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HEBER RICARDO DA SILVA
A DEMOCRACIA IMPRESSA.
TRANSIÇÃO DO CAMPO JORNALÍSTICO E DO POLÍTICO E A CASSÃO
DO PCB NAS PÁGINAS DA GRANDE IMPRENSA, 1945-1948.
Assis
2008
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HEBER RICARDO DA SILVA
A DEMOCRACIA IMPRESSA.
TRANSIÇÃO DO CAMPO JORNALÍSTICO E DO POLÍTICO E A CASSÃO
DO PCB NAS PÁGINAS DA GRANDE IMPRENSA, 1945-1948.
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras de Assis UNESP
Universidade Estadual Paulista, para a
obtenção do título de Mestre em Hisria
(Área: Hisria e Sociedade)
Orientador: Prof. Dr. Áureo Busetto
Assis
2008
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP
Silva, Heber Ricardo da
S586d A democracia impressa: transição do campo jornalístico e do
político e a cassação do PCB nas páginas da grande imprensa,
1945 – 1948 / Heber Ricardo da Silva. Assis, 2008
211 f. : il.
Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras de
Assis – Universidade Estadual Paulista.
1. Imprensa – Brasil. 2. Partido Comunista do Brasil. 3. De-
mocracia. 4. Partidos políticos – Brasil. I. Título.
CDD 079.81
320.981
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HEBER RICARDO DA SILVA
A DEMOCRACIA IMPRESSA: TRANSIÇÃO DO CAMPO JORNALÍSTICO E DO
POLÍTICO E A CASSAÇÃO DO PCB NAS PÁGINAS DA GRANDE IMPRENSA,
1945-1948.
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras UNESP Universidade
Estadual Paulista, para a obtenção do titulo
de Mestre em HISTÓRIA (Área: História e
Sociedade)
BANCA EXAMINADORA
Presidente: Prof. Dr. ÁUREO BUSETTO – UNESP/Assis
Membros: Prof. Dra. BEATRIZ KUSHNIR Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro Universidade Federal Fluminense (UFF) Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP)
Prof. Dra. TÂNIA REGINA DE LUCCA – UNESP/Assis
5
Agradecimentos
Este trabalho contou com a colaboração de diversas pessoas e instituições, as
quais expresso os meus sinceros agradecimentos.
Primeiramente, agradeço ao professor Áureo Busetto pela paciência,
competência e dedicação na orientação desse trabalho. Registro aqui um gesto irrestrito
de reconhecimento e admiração, pois além de sugerir reflexões sobre as relações
existentes entre a política e a imprensa, Áureo ensinou-me os caminhos a serem
trilhados pelo historiador. Agradeço as professoras Beatriz Kushnir e nia Regina de
Lucca, que compuseram a banca examinadora dessa dissertação de mestrado, por
apontarem caminhos e formularem sugestões para o aperfeiçoamento desse trabalho.
Agradeço também aos professores da UNESP/ Assis, em especial, JoLuís
Bendicho Beired, Milton Carlos da Costa, Carlos Eduardo Jordão Machado, nia
Regina de Luca, Claudinei Magno Magre Mendes e Célia Reis Camargo.
Às professoras Tânia Regina de Luca e Célia Reis Camargo agradeço pelas
preciosas considerações durante o Exame de Qualificação. Ao CNPq agradeço pelo
financiamento dessa pesquisa. Sou grato aos funcionários da Biblioteca e do Programa
de Pós-Graduação da FCL/UNESP/Assis.
Aos funcionários da Biblioteca Nacional, Arquivo do Estado de São Paulo,
Banco de Dados da Folha de S. Paulo, Biblioteca Mário de Andrade, Associação
Brasileira de Imprensa, Centro de Documentação e Informação da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal e Centro de Documentação e Apoio a Pesquisa da
UNESP, campus de Assis, agradeço pela paciência e o empenho em auxiliar essa
pesquisa.
Agradeço ainda à Clarice e Regina do Departamento de História pelas palavras
de incentivo. Sou grato ainda aos amigos do tempo de graduação Fernando Mattiolli,
Marcos Rogério, Gesiel Araújo, Fernando Moraes e João Paulo Rodrigues pelo apoio
recebido. Ao companheiro Edvaldo Correa Sotana, agradeço as inestimáveis sugestões e
esmulos ao longo dessa pesquisa. Também agradeço aos amigos Paulo Gustavo da
Encarnação, Leandro Manzoni, Cláudio Martins, Ana Carolina Lemos, Weslei Cândido
e Hélio Paiva Matos pelo apoio e incentivo recebidos ao longo desse trabalho.
6
Finalmente, agradeço os meus pais, Oscar e Rosmari por sempre preocuparem-
se com a minha formação e pelos exemplos transmitidos. Aos meus irmãos, Hugo,
Ande Aracele pela compreensão e apoio.
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“Reparem: a nossa imprensa serve ao poder porque
o integra compactamente, mesmo quando, no dia-
a-dia, toma posições contra governo ou contra um
outro poderoso. As conveniências de todos aqueles
que tem direito a assento à mesa do poder
entrelaçam-se indissoluvelmente”.
(Mino Carta - O castelo de Ambar)
“Embora a maioria dos jornalistas rejeitem e
condenem as práticas mais duvidosas da profissão
e reconheçam a existência inevitável de vieses,
mesmo em um tratamento da informação que se
pretende honesto, eles pensam que, apesar de todas
essas dificuldades e de todas essas deformações,
nada é pior que o silêncio”.
(Patrick Champagne)
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RESUMO
SILVA, Heber Ricardo da. A democracia impressa: transição do campo jornalístico e do
político e a cassação do PCB nas páginas da grande imprensa, 1945-1948. Dissertação
(Mestrado em História) – Faculdade de Ciências e Letras Universidade Estadual
Paulistalio de Mesquita Filho, Assis – SP, 2005, 200 f.: Il
O presente trabalho tem como objetivo precisar historicamente os posicionamentos da
imprensa brasileira acerca da cassação do PCB e de seus mandatos durante a vigência
do regime democrático inaugurado com a Constituição de 1946. Além disso,
objetivamos entender as relações e o papel da imprensa como agente político num
contexto de transição política, marcada pela passagem do regime estadonovista à nova
ordem democrática e de transição jornalística, momento em que os jornais atenuavam
sua posição de veículos de expressão de grupos políticos específicos e caminhavam em
direção ao modelo jornalístico empresarial. Nesse sentido, os jornais foram tomados não
apenas como fonte de pesquisa, mas também como objeto de estudo, uma vez que, são
produtores de acontecimentos políticos, pois influenciam a pauta política e são por elas
influenciadas. Dessa forma, buscamos caracterizar as concepções democráticas dos
jornais analisados, bem como as relações entre as folhas e os demais agentes políticos,
além entender as relações existentes dentro da própria empresa jornalística, uma vez que
essas sempre se esbarram em elementos políticos. Buscamos entender a ação, interesses
e justificativas da imprensa do eixo Rio-São Paulo na defesa da democracia
parlamentar-representativa diante dos atos que feriram a noção de democracia
amplamente defendida pelas folhas. Para tanto, foram pesquisados os jornais paulistas O
Estado de S. Paulo, Folha da Manhã e Diário de S. Paulo e os cariocas, Correio da
Manhã, O Globo e Jornal do Brasil. A imprensa foi entendida nesta pesquisa como
importante agente político, responsável por intervir nos acontecimentos políticos
nacionais, uma vez que participa e compartilha projetos políticos e visões de mundo
ligadas a determinados grupos políticos.
Palavras-chave: Imprensa - Brasil, Partido Comunista do Brasil, Democracia, Partidos
Políticos – Brasil
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ABSTRACT
SILVA, Heber Ricardo da. A printed democracy: the transition of journalism’s and
political’s fields and annulment of PCB in big press papers, 1945-1948. Dissertation
(Mastership in History) – Faculdade de Ciências e Letras Universidade Estadual
Paulista Julio de Mesquita Filho, Assis – SP, 2008, 200f. : il.
The main objective of this work is to analyze historically Brazilian press positions about
PCB and its mandate annulment during democratic regime of Constitution of 1946. We
intend to understand the relations and the part of Press like political agent in a political
transition, marked by the change from estadonovista regime to democratic one and the
journalistic transition, when the newspapers leave their positions like specific political
groups press to acquire a new way of newspaper, a journalistic business model. In the
meantime, the newspapers were not only source research, but also study object, because
they are political happenings producers, they influence political agenda and they are
influenced by it. We try to characterize newspapers democratic opinions, and the
relations between newspapers and other political agents, trying to understand the
relations in the journalistic companies, because there are different political facts in the
company. We try to understand actions, interests and justifications on Rio-São Paulo
Press in defense of representative-parliamentary democracy in the same time that
practices were against democracy notions defended by these newspapers. We
researched O Estado de São Paulo, Folha da Manhã e Diário de São Paulo
newspapers from São Paulo and Correio da Manhã, O Globo e Jornal do Brasil
newspapers from Rio de Janeiro. In this research, the Press is considered an important
political agent, responsible for intervening in national political happenings, because it
participates and shares political projects and world visions wit some political groups.
KEY-WORDS: Press Brazil, Communist Party of Brasil, Democracy Political
Parties – Brazil
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
ABI – Associação Brasileira da Imprensa
CM - Correio da Manhã
DSP- Diário de S. Paulo
FM - Folha da Man
FN- Folha da Noite
JB - Jornal do Brasil
OESP- O Estado de S. Paulo
OG - O Globo
PCB - Partido Comunista do Brasil
PSD – Partido Social Democrático
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
UDN União Democrática Nacional
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 13
1. SEIS GRANDES DIÁRIOS E A TRANSIÇÃO DO CAMPO
JORNALÍSTICO
1.1. Ensino superior e regulamentação da atividade jornalística: antigas
demandas cuidadas pelo governo Vargas 29
1.2. Da produção jornalística 41
1.3. Dos proprietários, dirigentes e jornalistas 65
2. JORNAIS LIBERAIS E O CAMPO POLÍTICO DURANTE A
TRANSÃO DEMOCRÁTICA
2.1. Relações entre os jornais e a política 85
2.2. Concepções de democracia: entre a liberdade de imprensa e a autocensura 107
2.3. Práticas democráticas vistas e revistas pelos jornais 118
3. A DEFESA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E IMPRENSA
COLOCADA EM XEQUE: JORNAIS LIBERAIS E A CASSAÇÃO
DO PCB
3.1. Anticomunismo: uma realidade para o jornalismo democrático 144
3.2. A democracia escrita com letras minúsculas: a reação dos jornais às práticas
comunistas 156
3.3. Cassação da legenda e dos mandatos comunistas: governo e imprensa
democráticos nutridos pela seiva do arbítrio 177
12
CONSIDERAÇÕES FINAIS 194
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 201
13
Introdução
14
Introdução
Esta dissertação foi elaborada com o objetivo de historiar e analisar o papel da
grande imprensa do eixo Rio de Janeiro-São Paulo no campo político, quando da
transição do regime estadonovista para a ordem democrática, e as suas apreciações e
seus posicionamentos com relação à cassação do PCB, ocorrida em maio de 1947, e a
dos mandatos parlamentares dos comunistas, em janeiro de 1948, atos que feriram a
noção democrática de liberdade de expressão e que fora invocada anteriormente pela
imprensa escrita contra o Estado Novo. Portanto, esta dissertação foi pautada pela
preocupação de precisar e analisar historicamente o papel desempenhado e as relações
encetadas por grandes jornais brasileiros em período de dupla transição, tanto política,
marcada pela retomada da democracia parlamentar representativa, como jornalística,
caracterizada por seus passos em direção ao modelo imprensa-empresa, ou seja, quando
os grandes jornais atenuavam sua condição de veículo de expressão de grupos e partidos
políticos específicos e nem se caracterizavam, ainda, totalmente como típicos jornais
empresariais.
Não é o objetivo deste trabalho a realização de uma análise político-institucional
do PCB, nem observar a atuação do partido no cenário político nacional do imediato
pós-guerra, uma vez que os fatos políticos diretamente relacionados à cassação da
legenda e dos mandatos dos políticos comunistas, assim como a ação partidária, são
tratados pela ampla bibliografia ocupada com a atuação dos comunistas.
1
Tampouco é o
intento deste trabalho cuidar dos acontecimentos políticos ligados ao final do Estado
Novo e a transição para a ordem democrática, pois, de certa forma, estes contam com
uma gama de estudos das áreas de Ciências Sociais e História, sobremaneira aqueles
1
No âmbito dos estudos históricos e de áreas afins constam obras calcadas numa análise sistêmica sobre o
PCB ou ocupadas com a gênese, organização e dinâmica do partido em distintas fases de sua existência,
dentre elas destacamos os trabalhos de: CHILCOTE, Ronald Partido Comunista Brasileiro: conflito e
integração, 1922-1972. Rio de Janeiro: Graal, 1982; PEREIRA, Astrogildo Construindo o PCB (1922-
1924). São Paulo: LECH, 1980; CARONE, Edgar. O PCB (1943-1964). Vol. 2. São Paulo: Difel, 1982;
RODRIGUES, Leôncio Martins O PCB: os dirigentes e a organização”. in: FAUSTO, Boris (dir.)
História geral da civilização brasileira. O Brasil republicano. Vol.3, Tomo III, São Paulo: Difel, 1983;
PANDOLFI, Dulce Camaradas e companheiros: história e memória do PCB. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 1995.
15
que tratam do período de 1945 a 1964, sejam ocupados com o sistema político-
partidário como um todo, sejam com a análise dirigida a um partido específico.
2
Assim, buscamos entender e analisar historicamente a ação, os interesses e as
justificativas dos principais jornais cariocas e paulistas na defesa da democracia
parlamentar representativa, diante dos sérios arranhões que esse regime sofrera com a
cassação do PCB e dos mandatos comunistas legalmente eleitos. Trata-se, portanto, de
buscar caracterizar e compreender historicamente a ação dos grandes jornais brasileiros
no papel de defensores das liberdades democráticas e do empenho deles na busca pela
autonomia da imprensa com relação ao poder político - quer do Estado, quer de
governos constitdos - durante um capítulo de transição política da história republicana
e dentro de um quadro jornalístico marcado pela convivência entre o jornalismo
opinativo/interpretativo e o noticioso, ou seja, quando a notícia ganhava contornos mais
nítidos de mercadoria, além do fato de a imprensa vivenciar algumas etapas no seu
processo de profissionalização. É necessário considerar, ainda, que este trabalho tem
também como objetivo compreender e analisar as interligações entre os
posicionamentos dos principais jornais sobre as ões oficiais contra o PCB e a atuação
anterior deles contra o autoritário regime estadonovista; as aspirações destes jornais
sobre a democratização da sociedade brasileira expressas em material jornalístico
ocupados em noticiar e analisar a tentativa de Getúlio Vargas de continuar no poder, o
movimento “queremista”, a legalização do PCB, os pleitos políticos eleitorais ocorridos
em 1945 e 1947 e seus resultados, os trabalhos da Assembléia Constituinte, a
Constituição de 1946, a política externa brasileira voltada à antiga URSS e aos EUA e,
por fim, os primeiros acontecimentos interligados à Guerra Fria.
Para a realização da pesquisa foram selecionados seis jornais da grande imprensa
nacional, ou seja, os paulistas O Estado de S. Paulo (OESP), Diário de S. Paulo (DSP)
2
Ver BENEVIDES, Maria Victória. A UDN e o udenismo. São Paulo: Paz e Terra, 1981; BUSETTO,
Áureo. A democracia cristã no Brasil: princípios e práticas. o Paulo: Editora UNESP, 2002; CALIL,
Gilberto Grassi. O integralismo no pós-guerra: A formação do PRP (1945-1950). Porto Alegre:
EDPUCRS, 2001; D’ÁRAÚJO, Maria Celina. Sindicato, carisma e poder: o PTB de 1945-1965. Rio de
Janeiro: FGV, 1996; DELGADO, Lucília de Almeida. Partidos políticos e frentes parlamentares: projetos,
desafios e conflitos na democracia. in: FERREIRA, J. ; DELGADO, L.A.N. (orgs.) O Brasil republicano.
Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003; HECKER, Alexandre. Socialismo sociável: história da
esquerda democrática em São Paulo. o Paulo: Editora Unesp, 1998; HIPPÓLITO, Lúcia. PSD De
raposas a reformistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985; SAMPAIO, Regina. Adhemar de Barros e o PSP.
o Paulo: Global, 1982; SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil,
1930-1964. São Paulo: Alfa Omega, 1983, entre outros.
16
e Folha da Manhã (FM), e os cariocas Correio da Manhã (CM), Jornal do Brasil (JB) e
O Globo (OG). A escolha desses jornais decorreu não apenas em razão de serem os
mais vendidos, segundo padrões da época, mas, também, por serem editados e
circularem nos dois maiores centros urbanos do país. Além da importância econômica e
política de ambos, Rio de Janeiro e São Paulo apresentavam as maiores e mais bem
organizadas seções do PCB, um número significativo de políticos comunistas eleitos
para os legislativos federais, estaduais e municipais e, também, uma expressiva atuação
da imprensa comunista. Os seis periódicos faziam parte do seleto grupo denominado
grande imprensa, entendida como aquela que passava a apresentar uma estrutura
empresarial com moderno parque gráfico, rotativas de última geração, com capacidade
para aumentar a tiragem de jornais, e a divisão interna do trabalho com repórteres,
fotógrafos, redatores, gráficos e colunistas -, exibindo, assim, maior poder de
intervenção na vida política nacional e uma estrutura técnica capaz de ampliar seu
público leitor e o espaço publicitário em suas páginas. Atuaram significativamente no
debate político nacional ao publicar editoriais, reportagens, entrevistas, charges e
imagens acerca de acontecimentos ligados ao fim do Estado Novo e à implantação da
democracia parlamentar representativa. Ademais, mesmo pautados por linhas editoriais
distintas, os seis jornais foram escolhidos por se declararem liberais e se mostrarem
como defensores incontestes do regime democrático e serem os que mais noticiaram ou
se manifestaram em relação aos atos governamentais e aos de outros agentes políticos
favoráveis ao cerceamento das liberdades comunistas no jogo político nacional.
Diversos pesquisadores se preocuparam em demarcar historicamente os
caminhos percorridos pela imprensa nacional, formulando várias periodizações para
explicar a história da imprensa, bem como as transformações técnicas e estruturais
alcançadas pelo setor. Podemos periodizar a história da imprensa brasileira a partir de
vários ângulos, como, por exemplo, em função dos acontecimentos políticos ou
institucionais, das revoluções tecnológicas vivenciadas ao longo dos séculos ou
momentos de transformações lingüísticas ou culturais. Embora as periodizações
históricas sejam sempre arriscadas e questionáveis, principalmente as que se referem à
imprensa brasileira, três periodizações têm marcado a bibliografia sobre o tema, sendo
que uma delas é apontada por conjunto bibliográfico mais recente.
17
De acordo com o historiador Nelson Werneck Sodré (1999, p. 261-275), a
imprensa brasileira até a segunda metade do século XIX era caracterizada por uma
estrutura artesanal, com técnicas de trabalho rudimentares, sem dispor de um aparato
técnico desenvolvido e uma ampla organização estrutural e econômica. Foi somente a
partir do final do século XIX, com a introdução de inovações técnicas, que a imprensa
artesanal cedeu espaço para a industrial, baseada em uma estrutura empresarial que lhe
possibilitara o aumento de sua área de abrangência, distribuição, tiragens e aproximação
dos padrões e das características peculiares de uma sociedade burguesa. Nessa fase da
imprensa brasileira, surgiram o serviço telegfico, as ilustrações, proporcionando maior
número de edões e de tiragens, que chegavam a até 50 mil exemplares. Porém, foi
com a consolidação da República, no início do século XX, que a imprensa nacional
também se consolidaria, ou seja, os jornais entraram definitivamente na fase industrial,
apresentando, a partir de então, características empresariais e comerciais, momento em
que as notícias passaram a ser entendidas como mercadoria, algo que poderia ser
comercializado como qualquer outro produto. Era o fim do jornal como
empreendimento individual e isolado, e surgem os grandes conglomerados jornalísticos
capazes de influir fortemente na vida política nacional.
Por sua vez, Bahia (1967, p.46-86) oferece outra periodização à história da
imprensa brasileira. Segundo ele, a fase inicial foi marcada pelo surgimento dos
primeiros jornais, período que vai de 1808 a 1880. Nessa fase, o jornal era produzido de
forma artesanal e a imprensa atuava em condições precárias, contando pdios velhos e
máquinas compradas de segunda mão de países mais adiantados industrialmente. O
segundo momento, denominado como a fase de consolidação e aventura industrial,
começou por volta de 1880 e se estendeu até a década de 1930. Tal período se
caracterizou pela passagem da tipografia artesanal à indústria gráfica, anúncio em cores,
surgimento das agências especializadas de publicidade, aprimoramento da o-de-obra
gráfica, re-aparelhamento técnico dos jornais e surgimento do jornal em formato
standart. A tipografia perdeu o seu conteúdo artesanal e conquistou a posição de
indústria gráfica, trazendo consigo quatro inovações importantes: máquina de papel,
prensa mecânica, prensa rotativa e linotipo. Já a terceira fase, classificada como
moderna, foi marcada pelo surgimento do dio, das cadeias jornalísticas e aumento de
tiragens. Inegavelmente, a partir de 1930 ocorreu um desenvolvimento desenfreado dos
meios gráficos e reais aprimoramentos das formas de se fazer jornal, representando um
18
poder de indiscutível capacidade econômica. Embora os jornais tivessem vivenciado
tamanho progresso nessa terceira fase, a imprensa também vivenciaria uma das fases
mais críticas de sua história com a emergência do Estado Novo que, segundo Bahia,
representou um dos mais lamentáveis episódios do periodismo latino-americano. Por
fim, foi a partir do final da Segunda Guerra Mundial e na esteira dos acontecimentos de
inegável despertar social - como a mobilização popular pela Constituinte de 1946, a
queda da ditadura Vargas, a expansão das indústrias de base - que surgiu o novo
jornalismo. Nessa fase, a imprensa vivencia transformações ainda mais aceleradas em
todos os setores, passando a competir pelos leitores, que proporcionariam
conseqüentemente aumento de tiragens e vendagens. Com o novo jornalismo, a
imprensa nacional passava a sofrer influência do jornalismo norte-americano e se
transformara em empresas de comunicação dotadas de uma considerável estrutura
técnica comparada a da imprensa norte-americana e européia.
Para Lattman Weltman (1996, p. 157-175), a história da imprensa brasileira
pode ser dividida em três grandes períodos. A fase pré-capitalista, quando se deu a
instalação das primeiras folhas no Brasil, cujos serviços prestados eram apenas
informativos. Fase que perduraria até o final do século XIX.
3
A segunda fase iniciou-se
quando a imprensa passava a incorporar, além das notícias, a opinião política, momento
em que surgem as primeiras folhas oposicionistas, abolicionistas ou republicanas, as
quais se beneficiavam, inicialmente, da liberalização e implantação das primeiras
tipografias no Brasil. Surgiria, então, o jornalismo literário, que privilegiaria os
imperativos propagandísticos de idéias e opiniões A terceira fase, iniciada a partir da
década de 1950, caracterizava-se por modificações decisivas para a imprensa, como o
avanço das técnicas, aumento do número de publicações e tiragem. O jornal, além de
assumir cada vez mais um caráter de empresa, dependente, na mesma proporção, da
publicidade e de verbas oficiais, vê-se obrigado a competir mais intensamente pela
divulgação de notícias.
Nesse sentido, Abreu (1996, p. 15-30) apontou que a partir da década de 1950 a
imprensa foi abandonando aos poucos uma de suas tradições, ou seja, o jornalismo de
combate, de crítica, de opinião, portanto, distanciando-se do modelo francês de
3
Essa fase é representada pela Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro jornal brasileiro surgido em 1808, e
que apenas prestava pequenos serviços informativos.
19
jornalismo até então seguido pelos jornais. Foi quando a imprensa passou a seguir o
modelo de jornalismo norte-americano, ou seja, um modelo jornalístico que
“privilegiava a informação e a notícia e que separava o comentário pessoal da
transmissão objetiva e impessoal da informação”. Essas transformações foram
empreendidas em parte pela influência de alguns jornalistas brasileiros que após terem
vivido nos EUA, na primeira metade dos anos de 1940, retornavam ao Brasil,
entusiasmados com a organização e as técnicas jornalísticas norte-americanas. Com a
escolha desse modelo de jornalismo, a imprensa nacional passou por inúmeras
alterações, ao vivenciar um vertiginoso aumento de tiragens, a aplicação de novas
técnicas, o uso da impessoalidade na escrita e o tratamento da realidade stritu senso. A
partir da década de 1950 ocorre a profissionalização da atividade jornalística, além da
introdução dos primeiros cursos superiores de jornalismo no Brasil e investimentos no
setor publicitário, desencadeando, assim, a implantação no país de grandes agências de
publicidade. Desta forma, novas técnicas de apresentação gráfica e inovações na
cobertura jornalística foram introduzidas, o que traz modificações substanciais na
estrutura e linguagem jornalística. Ademais, a infiltração de capitais estrangeiros na
imprensa brasileira, especialmente o norte-americano, deve ser entendida num quadro
mais amplo, no qual o imperialismo desenvolveu suas ações, numa fase em que se viu
obrigado a realizar um controle indireto da imprensa nos países dependentes com a
montagem, neles, de sua própria imprensa. Assim, a imprensa vai se tornando menos
livre quanto mais vai adquirindo o caráter de empresa, quanto mais se torna dependente
das agências de notícias e agências de propaganda internacionais, bem como das verbas
governamentais. Por sua vez, Ribeiro (2003, p. 148) afirmou que a profissionalização da
atividade jornalística ocorreu somente a partir da década de 1950. Além disso, apontou
que, nessa mesma década, o jornalismo empresarial foi pouco a pouco substituindo o
político-literário e, desta forma, a imprensa abandonava a tradição de polêmica, de
crítica e de doutrina e assumia características de um jornalismo que prezava pela
informação transmitida ‘objetiva’ e ‘imparcial’, que separava o editorial do comentário
pessoal e da opinião. Para Barbosa (2007, p. 149-153), a partir dos anos de 1950 uma
rie de mudanças foi introduzida no jornalismo brasileiro e transformou inteiramente a
face dos grandes jornais. Segundo a autora, “começava a nova imprensa brasileira,
caracterizada pela profissionalização do jornalismo e intensificação da influência
jornalística norte-americana”. Além disso, acrescenta, as reformas ocorridas nos jornais
20
a partir da década de 1950 deveriam ser entendidas como o momento de construção,
pelos próprios profissionais, do marco fundador de um jornalismo moderno,
caracterizado pela objetividade e neutralidade.
Ao contrário da bibliografia mais recente, e precisando as elaboradas por
Werneck Sodré e Bahia, esta dissertação revela com base em evidências empíricas e na
análise delas que a imprensa brasileira durante a década de 1940, notadamente na sua
segunda metade, já vivenciava algumas etapas da sua profissionalização. Assim como a
categoria dos jornalistas se empenhava em ampliar este quadro, a produção dos
principais jornais brasileiros era pautada por alguns elementos colhidos do modelo
norte-americano de jornalismo e havia empresas jornalísticas determinadas a garantir ou
ampliar a autonomia do jornalismo em relação ao Estado e governos, como foram os
casos de OESP e do CM. Assim, a imprensa no período analisado experimentava um
quadro jornalístico marcado pela convivência entre o jornalismo opinativo/interpretativo
e o noticioso, mesclando traços do modelo de jornalismo francês com o norte-
americano. Logo, o que se via no campo jornalístico era um período de transição, o qual
refletia também a transição no campo político nacional, ou seja, a passagem do Estado
Novo para a etapa da democracia parlamentar representativa.
Vale destacar que dois livros estão diretamente ligados à temática desta
pesquisa, uma vez que tratam das relações entre comunistas e imprensa, embora
abordem períodos distintos e se ocupem mais detidamente com o anticomunismo. O
primeiro é o livro de Mariani (1998), que discorre sobre dois objetos bastante definidos,
a imprensa e o PCB, calcado estritamente na análise do discurso. A autora identifica as
formações ideológicas e discursivas que constituíram ideologicamente a memória
política do país, além da produção discursiva dos principais periódicos brasileiros, bem
como a narrativa e a memória sobre os comunistas. Porém, não cuida analiticamente do
período focalizado por nossa pesquisa, esquecendo importantes temas como os
processos eleitorais, a cassação da legenda e dos mandatos comunistas e o contexto
político internacional. De acordo com Mariani (1998, p. 59), se antes a imprensa era
encarada como um veículo neutro e imparcial, sem participação significante na vida
política nacional, hoje ela assume um caráter ativo e interpretativo, e a cada dia, fica
mais próximo o entrelaçamento dos acontecimentos políticos e a notícia. Além disso, a
autora entende que a imprensa pode tomar direções de sentido a partir do relato de
21
determinado fato como perceber tendências de opinião ainda tênues e dar-lhes
visibilidade, tornando-as eventos-notícias. Desta maneira, a imprensa participa
ativamente das situações em que existem tomadas de decies políticas.
Após a queda do Estado Novo e o restabelecimento de um regime
“democrático”, a imprensa nacional ganhou liberdade e maior poder de atuação e
intervenção no cenário político nacional. Nesse período, os jornais buscam despolitizar
a atuação dos comunistas na Assembléia Nacional Constituinte, contribuindo,
conseqüentemente, com a despolitização dos leitores e eleitores, ou seja, ao passar por
modificações de cunho estrutural e assumindo aos poucos a posição de empresas de
comunicação, os jornais retiram das suas páginas os posicionamentos políticos
ideológicos e colocam em foco comportamentos e opiniões pessoais. Dessa forma, os
jornais passam a agir como juízes, pois emitiam juízos de valores sobre os
acontecimentos nacionais, colocando os fatos para falar por si. Os fatos políticos sobre
a cassação da legenda e dos mandatos comunistas em maio de 1947 e janeiro de 1948,
respectivamente, são muitas vezes omitidos pelos principais jornais do país. Durante o
pós-guerra há a preocupação com o comunismo, mas as referências se refletem mais em
âmbito internacional, tratando principalmente das iniciais disputas entre EUA, China e
URSS no contexto permeado pela Guerra Fria. Segundo a autora, o objetivo desse tipo
de tratamento político realizado pela imprensa nacional era silenciar e anular as ações
comunistas e evitar qualquer tentativa de suposta subversão social e organização das
massas trabalhadoras (MARIANI, 1998, p.197-8).
Ao contrário da afirmativa da autora, nossa pesquisa permitiu perceber que a
temática comunista, assim como sua ação partidária, recebeu a atenção da imprensa
paulista e carioca do período. Os seis jornais pesquisados, embora vivenciassem um
momento de transformações estruturais, apresentavam uma preocupação acentuada com
o jogo político nacional e, sobretudo, com a possibilidade de proliferação do
comunismo no território nacional. Os periódicos publicaram diversas matérias,
editoriais e reportagens para emitir juízos de valores e criar uma representação sobre o
PCB e a atuação de seus representantes parlamentares, bem como realizaram campanhas
contra o comunismo, num período em que a Guerra Fria começava a despontar
internacionalmente. Por certo, as representações sociais de mundo formuladas pelos
comunistas são excluídas das páginas dos grandes jornais, mas a temática comunista, as
22
ações coletivas de agentes ligados ao PCB e, acima de tudo, ações contra os comunistas
- como repressão, prisões, fechamento de células, e intervenção em comícios - foram
tratadas de forma sistemática pelos jornais, com o objetivo de construir um discurso
negativo à ideologia comunista, além de construir uma opinião pública contraria à
atuação e ao funcionamento do partido no campo político nacional. Porém, como
demonstrado em nossa dissertação, nem todos os grandes jornais apoiaram a cassação
do PCB e dos mandatos comunistas, assim como o fechamento da imprensa comunista.
O segundo livro é de autoria de Motta (2002); tem como preocupação as
questões da formação do ideário anticomunista e sua evolução histórica no país,
consonante ao rumo tomado pelos sucessos históricos nacionais e internacionais do
comunismo, além de abordar os assuntos referentes às disputas eleitorais, ao
comunismo internacional e, sobretudo, às representações criadas pelos principais
agentes sociais nos períodos 1917 a 1964. A pesquisa na imprensa se configura como
uma importante fonte para a efetivação do trabalho de Motta, devido ao fato de tratar-se
de um poderoso instrumento de formação de opinião, como, aliás, considera o
historiador.
4
Entretanto, o recorte histórico utilizado pelo autor engloba mais
detidamente os períodos de 1935-1937 e 1931-1964, os quais representaram marcos de
rupturas institucionais e deram origem à implantação de regimes autoritários de larga
duração com conseqüências históricas profundas. Embora tenha trabalhado com os anos
subseqüentes ao fim do Estado Novo de forma superficial, sem a preocupação de
analisar a atuação e a dinâmica da grande imprensa em relação à defesa da
democratização e manifestações contrárias ao PCB - fatos que constituem o objeto de
nosso trabalho -, o autor nos alerta: “os jornais são poderosos instrumentos de pressão, e
no mínimo influem na formação de idéias das classes médias e superiores, sendo
responsáveis pela propagação de representações anticomunistas”. Dessa forma, a
imprensa brasileira, principal consumidora das notícias elaboradas pelas agências de
notícias dos EUA, alinhou-se e estruturou-se segundo os padrões de sua congênere
norte-americana e passou a reproduzir o discurso anticomunista internamente. Muitas
vezes, os órgãos da grande imprensa nacional foram responsáveis pela propagação de
4
Motta trabalhou com os jornais O Estado de S. Paulo, Diário de Minas, Jornal do Brasil, O Globo,
Estado de Minas, Correio da Manhã, Folha de Minas e outros. O período analisado pelo autor se insere
em momentos de rupturas institucionais de grandes proporções como 1917-1918, 1935-1937 e 1961-
1964.
23
representações anticomunistas e se anteciparam às vezes ao Estado nas campanhas de
repressão ao comunismo e defesa da ordem democrática e da liberdade de imprensa.
Ademais, a transição política do Estado Novo à ordem democrática foi
processada, como bem definiu Souza (1983, p. 105), sem pressão de qualquer
movimento contestario liderado por amplas bases sociais. Entretanto, podemos
afirmar que as perseguições à imprensa brasileira, bem como a cassação do PCB e de
seus eleitos, explicitou as restrições colocadas ao nascente regime democrático do
período. Segundo a autora, o regime democrático iniciado naquele ano não pode ser
considerado propriamente como uma ruptura, mas, antes, como uma inflexãoda vida
política anterior, formada a partir da Revolução de 1930, acentuada durante o Estado
Novo e parcialmente modificada pela ação dos principais condutores do processo de
democratização em 1945; constituíram-se em fatores limitativos para o surgimento dos
partidos societários, isto é, organizações partidárias independentes da máquina do
Estado, apoiadas em identificações populares e lealdades históricas.
É necessário considerar, ainda, que, do ponto de vista teórico-metodológico, os
jornais escolhidos para a análise não foram utilizados apenas como fontes de
informação sobre a democratização do período analisado e a cassação do PCB e dos
mandatos políticos dos comunistas, mas, também, tomados como objeto de análise, uma
vez que os consideramos como agentes do campo político nacional, o que significa
dizer, seguindo Bourdieu (1989, p. 173-80), que eles, tal como os partidos e homens de
partidos, são produtores de bens políticos, ou seja, anunciam e enunciam problemas,
soluções, acontecimentos, prognósticos e projetos poticos à população em plena
concorrência com os demais agentes políticos, concorrendo, enfim, pela conquista do
poder propriamente simbólico. Para Champagne (20003, p.75), a imprensa representa
um agente central na realidade política, uma vez que produz efeitos sobre essa realidade
ou mesmo pode até criá-la por meio de suas visões midiáticas ocupadas em descrever
fatos ou acontecimentos do campo político. Ademais, essa pesquisa procurou conhecer
e analisar as relações entre os grandes jornais e demais agentes políticos, bem com as
relações existentes dentro da própria empresa jornalística, pois, segundo Jeanneney
(1996, p.224-5), este conjunto de relações esbarra em questões políticas de uma maneira
ou de outra, uma vez que na vida cotidiana de um jornal se reflete a vida política do
país. A par dessas considerações, não analisamos apenas o material jornalístico em sua
24
forma acabada, mas, também, os seus produtores, compreendendo e apreciando seus
papéis no debate político e, sobretudo, sua participação no processo de transição
democrática no Brasil do período estudado.
Desta maneira, o jornal pode ser definido como um importante agente político e
elevado poder de intervenção na vida política e social do país, além de conquistar para
si o maior número possível de leitores, que lhe propiciará receitas em vendas avulsas e
assinaturas, bem como publicidade, ou seja, os periódicos produzem e impõem uma
visão particular do campo político, selecionando até mesmo o que deve ser publicado ou
não. Vale destacar que o mundo dos jornalistas é dividido, há conflitos, concorrências e
disputa pelo poder de falar em nome de uma totalidade de leitores. Além disso, os
produtos jornalísticos apresentam uma certa homogeneidade, as diferenças evidentes, ou
seja, as posições poticas dos periódicos ocultam semelhanças profundas, pois os
jornais pesquisados falam em nome da ideologia liberal, apresentam estruturas técnicas
bem parecidas, recebem notícias oriundas das mesmas agências noticiosas e muitas
vezes se dirigem ao mesmo público leitor. Seja qual for o meio em que trabalhem, os
jornalistas se lêem, se ouvem e se olham muito entre eles e, conseqüentemente, se
reproduzem. Entretanto, vale destacar que, uma vez conquistado, o poder simbólico
pode ser conservado mediante a realização de um trabalho constante, necessário não
para acumular crédito, mas para evitar o descrédito. É isso que faz com que o homem
político esteja comprometido com o jornalista, detentor de um poder sobre todos os
instrumentos de grande difusão, o que lhe dá um poder sobre toda a espécie de capital
simbólico, capaz de fazer ou desfazer reputações (Bourdieu, 2003, p.189), d a
importância da imprensa como elemento político em uma sociedade, uma vez que ela se
apresenta como um instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida
social. A partir disso, a História procura estudá-la como agente político destacado, com
a preocupação de captar o movimento vivo das idéias e dos personagens que circulam
nas páginas dos jornais. Além desses elementos, os jornais estão envolvidos em uma
concorrência pelo poder de falar e marcar posição. Essa concorrência toma forma
através da busca pelo furo, para ser o primeiro, e assim, conquistar maior espaço social
e, conseqüentemente, o maior número possível de leitores e anunciantes.
É possível afirmar que a imprensa escrita constitui um importante documento
para o estudo histórico e tem sido utilizada em estudos historiográficos ocupados com
25
temáticas culturais, econômicas e religiosas. Embora haja, ainda, obstáculos a serem
vencidos no que tange ao estudo dos meios de comunicação, notadamente os impressos,
os dados e informações oferecidos por esse tipo de imprensa se constituem em um fértil
manancial de fontes para a pesquisa histórica política, como afirmou Jeanneney (1996).
5
Ou como considerou Capelato (1998, p.13), os jornais são fontes das mais férteis para o
conhecimento do passado e possibilitam ao historiador acompanhar o percurso dos
homens através dos tempos, pois a imprensa registra, comenta e participa da história.
De acordo com as orientações teóricas de Jeanneney (1996), o presente trabalho tem o
objetivo de contribuir com o estudo da socialização dos homens, preocupando-se com
os vínculos que aproximam ou distanciam os atores da mídia de todos os outros atores,
especialmente o político.
Contudo, os periódicos analisados neste trabalho não foram tomados apenas
como narradores, comentaristas ou simplesmente participantes do mundo político, mas
foram entendidos como destacados agentes e produtores de acontecimentos políticos, o
que significa dizer que influenciam as práticas políticas e são por elas influenciados,
sem, contudo, descuidar da análise da sua organização e funcionamento, de sua atuação
pública e privada e de suas estratégias. Porém, o trabalho historiográfico com o jornal
não é fácil, uma vez que o mesmo atinge um público variado, oferece um conteúdo com
muitas fontes e pontos de vista, apresentando informações fragmentadas e heterogêneas.
Isto ocorre quando o jornal passa a refletir perspectivas do mercado, Estado, projetos
editoriais e poticos e posições dos leitores, o que o torna, cada vez mais, um objeto de
complicada análise. Esses elementos têm levado os historiadores a trabalharem com
determinados focos dentro do jornal, e não o jornal como um todo, sobremaneira
centrando seus estudos, como caracterizou Sevcenko (2003, p.43) em editoriais, que
refletem a opinião da empresa que encabeça o jornal e, portanto, suas conexões políticas
mais evidentes, como na clássica tendência do jornalismo político desde o início do
culo [XX], ou então as colunas e seções assinadas, que formam como que bolsões de
sentido articulado e em séries que têm uma duração contínua e que podem ser
desdobradas ao longo do tempo.
5
De acordo com Jeanneney, existe um desequilíbrio de documentação; há uma massa enorme de papel
impresso e, em contraste, uma mediocridade geral dos arquivos de empresas que permitiriam descrever a
instituição jornal, suas finanças, seus métodos de recrutamento. No caso brasileiro, o mesmo se repete.
26
Sendo assim, é necessário destacar que algumas partes do material jornalístico
foram selecionadas para a realização desta pesquisa. Os editoriais foram escolhidos
primordialmente por apresentarem de forma clara e precisa as opiniões e a posição
política e ideológica dos jornais em análise. Nos editoriais, evidencia-se, ainda, a
posição da empresa na escolha do serviço das agências internacionais, que dá uma idéia
do tipo de material desejado e das áreas a serem cobertas, além da demanda de um valor
demasiado a determinadas matérias ou implantação do silêncio sobre acontecimentos e
pessoas, bem como, a valorização de notas e tópicos ali publicados. As matérias
assinadas e não-assinadas, também, mereceram atenção, pois podem possibilitar a
identificação da estratégia utilizada pelos periódicos no processo de convencimento do
leitor, por apresentarem um conteúdo político alinhado à posição político-ideológica dos
jornais, possuírem um tom gramatical impessoal - capaz de reforçar a idéia de que tanto
os fatos quanto os sujeitos falam por si -, além de constituírem uma vastíssima massa
documental sobre a História política nacional.
Vale ressaltar que essas áreas dos jornais estão mais suscetíveis à manipulação
por parte dos jornalistas, capazes de alterar o caráter e os efeitos dessas notícias.
Marcondes Filho (1986, p.39-48) nos alerta sobre três formas de falseamento das
notícias observadas, principalmente nas matérias assinadas e editoriais. A primeira delas
diz respeito à fragmentação da realidade, ou seja, o jornalista propicia uma
desvinculação da notícia do seu fundo político e hisrico, com o objetivo de esvaziá-la
politicamente. Desta forma, os homens se tornam objetos inconscientes das estruturas
de dominação que criam diariamente. A segunda forma é a personificação dos
processos sociais e das notícias em geral, com a presença de uma bagatelização dos
fatos e o culto à personalidade, ou seja, a burguesia se ocupa da hisria como se ela
fosse realizada por indivíduos e não pelas classes, tomando, até mesmo, a perseguição
personalizada de agentes dos males sociais, - como, por exemplo, os deres comunistas
como forma de disseminar a desconfiança através das notícias e editoriais, além de
conduzir ao endeusamento ou a execração de indivíduos. Por fim, uma outra forma de
falseamento das notícias é a polarização de conceitos, ou o maniqueísmo noticioso,
como forma de conduzir o leitor a optar entre dois extremos, como, por exemplo,
matérias que levam o indivíduo a escolher entre o regime capitalista e comunista,
apelando, obviamente, para interesses específicos de classe.
27
Com base nessas considerações dividimos o texto em três capítulos. O primeiro
discute a instituição do ensino superior de jornalismo e a gradual regulamentação e
profissionalização da atividade jornalística no Brasil. Analisa ainda as transformações
técnicas, mudanças gráficas e editoriais, bem como as modificações ocorridas no
processo de produção jornalística vivenciadas pelas folhas paulistas OESP, DSP e FM e
as cariocas CM, OG e JB. Além disso, tratamos do processo de modernização ocorrido
na imprensa a partir da introdução das técnicas e experiências norte-americanas, as
quais foram responsáveis pela inserção de um caráter mais objetivo e empresarial” na
imprensa brasileira. Ademais, o capítulo trata das relações sociais, econômicas e
culturais que envolvem os proprietários e dirigentes jornalísticos das folhas
compreendidas nesta pesquisa.
O segundo capítulo descreve e analisa as relações existentes entre jornais e a
política durante o final do Estado Novo e o processo de “democratização nacional.”
Dessa forma, tratamos de analisar a crise do Estado Novo e o restabelecimento da
democracia parlamentar representativa no Brasil, lançando luzes sobre o papel
desempenhado pela imprensa nesse processo, observando quais as suas apreciações
sobre os fatos políticos ocorridos e como se comportou no novo ambiente político que
se inaugurara após a queda do Estado Novo. Ainda nesse capítulo apresentaremos as
concepções de democracia emitidas pelos seis jornais analisados, bem como as suas
análises e apreciações acerca dos acontecimentos políticos ocorridos durante a transição
dos governos Vargas e Dutra, como, por exemplo, a concessão da anistia política,
organização partidária para as eleições, comícios partidários, o processo político-
eleitoral, reatamento e rompimento de relações diplomáticas com a URSS, bem como a
condução do processo de democratização” por Dutra.
O último capítulo procura refletir sobre as idéias anticomunistas emitidas pelos
jornais analisados, além de entender os posicionamentos das folhas acerca das práticas
políticas dos comunistas dentro da nova conjuntura “democráticaque se formara após
a queda do Estado Novo. Por fim, procura analisar os processos de cassação da legenda
e dos mandatos comunistas, ocorridos em maio de 1947 e janeiro de 1948,
respectivamente, destacando os posicionamentos dos seis jornais liberais brasileiros
acerca dos atos restritivos à participação dos comunistas na vida político-partidária
nacional.
28
1º Capítulo
Seis grandes diários e a transição do campo
jornalístico
29
1. Seis grandes diários e a transição do campo jornalístico
1.1. Ensino superior e regulamentação da atividade jornalística: antigas demandas
cuidadas pelo governo Vargas
Durante boa parte do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, o
jornalismo brasileiro viveu como uma atividade diletante e comportava poucas
especializações, sem divisão sistemática das funções executadas no processo de
confecção do jornal e produção da notícia, além disso, a atividade jornalística carecia de
organização, valorização e ensino profissional; mas, independentemente desses fatores,
a imprensa brasileira passou por importantes avanços técnicos, sobretudo a partir da
década de 1930, impulsionados pelo início do processo nacional de desenvolvimento
industrial, dos meios de transportes, centros urbanos e dos meios de comunicão. Vale
ressaltar que durante muitos anos a classe jornalística brasileira, por meio da Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), lutou pela valorização e reconhecimento da profissão,
além de reivindicar a instalação do curso universitário de jornalismo.
Ao fundar a ABI e, em seguida, assumir a presidência da entidade em 07 de
abril de 1908, o jornalista Gustavo de Lacerda preconizou, em seu discurso de posse, a
necessidade da criação do curso superior de jornalismo no Brasil, cujo intuito seria o de
formar bons jornalistas e proporcionar conhecimento científico sobre a atividade aos
iniciantes e, até mesmo, aos jornalistas que bastante tempo atuavam na área. Desde
sua fundação, em 1908, a ABI pleiteava junto ao Estado a implantação do curso, além
de propor a elaboração de um estatuto que regulamentasse a profissão de jornalista. Os
brados dos jornalistas se fizeram ouvir com mais intensidade no I Congresso de
Jornalistas, promovido pela ABI e realizado em 10 de setembro de 1918, quando da
homenagem ao primeiro jornal editado no Brasil, A Gazeta, do Rio de Janeiro.
6
No
evento foi apresentado projeto propondo a criação de uma escola de jornalismo que
ficasse sob a responsabilidade da ABI, assim como a estrutura do curso a ser
implantado. Decidiu-se ainda pela defesa da liberdade de imprensa; elevação do nível
“moral da profissão”, com o objetivo de manter a rigorosa ética do jornalismo; o direito
de resposta; a defesa do nacionalismo; a instituição de uma carteira de jornalista que
6
A Gazeta passou a ser editado em 1808 na cidade do Rio de Janeiro. Tratava-se de um jornal oficial e
o apresentava nenhum atrativo para o público. Não publicava nada sobre a democracia, grande parte de
suas publicações era extraída da Gazeta de Lisboa ou de jornais da Inglaterra, com o simples intuito de
agradar a Coroa portuguesa (SODRÉ, 1999, p.20).
30
garantisse a passagem gratuita em trens e navios cujas empresas gozassem de favores da
administração pública, tal como ocorria em alguns países da América e da Europa, entre
outras reivindicações. Assim, desde as primeiras tentativas de organização da classe
jornalística, a ABI adotou uma linha assistencialista para com os trabalhadores da
imprensa, postura que se coadunaria com as ações populistas e assistenciais do futuro
governo Vargas (NUZZI, 1992, p. 21-22).
A partir da década de 1930, os anseios da ABI e de inúmeros jornalistas
espalhados pelo Brasil começaram a ganhar contornos de realidade. Diversas medidas
realizadas pelo governo federal, somadas à criação de sindicatos representativos da
classe jornalística e inúmeras campanhas pró-instituição do curso de jornalismo,
proporcionaram condições para que a atividade passasse por uma crescente expansão
técnica, normativa e profissional. A expectativa com relão à criação do curso superior
de jornalismo tomou vulto no meio jornalístico com a aprovação do decreto-lei 19.851,
de 11 de abril de 1931, assinado pelo então ministro da Educação Francisco Campos,
que criava o estatuto das universidades brasileiras, o qual vigoraria por mais de trinta
anos. Segundo o estatuto, o ensino universitário brasileiro teria como finalidade elevar o
nível da cultura geral, estimular a investigação científica em quaisquer domínios do
conhecimento humano, habilitar o exercício de atividades que requeressem preparo
técnico e científico superior e, além disso, as universidades brasileiras ficaram
incumbidas de desenvolver uma ação conjunta em benefício da “alta cultura nacional”,
bem como deveriam esforçar-se para ampliar cada vez mais as suas relações e o seu
intercâmbio com as universidades estrangeiras. É importante destacar que o ensino
universitário brasileiro, instituído e regulamentado posteriormente pelo então governo
provisório de Getúlio Vargas, assumia caráter nacionalista e elitista, pois era entendido
como responsável em proporcionar a “grandeza à nação” e o “aperfeiçoamento da
humanidade”, além de ser possível em grande parte somente a membros da elite
brasileira.
Porém, o germe da instalação do curso superior de jornalismo teve que esperar
até o ano de 1935, quando da instituição da Universidade do Distrito Federal (UDF).
7
Originariamente, a UDF passou a oferecer o curso de publicidade e jornalismo,
7
Seria composta pelo Instituto de Educação, Escola de Ciências, Escola de Economia e Direito, Escola de
Filosofia e Letras e Instituto de Artes. Diversos trabalhos retratam a história e desenvolvimento da UDF,
tais como Melo (2000), Kunsch (1992) e Cunha (1980).
31
ministrado por professores brasileiros e franceses. Entretanto, o curso fugia dos
parâmetros reivindicados pela ABI, pois, embora estivesse inserido no âmbito
universitário, não se caracterizava por ser uma escola profissional com o intuito de
formar jornalistas em nível superior, mas um curso que oferecia meios para que os
estudantes refletissem sobre os mecanismos da cultura de massa, incutindo-lhes valores
humanísticos e éticos. Para nia Moreira, a novidade desse projeto estava na
mentalidade culturalista que o inspirou, contrastando com a concepção corporativa
então dominante nas escolas de ensino superior do Brasil (MELO, 2000, p. 84). Além
disso, a UDF tinha o objetivo de representar a alta intelectualidade, orientar a
inteligência e o saber, buscando preparar o homem culto, o que difere do homem
diplomado. Pedro Costa Rego, redator do jornal CM desde 1907, ficou incumbido de
organizar um curso ou cátedra de jornalismo na UDF. O modelo educacional
implementado por Costa Rego não apresentava muitas ligações com o modelo
jornalístico norte-americano, mas sim com o francês, privilegiando, sobretudo, a
formação humanística do jornalista e os valores éticos que a profissão exigia. A UDF
não objetivava formar bacharéis e doutores, mas oferecer aos alunos conhecimentos
esncias ao exercício do jornalismo, ao lado de um ensino prático sobre a atividade.
Diferentemente do proposto pela ABI, o curso preparado pela UDF para a área de
jornalismo, assim como os demais, era constituído sob bases educacionais aunomas.
Por sua vez, “a estratégia da ABI para efetivar a criação da Escola de Jornalismo era
reivindicá-la junto ao Estado, amarrando-a no estatuto de regulamentação da profissão
de jornalista, além de formar verdadeiros profissionais da imprensa em nível superior
(MELO, 2000, p. 84). Vale destacar que a proposta educacional da UDF não alcançaria
êxito, pois com o golpe político de 1937, a Universidade ficou proibida de exercer suas
atividades descoladas da tutela estatal.
Independentemente dos obstáculos enfrentados para a implantação do curso
superior de jornalismo no Brasil, o governo varguista continuava, entretanto, a
proporcionar regulamentação à atividade. Através de suas reivindicações históricas, a
ABI conseguiu de Vargas o compromisso de criar e manter escolas para a efetiva
formação de jornalistas profissionais. Pelo decreto-lei 421, de 11 de maio de 1938, o
governo passou a regular o funcionamento dos estabelecimentos de ensino superior na
esfera blica ou privada, autorizando pessoas, instituições ou óros a fundar e manter
32
estabelecimentos destinados ao funcionamento de cursos superiores no Brasil, desde
que sob a prévia autorização oficial. Ademais, através do artigo 17 do decreto-lei 910,
assinado em 30 de novembro de 1938, o governo federal pretendia contribuir para a
maior organização e sistematização da profissão jornalística, pois, juntamente com os
governos estaduais, responsabilizar-se-ia por promover a criação de escolas de
preparação ao jornalismo, destinadas a formar profissionais de imprensa com a maior
capacitação possível. Com a crião das escolas de jornalismo no Brasil, os novos
profissionais seriam obrigados a efetuar a inscrição no Registro da Profissão Jornalística
e apresentar no ato do registro, diplomas do curso superior de jornalismo ou exames
prestados em tais escolas. O acordo entre o governo federal e os governos estaduais
nunca aconteceu e, desta forma, a criação das escolas de jornalismo no Brasil ficaria
apenas no decreto (NUZZI, 1992, p. 23).
Ademais, por meio do Decreto-lei 5480, de 13 de maio de 1943, Getúlio Vargas
autorizou o funcionamento do curso superior de jornalismo. Segundo o decreto, o curso
deveria ser ministrado pela Faculdade Nacional de Filosofia com a cooperação da ABI e
dos sindicatos representativos das categorias de empregados e de empregadores das
empresas jornalísticas. Contudo, o curso somente ganharia condições legais de
funcionamento durante a gestão do ministro da Educação e Saúde Ernesto de Souza
Campos, após a assinatura do decreto-lei 22.245, de 06 de dezembro de 1946, que
dispunha sobre as três seções que compreenderiam o curso de jornalismo, ou seja, seção
de formação, de aperfeiçoamento e extensão cultural. O curso seria ministrado em três
anos e dispunha de disciplinas como português e literatura, francês ou inglês, geografia
humana, história da civilização, ética e legislação de imprensa, sociologia, história do
Brasil, história da imprensa, noções de direito, técnicas de jornalismo, economia
política, psicologia social, organização e administração de jornal, entre outras. Além de
adquirirem conhecimentos técnicos e teóricos, os alunos do curso de jornalismo teriam
como obrigatoriedade a realização de estágio em alguma organização jornalística, com o
objetivo de adquirir conhecimentos práticos para o desempenho de suas futuras funções.
Com vistas a qualificar os profissionais que já atuavam na imprensa nacional, o decreto-
lei 22.245 permitia, ainda, a matrícula desses profissionais na seção de aperfeiçoamento,
franqueada a qualquer profissional da imprensa que não apresentasse formação
acadêmica. No entanto, a primazia do funcionamento do primeiro curso de jornalismo
33
no Brasil não foi da Universidade do Brasil, mas da Fundação Cásper Líbero em São
Paulo. Embora estivesse preparada legalmente para iniciar as atividades em 1946, a
sper Líbero passou a oferecer o curso somente em 1948. Para o efetivo
funcionamento do primeiro curso de jornalismo no Brasil, a Fundação realizou
convênio com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, união que duraria até o
ano de 1971 (NUZZI, 1992, p. 24).
A partir de meados da década de 1940, a atividade jornalística ganhava base
legal para obter contornos mais definidos de profissionalismo, o que possibilitaria aos
jornalistas conquistarem prestígio social e reconhecimento por parte da sociedade
brasileira, deixando, assim, de ser considerada como atividade secundária. Os jornalistas
passariam a dispor do poder de existirem publicamente, serem reconhecidos e notados
como profissionais da comunicação pela população e pelos consumidores de seus
produtos jornalísticos, o que os possibilitaria alcançar, aos poucos, maiores poderes de
intervenção no âmbito social, político e cultural, via atividades desempenhadas na
imprensa.
A profissionalização da atividade jornalística deu-se de maneira lenta, mas, com
o início nos anos 1930, passou a ganhar maiores contornos profissionais, inserida dentro
de um processo de transformações políticas e jornalísticas ocorridas no Brasil, contando
com regulamentação e política governamental voltada para uma melhor formação e
capacitação profissional do jornalista, porém não descolada do controle estatal. É
importante destacar que Getúlio Vargas governou o Brasil por quinze anos e seu
período de poder foi caracterizado por várias fases e processos políticos distintos.
Inicialmente governou o país de forma proviria (1930-1934), em seguida, foi eleito
pelo voto indireto (1934-1937) e, por fim, governou de forma ditatorial (1937-1945).
Dessa forma, podemos perceber que, principalmente, na última fase de seu governo,
desempenhou importante papel no processo de regulamentação da profissão de
jornalista e soube catalisar os anseios profissionais da categoria, conseguindo, a partir
da conquista do apoio de setores do jornalismo, somar mais uma força social favorável à
busca da legitimação de seu projeto político-ideológico.
Com a chegada de Vargas ao poder em 1930, o governo passou a tomar medidas
centralizadoras, assumiu o poder Executivo, Legislativo, dissolveu o Congresso
34
Nacional e limitou o poder de ação dos estados. Porém, logo no início o governo
desenvolveria políticas que visavam ao controle das massas trabalhadoras a partir da
concessão de benefícios sociais e regulamentação profissional, fato que beneficiou, até
mesmo, a classe jornalística. Pelo decreto 19.770, de 19 de março de 1931, os sindicatos
foram definidos como órgãos consultivos e deveriam colaborar com as ações
governamentais, ou seja, o governo passou a controlar as atividades sindicais e mesmo a
autorização e legalidade do sindicato dependia do governo.
