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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO - PPGE
JACQUELINE DA SILVA COSTA
COR EM MOVIMENTO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A VIDA
COTIDIANA DE JOVENS E ADULTOS NEGROS DO PROJETO PRÉ-
VESTIBULAR GERIDO PELA UNEMAT NO MUNICÍPIO DE
CÁCERES – MT
Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos
Cuiabá, Setembro de 2005.
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JACQUELINE DA SILVA COSTA
COR EM MOVIMENTO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A VIDA
COTIDIANA DE JOVENS E ADULTOS NEGROS DO PROJETO PRÉ-
VESTIBULAR GERIDO PELA UNEMAT NO MUNICÍPIO DE
CÁCERES – MT
Dissertação apresentada como requisito para
obtenção do título de mestre junto ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso. Área de concentração:
Educação, Cultura e Sociedade. Linha de
Pesquisa: Movimentos Sociais, Política e
Educação Popular. Orientador: Prof. Dr. Luiz
Augusto Passos.
Cuiabá
PPGE/IE/UFMT
2005
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Índice para catálogo sistemático
1. Ensino Superior
2. Negro
3. Ação Afirmativa
4. Racismo
C 837c Costa, Jacqueline da Silva.
Cor em movimento: um estudo de caso sobre a vida
cotidiana de jovens e adultos negros do projeto pré-
vestibular gerido pela Unemat no município de Cáceres -
MT/Jacqueline da Silva Costa. - - Cuiabá: UFMT/IE, 2006.
xiii, 163:il.
Dissertação apresentada como requisito para obtenção
do título de mestre junto ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Área de
concentração: Educação, Cultura e Sociedade. Linha de
Pesquisa: Movimentos Sociais, Política e Educação Popular.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos
Bibliografia: p 148 – 154.
Anexos: p. 163
CDU – 378:323.118
Ao meu pai Benedito Severino da Costa (In
memorian). Homem preto. Militar e carpinteiro.
Passou por percalços inimagináveis em uma
sociedade primada pelo preconceito de cor.
Contudo, ao lado de minha mãe nos deixou como
herança os estudos e muita vontade de participar
da construção de um mundo mais humano.
AGRADECIMENTOS
Ao Deus da vida e libertação e a força acolhedora/protetora de
Oxum.
Às inúmeras vozes negras de mulheres e homens que
possibilitaram gerar vida no presente trabalho.
Ao Prof. Dr. Luiz Augusto Passos. Antes de professor e doutor é,
acima de tudo, humano. Conduziu este trabalho com seriedade,
alegria e discernimento compartilhando das angústias e trocas que
possibilitaram a concretização desta dissertação.
Às Profªs. Drªs. Maria Lúcia Rodrigues Müller (UFMT) e Iolanda
de Oliveira (UFF), orientadoras dos primeiros passos, que me
possibilitou o ingresso no Programa de Pós-Graduação.
Às Profªs. Drªs. Delcele Mascarenhas Queiroz (UNEB) e Artemis
Torres (UFMT), examinadoras nas bancas de qualificação e defesa.
Os apontamentos possibilitaram uma releitura dos dados já obtidos,
oferecendo uma melhor compreensão da mensagem que se
pretendia ser dada.
Alonso, namorado, amigo e companheiro de luta de todas as horas,
de todos os instantes, na alegria e na tristeza, nos conflitos... A tua
presença, mesmo na ausência dava-me a certeza de que estava no
caminho certo.
Acildo, irmão, amigo, companheiro. Pelo carinho, pelos conselhos.
Mostrou-me que a distância não significa nada, quando a amizade é
verdadeira.
Á Ângela Maria dos Santos e Benedita da Guia Ferreira Mendes,
companheiras de luta de todas as horas.
Ao Prof. Ms. Paulo Alberto dos Santos Vieira, pela disponibilidade
dos documentos e pela atenção dispensada na reelaboração do
objeto de pesquisa.
À Cida, Jura, Valdinei, Esmeraldo e Edinho, que na silenciosa lida
do cotidiano promovem a vida daqueles e daquelas cansados de
procurar a justiça.
À Cândida, Vilma, Edmara e Ivonete, amigas e colegas do
mestrado. Com vocês compartilhei angústias, momentos felizes e
engraçados. Vocês fizeram com que a feitura deste trabalho ficasse
mais doce e harmoniosa.
Às amigas e amigos de luta, de longe e de perto, de hoje e sempre.
Todos vocês deixaram ensinamentos significativos: Vanda,
Salomão, JoRicardo, Solange, Marilza, Giovanni, Lúcia, Nilson,
Maria, Neuza, Hélio, Selma, Antônia Motta, D. Luzia, Ana, Gilza e
Dona Georgina.
À Maria Constantina, Maurem, Ana Tereza, Joseline e Tereza,
matriarcado de grande personalidade, juntamente com irmão,
afilhada, sobrinhos e cunhados que me acompanham em todo e
qualquer novo projeto. Acreditem, sem vocês a caminhada seria
muito difícil.
À Secretaria de Pós-Graduação, em especial a Luiza e Mariana,
pela amizade, seriedade e competência com que conduzem os
trabalhos burocráticos do mestrado em Educação.
Às funcionárias da biblioteca Setorial, pela atenção e carinho
dispensada nos empréstimos de livros.
À Profª Margarida, pela seriedade e competência na correção deste
trabalho.
DEDICATÓRIA
Às crianças negras, pardas, bugras, indígenas, japonesas e brancas. Com sua
meiguice e ternura, busquem construir espaços outros e novas vivências
hoje. A fim de aprenderem que o sentido da vida baseia-se na dignidade,
solidariedade e, sobretudo, no respeito aos diferentes.
A cultura dos negros é muito importante. Como
brancos, negros e castanhos... Todos têm o direito
de viver juntos em nosso país e em nossa cidade..
(Déborah, 07 anos)
RESUMO
A pesquisa trata de um estudo de caso sobre trajetórias de vida dos bolsistas do Projeto Pré-
Vestibular Por Um Futuro Negro: Cor, Cidadania e Inclusão no Ensino Superior em Mato
Grosso, desenvolvido no ano de 2004, pela Universidade Estadual de Mato Grosso em
parceria com os movimentos sociais do município de Cáceres. Tem como objetivo
investigar o processo vivenciado por estes jovens e adultos negros, que pretendem ingressar
na universidade pública. Para a coleta de dados foram utilizadas as seguintes técnicas:
questionário fechado, grupo focal e história de vida. Os passos seguidos foram:
primeiramente a aplicação do questionário aos 40 bolsistas do projeto, posteriormente
realizou-se a técnica de grupo focal que envolveu 20 sujeitos e, por fim, o emprego da
técnica de história de vida que contou com o registro de 04 vivências. Ao evidenciar as
desigualdades de raça e gênero em nosso país, buscamos dialogar com autores como Freire
(2005) Hasenbalg (1979), Fernandes (1965), Santos (2002), Hanchard (2001) e Figueiredo
(2001), na tentativa de compreender como estas se transformam em mecanismos de
opressão na vida de indivíduos negros que trazem na pele a “cor” que marca a “diferença”.
Ao longo deste trabalho pôde-se evidenciar uma silenciosa resistência de um grupo de
pessoas que, em sua grande maioria, não estão ligadas a um movimento organizado que as
represente e que possa manifestar seus anseios e desejos, bem como, suas angústias por
viver em uma sociedade marcada por uma cultura racista. Constatou-se também, que a
implementação das políticas de ação afirmativas vem somar-se à histórica luta empreendida
pelos movimentos sociais em nosso país. Portanto, a viabilidade de tais medidas confirma
não somente direitos já garantidos, como também corrobora a tomada de consciência da
situação de opressão em que a população negra está colocada.
Palavra-chave: Negro – Ensino Superior – Ação Afirmativa – Racismo.
ABSTRACT
The research is about a case study on life trajectories of the scholarship holders of the For a
Black Future: Color, Citizenship and Inclusion in Higher education in Mato Grosso
Preparatory for University Admission Exam Project, developed in the year of 2004, by the
State University of Mato Grosso in partnership with the social movements of the city of
Cáceres. It has as objective to investigate the process experienced by this black young and
adult people, that intend to enter the public university. For the collection of data the
following techniques were used: closed questionnaire, focal group and history of life. The
following steps were: first the application of the questionnaire to the 40 scholarship holders
of the project, then the technique of focal group that involved 20 citizens, and finally the
technique of life history that registered 04 life experiences. When evidencing the
inequalities of race and gender in our country, we search to dialogue with authors such as
Freire (2005), Hasenbalg (1979), Fernandes (1965), Saints (2002), Hanchard (2001) and
Figueiredo (2001), in the attempt to understand how these inequalities become mechanisms
of oppression in the life of black individuals that bring in the skin the "color" that marks the
"difference". Through this work it was possible to observe a quiet resistance of a group of
people who, in its great majority, are not connected to an organized movement that
represents them and that can manifest their yearnings and desires, as well as their anguishes
of living in a society marked by a racist culture. It was also evidenced that the
implementation of affirmative policies of action comes to add to the historical fight
undertaken by the social movements in our country. Therefore, the viability of such
measures not only confirms rights already guaranteed, as it also corroborates to the
conscience taking of the oppression situation where the black population is placed.
Key words: Black – Higher Education – Affirmative action - Racism
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Disparidade dos anos de estudo da população com 25 anos de idade
1995............................................................................................................
24
Tabela 2
Distribuição por grupo racial das pessoas com mais de 18 anos que
freqüentam universidade............................................................................
26
Tabela 3
Relação dos sujeitos selecionados para aplicação do estudo de caso
segundo a cor, idade e estado civil ............................................................
77
Tabela 4
Relação dos sujeitos selecionados para aplicação do estudo segundo
dados escolares que dizem respeito ao acesso ao ensino superior.............
77
Tabela 5
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a idade..............................
83
Tabela 6
Distribuição percentual dos bolsistas segundo o sexo...............................
84
Tabela 7
Distribuição percentual dos bolsistas segundo estado civil.......................
84
Tabela 8
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a autodeclaração da cor....
85
Tabela 9
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a declaração da cor
conforme as categorias do IBGE................................................................
85
Tabela 10
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a idade de ingresso no
mercado de trabalho...................................................................................
86
Tabela 11
Distribuição percentual dos bolsistas segundo o exercício de alguma
atividade profissional no período em que cursou o ensino fundamental e
médio..........................................................................................................
86
Tabela 12
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a primeira atividade
profissional.................................................................................................
87
Tabela 13
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a instituição de ensino em
que concluiu o ensino fundamental e médio..............................................
87
Tabela 14
Distribuição percentual dos bolsistas segundo o sistema de ensino em
que conclui o ensino médio........................................................................
88
Tabela 15
Distribuição percentual dos bolsistas segundo o período em que se
encontram afastados da escola...................................................................
88
Tabela 16
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a quantidade de cursos
pré-vestibulares realizados.........................................................................
89
Tabela 17
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a quantidade de
vestibulares prestados ...............................................................................
89
Tabela 18
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a opção de curso...............
92
Tabela 19
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a posição no domicílio.....
93
Tabela 20
Distribuição percentual dos bolsistas segundo renda familiar...................
94
Tabela 21
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a escolaridade do pai e da
mãe.............................................................................................................
127
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1
Distribuição dos bolsistas conforme o número de vestibulares concorridos: 03
a 06 vezes...........................................................................................................
90
Gráfico 2
Perfil socioeconômico dos bolsistas conforme o número de vestibulares
concorridos: 03 a 06 vezes..................................................................................
90
Gráfico 3
Perfil dos bolsistas conforme o gênero entre os que concorreram o vestibular
entre 03 a 06 vezes..............................................................................................
90
Gráfico 4
Perfil dos bolsistas conforme o estado civil entre os que concorreram o
vestibular entre 03 a 06 vezes.............................................................................
91
LISTA DE SIGLAS
ADUNEMAT
Associação dos Docentes da Universidade do Estado de Mato Grosso
ARLICA
Associação de Rádios Livre Comunitária de Cáceres
CDHDMB
Centro de Direitos Humanos “Dom Máximo Biennès”
CEBS
Comunidades Eclesiais de Bases
CEFAPRO
Centro Educacional de Formação e Aperfeiçoamento Profissional
CEP
Código de Endereçamento Postal
CEPICS
Comissão Para a Elaboração do Programa Cores e Saberes
CNTE
Central Nacional dos Trabalhadores da Educação
COVET
Comissão de Vestibulares/ Unemat
DHESCS
Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Políticos e Culturais
EEOM
Escola Estadual de 1º e 2º Graus “Onze de Março”
EJA
Educação de Jovens e Adultos
ENEM
Exame Nacional do Ensino Médio
EES
E. E. de Suplência de 1º e 2º Graus “Prof. Milton Marques Curvo”
EUA
Estados Unidos da Américas
FASE
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FHC
Fernando Henrique Cardoso
FLEC
Fórum de Lutas das Entidades de Cáceres
FNB
Frente Negra Brasil
GRUCON
Grupo de Consciência Negra de Cáceres
GTS
Grupo de Trabalhos
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada
MEC
Ministério da Educação
MST
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NEABS
Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros
NEGRA
Núcleo de Estudos sobre Gênero Relações Raciais e Alteridade
NEPRE
Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Relações Raciais em Educação
ONG
Organização Não-Governamental
OIT
Organização Internacional do Trabalho
PAA
Políticas de Ação Afirmativas
PCT
Paróquia Cristo Trabalhador
PENESB
Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira
PF
Polícia Federal
PST
Paróquia Santíssima Trindade
PPGE
Programa de Pós-Graduação em Educação
PROEC
Pro-Reitoria de Extensão e Cultura
PROEXT
Programa de Extensão
PROUNI
Programa Universidade Para Todos
PVNC
Pré-Vestibular Para Negros e Carentes
SEPPIR
Secretaria Especial de Políticas para Promoção e Igualdade Racial
SESU
Secretaria de Ensino Superior
SINTEP
Sindicato dos Trabalhadores e Profissionais da Educação
SPDH
Sociedade de Promoção dos Direitos Humanos
STR
Sindicato dos Trabalhadores Rurais
TE
Técnico em Enfermagem
TEN
Teatro Experimental do Negro
TOR
Terceira Ordem Franciscana
UFBA
Universidade Federal da Bahia
UFF
Universidade Federal Fluminense
UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais
UFMT
Universidade Federal de Mato Grosso
UNEMAT
Universidade do Estado de Mato Grosso
UNOPAR
Universidade Norte do Paraná
USA
União Social de Assistência
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
................................................................................................................
01
-
POR UM FUTURO NEGRO: L
UTAS EM MOVIMENTO
...........
07
1.1 - Movimentos Sociais: uma trama de conceitos..........................................................
08
1.2 - Negros em “movimento”...........................................................................................
12
1.3 - Educação versus desigualdades.................................................................................
17
1.4 - “Cor” e Ensino Superior............................................................................................
26
1.4.1 – PVNC: alternativa de acesso ao Ensino Superior..................................................
31
1.4.2 – As universidades Públicas frente às Políticas Afirmativas....................................
35
CAPÍTULO II
-
POLÍTICAS AFIRMATIVAS: EXPERIÊNCIAS EM MT
............
45
2.1 – UFMT: ações e projetos............................................................................................
46
2.2 – UNEMAT: projetos e ações......................................................................................
49
2.3 – A gênese das lutas e manifestações populares em Cáceres......................................
55
2.3.1 – “Redes” à margem do Rio Paraguai: a trama dos movimentos sociais................
61
2.4 – A parceria firmada com o CDH “Dom Máximo Biennès”.......................................
62
2.5 – Mobilização das demais entidades............................................................................
65
CAPÍTULO III
-
CONSTRUÇÃO DO OBJETO
.........................................................
71
3.1 – Sujeito da pesquisa e procedimentos empregados....................................................
73
3.2 – “Raça” e “Cor”: sentimentos que mobilizam sentidos............................................
77
3.3 – O perfil dos candidatos contemplados......................................................................
82
3.3.1 – Distribuição dos bolsistas conforme a idade, sexo e estado civil..........................
83
3.3.2 – Autodeclaração e auto-atribuição da cor...............................................................
84
3.3.3 – Trajetória escolar...................................................................................................
85
3.3.4 – Opção profissional ................................................................................................
91
3.3.5 – Condição Socioeconômica.....................................................................................
93
3.4 – Caminhos escolares..................................................................................................
96
3.5 – Grupo Focal: o espaço para uma prosa proveitosa...................................................
99
3.5.1 – Projeto de Vida......................................................................................................
104
CAPÍTULO IV A LUTA COTIDIANA DE JOVENS E ADULTOS NEGROS
NA TRANSFORMAÇÃO DE UMA CULTURA RACISTA NO MUNICÍPIO DE
CÁCERES........................................................................................................................
110
4.1 – Opressores e Oprimidos: algumas reflexões.............................................................
112
4.2 – Deus, uma representação mística..............................................................................
121
4.3 – Família: “rede” de apoio que auxilia na caminhada.................................................
127
4.4 – Negras Mulheres.......................................................................................................
135
4.5 – As relações com o “outro”........................................................................................
141
COSIDERAÇÕES FINAIS
.............................................................................................
144
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
...........................................................................
148
APÊNDICE
......................................................................................................................
156
ANEXOS
...........................................................................................................................
164
1
INTRODUÇÃO
O amplo interesse de pesquisadores negros e não-negros a propósito da temática
“Relações Raciais em Educação” tem apresentado contribuições significativas para um
melhor entendimento de como funcionam os mecanismos de exclusão social que envolvem
a população negra em nosso país.
Na tentativa de compreender tais mecanismos, é necessário implicar os efeitos
negativos da escravidão no Brasil. Entretanto, estudos revelam que a pouca mobilidade
social dos negros, as desigualdades raciais e o preconceito racial não devam ser somente
atribuídos aos 350 anos de escravidão. Há que se considerar que, paralelo ao sistema
escravocrata, houve uma seqüência de fatos e atitudes políticas que, ao longo dos anos,
foram absorvidas e reproduzidas pela elite que dominava o poder na época.
O racismo e as desigualdades, freqüentemente, têm introduzido estudos e debates
relacionados às Políticas de Ação Afirmativa no Brasil, sobretudo, às que garantem o
acesso e permanência de negros no ensino superior. Entre os autores (as) que abordam essa
questão de maneira mais específica estão Guimarães (1999), Gomes (2001, 2002), Silvério
(2002), Silva (2002), Jaccoud e Beghin (2002), Siss (2003) e Queiroz (2003).
Meu interesse pelas questões raciais surgiu em 1998, ao ingressar-me na Equipe
Executiva do Centro de Direitos Humanos de Cáceres “Dom Máximo Biennès”. Nos anos
que se seguiam, a convite das escolas, ainda que timidamente, realizava palestras sempre
alusivas ao 20 de novembro. Em 2001, ano em que aconteceu a III Conferência Mundial
sobre Racismo, Intolerância, Discriminação e Xenofobia, em Durban, na África do Sul, tive
acesso e acompanhei com interesse as várias reportagens sobre a conferência. Dentre os
temas discutidos acredito que o mais divulgado foi o reconhecimento de que a escravidão
foi considerada um crime de lesu à humanidade. Ou seja, pessoas e famílias inteiras teriam
que ser indenizadas de alguma forma, quer seja financeiramente ou por meio de
implementação de políticas públicas de cunho afirmativo nos diversos setores da sociedade.
Nesse mesmo ano as palestras nas escolas continuaram. Certo dia houve um convite
feito pela faculdade de Direito da Unemat/Cáceres, para um debate sobre as políticas
2
afirmativas. Na oportunidade convidei a profª Marília Reis
1
a se fazer presente. Após
contextualizar a situação dos negros na sociedade brasileira, falei das “cotas”. Percebi que
os alunos pediam para falar a todo momento sobre o assunto, porém, com posicionamentos
contrários à implementação de tais medidas. Ao término da minha fala uma aluna me
perguntou: Ah! Professora, quer dizer que agora na universidade vai ter uma sala de aula
pra preto e outra pra branco? A tentativa de réplica foi em vão, a aula findava e todos os
alunos foram saindo apressadamente.
Para minha surpresa, fui abordada por um aluno da mesma sala de aula. Este me fez a
seguinte pergunta: Professora eu quero saber a sua opinião independente dos documentos
que você leu a respeito, você concorda com as cotas? Você acredita que elas darão
conta de resolver o problema da exclusão do negro no Brasil? É claro que eu tinha muitas
dúvidas sobre o tema até porque minhas leituras de apoio teórico ainda eram insuficientes,
mas respondi com segurança que era sim favorável às cotas e que sem vida tratavam de
medidas públicas que o Movimento Negro e demais entidades aprovavam, havendo uma
ressalva, somente as “cotas” não dariam conta de resolver o problema, mas, era um começo
importante de uma longa caminhada.
Antes mesmo de ter acesso a textos e opiniões sobre a ausência de negros nas
universidades brasileiras e sobre o debate das reservas para negros no ensino superior,
conseguia perceber algumas tensões a respeito, no interior da UNEMAT, quando
acadêmica. E, antes mesmo que o debate sobre a temática tomasse a proporção nos dias
atuais, eu, Prof. Ms. Antônio Eustáquio Moura
2
e Prof. Sirlene
3
tentamos por várias vezes
reunir um grupo de pessoas negras e simpatizantes a essas questões. Chegamos a marcar
algumas reuniões, mas com poucos resultados. Acabamos então por concluir que a “notável
ausência” não se resumia puramente da falta de interesse, mas porque éramos poucos,
mesmo em toda a UNEMAT.
Em 2002, concorri a uma vaga de professora substituta no departamento de Letras da
Unemat, no campus “Jane Vanini” em Cáceres. Ao saber que o resultado tivera sido
positivo fiquei muito feliz em poder desempenhar tal função na instituição em que me
1
Historiadora, militante e pesquisadora. Dedicou-se em estudar no mestrado, os segredos culinários das
mulheres negras do município de Vila Bela da Santíssima Trindade.
2
Na época ocupava o cargo de Pró-reitor de Pesquisa e Extensão na Unemat.
3
Colega do curso de Letras, na oportunidade cursava o 7ª semestre.
3
formei. No entanto, deparei-me com uma curiosa situação, a de estranhamento. Uma vez
sabedora da ausência de alunos(as) negros(as), tal constatação não seria diferente em
relação ao corpo docente.
Paralela à ausência de professores(as) negros(as) nas instituições de ensino superior,
no imaginário coletivo a idéia de que para desempenhar determinadas profissões, dentre
as quais a de professor universitário, é preciso ser branco. De modo que, ao assumir a
disciplina de Prática de Ensino II, curiosamente, cheguei a ser vista várias vezes como
aluna nova da turma.
Uma outra experiência que me deixou bastante abismada foi em uma noite em que eu
e profª Isabel
4
tínhamos dado início aos trabalhos e alguém teria batido na porta. Um dos
alunos o atendeu e em seguida me chamou, para atendê-lo. Era um vendedor de anéis de
formatura que, ao me aproximar dele fez o seguinte pedido:
Por favor, você pode por gentileza chamar a professora, pra mim? É que a
formatura está próxima e eu preciso mostrar à turma modelos de anéis.
A minha reação ante o pedido do vendedor foi de imediatamente atendê-lo. Voltei em
seguida para chamar a minha companheira de sala, a Profª Isabel. No momento em que ao
chegar na metade do caminho é que me dei conta de que também era professora. Voltei e
respondi a ele:
Mas, eu sou a professora da sala.
A reação de surpresa, por parte dele foi tamanha. Talvez, não esperasse encontrar uma
professora negra lotada em curso de nível superior.
Assim, a experiência como professora recuperou uma antiga inquietação que me
perseguia desde a graduação, a ausência de alunos negros na Unemat. Porém acompanhada
de uma outra, a ausência de negros em seu corpo docente.
Neste sentido, a pesquisa buscou investigar a experiência que se enquadra dentro de
uma proposta de política afirmativa de acesso, o projeto Por Um Futuro Negro: Cor,
4
Éramos duas professoras na sala, a mim foram designados os conteúdos de Língua Portuguesa e a Isabel os
conteúdos de Literatura.
4
Inclusão e Cidadania no Ensino Superior em Mato Grosso
5
- nos moldes do curso Pré-
Vestibular para Negros e Carentes (PVNC
6
) -, gerido pela Unemat em parceria com os
movimentos populares de Cáceres.
Por meio das trajetórias de vida e escolar dos sujeitos desta pesquisa, buscou-se
compreender as causas que corroboram a ausência deste segmento populacional nas
universidades brasileiras, sobretudo na Unemat. Pretendeu-se também averiguar se em suas
trajetórias havia dados suficientes que evidenciassem que essas tensões poderiam estar ou
não relacionadas a esse fenômeno social, a ausência de negros no ensino superior. Somente
depois foram averiguados os sentimentos que essas tensões têm provocado em suas vidas,
no campo das realizações pessoal e profissional.
Para a coleta de dados utilizou-se de 03 diferentes técnicas: a) Questionário com
perguntas fechadas e abertas; b) Dinâmica de Grupo Focal; b) Relatos de histórias de vida,
para sustentar a metodologia empregada de Estudo de Caso.
Para a efetivação das análises da pesquisa utilizou-se os seguintes autores Freire
(2005), Hasenbalg (1979), Fernandes (1965), Figueiredo (2001), Hanchard (2001) e Santos
(2002).
A dissertação está dividida em quatro partes. No primeiro capítulo, contextualizamos
as lutas sociais emanadas dos Movimentos Sociais para, em seguida, abordar mais
especificamente o movimento negro e suas contribuições na sociedade brasileira. Procurou-
se também demonstrar o panorama das desigualdades sociais e raciais no Brasil, dando
ênfase à conjuntura em que se apresenta o Brasil. Paralelo aos dados que configuram a
ausência de negros no ensino superior, contextualizou-se o surgimento da organização
nacional do Pré-Vestibular Para Negros e Carentes (PVNC), bem como debate das reservas
de vagas no interior da academia.
No segundo capítulo, apresentamos o contexto em que nasce a pesquisa apontando a
pareceria firmada com os movimentos sociais do município de Cáceres e instituições
públicas Federais de Ensino Superior. Para melhor compreensão do(a) leitor(a) sentimos a
5
Nomenclatura dada ao projeto gerido na Unemat, no município de Cáceres.
6
Trata-se de uma experiência em nível Nacional, de cursos pré-vestibulares alternativos para as pessoas que
se autodeclaram negros e pertencentes às camadas populares de baixa renda. A proposta a priori foi
encabeçada por militantes do movimento negro e lideranças da igreja católica, responsáveis pela estrutura e
pela seleção do corpo docente com um perfil diferenciado dos cursinhos comerciais.
5
necessidade de esboçar a gênese das lutas e manifestações populares em Cáceres, bem
como a contribuição da igreja católica na criação dos inúmeros movimentos organizados.
No terceiro capítulo, mostramos a metodologia empregada na pesquisa e a opção pelo
uso do termo “raçae a denominação dos sujeitos. No que tange ao perfil dos bolsistas
procuramos fazer uso de tabelas com vista à apresentação dos dados conforme: dados
pessoais idade, sexo e estado civil dados escolares: opção de curso, condição
socioeconômica e trajetória escolar, extraído de dois questionários
7
, o primeiro deles
elaborado pela pesquisadora e o segundo elaborado pelo prof. Paulo e demais entidades.
Ainda neste capítulo delinearemos os resultados da dinâmica de grupo focal, que nos
possibilitou extrair dos bolsistas as impressões do projeto e como se deu a construção do
projeto de vida a partir da inserção destes no projeto.
No quarto capítulo, apresentamos a luta cotidiana que jovens e adultos negros
entrevistados empreendem para a erradicação do racismo na sociedade brasileira, a partir da
inserção destes no cursinho gerido pela UNEMAT em parceria com os movimentos sociais
do município de Cáceres. Procuramos ainda compreender o processo de emancipação em
suas vidas, a releitura do lugar e o papel pedagógico que lhes são reservados na sociedade
Cacerense.
A pesquisa que ora se apresenta nos possibilitou evidenciar resultados importantes
sobre a luta empreendida pelos bolsistas do projeto pré-vestibular Por Um Futuro Negro.
Sob o julgo de práticas discriminatórias presentes na sociedade brasileira, enfrentam,
dificuldades de ordem financeira, psicológica e emocional para, assim, superar racismo.
Concluímos, portanto, que toda proposta de política pública que visa beneficiar a
população negra, representa um importante elemento motivador em trajetórias de vida de
jovens e adultos negros. Em razão de sua cor, são colocados à margem, ficando
prejudicados perante aqueles e aquelas que nascem com autorização ao gozo de direitos,
a brancura da pele.
Desse modo, a prática da “discriminação positiva” via políticas de ações afirmativas,
visando ao acesso e permanência no ensino superior, garantiu a esses sujeitos sair da inércia
em que se encontravam e ir a busca dos sonhos, da reconstrução do projeto de vida, da
7
Ambos os questionários foram elaborados a partir do questionário formulado para o censo étnico-racial
realizado em 2003 na UFMT.
6
valorização da família e dos amigos, podendo ainda, encontrar-se consigo mesmo,
conquistando a sua libertação.
Leonardo Boff (1998) em sua obra A águia e a galinha Uma metáfora da condição
humana, afirma ser somente através da libertação que os “oprimidos resgatam a auto-
estima. Refazem a identidade negada. Reconquistam a pátria dominada. E podem construir
uma história autônoma, associada à história de outros povos livres” (p. 23).
7
CAPÍTULO I
POR UM FUTURO NEGRO: LUTAS EM MOVIMENTO
Conhecer as manhas e as manhãs, o sabor das
massas e das maçãs. É preciso amor pra poder
pulsar é preciso paz pra poder sorrir é preciso
chuva para florir....
Almir Sater.
Ao mencionar a palavra cidadania, logo, a associamos a um conjunto de termos que
parecem estar intimamente ligados, liberdade, igualdade, justiça, entre outros. Na verdade
são palavras que ao longo dos anos m servido de bandeira de luta de diversos grupos,
movimentos e entidades que lutam em defesa do gozo pleno dos direitos garantidos por lei.
Segundo o dicionário Aurélio cidadania significa “indivíduos no gozo dos direitos
civis e políticos de um Estado”. Definição esta que o papel aceita em qualquer tempo. Na
prática, entretanto, pode ser bem diferente. Dependendo do contexto histórico e social a
palavra cidadania, ora salvaguardou direitos, ora negou conquistas acerca da promoção dos
mesmos.
Iering (1988) associa a cidadania à garantia de direitos. Afirma ainda que a
viabilidade destes foi sempre motivo de muita luta perante aqueles que se colocavam
contrários à afirmação desses direitos:
Todo direito no mundo foi alcançado por meio da luta; seus postulados mais
importantes foram conquistados num combate contra aqueles que não os
aceitavam; assim, todo direito, seja o de um povo, seja o de um indivíduo, se
consegue se ambos, indivíduo e povo, se dispõe a lutar por ele (p. 15 e 16).
E, quando se resolve lutar por direitos, seja de natureza individual ou coletiva,
compreendemos estar instalada uma necessidade universal, a de se organizar. E é com
esse intuito que procuraremos contextualizar as diversas reivindicações populares no Brasil,
sobretudo as que envolvem a população negra e a longa e histórica luta pela promoção da
cidadania destes.
8
Para entender o processo histórico de organização buscaremos dialogar com vários
autores que se dedicam em pesquisar os múltiplos conceitos dos movimentos sociais no
Brasil. Para, posteriormente, adentrarmos em um diálogo mais específico que trata de
manifestações organizativas, visando a pedagogia anti-racista. Estamos falando do
movimento negro, que por sua vez tem oferecido valiosas contribuições para a sociedade
brasileira no que tange à promoção da cidadania da população negra.
O movimento negro, em parceria com os demais segmentos organizados, tem
conseguido demonstrar sua indignação ante os nefastos índices de desigualdades em nosso
país. Desigualdades que não se restringem apenas ao não acesso a bens materiais. E sim a
negação de direitos que favoreçam aos negros(as) o exercício de serem aceitos à sua
maneira. As desigualdades raciais têm esse propósito, coibir indivíduos que não se
enquadram em padrões pré-estabelecidos pela sociedade. Poderíamos, dessa maneira,
comparar tais desigualdades a um fenômeno social composto de atitudes de ordem
simbólica, que vem contribuindo, sobremaneira, para a marginalização da população negra
deste país.
Assim, a temática das desigualdades raciais tem provocado um debate nacional
acerca da dupla marginalização em que o homem e a mulher negra estão inseridos. Ser
pobre e negro em nosso país tem um peso social e “lamentavelmente” estereotipado.
Acreditamos ser de fundamental importância contextualizar tais desigualdades e o
que tem sido realizado em termos de políticas públicas que visam trazer melhorias e
oportunidades aos negros. Sobretudo, as que dizem respeito ao acesso destes no ensino
superior. Setor da sociedade brasileira onde é significativa a ausência deste segmento
populacional.
1.1 – Movimentos Sociais: uma trama de conceitos
Mencionava no texto anterior a importância de se organizar para a reivindicação de
direitos. Entretanto, essa ação não é tão simples quanto parece. É preciso se organizar em
grupos para que as ações surtam efeito.
9
Na tentativa de dar visibilidade a necessidade, mencionaremos alguns ditos
populares que há tempos ouvimos: “a união faz a força”, “duas cabeças pensam melhor que
uma” ou também “uma andorinha só não faz verão”. Vamos então percebendo que a prática
de ações coletivas estão presentes em nossa vida cotidianamente. Seja na rua onde
moramos, na associação de bairro, na igreja, na escola ou grupos de amigos, que se unem
para o alcance de um determinado objetivo.
Com essa mesma determinação, perceberemos também a existência de ões
coletivas com dimensões macro. Essas múltiplas manifestações de organizações de toda
ordem têm sido objeto de estudo de pesquisadores (as) da temática: movimentos sociais.
Maria da Glória Gohn (1995), estudiosa da temática, informa que parte das
conquistas sociais na América Latina se deve à árdua luta dos movimentos sociais. No
Brasil não é diferente a histórica luta desses movimentos que datam dos tempos do Brasil
Colônia e Império, dentre as quais destaca: a) Lutas em torno da escravidão; b) Lutas em
torno da cobrança do fisco; c) Lutas de pequenos camponeses, d) Lutas contra legislações e
atos do Poder Público; e) Lutas pela mudança do regime político (pela República ou pela
restauração da monarquia); f) Lutas entre categorias socioeconômicas brasileiras e
estrangeiras.
Na obra intitulada Teoria dos Movimentos Sociais: paradigmas clássicos e
contemporâneos, Gohn (1997) procura sistematizar teorias e paradigmas, que considera
importante para contextualizar as lutas e os caminhos percorridos pelos movimentos sociais
no cenário internacional e nacional. Trata-se de um estudo sobre os inúmeros segmentos
organizados, subdivididos em diferentes períodos históricos até as formas contemporâneas
de luta e organização existentes em nosso país.
Gohn (1997) informa que o modelo de movimentos sociais que se instalou na
América Latina é bem diferenciado dos movimentos organizados norte-americanos. A
autora explica, ainda “o que existe é um paradigma de lutas e movimentos sociais, na
realidade concreta. (...) e não um paradigma teórico propriamente dito” Foweraker (apud
Gohn, 1997, p. 211).
Foweraker (1995), por sua vez afirma que, embora a América Latina tem sido nos
últimos tempos palco de infindáveis lutas e mobilizações sociais, pondera a ausência de
estudos teóricos, a fim de compreender esse fenômeno. No entanto, reconhece que em
10
alguns países como Brasil, México, Argentina e Chile está havendo por parte de
pesquisadores(as) das universidades brasileiras um esforço em aglutinar estudos e apoiar
pesquisas dessa natureza. Segundo ele, os estudiosos que se dedicam a esta temática m
uma preferência bastante específica em serem classificados: pesquisadores(as) dos
movimentos sociais, independente da área em que atuam.
Desse modo, conceituar os movimentos sociais não é uma tarefa fácil em presença
dos múltiplos significados que perpassam espaços diferenciados de organização e
mobilização popular.
Segundo Kriese (1988) a definição partida de um cidadão comum é menos
complexa que a definição de um cientista social. Para isso explica: o cidadão comum
definiria movimento social como uma organização “homogênea”, a partir de experiências e
ações de organizações com alcance mundial, tais como o movimento “pela paz”,
“antinucleares” e “ecológicos”. Já os cientistas sociais envolveriam questões sociopolíticas,
tais como “crenças” “valores” e “diferenças internas”.
Baseando-se em diversos autores com os quais dialoga em sua mencionada obra,
Gohn (1997) sistematiza um conceito de movimentos sociais:
São ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a
diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura
socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força social
na sociedade civil (p. 251).
Scherer-Warren (1999) compara os movimentos sociais a redes de relações
sociais” que através dos “sujeitos” sociais interagem nas diversas “associações civis”. Estas
possuem reivindicações comuns pautadas sobretudo nos direitos básicos contidos na
constituição federal que “lamentavelmente” deixam a desejar. Define movimento social
como sendo um:
(...) conjunto mais abrangente de práticas sóciopolítico-culturais que visam à
realização de um projeto de mudança (social, sistêmica ou civilizada), resultante
de múltiplas redes de relações sociais entre sujeitos e associações civis. É o
entrelaçamento da Utopia com o acontecimento, dos valores e representações
simbólicas com o fazer político, ou com múltiplas práticas efetivas. Pode-se, pois,
falar dos movimentos pela paz, ecológico, feminista, negro, de direitos
11
humanos, de democratização da esfera pública, de combate à pobreza ou
exclusão social, e assim por diante (p.15, 16).
Assim, vamos tecendo a trama acerca do conceito de movimentos sociais. Redes,
organizações em movimento, que vêm envolvendo sujeitos de distintas vivências, lugares e
causas. Classificaria também como uma convergência de energias de sujeitos que trazem
consigo uma história de vida, trazendo sua medida de contribuição para a construção de um
projeto coletivo de transformação social (grifos meus). Ora defendem questões específicas,
ora reivindicam questões macro, com grande capacidade de aglutinação.
Gohn (2005) enfatiza o peso social e histórico dos movimentos sociais no contexto
brasileiro, devido o seu protagonismo e acúmulo de experiências comprometidas com uma
causa maior, a transformação social. O valor dos movimentos sociais na vida de um grupo
organizado ou não pode ser comparado a
(...) um processo de vivência, que imprime sentido e significado a um grupo ou
movimento social, tornando-o protagonista de sua história, desenvolvendo uma
consciência crítica e desalienadora, agregando força sociopolítica a esse grupo ou
ação coletiva, e gerando novos valores e uma cultura política nova (p.30).
Em se tratando da complexidade em que a temática se inscreve Gohn (2005) chama
a atenção para o fato de que não estamos lidando com qualquer segmento social, e sim de
forças significativas dotadas de conhecimento de causa e autonomia, com capacidades
múltiplas de articulações.
E dentre as inúmeras organizações que visam construir uma agenda positiva a fim
de promover a cidadania daqueles e daquelas que se sentem lesados, destacamos um dos
inúmeros segmentos que se propõe a defender direitos que beneficiam um determinado
grupo da sociedade, os negros. Assim, o movimento negro tem contribuído para a
construção de uma extensa pauta de reivindicações em prol desse segmento da população.
De certo modo, a luta pela liberdade tornou possível a criação de espaços múltiplos de
debates acerca desta temática. Esses espaços se tornaram um poderoso instrumento de
pressão política, em conseqüência da dívida social para com seus antepassados.
12
1.2 - Negros em “movimento”
Em se tratando do conjunto de manifestações de luta e resistência, o movimento
negro está entre as organizações de mobilização social mais antigas do Brasil. Esta
afirmação parte da historiadora Hebe Maria Mattos (2000), em relação as manifestações de
defesa e promoção da cidadania dos negros.
Ao falar de cidadania Mattos (2000), sente a necessidade de correlacioná-la a um
outro termo, a escravidão. Com essas duas palavras, Cidadania e Escravidão, a autora
definiu o contexto social brasileiro, durante o período escravocrata. Num primeiro
momento parecem dois termos com conceitos diferenciados, entretanto, as primeiras
definições do termo “cidadania brasileira” versou pela primeira vez sobre os direitos de
pessoas livres e daquelas que passaram parte de suas vidas sob a égide do pelourinho.
Contudo, se uma constante preocupação em debater a cidadania, logo, os direitos
de um povo não têm recebido o devido tratamento. Prova disso é que em 10 de dezembro
de 1948, a cidadania dos povos foi assunto de maior relevância que norteou, talvez um dos
documentos mais importantes de todos os tempos, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH). Considerada Pacto da Humanidade, a Declaração serviu de parâmetro
para os Chefes de Estado de todo o mundo confeccionarem ou reestruturarem suas
Constituições, baseadas no respeito, na liberdade aos indivíduos, bem como no
comprometimento da construção de uma cultura de paz evitando, assim, tragédias como
guerras que provocaram mortes de nações inteiras, entre outras.
Além dos direitos Sociais, Civis e Políticos o MNDH8 (1998) informa que a DUDH
garante também direitos Culturais e Econômicos, no entanto, líderes políticos de diversos
países não aceitaram incorporar tais direitos em suas Constituições “alguns priorizaram os
direitos civis e políticos e outros como os econômicos e culturais” (p. 15). Líderes políticos
e militantes que colaboraram na confecção do documento final da Declaração, enfatizaram
que direitos não se parte, não se divide. Não se pode dizer que um determinado direito é
mais importante que outro, pois, “os direitos humanos são tão indivisíveis quanto o próprio
ser humano” (p. 15).
8
Cartilha lançada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos em comemoração aos 50 anos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
13
Ante a reflexão acerca da cidadania, bem como, as questões concernentes às
conquistas dos direitos, faz-se necessário reconhecer a participação da sociedade civil
organizada, no longo processo de efetivação desses direitos. Houve uma crescente explosão
dos Movimentos organizados a partir da década de 70, o Movimento de Mulheres, o
fortalecimento do Movimento Negro, os Movimentos Sindicais, entre outros. Mesmo
depois da promulgação da Constituição Brasileira em 88, não se teve a garantia da
implementação dos direitos nela contidos. Prova disso é que, ainda nos anos 80, outros
movimentos surgem, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra (MST)
que luta pela conquista da terra. A ineficácia do Estado fez essa organização de
trabalhadores(as) ousar uma nova forma de embate político com o Estado, as ocupações de
terras devolutas e improdutivas, visando a um único objetivo, a efetivação do direito à
moradia, paralelo a outros direitos negados.
