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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - PRPPG
CENTRO DE CIÊNCIAS
MESTRADO EM GEOGRAFIA - MG
ELIZETE AMÉRICO SILVA
ESPAÇOS PÚBLICOS E TERRITORIALIDADES: AS
PRAÇAS DO FERREIRA, JOSÉ DE ALENCAR E O
PASSEIO PÚBLICO, FORTALEZA - CE
Fortaleza - Ceará
2006
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Universidade Federal do Ceará - UFC
Elizete Américo Silva
ESPAÇOS PÚBLICOS E TERRITORIALIDADES: AS PRAÇAS
DO FERREIRA, JOSÉ DE ALENCAR E O PASSEIO PÚBLICO,
FORTALEZA - CE
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Geografia, do Centro de Ciências, da Universidade
Federal do Ceará, como requisito para a obtenção do
grau de Mestre em Geografia.
Orientadora: Prof
a
Dr
a
Maria Salete de Souza
Fortaleza - Ceará
2006
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Ficha catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Hamilton Rodrigues Tabosa CRB-3/888
S579e Silva, Elizete Américo
Espaços públicos e territorialidades: as praças do Ferreira, José de
Alencar e o Passeio Público / Elizete Américo Silva
164 f. il., color. enc.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Ceará , Fortaleza,
2006.
Inclui fotografias.
Orientadora: Dra. Maria Salete de Souza
Área de concentração: Dinâmica Territorial e Ambiental
1. Transformações urbanas 2. Atores sociais 3. Área central 4. Áreas
sociais 5. Espaços urbanos 6. Lugares públicos I. Souza, Maria Salete de II.
Universidade Federal do Ceará – Mestrado em Geografia III. Título
Universidade Federal do Ceará - UFC
Mestrado em Geografia - MG
Título do Trabalho: Espaços Públicos e Territorialidades: as praças do Ferreira, José
de Alencar e o Passeio Público, Fortaleza - CE.
Área de Concentração: Dinâmica Territorial e Ambiental.
Linha de Pesquisa: Natureza, Campo e Cidade no Semi-Árido.
Mestranda: Elizete Américo Silva
Aprovada em ____ /____ /_______
BANCA EXAMINADORA
__________________________
Maria Salete de Souza Profª. Drª. (Orientadora)
Departamento de Geografia do Centro de Ciências (UFC)
__________________________
Zenilde Baima Amora Profª Drª.
Departamento de Geografia do Centro de Ciências e Tecnologia (UECE)
___________________________
José Borzacchiello da Silva Prof. Dr.
Departamento de Geografia do Centro de Ciências (UFC)
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Luiz Américo Filho e Ilma Pereira Silva, pela força e contribuição na
minha vida pessoal e profissional.
À toda minha família, em especial aos irmãos Edilene, Edilberto, Elda e Edna, pelo
compartilhamento de experiência e incentivo a mim disponibilizado, ao longo de minha
vida.
A meus avós, Francisca Delmira Silva e Luiz Américo (in memória) pela incansável
dedicação aos filhos, netos e bisnetos.
Aos meus sobrinhos, Giselle, Gesiel, Ellyelson, Jessé, Ademir Júnior e Natã, pelo
carinho.
Ao amigo e pastor Hiram e sua esposa Anna Karlla, pelo apoio e companherismo
durante o tempo em que estive em Caponga.
À Maná, que se tornou uma grande e querida amiga e cúmplice de muitos momentos.
Obrigada pela amizade gratificante.
Ao querido Nino, que acompanhou todo esse processo desde a seleção do mestrado
até a realização da dissertação, incentivando-me durante a realização desse trabalho,
inclusive se disponibilizando em me acompanhar, nas constantes idas ao campo, para
a realização das observações, entrevistas e coleta dos registros fotográficos.
AGRADECIMENTOS
A minha existência, perseverança, coragem e dedicação em todos esses anos de
estudos, agradeço a Deus.
A meus pais, cujo carinho e apoio funcionaram como alicercere para minha fortaleza.
Em especial, à minha orientadora, Maria Salete e Souza, pelo que contribuiu para a
concretizaçao da dissertação, e, principalmente, pela presença e ensinamentos durante
a graduação.
Aos professores, José Borzacchiello da Silva e Zenilde Baima Amora, pelas
contribuições na banca de qualificação e defesa da dissertação.
Aos professores do Mestrado em Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), e
do Mestrado Acadêmico da Universidade Estadual do Ceará (UECE), pelas discussões
de grande relevância para minha formação.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNCAP), pela concessão da bolsa de estudos em boa parte do curso do mestrado.
A todos os colegas da turma do mestrado, em especial ao(a): Alex, Angêla, Débora,
Clébio e Luzianny, pelo convívio, compartilhamento de algumas angústias e pelas
discussões enriquecedoras durante o curso.
Às amigas Edvani e Helissandra, pelas ricas contribuições durante a realização deste
trabalho.
À ONG Ação Novo Centro e à SEPLA, pelas informações, dados e projetos
disponibilizados, referentes ao Centro de Fortaleza.
A todos que contribuiram, de alguma forma, na realização deste trabalho.
RESUMO
O presente estudo analisa as diversas territorialidades que se constroem nas praças do
Passeio Público, do Ferreira e José de Alencar nos dias atuais, centrando a análise no
cotidiano dos diferentes atores sociais que ali desempenham suas atividades,
delimitando assim seus territórios. As praças em estudo localizam-se na área central de
Fortaleza, e constituem-se como os espaços mais dinâmicos da cidade. Considerando
o território como produto da apropriação de um determinado segmento do espaço por
um grupo social, verifica-se que relações de controle, afetiva, ou de pertencimento são
ali estabelecidas. Desse modo, o trabalho foi norteado por algumas indagações
consideradas pertinentes ao estudo no sentido de compreender os processos de ordem
econômica, política e cultural que ocorreram para que as praças perdessem suas
tradicionais funções como local primordial de encontro, de lazer, de contemplação e de
sociabilidade. Identificou-se que o uso atual das praças difere muito daqueles dos
séculos XIX e XX, período de glamour do centro, onde as praças se assemelhavam aos
belos jardins europeus. Nessa época, prevalenceu no embelezamento da cidade a
influência de estilos arquiteônicos de cidades européias, com a presença de praças
arborizadas, ‘quiosques’, edifícios elegantes, hotéis, entre outros equipamentos, que
convidavam a sociedade ao lazer e a sociabilidade. Cada praça com sua singularidade
e peculiaridade, atraía a sociedade cuja freqüência a esses espaços era constante,
devido à concentração das funções residenciais, comerciais, de serviço e lazer, que
proporcionavam uma grande convergência das atividades na área central. Nesse
contexto, Fortaleza encontrava-se organizada de forma monocêntrica em torno dessa
zona, com um poder agregador das principais atividades econômicas e culturais da
cidade. A partir de 1970, iniciou-se a descentralização dessas atividades da área
central associada à fragmentação dos espaços e a incorporação do processo de
metropolização. Essas mudanças trouxeram novas formas e funções aos diferentes
espaços do Centro. Por exemplo, as praças antes voltadas à animação e ao lazer,
adquiriram novas funcionalidades conforme as mutações urbanas e os interesses
administrativos e de gestão da cidade. Assim, ao longo da história dessas praças as
transformações sociourbanas moldaram-nas para que as mesmas assumissem,
principalmente, a função de um lugar de passagem, devido ao ritmo acelerado
incorporado no cotidiano dos citadinos. De modo que, hoje, a apropriação dos espaços
públicos da cidade se efetiva de forma diferente dos tempos passados e se manifesta
principalmente com a presença das classes populares que objetivando melhores
condições de vida territorializam a maioria das praças da área central. Não obstante a
existência de outras áreas de lazer eleitas pela sociedade fora do perímetro central,
alguns logradouros do centro ainda mantem a função de congregação social no
contexto da metrópole.
Palavras-Chave: espaços públicos, territorialidades e área central.
ABSTRATC
The present study analyses the several territorialities which are built in the squares such
as Passeio Público, Praça do Ferreira and Praça José de Alencar, in the present days,
centering the analysis in the daily life of the diferrent social actors, who fulfill their activity
in those places delimiting, this way, their territory. The public squares which are being
studied are situated in the central area of Fortaleza and are constituted as the most
dynamic areas of the city. Considering the territoty as a product of appropriation of a
certain segment of the area by a social group, it is ascertained that relation of control,
emotional or of belonging are established in sush territoty. Thus, this research was
guided by some inquiries which were considered part of the study in the sense of
understanding the processes of economical, political as well as cultural order which took
place in a way that the public squares would lose their traditional functions as a prime
place of meetings, leisures, contemplation and of sociability. It was concluded that the
present-days use of the public aquares differs a great deal from that of the 19th and
20th centuries, the period of glamour of the city center when the public squares were
similar to the beautiful European gardens. There was, in those times, the prevalence, in
the beauty of the city, of the influence of the architectonic styles of European cities with
the public squares all planted with trees in, with kiosks, elegant buildings, hotels, among
other things which would invite the society to leisure activities and sociability. Each
square with its own uniqueness and peculiarity would attract the society whose
frequency to such areas was common due to the concentration of different functions
such as: residential, commercial, leisure and of service, which would offer a great
convergence of activities in the central area. In surch context Fortaleza was organized in
a monocentric way around this area, with the aggregating power of the main economical
and cultural activities of the city. Departing from 1970, the decentralization of such
activities of the central area, associated to the fragmentation of spaces and the
incorporation of the metropolization process was begun. Such changes brought new
forms and fuctions to the different spaces in the downtown area. For instance, the public
squares which were once devoted to leisure and animation activities acquired new
functionalities according to urban mutations and to the administrative interests of the city
management. Thus, throughout the history of such public squares, the socio-urban
changes shaped them in a way that they would assume, mainly, the function of a
passageway place due to the hasty rhythm incorporated to the daily life of the city
dwellers. Therefore, nowadays, the appropriation of public areas in the city is made
differently from old days and it is made known specially with the presence of popular
classes, which, aiming better conditions of life, territorializes most of the public squares
in the central area. Notwithstanding the existence of other leisure areas elected by the
society, out of central perimeter, some public parks of the city center still maintain the
functions of social congregation in the context of the metropolis.
Key-words - public spaces, territoriality and central area.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ASCEFORT - Associação dos Empresários do Centro de Fortaleza
BNH - Banco Nacional de Habitação
CODEF - Coordenadoria e Desenvolvimento Urbano de Fortaleza
EMCETUR - Empresa Cearense de Turismo
GMF - Guarda Municipal de Fortaleza
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS - Imposto sobre Comercialização de Mercadorias e Serviços
INOCS - Inspetoria Nacional de Obras Contra as Secas
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano
ISS - Imposto Sobre Serviços
LEGFOR - Legislação Urbanística do Município de Fortaleza
METROFOR - Trem Metropolitano de Fortaleza
ND - Não Dispõem de Estatística Individualizada de Emprego
PDDU - FOR - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Fortaleza
PLANDIRF - Plano de Desenvolvimento Integrado para a Região de Fortaleza
PM - Polícia Militar
RMF - Região Metropolitana de Fortaleza
SEINF - Secretaria Municipal da Infra-Estrutura e Desenvolvimento Urbano
SEPLA - Secretaria Municipal de Planejamento e Orçamento
SER II - Secretaria Executiva Regional II
SESC - Serviço Social do Comércio
SESI - Serviço Social da Indústria
SUS - Serviço Único de Saúde
UECE - Universidade Estadual do Ceará
UFC - Universidade Federal do Ceará
UNIFOR - Universidade de Fortaleza
ZU 1 - Zona Urbanizada 1
LISTA DE FIGURAS, FOTOS E QUADRO
Pág.
FIGURAS
FIGURA 1 - Localização das Praças......................................................................15
FIGURA 2 - Planta de Silva Paulet - 1818..............................................................47
FIGURA 3 - Planta de Manuel do Rego de Medeiros - 1856..................................49
FIGURA 4 - Planta Topográfica da Cidade de Fortaleza e Surbúbios de
Adolfo Herbster - 1875........................................................................55
FIGURA 5 - Praças do Centro................................................................................81
FIGURA 6 - Territorialização da Praça do Ferreira...............................................105
FIGURA 7 - Territorialização da Praça José de Alencar......................................123
FIGURA 8 - Territorialização do Passeio Público.................................................140
FOTOS
FOTO 1 - Café do Comércio Praça do Ferreira, século XIX...................................87
FOTO 2 - Bonde a tração animal, século XIX.........................................................88
FOTO 3 - Resquícios da Cacimba do século XIX,
Praça do Ferreira, 2005........................................................................88
FOTO 4 - Jardim 7 de Setembro, Praça do Ferreira, início do século XX
(Gestão Guilherme Rocha)...................................................................90
FOTO 5 - Jardim 7 de setembro, na Praça do Ferreira, na gestão de
Godofredo Maciel,1925.........................................................................93
FOTO 6 - Coluna da Hora, na gestão de Raimundo Girão, 1933...........................95
FOTO 7 -
Abrigo Central, meados do século XX....................................................96
FOTO 8 - Praça do Ferreira sem o abrigo central e a coluna da
Hora, final do século XX.......................................................................97
FOTO 9 - Trilha realizada pelos professores e alunos do SESC
(aniversário da cidade) 2005..............................................................100
FOTO 10 - Manifestação dos servidores públicos Federais,
jun/2005.............................................................................................101
FOTO 11 - Estudantes e professores da UECE encenam uma peça,
mai/2005.............................................................................................101
FOTO 12 -
Assembléia dos professores da rede estadual de ensino,
jun/2005..............................................................................................102
FOTO 13 - Praça do Ferreira, dez/1997...............................................................103
FOTO 14 - Territorialização dos evangélicos, Praça do Ferreira, 2006...............106
FOTO 15 - Territorialização dos aposentados, Praça do Ferreira, 2006..............108
FOTO 16 - Caixa Econômica Federal do Ceará, 2005.........................................110
FOTO 17 - Hotel Excelsior, 1930..........................................................................112
FOTO 18 - Praça Marquês do Herval, atual praça José de Alencar,
início do século XX.............................................................................115
FOTO 19 - Teatro José de Alencar, pátio interno, dez/1997................................116
FOTO 20 - Beco da poeira, 2005..........................................................................119
FOTO 21 - Quiosques, 2005.................................................................................126
FOTO 22 - Avenida Caio Prado, Passeio Público de Fortaleza, início do
século XX..............................................................................................134
FOTO 23 - Avenida Mororó, no centro do Passeio Público de Fortaleza
em 1880 ...............................................................................................134
FOTO 24 - Avenida Caio Prado, início do século XX...........................................135
FOTO 25 - Clube Iracema no Palacete Ceará na Praça do Ferreira, início
do século XX........................................................................................137
FOTO 26 - Territorialidade dos Evangélicos, Passeio Público, 2005...................141
FOTO 27 - Territorialidade das Vendedoras de Café,
Passeio Público, 2005.........................................................................143
FOTO 28 - Palace Hotel em frente ao Passeio Público, início do século XX.......144
FOTO 29 - Reconstituição do Antigo Hotel do Norte, 2005..................................144
FOTO 30 - Santa Casa de Misericórdia, 2005......................................................145
QUADRO
QUADRO 1 - Comparação entre a Arrecadação de Impostos do Centro e
seus principais Concorrentes (2002) ...............................................76
SUMÁRIO
Pág.
Lista de Siglas e Abreviaturas....................................................................................07
Lista de Figuras, Fotos e Quadro...............................................................................08
INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
CAPÍTULO 1. A PRAÇA NO CONTEXTO DA CIDADE..........................................19
1.1 A praça e seu significado ..............................................................................19
1.2 Do espaço público ao território .....................................................................26
CAPÍTULO 2. EXPANSÃO URBANA DE FORTALEZA E
MUDANÇAS NA ÁREA CENTRAL ..................................................42
2.1 Da vila à cidade .............................................................................................43
2.2 Fortaleza do século XIX: transformações urbanas .......................................45
2.3 Fortaleza metrópole - descentralização e
formação dos sub-centros..............................................................................61
CAPÍTULO 3. AS PRAÇAS E SEUS USOS: TEMPORALIDADES
E TERRITORIALIDADES..................................................................79
3.1 As temporalidades e as territorialidades........................................................82
3.2 A Praça do Ferreira........................................................................................84
3.3 A Praça José de Alencar..............................................................................114
3.4 O Passeio Público........................................................................................131
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................146
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................154
APÊNDICE ..............................................................................................................163
INTRODUÇÃO
É imprescindível a compreensão dos efeitos causados pela modernidade
sobre as mudanças no modo de vida da sociedade fortalezense, principalmente, porque
tais efeitos interferem na dinâmica dos hábitos de vida da mesma, transformando-a.
O estudo dos espaços públicos e de suas atividades inseridas no contexto
da cidade, remete-nos a uma discussão em âmbito mundial, e, de forma especial, “in
situ”, pois embora as inovações tecnológicas atuem diretamente na transformação do
espaço, de forma generalizada, muitas destas modificações só podem ser explicadas
em nível de realidade local.
Segundo Gomes (2002)
um olhar geográfico sobre o espaço público deve considerar, por um
lado, sua configuração física e, por outro, o tipo de práticas e dinâmicas
sociais que aí se desenvolvem. É justamente sob esse ângulo que a
noção de espaço público pode vir a se constituir em uma categoria de
análise geográfica. Aliás, essa parece ser a única maneira de se
estabelecer uma relação direta entre a condição de cidadania e o
espaço público, ou seja, sua configuração física, seus usos e sua
vivência efetiva. (
GOMES 2002, p.172).
Desse modo, o espaço urbano constitui um produto social em constante
processo de transformação e seu estudo torna-se necessário para uma maior
compreensão do uso que o homem faz do mesmo, e das mudanças ocorridas naquele
espaço, ao longo do tempo. Assim, procura-se compreender quais fatores vieram
contribuir na transformação do uso das praças em estudo. Como espaços tão
privilegiados pelas sociedades passadas, como local de lazer e sociabilidade vieram a
se configurar, primordialmente, em local de consumo. Que processos de ordem
econômica, política e cultural ocorreram e ocorrem para que esses espaços públicos
percam suas antigas funções?
Ao analisar o intra-urbano
1
no Brasil, Villaça (1998) considera que uma das
mais profundas transformações estruturais das cidades está ligada à tendência das
pessoas de classe social mais alta ao distanciamento do Centro. Dessa forma, o centro
principal passou a ser ocupado pelo comércio e serviços destinados ao atendimento
das camadas populares
2
.
No caso de Fortaleza, alguns fatores são apontados para justificar a perda
das funções tradicionais daquele bairro. Além da função residencial, que foi
direcionada, de grande parte da sua extensão, para outras áreas da cidade, um outro
fator veio a ocorrer a partir da segunda metade do século XX: a valorização do litoral
pelos poderes públicos (municipal e estadual) e também pela iniciativa privada.
Atividades, como o lazer, entre outras, passaram a se concentrar na área litorânea.
Outras, como as comerciais e de serviços foram se estabelecendo pelos novos bairros.
Essas mudanças, ao longo do tempo, trouxeram novas formas e funções
aos diferentes espaços do Centro. Por exemplo, as praças, antes voltadas à animação
e ao lazer, adquiriram novas configurações, de acordo com as transformações políticas,
econômicas e culturais da cidade. Outrora, as praças eram ajardinadas e com objetos
decorativos de origem portuguesa, refletindo ainda resquícios da mordomia, dos
tempos da Coroa. “À noite, famílias inteiras, enxameavam-se naquela vegetação
luxuriante.” (AZEVEDO, 1992, p. 40).
Com o passar dos anos, as praças da área central, foram adquirindo novas
funções, de acordo com a expansão urbana, transformações econômicas e sociais e
também interesses administrativos e de gestão da cidade. Ao longo da história das
administrações municipais, as praças vêm sendo alvo de transformações, fruto das
investidas dos gestores que mostram pouco compromisso em conservar as marcas
1
A expressão espaço urbano, bem como estrutura urbana, estruturação urbana, reestruturação urbana, e
outras congêneres, só pode referir-se ao intra-urbano. (VILLAÇA, 1998, p.18).
2
Segundo Villaça (1998, p. 283), no Brasil, na década de 1980, os centros principais já estavam quase
totalmente tomados pelas camadas populares. Aquilo a que se chama ideologicamente de ‘decadência
do centro é tão somente sua tomada pelas classes populares, justamente sua tomada pela maioria da
população, ele é o centro da cidade.
espaciais deixadas pelas gerações pretéritas. A cada nova administração, as mesmas
são destruídas e reformadas, e assim, vão ganhando novas formas. A exemplo de tais
modificações, temos as praças do Ferreira e José de Alencar, que geralmente
incorporam novas formas, pela intervenção dos organismos gestores da cidade.
Atualmente, algumas delas perderam quase que totalmente a função a que
haviam se destinado, ou seja, de local do passeio, do encontro e da sociabilidade para
as classes privilegiadas economicamente. Muitas se caracterizam hoje como um local
barulhento e caótico, devido ao movimento frenético dos transeuntes e vendedores
ambulantes. Perderam-se no tempo a beleza romanesca das antigas praças e a
funcionalidade que as mesmas proporcionavam. No centro da cidade, ela passou a ser
lugar de passagem de pedestres, de circulação do comércio ambulante, assim como
ponto de encontro, trabalho, serviços, diversão e, no caso particular da Praça do
Ferreira, de sociabilidade para alguns segmentos da população, notadamente os
aposentados, testemunhas do final dos ‘tempos áureos’, quando jovens e letrados
discutiam do futebol ao destino político e econômico do País.
A realidade atual do cotidiano das praças de Fortaleza nega seu antigo
significado, enquanto espaço de diálogo e sociabilidade para a “alta sociedade”
passada. De todo modo, hoje, torna-se complexo entender e explicar, o que as praças
representam para os cidadãos. Segundo SILVA FILHO, “O valor simbólico que envolve
esse local de intensas relações fica oculto na cidade, pelo fato de que a maioria das
pessoas não percebe o valor histórico-cultural que a praça representa para a cidade”. O
valor objetivado é justo o do uso que as pessoas fazem do local, como exemplifica o
mesmo autor: “Os segmentos populares ainda mantêm um convívio intenso e
diversificado nas praças (...) do centro da cidade. Ali são gravadas as marcas de sua
presença, transformando-as em locais de trabalho, encontro e lazer.” (SILVA FILHO,
2004, p. 43).
A delimitação do Bairro Centro, segundo a Legislação Urbanística do
Município de Fortaleza (LEGFOR - 2003)
3
, compreende: ao norte o oceano Atlântico; ao
sul a Avenida Domingos Olímpio, ao leste a Rua João Cordeiro e a oeste a Avenida
Filomeno Gomes, área correspondente à identificação do Centro expandido. A
localização do Centro analisado por esse objeto de estudo refere-se ao tradicional,
também conhecido como Centro Histórico, o qual está inserido no quadrilátero formado
entre a Avenida Presidente Castelo Branco e Rua Sena Madureira e as Avenidas do
Imperador e Duque de Caxias. (FIGURA 1). Esse núcleo central se caracteriza
principalmente pela concentração da atividade comercial e pela escassez de
residências.
Procurou-se analisar a formação das diversas territorialidades que se
estabeleceram nas praças da área central: o caso da praça do Ferreira, José de
Alencar e o Passeio Público, centrando o estudo empírico nos dias atuais e, para tanto,
foi de extrema relevância tomar-se conhecimento das transformações que ocorreram
nesses espaços ao longo de sua história, e, mais ainda, identificar os usos e funções
dos mesmos nas temporalidades passadas, verificando como, ao passar dos anos, as
reformas realizadas nas gestões municipais contribuíram para a perda identitária destes
espaços públicos e as novas funcionalidades dos mesmos.
O estudo desses espaços públicos foi embasado através da pesquisa
bibliográfica referente ao tema em questão, constando de publicações em periódicos,
boletins, jornais, revistas, livros, pesquisa na internet, monografias, teses, material
cartográfico etc. Esse levantamento de informações permitiu um aprofundamento do
referencial teórico e das categorias de análise que foram desenvolvidas na dissertação.
Para a efetivação do trabalho empírico, baseou-se predominantemente na
conceituação teórica de Souza (1995) que discute o tema território e territorialidade.
Para esse autor,
3
O LEGFOR não é um documento oficial.
o território será um campo de forças, uma teia ou redes de relações
sociais que, a par de sua complexidade interna, define, ao mesmo
tempo, um limite, uma alteridade: a diferença entre “nós” (o grupo, os
membros da coletividade ou “comunidade”, os insiders) e os “outros”
(os de fora, os estranhos, os outsiders). (SOUZA, 1995, p. 86).
Ainda analisando esse conceito o autor considera que os territórios são
antes relações sociais projetadas no espaço que espaços concretos, os quais são
apenas os substratos materiais das territorialidades, podem ser estáveis ou instáveis,
formar-se e dissolver-se em um rápido intervalo de tempo, ter existência regular ou
periódica, podem ser contínuos ou não, podem ter um poder exclusivo ou não, enfim,
devem ser entendidos como territorialidades flexíveis.
Diante dessa análise, procurou-se identificar a delimitação das
territorialidades nos espaços públicos em estudo, mostrando a representação dos
mesmos e trabalhando os elementos desse conceito, como: territorialidades, limites e
flexibilidade, no âmbito do vivido pelos atores sociais. Nesse caso específico entender a
territorialidade flexível nesses espaços como um lugar ocupado por determinados
segmentos sociais, significa trabalhar com diferentes domínios em um mesmo substrato
material.
Realizou-se um estudo exploratório, constando de visitas à área, objeto de
estudo, com a finalidade de observar o local, identificar os diferentes atores sociais e
realizar as entrevistas. Procurou-se trabalhar com a metodologia da observação não
participante, na qual o pesquisador não precisa permanecer entre os grupos
observados, fazendo observação no processo de convivência. Assim, as visitas foram
desenvolvidas no período compreendido entre 2004 a 2006, na temporalidade diurna e
noturna, sendo registrado o dia e a hora em caderneta de campo para uma melhor
percepção dos dados coletados. Aliadas às observações de campo, as quarenta
entrevistas semi-estruturadas, aplicadas junto aos principais atores sociais, foram de
extrema relevância na análise e identificação das diferentes territorialidades que ali vêm
se estabelecendo.
A identificação dos atores sociais e suas respectivas territorialidades e
temporalidades foram estabelecidas de acordo com o uso e área de atuação dos
mesmos nesses espaços públicos. Desse modo, do total geral das entrevistas foram
realizadas dezessete na praça do Ferreira, quatorze na praça José de Alencar e nove
no Passeio Público. A quantidade de entrevistas variou de acordo com o dinamismo
desses espaços públicos, sendo o Passeio Público o local menos dinâmico da área
estudada. O presente trabalho consta, também, de registros fotográficos, auxiliando na
documentação e na representação plástica da apropriação das praças analisadas.
O estudo das três praças: do Ferreira, José de Alencar e Passeio Público,
localizadas na área central da cidade, fundamentou-se em alguns conceitos básicos,
indispensáveis na compreensão da análise. Buscou-se trabalhar os conceitos de
espaço público, área central, território e territorialidade, recorrendo-se à literatura
especializada sobre o assunto, nas áreas da história, geografia, arquitetura, sociologia
e filosofia.
O conceito de espaço público foi trabalhado a partir de alguns autores, a
saber: Paulo César da Costa Gomes (2002), Margarita Barreto (1996), Ângelo Serpa
(1998), entre outros, mostrando a importância do mesmo como ‘espaço comum da
sociedade’ e sua apropriação de forma indevida, privando algumas pessoas do seu
acesso.
Com relação aos conceitos de território e territorialidade, esse mesmo foi
fundamentado nos trabalhos de alguns autores que vêm trazendo o assunto à luz, a
saber, Rogério Haesbaert (1997 e 2004), Marcelo de Souza (1995) etc. Para
Haesbaert, este considera o território como produto da apropriação de um determinado
segmento do espaço por um grupo social, verificando-se que relações de controle,
afetivas ou de pertencimento são ali estabelecidas. As praças são espaços compostos
por diversos territórios e diferentes atores sociais que desempenham suas atividades
individualmente, existindo um limite respeitado por todos.
Procurando estabelecer um caminho teórico-metodológico, julgou-se serem
estes os principais conceitos inerentes à temática em questão e se estruturou o
trabalho em três capítulos contendo uma maior discussão dentro da temática desse
estudo.
Quanto às praças, foi desenvolvida, inicialmente, uma análise referente ao
seu significado, o que constituiu o primeiro capítulo do trabalho, buscando demonstrar o
que a praça representava no passado e qual era a sua importância no contexto da
cidade, procurando identificar a constituição dos territórios nesses espaços públicos.
No segundo capítulo, concentrou-se a análise nos aspectos da cidade de
Fortaleza, do século XIX ao XX, mostrando como se efetivou o crescimento da cidade a
partir da área central, sendo apontados alguns fatores tidos como relevantes para que
tal processo viesse a ocorrer, como a concentração de capital e a fixação de pessoas
de melhor poder aquisitivo naquela área da cidade.
No capítulo três analisaram-se as praças e suas territorialidades a partir de
um estudo empírico, fundamentando-se, teoricamente, nos autores estudiosos da
temática em questão, referidos anteriormente. Além dos registros fotográficos e das
visitas realizadas, deu-se a execução das entrevistas junto aos diferentes atores sociais
que vêm se apropriando das praças do Centro. Foi mostrado também como as praças
se configuravam em épocas passadas e, então, qual o significado desses espaços
públicos para a sociedade, e como ao longo do tempo as mesmas vieram se
transformando e perdendo o sentido primordial para o qual eram destinadas. Nesse
capítulo, verifica-se a concentração dos depoimentos coletados através das entrevistas
realizadas na área da pesquisa e da imprensa. E por último, buscou-se mostrar o que
as gestões administrativas vêm procurando fazer, para que o Centro deixe de ser
estigmatizado como o ‘local dos excluídos’.
CAPÍTULO 1. A PRAÇA NO CONTEXTO DA CIDADE
O primeiro espaço urbano construído para cumprir o papel conferido aos
espaços públicos, em particular, às praças, foi a
4
ágora na Grécia. Esse espaço
possuía, no contexto da cidade na qual se inseria, um aspecto simbólico e de grande
importância na cultura daquele povo. A ágora grega era o espaço no qual se praticava a
democracia, sendo o lugar, por excelência, da discussão e do debate de idéias entre os
cidadãos.
Este capítulo faz uma abordagem da representação que os espaços
públicos (praças) tiveram nas sociedades passadas e qual o significado dos mesmos na
atualidade. Foram analisados também os conceitos de espaço público, território e
territorialidade, objetivando identificar o desenvolvimento da manifestação e
apropriação das territorialidades nos espaços públicos.
1.1 A praça e seu significado
Para que se compreenda a importância dos espaços públicos, hoje, faz-se
necessário reportar-se às diferentes significações que a praça assumiu nas distintas
épocas, na história da sociedade, e como tais elementos vieram refletir nos usos das
mesmas.
4
Alguns autores utilizam a terminologia no masculino e ou no feminino.
Assim, pode-se considerar que a história dos espaços públicos teve sua
origem com a ágora ou o ágora, como querem alguns autores, porque era em torno
dela onde se processava a rotina diária social. Antigamente, segundo relatos, na
civilização grega não existia um padrão para a forma do ágora, sendo geralmente um
espaço aberto de propriedade pública com formato irregular e amorfo, mas que se
constituía em áreas destinadas ao encontro coletivo.
Sobre as funções do ágora, Mumford (1998) considera que:
se, na economia do século V, o ágora pode ser apropriadamente
chamado uma praça de mercado, sua função mais antiga e mais
persistente foi a de ponto de encontro comunal. Como de hábito, o
mercado era subproduto do ajuntamento de consumidores, que tinham
outras razões para se reunirem além de fazerem negócios.
(MUMFORD, 1998, p. 166).
Mas foram nesses espaços, regados de transações pessoais que se
firmaram, por muito tempo, as atividades de entretenimento social; local de assembléia
e centro festivo, onde ‘a gente da cidade ia se reunir’.
Segundo Casé (2000)
foi, por exemplo, a ágora - praça exclusiva para pedestres, área urbana
criada na cidade grega - que despertou no indivíduo (cidadão) a idéia
de liberdade, da eqüidade e da fraternidade. O exercício coletivo destes
valores éticos, conquistados no meio urbano, deu origem à democracia.
(CASÉ, 2000, p. 92).
Admite-se que, da ágora, constituído em um espaço aberto, descende a
maioria dos espaços de sociabilidade dos países latinos, qual seja o caso dos cafés
que proporcionavam os encontros, as conversas, discussões etc.
O grau de importância de uma cidade é atribuído não só aos destaques
apresentados pelos aspectos econômico, político e social. Associados a esses
aspectos, merece ser mencionado’ a implementação dos equipamentos urbanos e
edifícios arquitetônicos contidos na cidade. As praças são um desses atributos urbanos,
que exercem a função insubstituível de espaço aglutinador do encontro e da
convivência. “Ela funciona como uma assembléia, onde se desenvolve sua consciência
da comunidade.” (Op. cit. p. 56).
As transformações ocorridas na sociedade industrial ampliam-se refletindo e
alcançando o âmbito das cidades, de modo que, a história das cidades é fomentada
pela interação e atuação dos atores urbanos através do compartilhamento de
experiências coletivas nos espaços públicos e privados.
Esses espaços públicos apresentam-se na cidade, retratando os diferentes
períodos históricos da sociedade. Casé (2000), ao visitar algumas cidades européias,
enfatiza o valor simbólico e a emoção de contemplar as praças e, ao mesmo tempo,
externaliza o sentimento de frustração em notar que alguns daqueles espaços deixaram
de cumprir sua função principal como elemento de congregação da população, para
tornar-se, acentuadamente, um objeto visual. Em sua descrição, comenta:
ainda no aeroporto de Barajas, na ocasião de minha segunda visita a
Madri, já pressentia as emoções de rever a Praça Mayor com a
austeridade de sua rígida forma geométrica, o desenho do seu piso de
rústico empedrado, a sobriedade da assimetria de seus edifícios sobre
arcadas, seus nove pórticos - pórticos que a conectam com a cidade e
o alto pedestal do Monumento a Philippe III, marcando o centro da
composição. (...). Que desilusão! Um enorme palco e uma platéia, em
arquibancada, haviam sido armados para a apresentação de um evento
cultural vindo a modificar completamente a percepção do espaço e
interferir na captação da atmosfera, por mim sentida, na ocasião
passada. (CASÉ 2000, p. 57).