Em 1934, a democracia parecia que finalmente vigeria no campo político
nacional, dadas as condições políticas propícias para sua efetivação. Como prova de que
o país vivenciaria um período de liberdades democráticas, em maio de 1933 são
realizadas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, contando com participação
popular e organização partidária. Depois de meses de debates, foi promulgada, em 14 de
julho de 1934, a Constituição, que, mesmo apresentando algumas semelhanças com a
Constituição de 1891, exibia rios aspectos condizentes com a nova realidade política
vivida pelo país. É importante destacar que o governo tentava trazer as massas para
junto ao Estado por meio de medidas populistas e benefícios imediatos e, sendo assim, a
partir de 1934, essa tentativa passou a ser feita por viéses constitucionais (FAUSTO,
2003, p. 335-53).
Como parte da tentativa do governo em trazer as massas para a tutela do
Estado e exercer o controle sobre rias áreas da vida social, em 14 de julho de 1934 -
um dia antes de Getúlio Vargas ser eleito indiretamente para exercer o mandato
presidencial previsto para até 3 de maio de 1938 - o governo assinou o decreto-lei
24.776, que estabelecia a liberdade de imprensa, sem dependência de censura,
respondendo cada um dos órgãos da imprensa pelos abusos que cometessem.
Independentemente da tentativa de controle governamental, esse decreto constituiu-se
numa grande conquista para a imprensa brasileira, pois a mesma ganhava em liberdade
e passava a experimentar um processo de regulamentação de suas atividades. Além da
liberdade de imprensa, o decreto estabelecia algumas normas à prática jornalística.
Proibia o anonimato nas matérias jornalísticas. Determinava que a matrícula das
oficinas impressoras (tipografia, litografia, fotogravura ou gravura) de jornais e outros
periódicos era obrigatória e deveria ser feita no Cartório de Registro de Títulos e
Documentos do Distrito Federal. Estabelecia que o abuso da liberdade de imprensa -
35
como concitar as pessoas à prática de infrações penais, publicar segredos de Estado,
ofensas à moral pública ou aos bons costumes, publicar notícias falsas, entre outras, -
acarretaria penalidades aos infratores. Desta forma, seriam responsabilizados pelo
abuso, primeiramente, o autor do artigo ou matéria, depois o editor, o dono da oficina
ou do estabelecimento responvel pela publicação e, por fim, os vendedores ou
distribuidores, quando não constassem no material os nomes de autores, editores e
oficinas impressoras. Assim, o decreto-lei 24776 determinava que as empresas
jornalísticas colocassem no cabeçalho de seus periódicos os nomes dos diretores ou
redatores principais e gerentes, além de estampar em suas páginas a indicação da oficina
impressora e sua sede, sob pena de apreensão dos exemplares de jornais pelas
autoridades policiais. Ademais, o decreto definia a retificação compulsória, ou seja, toda
pessoa física ou jurídica que fosse atingida em sua reputação e boa fama, com base em
ofensas ou referências de fatos inverídicos ou errôneos, teria o direito de exigir do
gerente da publicação a retificação do erro cometido, cabendo, à negativa, a
possibilidade de impetração de ação penal.
No entanto, o sonho da emergência de um regime democrático não se
concretizou nos anos seguintes. Após três anos da promulgação da Constituição de
1934, o golpe do Estado Novo protelaria as esperanças democráticas. Implantado sem
grandes mobilizações, o Estado Novo foi justificado por uma tentativa de golpe
comunista. Para Fausto (2003, p. 365), esse regime de força não representou um corte
brusco com o passado, mas muitas de suas instituições e práticas vinham ganhando
corpo no período 1930-1937. No entanto, essa maior centralização não se fez de forma
descolada da sociedade. Até 1937, os interesses das classes sociais eram representados
pelo Congresso Nacional. A partir de então, a representação deixou de ser via
Congresso e passou a ser exercida por intermédio dos órgãos técnicos do interior do
Estado, com o objetivo de garantir a centralização política e administrativa e o exercício
do poder sobre a sociedade, além de conquistar o apoio das classes trabalhadoras ao
projeto político e ideológico estadonovista. As décadas de 1930 e 1940 foram
extremamente importantes nas questões relacionadas à legislação trabalhista, pois nesse
período criou-se legislação que regulamenta o mercado de trabalho no Brasil, uma
política de valorização do trabalho e reconhecimento do papel e lugar do trabalhador
nacional. Dessa forma, o Estado Novo criou uma política que amparava o trabalhador
36
brasileiro e tentava vincu-lo à figura de Getúlio Vargas. Ou como considerou Pandolfi
(2000, p.71), “o Estado personificado na figura de Vargas, possibilitaria o acesso dos
trabalhadores aos instrumentos da realização individual e social. Desde então, a relação
entre homem do povo e Estado fundou-se na mitologia do trabalhador e do trabalho
como fonte de riqueza, felicidade e ordem social”.
É importante destacar que até mesmo a classe jornalística não ficou fora desse
processo de cooptação governamental, uma vez que o governo, à medida que
regulamentava a profissão e imprimia-lhe maiores contornos profissionais, conquistava
para si o apoio de jornalistas e, até mesmo, de entidades representativas da classe
jornalística.
Como prova disso, em 30 de novembro de 1938, foi assinado o decreto-lei 910,
que determinou a duração e as condições de trabalho nas empresas jornalísticas e passou
a classificar o jornalista como trabalhador intelectual, cuja função abrangeria desde a
busca de informações e a redação de notícias ou artigos até a organização, orientação e
direção dessas atividades. O decreto considerava que os trabalhadores intelectuais
mereciam o amparo do Estado, pois a imprensa desempenhava valioso trabalho na obra
de progresso nacional e no engrandecimento do Brasil. Dessa forma, a imprensa se
desenvolveria atrelada ao Estado e cumpriria um papel meramente oficioso com a
vigência da Constituição.
Com o propósito de fortalecer ainda mais o laço estatal com a classe jornalística,
a Consolidação das Leis do Trabalho dedicou um capítulo exclusivo ao reconhecimento,
determinação do horário de trabalho e salários de diversas profissões como bancários,
empregados no serviço de telefonia, serviços frigoríficos, trabalhadores de minas, bem
como músicos, operadores cinematográficos e jornalistas, todos assistidos por legislação
trabalhista específica.
8
Na tentativa de evitar manifestações dos jornalistas contra o Estado Novo,
Vargas buscou meios para satisfazer essa categoria, por meio de concessões de
benefícios trabalhistas, previdenciários e da legalização da atividade profissional. Dessa
forma, além de reafirmar a posição do jornalista como trabalhador intelectual, o
governo, por meio da CLT, determinava que a duração normal do trabalho dos
8
Consolidação das Leis do Trabalho, lei 5452, de 1/05/1943, Título III, Capítulo I, Seção XI.
37
empregados das empresas jornalísticas não deveria exceder cinco horas, tanto no
período diurno como noturno. Entretanto, ressalvava que a duração normal do trabalho
poderia se estender até sete horas, desde que houvesse acordo escrito entre as partes e
que se estipulasse o aumento de ordenado correspondente ao excesso de tempo
trabalhado. Essa determinação abrangia somente alguns profissionais dentro da
empresa, como jornalistas, revisores, fotógrafos ou ilustradores e excluía de seus efeitos
as funções de redator-chefe, secretário, sub-secretário, chefe e sub-chefe de revisão,
chefe de oficina de ilustração e chefe de portaria. Enfim, a legislação contemplava,
sobretudo, a grande massa de trabalhadores da imprensa, excluindo o corpo diretivo dos
jornais, geralmente composto por pessoas de confiança dos proprietários das empresas
comunicacionais. Am disso, a legislação entendia como empresa jornastica aquela
que tinha seu cargo a edição de jornais, revistas, boletins e periódicos, ou a distribuição
de noticiário, e, ainda, a radiodifusão em suas seções destinadas à transmissão de
notícias e comentários.
Dessa forma, poderiam ser admitidos em empresas jornalísticas nas funções
de jornalista, locutor, revisor e fotógrafo, os profissionais que apresentassem prova de
sua inscrição no Registro de Profissão Jornalística, a cargo do Serviço de Identificação
Profissional do Departamento Nacional do Trabalho, no Distrito Federal, e as
Inspetorias Regionais do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, nos estados.
Para efetuar o registro, o profissional deveria apresentar prova de nacionalidade
brasileira, prova de que não respondia a processo ou não sofria condenação por crime
contra a segurança nacional e carteira profissional.
Durante a vigência do Estado Novo, à medida que concedia benefícios aos
trabalhadores da imprensa, como por exemplo, a instituição do salário mínimo,
9
o
governo realizava o controle dos sindicatos de jornalistas e por meio do Departamento
de Imprensa e Propaganda (DIP) realizava sua propaganda política e controlava a
imprensa nacional. No entanto, embora tenha recebido inúmeras críticas por parte dos
jornalistas e associações de classe após a queda do Estado Novo, boa parte dos
jornalistas se satisfez com o processo de regulamentação da profissão, ocorrido,
principalmente, durante o Estado Novo. Em reunião realizada na sede do Sindicato dos
9
O salário mínimo para a classe jornalística foi instituído através do decreto-lei 7037 de 10 de novembro
de 1944.
38
Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, em 06 de dezembro de 1944, diversos
sindicatos representativos da classe jornalística manifestaram sua satisfação com as
ações de Vargas e do ministro do Trabalho, Marcondes Filho, em relação à política
trabalhista e o gradual reconhecimento da categoria jornalística. O evento contou com a
participação de representantes do Ministério do Trabalho e de jornalistas de vários
estados do país. André Carrazzoni, então presidente do Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Rio de Janeiro, declarou que Vargas era o campeão na instituição de
leis que beneficiavam a categoria e, em seguida, anunciou a realização de um grande
almoço em homenagem e agradecimento ao presidente da República.
10
Em São Paulo, o
ministro do Trabalho e Vargas receberam homenagens e demonstrações de
agradecimento de Eduardo Pellegrini, no cargo de presidente da Associação Paulista de
Imprensa, e de Carlos Rizzini, funcionário dos Diários Associados e presidente do
Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas de São Paulo. Ambos
ressaltaram a importância da legislação trabalhista e dos decretos que reconheciam a
profissão, imprimindo-lhe maior capacidade organizacional.
11
Ademais, a partir de meados da década de 1940, as funções dentro das empresas
jornalísticas passaram por diversificação e sistematização por meio de legislação
específica, contribuindo para uma maior organização no interior da empresa e maior
produtividade por parte dos profissionais. Além de classificar o jornalista como aquele
cuja função é buscar informações, a redação de matérias a serem publicadas, a
organização e a orientação ou a direção desses trabalhos, o decreto-lei 7037 de 1944,
classificava as fuões dos jornalistas no interior da empresa e determina quais as
atribuições de cada um no processo de produção jornalística. O redator era aquele que
tinha o encargo de redigir matéria de crítica ou orientação sob a forma de editoriais ou
crônicas. Ao redator-auxiliar cabia a redação da matéria de caráter informativo que
contivesse comentários ou apreciações. O repórter era responsável por colher notícias
ou informações, preparando-as para a publicão. Já o repórter de setor colhia notícias
ou informações sobre assuntos pré-determinados e os preparava para a publicação. O
decreto classificava as funções de diretor, redator-chefe, secretário, subsecretário, chefe
de reportagem e chefe de revisão, redator e noticiarista, além de auxiliares de redação,
10
O Estado de S. Paulo, 07/12/1944.
11
O Estado de S. Paulo, 11/1944.
39
revisor, ilustrador ou desenhista, fotógrafo e arquivista, sempre contribuindo para maior
dinamismo e organização profissional dos jornalistas.
12
O decreto-lei 7037 classificava os salários das atividades jornalísticas
geograficamente, de acordo com o tamanho da população de localidades do terririo
nacional, ou seja, os maiores salários foram, em primeiro lugar, estabelecidos para os
profissionais de São Paulo e Rio de Janeiro; em segundo, para os de Porto Alegre,
Santos, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Belém; em terceiro, para os de Curitiba, Juiz
de Fora, Niterói, Fortaleza e Manaus; em quarto, para os de centros urbanos que
continham 50 mil ou mais habitantes; seguidos pelos dos atuantes em cidades com
menos de 50 mil e mais de 10 mil habitantes; e, por último, os de profissionais de
localidades com população abaixo de 10 mil habitantes. Ainda por aquele decreto, o
trabalho do revisor foi classificado apenas como função auxiliar. Com base na
publicão do decreto-lei 7858, de 13 de agosto de 1945, essa atividade passaria a ser
classificada como função em comissão, ou seja, passou a contemplar os chefes de
revisão, além de funções permanentes, sendo o revisor e conferente, remunerados
também de acordo com a especificidade geográfica do decreto 7037 de 1944. Vale
destacar que a fiscalização das classificações realizadas na área jornalística, bem como a
do cumprimento do pagamento da remuneração mínima, ficou sob responsabilidades do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Colaborando com o governo no processo
de valorização e classificação da classe jornalística e condução da imprensa sob a tutela
do Estado, Mário Guastini, que havia sido diretor do Jornal do Comércio e que,
durante o Estado Novo, ocupara o cargo de diretor da Divisão de Imprensa e
Propaganda e Rádio Difusão, defendeu a melhoria dos vencimentos para os “homens da
imprensa”, a formação de universitária de jornalistas verdadeiramente profissionais e
condições deles executarem diversas funções nas empresas. Além disso, defendeu a
elevação dos valores das tabelas publicitárias e devida regulamentação das funções
jornalísticas.
Apesar da normatização e classificação das atividades jornalísticas realizadas
pelo governo varguista, os proprietários de alguns jornais não a seguiram
completamente. Em reunião realizada em 28 de novembro de 1944, a diretoria do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo revelou que, nos jornais
12
BRASIL. Decreto-lei 7037, 10/11/1944; O Estado de S. Paulo, 01/08/1945 e 15/09/1945.
40
vinculados ao conglomerado Diários Associados, ocorriam reclamações de jornalistas
por conta de irregularidades com relação à aplicação dos níveis salariais mínimos
estabelecidos pelo decreto oficial. Imediatamente após receber as reivindicações dos
funcionários dos Diários Associados, o Sindicato enviou telegrama endereçado a
Chateaubriand exigindo o entendimento direto entre a diretoria dos Diários e os seus
funcionários, uma vez que o enquadramento salarial era um direito dos funcionários.
De acordo com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais, no caso dos jornais OESP-
órgão que estava sob a intervenção estadonovista e servia como principal instrumento
de difusão das idéias oficiais no estado de São Paulo - e FM os salários foram fixados
acima dos níveis estabelecidos pela lei.
13
Com o fim do Estado Novo, outro momento político se inaugurou no Brasil.
Eleito pelo voto direto à Presidência da República em fins de 1945 e depositário das
esperanças da implantação de uma sociedade democrática, Dutra, no tratamento da
imprensa nacional, seguiria parcialmente a estratégia de Vargas para o setor, uma vez
que manteria apenas a linha de conceder benefícios às empresas jornalísticas, com o
intuito de controlar e receber o apoio da grande imprensa aos seus projetos e medidas
governamentais. Porém, não sem a oposição de alguns proprietários de jornais, os quais,
devido à democratização política, podiam, de certa maneira, manifestar-se mais aberta e
criticamente com relação ao governo. Ambos os temas serão tratados no próximo
capítulo.
Assim, pode-se concluir que a regulamentação da atividade jornalística no
Brasil, bem como a introdução do curso de jornalismo no âmbito universitário, se
realizava de cima para baixo e sob a tutela do Estado, sempre com o objetivo de o
governo Vargas controlar a atividade em âmbito nacional e conquistar o apoio dos
jornalistas aos seus projetos governamentais. Processo que se desenrolava à medida que
eram concedidos benefícios trabalhistas aos jornalistas; uma legislação que permitia a
estruturação da profiso, além de fornecer subsídios as empresas jornalísticas como
meio de cooptar os profissionais da imprensa.
Nesses termos, os dispositivos legais que regulamentavam a profissão de
jornalista permitiam que o campo jornalístico exigisse, cada vez mais, que os
13
Além dessa edição, matérias sobre o assunto nas edições de O Estado de S. Paulo de 1, 12 e
18/11/1944 e 07 e 15/12/1944.
41
ingressantes fossem adequados tecnicamente para ocupar-se da produção jornalística;
equivale a dizer, pois, que aderissem a esquemas de percepção e avaliação do mundo
social e de ação nesse mundo próprios do campo, ou seja, aderissem ao habitus
jornalístico.
14
Com o posterior funcionamento de cursos universitários de jornalístico, o
campo disporia de uma primeira instância para a difuo do habitus jornalístico, o qual
seria reforçado com o ingresso do graduado nas efetivas atividades de produção e
divulgação dos bens jornalísticos, processos cada vez mais pautados pelo modelo
empresarial de imprensa.
1.2. Da produção jornalística
Com passos em direção à racionalização do trabalho e investimentos financeiros
realizados na imprensa brasileira no período final do Estado Novo, sobremaneira nos
setores gráfico, editorial e publicitário, os jornais passaram a contar com dispositivos
necessários para poder adquirir uma moderna fisionomia. Assim, alcançavam, aos
poucos, a posição de empresas de comunicação e eliminavam, paulatina e
conseqüentemente, o alto grau de improvisação que caracterizava sua atuação aentão.
Ao modificarem sua estrutura e se aproximarem do modelo norte-americano de
jornalismo, os periódicos ganhavam em organização e eficiência e, ao mesmo tempo, se
preparavam para conquistar grande quantidade de leitores, obtendo reconhecimento e
prestígio social à medida que eram escolhidos pelos seus leitores-consumidores.
Os periódicos OESP, DSP, FM, OG, CM e JB iniciaram suas atividades de
forma precária; trabalhavam com rotativas extremamente limitadas, com aparelhagens
antigas e estrutura física muitas vezes improvisada. Ao longo da cada de 1940 e,
sobretudo, a partir da década seguinte, conseguiram maior organização e instalação de
sedes pprias, compreendendo todos os setores da produção jornalística e adequando
seus órgãos ao modelo do jornalismo norte-americano. É correto afirmar que a maioria
dos jornais brasileiros foi, ao longo dos anos, equipando seu parque gráfico com o
intuito de não ser ultrapassada pela concorrência e, conseqüentemente, perder seu
espaço no campo de produção jornalística.
14
Bourdieu (1997) definiu habitus como um sistema de disposições, que atuam no cotidiano como
esquemas de pensamento e avaliação ou julgamento. Para ele, trata-se de reconhecer a interioridade da
exterioridade, ou seja, os modos de incorporação do funcionamento da realidade social num processo de
interiorização que obedece às especificidades do lugar e da posição de classe dos agentes.
42
Fundado em 04 de janeiro de 1875, OESP iniciou suas atividades de forma
rudimentar, contando com pequena tiragem e baixo nível de profissionalismo. Somente
em 1890, adquiriu a sua primeira máquina Marinoni e conseguiu, assim, ampliar suas
instalações sicas. O como do século XX é caracterizado por um grande
desenvolvimento do jornal. Nessa direção comprou potentes rotativas, montou linotipos,
estabeleceu agências em importantes cidades do país e do mundo, como Santos,
Curitiba, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Lisboa e Roma. Suas edões
passaram a ter 15 ou 20 páginas, com clichês, e a tiragem atingia cerca de 35 mil
exemplares. Durante a primeira guerra mundial, o jornal se diferencia dos seus
concorrentes e lança a sua edição da tarde, chamado pelo público leitor como O
Estadinho, circulando até o final da guerra. De acordo com Sodré (1999, p.368), o final
da década de 1920 é caracterizado como uma fase de grande prosperidade para o jornal,
que começou, até mesmo, a publicar o suplemento de informações em rotogravura.
15
Em 18 de março de 1929, as grande desenvolvimento, OESP transferiu seus
escritórios, redação e administração para o prédio de sua propriedade, à Rua Boa Vista,
186, seu tumultuado endereço nas décadas de 1930 e 1940, período em que adquiriu
mais duas rotativas Marinoni. Nos anos seguintes à posse de Dutra, lio de Mesquita
Filho dedicou-se a ampliar e modernizar o jornal por meio de novos investimentos e da
compra de nova maquinaria.
16
Em agosto de 1947, o jornal transferia o seu Balcão e
Departamento de Publicidade para a Rua Líbero Badaró, 485, onde se realizava, a partir
de então, o atendimento a leitores, anunciantes, assinantes e agentes de publicidade.
17
O jornal DSP iniciou suas atividades com equipamentos alemães que, em 1931,
foram completados com impressoras adicionais, permitindo dobrar sua edição de 32
para 64 páginas. na sua fundação, Chateaubriand afirmou que o novo jornal estaria
interligado a todo o interior do estado de São Paulo e ao sul de Minas por meio de
linhas telefônicas, dispondo de 19 sucursais e os serviços das agências internacionais
Havas, UPI e Brasiliense. Em 1936, suas rotativas Vomag, igualmente importadas,
15
Processo de impressão fotomecânica e comercial utilizado na indústria gráfica, e originário de um
todo conhecido desde o século XV, chamado água-forte. Difere dos outros métodos pela necessidade
de que todo o original passe por um processo de reticulagem, incluindo o texto, mais complicado do que
os realizados na tipografia ou no offset. A impressão é rotativa e se dá em diversos tipos de superfície, em
forma cilíndrica de cobre que imprime em bobinas de papel ou folhas soltas e individuais utilizando,
nesse caso, chapas planas que envolvem o cilindro. O termo também é usado para nomear os trabalhos
impressos através desse processo.
16
O Estado de S. Paulo, 04/01/1946 e 27/05/1947.
17
O Estado de S. Paulo, 01/08/1947.
43
permitiriam tiragens de 34 mil exemplares de 96 páginas numa hora de rodagem. Novo
salto tecnológico seria dado em 1956, quando Chateaubriand adquire para o Diário de
S. Paulo e Diário da Noite a rotativa Super-Goss, que permitia imprimir 65 mil
exemplares de dois cadernos de 64 páginas. Os Associados foram os pioneiros a
comprar os serviços fotográficos da Wide World Photo da França, além de ter órgãos da
imprensa que mais investiram em equipamentos técnicos e na contratação de
profissionais capacitados.
18
O CM foi fundado em 1901 por Edmundo Bittencourt. Inicialmente, utilizava
uma rotativa Marinoni, que, em seguida, fora substituída por uma Scott, embora
permanecesse em uso até 1929. Seguindo as transformações que se verificavam nas
páginas da maior parte dos jornais brasileiros, após o surgimento do rádio, passou a
publicar seções dedicadas ao novo meio de comunicação, além de buscar agradar a
todos os gêneros de leitores com a publicação das colunas: Correio Feminino, Correio
Infantil, Correio Teatral e Correio Agrícola. Ao mesmo passo, o jornal inaugurou nova
sede na Avenida Gomes Freire, permanecendo nesse endereço até seu fechamento em
1974. A partir da direção de Paulo Bittencourt, iniciada em março de 1929, o jornal
passou a trabalhar com uma rotativa Man, utilizada até o ano de 1958, sendo, então,
substituída, por uma rotativa Hoe, de fabricação e montagem norte-americanas.
19
Por sua vez, o jornal OG iniciou suas atividades em 29 de julho de 1925, sem
possuir a sua própria rotativa, pois alugava uma rotativa Marinoni de origem francesa
que pertencera ao exército britânico. Após a Primeira Guerra Mundial, a rotativa fora
dividida em quatro partes e duas delas foram enviadas ao Brasil e adquiridas pelos
proprietários de A Nação, Maurício de Lacerda e Leônidas Rezende, mas o equipamento
ficou retido na alfândega por alguns meses. Nesse período, os proprietários de A Nação
estavam foragidos em virtude da perseguição política imposta pelo governo Artur
Bernardes, que havia decretado estado de sítio. Irineu Marinho interessou-se pela
rotativa e a comprou. Além da Marinoni, o jornal também trabalhou com as rotativas
Hoe e Goss até o ano de 1954, quando inaugurou sua nova sede à Rua Irineu Marinho,
35.
20
Em 1937, Edmar Morel, então repórter de OG, afirmava que o jornal tinha um
profissionalismo ambicioso, pois nos primeiros anos de sua fundação contava com
18
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 1337-1340.
19
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Editora: FGV, 2001, p. 1625-1632.
20
O Globo, 16/01/1992.
44
automóveis, lanchas e até aviões de pequeno porte para a realização de reportagens
(BIAL, 2004, p. 130).
Fundado em 1891, o JB iniciou suas atividades publicando oito páginas com
formato de 120 por 51 centímetros e, inicialmente, utilizou maquinários improvisados
para o processo de confecção do jornal. Em 1895, o JB passou a utilizar maquinários
Marinoni, adquiriu o primeiro prelo italiano Derriey,
21
responsável pela impressão de 5
mil exemplares por hora e os primeiros clichês,
22
obtidos por zincografia.
23
Segundo
Sodré (1999, p. 266), o JB passou por importantes avanços técnicos nesse período. A
produção do jornal compreendia várias operações. O jornal era levado às prensas, onde
se tirava a matriz, em seguida colocava-se no molde em que se despejava o chumbo
quente, formando o bloco de cada página. Após esse processo, o jornal entrava nas
modernas rotativas Marinoni, que além de imprimirem, contavam e dobravam os jornais
um a um.
Desta forma, em 1898, o JB instalou oficinas de fotografia e galvanoplastia,
24
publicou desenhos de Julião Machado, Artur Lucas e Raul Pederneiras e passou a
distribuir a Revista A Semana como Suplemento Ilustrado. Em 1900, passou a publicar
a sua edição vespertina, caracterizando-se como o único jornal brasileiro que contava
com duas edições diárias.
25
Antes mesmo de Pereira Carneiro assumir a direção do JB, a
folha passou por mais um reaparelhamento gráfico, adquirindo os primeiros linotipos
26
que o Rio de Janeiro conheceu, além de quinas de impressão em cores, clicheria e
21
Máquina primitiva de impressão manual, usada durante muitos anos pelos impressores, antes da
invenção das quinas cilíndricas.
22
Chapa de impressão em relevo usada na impressão tipogfica. Feita normalmente de zinco, cobre ou
magnésio. Ou placa de metal, com imagens ou texto em relevo, obtida através de estereotipia,
galvanotipia ou fotogravura, utilizada na impressão tipográfica
23
Zincografia é a técnica utilizada para imprimir gravuras a partir de chapas de materiais econômicos
como o zinco e o alumínio. O desenho é feito na lâmina com uma tinta especial, aprofundando os brancos
com um banho de ácido que transforma o desenho em clichê, pronto para ser impresso.
24
Arte de sobrepor a um corpo sólido uma capa metálica por meio de correntes electricas. Processo
químico pelo qual se obtém a reprodução em cobre de uma gravura.
25
Em algumas oportunidades, sobretudo em momentos em que ocorrem grandes acontecimentos festivos
ou poticos, o Jornal do Brasil chegou a publicar seis edições diárias.
26
máquina inventada por Ottmar Mergenthaler, em 1890, na Alemanha, que funde em bloco cada linha de
caracteres tipográficos composta de um teclado, como o da máquina de escrever. As matrizes que
compõem a linha-bloco descem do magazine onde ficam armazenadas e, por ação do distribuidor, a ele
voltam, depois de usadas, para aguardar nova utilização. As três partes distintas - composição, fundição e
teclado - ficam unidos em uma mesma quina. A capacidade de produção é de 6.000 a 8.000 toques por
hora. Suas matrizes (superfícies impressoras) são em baixo-relevo, justapostas em um componedor
(utensílio no qual o tipógrafo vai juntando à mão, um a um, os caracteres que irão formar as linhas de
composição). O próprio operador despacha para a fundição, a 270ºC.
45
sistema fotomecânico. Na década de 1910, o jornal construiu sua sede própria na
Avenida Central, considerado o mais alto edifício da América do Sul. A partir de então,
começou a usar quinas de escrever, apresentou anúncios coloridos na última página.
Em 1922, passou a receber os serviços da agência United Press e, em 1924, apresentou
sua primeira seção dedicada ao rádio. Desta maneira, o jornal vivenciaria reformas
gráficas de tal monta em 1956, quando jornalistas que visitaram os Estados Unidos
implementaram modificações substanciais em suas estrutura gráfica e adequaram o
jornal definitivamente ao moderno modelo de jornalismo norte-americano (SODRÉ,
1999, p. 258-364).
A Empresa Folha da Manhã iniciou suas atividades sem contar com oficinas e
parque gráfico próprio. Fundada em 1921 por Olival Costa e Pedro Cunha, a Folha da
Noite (FN) foi impressa até 1925 nas oficinas de OESP, empresa na qual os fundadores
do novo jornal trabalharam por muitos anos. Inicialmente instalada à Rua do Carmo, as
oficinas, redação e gerência funcionavam em um mesmo ambiente, sem nenhuma
organização e sistematização das tarefas, mas, mesmo assim, a FN conseguiu conquistar
os leitores de São Paulo e alcançar satisfatórios lucros. Como desdobramento desses
lucros, o grupo Folhas lançou, em 1925, o jornal FM, momento em que conseguiu
instalar oficinas próprias, conferindo autonomia e estabilidade comercial aos jornais.
Durante a cada de 1930, o grupo Folhas compreendia três jornais: FM, FT e FN; e
passou a ser administrado por um grupo de agricultores, tendo à frente Octaviano Alves
de Lima.
Além desse desenvolvimento técnico, as Folhas passaram por um avanço
estrutural a partir de 1930, avolumando-se a partir da segunda metade da década de
1940, quando o setor de impressão do jornal passou à Rua Anhangabaú, onde foi
instalada uma rotativa Goss, fabricada nos Estados Unidos. Acompanhando tal
movimento, a redação se mudou, em 1949, para edifício à Alameda Cleveland. A
administração, publicidade e composição vão para o mesmo endereço em 1950, ano em
que a impressão das Folhas passava para o prédio entre as alamedas Barão de Campinas
e Barão de Limeira, então em construção. Em 1953, o prédio da Alameda Barão de
Limeira passaria a abrigar todas as instalações das Folhas (MOTA; CAPELATO, 1981,
p. 13-33).
46
De acordo com artigo jornalístico de Sodré publicado à época, uma
peculiaridade brasileira que se refletiu sempre no desenvolvimento de nossa imprensa
foi a precariedade dos transportes em todos os momentos de nossa história. Para
cumprir suas funções informativas, a imprensa depende dos meios de transmissão e dos
meios de transportes. Desde o início de sua história, a imprensa brasileira tentou
diminuir distâncias que a afastava de seus leitores do interior, uma vez que a maior parte
dos jornais mais consideráveis estava nos grandes centros urbanos. Para o autor, as
novas técnicas de transmissão de idéias - como o cabo marítimo, o telégrafo e o telefone
- não chegaram tarde ao Brasil, mas também não alcançaram desde logo o
desenvolvimento capaz de transformar os meios de comunicação social, devido à
ausência de capitais para a construção de estradas, limitadas instalações e aparelhagens,
dependência de capital e tecnologia estrangeiros, além de estar historicamente acessível
apenas a uma pequena parcela da população.
27
Para vencer tal dificuldade, os Diários Associados inovavam em relação aos
seus concorrentes, passando a proporcionar maior interação entre jornalistas do interior
e da capital e, ao mesmo tempo, a dinamizar suas finanças e a entrega dos seus
periódicos aos clientes e assinantes. Para tanto, realizavam Convenções de Agentes do
DSP em diversas cidades do interior paulista. Nessas convenções, presidida em sua
maioria pelo seu diretor-gerente Edmundo Monteiro, discutiam-se os problemas
relacionados ao jornal em diferentes ângulos, como distribuição pelo interior,
publicidade, vendas, assinaturas, colaborações, entre outros, expediente que contribui
para uma maior organização e entendimento entre os jornalistas e pessoas direta ou
indiretamente ligadas à confeão e distribuição do jornal no interior e na capital. O
jornal DSP realizou, em 1946, Convenções nas cidades de Jaboticabal, Bauru e São
Paulo. Em média contava entre 200 e 300 jornalistas e pessoas responsáveis pelo jornal
27
O Estado de S. Paulo 21/02/1946. É importante destacar que Sodré nunca assumiu publicamente a
condição de comunista ou membro do PCB. Entretanto, apresentava clara simpatia pelas iias
comunistas. A ligação de Sodré com o comunismo remonta à década de 1920 quando da sua entrada no
Exército, oportunidade em que conheceu Luís Carlos Prestes e passou a simpatizar com ele. Embora
apresentasse simpatia pela ideologia comunista, Sodré foi colaborador de O Estado de S. Paulo durante a
cada de 1940, publicando, periodicamente, artigos sobre rios assuntos, como imprensa, política e
literatura. Ver CUNHA, Paulo Ribeiro. Um olhar à Esquerda: Utopia tenentista na construção do
pensamento marxista de Nelson Werneck Sodré. São Paulo: Editora Revan/FAPESP, 2002.
47
nas cidades do interior. Vale destacar que as Convenções eram irradiadas para todo
Brasil pela Rede Ipiranga.
28
Essa situação começou a se modificar com o crescimento industrial e dos centros
urbanos no Brasil, ocorridos a partir da década de 1940 e, principalmente, nos anos
1950. Nessa ocasião, os governos tiveram que interligar o país por uma rede rodoviária
e ferroviária que possibilitou aos jornais uma maior ligação com o interior do país. Isso
viabilizou a implantação de diversas sucursais dos jornais por várias cidades do interior
do país. Em São Paulo, os precursores desse desenvolvimento foram os jornais OESP,
DSP e FM, os quais, além de implantarem sucursais por várias capitais do país,
tentaram coletivamente solucionar os problemas referentes à entrega dos periódicos pelo
interior do país. Até o início da década de 1940, os jornais eram entregues aos
assinantes por via postal, o que causava uma série de inconvenientes ao leitor e
problemas para os carteiros que faziam a entrega. Em seguida, as empresas jornalísticas
entram em entendimento para a formação de um corpo especial de entregadores,
mantido pelos três jornais com o objetivo de baixar os custos e proporcionar maior
eficiência na entrega dos periódicos. Essa tentativa também apresentou falhas devido à
morosidade na entrega, dado o elevado número de assinantes que os jornais possuíam.
Para facilitar a distribuição e proporcionar rapidez na entrega dos mesmos, os jornais
tiveram que contratar cada qual seu grupo de entregadores, passando a entregar os
periódicos no domicílio de seus assinantes do interior paulista a partir de 1º de Janeiro
de 1947.
29
Essas medidas, além de melhorar a relação entre jornal e cliente e aumentar
sua abrangência geográfica na distribuição, proporcionaram também maior dinamismo
aos jornais, que passaram a contar em suas páginas com notícias do interior de seu
estado e até mesmo dos diferentes estados do país.
É importante notar que antes da década de 1940, o jornalismo era considerado
um empreendimento que envolvia poucas pessoas. Porém, a partir das primeiras
transformações vivenciadas naquele decênio, o jornalismo passou a contar com equipes
especializadas em diversas áreas, contribuindo para dar uma maior dinamicidade e
eficácia na produção e divulgação do conteúdo jornalístico consumido pelos leitores.
Assim, os jornais O ESP, DSP, FM, OG, JB e CM passaram a demonstrar grande
28
Diário de S. Paulo, 09, 23, 29/10/1946 e 08/12/1946.
29
O Estado de S. Paulo 26/11/1946.
48
preocupação com a modernização de suas páginas, aproximando-se dos moldes do
jornalismo norte-americano. Aos poucos os jornais também abandonavam as paixões
políticas e passavam a privilegiar a informação e a notícia, sofrendo, dessa forma, uma
reformulação estrutural responsável pela separação das matérias em seções e maior
dinamização dos textos jornalísticos.
Para Ribeiro (2003, p.150), a partir da década de 1950, a imprensa passou por
profundas transformações técnicas, alcançara maior objetividade em suas páginas,
conquistando, cada vez mais, a posição de empresas de comunicação. Nesse momento,
os jornais passaram a se uniformizar e utilizar os manuais de redação e estilo, com
regras gerais e específicas para cada periódico, com o intuito de padronizar a atividade e
os textos jornalísticos publicados. Além disso, a autora afirma que o primeiro jornal a
adotar as técnicas norte-americanas foi o Diário Carioca, pois em março de 1950 o
jornal lançou um documento de 16 páginas escritas por Pompeu de Souza, com o título
Regras de redação do Diário Carioca; o intuito era de implantar as técnicas do
jornalismo norte-americano e modernizar a folha. Para Alzira Alves de Abreu (1996,
p.58), com o início em 1950, “uma nova configuração técnica e profissional se impôs
aos jornais e jornalistas, uma vez que novas técnicas de produção e de administração
foram introduzidas e uma nova linguagem se fez presente nas páginas da imprensa
brasileira.”. Por sua vez, Lattman-Weltman (1996, p. 158) apontou que a década de
1950 representou um grande marco na história da imprensa brasileira, pois assinalou a
superação do “jornalismo literário” e a entrada em definitivo do “jornalismo
empresarial.” Para o autor, somente a partir da década de 1950 se reuniram as condições
macro-estruturais ideais, que fizeram com que a imprensa entrasse na fase empresarial.
Por sua vez, Barbosa (2007, p. 149), desenvolvimentismo e modernização foram
palavras de ordem na sociedade brasileira dos anos 1950 e o deixou de ser, também,
na imprensa. A partir de então, os jornais passaram a se transformar e “construir aquele
momento como marco fundador de transformações decisivas no campo jornalístico”.
Para a autora, desde os anos 1950, os jornais passaram a privilegiar a idéia de
imparcialidade contida nos parâmetros do lide e na edição, no qual o corpo de copy-
desk ganhou destaque. Ademais, ao realizarem “a padronização da linguagem, os
jornais constroem para a imprensa o espaço de neutralidade absoluta”.
49
Ao contrário do que afirmam Ribeiro (2003), Abreu (1996), Lattman-Weltman
(1996) e Barbosa (2007), o modelo e técnicas do jornalismo norte-americano não foram
implantados na imprensa brasileira somente a partir dos anos de 1950, pois, a
incorporação de técnicas norte-americanas já era verificada de forma bastante
perceptível no início da década de 1940, embora seus traços fossem verificados com
mais nitidez na década de 1950. A modernização da imprensa faz parte de um intenso
processo histórico de transformações sociais e desenvolvimento das relações
capitalistas, verificadas após o início o século XX. Na segunda metade da década de
1940, mediante a introdução de técnicas jornalísticas norte-americanas e após a
realização de várias viagens de jornalistas brasileiros que tiveram contato com o estilo
de jornalismo norte-americano, a imprensa brasileira passou a se caracterizar mais
claramente pela objetividade, divisão interna do trabalho e modelo empresarial.
O jornalista Pompeu de Souza, responsável pelo noticiário internacional do
Diário Carioca, pode ser considerado um dos precursores das transformações ocorridas
na imprensa brasileira na virada da década de 1940 para a de 1950. Pompeu era
considerado adversário político de Vargas e se opunha constantemente ao governo
varguista. Percebendo o perigo que representava seus comentários políticos, o DIP
ofereceu a Pompeu de Souza um cargo para trabalhar como correspondente na Voz da
América emissão radiofônica norte-americana, com noticiário diário, transmitida de
Nova York em ondas curtas para todo o mundo. Além de Pompeu de Souza, Dantom
Jobim, Luís Paulistano e Samuel Wainer
30
realizaram intercâmbios culturais com a
imprensa norte-americana e foram responsáveis pela introdução de novas idéias e
técnicas jornalísticas que alterariam substancialmente a estrutura técnica e lingüística da
imprensa brasileira. Embora Bial (2004, p. 143-4) considere que Pompeu de Souza
tenha sido responsável pela revolução modernizante da imprensa brasileira na década
de 1950, trazendo de sua experiência norte-americana o que havia de mais atualizado
em matéria de jornalismo no mundo”; de acordo com declarações do próprio Pompeu de
Souza, responsável pela elaboração do manual de redação do Diário Carioca em 1951,
30
Para Samuel Wainer, que viveu exilado por alguns meses de 1944 nos Estados Unidos, “a imprensa
americana é a melhor do mundo”. Wainer afirmou que “passava horas, às vezes dias inteiros, examinando
a forma e o conteúdo dos jornais, além disso, afirmou ficar fascinado pela figura mítica do jornalista
americano, cujo estereótipo é o do herói dos filmes de Hollywood” (WAINER, 2001, p. 80).
50
as modificações no jornalismo começaram a ser realizadas por ele logo após o seu
retorno ao Brasil:
Voltei ao Brasil em 1943 e comecei a fazer algumas modificações no Diário
Carioca, objetivando um jornalismo mais dinâmico e mais moderno e menos
nariz-de-cera(...)Senti que o jornalismo brasileiro precisa ser reformado e
então resolvi fazer aquilo que os americanos faziam, e que no Brasil ainda não
se conhecia. A idéia era criar a coluna vertebral de uma nova técnica de
estruturação da notícia e de sua redação: o copy-desk (SOUZA, apud LINS DA
SILVA, 1991, p. 78).
É importante notar que, antes da viagem dos jornalistas brasileiros aos Estados
Unidos na década de 1940, outras viagens foram realizadas por intelectuais que
trabalhavam em jornais brasileiros e que foram influenciados não apenas pelas idéias
políticas, mas também pela forma de se fazer jornal daquele país. De acordo com Lins
da Silva (1991, p. 72-88), alguns jornalistas conheciam as técnicas do jornalismo
norte-americano desde o século XIX e tentaram implantá-las no Brasil. Um dos
precursores desse processo foi Ruy Barbosa, que tentou imprimir as características deste
jornalismo em seus textos publicados pelo Diário de Notícias em meados do século
XIX. Além de Barbosa, Quintino Bocaiúva, fundador de A República, e José do
Patrocínio, que tentou criar um jornal ao estilo do New York Herald, no Rio de Janeiro,
também tiveram contato com o jornalismo norte-americano no final do século XIX.
Além disso, a influência deste jornalismo sobre a imprensa brasileira aumentaria ainda
mais depois da Primeira Guerra Mundial, período em que Gilberto Freyre realizou
estudos na Universidade de Baylor (Texas) e na Universidade de Columbia (Nova
York), entre 1918 e 1922; quando retornou ao Brasil, esteve à frente de A Província em
Recife, onde fez a primeira tentativa, embora fracassada, de introduzir um manual de
redação ao estilo da imprensa norte-americana. Outros intelectuais brasileiros, como
Anísio Teixeira e Barbosa Lima Sobrinho, visitaram os Estados Unidos e voltaram
dispostos a implantar a experiência norte-americana na imprensa brasileira. Ademais,
diversos outros profissionais da imprensa e intelectuais participaram, em 1926, do I
Congresso Pan-Americano de Jornalistas em Washington. O evento contou com a
participação de 14 representantes brasileiros, entre eles estava Gilberto Freyre, (Diário
de Pernambuco), Edgar Leuenroth (que foi por conta própria), Nestor Rangel Pestana
(OESP) e Herbert Moses (OG). Dessa forma, embora ainda predominasse a influência
do estilo de jornalismo francês sobre a imprensa brasileira até a década de 1940, o
51
modelo de jornalismo norte-americano passava a ganhar espaço de forma crescente nas
folhas nacionais.
Além disso, a partir do início do século XX a imprensa brasileira passou a se
adequar ao modelo de jornalismo norte-americano, implantando técnicas e muitas vezes
reproduzindo as características das folhas norte-americanas em suas páginas. Na década
de 1920, o JB, por exemplo, tentava adequar-se ao modelo da imprensa dos EUA. De
acordo com Moraes (1994, p.99), transferia os pequenos anúncios para a primeira
página, como faziam os jornais americanos New York Herald e The Times, além de
imprimir o cabeçalho em cores. Entretanto, tais mudanças não trouxeram aumento de
vendas e o prestígio almejado pelo seu proprietário Ernesto Pereira Carneiro. Ademais,
podemos afirmar que a tentativa de padronização e segmentação da atividade
jornalística, por meio de manuais de redação e cartas de princípios, era passada ou
exercitada antes dos anos 1950.
Podemos afirmar que o contato entre jornalistas brasileiros e norte-americanos,
ocorrido, sobretudo, após o início do culo XX, impulsionou o processo de
transformações vivenciado pela imprensa brasileira. Assis Chateaubriand, Paulo
Bittrencourt, Júlio de Mesquita Filho, Roberto Marinho e Pereira Carneiro tiveram
inúmeros contatos com a imprensa e jornalistas estrangeiros, importando,
principalmente a partir de 1930, máquinas, técnicas e experiências daquelas localidades.
Chateaubriand, por exemplo, em matéria publicada em 12 de março de 1946, tece
calorosos elogios ao jornal inglês The Times, o qual havia visitado recentemente:
Fui aos escritórios e às oficinas do Printing House, como quem vai matar
uma sede. Qual o homem que não gostade visitar o jornal que em 1848 já
era impressa em máquina de 8 cilíndros , tirando 8 mil exemplares (...) um
dos diários que maior influencia tiveram na formação do meu espírito de
jornalista de doutrina.
31
No entanto, uma longa matéria publicada no Anuário Brasileiro da Imprensa, em
sua edição de outubro de 1949, evidencia que a influência da imprensa norte-americana
sobre a brasileira já era perceptível no início dacada de 1940. Intitulada “A influência
americana”, a matéria se refere a uma conferência proferida por Carlos Alberto Nóbrega
da Cunha que, realizada na sede da ABI em 1941, tratava do tema. Como ex-integrante
da Associated Press e um dos fundadores do jornal carioca Diário de Notícias, Nóbrega
31
Diário de S. Paulo, 12/03/1946.
52
da Cunha ressaltava a presença de elementos característicos da imprensa norte-
americana no modelo jornalístico brasileiro, como, por exemplo, a objetividade e
organização empresarial das folhas. Entretanto, salientava também algumas diferenças
que marcavam os dois modelos jornalísticos. Para brega da Cunha, na imprensa dos
EUA havia a função de redator-social, na realidade da sua congênere brasileira a
função era entendida própria para um “cronista mundano”, cuja tarefa era a de produzir
crônica social e notícias sobre bailes ocorridos nas grandes cidades do país. Os jornais
brasileiros não davam tanta importância a esse tipo de assunto, que era relegado a
pequenos espaços nos jornais, com notas breves sobre nascimentos, casamentos ou
batizados. Ao contrário, a imprensa norte-americana concedia amplo destaque aos
acontecimentos sociais e os noticiava em várias páginas das suas edições diárias. Além
disso, havia a diferença numérica de pessoal empregado nos jornais, pois, nas redações
dos diários norte-americanos, o número de profissionais ocupados com a redação era
maior do que o empregado nas folhas brasileiras, dado que a grande quantidade de
matérias que chegava aos primeiros exigia mais redatores para organizar as edições
diárias. Ademais, nas redações norte-americanas não se via a figura do secretário,
função que exercia, tanto no Brasil como na Europa, um papel preponderante no jornal,
pois era o eixo em torno do qual girava toda a vida jornastica de um periódico. Nos
Estados Unidos a figura do City Editor era a que mais se parecia com a do secretário.
No entanto, a função daquele editor era a de apenas controlar o noticiário local, ao passo
que o secretário dos jornais brasileiros controlava todas as atividades jornalísticas,
inclusive a paginação. Para brega da Cunha, a divisão das funções dentro das
empresas jornalísticas brasileiras estava, no icio da década de 1940, em processo de
desenvolvimento e, desta forma, ainda não poderia se comparar, nesse quesito, com a
imprensa norte-americana.
Para a matéria do Anuário Brasileiro da Imprensa, se no início da década de
1940 era visível a inflncia que a imprensa norte-americana exercia sobre a
brasileira - como já havia sinalizado Nóbrega da Cunha em sua conferência -, a partir da
Segunda Guerra tal influência se acentuaria ainda mais,.momento em que os jornais
brasileiros passavam a seguir mais detidamente o modelo norte-americano de paginação
e de distribuição das matérias, além do modelo de administração, de organização
comercial e da publicidade. Procedimentos cuja aplicação se devia a alguns fatos
53
determinados pelo contato constante de jornalistas brasileiros com os produtos da
imprensa dos EUA.
A maior parte dos jornalistas brasileiros dominava a língua inglesa, uma vez que
esse qualificativo se tornara uma necessidade dentro das redações de jornais em
decorrência da maioria das agências noticiosas do mundo transmitir seus telegramas
noticiosos naquele idioma. Os profissionais da imprensa brasileira tinham às suas mãos
grandes revistas e jornais norte-americanos, os quais contavam com distribuição
eficiente nas capitais e grandes cidades, sendo que as revistas Times e Newsweek eram
distribuídas por via aérea e seus números chegavam aos leitores brasileiros quase ao
mesmo tempo em que os leitores norte-americanos os recebiam. Dessa forma, a matéria
publicada no Anuário definia como sendo impossível conceber um jornalista que
compreendesse o idioma inglês e não se interessasse pela imprensa norte-americana,
classificada então como “fonte permanente de informações, rica de correspondência de
todos os cantos do mundo e que versava com liberdade todos os assuntos de interesse
jornalístico”. Dentro deste quadro, os jornalistas brasileiros passaram, assim como seus
congêneres latino-americanos, a adotar alguns expedientes da produção jornalística
norte-americana no que dizia respeito à técnica de organização de um jornal e uma
revista, e a comungar de um novo conceito de imprensa, definido como “menos
sonhador de que outrora, mais sólido economicamente, menos político e mais
informativo, procurando prestar serviços mais ao público do que a um partido político
determinado”. Expedientes e conceito que levaram os jornais brasileiros a transformar o
artigo de fundo, muitas vezes utilizado como um panfleto político, em editorial, o qual
se diferenciava do primeiro por ser menos vibrante, mais objetivo e despido de retórica.
Era o início da substituição do modelo francês de jornalismo pelo norte-americano nas
páginas dos jornais brasileiros.
32
Além disso, a publicação alertava para o fato de que não era mais raro um
jornal encomendar pesquisas de opinião para sua orientação editorial e profissional.
Acompanhando o movimento de transformações e evidenciando a influência das
técnicas do jornalismo norte-americano sobre a imprensa brasileira, os principais jornais
brasileiros começaram na década de 1940 a realizar pesquisas de opinião pública com o
intuito de conhecer seu público leitor, avaliar as matérias publicadas, pesquisar quais os
32
Anuário da Imprensa Brasileira, 1949, p.42-56.
54
jornalistas eram mais lidos, preferências e comportamentos dos leitores, entre outros
ítens. Inicialmente, as pesquisas eram realizadas de maneira não muito profissional
pelos próprios jornais, em seguida, após o surgimento dos institutos de opinião pública,
os jornais passaram a contratar os referidos institutos para avaliarem seu desempenho na
sociedade e conhecerem seu público leitor. Segundo Busetto (2003), o IBOPE, criado
em 1942, foi o primeiro instituto de opinião pública a surgir no Brasil e, inicialmente,
utilizou técnicas de sondagens aprendidas nos Estados Unidos com George Gallup. Os
institutos de pesquisas já desenvolviam sondagens na imprensa norte-americana desde o
culo XIX.
Contudo, os principais jornais brasileiros utilizavam-se dessa técnica para
poderem ampliar seu público leitor, conquistarem maiores fatias do mercado
publicitário e, sobretudo, consolidarem sua posição dentro do campo jornalístico que se
definia pouco a pouco. De acordo com o Anuário da Imprensa Brasileira, a pesquisa de
opinião veio contribuir para um maior aprimoramento da imprensa brasileira,
determinando gostos e preferências dos leitores e regras para a distribuição das
matérias, além de ser importante estratégia para a orientação do jornalista na escolha e
orientação das matérias redacionais e noticiosas, pois contribuía para tornar os jornais
mais agradáveis ao público leitor.
33
Dessa forma, esse novo método veio ajudar os
jornais a determinar o tamanho de uma manchete, uso de fotografia ou a colocação de
um anúncio para que rendam o máximo de eficiência. Reproduzindo um método
utilizado pelo Intelligencer Journal dos Estados Unidos,
34
o Anuário da Imprensa
realizou uma pesquisa com o objetivo de sondar a aceitação do público leitor sobre as
matérias publicadas em cada página do jornal OG: observou qual seu público leitor
masculino e feminino, qual a seção mais lida, qual o jornalista que detém a maior
aceitação do público, quais as áreas de interesse do leitor, entre outros elementos. Além
das sondagens individuais, algumas pesquisas foram realizadas com o intuito de analisar
a imprensa em geral, sobretudo dos grandes centros, nos mais variados aspectos.
A influência americana sobre a imprensa brasileira se processou de maneira
ainda mais íntima, pois as principais agências de notícias do mundo transmitiam seus
telegramas no idioma inglês, obrigando, assim, os jornalistas a terem maior contato com
33
Idem.
34
Idem, p.136-53.
55
a ngua anglo-saxã, além de grande parte do material editorial (revistas e jornais) ser
importado dos EUA.
35
Essa influência foi determinante para que a imprensa e o
mercado editorial brasileiros sofressem um desenvolvimento a partir da década de 1940,
contando com maior organização e se beneficiando com o surgimento de inúmeras
revistas especializadas de qualidade que atendiam as diferentes camadas sociais e gostos
editoriais.
36
Além disso, pode-se acrescentar que grande parte das matérias internacionais
publicadas nos jornais brasileiros era oferecida pelas principais agências de notícias
internacionais, principalmente as americanas, fazendo com que, de uma forma ou de
outra, a imprensa brasileira tivesse um contato direto com o estilo jornalístico norte-
americano, bem como com as suas técnicas de produção jornastica. As notícias
internacionais enviadas à imprensa brasileira pelas agências internacionais passavam
por um processo de reelaboração ao chegarem às redações dos jornais brasileiros, uma
vez que eram trabalhadas para atingir um público específico a que se destinavam os
jornais. Dessa forma, é possível concluir que os jornalistas brasileiros passaram a ter
contatos com o modelo de jornalismo norte-americano antes mesmo da chegada da
década de 1950, pautando-se pela objetividade e ilustrações em suas páginas, e isso
fazia com que as primeiras páginas dos jornais, geralmente as que cobrem os
acontecimentos internacionais, fossem recheadas de fotos, ilustrações, e textos mais
objetivos e linguagem direta. As organizações estrangeiras de notícias, como a AP e
UPI (EUA), Reuters (Inglaterra) e AFP (França), forneciam diariamente à imprensa
brasileira, após prévio contrato entre as partes, matérias jornalísticas com notícias
internacionais contendo fotos e texto jornalístico, permitindo, assim, uma ampla
divulgação na imprensa brasileira das notícias internacionais em todos os setores da
vida social, fornecidas por correspondentes internacionais espalhados por diversas
capitais.
Até meados da década de 1940, o jornalismo brasileiro mantinha muitas
características do modelo jornalístico frans, cuja escrita se confundia com o estilo
literário. Aliás, mesmo vivenciando o processo de transformações estruturais e técnicas,
os jornais analisados o abandonaram bruscamente o estilo literário e dispunham de
35
Anuário da Imprensa Brasileira, 1949, p. 42-57.
36
Idem
56
importantes intelectuais e figuras das letras em suas redações. Com a aquisição de
novos conhecimentos jornalísticos oriundos da imprensa norte-americana, bem como
com a elaboração de normas de redação, o jornalismo brasileiro passou a apresentar
mais objetividade e as empresas de comunicação contaram com maior organização e
divisão interna do trabalho. A partir de então, uma nova configuração foi se impondo
aos jornais e, desta forma, a entrada no campo jornalístico passou a ser limitada à
medida que exigia pessoas com conhecimentos técnicos em determinadas áreas de
atuação profissional. Ademais, além das transformações estruturais, marcadas pela
elevação do nível cnico, profissionalização do setor e implementação de uma infra-
estrutura moderna nas empresas jornalísticas, a imprensa brasileira passava ainda por
uma reformulação lingüística, seus textos iam assimilando uma característica impessoal,
de modo a priorizar a notícia em detrimento das opiniões subjetivas, distinguindo-se,
assim, pouco a pouco, da escrita do campo literário.
Em artigo jornalístico da época, Sodré afirmava que historicamente os jornais
apresentaram mais paio política, mais combate e mais interesse privado, ou seja, as
folhas impressas, segundo ele, não eram imprensa, pois funcionavam como porta-vozes
dos governos e candidatos políticos alinhados à mesma posição política do jornal. Para
Sodré, essa situação passou a se modificar a partir do momento em que a imprensa
nacional assimilava as transformações ocorridas no âmbito político e jornalístico
nacional e internacional: “A preponderância do noticiário sobre a doutrina é algo
recente e geral na imprensa, e sendo assim, atualmente somente na imprensa de
província observava-se mais paixão política que noticiário”.
37
Como resultado do
contato entre jornalistas brasileiros e norte-americanos, o jornalismo virulento e de
cunho político, que caracterizava a imprensa brasileira até então, foi sendo substituído
aos poucos pelo jornalismo de conotação empresarial, voltado acima de tudo para a
obtenção do lucro.
As mudanças gráficas ocorridas na imprensa, principalmente durante a década
de 1940, trouxeram um estilo mais ordenado, com padronização das manchetes, títulos e
subtítulos e presença de textos complementares, responsáveis em tornar a leitura mais
agradável. Uma das principais mudanças na linguagem jornalística ocorreu com a
introdução, ainda que parcial, do lead a partir da década de 1940, ou seja, uma técnica
37
O Estado de S. Paulo 05/04/1945.
57
que adotava o formato de pirâmide invertida; nele, na abertura do texto jornalístico
dever-se-ia responder a algumas questões básicas como: quem?, o quê?, quando?,
onde?, como? e por quê?. Essa mudança lingüística na imprensa nacional viera a
substituir o nariz de cera, técnica esta caracterizada por ser um texto extenso, opinativo,
pouco objetivo e que narrava os acontecimentos de forma cronológica. Para Carlos
Eduardo Lins da Silva (apud BIAGI, 2001, p.15) a influência norte-americana sobre a
imprensa brasileira é evidente, mas essa influência não foi total, pois os conceitos e
iias trazidas para o Brasil sofreram uma remodelação ao entrarem em contato com
uma cultura distinta e, dessa forma, essa influência foi reprocessada.
Apesar das considerações de Lins da Silva, podemos afirmar que a influência do
modelo de jornalismo norte-americano sobre o brasileiro foi significativa, sobretudo
quando consideramos que até mesmo afetaram o processo de produção dos jornais
oficiais. A partir do ano de 1945, a Divisão de Produção da Imprensa Nacional, empresa
que editava os jornais oficiais do governo federal, introduziu algumas alterações na
maneira de produção e apresentação das matérias ao público leitor, com vistas a
melhorar sua apresentação, tornar a leitura do jornal mais fácil e prática, além de
implantar um conjunto de mudanças gficas que melhoravam a consulta de
informões e seções no Diário Oficial. Com isso, o Diário passou a apresentar linhas
mais curtas, dando uma feição gráfica mais agradável em sua apresentação,
disponibilizando um sumário para cada seção, bem como as ginas as quais se
encontravam as informações. De acordo com o então diretor da Divio de Produção da
Imprensa Nacional, Francisco Wlasek, as reformas ocorridas no Diário Oficial do
governo tornaram a sua produção e distribuição bem mais econômicas, uma vez que
passava-se a gastar menos material com a sua confecção, desde o metal para a
composição como o barbante e, até mesmo, com o transporte para a sua distribuição por
todo o Brasil, além de se imprimir em suas páginas uma feição mais moderna e mais
alinhada aos modernos pades de produção dos principais diários do mundo.
