda de um curso de MBA de uma instituição particular de ensino.
Finalmente (17h30), a reunião mais importante do dia, onde é decidido o que
vai para a primeira página do jornal, a manchete e a foto de destaque. Felizmente, a
convite da editora de economia, pude observar a reunião, que é realizada numa
mesa comprida, no interior da redação, com um telefone ligado direto (viva voz) ao
editor de Brasília. Em volta da mesa, os chefes das editorias de política (País),
economia, internacional (Mundo), cidade (Rio), esporte e fotografia, além do diretor
de redação e editor responsável Rodolfo Fernandes e mais três editores-executivos:
Luiz Antônio Novaes, Ascâneo Seleme e Orivaldo Perin. O clima é aparentemente
tranqüilo, mas pontuado pelo curto tempo desses profissionais, já que precisam
produzir um jornal dentro de poucas horas.
Na reunião, cada chefe de editoria tem em média cinco minutos para falar
sobre os principais assuntos da sua área. A primeira a falar foi a editora de
internacional que, entre outros assuntos, destacou os atentados suicidas que
destruíram dois ônibus e mataram 16 pessoas em Israel; depois, foi a vez do editor
de esporte, que falou sobre a visita de Daniela Ciccarelli ao jogador Ronaldo na
Granja Comary, em Teresópolis, com boas fotos do casal e do jogador de vôlei Giba
com a filha Nicoli, que nasceu durante as Olimpíadas. A editora de economia foi a
terceira a falar. Ela destacou o crescimento do PIB, a repercussão no Planalto, a
expansão na indústria paulista e os consumidores na loja de eletrodomésticos. A
editora de política destacou a pesquisa do Ibope sobre a intenção de votos na
eleição do Rio de Janeiro e em São Paulo, e o editor de cidade falou, entre outros
assuntos, sobre uma matéria exclusiva de fraude no serviço de teleatendimento do
Detran. O material visual do dia foi apresentado pelo editor de fotografia, que
destacou as fotos do presidente Lula, feliz ao comemorar os resultados da
economia; a modelo Daniela Ciccarelli beijando o craque Ronaldo, e Giba beijando a
filha Nicoli. Os editores-executivos pediram mais algumas informações sobre as
matérias e, em seguida, todos os chefes de editorias se retiraram da reunião. Por
mais surpreendente que possa ser, toda essa conversa sobre as principais notícias
do dia, no Brasil e no mundo, durou somente trinta minutos. Cabe aqui uma breve
indagação: que acontecimentos ficaram de fora desses trinta minutos de notícias?
Ao final da reunião, os três editores-executivos e o diretor de redação
precisaram fazer mais uma escolha, isto é, precisaram individualizar a notícia da
primeira página do jornal. Em outras palavras, não se pode descrever o processo de
seleção das notícias dentro de um jornal apenas como uma escolha do editor final.
Essa questão é mais complexa e se desenrola ao longo de todo o processo de
trabalho, desde a apuração dos fatos pelo repórter, passando pela forma de vender
a matéria, as fotos que acompanham o acontecimento, as repercussões, até a
negociação com o editor.
De volta para sua equipe, a editora de economia ainda não tinha a certeza do
espaço que iria ocupar na primeira página. Ela precisava esperar a mensagem sobre
o resultado da reunião no computador e, enquanto isso, passou algumas
orientações para a equipe de reportagem.
Neste horário (às 18h), as pessoas começam a falar em tom mais alto e o
trabalho ganha mais velocidade, pressionado pelo tempo do relógio. Outros
jornalistas se envolvem na matéria sobre o PIB, já que o material jornalístico, de
Brasília e São Paulo, começa a chegar na redação do Rio. É preciso revisar todos os
textos enviados pelas sucursais do jornal.
Sentado ao lado do diagramador, que trabalha em frente a um terminal de
computador, o subeditor orienta a montagem das páginas com as respectivas
seções e matérias que compõem o caderno de economia. Após esta etapa, que vai
orientar a paginação, cada repórter passa a ter no seu terminal de computador o
espaço exato determinado para sua matéria. Por exemplo, na primeira página do
caderno de economia, a matéria sobre o PIB tem reservado 70 centímetros, um
espaço considerado bom pelo subeditor, mais um “box” e ilustração com gráficos.
Com a informatização, muitos profissionais que trabalham no jornal deixaram
de freqüentar a redação e conviver diretamente com os jornalistas. Um exemplo
disso são os fotógrafos. Se antes eles circulavam com desembaraço entre os
jornalistas, discutiam matérias e vendiam suas fotos, hoje eles raramente
freqüentam a redação e sua produção diária pode ser encontrada numa pasta de
arquivo no computador. Assim, com o nome do fotógrafo, o diagramador busca no
arquivo de fotografia a foto, tirada naquela tarde, da consumidora comprando na loja
de eletrodomésticos. A foto é escolhida, reduzida para o tamanho desejado e
colocada na página indicada da economia.
O fechamento do jornal
Por volta das 19 horas, a redação volta a ficar silenciosa e todos trabalham
tanto que não há tempo para conversa. Cássia come um lanche na sua própria
mesa. Ela está silenciosa e parece um pouco cansada. A sensação é que o tempo
agora corre mais depressa. As três páginas da economia sobre o PIB já estão
diagramadas e os repórteres avisados em relação aos centímetros de cada matéria.
É hora de começar a cortar o material produzido. Dos cindo gráficos
selecionados no início da tarde, três já foram cortados. O programa de computador,
utilizado pelo jornal, mostra, do lado esquerdo do visor, o texto que está sendo
escrito, e paralelamente, do lado direito, o espaço que está sendo preenchido (em
centímetros) na página diagramada do jornal. Dá a idéia de uma forma que vai
enchendo conforme o texto vai sendo redigido, como descreve um repórter ao final
da sua matéria: “eu já enchi a forma”.
O desenho da primeira página do jornal chega, pelo computador, à chefe da
editoria de economia, às 19h30. É a confirmação de que o PIB é a manchete do dia
seguinte, com foto e gráfico. Ela precisa agora enviar ao editor-executivo a sugestão
de título para manchete e texto da primeira página, além de coordenar um total de
cinco páginas do caderno de economia (três destinadas ao PIB).
Faltando poucas horas para o fechamento do jornal, o diagramador avisa que
a organização das páginas está mudando. São os novos anúncios que chegam e
alteram os espaços da propaganda e das notícias. Os diagramadores precisam
esperar as mudanças para novamente determinar os espaços das notícias.
Cássia consulta o caderno do PIB, entregue na coletiva, e precisa incluir na
matéria os depoimentos que os outros jornalistas da equipe passaram para o seu
computador. Ela começa a se preocupar com o espaço da matéria. É hora de
arrumar tudo, cortar e dar forma à reportagem um trabalho cansativo e tenso por
conta do tempo que parece fugir.
Na redação, a TV exibe o Jornal Nacional da TV Globo - já são oito horas da
noite. O telejornal anuncia o crescimento do PIB sem nenhuma reportagem especial.
Cássia observa a fraca cobertura da televisão e se sente tranqüila ao ver que não
está deixando nenhuma informação importante de fora da sua matéria.
Faltando um pouco mais de uma hora para o fechamento do jornal, Cássia
suspira aliviada e fecha seu texto principal da primeira página do caderno de
economia. Ela envia tudo, pelo computador, ao subeditor e de sua mesa grita - “O
principal taí!”
É a hora corrida da revisão. Nessa etapa, os jornalistas que estão envolvidos
com o material do PIB já somam seis. Duas páginas do caderno de economia já
estão quase fechadas. É preciso melhorar o título da matéria sobre a OMC, trocar a
palavra “sinalizar” por “indicar”, entre outras tantas coisas.
O tempo curto começa a gerar uma tensão na redação. O texto da primeira
página sobre o PIB não cabe na forma do diagramador e a chefe da editoria começa
a cortar de um lado e de outro até ele entrar na forma. Tira uma frase dali ou troca
uma palavra por outra menor.
Dez horas da noite, a editora pergunta aflita: o que está faltando? E sem
esperar uma resposta, pergunta de novo - o que falta revisar? Os textos começam a
ser distribuídos rapidamente entre os três subeditores e surge outro jornalista
oferecendo ajuda. O tempo começa a escapar. Nas outras editorias, alguns brincam
em voz alta - “vai queimar”. Uma jornalista explica que essa expressão é utilizada
quando o tempo de fechamento do jornal estoura um ou dois minutos depois do
tempo programado, às 22h15. Há de fato, nesta brincadeira, uma tentativa de aliviar
a tensão nos últimos minutos mais pesados no dia da produção de um jornal.
O fechamento é às 22h15 em ponto. O diagramador espera a autorização da
editora de economia para enviar as páginas para a máquina de imprimir. Ela avisa
para todos: “ faltam três minutos, vamos mandar as páginas”. Uma coisa é certa: não
há tempo para revisar tudo. Das três páginas do PIB, duas são parcialmente
revisadas. Ao final, vencida pelo relógio, ela avisa ao diagramador: “pode soltar
tudo!”. É a hora que o diagramador libera, pelo computador, as páginas diretas para
a máquina de impressão na gráfica que fica a quilômetros de distância da redação.
