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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
SÍLVIA ADRIANA RODRIGUES
EXPRESSIVIDADE E EMOÇÕES NA PRIMEIRA INFÂNCIA: UM
ESTUDO SOBRE A INTERAÇÃO CRIANÇA-CRIAA NA
PERSPECTIVA WALLONIANA
Presidente Prudente
2008
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SÍLVIA ADRIANA RODRIGUES
EXPRESSIVIDADE E EMOÇÕES NA PRIMEIRA INFÂNCIA:
UM ESTUDO SOBRE A INTERAÇÃO CRIANÇA-CRIANÇA
NA PERSPECTIVA WALLONIANA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Educação - Mestrado,
da Faculdade de Ciências e Tecnologia,
UNESP/Campus de Presidente Prudente,
como exigência para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Gilza Maria
Zauhy Garms.
Presidente Prudente
2008
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AGRADECIMENTOS
Não sou nem um pouco original em dizer que projetos de vida não
se edificam de forma solitária; contamos sempre com a presença direta e indireta de
outros e isso nunca é demais lembrar. Neste momento em que se finaliza uma
jornada é preciso agradecer aos que compartilharam dela, aos que nos amparam de
alguma forma.
Em primeiro lugar, agradeço à minha família, por me apoiar em
minhas decisões. Minha avó materna, meu pai, e em especial à minha e, luz da
minha vida, que mesmo não entendendo direito os meandros do universo acadêmico
sempre me acompanhou, incentivou e acalentou nas horas em que acreditei que
não conseguiria ir adiante.
Ao Raio, que se revelou um grande companheiro ao suportar todos
os meus “humores” e “ausências” com grande dose de abnegação e um
incomensurável carinho.
À Gilza, que sempre foi muito mais que uma orientadora, foi
mentora, mestre, companheira, colaboradora, interlocutora e, principalmente, a
amiga que me amparou nas horas de sufoco pessoal e angústia intelectual,
tornando-se um modelo de pessoa e de profissional que levarei por toda a vida.
Ao Alberto, que apareceu em minha vida como um professor e se
tornou o mestre e o amigo amado e fiel de muitas e todas as horas; além de ser o
grande “culpado” por eu ser quem sou hoje.
À Simone Pradella, amiga permanente e de ouvidos pacientes, que
sempre esteve ao meu lado ouvindo minhas lamúrias e me acudindo nos “pitis”
acadêmicos ou não.
Às amigas: Camila, Simone Deák, Dulcinéia, Regina Penati, Vanda
Machado e Solange Estanislau, pela valiosa interlocução e pela amizade sincera,
pelos momentos de risos, pela paciência com minha insegurança, e porque sempre
acreditaram que eu chegaria até aqui... o muito queridas por isso, além de serem
permanente fonte de inspiração.
Aos amigos Débora, Fernando, Juliana Gense, Orlando, Carol e
Simone Galiani pelos bate-papos, risos e momentos preciosos de descontração.
As colegas de turma Juliana Zechi, Juliana Diniz, Tati e Aline, pelos
“intervalos literários” e “cervejas filosóficas”...
Aos professores Mila, Divino, Ana Archangelo, Yoshie, Onaide,
Sonia Coelho e Cristiano pela iniciação na graduação, pelas conversas
enriquecedoras e a confiança que depositaram em minha capacidade acadêmica.
Às professoras Célia Guimarães e Elisabete Gelli pelas valiosas
contribuições proporcionadas no momento da qualificação e pelo diálogo mantido
em outras ocasiões....
À Paula Felício, do Departamento de Educação, pelos bate-papos e
“quebra-galhos” e que, por ser sempre mais que funcionária, tornou-se uma amiga
querida.
Aos funcionários da Seção de Pós-Graduação da FCT, pelo sempre
pronto atendimento às solicitações.
Aos participantes da pesquisa que me permitiram “invadir” suas
vidas.
Aos meus alunos, cuja convivência me proporcionou um crescimento
intelectual e profissional imenso.
Tentando não ser injusta com aqueles que a falta de memória me
fez omitir os nomes, mas que compartilharam comigo a “dor e a delícia” deste
“tempo acadêmico”, me utilizo das palavras de um autor desconhecido para
manifestar minha gratidão:
Agradecemos aos que amamos,
Aos que nos geraram,
colaboraram na geração,
aos gerados,
aos que conviveram,
convivem e conviverão conosco,
numa contínua troca de experiências
com as quais aprendemos a existir –
sem ser adjetivos.