Junto ao MST citamos também o Movimento Gay. Conhecido como GLS, este tem
crescido a cada ano, fazendo com que mais pessoas assumam a sua opção sexual e se aliem
ao movimento, lutando pelo direito de ser reconhecido pela sociedade como cidadãos e
cidadãs comuns possuidores e possuidoras de direitos.
Siss (2003), ao mencionar a importância dos movimentos sociais na promoção da
cidadania, reconhece e valoriza os diversos movimentos e organizações que contribuíram
para o processo de efetivação da cidadania brasileira, dentre os quais destacamos os
Movimentos Sociais Negros,
Esses movimentos vêm pressionando o Estado a implementar políticas públicas
que atendam às demandas e aos interesses específicos de segmentos sociais
diferenciados e eliminam (sic) os elevados índices de desigualdades raciais e
sociais (p. 16).
Estes por sua vez, ao longo dos anos, demonstraram estar sempre atentos às
necessidades do povo negro que, em razão das mais variadas manifestações de luta, pode
ser considerado o grande responsável pelas conquistas obtidas. Além do que, tem
demonstrado uma organização forte e incansável na luta pela implantação de políticas
públicas característica das demandas de um específico segmento racial, os negros.
Jaccoud e Beghin (2002) também afirmam ser de extrema importância o
reconhecimento do papel do Movimento Negro na sociedade brasileira. Informam ainda
14
que o tratamento desigual dispensado a população negra não é de agora. Desde os tempos
da escravidão sofrem com esse mal. E mesmo...
Abolida a escravidão em 1888, os afrodescendentes continuaram a sofrer uma
exploração específica graças aos mecanismos de exclusão que acompanham o
racismo. Romper com essa inércia, reverter o estigma, recuperar a auto-estima,
afirmar a igualdade dos direitos, agir para que a lei garanta as mesmas
oportunidades a todos têm (sic) sido algumas das principais bandeiras do
Movimento Negro (p. 15).
Mattos (2000) complementa que, muito embora não se reconheça a luta dos
intelectuais negros, juntamente a trabalhadores, funcionários públicos e profissionais
autônomos, estes protagonizaram o movimento abolicionista na época da escravidão.
Lutaram veementemente pelo direito à liberdade de milhares de homens e mulheres cativos,
vítimas da exploração humana que aqueceu a economia no sistema escravocrata. Sistema
que enriqueceu e vem mantendo o status quo dos grupos que sempre se posicionaram no
topo da pirâmide social brasileira, como fazendeiros, banqueiros e industriais.
Os estudos realizados por Skidmore (1976), aludem que a abolição foi responsável
pela inserção de “meio milhão de escravos” que seguramente, se juntariam a outros homens
de cor libertos. No entanto, o processo de libertação acarretaria novos problemas à elite
dominante da época, que passou a se preocupar sobre o que fazer com tanta gente de cor,
no momento em que anunciava o esperado boom da economia brasileira. E, sendo o que
consta, a grande massa de escravos trazida do continente africano, mesmo liberta, faria
emperrar o crescimento econômico gerando um comprometimento de novas gerações. Esse
pensamento foi reforçado pelas teorias deterministas presentes no imaginário da sociedade
brasileira da época. O próximo passo seria acelerar o processo de branqueamento da nação
brasileira, negando, assim, a diversidade étnica existente no país, corroborada a afirmações
como: “o mestiço é um tipo intermediário que tem de desaparecer, por força
9
” ou “o negro,
no Brasil, desaparecerá dentro de setenta anos. Nos Estados Unidos constitui perigo
permanente
10
”.
9
Cf Skidmore, (1976, p. 214) Pensamento de Eurico Vale.
10
Cf Skidmore, (1976, p. 214) Pensamento de Carvalho Neto.
15
Por conseguinte, a partir de 1920 ocorreu uma forte pressão por parte de líderes
políticos de vários Estados brasileiros e parte da elite intelectual da época, para a
implantação de projetos de lei que garantissem a vinda de imigrantes para o Brasil. Os
projetos de lei foram amplamente defendidos por lideranças políticas que se preocupavam
em estabelecer mecanismos – estipulando uma espécie de “cotas” que serviriam para
estabelecer o número de imigrantes negros destinados ao Brasil - que garantissem somente
a vinda de imigrantes brancos, sobretudo europeus. Caso contrário o Brasil estava fadado
ao insucesso econômico.
Em Mato Grosso a reação dos políticos não foi diferente da dos demais Estados
brasileiros. Como assegura Skidmore;
Em 1921, o Estado de Mato Grosso, no Centro-Oeste, ofereceu concessões
territoriais a desbravadores. A imprensa publicou que esses desbravadores
estariam ligados a empresários nos Estados Unidos que andavam a recrutar
norte-americanos pretos para emigrar para o Brasil. O presidente de Mato Grosso
(um bispo católico) imediatamente cancelou as concessões e deu ciência do fato
ao ministro das Relações Exteriores; mas os jornais continuaram a espalhar o
alarme (p. 212).
Guimarães (2002) informa que a tentativa de branquear a nação persistiu e ganhou
foros de legitimidade político e intelectual. Pelos idos de 1930, com a política de imigração
o Estado de São Paulo recebeu imigrantes das mais diversas nacionalidades, dentre eles,
italianos, portugueses, síros-libaneses. Como vieram em grandes grupos, estes se
encontravam organizados, com sua cultura e tradições bem definidas. Assim sendo, a
população negra se via mais uma vez recusada das oportunidades de melhorias de vida. Em
resposta a esse fenômeno, intelectuais e militantes negros se organizaram e criaram a Frente
Negra Brasileira (FNB):
(...) uma organização étnica, no sentido de que cultivava valores comunitários
específicos, mas cuja forma de recrutamento e identificação era baseada na “cor”
ou “raça” e não na “cultura” ou nas “tradições (p. 86).
A FNB compreendia que a “tradição” da cultura afro-brasileira contribuía,
sobremaneira para a sobrecarga de estereótipos atribuídos aos negros, em razão disso não
deram o devido valor a esse fator. Essa compreensão acabou por não reconhecer que esses
16
traços culturais pudessem ser um dos fatores na recuperação da identidade negra. Por outro
lado, continuavam “denunciando o preconceito de cor que os alijava do mercado de
trabalho em favor dos estrangeiros”.
11
Como forma de contrapor às políticas que não beneficiavam a população negra,
surge em 1950, no Rio de Janeiro o Teatro Experimental do Negro (TEN), que teve como
precursores Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos. Estes pretendiam, através da
cultura, especificamente do teatro, impulsionar os negros para esse ramo profissional, cuja
ausência era patente, não pela falta de artistas negros, mas pela não aceitação destes devido
a sua cor.
Guimarães (op. cit) informa ainda que, a partir de 1979, as organizações de luta e
resistência dos negros continuam, assumindo, entretanto um perfil mais de esquerda. Essas
organizações foram denominadas Movimento Negro Unificado (MNU). Sendo este um dos
primeiros segmentos organizados em favor dos direitos do povo negro que mais tarde
oferecem apoio à luta dos afro-americanos pela consolidação dos direitos civis e políticos e
pela libertação dos povos de Moçambique, Angola, Rodésia e África do Sul.
Sem dúvida o Movimento Negro funcionou e tem funcionado ao longo dos anos
como um espaço de luta e resistência dos negros pela cidadania, cuja bandeira inicial foi a
liberdade. Contudo, além de se pretender ver a população negra liberta era imprescindível
que esta pudesse desfrutar dos mesmos direitos da elite dominante da época, ou seja,
minimamente ter acesso à moradia, ao trabalho, à educação e assistência médica, uma vez
que não possuíam bens ou qualquer tipo de renda.
Assim sendo, tais imperativos foram se somando com o passar dos anos, resultando
no fortalecimento e na afirmação do Movimento, bem como, uma maior mobilização de
setores da academia brasileira e, em especial, de militantes negros inseridos nas
universidades brasileiras.
Se de um lado a temática das relações raciais deu visibilidade àqueles que
desenvolviam pesquisas sobre o assunto, por outro lado compeliu um posicionamento da
academia como um todo, face à dimensão e persistência das desigualdades que não eram
somente sociais, mas, raciais.
11
Bastides, 1955, 1983; Fernandes 1955, 1965 apud Guimarães 2002.
17
Na tentativa de construir um projeto coletivo que contemple ações pedagógicas anti-
racistas, com o passar dos anos o conjunto de denúncias e manifestações que reivindicam
aos negros (as) políticas públicas, com vistas à promoção da “igualdade de oportunidade”
tem ecoado em diversos setores institucionalizados. Um exemplo é o sistema de ensino.
Veremos a seguir que os dados oferecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstram
que a população negra está ausente na educação superior. Embora ocorra o inverso no
"ensino básico”, esta fase de ensino não está isenta de práticas racistas. Este estágio da
educação tem oferecido um fértil campo de pesquisas a respeito das relações raciais, no
interior da escola.
1.3 - Educação versus desigualdades
Um domingo à noite assistia em minha casa a um programa de televisão, onde o
entrevistador conversava com um jurista muito famoso. O assunto era corrupção e num
dado momento o entrevistador perguntou ao jurista o que ele achava do atemorizante
aumento dos casos de corrupção no Brasil? Sem ajuizar muito o jurista respondeu: mas
quem disse que os casos de corrupção aumentaram, eles existem desde a República, a
causa de tantas denúncias, nos últimos tempos, dá-se pelo fato de que a imprensa está tendo
mais acesso a casos dessa natureza, porque antes não se podia anunciar um caso de
corrupção como se anuncia hoje.
Consideramos importante esta passagem, para discorrer sobre as desigualdades no
Brasil, uma vez que, a cada dia assistimos estarrecidos aos dados deste fenômeno social em
nosso país nos diversos índices socioeconômicos, na educação, habitação, saúde, entre
outros. Tais índices têm sido divulgados constantemente pelos órgãos oficiais brasileiros. O
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), por exemplo, divulgou recentemente
que o Brasil ocupa o segundo lugar entre os países de maior concentração de renda,
sugerindo um aumento significativo das desigualdades de classe, gênero e raça.
Como respondera o jurista, quando questionado sobre o aumento da corrupção no
Brasil. Em resposta oportuna, ousaremos alegar que as desigualdades mencionadas
18
anteriormente existem um longo período em nosso país, muito antes da República.O
motivo destas terem adquirido maior visibilidade nos tempos atuais não se deve unicamente
ao fato de estar sendo enfaticamente apregoada pela TV ou por outro meio de comunicação
social. Deve, sobretudo ao esforço de lideranças do movimento negro, simpatizantes,
pesquisadores da temática somados a um conjunto de ações coletivas ligadas à
reivindicação de distintos segmentos organizados, como os sindicatos, ongs, associações de
bairros, grupo de mulheres, etc.
Por outro lado, a crença no discurso institucional da “igualdade de oportunidades”
para todos tem dificultado a compreensão das desigualdades. Pelo fato de grande parte da
população acreditar nesse discurso, a percepção das desigualdades em nosso cotidiano, fica
complexa e comprometida.
A maneira pela qual a economia brasileira se solidificou, também contribuiu muito
para a construção de uma sociedade dividida em grupos e classes sociais. E nós, sujeitos
sociais, que fazemos parte dessa estrutura social somos impedidos de viver a igualdade de
oportunidades, independente de raça, gênero e status. O não acesso a bens materiais que
possam oferecer algum conforto individual e coletivo é compreendido nas ações de grande
maioria da população. Esta por sua vez, passa boa parte da vida tentando alcançar o sucesso
em uma sociedade que aparentemente demonstra ser “aberta”, mas que, na realidade, é
hierarquizada.
Entretanto, esta sociedade se fez na desigualdade e continua se fazendo. Mantendo
pessoas na condição de privilegiadas em detrimento de um grande número de
desprivilegiados e com oportunidades de restrito acesso pela condição de classe, cor,
gênero em praticamente todos os aspectos da vida: educação, assistência médica e até
mesmo o local de moradia.
As desigualdades sociais têm provocado reflexões acerca dos prejuízos que podem
ocasionar. Nos dizeres do professor Sólon Eduardo Annes Viola
12
, verificaremos que os
estados ficam fragilizados diante das desigualdades. Aponta a violência como um dos
12
Cf em artigo “Movimentos Sociais e Direitos Humanos. In: site www.dhnet.org.br.
19
fenômenos crescentes ante as desigualdades demonstrando o aparato de segurança
instalado, por parte dos que possuem um status mais elevado:
Na América Latina, e no Brasil em especial, as diferenças sociais balizam os
limites da civilização, o que é demonstrado pelo permanente crescimento dos
índices de violência. Fator que tem provocado alterações na estética urbana de tal
modo que as áreas residenciais das elites e das camadas médias da população
transformaram-se em áreas militarizadas protegidas, por muros, guaritas e
formação de grupos de segurança privada.
De um lado um grande número famílias vivendo com uma renda salarial reduzida,
impedidas de usufruir uma qualidade de vida mais digna. Não obstante as dificuldades de
ordem financeira, essas famílias são “(...) socialmente discriminadas passam a reconstruir,
no imaginário social, o espectro das ‘classes perigosas’ do século XIX”. Ao passo em que
esses indivíduos são associados a grupos violentos entenderemos porque os líderes políticos
fazem investimentos milionários em armamentos pesados no setor segurança blica.
Desse modo, adia-se o debate referente a redistribuição de renda e igualdade de
oportunidade
Uma outra questão que tem dificultado a visibilidade e compreensão das
desigualdades é o discurso institucional da “igualdade de oportunidades”. Este por sua vez
vem sendo disseminado nos diversos espaços, sobretudo no interior dos espaços escolares.
Esses espaços são responsáveis por uma parte da herança que se aprende e que se ensina, a
propósito da “igualdade”.
Bourdieu (2004) chama atenção para a percepção dessas desigualdades nos espaços
escolares. Enfatiza sobre “(...) a responsabilidade da escola na perpetuação das
desigualdades” (p. 53). Adverte ainda, o “apego” ao conceito pré-estabelecido de “eqüidade
de oportunidade de escolarização” no interior dos estabelecimentos escolares. Esta
conceituação, por sua vez, impede o reconhecimento da existência de desigualdades no
âmbito escolar.
Para Bourdieu, a não reflexão da temática contribuirá para o substancial aumento de
nichos de desigualdades, a fim de privilegiar os mais “favorecidos” em detrimento dos
“desfavorecidos” em nome da igualdade de oportunidades a todos. Para tanto, informa que
“a igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve como máscara e justificação para
20
a indiferença no que diz respeito às desigualdades reais diante do ensino e da cultura
transmitida” (p. 53).
Desse modo, a estrutura escolar que se configura numa das mais importantes
instituições na formação do indivíduo, com vistas à reprodução de papéis sociais, constitui
mecanismos e práticas para se viver em sociedade. Nas sociedades modernas o sistema
escolar é chamado a representar um papel de importância decisiva de valores civilizatórios
extremamente gerais. A escola tem funcionado, em grande parte, como inculcadora de
lealdade na coletividade e, por fim, como agente de interiorização das escalas de
estratificação e de prestígio social admitidos como legítimos.
Para pensar a escola no âmbito da sociedade atual somos convidados a compreendê-
la na dimensão do dinamismo do seu fazer cotidiano, imbuída de sujeitos concretos e reais
que se diversificam quanto ao gênero e raça, alunos e professores, seres humanos concretos
sujeitos sociais históricos, presentes e atuando na história. Assim, pesquisas mais recentes
dão conta de que o espaço escolar tem se revelado um ambiente bastante propício à
realização de pesquisas atinentes às Relações Raciais.
Oliveira (1999), em pesquisa realizada nas escolas da rede pública e particular do
Rio de Janeiro constatou que o não reconhecimento da diversidade no interior da escola tem
gerado prejuízos irreversíveis na vida de uma criança negra. A maneira ríspida e
preconceituosa com que os educadores vêm tratando essas crianças tem reforçado em si a
não afirmação de uma identidade, pelo contrário, ao absorver o preconceito, estas passam a
introjetar um sentimento de não pertençer à sua família e grupo de amigos que possuam
características semelhantes às suas. Informa ter percebido esse fenômeno com freqüência
em crianças negras e mestiças.
Embora o ambiente escolar observado pela pesquisadora, apresentasse menor
proporção de crianças brancas, pode-se evidenciar uma certa supremacia destas em
detrimento dos alunos negros. Para Oliveira, o espaço escolar tornou-se:
(...) um ambiente em que o racismo ou o preconceito não declarado são
percebidos através de comportamentos que naturalizam atitudes discriminadoras
dos afro-descendentes e da pobreza, em nome da ordem institucional e do
silêncio (...) (p. 13).
21
De posse dos indicadores sociais de renda, habitação e acesso ao mercado de
trabalho, a pesquisadora detectou uma notável seletividade do grupo racial negro às
condições de trabalho. Segundo ela, o sortilégio da cor tem sido fator determinante nas
trajetórias de vida de negros e mestiços, que somado à discriminação racial, tem reservado
a estes condições inferiores de trabalho e oportunidades educacionais diferenciadas. Logo,
uma menor remuneração se comparada ao grupo racial branco.
Cavalleiro (2000) também se dedicou ao estudo das Relações Raciais dentro do
espaço escolar. Revela que desde a educação infantil as crianças negras recebem um
tratamento diferenciado por parte dos professores. Segundo a pesquisadora, “o silêncio que
atravessa os conflitos étnicos na sociedade é o mesmo que sustenta o preconceito e a
discriminação no interior da escola” (p. 98).
A pesquisadora evidenciou os mesmos aspectos apontados anteriormente por
Oliveira (1999), no que tange a um reafirmar de identidade. Evidenciou esse fenômeno de
maneira mais forte por parte das brancas. O preconceito além de contribuir para um não
afirmar da identidade de crianças negras, gera “(...) a incerteza de ser aceita por parte dos
professores” ressalta a idéia de que, nesta fase, “(...) além de já se darem conta das
diferenças étnicas, percebem o tratamento desigual destinado a elas pelos adultos à sua
volta” (p. 98).
A “naturalização” das desigualdades é tamanha que se torna complexa, por parte
dos educadores, a percepção de que a escola tem contribuído para que as crianças brancas
encontrem no ambiente escolar um espaço favorável para “serem aceitas”. O que não
ocorre com as crianças negras. Os mesmos mecanismos de discriminação utilizados na
sociedade refletem, tal qual, no espaço escolar. Resultando em tratamentos diferenciados,
não do ponto de vista de privilegiá-los, mas, sim, de desprestigiá-los.
Passos (2004) diria que as instituições escolares contemporâneas não estão isentas
de praticar o “monoculturalismo” e o “etnocentrismo” no seu interior. Dessa forma
Todo o pluralismo é maltratado e castigado pela escola. O essencialismo propõe
como referência uma cultura universal para a humanidade. Formas sutis, por
vezes visíveis, outras dissimuladas ou ‘benevolentes’ para com as diferenças,
revelam a dura face da escola ao propor uma única cultura ‘legítima’ e superior à
qual a escola freqüentemente, se subordina (p. 35).
22
Considera ainda que tais práticas tendem a sufocar de fato o “pluriculturalismo”
“em seu interior conflitos étnicos, sociais, raciais, espirituais, econômicos e políticos” em
troca de permanecer com o título de escola cidadã.
Não obstante o acesso à educação, torna-se imprescindível que o Estado crie
mecanismos que garantam políticas de intervenção social, sendo importante informar que,
assim que assumiu a presidência da república, o presidente Lula aprovou a Lei nº 10.639/03
- altera a Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional -, de 09 de janeiro de 2003. A referida lei inclui no currículo oficial da
Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”,
reafirmando a importância da educação brasileira na vida das crianças negras, bem como o
seu papel na reconstrução da história do povo negro.
A implementação da Lei 10.639/03 é uma sanção por parte do governo brasileiro
ante as desigualdades raciais e a discriminação racial no Brasil. Entretanto, a lei por si
não consegue eliminar práticas de racismo arraigadas há mais de dois séculos. Cabe,
portanto, aos dirigentes políticos o papel de estimular os Estados e municípios a realizar a
efetiva implantação da referida lei.
Por outro lado, não se pode eximir os educadores e dirigentes escolares da
responsabilidade de colaborar com a implantação da mencionada lei. Configura-se uma
oportunidade com vistas a uma reflexão para a reelaboração do currículo, a fim de oferecer
atenção especial a esta questão, reconhecendo a diversidade existente no interior da escola.
Contribuindo efetivamente para uma re-significação da identidade dos alunos negros e
indígenas. Exercitando a tolerância ao diferente e a condição da democracia.
Repensar o currículo representa, também, rever atitudes naturalizadas e arraigadas
na prática escolar, a exemplo da visão que a escola tem, até os dias de hoje, em relação ao
negro e ao índio, reduzindo o enfoque de ambos a um tipo de tratamento estereotipado,
mormente lembrados em comemorações do dia do índio em 19 de abril e a comemoração a
Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro. Urge a construção de uma proposta pedagógica
que contemple a diversidade étnica e cultural brasileira, do contrário presenciaremos por
uma longa data a folclorização de ambas as culturas.
Fora do espaço escolar, essas diferenças são observadas cotidianamente, resultando
em discriminação dos rios tipos. O ato de discriminar legitima a condição e estereotipa
23
indivíduos em função de suas características físicas, entre outras fenotípicas, culturais e
econômicas.
Alertando para a dimensão das desigualdades, os estudos de Cassassus (2002)
apontam que a “América Latina e Caribe constituem uma região onde predomina a
desigualdade. É a região do mundo que tem a maior desigualdade de renda” (p.37).
Segundo o autor, a partir da década de 80 registra-se altos índices de pobreza na América
Latina, apesar de os dados oficiais indicarem que nos anos 90 houve um aumento
significativo no poder de compra, a concentração de renda ainda permaneceu nas mãos de
poucos. Na América Latina, o Brasil lidera a fileira de países com altos índices de
concentração de renda, logo, desigualdades. O autor destaca ainda outros países como
Bolívia, Nicarágua, Guatemala, Colômbia, Paraguai, Chile, Panamá e Honduras, que m
sido campeões em índices de desigualdades, compondo um quadro latino-americano
extremamente perverso.
O pesquisador adverte ainda sobre o nefasto aumento das desigualdades que implica
desarranjos sociais, afetando profundamente, dentre outros, educação, renda, saúde e
moradia. O círculo que envolve as desigualdades de renda acarreta “um impacto notório no
acesso e na permanência da educação” (p. 38). Complementa afirmando que o aumento da
oferta de vagas não diminui os índices de desigualdades neste setor, muito embora, o
aumento desse quadro na América Latina ocorra de maneira mais lenta.
Para tanto, esclarece tal afirmação tomando como exemplo os países do continente
asiático “recentemente industrializados” se comparado ao continente latino-americano.
Adverte para a insistente desigualdade no sistema educacional brasileiro e para a
necessidade da implantação de medidas públicas mais incisivas que coíbam tal fenômeno.
No ano de 1970, ambos continentes “(...) tinham uma média similar (3,5 anos), mas no
início dos anos 90 estes alcançaram uma média de 06 anos de escolaridade enquanto a
América Latina alcançava só 4,8 anos” (p. 38).
Esclarece que dentro de um mesmo continente existem níveis execráveis de
desigualdades em relação aos anos de estudo entre a população com 25 anos de idade. De
um lado se posicionam a Argentina, Uruguai, Chile e Bolívia com um grupo que representa
os 10% mais ricos que alcançam o dobro de anos de escolaridade em comparação aos 10%
24
mais pobres. Por outro lado, estão Brasil, México, e El Salvador, nesses países os 10% mais
ricos possuem, em média, quatro vezes mais possibilidades de estudo contra cerca de dois
anos de escolaridade dos 10% mais pobres, conforme apresenta o quadro abaixo:
Tabela 1
Disparidade dos anos de estudo da população com 25 anos de idade
-
1995
País 10% mais pobres
(A)
10% mais ricos
(B)
Razão
(B/A)
Argentina 7,0 13,6 1,9
Uruguai 6,0 11,9 2,0
Chile 6,2 12,8 2,1
Bolívia 6,0 13,1 2,2
Venezuela 4,7 10,8 2,3
Costa Rica 4,1 11,5 2,8
Peru 3,9 10,8 2,8
Panamá 4,3 13,6 3,1
Paraguai 3,4 10,7 3,2
Equador 3,4 11,8 3,5
Nicarágua 2,2 8,5 3,9
Honduras 2,1 9,6 4,6
Brasil 2,0 10,5 5,3
México 2,1 12,1 5,7
El Salvador
1,6 10,3 6,3
Fonte: BID (1999) e Unesco (2002) (apud Casassus, 2002:39)
Em relação às desigualdades sociais também um dado afrontoso que precisa ser
levado em conta, os traços físicos do indivíduo, sobretudo se este for negro. A cor da pele,
tipo de cabelo e traços culturais têm trazido “desconfortos” a grande parte da população
negra deste país. Atribui-se aos indivíduos com tais características estereótipos racistas que
os acompanham por toda vida.
Essa atribuição negativa ao negro presente no imaginário social, somada a fatores
negativos presentes nas diversas instâncias da sociedade tem contribuído para que a
população negra apresente maiores dificuldades, no que tange ao acesso a oportunidades.
Logo, de se ascenderem socialmente, quando comparado à população branca.
25
Os estudos
13
realizados por Jaccoud e Beghin (2002) - pesquisadoras do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) constatam tal afirmação e demonstram que as
desigualdades raciais m deixado a população negra em patamares inferiores de renda,
trabalho e situação educacional.
Alertam ainda para um dado importante no que diz respeito à presença negra no
Brasil, ocupando o segundo
14
lugar dentre os países que possuem maior concentração de
negros. Em nosso país a população afrodescendente soma 76,4 milhões, o que corresponde
a, aproximadamente, 45% da população brasileira. Isso significa que em todos os cantos
deste país a população negra
15
se faz presente, em maior ou menor proporção.
Jaccoud e Beghin também detectam uma elevada e dupla desvantagem no acesso à
educação, porém com um diferencial, além das desigualdades de renda acrescentam o fator
raça. Um levantamento realizado entre os anos de 1900 a 1965 demonstra que no ensino
fundamental houve um aumento significativo da inserção da população negra, caindo de 12
para 3 pontos percentuais de diferença. No período de 1992 a 2001 inverte a situação,
conforme um levantamento feito entre os jovens de 15 a 17 anos no ensino médio. A
diferença entre brancos e negros aumenta de 18 para 26 pontos percentuais. Não obstante o
pouco acesso dos jovens negros verificou-se que o desempenho escolar destes ficou abaixo
do jovem branco.
As pesquisadoras acabam por concluir que em função do preconceito e da
discriminação racial “a cor das pessoas é um fator determinante importante das chances de
vida, e a discriminação racial parece estar presente em todas as fases do ciclo de vida
individual” (p. 11). Ou seja, o não acesso somado ao baixo desempenho dos que
conseguem adentrar no sistema de ensino, impede que a população negra apresente uma
boa colocação no mercado de trabalho que cada vez mais tem exigido pessoas com alto
nível de qualificação.
Guimarães (1999) informa que, por outro lado, quem permanece na escola, tem pela
frente um grande desafio, o ingresso na universidade. Nesta fase do ensino, segundo ele, a
13
Sobre as Desigualdades raciais no Brasil – IPEA, 2002.
14
Em primeiro lugar está a Nigéria.
15
As pessoas que se declaram pretas ou pardas são agrupadas sob a designação negros. Conforme analisado
em Soares et alii (2002), a classificação de cor ou raça utilizada nas pesquisas domiciliares conduzidas pelo
IBGE, no Censo Demográfico e em várias bases de registros administrativos, que divide os indivíduos em
cinco categorias, preto, pardo, amarelo e indígena, é bastante consistente com os resultados de outras
pesquisas (Jaccoud e Beghin, 2002:25).
26
“realidade” parece bem outra. Ao fazer um paralelo entre a escola pública e o ensino
superior público, o pesquisador explica que a prática de universalização realizada no ensino
médio não pode ser aplicada no grau. São, pois, estruturas de ensino diferenciadas,
embora as universidades públicas ofereçam uma excelente rede de ensino, constata-se, ao
mesmo tempo, uma pequena absorção de alunos negros em determinados cursos. Acredita,
portanto, que a universalização não conta de incluí-los, sendo de extrema importância
adotar um sistema que garanta o acesso destes e também de educadores negros, por meio de
reserva de vagas ou cotas
16.
1.4 – “Cor” e Ensino Superior
A educação de ensino superior vem preocupando militantes do movimento negro e
estudiosos das relações raciais no Brasil. É justamente nesta fase que a extraordinária
ausência de negros se apresenta.
Hasenbalg (1997) pondera que o acesso à educação situa-se dentre os direitos
considerados primordiais na promoção da cidadania dos brasileiros. De certa forma, este
direito tem demonstrado ser um elemento importante de mobilidade social ascendente entre
a população negra, na qual os dados apontam uma larga desvantagem entre negros e
brancos, sobretudo no que diz respeito ao ingresso nas universidades brasileiras. Segundo
os dados do Censo de 2000 as proporções de negros e pardos nas universidades brasileiras
se apresentam da seguinte forma:
Tabela 2
-
Distribuição por grupo racial das pessoas com mais de 18 anos que freqüentam a universidade
Raça/ cor Percentual de pessoas com mais de 18 anos
Branca 78,8%
Parda 16,8%
Preta 2,4%
Amarela 1,3%
Indígena
0,2%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.
16
Percentual de vagas destinado aos candidatos que se autodeclararem negros (pretos+pardos).
27
Universidade brasileira, território dos brancos. Título da matéria divulgada no
jornal O Globo, em 24/10/2004. A reportagem apresentava o quadro de desigualdades nas
universidades brasileiras. Informava que para cada grupo de 50 pessoas na sociedade,
haverá somente 01 (um) pertencente à categoria racial preta, parda e indígena com diploma
do ensino superior. Em se tratando de pessoas com mais de 25 anos que concluíram o
ensino superior no total da população, os pretos e pardos também apresentam desvantagens.
Por outro lado, os amarelos lideram a pontuação com 26,86%
17
, os brancos representam
9,93%, sobre 2,36% de pardos e 2,13% de pretos.
Guimarães (2003) esclarece que a adoção de políticas públicas que visem corrigir a
ausência de pretos e pardos na educação superior poderia tempos estar sendo
implementada. Contudo, reconhece que a ausência de dados estatísticos ocasionou uma
demora sem precedentes na propositura de propostas anti-racistas na educação superior.
Explica ainda, “até dois anos atrás (2000), não havia em nenhuma universidade pública
registro sobre a identidade racial ou cor de seus alunos” (p. 203). Assim sendo, alguns
pesquisadores se empenharam em coletar dados nas universidades brasileiras, com vistas a
acelerar a implantação de tais medidas.
Queiroz (2003) inaugura esse estudo, fazendo diagnóstico das desigualdades raciais
no ensino superior nas universidades
18
brasileiras. Primeiramente analisou os dados obtidos
na Universidade Federal da Bahia, buscando conhecer a proporção de cada segmento racial
inscrito no vestibular, bem como, saber o perfil dos estudantes em relação à cor, ao status, à
renda familiar, tipo de escola freqüentada, grau de escolaridade dos pais, entre outros.
A pesquisadora buscou investigar os candidatos que não alcançaram aprovação no
vestibular, observando em que medida ocorre um processo de seletividade privilegiando
este ou aquele grupo racial. Desse modo, os resultados da pesquisa comprovaram que
situações que antecedem o vestibular têm feito com que os negros tenham menos acesso ao
ensino superior brasileiro, incidindo para uma maior presença do segmento racial branco no
ato da inscrição bem como na sua aprovação. Segundo a pesquisadora nos vestibulares que
17
Representados por pessoas de origem japonesa e asiática.
18
O estudo realizado primeiramente na Universidade Federal da Bahia (UFBA) posteriormente estendido a
mais cinco universidades brasileiras, sendo a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade
Federal de Alagoas (UFAL), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal de Brasília (UnB).
28
compreendem os anos de 1998 a 2000, tanto os candidatos que se inscreveram como os que
foram aprovados eram, em sua maioria, brancos, sendo 44% dos inscritos e aprovados
49,4%, percentual de pardos foram 42,2% e aprovados 38,4%. os negros representam
8,7% dos inscritos e 8% dos aprovados.
Um outro aspecto observado, o tipo de escola freqüentada configura-se um fator
determinante para os diversos segmentos raciais. Contudo, os pretos e pardos se
concentram em maior número entre aqueles que tiveram sua trajetória escolar na escola
pública, configurando assim uma barreira ao acesso, sobretudo dos negros ao ensino
superior. Logo, não terão o mesmo desempenho se comparados àqueles que freqüentaram
uma instituição particular de ensino, não tendo as mesmas chances de concorrer aos cursos
considerados de maior prestígio social.
A pesquisadora acaba por concluir que as desigualdades sociais, raciais e de gênero
têm funcionado como um medidor ante as oportunidades de acesso ao ensino superior na
Universidade Federal da Bahia. Adiando a realização de um sonho, o ingresso na
universidade.
A ampla visão de que o Brasil sempre foi uma nação isenta de conflitos raciais, fez
com que escritores como Gilberto Freire, canalizasse seus estudos para as questões raciais,
inaugurando a teoria da democracia racial. A longa temporada de estudo nos Estados
Unidos, fez com que comparasse o sistema brasileiro com o apartheid norte-americano com
fortes traços segregacionistas.
A democracia racial encontra defensores até os dias de hoje na academia, na esfera
política e, principalmente por grande parte da população brasileira. Sempre que alguma
pessoa faz referência ao preconceito e à discriminação racial, ouviremos argumentos que
sustentarão a afirmação de que: em nosso país não existe preconceito de raça, muito pelo
contrário, são os próprios negros é que são preconceituosos. Para tal afirmativa, informaria
os dizeres de Florestan Fernandes: no Brasil tem-se preconceito de ter preconceito, ou seja,
as pessoas em sua grande maioria evitam conversar sobre este tema seja na família, nas
rodas de amigos, assim como, se evita falar de sexo. Neste caso falar da cor, do preconceito
racial representa racismo ainda representa um tabu na sociedade brasileira.
29
Guimarães (2003), informa que em presença dos dados reveladores das
desigualdades raciais no Brasil na cada de 70, deu-se início a um conjunto de
manifestações contrárias à teoria freiriana19. E, a partir da década de 80, esses dados
passaram a ser debatidos por pesquisadores norte-americanos, logo a comunidade
internacional seria sabedora do contexto brasileiro.
Instalava-se nesse contexto um desafio aos governantes brasileiros. Na gestão do
Presidente, por exemplo, permanecer com o discurso da democracia racial seria
demasiadamente comprometedor ao seu mandato ante o crescente número de tais
desigualdades não tão somente provocadas pela concentração de renda, mas, seguida do
preconceito e da discriminação racial.
Nos anos que antecederam o governo de FHC houve mobilizações importantes
oriundas do movimento negro e demais segmentos da sociedade civil organizada. No ano
de 1988, em decorrência do centenário da abolição da escravatura, houve em todo o Brasil
comemorações e mobilizações pela ‘abolição da escravatura’ em curso. Em 1993 aconteceu
uma grande mobilização em torno dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares20.
Em julho de 1996 o Departamento de Direitos Humanos, ligado à Secretaria dos
Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça, promoveu o Seminário Internacional
“Multiculturalismo e Racismo: O Papel da Ação Afirmativa nos Estados democráticos
contemporâneos”. O evento contou com a participação de intelectuais nacionais,
internacionais e lideranças negras, visando debater o racismo, bem como a formulação de
políticas públicas que garantissem o combate à discriminação racial, proporcionando
corrigir desigualdades raciais acumuladas ao longo dos anos.
Mesmo com todos esses acontecimentos políticos, as opiniões sobre medidas
públicas em benefício da população negra, na educação e demais setores da sociedade,
eram divididas na equipe ministerial do governo FHC. A propósito vale mencionar um
evento de grande relevância social e política, no que diz respeito à promoção da cidadania
dos negros do Brasil e de vários países. Trata-se da realização da III Conferência Mundial
19
A democracia racial.
20
Cf. Guimarães, (2003: 200). “Zumbi, chefe do Quilombo dos Palmares, que resistiu bravamente aos
portugueses e aos holandeses, transformou-se em símbolo da resistência negra, sendo reconhecido como herói
nacional brasileiro, em 1996.”
30
sobre Racismo, Intolerância, Discriminação e Xenofobia, em Durban - na África do Sul, em
setembro de 2001.
Dentre as propostas que foram debatidas na conferência, a que ganhou maior
visibilidade no cenário brasileiro, foi a pertinente medida de reservas de vagas para negros
no ensino superior. Militantes e simpatizantes da causa classificam este fato político de
cunho internacional como um impulso na tomada de decisões que contemple a implantação
de tais medidas, seja na educação superior ou nos demais setores institucionais.
Jaccoud e Beghin (2002) classificam as manifestações dos mais variados segmentos
sociais em favor da urgente implantação de medidas que garantam o acesso da população
negra às universidades brasileiras, bem como a permanência no ensino superior, como um
movimento pós – Durban.
Guimarães (2003) afirma que a decisão pioneira em implantar políticas de cotas nas
universidades estaduais do Estado do Rio de Janeiro provocou abundante polêmica na
mídia brasileira. Em 09 de novembro de 2001, o governador Garotinho sancionou a Lei
3.708, objetivando reservar 40% de vagas para negros e pardos na Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). Em
seguida, foi a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) que, através da resolução
196/2002, implantou políticas de cotas, reservando 40% de suas vagas aos candidatos que
se autodeclarassem afrodescendentes (pretos e pardos).
Nesse mesmo ano as universidades federais também se movimentaram para
implantar reservas de vagas. Entre elas estão a Universidade de Brasília (UnB), a
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Alagoas (UFAL),
Universidade Federal do Paraná (UFPR) e por último a Universidade Federal de São Carlos
(UFSCAR).
Até o momento, o Governo Federal apresentou duas propostas para a Educação
superior, a primeira delas denominada Programa Universidade para Todos (PROUNI),
destinada à concessão de bolsas de estudo integral para cursos de graduação e seqüência de
formação específica, em instituições de ensino superior particulares. O processo de seleção
usará como critérios o “mérito individual” e “perfil econômico”. Ambos terão como base os
dados apresentados no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). E, para a seleção dos
professores, considerará somente o bom desempenho quando na graduação.
31
A segunda proposta prevê a reserva de 50% das vagas para estudantes que tenham
cursado todos os anos na rede pública. Dentre o percentual de 50%, deverão ser reservadas
vagas aos que se autodeclararem pretos, pardos ou indígenas, conforme o índice desses
grupos raciais nos Estados brasileiros, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Caso não haja nenhuma objeção o tempo de duração das
propostas será de dez anos, a contar da data da sua publicação.
Entre as propostas apresentadas acima, apenas a primeira se encontra em pleno
funcionamento desde o início de 2005. A segunda se encontra em tramitação no Congresso
Nacional para ser votada.
1.4.1 - PVNC: alternativa de acesso no Ensino Superior
Demonstrando ser um fator decisivo para o não acesso de negros ao ensino superior,
as desigualdades raciais, como pudemos observar, estão marcadamente presentes na
sociedade brasileira, se agravando, sobretudo em maior magnitude no ensino superior. Esta
disposição do racismo de se difundir de maneira ampla na sociedade brasileira talvez seja
um dos estágios mais difíceis que a família negra tenha de enfrentar. Não obstante, o
percurso labiríntico que seus filhos tiveram de fazer em suas trajetórias de vida escolar, o
ingresso no ensino superior passa a ser um sonho almejado por muitos jovens e adultos
negros. Este sonho será mais penoso caso a implantação de políticas afirmativas não seja
uma realidade em todas as universidades brasileiras.
Antes que o debate sobre as reservas de vagas tomasse a proporção que se tem hoje,
uma das primeiras tentativas de solucionar o problema do acesso da população negra às
universidades brasileiras ocorreu com a criação dos cursos Pré-Vestibulares Para Negros. É
relevante e oportuno mencionar as causas que antecederam essa proposta de políticas
afirmativas para a população negra.
A reflexão de Antonio Carlos Pezzi (2002) no texto Cursinhos um rito de
passagem, nos oferece elementos para tentarmos compreender as causas da
comercialização de cursinhos pré-vestibulares em nosso país e ao mesmo tempo a criação
32
de cursinhos comunitários direcionados para a população negra e de baixa renda. Segundo
ele a partir da década de 60 as primeiras faculdades
21
instaladas no país sofreram fortes
mudanças na reelaboração das provas de vestibulares. Desse modo os candidatos que não
obtinham sucesso em um determinado curso, na opção por outro teria de investir novos
estudos, por se tratare de conteúdos diferenciados à cada curso.
Paralelo a política interna mencionada por Pezzi (2002) o autor lembra que por
várias gerações se difundiu o seguinte pensamento, “profissões dignas ou de destaque
somente seriam obtidas por intermédio de um ‘curso superior’ (p. 63). A “hipervalorização”
do acesso ao curso superior começa a partir da década de 70, na sociedade brasileira.
resultando na ampla concorrência por parte daqueles(as) que estavam prestes a terminar
o ensino médio.
O fenômeno da “hipervalorização” do ensino superior levou famílias com um poder
aquisitivo elevado, a manutenção de seus filhos em escolas particulares até a conclusão do
ensino médio, tornando-se natural o ingresso destes em cursinhos pré-vestibulares
particulares e, conseqüentemente uma vaga em um curso de nível superior . Segundo Pezzi,
“essa ‘elitização’ do ensino alimenta, até agora, o seguinte paradoxo: faculdades públicas e
gratuitas servem principalmente às classes sociais mais privilegiadas” (p.64).
Sendo assim, lideranças do movimento negro preocupada com o restrito acesso da
população negra e empobrecida em cursinhos preparatórios de vestibular, viabilizaram a
criação de cursinhos comunitários. O Instituto Cultural Steve Biko, no estado da Bahia, é
considerado um dos precursores, no que tange, a nucleação de um grupo de pessoas que
compartilhavam dos mesmo ideais, militantes e simpatizantes a causa do povo negro.
