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Instituto Oswaldo Cruz
Doutorado em Ensino em Biociências e Saúde
A CONSTRUÇÃO DE ESTRATÉGIAS PARA
ABORDAGEM DO TEMA ENERGIA A LUZ DO
ENFOQUE CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE
(CTS) JUNTO A PROFESSORES DE FÍSICA DO
ENSINO MÉDIO
JOSÉ ROBERTO DA ROCHA BERNARDO
Rio de Janeiro
2008
Ministério da Saúde
FIOCRUZ
Fundação Oswaldo Cruz
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ii
Ministério da Saúde
FIOCRUZ
Fundação Oswaldo Cruz
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde
JOSÉ ROBERTO DA ROCHA BERNARDO
A CONSTRUÇÃO DE ESTRATÉGIAS PARA ABORDAGEM
DO TEMA ENERGIA A LUZ DO ENFOQUE CIÊNCIA-
TECNOLOGIA-SOCIEDADE (CTS) JUNTO A PROFESSORES
DE FÍSICA DO ENSINO MÉDIO
Tese de doutorado apresentada ao Instituto
Oswaldo Cruz como parte dos requisitos
para obtenção do título de Doutor em
Ensino em Biociências e Saúde.
Orientadoras: Prof
a
Dr
a
. Helena Amaral da Fontoura
Prof
a
Dr
a
. Deise Miranda Vianna
Rio de Janeiro
2008
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Ficha catalográfica elaborada pela
Biblioteca de Ciências Biomédicas/ ICICT / FIOCRUZ - RJ
B523
Bernardo, José Roberto da Rocha
A construção de estratégias para abordagem do tema energia a luz
do enfoque Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS) junto a professores de
física do ensino médio / José Roberto da Rocha Bernardo. – Rio de
Janeiro, 2008.
xiii, 243 f. : il. ; 30 cm.
Tese (doutorado) – Instituto Oswaldo Cruz, Ensino em Biociências e
Saúde, 2008.
Bibliografia: f. 194-202
1. Ensino de física. 2. Formação de professores. 3. Ciência-
Tecnologia-Sociedade (CTS). I. Título.
CDD
371.91
iv
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde
JOSÉ ROBERTO DA ROCHA BERNARDO
A CONSTRUÇÃO DE ESTRATÉGIAS PARA ABORDAGEM
DO TEMA ENERGIA A LUZ DO ENFOQUE CIÊNCIA-
TECNOLOGIA-SOCIEDADE (CTS) JUNTO A PROFESSORES
DE FÍSICA DO ENSINO MÉDIO
ORIENTADORAS: Prof
a
Dr
a
. Helena Amaral da Fontoura
Prof
a
Dr
a
. Deise Miranda Vianna
Aprovada em: 30 / 07 / 2008
BANCA EXAMINADORA:
Prof
a
Dr
a
. Maria da Conceição Barbosa Lima
Instituto de Física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - (Presidente)
Prof
a
Dr
a
. Carmem Lúcia Guimarães de Mattos
Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Prof
a
Dr
a
. Glória Regina Pessôa Campello Queiroz
Instituto de Física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2008
Ministério da Saúde
FIOCRUZ
Fundação Oswaldo Cruz
v
À minha mulher Deisi e aos meus filhos Maíra, Gabriel,
Ana Luisa e Lilian, que são o motivo pra eu continuar
sonhando.
vi
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer especialmente aos meus colegas da equipe de Física do Colégio
de Aplicação da UFRJ, os professores Roberto Pimentel e Sidnei Pércia da Penha, pela
compreensão e demonstração de amizade que caracteriza o Setor Curricular de Física da nossa
escola.
Outro agradecimento especial vai para as meninas da biblioteca do Museu de
Astronomia do Rio de Janeiro, Mônica Viol Valle, Ana Flávia Santana, Telma Carvalho Pains
de Mattos e Lucia Alves da Silva Lino, pela inestimável ajuda na pesquisa bibliográfica.
Agradeço às minhas orientadoras Helena Fontoura e Deise Vianna pela paciência e
confiança.
Agradeço aos funcionários Silmar Marques e José Vicente Orofino, do CAp-UFRJ
pela valiosa ajuda com as filmagens.
Agradeço aos funcionários Agostinho Mendes da Cunha, Luiz Carlos Norte e
Francisco de Sousa Oliveira, do Instituto de Física da UFRJ, pela longa amizade e a presteza de
sempre.
Agradeço aos meus colegas do CAp – UFRJ pelo apoio constante.
Agradeço às professoras Glória Queiroz, Maria da Conceição e Carmem de Mattos
pelas contribuições.
Agradeço à professora Lucia de La Rocque pela revisão e as boas idéias.
Agradeço aos professores Anna Maria Pessoa de Carvalho da USP, Michel Thiollent
da COPPE-UFRJ, Sônia de Almeida Pimenta da Universidade Federal da Paraíba e Alice Assis
da UNESP – Araraquara, pelas proveitosas discussões.
Ao professor e amigo Sérgio Tobias da Silva, do Colégio Santo Inácio, pela
generosidade.
vii
À professora e amiga Maria das Mercês Navarro pelo carinho e atenção nos
momentos difíceis.
Ao professor Vitor Hugo Duarte da Silva pela ajuda e parceria.
À Professora Elizabeth Bastos, do Colégio Santo Inácio, pelas boas dicas.
viii
“Toda crença na neutralidade moral da ciência deveria ter
evaporado no calor da explosão de Hiroshima”
Joan Solomon
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INSTITUTO OSWALDO CRUZ
A CONSTRUÇÃO DE ESTRATÉGIAS PARA ABORDAGEM DO TEMA ENERGIA A
LUZ DO ENFOQUE CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE (CTS) JUNTO A
PROFESSORES DE FÍSICA DO ENSINO MÉDIO
RESUMO
TESE DE DOUTORADO
José Roberto da Rocha Bernardo
Problemas relacionados à formação do professor têm sido apontados na literatura como um
dos obstáculos para a implementação do enfoque CTS no Brasil e no mundo. Identificar para
compreender aspectos relacionados a essa problemática foi a razão dessa investigação
realizada com um grupo de professores de escolas públicas do Rio de Janeiro. Para a
realização da pesquisa, foi organizada uma atividade formativa para professores de física do
ensino médio, que teve como tema norteador a produção e o consumo da energia elétrica, cuja
abordagem esteve apoiada nas diretrizes do enfoque Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS).
Embora seja reconhecida a complexidade do problema em função dos inúmeros fatores que
contribuem para a formação do professor, buscamos responder a seguinte pergunta: Como um
grupo de professores de física do ensino médio vê a possibilidade de construção de estratégias
para abordagem do tema produção e consumo da energia elétrica a partir do enfoque CTS? A
pesquisa teve relação direta com a formação dos professores na medida em que pretendeu
compreender o processo de construção das estratégias didáticas sugeridas pelos participantes
ao longo da atividade formativa, inserida em um espaço de formação continuada. A
importância da dinâmica desse espaço de formação em relação à perspectiva de construção de
significado para o enfoque CTS a partir do tema sugerido foi um dos focos principais, além do
interesse no papel desse espaço como promotor de reflexões sobre a prática que leve à
construção de uma identidade profissional que favoreça o desenvolvimento profissional e à
autonomia necessários para uma ação pedagógica afinada com a perspectiva CTS. Os dados
da pesquisa foram coletados e analisados em duas etapas. A primeira delas envolveu uma
pesquisa exploratória que objetivou promover a formação do grupo de professores
participantes, bem como integrar os seus membros e caracterizá-los. Em uma segunda etapa,
realizou-se uma pesquisa-ação, onde os sujeitos tiveram a oportunidade de participar
ativamente, de forma cooperativa, intervindo na construção da proposta, com seus saberes,
sugestões e críticas e, ao mesmo tempo, refletindo sobre a sua prática. Assim, acreditamos ter
sido possível estudar o processo de construção coletiva da proposta para abordagem do tema
sugerido. Os principais achados da pesquisa trazem contribuições para reforçar a necessidade
de implementar ações formativas em serviço, de modo a aprimorar práticas docentes na física
e nas outras áreas de atuação docente.
Palavras chave: Ensino de física; formação de professores; Ciência-Tecnologia-Sociedade
(CTS).
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A CONSTRUÇÃO DE ESTRATÉGIAS PARA ABORDAGEM DO TEMA ENERGIA A
LUZ DO ENFOQUE CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE (CTS) JUNTO A
PROFESSORES DE FÍSICA DO ENSINO MÉDIO
ABSTRACT
TESE DE DOUTORADO
José Roberto da Rocha Bernardo
Problems related to teachers’ formation have been pointed in literature as one of the
obstacles with respect to the implementation of the Science-Technology-Society (CTS)
approach in Brazil as well as in the rest of the world. To identify in order to understand
aspects related to this problematic was the reason of this inquiry carried through with a group
of public schools teachers in Rio de Janeiro. For the accomplishment of the research, a
formative activity for senior high school physics teachers was organized, having as main
subject the production and the consumption of the electric energy, supported along the lines of
direction of the CTS approach. Although the complexity of the problem is recognized as due
to innumerable factors that contribute for teachers’ formation, we search to answer the
following question: How a group of public senior high school physics teachers see the
possibility of construction of strategies for dealing with the subject of production and
consumption of the electric energy based upon the CTS approach? The research had direct
relation with participants’ formation as it intended to understand the process of construction
of didactic strategies suggested by them throughout the formative activity, inserted in a space
of continued formation. The importance of the dynamics of this space of formation in relation
to the perspective of construction of meaning for CTS approach based upon the research
theme was one of the main focuses, besides the interest in the role of this space as reflections
promoter about practices that can lead to professional identity construction that favors
professional development and autonomy needed for a better pedagogical action within CTS
perspective. Research data was collected and analyzed in two stages. The first one involved
an exploratory research that intended to promote the formation of the group of participant
teachers, as well as integrate its members and characterize them. On the second stage, a
research-action was developed, where the subjects had the chance to participate actively, in a
cooperative form, working together in constructing the proposal, with their knowledge, critics
and suggestions, at the same time reflecting on their practices. Thus, we believe to have been
possible to study the process of collective construction of the proposal for dealing with the
suggested theme. The main findings of the research bring contributions to strengthen the
necessity to implement formative actions in service, in order to improve teaching practices in
physics and other areas of teaching.
Key-words: Physics teaching ; teachers’ formation; Science-Technology-Society (CTS).
xi
RELAÇÃO DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACE – Aprendizagem Centrada em Eventos
AIDS – Acquired Immuno Deficiency Syndrome
AIE – Agência Internacional de Energia
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica
CCH – Conjunto de Conhecimentos e Habilidades
CEPEL – Centro de Pesquisas da Eletrobrás
CFC – Clorofluorcarbonetos
CTS – Ciência-Tecnologia-Sociedade
EJA – Educação de Jovens e Adultos
FAETEC – Fundação de Apoio às Escolas Técnicas do Estado do Rio de Janeiro
FURNAS – Centrais Elétricas Brasileiras
GLP – Horas-extras recebidas pelos professores do Estado do Rio de Janeiro
GREF – Grupo de Reelaboração do Ensino de Física
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IOSTE – International Organization for Science and Technology Education
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LPPEE – Laboratório Portátil para Ensino de Eletromagnetismo
OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
ONU – Organização das Nações Unidas
PCK – Conhecimento Pedagógico do Conteúdo
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação
PVC – Cloreto de Polivinila
SCC – Sociologia do Conhecimento Científico
tEP – Toneladas de equivalentes de petróleo
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
xii
SUMÁRIO
Resumo..................................................................................................................... ix
Abstract..................................................................................................................... x
Relação de Abreviaturas e Siglas............................................................................. xi
1. Introdução ............................................................................................................ 1
2. Marco Teórico ..................................................................................................... 6
2.1 Formação do Professor .......................................................................... 6
2.2 Ciência – Tecnologia – Sociedade ......................................................... 37
2.2.1 Alfabetização Científica e Tecnológica .................................. 37
2.2.2 Enfoque Ciência – Tecnologia – Sociedade (CTS) ................. 37
2.2.3 Enfoque Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA) ... 59
2.3 História da Ciência .................................................................................. 62
2.4 A Importância do Tema Energia ............................................................. 65
2.4.1 Energia e CTS nos livros texto ................................................. 69
2.4.2 Energia elétrica e CTS .............................................................. 69
3. A Pesquisa ............................................................................................................. 74
3.1 Metodologia da Pesquisa ......................................................................... 78
3.1.1 Pesquisa exploratória ................................................................ 78
3.1.2 Pesquisa colaborativa ............................................................... 79
4. Análise dos Dados da Pesquisa ............................................................................. 88
4.1 Etapa exploratória da pesquisa ................................................................ 88
4.2 Análise dos documentos produzidos individualmente após o primeiro encontro
......................................................................................................... 91
4.3 Análise do processo de construção coletiva das estratégias no primeiro encontro
.......................................................................................................... 95
4.4 Análise do processo de construção coletiva das estratégias no segundo encontro
.......................................................................................................... 105
4.5 Análise do processo de construção coletiva das estratégias no terceiro encontro
.......................................................................................................... 131
xiii
4.6 Análise da discussão durante a redação da proposta no segundo e terceiro
encontros ......................................................................................................... 139
4.7 Análise da discussão durante a elaboração das reivindicações e sugestões
no quarto encontro ........................................................................................ 161
4.8 Análise dos depoimentos obtidos das avaliações no quarto encontro ..... 172
4.9 Análise dos pós-testes .............................................................................. 181
4.10 Análise comparativa do pré-teste com o pós-teste ................................ 182
5. Considerações Finais e Sugestões ........................................................................ 184
6. Bibliografia ........................................................................................................... 194
7. Anexos .................................................................................................................... 203
1 Termo de consentimento .................................................................................... 203
2 Questionário de identificação ............................................................................. 204
3 Questionário de pré-testes .................................................................................. 205
4 Energia, desenvolvimento e meio ambiente ...................................................... 207
5 Cartilha para confecção de projetos .................................................................. 226
6 O caminho histórico de Faraday ........................................................................ 233
7 Experimento do looping ..................................................................................... 238
8 Textos informativos ........................................................................................... 239
9 Letra da música Sobradinho ............................................................................... 241
10 Mapa mundi Terra à noite ................................................................................ 242
11 Questionário de pós-testes ................................................................................. 243
1
1. INTRODUÇÃO
A rapidez segundo a qual evolui a sociedade contemporânea em termos
científicos e tecnológicos é acompanhada de uma evolução não menos acelerada, de
uma demanda social. O cidadão contemporâneo deve estar minimamente qualificado
para atuar criticamente em relação às exigências que o mundo lhe impõe.
O início do novo milênio chegou acompanhado de uma série de desafios que
envolvem questões ambientais, políticas, éticas, sociais, culturais e econômicas a serem
resolvidas pelo homem. Dentre elas, destacam-se: o aquecimento global, a AIDS, a
fome, a manipulação de embriões humanos para fins médicos, a violência, o terrorismo
e as guerras.
No Brasil, a crise de energia elétrica de 2001/2002 se apresentou como um
problema que, além de ter exigido grandes sacrifícios por parte da sociedade,
transformou o evento em objeto de discussão permanente. Mais recentemente, os
acontecimentos envolvendo a invasão da usina hidrelétrica de Tucuruí
1
, por militantes
do movimento das vítimas de usinas, trouxeram a discussão envolvendo a questão do
impacto sócio-ambiental causado pela produção de energia elétrica a partir de usinas
hidrelétricas. Além disso, temas como este continuam ganhando visibilidade nos meios
de comunicação, devido às repercussões causadas pelos projetos de construção das
usinas de Jirau e Belo Monte.
Nesse momento em que precisamos de um perfil de cidadão bem informado
sobre problemas globais e capacitado para exercer sua cidadania de forma crítica, fica a
questão: como seria possível continuarmos alimentando tal expectativa, se este cidadão
sequer conhece a linguagem adequada para poder discutir e ponderar sobre questões tão
importantes e que o afetam diretamente?
Acreditamos que a sala de aula pode contribuir para a inserção crítica do cidadão
no mundo em que vive, e que o professor tem um importante papel a desempenhar nesse
processo.
Buscar soluções para a enorme quantidade de problemas relacionados à
educação, nesse contexto onde se exige do cidadão comum um conhecimento tão
diversificado, não é tarefa das mais fáceis, principalmente porque isolar cada um deles
dentro de uma rede tecida a partir de um sem número de variáveis torna-se muito
1
Para maiores esclarecimentos, ver o caderno O País, do jornal O Globo, de 24 de maio de 2007, pág. 13.
2
complicado em função da complexidade do sistema. Entretanto, o ensino de ciências
tem tido papel fundamental na construção dos alicerces desse conhecimento, e as
questões advindas daí têm despertado o interesse de muitos pesquisadores e educadores
ao longo das últimas décadas.
Os efeitos dos avanços científicos e tecnológicos acabaram por transformar a
ciência e a tecnologia em alvos de muitas críticas nas décadas de 1960 e 1970,
principalmente no que diz respeito ao uso das duas como vetores de degradação
ambiental e para fins bélicos. Dessa forma, as relações entre elas passaram a ser objeto
de debate político e foi nesse contexto que emergiu, segundo Auler e Bazzo (2001), o
denominado enfoque Ciência – Tecnologia – Sociedade (CTS) para o ensino de
ciências.
O enfoque CTS passou a tratar o ensino da ciência-tecnologia como algo
indispensável e fundamental, cujo acesso deve ser democratizado a fim de que todo
cidadão possa compreendê-la minimamente e não apenas utilizá-la.
O início desta politização do ensino da ciência e da tecnologia, que já havia sido
iniciado na década de 1950 com o movimento da “alfabetização científica”, começou a
ocorrer em vários países, produzindo desdobramentos nos currículos do ensino médio
que buscavam promover a “alfabetização científica e tecnológica” do cidadão comum,
através do enfoque CTS.
O ensino de física apoiado nos princípios e diretrizes do enfoque CTS vem
sendo indicado como alternativa que oferece ao cidadão uma formação voltada “para
uma ação social responsável” (SANTOS e MORTIMER, 2001) frente às questões
políticas, econômicas, sociais, culturais e, sobretudo, à “situação de emergência
planetária” (GIL-PÉREZ e VILCHES, 2006a; 2006b).
Embora no Brasil não tenhamos tido a oportunidade de contar com um grande
programa apoiado no enfoque CTS como aconteceu em outros países, vários materiais
didáticos e projetos curriculares foram elaborados, incorporando elementos dessa
perspectiva (SANTOS e MORTIMER, 2000). Além disso, as discussões sobre a
importância de se alfabetizar científica e tecnologicamente nossos cidadãos têm
influenciado, ainda que modestamente, a nossa legislação, particularmente os
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1999).
A definição destes parâmetros, entretanto, não tem garantido ao professor uma
formação compatível com estas orientações, mas ainda assim recai sobre ele a maior
parte da responsabilidade por uma didática inadequada, que trata os conteúdos de forma
3
descontextualizada, dificultando a atribuição de significado pelos alunos ao que lhes é
ensinado e gerando falta de motivação tanto no corpo docente como no discente.
Definir o perfil de um educador para atuar segundo as orientações do enfoque
CTS está além de considerar as necessidades formativas e os requisitos apontados pelos
quadros teóricos de CTS, a nosso ver. A complexidade que envolve a formação do
professor dificulta sobremaneira qualquer tentativa que se faça de identificar com
precisão os elementos necessários para uma ação docente nesse sentido, sem levar em
conta aspectos que não estão especificamente ligados aos requisitos postos pelo enfoque
CTS.
Baseados nessas premissas, buscamos apoio em outras referências, que tratam da
postura construtivista do professor (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001), dos saberes
docentes e desenvolvimento profissional (TARDIF, 2002), do conhecimento
pedagógico do conteúdo – PCK (SHULMAN, 1987) e do professor reflexivo (SCHÖN,
1992), na tentativa de identificar alguns elementos que pudessem, segundo a nossa visão
e os quadros de referência, compor esse conjunto de conhecimentos e habilidades para o
que passaremos a chamar de ‘educador CTS’.
Um exercício de aproximação entre o enfoque CTS e um tema de relevância
social, que atenda às definições de “tema potencialmente problemático”
(AIKENHEAD, 1994) ou “tema controverso” (SILVA e CARVALHO, 2006), pode
ajudar a dar significado a esse referencial teórico. Nesse sentido, chamamos a atenção
para a relevância dos espaços de formação continuada como adequados para o exercício
dessa aproximação, a partir da reflexão e do trabalho cooperativo dos envolvidos no
processo (SANTOS et al., 2006).
Esta pesquisa procurou estudar, principalmente, aspectos da dinâmica de um
espaço de formação continuada para professores de física em serviço, que atuam no
ensino médio de escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro.
Os sujeitos foram quatro professores que estiveram envolvidos em uma ação de
formação baseada em um trabalho de construção coletiva de estratégias didáticas
referentes à abordagem do tema “produção e consumo da energia elétrica na sala de
aula do ensino médio a luz do enfoque CTS”. É necessário esclarecer que não foi
objetivo desta pesquisa avaliar a qualidade do conjunto de estratégias (produto) e nem
dos textos elaborados pelo grupo durante o processo.
Destacamos como objetivos principais da pesquisa, a investigação: a) da ação
formativa baseada no enfoque CTS, no tema proposto e no material didático
4
disponibilizado, como estratégia promotora de significado para o enfoque CTS e
facilitadora das articulações entre as diversas dimensões que o enfoque CTS abarca; b)
do espaço de formação, como facilitador de reflexões sobre a prática e promotor de um
desenvolvimento profissional dos sujeitos envolvidos, voltado para a autonomia em
relação à perspectiva CTS.
Ressaltamos como problema central desta pesquisa a seguinte questão: Como
um grupo de professores de física do ensino médio vê a possibilidade de construção de
estratégias para abordagem do tema produção e consumo da energia elétrica, a partir do
enfoque CTS?
Para tal, o objeto de estudo da presente pesquisa foi o processo de construção
das estratégias didáticas, com destaque para as discussões entre os participantes,
possibilitadas pelo ambiente dialógico que se estabeleceu ao longo da ação de formação.
As atividades foram desenvolvidas ao longo de quatro encontros de três horas de
duração.
A ação de formação inserida no espaço de formação continuada compreendeu
momentos de aulas expositivas e experimentais, e momentos de discussão e reflexão em
oficinas que objetivaram promover a produção de material compatível com as
estratégias didáticas sugeridas pelo grupo, visando à abordagem do tema.
A fonte de dados foi o ambiente propiciado pelo espaço de formação continuada,
sobretudo as discussões que nortearam o processo de construção das estratégias
didáticas, onde o pesquisador esteve inserido na condição de observador, colaborador e
formador em momentos que se alternaram dentro da dinâmica.
A pesquisa envolveu, então, uma etapa exploratória onde se procurou aproximar
para socializar os participantes e, identificar e caracterizar os sujeitos. Além disso,
tivemos uma segunda etapa que se desenvolveu durante o processo de construção das
estratégias didáticas propriamente ditas.
Esta segunda etapa esteve baseada em instrumentos como textos produzidos
individualmente a partir das atividades sugeridas pelo pesquisador no primeiro
encontro; vídeo gravações, áudio gravações e registros fotográficos dos momentos das
discussões ao longo do processo de construção das estratégias didáticas.
Para o tratamento dos dados foi utilizado um procedimento de análise que
tematiza os depoimentos dos participantes, levando em conta o conteúdo das falas dos
sujeitos e do pesquisador.
5
Mais especificamente, a pesquisa esteve centrada na análise do processo de
construção das estratégias didáticas e no espaço de formação que consideramos
aproximar-se do conceito de “practicum reflexivo” (SCHÖN, 1992), onde os
participantes tiveram a oportunidade de refletir sobre sua prática, sua realidade escolar e
profissional e exercitar o seu desenvolvimento profissional baseado no trabalho
cooperativo, orientado pelo pesquisador.
Para tanto, estruturamos a apresentação do desenvolvimento dessa pesquisa da
seguinte maneira:
No capítulo 2 tecemos algumas considerações acerca da formação do professor a
partir dos referenciais que tratam das necessidades formativas do professor para uma
perspectiva construtivista e do professor reflexivo, além de considerar aspectos que
compõem o conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK) e os saberes docentes. Além
disso, o capítulo 2 apresenta considerações tecidas a partir de quadros de referências que
trazem aspectos do enfoque CTS para o ensino de ciências, no que diz respeito aos seus
princípios, diretrizes e desafios.
Aspectos relacionados com a importância da história da ciência foram
ressaltados em nossas considerações, bem como a importância do tema energia para a
nossa pesquisa e para a ação formativa.
No capítulo 3 foram feitas considerações sobre a pesquisa propriamente dita e
sobre a teoria que envolve a pesquisa qualitativa, a pesquisa exploratória e a pesquisa
colaborativa, além de explicitada toda a estratégia do processo, baseada na descrição das
etapas que compuseram a dinâmica como um todo.
No capítulo 4 apresentamos a análise de dados. A primeira etapa compreendeu a
pesquisa exploratória que caracterizou os sujeitos e analisou os questionários de pré-
testes. A segunda etapa envolveu a análise de episódios selecionados do material vídeo
gravado sobre as discussões ao longo do processo de construção das estratégias
didáticas. Na terceira etapa foram analisados episódios referentes aos momentos em que
o grupo discutiu uma lista de reivindicações e sugestões, cuja elaboração foi sugerida
pelo pesquisador. A quarta etapa se dedicou à análise dos episódios selecionados das
avaliações orais realizadas pelos participantes sobre a dinâmica e a estratégia da
atividade formativa. Na quinta etapa foram analisados os pós-testes e na sexta etapa foi
realizada uma análise comparativa entre pré e pós-testes.
Finalmente, no capítulo 5 tecemos as considerações finais a respeito da presente
pesquisa.
6
2. MARCO TEÓRICO
Uma pesquisa sobre a formação de professores baseada na abordagem de temas
da física através do enfoque Ciência – Tecnologia – Sociedade (CTS), demanda saberes
que justificam o estudo de quadros teóricos que auxiliem o pesquisador na sua tarefa de
promover e compreender o processo de desenvolvimento profissional desses
professores, para uma ação compatível com a perspectiva CTS. Nesse sentido
consideramos relevante o levantamento de alguns referenciais que dêem conta dessa
demanda e que passaremos a desenvolver a seguir.
2.1 FORMAÇÃO DO PROFESSOR
Ao discorrer sobre a disjunção entre as dimensões humanísticas e científicas da
cultura, Chaves (2007) situa o problema no contexto da crise da sociedade
contemporânea. Segundo a autora, o avanço tecnológico do final do século XIX
introduz a “uma visão racionalista do mundo, na qual a razão se torna o ‘grande mito
unificador do saber’, da ética e da política” (:182).
Essa forma de ver o mundo, onde a cientificidade e o pensamento racional
serviram de base, determinou o modelo de sociedade no qual estão inseridos os modos
de pensar, agir e sentir na atualidade.
A escola e o ensino, nessa perspectiva, foram e permanecem organizados, no
sentido de transmitir conhecimentos “legitimados como os conhecimentos dignos de
ocuparem os espaços escolares” (CHAVES, 2007:183).
Ainda segundo a autora, o modo de viver ancorado nos pressupostos do
pensamento racional, “promove o embrutecimento dos sentidos, tão próprios da
modernidade em crise, que se encontra refletido abertamente, também na crescente
deteriorização ambiental” (:185).
O embrutecimento do qual nos fala a autora ganha visibilidade nos noticiários do
dia-a-dia, particularmente nos grandes centros urbanos do nosso país. São assaltos,
chacinas, seqüestros, acidentes de trânsito, vítimas de balas perdidas em confrontos
entre traficantes, ou entre traficantes e policiais, mães abandonando recém-nascidos
pelas ruas e outros fatos que nos deixam consternados, muitas vezes sem que possamos
parar para refletir sobre as causas de tudo isso. Em um nível mais global, os conflitos
7
bélicos ainda continuam ocorrendo, até mesmo como bandeiras de campanhas eleitorais,
um exemplo do quanto este embrutecimento é capaz de nos tornar indiferentes.
Talvez um dos maiores desafios do educador seja resgatar essa dimensão
humanística que Chaves (2007) define como uma “educação para a sensibilidade ...
que possibilite ao educando a descoberta de cores, formas, sabores, texturas, odores,
diversos daqueles que a vida moderna lhe proporciona” (:185).
O reducionismo que separa os campos do conhecimento coloca as culturas
humanísticas e científicas apartadas, muitas vezes em posições antagônicas. Do ponto
de vista do ensino, isso nos coloca diante de uma “falta de interdisciplinaridade entre
os campos dos saberes que na prática se excluem mutuamente, se caracterizando por
um pensamento simplificador que promove uma redução mutiladora” (:188).
A cultura da superespecialização promovida pela sociedade industrial
influenciou, principalmente, o ensino de ciências a partir do século XIX, reduzindo-o a
um somatório de múltiplas disciplinas. Com isso, esperava-se formar uma elite de
pesquisadores das áreas científica e tecnológica que pudesse dar conta da demanda do
modelo de sociedade vigente.
A emergência da sociedade globalizada e cheia de incertezas provocou reações,
exigindo uma abordagem interdisciplinar para a construção do conhecimento nos
processos ensino-aprendizagem junto aos alunos, principalmente nas salas de aulas de
ciências. Assim, o ensino de ciências incorporou “a temática da interdisciplinaridade
pelo viés da crise” (BATISTA e SALVI, 2006:153).
Os autores apontam como um dos obstáculos para essa demanda, a formação dos
professores, em geral voltada para uma prática profissional apoiada na
compartimentação disciplinar, fator que é incompatível com a nova perspectiva que se
apresenta, e enfatizam a importância de uma formação para os professores – inicial ou
em serviço – que auxilie a atingir uma interdisciplinaridade que “propicie construir o
conhecimento junto com o educando, levando em consideração as suas concepções
prévias” (: 155).
Outra perspectiva para a formação dos professores se apresenta pelo
entendimento desta como um processo “gradual e consistente, que possibilita aos
professores construir seus saberes e fazeres a partir dos desafios encontrados, com um
forte suporte teórico que os leve a refletir e ir construindo sua identidade de professor”
(FONTOURA, 2007: 48). A autora se refere a saberes construídos na prática, que
trazem um “imenso poder socializador”, e que podem se manifestar emmomentos de
8
planejamento docente, de avaliação e situação de impasse criados na dinâmica da sala
de aula, fundados no trabalho, na execução das tarefas e no conhecimento do meio
(:50).
Uma primeira reflexão sobre algumas concepções que envolvem a formação do
professor mostra uma diversidade de aspectos que justifica o caráter complexo deste
campo de pesquisa cuja abordagem abarca temas que se apresentam como atuais na área
do ensino de ciências. Dentre eles, podemos citar: a precarização da profissão docente e
a perda da identidade profissional por parte da classe dos professores (LÜDKE e
BOING, 2004); a importância de uma postura reflexiva na ação pedagógica, e sobre a
ação pedagógica por parte do professor (SCHÖN, 1992); os elementos básicos do
conhecimento pedagógico do conteúdo-PCK” (SHULMAN, 1986; 1987); os saberes
que compõem o repertório do professor – saberes docentes (TARDIF, 2002); as
necessidades formativas do professor de ciências (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001);
a importância dos cursos de formação continuada (MENEZES, 2001; GIL-PÉREZ,
2001) e o papel do educador frente aos desafios colocados pelo enfoque CTS.
Lüdke e Boing (2004) nos falam da dificuldade de construção de uma
“identidade profissional” por parte dos nossos professores e atribuem essa dificuldade a
uma “precarização da profissão docente”, cujos sinais são visíveis, mesmo aos olhos
do observador comum, das famílias, dos alunos e até da mídia. Em geral, dentre os
problemas identificados, o fator econômico ocupa lugar de destaque. A decadência
salarial tem diminuído o poder aquisitivo dos nossos professores, provocando perdas de
prestígio de condição de vida e de respeito, além de mexer com a auto-estima desses
profissionais.
Outro problema está relacionado à forma de preparação dos nossos professores,
que hoje pode ocorrer em diferentes instituições formadoras e em níveis da formação
diversificados – curso normal médio, curso normal superior, faculdades de pedagogia
ou cursos de licenciatura. Sem dúvida, esses são fatores que dificultam a construção de
uma identidade para a profissão docente. Além disso, a ação desses docentes ocorre
[...] em corpos que representam realidades culturais bastante
distintas, como é o caso dos professores do ensino fundamental, em
suas séries iniciais [...] ante os que lecionam da 5ª à 8ª séries[...]
diferenças marcantes que não deixam de ter repercussão sobre suas
respectivas aproximações da noção de profissão, ou melhor, do
processo de profissionalização (LÜDKE e BOING, 2004:1164).
9
Esses autores identificam as mudanças ocorridas no mercado de trabalho – em
geral associadas aos fenômenos da globalização e do avanço tecnológico do mundo
contemporâneo – como um elemento capaz de influenciar essa identidade profissional
dos professores, na medida em que os pressupostos presentes na forma de pensar de
empresários e trabalhadores de outros setores acabam por influenciar dirigentes
escolares e professores.
Dentro do magistério especificamente, “a questão da identidade sempre sofreu
as injunções decorrentes de uma certa fragilidade, própria de um grupo cuja função
não parece tão específica aos olhos da sociedade [...] a ponto de levar certos adultos a
pensar que qualquer um pode exercê-la” (LÜDKE e BOING, 2004:1168). Ainda
segundo os autores, a presença numerosa das mulheres ocupando esses postos de
trabalho, também contribui para que alguns a considerem uma semi profissão –
ocupação mais fraca.
Fuenzalida (2001) aponta a situação trabalhista dos professores – baixa
remuneração que leva ao desânimo e até mesmo à humilhação, à quantidade excessiva
de horas trabalhadas e em diferentes estabelecimentos, falta de tempo para preparação
de aulas, grande número de alunos – como responsável, dentre outras coisas, pela falta
de estímulo na busca de uma ascensão na carreira. O autor afirma que o
desenvolvimento profissional dos professores “está condicionado pela hierarquia
docente e limitado por suas possibilidades econômicas” (: 64).
Em relação ao avanço tecnológico, embora seja sabido que este contribua para a
diminuição dos postos de trabalho em geral, este fenômeno não ocorre no campo do
magistério. As novas tecnologias têm levado à criação de novas oportunidades para
professores. Até mesmo por parte de grandes empresários brasileiros, é comum se ouvir
discursos em defesa da educação, entretanto, “isso não significa que eles estejam
valorizando a profissão docente” (LÜDKE e BOING, 2004:1169).
A escola tem sido reconhecida como um local de grande importância para a
formação – inicial ou em serviço – dos professores. Logo, existe uma relação muito
íntima entre a escola e a profissionalização docente. Os nossos professores precisam se
instrumentalizar contra a precarização da profissão docente, construindo uma identidade
profissional. Para isso, acreditamos ser necessária uma busca por uma
profissionalização. É necessário que a atividade docente se imponha como profissão e
que reivindique o respeito que merece.
10
Lüdke e Boing (2004) sugerem ainda como perspectiva para melhoria deste
quadro em que a profissão docente se encontra, o incentivo às pesquisas dos professores
da escola básica como forma de ajudá-los a lidar com as transformações cada vez mais
aceleradas no mundo contemporâneo e na educação.
O desenvolvimento de uma pesquisa própria, que não se restringe
apenas à sua prática, mas aos conhecimentos específicos de sua
identidade disciplinar e aos seus saberes docentes próprios do
campo, contribuirá decisivamente para que o professor encontre os
próprios rumos de sua profissionalização. (LÜDKE e BOING, 2004:
1178).
Um dos aspectos que consideramos de fundamental importância para a
compreensão dos professores sobre a sua prática, está associado à sua postura reflexiva
em relação a pratica profissional.
A noção de professor reflexivo ganhou destaque a partir da década de 1990.
Desde então, os autores que escrevem sobre esse assunto, bem como os trabalhos
publicados nesse campo, vêm sendo referenciados sistematicamente até os dias de hoje.
Segundo Schön (1992), a exemplo do que ocorreu (e ocorre) em outras áreas, a
educação sofreu (e sofre) de uma crise de confiança na prática profissional. Este autor
considera que a crise está apoiada, principalmente, em um conflito entre o que ele
definiu como a “reflexão-na-ação” do professor e o “saber escolar”.
O saber escolar seria um tipo de conhecimento que os professores supostamente
possuem e transmitem aos alunos. Segundo esta visão, “o saber escolar é tido como
certo – como uma teoria científica aceita – significando uma profunda e quase mística
crença em respostas exatas” (SCHÖN, 1992:81), construído a partir de peças isoladas
que podem ser combinadas de modo a formar um conhecimento avançado, ou seja, é
“molecular”, e a progressão entre os diferentes níveis ocorre como se fosse pela
passagem de moléculas mais simples para outras mais complexas.
O autor chama a atenção para a necessidade de uma postura reflexiva por parte
do professor. Para atuar dessa forma, o profissional deve esforçar-se para ir ao encontro
do aluno no sentido de entender a sua forma de pensar e ajudá-lo a articular o seu
conhecimento-na-ação com o saber escolar.
Esse tipo de ensino é uma forma de reflexão-na-ação, que exige do
professor uma capacidade de individualizar, isto é, de prestar
11
atenção a um aluno, mesmo numa turma de trinta (SCHÖN,
1992:82).
Trata-se, portanto, de lidar com cada aluno como caso único, em uma
perspectiva que transcenda uma técnica de ensino supostamente existente. O
profissional não deve considerar o ensino de determinado conteúdo como um problema
instrumental a ser resolvido pela aplicação de uma das regras do seu estoque de
conhecimento profissional. Se ele quiser tratá-lo de forma competente, deve fazê-lo
através de algum tipo de improvisação, inventando e testando estratégias situacionais
que ele próprio produz, ou seja, deve estar instrumentalizado para refletir na e sobre a
sua prática, em situações que costumam apresentar singularidades e incertezas de várias
formas em meio a um conflito de demandas e valores.
Essas zonas indeterminadas da prática – a incerteza, a singularidade
e os conflitos de valores – escapam aos cânones da racionalidade
técnica. Quando uma situação problemática é incerta, a solução
técnica do problema depende da construção anterior de um
problema bem delineado, o que não é, em si, uma tarefa técnica.
Quando um profissional reconhece uma situação como única, não
pode lidar com ela apenas aplicando técnicas derivadas de sua
bagagem de conhecimento profissional. E, em situações de conflitos
de valores, não há fins claros que sejam consistentes em si e que
possam guiar a seleção técnica dos meios. No entanto, são
exatamente tais zonas indeterminadas da prática que os profissionais
e os observadores críticos de diferentes profissões têm visto, com
cada vez mais clareza nas últimas décadas, como sendo um aspecto
central à prática profissional (SCHÖN, 2000:17).
Em geral, as escolas se encontram organizadas segundo o modelo do saber
escolar. Quando um professor age de forma reflexiva, pode entrar em conflito com a
burocracia escolar. Nesta perspectiva, “o desenvolvimento de uma prática reflexiva
eficaz tem que integrar o contexto institucional. O professor tem que se tornar um
navegador atento à burocracia” (SCHÖN, 1992:87).
Ao criticar modelos apoiados na racionalidade técnica, Schön (2000) propõe o
desenvolvimento de uma nova epistemologia da prática profissional. O autor sugere que
os problemas técnicos sejam situados dentro do marco da investigação reflexiva, e com
esta meta como prioritária explora as principais características do chamado pensamento
prático do profissional, ou seja, o pensamento que este ativa quando enfrenta os
problemas complexos da prática.
12
Uma reflexão sobre a prática dentro da perspectiva schöniana pode favorecer, a
nosso ver, o entendimento de aspectos relacionados à realidade escolar, a situação
profissional e a ação pedagógica propriamente dita.
Sobre a reflexão, Sacristán e Pérez Gómez (2000) afirmam que este não é
meramente um processo psicológico individual, sendo considerado pelos autores como
algo que não pode ser estudado a partir de esquemas formais independentes do
conteúdo, do contexto e das interações.
A reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo de sua
experiência, um mundo carregado de conotações, valores,
intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses
sociais e cenários políticos. A reflexão, ao contrário de outras
formas de conhecimento, supõe um sistemático esforço de análise,
como a necessidade de elaborar uma proposta totalizadora, que
captura e orienta a ação (SACRISTÁN e PÉREZ GÓMEZ,
2000:369).
Para compreender este importante e complexo componente da atividade do
profissional prático, faz-se necessário conhecer melhor alguns conceitos que compõem
o pensamento prático. A reflexão-na-ação é um processo de reflexão que não conta com
a sistematicidade característica da análise racional, mas que traz a riqueza da
imediaticidade, da captação viva das múltiplas variáveis intervenientes e a grandeza da
improvisação e da criação. Na reflexão-na-ação, entretanto, não é possível separar os
componentes racionais dos passionais ou emotivos que condicionam a atuação e sua
reflexão.
Apesar das dificuldades e limitações, “a reflexão-na-ação é um processo de
extraordinária riqueza na formação do profissional prático” (PÉREZ GÓMEZ,
1992:104), por ser um espaço de confrontação empírica com a realidade problemática, a
partir da bagagem teórica e de convicções implícitas do profissional, podendo ser
considerado como o melhor instrumento de aprendizagem para o profissional que se
encontra aberto ao cenário complexo de interações que a prática oferece.
Segundo Pérez Gómez (1992), os processos de reflexão sobre a ação e sobre a
reflexão-na-ação, podem ser considerados como:
[...] análises que o profissional realiza a posteriori sobre as
características e processos da sua própria ação. É a utilização do
conhecimento para descrever, analisar e avaliar, os vestígios
13
deixados na memória por intervenções anteriores [...] o profissional
prático, liberto dos condicionamentos da situação prática, pode
aplicar os instrumentos conceituais e as estratégias de análise no
sentido de compreensão e da reconstrução da sua prática (:105).
Alguns aspectos sobre o processo prático de formação dizem respeito ao
supervisor, ou tutor, responsável pela formação prática e teórica do futuro professor.
Segundo Pérez Gómez (1992), o pensamento prático não pode ser ensinado, mas pode
ser aprendido através da prática, graças a uma reflexão conjunta (e recíproca) entre o
“aluno-mestre” e o tutor. O próprio tutor deve ser capaz de atuar e de refletir sobre a sua
ação como co-formador.
O autor destaca ainda, a importância de formadores experientes, preocupados
com a inovação educativa e com a sua própria auto-formação, dentro de uma
perspectiva reflexiva. Isso requer “professores que se integrem nas Universidades, que
desenvolvam projetos de investigação-ação e que se responsabilizem pela
aprendizagem da reflexão na e sobre a ação dos futuros professores” (:113).
Não existe uma receita para formar um professor reflexivo. Entretanto a
aproximação com as tradições da educação artística é indicada por Schön (1992), como
uma alternativa promissora. Segundo o autor, as instituições de formação artística
(ateliers de pintura, escultura e os conservatórios de música) possuem experiências que
se baseiam em uma concepção do saber escolar diferenciada da epistemologia
subjacente à Universidade.
Segundo Schön (1992), as instituições de formação artística utilizam um tipo de
“aprender-fazendo”, onde os alunos praticam coletivamente, caracterizando o que se
chama de um “practicum reflexivo”. Um practicum se caracteriza por ser um mundo
virtual que representa o mundo da prática, ou seja, é como um cenário que representa o
mundo real e que nos permite fazer experiências, errar, refletir sobre os erros cometidos
e tentar de outra maneira.
Na formação de professores, as duas grandes dificuldades para a
introdução de um practicum reflexivo são, por um lado, a
epistemologia dominante na Universidade e, por outro, o seu
currículo normativo [...] O que pode ser feito, creio, é incrementar
os practicums reflexivos que já começaram a emergir e estimular a
sua criação na formação inicial, nos espaços de supervisão e na
formação contínua [...] estamos mais conscientes das inadequações
da racionalidade técnica, não só no ensino, mas em todas as
profissões. Correm-se riscos muito altos neste conflito de
14
epistemologias, pois o que está em causa é a capacidade de usarmos
as facetas mais humanas e criativas de nós próprios (SCHÖN,
1992:91).
Ainda sobre os diferentes modos de conceber a reflexão, Sacristán e Pérez
Gómez (2000) apresentam uma proposta que, segundo os autores, vai além da
proposição de Schön (1992). Trata-se da chamada perspectiva de reflexão na prática
para a reconstrução social, que concebe o ensino como uma atividade crítica, uma
atividade social cheia de opções de caráter ético, onde o professor deve atuar de forma
reflexiva, buscando facilitar a emancipação dos que participam do processo educativo.
O enfoque de reconstrução social define-se partidário de uma política de
formação do professor que leve em conta valores relacionados com o desenvolvimento
da consciência social do cidadão e que venha a contribuir para a construção de uma
sociedade mais justa a partir de um processo de emancipação individual e coletiva. Em
contraposição às visões tradicionais que defendem uma neutralidade política a partir do
professor, aqui ele é considerado como um intelectual transformador, cujo compromisso
é provocar a formação da consciência dos cidadãos na análise crítica da ordem social da
comunidade em que vivem (SACRISTÁN e PÉREZ GÓMEZ, 2000).
Com relação à concepção de currículo, a nova perspectiva propõe um modelo
curricular que respeite o caráter ético da atividade de ensino. O desenvolvimento deste
novo modelo, denominado processual, pressupõe um professor que não seja
[...] um simples técnico que aplica as estratégias e rotinas
aprendidas nos anos de sua formação acadêmica, mas que deve
necessariamente, se transformar num investigador na aula, no
âmbito natural em que se desenvolve a prática, onde aparecem os
problemas definidos de maneira singular e onde devem ser
experimentadas estratégias de intervenção também singulares e
adequadas ao contexto e a situação (SACRISTÁN e PÉREZ
GÓMEZ, 2000:376).
Essa forma de pensar o papel do professor, e as novas concepções de currículo
demandam necessidades de mudanças na educação que estão associadas a exigências da
contemporaneidade. Muitos países vêm buscando uma adequação a essas exigências
através de reformas curriculares. No Brasil, essas ações se verificam, principalmente,
nas diretrizes e recomendações apontadas pelos PCNs (BRASIL, 1999).
15
A introdução dessas inovações, em geral, requer do professor de ciências, e em
nosso caso específico de física, uma adaptação que passa pela aquisição de novos
conhecimentos e competências para ensinar de forma diferente daquela
tradicionalmente praticada em nossas salas de aula.
Em uma realidade bastante diferente da brasileira, porém com características
parecidas, o ensino de ciências se baseava em uma valorização do conteúdo até a década
de 1980 nos Estados Unidos. O conhecimento sobre a matéria a ser ensinada, era
considerado o principal requisito para aquele que desejasse ensinar física a alguém.
Entretanto, as políticas educacionais da década de 1980 passaram a reexaminar suas
abordagens no sentido de avaliar aquilo que os professores deveriam saber. Com essa
mudança de orientação, os métodos de avaliação dos saberes desses professores
passaram a explorar categorias como a eficiência e o comportamento do professor, e a
valorizar menos os aspectos da sala de aula, como a matéria a ser ensinada.
A nova tendência não valorizava aspectos associados ao processo de
transformação do conhecimento do professor em conteúdo instrucional. Assim, esta
passou a servir de base para autoridades políticas e pesquisadores da área de ensino de
física, que reforçavam suas ações no sentido de uma “simplificação da complexidade do
ensino em sala de aula” (SHULMAN, 1986:6). Esse fenômeno, denominado por
Shulman (1986:6) de “paradigma perdido”, criou um desequilíbrio entre as duas
visões, em favor de uma crescente valorização dos métodos pedagógicos.
A quantidade de pesquisas dedicadas ao entendimento de como o conteúdo é
ensinado tem mostrado a complexidade envolvida nesses processos e a necessidade,
cada vez maior, de uma base teórica que auxilie na compreensão de tais processos.
Nesse sentido, Shulman (1986) aponta uma perspectiva centrada no conhecimento do
professor.
O autor chama a atenção para a valorização da “profissionalização do ensino”
ocorrida ao longo do movimento das reformas nos Estados Unidos. Segundo ele, essa
valorização se verifica a partir de uma concepção de ensino que enfatiza compreensão e
raciocínio, transformação e reflexão, dentro daquilo definido como a “base de
conhecimento para o ensino”. Este autor sustenta a existência de uma base elaborada
para se ensinar. Entretanto, essa base precisa ser entendida como uma construção a
partir de fontes, cuja riqueza e extensão transcendem os limites considerados pela visão
tradicional, anteriormente apoiada no conhecimento da matéria a ser ensinada ou em
procedimentos pedagógicos, de forma independente.
16
A ampliação da discussão sobre a formação dessa base ocorre a partir da busca
pelas “fontes da base de conhecimento para o ensino” (SHULMAN, 1987:8), onde o
autor nos apresenta quatro delas.
A primeira seria o conhecimento do conteúdo disciplinar – saberes, habilidades e
aptidões que devem ser aprendidos pelos alunos. Além disso, o conhecimento do
conteúdo disciplinar abarca aspectos que se relacionam com as características dos
estudantes, na medida em que requer do professor uma flexibilidade e compreensão
multifacetada da matéria a ser ensinada, que lhe permita adequar as explicações ao
contexto que se apresenta.
A segunda fonte seria aquela proveniente da estrutura e dos materiais
educacionais – currículos e diretrizes oficiais para a educação. Como a atuação do
professor depende desses elementos, esta se caracteriza como uma importante fonte da
“base de conhecimento para o ensino”, que compreende as ferramentas da profissão e
as condições do contexto que vão facilitar, ou não, a ação do professor.
A terceira fonte seria o conhecimento educacional formal proveniente da
literatura dedicada à compreensão de processos educativos, ensino e aprendizagem.
Nesse caso, incluem-se os métodos de pesquisa empírica na área de ensino de física,
aprendizagem e desenvolvimento humano, bem como fundamentos normativos,
filosóficos e éticos da educação. Todas essas pesquisas contribuem para a base de
conhecimento para a atividade de ensino.
A quarta fonte seria aquela oriunda dos saberes da prática. São esses saberes
que, majoritariamente, orientam a ação de professores experientes e que despertam o
interesse de muitos pesquisadores. Através do estudo desses saberes, os pesquisadores
buscam identificar representações do saber pedagógico prático de professores
habilidosos e princípios de uma boa prática.
Ao procurar delinear categorias de conhecimentos que, segundo a sua visão,
comporiam essa base necessária ao professor para promover o aprendizado de seus
alunos, o autor a interpreta como algo inacabado, cuja composição ainda precisa ser
“descoberta, inventada, e refinada” (SHULMAN, 1987:12) e afirma que, quanto mais
se aprender, sobre a atividade de ensino, iremos reconhecer novas categorias dentro
dessa base.
Dentre as categorias sugeridas estão:
17
[...] conhecimento do conteúdo; conhecimento pedagógico geral,
com especial referência para os princípios e estratégias de controle
de sala de aula e organização que transcendem o conhecimento da
matéria; conhecimento do currículo, principalmente do material e
dos programas que servem de ferramentas para o professor;
‘conhecimento pedagógico do conteúdo’ (PCK), um amálgama de
conteúdo e pedagogia que é da alçada dos professores;
conhecimento sobre os alunos e suas características; conhecimentos
dos contextos educacionais, que vão desde a sala de aula às
instâncias administrativas, até as características das comunidades e
da cultura; e o conhecimento sobre os propósitos e valores da
educação, bem como suas bases históricas e filosóficas (:8).
Embora todas as categorias apresentadas sejam relevantes para a base de
conhecimento para o ensino”, concordamos com o autor em relação à especial
importância do “conhecimento pedagógico do conteúdo” (PCK) como categoria de
conhecimento que vai além da matéria a ser ensinada, que facilita o entendimento de
como os tópicos particulares, os problemas ou os assuntos podem ser organizados,
representados e adaptados em função dos interesses e habilidades dos educandos, e
apresentados na forma de instruções que objetivam facilitar o aprendizado.
Como um elemento da “base de conhecimento para o ensino”, a compreensão
sobre o que seria o PCK do professor também vem sofrendo alterações desde a década
de 1980, tanto no que se refere à sua definição, quanto ao que se refere aos seus
componentes.
Segundo Shulman, o PCK é definido como um “amálgama de conteúdo e
pedagogia que é exclusivamente de domínio dos professores” (1987:8) e inclui
categorias como: “formas de representação, as mais poderosas analogias, ilustrações,
explicações e demonstrações” (1986:9), que tornam a matéria a ser ensinada
compreensível para outros.
O autor vai além, afirmando que o PCK inclui a compreensão daquilo que torna
fácil, ou difícil, o aprendizado de tópicos específicos; as concepções e pré-concepções
trazidas por estudantes de diferentes idades e bagagens para aprender esses tópicos.
Assim, a definição apresentada sugere que o conhecimento baseado em pesquisas sobre
as concepções e dificuldades dos alunos é um importante componente do conhecimento
pedagógico sobre a matéria a ser ensinada e, por isso, deve fazer parte do PCK
(SHULMAN, 1986:10).
No caso específico da física, para que um professor experiente mobilize os
conhecimentos presentes no PCK associado a um determinado tópico a ser ensinado,
18
faz-se necessário um vasto repertório, que pode ser oriundo de saberes adquiridos na
formação inicial, de resultados de pesquisas na área, ou mesmo de saberes da prática
desse professor.
Assim, esse conhecimento proveniente de pesquisas deve ser incluído como item
fundamental na composição do PCK, principalmente o das pesquisas referentes às
concepções prévias dos estudantes e a sua influência no processo ensino-aprendizagem,
que ganharam lugar de destaque entre os mais importantes temas de pesquisas, uma vez
que possibilitam a construção de estratégias para lidar com essas concepções e utilizá-
las da forma mais adequada no processo de construção do conhecimento junto aos
estudantes.
Dentre os autores que procuram reelaborar o conceito de PCK, destacamos
Henze et al. (2007), que utilizam o conceito de conhecimento do professor de maneira
bastante abrangente, para indicar todo o conjunto de “conhecimentos e crenças dos
professores que influenciam a sua prática” (:101), e dentro dessa perspectiva,
conceituam o PCK – buscando esclarecer sua natureza e seus aspectos – como um tipo
de conhecimento do professor que abarca: “estratégias instrucionais sobre um tópico
específico; o entendimento dos estudantes sobre o tópico; meios para avaliar o
entendimento dos estudantes sobre o tópico; e metas e objetivos para ensino do tópico
dentro do currículo” (:101).
Boz e Boz (2005) procuram chamar a atenção para a importância da influência
que o conhecimento pedagógico geral exerce sobre o PCK dos professores. Essa forma
de enxergar o PCK, a nosso ver, promove uma aproximação entre os dois tipos de
conhecimento que é extremamente pertinente, uma vez que, apesar do conceito trazido
por Shulman (1986; 1987) ter ocorrido em sentido contrário à tendência de
supervalorização da dimensão pedagógica, seu aparecimento se deu no sentido de
reequilibrar as duas forças representadas pelas dimensões do conteúdo e da pedagogia.
A determinação exata dos elementos que compõem o PCK do professor para um
tópico específico ainda merece cuidadosa investigação, uma vez que, são inúmeros os
fatores que influenciam a construção do PCK, cujo conceito, como dissemos, vem
sofrendo uma série de atualizações.
Segundo Loughran et al (2001), essa complexidade é determinada, entre outras
coisas, pela natureza do tópico e o contexto no qual este tópico é ensinado. Assim, os
autores introduzem elementos subjetivos no PCK, se considerarmos a visão tradicional
de um tópico enquanto elemento curricular.
19
A experiência é uma forte aliada no processo de desenvolvimento do PCK e as
pesquisas envolvendo professores em serviço apresentam particularidades que as
pesquisas com professores em formação não exibem. Ao realizarem suas pesquisas com
professores em cursos de formação continuada, De Jong e Van der Valk (2005)
enfatizam a importância desses cursos como espaços especialmente privilegiados para o
desenvolvimento do PCK para novos tópicos e novos caminhos pedagógicos, onde o
professor tem a oportunidade de refletir sobre suas novas experiências.
Uma das estratégias utilizadas por alguns pesquisadores para elucidar ou refinar
o entendimento sobre o PCK é o uso dos planejamentos de aula como elemento de
análise. Em geral, esse método vem sendo utilizado com professores em serviço
(AALTONEN e SORMUNEN, 2005; DE JONG e VAN DER VALK, 2005). Segundo
Aaltonen e Sormunen (2005), o uso dos planejamentos oferece ao professor a
oportunidade de refletir e argumentar, o que favorece o desenvolvimento do PCK.
A compreensão sobre a bagagem de conhecimentos que os professores trazem,
ganhou atenção de outros autores, em outros contextos. De acordo com Tardif (2002) o
entendimento sobre esses saberes deve ser procurado considerando-se a posição
estratégica que esses profissionais ocupam dentro das sociedades contemporâneas,
naquilo que diz respeito às relações que unem essas sociedades aos saberes que elas
mesmas produzem o mobilizam.
Segundo a visão deste autor, que tem muitos pontos de confluência com a de
Schön (1992), a prática docente envolve a integração de diferentes saberes com os quais
os professores se relacionam. O autor denominou esse conjunto de saberes de ‘saberes
docentes’, e definiu o saber docente como “um saber plural, formado pelo amálgama,
mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes
disciplinares, curriculares e experienciais” (:36).
Os saberes da formação profissional seriam aqueles adquiridos nas instituições
de formação como os cursos de licenciatura oferecidos pelas universidades. São eles os
saberes oriundos das ciências da educação e de concepções pedagógicas.
Os saberes disciplinares são aqueles relacionados aos campos de conhecimento
que se encontram disponibilizados pelas universidades na forma de disciplinas
específicas, como física, matemática, história, por exemplo. Segundo Tardif (2002), eles
“emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes”. (:38)
Os saberes curriculares são aqueles que se apresentam, concretamente, sob a
forma de programas escolares que os professores devem aprender e aplicar, ou seja, se
20
constituem a partir dos saberes sociais que a sociedade define e seleciona “como
modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita”. (:38)
Os saberes experienciais são aqueles desenvolvidos pelos próprios professores
em seu trabalho cotidiano. São oriundos da experiência e “incorporam-se à experiência
individual e coletiva sob a forma de ‘habitus’ e de habilidades de saber-fazer e de
saber-ser” (:39).
Talvez um dos grandes desafios que se apresenta para os professores seja
desenvolver uma capacidade de conviver com a heterogeneidade que caracteriza o saber
docente e, ao mesmo tempo, articular a sua prática com esse conjunto de saberes.
Essas múltiplas articulações entre a prática docente e os saberes
fazem dos professores um grupo social e profissional, cuja existência
depende, em grande parte, de sua capacidade de dominar, integrar e
mobilizar tais saberes enquanto condições para a sua prática
(TARDIF, 2002:39).
Embora não tenham a sua origem nas instituições de formação de professores e
nem nos currículos, e por isso também não estejam sistematizados, os saberes
experienciais, segundo o autor, “formam um conjunto de representações a partir das
quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática
cotidiana em todas as suas dimensões. Eles constituem, por assim dizer, a cultura
docente em ação” (:49).
A exemplo de Shulman (1986), que acredita na existência de uma “base de
conhecimento para o ensino”, Tardif (2002) nos fala de um “conjunto de saberes que
fundamentam o ato de ensinar”, proveniente de fontes diversas, como: “formação
inicial e contínua dos professores, currículo e socialização escolar, conhecimento das
disciplinas a serem ensinadas, experiência na profissão, cultura pessoal e profissional,
aprendizagem com os pares, etc.” (:60)
Especificamente em relação a esses saberes construídos ao longo da experiência
na profissão (saberes profissionais ou experienciais), os próprios professores os
identificam como: “habilidades, competências, talentos, formas de saber-fazer, etc.,
relativos a diferentes fenômenos ligados ao seu trabalho” (:60), como: conhecimento
da matéria a ser ensinada, conhecimento sobre a experiência dos alunos, conhecimento
relativo ao planejamento das aulas, conhecimento sobre princípios educacionais e do
sistema de ensino, conhecimento sobre materiais didáticos e programas de ensino,
21
conhecimentos em comum com os alunos enquanto membros de um mesmo mundo
social, integração e participação na vida da escola e dos colegas de trabalho, gosto pelo
trabalho com jovens, capacidade de seduzir a turma, capacidade de questionar a si
mesmo, entusiasmo, vivacidade, imaginação, personalidade atraente e autenticidade.
Em suma, a experiência de trabalho parece ser a fonte privilegiada do saber-
ensinar dos professores, e o saber profissional se situa “na confluência entre várias
fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da
instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc.” (:64),
como um “saber sincrético e plural” (:109) que compõe a base de saberes para o
ensino.
Se considerarmos que o saber docente é formado a partir de um conjunto de
outros saberes, como: os saberes da formação profissional, os saberes disciplinares, os
saberes curriculares e os saberes experienciais (ou profissionais), fica claro que a
formação do professor é dependente do tempo. Essa observação ganha sentido,
sobretudo, quando consideramos a dependência temporal dos saberes experienciais.
De maneira geral, a atividade profissional vai modificando a identidade do
próprio trabalhador ao longo do tempo. Um professor tem a sua identidade marcada pela
própria atividade profissional, pois com o passar do tempo, ele “vai-se tornando – aos
seus próprios olhos e aos olhos dos outros – um professor, com sua cultura, seu ethos,
suas idéias, suas funções, seus interesses, etc.” (:57). Assim, pode-se dizer que os
saberes ligados ao trabalho são temporais, pois são construídos progressivamente.