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RESUMO
O presente texto apresenta os resultados da investigação acerca das manifestações
afetivo/emocionais de crianças durante a primeira infância em contextos coletivos,
mais especificamente no ambiente da educação infantil. Vinculada à linha de
pesquisa “Práticas educativas na formação de professores”, adotou-se como objeto
as manifestações afetivo-emocionais nas interações criança-criança que se
estabelecem no contexto educativo. Estudos recentes, com destaque para aqueles
orientados pela teoria walloniana, revelam que a criança, em seu processo de
desenvolvimento, é orientada para o outro, forma vínculos afetivos, compartilha e
constrói significados objetivos e subjetivos na interação não apenas com parceiros
adultos, mas também com seus pares. Assim, apoiando-se na teoria psicogenética
de Wallon, buscou-se examinar as interações das crianças com seus coetâneos,
adotando os seguintes objetivos específicos: apreender os tipos de manifestações
afetivo-emocionais individuais que ocorrem no contexto educativo; examinar os
recursos expressivos utilizados pelas crianças nas interações com seus pares;
apontar e refletir sobre possíveis direções que propiciem um ambiente produtivo e
satisfatório para o desenvolvimento da criança. Para tanto, o estudo, com nuances
etnográficas, teve como participantes crianças que se encontram na faixa etária
entre o primeiro e o terceiro ano de vida, de um agrupamento de berçário II de uma
instituição de educação infantil no município de Presidente Prudente, onde foram
realizadas observações assistemáticas entre os meses de fevereiro e junho do ano
de 2008. Do material registrado foram selecionados e analisados 15 episódios
interativos, nos quais foi possível verificar a exuberância expressiva das crianças.
Notou-se que os recursos expressivos que marcam o período de oposição ocorrem
mais precocemente do que postula a teoria walloniana, ou seja, confirmou-se que as
características e os estágios de desenvolvimento importantes para a formação do
ser humano não são demarcados pela idade cronológica e sim pelas experiências
sociais e afetivas vivenciadas individualmente, que deflagrarão regressões, conflitos
e contradições que propiciam, reformulam e ampliam conceitos e funções. Além
disso, os dados permitiram corroborar as teorias que apontam tanto para o fato de o
processo de desenvolvimento infantil se realizar nas interações, que objetivam o
a satisfação das necessidades básicas, como também a construção de novas
relações sociais, com o predomínio da emoção, como para o fato de a interação
criança-criança representar um espaço promotor do desenvolvimento, fortalecendo a
idéia de que ela é interlocutora ativa e protagonista de seu desenvolvimento. Assim,
reitera-se o importante papel desempenhado pelas instituições de educação infantil,
no sentido de garantir que as interações em seu interior se pautem na qualidade, a
fim de ampliar o horizonte da criança e levá-la a transcender sua subjetividade e se
inserir no social. Neste sentido, se faz necessário que a educação infantil adote
propostas pedagógicas que enfatizem a importância das interações entre crianças,
visto que são uma das molas propulsoras do desenvolvimento destas e que criem,
intencionalmente, situações que permitam contatos entre grupos variados e
situações interativas que favoreçam o desenvolvimento da autonomia, baseando-se
no respeito pelas características próprias da inteligência infantil, bem como nas
necessidades específicas de cada grupo.
Palavras-chave: interação criança-criança; expressividade; manifestações afetivas;
primeira infância; teoria walloniana; educação infantil.
ABSTRACT
The text presents the results of an investigation about toddlers’ affective/emotional
manifestations in collective contexts, more specifically into the children education
environment. Linked to the research area “Educative practices into teacher
formation”, the affective-emotional manifestations considering the interactions child-
to-child in the educative context were adopted as object. Recent studies, especially
those related to the wallonian theory, reveal that the child in his or her growing
process is oriented to the other, makes affective connections, shares and builds
objective and affective meanings in the interactions, not only with adults, but also
with their partners. Thus, supported by the wallonian psychogenetic theory, the
children interactions were examined, with the following specific goals: get the types
of individual affective-emotional manifestations which occur in the educative context;
examine the expressive resources used by the children when interacting with their
partners; point out and think about the possible directions to promote a productive
and satisfactory environment to the child’s development. In order to do this, the
research, with ethnographic nuancing, considered as participants children between
the ages of one to three years old, in a nursery 2 group of a children education
institution of Presidente Prudente municipality, where unsystematic observations
were made from February to June 2008. From the registers it was possible to
observe the expressive exuberance of the children. It was noticed that the expressive
resources that remark the opposition period occur earlier than wallonian theory
postulates, that is, it was confirmed that the characteristics and stages which are
important for the formation of the human being are not delimitated by the
chronological age, but by the individual social and affective experiences which will
trigger regressions, conflicts and contradictions that allow, reformulate and broaden
concepts and functions. Also, the data allowed to confirm the theories that indicate
that the process of child development happens into the interactions, aimed not only
at the basic needs satisfaction, but also at the construction of new social relations,
with the predominance of emotion, and also to the fact of the child-to-child interaction
representing a space that promotes development, reinforcing the idea that the child is
the active interlocutor and has a central role in his or her development. Thus, the
important role of children education institutions is reinforced, considering it should be
guaranteed that the interactions in them have quality bases, in order to broaden the
child’s horizon and take him or her beyond his or her subjectivity so as to insert in the
social environment. In this sense, it is necessary that children education adopts
pedagogical proposals which emphasize the child-to-child interactions, since they are
one of development starters and also that situations to allow varied groups contacts
and interactive situations are created to favor the autonomy, based into the respect
for children intelligence specific characteristics and also in the specific needs of each
group.