Desde os idos de 1980, o instituto tem oportunizado o ingresso de jovens e adultos negros a
uma vaga na universidade. Segundo Simone Manigo Truell (2004) no seu primeiro ano
(...) o Projeto contou com o apoio do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da
UFBa Universidade Federal da Bahia, que cedeu uma sala, onde foi ministrado o
curso, custeado através de pequenas contribuições dos alunos e de colaboradores
esporádicos. Esses parcos recursos também serviram para pagar as despesas de
transporte dos professores-colaboradores, os quais não eram remunerados. A
21
Faculdade de Direito, Engenharia, Medicina, Filosofia, Física, Geologia entre outras.
33
instituição contava ainda com um grupo de coordenação, formada por 11 pessoas,
que em sua maioria eram professores do curso
22
.
As atividades comunitárias propostas pelo Steve Bico foram realizados com êxito,
tendo, inclusive o seu trabalho reconhecido ao receber o prêmio Nacional de Direitos
Humanos no mês de dezembro de 1999.
A exemplo da proposta iniciada na Bahia, nos anos seguintes surgiram outros
projetos com o mesmo propósito. Guimarães (2003) informa que no ano de 1993, nasceu
um projeto com as mesmas características na região de São João do Meriti, tendo como
idealizador o Frei franciscano David Raimundo dos Santos, conhecido como frei David. O
Pré-Vestibular Para Negros e Carentes
23
(PVNC) surge em função de vários fatores, dentre
os quais citamos alguns: O sonho do jovem de periferia com o ingresso em uma
universidade pública, a excessiva concorrência a uma vaga no ensino superior e o não
acesso desses jovens a um cursinho preparatório devido ao alto custo, não cabendo no
orçamento da família de baixa renda. Considera ainda que o PVNC, dada à abrangência da
proposta vem reunindo lideranças negras e religiosas.
O projeto pré-vestibular tem demonstrado aumento da auto-estima e autoconfiança
na vida dos jovens contemplados com a bolsa de estudo. Estes revelam em sua maioria se
sentirem motivados em participar de projetos dessa natureza passando a almejar uma
ascensão por meio de cursos que consideram de prestígio, como jornalismo, medicina,
engenharia, arquitetura, psicologia e administração (Maggie:1986).
Os estudos de Souza (2003) indicam que, na opinião de dirigentes políticos, a
viabilidade de cursos pré-vestibulares representava medidas paliativas, contra as
desigualdades raciais na educação. Segundo Paulo Renato, ministro da Educação do
governo Fernando Henrique, “buscava em 2001, financiamento de 10 milhões de dólares no
Banco Interamericano de Desenvolvimento, para criar em 2002 cursos pré-vestibulares para
preparar melhor os negros” (p. 182). A partir desse momento, a proposta dos cursos pré-
22
Cf. em http://www.conectasur.org/pt/pop.php?codigo=407.
23
É importante ressaltar que o termo carente refere-se a cidadão despossuídos de direitos e não no sentido de
cidadão incompleto, faltante ou outro termo análogo.
34
vestibulares alternativos para negros e carentes foi, portanto, amplamente defendida em
2001, por Paulo Renato e por José Gregori, ministro da Justiça.
Por outro lado, Souza informa que a adoção de medidas públicas não incidiu de
maneira tranqüila na equipe ministerial de FHC. Declarações contrárias à adoção de
reservas para as universidades brasileiras partiram de Paulo Renato e José Gregori. Ambos
acreditavam que primeiramente deveria se pensar em políticas públicas que visassem
melhorias no ensino básico e médio. Tais declarações causaram estranheza às lideranças do
movimento negro, de modo que as propostas de políticas afirmativas teriam sido levadas
pela delegação do Brasil coordenada pelo então Ministro da Justiça José Gregori, na III
Conferência mundial contra o racismo, na África. Jo Gregori afirmou em nota na
imprensa brasileira, que o mais correto seria o governo federal investir em cursos pré-
vestibulares para negros e carentes, nos moldes
24
dos que estavam sendo coordenados pelo
frei David Raimundo dos Santos.
Faz-se necessário destacar a mudança de posição de ambos ministros em relação as
políticas afirmativas. Essa atitude demonstrou duas questões importantes, a primeira foi não
ter dado a devida atenção à temática estando ainda em território brasileiro. As
reivindicações por parte dos movimentos sociais, em especial, do movimento negro não
foram suficientes para estes se darem conta da relevância social de tais propostas. Segunda
questão, a Conferência demonstrou notoriamente o importante papel que os movimentos
sociais têm diante dos temas comuns aos diversos países presentes no evento, combater o
racismo e a intolerância. Assim, se permanecessem com uma opinião contrária à
implantação de medidas públicas voltadas ao bem estar da população negra representaria
uma postura de extrema rigidez e ao mesmo tempo contraditória com o discurso de
“inclusão social” difundida pelo governo FHC.
Em 09 de agosto de 2002, o Governo Federal criou o Programa Diversidade na
Universidade, “com a finalidade de implementar e avaliar estratégias para a promoção do
acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos,
especialmente dos afrodescendentes e dos indígenas brasileiros” (Guimarães, 2003: 208). A
proposta governamental previa o financiamento de projetos alternativos, - com vistas a
24
Na seleção dos alunos aderiam o corte de raça e status. O corpo docente contava com pessoas pertencentes
a igreja católica, movimento negro e demais segmentos organizados favoráveis e simpatizantes à causa.
35
promover o acesso e a permanência da população negra no ensino superior -, encaminhada
pelos movimentos sociais e instituições de ensino superior de todo o país. Após a seleção
dos projetos apresentados junto ao Ministério da Educação (MEC), os projetos
contemplados foram beneficiados com uma verba em torno de R$ 100.000,00 a R$
150.000,00 para desenvolver a proposta num período de um a dois anos.
Com o propósito de oportunizar o acesso e permanência de negros no ensino
superior, os pré-vestibulares alternativos
25
foram disseminados por todo o Brasil, chegando
a possuir mais de 800 núcleos em todo o país. Perceberemos mais adiante que, além do
movimento negro e da igreja, outros segmentos da sociedade estão propondo projetos
dessa natureza. Entretanto, faz-se necessário contextualizar as instituições de ensino
superior dentro da estrutura social em que se solidificou o país.
1.4.2 – As universidades Públicas frente às Políticas Afirmativas
O debate acerca das políticas afirmativas no Brasil tem trazido contribuições
importantes para a sociedade brasileira, sobretudo no que tange à afirmação de direitos que
dizem respeito à população negra. Se de um lado, ocorreu um fortalecimento dos
movimentos organizados em prol da cidadania dos negros, por outro lado, os representantes
das instituições estão sendo cada vez mais pressionados em dar respostas plausíveis diante
do contexto em que tais medidas surgem no Brasil. A universidade brasileira se encaixa
entre esses segmentos que se viram amplamente questionados ante o mapa das
desigualdades raciais. Desse modo, faz-se necessário discorrer em breves palavras reflexões
acerca do papel da universidade no contexto social brasileiro.
Considerada uma instituição social - ligada ao poder estatal a universidade vem
primando pela defesa da autonomia perante as demais instituições da sociedade, como
sublinha Chauí (2003). A oferta gratuita da educação de ensino superior faz com que ela
seja compreendida pelo Estado como uma prática social reconhecida pela sociedade. No
século XX a partir das lutas sociais e políticas dos países:
25
Através do Programa Diversidade na Unversidade.
36
A educação e a cultura passaram a ser concebidas como constitutivas da
cidadania e, portanto, como direitos dos cidadãos, fazendo com que, além da
vocação republicana, a universidade se tornasse uma instituição social e
inseparável da idéia de democracia e de democratização do saber (p. 01).
Complementa assegurando que a universidade tem se empenhado para acompanhar
as transformações sociais, econômicas e políticas. Entretanto pondera que se o Estado tende
a assumir uma postura democrática, logo, esta assumirá também uma postura de instituição
autônoma diferenciada, propícia a atender novas demandas sociais.
Buarque (2003) faz um balanço do papel da universidade ao longo dos seus quase
três mil anos de história e pronuncia a importância de que esta seja um instrumento de
esperança para resolver os problemas adquiridos ao longo dos anos. Mas, para que isso
ocorra faz-se necessário que ela recupere a esperança em si, reconhecendo, acima de tudo,
as dificuldades e limitações, para somente depois propor mudanças (sic).
Destaca ainda que o neoliberalismo corrobora a crise financeira que se instala hoje
nas universidades brasileiras, ao passo que a escassez de recurso público vem impedindo a
viabilização de projetos e maiores investimentos humanos. Buarque informa que
registros de que, desde a década de 80, as instituições particulares de ensino, têm
apresentado um avanço assustador, ao concorrerem com as universidades públicas na
aquisição de recursos públicos, quando estas auferem ao mesmo tempo financiamentos
privados. Como mostra Buarque (2003):
Em 1980, havia 305.099 alunos matriculados e, em 2001, 502.960. o crescimento
das universidades particulares, por outro lado, foi espantoso: em 1981, o número
de alunos matriculados era de 850.982, número esse que passou a ser de
2.091.529, em 2001 (...). Em 1980, havia nas instituições públicas, 51.765
professores e, em 2001, esse numero foi de 51.765. Nas universidades
particulares, entretanto, o aumento de professores, nesse mesmo período,
aumentou de 49.541 para 128.997 (p. 4 e 5).
No que tange ao percentual de alunos matriculados em instituições particulares, em
20 anos houve um crescimento de mais de 56%. Nesse mesmo período conferiu um
aumento de 62% na criação de instituições de ensino privado, ao passo que, as instituições
37
de ensino blico o crescimento foi de 19%. Desse modo, podemos certificar de que, o
discurso de “privatização” das universidades públicas se efetiva, na medida em que, se
destina verba pública e incentivos ficais para a criação e manutenção de faculdades
particulares.
Em relação às questões sociais, Cristóvão Buarque registra que após o longo
período em que vigorou a escravidão no Brasil, os centros de ensino superior, no decorrer
do século XIX, pouco se manifestaram em presença da injustiça acometida pela elite
brasileira da época. Foram poucas as manifestações de insatisfação, ou contribuição na luta
pela abolição do cativeiro, sendo que “grande parte da comunidade universitária assistiu
com naturalidade ao absurdo da escravidão, usando seus conhecimentos de direito,
economia e engenharia para manter o sistema funcionando de forma eficiente” (p. 10).
No século XX, destaca que o promissor avanço tecnológico não apreendia somente
setores do comércio ou da indústria, a universidade, entretanto, igualmente foi contagiada
pela promessa de crescimento e geração de riqueza para a toda a população brasileira.
Sendo assim, o avanço esperado beneficiou não somente as universidades como
também a sociedade, resultando num crescimento econômico jamais visto. Entretanto, a
contribuição dada pela universidade beneficiou parcela da sociedade, deixando de fora
grupos em condições socioeconômicas desiguais contribuindo para a permanência das
desigualdades socioeconômicas.
No Brasil, conforme assegura Silva (2003), a universidade tem sido nos últimos
anos alvo de severas críticas no que diz respeito ao seu posicionamento ante as
desigualdades sociais, e de maneira especial às questões raciais. A pesquisadora destaca a
importância que se deve ter ante a temática racial, em função do prejuízo motivado pelo
longo passado escravista. Este exclui e vem excluindo a população negra dos avanços
obtidos nos últimos tempos, fazendo-a refém de um presente perpassado de barreiras,
funcionando como impeditivo de oportunidades e melhorias de vida para a presente geração
e futuras. Como enfatiza Bonarepaux (2003), a universidade brasileira não pode mais se
colocar distante e alheia “das questões que dizem respeito aos direitos humanos, ao diálogo
entre as culturas, aos direitos dos povos” (2003:21).
38
Dentre as questões postas em questionamento nas universidades brasileiras,
destacamos o as políticas de ação afirmativa conduzidas ao acesso da população negra ao
ensino superior. Nesse sentido, faz-se necessário reconhecer que o movimento negro
organizado tem se colocado de forma incansável na luta por cidadania da população negra
considerada cidadãos incompletos. É notável que, ao longo dos tempos, militantes negros e
apoiadores vêm, a duras penas, assegurando espaços que possibilitem debates acerca dos
fenômenos sociais que têm impedido a população negra de desfrutar em plenitude os
direitos garantidos pela Constituição Brasileira.
Desta forma há que se considerar que a realização da III Conferência Mundial
Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância, em Durban, na
África, garantiu maior abertura para o debate das questões raciais. Principalmente sobre as
políticas blicas dirigidas à população negra, auferindo também espaços outros de debate
para além do movimento negro, a exemplo de setores da academia brasileira que se
fortaleceram e se articularam para a criação de novos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros
(NEABS). Registramos também a realização de encontros e conferências no interior das
universidades brasileiras, bem como a formulação e implantação das reservas de vagas que
garantem o ingresso de negros e indígenas.
Na esfera governamental, registramos a criação da Secretaria Especial de Políticas
para Promoção e Igualdade Racial (SEPPIR) a fim de garantir a convergência de ações e
propostas não do movimento negro, como das demais instâncias de debate: entidades,
ong´s, associações, etc. Ao contrário do que ocorreu para a realização da conferência em
Durban, a SEPPIR, em parceria com os demais segmentos organizados, promoveu em 2005
conferências municipais, estaduais, com vistas à conferencia nacional que ocorreu em julho
deste ano em Brasília.
Um outro ganho contabilizado foi que o espaço democrático em que se tornara
Durban propiciou que a escravidão tivesse o reconhecimento de representantes do mundo
todo como um crime de lesu a humanidade. Esse reconhecimento recomendou aos países,
cujo passado era escravista, a adoção de medidas que visassem à Reparação em presença do
dano causado. Assim, a pauta amplamente debatida em Durban serviu para ratificar o
debate político acerca da aplicabilidade das políticas afirmativas, mais especificamente
reservas de vagas no ensino superior, uma vez que havia, por parte do governo FHC,
39
interesse pelo assunto o debate de tais medidas com equívocos de definições e opiniões
entretanto, fez com que lideranças políticas do governo FHC e a universidade como um
todo se posicionasse diante desse acontecimento.
Para enriquecer o debate, Guimarães (1997) acredita ser conveniente que se faça
memória das leis brasileiras, com a finalidade de verificarmos se entre elas não existem leis
com tais semelhanças. Este não hesita em advertir que desde a era de Getúlio já se tinha
registro de política pública com tais fins. Adota como exemplo, a Lei dos dois terços
implantada no mercado de trabalho para um determinado grupo da sociedade em
decorrência de desvantagens de oportunidades. Como destaca Guimarães:
(...) Lei dos dois terços, assinada por Vargas, que exigia a contratação de pelo
menos 2/3 de trabalhadores nacionais por qualquer empresa instalada no país; e
legislação de incentivos fiscais para aplicações industriais no Nordeste, depois
expandida para o Norte, que propiciou a criação de uma burguesia industrial e
uma moderna classe média nordestina (p. 236).
No que se refere ao sistema educacional brasileiro Gomes (2002) informa que desde
a década de 60 as políticas afirmativas faziam parte da agenda política dos Estados
Unidos. No Brasil, nesse mesmo período, se aplicava medidas que visassem à
discriminação positiva de um determinado segmento social. Nos Estados Unidos,
entretanto, as medidas aplicadas baseavam-se em leis de cunho racial e de gênero, em
diversas áreas, dentre as quais inclui-se educação superior, mercado de trabalho, exército e
demais segmentos governamentais. Tais medidas visavam à superação das desvantagens,
em decorrência do racismo institucionalizado justaposto naquele país.
E, no Brasil, tais medidas eram de cunho social, garantindo o acesso ao ensino
médio universalizado aos filhos de fazendeiros e trabalhadores detentores ou não de terras.
Conforme assinala a denominação que recebeu na época, a denominação de Lei do Boi,
implantada pela Lei
5.465/68, em seu artigo 1º trazia a seguinte redação:
Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de
Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão anualmente, de
preferência, 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou
filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na
zona rural, e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos destes, proprietários
40
ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que o possuam
estabelecimentos de ensino médio (p. 125).
No Brasil, o debate e implantação acerca das políticas afirmativas têm trazido
importantes reflexões no mundo acadêmico sobre a situação histórica e social em que se
encontra a população negra. A princípio demonstrou ser uma questão polêmica, talvez aos
mais desavisados, ou como diria Gomes (2002) tamanha indignação é ainda mais
preocupante quando não se tem uma tradição em discutir políticas públicas dessa natureza
na “esfera científica brasileira” (p. 132).
Por outro lado, as questões relacionadas às políticas afirmativas têm mobilizado
outros segmentos governamentais, têm demonstrado certa maturidade e seriedade dos
órgãos oficiais responsáveis por pesquisas nacionais, dentre os quais o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre
outros. Estes têm demonstrado em suas pesquisas e censos o evidente índice de
desigualdades, sobremaneira entre os negros, resultando na vulnerabilidade deste grupo
racial às injustiças provocadas pelas desigualdades raciais.
Nos Estados Unidos as políticas de ação afirmativas ou Affirmative Action, é uma
realidade. Embora muitos pesquisadores tomem o modelo estadunidense como exemplo,
tais medidas não surgiram nos EUA, registros do seu funcionamento em outros países.
Na Índia, por exemplo, surgem desde a sua primeira Constituição, em 1948. Segundo
Jacques d’Adesky (1998), naquele país, adotou-se um sistema baseado em cotas que se
previa medidas que viessem promover os dalit’s
26
. Estes ocupavam cerca de 22,5% das
vagas na administração e no ensino público. Tais medidas garantiam a correção das
desigualdades que se arrastavam de longas gerações advindas do sistema de casta e da
crença e subordinação divina.
Dias (1997) afirma que cerca de 25 países, de acordo com dados fornecidos pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT), promoveram intervenções políticas visando
eliminar as discriminações sexual e racial ou implementaram mecanismos “de
discriminação positiva nas relações de trabalho”. A partir dos anos 90, se estenderam em
países como a Malásia, Canadá, Índia, Ilhas Fidji e Austrália. Com a adoção de PAA,
26
Chamados também de “intocáveis” – considerados classe menos favorecida ou miserável.
41
pretendiam combater as desigualdades culturais. Também podem ser encontradas na
Europa, cumprindo o papel na diminuição das desigualdades de gênero.
Com aproximadamente 50 (cinqüenta) anos de implantação das PAA, os EUA
foram pioneiros em modificar toda a sua estrutura estatal e jurídica para dar início às
reparações, ou seja, beneficiar as vítimas da escravidão nas diversas partes do mundo onde
o sistema escravocrata perdurou por um longo tempo. Antes disso as instituições
governamentais fechavam os olhos à diversidade étnica existente no país, seguida de um
regime fortemente segregacionista conhecido no mundo todo, o apartheid.
Vale dizer que nos EUA, com a viabilização das políticas afirmativas, ocorreu,
portanto, uma cisão na postura do Estado, frente às políticas aplicadas indistintamente. A
princípio elas foram implantadas em estabelecimentos públicos, investiu-se na contratação
de funcionários levando em conta a raça, cor e sexo. Na educação ocorreu o mesmo: com a
promoção do acesso de grupos e pessoas que foram alijadas do processo de inclusão social.
Pretendia-se com tais medidas, corrigir desigualdades provocadas pela discriminação de
natureza histórica e cultural, antes legitimada pela neutralidade estatal.
O quadro das desigualdades seguido de um sistema segregacionista o apartheid
caracterizou inicialmente as políticas afirmativas como um “encorajamento” do Estado em
desejar fazer mudanças nas regras de admissão no mercado de trabalho e no acesso à
educação, convocando políticos e a classe empresarial ao compromisso de, na prática, fazer
valer a discriminação positiva, ato de privilegiar grupos ou segmentos sociais em
detrimento de práticas discriminatórias institucionalizadas ou não. Sendo assim,
representantes do governo e do poder Judiciário, preocupados com o pouco empenho de
alguns setores estatais e privados, ao final da década de 60 e início dos anos 70 alteraram o
conceito de tais medidas, passando a exigir a adoção de “cotas rígidas”, como garantia de
promover a igualdade de oportunidades. A partir desse momento foram estipuladas metas
estatísticas que comprovassem a inclusão de fato nos setores da educação e no mercado de
trabalho.
No Brasil, estudiosos e teóricos de diversas áreas do conhecimento trazem
compreensões variadas na concepção das políticas afirmativas. Nas ciências jurídicas, o
Ministro do STF Joaquim Barbosa Gomes (2001) define tais medidas como
42
Um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo
ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de
gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da
discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal
de efetiva igualdade de acesso a bens
fundamentais como a educação e o
emprego (p. 40).
O conceito aplicado por Gomes (2001) difere de medidas governamentais adotadas
em outros países, funcionando como medidas governamentais “antidiscriminatórias
baseadas em leis de conteúdo meramente proibitivo, que as singularizam por oferecerem às
respectivas vítimas tão somente instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de
intervenção” (p. 63). Salienta que além de proporcionar a concretização da igualdade de
oportunidades, as políticas afirmativas no seu entendimento devem proporcionar
transformações de cunho estrutural, cultural, pedagógico e psicológico, pois uma vez
implantada nos diversos segmentos da sociedade. Contribui para a efetivação dos direitos
universais e colaborando para uma sensível mudança por parte daqueles que antes usavam
de práticas discriminatórias como regra.
Gomes (2001) menciona a definição usada pela jurista e professora Carmem Lúcia
Antunes Rocha que no campo do direito público compreende que tais medidas promovem a
igualdade a partir do momento em que se reconhece as desigualdades e os que delas têm
sido vítimas. Carmem Lúcia compara as políticas afirmativas como uma “desigualação
positiva” baseadas em “(...) uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a
diminuição social a que se acham sujeitas as minorias” Rocha (apud Gomes, 2001:43).
Silvério (2002) afirma que o reconhecimento por parte do Estado de que o Brasil é um
país racialmente hierarquizado é fundamental para a formulação de políticas que corrijam
as injustiças sociais, com vistas à promoção da igualdade. Segundo ele as medidas
governamentais que visam somente corrigir a discriminação de tratamento não abrangem
mudanças nas estruturas sociais. Desse modo, assegura que tais medidas representam, “um
conjunto de ações e orientações do governo para proteger minorias e grupos que tenham
sido discriminados no passado” (p. 92).
43
Defende a idéia de que as políticas afirmativas são de caráter compensatório e
preventivo. Exemplifica neste caso, a aplicação de leis antidiscriminatórias, no mercado de
trabalho. Acredita ser este um setor onde os negros têm recebido um tratamento mais aberto
de discriminação. Desse modo, reafirma que “(...) as políticas afirmativas têm por objetivo
fazer realidade o princípio de igual oportunidade. E, diferentemente dessas leis, as políticas
de ação afirmativa têm por objetivo prevenir a ocorrência da discriminação” (p. 92).
Em relação à afirmação de Silvério, acredita-se que pelo curto espaço de tempo em
que o debate sobre as políticas afirmativas se instalou no Brasil, há de se fazer uma
ponderação, independentemente da aplicação de uma decisão política que obrigue as
instituições de educação superior a aplicarem tais medidas, tem ocorrido ao contrário do
que se pensava. A iniciativa das universidades federais em implantar as reservas de vagas,
projetos e demais ações de cunho pedagógico frente às questões raciais demonstra que o
Governo Federal tem priorizado o debate acerca da reforma política e deixado um pouco de
lado a aplicabilidade de uma proposta efetiva que permita o acesso da população negra no
ensino superior nas instituições federais de ensino superior.
No caso das universidades estaduais, mencionamos o exemplo da Universidade
Estadual de Mato Grosso (UNEMAT) que se manteve em constante intercâmbio com a
experiência, tanto de universidades estaduais como das federais. Trago essa informação em
decorrência dos relatos de Paulo Alberto, professor que encabeçou o processo na
UNEMAT. Segundo ele, foi imprescindível a interlocução efetuada com o Núcleo de
Estudos e Pesquisa sobre Relações Raciais em Educação (NEPRE), da Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT) com o Programa de Estudos sobre o Negro na Sociedade
Brasileira (PENESB), da Universidade Federal Fluminense, e, por último com a
Universidade Estadual de Brasília (UNEB).
Na visão de José Jorge de Carvalho, não cabe mais às universidades brasileiras
discutir o modelo A ou B de ação afirmativa, e sim, a premente expansão destas nos cursos
de mestrado e doutorado, como também reservas de vagas em concursos públicos,
garantindo o acesso de profissionais negros ao corpo docente das universidades brasileiras,
como sublinha:
44
(...) quantos professores negros absorveram para ensinar os seus alunos negros?
A ausência de professores negros faz incidir sobre os alunos negros, pobres e
ainda sobreonerados financeiramente, uma tripla discriminação: a injustiça
simbólica de carecer de figuras modelares de identificação que os ajudem a
construir uma auto-imagem positiva e suficientemente forte para resistir aos
embates do meio acadêmico racista em que têm que se mover. (...) a primeira
realidade que devemos ter em mente é que é ainda muito mais alta a porcentagem
de professores brancos do que a de alunos brancos nas universidades (Carvalho,
2003, p.165).
O significado de que processos mais solidificados e considerados científicos, longe
de estarem permeados de democracia e vetarem formas de apartheid tendem a
concentrarem ideologicamente e a excluírem negros empobrecidos e o acesso destes às
condições equânimes reservadas aos negros.
No II capítulo, contextualizaremos o debate e implantação das políticas afirmativas
na UNEMAT, visando relatar experiências pedagógicas de cunho positivo, que existem na
instituição. Por outro lado, mostraremos o que se inscreve no rol de universidades
brasileiras cuja “teimosiaem implantar projetos de corte étnico-racial e reservas de vagas,
não brota em si mesma. Evidenciaremos que no contexto político e social em que as
universidades se inscrevem é fundamental a ação em “redes”, não perdendo de vista o
importante papel dos movimentos sociais.
Descreveremos as experiências de implantação de tais medidas no município de
Cáceres via UNEMAT, sem perder de vista o favorecimento sucedido pelos espaços de
lutas sociais locais. Estes, por sua vez, têm servido de instrumento de participação social na
promoção da cidadania, que através das redes” tem conseguido realizar mobilizações e
participação social. Oferecendo efetivas contribuições para o debate acerca das questões
raciais para a sociedade como um todo, bem como a composição de parcerias com
“setores” da UNEMAT. Especialmente na implantação do projeto pré-vestibular Por um
Futuro Negro: Cor, Inclusão e Cidadania no Ensino Superior.
45
CAPÍTULO II
POLÍTICAS AFIRMATIVAS: EXPERIÊNCIAS EM MT
Uma vez que o CDH possuía uma longa agenda
de trabalho prestados em relação a temática,
nos levou a crer que topariam firmar uma
parceria conosco. Por outro lado, pensou-se
através do Centro, aglutinar mais entidades.
Oportunizando assim uma aproximação e
sensibilização à temática, ações afirmativas
(prof. Paulo Alberto).
Compreendendo ser de fundamental importância a promoção do debate das políticas
afirmativas, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a Universidade Estadual de
Mato Grosso (UNEMAT) têm estabelecido estreitas relações, a fim de construir uma
agenda comum sobre o debate das relações raciais em educação no ensino superior em
Mato Grosso. Através da sensibilização da comunidade interna e externa vêm
desenvolvendo ações concretas que dizem respeito à implantação de políticas afirmativas
nas áreas de ensino fundamental, educação superior e na formação continuada aos
professores da rede.
Não obstante a articulação realizada de ambas as instituições de ensino superior,
que se reconhecer a riqueza que o Estado oferece em termos de manifestações e lutas
sociais. Na obra Mato Grosso em Movimentos: ensaios de educação popular, do ano de
1994 encontramos o registro de uma coletânea de textos que demonstram manifestações de
lutas em nosso Estado nas diversas frentes de reivindicação voltadas, sobretudo para a
educação. Dividida em 03 (três) partes a obra contempla os seguintes tópicos: a)
Movimentos sociais e educação escolar; b) O caráter educativo dos movimentos Sociais e
por final a Pedagogia das Ongs.
Para ilustrar, mencionaremos dois textos de cunho étnico-racial presente na obra. O
primeiro é de autoria de Maria de Lourdes Bandeira Delamônica Freire, no qual informa
uma preocupação sobre a questão racial no interior da escola, desde a década de 90. Para
tanto, relata o acontecimento de duas situações de discriminação racial ocorridas em uma
escola situada no município de Várzea Grande e em Cuiabá. A autora menciona também a
46
existência do Grupo de União e Consciência Negra (GRUCON) em Cuiabá e sua política
pedagógica para sensibilização, conscientização e denúncia de casos dessa natureza.
O segundo texto é de Ivo Shoroeder, relatando a experiência do movimento
indígena em Mato Grosso. Informa que, desde 1974, uma mobilização no sentido de
aglutinar forças, visando à garantia da permanência destes na terra e ao mesmo tempo
mostrava a luta pela implementação de um ensino diferenciado junto às comunidades
indígenas. Informa sobre da inauguração de um currículo voltado para a realidade deles
para que não perdessem seus costumes e o modo de falar.
Portanto, as manifestações que vêm ocorrendo na UFMT e na UNEMAT,
correspondem a um acúmulo de ações e manifestações populares
27
que tempos vêm
sendo desenvolvidas em MT, especialmente, sobre as questões relativas à população
indígena e à população negra. De certo modo, faz-se necessário reconhecer que a academia
tem se tornado um espaço de poder primoroso para debater essas questões. Embora não se
consiga aglomerar um número de pessoas como se aglutina nos movimentos sociais, as
ferramentas de que se dispõe na academia têm oferecido resultados satisfatórios.
Sendo assim, no que tange à educação superior, primeiramente mencionaremos
algumas experiências concernentes às políticas afirmativas desenvolvidas na UFMT, e,
posteriormente discorreremos sobre o processo na UNEMAT, descrevendo a parceria com
os movimentos sociais, por meio de agendas e interesses comuns.
2.1 – UFMT: Ações e projetos
Dentre as demais universidades brasileiras, a UFMT tem se destacado, por se
mostrar preocupada em democratizar o debate acerca das políticas afirmativas. Contudo, é
importante mencionar que no seu interior setores que se destacam mais na defesa de tais
medidas. Para tanto, identificaremos um conjunto de ações que tem sido realizado em prol
de tais medidas.
27
Encontros, conferências, seminários, etc...
47
No que tange à implementação das reservas de vagas para negros no ensino superior
da UFMT, vale informar que o projeto que se destina às reservas de vagas está em
tramitação. Este por sua vez foi proposto pelo prof. Flávio do Nascimento do campus de
Rondonópolis em parceria com o movimento negro local, em julho de 2003. No primeiro
semestre de 2004 o projeto foi reescrito pela coordenadora do Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre Relações Raciais em Educação (NEPRE) e demais professores/as ligados
ao núcleo de pesquisa. Os motivos que levaram à reelaboração do mesmo, foi a
discordância sobre o termo utilizado na primeira versão. Não mencionava reserva de vagas,
e sim sobrevagas para negros pobres, brancos pobres e indígenas.
O emprego do termo “sobrevagas” soou muito negativamente dentro da instituição.
Além das vagas normais oferecidas pela universidade, o projeto previa o aumento de 30%
das vagas ora oferecidas nos exames vestibulares, porém o preenchimento das mesmas
se daria após a realização das matrículas de todos os candidatos aprovados na fase
(Nascimento: 2003, p. 17).
A segunda questão que gerou discordância foram os termos empregados: “negro
pobre” e “branco pobre”. Segundo a coordenadora do NEPRE, profª Maria Lúcia R.
Müller, os critérios em questão não passam pela situação socioeconômica dos negros. Sua
afirmação tem base teórica em Oracy Nogueira et al (1985).
Segundo ele, o preconceito racial no Brasil é considerado “fenotípico”, se apropria
dos seguintes formatos: quanto mais a pessoa se aproxima de uma pigmentação mais clara,
a carga de preconceito será menos acentuada, comparada àqueles e àquelas possuidores(as)
de pele mais escura, em razão do fenótipo (cor da pele, textura do cabelo, formato do nariz)
os negros, mesmo em uma posição privilegiada, estarão sujeitos ao preconceito (Nogueira:
1985). Portanto, na opinião da coordenadora, não importa a renda do candidato negro, o
que importa é que ele seja beneficiado pelas cotas.
Baseada na segunda questão colocada justifica-se a terceira. Uma vez branco, este
possui maiores condições de ser aceito pela sociedade, mesmo que pertença a um status
mais baixo.
Assim sendo, o projeto reelaborado ficou com a seguinte nomenclatura: Proposta de
Criação de Reservas de Vagas na UFMT. Este propõe a constituição de um programa de
48
reserva de vagas para candidatos que se autodeclarar negro - oriundos de escola pública - e
para candidatos que se autodeclarar indígena.
Em finais de 2002, o NEPRE passou a existir legalmente, segundo o Prof. Acildo
Silva Leite
28
. A preocupação em efetuar a regularização do núcleo nas instâncias cabíveis,
foi em função de o mesmo poder participar de um concurso nacional, promovido pelo
Ministério da Educação (MEC) denominado: Diversidade na Universidade. A proposta
previa recursos federais para projetos oriundos de universidades blicas e demais
segmentos organizados (associações, movimentos e ongs) com vistas a financiar atividades
pedagógicas que oportunizassem o acesso
29
e permanência
30
de alunos negros no ensino
superior. Dentre as universidades federais que participaram do processo, a UFMT e a UFF
foram contempladas.
Com vistas a obter dados que fornecessem a cor dos alunos, professores e
funcionários conforme a alocação por curso ou função do trabalho da UFMT, em 2003 foi
realizado o Projeto de Pesquisa: Mapeando a “cor” da UFMT, elaborado pelo NEPRE em
parceria com o Programa de Estudos sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB/
UFF
31
).
E por último mencionamos a realização do projeto Trabalhando as diferenças no
ensino fundamental
32
, a fim de contemplar a Lei 10.639/03. O mesmo previu a formação
continuada de professores da rede municipal e estadual de Cuiabá, Várzea Grande e Santo
Antônio do Leverger, com duração de 10 meses, com início no ano de 2003.
Faz-se necessário reconhecer que o NEPRE têm exercido um papel fundamental na
difusão do debate institucional das políticas afirmativas bem como na propositura de
atividades pedagógicas anti-racista no Estado de Mato Grosso. Por outro lado, a estreita
relação que vêm se firmando com “segmentos” da UNEMAT, têm fortalecido o
intercâmbio e a união de ambas as instituições, abonando maior visibilidade ao debate.
28
Prof. pesquisador filiado ao NEPRE.
29
Curso pré-vestibular.
30
Para alunos que já cursavam o ensino superior. No caso da UFMT, foi privilegiada a participação de alunos
e alunas pertencentes aos cursos de: Enfermagem, Economia, Direito, Medicina, História, Física e Pedagogia
do campus de Cuiabá e de Vila Bela da Santíssima Trindade.
31
Os dados processados foram de ambas as universidades pelo DATAUFF.
32
Financiado pelo Programa PROEXT 2003/ SESu – MEC.
49
2.2 – UNEMAT: projetos e ações
Instituição de Ensino Superior fundada no ano de 1978, a Universidade Estadual de
Mato Grosso (UNEMAT) está localizada na região do Alto Pantanal, especificamente no
município de Cáceres-MT. Desde a sua gênese traz a seguinte missão: garantir o ensino
público e de qualidade às demandas do interior do Estado, perpassadas pela aplicabilidade
de políticas públicas que promovam a inclusão social aprimorado no crescimento
econômico com base em ações sustentáveis de: respeito à vida, biodiversidade e a
diversidade cultural dos povos.
Hoje, com 26 anos de existência, a UNEMAT vem expandindo suas instalações e
possui 11 campi
33
- incluindo o município de Cáceres onde funciona a sede administrativa -
e 11 núcleos pedagógicos
34
. Ao longo dos anos vem implementando ações visando atender
a demanda nos municípios em que atua.
Dentre os inúmeros programas educacionais, a UNEMAT tem sido apontada como
sendo uma das poucas universidades, pioneira, inclusive com longa tradição, em
implementar políticas de ação afirmativa de caráter de acesso e permanência. Preocupados
em garantir o ensino nas mais longínquas localidades foram criadas as Modalidades
Diferenciadas de Ensino, denominadas: Licenciaturas Plenas Parceladas, Módulos
Temáticos, Terceiro Grau Indígena, Programa Institucional de Qualificação Docente,
Educação a Distância, Pedagogia da Terra.
As iniciativas de caráter afirmativo possuem uma abrangência que decorre da oferta
de cursos nas áreas de formação de professores, atendendo desde imigrantes às populações
da fronteira geográfica ou agrícola, movimentos sociais, no caso o MST, que através da
UNEMAT garantiu uma formação diferenciada aos professores dos assentamentos e
acampamentos de vários Estados Brasileiros.
Dentre as propostas mencionadas, o Terceiro Grau indígena emerge como uma
proposta pedagógica de cunho étnico-racial sem precedentes no país. Sob a coordenação do
33
Cf Guia de Calouro, (2005: 06). “Cáceres, Alta Floresta, Alto Araguaia, Barra do Bugres, Colíder, Juara,
Luciara, Nova Xavantina, Pontes e Lacerda, Sinop, Tangará da Serra”.
34
Cf Guia de Calouro, (idem). “Araputanga, Campo Novo dos Parecis, Campos de Júlio, Claudia, Comodoro,
Confresa, Jauru, Lucas do Rio Verde, Sapezal, Sorriso e Vila Rica”.
50
Prof. Dr. Elias Januário, a proposta de ensino tem impetrado reconhecimento em toda a
América Latina, pela proposta audaciosa, dispondo atender representantes de comunidades
indígenas do Brasil todo. A garantia de acesso ao ensino superior prevê um ensino
diferenciado com integrantes das próprias comunidades, logo, o respeito à sua cultura, e
como expressa Chiquinha
35
: É importante que se garanta primeiramente a formação de
profissionais da educação para dar aulas nas aldeias. Assim os alunos indígenas de hoje
serão motivados a outras ramificações profissionais, como direito, medicina, etc...
A longa prática de implementação de políticas afirmativas fez com que as propostas
existentes servissem de argumento para implantação de projetos de extensão que
atendessem a população negra, bem como a criação da comissão que subscreveu o projeto
das reservas de vagas na UNEMAT.
Nesse contexto menciono uma estreita relação entre o prof. Paulo Alberto e o
NEPRE. Quando entrevistado por mim relatou como se deram os encaminhamentos para a
conciliação de uma agenda positiva na UNEMAT em parceria com a UFMT e os
movimentos sociais no município de Cáceres. A união desses três segmentos acabou por
resultar na aprovação de projetos com vista à pratica da “discriminação positiva” na
UNEMAT.
Na entrevista, prof. Paulo Alberto relatou-me que sua vida sempre esteve ligada à
temática racial. Explica que isso ocorreu de forma mais direta e efetiva em 2001, quando
fazia o mestrado na Federal de Uberlândia e argumenta que:
Nessa mesma época, eu fazia parte da associação dos pós-graduandos, que
apoiou a greve dos professores. E, em determinado momento fui questionado por
uma colega a respeito das cotas, no momento pensei e disse que era a favor,
mesmo não tendo um conhecimento aprofundado do assunto. Depois em
conversa com um professor que era do comando de greve, ele me sugeriu de
levar esse assunto para os meus colegas. Levei porrada (riso) de todo mundo e lá
tinha gente progressista de PT e PSTU, estes não hesitaram em me dizer: que
isso era um absurdo (Paulo Alberto).
35
Maria Francisca Novantino, indígena Pareci. Enquanto colega no mestrado se apresentava com orgulho
como representante da comunidade indígena brasileira no Conselho Nacional de Educação. Nas longas
conversas que tínhamos juntamente com Cândida e Vilma, ela sempre se mostrava indignada pela situação em
que se encontra o seu povo. Ela dizia: “meninas às vezes não sei quem é mais excluído se são os negros ou os
índios”. Chegávamos à conclusão de que os dois grupos raciais estão em situações muito similares quanto à
exclusão social.
51
Explica que ficou indignado e perguntou aos colegas se eles sabiam quantos negros
estavam matriculados no mestrado. Conseguiu contabilizar somente duas pessoas, ele e sua
namorada. Seus colegas se negaram responder a tal questionamento.
Não sendo pesquisador da área, o prof. Paulo Alberto mencionou o seu profundo
interesse e sensibilidade a temática das relações raciais. Entretanto, para ser inteirar mais do
assunto procurou ler artigos e textos teóricos que tratavam especificamente das reservas de
vagas e, após inteirar-se do assunto, propôs à secretaria da Pós-Graduação que incluísse na
ficha de matrícula o quesito cor. Assim, teriam uma noção da proporção de negros
existentes no mestrado e doutorado. Sua proposta foi recusada em primeira instância. Foi aí
que voltou a falar com seus colegas da associação de pós-graduandos e desta vez sugeriu a
realização de um censo entre os alunos associados e a idéia foi aceita por todos. O resultado
então foi o seguinte: de um total de 1.100 alunos do mestrado e doutorado apenas 300
tiveram a carteirinha da entidade. Destes, apenas 06 faziam a pós-graduação na Federal de
Uberlândia, sendo que 05 no mestrado e 01 no doutorado
36
.
O envolvimento do prof. Paulo Alberto com a temática acerca das políticas
afirmativas na federal de Uberlândia lhe proporcionou vários momentos de debates e
diálogos, Dentre as atividades das quais havia participado. Mencionou que no início de
2003 foi convidado a participar de uma mesa, onde o tema versava a propósito das políticas
afirmativas. Explica ainda, que uma das conquistas foi que, ao término do mestrado, a
universidade de Uberlândia tinha formado uma comissão para estudar a implantação das
reservas de vagas.
Em julho de 2003, retornando do mestrado, o prof. Paulo Alberto relatou-me que
trazia consigo uma preocupação: de que a UNEMAT precisava aumentar a relativa
proporção da presença negra. Embora não se tivesse notícia de tais dados na instituição,
disse que a ausência poderia ser observada a olho nu. No entanto, seu pensamento se fixava
em um só, viabilizar as reservas de vagas na Instituição.
Em setembro de 2003, realizou uma reunião com professores de ceres, Tangará
da Serra e Barra do Bugres, com vistas à criação de um Programa sobre “Diversidade
36
O prof. Paulo Alberto explicou que os resultados compreendiam os anos de 2001 a 2002.
52
Cultural” na UNEMAT. A partir desse momento nasce a Comissão Para a Elaboração do
Programa Institucional Cores e Saberes (CEPICS). Dentro da comissão dois temas
ganharam força, o negro e o índio. Entretanto, a temática que conseguiu ter melhor
encaminhamento era relativa à questão do negro.