38
Os jornais passaram por um processo de modernização a partir do momento em
que a nova conjuntura política, econômica e jornalística mundial do período pós-guerra
era entendida e assimilada pelos seus responsáveis. À medida que se relacionavam, os
proprietários e dirigentes de jornais, assim como os jornalistas, começaram a perceber o
38
O Estado de S. Paulo, 10/07/1945.
58
movimento de transformações que se processava nos meios jornalísticos nacionais e
internacionais e, dessa forma, passaram a diversificar atividades comunicacionais das
empresas jornalísticas, sobremaneira a partir da década de 1940. Isto ocorria em
decorrência dos jornais vivenciarem um processo de intensificação da concorrência
dentro do campo jornalístico, fator que os obrigava a conquistar, cada vez mais, um
público maior e heterogêneo, elemento necessário para a ampliação de suas influências
e posições no mercado da comunicação social e publicitária, além de possibilitá-los
interferir de maneira mais ampla e autônoma no campo político nacional. Dessa forma,
alguns jornais passaram a atuar na atividade radiofônica ampliando sua área de atuação
e transmitindo muitas vezes as informações e avaliações contidas nas páginas dos
periódicos pelo dio.
Ao comprar uma emissora de rádio a um preço bastante acessível, Roberto
Marinho fundou, em 1944, a Rádio Globo. Como reflexo desse processo de
diversificação das atividades jornalísticas, alargamento da atuação profissional e,
sobretudo, em razão da concorrência dentro do campo jornalístico, o jornal de Marinho
também lançou a revista infantil O Globo juvenil e, em 1939, lançava os famosos
“gibis”, com histórias em quadrinhos para o público infanto-juvenil (BIAL, 2004,
p.138). Tais investimentos representaram um aumento significativo do patrimônio de
OG, fazendo com que o mesmo se destacasse entre os demais órgãos da imprensa. O
DSP, órgão integrante do condomínio jornalístico Diários Associados fazia parte de um
conglomerado que compunha diversos jornais e emissoras de rádio, embora as duas
primeiras emissoras desse condomínio tivessem sido inauguradas na segunda metade
dos anos 1930, ou seja, a Rádio Tupi de São Paulo, em 1936, e a Rádio Tupi do Rio de
Janeiro, em 1937. O periódico inovou em relação a seus concorrentes, uma vez que
emitia pela Rádio Difusora, integrada aos Associados, todos os anúncios publicitários
veiculados no DSP, sempre de forma gratuita e diariamente. É importante observar que
os Diários Associados se destacaram em relação aos outros órgãos, pois possuía
inúmeras emissoras de rádio, revistas e periódicos, oferecendo, assim, um leque de
oportunidades aos seus anunciantes, os quais poderiam escolher os mais diversos órgãos
para anunciarem seus produtos. O JB fundou, em 1935 a Rádio JB, dando ênfase em sua
programação inicial a programas de notícia, ou seja, era uma extensão das matérias
publicadas nas páginas do jornal.
59
Por sua vez, o jornal OESP entrou em entendimentos com a Rádio Cultura para a
transmissão radiofônica de suas notícias ao público. Assim, passou a transmitir um
jornal sonoro a partir de abril de 1946, informando o público sobre os acontecimentos
nacionais e internacionais. Seguindo a mesma direção, o grupo Folhas lançou, em
setembro de 1943, o programa Rádio-Folha da Manhã e Folha da Noite, transmitindo
diretamente das redações dos respectivos jornais pelas Emissoras Unidas, diariamente
em quatro períodos. Em 1948, a FM comprou a Rádio Excelsior, mas já em 1952 não
tinha mais vínculo com a emissora devido ao fracasso do empreendimento. Por sua vez,
em 1947, a FM criou a Gráfica Impress, responsável pela impressão dos jornais do
grupo Folhas, além de outros produtos jornalísticos.
39
Dessa maneira, as notícias locais
eram fornecidas pelos correspondentes das sucursais dos jornais espalhadas pelas
principais capitais e cidades do país.
Com a chegada da década de 1940, as emissoras radiofônicas passaram a firmar
sua posição dentro do campo jornalístico e, de certa forma, no campo político, fazendo
com que diretores de jornais e revistas investissem nessas posições dentro de ambos os
campos. Para demarcarem sua posição dentro do campo jornalístico e continuarem,
nele, influenciando as tomadas de decisões dentro deste campo, os jornais passaram a
oferecer alguns serviços disponibilizados anteriormente apenas pelas emissoras de
rádio, como, por exemplo, horários de trens, ônibus e bondes, previsão do tempo,
calendários do ano, horários de eventos culturais e, até mesmo, o horário de programas
radiofônicos, especialmente os jornais que dispunham de emissoras de rádios, como o
jornal OG, JB e DSP.
Para Bourdieu (1997, p. 56-8), a concorrência que se realiza entre os órgãos da
imprensa, ou entre os jornais, pelos leitores, dá-se sob a forma de uma concorrência
entre os jornalistas, que tem objetivos próprios e definidos, quais sejam, o furo, a
informação exclusiva, a reputação, a diversificação das atividades, entre outros
aspectos, isto é, não é uma disputa puramente econômica, mas existem relações de
forças econômicas e simbólicas entre os agentes do campo jornalístico capazes de
39
Vale ressaltar que a primeira experiência com o Rádio-Jornalismo no mundo ocorreu no diário Post
Dispatchnos EUA, em dezembro de 1938. O jornal utilizava sua própria estação de rádio-difusora para
transmitir por quinze minutos suas notícias impressas do dia. Posteriormente, a empresa Transradio Press
Service tinha planos de fundar 25 jornais falados pelos EUA. Os rádios-jornais divulgavam notícias locais
e internacionais, utilizando-se de informações telegráficas fornecidas por três grandes agências de notícias
internacionais: Internacional News Service, United Press e Reuters.
60
definir posições dentro desse mesmo campo. Vale destacar que, no período estudado, os
jornalistas estão em um processo de concorrência, conflitos e hostilidades para galgarem
posições dentro do campo jornalístico, e, até mesmo, do político. Dessa forma, o
processo de diversificação das atividades dos jornais pode ser entendido dentro de um
processo de disputas entre os agentes com vistas a ocuparem posições mais elevadas
dentro do campo jornalístico e político.
No entanto, embora transformações estivessem em curso na imprensa brasileira,
havia problemas envolvendo, de um lado, o setor publicitário e os jornais, e, de outro, as
grandes empresas e indústrias brasileiras. É importante salientar que não havia ainda
uma conscncia do empresariado brasileiro sobre a importância da publicidade em
larga escala no segundo pós-guerra, uma vez que os setores empresariais e industriais do
país ainda estavam em fase de expansão, e, desta forma, os empresários estavam
acostumados com anúncios pequenos e que não lhes trouxessem muitos dispêndios
econômicos. Para solucionar o problema dos baixos preços publicitários e ausência de
investimentos no setor, os jornalistas defendiam uma aliança entre a imprensa,
empresariado e industriais, com o objetivo de alavancar a economia e proporcionar
maior desenvolvimento à imprensa nacional.
Os índices de tiragem dos jornais brasileiros eram extremamente
descompassados aos alcançados pelos jornais norte-americanos e ingleses, bem como
em relação ao volume de publicidade. De acordo com Mário Guastini, um dos mais
renomados jornalistas de São Paulo, responsável pela Divisão de Imprensa e
Propaganda e Rádio Difusão e, por um curto período, sucessor de Cândido Mota Filho
na direção do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda do Estado, “a
arrecadação dos jornais norte-americanos e ingleses era equivalente ao volume da
arrecadação de todo o governo brasileiro, sendo do total, um quarto oriundo de vendas
avulsas e três quartos da publicidade”.
40
No fim do Estado Novo, Guastini sinalizava
para a importância e a necessidade de os jornais buscarem a publicidade e
modernizarem-se estruturalmente. O levantamento do Anuário da Imprensa Brasileira,
publicado em 1949, revelava que os jornais nacionais arrecadavam em publicidade no
ano de 1947 cerca de Cr$ 362 milhões, alcançando 48,2% de toda a arrecadação
40
O Estado de S. Paulo, 21/06/1944 e 07/07/1944.
61
publicitária, o rádio, Cr$ 213 milhões, atingindo 28,4%, e as revistas, Cr$ 65 milhões,
ou seja, cerca de 8,7% do mercado publicitário.
É importante registrar que, ao lado do avanço das empresas jornalísticas, dava-se
a valorização do setor publicitário brasileiro, o qual passou a interferir decididamente na
estrutura econômica dos jornais e a caracterizar os novos tempos que o jornalismo
passaria a viver, ou seja, o desprendimento das paixões políticas e a busca intransigente
do lucro. Segundo Bahia (1990, p.228), a publicidade comou a ocupar grande parte do
espaço dos jornais, sendo calculada por centímetros de coluna ou em frações de tempo
no rádio, e, desta forma, a publicação de notícias nos jornais passou a ser determinada
pelo espaço publicitário e, o mais importante, as paixões políticas, a literatura, a
cobertura e divulgação dos acontecimentos culturais vão sendo deixadas de lado à
medida que os jornais se transformavam em empresas comercias, indo buscar, acima de
tudo, o lucro para financiar sua permanência ou elevação de posição no universo da
comunicação social. A instalação de importantes empresas publicitárias no Brasil pode
ser entendida como um significativo salto no processo de profissionalização e
desenvolvimento da atividade jornalística no país. Para Bahia (1967, p. 105-107), a
primeira empresa publicitária instalou-se no Brasil entre os anos de 1913 e 1914.
Entretanto, foi a partir da década de 1930 que as agências de publicidade ganharam
maior destaque e expressão no meio jornastico, uma vez que as agências não
trabalhavam mais apenas com anúncios jornalísticos, mas, também, com os radiofônicos
e cinematográficos. Esse avanço da publicidade no Brasil também deve ser entendido
dentro do processo de transformações sociais verificados pela sociedade brasileira,
sobretudo pelo inicial desenvolvimento industrial. A partir de então, a publicidade se
desenvolve aceleradamente, os jornalistas passaram a criar regras para a redação de
textos comerciais, com o intuito de tornar os anúncios mais eficientes.
Contudo, é após o fim da Segunda Guerra que o setor publicitário passa a
adquirir bastante notoriedade, ao acompanhar de perto o desenvolvimento do setor
industrial brasileiro, aumentando, assim, seu orçamento. Segundo Ribeiro (2001),
“apesar de muitas organizações industriais e comerciais possuírem departamentos de
publicidade próprios, houve um aumento grande no número de agências no país,
destacando-se pelo volume de negócios, a Thompson, por exemplo, que aumentou o seu
faturamento de 66 milhões de cruzeiros em 1949, para mais de 100 milhões, em 1951.”
62
Assim, o desenvolvimento do setor publicitário fez com que os jornais
buscassem dia a dia um maior aprimoramento técnico e elementos que satisfizessem o
público leitor, com o intuito de aumentar sua vendagem e, consequentemente,
conquistar maior espaço no campo jornalístico, uma vez que as agências de publicidade
selecionavam os principais veículos para divulgar os produtos de seus clientes, tendo
como base o estilo, público alvo e capacidade de venda do jornal. Dessa forma,
podemos afirmar que não apenas a conjuntura de mudanças cnicas e aquisição de
técnicas norte-americanas pressionaram os jornais a se modernizarem, mas também a
progressiva exigência das agências de publicidade fez com que os jornais buscassem
uma maneira mais ágil e eficiente de conquistar leitores e notoriedade social. Porém, a
situação potica e econômica nacional muitas vezes não possibilitou a concretização de
tais objetivos.
A partir de 1945, dada a falta de papel jornal estrangeiro para a imprensa
brasileira,
41
as empresas jornalísticas conjuntamente resolvem realizar alguns ajustes
nos valores do espaço publicitário em suas páginas. Os jornais brasileiros importavam a
maior parte do papel consumido de países como Canadá e EUA e contavam com a
indiferença do governo brasileiro para solucionar a carência de papel no país, uma vez
que o Brasil possuía fontes para a produção de papel. Essa indiferença do governo
brasileiro em relação à produção de papel é perfeitamente compreensível no período do
Estado Novo, quando o DIP, responsável em distribuir as cotas mensais de papel aos
periódicos nacionais, beneficiava os jornais que apresentavam uma posição próxima ao
regime instituído, cerceando cotas maiores ou suficientes para aqueles que destoavam
do tom político empreendido pelo governo estadonovista. Tal situação continuou ainda
no início do governo Dutra, pois a imprensa nacional ainda ficou dependente dos
humores governamentais e de verbas publicitárias oficiais, responsáveis, em grande
parte, pelo funcionamento das folhas. Com o intuito de amenizar a desagradável
situação vivenciada pelos periódicos e contornar os déficits econômicos da época
proporcionados pela falta de papel, os jornais paulistas FM, Correio Paulistano, DSP e
41
O problema do consumo de papel no mundo só veio a se amenizar após a Segunda Guerra Mundial. No
final da década de 1940, os Estados Unidos consumiam cerca de 63% da produção mundial de papel de
jornal, seguido da Europa com 15%, Inglaterra, Canadá, Austrália e Nova Zelândia com 4%, América
Latina com 5%, URSS, 3%, e resto do mundo, 6%. De acordo com Frank Owen, em artigo publicado à
época, se os Estados Unidos diminuíssem somente um pouco o seu consumo de papel de jornal, a
escassez de papel no mundo desapareceria provisoriamente. Anuário da Imprensa Brasileira, 1949, p. 12.
63
OESP, em 25 de agosto de 1946, foram signatários de uma matéria publicitária, em que
decidiram, além de aumentar o preço do espaço publicitário, iniciar a cobrança dos
anúncios por centímetros de coluna, com distintos preços nas diferentes páginas e nos
diferentes dias da semana,
42
ou seja, o jornal passava a ser entendido como um produto
comercial e, assim, deveria procurar soluções alheias a favores e humores do governo
ou, até mesmo, de grupos políticos.
É importante concluir que a partir da década de 1940, a imprensa brasileira,
pouco a pouco, pôde contar com estrutura específica, parque gráfico, plano de produção,
e circulação e as relações dos jornais com os leitores passaram a se alterar à medida que
o econômico ganhou uma dimensão principal na imprensa brasileira. Dessa forma, os
jornais começaram a adquirir algumas feições industriais e empresariais. Entendemos
que a introdução de novas técnicas jornalísticas, a divisão interna do trabalho e a
profissionalização da atividade jornalística estavam inseridas num amplo processo de
transformações que o podem ser entendidas de forma desconexa do âmbito político,
econômico e social, e muito menos como uma transformação ocorrida de forma abrupta
ou implementada individualmente ou por empresas isoladas, mas, sim, devem ser
relacionadas a um conjunto de relações entre empresas jornalísticas, jornalistas e demais
agentes do meio jornalístico e político, situados em um universo permeado de relações
objetivas entre os integrantes do campo que lutam entre si pela busca de fatias de
mercado, pela conquista da credibilidade e, conseqüentemente, pela elevação de suas
posições dentro do campo jornalístico.
As transformações vivenciadas pela imprensa na década de 1940 o se
processaram isoladamente, mas ocorreram de forma coletiva, uma vez que a produção
jornalística começou a ser realizada em grupo, e, muitas vezes, a ordem das notícias
se alterava. Além dessa reprodução do ponto de vista técnico e econômico, a imprensa
42
O Estado de S. Paulo 25/08/46. De acordo com matéria publicada em Agosto de 1946 os preços
publicitários eram os seguintes: 1º e última gina nos dias úteis custava Cr$ 120,00 em dias úteis e Cr$
150,00 aos domingos. A pagina Cr$ 40,00 nos dias úteis e Cr$ 48,00 aos domingos. A página Cr$
72,00 e Cr$ 87,00 aos domingos. A 5º página custava Cr$ 42,00 nos dias úteis e Cr$ 50,00 aos domingos,
a 7º página Cr$ 37,00 e Cr$ 44,00. Alám disso, havia preços exclusivos para a Seção feminina às sextas-
feiras custava Cr$ 36,00, página, noticias diversas e esportes Cr$ 36,00 dias semanais e Cr$ 43,00,
anúncios fúnebres Cr$ 26,00 dias úteis e Cr$ 34,00 aos domingos. As partes comerciais, editais, seção
livre e declarações Cr$ 24,00 dias úteis e Cr$ 31,00 aos domingos. Cinemas, teatros, leiloem e vapores
Cr$ 13,00 dias úteis e Cr$ 17,00 aos domingos, e por fim, anúncios de classificados Cr$ 17,00 dias úteis e
Cr$ 20,00 aos domingos. Vale destacar que, neste mesmo dia na 8º página o Diário de S. Paulo, Folha da
Manhã e Correio Paulistano publicaram este mesmo reajuste de preços em suas páginas.
64
brasileira também se reproduzia na ótica política, pois os jornais passaram a se
posicionar politicamente observando as decisões políticas tomadas pelo grupo de
jornais, tema a ser abordado a partir do segundo capítulo. Os jornais exerciam uma
vigilância constante em relação aos seus concorrentes, que publicavam ou
comentavam matérias que haviam sido publicadas por outros jornais ou até mesmo
publicavam matérias ou notas direcionadas, especificamente, a determinados periódicos.
O jornal OESP se destacava nessa prática, pois publicava diariamente em suas
páginas a coluna Opinião da Imprensa. Nela o jornal apresentava aos seus leitores os
posicionamentos dos principais órgãos da imprensa brasileira diante dos acontecimentos
nacionais e internacionais, sobretudo os relacionados à política. O periódico paulista
apresentava, na maioria das vezes, opiniões políticas de jornais que convergiam com a
sua, objetivando, assim, legitimar e corroborar com a linha editorial da folha.
Entretanto, apresentava também as opines divergentes dos seus congêneres, embora
não as criticasse abertamente naquela seção. Tal estratégia adotada pelo OESP atendia
duplamente o objetivo do jornal em manter e ampliar o seu público leitor em
concorrência com os demais grandes periódicos nacionais. Primeiramente, contribuía
para que o leitor não precisasse adquirir outros jornais, uma vez que trazia, de certa
forma, resumo das principais matérias veiculadas pelos periódicos concorrentes. E, em
segundo lugar, criava a oportunidade de o leitor aquilatar a qualidade dos seus produtos
jornalísticos em relação aos que eram oferecidos pelos demais grandes jornais. Além
disso, os jornais estavam atentos às transformações técnicas e administrativas que se
processavam em seus concorrentes. O DSP publicou matéria assinada pelo diretor-
presidente da FM, Alcides Ribeiro Meirelles,
43
na qual traçava alguns planos para o
futuro empresarial daquela folha, e outra matéria, assinada pelo grupo que se desligara
do jornal após a venda para Nabantino Ramos,
44
matéria esta que apresentava os
motivos que levaram o grupo a desistir de trabalhar ao lado do grupo dirigente da FM.
Além disso, Carlos Rizzini, articulista do DSP, escreveu o artigo “Bilhetes aos rapazes
das Folhas”, no qual historiava sobre as transformações vivenciadas pelo jornal desde a
sua fundação e desejava boa sorte aos novos proprietários do jornal.
45
Estratégia que
também fazia parte do jogo da concorrência, pois o DSP tentava, dessa forma,
43
Diário de S. Paulo, 13/03/1945.
44
Diário de S. Paulo, 14/03/1945.
45
Diário de S. Paulo, 15/03/1945.
65
apresentar a FM como um jornal em crise, e, evidentemente manter a folha de
Nabantino longe das possibilidades de disputar a posição de segundo jornal mais lido
pelos paulistas, posição ocupada pelo diário de Chateaubriand, como será visto no
tópico a seguir.
1.3. Dos proprietários, dirigentes e jornalistas
Após a exposição das transformações que se operavam no processo de produção
jornalística, cabe tratar as relações sociais, econômicas e culturais dos proprietários e
dirigentes de jornais analisados nessa pesquisa.
Júlio de Mesquita Filho era membro de uma família paulista de grandes
produtores de café. Paralelamente à sua atividade de advogado, começou a trabalhar no
jornal OESP, órgão de propriedade de seu pai, Júlio de Mesquita. Exerceu funções
diversificadas em todas as seções do periódico até 1919, quando assumiu a secretaria da
redação. Com o falecimento de seu pai em 1927, passou a ocupar a direção do jornal, ao
lado de Francisco de Mesquita, Carolino da Mota e Silva, Annio Mendonça e Carlos
Vieira de Carvalho, sendo o cargo de diretor-presidente ocupado por Armando Sales de
Oliveira. Opositor ao Estado Novo, Mesquita partiu para o exílio nos primeiros meses
de 1938, primeiramente na França e posteriormente na Argentina, onde se tornou
correspondente do jornal La Nación. Em março de 1945, o governo varguista adquiriu o
controle acionário do jornal de Mesquita Filho, que voltaria a circular somente abril
daquele ano, sob a tutela estadonovista, passando a defender os interesses da nova
diretoria e do governo ditatorial.
46
Ao retornar ao Brasil em 1943, Mesquita Filho
engajou-se novamente na luta política, participando ativamente das discussões pela
revogação da Carta Constitucional de 1937. Após reassumir a direção do jornal em 06
de dezembro de 1945 e ao lado de Plínio Barreto, não deixou de expressar seu apoio a
políticos e propostas udenistas, o que o permite caracterizar OESP como “folha oficiosa
da UDN”.
O jornalista Plínio Barreto desempenhou importantes atividades profissionais no
jornal OESP desde o começo do século XX, iniciando suas atividades como revisor do
jornal. Fundou a revista Tribunais, em 1912. Assumiu, em 1916, a direção da Revista do
46
O Estado de S. Paulo, 24/04/03.
66
Brasil, atuando também como crítico literário. Em 1926 passou a dirigir o Diário da
Noite, órgão fundado por Léo Vaz e Mariano Costa, e que depois fora adquirido por
Assis Chateaubriand. Após a morte de Júlio de Mesquita em 1927, foi empossado no
cargo de redator-chefe de OESP. Além de destacado advogado e jornalista em São
Paulo, atuou com muita intensidade na vida política paulista, ocupando importantes
cargos como o de secretário de Justiça e Segurança Pública e o de governador
provisório entre 06 a 25 de novembro de 1930. No início de 1938, quando do exílio de
Júlio de Mesquita Filho na França, Plínio Barreto passou a dirigir OESP até o momento
da intervenção dos agentes do DIP ao periódico, em março de 1940.
47
Em 1945, foi
eleito deputado à Assembia Nacional Constituinte pela UDN, participando ativamente
da elaboração da Constituição de 1946; mesmo morando no Rio de Janeiro, colaborava
diariamente com OESP e seu nome figurava como diretor do jornal no cabeçalho da
folha, ao lado do nome de Júlio de Mesquita Filho.
OESP também contou com a atuação de Paulo Duarte e Léo Vaz. Duarte
iniciou-se no jornalismo em 1918, quando tinha 17 anos de idade, como revisor do
Jornal do Comércio e, logo em seguida, passou a trabalhar na redação de OESP,
acumulando também a fuão de secretário de Júlio de Mesquita Filho. Antes da
Revolução de 1930, fundou o Diário Nacional, órgão oficioso do Partido Democrático,
afastando-se temporariamente do jornal da família Mesquita, retornando a ele em 1934,
quando assumiu a função de redator-chefe a1950, ao lado de o Vaz. É importante
registrar que OESP, historicamente, contou com colaboradores de diversas áreas, como
Monteiro Lobato, Euclídes da Cunha, Sérgio Buarque de Holanda, Frederico Heller,
Rubem Braga, Mário Pinto Serva, Nelson Werneck Sodré e Annio Piccarolo.
Paulo Bittencourt herdou de seu pai, Edmundo Bittencourt, a propriedade do CM
em 1929. Teve uma vida dedicada à luta política, a qual fora impressa nas páginas de
seu jornal ao longo dos anos. A atuação política do jornalista resultou, em 1940, no
recebimento do prêmio Maria Moors Cabot, concedido pela Universidade de Columbia,
nos Estados Unidos, aos jornalistas que se destacassem na luta pela liberdade de
imprensa. Historicamente, o jornal carioca sempre se proclamou como um jornal de
opinião, defendeu idéias liberais e caracterizou-se por ser intransigentemente defensor
47
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, Pós-1930. (CD-Rom). Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 2003.
67
do regime democrático contra as oligarquias e qualquer forma de opressão política e
econômica sobre a população. Diferentemente de seus concorrentes, o CM declarava-se
não imparcial, mas se pautava pela inteão de atuar intensamente na vida política do
país, apresentando uma linha editorial historicamente favorável à defesa da liberdade
política, pois sempre se colocou na luta contra os regimes autoritários da história
política brasileira, como no período marcado pelo Estado Novo. Paulo Bittencourt
caracterizou-se por ser um dos maiores opositores de Vargas e, a partir da decretação do
golpe do Estado Novo e posterior censura aos órgãos da imprensa brasileira, procurou
brechas para atacar o regime e imprimir sua posição de defesa ao restabelecimento do
regime democrático, pois acreditava que o jornal era um importante instrumento de luta
política, sendo capaz, até mesmo, de fazer ministros. Paulo Bittencourt viajava muito ao
exterior e na sua ausência contava com o trabalho de seu redator-chefe, Costa Rego
(ANDRADE, 1991, 67-70).
Pedro da Costa Rego era alagoano, construiu carreira política juntamente com a
de jornalista. Foi secretário da Agricultura de Alagoas em 1912, deputado federal por
três legislaturas, entre 1915 e 1923, governador de Alagoas (1924-1928) e senador
(1929-1930 e 1935-1937). De acordo com Melo (2000, p. 91), o jornalismo serviu para
ascendê-lo politicamente, além de contribuir com a sua carreira de escritor,
estimulando-o a publicar três livros,
48
resultantes de sua convivência com os literatos
que trabalhavam no CM; entretanto, de todas as atividades, o jornalismo foi a sua
atividade maior. Era apaixonado pela redação do jornal e fiscalizava-lhe todas as
funções, “o jornalismo lhe estava na alma, no sangue, nas entranhas, e dele não se
separou nem mesmo quando se dedicou à faina política” (MELO, 2000, p. 92). Ainda
quando estudava no Mosteiro o Bento, Rego fundou a revista Véritas, depois foi para
o jornal O Século e, em 1907, transferiu-se para o CM, onde aos 17 anos de idade
iniciou a atuação como revisor, saindo do jornal em 1954, quando ocupava o cargo
de redator-chefe. Enfermo, faleceria logo depois.
Costa Rego era conhecido por ser irritado e exigente, além de ser o redator-chefe
que zelava pela ortografia da casa, expressão que foi cunhada por Paulo Bittencourt para
caracterizar o estilo ortográfico do jornal. Para tanto, contratou em 1947 figuras de
48
As obras escritas por Costa Rego são: Águas Passadas (1952), Na terra Natal (1928) e Como foi que
persegui a imprensa (1930) (MELO, 2000, p.115)
68
destaque da literatura, como Aurélio Buarque de Holanda, Graciliano Ramos e Rodolfo
Mota Lima, para trabalhar no jornal. A equipe de Rego incluía: os editorialistas Otto
Maria Carpeaux e Álvaro Lins, além de Mário Pedrosa, que escrevia artigos assinados e
editava seção de artes; Thomaz Colaço, relator de assuntos internacionais; os redatores
Flanklin de Oliveira, Oto Lara Resende, Gondin da Fonseca e Paulo Mendes Campos; o
crítico Moniz Viana; na seção de esportes, Achilles Chirol e Walter Mesquita; Jorge
Leão Teixeira, Jaime Maurício e José Conde, especialistas em artes e literatura;
colaboradores como José Lins do Rego e Octávio Tarquínio de Souza e Heráclio Salles;
e Luiz Alberto Bahia na reportagem política; entre outros (MORAES apud MELO,
2000, p. 93).
A redação do CM foi comandada com muita energia por Costa Rego, o local era
definido por ele como a cozinha do jornal. A função de redator-chefe era bastante
valorizada por Bittencourt e Rego. Em conversa com Luís Alberto Bahia, Costa Rego
afirmou que a função de redator-chefe era mais importante que a de ministro. Num
período em que o jornalismo passava por avanços significativos e vivenciava,
gradativamente, uma sistematização das funções aos moldes do modelo de jornalismo
norte-americano, Costa Rego ainda simpatizava com a estrutura do jornalismo francês.
Dessa forma, lia tudo de importante a cada dia, instruía, pautava, estimulava, orientava e
fiscalizava tudo o que era produzido na redação do jornal (ANDRADE, 1991, p.102-
133). Na década de 1940, Rego chefiava funcionários como Aurélio Buarque de
Holanda, ocupando o cargo de autor-revisor, Graciliano Ramos, responsável pela leitura
dos editoriais do jornal, Álvaro Lins e Plínio Barreto, sendo esse, juntamente com o
redator-chefe do CM, um dos responsáveis pela implantação das seções de crítica
literária nos respectivos periódicos em que atuavam. Com a saída de Costa Rego da
redação, Antônio Callado assumiu-lhe a chefia, conduzindo o jornal para uma gradual
modernização.
Callado nasceu no Rio de Janeiro, em 1917, e foi teatrólogo, biógrafo e
romancista. Formado em Direito, comou a trabalhar no jornalismo em 1937, quando
ocupou as funções de repórter e cronista no jornal CM. Além da experiência jornalística
no diário de Paulo Bittencourt, foi contratado em 1941 como redator pela BBC de
Londres, lá trabalhando até 1947. Entre novembro de 1944 a outubro de 1945, trabalhou
no serviço brasileiro de Rádio Difusion Française, em Paris. Ao retornar ao Brasil,
69
depois de sua experiência européia, voltou a trabalhar no CM e também passou a
colaborar em OG. Luís Alberto Bahia desempenhou importante papel no CM. Entrou no
jornal em 1940 como repórter de rua, depois passou a repórter político, além de atuar na
área internacional. Foi sub-secretário, secretário e, por fim, ocupou o cargo de redator-
chefe do jornal entre fevereiro de 1959 e fevereiro de 1962. Além disso, entre 1950 e
1953 foi diretor da British News Service, agência oficial de notícias britânicas e passou
a ser editor internacional do CM (ANDRADE, 1991, p. 102-105).
É importante lembrar que o CM inovou em relação a seus concorrentes por
contar com o trabalho de Niomar Bittencourt, uma das primeiras mulheres a trabalhar
no jornalismo brasileiro. Vale destacar que o trabalho feminino nas redações de jornais
não era comum até a década de 1930. De acordo com Ribeiro (1998, p.31), até 1937 era
praticamente inexistente a atuação de mulheres no jornalismo.
Uma das situações mais tenebrosas que havia na imprensa de São Paulo (e
do Brasil), em 1937, era a discriminação contra a mulher. As empresas
jornalísticas eram pensadas e construídas como ambiente de sauna brega:
para homem. Nem havia banheiro feminino. No Estadão”, à noite, quando
fervia o trabalho jornalístico, as mulheres não eram aceitas nem na mesa
telefônica. Havia mulheres como telefonistas mas durante o dia. Á noite,
um homem é que operava. Mulher podia ser telefonista, faxineira ou servia
para fazer o café: circulava na área de serviço.
Niomar ganhou notoriedade no jornalismo brasileiro ao escrever seus artigos e
crônicas para o jornal CM, numa época em que poucas mulheres exerciam a atividade.
Niomar nasceu em Salvador (BA), em 4 de setembro de 1916, era filha de Moniz Sodré,
dono de uma extensa carreira política na Bahia; chegou a ser eleito senador da
República e, desta forma, passou a criar sua família no Rio de Janeiro, onde Niomar
iniciou sua carreira jornastica na década de 1930, escrevendo para o jornal A Noite e
nas revistas Vamos Ler e Carioca. Ingressa no CM em 1939, periodicamente
escrevendo sobre variedades e literatura, momento em que conheceu seu futuro esposo,
Paulo Bittencourt (ANDRADE, 1991, p. 47-52)
Roberto Marinho assumiu a direção de OG em 08 de maio de 1931, tinha
como aspiração imprimir ao seu jornal uma linha “independente” e “sem afinidades com
70
governos constituídos”, além de o caracterizar como defensor das questões populares.
49
Marinho trouxera consigo uma tradição jornalística familiar, pois era filho do jornalista
Irineu Marinho que, em 1911, fundara A Noite e, em 29 de julho de 1925, criara OG.
Nascido em 03 de dezembro de 1904 em uma família de classe média, Roberto Marinho
exerceu diversas funções em OG, tais como copy-desk, redator-chefe, secretário e, por
fim, diretor, uma vez que não se satisfez com a sala de redação como única e obrigatória
escola. Ao assumir a direção do jornal, herdado de seu pai quando contava com 21 anos
de idade, tornou-se o diretor de jornal mais jovem da hisria do jornalismo brasileiro
(BIAL, 2004, p. 22).
Aliado ao prazer pela atividade jornalística, Roberto Marinho também era
apaixonado pela política, embora nunca tivesse se candidatado a um cargo eletivo.
Procurou conciliar comando empresarial e atuação política. Com o objetivo de buscar
formação intelectual e jornalística, se cercou de experientes jornalistas e renomados
intelectuais, como Afrânio Peixoto, consagrado imortal da Academia Brasileira de
Letras. No início de suas atividades, a folha de Marinho contou com colaboradores
como Barão de Itararé e Raul Bopp. Depois de passar por vários problemas financeiros
ao longo de sua carreira de diretor, Marinho começa a década de 1940 com grandes
planos para o jornal, pois, se antes o problema era sobreviver para crescer, a partir de
então era crescer para sobreviver (BIAL, 2004, p. 139). Marinho tinha o dom de
conhecer talentos e, embora anticomunista, empregou vários simpatizantes e militantes
comunistas em seu jornal, como o redator Annio Masplê, homem de grande confiança
de Marinho, além de Pedro Mota Lima, Pedro Teixeira, Edmar Morel, o qual se tornara
repórter de OG em 1937, as ter trabalhado em dois jornais que pregavam o
comunismo. Além de OG, Morel teve destacada passagem pelos Diários Associados,
quando deu um banho na concorrência ao cobrir a queda de Getúlio Vargas em 29 de
outubro de 1945, dentro de um dos tanques de guerra que rumavam para o Palácio
Guanabara, juntamente com outro repórter, Neiva Moreira (MORAES, 1994, p. 547-
458). Além desses profissionais, Marinho contava com Herbert Moses, um dos
responsáveis pela criação de OG e pelas finanças do jornal desde a época da sua
fundação por Marinho.
49
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, Vol. 3, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 3584-3588.
71
Moses ingressou no jornalismo ainda muito jovem, graduou-se em Direito pela
Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Após fundar o jornal
A Noite e OG juntamente com Irineu Marinho, passou a ocupar o cargo de diretor-
tesoureiro do jornal da família de Marinho até a suma morte em 1972. Além disso,
Moses exerceu a presidência da ABI entre 1931 e 1964 e, durante esse período,
defendeu a bandeira da liberdade de imprensa. Assim como Paulo Bittencourt, recebeu,
em 1957, o prêmio Maria Moors Cabot. De acordo com Morel (1988, p. 119), Moses
disputou a presidência da ABI em 1931 com importantes figuras do jornalismo, como
Ernesto Pereira Carneiro, diretor do JB, e Oscar da Costa, proprietário do Jornal do
Comércio. Inicialmente exerceu a presidência ao lado do vice João Mello e do primeiro-
secretário Costa Rego. Ao longo de sua trajetória à frente da entidade, manteve uma
posição amigável, mas, ao mesmo tempo, combativa em relação aos governos Vargas e
Dutra. Nesse período não mediu esforços para libertar jornalistas da prisão e suspender
a censura de inúmeros jornais como OESP, OG, Diário Carioca, CM, O Jornal, entre
outros, além de combater veementemente as ações governamentais contra os órgãos da
imprensa comunista.
50
Além de ter sido o gerenciador do dinheiro de O Globo, Moses
foi um dos primeiros conselheiros políticos de Roberto Marinho e caracterizou-se por
ser um dos responsáveis diretos pelo desenvolvimento econômico do jornal, pois
mantinha contatos com emprerios e influentes políticos do cenário nacional, tinha
reflexo e sabia negociar (BIAL, 2004, p. 122).
Assis Chateaubriand nasceu em Umbuzeiro na Paraíba e, embora contasse com
poucos recursos financeiros, pertencia a uma tradicional família de senhores de
engenhos do Nordeste. Era responsável por escrever o editorial no DSP, além de
colaborar com os outros órgãos integrantes da cadeia jornalística Diários Associados.
Em fins de 1947, o Anuário da Imprensa Brasileira realizou uma pesquisa, em parceria
com o IBOPE, revelando que Chateaubriand era um dos jornalistas mais lidos no Rio de
Janeiro, ficando atrás de Carlos Lacerda, que, durante a década de 1940, fora free-lancer
do jornal CM, e Osório Borba, que escrevia diariamente para o Diário de Notícias.
Ainda constaram na pesquisa os nomes do escritor José Lins do Rego, autor de crônicas
50
Anuário da Imprensa Brasileira, 1949, 1952, 1953; MOREL, Edmar. A trincheira da Liberdade:
História da ABI. Rio de Janeiro: Editora Record, 1988.
72
diárias para vários jornais, e David Nasser, na época jornalista de uma publicação
semanal, e Costa Rego.
51
Chateaubriand contava com importantes jornalistas em seus quadros funcionais.
Entre eles esteve Carlos Rizzini, pessoa mais influente nos Diários Associados depois
do seu proprietário, e Samuel Wainer, que, após retornar do exílio nos Estados Unidos
em 1945, exerceu várias funções nos Diários, como repórter, secretário de redação,
redator, colunista e editor, época em que teve a oportunidade de conhecer Getúlio
Vargas e construir grande amizade com o líder máximo do trabalhismo. Além disso, o
jornal de Chateaubriand contava com colaboradores como Manuel Bandeira, Gustavo
Barroso, Graça Aranha e com os jornalistas Davi Nasser, Edmar Morel, Alex Viana e
Millor Fernandes. A partir de 1940, Rizzini ocupou a direção do DSP, Diário da Noite e
das Rádios Tupi e Difusora, órgãos pertencentes ao conglomerado Diários Associados,
trabalhou como repórter em O Jornal, foi proprietário do jornal Tribuna de Petrópolis,
autor de vários livros sobre a imprensa como O Livro, Jornal e a Tipografia no Brasil;
em 1947, passou a lecionar História da Imprensa na Faculdade de Comunicação Social
sper Líbero, sempre tentando conciliar em suas aulas a teoria e a prática. Além disso,
Rizzini ocupava o cargo de presidente do Sindicato de Proprietários de Jornais e
Revistas de São Paulo e no mesmo ano passou a dirigir o Clube de Jornais de São
Paulo.
52
O conde Ernesto Pereira Carneiro, proprietário do JB, era descendente de uma
família de argentinos e de uma tradicional família nordestina, e logo cedo iniciou suas
atividades jornalísticas. O JB nasceu com a primeira Constituição republicana. Pautado
pelo ideário liberal e com inclinação conservadora, não aceitou, inicialmente, nenhum
vínculo partidário, identificando-se como um jornal livre e independente, além de
defensor das causas populares. A partir de 1919, o JB, sob a direção de Pereira
Carneiro, entrou numa fase de recuperação econômica e procurou retomar o prestígio
anterior do jornal. O conde foi um dos primeiros empresários a adotar métodos de
higiene e proteção a seus funcionários. Com a convocação da Assembléia Nacional
Constituinte em 1933, elegeu-se deputado federal pelo Partido Autonomista do Distrito
Federal. Muito ligado à religiosidade, defendeu a introdução do ensino religioso nas
51
Anuário da Imprensa Brasileira, 1949, p. 100.
52
Anuário da Imprensa Brasileira, 1952, p.78.
73
escolas brasileiras e, em outubro de 1934, elegeu-se deputado federal pelo mesmo
partido. Além da atuação política, foi fundador e presidente do Clube Náutico
Capibaribe, membro da Cruz Vermelha Brasileira, sócio benemérito da Associação
Brasileira de Imprensa, fundador da Sociedade Brasileira de Puericultura e durante 33
anos foi correspondente do Banco do Brasil para o Nordeste.
53
No entanto, a partir dos
anos 1930, o JB passou por graves reveses econômicos, necessitando imediatas ações
para a solução dos problemas. Com o objetivo de solucionar os problemas financeiros
vivenciados pelo jornal, Pereira Carneiro convidou, em 1935, o jornalista JoPires do
Rio para ocupar o cargo de diretor-tesoureiro do jornal, no qual permaneceu até o fim de
sua vida em 1950.
Pires do Rio foi um dos grandes nomes do JB a partir da década de 1930.
Nascido em Guaratinguetá em 1880, realizou seus estudos primários no Ginásio São
Joaquim em Lorena, formando-se, em 1903, na Escola de Engenharia de Ouro Preto
(MG) e na escola de Farmácia da mesma cidade. Ainda jovem, iniciou suas atividades
profissionais como engenheiro nas obras de construção do porto de Rio de Janeiro, foi
encarregado de mises no exterior e lecionou hidráulica na Escola Politécnica da Bahia
entre 1912 e 1914. Ao longo de sua vida dedicou-se ao jornalismo e à política. Assumiu
cargos políticos importantes, como ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, em
1922; deputado federal, em 1924; prefeito da cidade de o Paulo, em 1925; foi vice-
presidente do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, entre 1937 e 1944. Com
a queda de Getúlio Vargas, assumiu interinamente, durante o governo provisório de
José Linhares, o cargo de Ministro da Fazenda. Como diretor-tesoureiro do JB,
acreditava que o jornal deveria se transformar num boletim de anúncios e deixar de lado
os grandes problemas políticos, abandonando o interesse tradicional pelas artes e
literatura, que sempre estiveram presentes nas páginas do jornal do conde Pereira
Carneiro. Assim, o jornal perdeu espaço nos debates políticos da época e se preocupava,
acima de tudo, com a seção de classificados, medida que fizera o jornal se restabelecer
financeiramente.
54
No início dos anos de 1920, o JB publicava textos de renomados
escritores da Academia Brasileira de Letras em suas seções literárias e artísticas. No
53
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, Vol. 1, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p.1144-1145.
54
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, vol. 5, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 5067-5068.
74
entanto, a partir de meados de 1930, o jornal passou por uma profunda reestruturação,
retirando o conteúdo literário de suas páginas, tornando-se, a partir de então, um jornal
de conteúdo popular. Outrossim, figuravam nas páginas do jornal, na década de 1940,
textos de importantes escritores, como Otto Prazeres, Barbosa Lima Sobrinho, Mário
Eugênio Celso e Assis Memória.
Por sua vez, o grupo Folhas inicia suas atividades no ano de 1921, após o
lançamento da FN em São Paulo, órgão de caráter mais popular e oportunista,
entendendo por este termo o direito de mudar de opinião sempre que novos fatos assim
o exigissem. Com o desdobramento do sucesso inicial da FN, os responsáveis pelo
periódico lançaram o matutino FM em 1925, porém calcados numa linha editorial mais
politizada e sóbria em relação à FN (TASCHNER, 1992, p. 35-70). A partir de 1945, a
FM apresentaria transformações aceleradas em todos os níveis, pois consegue construir
uma base empresarial mais lida e começa a se consolidar como uma empresa de
comunicação inserida na dinâmica da instria cultural.
Nabantino assumiu a direção da FM, FT e FN em março de 1945, juntamente
com o médico e agricultor, Alcides Ribeiro Meirelles, no cargo de diretor-presidente da
empresa, e com o industrial Clóvis Medeiros de Queiroga, ocupando o cargo de diretor-
comercial. Os três jornalistas foram responsáveis pela implantação de uma estrutura
capaz de transformar os jornais em grandes empresas de comunicação, imprimindo,
pouco a pouco, uma moderna fisionomia em suas páginas. Além disso, Nabantino criou
uma equipe de jornalistas que o auxiliaria na tarefa de modernização dos jornais e de
implantação de mecanismos racionais no processo de elaboração do produto
jornalístico. Além da contribuição do grupo dirigente dos jornais, Nabantino contou
com o trabalho dos jornalistas Mário Mazzei Guimarães, Hideo Onaga, José Reis e Ruy
Bloem. De acordo com Mota e Capelato (1981, p.145), Mazzei chegou à FM em 1945 e,
inicialmente sob o pseudônimo Pedro Leite, escrevia artigos econômicos rurais. Foi
redator especializado em economia rural, redator-chefe e responsável pela dinamização
crítica e política do jornal, sendo caracterizado como um dos maiores responsáveis, ao
lado de Nabantino, pela estruturação do novo jornalismo implantado nas Folhas a partir
de meados da década de 1940 e, principalmente, nos anos de 1950, quando assumiu o
cargo de redator-chefe no jornal. Mazzei era bacharel em Direito pela Faculdade de
Direito do Largo São Francisco, exerceu a atividade jornalística de 1936 a 1940 em São
75
Paulo, no Rio de Janeiro e Barretos, onde foi diretor de A Semana em 1939 e 1940.
Além do jornalismo exerceu a função de jurista até 1951. Por sua vez, o jurista Ruy
Bloem desempenhou importante função na empresa comandada por Nabantino. Bloem
iniciou suas atividades jornalísticas em 1920 em OESP, permanecendo até 1930. Três
anos mais tarde, passou a fazer parte da redação das Folhas como secretário da FN.
Entre 1947 e 1949, foi redator político da FN e encarregou-se de seus editoriais. Em
1950, afastou-se do jornalismo para assumir o cargo de Secretário de Educação e
Cultura no município de São Paulo, retornando ao jornalismo em 1952, quando ocupou
o cargo de assistente de direção da Folha, da qual foi redator-chefe. Por sua vez, Jo
Reis passou a atuar na Folha em 1948 e chegou ao cargo de Diretor de Redação das
Folhas entre 1962 e 1967, apresentando uma moderna concepção da sociedade e de
jornal. Tinha a incumbência de trabalhar com a política científica; acreditava que a
educação era a saída para o desenvolvimento do Brasil. Hideo Onaga dedicava-se ao
jornalismo-reportagem. Essa nova configuração diretiva tornava a FM mais preocupada
com as questões urbanas e com o desenvolvimento industrial do país, embora, nos
primeiros anos de administração do novo grupo, as questões agrárias ainda estivessem
presentes em suas páginas, porém, com menor intensidade em relação ao período
anterior.
É importante destacar que a FM foi dirigida, entre 1930 e 1945, por um grupo de
agricultores que imprimiram uma linha editorial marcadamente voltada para as questões
agrárias e rurais. O grupo liderado por Octaviano Alves de Lima, Rubens do Amaral e
Luiz Amaral objetivava utilizar as Folhas como veículo de seus interesses, ou seja, da
lavoura cafeeira e de uma burguesia comercial. Octaviano era filho de uma família
tradicional paulista e era ligado à agricultura e à religiosidade, notadamente ao
protestantismo. Em março de 1945, desfez-se do jornal, vendendo-o ao grupo liderado
por Nabantino Ramos. A aquisição das Folhas pelo grupo de Nabantino Ramos estava
ligada a interesses pessoais e, especialmente, políticos, envolvendo dois grandes
empresários brasileiros que procuravam se despontar, ainda mais, no cenário econômico
e político que se inaugurara com o final da Segunda Guerra e a queda do Estado Novo.
Vale destacar que a partir da venda da empresa para o grupo liderado por Nabantino
Ramos, as Folhas passaram a definir mais claramente suas características comerciais e
empresariais, entendendo a notícia como uma mercadoria, portanto diferentemente do
76
que pregava Octaviano. Descontentes com essa situação, diversos jornalistas se
desligaram da empresa, pois não concordavam com a nova concepção jornalística do
novo grupo dirigente. Entre eles, estava o jornalista trotskista Hermínio Sachetta, que
ocupava o cargo de secretário-geral das Folhas e, além disso, era considerado como uma
das principais cabeças políticas do grupo. Sachetta o concordou com a
comercialização da estrutura das Folhas, considerava a empresa como um patrimônio
moral de São Paulo, defensora da democracia e um orgulho na luta política. Preocupado
com as relações amistosas do novo grupo dirigente das Folhas com o governo Getúlio
Vargas, resolveu fundar um novo diário: Jornal de São Paulo. A nova folha exerceu
suas atividades entre abril de 1946 e fevereiro de 1948, fazendo sistemática oposição ao
governo Dutra. Após ser perseguido pelo governo Dutra, o jornal de Sachetta teve a sua
permanência dificultada dentro do campo jornalístico, o que resultaria no seu
fechamento.
A paixão pelas artes contribuiu para que alguns proprietários de jornais se
aproximassem e mantivessem algumas relações sociais. É importante destacar que
importantes jornalistas contribuíram para a fundação do Museu de Arte Moderna
(MAM) do Rio de Janeiro, inaugurado em 15 de Janeiro de 1952, obra idealizada por
Niomar Bittencourt, com importante contribuição de seu esposo, Paulo Bittencourt.
Dessa forma, o próprio Bittencourt, Chateaubriand e Roberto Marinho fizeram parte do
conselho deliberativo do MAM, formado ainda por mais 27 membros da sociedade, e
não mediram esforços para ampliar o acervo e conquistarem sede ppria para o museu
(ANDRADE, 1991, p. 50). Por sua vez, realizando um antigo sonho, Chateaubriand
criou o Museu de Arte de São Paulo, aberto em 02 de outubro de 1947, juntamente com
o professor Pietro Maria Bardi, jornalista e crítico de arte na Itália, e o executivo dos
Diários Associados para a região Sudeste e Sul do país, Edmundo Monteiro.
55
Além de
Bittencourt e Chateaubriand, Roberto Marinho foi criado em uma família que cultuava a
estética e as artes e, além disso, mantinha amizade com vários artistas brasileiros, como,
por exemplo, Cândido Portinari, tendo freqüentado por muito tempo seu ateliê e
presenciado a confecção de rias obras. Sendo assim, começou a colecionar quadros,
construindo sua pinacoteca pessoal, quase exclusivamente de artistas brasileiros,
somando entre pinturas, desenhos, esculturas, tapeçarias e gravuras uma coleção de
55
SOBRE o Masp. Dispovel em: <<http://masp.uol.com.br/sobreomasp/historico.php>>. Acesso em:
15/01/2006.
77
aproximadamente 1350 obras (BIAL, 2004, p.140-1). Essa ligação com as artes explica
o enfoque dado pelos jornais DSP, OG e CM em relação à produção e divulgação das
atividades artísticas, uma vez que publicavam inúmeras matérias e mantinham colunas
diárias sobre o tema. Expedientes que contribuíam para legitimar, pelo menos em parte,
aqueles jornais junto a segmentos sociais dominantes, sobretudo do ponto de vista
cultural.
As relações existentes entre os integrantes do campo jornalístico nem sempre
foram de cordialidade, uma vez que disputas em rios níveis eram observadas dentro
do jornalismo. O objetivo era o de firmar o poder simbólico
56
das empresas
jornalísticas, ou seja, o seu reconhecimento social como legítima produtora e
divulgadora da informação, quer no campo jornalístico, quer no campo político.
Inimigo declarado do conde Matarazzo, Assis Chateaubriand passou a produzir uma
rie de estereótipos e insultos à atividade industrial do conde no Brasil, inclusive
colocando em xeque a legalidade de suas funções no país. Com o objetivo de travar uma
luta política com Chateaubriand, Matarazzo, convencido por amigos, comprou o jornal
FM e adotou a mesma tática de seu inimigo, ou seja, utilizar a imprensa como
instrumento de ataque político e, conseqüentemente, passar a emitir mais ampla e
publicamente sua representação do mundo social, buscando, assim, interferir no campo
jornalístico e no político. Desta maneira, objetivava disputar com os jornais DSP e
Diário da Noite, de propriedades de Chateaubriand, a segunda posição em vendagem
em São Paulo, uma vez que o primeiro lugar era ocupado pelo jornal OESP. Assim,
Matarazzo adquiriu um terço do capital das Folhas em meados de 1945. No entanto, o
conde estava impossibilitado de ser proprietário de jornais no Brasil, uma vez que o
artigo 160 da Constituição vetava a propriedade e a posse acionária de empresas
jornalísticas a estrangeiros, fossem políticas ou noticiosas, assim como a propriedade de
radiodifusão. Entretanto, o dispositivo constitucional se revelava limitado, dado que
deixava de fora as agências de notícias internacionais, as quais continuaram a exercer
suas atividades no Brasil. Como forma de burlar o imperativo constitucional, o conde
colocou para representá-lo na FM o industrial Cvis Medeiros Queiroga. Outros dois
56
Estamos baseados no conceito de Pierre Bourdieu, que define poder simbólico como um poder invisível
e exercido com a cumplicidade daqueles que estão sujeitos. É um poder quase mágico que permite obter o
equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito de específico de
mobilização, se exerce se for reconhecido, ou seja, ignorado como arbitrário (BOURDIEU, 2003,
p.14).
78
terços ficaram com Nabantino Ramos – ligado à Costa Neto, tornado ministro da Justiça
de Dutra e Alcides Ribeiro Meireles, representante do interventor paulista Fernando
Costa, político ligado diretamente a Vargas e defensor dos interesses do capitalismo
agrário e dos setores das oligarquias rurais. Com isso, o conde Matarazzo foi buscar o
italiano Giannino Carta, editor de um importante jornal italiano, com a incumbência de
renovar as Folhas e torná-las competitivas. Um dos primeiros atos do conde foi
enfrentar a concorrência com os Diários Associados com a redução no preço de suas
folhas. Assim, logo após a passagem da crise do papel, baixou o preço das Folhas de
Cr$ 0.50 - ou seja, cerca de R$ 0.70 - para Cr$ 0.30 – por volta de R$0.40. Essa medida
colheu a oposição de toda a imprensa paulista (MORAES, 1994, p.446-50). Em
editorial, as Folhas argumentavam que quando começou a escassear o papel estrangeiro
para consumo interno, sobretudo a partir do segundo trimestre de 1945, foi necessário
aumentar o preço do jornal para a venda avulsa e das assinaturas. Quanto à baixa no
preço de seus exemplares, as Folhas afirmavam que o papel estrangeiro já chegava com
regularidade e que não havia nada mais justo que voltar aos preços anteriores
57
. Porém,
sendo o conde o único entre os acionistas das Folhas a possuir capital para financiar a
queda no preço de seus jornais, a medida foi rapidamente abandonada (MORAES,
1994, p. 446-50).
Além de Matarazzo, Chateaubriand atacava inúmeros de seus adversários. O
proprietário dos Diários Associados era inimigo declarado de lio de Mesquita Filho.
As relações entre os dois estavam abaladas desde 1932 quando Mesquita Filho foi para
o exílio e Chateaubriand passou a defender o governo varguista. Chateaubriand atacava
virulentamente o diretor de OESP, bem como um de seus grandes jornalistas políticos,
Rafael Correa de Oliveira,
58
que começara a exercer suas funções jornalísticas como
repórter dos Diários na década de 1920, e se tornaria responsável por uma coluna na
seção O Momento Político de OESP, a qual emitia comentários e apreciações sobre as
principais questões políticas nacionais, am de ocupar o posto de colunista do jornal
Diário de Notícias em meados da década de 1940. Para Chateaubriand, Rafael Corrêa
de Oliveira era tido como irresponsável, difamador e desonesto, por ter criticado a
57
Folha da Man, 23/09/1945.
58
Rafael Correa de Oliveira era primo de Chateaubriand, neto do conselheiro João Alfredo e trabalhou
como repórter dos Diários cobrindo a Coluna Prestes. Foi responsável pelas primeiras entrevistas na
história da imprensa brasileira com os chefes rebeldes que descreveram suas refregas contra as forças
regulares do governo federal. Além de Rafael, Azevedo Amaral e Luís Amaral trabalharam como
repórteres na cobertura da Coluna Prestes (MORAES, 1994, p. 150).
79
orientação econômica e financeira imposta por Correia e Castro, então ministro da
Fazenda do governo Dutra. O articulista de OESP afirmava que ninguém era obrigado a
apoiar uma reforma bancária que ameaçava desorganizar ainda mais a economia
brasileira e que iria prejudicar o Tesouro Nacional em bilhões de cruzeiros. Ademais,
respondera as críticas de Chateaubriand com o mesmo tom verbal:
Não seja ridículo o diretor dos Diários Associados quando procura intimidar-
nos (...) esta coluna é escrita por um homem que tem um espírito público e
compreende o jornalismo como uma profissão decente que se exerce no
interesse da sociedade e da civilização. Não é um mercenário enriquecido ao
preço da dignidade alheia ou da própria dignidade. Vencemos, assim, uma
juventude difícil e amarga. Assim, atingimos a maturidade e chegaremos ao
fim, sem aves, sem fazendas, sem laboratórios, mas com a cabeça erguida e
o direito de repetir, com a ponta do sapato e um gesto de desprezo, as injúrias
da covardia e da venalidade...
59
É importante destacar que a maior parte dos proprietários e diretores dos grandes
jornais paulistas e cariocas dispunha de formação acadêmica na área do Direito. O
conde Pereira Carneiro, Júlio de Mesquita Filho e Paulo Bittencourt puderam usufruir
de uma sólida formação intelectual, parte dela construída na Europa. Pereira Carneiro
realizou seus estudos iniciais em Recife e ainda criança foi enviado a Lisboa e Paris
para concluir os seus estudos. Já adolescente retornou ao Brasil, realizando o estudo
secundário em um colégio jesuíta na cidade fluminense de Nova Friburgo e, em
seguida, foi a Londres, onde se especializou em Economia. lio de Mesquita Filho,
após cursar o estudo primário em São Paulo, foi enviado, em 1904, a Lisboa para
prosseguir nos estudos, transferindo-se mais tarde para Suíça com o intuito de se
preparar para o ingresso no curso de medicina. No entanto, matriculou-se na Faculdade
de Direito do Largo São Francisco em São Paulo, em 1911, bacharelando-se em 1917.
Por sua vez, Paulo Bittencourt realizou o curso primário no Rio de Janeiro e, em 1912,
fez cursos na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. No ano seguinte, retornou ao
Brasil e ingressou na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro,
bacharelando-se em 1918.
Chateaubriand, Marinho e Nabantino Ramos não usufruíram de formação
intelectual no exterior, embora para lá tivessem ido diversas vezes, sobretudo durante o
exercício do jornalismo. Chateaubriand fez seus primeiros estudos na Paraíba e o
secundário em Pernambuco. Iniciou o curso de direito na Faculdade de Direito do
59
O Estado de S. Paulo, 08/01/1947.