Key words: child-to-child interaction; expressiveness; affective manifestations, first
infancy; wallonian theory; children education.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ..........................................................................................
08
CAPITULO 1 A INSPIRAÇÃO VEM DE ONDE, PERGUNTA PRA MIM
ALGUÉM... INTRODUZINDO O TEMA AFETIVIDADE/EMOÇÃO .................
15
CAPITULO 2 FIOS E FUROS: A TRAMA DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO NA PSICOGENÉTICA WALLONIANA ...........................................
2.1- Estágios de desenvolvimento segundo a psicogenética walloniana
2.1.1- Estágio impulsivo-emocional ....................................................
2.1.2- Estágio sensório-motor e projetivo ...........................................
2.1.3- Estágio do personalismo ..........................................................
32
36
37
39
42
CAPITULO 3 O ENTRELAÇAR DOS FIOS: ESCOLHENDO O CAMINHO
E TRILHANDO O CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO .....................................
3.1 Primeiras aproximações: descortinando o contexto das interações ..
3.1.1 Organização e espaço físico: primeiras revelações ..................
3.1.2 A rotina e a formação dos enredos na educação infantil ..........
3.1.3 Berçário II B: o caminho das pedras .........................................
52
55
56
63
68
CAPITULO 4 PONTOS DE ALINHAVO: QUANDO AS CRIANÇAS FAZEM
“ARTE” ............................................................................................................
4.1 Olhares e dizeres: as crianças focais ................................................
4.2 Traçando movimentos: as manifestações expressivas .....................
4.3 Expressividade infantil: o que é possível depreender? ......................
71
72
73
85
O “PONTO” FINAL OU DE VOLTA AO COMEÇO? .......................................
94
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 104
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8
COMO FIOS, MEADAS, NOVELOS E “NÓS” SE TORNAM “MALHA”...
Nós vivemos rodeados de mistério
de vida oculta – e quando descobrimos,
a nossa vida pessoal,
que é a mais imediatamente sentida,
não existe desprendida
ou à superfície de tudo o mais no mundo,
mas estabelece com isso uma estranha união
(Virgilio Ferreira - Pensar)
O texto que ora apresento faz parte de um projeto pessoal e
profissional. Dessa forma, considero oportuno, para início de conversa, expor não só
os passos da pesquisa realizada, mas também minha trajetória pessoal, pois ela
também esclarece como a investigação tomou forma ao longo do tempo; penso que
essa é a atitude mais apropriada para explicitar como a “trama” a que me propus
confeccionar foi tecida, como entrelacei, sobrepus e escolhi os fios e as cores que
resultaram na tessitura que será apresentada nas próximas páginas...
Sou filha de pais que não tiveram oportunidade de freqüentar o
ensino formal, são pessoas simples que aprenderam o básico para sobreviver num
mundo em que cada vez mais valoriza “as letras”. Minha ida e permanência na
escola são lutas pessoais de minha e, que sempre insistiu em que a filha deveria
concluir os estudos do ensino fundamental e, quem sabe, “alçar vôos mais altos” dos
que a ela foram permitidos.
Sempre aluna de escola pública, entrei na universidade somente aos
27 anos e o choque cultural foi bastante grande. Nos cinco anos de graduação
tornei-me uma nova pessoa, conheci a pesquisa e me apaixonei pela Psicologia.
Desta forma, o primeiro recorte para o objeto da pesquisa foi feito ainda no curso de
Pedagogia.
Durante o curso de graduação estudei os temas violência,
indisciplina e formação de professores, mas ainda não era o que de fato me
realizava. A preocupação com a questão das relações interpessoais me levou a
abordar a questão do ponto de vista psicanalítico por algum tempo. Chegar à teoria
walloniana como pressuposto para entendimento das relações humanas
aconteceu quando freqüentei, como aluna especial, a disciplina Psicologia da
criança de 0 a 6 anos, no curso de Habilitação para a Educação Infantil; e foi neste
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momento que a emoção, como questão epistemológica, despertou o meu interesse.
Foi também nesse curso que comecei a tomar conhecimento dos meandros da
educação infantil.
O aprofundamento teórico e as problematizações consistentes sobre
as questões que envolvem o desenvolvimento da criança e a educação infantil
advieram da experiência no ensino superior. Atuar como professora da disciplina
Psicologia da Educação em cursos de licenciatura despertou-me a necessidade de
desenvolver um estudo sobre a afetividade e emoções, visto ser esse um tema que
ao mesmo tempo em que encanta, preocupa as pessoas envolvidas com educação.
Dessa constatação resultou a percepção de que a afetividade complementa e
sentido à atividade pedagógica, sendo esta relação o ponto de partida para as
inquietações que fomentaram as indagações da pesquisa.