Como parte do calendário de atividades do CEPICS, em maio de 2004, a comissão
promoveu o 1º Seminário sobre políticas afirmativas da UNEMAT, intitulado Cotas e
Democratização no Ensino Superior em Mato Grosso. O evento contou com a participação
do Prof. Dr. José Jorge de Carvalho
37
(UNB) e profª Drª Maria Lúcia R. Müller (UFMT). O
encontro previu uma reunião com o reitor, pró-reitores, professores e alunos da UNEMAT,
com o desígnio de promover um diálogo aberto quando o prof. José Jorge e a profª. Maria
Lúcia explanariam com mais detalhes suas experiências, bem como, o pronunciamento dos
gestores da UNEMAT acerca de tais medidas.
Dezembro de 2004, contados 09 meses, com maioria dos votos a reserva de vagas
foi aprovada na UNEMAT, a ser implantada no período de 2005/02. O prof. Paulo Alberto
relatou-me que a redação inicial incluía indígenas e os denominados bugre
38
, entretanto,
houve manifestações contrárias. Segundo o relatório final da CEPICS, a prerrogativa foi
negada através de um parecer
39
expedido pelo prof. Dr. Elias Januário, coordenador do
Grau Indígena e endossado por 11 (onze) assinaturas de alunos e lideranças indígenas. A
justificativa empregada pelo então coordenador foi que o projeto de políticas afirmativas
não havia sido discutido com o segmento indígena (professores, acadêmicos, conselhos,
organizações e lideranças), além de existir, divergências conceituais
40
em relação à
“identidade indígena”.
Portanto, a categoria “indígena e bugre” foi retirada do texto final do projeto de
reservas de vagas da UNEMAT, permanecendo somente a reserva de 25% das vagas para
os candidatos que se autodeclarar negro em cada curso regular, pelo período de 10 anos, a
contar a data da sua publicação.
37
José Jorge, juntamente com a professora Rita Laura Cegato, encabeçaram o debate sobre reservas de vagas
na UNB, em 1999.
38
Cf p. 67 e 68.
39
Anexado ao final deste trabalho.
40
Cf p. 67.
53
Paralela à aprovação das reservas de vagas, o ano de 2004 foi bastante promissor
para a viabilização de projetos que contemplassem a questão racial na UNEMAT. Em finais
de 2003, a Pró-reitoria de Extensão e Cultura (PROEC), lançou o edital para projetos de
extensão com duração de 01 ano, com o financiamento de R$ 5.000,00. Foram
apresentados dois projetos contemplando a temática das relações raciais. O primeiro
projeto
41
subscrito por prof. Paulo Alberto, tratava-se de um curso pré-vestibular
42
com
critérios
43
obedecidos pela comissão e entidades parceiras.
O segundo projeto contemplava a Lei 10.639. Vale ressaltar que, para a confecção
do último projeto mencionado e outros projetos de cunho cultural houve o incentivo da
coordenadora do Campus de Cáceres, profª Ms. Nilce Maria. No seu entendimento,
acreditava ser importante oportunizar a implementação de projetos de Grupos Culturais de
Cáceres, que tempos estavam sendo desenvolvidos por lideranças religiosas, artistas
populares, professores do município, militantes do movimento negro e jovens da periferia.
A parceria resultou na apresentação de cerca de 10 projetos de extensão. Estes
contemplavam projetos que versavam sobre as seguintes temáticas: a criação de corais para
crianças, danças regionais como siriri e cururu, a cultura local através de catalogação de
lendas e contos da terra, promover para dentro da escola a dança de rua Hip-Hop e por
último o projeto de formação continuada direcionado aos professores da rede Municipal e
Estadual acerca da Lei 10.639/03. O último projeto teve efetiva contribuição do prof.
Lindson e da nossa pessoa
44
, na condição de professora e educadora popular, ligada ao
CDHDMB.
41
Com a duração de 30 dias.
42
O prof. Paulo Alberto informou, que a criação de um curso pré-vestibular alternativo, há muito era
almejado pelos componentes do CDH, juntamente com o/as prof/as José Ricardo Castrillon, Solange Kimie I.
Castrillon, Marilza Garcia Gomes, Benedita da Guia Ferreira Mendes e pelos acadêmicos que, na época,
cursavam o curso de Direito Luciano Roberto da Silva e Uirá Escobar Alioti.
43
Com tríplice categoria autodeclarada.
44
Já matriculada no mestrado tive a oportunidade de participar de um projeto pioneiro no Estado de Mato
Grosso acerca da Lei 10.639, desenvolvido pelo NEPRE, nos anos de 2003 e 2004. Nesse mesmo período
coordenávamos no C.D.H., uma das 03 linhas do Projeto Cidadania e Igualdade para os Direitos Humanos,
direcionado a professores da rede Municipal e Estadual, denominou-se: Educação Para os Direitos Humanos.
54
A participação da terceira proposta, de autoria do prof. Antônio Eustáquio Moura
45
,
tratava-se de um projeto de pesquisa com vistas a perpetrar um levantamento das
comunidades negras rurais existentes no município de Cáceres.
Ao saber do resultado positivo das três propostas educacionais com corte étnico-
racial
46
causou-nos dois sentimentos. O primeiro deles foi o sentimento de alegria, tendo a
plena certeza de que tais propostas iriam trazer contribuições significativas para o debate
acerca das propostas anti-racistas. Em segundo lugar, o debate nacional concernente às
relações raciais no campo da Educação e áreas afins, não tem dado outra alternativa às
universidades brasileiras, em continuar negando a não relevância social do tema em uma
sociedade marcada pela negação da luta e resistência dos negros.
Negar a relevância social do complexo temático que abarca as relações raciais hoje
é não querer enxergar que a sociedade brasileira é marcada pelo racismo. É negar a luta e a
resistência empreendidas pelos movimentos sociais em busca da concretização da
cidadania.
Ao longo de sua existência, a UNEMAT tem exercido um papel significativo aos
movimentos sociais e à população em geral de Mato Grosso e dos diversos
47
Estados
brasileiros. De certa forma, a implementação de projetos que contemplem as questões
sociais e educacionais corrobora ações de natureza pedagógica e social da instituição.
Nesse processo é fundamental destacar a universidade como espaço privilegiado de
produção do conhecimento. Contudo, não podemos deixar à margem outros espaços que
também produzem conhecimento, os movimentos sociais. Estes têm demonstrado ser
espaços ricos em vivência e práticas diversas de lutas e resistência para a efetivação de
direitos, entre outros.
No que tange ao fortalecimento e promoção da cidadania o município de Cáceres
tem se mostrado bastante fértil na constituição de importantes espaços de manifestações
populares. A mencionar, entretanto, toda e qualquer manifestação de luta no município, faz-
45
Professor titular da Unemat, mestre em Educação e doutorando da Unicamp, onde privilegia um estudo
sobre comunidades quilombolas, no município de Nossa Sª do Livramento e Poconé.
46
Com vigência nos anos de 2004 e 2005, os projetos: Pré-vestibular para negros, a contemplação da Lei
10.639/03 e o projeto de pesquisa para catalogação das terras de quilombo.
47
Segundo dados da Comissão de Vestibulares (COVEST), a UNEMAT tem recebido estudantes de todos os
Estados brasileiros.
55
se necessário primeiramente, registrar a efetiva contribuição da igreja católica na efetivação
desses espaços. Do contrário estaríamos negando a trajetória de pessoas que
protagonizaram e que deram a vida por uma causa.
2.3 – A gênese das lutas e manifestações populares em Cáceres
Fundado no ano de 1.754, como Vila Maria do Paraguai, o município de Cáceres
um dos mais antigos e maiores municípios do Estado. A atribuição do nome foi em
homenagem ao governador da capitania de Mato Grosso, Luiz de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres. Dados descrevem que os primeiros donos da terra foram os índios
Boróro que, posteriormente, receberam por parte dos paulistas a denominação de índios
Cabaçal.
Fronteira com a Bolívia houve uma aproximação com os Chiquitos, comunidade
indígena de origem boliviana. Estes findaram por unir laços sanguíneos com os negros
advindos de São Paulo e Portugal. Esta união deu origem aos Caburés.
Com aproximadamente 100.000 mil habitantes, atualmente não registros de
comunidades indígenas, podendo, porém ser encontrada uma população com fortes traços
indígenas – denominados “bugres”-, e uma presença significativa de negros.
Região conhecida pela grande concentração de latifúndios, inicialmente teve sua
economia fortemente baseada na pecuária. Fato que pode ser comprovado por historiadores
locais, pela existência da fazenda Descalvados. Considerada umas das maiores fazendas do
Estado, ou quem sabe da região Centro Oeste do Brasil era possuidora de um digo de
Endereçamento Postal (CEP) próprio, chegando a exportar aproximadamente 1.000.000
cabeças de gado diariamente.
Nesse contexto, registramos a chegada de Mons. Máximo
48
nomeado bispo na
região de Cáceres, em 25 de fevereiro de 1.968 (Biennès, 1987:205). Na obra intitulada,
48
De origem francesa e ligado à Terceira Ordem Franciscana (TOR), ficou sendo mais conhecido como Dom
Máximo.
56
Uma igreja na fronteira, Dom Máximo narra a história da igreja
49
“literalmente” instalada
na fronteira, podendo ser apreciada por intermédio do seu valioso registro de cada momento
que passou nas terras mato-grossenses. Suas anotações podem ser comparadas a um “diário
de bordo”, onde registrou o cotidiano de suas longas viagens pastorais na extensão
territorial da Diocese São Luiz de Cáceres
50
.
Dentre as inúmeras preocupações que o acompanhavam, persistia uma, a
organização de uma igreja “forte” não somente em termos de estrutura, mas acima de tudo
uma igreja, “acolhedora” e “sensível” aos problemas sociais. Segundo ele, um dos desafios
para o desempenho de um bom trabalho pastoral na diocese era a insistente ocorrência de
atos desumanos para com o povo, sobretudo, nos anos de 1975-1985. Registrou a sua
grande preocupação ante os conflitos de terra. Problema que segundo o bispo apresentava-
se demasiadamente preocupante:
A injustiça social e o menosprezo da dignidade humana parece ser,
infelizmente, a realidade de muitos, tanto na cidade como no campo, que não
conseguem pagamentos suficientes para a sua força de trabalho ou para a sua
produção agrícola. Sofre-se, assim, da grande injustiça estabelecida pela
exploração brutal das riquezas naturais e dos produtos do Terceiro Mundo. São
criadas assim condições e situações de pobreza e de fome estruturais, num país
riquíssimo, quando, com um pequeno desenvolvimento de técnicas apropriadas,
se poderiam produzir duas e até três colheitas por ano (p. 269).
Desde então reconhecia as conseqüências do capitalismo, ao indagar:
Não é o marxismo que produz esta situação de exploração e miséria, mas um
capitalismo selvagem que vai gerando pobreza, desânimo, fraqueza, doença e
morte. Numa região de 100.000 Km², com uma população aproximada de 350
mil habitantes, deveria haver terra para que todos pudessem trabalhá-la a
contento e afugentar um pouco o espectro da miséria. Mas contínuos conflitos
de posse e de ocupação de terra; umas dezenas no território da diocese e o último
conflito nas terras da paróquia de Jauru provocou (sic) a morte de dezoito
49
Com sede em Cáceres, a diocese fica a 80 KM de distância da fronteira com a Bolívia. O raio de
abrangência da Diocese compreende os limites de Barra do Bugres, Poconé e Nossa Senhora do Livramento e
todos os municípios até a cidade de Rondônia.
50
Feitas de barco, avião, jipe e a cavalo. Este último, segundo ele, era um dos mais interessantes, pois, a
saída com antecedência para as comunidades da redondeza, não necessitaria usar de pressa para chegar ao
destino. Assim, poderia curtir a paisagem e sentir os passos lentos do companheiro de viagem.
57
pessoas, entre os posseiros, jagunços, falsos policiais e policiais. Os camponeses
que ocupam e trabalham a terra como posseiros são muitas vezes maltratados,
acorrentados e levados para as cadeias como malfeitores. As suas miseráveis
casinhas e as suas plantações são derrubadas e queimadas, as pequenas
“criações”, afugentadas ou que não aparecem e, desesperados, defendendo
mulher, filhos e terra e as suas vidas, começam a lutar com as armas na mão. De
outro lado, os grandes proprietários, com ou sem apoio das autoridades ou da
justiça, com ou sem polícia, armando sorrateiramente jagunços também
desesperados, expulsam com maus-tratos, a fogo e bala. Presenciamos uma
verdadeira guerra, surda, escondida, muitas vezes até desconhecida. Parece
que está iniciando como uma luta contínua e sangrenta: o posseiro e os
camponeses pobres lutando para ter o direito de viver no seu chãozinho e
pelo seu trabalho (p. 270).
Paralelo à difusão da palavra de Deus, com o passar dos anos Dom Máximo,
confirma e documenta
51
a sua opção bíblica/teologal, sob a luz da Teologia da Libertação,
uma consciência de missão a ser intensificada em toda a Diocese de Cáceres: 1)
Fortalecendo o processo de planejamento; 2) Educando o espírito comunitário; 3)
Despertando a responsabilidade em relação aos marginalizados em vista de sua
elevação social, cultural e religiosa” (p. 334). Este último baseava-se em uma
evangelização que privilegiasse a reflexão da palavra de Deus, a partir da realidade do
povo, em busca de encontrar solução para os problemas sociais. Em outras palavras, um
convite aos leigos e leigas a ficarem “atentos aos sofrimentos, tantas vezes silenciosos e
despercebidos, dos que a sociedade deixa à margem do desenvolvimento”. Sobretudo,
ser “(...) a voz dos sem-voz, o apoio dos fracos, a esperança dos sem-vez” (p.335).
O carisma e a determinação missionária, libertadora e profética de Dom Máximo
atraía cada vez mais adeptos à causa que defendia com veemência, a luta pela vida e pelos
direitos humanos. Dentre os jovens que o acompanharam estão Carlos Alberto Maldonado,
Leila Bisinoto, Dimas Santana, Antônio Donizete, Isidoro Salomão
52
.
Ao mencionar a existência da guerra “surda”, “escondida” e desconhecida”
acometida pelo aparelho estatal nos conflitos de terra, Dom Máximo denunciava as relações
desumanas estabelecidas no campo. Sendo apenas o início de uma longa jornada de
reivindicação por direitos. Apesar de não falar abertamente, a violência armada invade o
51
Na ata da 10ª assembléia diocesana de Pastoral, no ano de 1978.
52
Fundador da Paróquia Cristo Trabalhador atuou 14 anos à frente dos trabalhos pastorais e sociais com fortes
traços da pedagogia de Dom Máximo.
58
perímetro urbano, fazendo muitas vítimas do abuso e da força policial. Assim, ao final da
década de 80, o contexto sociopolítico do município apresentava-se mais complexo.
Embora a ditadura tivesse o seu fim decretado, em Mato Grosso ainda se vivia os resquícios
autoritários de poder. A crescente denúncias de trabalho escravo na região e nos municípios
vizinhos foi apenas o começo de uma longa jornada de total desrespeito dos direitos
humanos, paralela às denúncias de violência policial.
Os motivos acima mencionados foram suficientes para que Dom Máximo desse
total apoio a um movimento contrário a toda e qualquer manifestação em defesa da vida. As
denúncias dos conflitos agrários no campo, a violência policial e a calamitosa situação de
pobreza extrapolaram os espaços eclesiais e sob o lema: Luta pela vida contra violência, foi
então fundado o Centro de Direitos Humanos “Dom Máximo Biennès” (CDHDMB) em
Cáceres, que se tornou uma ong com registro no cartório, somente 05 (cinco) anos depois.
Para entender o surgimento desse movimento Gohn (2005) explica que no final do
século XX, a criação das organizações não-governamentais (ONGS) vem atender uma
temática apreendida pela sociedade civil e segmentos políticos brasileiros: “direitos e
justiça social”. Segundo ela, o surgimento dos movimentos sociais e as diversas ongs
decorre das várias manifestações em favor do cumprimento dos Direitos Humanos,
Econômicos, Sociais e Políticos e Culturais, (DHESCS):
O desenvolvimento desses movimentos e ONG’S ajuda a unir os dois termos:
cultura e direitos e construir uma nova cultura política na sociedade, a partir da
redefinição de valores, símbolos e significados, num jogo de interação e
reciprocidade entre o instituído e o instituinte (p. 41).
Portanto, o CDH somava-se às inúmeras entidades e ongs que viveram na
“clandestinidade”
53
para desempenhar junto a Dom Máximo trabalhos favoráveis àqueles e
àquelas despossuídos(as) de seus direitos. Por outro lado, garantia as próprias vidas.
O espaço do CDH serviu de suporte para a criação de um local
54
que serviu de
referência para a averiguação de denúncias de violência policial, trabalho escravo nas
53
Temendo represália a equipe de voluntários vieram registrar em cartório a ong 05 (cinco) anos depois.
54
Com a autorização de Dom ximo a equipe de voluntários ganhou uma sala pertencente à diocese de
Cáceres, situada à avenida sete de setembro, para o funcionamento da entidade.
59
fazendas circunvizinhas, direitos trabalhistas não respeitados e também um local de fácil
acesso para reuniões com lideranças religiosas e articulação de mobilizações de massa.
De posse dos documentos da entidade relatório de atividades, ata de reuniões,
etc... percebemos que, com o passar do tempo, o CDHDMB foi fazendo um trabalho de
educação popular na tentativa de formar grupos dispostos a levar as questões dos direitos
humanos à frente. Por outro lado, havia ausência de associações, sindicatos, entidades que
pudessem resolver questões mais específicas de determinada categoria de trabalhadores/as.
Em meados dos anos 90, pode-se contabilizar a contribuição da entidade na criação
de vários sindicatos e frentes de luta, colaborando também para a formação de:
Sindicatos do setor público municipal de Cáceres e dos municípios
circunvizinhos;
Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e na luta pela terra, apoiando as
primeiras iniciativas de ocupação da terra;
Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil;
Sindicato dos Profissionais da Educação;
Realização de espaços de diálogos em conferências, encontros, reuniões na
tentativa de sensibilizar e fortalecer o debate acerca dos direitos humanos na
região da grande Cáceres;
E na década de 90:
Aproximação do Ministério Público local;
Parcerias e projetos com paróquias que possuíam o mesmo perfil;
Parceria em projetos a ser desenvolvidos em parceria com a UNEMAT;
Solicitação junto ao ministério público do pedido de exame de DNA da
guerrilheira Jane Vanini
55
;
Parceria na constituição da comissão responsável pela Carta da Terra em
MT;
55
Morta no Chile no governo do ex – presidente Augusto Pinochet.
60
Uma vez que as associações, sindicatos, e demais entidades foram assumindo o
papel na sociedade, o CDH foi também mudando seu foco de atuação. Concomitante às
exigências decorridas das agências financiadoras, a entidade passou a conviver com os
conflitos internos de tendências de pensamentos. Os militantes associados a entidade
sofrem até hoje as fortes “pressões” internacionais em relação à atuação desta entidade
junto à sociedade e aos demais segmentos organizados. Alegando que o país tem
conseguido construir mecanismos jurídicos que favorecem os direitos humanos, a exemplo,
à criação de espaços gratuitos de defesa o ministério público e as defensorias públicas
recomendam a realização de ações mais pontuais, e não continuar fazendo “ativismo”,
dificultando o alcance os resultados nas atividades propostas.
O relatório de atividades que compreende o primeiro semestre de 2003 informa que
a entidade, após dois anos sem perspectiva de aprovação de projetos
56
, conseguiu aprovar
um projeto trienal com Misereor
57
. O projeto denominado Cidadania e Igualdade para os
Direitos Humanos propôs 03 (três) linhas de atuação, a saber: a) Educação Para os
Direitos Humanos, direcionado a professores da rede municipal e estadual de Cáceres e
municípios vizinhos; b) Raça e igualdade de nero, que tem como objetivo formar um
grupo de pessoas (professores, militantes e pessoas não engajadas a qualquer movimento)
sensibilizadas para essa temática e, ao final do projeto, a criação de um fórum de mulheres
com a participação de vários municípios
58
onde o projeto atuava; c) Políticas públicas, esta
linha tem como objetivo a capacitação de conselheiros e agentes comunitários;
Com a criação do Fórum de Lutas das Entidades de Cáceres (FLEC) no ano de
2000, não somente o CDH como as demais entidades, não perdiam sua atuação específica
e, ao mesmo tempo, consolidavam um espaço onde as lutas se tornavam comuns.
56
Nesse período os membros da Sociedade de Promoção dos Direitos Humanos (SPDH), reuniram-se para
discutir a linha de atuação da entidade. Havia divergência de pensamentos em relação às exigências
internacionais, embora, o financiamento contribuísse para que o CDH continuasse a desenvolver suas
atividades junto aos demais movimentos populares.
57
Entidade financiadora com sede na Alemanha.
58
Rio Branco, Mirassol D’Oeste, São José dos Quatro Marcos; Araputanga, Porto Esperidião, Salto do Céu;
Lambari D’Oeste e Cáceres.
61
2.3.1 - “Redes” à margem do Rio Paraguai: a trama dos movimentos sociais
O surgimento do FLEC justifica-se após as mobilizações realizadas por diversas
59
entidades, ongs, associações, setores da igreja católica para a efetivação de uma Associação
de Rádios Livre Comunitária de Cáceres (ARLICA). A tentativa de manter uma rádio
alternativa em poder das entidades gerou a revolta dos empresários que detêm o monopólio
de radiodifusão no município.
Ao completar três dias de funcionamento, militantes e lideranças foram
surpreendidos por policiais da Polícia Federal (PF), compreendendo se tratar de ato ilegal.
Ao tomar conhecimento da rádio em poder dos diversos movimentos organizados
efetuaram a captura do transmissor e a prisão de Dimas Santana Souza Neves, ativista dos
direitos humanos, juntamente com Édna Luzia Sampaio, na época presidente da Associação
dos Docentes da Universidade do Estado de Mato Grosso (ADUNEMAT), ambos se
encontravam no local. Foi aberto um processo judicial em nome de Dimas e Edna, gerando
um desgaste político e financeiro às entidades envolvidas e aos 02 (dois) militantes
envolvidos.
Por outro lado, a prisão de ambos os militantes causou uma revolta de todas as
organizações que se empenharam em concretizar o sonho de possuir um veículo de
comunicação social alternativo, conseguiu congregar forças de todas os segmentos
organizados de Cáceres e municípios vizinhos onde havia iniciativas parecidas. As
dificuldades enfrentadas ocasionaram um certo amadurecimento para a criação do FLEC.
Na tentativa de evitar sanções, como as que ocorreram na implantação da rádio
comunitária, a proposta era formar uma organização com personalidade jurídica coletiva,
para no caso de alguma situação de represália, as entidades responderem por tal ação.
Com o passar dos anos, o FLEC construiu uma sistemática de organização que
contemplava a criação de Grupos de Trabalhos (GTS), com as seguintes temáticas: gênero,
questões agrárias, questões culturais e ambientais, conselhos, criança e adolescente, e
59
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Sindicato dos Profissionais da
Educação (SINTEP), Centro de Direitos Humanos “Dom Máximo Biennès(CDHDMB), Paróquia Cristo
Trabalhador (PCT), Paróquia Santíssima Trindade (PST), Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR),
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Associação dos Docentes da Universidade do
Estado de Mato Grosso (ADUNEMAT), Associação Popular de Cultura de Cáceres (APCUCA), GAIA.
62
comunicação social. Paralelo a essa sistemática de trabalho foi proposto também a
comemoração das datas sociais, como dia da mulher, de maio, Dia do Rio Paraguai
60
, dia
da consciência negra, dia mundial dos direitos humanos, etc... As entidades optaram por
datas conforme a sua linha de atuação.
2.4 - A parceria firmada com o CDH “Dom Máximo Biennès”
Como mencionado anteriormente, a dinâmica do FLEC em relação às datas sociais
comumente organizadas pelos movimentos sociais de Cáceres não foi difícil para a equipe
executiva do CDHDMB, que optou pela comemoração do 20 de novembro e demais datas
mencionadas, uma vez que a entidade já realizava algumas manifestações em comemoração
à referida data desde 1998. As manifestações a que me refiro não eram somente de caráter
festivo. Pretendia-se nesses momentos realizar atividades com temáticas específicas e
posteriormente a valorização de grupos culturais locais que, na maioria das vezes,
encerravam o evento com apresentações culturais alusivas ao povo negro.
Além das referidas datas, não poderia deixar de registrar a contribuição que o CDH
tem oferecido às várias lutas e manifestações populares. Como fora mencionado
anteriormente, desde o ano de 1998, a entidade já considerava o 20 de novembro como uma
data importante de conscientização, concomitante à garantia de outros espaços
61
considerados importantes instrumento pedagógico na luta de direitos da população negra.
Em finais de 2001, após a Conferência Mundial contra o Racismo em Durban, a
Entidade começou a se inteirar mais sobre as decisões emanadas deste evento mundial
considerado um marco, ante os direitos humanos. Desde então, a equipe executiva foi
solicitada por professores da rede municipal e estadual e pela universidade, à discorrer
sobre uma questão que se mostrava, a princípio, muito contestada, as políticas de ação
afirmativa.
60
O dia do Rio Paraguai é comemorado em 14 de novembro de 2002, dada às manifestações contrárias à
implantação da hidrovia Paraguai-Paraná. A mobilização foi encabeçada por empresários da rede hoteleira e
depois assumida efetivamente pelos militantes do GT Meio Ambiente. A mobilização contou com a
participação de Gilney Vianna que na época exercia o mandato de Deputado Estadual. Este por sua vez
impetrou um projeto de Lei que garantiu a referida data em defesa do Dia do Rio Paraguai.
61
Esses espaços se referem à realização de seminários, conferências, palestras, entre outros.
63
Em 2002, em comemoração ao dia 20 de novembro a entidade ao lado do GT
Gênero
62
, Paróquia Santíssima Trindade, Fórum de Lutas das Entidades de Cáceres
(FLEC), e do GRUCON/ de Cáceres, realizaram um seminário intitulado Por Um Futuro
Negro”, com vistas a debater as políticas de ação afirmativas nas universidades brasileiras.
O tema foi explanado pela profª Ângela Maria dos Santos
63
, professora da rede estadual de
ensino. Na época atuava na entidade, como educadora popular.
Paralelo às atividades do 20 de Novembro, ao longo dos anos, a equipe executiva do
CDH, na época composta por Benedita, Ângela, eu e Alonso, veio tentando nuclear um
grupo de pessoas que se interessasse por questões acerca do negro, em Cáceres.
Acreditávamos ser importante por dois motivos. Primeiro, a necessidade que o debate
extrapolasse as instâncias da entidade, e segundo, para que se firmasse um grupo autônomo
e permanente disposto a debater o assunto para além das comemorações do 20 de
novembro. A partir de então várias pessoas se mostraram interessadas. Assim, conseguimos
arregimentar: desde lideranças comunitárias até professores universitários.
Em 2003, o “Grupo Consciência Negra” em parceria com o CDH realizou um
seminário, desta vez com duração de um mês, antecedendo as comemorações do 20 de
novembro. O calendário de atividades contemplou palestras e visitas às escolas com
mostras de filmes. E para finalizar as atividades do 20 de novembro, promoveram um show
musical e artístico com a participação de cantores e artistas negros, bem como,
simpatizantes da luta negra.
O “corolário” de lutas e mobilizações sociais em ceres foi fundamental para a
aproximação de militantes e simpatizantes
64
à causa da população negra aos diversos
movimentos organizados. Na tentativa de compreender tal fenômeno tomamos por base a
afirmação de Gohn (1997) que demonstra a importância dos movimentos sociais na
conquista efetiva de direitos, nas diversas esferas de poder. Segundo ela os movimentos
sociais:
(...) geram uma série de inovações nas esferas pública (estatal e não-estatal) e
privada; participam direta ou indiretamente da luta política de um país, e
62
Um Grupo de Trabalho ligado ao FLEC responsável pela realização de seminários e atividades acerca da
temática gênero no interior das demais entidades ligadas ao fórum.
63
Aluna do mestrado em Educação se dedica a estudar as “Relações Raciais no cotidiano escolar.”
64
Que vão desde lideranças comunitárias a professores universitários.
64
contribuem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade civil e
política. Estas contribuições são observadas quando se realizam análises de
períodos de média ou longa duração histórica, nos quais se observam os ciclos
de protestos delineados (p. 251 e 252).
Assim, poderemos entender a maneira acelerada como ocorreu o processo de
implantação das reservas de vagas na UNEMAT, bem como a criação de projetos de cunho
afirmativo. Em princípio contextualizaremos o percurso dos trâmites legais, para
posteriormente adentrarmos em questões mais específicas que dizem respeito aos
movimentos sociais em Cáceres.
Nesse sentido, ao retornar do mestrado, o prof. Paulo Alberto
65
fortaleceu a
interlocução junto à equipe dos CDH e o Grupo de Consciência Negra, concomitante à
ampliação de uma parceria adjacente ao NEPRE. No caminho das discussões atinentes à
temática, perceberemos que mesmo exposto a críticas, o caminho foi se solidificando
cotidianamente favorável para o encaminhamento de propostas no interior da UNEMAT.
Ao constituir a Comissão para a Elaboração do Programa Cores e Saberes (CEPICS),
o prof. Paulo Alberto convidou o CDH para ocupar dois assentos na comissão juntamente
com outros segmentos da UNEMAT. A comissão programou uma agenda de atividades
com ciclos de palestras e estudos internos, a fim de sensibilizar e instrumentalizar os
componentes que estariam tendo o primeiro contato com o assunto.
Paralelo às atividades da CEPICS, procurou desenvolver ações outras que
contribuíssem para maior visibilidade da temática. Assim sendo, após tomar conhecimento
do edital para a apresentação de projetos de extensão com duração de 01 ano, lançado pela
Pró-reitoria de Extensão e Cultura (PROEC), elaborou um projeto que contemplava a
aquisição de bolsas de estudo em um curso preparatório em andamento para o
“vestibular”, a fim de contemplar aqueles e aquelas que se autodeclarassem negros.
Segundo o prof. Paulo Alberto, o nome do projeto: Por um futuro negro: Cor,
Cidadania e Inclusão no Ensino Superior em Mato Grosso decorreu da realização de um
seminário promovido pelo CDH no ano de 2002, em parceria com as entidades filiadas ao
FLEC cuja denominação era Por um futuro negro. Explicou que achou o título bastante
65
Professor da Unemat.
65
sugestivo para nomear o projeto pré-vestibular, que apresentaria na Pró-reitoria de Extensão
e Cultura (PROEC).
Segundo o que consta o projeto versava sobre os seguintes objetivos:
Engendrar espaços de diálogos e debates que amadureçam a discussão sobre a
formulação de políticas afirmativas específicas para a população negra no que se
refere ao acesso e permanência desta no ensino superior, estabelecendo o
Concurso Vestibular UNEMAT 2005/1 como o que incorporará em seu Edital a
adoção das cotas por curso de graduação para estudantes que se autodeclarem
negros, ao mesmo tempo em que contribua para a instituição e consolidação do
Programa Institucional Cores e Saberes.
Primeiramente pensou-se em 20 vagas. Entretanto, na redação final a proposta passou
a garantir 40 vagas
66
para os candidatos que se autodeclarassem negros e que tivessem
concluído o ensino médio em quaisquer modalidades. A princípio também se pensou
oferecer aulas nos moldes que vem ocorrendo com experiências semelhantes no restante do
Brasil, de caráter comunitário e com a participação de professores voluntários. Entretanto,
isso não foi possível, explica o prof. Paulo Alberto, devido o curto espaço de tempo que os
organizadores teriam para convocar profissionais que pudessem se dispor a tal atividade.
Desse modo, o projeto previu a oferta de uma bolsa integral com direito a participação em
curso pré-vestibular já existente na cidade. Trata-se do curso pré-vestibular Solução
67
.
2.5 – Mobilização das entidades
A aprovação do projeto mobilizou representantes de vários segmentos do município
de Cáceres, além da equipe executiva do CDH, professores ligados ao Centro de Formação
para Professores (CEFAPRO), do Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública
(SINTEP) e componentes da própria CEPICS. Estes participaram desde a elaboração dos
critérios para a entrevista até a seleção dos candidatos.
Antes que se chegasse a esse grupo reduzido, faz-se necessário informar que uma das
entidades parceiras que assumiram o projeto junto a CEPICS, desde a sua gênese foi o
66
20 Vagas atenderiam aos servidores/as da UNEMAT que não ainda possuíssem o ensino superior e as
demais vagas seriam destinadas à comunidade externa.
67
Coordenado pelo prof. Jober José Barreto de Oliveira.
66
Centro de Direitos Humanos “Dom Máximo Biennès” (CDHDMB). Em entrevista cedida,
Maria Aparecida Rodrigues Alves e Juraci Messias
68
, relataram que a equipe executiva do
CDH foi procurada pelo prof. Paulo Alberto que, após explanar o projeto pré-vestibular,
convidou a entidade para ser parceira. A entidade aceitou, e firmou parceria para a seleção
dos bolsistas como também assumiu o papel de articuladora das demais entidades.
O CDH realizou os contatos através de ofícios às entidades que possuísse alguma
afinidade com a temática “Educação” e conseqüentemente considerassem importante ações
que beneficiassem a população negra. Foram então convidadas as seguintes entidades:
Centro Educacional de Formação e Aperfeiçoamento Profissional (CEFAPRO), Comissão
Para a Elaboração do Programa Cores e Saberes (CEPICS), Escola Estadual de e
Graus “Rodrigues Fontes”, Escola Municipal de 1º Grau “Isabel Campos”, Escola Estadual
de e Graus “Onze de Março”, Paróquia Cristo Trabalhador (PCT), Sindicato dos
Trabalhadores e Profissionais da Educação (SINTEP), Grupo de Consciência Negra de
Cáceres (GRUCON), Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC), Projeto Bases/
UNEMAT, Paróquia Santíssima Trindade (PST), Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educacional (FASE).
Segundo Juraci e Maria Aparecida das entidades acima mencionadas as que firmaram
a parceria com o projeto formam: o CDH, CEFAPRO e o SINTEP. Essas entidades ficaram
responsáveis pela convocação das reuniões subseqüentes até o período a seleção dos
bolsistas.
A primeira reunião deste grupo de entidades ocorreu em 19/07/04, com a seguinte
pauta: explanação do projeto e discussão dos critérios de seleção dos candidatos
69
. Juraci
Messias relatou-me que no primeiro encontro o prof. Paulo Aberto, após explanar sobre o
projeto deixou a equipe bem a vontade para realizar as mudanças necessárias, porém, pediu
que o nome do projeto permanecesse o mesmo. Partiu da comissão o pedido de alteração
dos critérios de seleção, pois além de aceitar candidatos/as que autodeclarassem negros, que
pudesse reavaliar a participação daqueles/as denominado, “bugre” e indígena. A defesa
68
Fazem parte da equipe executiva do Centro de Direitos Humanos “Dom Máximo Biennès” e também
fizeram parte da comissão juntamente com Benedita da Guia Ferreira Mendes, que acompanhou o processo de
seleção dos candidatos à bolsa para o projeto pré-vestibular Por um Futuro Negro: Cor, Cidadania e Inclusão
ao Ensino Superior em Mato Grosso.
69
Apensados ao final do trabalho.
67
partiu do prof. Marcos Pagel
70
representante do CEFAPRO. O prof. justificou sua proposta
baseada na forte presença de ambos os grupos no município de Cáceres e, sobretudo por ser
um município país que faz fronteira com a Bolívia. Neste sentido defendia a inclusão
dessas 02 (duas) categorias no critério de seleção.
A proposta não houve objeção alguma, pelo contrário a maioria dos presentes
endossou a opinião do prof. Marcos Pagel permanecendo os seguintes critérios: negro
(preto+pardo), “bugre” e indígena.
No que tange a inclusão do critério defendido pelo prof. Marcos Pagel, informamos
que ao consultar o dicionário verificaremos que o termo bugre nos remeterá a significados
pejorativos e estereotipados. Mesmo, não havendo pesquisas que aprofunde essa questão, o
fato é que o termo, de um modo geral, não tem boa aceitação por indivíduos residem no
município de Cáceres e Porto Esperidião
71
e que possuem essas características. Em
conversa com Juraci e Maria Aparecida, ambas comentaram sobre a adesão ao termo bugre,
fornecendo-me dois ponto levantados anteriormente pelo prof. Marcos Pagel, porém,
acrescentaram um terceiro, o de contraposição ao uso estereotipado pré-existente. A
inclusão da categoria bugre funcionaria como uma opção a mais para aqueles/as que não se
autodeclarassem indígena. Para compreendermos melhor o uso ou o termo bugre
buscamos em Januário (2004) e Santos (2005) saber das implicações, bem como do
posicionamento de ambos os pesquisadores.
Januário (2004)
72
não considera relevante a designação “bugre”. Segundo ele, o termo
cumpre o papel de substituir a denominação aos “descendentes de índios”. Afirma ainda
que, o uso da nomenclatura “vai silenciar a identidade indígena dos remanescentes de
Chiquitano, Guató e Bororo, que vivem na fronteira, forjando uma identidade genérica e
estereotipada, negando as suas diferenças étnico-culturais” (p. 35). A não aceitação ao
termo passa, portanto, a existir, durante a sua pesquisa de doutorado realizada em 04
70
Prof. da rede estadual e do departamento de Geografia da UNEMAT.
71
Em atividade do CDH Benedita da Guia F. Mendes e Alonso Batista dos Santos quando em visita neste
município foram surpreendidos ao saber que os moradores daquela localidade, com fortes traços indígenas são
autodenominados pela população branca, de bugres. Relegados a mão-de-obra barata, são rotulados pelos
comerciantes de preguiçosos. E, na oportunidade um comerciante comentava: “esse povo é a bom pra
trabalhar, mas não podem voltar para o bugreiro, se não eles não retornam mais para o trabalho”. O termo
bugreiro a que se referiu trata-se de famílias com ascendência Chiquitana que moram em comunidades nos
arredores da cidade.
72
Cf. Januário. Elias Renato da Silva. Caminhos da Fronteira: educação e diversidade em escolas da fronteira
Brasil – Bolívia (Cáceres/MT). – Cáceres: UNEMAT Editora, 2004.
68
(quatro) escolas municipais, situadas na faixa de fronteira (Brasil – Bolívia). O pesquisador,
explica que passou a ter esse entendimento após perceber que o termo causava incômodo e
desconforto aos descendentes do povo Chiquitano daquela localidade.
Em estudo realizado por Santos
73
, intitulado
Vozes e silêncio do cotidiano escolar:
Análise das relações raciais entre alunos negros e não-negros em duas escolas públicas do
município de Cáceres (2005), a pesquisadora constatou que entre os sujeitos de sua
pesquisa
74
ocorreu o oposto, em relação ao uso da denominação bugre. Houve por parte
deles uma maior aceitação se comparada ao termo “indígena”.
Santos (op. cit) pondera que para se saber ao certo dos sentimentos e significações
que o termo oferece aos descendentes de indígenas, seria necessário ampliar e aprofundar o
universo da pesquisa, uma vez que os sujeitos por ela investigados é reduzido, se
comparado, à população residente em Cáceres e no seu entorno. No entanto, avalia a
aceitação ao termo, como uma re-significação a nomenclatura usual quando indagados
sobre a preferência de denominação racial. Lembra ainda se tratar de um tema a ser
aprofundado, sobretudo porque mobiliza a re-significação positiva para a afirmação da
identidade.
A partir das indagações feitas pelo prof. Marcos Pagel, a comissão, portanto entendeu
ser de extrema relevância a inclusão de ambos os termos nos critérios de seleção para a
aquisição da bolsa de estudo no projeto pré-vestibular. Segundo Juraci, após ter esse ponto
em comum acordo, a equipe se organizou de forma a construir um plano de ação com as
seguintes atividades:
27/07/04 – Reunião de trabalho para discussão final dos critérios de seleção;
30/07/04 – Divulgação do projeto nas rádios da cidade;
10 a 13/08/04 Sistematização dos critérios e divisão das entidades parceiras
para a divulgação das inscrições;
27/08/04 – Divulgação dos resultados da seleção;
30 a 31 Reunião com os selecionados e apresentação da programação do
mês de setembro e outubro;
73
Professora da rede estadual de ensino e pesquisadora do NEPRE.
74
Composto por crianças, jovens e adolescentes de 8 a 17 anos.
69
11/09/04 – Início das aulas;
09/10/04 – Encerramento das aulas;
Segundo Maria Aparecida e Juraci, o edital de convocação foi afixado em diversos
pontos
75
da cidade contendo a definição critérios abaixo descritos:
Autodeclaração da cor/: negro, bugre e indígena;
Residente na área geo-educacional do Campus Universitário de Cáceres;
Condição socioeconômica;
Período de conclusão do ensino médio;
Segundo prof. Paulo Alberto, além da entrevista os candidatos à bolsa foram
submetidos à produção de um texto, abordando a sua opinião em relação as expectativas
profissionais.
No que se refere às impressões sobre o processo de seleção a equipe executiva do
CDH informou que os candidatos demonstraram muito interesse em participar do cursinho
pré-vestibular oferecido pela UNEMAT, sobretudo, pelo fato de o mesmo ser gratuito.
Informaram também que a maioria não tinha conhecimento sobre as cotas ou ações
afirmativas destinadas à população negra.
Mobilizados pela proposta do pré-vestibular para negros, bugres e indígenas, os
movimentos sociais do município de Cáceres, monstraram-se receptivos, solidários e
comprometidos com a causa em questão. Vale dizer que os instrumentos que a universidade
e os movimentos possuem são diferenciados para a concretização de ações que venham
beneficiar a população. Entretanto, quando os interesses são comuns e em conformidade
com a articulação de ambas as partes para o trabalho em “redes”, o retorno será mais rápido
e os resultados são mais sólidos.
A parceria e o intercâmbio entre as instituições de ensino superior demonstraram
nesta pesquisa ser de extrema importância. Como pôde ser conferido, a temática das
relações raciais não é ainda benquista na academia como um todo. As propostas que visam
à discriminação positiva, bem como a criação dos NEABS, deve-se à militância de
75
Supermercados, os murais da UNEMAT, Bancos, Agências de Correio, Casas Lotéricas, Paróquias, escolas
e principalmente na sede das entidades parceiras.