Tardif (2002) nos chama a atenção para a importância dos processos de
socialização para a formação dos professores. Seja a socialização primária que se dá
entre os membros da família e da comunidade, ou a socialização escolar quando aluno,
que ocorre no interior das instituições de formação, ao longo dos diferentes níveis:
fundamental, médio e superior.
Segundo este autor, essa socialização é capaz de produzir saberes, além de
influenciar a construção de concepções sobre o ensino, por parte dos professores, ao
longo do tempo. Assim, para ele, a visão tradicionalista sobre ensino, aprendizagem,
avaliação, disciplina em sala de aula, etc., apresentadas pela maioria dos nossos
educadores, teriam origem na história de vida desses professores, sobretudo a partir da
sua própria experiência como alunos.
22
A mobilização desses saberes na prática se verifica através da ação profissional
dos professores, que demanda esses saberes oriundos de uma socialização anterior à
preparação profissional formal para o ensino e que
[...] não são inatos, mas produzidos pela socialização, isto é, através
do processo de imersão dos indivíduos nos diversos mundos
socializados (família, grupos, amigos, escolas, etc.), nos quais eles
constroem, em interação com os outros, sua identidade pessoal e
social (:71).
Um problema apontado pelo autor em relação aos saberes experienciais é o da
desvalorização desses saberes, o que demanda atitudes por parte do corpo docente no
sentido de uma nova profissionalização.
Em geral, os saberes experienciais dos professores não são levados em conta nos
ambientes de formação de professores, seja nos cursos regulares das universidades ou
nos cursos de formação continuada, bem como não existe uma autonomia dos
professores no sentido de deliberar sobre o que ensinar. Por outro lado, esses saberes
experienciais são considerados por Tardif (2002), como “núcleo vital do saber docente”
(:54). Isso nos leva a refletir sobre o que o autor aponta a respeito da necessidade de
uma “nova profissionalidade entre os professores dos níveis primário e secundário”
(:54-55).
Os saberes disciplinares e curriculares que os professores transmitem “situam-se
numa posição de exterioridade em relação à prática docente” (:40), ficando a cargo das
instituições escolares a definição e seleção dos saberes sociais que são transformados
em saberes escolares. Da mesma forma, são as universidades e os seus formadores que
assumem a responsabilidade pelos saberes relativos à formação profissional dos
professores.
Aos professores resta apropriar-se desses elementos e normas, sancionadas pela
universidade e pelo Estado. Ainda segundo ele, “essa relação de exterioridade se
manifesta através de uma nítida tendência a desvalorizar a própria formação
profissional” (:41) por parte dos professores, uma vez que estes não se identificam com
aquilo que é ensinado e legitimado por essas instituições.
Como condição básica para um novo profissionalismo, o autor propõe que o
corpo docente busque o reconhecimento dos seus saberes da prática cotidiana por parte
de outros produtores de saberes, através da instituição de parcerias entre professores,
23
formadores universitários e responsáveis pelo sistema educacional. Com isso, os saberes
da prática seriam disponibilizados e uma nova perspectiva de participação se abriria
para os professores em relação à discussão sobre os saberes curriculares e disciplinares
e, sobretudo, a respeito de sua própria formação profissional.
A construção de uma carreira profissional qualquer vista como fruto de
“transações contínuas entre as interações dos indivíduos e as ocupações” (TARDIF,
2002:81), dá uma idéia da dinâmica presente no processo de evolução da careira
docente, revelando o seu caráter subjetivo e experiencial. Segundo o autor, a carreira
permite perceber a dinâmica da construção histórica dos saberes profissionais, na
medida em que “estes são incorporados às atitudes e comportamentos” (:81) do
professor por meio da sua socialização profissional.
O que chama à atenção é que, nem sempre, a construção da carreira docente se
dá de forma tranqüila. Dentre os fatores que podem contribuir para a carreira está a
própria instituição, ou o tipo de vínculo que o professor mantém com ela. O professor
que trabalha em uma instituição privada desenvolve saberes profissionais diferentes de
outro que atua em uma instituição pública. Da mesma forma, o professor que tem
vínculo permanente com uma instituição pública vive uma relação com o trabalho
diferente daquele professor que tem vínculo temporário e, por isso, desenvolve saberes
profissionais diferenciados. Nesse caso, até mesmo aquilo que Tardif (2002) chamou de
“dimensão identitária” (:99) do saber profissional, é menos intensa, já que o seu
compromisso profissional existe, mas as condições de frustração nas quais ele está
inserido trazem dificuldades adicionais.
No Brasil, essa situação de frustração também é sentida por aqueles profissionais
que desempenham suas atividades como “professores substitutos” ou quando atuam em
espaços diferentes – outra escola – do seu espaço de origem, como professores da rede
pública do ensino médio que recebem horas-extras, conhecidas como GLP em escolas
do Estado do Rio de Janeiro.
Embora a ação de outros atores educacionais seja importante, é sobre os
professores que recai a missão educativa da escola. Isso faz deles, os “principais atores
e mediadores da cultura e dos saberes escolares” (TARDIF, 2002: 228).
Para este autor, as pesquisas na área das ciências da educação devem se
interessar pelos saberes mobilizados pelos professores e pela subjetividade desses
saberes. Assim, ele propõe que as pesquisas em ensino passem a enxergar o professor
24
não como objeto de pesquisa, mas como sujeito do conhecimento colaborador e co-
pesquisador.
Essa perspectiva visa uma “pesquisa não sobre o ensino e sobre os professores,
mas para o ensino e com os professores” (:239), que leve em conta seus interesses, seus
pontos de vista e suas necessidades.
Uma proposta nesse sentido requer mudanças na prática vigente em relação à
formação de professores, independentemente se na formação inicial ou continuada. É
necessário que seja reconhecida a competência do professor para atuar na sua própria
formação para “controlá-la” (:240) e poder deliberar sobre seus conteúdos, em
conjunto com outros atores da educação, uma vez que, boa parte dos conhecimentos
exigidos do professor são provenientes da própria prática docente. Assim, a formação de
professores deveria se basear também nesses conhecimentos.
Essa forma de ver a formação profissional docente admite o surgimento de
“novos atores situados na interface entre a formação e a profissão” (:287),
principalmente no caso da formação inicial. Dentre eles, destacamos o papel do
professor co-formador, ou tutor, dono de um saber experiencial a ser compartilhado,
seja na fase de formação inicial ou ao longo da carreira do professor, se considerarmos
essa formação como um processo temporal e contínuo, que abrange todas as fases dessa
carreira como nos indicam Fontoura (2007) e Tardif (2002).
A integração dos três atores educativos: professor co-formador, futuro professor
e formador universitário demanda a integração do professor co-formador “no próprio
currículo de formação inicial para o ensino” (:289) e nos cursos de formação
continuada, o que torna esses agentes, verdadeiros atores da formação dos futuros
docentes e daqueles docentes em serviço, seja no próprio ambiente de trabalho, ou
através de atividades de pesquisa colaborativa.
No que diz respeito ao papel do professor co-formador dentro dos projetos de
pesquisa, esse se torna um tipo de professor-pesquisador, em atividades que envolvem
pesquisa com novos dispositivos de formação, como a pesquisa colaborativa ou a
pesquisa-ação, onde as fronteiras entre os papéis de professor e pesquisador “tendem a
ser apagar ou pelo menos a se deslocar” (:293).
Algumas iniciativas de aproximar o formador, o co-formador e o graduando para
compreender melhor essa relação triádica no processo de formação e desenvolvimento
profissional, tem sido objeto de estudos realizados no Brasil por Queiroz et al. (2005),
que buscaram o entendimento sobre o papel desempenhado por cada um dos três atores
25
nos processos, em trabalhos cooperativos de parceria entre a universidade e a escola,
onde o professor da escola se desloca para a posição de co-formador dentro da ação de
formação do graduando.
Tardif (2002) define como epistemologia da prática profissional “o estudo do
conjunto de saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho
cotidiano para desempenhar todas as tarefas” (:255).
Especificamente em relação ao professor, sabemos que este é produtor e
mobilizador de saberes experienciais, que vêm despertando o interesse de muitos
pesquisadores da área de ensino. Assim, as pesquisas sobre os saberes profissionais dos
professores se identificam com uma “epistemologia da prática profissional”, e revelam
uma subjetividade que é característica de saberes que não se dissociam desses
professores, considerados atores sociais, com uma história de vida, uma personalidade,
uma cultura e uma identidade, cujas “ações carregam as marcas dos contextos nos
quais se inserem” (:265).
No Brasil, as pesquisas sobre a formação de professor e seus saberes ganharam
destaque a partir da década de 1990, sob a influência da literatura internacional. Lüdke
(2001) destaca a importância da pesquisa sobre a formação do professor e seus saberes,
como “recurso indispensável ao trabalho do professor” (:78). Nessa perspectiva, ganha
um sentido especial a idéia de professor-pesquisador, cujo papel não deve continuar
infantilizado frente à tarefa de investigação crítica e sistemática da própria prática. A
nosso ver, essa forma de encarar essas pesquisas pode favorecer um amadurecimento da
profissão docente e a profissionalização do ensino, uma vez que desloca o professor de
sala de aula dentro do processo de pesquisa para uma posição mais reflexiva.
A formação do professor, considerado por Tardif (2002) como um dos principais
“mediadores” dos saberes escolares ganhou uma dimensão diferente no Brasil a partir
das mudanças introduzidas pela nova legislação da educação na década de 1990.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (BRASIL, 1996), bem como os
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1999) traduzem um período de
mudanças consideráveis para a educação brasileira. Às escolas foi dada a liberdade de
tomar decisões em função das suas especificidades, através dos seus próprios projetos
pedagógicos construídos coletivamente. Na nova forma de organização escolar, o
professor se compromete, ou deveria se comprometer, com as propostas indicadas nos
projetos.
26
A maior contribuição trazida pelos PCNs (BRASIL, 1999) diz respeito à posição
do aluno no processo ensino-aprendizagem, que passa a ocupar o centro do processo, o
que leva o estudante a construir o seu próprio conhecimento.
Essa mudança de “paradigma educacional” (CARVALHO, 2003), onde o
ensino expositivo centrado na capacidade do professor de explicar o conteúdo proposto
dá lugar a uma perspectiva construtivista – centrada na capacidade de o aluno entender,
reconstruindo o conteúdo a partir das suas pré-concepções –, passou a requerer do
professor uma formação compatível com essa nova perspectiva.
Carvalho e Gil-Pérez (2001:14) apresentam os principais pontos considerados
necessários para compor o que chamaram de “necessidades formativas do professor de
ciências” para uma atuação de acordo com orientações construtivistas. Dentre elas a
ruptura com visões simplistas sobre o ensino de ciências.
Os autores indicam uma concepção da formação dos professores para além de
uma transmissão de conhecimentos e destrezas, baseada no grande número de
conhecimentos que a pesquisa na área das ciências aponta como necessários para o
rompimento com as visões simplistas. Segundo os autores, o trabalho de formação dos
professores deve ser orientado como uma pesquisa dirigida, de forma funcional e
efetiva, que leve em conta a riqueza das contribuições que os grupos de professores
trazem sob a forma de concepções prévias, em situações de trabalho coletivo. Assim, as
questões a serem abordadas em pesquisas junto aos professores, devem procurar
identificar os conhecimentos que os professores precisam adquirir para uma docência de
qualidade.
A fim de que o conhecimento científico não pareça uma construção arbitrária, os
autores recomendam que o professor conheça a história da ciência e, assim, possam
reconhecer os problemas epistemológicos que foram superados quando da construção
daquele conteúdo científico, o que ajudaria na compreensão das dificuldades dos alunos.
Para orientar adequadamente as práticas de laboratório, a resolução de
problemas e a construção dos conhecimentos pelos alunos, os autores indicam como
fundamental o conhecimento sobre as metodologias empregadas pelos cientistas na
construção do conhecimento científico, isto é, a forma como os cientistas abordam os
problemas, os critérios de validade e aceitação de teorias científicas.
Faz-se necessário compreender as interações entre a ciência, a tecnologia e a
sociedade, no que diz respeito aos desdobramentos políticos, sociais, econômicos,
culturais e ambientais, suas relações e sua importância na formação de uma consciência
27
crítica dos alunos. A fim de evitar a visão compartimentada dos diversos campos do
conhecimento – matérias a serem ensinadas –, o professor necessita estar atualizado em
relação aos últimos resultados da ciência, bem como sobre as interações entre os
diferentes campos, principalmente aqueles que fazem fronteiras com a sua matéria.
Para Carvalho e Gil-Pérez (2001:30), a formação dos professores deve
“favorecer um trabalho de mudança didática”, que os leve a ampliar seus recursos no
sentido de uma mudança que transforme o trabalho docente em um trabalho criativo e
inovador e com isso promover mudanças no chamado “pensamento docente de senso
comum” (:26), constituído principalmente pelas idéias, atitudes e comportamentos
adquiridos durante o período em que estes foram alunos.
Em síntese, trata-se de questionar alguns conceitos construídos como a idéia de
que ensinar é fácil, a obrigação de cobrir programas, a ausência de abordagem dos
aspectos históricos e sociais nas aulas de ciências, e o caráter considerado natural do
fracasso generalizado dos alunos nas disciplinas científicas, entre outros.
As propostas construtivistas, em oposição às tradicionais, estão fundamentadas
em alguns conhecimentos teóricos necessários ao professor, e a didática das ciências
“constitui um corpo de conhecimentos que tem as mesmas exigências de coerência que
qualquer outro domínio científico” (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001:37). O
professor deve reconhecer a existência de concepções prévias, oriundas do senso
comum em seus alunos, compreender a aprendizagem como tratamento de situações
problema que interessem e preocupem ao aluno e à sociedade, de tal maneira que
facilite a reconstrução do conhecimento científico, como ocorre com os cientistas em
seus trabalhos de pesquisa. Além disso, cabe ao professor organizar o trabalho a partir
de grupos cooperativos, facilitando a comunicação entre os participantes e buscando
promover a construção do conhecimento através da socialização do processo.
Uma análise crítica sobre o ensino tradicional não é tarefa fácil. O peso exercido
pela “formação ambiental” (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001:26) quase nunca
submetida a críticas, acaba por impregnar os professores sem que eles mesmos possam
perceber a presença de elementos que direcionam as suas ações pedagógicas dentro de
uma perspectiva tradicional.
Segundo os autores, a formação para uma mudança didática deve dar condição
para que os professores “consigam detectar com precisão insuficiências” (:40), tais
como conhecer:
28
as limitações dos habituais currículos [...] e ter em conta que a
construção de conhecimento precisa de tempo; as limitações da
forma habitual de introduzir conhecimentos (esquecer as concepções
espontâneas dos alunos); as limitações dos trabalhos práticos
habitualmente propostos (como uma visão deformada do trabalho
científico); as limitações das formas de organização escolar
habituais muito distantes das que podem favorecer um trabalho de
pesquisa coletivo (: 41).
Os autores recomendam ainda a elaboração de atividades que envolvam o
desenvolvimento de temas por parte dos alunos, onde o currículo seja concebido como
um programa através do qual os conhecimentos possam ser construídos não ao acaso,
mas de acordo com um “fio condutor” (:43) e a partir de situações problemáticas que
favoreçam a manifestação das concepções espontâneas dos alunos e a construção de
hipóteses. Para eles, essa forma de organizar as atividades, produz conflitos cognitivos
que leva os alunos à reformulação de suas hipóteses e à reconstrução de suas
concepções científicas.
Para dirigir o trabalho dos alunos, orientando a aprendizagem para uma
pesquisa, é necessária uma mudança no papel dos professores e uma nova formação.
“Seu papel deixa de ser o de simples transmissores de conhecimentos para se
transformarem em diretores/orientadores de equipes de pesquisa” (CARVALHO e
GIL-PÉREZ, 2001:51), se a intenção é contribuir para a construção de uma imagem
correta do trabalho científico e romper com a idéia de que a ciência é construída
trancada “numa torre de marfim” (:53).
Do ponto de vista da mudança didática sugerida pelos autores, a formação de
professores deve questionar o que se tem feito em termos de avaliação, favorecendo
uma reflexão crítica sobre o tema. Para ser coerente com uma perspectiva construtivista,
a avaliação deve ser concebida como um instrumento que retroalimente o processo
ensino-aprendizagem e promova o avanço dos alunos.
[...] é difícil encontrar funcionalidade em uma avaliação baseada
apenas no julgamento ‘objetivo’ e terminal do trabalho [...] como
formador de pesquisadores novatos, o professor deve considerar-se
co-responsável pelos resultados que estes obtiverem: não pode
situar-se frente a eles, mas com eles. (CARVALHO e GIL-PÉREZ,
2001:58).
29
A iniciação do professor à pesquisa vem se transformando “em uma necessidade
formativa de primeira ordem” (:63). A perspectiva construtivista enfatiza essa
necessidade, uma vez que, o professor dificilmente terá sucesso na orientação da
aprendizagem de seus alunos como uma construção de conhecimentos científicos, se ele
próprio não possui experiência em atividades de pesquisa. Além disso, os autores
chamam a atenção para a complexidade e a riqueza potencial da atividade docente, o
que implica concebê-la como “uma tarefa aberta e criativa, ou seja, como uma
pesquisa a ser realizada por equipes docentes” (:63).
Trivelato (2003) nos afirma, que a formação de professores, assim como a dos
alunos, é facilitada quando estes “reconstroem ou reestruturam seus conhecimentos
anteriores” (:64) e que, uma das formas desse processo ocorrer é quando é
desencadeado por um problema de investigação.
Segundo a autora, os cursos de formação continuada “são acompanhados da
expectativa de sugestões para serem aplicadas em sala de aula, de modelos, roteiros ou
atividades que possam ser reproduzidas com os alunos” (:64), como se fossem receitas.
Entretanto, esse formato de curso, dificilmente atende à demanda das nossas salas de
aula, em função da complexidade própria desses espaços. Muitas vezes, essa
expectativa provoca ansiedade nos professores participantes desses cursos, e uma
sensação de frustração. Assim, o que fazer diante dessa realidade?
Trivelato (2003:64) aponta como caminho possível para o desafio a ser
enfrentado pelos cursos de formação continuada:
[...] formular e propor seqüências didáticas que sirvam,
simultaneamente, para o processo de aprendizagem do professor e
como uma possível sugestão de processo de ensino que ele possa
desenvolver com seus alunos. Atividades que, por fugirem do modelo
de reprodução e transmissão de conteúdos, promovam a
aprendizagem significativa do professor, tanto das questões
conceituais envolvidas como da metodologia de ensino empregada.
Dessa forma, com uma compreensão ampliada dos aspectos
conceituais específicos, o professor pode construir uma postura mais
autônoma em relação à seleção e organização de conteúdos. E, se o
que ele vivenciou como aprendiz em uma seqüência didática
demonstrou-se efetivo e relevante, aumenta seu repertório
metodológico e sua possibilidade de escolher adequadamente seus
procedimentos de ensino.
30
A autora destaca ainda o papel da contextualização dos conteúdos a partir de
situações problemáticas, o trabalho cooperativo entre os participantes de um grupo e a
contribuição de diferentes áreas do conhecimento para melhor aproximação da
realidade, como aspectos de grande importância para a aprendizagem significativa dos
professores.
Nessa nova visão sobre como o ensino deve se desenvolver, o conhecimento
sobre o conteúdo que se deve ensinar deixa de ser suficiente. É imprescindível que o
professor tenha consciência da reformulação do seu papel nesse novo ensino.
Segundo Carvalho (2003), o professor construtivista deve ir além de saber expor
a sua matéria. Deve procurar manter um ambiente agradável em sua sala de aula,
criando atividades que propiciem aos alunos explorar suas idéias. O estímulo através da
pergunta e de questões desafiadoras deve encorajar a exploração de idéias, permitindo
que todos tenham a oportunidade de expor o que pensam. O pensamento cooperativo
também deve ser estimulado através do incentivo à participação dos alunos, onde ele o
professor atue propiciando situações de conflito cognitivo, estimuladores da crítica, da
desconstrução e da reconstrução. O professor construtivista deve utilizar os resultados
obtidos pelos alunos em suas avaliações como elementos retroalimentadores e refletir
sobre a sua prática, a fim de avaliar o seu próprio trabalho, de forma crítica e honesta.
Todas essas mudanças indicam, segundo a autora, “a necessidade de
oferecermos aos professores, cursos de formação continuada dentro dessas novas
concepções” (:13).
A formação de professores preparados para educar cidadãos conscientes e
capazes de exercerem sua cidadania de forma crítica ainda é um desafio tanto para os
cursos de formação inicial quanto para os cursos de formação continuada. Entretanto,
muitas iniciativas vêm ocorrendo no sentido de privilegiar a formação continuada como
possibilidade para a difícil tarefa de adequar a pratica dos professores às exigências do
nosso tempo.
Santos et al. (2006) defendem a formação continuada de professores por meio de
atividades de extensão, que incluem cursos e eventos de curta duração. Os autores
situam como princípio básico dessas atividades “a formação pela reflexão sobre a
prática pedagógica”, a partir da “reflexão conjunta com o professor, em um trabalho
de cooperação para a construção de recursos e estratégias de ensino a serem
desenvolvidas pelo professor, incluindo a produção de materiais pedagógicos” (:50).
31
Eles propõem ainda uma modalidade de pesquisa associada às atividades de
formação, que ocorra a partir da reflexão sobre a prática dos professores em uma
integração ensino-pesquisa-extensão na formação continuada, que dê voz ao professor
“sujeito real e concreto do fazer docente”. Nesse sentido, as atividades envolvem um
tipo de pesquisa que contribui para o aperfeiçoamento do professor, na medida em que
ela possibilita a discussão sobre “aspectos conceituais e alternativas metodológicas
trazidas por ele” (:54). Especificamente no caso de projetos de formação continuada,
que envolvem produção de material didático, o grande desafio apontado por Santos et
al. (2006) “é a constante negociação entre a proposição de novas metodologias e a
tendências dos professores de reproduzirem concepções de ensino consagradas em sala
de aula, mesmo que conflituosas com as novas propostas” (:54).
Adotar como ponto de partida para projetos de pesquisa, a formação continuada
de professores, inserida em um processo que privilegia a reflexão sobre a prática desses
professores nos parece uma estratégia bastante adequada à realidade dos professores que
temos em nossas salas de aula de ciências, sobretudo, no que diz respeito aos
professores das escolas públicas. Problemas de desgaste salarial, desmotivação,
formação desatualizada, falta de prestígio da profissão docente e busca por uma
identidade profissional são alguns dos inúmeros problemas enfrentados por esta classe,
que por tudo o que foi dito, convive ainda com o problema da baixa auto-estima.
A disponibilização de espaços, onde a voz do professor seja ouvida, inclusive
pelos seus pares, viabiliza discussões coletivas onde os problemas apontados por uns
podem estar sendo vivenciados por outros. Isso torna esses espaços, mais do que
ambientes acadêmicos tradicionais, podendo ser vistos mesmo como ambientes de
socialização e cooperação, a serviço do desenvolvimento de metodologias de
abordagem para o ensino que aumentem a auto confiança e a auto-estima desses
professores para enfrentar os desafios. Em um nível mais geral, poderíamos esperar que
essas iniciativas favorecessem a construção de uma identidade profissional que promova
a profissionalização docente.
A escola está organizada hoje, em função do nível social, econômico e cultural
do aluno e o tempo escolar pensado de acordo com uma estrutura de seriação, com
ênfase na compartimentação das disciplinas. Segundo Benassuly (2002), diferentemente
do que nos informa Chaves (2007), este modelo de compartimentação disciplinar teria
se estabelecido já a partir do século XVIII. Essa escola, constituída de políticas
32
educacionais centradas na racionalidade instrumental, tem se colocado a serviço da
reprodução dos mecanismos de poder e controle vigentes em nossa sociedade.
A escola ideal capaz de promover uma aprendizagem adequada às múltiplas
exigências do mundo contemporâneo é um sonho que ainda está longe de se
materializar no Brasil. São muitos os problemas pelos quais o nosso sistema
educacional está passando. No que diz respeito à formação do professor, espera-se um
profissional que enfrente a lógica da racionalidade enraizada nas escolas, que engessa a
ação pedagógica através de seus programas escolares conteudistas e que dificulta o
desenvolvimento do trabalho interdisciplinar.
Pensar a formação do educador, segundo Benassuly (2002:185-186), “é
construir um caminhar para além de propostas político – pedagógicas centradas na
racionalidade instrumental e tecnocrática que objetivam o controle do saber e que
permeiam as relações que estão postas no interior da escola”.
Frente à necessidade de rompimento com o poder e a dominação estabelecidos
na sociedade contemporânea, situamos o professor como um agente que pode vir a
colaborar para as mudanças. Entretanto, para que isso se realize, é fundamental que ele
adquira uma postura voltada para a “reflexão crítica” (BENASSULY, 2002) sobre o
seu papel político e sua prática social, que o retire do estado de alienação em que se
encontra. Nesse sentido, consideramos relevante a valorização de cursos de formação de
professores – inicial ou continuada – com enfoque centrado na elaboração de estratégias
pedagógicas construídas coletivamente, pelos sujeitos do processo, de forma
cooperativa e pensadas para além da visão da disciplinaridade, da linguagem
fragmentada e dos conteúdos prontos e cristalizados dos livros didáticos, ou seja, “para
além das oficinas tarefeiras” (:194).
Assim como nos Estados Unidos, no âmbito dos países ibero-americanos muitos
deles passaram, e vem passando, por reformas educacionais a partir da década de 1990
(MENEZES, 2001). Independentemente das características econômicas e culturais e dos
distintos níveis de qualidade de ensino, segundo o autor, essas iniciativas “refletem
unissonamente as conseqüências da globalização acelerada” (:45).
Uma característica comum nas reformas educacionais em questão é a “adoção
de teses construtivistas (:46) que, na prática, encontram dificuldades para serem
implementadas devido à formação reconhecidamente inadequada da maioria dos
professores da educação básica.
33
Seja para corrigir problemas da formação inicial ou para atualização de
professores em relação a novas metodologias e teorias sobre o ensino de ciências, a
formação continuada na área considerada Menezes (2001), como um dos instrumentos
para a melhoria da formação desses professores. Em alguns países ibero-americanos,
essas propostas já apresentam, uma evolução conceitual positiva sugerindo cursos de
atualização, em que “os professores aprendam a traduzir orientações pedagógicas em
práticas concretas, refletidas nos conteúdos de suas disciplinas ou em suas didáticas
específicas” (:51).
Entretanto, apesar de terem ocorrido avanços em relação à formação de
professores, inicial ou continuada, na maior parte dos países ibero-americanos essa
formação ainda está limitada “à preparação científica, complementada por uma
formação psico-sócio-pedagógica” segundo Gil-Pérez (2001:72).
O autor chama a atenção para um consenso em torno de proposições de caráter
construtivista em lugar do ensino tradicional por transmissão de conhecimento, e
reconhece que uma preparação que garanta uma docência de qualidade não é possível
dentro do tempo disponível para a formação inicial. Além disso, “muitos dos problemas
do processo de ensino-aprendizagem não adquirem sentido até que o professor os tenha
enfrentado em sua própria prática” (:73). Assim, ele nos aponta a necessidade de uma
sólida estrutura de formação continuada, que favoreça as profundas mudanças
curriculares que se pretende e que possibilite aos professores se apropriarem dos
conhecimentos que a Didática das Ciências vem construindo.
Mais precisamente, essa estratégia deveria possuir as seguintes
características: (a) ser concebida em íntima relação com a prática
docente; (b) ser orientada no sentido de favorecer a vivência de
propostas inovadoras e a reflexão didática explícita, questionando o
pensamento e comportamento docente; (c) ser planejada para
incorporar os professores na pesquisa e inovação na Didática das
Ciências (:77-78).
Dentre as necessidades formativas para professores de ciências, Carvalho e Gil-
Pérez (2001) destacam o reconhecimento das relações entre a ciência, a tecnologia e a
sociedade por parte desses profissionais.
A discussão sobre a formação necessária para que o educador possa atuar de
acordo com a perspectiva do enfoque CTS tem sido a temática de muitos trabalhos de
34
pesquisa nacionais e internacionais, desde que o enfoque CTS surgiu como
possibilidade para o ensino de ciências.
A tentativa de implementação do enfoque CTS enquanto inovação curricular tem
sido problemática em vários países do mundo, principalmente no que diz respeito ao
papel do professor.
Segundo Hofstein et al. (1988), o principal obstáculo à implementação de um
curso CTS é, sem dúvida, o professor. Ao longo das discussões no quarto simpósio
organizado pela International Organization for Science and Eduacation-IOSTE,
realizado em Kiel, na Alemanha, em agosto de 1987, ficou claro que a formação
tradicional dos professores – daqueles em serviço ou daqueles em processo de formação
– representa uma grande dificuldade, na medida em que não oferece oportunidades para
esses professores estarem em contato com os pressupostos CTS ou com algum tipo de
metodologia de ensino baseada em CTS.
Auler (1998) aponta para a necessidade de se considerar as concepções dos
professores sobre ciência, tecnologia e suas relações com a sociedade. Entretanto,
segundo o autor, muitos professores ainda resistem à idéia de que faça parte do seu
trabalho preparar os alunos para o exercício da cidadania.
A formação do professor, por ser ainda de caráter predominantemente
disciplinar, traz dificuldades para adaptá-lo ao desafio do enfoque CTS e à sua
perspectiva interdisciplinar e contextualizada, seja por falta de domínio dos conteúdos
científico-tecnológicos ou mesmo por falta de conhecimento sobre as propostas do
enfoque CTS (AULER e BAZZO, 2001).
Shamos (1995), com a sua visão crítica do movimento de alfabetização
científica, também aponta para problemas relacionados à formação do professor. O
autor chama a atenção para o fato de que somente as mudanças curriculares não são
suficientes se não for levada em conta a figura do professor enquanto chave do
processo, recomendando que “precisa ser reconhecido que o professor, não o currículo,
é realmente a chave” (:179).
A formação dos professores é apontada por Martins (2002) como o principal
obstáculo à proposta CTS, por considerar, a exemplo de Shamos (1995), que eles são os
agentes chave” de todo o sistema educativo e tudo o que se vier a alcançar, dependerá
sempre da sua vontade e ação (condicionadas pelas suas concepções e crenças).
No Brasil, não tivemos a oportunidade de contar com propostas curriculares
especificamente afinadas com o referencial CTS em relação ao ensino de ciências.
35
Entretanto, algumas iniciativas foram feitas no sentido de incorporar elementos dessa
perspectiva. No caso da física, por exemplo, podemos destacar a coleção de livros do
Grupo de Reelaboração do Ensino de Física – GREF (1990; 1991; 1993).
Apesar disso, segundo Pinheiro et al. (2007), os pressupostos do enfoque CTS
têm se ampliado no Brasil, principalmente na área educacional. Dentro da proposta dos
PCNs (BRASIL, 1999), percebe-se a relevância de aproximar o aluno da interação com
a ciência e a tecnologia em todas as dimensões da sociedade, oportunizando a ele uma
concepção ampla e social do contexto científico e tecnológico.
Ainda que existam elementos de outros currículos CTS influenciando até mesmo
documentos oficiais para o ensino médio no Brasil, Santos e Mortimer (2000) defendem
a introdução de propostas curriculares que se enquadrem nas categorias 6 e 7 da
classificação proposta por Aikenhead (1994) para o contexto brasileiro.
Acreditamos que, da mesma forma, projetos curriculares nacionais
poderão ser desenvolvidos com ênfase em CTS. O contexto atual é
bastante favorável para a elaboração de projetos nacionais de
ensino de ciências, tanto para o ensino fundamental como para o
médio, com ênfase em CTS (SANTOS e MORTIMER, 2000:155).
Os autores chamam a atenção para a importância de se levar em conta o contexto
do país onde as propostas curriculares foram desenvolvidas, uma vez que a estrutura
social, a organização política e o desenvolvimento econômico são bastante diferentes
dos nossos. Assim, para eles, “[...] seria um contra-senso a transferência acrítica de
modelos curriculares desses países para o nosso meio educacional” (:156).
Por tudo o que já foi falado e considerando que os documentos oficiais estão
impregnados por elementos do enfoque CTS, fica evidente que a situação do ensino
médio depende, entre outras ações, de um processo de formação continuada de
professores. Uma vez convencidos da relevância da elaboração de novos modelos
curriculares, o envolvimento daqueles que irão aplicar esses modelos na sua elaboração
torna-se indispensável. Ou seja, “[...] sem contextualizar a situação atual do sistema
educacional brasileiro, das condições de trabalho e de formação do professor,
dificilmente poderemos contextualizar os conteúdos científicos na perspectiva de
formação da cidadania” (SANTOS e MORTIMER, 2000:157).
Sabemos que o processo de industrialização no Brasil não favoreceu a criação de
uma articulação maior entre ciência, tecnologia e sociedade. Além disso, não se
36
desenvolveu no povo brasileiro uma cultura de participação, em função dos modelos
políticos aqui adotados. Esses condicionantes históricos podem ter deixado marcas na
forma de pensar do cidadão brasileiro e, particularmente, na de nossos professores.
Assim, cabe refletir sobre algumas questões em relação à pretensão de implementação
do enfoque CTS no contexto educacional brasileiro, no que diz respeito à posição do
professor, como:
Qual a compreensão dos professores de ciências sobre as interações
entre ciência, tecnologia e sociedade? Quais são suas crenças, suas
concepções de progresso? Os professores associam linearmente
progresso com inovações tecnológicas, supostamente neutras? O
processo histórico vivenciado não teria contribuído para que parcela
significativa dos professores endosse uma perspectiva tecnocrática,
concepção que inviabiliza o movimento CTS? [...] num país sem
história de participação, é plausível postular algum controle da
sociedade sobre ciência e tecnologia? (AULER e BAZZO, 2001:12)
Ao assumirmos criticamente os objetivos do enfoque CTS, encontramos
indicativos que, além de conhecimentos/informações necessários para a participação
mais qualificada da sociedade, necessitamos, também, iniciar a construção de uma
cultura de participação. É preciso contrastar as visões oficiais presentes e construir uma
fonte de visões alternativas para o ensino (ANGOTTI e AUTH, 2001). Nesse sentido os
autores vêem a formação continuada de professores como a saída mais indicada, embora
considerem ser este um grande desafio, já que esse tipo de formação está longe de ser
uma realidade em nosso País.
Perspectivas nesta direção vemos com a formação continuada dos
professores dos níveis fundamental e médio. Mas como em nosso
país este tipo de formação está longe de ser uma realidade, o desafio
está em, inicialmente, conseguir envolver os professores em
atividades que enfocam essas questões (enfoque CTS) para inquietá-
los e desafiá-los em suas concepções de ciência, de ‘ser professor’ e
em suas limitações a respeito de conteúdos e metodologias
(ANGOTTI e AUTH, 2001:23).
A seguir trazemos as reflexões sobre o enfoque CTS que nos embasam na
continuidade desse trabalho.
37
2.2 CIÊNCIA – TECNOLOGIA – SOCIEDADE
Este capítulo foi construído a partir de pesquisa bibliográfica sobre os principais
quadros de referência nacionais e internacionais, e busca introduzir os princípios básicos
e concepções de diversos pesquisadores, além de resultados de pesquisas realizadas em
relação ao enfoque Ciência – Tecnologia – Sociedade (CTS) para o ensino das ciências.
2.2.1 Alfabetização científica e tecnológica
A Segunda Guerra Mundial e os efeitos da bomba atômica levaram cientistas de
todo o mundo a se engajarem em movimentos políticos durante a década de 1950 que
resultaram em críticas profundas ao uso da ciência. Ainda na mesma década, o
lançamento do Sputnik, em 1957, gerou uma grande onda de preocupações nos Estados
Unidos e em outras nações industrializadas, principalmente da Europa (SHAMOS,
1995).
Esse ambiente de críticas e preocupações, com os avanços alcançados pela
extinta União Soviética forneceu as condições para que se iniciasse uma grande
mobilização por parte daquelas sociedades, no sentido de elaborarem programas
educacionais onde o ensino de ciências ganhou nova dimensão. Buscava-se, naquele
momento, dar ao cidadão comum a oportunidade de conhecer a linguagem da ciência,
ou seja, oferecer a ele o que passou a se chamar “alfabetização científica”. Essa nova
maneira de ver o ensino de ciências tem influenciado um grande número de
especialistas na área de educação ao longo de todos esses anos.
Os avanços alcançados pela ciência, em geral, caminham junto com os avanços
tecnológicos, seja pela necessidade de se produzir tecnologias que atendam à demanda
criada pela própria ciência, seja para atender interesses de outras áreas onde essas
tecnologias encontram aplicação, como a indústria e o comércio. Desse modo fala-se
hoje na necessidade da “alfabetização científica e tecnológica” para todos os cidadãos.
2.2.2 Enfoque Ciência – Tecnologia – Sociedade (CTS)
Com o sucesso inicial resultante dos avanços científicos e tecnológicos do início
do século XX, acreditou-se, durante muito tempo, em um modelo sociológico linear de
desenvolvimento, onde o desenvolvimento científico levaria ao desenvolvimento
38
tecnológico e este ao avanço econômico, que implicaria no social (AULER e
DELIZOICOV, 2006a; 2006b; AULER et al., 2007; AULER, 1998).
Com o passar do tempo, percebeu-se que a ciência e a tecnologia, apesar de
contribuírem para a melhoria da nossa qualidade de vida, também contribuem para o
aumento das desigualdades sociais, na medida em que sociedades mais ricas se
apoderam desses conhecimentos mais rapidamente, transformando-os em instrumento
de poder e de controle sobre sociedades mais pobres.
Auler e Bazzo (2001) apontam ainda a questão da degradação ambiental, como
mais um dos fatores desencadeadores de um processo de politização sobre ciência e
tecnologia, que foi determinante para a emergência de um questionamento sobre a
gestão tecnocrática de assuntos sociais, políticos e econômicos, e que denuncia as
conseqüências negativas da ciência e da tecnologia sobre a sociedade.
Esse movimento contrapõe-se à idéia de que mais ciência e tecnologia vão,
necessariamente, resolver problemas ambientais, sociais e econômicos. A alternativa,
segundo os autores, não consiste em mais ciência e tecnologia, mas em um tipo
diferente de ciência e tecnologia, concebidas com algum envolvimento da sociedade, de
tal forma que um maior número de atores sociais possa participar e as decisões sejam
tomadas a partir de uma prática mais democrática.
Do ponto de vista educacional, o movimento passou a tratar o ensino da
tecnologia como algo indispensável e fundamental, cujo acesso deve ser democratizado
a fim de que todo cidadão possa compreendê-la minimamente e não apenas utilizá-la. O
início dessa politização do ensino da ciência e da tecnologia, que já havia sido iniciado
na década de 1950 com o movimento da “alfabetização científica”, começou a ocorrer
em vários países, produzindo desdobramentos nos currículos do ensino médio,
recebendo diferentes denominações, dentre elas “enfoque CTS para o ensino de
ciências”.
Nos objetivos apresentados na literatura sobre o enfoque CTS, pode-se observar
que existem diferentes formas de concebê-lo. O enfoque CTS se desenvolveu de
maneira diversificada, e cada abordagem englobou uma linha de argumentação
particular, dando margem a uma multiplicidade de propostas e um sem número de
recomendações e elementos próprios do enfoque CTS para o ensino de ciências
(ACEVEDO DÍAZ et al., 2005; MANASSERO MASS et al., 2004; ZIMAN, 1994).
Apesar disso, alguns pontos em comum podem ser encontrados nas diferentes
visões apresentadas. No caso do ensino médio, por exemplo, em geral busca-se
39
desenvolver a alfabetização científica e tecnológica dos cidadãos, visando auxiliar o
aluno a construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões
responsáveis sobre questões científico-tecnológicas na sociedade e atuar na solução
dessas questões (AIKENHEAD, 1994).
As discussões realizadas ao longo do quarto simpósio da IOSTE sobre o
significado de CTS para o ensino de ciências, caracterizaram essa perspectiva como “o
ensino do conteúdo de ciências no contexto autêntico do seu meio tecnológico e social
(HOFSTEIN et al., 1988:358). Segundo a visão do grupo de trabalho do simpósio, na
nova perspectiva os estudantes privilegiam a integração entre o seu entendimento do
ambiente natural (conteúdo científico), o ambiente tecnológico (tecnologia) e o
ambiente social (sociedade) de suas experiências do dia-a-dia.
Fundamentalmente, o ensino de ciências na perspectiva CTS é orientado para o
estudante, contrastando com a visão tradicional voltada para a formação científica. A
figura
2
a seguir representa a essência do que seria a educação CTS para o grupo de
trabalho do simpósio da IOSTE (HOFSTEIN et al., 1988).
Figura 1: A essência da educação CTS
Fonte: Hofstein et al. (1988:358)
2
As setas cheias representam a compreensão do aluno sobre o conteúdo científico e as setas tracejadas
representam as conexões presentes nos materiais de ensino em CTS, que posicionam o conteúdo
científico em um contexto integrado.
40
Santos e Mortimer (2000) ampliam a visão sobre as relações CTS afirmando que
uma proposta baseada no enfoque CTS para o ensino de ciências deve promover uma
educação científica, tecnológica e social, onde os conteúdos científicos e tecnológicos
sejam abordados de forma integrada com seus aspectos sócio-econômicos, políticos,
éticos, culturais, ambientais e históricos.
Em relação à natureza da ciência, os autores falam da importância das discussões
sobre os processos segundo os quais a ciência se desenvolve. Segundo eles, estas podem
ajudar na construção de uma visão crítica da ciência e de suas implicações sociais,
através de temas relacionados à filosofia e sociologia da ciência.
Um olhar a partir da sociologia do conhecimento científico (SCC) pode
contribuir para uma melhor percepção do lugar da ciência no contexto do ensino de
ciências na perspectiva CTS (Fonseca, 2007).
O autor busca essa aproximação com base no princípio de que a SCC defende a
participação de um número maior de atores sociais no fazer da ciência, dando a esse
processo de construção um caráter múltiplo, além de levar em conta aspectos da
realidade social relativos à produção e a aplicação da ciência, que precisam ser incluídos
na educação em ciências.
O papel da ciência na atualidade não é mais entendido como busca
de domínio do mundo, mas sim de salvaguardá-lo, em um contexto
em que o conhecimento científico ainda representa uma forma de
poder que é entendido como uma prática social, econômica e política
e um fenômeno cultural mais do que um sistema teórico-cognitivo
(FONSECA, 2007:368-369).
Nesse sentido, concordamos com o autor, que a perspectiva do enfoque CTS
representa uma importante contribuição nesta discussão, principalmente por se tratar de
uma proposta que valoriza a necessidade de uma alfabetização científica e tecnológica
com o compromisso de uma formação voltada para a cidadania.
Para que a participação efetiva da população brasileira nas decisões sobre
ciência-tecnologia seja alcançada, torna-se necessária uma ampla divulgação da ciência
por todo o país. Entretanto, as desigualdades sociais aqui existentes, nos colocam diante
de um desafio no sentido de promover ações que combatam essas desigualdades. Dados
indicam que apenas “[...] 16% da população estão realmente em condições de ler sobre
ciências”, segundo Izquierdo (2005:133) (apud. FONSECA, 2007:374). Assim, parece
41
que o público alvo para essa disseminação da ciência ainda não existe, sendo necessário
antes de mais nada criá-lo.
O significado da tecnologia, em geral tem sido reduzido à dimensão de ciência
aplicada, como nos afirma Acevedo Díaz (1996). O autor sugere que a compreensão das
características próprias do conhecimento tecnológico e suas práticas poderiam auxiliar a
mudança nas relações entre ciência e tecnologia, dando à última uma posição mais
independente, onde a sua real importância fosse mais valorizada enquanto promotora de
muitas transformações sociais. Também em relação à natureza da tecnologia e de seu
ensino, Santos e Mortimer (2000) apresentam uma visão ampliada quando comparada
com o ensino tradicional.
[...] a educação tecnológica no ensino médio vai muito além do
fornecimento de conhecimentos limitados de explicação técnica do
funcionamento de determinados artefatos tecnológicos. Não se trata
de simplesmente preparar o cidadão para saber lidar com essa ou
aquela ferramenta tecnológica ou desenvolver no aluno
representações que o instrumentalize a absorver as novas
tecnologias. Tais conhecimentos são importantes, mas uma educação
que se limite ao uso de novas tecnologias e à compreensão de seu
funcionamento é alienante, pois contribui para manter o processo de
dominação do homem pelos ideais de lucro a qualquer preço, não
contribuindo para a busca de um desenvolvimento sustentável
(SANTOS e MORTIMER 2000:144).
Segundo Gil-Pérez et al. (2005), há uma falta de atenção muito grande em
relação à abordagem da tecnologia no ensino de ciências e isso tem influenciado
sobremaneira a concepção dos professores sobre a tecnologia.“Quando perguntamos
aos professores de ciências ‘o que é tecnologia’, quase cem por cento das respostas
fazem referência à ‘ciência aplicada’” (:309).
Até mesmo nos livros-texto de ciências, as referências que se fazem à tecnologia
não passam, na maioria das vezes, de simples aplicações do conhecimento científico.
Por outro lado o estudo sobre a natureza da ciência, geralmente não leva em conta as
relações entre ciência e tecnologia. Essa falta de atenção, segundo os autores, reforça a
visão de que a tecnologia é algo que vem depois da ciência, uma concepção simplista,
que pode representar um obstáculo para a renovação na educação científica.
Em uma pesquisa trazida por Utges et al. (2001) sobre as visões de professores
em relação ao ensino da tecnologia em escolas do ensino básico da Argentina, os
42
autores classificaram em cinco teorias diferentes o pensamento dos professores
pesquisados em relação à visão de tecnologia e as concepções sobre a educação em
tecnologia.
Os autores consideram que
A investigação do pensamento desses professores, de seus
conhecimentos, expectativas e opiniões constitui um ponto de partida
indispensável para saber de que maneira se orientará o Ensino da
Tecnologia e para definir futuras ações de capacitação (:30).
Embora os autores se proponham a divulgar o nível de adesão dos professores
em relação a cada uma das teorias, levando em conta o perfil dos participantes, os
resultados são apresentados apenas como indicadores de tendências, e as diferenças
encontradas entre eles se apresentam de forma bastante tênue. Buscaremos descrevê-las
a seguir levando em conta essa sutileza.
A teoria 1 está relacionada com uma visão ampla da tecnologia e uma concepção
educativa orientada para uma pedagogia de projetos, que envolva os alunos em
atividades de grupos para solução de problemas reais, entendendo a tecnologia como
tema transversal ao invés de uma disciplina independente e que deve ser de domínio
público. O papel da tecnologia é visto como estratégico para o desenvolvimento social,
a superação da pobreza e para o desenvolvimento econômico e da qualidade de vida dos
povos. Além disso, do ponto de vista histórico e hierárquico, defende-se que os
requisitos tecnológicos são os responsáveis pelo desenvolvimento científico.
São simpatizantes da teoria 1, aqueles professores que defendem a realização de
projetos integrados para resolução de situações problema a partir de trabalhos em
grupos de alunos, tais como: “[...] como chega em casa a água que bebemos, quanta
energia se consome na escola, o que fazer com o lixo e outros” (:40).
A teoria 2 atribui à tecnologia um caráter cultural e humanista e concebe a
educação tecnológica como parte da formação para a cidadania. Nesta visão, é
importante “o conhecimento de dispositivos tecnológicos, seus modos de funcionamento
e sua evolução histórica” (:35).
A idéia central seria formar usuários capacitados para decidir sobre a utilização
de produtos tecnológicos de forma responsável em relação às conseqüências sociais,
ambientais e à preservação dos recursos naturais. A teoria 2 se afina com as relações
CTS, na medida em que encara a tecnologia como “manifestação humana, como
43
cultura, e considera que desconhecê-la implicaria ignorar um aspecto essencial do
desenvolvimento do homem vinculado aos processos de criação, de inovação e de
invenção” (:35).
São partidários da teoria 2, professores interessados em aspectos sociais e
ambientais relacionados ao desenvolvimento tecnológico, que promovem discussões em
torno de temas da atualidade como: o uso racional de recursos naturais, a ecologia e os
problemas éticos relacionados aos avanços da ciência-tecnologia.
A teoria 3 está basicamente associada à tecnologia da informação e enfatiza a
necessidade do domínio do uso do computador por parte do aluno. Esta visão considera
que futuros cidadãos não poderão se adequar à sociedade sem o domínio das novas
tecnologias, particularmente as tecnologias da comunicação e da informação. A teoria 3
encontra maior apoio entre professores de matemática e física, que buscam incentivar o
uso do computador como elemento facilitador na aprendizagem dos alunos.
Mais interessada em uma orientação visando o desenvolvimento de atividades
técnicas, a teoria 4 busca promover o aprendizado de habilidades com o uso de
ferramentas e técnicas artesanais, ao invés da compreensão do mundo cotidiano. Tem
uma orientação industrial, e objetiva fazer com que o aluno tenha contato com os
processos de funcionamento e produção de objetos tecnológicos. A relação entre a
ciência e a tecnologia é vista como se a segunda fosse uma aplicação de primeira.
São simpatizantes da teoria 4, principalmente, professores provenientes do
ensino técnico. São aqueles que costumam desenvolver projetos de fabricação de
dispositivos que demandam o uso de materiais, ferramentas e atenção as normas de
segurança.
A teoria 5 considera o ensino da tecnologia como um conhecimento a transmitir
– conteúdos tecnológicos específicos que devem ser adicionados aos conteúdos
escolares – , ou seja a ser ensinado de maneira tradicional. Não leva em conta atividades
manuais nem a construção de objetos e nem a aquisição de habilidades com
ferramentas. Apenas se interessa por aproximar o aluno dos processos produtivos, de
sistemas e serviços. Além disso, apresenta uma visão restrita que associa tecnologia a
progresso e como uma aplicação de resultados de pesquisas científicas.
A teoria 5 encontra apoio, principalmente, entre os professores de matemática,
física e ciências naturais, que acreditam na tecnologia como ciência aplicada e praticam
uma abordagem do tipo tradicional. Em geral, trabalham conteúdos conceituais que dão
44
oportunidade para o uso de tópicos paralelos como: geração e distribuição de energia
elétrica, circuitos, motores e etc., onde as leis físicas aparecem embutidas.
A diversidade de aspectos apresentados nas cinco teorias trazidas por Utges et al.
(2001) mostra que “o pensamento dos professores encarregados de ensinar tecnologia
não é homogêneo” (:39).
Acreditamos que os limites que demarcam os territórios das cinco categorias,
não devem ser muito bem definidos. Entretanto, essas teorias são indicadores que
podem ser de grande utilidade para o entendimento do pensamento dos professores, de
maneira geral, no que diz respeito ao ensino da tecnologia.
Do ponto de vista social, o enfoque CTS para o ensino de física, geralmente, se
articula em torno de temas científicos e tecnológicos que são “potencialmente
problemáticos” (AIKENHEAD, 1994). O autor considera um tema social relativo à
ciência aquele que tem as suas raízes na ciência e/ou na tecnologia e que envolve um
problema que possibilita discussões a partir de diferentes crenças e valores. Além disso,
um grande tema como a produção e consumo da energia elétrica, pode ser visto como
um “aglomerado”
3
de temas menores, como por exemplo: a emissão de CO
2
a partir da
produção dessa energia e o aquecimento global.
A preocupação com o aspecto social do enfoque CTS para o ensino de ciências é
explicitada por Santos e Mortimer (2000). Os autores acreditam que estudar as
aplicações da ciência e tecnologia sem levar em conta as suas dimensões sociais pode
causar uma falsa ilusão de que o aluno compreende o que são a ciência e a tecnologia.
Esse tipo de abordagem pode gerar uma visão deturpada sobre a
natureza desses conhecimentos, como se estivessem inteiramente a
serviço do bem da humanidade, escondendo e defendendo, mesmo
que sem intenção, os interesses econômicos daqueles que desejam
manter o status quo (: 148).
Aikenhead (1994) se dedicou a analisar diferentes propostas curriculares
baseadas no enfoque CTS que ocorreram em diversos países do mundo. O autor nos
revela que, geralmente, esses materiais têm suas estruturas organizadas segundo a
seqüência ilustrada na figura a seguir, onde a seta mostra os passos da seqüência: (1)
introdução de um problema social; (2) análise da tecnologia relacionada ao tema social;
(3) estudo do conteúdo científico definido em função do tema social e da tecnologia
3
Tradução nossa da palavra “cluster” (AIKENHEAD, 1994:50)
45
introduzida; (4) estudo da tecnologia correlata em função do conteúdo apresentado; (5)
discussão da questão social original. (SANTOS e MORTIMER, 2000: 149).
Figura 2: Uma seqüência para o ensino de ciências CTS
Fonte: Aikenhead (1994:57)
Com o objetivo de delinear a diversidade de modos segundo os quais os
conteúdos CTS se integram com os conteúdos tradicionais de ciências em diversas
propostas curriculares, Aikenhead (1994) estabeleceu oito categorias para os diferentes
currículos CTS estudados. As categorias foram definidas com base na quantidade
relativa de conteúdos CTS em comparação com os conteúdos tradicionais presentes em
cada proposta curricular analisada, conforme listagem abaixo (SANTOS e
MORTIMER, 2000:153-154).
1. Conteúdo de CTS como elemento de motivação – ensino tradicional de ciências
acrescido da menção ao conteúdo de CTS com a função de tornar as aulas mais
interessantes;
2. Incorporação eventual do conteúdo de CTS ao conteúdo programático – ensino
tradicional de ciências, acrescidos de pequenos estudos de conteúdo de CTS
incorporados como apêndices aos tópicos de ciências. O conteúdo de CTS não é
resultado de temas unificadores;
3. Incorporação sistemática do conteúdo de CTS ao conteúdo programático –
ensino tradicional de ciências acrescido de uma série de pequenos estudos de
conteúdo de CTS integrados aos tópicos de ciências, com a função de explorar
46
sistematicamente o conteúdo de CTS. Esses conteúdos formam temas
unificadores;
4. Disciplina científica (química, física e biologia) por meio de conteúdo de CTS –
os temas de CTS são utilizados para organizar o conteúdo de ciências e a sua
seqüência, mas a seleção do conteúdo científico ainda é feita a partir de uma
disciplina. A lista dos tópicos científicos puros é muito semelhante àquela da
categoria 3, embora a seqüência possa ser bem diferente;
5. Ciências por meio do conteúdo de CTS – CTS organiza o conteúdo e sua
seqüência. O conteúdo de ciências é multidisciplinar, sendo ditado pelo
conteúdo de CTS. A lista de tópicos científicos puros assemelha-se à listagem de
tópicos importantes a partir de uma variedade de cursos de ensino tradicional de
ciências;
6. Ciências com conteúdo de CTS – o conteúdo de CTS é o foco do ensino. O
conteúdo relevante de ciências enriquece a aprendizagem;
7. Incorporação das ciências ao conteúdo de CTS – o conteúdo de CTS é o foco do
currículo. O conteúdo relevante de ciências é mencionado, mas não é ensinado
sistematicamente. Pode ser dada ênfase aos princípios gerais da ciência;
8. Conteúdo de CTS – estudo de uma questão tecnológica ou social importante. O
conteúdo de ciências é mencionado somente para indicar uma vinculação com as
ciências.
Segundo Aikenhead (1994) nenhuma das categorias é absolutamente
representativa do enfoque CTS. Enquanto a categoria 1 talvez não represente uma
proposta CTS, a categoria 8 representa uma proposta muito radical. As visões mais
comuns na literatura são aquelas representadas pelas categorias de 3 a 6. Entretanto,
somente a partir da categoria 5 é que a ênfase na compreensão dos aspectos das inter-
relações de CTS ganha destaque (SANTOS e MORTIMER, 2000).
Para Santos e Mortimer (2001), o principal objetivo de um currículo CTS é
preparar alunos que possam atuar como cidadãos, tomando decisões e agindo com
responsabilidade social. Essa meta educacional que envolve a compreensão da ciência e
da tecnologia na vida pública, e que não se reduz ao conhecimento científico, apenas é
denominada de “educação para ação social responsável” (SANTOS e MORTIMER,
2001; PEDRETTI, 1997; RAMSEY, 1993). Assim, capacitar os alunos para a “tomada
47
de decisão e para uma ação social responsável” (SANTOS e MORTIMER, 2001:97) é
considerado pelos autores como o principal objetivo dos cursos de enfoque CTS.
A tomada de decisão frente a um problema da vida real de um cidadão ocorre a
partir de indefinições próprias do nosso cotidiano, o que admite discussões, negociações
e um grande número de possibilidades de escolha, diferentemente do que ocorre na
solução de problemas acadêmicos, onde as questões envolvidas são sempre muito bem
definidas.
Em geral, as decisões sobre ciência e tecnologia estão sob responsabilidade de
especialistas. Segundo Santos e Mortimer (2001:102), “esse sistema precisa ser
questionado e uma nova forma de controle pela sociedade precisa ser estabelecida, é
necessário que haja um controle social de ciência e da tecnologia a fim de que elas
atendam aos interesses da comunidade”.
A preparação de cidadãos para o exercício deste controle requer uma educação
voltada para valores éticos e para o compromisso com a sociedade, que leve os alunos a
“compreender a dinâmica de funcionamento da prática tecnológica, nos seus aspectos
organizacional, cultural e técnico” (:102).
Para a construção de um currículo de ciências para a formação do cidadão
crítico, as informações atualizadas sobre questões da ciência e da tecnologia por si só,
não são suficientes. “Precisamos ir além do ensino conceitual, em relação a uma
educação voltada para a ação social responsável, em que haja preocupação com a
formação de atitudes e valores” (:107).
O educador comprometido com essa nova perspectiva precisa mudar a sua
prática no sentido de “incorporar às suas aulas, discussões sobre temas sociais,
envolvendo os aspectos ambientais, culturais, econômicos, políticos e sociais, relativos
à ciência e tecnologia” (:107), promovendo e motivando ações concretas de
engajamento social dos alunos, que reforcem valores afinados com o ideal de
democracia e cidadania. E, nesse sentido, concordamos com os autores que “[...] uma
educação científica que se pretende neutra é ideologicamente tendenciosa” (:107).
Entretanto, apesar dos inúmeros debates sobre o seu papel social, ainda hoje é
comum se ouvir o discurso da neutralidade da ciência e da tecnologia a partir de
cientistas, políticos e legisladores. Essa concepção de neutralidade tem sido utilizada
para favorecer fortemente o modelo tecnocrático-político de gestão da educação. Ao
mesmo tempo, tem ficado cada vez mais claro que a exploração desenfreada da natureza
e os avanços científicos e tecnológicos obtidos não beneficiam a todos.
48
Segundo Angotti e Auth (2001),
Enquanto poucos ampliam potencialmente seus domínios,
camuflados no discurso sobre a neutralidade da ciência-tecnologia e
sobre a necessidade do progresso para beneficiar as maiorias,
muitos acabam com os seus domínios reduzidos, e outros continuam
marginalizados, na miséria material e cognitiva (:16).
Uma visão dogmática sobre os pressupostos do enfoque CTS está associada ao
que Auler e Delizoicov (2006a, 2006b, 2001) definiram como perspectiva reducionista
da alfabetização científica e tecnológica. Segundo os autores, essa perspectiva favorece
a construção de mitos tais como: a superioridade do modelo de decisões tecnocráticas, a
perspectiva salvacionista/redentora atribuída à ciência-tecnologia e o determinismo
tecnológico. Os autores sugerem uma perspectiva ampliada de alfabetização científica e
tecnológica como alternativa para a superação e desmitificação desses “mitos
construídos historicamente” (AULER e DELIZOICOV, 2001:110).
Para identificar a compreensão de professores de ciências sobre as relações CTS,
Auler e Delizicov (2006a; 2006b) buscaram avaliar o pensamento de um conjunto de
professores em relação a aproximações ou distanciamentos relativamente a: superação
do modelo de decisões tecnocráticas; superação da perspectiva salvacionista/redentora
atribuída à ciência-tecnologia; superação do determinismo tecnológico.
Os autores se basearam na síntese elaborada por Acevedo Díaz (1996), e
apresentaram as tendências consideradas mais relevantes, sobre a compreensão dos
professores no que diz respeito à relação entre a ciência e a tecnologia.
A tecnologia é considerada hierarquicamente inferior à ciência,
sendo apenas uma aplicação desta;
A tecnologia como sendo a aplicação prática da ciência, no mundo
moderno, para produzir artefatos com a intenção de melhorar a
qualidade de vida ou para fabricar novos dispositivos;
Endosso a uma visão tecnocrática em decisões envolvendo ciência e
tecnologia;
Considera-se que os especialistas têm melhores condições para
decidir devido aos seus conhecimentos;
Considera-se que os governos estão mais capacitados, através de
suas agências especializadas, para coordenar programas de
pesquisa e desenvolvimento;
49
Identificação da tecnologia com artefatos técnicos, idéia incompleta,
mas que goza de grande apoio (AULER e DELIZOICOV,
2006a:339).
O trabalho realizado pelos autores indicou uma tendência de endosso do modelo
de decisões tecnocráticas por parte dos professores pesquisados. As decisões tomadas
por especialistas, órgãos técnicos e governamentais são encaradas como portadoras de
certezas e neutras do ponto de vista político e econômico.