As três páginas do PIB são enviadas no último minuto do fechamento um alívio!
Ao fim do dia, a redação exibe um ar de satisfação. A produção da notícia traz
uma recompensa imediata aos jornalistas, todo o esforço se materializa num produto
acabado com fotos na primeira página. “Mercado interno faz PIB crescer além do
esperado” é a manchete de O Globo no dia 1º de setembro de 2004. Embora
visivelmente cansados, os jornalistas ainda não estão dispensados do trabalho.
Precisam revisar o que foi enviado com pressa, mas só devem modificar o que for
realmente relevante, como explica a repórter: “um número errado ou cachorro com x,
porque usar outra placa de impressão na gráfica tem um custo elevado para o
jornal”.
Por fim, falta incluir nesta observação uma informação, que antes parecia
desnecessária, mas agora, após o fechamento do jornal, é muito significativa.
Praticamente todos os computadores, da editoria de economia, tinham fixado ao
lado do visor a imagem de Santo Expedido. Como sabemos, Santo Expedito é o
santo das causas justas e urgentes.
4º Capítulo:
Mídia - uma ponte a ligar o IBGE com a sociedade
O quarto capítulo, como foi explicado na introdução, tem como propósito
esclarecer, do ponto de vista dos gestores, as mudanças na divulgação das pesquisas
do IBGE. A idéia surgiu quando conduzi a pesquisa de campo com os jornalistas: todos
os nove entrevistados fizeram referências ao ex-presidente do IBGE Sergio Besserman
e ao atual coordenador de comunicação social, Luis Gazzaneo, como agentes de
transformação na política de divulgação das estatísticas do IBGE.
Contudo, o papel que estes dois profissionais assumiram no IBGE, no período de
2000 a 2003, merece ser investigado. Para isso, foram realizadas entrevistas pessoais:
a primeira, com Besserman, e, depois, com Gazzaneo. Algumas questões formuladas
foram levantadas pelos próprios jornalistas nas entrevistas, como: a importância do
IBGE como fonte de pesquisa, o relacionamento do repórter com o produtor de
estatísticas e a neutralidade nos textos produzidos pelo instituto de estatísticas. As
perguntas do questionário aplicado aos dois entrevistados serão conhecidas ao longo
deste capítulo.
Outro aspecto que merece ser registrado é a acessibilidade e o entusiasmo dos
entrevistados para falar sobre o tema desta dissertação. E não é para menos, pois, sem
as ações iniciadas por eles, não haveria tamanha transformação no relacionamento do
IBGE com a imprensa. As duas entrevistas duraram em média uma hora e meia cada
uma e resultaram em quase 30 páginas. A entrevista com Sergio Besserman Vianna foi
realizada no dia 16 de setembro de 2004, na sede do Instituto Pereira Passos (no Rio
de Janeiro), onde, atualmente, ele é diretor. No dia seguinte (17 de setembro de 2004),
foi realizada a entrevista com Luis Gazzaneo, na sala da Comunicação Social do IBGE
(sede no Rio).
Durante as entrevistas, não foi difícil entender que essas duas pessoas tinham
muito mais em comum do que o fato de implantarem uma nova política de divulgação
das estatísticas do IBGE. Eles compartilham uma visão política, no sentido mais amplo
e não partidária, onde acreditam que a consolidação da democracia, iniciada há 20
anos no país, passa pela distribuição de informação e conhecimento para a sociedade.
Neste caso, as informações do IBGE, que têm um importante papel neste mundo
globalizado, são ferramentas fundamentais para que cada cidadão amplie e aprofunde
sua visão do mundo, sem falar na possibilidade de exigir cada vez mais dos
governantes. Ambos se mostraram imbuídos da missão do Instituto de “retratar o Brasil
com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da
cidadania” e tinham a convicção que só atingiriam a “massa” da sociedade brasileira
com o apoio da mídia a ponte a ligar o IBGE com a sociedade. Para Besserman, “com
a democratização, os segmentos de elite perdem a influência e a importância para o
conjunto do movimento de massa, do movimento de cidadania com um todo”.
Ao transcrever as entrevistas, um ponto curioso me chamou atenção: as
palavras, utilizadas pelos entrevistados, cujo sentido era assimilado e compreendido por
ambos, e demonstrava a valorização das ações com capacidade de agregar diferentes
grupos dentro de um ideal. Besserman explica como o papel do dirigente, que ele
aprendeu na direção do BNDES, foi importante na política de abertura da divulgação do
IBGE. “Não adianta dizer para a tropa vamos lá e não ir. Você tem que ir e tem que
ser que nem guerra de antigamente, não é que nem guerra de hoje, que o general fica
no alto comando no computador, o cara tem que ir à frente, assim que se muda uma
organização”, disse Besserman ao esclarecer o tempo dedicado à imprensa, onde teve
que se expor com ou sem riscos.
Outro exemplo é a explicação de Besserman sobre o ingresso de Gazzaneo no
IBGE: “ele tem um papel de agente de comunicação que busca conciliar os interesses
dos pesquisadores e jornalistas”. Besserman ressaltou, ainda, que Gazzaneo tem uma
longa experiência de trabalho com grandes grupos organizados dentro da imprensa e
da política. “Nós somos da mesma linha que mais vale um passo com mil do que mil
passos com um”, concluiu o ex-presidente do IBGE. Já Gazzaneo lembrou que era
necessário “derrubar as trincheiras”, onde os pesquisadores se protegiam da
imprensa.
A interação entre esses dois profissionais não aconteceu no IBGE. Ela é fruto de
uma longa e sincera amizade que começou quando Besserman ainda era um menino,
com cinco anos de idade. Na época, Gazzaneo era muito amigo da mãe de Besserman,
Helena Besserman
15
, e freqüentava muito a casa da família, no Rio de Janeiro. Além
disso, quando jovens, cada qual a seu tempo, os dois freqüentavam as reuniões do
15
A médica, psicanalista Helena Besserman morreu em 07/04/2002. Ela questionou a formação psicanalítica,
suas implicações éticas e o compromisso dos analistas com o meio social. Também denunciou o envolvimento
das sociedades psicanalíticas com os "ocultamentos" da tortura na ditadura.
Partido Comunista Brasileiro (PCB), sendo que Gazzaneo até hoje participa da vida
política do partido.
É certo que, antes de prosseguir no relato sobre as entrevistas, devo registrar
aqui o meu afeto e admiração por esses dois profissionais, que conheci no ano de
2000. Na ocasião, eu regressava ao IBGE, depois de quatro anos de trabalho em
redação de TV (em Brasília), e fiquei surpresa com as mudanças
16
dentro da instituição,
sem falar na satisfação que tive de ser chefiada (e sou até hoje) pelo jornalista
Gazzaneo. Nada disso invalida o método e avaliação desta pesquisa. Pelo contrário, o
reconhecimento do trabalho de Besserman e Gazzaneo ajuda a entender e reconstituir
o processo de transformação na divulgação para a imprensa. Um processo, que ao meu
ver ainda não terminou, mas deve ser estudado diante da avalanche de notícias que
baixou sobre o IBGE, transformando a instituição de pesquisa numa fonte segura e
confiável para os jornalistas.
Essa abordagem será tratada neste capítulo, ao lado das curiosas lembranças,
contadas pelos dois, sobre a reação dos produtores de estatísticas, que passaram a
conviver, cada vez mais, com os jornalistas. Todavia, os entrevistados mostraram
discordância na seguinte reflexão: o papel da comunicação dentro do IBGE está
personalizado ou consolidado dentro da instituição? Para Besserman está ainda
personalizado, e para Gazzaneo já está consolidado.
As entrevistas com Besserman e Gazzaneo
Besserman, com experiência em conceder entrevista, estava muito à vontade
na sala do Instituto Pereira Passos, onde exerce a função de diretor. Vestia uma
camisa esporte, sem gravata e sem paletó, e parecia que já esperava por essa
oportunidade. Tanto é que, ao falar sobre o processo de abertura para a mídia
dentro do IBGE, sem saber foi respondendo as perguntas do questionário, tornando
desnecessário interromper um pensamento tão elaborado pelo entrevistado.
Gazzaneo também esteve muito à vontade na entrevista, mas foi bem mais
cauteloso, utilizou-se das pausas para pensar e, talvez por causa da idade mais
avançada, julgou alguns comportamentos com muita relatividade.
16
Refiro-me às mudanças em relação à divulgação das pesquisas para a imprensa. É sabido que o IBGE já
passava por mudanças em outras áreas na gestão do presidente Simon Schwartzman.
Na análise destas entrevistas, por vezes faço uso de quadros onde as idéias
e vivências dos entrevistados possam ser confrontadas. Foi a forma que encontrei
de propor um diálogo entre os dois já que, lamentavelmente, não foi possível fazê-lo
diretamente.