O Autor se reporta ainda à Praça de San Marco
5
, em Veneza e à Praça
Vermelha, em Moscou e, além de retratar sua inigualável beleza arquitetônica, destaca
o valor histórico-cultural exercido pelas mesmas.
A significação das praças, antigamente, constituía-se no local do encontro
espontâneo entre as pessoas, na promoção das atividades lúdicas e de lazer. Com a
revolução da tecnologia, os espaços da cidade também se modificaram, incorporando
novas tendências arquitetônicas, aglutinadas às formas passadas, existentes.
Assim, em meio a tantas transformações integradas aos espaços públicos
da cidade, há quem defenda a idéia de que “é o fim das praças”, na perspectiva de
serem local de encontros espontâneos e gênese dos grandes acontecimentos dos
citadinos. De acordo com o pensador francês Paul Virilio, a praça não é mais o foco
gerador da informação para a sociedade, em detrimento da televisão que inunda a casa
com notícias, como uma janela para o mundo. É bem verdade que esse meio de
comunicação podou mais as concentrações em torno desses logradouros, mas não a
ponto de extinguir todas as práticas que circundam os mesmos. Casé (2000),
reconhecendo tal fato, afirma:
estes espaços públicos não se reduzem apenas como um local para
discussão e troca de informações, para além dessa característica os
mesmos resguardam o valor simbólico e de concentração social. A
praça perdeu seu poder de ser informativa, mas manteve seu poder
aglutinador. (CASÉ, 2000, p. 63).
5
É extremante emocionante, sobretudo um estímulo para um arquiteto, presenciar tanta gente de origem,
raça e credo deferentes observando extasiada o espetáculo arquitetônico que a cidade de Veneza exibe.
A Praça San Marco, em particular, (...) com a riqueza resultante das diversas formas históricas e a
sensível hierarquização de seus componentes, forma um conjunto tão maravilhosamente harmônico que
comprova a competência do homem em criar, utilizando instrumentos e técnicas racionais, uma obra tão
comovente e sensível quanto aquelas resultantes da exclusiva expressão da natureza. (CASÉ, 2000, p.
59).
São vários os fatores que vêm contribuindo sobremaneira para que as praças
percam alguns atributos do cotidiano da sociedade urbana, mas talvez não seja o caso
considerar que ‘é o fim da praça’. Todavia, na atualidade, é um desafio que esses
espaços possam, ainda, desempenhar a sua função principal que é o convívio
comunitário. Ainda, citando Casé,
para que a ágora contemporânea supere a condição de mera
ocorrência paisagística, fato que reduz seu significado urbano, deve ser
reinterpretada, tornando-a capaz de reproduzir novas formas de
identidade, de desenvolver uma dimensão estética evoluída e de, não
obstante, reter a memória urbana. (Op. cit. p. 64).
Em diversos momentos da história, a praça constituiu-se como espaço de
sociabilidade, de alteridade. Nesse sentido, pode-se considerar também que é nela que
se constitui a resistência de um local, através do resgate da identidade histórico-cultural
da sociedade que utiliza esses espaços com freqüência. “Para cumprir este papel, ela
precisa incorporar a musicalidade de antigos coretos e resgatar a alegria das festas
ancestrais, reinterpretando-as com equipamentos de lazer ativo que produzam a
mesma animação, intensidade e vibração percebida na televisão.” (
Op. cit. p. 63).
Para que se compreenda o resultado das modificações que se processaram
nesses espaços públicos ao longo do tempo, faz-se referência à Caldeiras (1998 apud
MARENGO 2002), que afirma ter a praça passado por “três momentos distintos de
transformação funcional”, respectivos a três estruturas também distintas: a praça
enquanto espaço político, na Idade Antiga; de comércio, na Idade Moderna e espaço de
lazer, no mundo contemporâneo. Na Idade Antiga, tanto no caso grego, quanto no
romano, os prédios públicos concentravam-se na praça. Na Idade Média, o significado
da praça ia além de um espaço de sociabilidade, no qual se realizavam feiras, festas,
procissões. A praça pública também era o local onde se demonstravam o poder das
leis, através dos julgamentos e das execuções públicas. Porém, ainda na Idade Média,
a “consciência de cidade era captada pela experiência do indivíduo de vivenciar os
espaços.” (CALDEIRAS, 1998, p. 21 apud MARENGO 2002).
Somente no Renascimento surgia uma concepção político-social de cidade,
concomitante à noção de planejamento urbano como instrumento de intervenção
política. A partir daí, criava-se a idéia de praça ligada aos interesses de uma elite
política e/ou econômica. O estado absolutista francês transformava, assim, a praça em
algo monumental, cenário para as demonstrações de poder da realeza. O estado
burguês inglês, fechava as praças para as manifestações festivas de caráter popular.
Aqui a praça tornava-se um símbolo de “status” e degenerou-se como um espaço de
alteridade.
No final do século XIX, nascia uma nova arquitetura que se propunha a
higienizar as grandes cidades, facilitando a circulação dos eventos e o escoamento das
águas pluviais, na intenção de erradicar os surtos epidêmicos. A arquitetura higienista
colocou as praças numa posição secundária, como exemplifica Marengo: “os mercados
e os pequenos comércios de rua sofrem a concorrência das lojas de departamentos e a
rua transforma-se no espaço do deslocamento, (...) da circulação.” (CALDEIRAS, 1998,
p. 44 apud MARENGO 2002).
O século XX é marcado pelo “planejamento racional do espaço urbano e
pela arquitetura modernista, defensora dos espaços abertos, com o intuito de torná-los
mais aptos a serem controlados pelo Estado, instância política responsável em
administrar o desenvolvimento social e da malha urbana”. (HOLSTON, 1996 apud
MARENGO, 2002).
É nesse contexto funcionalista que a praça, na arquitetura modernista, vê-
se despojada de seu caráter coletivo. O modernismo, com o objetivo de refuncionalizar
o espaço, para que este se tornasse mais controlável pelo Estado, transformou a praça
em local de passagem, dificultando assim as concentrações e manifestações populares
subversivas ao Estado.
Com o advento da modernização, a cidade se reconfigura e além de melhorar
a infra-estrutura e incorporar novos equipamentos urbanos, vai modificar também o
modo de vida da sociedade. Inclusive, Lefevbre (2001, p. 9-10) ao estudar o duplo
processo industrialização-urbanização em escala mundial, faz referência à “Atenas
moderna que não tem nada em comum com a cidade arcaica... Os monumentos e os
lugares (àgora, acrópole) que permitem encontrar a Grécia antiga não representam
mais do que um local de peregrinação estética e de consumo turístico.” E se refere às
cidades em geral da América do Sul, ‘cidades cercadas por uma vizinhança de favelas,
onde há uma ampliação maciça da cidade e uma urbanização com pouca
industrialização’. Nelas, as antigas estruturas sociais se dissolvem; camponeses sem
posse ou arruinados afluem para as cidades a fim de nelas encontrar trabalho e
subsistência. Esse duplo processo produz o movimento explosão - implosão.
Lefevbre (2001, p. 20) considera que “toda realidade urbana perceptível
(legível) desapareceu: ruas, praças, monumentos, espaços para encontros. Foi preciso
que fossem até o fim da destruição de sua realidade urbana sensível para que surgisse
a exigência de sua restituição.”
Assim, trazendo à tona a realidade de Fortaleza, para quem conhece a
história da cidade e costuma passar pela área central, é possível observar a
multiplicidade do uso dos espaços públicos, ou seja, a distinta apropriação dos mesmos
pela população e, de modo especial, a de menor poder aquisitivo, que desenvolve,
predominantemente, entre outras atividades, a prática do comércio informal. Para esse
segmento social, as praças exercem, principalmente, o sentido de local de
sobrevivência, tornando-se ponto estratégico, pois se constituem em espaços de
grande dinâmica no contexto da cidade. Tal fato é bastante comum nas cidades
brasileiras, nas quais as desigualdades sócio-econômicas são nítidas e especializadas
no tecido urbano, resultando assim num processo de diferenciação e exclusão sócio-
espacial.
Tais elementos vêm se tornando relevantes para o crescente esvaziamento
do espaço público como lugar de convívio e de sociabilidade entre os diversos estratos
sociais, ou seja, como espaço de civilidade, de contato e de desenvolvimento das
práticas de vivência com o diferente. O contato com o outro acontece, cada vez mais,
de maneira segregada e no âmbito de espaços seletivamente públicos, notadamente no
caso das classes sociais mais abastadas.
Desse modo, fica evidente a segregação que vem se perpetuando nos
espaços urbanos e que, segundo Lefebvre (2001, p. 94), “deve ser focalizada, com
seus três aspectos, ora simultâneos, ora sucessivos: espontâneos (proveniente das
rendas e das ideologias) - voluntários (estabelecendo espaços separados) -
programados (sob o pretexto de arrumação e de plano).”
Considerando que, geralmente, a cidade é gerida pelos interesses dos
atores hegemônicos da sociedade, as políticas públicas direcionadas às classes menos
favorecidas proporcionam a estas uma acessibilidade seletiva, no caso do sistema de
transporte coletivo este é deficitário em determinadas horas, sendo reduzido a
quantidade de veículos, dificultando o acesso rápido e barato da população pobre às
áreas mais nobres da cidade. Aspectos assim são determinantes para que referidos
espaços públicos incorporem um segmento social em detrimento de outro.
1.2 Do espaço público ao território
Um dos pontos a serem discutidos inicialmente, diz respeito às praças no
contexto da cidade como espaços públicos. Essa questão remete-nos a uma discussão
sobre a definição atribuída ao vocábulo ‘espaço público’. É corrente uma definição
errônea, em considerar público um local que não é privado, ou ainda, um espaço que é
simplesmente definido pela qualidade de livre acesso
6
. A expressão ‘público’ traz uma
variação de significados, podendo estar associada ao conceito de estatal, gerido pelo
Governo, seja na esfera nacional, estadual ou municipal. E também está associado ao
uso coletivo ou comum de um determinado espaço público.
Para Gomes (2002, p. 162 e 166),
fisicamente, o espaço público é, antes de tudo, o lugar, praça, rua,
shopping, praia, qualquer tipo de espaço, onde não haja obstáculos à
possibilidade de acesso e participação de qualquer tipo de pessoa. E do
ponto de vista simbólico poderíamos dizer que esse espaço é composto
pelo espetáculo da tensão entre a diferença e a possibilidade de
coabitação.
É também nestes espaços públicos, a saber, nas praças, onde ocorrem os
conflitos da vida cotidiana da sociedade, nas mais diversas manifestações e
comportamentos que vão variar conforme o tempo.
A partir dessa análise, pode se perceber como os espaços públicos da
cidade de Fortaleza, em especial, as praças em estudo, vieram perdendo o sentido de
uso coletivo como local de sociabilidade da sociedade, de forma que, essa alteração
vem atrelada às mudanças ocorridas no domínio público que se processou ao longo do
tempo. Segundo Sennett (1998, p. 30) a história das palavras “público” e “privado” é
uma chave para se compreender essa transformação básica em termos de cultura
ocidental.
Foram os ingleses que empregaram pela primeira vez a palavra público,
significando o bem comum na sociedade. Em uma esfera global, na história de alguns
países, o uso da expressão público, veio, paulatinamente, configurando-se de forma
diferente do seu significado, a saber:
6
Pesquisas demonstram que no imaginário social dos brasileiros o conceito de ‘público’ equivale a ‘de
ninguém’ (BARRETO, 1996, p. 40).
na Inglaterra e na França o termo público, aplicou-se no sentido de
‘bem comum na sociedade’ (século XV). Pouco depois, no século XVI o
termo refere-se a ‘aquilo que é manifesto e está aberto à observação
geral’. No século XVII público significa ‘aberto a observação de
qualquer pessoa’ e privado uma região protegida da vida, circunscrita à
família e aos amigos. No século XVIII a palavra público passou a
significar ‘não apenas uma região da vida social localizada em
separado do âmbito da família e dos amigos íntimos, mas também esse
domínio público dos conhecidos e dos desconhecidos.’ (SENNETT,
1998).
É notório como, à proporção que o tempo passa, a sociedade vai
redefinindo o sentido da expressão público. O que antes era considerado ‘bem comum’
passa a se caracterizar como local distante ou diferenciado do familiar. Segundo
Sennett (1998, p. 32), “à medida que as cidades cresciam e desenvolviam-se redes de
sociabilidade independentes do controle real direto, aumentaram os locais onde
estranhos podiam regularmente se encontrar.”
Nesse contexto, foi no século XVIII que veio à tona a construção de grandes
parques urbanos e aberturas de ruas com o intuito de proporcionar o lazer através do
passeio de pedestres. Foi a época em que
cafés (coffeehouses) e mais tarde bares (cafes) e estalagens para
paradas de diligências tornaram-se centros sociais. (...). A difusão das
comodidades urbanas ultrapassou o pequeno círculo da elite e
alcançou um espectro muito mais abrangente da sociedade, de modo
que até as classes mais laboriosas começaram a adotar alguns hábitos
de sociabilidade, como passeios em parques, antes terreno exclusivo
da elite. (Op. cit. p. 32).
Para Habermas (1996 apud LEITE, 2004, p. 141) os cafés vão formando
uma primeira configuração da noção de público ao propiciarem o encontro das pessoas
‘comuns’ para o exercício do debate e da troca de informações. (...), ou seja, as
discussões, antes restritas ao círculo da nobreza, começavam a se tornar ‘gerais’, no
sentido de que todos deviam e podiam participar, ainda que essa participação fosse
limitada a certos grupos que tinham acesso à leitura e à cultura urbana que começava a
se fomentar.
No século XVIII, havia um equilíbrio do privado e do público, de forma que o
homem considerado um ser social, comportava-se de maneira satisfatória nessas duas
esferas, equilíbrio que podia perdurar graças ao controle que a sociedade exercia sobre
a vida pública.
A oposição entre vida privada e vida pública ter-se-ia configurado no século
XIX, o que veio a originar uma modificação no uso dos espaços públicos da cidade. De
forma que,
gradualmente, a vontade de controlar e de moldar a ordem pública foi
se desgastando, e as pessoas passaram a enfatizar mais o aspecto de
se protegerem contra ela. (...) a família vai se revelando cada vez
menos o centro de uma região particular, não pública, e cada vez mais
como um refúgio idealizado, um mundo exclusivo, com um valor moral
mais elevado do que o domínio público. (SENNETT, 1998, p. 35).
Ao se reportar a esse aspecto, Leite (2004, p. 136) afirma que embora seja
na vida pública que o indivíduo melhor se humaniza e se emancipe, é na vida privada
que reside o seu refúgio.
A segmentação do espaço urbano, na ânsia de resolver os impasses das
necessidades habitacionais e comerciais, contribuiu sobremaneira para o afastamento
das pessoas, à medida em que a vida diária se confinava ao individualismo, indo ao
ponto de, no século XIX, “os alegres e barulhentos cafés e pubs se transformaram em
espaços nos quais se cultivavam o silêncio.” (SENNETT 1998, p. 255).
Ao estudar o espaço público, esse autor considera marcante, em algumas
cidades, a existência do “espaço público morto” na organização do espaço urbano e se
reporta a vários casos para retratar o esvaziamento dos espaços públicos, dentre os
quais cita o exemplo do primeiro arranha-céu, Lever House de Gordon, construído em
Nova Iorque após a segunda guerra mundial, no qual foi construída uma praça ao ar
livre, no térreo do edifício. Ele afirma que,
a forma desse arranha-céu internacional está em desacordo com a sua
função, pois uma praça pública em miniatura é formalmente declarada,
mas sua função destrói a natureza de uma praça pública, que é a de
mesclar pessoas e diversificar atividades. (...). O espaço público
destina-se à passagem, não à permanência (SENNETT, 1998, p. 26 e
28).
Nesta perspectiva, Leite (2004) ensaia um retrato da realidade brasileira,
fazendo um contraponto entre as idéias dos autores Habermas e Sennett, considerando
que o primeiro refere-se à esfera pública como espaço social e afirma que este pode
constituir-se em diferentes lugares da vida social, inclusive no ‘espaço mediático’; de
modo diferente, o segundo, refere-se ao espaço público como espaço urbano, cuja
dimensão espacial está circunscrita à cidade. A eventual perda do sentido público dos
espaços urbanos de Londres e Paris do século XVIII é interpretada por Sennett, como
uma crise da vida pública em geral, na medida em que havia uma vida em sociedade.
Para Leite (2004), entender a situação brasileira a partir dessa leitura de
Sennett sobre a ‘morte’ do espaço público torna-se difícil, posto que,
no início do século XX, mais do que ausência de praças, (...), era a
ausência de uma cultura pública que obscurecia os limites entre o
público e o privado. Nesta época as aristocracias agrárias ainda
disputavam com uma burguesia nacional emergente o controle
patrimonialista do Estado. Como falar de um colapso de uma
sociabilidade pública quando o que havia de vida pública estava ainda
fortemente marcado pela mentalidade generalizada de posse privada
da vida pública? (LEITE, 2004, p. 137-138).
Dentro desse contexto, “o excesso de poder familiar não apenas retardou a
incorporação da cultura pública no Brasil, como também desconfigurou a esfera
privada, transformando-a em uma esfera pessoal e não em um estilo de vida próprio do
indivíduo.” (LEITE, 2004).
A filósofa Marilena Chauí (1996, p. 13), ao analisar a questão dos espaços
públicos nas cidades brasileiras, considera que “o espanto não seja a necessidade de
chamar uma praça como espaço público; o espanto deve ser o de ter havido na cidade
a apropriação privada do espaço público”.
Tais circunstâncias vêm sendo perpetuadas nos espaços públicos do
Centro de Fortaleza, onde a maioria das praças tem sido apropriada por determinados
grupos sociais que lhe estabelecem uma nova configuração a partir do uso que tais
grupos façam daquele local. Em 1930, quando a cidade se configurava monocêntrica,
esses logradouros exerciam um uso e função diferentes da atualidade. Essa área era,
então, freqüentada, predominantemente, pela classe mais abastada, desenvolvendo-se
ali atividades referentes à economia, política, moradia e ao lazer, proporcionando-lhe
um grande dinamismo e valor social. Assim, os espaços públicos (praças) se
constituíam em locus primordial de concentração da sociabilidade fortalezense.
O centro cresceu economicamente, o comércio intensificou-se e com ele o
progresso, o tráfego e outros setores inerentes a um grande centro comercial, de forma
que, algumas de suas praças, notadamente as principais, objeto deste estudo,
passaram a ser utilizadas, principalmente, na atividade do setor informal da economia
(comércio ambulante), sendo este considerado um dos elementos preeminentes para a
redução paulatina, do uso desses espaços na função do lazer.
Impossível conciliar o novo estágio dos setores comercial e de transportes,
bem como o de saúde e serviços que atendiam, agora, não somente à população do
centro mas, também, de todos os bairros de Fortaleza, com a moradia confortável e não
poucas vezes luxuosa dos habitantes do Centro da cidade. Sim, certamente, devido ao
descaso das instituições públicas em relação ao atendimento da população do, então
chamado, subúrbio, o setor residencial do centro de Fortaleza aos fins dos anos
sessenta, já estava comprometido e se deslocava para locais (bairros) criados para
receber esta população insatisfeita com a invasão de suas ruas e praças por populares
suburbanos, normalmente advindos dos movimentos migratórios intensificados pelo
crescimento da Cidade. O Centro perdeu uma de suas principais funções e suas praças
já não eram o local dos encontros e lazer de seus moradores e afins e sim, local para
encontro e vivência de pessoas que vinham de outros bairros, trabalhar, estudar,
consultar os médicos ou adquirir qualquer produto ou serviço com um preço mais
acessível, com maior variedade e melhor qualidade. Suas praças, como as dos grandes
centros do País, passaram de espaços de lazer, encontros informais e discussões
políticas, literárias e filosóficas para espaços de convergência de uma população que ia
e vinha, tendo-a como um apoio, para antigas e novas necessidades, características de
uma cidade em crescimento rápido e de forma desordenada, desembocando no avanço
descontrolado da função comercial em detrimento da função residencial.
A apropriação privada dos espaços públicos
7
é apontada por Gomes
(2002), como um dos aspectos determinantes na perpetuação do ‘recuo dos espaços
públicos’. Referido processo é complexo e pode apresentar-se de forma variada.
Segundo o autor, essa apropriação pode ocorrer em uma escala física menor, como é o
caso da ocupação de uma calçada, ou ainda, em uma escala maior, quando se trata do
fechamento de ruas ou de bairros inteiros.
No caso específico das cidades brasileiras, o crescimento do setor informal
da economia: camelôs, guardadores de carros, prestadores de pequenos serviços etc.
é básico na manifestação desse processo. Assim,
este setor informal procura se desenvolver, geralmente, nos locais
públicos de maior circulação ou de grande valorização comercial,
estabelecendo-se nessas áreas que, em princípio, deveriam ser de livre
acesso a todos. O livre acesso pressupõe a não-exclusividade de
ninguém ou de nenhum uso diferente daqueles que são de interesse
comum. (GOMES, 2002, p. 177).
7
Referido autor defende a idéia de espaços comuns, ao invés de espaços públicos, ressaltando que: “a
cidade é concebida, na modernidade, de forma fragmentada como soma de parcelas mais ou menos
independentes, havendo uma multiplicação de espaços comuns, mas não públicos, há um confinamento
dos terrenos da sociabilidade e diversas formas de nos extrairmos do espaço público (telefones celulares,
fones de ouvido etc.), os modelos de lugares se redefiniram, shopping centers, ruas fechadas etc.”
(GOMES, 2002, p. 174-175). Nesse contexto, o autor considera que há um recuo da idéia fundadora de
cidadania que organizou a cidade e a convivência social nos primeiros anos do Modernismo. E que esse
recuo da cidadania corresponde a um recuo paralelo dos espaços públicos.
Um exemplo de apropriação desses espaços é a ocupação por camelôs,
das ruas e praças, nas principais vias de circulação do centro, estendendo suas bancas
e barracas. Há toda uma estratégia de ocupação desses espaços: Eles se originam
pela presença física do vendedor com pequenas malas sobre o solo que depois vão se
incorporando a estruturas fixas maiores que, se não forem barrados pelos organismos
públicos, generalizam-se em um amontoado de barracas permanentes.
Essa é uma realidade na maioria dos logradouros do centro de Fortaleza,
inclusive os da área de estudo, sendo neles desenvolvida, predominantemente, a
atividade do setor informal. Ao longo do tempo, as gestões municipais vêm procurando
controlar essa prática nessa área da cidade e, em alguns casos, têm tomado atitudes
severas com o intuito de extingui-la. Mas, em meio a tantas investidas dos organismos
públicos, a comercialização informal vem persistindo e, visivelmente, crescendo. Gomes
(2002) ressalta que nas cidades brasileiras,
praças transformam-se assim em grandes mercados, e as principais
ruas da cidade tornam-se estreitas, pois restam apenas pequenas
passagens para os transeuntes. Os lugares da vida pública, do passeio,
da deambulação, do espetáculo da coabitação, da idéia de vida urbana,
que construíram os grandes projetos urbanísticos do final do século XIX
e começo do XX, desaparecem dando lugar a um emaranhado de
balcões de mercadorias. A dimensão do homem público se estreita,
restringindo-se à de um mero passante ou no máximo se limitando à de
um eventual consumidor. (GOMES, 2002, p. 177-178).
Essa apropriação dos espaços públicos não se processa só no âmbito da
informalidade, ela se processa também pela interferência da classe mais abastada da
sociedade. Gomes (2002) cita o caso da cidade do Rio de Janeiro, onde
nem necessitamos recuar muito no tempo para constatar que, a partir
dos anos 80, por exemplo, atrás de um discurso que se manifestava
contra o sentimento de insegurança, uma verdadeira corrida pela
ocupação das calçadas foi lançada pelos prédios residenciais da área
mais valorizada da cidade, a zona sul. O exemplo não tardou a ser
seguido mais tarde pelo conjunto dos bairros da cidade. A estratégia
consiste em colocar grades de ferro que delimitam um espaço adicional
ao prédio. Muitas vezes vasos de plantas ou colunas com correntes de
ferro também são usados nessa estratégia. (Op. cit. p. 179).
São vários os casos que poderiam ser citados referentes à invasão dos
espaços públicos da cidade. Assim, a apropriação indevida desses espaços resulta não
só na degradação física dos mesmos mas também na substituição da idéia de espaço
público, devido ao uso inadequado.
Ângelo Serpa (1998, p. 65) cita o sociólogo suíço Lucius Burckhardt
procurando ilustrar a situação atual dos espaços de lazer nas grandes cidades
brasileiras, quando este considera que “não faltam espaços livres, o que falta é a
chance de utilizá-los”. Hoje nas cidades, os espaços públicos tornaram-se áreas de
perigo e de medo, de forma que, uma parcela da população busca refúgio, conforto e
segurança nos shoppings centers, nos clubes e nos condomínios fechados.
A sociedade atualmente, devido às conseqüências normais do progresso e
do avanço da desorganização social, busca o isolamento, através de vários
equipamentos e serviços disponíveis e facilitadores do cotidiano, o que resulta um novo
modo de vida, no qual perdura a tendência das pessoas afastarem-se dos espaços
públicos da cidade, preferindo os espaços fechados e seletivos. Os shoppings centers e
os edifícios da classe mais abastada são exemplos de espaços monitorados e
controlados, fato que contribui mais ainda para o “emuralhamento da vida social”, como
é denominado o processo de reclusão voluntária por parte das pessoas de classe
média, média alta e alta da sociedade. Pode-se considerar que esses espaços
fechados representam um “simulacro da condição de cidadania”, uma vez que tenta
reproduzir, em uma esfera privada, os espaços públicos da cidade, em detrimento dos
mesmos - abertos, e inseguros.
Em virtude do ‘abandono’ dos espaços comuns pela classe dominante da
cidade e da sua recusa em compartilhar uma vida social dentro de um espaço coletivo,
surge o fenômeno da ocupação dos espaços públicos por grupos sociais mais pobres
que estão, em sua maioria, excluídos da economia formal. Segundo GOMES (2002)
“identifica-se, na maioria das cidades brasileiras, a tendência dos espaços públicos se
transformarem num local agregador da classe de menor poder aquisitivo. O comércio
ambulante de mercadorias, a prostituição, a mendicância, são cenários encontrados no
centro das cidades, nas praças, praias etc.“
O autor faz menção da utilização dos espaços públicos (praças) pela classe
de menor poder aquisitivo na cidade do Rio de Janeiro, onde
as classes populares também comumente são as usuárias majoritárias,
sobretudo nos finais de semana, dos grandes centros de lazer ou das
grandes praças da cidade, como Quinta da Boa Vista, Parque do
Flamengo, Campo de São cristóvão, Largo do Machado, Praça
Serzedelo Correia, Campo de Santana, Passeio Público etc. (GOMES,
2002, p. 185).
Semelhantemente a esse tipo de apropriação, Casé (2000) afirma que na
década de 1950, a praça Serzedelo Correia foi eleita por um grupo de operários
nordestinos como um espaço onde pudessem recuperar e preencher suas
necessidades sociais e culturais. Desta forma,
á noite, ou mais tarde ainda aos domingos, como reza por lá, eles
envergavam o que tinham de melhor, muitos até usavam perfumes, e
outros, munidos de seus instrumentos musicais, se dirigiam, em blocos,
para a praça, como se tivessem sido por ela atraídos. Este teatro vivo
era o local onde eles se encontravam, se divertiam, cantavam, tocavam
música, recebiam cartas e notícias, faziam encomendas, levantavam
informações sobre emprego, conheciam suas novas namoradas e se
estabeleciam até os mascates. (CASÉ, 2000, p. 169).
Essas manifestações retificam a importância desses espaços públicos como
um espaço social de encontro e principalmente, se constitui um grande elemento
simbólico de uma cidade.
O autor também faz menção da praça Melvin Jones em 1994, situada na área
central do Rio de Janeiro, cuja forma concebida suprimiu da praça a função de ponto de
encontro, transformando-a numa mera circulação sem sentido. Descreve dizendo que:
primeiramente, criou-se um lago artificial, que permaneceu, como
atualmente, quase seco. Logo após, num gesto de rara inspiração,
imaginou-se uma ponte para possibilitar sua travessia. A enfadonha
ponte foi construída com uma estrutura tão superdimensionada que
resistiria facilmente ao tráfego de caminhões pesados. ...o viaduto
representa um ridículo obstáculo que dificulta a caminhada natural do
pedestre, exige dele esforços desnecessários para sobrepassá-lo. (Op.
cit. p. 226).
Em contra partida, a classe mais abastada da cidade procura se isolar e
manter distância através das barreiras da acessibilidade e do poder aquisitivo, que
funcionam como um elemento seletivo na participação e inclusão desses espaços.
Atualmente, a idéia de público se perdeu, pois se atribui o termo a alguma
coisa sem qualidade e principalmente que deve estar relacionado à classe de menor
poder aquisitivo. E essa idéia se estende também na desvalorização dos espaços
públicos da cidade, uma vez que a maior parte desses espaços são permeados por
pessoas desse segmento social.
A enorme desigualdade social, na qual o Brasil tem a liderança mundial,
tende a produzir uma vivência do tipo apartheid, pois todas as
possibilidades de mistura ou de se compartilhar um espaço comum são
vistas com desconfiança e evitadas socialmente. Abandonados pelos
poderes públicos e pela população que mais efetivamente dispõe dos
meios de exercer e reclamar a cidadania, os espaços públicos se
convertem em terra de ninguém, sem regras de uso, perdem sua
característica fundamental, ou seja, a de terreno da convivência,
associação social, encontro entre diferentes, ou, em uma palavra,
espaço democrático. (GOMES, 2002, p. 185-186).
Dentro esse contexto, nota-se uma tendência que vem se ratificando na
classe mais abastada da sociedade brasileira, que é o crescimento dos condomínios
fechados dotados de equipamentos urbanos e de uma infra-estrutura com o intuito de
proporcionar maior segurança e atender as principais necessidades dos moradores.
Esses condomínios que segundo Gomes (2002), são cidades dentro da cidade,
jamais conseguem estabelecer uma verdadeira vida urbana.
Reproduzem sua forma: ruas, calçadas, praças; e seus serviços e
equipamentos: infra-estrutura básica, segurança, lazer etc., mas negam
o princípio de uma vida democrática. (Op. cit. p. 188).
Um outro elemento preponderante no surgimento do recuo dos espaços
públicos é a afirmação das identidades territoriais que se processa através da diferença
social. O território próprio ao grupo é concebido como um terreno onde as regras que
fundam a identidade gozam de uma absoluta e indiscutível validade. (
Op. cit. p. 180).
Em algumas cidades brasileiras é comum a identificação de determinadas
identidades territoriais. Vale citar algumas, a saber: grupos de jovens que se organizam
em gangues territorializadas, demarcando sua área de atuação; grupos evangélicos
que se agregam nas praças, ocupando-as com obreiros e seguidores, utilizando-se de
microfones e auto-falantes para a propagação da palavra de Deus. Cita-se também,
nas áreas periféricas da cidade, o narcotraficante que controla severamente o espaço
para evitar concorrência. E ainda, o baile “funk” é outro exemplo da determinação
desses territórios, devido à divisão de várias “galeras” que se limitam a determinados
acessos preestabelecidos entre os mesmos. O mesmo se aplica em se tratando das
torcidas de futebol, em dias de jogo.
Em Fortaleza, particularmente é observada a existência de algumas dessas
identidades territoriais, manifestadas de forma nítida no espaço urbano da cidade. É o
caso da territorialização dos evangélicos, em especial, nas praças da área central, em
estudo, e das torcidas de futebol, através, inclusive, da atuação dos poderes públicos
que estabeleceram rotas diferenciadas, bem como a divisão do estádio e entrada
diferenciada para evitar conflito entre os torcedores de clubes rivais.
Gomes (2002) considera que
a idéia de espaço identitário vai de encontro com a noção de espaço
público, uma vez que o primeiro se fecha e exclui, enquanto que o
segundo não nega a mistura e a diferença. Do ponto de vista
conceitual, essas duas categorias possuem um estatuto de oposição
absoluta; do ponto de vista concreto e físico, o aumento de territórios
identitários significa uma diminuição dos espaços públicos na cidade.
(GOMES, 2002, p. 182).
Dessa forma, os territórios e as territorialidades urbanas que estão contidos
no espaço da metrópole devem ser entendidos a partir da extensão do tecido urbano,
da perda do sentimento de pertencer àquela cidade e da decadência do ‘centro
tradicional’ enquanto lugar de encontro de todos e da apropriação dos inúmeros
fragmentos do espaço da cidade por grupos sociais que se diferenciam uns dos outros,
principalmente, pela sua condição social.
Para Leite (2004)
a segmentação urbana existe e é excludente em muitos aspectos.
Quando essas identidades urbanas operam recortes no espaço e
delimitam seus próprios territórios, elas estão, de fato, criando fronteiras
e estabelecendo critérios de pertencimento, o que implica restrições
reais de acesso e usos. (...) ela é o resultado de práticas sociais e
ações simbólicas que politizam seu cotidiano e cartografam seus usos.
(LEITE, 2004, p. 299)
Uma questão relevante a ser discutida, diz respeito à noção de território e
os atributos dados a este conceito. Em relação ao vocábulo, o mesmo apresenta uma
polissemia em seu termo no que depende da concepção utilizada para definir o
conceito de território. Não obstante a relevância, não é intenção aqui discorrer sobre
todas as conceituações de território, mas ater-se a algumas discussões referentes ao
tema, de modo a propiciar uma melhor compreensão a respeito. Mesmo não sendo de
gênese geográfica, o território e a territorialidade tornaram-se conceitos centrais para os
geógrafos.