Além disso, os autores identificaram entre os professores, uma tendência de
passividade e incapacidade de reação frente à discussão sobre as repercussões do
desenvolvimento científico-tecnológico contemporâneo na sociedade.
Em relação à perspectiva salvacionista/redentora atribuída à ciência-tecnologia,
alguns temas sociais parecem favorecer uma tendência, segundo os autores, de
compreensão bastante clara quanto à apropriação desigual dos resultados do
desenvolvimento científico-tecnológico por parte de todos na sociedade.
Acreditamos que esta tendência de posição favorável em relação ao terceiro item
pode se dar em função das críticas que a ciência-tecnologia vem sofrendo,
principalmente no que se refere aos impactos ambientais, pesquisas com células-tronco,
alimentos transgênicos e a fome, o que poderia manter o cidadão comum em “estado de
alerta” em relação a esses problemas que vêm sendo tão explorados pelos meios de
comunicação.
Auler et al. (2007) e Auler e Delizoicov (2006b) trazem uma reflexão baseada na
idéia de que o enfoque CTS apresenta similaridades com o referencial freireano, em
relação ao uso de temas nos encaminhamentos curriculares. Os autores buscam
aprofundar a discussão da relação entre os “temas geradores” (Freire:1987) e temas
articulados ao enfoque CTS.
Para melhor compreensão das diferenças existentes entre uma abordagem
estruturada na conceituação científica, ou “abordagem conceitual” mais utilizada nas
salas de aula de ciências, e a abordagem que propõe o ensino baseado em temas, ou
“abordagem temática”, acreditamos que as definições trazidas por Delizoicov et al.
(2003), podem ser bastante elucidativas devido à clareza com que são apresentadas:
Abordagem conceitual: perspectiva curricular cuja lógica de
organização é estruturada pelos conceitos científicos, com base nos
quais se selecionam os conteúdos de ensino (:190).
50
Abordagem temática: perspectiva curricular cuja lógica de
organização é estruturada com base em temas, com os quais são
selecionados os conteúdos de ensino das disciplinas. Nessa
abordagem, a conceituação científica da programação é
subordinada ao tema (:189).
A concepção “bancária” (FREIRE, 1987:59) da educação tem como base a
crença no educador enquanto sujeito no processo ensino-aprendizagem, dono do
conhecimento e responsável pela escolha do conteúdo programático. Ao educando cabe
a posição de receptor. Essa concepção, largamente criticada, vem mantendo, segundo o
autor, uma “cultura do silêncio” no meio educativo.
Dar vez ao educando de opinar sobre o que deve ser ensinado é o princípio que
norteia a visão freireana sobre a escolha do conteúdo programático. Segundo este autor,
o momento em que ocorre essa busca, a partir de uma parceria entre quem educa e o
educando (povo) “se realiza a investigação do que o autor chama ‘temática
significativa’ do povo ou o conjunto de seus ‘temas geradores’” (:87).
A aproximação Freire – CTS se baseia não só no fato dos referenciais
defenderem o uso de temas segundo os autores. Em Freire (1987), uma leitura crítica da
realidade é recomendada para a superação da “cultura do silêncio”. O enfoque CTS
sugere o uso de temas sociais no sentido da compreensão crítica sobre as interações
CTS, para superação do modelo de decisões tecnocráticas, da perspectiva
salvacionista/redentora atribuída à ciência-tecnologia e do determinismo tecnológico
(AULER e DELIZOICOV, 2006a e 2006b).
Assim, a indicação do uso de temas para o desenvolvimento de uma postura
crítica, parece ser o ponto comum entre os dois referenciais. Entretanto, a natureza
desses temas necessita ser mais estudada no sentido de aprofundarmos as comparações,
como afirmam os autores.
Duas diferenças relevantes entre os dois referenciais devem ser consideradas:
uma com respeito à abrangência dos temas e outra com respeito à origem dos temas.
Segundo os autores, os temas geradores envolvem situações problemáticas e
desafios enfrentados pela comunidade local. Os problemas e contradições do ‘mundo
vivido’ são levados para dentro da escola e passam a constituir o ponto de partida, ou
seja, são originados localmente.
A maioria dos temas implementados via enfoque CTS, segundo os autores, são
mais ‘universais’, mais abrangentes e não vinculados a comunidades específicas, além
51
de poderem ser utilizados em vários contextos. Como por exemplo, o aquecimento
global.
Em relação à origem dos temas, no referencial freireano os temas geradores
surgem a partir da demanda da comunidade – com participação do aluno, enquanto no
referencial CTS os temas abordados, segundo os autores, surgem por sugestão do
educador – sem a participação do aluno.
Tomando como base a articulação entre os pressupostos freireano e o enfoque
CTS, Muenchen e Auler (2007a, 2007b) estudaram o posicionamento de professores no
contexto da educação de jovens e adultos (EJA), em relação à utilização de temas
sociais em suas aulas, onde foram identificados e discutidos alguns problemas a serem
enfrentados por esses professores.
Os autores destacaram a relevância de quatro desafios a serem enfrentados por
esses professores, em relação às instituições escolares e o posicionamento dos
professores da EJA, quando do uso da abordagem temática. São eles: a) superação do
reducionismo metodológico, ou seja, ao professor atribui-se o papel de ‘vencer
programas’; b) o trabalho interdisciplinar; c) suposta resistência dos alunos à abordagem
temática; d) desenvolvimento de temas polêmicos que envolvem conflitos/contradições
sociais. (MUENCHEN e AULER, 2007a : 424).
Em relação à superação do reducionismo metodológico, os autores afirmam que
a maioria dos professores não compreende que a abordagem temática envolve uma
mudança curricular e não apenas uma mudança de caráter metodológico.
Essa percepção por parte dos professores fica prejudicada em função de uma
prática comum em nossas escolas, onde a programação e as orientações costumam
chegar prontas, normalmente elaboradas pelos órgãos oficiais.
A tentativa de abordagem de temas que envolvem polêmicas, conflitos ou
contradições locais encontra dificuldades que vão desde constrangimentos até pressões
propriamente ditas. O trato de temas como a fragilidade no sistema público de
atendimento médico, por exemplo, pode encontrar, segundo os autores, dificuldade por
todos os aspectos políticos envolvidos, ou seja, “[...] há um conjunto de dificuldades
explícitas e/ou implícitas que contribuem para esses temas não adentrem o espaço
escolar” (MUENCHEN e AULER, 2007a:426).
O trabalho interdisciplinar pressupõe um “ processo de construção coletiva da
ação pedagógica, numa perspectiva de mudança curricular” (MUENCHEN e AULER,
2007b:6), que obriga o educador a repensar e mudar suas posturas. Segundo os autores,
52
os professores compreendem a necessidade de superação da perspectiva meramente
disciplinar e até avaliam como positivo o intercâmbio com professores de outras
disciplinas.
Essa reflexão é trazida também por Gouvêa e Leal (2001) quando as autoras
afirmam que muitos professores de ciências demonstram entusiasmo com a educação
que leva em conta as relações CTS. Entretanto, esses profissionais “[...] não têm muita
confiança em suas competências para ensinar em novas bases” (:71). Nesse sentido, as
autoras apontam para a necessidade de uma reeducação desses profissionais, que
viabilize o ensino de ciências baseado nos pressupostos de enfoque CTS.
No entendimento de Gouvêa e Leal (2001), nessa modalidade de abordagem,
não há necessidade de adicionarmos novos temas nos currículos, mas sim de modificar a
educação científica. Trata-se de trabalhar com temas científicos segundo abordagens
interdisciplinares e, para que isto ocorra, faz-se necessário oferecer cursos integrados e
transdisciplinares para o professor de ciências, que solidifique a educação científica
desses professores, considerada pelas autoras como “pré-requisito para o ensino e a
pesquisa em CTS” (:70).
Apesar de reconhecida a necessidade do trabalho coletivo, da
complementaridade entre disciplinas, o trabalho interdisciplinar é um desafio a ser
enfrentado. “Os professores assumem esse problema, enfatizando a dificuldade em
conseguir a adesão dos colegas” (MUENCHEN e AULER, 2007b:6) e vinculam esse
problema com a falta de tempo para planejamento, considerado como muito importante
no trabalho do professor.
Em relação à resistência dos alunos à abordagem temática, este suposto
desafio/problema muitas vezes, parece ser imaginário segundo os autores. O comodismo
por não tentar mudar ou romper com velhos hábitos pode trazer o medo. Nesse caso,
“[...] talvez a resistência maior seja do próprio professor. Ou seja, a suposta
resistência dos alunos é usada para justificar a não mudança” (MUENCHEN e
AULER, 2007b:9), embora saibamos do fenômeno do desinteresse e da desmotivação
dos quadros discentes em nossas instituições de ensino em relação ao aprendizado da
ciência.
Em função do caráter multifacetado do enfoque CTS em relação a estratégias de
ensino, alguns autores vem avaliando as possibilidades didáticas da chamada
“abordagem centrada em eventos” (ACE), como alternativa para ensino de assuntos
científicos e tecnológicos com ênfase no enfoque CTS.
53
Esse tipo de estratégia é organizado com base em um “[...] evento em particular,
ocorrência ou conjunto de circunstâncias retirados da vida real e usados como base na
elaboração de módulos para o ensino” (CRUZ e ZYLBERSZTAJN, 2005:190).
Nessa perspectiva, a escolha de um evento deve levar em conta o potencial de
motivação e a riqueza em relação ao interesse de todos, de tal maneira que estimule a
discussão e o debate, podendo funcionar como um “polo de integração para o
tratamento da tríade CTS” (:190).
O planejamento das estratégias pedagógicas deve considerar a possibilidade de
que os alunos apresentem suas concepções alternativas sobre o evento e sobre os sub
temas a ele vinculados, exigência que, segundo os autores, é favorecida a partir da ACE
já que esta possibilita um ambiente propício para discussões construtivas.
Segundo Martins (2002), já existe um provável consenso entre educadores,
cientistas e poder político de que os resultados alcançados pela aprendizagem da ciência
escolar não satisfazem os objetivos da educação das sociedades atuais.
Até mesmo no Relatório Mundial da Educação da UNESCO, de 2000, o tema foi
tratado com muita atenção. É previsto que as pessoas venham a mudar de ocupação
profissional, em média, três vezes durante a vida, reforçando assim a idéia de que a
formação inicial do educando deve ser cada vez mais abrangente, a fim de que possa
acompanhar o indivíduo ao longo de toda a vida, de modo a capacitá-lo para os novos
desafios que o desenvolvimento tecnológico impõe.
Na ciência escolar, os objetos de estudo devem passar a ser
problemas abertos em que os alunos se envolvam, pesquisando
informações, valorizando integrações inter e transdisciplinares e
desenvolvendo atitudes e valores relevantes do ponto de vista pessoal
e social (MARTINS, 2002).
Segundo a autora, a imagem social da ciência e da tecnologia é, em muitos
casos, profundamente anti-humanista, podendo contribuir para que os jovens se afastem
dela.
Para minimizar este quadro, a autora aponta:
O ensino das ciências pode ajudar a contrariar esta tendência se for
aliciante, se abordar questões atuais, se for capaz de mostrar como:
i) a ciência pode estar a serviço do conhecimento, e o conhecimento
a serviço do progresso de toda a humanidade na melhoria da sua
qualidade de vida; ii) a ciência pode ser um veículo para a paz e
54
para o desenvolvimento, em particular na promoção da
solidariedade intelectual da humanidade, base de uma cultura da
paz, fundamental para a diminuição das desigualdades, o respeito
pela diferença e a adoção de medidas em prol do desarmamento; iii)
o conhecimento científico está na sociedade e daí ter um papel social
na redução da pobreza e em práticas de desenvolvimento sustentável
das futuras gerações (MARTINS, 2002).
Até mesmo no ensino superior,
a formação técnica fornecida tem, na maioria dos casos, um caráter
excessivamente disciplinar, o que faz com que os próprios
diplomados em ciências e tecnologias sejam, muitas vezes,
ignorantes em outras áreas das ciências. Assim, parece que, também
nesse nível de ensino, seria importante considerar disciplinas de
ciências de largo espectro, onde a orientação CTS pudesse ser
efetivamente um eixo estruturante (MARTINS, 2002).
Martins (2002) aponta ainda alguns obstáculos à proposta CTS; primeiramente o
problema dos programas escolares que sendo os instrumentos oficiais da política
educativa condicionam o que os professores fazem em sala de aula. Daí virem sendo
feitas muitas críticas sobre a extensão e a complexidade dos programas, o que
compromete as estratégias de ensino para que eles sejam cumpridos. Por último, foi
tratada a questão dos recursos didáticos, considerados pela autora como elementos
essenciais para a organização do ensino das ciências e condicionantes da aprendizagem.
Para Martins (2002), no conceito de recursos didáticos, todos os meios que
podem, de alguma forma, mediar o processo ensino-aprendizagem merecem relevância,
como pode ser verificado em algumas de suas afirmações.
O ensino das ciências de orientação CTS necessita de novos
materiais que suportem a filosofia que lhe está subjacente [...] O
ensino das ciências de orientação CTS necessita de recursos
didáticos afinados com as questões sociais do momento, pelo que se
tal for conseguido, tais recursos poderão tornar-se um veículo da
atualização dos próprios programas.
A oposição às primeiras idéias que fundamentaram o movimento CTS ocorreram
cedo no contexto norte americano. Em relação aos programas de alfabetização científica
utilizados nos Estados Unidos, Shamos (1995) se colocou como um crítico ferrenho das
inovações curriculares propostas por considerar um mito a idéia de se conseguir
alfabetizar cientificamente todo cidadão comum americano.
55
Em contraposição a Shamos (1995), Praia et al. (2007) apresentam argumentos a
favor de uma alfabetização científica dos cidadãos, cuja necessidade aparece cada vez
com mais clareza perante a situação de autêntica “emergência planetária” (GIL-
PÉREZ e VILCHES: 2006a; 2006b), exemplificada por inúmeros problemas como: a
contaminação ambiental sem fronteiras, as mudanças climáticas globais, o esgotamento
e destruição dos recursos naturais, a urbanização crescente, desordenada e especulativa,
a degradação dos ecossistemas e destruição da biodiversidade, o crescimento econômico
acelerado, o hiperconsumo, a explosão demográfica, os insuperáveis desequilíbrios
entre grupos humanos distintos, os conflitos e a violência.
Sendo assim, a alfabetização científica não constitui um ‘mito
irrealizável’ (SHAMOS, 1995), antes se impõe como uma dimensão
essencial de uma cultura de cidadania, para fazer frente aos graves
problemas com que há de enfrentar-se a humanidade hoje e no
futuro (PRAIA et al., 2007:145).
Esta participação visando à tomada de decisões fundamentais busca, por
exemplo, evitar a utilização de resultados científico-tecnológicos sem que as suas
conseqüências sejam conhecidas. Segundo Praia et al. (2007), não se trata de criar
entraves às pesquisas científicas, mas garantir condições razoáveis de segurança. E,
citam como exemplo, as pesquisas com células-tronco embrionárias, que vêm recebendo
apoio da opinião pública frente às iniciativas de proibição em alguns países.
Embora tenha havido reações bastante contundentes frente às opiniões
externadas por Shamos (1995), as suas contribuições não devem ser desconsideradas,
devido à sua relevância para aqueles que desejam conhecer a história do movimento de
alfabetização científica. Além disso, o trabalho do autor é carregado de questionamentos
que certamente motivam a reflexão sobre as questões que estão por trás desse
movimento.
Apesar de se apresentar como um crítico, Shamos (1995) reconhece o papel da
tecnologia como uma alternativa relevante na tarefa de alfabetizar cientifica e
tecnologicamente estudantes comuns (que não são necessariamente ligados às áreas
científicas). Nesse sentido, o autor afirma acreditar que a forma de apresentar a ciência
para o estudante comum de maneira significativa,
é começar com a tecnologia, com problemas que evoquem imagens
familiares das experiências vivenciais da pessoa e utilizar isto para
56
trabalhar a ciência. A tecnologia é particularmente apropriada para
este propósito. Por exemplo, problemas sobre elevadores servem
para desenvolver a noção de aceleração e seus efeitos fisiológicos,
problemas sobre saúde e segurança pessoal são de valor (e
interesse) prático para todos e devem fazer parte dos currículos,
assim como as matérias sobre crescimento populacional e
preservação da biosfera. Existem muito poucos tópicos em ciência,
pelo menos para o aluno em geral, que não podem ser apresentados
através da tecnologia conhecida (SHAMOS, 1995:225).
A proposta educacional com o enfoque CTS e muitos dos atuais documentos
oficiais para a educação no Brasil deixam de ser instrumentos de controle do professor
sobre o aluno, passando a motivá-los a descobrirem, pesquisarem juntos, construírem
e/ou produzirem o conhecimento científico, sem que sejam considerados algo sagrado e
inviolável, mas ao contrário, sujeitos a críticas e a reformulações, como mostra a própria
história de sua produção. Dessa forma, aluno e professor reconstroem a estrutura do
conhecimento na busca de “desmitificar o espírito da neutralidade da ciência e da
tecnologia [...] os alunos recebem subsídios para questionar, desenvolver a imaginação
e a fantasia, abandonando o estado de subserviência diante do professor e do
conhecimento apresentado em sala de aula” (PINHEIRO et al., 2007:77).
No que diz respeito à formação do professor, o desafio é formá-los dentro da
perspectiva da interdisciplinalidade, condição sem a qual os objetivos do enfoque CTS
tornam-se inviáveis. Entretanto, sabemos que nem nossos docentes nem nossos alunos
foram – ou estão sendo – formados dentro dessa perspectiva. Assim, torna-se
“imprescindível organizar programas de desenvolvimento profissional em serviço dos
docentes” (:81).
A formação de professores é considerada por Tenreiro-Vieira e Vieira (2005)
como de fundamental importância, frente à mudança de atitude necessária em relação ao
enfoque CTS, uma vez que qualquer inovação, reforma ou reorganização curricular que
se proponha, irá recair sobre o que os professores vão fazer dessas orientações em sala
de aula. Os autores apresentam algumas considerações sobre uma pesquisa que ocorreu
no contexto português e que pode servir de base para reflexões no contexto brasileiro.
Através de um projeto de pesquisa-ação envolvendo dois pesquisadores
principais/facilitadores e três professoras colaboradoras do ensino básico orientado para
apoiar o desenvolvimento de práticas consistentes com orientações CTS para o ensino
de ciências, os autores supra citados trazem reflexões sobre o impacto dessa iniciativa
no processo de formação dessas professoras pelo viés da investigação, levando em conta
57
as seguintes categorias: natureza da educação CTS no ensino das ciências,
desenvolvimento de materiais didáticos, desenvolvimento pessoal/profissional e
trabalho colaborativo.
Em relação à natureza da educação CTS no ensino das ciências, inicialmente as
professoras colaboradoras não entendiam a educação CTS como finalidade central na
educação em ciências no ensino básico de Portugal. Mesmo depois de terem sido
questionadas sobre as tendências presentes no Currículo Nacional Português, onde as
orientações CTS estão presentes de forma clara (TENREIRO-VIEIRA e VIEIRA,
2005), principalmente no que diz respeito a alguns objetivos do enfoque CTS como a
alfabetização científica e a formação para a cidadania, as professoras manifestaram essa
falta de entendimento.
Entretanto, as professoras colaboradoras do projeto foram construindo idéias
mais claras, profundas e consistentes com o assunto, na medida em que tiveram
oportunidade de conhecer quadros teóricos, abordagens e projetos CTS. Foi visível,
segundo os autores, “uma mudança na operacionalização de estratégias/atividades
como o debate/discussão e o questionamento. Em vez de uma orientação quase
exclusiva para aquisição de conhecimentos científicos, passaram a contemplar e
explicitar as inter-relações CTS” (:203).
Em relação ao desenvolvimento de materiais didáticos, antes do envolvimento
com o processo formativo, as professoras colaboradoras nunca tinham desenvolvido
qualquer tipo de material didático com ênfase em CTS – nem individualmente e nem em
conjunto com outros colegas – e nem sabiam como fazê-lo.
Após as leituras a partir da orientação dos facilitadores e de reflexões, elas
puderam avançar na elaboração desses materiais, segundo os autores, provocando
resultados positivos para essas professoras, do ponto de vista profissional e pessoal.
Segundo Tenreiro-Vieira e Vieira (2005), a construção de propostas concretas
para uso em sala de aula na ação formativa fez com que as professoras resolvessem
muitas das suas necessidades de formação. Além disso, a participação no grupo foi
avaliada pelos autores como muito útil para a reflexão sobre as práticas de sala de aula.
No que diz respeito ao trabalho colaborativo nesses espaços de formação, os
autores destacam a importância da liberdade de expressão de pensamentos que esses
espaços possibilitam e reconhecem a qualidade do material elaborado e da formação
alcançada pelas professoras em função dessa dinâmica.
58
Fontes e Cardoso (2006) chamam a atenção para certas dificuldades de
implementação do enfoque CTS, relacionados com a formação do professor, algumas
delas já citadas aqui por Muenchen e Auler (2007b) e Santos e Mortimer, (2000).
Gouvêa e Leal (2001) também se referem a problemas como:
a pouca aceitação e envolvimento dos professores, uma vez que a
sua formação inicial não contempla os vários aspectos desta nova
abordagem, a falta de tempo para a preparação desta nova
abordagem; o receio de uma aprendizagem menos exigente com um
menor número de conceitos científicos, o receio de perda da
identidade profissional (:16-17).
Nesse sentido, levando em conta a importância dessa temática na formação de
professores, as autoras apresentam alguns resultados de um estudo envolvendo um
trabalho de pesquisa-ação em formação continuada com um grupo de professores
orientadores de estágios de biologia/geografia, que freqüentaram uma ação de formação
voltada para os princípios do enfoque CTS, onde os principais objetivos seriam:
promover uma “análise crítica à contextualização da ciência nas diversas metaciências
(ciências que estudam outras ciências como a filosofia, a sociologia, a psicologia e a
história da ciência) e contribuir para o desenvolvimento da cultura científica dos
professores orientadores em relação à abordagem CTS” (:17).
De acordo com as autoras, essa modalidade de atividade favoreceu a adaptação
dos professores orientadores para poderem analisar e discutir com seus estagiários a
complexidade relacionada com o conceito de ciência. Em relação aos malefícios e
benefícios da ciência, houve uma ampliação da visão desses professores no sentido de
uma maior variedade de exemplos dessas ocorrências, contribuindo para o aumento da
cultura científica dos participantes.
Outro dado importante apontado pelas autoras mostra que os participantes
desenvolveram uma percepção mais realista sobre as relações complexas que envolvem
a produção científica e os poderes político, militar, econômico e religioso. Em relação
ao conceito de tecnologia esta ação de formação não produziu mudanças significativas,
segundo as autoras, na forma de ver a tecnologia entre os participantes, que reforçaram
a idéia de tecnologia como conhecimento aplicado.
Também em relação ao recurso as metaciências, as autoras afirmam que entre os
participantes, não havia uma percepção clara sobre o tema. E que, em poucos casos
aparecem referências à história da ciência. Entretanto, após a ação de formação o grupo
59
de orientadores de estágios pode ampliar essa percepção, de forma geral, relacionando
com maior clareza a ciência com outras metaciências como a filosofia e a sociologia da
ciência.
2.2.3 Enfoque Ciência – Tecnologia – Sociedade – Ambiente (CTSA)
Recentemente se tem observado uma evolução no sentido do chamado enfoque
Ciência – Tecnologia – Sociedade – Ambiente (CTSA) para o ensino de ciências,
considerado por Aikenhead (2003) como um desdobramento do enfoque CTS, com
ênfase localizada, principalmente, no aspecto ambiental.
Segundo Solbes e Vilches (2005), a incorporação de conteúdos CTSA nos
currículos para o ensino médio tem potencializado uma melhoria em relação ao ensino
tradicional. De acordo com os autores, verifica-se uma maior atenção dada aos aspectos
que se referem às aplicações da ciência e suas relações com o meio ambiente, “que se
apóia em uma crescente sensibilidade social frente às implicações do desenvolvimento
técnico-científico” (PRAIA et al., 2007:144).
Entretanto, pesquisas comparativas realizadas em épocas diferentes sobre as
visões de estudantes de ensino médio em relação a problemas associados ao
desenvolvimento científico e tecnológico e aspectos das relações CTSA (SOLBES e
VILCHES, 2004), mostram que essa evolução tem ocorrido de forma lenta, e que a
maior parte dos estudantes não são capazes de avaliar as relações entre o
desenvolvimento técnico-científico e suas implicações sociais, ambientas, culturais e
econômicas. Os autores atribuem os resultados encontrados à falta de atenção dada aos
aspectos da formação para a cidadania e à preparação para a tomada de decisões frente
às questões que se relacionam com a ciência-tecnologia e suas implicações ambientais,
o que seria incompatível com a perspectiva CTSA.
Ríos e Solbes (2007) apresentam resultados recentes, envolvendo a visão que
alunos de cursos superiores de áreas tecnológicas, manifestam sobre o ensino das
ciências físico-químicas e suas tecnologias associadas, e apontam aspectos relacionados
à origem das concepções desses alunos sobre a ciência e a tecnologia.
Mesmo se tratando de alunos de cursos de áreas que envolvem aplicações
científico-tecnológicas, os autores afirmam que “a ausência de tratamento das relações
CTSA no ensino produz nos alunos uma imagem deformada da tecnologia e das
ciências, descontextualizada e acrítica, e uma atitude negativa” (RÍOS e SOLBES,
2007:37), em relação à abordagem das duas.
60
Quanto aos riscos da ciência-tecnologia em relação ao meio social e natural,
surge uma identificação com a visão desumanizada da ciência e uma associação aos
perigos ambientais, que ajudam a fortalecer a imagem negativa da ciência-tecnologia.
Em relação às origens das concepções sobre ciência e tecnologia, os alunos
envolvidos na pesquisa não consideram tão importante o papel dos professores como
responsáveis por essas concepções, atribuindo a construção de sua visão, a artigos de
divulgação científica de periódicos populares, livros de divulgação científica e,
principalmente, aos programas científicos exibidos na TV. Além disso, a imagem da
ciência e dos cientistas que é passada nas aulas é muito parecida com a que é divulgada
nos meios acima citados (RÍOS e SOLBES, 2007), o que sugere, a nosso ver, que a
visão dos professores é construída a partir das mesmas fontes que os alunos utilizam.
Praia et al. (2007) chamam a atenção para a necessidade de se aproximar o
ensino de ciências da investigação científica nos moldes em que recomendam Carvalho
e Gil-Pérez (2001). Segundo os autores esse tipo de abordagem promove uma
aprendizagem mais significativa dos conceitos científicos e favorece a compreensão
acerca da natureza da ciência, considerada como fundamental para a educação científica
e em particular, para a tomada de decisões sobre questões tecnocientíficas de interesse
social, livres de concepções equivocadas sobre a ciência e sobre a construção do
conhecimento científico.
A fim de que não seja transmitida uma imagem distorcida da ciência, é
necessário que os estudantes possam viver um pouco dessa “cultura científica”, já que,
essas visões empobrecidas podem gerar “o desinteresse, quando não mesmo o
abandono, de muitos estudantes, convertendo-se num obstáculo para a aprendizagem”
(PRAIA et al., 2007:147).
Mesmo com as recomendações presentes nos PCNs (BRASIL, 1999), que
preconizam o desenvolvimento do pensamento crítico e da capacidade de lidar com
múltiplas alternativas para a solução de problemas, “o que se tem detectado nas escolas
diz respeito a tratamentos sem a profundidade merecida para importantes questões – a
exemplo da ambiental” (ALVES et al., 2007:4), principalmente na disciplina de física
no ensino médio, quando o professor propõe a abordagem de temas com os quais ele
mais se identifica ou se sente seguro.
Temas como energia, seus aspectos de produção, transmissão, consumo e
conservação, exemplificam essa falta de profundidade e colocam os autores em uma
61
posição de provocação sobre “como tratar de temas como esse com maior
comprometimento, envolvendo implicações das relações CTSA?” (:4).
Alves et al. (2007) sugerem uma problematização que envolva discussões como:
as transformações energéticas em usinas hidrelétricas, as modalidades de transformação,
o impacto ambiental e a questão dramática dos moradores que são removidos das áreas
alagadas.
Problematizar questões dessa natureza em uma aula de física abre
caminho para se perceber esta ciência intrínseca às nossas vidas, a
importância prática dos conhecimentos físicos, a necessidade de
investimentos nos campos de pesquisa e de transformações a partir
das ditas ‘fontes alternativas’ desse recurso (ALVES et al., 2007:4).
Nessa mesma linha de entendimentos, Bernardo et al. (2007a; 2007b)
desenvolveram uma pesquisa relacionada a um projeto de formação continuada de
professores de física do ensino médio, que ocorreu ao longo do ano de 2006 e se
estruturou a partir do tema “produção e o consumo da energia elétrica nas salas de
aula do ensino médio”, levando-se em conta os pressupostos do enfoque CTS ou
CTSA.
Os autores indicam a formação de educadores para trabalhar segundo o enfoque
CTS ou CTSA a partir de projetos de formação com enfoque amplo, de maneira que
esses profissionais se desenvolvam profissionalmente, visando à mudança em suas
práticas pedagógicas, em relação ao trabalho com os seus alunos. O aspecto ambiental
deve funcionar como um dos elementos de conexão com os professores, tomando-se o
cuidado para que esta não seja uma estratégia reducionista, onde os outros aspectos
passem a desempenhar papéis secundários, o que não reflete as propostas dos enfoques
CTS ou CTSA.
Além da perspectiva de utilização do tema relacionado às questões da energia
elétrica, o trabalho que vem sendo desenvolvido, procura uma aproximação com
aspectos da história do eletromagnetismo, considerando as relações de proximidade
entre o enfoque CTS ou CTSA e os quadros de referências da história da ciência. Essa
aproximação será explicitada a seguir.
62
2.3 HISTÓRIA DA CIÊNCIA
A crença na ciência como esperança de salvação da humanidade levou à sua
supervalorização. No ensino de ciências, essa visão tem influenciado currículos que
objetivam a formação do cientista, em detrimento de uma formação para a cidadania. O
mito de uma ciência neutra frente às questões éticas e sócio-políticas é um outro aspecto
que concorre para uma prática contrária aos anseios da humanidade.
É sabido que essa neutralidade da ciência não existe, e que esse cientificismo
não tem dado respostas para as principais questões que afligem o homem
contemporâneo. Ao contrário disso, esta tem sido utilizada ideologicamente como
instrumento de dominação do homem sobre o homem (SANTOS e MORTIMER, 2000),
e para os que ainda acreditam nessa neutralidade da ciência, ficam as palavras de
Solomon: “Toda crença na neutralidade moral da ciência deveria ter evaporado no
calor da explosão de Hiroshima” (SOLOMON, 1994:10).
A história da ciência é considerada por Ziman (1994), como o meio mais natural
de humanizar a educação em ciências. Nesse sentido, a compreensão da natureza da
ciência é fundamental para que o aluno possa entender as suas implicações sociais
(AIKENHEAD, 1994).
Dentre os aspectos relativos à ciência, Rosenthal (1989) indica a dimensão
histórica como um dos que caracterizam a natureza da ciência, sugerindo a sua inclusão
em propostas curriculares. Nesse caso, seriam promovidas discussões sobre a influência
da atividade científica e tecnológica na história da humanidade, bem como os efeitos
dos eventos históricos no desenvolvimento da ciência e da tecnologia.
Pesquisas realizadas sobre o papel da história da ciência e as relações CTS no
ensino de ciências apontam no sentido da integração dessas duas dimensões. Segundo
Solbes e Traver (1996), trata-se de dois campos com “uma ampla zona de interseção”.
Os autores afirmam que o uso da história da ciência nas salas de aula de ciências
possibilita mostrar os momentos de crise ao longo do desenvolvimento da ciência e,
inclusive, as mudanças ocorridas no interior de alguns paradigmas, como por exemplo,
da física aristotélico-escolástica à física clássica e desta à física moderna. Assim, a
história da ciência permite ao aluno compreender conflitos históricos como o que
envolveu a teoria do calórico e a teoria cinética do calor, por exemplo.
Uma discussão sobre as idas e vindas no caminho de construção do
conhecimento científico, considerando essa construção como algo que é realizado pelo
63
homem e, portanto, sujeita às mesmas intempéries as quais estamos sujeitos, pode ser de
grande utilidade na busca pelo combate aos “mitos construídos historicamente”
(AULER e DELIZOICOV, 2001:110), que acabam por colocar a linguagem científico-
tecnológica em um pedestal supostamente inalcançável pelo cidadão comum, ou seja,
como propriedade de especialistas.
Em uma pesquisa realizada sobre a crise de interesse de alunos do ensino médio
pelas disciplinas de física e química, Solbes e Traver (2003) apontam para as relações
existentes entre a história da ciência e a perspectiva CTS, considerando aspectos
comuns a ambas e afirmam que “existem muitas relações entre a história da ciência e a
perspectiva CTS, uma vez que elas lidam com dois tópicos de pesquisa dentro de um
vasto campo comum: as relações CTS ao longo da história” (SOLBES e TRAVER,
2003:705).
Na pesquisa realizada, os autores atribuem essa crise de interesse à imagem
deformada da ciência e dos cientistas que foi construída junto aos estudantes, e analisam
o papel que a história da ciência tem desempenhado no ensino da física e da química e a
presença desses temas em livros-texto dessas áreas, onde menos de 1% das páginas são
dedicadas à história da ciência e mesmo assim, de forma muito superficial, geralmente
enfocando pequenos registros bibliográficos.
Anteriormente a esse autores, Cawthron e Rowell (1978) mostraram trechos de
livros-texto de física abordando o efeito magnético da corrente e a indução
eletromagnética, onde aparece o que eles chamam de “aditivos históricos” trazendo
uma nítida distinção entre observação e teoria, com a primeira precedendo a segunda,
ambas associadas ao termo descoberta, o que sugere uma visão positivista de construção
do conhecimento, que ainda se encontra presente em alguns livros-texto de hoje e
também na forma de atuar dos professores.
Assim, faz-se necessária uma conscientização de que o ofício de ensinar ciências
exige do professor procedimentos atitudinais, que visem provocar seus alunos para que
eles compreendam a construção do conhecimento científico, não como um acúmulo de
observações, modelos e teorias como pensavam os positivistas, mas como um processo
onde ocorrem sucessivas mudanças de referencial epistemológico ou de paradigma, se
considerarmos a abordagem kuhniana. A história da ciência pode ser uma fonte bastante
rica de exemplos onde ocorrem teorias abandonadas e substituídas por outras, como
afirma Gewndsznajder (2004).
64
A inclusão da história da ciência nas salas de aula é considerada extremamente
pertinente por Pirani e Caluzi (2003), estando inclusive presente nos PCNs (BRASIL,
1999), em suas orientações. Entretanto a perspectiva de trabalhar com este recurso
apresenta uma série de problemas a serem considerados. Naquilo que diz respeito à
formação dos professores, por exemplo, são apontadas deficiências nos cursos de
formação, que dificultam a apresentação e discussão de tópicos de história da ciência.
Assim, atividades nesse sentido deveriam ser incentivadas já na formação dos futuros
professores, ou mesmo em cursos para professores em serviço, a fim de que estes
pudessem se familiarizar com essa perspectiva.
Além dos indicativos para utilização nas salas de aula de física, destacamos a
importância das disciplinas de epistemologia e história da ciência, em cursos de
formação de professores, como forma de promover uma aprendizagem mais
significativa e que esteja de acordo com a natureza da física (CUDMANI e
SANDOVAL, 2004). Segundo as autoras, o uso da filosofia e da história da ciência
poderá ajudar futuros professores, ou mesmo professores em serviço, a enxergar o
avanço da ciência não como um processo meramente aditivo, mas como um processo
onde cada solução sugere novos problemas. A proposta “favorece, assim acreditamos, o
pensamento divergente, a atitude crítica, rigorosa e questionadora, e a flexibilidade
imprescindível para a investigação e para uma eficiente prática docente” (CUDMANI
e SANDOVAL, 2004: 461).
A título de exemplificação, poderíamos apontar o caso da evolução do
eletromagnetismo ao longo do século XIX, quando ocorreu a construção do princípio da
indução eletromagnética, e do eletromagnetismo clássico enquanto um novo paradigma,
que não se constituiu instantaneamente, estabelecendo-se ao longo de pouco mais de
uma década enquanto ciência extraordinária, e ainda abriu uma nova perspectiva para os
trabalhos de Maxwell, que viriam a sugerir questões motivadoras para o
desenvolvimento da física moderna.
O novo paradigma – tomando aqui emprestada a noção de “paradigma de
artefato”, definição dada por Masterman (1979:80) ao classificar os diversos tipos de
paradigma utilizados por Kuhn (1962) em A Estrutura das Revoluções Científicas –
revolucionou a Física na medida em que unificou dois campos: o magnetismo e a
eletricidade. Além disso, com a fabricação do primeiro gerador elétrico, a energia
elétrica passou a ser utilizada em larga escala em todas as partes do mundo
industrializado, provocando desdobramentos que vão desde os benefícios econômicos
65
mais imediatos até mudanças comportamentais de sociedades inteiras, principalmente a
partir do século XX.
A seguir, vamos tratar da importância do conceito de energia e de questões
ligadas à energia elétrica especificamente, como conteúdo temático para ensino de física
compatível com o enfoque CTS.
2.4 A IMPORTÂNCIA DO TEMA ENERGIA
Historicamente, o conceito de energia começou a ser formulado de forma
confusa, semelhante ao que hoje definimos como quantidade de movimento (GUERRA
et al., 1998), entretanto a construção de uma definição para este termo ainda está em
aberto. Autores como Barbosa e Borges (2006) chamam a atenção para o alto grau de
abstração que o significado do termo energia requer em física.
[...] a noção de energia é também amplamente utilizada na
linguagem cotidiana, confundindo-se com outras idéias [...] e a
aprendizagem do significado de energia em física requer um alto
grau de abstração, além de conhecimentos específicos de suas várias
áreas, como mecânica, eletricidade e termodinâmica (:184-185).
Há na literatura de ensino de física, uma quantidade bastante grande de
publicações que analisam as concepções prévias de estudantes do ensino médio. Embora
o levantamento dessas concepções não faça parte do objetivo deste trabalho,
consideramos importantes que elas sejam levadas em conta por nossos professores,
sobretudo por aqueles que pretendam trabalhar de acordo com uma perspectiva
construtivista, como indicam Batista e Salvi (2006), Carvalho (2003) e Carvalho e Gil-
Pérez (2001).
Além disso, Henze et al. (2007) e Shulman (1987; 1986) chamam a atenção para
a necessidade do professor possuir um conhecimento a respeito do entendimento dos
estudantes sobre o tópico a ser ensinado, como parte integrante do PCK.
Barbosa e Borges (2006), Bañas et al. (2004) e Assis e Teixeira (2003),
exemplificam casos de autores que se dedicaram nos últimos anos a organizar revisões
de trabalhos de outros autores, focados no levantamento de concepções prévias sobre o
conceito de energia presente em alunos do ensino médio, com o objetivo de utilizar
essas concepções em suas pesquisas com alunos e, embora em nenhum dos casos fosse
66
este o objetivo principal dos trabalhos apresentados, consideramos de grande relevância,
as contribuições que eles trazem, no sentido de ilustrar um número considerável das
principais concepções apresentadas pelos estudantes.
Segundo Doménech et al. (2007; 2001), o estudo da energia constitui um dos
núcleos básicos em qualquer currículo de educação científica. Assim, ele se torna
imprescindível para a compreensão dos processos unificadores que revelam vínculos
entre campos do conhecimento aparentemente independentes.
Apesar do crescente reconhecimento da relevância do tema, a sua abordagem
tem sido acompanhada de uma série de problemas relacionados com o seu processo de
ensino-aprendizagem, apontados em diversos trabalhos que envolvem o estudo da
energia.
Boa parte dessas dificuldades foi citada em Barbosa e Borges (2006) e está
relacionada não só a aspectos abstratos, como apontam os autores, mas também às
concepções trazidas do senso comum pelos estudantes e até pelos professores.
De acordo com Doménech et al. (2007; 2001), alguns autores conceituam a
energia como uma espécie de substância quase material que participa de todos os
processos que nos cercam. Entretanto, as críticas mais diretas enfatizam que esta
proposta define a energia como uma espécie de ingrediente que os corpos possuem.
Como alternativa a essa proposta surge a idéia de energia como a capacidade de
um sistema para realizar trabalho. Essa proposição de concepção de energia não atende
ao segundo princípio da termodinâmica, uma vez que a energia interna de um sistema
não pode ser totalmente convertida em trabalho.
Em um exercício de aproximação com o campo da filosofia, Bunge (2000:458)
propõe uma definição baseada na equivalência entre energia e alterabilidade – “energy
= changeability” –, uma visão que associa o conceito de energia à possibilidade de
provocar transformações, ou mudanças.
Essa concepção também apresenta problemas, uma vez que o que está
relacionado à ocorrência de um processo não são as variações de energia, mas o
aumento da entropia.
Assim, Doménech et al. (2007; 2001) atribui a essas concepções de difícil
aceitação, o fato de os professores, sobretudo os universitários, optarem pela introdução
do conceito através de tratamentos quantitativos, o que transmite uma visão distorcida e
empobrecida da ciência que acaba por bloquear o processo de construção do
conhecimento.
67
Segundo Feynman et al. (1977), a comunidade científico-tecnológica não dispõe
de uma única definição para o termo e, um dos fatores que podem interferir nessa
dificuldade de definição, é o fato de a energia se apresentar de diferentes formas.
Essa concepção, também tem recebido críticas, uma vez que falar de distintas
formas de energia pode reforçar a sua concepção como algo material que é capaz de
mudar de forma.
Uma concepção que ainda ocorre nas salas de aula está relacionada com o
caráter relativo da energia. É comum se dizer que um corpo isolado possui energia. Essa
idéia não tem sentido físico, uma vez que a energia é uma propriedade dos sistemas.
Logo, só podemos falar de energia de um corpo se existirem outros corpos interagindo
(DOMÉNECH et al., 2007; 2001).
Uma outra relação bastante comum, inclusive presente em livros textos, é a
associação de calor e energia como se os dois conceitos fossem a mesma coisa
(DOMÉNECH et al., 2001). Como o calor não é uma forma, e sim um mecanismo de
troca de energia, é conveniente ter cuidado ao utilizar o conceito de calor junto aos
alunos, restringindo-o ao contexto em que ocorrem trocas de energia entre corpos a
diferentes temperaturas.
As transformações de energia podem ocorrer em diversos ambientes e situações.
Desde os processos mais complexos que acontecem no interior do corpo humano, ou de
um vegetal, até as atividades mais diversas, como os processos produtivos em geral,
onde grandes quantidades de energia passam por diferentes transformações, cujo
controle por parte do homem é hoje respaldado por cálculos matemáticos e recursos
tecnológicos que auxiliam na manipulação desses processos.
Sobre a conservação da energia de um sistema, as mudanças sofridas no seu
interior admitem transformações de uma forma de energia em outra e/ou transferência
de energia entre as partes que compõem o sistema. Entretanto, a energia total (incluindo
a energia térmica) de um sistema isolado permanente constante.
A introdução do princípio da conservação da energia em geral ocorre a partir da
dinâmica dos movimentos nas salas de aula do ensino médio, o que leva os alunos a
uma impressão de que a conservação da energia é uma conseqüência de segunda Lei de
Newton (DOMÉNECH et al., 2007; 2001). Assim, esse procedimento deve ser evitado
associando-se a este conteúdo, outros campos do conhecimento como a termodinâmica
e o eletromagnetismo, onde o caráter unificador e universal do conceito de energia se
torne mais visível para o aluno.
68
Um dos aspectos menos prestigiados em cursos de física no ensino médio é o
fenômeno da degradação da energia, que os sistemas exibem de forma espontânea.
Como resultado das interações e das transformações do sistema, a energia tende a se
distribuir uniformemente entre as partes.
Nesse caso, fala-se na “degradação da energia” (DOMÉNECH et al., 2007:57),
que cresce enquanto o sistema evolui para um estado de maior desordem, com a energia
distribuída de forma mais homogênea. A medida desse grau de desordem do sistema é
feita através de uma grandeza – “entropia” –, que, em última análise, mede o nível de
degradação da energia.
Essa nova grandeza é definida de tal maneira que “em um sistema isolado, todo
processo irreversível que ocorre aumenta a entropia” (DOMÉNECH et al., 2007:57), e
o seu crescimento diminui a probabilidade de que ocorram novas trocas dentro do
sistema.
Doménech et al. (2007) afirmam que a apropriação desse campo de
conhecimento demanda algumas ações específicas tais como: uma atenção especial às
relações CTSA abarcadas pelo tema, organizar ações no sentido de mostrar a coerência
do novo conhecimento com outras áreas científicas e conceitos já conhecidos, e
propiciar aos estudantes situações problema que “evitem qualquer impressão de corpo
fechado e acabado do conhecimento” (:59).
Doménech et al. (2007) consideram inadequadas as ações pedagógicas apoiadas
no “reducionismo conceitual” (:46) que tem caracterizado o ensino da energia. Segundo
os autores, a adequada apropriação deste campo do conhecimento, exige uma
abordagem global que evite esconder aspectos fundamentais a ele relacionados.
Essa ênfase nos aspectos conceituais tem origem na orientação ainda hoje
presente nos currículos e programas escolares, que visam à formação de cientistas. Os
autores chamam a atenção para a necessidade de uma educação científica, como parte
de uma educação mais geral, que atenda à formação para a cidadania.
Segundo Doménech et al. (2007; 2001) as pesquisas em didática das ciências
mostram que os estudantes desenvolvem melhor a compreensão conceitual quando
participam de atividades de investigação, com oportunidade para refletir e vivenciar a
“cultura científica” (PRAIA et al., 2007). Assim, “esse ensino centrado em aspectos
conceituais, dificulta, paradoxalmente, a aprendizagem conceitual”, (DOMÉNECH at
al., 2007; 2001), ou seja, é necessário superar essa postura reducionista para que o
estudante tenha uma compreensão significativa dos conceitos.
69
A compreensão de artefatos tecnológicos presentes em nossas vidas e,
particularmente, das relações desses produtos da ciência-tecnologia com os
desequilíbrios sócio-ambientais que caracterizam a atual “situação de emergência
planetária” (GIL-PÉREZ e VILCHES, 2006a; 2006b), justificam uma atenção ao tema
a partir do enfoque CTS ou CTSA, de acordo com Doménech et al. (2007).
2.4.1 Energia e CTS nos livros texto
Ainda em relação a aspectos ligados à energia dentro da perspectiva do enfoque
CTS, García-Carmona e Criado (2008), apresentam uma pesquisa recente que envolveu
a verificação da presença de conteúdos de energia nuclear via enfoque CTS, no interior
de livros texto de física e química para o ensino médio no contexto espanhol.
A pesquisa, de caráter majoritariamente quantitativo, na qual os pesquisadores
levaram em conta critérios ligados à exemplificação, mostrou uma tendência onde a
presença desses conteúdos de energia nuclear nos livros acontece de duas formas,
segundo os autores: ao longo dos conteúdos científicos ou como aditivos em finais de
capítulos numa proporção de 50% para cada caso.
Essa tendência que a pesquisa revelou, se aproxima da visão do tipo (1) da
classificação proposta por Aikenhead (1994), onde os conteúdos CTS apenas
exemplificam, como se a tecnologia fosse um produto da física e revela a presença
dessa concepção ainda hoje nos materiais didáticos espanhóis, o que pode ser uma
tendência mais geral.
Os autores revelam ainda que as aplicações mais freqüentes são aquelas
referentes à produção da energia elétrica e o uso de isótopos radioativos na medicina.
Em escala bem menor, ocorrem aplicações na área de datação radioativa por C-14 ou na
área de identificação de micro trincas em peças metálicas.
2.4.2 Energia elétrica e CTS
Apesar das diferenças sócio-culturais entre os países e dentro deles, podemos ver
o desenvolvimento tecnológico como uma das forças motrizes para as mudanças de
estilos de vida. Nesse sentido, devemos considerar a complexidade presente nesses
processos de evolução em todo o mundo, comparando essa evolução, com a evolução da
própria vida: as espécies evoluem adaptando-se a um meio ambiente mutável até o
ponto de se tornarem, em alguns casos, muito diferentes das espécies de onde se
originaram (GOLDEMBERG e VILLANUEVA, 2003).
70
A introdução da energia elétrica na sociedade humana pode ser comparada com
as grandes explosões na escala de evolução da vida, se considerarmos esta sociedade
como um sistema vivo. Essa visão vem sendo proposta por Morin (2003), quando este
trata da questão da complexidade do progresso:
[...] se o progresso é sempre acompanhado por seu contrário em
relação totalmente misteriosa, por que nos recusamos a considerar
essa complexidade do progresso quando consideramos as sociedades
humanas e a história social? (MORIN, 2003:97)
Uma análise mais cuidadosa sobre o estudo da energia elétrica, vai nos colocar,
inevitavelmente, diante de uma complexidade que é própria do tema, no que diz respeito
às suas questões tecnológicas, econômicas, políticas, sociais, culturais e ambientais.
Apesar de temas sobre fontes energéticas fazerem parte do currículo de
geografia, Santos e Mortimer (2000) recomendam um tratamento interdisciplinar para
as fontes energéticas no Brasil e seus efeitos ambientais, e os aspectos políticos
envolvidos como possíveis temas para abordagem via enfoque CTS.
Assim, alguns autores vêm debatendo e desenvolvendo propostas de trabalho em
torno de temas que envolvem a energia elétrica como conteúdo CTS.
A partir da introdução do conceito de “tema controverso”, que a nosso ver se
aproxima do que Aikenhead (1994) define como “tema potencialmente problemático”,
Silva e Carvalho (2006) desenvolveram um trabalho onde ficou evidenciada a riqueza
de possibilidades que temas como “a produção da energia elétrica em larga escala”,
podem oferecer.
Os autores afirmam que “um trabalho educativo voltado apenas para os
aspectos conceituais da ciência é insuficiente para abordar a complexidade dos
problemas ambientais” (:11) e que a ciência ensinada no ensino médio se caracteriza
por uma “lógica que privilegia o raciocínio abstrato e matemático” (:10), e por isso,
está distante de situações de natureza controversa, já que se apóia em um modelo de
Natureza harmônica e ordenada, capaz de ser descrita por leis simples.
O trabalho chama a atenção ainda, para o fato de que a maioria dos estudantes do
ensino médio reconhece uma articulação entre a produção da energia elétrica em larga
escala e os impactos ambientais através de argumentos identificados como catastróficos,
que podem revelar uma sensibilização a partir do medo.
71
O nosso envolvimento com o tema teve início a partir de um projeto – Levando a
Energia da Usina Até Uma Residência –, que se estendeu ao longo de 2003/2005, onde
foi desenvolvido um Laboratório Portátil para Ensino do Eletromagnetismo – LPPEE,
ilustrado na figura 1 (BERNARDO e VIANNA, 2003) que possibilita estudos de
conteúdos de física através de atividades experimentais e de aspectos que levam em
conta os processos de produção, distribuição e consumo da energia elétrica de forma
contextualizada e de acordo com o enfoque CTS.
Figura 1: Alunos trabalhando no LPPEE
Com o início do projeto em uma escola técnica da rede estadual do Rio de
Janeiro, foram possíveis outras atividades que passaram a enfatizar, mais
especificamente, as dimensões CTS associadas ao tema produção e consumo da energia
elétrica com os alunos (BERNARDO e VIANNA, 2005).
Além disso, todas as atividades do projeto foram compartilhadas com alunos de
licenciatura em física – formação inicial –, onde a nossa posição foi deslocada para a
posição de co-formador (Figuras 2 e 3), dentro de uma nova perspectiva de relação
triádica: formador, co-formador e graduando (QUEIROZ et al., 2005; BERNARDO et
al., 2005).
72
Figura 2: Alunos e licenciandos em visita à barragem da usina hidrelétrica
de Ribeirão das Lages.
Figura 3: Alunos e licenciandos em visita à sala de comandos da usina
hidrelétrica de Ribeirão das Lages.
No caso da nossa pesquisa, particularmente, acreditamos no potencial de sub
temas como “a crise de energia elétrica brasileira de 2001/2002” ou a “invasão da
usina hidrelétrica de Tucuruí por militantes do movimento das vítimas de usinas”, ou
os recentes episódios envolvendo “protestos de comunidades indígenas em relação à
construção de barragens na Amazônia”, como caminhos para abordagem de conteúdos
CTS a partir de “eventos” (CRUZ e ZYLBERSZTAJN, 2005).
A escolha do tema “produção e consumo da energia elétrica” à luz do enfoque
CTS, como eixo estruturador (MARTINS, 2002) da nossa pesquisa traz aspectos
especialmente relevantes, na medida em que este se apresenta como um tema global e
73
“potencialmente problemático”, podendo mesmo ser visto como um “aglomerado” de
sub temas (AIKENHEAD, 1994). Assim, a sua abordagem suscita discussões de outros
temas envolvendo aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais, que
estão associados à produção e ao consumo da energia elétrica.
A experiência acumulada com as estratégias didáticas em CTS, que já
encontravam aplicações nas relações com os alunos do ensino médio e da graduação,
nos possibilitou desenvolver ações em espaços de formação continuada para professores
em serviço (BERNARDO et al., 2007a; 2007b), que constituem a base deste trabalho de
pesquisa que será detalhado a seguir.
74
3. A PESQUISA
O movimento CTS não produziu uma visão única em relação a este enfoque para
o ensino de ciências (AIKENHEAD, 1994) e talvez por isso até hoje esse referencial
tenha possibilitado tantas reflexões sobre o tema, o que se verifica na quantidade de
publicações a esse respeito. Entretanto, grande parte dos trabalhos publicados na área
enfatiza aspectos teóricos do referencial.
O ensino de física apoiado nos princípios e diretrizes do enfoque CTS vem
sendo indicado como alternativa que oferece ao cidadão uma formação voltada “para
uma ação social responsável” (SANTOS e MORTIMER, 2001) frente às questões
políticas, econômicas, sociais, culturais e, sobretudo, à “situação de emergência
planetária” (GIL-PÉREZ e VILCHES, 2006a; 2006b), onde o papel da ciência-
tecnologia é discutido desde a década de 1950.
Um dos aspectos problemáticos para a educação em CTS é a formação dos
professores – considerados agentes-chave no processo ensino-aprendizagem
(MARTINS, 2002) – formação essa que apresenta inúmeras características que muitas
vezes não favorecem uma ação docente compatível com a perspectiva CTS. Nesse
sentido, acreditamos que uma das maiores dificuldades a ser superada pelo educador
seja mobilizar saberes e habilidades necessárias para articular as diversas dimensões que
o enfoque CTS abarca, dentro das atividades didáticas para o ensino de física. Porém
não se pode esperar que a apropriação pura e simples de aspectos teóricos que envolvem
o referencial CTS seja suficiente para mudar a prática dos educadores que encontramos
em nossas salas de aula.
Definir o perfil de um educador que esteja instrumentalizado para atuar segundo
as orientações do enfoque CTS está além de considerar as necessidades formativas e os
requisitos apontados pelos quadros teóricos de CTS, a nosso ver. A complexidade que
envolve a formação do professor dificulta sobremaneira qualquer tentativa que se faça
de identificar com precisão os elementos necessários para uma ação docente nesse
sentido, sem levar em conta aspectos que não estão especificamente ligados aos
requisitos colocados pelo enfoque CTS.
Baseados nessas premissas, tomamos a iniciativa de buscar apoio em outras
referências que tratam da postura construtivista do professor (CARVALHO e GIL-
PÉREZ, 2001), dos saberes docentes e do desenvolvimento profissional (TARDIF,
2002), do conhecimento pedagógico do conteúdo – PCK (SHULMAN, 1987) e do
professor reflexivo (SCHÖN, 1992), na tentativa de elencar alguns elementos que
75
pudessem, segundo a nossa visão, compor esse conjunto de conhecimentos e
habilidades (CCH) esperado para o que passaremos a chamar de “educador CTS”, sem
a pretensão de que esta seja uma proposta fechada ou uma verdade absoluta, mas sim
que forneça algumas direções.
Em relação à abordagem do tema “produção e consumo da energia elétrica”,
consideramos relevante para compor o CCH do educador CTS, elementos como:
1. Ter domínio sobre os “saberes disciplinares” envolvidos com o tema;
2. Saber elaborar adequadamente atividades experimentais;
3. Superar o “pensamento docente de senso comum” oriundo do período da
“socialização escolar”;
4. Ter uma postura reflexiva em relação à sua prática, à realidade e à burocracia escolar;
5. Saber utilizar as concepções prévias dos alunos sobre o tema e os conteúdos físicos
envolvidos dentro de uma perspectiva construtivista na elaboração das estratégias
didáticas;
6. Saber utilizar adequadamente as analogias como forma de facilitar a aprendizagem de
um novo conteúdo;
7. Conhecer os pressupostos do enfoque CTS e possuir uma visão crítica sobre as
interações entre ciência, tecnologia e sociedade;
8. Compreender a natureza da ciência-tecnologia e o caráter não neutro do cientista e do
desenvolvimento científico-tecnológico;
9. Saber utilizar adequadamente a história do desenvolvimento da física do século XIX
(eletromagnetismo), inclusive no que diz respeito às suas relações com a produção e o
consumo da energia elétrica em larga escala e seus desdobramentos políticos, sociais,
econômicos, culturais e ambientais ao longo do século XX;
10. Saber organizar atividades investigativas que se utilizem, do trabalho cooperativo,
aproximando os estudantes da “cultura científica” e favorecendo o aprendizado através
de um ambiente construtivista;
11. Saber organizar atividades didáticas que articulem as diferentes dimensões –
política, econômica, social, cultural e ambiental – com o tema “produção e consumo da
energia elétrica”, e que tenha com eixo estruturador o enfoque CTS.
76
Formar o educador para trabalhar segundo as orientações CTS é, antes de
qualquer coisa, dar significado a essa teoria a fim de que o professor encontre sentido
nos seus pressupostos e diretrizes.
Um exercício de aproximação entre o enfoque CTS e um tema de relevância
social, que atenda às definições de “tema potencialmente problemático”
(AIKENHEAD, 1994) ou “tema controverso” (SILVA e CARVALHO, 2006), pode
ajudar a dar significado a esse referencial teórico. Nesse sentido, chamamos a atenção
para a relevância dos espaços de formação continuada como adequados para o exercício
dessa aproximação, a partir da reflexão e do trabalho cooperativo dos envolvidos no
processo (FUENZALIDA, 2001; GIL-PÉREZ, 2001; BENASSULY, 2002;
TRIVELATO, 2003; DE JONG e VAN DER VALK, 2005; AALTONEN e
SORMUNEN, 2005; SANTOS et al., 2006).
Esta pesquisa procurou estudar, principalmente, aspectos da dinâmica de um
espaço de formação continuada para professores de física em serviço, que atuam no
ensino médio de escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro.
Os sujeitos, professores participantes, estiveram envolvidos em uma ação de
formação (Figura 4) que se baseou em um trabalho de construção coletiva de estratégias
didáticas referentes à abordagem do tema “produção e consumo da energia elétrica na
sala de aula do ensino médio a luz do enfoque CTS”. É necessário esclarecer que não
foi objetivo da pesquisa avaliar a qualidade do conjunto de estratégias (produto) e nem
dos textos elaborados pelo grupo durante o processo.
Figura 4: Discussão envolvendo os sujeitos e o pesquisador-colaborador
77
Mais especificamente, a pesquisa esteve centrada na análise do processo de
construção dessas estratégias, que consideramos aproximar-se do conceito de
“practicum reflexivo” (SCHÖN, 1992), onde os participantes tiveram a oportunidade de
refletir sobre sua prática, sua realidade escolar e profissional e exercitar o seu
desenvolvimento profissional baseado no trabalho cooperativo (Figura 5), orientado
pelo pesquisador na condição de colaborador-formador, como ocorre nos espaços onde
se aprende fazendo.
Figura 5: Momento de produção de textos para as estratégias didáticas
Nesse sentido, procuramos analisar, a partir dos saberes e habilidades
mobilizados por esses professores ao longo do processo, aspectos da relação desses
sujeitos, seus saberes e habilidades, com os pressupostos do enfoque CTS para a
abordagem do tema sugerido, levando em conta a interação entre os participantes e o
pesquisador-colaborador. Assim, são utilizados os referenciais teóricos de modo a
subsidiarem o estabelecimento de critérios para a análise das situações ocorridas no
processo em questão.
Ressaltamos como problema central desta pesquisa a seguinte questão: Como
um grupo de professores de física do ensino médio vê a possibilidade de construção de
estratégias para abordagem do tema produção e consumo da energia elétrica, a partir do
enfoque CTS?
78
Para tal, o objeto de estudo da presente pesquisa é o processo de construção das
estratégias didáticas, com destaque para as discussões entre os participantes,
possibilitadas pelo ambiente dialógico que se estabeleceu ao longo da ação de formação.
Em síntese, ao estudarmos o processo de construção das estratégias didáticas,
procurando nos basear nos conhecimentos e habilidades mobilizados pelos professores
ao longo do processo, buscamos compreender um pouco da complexa rede de variáveis
intervenientes que envolvem a formação de professores frente aos desafios
representados pelas atividades propostas dentro do espaço de formação continuada na
qual estiveram envolvidos esses profissionais.