Os entrevistados
Sergio Besserman, ex-presidente do IBGE, 47 anos
Graduação e mestrado em economia na PUC/RJ, foi professor do
Departamento de História da Universidade Fluminense (UFF), trabalhou como
pesquisador do Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional do
Instituto Brasileiro de Economia da FGV/RJ. Trabalhou , também, como diretor da
área de Planejamento do BNDES. Foi presidente do IBGE no período de janeiro de
1999 até janeiro de 2003 e atualmente é diretor do Instituto Pereira Passos (IPP)
Luiz Gazzaneo, chefe da Coordenadoria de Comunicação do IBGE, 77 anos
Graduado em Cinema na Escola de Cinema do Museu de Artes/SP,
ingressou no jornalismo pelo jornal “Notícias de Hoje” do partido comunista, em São
Paulo, como crítico de cinema. Em 1959 veio para o Rio e assumiu a chefia da
redação do Jornal “Novos Rumos” (do PC do B) até o dia primeiro de abril de 1964,
quando o jornal foi invadido e destruído. Depois de seis anos na clandestinidade,
voltou para o jornalismo, em 1971, e foi trabalhar com Samuel Wainer na revista da
Bloch - “Domingo Ilustrado”. Passou pelas revistas “Fatos e Fotos” e “Cartaz” até
que, em 1973, entrou no “Jornal do Brasil” como redator da editoria internacional,
mais tarde foi para a chefia de reportagem, editor de cidade e editor executivo. Em
1983, saiu do JB para a agência de notícias O Globo e ficou na editoria nacional do
jornal até dezembro de 1987. Trabalhou também como diretor da agência de
notícias Nova Press, especializada em notícias do leste europeu. Em 1991, deixou a
agência para trabalhar em campanha eleitoral. Em 2000, ingressou no IBGE como
Coordenador de Comunicação Social, onde está até hoje.
A chegada no IBGE
Quando chegou ao IBGE, Besserman tinha um sentimento de que a divulgação das
informações do Censo 2000 teria uma enorme repercussão não só para os usuários
tradicionais do IBGE como também para toda a sociedade, que passava por um
processo de democratização. Além disso, o censo anterior, de 1991, foi realizado
apenas três anos após a Constituição de 1988 e seis anos depois do fim do regime
militar, tempo considerado curto para se mensurar as transformações na nova
sociedade.
“Quando eu cheguei (no IBGE), me debrucei sobre todos os documentos
iniciais e uma frase de cara realmente me despertou a necessidade de começar a
pensar a comunicação: foi a missão do IBGE, definida de acordo com o último plano
estratégico feita durante a gestão do Simon Schawartzman
17
”, revelou Besserman.
A missão do IBGE de “retratar o Brasil com informações necessárias ao
conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania” foi interpretada pelo
economista de uma maneira mais ampla, que não ficasse restrita aos tradicionais
usuários das informações estatísticas como: os governos federal, estadual e
municipal, as universidades, as empresas de consultoria ou outros pesquisadores
individuais.
Besserman entende que o Brasil vive um processo de construção de uma
sociedade democrática com avanços consideráveis como, por exemplo, na
escolaridade. Nesse contexto, o exercício da cidadania busca a contratação de
informação e de conhecimento, que para o economista é um tipo de ativo que mais
facilmente pode ser distribuído e é produzido pelo IBGE. “Então, o exercício da
cidadania podia ser interpretado de uma maneira mais ampla, que era fornecer
informação e conhecimento para que cada cidadão ampliasse e aprofundasse sua
visão do mundo”, conclui Besserman.
Como presidente do IBGE, ele tinha consciência plena do que Latour (2000,
p.378) já observava nos centros de pesquisa: “os diretores censitários agora não
têm em suas escrivaninhas apenas recortes de jornais com opiniões sobre a
grandeza e a riqueza do país, mas uma verdadeira provisão de estatísticas que,
17
Simon Schwartzman foi presidente do IBGE no período de 1994 até 1998.
extraídas de cada povoado, classificam o povo do país por idade, sexo, raça e
condições financeiras”. Além disso, os meios de divulgação das informações do
IBGE, que, segundo Besserman, já estavam profissionalizados e adequados as
melhores práticas internacionais, eram voltados para aquele usuário que tem a
capacidade de tomar a iniciativa de buscar o IBGE, que entra no site e tem a
capacidade de selecionar a informação que lhe interessa. “Mas esse é um universo
muito restrito, isso aí não dá nem 5% do usuário do IBGE. Os 95% dos usuários que
só a cidadania expressa a nossa missão o único contato que tem com o IBGE é
através da divulgação da imprensa”, ressalta Besserman.
Gazzaneo, também, indica a importância da parceria com a imprensa para se
chegar à sociedade e lembra que a disseminação para a academia e especialistas
sempre funcionou no IBGE. “A questão para nós não era essa. Isso já estava
resolvido e nem era o nosso trabalho. A questão para nós era como chegar à
sociedade. Aí eu uso a palavra popularizar, como popularizar os indicadores do
IBGE”, resume Gazzaneo.
O jornalista como aliado
Besserman reconhece que alguns produtores de estatísticas se colocavam
numa posição “cômoda, fácil e burocrática” de dizer: “se o usuário tiver interesse
entra no site”. Mas acrescenta que esse público que não entra no site é formado por
milhões e milhões de brasileiros que assistem ao Jornal Nacional ou ouvem o
noticiário de rádio, e às vezes nem lêem o jornal impresso. Ele reafirma que “a única
forma de o IBGE atingir esse público, e vai continuar sendo assim por um bom
tempo, é através da imprensa”.
No entanto, admite que essa transformação na instituição não foi resolvida
pela assessoria de imprensa. “Primeiro, exigiu um convencimento do corpo gerencial
do IBGE e depois do corpo técnico, que eu acho que ainda tem muito a caminhar
nessa direção, no sentido de que o trabalho de lidar com a imprensa é um mal
necessário. Por que mal? Porque a imprensa não retrata com precisão e o
estatístico se sente violado na sua pureza”.
A tarefa de mobilização de gerentes e técnicos do IBGE contou com a total
colaboração do jornalista Luiz Gazzaneo. Ele disse que foi convidado por
Besserman com a missão de estabelecer uma “ponte” entre a instituição de pesquisa
e a imprensa.
“De cara, eu descobri uma coisa: a produção do IBGE era significativa e tinha
uma importância vital para que se conhecer o país. Segunda coisa, tem alguma
coisa errada na relação do IBGE com a mídia, já que não é possível que as
informações produzidas pelo IBGE não interessem à mídia”, conta Gazzaneo, que a
partir dessa conclusão começou a pensar o que “travava” a relação do IBGE com a
mídia.
Besserman:
“a única forma de o IBGE atingir esse
público, e vai continuar sendo assim por
um bom tempo, é através da imprensa”.
Gazzaneo:
“Como o IBGE ia chegar à sociedade?
Só poderia ser através da mídia”
A iniciativa do embargo
Na verdade, tanto Besserman como Gazzaneo tinham convicção de que, para
se aproximar da sociedade, o IBGE precisava do apoio da mídia. Além disso, com a
divulgação na imprensa (comunicação) e com a adesão das melhores práticas
estatísticas (técnicas de pesquisa), o IBGE também fortalece sua imagem junto à
sociedade e isso reflete em melhorias para a instituição e mais informações para a
sociedade. É um movimento circular que depende da interação entre instituição,
governo e sociedade (através da opinião pública). Besserman observa que o
atendimento ao cliente provoca mudanças transformadoras dentro de uma instituição
e obriga a enxergar o que não está muito bom.
“Em lugares como o Brasil, onde o cliente é atingido através da mídia, é
ouvindo as ponderações dos jornalistas e ouvindo a opinião pública que a gente
pode descobrir vetores de transformações de muita coisa”, acrescenta o economista.
A imprensa é uma aliada do IBGE?
Besserman:
“Acho que sim. Na verdade, o principal
aliado”
Gazzaneo:
Ela é uma aliada, ela tem sido. Nesses
quatro anos em que
estou no IBGE, a
imprensa no geral foi uma aliada do
IBGE, aliada entre aspas, foi uma
parceira, a melhor palavra é parceira”.
Em menor escala, esse movimento circular começa dentro do próprio IBGE,
onde gerentes, técnicos e jornalistas passam a interagir em várias frentes, como: no
planejamento estratégico (atendimento à demanda e oferta), nas decisões por
melhores práticas estatísticas (credibilidade) e na divulgação junto à opinião pública
(legitimidade), respectivamente. A estatística é um bom exemplo de instrumento que,
simultaneamente, amplia a visão dos governantes e dos governados.
A avaliação do trabalho da comunicação dentro do IBGE levou Luiz Gazzaneo
a pensar na implantação do embargo. Foi a forma encontrada de facilitar para a
mídia o entendimento da informação, dando aos jornalistas tempo útil para digerir as
pesquisas do IBGE e, também, suporte técnico para compreender melhor as
análises.
Vale acrescentar que em relação ao embargo no IBGE tanto Gazzaneo como
Besserman consideram-se autores da idéia. No entanto, mais importante do que
saber de quem surgiu a iniciativa é descobrir que ambos mergulharam nesta
proposta, que levou o IBGE a ser pioneiro, entre as grandes instituições oficiais no
país, deste tipo de ação com a imprensa. A idéia do embargo não é nova entre os
jornalistas do mundo todo, mas casos bem sucedidos, como o do IBGE, são
novidades na imprensa nacional e nas instituições oficiais.