Os estudos referentes a território e territorialidades vêm se intensificando no
Brasil. Nas últimas duas décadas autores como Rogério Haesbaert (1997 e 2004),
Marcelo de Souza (1995), entre outros, têm analisado a complexidade do fenômeno
onde a diversidade dos conceitos torna-se alvo de análises e discussões. O território é
fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder,
é um campo de forças, uma teia ou rede de relações que a partir de sua complexidade
intensa define ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade. A ocupação do território é
vista como algo gerador de raízes e identidade.
Um grupo não pode ser compreendido sem o seu território, no sentido de
que a identidade sócio-cultural estaria inarredavelmente ligada aos atributos do espaço
concreto, como a natureza, o patrimônio arquitetônico, entre outros. Assim, a
territorialidade pode ser entendida como uma forma espacial de comportamento social
e a intenção de indivíduos ou grupos de produzir, influenciar e controlar pessoas,
fenômenos e relações, através da delimitação e da defesa de determinada área
geográfica.
Portanto, a territorialidade caracteriza-se como relações de poder
espacialmente delimitadas e operando sobre um substrato espacial. Sendo, na
realidade, relações sociais projetadas no espaço onde os territórios se formam e se
dissolvem. Para Souza (1995), os territórios podem ter um caráter permanente, mas
podem também ter uma existência periódica, cíclica, com alternância de territorialidade.
O mesmo espaço pode ser apropriado por grupos específicos em horários diferenciados
definindo num mesmo espaço territorialidades diversificadas.
Haesbaert (1997) discute o conceito de território através de três vertentes
básicas:
a primeira, considerada a mais tradicional e majoritária, define o
território como um espaço delimitado e controlado pelo poder estatal; a
segunda, uma visão mais culturalista, enfatiza a dimensão simbólica e
subjetiva, ou seja, o território é visto como produto da apropriação feita
através do imaginário e/ou da identidade social sobre o espaço;
finalmente a terceira, uma visão econômica, discute o território como
sendo o produto espacial do embate entre classes sociais e da relação
capital-trabalho. (HAESBAERT, 1997, p. 39-40).
Gomes (2002) faz uma relação do conceito de território com as práticas
sociais, dizendo que:
o território é um conceito que atua como uma das chaves de acesso à
interpretação de práticas sociais circunscritas a uma dada porção do
espaço. O território é o limite dessas práticas, o terreno onde elas se
concretizam e, muitas vezes, a condição para que elas existam.
(GOMES, 2002, p. 136).
Nessa ótica, a noção de território não está vinculada à noção de território
enquanto sinônimo de Estado, pois a
formação de territórios não se encontra subordinada diretamente a
qualquer tipo de organização do Estado, logo outros territórios são
evidenciados, quer seja, o território de organizações criminosas, como o
jogo do bicho ou do tráfico de drogas, de grupos religiosos, ou de
atuação de igrejas, ou de grupos urbanos, como os profissionais do
sexo, gangues de ruas, entre outros. (SILVA, 2002 apud FIGUEIRÊDO
2004).
Outro autor clássico, ao desenvolver esse conceito foi Raffestin (1993),
define o território como sendo o produto dos atores sociais, a partir de uma realidade
inicial que é o espaço. Território é também um produto consumido, ou vivenciado por
aqueles mesmos personagens que, sem terem participado de sua elaboração, utilizam-
no como meio.
A discussão sobre território nos remete a pensar um outro conceito, o de
territorialidade. Esse conceito tem suas origens nas ciências naturais, onde estudiosos
tinham muito mais interesse pela análise das territorialidades animais do que pelas
territorialidades humanas.
O termo tem uma tradição em outras áreas como, por exemplo, a
antropologia, sociologia e psicologia. Para Haesbaert (2004, p. 37), “foi nas ciências
humanas, principalmente aquelas ligadas à etologia
8
, de onde surgiram as primeiras
teorizações mais consistentes sobre territorialidades”. Na concepção etológica, o animal
defende o território pela necessidade de se proteger.
O estudo da territorialidade animal, na perspectiva ontológica
9
é
considerado antigo. Inclusive, alguns autores, com destaque para Robert Ardrey
10
e
Torsten Malmberg
11
, estabeleciam como base de seus conceitos, a discussão da
territorialidade humana associada à territorialidade animal. O primeiro, em seus
estudos, fez uma extensão da territorialidade animal ao comportamento humano
quando afirma “que não só o homem é uma ‘espécie territorial’, como este
comportamento territorial corresponde ao mesmo que é percebido entre os animais.”
(ARDREY, 1969[1967] apud HAESBAERT, 2004, p. 45).
Autores, como Haesbaert (2004) e Gomes (2002), ressaltam o risco de se
pensar a territorialidade humana da mesma forma que a territorialidade animal,
enfatizando a diferença e especificidade existente na territorialidade humana. Para
Gomes (2002, p. 136-137),
8
Está ligado a comportamento animal.
9
A ontologia é a parte da filosofia que estuda as propriedades mais gerais do ser, independentemente de
suas determinações particulares (HOUAISS, 2004, p. 532).
10
ARDREY, R. The Territorial Imperative: a personal inquiry into the animal origins of property and
nations. Londres e Glasgow: Collins. 1969 (1967).
11
MALMBERG, T. Human Territoriality: survey behavioural territorialities in man with preliminary
analysis and discussion of meaning. Lund: Departament of Social Geography. 1980.
a territorialidade humana tem muito pouco em comum com aquela
vivida pelo mundo animal. (...) A expressão da estratégia utilizada para
o aparecimento de uma territorialidade em grupos humanos é, portanto,
fruto de uma dinâmica social, revelada por um código de condutas que
poderíamos chamar de cultura e o acesso ao controle muito mais sutil
do que simplesmente aquele ditado pelo uso da força ou da intimidação
direta.
Soja (1971) ao se referir sobre a territorialidade diz que:
a territorialidade é definida como um fenômeno de comportamento
associado à organização do espaço em esferas de influências ou em
territórios nitidamente diferenciados, considerados distintos e
exclusivos, ao menos parcialmente, por seus ocupantes ou pelos que
os definem. (SOJA, 1971 apud RAFFESTIN, 1993, p. 159).
Atualmente, compreender as territorialidades na área estudada pressupõe
uma análise das modificações que se processaram nesses espaços públicos ao longo
do tempo. Dessa forma, os territórios e as territorialidades urbanas contidos na cidade
de Fortaleza devem ser entendidos a partir da extensão do tecido urbano, da
“decadência” do centro tradicional enquanto lugar de encontro de todos, e da
apropriação dos inúmeros fragmentos do espaço da cidade por grupos sociais distintos.
Portanto, no próximo capítulo faremos uma abordagem desse processo de
transformação urbana ocorrido em Fortaleza e como o mesmo refletiu nos espaços
públicos da cidade.
CAPÍTULO 2. EXPANSÃO URBANA DE FORTALEZA E MUDANÇAS NA
ÁREA CENTRAL
O núcleo da cidade de Fortaleza, que se originou em torno do Forte de
Schoonenborch, constituiu-se “locus” das transformações sociais, principalmente do
final do século XIX ao início do século XX, quando começava a ser estabelecida uma
fisionomia mais urbana à Fortaleza, tornando-se o lugar onde se registravam os
acontecimentos da cidade, concentrando principalmente, as funções residenciais,
comerciais e de lazer, que davam um dinamismo singular à área central.
No processo de expansão urbana de Fortaleza, a cidade experimentou a
incorporação de melhorias, visando o aformoseamento da cidade, o que teve origem a
partir de 1840, com algumas ações por parte do Presidente da Câmara de Vereadores,
o boticário Antônio Rodrigues Ferreira. A partir de então, medidas no sentido de
remodelação da cidade se estabeleceram através da construção e ajardinamento das
praças, pavimentação das ruas e, posteriormente, a instalação de redes de água,
esgoto e energia elétrica. Segundo Ponte (2001, p. 27), as iniciativas de remodelar e
regular Fortaleza registraram-se lenta e crescentemente de 1860 em diante, partindo
tanto dos poderes públicos como de particulares.
Neste capítulo, procura-se abordar as mudanças ocorridas na cidade de
Fortaleza e como as mesmas vieram a interferir no reconfiguramento dos espaços
públicos, em estudo. O centro tradicional da cidade era marcado como espaço dos mais
variados acontecimentos, em especial, suas praças. Esses espaços eram locais
agregadores de encontros, lazer e sociabilidade. Nesse período, a cidade
caracterizava-se pela monocentralidade, o que elegia esses espaços públicos como o
foco principal de concentração social. O que outrora fora “locus” do encontro e da festa,
tem sua centralidade redefinida a partir de 1970, transformando-se principalmente em
“locus” do consumo.
Assim, procura-se verificar como as políticas de aformoseamento da cidade
valorizaram os espaços públicos, no sentido de proporcionar à sociedade um espaço
convidativo à apreciação, e quais os usos das mesmas, no passado. A finalização do
capítulo aborda o processo de descentralização, apontando os fatores que vieram
contribuir para que a cidade se expandisse, constituindo os novos bairros e outros
centros dotados de uma infra-estrutura básica e de equipamentos urbanos capazes de
suprir as necessidades dessas novas áreas da cidade.
2.1 Da vila à cidade
No inicio do século XVII, o Ceará não tinha expressão no contexto
socioeconômico brasileiro e, em função de sua localização, despertou o interesse da
coroa portuguesa para instalar um entreposto no seu litoral, motivada pela necessidade
de defesa e não por vantagens comerciais. Mesmo porque, como atestam as
informações, as calmarias do mar cearense, provocadas por ventos soprando em
sentidos contrários semestralmente, eram uma dificuldade às conquistas comerciais.
Desse modo, Fortaleza tem sua origem relacionada principalmente à defesa
da costa e à função administrativa. Porém, a instalação definitiva dos portugueses no
litoral cearense só aconteceu em 1654, quando resgataram dos holandeses o Forte
Schoonenborch, construído na margem esquerda do riacho Pajeú, em torno do qual
cresceu a vila. Referido forte foi batizado pelos portugueses de Forte de Nossa Senhora
da Assunção.
O processo de ocupação de Fortaleza é evocado por Jucá (2003), ao
descrever que o mesmo principiou no contexto da expansão holandesa, em decorrência
da necessidade do estabelecimento de um pólo defensivo. Entretanto Fortaleza só
evoluiu da condição de simples fortificação a povoado na segunda metade do século
XVII. No final do referido século, uma Carta Régia concedia a criação da Vila do Ceará,
o que levou a grandes e acirradas disputas na Câmara Municipal, uma vez que não
havia sido definido o local da criação da vila. Foi determinado que
por razão das inconveniências apontadas pela Câmara Municipal
quanto ao local anterior escolhido (margem do Pajeú), propiciaram a
elevação de Aquiraz à condição de vila e sede da Capitania em 1713.
Todavia os ataques indígenas a Aquiraz permitiram que, em 1726,
Fortaleza passasse a ser uma vila com “status” de capital. (JUCÁ, 2003,
p. 30).
12
Mesmo com status de capital, durante todo o século XVIII ela permaneceu
privada de importância e quase sem mudanças em sua configuração. Segundo
Lemenhe (1991), durante o século XVIII, Fortaleza encontrava-se desarticulada em
relação às outras regiões do Ceará que produziam bens para o mercado
pernambucano e do exterior. Esse isolamento veio comprometer o desenvolvimento das
atividades econômicas da província cearense. Tal fato perdurou por muito tempo, mas a
partir do século XIX, a hegemonia urbana de Fortaleza consolidou-se mediante
transformação no setor econômico, quando a mesma tornou-se centro exportador de
algodão, beneficiando-se com a crise nos estoques do mercado internacional devido à
ausência da contribuição norte-americana.
Em síntese, mesmo com a tentativa da criação de um entreposto militar no
século XVII, e depois com sua transformação constituindo-se em vila no século XVIII,
Fortaleza só veio a estabelecer sua importância nas atividades comerciais em meados
do século XIX, através de sua consolidação como centro coletor e exportador de
algodão. Com esse novo contexto econômico, aliado às atividades políticas e
administrativas, esboçar-se-ia sua função comercial, atrelada ao processo de
urbanização de Fortaleza que, como dito, até então se encontrava isolada e quase sem
expressão econômica.
12
A decisão da Coroa Portuguesa em manter as duas vilas - Aquiraz e Fortaleza - significava que cada
uma delas mantinha seu espaço de poder local: Fortaleza, como sede da Capitania do Ceará e Aquiraz,
como sede da Ouvidoria. Mesmo elevada à condição de vila, Fortaleza, distante da atividade criatória
desenvolvida no interior da capitania, permaneceria, por mais de um século, como um simples
aglomerado humano, sem sustentação econômica, embora nesse universo urbano habitasse população
com papéis sociais definidos. (JUCÁ, 2002, p. 30).
2.2 Fortaleza do século XIX: transformações urbanas
O incipiente crescimento de Fortaleza foi registrado através de relatos do
visitante inglês Henry Koster. Segundo ele, até 1816, Fortaleza não passava de uma
pequena vila que foi
edificada sobre terras arenosas, em formato quadrangular, com quatro
ruas partindo da praça e mais outra bem longa ao norte desse quadro,
correndo paralelamente mas sem conexão. As casas têm apenas o
pavimento térreo e as ruas não possuem calçamento, mas n’algumas
casas há uma calçada de tijolos diante. Tem três igrejas, o Palácio do
Governo, a Casa da Câmara e Prisão, a Alfândega e a Tesouraria. Os
moradores devem ser uns mil e duzentos. A Fortaleza, de onde essa
vila recebe a denominação, fica sobre uma colina de areia, próxima às
moradias, e consiste num baluarte de areia ou terra, do lado do mar, e
uma paliçada, enterrada no solo, para o lado da Vila. (...). Não é muito
para compreender-se a razão de preferência dada a essa local. Não há
rios nem cais e as praias são más e de difícil acesso. As vagas são
violentas e o recife oferece proteção bem diminuta aos navios, viajando
ou ancorando perto da costa. A fundação antiga estava localizada a três
léguas ao norte, sobre um pequeno riacho e só existia a ruína do Velho
Forte. A costa é escarpada, determinando uma ressaca perigosa para
os barcos que procuram ancoragem perto do litoral... O porto é exposto
e mau. Os ventos são sempre de Sul e Leste. Fossem mais variados, e
seria raro um navio chegar à costa... (KOSTER, 1942, p. 164 e 166).
Em seus relatos, Henry Koster, também faz alusões às condições de
desenvolvimento oferecidas à população da vila, entre elas, a dificuldade de
transportes, a falta de um porto, as terríveis secas que afastam algumas possíveis
esperanças de desenvolvimento (KOSTER, 1942).
Na obra Descrição Geográfica Abreviada do Ceará de 1816, o Ouvidor
Rodrigues de Carvalho assim descreveu Fortaleza:
a vila é pobre, seu comércio de pouco vulto, ainda que o porto é
sofrível, apesar de ser uma enseada; mas como só as imediações do
termo até a serra da Uruburetama, parte do termo do Aquiraz e parte do
termo da vila de Monte-mor-o-Novo se surtem da Fortaleza, o comércio
é muito menor que o de Aracati. Não há um só de sobrado e as terras
são muito inferiores. O solo é de areai solta; o tijolo, a cal e a madeira
são caros, e tudo concorre para ser muito dispendiosa a edificação. A
casa de Câmara estava arruinada e não havia Cadeia, servindo-se as
autoridades civis de uma cadeia militar, o que dá motivo a uma
infinidade de contradições e etiquetas, que não podem emendar, em
muito detrimento da expedição das dependências criminais. (GIRÃO,
1997b, p. 74-75).
A partir daí Fortaleza começou a incorporar melhoramentos urbanos através
da realização de algumas obras como a reconstrução da Fortaleza de Nossa Senhora
da Assunção, utilizando parte da estrutura do antigo forte holandês; a construção do
mercado público desenvolvido ao longo da rua dos Mercadores (atual rua Conde d’Eu);
o melhoramento do abastecimento de água com a construção de vários chafarizes, e
ainda a elaboração, por Silva Paulet, de uma planta com as primeiras diretrizes urbanas
para a vila, sendo o fato considerado de grande relevância, pois até então, a mesma
crescia seguindo o curso do riacho Pajeú. Paulet se inspirou no traçado do plano em
xadrez que segundo Castro (1977) está intimamente ligado a objetivos colonizadores
ou de expansão urbana, tornando-se modelo nas cidades greco-romanas e hispano-
americanas. (FIGURA 2).
Ao observar a planta de Paulet, identifica-se a disposição das edificações
margeando o riacho Pajeú e cercanias da Prainha (zona da atual rua Pessoa Anta e
adjacências), e, também a ausência de arruamento, denotando a falta de alinhamento
na disposição das edificações da vila. É interessante atentar para o fato de que a
expansão urbana de Fortaleza acompanhava os antigos caminhos que ligavam a vila
em direção ao interior. São estes os caminhos: Arronches, Aquiraz, Jacarecanga,
Picada do Macoripe, Precabura e Soure.
FIGURA 2 - Planta de Silva Paulet - 1818
Fonte: COSTA, 2005.
Segundo Girão (1997b), Fortaleza, mesmo depois de promovida à categoria
de cidade, ficou ainda por algum tempo com ruas às escuras e sem pavimentação, a
população se deslocava a pé, as cargas eram transportadas em lombos de animais, a
maioria das casas quase não tinha estética e conforto, não existia serviços de água e a
iluminação, onde existia, era à base de azeite de peixe.
Até 1840, a tipologia urbana de Fortaleza era composta por casas baixas e
estreitas. Os sobrados eram considerados residências nobres e em número bem
reduzido, pois a maioria desses proprietários de classe abastada preferia casas de um
só pavimento, devido ao conceito errôneo que prevaleceu por muito tempo em
Fortaleza, a saber: “o solo que se edificava não oferecia resistência a prédios de mais
de um andar”. (Idem. 1997a, p. 22).
Em 1848, foi iniciado o primeiro experimento de luz artificial para os logradouros
públicos da cidade, constando de 44 lampiões alimentados a azeite de peixe
13
.
Segundo Silva Filho (2004) havia uma espécie de ‘contrato com a lua’, ou seja, os
lampiões da cidade estariam acessos apenas na ausência da lua cheia.
Paulatinamente, vieram outras intervenções no crescimento da cidade, a
saber, em 1856, quando Padre Manuel do Rego de Medeiros elaborou o desenho
cartográfico mostrando a cidade bem definida a partir do alinhamento em xadrez,
projetado por Silva Paulet. “È evidente que o contraste entre a cidade antiga,
tipicamente topográfica, e a cidade nova aumentava, obediente à geometria, ao traçado
ortogonal retangular.” (GIRÃO, 1997b, p. 29). (FIGURA 3).
Essa planta mostra a delimitação das praças e localização de algumas
edificações públicas. Dessa forma, foram apontadas as praças: Municipal (atual praça
do Ferreira), do Patrocínio (atual praça José de Alencar), Largo do Hospital da Caridade
(atual Passeio Público), entre outras; e alguns prédios como a Cadeia, o hospital da
Caridade, o quartel (a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção) etc. Nessa época a
cidade constava de espaços voltados para a sociabilidade, os quais seriam
‘aformoseados’ a partir de meados do século XIX.
Posteriormente veio a planta preparada por Herbster, Planta Exata da
Capital do Ceará, elaborada em 1859, na gestão de Antônio Rodrigues Ferreira (1843-
1859). Nesta planta ele reproduziu a pequena cidade e demonstrou segmentos
orientados de crescimento para oeste e para sul, incluindo também localizações de
ruas, na área onde hoje se encontra a Prainha.
De acordo com o estudo realizado pela SEPLA 2004 (Secretaria Municipal
de Planejamento e Orçamento), o centro configurado nesta planta correspondia ao que
hoje é a área limitada pelas atuais ruas Conde d’Eu e Sena Madureira (a leste), Pedro
13
Antes desse período, as ruas da cidade ficavam às escuras quando o sol se punha, e para mover-se de
um lugar a outro os habitantes teriam de empregar velas, lamparinas e candeeiros... (SILVA FILHO,
2004, p. 87-88).
Pereira (ao sul), Senador Pompeu (a oeste), e ao norte pelo largo que hoje corresponde
ao Passeio Público. (CASTRO, 1982 apud SEPLA 2004).
FIGURA 3 - Planta de Manuel do Rego de Medeiros - 1856.
Fonte: COSTA, 2005.
Esses planos revelam o crescimento da cidade que se estabelecia atrelado
às inovações propostas pelo realinhamento das cidades brasileiras, que geralmente
incorporavam tendências das cidades européias. Desse modo, as cidades brasileiras,
tornavam-se alvos de discursos, medidas e reformas que procuravam
alinhá-las ao modelo europeu de modernização urbana. Era a
inauguração de um projeto civilizatório para o País de caráter
europeizador, patrocinado por suas elites políticas, econômicas e
intelectuais. (...) convinha aos poderes públicos, elites enriquecidas e
setores intelectuais procederem a um significativo conjunto de reformas
urbanas capazes de alinhar a cidade aos códigos de civilização, tendo
como referência os padrões materiais e estéticos dos grandes centros
urbanos europeus. (PONTE, 2004, 163-164).
Na segunda metade do século XIX, a sociedade brasileira passou por um
significativo processo de transformação, engendrada pelo desenvolvimento capitalista,
fomentando as condições de transportes, da indústria, do comércio e dos serviços
urbanos. Assim, de acordo com sua realidade e possibilidades, a cidade de Fortaleza
experimentou momentos de mudanças em seu aspecto econômico, social e cultural que
se estenderam também a todas as cidades brasileiras.
Nesse período, o quadro econômico cearense apresentou uma nova
configuração, anunciando melhoras nas suas condições econômicas, proporcionadas
pelo desenvolvimento da cultura algodoeira
14
e novas relações sociais de produção
com impacto na rede de cidades do Ceará. Tais circunstâncias vieram proporcionar à
Fortaleza um destaque em suas relações comerciais, que até então era tributado a
Aracati.
É inenarrável a importância da exportação algodoeira como atividade
propiciadora ao desenvolvimento comercial de Fortaleza, porém, Lemenhe evidencia
que vinculado a esse processo
14
Sobre a produção da cultura algodoeira vale consultar Castro (1977, p. 34) e Silva (1992, p. 22).
(...) a cultura e comercialização externa do café permitiram ampliar as
atividades econômicas de Fortaleza. A centralização era favorecida
pela relativa proximidade das áreas de cultivo (Maranguape e Baturité)
do porto. Com preços, em geral mais altos que os do algodão, a
comercialização do café mesmo apresentando menor volume, provia
um montante complementar de lucros aos comerciantes e aos cofres
provinciais. (LEMENHE, 1991, p. 112-113).
Cabe ainda complementar que a hegemonia econômica e político-
administrativa de Fortaleza, em relação às cidades cearenses, teve início na primeira
metade e posteriormente complementada na segunda metade do século XIX, com a
“(...) centralização de um volume maior da produção para o mercado externo,
favorecido, de um lado, pelo próprio desenvolvimento das atividades agrícolas e
pastoris, e de outro, pela condição de capital.” (Op. cit. p. 110).
Foi a partir da segunda metade do século XIX, que o Centro de Fortaleza
caracterizou-se, predominantemente, como centro de convergência de fluxos em
função do comércio, produzindo uma concentração da função residencial e de serviços.
O Centro, durante muitos anos, constituiu-se locus privilegiado da classe mais abastada
da cidade, de onde saiam as decisões políticas e econômicas e era considerado
também o local do encontro, da festa e da sociabilidade para as pessoas que ali
residiam.
Pontes (2005) evidencia ainda que o centro da cidade polarizava a maioria
das atividades, sendo a praça do Ferreira o coração pulsante, por onde transitavam as
pessoas e para onde convergia a sociabilidade da população. Ali se concentravam o
comércio, os cinemas, os cafés e o burburinho da cidade que crescia, fazendo com que
os setores privilegiados reclamassem lugares de convívio mais restritos, tranqüilos, com
melhor estrutura, que mantivesse afastados os ‘indesejados’.
O processo de remodelação sociourbana de Fortaleza, iniciada a partir de
1860, sendo prolongada às primeiras décadas do século XX, representou
(...) a inserção da capital cearense no contexto belle époque (belos
tempos), termo francês cunhado para traduzir a euforia européia com
as novidades extasiantes decorrentes da revolução científico-
tecnológica (1850-1870 em diante). Com efeito, esse período, no
momento fundante do nosso mundo contemporâneo, é marcado por um
intenso fluxo de mudanças que não só produziu transformações de
ordem urbana, política e econômica, como também afetou
profundamente o cotidiano e a subjetividade das pessoas, alterando
seus comportamentos e condutas, seus modos de perceber e de sentir.
(PONTE, 2004, p. 162-163).
No quadro das melhorias urbanas realizadas na cidade, nesse período,
consta, nesse período: em 1857, a pavimentação das primeiras ruas
15
; em 1863, o
abastecimento de água sob a responsabilidade da Ceará Water Co. Ltda.; em 1866, a
substituição da iluminação a azeite de peixe por gás carbônico, serviço público prestado
pela companhia inglesa The Ceará Gas Company Ltda. Em razão da boa qualidade
desse último, Silva Filho (2004, p. 90) tece comentários a respeito: “o emprego do gás,
que produzia uma chama mais brilhante que a do antigo azeite, aumentou a sensação
de segurança e favoreceu os passeios e encontros noturnos pela cidade, com destaque
para o Passeio Público’
16
.”; Em 1872, a construção dos primeiros trilhos da estrada de
ferro Fortaleza-Baturité, ligando diretamente as zonas produtoras de algodão ao porto,
o que contribuiu sobremaneira para reforçar o desenvolvimento da função comercial e
firmar a hegemonia da cidade fortalezense
17
. A criação de uma linha de navios a vapor
contribuiu para o aumento do comércio local. A partir de 1866, Fortaleza iniciou suas
15
O empedramento (pavimentação) das ruas de Fortaleza era feito de pedra tosca, constituído de grês
ferruginosa muito abundante no Mucuripe. As primeiras ruas, no centro da cidade, o receberam em 1857.
Somente na administração do Prefeito Raimundo Girão (1933-1934) é que os calçamentos desse tipo
começaram a ser substituídos, parte por uma camada de concreto (Rua Major Facundo e Rua do
Rosário), parte por paralelepípedos (Rua Floriano Peixoto). (MENEZES, 1992, p. 188).
16
Ponte (2004, p. 165) faz referência do efeito no cotidiano dos citadinos após o emprego da iluminação a
gás carbônico.
17
A construção da ferrovia para o interior através do Sertão Central (o transporte ferroviário no Ceará só
foi implantado no final do império em 1890), representou a fase de acentuado crescimento demográfico
de Fortaleza... O algodão passou a ser cultivado em maior escala no Ceará a partir dos conflitos internos
nos EUA (Guerra da Secessão), o que veio provocar a expansão da cidade, ampliando seu raio de ação
para o interior. À medida que se expandia a produção algodoeira, a cidade fortalece sua economia e
aumenta sua área urbana. (SILVA, 1992, p. 22 e 23). Sobre este assunto, ver as obras de MENESES
(1992, p. 192) e DANTAS (2002, p. 16 e 27).
relações comerciais com a Europa e com outros Estados do Brasil, tornando-se
superior a Aracati que, na época, era considerada o núcleo urbano mais desenvolvido
do Ceará.
Ainda dentro do contexto de remodelação da cidade, foram incrementadas
outras melhorias, com destaque para: os bondes puxados a burro, inaugurados em
1880, possibilitando distâncias maiores de deslocamentos, cujas primeiras linhas
ligavam o Centro à Praia, à Alfândega, ao Matadouro e à Estação Ferroviária; a
instalação de telégrafos em 1881, conferiu ao Ceará a comunicação com outros
estados brasileiros e, em 1891, estendeu-se o serviço de telefonia que já vinha sendo
utilizado pelos domicílios particulares, desde 1882. Em 1893, através de contrato com a
Irmãos & Cia, começou a implantação da energia elétrica nos estabelecimentos e
residências particulares. Este contrato só foi efetivado em 1913 e ainda de forma
limitada.Com a chegada da luz elétrica, o horário ou o ‘tempo do relógio’ passou a ter
uma importância no cotidiano da população, independente do tempo natural.
Capaz de competir com outras cidades, Fortaleza cresceu de forma mais
‘embelezada’, em virtude de maior preocupação por parte do poder público em
melhorá-la, dotando-a de vários equipamentos urbanos. Neves (2004) sinaliza que,
neste período, a cidade crescia rapidamente ampliando as redes de equipamentos
urbanos e aformoseando suas ruas e praças conforme o modelo europeu de
sociabilidade burguesa.
Mais precisamente, a partir dos anos de 1870 e nas primeiras décadas do
século XX, com o discurso das elites políticas e intelectuais em torno do ideário da
modernidade e do progresso, Fortaleza passou por grandes transformações urbanas.
Prédios públicos, praças, boulevards, teatro, cafés e jardins foram construídos segundo
os modelos arquitetônicos europeus. (ORIÁ 2004). Durante esse período, importantes
obras e espaços públicos foram implementados, destinados ao lazer da sociedade,
como fruto do progresso e modernidade. Dentre eles, o Passeio Público (1880), o
Teatro José de Alencar (1910), o Cine-Teatro Majestic (1917), o Cine Moderno (1922),
constituíam os principais espaços de entretenimento coletivo. Porém, mesmo sendo
públicos, esses espaços já refletiam a segregação existente na sociedade.
Os boulevards passaram a se fazer presentes na paisagem na cidade, em
1875, através da elaboração da Planta de Fortaleza e Subúrbios, por Adolfo Herbster,
que objetivava um plano de expansão para a cidade, pois se fazia notório o seu
crescimento e necessário o disciplinamento do uso e ocupação do solo. Assim, nesta
planta foi projetado um conjunto de largas avenidas (os Boulevards) limitando o núcleo
urbano da cidade
18
. No sentido oeste do centro urbano estava o Boulevard do
Imperador (hoje avenida do Imperador), a leste o Boulevard da Consolação (atual
avenida Dom Manuel) e ao sul o Boulevard do Livramento (atual avenida Duque de
Caxias).
Para que ocorresse a efetivação do padrão de alinhamento de quadras e
quarteirões, algumas ruas mal dispostas tiveram que desaparecer e outras áreas
precisaram ser desobstruídas. “O plano de traçado expansionista, levava o sistema
xadrez, muito além da parte construída, e estendia a cidade para leste, até a rua da
Aldeota (Nogueira Acioly); para sul, até a rua dos Coelhos (Domingos Olímpio), e para
oeste até as praças Gustavo Barroso e Paula Pessoa.” (Costa, 2005, p. 59). (FIGURA
4).
As secas que ocorreram no período de 1877 a 1879 tiveram um impacto no
contexto modernizador então inserido à cidade, influenciando no desempenho
econômico e provocando o êxodo do interior do estado para a capital. “Os serviços
públicos foram paralisados, os equipamentos urbanos danificados, as ruas e praças
18
A política urbanística realizada pelo prefeito de Paris, Barão de Haussmann (1853-1870), mais
conhecida como haussmannização, objetivou a organização da cidade através da abertura de vias de
circulação (boulevards), da construção dos conjuntos habitacionais e do zoneamento da cidade (o
habitar, o circular, o recrear e o trabalhar). Essas foram algumas medidas tomadas com o intuito de
minimizar o grande adensamento da área central da capital de Paris. Muitas cidades imitaram essa
política urbana parisiense, e no caso de Fortaleza não houve destruição para o embelezamento. O
contexto não foi o mesmo, porém com a abertura dessas vias de circulação, a cidade se fragmentou,
engendrando as áreas periféricas da capital. A esse respeito vale consultar Perrot (1988) e Costa (2005).
ocupadas por ‘abarracamentos’ fétidos, onde as epidemias se espalhavam com maior
facilidade.” (NEVES, 2004, p. 83).
Somente a partir de 1880 é que a cidade retomou o ‘ritmo no processo de
modernização’. De acordo com suas possibilidades e limites, a cidade de Fortaleza
participou desse momento, e com o fim da seca, “a população volta a sorrir e a ser
convidada a passear por dois ‘presentes’ dados à cidade, e que causaram a sensação:
os bondes e o Passeio Público. (...) ambos equipamentos reorientaram os usos e
costumes nos espaços públicos.” (PONTE, 2004, p. 169). A importância do Passeio
Público é inquestionável, na época, pelo fato da cidade necessitar de espaços públicos
de lazer.
Nesse período, a cidade foi elucidada nos romances cearenses, onde os
poetas escritores descreviam aspectos da mesma, a exemplo de Manoel de Oliveira
Paiva na sua obra, A Afilhada, escrito em 1889, que fala do Passeio Público como local
de lazer, freqüentado pela sociedade da época. (CORDEIRO 2004).
FIGURA 4 - Planta topográfica da cidade de Fortaleza e subúrbios de Adolfo Herbster -
1875.
Fonte: COSTA, 2005.
Segundo Ponte (2004), em 1900, Fortaleza foi desvelada através da
publicação da crônica do historiador Paulino Nogueira, onde o mesmo compara a
cidade de poucas décadas atrás, com a ‘nova’ Fortaleza daqueles dias: se a de ontem
era ‘recatada’ e ‘muito pequena e atrasada’, a atual mais parecia uma ‘fênix renascida,
cheia de mocidade e encantos’. Nesse período, a cidade dispunha de uma infra-
estrutura e equipamentos urbanos como:
Passeio Público, praças arborizadas, templos majestosos, edifícios
elegantes, tantas e tantas ruas alinhadas, calçamento, iluminação a
gás, linhas de bondes, carros de aluguel, hotéis, quiosques, clubes,
prado, corridas de touros, a cavalo e à bicicleta, quermesses, bazar de
demais novidades. (NOGUEIRA, 1889 apud PONTE, 2004, p. 163).
Esses eram os principais locais e atividades de lazer utilizados pela
sociedade da época, em especial, as praças, que se constituíam nos espaços mais
cobiçados como área de lazer, em decorrência da influencia da cultura européia
incorporada no cotidiano dos fortalezenses.