A opção por realizar a investigação na educação infantil se deu por
várias razões: primeiro, ser a emoção um tema ainda pouco explorado pelas
pesquisas em educação. A educação infantil brasileira trilhou um longo caminho, de
início esteve subordinada à saúde, depois à assistência e somente recentemente
vinculou-se à educação de fato; a própria trajetória mostra o descaso para com esse
segmento educacional cuja prática, durante muitos anos, esteve voltada somente
para a guarda e cuidado das crianças pequenas e ainda hoje vêem-se práticas e
discursos que denunciam a existência e resistência dessa concepção pobre e
empobrecedora de educação infantil.
Uma segunda razão para escolha se dá pelo fato de que neste
espaço a questão das emoções se coloca de forma mais evidente e premente. Não
é preciso recorrer a uma teoria para constatar a suscetibilidade da criança pequena
a crises emocionais. Qualquer leigo presenciou crianças em intensas crises de
birra, de raiva ou mesmo de alegria, em muitos casos traduzidas numa profusão de
movimentos. Essas características também são familiares aos profissionais da
educação infantil
1
, mais que isso, para estes últimos se configura num problema,
pois a não compreensão exata dessas manifestações faz com que encararem as
manifestações emocionais das crianças como alguma disfunção. Longe de
representar uma patologia do desenvolvimento, as manifestações afetivas, das mais
1
Devido à diversidade de nomenclaturas utilizadas para designar os profissionais que atuam
diretamente junto à criança pequena, ao longo do texto serão utilizados os termos educadores,
professores e outros adotados como sinônimos sem a pretensão de diferenciar cargos ou funções.
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diversas ordens são, na perspectiva walloniana, na verdade, funcionais. Isto é,
fazem parte mesmo do processo de construção do EU, da personalidade da criança,
ou seja, são recursos necessários ao seu desenvolvimento pleno.
Esta é uma das premissas da teoria psicogenética do
desenvolvimento humano de Henri Wallon, cujas contribuições se mostram
singulares para o entendimento das transformações da ontogênese da criança. Sua
proposta de aproximação entre a pedagogia e a psicologia e a inovadora visão de
desenvolvimento promovido pelo entrelaçamento das dimensões motoras, afetivas,
e cognitivas, apontando as emoções como importante fator de mediação na
formação do psiquismo, faz com que sua teoria seja aporte imprescindível nos
estudos que pretendem depreender a relevância da afetividade na constituição do
sujeito, ou seja, que tencionam olhar os componentes afetivos como fatores
funcionais.
Nessa perspectiva, a busca da compreeno mais elaborada de um
determinado problema exige, como aponta Da Mata
2
(1987, apud SILVA, 2003, p.
51), “questionar o exótico transformando-o em familiar e questionar o familiar
transformando-o em exótico”, deflagrando, assim, o raciocínio e a pesquisa, levando
à formulação de hipóteses e à realização de observações mais cuidadosas. Um
sábio professor me disse, ainda no curso de graduação, que ninguém sai à procura
de respostas para um problema que não o mobiliza, que o faz parte de suas
preocupações pessoais; assim, como apontado na introdução, este trabalho não
deixa de ser, de certa forma, autobiográfico.
Ao trazer a questão da afetividade para a área científica, a pergunta é
sempre a mesma: como é possível alcançar o distanciamento solicitado ao
pesquisador de objetos e situações que nos marcam tão visceralmente?
Não como negar a complexidade do trabalho da pesquisa
científica, especialmente em educação, pois, na proposta de trabalhar com uma
diversidade de temas cujos limites muitas vezes não são muito claros e
flexibilidade de técnicas e métodos, encontrar um mundo num grão de areia...” o
é uma tarefa simples.
Hoje entendo as palavras de De Certau (1994) quando aponta que
desenvolver uma pesquisa é como abrir um canteiro de obras: definindo método,
2
Não há referência completa desta obra no livro citado.
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encontrando modelos, diferenciando atividades de acordo com sua natureza,
descrevendo, comparando, diferenciando situações, procurando, na maioria das
vezes, tateando, elaborar uma “ciência prática do singular”
Mas mesmo ciente de todas essas dificuldades, enveredei-me pelo
caminho da ciência, mobilizada por incertezas, mas também por uma inquietude e
necessidade de compreensão, de “conhecimento do real”, por uma “sede de
conhecimento” e um desejo de formular opiniões que me imbuiu de um espírito
científico, o mesmo espírito científico definido por Bachelard (1996, p. 18), como o
que “proíbe que tenhamos uma opinião sobre questões que não compreendemos
com clareza”. O mesmo autor aponta que “o ato de conhecer dá-se contra um
conhecimento anterior, destruindo mal estabelecidos, superando o que, no próprio
espírito, é obstáculo [...]”