70
profissionais comprometidos com os preceitos de uma cidadania para os “diferentes”
inseridos na totalidade. Prova disso é a não aplicação de um projeto de reservas de vagas na
UFMT e em grande maioria das universidades federais. Não basta, pois, somente o esforço
incansável dos núcleos de pesquisas é preciso que, a decisão de implantar tais medidas seja
encampada, sobretudo pelos reitores dessas universidades. Do contrário corre-se o risco de
que, ações pontuais sejam exploradas politicamente, ainda que, não se mexa na estrutura.
No capítulo III mostraremos os caminhos percorridos para a construção do objeto de
pesquisa, os procedimentos empregados nesta pesquisa. Apresentaremos ainda, os dados
obtidos com a aplicação do questionário elaborado pela pesquisadora e o questionário
elaborado pelo prof. Paulo e as entidades parceiras, juntamente com o resultado apreendido
com a realização da dinâmica de grupo focal.
71
CAPÍTULO III
À CONSTRUÇÃO DO OBJETO
Por que é que quando
se refere ao negro,
sempre se refere a coisas
ruins e não boas?
(Orlandina)
A criação de um projeto cujo objetivo era a promoção da cidadania daqueles(as) que,
por motivos determinantes, não puderam continuar os estudos proporcionou a participação
destes(as) em um projeto de ação afirmativa, o Por um futuro negro: Cor, Inclusão e
Cidadania no Ensino Superior em Mato Grosso. A propositura do projeto fez com que o
adiamento de um sonho que parecia estar bem distante fosse reavivado, o de poder cursar
uma universidade pública ou particular.
Além disso, a proposta viabilizou a realização de sonhos e projetos outros. A decisão
de investigar as políticas de ação afirmativa foi sendo amadurecida mesmo antes de pensar
na possibilidade de fazer o mestrado, conforme consta na parte introdutória deste trabalho.
A escassez de estudos acerca das políticas afirmativas em nosso Estado serviu
também de elemento motivador na concentração de esforços para se obter o diagnóstico da
trajetória de vida de jovens negros e adultos ligados a uma proposta de acesso ao ensino
superior em Mato Grosso.
Fora do Estado buscamos referência em trabalhos de pesquisadores (as) que têm
dedicado parte de suas vidas à temática mencionada. O caminho percorrido por estes(as)
prioriza primeiramente a compreensão do preconceito para com a população negra, nas
diversas dimensões, dentre as quais: social, política, econômica e cultural. De posse dos
dados, concentram o foco da pesquisa no ensino superior, considerado ser um dos últimos
estágios onde as desigualdades raciais têm operado fortemente.
Em Hasenbalg (1979, 1998, 1999), Oliveira (1999), Casassus (2002), Cavalleiro
(2000), Jaccoud e Beghin (2002), foram constatados dados atinentes às desigualdades
sociais e raciais operantes na sociedade brasileira, bem como a sua materialização nas
relações sociais, especialmente sobre as que se desenvolvem no espaço escolar. Dos autores
72
que tratam do conceito das políticas afirmativas, mencionamos Rocha (1996), Guimarães
(1997), D’Adesky (1998), Gomes (2001), Silva (2002), Silvério (2002), Siss (2003). E,
para aludir, ao debate e à implantação de tais medidas no ensino superior citamos Carvalho
(2003), Guimarães (2003), Queiroz (2003, 2004), Santos (2003) e Silva (2003).
Em se tratando de estudos que contemplem as relações raciais em educação, em
Mato Grosso, pode-se afirmar que o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)
tem conseguido aglutinar um volume considerável de pesquisadores de tal feito, dentre as
quais mencionamos duas pesquisas que tratam do acesso e permanência no ensino superior.
A primeira delas é da pesquisa desenvolvida pela professora Tereza Josefa de Cruz dos
Santos (2003), intitulada: Trajetórias de professores universitários negros em Mato
Grosso.
A pesquisa em questão buscou investigar, a partir de experiências difíceis, as
trajetórias de vida de sujeitos negros e o processo desde a sua formação escolar até a sua
fase adulta, quando, então, na posição de professor de nível superior. O resultado da
pesquisa evidenciou que no percurso de suas vidas até chegar à posição almejada, estes
tiveram de superar dificuldades de ordem social e racial latentes numa sociedade onde a
“cor” passa a ser uma “marca” extremamente negativa aos negros.
A segunda pesquisa denominada Cor e Ensino Superior: Trajetórias e o Sucesso
Escolar de Universitários Negros na UFMT realizada por Andréia Maria da Cruz Oliveira
Amorim, em 2004. A pesquisadora investigou a trajetória de vida e escolar dos alunos
negros dos cursos de Geografia e Serviço Social da UFMT, pautada em referenciais
teóricos que consagram questões atinentes ao negro na educação brasileira.
Através da pesquisa pode-se comprovar que, embora passem por experiências difíceis
e constrangedoras dentro do espaço escolar, este demonstra ser uma das principais vias de
mobilidade social ascendente para a população negra.
Dentre os aspectos comuns de ambas as pesquisas, um, que a meu ver, demonstra ser
fundamental para compreendermos por parte dos negros, a não desistência dos objetivos
que se pretende alcançar. Trata-se das “redes” de apoio que estes constroem ao longo de
suas vidas, podendo ser compostas pela família, parentes, amigos e professores.
Assim sendo, pretendemos neste capítulo discorrer sobre os procedimentos
empregados na pesquisa, e realizar uma discussão teórica acerca da opção pelo termo
73
“raça” e a denominação da “cor” dos sujeitos. Apresentaremos os resultados do perfil dos
40 bolsistas do curso pré-vestibular extraído dos questionários com perguntas fechadas e
abertas e, por último, os resultados da técnica de grupo focal, que contou com a
participação de 20 bolsistas.
3.1 – Sujeitos da pesquisa e procedimentos empregados
Em aproximadamente 28 dias o projeto Por um futuro negro: Cor, Inclusão e
Cidadania no Ensino Superior em Mato Grosso proporcionou a nucleação de 40 jovens e
adultos negros, “bugres” e indígenas em um curso pré-vestibular, visando ao acesso destes
à universidade. Se pensarmos apenas sob o ponto de vista da produção final, chegaremos à
conclusão que 28 dias é tempo exíguo para se preparar, se comparado àqueles e àquelas que
meses estão se preparando, efetivamente, para enfrentar o vestibular. Contudo, não
hesitaria em afirmar que os 28 dias foram satisfatórios para despertar nos bolsistas o desejo
de um sonho, o de entrar na universidade, não importando sequer o curso, mas, de poder
decidir prosseguir os estudos e, conseqüentemente, a realização de um projeto pessoal que
possibilita melhorias de vida.
Dessa maneira, por meio das trajetórias de vida e escolar dos sujeitos desta pesquisa,
buscou-se compreender as causas que corroboram a ausência deste segmento populacional
na educação superior. Pretendeu-se também averiguar em suas trajetórias dados que
evidenciassem situações de ordem emocional e material, podendo estar ou não relacionadas
ao fenômeno dectado, a fim de averiguar quais sentimentos essas tensões têm provocado
em suas vidas.
A fase para a coleta dos dados compreendeu o período da terceira semana de
outubro/04 ao final de fevereiro/05. Para tanto, buscou-se empregar os seguintes
procedimentos:
1) Questionário com perguntas fechadas e abertas;
2) Dinâmica de Grupo Focal;
3) Relatos de histórias de vida,
74
Com vistas a conhecer o perfil étnico-racial dos candidatos contemplados com a bolsa
de estudo, o primeiro procedimento utilizado foi o questionário com perguntas fechadas,
contendo uma página. A aplicação deste, teve como objetivo obter um perfil dos 40
bolsistas relativos aos seguintes aspectos:
a) Dados pessoais;
b) Identificação racial;
c) Dados escolares;
d) Pretensão profissional;
e) Dados socioeconômicos;
A Dinâmica de Grupo Focal foi empregada em um universo empírico mais reduzido,
totalizando 20 pessoas. Para facilitar o trabalho dividiu-se em três grupos, sendo 02
compostos por 07 pessoas e 01 composto por 06 pessoas. A dinâmica funciona da seguinte
maneira: antes de começar a conversa em grupo, o(a) pesquisador(a) escolhe 02 pessoas
que desempenharão o papel de observadoras. Em seguida prepara-se dois gravadores, que
serão colocados em duas extremidades do local. E, por fim, o pesquisador elenca os pontos
que quer abordar, contudo, antes de iniciar explica aos sujeitos do que se trata, para que
servirão os dados obtidos.
Seguindo os critérios acima mencionados, foram elencados os seguintes pontos para
realizar a dinâmica de grupo focal:
a) Como ficaram sabendo do projeto?
b) Quais as impressões que tiveram e o que representou em suas vidas?
c) Quais eram os projetos de vida?
Para Gaskell (2003) a técnica de grupo focal é um dos métodos bastante utilizado para
coleta de dados em pesquisas qualitativas nas áreas de ciências sociais. Segundo ele trata-se
de:
(...) uma metodologia de coleta de dados amplamente empregada. Ela é, como
escreveu Robert Farr (1982), essencialmente uma técnica, ou método para
estabelecer ou descobrir que existem perspectivas, ou pontos de vista sobre os
fatos, além daqueles da pessoa que inicia a entrevista (p. 65).
75
Gatti (2005) informa que o emprego da técnica de grupo focal parte do pressuposto de
que os participantes tenham familiaridade com o tema que se propõe discutir, “de tal modo
que sua participação possa trazer elementos ancorados em suas experiências cotidianas” (p.
7).
Kitzinger (1994) define a técnica de grupo focal como uma atividade coletiva com um
grupo “focalizado”. Complementa, ainda, tratar-se de uma cnica de pesquisa previamente
selecionada pelo pesquisador, com vistas a lhe fornecer informações suficientes sobre seu
objeto de pesquisa, a partir da “experiência pessoal”.
Ao ouvir atentamente as narrativas extraídas do grupo focal, pôde-se, a partir de
então, selecionar vozes de sujeitos que pudessem fornecer subsídios pertinentes a serem
aprofundados nas entrevistas individuais, visando conhecer de maneira mais detalhada sua
história de vida.
Minayo (1992) contribuiu para que atentássemos às diversas experiências de vida re-
significadas nas vozes dos depoentes. Para que houvesse um mergulho nas vivências
partilhadas por cada depoente, seguimos a orientação da pesquisadora. Ela aconselha que a
entrevista seja prolongada, para que possa haver uma interação entre o pesquisador e o
depoente.
As entrevistas foram dividas em três etapas. A primeira etapa versou sobre duas
perguntas: 1) Conte-me a sua trajetória de vida; 2) O que a sua trajetória de vida significa
pra você?
Com esses dois questionamentos percebeu-se que os depoentes ficaram bem à
vontade para falar. Esta afirmação pôde ser verificada em função do tempo de duração dos
depoimentos, que levaram entre 01 a 03 horas de duração. A medida em que contavam os
acontecimentos marcantes, a memória colaborava, liberando lembranças e vivências de um
passado recente.
Após transcrever a entrevista cedida pelos 04 (quatro) sujeitos da pesquisa. O passo
seguinte foi um tanto desafiador, tanto para a pesquisadora, quanto para o orientador, pois
se tratava de levantar os pontos comuns das narrativas de cada depoente, bem como
considerar questões relevantes para um melhor aprofundamento, desta vez em uma segunda
seção de entrevista. As questões levantadas foram as seguintes: a) Lembranças da infância;
b) Trajetória escolar; c) Questão sócio-econômica; d) Religião; e) Relações no trabalho; f)
76
O saber (amadurecimento como pessoa); g) Momentos difíceis: h) Um sonho; i) Projeto de
vida; j) A percepção do racismo no cotidiano; l) Expectativas sobre o ingresso na
universidade;
Após o primeiro, segundo e terceiro encontro formávamos gradativamente, um
mosaico de histórias de vidas repletos de informações extremamente preciosas. Os
momentos de alegrias ou tristezas, as dificuldades, a condição socioeconômica e as
lembranças de infância foram emergindo do silêncio e do anonimato. Notava-se também
que os relatos de histórias de vida eram muito parecidos em se tratando de pessoas que
foram unidas pelo mesmo objetivo, uma vaga na universidade. E somente depois de posse
dos dados transcritos pudemos, então, adotar a metodologia de pesquisa, o Estudo de Caso.
Becker (1999) considera o “Estudo de Caso” a metodologia de pesquisa que privilegia
um diagnóstico minucioso de um fato individual. De tal modo, que “o caso a ser estudado
em ciências sociais é tipicamente não o de um indivíduo, mas sim de uma organização ou
comunidade” (p. 117). Afirma que a metodologia possui algumas finalidades, tais como:
a) Conhecer os membros de um determinado grupo;
b) Conhecer as modalidades de interação social recorrente e constante;
c) Saber como os componentes do grupo se relacionam entre si e como é a relação
do grupo com o restante do mundo.
Uma segunda questão municionada por Becker
configura-se em “desenvolver declarações
teóricas mais gerais sobre regularidades do
processo e estrutura social” (p.118).
Assim sendo, para a aplicação da metodologia de estudo de caso foram selecionados
04 sujeitos, obedecendo aos critérios abaixo relacionados:
a) Cor da pele;
b) Bolsistas que apresentassem idade avançada;
c) Bolsistas que conseguiram ser aprovados em dois tipos de instituição de ensino
superior, pública e particular;
d) Bolsistas que não conseguiram ser aprovados.
Segue abaixo a relação dos sujeitos selecionados para o emprego da metodologia do
estudo de caso, conforme os critérios apontados pela pesquisdora:
77
Tabela 3
Relação dos sujeitos selecionados para aplicação do estudo de caso segundo a cor, idade e
estado civil
Nome Autodeclara IBGE Idade Estado Civil
Esmeraldo Negro Não dec. 36 anos Casado
Josimar Negro Preta 26 anos Solteiro
Orlandina Negra Parda 40 anos Casada
Maria Rosalina Negra Parda 40 anos Casada
Tabela 4
Relação dos sujeitos selecionados para aplicação do estudo segundo dados escolares que dizem
respeito ao acesso ao ensino superior
Nome Instituição de E.S. em
que efetuou inscrição
Aprovação Instituição Curso
Esmeraldo Pública Sim Pública História
Josimar Pública Não xxxxxx História
Orlandina Pública e Particular Sim Particular Pedagogia
Maria Rosalina Pública e Particular Sim Particular Pedagogia
3.2 – “Raça” e “Cor”: sentimentos que mobilizam sentidos
Após mais ou menos 01 hora e meia ouvindo atentamente os relatos de Orlandina
76
a entrevista chega ao fim. Era uma manhã bastante ensolarada e fazia muito calor. Era
também dia 08 de março, data em que se comemora no mundo todo, o dia da mulher. Em
Cáceres não seria diferente do restante do mundo, a Câmara de Vereadores promoveria uma
audiência pública organizada por Ongs e Entidades afins e Orlandina teria comentado que
talvez participasse do ato.
Ao me preparar para ir embora com o gravador na mochila, ainda conversávamos
sobre algumas questões relacionadas ao negro. Foi que ela me contou um fato bastante
interessante ocorrido em seu ambiente de trabalho. Na oportunidade, usava a bolsa
77
oferecida pela coordenação do projeto e uma colega lhe perguntou:
_ Você faz parte desse projeto, aí, Landa? Eu não entendi até agora, por que
esse nome “Por um Futuro Negro”, eu fiquei lendo e não entendi até agora.
Orlandina respondeu:
_ É por um futuro negro mesmo, é pra ter mais pessoas negras na sociedade...
Tem que ter mais pessoas negras sim e também se trata da participação do
negro. (risos). Em seguida, sua colega respondeu:
76
Uma das bolsistas selecionadas para a entrevista individual.
77
Que levava o nome do projeto pré-vestibular POR UM FUTURO NEGRO: Cor, Cidadania e Inclusão no
Ensino Superior em Mato Grosso.
78
_ Agora eu to entendendo. Eu não tinha entendido eu pensava que significava
um futuro ruim. Orlandina devolveu a resposta com um questionamento:
_ Por que é que quando se refere ao negro, sempre se refere a coisas ruins e
não boas? Então sua colega respondeu:
_ Porque a bandeira de paz é branca, e... (em seguida se pôs a refletir). Quem
disse que a paz é branca, não é?
Depois disso, sua colega se calou e ficou pensativa (Orlandina).
Não se procurou informar a idade da colega de Orlandina. Entretanto, mesmo que
possua mais de 30 anos de idade, este tempo é relativamente “ínfimo” se se considerar a
quantidade de trabalho a ser desenvolvido, de modo a desfazer o sentido pejorativo e
depreciativo não só do termo “negro/preto” como também da representação social atribuída
a este grupo racial ao longo dos anos.
Pode-se tomar este exemplo e compará-lo a tantos outros episódios que envolvem o
negro, cotidianamente. Pensou-se neste em especial, por se tratar de um diálogo entre duas
pessoas que se conhecem e dividem o mesmo espaço de trabalho. Por outro lado, acreditou-
se tratar de um “pré-texto” para elucidar os conceitos de “raça” e “cor”, bem como explicar
o uso destes termos na pesquisa.
Guimarães (1997), ao fazer referência aos termos raça e cor, acredita que no Brasil
haja um certo constrangimento em falar sobre esse assunto. Informa ainda que o termo cor
está ligado à questão racial reforçada pelo ideário de raça e aparência. O pensamento de
Guimarães pode ser facilmente verificado quando perguntado a alguém sobre a sua cor ou
como autodeclara, não se trata de uma tarefa simples. Ao deparar com perguntas dessa
natureza, logo questionam o porquê de querer saber a cor das pessoas, em um país onde se
vive a igualdade sob a égide religiosa e constitucional.
Verificaremos, portanto, que o contexto social e histórico contribuiu para que o
Brasil e outras nações atribuíssem características negativas ao termo “negro” e, ao mesmo
tempo, reservassem ao termo “branco” características positivas.
Segundo Cohen (1980) a diferenciação entre ambos os termos, “em todos os tempos
(...) sempre esteve revestida de valores negativos nas línguas indo-européias. É desta
maneira que em sânscrito, o branco simboliza a classe dos brâmanes, a mais elevada da
sociedade” (apud, Santos, 2002:45). Cohen fundamenta sua afirmação exemplificando o
conceito das duas palavras em outros idiomas:
79
Em grego, o negro recomenda uma mácula tanto moral quanto física; ele trai,
igualmente, os homens de intenções sinistras. Os romanos o somaram a este
vocábulo nenhum significado novo: para eles, o negro é signo de morte e de
corrupção enquanto o branco representa a vida à pureza. Os homens da Igreja, à
procura de chaves e símbolos que revelassem os sentidos ocultos da natureza,
fizeram do negro a representação do pecado e da maldição divina Cohen (apud,
Santos, 2002:45).
Se buscarmos o significado do termo “negro/preto” no dicionário de língua
portuguesa, chegaremos ao seguinte resultado:
1) Que ou aquele que tem pele escura e pertencente à raça negra; preto: homem
negro. 2) De cor bem escura como o carvão; preto: vestidos e véus negros. 3)
Sujo; encardido; preto: as crianças chegaram com os pés e mãos negros. 4)
Sombrio; adverso; preto: o dia hoje está negro; as coisas estão negras! 5) Sem
esperança: funesto: geração de futuro negro. 6) Calamitoso; mau, ruim; atroz:
aquele foi o dia mais negro da minha vida (Sacconi, 2001: 640).
o antônimo da palavra “negro/preto” é a cor branca, trazendo as seguintes
definições;
1) Da cor da neve. 2) de cor clara (em relação a outras, escuras, da mesma
espécie): pele branca; vinho suave. 3) Pálido; lívido: ficar branco de medo. 4) De
aço polido: arma branca. 5) Não rimado; solto: versos brancos. 6) Não premiado:
bilhete de loteria branco. 7) cor da neve (em oposição à cor escura). 8) Homem
de pele clara ou da raça branca: seus avós maternos eram brancos (p.149).
Recorremos ainda ao dicionário para verificar a semântica do conceito de paz. E,
encontramos o seguinte significado:
1) Ausência completa de guerra ou de outras hostilidades entre nações, 2) Fim de
um estado de guerra, 3) Tratado que põe fim à guerra, 4) Estado de harmonia ou
concórdia entre pessoas ou grupos, 5) Serenidade, tranqüilidade (p. 692).
E novamente questionávamos, quais seriam as razões que levaram a colega de
Orlandina, fazer uma relação da cor branca à paz? Pois, se em momento algum
encontramos no significado do termo paz uma relação com a cor “branca” e sim ausência
de guerra e tribulações, logo, o sinônimo apresentou os termos, calma, quietação,
80
serenidade sossego e tranqüilidade. Após essa reflexão, nos veio à mente a pergunta que
não queria calar...
_ Por que é que quando se refere ao negro, sempre se refere a coisas ruins e não
boas? (Orlandina).
Encontramos em Santos et al (2002) base teórica para a compreensão desse
fenômeno. Segundo ela, os pensadores e filósofos do século XVIII e XIX se dedicaram a
estudar o conceito de raça, atribuindo características específicas que diferenciavam os
povos do mundo em dois grupos: os que pertenciam às raças superiores e inferiores. Dentre
as teorias racistas inauguradas no século XIX, está a que justificava a obediência que os
negros deveriam ter perante aos brancos. Foi denominada como “a teoria da distinção racial
pautada na biologia, fortalecida, deu o estatuto final à teoria de que a natureza forja alguns
indivíduos ao comando e outros à obediência” (p. 52 e 53).
Skidmore (1976), em sua obra Preto no Branco, ao contextualizar o Brasil durante e
depois da escravidão, retrata o pensamento de grupos
78
, que se posicionavam favoráveis à
escravidão e os que se colocavam contrários. De outro lado a elite da época foram
influenciadas pelas idéias preconceituosas sobre o conceito de “raça” no século XIX. As
idéias a que nos referimos apontavam que o Brasil era uma nação bastante promissora nos
negócios, porém, a grande massa de pretos poderia emperrar a tão sonhada revolução
industrial, ao mesmo tempo fortaleciam o pensamento de que somente os brancos europeus
dariam contribuições significativas para esse crescimento tecnológico.
Segundo Skidmore (op. cit), as idéias racistas ganharam forças no interior da
academia nas diversas áreas do conhecimento, influenciando para a obtenção de uma visão
distorcida em relação ao grupo racial dos negros - advindo da África e os nascidos no Brasil
- e indígenas que já viviam aqui.
Assim, as teorias racistas engendraram na sociedade brasileira um preconceito
intenso procedendo até os dias de hoje prejuízos de toda ordem para a população negra. A
atribuição negativa fez com que os negros, em especial, fossem marcados pela diferença, a
cor da pele. Logo, a “cor das pessoas é um determinante importante das chances de vida, e
78
Cf Skidmore (1976), composto por políticos, fazendeiros, comerciantes, intelectuais brasileiros e
internacionais.
81
a discriminação racial parece estar presente em todas as fases do ciclo de vida individual”
Hasenbalg e Silva (apud, Jaccoud e Beghin, 2002:11).
Oliveira (1999) diria que, além de estar exposta a situações constrangedoras de atos
discriminatórios, um outro fator implícito, a identidade. Informa que para os negros em
especial, assumir uma identidade com perfil étnico está ligada à atribuição da cor que a
sociedade lhe confere. Portanto, conforme o contexto em que se vive diferentes
possibilidades de identidade, sem perder de vista “as conseqüências políticas de
determinadas opções” (p.47).
Igualmente ao pensamento de Guimarães e demais autores, Oliveira também afirma
que uma estreita relação entre cor e raça e ressalta a necessidade e extrema urgência de
as ciências sociais criarem um novo conceito para o termo raça, a fim de que não haja
dificuldades conceituais aos pesquisadores(as) que se dedicam aos estudos nesta área de
conhecimento.
Hanchard (2001), ao mencionar e utilizar o termo "raça" em seus textos, informa
que está se referindo às diferenças fenotípicas como símbolos de distinção social.
Recomenda que significados raciais são, nesse sentido, culturalmente e não biologicamente
construídos, distinguindo-se, a partir da inserção nestas categorias, lugares sociais
dominantes e dominados. Conclui afirmando que relações de raça são relações de poder.
A utilização do termo “raça”, na presente pesquisa, prende-se ao sentido
sociológico, tomando por base a definição de Ianne (1996) e endossada na afirmação
dos(as) autores(as) mencionados anteriormente. Ele define o conceito de raça como sendo:
Uma categoria social constituída pela integração de um conjunto de avaliações
produzidas socialmente, em que as pessoas ou grupos devido às posições reais
ou imaginárias que ocupam no sistema social se consideram como pertencentes
a ‘raças’ adultas” (p. 46).
Verificaremos também que a denominação dos depoentes, bem como a identificação
da cor poderá ser encontrada nesta pesquisa, representada pelos termos de classificação
racial utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Branca, Parda,
Preta, Amarela, Indígena. Ao referirmos sobre o conjunto de depoentes desta pesquisa e
também ao conjunto mais geral da população brasileira, utilizaremos o termo negro, termo,
mormente usado por militantes do movimento negro e pesquisadores da área para a
82
denominação do “conjunto de pessoas que se declaram pretas e pardas” (Piza, Edith &
Rosemberg, Fúlvia: 95-96, 112).
Embora, tenha sido mencionada a escolha pela denominação do termo negro (pretos
e pardos), para estabelecer os critérios de classificação racial dos depoentes desta pesquisa,
foram seguidos os mesmos passos utilizados por Oliveira (1999). Segundo a pesquisadora
não se atribui tão somente a cor da pele para a classificação do grupo racial, “(...) considera
também a textura dos cabelos, a forma do nariz e a cor e espessura dos lábios”.
Complementa “é a tais características físicas que são atribuídos significados sociais, dando
origem ao estigma que é fonte de discriminação” (p.48).
3.3 – O perfil dos candidatos contemplados
De certo modo, os dados obtidos apontaram em que níveis de desigualdades os
sujeitos da pesquisa estão colocados na sociedade. Foi possível evidenciar fatores como:
status e raça que têm influenciado para os “não-brancos experimentarem um déficit
considerável de mobilidade social ascendente, o que permite rejeitar a hipótese de
igualdade de oportunidades para os diferentes grupos de cor” Hasenbalg e Silva (1998:02).
O resultado da pesquisa realizada por Delcele Mascarenhas Queiroz (2003), na
Universidade Federal da Bahia (UFBA), apontou que o vestibular não seria por si fator
decisivo para o acesso da população negra ao ensino superior. O não acesso é na verdade
uma somatória de fatores que ocorrem antes do vestibular, deixando os negros vulneráveis
frente a um conjunto de situações que os impedem de completar o percurso “normal” de
início e término dos estudos, comparado a outros segmentos raciais. De qualquer modo,
paralelo ao debate da implantação de reservas de vagas faz-se necessário pensar em
medidas de curto prazo que também se pretende o acesso destes ao ensino superior.
Nesse sentido os dados obtidos são com vistas a esboçar o perfil dos bolsistas que
foram contemplados com a bolsa de estudo oferecida pelo projeto Por um Futuro Negro:
Cor, Cidadania e Inclusão no Ensino Superior em Mato Grosso. As questões levantadas,
no questionário foram agrupadas de forma a proporcionar melhor leitura dos dados, ficando
da seguinte forma:
83
a) Dados pessoais;
b) Identificação racial;
c) Dados escolares;
d) Pretensão profissional;
e) Dados socioeconômicos
3.3.1 – Distribuição dos bolsistas conforme a idade, sexo e estado civil
Para a obtenção dos dados pessoais dos 40 (quarenta) sujeitos, elencou-se
informações como: idade, sexo, estado civil, religião, se possui filhos e quantidade,
naturalidade, bairro onde reside e contato telefônico. Para efeito de análise apenas três itens
foram privilegiados.
Em relação à idade dos bolsistas do projeto, pôde-se analisar que varia muito.
Entretanto há uma maior freqüência até a faixa dos 28 anos, se comparada à faixa etária
compreendida entre 29 e 50 anos de idade. Isso demonstra que para um grupo de 40
pessoas a procura por um curso universitário está se dando tardiamente:
Tabela 5
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a idade
Idade N %
Entre 19 e 20 anos 05 12%
Entre 21 e 22 anos 03 08%
Entre 23 e 24 anos 05 12%
Entre 25 e 26 anos 08 19%
Entre 27 e 28 anos 05 12%
Entre 29 e 30 anos 03 08%
Entre 31 e 32 anos 01 03%
Entre 33 e 34 anos 01 03%
Entre 35 e 36 anos 04 09%
Entre 37 e 38 anos - -
Entre 39 e 40 anos 03 08%
50 anos 01 03%
Não declarou 01 03%
Total 40 100%
Pôde-se conferir na tabela nº 6, que entre os alunos do projeto a presença feminina é
bastante significativa, representando mais da metade dos bolsistas, 62% desse universo são
84
mulheres. a participação masculina encontra-se bem baixa com 38% pontos percentuais,
apenas.
Tabela 6
Distribuição percentual dos bolsistas seg
undo o sexo
Sexo N %
Feminino 25 62%
Masculino 15 38%
Total 40 100%
No que tange ao estado civil de cada participante, foi registrada maior procura por
pessoas que se declararam solteiras chegando a mais da metade, chegando a 25%. Em
segundo lugar aqueles e aquelas que já possuem família, com 38%.
Tabela 7
Distribuição percentual dos bolsistas segundo o estado civil
Estado Civil N %
Casado 15 38%
Solteiro 25 62%
Total 40 100%
3.3.2 – Autodeclaração e auto-atribuição da cor
Ao saber que as categorias adotadas pelo IBGE não conseguiriam expressar a
variedade de termos para designar a cor, adotamos o mesmo critério utilizado no censo
realizado na UFMT, em 2003. A pergunta aberta no referido censo possibilitou catalogar
aproximadamente 30 categorias que os entrevistados utilizaram para designar sua
identidade racial.
Sendo assim a pergunta aberta nos forneceu 08 categorias para a designação da
identidade racial. Das categorias utilizadas pelo IBGE foram: Parda 17%, Branca, Preta e
Amarela 3%. A categoria Negra foi representada por 57% dos bolsistas, 7% Mestiço, 4%
Moreno, 3% Bugre - pessoas com características semelhantes ao indígena - Dos 40 sujeitos
apenas 01 pessoa não declarou a sua cor.
85
Podemos verificar, na tabela de 9, que o número de bolsistas que se declaram
Pretos permanece à frente com 47%, se comparado à tabela anterior. a categoria Parda
apresenta um acréscimo, ficando inalterada com 42%, mostrando que as pessoas que se
declararam anteriormente como negras, mestiças e morenas migraram para essa categoria.
Os que optaram pela categoria Branca somam 2% e Ingenas e Amarelos permanecem
com 1%.
3.3.3 – Trajetória escolar
O acesso e permanência na escola estão intimamente ligados às condições materiais
da família. Ao analisar os dados fornecidos pelas tabelas que se seguem, verificaremos que
a afirmação de Queiroz (2003) de que questões anteriores de ordem socioeconômica têm
impedido a população negra de ter acesso ao ensino superior, poderão ser constatadas.
Em se tratando da idade com que adentraram no mercado de trabalho, constatou-se se
muito cedo, por volta dos 07 e 08 anos de idade. Verificaremos na tabela seguinte que a
Tabela 8
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a autodeclaração da cor
Autodeclaração N %
Parda 07 17%
Mestiça 03 7%
Negra 23 57%
Preta 01 3%
Morena 02 4%
Bugre 01 3%
Branca 01 3%
Amarela 01 3%
Não declarou 01 3%
Total
40
100%
Tabela 9
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a declaração da cor conforme as categorias do
IBGE
Autodeclaração conforme o IBGE N %
Preta 19 47%
Parda 17 42%
Branca 02 05%
Indígena 01 03%
Amarela 01 03%
Total 40 100%
86
idade em que estes ingressaram no mercado de trabalho, seguramente era o período que
iniciavam os estudos no ensino fundamental.
Embora 57% dos bolsistas tenham declarado ter exercido qualquer atividade
profissional no período em cursaram o ensino médio, por outro lado um percentual
expressivo de 48% declararam ter trabalhado no período em que cursavam o ensino
fundamental. Este último trata-se de uma fase em que a criança estabelece o primeiro
contato com a escola e, portanto no período em que poderiam dedicar-se as tarefas
escolares estão trabalhando para aumentar a renda da família.
Em relação à pergunta aberta, em que se procurou saber dos bolsistas sobre a primeira
atividade exercida pôde-se elencar 15 modalidades. Colocam-se à frente dois ramos de
atividades, mormente desempenhados por mulheres, a ocupação de doméstica com 27% e a
atividade de babá 14%. E a terceira atividade mais exercida foi a de agricultor com 7%
juntamente aqueles(as) que declararam ter trabalhado em diversas atividades:
Tabela 10
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a idade de ingresso no mercado de
trabalho
Idade de ingresso N %
Entre 07 e 08 anos 04 10%
Entre 09 e 10 anos 03 08%
Entre 11 e 12 anos 05 12%
Entre 13 e 14 anos 04 10%
Entre 15 e 16 anos 09 22%
Entre 17 e 18 anos 05 13%
Entre 19 e 20 anos 07 17%
Não declarou 03 08%
Total 40 100%
Tabela 11
Distribuição percentual dos bolsistas segundo o exercício de alguma atividade
profissional no período em que cursou o ensino fundamental e médio
Modalidade de Ensino N % N %
Ensino fundamental 19 48% - -
Ensino médio - - 23 57%
Não declarou 21 52% 17 43%
Total 40 100% 40 100%
87
Comparando as profissões com o gênero,
constatou-se que as mulheres tiveram como
atividade inicial a de empregada doméstica. os
homens variam de: trabalhadores braçais,
vendedores de salgados, mecânicos até a
condição de trabalhadores autônomos.
A tabela nº 13 registrou que mais de 50% dos bolsistas estudaram em escola
pública, havendo somente o registro de 01 pessoa que cursou o ensino fundamental em uma
instituição de ensino privada.
Tabela 13
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a instituição de ensino em que conclui
o ensino fundamental e médio
Os documentos solicitados para efetuar a inscrição da bolsa de estudo foram: uma
cópia da identidade e RG, comprovante de endereço através de uma conta de água, luz ou
telefone e o histórico escolar. De posse do último documento pôde-se constatar que, mais
de 50% concluíram os estudos em instituição de ensino pública. Verificou-se também que
Tabela 12
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a primeira atividade profissional
Atividade N %
Agente de Saúde 01 3%
Agricultor 03 7%
Autônomo 01 3%
Babá 06 14%
Balconista 02 4%
Cabeleireiro 01 3%
Diversas 03 7%
Doméstica 11 27%
Marceneiro 01 3%
Mecânica 01 3%
Ofice-boy 01 3%
Professor de dança 01 3%
Professora 01 3%
Vendedor de salgado 01 3%
Vendedor em loja 02 5%
Não declarou 04 9%
Total 40 100%
Ensino Fundamental Ensino Médio
Instituição N % N %
Pública 39 97% 40 100%
Privada 01 3% - 0%
Total 40 100% 40 100%
88
um grande número de pessoas concluindo o ensino médio na modalidade de ensino
supletivo, estes aparecem com 40%.
Em relação ao tempo em que os bolsistas estão afastados da escola os números
variam de 01 e 08 anos. Com o percentual de 42% pôde-se registrar o maior índice de
alunos que se encontram fora da escola. Posteriormente, com 27% se encontram aqueles/as
que estão afastados entre 03 e 04 anos. Com 15% aparecem aqueles/as que se encontram
entre 01 e 02 anos afastados e por último os que se encontram fora do sistema escolar pelo
período de 07 e 08 anos afastados da escola, representando o percentual de 13%.
No que tange à participação dos bolsistas em cursos preparatórios para o vestibular
mais da metade declarou ter sido a primeira vez que participaram de um cursinho
preparatório. Entre o percentual de 3%, se encontram aqueles(as) que participaram de duas
a três vezes. Os dados apresentados indicam que dos 40 bolsistas, somente 06 pessoas
tiveram experiência de participação em um cursinho pré-vestibular. Os demais nunca
haviam tido oportunidade de participar de um cursinho pré-vestibular. Alegaram não poder
pagar a quantia que um curso normalmente cobra, chegando a valores que variam de R$
120,00 a R$ 150,00 mensais.
Tabela 14
Distribuição percentual dos bolsistas segundo o sistema de ensino em que conclui o
ensino médio
Sistema de ensino N %
Sistema de ensino regular 23 57%
Sistema de ensino supletivo 16 40%
Não declarou 01 3%
Total 40 100%
Tabela 15
Distribuição percentual dos bolsistas segundo o período em que se encontram afastados
da escola
Período afastados da escola
N
%
Entre 01 e 02 anos 06 15%
Entre 03 e 04 anos 11 27%
Entre 05 e 06 anos 17 42%
Entre 07 e 08 anos 05 13%
Não declarou 01 3%
Total
40
100%
89
De acordo com os dados, constatamos que a metade dos bolsistas já prestou entre 03
e 04 vestibulares, atingindo o percentual de 50%. Com 30% se encontram aqueles(as) que
prestaram entre 01 e 02 vezes e 10% entre os que concorreram entre 5 e 6 vezes. Dentre
os bolsistas dectou-se também os que prestaram vestibular entre 07 e 08 vezes, estes
representam 5% do total.
Ao analisar a tabela de nº 17 verificamos que,
mais de 60% dos bolsistas concorreram o
vestibular entre 03 a 06 vezes, a fim de fazer uma
comparação do número de bolsistas e mero de
vestibulares concorridos com o perfil
socioeconômico, gênero e estado civil.
No que tange ao número de vestibulares prestados
constatamos um percentual de 13% entre
aqueles(as) que concorreram 04 vezes. Com um
percentual de 5% se concentram os bolsistas que
prestaram o vestibular 06 vezes. Se analisarmos
os gráficos
79
de 01, 02, 03 e 04 verificaremos
que dentre os bolsistas mais persistentes ao
ingresso em um curso superior estão aqueles e
aquelas que recebem apenas 02 salários mínimos,
o percentual de mulheres chegou a 20% versus
5% da presença masculina. Em relação ao estado
79
Cf. p. 90 e 91.
Tabela 16
Distribuição percentual dos bolsistas segun
do a quantidade de cursos pré
-
vestibulares
realizados
Quantidade N %
Uma vez 32 79%
Duas vezes 03 8%
Três vezes 03 8%
Não declarou 02 5%
Total 40 100%
Tabela 17
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a quantidade de vestibulares prestados
Instituição N %
Entre uma e duas vezes 12 30%
Entre três e quatro vezes 20 50%
Entre cinco e seis vezes 4 10%
Entre sete e oito vezes 2 5%
Não declarou 2 5%
Total 40 100%
90
civil registramos 12% dos que são casados
sobre e 10% dos bolsistas que se declararam
solteiros.
Gráfico 01 – Distribuição dos bolsistas conforme o número de vestibulares concorridos: 03
a 06 vezes
6
13
2
1
18
0
5
10
15
20
3 4 5 6 acima de 06
Seqüência1
Gráfico 02 – Perfil socioeconômico dos bolsistas conforme o número de vestibulares
concorridos: 03 a 06 vezes
5
1
5
8
3
18
0
5
10
15
20
Desemp.
1
1.5
2
2
.5
Aci
m
a d
e
2.5
Gráfico 03 – Perfil dos bolsistas conforme o gênero entre os que concorreram o vestibular
entre 03 a 06 vezes
18
4
18
0
5
10
15
20
Feminino Masculino Ñ
computado
Seqüência1
91
Gráfico 04 – Perfil dos bolsistas conforme o estado civil entre os que concorreram o
vestibular entre 03 a 06 vezes
10
12
18
0
5
10
15
20
Solteir
o
c
as
ado
Seqüência1
3.3.4 – Opção profissional
A tabela 18 demonstra a preferência de curso dos bolsistas na primeira e segunda
opção. Verificaremos que as escolhas são bem variadas chegando ao total de 16 cursos. Na
primeira opção está à frente o curso de História com 18%, em segundo lugar aparecem os
cursos de Enfermagem e Biologia com 15%. Em terceiro lugar o curso de Matemática com
10% de preferência, em quarto lugar temos o curso de Geografia com 8%, quinto lugar o
curso de Pedagogia com 5% e com percentuais semelhantes estão os cursos de bacharelado:
Agronomia, Ciência da Computação, Ciências Contábeis, Direito, Turismo e Veterinária
com o percentual de 3%.
Na segunda opção o curso de Biologia fica a frente com 20% da preferência, em
segundo lugar está o curso de Geografia que de 8% aumenta a preferência para 13%. O
curso de Enfermagem vai para o terceiro lugar com percentuais semelhantes aos do curso
de Letras que na primeira opção não teve candidatos, desta vez aparece com 10%. O curso
de Direito ocupa o quarto lugar com 8%, em quinto lugar aparece o curso de Física com
5%, este que na primeira opção não foi escolhido por nenhum dos candidatos. Com apenas
3% de preferência estão os cursos de licenciatura e de bacharelado: Administração,
Agronomia, História, Pedagogia e Psicologia.
92
Tabela 18
Distribuição percentual dos bolsist
as segundo a opção de curso
A tabela de número 18 mostra que na primeira opção se posicionam os cursos de
licenciatura se tomarmos como dedução os 04 cursos mais procurados
80
. na segunda
opção de curso dois cursos de licenciatura descem dando espaço para os cursos de
Enfermagem e Direito.
A preferência pelos cursos de licenciatura
81
se confirma com os dados do censo
étnico-racial realizado pela UFMT em 2003. Ao verificar o percentual de alunos
afrodescendentes nos 27 cursos oferecidos pela universidade constatou-se que, há uma
expressiva presença destes alunos em cursos de licenciatura, se comparado aos cursos mais
concorridos, dentre os quais destaca-se o curso de Direito, Medicina e Enfermagem.
A pouca presença de alunos negros no curso de Medicina, pôde ser constatada em
pesquisa realizada por Edmara Costa Castro (2005) que investigou trajetórias e identidades
de alunos negros dos cursos de Enfermagem, Nutrição e Medicina entre os anos de 1995 a
2002. Castro afirma que, o curso de Medicina da UFMT é composto em grande parte por
alunos brancos chegando a 53%, em segundo lugar se encontra os pardos com 32%, os
pretos e amarelos permanecem inalterados com 5%.