Como a expansão urbana de Fortaleza continuava, Herbster elaborou em
1888, uma nova planta da cidade, consolidando o plano reticulado, acompanhando
essa expansão. Constituiu-se uma atualização da planta de 1875, incorporando as
expansões e as urbanizações das avenidas e ruas que ligavam o centro à área
periférica da cidade. Essas diretrizes urbanas proporcionaram a fuga de famílias ligadas
ao poder que desejavam trocar suas residências centrais por chácaras, lugares mais
aprazíveis da cidade.
Conforme já foi mencionado, a abertura da cidade, com a implantação dos
boulevards, e com a modernização dos meios de transportes permitiu que os
moradores da área central passassem a habitar lugares mais distantes do Centro da
cidade, e isso funcionou como um mecanismo de favorecimento à expansão urbana em
Fortaleza
19
. Por volta de 1913, os bondes de tração animal foram substituídos pelos
bondes elétricos, proporcionando maior velocidade ao trânsito e mais flexibilidade no
deslocamento, em razão da introdução do uso do automóvel (1910).
Ponte (2004), considera que, por outro lado, a multiplicação desses veículos
(e a própria expansão urbana) concorreu para maior extensão de calçamentos,
calçadas, e para a abertura de ruas e avenidas. Sem falar da necessidade de reduzir o
19
Em 1880 a Companhia Ferro Carril do Ceará inaugurou as linhas da Estação (hoje Av. Visconde do Rio
Branco) e Matadouro Público (no Alagadiço, pondo à disposição do povo 25 bondes de 25 lugares cada
um. Em 1913 foram substituídos pelos bondes elétricos incorporados pela Light and Tranways Power Co.
(GIRÃO, 1997a, p. 30).
tamanho de alguns logradouros centrais, no caso a praça do Ferreira, em 1925, para se
adequar à passagem e estacionamento daquelas novas máquinas
20
.
Alguns fatores foram preponderantes para marcar o ‘fim da belle époque’ na
capital cearense, ou seja, aos poucos ‘o modo de viver florido e eufórico europeu’
entrou em declínio com as constantes rebeliões populares entre 1912 a 1914.
Conforme nos conta Ponte (2004), em 1915, uma nova seca despejava milhares de
‘flagelados’ na capital. (...). De 1917 a 1925 irrompia o inédito conjunto de greves e de
combatidas organizações operárias como a Associação Gráfica do Ceará e a
Federação das Classes de Trabalhadores (...). No mesmo período, aumentava o índice
de delitos e transgressões da cidade, frutos da penúria e da resistência do ascendente
contingente de pobres e miseráveis, causado pelo êxodo rural, proletarização,
desemprego etc.
Com as secas, a população rural emigrava para Fortaleza, alojando-se em
locais próximos às indústrias que se encontravam, principalmente, na avenida
Francisco Sá. Construíam seus barracos em terrenos públicos ou privados que
estivessem desocupados e na área litorânea, nos terrenos da Marinha, tendo a
alternativa de viver da pesca a trabalhar nas indústrias.
Com a chegada desse contingente à capital, muitos se concentravam nas
áreas próximas à praia. Segundo Dantas (2002), “o fraco interesse pela zona de praia
pela classe mais abastada da cidade, reforçou o caráter litorâneo como lugar de
habitação das classes pobres da sociedade fortalezense, e em especial, por ser
formado por um grande contingente de emigrantes pobres do sertão”.
20
A remodelação da praça do Ferreira, precedida pela gestão municipal do prefeito Godofredo Maciel em
1925, operou uma verdadeira cirurgia plástica naquele espaço: além de implantar alamedas laterais para
facilitar o trânsito, exigiu a demolição dos quatros cafés afrancesados e do Jardim 7 de Setembro, por
ocuparem quase toda a praça, deixando-a mais aberta ao fluxo de pedestres.Os únicos meros retoques
de embelezamento permitidos foram a instalação de retilíneos e estreitos canteiros de flores nas
extremidades da praça e um coreto coberto em seu centro. (PONTE, 2004, p. 185).
Segundo o mesmo autor, essas pessoas se estabeleciam nos terrenos da
Marinha, área que anteriormente era ocupada pelas comunidades de pescadores.
Essas zonas foram caracterizadas como local da pesca e das habitações da classe
desfavorecida da cidade.
Devido ao crescente índice de conflitos, greves e aglomeração na área
central da cidade, a classe de maior poder aquisitivo que ali residia, iniciou o processo
de transferência para áreas mais distantes do centro, indo, primeiramente, ocupar o
bairro de Jacarecanga.
Motivada pelo processo de expansão urbana, aos finais do século XIX e
início do século XX, a área central da cidade experimentava significativas
transformações, quando ia deixando de ser o local privilegiado de moradia da elite
fortalezense, onde comerciantes e financistas fixavam seus estabelecimentos. A cidade,
paulatinamente, começou a se expandir, formando novos bairros, inicialmente, para o
setor oeste, o bairro Jacarecanga, onde se concentravam as luxuosas residências das
famílias de alto poder aquisitivo, que dominavam politicamente o Estado e para o setor
sul o Benfica, pondo-se ali, em destaque, a família Gentil. Nas imediações de
Jacarecanga foram estabelecidos órgãos e repartições, ligados ao setor público, pondo-
se em evidência o colégio Liceu do Ceará, considerado por muito tempo o melhor
colégio da cidade.
A partir de então, o crescimento da cidade foi sendo, sempre e mais,
orientado para a zona oeste, no sentido oposto ao litoral, já que a classe mais abastada
da cidade não tinha o litoral como área valorizada, inclusive, porque cria na informação
de que o solo arenoso não suportava edificações de mais que um andar.
A cidade continuou sua expansão para a zona oeste, acompanhando os
antigos caminhos: Soure, hoje Bezerra de Menezes que se prolongou com a BR-222, e
as atuais rua Guilherme Rocha e avenida Francisco Sá e instaura-se uma nova
mudança no seu quadro econômico-espacial. Na década de 1930, a população de
classe mais abastada que se encontrava no bairro de Jacarecanga deslocou-se para a
Aldeota (setor leste), pois a concentração das indústrias e o surgimento das favelas
próximas às suas residências de luxo começavam a incomodá-la. A partir de então, o
setor leste da cidade seria configurado como um bairro possuidor de uma infra-estrutura
capaz de atender à população de alta renda, no setor residencial, de serviços, comércio
e lazer.
O processo de diferenciação social e segregação sócio-espacial tornava-se
cada vez mais nítido e a distribuição da população no espaço urbano de Fortaleza
refletia os primeiros sinais das contradições sociais, em especial, em nível de renda dos
moradores. Para além dos bairros nobres que se constituíam na cidade, surgiam as
primeiras favelas “- Cercado do Zé Padre,1930; Mucuripe, 1933; Lagamar, 1933; Morro
do Ouro, 1940; Varjota, 1945; Meireles, 1950; Papoquinho, 1950; Estrada de Ferro,
1945.” (SOUZA, 1978)
21
.
Fortaleza sinaliza um crescimento elevado como reflexo de sua expansão
urbana. Todavia, essa ampliação atendeu de forma inadequada a implementação de
infra-estrutura urbana para a população, no que dizia respeito a calçamento, energia
elétrica, água encanada, rede de esgoto, transporte coletivo etc.
Na zona leste estabeleceu-se a população de maior poder aquisitivo. A
função portuária que antes se concentrava no Porto do Poço das Dragas foi transferida
para o Porto do Mucuripe, contribuindo para que fosse implementada uma série de
equipamentos e conseqüentes melhorias na infra-estrutura da área próxima àquele
Porto
22
. Segundo Costa (1988, p. 82),
os armazéns e depósitos próximos das docas do porto velho
deslocaram-se para as Docas do Mucuripe, na década de cinqüenta, a
partir da atração do novo porto. Posteriormente, instalou-se, na mesma
área, moinho de trigo, indústrias ligadas á exportação, fábricas de
asfalto, companhias distribuidoras de derivados de petróleo e indústrias
ligadas à pesca. Atraída pelos empregos nos serviços portuários e nas
indústrias, a população pobre construiu favelas. A ‘zona do meretrício’
também se transferiu para o Farol do Mucuripe.
21
Sobre esse assunto, consultar Silva (1999, p. 29).
22
As obras do Porto do Mucuripe foram iniciadas em 1938.
Lopes (1988), conta-nos que na década de quarenta, ainda não existiam
apartamentos na cidade. As famílias tradicionais moravam em grandes e confortáveis
casas consideradas como mansões, palácios, solares ou castelos. Vale destacar o
castelo de Plácido de Carvalho, na Aldeota; o Palacete do banqueiro e comerciante
João Gentil (atual Reitoria da UFC), no Benfica. O bairro Jacarecanga, até os anos
quarenta era o mais aristocrático da cidade, com destaque para a moradia de três
andares de Pedro Sampaio e o monumental palacete de Thomás Antônio Pompeu.
‘Iniciava-se nesse tempo, o processo de verticalização no centro, sendo, os edifícios
mais altos, o João Lopes, Jangada, Diogo e Excelsior Hotel.’ (Costa 2005, p. 73).
Apoiado em levantamento aerofotogramétrico realizado pelo Serviço do
Exército em 1940, foi elaborado em 1948, na gestão de prefeito Acrísio Moreira da
Rocha (1948-1951), o Plano Diretor para Remodelação e Extensão da Cidade de
Fortaleza (plano Sabóia Ribeiro). Segundo o diagnóstico, no referido plano já se
observava uma preocupação quanto à polinuclearidade, à formação de bairros e suas
delimitações. Nele existia uma preocupação com a preservação dos leitos dos riachos e
das áreas verdes e com a delimitação de áreas de parques. Neste plano, o urbanista
propôs o alargamento de ruas, que logo foi reprovado pela elite de proprietários que se
sentiam ameaçados em desapropriar parte do terreno para a concretização do mesmo.
O plano de Sabóia Ribeiro não foi concretizado, utilizando-se, por muito tempo, apenas
o código de posturas.
Do final do século XIX ao inicio do século XX, Fortaleza passou por grandes
transformações, resultado das inovações fomentadas pelo capitalismo, influenciando na
incorporação de novas relações sociais.
Nesse período, a camada social de melhor poder aquisitivo já elegera
outros espaços da cidade para residir e concentrara, também em suas proximidades,
próximo a eles, toda uma infra-estrutura de equipamentos urbanos de modo a minimizar
seu tempo de deslocamento para realizarem suas principais necessidades. Os espaços
públicos do centro tradicional, perderam grande parte de seus freqüentadores, em
virtude de já existirem na cidade a implementação de outras áreas de lazer e atividade
cultural e, por conseguinte, concentraram, de modo especial, as camadas populares,
como será visto no próximo sub item.
2.3 Fortaleza metrópole - descentralização e formação dos sub-centros
Antes de nos atermos às questões referentes ao processo de
metropolização de Fortaleza e como os mesmos refletiram nas transformações de
âmbito econômico, político e principalmente no cotidiano dos citadinos, cabe mencionar
a priori, alguns fatores de ordem mais geral que influenciaram nessa tendência.
Segundo Gondim (2000), a década de 1950 foi um grande marco na ‘modernização’ do
Estado ao se reportar à criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), em 1952, o qual
desempenhou importante papel na formação de novas elites para a região além da
urbanização e do incremento dos meios de comunicação.
Nessa conjuntura, verifica-se que no início dos anos de 1950, Fortaleza
passou por um período de intensas transformações, não só no que diz respeito à
configuração de sua malha urbana, mas, também, quanto ao processo acelerado do
adensamento populacional, devido às intensas migrações, ocasionadas, em especial,
pelos períodos de seca, conforme mencionado anteriormente. De acordo com Souza
(1978, p. 65),
os resultados censitários a partir de 1940, demonstram o rápido
crescimento da população de Fortaleza. Assim, o município, de acordo
com o recenseamento de 1950, apresentou um crescimento
populacional de 49,9% em relação à década anterior. Nos decênios
seguintes, 1950/1960 e 1960/1970, os índices de crescimento foram,
respectivamente, 90,0% e 66,6%. Fortaleza posiciona-se, desta forma,
entre as capitais do Nordeste que vêm apresentado maiores índices de
crescimento.
O crescimento populacional da cidade não veio acompanhado com o
aumento da oferta de emprego e nem tão pouco com condições de infra-estrutura e
serviços urbanos, o que acarretou no aumento do número de favelas e agravamento
dos problemas sociais
23
. “Daí a expansão da malha urbana, que se espraia de forma
acentuadamente desordenada, segmentando os seus espaços conforme a natureza
socioeconômica dos seus ocupantes.” (PONTES, 2005, p. 67).
A década de 1960 foi marcada pelo processo de modernização do Estado
do Ceará, por projetos de longo alcance como por exemplo, a ampliação da rede de
energia elétrica com a usina Paulo Afonso e a extensão do saneamento básico, a
conclusão do projeto do Distrito Industrial; a organização da Companhia de
Telecomunicações do Ceará e a instalação da Fabrica de Asfalto do Mucuripe.
Para Silva (2005, p. 110) no Ceará,
o período de nacionalização da economia inicia-se nos anos 60, quando
o estado começa a integrar com maior intensidade o circuito nacional
de mercadorias e de capital. Nessa fase, várias empresas nacionais
abrem filiais em Fortaleza. Esse movimento ocorre também com o setor
bancário. (...). Quanto à globalização da economia, só a partir da
década de 90, instalam-se lojas de cadeias internacionais, bem como
outras filiais dos setores industriais e de serviços.
Nesse período um outro elemento, a ação do capital imobiliário, entra em
cena e vai ser determinante na estruturação urbana de Fortaleza. Assim, Bernal (2004,
p. 149)
considera que a produção do espaço passou por mudanças importantes
com a emergência da produção por condomínios e o concomitante
colapso do sistema de promoção por incorporação. Surgem como
figuras centrais no processo, os agentes promotores imobiliários, que
ampliam o foco da produção de habitação para a produção de imóveis
comerciais.
23
Segundo Jucá (2003, p. 45) em 1951, o número de casas construídas atingia o índice de 771, que
pouco representava ante o problema da crise habitacional. Os chamados bangalôs da Aldeota eram
construídos, muitas vezes, entre casebres e no meio do matagal. No centro da cidade antigas residências
foram transformadas em armazéns ou prédios comerciais. Em relação ao crescimento da cidade, na
primeira metade do século XX, pouco foi realizado no sentido de proporcionar-lhe nova estrutura as
praças foram rareando e tanto as velhas como as novas passaram a ser ocupada por edifícios.
As tendências de crescimento da cidade foram analisadas pelo urbanista
Hélio Modesto, em 1962, que lhe elaborou um plano diretor, onde ficava evidente a
preocupação social com os bairros e com as primeiras favelas de Fortaleza. Este plano
adotou um zoneamento funcional ampliando a possibilidade de crescimento vertical nos
setores residenciais, conforme explicação abaixo:
expressa nas formas e tendências de usos e ocupação do solo.
estabeleceu uma classificação de quatro zonas residenciais
diferenciadas em função do nível de renda da população. Ampliaram-se
as possibilidades do crescimento vertical em determinadas áreas da
cidade. Nas zonas residenciais - ZR - 2, foram permitidas edificações
com até oito pavimentos. Na área central as construções puderam
atingir até doze andares, embora esse zoneamento ainda não
abrangesse a área a leste do ramal Porto do Mucuripe - Parangaba.
Propôs ainda a construção de avenidas e parques ao longo do leito do
riacho Pajeú, Jacarecanga e Aguanhambi, como já havia indicado
Sabóia Ribeiro (CODEF, 1979 apud COSTA 1988, p. 87).
A segregação sócio-espacial é oficializada neste plano, pois a proposta de
zoneamento baseada na renda é ratificada nas tendências de diferenciação do uso e
ocupação do solo.
Apesar desse plano não ter sido aprovado pela Câmara Municipal de
Fortaleza, das propostas sugeridas por Hélio Modesto, algumas delas foram
implementadas, a saber: a construção da Avenida Beira Mar
24
, fazendo, finalmente a
cidade voltar-se para o mar; a construção da Avenida Perimetral, via de acesso aos
bairros periféricos, e a abertura da Avenida Luciano Carneiro, favorecendo as
condições de acesso ao aeroporto.
24
A avenida Beira Mar, local de residências de veraneio, na década de 60, transforma-se na década de
70, na principal zona de lazer da cidade. Nos anos 80 e 90, os restaurantes cedem lugar aos hotéis e
edifícios residenciais de alto luxo. No período diurno, o mar passou a ser freqüentado pela população de
baixa renda, pelos coopistas e turistas. (COSTA, 1998).
De acordo com o diagnóstico da SEPLA o plano do urbanista Hélio Modesto
pretendia incorporar atividades culturais para a área central da cidade, onde
considerava a importância de um centro cívico, cultural e administrativo
para Fortaleza, em importância compatível com sua escala de capital, a
ser situado na região do Poço da Draga/Prainha. Para concretizar este
centro cívico o urbanista intuía a localização dos edifícios públicos
associados com atividades culturais centrais e um centro de
congressos, demonstrando certa expectativa na solução urbanística
como inserção, com caráter de desenho urbano. (SEPLA, 2004, p. 59 e
62).
Mediante contrato realizado na gestão do prefeito José Walter Cavalcante
(1967-1971), em 1972, com o incentivo do Governo Federal, foi elaborado o Plano de
Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Fortaleza (PLANDIRF),
realizado por empresas do sul do país. Através da orientação do PLANDIRF, foram
implantados diversos projetos para o sistema viário (Avenidas Presidente Castelo
Branco, Borges de Melo, Aguanhambi, Zezé Diogo, e o 4º anel viário) e programas
sócio-econômicos, como a instalação de centros comunitários e o desfavelamento, com
a construção de conjuntos habitacionais, que foram viabilizados, depois, na gestão do
prefeito Vicente Fialho (1971-1975). O PLANDIRF também propôs o plano de aplicação
de transportes que indicava o espaço das praças centrais da cidade para utilização de
terminais de ônibus.
O PLANDIRF objetivava realizar a incorporação de novas áreas à cidade
através da abertura de vias e da construção da ponte sobre o Rio Cocó, o qual
funcionava como barreira no processo de expansão de Fortaleza.
A implantação da infra-estrutura através do poder público e a solução do
obstáculo ao acesso às áreas além do rio, possibilitou a incorporação do bairro da Água
Fria
25
à malha urbana de Fortaleza. A construção de equipamentos como a Imprensa
Oficial e o Centro de Convenções, instalados próximos à Universidade de Fortaleza
(UNIFOR), somada à instalação e extensão de serviços como água, telefone e
25
Naquela época governava o Estado do Ceará o Coronel César Cals, que pertencia à família Diogo,
proprietária de terras (Sítio Cocó) na zona leste da cidade. (COSTA, 1988, p. 90).
asfaltamento das ruas, desencadeou, naquela área, a valorização territorial e
especulação imobiliária.
Em 1973 foram instituídas no país, as regiões metropolitanas, entre elas a
Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), que inicialmente era constituída apenas por
cinco municípios - Aquiraz, Pacatuba, Maranguape, Caucaia e Fortaleza.
Posteriormente, outros municípios passaram a ser incluídos e, atualmente, a RMF é
composta pelos municípios de Aquiraz, Pacatuba, Maranguape, Caucaia, Maracanaú,
Guaiuba, Eusébio, Itaitinga, São Gonçalo do Amarante, Horizonte, Pacajus e
Chorozinho. (Dados de 2000).
Na gestão do prefeito Evandro Aires de Moura (1974/1978) foi aprovado um
novo Plano Diretor Físico de Fortaleza (1975), estabelecendo diretrizes e que dividia o
município em zonas de uso, com o intuito de orientar e disciplinar o crescimento urbano.
o Plano Diretor Físico propunha, com relação ao sistema viário,
acentuação do esquema rádio-concêntrico da cidade. Assim foi
prolongada a Avenida Santos Dumont (1976)... Também foi prolongada
a Avenida Antônio Sales, facilitando o acesso ao Centro de
Convenções, UNIFOR, Imprensa Oficial do Ceará e a Academia de
Polícia, os quais na época, só tinham como opção a Avenida Santos
Dumont e a Rua Francisco Gonçalves. (COSTA, 1988, p. 91).
A cidade configurou-se monocêntrica até a década de 1960. Somente a
partir de 1970, estando a área central associada à fragmentação dos espaços e à
incorporação do processo de metropolização, iniciava-se a descentralização das
atividades administrativas, comerciais e de serviços da área central. A cidade tornava-
se policêntrica, alterando assim a sua estrutura urbana. Assim, outras áreas da cidade
passaram a ser incorporadas pela elite de Fortaleza, longe do perímetro central. Para
Dantas (1995), a policentralidade é uma tendência posta à cidade moderna.
Cartaxo Filho (2004, p. 27) evidencia que o surgimento da cidade
policêntrica obedece a lógica de que com a “consolidação do processo de crescimento
demográfico-espacial urbano, ampliam-se as distâncias entre o centro tradicional e as
novas localizações residenciais, (...) com tendência à constituição de novas
centralidades como, por exemplo, subcentro e shopping centers.”
Assim, nesse período, iniciava-se a formação dos centros secundários,
como exemplo: o Montese, ao longo da avenida Gomes de Matos, nas cercanias de
Parangaba, com destaque para o comércio de autopeças; a Aldeota, onde se
desenvolveu, ao longo das avenidas Santos Dumont, Desembargador Moreira e Barão
de Studart, um comércio voltado para a classe mais abastada da sociedade,
destacando-se pela implementação, em sua área, de vários shoppings centers
26
. Souza
(1978) afirma que, nesse período,
(...) surgiu na Aldeota um comércio de luxo constituído, na maioria, por
filiais de lojas sediadas no centro da cidade, que adaptaram antigas
residências de alto padrão à função comercial. Encontram-se
estabelecimentos comerciais nas avenidas Santos Dumont e Barão de
Studart. Na primeira, localizou-se o centro comercial a partir de 1973,
congregando significativo número de lojas. Paulatinamente foram se
instalando nas cercanias do ‘Center Um’ novos estabelecimentos
comerciais do mesmo padrão procedendo-se assim uma transformação
do uso do solo naquela área que deixou de ter a função tipicamente
residencial. (SOUZA 1978, p. 77).
Ao estudar o tipo de comércio existente nos bairros de Fortaleza, nesse
período, Souza (1978), faz um paralelo entre Aldeota e Montese, identificado uma
significativa diferença entre ambos, justificando que enquanto na Aldeota desenvolvia-
se um comércio de luxo com serviços bancários especializados e outros serviços em
geral, o Montese concentrava pequenas lojas comerciais que utilizavam residências de
baixo padrão, o que deve ter facilitado a ocupação pelo setor comercial.
26
Vale ressaltar que foi nesta área onde se instalou o primeiro shopping da cidade, o Center Um,
inaugurado em 1974, e para ela foram transferidas várias secretarias e instituições do setor administrativo
estadual e municipal, por exemplo, a sede do governo (Palácio da Abolição), o que contribuiu
sobremaneira para a migração das funções urbanas, que antes estavam no centro tradicional, para
outras áreas da cidade. A partir de 1978, as secretarias e o Palácio do Governo do Estado do Ceará,
foram transferidos para o Cambeba, setor sudeste da cidade.
A elite vinculada ao setor imobiliário e ao estado, efetivou sobremaneira o
processo de segregação socioespacial. À proporção que as camadas de melhor poder
aquisitivo se distanciavam do perímetro central, o estado apresentava algumas
alternativas para as camadas populares, através da atuação do Banco Nacional de
Habitação (BNH) que passou a concentrá-los mais os recursos financeiros e a controlar
política e administrativamente, de forma a reduzir o déficit habitacional apresentado
pela população que não tinha acesso à moradia, em razão da ausência de recursos
para aquisição das mesmas. A população era assistida com os conjuntos habitacionais
implementados nos terrenos com custos mais baixos e em áreas distantes. Tais ações
não inviabilizaram o surgimento e permanência das favelas, tendo em vista a grande
demanda habitacional em detrimento do número de casos subsidiados pelo poder
público.
No final da década de 1970 foram construídos, pela Prefeitura de Fortaleza,
os pólos de lazer, com o objetivo máximo, acredita-se, de criar alternativas de diversões
para a população de baixa renda, evitando a presença da mesma nos espaços eleitos
pela classe de maior poder aquisitivo, para práticas de lazer. Foi uma estratégia de
disciplinamento com o intuito de segregar as diferentes classes, também no setor do
entretenimento da cidade. Entre esses pólos estava o da Barra do Ceará, do Alagadiço
e da Praia do Futuro bem como a área urbanizada da Avenida Beira Mar e a
construção do Parque Ecológico do Cocó.
Na gestão de Lúcio Alcântara, foi aprovada a Lei de Uso e Ocupação do
Solo, 5.122 - A, de 1979. Entende-se que a referida Lei cobria tais construções “por
utilizar o critério de densidade populacional, em vez de renda, para dividir a cidade em
zonas, o que permitiu o aumento da verticalização, com possibilidade de atingir até
dezoito andares em alguns bairros.” (COSTA, 1988).
O alargamento e prolongamento de ruas e avenidas foi decisivo no
processo do espraiamento da cidade e, sob seu auxílio, as possíveis barreiras
existentes, geralmente, eram dissipadas.
A ação do poder público, mediante elaboração de planos, construção
de grandes obras, abertura de vias, instalação de infra-estrutura e de
equipamentos urbanos, incorporou à cidade novas áreas, antigos sítios
de uso rural, dando origem aos bairros Papicu, Dunas, Cocó, Água Fria,
Edson Queiroz, Parque Manibura, Cambeba e Alagadiço Novo. (Costa,
2005, p. 84).
Na década de 1980, o problema habitacional acentuava-se contribuindo
sobremaneira para a ocupação dos vazios urbanos e de áreas periféricas da cidade.
Segundo Costa (2005) as praças do centro e as zonas de praias foram invadidas por
milhares de camelôs e vendedores ambulantes, que na luta pela sobrevivência
encontravam, como alternativa de trabalho, o mercado informal.
É no fim da década de 1980 e início dos anos 1990, na administração do
governador Tasso Jereissati, que vários projetos turísticos, culturais, industriais e de
infra-estrutura foram incorporados, a saber: bienais, festivais, Centro Cultural Instituto
Dragão do Mar, Porto do Pecém, Aeroporto, rodovias, saneamento, entre outros.
Note-se que essa realidade experimentada por Fortaleza foi reflexo das
transformações econômicas do Estado Ceará e um dos fatores preponderantes nesse
processo foi a estratégia política do chamado ‘Governo das mudanças’ que se efetivou
na segunda metade dos anos de 1980 à década de 1990, e os primeiros anos do início
deste século, processo esse que veio contribuir sobremaneira na nova configuração
espacial do Estado e da RMF. Esse momento era essencial para a compreensão das
transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas no período, onde se via,
também, o destacado crescimento na última década, da capital cearense em relação às
outras capitais.
Não obstante a relativa obsolescência na agricultura e na estrutura
industrial, Fortaleza passava a engendrar um novo ciclo de industrialização, com
predominância no ramo dos calçados, têxteis e alimentos, localizando seus
equipamentos, principalmente, na RMF. Segundo Amora (2005, p. 374) “as indústrias
instalam-se, em um primeiro momento, em Fortaleza e, mais tarde, em municípios de
sua região metropolitana (Maracanaú - onde é instalado o Distrito Industrial -, Caucaia e
Horizonte).”
O turismo também surgia com grande expressividade a partir desse
período, de modo que a capital cearense procurava absorver significativa demanda dos
turistas estrangeiros, visando o crescimento econômico da cidade e, para tal intento,
foram incorporados vários equipamentos destinados a atividades turísticas, através da
atuação do estado, município e de particulares.
Observa-se que a política industrial propondo a descentralização está
na contramão da promoção do turismo, pois a implantação de uma forte
infra-estrutura na RMF com o objetivo de uma atração turística acaba
fortalecendo a tendência de metropolização da capital. Instalam-se na
cidade equipamentos hoteleiros modernos e de grande porte, com
atividades geradoras de emprego e renda. Fortaleza assumiu o lugar de
importante pólo receptor do Nordeste, atraindo cerca de 15% dos
visitantes que desembarcam anualmente no Nordeste. (BERNAL, 2004,
p. 68 e 153).
A mesma autora confirma que foi na primeira gestão do ‘governo das
mudanças’ (1987 - 1990) que o turismo passou a ser considerado como um eixo de
propulsão na economia cearense, destacando o potencial turístico litorâneo e
implementando uma infra-estrutura turística, com o apoio da iniciativa privada.
Em 1992, na gestão de Juraci Magalhães, estabelecido pelo Plano Diretor
de Desenvolvimento Urbano de Fortaleza - PDDU - FOR (Lei 7.061/92), no que diz
despeito à estruturação urbana da cidade, Fortaleza era dividida em macrozonas
(urbanizada, adensada e de transição), microzonas e as zonas especiais, instituindo o
bairro como unidade de referencia principal do planejamento urbano
27
. Foram definidas
também as zonas de urbanização prioritária, em função de sua localização, acesso e
infra-estrutura, que tendem a possuir alta densidade das atividades na macrozona
urbanizada e adensável, a saber: Centro, Aldeota, Carlito Pamplona, Antônio Bezerra,
Parangaba, Montese, Messejana e Seis Bocas. (PDDU - FOR, 2003).
Recentemente o PDDU passou por um processo de revisão e atualização,
convertendo-se no Projeto de Legislação Urbanística de Fortaleza - LEGFOR e de
acordo com suas considerações sobre o zoneamento do uso do solo do Município, a
cidade é dividida em quatro macrozonas urbanizadas e três adensáveis. A macrozona
urbanizada é aquela atendida integralmente pela rede de abastecimento d’água e
parcialmente pelo sistema de esgoto, onde se verifica a maior concentração da
população e atividades urbanas. A macrozona adensável é aquela atendida em parte
pela rede de abastecimento d’água sem sistema de coleta de esgoto, onde se verifica
uma tendência à expansão das atividades urbanas, com possibilidade de ordenamento
e direcionamento da implantação da infra-estrutura, sem prejuízo da ocupação
existente.
De acordo com essa estruturação urbana, o Centro está inserido na Zona
Urbanizada 1 (ZU 1) que, de modo geral e de acordo com análise do PDDU-FOR,
possui uma infra-estrutura básica, equipamentos urbanos e atividades de comércio e
serviços satisfatórias. “Operacionalizar estratégias de requalificação do Centro,
inclusive os espaços públicos, é um dos objetivos para a ZU 1.” (PDDU - FOR, 2003)
28
.
As microzonas são fundamentadas nas características do parcelamento,
uso e ocupação do solo, na distribuição das atividades e serviços. Assim, para cada
macrozona urbanizada fica definida uma microzona e conseqüentemente, para cada
27
De acordo com o PDDU as macrozonas são porções do território do Município delimitadas por lei e
caracterizadas por ocupação, condições de infra-estrutura, equipamentos e serviços básicos
diferenciados, identificadas como áreas de gestão e planejamento das ações governamentais. As
microzonas são localizadas em quaisquer das macrozonas, caracterizando-se como área de
planejamento e de controle da densidade, do uso e da ocupação urbana.
28
Plano diretor em vigor.
macrozona adensável uma microzona. Quanto às zonas especiais elas têm destinação
específica e normas próprias de uso e ocupação do solo, a saber: as dunas, que são
áreas de interesse ambiental, as áreas institucionais, entre outras.
É sob o lema da requalificação do centro tradicional, bem como dos
espaços públicos da área central, que as praças do Ferreira e José de Alencar, em
especial, vêm ao longo do tempo sendo reconfiguradas, numa tentativa de motivar
ainda mais o envolvimento social de seus usuários e suas práticas, através das
atividades políticas e culturais nesses espaços públicos.
A cidade cresceu e se espraiou. E, analisando as várias áreas que hoje
constituem a cidade de Fortaleza, pode-se observar a diferença marcante entre as
zonas leste/sudeste e oeste/sul. No caso das duas primeiras zonas, estas preferidas
pela população de classe alta e média alta, são zonas bem dotadas de infra-estrutura e
equipamentos urbanos, compreendendo os bairros: Praia de Iracema, Meireles,
Aldeota, Dionísio Torres, Varjota, entre outros e se destacam na implementação de
comércio, serviço, saúde, educação e entretenimento quase que auto suficiente
29
.
Quanto às zonas oeste/sul, o padrão habitacional é dessemelhante,
diferenciando-se de acordo com o nível de renda. Para Costa (2005) nas áreas mais
próximas ao centro, estão bairros mais antigos, com uma boa infra-estrutura e centros
comerciais e de serviços bem equipados. Entre estes sobressaem: Joaquim Távora,
Fátima, Benfica, Otávio Bonfim, Montese, Alagadiço, Carlito Pamplona, Jacarecanga,
Montese, Monte Castelo, Parquelândia, Pici, Rodolfo Teófilo e Antônio Bezerra.
A cidade continuou a crescer e apesar da intervenção do poder público para
viabilizar ações e projetos de forma a contemplar o segmento social menos abastado,
não houve redução considerável, em aspectos sociais e econômicos como a falta de
moradia, o desemprego e a pobreza.
29
Mesmo se tratando de bairros ‘nobres’ da cidade, as favelas ainda resistem, tornando-se um contraste
com os edifícios da classe média e alta.
Dentro desse contexto, Fortaleza, bem como outras grandes cidades
brasileiras, experimentou, a partir de meados do século XX, um processo de
pulverização de sua área central, o que provocou uma série de transformações
socioespaciais na cidade, apresentando, não obstante o seu dinamismo, uma mudança
considerável naquele espaço, inserida no novo contexto de modernidade,
transformações estas, somente compreendidas, analisando-as à luz das mudanças e
incorporações tecnológicas, frutos da globalização, repercutida à escala da
compreensão específica.
Para que se compreenda o processo de pulverização do centro tradicional,
faz-se necessário entender porque um local “torna-se” centro. Villaça (2001, p. 238-239)
ao estudar as cidades brasileiras afirma que o centro surge a partir da necessidade de
aglomeração e de afastamentos indesejados, mas obrigatórios (...), de um ponto onde
todos gostariam de se localizar. È neste local onde acontece a minimização do
“somatório dos deslocamentos do conjunto dos membros da aglomeração”, ou seja, o
lugar favorece uma grande acessibilidade com um menor tempo e com o mínimo de
esforço.