3
Buscando superar os obstáculos das mais diversas ordens,
conhecidos e desconhecidos, o caminho percorrido na investigação foi árido; do
pensamento inicial, muitas idéias foram reformuladas, mas o objeto inicial, o papel
da emoção na natureza singular da criança, e a vontade de desvendá-lo
permaneceram...
Assim, o projeto de pesquisa elaborado no início do percurso e as
primeiras problematizações foram se transformando no momento de ida a campo,
isso porque o contato de forma mais direta com uma determinada prática ou cultura
vai se realizando por vias tortuososas e desvios que revelam mais do que aquilo que
procuramos. Dessa forma, modificações foram necessárias porque situações
adotadas como ideais vão se tornado reais, exigindo um esforço de entendimento
das características que fazem com que se passe a percebê-las como situações
possíveis dentro do contexto em que ocorrem.
Segundo Wallon (1995) “toda observação supõe uma escolha
dirigida pelas relações que podem existir entre o objeto ou fato e a nossa
expectativa, em outros termos, nosso desejo, nossa hipótese ou mesmo nossos
simples hábitos mentais”. E as dúvidas sobre como distinguir a fronteira entre a
subjetividade do observador e a realidade objetiva sempre me perseguiram, não
sendo possível negar que esse é o grande desafio deste trabalho, o desafio que
muitas vezes me fez questionar minha capacidade como pesquisadora...
3
(Ibid., p. 17).
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Para o autor, o estudo da criança não pode se limitar a simples
constatação, deve se constituir na busca de contradições e conflitos nos diferentes
momentos de seu desenvolvimento, sem manter o olhar fixo e restrito à uma pré-
concepção.
Nesse sentido, olhar a criança em contexto educacional assume a
perspectiva de processo, de movimento, de transformações que suscitam
interpretações. É neste contexto que este estudo se situa e busca investigar a
criança em interação com seus pares no ambiente da educação infantil, uma vez
que esse ambiente parece ser rico para o desenvolvimento pleno da criança, pois se
trata de um espaço intencionalmente planejado para oferecer múltiplas
oportunidades para expressão e aprendizagens infantis.
Em consonância com a perspectiva teórica adotada, compreendo a
criança como protagonista de ações desde o nascimento, orientada para a interação
social, a formação de vínculos afetivos e construção e compartilhamento de
significados com o meio sociocultural onde gradativamente se insere; assim, o
desenvolvimento é entendido como sendo constituído por redes complexas de
relações da criança consigo mesma, com seus pares e com os adultos em
ambientes sociais.
É neste sentido que a teoria walloniana concebe o ritmo no qual se
sucedem as etapas do desenvolvimento de forma descontínua, marcado por
rupturas, retrocessos e reviravoltas, sendo que a passagem de um estágio a outro
ocorre de forma não linear, por reformulação, instalando-se, no momento da
passagem de uma etapa a outra, crises que afetam a conduta da criança. Este
processo não ocorre de forma tranqüila para a criança; conflitos se instalam - de
origem exógena quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o
ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura e endógenos, quando
gerados pelos efeitos da maturação nervosa - sendo que estes conflitos constituem-
se em propulsores do desenvolvimento
.
(GALVÃO, 1995).
Diante destes pressupostos, teve início a investigação que adotou as
seguintes questões norteadoras:
- Será que na idade investigada encontrarei as manifestações
afetivo-emocionais propostas na teoria walloniana?
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13
- Como as manifestações afetivo-emocionais descritas na teoria
walloniana se fazem presentes num grupo de crianças atendidas nas instituições de
Educação Infantil?
- Quais recursos expressivos são mais freqüentes na faixa etária
investigada?
Essas o questões cuja discussão demandou a aproximação de um
universo particular e a observação das interações que nele se estabelecem. Assim,
na investigação me propus compreender aspectos da vida cotidiana, mais
especificamente as manifestações que se expressam no interior de um determinado
cotidiano; ou seja, não me dispus encontrar as regularidades ou continuidades puras
e simples nas situações observadas, mas sim apreender nexos e relações com base
nos elementos disponíveis. Também nunca foi minha intenção buscar explicar todas
as nuances que envolvem as relações interpessoais e as expressões afetivo-
emocionais no interior das instituições de educação infantil; este é um trabalho que
buscou debruçar o olhar nas manifestações afetivo-emocionais que envolvem o
processo de desenvolvimento da criança pequena no processo educativo formal de
um grupo específico.
Assim, tendo como pressuposto a teoria walloniana do
desenvolvimento, em específico a importância das manifestações expressivo-
emocionais para o desenvolvimento da criança, o presente trabalho adotou como
objetivos específicos apreender os tipos de manifestações afetivo-emocionais
individuais que ocorrem no contexto educativo, examinar os recursos expressivos
utilizados pelas crianças nas interações com seus pares e apontar e refletir sobre
possíveis direções que propiciem, de forma geral, um ambiente produtivo e
satisfatório para o desenvolvimento da criança.