3.1 METODOLOGIA DA PESQUISA
A pesquisa trata aspectos da realidade profissional de professores de física do
ensino médio, onde tanto os sujeitos quanto o pesquisador são elementos do mesmo
grupo e, portanto, ainda que consideradas as especificidades de cada caso, compartilham
muitos desses aspectos.
Nessas condições, devemos desconsiderar a idéia de neutralidade da pesquisa
reconhecendo seu caráter ideológico, na medida em que esta guarda uma estreita relação
com o universo de significados, crenças, valores e atitudes, de seus participantes
(MINAYO, 2004), onde o pesquisador ocupa alternadamente as posições de observador,
colaborador e formador ao longo do processo.
Acreditamos que a revelação dos objetivos da pesquisa para o grupo, desde o
início, dá um caráter de transparência e possibilita aos seus participantes o controle
sobre o que venha a se tornar público através dos seus resultados (ANDRÉ e LÜDKE,
1986).
Há que se considerar ainda a riqueza de subjetividades presentes nos processos a
serem estudados ao longo da pesquisa, que justifica procedimentos qualitativos de
análise.
3.1.1 Pesquisa exploratória
Nos trabalhos de pesquisa envolvendo grupos em geral, a conjunção das
variáveis subjetivas constitui barreiras que, muitas vezes, demandam um estudo prévio
exploratório que possibilita ao pesquisador conhecê-las, a fim de que sejam contornadas
ou minimizadas.
79
A pesquisa exploratória pode ser uma excelente aliada, uma vez que é ideal para
auxiliar o pesquisador na fase de planejamento da pesquisa, contribuindo para a
elaboração de um instrumento baseado nas experiências reais dos sujeitos, no seu
vocabulário e no seu ambiente de vida (PIOVESAN e TEMPORINI, 1995),
contribuindo para a pesquisa exploratória contribui para a compreensão prévia das
maneiras de agir, sentir e pensar da comunidade estudada e do contexto onde essa
comunidade se insere. Além disso, a argumentação técnica a ser utilizada em um
trabalho de pesquisa deve estar baseada na linguagem da comunidade estudada, que
pode ser mais bem identificada a partir de uma pesquisa do tipo exploratória.
3.1.2 Pesquisa colaborativa
Um tipo de pesquisa colaborativa é aquela que Thiollent (1986) denomina
pesquisa-ação:
a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social de base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e
participantes representativos da situação ou do problema estão
envolvidos de modo cooperativo ou participativo (1986:14).
Acreditamos que as características aqui apontadas estejam afinadas com
qualquer tipo de pesquisa colaborativa, onde a papel do pesquisador não é neutro e, por
isso, a sua participação não deve substituir a atividade e as iniciativas do grupo de
pessoas.
A atitude do pesquisador é sempre uma atitude de escuta e de
elucidação dos vários aspectos da situação, sem imposição unilateral
de suas concepções próprias (THIOLLENT, 1986:17).
Segundo Figueirêdo e Justi (2007), mesmo dentro da pesquisa-ação educacional,
se tem encontrado diferentes definições. Apesar disso, as autoras ressaltam a
importância desse tipo de estratégia quando a pesquisa ocorre de forma colaborativa
com grupos de professores, como mecanismo para o desenvolvimento profissional
deles, principalmente para o desenvolvimento do PCK.
80
Uma experiência de formação continuada de professores de ciências
em um grupo colaborativo [...] reforça o quanto o compartilhamento
desses saberes sobre o ensino, os aprendizes e os conteúdos lecionados
favorece um processo reflexivo profundo sobre a prática dos
professores e os motiva e encoraja a ‘arriscar’ inovações no ensino
(FIGUEIRÊDO e JUSTI, 2007:9).
Segundo Zeichner e Diniz-Pereira (2005), a pesquisa colaborativa com
educadores estimula mudanças na cultura e na produtividade escolar, além de favorecer
um aumento no status da profissão docente na sociedade e, conseqüentemente, a
satisfação dos professores, “ajudando-os a fazer o que desejam fazer de maneira
melhor” (2005:5).
A presente pesquisa, inicialmente em uma perspectiva exploratória, devido ao
pouco acúmulo de investigações que se concentrassem nas interseções de seus temas, se
estruturou a partir de uma dinâmica colaborativa entre os participantes, caracterizando
um espaço de reflexões e construção de conhecimentos através do trabalho cooperativo
entre: pesquisador e sujeitos.
A seleção dos sujeitos se deu a partir da divulgação da atividade para listas de
professores de física do ensino médio pela Internet e a exigência para aceitação dos
interessados foi de que o professor fosse docente do ensino público.
Inicialmente o grupo de inscritos era composto por nove professores; entretanto
a escolha dos participantes se deu a partir da compatibilização dos horários
estabelecidos para a realização da atividade e a disponibilidade de horários dos
interessados, onde nem todos puderam ser contemplados, sendo selecionados apenas
cinco.
O trabalho correspondeu a uma situação específica onde estiveram envolvidos os
cinco professores participantes e o pesquisador, em um processo que teve a duração de
doze horas, distribuídas igualmente ao longo de quatro encontros.
As atividades foram realizadas no segundo semestre do ano de 2006. O intervalo
entre o primeiro e o segundo encontros foi de uma semana. O terceiro e o quarto
encontros ocorreram nos dias seguintes ao segundo, em intervalos de 24 horas, em
função dos ajustes com a disponibilidade de tempo, espaço e pessoal de apoio do
Colégio de Aplicação da UFRJ, onde as atividades ocorreram.
A ação de formação inserida no espaço de formação continuada compreendeu
momentos de aulas expositivas e experimentais, e momentos de discussão, reflexão em
oficinas que objetivaram promover a produção de material compatível com as
81
estratégias didáticas sugeridas pelo grupo, visando à abordagem do tema “produção e
consumo da energia elétrica na sala de aula do ensino médio, a luz do enfoque CTS”.
O tema foi sugerido para o grupo levando em conta a nossa experiência como
professor de uma das escolas técnicas associadas à Fundação de Apoio às Escolas
Técnicas (FAETEC) do Estado do Rio de Janeiro, onde a temática foi utilizada junto
aos alunos e acompanhada por licenciandos em física, durante os anos de 2004 e 2005,
(BERNARDO e VIANNA, 2005; QUEIROZ et al., 2005; BERNARDO et al., 2005) em
um projeto intitulado “Levando a Energia da Usina até uma Residência”.
A fonte de dados foi o ambiente propiciado pelo espaço de formação continuada,
sobretudo as discussões que nortearam o processo de construção das estratégias
didáticas, onde o pesquisador esteve inserido na condição de observador, colaborador e
formador em momentos que se alternaram dentro da dinâmica.
Os cinco professores participantes da pesquisa serão indicados pelos sinais: GO,
JU, MA, MR e NE, nos momentos em que se fizer necessária a identificação de seus
depoimentos ou de fragmentos de textos produzidos ao longo do processo. O
pesquisador será indicado pelo sinal PESQ.
Após o primeiro encontro, o participante MA se desligou do grupo alegando
motivos de viagem de trabalho para fora da cidade, ficando o grupo composto por
quatro docentes e o pesquisador.
A pesquisa envolveu, então, uma etapa exploratória e outra que se desenvolveu
durante o processo de construção das estratégias didáticas propriamente ditas.
Na etapa exploratória, procurou-se socializar para aproximar, identificar e
caracterizar os sujeitos através de instrumentos como questionário de identificação e
questionário de pré-testes com perguntas abertas e fechadas, ao mesmo tempo em que
levantávamos os referenciais teóricos que subsidiariam as reflexões suscitadas na etapa
do trabalho com os sujeitos.
A segunda etapa esteve baseada em instrumentos como os textos produzidos
individualmente a partir das atividades sugeridas pelo pesquisador no primeiro
encontro; vídeo gravações, áudio gravações e registros fotográficos dos momentos das
discussões ao longo do processo de construção das estratégias didáticas, bem como de
uma lista de reivindicações e sugestões e das avaliações. Além disso, foi utilizado um
questionário de pós-testes (Anexo 11) com perguntas abertas e fechadas.
Para o tratamento dos dados oriundos das vídeo gravações, foi utilizado um
procedimento de análise que tematiza os depoimentos dos participantes, já utilizado em
82
Fontoura (2004; 2003; 2001; 1997), que leva em conta o conteúdo das falas dos sujeitos
e do pesquisador.
A análise está baseada em um conjunto de temas, definidos a partir da
concentração dos elementos que consideramos relevantes para compor o CCH do
educador CTS, e que foram identificados na literatura específica sobre formação de
professores e sobre as necessidades formativas apontadas pelas referências do enfoque
CTS para o ensino de ciências. São eles:
1. O papel do espaço de formação continuada e da dinâmica adotada em relação à
promoção de reflexões sobre a prática e sobre a realidade escolar;
2. O papel do tema como facilitador na construção das atividades didáticas em
CTS;
3. O material didático disponibilizado como facilitador para a articulação das
diferentes dimensões CTS;
4. O desenvolvimento profissional dos professores em relação ao enfoque CTS;
5. A conscientização dos participantes em relação à importância do enfoque CTS
para a abordagem do tema;
6. A ação dos professores frente ao desafio de organizar atividades didáticas que
articulem as dimensões CTS para o tratamento do tema proposto.
A estratégia utilizada ao longo dos quatro encontros seguiu a organização
descrita a seguir:
Primeiro encontro:
1. Apresentação dos participantes do grupo e do pesquisador;
2. Esclarecimentos sobre a dinâmica da pesquisa. O pesquisador falou da sua
pesquisa de doutorado e sobre a importância da participação dos sujeitos na
pesquisa a ser realizada durante a atividade;
3. Assinatura dos termos de consentimento pelos participantes (Anexo 1);
4. Preenchimento dos questionários de identificação pelos participantes (Anexo 2);
5. Preenchimento do questionário de pré-testes pelos participantes (Anexo 3). O
questionário buscou, entre outras coisas, identificar em que medida os sujeitos
da pesquisa estão familiarizados com o referencial CTS, com o tema energia e
outros aspectos envolvidos com este conteúdo e, de que maneira costumam
83
abordá-lo em suas aulas, se utilizam atividades experimentais e se costumam
consultar os PCNs (BRASIL, 1999);
6. Distribuição de material impresso constituinte de uma apostila de dois capítulos.
Foram entregues aos participantes, um capítulo da apostila, material
correspondente ao anexo 4, que versa sobre “energia, desenvolvimento e meio
ambiente”;
7. Aula expositiva sobre energia desenvolvimento e meio ambiente e a questão da
crise de energia elétrica ocorrida no Brasil entre 2001 e 2002, com o objetivo de
justificar a escolha do tema e fornecer subsídios para o grupo trabalhar. Foram
abordados conteúdos referentes aos pressupostos básicos, e diretrizes do enfoque
CTS, bem como as interações entre ciência-tecnologia-sociedade;
8. Foi distribuído o seguinte material de apoio: artigos de Angotti e Auth (2001),
Auler e Delizoicov (2001), Martins (2002), Santos e Mortimer (2000; 2001),
Assis e Teixeira (2003) e texto de Carvalho (2003);
9. Aula expositiva sobre aspectos dos PCNs (BRASIL, 1999) e a postura
construtivista do novo professor. Foram tratados temas relacionados com a
importância das concepções prévias dos alunos dentro da perspectiva
construtivista;
10. Definição do objetivo da atividade para os participantes, enquanto espaço para a
construção coletiva de um conjunto de estratégias para abordagem do tema
“produção e consumo da energia elétrica, nas salas de aula do ensino médio, a
luz do enfoque CTS”;
11. Foi distribuída uma apostila para auxílio na construção de projetos (Anexo 5) e
discutido com os participantes os itens: justificativa, objetivo e metodologia, a
fim de auxiliar o grupo no trabalho de redação das estratégias didáticas. O
material contém explicações sobre os principais itens constituintes de um projeto
e procura facilitar a redação para quem tem pouca experiência;
12. Buscando avaliar a situação dos participantes em relação à compreensão dos
temas abordados – problemática energética e referencial CTS –, e promover uma
reflexão sobre esses itens, o pesquisador propôs uma discussão para definição
dos principais itens do projeto. A partir das observações ao longo do processo, o
grupo foi orientado no sentido de priorizar os itens: justificativa, objetivos e
metodologia, após verificada a falta de experiência dos participantes com a
produção de textos de projetos;
84
13. Foi sugerido um trabalho para ser realizado individualmente, em casa, na
semana que transcorreu entre o primeiro e o segundo encontros, contendo as
seguintes tarefas:
a) Identificar os conteúdos da física importantes para a abordagem do tema
proposto;
b) Estudar os conteúdos considerados importantes em um bom livro de física, como
por exemplo: Guimarães e Fonte Boa (2004) ou Torres et al. (2001), que traz as
aplicações referentes ao tema de forma bem detalhada;
c) Buscar na Internet ou na literatura da área de pesquisa em ensino de física
algumas concepções prévias de alunos sobre o tema e os conteúdos físicos
relacionados, como no site: http://ideasprevias.cinstrum.unam.mx:2048, ou em
Assis e Teixeira (2003).
d) Aplicar o questionário abaixo para cinco alunos:
De onde vem a energia elétrica que utilizamos em nossas casas?
De que maneira ela é produzida?
Como você explica a necessidade de racionamento de energia elétrica que
ocorreu entre 2001 e 2002?
Além dos fatores relacionados à economia em nossas contas de luz, que
outros fatores justificariam a economia de energia elétrica?
Se você fosse o Ministro das Minas e Energia de um país, que aspectos você
levaria em consideração na hora de escolher um programa para produção de
energia elétrica para esse país?
e) Procurar nos PCNs (BRASIL, 1999) e fazer uma leitura das orientações
referentes aos conteúdos a serem abordados no trabalho.
f) Levantar materiais de apoio que sejam adequados para serem utilizados
didaticamente no trabalho;
14. Elaborar um texto a partir das reflexões individuais com os itens: justificativa,
objetivo e metodologia, visando a construção das estratégias.
85
Segundo encontro:
1. Recolhimento do material escrito produzido por cada participante. O material foi
copiado e o original devolvido aos participantes em seguida, com o objetivo de
registrar suas idéias após a reflexão individual sobre o primeiro encontro;
2. Distribuição do segundo capítulo da apostila (Anexo 6), que versa sobre “O
Caminho Histórico de Faraday” e um texto de apoio correspondente aos
capítulos 3.3.1, 3.3.2, 3.3.3, e 3.3.4 de Gewandsznajder (2004) que versa sobre a
epistemologia kuhniana com exemplos da história da física;
3. Aula expositiva sobre epistemologia e história da ciência. Foi apresentado um
material didático para aulas experimentais constituído por experimentos que
reproduzem boa parte do caminho histórico do eletromagnetismo ao longo do
século XIX, que se inicia com a observação da relação existente entre corrente
elétrica e campo magnético e termina com a formulação do princípio da indução
eletromagnética e sua aplicação tecnológica para a fabricação de geradores
elétricos (Anexo 6). Foram discutidos os desdobramentos econômicos, sociais,
culturais e ambientais dessa ciência-tecnologia desenvolvida no século XIX, e
sobre o século XX, onde a energia elétrica passou a ser produzida em larga
escala;
4. A intervenção do pesquisador naquele momento buscou oferecer um maior
número de opções, ferramentas e caminhos, visando facilitar a construção das
estratégias pretendidas pelo grupo, à luz das diretrizes apontadas pelo enfoque
CTS. O processo de construção das estratégias recebeu uma contribuição
adicional a partir de um material que problematizou o debate entre os
participantes, na medida em que promoveu ações no sentido de imbricar as
dimensões social, política, econômica, cultural e ambiental referentes ao tema
proposto, com os princípios físicos da conservação da energia e da indução
eletromagnética. A estratégia adotada envolveu:
A apresentação do recurso do experimento com o uso do looping (Anexo 7);
Distribuição e leitura de dois textos informativos, publicados em um jornal
de grande circulação, referentes ao período da crise de energia elétrica de
2001/2002, envolvendo a usina hidrelétrica de Sobradinho
4
(Anexo 8);
4
Reportagens retiradas do caderno de Economia do Jornal do Brasil nos dias: (28/11/2001; pág. 14) e
(10/01/2002; pág. 11).
86
Distribuição do texto da letra da música Sobradinho, de Sá e Guarabira e
audição da obra junto com os participantes (Anexo 9), seguido de discussão
sobre o tema tratado na música;
Distribuição de cópia do mapa mundi Terra à noite (Anexo 10), seguido de
discussão visando à interpretação do mapa;
5. Foi proposto que se reiniciasse a discussão sobre a construção das estratégias, e
que, coletivamente, fossem redigidos o objetivo e a justificativa, seguidos da
metodologia;
6. Esse momento caracterizou-se como resultante de uma reflexão por parte do
pesquisador. As dificuldades observadas ao longo do debate entre os
participantes apontaram para uma mudança de estratégia, onde a intervenção do
pesquisador se fez necessária. Ali foi verificada a necessidade de chamar a
atenção dos participantes sobre a importância de se buscar um imbricamento
entre as dimensões política, econômica, social, cultural, ambiental e científico-
tecnológica ao longo das atividades a serem incorporadas, por serem estas
orientações previstas pelo enfoque CTS. Além disso, foi chamada a atenção do
grupo para a importância de se considerar itens como o público alvo e os pré-
requisitos para esse público;
7. Com exceção do título, o grupo continuou demonstrando muita dificuldade com
os outros itens solicitados (justificativa, objetivos e metodologia). Buscando
ajudar na organização das idéias do grupo, o pesquisador sugeriu que, a partir da
leitura e da análise de todo o material disponível – mesmo que individualmente
– fosse elaborado, para o encontro seguinte, um material redigido contendo as
idéias sugeridas por cada participante, a fim de que estas pudessem ser
discutidas pelo grupo no momento de construção da proposta coletiva e
definitiva.
Terceiro encontro:
1. A sugestão foi para que o grupo trabalhasse coletivamente na busca da
construção das estratégias didáticas;
2. No final do encontro foi realizada uma pequena apresentação da proposta
desenvolvida pelos sujeitos. Um dos participantes se responsabilizou por enviar
por e-mail o produto final para todos.
87
Quarto encontro:
1. Recebimento da versão final do conjunto de atividades propostas;
2. Foi sugerido ao grupo que elaborasse um conjunto de sugestões-reivindicações
que considerassem importantes para facilitar a implantação de projetos baseados
no enfoque CTS. Como exemplo, os sujeitos poderiam se basear naquele que foi
elaborado pelo grupo;
3. Foi realizada uma avaliação baseada nas perguntas abaixo, cujas respostas foram
registradas em gravações de áudio e vídeo:
O que você achou do trabalho realizado e da dinâmica que norteou esse
trabalho?
Aponte as principais facilidades, limites e motivações encontradas por
você frente ao desafio de construir as estratégias didáticas à luz do
enfoque CTS.
Como você defenderia a proposta desenvolvida pelo grupo, caso
pretendesse aplicá-la em uma escola?
4. Preenchimento do questionário de pós-testes (Anexo 11).
88
4. ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
A seguir, apresentaremos a análise dos dados referentes a alguns documentos
produzidos pelos professores participantes e de trechos das discussões e depoimentos
gravados em áudio e vídeo.
4.1 ETAPA EXPLORATÓRIA DA PESQUISA
Esta etapa pretende caracterizar os sujeitos da pesquisa com relação à faixa
etária, sexo, perfil cultural e formação acadêmica, além do contexto onde estes
desenvolvem suas práticas profissionais. Buscamos ainda identificar alguns
conhecimentos prévios desses professores em relação à forma como costumam abordar
o tema energia, sua visão sobre a questão da produção da energia elétrica, aspectos
considerados relevantes para discussão do tema, e o conhecimento (ou não) sobre os
pressupostos e princípios do enfoque CTS para o ensino de física, bem como a
familiaridade destes professores com o uso de atividades experimentais e dos PCNs.
As informações aqui descritas foram compiladas a partir dos questionários de
identificação (Anexo 2) e dos pré-testes (Anexo 3) preenchidos pelos participantes.
Caracterização dos sujeitos da pesquisa
A análise dos questionários de identificação mostrou um grupo heterogêneo de
professores, onde todos possuem formação em licenciatura em física e atuam em
escolas públicas de diferentes perfis, no Estado do Rio de Janeiro. Quatro destes
participantes pertencem ao sexo masculino (GO, NE, MR, MA) e um deles pertence ao
sexo feminino (JU).
O participante identificado como GO declarou possuir curso de especialização
em ensino de física incompleto (sem a monografia) e atuar em uma escola de perfil
técnico pertencente à rede de escolas técnicas da Fundação de Apoio às Escolas
Técnicas (FAETEC) do Estado do Rio de Janeiro, situada na região suburbana do
Município do Rio de Janeiro. Com idade acima de 40 anos, ele declarou exercer a
profissão de técnico de eletrônica, além do magistério.
A participante identificada como JU declarou atuar em uma escola pública
estadual, localizada no Município de Nova Iguaçu, onde exerce sua atividade
89
profissional no contexto da educação de jovens e adultos (EJA). Ela declarou ainda
idade acima dos 40 anos.
O participante identificado como NE declarou atuar em uma escola pública
estadual localizada na região suburbana do Município do Rio de Janeiro. Com idade
entre 26 e 40 anos, o participante declarou ter exercido a profissão de operador de
computador ao longo da sua vida, além do magistério.
O participante identificado como MR declarou possuir graduação em engenharia
e atuar em uma escola pública estadual localizada na Zona Oeste do Município do Rio
de Janeiro. Com idade acima dos 40 anos, o participante declarou ainda exercer a
profissão de engenheiro de qualidade, além do magistério.
O participante identificado como MA declarou possuir curso completo de
engenharia e especializações em mecânica e astronomia, além de atuar em uma escola
pública estadual localizada na região suburbana do Município do Rio de Janeiro. Com
idade acima dos 40 anos, o participante declarou exercer a profissão de engenheiro de
estradas, além do magistério.
Análise dos pré-testes
A análise aqui presente está baseada nos questionários de pré-testes respondidos
pelos professores participantes.
Participante GO
Em relação às perguntas 1 e 2, GO afirmou abordar o tema energia na segunda
série, utilizando o princípio da conservação da energia e os conceitos de energia cinética
e energia potencial e declarou ainda utilizar equipamentos de laboratório, como plano
inclinado e colchão de ar, para abordagem do tema em suas aulas, embora esse uso de
experimentos seja eventual (pergunta 3), segundo ele. Além dos já mencionados, outro
recurso utilizado pelo participante é o livro didático (pergunta 4).
Em relação à pergunta 5, GO manifestou preferência pelos programas
energéticos baseados em usinas termoelétricas e nucleares e, em relação à utilização dos
PCNs (pergunta 6), ele declarou não ter costume de consultá-los. Além disso, GO
declarou não possuir qualquer conhecimento sobre os princípios do enfoque CTS
(pergunta 7).
90
Participante JU
Em relação às perguntas 1 e 2, JU afirmou abordar o tema nas três séries. Na
primeira, associou com os conteúdos da termologia, na segunda com “energia cinética e
etc.”, e na terceira com todos os conteúdos. Além disso, a professora citou o uso de
situações ligadas ao cotidiano e experimentos simples, embora estes últimos sejam
utilizados eventualmente, conforme resposta dada à pergunta 3. Em relação à pergunta
4, JU declarou utilizar outros recursos didáticos em suas aulas: apostila e “pesquisa”.
Em relação à pergunta 5, a participante associa a escolha de um programa
energético a questões ambientais, como os problemas das crises anunciadas da água e
do petróleo. Sobre os PCNs (pergunta 6), JU declarou costumar consultá-los e, em
relação aos princípios do enfoque CTS (pergunta 7), a professora declarou desconhecê-
los.
Participante NE
Em resposta às perguntas 1 e 2, o participante NE declarou abordar o tema
energia nas três séries. Na primeira antecedendo o conceito de força, na segunda ao
abordar o conceito de calor como forma de energia e na terceira ao introduzir a
eletrostática. NE declarou ainda, utilizar diagramas e promover discussões sobre os
diferentes “tipos de energia” para abordagem do tema.
Em relação à pergunta 3, NE informou utilizar experimentos eventualmente em
suas aulas, além de outros recursos, como a Internet, livros paradidáticos e pesquisas
(pergunta 4).
A escolha de um programa energético (pergunta 5), segundo o participante, está
associada a aspectos como: o consumo, o valor das tarifas e a relação com o nível de
desenvolvimento do país.
Em relação ao uso dos PCNs (pergunta 6), o participante declarou não utilizá-los
e iniciou uma discussão – mesmo na fase de preenchimento do questionário –, onde se
manifestou contrário aos PCNs, já que , segundo ele, estes foram “impostos aos
professores” e a sua implementação é algo que está “fora da realidade”. Essa opinião
foi reforçada pelos outros membros do grupo.
O participante NE informou não conhecer os princípios do enfoque CTS
(pergunta 7).
91
Participante MR
Em relação às respostas 1 e 2, MR declarou nunca abordar o tema energia em
suas aulas. A utilização de experimentos se dá eventualmente no seu dia-a-dia (pergunta
3), mas costuma utilizar recursos como livro didático, apostila e Internet (pergunta 4).
Em relação à pergunta 5, o participante destaca a importância de aspectos
técnicos ligados à engenharia das usinas hidrelétricas, como a bacia hidrográfica, a
topografia do local, a criação de hidrovias, além da preocupação com a piracema, o
saneamento básico, criação de escolas profissionalizantes, hospitais e a infra-estrutura
para os trabalhadores da usina.
O participante declarou não consultar os PCNs (pergunta 6) e não possuir
conhecimento algum sobre os princípios do enfoque CTS (pergunta 7).
Participante MA
Quanto às perguntas 1 e 2, MA declarou abordar o tema energia na segunda série
e utilizar recursos como vídeos e Internet em suas salas de aula para auxiliar na
abordagem do tema. O uso de experimentos em suas aulas (pergunta 3) ocorre
eventualmente, segundo o participante, que utiliza ainda outros recursos como apostila e
livros paradidáticos (pergunta 4).
Em relação aos aspectos relacionados à produção de energia (pergunta 5), o
professor chamou a atenção para os cuidados com aspectos ambientais: “evitar
poluição e preservar o meio ambiente”.
Sobre a consulta aos PCNs (pergunta 6), o participante declarou não utilizá-los,
bem como não conhecer os princípios do enfoque CTS (pergunta 7).
4.2 ANÁLISE DOS DOCUMENTOS PRODUZIDOS INDIVIDUALMENTE
APÓS O PRIMEIRO ENCONTRO
Nesse momento consideramos oportuno explicitar as atividades que foram
sugeridas pelo pesquisador no final do primeiro encontro com os participantes, para
melhor entendimento das análises realizadas. Este trabalho foi sugerido para ser
realizado individualmente na semana que transcorreu entre o primeiro e o segundo
encontros. Foram as seguintes tarefas:
92
a) Identificar os conteúdos da física que são importantes para a abordagem do
tema proposto;
b) Estudar os conteúdos considerados importantes em um bom livro de Física,
como por exemplo: Guimarães e Fonte Boa (2004), ou Torres et al. (2001),
que traz as aplicações referentes ao tema de forma bem detalhada;
c) Buscar na Internet, ou na literatura da área de pesquisa em ensino de física,
algumas concepções prévias de alunos sobre o tema e os conteúdos físicos
relacionados, como no site: http://ideasprevias.cinstrum.unam.mx:2048, ou
no artigo de Assis e Teixeira (2003).
d) Aplicar o questionário abaixo para cinco alunos:
De onde vem a energia elétrica que utilizamos em nossas casas?
De que maneira ela é produzida?
Como você explica a necessidade de racionamento de energia
elétrica que ocorreu entre 2001 e 2002?
Além dos fatores relacionados à economia em nossas contas de luz,
que outros fatores justificariam a economia de energia elétrica?
Se você fosse o Ministro das Minas e Energia de um país, que
aspectos você levaria em consideração na hora de escolher um
programa para produção de energia elétrica para esse país?
e) Procurar nos PCNs e fazer uma leitura, das orientações que estão lá,
referentes aos conteúdos a serem abordados no trabalho que vocês estão
desenvolvendo.
f) Levantar material de apoio que vocês considerem adequados para serem
utilizados didaticamente no trabalho;
g) Elaborar um texto a partir das reflexões individuais de vocês, com os itens:
justificativa, objetivo e metodologia, visando a construção das estratégias.
Sobre os itens sugeridos pelo pesquisador para o trabalho individual ao longo da
semana entre o primeiro e o segundo encontros, houve unanimidade no grupo em
relação à falta de tempo para a realização de buscas sobre concepções prévias em
artigos científicos ou mesmo na Internet, através do site indicado. O mesmo ocorreu em
relação à leitura dos PCNs, ao material didático de apoio e à aplicação dos questionários
junto aos alunos. Alguns professores consideraram que o questionário sugerido só
poderia ser aplicado para alunos da terceira série, na qual eles não estariam trabalhando
naquele momento.
Sobre os conteúdos físicos envolvidos, dois professores declararam ter estudado
“um pouco” o princípio da conservação da energia e circuitos elétricos, para o trabalho
a ser realizado.
Das sugestões e solicitações feitas pelo pesquisador, apenas o item referente à
redação do texto sobre a justificativa, o objetivo e a metodologia foi entregue por quatro
93
dos participantes, já que o participante MA informou por e-mail que não continuaria no
grupo devido a compromisso de viagem de trabalho.
A análise aqui apresentada baseou-se então no material escrito, entregue por
cada um dos participantes e refere-se ao trabalho individual que estes produziram ao
longo da semana que transcorreu entre o primeiro e o segundo encontros. Os
documentos continham reflexões dos professores sobre os três itens, conforme
solicitado pelo pesquisador.
Participante GO
Em sua justificativa, o participante afirmou ser dever do professor de física
buscar “associar” o ensino de física com a tecnologia, mostrando assim uma
compreensão do ensino CTS compatível com a categoria (1) indicada por Aikenhead
(1994)
[...] nós professores de ciências, física, biologia e química, devemos
tomar uma postura firme de associar, no caso, o ensino de física fazendo
o entrelaçamento com a tecnologia de que trata o tópico.
Nos objetivos sugeridos pelo participante, observa-se uma preocupação com as
relações entre produção da energia elétrica, meio ambiente e cidadania. O fragmento
destacado mostra essa tendência de aproximação dos três tópicos, caracterizando o
início de uma evolução na compreensão dos pressupostos CTS.
Transmitindo aos nossos alunos a noção do que seja energia elétrica,
induzindo-os a pensar como a energia é produzida, quem a produz, de
que maneira ela é transportada de um lugar para o outro, quais são as
fontes que podem gerar essa energia, quais são as fontes primárias e as
fontes secundárias que podem prejudicar o meio ambiente teremos:
alunos, futuros cidadãos e consumidores conscientes de seus deveres
com o meio ambiente e com o país.
O participante não apresentou proposta para a metodologia do projeto.
Participante JU
A participante utilizou-se da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDB para justificar a “necessidade de se discutir a produção e consumo da energia
elétrica” como elemento para a conscientização de cidadãos e preparo para o trabalho.
94
Além disso, justificou esta necessidade de conscientização a partir dos “grandes
problemas relacionados à crise de energia elétrica que aflige a sociedade de maneira
geral”.
No texto referente aos objetivos, a participante relacionou o exercício da
cidadania com a necessidade de promover um “melhor aprendizado sobre
desenvolvimento científico e tecnológico” junto ao aluno.
Preparar os alunos para o exercício da cidadania dando-lhe suporte
para adquirir conhecimento e informações necessárias para um melhor
aprendizado do desenvolvimento científico e tecnológico.
Neste caso, cabe ressaltar o destaque dado pela participante à necessidade de
conscientização e ao exercício da cidadania, aspectos fundamentais para ações
pedagógicas e estratégias que pretendam encontrar respaldo nos pressupostos do
enfoque CTS. Em relação ao item metodologia, a participante limitou-se a copiar
trechos do material impresso que foi distribuído.
Participante NE
O participante não apresentou um texto muito explicativo, organizando-o na
forma de uma lista de tópicos. Nos tópicos que compõem a justificativa, podemos
destacar a crise energética, o desperdício e a relação “alto consumo x baixa produção”,
mostrando uma preocupação do participante com o aspecto econômico associado ao
tema, o que está de acordo com o que se espera de propostas baseadas no enfoque CTS.
Entretanto, o aspecto que envolve a ação educativa para o ensino médio, em relação a
esta problemática não esteve presente.
Nos objetivos, o participante citou os tópicos: necessidade de atualização e
conscientização, sem construir seu texto na forma de objetivos. A relação com o ensino
da física ou com a produção e o consumo da energia elétrica não apareceu entre os
tópicos considerados, mostrando uma ausência de associação com a ação educativa. Já
em relação ao item metodologia, o participante mostrou uma preocupação com a ação
educativa, destacando a importância do uso da pesquisa “sobre energia” a ser realizada
pelos alunos em sua proposta.
95
Participante MR
Em sua justificativa, o participante citou a importância da contextualização e a
necessidade de conscientização dos alunos em relação aos diferentes “meios” para
obtenção da energia elétrica, o desperdício e o impacto ambiental, o que mostra uma
reflexão no sentido de articular algumas das dimensões fundamentais que compõem os
princípios do enfoque CTS.
No texto referente aos objetivos, o participante valorizou a compreensão dos
processos de produção, transmissão e distribuição da energia elétrica. Entretanto, ele
não organizou o seu texto na forma de objetivos. No que diz respeito à metodologia,
houve uma valorização das aulas práticas.
4.3 ANÁLISE DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO COLETIVA DAS
ESTRATÉGIAS NO PRIMEIRO ENCONTRO
Após a aula expositiva, o pesquisador solicitou ao grupo que fosse iniciada a
discussão objetivando a construção das estratégias, chamando a atenção para a
necessidade do trabalho colaborativo. O início do trabalho foi o ponto de partida para as
gravações em áudio e vídeo, dos momentos de criação e reflexão ao longo das oficinas,
que permitiram a coleta dos dados para a pesquisa. Para a análise foram selecionados
alguns episódios considerados significativos, apresentados e discutidos a seguir:
Episódio 1
O trecho selecionado nos traz, principalmente, uma discussão envolvendo os
primeiros entendimentos dos participantes do grupo, em relação ao que seja o enfoque
CTS, a natureza da tecnologia e suas concepções em relação à forma de utilização de
atividades experimentais de laboratório. O pesquisador busca orientar o grupo para o
início do trabalho.
(01) PESQ: “É como eu falei gente. Nós não vamos aqui construir um projeto
exatamente como está na cartilha. Não vamos achar que há tempo pra isso e nem é o
nosso propósito. O que eu gostaria é que a gente refletisse sobre esses três itens:
justificativa, objetivo e metodologia e procurássemos organizar isso em um documento.
Eu acredito que se fizermos isso, vai ficar mais fácil a construção das estratégias que
pretendemos [...] Então vamos lá”.
O grupo iniciou o debate procurando definir um título para o trabalho.
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(02) NE: “O título não é Ciência – Tecnologia – Sociedade”
(03) GO: “Não, não. Ele está querendo que você faça uma justificativa”
(04) JU: “Se baseando na Ciência – Tecnologia – Sociedade”
(05) GO: “Porque é necessário nos dias de hoje”
(06) NE: “A discussão da ciência”
(07) JU: “Tem que ter como referencial o CTS, é isso?”
(08) PESQ: “É [...] é uma discussão coletiva”
(09) GO: “Com o avanço tecnológico hoje em dia [...] é muito rápido. Você dorme com
uma coisa e no dia seguinte já tem outra coisa, né? É muito rápido o avanço
tecnológico. Você vê isso nos computadores. Você compra um computador hoje, instala
ele na tua casa [...]”
(10) NE: “O próprio celular”.
No momento em que se iniciou a discussão sobre a justificativa – nas falas de
GO (3) e JU (4) – esta pareceu basear-se na rapidez segundo a qual avança o
conhecimento tecnológico, como pode ser observado nas falas de GO (5) e NE (6) e
reforçada com exemplos dessas mudanças verificadas em aparatos tecnológicos, nas
falas de GO (9) e NE (10).
(11) GO: “Há uma necessidade da gente associar a nossa física com a tecnologia.
Cada vez que for ensinar uma coisinha da física ao aluno, ter em mente uma série de
exemplos práticos onde você usa aquilo. Eu, por exemplo, já faço isso. Tem matéria que
é difícil você arranjar, mas termologia [...] dilatação, essas coisas assim [...]”.
(12) NE: “O cotidiano.”
(13) JU: “É, mas se você não associar ao cotidiano eles não entendem.”
(14) MR: “Trazendo pra realidade dele.”
(15) GO: “Hoje em dia, há necessidade disso [...], de trazer o aluno para a realidade
do dia-a-dia.”
(16) MA: “Se ele não se sentir motivado...”
(17) GO: “Como eu trabalho em laboratório [...] Na FAETEC nós temos laboratório. A
aula de laboratório fica mais bonita, fica mais interessante ... Desde o início nós
montamos todas as práticas” (Referindo-se a montagens prévias, feitas pelos
professores para demonstrações, sem a participação direta dos alunos).
97
(18) JU: “Assim fica bem melhor de trabalhar né. A gente leva direto para a
demonstração.”
(19) MR: “Você começa com dois materiais. Uma campainha, por exemplo, que é um
sensor. Fica difícil você explicar pra eles, porque eles não têm condição de abrir a
cabeça deles e imaginar.”
(20) GO: “Não, mas você não vai fazer com que ele aprenda como é que é feito aquele
negócio, mas você diz pra ele que materiais se dilatam, se esticam [...] Então, são essas
coisas práticas, porque hoje em dia você não pode dar só a física.”
(21) MA: “Você tem essa vantagem porque você tem um laboratório.”
(22) GO: “Mas eu puxo sempre para a tecnologia. Olha, todo dia estão saindo coisas
novas. Quer dizer, você ensina física, mais ou menos, e mostra pra eles a aplicação da
ciência junto com a tecnologia, amarra aquilo tudo ali [...]”
Se acompanharmos as falas de GO (11) e GO (22), verificamos que estas
exemplificam a visão de CTS correspondente à categoria (1) da classificação proposta
por Aikenhead (1994), onde a tecnologia aparece como ilustração do conteúdo físico.
Além disso, essas falas trazem uma concepção da “tecnologia enquanto física
aplicada” (FONTES e CARDOSO, 2006; GIL-PÉREZ, 2001; ACEVEDO DÍAZ,
1996).
Essas interpretações ainda insuficientes, segundo os autores citados, se
justificam, a nosso ver, para este grupo de participantes que declarou não possuir
qualquer conhecimento sobre os princípios do enfoque CTS, até aquele momento.
Assim, buscar justificativa na dinâmica do desenvolvimento tecnológico e apresentar
uma visão insuficiente sobre a ciência-tecnologia, quando considerada a perspectiva
CTS, nos parece coerente para um primeiro momento de reflexões por parte dos
integrantes do grupo.
As falas de NE (12), JU (13), MR (14) e GO (15) introduzem uma associação
explícita entre o cotidiano e a realidade dos alunos, com a motivação citada na fala de
MA (16). A conexão entre essas falas e as falas de GO (11) e GO (22) sugere que a
importância do cotidiano apareceu devido ao reconhecimento das aplicações dos
conteúdos físicos citados: “termologia [...] dilatação”, no dia-a-dia.
Embora o grupo, em sua maioria, tenha declarado utilizar-se de recursos
experimentais eventualmente, as falas de GO (17), JU (18) e MA (21) trazem um
reconhecimento da importância do uso de atividades de laboratório. A fala de GO (17),
mostra a utilização dessas atividades experimentais, de forma preferencialmente
98
demonstrativa: “Desde o início nós montamos todas as práticas”, referindo-se a
montagens prévias feitas pelos professores, para demonstrações sem a participação dos
alunos.
A explicitação desses saberes e habilidades ligados à experiência (TARDIF,
2002) nos indica uma tendência compatível com uma prática tradicional na ação
pedagógica do participante GO, que pode ser atribuída a uma identidade profissional
forjada por uma socialização que se iniciou com a formação acadêmica universitária e
se reforça de forma continuada (TARDIF, 2002; LÜDKE e BOING, 2004;
FONTOURA, 2007), em um ambiente profissional onde se desenvolvem práticas
características de espaços como as escolas técnicas tradicionais.
Uma discussão que vale destacar encontra-se nas falas de MR (19) e GO (20). A
partir de um aparato tecnológico (campainha), MR mostra um entendimento do ensino
em CTS como um ensino do funcionamento do referido aparato, postura considerada
“alienante” por Santos e Mortimer (2000). Nesse trecho do diálogo, GO mostra mais
maturidade em relação ao que os autores indicam como mais adequado para o ensino
em CTS, ao explicitar sua preferência por uma abordagem menos centrada no
funcionamento de aparatos tecnológicos.
Episódio 2
Nesse trecho de diálogo escolhido, destacamos principalmente alguns momentos
em que os participantes externam suas concepções sobre a validade da linguagem do
senso comum frente à linguagem “cientificamente correta”. O diálogo se inicia com o
participante GO (23), chamando a atenção para o papel dos meios de comunicação no
trato com as unidades da física em situações do cotidiano.
(23) GO: “Você vê, até mesmo na televisão esses repórteres [...] esses caras. A maioria
não fala graus Celsius. É não sei quantos graus. Está errado. Grau, que grau? [...] A
pessoa que não sabe, que é leiga, grau de que?”
(24) NE: “Eu também procuro enfatizar a esses alunos [...] Inclusive filmes. Eu gosto
de assistir filmes, até desenhos, seja o que for que passa na televisão [...] a gente
assiste, mas com uma visão um pouco mais crítica. Então, tem filmes que passam sobre
temperatura [...] Em filme, o cara vê lá: tantos graus. Está 76 graus e o cara está
falando em 40 graus, 30 graus. Como é que você fala uma coisa e lá está escrita outra,
mostrando no display? No ‘Missão Impossível’, quem assistiu; o cara lá dentro do
cofre mostra o termômetro com 76 graus. Que temperatura é aquela? 76 graus, o cara
estava derretendo. Todo mundo: Ih! É mesmo. Eles não lembram que tinha os 76 graus,
mas lembram da cena e conseguem associar a coisa.”
99
(25) GO: “Em ciências, o professor de física deveria dar a parte de física, o professor
de química dar a parte de química, porque tem conceitos diferentes. Quem dá é o
biólogo. Não quero dizer que o biólogo não saiba esses conceitos, mas eles ensinam
física assim [...] A minha filha está na segunda série. Começou a aprender massa,
quilo, não fala quilograma. É: pai, tantos quilos. E aí, eu: depois eu vou te ensinar que
não é quilo, é quilograma. Se desde as séries iniciais ela vier com aquele conceito,
quando chegar no segundo grau não tem quem segure. Eles aprendem tudo com o
conceito errado.”
(26) NE: “A própria mídia passa isso. A mulher do tempo diz: na maior parte do
Brasil vai fazer calor. E a gente sabe que calor é uma forma de energia. Mas também ,
eu explico isso para os meus alunos. Peso, a gente fala em peso. Você está pesado, isso
é pesado, aquilo é pesado. No Show do Milhão, uma vez, teve a pergunta: A sigla Kg é
usada para representar o quê? Aceleração, velocidade, peso, temperatura? Qual a
opção certa?[...] A mídia também dá essa escorregada.”
(27) JU: “Mas isso é falta de conhecimento. Uma vez eu estava dando uma aula no
segundo ano. Eu terminei a aula, eles olharam pra mim e: não entendemos nada. Mas
não entenderam nada da ciência porque o vocabulário que a gente usa eles não
entendem. Então, tem que estar trazendo tudo para a realidade. Tudo para o cotidiano
deles. Se você explicar só o conteúdo eles não assimilam.”
(28) NE: “Às vezes, você pode passar para o aluno ser pedante demais, usando
determinados termos. Termos científicos demais. Mas eu acho que a gente tem que
usar.”
(29) JU: “Enfatizando o conteúdo.”
(30) MR: “E comparar com o que a gente está falando. E puxar uma linguagem,
porque é obrigação do professor dar formação em qualquer área. Matemática, física,
química, português. Falar o português correto.”
(31) JU: “Eu acho que eles têm que aprender o vocabulário certo, mas aí você tem que
estar sempre explicando, justificando pra poder eles conseguirem assimilar.”
As falas de GO (23) e GO (25) apresentam uma preocupação do participante em
relação ao uso correto de unidades de medidas e conceitos físicos. GO atribui à
televisão e ao ensino de ciências no ensino fundamental a responsabilidade pelo uso
incorreto dessas unidades e conceitos.
As falas do participante NE (24) e NE (26) demonstram um reconhecimento do
papel dos meios de comunicação no reforço a essas concepções. Entretanto, como
podemos verificar, estas não apresentam uma visão pessimista em relação à influência
desses aspectos sobre o ensino. Mais do que isso, se verifica uma tendência de
valorização de aspectos ligados às concepções prévias dos estudantes como estratégia
100
para ações pedagógicas construtivas, de acordo com o que preconizam Carvalho (2003)
e Carvalho e Gil-Pérez (2001), onde a noção de calor do senso comum pode ser o elo de
ligação com o conceito de calor como forma de energia: A mulher do tempo diz que
vai fazer calor [...] E a gente sabe que calor é uma forma de energia. Mas também, eu
explico isso para os meus alunos”.
Esta tendência a uma ação mais inovadora é reforçada quando o participante NE
nos apresenta uma contribuição da sua experiência (TARDIF, 2002) relacionada com o
uso de filmes, como recurso didático viável para discussões construtivistas junto aos
seus alunos, a partir de situações problemáticas, oriundas do choque cultural entre
estudantes ao se depararem com a realidade de outros países que adotam sistemas de
unidades diferentes do nosso.
Uma outra discussão iniciada nas falas de JU (27) e JU (31) diz respeito à
dificuldade de comunicação entre alunos e professores, por conta da incompatibilidade
entre os vocabulários. Nesse trecho do episódio destacado, a participante JU não se
refere ao vocabulário científico especificamente, mas ao vocabulário em geral –
dificuldade com o português. Essa percepção é reforçada na fala de NE (28) quando este
afirma a importância da utilização de termos científicos na aula. O participante MR (30)
enfatiza ser obrigação do professor, dar formação em qualquer área (referindo-se a todas
as disciplinas, inclusive o português).
Esse trecho de diálogo nos apresenta mais uma dificuldade relacionada não só a
uma demanda por uma alfabetização científica e tecnológica (PRAIA et al., 2007),
como uma adequação entre os vocabulários dos alunos e dos professores, segundo os
participantes.
Essas afirmações mostram similaridades com a idéia de que o educador
preparado para trabalhar de acordo com o enfoque CTS deve ter uma postura de
ouvinte, posicionando o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem (BRASIL,
1999) e respeitando suas concepções prévias e visões de mundo sem preconceitos, de
forma que esse diálogo possa se estabelecer (CARVALHO, 2003).
Episódio 3
O trecho selecionado envolve questões colocadas pelos participantes, que se
relacionam, principalmente, com a visão que esses professores apresentam sobre os
documentos elaborados pelos órgãos oficiais e sua eficiência, além de alguns
instrumentos oficiais de avaliação dos docentes. A discussão inicia com o participante
101
MR se posicionando sobre um desses instrumentos de avaliação, que provocou queixas
e manifestações de insatisfação.
(32) MR: “Quem trabalha no estado [...] ontem foi dada uma prova para ser aplicada.
Não tem nada a ver com o que a gente está falando, mas é só pra gente dar como
referência. Que é pro diretor implantar com os alunos. O livro foi distribuído no início
do ano. Fora de tudo o que você vê aí, dos PCNs [...] Está tudo fora e a gente tem que
dar. Aí você começa aplicar. Aí chegam duas apostilas, caídas não sei de onde, vindas
não sei de onde, que você tem que dar. É a matéria que caiu na prova. É pra gente fazer
uma avaliação do aluno do ensino médio da rede estadual. Se o cara tem dificuldade
porque lê não entende nem o livro, como é que ele vai fazer isso? E, por outro lado,
você tem o professor sendo avaliado pelo aluno e o aluno jogando a tua informação via
Internet, para a Secretaria Estadual de Educação.”
(33) NE: “Onde eu tenho matrícula, o tema do projeto político-pedagógico é:
cidadania e tecnologia. Aí o diretor lá, junto com a equipe toda, parte do princípio
seguinte que o aluno tem que ver de tudo. O cara não tem que ouvir só popozuda,
preparada, só isso não. O cara tem que ouvir música clássica também, o cara tem que
ouvir MPB. Então, quando tem oportunidade, põe isso. O cara tem que ir ao teatro. Aí,
depois ele opta por querer continuar ouvindo aquilo ali ou não, porque o pagode e o
funk, ele ouve o tempo todo na esquina. Tem que dar a opção pro cara. Então, temos
que usar termos tecnológicos e científicos. Eu acho que temos sim. O problema é que
eles não querem. O que me corrói. O que me deixa muito chateado é isso. Os alunos
não querem. Você tenta mostrar pro cara uns troços bacanas. A princípio eles: Oh!
Mas depois, você tem uma meia dúzia, cinco ou quatro, que ainda participa, te
incentiva, porque é um incentivo pra gente o cara te perguntando, te cobrando,
questionando determinadas coisas. Infelizmente a clientela que nós temos não é assim.
Eles não estão a fim disso. É, há essas contradições também. A gente dá aula de um
jeito, mas o material didático não consta isso e quando ele vai fazer uma prova de
concurso ou uma avaliação dessa é pior ainda. Mas os PCNs estão lá. Eles querem que
a gente implante os PCNs, LDB, tudinho, mas aplicam uma prova dessa avaliação que
não tem nada a ver. O livro, aquela apostila que eles deram no início do ano, não tem
nada a ver com o discurso que é feito. Aí, o professor fica aonde nessa? A gente fica
perdido. A gente só vai reclamar de quê? De salário.”
As falas de MR (32) e NE (33) trazem críticas dirigidas não só aos materiais
didáticos citados (apostilas distribuídas no início do ano), como também aos PCNs e a
própria LDB. O participante NE já havia sido bastante crítico em relação a esses
parâmetros, por considerá-los uma imposição e “fora da realidade”. Além disso, na
fala de MR (32), observa-se uma preocupação em relação à exposição dos dados da
avaliação dos professores, realizada pelos alunos para a Secretaria de Educação, via
Internet.
Apoiados em Santos et al.(2006), diríamos que essas falas exemplificam um
conflito comum nas negociações entre posturas tradicionais e o novo, quando essas
102
negociações são inevitáveis em situações de confronto entre práticas forjadas em
processos de socialização profissional (TARDIF, 2002) de cunho tradicional e situações
inovadoras.
Além disso, Müenchen e Auler (2007a, 2007b) também apontam para os
problemas causados pelas orientações que costumam chegar prontas, já elaboradas pelos
órgãos oficiais, em situações onde se busca trabalhar com abordagem temática,
indispensável para o enfoque CTS.
A fala de NE (33) traz ainda elementos que podem estar associados a uma
suposta resistência dos alunos em relação aos temas e formas inovadoras de abordagem:
“o problema é que eles não querem [...]”. Müenchen e Auler (2007a, 2007b)
identificam essa postura como um comodismo, ou medo de mudar ou romper com
velhos hábitos por parte dos professores. Isso cria uma falta de confiança nesses
profissionais para ensinar segundo as novas bases, como afirmam Gouvêa e Leal
(2001), produzindo inseguranças, como aquela que aparece na fala de MR (32) e
favorecendo um estado de baixa auto-estima (FUENZALIDA, 2001), exemplificado na
parte final da fala de NE (33), que é apontado por Lüdke e Boing (2004) como elemento
que dificulta a construção da identidade profissional desses professores, entendido por
Fontoura (2007) e Tardif (2002) como um processo temporal e contínuo.
Episódio 4
Esse trecho de diálogo mostra um momento em que o pesquisador busca, através
da fala PESQ (34), organizar o trabalho do grupo, chamando a atenção dos participantes
para o item justificativa. Para tal, foram formuladas algumas perguntas cujas respostas
favorecem a construção da relação entre o tema e a justificativa, a partir de uma
estratégia de motivação, já que o grupo estava se distanciando dos objetivos do trabalho.
(34) PESQ: “A gente está considerando a produção e o consumo da energia elétrica. É
esse conteúdo que vai ser trabalhado. Como é que você justificaria isso? Por que vo
quer tratar isso? Porque isso não é comum de ser tratado dessa forma, certo? Por que
seria importante tratar isso? Não precisa ser grande.”
(35) JU: “Porque está difícil continuar com a produção de energia devido à falta de
petróleo. Água também. Nós temos bastante aqui no Brasil, mas tem muitos países que
já estão com essa dificuldade. Alguns rios estão secando.”
(36) GO: “Mas eu não entendi isso não. O projeto que você pediu foi pra [...] A
inclusão desse CTS?”
103
(37) PESQ: “Veja bem. Você vai fazer um projeto para aplicar com o teu aluno né?
Esse projeto vai tratar o tema produção e consumo da energia elétrica né? Por que?”
(38) GO: “Adaptar o CTS ali.”
(39) PESQ: “Você não precisa citar o referencial CTS.”
(40) NE: “O CTS já vai estar incluso, embutido ali.”
(41) PESQ: “A maneira como você vai sugerir é que vai refletir se você está usando
CTS ou não.”
(42) JU: “Acho que a justificativa seria conscientizar o aluno das situações de crise que
estamos tendo. Que ele se conscientize, no caso, da necessidade de produção e energia
e [...] É mais um trabalho de conscientização.”
(43) GO: “Evitar desperdício.”
(44) MR: “As fontes não são renováveis. Então, você pra fazer consumo [...]”
(45) GO: “A produção de energia no Brasil realmente [...] Estamos explorando mais
fontes hidrelétricas.”
(46) MR: “Se você não tiver uma preocupação em manter os rios [...]”
(47) JU: “Acho que a gente tem que se conscientizar de que se deve começar a
racionalizar a água, por exemplo [...]”
(48) MA: “Lá no Piauí. Eu estive lá no interior do Piauí. Eles pegam água da chuva e
põem em um poço para usar aquilo. É um poço enorme, de mais ou menos 20000
litros.”
(49) MR: “E tem cisternas familiares.”
(50) MA: “Lá no Piauí, isso funciona. Aqui, a gente nem dá bola pra isso, porque a
gente não precisa. Botar isso na cabeça do jovem pra que ele [...]”
Na fala da participante JU (35) inicia-se uma reflexão que relaciona a
dificuldade de produção de energia com a falta de petróleo e água, enquanto as falas de
GO (36) e GO (38) ainda mostram dúvidas do participante sobre como deveria ser a
inclusão do CTS no trabalho.
As falas do PESQ (37) e PESQ (39) buscam esclarecer que o enfoque CTS
significa uma forma de abordagem e não um conjunto de conteúdos a ser trabalhado
com os alunos.
104
Dentro do processo de compreensão do que seria o trabalho, o esclarecimento
apareceu nas falas de NE (40) e PESQ (41). Nesse momento, o diálogo mostra uma
tendência de entendimento do enfoque CTS como um “eixo estruturante”, de acordo
com o que recomenda Martins (2002).
A partir daí, a participante JU (42) passou a construir a sua proposta para a
justificativa baseando-se na necessidade de conscientizar os alunos em relação à crise
energética. Apoiados em Cruz e Zylbersztajn (2005), diríamos que este momento da
discussão caracteriza o potencial do “evento” crise de energia elétrica de 2001/2002
como agente desencadeador de uma série de reflexões sobre questões ambientais,
podendo mesmo ser considerado o ponto de partida para uma tempestade de idéias que
incluíram sub-temas relevantes na discussão, o que está de acordo com o que se espera
de um trabalho que objetive atingir as diversas dimensões abarcadas pelo enfoque CTS.
Dentre os sub-temas citados, destacamos a preocupação com o desperdício, que
aparece na fala de GO (43), as fontes não renováveis na fala de MR (44), a preocupação
com o uso racional da água na fala de JU (47) e o aproveitamento de água da chuva na
fala de MA (48), MR (49) e MA (50).
O participante NE introduz a relação entre consumo e produção de energia.
(51) NE: “Então, eu acho que o que nós temos aí é um alto consumo de energia contra
uma baixa produção. Não é nem que seja uma baixa produção em si. Não sei se o termo
seria esse, porque produção a gente tem. O problema é que o consumo é
desproporcional ao que a gente produz. Daí a gente entrar numa crise energética. Eu
acho que uma justificativa seria em torno disso.”
(52) NE: “Conscientizar o aluno devido a essa crise de energia que tivemos no início
do século. Já começamos o século XXI com crise de energia. É porque o negócio vai ser
complicado [...]”
(53) NE: “Devido à crise de energia do início do século XXI.”
(54) MR: “A gente pode fazer o seguinte: É como funciona em empresa. Faz uma
tempestade cerebral, vulgarmente conhecida como brain-storm. A gente anota e depois
coloca no papel.”
(55) NE: “Cada um anota o seu e depois discute?”
(56) PESQ: “Essa eu acho uma boa idéia sim. No silêncio, todo mundo escreve um
pouquinho no papel. Por exemplo, eu acho que ela (referindo-se à JU) conseguiu
organizar muito bem, já o GO falou as coisas de maneira mais solta.”
105
No momento em que o tempo do primeiro encontro terminou, o pesquisador
sugeriu aos participantes as seguintes atividades para o próximo encontro:
(57) PESQ: “Eu vou fazer uma proposta, já que nós estamos no laço. Vamos nos
comprometer então, em chegar na próxima aula com alguma coisa. Todo mundo vai
pensar um pouquinho. Pra hoje, nós gostaríamos que a justificativa e o objetivo
saíssem daqui, mais ou menos rascunhados. Mas não tem problema, vamos pensar
nesses três tópicos em casa. Eu gostaria que vocês fizessem o seguinte.”
Nas falas de NE (51) e NE (52) surgem considerações que envolvem a produção
de energia e o aspecto econômico, através de uma relação entre consumo e produção
construída pelo participante. Além disso, a valorização do “evento” crise energética
reaparece nas falas NE (52) e NE (53).
Em seguida, o grupo inicia uma fase mais organizacional procurando registrar
toda a discussão sobre a justificativa na forma de texto, como pode ser verificado nas
falas de MR (54), NE (55) e PESQ (56).
4.4 ANÁLISE DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO COLETIVA DAS
ESTRATÉGIAS NO SEGUNDO ENCONTRO
Após a aula expositiva, foi reiniciado o debate (oficina) em busca da construção
das estratégias pretendidas. Nesta fase do trabalho, mais uma vez, a coleta dos dados se
realizou através de gravações em áudio (K7) e vídeo dos momentos das oficinas.
Episódio 5
O trecho a seguir apresenta fragmentos de uma discussão do grupo em relação à
utilização dos recursos disponibilizados.
A provocação inicial partiu do pesquisador que, ao perceber o impacto causado
pela projeção da imagem do mapa e o debate que sucedeu àquele momento, aproveitou-
se dessa observação para motivar os participantes, buscando promover uma reflexão do
grupo sobre a relação entre consumo de energia elétrica e desenvolvimento, se
utilizando daquele recurso – imagem projetada.
(58) PESQ: “Qual a relação que vocês observam entre o desenvolvimento e esse
mapa?”
106
(59) NE: “Os países que consomem mais são os mais desenvolvidos. O consumo da
energia elétrica é como se fosse um nível de desenvolvimento”.
(60) PESQ: “Exatamente. Há uma relação direta entre consumo de energia e
desenvolvimento. Quem mais consome são os mais desenvolvidos. Passa a linha do
Equador ali. Olha pros hemisférios norte a sul do planeta. Você só tem África do Sul,
um pouquinho na Austrália e o Sudeste do Brasil. Por que o resto do planeta, embaixo,
é apagado”.
O pesquisador intervém na busca de auxiliar a organização do trabalho.
(61) PESQ: “Gente, olha só. Material pra cabeça viajar é o que não falta, não é
verdade? A gente tem o aspecto da música para trabalhar, a gente tem o mapa [...]”
O participante GO se identifica como nordestino após observar a sua região de
origem no mapa.
(62) GO: “Eu quero dizer pra vocês, que na minha Paraíba tem luz”.
(63) MR: “Agora você olha pra costa (referindo-se ao Nordeste brasileiro). Ela é
totalmente iluminada. Você vai olhando para o interior, é totalmente apagado”.
(64) GO: “No Brasil o Centro-Oeste e a Amazônia é totalmente apagada.”
(65) NE: “A Argentina também é escura.”
A necessidade de elaboração de material didático compatível com o enfoque
CTS para o ensino de física é apontada como um dos desafios a ser enfrentado pelo
professor (SANTOS e MORTIMER, 2000; MARTINS, 2002). A utilização do mapa
como recurso didático aparece no diálogo destacado como um elemento que favorece
uma reflexão em torno de diferentes dimensões compatíveis com o enfoque CTS –
tecnológica, social, econômica, que o tema abarca –, seus desdobramentos políticos e as
relações de poder entre os diversos países, sintetizadas na fala do participante NE (59), e
nas falas de GO (62) e MR (63), que elaboram essas relações entre desenvolvimento e
consumo de energia elétrica, inclusive, para diferentes áreas e regiões do Brasil.
O pesquisador orienta o grupo para a construção de estratégias que envolvam um
número maior de recursos disponíveis e não fiquem restritos ao mapa.