80
Recife, em 1908, e bacharelou-se em 1913, tendo que trabalhar em órgãos da imprensa
para custear seus estudos. Por sua vez, Roberto Marinho não dispunha de formação
acadêmica, fez o curso primário no Colégio Paula Freitas e o secundário nos colégios
Anglo Brasileiro e Aldridge, no Rio de Janeiro. Embora não tivesse concluído seus
estudos na Europa, Nabantino Ramos era conhecido como um homem intelectual e
refinado, letrado e idealista e, desta forma, tornou-se bacharel e doutor em Direito pela
Universidade de São Paulo.
Outrossim, Paulo Bittencourt, lio de Mesquita Filho e Roberto Marinho
pertenciam a tradicionais famílias de jornalistas e, sendo assim, figuravam como
herdeiros de empresas jornalísticas, assumindo, cada um a seu tempo, os respectivos
jornais de suas famílias. É importante ressaltar que a tradição familiar da imprensa
brasileira é responsável pela construção da identidade dos jornais e, além disso,
determina uma linha histórica de conduta política e ideológica das folhas. No entanto,
de acordo com as observações de Mino Carta, o tradicionalismo familiar da imprensa
faz com que os jornais se transformem em “feudos”, pois, no Brasil, o primogênito
ganhava a herança paterna de dirigir o jornal. Por sua vez, Frias Filho afirmou que “há
vantagens na gestão familiar do jornal, como por exemplo, a possibilidade do
prosseguimento de um trabalho e a sustentação de uma linha de continuidade em jornais
de tipo mais tradicionais” (RIBEIRO, 1994, p. 112).
Chateaubriand, Nabantino e Pereira Carneiro tiveram uma história bastante
diversa daquela vivida por seus pares da denominada grande imprensa brasileira. O
proprietário dos Diários Associados trabalhou em diversos jornais desde a juventude e
conseguiu formar sua cadeia de jornais, revistas e emissoras de dio através de seus
contatos políticos, principalmente através de sua relação instável com o presidente
Getúlio Vargas. Aos 14 anos de idade, teve sua primeira experiência jornalística
escrevendo para o jornal O Pernambuco e, a partir daí, exerceu diversas funções em
jornais pernambucanos, maranhenses e cariocas. A partir de 1910, passou a trabalhar no
jornal O Recife, acumulando as funções de redator no Diário de Pernambuco e
articulista do jornal Pequeno. Em 1913 trabalhou no jornal Estado de Pernambuco,
onde foi redator-chefe e secretário de redação. Recém chegado ao Rio de Janeiro em
1915, logo começa a trabalhar no JB com a missão de tirar a folha da situação de crise
econômica e transformá-la num jornal respeitado. A partir de então, construiu uma
grande amizade com o conde Pereira Carneiro, que o nomeou chefe de redação e lhe
81
deu carta branca para realizar as modificações necessárias no jornal. Com esse objetivo,
trouxe importantes figuras para o JB, como o engenheiro Pires do Rio, João Teixeira
Soares e Jo Carlos Rodrigues. Em 1919, Chateaubriand aceitou o convite de
Edmundo Bittencourt para trabalhar no seu jornal com a missão de viajar à Alemanha
para escrever artigos e fazer entrevistas com os derrotados da Primeira Guerra, embora
ainda continuasse a manter boas relações com o conde Pereira Carneiro. Nessa época, o
jornal passou a publicar dois artigos semanais assinados por Chateaubriand, os quais,
reunidos, resultariam na publicação do livro intitulado Alemanha, em 1921. Quanto do
seu retorno ao Brasil em novembro de 1920, Chateaubriand voltou a trabalhar no JB e,
além disso, passou a ser correspondente do jornal argentino La Nación, porém sem
deixar de se dedicar àquilo que o havia trazido para o Rio de Janeiro, ou seja, o
exercício da advocacia (MORAES, 1994, p. 31-128).
Em 1924, Chateaubriand comprou no Rio de Janeiro o seu primeiro órgão de
imprensa, ou seja, o matutino O Jornal e seis meses mais tarde comprou o paulistano
Diário da Noite. Com base nesses dois órgãos, iniciou a estruturação de um grande
empreendimento que mais tarde viria a ser conhecido como condomínio jornalístico
Diários Associados. Em 1927, fundou a revista O Cruzeiro,
60
e depois, em 05 de janeiro
de 1929, fundou o jornal DSP, órgão que integraria o então considerável condomínio
empresarial Diários Associados, o qual chegaria a ter, até o final da década de 1950, 33
jornais, 25 emissoras de rádio, 22 emissoras de televisão, uma editora, 28 revistas, duas
agências noticiosas, três empresas de serviço, uma de representação, uma agência de
publicidade, três gráficas e duas gravadoras de vídeo (WAINBERG, 2003, p. 17).
Antes de exercer a atividade jornalística, Pereira Carneiro trabalhou em muitas
outras atividades. Ainda jovem, começou na empresa Pereira Carneiro & Cia. de
propriedade de sua família. Após o falecimento de seu pai, assumiu a direção da
empresa em 1895, ao lado de seu irmão. No final do século XIX, diversificou suas
atividades, adquirindo uma fábrica de malhas em Pernambuco e várias salinas no Rio
Grande do Norte e Ceará. Em 1912, transferiu-se para o Rio de Janeiro onde comprou a
Companhia de Comércio e Navegação, especializada em transportes marítimos, além de
uma fábrica de juta para produzir sacos e, a partir de então, iniciou-se no jornalismo.
60
Ver LUCA, Tânia Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N) ação. São Paulo: Editora da
UNESP, 1999. LUCA, Tânia Regina. . Periodismo cultural: a trajetória da Revista do Brasil. In: ABREU,
rcia; SCHAPOCHNIK, Nelson. (Org.). Cultura letrada no Brasil: objetos e práticas. Campinas, o
Paulo: Mercado de Letras, 2005.
82
Nesse período concedeu um empréstimo à empresa Mendes & Cia., proprietária do JB,
que atravessava uma grave crise econômica e, com base no relacionamento com os
proprietários do jornal, passou a assinar uma coluna intitulada Notícias de Pernambuco.
Em 1918, os irmãos Mendes & Cia. o conseguiram pagar a hipoteca do jornal e
cederam a sua propriedade a Pereira Carneiro, ocasião em que o jornal sofreu profundas
transformações internas.
Ao assumir a direção da FM em março de 1945, Nabantino não dispunha de
conhecimentos técnicos, nem experiência na área jornalística. No entanto, procurou
regulamentar a atividade, rompendo com o caráter paternalista, personalista e
tradicionalista que caracterizava a imprensa da época, imprimindo uma linha liberal-
burguesa em sua folha. Nabantino era filho de pais protestantes e, desta forma, sua
formação religiosa influenciara decididamente na constituição e desenvolvimento das
Folhas, pois organizou a empresa com base em uma ética do trabalho e lisura. O
Programa de Ação das Folhas, criado em 1948, constitui um dos roteiros de trabalho
para o cumprimento da “missão jornalística”. Para Mota e Capelato (1981, p. 104-5),
embora rompido com o protestantismo de seu pai, Nabantino não se libertou de um
conceito de salvação pelo trabalho que, aliás, estava ligado ao desenvolvimento do
capitalismo no Brasil do após guerra. Para a autora, em algum vel valeria recordar
aqui as afinidades, apontadas aqui pelo sociólogo Max Weber entre a ética protestante e
o espírito do capitalismo.
Com a elaboração do Programa de Ação das Folhas, Nabantino conduziu a FM
para a preocupação com as questões locais e citadinas, proporcionando maior
organização e sistematização no processo de confecção do jornal. A partir de então, a
empresa passou a ser enquadrada dentro dos padrões de modernidade e pretendia, cada
vez mais, diminuir o seu nível de improvisação, com vistas a alcançar objetivamente o
lucro.
Esse movimento de mudança vivenciado pela imprensa brasileira foi bem
entendido por Jo Nabantino Ramos, antes mesmo da chegada da década de 1950.
Embora fizesse comentários elogiosos ao modelo de jornalismo norte-americano,
Nabantino Ramos se declarou um adepto do modelo de jornalismo inglês. Ao relatar a
experiência adquirida na viagem de estudos e descanso que realizou a Londres em
agosto de 1962, logo após sua saída da direção das Folhas, Nabantino foi tachativo ao
83
classificar a capital inglesa como a “capital do jornalismo, pois, segundo ele, “de lá
vieram à luz os melhores jornais do mundo, como expressão da alta educação e
politização e de arraigado sentimento de liberdade e de responsabilidade do povo
inglês(RAMOS, 1970, p. 13). Nabantino foi responvel pela introdução de técnicas
capazes de transformar o jornal FM em uma grande empresa de comunicação, pautada
pela racionalização das atividades no interior das empresas jornalísticas e na
constituição de diversos grupos de trabalho, com jornalistas experientes em diversas
áreas, bem como na implantação de várias sucursais do jornal pelo país. Com o intuito
de regularizar as funções e proporcionar maior dinamismo ao trabalho em suas
empresas, Nabantino, que defendia a ética do trabalho como valor fundamental,
apresentou, em 03 de maio de 1948, à Assembléia Geral Extraordinária da sua empresa
o Programa de Ação das Folhas, documento básico para a construção da identidade do
jornal e reafirmação de sua posição centrista, anti-oligárquica e reformista. Pelo
documento de 1948, a atividade jornalística era considerada em diferentes aspectos e
separada em quatro tópicos: a informação, opinião, colaboração e fontes de receita. De
acordo com Mota e Capelato (1981, p.138-9), “a separação entre informação e opinião
traduz a ideologia da objetividade e crença de que as páginas espelham fielmente os
fatos”. Seguindo o exemplo das empresas jornalísticas internacionais que haviam
elaborado seus manuais de redação, o Programa de Ação das Folhas fixou a separação
das notícias entre os âmbitos internacional, estadual e municipal, proporcionando,
assim, maior organização e estruturação de seções específicas nas páginas dos jornais.
61
Em suma, podemos concluir que a categoria jornalista é uma abstração, pois
existem diferenças de sexo, idade, nível de instrução e jornais em que trabalham; porém,
tais diferenças não invalidam perceber que apesar da concorrência e diferenças entre os
agentes jornalísticos existem muitas semelhanças entre eles (BOURDIEU, 1997, p. 30-
1).
61
Em 1959, Nabantino elaborou ainda as Normas de Trabalho da Divisão da Redação, além de oferecer
cursos na sede das Folhas sob sua orientação. Esse conjunto de documentos que apresentava 275 páginas
trouxe maior eficiência, segurança e disciplina no trabalho no interior das empresas ligadas ao grupo
Folhas, tendo como objetivo estimular o progresso político, econômico e social do povo brasileiro, além
de ser importante instrumento para o processo de confecção racional dos jornais Folha da Manhã, Folha
da Tarde e Folha da Noite, definindo sistematicamente as funções a serem desempenhadas na empresa.
Assim como outros órgãos da imprensa brasileira do pós-Segunda Guerra, as Folhas foram adquirindo,
gradativamente, um caráter empresarial, tomando a notícia como um produto a ser consumido pelo leitor,
ou seja, as empresas jornalísticas passaram a ser concebidas como qualquer outra empresa inserida no
processo de produção capitalista.
84
2º Capítulo
Jornais liberais e o campo político durante a
transição democrática
85
2. Jornais liberais e o campo político durante a transição democrática
2.1. Relações entre os jornais e a política
Próximo ao fim da Segunda Guerra Mundial, diversas forças políticas e sociais
passaram a lutar mais intensamente pela implantação do regime democrático no Brasil,
impulsionadas pelo enfraquecimento dos regimes autoritários europeus e pela
desestabilização da estrutura de poder criada por Vargas a partir do golpe do Estado
Novo. Nesse período, os órgãos da imprensa nacional publicaram matérias que
divulgavam com entusiasmo as derrotas e a rendição dos nazi-fascistas, além de
apresentarem opiniões de líderes políticos nacionais e internacionais que expressavam
seu contentamento com a viria da democracia no campo de batalha internacional,
oferecendo prognósticos otimistas quanto aos rumos da democracia mundial.
A derrota dos nazi-fascistas nos campos de batalha fez com que a imprensa, bem
como os agentes políticos nacionais, pudesse vislumbrar mais concretamente um
horizonte democrático e livre dos totalitarismos. Embora Getúlio Vargas e membros do
Estado Novo fossem simpáticos aos regimes totalitários europeus, o Brasil entrou no
conflito somente em 1942, logo as o ingresso dos Estados Unidos, atendendo à
convocação de alinhamento do continente, cedendo bases militares na região nordeste
aos norte-americanos e enviando 20 mil soldados ao front da batalha na Itália.
Entretanto, vencido o inimigo internacional, o Brasil ainda não havia se desvencilhado
do regime ditatorial implantado em 10 de novembro de 1937 por Getúlio Vargas. Para
Fausto (2003, p. 383), os problemas do Estado Novo eram decorrentes mais do
alinhamento político internacional do que das condições políticas internas e, desta
forma, personalidades políticas, bem como parte da imprensa nacional, passaram a
explorar a contradição existente entre o apoio de Vargas às forças democráticas
internacionais e a manutenção de um regime de força em nível interno. No entanto, vale
registrar que, em novembro de 1943, Vargas havia se comprometido reajustar a
estrutura política do país após o término da guerra, convocar eleições diretas em todos
os níveis e conduzir o país na marcha para a democratização nacional. À medida que a
guerra se definia, setores sociais passavam a vivenciar um momento de grande
expectativa e euforia quanto ao retorno da democracia no Brasil e ao cumprimento das
promessas feitas por Vargas.
86
Conquanto os acontecimentos internacionais sinalizassem possibilidades de
alteração nos rumos políticos do Brasil, diversos acontecimentos nacionais contribuíram
para a desestabilização do regime de Vargas. De acordo com Silva (1976, p. 62), as
forças liberais já começaram a se organizar por volta de 1942, a fim de acelerar a
reorganização do país nos moldes democráticos, tendo como produto dessa articulação o
Manifesto dos Mineiros, datado de 24 de outubro de 1943 e elaborado por um grupo da
elite intelectual e política mineira, contando com 92 signatários que exigiam o fim da
ditadura e a imediata democratização nacional. Com a implantação da ditadura em
1937, grupos políticos distantes do poder varguista ficaram impossibilitados de agir na
esfera política nacional, dada a política discricionária e a centralização econômica
realizada pelo governo, e só tiveram condições de reagir nos momentos finais do Estado
Novo, quando o regime já apresentava sinais de fragilidade.
O Manifesto dos Mineiros representou um importante documento de crítica à
estrutura política do Estado Novo e, de certa maneira, contribuiu para o
enfraquecimento desse regime. No entanto, o documento foi elaborado por agentes
sócio-políticos que apresentavam uma visão liberal e elitista de sociedade. Os
signatários do documento deixaram clara a sua crítica à democracia de massas e ao
populismo getulista, e, sendo assim, defenderam a democracia de cunho liberal.
No entanto, as primeiras manifestações contra a estrutura política estadonovista
e a simpatia de Vargas pelo nazi-fascismo pode ser identificada antes mesmo da
divulgação do Manifesto dos Mineiros. Fundada após a realização do II Congresso
Nacional dos Estudantes em 1938 e institucionalizada, pelo decreto-lei 4080 de 1942,
como entidade representativa dos universitários brasileiros, a União Nacional dos
Estudantes (UNE) conseguiu burlar o silenciamento imposto pelo Estado Novo a
partir de meados de 1942, ano de sua oficialização. Assim, a entidade estudantil realizou
manifestações públicas principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro, e divulgara
manifestos contra a proximidade de Vargas com os governos totalitários europeus, bem
como a imparcialidade do governo diante das ações totalitárias dos alemães e italianos
no decorrer da guerra e em defesa do regime democrático. Dessa forma, os estudantes
começaram a exigir a entrada do Brasil no conflito mundial ao lado das “verdadeiras
forças democráticas”, ou seja, os Aliados, e a imediata democratização das instituições
nacionais. Curiosamente, já nesse período, OESP e CM cobriram as manifestações
87
estudantis e elogiaram a disposição democrática da juventude brasileira. Contudo, as
folhas, sobretudo OESP, que estava sob intervenção estadonovista, omitiram as críticas
deferidas a Getúlio Vargas durante as atividades estudantis e noticiaram apenas as
“saudões dos jovens aos líderes nacionais, entre eles Getúlio Vargas e Osvaldo
Aranha, bem como aos líderes democráticos internacionais como Churchill e
Roosevelt”.
62
Ademais, durante a realização do VI Congresso da UNE, em julho de 1943, os
estudantes publicaram um manifesto em que deixavam clara a sua disposição pela união
nacional e cobraram do governo medidas para solucionar as debilidades e insuficiências
no terreno político e administrativo brasileiro, além de criticarem a inoperância do
governo brasileiro diante dos acontecimentos internacionais, marcado pelos atos
violentos do nazi-fascismo na guerra (CARONE, 1976, p. 73-75). Em folheto
informativo, publicado em 18 de agosto de 1943, a entidade estudantil conclamou
“todos os brasileiros honestos, homens do governo, sejam eles homens do povo, a cerrar
fileiras em torno de um programa que atendesse os legítimos interesses e direitos de
nosso povo, que satisfizesse as aspirações nacionais de vida independente, democrática
e próspera”.
63
Dessa forma, o material publicado e as manifestações públicas dos
estudantes tinham o objetivo bastante nítido de criticar as tendências autoritárias do
Estado Novo e lutar pela democratização da vida nacional, bem como tornavam
públicas a insatisfação dos estudantes universitários quanto aos rumos políticos tomados
pela ditadura Vargas.
Além de representarem os primeiros movimentos de contestação à ditadura
estadonovista, o Manifesto dos Mineiros e as manifestações estudantis organizadas pela
UNE abriram caminho para que outros documentos de contestação ao Estado Novo
surgissem. Foi o caso do documento assinado por renomados escritores brasileiros, em
22 de janeiro de 1945, durante o I Congresso dos Escritores realizado na cidade de São
Paulo. Esse documento, seguindo a mesma linha do documento divulgado pelos
mineiros, contestava veementemente o regime ditatorial e exigia a liberdade de
expressão, sufrágio universal direto e secreto. Em artigo publicado no jornal FM,
Florestan Fernandes atacou sutilmente o Estado Novo ao afirmar que a realização do
62
O Estado de S. Paulo, 05/07/1942 e Correio da Manhã, 05/07/1942.
63
Centro de Pesquisa e Documentação de História do Brasil Contemporâneo. Diretrizes do Estado Novo
(1937-1945) O Brasil na guerra: A Era Vargas.
88
Congresso de Escritores era de suma importância, principalmente em razão da situação
política vivida pelo mundo e, sobretudo, da vigente no Brasil:
De qualquer forma, tomando a si esta questão, o escritor brasileiro está
assumindo um grande compromisso diante do povo. Porque na verdade
assume a liderança de suas reivindicações, dando ensejo para que elas se
formulem. Pode-se pensar, pois, que um abismo está prestes a surgir entre
nós e o passado: os intelectuais tomam posição, não abandonando ao próprio
destino os interesses e as expectativas do povo brasileiro (...) o intelectual,
deixando de discutir seus interesses restritos, acaba se identificando com
os interesses da nação.
64
No início de 1945, os jornais CM, JB, OG, DSP e FM passaram a defender em
suas páginas um modelo de democracia particularizante, deixando bem claro para os
seus leitores e forças poticas nacionais sua concepção de democracia, como será visto
no próximo tópico. Dessa forma, intensificaram as críticas ao Estado Novo, sobretudo
após a entrevista de JoAmérico, publicada pelo CM, em 22 de fevereiro de 1945. A
publicão foi considerada por muitos agentes da imprensa como responsável pela
desmoralização e enfraquecimento político do Estado Novo, além de ser entendida
como um marco para a imprensa brasileira, pois, a partir de então, a censura
governamental se enfraqueceu, abrindo brechas para a atuação mais consistente de
setores políticos oposicionistas ao governo, bem como da intensificação das críticas por
parte da imprensa. Assim, nos momentos finais da Segunda Guerra, os grandes jornais
reivindicavam de forma uníssona a completa democratização da sociedade, exceto
OESP, órgão que estava sob intervenção governamental desde março de 1940, quando,
passou a ser considerada folha oficiosa do governo. Entretanto, após cinco anos sob
intervenção estadonovista, OESP retornou aos seus legítimos donos em 06 de dezembro
de 1945 e, logo em seguida, publicou inúmeras críticas ao governo Vargas, condenando
a expropriação da folha durante o Estado Novo e defendendo, acima de tudo, a
moralização política e o retorno efetivo da democracia no país.
Desempregado e trabalhando como free-lancer para importantes jornais
cariocas, como por exemplo, o CM, o então jornalista Carlos Lacerda colheu uma
polêmica entrevista com José Américo de Almeida, ex-ministro de Vargas, que tinha se
64
Folha da Man, 21/01/1945.
89
colocado para a disputa da abortada eleição presidencial de 1938.
65
Preparada para ser
publicada no Diário Carioca, a entrevista fazia duras cticas ao Estado Novo e
preconizava a necessidade de mudanças profundas na sociedade brasileira em âmbito
político, econômico e social. JoAmérico afirmara que as crises vividas pelo Brasil
eram menos política que moral e, pois, conclamava os brasileiros a se unirem para
“encontrar os meios necessários para uma estruturação democrática que fundamentasse
a obra de reestruturação do país no após-guerra”. Embora reconhecesse que a guerra
tivesse contribuído com o aprofundamento das crises no Brasil, o udenista
responsabilizou Vargas por não ter preparado o país para enfrentar os efeitos da guerra.
Ao ser questionado sobre os candidatos que deveriam disputar o pleito de 1945,
Américo afirmou que existiam três brasileiros que deveriam se afastar da disputa: o
próprio José Américo, Armando Sales de Oliveira e Getúlio Vargas, os quais haviam
exercido cargos eletivos e disputado eleições. Segundo o udenista, os três deveriam
agora se unir para a “efetivação da verdadeira democracia no Brasil”. Sem revelar o
nome do candidato das forças oposicionistas, afirmou que as “verdadeiras forças
democráticas” do país já haviam escolhido o seu candidato, um homem “cheio de
serviços à Pátria e que representava a garantia da retidão e de respeito à dignidade do
país”. Temendo a reação do DIP, dado o conteúdo da entrevista, os editores daquela
folha resolveram não publicá-la e distribuí-la a vários jornais, pois, assim, caso todos os
periódicos ou um número significativo deles publicassem-na, ficaria mais difícil para o
governo punir a imprensa coletivamente.
De acordo com Silva (1976, p. 84), o político udenista Luís Camilo de Oliveira
Neto, signatário do Manifesto dos Mineiros e adversário político de Vargas,
principalmente nos momentos finais do Estado Novo, procurou o redator-chefe do CM,
Costa Rego, com o intuito de convencê-lo a publicar a entrevista, depois de se certificar
da recusa de Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, José Eduardo de Macedo
Soares, do Diário Carioca, e Orlando Dantas, do Diário de Notícias. Após receber carta
branca de Paulo Bittencourt que estava no México, Rego ficou com a entrevista, mas
sem compromisso formal de publicá-la. Passados alguns dias, Padre Dutra, vindo de
65
A repercussão da entrevista foi favorável ao jornalista Carlos Lacerda e lhe rendeu a assinatura de uma
coluna no jornal O Correio da Manhã, intitulada Tribuna da Imprensa, onde fazia pesadas críticas ao
governo Dutra. Em 1949, saiu do Correio da Manhã e lançou o jornal Tribuna da Imprensa, sendo o mais
feroz crítico dos governos Dutra e, principalmente, do segundo governo Vargas.
90
Minas Gerais, procurou Roberto Marinho, oportunidade em que lhe mostrou o texto da
entrevista concedida por José Américo a Carlos Lacerda. Marinho ficou entusiasmado
com a possibilidade de publicar um furo daquela magnitude e prometeu publicá-la. Com
o intuito de alcançar maior destaque dentro do campo jornalístico, sair na frente de seus
concorrentes e criticar a ordem estadonovista, o CM publicou a entrevista no dia
seguinte ao do encontro daquele religioso com Marinho, provocando intensas
manifestações nos círculos políticos e jornalísticos.
66
Entretanto, Jo Américo
prometeu conceder outra entrevista ao jornal de Marinho, o que de fato acabou sendo
concretizado. Se a entrevista do jornal CM fazia referências ao candidato presidencial
irrevelado, na entrevista concedida ao jornalista Edgar da Mata Machado, de OG, Jo
Américo declinava o nome do candidato, qual seja, o brigadeiro Eduardo Gomes:
sinto apenas o desafogo de quem dá um grito incontido no deserto. De quem
falou por si e presume ter falado por milhões de vozes que, por inibições
impostas pelo aparelho da propaganda e censura do Estado Novo estavam
silenciosas(...)o candidato será o major-brigadeiro Eduardo Gomes, que
aceitará o lançamento de seu nome, se for criado um ambiente de liberdade e
garantia para o funcionamento do regime representativo no Brasil.
67
Seguindo o caminho de seus congêneres cariocas, o jornal DSP publicou uma
entrevista com o Monteiro Lobato, que apresentava clara simpatia ao comunismo. Na
entrevista, o escritor louvava o regime socialista e criticava a ordem capitalista,
considerando Luiz Carlos Prestes, preso por nove anos, como “um dos maiores
brasileiros” e fazia afirmações peremptórias:
“É graças aos comunistas que hoje apodrecem nas cadeias, que a realização
do sonho socialista se aproxima (...) o que a Rússia fez nesta guerra, e o que
está fazendo na ciência, na educação e em todos os setores da vida humana é
o maior dos milagres modernos e essa vitória da experiência russa, meu
caro, não pode mais ser oculta aos olhos de todos os países, está aí a crise do
mundo” (SODRÉ, 1999, p.386-7).
68
em janeiro de 1945, Lobato integrou a delegação de escritores paulistas que
participaram do I Congresso de Escritores realizado na cidade de São Paulo, o qual
66
A entrevista foi publicada integralmente na edição do Correio da Manhã de 22/02/1945.
67
O Globo, 22/02/1945. O jornal divulgou o nome do candidato oposicionista em sua primeira página, em
letras garrafais, com os seguintes dizeres: “Nosso candidato é major-brigadeiro Eduardo Gomes” –
Declara a O Globo” o Sr. José Américo. A entrevista foi publicada na segunda edição do jornal de
Marinho, no mesmo dia da publicação de seu concorrente.
68
Diário de S. Paulo, 29/03/1945. O jornal teve que reimprimir a edição em que saiu a entrevista com
Lobato uma semana depois, tal o interesse despertado nos leitores.
91
exigia liberdade democrática como garantia de completa liberdade de expressão e de
pensamento, além de exigir completa redemocratização do país.
Outra importante entrevista fora publicada pelo jornal DSP no início de 1945,
contribuindo com o clima de desestabilizão do governo discricionário de Vargas.
Desta vez, o entrevistado era ex-ministro da Justiça Francisco Campos. Na entrevista,
concordando com o general is Monteiro, Campos afirmava que as restrições à
liberdade de imprensa e de expressão impostas aos órgãos da imprensa e à população
nos últimos anos contribuíram para a degradação cívica, intelectual e moral a que se
chegava o Brasil. Acrescentava que “a fisionomia política do país e do mundo mudou
muito nos últimos dois anos, as idéias democráticas resistiram à violência da guerra” e
concluía afirmando que havia chegado a hora de o presidente Vargas pensar no Brasil,
pois havia pensado demais em si mesmo; entretanto, contestava a acusação de que a
Constituição de 1937 apresentava elementos fascistas, pois, segundo ele, “estava na
moda denominar de fascistas aqueles que o concordavam com algumas posições
políticas atuais”.
69
Contudo, os grandes jornais o se opuseram quando da instalação do Estado
Novo, o que em parte pode ser compreendido em razão da natureza discricionária e
centralizadora do regime imposto por Vargas, porém não sendo uma justificativa que
possa ser totalmente aceita, uma vez que entre os grandes periódicos houve aqueles que
buscassem brechas para burlar a censura oficial ou se colocassem diretamente contra a
ditadura varguista. O DSP, FM, OG e JB posicionaram-se favoravelmente ao golpe do
Estado Novo, alegando para tanto que era necessário um regime de força para livrar o
Brasil do perigo que representava o comunismo, tido como crescente, no país e no
mundo, e responsável por crises políticas. Discursos e talvez posições políticas que
permitiam encobrir interesses pessoais e empresariais de alguns proprietários de jornais.
Durante o Estado Novo, os jornais tiveram que conviver com uma série de
limitações impostas à sua atuação pelo autoritário governo de Vargas e, com a
institucionalização da censura, passaram a ser considerados meros instrumentos de
difusão das idéias oficiais, servindo como meio de legitimação ideológica do novo
regime e canal pelo qual se buscava o apoio dos trabalhadores à política implantada pelo
69
Diário de S. Paulo, 04/03/1945.
92
ditador. Para implantar seu modelo de governo, cooptar e seduzir as massas
trabalhadoras, o Estado Novo buscava o apoio e a conivência dos órgãos de
comunicação, notadamente os jornais, os quais necessitavam de recursos
governamentais para imporem-se dentro do campo jornalístico.
A Constituição de 1937 definia a função da imprensa como serviço público,
além de importante instrumento para o engrandecimento do país, ou seja, a imprensa
passou a desempenhar sua função atrelada ao Estado. Dessa forma, inúmeros
proprietários de jornais e jornalistas, querendo ou não, foram cooptados pelo governo e
puseram-se a reproduzir em suas páginas o jogo político governamental, servindo,
assim, como folhas oficiosas. Os defensores do Estado Novo acreditavam que os jornais
e jornalistas deveriam se unir em torno de uma política sadia capaz de proporcionar a
união nacional e lutar contra o inimigo internacional, ou seja, o comunismo soviético.
Com a implantação da ditadura, os jornais se viram obrigados a difundir a
propostas políticas de Vargas, que apresentava características bem particulares, como
uso de propagandas favoráveis ao Estado Novo, simplificação das idéias para atingir as
massas incultas, apelo emocional, repetições, promessas de benefícios materiais ao
povo, como emprego, aumento de salários, promessas de unificação e fortalecimento
nacional (CAPELATO, 1999, p. 168).
70
Com esse objetivo, o DIP apresentava-se como
sustentáculo daquela política, incumbido de controlar a imprensa nacional na obra de
“esclarecer a população em torno dos planos de reconstrução material e reerguimento
nacional”. Para tanto, exercia um duplo controle, pois, de um lado, proibia a publicação
de matérias contrárias aos interesses estadonovistas e, de outro, praticava a cooptação,
garantindo às empresas jornasticas favoráveis ao regime o fornecimento de papel e a
distribuão da publicidade estatal, que chegou a responder por cerca de 60% de todo o
espaço publicitário dos jornais.
71
Assim, diante de qualquer sinal de rebeldia dos diretores ou proprietários de
jornais, o DIP cancelava ou diminuía o fornecimento de papel e a distribuição de
publicidade para as folhas. A cooptação era praticada em moldes até então nunca vistos
na história da imprensa brasileira, expedientes que permitiam aos jornais cooptados o
70
Ver CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação.In:
PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.
71
Entrevista de Joel Silveira concedida ao jornalista Gilberto Negreiros. A entrevista foi publicada no
endereço eletrônico http://almanaque.folha.uol.com.br/memoria _5. htm.
93
recebimento de uma contribuição financeira mensal do governo, que variava segundo a
influência que o periódico tinha junto a seus leitores e ao espaço concedido para a
publicão de matérias ligadas ao governo.
72
Nesse quadro, a expansão industrial do
jornalismo não se interrompeu, uma vez que os recursos do governo empregados para
divulgar os atos oficiais beneficiaram os principais jornais, os quais empregaram
grandes somas de dinheiro oficial na modernização técnica. É importante notar que
durante o Estado Novo, o Banco do Brasil gastou elevadas somas de dinheiro com
publicidade nas páginas dos jornais ligados ao regime e financiou a propaganda pessoal
de Vargas nos periódicos (MOURÃO, 1955, p. 155).
Entretanto, se a forma dos jornais seguia se modernizando, o conteúdo das
matérias publicadas por vários deles revelava a sua submissão aos ditames
discricionários do Estado Novo, portanto, a redução ou a inexistência de autonomia dos
jornais com relação ao campo político.
Nesse sentido, Roberto Marinho e Assis Chateaubriand percorreram os mais
altos corredores do poder e utilizaram seus jornais para defender as ões do governo
ditatorial e se beneficiarem política e economicamente. Ambos fizeram parte do
Conselho Nacional de Imprensa, então ligado ao Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), o qual funcionou entre os anos de 1940 e 1945. Criado através do
Decreto-lei 1949 de 30 de dezembro de 1939 - que dispunha sobre o exercício das
atividades de imprensa no Brasil e sua fiscalização -, o Conselho Nacional de Imprensa
tinha a incumbência de fiscalizar as atividades da imprensa e propaganda exercidas em
todo território nacional, punir as publicações de notícias ou comentários falsos e
informões que levassem o Brasil ao descrédito. O órgão era composto por seis
membros, sendo três nomeados livremente pelo presidente da República, dentre
jornalistas de elevada reputação profissional, e os demais eleitos, respectivamente,
como delegados, em assembléias gerais convocadas para esse fim, pela ABI, Sindicato
dos Proprietários de Jornais e Revistas do Rio de Janeiro e Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Rio de Janeiro.
73
Em entrevista concedida bem posteriormente ao
repórter Gilberto Negreiros, da Folha de S. Paulo, o jornalista Joel Silveira afirmou que
72
Entrevista concedida pelo jornalista Odylo Costa Filho ao repórter Gilberto Negreiros. A entrevista foi
publicada no endereço eletrônico http://almanaque.folha.uol.com.br/memoria_7htm.
73
Decreto-lei 1949 de 30 de dezembro de 1939; Bial (2004, p. 89-166); Depoimento de Joel Silveira ao
repórter Gilberto Negreiros, série Jornalistas contam a História, 09/02/1979.
94
Chateaubriand poucas vezes apareceu no Conselho Nacional de Imprensa, em seu lugar
mandava sempre Astregésilo de Athaíde, conhecido como pau para toda obra” do
empresário da comunicação. Contudo, embora não participasse freqüentemente das
reuniões semanais do Conselho, recebia elevadas somas do Banco do Brasil em forma
de patrocínio e financiamentos para seus órgãos de comunicação.
74
Além disso, Chateaubriand e Marinho receberam inúmeros favores econômicos
do governo por meio de empréstimos junto à Caixa Econômica Federal e ao Banco do
Brasil, instituições responsáveis pelo financiamento do desenvolvimento de seus
empreendimentos jornalísticos, fazendo com que os mesmos mantivessem certa
fidelidade aos projetos estadonovistas, inclusive participando ativamente das atividades
realizadas pelo DIP. À medida que as relações entre governo e empresas jornalísticas
iam se intensificando, estas últimas passaram a obter benefícios governamentais- note-
se, por exemplo, o caso dos Diários Associados de Chateaubriand e OG de Roberto
Marinho, que construíram grande parte de seus órgãos por meio de uma relação próxima
com Getúlio Vargas-, e, desta forma, os jornais conquistaram elevadas posições dentro
do campo jornalístico, uma vez que passaram a concentrar poderes e disporem de maior
capacidade de barganha com o governo do que seus concorrentes, além de imporem-se
como força importante dentro do campo jornalístico e até mesmo do político. Assim,
mesmo ocorrendo encampação e censura de diversos órgãos da imprensa durante o
Estado Novo, existiram mais proximidades e acordos entre os homens do governo e os
da imprensa do que propriamente conflitos.
Apesar de Chateaubrind e Marinho serem os proprietários de jornais mais
beneficiados, é possível afirmar que quase todos os jornais receberam subvenções
estatais por meio de empréstimos e anúncios publicitários. Até mesmo os óros da
imprensa comunista foram cooptados pelo governo e receberam verbas irregulares de
empresas estatais e particulares. No final da década de 1940, o jornal A Manhã,
importante órgão do PCB, recebia verbas da Light, para ser cil diante das
imoralidades que beneficiavam a empresa e, desta forma, não publicava matérias que
apresentavam críticas à empresa. A concessão de propinas, a cooptação e o aliciamento
74
Depoimento de Joel Silveira ao repórter Gilberto Negreiros, série Jornalistas contam a História,
09/02/1979.
95
da imprensa por parte do governo e de grandes empresas nacionais e internacionais
atingiam praticamente todos os órgãos da imprensa nacional (WAINER, 1987, p.115).
No entanto, Ribeiro (2001) afirma que embora muitos jornais fossem
beneficiados com recursos do governo, em diversas situações políticas e históricas, nem
sempre houve correspondência entre os favores do governo e apoio político do jornal
contemplado com favorecimento do poder oficial. A concessão de empréstimos
econômicos e de verbas publicitárias não impediu que nos momentos finais do Estado
Novo, os diários JB, FM e, sobretudo, OG e DSP passassem a criticar e se opor
frontalmente ao regime de força imposto por Vargas, denunciando a ineficiência e
excesso de centralização do governo e, principalmente, a perseguição à imprensa.
75
Como exemplo disso, em editorial, OG chegou a afirmar não ser possível prever o
tempo em que o Brasil poderia passar a limpo as “manchas e borrões do Estado Novo”,
pois as conseqüências desse regime de fachada foram tremendas, “uma vez que o poder
foi exercido de forma unilateral para satisfazer os anseios de um líder malicioso e
astuto”.
76
Cabe salientar que essa posição é bem diferente da emitida pelo jornal durante
o peodo de implantação e desenrolar do Estado Novo. Nesse período, à medida que os
jornalistas observavam as transformações ocorridas no âmbito da política e da imprensa
nacional, passaram a se olhar mais intensamente e implementar mudanças mais
profundas em sua estrutura cnica e em suas formas de noticiar, além de
acompanharem as mudanças ocorridas no campo político internacional, momento em
que os principais jornais da Europa e, sobretudo, dos Estados Unidos criticavam as
ditaduras implantadas em todo o mundo e punham-se a defender com muita veemência
a implantação da democracia e da liberdade de imprensa, ou, de uma forma genérica e
ideológica, o respeito às idéias liberais.
Por muito tempo aliado de Getúlio Vargas, defendendo a implantação do Estado
Novo e sendo beneficiado economicamente pelo governo, Chateaubriand passou a
criticar o regime estadonovista em seus momentos finais, bem como o DIP,
qualificando-os de totalitários e cerceadores de liberdades individuais. Embora
criticasse e questionasse a legitimidade do regime, ainda contava nos quadros
profissionais de seu condomínio comunicacional com jornalistas que foram baluartes do
75
Os periódicos publicaram intensa quantidade de material jornalístico entre 02/1945 a 12/1945 em que
criticavam veementemente o regime estadonovista.
76
O Globo, 13/05/1946.
96
regime anterior, como Cândido Mota Filho, um dos ideólogos do Estado Novo e que,
durante a década de 1940, escreveu artigos na imprensa diária, defendendo as bases
doutrinárias do regime, além de ocupar a direção do Departamento Estadual de
Imprensa e Propaganda de São Paulo. Além de Mota Filho, o renomado jornalista Mário
Guastini também colaborava com as edições do jornal DSP, e mantendo, elementos
ideológicos do regime anterior em suas matérias.
A partir do enfraquecimento das bases políticas do Estado Novo, os jornais se
articularam em defesa da democracia e restabelecimento das liberdades individuais.
Entretanto, alguns proprietários de jornais continuaram mantendo relações bastante
próximas com o governo, almejando benefícios particulares e a conquista ou
manutenção de posições privilegiadas dentro do campo jornalístico e potico. Assim,
podemos afirmar que os governos de Linhares e Dutra apostaram nessa relação.
Dentro desse quadro, o governo provisório de José Linhares (29/10/1945 a
31/01/1946) concedeu por meio do decreto-lei 8644, de 11 de janeiro de 1946,
importantes benefícios econômicos às empresas jornalísticas. Dessa forma, Linhares
reconhecia o importante papel desempenhado pela imprensa na luta contra o Estado
Novo, e, buscou, legalmente, beneficiar a imprensa, bem como eliminar os resquícios
estadonovistas que ainda a regulava. Com aquele decreto, o governo contribuía
significativamente com a eliminação da estrutura de controle governamental sobre a
imprensa, sobretudo, em relação à distribuão de papel, sem, contudo, deixar de
conceder facilidades econômicas às empresas jornalísticas para a importação de
máquinas de compor (linotipos, intertipos e monotipos) e de impressão tipográfica
(planas, verticais ou rotativas), além de isentar de impostos as empresas que
importassem máquinas de outros países para uso em seus periódicos.
77
Além de conceder benefícios para a imprensa, o governo Linhares tomou outras
medidas que agradaram as empresas jornalísticas. Durante seu curto governo, a
imprensa nacional ainda reivindicava a revogação do decreto decreto-lei 7666, de 22 de
junho de 1945, conhecido como Lei Antitruste ou Lei Malaia. Essa lei foi defendida por
Vargas como uma forma de proteger a economia e as empresas brasileiras das ações dos
grandes trustes nacionais e estrangeiros e evitar manipulação de preços. A lei criava
77
Decreto-lei 8644 de 11/01/1946.
97
também a Comissão Administrativa de Defesa Econômica (CADE), que tinha
atribuições de intervir em todas as empresas envolvidas em atos entendidos como
contrários à economia nacional, podendo realizar, até mesmo, interdões e
desapropriações. Dessa forma, a fusão, a incorporação e a dissolução de empresas em
qualquer setor dependiam da prévia autorização do CADE (CORSI, 1997, p. 276-7 apud
BASTOS, 2003).
Entretanto, o decreto recebera críticas da imprensa, principalmente do JB e DSP,
os quais o entendiam como uma arma política de Vargas para centralizar o poder, e
mesmo para servir como instrumento de constrangimento e enfraquecimento da
economia nacional. O JB entendia que, com a lei antitruste, a imprensa passaria a viver
com um punhal apontado para o peito, pois o objetivo dos homens da ditadura era
cercear as atividades da imprensa, a qual objetivava, antes de tudo, “colocar a verdade
acima das demagogias políticas”. Desta forma, a lei era entendida pelo órgão carioca
como uma maneira de o governo recuperar sua popularidade e seu prestígio, perdidos
após a extinção do DIP.
78
De modo mais personalista, Chateaubriand acreditava que a
lei visava destruir os Diários Associados, pois ela proibia que empresas jornalísticas de
um mesmo dono pudessem ser acionistas de outras do mesmo ramo, ou, até mesmo, que
se fundissem ou organizassem agrupamento sob um controle único. Para Chateaubriand,
“a lei não era de Agamenon Magalhães, mas de Getúlio. Agamenon é apenas seu
instrumento”. (MORAES, 1994, p. 456-7). Em artigo intitulado a “Horta do Doutor
Getúlioe publicado no DSP, Costa Rego, redator-chefe do CM, dizia-se espantado
com a suposta intenção do governo em combater as atividades contrárias à economia
nacional. Para Costa Rego, a real intenção do presidente era estabelecer uma maneira de
intervir nas empresas de caráter industrial ou comercial e, sendo assim, o decreto
emanava do poder ditatorial e revela as pretensões do ditador em se manter no poder.
79
Assim, ao observar as aspirações das empresas jornalísticas pela eliminação do
decreto anti-truste e pelo retorno da liberdade de imprensa, o governo de Linhares, por
meio do decreto-lei 8167, de 9 de novembro de 1945, revogou o decreto-lei da Lei
Malaia. Dessa forma, o presidente buscou marcar sua posição democrática e,
gradativamente, eliminar a influência do Estado Novo na sociedade. É necessário
78
Jornal do Brasil, 11/11/1945.
79
Diário de S. Paulo, 27/06/1945.
98
afirmar que, ao beneficiar a imprensa, Linhares sinalizava sua disposição de colaborar
com a democratização da sociedade. Sendo assim, o CM classificou o governo Linhares
como um “intervalo entre a ditadura e a democracia, um traço de separação entre uma
era de desgraças públicas e outra classificada como de retorno à liberdade e à
felicidade”.
80
No entanto, a estrutura política nacional surgida com a queda do Estado Novo
não ofereceu condições para a completa consolidação da democracia e liberdade de
imprensa. Embora extinto o DIP em outubro de 1945, o governo ainda continuou
controlando as atividades da imprensa a partir da criação do Departamento Nacional de
Informações (DNI), órgão que passou a ser subordinado ao Ministério da Justiça e
Negócios Interiores (MJNI). As atribuições do novo órgão era realizar a fiscalização do
teatro e do cinema; de funções recreativas e esportivas de qualquer natureza e da
radiodifusão; autorizar a concessão de favores aduaneiros para importação de papel de
imprensa e registro de jornais ou periódicos, bem como de ancias telegráficas ou de
informões, nacionais ou estrangeiras; coordenar e difundir toda espécie de
informões relativas ao Brasil, em cooperação com os órgãos culturais dos Ministérios
da Educação e Saúde, das Relações Exteriores e com os seus congêneres dos estaduais e
municipais. De acordo com Kushnir (2004, p. 98), “o DNI teve vida curta, sendo extinto
ainda no primeiro ano do governo Dutra, em setembro de 1946”. Além disso, em
dezembro de 1945 foi criado o Serviço de Censura de Diversões blicas (SCDP), uma
agência policial vinculada ao Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) que
exercia funções anteriormente a cargo da divisão de cinema e teatro do DNI. As
atribuições do SCDP foram definidas pelo decreto 20493, de 24 de janeiro de 1946, que
estipulava para àquele órgão a competência de censurar projeções cinematográficas,
representações de peças teatrais e bailados, execução de discos cantados, propagandas,
anúncios e produções de meios de comunicação de qualquer natureza, impressos,
radiofônicos e televisivos, peças teatrais, novelas e congêneres, entre outros. Para
Kushinir (2004, p. 99), após a queda do Estado Novo esperava-se uma legislação de
caráter mais liberal, mas o que se viu foi a acomodação de estruturas estadonovistas à
nova conjuntura política e social que se formara. Diante disso, à censura caberia zelar
pela “moral e pelos bons costumes”, mas também fora exercida no âmbito político.
80
A opinião do jornal Correio da Manhã sobre o governo de José Linhares foi publicado na seção
Opinião da Imprensa no jornal O Estado de S. Paulo em 02/02/1946. Jornal do Brasil, 01/12/1945.
99
Entretanto, com o processo de abertura democrática vivenciada a partir de 1945, os seis
jornais pesquisados apresentavam uma maior preocupação com as suas questões
econômicas e empresariais do que com a ampla e irrestrita liberdade democrática tão
defendida nos momentos finais do Estado Novo, embora deixassem claro em suas
páginas essa preocupação com a extensão da democratização e o respeito às garantias
individuais. Os periódicos analisados se declaravam de tendência liberal, ou seja,
defendiam o direito de propriedade, a liberdade de imprensa e expressão, neutralidade,
individualismo, racionalismo e, ainda apresentavam forte contdo religioso. Além
disso, o JB, DSP, OG e FM apresentaram estreitas relações com o governo Dutra, uma
vez que objetivavam conquistar subvenções, anúncios e empréstimos estatais para
aumentarem suas posses e poder se modernizar e influir no campo político e
jornalístico. É possível afirmar que as relações entre imprensa e política, após a
emergência da democracia representativa parlamentar, não sofreram alterações
substanciais no que se refere às relações ocorridas no regime anterior. Mesmo com o
fim da ditadura e inicial processo de democratização da sociedade, as relações imprensa
e governo continuaram sendo marcadas pela cooptação e direcionamentos específicos
de recursos aos órgãos ligados à linha editorial de alguns jornais, como OG, DSP, JB e
FM. Vale ressaltar que durante o governo Dutra os gastos com publicidade do Banco do
Brasil nas páginas da imprensa foram maiores do que as registrados durante Estado
Novo. De acordo com Mourão (1955, p. 155), até então, a distribuição da publicidade
estava a cargo do Departamento de Estatística e Estudos Econômicos do Banco do
Brasil. Contudo, em 1947, na presidência de Guilherme da Silveira, que era aliado de
Dutra, o encargo foi retirado daquele Departamento e confiado ao Gabinete da
Presidência do Banco. Para se ter uma idéia, entre 1946 e 1947 as despesas da
instituição financeira com publicidade cresceram 629%. Além disso, através da
realização de um Inquérito, revelou-se que, durante o governo Dutra, o Banco do Brasil
também financiou publicações de ofensas pessoais contra Getúlio Vargas e aos
comunistas, deferidas por importantes políticos brasileiros, inclusive da UDN. De
acordo com Mourão, o banco financiava os auxiliares do governo Dutra na defesa
remunerada do governo.
O Banco financiava a inteligência e as ambições insaciáveis de Victorino
Freire; financiava a os arroubos patrióticos de Guilherme da Silveira e
Horácio Lafer; financiava o paternalismo do Sr. Gaspar Dutra; financiava a
independência e o espírito democrático do jornalista Macedo Soares (...) O
100
Inquérito esclarecia assim definitivamente vários porquês. O porquê, por
exemplo, da feroz campanha contra o Sr. Getúlio Vargas; contra os
comunistas; e de o Sr. Macedo Soares, membro do diretório da UDN,
defender a eleição do governador Varela, do PSD, no Rio Grande do Norte;
e de o Sr. Macedo Soares, candidato a senador pela UDN, apoiar, no Estado
do Rio, a candidatura Cristiano Machado, do PSD, etc., etc. (MOURÃO,
1955, p. 155)
Nesse sentido, é possível afirmar que, o DSP, JB, OG e FM aliaram-se ao
governo do presidente Dutra e o defenderam veementemente, preocupados,
primeiramente, com as questões comerciais e empresariais. As folhas objetivavam,
acima de tudo, conquistar anúncios e empréstimos governamentais, os quais seriam os
responsáveis pela modernização e desenvolvimento empresarial dos periódicos. Assim,
o alinhamento ao governo Dutra foi determinado por interesses econômicos e políticos
bem definidos pelas empresas jornalísticas. A relação amigável dos quatro diários com
o governo Dutra pode ser compreendida ainda, em grande medida, pelo fato de seus
proprietários serem concessionários de emissoras de rádios, ou seja, para manterem suas
emissoras funcionando necessitavam da autorização dos órgãos governamentais
responsáveis. Fosse num regime de força, ou até mesmo no incipiente regime
democrático inaugurado com a Constituição de 1946, qualquer oposição mais ampla de
proprietários ou dirigentes de empresas jornalísticas ao governo poderia resultar no
cancelamento das concessões de funcionamento de suas emissoras de rádio. Vale
lembrar que a partir do artigo 5º, inciso XII da Constituição de 1946, a União passou a
ter competência para a exploração, diretamente ou mediante a autorização ou
concessão, dos serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifuo, de
telefones interestaduais e internacionais”, entre outros.
81
De acordo com Calabre (2004,
p. 12), o rádio se constituiu no Brasil a partir de uma dupla determinação, ou seja, era
um veículo de comunicação privado, subordinado às regras do mercado econômico, mas
ao mesmo tempo era controlado pelo Estado, responsável tanto pela liberação da
concessão para o funcionamento das emissoras quanto pela cassação das mesmas, caso
ocorresse desrespeito às leis oficiais estabelecidas para o setor.
Dentro desse quadro, o CM e OESP desfrutavam de certa “independência” em
relação ao governo, uma vez que seus proprietários não eram concessionários de
emissoras de rádio e, portanto, seus negócios na área da comunicação social não
81
É importante notar que a Constituição de 1937, a partir do artigo 15º, inciso VII delegava à União a
responsabilidade pela exploração ou pelo oferecimento de concessões de serviços de telégrafos,
radiodifusão, entre outros serviços de comunicação.
101
dependiam de concessões governamentais. Embora também dependessem das verbas
publicitárias, subvenções e, até mesmo, do papel fornecido pelo governo, procuraram
expressar mais livremente suas posições políticas e ideológicas em relação ao governo
Dutra, e, em certa medida, resistiram à cooptação governamental e defenderam os
princípios liberais sem nenhuma barganha com o governo, gozando de maior liberdade
editorial e política do que seus congêneres.
Após a posse de Dutra, todos os jornais analisados publicaram matérias que, se
não defendiam diretamente o governo, pelo menos se mostravam favoráveis à
legalidade do pleito eleitoral, à legitimidade da posse do novo presidente e emitiam
expectativas positivas em relação ao novo governo.
82
Note-se que essa postura dos
jornais não objetivava simplesmente defender o regime democrático e a liberdade de
expressão, mas conquistar simpatias do governo para poder ampliar seu raio de ação
dentro do novo governo a ser constituído. Com o objetivo de fortalecer economicamente
suas folhas e galgarem posições políticas no governo, os proprietários e jornalistas de
OG, DSP, JB e FM chegaram a manter relações pessoais com o governo Dutra. Diretor-
tesoureiro do Jornal do Brasil, JoPires do Rio foi ministro da Fazenda do governo
provisório de José Linhares no período de 31 de outubro de 1945 a 31 de janeiro de
1946, e, embora mantivesse estreitas relações com o candidato oposicionista Eduardo
Gomes nas eleições de dezembro de 1945, posicionou-se ao lado de Dutra desde o
início de seu governo e apoiou suas medidas políticas. Ao lado de Alcides Ribeiro
Meirelles, Nabantino Ramos foi representante de Fernando Costa, interventor paulista
durante o Estado Novo. Além disso, era muito próximo do governo Dutra por meio do
ministro da Justiça Costa Neto, com quem manteve contatos desde quando moravam em
Bauru, quando trabalhou no escritório de advocacia de Costa Neto (MOTA;
CAPELATO, 1981, p.101-2). Ademais, Marinho, Chateaubriand e Pereira Carneiro
também apoiaram todas as ações de Dutra e colocaram suas folhas a serviço do
governo.
Essa proximidade conferia aos proprietários de jornais a possibilidade de influir
em nomeações de ministros ou de que pessoas ligadas às empresas jornalísticas
conquistassem elevados postos na administração pública. Alguns deles influenciaram,
82
Jornal do Brasil, 01, 02 e 08/02/1947. Folha da Manhã, 01/02/1946, 12/05/1946. Diário de S. Paulo,
30/01/1946, 01 e 02/02/1946. Correio da Manhã, 01/02/1946. O Globo, 01/02/1946 e 02/02/1946. O
Estado de S.. Paulo, 31/01/1946, 01 e 02/02/1946.
102
até mesmo, nas tomadas de decisões dentro da esfera política. O empresário Assis
Chateaubriand, por exemplo, homem que apresentava, em alguns momentos, um
relacionamento conturbado com Vargas e seu sucessor, o deixou de interferir
efetivamente na nomeação de ministros no governo Dutra, pois dispunha de um capital
jornalístico e simbólico invejáveis, ou seja, tinha sob seu controle uma cadeia
jornalística que poderia construir ou desconstruir reputações, Posição que o permitia
receber inúmeros benefícios econômicos pelo fato de se posicionar ao lado dos
governos Vargas e Dutra, assim como de influir, por vezes, nas decisões
governamentais de Dutra. Ao receber na Europa a notícia de que seu inimigo Dario
Almeida Magalhães tinha tido seu nome cogitado pelo presidente para ocupar o cargo
de ministro da Educação, Chateaubriand ficou enfurecido, desmarcou uma série de
compromissos, voltou ao Brasil e ao chegar ao Aeroporto do Rio de Janeiro ligou para
Dutra e disse-lhe: “sei seu Dutra, sei. O senhor foi eleito e tem todo o direito de nomear
quem quiser para o seu governo. Mas eu também tenho o direito de dar ordens para que
todos os meus jornais, rádios e revistas passem amanhã mesmo para a oposição se este
sujeito tomar posse”. Voltando atrás, Dutra decidiu não nomear Dario e para o seu lugar
foi nomeado Ernesto de Souza Campos, que ocupou a pasta até dezembro de 1946,
quando, mediante acordo do presidente com a UDN, foi empossado definitivamente o
baiano Clemente Mariani (MORAES, 1994, p. 460-2).
É importante destacar que desde que assumiu a Presidência da República, Dutra
procurou manter uma relação amigável com os proprietários e dirigentes de jornais e,
muitas vezes, tomou medidas políticas que favoreceram esse grupo, como pode ser
exemplificado no seu posicionamento com relação à proposta legislativa de Café Filho
dirigida à categoria dos jornalistas.
Apresentado pelo então deputado Café Filho, o projeto de lei 254-D, de 30 de
maio de 1947, tinha como objetivo beneficiar os trabalhadores da atividade jornalística,
pois revogava os decretos 7037, de 1944, e 7858, de 1945, os quais dispunham sobre a
remuneração mínima dos profissionais da área jornalística. Porém, o projeto de Café
Filho era mais completo, uma vez que concedia maiores benefícios para os jornalistas,
determinava a remuneração de cada atividade jornalística por mês, dia e hora,
equiparava as empresas jornalísticas às empresas de radiodifusão e às de propaganda
comercial, beneficiava os trabalhadores da área jornalística e classificava de maneira
103
clara as funções dentro das empresas. Pelo projeto, os agentes e colaboradores dos
jornais, geralmente profissionais que desempenhavam funções secundárias no processo
de elaboração da notícia, também deveriam ser classificados e incluídos nos quadros
funcionais dos jornais inclusive com salários e encargos estabelecidos pelo Sindicato
dos Jornalistas do Rio de Janeiro. Essa medida traria dispêndios econômicos para os
grandes jornais, uma vez que estes dependiam do trabalho realizado pelos agentes e
colaboradores. Somente no caso de OESP havia mais de 800 agentes e correspondentes
que prestavam serviços periodicamente sem compromisso trabalhista formalmente
estabelecido com a empresa.
83
O projeto de Café Filho deixava os proprietários, diretores e o Sindicato dos
Proprietários de Jornais e Revistas extremamente preocupados com a situação financeira
de suas folhas, pois os proprietários de jornais acreditavam que o projeto, caso fosse
aprovado, iria provocar o enfraquecimento econômico e provavelmente a falência de
muitos órgãos. Para se ter uma idéia, o projeto aumentava o salário de repórter auxiliar
de CR$ 600,00 para Cr$2.700,00, do redator de CR$ 1.900,00 para CR$ 3.000,00.
84
Além disso, o projeto apresentava uma nova configuração geográfica para determinar os
ordenados dos funcionários dos jornais. Assim, a primeira categoria salarial incluía os
jornalistas que atuavam nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Santos, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife e Belém; a segunda englobava os das cidades
de 50 mil habitantes ou mais; a terceira, os das localidades com mais de 10 mil
habitantes; e, por fim, os de núcleos urbanos com menos de 10 mil habitantes.
Em representação enviada à Câmara dos Deputados, e publicada em OESP, o
Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas do Estado de São Paulo
afirmava que o projeto era inconstitucional, pois fixava arbitrariamente os salários e,
além disso, via na apresentação do projeto a atuação de elementos do Estado Novo
agindo novamente, porém num regime democrático constitucional. Ademais, o
Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais asseverava que o projeto apresentado
por Café Filho ignorava a complexidade da organizão jornalística.
85
O CM afirmava
83
O Estado de S. Paulo, 01/08/1947.