Para tanto, o estudo com nuances etnográficas, que pretendeu uma
aproximação da realidade com um olhar, dentro de uma pluralidade de olhares
possíveis, entender situações cotidianas e dar um novo sentido a acontecimentos
corriqueiros, teve como participantes crianças que se encontram na faixa etária entre
o primeiro e o terceiro ano de vida, de um agrupamento de berçário II, de uma
instituição de educação infantil, onde foram realizadas observações assistemáticas
entre os meses de fevereiro e junho do ano de 2008.
Assim, o caminho percorrido e ora apresentado está organizado em
cinco partes: no primeiro capítulo apresento algumas visões/estudos que apontam à
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14
existência e valor das interferências da emoção/afetividade no desenvolvimento
psíquico e formação da identidade/personalidade do indivíduo, com base em
discussões/estudos das teorias vygotskyana e walloniana.
No capítulo segundo coloco em evidência o referencial teórico que
norteia a investigação, trazendo elementos centrais da teoria de Henri Wallon, onde
descrevo os papéis desempenhados pela emoção e afetividade no processo de
desenvolvimento da criança bem como as construções e singularidades decorrentes
desta dinâmica nos diferentes estágios propostos pelo autor.
Em seguida, no terceiro capítulo, exponho e justifico as opções
teórico-metodológicas adotadas e a descrição do caminho percorrido para o
levantamento dos dados; trago ainda a descrição e uma breve análise da instituição
e a caracterização dos participantes da pesquisa.
A descrição e análise das situações observadas, que foram
recortadas em episódios, são apresentadas no quarto capítulo; paralelamente
também são feitas análises e discussões sobre os recursos expressivos percebidos
na investigação.
Finalmente, na quinta parte do trabalho, encerro o texto com
algumas considerações possíveis e apontamentos pertinentes acerca da importância
de se considerar a dimensão afetiva nas propostas pedagógicas para a educação
infantil.
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CAPITULO 1 A INSPIRAÇÃO VEM DE ONDE, PERGUNTA PARA MIM
ALGUÉM...
4
INTRODUZINDO O TEMA AFETIVIDADE/EMOÇÃO
“... é absurdo querer viver sem paixões. Elas são naturais e os
sábios apenas pretendem saber como conviver com elas, o
que fazer com elas e não contra elas.” (ESPINOSA, 1957
5
citado por SAWAIA, 2000)
Por que estudar a emoção? Para que trazê-la à cena acadêmica
como questão epistemológica é uma pergunta que ouvi e ouço com certa
regularidade. Acredito que esses questionamentos advêm de duas razões: primeiro
pela suposta limitação de minha formação (Educação e não Psicologia) para tratar
do tema; segundo, pela inferência de pouco valor ao assunto, em geral deixado
sempre em segundo plano pela sua hipotética falta de cientificidade nos moldes
positivistas. Segundo Sawaia (2000, p. 1), mesmo assunto central na história das
idéias, “a discussão sobre como se conhece sempre foi permeada pelo debate entre
racionalistas e sensorialistas. Um confronto em que a razão é o mocinho que luta
contra o vilão perturbador do conhecimento que é a emoção”.
Leite (1991, p. 234) aponta que: “[...] nem a Sociologia, nem a
Psicologia, nem a Filosofia da Educação tem considerado o domínio das relações
interpessoais como um problema central.” O mesmo autor denuncia que: “[...] como
problema científico, o tema das relações interpessoais é muito recente no
pensamento sistematizado, embora algumas das relações interpessoais como o
amor, o ódio e a amizade – sejam aspectos fundamentais da vida humana”. A crítica
sobre a falta de atenção para estudos sobre a emoção como um processo específico
da subjetividade humana direcionada especificamente sobre a investigação
psicológica é da década de 90 do século XX, mas a denúncia ainda é atual; embora
haja uma “onda” em alta sobre discussões acerca do assunto, estas ainda se
mostram incipientes, principalmente no que diz respeito à área educacional.
Saliento que não sou movida por modismos, pois, ainda segundo
Sawaia (2000), a emoção se tornou um conceito “fashion”; autores clássicos como
René Descartes, Adam Smith e Jean Paul Sartre têm suas obras acerca do tema em
4
Frase da música Transpiração, de autoria de Alzira Espíndola e Itamar Assunção.
5
ESPINOSA, B. Ética. 3. ed. São Paulo: Atenas, 1957.
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questão reeditadas, e ainda o lançamento e altas vendagens de livros que versam
sobre “pedagogias afetivas” “inteligência emocional”
6
, etc. Cabe aqui uma crítica a
esse movimento modista, como tantos outros em educação, pois o que se vê é uma
crescente vontade de manipulação da emoção e dos sentimentos e não
necessariamente uma busca de sua compreensão como forma de favorecimento a
uma vida saudável.
O que me move, como apontado anteriormente, é uma busca
existencial, pessoal que, ao passar para o campo profissional, ganha sentidos
epistemológicos. A passagem por uma formação inicial que deixou de lado
afetividade/emoção e a experiência como formadora de profissionais docentes
impulsionou-me à presente busca de sentidos de uma atuação voltada para as
necessidades afetivas dos sujeitos no contexto educativo formal para além de uma
“pedagogia do amor”
7
...