Essa é a origem material do valor concreto dos centros das
aglomerações. Se a essência do valor de uso das localizações es
associada à otimização dos deslocamentos de toda a comunidade, é
nesse ponto que está cristalizada a maior quantidade de trabalho
socialmente necessário despendido na produção da aglomeração e
pela aglomeração. Isso significa que nenhum outro ponto o supera em
matéria de trabalho cristalizado, em valor de uso, ou seja, em
acessibilidade. (VILLAÇA, 2001, p. 241).
É através desse processo contraditório de aglomerações e afastamentos
que se espelha no espaço intra-urbano “o poder das classes sociais ao escolherem
suas localizações em razão de seus variados interesses.” Segundo Villaça (Idem. p.
243), as diferentes classes sociais têm condições distintas de acessibilidade aos
diferentes pontos do espaço urbano. Têm diferentes condições de manipular a
acessibilidade ao centro e sua localização em relação a elas.
Alguns elementos apresentar-se-ão determinantes para a efetivação dessa
disputa, no que diz respeito às condições de acessibilidade ao centro, como os
sistemas viários e de transportes (públicos e particulares). Há por exemplo, aquelas
pessoas que mesmo empregando uma grande quantidade de tempo no deslocamento
do trajeto casa-trabalho-casa, escolheram morar em locais mais aprazíveis, na periferia
da cidade. Nesse caso, as mesmas constituem as camadas sociais de alta renda, que
ao se estabelecerem em um determinado local, devido à necessidade de minimização
do deslocamento, acabam por lhe incorporar atividades de comércio, serviço e lazer.
Segundo Villaça, ‘para lá também vão (já há décadas) as escolas dessas classes, seus
shoppings e até o centro da cidade’. (Idem, p. 244).
Em Fortaleza um dos elementos que contribuíram sobremaneira para a
atual configuração do espaço metropolitano foi a estruturação da malha viária. A cidade
vem incorporando inúmeras melhorias e duplicação dos sistemas viários e de
transportes públicos. É através da efetivação do Trem Metropolitano de Fortaleza -
METROFOR, ainda em fase de conclusão, que a cidade disponibilizará para a
população um sistema de transporte integrado, inserido em uma concepção moderna
de transporte coletivo da RMF
30
.
Nessa discussão, sobre centralidade, a existência de um centro está
imbricada “na possibilidade de minimizar o tempo gasto e os desgastes e custos
associados aos deslocamentos espaciais dos seres humanos“. E para Villaça (2001, p.
244), dominar o centro e o acesso a ele representa não só uma vantagem material
concreta, mas também o domínio de toda uma simbologia. Os centros urbanos
principais são, portanto (ainda são, sem que pesem suas recentes decadências),
pontos altamente estratégicos para o exercício da dominação e também da cidadania.
30
A implantação do metrô se efetivará, em boa parte, no trecho já existente em superfície; e outra,
através da complementação subterrânea que se trata de um pequeno trecho (2,8 km) realizado na área
central. “Será nas imediações do centro da cidade, onde o sistema metroviário provocará maior impacto
com a requalificação de uma vasta área, onde hoje subsistem bairros, alguns parcialmente degradados,
até agora excluídos do vertiginoso crescimento que tem marcado Fortaleza nos últimos anos.” (SILVA,
2005, p. 106).
Aqui, ao denominar centro principal, o autor se refere ao centro tradicional
da cidade. Esse centro se destaca pela concentração de infra-estrutura, equipamentos
religiosos, de lazer e de entretenimento e principalmente por ser marco inicial onde se
localizavam as principais funções urbanas, de modo a congregar um grande potencial
na interação social. A policentralidade gerou o enfraquecimento dos centros tradicionais
como aglutinadores das principais funções metropolitanas. Referente a isso, Villaça
considera que as transformações dos centros principais de nossas
metrópoles (...) são uma conseqüência de seu abandono pelas
camadas de alta renda. Inicialmente, o centro começou a ser
abandonado como local de compras e serviços (diversões
especialmente). Depois, também como local de empregos. Esse
abandono pode não significar decréscimo absoluto, mas relativo. (Op.
cit. p. 274).
Esse enfraquecimento do centro tradicional tem sido denominado pela
classe dominante como ‘decadência ou deterioração do centro tradicional’ para justificar
interesses próprios e naturalizar o processo de mudança/deslocamento dessa área da
cidade para outras nas zonas periféricas.
Estrategicamente, esse segmento social estabelece a ideologia da
degradação do centro tradicional, argumentando que a ‘deteriorização’ ocorre porque o
centro tradicional ficou velho. Segundo Villaça (2001, p. 279)
esse abandono, como já vimos, foi motivado pela fragilidade da
vinculação mutua entre nossos centros e a diminuta classe que o
sustenta. No Brasil, a ruptura dessa estabilidade foi facilitada pelas
novas condições de locomoção associadas á vulgarização do
automóvel e articulada a interesses imobiliários de abrir novas frentes
para seus empreendimentos e continuamente renovar o estoque
construído.
Com o deslocamento das camadas de alta renda do centro tradicional, este,
paulatinamente, passou a atender preferencialmente, ao comércio e serviços da classe
de menor poder aquisitivo.
À medida que essas camadas ascendiam como consumidores, suas
lojas e serviços começaram a aparecer também nos centros das
metrópoles nas áreas abandonadas pelo comércio e serviços que
atendiam às burguesias. No final do século XX, a presença das
camadas populares nos centros tradicionais era marcante de modo que
aquilo a que se chamava ideologicamente de ‘decadência’ do centro é
tão somente sua tomada pelas camadas populares, justamente sua
tomada pela maioria da população. (VILLAÇA, 2001 p. 283).
Com o estabelecimento da classe de maior poder aquisitivo nas áreas
periféricas e a concentração das camadas populares no centro tradicional, tornou-se
cada vez mais notória a segregação socioespacial, de modo a dividir o espaço intra-
urbano em dois centros distintos: o ‘velho centro’ que se refere ao centro tradicional e o
‘novo centro’, constituído pela população mais rica. Assim,
O centro tradicional, enquanto foi centro da maioria - das burguesias -
era o centro da cidade. Hoje, ele é o centro da maioria popular.
Justamente agora que o centro velho é o centro da cidade - pois agora
ele é o centro da maioria - a ideologia dominante declara que a cidade
tem um novo centro. É curioso. O centro novo, segundo a ideologia
dominante, passa a ser o centro da minoria. É o processo de
universalização do particular por parte da classe dominante. O “seu”
centro deve ser o centro da cidade. (Op. cit. p. 346 - 348).
O caso do centro tradicional de Fortaleza é um exemplo concreto de tal
realidade. Concebido como local principal das elites até o início do século XX, o centro
da cidade fortalezense passou à mercê das camadas populares em detrimento da
valorização de outras áreas da cidade pela elite, distantes do perímetro central. E como
foi mencionado anteriormente, essas transformações nos usos e funções dos espaços
públicos estão intrínsecos à conjuntura do Estado e, por conseguinte refletidas na
cidade Fortaleza.
Em meio a essas transformações, os espaços públicos do centro tradicional
passaram a se constituir principalmente pelos vários grupos sociais que ali
desenvolvem atividades voltadas a sobrevivência, são eles: vendedores ambulantes,
engraxates, aposentados, pregadores evangélicos, prostitutas, crianças de rua, artistas
e todo o contingente da população de Fortaleza, área metropolitana e ‘interior’, à
exceção das pessoas de classe média alta e alta ou, senão, alguns de classe média
que aspiram o poder econômico e social das classes mais privilegiadas.
Não obstante o deslocamento das camadas de alto poder aquisitivo e de
partes significante da função residencial do centro tradicional e a origem de novos
centros, o centro antigo, o tradicional, ainda persiste, sua localização é intransferível e,
o mesmo, continuará sendo o centro da cidade, mantendo ainda uma grande vitalidade
exercida pela classe de menor poder aquisitivo e também, embora em menor escala,
pela classe média e média alta.
Os subcentros e os shoppings centers são frutos da constituição de novas
centralidades. No caso do primeiro, caracteriza-se pela função residencial e
desenvolvimento de muitos serviços, até então encontrados somente na área central. O
shopping center, bastante freqüentado pelas camadas de maior poder aquisitivo, é um
dos elementos que contribuiu sobremaneira para o esvaziamento do centro tradicional e
principalmente dos espaços públicos desse centro. Trata-se de um estabelecimento
que concentra, atividades comerciais, de serviço, lazer e entretenimento e, ainda,
disponibiliza uma infra-estrutura com aparatos de segurança, correspondendo às
exigências e necessidades dos que dele se utilizam.
Com o processo de metropolização ocorreu a valorização de outras áreas
da cidade, de acordo com as necessidades de consumo da burguesia. Sobre isso,
afirma Villaça (2001, p. 141),
que certos pontos se tornam mais acessíveis, certas artérias mais
atrativas e, também uns e outros mais valorizados. Por isso são
atividades mais dinâmicas que se instalam nessas áreas privilegiadas;
quanto aos lugares de residências, a lógica é a mesma, com as
pessoas de maiores recursos buscando alojar-se onde lhes pareçam
mais conveniente (...). É desse modo que as diversas parcelas da
cidade ganham ou perdem valor ao longo do tempo.
Em meados do século XX, notadamente a partir dos anos 60, a sociedade
fortalezense passou a experimentar outros locais para exercerem suas atividade no
setor de comércio, serviço e entretenimento. Assim emergiram as casas de show, as
boites, os equipamentos turísticos, os serviços de telecomunicações, os grandes
restaurantes e pizzarias, as cadeias de fast-food, o Habbib’s, entre outros. De modo
que todos esses serviços estão acessíveis, fora do perímetro central, voltados para a
classe de maior poder aquisitivo, concentrando-se principalmente na Aldeota, Meireles,
Água Fria, Edson Queiroz, entre outros bairros. A implementação desses elementos
contribuiu, notadamente, para o esvaziamento das praças do centro como local
principal de sociabilidade.
Para que se compreenda esse novo perfil de refuncionalização do centro e
de seus espaços públicos, cabe enfatizar as palavras de Silva (2005, p. 110)
mencionadas anteriormente, quando a partir dos anos 60 o estado passou a integrar
com maior intensidade o circuito nacional de mercadorias e de capital, sendo em 90
inserido no mercado global da economia.
Hoje, o centro da cidade é marcado pela refuncionalização de seus usos e
atividades, de modo a refletir nos seus espaços públicos, a perda considerável do poder
de atração, em detrimento da emergência de outros espaços como local de lazer e de
entretenimento. Nesse sentido,
um processo de ajuste sócio-espacial conduzem à constatação da
eleição do centro da cidade como bairro preferencial de negócios e
serviços para a população da periferia. A crescente incorporação de
fluxos pendulares periferia/centro/periferia intensificou a dinâmica
urbana de Fortaleza, especialmente a área central e seu entorno,
acentuando o processo de transformação manifesto, especialmente, na
acelerada extensão da malha urbana que se adensa e se fragmenta
simultaneamente. (Op. cit. p. 116 e 117).
A pulverização do centro tradicional e o surgimento de novas centralidades,
ressalte-se, não se constituem em produtos socioespaciais antagônicos e não obstante
a presença de outras centralidades, o centro tradicional de Fortaleza agrega um poder
econômico significativo no contexto municipal, sendo o maior empregador e estando
entre os maiores arrecadadores de impostos. (QUADRO 1). De acordo com os dados
do quadro 1, verifica-se que, em termos de arrecadação anual de ICMS em 2002, com
R$ 174 milhões, o Centro ficou atrás, apenas, da Aldeota (R$ 360 milhões). Mas no que
se refere ao número de empregos, se destaca com um número de mais de 67 mil
empregos.
Quadro 1 - Comparação entre a Arrecadação de Impostos do Centro e seus
principais concorrentes (2002)
Território
Número de
Empregos
Arrecadação
ICMS (R$ Mil)
Arrecadação
ISS (R$ Mil)
Arrecadação
IPTU (R$ Mil)
Fortaleza 337.015 1.997.643 107.280 54.012
Centro 67.562 174.588 17.480 5.686
Aldeota 25.616 360.860 14.554 7.999
Meireles 42.622 8.938 6.519 7.584
Praia de Iracema 1.242 4.52 483 387
Eng. Luciano Cavalcante ND 22.517 ND ND
Edson Queiroz 2.410 17.196 868 1.583
Parque Manibura ND 519 378 217
Cambeba 464 393 93 424
Messejana 11.661 105.393 687 277
Antônio Bezerra 3.954 18.783 234 238
Alagadiço São Gerardo 8.917 9.583 705 528
Benfica 9.494 5.720 1.510 535
Bairro de Fátima 6.514 17.381 5.354 1.899
Joaquim Távora 14.747 8.862 1.935 1.224
Parangaba 8.471 31.128 1.629 426
Montese 5.288 24.687 516 425
Barra do Ceará 8.913 30.649 340 262
Carlito Pamplona ND 1.472 48 168
Fonte: SEPLA - PMF, 2004.
ND - Não Dispõem de Estatística Individualizada de Emprego.
ICMS - Imposto sobre Comercialização de Mercadorias e Serviços.
ISS - Imposto Sobre Serviços.
IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano.
Não obstante o deslocamento de algumas atividades e funções da área
central para outros bairros, através dos números expostos anteriormente pode-se
identificar o seu importante desempenho em razão de seu dinamismo, que está mais
voltado para as atividades de comércio e serviços das classes populares e, como
atrativos para esse segmento social, emerge uma grande quantidade de shoppings
populares com preços acessíveis, concentrando diversos compradores.
Como Fortaleza não se firmou como uma cidade tipicamente industrial,
impera a inclinação de cidade terciarizada, e segundo Bernal (2004) ‘o fortalecimento
do terciário é uma tendência apresentada mundialmente pelas economias
metropolitanas, onde o crescimento mais notável acontece nos serviços de comércio
ambulante, hospedagem e alimentação, de incorporação de imóveis etc.’.
Ao longo do tempo a população do Centro de Fortaleza vem diminuindo
generalizando uma perda considerável, o que demonstra a dificuldade enfrentada em
atrair a população para essa área da cidade, nos dias atuais. Segundo os dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE em 2000, em 1996 a população do
centro era de 27.584 habitantes e em 2000, de 24.775, constituindo um decréscimo de
2,65%.
O centro tradicional da cidade tornou-se uma área desafiadora para as
gestões administrativas que vêm procurando, ao longo do tempo, minimizar o discurso
ideológico de área deteriorada, lançando propostas que visem reabilitar a função
residencial através de mecanismos que atraiam a população para essa área da cidade.
Nesse sentido, a arquiteta Margareth Matiko Umura, Coordenadora do
Programa de Reabilitação das Áreas Centrais e uma das responsáveis pelo
desenvolvimento das diretrizes gerais do Programa Ministério das Cidades, afirma que
ao contrário do que se pensa ‘o centro não perdeu a vida, ele é pulsante’. Segundo ela,
faz-se necessária a atuação, em conjunto, do setor público e privado para que se
efetive a atração das famílias para o centro. A grande questão é que o mercado
imobiliário não se vê atraído pela idéia de investir naquela área. Ressalta ainda que ‘os
planos diretores estão passando por uma revisão, de forma que a aplicação dos
instrumentos precisa ser experimentada em operações urbanas’. (Palestra: alternativas
para a questão da moradia em Fortaleza: moradia no centro, desafios e perspectivas-
22/11/2005).
O próximo capítulo procura mostrar os usos e funções dos espaços públicos
da cidade de Fortaleza, em especial as praças em estudo, identificando as diversas
territorialidades que se constroem nesses logradouros. E é a partir dessa
refuncionalização do centro, que “repartido, fragmentado, configura os diversos
territórios em seu interior, confirmando suas condições de espaço privilegiado de
negócios, de encontro, de troca e de múltiplas atividades.” (SILVA, 2005, p. 117).
CAPÍTULO 3. AS PRAÇAS E SEUS USOS: TEMPORALIDADES E
TERRITORIALIDADES
A praça é um espaço público, ou seja, um espaço livre para ser usado pela
sociedade. Mas, não obstante seu atributo, ao longo do tempo, a mesma vem se
distanciando de seu papel como espaço de alteridade. A organização do espaço
reproduz a estrutura sócio-econômica, de modo que a pobreza e a riqueza se
territorializam em espaços diferentes no cotidiano da metrópole. Essa reprodução se
perpetua também nos espaços públicos de modo a configurá-los a partir da forma como
estão sendo utilizados e por quem estão sendo apropriados. Segundo Silva (1995), os
espaços públicos no centro indicam, pelo uso e usuário, a mudança de relações sociais
dentro do processo de evolução da cidade.
Se em tempos pretéritos as praças da área central detinham a prevalência
enquanto espaço de lazer e sociabilidade, deve-se considerar o momento histórico
imbricado ao contexto econômico. A cidade se formou ali desenvolvendo suas
atividades política, econômica e social. Desse modo, também era no Centro onde se
localizavam os espaços lúdicos e de diversão para a sociedade que ali residia.
Assim, os espaços de maior congregação e que marcaram sobremaneira a
história da cidade, por conta da diversidade de acontecimentos que ali se processavam,
eram as praças. Nelas, além dos momentos de lazer, também se registravam
momentos tensos, referentes ao quadro político e econômico e, em outras ocasiões,
algumas figuras cômicas que chamavam atenção dos freqüentadores. Paulatinamente,
a cidade foi crescendo e incorporando outros espaços de sociabilidade, o que contribuiu
para a descaracterização da função de lazer como sendo o foco principal daquela área.
O Centro de Fortaleza é hoje uma área de concentração de comércio e
serviços. Seus espaços públicos quando não são apropriados de forma indevida, são
abandonados e/ou degradados; ou ainda, pode ter-se, também, os mesmos espaços
servindo apenas como local de passagem e sem equipamentos apropriados para uso
da população.
Assim, o centro da cidade, espaço apropriado por diversos grupos sociais,
não é simplesmente um ponto de convergência da malha viária, delimitado por um
traçado de ruas e avenidas, ou mesmo um ponto de aglomeração da cidade, ele é mais
do que isso, é, principalmente, lugar de referência histórica, como se percebe nos
comentários de Silva Filho (2004).
Espaço de alta densidade histórica e pluralidade cultural, o centro de
Fortaleza, revela-se como espaço fragmentado com diferentes territórios em seu
interior, possibilitando múltiplas solidariedades e recriações no universo de atividades
nele desenvolvidas.
Analisando por esse prisma, as praças em estudo, situadas no centro da
cidade, destacam-se pela diversidade de territórios onde se estabelece um conjunto de
práticas sociais a serem apresentadas a partir do estudo das mesmas, na atualidade.
(FIGURA 5).
O Centro é recortado por vários territórios, separados por fronteiras invisíveis
e apropriados por grupos sociais distintos. Visualizam-se no espaço que circunde essa
área da cidade, praças e bares divididos para a prática da prostituição, marquises onde
dormem grupos de moradores de rua, esquinas que são ponto de encontro de gangues,
bancos de praças, uns utilizados para o encontro de homossexuais e outros reservados
para grupos dos aposentados. É nesta perspectiva de apropriação, ou melhor, de
territorialização dos espaços, que se intencionou fazer uma análise geográfica das
praças do Ferreira, José de Alencar e o Passeio Público.
Nossa pesquisa de campo observou os territórios marginais da prostituição
e viu que eles se reservam a determinados logradouros. É notória essa prática, nas
temporalidades diurna e noturna, na Praça José de Alencar e no Passeio Público,
independentemente da presença ou ausência da segurança policial. Os territórios da
prostituição se expandem para além desses logradouros, efetivando-se em outras
áreas do centro da cidade. Outro território marginal é o das crianças de rua que
assumem a função de pedintes quando não estão cheirando cola, ou praticando
pequenos furtos. Os mendigos misturam-se aos transeuntes construindo o que Souza
(1995) caracteriza de territorialidade flexível.
3.1 As temporalidades e as territorialidades
Vários fatos marcantes entraram para a história da cidade ao longo do
tempo, e boa parte deles aconteceu nos espaços públicos, de modo especial, nas
praças do Centro de Fortaleza. Das pessoas que geralmente circulam no Centro,
poucas são aquelas que conhecem ou já ouviram falar da representatividade que os
espaços públicos (praças) desempenhavam na cidade. E mais raro ainda são as
pessoas que, por curiosidade, observam ou sentam num dos bancos de uma praça
central para descansar dos itinerários constantes e diários. “O costume antigo de reunir
amigos e familiares nas praças para conversar, sentados nos bancos, sob a sombra
das árvores está sendo esquecido”. (ANDRADE, 2006). Assim, a história da cidade
avança e se perde com a alteração dos costumes e significado desses espaços
públicos.
Geralmente, a maioria dos fortalezenses que vão para o Centro da cidade,
hoje, tem algum objetivo especifico: estão a trabalho ou foram às compras, o que
geralmente leva a um transcurso apressado, com trajetos curtos e objetividade. Nessa
perspectiva,
há uma diferença entre o caminhante - agente de improvisos
constantes, traçados variados e rastros fugidios - e o passante -
indivíduo desapegado com o ambiente social que o rodeia, amplamente
integrado no sistema de regras voltadas ao deslocamento eficiente,
separado dos lugares que percorre. (ARANTES, 1994 apud SILVA
FILHO, 2003, p. 19).
É no caso do primeiro, através do passo desacelerado, sem tempo
cronometrado e sem trajetos pré-estabelecidos, que se consegue abstrair dos espaços
o significado histórico cultural. Enquanto para o segundo, esses elementos que fazem
parte da cidade passam despercebidos.
Atualmente, a maioria dos espaços públicos que constituem o centro
encontra-se num estado de abandono tal, que o ato de freqüentar um espaço público
com o objetivo de permanência ou passagem, gera um sentimento de medo e aflição,
em razão da insegurança apresentada nesses espaços
31
. Contudo, ainda existem
praças que se destacam pela dinâmica e diversidade de acontecimentos, onde a
história cotidiana se constrói. É constante o esforço desprendido pelos órgãos gestores
da cidade em tornar as praças do centro mais atrativas aos cidadãos.
31
Os locais mais tradicionais, no centro de Fortaleza, foram abandonados pelos cidadãos, que não se
sentem mais à vontade para freqüentá-los, devido a falta de segurança e de estrutura. (ANDRADE,
2006).
As praças do centro de Fortaleza sofrem com o abandono. Entre os
principais problemas estão a insegurança, poluição sonora e sujeira. A
praça do Ferreira é exceção na cidade. Na praça José de Alencar,
mendigos e ambulantes disputam espaços com os artistas e cantores
evangélicos. (O POVO, 29/04/1998, p. 19A).
No caso específico das praças, objeto de estudo, a praça do Ferreira é a
que se apresenta mais preservada com condições de acolher a quem desejar passar ou
permanecer por mais tempo na mesma. Além de ser limpa, a segurança realizada pelos
policiais nesse local é freqüente na temporalidade diurna.
Contrapondo à situação de abandono das praças do Centro de
Fortaleza, é a praça do Ferreira reformada pela última vez em 1991, na
gestão de Juraci Magalhães, a praça vem conseguindo manter-se
conservada e limpa. Não se encontram vendedores ambulantes e
outras figuras que são tão comuns nas outras praças. (Idem).
Em visita de campo observou-se que esses elementos deixam a desejar no
Passeio Público, principalmente na temporalidade noturna, quando deveria ser mais
presente a atuação dos policiais, constatou-se a total ausência dos mesmos.
No que diz respeito à praça José de Alencar, não obstante a presença
freqüente dos guardas municipais e dos policiais, ela vem se apresentando como locus
principalmente dos vendedores ambulantes, que se apropriam desse espaço público da
cidade. Talvez pela presença das paradas de ônibus na rua General Sampaio, do lado
da praça, a área tornou-se um dos locais onde é muito marcante a poluição sonora.
É perceptível a mudança do uso e dos freqüentadores dos espaços públicos
do Centro da cidade de Fortaleza, nos últimos anos. As praças, acima citadas, foram,
no passado locais privilegiados pela sociedade cearense e ali aconteciam os principais
eventos culturais. Com a perda da função residencial e institucional, a área central
passou a concentrar fundamentalmente as atividades comerciais e de serviços,
enquanto as praças ganhavam novos usos, sendo apropriadas por parcelas
significativas da população menos abastada.
Se o Centro não possui a primazia de tempos passados pelo fato de que
algumas funções foram deslocadas para outras áreas da cidade, o mesmo “conserva
uma grande vitalidade e se presta a um leque de atividades - moradia, trabalho, lazer,
compras, troca de informações, alimentação e sociabilidade para a população de menor
poder aquisitivo.” (SILVA FILHO, 2004).
Assim, caracterizar as territorialidades, presentes, atualmente, nesses
espaços públicos, compreende, em primeiro momento, definir as relações de poder que
se estabelecem entre os diferentes grupos sociais que se apropriam destas áreas; e,
em segundo, identificar as diferentes temporalidades (diurno/noturna) em que ocorre
essa apropriação. As praças do Ferreira, José de Alencar e o Passeio Público,
apresentam diversidades de usos nos períodos diurno e noturno e diferenciações
quanto à forma como vêm sendo apropriadas pelos diferentes atores sociais.
3.2 A Praça do Ferreira
Determinar precisamente a gênese da praça do Ferreira não é tarefa fácil.
Para Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez), “é como querer determinar a idade de uma
cidade. É impossível que isso aconteça da noite para o dia. Porque elas vão sendo
construídas aos poucos pela própria população.” (O POVO, 08/02/1999). Em relação à
Praça do Ferreira, a afirmação é comprovadamente verdadeira. Isto porque que, antes
da construção e efetivação daquele espaço público, o local era permeado pelo
ajuntamento de pessoas que freqüentavam a Botica do Ferreira, a mais importante da
cidade, no início do século XIX, além, é óbvio, da atividade comercial da própria Feira
Nova, função primeira daquele espaço, como sendo público e que lhe emprestou o
primeiro nome.
Ali, passou a concentrar-se uma grande quantidade de comerciantes,
provocando o deslocamento dos compradores e vendedores da Praça da Sé,
localização anterior daquela feira e que era considerada a área central da cidade. Em
1843, na gestão do Presidente da Câmara
32
Antônio Rodrigues Ferreira (1843-1859),
instituiu-se oficialmente o espaço compreendido entre as ruas Major Facundo e Floriano
Peixoto, como uma praça e esta veio a ser um marco na história da cidade
33
.
Paulatinamente, a Praça passou a vivenciar os movimentos culturais mais significativos
da cidade, fossem de ordem intelectiva ou popular, acompanhando e sofrendo, em si
mesma, na medida em que se expandia a Cidade, as transformações de Fortaleza.
Várias foram essas transformações, como dito anteriormente e
acompanharam as mudanças de governo e seus interesses, em geral. O ‘processo de
remodelação sócio-urbana de Fortaleza’ “intensificou-se a partir das décadas de 1880 e
1890, época de instauração do regime republicano no Brasil (1889). O novo regime e o
novo século que se avizinhava reforçaram os anseios dominantes em alinhar o País ao
progresso e à modernidade”. (PONTE, 2004, p. 179).
Nesse processo de remodelação, a cidade de Fortaleza elegeu como
espelho da modernidade, a cidade de Paris, considerada a mais bela do século XIX.
Assim, além da incorporação do estilo arquitetônico, a cultura européia também foi
absorvida no cotidiano dos fortalezenses. Desta forma,
não foi à toa que na década de 80 quatro elegantes cafés, em estilo
chalet francês surgiram nos quatro cantos da praça do Ferreira. Tinha
que ser lá, a praça era o principal logradouro desde a primeira metade
do século XIX. Em seu entorno estavam os principais estabelecimentos
comerciais, repartições públicas e o ponto de partida e chegada dos
bondes. (PONTE, 2004, p. 171).
32
O cargo que equivaleria a Intendente, ou seja, Prefeito.
33
Segundo Costa (2005, p. 66) “a Câmara Municipal, em 1833, é instalada na praça da Feira Nova. (...).
Com o presidente da Câmara, Boticário Ferreira, o centro do poder municipal se fixa nesta praça
denominada, então, de praça Municipal”. A praça do Ferreira recebeu também o nome de praça
Municipal ou da Municipalidade, praça Pedro II e em 1871, praça do Ferreira, em homenagem ao
Antônio Rodrigues Ferreira, o Boticário Ferreira.
O Café Elegante ficava na esquina sudeste (rua Pedro Borges com Floriano
Peixoto), o Iracema na esquina sudoeste (rua Pedro Borges com Major Facundo), o do
Comércio, na esquina noroeste (rua Major Facundo com Guilherme Rocha) e o Java, na
esquina nordeste (rua Guilherme Rocha com Floriano Peixoto). A exemplo dos cafés
parisienses constituíam-se locus agregador de políticos, intelectuais e boêmios que
discutiam temas políticos, literários e do cotidiano.
Foi no Café Java, o primeiro a ser construído e o predileto da maioria dos
intelectuais, onde nasceu o movimento literário mais importante da capital, idealizado
por Antônio Sales, a Padaria Espiritual (1892-1898). Dos quiosques existentes na
praça, o Café do Comércio era o maior e juntamente com o Elegante possuía uma parte
superior (assobradado). (FOTO 1). Neste período, a iluminação da cidade era a óleo de
peixe e o transporte feito em dorso de burros mas a praça era aconchegante e
convidativa aos freqüentadores.
Segundo Ponte (2004)
os cafés eram apenas um dos indicadores de uma ‘epidemia’ que se
alastrava em Fortaleza e em outros centros urbanos ocidentais naquele
fim de século: a febre do afrancesamento. Para parecer cosmopolita,
chic e se distinguir socialmente, era preciso estar em dia com as modas
e modismos franceses, já que o modo de vida parisiense era a principal
referência de modernidade. (PONTE, 2004, p. 171).
FOTO 1 - Café do Comércio, Praça do Ferreira, século XIX
Fonte: Arquivo Nirez.
A incorporação do ‘afrancesamento’ processou-se não apenas no modo de
vestir e na arquitetura, mas no modo de vida, hábitos e costumes e, inclusive, no modo
de falar, com a freqüente utilização de expressões em francês para indicar o grau de
representatividade e importância na sociedade. É o que afirma Nirez, em entrevista
concedida ao Jornal da Cidade - TV Cidade/canal 8 - 30/06/2006: “na época, os
fortalezenses copiavam a cultura francesa: o estilo arquitetônico, o modo de vida...”.
A partir de 1880, a praça adquiriu grande relevância com a instalação dos
bondes puxados por burros, cuja estação principal funcionava ali mesmo, distribuindo-
os para outras áreas da cidade. As primeiras linhas ligavam o Centro à Praia, à
Alfândega, ao Matadouro e à Estação Ferroviária. (FOTO 2). Contudo, apesar da
pompa dos freqüentadores e das “imitações parisienses”, Aderaldo (1989, p. 61), ao
descrever a Praça do Ferreira naquela época dizia que:
a praça era, até 1902, um vasto areal cercado de mongubeiras e outras
árvores onde se realizavam feiras (seu primitivo nome fora Feira Nova).
Não se revestia sequer de calçamento tosco e apresentava, em sua
extensão, manchas irregulares de capinzal.
FOTO 2 - Bonde a tração animal, século XIX.
Fonte: Arquivo Nirez
Cinqüenta e nove anos após sua construção, em 1902, na gestão do
Coronel Guilherme Rocha, a praça que se configurava em um vasto areal com quatro
quiosques e uma cacimba
34
ao centro (FOTO 3), recebeu novo aspecto.
34
Para um olhar atento de um observador, no entorno da coluna da hora, encontra-se ainda hoje essa
cacimba que, por muito tempo, no século XIX, garantiu o fornecimento de água potável.
FOTO 3 - Resquícios da Cacimba do século XIX, Praça do Ferreira, 2005.
Foto: Elizete Américo.
Fonte: Arquivo Pessoal.
É interessante mencionar a importância dos cacimbões cavados nas
praças, os quais eram utilizados para o abastecimento de água à população naquela
época. Os registros históricos apontam as praças Municipal (atual praça do Ferreira) e
da Carolina como locais que, além das instalações das cacimbas públicas, tinham sido
também aformoseadas. Segundo Silva Filho (2003)
há 150 anos as cacimbas constituíam as principais fontes aqüíferas de
Fortaleza. Em torno delas escravos e escravas, homens e mulheres
pobres livres se juntavam para transportar água para as casas e
estabelecimentos comerciais. As famílias mais abastadas, por sua vez,
geralmente mandavam construir cacimbas no quintal de suas
residências. Ali trocavam diálogos, gracejos, informações, falavam se
suas condições de vida e habitação, queixavam-se dos patrões e dos
senhores, ‘matavam’ tempo de trabalho parando para descansar,
demorando-se mais do que o necessário... Cacimbas, poços e
chafarizes públicos constituíam lugares de intensa sociabilidade num
período em que a cidade ainda não dispunha de um sistema
subterrâneo de abastecimento d’àgua para as residências. (SILVA
FILHO, 2003, p.19-20).
Ponte (2004, p. 180), declara que entre 1896 e 1912, período de vigência
da oligarquia comandada pelo presidente Antônio Nogueira Accioly, foram retomados
os investimentos embelezadores e disciplinantes para a capital e sua população. Foi o
tempo também da gestão municipal de Guilherme Rocha, intendente (prefeito)
nomeado pelo oligarca Accioly. Retratado como homem fino e europeizado, Guilherme
Rocha foi o administrador que mais se empenhou pelo aformoseamento de Fortaleza.
Guilherme Rocha objetivou o aformoseamento da praça em estilo ‘Belle
Époque’, construindo o Jardim 7 de Setembro que a tornou bela e florida e a cercou
com grades de ferro, cimentado-a com piso róseo e preservando os quiosques que se
tornaram o núcleo das concentração das pessoas que iam aos cafés e à Praça. Havia
também, ali, um chafariz com quatro torneiras, um cata-vento e 28 lampiões a gás, no
Jardim 7 de Setembro
35
.(FOTO 4).