84
Com a correção monetária dos valores de 1947 para o ano de 2007, o valor do salário do repórter-
auxiliar subiria de cerca de R$ 261,00 para R$ 1178, 00 e do redator aumentaria de cerca de R$ 829,00
para R$ 1309,00. Dados IPC-Fipe - http://drcalc.net/easycalc/correcao.asp.
85
O Estado de S. Paulo, 01/07/1947.
104
que somente no Estado Novo “um projeto como esse poderia ser votado, pois era um
projeto contra a imprensa, em que o poder público intervinha na economia das empresas
e transgridia o direito de propriedade privada”.
86
Chateaubriand mostrava sua
indignação, ao afirmar que caso fosse aprovado, o projeto levaria a ruína seu
conglomerado, uma vez que somente em um dos seus diários haveria um aumento de
despesas que atingiria 12 milhões de cruzeiros e, assim, não poderia resistir nem seis
meses ao impacto da nova classificação que pleiteavam.
87
antevendo que a medida
seria aprovada no Congresso Nacional, OESP apelava, em editorial, ao presidente Dutra
– que, depois da votação no legislativo federal, tinha a prerrogativa de aprovar ou vetar
definitivamente o projeto-lei - para que se posicionasse contrário à proposta de Café
Filho. Para legitimar seu pedido, o jornal justificava que o projeto causaria uma série de
transtornos econômicos para as empresas jornalísticas, uma vez que o Brasil
apresentava uma frágil estrutura publicitária, as agências de propaganda eram bastante
incipientes no Brasil e os jornais, sobretudo os do interior do país, não apresentavam
carteira suficiente para cobrir as despesas adicionais proposta pelo projeto.
88
No
entanto, embora provocasse acalorados debates políticos no parlamento e nas páginas da
imprensa brasileira, o projeto de Café Filho foi aprovado pelo Congresso em fins de
1947, satisfazendo os trabalhadores da imprensa, mas preocupando os proprietários de
jornais em termos financeiros. A pressão dos proprietários de jornais recairia agora
sobre Dutra, uma vez que o projeto dependia de sanção do presidente da República. Em
editorial intitulado Convite à Ociosidade, Assis Chateaubriand se declarou
terminantemente contra o projeto de Café Filho e afirmava que caso o mesmo fosse
sancionado pelo governo levaria à falência muitas empresas jornalísticas. Segundo ele,
o Estado Novo já havia errado ao determinar um período regular de trabalho em 5 horas,
pois nenhuma empresa ou indústria pode se desenvolver com tão curto prazo de
trabalho.
89
Dessa forma, os proprietários de jornais procuraram caracterizar o projeto
como pprio dos períodos ditatoriais, como o Estado Novo. Entretanto, Dutra pretendia
governar democraticamente, portanto, de forma distinta do Estado Novo; assim, não
gostaria de ser classificado como ditador ou estremecer a relação amistosa com os
proprietários de jornais com a aprovação do projeto.
86
O Correio da Manhã 02/12/1947.
87
Diário de S. Paulo, 29/07/1947.
88
O Estado de S. Paulo, 01/07/1947.
89
Diário de S. Paulo, 27/12/1945.
105
Em represália à aprovação do projeto no Congresso Nacional, os proprietários de
jornais decidiram proibir a publicação de notícias referentes a Café filho em suas folhas.
Como forma de burlar tal determinação, os funcionários da imprensa passaram a editar
o CaJornal, jornal do comitê pró-aumento de salários dos jornalistas profissionais. O
Café Jornal foi financiado pelos próprios jornalistas e populares. É importante destacar
que, além de defenderem o projeto 254-D, os trabalhadores da imprensa, responsáveis
pela edição do Café Jornal, criticavam veementemente os proprietários de jornais que
resistiam ao projeto, como Assis Chateaubriand, Roberto Marinho, Paulo Bittencourt,
Condessa Pereira Carneiro, Orlando Dantas, Júlio de Mesquita Filho, entre outros.
Após veementes protestos e pressões realizadas pelos proprietários de jornais e
pelo Sindicato dos Proprietários de Jornais e Revistas, Dutra vetou o projeto em 22 de
dezembro de 1947. Assim, o presidente não pretendia causar descontentamentos aos
proprietários de jornais e ver o espo de seu governo cerceado por eles.
90
Ao vetar o
polêmico projeto, Dutra justificou:
...o projeto é considerado inconstitucional, contrário aos interesses nacionais.
Com os coletivos de minorar a penosa situação econômica da ilustre classe
dos jornalistas e corrigir as falhas do decreto-lei 7037, de 10 de novembro de
1944, como refere a justificação apresentada, o projeto interfere na economia
interna das empresas jornalísticas. Estabelece tratamento de exceção para
trabalhadores de jornal e de algumas outras atividades, criando-lhes um
regime de privilégios (...) intervêm na vida econômica do jornal, suprimindo
a liberdade de iniciativa...
91
O veto ao projeto que aumentava os níveis salariais dos jornalistas e corrigia
algumas distorções do decreto-lei 7037/1944 e do 7858/1945 não teria ocorrido apenas
em virtude da proposta ser inconstitucional ou interferir na liberdade econômica ou
organizacional das empresas jornalísticas, mas também por ser uma ótima oportunidade
de Dutra manter a imprensa favorável ao seu governo, evitando, assim, que os jornais
passassem à oposição à sua gestão.
92
Podemos afirmar que as relações políticas
arcaicas, pautadas por interesses particulares e compadrios e dependência econômica
dos jornais a governos constituídos subsidiaram e financiaram a modernização da
90
O Estado de S. Paulo, 01/07/1947, 01 e 02/08/1947.
91
Diário de S. Paulo, 23/12/1947.
92
Isso é completamente compreensível quando observamos a força dos jornais e revistas no Brasil. No
final de 1948 havia no país cerca de 950 jornais e 580 revistas distribuídas em diferentes estados da
nação, sobretudo, nas grandes capitais do país como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto
Alegre e Recife. Esses órgãos poderiam representar um grande problema caso viesse a maioria à oposição
ao governo.
106
imprensa brasileira, diferentemente do processo vivenciado pelos Estados Unidos, onde
a publicidade possibilitou o desenvolvimento e modernização de grandes jornais,
embora tal via não impedisse que a imprensa norte-americana estivesse livre do poder
do dinheiro privado.
Entretanto, as relações que envolvem política e imprensa extrapolam o âmbito
financeiro. Ao se alinharem a governos constituídos, os diários JB, DSP, OG e FM
também estavam em busca da exclusividade das notícias oficiais, para
conseqüentemente, aumentarem seu poder de intervenção no campo político, cultural e
jornalístico, podendo, assim, aumentar suas posições dentro dos referidos campos, além
de conquistar mais adeptos para a sua causa e um poder reconhecido pelos seus leitores
ou anunciantes. Dessa forma, ao se alinharem ao governo Dutra os quatro jornais
deixaram de lado a conquista da (ou a aposta na) ampliação da autonomia com o poder
político constituído. Por sua vez, OESP e CM mantiveram certa independência em
relação ao governo, uma vez que ambos resistiram aos ditames políticos e econômicos
governamentais, com vistas a conquistarem certa autonomia em relação ao poder
político e maior espaço para agir dentro do campo jornalístico e político.
O governo e suas instâncias de poder não procuravam apenas obter a adesão das
empresas jornalísticas às suas ões por meio da concessão de verbas públicas
(publicidades e empréstimos federais), mas também por meio de seu monopólio de
informões oficiais, as quais, quando distribuídas com exclusividade a um jornal,
possibilitava-lhe destacar-se entre seus concorrentes, uma vez que seria ele que
publicaria o furo jornalístico.
Recorrendo a Bourdieu (1997, p. 101-2), podemos observar que “essas
informões são consideradas armas na luta que os opõe aos jornalistas e na qual tentam
manipular os detentores da informação para assegurar para si a exclusividade,
conferindo-lhes condições de aumentarem suas posições dentro do campo e poder de
intervenção em outros campos de atuação como o cultural e o potico”. Assim, o
público leitor se transformou em consumidor dos produtos jornalísticos produzidos
pelas grandes corporações jornalísticas geralmente ligadas a governos ou a grupos
políticos de elevado destaque político-social, mas um público leitor também consumidor
107
de toda a linha industrial, informativa e ideológica dos jornais e dos grupos políticos
vinculados a eles.
2.2. Concepções da democracia: entre a liberdade de imprensa e a autocensura
Após a queda do Estado Novo, as discussões acerca da democratização da vida
político-nacional se avolumaram nas páginas da imprensa brasileira. Nesse período, os
seis jornais analisados passaram a se posicionar politicamente e emitir pareceres
favoráveis ao retorno da legalidade político-constitucional e atuaram como atores e
produtores políticos com o intuito de universalizar interesses ideológicos e políticos e
impor uma concepção de democracia particular como sendo geral. Dessa forma, as
concepções de democracia defendidas pelos diferentes jornais analisados apresentavam
diferenças, mas se assemelhavam em muitos pontos. Todos defenderam a queda do
governo discricionário de Vargas, acreditaram que as novas condições políticas e sociais
criadas internacionalmente exigiam uma nova condução política interna, eram
favoráveis à anistia, à convocação da Assembléia Nacional Constituinte, eleições
diretas, sufrágio universal e liberdade de imprensa, bem como se afirmaram como
anticomunistas, embora em níveis e formas de enfrentamentos diferentes.
O regime democrático e o capitalismo eram entendidos pelos jornais consultados
como compatíveis com a dignidade dos indivíduos. Para as folhas, a construção da
sociedade democrática estava baseada na eliminação do analfabetismo, educação
política das massas, construção de uma nova consciência nacional, num governo
baseado na ordem e harmonia social e eliminação do comunismo. Ao se referir aos
comunistas, os periódicos asseguravam que não se poderia deixar a civilização e o
progresso pacífico da humanidade à mercê de “elementos provocadores”, “demagogos”,
“aventureiros que pretendiam frear a marcha democrática no Brasil”. As folhas
concluíram que o comunismo não era compatível com os princípios democticos, uma
vez que se caracterizava pelo “uso da força, greves, insubordinações, desrespeito às
liberdades individuais e por colocar o homem contra a religião”.
93
A democracia, assim,
era entendida pela imprensa brasileira como um governo baseado na livre vontade da
não, subordinada apenas à vontade moral e ao sentimento de justiça, pois esse regime
93
O Estado de S. Paulo, 07/03/1946, 07/07/1946, 07/01/1947, 23/08/1947, 16/11/1947. Correio da
Manhã, 05/07/1945, 16/03/1946, 09/04/1946, 29/05/1946, 02/06/1946, 04 e 28/10/1946, 26/01/1947,
29/07/1947. Jornal do Brasil, 07e 30/11/1945, 10/05/1947. Folha da Manhã, 22/09/1945, 05/05/1946,
Diário de S. Paulo, 21/02/1946, 08 e 25/05/1946. O Globo, 06/05/1946 e 29/05/1947.
108
se caracterizava como o governo do povo, pelo povo e para o povo, princípios, que
segundo as folhas, não eram observados no regime comunista.
Além da eliminação do comunismo, OESP, FM, DSP, JB, OG e CM
asseguraram que a elite e os partidos políticos tinham papéis fundamentais no processo
de fortalecimento da democracia após a Segunda Guerra. Dessa forma, concebiam que,
para a modificação da estrutura e mentalidade política do país, as forças políticas
democráticas deveriam se preocupar com as massas, as quais precisariam ser
catequizadas e instruídas sobre os perigos de se relacionar com os comunistas, bem
como necessitavam ser educadas para a democracia. Assim, os jornais pesquisados
defendiam a realização de um trabalho junto às massas, coordenado pela elite e partidos
políticos de cunho democrático e que pudesse “elevá-las culturalmente” e “oferecer-lhes
valores democráticos” por meio da educação formal. Para os jornais, os comunistas
atingiam os miseveis, desempregados e analfabetos e, dada a condição social e pouca
educação destes para viverem no regime democrático, conseguiam convencê-los a se
engajar em seus projetos provocadores”.
94
Sob o título Triste Realidade”, os
responsáveis pelo jornal OESP afirmaram na seção Opinião da Imprensa que o índice
de analfabetismo no Brasil atingia mais da metade da população brasileira em 1946”, e,
desta forma, acreditavam que “isso representava uma barreira que impedia o
desenvolvimento democrático do país, pois somente com a superação desses números
era possível formar uma grande civilização e organizar o país dentro de um ambiente
democrático”.
95
Como reflexo do objetivo “pedagógicodos periódicos, OESP, assim como a
Igreja Católica, apresentou propostas para afastar as massas da ação dos comunistas,
bem como salvar o Brasil de suas ações extremistas. As propostas incluíam o
fortalecimento econômico do país, investimento na esfera social e intensivo trabalho na
área educacional. Para a folha paulista, para serem alcançados tais objetivos não bastaria
apenas uma ação do governo na obra de eliminação dos comunistas, mas todas as
94
Diário de S. Paulo, 04/09/1945. O Estado de S. Paulo, 20/12/1945, 07e 21/07/1946, 03/11/1946,
Correio da Man, 16/12/1945, 12/04/1947, Jornal do Brasil, 07/09/1945, Folha da Manhã, 05/06/1945,
O Globo, 29/05/1947.
95
O Estado de S. Paulo, 26/03/1946.
109
classes sociais, e principalmente, a patronal, deveriam estar preparadas para enfrentar
esse inimigo.
96
A partir do início de 1945, os Diários Associados passaram a defender o regime
democrático e afirmaram que a democracia poderia subsistir pela educação política
do povo, pois o mesmo ainda não estava habituado a participar ativamente das tomadas
de decies políticas na sociedade. Para o diário, a partir da educação política “o homem
poderia se transformar num novo cidadão, adquirir consciência para poder resistir às
imposições e voltar seu pensamento para o bem comum”.
97
Para a FM, a participação
política de um analfabeto é limitada pela própria ausência de conhecimentos, que o
impede de realizar outras tarefas que não sejam braçais. Dessa maneira, a folha de
Nabantino Ramos conclamou as elites a participarem de uma guerra inadiável contra o
analfabetismo, pois acreditava que, somente assim, o Brasil poderia reencontrar os
rumos do desenvolvimento econômico e a efetivação da democracia.
98
o JB e OG
asseguraram que a elite brasileira tinha um papel histórico importante no processo de
restabelecimento da democracia, pois sempre havia contribuído com a evolução política,
econômica e mental da nação e, desta forma, deveria assumir o papel de assegurar às
massas a possibilidade de serem educadas para a vida democrática.
99
Embora os jornais acreditassem que a educação das massas deveria ser
conduzida pelas elites, como meio de afastá-las do perigo totalitário, e pela formação de
um novo homem apto a viver no regime democrático, eles entendiam que a tarefa era
longa e difícil, uma vez que existiam poucos partidos que desejavam a completa
reordenação democrática nacional. Além disso, apontavam que um dos entraves para a
reordenação democrática nacional era que o país havia saído, recentemente, de uma
ditadura. Nesse período, a participação nas eleições passou a ser entendida como algo
moralmente obrigatório, pois representava a contribuição de cada cidadão na tarefa de
construir um “novo mundo” e de corrigir os erros cometidos pela ditadura. Para o jornal
CM, por exemplo, o voto passou a ser visto como uma questão cívica, patriótica e de
engrandecimento do regime democrático, porém tal direito deveria ser exercido de
forma consciente e honesta pelas pessoas. Assim, o eleitor em geral era entendido como
96
O Estado de S. Paulo, 22/06/1946.
97
Diário de S. Paulo, 04/09/1945.
98
Folha da Man, 26/02/1946.
99
Jornal do Brasil, 07/09/1945 e 30/11/1945. O Globo, 01 e 06/06/1946.
110
alguém que deveria ser educado para exercer seu direito, pois acreditava-se que ele não
dispunha de consciência potico-partidária para escolher os rumos políticos do país.
100
Conquanto reconhecessem a falta de habilidade das massas com a vida
democrática, os jornais OESP e CM inferiam que o sucesso da democracia era
determinado pela realização das eleições e da ampla participação popular nos pleitos
eleitorais. Dias após o pleito de 1945, o CM publicou uma matéria bastante elucidativa
acerca de seu posicionamento quanto à educação das massas; preconizando que esse
processo educacional era determinante para a participação da população nas tomadas de
decisões políticas nacionais. Embora tivesse manifestado satisfação com a realização
das eleições, a matéria lamentava o resultado que estava se delineando, ou seja, a viria
de Dutra, candidato do PSD e ligado ao regime deposto de Vargas. Para a redação do
jornal, o resultado das eleições poderia ser explicado pela falta de cultura e pelo
analfabetismo da população, “pois não foi o ouvinte do rádio, o habitante esclarecido, o
participante dos comícios populares que foram os fiéis da balança, mas os bisonhos
habitantes do interior, a alma anônima das ruas”. Para o jornal de Bittencourt o que se
podia observar no pleito eleitoral de 1945 “era o espetáculo doloroso de verdadeiros
rebanhos humanos, marchando pacificamente para as urnas, guiados pelas mãos dos
prefeitos municipais, que exerciam uma grande dominação sobre as massas incultas da
população”. Dessa forma, o jornal defendia a idéia de que para que uma verdadeira
democracia no Brasil pudesse ocorrer eram necessárias medidas, como, por exemplo, a
intensificação do processo de educação do povo brasileiro, a fim de formar eleitores
conscientes.
101
Apesar de admitir que as escolhas eleitorais da maioria deveriam ser
respeitadas, OESP acreditava que as massas ainda não estavam preparadas para escolher
seus candidatos e nem viver dentro da legalidade constitucional. Como forma de superar
esse despreparo, o jornal paulista avaliava que “a conquista das massas era o problema
dos nossos dias”, pois deveriam ser educadas para a democracia e para o exercício do
voto. Assim, definia que os “partidos políticos e as elites deveriam olhar para as
massase, além disso, “as propagandas políticas deveriam convergir para esse público,
desacostumado com a vida democrática”.
102
Desse modo, podemos afirmar, com
Goldenstein (1987, p. 36), que a oposição liberal que se formara contra o Estado Novo e
100
Correio da Man, 27/09/1945 e 04/12/1945.
101
Correio da Manhã, 16/12/1945.
102
O Estado de S. Paulo, 11 e 14/12/45, 02/06/1946 e 21/07/1946.
111
que se organizaria, sobretudo a partir de 1945, principalmente em torno da UDN, não
aceitava o sistema de cotejamento das massas. Além disso, com um ideário de classe
média tradicional, os liberais não reconheciam a cidadania das classes populares,
embora não as entendesse como inimigas, mas como incapazes de tomar decisões
políticas sérias, pois eram facilmente manipuladas pela demagogia dos políticos
populistas. Sendo assim, para a elite liberal a educação formal das classes populares era
algo imprescindível para o desenvolvimento e amadurecimento do regime democrático
no país, pois somente assim poderiam participar dos pleitos eleitorais e decidirem o
futuro do país.
Com efeito, as propostas político-pedagógicas da imprensa brasileira, que
previam a alfabetização das massas, não estavam vinculadas apenas ao objetivo de
fortalecimento da democracia na sociedade brasileira. É possível considerar que os
jornais, ao defenderem a alfabetização da população, estavam em busca de um número
cada vez maior de leitores, com o intuito de conquistar mais consumidores de seus
produtos jornalísticos e, conseqüentemente, poderem desfrutar de posições mais
elevadas dento do campo de produção jornalístico e político. Note-se que, na década de
1940, o rádio começava a alcançar a maior parte da população, em grande medida
composta por analfabetos e se firmava como um dos grandes captadores de anúncios no
mercado publicitário brasileiro. No entanto, até o final dos anos de 1940, os jornais
ainda se despontavam como os maiores arrecadadores de verbas publicitárias, mas essa
posição passaria a ser constantemente ameaçada com o progressivo desenvolvimento do
setor radiofônico.
103
Contudo, a educação das massas configurou-se como um componente
importante do pensamento clássico liberal. Para este, um dos principais benefícios do
governo livre era justamente a educação da inteligência e dos sentimentos democráticos
levados às classes populares, quando estas eram chamadas a tomar decisões que
afetavam os grandes interesses do país. Para os jornais analisados era inadmissível a
participação de pessoas que não soubessem ler e nem escrever no processo eleitoral,
uma vez que eram tidas como não tendo consciência de escolher entre o certo e o
103
Ver Anuário da Imprensa Brasileira, 1949.
112
errado.
104
O articulista Mário Pinto Serva, de OESP, afirmou que “a Revolução Russa
de 1917 só ocorreu porque na época a Rússia contava com cerca de 90% de sua
população em estado de analfabetismo, o operariado russo vivia em condições sociais
sub-humanas, onde existia apenas um partido político, Deus era blasfemado e não havia
liberdade de imprensa, nem respeito à propriedade particular”.
105
Para as folhas pesquisadas, a educação das massas representava o processo
fundamental para equilibrar a ordem e o progresso e, além disso, era responsável pela
adaptação gradativa, mudança psicológica, garantia da liberdade individual, além da
efetiva implantação do regime democrático no Brasil. Desta forma, a centralização
política, a política populista e o controle das massas por parte do Estado como
elementos básicos da organização política nacional eram recusados pelos liberais da
imprensa brasileira.
Além da tentativa de oferecer educação formal às massas com o intuito de
fortalecer o regime democrático, o catolicismo representou um importante aliado das
forças democráticas nacionais com vistas a incutir valores cristãos nos homens e
convencê-los da necessidade de eliminação do que consideravam ideologias totalitárias,
bem como da importância de se construir o regime democrático no país, contribuindo,
assim, para a execução das propostas liberais.
Embora as propostas liberais para a educação preconizassem a existência de um
estado laico, a substituição da pela ciência e a formação de uma moral independente,
ocasionado, assim, o enfraquecimento político da Igreja e a perda do controle sobre a
educação, havia algumas correntes liberais que valorizavam o protestantismo por seu
apelo à razão e pela liberdade em interpretar os livros sagrados, proporcionando
condições para a educação das massas, uma vez que o catolicismo negava a liberdade de
pensamento (CAPELATO, 1989, p.153). É possível entender que historicamente a
Igreja não defendia os princípios liberais, mas, no período analisado, uniu-se às
correntes liberais e passou a agir conjuntamente na sociedade objetivando a eliminação
do comunismo no Brasil.
104
Sobre o tema foram consultadas as seguintes obras: MILL, John Stuart. O governo representativo.
Brasília: Editora UNB, 1981. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. o Paulo: Editora
Brasiliense, 1988. TOURINE, Alain. O que é democracia? Petrópolis: Editora Vozes, 1996.
105
O Estado de S. Paulo, 03/1946.
113
A cristianização do país vinha sendo realizada pelos católicos desde a Primeira
República, mas com o fortalecimento da ideologia comunista e a necessidade de
construção de uma sociedade mais harmoniosa e livre dos totalitarismos, a imprensa
liberal passou a dar maior destaque aos valores cristãos em suas páginas e, desta
maneira, aliava-se ao pensamento católico, uma vez que na Igreja havia segmentos que
se destacavam na luta contra totalitarismos e autoritarismos. Assim, a imprensa liberal
alegou que, frente às decisões tomadas pela civilização ocidental, a era importante
elemento para enfrentar o totalitarismo (nazi-fascismo) e o materialismo ateu
(comunismo) que ameaçavam o Brasil e o mundo. Isso explica a grande quantidade de
matérias e colunas de cunho religioso publicadas pelos jornais durante o período que
compreende essa pesquisa. As folhas analisadas mantiveram colunas específicas e
publicaram artigos e entrevistas de líderes religiosos mundiais, os quais divulgavam
suas idéias religiosas e posicionavam-se politicamente, sobretudo a partir do momento
em que as discussões acerca da Guerra Fria intensificavam-se. Vale ressaltar que OESP,
CM, DSP, JB e OG apresentavam ligação com a religiosidade, especialmente o
catolicismo, e publicavam seções, matérias e reportagens com a opinião de líderes
católicos, que, além de exprimirem suas idéias acerca da religião, também opinavam
sobre o atual momento político nacional. Em matéria extraída do jornal Observatore
Romano, órgão oficial do Vaticano, e publicada no jornal Estado de S. Paulo, a Igreja
apresentou-se como um dos agentes no processo de construção da democracia, pois se
denominava piedosa e rebelde às duras leis que foram instituídas pelos homens,
responsáveis pela escravização de inúmeros cidadãos. Assim, julgava-se também como
a responsável pela formação da ordem social e pela formação da verdadeira democracia
no Brasil.
106
De todos os jornais pesquisados, o JB e OG foram os que, por meio de seus
proprietários, mantiveram relações mais próximas com a Igreja Católica e, sendo assim,
foram os órgãos que mais publicaram conteúdo de líderes religiosos em suas páginas, os
quais exprimiram sua repulsa ao comunismo e a defesa do regime democrático. O JB
concebia que a democracia deveria começar em casa, passando os princípios de geração
em geração, se a sociedade não quisesse perecer sob o fluxo de idéias falsas e más.
Além disso, acreditava que todos os povos do hemisfério podiam ter diferentes línguas e
106
O Estado de S. Paulo, 04/09/1946.
114
raças, mas estavam presos pela unidade política, religiosa e pelos interesses
econômicos.
107
O jornal carioca apresentava intensa relação com o catolicismo, uma vez
que seu diretor-proprietário, Pereira Carneiro, nasceu em uma família de católicos e
recebera do papa o título de conde do Vaticano em 1919, por ter participado de diversos
trabalhos assistenciais realizados pela Igreja, além de ter doado 10 contos de réis para
auxiliar no combate à gripe espanhola em 1918. OG concluía que, com o fim do
Estado Novo, as pessoas deveriam ser evangelizadas, a fim de que o preço daquilo que
adquirimos ou perdemos não fosse barateado pelas paixões políticas sem luz, somente
assim não se perderia de novo a liberdade conquistada com o fim do Estado Novo.
108
Para o jornal, o aspecto religioso era a essência das motivações capazes de elevar o
homem à dimensão de construtor da paz. Além disso, afirmava que os assuntos
religiosos, notadamente os ligados à Igreja Católica, sempre receberam destaque em
suas páginas, o apenas quando a religião era notícia, mas para tor-la notícia, levá-la
aos homens e contribuir com a harmonia na sociedade.
109
Embora preocupada com a
democratização da sociedade, a FM não esteve ao lado da Igreja Católica nessa tarefa,
uma vez que Nabantino dispunha de formação religiosa protestante. Diferentemente de
JB e OG, a folha paulista não se preocupou em publicar colunas específicas sobre
religiosidade, matérias ou entrevistas de líderes da Igreja Católica com pareceres sobre
o momento político nacional. Para Nabantino Ramos (1970, p. 219), “a rotina dos cultos
é de escasso interesse jornalístico e não comportava seção. Mas se o jornal quiser tê-la,
para ser imparcial perante os leitores, os quais se dividiam por várias religiões, deveria
tratá-las com igualdade”.
Podemos afirmar, ainda, que a base do pensamento liberal de OESP e CM foi
formada a partir do modelo liberal inglês. Ao estudarem e viajarem constantemente à
Londres e manterem contatos com profissionais daquele país, os proprietários dos
jornais, principalmente os dos referidos periódicos paulista e carioca, sofreram
influências do ideário inglês e expressaram claramente sua simpatia por esse modelo.
OESP evidenciou sua atração pelo modelo de democracia anglo-saxão. Para o jornal de
Júlio de Mesquita, “o Brasil deveria se aproximar dos anglo-saxões, e seria ali que o
país deveria buscar as raízes do regime democrático, pois representava respeito às
107
Jornal do Brasil, 10/05/1945.
108
O Globo, 22/02/1945 e 01/06/1946.
109
Suplemento de Aniversário de O Globo, Rio de Janeiro, 29/07/1967.
115
garantias individuais, liberdade de expressão e exisncia de vida constitucional”.
110
Em
entrevista concedida à emissora BBC e transmitida ao Brasil, Paulo Bittencourt deixou
claro sua simpatia pelo modelo político inglês. Para o proprietário do CM, o espírito de
sacrifício do povo inglês era exemplo de consciência política, senso social e
patriotismo. Dessa forma, podemos concluir que o modelo liberal democrático e
constitucionalista inglês determinou a concepção de democracia de OESP e do CM,
uma vez que ambos, historicamente, defenderam a legalidade e a constitucionalidade.
Entretanto, apesar de diferentes concepções sobre a mesma base ideológica
liberal, é correto afirmar que, com o enfraquecimento da ditadura Vargas, todos os
órgãos analisados declaravam-se defensores da democracia e da extensão do direito de
participação política a todos os cidadãos. Nesse peodo, os jornais uniram suas forças
para derrubar o inimigo comum, mas, com a conjuntura política que se formara a partir
da queda de Vargas e, principalmente, com a emergência do governo Dutra, as folhas
posicionaram-se de forma particular em defesa de seus interesses econômicos e
políticos mais imediatos, alinhando-se a grupos, partidos ou projetos políticos próximos
aos seus interesses. Desse modo, o discurso democrático presente nas páginas dos
jornais tinha interesses bem definidos: a garantia ou conquista de benefícios políticos e
econômicos particulares, bem como a conquista de posições elevadas dentro do campo
jornalístico e político, capazes de proporcionar aos jornais a condição de influírem nas
tomadas de decisões e, assim, influírem mais amplamente no primeiro e segundo
campos. Seguindo as orientações de Pierre Bourdieu (2003), podemos afirmar que os
jornais estão em constante concorrência, que se configura por excelência em uma luta
pelo poder simbólico, pois o objetivo das folhas é converter a visão de mundo e os
interesses de um determinado grupo particular como sendo geral. Sendo assim, ao
indicar um modelo de democracia a ser seguido ou um conjunto de idéias políticas a
serem interiorizadas pelos seus leitores, os jornais buscam a mobilização do maior
número de agentes para sua causa, com vistas a conquistarem posições elevadas dentro
do campo jornalístico, capazes de lhes assegurar poder e distinção sobre seus
concorrentes e, desta forma, a possibilidade de influir mais amplamente no campo
político.
110
O Estado de S. Paulo, 10/08/1947 e 02/09/1947.
116
Contudo, embora os jornais da segunda metade da década de 1940 tivessem
atingido um grau acentuado de organização e desenvolvimento, boa parte deles não se
empenhou mais sistematicamente na conquista de sua autonomia em relação ao campo
político; atuava e cumpria uma função complementar à política, agindo muitas vezes
como porta-voz ou caixa de ressonância de partidos e/ou grupos políticos. O apoio ou a
oposição de um jornal a governos constituídos eram importantes para garantir a
sobrevivência do órgão, quer fosse por meio de empréstimos e incentivos, quer fosse
pela publicidade oficial.
Cabe ressaltar que, com o fim do Estado Novo, a imprensa empunhou a bandeira
da democracia e liberdade de expressão. Assim, os jornalistas e proprietários de jornais
não estavam defendendo a supressão da censura e a completa democratização da
sociedade, mas a eliminação deste como atributo exclusivo do Estado, podendo, pois,
criar representações do mundo social e interferir com mais precisão dentro do campo
jornalístico e político nacional, segundo interesses econômicos e políticos imediatos ou
mais amplos dos proprietários de jornais e dos grupos econômicos aos quais as folhas
estavam ligadas ou com os quais mantinham relações comerciais.
Ao defenderem a liberdade de imprensa, os jornalistas usam-na para imporem-se
como segmento significativo do empresariado que, como os demais, almeja parcela de
poder. Assim, estes profissionais procuram manter relações próximas com o Estado e
conseguir espaço para seu produto no mercado geral capitalista, pois à medida que se
formam os grandes conglomerados jornalísticos, eles passam a exercer um
comportamento monopolista e impor uma visão particularizante de mundo
(MARCONDES FILHO, 1986, p.96-101). Os jornais e jornalistas, na verdade,
pleiteavam a censura para si, com o objetivo de silenciar os grupos oposicionistas que
estavam por trás dos acontecimentos. A censura nas empresas de comunicação ocorre
por motivos particulares de controle e dominação, manifestando-se, por sua vez, nas
notícias que prejudicam interesses de seus anunciantes, que atentam contra setores
governamentais que se relacionam com diretores e proprietários de jornais, ou que
criticam posições ideológicas expressas no corpo editorial dos periódicos.
Entretanto, a censura não é apenas realizada pelo Estado em regimes de exceção
ou pela própria empresa de comunicação, quando descarta a possibilidade de publicar
117
textos ou informações que prejudiquem seus anunciantes, diretores ou até mesmo os
governos simpáticos à linha editorial do jornal. Contudo, além disso, à medida que
ocorre a concentração de poderes por parte da mídia e as relações entre governos e
proprietários de jornais se intensificam, agentes opositores ao governo são censurados e
impedidos de participarem das discussões e do próprio jogo político, uma vez que não
têm a possibilidade de barganhar com o Estado e nem receber publicidades e anúncios
estatais, empstimos e cargos governamentais, e, dessa forma, a sua permanência no
campo jornalístico fica comprometida. Assim, além da censura estatal e empresarial,
podemos afirmar que existe ainda a censura realizada pelo próprio campo jornalístico,
que define os padrões e regras para a entrada e a atuação dentro do campo.
A partir do momento em que os jornais passam por um intenso processo de
modernização e transformações técnicas, põem-se a determinar regras para a redação,
adquirem aparelhagens mais sofisticadas e desenvolvidas, dão curso a um processo de
divisão interna do trabalho e, no caso específico, obtêm padrões da imprensa norte-
americana capazes de proporcionar maior dinamismo e objetividade em seus textos, as
empresas jornalísticas se vêem na obrigatoriedade de se equipar e se modernizar para
não perder sua posição dentro do campo ou, até mesmo, ser eliminadas dele; desta
forma, a relação com o governo torna-se fundamental. De acordo com Bahia (1964, p.
108), há três pontos principais que explicam a fonte de receita da imprensa, quais sejam,
a publicidade, os grupos econômicos e os leitores, sejam por meio de venda avulsa ou
assinaturas. No entanto, é importante entender que, no momento pesquisado, os jornais,
sobretudo OG, JB, DSP e FM, estavam vivenciando uma fase de consolidação no
mercado, a publicidade despontava-se timidamente em nível nacional e as vendas
avulsas e assinaturas não eram tão volumosas capazes de manter os jornais e lhes
proporcionar condições de reestruturação de seu parque técnico e gráfico. Dessa forma,
podemos afirmar que, além das fontes de receita apontadas por Bahia, as subvenções e
ajudas governamentais foram importantes meios e instrumentos para manter o
funcionamento e a estabilidade dos periódicos. Caso os periódicos não mantivessem
essa relação política com o governo para obter anúncios e empréstimos oficiais, além da
cobiçada propaganda de empresas particulares, dificilmente elas poderiam sobreviver no
tão difícil e competitivo mercado jornalístico que se abria no s Segunda Guerra.
Assim, à medida que DSP, FM, JB e OG deixavam-se enredar na rede de dependências
118
com os governos, eles abandonavam expedientes que pudessem lhes garantir ou ampliar
sua autonomia com relação ao poder político. Dentro desse quadro, muitos dos assuntos
e tratamentos jornalísticos sofriam restrições nas páginas dos quatro periódicos, sempre
pautados pela autocensura dos seus proprietários com base na dependência do poder
oficial.
Assim, a partir da década de 1940, o jornalismo brasileiro manteve a atuação
junto com grandes forças econômicas e sociais e caracterizou-se por ser um canal de
divulgação de idéias de grandes conglomerados econômicos, ou seja, o mercado
publicitário que anuncia nos jornais e, de outro lado, de grupos políticos que almejam
emitir suas opiniões subjetivas e particularistas. Dessa forma, o Estado e a imprensa são
considerados instituições independentes e funcionam como organizações separadas,
porém os agentes ligados a essas instituições, e que as operam, muitas vezes não se
distinguem, pois suas proximidades vêm da origem da classe, da ideologia e dos
interesses políticos, econômicos e sociais comuns. Embora sejam, pois, consideradas
instituições independentes, caracterizam-se por objetivos e interesses comuns, os quais
o às vezes defendidos e demandados por meio de concorrência e tensões
(BOURDIEU, 1997, p. 30-31).
2.3. Práticas democráticas vistas e revistas pelos jornais
Os acontecimentos políticos ligados à Segunda Guerra determinaram os rumos
dos eventos políticos nacionais. Em sua visita de inspeção às tropas da Força
Expedicionária Brasileira na Itália durante o conflito mundial e após o contato com
várias líderes militares das forças Aliadas, o então ministro da guerra Eurico Gaspar
Dutra sentiu a necessidade de modificações nos rumos políticos nacionais. Ao chegar ao
Brasil tratou de comunicar suas impressões ao presidente Vargas, alertando-o sobre a
necessidade de uma nova condução política no país. Para o ministro, era uma
incongruência o Brasil combater as forças totalitárias nos campos de batalha europeus e,
internamente, privar a população do direito de escolher democraticamente os seus
candidatos. Concordando com as opiniões de Dutra e sentindo o clima de
transformações políticas que se operava em todo mundo, Vargas passou a se articular
com seus ministros, entre eles Marcondes Filho e Agamenon Magalhães, no intuito de
encontrar soluções para resolver o problema político do ps. Entre estas medidas
119
estavam a concessão de anistia aos presos políticos e a assinatura do Ato Constitucional
número 9, o qual sinalizava para uma mida reformulação constitucional. Dessa forma,
a partir dos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial, o governo Vargas, logo no
início de 1945, procurou por todos os meios tomar das mãos dos liberais a condução do
processo de "democratização" nacional. No entanto, a situação do governo não era fácil,
pois já não era possível conter os movimentos oposicionistas que exigiam cada vez com
maior intensidade o fim da ditadura e a implantação da liberdade de imprensa e de
expressão (SILVA, 1976, p.124-125). Como forma de enfrentar as reivindicações
oposicionistas, Vargas procurou, aos seus moldes, conduzir o país rumo à
democratização, mas ainda manteve elementos da estrutura política centralizadora
implantada durante o Estado Novo. À frente do processo de democratização do país, em
28 de fevereiro de 1945, o presidente assinou a Lei Constitucional número 9, também
conhecida como Ato Adicional, com o intuito de deixar claro para as forças
oposicionistas que o processo de democratização do país partia do próprio governo.
Embora configurasse uma manobra política de Vargas para controlar os rumos políticos
do país, a lei representou um avanço no processo de abertura democrática, pois
modificou parágrafos referentes à intervenção federal nos estados, modificou o
funcionamento e a composição do Poder Legislativo, além de ter fixado o prazo de 90
dias para a realização das eleições diretas para presidente da República, Câmara dos
Deputados e Assembléias Legislativas Estaduais. Para Silva (1976, p. 113), havia uma
diferença entre o que pretendiam os autores da Lei Constitucional e os seus críticos.
Para os autores da lei, o objetivo era estabelecer as condições para a criação das bases
do segundo período governamental de Vargas. Por sua vez, para os opositores, era
necessário eliminar qualquer influência do Estado Novo na sociedade; assim, criticavam
sua própria origem, pois, para os opositores liberais, a Lei Constitucional padecia dos
mesmos males da Constituição de 1937, já que havia sido imposta de cima para baixo.
Exceto OESP, por conta de estar sob intervenção federal, todos os demais
jornais analisados colocaram-se na oposição à Lei Constitucional e receavam o controle
do processo eleitoral por Vargas. Para o DSP, FM, OG e JB, a Lei Constitucional era a
expressão da vontade individual do chefe do governo, ou seja, não era entendida pelas
folhas como responsável pela democratização do país, mas como capitulação totalitária
de Vargas. No entanto, entendiam que a única contribuição da lei seria a restituição do
120
direito do voto e a convocação de eleições diretas.
111
Ao publicar importante entrevista
de JoAmérico, o CM deixou bem claro a sua opinião em relação ao Ato Adicional
número 9: “Já todos sabem o que se es passando clandestinamente. Forja-se um
método destinado a legalizar poderes vigentes, a manter interventores e demais
autoridades políticas pela consagração de processos eleitorais capazes de co-honestar
essa transformação aparente”.
112
Por sua vez, enfraquecida a censura governamental
sobre a imprensa, OG publicou entrevista do udenista Prado Kelly, a qual se coadunava
com a opinião do jornal sobre a lei. O líder udenista rechaçou a possibilidade de Vargas
conduzir e manipular o processo eleitoral em nome de sua continuidade no poder, antes
mesmo de assinado a Lei Constitucional número 9:
É inegável a deficiência na enunciação das fórmulas e dos alvitres, e o
propósito de fazer acreditar que estamos em transição normal para algumas
franquias quando o que se está em mira é uma teórica transformação que o
governo quer empreender contra ele mesmo, para defender-se instintivamente
e retardar uma evolução irresistível das coisas.
113
Os cinco periódicos exigiam o afastamento do chefe do governo e de seus
mandatários nos estados e municípios, pois receavam o controle do processo eleitoral
pelos agentes da ditadura estadonovista. O objetivo precípuo da imprensa era participar
do processo de democratização nacional, podendo influenciar diretamente nos
acontecimentos poticos nacionais. Durante o Estado Novo, OESP, sob intervenção
governamental e funcionando como um dos principais órgãos oficiosos da ditadura;
defendeu os atos de Getúlio Vargas na esfera política e econômica. Para o jornal, as
condições mundiais aconselhavam a realização de eleições, a instalação dos trabalhos
no Congresso Nacional e a gradual democratização da sociedade. No entanto, o jornal
buscou associar as transformações políticas que se processavam em vel interno e
externo à benevolência de Vargas. Sendo assim, passou a classificar o governo Vargas
como benéfico para o país, pois, para a folha paulista, “o governo havia sido o
responsável pelo aumento de recursos financeiros e de exportações industriais, tomava
medidas visando o incremento da agricultura e da indústria, o trabalhador estava sendo
mais bem remunerado”; além disso, outorgava ao chefe da nação a “responsabilidade
111
Diário de S. Paulo, 02/03/1945. Folha da Manhã, 23/02/1945. Jornal do Brasil, 29/02/1945.
112
Correio da Manhã, 23/02/1945.
113
O Globo, 27/02/1945
121
pela convocação de eleições diretas”. Sendo assim, entendia que o retorno à vida
político-partidária, bem como à democratização do país, eram benefícios políticos
concedidos pelo governo Vargas aos trabalhadores brasileiros. É importante observar
que, ao tentar conduzir o processo de abertura política e convocar eleições diretas,
Vargas respondia às aspirações populares e às críticas ao regime e, desta forma,
colocava-se como o responsável pela criação das condições que garantiriam a
democratização do país.
114
Entretanto, a partir do enfraquecimento do Estado Novo, as correntes
democráticas nacionais encontraram mais espaço para questionarem a ordem vigente e
exigirem a democratização nacional. Em 10 de março de 1945, os jornais publicaram o
Manifesto dos Jornalistas ao Povo Brasileiro, definindo posição política do órgão frente
aos fenômenos políticos nacionais. Assim, os jornalistas sentiram a necessidade de
definir publicamente sua posição política e atestaram:
Sem liberdade política, sufocados pela censura, conservando íntegras as
nossa convicções democráticas, tínhamos sido reduzidos ao silêncio e à
impotência. Parecendo, como as demais classes, as conseqüências do
asfixiante aparelho estatal de 10 de novembro, nosso maior sofrimento
decorreria, justamente, de não podermos traduzir o martírio do povo, tolhido
nos seus mínimos direitos, sob o peso da tirania. Nunca, em qualquer outro
período de nossa história, atravessamos uma situação mais sombria que no
eclipse 1937/1945. Aos jornais cassara-se, discricionariamente, o exercício
da livre ctica - que é o oxigênio da democracia (SILVA, 1976, p. 100).
Como forma de amenizar as críticas e pressões sociais, continuar controlando o
processo de democratização nacional e conquistar o apoio das classes populares e de
setores políticos nacionais, Vargas decretou a anistia política em 18 de abril de 1945,
beneficiando inúmeros presos e exilados políticos que haviam sido detidos durante a
vigência do Estado Novo. O decreto da anistia contou com o apoio de todos os jornais
analisados e reascendeu a esperança pelo retorno à legalidade democrática. Porém, por
outro lado, não sem as desconfianças da imprensa quanto à possibilidade de Vargas
continuar controlando a vida política nacional e realizar manobras de cunho eleitoral.
Além de ser o primeiro jornal a publicar o texto do decreto da anistia, pois era o
único jornal à época que contava com uma edição às 18 horas, OG defendeu a anistia
política em suas páginas e avaliava que a mesma representava um grande passo no
114
O Estado de S. Paulo, 02/1945, 03/02/1945, 27/03/1945 e 04/1945.
122
processo de evolução democrática do país, uma vez que não existia “democracia sem
liberdade política e de expressão”.
115
A FM afirmou que era favorável à anistia e que o
decreto representava um recuo da ditadura, e, desta forma, “a concessão do benefício
aos presos políticos não era por vontade espontânea de Vargas, mas pela mesma razão
que o levara a convocar eleições e retocar a Constituição por meio do Ato
Constitucional número 9: o clima de democracia que dominava o mundo inteiro”.
116
Entendendo o decreto que concedia a anistia aos presos políticos como uma grande
vitória da opinião pública e medida de grande avanço moral e político, o DSP noticiou a
assinatura do decreto com grande entusiasmo e fez prognósticos de que o Brasil muito
em breve atingiria a democracia por completo. O jornal publicou notícias e matérias
sobre passeatas ocorridas nas ruas de São Paulo em apoio ao decreto, enquetes e
opiniões de líderes religiosos e políticos do país, como a do arcebispo metropolitano de
São Paulo.
117
O CM noticiou a assinatura do decreto da anistia com grande satisfação ao
estampar na primeira página a imagem de Prestes deixando a carceragem, além de listar
todos os beneficiados pelo ato do governo.
118
Para o JB a assinatura do decreto fora
feita depois que se tornou firme a convicção de que o âmbito político marchava para a
reintegração do Brasil aos princípios democráticos, únicos compatíveis com a índole do
povo brasileiro. Para o jornal: “por todos os lados se observava uma sensação de alívio
e desafogo, a satisfação se estampava em todos os semblantes, pois o povo estava certo
de que caminhávamos para um pleito eleitoral em que realmente a nação poderia ser
ouvida”.
119
Antes mesmo de decretar a anistia e com vistas a controlar o retorno do país à
legalidade política, Vargas criou a Lei Eleitoral, para dar regulamentação aos partidos
políticos, a Justiça Eleitoral e organizou todo o processo eleitoral com vistas à
realização das eleições. De acordo com Silva (1976, p.151), em 15 de março de 1945,
Vargas procurou tomar a frente dos acontecimentos e nomeou uma comissão de juristas
e técnicos para elaborar a legislação eleitoral para as próximas eleições. No entanto,
somente em 28 de maio de 1945 foi assinado o Decreto-lei 7586 que regulamentou o
alistamento eleitoral e as eleições a serem realizadas em dezembro daquele ano. Além
115
O Globo, 18/04/1945.
116
Folha da Manhã, 01/04/1945.
117
Diário de S. Paulo, 19/04/1945.
118
Correio da Manhã, 18 e 19/04/1945
119
Jornal do Brasil, 19/04/1945.
123
disso, determinava as condições para os cidadãos serem eleitores, estruturava a Justiça
Eleitoral e determinava o voto obrigatório e secreto. Vale ressaltar que a partir da
criação do Código Eleitoral, novos partidos surgiram em âmbito nacional. Dessa forma,
marcada as eleições para 2 de dezembro de 1945, doze partidos políticos se inscreveram
para participar do pleito eleitoral, dentre eles destacavam-se o Partido Comunista
Brasileiro (PCB), União Democrática Nacional (UDN), Partido Social Democrático
(PSD) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), os dois últimos criados por Getúlio
Vargas, mas com base sócio-políticas distintas.
Entretanto, à medida que Vargas conduzia o processo de “abertura política”,
também tentava se beneficiar politicamente, conquistar o apoio das massas, bem como
de setores políticos nacionais ao seu projeto de continuidade no poder. Reconhecendo o
importante papel desempenhado pela União Soviética ao lutar ao lado das forças aliadas
durante a guerra, o governo brasileiro reatou as relações diplomáticas com o país
comunista em 01 de abril de 1945, sob os aplausos da imprensa brasileira. Essa entendia
a URSS como uma grande potência que poderia trazer muitos benefícios econômicos ao
Brasil. Para Houaiss (1985, p. 10), o governo Vargas compreendeu que tomar a
iniciativa de reatar relações com a URSS era algo que seria bem aceito pela opinião
pública nacional e de que ele poderia se beneficiar nos seus projetos de continuísmo ou
de implantação de uma nova ordem institucional no país, buscada pelos diversos setores
sociais.
120
Embora não se compactuassem com a ideologia comunista, todos os jornais
analisados defenderam o reatamento das relações diplomáticas entre Brasil e URSS,
pois acreditavam que a nova conjuntura política nacional e internacional era propícia
para o reordenamento mundial em torno da paz e colaboração mútua entre as nações.
121
Assim como seus congêneres, OESP, então sob intervenção do governo Vargas,
felicitou o reatamento de relações com a URSS e, a partir de então, passou a publicar
matérias elogiosas ao país. A “Rússia” foi classificada pelo jornal como “uma nação que
cooperava com nações amigas para a propagação da paz”. Entretanto, o jornal entendeu
o reatamento de relações com a URSS para além da sua importância à implantação da
120
Getúlio Vargas tratou o reatamento com a URSS com muito cuidado e escolheu o diplomata Mário de
Pimentel Brandão para assumir o cargo de embaixador em Moscou. Pimentel tinha experiência na carreira
diplomática, foi ministro de estado do governo Vargas entre 1936 e 1937, sendo um dos signatários da
Carta de 1937 e, desta forma, pessoa de confiança de Vargas.
121
O Globo, 03 e 04/04/1945, Jornal do Brasil, 04/04/1945, Diário de S. Paulo, 04/04/1945, Correio da
Manhã, 04 e 05/04/1945, Folha da Manhã, 04/04/1945 e O Estado de S. Paulo, 04/04/1945.
124
paz. Para o órgão paulista, o reatamento de relações diplomáticas com a URSS fora
observado a partir da ótica do interesse comercial. Em editorial, afirmou que a
aproximação entre URSS e Brasil teria surgido no momento adequado e propício para o
aprofundamento de relações comerciais entre os dois países.
122
Por sua vez, a FM
declarou que após a guerra ocorreu uma reviravolta na opinião pública sobre a URSS.
Antes do conflito, a imprensa classificava o país como autoritário, anticristão e
revolucionário. Em editorial, Nabantino Ramos alertou sobre os cuidados que a
imprensa deveria ter por elogiar exaustivamente os russos as a guerra, pois os
mesmos exageros que eram ditos a respeito da URSS antes do conflito poderiam ser
repetidos agora em forma de louvores.
123
Contudo, os elogios da imprensa brasileira
referentes à participação da URSS na guerra ocorreram até o momento em que as
discussões acerca da Guerra Fria passaram a ocupar as atenções dos jornalistas. A partir
de então, os soviéticos passaram a ser tratados como totalitários e inimigos da
democracia.
O apoio da imprensa ao reatamento das relações diplomáticas entre Brasil e
URSS está ligado ao clima predominante do imediato s-guerra, ou seja, havia a
preocupação de diversas nações e da Organização das Nações Unidas, bem como da
imprensa liberal, pela manutenção da paz, cooperação mútua entre as nações e o
estabelecimento da democracia em nível mundial.
A aproximação do governo brasileiro com o da URSS foi importante para
modificar o relacionamento entre o governo e os comunistas no Brasil. Dada à situação
de transformações políticas e econômicas que se verificavam em âmbito internacional,
os comunistas solicitaram seu registro provisório em 3 de setembro de 1945 junto ao
Tribunal Superior Eleitoral, apresentando um programa em que afirmavam ser um
partido de trabalhadores, imbuído na luta pela emancipação econômica, política e social
do Brasil. No entanto, ocorreram manifestações reacionárias contrárias a legalização do
partido. Todavia, em outubro de 1945, o Tribunal Superior Eleitoral acatou o pedido
dos comunistas e autorizou o funcionamento legal da agremiação política, abrindo um
ciclo de legalidade e participação eleitoral ao partido que duraria até maio de 1947. Ao
restabelecer relações diplomáticas com a URSS e reconhecer a atividade político-
122
O Estado de S. Paulo, 04/1945, 05/1945 e 07/1945.
123
Folha da Manhã, 04/04/1945.
125
partidária do PCB, Vargas deu mais uma demonstração de seu interesse em conduzir o
processo eleitoral e os destinos políticos do país na nova conjuntura política que se
inaugurara no pós-guerra. Vargas procurava, assim, cada vez mais se aproximar dos
comunistas, com o intuito de conquistar apoio para o seu projeto de continuidade no
poder.
Vale destacar que a postura pacífica dos comunistas após a anistia contribuiu
com a aproximação com Vargas. Em 23 de maio de 1945, o PCB realizou um grande
comício no estádio de o Januário, que reuniu populares e líderes esquerdistas de
vários países latino-americanos. Em seu discurso, Prestes deixava clara a linha de
conduta dos comunistas a partir daquele momento. Na oportunidade, o líder comunista
afirmou que o comício era, acima de tudo, uma festa antifascista e representava a
primeira vitória da democracia no Brasil, além disso, a anistia era entendida por ele
como uma conquista do povo, mas também uma obra de Vargas que havia voltado atrás
nas suas tendências e convicções inaceitáveis”, além de ter vivenciado dificuldades
criadas pelos reacionários, “mas preferiu ficar com o povo”, cortar relações com o Eixo,
estabelecer relações com o governo soviético e conceder a democracia ao povo
brasileiro. Além disso, Prestes afirmou que Vargas era:
o responsável pela libertão do povo brasileiro, era patriótico e defensor de
nossos imediatos interesses. E por estar convencido disso, era necessário
estender as mãos a todos os homens honestos, democratas, progressistas e
sinceros, para alcançar a verdadeira união nacional para a completa
eliminação do fascismo e, para tanto, seria necessário a união entre
comunistas e a burguesia para a implantação da verdadeira democracia no
Brasil.
124
Vale ressaltar que após o discurso em São Januário, a imprensa, sobretudo o
CM, DSP, FM e OG, teceu profundas críticas ao líder comunista. Para Nabantino
Ramos, Prestes “continuava fiel ao ideário que o levara ao cárcere, pois ainda pregava a
organização do povo em amplos comitês ou comises de trabalho e ainda declarava
simpatia ao marximo-leninismo e à Vargas”.
125
OG e DSP concordavam que Prestes
tinha um grande prestígio junto ao povo, que o comício em São Januário fora “algo
formidável” e que um novo fenômeno ganhava força na sociedade: o prestismo”.
126
124
Todos os jornais analisados publicaram na íntegra ou comentaram sobre o discurso do líder comunista
no comício. Correio da Manhã, 24/05/1945. O Estado de S. Paulo, 24/05/1945. Jornal do Brasil,
24/05/1945. O Globo, 05/1945, Diário de S. Paulo, 24/05/1945 e Folha da Manhã, 05/1945.
125
Folha da Manhã, 26/05/1945.
126
O Globo, 24/05/1945.
126
Entretanto, o DSP criticou o discurso e o comportamento do líder comunista após ter
deixado a cadeia. Em artigo publicado na folha de Assis Chateaubriand, o potico
Afonso Arinos concluiu que o prestismo e a aliança dos comunistas com Vargas
representavam uma ameaça à estabilidade política e social do Brasil, pois poderia levar
“as massas apaixonadas a um apoio personalista violento, desencadeando um colapso
reacionário”. Nesse sentido, o CM afirmou que Prestes, ao propor a organização do
povo em comitês, objetivava realizar a “sovietização” do Brasil. Além disso, a folha
carioca criticou a aproximação de Prestes com Vargas e o fato de o líder comunista
classificá-lo como o responsável pela concessão da anistia e ter sido o condutor da
abertura democrática.
127
No entanto, à medida que Prestes e o PCB passaram a defender uma constituinte
com Getúlio e se uniam àqueles que queriam a continuidade de Vargas no poder, os
jornais passaram a atacar virulentamente os comunistas e tentaram desqualificar a figura
de Prestes. Enquanto OESP se referia a Prestes como um dos perfeitos conhecedores
dos problemas sociais e exaltava sua capacidade de líder político, além de reconhecer a
força política do PCB e classificar a URSS como uma importante aliada política e
econômica, uma vez que lutou ao lado das forças aliadas no final na guerra
128
, o CM,
DSP, JB, OG e FM publicavam críticas sobre o líder comunista e seu partido e
demonstravam preocupação com a aproximação entre os comunistas e Vargas.
Para o CM, o objetivo de Prestes era realizar um jogo político, pois para ele a
ordem interna dependia da ordem externa e, dada a vitória da democracia no âmbito
internacional com a colaboração da URSS, o líder comunista objetivava aumentar o
prestígio dos soviéticos e, conseqüentemente, elaborar um golpe comunista no Brasil,
além de preparar o terreno para a revolução comunista e aproveitar ao máximo a aliança
com Vargas para atingir seus objetivos ideológicos e políticos.
129
A FM declarava que
Prestes e o PCB estavam assumindo uma atitude estranha ao apoiar a Constituinte com
Getúlio e defenderem o adiamento das eleições presidenciais. Dessa forma, os
comunistas e Vargas foram responsabilizados pelo jornal pelo atraso do
127
Correio da Manhã, 24/05/1945.
128
Entre os meses de abril a outubro de 1945 o jornal publicou muitas matérias em que criticavam Prestes
e a ligação do PCB com Vargas.
129
Correio da Manhã, 28/04/1945.
127
restabelecimento da democracia no Brasil.
130
Para o JB, ao engrossar as fileiras do
movimento queremista e ter defendido a união nacional em torno de Vargas, o PCB
“negava os propósitos e malefícios da ditadura e não contribuía com o retorno da
democracia”.
131
Embora reconhecesse a liderança política de Prestes e classificasse o
seu retorno ao cenário político como um fenômeno histórico, o DSP criticou
veementemente o líder comunista por suas idéias revolucionárias, bem como por sua
disposição em aliar-se com o governo, defendendo uma Constituinte com Vargas. Ao
classificar o governo de Vargas como fascista, Chateaubriand afirmou que o comunismo
pouco ou nada diferia do fascismo ou do nazismo, pois ambos eliminavam os direitos
do homem e, sendo assim, a essência dos três regimes era a ausência da representação
popular, além de fundarem-se no poder pessoal de um ditador.
132
Conquanto seu projeto de continuidade fosse alvo de críticas por parte da
imprensa e de diversos setores sócio-políticos, Vargas passou a contar com significativo
apoio do recém legalizado Partido Comunista do Brasil e do Partido Trabalhista
Brasileiro, este último fundado pelo próprio Vargas. É importante notar que Vargas
fazia um jogo duplo, pois, de um lado, apoiava a candidatura de Dutra, e, de outro,
articulava com outras forças políticas a sua manutenção no poder, estimulando os
movimentos populares a apoiarem o seu projeto de continuidade. Dessa forma, nascia o
movimento popular conhecido como Queremismo, que exigia a elaboração de uma
Constituição com Getúlio no poder e o pressionava para se desincompatibilizar e
concorrer às eleições presidenciais.