80
História, Biologia, Matemática e Geografia.
81
Cf as seções de nº 3.5.1 - as motivações que levam os bolsistas a uma maior procura por cursos de
licenciatura.
1ª Opção 2ª Opção
Curso N % N %
Administração - - 01 3%
Agronomia 01 3% 01 3%
Biologia 06 15% 08 20%
Ciência da Computação 01 3% - -
Ciências Contábeis 01 3% - -
Direito 01 3% 03 8%
Enfermagem 06 15% 04 10%
Física - - 02 5%
Geografia 03 8% 05 13%
História 07 18% 01 3%
Letras - - 04 10%
Matemática 04 10% - -
Pedagogia 02 5% 01 3%
Psicologia - - 01 3%
Turismo 01 3% - -
Veterinária 01 3% - -
Não declarou 06 15% 09 23%
Total 40 100% 40 100%
93
No curso de Enfermagem constatou-se o inverso no que tange a maior presença de
pardos e mulatos. Os alunos autodenominados
82
pela pesquisadora como pardos lideram
com 45,7%, os mulatos aparecem em segundo lugar com 21,7%, os autodenominados
brancos ocupam o terceiro lugar com 17,4%. Os pretos permanecem com um percentual
inferior se comparado às demais categorias, aparecem com 15,2%.
O curso de Enfermagem apresentou um aumento significativo
83
da presença de alunos
negros se comparado aos dados do censo étnico realizado em 2003. No entanto o mesmo
não ocorreu com os alunos negros matriculados no curso de Medicina, a estes o acesso ao
curso na UFMT não tem sido algo natural, pelo contrário, tanto o acesso, quanto à
permanência é algo bem distante das possibilidades dos negros/as que almejam uma vaga
no curso, esse dado pode ser confirmado com um agravante, do não surgimento do curso na
e nem na opção. Demonstrando uma desautorização aos alunos do projeto ao menos
pensar na possibilidade em cursar o curso de Medicina.
3.3.5 – Condição Socioeconômica
No que tange à posição no domicílio, a posição de filho ainda é superior às demais,
com 49%, e 28% afirmaram ocupar a posição de chefes de família. os que ocupam a
posição de cônjuge apareceram com 18% e apenas 5% dos bolsistas ocupam a posição de
parente.
82
Cf. Castro (2005). A pesquisadora investigou os arquivos da secretaria acadêmica que continham fotos dos
alunos matriculados no período mencionado. Para atribuição da cor destes usou o método de auto-definição
sendo estas: amarela, branca, mulata, parda e preta (p.41).
83
Idem.
Tabela 19
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a posição no domicílio
Posição no domicílio N %
Filho 20 49%
Chefe de família 11 28%
Cônjuge 07 18%
Parente 02 5%
Não declarou - -
Total 40 100%
94
Em relação à renda da família, na tabela de 20 constatou-se que a renda mensal de
37% dos bolsistas está entre um e dois salários mínimos, 27% estão na faixa de dois a três
salários mínimos, 13% dos bolsistas têm renda na faixa de três a quatro salários mínimos, e
10% estão na faixa salarial que compreende valores inferiores a um salário até um salário
mínimo. E por final a média que varia entre 04 a 09 salários mínimos ficou com um
percentual de 5%:
Após a análise dos dados coletados e sistematizados me perguntei: Será que os
bolsistas do projeto idealizaram um dia freqüentar uma faculdade? Sem hesitar responderia
que sim, ‘imaginavam’ fazer uma faculdade. Ainda que, a priori, os menos desavisados
afirmariam que a concorrência é avassaladora e que nesse momento o que vale mesmo é o
mérito das pessoas, independente se brancas ou pretas.
Buscamos Santos (2003) para aludir sobre o discurso do “mérito individual”. Segundo
ele, não se trata somente de um discurso de pessoas leigas no assunto - acerca das políticas
afirmativas - mas, especialmente, daqueles(as) que possuem grau de escolaridade avançado.
Em decorrência da implantação de políticas afirmativas na Universidade de Brasília (UNB),
o pesquisador realizou uma investigação incluindo docentes e discentes da pós-graduação,
no mestrado e doutorado. Ou seja, saber a opinião destes em relação à temática racial e
sobre a implantação de tais medidas na instituição.
Considera ainda que o vestibular não pode ser utilizado como referência para medir o
mérito individual das pessoas, principalmente em se tratando de pretos e pardos. Segundo a
pesquisa 68,3% dos docentes e 55,4% dos discentes se declaram contrários à adoção de
reservas de vagas para os cursos de graduação. Dentre os 13 (treze) argumentos contrários
Tabela 20
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a renda familiar
Renda familiar N %
Entre 200,00 a 260,00 04 10%
Entre 261,00 a 520,00 15 37%
Entre 521,00 a 780,00 11 27%
Entre 781,00 a 1.040,00 05 13%
Entre 1.041,00 a 1.300,00 01 3%
Entre 1.301,00 a 1.560,00 - -
Entre 1.800,00 a 2.300,00 02 5%
Não declarou 02 5%
Total 40 100%
95
detectados na pesquisa de Santos, um dos mais defendidos por estes foi o mérito com 15,5
%. Na opinião dos entrevistados, “o mérito deve ser exclusivo de seleção para a
universidade. É preciso selecionar os melhores, independentemente da cor/raça do(a)
candidato (a)” (p.27).
As opiniões dos que defendem o ideário do mérito individual comparam a aquisição
de uma vaga no vestibular a uma “premiação” aos bons e talentosos, que vencerão na vida,
bem como às condições de aprendizagem que a escola pública ofereceu em sua trajetória
escolar. Mas, acima de tudo, os que “chegaram lá” são considerados por estes como
vitoriosos.
Santos (op. cit) reforça ainda a necessidade de se repensar o difundido conceito de
mérito, abrigado na cultura brasileira. Menciona ainda que:
Essa reflexão deve também levar em consideração o processo de aprendizagem
com as suas facilidades ou dificuldades proporcionadas pelas condições sociais
de existência dos estudantes, as quais vão desde as condições materiais até as
psicológicas, marcadas ou não por discriminações dentro ou fora da escola. Esses
fatores são complexos e difíceis de ser percebidos e compreendidos à primeira
vista (p.34).
A interpretação dos dados evidencia que, o sonho de cursar uma faculdade ainda era
uma constante no pensamento dos bolsistas, sobretudo, entre os que ocupam a posição de
“chefes de família”. Estes por possuírem prioridades outras, ditadas pela premência,
deixaram em último lugar o ‘sonho’ do ingresso na universidade.
Uma outra questão que levantamos são as condições através das quais estes(as)
adentraram no mercado de trabalho. Ingressaram com idade precoce, além de terem que
contribuir com o sustento da casa. A jornada diária de trabalho os impediu de freqüentar
uma sala de aula, senão ocasionalmente e, quando deixaram os estudos, não o foi por
ausência de vagas, mas pela indisposição, pelo cansaço de ter que trabalhar o dia todo e
levantar ainda cedo para recomeçar tudo novamente, enfrentando ainda um curso noturno.
Por outro lado, estão aqueles(as) que se encontram em uma outra condição, os mais jovens.
Uma vez que acabaram de terminar o ensino médio, se declararam despreparados para
enfrentar o vestibular sem antes freqüentar um cursinho preparatório.
96
3.4 – Caminhos escolares
Os dados retirados dos questionários apresentaram-nos perfis muito parecidos dos
jovens e adultos negros, sobretudo em relação às suas trajetórias de vida e escolar. Mesmo
estes não tendo a consciência de que os dados coletados revelariam uma forte desvantagem
sob a qual estão colocados todos os negros vedados a acessar ao ensino superior e aos
outros setores da sociedade.
Iniciaremos relatando um pouco da história de vida de Eva. Com 35 anos de idade,
casada possui 03 filhos. A sua trajetória escolar sempre foi em escola pública. Ingressou no
mercado de trabalho com 08 anos de idade, com o emprego de doméstica segundo os
documentos apresentados no ato da inscrição para a bolsa. Eva concluiu o ensino médio no
sistema de ensino supletivo, no ano de 2000. Ano em que completaria 30 anos. E sua
opinião sobre as reservas de vagas na Unemat é a seguinte:
Sou a favor, pelo fato de que, a partir disso, muitas pessoas, como eu, que
sonham com uma melhora de vida em todos os aspectos, principalmente em
ingressar na faculdade, terá mais chance dessa realização (Eva, 35 anos).
José Maria tem 39 anos de idade, casado, 04 filhos. A função que desempenha hoje é
de policial militar. Afirma ter ingressado no mercado de trabalho com 16 anos de idade,
entretanto afirma ter trabalhado no período em que cursava o ensino fundamental e médio.
Semelhante a Eva, José Maria teve sua trajetória escolar e concluiu o ensino médio no
mesmo sistema de ensino supletivo, no mesmo estabelecimento em que Eva concluiu, no
ano de 2000, ano em que completaria 35 anos. Funcionário público concursado, afirma ter
uma renda mensal acima de três (três) salários mínimos, variando ente R$ 1.243,00 a R$
1.502,00. A opinião de José Maria sobre as reservas de vagas na Unemat é a seguinte:
É uma possibilidade a mais que teremos de concluir o curso superior (José
Maria, 39 anos).
Ledinéia, 30 anos, solteira e possui 01 filho. Concluiu os estudos em 1998, estando
nesse período com 22 anos. O histórico escolar apresentado por ela demonstrou que
concluiu os estudos na mesma instituição de ensino de Eva e José Maria, constando em seu
97
histórico escolar “ensino supletivo”. Dentre os 40 candidatos Ledinéia, foi a única
candidata que afirmou ter cursado o ensino fundamental em escola particular. Ingressou no
mercado de trabalho aos 19 anos e hoje trabalha em supermercado, com uma renda mensal
de 01 salário e meio. Ledinéia, já tentou 04 vezes o vestibular, mas não obteve sucesso. Em
relação às cotas acredita que:
É um incentivo a mais para que tenhamos otimismo profissional e pessoal e
também crescer no nosso dia-a-dia, para que almejemos algo melhor (Ledinéia,
30 anos).
Maria Silvanete, 30 anos, solteira. Ingressou no mercado de trabalho aos 12 anos,
exercendo a atividade de “babá”. Hoje trabalha em um salão de beleza, como manicure,
com renda mensal de 01 salário mínimo. Sua trajetória escolar foi sempre em escola
pública. No ano de 2001 concluiu o ensino médio na mesma instituição de ensino que Eva,
José Maria e Ledinéia, estando nesse período com 27 anos. Maria Silvanete, tentou 02
vezes o vestibular, contudo, não obteve sucesso. Acredita que a implantação de reservas de
vagas na Unemat:
Irá favorecer os negros porque geralmente são pessoas que não têm grandes
oportunidades de estudar, fazer cursinho, etc... (Maria Silvanete).
Relataremos, ainda a trajetória de vida de Maria Rosalina. Hoje com 40 anos de idade
Maria Rosalina é casada e possui 01 filho. Embora seja servidora blica concursada,
complementa a sua renda familiar com um outro trabalho, chegando a faturar por mês 02
salários. Com 07 anos de idade ingressou no mercado de trabalho como babá. Sempre
estudou em escola pública. Concluiu os estudos com o ensino médio com 35 anos, na
mesma instituição de ensino que Eva, José Maria, Ledinéia. Maria Rosalina, já havia
tentado 04 vezes o vestibular, e na 6ª vez passou em uma instituição de ensino privado, para
o curso de Pedagogia Ela acredita que a implantação de reservas de vagas na Unemat é
importante, porque:
(...) através das cotas penso que será mais fácil às pessoas ingressarem na
faculdade, porque tem aquela quantidade de vagas estipulada pelo projeto de
cotas oferece 25 %, para os negros (Maria Rosalina, 40 anos).
98
Poderíamos citar mais exemplos de histórias de vida, muito parecidas, o ingresso no
mercado de trabalho, a baixa renda salarial, idade em que concluiu os estudos e o modelo
de instituição de ensino. Jovens ou adultos, apesar de não se conhecerem, tampouco sendo
colegas possuem dificuldades semelhantes em suas trajetórias de vida. Estes, por sua vez,
tornam-se impedidos de ascenderem socialmente. Todas as pessoas, diferentemente do
discurso do mérito, eram favoráveis às cotas compreendendo-as como circunstância
favorável de política pública de interesse da população negra.
Hasenbalg (1979) afirma que as desigualdades raciais “contemporâneas” têm sugerido
“uma seleção social” baseada em princípios racistas, demonstrando a pouca mobilidade
social entre negros e brancos na sociedade brasileira. Logo, os filhos oriundos de famílias
“não-brancas” terão mais dificuldades em ascenderem socialmente, comparados aos filhos
pertencentes a famílias brancas. Informa ainda:
Antes de iniciarem-se numa carreira, os filhos acumulam um conjunto de
vantagens (ou desvantagens) que dizem respeito à sua aceitabilidade para
ocuparem e desejo de atingirem as ocupações e posições sociais de mais
prestígio. O valor das vantagens que um filho acumulará é condicionado pela
posição da família em que nasceu e foi criado (p. 198).
A mobilidade social almejada por ambos os grupos raciais é classificada por
Hasenbalg de mobilidade intrageracional. O acúmulo de desvantagem que os filhos
oriundos de famílias negras trazem consigo os impede de competir com as mesmas
oportunidades que os “(...) brancos da mesma origem social” (p.199).
A afirmação de Hasenbalg existe de forma ativa, na sociedade brasileira, pela
existência de uma histórica reserva de vagas para brancos, conduzida subliminarmente por
rituais, condições e processos seletivos indiretos que sustenta a reprodução social da
desigualdade. Esse fenômeno pode ser constatado se analisarmos a tabela de números 17 e
18. Na tabela de nº 17 verificamos que o perfil do bolsista do projeto que busca
84
o ingresso
a um curso superior provedor de um status menos elevado, possui uma família para
sustentar e pertence ao gênero feminino.
84
Concorrer o vestibular por diversas vezes.
99
No que tange a preferência de curso verificou-se que os cursos de maior prestígios são
escolhidos pelos bolsistas somente na segunda opção, mesmo tendo a oportunidade de
ingressar-se em cursinho preparatório. Ou seja, as condições socioeconômicas, a cultura de
uma sociedade racista, a falta de motivação à conquista de uma vaga na universidade, bem
como o acesso a um curso de prestígio social demonstra a idéia, embora equivocada, a
existência de cursos para determinados grupos étnicos, “o que reforça até hoje a
estratificação das camadas e o ranço das desigualdades” (Pezzi: 2002, p. 63).
3.5 – Grupo Focal: um espaço de uma prosa proveitosa
Nas conversas realizadas na dinâmica do grupo focal, puderam ser discutidas das
várias questões relacionadas ao pré-vestibular, dentre as quais: a) Como ficaram sabendo
do projeto? b) Quais as impressões que tiveram e o que representou em suas vidas? c)
Quais eram os projetos de vida?
Com a proposta do projeto pré-vestibular lançada, como fazer para que os
interessados tomassem conhecimento do projeto? Muitos deles ficaram sabendo por meio
de colegas que trabalhavam na UNEMAT, através do CDH. Outros tiveram informação
através de amigos e também da igreja. No momento dos avisos finais, repassaram as
informações necessárias àqueles(as) que quisessem fazer a inscrição. Josimar, um dos
interessados que efetuou a inscrição, explica que ficou sabendo no próprio trabalho:
Eu trabalho no Supermercado X., o pessoal colocou um panfleto e aquilo
me chamou a atenção. Me inscrevi e consegui. Fiquei muito satisfeito e achei
muito bom. Quando olhei assim eu falei: “não acredito!” Depois fui lá na
Unemat e vi que era verdade mesmo. Daí que eu me inscrevi. Que maravilha!
(Josimar)
O “CDHDMB”, o “Grupo de Consciência Negra de Cáceres” (GRUCON) e a Igreja
contribuíram para maior divulgação do projeto. Assim, cada um dos participantes foi
atraído pela idéia de continuidade dos estudos por maneiras diferentes. Cada um dos
sujeitos apresentou impressões do projeto bem diferentes um dos outros. Entretanto, uma
dúvida pairava no ar: Como funcionaria o projeto?
100
O depoimento a seguir se refere às impressões de Maria Rosalina que demonstra pelas
suas atitudes ser bastante comedida e cautelosa. Ela poderia não ter conhecimento profundo
do projeto, mas, só o fato de ter ficado sabendo dentro da igreja, achou que a “idéia poderia
ser interessante”:
Comigo foi assim também. Eu logo procurei me informar melhor, como era o
objetivo do projeto. Até porque colegas nossos falou assim:
_ Rosa, não faz não, porque você mesmo vai estar se discriminando.
Eu falei: Não eu vou ver como que é, porque se falou dentro da igreja, deve ser
coisa boa, né. Fui então na Unemat e logo me deparei com as bolsistas. Fiz um
monte de perguntas e elas me responderam e me deram a ficha de inscrição.
Depois de uma semana eles ligaram pra mim, me convidando pra uma entrevista
com o pessoal dos Direitos Humanos. Passei então por essa entrevista e depois,
graças a Deus (pausa), fui selecionada.
Não fui aprovada no vestibular, mas, pra mim, foi de muita valia, porque os
outros vestibulares que eu fiz eu fui eliminada e nesse aqui não, eu achei que fui
super bem, fiquei classificada, fiquei em 95º. Pra mim foi uma vitória (Rosalina).
Para Orlandina, a proposta do cursinho gratuito não foi nenhuma novidade. Ela
participava do Grupo de Consciência Negra e presenciou o momento em que o prof. Paulo
Alberto explicava como seria o funcionamento do mesmo nas dependências do CDH.
Portanto, tinha um conhecimento do que seria o projeto, de fato. No seu relato enfatiza não
a importância da inclusão de negros no ensino superior, como menciona o fator
consciência:
(...) Eu achei bom quando surgiu o projeto, porque daria mais oportunidade às
pessoas entrarem na faculdade ou pelo menos tomar consciência que existe um
projeto que trata da pessoa negra. Eu achei muito bom o projeto (Orlandina).
Pedro, outro jovem inscrito, achou que poderia não conseguir, mas não temeu
participar:
Bom! A primeira impressão foi no momento da entrevista (risos de todos). Eu
pensei assim, será que eu vou conseguir? Pelas exigências feitas. Mas, eu
pensei vou tentar e ver o que é que pode acontecer. E hoje eu avalio que o
cursinho pra mim foi muito importante e é claro o interesse vai de cada um de se
esforçar correr atrás (Pedro).
101
Maria Silvanete é um dos exemplos sobre o qual falávamos anteriormente, em função
do ingresso no mercado de trabalho, teve dificuldades de prosseguir os estudos. Fala de sua
decisão:
A minha intenção era poder relembrar algumas coisas que em parte eu perdi
quando estava no grau, não dava tempo para estudar, era corrido. Então, o
cursinho serviu para clarear a minha mente, infelizmente eu não passei, fui
eliminada, mas para mim foi muito importante participar, está valendo (Maria
Silvanete).
Maria Auxiliadora conta que foi atraída pela idéia, por intermédio de Maria Silvanete
e relata que:
Bom! Eu achei uma novidade diferente. A minha colega passou lá em casa e
pediu pra que eu levasse a inscrição dela, aí eu me interessei também, aproveitei
e fiz a minha e fiquei na expectativa de ser chamada (Maria Auxiliadora).
Cipriano é membro ativo da Paróquia Santíssima Trindade (PST), disse que ajudou na
divulgação do projeto e confessou que ficou tentado a se inscrever:
Fiquei sabendo do projeto através dos Direitos Humanos. E depois que eu
entendi melhor como funcionava. Mas, mesmo assim encaminhei o convite a
todas as comunidades da nossa paróquia para que divulgassem nos avisos finais
e também avisei várias pessoas que eu conhecia (Cipriano).
Gláucia comenta que, a princípio, como os demais, também não sabia ao certo do que
se tratava, somente depois é que foi entender do que se tratava o projeto. Menciona também
que achou importante porque deu:
(...) a oportunidade de várias pessoas participarem negras, brancas e pardas.
Mas no início eu não sabia o que era o projeto (Gláucia).
Quando a bolsista Gláucia se refere à participação de pessoas brancas, explica-se pelo
fato de que no ato da inscrição os candidatos à bolsa receberam um questionário contendo
várias perguntas, dentre as quais, duas se referiam à identidade racial. A primeira pergunta
tratava da autodeclaração conforme a origem familiar e além das categorias utilizadas pelo
IBGE (branca, parda, amarela e indígena) foram acrescentadas mais duas categorias, negro,
102
mestiço e outros. A segunda pergunta referiu-se à identificação racial segundo as categorias
do IBGE: branca, preta, parda, amarela e indígena.
De posse dos resultados do questionário elaborado pelo CEPICS e pelas entidades
parceiras, encontramos apenas um caso em que o candidato se declarou como branco
conforme as categorias do IBGE, e na autodeclaração este se identificou como mestiço.
Posteriormente verificamos a ficha de avaliação do candidato, e constatamos que a
comissão considerou a cor declarada conforme nos critérios de autodeclaração (mestiça).
Nesse quesito o candidato obteve 0,5. Em relação ao ano de conclusão obteve também 0,5
ponto. Nos demais critérios como idade, trajetória escolar, condição socioeconômica o
candidato obteve 1,0 ponto. No total o referido candidato obteve 4,0 pontos para os
critérios exigidos, e na entrevista 4,0 pontos. Como nota final alcançou nota 8,0
conseguindo assim uma vaga no cursinho. Neste caso a comissão considerou o critério da
autodeclaração, para não cometer qualquer ato que desabonasse o processo de seleção.
No que tange ao objetivo do projeto Maria Aparecida também relatou que ficou muito
confusa em relação à finalidade do mesmo. Chegou a pensar até que ganhando a bolsa, esta
lhe incluiria automaticamente no programa de reservas de vagas da UNEMAT. Relata
ainda:
Bom eu gostei do projeto, porque está dando mais oportunidade para os negros
de entrar na faculdade. Também eu achei que a gente fazendo parte do projeto
automaticamente, fazia das cotas. Eu achei que ia ser assim
(Maria
Aparecida).
Elizanéia também teve a mesma impressão que Maria Aparecida. Ela também achou:
Que fazendo parte do projeto as pessoas já estavam dentro das cotas (Elizanéia).
Maria Aparecida, conhecida por todos (as) por Cida, relata que teve muita dúvida se
seria selecionada e explica que, assim como ela, várias pessoas que participou do projeto
estavam muito tempo afastadas da escola:
Foi muito bom, porque depois que eu comecei entender o objetivo do curso e
também tinha gente como eu, que estava muito tempo fora da escola. Até teve um
103
aluno que estava muito tempo fora da sala de aula e conseguiu passar.
Conseguiu chegar (Cida).
Informa que ficou sabendo das reservas de vagas através do “Jornal Nacional”, para
ilustrar, menciona o caso da UERJ. Na sua avaliação o projeto ajudou muitas pessoas que
não possuíam condições financeiras de participar de um curso pré-vestibular pago e volta a
comentar sobre o tempo que ficou sem estudar:
Eu, por exemplo, terminei o meu grau em 98 e até 2003 eu não tentei o
vestibular, porque não tinha dinheiro para pagar um cursinho. Eu fiquei parada
e pensava que não estava preparada para encarar um vestibular. E o projeto me
ajudou muito a vencer essa barreira
(Cida).
Prudêncio avalia também que o projeto foi muito bom para aquelas pessoas que
estavam fora da sala de aula e, ao mesmo tempo, tece uma crítica à Coordenação:
Foi bom porque relembrou muita coisa que tinha aprendido na escola. Mas,
eu também vejo que faltou mais orientação por parte da coordenação do projeto
(Prudêncio).
Cipriano relembra que nas outras vezes que prestou o vestibular:
O projeto foi importante porque ofereceu condições as pessoas que têm uma
renda menor. E mesmo que a gente não tenha conseguido passar no vestibular
deu para relembrar muita coisa. Eu, por exemplo, tinha desistido de fazer o
vestibular porque quando eu ia ver o resultado eu era sempre eliminado e dessa
ultima vez eu fiquei em 59º lugar. Eu me sinto glorioso! (Cipriano).
Todos os depoentes foram mobilizados pela proposta que era ousada, posto que
sinalizava não apenas um caminho a mais para o vestibular, mas tematizava no próprio
nome do projeto uma política afirmativa de sua condição de negros.
A participação no projeto proporcionou o encontro de vidas vividas com menor ou
maior tempo expressa pela idade, pessoas casadas ou solteiras, com filhos ou não, mas, com
características comuns, trajetórias de vida que demonstraram encontrar no caminho muitas
dificuldades para vencer” na vida. Por serem oriundos de famílias empobrecidas, negras
sobre as quais recaíam encargos e tarefas de garantir, ainda quando crianças, a subsistência
e a reprodução da existência de todos os membros da família. Contudo, da realidade da
104
inclusão à vivência diária de um cursinho haverá muitas lutas ainda a serem enfrentadas por
aqueles(as) que se inscreveram e aderiram ao projeto.
3.5.1 – Projeto De Vida
A dinâmica de grupo focal nos possibilitou abonar cada vez mais a certeza que a vida
desses bolsistas era perpassada por muitas dificuldades. No entanto, nos vários encontros e
nas longas horas de conversas individuais e coletivas, não percebemos, em momento
algum, uma fala, uma expressão que demonstrasse desânimo e desesperança em alcançar os
seus objetivos. Pelo contrário, as dificuldades enfrentadas têm demonstrado ser algo que os
impulsiona a caminhar sempre pra frente, sem saber muitas vezes o destino.
Ao estabelecer um diálogo com Schultz (1970) e Velho (1999), buscou-se
compreender o conceito e o significado de projeto para os sujeitos desta pesquisa, bem
como o que representa o termo de adiamento dele em suas trajetórias de vida.
No percurso de nossas vidas, a interação tem demonstrado ser um processo primordial
que sustenta a sociedade e a cultura, sem a qual não poderíamos produzir, construir e
sustentar a vida em sociedade, fator essencial à humanidade.
Velho (1999) afirma que as sociedades contemporâneas estão sendo marcadas e
constituídas por “um intenso processo de interação entre grupos e segmentos diferenciados”
(p.38). Este processo vai influenciar diretamente no modus vivendis dos indivíduos nela
inseridos - ainda que com suas tensões e conflitos - sendo um determinante nas trajetórias
individuais. Considera ainda que as mudanças socioculturais ocorridas ao longo dos anos
interferem também na formação da ideologia de cada sujeito, podendo trazer marcas de
coletividade, singularidade, igualdade e individualidade em suas trajetórias de vida.
A teimosia demonstrada pelos sujeitos desta pesquisa, em relação a não desistência
dos seus sonhos, tornou-se mais intensa após o contato com o projeto pré-vestibular,
configurando ser um componente motivador em suas vidas. A revelação de uma intenção
que motiva a vida de alguém é interpretada por Schultz (1970) como algo que deixa de ser
encoberto. A partir do momento em que se exteriorizar os sonhos, os projetos,
conseqüentemente, deixam de ser uma fantasia, caminhando para o plano das realizações.
105
Velho (1999) indica a definição de “projeto”, como uma “conduta organizada” com o
objetivo de atingir algo para fins específicos. De sorte que, a motivação para a elaboração
de um projeto está intimamente ligada ao grau de interesse que cada indivíduo traz consigo
e ao arcabouço de conhecimento individual.
A noção de conhecimento, mencionada por Schultz (1979) refere-se às experiências
vividas por cada pessoa. De certa forma, o conhecimento funcionará como um ponto alto de
motivação para a realização de algo que venha ser “projetado” “gestado”. Complementa
ainda:
O homem, na vida diária (...) tem a qualquer momento um estoque de
conhecimento à mão que lhe serve como um código de interpretação de suas
experiências passadas e presentes, e também determina sua antecipação das
coisas que virão. Esse estoque de conhecimento à mão tem em sua história
particular. Foi constituído de por atividades anteriores de experiência de nossa
consciência, cujo resultado tornou-se agora uma posse de nossa consciência (...)
(Schultz, 1970:74).
O ato de pensar, projetar dependerá do “estoque de conhecimento à mão” mencionado
por Schultz, funcionando como uma seleção de interesses impostos pelo mundo, e do
“mundo ao meu alcance real ou potencial são escolhidos (...) Obstáculos ou condições
possíveis, para a realização de meus projetos, ou que são, ou que serão perigosos ou
agradáveis ou (...) relevantes para mim” (p.100).
Schultz (1979) e Velho (1999) apresentam também a noção de campo de
possibilidades “como dimensão sociocultural, espaço para a formulação e implementação
dos projetos” (Velho, p. 40). No decorrer de sua trajetória, o indivíduo se organiza, re-
organiza ou substitui os projetos e, nesse processo de construção e reconstrução de novos
projetos, há também uma construção e uma re-significação da identidade.
Assim como os projetos mudam, ambos informam que os indivíduos passam por esse
processo de mudança. Contudo, o ato de “projetar” não dependerá somente de uma força
interior para concretizar-se, mas do contexto social dado. De qualquer modo, estaremos
sujeitos a viver e conviver com projetos de vida diferenciados, podendo, ao mesmo tempo,
interagir entre si dentro de um campo de possibilidades, pois, a viabilidade dos projetos
individuais está intimamente ligada a um intercâmbio com outros projetos, sejam
individuais ou coletivos.
106
Lucileide D. Queiroz (2005) informa que a re-significação e a noção de campo de
possibilidades no que tange à efetivação do projeto de vida - quanto ao retorno e
continuidade dos estudos e a realização do projeto profissional - podem ser encontradas em
sua pesquisa de mestrado. A pesquisadora buscou investigar trajetórias de trabalhadores do
setor madeireiro do município de Sinop/MT, quanto às suas diversas maneiras de pensar e
agir em face da escolaridade.
Conclui, portanto, que sentimentos internos e externos que movem os projetos
educacionais e profissionais nas trajetórias de vida dos trabalhadores, mesmo que, ao longo
de suas vidas, vivam um constante processo de construção e desconstrução dos seus
projetos pessoais, que passaram por mudanças, interrupções e abandonos. Contudo, as
dificuldades enfrentadas por esses trabalhadores não representam uma desistência da
realização do que se pretende, pelo contrário, por parte destes um interesse tanto no
campo educacional quanto no campo profissional.
A noção de projeto para os depoentes desta pesquisa tem o mesmo significado de
sonho. Para auxiliar a abordagem do sonho ou projeto de vida, utilizou-se a dinâmica de
grupo focal, com a seguinte pergunta: qual era o projeto de vida de cada um deles? Houve
por um momento um silêncio total. Substitui, o termo projeto de vida por “sonho” e
“desejo” e por unanimidade compartilharam de um único sonho, um único desejo, o de
“entrar na universidade”.
Conforme os relatos de Rosalina, a vontade de cursar uma faculdade é comparada à
conquista de um sonho:
Bom, particularmente, o meu sonho é cursar uma faculdade, eu quero fazer uma
faculdade. Porque eu tenho o grau, me formei em técnico em enfermagem,
então o que falta para mim é uma faculdade (Rosalina).
Acrescentou Orlandina:
Eu também, eu tenho um sonho... Meu sonho é fazer a faculdade e como o Paulo,
estava dizendo, você possui poder nas mãos, você pode fazer alguma coisa para
mudar (Orlandina).
Maria Auxiliadora pronunciou-se então:
107
Eu quero ser muito uma contadora, adoro cálculo, o meu sonho é fazer ciências
contábeis, eu me identifico com o curso. Então todos os vestibulares eu tento
para esse curso (Maria Auxiliadora).
José Maria, mesmo estando empregado, comenta:
Serviço a gente tem, mas eu pretendo fazer uma faculdade, é uma coisa que eu
tenho dentro de mim (José Maria).
Pedro explica:
Quanto mais pessoas tiverem uma faculdade, melhor, acho que é uma
necessidade da gente ter, principalmente eu que sou família humilde a gente tem
que ter uma faculdade, não importa qual, porque o que conta hoje é o diploma,
porque quem tem já é difícil, imagina aqueles que não têm. Então eu penso assim
que a necessidade de ter uma faculdade, hoje, é muito importante, não basta
querer você tem que fazer e tentar. Pelo menos, o meu
objetivo é ser um
universitário, com certeza eu vou ser (Pedro).
Josimar pondera:
Bom, o meu projeto de vida é cursar uma universidade, independente do curso.
Eu tenho vontade de fazer agronomia, porque desde criança trabalhei muito com
a terra, com meus pais, então gosto desde cedo. Depois é claro, ter um trabalho
(Josimar).
Talvez o curso escolhido não fosse o esperado, mas procuravam ingressar em um
curso em que houvesse mais chance de serem aprovados. E, no futuro, de posse do
certificado ter um meio de ganho com maior garantia de estabilidade social e econômica
para eles e para sua família. Rosalina vincula a educação superior à possibilidade de
mudança que poderá se operar na sua vida e na de outros:
(...) Eu preciso fazer uma faculdade, não importa o curso; se for enfermagem,
pedagogia, se é letras, o importante é ter uma faculdade, eu pretendo fazer uma
pós-graduação, esse é meu objetivo.
(...) Por exemplo, nós que somos mães, por exemplo, o meu filho chegou hoje
para mim e me disse” mãe me ensina a fazer tarefa”. Bom! O que eu sei não é só
para ensinar meus filhos, uma vizinha. Então eu acho que quanto mais a gente
adquirir conhecimento é bem melhor (Rosalina).
108
Rosalina ressalta a necessidade da competência que se exige para o exercício de
uma função através do ensino superior:
Quando você tem somente o ensino médio, fica mais difícil, agora quando você
tem o ensino superior, o mestrado e o doutorado, você consegue mudar a sua
vida e a vida dos outros também (Orlandina).
Com o conhecimento adquirido vislumbram possibilidades que acenam melhorias
de vida.
Bom! O meu objetivo é ser pedagoga (risos), eu prestei o vestibular para
pedagogia duas vezes, e vou tentar de novo. Para eu ter uma vida melhor pra
mim e para os meus pais (Maria Silvanete).
Este depoimento volta à associação construída sobre o profissional com um
diploma, em seu aspecto humanístico e de conhecimento competente. Esta concepção de
Silvanete é compartilhada por Maria Auxiliadora:
Fazer a faculdade e ter o diploma também é por questões financeiras, para
ajudar minha mãe, futuramente, porque a gente tem que retribuir o que eles
fizeram por nós (Maria Auxiliadora).
Os depoimentos demonstram na sua totalidade grande expectativa de todos(as) de
abrirem perspectivas de reconhecimento, condição de trabalho e sobrevivência de
realização pessoal e de significação na realização de um direito subjetivo inalienável, o
direito ao acesso garantido pelo Estado de políticas públicas de inclusão e humanização.
Este trabalho procurou, até então, expor recursos da UNEMAT na formulação de
um curso voltado ao projeto da cidadania e das políticas afirmativas para pessoas negras, de
sorte a municiá-las para o enfrentamento do vestibular. Tentamos mostrar que um sonho
afirmativo fora adiado para estes jovens face às determinações coletivas que a condição de
pobreza e da cor da pele construía contra eles(as), no sentido de poder prosseguir na
aquisição de estudo e da necessária e justa profissionalização.
Ouvimos de um certo número de atores(as) entrevistados na dinâmica de grupo
focal que o sonho deles havia movido. Ele emergia como aceno à possibilidade de
esperança acenam à libertação. A estratégia, pois, do cursinho foi o fato determinante para
109
o rompimento da inércia. As pessoas tocavam suas vidas à luz da possibilidade de viverem
no real aquilo que motivava muitos, o sonho.
Dentro do campo de possibilidades, o curso pré-vestibular é um elemento que
mobilizou projetos individuais que sofreram alterações, ou não vinham sendo priorizados
devido às condições de vida de cada um. Solteiros ou casados, jovem ou adulto, estes
vivem um conflito dentro do ambiente familiar, onde o sonho de ingressar na universidade
é compartilhado com múltiplos projetos, dentro e fora do ambiente familiar.
No próximo capítulo iremos, à luz do processo emancipatório na concepção de
Paulo Freire, jogar luzes ao processo de libertação que se delinearão cada um deles, como
pessoa, como classe e etnia.
110
CAPÍTULO IV
A LUTA COTIDIANA DOS JOVENS E ADULTOS NEGROS NA
TRANSFORMAÇÃO DE UMA CULTURA RACISTA NO MUNICÍPIO
DE CÁCERES
Um dia eu estava no cursinho e uma aluna
chegou pra mim e disse:
_ Professor, eu vou desistir dessa turma.
_ Daí eu perguntei a ela o porque faria isso e ela
me respondeu:
_ É porque, nesta sala, tem muito preto
(Jober, prof. do cursinho).
Ao longo deste trabalho, acompanhamos a luta silenciosa vivenciada por jovens e
adultos negros na busca por melhorias de vida para si e para seus familiares. Entretanto, ao
caminhar, estes encontram diversas dificuldades, dentre as quais a realização de um sonho,
o de cursar uma faculdade. Este sonho acompanha alguns desde criança, outros desde a
adolescência. Outros, também disseram, que após adquirir um diploma de nível superior,
independente do curso que optar, este lhe possibilitará um trabalho e conseqüentemente
uma vida mais digna.
A oportunidade de poder participar de um curso com proposta de realizar a
discriminação positiva foi despertando gradativamente nessas pessoas algo que talvez não
tivessem parado para pensar ou mesmo que se pensavam ser difícil de acontecer, o ingresso
em uma universidade pública.
Por outro lado, a proliferação de cursos pré-vestibulares com características
comerciais nos oferecem provas de que grupos empresariais seguem à risca as normas do
capitalismo ao nutrirem os cursinhos comerciais. Esse tipo de negócio não é senão fábricas
de ganhar dinheiro, cujos donos não passam de indivíduos dominados pela produção do
dinheiro, resultante de uma sociedade cuja base está voltada para os preceitos do
capitalismo (Weber: 1967). A aquisição do capital não prevê mais uma satisfação de bens
materiais, mas somente o acúmulo de bens. Ou seja, só pode participar quem tem condições
socioeconômicas suficientemente à altura de tal empreendimento.
Weber indica também que, não somente os indivíduos são atingidos pelas idéias do
capitalismo, o mercado de trabalho também registra mudanças. Inclui nesse processo as
111
novas relações de trabalho que serão estabelecidas, nas quais “obriga o indivíduo, na
medida em que ele é envolvido no sistema de relações de mercado, a se conformar às regras
de ação capitalistas” (p. 31).
A opção pelo sistema capitalista tem sido responsável pelos altos índices de
desigualdades sociais em nosso país, podendo ser comparado a uma espécie de “coma”
social, na qual há um pequeno grupo se encontra numa posição privilegiada, mantendo uma
estrutura de bens, perpassada por muitas gerações. Por outro lado, um enorme grupamento
de cidadãos e cidadãs, não possuidores(as) de tais bens estão sendo prejudicados a ponto de
comprometer suas trajetórias de vida.
Quando a concentração de renda é cruzada aos índices de desigualdades de raça e
gênero, verificaremos que as desvantagens se agravam ainda mais. A dupla desigualdade
faz com que as dificuldades estejam presentes em todas as fases da vida desses indivíduos.
Portanto, a discriminação positiva que objetiva o ingresso de negros (as) na
universidade pública vem mostrar que os negros(as) deste país possuem na pele memórias
que jamais poderão ser recordadas por pessoas não possuidoras da mesma cor. Recordações
de que nosso país pratica, talvez, um dos sistemas mais perversos de discriminação racial já
visto em todo o mundo, o racismo silencioso.
É a partir desse contexto que propomos realizar um diálogo com Freire (2005)
Hasenbalg (1979), Fernandes (1965), Santos (2002), Hanchard (2001) e Figueiredo (2001),
na tentativa de entender até que ponto o racismo e as desigualdades raciais e sociais têm
funcionado como mecanismos de opressão na sociedade brasileira. Fazendo com que suas
vítimas vivam em um profundo processo de “alienação” - de classe, raça e gênero -,
interferindo no modo de ser delas, no jeito de encarar os problemas com uma questão
concebida e imutável, e por último, interferir em escolhas profissionais, estéticas, éticas,
afetivas.
112
4.1 – Opressores e Oprimidos: algumas reflexões
Os meus colegas me disseram que eu não era
negro para concorrer à vaga do pré-vestibular. E
me disseram que a proposta do projeto
discriminava o próprio negro
(Josimar).
O ponto de partida para compreender o processo de emancipação nas trajetórias de
vida dos sujeitos desta pesquisa, será a partir das análises das narrativas estes/as relatam a
sua participação em um projeto pré-vestibular gerido pela UNEMAT em parceria com os
movimentos populares do município de Cáceres, com vistas a garantir o acesso de jovens e
adultos negros (pretos e pardos) ao ensino superior.
Para iniciar nossa reflexão, partiremos da apreciação de duas palavras bastante
usadas por Freire (2005), opressão/ libertação. Se buscarmos o significado de ambas,
chegaremos ao seguinte resultado: Opressão ação ou efeito de oprimir, exercício
arbitrário, prepotente e cruel do poder, tirania, Libertação – ação ou efeito de (se) libertar.
Em princípio, essas palavras nos remetem à seguinte terminologia, se opressão,
ela inclui necessariamente a ‘representação’ de um opressor. Da mesma forma, ocorre com
o termo libertação. Se há indivíduos ou grupos que se encontram sob a égide de um
opressor, oprimidos e urge a necessidade que estes se libertem e gozem o pleno direito
de viverem em liberdade, para poderem se afirmar como humanos. Contudo, não é um
processo tão simples como aparenta ser.
A figura do opressor está instaurada na sociedade em que vivemos. Podendo estar
em lugares inimagináveis, em nossa casa, no trabalho, em nossas atitudes: dentro de mim,
de você e de todos nós. Com o passar do tempo, com maior ou menor intensidade oprimem/
oprimimos consciências, vidas, sonhos... Não as deixando ser o que sonhara um dia ser.