Girão (1997), descreve assim, a Praça Municipal do início do século XX,
atual Praça do Ferreira:
o passeio tem um portão em cada um de suas faces, é dividido em cruz por
largas avenidas cimentadas, vinte e oito lampiões da luz pública fazem a
iluminação interna; e fora em derredor das grades, erguem-se 20 combustores
auxiliares, o que, o todo produz o desejado efeito. A frescura e a beleza
ornamental do jardim, aliando-se à alacridade dos Cafés e, agora, as sinfonias
das retretas noturnas, espiritualizando mais e mais o ambiente concorreram
para transformar a Praça no mais pulsátil coração urbano. (GIRÃO, 1997b, p.
130).
Diante de tanta beleza esse espaço público não tinha como passar
despercebido na vida social da população e atraía, inclusive, os residentes do entorno
da praça, com sua nova configuração.
35
Um fato curioso que predominava na época era que os jardins das praças também recebiam um nome.
No caso da praça do Ferreira os jardins foram batizados de 7 de Setembro.
FOTO 4 - Jardim 7 de setembro, na Praça do Ferreira, início do século XX
(Gestão Guilherme Rocha).
Fonte: Arquivo Nirez.
A sociedade daquela época não se reunia apenas em cafés, restaurantes,
confeitarias e demais estabelecimentos do gênero. Os bancos das praças também
eram pontos de reuniões de pessoas representativas dos setores econômico, político e
cultural.
No início do século XX, os bancos da Opinião Pública, da Democracia,
dos Comunistas e o Banco que não teve nome deram o que falar na
praça do Ferreira. A inscrição no ladrilho da praça do Ferreira conferia
singularidade àquele assento.. Estava lá, estampado em letras
garrafais, com um misto de gaiatice e vaidade: O BANCO. (...) Em
frente à farmácia Pasteur e cine Majestic, ficava o Banco da Opinião
Pública, liderado pelo jornalista Demócrito Rocha. (...) O jornalista
Daniel Job e o professor e ex-reitor da Universidade Federal do Ceará,
Antônio Martins Filho eram freqüentadores de carteirinha do Banco da
Democracia. (...) O Banco dos Comunistas também resiste na figura do
octogenário de Alberto Galeno, neto do escritor e poeta Juvenal
Galeno. Ex-membro do Partido Comunista do Brasil, ele lembra da
perseguição sofrida em 1964, quando os papeadores dos bancos da
praça do Ferreira eram confundidos com subversivos. (PAULA, 1999).
Segundo os cronistas da época que retrataram o assunto, reunir-se em
torno dos bancos no centro de Fortaleza tornou-se um hábito, de modo que, aos
poucos se constituíam as reuniões onde se discutiam vários assuntos e principalmente
os relacionados à política.
Esse costume teria surgido no Passeio Público, antes do embelezamento
da Praça do Ferreira, no entorno da qual foram construídos os quiosques. O BANCO
teve origem no Passeio Público e era conhecido como Banco dos Velhos
36
. A Praça do
Ferreira “foi embravecidamente roubando o papel antes exercido pela Praça da
Carolina e pelo Passeio Público, até bater em festa como o coração afetivo e efetivo da
cidade.”
37
Em 1910, Otacílio de Azevedo recém chegado da cidade de Redenção
(CE), acompanhado do irmão, saia para conhecer a Praça do Ferreira e, com surpresa,
assim descreveu sua beleza:
o centro (da Praça), cercado por grades de ferro pintadas imitando
bronze, oferecia aos meus olhos um belíssimo jardim - rosas, dálias,
papoulas - enfim uma imensa variedade das mais belas flores que vira
em toda a minha vida. (AZEVEDO, 1980, p. 24).
A Praça do Ferreira era considerada “o coração da cidade
38
” em virtude da
grande movimentação e vitalidade que ela concentrava. Ela atraía a atenção de todos
com
36
Marciano Lopes refere-se ao Banco dos Velhos retratando que: “era sagrado e nenhum profano podia
nele sentar-se. Era exclusivo dos velhos intelectuais, cultores da memória da cidade.” (LOPES, 1988, p.
52). Esses intelectuais ao migrarem para a praça do Ferreira conquistaram novos adeptos e incentivaram
o surgimento de outros bancos.
37
Jornal O POVO 21 de maio de 1991, pág 2B, caderno Vida e Arte.
38
Atualmente, a praça do Ferreira ainda mantém o título de “o coração da cidade”, pois além de ser o
ponto mais vital, a mesma exerce um sentido muito importante para a cidade como símbolo e resgate da
imagem da sociedade fortalezense. Vale ressaltar que, em 2001 referida praça foi escolhida pelos
fortalezenses como ícone da cidade.
seu comércio, seus cafés-quiosques, seus cinemas, suas garapeiras...
Os comícios do antigo coreto, ponto preferido pelos oradores de toda
sorte... A Praça, palco de tragédias ou de notas hilariantes, centro
geográfico de uma população que não deixava de passar por lá, sob
algum pretexto ou sem pretensão nenhuma. (GIRÃO, 1997a, p. 68).
Deva-se relembrar o famoso ‘Cajueiro Botador’, assim conhecido por
produzir frutos durante todo o ano. Muitos o chamavam de ‘cajueiro da mentira’, sendo
aproveitado o seu caule para sustentar uma urna onde se recolhiam os votos
requeridos para eleger o maior mentiroso da cidade, ato que, segundo alguns autores,
representava o molequismo cearense. Essas ‘eleições’ começaram a acontecer em
1904 e perduraram até 1920, quando o cajueiro foi derrubado, na gestão do Prefeito
Godofredo Maciel
39
.
Em 1925, ainda no mandato de Godofredo Maciel, a praça foi novamente
reformada. Foram retirados os quiosques, a praça passou a ser mosaicada e foram
construídos vários jardins e um coreto que foi coberto, posteriormente, em sua
reeleição. (FOTO 5).
39
Era o cajueiro da mentira. Melhor: o suporte da urna em que se elegiam os mitômanos graduados todos
os anos a primeiro de abril, considerado o dia nacional da potoca. A sua sombra, como um pálio,
resguardava a mesa eleitoral, que recebia os votos populares do mais animado e vero dos pleitos, tudo
ornamentado de bandeirinhas de papel e agitado de foguetes, bandas de música e bombas de estouro.
No Café Java, ao lado, as cervejadas sucediam-se, aguardando-se a apuração final. (GIRÃO, 1997b, p.
118).
FOTO 5 - Jardim 7 de setembro, na Praça do Ferreira, na gestão de Godofredo
Maciel, 1925.
Fonte: Arquivo Nirez.
O plano de remodelação, idealizado nessa gestão, reflete o ‘fim da vigência
da ‘belle époque’ em Fortaleza que, em razão da expansão da cidade, além de outras
mudanças, teve de ver alguns de seus logradouros serem ‘encolhidos’ pela
necessidade de melhor viabilizar o fluxo de veículos. Os cafés e os jardins da praça do
Ferreira
conviveram romanticamente e harmoniosamente com o ritmo
compassado de bondes puxados por burros e charretes em volta da
praça. Amplos e bucólicos, os cafés e o jardim 7 De Setembro agora
eram vistos como obstáculos que deveriam desaparecer para dar
passagem ao pragmatismo do vai-e-vem frenético da multidão de
transeuntes, automóveis e bondes elétricos dos agitados anos 20. (...)
tem início a constituição de uma nova organização do espaço urbano
fortalezense, mais paltada pela racionalidade do que pelo
embelezamento. (PONTE, 2004, p. 186).
Para Sennett (1998, p. 29), “uma vez que se tornou função da
movimentação, o espaço público perdeu todo sentido próprio independente para
experimentação”. Assim, o fato de as pessoas estarem motorizadas, de certa forma,
impossibilita-as de ver e sentir a Cidade, no trajeto realizado pelo automóvel, ao
contrário de quem caminha que pode abstrair os elementos da paisagem, de forma
singular.
Em 1920, o visitante Joaquim Pimenta descrevia os lugares por onde
passava. Vindo de Tauá, saiu a conhecer as ruas do centro da cidade, guiado pelo tio
Benigno. Segundo sua descrição, Fortaleza apresentava os seguintes aspectos:
ruas e ruas cruzando, sem becos, formando quadriláteros, o Palácio do
Governo, acachapado, dando para uma praça com sua estátua de bronze, em
pé, marcial: era o General Tibúrcio, herói da guerra do Paraguai. O mercado,
todo de ferro, onde tomei, numa barraca, um copo de murici, bebida oleosa,
amarelada, mas de agradável sabor. Dali ao Passeio Público, todo arborizado,
com canteiros floridos, de onde eu ia, afinal, ver, pela primeira vez, o mar cujo
bramir parecia que já me sussurrava aos ouvidos... Fomos ao Outeiro onde
chácaras de luxo se defrontavam com a casaria pobre dos pescadores e
catraieiros; Alagadiço, bairro aristocrático; Benfica, no fim da linha ferro-carril,
rigorosamente o único passeio suburbano que Fortaleza oferecia, naquele
tempo, aos forasteiros. Às cinco horas da tarde, na Praça Marquês do Herval,
foi a minha primeira impressão da vida elegante da cidade. Moças sorridentes
acompanhadas de matronas sérias, sentadas nos bancos cruzando com
rapazes no mesmo vai e vem e troca de olhares. (GIRÃO, 1997a, p. 33 e 34).
Tal descrição evidencia o paulatino crescimento da cidade e a incorporação
de novos bairros pela classe dominante fora da área central. “A ocupação de
Jacarecanga e da Praia de Iracema pelas elites, configura o surgimento dos primeiros
bairros elegantes, delineando de forma mais visível os novos espaços burgueses e
enfatizando a segregação sócio-espacial.“ (PONTE, 2001).
Atreladas a todas essas transformações, surgiam, também, as tensões
sociais na cidade, devido ao grande contingente de pessoas pobres que procuravam a
área central com o objetivo de melhorar de vida. A área central configurou-se em um
espaço problemático, uma vez que concentrava toda a movimentação comercial e dos
serviços, como lojas, armazéns, cinemas, clubes e parques.
Outra reforma significativa aconteceu em 1932, pelo então prefeito
Raimundo Girão, que retirou o coreto e construiu em seu lugar a ‘Coluna da Hora’,
inaugurando-a aos fins do ano de 1933 e início de 1934. (FOTO 6). Nesse período,
a praça do Ferreira detinha maior importância, sendo nela instalado o
relógio com a hora oficial do município, como uma forma de garantir a
‘coordenação das atividades urbanas’ dos citadinos. ‘Nenhum outro
espaço público detinha tanto prestígio, agregando no seu entorno a
partida de várias linhas de bondes e os principais cinemas,
restaurantes, lojas de moda e casas comerciais. As mais importantes
manifestações culturais e políticas da cidade tinham naquele logradouro
seu foco irradiador. (SILVA FILHO, 2004, p. 81).
FOTO 6 - Coluna da Hora, na gestão de Raimundo Girão, 1933.
Fonte: Arquivo Nirez.
A reforma realizada entre 1941 e 1942, por Raimundo Araripe, trouxe
completa modificação do aspecto da praça. Os ônibus dos bairros Benfica, Prado e
Jacarecanga, que tinham pontos de parada na face norte, passaram a estacionar na
face leste, reduzindo significativamente o espaço da praça.
Em 1946, foi demolido o quarteirão que compreendia o prédio da
Intendência Municipal e outras construções. Sob determinação do Prefeito Acrísio
Moreira da Rocha, foi construído em 1949, o Abrigo Central (FOTO 7), na esquina da
Rua Guilherme Rocha com Floriano Peixoto. Nele existiam as paradas de ônibus,
boxes, casas de merendas como a famosa ‘Pedão da bananada’, livrarias como a do
Alaor, casas de vender discos e as bancas de revistas. Naquele espaço popular,
aconteciam reuniões profissionais, discussão de pessoas dos diferentes segmentos
sociais, comentários sobre esportes, política, música, enfim, os mais variados assuntos,
estabelecendo-se como local de grande movimentação. O Abrigo Central foi demolido
em 1967. (FOTO 8).
FOTO 7 - Abrigo Central, meados do século XX.
Fonte: Arquivo Nirez.
A partir dos primeiros anos de 1960, a praça do Ferreira,
antes lugar hegemônico de sociabilidade da população, entra em
declínio e, gradativamente, perde sua importância como elemento
polarizador do lazer dos vários segmentos sociais, os quais, apesar de
suas diferenças, podiam usufruir, ainda que de maneira segregada, o
mesmo espaço urbano. (PONTES, 2005, p. 78).
Com a diminuição considerável da função habitacional e sem mais o
interesse das classes mais abastadas como seu local de consumo, trabalho e lazer, o
Centro, aos poucos, foi-se degradando, transformando-se em área de comércio para os
consumidores pobres.
FOTO 8 - Praça do Ferreira sem o abrigo central e a coluna da hora, final do século
XX.
Fonte: Arquivo Nirez.
Entre 1968 e 1969, na administração do prefeito José Walter Barbosa
Cavalcante, ocorreu mais uma reforma na Praça do Ferreira e, quando concluída,
causou grande insatisfação, acarretando o desaparecimento dos freqüentadores
tradicionais, passando a atrair um outro público. A Coluna da Hora foi demolida e a
Praça configurou-se em um local pouco aprazível (FOTO 17). Conforme reportagem do
Jornal O Povo, os
enormes blocos de concreto espalhados no local, foram feitos para
impedir uma visão totalizante e evitar aglomerações na praça. A
derrubada da Coluna da Hora e a construção da Galeria Antônio
Bandeira indignaram os antigos freqüentadores, que reclamavam ainda
da falta de bancos, árvores, iluminação, critério visual e aconchego. (O
POVO, 1991, p. 2B).
A praça, espaço de polêmicas e de debates, tornou-se “sem alma, toda de
cimento, sem arte, sem bancos de madeira, sem iluminação e com esconderijo que só
beneficiariam as guerrilhas da época da ditadura militar.” (NIREZ, 1991)
40
.
Vale ressaltar, que as reformas nos espaços públicos é uma realidade
brasileira em razão das mudanças ocorridas, ao longo do tempo, na história das
cidades. E, atrelados às formas atuais desses espaços, estão também os fragmentos
do passado. Quando se tem uma justaposição de temporalidades, questiona-se qual a
importância e necessidade desses equipamentos, hoje, para que se legitimem as
intervenções dos poderes municipais nos espaços públicos da cidade?
As cidades brasileiras vêm sendo alvo de várias intervenções, dentre elas, o
‘revigoramento dos centros históricos’ através de ações como: restauração de
fachadas, alargamento de passeios, renovação do mobiliário urbano, reformas dos
logradouros e edifícios antigos, entre outras. Mas, para além dessas realizações nos
aspectos físicos dos equipamentos urbanos, o poder público não pode perder de vista o
objetivo maior que é a visão integrada dessas ações. Assim, “deve-se pensar e
estimular os trajetos, articular visitas às edificações, promover uma reinserção dessas
áreas com as práticas do usuário da cidade.” (
SILVA FILHO, 2003). Acredita-se que
dessa forma, esses espaços terão ressuscitado o seu significado e a ‘memória pode se
constituir elemento de ligação entre vários tempos e experiências sociais’. Quanto a
isso, o mesmo autor cita Menezes, quando este diz:
a memória diz respeito, antes ao presente, que ao passado. Exilá-la no
passado é deixar de entendê-la como força viva do presente. Sem
memória, não há presente humano, nem tampouco futuro. A memória
gira, portanto, em torno de um dado básico, o fenômeno humano, a
mudança. Se não houver memória, a mudança será sempre fator de
alienação e desagregação, pois inexistiria uma plataforma de referência
e cada ato seria uma reação mecânica, uma resposta nova e solitária a
cada momento, um mergulho do passado esvaziado para o vazio do
futuro. (MENESES, 1990 apud SILVA FILHO, 2003, p. 26).
40
Jornal O POVO, 21 de maio de 1991, pág 2B, caderno vida e arte.
Ao se reportar à praça do Ferreira deve-se destacar o seu significativo
conteúdo social constituindo-se, ao longo dos anos como um “ícone” para Fortaleza.
Tradicional local do encontro e da sociabilidade foi um espaço de lazer por excelência,
sendo ainda hoje a praça de maior representação no centro. Torna-se perceptível a
grande vitalidade que ali se efetiva, através dos eventos culturais, manifestações
sociais e a permanência de alguns usos que vêm resistindo em meio às transformações
ocorridas naquele espaço público.
De modo que, a praça do Ferreira, com muita freqüência, vem recebendo a
visita de professores de instituições públicas e privadas para retratar o valor histórico da
mesma, bem como sendo utilizada como local para eventos culturais e campanhas de
saúde e é, ainda, o local preferencial para manifestações políticas. No dia 11/03/2006,
por exemplo, foram observados em visita a campo na referida praça, a concentração de
alunos e professor do Curso de Especialização em Educação da UFC, realizando uma
aula prática no centro da cidade. E o colégio de Ensino Fundamental e Médio Sênior,
em 15/03/2006, com a presença de quinze alunos e dos professores de história e
geografia, falando da importância da praça para a história da cidade.
Dentre as atividades realizadas e contempladas na praça do Ferreira pode-
se destacar os shows e eventos políticos, campanhas sociais, a comemoração do
aniversário da cidade, as festas juninas, natalinas e pré-carnavalescas, os protestos
dos servidores públicos, a concentração nos jogos da copa etc. De modo que, a praça é
palco dos principais eventos da cidade, desenvolvendo assim, um grande poder de
congregação social. A exemplo disso, no dia primeiro de maio do ano de 2006, quando
se comemorava o dia do trabalho, foi realizado, naquela Praça, um grande show do
cantor Belchior, patrocinado pela Prefeitura Municipal de Fortaleza.
Um dos acontecimentos de maior destaque para a cidade é a comemoração
do seu aniversário. É um momento no qual se mobilizam todos os setores sociais. São
realizadas palestras, seminários e outras atividades, envolvendo as instituições públicas
(municipais, estaduais e federais) e privadas, procurando abranger e movimentar a
sociedade fortalezense. (FOTO 9). De forma que, a culminância do evento é,
tradicionalmente, encerrada com um bolo gigante para a degustação de todos, prática
iniciada na gestão do prefeito Juraci Magalhães.
Nesse período, é comum, a Universidade Federal do Ceará, através dos
Departamentos de Geografia e História, porem em prática, procurando resgatar a
memória da cidade, o projeto de extensão ‘Nas Trilhas da Cidade’, que vem sendo
difundido desde 1995. Tal projeto é liderado pelos professores e estudantes da UFC,
que realizam atividades com estudantes do ensino fundamental e médio nas escolas da
rede pública, procurando mostrar aspectos histórico-culturais da cidade, em aulas de
campo nos principais marcos da cidade e, em especial, nas praças do centro.
FOTO 9 - Trilha realizada pelos professores e alunos do SESC (aniversário da
cidade) 2005.
Foto: Elizete Américo.
Fonte: Arquivo pessoal.
Em 2005, por exemplo, referida praça foi palco principal para as
manifestações dos servidores públicos federais que propunham um indicativo de greve,
caso suas reivindicações de reajuste salarial não fossem atendidas pelo governo.
(FOTO 10). Os professores da Universidade Estadual do Ceará (UECE) também
protestaram, exigindo do Governo do Estado a realização de um concurso para a
contratação de mais professores. (FOTO 11). Há também as ações dos professores da
rede pública estadual que se utilizaram desse espaço para suas reivindicações. (FOTO
12). Como exemplo, foram registrados alguns momentos do último ato de protesto
contra as condições de trabalho dos educadores da rede pública estadual, realizado no
dia 14/03/2006.
FOTO 10 - Manifestação dos servidores públicos Federais, jun/2005.
Fonte: Jornal Diário do Nordeste.
FOTO 11 - Estudantes e professores da UECE encenam uma peça, mai/2005.
Fonte: Jornal O Povo.
FOTO 12 - Assembléia dos professores da rede estadual de ensino,
jun/2005.
Fonte: Jornal O Povo.
Neste ano de 2006, as comemorações pré-carnavalescas, foram festejadas
na praça do Ferreira. O bloco ‘Concentra, mas não Sai’ apresentou-se, pela primeira
vez no centro e agradou os foliões que festejavam no local. Há algum tempo o bloco
concentrava a festa no Mercado dos Pinhões mas, devido à necessidade de um espaço
maior, os festejos foram transferidos para a praça do Ferreira. Ela congrega,
indistintamente, as várias classes sociais, como, por exemplo, “a dona de casa I. C. que
reuniu a família e amigos e o promotor de justiça A. B. acompanhado de sua mãe,
esposa e filho”. (ALBUQUERQUE, 2006, p. 8).
Um outro evento, por ocasião dos jogos de futebol da copa do mundo,
quando o Brasil jogava, a praça tinha outra dinâmica, pois muitos se reuniram ali para
viver aqueles momentos. A Praça do Ferreira foi o local escolhido pelo povo e pela
imprensa como lugar representativo da Cidade de Fortaleza, sendo apresentada como
tal, em rede nacional, durante aquele evento.
Merecem ser mencionadas, também, as tradicionais festas natalinas que
acontecem na Praça, quando esta se mostra belamente adornada produzindo
encantamento aos olhos de quem a vê, através do espetáculo luminoso, tornando-se
cartão postal da Cidade. (FOTO 13).
FOTO 13 - Praça do Ferreira, dez/1997.
Fonte: Revista Viaje Bem.
Os casos abordados anteriormente tratam de atividades de massa, cujo
foco principal é a praça. Mas há, ainda, outras situações onde a maioria das pessoas
procura, com muita freqüência, esse espaço público como local de lazer, contemplação
e de descontração, a saber: os estrangeiros, os casais de namorados, os autônomos,
micro-empresários, e trabalhadores do comércio do centro, em seu horário de almoço,
como, por exemplo, os vendedores das lojas Casa Pio, C. Rolim, Esposende, Losango,
Otoch etc.
Importa evidenciar uma diferença na natureza dos encontros que
acontecem hoje na Praça e os que ocorriam no passado. Estes ocorriam “in loco”, as
pessoas se conheciam ali, enquanto passeavam e marcavam seus encontros para
outros locais e em outras ocasiões. Hoje, a Praça é ponto de encontro no sentido de
que as pessoas se conhecem em outros locais e marcam para se encontrarem ali. O
ex-bancário aposentado J. C., 76 anos, depõe: “agente usava a praça para marcar
encontros”.
Há ainda aqueles que fazem uma analogia da cidade com uma casa,
referindo-se à praça “como a sala de visita de Fortaleza”, atribuindo assim grande
importância a esse espaço público, no contexto maior da cidade.
Na mídia local, atualmente um dos logradouros que ainda é considerado “o
coração da cidade” é a praça do Ferreira. “Todas as histórias têm um cenário e a praça
do Ferreira foi, e ainda é, o palco de muita coisa. Hoje os pontos de encontro são outros
dentro da praça, mas alguns resistem ao tempo. São nestes locais que se constrói a
história da Cidade.” (Jornal O Povo 10/05/1996).
Durante o dia, pode-se observar uma grande diversidade de atores sociais
que vêm definindo diferentes territorialidades na praça do Ferreira, como por exemplo:
os aposentados, os policiais, os engraxates, os evangélicos e alguns vendedores
ambulantes .(FIGURA 6). A presença do comércio informal é pouco marcante nesse
espaço público. Existe uma peculiaridade neste logradouro que difere dos outros, pois
os ambulantes não são fixos, eles caminham pela praça oferecendo suas mercadorias,
destacando-se entre estes, os vendedores de lanches, picolés, sorvetes, entre outros.
Segundo eles, chegam à praça pela manhã e retornam para casa ao anoitecer.
Com relação à territorialidade dos evangélicos, pode-se dizer que ela
também é flexível, já que atuam onde há uma maior concentração de pessoas nos
bancos e, ao concluir seu objetivo, ausentam-se do local. (FOTO 14).
FOTO 14 - Territorialização dos evangélicos, Praça do Ferreira, 2006.
Foto: Elizete Américo.
Fonte: Arquivo pessoal.
Das praças do centro da cidade, onde a maioria encontra-se degradada, a
Praça do Ferreira é a mais conservada e agradável. Nela existe a presença constante
de policiamento, realizado pela Polícia Militar (PM) e também da Guarda Municipal de
Fortaleza (GMF), transmitindo uma segurança maior aos que a freqüentam. No entanto,
o esquema de segurança não é o mesmo em todos os dias da semana, expandindo-se
ou diminuindo de acordo com a existência ou não de eventos. Em dias normais, a
segurança é feita de modo pouco ostensivo, tanto pela Guarda Municipal como pela
polícia militar. Pode-se considerar, segundo Souza (1995), que essas variações
acordam com a escala periódica do território, que se referem às mudanças ocorridas
em um determinado momento, no qual o substrato espacial permanece o mesmo, mas
a dinâmica da praça muda.
Outra territorialidade diurna que merece destaque é a dos aposentados que
caracteriza, em especial, a Praça do Ferreira. A concentração desses atores remonta
ao século passado e, talvez, essa seja a única territorialidade que resistiu, ao longo do
tempo, na respectiva praça. Eles se tornaram um dos elementos comuns àquele
espaço, mesmo independente das reformas da praça, realizadas pelo poder público.
Em matéria publicada no jornal O Povo, nos anos de 1986, evidenciou-se esse fato ao
se descrever que: “com imaginação, eles criam o seu tempo [...] antigos camaradas ou
novos amigos, os aposentados são solidários, bem humorados e espirituosos.”
(13/04/1986, p.8).
Ainda hoje, essa prática é constante. As territorialidades dos aposentados
encontram-se, principalmente, nos bancos em frente à Loja Marisa, ao Centro Cultural
SESC Luiz Severiano Ribeiro e à Loja Toc Disco. (FOTO 15). A amizade existente entre
os mesmos pode vir de longas datas, ou ainda de pouco tempo, de forma que são
nesses encontros diários que muitos assuntos do cotidiano vêm à tona como, política,
futebol etc. Há um consenso em relação a essa constatação, e em entrevista com o
aposentado F. N. (70 anos), ele sinaliza que a praça do Ferreira faz parte do povo
antigo, e assim se refere: “venho para encontrar os amigos, pois nasci e me criei aqui
no centro, na rua Senador Pompeu [...] a Praça representa tudo para mim, ela é meu
refrigério”. Declara ainda: “o nome do nosso grupo é A Turma da Praça, e quem não for
da nossa turma não senta neste banco.” (que se encontra em frente à Loja Marisa). Já
F.S (73 anos), que faz parte da mesma turma de amigos do banco, diz: “a praça
representa tudo, aqui discuto política e me divirto também”. Ainda outro, F. N. 70 anos,
afirma: “a praça ainda é o palco político e cultural popular, isso não se perdeu,
acontece que antigamente aqui era o foco principal, mas hoje além dessa praça
existem outros lugares de diversão na cidade.” E J. C., 76 anos, declara: “é a minha
referência, pois é mais convidativa, mais freqüentada e mais segura”.
Segundo entrevista concedida ao jornal O Povo, o engraxate M.F., que
trabalha no ramo há mais de 40 anos, diz ter ouvido a vaia que o povo deu ao sol. “Na
hora que o sol botou os olhos do lado de fora a negada deram vaia” diz ele.
(CARVALHO, 2006). Esse é também um momento bastante lembrado e registrado por
todos da época e, inclusive, pelos cronistas da Cidade.
Outro comenta que no ano que nasceu, em 1933, a Coluna da Hora foi
inaugurada, tornando-se motivo de apreciação na época. “para os dias de hoje ela tem
mais um valor simbólico.“ E para J.C, “a atual coluna da hora não é tão bela quanto a
primeira.”
É muito comum também ouvir-se comentários, relembrando figuras bizarras
que fizeram parte da história da praça. Hoje, algumas são identificadas, inseridas na
dinâmica local, como é o caso de M. G. (o senhor alto e magro de paletó) que se diz
poeta. É registrada também a bizarrice de um “homem negro, forte, que vocifera contra
tudo e contra todos em frente à Farmácia Avenida, dizendo: “eu tô falando há muito
tempo, os bandidos tão tomando conta da sociedade.” (CARVALHO, 2006).
FOTO 15 - Territorialização dos aposentados, Praça do Ferreira, 2006.
Foto: Elizete Américo.
Fonte: Arquivo pessoal.
Têm-se outros arquivos que retratam ainda a permanência do território dos
aposentados na praça do Ferreira ao longo do tempo. O Guarda Municipal e estudante
de filosofia da UECE, S. N., declara que “O que eu gosto de fazer aqui é perceber como
os grupos jamais se misturam, assim, abertamente. Mas é claro que há formas mais
sutis de inter-relação entre eles, os mesmos se respeitam como outra parte igualmente
legítima da praça. Se um grupinho falta um dia, por algum motivo, os outros vão notar,
com certeza.” (O POVO, 30/10/1994).
Para além desses territórios, outro elemento que não passa despercebido
no entorno da praça, é a presença de mães carentes que, comumente acompanhadas
de crianças menores, por conta do dinamismo ali existente, expõem-se nas calçadas,
visando obter alguma ajuda das pessoas que circundam aquele espaço.
Na temporalidade noturna, a maioria dos territórios é subtraída, caso não
haja nenhuma atividade cultural na própria praça ou no Centro Cultural SESC Luiz
Severiano Ribeiro. A diversidade territorial nas temporalidades diurna e noturna
apresenta-se evidente no contexto da dinâmica urbana local.
A Praça e seu entorno
As praças não se inserem no espaço urbanizado de forma isolada. Os
elementos que compõem o seu entorno exercem grande relevância para a configuração
da dinâmica local. Vale ressaltar que, no passado, o dinamismo dos logradouros era
atribuído à presença marcante de determinados equipamentos urbanos na referida área
da cidade, principalmente, a função residencial no entorno desses espaços públicos.
De início, merecem comentários as edificações do entorno da praça. Em
1828, foi construído, pela junta da Fazenda Nacional, um prédio para abrigar a Escola
de Ensino Mútuo - 1ª escola para o sexo masculino, localizado na Rua da Alegria (atual
Rua Floriano Peixoto). O mesmo foi inaugurado em 1829, posteriormente passou por
reformas, sendo entregue, em 1890, à guarda municipal para serviços junto ao quartel.
O prédio foi demolido e em seu lugar foi construído em 1914, o Palacete Ceará. O
edifício possui estilo eclético (Art Nouveau, Neobarroco e Neoclássico), foi utilizado
como a Rotisseri Sportman (restaurante e casa de chá), e em 1955 foi comprado pela
Caixa Econômica Federal permanecendo, assim, até hoje. (FOTO 16).
FOTO 16 - Caixa Econômica Federal do Ceará, 2005.
Foto: Elizete Américo.
Fonte: Arquivo pessoal.
De acordo com Girão (1997), o primeiro cinema foi construído entre 1908 e
1914, chamava-se Cinema Di Maio e localizava-se na esquina da rua Guilherme Rocha,
em frente ao Hotel Excelsior. Posteriormente, foi construído em 1917, em estilo Art
Nouveau, o Cine Majestic de propriedade de Severiano Ribeiro. Mais tarde, o grupo
construiu mais dois cinemas: o Cine Diogo, inaugurado em 1940, e o Cine São Luiz em
1958, inspirados nos modelos americanos. O prédio do cinema São Luiz traz, em sua
arquitetura, linhas neoclássicas e inspiração arte-decó e tem capacidade de agregar em
seu espaço físico 1.500 pessoas. Possui hall e escadaria revestidos em mármore, com
lustres de cristal da antiga Tchecoslováquia (atual República Tcheca). Atualmente
funciona como centro de atividades culturais do SESC e, além dos filmes exibidos,
realiza eventos culturais.
Situado na esquina noroeste da praça, o Excelsior Hotel foi inaugurado em
1931, deixando de funcionar em 1987. Considerado o ‘melhor hotel das décadas de 30
e 40
41
, sua arquitetura foi inspirada em um edifício de Milão. Esse hotel foi considerado
o primeiro ‘arranha-céu’ da cidade, todo em alvenaria e utilizou trilhos de trem para
servir como base de sua estrutura. Nesse período, o centro ainda aglutinava funções de
moradia, comércio e lazer. Não existiam muitos edifícios elevados, e para além da
presença de alguns hotéis, a maioria das residências era casa e sobrado. Em meio a
tantos edifícios, hoje, o Excelsior Hotel já não se destaca no que diz respeito à altivez
de seus sete andares mas, simbolicamente, guarda um grande valor histórico na
cidade. (FOTO 17). Atualmente, parte dele é utilizada em atividade comercial.
FOTO 17 - Hotel Excelsior, 1930.
Fonte: Arquivo Nirez.
Funcionaram também na praça, o Hotel Savanah e o Edifício Sul América,
que se encontravam na direção norte. Eles foram construídos na segunda metade do
século XX. Defronte a estes prédios, num trecho da rua Guilherme Rocha, existia o
sobrado do Pacheco, adquirido pela municipalidade para funcionar a Intendência
Municipal e a Sala de Júri. Este sobrado foi demolido e em seu lugar foi construído, em
41
O Povo 06/05/2002.
1949, o abrigo central, na administração do prefeito Acrísio Moreira da Rocha. Por essa
época, a cidade não havia despertado ainda o interesse pela área litorânea, o que
justifica a implementação dos hotéis na área central, locus primordial dos
acontecimentos políticos, econômicos e culturais.
O prédio, onde hoje funciona o restaurante L’Escale, foi construído no início
do século XX com uma arquitetura neoclássica. Neste local funcionou durante muito
tempo o Clube Iracema, freqüentado pela elite cearense. Atualmente, é ocupado por
pequenas lojas em sua base e, na parte superior, o restaurante L’Escale.
A lanchonete Leão do Sul resiste há mais de 70 anos (desde 1926), sendo,
mesmo hoje, bastante freqüentada pela classe média durante a semana e,
principalmente, aos sábados, com a venda de caldo-de-cana e pastel, trazendo um
lembrete especial para os clientes desavisados: ‘a azeitona do pastel de frango tem
caroço’. Nos finais de semana, a casa fica cheia de modo que os clientes degustam a
iguaria de pé, devido à grande disputa pelo local. O prédio da Farmácia Oswaldo Cruz
teve fundação em 1934 e é considerado o mais antigo estabelecimento do entorno da
praça do Ferreira. Foi a primeira farmácia de manipulação da cidade e ainda hoje
mantém sua atividade.