Besserman
“Na verdade, quando o Gazzaneo
chegou eu falei para ele dessa idéia do
embargo. Eu me lembro ter dito a ele
assim: - Gazza eu estou com uma idéia
aqui (apontando a cabeça) que vem de
revista científica etc e tal, mas eu não
tenho a menor idéia se é boa e se
funciona. Então eu falei, me lembro
muito bem ter dito isso: Gazza, eu não
quero que você faça nada sobre isso, só
reflita. E naturalmente o que aconteceu?
Em duas semanas, ele disse vamos
fazer o embargo desse jeito. E eu
perguntei, mas Gazza funciona? Eu
garanto que funciona, eu vou à diretoria
do jornal disso e daquilo. Na hora, ele
sacou que isso era uma tremenda de
uma solução que atendia os dois
problemas, atendia tanto à imprensa
Gazzaneo
Quando eu estava aqui, de cara eu
descobri uma coisa: a produção do
IBGE era significativa e tinha uma
importância vital para que se
conhecesse esse país, essa foi a
primeira coisa o ponto de partida.
Segunda coisa, tem alguma coisa
errada na comunicação do IBGE, na
relação do IBGE com a mídia que não é
possível que um material como esse
que o IBGE produz não int
eresse à
mídia, evidente que interessa. A partir
dessas duas coisas, eu comecei a
pensar no que travava esse tipo de
relação. A idéia do embargo surgiu
nessa avaliação que eu comecei a
fazer. Então, eu parti de duas coisas:
primeiro, facilitar à mídia o ac
esso à
informação e dar à mídia o tempo útil
quanto à necessidade do IBGE.
para digerir a informação que o IBGE
produz. Além disso, era preciso ter
também o suporte técnico, vamos dizer
assim, para compreender melhor essas
informações.
Para Gazzaneo, em relação às pesquisas conjuntu rais, não havia nenhum
problema na divulgação, era quase “um ato burocrático”, mas nas pesquisas
estruturais a situação era bem diferente: “ o IBGE não sabia vender este produto
para a mídia e, com isso, a mídia não se interessava também, o que era um negócio
curioso”.
Além da utilização do embargo nas pesquisas estruturais, a assessoria de
imprensa do IBGE inaugurou um novo tipo de tratamento com os jornalistas. “A
assessoria precisa estar mais à disposição da imprensa para atender aos pedidos e
estimular este tipo de coisa”, observa Gazzaneo que reafirma que o mais importante
é encontrar um caminho para estabelecer um tipo de “relação mais estreita e de
confiança do técnico com o jornalista e vice-versa”.
O embargo foi uma novidade dentro do IBGE. Besserman conta que “não
sabíamos de nenhum instituto de estatística que fizesse isso. Aliás, procurei
desesperadamente essa informação para dobrar as resistências da Diretoria de
Pesquisas”. Ele reafirma que essa prática era muito utilizada pelas revistas
científicas, mas era desconhecida pelos institutos científicos no Brasil. No entanto,
entre os servidores antigos da assessoria de imprensa fala-se de uma tentativa de
embargo na ocasião em que o chefe da assessoria era o jornalista Carlos Vieira,
período de fevereiro de 1996 a novembro de 1999. O resultado deste experimento
foi desastroso para o IBGE, pois os jornalistas não respeitaram o acordo proposto
pelo assessor. Isso ajuda a entender que o sucesso desta prática depende também
do reconhecimento de uma liderança no embargo, de um assessor que tenha a
autorização tanto dos técnicos como dos jornalistas.
Hoje, a prática do embargo realizada pelo IBGE é referência entre jornalistas
e assessores de imprensa de outras instituições no país. Vale registrar que na última
portaria (de 28 de janeiro de 2005), onde o governo instituiu um prazo de 48 horas
de antecedência para pesquisas estruturais, a reação da imprensa a favor do IBGE
e da manutenção do embargo das pesquisas com uma semana de antecedência foi
surpreendente.
A explicação sobre o que era o embargo, praticado pelo IBGE e até então um
assunto restrito ao universo dos jornalistas, entrou nas páginas dos jornais e foi
explicado pela apresentadora Fátima Bernades no telejornal de maior audiência no
país, o Jornal Nacional na TV Globo. No dia 24 de fevereiro de 2005, depois de
exibir duas matérias com os resultados da Síntese dos Indicadores Sociais 2003, a
câmera do estúdio do Jornal Nacional volta para a apresentadora, Fátima Bernades,
que informa ao telespectador que aquela reportagem só foi produzida graças ao
embargo realizado pelo IBGE.
“Como sempre acontece, a imprensa teve acesso à pesquisa do IBGE com
uma semana de antecedência para tornar possível a produção das reportagens. No
fim de janeiro, uma portaria publicada no diário oficial, sobre a divulgação de
pesquisas, tinha provocado temores de que esse procedimento fosse suspenso”,
disse Fátima Bernades no Jornal Nacional. Sem dúvida, um fato histórico na história
do IBGE e da imprensa.
O primeiro embargo bem sucedido no IBGE
O primeiro embargo realizado com sucesso, pelo IBGE, foi em dezembro de
2000 na ocasião da divulgação dos resultados preliminares do Censo 2000. Um
grupo reduzido de jornalistas teve acesso aos dados e pôde antecipar a entrevista
com o presidente do IBGE, Sergio Besserman. A divulgação, no dia 21 de dezembro
de 2000, foi dividida em duas etapas. Um grupo de técnicos da pesquisa e o
presidente do IBGE participaram de uma coletiva junto com o ministro Martus
Tavares, no auditório do Ministério do Planejamento, em Brasília. Um segundo grupo
de técnicos concedeu entrevistas no IBGE, no Rio de Janeiro. Os eventos foram
planejados para acontecer simultaneamente, às 10 horas da manhã, dando
oportunidade para os jornalistas de Brasília e do Rio de Janeiro explorarem os
resultados da pesquisa. A equipe da assessoria também foi dividida, uma parte foi
para Brasília e outra ficou no Rio. Junto com o release, cujo título era “População do
Brasil é de 169.544.443 pessoas”, foi distribuído material de divulgação
regionalizado para cada estado do país. Um trabalho de divulgação gigantesco à
altura da operação censitária.
Vale a pena registrar um episódio que marca a tensão entre os técnicos neste
primeiro embargo do IBGE. Após a coletiva, no Ministério do Planejamento, os
técnicos se dirigiram ao aeroporto para regressarem ao Rio de Janeiro e se
depararam com a revista Época, que acabara de chegar na banca de jornal. A
revista já trazia na capa as informações do censo, que tinham sido divulgadas
algumas horas antes. Era uma quinta-feira, véspera de Natal, e a revista estava
sendo publicada antes do fim de semana com feriado, fato corriqueiro entre as
revistas semanais. Entretanto, para os técnicos do IBGE aquilo gerou uma
preocupação seguida de muita discussão. Um grupo argumentava que a revista não
havia respeitado o embargo e isso mostrava um impedimento para este tipo de
ações; outro grupo, bem mais satisfeito, reconhecia que se não fosse o embargo o
censo não seria notícia em nenhuma revista semanal. E, ainda, naquela altura o
censo era manchete em todo o país.
Em algum momento vocês tiveram medo do embargo com os jornalistas?
Besserman
“não, meu único receio mesmo foi se o
embargo seria respeitado. Que a
imprensa ia dar uma resposta no
conteúdo da matéria adequado, eu tinha
certeza, mas também eu ouvi muito o
Gazzaneo”
Gazzaneo
Nunca. Por mais incrível que pareça,
para mim foi a coisa mais natural do
mundo. Trabalhei 40 anos em redação
de jornal.”
Mas o embargo também teve sua falha. Na divulgação dos dados
preliminares do Censo 2000 sobre mortalidade infantil e fecundidade (8 de maio de
2002), o embargo foi furado na noite anterior pelo telejornal da Record. O jornalista
Boris Casoy, o único que não respeitou o embargo, deu a notícia de que a
mortalidade infantil caiu de 48 óbitos por mil nascidos vivos, em 1990, para 29,6
óbitos infantis por mil nascidos vivos, antes do horário combinado.
Na época, Gazzaneo foi avisado, pelo telefone, sobre o incidente por uma
jornalista que participava do embargo. Ele não hesitou em manter o acordo do
embargo até o dia seguinte e, para isso, mobilizou toda a sua equipe para reforçar o
acordo de manterem guardadas, nas redações, as informações do IBGE. O clima de
tensão e insegurança gerado pelo comportamento inesperado do jornalista Boris
Casoy foi, aos poucos, sendo substituído pelo compromisso dos editores de
manutenção do embargo.
Num contexto competitivo entre os jornalistas é inacreditável como todos
seguraram a informação até a data combinada. Isso ajuda a entender como é
importante ter na assessoria de imprensa um jornalista respeitado pelos colegas de
redação. Se não fosse isso, o desfecho seria outro.
Para Gazzaneo, esse acontecimento não o fez repensar no embargo: “eu
recebi telefonemas incríveis de gente da TV Globo, de gente do Estadão, do JB e
todos me diziam: primeiro, que não iriam furar o embargo, e, segundo, perguntaram
o que eu pretendia fazer. Eu não tive dúvida, a Record estava fora do embargo”.