Em decorrência do processo de opressão/libertação, Freire menciona dois
fenômenos, humanização e desumanização. O sentido de humanização se adquire pela ação
contrária à negação de direitos e princípios retirados indevidamente das pessoas, postulando
uma liberdade a ser conquistada, fincada nos pilares da liberdade e justiça dos oprimidos. Já
o conceito de desumanização, seria o inverso, com um agravante, o processo ocorre
duplamente, o resultado da ação dos que os fazem vítimas daqueles que as praticam,
julgando-se acima das condições de subordinação, valor e representação. Desse modo, à
113
violência dos que assumem a posição de opressor, além de ser caracterizado como
desumano, nele será instaurada uma outra habilidade, o “ser menos”. Reitera seu
pensamento afirmando que não podemos encarar o processo de desumanização como uma
“vocação histórica” ou uma condição ontológica, de destino e natureza, do contrário
estaríamos fadados ao insucesso em qualquer tentativa de mudança. Desse modo, a luta a
ser empreendida é contra o espírito dos seres, a cultura da opressão e da subserviência.
(...) Humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos
homens como pessoa, como seres para si, não teria significação. Esta somente é
possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é,
porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta que gera violência
dos opressores e esta, o ser menos (Freire, 2005, p.32)
Ao longo processo de opressão, os oprimidos acabam sendo identificados e
“rotulados” como “ser menos”, incapazes de demonstrar qualquer ato de potência e de
sabedoria, ocasionando um fenômeno classificado por Freire de desumanização, “que não
se verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma
diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais” (p.32).
Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar
contra quem o fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos,
ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se
sentem idealistamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos
opressores, mas restauradores da humanidade em ambos (p. 33).
A grande tarefa a ser enfrentada pelos que estão na condição de oprimido. Libertar-
se não somente a si, mas, também, quem os oprime. O mesmo poder que os opressores
possuem para oprimir, explorar e violentar será na mesma medida, para que os que se
sentem prejudicados se sentirem fortes a ponto de se rebelarem e para libertar ambos.
Destaca ainda, os opressores na posição superior do ser mais terão para com os
oprimidos uma atitude de “generosidade”. Consiste em uma falsa generosidade, que visa
manter a injustiça estabelecida por parte daqueles que se encontram numa condição
privilegiada. A dupla ação destes estabelece uma relação natural por parte de quem oprime
e dos que se encontram na posição de oprimidos.
114
Paulo Freire nos apresentará uma nova modalidade de opressão, trata-se da
contradição entre opressores/oprimidos. Neste caso os oprimidos “assumem” uma postura
de opressores ou “hospedam” em si um opressor, como sublinha Freire. Por viver essa
dualidade, opressor/oprimido, salienta que será um processo de libertação muito mais longo
e doloroso, por viver a dualidade, pois enquanto os opressores não tomam consciência e se
libertam do estado que os aprisiona, a sua ão para com os oprimidos funciona como uma
mola desmotivadora dos seus sonhos e desejos. Perdem também sua autonomia e passam a
“introjetar” dos mesmos modos que seus opressores. Para estes a liberdade se apresenta
como:
(...) Uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca. Busca
permanente que existe no ato responsável de quem faz. Ninguém tem
liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a
tem. Não é também a liberdade um ponto ideal, fora dos homens, ao qual
inclusive eles se alienam (p. 37).
Esse fenômeno apontado por Freire pode ser observado na vida cotidiana dos
sujeitos desta pesquisa. A exemplo os relatos de Josimar indicam que na condição de
pacoteiro de um supermercado, este desempenha atualmente sua função “com amor e
alegria”. Então perguntei a ele se conseguia perceber no seu trabalho quais pessoas
ocupavam espaços de poder e como era a relação com os colegas de trabalho. Ele
respondeu:
sim. A gente percebe quem ocupa os cargos de chefia e não precisa a pessoa
ter um cargo superior na relação entre os colegas mesmo, às vezes trabalha no
mesmo cargo e a gente tem atritos constantemente (Josimar).
Mesmo identificando uma co-relação real de forças entre seus próprios colegas de
trabalho e entre os que ocupam cargos privilegiados, Josimar encontra formas ou
“estratégias” de driblar essa situação, atribuindo às pessoas a sua volta um tratamento
diferenciado:
Eu tenho uma forma de tratar as pessoas, eu sou muito fácil de fazer amizade.
Esses dias mesmo teve uma senhora... A e de um doutor da cidade. Ela faz
compra no mercado toda semana e eu converso bastante com ela e brinco
também com os clientes. Se o cliente reclama do mercado ele no direito dele.
115
Eu falo, a senhora tá no seu direito de reclamar, a gente aceita sugestões e esses
dias eu atendi ela e ela gostou. Um outro dia ela voltou, ela perguntou pra
caixa:
_ Cadê aquele pacoteiro meu amigão pra me atender? (risos) (e o entrevistado
fica emocionado).
Então isso aí... Sei lá, a gente procura melhorar, no dia-a-dia. Então, a gente tem
que ser colocar como cliente, também. Então, assim como eu trato os meus
clientes eu gostaria de ser tratado (Josimar).
Assim, Josimar tem conquistado as pessoas com o seu jeito meigo de tratar cada
um(a). Na verdade quem vende a imagem do supermercado são os funcionários. Estes
funcionam como se fossem os cartões de visita” da empresa, e nem assim os
administradores conseguem perceber essa dedicação ao trabalho. Josimar dizia que no seu
trabalho existem pessoas que já estão mais de 10, 15, 20 anos exercendo a mesma
função, sem serem promovidos.
Com a depoente X
85
não é diferente. Explica que trabalha diretamente com o
público e procura sempre tratar as pessoas de tal forma que se sintam “humanas”. Uma vez
que a saúde passa por problemas administrativos, acredita que a função que exerce é,
oferecer um serviço de boa qualidade a começar pelo tratamento ao público. Os relatos a
seguir demonstram uma situação de abuso por parte de um cliente da saúde, ao tentar usar
de sedução para com a depoente X:
(...) Na saúde você tem contato com muitas pessoas e tem gente que precisa de
mais atenção do que outras. Certa vez aconteceu um fato que me deixou muito
triste, um senhor que sempre ia consultar e a gente o tratava com muita atenção,
numa boa e ele já interpretou aquilo de outra maneira. Olha, esse negócio foi um
transtorno na minha vida e até hoje eu sofro com isso. Mas eu não deixo isso me
afetar. Depois eu comuniquei a chefia do meu trabalho e eles tiveram de tomar
uma atitude enérgica. Então tudo isso acontece na vida da gente, parece que vê o
jeito da gente lidar com as pessoas e sei lá, pensa que é por interesse. E tudo
isso são obstáculos na vida da gente, que se você não souber lidar com eles, eles
te detonam. Então a gente tem que saber manusear todos esses tipos de coisa.
Não obstante as condições de trabalho estabelecidas por parte de seus
administradores, os relatos de Josimar e a depoente X demonstram que as pessoas com as
quais convivem vêm assumindo uma postura de opressores. No caso de Josimar, não
85
A pedido da depoente este depoimento não poderá identificado.
116
bastasse a relação desigual de trabalho a que está colocado, há os que não possuem
sentimento de classe e se consideram superiores aos seus próprios colegas.
a depoente X relatou também uma situação em que mesmo ela estando como
representante legal da instituição em que trabalha, não tem seus direitos respeitados. Os
relatos podem ser compreendidos, também, partindo da afirmação de que aos homens e às
mulheres são atribuídos papéis diferenciados.
Esta constatação pode ser encontrada na obra de Heleieth Saffioti (1987), O Poder
do Macho, onde a autora não hesita em afirmar que o preconceito de gênero e raça no
Brasil é construído socialmente, com vistas a beneficiar os detentores do poder econômico
e político. Segundo ela, as relações de poder estabelecidas entre homens e mulheres designa
onde cada um deve atuar. Nesse caso, à mulher é reservado o papel de cuidar da educação
dos filhos e dos afazeres da casa, reforçado, sobretudo, pelo estereótipo de sedução
“amplamente” difundida na mídia brasileira, “mesmo quando a mulher desempenha uma
função remunerada fora do lar” (p.8).
No que tange à proposta de ambos participar do pré-vestibular, Josimar relata a
reação “negativa” das pessoas mais próximas, inclusive dos colegas de trabalho. Josimar
atribuiu a reação “negativa”, ao fato de muitos deles já serem pais de famílias e não
pudessem prosseguir os estudos. Logo, a não compreensão do demasiado interesse de
Josimar, por parte dos seus colegas de trabalho, o estranhou, porque, assim como ele, os
seus colegas também são, em grande maioria, negros. O fato também de ver um colega do
mesmo grupo social e racial lutar por um sonho não foi suficiente para que se sentissem
motivados em mudar de vida e nem se alegrarem com a atitude de Josimar.
Os meus colegas me disseram que eu não era negro para concorrer à vaga do
pré-vestibular. E me disseram que a proposta do projeto discriminava o próprio
negro (Josimar).
Reação contrária teve uma outra colega de trabalho, em relação a sua participação
no projeto:
(...) eu disse a uma colega que ia fazer a minha inscrição para concorrer à bolsa
que selecionaria somente pessoas negras, ela me perguntou, Josimar você é
negro, eu disse claro que eu sou, olha a minha cor. Então eu penso que a gente
tem que valorizar o que a gente é... Eu me orgulho muito da minha cor (Josimar).
117
Relatou que havia recebido reações contrárias advindas de pessoas de dentro da
própria Unemat, que não viam o projeto com ‘bons olhos’; segundo Josimar:
Quando eu fui à Unemat, uma funcionária de lá, me perguntou:
_ “Você vai falar com o professor Paulo Vieira, né?”
_ Eu respondi: “Vou sim”.
_ Aí ela me disse:
_ “Então você já vai pegar a sua cota, né?”
_ Eu lhe disse: sim.
E ela me respondeu de novo:
_ Ah! Agora vai ter um bando de negros entrando na Unemat (Josimar).
Josimar disse que fica “um pouco angustiado” com atitudes dessa natureza. E
explicou que geralmente leva na esportiva, para não brigar com as pessoas e para não
procurar confusão. Ressaltou que não se pode perder a esperança de que todo esse
preconceito um dia mude.
Similarmente, a situação exposta por Josimar é vivida por Rosalina. Colegas e
pessoas próximas têm tido reações contrárias a outros projetos que antecedem o pré-
vestibular da Unemat. Relata ainda que, em sua trajetória de vida, foram poucas as pessoas
que a incentivaram a fazer algo que viesse mudar a sua vida. A reação contrária por parte
dos colegas de trabalho veio após mencionar o desejo de fazer sua inscrição para o
vestibular em uma faculdade particular. Estes a aconselharam a desistir da idéia justificada
pelo fato que Rosalina “já não tinha mais idade para se aventurar”, e além do mais, “já
possuía um trabalho seguro”, “não precisava se preocupar com estudo”. Assim, na opinião
deles, ela estaria se envolvendo com outras atividades que lhe trariam somente dor de
cabeça.
Desse modo, a posição ideológica de opressores fora assumida pelas vítimas, pelos
oprimidos, fazendo com que estes não vislumbrem uma efetiva mudança em suas vidas
adaptem-se e resignem-se com sua condição de apartheid. Acabam por aceitar também que
as pessoas a sua volta, na condição de oprimidos, venham pretender tal melhoria. A perda
da auto-estima não os impulsiona a lutar contra o sentimento de negativismo e
conformismo presentes em suas vidas.
Não obstante a relação desmotivadora para com seus companheiros, Paulo Freire
nos apresenta uma outra característica resultante da dualidade oprimido/opressor, a
118
autodesvalia. Neste caso, por parte do opressor uma falsa percepção de rejeitar a sua
própria condição e imagem. O oprimido não possui a consciência desse primeiro estágio,
no entanto ficará mais difícil tê-la em presença da opressão, de um outro que oprime.
Assim, os oprimidos introjetam uma autodesvalorização pelo longo processo de
serem rotulados de incapazes. As representações sociais ligadas a estereótipos racistas,
sexistas, acabam por ser internalizadas e concebidas como condição de natureza e
reconciliação e da fabricação iníqua, colocando-o numa posição de subalternidade. Sob
contingente da figura do “ser mais”. Consideradas como mais capazes e mais inteligentes e
poderosas podendo haver uma transferência ou delegação de poderes, que os fazem
tornaram-se meros expectadores, torcedores pelo sucesso do outro.
Hasenbalg (1979) nos mostra que na dualidade opressor/oprimido instalar-se-á um
outro fenômeno, o de saber o lugar apropriadoem uma sociedade estratificada pela cor.
Explica que tanto as práticas de racismo declaradas como as sutis corroboram com o tempo
para um processo de desmotivação e desvalorização entre os negros:
Uma pessoa que espera passar sua vida toda na dependência, sem possibilidades,
tende a reduzir suas necessidades e aspirações à medida prescrita. Finalmente
aprende e interioriza como reagir de forma adequada às expectativas, sanções e
recompensas de seu dominador, visto que essa atitude assegura sua
sobrevivência nas condições vigentes (p. 200).
com o grupo racial branco ocorre o inverso, um espírito de valia e
pertencimento ao seu grupo de origem muito forte nesses indivíduos. O espírito aguerrido
de autoconfiança os impulsiona à realização de seus projetos pessoais, com segurança.
Desta forma existe uma disposição prévia de sucesso dos brancos e de insucesso dos
negros.
Fernandes (1965) identifica esse fenômeno no período s-abolição, como um
apego sociopático ao tradicionalismo
86
, onde brancos
87
e negros lamentavam a libertação
dos escravos. Estes por sua vez não seriam capazes de caminhar com suas próprias pernas.
O depoimento de uma anciã de família ilustre demonstra nitidamente:
86
(Idem, p. 57).
87
Está se referindo a pessoas brancas que iam desde aristocráticos tolerantes e simpáticos aos ex-escravos.
(ibidem, p. 57).
119
Eu acho que os negros eram mais felizes no tempo da escravidão, especialmente
quando tinham senhores bons. Tinham casa, roupa, comida, remédio e o trabalho
não era tanto assim. Porque em geral os negros não têm cabeça para se dirigir
sozinho na vida. Veja por aí como eles estão! (p.57).
Desse modo, compreendemos a função das teorias racistas desenvolvidas em finais
do século XVIII e século XIX para a internalização da condição de subalternidade,
impedindo qualquer expectativa de libertação. Santos (2002) afirma que dentre as teorias
racistas inauguradas no século XIX, está a que justificava a obediência que os negros
deveriam ter perante os brancos. Foi denominada como “a teoria da distinção racial pautada
na biologia, fortalecida, deu o estatuto final à teoria de que a natureza forja alguns
indivíduos ao comando e outros à obediência” (p. 52 e 53).
O sentido da “obediência”, mencionado pela pesquisadora, pode ser constatado nos
depoimentos de Josimar, ao relatar as reações contrárias em relação ao pré-vestibular,
dentro e fora do ambiente de trabalho. E, quando é insultado, Josimar fez questão de
enfatizar que prefere levar na esportiva esse tipo de atitude, prefere não brigar para não
“caçar” confusão.
Já com relação à expressão utilizada por Hasenbalg, “lugar apropriado”, Josimar faz
uma comparação com algumas situações ocorridas no trabalho ou na rua, as pessoas não lhe
tratam pelo nome e, sim, o chamam simplesmente pela cor, preto”. Explica ainda que até
mesmo uma senhora o ofendeu, lhe chamando de “negrinho atrevido”. Por outro lado, ao
mencionar o interesse em participar de um projeto de políticas afirmativas, veio a dúvida
por parte dos colegas se Josimar era realmente “negro” para participar do projeto.
Esta condição de inclusão ou exclusão deve ser considerada mais como estratégia de
interesse de pessoas não-negras em relação ao grupo oprimido e vitimizado. A sociedade
confere ao primeiro grupo plenos poderes para classificar como branco ou negro os que lhe
convém. Em defesa de seus interesses econômicos, sociais e morais.
Já Orlandina demonstra ter reações diferenciadas de Josimar. Lembra-se que quando
era criança ela e sua tia eram bastante xingadas pelos colegas. Os xingamentos as ofendiam,
mas explicam que não deixavam por menos, as duas se uniam e se defendiam brigando
também. Orlandina disse que ela e sua tia “não levavam desaforo para casa”.
Quando pequenas ela e sua tia eram bastante temidas pelos colegas, pela fama de
briguentas. A expressão usada por ela, “não levava desaforo para casa” demonstra que ser
120
negra há quarenta anos não era fácil perante a sociedade, sobretudo porque seus professores
não tomavam nenhuma atitude em defesa de ambas. Então o jeito era brigar mesmo, como
tentativa de “demarcar território”. Lembra ainda que, até hoje, as pessoas muitas vezes em
seu ambiente de trabalho não a chamam pelo nome, e sim, “morena” ou “moreninha”.
Contudo sua reação é bem diferente, hoje ela tem argumentos para contrapor aqueles(as)
que não a chamam pelo nome ou qualquer outro tipo de atitude que não esteja de acordo.
Mas, Orlandina se colocou muito preocupada em relação aos seus filhos, caso venham
passar pela mesma situação e não saberem se defender.
eu ficava preocupada, e me perguntava, será meus filhos vão passar por isso,
e os homens, ainda... Apesar de que eu acho que as mulheres sofrem mais... A
mulher negra tem o cabelo duro, agora o homem negro tem o preconceito, mas é
menos, por exemplo, eles têm mais facilidades de serem modelos (Orlandina).
A atribuição da “cor” em substituição ao nome torna-se um fato curioso nos relatos
de Josimar e Orlandina. Um outro exemplo foi quando Josimar demonstrou interesse em
efetuar a sua inscrição para o pré-vestibular, e foi sido questionado por uma colega de
trabalho se realmente era “negro” para participar do projeto. De posse das narrativas que
demonstraram essa peculiaridade em relação à “cor”, cheguei à seguinte conclusão, no
momento em que surge uma chance para que o negro tenha a oportunidade real de melhoria
de vida podendo dar um rumo diferenciado em sua vida, todos em sua volta se
“incomodam” e o questionam se realmente são negros para participar de tal atividade ou
também invertem o papel de quem discrimina, questionam se dessa maneira não estará ele
próprio praticando a discriminação consigo mesmo.
Zoppi-Fontana (1998) explica que “piadas” e as diversas manifestações que
expressam fatos engraçados são permeadas de significados ditos e não ditos. Os atos dessa
natureza são considerados pela pesquisadora como atos “lúdicos”. Logo, os exemplos
mencionados por Josimar e Orlandina podem ser classificados como expressões
“lúdicas”compondo, dessa maneira, o rol de manifestações aludidas cotidianamente aos
negros. Informa ainda:
O lúdico se constitui, assim na sua relação necessária com o imprevisto, com o
imprevisível, com o não dito, com o indizível. Nas suas piadas, ficção, etc, o
lúdico faz acontecimento, produzindo deslocamentos em processos já legitimados
121
e sedimentados de produção de sentido e configurando novos espaços de
significação (p. 60).
Na verdade, o que parece estar configurado é o processo de naturalização do
racismo na sociedade brasileira. Torna-se cômodo e mais fácil reconhecer o negro somente
para discriminá-lo do que reconhecê-lo como cidadão de posse de direitos que garantem o
acesso a bens como saúde, educação, moradia, entre outros.
A opressão racial soma-se freqüentemente à alienação religiosa, que tece de forma
irrecorrível a alienação política.
4.2 – Deus, uma representação mística
(...) Tudo o que eu aprendi até hoje foi graças à
igreja e se eu participei das questões sociais, foi
pela caminhada de comunidade
(Esmeraldo).
Quero acrescentar um outro aspecto que inclui a pertença religiosa dos meus
informantes no que diz respeito ao par opressão/oprimidos, segundo Paulo Freire (2005)
mostrando a dualidade dos oprimidos, mencionada anteriormente, quando este “hospeda”
dentro de si o opressor e a legitimação religiosa neste contexto. Destaca ainda, que as
pessoas oprimidas enquanto não alcançam um grau de consciência, esta “assumem atitudes
fatalistas em face da situação concreta de opressão em questão” (p. 54).
A figura de Deus da tradição judaica embranquecida, para essas pessoas
desempenhará um papel de extrema importância e não raro de violência. Deus lhes aparece
não como fonte impulsionadora e sim o altar opressor que os faz encarar os fatos da vida
como sina ou destino, assumindo o conformismo, atribuindo à figura divina estar na
situação de sofrimento e exploração.
Dos 04 depoentes que foram entrevistados pessoalmente, percebe-se nitidamente na
fala deles uma íntima ligação com Deus. Ao contrário do que Freire (op. cit) aponta que a
concepção de Deus construída na ideologia dos opressores serve de “ópio” no sentido de
submetê-los à opressão neste mundo, na perspectiva de sua salvação fora da história, a
imagem que essas pessoas têm de Deus é como se fosse uma fonte positiva e inspiradora
122
para tudo que venham realizar em suas vidas. Depoentes meus apresentam estas duas faces
nas suas experiências religiosas, a ambigüidade de experiências de Deus como patrão,
branco, juiz e feitor que se contrapõe a uma de amor, providência, mãe e não-branca.
No que tange à representação feminina de Deus, Leonardo Boff a partir dos
preceitos da Teologia da Libertação, deixa em aberto um questionamento: “como pensar
Deus e a sua graça a partir da mulher pobre, oprimida e excluída?” (Muraro e Boff, 2002:
88). O começo para essa percepção, talvez pudesse partir de um olhar a nossa volta, assim,
constataríamos que tudo o que está relacionado à geração da vida tem atributo feminino
como a: mulher, a água, a terra, a árvore, etc.
Velho (1999) compara a igreja a uma das instituições da sociedade moderna que
têm contribuído para afirmar a identidade, os indivíduos, “de qualquer forma mudam o
caráter de sua relação com as instituições preexistentes” (p. 98). Assim, procuraremos
identificar essas características nos depoimentos que seguem.
Josimar, por exemplo, teve uma ligação forte com a igreja. Relata que vivenciou
essa experiência na sua juventude e explica que mais tarde houve um certo distanciamento:
Na minha infância eu era mais religioso que hoje. A gente sempre fazia aquelas
novenas no sítio e eu ia sempre na frente do santo. E hoje, muitas senhoras vêm
me dizer, ah! Mas, você era religioso, você afastou... eu fico pensando, né...
Esses dias eu tava pensando, oh, se eu fosse tão constante com a religião hoje,
acho que eu ia estudar pra padre (risos)... Tanto que eu era fervoroso na minha
infância (Josimar)
Os demais demonstram uma ligação mais decisiva e estreita com a religião. Nos
depoimentos de Rosalina, Esmeraldo e Orlandina essa ligação com Deus se tornará uma
fonte de significação, de ligação e de direção para as suas vidas.
Rosalina demonstra ter uma confiança muito grande em Deus. Considera-o numa
perspectiva mística e incentivadora, encarnada na passagem bíblica: “Jesus Cristo caminho,
verdade e vida”. Nas dificuldades que venha ter, ela diz recorrer a orações nas quais pede
que Deus lhe aponte os caminhos e lhe mostre as respostas. Nos momentos de dúvida Ele
lhe oferece o auxílio necessário. Quando relembra a sua trajetória de vida, Rosalina revive
os momentos de dificuldade por que passou. Diz:
123
(...) Pois é, a minha trajetória de vida é essa... Eu sou de família pobre, minha
mãe era analfabeta e graças a Deus... Deus foi tão bom comigo que eu casei, eu
tenho 16 anos de casada, tenho um filho, a gente nunca se separou e a gente vai
vivendo. Eu gosto muito de participar de ação social da igreja, eu sou
coordenadora da Pastoral da Criança aqui da Catedral, né? Participo da
comunidade São Francisco de Assis. Em relação a tudo o que eu quero fazer eu
sinto que tem a mão dele que me ajuda, porque... Porque não existe, não tem
outra explicação, né? Através dele eu tenho conseguido muita coisa (Rosalina).
Quando tem dificuldades no estudo também recorre às orações. No vestibular, por
exemplo, embora tenha alcançado uma boa pontuação que a deixou em uma classificação
alta, Rosalina não conseguiu “passar” no vestibular da Unemat. Mas, isso não fez com que
desanimasse e desistisse dos seus ideais. Relata que não recebeu apoio do seu esposo e nem
dos colegas de trabalho. Ao contar aos colegas que participaria da seleção de uma
faculdade particular, tentaram de tal modo persuadi-la a ponto de quase desistir.
Mas, antes de efetuar a sua matrícula na faculdade particular onde faria o curso de
Pedagogia, Rosalina teve muita dúvida e por isso recorreu às orações:
Eu fiz o vestibular da UNOPAR
88
, e você precisava ver o que as pessoas falavam
pra mim:
_ Nossa! Rosa, por que você vai estudar agora?
Uma porção de gente ficou falando um monte de coisa pra mim, eu quase desisti.
Aí, quando eu to com dificuldade eu vou ao Santíssimo e rezo... Eu sou da igreja
carismática eeu comprei um livro da Canção Nova que fala assim, quando só
Deus é a resposta. Aí, comecei a ler esse livro, sabe... Comecei a lê, lê, e
comecei a interpretar, e tinha coisa que era comigo mesmo. Aí, falei eu vou fazer
a minha matrícula, vou dar um jeito (Rosalina).
Ela se matriculou e freqüenta, desde então o curso de Pedagogia:
(...) se Deus me ajudar eu gostaria de continuar essa faculdade de Pedagogia
que eu to fazendo e fazer um outro curso na Unemat (Rosalina).
Esmeraldo e Orlandina, contrariamente à expressão de religiosa de Rosalina, têm
na figura divina algo que os alimenta para a realização do que fazem e são como pessoas.
Contudo, quando se referem a Deus não é de uma forma direta, ambos se referem a
experiências comunitárias e a ações coletivas, à caminhada da igreja que contribui para
88
Universidade Norte do Paraná.
124
ampliação do seu conhecimento tanto para a vida pessoal como profissional. Esmeraldo
relata que na vida profissional:
Assim que eu terminei os estudos, eu fui convidado para fazer parte da diretoria
da União de Social de Assistência (USA) e também para trabalhar nos serviços
burocráticos da entidade, que na época atendia crianças que viviam na rua,
mesmo possuindo famílias. Inclusive eu fui indicado pra esse trabalho porque eu
tinha uma experiência de comunidade e como educador no Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR). E em 97 fui convidado a
morar na USA, a convite do Pedro
89
(Esmeraldo).
Ao constituir sua família, Esmeraldo também expressa a influência direta da sua
ação e pertença eclesial:
Nesse período eu conheci a minha namorada, foi na igreja, a minha participação
do grupo de jovem, na época ela também participava. No começo não foi fácil, os
pais dela eram muito bravos e a gente tinha medo da reação dele quando
descobrisse. Hoje somos casados, temos um filho que se chama Mateus
(Esmeraldo).
Reconhece que toda a experiência acumulada em sua trajetória pessoal de vida, não
foi somente por seu mérito ou força de vontade, e sim experiências vivenciadas ao longo de
sua vivência nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e nos movimentos populares de
Cáceres. Demonstra um ato de e ao mesmo tempo de incentivo, mesmo quando foi para
ingressar na universidade:
Primeiro eu fiquei em 48º na classificação do vestibular, depois fui para 42º,
fiquei na expectativa de conseguir no último dia da segunda chamada, faltavam
três pessoas. No outro dia foram somente duas pessoas fazer a matrícula... Pra
mim foi uma surpresa ter sido chamado, eu me emocionei muito, fui até em uma
igreja agradecer e eu acredito que a minha caminhada na igreja e em outros
lugares que eu trabalhei me ajudarem muito nesse momento. (...) Tudo o que eu
aprendi até hoje foi graças à igreja e se eu participei das questões sociais, foi
pela caminhada de comunidade (Esmeraldo).
89
Pedro de Oliveira, conhecido como Pedro Cidadão, é agente popular e na época coordenava os trabalhos
sociais na União Social de Assistência (USA). Nessa mesma época Pedro Cidadão também convidou
Esmeraldo para morar, no local de trabalho.
125
Situação similar apareceu nos depoimentos de Orlandina. Ela participa da mesma
comunidade de Esmeraldo, ligados a uma mesma paróquia. Reconhece que a participação
na igreja contribuiu muito para o seu crescimento pessoal. Explica ainda:
Quando cheguei no bairro Vitória Régia, eu comecei participar aqui na igreja
com o pessoal. Eu participei de várias igrejas, mas que eu não era
participativa, como sou aqui... (Orlandina).
Ao usar a expressão “participativa”, esta se referindo aos trabalhos sociais nos quais
a sua comunidade está inserida. A comunidade de Orlandina pertence à Paróquia Cristo
Trabalhador, esta por sua vez tem o seu projeto de evangelização baseado na Teologia da
Libertação, tendo como foco principal do seu trabalho eclesial
90
a opção preferêncial pelos
pobres, bem como, a presença efetiva nas lutas sociais
91
.
A sua participação na Comunidade Vitória Régia, completa seis anos e explica
que foi também através da comunidade que pôde participar de:
Cursos... E muitas coisas boas aconteceram, participei de palestras. Foi muito
bom pra mim. Através disso também, eu comecei a participar do grupo de
pessoas negras e no grupo de mulheres (Orlandina).
Hanchard (2001), em sua obra “Orfeu e o Poder: Movimento Negro no Rio e São
Paulo”, apresenta a contribuição que a igreja pode oferecer no processo de formação da
consciência racial. De acordo com um frade franciscano e também agente da Pastoral do
Negro, é mais prudente que se permaneça dentro da igreja com vistas a uma maior abertura
do debate concernente às questões raciais. Um possível rompimento com a igreja atual,
traria prejuízos e até descrédito para aqueles que sempre lutaram dentro da instituição
contra a discriminação racial.
Informa ainda que, diferentemente do Brasil, na África do Sul, em função do
preconceito institucionalizado há um grande número de instituições religiosas somente para
negros. Embora, no Brasil, talvez exista um dos mais perversos sistemas de discriminação,
não se encontra ramificações religiosas do tipo encontrado na África do Sul. Entretanto, há
iniciativas de grupos engajados e simpatizantes da luta dos negros, dentro das instituições
90
Cultos, Missas, Grupos de Reflexão, Pastorais entre outros.
91
Luta pela terra, Direitos Humanos, questões ambientais, Grito dos Excluídos, entre outros.
126
religiosas brasileiras proporcionando, assim, ações políticas alternativas e independentes.
Destaca ainda, “esses locais ajudam os indivíduos e grupos a darem o salto – pequeno, mas
significativo – da raça para a consciência racial” (p. 103).
De certo modo, a participação de Rosalina, Esmeraldo e Orlandina na igreja tem
contribuído para uma redefinição dos seus projetos de vida e o reconhecimento que a
caminhada eclesial tem contribuído para o seu crescimento intelectual. Dentre os quais
pôde-se perceber uma maior contribuição da igreja na formação da consciência racial nos
relatos de Orlandina e Esmeraldo. Foi através da igreja que puderam participar de outros
segmentos organizados para a reivindicação de direitos. Em relação a Orlandina a
participação no Grupo de Mulheres, Grupo de Consciência Negra e um contato mais
próximo do CDH conferiu-lhe um forte reconhecimento de sua parte, da condição de raça e
gênero na sociedade vigente.
Igualmente ocorreu a Esmeraldo. Desde muito jovem teve ligações diretas com a
igreja católica. E por intermédio desta relação tão próxima pôde ter contato com pessoas
ligadas aos movimentos sociais, que há tempos dedicavam sua vida em prol de um
objetivo, lutar pela dignidade e pela vida.
Por outro lado, a vivência espiritual de Rosalina e Orlandina é originária de linhas
de igrejas com propostas pastorais diferenciadas. Contudo, Muraro e Boff (2002) dizem que
Ao nomear o Divino a partir da sua experiência de mulheres - mulheres oprimidas -,
elas puderam revelar dimensões teológicas insuspeitadas, somente possíveis porque
elaboradas e ditas por elas mesmas. Com isso o discurso religioso e teológico
enriqueceu-se enormemente, propiciando aos professantes da fé uma experiência
mais completa e global de Deus e dos mistérios divinos (p.89).
Em relação a Josimar apresenta em seus relatos uma consciência racial bastante
motivadora, seguida da indignação pela forma como os negros são discriminados na
sociedade. Pois, dentre os 40 participantes que responderam ao questionário a pedido da
pesquisadora, na questão que solicitava a autoclassificação racial, ele foi o único que
respondeu, “negro, com muito orgulho”.
127
4.4 – Família: “rede” de apoio que auxilia na caminhada
(...) o meu pai trabalhava de gari e saía de
madrugada pra trabalhar. Assim que ele chegava por
base de umas 10:00 horas da manhã ele ia ajudar a
gente na horta. Depois de todo o serviço feito, a
gente almoçava, tomava banho e ia pra escola e
depois a gente voltava pra horta pra ajudar ele. A
gente fazia aquilo, contente (Josimar).
Através dos depoimentos fornecidos pelos sujeitos, constatou-se o valor da família
em suas trajetória de vida. Ao fazer um balanço dos momentos difíceis por que passaram,
reconhecem, por outro lado, avistar muitas conquistas aprendizados.
No que tange à ocupação dos pais, dos 40 sujeitos apenas Josimar mencionou ter
passado parte de sua infância na zona rural. Os demais bolsistas enfatizaram com maior
freqüência a escolaridade.
Esboçaremos a seguir informações retiradas do questionário, da pergunta aberta que
solicitava informações da situação escolar do pai e da mãe dos 40 bolsistas. Os dados
seguem na tabela abaixo:
Constatou-se que o percentual maior de Analfabetos está no grupo de mães com 22%
(e o grupo de pais com 15%). No Ensino Fundamental incompleto a posição se inverte os
pais chegam a ser mais da metade 29% e as mães com 23%. Em relação ao Ensino
Fundamental completo 23% dos pais o possuem, e as mães 15%. o percentual de pais
que possuem o Ensino Médio incompleto aparece com apenas 3% e as mães com um
percentual mais elevado 10%. No que tange ao número de pais e mães que possuem o
Tabela 21
Distribuição percentual dos bolsistas segundo a escolaridade do pai e da mãe
Escolaridade do Pai Escolaridade da Mãe
N % N %
Analfabeto 06 15% 09 22%
Ensino fundamental incomp. 12 29% 09 23%
Ensino fundamental completo 09 23% 06 15%
Ensino médio incomp. 01 3% 04 10%
Ensino médio completo 04 10% 04 10%
Ensino superior - - 02 5%
Não declarou 08 20% 06 15%
Total 40 100% 40 100%
128
Ensino Médio completo, o percentual se apresenta igual, 10%. Possuem o Ensino Superior
completo apenas 5% das mães.
Os resultados pertinentes à escolarização dos pais dos depoentes foram confrontados
com os dados da pesquisa realizada pelo CNTE em 2001 que investigou o perfil dos alunos,
dos professores e dos pais dos alunos, visando conhecer o retrato da escola púbica. No que
tange à escolarização dos pais e mães, a pesquisa demonstrou um nível bastante alto de
analfabetismo. O alto índice de desescolarização chegou a 16% do total dos entrevistados,
considerado um número expressivo da parcela da população adulta brasileira.
Em relação à escolarização da família, Amorim (2004) também encontra um número
bem reduzido de pais e mães escolarizados. No entanto, afirma que:
Para conhecer e analisar a identidade dos universitários a partir do lugar ocupado
pela família, seria insuficiente reduzir pura e simplesmente à condição material
de existência, pois, é necessário passar pelo crivo da especificidade e pelo interior
de cada uma das famílias (p. 46)
Segundo ela, além da posição ocupacional das famílias das camadas populares,
destaca que na convivência cotidiana estabelecem com seus filhos uma relação fraternal e
afetiva, ultrapassando, assim o conhecimento ensinado na escola. A pesquisadora pôde
comparar os filhos pertencentes à família de “camadas de renda mais baixa”, por outro
lado, os filhos de famílias de classe média.
No primeiro caso, constatou a forte influência de pais que, em função da situação
socioeconômica, não exige dos filhos um bom desempenho na escola, mesmo em caso de
reprovação. Em conseqüência estes acabam por abandonar os estudos e entrar
precocemente no mercado de trabalho, não concluindo os estudos.
no segundo caso, demonstra ser o contrário. Os estudantes oriundos de famílias
pertencentes à classe média possuem em suas trajetórias de vida e escolar, situações
confortáveis para o acesso e permanência no sistema de ensino. Quando na universidade,
ocorre o mesmo, havendo casos de estudantes que ainda não teria precisado “dividir o
tempo com o trabalho”.
Amorim destaca um outro fator em sua pesquisa constatado no interior das famílias
dos estudantes negros, as “redes” de apoio. A rede de apoio teria sido mencionada
primeiramente por Teixeira (2003), na obra Negros na universidade: Identidade e
129
trajetórias de ascensão social no Rio de Janeiro A obra ora mencionada originou da
pesquisa de doutorado de Teixeira realizada em uma universidade pública do Estado do Rio
de Janeiro, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Um dos objetivos da
pesquisadora foi conhecer quais caminhos alunos e professores negros trilharam para
chegar na universidade e permanecer nela, até o término de seu curso. Devido ao quadro de
informações sobre “histórias de vida familiar e projetos tão diversificados” (p. 217)
constatou-se a existência das “redes de apoio” na vida dos estudantes e professores negros.
As dificuldades enfrentadas por ambos os sujeitos fizeram com que estabelecessem
aliados (as), parceiros (as) dentro e fora do ambiente familiar. Teixeira (2003, p.217) chega
à conclusão de que “são as ‘redes’ de relações o fator social determinante nas trajetórias de
ascensão” em suas vidas. Os 04 entrevistados, em determinado ponto da conversa
conseguem perceber momentos em que estiveram na condição de oprimidos, sem
autonomia e consciência crítica suficiente que os pusesse em movimento.
Ao refletirem sobre esses momentos vividos admitem a existência de entraves
internos que não lhes permitiram, talvez, demonstrar o seu verdadeiro sentimento.
Sublinham que em certo ponto, evitavam ao máximo uma situação de conflito e mal estar
com as pessoas que os cercavam. Em outros momentos diziam estar dependentes, tendo que
cumprir determinada tarefa, para depois tomar uma decisão que viesse mudar suas vidas.
Ao se reportarem às dificuldades que passaram na infância ou aos entraves que
tiveram ao longo de suas vidas, eles demonstram um carinho muito especial pela família.
Em concordância com os relatos de cada um, verifica-se que todos (as) são oriundos de
famílias numerosas, e reconhecem que seus pais não tiveram oportunidades e escolhas.
Esmeraldo relata, por sua vez:
Minha mãe teve 14 filhos, morreram 06 filhos e eu sou o filho do meio, porque
naquele tempo era muito mais difícil. Um dos meus irmãos morreu de sarampo e
os outros morreram com aquela doença de 07 dias, as crianças não duravam
mais que 01 mês. Então foi toda essa luta com a gente (Esmeraldo).
Orlandina, também recorda a vida difícil que enfrentava desde pequena:
Bom! A minha trajetória de vida... Assim... É como... Quando eu penso...
Falando de..., A gente foi tudo bem pobre (fala compassadamente). Aí pobre. Eu
130
morei um tempo com a minha vó, tudinho... E quando eu penso assim..., Por ser
pobre eu disse assim, espera aí! (Orlandina).
Rosalina não foge à regra:
(...) Pois é, pra mim estar onde eu to hoje, eu não tive infância, né, porque com
07 anos de idade... A minha mãe era analfabeta de uma vez, nunca estudou os
pais delas nunca importou dela estudar. Nós éramos uma família de 12 filhos,
minha mãe teve 12 filhos e desses 12 filhos, ela teve 06 com o primeiro marido,
eu sou a caçula dos filhos do primeiro casamento e depois ela amigou com um
outro, aí com esse outro ela teve mais 06 filhos. Todos os meus irmãos eram sem
registro, desde os mais novos aos mais velhos. nós morávamos no bairro
Cidade alta, né? Eu tava com 07 anos e tava no período de ir pra escola, e
pra ir à escola tinha que ter registro. Nessa época, o cartório tava fazendo
registro de graça, eu lembro vagamente, sabe... o pessoal foi em casa e
ela fez o registro, tudo perdido, então cada um ficou com uma data diferente,
entendeu? Cada um ficou com uma idade fora do que era, ela não sabia lê e nem
escrever, ela perdeu a data de nascimento dos filhos, era bastante (Rosalina).
Segundo os depoentes, o fato de os pais deles na época não possuírem estudo ou um
trabalho fixo, não significava, que estes não dessem o devido valor à aquisição da
escolaridade. A situação econômica em que se encontravam não os faziam vislumbrar
quaisquer perspectivas de mudança na qualidade de vida à qual tinham acesso.
No primeiro encontro
92
com Josimar, este teve muita liberdade para falar sobre sua
família demonstrando muito carinho e orgulho dos pais e dos irmãos. De origem rural,
informou à pesquisadora que o trabalho sempre foi desenvolvido coletivamente, sempre
com a ajuda da mãe e de todos os irmãos ajudavam a manter o sustento da casa, a plantação
de verduras. Passou parte de sua infância na zona rural, ajudando a família a tirar o sustento
através da agricultura e para completar a renda familiar seu pai trabalhava de gari:
(...) o meu pai trabalhava de gari e saía de madrugada pra trabalhar. Assim que
ele chegava por base de umas 10:00 horas da manhã ele ia ajudar a gente na
horta. Depois de todo o serviço feito, a gente almoçava, tomava banho e ia pra
escola e depois a gente voltava pra horta pra ajudar ele. A gente fazia aquilo,
contente. Mais tarde nós conseguimos um outro pedaço de terra pra plantar roça
e eu posso dizer que o que sustentou toda a nossa família foi o dinheiro da roça.
Hoje os meus irmãos já estão crescidos e mudamos de lá. Agora a gente mora no
centro, meu pai trabalha de auxiliar de serviços gerais em uma empresa privada
e eu trabalho em Supermercado aqui da cidade (Josimar).
92
Para realizar primeira seção de entrevista individual.
131
De família numerosa, os irmãos, em grande maioria negros(as), Josimar relatou
nunca ter tido problemas em relação a sua cor. O ambiente familiar sempre proporcionou a
ele e aos irmãos momentos acolhedores. Não percebendo, pois, qualquer tratamento
diferenciado por parte de seus pais e relata:
(...) desde a minha infância os meus pais sempre tratou igual eu e meus irmãos
(Josimar).