O entorno da praça também exerce um papel relevante na dinâmica local.
Atualmente a praça começa sua movimentação no início da manhã, a partir das 8:30
horas, quando as lojas do entorno são abertas e a circulação dos transeuntes acontece
de modo considerável. Os vendedores das lojas Marisa, C&A, Esplanada, entre outros,
que se concentram ali, abordam os transeuntes oferecendo o cartão de compra das
respectivas lojas.
A esse tempo, os engraxates já se encontram dispostos, aproveitando as
copas das árvores para se esquivarem do sol. A maioria dos engraxates são jovens, ao
contrário da praça José de Alencar, que todos são idosos e a maioria aposentada.
Ao anoitecer, quando as atividades ligadas ao comércio se retraem, um
outro elemento vem à tona no entorno da praça, são os estabelecimentos dos bingos
que começam a funcionar.
3.3 A Praça José de Alencar
A história da Praça José de Alencar remonta ao século XIX. Tratava-se de
um largo de areia que, em virtude da presença da igreja de Nossa Senhora do
Patrocínio, passou a denominar-se Praça do Patrocínio e cuja construção data de 1849.
A igreja começou a ser construída em 1850 e foi inaugurada em 1879
42
. Antes da
inauguração da mesma, em 1870, a praça recebeu oficialmente o nome de Marquês do
Herval. Ali, havia um belo jardim de nome Nogueira Accioly (FOTO 18), inaugurado em
1903, na administração do intendente Guilherme Rocha. Nove anos depois com a
derrubada do governo Accioly, o jardim foi batizado como Franco Rabelo
43
.
De acordo com os relatos de vários escritores, dentre eles, Girão (1997),
Nirez (1991) e Azevedo (1992), a praça era um lugar belo e servia como local de
sociabilidade, ou seja, passeio e lazer. No comentário de Azevedo (1992), é possível
perceber a importância da mesma na vida das pessoas:
a praça era ajardinada com bom gosto, sobre quadrados de grama bem
cuidada, havia touceiras de flores das mais variadas espécies. Colunas
de mármores vindas de Portugal, trabalhadas em estilo coríntio,
sustentavam grandes jarros de porcelana japonesa. Nesses
receptáculos havia plantas exóticas de grande efeito estético e nas
longas alamedas mosaicadas, inúmeros bancos de taliscas de madeira
pintados de verde. Belos combustores de luz carbônica, esverdeada,
davam ao local uma atmosfera de fantasia, convidando ao sonho ou ao
repouso. À noite famílias inteiras - moças, velhos, rapazes e crianças -
enxameavam no meio daquela vegetação luxuriante, ou sentavam-se
nos bancos. (AZEVEDO 1992, p. 40).
42
Vale consultar Menezes (1992, p. 156), que faz uma bela descrição da igreja do Patrocínio nessa
época (século XIX).
43
Político cearense sucessor de Nogueira Acioly.
FOTO 18 - Praça Marquês do Herval, atual praça José de Alencar, início do
século XX.
Fonte: Arquivo Nirez.
A Praça José de Alencar era calma, rodeada de residências, freqüentada
pelos moradores que residiam nas adjacências, pelos estudantes do colégio Pedro II,
pelos membros da Fênix Caixeiral
44
, e do Batalhão Militar, além de políticos e pessoas
ilustres da época. Outro prédio que fazia parte do entorno da praça era a Escola Normal
(atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN), que
desempenhava um papel importante, pois formava as professoras para as escolas do
Estado. Segundo Menezes (1992, p. 52) ela foi inaugurada em 22 de março de 1884 e
o mesmo autor, referindo-se àquele prédio, afirmava: “colocada no ângulo esquerdo da
face meridional da praça do Marquês do Herval, atrai pela sua arquitetura simples,
44
Os antigos comerciários, que eram chamados de caixeiros, fundaram em Fortaleza no dia 24 de Maio
de 1891, a “Fênix Caixeiral”, entidade da mais alta importância na época, não só para a classe alta, mas
para a cidade. Naquela época os vendedores em casas comerciais tinham o nome de ‘caixeiro’. A
entidade tinha tudo para atendimento a seus sócios e funcionava como instituto de previdência, já que,
na época, tal não existia. Essa sede deu abrigo a várias instituições que ali funcionaram ao longo do
tempo, como a Associação Comercial do Ceará, Centro de Inquilinos, Instituto Politécnico, Associação
dos Jornalistas Cearenses e o telégrafo. A própria associação, então, tinha: um teatro (Cine Teatro
Fênix), uma biblioteca social, um pátio de diversões, (...). Em 1926 ali funcionou o Banco de Crédito
Caixeiral. E na década de 40, a junta de avaliação e julgamento de justiça de trabalho. Atualmente, no
lugar funciona o edifício do Centro de Especialidades Médicas José de Alencar mais conhecido como
SUS (Sistema Único de Saúde).
ligeira e elegante. Consta de dois pavimentos, tem boas acomodações e a entrada é
precedida por um pequeno pavilhão em estilo suíço”.
Em 1910, foi inaugurado o Teatro José de Alencar, um empreendimento da
política aciolyna, de grande importância cultural, sendo considerado, na época, o mais
belo do país, devido ao seu estilo arquitetônico, que aglutinava, em sua estrutura de
aço e ferro fundido, as tendências neoclássicas e ‘art nouveau’, que ainda hoje, em
ótimo estado de conservação, provoca encanto aos olhos dos observadores. (FOTO
19). Referindo-se à construção do Teatro, Ponte (2001, p. 46) faz a seguinte descrição:
a obra foi considerada, pelo governo Accioly, como um feito de
extraordinária grandeza. A estrutura metálica do teatro coube à firma
escocesa Walter MacFarlane & CO., de Glasgow, contratada por
intermédio dos Boris Frèr, em Paris, sob procuração do governo
Accioly.
FOTO 19 - Teatro José de Alencar, pátio interno, dez/1997.
Fonte: Revista Viagem Bem.
Em 1929, por ocasião das comemorações do centenário do escritor
cearense José de Alencar, foi inaugurada, no centro da, então, Praça Marquês do
Herval, uma estátua em homenagem àquele escritor que já se fazia famoso
nacionalmente, e foi dado, o nome do mesmo escritor, ao Teatro, bem como àquela
Praça.
Com o passar dos anos, a Praça José de Alencar foi perdendo o seu
glamour, passando a ter, nas décadas de 1940 e 1950, um aspecto neutro na dinâmica
da cidade. A sua tranqüilidade rotineira era quebrada quando se realizava a Feira das
Amostras
45
. Quando a Feira acabava, a praça voltava à sua normalidade. Iniciou-se
uma feira de frutas, nos finais de semana e, ao redor da praça, estabeleceu-se um
ponto de táxi.
Em 1962, os pontos de ônibus foram transferidos da Praça do Ferreira para
a Praça José de Alencar, modificando assim, sua rotina e aquele espaço passou a ter
um fluxo maior de transeuntes.
Em 1979, a Praça José de Alencar recebeu uma remodelação total, mas foi
transformada em terminal rodoviário, além de ter calçadas altíssimas que, devido sua
cor branca, refletem o calor do sol e dificultam a visibilidade dos transeuntes. (O POVO,
16/04/1988). Segundo Benedito (1999), ainda em 1979, na gestão de Lúcio Alcântara a
praça transformava-se essencialmente em área de lazer e passavam a estacionar as 50
linhas de ônibus.
Em 1987, quando da gestão de Maria Luiza (1985-1988), retiraram-se os
pontos de ônibus, devido à deterioração da praça: entre os fatores de deterioração,
destacavam-se os pontos de marginais, o comércio ambulante, alguns botequins anti-
higiênicos e a prostituição infantil.
45
A primeira Feira das Amostras realizou-se em 1939, e acontecia anualmente. Com uma lona pintada
eles cercavam a praça, ali eram vendidos produtos vindos de fora, havia roda gigante, artistas de circos
vindos de fora e muita diversão. (NIREZ apud PIMENTEL, 1999, p. 59).
Em 1988, a praça foi novamente inaugurada sob uma outra configuração
em seu aspecto físico, constando de mais áreas verdes em detrimento da feição
anterior, um terminal rodoviário, que além de barulhento, constituía-se em um local
pouco convidativo.
Depois dessa reforma, a praça foi quase que esquecida pelo poder público,
degradando-se em seu mobiliário e jardins mal conservados. Somente a partir de 2003,
como parte integrante de um projeto que objetivava o embelezamento e valorização da
área central de Fortaleza, uma outra reforma foi iniciada.
A praça José de Alencar vem, ultimamente, destacando-se como área de
transbordo e ligação a diversos bairros da cidade, produzindo um fluxo incessante de
pessoas e, principalmente, de poluição sonora, fato marcante no local. Soma-se a essa
condição o acúmulo de lixo, a ausência de condições sanitárias e a obstrução do fluxo
dos transeuntes causados pela feira existente na referida praça. Vem crescendo, a
cada dia, o número de vendedores que procuram uma atividade alternativa para o
sustento da família. Geralmente, a maioria deles, encontra-se desempregada há muito
tempo, e o mercado de trabalho não absorve por se tratar de uma demanda não
qualificada o perfil exigido no setor formal da economia, que é, cada vez, mais
competitivo.
O comércio informal tornou-se uma das principais características da área
central de Fortaleza
46
e seu local de maior concentração encontra-se na praça José de
Alencar. Isso não significa dizer que nas outras praças não exista o comércio informal,
no entanto, além de ser em menor quantidade, não possuem vendedores com
equipamento de trabalho fixo, o que é representado, oficialmente, pela presença do
Centro Comercial de Pequenos Negócios dos Vendedores Ambulantes, mais conhecido
46
Segundo reportagem televisiva do jornal Jangadeiro em 01/05/2006, as 13:15hs, ‘o crescimento do
setor informal em Fortaleza é gradativo’. Para Rogério Pinheiro, titular da Secretaria Executiva Regional II
(SER II), ‘há, atualmente, 1.200 vendedores ambulantes informais cadastrados no Centro, mas o número
deve ser bem maior, pois o último levantamento foi feito há oito anos’. (O POVO, 21/02/2005). O objetivo
da prefeitura é fazer um estudo quantitativo e qualitativo através do cadastramento dos vendedores
ambulantes com o intuito também de intensificar a fiscalização no local.
como ‘Beco da Poeira’ que se localiza entre as ruas 24 de maio, Tristão Gonçalves e
Guilherme Rocha, no entorno daquela praça. (FOTO 20). Essa grande estrutura confere
à área uma grande dinâmica, porque além de ser muito grande o número de quiosques,
a diversidade nas confecções e outras mercadorias, aliada ao preço barateado dos
produtos, atraem muitos compradores e isso estimula o aparecimento de outros pontos
comerciais (enfaticamente dentro do comércio informal) e de serviços.
FOTO 20 - Beco da poeira, 2005.
Foto: Elizete Américo.
Fonte: Arquivo pessoal.
O ‘Beco da Poeira’, foi inaugurado no dia 25 de maio de 1991 sob a
presidência de Antônio A. da Silva, no cargo até hoje e dono de um dos inúmeros
pontos dispostos, onde vende sapatos e acessórios de couro. Aquele complexo foi
definido pela imprensa como “Um exército de mais de 10 mil vendedores, distribuídos
em 2.030 boxes, com mais de 30 mil empregos diretos e indiretos e movimentação
diária de reais, incalculável, com a venda de confecções, sapatos, cintos, bolsas,
lingerie e roupas de dormir”. (FORTE, 2004). Encontram-se também boxes de venda de
lanches, tais sejam, sucos, sanduíches, caldos, canjas etc, utilizados principalmente
pelas pessoas que trabalham ali.
Esse local é bastante movimentado durante a semana, mas é nas
segundas e quintas que os vendedores se animam, quando ocorre a
‘invasão’ de sacoleiros de vários Estados do Norte e Nordeste, como
Maranhão, Pará e Piauí e de municípios do interior do Ceará, que vêm
atraídos pelas melhores condições de oferta, pelo fato das mercadorias
terem boa qualidade e preços mais em conta. Segundo reportagem do
Jornal Diário do Nordeste, 30/11/2004, p.1, “cerca de 70% das vendas
são feitas no varejo e 30% no atacado, comprados na maioria das
vezes, pelos pequenos comerciantes que chegam de ônibus fretados e
até mesmo em vans ou carros particulares”. A compradora L. H., da
cidade de Imperatriz-Maranhão, costuma comprar artigos de confecção
no Beco da Poeira, pois se agrada muito dos preços e diz que vale a
pena o esforço. (depoimento em agosto de 2004).
O comprador maranhense J. S., dono de uma loja em São Luís, freqüenta
esse local duas vezes por mês fazendo a aquisição de peças de roupas íntimas
femininas e camisas masculinas e, em entrevista ao Diário do Nordeste (30/11/2004),
declarou que “o preço é bom, os produtos têm qualidade e deixam boa margem de
lucro. Então formo um grupo com outros comerciantes, alugamos um ônibus e
passamos dois dias no local fazendo compras”. Desse modo, alguns vendedores do
Beco da Poeira, além das vendas a varejo, possuem uma clientela pré-estabelecida,
atendendo, também, as demandas no atacado.
Atualmente existe uma complexa discussão referente à comercialização
informal e, em especial, aos vendedores do ‘Beco da Poeira’, tanto por parte da
administração municipal, que procura resguardar os espaços públicos através do
disciplinamento, como também pelo poder privado empresarial, que se sente
prejudicado pela presença e competição dos vendedores informais. E uma das
denúncias levantadas, segundo o presidente da Associação dos Empresários do Centro
de Fortaleza (Ascefort), João Maia S. Junior, “é que o Beco da Poeira, construído para
os vendedores ambulantes, está sendo ocupado por grandes empresários, atacadistas,
com destaque para a comercialização de produtos em jeans.” (FORTE, 2004).
Segundo a Gerente Administrativa do Centro, Tereza Neumann, o objetivo
maior da prefeitura é realocar os vendedores do comércio informal. Mesmo não tendo
prazo definido, “está sendo estudado um local mais adequado para eles se instalarem”
(declara em 27/07/2005, em visita à Secretaria Municipal de Planejamento e Orçamento
- SEPLA). E, no caso especifico dos vendedores do Beco da Poeira, eles vão ser
transferidos para um espaço do lado do Shopping Metrô, para que a efetivação do
Projeto Parque da Cidade, que foi aprovado em 1999, possa ser concretizada, onde é
prevista a interligação da praça José de Alencar com a da Alagoinha
47
.
Os empresários da área central alegam que geram empregos diretos e
pagam seus impostos e consideram a situação insustentável, porque não se vêem
capazes de competir com os camelôs do centro e também com os permissionários do
Beco da Poeira. Para a resolução de tal impasse o presidente da Ascefort sugere que o
poder público construa uma zona franca, fora da área central.
A situação dos camelôs na área da Praça José de Alencar tem incomodado
também ao pároco da Igreja do Patrocínio, Pe. Manoel C. Ferreira. Para ele, essa
situação, ao longo dos anos, “vem comprometendo as atividades da paróquia. Inclusive
já faz 21 anos que não celebro mais casamentos aqui por conta da presença marcante
do comércio informal nessa praça e principalmente pela concentração maior dos
vendedores no espaço em frente da Igreja. Se no passado a Igreja era a rainha da
praça, hoje ela é escrava da praça.” (depoimento em julho de 2006). Visando
resguardar mais aquele espaço, foi construído um gradil de ferro separando a igreja da
praça mas, isso não impede que os vendedores guardem suas mercadorias no lado de
dentro da grade.
A reportagem do jornal O Povo, enfatiza o que foi mencionado pelo pároco
onde diz que “a maior concentração de ambulantes é em frente à igreja do Patrocínio.
Por todo calçadão, os vendedores formam corredores estreitos para a passagem de
pedestres”. (DIAS, 2005) .O pároco, por várias vezes, recorreu aos órgãos a quem
47
De acordo com o Projeto, com a desapropriação da área referente ao Beco da Poeira será construída a
estação subterrânea da Lagoinha.
compete a tarefa de desobstruir a frente daquele espaço público, para que atentassem
para essa realidade. Foram criadas, inclusive, algumas estratégias no sentido de
minimizar o problema. “De segunda a sexta, os feirantes têm permissão de
comercializarem os artigos de 12 horas às 14 horas, e aos sábados, a partir de 12
horas até às 18 horas”. (Idem). Apesar da decisão, na prática, a realidade que se
apresenta não condiz com o acordo estabelecido, de forma que persiste essa
problemática em torno da praça.
O Teatro José de Alencar é outro patrimônio histórico que apresenta esse
problema em seu entorno. Diariamente, encontram-se ali dispostas: bancas de revistas,
barracas de lanches, vendedores de água de coco, sapateiros, artesãos, floristas e a
as ciganas, que abordam insistentemente quem transita por ali, oferecendo seus
serviços quiromânticos. (FIGURA 7).
Dos vendedores que se localizam no entorno da praça José de Alencar,
alguns estão alheios à discussão de retirada dos mesmos daquele espaço, contudo
outros são conscientes e se posicionam contrários à medida, pois o local é considerado
o melhor ponto de venda da cidade. “Vai acabar com o nosso pão de cada dia”, diz A.
R, 39 anos, que trabalha há onze anos, próximo aos jardins do Teatro e procura
justificar-se, dizendo que seu trabalho não prejudica as atividades da praça e do teatro
nem, tão pouco, suja a rua.
Nos últimos anos, o comércio informal vem passando por uma acirrada
vigilância realizada pelos agentes municipais
48
, procurando, durante o dia, fazer valer a
lei municipal de número 5.530, aprovada em 1991, que proíbe qualquer atividade de
48
Os agentes municipais são mais conhecidos como “o rapa”, em virtude de suas ações onde,
geralmente, tomam as mercadorias dos vendedores do comércio informal. O controle do comércio
informal vem se tornando tema de preocupação para os organismos gestores da cidade desde muito
tempo. “No início da década de cinqüenta (1950) inúmeras discussões foram mantidas na Câmara
Municipal, abordando a ação da Prefeitura contra os vendedores ambulantes, sobretudo em virtude da
maneira como era feita a apreensão de mercadorias, incluindo até caixas de picolé. Sempre ocorria a
apreensão pelos fiscais do ‘rapa’ de mercadorias de vendedores ambulantes, apesar do constante apelo
para que a fiscalização fosse feita de maneira mais moderada, em forma de advertência ao invés de
coação.” (JUCÁ, 2003, p. 70-71).
comercialização, nos espaços públicos da cidade, em especial, nas praças da área
central. Contudo, é comum às pessoas não cumprirem referida norma, e como são
poucos os profissionais para fiscalizar uma área muito vasta, os vendedores do setor
informal da economia aproveitam a desorganização reinante, para não cumprir a lei. O
agente municipal C. S. (39 anos), justifica-se nestes termos: “muitos deles se
aproveitam para fixarem suas vendas quando encerra nosso expediente de trabalho, às
16 horas. Quando estamos por perto eles não fazem isso, mas quando saímos e não
tem fiscalização não tem como evitar”.
Com a repercussão das atividades de requalificação do centro, as gestões
administrativas do município vêm se tornando mais atuante no “controle” desses
espaços públicos, procurando democratizar e tornar esses logradouros mais aprazíveis
através do controle dos guardas municipais. Vale ressaltar que, essa ação não é de
agora, dentre as várias gestões que assumiram a prefeitura de Fortaleza, essa questão
vem sendo priorizada, não obstante as dificuldades encontradas. Tem-se registro de
que, em 1995, a praça José de Alencar transformou-se em feiras livres e concentrava
138 vendedores ambulantes, dentre eles, os vendedores de frutas, verduras, lanches e
bombons. (O POVO, 27/06/1995).
De acordo com Pimentel (1999), a praça é local de encontro e sua função é
incentivar a vida comunitária e as expressões lúdicas. Pode ser vista também como um
espelho da dinâmica política e dos movimentos sociais, pois é neste espaço onde
acontecem os atos políticos e as reivindicações.
No caso específico da praça José de Alencar, a mesma vem passando por
um processo de reforma em sua estrutura física desde o final do ano de 2003, como
parte integrante do ‘Projeto Parque da Cidade’ que tem como objetivo o
embelezamento e a valorização da área central de Fortaleza. Dentre as propostas
pensadas pelas gestões administrativas para a requalificação do espaço na área
central, o Projeto Parque da Cidade foi idealizada visando reverter o quadro
problemático configurado naquele espaço público.
O projeto do arquiteto Ricardo Muratori, referente ao Projeto Parque da
Cidade, foi o vencedor para a licitação, com os seguintes objetivos para a área da
praça: propor a hierarquização nas praças José de Alencar e Lagoinha por meio da
definição da área de passagem, área para bancos, palco e abrigo para a unidade de
comércio e serviço. Prevê a inserção de arco metálico como marco referencial de
acesso à estação do Metrô de Fortaleza (METROFOR). Transferência do busto de José
de Alencar para a praça da Lagoinha e a criação de um memorial ao escritor
49
. Esse
projeto foi aprovado em 1999, na gestão do prefeito Juraci Magalhães. As obras deram-
se início apenas em maio de 2003, e já trazendo consigo algumas contestações.
Do que foi proposto no projeto, parte da reforma já foi realizada, mas
referidas ações vêm sendo alvo de inúmeras críticas, pois a proposta da planta
aprovada inicialmente, foi alterada, de modo que, houve a inserção em demasia de
objetos construídos, como por exemplo, os 11 quiosques, sob o pretexto de
compromisso com permissionários de bancas de revistas. (FOTO 21). Assim, em março
de 2004, o Juiz Federal da 6ª Vara, Francisco R. Machado, concedeu liminar,
suspendendo as obras na praça.
Em julho de 2005, a Justiça determinou a demolição dos quiosques devido
à solicitação feita pelo pároco da igreja do Patrocínio, Padre Manoel C. Ferreira, por
considerar que a visibilidade de um patrimônio histórico (a igreja), estava sendo
prejudicada
50
. Além de serem ofensivas à visibilidade das edificações em seu entorno,
as estruturas foram erguidas na área mais utilizada pelos fluxos de pedestres,
produzindo uma indesejável obstrução do espaço. O Padre baseou seus argumentos
na Lei de Tombamento Capítulo III, Artigo 18, que proíbe a obstrução, por motivos
quaisquer da visibilidade de um bem tombado pelo patrimônio público.
49
A praça da Lagoinha situa-se a leste da praça José de Alencar e com o remanejamento do
camelódromo ‘beco da poeira’ as mesmas serão hierarquizadas, como está previsto no projeto.
50
Em julho de 2005, Prefeitura, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e Ministério
Público Federal assinaram termo de ajustamento de conduta para a derrubada dos 11 quiosques
instalados na praça. (DIÁRIO DO NORDESTE, 12/07/2005, p. 14).
FOTO 21 - Quiosques, 2005.
Fonte: Ação Novo Centro.
Sobre o assunto, o arquiteto e superintendente do IPHAN - CE, Romeu
Duarte, diz que
a construção dos quiosques era ilegal, pois dificultava a visibilidade
entre os quatro cantos da praça e destoavam do desenho local. Bens
tombados pelo patrimônio público também não eram vistos com
facilidade, como o Teatro José de Alencar, tombado pelo IPHAN, a
sede do IPHAN, tombada pelo Estado, e a Igreja do Patrocínio, que
está em processo de tombamento. (NOGUEIRA, 2005).
Por muito tempo, a influência religiosa foi marcante no cotidiano social,
estando inclusive as atividades de lazer imbricadas às da igreja. As festas juninas, as
quermesses, por exemplo, eram atividades que costumavam concentrar um grande
número de pessoas. Na sociedade atual, esses movimentos ainda permanecem, sendo
as praças espaços significantes e locus de reelaboração de práticas religiosas. Os
usuários, em suas tradições religiosas, tendem a destinar determinados usos, a
determinadas praças. É o caso, por exemplo, das festividades e rituais religiosos das
praças das igrejas e, inclusive encorajamento por parte do discurso da igreja, de outros
comportamentos tidos como “profanos” em outras praças. Embora essa divisão se dê
mais no plano moral e do discurso do que propriamente das práticas sociais.
Hoje, a maioria dos fieis que costumam freqüentar essa paróquia são
oriundos de outros bairros, como por exemplo, Benfica, Rodolfo Teófilo, Serrinha, José
Walter, Carlito Pamplona, Álvaro Weyne, entre outros. Do mesmo modo de E. C. (49
anos), residente no Carlito Pamplona, que declarou: “quando tenho algo para resolver
no centro, saio cedinho e venho primeiro para a missa, depois é que vou fazer o que
quero.” (depoimento em julho de 2006).
O Padre Manoel Ferreira diz ter contado com o apoio da atual Prefeita
Luiziane Lins, para viabilizar a retirada dos quiosques, ao contrário da gestão anterior,
que encontrou resistência à sua solicitação. “A demolição foi uma vitória, pois uma parte
da praça impedia o acesso de veículos à igreja há 19 anos. Antes da gestão da Maria
Luiza Fontenele, (de 1986 a 1988), eram dez missas diárias e todas lotadas. Agora, só
são cinco missas,” diz ele. (
NOGUEIRA, 2005).
Outra atividade prevista ainda, de acordo com essa decisão judicial de julho
de 2005, é a reabertura da rua Guilherme Rocha, entre a rua General Sampaio e 24 de
Maio, no trecho em frente ao Centro de Especialidade Médicas José de Alencar e a
Igreja do Patrocínio, para viabilizar o acesso dos veículos aos freqüentadores da
mesma igreja. Em março de 2006 deram-se início as obras referentes a essa atividade.
E foi também através da intervenção da prefeitura em conjunto com os órgãos de
competência (Secretaria Municipal da Infra-Estrutura e Desenvolvimento Urbano - Seinf,
Secretaria Executiva Regional II - SER II) e do arquiteto Ricardo Muratori, que a planta
do acesso à igreja foi alterada de um para dois rolamentos e complementada com um
canteiro de jardins de flores.
A partir dessas discussões, levanta-se uma outra questão que também
requer a tomada de algumas medidas para minimizar os problemas que vêm sendo
causados na área central. É o caso da insuficiência de espaços para estacionamentos.
Espacialmente, quem costuma freqüentar o centro à noite para um momento de lazer
no teatro José de Alencar, por exemplo, tem enfrentado problemas como a insegurança
e a falta de estacionamento, tendo, muitas vezes, que estacionar a várias quadras do
Teatro, o que facilita a ação de assaltantes pela falta de iluminação e de segurança.
Uma medida paliativa tem sido a utilização da própria praça, na área em frente do
Teatro, para estacionamento em dias de grandes eventos, com a presença dos agentes
municipais a orientar o fluxo e manter, razoavelmente, a organização e segurança da
área.
A pesquisa de campo também revelou que antes da implementação das
obras referentes ao projeto Parque da Cidade, ou seja, até o início de 2004, o cotidiano
da Praça se configurava pela presença, dos hippies, vendedores ambulantes,
engraxates, entre outros que chegavam ao local, armavam seus respectivos pontos de
vendas e delimitavam seus territórios. Obedecendo ao horário comercial, as lojas do
entorno, eram abertas e em seguida iniciava-se a chegada na praça de outros atores
como, por exemplo: os evangélicos, os vendedores de café, de flores, de sanduíches e
os artistas de rua. Ao final da tarde, a praça tomava um outro uso, pois, muitos
vendedores iam embora e se dava o início da comercialização informal em frente ao
SUS (Serviço Único de Saúde) e à igreja do Patrocínio. Uma variedade de objetos
como utensílios domésticos, sandálias, bolsas, frutas e verduras etc, eram oferecidos
aos que passavam pela praça. À noite, predominava a presença de ‘bares
improvisados’ (barracas de bebida) no interior da praça. Hoje, mesmo depois do início
da implementação do Projeto Cidade, esses atores sociais ainda persistem, tanto no
período diurno quanto noturno e aumentou a presença desses bares e a incidência da
prostituição naquele local.
Das três praças em estudo, a função de local de passagem tem maior
destaque na Praça José de Alencar, em virtude de a mesma estar localizada próximo a
várias paradas de ônibus, sendo quase inevitável ir-se ao Centro da cidade, sem passar
pela referida praça. Porém, nem sempre ela foi vista somente como lugar de passagem,
afinal essa função nega a própria essência de um espaço público coletivo, já que o
mesmo deve ser antes de tudo, lugar de encontro da diferença, ou seja, lugar que pode
ser compartilhado por todos.
Na praça, há também aquelas pessoas que passam sem nenhuma
necessidade de se fixar, utilizando-se do espaço, simplesmente para facilitar suas idas
e vindas para o trabalho e/ou para casa, bem como os que ali vivem, no caso os
mendigos que dormem no local e, ainda, os vendedores, que trabalham ali mesmo e
retornam para casa no final do dia.
Os territórios dos atores sociais que compõem cada grupo estão bem
demarcados, acarretando sérios conflitos quando da invasão desses limites por atores
de outro segmento. Entre estes estão os mendigos que ocupam, sobretudo, as
marquises das lojas do entorno de algumas dessas praças e ruas adjacentes e as
prostitutas e travestis, que para além das praças costumam estabelecer-se,
preferivelmente, às ruas Dr. João Moreira, Major Facundo e Castro e Silva, mais
precisamente, nas imediações do Passeio Público.
A praça do Ferreira e a José de Alencar são espaços de grande dinâmica e
se tornam alvos da atuação de artistas de rua, prática comum aos olhos dos
observadores e freqüentadores daqueles locais. Apresentam-se nelas, ao entardecer,
repentistas, malabaristas, entre outros. Inclusive uma figura mais conhecida como
‘Quebra-Coco’, que estreou suas peripécias no programa de rede nacional, o Domingão
do Faustão, sempre atraia a atenção dos transeuntes da praça José de Alencar. Outra
presença marcante nessas duas praças é do vendedor ambulante circulando com uma
variedade de artigos religiosos.
Na praça José de Alencar os engraxates que totalizam um número de doze,
encontram-se fixos e distribuídos em seus pontos de trabalho. Possuem cadastros na
prefeitura e pagam R$ 6.00 a cada seis meses para permanecerem no local. A. F., (69
anos), residente em Caucaia, considera aquele espaço um ponto muito bom porque é
muito movimentado e acrescenta: “vivo nesse ramo há quase três anos e antes de vir
para cá ficava na praça dos Leões, mas lá não apurava muita coisa, então me mudei”.
A vendedora B.O. (36 anos), trabalha há vinte anos na praça e relembrando
alguns momentos que passou durante esse tempo, inclusive quando enfrentava ‘os
rapas’ e declarou: “batiam em mim e ainda tomava toda minha mercadoria, mas como
tinha que trabalhar, me virava e no outro dia vinha de novo”.
Os hippies afirmam que esse local é um ponto estratégico para a venda de
seu artesanato, (FIGURA 7), “é melhor que na Beira Mar”. M. A. (23 anos) afirma: “se
tirarem a gente daqui, nossa vida vai ficar mais difícil, a gente não atrapalha em nada”.
Os usuários da praça, que são representados em grande parte pelas
pessoas que exercem alguma atividade no local, desconhecem sua importância,
enquanto espaço de memória da cidade. Dos entrevistados, geralmente, são os mais
antigos que têm uma percepção mais voltada para o valor simbólico e histórico do local.
Essa questão é identificada nas declarações do engraxate I. L (75 anos) que, além de
ser o mais velho da categoria e também um dos mais antigos na Praça. Segundo ele, “o
pessoal não sabe da importância da praça nem da estátua José de Alencar, por isso
que não valorizam nem têm cuidado com a praça”. E dentre os comentários ele
relembra com saudosismo dos velhos tempos onde funcionavam na praça a Escola
Normal e a Fênix Caixeiral.
A Praça e seu entorno
No local onde hoje fica o jardim lateral do Teatro José de Alencar, existia
um prédio térreo onde funcionou a Biblioteca Pública de 1878 a 1892. Posteriormente,
no mesmo prédio, passou a funcionar o Batalhão de Segurança (Força Policial) até
1923 e depois foi ocupado pela Escola Aprendizes de Artífices, que se mudou em 1930,
para a demolição do prédio. Foi construído então um outro mais moderno para abrigar a
Diretoria de Saúde Pública, tornando-se conhecido como o ‘Centro de Saúde’, também,
posteriormente, demolido.
Na esquina da Rua 24 de Maio com Liberato Barroso, esteve a Escola
Normal Pedro II, de 1890 a 1923, quando foi transferida para a Praça Figueira de Melo.
O prédio passou por remodelação em sua fachada, vindo a funcionar ali, a Faculdade
de Medicina e, posteriormente, o curso de Odontologia da UFC. Foi recuperado em
1988 e, hoje, presta-se ao funcionamento do IPHAN.
3.4 O Passeio Público
O processo de expansão urbana que ocorreu na cidade, gerou a
necessidade de implementação de espaços de sociabilidade para as famílias que
residiam na área central. Neste sentido, paulatinamente, deu-se a origem de vários
equipamentos urbanos com destino à cultura e ao lazer. Segundo Ponte (2004) o
Passeio Público, por sua vez,
surgiu para satisfazer o desejo por uma área exclusiva de lazer público
que Fortaleza carecia e outras grandes cidades brasileiras já possuíam.
Deveria ser um espaço florido, arejado, reservado apenas para a
fruição daqueles ‘belos tempos’ onde o footing (passeio a pé), o
meeting (encontro entre pessoas) e o flert (flerte, paquera) pudessem
ser aprazivelmente praticados. (PONTE, 2004, p. 170).
Assim, o primeiro local projetado para este fim foi a Praça do Passeio
Público. Idealizada pelo Governador Dr. Fausto Augusto de Aguiar (1848 a 1850), teve
sua edificação iniciada em 1864 com a participação do comerciante português Tito
Antônio da Rocha. Inaugurada em 1880, o Passeio foi então toda rodeada de grades
artísticas e dividida em três planos, separados com seus respectivos freqüentadores.