A reação dos produtores de estatísticas do IBGE
No entanto, Besserman admite que os argumentos defendidos pelos
gerentes da Diretoria de Pesquisas contra o embargo não eram desprezíveis. Uma
das questões que precisa ser solucionada era: como a imprensa poderia receber
uma informação antes de um ministro ou do Presidente da República?
Neste aspecto, Besserman relembrou que, na sua chegada ao IBGE, viveu a
seguinte experiência com um ministro, que ele não quis revelar o nome: quando o
resultado de uma determinada pesquisa conjuntural era favorável ao governo, o
ministro corria para avisar aos jornalistas antes da divulgação do IBGE. Depois de
várias tentativas sem sucesso com esse ministro, Besserman finalmente encontrou
uma solução: a criação de uma portaria (de 20 de dezembro de 1999) que
estabelece precedência de duas horas para que as autoridades do governo possam
conhecer as informações do IBGE. Antes dessa proposta, Besserman fez um
levantamento e descobriu que na América Latina alguns países davam 48 horas de
antecedência ao ministro e outros como , por exemplo, o Chile, 24 horas de
antecedência. Ainda segundo sua pesquisa, no resto do mundo, poucos países
davam zero segundo de antecedência como acontece no Canadá. “No Canadá, e
isto é correto no meu modo de ver, o primeiro ministro vê a pesquisa sobre o PIB ou
do emprego no mesmo instante que o cidadão comum. Mas os EUA tinham um meio
termo, duas horas antes. Então, esta foi a minha proposta ao ministro Marcus
Tavares e ao presidente Fernando Henrique”.
Para fortalecer essa proposta, Besserman conta que utilizou como argumento
o acordo de adesão, avaliado em maio de 1999, do Brasil ao Padrão Especial de
Disseminação de Dados (PEDD) do Fundo Monetário Internacional (FMI) cuja
denominação em inglês é Special Data Dissemination Standard (SDDS). A medida,
que aumenta a transparência dos indicadores, tem como objetivo orientar os países-
membros do FMI na publicação de estatísticas econômicas e financeiras completas,
acessíveis e confiáveis, tendo em vista a tendência mundial de maior integração
econômica e financeira.
“O acordo com o FMI foi só um truque que eu usei, uma invenção minha para
tornar politicamente mais fluente a conversa com o ministro Martus Tavares. Já que
estamos assinando o SDDS com o FMI, não custa fazer igualzinho os EUA. Mas não
tem nada a ver, o SDDS nem toca neste assunto e talvez nem conheça esse
assunto”, revela Besserman.
De volta à questão preocupante do embargo, do jornalista que recebe antes
do governo, o primeiro passo foi aperfeiçoar a portaria já existente. Não estava
previsto embargo para a divulgação das pesquisas conjunturais, mas as estruturais o
governo passou a receber junto com a imprensa. “Nós tínhamos um problema a
mais. Além de garantir que os jornais saberiam respeitar o embargo, era uma tarefa
de uma natureza que o Gazzaneo cumpriu brilhantemente, era preciso garantir que
os ministros iam receber as suas partes, mas iam respeitar direitinho o embargo.
Quem cuidava desse embargo era eu”, conta Besserman.
Não obstante, Besserman considera um retrocesso as últimas portarias
assinadas pelo atual governo que aumenta o tempo da antecedência com que as
autoridades recebem as pesquisas do IBGE. “Se o governo vai ter esse privilégio,
isso gera um problema para o IBGE também, porque nessa relação não existe meio
grávido ou pouco honesto. Então, nessa coisa de ter total credibilidade junto à
sociedade fica um problema. Quer dizer: o IBGE divulga direito, mas junto com a
divulgação tem um pronunciamento do presidente”, lembra Besserman que
considera a posição atual do governo privilegiada, facilitando a criação de uma
estratégia de comunicação para repercutir a informação.
Embora considere ruim a mudança no tempo de antecedência das
informações do IBGE para o governo, Gazzaneo mostra-se mais descontente com
alguns repórteres desinformados, que não costumam acompanhar as divulgações do
IBGE, e fazem projeções como se tivessem tido acesso antecipado às informações.
Ele conta que, certa vez, aproveitou a divulgação do PIB para fazer um discurso aos
jornalistas: “sinto muito falar com vocês porque vocês não foram os responsáveis,
mas vocês têm influência bastante nas redações e conhecem o IBGE
suficientemente para saber que essa instituição não faz esse tipo de coisa. Não
queiram me transformar num assessor de imprensa especialista em escrever carta
refutando previsões antecipadas que o IBGE nunca dá”. E depois, como nos velhos
tempos de redação, aproveitou para puxar a orelha dos repórteres, “das duas uma:
ou vocês sabem que o IBGE está dando com antecedência o resultado das
pesquisas para os ministros e eles estão abrindo a boca, e neste caso vocês devem
denunciar porque isso é ilegal, ou vocês não sabem e devem ficar quietos e não
falar nada”.
O que convenceu mesmo os técnicos da Diretoria de Pesquisas do IBGE a
aceitarem a idéia do embargo, na opinião de Besserman, foi a promessa de uma
divulgação ampla, incluindo rádios, TVs, jornais, agências de notícias e revistas. “A
divulgação será amplérrima pelo seguinte: na linguagem de economista, tem
demanda, que é a imprensa querendo as informações, e tem oferta. Eu garanto que
nós vamos falar da pulga do cachorro se eles perguntarem isso”, contou Besserman
sobre o argumento que utilizou no diálogo com a equipe da Diretoria de Pesquisas.
Atender os jornalistas era um objetivo estratégico da instituição, lembra
Besserman ao explicar sua disponibilidade para a imprensa. “Hoje eu posso me dar
ao luxo de o repórter me ligar e eu decidir se quero ou não falar, mas no IBGE a
disponibilidade era total. Eu não posso pedir para o gerente se expor na divulgação
da pesquisa de emprego, por exemplo, se não me envolvo nisso”.
Outra forma de convencer os produtores de estatísticas foi de que, com pouco
tempo para produzir matérias, os jornalistas poderiam cometer erros e prejudicar a
imagem do IBGE. Neste sentido, os técnicos usaram como contra-argumento a idéia
de enxugar os resultados, tornando a divulgação bem menor. Para Besserman, esta
proposta estava fora de questão, principalmente, porque ia na direção contrária da
missão do IBGE de retratar a realidade para o exercício da cidadania. “Não podemos
segurar a informação, não somos deuses. O cidadão pode estar interessado numa
coisa na PNAD que a gente não sabe qual é, a PNAD tem duas mil informações. E
ele vai ver a PNAD (pela imprensa) nas próximas 24 horas ou 48 horas e, depois,
ele não vai ver mais, ele não vai entrar no site e nem vai nos telefonar”, disse
Besserman. Embora ele acredite que até hoje alguns produtores de estatísticas do
IBGE não estejam convencidos dos seus argumentos a favor da ampla divulgação,
na ocasião da implantação do embargo a palavra do presidente prevaleceu.
Para Gazzaneo, entre os produtores de estatística existia um “sentimento de
auto- proteção” e isso se refletia na relação com a imprensa. “Não sei se tinham
medo dos jornalistas, mas resistiam a conversar, não estabeleciam um diálogo.
Então, era preciso criar condições para estabelecer um diálogo e romper isso”.
A divulgação dos primeiros embargos foram, na opinião de Gazzaneo, como
“uma explosão” dentro do IBGE. “Foi um choque positivo. Eu acho que as pessoas,
dentro do IBGE, começaram a ver que o diabo não era tão feio como se pinta, isto é,
a imprensa podia ser uma parceira leal e honesta e isso só beneficiava o IBGE
porque dava à instituição essa am plitude de divulgação”.
“Nós estimulamos muitas conversas a dois, dos jornalistas com os técnicos, e
não houve problema nenhum em relação aos jornalistas, mas por parte dos técnicos,
eles resistiram alegando falta de tempo, mas tinham que atender, eles são
protagonistas disso” comenta Gazzaneo que acredita que a relação entre os
técnicos e jornalistas fortaleceu a credibilidade das pesquisas do IBGE. “Por
exemplo, quando começamos a botar a Miriam Leitão para conversar diretamente
com os técnicos, ela começou a ver a instituição de outra maneira”, lembra o
assessor.
Para Gazzaneo, a resistência dos técnicos do IBGE em relação aos
jornalistas não existe mais e isto foi resultado de um aprendizado entre os dois
grupos. Além disso, Gazzaneo considera que teve muita sorte de trabalhar com dois
presidentes ( Besserman e Eduardo Nunes) que têm perfeita noção da importância
do papel da comunicação social da instituição, “o Sérgio foi a peça fundamental
nesse processo de mudança. Se o presidente do IBGE fosse um burocrata não teria
me chamado ( risos), não é verdade?”.
O respaldo de Besserman foi fundamental para Gazzaneo colocar em prática
suas idéias. Ele conta como recebeu o sinal verde para o embargo: “eu cheguei para
o Sérgio e disse: vou fazer um embargo para as pesquisas estruturais, e expliquei
como seria. Ele olhou para mim e disse, está seguro? Eu disse: estou e ele disse,
então faça! E eu questionei, mas pode haver resistência, e ele respondeu: não se
preocupe, faça!”.