(66) PESQ: “Bom gente, vamos ver se a gente faz um exercício pra agora pensar mais
profundamente os objetivos [...] a justificativa. Agora, vamos pensar na metodologia
107
com essas coisas a mão. Como é que a gente pode pensar uma metodologia para
aplicar essas coisas? Tem que pensar.”
O participante NE introduz a idéia de definir um público-alvo, buscando
estabelecer uma organização para o trabalho que se inicia.
(67) NE: “Nós temos que definir primeiro o público-alvo.”
(68) PESQ: “Eu acho que é bom né. Se definir já o público-alvo é legal [...] definir logo
pra quem vai fazer o projeto.”
(69) GO: “Isso pode ser aplicado na terceira série. É quando o aluno já tem
conhecimento sobre energia cinética.”
(70) JU: “Tem um amadurecimento legal.”
O pesquisador fala da importância de levar em conta os pré-requisitos.
(71) PESQ: “Quer ver outra sugestão legal? Além de definir o público alvo é definir os
pré-requisitos que você acha que o aluno precisaria ter. Vamos supor que você
considere que ele já tenha conhecimento sobre energia potencial. Então, esse
experimento (referindo-se ao looping), entraria como um resgate disso. Uma atividade
experimental para ilustrar o princípio da conservação da energia e introduzir a
geração de energia como um processo de transformação também. Se você considera
que ele ainda não conhece nada disso, você pode propor uma atividade a partir disso
aqui (looping) para ensinar pro cara o princípio da conservação da energia. Então,
quando você define o público-alvo e os pré-requisitos, você tem que passar a pensar
nos objetivos. O teu objetivo é atingir aquelas pessoas pra ensinar isso (referindo-se ao
looping) pra elas.”
GO volta-se com entusiasmo para os equipamentos disponibilizados.
(72) GO: “Eu vou construir esse negócio (referindo-se aos experimentos históricos do
eletromagnetismo e ao looping, de forma entusiasmada).”
(73) NE: “Uma bateria de 9 volts não funciona?”
(74) PESQ: “Sim, mas quando a gente constrói essas coisas, a gente sempre tem que
pensar do ponto de vista pedagógico. Você colocar um monte de pilhas é legal porque
naquele momento o cara já está vendo uma associação em série de pilhas. Por que se
coloca essa resistência? Você está vendo que tem um resistor no meio do caminho? Pra
limitar a corrente. Pra não entrar em curto.”
(75) GO: “De quanto é o resistor?”
(76) PESQ: “De 10 para limitar a corrente em menos de 1 A.”
108
GO volta à definição da série a ser aplicada. Inicia-se uma discussão em torno da
organização dos conteúdos de forma compatível com a série.
(77) GO: “Acho que deve ser aplicado na terceira série do ensino médio.”
(78) JU: “Na terceira série ele já está mais maduro.”
(79) NE: “É, mas às vezes, ele não viu a conservação da energia no primeiro ano. Eu
falo, porque isso tem que constar no projeto.”
(80) JU: “Tem que ter o pré-requisito. Os conhecimentos prévios de [...]”
(81) NE: “Conservação da energia.”
No trecho de diálogo selecionado, encontramos dois aspectos que merecem
destaque:
Um deles se relaciona com a tendência de alguns membros do grupo de
compatibilizar os conteúdos CTS com os programas escolares. As falas de GO (65), JU
(70) e PESQ (71) mostram uma preocupação em adequar os assuntos que deverão ser
abordados aos programas tradicionalmente utilizados pelas escolas e de acordo com a
seriação. Essa tendência é reforçada nas falas de GO (77), JU (78), NE (79), JU (80) e
NE (81), que ilustram um “reducionismo metodológico” apontado por Meuchen e Auler
(2007a), como mais um desafio a ser enfrentado pelos professores, na medida em que
fortalece o papel de “vencer programas” atribuído a esses profissionais, além de
dificultar a compreensão da “abordagem temática” – fundamental para o enfoque CTS
–, como uma mudança curricular, para além de uma mudança meramente metodológica,
como costuma ser a compreensão dos professores, ainda segundo esses autores.
O outro aspecto a ser destacado diz respeito a motivações no sentido de
produção de equipamentos experimentais, que o material apresentado provocou em
alguns membros do grupo.
As falas de GO (72), NE (73), PESQ (74), GO (75) e PESQ (76) podem ser
representativas de um entusiasmo por nós observado, que se deu por conta da facilidade
de construção dos equipamentos e o baixo custo do material.
Segundo a nossa avaliação, este pode ter sido um elemento facilitador para
promover o interesse dos professores deste grupo em relação à produção de materiais
didáticos compatíveis com o enfoque CTS para o ensino de física (MARTINS, 2002).
109
Entretanto isso não significa que esses profissionais estejam confiantes para trabalhar
dentro da perspectiva CTS (Gouvêa e Leal, 2001). Segundo as autoras, essa motivação
nem sempre se traduz em ação devido à falta de confiança dos professores frente ao
desafio.
O pesquisador recolheu o material por escrito que cada participante trouxe de
casa e justificou a necessidade deste procedimento. Foi produzida uma cópia do
material e imediatamente devolvido aos professores.
(82) PESQ: “Isso (referindo-se ao material por escrito), é pra gente ter uma idéia do
que vocês refletiram em casa”.
Episódio 6
O trecho selecionado diz respeito a um momento em que os participantes
retornaram de um breve intervalo e a discussão se reinicia com o pesquisador
problematizando, a partir da orientação dos professores, no sentido de aproveitarem
todo o material disponibilizado para as atividades elaboradas e com isso motivar a
reflexão em torno da diversidade de aspectos que o material possibilita.
(83) PESQ: “Então, se vocês quiserem lembrar o que tem de material disponível, tem a
apostila sobre energia, os textos informativos, a música, os experimentos [...]”
GO reinicia os trabalhos a partir da leitura para o grupo, de um trecho do
material que trouxe escrito de casa.
(84) GO: “Este projeto deve ser aplicado nas turmas da terceira série do ensino médio.
Para o aluno entender este conteúdo, é necessário que ele tenha um pré-requisito
como: noção do que seja energia potencial e energia cinética”.
(85) GO: “E aí, a gente começa a fazer, daqui mesmo a metodologia, Como vamos
aplicar isso em sala de aula? Na terceira série ele tem que ter esse pré-requisito. Ele
pode não ver energia no primeiro ano, mas ele vê no segundo [...] Conservação de
energia tem que ser dada, nem que seja na segunda série”.
(86) JU: “E mais os conteúdos do começo da terceira série. Aqueles conceitos pra
chegar nessa parte de geradores.”
(87) GO: “A primeira parte é eletrização e daí já entra força elétrica, aquelas coisas
todas. E mais à frente, quando você for falar de circuitos, você apresenta essas coisas
todas. Você mostra como é que gera a corrente alternada. Primeiro você entra com
campo elétrico [...] mostra as linhas de força.”
110
Ao sugerir a introdução de aulas práticas, MR provoca uma discussão
importante sobre a utilização de experimentos.
(88) MR: “Se você começasse com aulas práticas, dentro da sala de aula, devagarzinho
[...] ?”
(89) GO: “Eu, por exemplo. Essa semana eu estava dando laboratório. Aula para a
terceira série. Então, a prática vai ser. Eles já estão entrando em corrente elétrica mas
como eles não puderam ir antes (referindo-se às aulas de laboratório), eu vou mostrar
toda essa parte de torniquete elétrico, gerador eletrostático, e aí a gente mostra essa
parte toda de linhas de campo, campo elétrico e aí, não entra nisso aí, mas em uma
segunda parte, antes de entrar na eletrodinâmica, pode entrar com isso aqui, quer
dizer, seria uma proposta: faz os exercícios que eles têm que fazer, pra fazer vestibular,
essas coisas. Antes de entrar na eletrodinâmica você daria um mês com essa parte toda.
Quando ele entrasse na eletrodinâmica, já teria noção de como foi gerada a corrente
senoidal, essas coisas todas.”
(90) JU: “Ele tem que ter um conhecimento prévio até de campo elétrico.”
(91) GO: “Não, campo elétrico ele já viu.”
(92) NE: “Antes dele entrar na eletrodinâmica, entra uma parte dessa só experimental.
Ele não precisa ter conceito de corrente alternada e contínua?”
(93) GO: “Você terminou campo elétrico. Muita gente entra em corrente elétrica. Antes
de entrar nisso aí (referindo-se à corrente elétrica) você entra com isso (referindo-se
aos conteúdos abarcados pelas atividades por eles elaboradas). Mostra como é
gerado”.
A preocupação com alguns conteúdos disciplinares surge nas falas de GO (84),
GO (85), JU (86) e GO (87) de forma ainda despretensiosa e imatura, motivada pela
intenção dos participantes em definir os pré-requisitos. O que nos chamou a atenção
foram sugestões referentes à introdução de aspectos associados à corrente alternada,
presentes na fala de GO (87) e reforçada em outra fala (89) do mesmo participante, uma
vez que este conteúdo não costuma ser abordado pela maioria dos programas escolares
do ensino médio e nem mesmo em cursos de formação de professores de física ou
bacharelado em física.
Acreditamos que o interesse desse professor pode ter sido motivado pela
disponibilidade do equipamento experimental (gerador elétrico) e pelo fato deste
conteúdo ter sido abordado nos momentos de aula expositiva. Entretanto, não podemos
deixar de dar especial atenção a uma possível facilidade do participante em mobilizar
saberes experienciais (TARDIF, 2002) advindos da sua atividade como técnico em
eletrônica, onde esse conteúdo é fundamental para o exercício desta sua outra atividade.
111
Ainda sobre os saberes experienciais, a fala de GO (89) traz elementos da sua
vivência em relação a algumas dificuldades encontradas no interior das escolas, no que
diz respeito às aulas experimentais em laboratório. Normalmente, muitas dessas
dificuldades estão associadas à burocracia escolar – incompatibilidade entre a
disponibilidade de horários para as aulas de laboratório geralmente preteridas, e os
horários disponibilizados para as aulas expositivas, consideradas prioritárias em função
da necessidade do cumprimento dos programas.
Devido à atenção a esta burocracia escolar, a sua fala mostra que a reflexão do
participante no momento da sua ação na escola favoreceu uma improvisação no sentido
de adequar as incertezas e singularidades da prática (SCHÖN, 1992) à obediência à
seqüência aula expositiva/aula prática que normalmente prevalece nos ambientes
escolares, sobretudo em escolas de perfil técnico, como é o caso do contexto onde GO
desenvolve a sua prática profissional. Além disso, na fala de GO (93) verifica-se uma
sugestão de mudança na ordem de abordagem de conteúdos disciplinares
tradicionalmente trabalhados na terceira série do ensino médio, em favor da introdução
das atividades que estão sendo organizadas pelo grupo.
Entretanto, mesmo mostrando esta capacidade de improvisação e a
predisposição à inovação, como no caso da introdução dos conteúdos referentes à
corrente alternada e a mudança da seqüência tradicional, a força dos programas
escolares e a ‘obrigação’ de atendimento às expectativas do vestibular ainda exerce
grande influência sobre o pensamento do participante em questão, provocando conflitos
com os quais o professor se depara nesses espaços de formação onde aparecem
novidades em relação à sua prática cotidiana (SANTOS et al., 2006), como no caso
dessa ação formativa em que eles se envolveram na nossa pesquisa.
A preocupação com a seriação e com a adequação dos conteúdos disciplinares e
programáticos às atividades construídas já foram mencionada anteriormente e ainda se
encontram presente neste trecho de diálogo, exemplificando o papel do chamado
“pensamento docente de senso comum” (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001) enquanto
elemento a ser superado durante a ação formativa do participante. Embora seja ele um
professor experiente, a sua formação inicial fundada em disciplinas compartimentadas e
a própria formação oriunda da sua socialização no ambiente escolar tradicional
(TARDIF, 2002), parece influenciar sobremaneira o seu pensamento no sentido de
“vencer programas” (MUENCHEN e AULER, 2007a), o que representa uma
incompatibilidade com o enfoque CTS.
112
Essa situação vivida pelo professor participante é comum, segundo Santos et al.
(2006), em cursos de formação continuada, que envolvem a produção de novos
materiais didáticos. Para os autores, essas propostas representam grandes desafios para
esses professores, uma vez que demandam negociações conflituosas entre o novo e a
tendência dos professores de reproduzirem concepções consagradas em sala de aula.
Episódio 7
No trecho selecionado, a discussão inicia com o pesquisador buscando chamar a
atenção para a importância do envolvimento do maior número possível de dimensões do
enfoque CTS nas atividades propostas por eles. Entretanto, as falas se concentraram em
torno da importância de atividades experimentais, com destaque para as contribuições
provenientes das experiências dos professores participantes.
(94) PESQ: “Procurem refletir, se no que vocês estão pensando, vocês estão levando
em consideração a questão política, a questão econômica, a questão ambiental. Na
metodologia, tentem fazer tudo isso de forma imbricada, tentar imbricar tudo isso. Eu
sei que não é um exercício fácil não”.
NE volta a falar da importância do uso de experimentos, contando o caso do
recente encontro com uma ex-aluna, que hoje já está estudando pedagogia.
(95) NE: “Ela declarou que o que ela sabe de física, é por causa de um experimento
que foi feito com a turma na época. Eu nem me lembro que experimento foi. Acho que
foi um pêndulo eletrostático pra eles verem a atração entre as cargas elétricas”.
(96) MR: “Você já fez aquela assim: você pega o canudo e puxa?”
(97) PESQ: “Agora, esse depoimento dela [...] você veja o poder do experimento. A
pessoa pode não guardar nada da matéria, mas o negócio do experimento ela não
esqueceu.”
(98) GO: “Olha, tem um experimento muito simples que você pode fazer. Você pega
uma lata de cerveja. Você coloca a lata em cima da mesa, pega um pedaço de tubo de
PVC, esfrega ele bastante no jornal e depois você aproxima da lata. A lata vem
girando, girando. Quando você para ela para também. Assim, você mostra a atuação
da força elétrica e ainda fala pra ele a distribuição de cargas na lata da cerveja. É
interessantíssimo. Aí eu pergunto: por que é que está girando? Pô ta girando porque é
SKOL.”
(99) MR: “Você diz que vai fazer experiência pra eles, eles já ficam te olhando.”
113
As falas de NE (95), PESQ (97) e MR (99) trazem um momento em que os
participantes desviam do foco do trabalho – construção das estratégias específicas
ligadas ao tema – ampliando a discussão no sentido de uma valorização das atividades
experimentais de maneira geral. Além disso, a riqueza de detalhes que aparece na fala
de GO (98) ao descrever o seu experimento com o bastão eletrizado e a lata, possibilitou
ao grupo um momento de aprendizagem através da socialização, o que qualifica esse
espaço de ação formativa como propício para a reflexão pela imersão dos indivíduos e a
construção coletiva de outros saberes, em um processo de interação entre os pares
(TARDIF, 2002; SANTOS et al., 2006).
Episódio 8
O trecho a seguir se relaciona com um momento em que os participantes
procuram tomar a iniciativa para a redação do texto contendo as estratégias propostas
que constam da justificativa, do objetivo e da metodologia a ser aplicada.
(100) GO: “Bom, o negócio agora é passar pra cá (referindo-se ao ato de escrever o
que foi pensado. Fala com ar de preocupação, como quem considera a tarefa difícil).”
(101) JU: “Isso é que é triste.”
(102) NE: “A gente fala, fala, fala, mas escrever[...]”
(103) JU: “A gente tem que ter tempo pra pensar.”
O participante GO chama a atenção para o tempo necessário à realização das
atividades propostas junto aos alunos em sala de aula.
(104) GO: “Em quantas aulas a gente daria isso?”
(105) PESQ: “É isso aí, tá vendo? Como um tema desses poderia ser trabalhado? O
que eu faria no primeiro momento? Pensem, diante dessas possibilidades todas, vocês
têm: os experimentos, os textos, o mapa, a apostila. Qual a melhor forma de começar?
Como seria mais conveniente começar?”
(106) JU: “Seria mais conveniente começar com o texto (referindo-se aos textos
informativos retirados dos jornais) né?”
(107) GO: “Texto ou a música, por exemplo.”
(108) NE: “É, eu começaria com a música e passando a questão pra ele.”
114
(109) GO: “Daria o texto da música pra ele. Mandaria eles ouvirem a música com o
texto na mão.”
(110) JU: “Daria um tema para instigar uma discussão em sala de aula pra eles
começarem a se situar.”
(111) GO: “E depois, pedir pra eles associarem a letra da música. O que tem a ver a
letra com o tópico que nós vamos lançar, que é estudar energia. Aí falamos dos
alagamentos e das cidades [...] ”
(112) NE: “A importância da construção dessa usina.”
JU demonstra preocupação em considerar as idéias prévias dos alunos.
(113) JU: “Colher as idéias deles.”
(114) GO: “Fazer um apanhado de uma porção de coisas.”
(115) MR: “Eu pensei assim: abriria com a música, em seguida jogava o mapa, ao
término da música você colocava uns textos. Partindo disso, você reforçaria, antes de
entrar nos experimentos, a energia cinética e a energia potencial. Pra depois você
entrar nos experimentos históricos. O mapa e a música você pode inverter.”
(116) NE: “Acho que esse mapa deveria ser usado no final, pra essa discussão política
e econômica.”
(117) MR: “Aí eu pensei assim: eu abriria com a música e colocava o mapa,
projetando.”
(118) GO: “Mas você tem esse material para projetar?”
(119) NE: “Mas isso não é difícil de conseguir não. Você pode usar até transparência.”
Dentre os aspectos a serem destacados nesse trecho, encontramos nas falas de
GO (100), JU (101), NE (102) e JU (103) a dificuldade com a escrita como um fator que
influenciou diretamente a organização na forma de texto, das atividades pensadas pelo
grupo, que consideramos estar também associado à precariedade da formação desses
docentes (LÜDKE e BOING, 2004). Nossa observação nos levou a identificar, a partir
das reflexões do grupo, um certo incômodo no trato com esta realidade por eles
externada em suas falas, que caracteriza um quadro de baixa auto-estima, aspecto
considerado fundamental para a construção de uma identidade profissional
(FONTOURA, 2007; SANTOS et al., 2006; LÜDKE e BOING, 2004) que promova
uma nova profissionalização docente.
115
Acreditamos que a dinâmica utilizada ao longo das oficinas, onde a construção
das estratégias se deu de forma cooperativa (SANTOS et al., 2006) e dialógica entre
pares, contribuiu para minimizar não só os problemas referentes ao ganho de
experiência com a produção de textos, como para melhorar a auto-estima dos
participantes do grupo, na medida em que se tornaram, também, espaços para desabafos
que parecem ser compartilhados por todos.
No momento em que o grupo procura definir por onde começar, diante das
opções trazidas pelo material disponibilizado, os participantes manifestam suas
preferências. No caso de JU (106) e JU (110), a preferência é iniciar pelos textos
informativos como tema para reflexão dos alunos. Já nas falas de GO (107), GO (109) e
GO (111), surge uma preferência pela música e uma percepção bastante oportuna da
relação entre o texto da letra da música com aspectos sócio-ambientais relacionados à
produção de energia elétrica por meio de hidrelétricas e os alagamentos inevitáveis
nesses processos produtivos. O resultado dessa reflexão é complementado na fala de NE
(112), que chama a atenção para a importância da construção dessas usinas.
Um aspecto importante a ser destacado é o interesse mostrado na fala de JU
(113) em levantar as idéias prévias dos alunos. Essa iniciativa apareceu pela primeira
vez de maneira clara, embora a participante já viesse mostrando uma mobilização nesse
sentido em outras oportunidades, onde a sua intenção ainda não havia ficado clara. Mas
a iniciativa não chegou a seduzir o grupo, que continuou priorizando a discussão sobre
os recursos didáticos disponíveis.
Nas falas de MR (115) e MR (117) surgiu a idéia de associar a música à imagem
projetada do mapa, provocando uma retomada por parte de NE, um entusiasta do mapa,
no sentido da utilização daquele recurso na parte final da proposta, como aparece na fala
NE (116). A estratégia foi questionada na fala de GO (118), ao mostrar-se atento à
burocracia e preocupado com a infra-estrutura das escolas. Esse questionamento levou
NE a uma reflexão que originou uma solução mais compatível com a realidade de
escolas que, em geral, não possuem projetores de data-show. Na fala de NE (119) a
solução sugerida foi o uso de retro-projetores e transparências.
Mais uma vez, a dinâmica das oficinas pareceu favorecer uma discussão muito
rica envolvendo uma das coisas que consideramos mais importantes na formação do
educador que pretende trabalhar de acordo com as orientações CTS para o ensino de
física. Refiro-me à capacidade de articulação das diferentes dimensões abarcadas pelo
enfoque CTS. Neste caso, representadas pelos diversos recursos didáticos
116
disponibilizados. Além disso, destacaríamos a importância desse espaço de formação
como um “practicum reflexivo” (SCHÖN, 1992), na medida em que cria reais
condições para que os professores participantes possam refletir sobre suas práticas, suas
situações profissionais e suas realidades escolares.
Se nos concentrarmos nas argumentações de GO dentro do processo dialógico
entre os participantes, poderemos observar uma insistência por iniciar as atividades pelo
texto da música. Apoiados em Tardif (2002), diríamos que essa preferência poderia ter
uma explicação nos saberes experienciais do participante, uma vez que este se identifica
como nordestino, como pode ser verificado em sua fala GO (62). A música proposta
trata de uma temática que lhe é familiar, que lhe diz alguma coisa, que tem um
significado para aquele participante devido à sua origem diferenciada do resto do grupo.
Ali pudemos constatar o poder da contextualização que leva em conta o aspecto da
regionalidade, como orientam os PCNs. É como se esse elemento, que muitas vezes nos
passa despercebido, fizesse o papel de elo de ligação entre o assunto a ser abordado e o
interesse do educador, ou do próprio educando, como estamos acostumados a ver em
nossas classes.
Episódio 9
No trecho destacado a seguir, encontramos uma discussão que se desenvolveu a
partir de uma iniciativa do participante GO no sentido de introduzir os equipamentos
experimentais mostrados no anexo 6 - reproduções dos experimentos realizados por
Öersted e Faraday ao longo do século XIX -, com os quais os participantes tiveram
contato durante as aulas expositivas. Esses recursos didáticos foram utilizados para
abordagem dos conteúdos físicos levando em conta aspectos da história do
eletromagnetismo, visando facilitar a compreensão do processo de evolução desses
conhecimentos, ao longo daquele século de forma contextualizada com o momento
histórico mundial e com os desdobramentos causados por esses conhecimentos nos
campos econômico e social a partir do século XX.
(120) GO: “Num segundo momento usaríamos que aparelho? Em um segundo momento
usaríamos a bobina de Faraday e o experimento de Öersted, para mostrar a geração de
uma corrente elétrica. Geração? Está certo isso?”
117
PESQ intervém para esclarecer pontos do conteúdo de física – confusão entre a
produção de campo magnético através de corrente elétrica e o fenômeno da indução
eletromagnética.
(121) PESQ: “É indução. Mas o primeiro não é indução, o experimento do fio (do
Öersted). Agora, tanto o da bobina como o do anel mostram o princípio da indução
eletromagnética.”
(122) GO: “Só que o fio não é indução né? O fio você aplica uma corrente não é isso?”
(123) PESQ: “É, você aplica uma corrente e aparece um campo magnético.”
(124) GO: “Você joga uma corrente e gera um campo magnético. Faz o inverso.”
(125) PESQ: “A corrente produz campo magnético. Agora, a indução é o contrário.
Campo magnético é que induz o aparecimento de corrente elétrica.”
(126) GO: “Como é que você falou? Aplica-se uma corrente e ela gera um campo né?”
(127) PESQ: “É [...] quem induz a corrente é a variação das linhas de campo; variação
de fluxo magnético. Você pode produzir isso de duas formas: se o campo magnético
tiver sendo produzido por uma corrente elétrica, quando você varia essa corrente
elétrica, você, automaticamente, varia o campo. Aí, você induz do outro lado. Foi assim
que Faraday percebeu. Como ele associou isso à variação das linhas de campo, ele
disse: vou tentar fazer com o imã. Se funcionar com o imã é porque eu estou certo. Aí
ele fez com o imã e tudo bem.”
(128) GO: “Mas eu estou partindo da do fio.”
(129) PESQ: “Ah! A do fio é a inauguração do eletromagnetismo. Não é o Faraday
ainda. Na hora que a corrente passa no fio, aparece um campo. Esse experimento
mostra que a corrente elétrica está diretamente associada ao campo magnético que
aparece.”
(130) GO: “Gera um campo.”
GO volta a pensar no texto depois da discussão sobre os conteúdos do
eletromagnetismo com o pesquisador.
(131) GO: “Em um terceiro momento, usaríamos o gerador.”
O diálogo estabelecido entre o participante GO e o pesquisador mostra que,
inicialmente a compreensão do participante em relação aos conteúdos do
eletromagnetismo não estava clara, como podemos constatar na fala de GO (120), onde
118
ele apresenta dúvidas em relação à dependência entre campo magnético e corrente
elétrica, e em relação ao fenômeno da indução da corrente elétrica a partir da variação
do número de linhas de campo (fluxo magnético). Acreditamos que essas dúvidas
podem ser compartilhadas por outros participantes, uma vez que estes se omitem da
discussão, adotando uma postura passiva e de observação dos argumentos de GO e do
pesquisador.
Motivado pela percepção em relação às dificuldades apresentadas por GO, o
pesquisador intervém no sentido de dirimir essas dúvidas. O resultado dessa dinâmica
encontra-se representado nas falas do trecho selecionado. Vale destacar que o tempo de
trabalho com esses conteúdos foi escasso, limitado pela disponibilidade que as aulas
expositivas permitiram, não dando aos participantes a oportunidade de reflexão sobre
essa física, embora consideremos esses conteúdos como tendo sido abordados, pelo
menos, ao longo do período de formação inicial de cada um.
Além disso, esses conteúdos do eletromagnetismo não haviam sido identificados
pelos participantes na fase da pesquisa e reflexão prévia individual, sugerida pelo
pesquisador após o primeiro encontro. Naquele momento, apesar das propostas do
grupo visarem aplicação das atividades na terceira série, a relevância desses conteúdos
físicos – normalmente abordados na terceira série – não foi explicitada por nenhum dos
participantes em suas declarações; nem mesmo ao longo das discussões no primeiro
encontro.
A introdução desses conteúdos se deu por iniciativa do pesquisador, quando da
utilização dos experimentos e do texto histórico, incorporados à discussão com o
objetivo de desafiar o grupo em relação ao uso de experimentos, de aspectos da história
do eletromagnetismo e sobre o “conhecimento da matéria a ser ensinada”
(CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001), também definido por Tardif (2002) como “saber
disciplinar” e considerado pelos autores como indispensáveis à formação docente.
O participante GO, que já havia proposto a introdução de conteúdos de “corrente
alternada” nas falas GO (87) e GO (89), em um momento anterior a essa discussão,
reforçou essa tendência ao sugerir a introdução do recurso do gerador na fala GO (131).
Entretanto, se acompanharmos a dinâmica do diálogo acima, verificamos que este
demonstrou uma insuficiência de domínio conceitual sobre o princípio da indução
eletromagnética.
Essa possível contradição pode encontrar explicação no fato de o participante
possuir saberes experienciais (TARDIF, 2002) associados à sua atividade de técnico em
119
eletrônica, que dão a ele uma visão geral, pouco rigorosa do ponto de vista conceitual,
baseada na “informação” de que esse gerador produz correntes alternadas, sem,
contudo, fazer a conexão com o conceito básico – indução eletromagnética – que está
por trás do funcionamento deste aparato.
Nesse caso, esse saber da experiência de GO, onde o gerador é entendido como
uma “caixa preta” pode trazer contribuições para a ação pedagógica do participante em
suas aulas do ponto de vista ilustrativo e, ao mesmo tempo, ser limitado em relação à
perspectiva do enfoque CTS para o ensino de física. O ensino do “funcionamento deste
aparato tecnológico” isoladamente representa uma forma “alienante” de abordagem, de
acordo com Santos e Mortimer (2000). Por outro lado, pode representar uma perspectiva
que se aproxima da categoria 8 – o conteúdo CTS prevalece e o conteúdo de ciências é
mencionado somente para indicar uma vinculação com a ciência – da classificação
proposta por Aikenhead (1994), considerada pelo próprio autor como uma perspectiva
radical em relação ao enfoque CTS.
Acreditamos que seja importante chamar a atenção para um aspecto interessante
que surgiu anteriormente, nas falas de NE (92) e GO (93), quando o segundo sugeriu
uma inversão na ordem de abordagem de conteúdos, propondo o início a partir da
discussão de como a corrente elétrica é gerada em gerador de corrente alternada.
Essa iniciativa considerada avançada em relação à “obrigação de cobrir
programas” (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001), carece de uma melhor avaliação a
essa altura do processo de construção das estratégias, em função de tudo o que foi
discutido no parágrafo anterior. A inversão proposta pelo participante GO deve ser feita
de forma muito cuidadosa, a nosso ver, pois não pode vir acompanhada de uma
superficialidade que leve à alienação, como apontado por Santos e Mortimer (2000).
Episódio 10
A falas da participante JU trazem uma proposta que sintetiza uma seqüência
didática elaborada pela participante até aquele momento da discussão. A seqüência
inicia com um relato sobre algumas experiências suas, e segue uma ordem onde a
introdução dos conteúdos e recursos didáticos está baseada em elementos que compõem
os seus saberes docentes e os saberes de outros participantes. Verifica-se ainda nessa
dinâmica, uma motivação provocada no participante GO que resultou na elaboração de
uma proposta para a seqüência didática que, segundo a sua visão, deveria compor o
conjunto de estratégias em construção.
120
A discussão que esse espaço de formação proporcionou, nos informa um pouco
de como os saberes experienciais e os saberes disciplinares (TARDIF, 2002) podem
influenciar duas concepções diferentes, representadas nas falas a seguir, onde cada
participante busca ‘fazer valer’ o seu modo de ver a introdução desses conteúdos e
recursos didáticos a partir de suas interpretações sobre os pressupostos e diretrizes do
enfoque CTS para o ensino de física, o processo de produção da energia elétrica e seus
desdobramentos.
(132) JU: “Em todos os projetos que eu já trabalhei (Sucesso escolar, Acelera jovem) a
gente utilizava, ou lia um texto, onde chama a atenção de todos. Colhe o pensamento de
alguns alunos. Coisas assim, referentes ao cotidiano deles. Aí, geralmente, o que um
vive, a maioria da turma vive a mesma situação. Em uma questão de dez minutos você
faz isso. Só mesmo pra chamar a atenção de todos. Quando todos se envolvem naquele
assunto, você rapidamente puxa para a apostila, no caso o conteúdo que será o seu
objetivo. Eu trabalhei assim e achei que fui bem. Entraria com conteúdo, conceitos
básicos, leis, teorias, dentro do conteúdo que você pretende trabalhar. Que é o seu
objetivo. Aí você aproveita pra trazer pro aluno o conhecimento. No caso, da história
da ciência, paralelamente com a história da tecnologia. Você iria começar a contar a
história da ciência e comparando com o avanço da tecnologia. Até que o aluno tenha
uma conscientização ampla da situação em que o mundo se encontra. Daí você entra
com o experimento pra poder ele já estar bem consciente da situação, onde ele vai dar
mais atenção ainda. Aí faz a demonstração na prática.”
O pesquisador percebe o momento favorável e procura incentivar um
aprofundamento da proposta, desafiando a participante em relação a um maior
detalhamento da seqüência didática apresentada.
(133) PESQ: “Você tem uma idéia de como você proporia isso?”
(134) JU: “Dependeria do texto (referindo-se aos textos informativos do anexo 8). Teria
que selecionar o texto, ou poderia ser essa música (Anexo 9). Desde que você está
falando sobre água, sobre o rio. Coisas que o aluno já sabe.”
(135) GO: “A letra da própria música seria interessante, porque quando ele começasse
a ouvir e ler a música. Ele vai ouvir a música, ler o texto. O que quer dizer isso? Aí
você vai começar. Quantas cidades foram alagadas nessa música? Pra ele começar a
descobrir onde você vai chegar.”
(136) JU: “Você começa a problematizar. O aluno adora uma situação assim, porque
são coisas do conhecimento dele.”
(137) GO: “Você joga pra ele: as hidrelétricas causam algum dano ao meio ambiente?
À sociedade, e tal [...] ? Escreve aí pra mim o que é que você acha que construir uma
hidrelétrica ocasiona. Quais são os problemas que gera pra sociedade? E aí, quando
ele começar a se interar disso você vai começar a jogar energia cinética.”
121
(138) JU: “Começa a entrar o conteúdo.”
(139) GO: “Mas eu fiz assim. Eu vou ler. Esse trabalho pode ser aplicado em seis
aulas. Para a introdução inicial pode ser apresentada a música e uma cópia da letra
para que eles reflitam sobre o que estão lendo. Após esse primeiro momento, usaria o
looping (Anexo 7). Isso eu trabalhando a aula sobre eletricidade. Aí, mostraria pra ele
– eu já coloquei aqui em cima que ele tem uma noção de energia cinética e potencial
(referindo-se aos pré-requisitos anteriormente definidos). Então, sacramentava cinética
e potencial gravitacional pra ele.”
(140) PESQ: “O princípio da conservação da energia, porque esse experimento é
particularmente importante pra trabalhar o princípio da conservação da energia.”
(141) GO: “No segundo momento, usaríamos a bobina de Faraday e o experimento de
Öersted para mostrar o princípio da indução eletromagnética. Aplicando-se uma
corrente elétrica num fio de cobre gera um campo magnético. Mostrar pra eles isso. Aí,
entrar um pouquinho com a história da ciência. Você pode pegar um texto aqui mesmo
da apostila. Tirar um texto e mostrar pra ele a evolução. Oh isso começou assim.”
(142) PESQ: “Só não esquecer que aqui (referindo-se ao looping) também ocorre uma
transformação de energia potencial em cinética e depois em potencial de novo. Aqui
(referindo-se ao gerador) está havendo transformação de energia mecânica em
elétrica.”
(143) GO: “Só que aqui eu coloquei assim: usaria o gerador para transformação da
energia da água, que é uma energia potencial [...] dos ventos e até mesmo do homem,
porque eu posso colocar uma manivela e ficar girando ali, eu vou gerar [...] em energia
elétrica. Eu precisaria de mais umas duas aulas para a metodologia e depois era só
cair dentro, fazendo exercícios.”
(144) PESQ: “Ah sim. A gente já está com um caminho pensado. Ela (referindo-se à
JU) foi muito feliz em pensar na problematização.”
(145) JU: “Eu sempre procuro usar esse método (referindo-se à problematização a
partir de textos) na minha aula, antes do conteúdo.”
O pesquisador chama a atenção para a importância do fator conscientização,
apoiado na fala de JU (132).
(146) PESQ: “Porque isso traz pra aquilo que você (referindo-se à JU) falou. Traz uma
conscientização. A conscientização é um ponto importante no CTS. É pra isso que a
gente ensina com esse enfoque. No fundo, é pro camarada se instrumentalizar, pra
refletir sobre questões sociais mesmo. Não é só pra ficar olhando pra física e pro
vestibular.”
(147) JU: “Ele tem que saber que esse experimento que vai ser mostrado é pra ele
pensar em resolver o problema que está aí. Uma forma de gerar energia, mas lógico
122
que ele não vai pegar isso aqui para resolver o problema. Ele vai ter um conhecimento
básico pra poder desenvolver os ideais.”
(148) PESQ: “O que ele (referindo-se à GO) falou é um negócio interessante. No
gerador, aquele moinho ali, o vento pode rodar aquilo, a água pode rodar aquilo. O
vapor de uma caldeira de uma termoelétrica ou de uma termonuclear. Quem vai
movimentar aquilo ali é que é a fonte que vai ser utilizada.”
(149) MR: “É, uma roda d’água.”
(150) GO: “Você transforma a energia cinética da água.”
(151) PESQ: “Você está usando a energia cinética daquela massa de água pra mover.
Na usina, a água que está represada está a uma grande altura, carregada de energia
potencial gravitacional. Quando ela despenca, essa massa de água chega embaixo
carregada de energia cinética, e é essa energia que vai ser transformada em energia
elétrica. Então, você parte da energia potencial gravitacional, transforma em energia
cinética de rotação, transfere essa energia para as pás da turbina e é essa energia que
vai ser transformada em energia elétrica no interior do gerador.”
Nas falas de JU (132), JU (134), JU (136) e JU (145) surgem, segundo a nossa
interpretação, elementos que caracterizam uma posição progressista em relação a uma
perspectiva construtivista, tomando-se por base as recomendações de Batista e Salvi
(2006), e Carvalho (2003).
Essa tendência, que consideramos ter sido influenciada pelos temas e conteúdos
abordados nas aulas expositivas e pela presença dos recursos didáticos disponibilizados,
além do conjunto de saberes docentes mobilizados pela professora, ganha visibilidade
nas falas de JU acima citadas, onde esta sugere uma seqüência problematizada a partir
da utilização dos textos informativos (Anexo 8), que podem ter sido identificados por
JU como referentes a problemas do cotidiano, dentro da perspectiva que Cruz e
Zylbersztajn (2005) definiram como “evento”.
Somente após uma valorização explícita do levantamento das concepções
prévias (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001) dos alunos em relação ao tema contido nos
textos e de uma contextualização, a participante propõe a introdução dos conteúdos a
serem trabalhados – conceitos físicos –, seguidos da história da ciência, em paralelo
com o avanço tecnológico, na busca de uma “conscientização” em relação ao que Gil-
Pérez e Vilches (2006a; 2006b) definiram como “situação de emergência planetária”, e
representada em sua fala JU (132) como “conscientização ampla da situação em que o
mundo se encontra”. Por último, JU propõe a introdução de experimentos.
123
Essa forma de propor a introdução de elementos da história da ciência,
correlacioná-los com o avanço da tecnologia e com a conscientização frente às questões
ambientais, está de acordo com o que autores como Solbes e Traver (2003; 1996), Pirani
e Caluzi (2003), e Cudmani e Sandoval (2007) consideram como requisitos
indispensáveis para educadores que pretendam trabalhar com propostas que se afinem
com os enfoques CTS ou CTSA para o ensino de física.
A exemplo de JU, as falas de GO (135) e GO (137), priorizam, mais uma vez, a
audição e o texto da música (Anexo 9) como recurso para a abertura da sua proposta de
seqüência didática. Em seguida, verifica-se uma tendência de introdução dos conteúdos
da física a partir dos recursos experimentais, principalmente.
A temática presente no texto da música trata de aspectos sócio-ambientais
relativos aos problemas associados a processos de produção de energia elétrica por meio
de usinas hidrelétricas. Isso, a nosso ver, facilitou sobremaneira a elaboração da
proposta de contextualização presente nas falas GO (135) e GO (137), onde apareceram
atividades que trazem a vantagem de propor uma contextualização desses conteúdos a
serem abordados, de acordo com o que se espera de uma proposta CTS ou CTSA
(ALVES et al., 2007; PRAIA et al., 2007; RÍOS e SOLBES, 2007; SOLBES e
VILCHES, 2005 e 2004).
Essa forma de encaminhar a seqüência didática representa um avanço no sentido
de uma perspectiva construtivista, a nosso ver, uma vez que problematiza a relação
entre produção de energia elétrica e seus desdobramentos sócio-ambientais, a partir de
perguntas cujas respostas demandam reflexão e pesquisa por parte do aluno,
possibilitando uma construção do conhecimento (BATISTA e SALVI, 2006;
CARVALHO, 2003) de forma significativa.
Na fala de GO (139) observa-se a introdução do recurso experimental do looping
(Anexo 7) especificamente para abordagem do princípio da conservação da energia. A
nosso ver, a maneira como o participante propõe a atividade, enfatizando que esta seria
introduzida na aula de eletricidade, mas de uma forma isolada, não favorece a conexão
esperada com o processo de produção da energia elétrica, o que pode significar uma
falta de percepção em relação ao uso da “analogia” (SHULMAN, 1987; 1986) entre
um conteúdo já conhecido, considerado pré-requisito pelo grupo e representado pelo
looping, com o conteúdo novo a ser introduzido através do gerador, o que poderia
facilitar a compreensão de dois aspectos fundamentais em relação ao ensino de energia:
o caráter universal do conceito de energia e o entendimento do processo de produção da
124
energia elétrica como uma transformação (DOMÉNECH et al., 2007; 2001; BARBOSA
e BORGES, 2006; SILVA e CARVALHO, 2006) de energia mecânica – cinética de
rotação – em energia elétrica.
As falas PESQ (140), PESQ (142), GO (143), PESQ (148), MR (149), GO (150)
e PESQ (151) representam a dinâmica que se estabeleceu na discussão a partir da
intervenção do pesquisador no papel de colaborador para a organização da seqüência
didática. A preocupação com os aspectos apontados anteriormente em relação ao ensino
de física foi a motivação para uma intervenção diretiva, sem levar em conta o tempo
necessário para a construção do conhecimento por parte do grupo (CARVALHO, 2003),
o que caracteriza um momento em que o pesquisador se afasta do seu papel de promotor
de uma dinâmica construtivista e se desloca para uma posição mais conservadora e
imediatista, característica de práticas tradicionais que se baseiam na
transmissão/recepção do conhecimento.
Entretanto, apesar da reflexão feita no parágrafo anterior, observamos um
amadurecimento do participante GO em relação àqueles aspectos, sobretudo no que diz
respeito ao entendimento do processo de produção da energia elétrica como uma
transformação, sintetizada na fala GO (143): “usaria o gerador para transformação da
energia da água, que é uma energia potencial [...] dos ventos [...] em energia elétrica”
e, reforçada nas falas PESQ (148), MR (149), GO (150) e PESQ (151), onde o
entendimento do processo parece ficar claro para GO e MR, inclusive em relação às
fontes energéticas envolvidas (potencial da água e do vento).
Acreditamos que a compreensão sobre esse processo pode ter favorecido os
outros membros do grupo em relação à concepção sobre a forma como os conceitos
físicos e as fontes de energia estão envolvidos, e sobre o caráter universal do conceito
de energia. Vale destacar o papel da “analogia” (HENZE et al. 2007; SHULMAN,
1987) utilizada pelo pesquisador entre dois aparatos experimentais (looping e gerador)
como elemento fundamental para o entendimento desse processo de transformação de
caráter universal.
A fala do PESQ (146) buscou resgatar a fala de JU (132) em relação à
valorização da conscientização como “um ponto importante no CTS”, na medida em
que identificou essa percepção de JU como elemento que poderia favorecer o
amadurecimento do grupo sobre um dos principais pressupostos do enfoque CTS:
instrumentalizar o aluno para que ele possa “refletir sobre questões sociais”, conforme
apontam Auler et al. (2007), Praia et al. (2007), Auler e Delizoicov (2006a, 2006b,
125
2001), Auler e Bazzo (2001), Santos e Mortimer (2000, 2001), Gil-Pérez e Vilches
(2006a, 2006b), Gil-Pérez (2001), Angotti e Auth (2001), Martins (2002), e Aikenhead
(2003 e 1994).
Esse caráter instrumental do enfoque CTS, que parecia não estar claro para o
grupo no primeiro encontro, apareceu de forma mais compatível com o que se espera,
na fala de JU (147): “ele não vai pegar isso aqui para resolver o problema. Ele vai te
um conhecimento básico pra poder desenvolver os ideais”.
Uma crítica a ser feita diz respeito à maneira segundo a qual os participantes
procuram introduzir os elementos da história da ciência nas atividades em construção. A
proposta de JU (132) introduz a história da ciência e sua relação com o avanço
tecnológico para conscientização do educando frente à situação de emergência
planetária, enquanto a proposta de GO (141) faz essa introdução para tratamento de
conceitos físicos especificamente, através do uso dos experimentos reproduzidos do
século XIX e do texto que acompanha esses experimentos (Anexo 6). Na forma de
introduzir essas atividades aparecem características que são comuns às propostas dos
dois participantes.
Na fala de JU (132), a participante propõe que se comece “a contar a história da
ciência [...]” e na fala de GO (141), o participante propõe “entrar um pouquinho com a
história da ciência [...] pegar um texto aqui mesmo da apostila [...] e mostrar pra ele a
evolução. Oh , isso começou assim”.
Apesar de não termos tido uma maior disponibilidade de tempo, consideramos
razoável a atenção dada às relações entre a epistemologia do conhecimento e a história
do eletromagnetismo do século XIX ao longo das aulas expositivas, bem como a
importância desses referenciais como aliados para a compreensão da forma de pensar de
nossos alunos, sobre a construção do conhecimento físico e sobre os conceitos
propriamente ditos – concepções prévias –, sobre a suposta neutralidade da ciência e da
tecnologia e dos cientistas, e sobre as relações entre os campos científico-tecnológicos e
seus desdobramentos políticos, sociais, culturais, éticos, econômicos e ambientais.
Entretanto, a forma como o texto foi disponibilizado pode ter influenciado as
propostas desses professores, no sentido de um “contar história”, ou “entregar pronto”
por transmissão do conhecimento, se aproximando mais de uma visão oriunda do
“pensamento docente de senso comum” (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001), adquirido
durante uma formação tradicional da disciplina de história no ensino médio se
considerarmos a faixa etária do participante, proposta esta que não é compatível com a
126
literatura sobre o envolvimento de atividades com a história da ciência para o ensino de
física e suas relações com o enfoque CTS (SOLBES e TRAVER, 2003 e 1996; PIRANI
e CALUZI, 2003; CUDMANI e SANDOVAL, 2004) e com uma perspectiva
construtivista (BATISTA e SALVI, 2006; CARVALHO, 2003).
Episódio 11
O pesquisador intervém buscando envolver os participantes na construção da
metodologia, chamando a atenção para a importância de outros aspectos, considerados
relevantes em atividades pedagógicas que levem em conta o enfoque CTS para o ensino
de física. Lançando mão do recurso do mapa, ele inicia uma provocação em relação à
sua utilização no sentido de subsidiar atividades ligadas às dimensões políticas e sócio-
econômicas que se encontram presentes, de forma interdisciplinarizada, no enfoque
CTS.
(152) PESQ: “Agora, vamos ver se a gente faz um exercício pra pensar como é que esse
mapa poderia ser explorado pra gente tratar um pouco de economia, tratar um pouco
de política. Eu, particularmente, quando olho pra aquela área apagada (referindo-se à
África) [...]”
(153) MR: “Pô, você queria acender a África também (em tom irônico)?”
(154) PESQ: “Acho que todo mundo tem direito.”
NE inicia uma discussão sobre justiça social levando em conta o aspecto do
consumo energético.
(155) NE: “É muito caro colocar luz pra aquele crioulo ali. Sai caro (o participante é
afro-descendente e falou em tom irônico). No interior mesmo, sai caro estender a rede.
É mais barato o cara fazer sua própria usina. O cara acorda cedo e dorme cedo. Não
usa energia.”
(156) MR: “É só você olhar pro Brasil que você vê a concentração de riquezas na mão
de muito poucos.”
(157) GO: “Isso aqui é o quê?”
(158) PESQ: “África do Sul. Tem dinheiro.”
(159) MR: “Mas o povo está sofrendo.”
(160) PESQ: “Sim, mas existe riqueza. O problema é que o dinheiro não está na mão
do povo.”
127
(161) PESQ: “Por que tem áreas tão iluminadas no Oriente Médio?”
(162) JU: “Porque tem petróleo demais.”
(163) PESQ: “Isso, os caras enchem aquilo lá de termelétricas.”
(164) MR: “E dana produzir efeito estufa.”
O pesquisador intervém mais uma vez, a fim de reorientar o trabalho para a
redação da metodologia, lembrando de alguns dos recursos disponíveis.
(165) PESQ: “Com essa discussão que a gente fez, o nosso desafio é o seguinte: como é
que a gente pode propor atividades em que os nossos alunos discutam isso? Eu acho
que a música é legal. E os textos trazem o problema que a gente viveu há pouco tempo.
Um menino da terceira série hoje estava com que idade em 2001/2002? Esse menino
passou pelo racionamento.”
(166) GO: “Um trabalho interessante pro aluno fazer é por trabalho mesmo. Mostra
esse mapa e manda ele escrever no trabalho: os países desenvolvidos levando em conta
o teor energético de cada país. Ele vai ter que pesquisar no mapa que países são
aqueles.”
(167) PESQ: “Isso aí é interessante porque você faz uma interdisciplinaridade com a
geografia. Ele vai ter que pegar o planisfério e comparar. Isso é riquíssimo.”
(168) GO: “Depois, enumerar os países mais ricos e os mais pobres a nível
energético.”
(169) PESQ: “É uma discussão.”
(170) JU: “Levando em conta que os mais ricos são os mais poderosos.”
O pesquisador chama a atenção para a importância de se considerar a viabilidade
de execução do projeto, onde surgem preocupações e sugestões sobre os equipamentos
experimentais.
(171) PESQ: “Você está propondo seis aulas. Seis aulas são doze tempos? Um projeto
que caminha ao longo de seis aulas vai durar um mês e meio. É um tempo grande. A
gente tem que pensar como é que isso é viabilizado. Pensar na estrutura da escola.”
(172) MR: “Os experimentos, você como professor, tem que ter o seu.”
(173) GO: “Mas isso aí a gente faz rápido. O negócio é você ter tempo pra fazer.”
(174) PESQ: “Por exemplo, no gerador o problema são os mancais. Você (referindo-se
ao MR) como engenheiro sabe disso.”
128
(175) NE: “Você pode usar sucata, um alternador.”
(176) GO: “Você vai ter que fazer uma estrutura.”
(177) GO: “Você (referindo-se ao pesquisador) vai ficar com isso (referindo-se ao
material escrito) hoje?”
(178) PESQ: “Não, quem quiser levar pra casa e pensar mais um pouco [...] Agora
vamos refletir um pouco sobre isso. Como é que a gente pode envolver todas essas
dimensões? Vamos tentar envolver a dimensão social, a dimensão ambiental [...] As
reflexões são muitas.”
(179) JU: “A econômica já dá pra envolver no mapa.”
(180) PESQ: “No caso do mapa, eu nem tinha pensado nesse aspecto da geografia. Isso
nem tinha passado pela minha cabeça. Procurando relacionar energia com
desenvolvimento econômico [...] cria uma consciência social no cara, na medida em
que ele vai refletir sobre quem verdadeiramente está consumindo energia no mundo.
Porque, pra estar gerando aquela quantidade toda de energia ali é porque está tirando
de algum lugar. Afinal, esse é um processo de transformação. Então, tem alguém que
está comendo alguma coisa. E, se a produção da energia contribui com 57% para a
produção de CO
2
, por exemplo, então está explicado porque os Estados Unidos são os
maiores poluidores do mundo. Aquele mapa bate direitinho com o nosso gráfico de
setores (Anexo 4). Olha para aquilo ali que você vê o gráfico na sua frente.”
(181) JU: “O gráfico pode até entrar na atividade.”
(182) PESQ: “Vamos colocar o gráfico e o mapa e sugerir: correlacione e comente.
Isso é um trabalho de reflexão.”
(183) MR: “Mas isso depende do aluno que se tem.”
(184) PESQ: “Não, bota o cara pra pensar. Na próxima aula vamos discutir. Eu
entendo o que você está falando. Que isso é um sonho, achar que o aluno vai fazer essa
reflexão, vai escrever.”
(185) JU: “Mas, às vezes você se surpreende.”
(186) PESQ: “Hoje aconteceram coisas aqui que me surpreenderam.”
(187) MR: “Amanhã tem que trazer pra você.”
(188) PESQ: “Não, de agora em diante eu só quero é o produto final disso. O projeto
escrito a quatro mãos. Nós vamos escrever um único trabalho, um projeto de todos.”
A fala de NE (155) traz uma reflexão em torno de aspectos econômicos que
envolvem o consumo da energia elétrica na África e no interior do Brasil, regiões
bastante escuras do mapa. Uma análise sobre a relação do mapa com a concentração
129
desigual de riquezas aparece na fala de MR (156). Além disso, a observação de GO
(157) em relação à região iluminada da África do Sul, contrastando com o restante do
continente, potencializa a reflexão do grupo no sentido de correlacionar o consumo da
energia elétrica com a concentração de renda, como pode ser observado nas falas de
PESQ (158), MR (159) e PESQ (160).
A fala de PESQ (161) problematiza a área iluminada correspondente ao Oriente
Médio, conhecida como área de grandes desigualdades sociais e concentração de
pobreza. A questão colocada pelo pesquisador provocou uma discussão, representada
nas falas de JU (162), PESQ (163) e MR (164), que relaciona as fontes energéticas de
origem fóssil (petróleo) disponíveis naquela região do planeta, com a opção pelas usinas
termelétricas e as conseqüências ambientais que esse tipo de opção traz, como o “efeito
estufa”, apontado na fala de MR (164).
Alguns aspectos merecem destaque no trecho de diálogo selecionado para a
análise. A partir do conteúdo da fala do PESQ (165), surgem propostas, como a do
participante GO, explicitada na sua fala GO (166), que refletem uma iniciativa de
articulação dos diversos aspectos apontados nos dois parágrafos anteriores, a partir de
atividades interdisciplinares (BATISTA e SALVI, 2006; MÜENCHEN e AULER,
2007a e 2007b; MARTINS, 2002; AULER e BAZZO, 2001) com outros campos do
conhecimento, como a geografia e reforçada nas falas de PESQ (167) e GO (168),
culminando na conclusão sobre relações político-econômicas presente na fala de JU
(170): “os mais ricos são os mais poderosos”.
Vale comentar que toda essa dinâmica envolvendo a articulação de aspectos
diversos foi possível a partir de recurso do mapa, dentro de um processo de construção
onde foram propostas formas interdisciplinares de abordagem, levando em conta as
diferentes dimensões que o enfoque CTS abarca, conforme se espera de uma proposta
que pretenda atender às diretrizes apontadas por aquele referencial.
Ao problematizar a construção das estratégias pretendidas, introduzindo a
questão da viabilidade em sua fala PESQ (171), o pesquisador provocou uma
mobilização dos participantes no sentido de uma busca por soluções ‘caseiras’ e de
baixo custo, que foram trazidas, possivelmente, em função de alguns aspectos a serem
considerados: os saberes experienciais desses professores (TARDIF, 2002), a
simplicidade e o baixo custo requeridos para a confecção desses aparatos experimentais
e a postura reflexiva dos participantes ao se mostrarem “atentos à burocracia escolar”
(SCHÖN, 1992) e à realidade estrutural de suas escolas.
130
Embora o problema do tempo disponível, levantado por Müenchen e Auler
(2007a, 2007b) como fator que dificulta a ação e o planejamento de educadores para o
enfoque CTS apareça na fala de GO (173), podemos verificar elementos de uma
iniciativa no sentido de produzir seu próprio material, nas falas de MR (172), GO (173),
PESQ (174), NE (175), e GO (176).
Na fala PESQ (178), o pesquisador procura orientar o trabalho visando provocar
uma reflexão sobre outras dimensões do enfoque CTS, como as questões sociais e
ambientais. A participante JU mostra estar convencida do potencial do mapa em relação
à abordagem do aspecto econômico do trabalho em sua fala JU (179).
O pesquisador adotou uma posição de co-participante intervindo como
colaborador para auxiliar a compreensão das relações entre energia, desenvolvimento e
meio ambiente, a partir do mapa, reconhecendo e valorizando as indicações do grupo
em relação às atividades que correlacionam o mapa mundi Terra à noite, com o
planisfério de divisão política, como pode ser observado em sua fala PESQ (180). A
nosso ver, aquele foi um momento bastante oportuno para uma intervenção visando uma
síntese de todo trabalho que se iniciou com as aulas expositivas, passou por um período
de discussão e necessitava de um momento de fechamento, a fim de organizar todo
aquele conhecimento construído ao longo da fase dialógica.
Além da síntese, o pesquisador indica em sua fala PESQ (180), uma
possibilidade de utilização do gráfico de setores (Anexo 4) que mostra os percentuais de
CO
2
produzidos por diferentes países e regiões do planeta, e sugere correlacionar o
gráfico com o mapa. Essa sugestão é imediatamente acatada pela participante JU como
pode ser observado em sua fala JU (181).
Assim, verifica-se mais uma vez o potencial desses espaços de formação como
adequados para reflexões coletivas que levem grupos de professores a avançar em
direção a uma postura inovadora em relação às práticas tradicionais, onde as
dificuldades frente ao enfoque CTS sejam minimizadas nesses espaços de diálogo entre
pares (TENREIRO-VIEIRA e VIEIRA, 2005; FONTES e CARDOSO, 2006), como foi
o caso da atividade proposta com o gráfico de setores e o mapa, que envolve uma
abordagem interdisciplinar entre a física e a matemática, como indicam as referências
do enfoque CTS (MÜENCHEN e AULER, 2007a e 2007b; AULER e BAZZO, 2001).
Devemos destacar ainda alguns aspectos mais subjetivos que nos revelam o
trecho de diálogo correspondente às falas MR (183), PESQ (184) e JU (185). Nelas
aparecem elementos que nos levam a identificar uma possível diferença entre os estados
131
de otimismo dos participantes MR e JU, em relação aos alunos de nossas salas de aula.
A situação de pessimismo se reflete na fala de MR (183), quando esse revela uma
tendência de comodismo frente ao desafio de colocar em prática a atividade discutida
nas falas de PESQ (180) e JU (181). Segundo Müenchen e Auler (2007a e 2007b), essa
tendência pode estar associada ao problema da “suposta resistência dos alunos” frente
ao novo.
Ao observarmos a fala de JU (185) verificamos uma tendência oposta, de
alguém que conserva uma esperança, mesmo sendo esta uma educadora das classes de
EJA, onde reconhecidamente os problemas de falta de interesse e evasão escolar são
mais acentuados.
Por último, vale destacar na fala de PESQ (188) a ênfase dada ao trabalho
cooperativo (TRIVELATO, 2003), como uma outra atividade possível nesses espaços
de ação formativa, que irá ganhar mais importância, sobretudo, na fase de redação da
proposta, que deverá iniciar-se no encontro seguinte.
4.5 ANÁLISE DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO COLETIVA DAS
ESTRATÉGIAS NO TERCEIRO ENCONTRO
Este encontro envolveu dois momentos. No primeiro deles foi dada continuidade
ao processo de discussão coletiva visando esclarecer os últimos detalhes do trabalho a
ser redigido. Este momento compreendeu, principalmente, a apresentação de uma
síntese do que seria o projeto segundo a visão da participante JU.
No segundo momento os participantes se dedicaram à redação da proposta por
eles discutida ao longo do curso, de acordo com a solicitação feita pelo pesquisador no
final do encontro anterior a este.
A coleta de dados para a análise se realizou através de gravações dos dois
momentos considerados, utilizando-se para isso, recursos de vídeo e áudio.
Episódio 12
O texto abaixo reproduz integralmente a fala da participante JU (189), onde esta
traz sua proposta contendo uma seqüência didática organizada a partir de uma reflexão
sobre a ação (SCHÖN, 1992), realizada individualmente após o término do segundo
encontro do processo de ação formativa no qual esteve inserida como participante.
132
(189) JU: “Eu projetaria o mapa pra todos observarem, dividiria a turma em grupos de
4 ou 5 alunos, e eles escreveriam um comentário sobre o mapa. Isso é uma dinâmica
que, geralmente, envolve bem a turma. Esse tipo de dinâmica visual. Você joga a figura
e os alunos escrevem qualquer pensamento a respeito daquela figura. Então, eles iam
escrever algo a respeito do mapa, mesmo sem conhecimento. Depois, cada grupo iria
dizer o que achou do mapa. Dali, poderia haver um pequeno debate sobre o mapa e o
professor pegaria a idéia central, que , no caso, é o objetivo dele, e pediria aos alunos
o trabalho de pesquisa de casa. Cada um levaria uma cópia do mapa para casa e faria
o trabalho de pesquisa utilizando o atlas geográfico. Eles poderiam pesquisar sobre os
aspectos econômicos e políticos. Porque o atlas geográfico traz aspectos políticos e
econômicos. Como forma de avaliação, para a última aula, pediria a eles que
apresentassem um seminário a respeito de tudo o que eles pesquisassem. Que eles
colocassem como se fosse um relatório pra apresentar na última aula como seminário.
Essa seria a avaliação da turma. Eles levariam pra casa e poderiam ficar duas
semanas fazendo esse trabalho, por exemplo. A terceira aula seria experimental. Ela
começaria com os experimentos né. Dentro da sala. E haveria demonstração dos
experimentos pelo professor. Começaria com o mais simples. Aquele sobre energia
cinética e potencial (referindo-se ao looping). Cada experimento seria explicado.
Poderia colocar a turma sentada em círculo e uma mesa no centro da sala com os
objetos e dali o professor demonstraria cada experimento. No caso da bolinha, vai
medir. Aí, cada aparelho que fosse demonstrado pra turma, o professor explicaria o
experimento e ia pro quadro, explicava as leis da física e os conceitos. E demonstrava
no quadro as fórmulas. Por exemplo: energia cinética, energia potencial, as fórmulas.
Este seria o terceiro momento. O quarto momento seria a resolução de exercícios da
apostila. Porque o aluno já teria uma noção de tudo. Inclusive, já estaria sabendo a
parte dos conteúdos que seriam aplicados. Talvez, essa aula experimental fossem duas
aulas, por exemplo. Uma aula só talvez não desse. Em um dia pegava dois
experimentos, por exemplo. Explicaria uma parte e na outra aula explicaria a outra
parte. No quarto momento seria a apostila, porque no quarto momento os conteúdos já
teriam sido aplicados. Uma aula teórica. No quinto momento, seria a apresentação do
seminário, com a avaliação do professor.”