Entre os equipamentos da Praça tinha o skating-rink de patinação onde se alugavam
patins para atividades esportivas; o chafariz central e a caixa d’água que se
encontravam no primeiro plano, denominado de Avenida Caio Prado
51
.
A praça foi construída no antigo terreno conhecido como Campo da Pólvora
e transformou-se em um espaço com belos jardins, passando a ser freqüentado pela
sociedade da época
52
. O escritor João Nogueira em sua obra Fortaleza Velha descreve
que:
um dia, o sangue daqueles heróis ali arcabuzados se materializaria em
flores perfumosas, brotadas das roseiras... A quadra informe foi cercada
de artísticos gradis de ferro e plantados os canteiros, em meio a
tanques de água límpida, com os seus repuchos. Muitas estátuas de
deuses pagãos aqui e ali, um coreto para as tocadas de músicas...
Logo que ficaram prontas as obras do primeiro plano, intensificou-se à
fluência do povo, quer pela tarde, quer às noites de quintas e domingos.
Ali se reunia a melhor sociedade de Fortaleza a ouvir as bandas do 15º
Batalhão e da Polícia... Ar puro, brisa do mar, tudo contribuía para
torná-lo imensamente agradável. Ficou o Passeio Público, notadamente
depois de inaugurada a Avenida Caio Prado, em 1888, a atrair a beleza
das mulheres e a distinção dos homens, nos seus vaivens de sorrisos e
sadios e elegantes gestos, ao som das valsas que do coreto ressoavam
nos ouvidos de todos. (GIRÃO, 1997a, p. 48 e 49).
‘O Passeio Público era um lugar para todos... mas separadamente’. O
logradouro foi concebido em três níveis, os quais eram usufruídos por atores sociais de
grupos diferenciados. Segundo Ponte (2004, p. 170-171),
não havia nenhuma determinação oficial reservando cada um para as
três distintas classes sociais. (...) Essa separação se deu por força do
segregacionismo social reforçado pela onda remodeladora que
beneficiava especificamente a área central urbana, espaço onde as
elites residiam e detinham a primazia.
Ainda a respeito dessa separação social, em matéria publicada no jornal O
Nordeste, nos anos 1948, podia ler-se que: “ali se reunia a fina flor da nossa sociedade,
sem ficar esquecida também a parte mais baixa, que dispunha de espaço para
51
Até o final do século XIX, era comum denominar por avenida e/ou alameda um corredor ou via calçada
que ladeasse ou cruzasse uma determinada praça.
52
Ao longo da história, a praça recebeu outras denominações, sendo, uma delas, Praça dos Mártires, em
virtude dos fuzilamentos ali ocorridos.
divertimento, sem que se verificasse qualquer mistura.” (O NORDESTE 09/06/1948
apud JUCÁ, 2004, p. 204).
Dentro desse contexto, cabe questionar a respeito da divisão dos planos
existentes no Passeio Público. Será que os freqüentadores, de um modo geral,
aceitavam, de forma espontânea e sem gerar conflitos, essa separação sócio-espacial?
Silva Filho (2004, p. 98) considera que insistir nessa divisão espacial rígida e
espontânea é desconhecer a multiplicidade dos usos dos lugares, continuamente
recriados na vivência diária dos habitantes.
Segundo o autor havia um código imposto pelo qual se instituíam fronteiras,
na observância de gestos moderados, conversações educadas,
vestimentas elegantes - repertório difuso e sutilmente autoritário da
‘civilização’. Na constituição dos valores ligados à ordem social e ao
progresso econômico, é indispensável ‘pôr-se no seu lugar’, respeitar
as convenções hierárquicas que repelem o diferente. Como se percebe,
mesmo nos espaços de lazer, o ar descontraído das caminhadas e
entretenimentos não ameaçava, mas fortalecia as distinções sociais.
(SILVA FILHO, 2004, p. 99).
No seu primeiro plano, o Passeio Público, denominado de Avenida Caio
Prado, recebeu estátuas de esculturas clássicas, jardim, café-bar, coreto e iluminação.
Passou a reunir-se ali, a elite da cidade. O segundo plano chamado de Avenida
Carapinima, era bastante arborizado, possuía uma cascata artificial e um lago com a
estátua de Diana (deusa da caça) no centro, um cassino com bar e bilhares (Cassino
Cearense), que depois foi transformado em praça de esporte e garagem da 10ª Região
Militar. Neste plano, reuniam-se as pessoas de classe média. O terceiro plano, que não
chegou a termo, a Avenida Mororó, espaço atualmente cortado pela Avenida Presidente
Castelo Branco (Avenida Leste-Oeste), possuía um lago artificial alimentado por um
braço do riacho Pajeú, no centro uma estátua de Netuno colocada em 1881, e dois
pavilhões para atividade recreativa como nos dois outros planos. Nessas alas se
encontravam as pessoas de classe baixa. (FOTOS 22, 23 e 24).
FOTO 22 - Avenida Caio Prado, Passeio Público de Fortaleza, início do século
XX.
Fonte: Arquivo Nirez
FOTO 23 - Avenida Mororó, no centro do Passeio Público de Fortaleza em 1880.
Fonte: Arquivo Nirez
FOTO 24 - Avenida Caio Prado, Passeio Público de Fortaleza, início do século XX.
Fonte: Arquivo Nirez
As fotos 22, 23 e 24 registram o tipo de iluminação da Cidade de Fortaleza
no final do século XIX, retratando os lampiões a gás carbônico, lado a lado enfileirados,
emprestando sua claridade tênue e amarelada, mas que contribuía, sobremaneira, no
lazer e interação social dos habitantes da cidade. Às quintas e domingos, as retretas se
organizavam somadas à apresentação da banda do 15º Batalhão do Exército e era este
o “momento principal de reunião e encontro das altas camadas urbanas, onde
geralmente este evento entrava pela noite, com a presença indispensável desses
lampiões a gás.” (SILVA FILHO, 2004).
Naquela época, o Passeio Público era o lugar de encontro da sociedade de
Fortaleza. O escritor cearense Gustavo Barroso, em seus comentários sobre o Passeio
Público, ressaltou que o local além de agradável e ventilado, era o ponto preferido pela
população fortalezense, e também se referiu às bandas militares que se apresentavam
às quintas e domingos. (GIRÃO, 1997b).
A importância desse espaço, no contexto da cidade, até os primeiros anos
do século XX, é evidenciada na descrição de Sebastião Rogério:
localizado no perímetro central e com ampla vista para o mar, o Passeio
tornou-se de pronto a principal área de lazer e sociabilidade, até que
despontassem outras tentadoras opções a partir do século XX. (...)
Zelosamente cuidado e bastante arejado, o logradouro transformou-se
em vitrine, ideal para o desfile de elegâncias e enquanto cartão de
visitas da Cidade, haja vista o álbum de fotografias intitulado ‘Álbum de
visitas do Ceará, 1908’, confeccionado pela casa francesa importadora -
exportadora Boris Fréres e Cia, impresso em Nice e destinado a dar
uma amostra imagética do desenvolvimento da Capital. Entre as
dezenas de fotos selecionadas para o encarte, onde despontam as
praças, ruas, edifícios, escolas e construções em geral, Passeio Público
é o que mais aparece, merecendo fotografias de seus mais diversos
ângulos. (PONTE, 2001, p. 31).
Muitos escritores referem-se ao Passeio, destacando-lhe a beleza, como,
por exemplo, Azevedo (1980), Girão (1997), Lopes (1988), Ponte (2001 e 2004), entre
outros. Durante muito tempo, aquele largo foi considerado um dos mais bonitos e ricos
parques públicos, freqüentados pela sociedade fortalezense.
Até 1902, o Passeio Público era o único local de lazer e convivência social
na cidade. A partir de 1902, foram ajardinadas as Praças do Ferreira (Jardim 7 de
Setembro), Marquês do Herval (hoje Praça José de Alencar, onde ficava o Jardim
Nogueira Accioly) e Caio Prado, em frente à antiga Sé (atual Catedral). O Passeio
Público, que até então concentrava a atenção dos moradores e visitantes, passou a
dividir a atenção do público com outras praças, em especial, a Praça do Ferreira, que
passara por um processo de aformoseamento. Segundo Benedito (1999, p. 61)
a Alameda Caio Prado foi a única a resistir, sintetizando a história da
Praça mais antiga de Fortaleza. No início do século XX surgiram novas
praças e a população do centro passou a ocupar bairros como
Jacarecanga, Benfica, Praia de Iracema e Aldeota; surgem novas
opções de lazer.
De 1907 a 1910, buscando seu passado, o historiador Gustavo Barroso
relembra o nosso banco no Passeio Público: “que ficava em frente da velha muralha
d’Assunção. Discutíamos ali todos os assuntos imagináveis. Das reuniões que se
faziam todas as noites, indefectivelmente, saíram algumas idéias interessantíssimas...”
(GIRÃO, 1997b, p. 185).
De acordo com Jucá (2004), até a década de 1920, a vida social restringia-
se às festas dançantes residenciais, aos filmes exibidos no Majestic e no Moderno e,
aos domingos e feriados, à noite, às retretas realizadas no Passeio Público que atraiam
os interessados. A partir desse período, os clubes surgiram como espaço de lazer
almejado pela classe de maior poder aquisitivo. Assim, ‘em 1928, o Clube Iracema e o
dos Diários, que se localizavam, respectivamente, no Centro e na praia, disputavam
entre si, as comemorações programadas. (FOTO 25). O Ideal Clube foi inaugurado em
1931 e se situava na Avenida João Pessoa’.
FOTO 25 - Clube Iracema no Palacete Ceará, na Praça do
Ferreira, início do século XX.
Fonte: Arqivo Nirez.
Mas esses equipamentos de lazer e entretenimento não alcançavam a todo
segmento social, uma vez que os clubes, por exemplo, encontravam-se distantes do
centro, impossibilitando o acesso daqueles que não possuíam carro, de modo que,
usufruir esse tipo de lazer limitava-se às pessoas de classe mais abastada.
Ponte (2004, p. 171) enfatiza que
o logradouro (Passeio público) manteve sua importância enquanto área
de lazer e sociabilidade até os anos 30, enquanto começou a sofrer
concorrência de outras atrações diversionistas como o cinema, os
clubes e os banhos de mar. Seu esvaziamento completou-se à medida
que o centro, daquela época em diante, tornou-se basicamente área
comercial, forçando o deslocamento das elites e camadas médias para
outras zonas urbanas. (PONTE, 2004, p. 171).
Por razão da crescente incidência de prostituição e por conseqüência das
‘casas de pensões’, as tradicionais retretas, realizadas nos logradouros da área central,
aos poucos foram se definhando. Em 1948, tentou-se reativar as retretas do Passeio
Público, que seriam, então, animadas pela banda de música do 23° Batalhão de
Caçadores, porém a população não sentia mais segurança na, outrora, tão concorrida,
praça. O Passeio Público fora um conhecido pólo de lazer no século XIX, que aos
poucos caíra no esquecimento (JUCÁ, 2004, p. 203) e é, hoje, estigmatizada em um
dos mas conhecidos territórios da prostituição na área central de Fortaleza, sendo
notória a falta de segurança e limpeza.
53
Durante o dia identifica-se a presença de uma diversidade de atores sociais
que dividem os espaços da praça, pois além das prostitutas, encontram-se também ali
as crianças de rua, os vendedores ambulantes (de balas, cafés, cigarros etc), além de
grupos de evangélicos, cada um deles definindo suas diferentes territorialidades. A
dinâmica desses atores sociais se processa, a partir dos comportamentos sociais que
são estabelecidos com a intenção de controlar e defender sua área de atuação.
De acordo com a pesquisa de campo, os citados grupos de atores sociais
costumam ocupar a área central desse logradouro. (FIGURA 8). Não obstante a
delimitação dos seus territórios, geram-se, não poucas vezes, conflitos entre eles,
especialmente, quando acontece de algum ator avançar ou passar para a área de
atuação do outro, embora os depoimentos indiquem um relativo consenso no que diz
respeito a referidos limites. As fronteiras são mais rígidas quando se trata do território
da prostituição, devido às disputas pela clientela. Isso não exclui o fato dessas
mulheres manterem um convívio “amigável” no local.
53
O Passeio Público tem um estado de conservação um pouco melhor em relação a outros logradouros,
apesar de alguns postes caídos e lâmpadas queimadas. Mas mesmo não estando tão destruído, o
Passeio é evitado pela maioria da população. O problema é que o local é ponto de prostituição. Mesmo à
luz do dia, mulheres estão lá oferecendo ‘serviços’ (...). (DIÁRIO DO NORDESTE, 16/01/2006).
Quanto aos evangélicos, estes também se apropriam do Passeio Público,
embora sua presença não seja tão constante quanto a das prostitutas e das
vendedoras de café e cigarro. Pode-se considerar que suas fronteiras são, assim,
flexibilizadas pelo uso inconstante e permanências efêmeras. (FOTO 26). Segundo o
senhor G.C. (evangélico, 37 anos), “elas (as prostitutas) não se aproximam, e nem vêm
pra cá”. Em visita à praça do Passeio Público, torna-se evidente que esses territórios
não se agregam embora façam parte da mesma área, como é o caso da territorialidade
dos evangélicos com a das prostitutas.
FOTO 26 - Territorialidade dos evangélicos, Passeio Público, 2005.
Foto: Elizete Américo.
Fonte: Arquivo pessoal.
As pessoas que freqüentam o local mantêm-se indiferentes em meio à
presença marcante da prostituição. Como no caso de M. L., de 74 anos que, nos finais
de semana vai à Praça, acompanhada do filho e do neto. Enquanto eles brincavam de
bola, ela bordava uma toalha tranqüilamente a poucos metros do local onde as
prostitutas descansavam. (DIÁRIO DO NORDESTE, 16/01/2006).
Pouco se dá do comércio informal naquele espaço público, deixando-se ver
apenas algumas vendedoras de café e de cigarro. “Escolhi essa praça pela sombra e
por não ter problemas com o rapa (agente municipal). Tem quatro anos que trabalho
aqui e vejo essa praça como local de trabalho. Mas ela é também local de lazer”
(depoimento de M. C., 51 anos). (FOTO 27). Uma outra vendedora de café ressaltou
que trabalha na praça, desde 1992, pois se trata de ‘um lugar calmo, com sombra e
fechado’.
O advento da modernidade trouxe inúmeras e decisivas modificações na
organização do mundo e, por reflexo, influenciou no cotidiano dos habitantes das
cidades. Se em períodos passados, os espaços públicos eram utilizados pela
sociedade como locus aglutinador, hoje, o encontro que ali se estabelece tem finalidade
bem diferente. Muitos utilizam esses espaços como um refúgio, por não terem para
onde ir, como é o caso das crianças de rua e alguns anciãos ou mendigos, que passam
a maior parte do dia nas praças centrais e, não raramente, usam-na como dormitório.
Na temporalidade noturna, alguns territórios se subtraem e outros
permanecem. No Passeio, o território da prostituição prevalece mesmo no período
noturno.
Durante todo o período de observação de campo, não foi detectada a
presença de policiais neste local nas temporalidades diurna ou noturna, do que se
conclui que a falta de segurança, ali, é uma constante.
FOTO 27 - Territorialidade das vendedoras de café, Passeio Público, 2005.
Foto: Elizete Américo.
Fonte: Arquivo pessoal.
Apesar da beleza da área e de seu valor histórico, a praça do Passeio
Público é atualmente pouco freqüentada pela sociedade como espaço de lazer. Em
função do conteúdo histórico, vinculado à origem de Fortaleza, por vezes, professores
conduzem grupos de alunos para aulas práticas, destacando esse cenário como “locus
da sociabilidade no passado.
A Praça e seu entorno
Várias modificações têm sido feitas no entorno do Passeio, desde a sua
fundação. Das edificações encontradas atualmente, temos: De frente para a Praça, pela
rua Dr. João Moreira, o prédio onde funciona a Associação Comercial do Ceará,
construído em 1890, que foi sede do antigo Hotel de France e do Palace Hotel; na
esquina da mesma rua com a Floriano Peixoto (FOTO 28), o prédio do antigo Hotel do
Norte, que está sendo restaurado pelo SESI (Serviço Social da Indústria) com
financiamento do Governo Federal. (FOTO 29). Os referidos hotéis, desativados de sua
função, quando em bom estado de conservação, são utilizados para fins comerciais ou
ainda como sede de alguma entidade, como é o caso do antigo Hotel de France.
FOTO 28 - Palace Hotel em frente ao Passeio Público, início do século XX.
Fonte: Arquivo Nirez.
FOTO 29 - Restauração do antigo Hotel do Norte, 2005.
Foto: Elizete Américo.
Fonte: Arquivo Pessoal.
FOTO 30 - Santa Casa de Misericórdia, 2005.
Foto: Elizete Américo.
Fonte: Arquivo Pessoal.
Ainda na Dr. João Moreira, fazendo esquina coma Rua Major Facundo, a
Santa Casa de Misericórdia, instalada em 1861. (FOTO 30 ). Pela Rua Floriano Peixoto,
à mesma altura do Passeio, lado a lado, há ainda a 10ª Região Militar, antigo Forte de
N. Sra. Da Assunção, gênese da cidade de Fortaleza, em virtude do que, exerce uma
relevante representatividade para a história da cidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por muito tempo, os centros urbanos significavam o coração das cidades,
funcionando como áreas de vitalidade principal. Com a expansão da cidade, a classe
burguesa começou a perder o interesse em habitá-los, iniciando-se o processo de
‘esvaziamento’ da função residencial da área central. Assim, os habitantes do Centro
passaram a ocupar outras áreas da cidade que aparentavam ser mais atraentes por
apresentarem condições mais agradáveis e uma infra-estrutura possivelmente
adequada.
A análise das praças em estudo, revela a diferença entre o seu uso atual e
o que elas tinham no final do século XIX e início do século XX, período de glamour do
centro, onde as praças se assemelhavam aos belos jardins europeus. Naquela época,
prevalecia no embelezamento da cidade, a influência de estilos arquitetônicos de
cidades européias, com a presença de praças arborizadas, “quiosques”, edifícios
elegantes, hotéis, entre outros equipamentos, que convidavam a sociedade ao lazer e à
sociabilidade. Nos últimos anos, vem ocorrendo nesses espaços públicos uma perda
das funções tradicionais que estes desempenhavam na cidade, particularmente a
função de lazer, que os constituía em local de encontro, contemplação e sociabilidade.
A partir de meados do século XX, efetivava-se todo um processo de
transformação e, por conseqüência, a cidade começava a se reconfigurar. Associado a
esse fator, o crescimento demográfico desencadeou uma série de problemas, uma vez
que a cidade não disponibilizava à população, de forma homogênea, uma infra-
estrutura de equipamentos e serviços, gerando uma diferenciação do uso e consumo
do espaço diretamente proporcional ao nível do econômico da população em questão.
As transformações do centro de Fortaleza, sofridas com os processos da
expansão urbana e da descentralização têm contribuído para o surgimento de novas
funcionalidades para os espaços públicos daquela área central. A origem de ‘novos
centros’ criados para a função residencial da população de classe mais alta que saia do
centro em busca de conforto, ostentação e isolamento do convívio com as classes
menos favorecidas desencadeou a perda hegemonia econômica e social do centro
tradicional, em virtude do quase total desaparecimento da sua função residencial.
Desse modo, o centro perdeu sua hegemonia no status social com o
deslocamento dos altos investimentos para outras áreas da cidade, com o afastamento
dos consumidores de classe mais abastada, com a presença marcante da população
de menor poder aquisitivo como seus principais freqüentadores e passou a ser o lugar
de passagem para outras áreas da cidade, uma vez que, a malha viária convergia para
aquele espaço, e linhas de transportes coletivos de muitos bairros do ‘subúrbio’.
No centro tradicional que passou a ser local freqüentado pelas camadas
populares, foram desenvolvidas as atividades de comércio e serviços destinados
predominantemente a esse segmento social. Não obstante a redução das funções
residencial, administrativa e do comércio de luxo, o centro ainda desempenha uma
grande vitalidade através das atividades comerciais, de lazer, serviço e ainda uma
pequena parcela da função residencial embora a moradia, em sua grande maioria, seja
em pequenas pensões e casas do gênero. Sua atual vitalidade é evidenciada no fato de
que no último censo do IBGE, o centro destacou-se, numericamente, como o local de
maior efetivação de empregos nas atividades de comércio e serviços e de maior
arrecadação de impostos, ficando atrás, apenas do Bairro da Aldeota.
O processo de metropolização da cidade, gerou em Fortaleza uma
refuncionalização do centro e, de seus espaços públicos. No que se refere às praças,
hoje, as mesmas, passaram a ser vistas como um problema para a cidade,
principalmente pela falta de políticas públicas voltadas para esses espaços. É
justamente aqui que o espaço público (...) parece perder suas funções de local de
encontro e de lazer. É também aqui que as praças e os largos parecem sofrer mais dos
males modernos e da desertificação e do abandono. (SERPA, 1998, p. 39). Alguns
fatores de ordem local contribuíram bastante para o quadro referente à situação que se
configura atualmente no centro urbano, podendo destacar-se: o desaparecimento,
quase por completo, da função habitacional, desencadeando-se paulatinamente o
destaque para a atividade comercial e trazendo conseqüentemente o ‘esvaziamento’ do
sentido de vizinhança, de convivência comunitária e a degradação dos espaços
públicos, que eram espaços primordiais da sociabilidade dos habitantes.
Outros elementos que contribuíram nesse processo foram a predominância
das atividades comerciais ao ar livre, nos espaços destinados a uso público, impedindo
o uso coletivo desses espaços pela maioria da população; as dificuldades de acesso,
acomodação e fluxo de veículos nas áreas centrais, aliadas ao reduzido espaço para a
circulação de pedestres, transformando o centro de Fortaleza em uma área caótica e
com poucos atrativos; além daqueles decorrentes do comércio varejista e da ausência
de uma política urbana adequada ao crescimento da cidade.
A função comercial sempre foi a mais presente no setor sócio-econômico da
cidade e, hoje, vem sendo muito mais enfatizada com a intensificação do comércio
informal no centro de Fortaleza. A função residencial característica daquele espaço
desde os meados do século XIX, perdurou naquela área até os anos sessenta, quando
em virtude das transformações ocorridas, inclusive nas perspectivas governamentais do
país, assim também com o adensamento da própria função comercial e mais os
inconvenientes inerentes ao crescimento urbano, transferiu-se para a Aldeota, bairro
contíguo ao centro, levando também consigo os estabelecimentos comerciais mais
vultosos e de maior representatividade para o consumo da população mais favorecida.
A retirada, quase que total, da função administrativa do centro da cidade, com suas
repartições públicas, funcionários e a circulação da renda que lhe era proveniente; o
surgimento de um novo centro comercial e de lazer para a população melhor situada,
economicamente e a valorização do litoral, pelo Governo do Estado, elegendo aquele
espaço como área de lazer também voltada para aquela população, distanciaram-se do
centro, chamado tradicional, levando aquele bairro a ter suas funções, residencial,
comercial e de lazer, voltadas, quase que exclusivamente, para as classes de menor
poder aquisitivo. Com a valorização do litoral pelo Governo do Estado, a área central
deixou de fomentar atrativos também para a classe média e média alta da sociedade
fortalezense que preferem os shoppings centers e/ou outras áreas de lazer mais
seletivas e com um aparato de monitoramento.
As classes de menor poder aquisitivo mantêm um convívio intenso e
diversificado nas praças e ruas do centro da cidade. A presença desse segmento social
transforma esse espaço público em local de trabalho nos diferentes horários do dia,
estendendo-se para a noite, quando entram em cena os restaurantes improvisados por
entre os calçadões e os catadores de material reciclável. Na Praça José de Alencar, por
exemplo, durante o dia, encontram-se ambulantes, vendedores de lanches, engraxates,
evangélicos, pedintes, prostitutas, mototaxista, taxistas, policiais, artistas, vendedores
de frutas. Ao anoitecer, surgem principalmente, os territórios das prostitutas e dos bares
improvisados no interior da praça, o que nos leva a considerar a diferença de uso do
espaço público de acordo com a escala temporal.
Nota-se na praça do Ferreira que pela manhã predomina a atividade do
comércio informal. No final da tarde, os aposentados surgem como mais um dos atores
sociais a participar neste local. No Passeio Público, do período diurno a praça é dividida
pelo território das prostitutas, vendedores de café e lanche, pelos evangélicos, e
crianças de rua. À noite persiste só o território das prostitutas e muitas chegam a dormir
no local. Na temporalidade noturna, quando as atividades referentes ao comércio formal
e serviços se encerram no centro, parte das territorialidades que prevaleciam durante o
dia cede lugar à prostituição feminina, masculina e infantil; às atividades informais; às
crianças de rua; aos usuários de drogas e aos mendigos.
A força policial, por sua vez tem territórios demarcados a partir da política
de segurança e, geralmente, asseguram os espaços públicos somente na
temporalidade diurna. De acordo com nossas observações de campo, os espaços
públicos estudados são pouco assistidos quanto ao policiamento, principalmente, no
período noturno. Portanto, durante à noite, esses logradouros ficam a mercê dos grupos
marginalizados da cidade que praticam pequenas infrações por encontrarem condições
propícias para tal intento.
As territorialidades no centro de Fortaleza caracterizam-se pela sua
diversidade e flexibilidade. O caráter de exclusão social encontra-se presente nas
territorialidades marginais, na fiscalização ostensiva e no conflito dos grupos quando da
invasão de território.
Atualmente, torna-se complexo explicar qual a relação da praça com a vida
da cidade. Para muitos ela nem existe, pois não faz parte de sua vida cotidiana, para
outros, ela é vista apenas como um corredor de passagem sem qualquer valor histórico.
E ainda para muitos, ela é o local de trabalho, e até mesmo a própria casa.
As gestões municipais vêm procurando, uma após outra, reconfigurar esse
quadro que se mostra na cidade, através de algumas alternativas como a requalificação
da área central, onde parcela da população deixa de residir no Centro e busca outros
espaços de moradia, e também a melhoria para espaços públicos, em especial as
praças, muitas delas apropriadas pela classe de menor poder aquisitivo que as utilizam
como meio de sobrevivência.
Técnicos da prefeitura, que são encarregados de gerir os setores públicos,
e especialistas na área de urbanismo e arquitetura, são creditados à responsabilidade
de pensarem estratégias e/ou alternativas que amenizem a situação do Centro da
cidade contudo, os mesmos acreditam que não é possível requalificar a área central
sem o revigoramento da função residencial. Essa discussão não é recente, já faz
algum tempo que os mesmos vêm buscando melhorar essa área através de seminários,
reuniões, fórum e, por último, a escolha do Projeto Parque da Cidade, concurso
realizado pela Prefeitura e a ação Novo Centro para eleger o projeto que mais se
adequasse tanto no segmento financeiro, como na exeqüibilidade, para a área central e
seu entorno.
Nas discussões referentes ao Centro, um dos assuntos mais cotados é
sobre a “revitalização”
54
da área central. Mesmo com todo estigma essa área apresenta
uma grande vitalidade, daí a importância de ‘requalificá-la’ e não revitalizá-la, termo que
vem sendo utilizado de forma errônea.
Alves (2003) considera que
a priore, revitalizar implicaria em promover, no lugar de uma nova vida,
um dinamismo das relações sociais, econômicas e políticas, no qual a
transformação espacial seria um dos elementos fundamentais do
processo. Assim, o espaço surge como integrante das relações sociais,
intervindo em sua própria produção.
Associadas às reformas das praças da área central, as fachadas das lojas
também são objeto de interesse do poder público, juntamente com a iniciativa privada,
procurando recuperá-las no intuito de tornar o entorno das praças mais atrativo, como
um meio de preservar a história da cidade e conduzir a preferência dos clientes para os
espaços recuperados. “O resgate histórico da praça do Ferreira não ficará restrito
apenas à reconstrução da coluna da hora ou até mesmo dos bancos da praça. (...) até
mesmo as lojas que circundam a praça receberam de volta as sua fachadas originais.”
(O POVO 25/11/1991, p. 10A).
Não é de agora essa ‘chamada’ necessária para a requalificação do centro
da cidade. Vários profissionais como arquitetos e urbanistas, ao analisar essa área da
cidade, sabem da necessidade de se pensar alternativas para evitar a permanência
desse processo de degradação. A exemplo disso, diz o arquiteto Fausto Nilo que:
está ciente que só uma revisão sistêmica e globalizante começando
pela periferia e incluindo questões como a do transporte urbano, poderá
efetivar mudanças satisfatórias no centro da cidade. Do ponto de vista
estrutural a praça poderia ser a última a ser recuperada. Mas ela é o
terminal simbólico dos problemas de Fortaleza, e por isso incomoda.
(...) O centro está sobrecarregado, e com o improviso de serviços
54
Essa expressão entrou em desuso devido à forma inadequada que vinha sendo empregada. “Essa
expressão causa surpresa a vários arquitetos e urbanistas, dentre eles, o arquiteto e urbanista Liberal de
Castro, afirma que: revitalizar por quê? O centro já é vital.” (O POVO, 07/01/1995, p. 2).
inadequados ao espaço público, e que, portanto é impossível pensar a
praça sem pensar o centro. (O POVO, 12/05/1991, p. 3A).
Diante dessa análise, é interessante suscitar um questionamento pertinente
ao estudo. Seria possível conservar funções primordiais de uma praça no ritmo atual da
cidade onde tudo é efêmero?
Leite (2004) afirma que nem sempre as mudanças geradas pelo processo
de requalificação nos espaços públicos, garantem a permanência do uso dos mesmos
como locus da sociabilidade e do encontro, uma vez que, uma das partes implicadas
nesse processo de valorização de uma determinada área, parte da iniciativa privada,
refletindo assim o interesse em distanciar cada vez mais desses locais a camada de
menor poder aquisitivo.
O mesmo autor menciona a praça Marco Zero, em Recife, reportando-se
aos usos anteriores à reforma que foi realizada nesse espaço público, fruto do processo
de ‘requalificação’:
antes da reforma, o local era uma pequena pracinha com bancos de
madeira, onde se podia, à sombra das árvores, conversar a qualquer
hora do dia. Era um local que convidava o olhar a se perder nos
arrecifes naturais, na calma quase sonolenta de um final de tarde à
beira do cais. A Marco Zero era um local de permanências e não
apenas de passagem, que evocava o porto e o próprio Bairro do Recife
como nenhum outro local. (LEITE, 2004, p. 186).
Sem bancos e sem sombra, o novo Largo do Marco Zero repetia uma
experiência comum nas metrópoles brasileiras: a remoção dos utensílios urbanos que
asseguravam a permanência fortuita de pessoas nos locais. O enorme vazio no largo,
somente preenchido em dias de grandes eventos, (...) transformando-o em um espaço
público para a reunião e o espetáculo. (LEITE, 2004).
Hoje, o que denominamos de ‘centro tradicional’, era o locus onde se
processavam os principais acontecimentos da cidade devido ao reconhecimento
tributado pela sociedade. Era comum ouvir-se, das pessoas mais antigas, que de uma
forma direta ou indireta viveram esses momento da cidade, a expressão “vou à cidade”
quando queriam referir-se ao Centro da Cidade. Segundo Alves (2003) cidade e centro
eram sinônimos para os que viviam na periferia, privados de tudo o que aquela parcela
da cidade parecia oferecer e, por isso mesmo, se lhes apresentava como o lugar da
vida, das possibilidades, da cidadania.
Quanto ao processo de requalificação da área central de Fortaleza, o
mesmo tem participação do poder público em parceria com a iniciativa privada, com o
intuito de chamar para o centro novos investimentos, que atraia novamente a
sociedade, especialmente a de maior poder aquisitivo. E uma das maiores
preocupações da iniciativa privada é que com a posição social estigmatizada do Centro,
seus negócios venham a ser comprometidos. Mas, para além disso, deve-se ter em
mente o resgate histórico-cultural do centro, proporcionado por esse processo de
requalificação. Afinal a história da cidade tem gênese no Centro tradicional.
Hoje, a cidade disponibiliza outros espaços de lazer e entretenimento que
não necessariamente são na área central. Com as transformações no âmbito
econômico, político e social imbricadas diretamente na incorporação de novos hábitos
cotidianos dos citadinos, emergem nos bairros, notadamente nos de classe de maior
poder aquisitivo, os restaurantes, pizzarias, lanchonetes, casas de shows, shoppings
centers, entre outros, que passam a se constituir em espaços de sociabilidades
efêmeras.
O centro permanece vital onde um número bastante significativo de
pessoas das classes populares vê o centro como referência principal de suas
atividades comerciais e de entretenimento. Uma das questões delicadas em torno
dessa área é que com o deslocamento dos moradores de classe média alta os
promotores imobiliários não demonstram muito interesse na exploração da área como
local de habitação e sim para as atividades comerciais.
Não obstante a propagação do discurso ideológico das classes dominante
referindo-se ao centro como área deteriorada, ainda assim, verifica-se a grande
importância desempenhada em razão de seu dinamismo, mas ao contrário de épocas
passadas, o mesmo experimenta uma tendência de refuncionalidade verificada através
da reconfiguração espacial. E esses aspectos corroboram a impossibilidade de recriar o
glamour de outrora tanto almejado por muitos saudosistas. E mesmo em meio aos
projetos de requalificação ali realizados, nada trará de volta o centro de momentos
passados. Houve uma substituição desse quadro socioespacial pela multiplicidade de
atividades desenvolvidas em seu interior, contudo, atribuindo-a, ainda, como área
significativa no contexto da cidade.
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APÊNDICE
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Nome: ______________________________________ Idade: ______
Atividade: ________________
1)Você vem sempre a praça?
2)Freqüenta outras praças?
3)Porque a escolha dessa praça e não outra?
4)O que faz aqui?
5)Costuma ficar quanto tempo no local?
6)Quantas vezes costuma vir para a praça?
7)O que acha do local?
8)O que sabe sobre as transformações da praça?
9)O que ela significa para você?
10)Onde fica quando está aqui?
11)Conhece alguém aqui ou tem algum amigo?
12)Qual o seu envolvimento com as outras pessoas da praça?
13)Há alguma diferença quando tem evento no local?
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