A partir da gestação e constituição do movimento queremista, a imprensa
brasileira publicou matérias denunciando que o movimento era composto por pessoas
ligadas ao Estado Novo e, pois, contrário ao restabelecimento do regime democrático no
Brasil, além de servir aos interesses autoritários de Vargas. O Diário Notícias
133
, por
exemplo, conhecido por ter a maior tiragem do Distrito Federal, afirmou que a
propaganda do "Queremos Getúlio" baseava-se em toda propaganda demagógica do
130
Folha da Manha, 05/06/1945.
131
Jornal do Brasil, 06/09/1945.
132
Diário de S. Paulo, 02/06/1945.
133
O Diário de Notícias foi fundado por Orlando Dantas, brega da Cunha e Alberto Figueiredo
Pimentel Segundo em 12 de junho de 1930. Em poucos anos se tornou a folha de maior tiragem do então
Distrito Federal. Durante o Estado Novo, foi um dos poucos órgãos da imprensa que recusou receber
subvenções do DIP, postura essa que fez com que o jornal se tornasse admirado até mesmo por seus
concorrentes.
128
Estado Novo, na tentativa de fazer as massas acreditarem que Getúlio era o pai dos
pobres e amigo dos operários, ocultando a verdade sobre Vargas. Além disso, a folha
acreditava que Vargas, para se manter no poder e continuar enganando a população,
seria capaz de dar aos pobres quantos aumentos de salários achasse necessário. E o
diário de Orlando Dantas ainda denunciava que Vargas, durante o Estado Novo, tinha
sido amigo dos ricos, pois concedera aumento de preços a vários produtos produzidos
por empresas elitistas, entre elas a Light, a qual obtivera aumento de taxas de seus
serviços como telefone, luz, energia e gás, além da Empresa Leopoldina, que havia
recebido aumentos nas tarifas de passagens, fazendo com que essas empresas batessem
recordes de faturamento e triplicassem o custo de vida da população pobre.
134
O CM
seguiu a mesma linha de seu concorrente carioca e afirmou que a legislação trabalhista
era o cavalo de batalha dos que defendiam o Estado Novo, pois ela concedia inúmeros
benefícios à população com o intuito de cooptá-la e manobrá-la para garantir o apoio em
favor da continuidade de Vargas no poder.
135
Vale destacar que o movimento queremista recebeu veementes críticas de todos
os jornais analisados, exceto OESP, que no período encontrava-se sob intervenção do
governo e servia como folhas oficiosas. Nesse período, os raros espaços que se
destinavam ao comentário político nacional eram ocupados por Mário Guastini, um dos
responsáveis pela nova direção do jornal, diretor do DEIP e responsável por uma coluna
política diária. Desta forma, Guastini publicou textos defendendo o presidente das
pesadas acusações e críticas que vinha sofrendo, sobretudo a partir do início de 1945.
No momento em que as críticas ao regime estadonovista, bem como ao queremismo,
avolumavam-se, Guastini saiu em defesa de Vargas e atacou a UDN:
Os comandantes e soldados da UDN são homens bem estravagantes. Dizem-
se intransigentes democratas, batalham tardiamente pela liberdade, mas por
uma liberdade exclusivista: para eles. Falam e escrevem o que entendem,
atirando pedras contra tudo e contra todos, agridem, destorcem a verdade,
desvirtuam coisas, deforma pessoas. Nada respeitam. Os seus discursos e
entrevistas provam a cada passo o que vimos dizendo
136
.
Contudo, o objetivo de Vargas em permanecer no poder o seria nada fácil de
ser concretizado. Percebendo a fragilidade política que se encontrava o regime
134
Diário de Notícias, 22 de maio de 1945.
135
Correio da Manhã, 08/05/1945.
136
O Estado de S. Paulo, 22/06/1945.
129
estadonovista com a chegada de 1945, bem como as movimentações continuístas de
Vargas, as oposições, especialmente a UDN, começaram a se articular e, pouco a pouco,
colocavam-se como as alternativas para a solução da crise política vivenciada pelo país,
requerendo para si a condução da transição política nacional. As forças liberais
oposicionistas uniram-se em torno de um nome que poderia trazer o apoio militar;
buscavam o apoio de militares que estavam insatisfeitos com o Estado Novo, entre os
quais se destacava Eduardo Gomes, que havia participado dos movimentos
revolucionários de 1922, 1924 e 1930. Mesmo tendo sido anunciado por José Américo
como o candidato das oposições, em 22 de fevereiro de 1945 e por meio de entrevista
concedida ao jornalista Carlos Lacerda, foi somente em 17 de abril de 1945 que o
brigadeiro Eduardo Gomes fez seu primeiro pronunciamento como candidato à
Presidência da República. É possível afirmar que durante a articulação do nome de
Eduardo Gomes para representar as oposições, os jornais consultados ainda se viam
obrigados a ocupar-se com publicação de matérias relacionadas ao desenvolvimento da
guerra, aos problemas do custo de vida e à política internacional, sem poder abordar de
maneira aprofundada os acontecimentos políticos nacionais. Somente a partir do fim de
abril de 1945, os jornais passaram a publicar matérias sobre a candidatura de Eduardo
Gomes, pela UDN, e a de Eurico Gaspar Dutra, pelo PSD, passando a posicionar-se
mais claramente sobre os rumos político-eleitorais do país.
Embora os udenistas se declarassem representantes das classes populares, a
candidatura de Eduardo Gomes representara a elite e a classe média, parcelas sociais
que não contavam com a confiança integral do Estado Novo. a candidatura de Dutra
era articulada pelas forças estadonovistas desde o início de 1945. Alertado pelo ministro
da Justiça Agamenon Magalhães sobre o fortalecimento da candidatura de Gomes
dentro das Forças Armadas, e percebendo a visibilidade alcançada pela candidatura
udenista a partir do apoio declarado dos grandes órgãos da imprensa liberal, Vargas
tratou de articular a candidatura de seu ministro da guerra Eurico Gaspar Dutra à
Presidência como forma de frear o apoio de algumas correntes militares ao brigadeiro.
Além disso, o presidente objetivava tomar a frente do processo de democratização e ter
a possibilidade de continuar a influir nos rumos políticos do país, uma vez que as
críticas a seu governo se intensificavam, tornando seu projeto continuísta praticamente
impossível. Após declarar a Dutra que não tinha interesses em disputar a reeleição,
130
Vargas delegou à Benedito Valadares, então interventor de Minas Gerais, a tarefa de
encontrar-se na capital paulista com o interventor de São Paulo, Fernando Costa, para
promover o lançamento oficial da candidatura de Dutra, fato que ocorreu em 13 de
março de 1945
137
. Assim, a estratégia dos líderes do Estado Novo era lançar a
candidatura de um militar para fazer frente à candidatura de outro militar. À frente do
processo eleitoral, Vargas encontrou-se com Dutra no palácio do Rio Negro, em
Petrópolis, e tratou de certificar-se da incumbência dada por ele ao interventor mineiro e
declarou: "mandei o Valadares levantar sua candidatura em São Paulo, a batalha está
ganha. O senhor irá à presidência da República porque eu quero" (SILVA, 1976, p. 124-
144).
No entanto, durante a campanha eleitoral, Dutra passou a posicionar-se
politicamente observando os cenários político e econômico internacionais, os quais
passavam por alterações significativas. Seguindo a mesma linha adotada por Vargas
durante os momentos finais do Estado Novo, procurou defender medidas que visavam à
democratização da sociedade e à concessão de benefícios aos trabalhadores. Como
prova disso, em 03 de abril de 1945, Dutra concedeu sua primeira entrevista coletiva
como candidato oficial à Presidência da República, que foi publicada por todos os
jornais consultados. Na entrevista, o então candidato defendia o retorno da legalidade
constitucional, eleições livres e diretas, medidas que visassem a proteção social dos
trabalhadores, estreitamento das relações entre Brasil e Estados Unidos e a aproximação
com a URSS, além da concessão da anistia a todos os presos políticos. Podemos afirmar
que, a partir do momento em que as candidaturas se definiram, os jornais passaram a se
manifestar, mais claramente, acerca do processo eleitoral.
Os jornais OG, JB, DSP e FM apresentaram opiniões, visões e posicionamentos
políticos bastante próximos quanto à situação política nacional, bem como sobre as
candidaturas que se apresentaram para as eleições de dezembro de 1945. Os quatro
periódicos se declararam favoravelmente à candidatura do udenista Eduardo Gomes,
mas não deixaram de tecer elogios e demonstrar certa simpatia à candidatura de Eurico
Gaspar Dutra e, em certa medida, imunizá-lo de críticas e ligações com o regime
deposto. Podemos afirmar que os quatro periódicos o estavam interessados em saber
137
O lançamento da candidatura de Dutra foi coberto com entusiasmo pelo jornal O Estado de S. Paulo
em 14/03/1945. Na oportunidade o jornal publicou na íntegra os pronunciamentos de personalidades
políticas tais como: Fernando Costa, Benedito Valadares, Cirilo Júnior, entre outros.
131
qual dos dois candidatos iria conduzir o país rumo à democratização, mas objetivavam,
acima de tudo, conquistar ou garantir interesses particulares no novo governo que iria se
formar.
Após ressaltar o patriotismo e os serviços prestados por Dutra ao país, OG e
DSP afirmaram - logo após o lançamento da candidatura de Dutra à presidência da
República - que o candidato oficial havia apresentado aos eleitores um plano de ações
digno de confiaa da população, capaz de levar o país à completa democratização.
138
O
jornal carioca se declarava favorável à candidatura de Eduardo Gomes, mas tratava a
candidatura de Dutra com bastante cautela, uma vez que Roberto Marinho mantivera
durante o Estado Novo boas relações com Vargas e com Dutra, o qual, no Ministério da
Guerra, contribuíra com a circulação de O Globo Expedicionário, publicação com
notícias do Brasil distribuído aos expedicionários nos campos de batalha. Ademais,
desde então, Dutra e Marinho tornaram-se amigos.
139
Embora simpático à candidatura
de Eduardo Gomes, o DSP não publicou matérias desfavoráveis à candidatura de Dutra.
Ao contrário, seus redatores escreveram matérias desfavoráveis ao Ministro da Guerra,
as quais o apresentavam como defensor da anistia e do estabelecimento da
democracia.
140
De acordo com Moraes (1994, p.455), Chateaubriand tomou o cuidado
de não deixar sair uma palavra que prejudicasse a candidatura de Dutra, pois quem
quisesse combatê-la nas páginas de seus jornais deveria assumir a responsabilidade. Por
sua vez, o JB entendia que os nomes de Dutra e Eduardo Gomes eram dignos de
confiança pública, pois se mostravam “mais decididos em suas ões cívicas”, além de
terem traçado os melhores planos para conduzir o país rumo à democracia. Para a folha
do conde Pereira Carneiro, os eleitores deveriam confiar nesses candidatos, já que
“abordavam temas de importância fundamental para o país e para a administração” e,
assim, “tanto um como o outro se mostram fiéis e intérpretes da consciência coletiva e
procuram colocar o Brasil no rumo do desenvolvimento e da democracia”. Para o jornal,
era preciso ouvir o candidato das oposições, como também o das chamadas forças
majoritárias, pois representavam a ética, as bases da organização da família, a educação
cristã e o caráter nacional.
141
Inicialmente, ao tratar da candidatura de Dutra, a FM não
138
Diário de S. Paulo, 04/04/1945, O Globo, 04/04/1945.
139
O Globo, 31/01/1946 e 01/02/1946.
140
Diário de S. Paulo, 04/04/1945, 03 e 30/01/1946, 01 e 02/02/1946, 05 e 13/04/1946 e 12/10/1946.
141
Jornal do Brasil, 04 e 20/04/1945, 30/11/1945, 01/12/1945 e 04 e 05/09/1946.
132
deixou de responsabilizar o candidato pela implantação da ditadura e pela aprovação da
carta de 1937. Para a folha de Nabantino, as relações de Dutra com a ditadura eram
íntimas e, caso eleito, poderia implantar outra ditadura aos moldes do Estado Novo.
Dessa forma, a FM colocou-se ao lado de Eduardo Gomes na disputa eleitoral de 02 de
dezembro de 1945. Assim, o jornal paulista classificou a candidatura do brigadeiro
como aquela que encarnava o espírito de combate à ditadura e a de Dutra como a que
ainda reunia os resquícios do Estado Novo. Em editorial a folha de Nabantino assegurou
que caso Dutra saísse vitorioso levaria para seu governo as mesmas idéias totalitárias da
ditadura.
142
Entretanto, às vésperas do pleito, o jornal mudou de posição e passou
somente a emitir opiniões favoráveis a Dutra, afirmando que o candidato apresentava
projetos e propostas para mudar o Brasil do ponto de vista político e econômico.
Contudo, o jornal previa, semanas antes da realização do pleito, a possibilidade da
vitória da candidatura Dutra, pois argumentava que a candidatura de Eduardo Gomes
tinha simpatias em duas ou três capitais, mas não obteria o mesmo sucesso eleitoral que
a de Dutra, que contava com o apoio da maior parte dos estados do país.
143
Vale
ressaltar que a candidatura de Mário Rolim Telles, pelo Partido Agrário Nacional, e a de
Yedo Fiúza, pelo Partido Comunista do Brasil, foram consideradas como
surpreendentes, pois, para as Folhas, ambos não tinham qualquer expressão política
nacional. A candidatura de Rolim Teles era tida pela folha paulista como um erro de seu
partido e a de Fiúza como fruto da obrigação e da necessidade de lutar do PCB.
144
Por
sua vez, OESP, ainda sob a vigência da intervenção federal, publicava poucas matérias
sobre as disputas políticas que ocorriam no país, mesmo assim o material jornalístico
era apenas de notícias oficiais sobre a campanha eleitoral. O periódico paulista ocupava-
se em divulgar notícias sobre assuntos referentes ao final da Segunda Guerra, bem como
sobre as áreas desportiva, cultural e econômica. Entretanto, não deixou de defender
claramente a candidatura de Dutra à Presidência da República. Em artigo, Mário
Guastini assegurou que o candidato fora convocado às urnas pelas forças democráticas
nacionais. E procurou também defendê-lo das críticas recebidas e desvinculá-lo das
responsabilidades pela implantação da ditadura.
145
Com o retorno do OESP às mãos dos
seus legítimos donos, Júlio de Mesquita Filho, mesmo após a realização do pleito
142
Folha da Manhã, 06/04/1945.
143
Folha da Manhã, 13 e 30/11/1945.
144
Folha da Manhã, 30/11/1945.
145
O Estado de S. Paulo, 05/04/1945.
133
presidencial, publicou em seu diário críticas contundentes a ditadura estadonovista e se
colocou como defensor da completa democratização da sociedade brasileira.
Todavia, para muitos setores políticos, bem como para parte da imprensa
brasileira, a candidatura de Eduardo Gomes era a única que representava as correntes
que objetivavam a implantação do regime democrático no Brasil. Destoando dos
posicionamentos de seus congêneres, o CM apresentou duras críticas a Dutra durante o
período em que era candidato à presidência e depois de empossado. O jornal de
Bittencourt afirmou que “os sete anos de poder absoluto foram exercidos não por
Vargas, mas também por seus ministros, os quais também deveriam ser
responsabilizados pela escuridão que implantaram no Brasil.
146
O CM, óro que se
definia como um dos responveis pelo enfraquecimento do Estado Novo, por conta de
ter publicado a entrevista de JoAmérico em 22 de fevereiro de 1945, colocou-se
desde o início da campanha presidencial ao lado da candidatura de Eduardo Gomes.
Além disso, publicou inúmeras críticas ao general Dutra, acusando-o de ser um dos
pilares da ditadura varguista. Em editorial intitulado Razões de desconfiança, afirmou
que a candidatura de Dutra merecia desconfiança e alerta por parte dos eleitores, pois
representava os elementos da ditadura, responsáveis pela “usurpação da liberdade e
legalidade política do país”. Ademais, o jornal tentava responsabilizar Dutra pelo
surgimento do Estado Novo, acusando-o de ter sido responsável pela execução do
projeto conspirador e totalitário de Getúlio Vargas. Em acréscimo, sentenciava que, ao
defender a democratização do país, Dutra estava se aproveitando das novas condições
políticas para alcançar o poder e, em seguida, restabelecer o regime ditatorial que havia
arquitetado conjuntamente com Vargas.
147
É importante notar que, embora os diários analisados defendessem o retorno ao
regime democrático no Brasil e apresentassem posições bastante próximas quanto aos
rumos políticos do país, cada óro passou a defender o candidato ou o projeto político
que melhor lhe convinha ou aqueles que mais se aproximavam da visão democrática
defendida pelos proprietários de jornais.
Além do grupo ligado ao candidato oficioso e a Eduardo Gomes, a
democratização nacional despertava o interesse de vários grupos políticos que visavam
146
Folha da Manhã, 06/04/1945 e Correio da Manhã, 07/04/1945.
147
Correio da Manhã, 04/04/1945.
134
a controlar a vida política e imprimir a sua visão particular de democracia. Com a
instituição do novo Código Eleitoral, as diversas agremiações políticas que se
despontavam no cenário político nacional pautaram-se pelo objetivo de conquistar o
poder e terem a possibilidade de dirigir a transição democrática de acordo com seus
interesses. A partir de então, os partidos políticos passavam a ocupar espaços cada vez
maiores na imprensa brasileira, publicando suas idéias acerca dos acontecimentos
políticos nacionais e internacionais, além de propaganda político-eleitoral. Entretanto, é
importante lembrar que o sistema político brasileiro encontrava-se bastante frágil e
incipiente, uma vez que a vida político-partidária havia sido suprimida com o golpe do
Estado Novo. Dessa forma, durante a fase inicial da retomada da vida político-
partidária, a imprensa passou a desempenhar importante função política na sociedade,
emitindo opiniões de líderes partidários e posicionando-se diante dos acontecimentos
políticos nacionais.
Assim, após a posse de Dutra, o DSP, FM, OG e JB passaram a defender os atos
de Dutra, ao emitir juízos e representações favoráveis do governo a seus leitores. A
partir do momento em que Dutra assumiu a presidência da República, o DSP logo tratou
de desvincu-lo de qualquer relação e responsabilidade com o Estado Novo, bem como
dos atos repressivos ocorridos nesse período. Sua posse foi entendida pelo jornal como
um momento histórico e fundamental para o processo de evolução política do país e,
desta forma, “se encerraria a fase de luta contra a ditadura”. Para Assis Chateaubriand,
Vargas havia deixado uma bomba relógio para explodir nas mãos de seu sucessor e, por
isso, o dono do DSP defendera a necessidade de Dutra tomar medidas drásticas e, até
mesmo, impopulares para recolocar o país nos rumos democráticos e fortalecer a
economia brasileira, que tinha sido fragilizada após anos de ingerência e corrupção da
máquina estadonovista.
148
Nos primeiros meses do governo Dutra, o DSP tentava
substituir a imagem golpista do presidente pela do presidente que era responsável pela
derrota da ditadura, pela democratização do país e do retorno à vida política legal. Para
tanto, afirmava que Dutra era o presidente que respeitava as diversidades, exprimia
tolerância, homem probo e que tinha restabelecido a liberdade política no país. Para
Chateaubriand, Dutra era o símbolo da legalidade, chefe de todos os brasileiros e estava
148
Diário de S. Paulo, 02/02/1946.
135
imbuído na luta pelo fortalecimento da democracia do país.
149
Na tentativa de justificar
os entraves econômicos vividos pelo Brasil durante o primeiro ano do governo Dutra, o
JB asseverava que todos os problemas nacionais nos âmbitos econômico, político e
social eram sintomas do regime de força que castigava o país por oito anos, e
argumentava que era impossível eliminar todos os problemas deixados pela ditadura em
apenas alguns anos. No entanto, o jornal classificou o governo Dutra como o
responsável pela reintegração do país ao regime da ordem, por eliminar as incertezas
que dominavam a população e por “conduzir o país rumo à claridade e a liberdade”.
150
Logo após a posse de Dutra, a FM afirmava que as circunstâncias autorizavam os
brasileiros a esperar um bom governo, pois no exterior acabara a guerra, no âmbito
interno tudo concorria para um período administrativo sereno e as forças armadas
apóiam o novo governo.
151
Nos primeiros anos do governo Dutra, o jornal de Nabantino
posicionou-se claramente ao lado do novo governo e apoiou a maior parte de suas
ações. Ligado a Dutra por meio do ministro da Justiça Souza Costa, em 18 de agosto de
1946, Nabantino afirmou que se havia um “governo seguro em suas posições e livre de
um golpe adverso”, esse era o do general Dutra. “Ele conta com o apoio das Forças
Armadas, graças ao seu espírito conciliador e às circunstâncias de os nossos militares
serem notoriamente infensos ao comunismo”.
152
Por sua vez, OG cobriu amplamente a
posse do novo presidente e a classificou como um “importante marco histórico”. Para a
folha carioca, Dutra era um dos responsáveis pela “reintegração do país às normas
históricas republicanas, além de ter sido dotado de prestígio e experiência pública”.
153
Por seu turno, com a definição do pleito eleitoral, OESP e CM apresentaram
posições bastante próximas quanto ao seu resultado, bem como sobre os rumos tomados
por Dutra na condução democrática do país. Embora fossem defensores da legalidade
eleitoral e da necessidade da contribuição da sociedade ao novo governo, ambos os
jornais passaram a criticar o novo presidente em suas páginas. Os jornais demonstraram
desânimo em relação à votação obtida pelo candidato da UDN nas eleições de dezembro
de 1945, afirmando que o Brasil havia perdido uma grande chance de “esmagar
inteiramente os remanescentes da ditadura”, e não deixaram de responsabilizar Dutra
149
Diário de S. Paulo, 05 e 13/04/1946.
150
Jornal do Brasil, 01/01/1947 e 02/02/1947.
151
Folha da Manhã, 31/01/1946.
152
Folha da Manhã, 18/08/1946.
153
O Globo, 31/01/1946 e 01/02/1946.
136
pela implantação do Estado Novo. O presidente eleito foi acusado pelo OESP e CM de
co-autor da Carta Constitucional de 1937, colaborador de todos os atos da ditadura e
uma das maiores expressões políticas do regime contra o qual o jornal lutava. Dessa
forma, entenderam que a vitória de Dutra só foi conquistada graças ao apoio dos amigos
do ditador e das bases políticas deixadas pela ditadura. De acordo com os jornais, Dutra
deveria abandonar todos os compromissos com a ditadura e romper com todos os laços
políticos que, porventura, o prendiam ao ditador, somente, assim poderia realizar um
governo democrático. Entretanto, OESP e CM entendiam que o sucesso do regime
democrático no Brasil seria determinado pelo fim de toda influência do Estado Novo no
espectro político nacional, bem como pela elaboração de uma Constituição democrática
e que garantisse as liberdades de imprensa.
154
Ao reconhecerem a derrota de Eduardo
Gomes em meados de janeiro de 1946, o CM e OESP classificaram a candidatura do
udenista como vitoriosa, pois o brigadeiro havia contribuído com a discussão
democrática e organizado as forças oposicionistas contra o Estado Novo, além de
qualificarem Eduardo Gomes como apaixonado pela democracia e possuidor de uma
pureza imaculada”. Ademais, sentenciaram que as eleições só ocorreram graças às
correntes liberais chefiadas por Eduardo Gomes que forçaram o ditador a convocar as
eleições e mais tarde abandonar o poder.
A realização das eleições em 02 de dezembro de 1945 foi entendida pela
imprensa como uma vitória do povo brasileiro e um sinal de que o país caminhava a
passos largos para a redenção democrática.
155
Todos os órgãos da imprensa analisada
noticiaram a realizão do pleito eleitoral como uma vitória democrática e uma
demonstração de que o povo brasileiro estava cansado do regime de compressão de
1937 e que agora pretendiam entrar na era da civilização e maturidade política. Desta
forma, acreditavam que independentemente do resultado das eleições, o povo tinha
saído vitorioso. É importante notar que a realização de eleições e a ampla participação
do eleitorado na escolha de seus representantes foram entendidos pela imprensa como
154
O Estado de S. Paulo, 12/1945 e 01/02/1946.
155
Ocorrido o pleito eleitoral em 02 de dezembro de 1945, o general Eurico Gaspar Dutra (PSD) foi
eleito com cerca de 55% dos votos, seguido por Eduardo Gomes (UDN) com 35%, Fiúza (PCB) 9,83% e
Teles (PAN) com 0,17%. Além da vitória de Dutra, o PSD contou com a eleição da maior bancada de
parlamentares, ou seja, elegeu 177 representantes (151 deputados e 26 senadores), seguido pela UDN com
87 (77 deputados e 10 senadores), PTB com 24 (22 deputados e 2 senadores) e PCB com 15
representantes (14 deputados e 1senador) (NOGUEIRA, 2005, p. 9-20).
137
um resgate dos princípios básicos da democracia.
156
No entanto, podemos afirmar que a
democracia que se seguiu após a queda do Estado Novo revelou-se limitada e incapaz
de assegurar às massas a possibilidade de participar amplamente das decisões políticas.
Nesse período, o Brasil contava com cerca de 46 milhões de habitantes, dos quais
apenas 17% estavam aptos a participar do pleito.
157
As correntes liberais encontraram enormes dificuldades para eliminar a estrutura
estadonovista que ainda perdurava na sociedade “democrática”. De acordo com Gomes
(2005, p. 198-202), a partir da criação do Estado Novo, as autoridades desse novo
regime criaram o conceito de democracia social, ou seja, a partir dessa nova
configuração política, o homem brasileiro ganharia o estatuto da cidadania, pois o
cidadão dessa nova democracia, identificado por seu trabalho produtivo, não mais se
definia pela posse dos direitos civis e políticos, mas pela posse dos direitos sociais.
Centrado na crítica aos governos liberais, bem como aos governos autoritários,
notadamente os comunistas, a democracia social criada durante o Estado Novo
representou uma crítica a essas duas formas de governo, uma vez que as entendiam
como desumanas e afastadas das reais necessidades dos homens. Desse modo, a
democracia social preconizada pelo Estado Novo criou profundas raízes junto aos
trabalhadores brasileiros, que tinham suas imediatas necessidades econômicas atendidas
pelo governo, dificultando a tarefa de eliminação da inflncia dos elementos
estadonovistas na sociedade, uma vez que os benefícios concedidos pelo governo aos
trabalhadores, bem como o regime imposto em 1937, eram reconhecidos como
legítimos pela população.
Assim, entre os anos de 1946 e 1948 o governo Dutra foi observado pelos
jornais analisados a partir da lente da incerteza e pelo receio do retorno às
arbitrariedades ocorridas durante o Estado Novo. Isso pode ser explicado em virtude da
fragilidade das instituões democráticas que surgiram sob as cinzas estadonovistas,
além dos partidos políticos que despontaram em nível nacional após oito anos de
silenciamento impostos pelo Estado Novo. Dessa forma, a extinção do Departamento de
156
Diário de S. Paulo, 03/01/1946 e 01/02/1946, O Estado de S. Paulo, 12/45, 01/02/1946, Correio da
Manhã, 21/09/1945 e 04/12/1945, 01/02/1946, Jornal do Brasil, 05/09/1945, 30/11/1945, 01, 02 e
05/12/1945, 21/01/1947, Folha da Manhã, 05/06/1945 e 02/12/1945, O Globo, 02 e 03/12/1945.
157
De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, cerca de seis milhões de eleitores se alistaram para o
pleito eleitoral de 02/12/1945. O Estado de S. Paulo, 01/02/1946. Correio da Manhã, 01 e 02/02/1946.
138
Imprensa e Propaganda e Departamento Nacional de Informação, a queda do Estado
Novo e a realização de eleições diretas sinalizaram o afrouxamento do controle sobre a
imprensa, ampliação da participação política e a possibilidade da implantação e
aprofundamento do regime democrático no país (MARTINS; DE LUCA, 2006, p. 74).
Contudo, os jornais analisados, mesmo os declaradamente de oposição a Dutra como
OESP e CM, demonstraram grande expectativa em relação ao novo governo,
regozijaram-se com o fim da ditadura e a possibilidade da implantação da democracia
no país. Todavia, o governo Dutra caracterizou-se por medidas centralizadoras e
repressivas, que em muito se assemelhavam às medidas tomadas por Vargas durante o
Estado Novo. Como exemplo disso, podemos citar a política de intervenções e
empastelamentos ocorridos em vários órgãos da imprensa brasileira, tema a ser
discutido no próximo capítulo.
Concordando com as análises de Souza (1990, p.105-134), o período
imediatamente posterior ao fim do Estado Novo foi caracterizado pela amplião dos
direitos democráticos e da participação política; entretanto, ocorreram continuidades e
reproduções de práticas ditatoriais e conservadoras existentes durante o regime deposto.
Para a autora, a deposição do presidente ocorreu num clima de cumplicidade com os
opositores, ou seja, Vargas o era entendido como um inimigo radical dos opositores,
especialmente dos militares, mas um opositor transitório o qual se poderia compor
futuramente; assim, o presidente deposto esteve na condição de interlocutor-chave na
passagem para o novo regime. Além disso, embora representasse um momento de
abertura democrática, o período posterior ao Estado Novo manteve, em certa medida, a
estrutura repressiva vigente no regime anterior, uma vez que ocorreram repressões a
manifestações, controle sobre o movimento operário, e até mesmo alguns dispositivos
da Constituição de 1937 foram mantidos na nova Carta Constitucional que passou a
vigorar a partir de 1946.
Apesar de a sociedade brasileira passar por transformações de ordem política e
econômica, sobretudo a partir da queda do Estado Novo, os jornais analisados
entendiam, mesmo que em tons e níveis diversos, que o caminho para a completa
democratização da sociedade era árduo e exigia grande esforço da nação, porquanto que
139
o perigo totalitário ainda não estava completamente eliminado do país.
158
Para os jornais
OESP, CM, DSP e OG, os resquícios da ditadura e o clima de instabilidade e opressão
seriam eliminados, gradativamente, à medida que ocorressem eleições livres e honestas;
somente a partir da elaboração de uma nova carta Constitucional “a obra de
redemocratização do país se completaria”.
159
Dessa forma, podemos compreender que
os periódicos entendiam que a Constituição de viés democrático seria a responsável pela
eliminação do totalitarismo e resolveria os problemas nacionais. Para as folhas, a
democracia seria atingida se fosse aprovado um texto constitucional que substituísse
o de 1937 e garantisse direitos e deveres aos indivíduos. Diferenciando-se de seus
concorrentes, a FM e JB acreditavam que, mesmo com eleições diretas, ampliação do
direito do voto e aprovação da Constituição, o Brasil ainda não alcançaria a completa
“democratização”, pois, mesmo assim, os problemas de ordem política e econômica do
país ainda não seriam solucionados. Em artigo intitulado “E depois?, José Nabantino
Ramos afirmou que o pleito eleitoral e a Constituição não resolveriam os anos de
ditadura e os graves problemas vividos pelo Brasil, que tinham raízes profundas e
difíceis de solucionar
160
. No entanto, Nabantino entendia que, com a ocorrência das
eleições, o Brasil poderia encontrar o clima para que se pudessem solucionar os demais
problemas da nação. Na mesma direção, o JB sentenciava que o Brasil havia iniciado a
marcha para a democracia, mas a jornada não era fácil, pois os restos da ditadura ainda
se esforçavam para restabelecer o regime anterior.
161
Logo no início do governo Dutra, OESP, CM, JB, OG, DSP e FM passaram a
exigir a convocação imediata da Assembléia Nacional Constituinte, com vistas à
elaboração de uma nova Constituição que viesse substituir a autoritária Carta de 1937;
reivindicavam ainda a completa eliminação dos agentes da ditadura no seio do governo
e o retorno à legalidade política. Enquanto as discuses em torno da elaboração da
nova carta constitucional avolumavam-se no Congresso Nacional e ganhavam as
páginas da imprensa nacional, diversos setores políticos nacionais, bem como a
imprensa em geral, passaram a exigir a imediata substituição da Constituição de 1937
158
Folha da Manhã, 05/06/1945 e 02/12/1945. O Estado de S. Paulo, 11 e 28/12/1945, 12/01/1946 e
05/07/1946. O Globo, 20/10/1947. Jornal do Brasil, 03/12/1945 e 06/08/1946. Correio da Manhã,
19/10/1946 e 27/11/1946. Diário de S. Paulo, 05/05/1946.
159
Correio da Manhã, 15/12/1946, O Estado de S. Paulo, 11/12/ 1945, 15/09/1946, O Globo, 20/10/1947,
Diário de S. Paulo, 05/05/1946.
160
Folha da Manhã, 05/06/1945 e 02/12/1945.
161
Jornal do Brasil, 26/04/1946 e 18/01/1947.
140
pela Constituição de 1934, ou, até mesmo, pela elaborada em 1891. Os jornais
consultados entendiam que, para a implantação da verdadeira democracia, seriam
necessárias a revogação da Constituição de 1937 e a elaboração de um novo texto de
viés democrático, o qual deveria contemplar os interesses dos grupos liberais
brasileiros. Convocada a Assembléia Nacional Constituinte nos primeiros dias de
fevereiro de 1946, os deputados eleitos formaram uma Comissão Constitucional e se
dividiram em várias subcomises com vistas a elaborar o novo texto Constitucional.
162
Todos os jornais consultados acreditavam que uma nova Constituição era importante
para a regeneração política do país e constituía um importante passo no processo de
reconduzir o país à ordem democrática.
O JB classificou como fundamental a emergência de uma nova carta
constitucional que pudesse superar a de 1937. De acordo com o jornal, somente assim
poderia ocorrer a eliminação completa da ditadura, e as bases de uma nova estruturação
política, social e econômica poderiam surgir no Brasil.
163
Em artigo publicado no jornal
DSP, Cândido Motta Filho, antigo diretor do DEIP de São Paulo, afirmou que a
Constituição era a fonte da ordem legal futura e representava o despertar da democracia
e da vida política nacional. Para Chateaubriand, com uma nova Constituição a
população poderia se desvencilhar das heranças ditatoriais e poder despertar a sua
consciência vica.
164
Pautada por uma linha política legalista, a FM declarou-se pela
imediata democratização da sociedade. Os diretores do jornal acreditavam que a carta
constitucional de 10 de novembro de 1937 deveria ser revogada, uma vez que o povo
reclamava uma constituição que realmente viesse representá-lo e que pudesse garantir a
liberdade de expressão, restaurar os poderes legítimos e respeitar as garantias
individuais.
165
Diante das discussões acerca da restauração das Constituições de 1891 e
1934, o jornal considerou que a Assembia Constituinte poderia restaurar qualquer uma
delas, mas desde que tivesse claro que a restauração iria demandar acréscimos de artigos
atualizados. Dessa forma, o jornal pleiteou uma nova Constituição que representasse o
elo entre passado e o presente e fosse responsável pelo restabelecimento da tradição de
162
A Comissão Constitucional comou a funcionar em 15 de março de 1946 e até 24 de junho foram
apresentadas 4.092 emendas a Constituição (SILVA, 1976, p. 328-9).
163
Jornal do Brasil, 26/04/1946.
164
Diário de S. Paulo, 02 e 06/02/1946.
165
Folha da Manhã, 27/02/1945.
141
respeito aos princípios democráticos.
166
Nabantino ficou entusiasmado com os avanços
dos trabalhos da Constituinte, mas entendia que com a aprovação da Constituição “o
processo histórico e os costumes políticos não seriam mudados rapidamente. Entretanto,
perguntava que se havia democracia em outros países como Estados Unidos, em
especial, porque não no Brasil?” (MOTA; CAPELATO, 1981, p. 128). OG recebeu a
nova Constituição com a esperança do predomínio da lei sobre o arbítrio. Para o jornal,
a Constituição de 1946 era responsável pelo enterro do regime discricionário
implantado por Vargas em 1937 e o pelo retorno a um regime de respeito às garantias
individuais e de liberdades políticas. Além disso, sustentou que o novo texto
Constitucional preservava o país das disputas ideológicas, uma vez que a Carta de 1937
foi utilizada pelo governo como instrumento para a implantação do terror ditatorial.
167
O
CM asseverava que a promulgação da nova Constituição tinha sido o ato mais
democrático dos últimos tempos no Brasil e que ela contribuiria com o aprofundamento
da democracia no país e com a eliminação dos agentes estadonovistas do seio da
sociedade.
168
Aproveitando a oportunidade para mais uma vez contestar o Estado Novo,
OESP afirmou que “com a promulgação da Constituição a ditadura seria sepultada”,
pois as instituições democráticas poderiam se fortalecer e as leis passariam a “ser feitas
pelos legítimos representantes do povo e não mais criadas pela vontade particular do ex-
ditador”.
169
Em editorial, o jornal avaliava:
Congratulemo-nos, porque voltamos a ser cidadãos. Está o Brasil de novo
sob um regime constitucional legítimo. Temos um estatuto de organização
nacional elaborado pelos representantes credenciados do povo, de acordo
com os princípios democráticos. É boa nossa Constituição? tem os seus
defeitos e falhas inevitáveis, isso tem. Mas tomada em conjunto, obedece às
tradições liberais de nossa formação. Aproxima-se mais dos ideais
democráticos do que a de 1934.
170
Embora tivesse representado um avanço em relação às Constituições anteriores e
recebida com bastante entusiasmo pela imprensa brasileira, a Carta Constitucional de
1946 foi desrespeitada inúmeras vezes até ser abolida pela ditadura em 1964 e, desta
forma, o arbítrio se sobrepôs à legalidade. Ao defender a democracia e prometer ordem
e estabilidade social, o governo encobria com palavras e promessas os atos de força
166
Folha da Manhã, 01/11/1945.
167
O Globo, 18 e 19/09/1946
168
Correio da Manhã, 19/09/1946.
169
O Estado de S. Paulo, 19 e 22/09/946.
170
O Estado de S. Paulo, 22/09/1946.
142
realizados pelo regime, ou seja, a lei significava simplesmente um pretexto para as
arbitrariedades cometidas pelo governo (WEFFORT, 1984, p. 44). Evidentemente, a
elaboração de uma Constituição e a instituição do sufrágio universal representavam
elementos legitimadores da democracia. Ciente dessa premissa, Dutra não interferiu no
processo de discussão e elaboração da nova Carta Constitucional, uma vez que sabia
que a mesma era importante para legitimar seu governo e lhe oferecer uma feição
democrática. No entanto, esses elementos essenciais à prática democrática foram
construídos pelos grupos políticos dominantes que tiveram que se adequar à nova
conjuntura política nacional para manter ou conquistar o poder com o intuito de
imprimir sua visão particular de mundo. Sendo assim, a democracia logo se revelaria
limitada.
143
3º Capítulo
A defesa da liberdade de expressão e imprensa
colocada em xeque: jornais liberais e a cassação
do PCB
144
3. A defesa da liberdade de expressão e imprensa colocada em xeque: jornais
liberais e a cassação do PCB
3.1. Anticomunismo: uma realidade para o jornalismo democrático
A vitória dos Aliados na Segunda Guerra, conquistada com a importante
participação da URSS, contribuiu para a implantação do clima temporário de tolerância
entre as nações e para tímidas relações entre capitalistas e comunistas, assim como para
a emergência de uma nova configuração política mundial. Dentro desse quadro, o PCB,
que por muitos anos funcionou de forma clandestina, reconquistou a possibilidade de
atuar legalmente no campo político brasileiro.
171
A partir de então, seguindo a linha de
cooperação entre as nações em torno da manutenção da paz mundial, o partido buscou
conquistar a simpatia das correntes democráticas nacionais, ampliar sua ação no seio da
classe trabalhadora e afirmar sua disposição em contribuir com o aprofundamento da
democracia no Brasil. Embora tivesse reconquistado o direito de participar da vida
político-partidária nacional, a atuação do PCB revelou-se limitada dentro da realidade
política que se inaugurou no país, uma vez que a imprensa nacional, ao lado das
correntes políticas conservadoras, foi responsável pela criação de uma representação
anticomunista, principalmente após os primeiros raios da Guerra Fria.
O ano de 1945 iniciou-se com a promessa de restabelecimento da paz mundial e
possibilidade da implantação da democracia após a derrota dos regimes totalitários
europeus. Dessa forma, a legalização da vida político-partidária nacional e a
aproximação entre Brasil e URSS contribuíram para nutrir a esperança quanto à
democratização da sociedade brasileira e a reordenação do mundo s-guerra. O
reatamento de relações diplomáticas entre Brasil e URSS, firmado após cerinia
ocorrida em Washington em 01 de abril de 1945, pode ser entendido como sintoma da
nova conjuntura política que se inaugurou após o segundo conflito mundial. Entretanto,
embora a imprensa reconhecesse a importância da URSS na luta contra o totalitarismo
durante a Segunda Guerra, a forma de organização social do país, bem como sua
ideologia política, foi abertamente criticada por todos os jornais analisados, ou seja, o
conteúdo anticomunista nunca deixou de figurar nas páginas dos órgãos consultados.
171
O partido requereu o seu registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral em 03/09/1945. No entanto, a
legalidade do partido foi reconhecida somente em 10 de novembro de 1945.
145
As críticas ao comunismo e à URSS intensificaram-se a partir do momento em
que foi requerido o registro do PCB junto ao Superior Tribunal Eleitoral, em 03 de
setembro de 1945, e, principalmente, por conta da polêmica declaração de Prestes,
publicada pelo Jornal do Comércio e pela folha comunista Tribuna Popular em 16 de
março de 1946. Indagado sobre qual posição assumiria em caso de uma guerra entre
Brasil e URSS, o líder comunista havia afirmado que optaria pelos soviéticos. Além
disso, ressaltou que os comunistas fariam como o povo da resisncia francesa e o
italiano, que havia se erguido contra Petáin e Mussolini”. Para Prestes, os comunistas
combateriam uma possível guerra imperialista contra a URSS e empunhariam armas
para fazer resistência (SILVA, 1976, p. 336). A declaração foi responsável pelo
acirramento dos ânimos na Constituinte
172
, como noticiado pelo OESP e, sobretudo,
pelos círculos jornalísticos nacionais, os quais, a partir de então, passariam a criticar
com maior intensidade as práticas comunistas e a publicar produtos jornalísticos
contrários ao PCB e à sociedade soviética. Vale ressaltar que essa versão discutida pela
imprensa e pelas forças políticas conservadoras do Brasil foi desmentida bem
posteriormente pelo próprio Prestes. Em sua versão, o líder comunista dizia ter afirmado
que: “condenaria o ato criminoso e o governo que levasse nosso povo a uma guerra
imperialista. Aí se criou a confusão. E surgiu a versão de que Prestes respondera,
categoricamente, que ficaria do lado da União Soviética” (MORAES; VIANA, 1997, p.
147). Dessa maneira, cabe destacar os posicionamentos, principalmente de OESP, DSP
e CM, os quais dirigiram pesadas críticas às declarações de Prestes e o acusaram de
“traidor da pátria”, “agente de Moscou”, “fanático”, “ambicioso”, “sem escrúpulos”,
entre outros termos pejorativos.
Ao reafirmar sua posição contrária à guerra imperialista, OESP classificou como
infelizes as declarações de Prestes e entendeu que “por amor à ideologia, o líder
comunista se considerava mais russo que brasileiro”.
173
Reafirmando suas posições
anticomunistas, OESP acrescentava que, ademais, a hipótese de o Brasil envolver-se em
uma guerra imperialista era contra as tradições e índole dos textos constitucionais do
Brasil”. Ou seja, reforçava, indiretamente, que Prestes desconhecia a tradição e
constituição brasileiras, além de o líder comunista apontar na perspectiva de uma guerra
imperialista, portanto, via belicosa para a solução de problemas.
172
O Estado de S. Paulo, 22/03/1946.
173
O Estado de S. Paulo, 22 e 29/03/1946.
146
Em editorial publicado no DSP, Assis Chateaubriand afirmava não ter ficado
espantado com a declaração de Prestes, pois, para ele, o líder comunista falava de
“acordo com a rotina do seu partido”, uma vez que esta declaração se inseria no
esquema de propaganda que fora incumbido fazer em solo brasileiro, sendo que Moscou
era o seu pólo de atração. E concluía: “é a Moscou a quem (Prestes) deve fidelidade”.
174
Sob o título “Definiu-se o senhor Prestes”, editorial do CM aproveitava a
oportunidade para tecer veementes críticas ao líder comunista e ao PCB. Afirmava que
Prestes havia tomado posição pela “Rússia” e suas declarações representavam uma
confissão de que estava a serviço de agentes internacionais. Salientava que no Brasil
existia “uma organização internacional, comandada de fora, especificamente destinada a
pôr em perigo a segurança nacional. E finalizava em tom de alerta: Essa organização
agora tomara posição”.
175
Podemos dizer que o discurso anticomunista, emitido principalmente pelo
governo e pela imprensa norte-americanos, repercutiu fortemente nos debates políticos
da recém implantada Constituinte. Com o desenrolar da Guerra Fria, o governo
brasileiro aproximava-se das idéias anticomunistas emitidas pelo governo norte-
americano, tentava conter os avanços do PCB, bem como minar as suas bases de
atuação política, como sindicatos, jornais e associações. Por seu turno, à medida que as
discussões acerca da Guerra Fria se intensificavam no plano externo, a imprensa
brasileira posicionava-se mais proximamente ao lado dos Estados Unidos, classificando
essa nação como a única comprometida com os valores democráticos e cristãos, e
passou a reproduzir o discurso de seus congêneres norte-americanos e da Europa
Ocidental em favor da eliminação do comunismo e da construção de uma sociedade
verdadeiramente democrática. Além disso, as folhas consultadas publicaram matérias
relacionadas às perseguições e ações governamentais que objetivavam frear a expansão
comunista ou até mesmo eliminar os partidos comunistas em países como França,
Estados Unidos, México, Chile, Peru, Argentina, Egito, entre outros.
176
A maior parte
deste conteúdo jornalístico era procedente de importantes agências de notícias norte-
174
Diário de S. Paulo, 26/03/1946.
175
Correio da Manhã, 23 e 27/03/1946.
176
Correio da Man, 01/01/1947 e 09/05/1947, O Globo, 20 e 27/10/1947, 08, 09 e 12/01/1948, Jornal
do Brasil, 24/05/1946 e 22/10/1947, O Estado de S. Paulo, 17/01/1947, 30/04/1947, 09/05/1947,
16/07/1947, Diário de S. Paulo, 05/01/1946 e Folha da Man, 16/07/1946.
147
americanas e inglesas, como, por exemplo, a Reuters e United Press. É importante notar
que a primeira página dos jornais analisados contava com a publicação do resumo das
principais notícias políticas internacionais, as quais eram fornecidas pelas agências
noticiosas destes países. Ao receber as matérias das agências de notícias, os jornais
realizavam um processo de seleção das matérias que deveriam ou não ser publicadas em
suas páginas. No entanto, ao receber os textos das agências de notícias, os jornais
realizavam um processo de construção de outro texto, com o objetivo de atingir mais
facilmente o público leitor local, ou seja, a simples tradução de um texto de uma
agência internacional de notícias representava a construção de um novo conteúdo
jornalístico, que trazia embutido sentimentos, desejos e objetivos bastante particulares
(BIAGI, 2001, p. 14). A preferência pela publicação de matérias de agências norte-
americanas e inglesas revelava o posicionamento político e ideológico dos periódicos
diante dos acontecimentos políticos internacionais, uma vez que estas agências
determinavam a agenda noticiosa, bem como a linha política a ser adotada pelos jornais
brasileiros a partir do despertar da Guerra Fria. Assim, podemos afirmar que as agências
de notícias norte-americanas podem ser classificadas como as grandes produtoras do
discurso anticomunista nas páginas da imprensa brasileira, que foram as grandes
fornecedoras do conteúdo jornalístico que irrigou a imprensa brasileira a partir de 1945.
Além do conteúdo procedente das agências de notícias norte-americanas, os
jornais CM, DSP, JB, FM e OESP publicaram matérias exclusivas de colaboradores
internacionais, que analisavam o cenário político internacional, posicionavam-se
contrariamente ao comunismo e defendiam o modelo político e econômico norte-
americano.
177
Ao publicar, com exclusividade, as colaborações de jornalistas
internacionais, os órgãos da imprensa buscavam legitimar seus discursos dentro do
campo jornalístico e do político e, desta forma, disputar mais amplamente posições mais
elevadas no primeiro para produzirem representações sociais que viessem a ser
consumidas pelos demais agentes dentro dos respectivos campos. Ademais, ao se
relacionar com os campos jornalístico e político norte-americanos e defender o regime
capitalista vigente naquele país, a imprensa brasileira buscava destacar-se no âmbito
comercial, conquistando propagandas do mercado industrial norte-americano.
177
Correio da Manhã, 19/10/1946, Jornal do Brasil, 03/12/1945, 09/01/1948, O Estado de S. Paulo,
28/12/1945, 18/04/1946 e 23/05/1946, 13/03, 09/05/1947, 04/10/1947, 02 e 16/11/1947, Folha da Manhã,
06/04/1945, 08/05/1945 e 01/11/194 e, Diário de S. Paulo, 05/01/1946.
148
Como prova da construção ideológica anticomunista, a partir da segunda metade
da década de 1940, momento em que as relações entre os profissionais da imprensa
brasileira e americana intensificaram-se, o governo americano passou a investir grande
soma de dinheiro para promover a influência dos EUA no Brasil, como estratégia de
guerra ideológica. Para tanto, sob a direção de Nelson Rockefeller, foi criado em 1940
o “Office of the Coordinator of Interamerican Affairs”, que passou a distribuir artigos
para a imprensa brasileira com os conteúdos político e ideológico veiculados pela
imprensa norte-americana, além de patrocinar viagens de jornalistas brasileiros “à pátria
democrática
178
(MOURA apud LINS DA SILVA, 1991, p. 79).
As influências anticomunistas norte-americanas não se reproduziram
literalmente no Brasil, “mas a recepção das construções discursivas e imagéticas foi
mais bem recebidas que outras”, ou seja, embora constituíssem importantes elementos
de combate ao comunismo, os argumentos anticomunistas de inspiração liberal
encontraram menor acolhida no Brasil do que nos Estados Unidos, uma vez que aqui os
valores religiosos do catolicismo representaram a base da mobilização anticomunista. À
medida que ocorria o crescimento da ideologia comunista no Brasil e esta passava a
representar perigo para os setores liberais e religiosos, o comunismo passou a ser
caracterizado pela grande imprensa como agente do mal e de ideologia demoníaca
(MOTTA, 2002, p. 2).
179
Uma das instituições que mais se dedicou ao combate ao comunismo no Brasil
foi a Igreja Católica. O discurso anticomunista produzido pelo catolicismo foi elaborado
a partir de uma infra-estrutura existente na Igreja. A luta contra o comunismo foi
beneficiada pelas boas relações que a hierarquia católica mantinha com os governos
constituídos e com grupos políticos dominantes. Isso explica o posicionamento dos
líderes religiosos, que, por meio de livros, revistas, cartazes, panfletos e santinhos
impressos nas gráficas católicas, incentivavam os fiéis, em 1945, a conscientizar-se
178
De acordo com o autor, a verba gasta pela entidade presidida por Rockefeller para esse tipo de
atividade foi de U$$ 3,5 milhões em 1940 e U$$ 38 milhões em 1942.
179
Em Os comunistas no imaginário dos jornais 1922-1989, de autoria de Bethânia Mariani, e Em
guarda contra o perigo vermelho, escrito por Rodrigo Patto Sá Motta, o leitor encontra reflexões sobre a
construção das representações e do discurso anticomunista produzido acerca da ideologia comunista e dos
comunistas após a Revolução de 1917.
149
Deus contra a ideologia comunista, considerada como anticristã pela instituição
religiosa.
Após a legalização do PCB em 1945, as lideranças católicas passaram a
aconselhar seus seguidores a esquivar-se do comunismo e votar nos candidatos
simpáticos ao regime democrático, à liberdade de expressão e fiéis aos bons costumes
nacionais e à família. Dessa forma, OG e o JB destacaram-se por ter publicado opiniões
de líderes e autoridades católicas acerca do comunismo, uma vez que as folhas
apresentavam ligações próximas com a Igreja por meio de seus proprietários. Em
entrevista publicada em OG, D. Jaime de Barros Câmara, cardeal arcebispo do Rio de
Janeiro, afirmou que a Igreja “sempre condenou o comunismo como doutrina
materialista e responsável pela perturbação e ordem da paz mundial”.
180
Além disso, D.
Jaime Câmara e o arcebispo de São Paulo, D. Carlos Mota, preconizavam nas páginas
do JB a necessidade da coesão nacional para a luta contra o comunismo. Para os
cardeais, os católicos não podiam ficar alheios ao comunismo. Para tanto, aconselhavam
os fiéis à “vigilância, resistência, coesão e fidelidade a Deus para afastarem os perigos
que atormentavam o Brasil”.
181
No entanto, a ação isolada da Igreja não era suficiente para eliminar a influência
comunista da sociedade. Além da atuação da Igreja Católica contra o comunismo,
diversas organizações anticomunistas
182
passaram a atuar no Brasil, sobretudo a partir
de 1930, com o intuito de extinguir a ideologia comunista e barrar seus propósitos
político- partidários, entendidos como uma ameaça aos bons costumes do país. Para
Motta (2002, p. 138), o anticomunismo atingiu níveis variados em diferentes períodos
históricos, ou seja, quanto maior o medo do comunismo, mais forte era a tendência de
surgirem entidades com o intuito de combatê-lo. Para o autor, os períodos de maior
intensidade do discurso anticomunista e de atuação de organizações que visavam
combater a ideologia compreendem os anos de 1935-1937 e 1961 e 1964. No entanto,
podemos afirmar que o período que compreende os anos de 1945-1948 pode ser
180
O Globo, 22/10/1947.
181
Jornal do Brasil, 24/10/1947.
182
De acordo com Motta (2002, p. 137-160), inúmeras organizações destacaram-se ao longo da história
na luta contra o comunismo, como, por exemplo, a Defesa Social Brasileira, Frente Universitária de
Combate ao Comunismo, a Liga de Defesa Nacional, a Cruzada Brasileira Anticomunista, a Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, entre outras.
150
entendido como um dos momentos em que o discurso anticomunista, representado,
sobretudo, pela imprensa brasileira, atingiu proporções e intensidade compatíveis aos
períodos sinalizados pelo autor. Com relação ao material jornalístico ocupado com a
política internacional, o discurso anticomunista avolumou-se nas páginas da imprensa
brasileira a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e da emergência da Guerra Fria. Já
em relação a matérias ocupadas com a política interna, o discurso anticomunista
fortaleceu-se nas páginas da imprensa a partir da abertura política, legalizão do PCB e
posterior participação político-eleitoral dos comunistas. Neste período, o pensamento
anticomunista produzido pela imprensa e por correntes políticas liberais continuou a
refoar a idéia de que a ideologia era uma ameaça à família, aos princípios cristãos, à
moral ocidental, ao patriotismo, além de relembrar, exaustivamente, a atuação dos
comunistas na Intentona Comunista de 1935.
Para os jornais consultados, o comunismo ameaçava não somente a tradição
religiosa do país, a moral, os bons costumes e a família, mas, também, a propriedade, a
liberdade, a estabilidade social e, principalmente o regime democrático. Assim, a URSS
passou a ser classificada como a antítese da liberdade, da propriedade privada e da
democracia, pois seus adeptos eram entendidos pelas folhas como “os responsáveis
pelas mobilizações que desagregavam a sociedade, como as greves, manifestações,
desordem social e ameaça ao regime democrático”.
183
Dessa forma, uma das táticas utilizadas pela imprensa para inculcar os valores
anticomunistas e criar representação contrária ao PCB nos seus leitores era a de realizar
comparações entre os aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos envolvendo
URSS e os países capitalistas, sobretudo os EUA. Nessas comparações os jornais
associavam a URSS à escravidão, à fome, à perseguição política e ao ateísmo.
Diferentemente, os países capitalistas, sobretudo os EUA, eram associados à liberdade,
à participação política, ao direito à propriedade e alinhados aos princípios cristãos.
184
183
Correio da Manhã, 24/05/1945, 04 e 31/10/1945, 16/03/1946 e 19/10/1946 e 21/11/1946, 23/11/1947,
Diário de S. Paulo, 02/06/1945, 05/01/1946 e 25/05/1946, 08/05/1947, O Estado de S. Paulo,
03/11/1946, 10/08/1947 e 12/09/1947, O Globo, 24/05/1946 e 22/10/1947, Jornal do Brasil, 09/05/1947 e
Folha da Manhã, 01/06/1946.
184
Folha da Manhã, 13/05/1945, O Estado de S. Paulo, 03/11/1946, 02/09/1947, Correio da Manhã,
04/10/1945, 16/03/1946, e 10/08/1947, Jornal do Brasil, 09/01/1948. O Globo, 28 e 29/05/1947,
22/10/19417, Diário de S. Paulo, 02/06/1945, 05/01/1946, 14/08/1946, 09/05/1947.
151
Caracterizado historicamente pela estreita defesa dos princípios liberais, OESP
sempre se posicionou contra a proliferação da ideologia comunista e sua tentativa de
dominar o mundo. Nessa direção, afirmou ser profundamente desagradável o que
julgava ser “a campanha de intrigas” desenvolvida pelo PCB no pós-guerra, pois essa
nutria o desejo de opor o Brasil aos Estados Unidos, servindo aos interesses dos
“russos”, os quais objetivavam controlar o mundo. E considerava que “o maior erro de
Prestes e do PCB foi tentar sustentar a ditadura russa e tentar implantá-la no Brasil”. O
jornal paulista vinculou os comunistas e o PCB a toda e qualquer atuação subversiva e
provocadora de desordem ocorrida na sociedade. Em editorial, OESP deixara clara a sua
posição em relação aos comunistas: não podemos ser complacentes com o Partido
Comunista. As suas atividades são mais nocivas que proveitosa à coletividade (...) o que
se sabe é que em todas as agitações, em todos os movimentos grevistas, nunca deixam
de aparecer elementos graduados do partido comunista”.
185
Além de criticar duramente os comunistas e ressaltar o perigo dessa ideologia
para o regime democrático, OESP afirmou que a UDN e os pequenos partidos poderiam
oferecer “soluções ao povo brasileiro para moralizar a administração, reorganizar a
economia, assegurar a liberdade de pensamento, além de serem os únicos partidos
capazes de oferecer resistência ás ideologias de direita e esquerda”.
186
Para a folha de
Júlio de Mesquita Filho, a UDN deveria estar ao lado do povo para fechar o terreno do
PCB. Nesse sentido, o jornal noticiou a proposta daquela agremiação partidária para
realizar uma intensa campanha contra os comunistas na imprensa e no parlamento.
Campanha que o jornal apoiaria, a fim de acabar com o comunismo ou neutralizar as
ações subversivas desenvolvidas pelo PCB.