A transcrição da fala de JU (189) mostra que a professora sugere uma estratégia
que incentiva o trabalho cooperativo através de grupos de alunos e o debate, o que
revela uma preocupação com a construção coletiva do conhecimento, adequada,
portanto, à perspectiva construtivista apontada por Carvalho e Gil-Pérez (2001). Ao
sugerir a atividade onde os alunos deveriam escrever “um comentário sobre o mapa”
antes de qualquer iniciativa em relação aos conteúdos, a participante parece considerar
importante as concepções prévias dos seus alunos como ponto de partida para a sua ação
pedagógica, o que encontra respaldo em Batista e Salvi (2006), e Carvalho e Gil-Pérez
(2001) em relação a uma postura construtivista.
A participante introduz em sua proposta uma inovação em relação ao uso da
imagem projetada do mapa como elemento facilitador de uma dinâmica que, segundo
ela, “geralmente envolve bem a turma”. Essa afirmação ocorre a partir de alguém que
133
traz uma bagagem de saberes experienciais (TARDIF, 2002), socializados no momento
em que a proposta é apresentada ao grupo, fazendo desses saberes e desse momento,
elementos muito ricos para a construção de conhecimento, também, facilitada a nosso
ver, em função desse espaço de ação formativa, que se aproxima do conceito de
“practicum reflexivo” definido por Schön (1992).
A tendência construtivista da participante JU ganha mais clareza quando esta
sugere a inclusão de uma atividade de pesquisa feita pelos alunos, envolvendo o mapa e
“utilizando o atlas geográfico”. Essa proposta traz muitos aspectos relevantes, a nosso
ver. Por ser uma atividade de pesquisa, realizada e debatida em grupo, esta se aproxima
da forma como os cientistas desenvolvem suas atividades de pesquisas, o que é
considerado um elemento importante dentro da concepção de construtivismo defendida
por Carvalho e Gil-Pérez (2001). Além disso, essa atividade leva em conta o aspecto da
interdisciplinaridade (BATISTA e SALVI, 2006), já que envolve um trabalho junto com
o campo da geografia. Essa perspectiva interdisciplinar é detalhada pela participante,
que sugere a articulação de dimensões políticas e econômicas a partir do uso do atlas
geográfico, como recomendam Praia et al. (2007); Müenchen e Auler (2007a e 2007b);
Pinheiro et al.(2007); Auler e Bazzo (2001) para o enfoque CTS.
A introdução de atividades experimentais só ocorreu após uma contextualização
e um levantamento de concepções prévias como vimos na fala de JU (189), sugerindo
uma postura progressista dessa professora. Entretanto, a introdução dessas atividades
não foi detalhada em termos conceituais. A participante limitou-se a citar o experimento
do looping (Anexo 7) como o primeiro a ser trabalhado e falou sobre a dinâmica a ser
utilizada em sala.
Para esta ação pedagógica, JU sugere que os experimentos sejam demonstrados
pelo professor, com a turma sentada em forma de círculo, a mesa “no centro da sala
com os objetos” e o professor no papel de demonstrador. Em seguida, ela sugere a
introdução dos conteúdos físicos propriamente ditos, com demonstrações de fórmulas,
inclusive e, sugere ainda a resolução de exercícios sobre os conteúdos abordados.
As sugestões descritas no parágrafo anterior refletem uma posição incompatível
com a perspectiva construtivista, na medida em que posiciona o professor no centro do
processo ensino-aprendizagem, como um transmissor do conhecimento, ou seja, essa
passagem da fala de JU (189) aponta para um retrocesso em relação às orientações dos
PCNs e do construtivismo, na forma em que este é visto por Carvalho (2003).
134
Cabe ressaltar, entretanto, que essa postura da participante pode encontrar
explicação no fato desta ter realizado uma reflexão sobre a sua realidade, em termos de
burocracia e estrutura escolar (SCHÖN, 1992). Ao saber da realidade do tempo
disponível para as suas aulas e também sobre a impossibilidade de disponibilizar um
experimento para cada grupo, pensou na sua proposta levando em consideração esses
fatores, sobretudo por se tratar de uma realidade do contexto da EJA, onde as aulas são
noturnas e o tempo disponível para cada aula é menor. As considerações aqui
apresentadas nos levam a problematizar a adoção de atividades investigativas, em
função da demanda por uma atenção especial a esses aspectos relacionados à burocracia
e a infra-estrutura escolar, que muitas vezes podem funcionar como fatores limitadores
de uma prática nesse sentido.
Um outro ponto a ser ressaltado na proposta de JU, foi a forma sugerida pela
professora para avaliar os alunos, baseada em relatórios sobre as pesquisas realizadas
pelos grupos e a apresentação de seminários e, portanto, ideais para socialização de
conhecimentos.
Episódio 13
O trecho escolhido refere-se aos comentários que se seguem à apresentação da
proposta de JU. Nele, encontramos uma discussão que envolve uma reflexão coletiva
sobre a proposta apresentada e os desdobramentos provocados em relação aos vários
aspectos associados ao enfoque CTS, principalmente.
(190) GO: “Agora, uma pergunta: no segundo grau se usa a Lei de Faraday?”
(191) PESQ: “É programa. Não é usual se abordar. Na verdade, nunca dá tempo.”
(192) GO: “Não cai no vestibular.”
(193) PESQ: “Não, já caiu na UFRJ.”
(194) GO: “É dificilmente cai.”
(195) PESQ: “É difícil, mas é do programa.”
(196) JU: “Quando você dá uma aula experimental, você paralelamente, você
demonstra o conteúdo que o aluno assimila melhor. A parte de circuito, eu montei na
sala o circuito e expliquei como funciona tudo direitinho. Depois eu joguei no quadro o
desenho. Ele assimilou com muito mais facilidade do que você jogar primeiro o
conteúdo.”
135
(197) GO: “Quando ele vê o experimento e olha o desenho, ele associa rápido, agora
quando você só trabalha com o desenho no quadro, até ele pensar como aquilo
funciona [...]”
(198) JU: “Então, é uma maneira muito mais rápida de você aplicar o conteúdo, já que
dispõe-se dos experimentos.”
(199) GO: “Concordo contigo. Essa seqüência.”
(200) JU: “Eu pensei no mapa para o segundo momento porque fecharia, no caso, com
o seminário, e daria tempo pra eles pesquisarem e fazerem o trabalho. Sem fugir do
assunto.”
(201) GO: “Aí, o mapa entra aqui no segundo momento. Ta certo, porque aí no mapa
eles já vão observando e vão fazendo as pesquisas deles. Aí depois ele fecha com um
seminário mostrando: isso aqui é um país desenvolvido, tal [...] ”
(202) JU: “Já entra como uma avaliação o trabalho.”
(203) GO: “Entraria como um trabalho e das energias potenciais, cinéticas, a coisa de
energia a gente já faz uma provinha simples, mas ou menos simples, usando até a Lei
de Faraday. Uma coisinha bem simples né? É, está certo. Gostei. Podemos fechar isso
aí.”
(204) NE: “Eu acho que a gente tem que incluir aí é [...] na hora da apresentação do
mapa, e [...] fazer essa correlação com o mapa geográfico é [...] a gente tem que ter
uma discussão econômica, geográfica. Fazer uma comparação ambiental, comparar
com aquele gráfico dos países poluentes (referindo-se ao gráfico de setores).”
(205) JU: “Mas você pode fazer isso na dinâmica. No que você projeta lá e pede pra
cada um ver e analisar alguma coisa.”
(206) NE: “Eu estou falando gente, que na hora da gente escrever o projeto tem que ter
isso aí.”
(207) GO: “Mas a gente vai botar. Botar o aspecto social, o aspecto econômico. O
aspecto da devastação do meio ambiente.”
(208) NE: “Porque na música você já tem a questão ambiental. Uma discussão
econômica, a história do povo [...] Porque na música você também já parte [...]”
(209) JU: “Mas o ambiente a gente vê na música.”
(210) NE: “Mas também nesse do mapa. Como é que você tem uma discussão
ambiental? Na música já tem uma discussão econômica.”
(211) JU: “Mas na música você já discute meio ambiente e social.”
(212) NE: “Meio ambiente, impacto social, impacto ambiental.”
136
(213) JU: “Ih, ficou faltando a história aqui né? A história da ciência, paralelamente
com o desenvolvimento da tecnologia.”
(214) NE: “Não, a história da ciência você pode colocar nos experimentos. Você vai
fazendo a apresentação dos experimentos e fazendo [...] falando da história da ciência
e da tecnologia.”
(215) GO: “Primeiro você faz um historicozinho. Tudo começou assim. Do Faraday lá
[...] na data. E vem buscando. Depois você conceitua e joga as fórmulas no quadro. Eu
acho que ficaria assim. Como é que a gente começaria isso?”
O pesquisador chama a atenção para um aspecto importante da infra-estrutura
das escolas mais uma vez.
(216) PESQ: “Ela está dando aí uma sugestão de trabalhar com projeção. Eu não sei
se na escola onde vocês trabalham isso é fácil.”
(217) NE e JU: “Mas tem retro-projetor de transparências. Vai gastar uma tinta violenta,
mas sai mais barato do que alugar um desses (referindo-se ao projetor de data-show).”
(218) PESQ: “Não é alugar. Do próprio material que eu entreguei pra vocês, dá pra
fazer xerox colorida.”
(219) JU: “Não, você pode imprimir e fazer xerox colorida.”
(220) PESQ: “Eu já fiz com qualidade mesmo que é pra vocês poderem reproduzir. Isso
aí foi impresso. Essa aí não está xerocada, mas se você for num lugar que tenha xerox
de qualidade tudo bem.”
A fala de GO (190) apresenta uma questão que está relacionada com a falta de
hábito da abordagem da Lei de Faraday por parte daquele professor, na medida em que
ele demonstra desconhecer que este conteúdo pertence ao programa do ensino médio, o
que pode ser dúvida também para os outros participantes. A preocupação de GO pode
estar vinculada à sua iniciativa no sentido do cumprimento dos programas escolares ou
de uma adequação da proposta a esses programas, característica de uma concepção
tradicionalista sobre ensino-aprendizagem, adquirida durante a socialização escolar
(TARDIF, 2002), no período da formação inicial e reforçada ao longo da vida
profissional na forma de saberes experienciais, que precisa ser combatida, segundo
Carvalho e Gil-Pérez (2001), além de representar um empecilho para a perspectiva do
enfoque CTS (MÜENCHEN e AULER, 2007a e 2007b).
137
As preocupações demonstradas nas falas de PESQ (191), GO (192), PESQ
(193), GO (194) e PESQ (195) reforçam a nossa concepção sobre o pensamento do
participante GO, sobretudo a partir da sua fala GO (192), onde este procura associar a
relevância da abordagem daquele conteúdo à sua presença nas provas de vestibular.
A fala de JU (196) dá continuidade aos esclarecimentos em relação à proposta
apresentada em sua fala JU (189), com destaque para a valorização das atividades
experimentais, também reforçada em sua fala JU (198). Ao refletir sobre a sua ação na
sala de aula (SCHÖN, 1992) com a montagem de circuitos elétricos antecedendo à
exposição do conteúdo, a professora socializa esses saberes experienciais (TARDIF,
2002), justificando o sucesso desta sua ação, afirmando que “o aluno assimila melhor”.
As argumentações de JU parecem ser convincentes para GO, conforme
afirmação em sua fala GO (199). Assim, a participante segue a defesa de suas idéias,
justificando o momento de inserção do recurso do mapa, levando em conta o “tempo
pra eles pesquisarem (referindo-se aos alunos) e fazerem o trabalho”, demonstrando
em sua fala JU (200), mais uma vez, o resultado de uma reflexão em relação à realidade
escolar (SCHÖN, 1992), na busca de uma adequação da proposta em construção àquela
realidade, seguida de uma avaliação onde os instrumentos propostos são o trabalho de
pesquisa e o seminário, o que representa um avanço em relação aos meios tradicionais
de avaliação oriundos do “pensamento docente de senso comum” (CARVALHO e GIL-
PÉREZ, 2001). Por outro lado, a fala de GO (203) ainda traz elementos de uma
concepção tradicional quando este sugere a introdução de uma “provinha simples”
como instrumento de avaliação.
Chamamos a atenção para esta concepção de avaliação mais tradicional, cuja
origem pode encontrar explicação no período de socialização escolar (TARDIF, 2002),
que favoreceu o desenvolvimento de uma identidade profissional (FONTOURA, 2007;
LÜDKE e BOING, 2004) muito sólida e de difícil mudança, mesmo em ambientes
considerados adequados à reflexão e à formação continuada como recomendam Fontes
e Cardoso (2006), e Tenreiro-Vieira e Vieira (2005).
Com intuito de colaborar com a proposta apresentada, o participante NE enfatiza
em sua fala NE (204) a necessidade de inclusão de aspectos econômicos e ambientais
através da correlação do mapa mundi Terra à noite, com o mapa geográfico (referindo-
se ao planisfério com a divisão política) e com o gráfico de setores. Em outras falas
anteriores, foi percebida uma preferência pelo recurso do mapa por parte do participante
NE. Essa constatação nos leva a refletir, mais uma vez, sobre o potencial deste recurso
138
didático como catalisador de inúmeras idéias envolvendo atividades interdisciplinares
com a geografia e a matemática, além de favorecer a inclusão de aspectos associados ao
enfoque CTS na proposta, aproximando-a dos recursos didáticos afinados com essa
perspectiva, considerados fundamentais para atividades baseadas no enfoque CTS por
Martins (2002), e Santos e Mortimer (2000).
Os argumentos de NE são acompanhados por outros professores, como pode ser
verificado nas falas JU (205), NE (206), GO (207), NE (208), JU (209), NE (210), JU
(211) e NE (212), onde os recursos do mapa e da música apareceram como elementos
adequados para abordagens de sub-temas associados ao tema produção e o consumo da
energia elétrica, que parece aproximar-se do conceito de “aglomerado” proposto por
Aikenhead (1994) para abordagens estruturadas pelo enfoque CTS, em função da sua
capacidade de abarcar estes sub-temas.
As falas de JU (213), NE (214) e GO (215) revelam um momento em que JU
verifica a ausência, em sua proposta, de elementos da história da ciência e o que ela
chamou de “paralelismo com o desenvolvimento tecnológico” em um outro momento
da discussão. Cabe destacar, nesse trecho que envolve as três falas, uma reafirmação da
concepção linear sobre o ensino de história, já externada pelo participante GO em um
outro momento da discussão.
Em sua proposta contida na fala GO (115), este organiza a atividade, mais uma
vez, de forma incompatível com a perspectiva construtivista (BATISTA e SALVI,
2006; CARVALHO, 2003), ou seja, como “algo pronto” a ser transmitido: “você faz um
historicozinho. Tudo começou assim [...] do Faraday lá [...] na data”, que reforça a
nossa concepção sobre o papel da formação inicial e da socialização escolar deste
participante na sua identidade profissional, ainda muito influenciada pelas práticas
normalmente utilizadas no ensino básico sobre o ensino da história.
Entretanto, cabe destacar dois aspectos em relação às dificuldades apresentadas
pelo participante GO. Um deles diz respeito ao papel do próprio local de trabalho onde
o participante desenvolve as suas atividades docentes – escola técnica tradicional – na
formação desta identidade profissional, como uma possibilidade de influência nesse
sentido. O outro aspecto está relacionado com a forma muito linear como o texto
histórico disponibilizado (Anexo 6) se apresenta, podendo influenciar atividades que se
afastam da perspectiva construtivista devido à sua forma pouco reflexiva em relação aos
aspectos epistemológicos.
139
Ao chamar a atenção para a realidade escolar em sua fala PESQ (216), o
pesquisador busca promover uma reflexão no grupo sobre a viabilidade de se trabalhar
com a projeção do mapa, já que haviam sido disponibilizadas cópias impressas
coloridas como fontes para a reprodução de qualidade. Apesar da realidade das escolas
públicas, os participantes mostraram-se otimistas em relação ao recurso da imagem
projetada através de retro-projetor, como nas falas de NE e JU (217), que se mostraram
sempre entusiasmados com a idéia de utilizar a imagem, ao longo das discussões.
4.6 ANÁLISE DA DISCUSSÃO DURANTE A REDAÇÃO DA PROPOSTA NO
TERCEIRO E QUARTO ENCONTROS
Esta etapa envolveu grande parte do terceiro encontro, se estendendo até o início
do quarto encontro. Trata-se da análise da discussão realizada coletivamente ao longo
do processo de redação da proposta.
A nosso ver, as contribuições para a pesquisa foram menos significativas, uma
vez que esta se caracterizou como uma etapa de discussões que envolveram,
majoritariamente, aspectos associados à elaboração do texto, que não era um dos
objetivos da pesquisa. Entretanto, buscamos selecionar alguns fragmentos para análise,
cujos elementos podem reafirmar, ou contradizer, alguns aspectos estudados
anteriormente, ou mesmo, enriquecer e ampliá-los, através da contribuição com novos
elementos.
A coleta dos dados foi feita a partir das gravações em áudio e vídeo, ao longo
das discussões entre os participantes, que acompanharam o processo de redação.
Episódio 14
O trecho selecionado mostra, principalmente, uma discussão que envolve um
exercício do grupo no sentido de relacionar o tema com alguns dos princípios do
enfoque CTS, através da articulação de atividades que levam em conta aspectos
científicos, tecnológicos e ambientais e que buscam desenvolver um posicionamento
crítico dos alunos frente às questões envolvidas nos processos de produção e consumo
da energia elétrica.
(221) NE: “A gente pode começar. Preparar os alunos para o exercício da cidadania,
dando-lhe suporte para adquirir conhecimento e informações necessárias para um
140
melhor aprendizado do desenvolvimento científico e tecnológico. Falando do CTS aqui,
hum [...] Porque tem que ser tudo verbo no infinitivo.”
(222) JU: “É, tem um negócio do verbo.”
(223) NE: “Transmitir aos nossos alunos a noção do que seja energia elétrica. Outro
tópico: induzir a pensar como a energia elétrica é produzida, quem a produz e de que
maneira é transportada.”
(224) GO: “Ao final deste processo o aluno deve ter conhecimentos específicos [...]”
(225) NE: “Científicos, tecnológicos [...]”
(226) GO: “Sobre a utilização da energia elétrica, a produção e o consumo da energia
elétrica.”
(227) NE: “Transmitindo pra comunidade que o cerca.”
(228) GO: “Ter um pensamento crítico sobre a utilização né? Da energia elétrica.”
(229) NE: “Compreender e criticar.”
(230) JU: “Classificar diferentes formas de energia, não? Compreender as leis e os
princípios da física.”
A sugestão presente na fala de NE (221) revela uma tendência que se aproxima
do que Santos e Mortimer (2001), e Pedretti (1997) e Ramsey (1993) chamam de
“educação para a ação social responsável”, considerada pelos autores como um dos
principais objetivos do enfoque CTS.
Essa tendência ganha visibilidade nas falas de NE (223), GO (224), NE (225),
GO (226), NE (227), GO (228) e NE (229), onde aparecem elementos que levam em
conta a importância da construção de uma visão crítica sobre o tema produção e
consumo da energia elétrica e a compreensão dos processos envolvidos.
A forma como a produção e o consumo da energia elétrica estão posicionados,
dentro da sugestão formulada, mostra, mais uma vez, o potencial do tema
(AIKENHEAD, 1994) enquanto articulador de outros aspectos, como a importância
dada aos conteúdos físicos envolvidos e a diferentes “formas” de produção de energia
elétrica, como pode ser verificado na fala de JU (230). Além disso, vale ressaltar, na
fala de NE (227), a relevância dada à formação do aluno para uma intervenção social no
sentido de torná-lo um multiplicador da cultura científico-tecnológica (FONTES e
CARDOSO, 2006).
141
Episódio 15
Os fragmentos abaixo revelam um momento da discussão onde a intervenção do
pesquisador ocorre, principalmente, no sentido de motivar a introdução de elementos da
geografia em atividades interdisciplinares que levam em conta aspectos econômicos
relacionados com a produção e consumo da energia elétrica.
(231) PESQ: “A partir da letra da música, onde é que está a cidade de Sobradinho?
Entendeu? Porque aí, veja bem, o camarada, ele tem que ter a percepção [...]”
(232) NE: “O rio São Francisco.”
(233) PESQ: “Porque quando o cara analisar e ver o São Francisco, lá pra cima da
Bahia, o cara tem que ter a percepção. A gente tem que possibilitar que ele desenvolva
essa percepção. Então, um dos exercícios pode ser esse, e o outro é você pegar o mapa
mundi, o planisfério. Se o cara sabe que onde está claro no mapa significa luz acesa de
noite. Se ele não descobrir olhando direto no mapa, depois ele vai descobrir quando ele
vir o Japão iluminado, os Estados Unidos iluminado e a Europa iluminada. E vai falar:
é, quem usa mais energia é mais rico. Vamos deixar por conta deles. Vocês usam muito,
as expressões: mostrar, induzir, transmitir.”
(234) JU: “Como atividade, sugerir [...]”
(235) GO: “Uma pesquisa [...]”
(236) JU: “Não, não, uma dissertação.”
(237) GO: “Eu gostaria que ele [...] Aquelas cidades que são tratadas na letra [...] Que
eles pudessem, realmente [...] Que aquilo são cidades. Que ele pesquisasse isso.”
(238) JU: “Sugerir a localização.”
(239) NE: “Localizar a usina, as cidades, né? E fazer uma redação sobre isso. Sobre o
apanhado dessas questões aqui nessas cidades.”
A capacidade de articular diferentes dimensões abarcadas pelo enfoque CTS é, a
nosso ver, um dos maiores desafios a ser enfrentado pelo educador que pretenda
organizar atividades afinadas com essa perspectiva, cujo caráter interdisciplinar já foi
evidenciado por Hofstein et al. (1988), Auler e Bazzo (2001), Martins (2002) e
Müenchen e Auler (2007a; 2007b).
A intervenção do pesquisador apresentada nas falas PESQ (231) e PESQ (233),
na condição de colaborador para a construção das estratégias, traz contribuições no
sentido de organizar essa interdisciplinaridade com o campo da geografia, reforçando a
importância do uso do planisfério de divisões políticas junto com o mapa mundi Terra à
142
noite, como já havia aparecido em momentos anteriores da discussão. Além disso,
surgem novas propostas, identificadas nas falas de NE (232), GO (237), JU (238) e NE
(239), em relação à utilização de mapas, onde essa interdisciplinaridade pode ser
exercitada pelos alunos a partir das sugestões de localização da cidade de Sobradinho,
do Rio São Francisco, dos lugarejos citados na letra da música, e também da própria
usina hidrelétrica em questão, resultado de uma articulação com a geografia por parte
dos professores participantes e do pesquisador.
Expressões como “mostrar, induzir e transmitir” podem ser indicativos de uma
visão tradicional do papel do professor dentro do processo ensino-aprendizagem. A fala
PESQ (233) sugere uma reflexão em relação à necessidade de uma postura de “ouvinte”
dentro do processo. Essa forma de encarar o papel do professor, explicitada na fala do
pesquisador, se apóia nas recomendações dos PCNs e em Lüdke (2001), Schön (1992) e
Carvalho (2003), sugerindo uma preocupação em conscientizar o grupo sobre a
importância do professor renunciar à posição central que ocupa, dando voz ao
educando.
As falas de GO (235) e JU (236) trazem um aspecto que merece relevância a
nosso ver. Nelas, os participantes sugerem a produção de textos por parte dos alunos
através de “pesquisa”, “redação” ou “dissertação”. Essa iniciativa pode ser indicativa de
uma postura que afasta da forma tradicional de ensinar e se aproxima de uma posição de
“direção” em relação ao “trabalho de equipes de pesquisa”, condição necessária,
segundo Carvalho e Gil-Pérez (2001) para que o educador possa aproximar o seu aluno
da cultura científica, considerada fundamental para o combate à imagem distorcida que
a sociedade constrói da ciência (PRAIA et al., 2007; FONTES e CARDOSO, 2006),
que os autores apontam como um dos obstáculos à implementação de propostas em
CTS.
Episódio 16
A exemplo do trecho selecionado no episódio anterior, temos aqui a análise de
um momento da discussão que se inicia com uma intervenção do pesquisador chamando
a atenção do grupo para a importância de questões como o aquecimento global, e suas
relações com a produção e o consumo da energia elétrica, através de uma articulação
que envolve os campos da matemática e da geografia, a serviço de atividades
interdisciplinares sugeridas pelo grupo, envolvendo aspectos ambientais e econômicos.
143
(240) PESQ: “Aqui está associando diretamente a produção de CO
2
com o aumento da
temperatura global (referindo-se à figura 5 do anexo 4). E, tem um tema. A gente não
pode negar que esse tema – aquecimento global – ele está muito atual. Tem que propor
um projeto contextualizado. Repara que esse gráfico (referindo-se à figura 7 do anexo
4) mostra que o aumento da temperatura
acompanha o aumento de CO
2
disponível na
atmosfera. E esse outro gráfico diz que 57% do CO
2
do mundo, do efeito estufa do
mundo, a responsável é a produção de energia.”
(241) PESQ: “Quais são os países que mais consomem energia elétrica? Ele vai lá no
mapa e vai ver que está brilhando.”
(242) JU: “Apresentação do gráfico. Qual o gráfico?”
(243) GO: “É, emissão de CO
2
.”
(244) NE: “Evolução da temperatura.”
(245) GO: “É, produção de energia e [...]”
(246) PESQ: “Figura 7.”
(247) NE: “A 5 eu acho interessante também. A relação da temperatura com o CO
2
.”
(248) GO: “Então bota assim: apresentação dos gráficos 5 e 7.”
(249) NE: “Quais os países mais desenvolvidos e os mais poluentes?”
(250) PESQ: “Quais os principais responsáveis pelo efeito estufa? Aqueles gráficos
dizem respeito ao efeito estufa, não aos que mais poluem.”
A fala de PESQ (240) refere-se á utilização dos gráficos de setores das figuras 5
e 7 do anexo 4. O primeiro deles mostra a relação entre o aumento de CO
2
disponível
na atmosfera e o aquecimento global, enquanto o segundo mostra a relação entre
algumas atividades produtivas e os respectivos percentuais de contribuição para o CO
2
eliminado na atmosfera, onde a produção de energia aparece como contribuinte
majoritária (57%).
Na intervenção presente na fala de PESQ (241) e reforçada nas falas de NE
(249) e PESQ (250), observa-se uma tendência de articulação entre a utilização dos
gráficos de setores com o planisfério de divisão política e o mapa mundi Terra à noite
citados anteriormente, dentro de uma discussão que envolveu a participação do grupo,
como pode ser verificado no trecho intermediário do diálogo representado pelas falas de
JU (242), GO (243), NE (244), GO (245), PESQ (246), NE (247) e GO (248).
144
O amadurecimento revelado pelo grupo em relação à sugestão de propostas
interdisciplinares pode ser um indicativo de avanço no sentido de diminuir dificuldades
reconhecidamente apresentadas por professores de física, oriundas de uma formação
disciplinar e compartimentada já apontadas por Batista e Salvi (2006), Hofstein et al.
(1988), Auler e Bazzo (2001), Martins (2002) e Müenchen e Auler (2007a, 2007b).
Acreditamos que este momento revelou o potencial dos recursos didáticos
disponibilizados para o grupo, enquanto facilitadores e motivadores desse exercício de
construção de atividades de caráter interdisciplinar. Além disso, devemos ressaltar a
relevância do tema produção e consumo da energia elétrica como “potencialmente
problemático” e, portanto, adequado para propostas de ensino em CTS, como sugere
Aikenhead (1994) devido à sua possibilidade de “aglomerar” sub temas e aspectos que
envolvem as relações entre desenvolvimento, consumo e produção da energia elétrica,
aquecimento global, além de outras disciplinas como a matemática e a geografia.
Destaca-se ainda, o papel do material didático disponibilizado no contexto do
espaço de formação continuada, como estratégia apropriada para ações formativas de
enfoque CTS através de trabalho reflexivo e cooperativo, como sugerem Benassuly
(2002), Trivelato (2003), Santos et.al. (2006), Santos e Mortimer (2000), Angotti e Auth
(2001), Tenreiro-Vieira e Vieira (2005), de Jong e Van der Valk (2005), Aaltonen e
Sormunen (2005), Fontes e Cardoso (2006) e Pinheiro et al. (2007).
Episódio 17
Os fragmentos escolhidos mostram um momento em que o pesquisador se
apresenta deslocado para uma posição de co-construtor da proposta, contribuindo para
chamar a atenção do grupo em relação à importância de se explicitar a utilização da
crise de energia elétrica ocorrida no Brasil entre 2001 e 2002.
(251) PESQ: “Deixa eu dizer uma coisa. Vocês abrem a atividade assim: apresentam
os textos e a música. Vai botar a música pra tocar, o cara vai ouvir a música e você vai
dar aqueles dois textos informativos que são do JB, e vocês, em momento nenhum
exploraram a crise.”
(252) NE: “Não, mas no texto do JB já mostra [...]”
(253) PESQ: “A atividade que vocês propõem depois da leitura dos textos não fala
nada [...]”
(254) PESQ: “Talvez fosse bom então, você explicitar. Provocar os alunos para as
questões relacionadas com a crise energética que aconteceu em 2001/2002.”
145
(255) GO: “É, que façam uma visita à Biblioteca Nacional (referindo-se à Biblioteca
Municipal) e pesquisem nos jornais da época 2001/2002 sobre o que se passou no país.
Sobre a crise energética.”
(256) PESQ: “As causas da crise energética e os desdobramentos do problema do
racionamento. O que isso ocasionou para as pessoas? Porque aí, já íamos criar a
primeira aula, com esse tema explorado. Eles já trariam para o primeiro dia.”
(257) PESQ: “Quando você faz com que eles escrevam, não tem jeito. Aí eles vão ter
que botar ali o que eles viram na notícia.”
(258) PESQ: “Isso tem a ver mesmo com o cotidiano deles. Isso aconteceu e eles sabem
disso. O menino de 16, 17 anos, no ensino médio, em 2001/2002 ele já tinha 12, 13
anos. Ele não esqueceu isso.”
A fala de PESQ (251) representa, a nosso ver, um desafio para o grupo em
relação ao planejamento das estratégias a partir da problemática da crise de 2001/2002,
representada pelos textos informativos do anexo 8. A partir do problema colocado pelo
pesquisador, a discussão se estendeu ao longo das falas de NE (252), PESQ (253) e
PESQ (254), favorecendo uma mobilização em relação a inclusão de uma atividade
envolvendo a crise, como pode ser verificado nas falas de GO (255), que sugere uma
pesquisa em jornais da época na Biblioteca Municipal do Rio de Janeiro, e nas falas de
PESQ (256), PESQ (257) e PESQ (258).
Apoiados em Cruz e Zylberstajn (2005), diríamos que a crise de energia elétrica
de 2001/2002 é compatível com o conceito de “evento” proposto pelos autores, uma
vez que favoreceu “discussões construtivas” e facilitou o “planejamento dessas
estratégias pedagógicas” que têm o enfoque CTS como “eixo estruturante”
(MARTINS, 2002). Além disso, por tratar-se de um evento recente, o uso deste recurso
dá ao professor a oportunidade de abordar a produção e o consumo da energia elétrica
de forma contextualizada, como sugerem os PCNs.
Episódio 18
Os fragmentos a seguir trazem elementos que descrevem a iniciativa dos
professores participantes no sentido de relacionar aspectos da historia do
eletromagnetismo com atividades experimentais, a partir do material didático
disponibilizado – equipamentos experimentais e texto sobre o desenvolvimento de parte
do eletromagnetismo ao longo do século XIX (Anexo 6).
146
(259) GO: “Agora nós vamos entrar na história da eletricidade, com Faraday.”
(260) NE: “Mas aí tem que fazer uma introdução da conservação da energia.”
(261) JU: “Aula prática.”
(262) NE: “Experimental, mas do looping (referindo-se ao looping do anexo 7)
primeiro.”
(263) GO: “Nessa hora a gente vai mostrar o looping pra mostrar pra eles como é, e
vai botar as fórmulas no quadro sobre o que ta funcionando.”
(264) JU: “Demonstração experimental.”
(265) GO: “Dos experimentos geradores de eletricidade? Geradores de energia?”
(266) NE: “Ou transformadores?”
(267) PESQ: “Isso aí é uma pergunta [...] Na verdade os geradores não geram nada.”
(268) GO: “É porque chama-se de gerador, na realidade, nos livros vem sempre
gerador.”
(269) PESQ: “Essa é a terminologia. Não adiante a gente querer mudar isso.”
(270) NE: “E o transformador é outra concepção.”
(271) PESQ: “Uma coisa é você falar pro aluno que dentro do gerador o que realmente
acontece é uma transformação de energia. Outra coisa é você começar a tratar o
gerador como um transformador de energia. Você vai criar uma confusão.
Transformador é outro equipamento.”
(272) GO: “É isso aí.”
No trecho destacado verifica-se uma intenção do grupo, de utilizar os recursos
experimentais disponibilizados para abordagem de conteúdos físicos. A discussão inicia
com algumas sugestões referentes ao uso da “história da eletricidade” e do princípio da
conservação da energia através do experimento do looping (Anexo 7), como revelam as
falas de GO (259), NE (260), JU (261), NE (262), GO (263) e JU (264).
As falas de GO (265) e NE (266) mostram que alguns participantes ainda
apresentam dificuldades em relação à linguagem da tecnologia envolvida na produção
da energia elétrica e aos processos característicos dessa produção. Essa dificuldade, a
nosso ver, pode acarretar problemas em relação ao entendimento dos processos físicos
envolvidos. A fala de GO (268) exemplifica como a cultura do livro didático não tem
ajudado a esclarecer esses problemas conceituais envolvendo processos complexos
147
como a produção da energia elétrica. Essa tendência é citada por García-Carmona e
Criado (2008) em relação a conteúdos de física nuclear em livros de física do ensino
médio. A pesquisa desenvolvida pelos autores mostra os conteúdos como exemplos de
física aplicada, o que não favorece o esclarecimento desejado para uma perspectiva de
enfoque CTS.
Como visto anteriormente, as falas dos participantes revelam uma insuficiência
de compreensão da “geração” de energia elétrica como processo de “transformação”.
A utilização da analogia entre o looping e o gerador não pareceu ter surtido efeito nesse
sentido, o que nos leva a crer em uma tendência de compreensão ainda insuficiente
sobre esse processo.
As falas de PESQ (267), PESQ (269) e PESQ (271) sugerem um momento de
intervenção com o objetivo de sanar dúvidas sobre a linguagem científico-tecnológica e
o processo envolvido. A alfabetização científica e tecnológica pode ser considerada, a
nosso ver, um pré-requisito importante para o educador que pretenda trabalhar de
acordo com a perspectiva CTS para o ensino de física. Sabe-se que um dos principais
objetivos do enfoque CTS é a alfabetização científica e tecnológica dos alunos –
cidadãos – para a ação social responsável, como indicam Ramsey (1993), Pedretti
(1993), Auler (1998), Santos e Mortimer (2001), Auler e Delizoicov (2001, 2006a,
2006b) e Auler et al. (2007).
Episódio 19
Os fragmentos selecionados nos informam, principalmente, sobre a compreensão
dos participantes em relação a conteúdos físicos como a dependência entre corrente
elétrica e campo magnético, e a indução eletromagnética e a variação temporal do
número de linhas de campo.
A discussão ocorreu a partir da intenção do grupo de utilizar experimentos
históricos do século XIX, representados pelo material experimental disponibilizado,
associado ao texto histórico (Anexo 6).
(273) JU: “Então, aí vem: com este instrumento (referindo-se ao looping do anexo 7)
demonstraremos o princípio da conservação da energia.”
(274) GO: “Vamos seguir a ordem cronológica.”
(275) JU: “A ordem do raciocínio, pra chegar no final pra [...]”
148
(276) GO: “Posso começar com o experimento de Faraday primeiro. Bota o de
Faraday.”
(277) JU: “Do Faraday, é [...] linha de força entra ou não?”
(278) GO: “Hein? Esse de Faraday. Indução eletromagnética foi um dos primeiros
dele, não?”
(279) JU: “Não, estamos aqui.”
(280) PESQ: “É o experimento do anel metálico. Isso aí foi o momento em que Faraday
percebeu a indução.”
(281) NE: “Mas primeiro a gente não tinha que apresentar esse do Öersted [...] da
bússola?”
(282) PESQ: “O Öersted é a percepção da relação entre corrente e campo magnético.”
(283) GO: “Então tem que começar com ele.”
(284) JU: “Depois do looping.”
(285) GO: “Experimentos históricos.”
(286) NE: “É o momento histórico na verdade aqui.”
(287) JU: “Seria o anel metálico, a indução eletromagnética?”
(288) GO: “Não, está como Öersted.”
(289) GO: “Passando uma corrente elétrica por um fio condutor ...”
(290) GO: “Este gera em sua volta uma indução eletromagnética. Esse gera um campo
né?”
(291) NE: “É, um campo eletromagnético.”
(292) GO: “Agora pera aí [...] Agora é que vem o anel metálico.”
(293) NE: “Aí é Faraday.”
(294) GO: “Aplicando uma corrente elétrica num dos enrolamentos [...] Isso você tem
que ter na mão pra mostrar ao aluno. Pra ele ver: um enrolamento e dois
enrolamentos.”
(295) JU: “Tem que demonstrar na hora.”
(296) GO: “Aí vem: segundo experimento de Faraday, indução sem enrolamento
indutor.”
149
(297) GO: “Reprodução do experimento de Faraday. Mostrando a indução [...]”
(298) NE: “Aqui tudo é reprodução [...]”
(299) PESQ: “Na hora que cê fecha, a corrente dá uma pequena variada. O ponteiro
faz tum tum. Na hora que cê abre, o ponteiro do galvanômetro faz tum tum . Mas só na
hora que fecha e na hora que abre. Aí ele percebeu que era por causa da variação de
corrente. E o que essa variação da corrente , na verdade está provocando? Como é a
corrente elétrica que produz o campo magnético dentro do anel, então, ele percebeu o
seguinte: é a variação dessa corrente que ta provocando a variação das linhas de
campo. Como essa variação das linhas de campo está sendo compartilhada pelo outro
enrolamento, lá no outro enrolamento está sendo induzido. Não tem contato elétrico
nenhum entre um e o outro [...]”
(300) GO: “Só as linhas .”
(301) PESQ: “E apenas pela variação dessas linhas de campo você induz do outro
lado. E aí ele fez esse experimento (referindo-se ao experimento com a bobina de
indução e o imã) pra ver se ele tinha razão.”
(302) GO: “Por isso é que se chama indução eletromagnética.”
(303) PESQ: “Ele falou: vamos ver se eu tenho razão mesmo? Se funcionou eu
variando uma corrente, vai funcionar eu balançando um imã. Aí ele balança o imã e vê
que também acontecia. Aí ele viu que estava certo.”
As falas de JU (273), GO (274) e JU (275) sugerem uma tendência desses
participantes seguirem a mesma estratégia utilizada na aula expositiva ministrada pelo
pesquisador-formador, onde o princípio da conservação da energia foi abordado
primeiramente e auxiliado pelo recurso do looping (Anexo 7), seguido do experimento
de Öersted para verificação da dependência entre corrente elétrica e campo magnético, e
dos experimentos do anel metálico e da bobina de indução, ambos propostos por
Faraday, enquanto este elaborava as bases do princípio da indução eletromagnética ao
longo do século XIX (Anexo 6).
As falas de GO (276), JU (277), GO (278) e JU (279) revelam incoerências em
relação à proposta de reconstituição da linha do tempo, quando o participante GO, em
sua fala GO (276), inicia um diálogo com os outros participantes, que mostra
insuficiência em relação aos “saberes disciplinares” (TARDIF, 2002) referentes ao
campo do eletromagnetismo, bem como em relação ao uso da história do
eletromagnetismo.
A forma como os participantes buscaram envolver os experimentos permanece, a
nosso ver, associada a um “contar história”, que se aproxima da forma como a história
150
da ciência, geralmente aparece no interior dos livros textos (CAWTHRON e ROWELL,
1978; SOLBES e TRAVER, 2003) e se afasta da perspectiva de “humanizar o ensino
de ciências” (ZIMAN, 1994) para promover a compreensão da sua natureza e as
mudanças paradigmáticas (SOLBES e TRAVER, 2003; 1996) que ocorrem no interior
do seu processo de construção, como recurso para o combate à imagem distorcida que a
sociedade tem da ciência (RÍOS e SOLBES, 2007; PRAIA et al., 2007) e da sua
evolução, geralmente compreendida, mesmo pelos nossos professores, como um
processo “meramente aditivo”, de acordo com Cudmani e Sandoval (2004).
As falas de PESQ (280) e PESQ (282) mostram um momento em que o
pesquisador percebe as dificuldades em relação à organização temporal das atividades e
também às interpretações inadequadas dos experimentos e dos fenômenos a eles
associados. A intervenção parece surtir efeito parcialmente até aquele momento, como
pode ser verificado nas falas de NE (281), GO (283) e JU (284), que revelam uma
organização mais coerente com o que o grupo demonstrou pretender em suas propostas.
Sobre os conteúdos físicos e a relação destes com os equipamentos
experimentais disponibilizados, a compreensão de alguns dos participantes ainda
parecia insuficiente, permeada por interrogações e dificuldades conceituais, como pode
ser observado nas falas de JU (287), GO (288), GO (289) e GO (290).
A compatibilização entre a linha do tempo, os conteúdos físicos e o uso dos
equipamentos experimentais, de forma coerente, apareceu dentro da discussão do grupo
a partir da fala de NE (291), seguida das falas de GO (292), NE (293), GO (294), JU
(295), GO (296), GO (297) e NE (298).
Uma nova intervenção do pesquisador, agora deslocado significativamente para
uma posição de formador, apareceu nas falas de PESQ (299), PESQ (301) e PESQ
(303), com o objetivo de dirimir dúvidas que ainda pudessem persistir entre os
participantes. A nosso ver, essa posição tomada pelo pesquisador deve ser vista como
uma forma de contribuir para o processo de construção coletiva desses conhecimentos
sobre a “matéria a ser ensinada” (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001), no sentido de
resolver “necessidades de formação” (TENREIRO-VIEIRA e VIEIRA, 2005) desses
professores e não como algum tipo de indutivismo ou ação de transmissão, o que seria
um retrocesso.
A organização de atividades levando em conta apenas a linha do tempo nos
parece uma estratégia reducionista, uma vez que não garante ao educando a
possibilidade de discussões mais aprofundadas sobre aspectos epistemológicos que
151
levem em conta os “efeitos dos eventos históricos” (ROSENTHAL, 1989) sobre o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia para auxiliá-lo na compreensão da
“natureza histórica” de ambas, de suas “implicações sociais” (AIKENHEAD, 1994), e
no combate aos “mitos construídos historicamente” (AULER e DELIZOICOV, 2006a,
2006b, 2001), que colocam a linguagem científico-tecnológica em um pedestal
supostamente alcançável somente por especialistas (ACEVEDO DÍAZ, 1996), o que
não atende à perspectiva do enfoque CTS.
Uma análise crítica sobre a atenção dada aos aspectos históricos e
epistemológicos ao longo das falas revela não ter ocorrido por parte do pesquisador, na
condição de formador, um estímulo no sentido de promover reflexões mais
aprofundadas em relação a esses aspectos, o que pode te contribuído para um
entendimento limitado sobre o potencial desses recursos e ocasionado incoerências em
relação ao uso das atividades experimentais associadas aos eventos históricos, com
possíveis desdobramentos sobre os conteúdos físicos vinculados a essas atividades
experimentais, devido a forma imbricada como essas três dimensões – história do
eletromagnetismo, experimentos e conteúdos físicos – foram tratadas no decorrer das
aulas expositivas.
Apesar das dificuldades aqui apontadas, devemos destacar momentos em que
foram identificadas evoluções no grupo em relação às “necessidades de formação”
(TENREIRO-VIEIRA e VIEIRA, 2005) dos professores participantes, como no trecho
do diálogo que se inicia na fala de NE (291) e termina na fala de NE (298). Além disso,
cabe ressaltar algumas dificuldades reveladas pelos participantes como: a falta de
formação para trabalhar com aspectos ligados à história e a epistemologia da ciência,
apontada por Pirani e Caluzi (2003) como um problema que se inicia nos cursos de
formação inicial, a falta de familiaridade com atividades experimentais por parte de
alguns professores e a dificuldade em relação a conteúdos que, geralmente, não são
abordados no ensino médio por falta de tempo e que estão distantes do dia-a-dia desses
professores, como é o caso do princípio da indução eletromagnética, que para as
estratégias pretendidas é um conteúdo da física indispensável para a compreensão do
processo de produção e consumo da energia elétrica.
Episódio 20
Os fragmentos destacados trazem elementos onde o pesquisador chama a
atenção do grupo para o processo de transformação de energia que se encontra presente
152
nos dois experimentos disponibilizados – looping e gerador elétrico –, objetivando
utilizar a analogia como recurso didático na ação formativa dos participantes em relação
à compreensão do processo de transformação de energia mecânica em energia elétrica,
ao longo das discussões sobre as atividades em construção.
(304) PESQ: “Eu tava vendo num primeiro momento, vocês querendo jogar esse
looping pra trás. Eu acho que não, porque o looping é que viabiliza a analogia [...]”
(305) JU: “O que a gente ia inverter era Faraday e Öersted.”
(306) PESQ: “Se você consegue reviver, com eles o princípio da conservação da
energia baseado numa atividade feita com o looping, a compreensão de que aquilo ali é
um processo de transformação de energia, fica. E aí, quando você olhar pro gerador,
que seria, provavelmente, a última atividade do Faraday [...]”
(307) PESQ: “Que nem é do Faraday, que esse gerador não foi o Faraday que fez. O
gerador do Faraday é o dínamo [...] o dínamo de disco. Mas quando você botar esse
gerador na frente dele, você vai ter que ter uma didática legal pra que ele perceba que,
também ali, naquela máquina, não só naquele looping, está havendo uma
transformação de energia.”
(308) PESQ: “O princípio da conservação da energia, vocês colocaram nos pré-
requisitos, consideraram nos pré-requisitos que o cara conhecesse energia cinética e
energia potencial. Mas, de qualquer maneira, seria bom fazer uma conexão, ou até
utilizar isso como forma de analogia. Se você promove uma atividade experimental; por
exemplo aquele looping. A partir dali, fazer o cara refletir, fazer o cara construir o
conhecimento a partir de uma analogia. O que acontece dentro de um gerador elétrico,
na verdade, também é um processo de transformação. De energia mecânica em energia
elétrica [...] Enquanto que naquele looping é de uma energia mecânica em outra. O que
eu preciso? Eu preciso de dar um enfoque social, dar um enfoque histórico, um enfoque
econômico, um enfoque ambiental, mas preciso também ensinar física. Afinal, a gente
está ensinado física.”
Nas falas de PESQ (304), PESQ (306), PESQ (307) e PESQ (308) verificamos
que o pesquisador se desloca, mais uma vez, para a posição de formador e colaborador,
objetivando associar as atividades propostas com o gerador elétrico e o looping aos
conteúdos físicos e aos experimentos anteriormente estudados. Apoiados em Shulman
(1987, 1986), diríamos que o uso da analogia, um dos elementos que compõem o PCK
do professor, segundo o autor, é particularmente adequado, a nosso ver, uma vez que
esta pode funcionar como uma poderosa estratégia no sentido de facilitar a compreensão
dos processos mais complexos envolvidos na produção e consumo da energia elétrica, a
partir de um “saber disciplinar” (TARDIF, 2002) com o qual os participantes estão
mais familiarizados, que é o princípio da conservação da energia. Além disso, a
153
analogia em questão pode servir de motivação para aprofundamentos investigativos que
levem o participante à compreensão de outros conteúdos da física, como aqueles
referentes ao campo de eletromagnetismo, considerados mais abstratos e sofisticados.
Episódio 21
Os fragmentos selecionados a seguir revelam um momento em que os
participantes iniciam uma discussão sobre a possibilidade de inserir outros recursos,
como filmes e visitações a espaços não formais para aprendizagem a partir de suas
experiências, que motivam uma reflexão em todo o grupo, sobre os problemas
associados à falta de infra-estrutura escolar.
(309) NE: “Aluno é fogo. Eu tenho lá as normas pra você apresentar trabalho. Como
tem que ser a capa, como tem que ser a introdução, o conteúdo, as fotos, como é que
você tem que colocar, a divisão das páginas, tal [...] Aí passei pros alunos. Que eles
tinham que apresentar o trabalho assim. Eles acharam mais difícil montar o trabalho
do que fazer a pesquisa em si. Pior de que pesquisar tudinho foi montar o trabalho.”
(310) JU: “Eu passei um filme: A Paz Tem Voz. Pedimos um relatório do filme [...] mas
é [...] pouquíssimos fizeram [...]
(311) GO: “Quando estou dando as leis de Newton, eu tenho um filme: Apolo Treze. Aí
eu marco no vídeo cassete lá o lançamento, a problemática do lançamento, tal [...]
depois, todo aquele lançamento, tal, no espaço [...] o problema da volta até voltar. Eu
corto, vou cortando os pedaços. Só o que interessa, senão o filme leva [...]”
(312) NE: “É.”
(313) GO: “E depois eu faço um questionário né [...] Em que momento funciona a
aceleração?”
(314) NE: “A gente, para ajudarmos no seminário deles, não podíamos tentar, incluir
aí, uma visita programada ao CEPEL? Ou a uma usina hidrelétrica, termelétrica,
alguma coisa assim? A uma usina, pelo mesmo. Eles conhecerem a geração de
energia.”
(315) GO: “Mas aí a gente já depende da infra-estrutura da escola.”
(316) GO: “Você tem que convencer o diretor.”
(317) JU: “É, mas o diretor normalmente alega que: Ah! a verba chega atrasada. Aí só
tem direito a dois ônibus no ano. Um por semestre.”
(318) GO: “Aí você tem [...] Quantas turmas de terceiro ano tem o colégio?”
(319) NE: “Quatro.”
154
(320) GO: “Então, você não pode levar quatro turmas, quatro turmas, tem que ser dois
ônibus.”
(321) NE: “Tem que saber se os caras também aceitam, porque às vezes: São, só
quarenta pessoas no máximo. Igual ao CEPEL. No CEPEL só aceita trinta pessoas.”
(322) PESQ: “A sugestão de visita existe mesmo. Lá em Jacarepaguá mesmo. Se você
for lá dentro de Jacarepaguá, em FURNAS, tem um laboratório que é uma miniatura,
uma maquete, e tudo funciona na maquete.”
(323) PESQ: “A partir do momento que isso seja possível, isso pode entrar como uma
atividade a mais no projeto.”
As falas de NE (309), JU (310), GO (311) e GO (313) mostram um momento em
que os participantes apresentaram relatos de experiências com o uso de filmes como
recursos didáticos. Na seqüência, o participante NE, em sua fala NE (314) sugere a
inclusão de uma atividade de visita programada a espaços não formais de aprendizagem,
como centros de pesquisa ou usinas, a fim de facilitar o entendimento dos alunos em
relação à “geração de energia”.
Essa sugestão veio acompanhada de uma reflexão sobre a realidade escolar, que
se afina com o que Schön (1992), Pérez Gómez (1992), Sacristán e Pérez Gomez (2002)
e Benassuly (2002) chamariam de reflexão sobre a ação ou reflexão sobre a prática.
As falas de NE (314), GO (315), GO (316), JU (317), GO (318), GO (320), NE
(321), PESQ (322) e PESQ (323) descrevem algumas das dificuldades apontadas pelos
participantes em relação à realidade escolar. Surgem elementos que mostram os
participantes atentos a aspectos associados à infra-estrutura escolar e a burocracia,
representada pela figura do diretor, na fala de GO (316), onde este participante se
comporta de forma reflexiva, de acordo com Schön (1992), mostrando-se “atento à
burocracia escolar”.
Como resultado da reflexão coletiva, surge ainda a preocupação com um aspecto
associado ao que Lüdke e Boing (2004) definiram como “precariedade da profissão
docente”. Neste caso, o “número excessivo de alunos”, já apontado por Fuenzalida
(2001) como um obstáculo à prática pedagógica que está associada a essa precarização,
apareceu nas falas de GO (318), NE (319), GO (320) e NE (321), como uma dificuldade
que pode inviabilizar a iniciativa dos participantes em relação a essas atividades em
espaços não formais de aprendizagem.
155
Cabe ressaltar, essa iniciativa considerada progressista, a nosso ver, por parte
desses profissionais que, baseados em seus “saberes experienciais” (TARDIF, 2002)
mostraram-se, de alguma maneira, interessados em práticas menos tradicionais em
relação ao que Santos et al. (2006) denominam de “concepções de ensino já
consagradas”.
Episódio 22
A partir da reflexão sobre a realidade escolar, os participantes revelam, nos
fragmentos destacados abaixo, um momento de conflito que envolveu a possibilidade de
tratar matematicamente, ou não, os conteúdos físicos. Os aspectos subjetivos que
aparecem no interior dessas falas merecem destaque, pois estão diretamente
relacionados à forma de abordagem que o grupo demonstra preferir.
(324) GO: “E aqui nós podemos mostrar a fórmula de indução eletromagnética, e
cobrar deles apenas exercícios simples né [...] nada complicado.”
(325) PESQ: “Se não quiser, a gente não está pensando em matematizar muito essas
coisas não. Se quiser fazer uma coisa só qualitativa [...] tudo bem.”
(326) JU: “Não, mas aí a demonstração das fórmulas você pode fazer junto com os
conceitos.”
(327) GO: “Só pra mostrar pra eles, dizer assim: olha, se você quiser [...] se você
quiser calcular uma corrente elétrica usando isso aqui você usaria [...]”
(328) PESQ: “Agora mostrar que a força eletromotriz inclusive, é igual a (-ΔФ/Δt) e Ф
é o fluxo magnético [...] É [...]não tô preocupado nesse momento, em a gente ta
tratando nada matematicamente não.”
(329) JU: “Não precisa colocar a matemática, só demonstrar, só escrever pra ele ta
memorizando.”
(330) NE: “Acho que isso aí a gente parte pra cobrar a eles no seminário.”
(331) PESQ: “Pode propor exercícios só qualitativos. Que não entrem contas. Aliás,
indução eletromagnética é o tipo do conteúdo que a maioria dos exercícios que tem
disponível em livro, inclusive no vestibular, se a gente quer falar do vestibular [...]”
(332) GO: “É, isso é o que mata [...]”
A fala de GO (324) introduziu uma sugestão de utilização fórmulas e exercícios
para tratar a indução eletromagnética. Em sentido contrário a essa proposta, o
pesquisador procurou esclarecer que o objetivo imediato poderia ser uma abordagem
156
mais qualitativa, como pode ser verificado na fala de PESQ (324). Diante dessas duas
propostas, outros participantes demonstraram uma preferência pelo tratamento
matemático, como revelam as falas de JU (326) e GO (327).
Em sua fala PESQ (328), o pesquisador busca chamar a atenção para as
dificuldades envolvidas no problema, principalmente em relação às variações temporais
de grandezas abstratas como o fluxo de linha de campo magnético, que se encontra
presente na Lei de Faraday.
A tendência de abordagem via recursos da matemática permanece presente na
fala de JU (329), nem que seja para o aluno memorizar e na fala de NE (330), que
propõe uma cobrança no “seminário” final que o grupo propôs como uma das
atividades a ser realizada pelos alunos.
O pesquisador tenta apoio para a sua proposta argumentando com a fala PESQ
(331), que até mesmo nos livros texto e nas provas de vestibular, os exercícios sobre a
indução eletromagnética são, em sua maioria qualitativos. Essa referência aos exames
de vestibular provocou uma reação imediata do participante GO, que soou em tom de
lamentação, sobre uma suposta necessidade de “obediência” em relação a essa
expectativa como pode ser verificado em sua fala GO (332).
Esse momento de reflexão sobre a prática (SCHÖN, 1992) nos mostra que os
“saberes experienciais” (TARDIF, 2002) mobilizados por alguns dos participantes
podem ser indicativos de uma posição mais conservadora, cujos indícios aparecem na
medida em que os professores insistem no uso de recursos da matemática para
abordagem dos conteúdos físicos envolvidos.
As negociações entre o pesquisador e os participantes, descritas nos fragmentos
em destaque, mostram uma situação de resistência que pode estar associada aos
conflitos entre o novo – representado pela proposta de abordagem qualitativa trazida
pelo pesquisador –, e o tradicional – representado pela posição em favor da abordagem
matemática, sugerida pelos participantes – que, segundo Santos et al. (2006), favorece a
“reprodução de concepções de ensino já consagradas” nas salas de aula, que podem
ser fruto do que Tardif (2002) denominou de “socialização escolar”, motivando o
“pensamento docente de senso comum” (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001) em
relação à prática da análise de fenômenos físicos a partir de fórmulas, como vemos em
nossas escolas.
Embora seja reconhecida a importância da “atenção à burocracia escolar”
(SCHÖN, 1992) por parte dos nossos professores, acreditamos que o “peso da
157
formação ambiental” apontado por Carvalho e Gil-Pérez (2001), associado a um apego
excessivo a essa burocracia, podem levar a uma visão limitada em relação ao papel do
professor, como um cumpridor de programas escolares (MÜENCHEN e AULER, 2007a
e 2007b; CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001). Essa visão pode favorecer práticas
conservadoras por parte desses professores, sobretudo no diz respeito às exigências dos
exames de vestibular, como pode ser verificado no trecho de diálogo que envolve as
falas de PESQ (331) e GO (332).
Cabe ressaltar ainda que, práticas influenciadas por essas concepções mais
conservadoras não atendem às recomendações da LDB (BRASIL, 1996) e nem do
enfoque CTS, em relação à formação do educando voltada “para uma ação social
responsável” (SANTOS e MORTIMER, 2001).
Episódio 23
Os fragmentos a seguir se referem a um momento onde os participantes mostram
muito entusiasmo em relação ao trabalho desenvolvido e, ao mesmo tempo, reflexivos
em relação às suas realidades escolares. O entusiasmo a que nos referimos aparece,
principalmente, nas iniciativas de alguns participantes no sentido de adequar a proposta
elaborada às realidades escolares.
(333) JU: “Eu não tenho seis aulas daqui até dezembro, com eles.”
(334) NE: “Você já quer aplicar ela (referindo-se ao conjunto de atividades) agora?”
(335) JU: “Olha, até poderia, parte dela, eu pretendo aplicar.”
(336) NE: “É, parte dela, dá pra fazer. Aquela dos experimentos você não precisa [...]”
(337) JU: “Aquele dos experimentos não dá. Não tem tempo. Mas a pesquisa tem
como.”
(338) NE: “Experimento, você leva o Zé Roberto.”
(339) GO: “Se eu pegar, o ano que vem, uma terceira série, a primeira aula que eu
entrar em sala, eu vou jogar essa pesquisa pra eles. Antes de eu dar aula.”
(340) NE: “Mas aí, antes de falar em eletrostática, tu não vai [...]?”
(341) GO: “Eu vou dar eletricidade [...]”
(342) NE: “Aí quando você chegar em conceito de indução, você vai precisar ter falado
de campo elétrico[...]”
158
(343) GO: “Na primeira aula eu já peço pra eles. Olha, daqui a um mês eu quero que
vocês me apresentem [...]”
(344) GO: “Eu vou dar a minha aula comum pra escola, e eles vão trabalhando nisso
aí.”
(345) NE: “Você pode fazer até a avaliação do bimestre. Só em cima da pesquisa, não
tem que dar prova.”
(346) GO: “Não[...]”
(347) NE: “Não, dependendo do que você estiver fazendo [...]”
(348) JU: “O diretor não abre mão da [...]”
(349) NE: “E quem tem mais de uma turma de terceiro ano? Você consegue?”
(350) JU: “Eu tenho mais de uma turma, só que a outra [...]”
(351) NE: “Numa escola [...] eu tenho quatro [...] eu tenho todo o terceiro ano.”
(352) GO: “Tu pode provocar aí uma [...] ”
(353) NE: “Eu vou fazer o mesmo projeto quatro vezes cara [...]”
A seqüência de falas de JU (333), NE (334), JU (335), NE (336) e JU (337)
exemplifica a iniciativa entusiasmada da professora JU de aplicar a proposta em suas
aulas, a partir de um planejamento que leva em conta a realidade do número de aulas
disponíveis dentro da programação escolar.
Em seguida, a fala de NE (338) revela uma preocupação em relação às
atividades experimentais, característica de uma situação de insegurança, que pode estar
associada à falta de familiaridade dos participantes com atividades experimentais.
Nas falas de GO (339), NE (340), GO (341), NE (342), GO (343) e GO (344), o
entusiasmo em relação à aplicação da proposta também aparece, por parte do professor
GO. Entretanto, este se mostra preocupado com a programação escolar chegando a
sugerir que o projeto siga em paralelo, com o que chamou de “aula comum”.
No momento em que surgiram sugestões sobre a avaliação e as propostas
caminhavam para uma concepção de avaliação baseada nas pesquisas dos alunos, ao
invés de provas, como propôs o participante NE, em sua fala NE (345), a participante
JU, em sua fala JU (348), citou a figura do diretor como quem “não abre mão” das
159
provas, o que sugere uma possível dificuldade para a implementação da proposta em
função da burocracia escolar.