Em minha investigação proponho-me a pensar o homem assim
como Bastos (2003a, p. 15), “como inserido num contexto social mais amplo, que
prexiste e o marca; marca sua linguagem, sua pessoa, seus valores, suas relações e
significações”, um homem que está em constante desenvolvimento, mas que nesse
movimento já pode, e deve, ser considerado um sujeito social. Parto então de
pressupostos sócio-interacionistas, que consideram o desenvolvimento humano uma
“construção partilhada, na qual tanto a criança quanto seus parceiros se constroem
nas interações que estabelecem” (ROSSETI-FERREIRA; OLIVEIRA, 1993, p. 63).
Assim também entendo a pessoa, como Cerisara (1997, p. 38), sendo uma “síntese
entre as determinações materiais de sua existência e as especificidades e
peculiaridades decorrentes da subjetividade biográfica”.
Desta forma, considera-se que todos os aspectos envolvidos nas
interações estabelecidas cotidianamente são constitutivos do sujeito, incluindo nesse
rol a afetividade e seus componentes: os sentimentos e a emoção. Assim, é preciso
inicialmente esclarecer as sutis diferenças entre emoção, sentimentos e afetividade,
que apesar serem constantemente considerados como sinônimos, não o são.
6
Especificamente acerca deste tema, o livro Inteligência Emocional de Daniel Goleman virou best
seller, e já está em sua 78ª. edição.
7
Esta é uma alusão ao livro do mesmo nome que ganhou destaque nos ambientes educacionais. No
entanto, sua proposta de ação está voltada para a questão da educação moral e em valores das
crianças e não para o entendimento dos mecanismos de funcionamento das emoções, sentimento e
afetividade, o que dá margem a visões reducionistas do tema.
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Mesmo havendo controvérsias acerca das diferentes relações
afetivas, autores de diferentes correntes epistemológicas como, por exemplo, Heller
(1979) e Wallon (1995), entre outros, admitem a seguinte diferenciação: a emoção é
imediata e momentânea, revela um estado fisiológico e efêmero, que provoca
modificações corpóreas e comportamentais facilmente identificáveis; sentimento é
ideativo, evidenciado por reações mais pensadas, dependente da memória e das
relações estabelecidas; logo, mais duradouro; “é emoção sem prazo, com longa
duração” (SAWAIA, 2000).
Wallon, em sua teoria das emoções, argumenta acerca da dinâmica
de transformação da emoção ao longo do tempo, tanto na ontogênese quanto na
filogênese do ser humano, uma vez que, para ele, a emoção se desenvolve em
função da maturação orgânica. Dessa forma, considerar o meio como responsável
pelas manifestações emotivas é subestimar a capacidade do ser humano e produzir
“cisões retalhadoras do homem”.
A expressão das emoções acompanhou, portanto, a espécie em sua
evolução, e pôde superpor aos centros subcorticais da emoção os da
mímica, localizados no córtex cerebral, tal como os da linguagem.
Em relação aos planos sucessivos da vida mental, a emoção a tal
ponto se refina que nos oferece hoje uma gama de manifestações
das mais orgânicas às mais delicadas nuances da sensibilidade
intelectual. Na criança, reconhecem-se as etapas dessa ascensão.
Os choros e o riso desta se iniciam no abdome antes de aflorecerem
na fisionomia e, enfim, de o aclarar ou ensombrecer silenciosamente.
A bôca é região ativa de sua fisionomia, enquanto que, no adulto
cultivado, esta se transfere para os olhos e a fronte. Ao mesmo
tempo, a emoção se espiritualiza. Outra coisa não faz entretanto,
senão participar do progresso da vida mental. (WALLON, 1971, p.
92-93)
Para o autor, a emoção é considerada como função humana de
natureza bio-psico-social. De natureza biológica porque possui “todo um sistema
organizado de centros cerebrais reguladores de suas manifestações” (WALLON,
1971, p. 73), tanto no plano subcortical (na involuntariedade de sua expressão),
como no plano cortical (na suscetibilidade ao controle voluntário); deriva de uma vida
psíquica ainda sincrética, ao mesmo tempo tendo suas manifestações viscerais e
motoras regulados pelos centros nervosos pertencente às regiões subcorticais do
cérebro.
Diante disso, Wallon defende que, se emoção não fosse necessária
e não exercesse importante papel no desenvolvimento humano, não possuiria
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centros próprios de comando, situados na região subcortical do sistema nervosos
central, assim como não teria evoluído com a espécie e teria sido eliminado na
filogênese. Cabe então afirmar que o caráter coletivo e contagioso da emoção tem
papel determinante na ontologia e na filogenia humana, a “ponto de ter sido,
sistematicamente cultivado, graças às práticas e ritos ainda hoje encontrados nas
populações primitivas”. (WALLON, 1971, p. 91).