187
O CM asseverou, em editorial, que a luta anticomunista era uma realidade para
os democratas. Dessa forma, defendia uma atuação legal mais enérgica do governo com
vistas a combater o comunismo, uma vez que o Brasil acabava de sair da crise do
regime getulista e precisava se livrar de todo perigo totalitário”. E afirmava ainda que os
comunistas estavam preparados para atacar o país, da mesma forma como o atacaram
em 1935, e gerar desordem e rebeldia, pois se tratava de conspiradores contra a
segurança e a paz dos brasileiros. Em sua coluna diária intitulada Na Tribuna da
185
O Estado de S. Paulo, 05/1946.
186
O Estado de S. Paulo, 07/05/1946.
187
O Estado de S. Paulo, 07, 14 e 28/05/1946.
152
Imprensa, o jornalista Carlos Lacerda avaliava que o PCB deveria ser entendido a partir
de dois ângulos. Primeiramente, o partido, assim como seus congêneres em cada país do
mundo, era um instrumento da “política russa” de expansão mundial e de luta contra o
grupo ocidental encabeçado pelos Estados Unidos. Em segundo lugar, era preciso
entender que a maioria dos comunistas não tinha culpa disso, pois não tinha a
capacidade de discernir entre o que é certo e errado e, desta forma, era manipulada
inconscientemente por líderes comunistas que estavam a serviço de agentes estrangeiros
e almejam a propagação da desordem e da intranqüilidade política nacional. E concluía
que os militantes comunistas eram manipulados por líderes comunistas demagógicos
que se aproveitam da fome, da miséria e do analfabetismo dessas pessoas para servirem
ao seu jogo de poder.
188
Classificando os comunistas como fanáticos e extremistas calculistas, o JB teceu
virulentas críticas à política implantada pela URSS após a Segunda Guerra; uma política
considerada imperialista e antidemocrática pelo diário. Além disso, o jornal se
posicionou de forma clara e veemente ao lado dos Estados Unidos, sempre com críticas
à estratégia dos soviéticos e do PCB em combater a influência política e econômica
norte-americana no hemisfério sul da América. Desta forma, afirmou que o Brasil não
tinha nenhum interesse em modificar ou romper com o modelo político de os
estendidas aos países vizinhos, dos quais se destacavam os EUA, para voltar à atenção
para a URSS, que nunca havia colaborado com o Brasil, seja do ponto de vista mental,
como também material. Para a folha carioca, os comunistas deveriam deixar de
aconselhar seus partidários a realizar uma “revolução de êxito impossível”, uma vez que
entendia ser impraticável a implantação no Brasil de uma revolução aos moldes da
ocorrida na URSS, pois as condições sociais e a realidade do povo brasileiro eram
completamente diferentes.
189
Posicionando-se contra a ideologia comunista, a FM declarara que na URSS
“não se permitia a existência da imprensa livre, de reuniões partidárias públicas ou em
recintos fechados, nem a formação de partidos fora do Partido Comunista, nem a
ocorrência de greves; e, em casos de descumprimento dessas determinações, o indivíduo
era fuzilado em praça pública”. Asseverava que os comunistas eram dotados de um alto
188
Correio da Manhã, 02/06/1946 e 23/02/1947.
189
Jornal do Brasil, 01/12/1946 e 10/05/1947.
153
poder de destruição e estavam habilitados a fazer de tudo para a implantação de um
regime de força e extinção da liberdade individual. E dado tal quadro, defendia a idéia
de que o governo brasileiro deveria travar uma intensa luta contra a proliferação da
ideologia comunista no Brasil, uma vez que era nociva e representava um grande perigo
à consolidação da democracia no país.
190
Entretanto, embora o discurso anticomunista estivesse presente em todos os seis
órgãos da imprensa analisados, o DSP e OG foram os que mais produziram
representações virulentas contrárias ao comunismo internacional e à atuação dos
comunistas no cenário político, sem se esquecerem de reafirmar o PCB como uma
ameaça à afirmação da verdadeira democracia no Brasil.
Em editorial publicado no DSP, Assis Chateaubriand declarou que o comunismo
em nada se diferia do fascismo e do nazismo, pois ambos objetivavam a supressão da
liberdade e da propriedade. O proprietário do DSP entendia que “todo comunista
carregava dentro de si uma fórmula de destruição dos regimes democráticos, pois a
repressão, a censura, o terror, as execuções sem julgamento predominavam na URSS
como, também, na Alemanha e Itália”.
191
Dessa forma, sustentou que a sociedade,
juntamente com o governo, deveria adotar um conjunto de procedimentos para frear as
ações comunistas e interromper seu processo de expansão verificado no s-guerra.
192
Para OG, os comunistas e os fascistas caracterizavam-se pela busca do desvirtuamento
da realidade, pois “tudo servia para eles, menos a verdade, porque somente essa não
permitia a atmosfera da confusão, da sabotagem e da descrença”. O jornal de Marinho
conclamava a vigilância da sociedade e do governo sobre as atividades dos comunistas,
os quais eram entendidos pela folha como “os responsáveis pela incitação dos
trabalhadores brasileiros à rebelião, à desestabilização do regime democrático e criação
de animosidades entre o povo brasileiro e os Estados Unidos”.
193
É interessante notar que todos os seis jornais analisados, apesar de tons e graus
distintos, definiram o comunismo como uma ameaça à ordem vigente, ao status da
classe dominante e à tentativa de implantação de um projeto político preconizado pelas
190
Folha da Manhã, 01/06/1946.
191
Diário de S. Paulo, 21/02/1946 e 02/06/1946.
192
Diário de S. Paulo, 30/03/1947.
193
O Globo, 03, 06 e 24/05/1946.
154
correntes liberais. Assim, os jornais não se eximiram da responsabilidade de criar e
difundir um discurso anticomunista na sociedade e tentar convencer os seus leitores
sobre a necessidade da eliminação da ideologia comunista do cenário político nacional.
Podemos afirmar que os jornais liberais que se posicionavam como democratas não
apenas se satisfizeram em confrontar debates ou suas idéias com a dos comunistas, mas,
definindo-se como democratas, justificavam posições e expedientes anticomunistas, no
sentido de criar imagens negativas e pejorativas ao comunismo e até dar-lhes realidade
em suas páginas.
De acordo com Abramo (2003, p. 23-35), uma das características fundamentais
da imprensa brasileira é a manipulação da informação, cujo principal efeito é o de que
os óros da imprensa não refletem a realidade, ou seja, os jornais distorcem os
acontecimentos poticos com o intuito de apresentar uma outra realidade ficcional,
criada artificialmente, a fim de construir uma realidade que privilegie os proprietários
dos jornais e grupos econômicos diretamente ligados ao grupo dirigente das folhas,
assim, “a manipulação das informações se transforma em manipulação da realidade”.
Segundo o autor, é possível distinguir pelo menos quatro padrões de manipulação da
grande imprensa: ocultar, fragmentar, inverter e induzir. Ao utilizar o padrão de
ocultação, os jornais silenciam fatos da realidade e omitem determinados
acontecimentos jornalísticos, sobretudo no planejamento da edição e da definição da
pauta jornalística, sendo que cada empresa jornalística, baseada em seus interesses
políticos particulares, define aquilo que considera fato jornalístico. Após a definição do
que corresponde ao fato jornalístico, a imprensa realiza o trabalho de fragmentar as
informões, ou seja, descontextualizar os acontecimentos com o propósito de se criar
uma outra realidade, próxima aos seus interesses. Após a fragmentação dos fatos em
aspectos particulares, a imprensa realiza um processo de reordenamento das
informões, a troca de lugares e de importância dessas partes, e prossegue, assim,
distorcendo a realidade original e criando outra artificial. Dessa forma, os jornais
realizam uma inversão da relevância dos aspectos e uma inversão da opinião pela
informação a fim de criar um fato jornalístico próximo às posições ideológicas e
políticas dos jornais. Por fim, os órgãos da imprensa realizam o processo de indução,
que consiste em induzir os leitores a consumir outra realidade construída pelos jornais,
155
artificialmente inventada, ou seja, o leitor é levado a ver o mundo não como ele é, mas
da forma como querem que ele o veja.
Ao abordar a temática do comunismo, os grandes jornais liberais analisados
realizaram um trabalho de silenciamento sobre as atividades comunistas à medida que
definiram o que deveria ou não ser abordado sobre o PCB. Ademais, quando se referiam
aos comunistas e à agremiação partidária emitiam pareceres e julgamentos contrários à
organização desses agentes poticos, sempre com o objetivo de dificultar as atividades
comunistas no campo jornalístico e político. Assim, podemos afirmar que não havia
espaço para a atuação dos comunistas na incipiente democracia brasileira pós-guerra;
permaneceram na obscuridade o complexo de suas atividades, as relações e as
contribuições que o partido e os comunistas proporcionaram à democracia e à vida
política nacional. Após a distorção e a recrião ficcional do fato jornalístico, a
realidade foi recriada pela imprensa à medida que associava o Bem aos Estados Unidos
e ao regime capitalista, e o Mal, à URSS e ao comunismo. Desta forma, os leitores eram
levados a acreditar não que fosse assim o comunismo, mas que assim seria
eternamente, sem a possibilidade de mudança.
A pauta política dos jornais analisados obedecia à cronologia dos interesses e da
conveniência. É importante notar que a própria estrutura da imprensa brasileira
contribuiu para a afirmação do discurso anticomunista na sociedade, uma vez que a
pauta dos jornais era definida por liberais que defendiam, por vezes, seus interesses
políticos e econômicos mais imediatos. Além disso, o diretor e o redator-chefe de cada
jornal - pessoas de confiança dos proprietários dos jornais -, e, posteriormente, os
manuais de redação e estilo, impunham um enquadramento de seus funcionários às
normas editoriais estabelecidas pela empresa e delimitam aquilo que poderia ou não ser
publicado. Assim, por exemplo, matérias ocupadas em noticiar sobre propostas
comunistas passaram a ser eliminadas das folhas, dando espaço à crítica e as
perseguições ao PCB e à atuação de seus parlamentares. Dessa forma, a imprensa
ocultava ou desvirtuava a atividade política dos comunistas em suas páginas à medida
que os editoriais e conteúdos jornalísticos produzidos passavam por filtros político-
ideológicos ou, quando não, por interesses imediatos das empresas jornalísticas. Por
outro lado, os produtos jornalísticos dos intelectuais e articulistas comunistas que
escreviam para a grande imprensa brasileira também passaram por um crivo ideológico
156
e, pois, eram obrigados a escrever sobre temas pré-determinados pelos diretores dos
jornais, ou ficavam restritos às seções literárias.
Com vistas à adesão do maior número de adeptos à sua causa política, a
imprensa brasileira foi responsável, assim, pela construção de uma verdade única sobre
a democracia, uma verdade que o apenas contestava a ideologia comunista como
oferecia elementos para a luta anticomunista. Sendo assim, a democracia defendida
pelos jornais no imediato pós-guerra era dotada de limites bem definidos, ou seja,
deveria estar a serviço dos interesses particulares de grupos políticos e econômicos.
Desta forma, o comunismo internacional e a ação legal do PCB no campo político
brasileiro representavam constante ameaça a estes interesses.
3.2. A democracia escrita com letras minúsculas: a reação dos jornais às práticas
comunistas.
Durante o breve período de atuação legal do PCB na vida política nacional, as
correntes liberais brasileiras apresentaram receio da proliferação da ideologia comunista
no país, principalmente no seio do operariado urbano e nas classes menos instruídas da
população. Conseqüentemente, entendiam que as ações do partido no campo político
deveriam ser monitoradas pelo governo, pois representavam ameaça à implantação das
propostas liberais e comprometiam a obra de democratização política do país. O receio
aumentou ainda mais quando do crescimento eleitoral obtido pelo partido entre as
eleições de dezembro de 1945 e a de janeiro de 1947, bem como da condução política
dos líderes comunistas que firmaram aliaas com políticos de cunho populista, fato
responsável por aguçar a desconfiança dos setores liberais e fortalecer o medo do perigo
comunista e do retorno à ditadura. Recém legalizado, o partido conseguiu uma excelente
votação nas eleições de 1945. Na oportunidade, o candidato do PCB à presidência da
República, Yedo Fiúza, conquistou algo próximo a 10% dos votos do eleitorado. Além
disso, o partido elegeu 14 deputados federais, entre os quais Carlos Marighela, Jorge
Amado, João Amazonas e Gregório Bezerra, Maurício Grabois e JoMaria Crispim.
Contou ainda com Luís Carlos Prestes como o senador mais votado pelo então Distrito
Federal, cujo suplente era Abel Abreu Chermont. Assim, o partido conquistava o posto
de quarta maior força política do país e atingia a marca de 200 mil filiados.
157
Por sua vez, nas eleições de janeiro de 1947, em que elegeram governadores,
senadores, suplentes de senadores, deputados estaduais e deputados suplementares à
mara Federal, os comunistas realizaram alianças políticas com alguns políticos que
haviam desempenhado importantes papéis durante o Estado Novo, dentre os quais se
destacava Adhemar de Barros, ex-interventor do Estado Novo em São Paulo. Vale
salientar que tal aliança deu-se em nome do comprometimento de Adhemar em defender
a existência legal do PCB e solucionar os problemas do custo de vida da população
paulista. A aliança com o PCB permitiu ao ex-interventor estadonovista um importante
trânsito junto ao operariado urbano e concedeu-lhe a possibilidade de conquistar o
eleitorado de um partido que havia conseguido uma expressiva votação nas eleições de
1945 (POMAR, 2002, p. 39). O apoio dos comunistas ao candidato do PSP foi baseado
em uma promessa de ocupação de cargos públicos, inclusive da chefia da Polícia do
Estado (BASBAUM apud POMAR, 2002, p. 40). Terminada a votação, Adhemar (PSP)
foi eleito com 35% dos votos, Hugo Borghi (PTN) com 30%, Mário Tavares, candidato
do presidente Dutra e do PSD, com 26% e Almeida Prado, candidato da UDN, que
alcançou 8% dos votos.
194
Nessas eleições, o PCB elegeu 46 deputados estaduais em 15
estados e no Distrito Federal, além de contar com os dirigentes comunistas Pedro Pomar
e Diógenes Arruda, eleitos pelo PST na eleição suplementar para a Câmara Federal
195
, e
com a eleição da maior bancada na Câmara Municipal do Distrito Federal, com 18
vereadores eleitos (CHILCOTE, 1982, p. 97).
A viria de Adhemar em São Paulo foi determinante para que a imprensa,
notadamente a paulista, passasse a criticar mais intensamente os comunistas em virtude
de seu apoio ao candidato do PSP nas eleições e, desta forma, intensificar as manobras
anticomunistas, bem como mobilizar as bases parlamentares conservadoras para a
discussão sobre a cassação da legenda e dos mandatos comunistas. Para OESP, havia
quatro candidatos ao governo do Estado: “dois aventureiros (Hugo Borghi e Mário
Tavares), um velho e mentalmente retardado político do século XIX (Adhemar de
Barros) e um com profundas convicções democráticas (Almeida Prado)”. A folha
dirigida por lio de Mesquita Filho acreditava que o PCB havia perdido a chance de
contribuir com a democracia e apoiar o candidato udenista Almeida Prado, entendido
194
Nas eleições, Adhemar recebeu 393.637 votos, Hugo Borghi 340.502, Mário Tavares 289.575 e
Almeida Prado 93.169.
195
A partir de então, o PCB passou a contar com 16 deputados na Câmara dos Deputados e 1 senador.
158
pelo jornal como um dos possuidores de um passado moral e intelectual notável, além
de comprometido com a democracia. E concluía que os comunistas preferiram ficar ao
lado de Adhemar, que fora um dos interventores da ditadura Vargas e realizara a mais
feroz perseguição aos adversários.
196
Durante a campanha eleitoral, a FM apoiou a
candidatura de Mário Tavares, do PSD, ao governo do estado de São Paulo,
classificando-o como “pertencente a uma estirpe ilustre e detentor de bons costumes”.
Embora, condenasse o apoio do PCB à candidatura de Adhemar de Barros, o jornal de
Nabantino se relacionaria amistosamente com o governador Adhemar de Barros depois
de sua posse.
197
Seguindo sua linha de apoio aos governos constituídos, o DSP
condenou a aliança realizada entre o PCB e Adhemar de Barros durante a campanha
eleitoral. Todavia, logo após a vitória do candidato do PSP, a folha de Chateaubriand
passou a defender claramente o novo governador, conquanto continuasse criticando os
comunistas que haviam descarregado grande quantidade de votos na candidatura
adhemarista. Depois da posse de Adhemar, Assis Chateaubriand tentou beneficiar-se
política e economicamente do novo governo. Para Chateaubriand, “o novo governador
de São Paulo havia adotado com os Diários, durante a campanha política, o mesmo
expediente que teve o general Dutra, ou seja, não perdeu o contato com os Diários
Associados”. Além disso, classificou o novo governador eleito como tolerante,
inteligente e dotado de um desejo de servir São Paulo e seus altos ideais de educação
cívica e de cultura política.
198
Nesse período, o candidato que recebesse o apoio dos comunistas era alvo de
ataque das oposições, uma vez que o comunismo representava a impureza e a antítese
do projeto defendido pelas forças políticas liberais. Embora se declarasse
terminantemente anticomunista, Chateaubriand reconheceu a importância do apoio do
PCB à candidatura de Adhemar e afirmou que, sem essa aliança, o governador eleito
não teria conquistado a diferença de votos em relação a Hugo Borghi, o segundo
colocado nas eleições. Durante a campanha eleitoral, Adhemar de Barros tentou por
todos os meios defender-se das críticas que sofria por conta do apoio recebido dos
comunistas. Vale lembrar que uma vez impossibilitados de conquistar os votos ou o
apoio político dos comunistas, os agentes políticos liberais passaram a utilizar as idéias
196
O Estado de S. Paulo, 07, 10 e 24/01/1947.
197
Folha da Manhã, 01/1947.
198
Diário de S. Paulo, 24/01, 08/03 e 12/03/1947.
159
negativas construídas a respeito do comunismo para atacar seus opositores. É
importante notar que todos os partidos almejavam conquistar o apoio e os votos dos
comunistas; desta forma, o PCB realizou coligações com a UDN, PTB e PSD em vários
estados do país.
A partir do avanço eleitoral do PCB, verificado nas eleições de 1945 e 1947, e à
medida que os primeiros contornos da guerra fria ficavam mais nítidos, o governo e as
correntes políticas conservadoras brasileiras puseram-se a controlar com mais
intensidade as ações dos comunistas. As ações políticas contra o PCB culminaram no
pedido de cancelamento da legenda em março de 1946, requerida pelos deputados
Barreto Pinto
199
e Himalaia Virgulino do PTB, que acusavam os comunistas de
representarem uma organização internacional, orientada pelo marxismo-leninismo, e
que, em caso de guerra entre Brasil e URSS, ficariam ao lado dos últimos.
Apresentando farta documentação com publicações, entrevistas e discursos comunistas,
os deputados objetivavam provar que o PCB era representante de uma organização
internacional, orientada pelo marxismo-leninismo. Além disso, denunciavam que, após
obter o registro que lhe possibilitava atuar politicamente, o partido começou a exercer
atividades nefastas e subversivas, apoiando greves e procurando criar um clima de
confusão e desordem. Assim sendo, a imprensa, que, havia pouco, defendera a completa
democratização do país e a ampla participação dos partidos políticos no cenário político
nacional, passou a se posicionar diante das discussões acerca das denúncias
apresentadas pelos líderes petebistas e que previam a cassação do PCB com o intuito de
direcionar os debates políticos nacionais, tema a ser discutido adiante.
Centrado no objetivo de controlar as ações do PCB, no início de abril de 1946, o
governo proibiu a realização de atividades comunistas, dispersou comício do partido no
Largo do Carioca, invadiu suas sedes e reprimiu manifestações de trabalhadores durante
o 1º de maio de 1946, utilizando a força para desfazer manifestações em diversas partes
do país. O acontecimento mais preocupante ocorreu no dia 23 de maio de 1946, no
Largo do Carioca, onde centenas de pessoas realizavam um ato em favor do PCB. A
mando do presidente, a multidão foi dispersa pela polícia sob a alegação de que não era
permitida a realização de comícios naquela localidade e de que os comunistas haviam
199
De acordo com Nogueira (2005, p.9), Barreto Pinto foi eleito com apenas 537 votos. Sua posse, bem
como a de 17 dos 22 deputados eleitos pelo PTB, foi efetuada graças à enorme votação conseguida por
Getúlio Vargas nas eleições de 1945.
160
descumprido as determinações das autoridades legais. Após forte repressão policial, em
que se relembravam os períodos mais sombrios e autoritários do Estado Novo, centenas
de pessoas foram feridas, presas e até uma morte foi contabilizada.
É curioso observar a reação da imprensa diante dos acontecimentos no Largo do
Carioca, sobretudo a dos jornais alinhados ao governo Dutra, como JB, OG, FM e DSP.
Ao analisar o confronto entre policiais e militantes comunistas, o JB afirmou que o
centro da cidade do Rio de Janeiro tinha sido palco de um “verdadeiro duelo entre os
policiais que objetivavam a manutenção da ordem e, de outro, militantes do Partido
Comunista, os quais teimavam em desobedecer à autoridade pública”. Para o jornal de
Pereira Carneiro, a polícia apenas havia cumprido o seu papel e estabeleceu uma linha
divisória entre aqueles que querem ajudar o Brasil a sair das dificuldades deixadas por
Vargas e aqueles que somente querem agravar ainda mais a situação e trazer mais
dificuldades para o povo brasileiro.
200
Sobre os acontecimentos do Largo do Carioca, OG tratou também de defender o
governo e culpar os comunistas pela violentas ações da polícia, mas não deixou de
realçar a utilização do excesso de força por parte dos policiais. De acordo com o jornal,
o PCB entregou um requerimento à Delegacia de Polícia Social pedindo a autorização
para realizar um comício no Largo do Carioca no dia 23 de maio, às 18 horas e 30
minutos. Por seu turno, a polícia emitiu um despacho no qual afirmava ser impossível a
realização de comícios no Largo do Carioca, uma vez que o local representava perigo
para a segurançablica, ficando o PCB autorizado a realizar o comício na Praça Nossa
Senhora da Paz, em Ipanema, e no mesmo dia e horário.
201
Em editorial publicado em
24 de maio de 1946, OG deixou bem clara a sua posição frente aos lamentáveis
acontecimentos do Largo do Carioca:
O Partido Comunista, dentro das intenções mais evidentes de seu guia e
chefe, nada mais deseja que desenvolver o seu programa de achincalhe às
autoridades, não poupando sequer os homens que se afastam mais do
terreiro partidário, porque incumbidos de refletir no estrangeiro os rumos de
nossa política externa, bem é de ver que o Sr. Carlos Prestes e seus mais
representativos correligionários com assento na Constituinte, o que
200
Jornal do Brasil, 24 e 25/05/1946.
201
O Globo, 22/05/1946.
161
importava acima de tudo era desmoralizar o poder blico e sobrepor-se às
suas ordens.
202
Para o DSP não era possível emprestar solidariedade a “agitadores vermelhos”,
que não podiam ser considerados como democratas, e que viviam perturbando a
tranqüilidade do povo que precisava trabalhar, boicotando a ordem pública em decisões
emanadas de fora de nossa fronteira. Além disso, o jornal caracterizava os comunistas
como rebeldes e interessados em destruir a democracia e incentivar o totalitarismo tal
qual o então vigente na URSS.
203
Por sua vez, os jornais OESP, CM e FM apresentaram opiniões e avaliaram os
fatos ocorridos no Largo do Carioca diferentemente dos seus concorrentes. Embora se
declarasse terminantemente anticomunista, a FM responsabilizava tanto o PCB quanto o
chefe da Polícia do Distrito Federal. Para a folha, os comunistas já conheciam a
determinação da Polícia de mudar o local do comício no Largo do Carioca para a Praça
Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, pelo menos um dia antes de sua realização. No
entanto, continuaram convocando os partidários para a atividade política no Largo do
Carioca. Ademais, afirmara que o chefe da Polícia cometeu grave erro ao dar esperanças
aos comunistas de que ainda poderiam obter licença para realizar o comício no Largo do
Carioca e, desta forma, concluía: “afirmar que a Polícia atirou desnecessariamente
contra o povo é tão leviano quanto dizer que os comunistas foram os provocadores do
tiroteio”.
204
Para o CM, a repressão policial ao comício no Largo do Carioca constituiu um
ato de violência à livre manifestação do pensamento e um arranhão na democracia. No
entanto, o jornal realizou duras críticas ao comportamento dos comunistas, pois teriam
desobedecido às diretrizes policiais e convocado grande quantidade de pessoas para
participarem do comício no Largo do Carioca. Além disso, acreditava que o Largo do
Carioca não tinha condições de receber comícios, pois, no horário em que foi marcado o
comício dos comunistas, atrapalharia o retorno dos trabalhadores para casa e causaria
grande desconforto. E concluía afirmando que naquele episódio a liberdade de
pensamento ofendia a liberdade pura e simples de todos. Para a folha de Paulo
202
O Globo, 24/05/1946.
203
Diário de S. Paulo, 25 e 29/05/1946.
204
Folha da Manhã, 26/05/1946.
162
Bittencourt, a polícia não deveria proibir os comícios, mas localizá-los melhor para que
a prática democrática pudesse se fortalecer no país.
205
Denunciando a ação da polícia do Distrito Federal como terrorista e nazista,
OESP tomou posição bem mais crítica e dura em relação ao ocorrido no Largo do
Carioca. Em seu artigo diário publicado na coluna O Momento Político, o articulista
Rafael Corrêa de Oliveira, que diariamente criticava o governo e seus auxiliares,
afirmou que Dutra estava “preparando o terreno para um regime de terror”. Para ele, a
polícia propositalmente havia deixado que a multidão se aglomerasse no Largo do
Carioca para “demonstrar sua monstruosidade e, além disso, não havia nada que
justificasse a ação violenta e desalentadora da polícia que reprimiu a população que se
reunia pacificamente para a realização do comício, além disso, o povo não tinha pleno
conhecimento da proibição do ato político”. Nos dias seguintes à repressão policial,
OESP publicou uma série de matérias, artigos e editoriais que, acima de tudo,
condenavam as ações violentas da polícia, responsabilizavam o governo pela autoria das
ações e exigiam a demissão do chefe da polícia do Distrito Federal José Lira, bem como
a completa demissão dos homens do Estado Novo do governo, uma vez que, se eles
persistissem no governo e o mesmo não modificassem sua conduta, o país poderia
voltar ao regime de tirania.
206
Diferentemente dos outros jornais, OESP procurou
minimizar a culpa dos comunistas no episódio e responsabilizou o governo
majoritariamente pelo confronto. No entanto, o jornal não se eximiu de publicar
virulentas críticas à atuação dos comunistas no período em que gozavam de vida legal,
ao denunciar sua propaganda e seu objetivo revolucionário. Demonstrando total
alinhamento aos ideais liberais, o jornal defendeu a atuação dos comunistas dentro dos
limites legais e sem desafiar as autoridades, caso contrário, poderiam levar o país à
catástrofe suprema, o que para o jornal significava a supressão das liberdades que o país
havia reconquistado.
Aos poucos, o governo intensificou as ações repressivas com vistas a
enfraquecer a organização comunista e, principalmente, conter seus métodos de
propaganda e divulgação de idéias. Dessa forma, por intermédio do decreto-lei 22938,
de 15 de abril de 1947, o governo suspendeu as atividades da Juventude Comunista
205
Correio da Manhã, 28/05/1946.
206
O Estado de S. Paulo, 24, 25 e 28/05/1946.
163
(JUC) sob a alegação de que a organização era nociva ao país, orientada pelo
comunismo soviético, filiada ao Partido Comunista do Brasil e tinha adquirido
personalidade jurídica mediante falsa declaração de seus fins. No entanto, como forma
de conter os avanços da Juventude Comunista, a Igreja Católica criou a Juventude
Operária Cristã, uma organização composta por elementos jovens, que objetivava atuar
no movimento operário com o intuito de combater a influência soviética do seio das
classes trabalhadoras.
207
É importante notar que todos os seis jornais analisados
posicionaram-se contra a organização da Juventude Comunista por acreditarem que a
mesma oferecia perigo aos jovens brasileiros e os hipnotizava com suas idéias
subversivas. De todos os jornais analisados, merecem destaque as posições de OESP e
JB. Ambos chegaram a propor receitas de como combater a Juventude Comunista, mas
dentro da legalidade constitucional. O diário da família Mesquita afirmava que as forças
democráticas não poderiam ficar inertes diante da criação da Juventude Comunista. Sem
propor a repressão policial à entidade jovem comunista, o jornal preconizava a criação
da Juventude Democrática, que deveria ser “reunida em torno da bandeira da liberdade e
justiça” para fazer frente à organização comunista. Ao propor a formação da Juventude
Democrática, o jornal paulista objetivava convencer os jovens brasileiros sobre os
perigos do comunismo e orientá-los sobre a necessidade do fortalecimento da
democracia.”.
208
Por sua vez, o JB comparou a Juventude Comunista à Juventude
Nazista. Para o JB seria necessária a formação de grupos de jovens religiosos para fazer
frente à Juventude Comunista, uma vez que o jornal concebia a religião como um meio
eficaz para eliminar o comunismo da sociedade.
209
As perseguições aos comunistas ganharam intensidade quando os
acontecimentos que se desenhavam no âmbito internacional impulsionaram o governo
brasileiro a repensar suas relações diplomáticas com a URSS. Respirando esse ambiente
de agressões e autoritarismo, o debate em torno do rompimento das relações
diplomáticas entre URSS e Brasil ocupou a atenção das correntes políticas e da
imprensa brasileira a partir de meados de 1947. Uma vez cassada a legenda comunista,
não restava dúvidas de que o próximo passo do governo brasileiro seria o rompimento
de relações diplomáticas com a URSS.
207
Jornal do Brasil, 13/05/1947.
208
O Estado de S. Paulo, 06/04/1947.
209
O Estado de S. Paulo. 04/1947.
164
Com a cassação da legenda comunista no Brasil em maio de 1947, a imprensa
soviética passou a deferir pesadas cticas ao governo brasileiro, acusando-o de fascista
e intransigente. No entanto, o fato que contribuiu sobremaneira para que o governo
brasileiro tomasse a iniciativa do rompimento foi o ataque realizado ao presidente Dutra
pelo governo soviético no jornal Literaturnaya Gazeta em 10 de outubro de 1947. Os
soviéticos classificaram o presidente brasileiro como “general do café” e o acusaram de
nutrir uma “mórbida paixão pelo nazismo”, além de temer o Ercito alemão, “mesmo
quando o via nas telas do cinema” (REZENDE, 2006, p.92). Por intermédio do
embaixador brasileiro Pimentel Brandão, o governo brasileiro enviou uma nota ao
governo soviético exigindo retratações daquele governo diante das afirmações, pois
segundo as autoridades brasileiras, as mesmas constituíam uma afronta ao Brasil. No
dia 14 de outubro de 1947, o Ministro das Relações Exteriores da URSS recusou-se a
responder a nota emitida pelo governo brasileiro, afirmando que as acusações não eram
cabíveis e que a referida nota estava escrita em tons ofensivos. Diante do episódio e,
sobretudo diante do impasse criado, o governo brasileiro enviou nota ao governo
soviético comunicando o rompimento de relações diplomáticas entre os países em 21 de
outubro de 1947.
210
Publicada integralmente no jornal OG
211
, a nota emitida pelo governo brasileiro
justificava como causa do rompimento o tratamento desigual dado aos diplomatas
brasileiros em Moscou em relação aos representantes soviéticos no Rio de Janeiro; aos
vexames e restrições aos diplomatas brasileiros; às críticas do governo soviético ao
ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, e ao presidente Dutra; e a rejeão
do pedido de desculpas ao governo brasileiro. O rompimento de relações diplomáticas
com a URSS foi bem recebido pelos círculos políticos conservadores e anticomunistas
no Brasil e recebeu aplausos da maior parte dos parlamentares brasileiros. Além disso,
os jornais analisados produziram intensos debates em torno do episódio e,
conjuntamente, posicionaram-se favoráveis ao rompimento de relações diplomáticas
entre Brasil e URSS, embora apresentassem motivos e objetivos diversos para tal.
210
O Brasil foi um dos primeiros países a romper relões diplomáticas com a URSS após o fim da
Segunda Guerra Mundial. No mesmos o Chile rompeu relações com os soviéticos, seguidos da
Colômbia em 1948, Cuba e Venezuela em 1952 e Guatemala em 1954.
211
O Globo, 21/10/1947.
165
Embora tivesse defendido o rompimento de relações diplomáticas entre os dois
países, OESP publicou artigos de autoria de diferentes articulistas que lamentavam o
cancelamento de relações diplomáticas entre Brasil e URSS. Entendendo o rompimento
de relações entre os dois países como um processo inserido no contexto marcado pela
Guerra Fria, o articulista Rafael Correa de Oliveira, próximo à linha editorial do jornal,
defendeu o ato do governo brasileiro e considerou que o rompimento de relações com a
URSS fazia parte do interesse nacional, mas se o rompimento tivesse ocorrido apenas
por interesses internacionais, não deveria ser apoiado. Em matéria publicada em 19 de
outubro de 1947, Correa defendia que o governo brasileiro deveria ressalvar a dignidade
do Brasil e impedir que o país fosse considerado apenas uma carta inexpressiva no
cenário da guerra-fria, ou seja, deveria mostrar-se portador de opinião própria e não
dependente do contexto político internacional. Ademais, preconizava que o Brasil
deveria apresentar-se como mediador entre as disputas que envolvessem EUA e URSS,
pois representava uma potência distanciada geograficamente dos dois pólos de disputas,
“além de se caracterizar uma nação íntegra e objetiva, podendo servir de árbitro,
intérprete e conciliador entre as partes”.
212
Por sua vez, o articulista de OESP, Paul
Vanordem Shaw, lamentou o rompimento de relões entre os dois países, pois esse ato
significava o fechamento de uma porta que poderia gerar entendimentos mútuos e o
fortalecimento das Nações Unidas.
213
O CM tomou o rompimento de relações com a URSS como algo inevivel em
face da arrogância, intransigência e grosseria das autoridades soviéticas. Para o jornal, a
URSS não deixara outra alternativa a não ser o rompimento, ou seja: “a decisão de
ruptura coube legitimamente ao Brasil, mas a responsabilidade do ato, pela origem da
causa, pertence ao governo soviético”.
214
O jornalista Carlos Lacerda, em sua coluna
diária, embora se declarasse terminantemente anticomunista, lamentou o rompimento de
relações do Brasil com a URSS, pois classificava a nação soviética como uma das mais
poderosas do mundo e, além disso, entedia que o rompimento comprometeria a
participação do Brasil na Organização das Nações Unidas, “onde a Rússia dispunha de
uma grande preponderância”. Para Lacerda, a culpa do rompimento era exclusivamente
212
Além da matéria de autoria de Rafael Correa de Oliveira, O Estado de S. Paulo, 04 e 22/10/1947.
213
O Estado de S. Paulo, 02/11/1947.
214
Correio da Manhã, 22/10/1947.
166
da URSS, pois essa insultara o governo brasileiro e criara condições para que o
relacionamento entre as duas nações se tornasse impossível.
215
Antes mesmo de se iniciarem as discussões nas páginas da imprensa acerca do
rompimento de relações diplomáticas entre Brasil e URSS, Assis Chateaubriand já
defendia o rompimento diplomático com os russos, pois “o entendia como umas das
principais medidas a serem adotadas pelo governo a fim de enfrentar, não a propaganda
pacífica do credo vermelho, mas os excessos e as provocações que estavam sendo
empregados nessa propaganda”.
216
O JB posicionou-se de forma ofensiva à URSS diante do rompimento de
relações diplomáticas com o Brasil. Para o jornal, não interessava aos soviéticos a
manutenção das relações diplomáticas com o Brasil, pois os mesmos tratavam o Brasil
como uma potência não importante, como aquelas que caíram sob sua influência, e,
desta forma, mostrava-se tão pouco diplomata no trato com as demais nações.
Aproveitando-se da oportunidade para atacar o regime soviético, o JB assegurou que a
opinião naquele país era controlada pelos seus dirigentes, o regime comunista
configurava-se como uma ideologia completamente diferente da que vigorava nos
países democráticos, pois havia restrição da liberdade individual. Contrapondo-se ao
modelo político soviético, afirmava que “no Brasil havia uma democracia de fato, o
povo escolhia seus candidatos e os jornais publicavam aquilo que pensava o povo,
independentemente da influência do governo, ou seja, no Brasil, a imprensa pensava e
ajudava a construir a nação”.
217
Por sua vez, o jornal OG adotou posição mais agressiva
em relação à de seus congêneres em face do rompimento das relações envolvendo Brasil
e URSS. Defensor do rompimento entre as duas nações, a folha de Roberto Marinho
aconselhou todos os países da América do Sul a seguir os passos do governo brasileiro,
pois entendia que a URSS e o comunismo representavam uma ameaça à América; desta
forma, os governos sul-americanos deveriam unir as suas forças para eliminar a
influência do comunismo no continente. Ademais, o jornal advogava a idéia de que,
depois de sua ação na guerra, a URSS iniciava o caminho para a conquista do mundo e a
implantação da desordem
218
. Por sua vez, os dirigentes da FM inferiam que a URSS
215
Correio da Manhã, 21/10/1947.
216
Diário de S. Paulo, 29/05/1946.
217
Jornal do Brasil, 21 e 23/10/1947.
218
O Globo, 20, 22 e 27/10/1947.
167
representava uma ameaça à civilização ocidental, isto é, ao mundo capitalista em
conjunto e, por essa razão, todas as medidas que fossem tomadas contra a URSS
recebiam o apoio incondicional do jornal. Justificando a medida adotada pelo governo
brasileiro, o jornal dirigido por Nabantino Ramos concluiu que os diplomatas brasileiros
não recebiam tratamento devido do governo soviético e não dispunham de boas
acomodações na URSS, e que, além disso, o relacionamento do governo soviético com
o brasileiro não era próprio de nações amigas, uma vez que aquele se caracterizava pelo
autoritarismo e não respeitava a soberania brasileira.
219
Podemos afirmar que o rompimento de relações diplomáticas entre Brasil e
URSS estava inserido dentro do campo de disputas político-ideológicas internacionais
marcadas pela Guerra Fria e sinalizou claramente o lado em que o Brasil ficaria durante
tal conflito; além disso, fez parte de um conjunto de ações do governo que visou
eliminar a influência comunista na sociedade brasileira. No entanto, diversas outras
ações governamentais vinham sendo planejadas e executadas com o intuito de atingir
tal objetivo.
Cumpre afirmar que com a chegada de Dutra ao poder não era de se esperar um
tratamento diferente em relação ao recebido pelos comunistas durante o Estado Novo,
uma vez que agentes da estrutura política daquele regime, bem como os mesmos
militares que serviram como base de sustentação do regime estadonovista, continuaram
no poder. Desta forma, as mesmas intenções para combater o comunismo e o PCB
durante o governo Vargas foram transplantadas para a ordem política inaugurada com a
Constituição de 1946, como, por exemplo, a elaboração do projeto de Segurança
Nacional, como antídoto para controlar as ações comunistas.
Enquanto as correntes políticas lutavam pelo retorno à vida democrática e
constitucional, o governo elaborava um projeto de lei de segurança nacional com o
intuito de centralizar e controlar a vida política do país. Em julho de 1947, o ministro da
Justiça, Benedito da Costa Neto, apresentou um projeto ao presidente Dutra, elaborado
na Seção de Segurança Nacional do Ministério, composto por 25 artigos que
preconizavam a segurança do Estado, a soberania do país, a integridade do poderes, a
proteção do país contra os ataques de ideologias subversivas, a eliminação da infiltração
219
Folha da Manhã, 20/10/1947.
168
da ideologia comunista entre o funcionalismo público, entre outros. Assim, o projeto
passou por vários ministérios, foi avaliado pelo presidente da República, chegou à
mara dos Deputados em 1949, após aprovação no Senado Federal em 08 de janeiro
do mesmo ano, e foi promulgado em 1953 (REZNIK, 2004, p.54). Evidentemente, o
projeto foi discutido e elaborado num contexto político marcado pela abertura da
polarização ideológica do mundo, pelo receio da proliferação da ideologia comunista e
apresentava objetivos bastante nítidos, ou seja, frear as ações dos comunistas e proteger
o país dos excessos totalitários. No entanto, o projeto atentava contra a livre associação
partidária, a liberdade de imprensa, a estabilidade do funcionalismo público, entre
outros pontos. Podemos afirmar que a política implementada pelos EUA após a
Segunda Guerra Mundial influenciou a Seção de Segurança Nacional no Brasil na
formulação de propostas políticas. De acordo com Reznik (2004, p.48-9), o ministro das
Relações Exteriores, Raul Fernandes, enviou dois ofícios ao ministro da Justiça,
Benedito da Costa Neto, em 29 de maio de 1947 e 29 de julho de 1947,
respectivamente, os quais o alertavam sobre as ações do governo norte-americano com
vistas a barrar o avanço comunista, como, por exemplo, a obrigatoriedade de todos os
funcionários blicos, bem como as pessoas a serem contratadas pelo poder Executivo,
de provar que não pertenciam a nenhuma organização antidemocrática.
É possível considerar que as medidas repressivas do governo se iniciaram antes
mesmo da elaboração do projeto de Segurança Nacional. Em 1948, a Seção de
Segurança Nacional dedicou-se à organização, em colaboração com os governos
estaduais, de um cadastro de publicações diárias e periódicas existentes no Brasil, com o
intuito de habilitar o governo no sentido de conhecer a orientação político-social dos
órgãos da imprensa no país. Além disso, o governo passou a controlar com maior
rigidez as publicações estrangeiras, a fim de evitar a proliferação de órgãos de
ideologias subversivas e antidemocráticas no país. Cumpre afirmar que tais medidas
visavam a proporcionar ao Estado os meios necessários para se defender das atividades
subversivas, neste momento, consubstanciadas na prática comunista. No entanto, a ação
do governo Dutra contra a imprensa comunista, além da proposta de controle da entrada
das folhas estrangeiras no Brasil, iniciou-se antes do período sinalizado pelo autor. Em
18 de outubro de 1946, o ministro da Justiça Costa Neto noticiou aos governos dos
Estados que os jornais de língua estrangeira poderiam ser editados no Brasil, exceto os
169
de caráter político, alegando o perigo da infiltração estrangeira no país. A determinação
ministerial obrigou as folhas estrangeiras a publicarem seu conteúdo no Brasil em
língua nacional, pois “essa exigência fazia parte do plano de nacionalização, integral ou
progressiva, de muitas atividades suscetíveis de abrigar o espírito desintegrador do
estrangeiro”.
220
A partir do início do governo Dutra a imprensa comunista sofreu inúmeras
arbitrariedades e passou a ser vigiada por elementos governamentais e pela polícia. Vale
destacar que, à medida que os comunistas conquistavam maior espo no campo
político nacional e ampliavam suas bases eleitorais, o governo intensificava a repressão
às suas atividades políticas, bem como buscava anular a atividade dos jornais ligados ao
partido. A partir de então, inúmeros órgãos da imprensa comunista, e até mesmo não
comunista, mas que não eram simpáticos ao governo, foram invadidos, incendiados e
impedidos de funcionar, provocando inúmeros debates parlamentares e na imprensa
brasileira. Como exemplo disso, podemos citar o fechamento da Rádio Roquete Pinto
no final de julho de 1947, emissora que não apresentava cores partidárias e pertencia a
Prefeitura do Rio de Janeiro, irradiando notícias que interessavam à administração
municipal e os debates na Câmara dos Vereadores. Único jornal carioca pesquisado a
noticiar o fechamento da emissora, o CM asseverou que “o suposto delito cometido pela
emissora fora transmitir os debates travados na Câmara, onde os oradores criticavam
abertamente o governo”. E concluía: “como a democracia no Brasil ainda não se escreve
com letras maiúsculas a emissora foi sumariamente fechada pelo governo”.
221
É importante afirmar que as autoridades da Organização das Nações Unidas
adentraram o mês de maio de 1947 realizando negociações para a implantação da
liberdade mundial de informações, com vistas a garantir ao indivíduo a possibilidade de
emitir opiniões e idéias sem nenhum tipo de censura. Entretanto, a parir de 1947, o
governo brasileiro estava disposto a controlar mais proximamente o conteúdo da
imprensa, sobretudo dos órgãos comunistas.
222
Dessa maneira, a partir da aprovação do
decreto-lei 20493, de 24 de janeiro de 1946
223
, que regulamentava o Serviço de Censura
220
Correio da Manhã, 19/10/1946.
221
Correio da Manhã, 31/07/1947.
222
Correio da Manhã, 20/05/1947.
223
De acordo com Kushnir (2004, p. 101), esse decreto justificou a maioria dos pareceres dos censores,
tanto para vetar como para autorizar a publicação de matérias nos órgãos até 1988.
170
de Diversões Públicas, o governo passou a agir de maneira sincronizada a fim de
controlar a produção e circulação jornalística, como nos sombrios tempos do Estado
Novo; além disso, o decreto-lei serviu para legitimar as ações arbitrárias cometidas
contra a imprensa comunista, bem como para minar a sua atuação no campo político e
jornalístico brasileiro. Dessa forma, Kushinir (2004, p. 99-100) salienta que houve
“continuidades e aglutinações na burocracia estatal durante a década de 1940, ou seja,
nesse período, a censura apresentou corpos polares com diferentes maneiras de agir e
vinculados a um mesmo organismo”, sendo harmônica na ação repressora à imprensa.
Assim, podemos afirmar que o período posterior ao Estado Novo manteve resquícios
autoritários, como, por exemplo, a perseguão à imprensa, a qual atingiu, sobretudo, a
de linha comunista.
Ademais, a própria Constituição promulgada em 19 de setembro de 1946
revelou-se limitada do ponto de vista democrático e foi utilizada como base para atacar
a imprensa, principalmente a mantida pelos comunistas. O artigo 141, parágrafo 5º, da
Constituição dispunha:
É livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de censura, salvo
quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e
na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer. Não é permitido o
anonimato. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros e
periódicos não dependerá de licença do Poder Público. Não será, porém,
tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a
ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe.
De acordo com Kushinir (2004, p. 98), vivia-se ainda o impacto da Segunda
Guerra Mundial e, desta forma, a última frase do parágrafo contido no artigo transcrito
acima podia ser explicada pelo receio do ressurgimento e fortalecimento da ideologia
nazi-fascista. No entanto, podemos afirmar que com a eliminação dos inimigos
internacionais de extrema direita, o comunismo soviético passou a ser encarado como
novo inimigo das nações “democráticas”. Sendo assim, à medida que a Guerra Fria
definia-se em âmbito internacional, os comunistas passaram a ser definidos como
subversivos, e a sua propaganda era apenas tolerada pelo governo brasileiro. A partir de
então, os jornais comunistas, bem como suas principais células partidárias, passaram a
ser atacadas, às vezes de forma violenta pelas autoridades policiais. Vale ressaltar ainda
que as arbitrariedades cometidas contra os órgãos comunistas foram justificadas pelo
171
descumprimento do dispositivo constitucional, que vetava a propaganda de guerra e a
defesa de instrumentos violentos que levassem o país a uma situação beligerante.
Após a extinção da legenda comunista, o ministro da Justiça Benedito Costa
Neto baixou uma circular afirmando que o PCB não poderia mais manter seus órgãos de
imprensa.
224
Tal posicionamento do ministro foi veementemente criticado pelos
principais órgãos da imprensa. Embora declaradamente anticomunistas, os órgãos
analisados posicionaram-se contrariamente ao ato, pois entendiam o mesmo como
arbitrário e inconstitucional por ferir o dispositivo constitucional que garantia a
liberdade de imprensa no país. Dessa forma, a circular do ministro afetou frontalmente a
estrutura jornalística mantida pelos comunistas. O PCB possuía vários periódicos,
dispunha de importante estrutura jornalística, e as páginas de seus jornais eram
assinadas por grandes nomes da intelectualidade brasileira. A partir da anistia política
de 18 de abril de 1945, o partido recebeu a adesão de escritores, artistas, professores
universitários e jornalistas nos seus quadros. O engajamento desses profissionais no
partido era uma forma de atuar politicamente e divulgar suas idéias. O partido construiu
uma rede de informação que incluía livros, panfletos e opúsculos, além de diversos
diários e semanários como A Tribuna Popular, Diretrizes, O Esteio, A Revista, Jornal
Hoje, O Momento, O Democrata, A Tribuna Gaúcha e A classe Operária. Dentre estes
periódicos, a Tribuna Popular foi o principal instrumento doutrinário comunista e
apresentara a melhor estrutura jornalística. O órgão foi fundado em 1925 com tiragem
inicial de 5 mil exemplares, chegando a 50 mil exemplares em 1946, contando com
colunistas como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira, Carlos
Drummond de Andrade, entre outros. Além disso, entre 1944 e 1947, os comunistas
tiveram atividade editorial intensa. Dessa forma, encarregado de criar uma editora
partidária nos padrões empresariais, Leôncio Basbaum fundou a Editorial Vitória, que
se tornaria a editora mais importante do PCB nas décadas de 1940 e 1950. A Editora
Vitória foi responsável por traduzir e difundir livros pouco conhecidos no Brasil,
sobretudo textos marxistas, e contribuiu com a difusão do conhecimento político
revolucionário entre os filiados e com determinados rculos de leitores, promovendo a
articulação da teoria com a prática revolucionária. Além da Editorial Vitória, o partido
contou com as Edições Horizonte, editora fundada em 1945 e que exerceu importante
224
O Estado de S. Paulo, 17/05/1947.
172
papel no que tange a publicação e distribuição de produtos editoriais comunistas
225
(SOTANA, 2006, p. 147-148).
As ações governamentais que visavam a eliminar a influência da ideologia
comunista da vida política nacional e desarticular as ações da imprensa ligada ao PCB,
bem como sua estrutura publicitária, começaram bem antes da cassação da legenda e de
seus mandatos. No final de julho de 1946, o jornal comunista Tribuna Popular foi
impedido de circular por quinze dias a mando do chefe da polícia Pereira Lira, sob a
alegação de ser divulgador dos planos terroristas dos comunistas e propagador de
ideologias subversivas e contrárias à moral cristã e aos princípios democráticos
226
.
Ademais, em 21 de outubro de 1947, a redação do jornal, no Rio de Janeiro, foi
invadida e empastelada com a conivência da pocia, ferindo o dispositivo constitucional
que garantia o livre trânsito das idéias e a liberdade de expressão no país. Diante do
ocorrido, as forças políticas do país emitiram suas opiniões e patrocinaram intensos
debates no Congresso Nacional; am disso, os jornais publicaram matérias e
manifestações sobre o empastelamento do jornal. No Congresso Nacional ocorreram
pronunciamentos e manifestações contrários ao ato, sobretudo da UDN, dos PSB, PL e
PCB. No Senado, o udenista Hamilton Nogueira criticou o empastelamento do jornal
Tribuna Popular e ficou irritado com a morosidade da polícia, que, depois de
informada, demorou quarenta minutos para chegar a o local. Para o senador, o
empastelamento do jornal representou um dos maiores atentados à imprensa. Por sua
vez, o deputado Hermes de Lima afirmou que o ato fora criminoso e poderia levar o
presidente da República ao banco dos réus. Em nome da bancada comunista, Jorge
Amado afirmou que o empastelamento do jornal comunista feria “muito mais a
democracia do que o próprio jornal”.
227
No entanto, as discussões sobre as arbitrariedades cometidas contra a imprensa
comunista não se restringiram apenas ao âmbito parlamentar, mas os jornais analisados
também emitiram opiniões e se posicionaram diante do ocorrido. Vale ressaltar que o
CM e OESP posicionaram-se contrariamente ao empastelamento do jornal Tribuna
Popular e apoiaram as manifestações dos comunistas contra as ações policiais. Para
225
Em 1947 as Edições Horizontes fundiram-se ao Editorial Vitória em virtude da repressão sofrida pelos
comunistas e devido à falta de recursos financeiros.
226
O Estado de S. Paulo, 27 e 31/07/1946.
227
Diário de Notícias, 23/10/1947.
173
OESP, os atos do governo brasileiro contra a imprensa comunista faziam relembrar os
períodos mais sombrios da ditadura estadonovista e, pois, eram merecedores da mais
profunda repulsa das correntes democráticas brasileiras. Para o jornal, a Constituão
garantia a livre manifestação do pensamento e, no caso da imprensa, não permitia a
propaganda de guerra e os processos violentos para subverter a ordem pública,
expedientes que não eram realizados pelo jornal comunista. Dessa forma, afirmava que
a propaganda das idéias deveria ser livre, “por mais absurdas” que fossem; se “os
comunistas injuriavam” as pessoas e instituições, deveriam ser submetidos a processos
criminais como previa a Constituição, e não serem penalizados com invasões de suas
sedes, prisões e fechamento de sua imprensa.
228
Por seu turno, o CM afirmava que a
liberdade de imprensa era um dogma da democracia, e, com a suspensão e posterior
empastelamento do jornal Tribuna Popular, a democracia havia sofrido um duríssimo
golpe. Embora reafirmasse sua posição anticomunista, o jornal sustentava que o podia
compreender que num regime de liberdades e sincera democracia fosse negada a
liberdade de expressão e de pensamento aos órgãos comunistas. Para o jornal, se os
comunistas conspiram, eles devem ser processados, mas a força não deve ser usada para
calar a voz da imprensa.
229
A FM posicionou-se de forma curiosa diante da suspensão e posterior
empastelamento do jornal Tribuna Popular. Conquanto condenasse a atitude dos
comunistas, que, segundo o jornal caluniavam o poder público e atentavam contra a
ordem da sociedade, a folha paulista também condenava a utilização da repressão
policial contra os comunistas, pois entendia que as forças democráticas deveriam
enfrentar a ofensiva dos comunistas e lutar judicialmente com vistas a prendê-los. Em
editorial, o jornal deixou clara a sua posição sobre a liberdade de imprensa e a atuação
da imprensa comunista:
A injúria e a calúnia contra os agentes do poder constituem crimes previstos
pela lei e os responsáveis podem ser punidos de maneira adequada. Não
dúvida de que os processos por delitos de imprensa são morosos e difíceis,
mas é preciso reconhecer que ainda constituem o único caminho civilizado e
democrático de castigar os difamadores. (...) Se governo seguro em suas
posições e livre de um golpe adverso é o do general Dutra (..) e um governo
forte como o que temos está, se quiser, em condições de defender-se com
armas democráticas entre s quais o se inclui a apreensão de jornais que a
228
O Estado de S. Paulo, 27/07/1946 e 17/05/1947.
229
Correio da Manhã, 27/07/1946, 16/09/1946 e 16/05/1947.
174
lei de 1938 autoriza. Não nos esqueçamos que essa lei foi promulgada numa
época de negação de nossas liberdades públicas
230
.
Entretanto, o jornal de Nabantino Ramos realizou ampla cobertura do
empastelamento do Tribuna Popular e criticou tanto os comunistas como os policiais
que invadiram o jornal.
231
Por outro lado, os jornais OG, JB e DSP, órgãos mais ligados
ao governo Dutra, defenderam as ões arbitrárias contra o PCB e sua imprensa. OG
divulgou o fechamento do Tribuna Popular com grande entusiasmo e afirmava que a
imprensa comunista estava a serviço de Moscou” e, desta forma, deveria ser combatida
e silenciada pelo governo.
232
Com o intuito de eximir o governo Dutra da
responsabilidade pelo fechamento do jornal comunista, o JB afirmava que a invao e
empastelamento da folha foram realizados por “populares revoltados com a atitude do
jornal que estava a serviço de uma ideologia incompatível com a democracia e com a
verdade e, conseentemente, agiam contra o Brasil”.
233
O DSP declarava, de maneira
inica, que os partidários comunistas não deviam reclamar das ações realizadas pela
polícia ao fechar o Tribuna Popular, pois na “Rússia” as ações contra os opositores ao
regime eram revestidas de força e autoritarismo. Para o jornal, o governo agia com
brandura como não se costuma empregar na “Rússia”. Ademais, o fechamento do jornal
comunista era entendido pela folha paulista de Chateaubriand como necessário, pois
difundia propaganda subversiva contra as instituições republicanas, incita as classes
populares à rebelião contra as forças armadas, na esperança de destruir os princípios
democráticos da Constituição de 1946. Em editorial, Chateaubriand interrogava o leitor:
“com que direito um partido que tem a escravidão organizada dentro de suas fronteiras,
se permitirá reclamar do direito de ser tratado em território alheio, como campo da
liberdade?”.
234
A invasão e o posterior empastelamento do jornal Tribuna Popular trouxeram
inúmeros prejuízos à folha, pois diversos maquinários foram quebrados, incluindo suas
rotativas, arquivos foram saqueados e a redação invadida. Impossibilitado de circular, o
jornal comunista distribuiu centenas de folhas mimeografadas em que atacava o
governo brasileiro, a polícia e os Estados Unidos. No mesmo dia, ocorreram
230
Folha da Manhã, 18/09/1946.
231
Folha da Manhã, 23 e 24/10/1947.
232
O Globo, 08/01/1948.
233
Jornal do Brasil, 23/10/1947.
234
Diário de S. Paulo, 11/12/1947.
175
manifestações violentas em frente à Embaixada da Rússia, dessa vez prontamente
reprimidas pela polícia. A partir do final de 1947, o Tribuna Popular foi substituído
pelo jornal Imprensa Popular. No entanto, a mudança de nome não foi suficiente para
evitar a perseguição governamental e a posterior invasão e empastelamento (SILVA,
(1976, p. 381).
Entretanto, as arbitrariedades contra a imprensa comunista não pararam por aí.
Em 05 de janeiro de 1948, a polícia invadiu, danificou maquinários e prendeu
funcionários dos órgãos comunistas A Hora e O Esporte em São Paulo. Altas horas da
madrugada, assaltantes mascarados e de luvas desceram de um caminhão sem placas
dando tiros para o ar e, em seguida, danificaram os maquinários dos jornais
235
. Já em 31
de janeiro de 1948, a edição do jornal Hoje foi apreendida, sob a acusação de haver
adotado uma linguagem ofensiva às autoridades constituídas e de incitar a sublevão
popular. Na oportunidade inúmeros trabalhadores do jornal foram presos.
236
Além disso,
em 27 de fevereiro de 1948, o jornal foi suspenso por seis meses por ordem do
Ministério da Justiça por atentar contra a segurança nacional. Após a suspensão do
jornal, surgiria o seu sucessor: “Notícias de Hoje”, que tamm seria invadido e fechado
pelo governo em 03 de março do mesmo ano.
237
É importante notar que as
arbitrariedades cometidas contra o jornal Hoje provocaram acaloradas discussões na
imprensa e no ambiente político-partidário.