Gazzaneo acrescenta, também, que embora as aparências às vezes
indiquem o contrário, ele se considera uma pessoa extremamente conciliadora e de
fácil trato. “O que eu sei é o seguinte: a partir do momento em que o trabalho
começou a dar frutos, as pessoas começaram a olhar para a comunicação de outra
maneira com muito respeito”.
Vale registrar as reformas (realizada em 2001) nas instalações da assessoria
de imprensa, que funcionava numas saletas com mobiliário considerado velho e
poucos computadores. Um ambiente padrão para a maioria das repartições públicas.
Por sugestão de Gazzaneo, as paredes foram derrubadas, transformando a
assessoria numa ampla sala, no estilo das modernas redações de jornais, com
computadores em todas as mesas, ligados à Internet. O espaço mais reservado é o
da sala do chefe da comunicação, com as divisórias de vidro para o salão no estilo
dos “aquários”, como são conhecidas, pelos jornalistas, as salas dos editores.
A mídia responde ao embargo
O ex-presidente do IBGE lembrou que a mídia aproveitou bem a oportunidade
e a cobertura das estatísticas no Brasil passou a ter uma pluralidade e qualidade
que se distinguem na imprensa mundial. Ele admite que a performance da imprensa
foi acima da sua expectativa e cita, por exemplo, uma passagem em São Paulo na
ocasião da divulgação com embargo da Síntese dos Indicadores Sociais 2002 do
IBGE, em 12 de junho de 2003. O curioso é que tanto Besserman como Gazzaneo
falaram sobre este episódio com um misto de nostalgia e satisfação. Os trechos das
entrevistas, dos dois, são reproduzidos de forma intercalada, onde as informações
se complementam.
“O melhor caso foi quando a gente lançou a Síntese de Indicadores Sociais,
no Rio, e, depois, fui para São Paulo com Gazzaneo e Luiz Antônio (da Diretoria de
Pesquisas) cumprir uma série de compromissos agendados com os jornalistas”,
conta Besserman.
“De manhã, quando nós acordamos, eu desci e fui comprar os jornais. As
manchetes da Folha, do Estadão, do Globo e do JB tinham a palavra desigualdade e
o Sérgio me disse: marcamos um gol!”, revela Gazzaneo.
“O Gazza veio com os jornais e um sorrisão na boca. Eu abri um sorrisão
também por que a Folha, com seu tradicional estilo, vinha “desigualdade continua” e
embaixo “indicadores melhoram”, e o Estado de São Paulo vinha, em letras
garrafais, “indicadores sociais melhoram” e embaixo “desigualdade continua”,
completa Besserman que não tinha dúvida que o embargo daria certo.
“O que nós queríamos com isso? Evidente que era política no sentido mais
amplo. A gente teve uma visão política não partidária, não era uma coisa mesquinha.
É uma visão política do papel do IBGE e das informações que o IBGE produz”,
conclui Gazzaneo.
Na ocasião, a assessoria de imprensa preparou o release da publicação com
o seguinte título: “Síntese de Indicadores Sociais confirma as desigualdades da
sociedade brasileira”. E o lead abria com o seguinte texto:
A Síntese de Indicadores Sociais 2002, lançada pelo IBGE, confirma
que o traço mais marcante da sociedade brasileira é a desigualdade.
A melhora dos indicadores foi generalizada, sobretudo os de saúde,
educação e condição dos domicílios, mas a distância entre os
extremos ainda é muito grande. Na desigualdade por gênero, as
mulheres ganham menos que os homens em todos os estados
brasileiros e em todos os níveis de escolaridade. Elas também se
aposentam em menor proporção que os homens e há mais
mulheres idosas que não recebem nem aposentadoria nem pensão.
O princípio da imparcialidade nos textos do IBGE
A expressão “os números falam por si”, muito utilizada pelos produtores de
estatísticas do IBGE, mostra a tradicional preocupação de evitar comentários de
natureza não estatística com os jornalistas e reforça a idéia de que os textos
produzidos pela instituição devem seguir o princípio da neutralidade. Neste sentido,
Besserman se considera um “aliado integral do ponto de vista fundamentalista do
estatístico”.
“O IBGE não pode fazer análise. Isso gera um problema para a imprensa já
que implica em mais trabalho. Se fosse um problema que não tem solução, eu ficaria
incomodado, mas só implica em mais trabalho para os jornalistas porque os
analistas de diversas instituições estão ávidos para serem entrevistados”, comenta
Besserman.
No entanto, o ex-presidente do IBGE reconhece que esse é um problema
ainda não resolvido dentro da instituição porque não existe informação sem análise
e acrescenta: “é uma ilusão achar que o técnico do IBGE produz a informação de
maneira totalmente neutra só porque ele tem que seguir um conjunto de
procedimentos que estão definidos”.
A produção de estatísticas segue uma metodologia científica, mas o
pesquisador deve ser muito cauteloso na hora de passar essas informações. “Tem
que ser hipercuidadoso para dar toda a informação, mas não entrar na análise e
nem fazer projeção”, disse Besserman, sem deixar de acrescentar que toda a
análise tem viés e todo mundo tem uma visão do mundo.
Você já identificou viés nos textos do IBGE?
Besserman
“Já, na minha gestão, principalmente,
quando a imprensa conseguia arrancar
uma projeção de um divulgador de
pesquisa conjuntural, e aí aparecia a
análise e o viés. Não tem como não
aparecer”.
Gazzaneo
“ Em relação a viés, não. O IBGE reflete
os números, reflete a realidade que ele
apurou.”
Neste sentido, Gazzaneo é taxativo e não reconhece viés nos textos do IBGE.
Em relação aos textos produzidos pela insituição, inclusive os releases, ele procura
evitar o rótulo da neutralidade. “Eu não chamaria de neutralidade, eu chamaria de
um esforço para mostrar a realidade como ela é. A favor ou contra não é questão de
neutralidade, é de se relacionar com a realidade. Se a indústria está caindo, eu vou
dizer que está caindo, se a indústria está subindo, eu vou dizer que está subindo.
Não tem viés otimista nem pessimista”, simplifica Gazzaneo.
Para Gazzaeno, os técnicos respeitam os limites da função do IBGE de
produzir informações estatísticas, mas reconhece que, nas entrevistas, alguns são
mais “audaciosos” e outros mais reservados. “A gente não pode esquecer que,
apesar de todos os passos à frente, ainda há resquícios. Resquícios de confiança.
Às vezes o técnico tem medo de falar ou não fala porque na vez anterior o jornalista
pegou uma fala dele fora do contexto e deu como uma coisa definitiva. Isso é um
risco que os técnicos do IBGE estão enfrentando hoje”.
A defasagem entre a coleta dos dados e a divulgação das informações
Para Besserman, este é o desafio dos órgãos de estatística no mundo inteiro.
“A demanda hoje é impossível de ser atendida, é uma demanda em tempo real. A
informação:“ministro quebrou a perna do outro ministro”, dois segundos depois está
em tempo real, mas isso não existe na estatística porque você tem que ter o mínimo
de cuidado”
Neste sentido, Besserman reconhece que o IBGE avançou muito e
acrescenta que a casa foi colocada em ordem na gestão de Simon Schawartzman,
“em ordem do ponto de vista de atualizar metodologia e atualizar as fases da
pesquisa, mas o trabalho ainda é realizado com recursos muito escassos, muito
limitados”.
Besserman conta que para não descumprir uma obrigatoriedade, que é a
inclusão da data de divulgação da pesquisa no calendário na página do IBGE, na
Internet, a solução encontrada pela instituição é uma data de divulgação com muito
folga, prevendo inclusive situações inesperadas, como problemas na rede de
computadores ou no banco de dados.
“É preferível atrasar a divulgação de uma pesquisa do que correr o risco de
ter que mudar a data por motivos operacionais, que podem ser mal interpretados.
Este problema vai ser melhorado com o tempo na medida que o orçamento do IBGE
melhore e a informática seja ainda mais incorporada”, assinala Besserman.
Além da defasagem, Gazzaneo identifica um outro problema enfrentado pelo
IBGE: a sofisticação da demanda. Para ele, o que o IBGE produz e divulga começa
a ser insatisfatório para quem busca informação: “não adianta dizer apenas que tem
500 mil crianças com menos de 10 anos de idade trabalhando. Isso já não é
suficiente. Eles querem saber onde estão esses menores, quanto ganham e se
ganham. São as exigências da sociedade”.
Gazzaneo lembra que o IBGE conseguiu aproximar a data de divulgação da
coleta das informações e cita, por exemplo, o Censo 2000, quando seis meses
depois algumas informações já estavam disponíveis para a sociedade. Mas ele acha
que o IBGE tem que trabalhar melhor neste sentido. “Este é um handicap que o
IBGE tem que enfrentar. Você não pode divulgar em março de 2004 uma pesquisa
que terminou em dezembro de 2002, mas você pode aproximar mais e tentar
divulgar a pesquisa de 2002 em setembro de 2003. Seria uma pesquisa atual, mas
não sei do ponto de vista técnico como é que se pode fazer isso”.