A seqüência que compreende o fragmento que contém as falas de NE (349), JU
(350), NE (351), GO (352) e NE (353), trouxe novas preocupações em relação à
realidade escolar, que dizem respeito à falta de tempo dos professores e ao número de
alunos excessivo e de turmas.
A exemplo do que ocorreu no episódio anterior, a discussão presente nos
fragmentos selecionados envolveu aspectos que consideramos relevantes, no que diz
respeito à possível influência que a burocracia escolar e a “obediência” aos programas
(MÜENCHEN e AULER, 2007a e 2007b; CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001) exerce
sobre a prática dos participantes.
Essa realidade pode ser constatada nas falas ao longo de todo o trecho escolhido.
Apesar das iniciativas de adequação da proposta dentro do espaço das aulas,
verificamos, principalmente na fala de GO (344), uma forma de aplicação paralela do
projeto: “Eu vou dar a minha aula comum pra escola, e eles vão trabalhando nisso aí
[...]”, enquanto a fala de JU (348) chamava a atenção para uma possível exigência por
parte do diretor em relação a aplicação de provas, ao invés de trabalhos de “pesquisa
como instrumento de avaliação”.
Os conflitos até aqui apontados devem ser caracterizados, a nosso ver, como um
indicativo de que os participantes se comportam de forma reflexiva em relação à
perspectiva defendida por Schön (1992), na medida em que se mostram “atentos à
burocracia escolar”. Por outro lado, estes se mostram abertos a mudanças.
Esta fase de transição, que não ocorre de forma imediata, pode ser conflituosa se
consideramos as argumentações de Santos et al. (2006) a respeito das negociações que
ocorrem internamente com esses profissionais no confronto de suas concepções antigas
com a nova situação que se apresenta. A “abordagem temática” (DELIZOICOV et al.,
2003), considerada indispensável para o enfoque CTS a partir de temas “potencialmente
problemáticos” (AIKENHEAD, 1994), passa a requerer uma “mudança curricular”,
mais do que uma simples mudança metodológica, perspectiva esta que, a nosso ver, não
apareceu estar bem compreendida pelos participantes àquela altura das discussões.
Acreditamos ser esperada uma certa insegurança por parte desses profissionais
frente a tantos desafios, sobretudo em relação a alguns pontos aqui identificados, como
o uso de atividades experimentais. O trecho que compreende as falas de JU (337) e NE
(338) é característico de uma situação de falta de confiança em relação aos
160
experimentos, que pode ser verificada quando o participante NE sugere a presença do
pesquisador para executar essas atividades experimentais.
Esse momento representativo de falta de “confiança”, ocorrendo em conjunto
com uma situação de “entusiasmo” em relação ao enfoque CTS, foi identificado
anteriormente por Gouvêa e Leal (2001) e pode ser considerado, de acordo com as
autoras, mais uma fonte de conflitos ou um empecilho para os nossos participantes, na
tarefa de implementar a proposta em seus ambientes escolares.
Devemos destacar ainda, alguns aspectos como a dificuldade em relação à
disponibilidade de tempo (MÜENCHEN e AULER, 2007a e 2007b; LÜDKE e BOING,
2004) e o número excessivo de alunos (FUENZALIDA, 2001), presente ao longo das
falas dos participantes.
Associados à realidade da maioria das nossas escolas públicas, a falta de tempo
para planejamento de aulas e o número excessivo de turmas e alunos se identificam com
o que Lüdke e Boing (2004) definiram como uma “precarização da profissão docente”,
que pode influenciar, segundo os autores, na construção de uma “identidade
profissional” (FONTOURA, 2007; LÜDKE e BOING, 2004) que torne esses
professores mais autônomos em relação à burocracia e aos programas escolares, e que
os ajude a resolver seus conflitos.
Episódio 24
O fragmento a seguir revela, principalmente, as dificuldades dos participantes
em relação à organização das atividades em construção na forma de texto.
(354) GO: “Esse negócio de português é que mata.”
(355) NE: “É, o português tem uns troços [...]”
(356) GO: “Eu juro que vou ler mais. Eu não gosto de ler não, mas eu tenho que ler.
Você lendo muito você [...]”
(357) JU: “Sabe o que você faz? Toda vez que tiver um curso de atualização você vai e
faz.”
(358) GO: “É, aí eu sou obrigado a escrever. Eu consegui escrever uma dessa rapaz. É,
tem de escrever mesmo.”
(359) JU: “É que nós não fomos acostumados a fazer relatórios.”
161
(360) PESQ: “Esse cara (referindo-se ao GO) me confidenciou que fez um curso de
especialização na UFF e não apresentou a monografia.”
(361) GO: “Eu fiquei com medo de escrever [...] Com preguiça.”
O diálogo iniciou com as falas de GO (354) e NE (355) chamando a atenção
para a dificuldade com o português, que o participante GO atribuiu à sua falta de hábito
com a leitura, como pode ser verificado em sua fala GO (356). A participante JU
interveio sugerindo os “cursos de atualização” como forma de minimizar essas
dificuldades em sua fala JU (357), onde, segundo ela, os participantes são incentivados
a escrever. Além disso, a professora JU justificou as dificuldades reveladas pelo grupo,
alegando falta de costume com a produção de relatórios, em sua fala JU (359).
Quando interpelado pelo fato de não ter apresentado a sua monografia de
especialização, o participante GO declarou ter ficado com “medo” e “preguiça”, como
pode ser verificado em sua fala GO (361).
Do fragmento escolhido e da descrição realizada, observamos uma certa auto-
crítica por parte de alguns participantes que se deve, a nosso ver, a possibilidade de
reflexão sobre a prática (SCHÖN, 1992; LÜDKE, 2001; SANTOS et al., 2006), que os
espaços de formação continuada proporcionam (FONTES e CARDOSO, 2006;
TENREIRO-VIEIRA e VIEIRA, 2005; DE JONG e VAN DER VALK, 2005;
AALTONEN e SORMUNEN, 2005).
Nesse sentido, podemos dizer que a estratégia por nós utilizada ao longo da ação
formativa de nossos participantes, pode ter contribuído para que esses profissionais
identificassem suas “próprias insuficiências” (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001), tais
como a dificuldade com o português, seja por falta de leitura, ou por falta de experiência
em redigir relatórios. Essa possibilidade ganha força, se considerarmos a fala de JU
(357), quando esta reconhece os “cursos de atualização” como espaços adequados para
resolver essas “necessidades de formação” (TENREIRO-VIEIRA e VIEIRA, 2005).
4.7 ANÁLISE DA DISCUSSÃO DURANTE A ELABORAÇÃO DAS
REIVINDICAÇÕES E SUGESTÕES NO QUARTO ENCONTRO
Esta etapa envolveu uma parte do quarto encontro e representa um momento de
discussão que ocorreu a partir de uma provocação do pesquisador. Nela o grupo deveria
refletir sobre a possibilidade de implementação de propostas CTS em geral, ou da
162
própria proposta elaborada pelo grupo e, organizar uma lista de sugestões e
reivindicações para viabilizar essa implementação.
Trata-se de uma análise desse processo dialógico, e não da lista elaborada pelo
grupo, onde os dados utilizados são oriundos de gravações em áudio e vídeo, ao longo
do processo de elaboração dessas sugestões e reivindicações.
Para a análise, selecionamos alguns fragmentos que consideramos mais
significativos, na medida em que reafirmaram, contra-disseram ou enriqueceram com
elementos novos a nossa pesquisa.
Dentre as indicações que surgiram durante a discussão, destacamos a relevância
de temas relacionados com a realidade escolar, com a infra-estrutura das escolas e a
burocracia, representada pelos programas escolares. Em relação às demandas oriundas
do enfoque CTS, destacamos as dificuldades associadas ao caráter interdisciplinar e as
necessidades formativas apontadas pelos professores, para uma ação pedagógica
compatível com essa perspectiva. Além disso, um outro aspecto, que a nosso ver,
merece destaque, diz respeito à realidade do aluno.
Com o objetivo de situar o leitor, consideramos oportuno explicitar a seguir, o
trecho contendo a intervenção do pesquisador, que provocou e orientou o grupo no
momento que antecedeu à discussão coletiva para a elaboração do que foi solicitado.
Orientação do pesquisador:
“Eu queria fazer o seguinte [...] isso vocês podem fazer juntos. Acho que não é
legal fazer separado não. Melhor que haja uma dinâmica. Todo mundo discutindo.
Vamos supor que vocês estivessem pretendendo implementar um projeto baseado no
CTS; como esse mesmo que nós elaboramos aqui, mas vamos tentar pensar de uma
forma mais geral, em termos mais genéricos. Aí, o que seria preciso pra implementar
um projeto desse tipo? Organizem, por favor, uma lista de sugestões e reivindicações”.
Episódio 25
Nos fragmentos a seguir, observamos como uma ação reflexiva coletiva sobre a
realidade escolar auxiliou o grupo de participantes a identificar aspectos relacionados,
principalmente, com problemas de infra-estrutura das suas escolas de origem.
(362) GO: “Agora, o que é que a gente precisaria pra dar esse curso? Uma sala bem
[...]”
163
(363) JU: “Espaço físico apropriado.”
(364) PESQ: “Mas isso não pode ser numa sala de aula?”
(365) PESQ: “A rigor, a gente não precisa nem de um laboratório.”
(366) GO: “Não, o que eu estou falando aqui são alguns recursos mínimos de
laboratório.”
(367) GO: “Bota assim: para a construção dos experimentos. A gente vai ter que
construir primeiro isso (referindo-se ao looping e aos equipamentos para reprodução
dos experimentos históricos do século XIX). Pra poder dar [...]”
(368) NE: “Quando chegar lá você tem o recurso pronto.”
(369) JU: “Mas você tem que fazer tudo. Quando começar [...]”
(370) NE: “O diretor vai lá, assina o checão e pá”.
Além de recursos como CDs, DVDs, projetor de data-show e retro-projetor, que
optamos por não incluir no trecho selecionado, o grupo indicou outras necessidades
como “espaço físico apropriado”, citado na fala de JU (363).
Essas indicações provocaram a intervenção do pesquisador, como pode ser
verificado nas falas de PESQ (364) e PESQ (365), no sentido de chamar a atenção para
o fato de que o material disponibilizado não requer nenhuma condição especial que não
seja uma sala de aula comum.
As falas de GO (336) e GO (367) vieram confirmar o que este participante já
havia identificado anteriormente, ou seja, a facilidade de montagem e o baixo custo do
material para a construção, além de ter manifestado o interesse de construir os
equipamentos. Em seguida, as falas de NE (368), JU (369) e NE (370) revelaram um
amadurecimento – reconhecimento – em relação à viabilidade de construção desses
aparelhos por parte desses outros professores.
Assim, o trecho destacado mostra uma evolução do grupo que, inicialmente
buscava reivindicar aspectos ligados a materiais e condições sobre as quais eles “não
possuem responsabilidade” direta, como é o caso de material de consumo ou da própria
infra-estrutura, representada na fala de JU (363) pelo “espaço físico apropriado”. As
intervenções do pesquisador e do participante GO, a nosso ver, “oxigenaram” a reflexão
do grupo, promovendo uma tendência de mudança em relação a esta postura, quando os
participantes mostraram o que chamamos de amadurecimento em relação ao custo, à
simplicidade de construção do material e à viabilidade em relação à sala de aula.
164
Entretanto, cabe ressaltar que a identificação desse trabalho de montagem, enquanto
tarefa simples pelo professor GO, pode ter sido motivada pela bagagem de “saberes
experienciais” (TARDIF, 2002) trazida pelo participante que, tem como outra atividade
a profissão de técnico de eletrônica.
A socialização desses conhecimentos através da reflexão coletiva pode ter sido
enriquecedora para a formação dos outros participantes, como recomendam Santos et al.
(2006), Trivelato (2003) e Benassuly (2002), para os espaços de formação continuada
que pretendam promover o “desenvolvimento profissional” (FUENZALIDA, 2001) ou
o PCK (DE JONG e VAN DER VALK, 2005; AALTONEN e SORMUNEN, 2005), ou
ainda o desenvolvimento do educador em relação aos saberes e habilidades necessários
para uma prática compatível com o enfoque CTS.
Episódio 26
O trecho destacado apresenta fragmentos de um momento de reflexão do grupo,
que resultou em sugestões no sentido de adequar a proposta desenvolvida à burocracia
escolar.
(371) NE: “A gente tava falando antes aqui [...] ela dizendo que queria aplicar já nesse
bimestre. Depende de como está o seu conteúdo, o que você já planejou. Seria uma boa
incluir isso no planejamento do ano que vem.”
(372) JU: “Não [...] seria uma pesquisa entendeu? Como pesquisa, não como o projeto
[...] Não, porque eu também não tenho seis aulas até as próximas [...] eu não tenho seis
aulas.”
(373) NE: “Porque, o terceiro ano que já está saindo, eles não vão participar mesmo.”
(374) GO: “Porque você, dificilmente, numa terceira série, você chega em
eletromagnetismo.”
(375) NE: “Nem na FAETEC chega?”
(376) GO: “Chega a geradores, e muito mal. Nem na FAETEC, com toda a [...]”
(377) NE: “Então a gente põe isso aí: inclusão do projeto no currículo [...] no
planejamento.”
A intervenção de NE (371) foi motivada pelo interesse demonstrado
anteriormente pela participante JU, em incluir algumas das atividades nas suas últimas
aulas do ano, interesse que foi confirmado em sua fala JU (372).
165
O participante NE argumentou que, para isso, seria conveniente a inclusão da
proposta no planejamento escolar do ano seguinte. Essa sugestão provocou uma
discussão que envolveu outros participantes, como pode ser verificado nas falas de NE
(373), GO (374), NE (375) e GO (376), que trouxeram o problema da extensão dos
programas escolares como uma dificuldade a ser considerada, onde, em geral, não há
disponibilidade de tempo para abordar os conteúdos do eletromagnetismo.
A fala resultante da reflexão de NE (371) revelou a posição de “navegador
atento à burocracia escolar” (SCHÖN, 1992), que o participante ocupava naquele
momento da discussão, posição esta que consideramos ser possível em espaços de
formação adequados ao exercício da reflexão para a construção do conhecimento de
forma cooperativa, como indicam Pinheiro et al. (2007), Fontes e Cardoso (2006),
Santos et al. (2006), Tenreiro-Vieira e Vieira (2005), de Jong e Van der Valk (2005),
Aaltonen e Sormunen (2005), Trivelato (2003), Benassuly (2002), Angoti e Auth
(2001), Fuenzalida (2001) e Santos e Mortimer (2000), para os espaços de formação
continuada.
A discussão que se estabeleceu entre os elementos do grupo, e que culminou
com a fala de NE (377), mostrou uma postura madura através da “inclusão do projeto
no planejamento” do próximo ano. Essa “inclusão no planejamento” pode ser um
indicativo de que, naquele momento, a proposta do grupo estava afinada com uma visão
progressista, uma vez que se aproximava mais de uma “mudança curricular” do que de
uma “mudança metodológica”, como entendem Delizoicov et al. (2003) à respeito de
propostas de “abordagem temática”, consideradas fundamentais em estratégias
didáticas de enfoque CTS (AIKENHEAD, 1994).
Episódio 27
O trecho a seguir se refere a um momento de reflexão do grupo onde os
participantes constroem uma série de correlações que vinculam algumas demandas do
enfoque CTS e seu caráter interdisciplinar, a uma série de aspectos ligados à identidade
e ao desenvolvimento profissional desses professores, dentro do que se espera de uma
ação docente compatível com essas demandas.
(378) GO: “Apoio dos colegas, também é importante. Pra escola que tem muita gente.”
(379) JU: “É interdisciplinar.”
166
(380) NE: “Envolvimento das outras disciplinas. Eles se envolverem conosco. Porque a
gente, até está disposto, a se envolver com eles.”
(381) GO: “Muitos professores não querem se envolver com medo. Ta me chamando
pô, eu não tenho tempo. Porque, o cara que trabalha muito [...] Eu, por exemplo, tô
com três tardes agora. Por isso é que eu vim fazer esse curso. O ano passado eu não
poderia fazer.”
(382) JU: “Ano passado eu também não poderia.”
(383) GO: “Eu nem almoçava. Eu saía correndo, ia trabalhar na outra, de noite ia pra
outra. Então, se você me chamasse pra fazer um projetinho; eu gosto muito de você
meu filho, mas tchau, segura sozinho.”
(384) JU: “Agora, também, o professor, normalmente não se envolve muito [...] eu já
tenho visto muito assim, porque o professor ganha mal. Todo mundo com formação
universitária aí: engenheiro, advogado, ganham salários ótimos. E professor também
pô: faz faculdade, faz pós, faz tudo, e o salário não é assim. Ele fala assim: pô, pra que
que eu vou fazer isso? Eu não tô ganhando nada. Eu ganho tão mal pra fazer o da sala
de aula. Não preciso fazer nada mais. Eu já ouvi muito isso. Então, às vezes até um
curso que tem de formação continuada [...]”
(385) JU: “Ele não se atualiza. Não tem idéias novas. Chega na sala de aula, já chega
mal satisfeito. O aluno percebe. Também não tem [...] O aluno também não produz.”
(386) NE: “A carga horária é extensa devido a essa insatisfação salarial. Seu salário é
baixo, então você trabalha mais pra poder ter um salário melhorzinho. Trabalha num
montão de escolas.”
(387) NE: “Temos outra coisa [...] é a falta de compromisso dos colegas,
principalmente na escola da rede, em que você tem, além dessa questão da insatisfação
salarial, você tem o seguinte: você faz GLP (hora-extra) na minha escola e ela é
contrato na minha escola. Que compromisso cê tem com a minha escola?”
(388) GO: “É, também, é [...]”
(389) NE: “Você não vai ganhar o Nova Escola (gratificação oficial nas escolas
públicas de ensino médio do Estado do Rio de Janeiro), ou gratificação [...]”
(390) GO: “Eu não vou fazer nada.”
(391) GO: “Pode botar aí. Falta de comprometimento de colegas que não são [...]”
(392) GO: “Colegas [...] não funcionários [...] é [...] não estatutários.”
(393) NE: “Não efetivos na escola, na unidade.”
(394) JU: “É, mas tem muitos colegas efetivos que num [...]”
(395) GO: “Que também [...] (risos).”
167
(396) JU: “É [...] eu acho também assim. As turmas muito cheias. Poderia ter um
número menor de aulas.”
(397) NE: “Redução do número de alunos.”
(398) GO: “Alunos em sala de aula.”
As falas de GO (378), JU (379) e NE (380) chamam a atenção para a
necessidade de envolvimento de professores de outras áreas do conhecimento devido à
interdisciplinaridade que caracteriza o enfoque CTS. Essa necessidade de
comprometimento de outros colegas, que nem sempre ocorre, é apontada pelo grupo
como, um desafio a ser superado.
Os participantes atribuem essa “falta de comprometimento” por parte dos
colegas, como pode ser verificado na fala de GO (391), a alguns aspectos como: medo
de se envolver por falta de tempo, conforme indicado na fala de GO (381), má
remuneração, que provoca um excesso de carga horária e, como conseqüência a falta de
tempo, como podem ser verificados, nas falas de JU (382), GO (383), JU (384) e NE
(386).
As falas de JU (384) e JU (385) trazem ainda, a relação entre o fator falta de
tempo e a dificuldade que os professores encontram de se engajar em programas de
qualificação profissional.
Foram indicados, nas falas de NE (387), GO (388), NE (389), GO (390), GO
(391), GO (392) e NE (393), aspectos que se relacionam com a precariedade de vínculo
de alguns professores com as instituições onde lecionam, como fatores que influenciam
esse comprometimento necessário. Além disso, foi citado nas falas de JU (396), NE
(397) e GO (398), o problema do excesso de alunos nas salas de aula.
A possibilidade de diálogo entre os pares, oferecida pelo espaço de formação
continuada na perspectiva da reflexão a partir do trabalho cooperativo encontra apoio
em Pinheiro et al. (2007), Santos et al. (2006), Fontes e Cardoso (2006), Tenreiro-Vieira
e Vieira (2005), de Jong e Vander Valk (2005), Trivelato (2003), Benassuly (2002),
Angotti e Auth (2001), Fuenzalida (2001) e Santos e Mortimer (2000).
No caso do grupo de sujeitos envolvidos na pesquisa, a estratégia nos pareceu
adequada porque favoreceu a reflexão coletiva sobre a prática, de acordo com o que
recomendam Lüdke (2001), Sacristán e Pérez Gómez (2000), Schön (1992) e Pérez
Gómez (1992).
168
A fala de JU (384), representativa de uma reflexão sobre a realidade que envolve
a situação dos professores, exemplifica aquilo que Lüdke e Boing (2004) chamam de
“precarização da profissão docente”, que pode contribuir para um estado de baixa
auto-estima desses profissionais. Uma situação desse tipo pode ser percebida na fala da
professora, em um momento de “quase desabafo”, onde a participante JU compara a
remuneração dos profissionais docentes com a realidade salarial de outros profissionais.
A discussão sobre a necessidade de comprometimento dos outros professores,
que se iniciou na fala de GO (378), trouxe, ao longo de todo o trecho selecionado,
outros elementos como o medo, a falta de tempo, a carga horária extensa e o número
excessivo de alunos, queixas características desse estado de precariedade, já apontadas
também por Müenchen e Auler (2007a; 2007b), Fontes e Cardoso (2006), Santos et al.
(2006) e Fuenzalida (2001).
A “precariedade em relação ao vínculo” desses professores com as instituições,
exemplificada nas falas do grupo sobre situações onde os professores realizam horas-
extras em escolas diferentes das suas de origem, ou quando atuam como professores
substitutos, foi apontada por Tardif (2002) como uma dificuldade para o
desenvolvimento daquilo que o autor chamou de “dimensão identitária do saber
docente”.
Apoiados em autores como Lüdke e Boing (2004), diríamos que esses elementos
explicitados nas falas dos participantes no trecho destacado seriam um reflexo de uma
precariedade que não só caracteriza esse estado em que se encontram os professores do
grupo e alguns de seus colegas, como interferem na formação desses professores. Isto
acontece na medida em que inviabiliza a adesão desses profissionais a programas de
formação continuada, como aparece nas falas de JU (384) e JU (385), podendo
influenciar negativamente a construção de uma “identidade profissional” de caráter
temporal e contínuo (FONTOURA, 2007; TARDIF, 2002), limitando assim um
“desenvolvimento profissional” (FUENZALIDA, 2001) para a prática docente em CTS.
Episódio 28
Os fragmentos selecionados trazem elementos de uma discussão que se inicia
com uma valorização da formação continuada por parte dos participantes. Esta
valorização é percebida em depoimentos que falam da importância daquele espaço de
formação, onde o grupo está inserido para estes participantes.
169
O trecho contém ainda uma intervenção do pesquisador, que procura esclarecer
dúvidas sobre a amplitude do enfoque CTS, enfatizando o seu caráter abrangente.
(399) JU: “Para o professor, eu acho que deveria ter também, assim, mais reuniões
pedagógicas né. Pra poder a gente estar sempre interado assim, da parte dos
parâmetros, dessas coisas [...]”
(400) GO: “Teria que entrar um item aqui dizendo o seguinte: nós precisaríamos de
mais oficinas desse tipo, pra que nós chegássemos a desenvolver projetos desse tipo.
Precisaria de [...]”
(401) NE: “Treinamento [...] seria o termo?”
(402) JU: “Treinamento (muxoxo).”
(403) GO: “Formação continuada. Então, nós precisaríamos de cursos de formação
continuada para o desenvolvimento desses projetos.”
(404) PESQ: “Uma das principais coisas aqui era que vocês tomassem conhecimento
que existe esse referencial CTS. Pelo menos, nas respostas de vocês no questionário,
ninguém sabia o que era isso.”
(405) GO: “Eu não sabia. Eu talvez até falo sobre isso, mas não sabia que [...]”
(406) PESQ: “O referencial CTS entra em qualquer área da ciência, inclusive na
biologia.”
(407) GO: “É, sendo ciência. Você tem que anexar a tecnologia à ciência [...] pronto:
já é um CTS.”
(408) PESQ: “Quando ele coloca, que esse tipo de iniciativa, desses cursos, não que eu
esteja querendo valorizar o que a gente ta fazendo não. Que esse tipo de coisa é
importante. É mesmo.”
(409) JU: “É sim.”
(410) PESQ: “É, porque se ninguém te der a oportunidade de saber que, por exemplo,
o princípio de Pascal tem aplicações na área de instrumentação pneumática. Que você
comanda um sistema complexo de uma plataforma, tudo na base de válvulas
pneumáticas. Se alguém não te mostrar [...] mostrar uma planta dessas como funciona,
você vai continuar exemplificando o princípio de Pascal daquele mesmo jeito. O dedo
do macaquinho desse lado, levantando o elefante lá do outro na prensa hidráulica; isso
ta no livro do Dalton Gonçalves, desde a década de 70.”
(411) GO: “Eu acho que eles acham mais simples [...]”
(412) PESQ: “O princípio de Pascal é isso? Parece que só serve para a prensa
hidráulica, aquilo. E aquilo ali, por exemplo, você aperta um botão e pode operar
muitos outros sistemas mais complexos que encontram grande aplicação.”
170
(413) MR: “Abre uma comporta.”
(414) PESQ: “Abre uma comporta de uma usina hidrelétrica. Com um aperto de dedo.
Mas aí eu volto lá no Morris Shamos, no nosso primeiro dia de aula. Ele disse o
seguinte: existem muito poucos exemplos em ciências que não dá pra se tratar a partir
da tecnologia. E é verdade. Agora, é claro que a proposta do CTS é muito mais
abrangente do que ficar arranjando exemplos de aplicações tecnológicas. Disso a gente
já sabe, que é uma visão reducionista.”
A fala de JU (399) sugere o uso de “mais reuniões pedagógicas” para um maior
conhecimento sobre os PCNs (BRASIL, 1999). Essa sugestão motivou outras sugestões,
como a do participante GO, em suas falas GO (400) e GO (403), que chamam a atenção
para os “cursos de formação continuada para o desenvolvimento desses projetos”.
O comentário de PESQ (404) sobre o referencial CTS, motivou o participante
GO, que declarou não conhecer o enfoque CTS, mas de alguma maneira já utilizá-lo
inconscientemente. A fala de GO (407) é coerente com a sua fala GO (405), além de
esclarecedora, uma vez que este mostra uma visão reducionista do enfoque CTS,
compatível com a de quem não conhece os seus pressupostos e propostas.
A fala de PESQ (408) inaugurou um momento em que este se deslocou para uma
posição de formador, procurando enriquecer a discussão com argumentos que
ajudassem o grupo a ampliar a visão apresentada. Essa seqüência de argumento
encontra-se representada pelas falas de PESQ (410), PESQ (411) e PESQ (413).
Em relação à valorização explícita da ação formativa presente nas falas de GO
(400) e GO (403), na qual os participantes estiveram inseridos como colaboradores e
sujeitos da pesquisa, consideramos este um fato que já ganhava visibilidade nos
fragmentos do episódio anterior (episódio 27), representado pelas falas de JU (384) e JU
(385), quando a participante “lamentava” pelas dificuldades de adesão a esses
programas, por parte do professor em serviço.
Gostaríamos de enfatizar que essa aceitação por parte dos professores pode ter
acontecido pelo fato de termos adotado estratégias de formação continuada fundadas no
diálogo entre os pares, através do trabalho cooperativo, objetivando a reflexão coletiva e
a construção do conhecimento, como sugerem Pinheiro et al. (2007), Santos et al.
(2006), Fontes e Cardoso (2006), Tenreiro-Vieira e Vieira (2005), De Jong e Van der
Valk (2005), Trivelato (2003), Benassuly (2002), Angotti e Auth (2001), Fuenzalida
(2001) e Santos e Mortimer (2000).
171
A fala de GO (407) exemplifica uma visão reducionista da perspectiva CTS,
compatível com a categoria do tipo (1) da classificação proposta por Aikenhead (1994),
que caracteriza uma concepção onde a tecnologia é entendida como uma aplicação da
ciência, através de exemplos onde a física encontra “utilidade”. Segundo Praia et al.
(2007), Ríos e Solbes (2007), e Fontes e Cardoso (2006) esta visão é um dos obstáculos
à educação em CTS, por não levar em conta as interações entre a ciência e a tecnologia
no contexto social, o papel transformador da tecnologia sobre a sociedade e promover a
construção de uma imagem distorcida da ciência e da tecnologia.
Episódio 29
Os fragmentos a seguir dizem respeito a um momento de reflexão do grupo em
relação à realidade do aluno, sobretudo aqueles que freqüentam cursos noturnos no
contexto da EJA e sua bagagem de conhecimentos.
(415) PESQ: “Deixa eu só colocar (dirigindo-se ao participante MR que chegou
atrasado). O que estava sendo discutido aqui, o que a gente estava pedindo pra todo
mundo, é que a gente procurasse fazer uma lista de sugestões e reivindicações. Que
coisas seriam necessárias [...] importantes pra que se conseguisse viabilizar esses
projetos CTS.”
(416) MR: “Eu coloquei aqui: melhoria do público-alvo.”
(417) NE: “Concurso público para acesso às escolas.”
(418) JU: “Eu sugeriria assim um nivelamento. O cara fez o primeiro ano há dez anos
atrás. Aí, ele volta pra escola [...] Ele quer terminar o ensino médio. Aí ele passa dez
anos fora da escola e volta no segundo ano. Mas quando ele volta no segundo ano ele
não sabe mais nada. O cara que passou dez anos fora da escola, ele está totalmente
perdido. Tem senhoras, senhores, jovens, tem várias pessoas nessa situação.”
(419) PESQ: “Curso de nivelamento pros alunos, porque a melhoria do público-alvo
fica um negócio meio nazista.”
(420) GO: “É isso mesmo.”
(421) PESQ: “Não, eu estou só falando que pode ser escrito de uma outra forma.”
(422) MR: “Pra isso você teria que botar, um ano a mais, pelo menos, pra quem ta
entrando.”
As falas de MR (416) e NE (417) sugerem uma seleção prévia dos candidatos
com o objetivo de “melhorar o público alvo”, enquanto a fala de JU (418) propõe um
172
curso de nivelamento para esses alunos. A idéia do curso de nivelamento veio
acompanhada de uma observação feita por MR em sua fala (422), sobre a necessidade
de aumento da duração do curso de ensino médio, de maneira que esse nivelamento seja
viável.
Na fala de MR (416), observamos uma tendência do participante “culpabilizar”
os alunos pelas dificuldades que são características das turmas de EJA.
Essa tendência pode estar relacionada a uma suposta resistência dos alunos que
levam os professores da EJA a uma situação de “comodismo”, como indicam
Müenchen e Auler (2007a; 2007b), em relação à perspectiva do uso da abordagem
temática na educação em CTS.
A aparente atitude comodista de MR ganhou um tom de desesperança na fala de
JU (418) em relação à situação dos alunos: “o cara que passou dez anos fora da escola,
ele está totalmente perdido. Tem senhoras, senhores, jovens, tem várias pessoas nessa
situação”. Entretanto, a professora é quem sugeriu o curso de nivelamento, que ganhou
apoio na fala de MR (422), onde aparece a observação referente à necessidade de
extensão dos cursos noturnos como forma de compensar o tempo de nivelamento.
4.8 ANÁLISE DOS DEPOIMENTOS OBTIDOS DAS AVALIAÇÕES NO
QUARTO ENCONTRO
Esta etapa da pesquisa diz respeito à análise dos depoimentos dos participantes,
em relação a um processo de avaliação realizado a partir de entrevistas conduzidas pelo
pesquisador, com o objetivo de investigar o conteúdo desses depoimentos. As seguintes
questões foram formuladas:
1. O que você achou do trabalho realizado e da dinâmica que norteou esse
trabalho?
2. Aponte as principais facilidades, limites e motivações encontradas por você
frente ao desafio de construir as estratégias didáticas à luz do enfoque CTS.
3. Como você defenderia a proposta desenvolvida pelo grupo, caso pretendesse
aplicá-la em uma escola?
Episódio 30:
Esse trecho relaciona fragmentos das respostas e dos comentários dos
participantes, referente à primeira pergunta.
173
(423) GO: “Eu achei interessante né. Primeiro porque, pra mim, como eu tenho grande
dificuldade de me expressar através da caneta, é [...] é bom que, de vez em quando, eu
faça essas oficinas né [...] participar desses debates com os colegas. Porque isso vai
melhorando a minha concepção como professor né, e perdendo aquele medo que a
gente tem de se expressar, escrever né, medo de escrever errado né. Eu gostei e, se tiver
outros aí e eu puder fazer [...]”
(424) GO: “O debate entre a gente aqui, do nosso nível aqui de professor, é [...]
enfrentando os problemas que a gente tem com os nossos alunos. E a colega aqui, eu
acho que ainda tem um problema maior do que nós todos aqui. Trabalhar com esse tipo
de ensino que ela trabalha (referindo-se à educação de jovens e adultos) é muito [...]
deve ser muito ruim pra ela. Trabalhar com alunos que não puxa pelo professor, que
não tira nada da gente. Se ele não tira nada de você, você termina enferrujando. Então,
esses cursos, gostei, excelente.”
(425) JU: “Eu gostei muito também de trabalhar [...] participar né, dessa oficina. Em
primeiro lugar eu gostei muito do tema. Eu achei que você está de parabéns por
escolher esse tema. Que é um assunto né, que a gente ta sempre ouvindo falar, sempre
nas revistas, jornais, etc [...] e ta sempre lendo sobre a crise [...]”
(426) JU: “Eu acho que cada vez que a gente participa de uma oficina, se junta com
colegas da mesma área, que a gente aprende mais, a gente tem mais gosto pra
trabalhar, né. A nossa aula passa a ser, assim, mais enriquecida, né. E quando você
chega na sala de aula, você já tem um pensamento novo, uma opinião nova. Pelo menos
eu me sinto assim. Cada vez que eu participo de um curso, de um oficina, eu acho que
fica mais prazerosa a aula. Mesmo que eu não use diretamente esse tema dentro da
minha aula, igual eu falei. Eu não tenho tempo, porque não tem nem seis aulas daqui
até o final do ano, mas eu posso pegar parte dele. Uma pesquisa pra estar
conscientizando os alunos dentro disso daí.”
(427) NE: “Show de bola! No domingo, quando eu encontrei com minha ex-aluna, que
tava comentando o pouco que aprendeu com o experimento, então, no domingo, foi a
confirmação de que isso tudo aqui valeria à pena. Eu gosto muito de participar desse
tipo de curso, de encontro, eu posso colocar assim né, onde a gente troca as
informações e [...] é um momento que a gente tem de desabafar, muitas vezes de expor
o que você passa, o que você sente, como é que você trabalha, e essa troca de [...] de
experiência também é gratificante: como é que ele faz na escola dele [...] como é que
ele faz, como é que ela faz, como o outro faz [...] Então, a gente troca essas
experiências. De um tempo pra cá eu passei a fazer esses cursos porque eu queria me
aprimorar pra eu manter o conhecimento [...] eu trocar, receber essas informações e
trocar informações com os colegas, uma vez que com os alunos a coisa é difícil.”
(428) NE: “A visão começa a mudar um pouco, você começa a ver que esse tipo de
informação, não especificamente a questão da energia, mas o CTS, que, de agora em
diante, vou até procurar saber um pouco mais sobre o CTS, porque é uma questão que
eu gosto. Muitas das vezes eu peço um trabalho aos alunos sobre tecnologia, sobre a
questão da tecnologia, o desenvolvimento tecnológico, a influência que a tecnologia
tem na vida deles, mas não sei pedir. Acho que o trabalho fica meio deficiente. Então,
aqui começa a abrir a mente pra essas coisas. Pra essa questão do CTS. A gente tinha
174
que ter mais tempo pra acho que se envolver [...] pra observar, pra saber mais sobre o
CTS e mais tempo também pra gente poder aprimorar esse nosso trabalho, esse nosso
projeto sobre [...] ou melhor [...] fazer uma discussão, a gente mesmo discutir mais
tempo essa questão da produção e consumo de energia elétrica. Eu espero que não
termine. Não sei da sua disponibilidade.”
(429) MR: “Dentro dos vinte e cinco anos que eu trabalho em engenharia, é [...] eu já
trabalhei em firmas multinacionais, trabalhei em firmas nacionais e sempre eu me
questionava como a gente, nós podemos treinar quem ta abaixo pra melhorar o nível
até do próprio trabalho de desenvolvimento do trabalho. Bom, é, há cinco anos atrás,
eu comecei a dar aula na FAETEC. Eu comecei a dar, dando aula como [...] na parte
de formação de tornearia e [...] tecnologia mecânica.”
(430) MR: “Eu entrei pro Estado, pra mim ver. Paguei pra ver isso. Você quer dar
mais de si e parece que eles estão com o freio puxado até [...] enforcado. Há uma
diversidade de alunos que pararam de estudar dez, vinte anos atrás, e hoje em dia,
essas pessoas tão voltando a estudar. Então, isso é uma dificuldade pra eles. Então, o
que eu vejo hoje em dia, é que a prática acadêmica que é ensinada nas escolas poderia
ser mais voltada pra projetos, pra quando o aluno saísse da faculdade, como novo
professor, ele pudesse estar embasado suficientemente pra poder ajudar os alunos a
praticar projetos. Isso aí deveria ser do conhecimento de todos, como apregoa o CTS.
Todo mundo deveria reconhecer que isso aqui (referindo-se à garrafa plástica de água)
reciclado, é dinheiro. Que amanhã, ou depois, você pode transformar isso aqui em
roupa. Isso é um conhecimento. Tem que ser dividido. Então, eu acho que, esse
encontro deveria sim, se prorrogar em outros desdobramentos, até mesmo pra gente
poder crescer e aplicar mais coisas do que a gente retira daqui.”
As respostas de GO (423) e GO (424) destacam a importância do trabalho
realizado porque ajuda a diminuir a dificuldade do participante em se expressar através
da escrita. A possibilidade de participação nas discussões “com os colegas”, foi
considerada por GO como uma forma de dividir problemas comuns com seus pares,
além de ajudar a melhorar a sua “concepção como professor”.
As respostas de JU (425) e JU (426) valorizam, principalmente, o tema
escolhido e dão especial destaque para o evento da crise da energia elétrica de
2001/2002, devido à sua presença constante nos meios de comunicação. A participante
identifica o espaço de discussões como um espaço de aprendizagem, chamando a
atenção para o fato de ter se reunido com “colegas da mesma área” e ter aprendido
mais, o que pode enriquecer as suas aulas com novas idéias, segundo a participante.
As respostas de NE (427) e NE (428) destacam as discussões como um momento
apropriado para desabafos e trocas de “saberes experienciais” (TARDIF, 2002). O
participante demonstrou entusiasmo em relação ao enfoque CTS, justificando que
poderá ajudá-lo a organizar os trabalhos de pesquisa sobre tecnologia, que este costuma
175
sugerir aos seus alunos. O entusiasmo de NE se reflete também quando este se coloca à
disposição para dar continuidade às discussões sobre CTS e ao trabalho.
As respostas de MR (429) e MR (430) chamam a atenção para a necessidade dos
cursos de formação inicial de professores se adequarem à prática de “projetos”, talvez
querendo se referir a “abordagem temática” (DELIZOICOV et al., 2003), uma vez que
o participante associa esses “projetos” a uma recomendação do enfoque CTS, como
pode ser verificado em seu comentário MR (430).
Baseados nos comentários do grupo em relação ao trabalho realizado e à
dinâmica das oficinas, destacaríamos dois pontos que consideramos importantes. O
primeiro deles diz respeito à dinâmica e ao espaço de formação, onde os professores
estiveram inseridos, que caracterizamos como um espaço que se aproxima do conceito
de “practicum reflexivo” proposto por Schön (1992), na medida em que favorece a
reflexão sobre a prática, a partir do trabalho colaborativo (FONTES e CARDOSO,
2006; TENREIRO-VIEIRA e VIEIRA, 2005; DE JONG e VAN DER VALK, 2005;
AATONEN e SORMUNEN, 2005) e de construção do conhecimento através da
socialização dos “saberes experienciais” (TARDIF, 2002) dos participantes no sentido
de fortalecer a “identidade” (FONTOURA, 2007; SANTOS et al., 2006; LÜDKE e
BOING, 2004; TARDIF, 2002) e o “desenvolvimento profissional” (FUENZALIDA,
2001) do grupo.
O segundo ponto a ser destacado seria a importância do tema “produção e
consumo da energia elétrica”, devido à sua “relevância social” (SANTOS e
MORTIMER, 2000) e sua potencialidade (AIKENHEAD, 1994) em relação ao
envolvimento com outros temas em função do seu caráter interdisciplinar, que favorece
a interação com outras áreas do conhecimento. Além disso, cabe destacar a importância
da crise energética de 2001/2002, citada no comentário de JU (425), utilizada
estrategicamente como “evento” (CRUZ e ZYLBERSZTAJN, 2005) mobilizador na
ação formativa, através do planejamento das atividades para a construção coletiva da
proposta, e a relevância da “abordagem temática” (DELIZOICOV et al., 2003),
reconhecida por MR (430) como uma possibilidade de inclusão entre os “saberes
disciplinares” (TARDIF, 2002) nos cursos de formação inicial de professores. Essa
perspectiva de intervenção curricular para mudança, é apontada por Delizoicov et al.
(2003) como a forma mais adequada de viabilizar o uso da “abordagem temática”.
176
Episódio 31:
O trecho selecionado apresenta fragmentos dos comentários dos participantes em
relação à segunda questão proposta pelo pesquisador.
(431) MR: “É uma falta diria, da minha parte, de doutrinar eu ler muito. Hoje em dia
eu leio mais por causa da função que eu ocupo hoje em dia. Eu acho que a dificuldade
minha de escrever é essa. E eu não ter o hábito de leitura, isso é comum. É uma
deficiência. Não sei se é uma deficiência de ensino ou o quê, mas, em mim é preguiça
mesmo.”
(432) MR: “Agora, uma motivação pra mim é ver o seguinte: como eu já dou aula na
parte de calorimetria. Eu dou aula já motivando os alunos e explicando [...] pra [...]
puxando pra base científica que eu tenho, dando exemplos desse nível [...]”
(433) NE: “O que me motivou foi o encontro com essa minha ex-aluna, quando ela
falou que: através de um experimento, então a física marcou um pouco na vida dela, de
alguma forma. Eu gosto de trabalhar com experimento. Não tenho é essa questão do
tempo, essas limitações. De chegar, parar montar. Fazer um planejamento é uma
negação, pra escrever, pra botar ali no papel. Acho que é comum em todo mundo. Não
sei se é das ciências exatas [...] (risos). O que me motiva é isso. Gosto da tecnologia,
gosto das coisas modernas, procuro estar atualizado, apesar de também ler pouco, a
coisa também é meio devagar. Mas como eu falei antes: o CTS, pra mim, saber que
existe isso [...] pra mim é show de bola.”
(434) JU: “As minhas dificuldades, a leitura, que a gente também não tem aquele
hábito de ta lendo, lendo, lendo [...] Teríamos que ter um conhecimento maior sobre
isso, a gente acaba né, deixando a desejar. E, por causa disso também, a gente tem essa
dificuldade de passar pro papel. Só que, a minha maior dificuldade é a parte
experimental. Eu gosto de experimento, eu gosto de trabalhar assim, tenho procurado
fazer até alguns experimentos simples nas aulas, mas são poucos, e eu não aprendi
fazer assim experimentos, trabalhar com experimentos. Então, eu tenho um pouco de
dificuldade e eu tenho procurado melhorar essa parte, porque eu acho que é muito
melhor pro aluno.”
(435) GO: “A coisa que me empolgou aqui foi o tema eletricidade. Como eu sou técnico
em eletrônica, trabalhei com isso muito tempo, ainda trabalho, às vezes. E trabalhando
em laboratório [...] lá, que dizer, toda essa prática, que eu tenho em laboratório,
instrumento, tudo [...] E esse tema CTS aí. Eu já fazia isso. Eu faço isso nas minhas
aulas. Só que eu nunca ouvi falar nesse negócio ciência-tecnologia-sociedade. Agora
eu faço isso na sala de aula. Eu procuro, cada vez que eu dou aula de física, eu mostrar
experimentos que funcionam através da tecnologia. Agora, nunca tinha ouvido falar em
CTS. Agora, já vou chegar na sala de aula e [...]”
Nesse momento da conversa o pesquisador intervém no sentido de enriquecer a
concepção externada na fala do participante GO, a respeito do seu entendimento em
relação ao enfoque CTS.
177
(436) PESQ: “Eu comecei fazendo isso da mesma maneira que vocês. Eu antes, só
aplicava com a tecnologia. Justamente porque também fui eletrotécnico durante vinte
anos [...] depois que eu tomei conhecimento do referencial é que eu passei a expandir
pra discussão política, ambiental, porque o referencial CTS, ele é mais abrangente.
Tanto que, como eu disse, ele já expandiu pro CTSA. Porque a questão ambiental
sempre teve presente dentro do referencial CTS. Mas só que, resolveram botar uma
letra a mais para enfatizar, então virou: ciência-tecnologia-sociedade-ambiente. Já
existem trabalhos mais atuais que falam disso. Agora, a discussão ambiental sempre
esteve presente, inclusive na própria origem do movimento CTS, como a gente viu aí
nos [...] Na origem do movimento CTS.”
(437) GO: “As dificuldades é que todo mundo, nós aqui, o grupo tem. Me expressar
através da escrita. Essa dificuldade é o que ele falou, é a falta de [...] eu sou
preguiçoso, não leio nada.”
(438) JU: “Também, assim. Eu sinto isso, um pouco de dificuldade, que se você me
apresenta alguma coisa nova, eu tenho que ter um tempo pra ordenar meus
pensamentos, entendeu? Vamos supor: escrever isso aqui agora. Eu não consigo.”
(439) MR: “Mas isso aqui, pra mim, já é um trampolim pro meu ano que vem. Porque o
meu ano que vem já inclui eu estar fazendo uma pós-graduação pra depois fazer o
mestrado. Mas eu vou fazer mestrado voltado pra engenharia.”
(440) GO: “Que é meio pedreira. É igual a física, fazer mestrado em física. Em
educação é moleza. É só tu gostar de ler. Se tu gosta de ler [...] Quero ver fazer em
física ou em engenharia.”
(441) MR: “Hoje em dia é mais fácil você fazer mestrado em educação do que fazer na
sua área que você se formou.”
Ao apontarem suas limitações ao longo do trabalho, a dificuldade com a
produção de textos (escrita) esteve presente nos depoimentos de todos os participantes.
Apenas a participante JU, em seu comentário JU (434), declarou sua dificuldade com
atividades experimentais por não te tido a oportunidade de aprender a “trabalhar com
experimentos”.
Em relação às motivações e aos aspectos facilitadores, os participantes MR e
GO, associaram essa facilidade às suas outras atividades profissionais de engenheiro de
qualidade e técnico em eletrônica, respectivamente, além da prática com atividades de
laboratório, enquanto o participante NE atribuiu a facilidade, encontrada durante o
planejamento, ao seu gosto pelas questões tecnológicas e ao entusiasmo com o enfoque
CTS. A participante JU já havia falado do elemento facilitador (tema) em seu
depoimento no episódio anterior.
178
No depoimento de GO (435), o participante apresentou uma visão ainda restrita
em relação ao enfoque CTS ao afirmar que “já fazia isso” em suas aulas, referindo-se
ao uso do CTS “sem nunca ter ouvido falar” do referencial. Esse comentário, associado
a outros já externados pelo participante anteriormente, e aqui registrados, motivou a
intervenção PESQ (436) do pesquisador, no sentido de procurar ampliar o entendimento
daquele participante, que parecia ainda insuficiente até aquele momento.
O comentário que envolve os fragmentos de MR (439), GO (440) e MR (441)
trazem depoimentos que caracterizam um estado de baixa auto-estima em relação a sua
condição de professor, quando estes demonstram considerar as pesquisas em educação
como algo de menor importância do que as pesquisas em física ou em engenharia, como
pode ser verificado nas fala de GO (440) e MR (441).
O deslocamento do professor “para uma posição mais reflexiva” (LÜDKE,
2001), como aconteceu ao longo do processo de construção das estratégias didáticas,
oferece momentos onde esses profissionais, através de uma “reflexão sobre a prática”
(SCHÖN, 1992), podem “detectar suas próprias insuficiências” (TENREIRO-VIERA
e VIEIRA, 2005; CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001) em relação aos “saberes
disciplinares” (TARDIF, 2002), como a dificuldade em relação ao uso de experimentos
por não te aprendido no curso de formação inicial, declarada pela participante JU (434),
ou em relação às dificuldades mais gerais, como aquelas referentes à produção de
textos, declarada por todos.
Os depoimentos de MR (432) e de GO (435), podem ser indicativos de que os
“saberes experienciais” (TARDIF, 2002) trazidos nas bagagens desses professores, que
exercem outras funções técnicas além do magistério, podem influenciar essa
“facilidade” declarada. Além disso, considerando que o participante NE declarou ter
exercido a função de operador de computador e de “gostar da tecnologia”,
encontramos coerência nos comentários de todos em relação à facilidade no trato com o
tema e o entusiasmo em relação ao enfoque CTS.
Entretanto, a visão do participante GO, externada em seu comentário GO (435)
reafirma uma tendência de entendimento insuficiente em relação ao que propõe o
enfoque CTS, uma vez que esta se aproxima da classificação do tipo (1) proposta por
Aikenhead (1994) em relação as diferentes visões sobre o enfoque, onde a tecnologia é
considerada como aplicação da ciência, o que pode ajudar a construir uma imagem
distorcida da ciência e da tecnologia (AULER e DELIZOICV, 2006a; 2006b), que não
favorece o combate aos “mitos construídos historicamente” (AULER e DELIZOICOV,
179
2001) e os desafios frente à “situação de emergência planetária” (FONSECA, 2007;
GIL-PÉREZ e VILCHES, 2006a; 200b).
Se, por um lado, os participantes GO e MR demonstram uma aproximação com
a área tecnológica, por outro apresentam sinais de “baixa auto-estima” (LÜDKE e
BOING, 2004) em relação às suas situações profissionais, que podem estar associados à
“falta de prestígio da profissão” (SANTOS et al., 2006).
Esse estado é identificado como problema que “dificulta a construção de uma
identidade profissional” (FONTOURA, 2007; SANTOS et al., 2006; LÜDKE e
BOING, 2004) e o “desenvolvimento profissional” (FUENZALIDA, 2001) desses
professores para uma ação docente compatível com os requisitos do enfoque CTS em
relação ao papel do educador.
Episódio 32:
Esse trecho apresenta fragmentos dos comentários dos participantes, referentes à
terceira pergunta.
(442) GO: “Tentaria mostrar ao meu diretor o seguinte: a importância do
conhecimento CTS naquela escola. E que isso seria de grande utilidade para os nossos
alunos das terceiras séries, mostrando pra ele a importância do conhecimento técnico e
social, né, que um aluno de terceira série, ao término do seu curso, ele seria muito mais
informado, né, muito mais consciente é [...] , do seu dever como cidadão, porque ele sai
dali [...] na escola se ensina cidadania também.”
(443) JU: “Eu defenderia da seguinte forma: eu acho que esse tema, muitas pessoas já
ouviram falar né, sobre a crise energética, nós já passamos em 2001 e 2002 por uma
situação em que foi vivida pela população. Então, eu acho que as pessoas, de forma
geral, têm que ter essa consciência. Nós já começamos o século com essa dificuldade
né, de energia, com essa crise. Então, eu acho que todos têm que se conscientizar disso.
Porque eles não conhecem ciência, por exemplo, mas eles na prática, eles sabem.
Então, através do aluno, você pode ta trabalhando. Já é uma iniciação de uma
alfabetização. Nós falamos de alfabetização científica e tecnológica, não é isso? A
partir dele, vai haver uma mudança, de forma geral, no povo. O aluno, ele toma
conhecimento de uma [...] de um fato novo na escola, ele leva pra casa. Leva pra
família, porque, muitas das vezes a gente aplica uma situação em sala de aula, a gente
envolve o aluno numa situação, e depois ele lê no jornal, ele fica, professor você falou
aquilo. Eu li no jornal sobre isso. Ele próprio vai fazendo uma pesquisa, mesmo sem
você estar exigindo. Então, você levando isso ao conhecimento do aluno, ele pode ta
levando pra casa esse conhecimento. Ele já vai sair da escola com uma maneira
diferente de pensar. Com certeza, no final, depois daquele seminário, o aluno vai ta
pensando totalmente diferente de que ele pensava antes.”
180
(444) NE: “A tecnologia é uma realidade. Você depende da tecnologia pra tudo é [...]
pra quase tudo. Grande parte da nossa vida, a gente ta dependendo da tecnologia. E
fora que, especificamente na minha escola, o tema é sociedade e tecnologia, cidadania
e tecnologia, o tema do projeto pedagógico da escola. Está muito aquém, muito aquém
do que eu aprendi aqui em termos de CTS. Acho que já é um bom começo. Na minha
escola, já é um facilitador isso. Então, falar de tecnologia passa a ser importante
porque é coisa que faz parte da vida do cara. O cara vai receber o salário dele. Ele tem
que digitar lá, tem que usar a calculadora, então ele tem que saber um bocado de
tecnologia sim. Agora, de uma certa forma, é [...] uma faixa dos próprios diretores não
foi preparada devidamente pra você poder chegar a ele, e se colocar a ele, pedindo um
autorização pra você desenvolver um projeto desse. Então é, você tem que ter em
primeiro lugar, uma abordagem para quem você vai colocar o assunto e vender muito
bem vendida a imagem, pra que você tenha, do outro lado, o apoio, que é bem difícil,
determinadas coisas que a pessoa não conhece o assunto. Ele tende a vetar.”
As defesas da proposta foram feitas levando em conta as escolas de origem de
cada participante, ou seja, cada professor construiu os seus argumentos de defesa a
partir de uma reflexão sobre sua realidade escolar.
No comentário de GO (442), o participante declarou que levaria em conta a
importância do conhecimento “técnico e social” para a formação do cidadão, que deve
ser o foco da escola para o aluno da terceira série do ensino médio.
A participante JU chamou a atenção em seu comentário JU (443) para a
importância de uma conscientização em relação ao problema da crise de energia elétrica
de 2001/2002, e também da alfabetização científica e tecnológica do aluno como uma
forma de melhorar a situação de suas famílias e até de promover mudanças em toda a
sociedade.
O participante NE procurou, através do seu comentário NE (444), defender a
proposta a partir da realidade de “dependência da tecnologia” nos dias de hoje, na qual
está inserida a sociedade. Um outro aspecto citado pelo participante e associado à
dificuldade de aprovação de proposta, é o fato de os diretores das escolas não estarem
preparados para autorizar uma proposta como a que foi construída pelo grupo.
O comentário de GO (442) faz uma associação entre a necessidade do
conhecimento científico-tecnológico e a formação do cidadão, enquanto o participante
NE, em seu comentário NE (444) constrói a sua defesa para a proposta aproximando a
dependência tecnológica da sociedade com a necessidade de uma alfabetização
científica e tecnológica.
O uso do “evento” (CRUZ e ZYLBERSZTAJN, 2005) da crise de energia
elétrica de 2001/2002 mobilizou a participante JU, como pode ser verificado no seu
181
comentário JU (443), no sentido de basear a sua defesa na necessidade de
conscientização sobre aquele problema vivenciado pela sociedade brasileira.
Assim, verificamos nos comentários dos participantes – o participante MR
declarou se sentir contemplado pelos depoimentos dos outros – uma tendência de defesa
apoiada em alguns princípios básicos do movimento CTS em relação à formação par
uma ação social responsável (HOFSTEIN et al., 1988; RAMSEY, 1993; PEDRETTI,
1997; SANTOS e MORTIMER, 2000; 2001; AULER e DELIZOICOV, 2006a; 2006b;
2001; AULER et al., 2007), que pode ser um indicativo de amadurecimento do grupo
em relação àqueles princípios.
4.9 ANÁLISE DOS PÓS-TESTES
A análise aqui presente se baseia nas respostas dadas pelos participantes à
pergunta (1) do questionário de pós-testes (Anexo 11), que procura verificar o
significado do ensino de conteúdos científicos à luz do enfoque CTS para esses
professores.
Participante GO
Significado: “Entrelaçar” os conteúdos científicos com um enfoque tecnológico, para
facilitar o entendimento do aluno sobre a sociedade e os meios de comunicação e
consumo.
Participante JU
Significado: Transmitir o conhecimento científico “comparando-o” com o avanço da
tecnologia, a fim de que o aluno adquira uma concepção sobre as questões ambientais e
as outras conseqüências do desenvolvimento científico e tecnológico para a sociedade.
Participante NE
Significado: Aprimoramento e informação porque são “essenciais num mundo
globalizado”, para os alunos.
Participante MR
Significado: Dar ao aluno, “além da sua formação educacional, um preparo técnico-
científico”.
182
Embora as definições apresentadas pelos participantes tenham sido muito
sintéticas, elas merecem algumas considerações. O participante MR mostra um
entendimento muito focado na formação técnica, enquanto o participante NE de forma
muito abrangente, fala da importância da informação para o aluno no mundo
globalizado.
As definições apresentadas por GO e JU possibilitam mais reflexões. A nosso
ver, as duas definições estão apoiadas em um “imbricamento” (AULER e BAZZO,
2001), entre ciência e tecnologia que, segundo os participantes, favorecem as interações
CTS, com destaque para as implicações ambientais citadas na definição de JU.
4.10 ANÁLISE COMPARATIVA DO PRÉ-TESTE COM O PÓS-TESTE
Esta etapa envolveu uma avaliação sobre a evolução da percepção dos
participantes em relação aos diversos aspectos envolvidos na produção e consumo da
energia elétrica. Os dados foram obtidos a partir das respostas dadas pelos participantes
à pergunta (2) do questionário de pós-testes (Anexo 11) e das respostas dadas à mesma
pergunta presente no questionário de pré-testes (pergunta 5 do anexo 3).
Evolução da percepção dos participantes
Pré-teste Pós-teste
GO: “Escolheria um programa energético
com bastante ênfase na termoelétrica e
nuclear.”
GO: “Primeiro faria uma ampla
discussão com a sociedade sobre o
projeto apresentado. Procuraria discutir
sobre os impactos ambientais e sociais
que poderiam surgir com esse programa
energético, e como produção de energia
optaria por um programa nuclear como
gerador dessa energia.”
JU: “Levaria em consideração a situação
em que daqui ha alguns anos teremos que
ter um programa de racionamento de
água e também a questão do petróleo, que
estamos retirando já o mais caro.”
JU: “Levaria em consideração a situação
das fontes não renováveis e que deveriam
ser criados programas para racionamento
(se possível), e o estudo das fontes
renováveis para aprimoramento ou
aperfeiçoamento para adquirir novos
recursos.”
NE: “O consumo, o valor das tarifas e a
abrangência, por acreditar que um país
que consome e produz muita energia está
em busca do desenvolvimento.”
NE: “Informação. A sociedade deve estar
a par do que está acontecendo, onde se
quer chegar e quais os meios utilizados
para a adoção de determinado programa.
Talvez isso deva começar nas escolas.”
183
MR: “Bacia hidrográfica, topografia
para distribuição da rede, navegação
(criar uma hidrovia em função do lago da
barragem), criação da corredeira para
facilitar a piracema, criação de uma
infra-estrutura de saneamento básico e
rede escolar (primeiro e segundo graus e
profissionalizante), rede de hospitais para
implantar uma cidade para os
funcionários que construirão a usina,
criar cidades ribeirinhas com o mínimo
de recursos.”
MR: “Impacto ambiental na área da
barragem, criação de cidades para
receber a população e ser removida,
dotar a barragem de maneira a permitir a
piracema (manutenção do ecossistema),
infra-estrutura das cidades a serem
construídas, preocupação com a
transmissão para evitar perdas de energia
e preocupação com a conscientização
sobre a preservação do ecossistema.”
As respostas do participante GO mostram uma evolução no sentido de incluir
discussões sobre o programa proposto em relação aos impactos sócio-ambientais, não
levados em conta no pré-teste. Nas respostas de JU, também aparece uma evolução de
caráter conceitual, que pode ser verificada através da explicitação, em sua segunda
resposta, do conceito de fontes não renováveis de forma adequada e oportuna. A
evolução de participante NE pode ser percebida pela preocupação que este demonstra
em relação à necessidade de informação, iniciada possivelmente nas escolas, para que a
sociedade possa debater sobre o programa energético proposto.
Baseados nessa resposta, diríamos que, apesar de algumas pequenas
considerações sobre a questão da remoção da população e a preservação do ecossistema,
devemos registrar que o participante MR enfatiza questões muito técnicas (específicas)
oriundas dos seus “saberes experienciais” (TARDIF, 2002) como engenheiro para
tratar do assunto, o que foge do nosso objetivo nesta análise.
Podemos dizer também neste caso, que o espaço de formação, no qual os
participantes estiveram inseridos, favoreceu uma evolução de caráter formativo no
sentido de uma conscientização, a partir da reflexão coletiva (FONTES e CARDOSO,
2006; TENREIRO-VIEIRA e VIEIRA, 2005; DE JONG e VAN DER VALK, 2005;
AATONEN e SORMUNEN, 2005).
184
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES
Iniciamos nossas considerações buscando situar o grupo de professores
participantes, sem a pretensão de sermos conclusivos, levando em conta as primeiras
impressões que a etapa exploratória da pesquisa nos proporcionou.