Assim como no episódio do empastelamento do jornal Tribuna Popular, OESP e
CM condenaram veementemente os atos do governo e publicaram diversas
manifestações de entidades, como a Associação Paulista de Imprensa, Sindicatos das
Empresas de Proprietários de Jornais e Revistas, União Democrática Nacional e
populares, os quais manifestavam-se contra o atentado ao jornal, acusando o governo de
fascista e classificando seus atos contra a imprensa comunista como anticonstitucionais,
uma vez que feriam os princípios da liberdade de imprensa e expressão garantida pela
Constituição
238
. Além disso, em conjunto com a Associação Paulista de Imprensa, os
jornais realizaram campanha pela soltura dos funcionários do jornal Hoje, então detidos,
e incentivaram a formação de uma Comissão de Jornalistas para tratar do caso. OESP e
235
Diário de Notícias, 06/01/1948.
236
O Estado de S. Paulo, 03/02/1948.
237
O Estado de S. Paulo, 28 /02/1948.
238
O Estado de S. Paulo, 06/01/1948 e Correio da Manhã, 06/01/1948.
176
CM entendiam que a imprensa não podia ser atacada virulentamente, pois representava
um dos mais fortes redutos da democracia brasileira. Por outro lado, a FM reprovou a
ação de ambas as partes. Criticou os comunistas, por objetivarem contestar a cassação
de seus mandatos em sua imprensa, e a polícia, por exceder na utilização da força
física.
239
Já OG, DSP e JB, posicionaram-se favoravelmente ao empastelamento dos
jornais comunistas, pois acreditavam que a ideologia comunista deveria ser eliminada
da vida política brasileira e que a livre circulação de suas folhas representava uma
ameaça à democracia e à ordem. Como forma de justificar e legitimar as ações
arbitrárias cometidas contra os jornais comunistas e seus funcionários, OG afirmou que
“os funcionários do jornal Hoje e Tribuna Popular estavam preparados para atacar, pois
receberam a polícia de forma violenta e escondiam grande volume de armas de fogo e
munições, inclusive granadas em suas redões”.
240
Por sua vez, o DSP e JB
defenderam as ações da pocia ao afirmarem que a imprensa comunista fazia
propaganda subversiva no Brasil, e o PCB não tinha o direito de provocar a rebeldia das
massas e subverter a ordem há pouco tempo restabelecida no país.
241
A partir da análise dos jornais consultados, podemos apresentar duas visões
acerca da atuação legal do PCB e do funcionamento da imprensa comunista no início do
período regido pela Constituição de 1946. O DSP, FM, OG e JB apresentaram posições
bem mais enérgicas em relação à atuação do PCB na vida político-partidária, bem como
ao funcionamento de seus órgãos da imprensa. Alinhados ao governo Dutra, com vistas
a conquistar benefícios econômicos e posições mais elevadas no campo jornalístico, os
quatro jornais passaram a apoiar e defender os atos governamentais, o que naquele
momento significava não apenas expressar suas posições anticomunistas como também
justificar as medidas oficiais contra o partido e a imprensa comunista.
Por sua vez, embora se declarassem anticomunistas, os jornais OESP e CM
posicionaram-se criticamente quanto ao fechamento dos principais órgãos da imprensa
pecebista por acreditar que tais medidas violavam a liberdade de imprensa almejada
pelas correntes democráticas nacionais e feria os princípios constitucionais garantidos
pela Carta de 1946. Além disso, o regime democrático nascido das cinzas do Estado
Novo era incipiente e frágil, havia o receio do retorno à censura governamental e, por
239
Folha da Manhã, 06 e 09/01/1948
240
O Globo, 08/01/1948.
241
Diário de S. Paulo, 06 e 08/01/1948. Jornal do Brasil, 08/01/1948.
177
isso, as folhas das famílias Mesquita e Bittencourt recorreram à Constituição de 1946
para defenderem o direito de funcionamento legal das folhas comunistas. Ainda que se
posicionassem contrariamente ao fechamento da imprensa comunista, ambos
defenderam a eliminação do comunismo do cenário político brasileiro, porém, desde
que respeitados os princípios constitucionais. Cabe ressaltar que os jornais defenderam
aquilo que lhes interessavam, ou seja, a integridade do direito de imprensa e expressão,
pois receavam que os empastelamentos e arbitrariedades contra a imprensa comunista
pudessem se estender aos órgãos da imprensa liberal, como nos tempos do Estado
Novo. Assim, é possível concluir que OESP e CM, apesar de suas posições
anticomunistas, preocupavam-se, ao mesmo tempo, com a garantia constitucional da
democracia e com a busca da autonomia da imprensa com relação ao poder político,
quer fosse do Estado, quer fosse dos governos, expedientes que poderiam contribuir
para melhor posicioná-los no campo jornalístico, então em transição quando no
processo de produção dos jornais, e no campo político, marcado pelo início da transição
democrática.
3.3. Cassação da legenda e dos mandatos comunistas: governo e imprensa
democráticos nutridos pela seiva do arbítrio
Empossado em 31 de janeiro de 1946, Dutra não demorou a iniciar os ataques ao
PCB, com vistas a excluí-lo da vida político-partidária. A participação dos comunistas
no movimento queremista e o crescimento eleitoral da legenda contribuíram para que
Dutra tomasse o PCB como grande inimigo. Colaborou com esse posicionamento do
presidente a transformação das relações políticas internacionais, pois à medida que as
disputas políticas e econômicas entre EUA e URSS intensificavam-se no pós-guerra, a
aliança entre os dois países se abalava.
Calcado numa linha política de conciliação, e colocando-se a serviço do
fortalecimento do regime democrático, o PCB apresentou-se, durante o curto período
em que gozou da legalidade, como um partido amplo e procurou fortalecer suas bases
populares, com o intuito de galgar posições de destaque dentro do campo político.
Dessa forma, à medida que conquistava capital político e reconhecimento eleitoral, o
partido passava a se fortalecer no espectro político e, conseqüentemente, incomodar as
correntes políticas mais conservadoras da sociedade. Como resposta ao crescimento
178
eleitoral da legenda e sua maior inserção no movimento operário, em 23 de março de
1946, o deputado petebista Barreto Pinto e o advogado Himalaia Virgulino
apresentaram denúncias contra os comunistas no Tribunal Superior Eleitoral acusando-
os de provocar a desordem social e estar a serviço de ideologias subversivas e contrárias
à moral cristã e à democracia. É curioso notar que a representação contra o PCB foi
apresentada justamente num período em que o governo norte-americano intensificava
suas ações contra os comunistas naquele país, com vistas a eliminá-los da vida político-
partidária. Dessa forma, podemos afirmar que as ações contra a legenda, parlamentares
e membros comunistas foram exercidas, notadamente pelos governos latino-americanos,
de forma sincronizada com os Estados Unidos. Terminada a Segunda Guerra Mundial,
as discussões acerca da eliminação do comunismo e a implantação da democracia na
América ganharam intensidade. Vale ressaltar que o governo norte-americano, bem
como a imprensa daquele país, realizou, no início de 1946, intensa campanha contra o
comunismo e conclamou os países latino-americanos a realizar uma cruzada contra as
ideologias subversivas e pela implantação da democracia no continente. Em 27 de
março de 1947, vésperas da cassação da legenda comunista no Brasil, o Comitê de
Atividades Não Americanas da Câmara dos Representantes dos EUA divulgou o que
considerava provas de que o Partido Comunista dos Estados Unidos era representante
do governo soviético. Pelo relario do Comitê, o comunismo poderia ser entendido
como um movimento revolucionário de amplitude mundial, dirigido por estrangeiros e
que operava com uma disciplina centralizada e subordinada ao Partido Comunista da
“Rússia”. Além disso, almejam a abolição do sistema econômico capitalista e da
democracia e a implantação da ditadura russa.
242
À medida que o governo norte-americano intensificava a perseguição aos
comunistas naquele país, as discussões acerca do processo de cassação do PCB e a
possibilidade de eliminar a ideologia comunista avolumavam-se nas páginas da
imprensa brasileira, as quais publicaram diariamente as discussões parlamentares e
judiciais acerca do processo de cassação do PCB. É importante notar que todos os
jornais analisados apresentavam-se como anticomunistas e defensores da implantação
da democracia no Brasil. No entanto, posicionaram-se de forma particular em relação à
cassação do PCB e apresentaram diferentes estratégias para a eliminação da ideologia
242
Correio da Manhã, 30/03/1947.
179
no Brasil. Logo no início das discussões acerca do processo de cassação do PCB, a FM
passou a defender a manutenção da legenda e dos mandatos comunistas. Para os
dirigentes do jornal paulista, o fechamento do PCB não seria uma medida acertada, pois
era mais fácil combatê-lo na legalidade do que como “entidade clandestina e
subterrânea”, ou seja, na ilegalidade o partido poderia ter mais forças para provocar
rebeliões sociais no país.
243
Entretanto, à medida que o governo intensificava as suas
ações no sentido de cassar o PCB, o jornal de Nabantino passou a defender as ações do
governo contra o partido, mesmo os atos violentos e perseguições políticas.
Por sua vez, embora se declarassem terminantemente anticomunistas, OESP e
CM declararam-se contra o fechamento da legenda, pois acreditavam que a eliminação
dos comunistas do cenário político representava um atentado à democracia brasileira. O
CM ressaltava o caráter inconstitucional do fechamento da legenda comunista, uma vez
que, para a folha, a Constituição garantia o funcionamento legal do partido. Além disso,
entendia que seria um erro de graves conseqüências tirar a existência legal de um
partido que representava centenas de milhares de pessoas e que dispunha de um
aparelhamento político para atuar na vida política nacional.
244
Para OESP, caso a
cassação do PCB se concretizasse, a Constituição seria ferida e a situação política
brasileira ficaria grave, uma vez que o governo poderia intervir em estados onde os
comunistas dispunham de posições políticas nos governos constituídos. A folha de Júlio
de Mesquita Filho alertava para o fato de que, se a legenda comunista fosse cassada, os
comunistas tornar-se-iam mártires políticos.
245
A posição de OESP contrária à cassação do PCB foi diretamente criticada por
Assis Chateaubriand, que chegou a denunciar uma aproximação entre Luís Carlos
Prestes e lio de Mesquita Filho. Na oportunidade, Chateaubriand afirmou que, antes
de Prestes aliar-se com o governador Adhemar de Barros visando às eleições
governamentais de janeiro de 1947, esteve próximo à sessão paulista da UDN, dirigida
por Júlio de Mesquita Filho.
246
Quando OESP passou a defender a existência legal do
PCB, Chateaubriand assegurou que a família Mesquita tinha se tornado “agente de
Moscou e de Luís Carlos Prestes” no Brasil. Nessa direção, Chateaubriand salientava:
243
Folha da Manhã, 05/05/1946.
244
Correio da Manhã, 12/01/1947 e 13/04/1947.
245
O Estado de S. Paulo, 20/04/1947 e 07/05/1947.
246
Diário de S. Paulo, 08/03/1947.
180
Sob todos os ângulos em que se projeta a reação brasileira contra os
comunistas, O Estado de S. Paulo se apresenta como o impertérrito e angelical
advogado desse partido. Um de seus diretores foi até dizer pelo microfone,
com tocante candura, que tem um adorável rebento, o qual se chama Luís
Carlos em homenagem ao celerado chefe dos bolcheviques caboclos
Chateaubriand se referia a Júlio de Mesquita Filho e a seu filho Luís Carlos, já
falecido – Não se pode mais ser terno (...) Vamos levar meses, mas haveremos
de doutrinar os rapazes de O Estado, cegos pelo jacobinismo, pelas vaidades e
pelas limitações de inteligência, gente que se recusa a enxergar a realidade
brasileira (MORAES, 1994, p. 467).
Podemos afirmar que em um campo os diferentes protagonistas m
freentemente representações polêmicas dos outros agentes com os quais estão em
concorrência e, sendo assim, produzem a respeito deles estereótipos, insultos e criam
imagens que visam a denegrir a sua imagem, ou seja, as representações de Mesquita e
de outros agentes jornalísticos criadas por Chateaubriand podem ser entendidas como
estratégias de luta que comprovam a relação de forças dos agentes inseridos dentro do
campo jornalístico e visam a transformá-las ou conservá-las, inclusive com proveitos no
campo político.
Cabe ressaltar que os posicionamentos de OESP e CM diante das discussões
acerca da cassação do PCB estavam próximos à posição política emitida pela UDN.
Ciente de que o julgamento do PCB seria muito mais político do que jurídico, a UDN
posicionou-se e votou contra a medida, pois entendia que, caso ocorresse a cassação dos
comunistas, ficaria no Congresso uma representação sem partido e isso poderia
incentivar os comunistas a lutar clandestinamente e provocar mais desordens sociais.
Além disso, a UDN entendia que a luta contra os comunistas não deveria fugir das bases
constitucionais. Para ilustrar esse posicionamento, em 07 de maio de 1947, o líder da
bancada udenista na mara dos Deputados, Prado Kelly, afirmou que o partido era
contra a cassação do PCB porque a Constituão garantia o direito dos partidos
funcionarem. Além disso, para os líderes udenistas, o PCB representava uma das
maiores correntes partidárias do país
247
. É possível afirmar que, embora se declarasse
irreconciliável com a ideologia comunista, nem por isso a UDN defendeu as medidas
arbitrárias contra os comunistas.
Por outro lado, os jornais DSP, JB e OG, a exemplo de seus dois congêneres
acima destacados, publicaram matérias e posicionaram-se diante da apresentação das
247
O Estado de S. Paulo, 10/04/1947 e 07/05/1947.
181
denúncias contra o PCB e a possibilidade da extinção da legenda comunista.
Apresentando posições próximas ao governo, os jornais apoiaram a cassação do partido
e emitiram representações contrárias à legenda. Defendendo a cassação da legenda
comunista, OG sustentou que o projeto de cassação do partido vinha de encontro à
Constituição, pois a mesma não autorizava a propaganda de guerra e nem de ideologias
subversivas à ordem social.
248
Para o DSP, a existência do PCB no cenário potico
nacional era inconstitucional, pois a agremiação estava a serviço da URSS e lutava
contra os interesses nacionais.
249
Já o JB ressaltava a disposição de Dutra no sentido de
legalizar a vida política nacional e lutar contra os totalitarismos. Para folha carioca, a
legalização do país passava pela extinção da legenda comunista da vida político-
partidária.
250
Sendo assim, DSP, OG e JB apresentaram posições bem mais enérgicas
contra a permanência do PCB na vida político-partidária e defendiam ações mais
consistentes do governo a fim de lançá-los na ilegalidade.
Após a apresentação das denúncias junto ao TSE, o PCB foi atacado por
diversos grupos políticos, sobretudo pela imprensa. A situação dos comunistas começou
a complicar-se a partir do momento em que o chefe da polícia do Distrito Federal,
Pereira Lira, passou a atuar mais ativamente contra as ações comunistas. Em 24 de julho
de 1946, o chefe da polícia reuniu os jornalistas no Rio de Janeiro para comunicar-lhes
sobre as atividades de agentes extremistas. Na oportunidade, Lira denunciou que
“haveria duas semanas de agitações patrocinadas por um poder estranho e que
objetivava paralisar o progresso da América Latina”. As ações denunciadas pelo chefe
da Polícia seriam realizadas pela Confederação dos Trabalhadores da América Latina e
pela Federação Mundial Sindical e seriam incentivadas por agentes russos. De acordo
com Lira, existia uma comissão geral comunista, que de Moscou controlava a vida
associativa fundada em bases clandestinas, compostas por estrangeiros residentes no
Brasil e por maus brasileiros.
251
Ao denunciar o incentivo dos soviéticos a uma onda de
ações comunistas na América Latina, Lira objetivou fundamentar as denúncias que
foram apresentadas ao TSE contra os comunistas e provar que o PCB era uma
agremiação partidária orientada pelo comunismo soviético. Seguindo essa linha, em 13
248
O Globo, 02/05/1946
249
Diário de S. Paulo, 05/01/1946 e 08/05/1946.
250
Jornal do Brasil, 01/12/1946 e 01/01/1947.
251
O Estado de S. Paulo, 25 de julho de 1946, p. 3.
182
de agosto de 1946, Pereira Lira apresentou um relatório à imprensa brasileira em que
denunciava as supostas atividades autoritárias do Partido Comunista:
Os elementos reunidos comprovam, a meu ver, sem possibilidades de dúvida,
o caráter e a vida dúplice do Partido Comunista: ostensivamente legal, de um
lado, do outro, dedicando-se a preparação sistemática da guerra civil e de
intervenções perturbadoras da vida nacional, sobretudo para hipótese de nos
vermos conduzidos a situações em que haja antagonismo entre nossos
interesses e o da potencia estrangeira.
Ao concluir o relatório, Lira afirmou que não havia vidas sobre a exisncia
dúplice do PCB e isso poderia ser provado documentalmente a partir de um laudo
pericial dos livros de contabilidade do partido. Para o chefe da polícia, o PCB tinha dois
estatutos, ou seja, um destinado à apresentação à Justiça Eleitoral e outro para a vida
prática. De acordo com Lira, a polícia conseguira juntar sete volumes de documentação
sobre as atividades do PCB, onde se poderia caracterizar e definir a posição política do
partido e suas ligações políticas com o exterior.
252
A partir das denúncias de Pereira Lira
à imprensa, a onda de ataques aos comunistas, bem como as discussões sobre o
processo de cassação da legenda, ganhou mais espaço nas páginas da imprensa. Como
exemplo das ações arbitrárias da polícia com vistas a calar as vozes dos comunistas, em
06 de setembro de 1946 a sede do ComiNacional do PCB foi invadida pela polícia.
Na oportunidade foram levados carimbos, papéis timbrados e outros documentos do
partido. Isso demonstra que as forças anticomunistas buscavam, a todo custo, provar
que o PCB era uma agremiação que estava a serviço de Moscou e que dispunha de dois
estatutos, ou seja, objetivam legitimar as denúncias apresentadas contra os comunistas
no TSE. A escalada de denúncias e ações contra os comunistas era um indício de que a
cassação do PCB era inevitável. Em 12 de abril de 1947, iniciou-se o julgamento do
processo contra o PCB, contando com a participação do ministro Lafayete de Andrada,
que presidiu as seções, além de Álvaro Ribeiro da Costa, Francisco Filho, Jo
Annio Nogueira, Cândido Mesquita da Cunha Lobo e F. Rocha Lagoa.
253
Embora diversas forças políticas e parte da imprensa brasileira tivessem
defendido a existência legal do PCB, em 07 de maio de 1947, por 3 votos a 2, o TSE
cassou a legenda comunista, acatando, assim, as denúncias apresentadas por Barreto
252
O Estado de S. Paulo, 14 de agosto de 1946, p. 3. Diário de S. Paulo, 14 de agosto de 1946, p.3.
253
A favor da cassação da legenda votaram: Candido Mesquita da Cunha Lobo, F. Rocha Lagoa e José
Antônio Nogueira. Os votos contrários à cassação foram de: Álvaro Ribeiro da Costa e Francisco Sá
Filho.
183
Pinto e Himalaia Virgulino àquele órgão. Vale lembrar que a supressão do PCB já vinha
sendo preparada pelas forças políticas conservadoras desde 1946, quando o próprio
texto constitucional autorizava a cassação do registro de partidos que ameaçassem o
funcionamento do regime democrático. A cassação do PCB dividiu as opiniões dos
principais agentes políticos e jornalísticos e proporcionou intensos debates na imprensa
e nos círculos políticos nacionais. Próximos à UDN, o CM e OESP mantiveram suas
posições e criticaram a cassação do PCB, classificando-a como antidemocrática e
inconstitucional. Logo após a cassação da legenda, em entrevista concedida à agência
France Press em Buenos Aires, o diretor de OESP, lio de Mesquita Filho, declarou
que considerava “um erro a medida adotada pelo TSE cassando o PCB, pois ela tornaria
o governo mais impopular e ao mesmo tempo fortaleceria a legenda comunista que
estava com seu prestígio em declínio”. Para Mesquita, a luta contra o comunismo
deveria ser feita pelo viés democrático e sem ferir os princípios constitucionais.
254
Todavia, apesar de ser contrário à cassação do PCB, O Estado de S. Paulo afirmou que,
estivesse à decisão certa ou errada, ela não deveria ser desrespeitada e a Justiça Eleitoral
não poderia ser pressionada pela opinião pública. Em editorial de 08 de maio de 1947, o
jornal declarava que “o mal estava feito, e, assim, era necessário procurar atenuar os
seus efeitos perniciosos”, além disso, entendia que seria necessário respeitar a decisão
do TSE para a preservação das instituições democráticas, uma vez que, quanto mais
críticas recebesse, mais a independência do órgão poderia desaparecer.
255
Curiosamente,
OESP amenizou o tom das críticas logo após a cassação do PCB, entendendo que o ato
deveria ser acatado pelas forças políticas e não ser questionado. Sendo assim, afirmou
que o fechamento do partido não passaria de um ato normal, dentro do regime
democrático, desde que o governo não procurasse extrair do julgamento mais do que ele
comportava. Para o jornal, todos poderiam admitir o fechamento do PCB se o governo
tivesse apresentado provas contundentes de que o partido havia se entregado a práticas
antidemocráticas.
Por sua vez, logo após a cassação do PCB, o CM aproveitou a oportunidade para
criticar o que classificara como ato antidemocrático, mas também para criticar as
dificuldades econômicas encontradas pela população durante o governo Dutra. Para o
periódico, o fechamento do PCB criou um caos político, pois esse ato significou a
254
O Estado de S. Paulo, 09/05/1947.
255
O Estado de S. Paulo, 08/05/1947.
184
agitação e desconfiança que poderiam colocar em risco a estrutura e o fim do campo
político nacional. Para o jornal carioca, Dutra, desde que assumira a presincia da
República, revelava uma vocação arbitrária. Sendo assim, a folha de Bittencourt
classificou o ato de cancelamento da legenda comunista como péssimo exemplo
antidemocrático”, pois o governo “poderia ter atenuado essa situação se tivesse
oferecido uma vida mais digna e com condições econômicas satisfatórias aos
trabalhadores”.
256
OESP e CM representavam as principais forças opositoras à Dutra na grande
imprensa brasileira e, desta forma, desaprovaram a cassação do PCB não apenas porque
defendiam o regime democrático, mas, também, porque pertenciam a grupos políticos
opostos que disputavam espaço e interesses específicos dentro do campo político e
jornalístico com as forças políticas governamentais. Os órgãos paulista e carioca não
estavam preocupados em preservar o PCB e o comunismo; preocupavam-se, acima de
tudo, com os arranhões sofridos pela Constituição, o que habilitava o governo a agir
contra outros setores poticos nacionais. Os periódicos receavam que as arbitrariedades
governamentais se estendessem a outros partidos ou grupos políticos, como nos tempos
do Estado Novo. Para os jornais, pairava sobre todos os partidos a ameaça de serem
lançados na ilegalidade no momento que o governo desejasse. O golpe contra o Partido
Comunista abria caminho para novos golpes contra os demais partidos”.
257
Por outro lado, o DSP, FM, JB e OG não apresentaram críticas ao governo e ao
TSE após o lançamento do PCB na ilegalidade. Logo após a cassação do partido, em
editorial publicado no DSP, intitulado O Epílogo Natural, Assis Chateaubriand
questionava os seus leitores: “Fechou um partido nacional? Era o comunismo um grupo
político com raízes nos interesses fundamentais e nos sentimentos profundos do Brasil?
Merecia ele o nome de partido brasileiro, identificado com os problemas da base da
pátria e da democracia?” Respondendo as questões por ele mesmo formuladas,
Chateaubriand asseverava que o PCB acompanhava os desígnios da ssia, era um
partido vassalo de um Estado estrangeiro, obediente às determinações do governo russo.
Além disso, aprovando os atos do governo e do TSE contra o PCB, afirmou que
“fechado pelo Tribunal de juízes, o PCB desaparecia como corpo estranho, pois não
256
Correio da Manhã, 13 e 17/05/1947.
257
O Estado de S. Paulo, 09/01/1948. Correio da Manhã, 21/05/1947.
185
tinha nada a ver com a pátria, uma vez que agia com a representação soviética, ou seja,
tratava-se de uma mercadoria de exportação que repelida pelo consumidor, tem de
voltar ao mercado de origem”.
258
Além de defender a cassação do partido, o DSP
tentou, por todos os meios, excluir o presidente de qualquer responsabilidade pela
cassação da legenda comunista. Em entrevista publicada pelo jornal, o presidente Dutra
defendia a decisão do TSE e afirmava que não fora cometida nenhuma arbitrariedade
das autoridades policiais no cumprimento das determinações da justiça que mandaram
fechar as sedes dos militantes comunistas nos estados.
259
Por outro lado, de todos os jornais analisados OG foi o que mais apoiou as ações
do governo e das autoridades políticas, judiciais e eleitorais que visavam a eliminar a
presença do PCB na vida política nacional. Desde o momento em que o projeto de
cassação foi apresentado no TSE, o jornal publicou diariamente uma rie de matérias e
colunas ocupadas em desfavorecer a imagem dos comunistas junto à opinião blica e
refoar o anticomunismo com vistas a conquistar adeptos à sua causa política, bem
como consumidores de seus produtos jornalísticos.
260
Sendo assim, o jornal
congratulou-se com a decisão do TSE em fechar o partido e com as ações
governamentais que visavam a cumprir as determinações desse órgão. Ao comentar
sobre o fechamento do PCB, Marinho declarou que tinha esperanças de que, ao
conquistar a legalidade, o partido pudesse viver dentro da nova configuração política
inaugurada no após guerra e contribuir com o aprofundamento da democracia no Brasil.
No entanto, entendia que, com o passar do tempo, a legenda vermelha” tinha sido
responsável por “semear a discórdia e representava perigo ao regime de liberdade.
Ademais, o jornal de Marinho denunciou a campanha comunista que, iniciada logo após
a cassação do PCB, objetivava a renúncia de Dutra, alegando para tanto que o
presidente estaria traindo a pátria e acabando com o restante da soberania brasileira ao
submeter-se aos Estados Unidos. Em sua defesa ao governo Dutra, OG afirmava que os
comunistas, ao liderar aquela campanha, objetivavam solapar as instituições
democráticas, criar uma situação de anarquia social, “a fim de que sobre suas ruínas
econômicas fosse plantado o regime da foice e do martelo”. Como forma de enfrentar os
258
Diário de S. Paulo, 09/05/1947.
259
Diário de S. Paulo, 20/05/1947.
260
Deixando clara a sua posição anticomunista, o jornal publicou em letras garrafais no dia 27 de outubro
de 1947 a seguinte manchete: TODA A AMÉRICA DEVE ROMPER COM A RÚSSIA DOS
SOVIETS”.
186
comunistas, o jornal pregava vigilância e combate constante aos seus partidários,
mesmo quando se tratava da manutenção dos mandatos comunistas.
261
Seguindo a mesma linha de seu congênere carioca, o JB classificara como
“memorável” a sessão do Tribunal Superior Eleitoral, ocupada com a cassação do
registro do PCB. Para o jornal carioca, o julgamento do processo despertou interesse da
imprensa estrangeira e preconizou que a decisão do Tribunal brasileiro iria estender-se a
todos os países onde houvesse agremiações partidárias comunistas organizadas.
Defendendo a decisão do TSE e os esforços governamentais em fechar o PCB, o jornal
preconizava:
Muitos procuram argumentar que a democracia é um conceito genérico e
que qualquer restrição imposta à liberdade de associação política implica em
ofensa a esse conceito. Mas a doutrina não pode servir de base para a
apreciação de um caso concreto. O que se impõe é saber se o funcionamento
desta ou daquela agremião está em harmonia com os postulados e
princípios democráticos julgados essenciais no regime peculiar ao Brasil.
262
É importante notar que a cassação do PCB fora entendida pelo JB como a defesa
do regime democrático brasileiro e, desta forma, a decisão do TSE deveria merecer o
mais absoluto apoio das correntes políticas e da população em geral. O jornal afirmava
que não tinha medo das ações dos comunistas posteriores à cassação, pois o Tribunal
Superior Eleitoral tinha tomado a decisão dentro da legalidade constitucional, uma vez
que a doutrina comunista representava a revolução, a qual tinha por objetivo a
transformação da ordem política, econômica, social e moral por meio da ditadura do
proletariado, ou seja, conspirava contra a Constituição de 1946. Além disso, e a
exemplo do DSP, o JB procurou minimizar a responsabilidade e as ões arbitrárias do
governo contra os comunistas sustentando que a decisão era meramente judicial e não
política, uma vez que o registro do Partido Comunista fora obtido no regime anterior em
que vigorava outra carta Constitucional diferente da aprovada em 1946.
263
Diferentemente de OESP e CM, a FM concluiu que a cassação do PCB não
alteraria o problema do comunismo no Brasil, pois na ilegalidade ou na legalidade o
partido continuaria a utilizar os mesmos métodos subversivos e de persuasão das
massas. E reconhecia que, com a cassação do PCB, o governo e as autoridades policiais
261
O Globo, 28 e 29/05/1947
262
Jornal do Brasil, 08/05/1947.
263
Jornal do Brasil, 08 e 09/05/1947.
187
teriam bases jurídicas legais para reprimir as suas ações. Além disso, o jornal passou a
reivindicar ações mais enérgicas do governo no sentido de elevar o nível cultural e
social das massas, blindando-as do convencimento dos comunistas.
264
Ou ainda,
chegava a pedir empenho de todas as “nações democráticas” na mesma tarefa:
(...) ideologia, uma filosofia de vida que os tempos se encarregaram de fazer
particularmente grata às classes menos favorecidas pela fortuna. E por isso,
ela incorpora o desejo ardente e irreprimível do operariado, do trabalhador
manual e intelectual que luta pela obtenção de coisas mais elementares à sua
sobrevivência. É a necessidade do pão, do vestuário, da instrão, da
educação para os filhos, os anseios por melhores oportunidades de vida, que
fazem os homens destes tempos amargos aceitarem sem mais exame a
pregação soviética de tempos melhores. Tudo nos convence, portanto, de
que, ao invés de cruzarem os braços diante dessa situação, devem as nões
democráticas saírem a campo sem demora, e elas próprias solucionar os
angustiantes problemas populares, antes que as massas desesperadas aceitem
a terapêutica violenta da revolução.
265
No período em que esteve à frente das Folhas, Nabantino declarava-se defensor
do regime democrático e marcava posição contrária a todos os regimes totalitários,
como o nazismo, fascismo e, principalmente, o comunismo, pois entendia que a URSS
ameaçava a democracia, a liberdade e o desenvolvimento do regime capitalista. É
possível indicar que, imediatamente após a Segunda Guerra, o jornal paulista defendia a
existência legal do PCB, por conta da colaboração dos comunistas durante o conflito
internacional. Entretanto, logo em seguida, passou a clamar por medidas que visavam a
eliminar o comunismo do cenário político, pois “sua ação representava um risco de se
ver transplantado para o Brasil o regime soviético que era responvel em fuzilar
dissidentes ou mandá-los para os campos de concentração.
266
O jornal defendia a
cassação do PCB e posicionou-se de forma contrária à permanência dos parlamentares
comunistas no Congresso. Para justificar sua posição recorreu à própria Constituição,
cuja interpretação proibia a atividade de partidos não comprometidos com o regime
democrático, bem como seus membros ou representantes”. Para o jornal, era
perfeitamente democrático que a vontade da maioria do povo brasileiro, tal como
expressa na Constituição, prevalecesse sobre a vontade da maioria comunista e a
impedisse de interferir na política.
267
264
Folha da Manhã, 9/01/1947.
265
Folha da Manhã, 28/02/1948.
266
Folha da Manhã, 22/07/1947.
267
Folha da Manhã, 13/07/1947.
188
A partir da cassação do PCB, os comunistas procuraram lutar dentro da ordem
legal e institucional. A ilegalidade o fez os comunistas abandonarem os instrumentos
de luta oferecidos pela democracia liberal e, desta forma, imediatamente requereu
habeas corpus junto ao Judiciário para obter livre trânsito em suas sedes partidárias. Em
seguida, os comunistas procuraram se organizar em torno do Partido Popular
Progressista (PPP), agremiação partidária que incorporou as teses centrais do extinto
PCB. O novo partido definiu-se como representante das massas e pretendia lutar a favor
da democracia, contra o latifúndio e o imperialismo. Ambas as tentativas foram
frustradas (PANDOLFI, 1995, p. 168-169).
Consumada a cassação da legenda comunista, as atenções dos agentes políticos e
jornalísticos voltaram-se para a batalha travada no Congresso Nacional em torno dos
mandatos parlamentares comunistas. Dessa forma, debates acalorados sobre a atuação
dos parlamentares comunistas no campo político foram produzidos no Congresso
Nacional e reproduzidos nas páginas da imprensa brasileira. De um lado, os
parlamentares favoráveis à cassação tentavam legitimar a decisão do TSE e defenderam
a eliminação dos mandatos comunistas, pois entendiam que os parlamentares foram
eleitos por um partido extinto e, assim, deveriam ser substituídos por representantes de
partidos comprometidos com os princípios democráticos. Do outro, os parlamentares
contrários à cassação por acreditarem que o ato feria a Constituição e que os
parlamentares comunistas haviam sido escolhidos pelo povo, que ficaria sem
representatividade política. Em meio a perseguições policiais e virulentos ataques das
forças políticas conservadoras, a continuidade dos parlamentares comunistas na vida
política nacional tornou-se difícil, sobretudo após a apresentação do projeto de lei
número 900, de autoria do deputado Ivo de Aquino, que requereu a cassação dos
mandatos comunistas em todas as esferas de poder. Além disso, o presidente Dutra
assinou o decreto 211, de 07 de janeiro de 1948, que regulava os casos de extinção de
mandatos dos membros dos corpos legislativos da União, dos Estados, Distrito Federal
e dos municípios. Assim, em 10 de janeiro de 1948, o projeto de cassação dos mandatos
apresentado por Ivo de Aquino foi aprovado na Câmara dos Deputados por 179 votos
contra 74. Neste caso, a Mesa da Câmara dos Deputados, em face do disposto no artigo
2º, da Lei número 211, de 1948, declarou extintos os mandatos de 14 deputados federais
e suplentes e vários deputados estaduais nas assembléias legislativas eleitos sob a
189
legenda do Partido Comunista do Brasil. O cenário de perseguições aos comunistas
completou-se com a proibição do funcionamento da Confederação dos Trabalhadores do
Brasil (CTB), intersindical que havia sucedido o Movimento dos Trabalhadores
Unificados (MUT) na coordenação nacional do movimento sindical, e com intervenções
que se abateram sobre centenas de sindicatos ligados ao PCB e prisões de vários líderes
comunistas acusados de realizarem propaganda subversiva (SANTANA, 2001, p. 57).
Encerrava-se, assim, mais uma fase da vida do PCB, que, a partir de então, passou a
atuar de forma clandestina.
Sob o impacto da dupla eliminação do jogo político partidário, a partir de janeiro
1948, o PCB alterou sua conduta política e adotou uma postura agressiva com relação
ao governo, criticando o regime capitalista e a frágil democracia brasileira. Antes da
cassação, o partido classificou Dutra como responsável por um governo de “união
nacional”, mas, após a extinção da legenda, o definia como “antidemocrático e
governo da “traição nacional”. A expressão “ditadura, praticamente abolida do
vocabulário comunista desde 1943, passou, a partir da cassação, a ser adotada
corriqueiramente pelos líderes partidários comunistas. Além disso, a proposta de
realizar uma política de cooperação entre o capital e o trabalho, defendida pelo partido a
partir da tese de União Nacional, logo foi substituída por uma intensa campanha que
visava a atingir o proletariado e conscientizá-lo da intensa luta de classes travada no
país (PANDOLFI, 1995, p. 170).
Os jornais analisados não ficaram indiferentes diante da eliminação dos
parlamentares comunistas do cenário político nacional e publicaram grande quantidade
de matérias entre maio de 1947 e janeiro de 1948 sobre o tema. Alinhados ao governo
Dutra e reafirmando sua postura anticomunista o DSP, FM, JB e OG aprovaram a idéia
de cassar os mandatos comunistas e anular a votação obtida pela legenda nos pleitos de
02 de dezembro de 1945 e 19 de janeiro de 1947. Durante o período em que se discutia
a nulidade dos mandatos comunistas no Congresso Nacional e no Tribunal Superior
Eleitoral, os jornais publicaram conteúdo jornalístico em que condenavam os protestos
dos comunistas, os quais, segundo eles, pretendiam garantir o retorno à legalidade
partidária e as ações políticas que objetivavam blindar as suas representações
parlamentares. Além de classificar a cassação do PCB e seus mandatos como
constitucional, os quatro jornais argumentaram que os representantes comunistas no
190
Congresso Nacional não representavam o povo brasileiro, mas a nação soviética. Ao
opinar sobre a cassação dos mandatos comunistas, OG declarou que, ao contrário do
que muitos haviam afirmado, “não havíamos assistido ao enterro da democracia, mas
sim a manifestações de sua vitalidade triunfante como ocorre em todos os países livres
como o Brasil”. Para o DSP, os comunistas atrapalhavam o desenvolvimento da
democracia no Brasil, uma vez que legislavam em nome de ideologias estrangeiras no
Congresso brasileiro.
268
Para o JB, os comunistas conspiravam contra a estrutura
democrática no Brasil, e a cassação do PCB representava a defesa da ordem
democrática, pois a doutrina comunista era revolucionária e tinha por objetivo a
transformação da ordem política, econômica e moral do país.
269
A FM entendeu a
extinção dos mandatos comunistas como um simples desdobramento da cassação da
legenda pelo TSE. Porém, a folha paulista entendia que a cassação dos mandatos
comunistas não alteraria decisivamente o problema do comunismo no Brasil, pois os
comunistas eram perigosos tanto na legalidade, como na ilegalidade.
270
Assim, OG, JB, DSP e FM concordavam com a idéia de que a atuação dos
parlamentares comunistas na vida política nacional era como um perigo às instituições
democráticas e constituía um empecilho para a construção e implantação do projeto
social de cunho liberal-democrático encabeçado pelas correntes políticas liberais. Desse
modo, a cassação do PCB e de seus mandatos fora entendida pelos quatro jornais como
uma forma de blindar o regime democrático das ações subversivas dos comunistas.
Podemos dizer que ao conceder a cobiçada publicidade estatal, empréstimos em bancos
estatais, privilégios no fornecimento de papel e indicações para ocupar cargos públicos
na máquina estatal, Dutra buscava conquistar o apoio dos jornalistas ao seu governo,
que, naquele momento, empenhava-se na eliminação do PCB e de seus mandatos da
vida político nacional. Assim, o apoio da imprensa era fundamental para legitimar os
atos oficiais contra os comunistas. Ao contrário, OESP e CM, apostando ou buscando
autonomia em relação ao governo, puderam, mais livremente, noticiar e analisar a ação
do governo Dutra contra os comunistas, ao publicar noções e valer-se de expedientes
que destoavam dos emitidos pelo poder oficial.
268
Diário de S. Paulo, 09/01/1948.
269
Jornal do Brasil, 09/01/1948.
270
Folha da Manhã, 09/01/1948.
191
Entendendo que o comunismo deveria ser combatido dentro da legalidade
constitucional e que a cassação dos mandatos comunistas feria mais uma vez os
princípios democráticos garantidos pela carta Constitucional aprovada em 1946, os
jornais OESP e CM defenderam a atuação política dos parlamentares comunistas no
campo político nacional. Para o órgão paulista, a cassação dos mandatos comunistas
representava mais uma prova de que os políticos do país ainda não haviam se adaptado
a viver em um regime de lei e direito. Desta forma, entendia que a cassação dos
mandatos comunistas seria legal desde que ocorresse dentro dos princípios
constitucionais. Além disso, seria necessária a apresentação de provas contra o partido
para legitimar tal ação. Para a folha de Mesquita Filho, a cassação da legenda e dos
mandatos comunistas seria perfeitamente aceita pelas forças democráticas do país se
fosse aprovada uma emenda constitucional que autorizasse as forças políticas a
excluírem os comunistas do jogo político nacional, pois nada deveria ser feito sem
desviar os olhos da Constituição.
271
Por sua vez, as a cassação dos mandatos
comunistas, o CM registrou com tristeza e inquietação o que classificou como golpe
deferido contra a Constituição Federal sobre o pretexto de se combater o comunismo”.
Sendo assim, entendia que o governo Dutra não deveria se iludir, pois o problema do
comunismo era político e não policial, ou seja, os parlamentares o poderiam perder o
mandato quando cassado o registro da legenda, pois de acordo com a Constituição de
1946 o poder emana do povo e não do partido político”. Seguindo a mesma linha de
OESP, o jornal de Bittencourt asseverava que, para que os mandatos comunistas fossem
cassados, era necessária a realização de uma reforma constitucional ou elaboração de
uma nova lei eleitoral. Em acréscimo, afirmou que toda campanha contra o comunismo
seria apoiada pelos democratas desde que não se tocasse na Constituição.
272
Além de
OESP e CM, a UDN também se posicionou contra a cassação do PCB, entendida pela
agremiação partidária como constitucional.
Em nome da UDN, o deputado Hermes de Lima assinou um parecer na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em que assinalava a
inconstitucionalidade do ato e reafirmava a vocação da ilegalidade do governo
brasileiro. Recorrendo ao artigo 141, parágrafo da Constituição, o deputado udenista
271
O Estado de S. Paulo, 16 e 20/04/1947, 19/06/1947, 12/08/1947, 06 e 21/09/1947, 26/10/1947, 08, 09,
10 e 11/01/1948.
272
Correio da Manhã, 17 e 29/05/1947, 06, 13, 24, 26, 27/08/1947, 20/09/1947, 08 e 09/01/1948.
192
dizia que, pela carta de 1946, ninguém poderia ser privado de seus direitos por
convicções religiosas, filosóficas ou políticas. Prosseguindo, Hermes de Lima declarou
que, se o governo e a maioria parlamentar julgavam essencial à defesa do regime
político brasileiro das ações comunistas, deveriam aprovar uma emenda à Constituição
que garantisse legalmente a cassação da legenda e dos mandatos comunistas. Para o
parlamentar, esse seria o único caminho legal para fechar as portas dos comunistas, pois
nada justifica a violação frontal e grosseira da Constituição. Sendo assim, o parlamentar
assinala que:
Desgraçadamente, a vocação da ilegalidade que acompanha o poder neste
país tem raízes demasiado profundas, nos maus costumes, na mediocridade
dos homens públicos, na ausência de mentalidade constitucional e, agora
acentuadamente, na atrasada organização social, matriz do reacionarismo. O
poder entre nós considera-se fraco quando organizado para se alimentar da
seiva legal. se sente forte bebendo a seiva do arbítrio (SILVA, 1976, p.
439)
Dessa forma, é possível afirmar que os argumentos apresentados pelo órgão
paulista e carioca acerca da cassação da legenda e dos mandatos comunistas estavam
bem próximos dos posicionamentos políticos das UDN. Do mesmo modo que a
agremiação partidária, os jornais OESP e CM defenderam o respeito aos princípios
constitucionais. Ademais, gozando de certa autonomia em relação ao governo, puderam,
ao contrário dos outros órgãos consultados, criticar as ações arbitrárias do governo
contra os comunistas e exigir que os dispositivos constitucionais fossem respeitados.
Sendo assim, ambas as folhas pautaram-se, historicamente, pela defesa inconteste da
democracia liberal constitucionalista. A cassação da legenda e dos mandatos comunistas
fora considerada, pois, inconstitucional e uma afronta ao regime democrático
constitucional que se despontava no pós Estado Novo.
Por outro lado, ao defenderem a cassação do PCB e dos mandatos comunistas,
os jornais DSP, FM, JB e OG estavam defendendo seus interesses específicos dentro do
campo político e jornalístico. Os óros apoiaram as ações governamentais que visavam
a banir a atuação dos comunistas da vida política nacional. Assim, mantiveram relações
de forças que pretendiam garantir os seus privilégios e de grupos políticos e
jornalísticos no interior dos respectivos campos e, da mesma forma que seus outros
concorrentes, objetivavam criar uma representação social de mundo que amalgamasse
os interesses particulares do grupo político dominante, dos dirigentes de cada jornal e,
193
também, dos principais anunciantes. Desse modo, seus posicionamentos acerca da
participação dos comunistas na vida político partidária estavam próximos aos do
governo e das correntes políticas conservadoras. Em suma, ao se posicionarem
favoravelmente ao lado do grupo político dirigente, os quatro jornais buscavam garantir
seus privilégios dentro do campo, como, por exemplo, interesses na distribuição de
papel, concessões radiofônicas, informações oficiais exclusivas e, principalmente,
verbas publicitárias governamentais. Logo, deixaram de lado a questão da autonomia de
seus jornais.
194
Considerações Finais
195
Considerações Finais
Esta pesquisa apresenta reflexões sobre as concepções de democracia emitidas
pelos grandes drios liberais brasileiros no período marcado por uma dupla transição,
tanto política, balizada pelo enfraquecimento da estrutura estadonovista e pelo
despontar da democratização nacional, quanto jornalística, marcada pelos iniciais passos
da imprensa em direção ao modelo empresarial. Tratou dos posicionamentos da
imprensa acerca do processo de democratização nacional, ocorrido a partir do início de
1945, e da cassação do PCB, ocorrido em maio de 1947, e de seus mandatos, em janeiro
de 1948, atos que macularam os princípios democráticos defendidos pelas folhas
pesquisadas. Objetivou, ainda, historiar sobre as transformações técnicas,
organizacionais e profissionais vivenciadas pelo campo jornalístico brasileiro, sobretudo
a partir de meados da década de 1940, tendo como foco seis grandes diários liberais, ou
seja, os paulistas OESP, DSP e FM, e os cariocas CM, JB e OG.
Assim, é possível afirmar que as transformações verificadas na imprensa
brasileira o aconteceram de forma isolada ou abrupta, mas fizeram parte de um
intenso processo de transformações, que ocorreram à medida que os profissionais da
imprensa observavam, coletivamente, as modificações pelas quais passavam seus
concorrentes. Diferentemente do sinalizado na bibliografia mais recente ocupada com o
tema, podemos concluir que a inflncia do jornalismo norte-americano sobre a
imprensa brasileira não se deu somente a partir da década de 1950, mas esteve em curso
desde o final do século XIX, quando alguns jornalistas brasileiros começaram a ter
contato com o modelo jornalístico norte-americano. E, mais ainda, tal processo se
acentuou a partir da década de 1940, sobretudo durante a sua segunda metade, período
em que o uso e tratamento mais constante dos conteúdos jornalísticos produzidos pelas
agências de notícias norte-americanas, por jornalistas brasileiros, contribuíram para que
diários nacionais passassem, pouco a pouco, a pautar-se pela objetividade e
racionalização do trabalho jornalístico. Nesta ocasião, diversos profissionais do
jornalismo brasileiro iam aos Estados Unidos e, ao retornarem, viam-se motivados a
implantar novas experiências e técnicas jornalísticas norte-americanas em suas folhas,
sobretudo quanto à paginão, distribuição de matérias, modelo administrativo e
organizacional e estrutura comercial, sendo que os dois primeiros aspectos passaram a
constar até mesmo na produção do Diário Oficial da União.
196
Ademais, podemos dizer que a processual regulamentão e o reconhecimento
governamental da atividade jornalística estimularam a valorização e a profissionalização
do jornalismo. Dessa forma, durante o governo Vargas, os jornais e profissionais da
imprensa passaram a contar com um conjunto de leis, as quais ofereceram um caráter
profissional e organizacional à atividade jornalística. Por meio de decretos, Vargas
instituiu o estatuto das universidades brasileiras, regulou o funcionamento dos
estabelecimentos de ensino superior na esfera pública ou privada, responsabilizou-se em
promover a criação de escolas de preparação ao jornalismo, autorizou o funcionamento
do curso superior de jornalismo, definiu níveis salariais aos profissionais da imprensa
baseado em suas funções e regiões do país, definiu o salário mínimo dos profissionais
da imprensa e reconheceu o trabalho jornalístico como intelectual. Entretanto, podemos
afirmar que o objetivo de Vargas não era simplesmente favorecer os profissionais da
imprensa com legislação específica, mas, por meio desse expediente, conquistar o
apoio, para os seus projetos políticos, das categorias de profissionais envolvidos com a
produção jornalística. Porém, Vargas, durante o Estado Novo, utilizou-se de outras
táticas para manter seu poder de influência sobre a imprensa, notadamente sobre os
jornais. Por meio da concessão de publicidade estatal, distribuição de cotas de papel e
empréstimos oficiais favorecidos, Vargas conquistou o apoio de parte significativa dos
proprietários e dirigentes dos jornais. Pela concessão de benefícios profissionais aos
trabalhadores da imprensa e pela cooptação dos proprietários de empresas da
comunicação social, além da ação do DIP, Getúlio Vargas conseguia manter o controle
sobre os dois fundamentaislos da produção jornalística. Aos jornais que não se
submetessem às determinações oficiais autoritárias e ao esquema de cooptação
estadonovista, restavam perseguições e intervenções, como foi o caso de OESP.
A proximidade do governo federal com os proprietários de jornais se manteria
durante o início do governo Dutra. Com o intuito de conquistar o apoio da imprensa aos
seus projetos políticos, o presidente logo tratou de conceder benefícios políticos e
econômicos aos proprietários de jornais, oferecendo importantes cargos a pessoas
ligadas a alguns empresários da comunicação social e beneficiando os interesses
empresariais do setor ao vetar o projeto de lei de autoria de Café Filho, que, aprovado
pelo Congresso Nacional, determinava aumentos salariais e benefícios trabalhistas aos
profissionais da imprensa. Tais relações explicitavam que, mesmo quando da retomada
197
da vida política democrática, os proprietários dos grandes jornais deixavam de lado ou
minoravam a importância de conquistar ou ampliar a autonomia da imprensa em relação
ao poder político ou governos constituídos, ficando sujeitos às diretrizes e imposições
governamentais. Dos seis grandes jornais analisados, apenas o CM e OESP
empenhavam-se em exercitar aquela autonomia, ainda assim, devido, em certa medida,
à proximidade de ambos às idéias e propostas da UDN.
Todos os seis jornais analisados declaravam-se democratas, liberais, defensores
da liberdade de expressão e imprensa, porém anticomunistas; e, apesar das relações
deles com o governo Dutra, publicaram diferentes posicionamentos sobre a retomada da
democracia parlamentar representativa e a cassação da legenda e dos mandatos
comunistas. Os diários OG, JB e DSP acreditavam que a democracia só seria alcançada
com a realização de eleições livres, aprovação de um novo texto constitucional liberal e
completa eliminação da ditadura. Entretanto, dada a proximidade com o governo, os três
jornais apoiaram as iniciais medidas políticas de Dutra e se conformaram às práticas
arbitrárias e cerceadoras encetadas por um governo eleito pelo voto direto e sob a
vigência do signo da democratização. Ao se alinhar ao governo, Roberto Marinho,
Pereira Carneiro, Assis Chateaubriand mostravam-se preocupados somente com
questões empresariais, uma vez que pareciam considerar a dependência de suas
empresas ao governo Dutra como a alternativa mais viável para obter fundos que
pudessem ser aplicados nas transformações tecnológicas exigidas pelas alterações que
eram operadas no campo jornalístico. Assim, ao conquistar importantes benefícios do
governo, os jornais OG, DSP e JB não apostaram na autonomia da imprensa como uma
vital e importante nota da democracia, mesmo a democracia de cunho liberal, sempre
defendida nas páginas daqueles diários.
Contudo, os proprietários daqueles três periódicos apostaram na ampliação
estrutural e tecnológica do campo jornalístico brasileiro, que investiram na
diversificação de suas atividades comunicacionais, como, por exemplo, a edição de
revistas e a radiodifusão, sendo esta última um dos móveis que levaram Marinho,
Chateaubriand e Pereira Carneiro a manter suas folhas favoráveis a todas as medidas e
projetos do governo Dutra. As emissoras de rádio desses três empresários, assim como
todas as demais existentes no país, dependiam de conceso pública do Estado para
funcionar e de verbas oficiais para desenvolver-se tecnologicamente. Esse processo à
198
época era muito dispendioso do ponto de vista financeiro, mas, uma vez alcançado,
garantia melhores posições das empresas comunicaconais no campo jornalístico, o que
há muito já era perseguido por Chateaubriand e se tornara preocupação de Martinho.
Dentro deste quadro, não espanta o fato de os jornais OG, DSP e JB terem
seguido e apoiado fielmente as medidas arbitrárias do governo Dutra contra os
comunistas, quer fossem durante a cassação da legenda do PCB e do fechamento da
imprensa comunista, quer no processo de cassação dos mandatos políticos dos
comunistas. Para os jornais, os comunistas o tinham direito a expressar legal e
democraticamente as suas idéias e projetos, enfim, os comunistas não tinham espaço na
conjuntura democrática que se abrira. Assim, a liberdade de imprensa e expressão
defendida pelo liberalismo democrático transformava-se na produção jornalística das
três folhas, sempre prontas a definir-se como democratas e liberais, em meros tipos
impressos em suas páginas.
os drios CM e OESP apresentavam concepções políticas próximas entre si e
bastante distintas das defendidas pelos jornais de Marinho, Chateaubriand e Pereira
Carneiro, quer em relação às medidas iniciais do governo Dutra, quer acerca da
cassação do PCB e dos mandatos políticos dos comunistas. Para ambas as folhas, a
sobrevivência do regime democrático seria determinada pelo respeito aos princípios
constitucionais. Embora se declarassem anticomunistas, o CM e OESP preconizavam
em suas páginas que as medidas oficiais contra os comunistas representavam um ataque
à então recém promulgada Constituição de 1946, uma vez que os atos do governo Dutra
feriam o dispositivo constitucional que garantia a livre manifestação de idéias e de
posições políticas. Salientavam que nada de explícito ou definitivo havia na
Constituição que autorizasse a cassação do PCB. E avaliavam que o processo contra os
comunistas não dispunha de provas cabais que pudessem incriminá-los. Ademais,
alegavam que o fechamento da imprensa comunista fazia lembrar as arbitrariedades
cometidas durante o Estado Novo. As folhas avaliavam que a Constituição garantia a
livre manifestação do pensamento e a liberdade de imprensa e, dessa forma, o governo
não tinha o direito de perseguir ou fechar a imprensa comunista.
Se, de um lado, tais posicionamentos do CM e OESP alinhavam-se aos
defendidos pela UDN, de outro, eles expressavam, ao mesmo tempo, a coerência de
199
ambos os diários com o liberalismo democrático que defendiam e o empenho deles no
que se refere à autonomia da imprensa com relação ao poder político, quer fosse o
Estado, quer fosse de governos constituídos. O diário carioca e o paulista apresentavam
tais posicionamentos pelo fato de seus proprietários - Paulo Bittencourt e Júlio de
Mesquita Filho, respectivamente – nutrirem-se, desde a sua formação escolar na Europa,
por princípios e propostas calcados no liberalismo democrático e constitucionalista, bem
como pelo fato de ambos pouco se interessarem ou se empenharem na conquista por
emissoras de rádio, acreditando, talvez, que o caminho para a autonomia política dos
jornais estivesse muito mais no jornalismo impresso do que na radiodifusão.
O CM e OESP podem ter contribuído de forma mais modesta com as
modificações do campo jornalístico do ponto de vista tecnológico e estrutural, quando
comparado aos seus concorrentes diretos, porém, eles foram responsáveis pelo empenho
efetivo para que a liberdade de expressão e imprensa não fosse totalmente suprimida
dentro da nova configuração que se abria ao campo jornalístico e das alterações do
campo político. A produção jornalística daqueles dois jornais, ocupada em noticiar e
analisar práticas democráticas previstas constitucionalmente, e as ações que procuravam
desconsiderá-las mostram que democracia não era apenas uma palavra a adornar as
páginas de ambos diários durante o período de 1945 a 1948. Enfim, os jornais de Paulo
Bittencourt e lio de Mesquita Filho exercitaram, naquele início de democracia
parlamentar representativa, um jornalismo com certa autonomia do poder do Estado e
de governos.
Por sua vez, a FM ocupou posição intermediária em relação aos seus cinco
concorrentes diretos. Dessa forma, as posições políticas do jornal oscilavam
constantemente. A folha de Nabantino apoiou a candidatura de Eduardo Gomes à
presidência da República, mas quando percebeu que a vitória de Dutra era certa,
mudou de opinião e tratou de se aproximar do candidato vitorioso, com vistas a se
beneficiar do governo a ser constituído. Além disso, logo no início das discussões
acerca da cassação da legenda comunista, o jornal defendeu a existência legal do
partido, pois acreditava que os comunistas eram mais nocivos vivendo na ilegalidade.
Entretanto, quando o governo passou a intensificar suas ações contra o partido, a folha
de Nabantino s-se a apoiar as medidas poticas do governo contra o PCB. Dessa
forma, ao oscilar em seus posicionamentos ideológicos e apoiar as propostas
200
governamentais, o jornal paulista mostrava-se inseguro em apostar na autonomia em
relação ao poder político, ou mesmo em exercitá-la, preferindo acercar-se dos
benefícios que pudessem advir da relão de proximidade com o governo Dutra. Em
relação às modificações estruturais e tecnológicas do campo jornalístico brasileiro,
Nabantino, à frente das Folhas, contribuiu com a estruturação de um novo modelo
jornalístico, calcado na objetividade e visão comercial e empresarial. Um dos tros
dessa nova visão jornastica inaugurada por Nabantino foi a criação do Programa de
Ações das Folhas em 1948, que conferiu aos jornais do grupo Folhas um modelo mais
racional e objetivo no que tange à produção jornalística. O documento conferia
identidade às Folhas e regulava as atividades profissionais a serem desempenhadas no
interior da empresa, além de definir as relações do jornal com o Estado, com a política
internacional, com a questão social, com fontes de receita, entre outros. Ademais,
Nabantino foi responsável pela introdução de técnicas que modernizaram as Folhas e
dinamizaram o processo de produção jornalística, as quais passaram a ser reguladas pela
racionalização e profissionalismo. Porém, o signo da oscilação parecia acompanhar as
decisões das Folhas até mesmo com relação às novas configurações do campo
jornalístico, pois, embora conquistasse uma emissora de dio, a empresa deixava de
lado, naquele momento, a exclusividade da imprensa impressa, distanciando-se da
prática dos proprietários do CM e do OESP, mas não se empenhava amplamente para
manter-se nas atividades de radiodifusão, como faziam os donos do OG, DSP e JB.
201
Fontes e Referências Bibliográficas
202
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fontes
O Estado de S. Paulo, período 02/1944 – 02/1948
Diário de São Paulo, período 02/1945 – 02/1948
Folha da Manhã, período 02/1945 – 02/1948
Correio da Manhã, período 02/1945 – 02/1948
Jornal do Brasil, período 02/1945 02/1948
O Globo, período 02/1945 02/1948
Anuário Brasileiro de Imprensa, Rio de Janeiro, outubro de 1949.
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