Um momento de demanda e oferta
A divulgação do Censo 2000 marca o início de um período de grandes
demandas por parte dos jornalistas e muita oferta de informações no lado do IBGE.
Besserman atribui isso a vários fatores: “você tinha, primeiro, a democratização
avançando; segundo, a escolarização avançando aos pouquinhos, e, terceiro, você
tinha tirado uma catarata dos olhos, que era a inflação”.
Para ele, no período anterior ao Plano Real (julho de 1994), onde a inflação
atingia taxas de 40% ao mês, era difícil falar sobre estatísticas sociais. Nessa corrida
de cegos, sociedade, imprensa e governo só enxergavam as taxas de inflação e a
queda no rendimento do trabalhador.
Besserman revela que, depois de vencida a inflação, ele tinha uma “forte
intuição” de que ia haver um interesse imenso da imprensa pelas questões sociais e
que pesquisas como PNAD e Síntese de Indicadores Sociais seriam muito
procuradas. Ele lembra que a primeira divulgação de impacto na sua gestão foi
Síntese de Indicadores Sociais, um trabalho iniciado na gestão de Simon
Schwartzman, onde ele reuniu em seu gabinete a Diretora de Pesquisas, Martha
Mayer, e os responsáveis pelos indicadores sociais, Luiz Antonio e Ana Sabóia.
“Ficamos a manhã inteira e um pedaço da tarde reunidos. Eu disse que os
jornalistas iam perguntar isso e aquilo. Me lembro desta conversa direitinho, foi a
primeira conversa deste tipo e acho que Martha ficou um pouco assustada”, lembra
Besserman.
A reunião com os técnicos foi uma espécie de preparação para a coletiva,
onde Besserman aproveitou para se informar sobre a pesquisa. “Jornal tem lead e
eu perguntava qual é a síntese da síntese? Aí o Luiz Antônio tomou a iniciativa e
disse que a síntese da síntese é que está tudo melhorando, mas a desigualdade
continua, melhora, mas melhora para quem está bem, melhora para quem está mal
e as coisas se aproximam muito pouco. Então este é o lead”, concluiu Besserman.
Embora Besserman rejeite a idéia de ser classificado como “bom de
comunicação”, ele acertou no lead da pesquisa. A desigualdade, como ele e
Gazzaneo observaram, na passagem por São Paulo, foi manchete dos principais
jornais no país.
É fundamental o papel do instituto de estatísticas de servir à s ociedade,
acrescentou Gazzaneo. Para ele, isso só é possível através das mídias, que inclui,
também, a Internet. “Eu acho que existe uma combinação: a popularização do IBGE
através da imprensa e a simultaneidade do lançamento e aperfeiçoamento do site do
IBGE”.
Gazzaneo chama atenção para o site do IBGE, que, segundo ele, não é
acessado somente por acadêmicos: “só uma informação que eu vou te dar: por
causa da Internet e da popularização do IBGE, o site da Internet recebe 400 mil
acessos por mês. Isso já transcendeu de muito o universo da academia e do
especialista”.
O futuro da assessoria de imprensa no IBGE
A assessoria de imprensa tem hoje um papel relevante dentro do IBGE,
observa Gazzaneo. Ele acha que a tendência é aumentar, cada vez mais, o trabalho
da assessoria. Para isso, é preciso melhorar as condições de trabalho não só do
ponto de vista da estrutura interna na comunicação social e do recurso que ela deve
dispor para melhorar o seu trabalho como também o leque das pesquisas deve se
ampliar para atender às demandas da sociedade. Gazzaneo destaca, por exemplo,
que “o país vive uma crise brutal de segurança e o IBGE não tem nenhuma pesquisa
sobre violência”.
Outro aspecto observado por Gazzaneo, em relação aos jornalistas que
cobrem o IBGE, é que eles trabalham nos limites da profissão e da função que
desempenham. “Eles trabalham com os números, prestam atenção e têm a
humildade de recorrer ao técnico quando têm dúvida. Têm consciência das suas
limitações e sabem que podem recorrer aos técnicos do IBGE, não são
aventureiros”, destaca o assessor.
A assessoria de imprensa do IBGE precisa estender os braços em todas as
direções para atender melhor os jornalistas das grandes e pequenas empresas de
comunicação, em todo o país. Gazzaneo afirma que a iniciativa de colocar uma
jornalista em São Paulo não foi por causa, por exemplo, do Estadão, da Folha, da
TV Globo, mas por causa da mídia fora da grande mídia. “Adelina (a jornalista do
IBGE) acabou de completar dois anos de IBGE, em São Paulo, e organizou um
mailing
18
para nós dos jornais do interior que é quase do tamanho do mailing
18
Mailing é uma listagem com os nomes dos jornalistas e veículos de comunicação.
nacional. Mais de duzentos rádios, jornais e televisões no interior de São Paulo.
Ribeirão Preto, por exemplo, tem três jornais diários; Bauru tem três ou quatro
também, e vai por aí”.
Já em Brasília a situação foi um pouco diferente. “Foi uma conjugação: o
IBGE estava precisando de uma pessoa em Brasília que pudesse fazer uma ponte
com o parlamento e desenvolver um trabalho que permitisse aos parlamentares usar
melhor os produtos do IBGE”, comenta Gazzaneo. Para ele, o atendimento à
imprensa de Brasília é secundário já que o jornal diário Correio Brazilienze é o único
que se destaca. “O principal é a questão do parlamento. Tornar a ferramenta do
IBGE mais conhecida pelos parlamentares. Isso pode, amanhã, influir sobre os votos
dos parlamentares no Congresso a respeito do orçamento do IBGE”, resume
Gazzaneo.
Outro ponto a ser registrado é o embargo realizado pelas unidades regionais
do IBGE em todos os estados do país. “O embargo nos estados começou há dois
anos e não me assustou, hoje menos ainda (risos). Eles estão com a sopa no mel,
estão dando entrevistas. Eles passam a controlar a divulgação nos estados e vou te
dizer mais uma novidade: São Paulo está desenvolvendo um projeto-piloto para que
as agências entrem no esquema da divulgação”.
De acordo com as informações de Gazzaneo, a unidade do IBGE em São
Paulo está formando nas agências da instituição, instaladas em alguns municípios
paulistas, profissionais capacitados para atender a imprensa local. “Na hora que for
divulgada uma pesquisa no Rio será também anunciada lá. Por exemplo, Ribeirão
Preto tem três televisões e a agência local vai estar capacitada para atender as
demandas dos jornalistas. A idéia é difundir cada vez mais o IBGE, uma rede que
atinge o país”.
Esse projeto é um desafio importante para o IBGE, reconhece Gazzaneo. “Vai
capilarizar informação. Eu nunca esqueço do e-mail enviado por um semanário de
uma pequena cidade do interior de São Paulo escrito pelo dono do jornal: estamos
orgulhosos de participar da divulgação do IBGE”.
O volume de informações do IBGE publicadas nos noticiários dos jornais de
outros estados e municípios é volta e meia enviado para a assessoria de imprensa
através da Internet. Numa rápida análise deste material é possível constatar que os
destaques são para as notícias regionais, voltadas para os temas daquele estado.
As informações nacionais só ganham a primeira página se forem relevantes. Quem
sabe seja esta a chave para se pensar no futuro da divulgação no IBGE?
Considerações Finais
Embora o diálogo entre o produtor de estatísticas e o jornalista, que foi o fio
condutor deste trabalho, se encerre aqui, é importante refletir sobre o trajeto que
esta pesquisa se propôs a realizar. Para isso, é preciso ter em mente, como ponto
de partida, a observação de Castells (1999, p.361) de que em “em uma sociedade
organizada em torno da grande mídia, a existência de mensagens fora da mídia fica
restrita a rede interpessoais, portanto desaparecendo do inconsciente coletivo”.
A transformação nas divulgações das pesquisas do IBGE para a imprensa não
foi por acaso, está dentro de um processo que reflete os novos tempos, onde o
suporte da mídia, cada vez mais entre nós, é essencial. Um movimento sem retorno
e que se multiplica nos órgãos de estatísticas de todo o mundo. É interessante
examinar como as instituições oficiais utilizam, entre outros canais, a mídia para
captar apoio explícito de aliados potenciais.
No Brasil, este processo se dá numa conjuntura propícia, o país vive a
consolidação da democracia e a informação tem um papel fundamental na cidadania
moderna. Certamente, um momento favorável tanto para o IBGE como para a mídia.
A instituição, depois de informatizada, deixa de lado a idéia arcaica de estatísticas
para usos exclusivos de estudiosos e governantes e passa a ter uma conduta mais
ativa na busca do grande público. E a mídia, pelo que já foi exposto nas entrevistas
qualitativas e na observação participante, aproveita extraordinariamente bem a
oportunidade, já que a cobertura das estatísticas passa a atender à demanda da
sociedade e aos valores das notícias dentro das redações.