Informa que veio perceber o preconceito depois de uma certa idade fora do
ambiente familiar. Relembra experiências desagradáveis de pessoas que insistem em tratá-
lo de forma a deixá-lo constrangido diante de terceiros:
Às vezes a gente vai na loja e é tratado tão mal. Talvez seja pela minha cor, pela
minha maneira de vestir, pois, se você não tiver vestido uma roupa chique eles
não te tratam bem. Muitas vezes, a pessoa se engana nisso, de repente aquele que
ta mais bem vestido é que rouba (Josimar).
Ainda que as dificuldades fossem muitas, estes compartilhavam do mesmo desejo, o
de fazer com que os momentos difíceis pelos quais passaram não se repetissem com os seus
filhos, a começar pelo controle do mero de filhos... Possuem, hoje número de filhos
reduzidos. Dos 04 entrevistados somente Josimar é solteiro e mora com os pais. Esmeraldo
e Rosalina constituíram famílias bastante novos e ambos possuem 01 filho. Orlandina,
embora tenha também constituído família na juventude, possui 03 filhos.
Percebemos também que suas trajetórias de vida vão sendo marcadas pela busca
incessante do estudo, com o objetivo de alcançar uma colocação profissional que lhes
ofereça uma certa estabilidade. Todos os entrevistados finalizaram os estudos com idade
avançada e devido à jornada de trabalho não tiveram oportunidade de terminarar os estudos
no sistema de ensino regular. Recorreram ao sistema de ensino “supletivo”, chegando a
concluir 02 séries em 01 ano. Este foi o caso de Esmeraldo ao relatar as dificuldades por
ele enfrentadas:
Eu me lembro, pois morávamos em uma fazenda e a escola ficava a 8 km dali e
até hoje eu recordo a dificuldade que nós tínhamos de estudar. Tinha dia que
acontecia do meu irmão acordar todos nós de madrugada, principalmente
quando a lua estava clara e na verdade eram 03:00 horas da manhã, mas a gente
132
levantava do mesmo jeito e quando chegava na cidade tinha que esperar
amanhecer para entrar na escola. Eu me lembro também que pra gente ir à
escola a gente tinha que atravessar uma ponte e quando chovia tinha de esperar
a água baixar um pouco pra gente poder atravessar. Nesse ano eu tava fazendo a
primeira série, mas eu acabei reprovando (Esmeraldo).
E na opinião dele pouca coisa mudou em relação às condições oferecidas aos que
freqüentam atualmente os estabelecimento de ensino público. Compara a situação que
viveu quando em Rondônia:
(...) no sítio os pais dos alunos, tiveram de fazer mutirão para fazerem os bancos.
Meu irmão fez uma cadeira muito bonita pra mim... (Esmeraldo).
E quando foi para cursar o 2º ano do ensino médio não foi diferente:
Fiz a minha inscrição para o período da manhã, porque não tinha vaga. Depois que eu
consegui me inscrever descobri que não havia carteira para se sentar. Então a professora
me disse;
_ Você vai ter que conseguir uma carteira se quiser se sentar.
No dia seguinte, eu falei com o marceneiro do meu trabalho e ele
confeccionou para mim uma carteira no estilo colegial. Levei para a escola e
coloquei o meu nome nela (Esmeraldo).
No que tange ao acesso ao ensino superior, Esmeraldo acredita que:
A universidade é um direito de todos, mas a sua estrutura não suporta todas as
pessoas que nela querem estar. As vagas são poucas e os cursos mais
concorridos como Direito funciona de manhã e o curso que eu escolhi que é
história é à noite e só assim eu posso estudar e trabalhar (Esmeraldo).
Desse modo, vamos constatando que a família desempenha um papel muito
importante na vida desses sujeitos. Embora, afirmem ter passado por muitas dificuldades
em vários momentos de suas vidas, veremos que a instituição família tem funcionado como
um “porto seguro”, um aconchego.
133
Bandeira (1988), em estudo realizado em Vila Bela da Santíssima Trindade
93
, MT -
constatou vários modelos de famílias, dentre as quais, o modelo familiar gerido por
mulheres negras, logo, maternal. Na opinião da pesquisadora, o “arranjo” de família:
Família maternal, ou de chefia feminina e agente dinâmico da organização social.
Constituindo um arranjo positivo de reprodução da sociedade comunitária,
introduz um fator relativizante no ordenamento, por não corresponder às normas
básicas de organização social (p. 147)
Segundo Bandeira o modelo de família maternal em Vila Bela, se origina da relação
de um homem casado - possuidor de uma família “estruturada” - com mulheres solteiras,
com quem este não teo compromisso de assumir os filhos ou habitar na mesma casa. Os
filhos desta relação serão considerados “filhos da rua” e os filhos tidos dentro da família
“estruturada” são considerados como sendo “filhos de casa”. Assim, o modelo de família
maternal faz com que as mães negras criem seus filhos sem a presença masculina. Informa
ainda, que os descendentes masculinos “(...) da família maternal muito cedo ‘saem de casa
e acabam por integrar outras famílias ou constituir, pelo casamento, a sua própria. O
casamento apresenta-se como oportunidade privilegiada de aliança socialmente vantajosa e
estável” (p. 148).
Pondera a importância da família na vida dos Vilabelenses. Pois é através da família
que os indivíduos são reconhecidos como membros da comunidade. É na família que o
individuo cresce moralmente e “adquire sua identidade social” (149).
Figueiredo (2002), em estudo realizado na Bahia sobre a influência da família para
os negros que galgaram a ascensão social almejada, menciona que depois de formados, com
uma profissão que lhes dava certa segurança financeira, afirmavam que a família funcionou
como um instrumento incentivador em suas vidas, no período que cursavam a faculdade.
A pesquisadora informa ainda, em relação à composição da família: “nos estudos
sobre famílias negras tem-se atribuído a ela características diversas da família branca
94
. Em
que pese a existência de diferentes explicações, o matriarcado é visto como a principal
particularidade” (p.69).
93
Primeira capital do Estado de Mato Grosso. Trata-se de um município onde a maioria da população é
formada por negros e descendentes de africanos.
94
Quase todos os trabalhos sobre família negra referem-se ao contexto social norte-americano.
134
Pelos relatos dos depoentes, a condição da mulher, sobretudo, negra confirma em
Cáceres, pelos relatos dos depoentes, condição similar àquela mencionada por Bandeira e
Figueiredo. Vejamos o relato de Orlandina, ao referir-se a sua infância e ao papel
desempenhado pela sua avó, mãe e sua tia:
Eu morei um tempo com a minha vó, tudinho... E quando eu penso assim..., Por
ser pobre eu disse assim, espera aí! Por exemplo, no estudo eu ia pra escola
minha tia, a gente tinha os cadernos, tudinho. Então, eu morei com a minha
até os 12 anos de idade. Aí, depois eu morei com minha mãe... Aí minha mãe não
tinha marido, morava sozinha e cuidava dos meus irmãos, tudinho (Orlandina).
Nos relatos de Orlandina, em momento algum ela menciona a presença de um
homem ao lado de sua mãe, sugeriria isso uma forma cultural de matriarcado. Embora
Orlandina tenha passado parte de sua infância e adolescência com sua avó, voltou a morar
com sua mãe para ajudar a cuidar dos seus irmãos.
Orlandina tem 03 filhos, e comentava que o seu filho mais velho tem uma auto-
estima bastante elevada, é extrovertido e canta em uma banda de rock. Ela me relatou que o
seu filho é muito teimoso e às vezes eles se desentendem, mas Orlandina acaba chegando à
conclusão de que “no fundo”, os dois são muito parecidos na teimosia principalmente em
não querer aceitar os fatos sem explicações plausíveis. Conclui que seu filho mais velho, na
verdade, é espelho dela, quando tinha seus 20 anos de idade, com muitas semelhanças entre
os dois. Sente-se também comprometida em criar seus filhos com muita responsabilidade.
Os trabalhos de Bastides (1996) e Figueiredo (2002) mencionam que a família é
uma base de sustentação importante na superação das dificuldades, sobretudo face à
pobreza contribuindo para a criação de uma economia cuja base renderia “solidariedade
étnica e de classes” que viabilizasse os projetos afirmativos para os negros (Figueiredo,
2002: 71).
Ao falar dos ensinamentos que procura passar para os filhos Orlandina enfatiza que
ensinou muito a eles, principalmente os ensinamentos que envolvem:
(...) a relação humana, a importância do ser humano. ... De ser gente. Tudo isso.
A minha mãe não passou isso pra mim e também eu acho que não tinha quem
passasse pra ela, também. Então eu passo tudo isso, a importância das pessoas e
deles também. A importância de aprender e ter conhecimento, de buscar o que
quer, de ser participativo. Buscar o que quer, sem querer achar que é mais ou
135
menos que o outro, né? De você está buscando aquilo que você quer de melhor
pra você e buscar o que é de melhor pro outro, também. Cada um tem que fazer a
sua parte na sociedade... (risos) Você ensina, agora de tanto ensinar eles até
passam na frente da gente e dizem eu sei e passa na frente da gente e eles
são muito questionadores (Orlandina)
A expressão utilizada por Orlandina, “A minha mãe não passou isso pra mim”,
demonstra, na verdade, que os tempos mudaram. Hoje se tem mais liberdade para dialogar
com os filhos do que antigamente. Por outro lado, Orlandina tem a ilusão de que sua mãe
não lhe repassou ensinamentos da vida, muito pelo contrário. Ela pode até não ter passado
de uma forma mais direta, mais incisiva, mas, com certeza tudo que sabe, tudo que
aprendeu foi com a experiência de sua avó e sua mãe.
A família exerce um papel fundamental na vida dos negros. Constatamos que os
ensinamentos que lhes são repassados não foram apreendidos na escola, trata-se de
experiência ensinada por seus avós, bisavós. E dentro do ambiente familiar muitas vezes
não se fala abertamente do preconceito, mas, se ensina valores éticos, morais, entre outros,
a fim de que seus filhos ao saírem deste ambiente acolhedor, sejam respeitados como
cidadãos.
A família é considerada como uma “rede” de apoio, essencial nas sociedades que
possuem formas de organização inspiradas nas raízes tribais. Principalmente, em relação ao
papel exercido pelas mulheres negras em algumas comunidades. A presença feminina é
decisiva para a produção das identidades dos indivíduos e as funções sociais que eles
exercem.
4.5 – Negras Mulheres
(...) eu acho que as mulheres sofrem mais... A
mulher negra tem o cabelo duro, agora o homem
negro tem o preconceito, mas é menos do que nós
mulheres. Por exemplo, eles têm mais facilidades
de serem modelos (Orlandina).
A Família e a educação: Espaços privilegiados das mulheres? Trata-se de um
questionamento um tanto provocativo e ao mesmo tempo reflexivo. É na verdade, o título
136
de um artigo de Alzira Pimenta, que propõe uma abordagem reflexiva, sobre o papel em
uma sociedade capitalista.
Para início de conversa a escritora apresenta alguns clichês que circundaram as
mulheres de maneira geral, rainha do lar e patroa. Expressões que, de certo modo,
indicavam o lugar a ser ocupado dentro de casa. Entretanto, esse quadro apresenta-se
diferenciado. Devido às dificuldades financeiras, mulheres de várias camadas sociais estão
deixando esse espaço do lar e conquistando outros espaços seja comércio, nas associações,
na educação. As mulheres se fazem presentes em inúmeras frentes de trabalho formal e não
formal.
Pimenta (2003) informa que em grande parte, a inserção das mulheres no mercado
de trabalho possui diferenças. Especialmente, quando se trata de mulheres pertencentes a
um extrato social de baixa renda. A estas são lhes reservadas poucas escolhas ao tentar
aumentar a renda, de modo que (...) a instrução e a profissionalização são precárias,
tendendo a diminuir as possibilidades de escolha em vários âmbitos (onde trabalhar, onde
morar, com quem deixar os filhos etc) (p. 17).
Nesse contexto um dado afrontoso, que independe da classe social, em que as
mulheres estão inseridas, a relação de poder entre mulher e homem. Ao longo do tempo
houve um processo de naturalização dos papéis designados a ambos.
No caso de Orlandina e Rosalina, suas trajetórias de vida são duramente marcadas.
Além da desigualdade social e de gênero a estas são reservadas práticas preconceituosas
pelo fato de serem mulheres, pobres e negras as dificuldades aumentam ainda mais. Por
mais que quisessem lutar contra essas barreiras provenientes de sua condição relatam que
foi muito difícil carregar essas marcas em suas vidas, a ponto de chegarem a pensar em
desistir de seus sonhos... Mas elas não sabem explicar o fato de que esse sentimento de
frustração surgia em seus pensamentos e emoções e suscitavam o desejo de luta e
superação. Relataram, ainda que “vinha de dentro uma força” que não as deixava ceder e
obedecer ao desejo de uma sociedade geradora da desigualdade social, de raça e de gênero.
Rosalina e Orlandina afirmaram ter adiado o “sonho” de trabalhar e prosseguir os
estudos. Acreditavam que, com o casamento precoce, conquistariam sua liberdade, mas
seus planos não aconteceram de forma simples, como pensavam. Como ambas não
trabalhavam conseqüentemente dependiam financeiramente da renda de seus esposos para
137
adquirir suas coisas. O tempo passou. Vieram os filhos. Tiveram de esperar que eles
crescessem para poder trabalhar e prosseguir os estudos.
E aí, eu morei com minha mãe e cuidava dos meus irmãos. Morei com minha
mãe até aos 18 anos, durante a minha adolescência de 17 a 18, depois disso
que eu casei com 18 anos. depois que eu casei que eu comecei a buscar mais
as coisas o que queria pra mim, é porque eu acho que eu tive filhos e eu comecei
a ter a preocupação de não querer que os meus filhos tivessem as mesmas
dificuldades que eu tive, de querer compras às coisas e não poder, de querer
adquirir e não poder (Orlandina).
Depois que nasceram os filhos, não teve muita opção teve que ficar em casa sem
poder trabalhar e sem estudar. A preocupação naquele momento era criar os filhos. Pois ...
(...) mulher dentro de casa tem que cuidar da casa e dos filhos. Aí depois que
eu comecei a estudar que eu comecei a participar de cursos, para poder ter uma
profissão para trabalhar, eu queria trabalhar, porque eu parei um tempão, pra
cuidar dos meus filhos e da casa, parei de estudar. Dos cursos que eu comecei a
fazer, eu comecei a aprender coisas pra mim, como mulher e como pessoa
(Orlandina).
Rosalina reforça a afirmação de Orlandina e concorda que as mulheres foram
ensinadas somente a desempenhar funções da casa:
Porque nós mulheres fomos ensinadas a cuidar de casa, a lavar, passar e
cozinhar, era só isso (Rosalina).
Segundo Saffioti (1987), é bastante característico de famílias pobres ensinar às
filhas trabalhos que se destinam ao manuseio “agrícola ou ao emprego doméstico” (p. 75).
Assim com o dinheiro que ganhava na lavagem de roupa Rosalina explica que dava para
ajudar no sustento de sua família. Relata também que a sua vida antes do casamento foi
muito difícil e não hesita em dizer que não teve infância, porque ainda com seus...:
(...) 07 anos já trabalhava. E não agüentava nem torcer roupa, sabe... Tinha que
torcer aquelas colchas e minha mão não dava, eu tinha que fazer porque eu
trabalhava pra ajudar dentro de casa, era pouquinho, mas, levava um
dinheirinho pra dentro de casa... (Rosalina).
138
Por outro lado, o ingresso precoce no mercado de trabalho informal atrapalhou
Rosalina em prosseguir os estudos:
Se eu sei o que eu sei, se eu sou o que eu sou é porque eu tive vontade, né...
Trabalhei de doméstica, estudei até a 4ª série, né, aí parei... (Rosalina)
Similarmente a Rosalina, Orlandina relembra que gostaria de fazer muitas coisas
quando pequena, mas, a falta de dinheiro não lhe permitiu adquirir muitas coisas,
principalmente, na sua infância:
(...) sei a gente quando criança eu lembro a dificuldade que você tem quando
se é criança, eu acho que é quando você quer alguma coisa, por exemplo, você
quer e não tem ou quer buscar e às vezes a mãe não dá... Mas, a gente ficava
superando e criança se sabe né? Acho, que a gente não liga muito, a gente vai
vivendo... A gente vai vivendo, vai sobrevivendo (Orlandina).
Por outro lado reconhece que a vida difícil contribuiu para o seu crescimento
pessoal:
Quando eu olho pra traz eu vejo que aprendi bastante. Hoje eu tenho a resposta
para algum problema que eu tive no passado. Eu aprendi muito e continuo
aprendendo... (Orlandina).
Em busca de sua liberdade e meios de se manterem, sem depender do marido, restou
uma alternativa para Orlandina e Rosalina, ir em busca de sua profissionalização. Assim o
ingresso no mercado de trabalho seria menos doloroso do que a condição de carência,
dependência e renúncia. Por isso, quando relembram toda uma trajetória de vida com
dificuldades, relatam que foram momentos que pareciam não ter fim, mas...
Então, pra mim foi um avanço e pra mim tá hoje onde eu to eu só dependi de mim
mesma, da minha força de vontade esurgiu... Tudo quanto é curso eu procuro
informar, se eu vejo que vai dar certo, eu faço. Mas antes eu dou uma pesquisada
(Rosalina).
Nos relatos de Orlandina não percebemos que ela fosse censurada ou que tivesse
recebido por parte do seu esposo qualquer represália ou falta de apoio para que viesse
realizar algo sonhado em sua vida. Entretanto, não foi a mesma significação que captamos
139
nos relatos de Rosalina. Em sua trajetória de vida de repente dos argumentos da cultura
opressora parece ser seu esposo. Em seus relatos, percebe-se que em todo momento,
sobretudo nos momentos em que precisa de uma palavra amiga e incentivadora, este deixa
de enfrentar o conflito com ela. Além da falta de apoio parece reforçar em Rosalina o medo
de empreender qualquer projeto novo ou iniciativa de autonomia.
(...) então falei para o meu marido:
_ Eu vou fazer esse curso. Aí ele falou assim pra mim:
_ Olha eu não vou bancar seu curso, se você quiser você vai ter que trabalhar
pra poder pagar, porque eu não vou pagar. Olha eu que tenho até 7ª série
arrumo serviço e você que tem estudo não arruma trabalho? (Rosalina)
Quando foi para fazer um concurso público, onde teria grandes chances de se
efetivar no serviço público municipal, também não recebeu apoio:
(...) em 2002 surgiu o concurso pra prefeitura, aí o meu marido me disse:
_ Pra que você vai fazer esse concurso, sendo que você já está empregada. Eu falei:
_ Mas, eu quero fazer...
Fui, fiz a minha inscrição pra auxiliar de serviços gerais. Passei. Fiz o concurso
e consegui passar, eram 120 vagas e passei 59ª, eu fui chamada na primeira
turma e como Deus é tão bom, né, eu tava fazendo o curso técnico ainda, não
tinha terminado, o secretário de saúde da época me mandou para o postão, eu
não fui para o setor de serviços gerais eu fui como recepcionista e até hoje eu
desempenho essa função (Rosalina).
Em se tratando das trajetórias de vidas marcadas por dificuldades e ao mesmo
tempo com muita persistência. Freire (2005) informa que a emancipação está próxima, na
medida em que:
Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam
na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando,
assim, sua “convivência” com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser
feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental
é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de
reflexão, para que seja práxis (p. 58 e 59).
140
Orlandina fala tão firmemente de sua pertença à igreja, a qual lhe proporcionou a
abertura para participar de vários eventos devido à aproximação com a equipe do
CDHDMB. Posteriormente, recebeu convite para freqüentar o Grupo de mulheres e
efetivou sua participação e do seu filho no GRUCON de Cáceres. Esses espaços têm
fortalecido Orlandina, no sentido de ampliar seu desejo de aprofundar seus conhecimentos
e compreender que não barreiras intransponíveis quando se tem persistência e
determinação na trajetória de vida pessoal, como ela teve.
Rosalina relatou que desenvolve um trabalho social em sua comunidade. É der da
Pastoral da Criança e se sente muito feliz e realizada como pessoa. Reconhece que, apesar
de todas as dificuldades, procura sempre fazer o bem ao próximo e procura ocupar seu
tempo fazendo coisas boas.
Freire (2005) afirma que, nos vários momentos da libertação, precisa haver por
parte dos oprimidos um reconhecimento e uma valorização do ser pessoal deles, uma vez
que são partes integrantes de uma sociedade cujas relações se efetivam atribuição de
valores aos papéis e funções sociais que exercem. Destaca ainda:
Ao defendermos um permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre suas
condições concretas, não estamos pretendendo um jogo divertido em nível
puramente intelectual. Estamos convencidos, pelo contrário, de que a reflexão, se
realmente reflexão, conduz a prática (Freire, op cit, p. 59).
Aos poucos, sem que percebam, suas vidas vão obtendo reconhecimento e
valorização significativa. O trabalho social desenvolvido na comunidade da qual participam
e a aproximação de ambas se deu por intermédio do cursinho de Técnico em Enfermagem
(TE), quando colegas de turma. A identificação faz com que Rosalina considere Orlandina
uma pessoa muito especial. Mulheres, negras possuidoras de trajetórias de vida não muito
fáceis numa sociedade onde impera o preconceito de raça e gênero, demonstram a
possibilidade de uma pedagogia de oprimido promover, apesar das barreiras, a libertação.
141
4.6 – As relações com o “Outro”
Então foi a partir do momento que o professor
explicou que nós fazíamos parte de um projeto da
universidade e houve uma conversa sobre o negro, foi
que a turma entendeu. E daí quando surgia essa
conversinha, eu fazia de conta que não ouvia nada.
Eu sou gente igual a eles mesmos, então pra mim foi
normal (Rosalina).
No momento em que essas pessoas se propõem a serem bolsistas de um projeto
piloto, tendo como exigência a autodeclaração de sua identidade étnico-racial e a
declaração de sua condição econômica, a proposta, ainda que desconhecida por todos é
encarada como uma novidade esperançosa. Desse modo, os dois critérios acima de
fundamentos étnicos e econômicos mobilizam os candidatos à bolsa do pré-vestibular para
que saíssem do anonimato e expusessem a sua condição de negro e de baixa renda para um
grupo de pessoas até então desconhecidas. Implicavam uma precondição ainda mais
importante na pedagogia freiriana, o reconhecimento explícito da condição social de
exclusão, econômica de expropriação, política de dominação.
O motivo de todos eles era participar do curso com o intuito de aprender as matérias
do vestibular e, conseqüentemente, obter o sucesso almejado que os levariam a uma vaga
no curso desejado na universidade de Cáceres. Entretanto, esses motivos abrem a
experiências outras que os deixam convencidos de que o racismo e a desigualdade social
existe e está em vários segmentos da sociedade e também em um cursinho onde se
pretendia a preparação para o vestibular.
Para a obtenção da bolsa os candidatos tiveram de passar por vários processos de
seleção, inscrição, entrevista, redação, entre outros. Não obstante os processos rigorosos,
estes puderam perceber que, mesmo estando autorizados a freqüentar o cursinho, ainda
assim, se defrontaram com pessoas que se demonstravam inconformadas com a presença
dos mesmos. Maria Silvanete explicitou a fala de um dos professores do curso que atribuía
a bagunça generalizada da sala de aula aos bolsistas do projeto:
_ Tem gente aqui que até ganhou bolsa, e não faz silêncio, tem gente que é
bolsista aqui e não colabora (Maria Silvanete).
142
E quando o estranhamento vinha por parte dos colegas, os bolsistas sentiram que os
colegas também se sentiam incomodados com a presença deles na sala de aula. Puderam
então presenciar momentos de conflitos:
Teve algumas diferenças na sala de aula, com relação a alguns alunos, tinha
muito aluno na sala, então quem sentava no fundo não enxergava nada. Tinha
aquelas pessoas que riam de nós, como um grupo separado, porque toda semana
nós tínhamos reuniões e as pessoas ficavam curiosas para saber de onde nós
éramos (Rosalina).
Rosalina explica que teve um dia que o professor (A)
95
sentiu necessidade de falar
mais abertamente do projeto e dos bolsistas:
Então foi a partir do momento que o professor explicou que nós fazíamos parte
de um projeto da universidade e houve uma conversa sobre o negro, foi que a
turma entendeu.. E daí quando surgia essa conversinha, eu fazia de conta que
não ouvia nada. Eu sou gente igual a eles mesmos, então pra mim foi normal
(Rosalina).
“E daí quando surgia essa conversinha, eu fazia de conta que não ouvia nada”. Com
essa fala temos a impressão que a partir desse dia Rosalina se sentiu mais aliviada em
relação à atitude negativa dos seus colegas de sala. Como quem diz, podem falar mesmo
de mim, eu não estou nem aí.
Já Maria Auxiliadora
96
explicou, na dinâmica de grupo focal, que não teve problema
algum em relação ao contato com os colegas de sala. Disse até que conhecia algumas
pessoas e outras não. Informou também que fez boas amizades com os bolsistas do projeto
e com alunos de outra turma. Entretanto, narrou uma ação que deixou a bolsista intrigada.
Informou que no dia em que ela e seus colegas ganharam o kit
97
do projeto:
_ Teve um dia que a gente ganhou a bolsa. Eu cheguei coloquei a bolsa na
carteira e sentei, daí tinha uma moça que não fazia parte do projeto, me
perguntou:
_ Porque eu não ganhei a bolsa?
Disse a ela:
95
Optou-se em utilizar a letra A para não citar o nome da pessoa.
96
Relato extraído da dinâmica de Grupo Focal.
97
Contendo caneta, lápis, folha de papel sufite e uma pasta na qual estava o nome do projeto.
143
_ Você não faz parte do projeto, essa bolsa é para aquelas pessoas que fazem
parte do projeto.
Depois ela me disse:
_ Vocês estão me discriminando (Maria Auxiliadora).
Segundo Maria Auxiliadora essa situação foi constrangedora, porque:
Você tem que estar explicando para as pessoas e elas muitas vezes não entendem
e ficam um pouco zangadas (Maria Auxiliadora).
Percebe-se, portanto, que toda e qualquer proposta inovadora quando expressa ou
organizada costuma receber críticas e não seria o projeto pré-vestibular, que ficaria isento
de tais críticas. Defender uma idéia, argumentar em favor dela, bem como a importância de
sua existência sempre se torna uma tarefa difícil. Contudo os bolsistas assumiram esse
papel no cursinho e na sociedade mais geral. Estes não se furtaram do debate com os mais
desavisados e desinformados. Enfrentaram vários conflitos internos e externos face às
críticas e objeções em relação a implementação de políticas públicas que visem realizar a
discriminação positiva. Percebe-se que esse debate e enfrentamento fortaleceu o grupo,
motivando-os a não desistir do curso, valorizando ainda mais.
Jober, um dos professores do pré-vestibular, relatou que tempos discutia com os
amigos as reservas de vagas para negros na universidade. Ter participado do projeto foi
muito interessante, porque, não pôde discutir com os alunos essa questão como também
pôde perceber atos de discriminação de pessoas que não participavam do curso com os
alunos do projeto.
Relatou um fato que o deixou bastante indignado:
Um dia eu estava lá no cursinho e uma aluna chegou pra mim e disse:
_ Professor, eu vou desistir dessa turma.
Daí eu perguntei a ela o por que faria isso e ela me respondeu;
_ É porque nesta sala tem muito preto (Prof. Jober).
O projeto pré-vestibular representou na vida dos depoentes um sonho de luta para a
libertação e transformação da produção da desigualdade. É provável que, ainda polêmicas,
as políticas afirmativas produzam nos oprimidos a consciência da proporção perversa do
racismo na cultura brasileira e produza na sociedade a inconformidade na manutenção
destes padrões.
144
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na tentativa de encontrar uma definição condizente do que seria o preconceito,
emprestarei o termo usado por uma criança negra, que após ter sido questionada pela
professora face ao tema em questão, usou a seguinte definição: O preconceito é como o
vento, todo mundo sente, mas, ninguém vê...
98
O preconceito racial paralelo às desigualdades raciais tem feito vítimas mulheres,
homens e crianças, que no silêncio de suas vidas, lutam a seu modo contra os efeitos
nocivos desse fenômeno social. Marcando assim a vida daqueles e daquelas, que trazem na
memória de sua cútis a cor preta. Cor “responsável” pela demarcação da “diferença” na
sociedade brasileira.
O interesse em pesquisar a temática racial, quando ainda era acadêmica do curso de
Letras na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), me incomodava perceber a
ausência de alunos negros na sala de aula, nos pátios, nos corredores. Concomitante à
ausência dos alunos negros fui também motivada face à tamanha indignação oriunda de
vários segmentos da sociedade, sobre a possível implantação das reservas de vagas nas
universidades brasileiras, defendida amplamente na III Conferência sobre o racismo e
discriminação na África do Sul. Os efeitos de Durban reforçaram a luta do Movimento
Negro e fortaleceram o debate sobre as questões raciais no cenário brasileiro, bem como
exigências de políticas públicas em que a população negra seja diretamente beneficiada.
A pesquisa apresentou-nos ainda, constatações importantes para compreendermos a
luta cotidiana nas trajetórias de vidas dos bolsistas em busca de uma vida mais digna. Estes
podem ser agrupados através de uma característica comum a todos eles, a cor da pele. Ser
negro para essas pessoas, acima de tudo é ser cidadão digno. Por outro lado, existe um
imaginário social de grande parte da população brasileira, de que estes não passam de
pessoas pertencentes a um grupo estereotipado e menos valoroso ante os que possuem a
pele clara e uma situação financeira confortável.
Constatou-se que a pouca condição financeira herdada de seus pais, os fazem trilhar
caminhos muito difíceis, fazendo com que estes ingressem muito cedo no mercado de
trabalho informal, em função do lugar que ocupam em seus domicílios. Estando aí
98
Depoimento de uma professora do ensino fundamental no encontro da ANPED, em 2004.
145
configurado um dilema, trabalhar ou estudar. A princípio parece tratar de opções simples.
Contudo, não é para aqueles e aquelas, que do trabalho precisam tirar o sustento de sua
família e por isso não tem outra opção de estudo a não ser no período noturno. Para essas
pessoas o estudo não é uma atividade de prazer ou algo do gênero. O estudo para elas é
encarado como um ofício sacrificante, somente talvez para a obtenção de um título.
Possibilitou-nos perceber também que as várias trajetórias de vida marcadas pelas
dificuldades tornam-se motivo de orgulho para os sujeitos desta pesquisa. Desânimo.
Desistência. Cansaço são palavras que não existem em seus vocabulários. Pelo contrário,
suas vidas são regadas com muita esperança que movem cotidianamente seus diversos
sonhos, dentre os quais o de conseguir uma vaga para cursar uma faculdade.
Uma nova constatação foi que iniciativas que antes partiam somente do movimento
negro e demais segmentos organizados começam a ser abarcado pela academia. A iniciativa
de um professor universitário em propor um projeto de políticas afirmativas funcionou
como um grande incentivo àqueles e àquelas que jamais teriam parado para pensar em sua
identidade racial ou étnica ou que desconheciam as políticas afirmativas e seus reais
objetivos.
Verificou-se também que a inserção no projeto, possibilitou que jovens e adultos
negros saíssem do anonimato e assumissem uma identidade, mesmo não sabendo ao certo
por onde trilhavam seus caminhos. Apostaram todas as suas fichas em 28 dias de aula
oferecidos em um cursinho pré-vestibular.
Por outro lado, evidenciou-se que o município de Cáceres possuiu uma tradição no
que diz respeito às lutas populares. Conforme os relatos de Dom Máximo na obra Uma
igreja na fronteira constatou-se que, sua gênese é a partir da experiência das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBS) que dede então os movimentos sociais vêm lutando
cotidianamente pela afirmação da cidadania do povo cacerense. E a parceria firmada com
setores da Unemat, visando à implementação de projetos de cunho afirmativo demonstrou a
seriedade e o compromisso na conquista dos direitos das populações negra, bugras e
indígenas. O CDH uma das entidades parceiras avaliou o projeto da seguinte forma:
Demonstra ser de grande relevância social toda e qualquer iniciativa que viesse
desvelar e acabar o racismo, acompanhada das desigualdades raciais. O resente
pode ser classificado como uma política de inclusão de pessoas que não
146
slumbravam alternativas e oportunidades de acesso ao ensino superior (Juraci
Messias e Maria Aparecida – integrantes da Equipe Executiva do CDHDMB).
A avaliação do prof. Paulo Alberto é bastante positiva. Ressalta que “o normal era
vermos projetos dessa natureza sendo propostos pela igreja”. Considera, portanto uma
conquista a aprovação do mesmo nas instâncias da academia. Em relação ao projeto em si
faz um balanço no sentido de apontar que “dentre os 40 bolsistas houve somente um
desistência e o mais interessante” segundo ele, foi a aprovação de 09 bolsistas, sendo que
06 deles foram aprovados na própria UNEMAT e 03 numa universidade particular da
cidade. Registra ainda:
E sobre o projeto, acrescenta que:
Contribui muito para a recuperação da auto-estima dos alunos. Imagina uma
menina que fez 06 vestibulares e não passa e quando chega no seu
vestibular ela diz bem assim: professor, eu não passei neste vestibular, mas no
próximo eu vou passar porque eu consegui ficar classificada em 5 lugar
(prof. Paulo Alberto).
Finaliza afirmando que:
Atitudes como essa sinalizam para um futuro próximo, a criação de um espaço
com a denominação, Núcleo de Estudos Sobre Gênero, Raça e Alteridade
(NEGRA). A idéia é que o NEGRA seja a referência na UNEMAT para o debate,
implementação de projetos de pesquisas atinentes ao negro (prof. Paulo Alberto).
Evidenciou-se que o sistema vigente contribui, sobremaneira, para que esses
indivíduos se coloquem em uma posição de oprimidos e opressores. E, o processo de
libertação ocorre de maneira lenta e gradual. Contudo, até que cheguem a esse estágio,
vários acontecimentos significativos emergirão em suas trajetórias. O caminhar é
silencioso. Muitas vezes solitário. De um lado estão posicionados aqueles e aquelas que,
apesar das dificuldades, conseguiram obter o sonho de poder cursar um curso superior, seja
em uma instituição pública ou privada, por outro lado,se colocam os que, mesmo não
obtendo o sucesso desejado, passar no vestibular, expressam uma grande felicidade por
poder participar de um projeto dessa natureza onde negros (pretos e pardos) bugres e
147
indígenas dividiram não somente uma sala de aula em 28 dias. Dividiram também sonhos,
angústias, sobretudo, a satisfação de ter sido protagonista de uma iniciativa que possibilitou
um despertar para a reformulação dos seus projetos de vida coletivos ou individuais.
Finalizo este trabalho afirmando que a luta contra as desigualdades raciais e sociais
ganhou um aliado bastante importante, as instituições públicas de ensino superior. Uma vez
que realizam projetos de cunho afirmativo, como o cursinho pré-vestibular alternativo, a
realização de censos étnico-racial ou a implantação de reservas de vagas estão ampliando a
possibilidade de mudança na vida dos milhares de cidadãos negros(as) deste país.
Essas determinações políticas fazem com que os negros adquiram uma consciência
que supera a consciência de classe, a consciência de raça, despertada através do sonho de
adentrar na universidade. A partir do momento em que estes se assumem como tal, a luta
fica mais “saborosa” para um longo caminho de conquistas de muitos outros direitos que há
tempos lhes foram negados. Garantem também que as gerações vindouras possam verificar
em suas famílias, em seu bairro, em sua cidade, em seu país homens negros e mulheres
negras ocupando profissões variadas.
148
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Cáceres, 2003.
Relatório final da CEPICS. Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT).
Cáceres, 2005.
155
APÊNDICE
156
QUESTIONÁRIO PARA OS BOLSISTAS DO CURSO PRÉ-VESTIBULAR POR
UM FUTURO NEGRO: COR, CIDADANIA E INCLUSÃO NO ENSINO
SUPERIOR EM MATO GROSSO.
DADOS PESSOAIS
Nome:____________________________________________________________________
Idade:______ Sexo: ( ) Fem. ( ) Masc.
Estado Civil: _____________ Possui filhos? ( ) Sim Não ( ) / Quantos: ___________
Religião: _________________________
Natural de: _________________ Bairro onde mora: _______________________________
Tel. Fixo: _______________________________ Celular: __________________________
IDENTIFICAÇÃO RACIAL
1. Como você se autoclassifica: _______________________________________________.
2. Como você se declara diante das classificações do IBGE: _________________________
Branca ( ) Preta ( ) Parda ( ) Amarela ( ) Indígena ( )
3. Quais os critérios que você acha que a sociedade utiliza para a atribuição de cor ou raça?
Enumere de 1 a 5 conforme a ordem que achar : ( ) cor da pele ( ) traços físicos ( )
origem da família ( ) aspectos socioeconômicos ( ) aspectos culturais
4. Quais os critérios utilizados para a construção da própria identidade racial?
Enumere de 1 a 5 conforme a ordem que achar : ( ) cor da pele ( ) traços físicos ( )
origem da família ( ) aspectos socioeconômicos.
DADOS ESCOLARES
5. Cursou o ensino fundamental em escola: ( ) pública ( ) particular.
6. Cursou o ensino médio em: ( ) pública ( ) particular
7. Quantas vezes fez cursinho preparatório? _________
8. Quantas vezes prestou vestibular? ______________________________
9. Chegou a cursar algum curso superior?:( ) Sim Não ( ) / Concluiu? : ( ) Sim Não ( )/
Se não, explique o porquê:___________________________________________________
10. Trabalha desde que idade?:_______ Em quais atividades?:______________________
_________________________________________________________________________
157
- Em quais fases? Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( )
- Escolaridade do pai: __________________ - Escolaridade da mãe: __________________
- Na sua família há alguém que concluiu o ensino superior?
( ) Sim ou Não ( ) Quantos?: ______________
PRETENSÃO PROFISSIONAL
11. Curso almejado:
1ª opção: _______________________ 2ª opção: ________________________
DADOS SÓCIOECONÔMICOS
12. Onde trabalha atualmente?:_______________________Remunerado: ( ) Sim Não ( )
13. Qual é a sua renda familiar?: _______________________
14. Qual a sua posição no domicílio?
( ) chefe ou responsável pelo domicílio.
( ) cônjuge.
( ) filho.
( ) parente.
( ) morador de pensão.
( ) agregado.
RESERVA DE VAGAS:
15. Você é a favor das cotas que foram implantadas na UNEMAT: ( ) sim ( )não
Explique:_________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
158
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O PROF. PAULO ALBERTO, AUTOR E
COORDENADOR DO PROJETO PRÉ-VESTIBULAR POR UM FUTURO NEGRO:
COR, CIDADANIA E INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR EM MATO GROSSO.
NOME:
NATURALIDADE:
IDADE:
COR:
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1. Conte-me a sua trajetória de vida até se tornar professor da UNEMAT.
2. A partir de que momento você começa se envolver com as questões raciais?
3. Como se deu a criação do projeto Por Um Futuro Negro? E o porquê do nome?
- Houve muita procura
- No total, quantos se inscreveram?
- Houve desistência
4. Que balanço vo faz em relação à contribuição do projeto acerca do debate e
implantação das reservas de vagas na UNEMAT? Ou vice-versa.
159
D E C L A R A Ç Ã O
Eu, MARIA ROSALINA DOS SANTOS SILVA, brasileira, casada, RG
0796280-0 SSP/MT, CPF 522.906.971-68, residente e domiciliada em Cáceres/MT,
na rua das Granadas, s/n, Bairro Vila Mariana, declaro para os devidos fins ter plena ciência
da divulgação e publicação das entrevistas individuais concedida a Jacqueline da Silva
Costa, para a pesquisa de mestrado Cor em movimento: um estudo de caso sobre
um estudo
de caso sobre a vida cotidiana de jovens e adultos negros do projeto pré-vestibular gerido
pela unemat no município de Cáceres – MT.
Por ser a expressão da verdade dato e assino a presente.
Cáceres, 29 de agosto de 2005.
_________________________________________
Maria Rosalina dos Santos Silva
160
D E C L A R A Ç Ã O
Eu, ORLANDINA VICENTE PROENÇA BARROS, brasileira, casada,
RG 342320 SSP/MT, CPF 305.673.511-49, residente e domiciliada em ceres/MT,
na rua D, Qd.19, nº 11, Bairro Vitória Régia, declaro para os devidos fins ter plena ciência
da divulgação e publicação das entrevistas individuais concedida a Jacqueline da Silva
Costa, para a pesquisa de mestrado: Cor em movimento: um estudo de caso sobre
um
estudo de caso sobre a vida cotidiana de jovens e adultos negros do projeto pré-vestibular
gerido pela unemat no município de Cáceres – MT.
Por ser a expressão da verdade dato e assino a presente.
Cáceres, 29 de agosto de 2005.
_________________________________________
Orlandina Vicente Proença Barros
161
D E C L A R A Ç Ã O
Eu, ESMERALDO CHAVES DOS SANTOS, brasileiro, casado, RG nº
728248 SSP/MT, CPF nº 503.272.751-20, residente e domiciliado em Cáceres/MT, na rua
Nossa Senhora da Guia, s/n, Bairro Santo Antônio, declaro para os devidos fins ter plena
ciência da divulgação e publicação das entrevistas individuais concedida à Jacqueline da
Silva Costa, para a pesquisa de mestrado: Cor em movimento: um estudo de caso sobre
um
estudo de caso sobre a vida cotidiana de jovens e adultos negros do projeto pré-vestibular
gerido pela unemat no município de Cáceres – MT.
Por ser a expressão da verdade dato e assino a presente.
Cáceres, 29 de agosto de 2005.
_________________________________________
Esmeraldo Chaves dos Santos
162
D E C L A R A Ç Ã O
Eu, JOSIMAR DIAS DE OLIVEIRA, brasileiro, solteiro, RG
1114212-0 SSP/MT, CPF 853.982.501-59, residente e domiciliado em Cáceres/MT, na
rua Dr. Sabino Vieira, 272, Bairro Centro, declaro para os devidos fins ter plena ciência
da divulgação e publicação das entrevistas individuais concedida à Jacqueline da Silva
Costa, para a pesquisa de mestrado: Cor em movimento: um estudo de caso sobre
um
estudo de caso sobre a vida cotidiana de jovens e adultos negros do projeto pré-vestibular
gerido pela unemat no município de Cáceres – MT.
Por ser a expressão da verdade dato e assino a presente.
Cáceres, 29 de agosto de 2005.
_________________________________________
Josimar Dias de Oliveira
163
ANEXOS
ANEXOS
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