Foi identificado um grupo heterogêneo, o que tornou o espaço de formação rico
em diversidade e, ao mesmo tempo, complexo. Essa diversidade pode ser constatada,
principalmente, a partir de aspectos associados à realidade escolar de cada participante e
à formação oriunda das socializações escolar, primária e profissional que levam à
construção de saberes disciplinares e experienciais específicos, dando a cada elemento
do grupo uma identidade profissional forjada nesses saberes e caracterizada por
insuficiências e necessidades formativas próprias, mas que por outro lado, possibilitam
a mobilização de saberes e habilidades que contribuem para a riqueza que caracterizou o
espaço de formação onde estes profissionais estiveram inseridos.
No que diz respeito à familiarização com os PCNs (BRASIL, 1999), as críticas
ao documento foram bastante intensas, chegando mesmo a serem considerados uma
“imposição” e “fora da realidade”.
O conteúdo de energia é, na maioria das vezes, abordado como conteúdo da
mecânica e associado ao princípio da conservação da energia. Vale destacar também,
insuficiências conceituais que ocorreram, onde o calor apareceu como uma forma de
energia, ao invés de ser considerado um mecanismo de transferência de energia.
Em relação à familiarização com os princípios do enfoque CTS, as primeiras
declarações do grupo indicaram o desconhecimento daquele enfoque por parte de todos.
Entretanto após o contato com o referencial e com a temática da energia através dos
momentos das aulas expositivas e das discussões baseadas no material impresso
disponibilizado, as primeiras manifestações dos participantes mostraram uma tendência
de mobilização de aspectos relacionados às questões ambientais associadas ao tema, o
que pode ser devido à visibilidade que a situação de emergência planetária ganhou nos
meios de comunicação ultimamente.
Devemos destacar que a visão de CTS externada por alguns participantes, indica
uma tendência de compreensão insuficiente, onde o conteúdo de tecnologia aparece
exemplificando a física, o que pode ser representativo de um entendimento da
tecnologia enquanto física aplicada. Essa interpretação, no entanto, pode ser
compreensível nesse primeiro momento de aproximação dos participantes com o
185
referencial CTS, quando ainda não existia uma maturidade em relação aos seus
princípios e diretrizes, bem como em relação às diversas dimensões envolvidas.
O fato de alguns participantes exercerem atividades técnicas, além do
magistério, dá a eles uma visão ampla em termos de aplicabilidade da física,
aumentando assim o repertório de exemplos e, conseqüentemente a motivação, o que
não quer dizer que esta visão externada seja aquela que mais se adequa aos princípios
CTS. Embora a aproximação entre ciência e tecnologia seja facilitada nesses casos, ela
não parece ser a garantia da construção de uma concepção abrangente do enfoque CTS,
principalmente em relação às diversas dimensões que o enfoque CTS abarca ou pode
abarcar.
Devido a esse extenso repertório de aplicações tecnológicas que esses
profissionais possuem, poderia se esperar que esses saberes experienciais motivassem
esses professores mais do que aos outros. Entretanto, apesar dos avanços de todo o
grupo em relação à compreensão do enfoque CTS, como aqueles professores que
possuíam essa bagagem de conhecimentos como os que mais sustentaram até o final da
ação formativa uma posição de entendimento do enfoque CTS próxima da categoria do
tipo (1) da classificação proposta por Aikenhead (1994).
Essa tendência nos surpreendeu, já que esperávamos que esses saberes fossem
atuar como facilitadores. Entretanto, nos pareceu que, a “socialização escolar” em
espaços de formação tecnológica e a “socialização profissional” (TARDIF, 2002) em
escolas de perfil técnico, podem ter motivado esses professores em um primeiro
momento de contato com o referencial, mas podem também ter reforçado uma
concepção de CTS que endossa a visão de gestão tecnocrática sobre a ciência-
tecnologia, a tecnologia como física aplicada e a neutralidade da ciência-tecnologia,
aspectos que não atendem aos princípios básicos do enfoque CTS.
Essa influência dos espaços de formação tecnológica sobre a forma de ver o
enfoque CTS vem sendo apontada por Utges et al. (2001) e encontra, a nosso ver,
exemplificação também no caso dos professores envolvidos em nossa pesquisa.
Ainda em relação à percepção da perspectiva CTS, gostaríamos de destacar a
aproximação com o aspecto econômico associado ao tema que norteou os trabalhos dos
professores e a observação sobre aspectos ambientais e, principalmente, a atenção
dispensada à conscientização em relação aos grandes problemas associados ao evento
da crise de energia elétrica de 2001/2002.
186
Ainda que pequena, a familiarização com os PCNs (BRASIL, 1999) por parte de
alguns professores, pareceu ser um elemento facilitador para a articulação de discussões
que se relacionam com a formação para a cidadania. Logo, essa atenção aos documentos
oficiais pode ter sido, nesse primeiro momento, um elemento diferenciador na fase
exploratória da pesquisa.
Uma atividade formativa que envolveu quatro encontros de três horas de duração
cada um, não pode pretender ser tão completa em relação às inúmeras possibilidades
que os cursos de formação continuada podem oferecer.
Um dos aspectos que consideramos centrais no nosso trabalho está relacionado
com a necessidade de dar significado ao enfoque CTS, principalmente no que diz
respeito às diversas dimensões – política, social, econômica, cultural e ambiental – que
a proposta CTS abarca. Nesse sentido, consideramos relevante o tema proposto e o
conjunto de recursos didáticos disponibilizados ao longo da atividade formativa como
facilitadores e motivadores para o envolvimento dos professores.
Em relação ao texto sobre energia, desenvolvimento e meio ambiente, este
funcionou como um complemento da aula expositiva, que o grupo procurou adaptar
dentro da proposta elaborada, como no caso em que se utilizou os gráficos que
relacionam a produção de CO
2
com o aquecimento global em uma da atividades
didáticas que envolveu a dimensão ambiental associada à produção e ao consumo da
energia elétrica.
Sobre o papel desempenhado pelos textos informativos da crise de energia
elétrica de 2001/2002 destacaríamos a importância daquele evento como mobilizador
dos participantes.
O recurso da audição da música acompanhada da análise do texto da letra, além
de promover uma imediata conexão com os textos informativos, por tratarem da mesma
região geográfica, enriqueceu a discussão em relação aos impactos sócio-ambientais e
culturais relacionados com a instalação de usinas hidrelétricas, como por exemplo, as
questões associadas às remoções de famílias.
O envolvimento dos participantes com este sub-tema, trazido pelo recurso da
música, apresentou aspectos interessantes no que diz respeito à mobilização de uma
discussão intensa que foi motivada pala identificação de um dos participantes com o
tema, para quem o assunto pareceu ter um significado especial devido à sua origem
nordestina e sua aproximação com aquele problema.
187
Dessa discussão surgiram propostas de atividades envolvendo aspectos da
geografia como a utilização de mapa para localização do rio São Francisco, da usina de
Sobradinho e dos lugarejos citados na letra da música, o que representou um avanço na
proposta do grupo em direção a uma perspectiva interdisciplinar facilitada pelos
“saberes experienciais” (TARDIF, 2002) oriundos da “socialização primária” daquele
professor que foi tocado pala problemática envolvendo a usina de Sobradinho.
O recurso do mapa mundi Terra à noite trouxe reflexões e proposta
especialmente relevantes em relação aos aspectos políticos, econômicos e sociais que
envolveram os elementos do grupo em discussões que auxiliaram a articulação de
propostas envolvendo essas dimensões CTS de forma interdisciplinarizada, como as
propostas de atividades envolvendo a identificação dos países mais desenvolvidos –
maiores consumidores de energia –, a partir de uma comparação entre o planisfério de
divisão política e o mapa mundi Terra à noite.
Ainda em relação aos recursos didáticos disponibilizados, temos considerações a
fazer sobre o texto referente ao Caminho Histórico de Faraday, às reproduções
experimentais do eletromagnetismo do século XIX e ao experimento do looping para
abordagem do princípio da conservação da energia.
Os recursos acima citados foram trabalhados juntamente com um momento de
aula expositiva e experimental que envolveu aspectos ligados ao papel da história do
eletromagnetismo do século XIX como elemento fundamental para a compreensão da
evolução daquela física (aspectos epistemológicos), bem como em relação à evolução
das sociedades, principalmente a partir do século XX, quando a produção da energia
elétrica pode se dar em larga escala, provocando desdobramentos políticos, sociais,
econômicos, culturais e ambientais em todo o mundo.
Entretanto, o tempo disponível não foi suficiente para que os professores
pudessem refletir e trabalhar o necessário sobre a relação entre os conteúdos físicos
envolvidos, os aspectos da história do eletromagnetismo e a manipulação dos recursos
experimentais, considerando a dificuldade adicional naturalmente provocada pela forma
imbricada como essas três dimensões foram apresentadas ao grupo.
Devemos enfatizar mais uma vez que a aula expositiva abordou a questão
epistemológica e a história do eletromagnetismo dentro de uma perspectiva que chamou
a atenção para a natureza histórica da ciência-tecnologia. Além disso, foi valorizada a
importância desse aspecto no combate aos “mitos construídos historicamente” (AULER
e DELIZOICOV, 2006a; 2006b; 2001) que endossam a noção de ciência politicamente
188
neutra, de tecnologia como ciência aplicada e a visão de que as decisões sobre as
questões de ciência-tecnologia são da competência de especialistas.
Entretanto, o texto disponibilizado está estruturado como um “contar história”.
Esse formato se aproxima de uma visão tradicional sobre o ensino da história na
educação básica, como vimos em nossos períodos de socialização escolar. Essa
tendência, que aparece também nos livros de física do ensino médio no contexto
espanhol (SOLBES e TRAVER, 2003), pode estar presente nesse tipo de material
disponível no Brasil, e influenciar a forma de encaminhamento dada pelos professores
em suas propostas.
A premissa de que os saberes disciplinares – conteúdos físicos – e a
familiarização com os aparatos experimentais poderiam ser amadurecidos a partir de
iniciativas de consultas individuais em casa, nos pareceu uma estratégia demasiado
otimista e insuficiente para que houvesse um sólido aprendizado em relação a conteúdos
e experimentos e aos aspectos epistemológicos envolvidos.
Destacaríamos alguns indícios de insuficiências do grupo em relação aos
conteúdos físicos mais especificamente. Os conteúdos do eletromagnetismo são muito
raramente abordados nas salas de aula do ensino médio, o que mantém os professores
distantes desses conteúdos por longos períodos de tempo. Esse distanciamento traz não
só as dúvidas conceituais como a própria dúvida em relação à pertinência da abordagem
desses temas no contexto do ensino médio.
Outro aspecto que consideramos fundamental, e que procuramos facilitar através
do uso da analogia entre o looping e o gerador, não foi explorado satisfatoriamente, pelo
grupo sob a forma de atividade didática sugerida para os alunos.
As dificuldades com os conteúdos físicos podem ter funcionado como elemento
inibidor dessa percepção, não permitindo um aprendizado consistente em relação ao
caráter universal do conceito de energia e o seu potencial unificador, o que é
considerada uma questão central para o tratamento deste conteúdo.
Apesar da fragilidade aqui apontada em relação a algumas premissas e à
dificuldade de tempo, devemos considerar alguns aspectos bastante positivos em relação
à atividade, no que diz respeito à formação dos professores para uma prática em CTS.
Um desses aspectos se relaciona ao papel desempenhado pelo tema “produção e
consumo da energia elétrica”.
A abordagem temática favoreceu sobremaneira a articulação entre as diversas
dimensões que se encontram presentes no tema sugerido, como sub-temas de um
189
“aglomerado”, que se aproxima do conceito de “tema potencialmente problemático”
(AIKENHEAD, 1994) ou de “tema controverso” (SILVA e CARVALHO, 2006).
A utilização de um tema com as características descritas em uma ação formativa,
balizada pelo enfoque CTS, onde foi disponibilizada uma variedade de recursos
didáticos catalisadores de reflexões em torno das dimensões política, econômica, social,
cultural e ambiental, nos pareceu a estratégia mais adequada para uma ação de formação
do ‘educador CTS’, uma vez que consideramos como o maior dos desafios para este
educador a capacidade de articular a interdisciplinaridade própria do enfoque CTS,
traduzida pelas diversas dimensões que este referencial abarca.
Ações nesse sentido, acreditamos, dão significado ao enfoque CTS para o
professor aprendente, facilitando a compreensão em relação a este caráter
interdisciplinar, o que é indispensável para uma prática corretamente apoiada nos
pressupostos CTS, embora não seja esta a única condição.
Além dos aspectos que caracterizam essa atividade de formação continuada
como um espaço de interação com o enfoque CTS, a temática da energia, a história do
eletromagnetismo, os conteúdos físicos e os experimentos, gostaríamos de fazer
algumas considerações em relação ao papel de “practicum reflexivo” (SCHÖN, 1992)
que esse espaço desempenhou, a partir de uma ação de formação, onde o conhecimento
foi construído a partir do trabalho cooperativo, ao mesmo tempo em que os sujeitos
puderam refletir sobre suas práticas em relação às suas insuficiências de formação,
realidade escolar e situação profissional, mobilizados pela dinâmica desse espaço de
formação.
Essa dinâmica que envolveu a mobilização de saberes e habilidades dos
professores ao longo do processo de construção das estratégias didáticas, possibilitou a
identificação de aspectos importantes como a dificuldade dos membros do grupo em
relação ao uso de atividades experimentais. Embora tenha havido casos de maior
familiarização, boa parte dos professores mostrou dificuldades que caracterizam uma
insuficiência de formação durante o período de socialização escolar – formação inicial –
, e que pode trazer as “inseguranças” apontadas por Gouvêa e Leal (2001) em relação ao
tipo de desafio colocado pela atividade proposta envolvendo os experimentos históricos.
No que diz respeito à realidade escolar, gostaríamos de destacar o papel da
burocracia, representada, principalmente, pelos programas escolares. Em relação à
nossa atividade, pudemos observar o grupo sempre preocupado em adequar as
atividades didáticas construídas à sua realidade escolar.
190
Essas reflexões revelaram uma postura de atenção a esta burocracia, onde surgiu
a proposta “inclusão do projeto no planejamento escolar”, revelando um avanço
bastante considerável no sentido de uma “mudança curricular”, ao invés de uma
“mudança metodológica”.
Apesar de considerada a relevância de uma postura reflexiva em relação à
burocracia escolar, acreditamos que o educador CTS deve estar preparado para enfrentar
os desafios colocados pela perspectiva interdisciplinar que caracteriza o CTS e, por isso,
este profissional necessita construir uma autonomia que o auxilie nesse enfrentamento
aos entraves, muitas vezes representados pelo engessamento dos programas escolares,
que dificultam até mesmo as pequenas tentativas de “mudança curricular”.
Em relação à situação profissional desses participantes, as reflexões que
surgiram ao longo do processo de construção das estratégias didáticas, indicaram que o
espaço de formação continuada pode funcionar como espaço para socialização de
saberes e socialização de angústias.
Os desabafos que apareceram ao longo do processo de construção das estratégias
trouxeram elementos que caracterizam uma “precarização da profissão docente”. Essa
precarização, que tem levado professores a um estado de baixa auto-estima, dificulta, de
maneira geral, a motivação dos professores em relação às mudanças educacionais.
Essa situação de baixa auto-estima surgiu, no nosso caso, associada também à
falta de prestígio da profissão do magistério em relação a outras profissões e, essa falta
de prestígio é admitida até mesmo por alguns participantes, ao considerar de menor
valor os cursos de pós-graduação em educação, quando comparados aos cursos das
áreas exatas, como a física por exemplo.
Dentre outros problemas apontados, destacamos os baixos salários como
responsáveis por uma sobrecarga de turmas e alunos, o que impede professores de
prepararem suas aulas com mais tempo e de se dedicarem a cursos de formação
continuada.
Esse problema provocado pela falta de tempo foi percebido logo no segundo
encontro, quando os participantes se justificaram por não terem conseguido acesso às
pré-concepções sobre a temática e os conteúdos físicos envolvidos, em função da falta
de tempo para acessar o site recomendado, e nem ler o artigo disponibilizado. Assim,
temos um exemplo de como essa precariedade em que vivem esses professores pode
interferir diretamente, inviabilizando ações que levem em conta essas pré-concepções,
uma vez que ações nesse sentido demandam tempo, ou seja, devemos desenvolver junto
191
aos professores participantes, uma conscientização de que para inovações em direção a
uma perspectiva CTS, o tempo é indispensável.
A perspectiva de trabalhar de forma interdisciplinarizada com outros campos do
conhecimento mobilizou reflexões no grupo sobre o estado de precariedade dos colegas,
o que, segundo eles, poderia trazer dificuldades quanto ao engajamento desses
professores de outras áreas, principalmente, quando se trata da “precariedade de
vínculos” (TARDIF, 2002).
Um aspecto associado à falta de motivação dos professores em relação à sua
situação profissional é a tendência de culpabilizar os alunos pelo desinteresse na
matéria. Esse comportamento dos professores pode estar associado a uma “suposta
resistência dos alunos” frente aos desafios da abordagem temática, que pode ser um
indicativo de “comodismo” dos professores em relação à organização de atividades
inovadoras que combatam esse desinteresse, embora tenhamos que relevar a realidade
do desinteresse dos alunos em nossas salas de aula proveniente dos mais diversos
fatores.
A precariedade que caracteriza o estado em que se encontram professores do
grupo e alguns de seus colegas, como vimos, inviabiliza a participação desses
profissionais na maioria das oportunidades de formação continuada, que não são muitas.
Diríamos que os resultados dessa precariedade podem ser desastrosos para a
construção de uma “identidade profissional” voltada para uma autonomia que ajude o
professor a enfrentar as dificuldades postas pelo enfoque CTS, já que essa precariedade
limita o “desenvolvimento profissional” desses docentes para a prática em CTS.
A etapa de avaliações sobre o espaço de formação continuada e a dinâmica
revelou uma conscientização dos professores do grupo em relação à pertinência do
enfoque CTS para abordagem do tema, além de um avanço em relação aos princípios
CTS mesmo considerados os casos em que a visão de CTS não pareceu ser modificada
ao longo do processo.
Os trechos selecionados a seguir referem-se à avaliação de um dos professores:
“A visão começa a mudar um pouco [...] de agora em diante vou até
procurar saber mais sobre CTS, porque é uma questão que eu gosto.
Muitas das vezes eu peço um trabalho aos alunos sobre tecnologia
[...] mas não sei pedir. Acho que o trabalho fica meio deficiente”.
192
“A tecnologia é uma realidade [...] especificamente na minha escola,
o tema é sociedade e tecnologia [...] o tema do projeto pedagógico
da escola. Está muito aquém, muito aquém do que eu aprendi aqui
em termos de CTS”.
Destacaríamos ainda, dois pontos que consideramos importantes. O primeiro
deles diz respeito à dinâmica e ao espaço de formação onde os professores estiveram
inseridos, que caracterizamos como um espaço que se aproxima do conceito de
“practicum reflexivo” proposto por Schön (1992), na medida em que favorece a
reflexão sobre a prática, a partir do trabalho cooperativo (FONTES e CARDOSO, 2006;
TENREIRO-VIEIRA e VIEIRA, 2005; DE JONG e VAN DER VALK, 2005;
AATONEN e SORMUNEN, 2005) para a construção do conhecimento através da
socialização dos “saberes experienciais” (TARDIF, 2002) dos participantes e o
fortalecimento da “identidade profissional” (FONTOURA, 2007; SANTOS et al., 2006;
LÜDKE e BOING, 2004; TARDIF, 2002) para um “desenvolvimento profissional”
(FUENZALIDA, 2001) do grupo em relação a uma posição mais autônoma para
enfrentar os problemas da precariedade da profissão docente e os desafios colocados
pelo enfoque CTS.
A tarefa de formar ‘educadores CTS’ a partir de ações de formação que se
desenvolvam em espaços de formação continuada é vista como uma estratégia
adequada, quando estes espaços funcionam, segundo o que Schön (1992) denominou de
“practicum reflexivo”, onde o trabalho cooperativo baseado em uma abordagem
temática possa funcionar como mecanismo para a conscientização sobre as relações
CTS-TEMA, a natureza da ciência-tecnologia e a importância dos pressupostos e
diretrizes do enfoque CTS, ao mesmo tempo em que o professor aprendente reflete
sobre a sua prática relacionando-a com a perspectiva CTS.
Um espaço de formação assim caracterizado deve estar apoiado em dois eixos:
um de caráter formativo e outro de caráter reflexivo. A ação formativa deve procurar
dar significado ao enfoque CTS que, no nosso caso, foi possibilitado pelo tema e pelos
recursos didáticos disponibilizados, que juntos favoreceram a conscientização em
relação aos princípios CTS e facilitaram a articulação das dimensões CTS envolvidas
com o tema.
O caráter reflexivo deve manifestar-se possibilitando aos participantes uma
reflexão sobre a sua prática, sobretudo aquela que envolve a precariedade da profissão
docente. Através dessa reflexão, o professor aprendente poderá socializar suas
193
angústias, seus saberes e exercitar suas reivindicações em uma relação dialógica com
seus pares, no sentido de fortalecer sua “identidade profissional” para enfrentar
problemas como a burocracia, o engessamento dos programas escolares e os desafios
postos pelo enfoque CTS.
Nessa perspectiva, acreditamos ser possível o “desenvolvimento profissional” de
educadores conscientes e autônomos que, mais do que estarem “formados” para o
exercício do CTS, tenham uma ‘atitude CTS’ frente às mudanças que a educação em
CTS para o ensino de física demanda.
194
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203
7. ANEXOS
Anexo 1
Rio de Janeiro, de de 2006.
TERMO DE CONSENTIMENTO
Eu, ________________________________________________________ ,
inscrito no RG. número _________________________ , do ______ , CIC:
____________________ , autorizo o Prof. José Roberto da Rocha Bernardo a utilizar
dados obtidos a partir do preenchimento de eventuais questionários, entrevistas,
gravações em fitas K7 e outras mídias, ou imagens fotográficas e de vídeo nas reuniões
do curso “Discutindo Produção e Consumo da Energia Elétrica na Sala de Aula do
Ensino Médio”, apenas para fins de pesquisa científica, em caso de divulgação dos
resultados da pesquisa.
De acordo,
_________________________________________________________
_________________________________________________________
204
Anexo 2
Identificação do Participante
1. Dados Pessoais
Nome: ______________________________________________________________________
Idade:
Menos de 26 anos Entre 26 e 40 anos Mais de 40 anos
Telefones: ___________________ E-mail:_________________________________________
2. Formação
Nível Médio – Formação Geral Ano: _______ Instituição: ______________________________
Nível Médio – Técnico Ano: _______ Instituição: ______________________________
Especialidade: ______________________________________________________
Graduação: _____________________ Ano: _______ Instituição: _______________________
Completo Incompleto
Especialização: __________________________________________________ Ano: ________
Instituição: ____________________________________________
Mestrado em: ___________________________________________________ Ano: ________
Instituição: ____________________________________________
Doutorado em: __________________________________________________ Ano: ________
Instituição: ____________________________________________
3. Dados Profissionais:
Local de trabalho: _____________________________________________________________
Já exerceu ou exerce esta outra profissão?
Sim Não Qual? : ______________________________________
4. Dados Culturais:
Você participa ou já participou de movimentos sociais, comunitários, políticos-partidários,
grêmios escolares, DCE ou sindicato?
Sim Não
Você participa ou já participou de movimentos ecológicos?
Sim Não
Qual(is) a(s) sua(s) principal(ais) fonte(s) de informação dos acontecimentos atuais?
Jornal escrito Internet Tele Jornal Rádio Revista
Outros programas de TV
Dentre as áreas abaixo, marque aquelas do seu interesse.
Política Economia / Negócios Notícias locais e/ou nacionais Esportes
Informática Cultura e lazer Notícias internacionais Ciências
Você é filiado a alguma sociedade científica?
Sim Não Qual? : ______________________________________
205
Anexo 3
Pré-teste
Nome: ______________________________________________________________________
1. Você costuma abordar o tema ENERGIA em que série?
Primeira
Segunda
Terceira
Quarta
2. De que maneira você aborda? Cite os recursos utilizados e os princípios físicos.
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
_____________________
Pré-teste
Nome: ______________________________________________________________________
3. Você costuma utilizar experimentos em suas aulas?
Bastante
Eventualmente
Nunca
4. Que outros recursos você costuma utilizar?
Livro didático
Apostila
Internet
Livros paradidáticos
Outros: _____________________________________________________________
206
Pré-teste
Nome: ______________________________________________________________________
5. Se você fosse o Ministro das Minas e Energia de um país, que aspectos levaria em
consideração
em um momento de escolha de um programa energético para a produção de
energia elétrica para este país?
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
______________________________
Pré-teste
Nome: ______________________________________________________________________
6. Você tem o costume de consultar os Parâmetros Curriculares Nacionais ou as Diretrizes
Curriculares do ensino médio?
Sim Não
7. Você tem conhecimento sobre os pressupostos e diretrizes apontadas pelo enfoque
Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS)? Cite alguns:
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
______________________________
207
Anexo 4
ENERGIA DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
Uma análise mais cuidadosa sobre o estudo da energia elétrica, vai nos colocar,
inevitavelmente, diante de uma complexidade que é própria do tema, no que diz respeito
às suas questões tecnológicas, econômicas, políticas, sociais, culturais e ambientais.
1. Conceitos importantes
Com relação às fontes de energia, Silva (2004) considera:
[...] toda substância (petróleo, carvão mineral, urânio, biomassa)
capaz de produzir energia em processos de transformação (combustão,
fissão nuclear) como também as formas de energia (solar,
gravitacional), associada ou não ao movimento dos corpos, fluidos
(das marés, hidráulica) e gases (eólica), ou à temperatura das
substâncias (geotérmica), cuja transformação em outras formas de
energia pode ser realizada em larga escala (SILVA, 2004:1) .
Podemos classificar as fontes energéticas em dois grandes grupos: fontes
primárias, oriundas de processos fundamentais da natureza (energia nuclear, energia
gravitacional) e fontes secundárias, que derivam das primeiras, ou seja, representam
transformações e/ou outras formas das primárias, tais como a energia da biomassa que
tem suas origem na energia solar e a energia das marés, com origem na energia
gravitacional.
As chamadas fontes de energia comercias são aquelas exploradas como objeto
de transações monetárias (carvão mineral, petróleo, gás natural e hidroeletricidade) e as
não comerciais podem ser, por exemplo, as diferentes formas de biomassa (madeira,
carvão vegetal e resíduos agrícolas e humanos)
Do ponto de vista da capacidade de renovação, podemos classificar as fontes em
dois grupos:
Fontes não renováveis
São aquelas em que o processo de reposição natural envolve um tempo
demasiado longo em relação à escala temporal da vida humana (milhares de anos),
como nos casos do petróleo e do carvão mineral, ou mesmo quando a reposição
artificial é inviável do ponto de vista dos gastos energéticos e do custo.
208
Fontes renováveis
São aquelas cuja utilização não representa variação significativa em seu
potencial, que em muitos casos tem duração prevista para até bilhões de anos (solar,
gravitacional) ou aquelas que podem ser reconstituídas em prazos mais curtos (alguns
anos), como é o caso da biomassa.
A figura 1 a seguir mostra a classificação de algumas fontes de energia já
conhecidas pelo homem.
Figura 1: Classificação geral de algumas fontes de energia
Fonte: Fontes Renováveis de Energia para o Desenvolvimento Sustentável (SILVA,
2004:1).
Uma outra classificação para as fontes energéticas pode ser dada em função do
estágio de desenvolvimento que se encontra a sua tecnologia de conversão. São
classificadas como convencionais, as fontes cujas tecnologias de conversão de uma
forma em outra estão desenvolvidas e cujos custos são considerados economicamente
aceitáveis. Classificamos como não convencionais aquelas fontes cujas tecnologias
podem estar ou não desenvolvidas e que ainda apresentam dificuldades de aceitação
devido a problemas econômicos.
2. Energia e Desenvolvimento
Renováveis
Geotérmica
Gravitacional
Solar
das Marés
Hidráulica
Eólica
Biomassa
Madeira
Cana de Açúcar
Resíduos Agrícolas
Carvão Vegetal
Fontes
Primárias
Fontes
Secundárias
Não
Renováveis
Nuclear
Petróleo
Carvão
Mineral
Gás Natural
Óleos Vegetais
209
A relação entre desenvolvimento e consumo de energia tem sido observada ao
longo da evolução da humanidade na Terra. Desde o homem primitivo que viveu no
Leste da África, há aproximadamente um milhão de anos, dispondo apenas da energia
dos alimentos, até o homem tecnológico atual, os estágios de desenvolvimento vêm
mantendo uma correlação direta com a quantidade de energia consumida, como nos
mostra a figura 2 a seguir.
Figura 2: Estágios de desenvolvimento e consumo de energia
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:45).
No ano de 2000, os países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), foram os maiores produtores de energia,
totalizando 62,2% da oferta mundial, seguidos da Ásia (11,3%) e dos países
pertencentes à antiga União Soviética (9,2%) (MATTOZO e CAMARGO, 2005). A
América do Norte é o maior consumidor mundial, principalmente os Estados Unidos,
que consomem mais de um terço do total produzido, enquanto dados da ONU,
referentes àquele ano, mostram uma população mundial de 6,055 bilhões, dos quais
80% vivem nos países em desenvolvimento.
Segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE), a produção total de
energia em 2000 foi de 9,9 mil mega toneladas de equivalentes de petróleo (MtEP), das
quais, 79,5% são provenientes de fontes não renováveis: carvão mineral, gás natural e
petróleo. Entretanto, segundo as estimativas, as reservas conhecidas de petróleo devem
durar apenas mais 75 anos, as de gás natural um pouco mais de 100 anos e as reservas
de carvão natural aproximadamente 200 anos. Embora tenham uso crescente, as fontes
210
renováveis – as que podem se renovar espontaneamente e as que se renovam por
medidas de conservação – representam apenas 11% da oferta mundial de energia.
A figura 3 mostra três importantes indicadores sociais para diversos países: taxa
de mortalidade infantil, alfabetização e taxa de fertilidade total em função do consumo
de energia comercial per capita (GOLDEMBERG e VILLANUEVA, 2003).
Figura 3: Indicadores de desenvolvimento em função da energia comercial
consumida per capita
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:59).
Na maioria dos países em desenvolvimento, onde o consumo de energia
comercial per capita é menor que 1 tEP por ano, as taxas de analfabetismo, mortalidade
infantil e fertilidade total são altas, ao passo que a expectativa de vida é baixa. Apesar
de não ser a única causa para o subdesenvolvimento e a pobreza, um consumo de
energia baixo pode ser considerado um bom indicador para muitas de suas causas, tais
211
como educação insatisfatória, sistemas de saúde inadequados e sacrifícios impostos a
mulheres e crianças.
Se hoje os países desenvolvidos são responsáveis pela maior parte do consumo
de energia, as tendências do consumo de energia no mundo apontam para taxas de
crescimento bem maiores nos países em desenvolvimento nas próximas décadas, como
pode ser observado na figura 4 a seguir.
Figura 4: Tendências energéticas mundiais
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:179).
O crescimento populacional de 2% ao ano nos países em desenvolvimento, bem
como o crescimento econômico desses países devido à integração dos mesmos na
economia mundial, são as principais razões para o aumento das taxas de consumo.
Prevê-se que entre os anos de 2010 e 2020, o consumo de energia nos países em
desenvolvimento ultrapassará o consumo dos países da OECD.
3. Energia e Meio Ambiente
A relação entre a produção de energia e o meio ambiente é uma das mais
importantes dentro do nosso tema, uma vez que o crescimento populacional e
econômico provoca um aumento da demanda. Com isso, a emissão de poluentes tem
aumentado, acompanhando esse crescimento, enquanto a composição das fontes
permanece inalterada. Se este quadro permanecer, a sustentabilidade estará
comprometida, logo, algo precisa ser feito no que diz respeito às escolhas das fontes
212
energéticas e isso demanda um conhecimento mínimo sobre o tema, a fim de que se
possa ter uma visão crítica e responsável.
O meio ambiente em que vivemos vem mudando continuamente devido às
causas naturais sobre as quais temos pouco controle. Apesar da vida na Terra ter se
mostrado capaz de adaptações às mudanças ambientais que ocorreram lentamente
durante séculos, esta começa a dar sinais de impotência diante das modificações cada
vez mais rápidas e profundas.
O que vamos enfocar aqui são mudanças causadas pela ação do homem,
denominadas antropogênicas (GOLDEMBERG e VILLANUEVA, 2003), que
ganharam importância após a revolução industrial no final do século XIX. Os problemas
causados e a sua abrangência estão resumidos na tabela 1 a seguir.
Tabela 1: Impactos ambientais
Extensão Problema Principal Causa
Local Poluição urbana do ar Uso de combustíveis fósseis
para transporte.
Poluição do ar em
ambientes fechados
Uso de combustíveis sólidos
(biomassa e carvão vegetal)
para aquecimento e cocção.
Regional Chuva ácida Emissões de enxofre e
nitrogênio, matéria
particulada e ozônio na
queima de combustíveis
fósseis principalmente no
transporte.
Global Efeito estufa Emissões de CO
2
na queima
de combustíveis fósseis
Desmatamento Produção de lenha e carvão
vegetal e expansão da
fronteira agrícola.
Degradação costeira e
marinha
Transporte de combustíveis
fósseis.
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:72).
3.1 Poluição urbana do ar
Segundo as principais agências criadas para monitorar, regular e avaliar a
qualidade ambiental, os principais poluentes do ar urbano são:
Óxidos de enxofre (SO
x
, principalmente dióxido de enxofre – SO
2
)
Óxidos de nitrogênio (NO
x
, principalmente óxido nítrico – NO e dióxido
de nitrogênio – NO
2
)
213
Monóxido de carbono (CO)
Matéria particulada suspensa (MP) – incluindo o chumbo (Pb)
A tabela 2 a seguir relaciona os principais sintomas resultantes da exposição humana
excessiva a esses poluentes.
Tabela 2: Efeitos na saúde causados pelos principais poluentes
Poluente Sintoma
Dióxido de enxofre
Irritação respiratória, falta de ar,
função pulmonar prejudicada,
aumento da susceptibilidade a
infecções, doenças do trato
respiratório inferior (especialmente
em crianças), doenças crônicas do
pulmão e fibrose pulmonar.
Toxidade aumentada em
combinação com outros poluentes.
Matéria particulada respirável
Irritação, defesa imunológica
alterada, toxidade sistemática,
função pulmonar diminuída e
estresse do coração.
Age em combinação com o SO
2
; o
efeito depende das propriedades
biológicas e químicas das partículas
individuais.
Óxido de nitrogênio
Irritação nos olhos e no nariz,
doenças do trato respiratório,
danos ao pulmão, função pulmonar
diminuída e estresse do coração.
Monóxido de carbono
Interfere no oxigênio do sangue
(anóxia crônica)
Pode resultar em danos ao coração
e ao cérebro, percepção
prejudicada, asfixia ou, em doses
menores, fraqueza, fadiga, dores de
cabeça e náusea.
Chumbo
Doenças dos rins e prejuízos
neurológicos.
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:75-76).
A tabela 3 a seguir, mostra a quantidade (em milhões de toneladas) dos
principais poluentes provenientes de emissões antropogênicas para diferentes regiões
do mundo, a partir de processos que se originam em fontes energéticas (combustão,
extração, processamentos e distribuições de combustíveis fósseis).
214
Tabela 3: Emissões antropogênicas para as principais regiões do mundo (10
6
toneladas)
Região SO
X
NO
X
CO CH
4
Compostos não Metânicos
Europa Ocidental 8,8 3,6 45 5,5 10,1
Europa Oriental 13,5 3,5 47 37,6 13,9
América no Norte 11,6 7,6 82 23,9 13,2
Ásia 17,9 5,6 165 25,7 30,7
Resto do Mundo 8,8 3,2 105 15,5 31,7
Total 60,6 23,5 444 108,2 99,6
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:76).
Os sistemas energéticos são considerados a principal fonte de dióxido de enxofre
(82% do total emitido), óxidos de nitrogênio (76% do total emitido) e compostos
orgânicos não metânicos (56% do total emitido), além de contribuírem com 46% do
total de monóxido de carbono emitido (GOLDEMBERG e VILLANUEVA, 2003).
3.2 Poluição do ar em ambientes fechados
Nos países em desenvolvimento é comum a queima de biomassa para a cocção.
A exposição a altos índices de fumaça tem sido apontada como a principal causa de
problemas de saúde relacionados com a poluição do ar em ambientes fechados,
principalmente aqueles associados a infecções respiratórias.
3.3 Chuva ácida
Ainda não existe um entendimento sobre o processo químico envolvido na
produção da chuva ácida. Vários podem ser os mecanismos que provocam a formação
de ácidos e as reações químicas envolvidas dependem da localização, das condições do
tempo e da composição da atmosfera local. A própria luz solar, a fuligem e os resíduos
metálicos podem acelerar a formação da chuva ácida (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003).
Os principais ácidos da chuva ácida são o sulfúrico (H
2
SO
4
) e o nítrico (HNO
3
),
que se formam a partir da presença de SO
2
e dos óxidos de nitrogênio (NO
X
). Como os
produtos da queima de combustíveis fósseis podem ser levados pelo vento a grandes
215
distâncias, podem ocorrer chuvas ácidas em locais distantes das fontes poluidoras,
tornando-as um problema regional que atravessa fronteiras nacionais. Problemas de
acidificação de lagos já foram levantados na Suécia há mais de 30 anos.
3.4 Aquecimento global
Quase a totalidade da radiação solar que incide sobre a Terra é absorvida ou
reemitida pela superfície, na forma de radiação térmica (infravermelho), em todas as
direções. Uma pequena parte é refletida de volta para o espaço. A entrada da radiação
solar só é possível porque a atmosfera terrestre é quase totalmente transparente a essa
radiação. Entretanto, a atmosfera contém alguns gases que não são transparentes à
radiação térmica. Esses gases são chamados de gases do efeito estufa e atuam como um
cobertor ao redor do planeta, retendo a radiação térmica e provocando o seu
aquecimento. É a presença desses gases que garante uma temperatura média compatível
com a existência de vida na Terra e estima-se que sem os gases do efeito estufa, essa
temperatura na superfície seria de 15 a 20
o
C abaixo de zero (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003). Os gases do efeito estufa na atmosfera são o dióxido de
carbono (CO
2
), os clorofluocarbonos (CFC-11 e CFC-12), os óxidos de nitrogênio
(N
2
O), o metano (CH
4
) e o perfluorcarbono CF
4
. Dentre eles, aquele que mais contribui
para o aquecimento por efeito estufa é o CO
2
.
A figura 5 mostra a evolução da temperatura média da Terra ao longo dos
últimos 160 mil anos e a variação na concentração de CO
2
obtida a partir de amostras de
bolhas de ar (fósseis), contidas no solo da Antártica a várias profundidades, as quais
correspondem às precipitações de solo e neve da época (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003).
A contribuição das emissões de CO
2
para diferentes grupos de países durante o
ano de 1995 pode ser observada no gráfico da figura 6.
216
Figura 5: Evolução da temperatura média da Terra em função da concentração de
CO
2
na atmosfera
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:89).
Figura 6: Emissões de CO
2
pelos diferentes grupos de países
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:92).
Dentre as atividades que contribuem para a emissão de CO
2
, aquela que figura
como principal é a produção de energia, com 57%. Além desta, as atividades de
desmatamento contribuem com 9% do montante, a agricultura com 14%, a indústria
com 4% e as atividades ligadas à produção de clorofluorcabonetos – CFCs – com 17%.
Esses dados se encontram mais bem ilustrados no gráfico da figura 7.
217
Figura 7: Contribuições para o aquecimento global
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:94).
3.5 Desmatamento
Os efeitos do desmatamento, assim como a regeneração inadequada, o aumento
das áreas agrícolas, a urbanização e a poluição do ar, têm provocado a perda de florestas
continuamente em muitos países, principalmente naqueles que se encontram em
desenvolvimento. As florestas européias, cuja madeira foi utilizada no passado pelas
civilizações grega e romana para fundir metais, foram eliminadas significativamente.
Nas áreas de florestas tropicais, os registros de impactos são antigos e, mais
recentemente, as maiores perdas ocorreram, e ocorrem, na América Latina, tendo como
principais responsáveis, as queimadas e o desmatamento desenfreado da Amazônia.
3.6 Degradação costeira e marinha
O mar é o escoadouro terminal para a maior parte dos rejeitos líquidos e para
uma quantidade significativa de resíduos sólidos resultantes das atividades humanas.
Mais de três quartos de toda a poluição marinha vêm de fontes terrestres
(GOLDEMBERG e VILLANUEVA, 2003). A descarga nos rios, baías e na costa aberta
carrega esses detritos para as águas dos mares e oceanos. As principais fontes de
poluição marinha estão relacionadas com energia, sejam elas provenientes da
navegação, da mineração no fundo do oceano ou da produção de petróleo.
4. Produção de energia elétrica
A produção de energia elétrica experimenta uma demanda cada vez mais
acentuada. Esse aumento na demanda ocorre, principalmente, devido ao crescimento
dos países em desenvolvimento. Como a maior parte dos problemas ambientais está
218
associada à produção de energia, um conhecimento mais aprofundado sobre as fontes de
poluição e suas emissões se faz necessário, para a formulação de políticas capazes de
reduzi-las ou mesmo removê-las.
A produção de energia elétrica especificamente é responsável por um terço do
consumo mundial de energia primária. Além disso, devido a inúmeros programas de
eletrificação que se fazem necessários em todo o mundo, espera-se que este consumo
aumente nas próximas décadas, aumentando também a quantidade de resíduos
provenientes da produção dessa modalidade energética.
Em todo o mundo os programas para produção de energia elétrica se apóiam
majoritariamente nas fontes fósseis, hidráulica e nuclear, por serem estes os programas
que possibilitam a produção, em maior quantidade, de energia em suas unidades
geradoras. Em geral, a adoção de um programa energético para a produção de
eletricidade requer uma avaliação da demanda e do tipo de fonte a ser utilizada na
região em questão, considerados aspectos geográficos, políticos, econômicos, técnicos e
ambientais. Algumas fontes energéticaso utilizadas em menor escala e/ou como
complementares àquelas três anteriormente mencionadas: a energia da queima de
biomassa, a energia dos ventos (eólica), a energia solar e a energia geotérmica, além de
outras.
Dados sobre o montante de energia elétrica gerada em alguns países do mundo
ao longo do ano 2000 a partir de combustíveis fósseis, geração hidrelétrica e nuclear
encontram-se organizados na tabela 4 a seguir, onde os espaços em branco representam
ausência de dados (MATTOZO e CAMARGO, 2005).
219
Tabela 4: Montante de Energia Elétrica Produzida em Alguns Países
País Carv. Min. Gás Nat. Pet. e Der. Hidráulica Nuclear
Estados Unidos 2110 630 125 275 800
China 1062 46 222
Índia 420 74
Alemanha 299 53 170
Japão 254 239 159 97 322
África do Sul 193
Rússia 176 370 33 165 131
Austrália 161
Polônia 138
Coréia do Sul 126 109
Reino Unido 147 85
Itália 101 86
Irã 93
Tailândia 61
Malásia 54
Países baixos 52
México 97
Arábia Saudita 81
Taipe Chinesa 35
Iraque 33
Paquistão 27
Canadá 358 73
Brasil 305
Noruega 142
Suécia 79
França 72 415
Ucrânia 77
Espanha 62
Demais Países 1074 877 496 916 348
Total 6013 2677 1218 2705 2592
Fonte: Agência Internacional de Energia (AIE – 2000)
Adaptação de Energia, Ambiente e Mídia: qual é a questão? (MATTOZO e
CAMARGO 2005:32-36).
Os gráficos da figura 8 indicam a quantidade dos principais poluentes emitidos
por diferentes fontes fósseis utilizadas na geração de eletricidade, incluindo a fonte
nuclear e a biomassa, a título de comparação.
220
Além do material despejado na atmosfera, a geração de eletricidade a partir de
fontes fósseis produz efluentes líquidos e resíduos sólidos que precisam ser levados em
conta.
Do ponto de vista ambiental, as usinas hidrelétricas não produzem quaisquer
poluentes associados com os combustíveis fósseis, exceto o metano, mas interferem no
meio ambiente devido as grandes represas que precisam ser construídas, a formação de
áreas alagadas e a interferência sobre o fluxo dos rios. Outro problema de grande
relevância é aquele referente à remoção de populações que, em alguns casos, atinge
municípios inteiros.
Figura 8: Emissão de poluentes lançados na atmosfera a partir da geração de
energia elétrica
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:105).
221
Uma forma de estimar o impacto causado por um empreendimento hidrelétrico,
é através de um indicador que mede a razão entre a potência gerada e a área inundada.
Quanto menor for o índice, maior será o impacto causado. A tabela 5 a seguir mostra
essas informações para uma série de hidrelétricas brasileiras, onde a usina de Balbina
figura como um verdadeiro desastre ecológico.
Tabela 5: Potência hidrelétrica produzida por hectare de área inundada no Brasil
Usina (existente ou em construção) Potência Gerada (Mw) Kw/hectare
Xingo 5000 588,2
Segredo 1260 152,7
Ita 1620 116,7
Itaipu 12600 93,6
Belo Monte 11000 89,8
Machadinho 1200 45,8
Garabi 1800 22,5
Itaparica 1500 18,0
Tucuruí 3900 13,9
Três Irmãos 640 9,0
Porto Primavera 1800 8,4
Serra da Mesa 1200 6,7
Camargos 45 6,1
Manso 210 5,4
Samuel 217 3,3
Sobradinho 1050 2,5
Balbina 250 1,1
Média - 21,7
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:106).
Os reatores nucleares podem ser uma fonte bastante atrativa de eletricidade sob o
ponto de vista ambiental. Apesar dos riscos com os acidentes, a eletricidade de origem
nuclear representa um percentual de mais de 20% do montante mundial e
aproximadamente 27% da eletricidade produzida nos países da Europa e da OECD.
Apesar de considerada limpa, a produção de energia a partir de fontes nucleares requer
o enriquecimento do urânio e este processo demanda grandes quantidades de energia.
222
Assim, dependendo da origem dessa eletricidade, a emissão de poluentes pode ser
significativa no processo. A tabela 6 a seguir mostra as estimativas totais de geração a
partir da energia nuclear para os principais grupos de países que utilizam essa energia.
Tabela 6: Reatores nucleares em operação e em construção no ano de 2000
Grupos de Países Em Operação Em Construção Energia
N
o
de Unidades Mw N
o
de Unidades Mw Twh
OECD 321 277016 3 3190 1969,56
Europa Oriental 68 45412 11 8963 274,86
Países em des. 49 28895 17 15603 203,98
Total 438 351327 31 27756 2411,40
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:110).
A questão energética atual está apoiada em dois grandes problemas: a redução
dos impactos ambientais e a busca de soluções para a inevitável extinção das fontes não
renováveis que, em alguns casos, tem data marcada, e que são responsáveis pela maior
parcela da energia consumida no mundo.
Com relação aos impactos ambientais, espera-se que estes possam ser reduzidos
(GOLDEMBERG e VILLANUEVA, 2003):
Melhorando-se a eficiência das tecnologias de geração a partir de
combustíveis fósseis, reduzindo assim, a emissão de poluentes.
Substituindo-se combustíveis mais poluentes, como o carvão mineral, por
outros menos poluentes, como o gás natural.
Aumentando-se a participação de fontes renováveis na geração de
eletricidade.
Os sistemas para geração de eletricidade a partir de turbinas a vapor e caldeiras,
têm eficiência inferior a 30% e contribuem significativamente para a degradação
ambiental. Para substituir esses sistemas, novas tecnologias de maior eficiência e
menores taxas de emissão vêm sendo implantadas. Dentre eles, destacamos as turbinas a
gás.
223
Novas tecnologias para a melhoria da eficiência com a diminuição de emissões
em usinas baseadas no uso de carvão mineral também estão sendo testadas. São as
usinas termelétricas com leitos fluidizados e pressurizados, que chegam a alcançar
eficiência de 99% com remoção de 90% de enxofre e 50% de óxidos de nitrogênio
(GOLDEMBERG e VILLANUEVA, 2003).
Além da energia hidrelétrica, amplamente utilizada nos países com abundância
de recursos hídricos, outras fontes que ainda apresentam limitações, ou carecem de
amadurecimento tecnológico, vêm ganhando status em função das previsões com
relação às fontes não renováveis. As principais tecnologias de energia renovável são
aquelas que utilizam como fontes a energia da biomassa, a solar e a eólica, além da
energia geotérmica e da energia das marés.
Energia da biomassa
O uso da lenha, do bagaço e de outros resíduos agrícolas para cocção é uma
tecnologia bastante conhecida e utilizada, particularmente nos Estados Unidos, onde
mais de 8 mil Mw de potência são gerados por programas que se utilizam da biomassa.
Energia eólica
O uso da energia dos ventos encontra sua maior aplicação em países como os
Estados Unidos e a Dinamarca. A evolução da capacidade mundial instalada pode ser
verificada na figura 9 a seguir.
Figura 9: Energia eólica no mundo – capacidade instalada
Fonte: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDEMBERG e
VILLANUEVA, 2003:133).
224
Energia Solar
Duas formas de aproveitamento da energia solar merecem destaque: a
modalidade térmica solar e a fotovoltaica. Na primeira, a luz solar é focalizada em um
coletor onde um fluido é aquecido a altas temperaturas, produzindo vapor para a
geração de eletricidade. Uma usina que produz 300 Mw de potência encontra-se em
funcionamento nos Estados Unidos. A produção de energia por módulos fotovoltaicos
não pode ser considerada economicamente viável, pois ainda carece de demanda para a
produção em larga escala, a fim de que seu custo possa baixar. Até o ano 2000 cerca de
1200 Mw de potência produzida por sistemas fotovoltaicos foram instalados
(GOLDEMBERG e VILLANUEVA, 2003).
Embora as fontes renováveis sejam mais adequadas do ponto de vista ambiental,
a produção de energia a partir da maioria delas ainda apresenta um custo muito alto
quando comparado com as não renováveis. A exceção é a produção a partir das
hidrelétricas. Entretanto, diante da crise anunciada, as fontes renováveis se apresentam
como uma boa opção para um futuro sustentável para a humanidade. Nesse sentido,
investimentos vêm sendo realizados na tecnologia de sistemas que funcionam a partir
dessas fontes, buscando diminuir o custo de produção e aumentar a eficiência dos
mesmos.
A tabela 7 a seguir mostra, a título de comparação, o custo de produção da
energia elétrica a partir de diferentes fontes.
Tabela 7: Custo de produção da energia elétrica
Tecnologia Custo em centavos de dólar por Kwh
Renováveis Hidroeletricidade 2 – 8
Biomassa 5 – 15
Eólica 5 – 13
Geotérmica 2 – 10
Fotovoltaica 5 – 125
Solar térmica 12 – 18
Não renováveis Carvão mineral 5,0
Petróleo 6,0
Gás natural 4,5
Nuclear 5,5
Adaptação de Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento (GOLDENBERG e
VILLANEUVA, 2003:137)
225
5. A crise de energia elétrica no Brasil
A privatização do setor elétrico no Brasil teve início no ano de 1995. Um ano
depois foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que regula e
fiscaliza as empresas que compõem o sistema elétrico brasileiro.
Estudos realizados por técnicos do governo e profissionais da área elétrica
identificaram riscos no abastecimento de energia já no início do ano 2000. O
crescimento da demanda, da ordem de 5% ao ano, associado à falta de investimentos no
setor elétrico nas décadas de 1980 e 1990 eram apontados como as principais causas da
possível crise (MATTOZO e CAMARGO, 2005). Para evitar problemas de
abastecimento, o governo brasileiro passou a importar energia da Argentina a custos
superiores ao de produção dentro do próprio Brasil.
Em fevereiro de 2001, a escassez de chuvas nas regiões do sistema elétrico que
abastece o sul e o sudeste do Brasil, provocou uma redução no volume de água
acumulada nos reservatórios. O assunto, circunscrito por tradição aos noticiários
econômicos, ganhou espaço nos noticiários em geral, com o desenrolar da crise e a
adoção do programa de racionamento, em abril de 2001, criado para conter a crise em
caráter de emergência, diminuindo a demanda em várias regiões do país. A
problemática do racionamento se estendeu até 2002, ano em que, mesmo com a energia
racionada, não foi possível evitar um grande apagão que ocasionou desdobramentos até
mesmo no campo político, na medida em que o assunto se transformou em um dos
principais temas dos debates que antecederam às eleições presidenciais naquele ano.
226
Anexo 5
CARTILHA PARA CONFECÇÃO DE PROJETOS
227
228
229
230
231
232
233
Anexo 6
O CAMINHO HISTÓRICO DE FARADAY
A história da construção do princípio da indução eletromagnética tem como
origem, a percepção da relação entre corrente elétrica e campo magnético – a
inauguração do eletromagnetismo. Em 1820, um cientista dinamarquês chamado Hans
Christian Öersted (1777-1851) – que já tinha informações sobre alguns relatos
envolvendo relações entre faíscas elétricas e a deflexão de agulhas de bússolas –
realizou uma experiência que forneceu a primeira prova concreta desta relação
(PROJECTO FÍSICA, 1985).
Öersted posicionou a agulha de uma bússola debaixo de um fio condutor
retilíneo e horizontal, de maneira que ambos ficassem paralelos e alinhados com o
campo magnético da Terra (vide figura 1). Ao provocar a passagem da corrente elétrica
pelo condutor, ele verificou uma deflexão na agulha da bússola. Com isso, constatou a
existência de um campo magnético próximo ao condutor, provocado pela passagem da
corrente elétrica.
Figura 1: Reprodução do Experimento de Öersted
A experiência de Öersted suscitou uma série de especulações por parte dos
filósofos naturalistas europeus do século XIX e de outros cientistas, dentre eles Michael
234
Faraday (1791-1867). Apesar da pouca cultura acadêmica, Faraday era um auto-didata e
foi considerado por muitos “o maior dos cientistas experimentais” (PROJECTO
FÍSICA, 1985).
Segundo Willliams (1981), o experimento de Öersted teria sido reproduzido por
Faraday em 1821, a pedido de um amigo seu, Richard Phillips, editor do periódico
Philosophical Magazine. De acordo com o próprio Faraday, em seu Experimental
Researches in Electricity editado entre os anos de 1839 e 1855, algumas inovações
foram introduzidas no experimento com o propósito de buscar argumentos que
justificassem a existência das chamadas “linhas de força”, denominação atribuída por
ele às linhas de campo, que ele acreditava existir.
O conceito de linhas de campo é apontado ainda hoje como um dos mais
abstratos, e que trazem dificuldades para a construção de modelos mentais
cientificamente aceitos em educandos de todos os níveis (GRECA e MOREIRA, 1996).
Além disso, essa dificuldade pode ser comprovada levando-se em conta a grande
quantidade de trabalhos publicados sobre concepções prévias de estudantes dos níveis
fundamental, médio e superior, sobre os conceitos de campo magnético e linhas de
campo (http://ideasprevias.cinstrum.unam.mx:2048).
De 1824 em diante, Faraday passou a se dedicar a pesquisas de como produzir
corrente elétrica a partir de campos magnéticos. Naquele contexto, buscava-se resposta
para a seguinte questão: se é possível produzir campo magnético a partir de uma
corrente elétrica, seria possível produzir corrente elétrica a partir de um campo
magnético?
De acordo com Williams (1981), em 29 de agosto de 1831, Faraday propôs um
experimento (vide figura 2) cujo resultado abriu as portas para o entendimento da
indução eletromagnética.
235
Figura 2: Reprodução do Experimento de Faraday – indução eletromagnética.
O experimento proposto utilizava um anel de ferro sobre o qual encontravam-se
acomodados dois enrolamentos de fios condutores. Um deles foi ligado a um
galvanômetro – instrumento de alta sensibilidade capaz de medir correntes elétricas
muito baixas – e o outro ligado aos terminais de uma bateria.
Após uma sucessão de operações de liga e desliga dos fios, do segundo
enrolamento aos terminais da bateria, foi observada a indução de uma corrente elétrica
no enrolamento ligado ao galvanômetro. Entretanto, o aparecimento da corrente ocorria,
apenas, nos instantes em que os fios eram ligados e desligados aos terminais da bateria,
não sendo observada corrente induzida enquanto os fios permaneciam ligados em
regime estacionário.
Servindo-se do seu conceito de linhas de força, Faraday iniciou uma busca no
sentido de esclarecer os princípios básicos envolvidos na indução eletromagnética. De
acordo com ele, a corrente variável que se estabelecia no enrolamento ligado à bateria
nos instantes em que este era ligado ou desligado – regime transitório – modificava as
linhas de força ao longo do anel de ferro, e as variações nas linhas de força iriam induzir
a corrente no outro enrolamento, já que este compartilhava essas linhas com o
enrolamento indutor. Mais tarde, Faraday realizou outros experimentos para mostrar que
o anel de ferro era desnecessário no processo, e que o ferro apenas intensificava o
efeito.
Algumas questões ainda inquietavam Faraday em 1831: seria possível induzir
uma corrente, fazendo variar apenas as linhas de força através de um único
enrolamento, de uma outra maneira? O enrolamento indutor seria necessário?
236
Em 17 de outubro de 1831 (WILLIAMS, 1981), Faraday propôs um
experimento que serviu de ponto de partida para a construção do primeiro gerador
elétrico (dínamo). Utilizando um enrolamento ligado aos terminais de um galvanômetro
e um imã em forma de barra (vide figura 3), ele realizou movimentos inserindo e
retirando o imã no (do) interior do enrolamento.
Segundo Faraday, o movimento provocava uma variação nas linhas de força que
atravessam os fios do enrolamento, ocasionando a indução de uma corrente elétrica no
mesmo, que era registrada pelo galvanômetro.
Figura 3: Reprodução do Experimento de Faraday – indução sem enrolamento
indutor
Uma outra observação importante realizada por Faraday foi o fato de a corrente
induzida ocorrer em sentidos opostos quando o circuito era ligado e quando era
desligado no experimento do anel. O mesmo fenômeno foi observado quando o imã era
inserido e retirado no (do) enrolamento. As correntes registradas, no primeiro e no
segundo casos, se estabeleciam apenas enquanto havia movimento do imã, e sempre em
sentidos contrários, considerados os movimentos de inserção e retirada. Mais tarde,
Faraday demonstrou experimentalmente que o importante no processo era a variação
relativa das linhas de força, fosse esta obtida movimentando-se o imã, o enrolamento,
ou os dois.
237
A partir de todas essas observações Faraday pode estão enunciar o princípio da
indução eletromagnética: “a variação das linhas de força magnética pode induzir uma
corrente elétrica em um fio” (PROJECTO FÍSICA, 1985).
Até aqui Faraday só havia produzido aparições momentâneas de correntes
induzidas – apenas em momentos de variação das linhas de força a partir da variação da
corrente no enrolamento indutor ou a partir da movimentação do imã. Entretanto, o
inquietava a vontade de produzir corrente de forma ininterrupta. Seria possível produzir
uma corrente durável por indução eletromagnética?
Fazendo girar continuamente, através de uma manivela, um disco de cobre entre
os pólos de um imã, uma corrente induzida estacionária foi coletada por um par de
escovas de material condutor (grafite macio) que se encontravam ligadas a um circuito
externo. Este aparelho, denominado “dínamo de disco de Faraday” não se revelou
muito prático, mas mostrou que era possível a geração ininterrupta de eletricidade.
Apesar de todas as inovações tecnológicas e modificações, este ainda é o princípio de
funcionamento dos geradores elétricos (dínamos) das grandes usinas que transformam
energia de movimento em energia elétrica (vide figura 4).
Figura 4: Protótipo de um Gerador que Transforma Energia Mecânica em
Elétrica.
238
Anexo 7
EXPERIMENTO DO LOOPING
239
Anexo 8
TEXTOS INFORMATIVOS
Caderno Economia, Jornal do Brasil, 28/11/2001, pag. 14 e 10/01/2002, pag. 11
240
241
Anexo 9
SOBRADINHO
Sá e Guarabira
O Homem chega
Já desfaz a Natureza
Tira gente põe represa
Diz que tudo vai mudar
O São Francisco
Lá pra cima da Bahia
Diz que dia menos dia
Vai subir bem devagar
E passo a passo
Vai cumprindo a profecia
Do beato que dizia
Que o Sertão ia alagar
O Sertão vai virar mar
Dá no coração
O medo que algum dia
O mar também vire Sertão
Adeus Remanso
Casa Nova, Sento Sé
Adeus Pilão Arcado
Vem o rio te engolir
Debaixo d’água
Lá se vai a vida inteira
Por cima da cachoeira
O gaiola vai subir
Vai ter barragem
No Salto do Sobradinho
E o povo vai se embora
Com medo de se afogar
242
Anexo 10
MAPA MUNDI TERRA À NOITE
Fonte: Atlas Geográfico Escolar – IBGE (2007:85).
243
Anexo 11
PÓS-TESTE
O que significa para você ensinar conteúdos científicos, como os que foram
abordados no tema proposto, à luz do Enfoque CTS ?
Se você fosse o Ministro das Minas e Energia de um país, que aspectos levaria
em consideração em um momento de escolha de um programa energético para a
produção de energia elétrica para este país ?
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