A transformação na divulgação das estatísticas do IBGE se alastrou pelos
corredores da instituição mobilizando praticamente boa parte dos departamentos. A
inserção do IBGE nos noticiários aumentou a demanda e a disseminação das
pesquisas, contribuiu com a credibilidade e a legitimidade do Instituto, facilitou a
coleta de informações na pesquisa de campo e forneceu ingredientes para melhorar
a linguagem e a qualidade do atendimento ao público, sem falar na busca de
recursos e apoio para a instituição. Além disso, a visibilidade que a mídia garantiu ao
IBGE abriu os olhos dos técnicos sobre o relevante papel da instituição, que tem
como missão “retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de
sua realidade e ao exercício da cidadania”.
Tudo isso ajuda a entender que a avalanche de notícias sobre as estatísticas
do IBGE não se deve unicamente ao fato de elas serem de qualidade e
confiabilidade segundo os parâmetros internacionais. Afinal de contas, sempre foi
assim na história do IBGE e a imprensa, no passado, fez pouco uso desse material.
Essas mudanças evoluíram dentro de um processo de confluência de interesses (
IBGE mídia sociedade), que conseqüentemente levaram a instituição a uma
mudança de mentalidade.
Todo esse ciclo de transformação na divulgação das pesquisas consolida-se
com a contratação do jornalista Luiz Gazzaneo, em 2000, pelo ex-presidente do
IBGE, Sergio Besserman. É o resultado desse processo e é, também, o início de
uma nova base de relacionamento, pavimentada pela prática do embargo, entre
técnicos do IBGE e jornalistas. O IBGE passou a entregar os resultados das
pesquisas estruturais à imprensa, sob o compromisso de embargo, uma semana
antes da divulgação. Nesse período, os responsáveis pela pesquisa atendiam os
jornalistas e esclareciam o significado das informações. Este acerto levou o IBGE a
ocupar várias páginas dos jornais e, ainda, os minutos mais valiosos das emissoras
de rádios e TVs.
Com isso, o produtor de estatística passou a compreender que seu trabalho
não se encerrava num extenso relatório, e sim na divulgação dos resultados para a
mídia. Ao reconhecer isso, ele passou a disponibilizar uma parte do seu tempo para
os jornalistas e descobriu que, além de produzir um bom material, era preciso
“vender” bem o seu produto.
Todavia, o conhecimento de quem produz (produtor de estatísticas) é tão
relevante como o de quem “vende” (assessor de imprensa). O conhecimento
profissional e o acesso às redações fazem do assessor de imprensa, Luiz
Gazzaneo, uma figura respeitada tanto pelos colegas da profissão como pelos
técnicos do IBGE. Não é à toa que, nos últimos cinco anos, a as sessoria de
imprensa do IBGE aprimorou suas estratégias de divulgação, ampliou a sua equipe
de jornalistas e ganhou novas instalações. Sem falar nas diversas formas que
utilizou para estimular a relação de confiança entre jornalistas e técnicos, ao invés
de fomentar a oposição entre eles.
Dado tudo o que foi exposto, existem muitas razões para explicar o inegável
avanço nas divulgações das pesquisas do IBGE, entre elas: a importância da
informação no processo de consolidação da democracia brasileira, o valoroso
momento de demanda (mídia) e oferta (pesquisas do IBGE), as estratégias de
divulgações das pesquisas para os jornalistas, a mudança de mentalidade dos
produtores de estatísticas em relação as suas funções e o papel fundamental do
assessor de imprensa.
No IBGE, o perfil profissional do assessor de imprensa é muito importante. Para
exercer plenamente o seu trabalho, ele precisa ser “autorizado” pelos dois grupos:
técnicos e jornalistas. Não basta atender a um só grupo, mesmo que este seja o dos
produtores de estatísticas. O assessor de imprensa é um agente de mediação que,
naturalmente, reúne qualidades profissionais reconhecidas pelos colegas de
redação e da instituição.
No sentido de complementar a reflexão sobre a mudança na divulgação das
pesquisas do IBGE, é importante observar que esse processo ainda não se encontra
totalmente consolidado dentro da instituição. Uma prova contundente disso foi
quando alguns técnicos conjeturaram a possibilidade de suspender o embargo, na
ocasião da última portaria do governo (28 de janeiro de 2005) que determinava que
os esclarecimentos sobre as pesquisas só podiam ser dados após a divulgação
pública, sob ameaça das penalidades da lei. A primeira reunião de embargo após
essa portaria foi realizada no dia 17 de fevereiro de 2005, na sala de imprensa, e
contou apenas com a presença do chefe da Coordenação e da gerente
responsáveis pela Síntese dos Indicadores Sociais. Os demais técnicos que
participaram da pesquisa (Síntese dos Indicadores Sociais 2004) preferiram esperar
o dia da divulgação oficial, 24 de fevereiro de 2005. Cabe aqui a indagação: os
técnicos do IBGE seriam capazes de arregaçar as mangas para garantir a
autonomia na divulgação dos resultados? Qual a capacidade de reação do corpo
técnico do IBGE em relação a qualquer ameaça de extinção do embargo para os
jornalistas?
Ainda que pouco usual, no IBGE, alguns técnicos, por conta do atraso da
impressão das publicações, chegam a sugerir um prazo menor para o embargo das
pesquisas. Nesses casos, o assessor de imprensa sempre se mostrou firmemente
comprometido com embargo para os jornalistas, com tempo mínimo de uma semana
de antecedência, e convocou os técnicos a adiarem a data da divulgação oficial.
Como se poderia esperar, essa tarefa não é tão simples já que mexe com o
calendário de divulgação do IBGE e com as agendas das autoridades convidadas
para o evento. Mas no final das contas, o desfecho dessa negociação depende mais
da força do Gazzaneo (assessor de imprensa) do que da relevância do papel do
embargo. Gazzaneo, assim, passa a ser protagonista do embargo. O acontecimento
revela a fragilidade desta prática que deveria estar menos personalizada e mais
comprometida com a instituição.
A verdade é que, ao estar na grande mídia, o IBGE grava sua imagem no
inconsciente coletivo. É, sem dúvida, uma conquista riquíssima, mas é uma imagem
adquirida ao longo do tempo e com muito trabalho. Essas ações de divulgação para
a mídia remetem a um futuro imediato e promissor para a instituição já que abrem
várias portas como, por exemplo, a de outras instituições em busca de parcerias e a
dos domicílios, que garante a qualidade do dado primário. Mas parte desse trabalho
pode ser perdida se não estiver institucionalizada dentro do IBGE. Será que os
técnicos reconhecem a importância da assessoria de imprensa no instituto de
pesquisas? Cabe aqui registrar que, depois de formulado o problema, a tendência é
desenvolver (possivelmente no doutorado) uma nova pesquisa sobre a visão dos
técnicos do IBGE em relação à divulgação para a im prensa.
Naturalmente, a institucionalização de todo esse processo vai criar bases
sólidas que permitam, cada vez mais, evoluir para um melhor relacionamento do
IBGE com a mídia. Mas isso não depende só dos técnicos do IBGE. Os assessores
de imprensa precisam constantemente traduzir e justificar suas ações de
comunicação. Uma solução é fazer com os técnicos aquilo que os assessores fazem
com os jornalistas, ou seja, explicar para eles a natureza da notícia. Cabe aqui
lembrar a experiência bem sucedida da assessoria imprensa de organizar cursos de
aperfeiçoamento para imprensa e palestras de jornalistas para técnicos do IBGE.
Uma oportunidade que deve ser avaliada pelo IBGE é a utilização da Escola
Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) para promover, por exemplo, cursos de
estatísticas para jornalistas. A ENCE, reconhecida pelo grau de excelência, tem
professores capacitados em diversas áreas que podem inclusive participar de
palestras nas redações de jornal e nas grandes empresas. Indo à direção oposta,
essa experiência pode servir também para trazer o jornalista ao debate dentro da
ENCE e do IBGE. Neste aspecto, os dois lados têm muito a ganhar.
Finalmente, esta dissertação tem a intenção de estimular uma reflexão sobre o
assunto, sem a menor pretensão de esgotá-lo, e contribuir para a transformação da
comunicação social do IBGE. É um passo na direção de um projeto estruturado de
comunicação que, independentemente do gestor, dê continuidade ao que já foi
implantado com muito esforço. O processo de comunicação deve ser visto como
uma ação dinâmica, que se atualiza, que se renova constantemente. Na prática, a
comunicação é um dos novos desafios que os produtores de estatísticas têm pela
frente.
Além disso, o estudo do tema desta dissertação foi um exercício não só
instigante, mas também uma contribuição dirigida ao primeiro dos Princípios da
Estatística Oficial, adotados pelas Nações Unidas (HANDBOOK, 2003), onde a
estatística oficial é um dos elementos indispensáveis do sistema de informação de
uma sociedade democrática e “com esse fim, os organismos responsáveis da
estatística oficial devem elaborar as estatísticas oficiais com critérios de utilidade e
interesse públicos e facilitá-las com imparcialidade para que cidadãos possam
exercitar seu direito de acesso à informação pública”. Fica aqui a certeza de que,
para isso, é preciso considerar a mídia uma aliada potencial.
Bibliografia
AGUIAR, Neuma.Observação participante e “survey”: uma experiência de
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