A emoção é considerada de natureza social por se caracterizar
como a primeira forma de vínculo entre os seres humanos. Wallon entende a
emoção como um estádio do qual participam fatores orgânicos e cognitivos ligados
ao corpo. Em sua teoria, é a emoção que possibilita a passagem do ser orgânico
para o ser social, do fisiológico para o psíquico, pois é o primeiro e mais forte vínculo
entre os indivíduos.
As influências afectivas que rodeiam a criança desde o berço não
podem deixar de exercer uma acção determinante na sua evolução
mental. Não porque criem inteiramente as suas atitudes e as suas
maneiras de sentir, mas, pelo contrário, precisamente porque se
dirigem, à medida que eles vão despertando, aos automatismos que
o desenvolvimento espontâneo das estruturas nervosas mantém em
potência e, por seu intermédio, as reações de ordem íntima e
fundamental. Assim se mistura o social e o orgânico. (WALLON,
1995, p. 41).
Ainda na ótica da perspectiva walloniana, Pinheiro (1995) aponta
que, com o aparecimento da representação, as emoções se transformam em
sentimentos, o que lhes confere certa durabilidade e moderação, pois comparados
às emoções são menos intempestivos e mais profundos.
No que diz respeito à afetividade, esta é sempre referida às
vivências individuais dos seres humanos, são formas de expressão mais complexas
e essencialmente humanas. Na teoria walloniana, a afetividade diz respeito a um
conceito amplo, uma situação mais permanente, que engloba em seu interior os
sentimentos, as emoções e as paixões e manifesta estados de sensibilidade, que
vão de disposições orgânicas às sociais/existenciais, ligadas à percepção que o
indivíduo tem de si mesmo. (WALLON, 1971).
Como não poderia deixar de ser, os estudos sobre a influência da
dimensão afetiva ao longo do desenvolvimento humano, principalmente os
relacionados às atividades intelectuais, é assunto controverso. Sobre isso Rustin
(2001, p. 201) escreve:
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The argument I wish to develop is that the quality and kinds of
learning that take place depend on the quality and kinds of
relationship within witch the learning process is embedded. Learning,
that is to say, has a essential dimension of feeling or emotion. Most of
the implicit theories of learning which underpin our educational
practice take little account of this, focusing for preference on the
various cognitive dimensions of the learning task. Even some of the
most complex and socially aware theories of learning, which
emphasize the complexities of language as a social form, such as
those influenced by the work of Vygotsky (Vygotsky 1978; Daniels
1993; Harré and Gillett 1994) give little attention to the affective
dimensions of the learning process.
8
A colocação de Rustin é extremamente pertinente, porém, no que
diz respeito à teoria de Vygotsky, mesmo que alguns estudiosos de sua obra
considerem que a teoria das emoções é a parte mais pobre de suas reflexões, esta
ocupa lugar de destaque em sua obra, mesmo sendo pouco explorado.
Sawaia (2002) aponta que é necessário ter clareza de que, ao
abordar o tema emoção, Vygotsky preocupa-se mais em superar a epistemologia
dualista na qual estava imersa a Psicologia, separando intelecto de emoção, do que
aprimorar o conceito ou conceber formas de controle desta. Esclarece ainda que a
emoção na obra vygotskyniana, “nunca foi o bandido do conhecimento, perturbador
de erros e perturbador da ordem natural, mas, a base da construção do
conhecimento”.
Oliveira e Rego (2003, p. 19) assinalam que Vygotsky condenava a
tendência mecanicista de explicar a emoção, apontando as conseqüências
negativas trazidas pela Psicologia moderna, que não conseguia encontrar uma
maneira de apreender a “ligação adequada entre nossos pensamentos e
sentimentos, de um lado, e atividade do corpo do outro”.
Vygotsky (1998) aponta que a dicotomia entre os aspectos da
cognição e da emoção traduz-se numa visão reducionista das capacidades e
necessidades humanas, o que resulta em teorias que analisam o homem “a reboque
da sociedade”. O autor alerta para o fato de que a separação entre o aspecto
intelectual de nossa consciência, o afetivo e o volitivo, é um problema que impede a
8
“O aprendizado cabe dizer, tem uma dimensão essencial de sentimento ou emoção. A maioria das
teorias de aprendizado implícito que sustenta nossa prática educacional leva pouco em conta isto,
focando-se preferencialmente nas várias dimensões cognitivas da tarefa do aprender. Mesmo
algumas das mais complexas, e mais conscientes socialmente, teorias do aprendizado, que
enfatizam as complexidades de linguagem como uma forma social, como as influenciadas pelo
trabalho de Vygotsky (Vygotsky, 1978; Daniels, 1993; Harré e Gillett, 1994) o pouca atenção às
dimensões afetivas do processo de aprendizado” Tradução Cristiano A. Garboggini Di Giorgi.
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20
possibilidade de explicar a gênese do pensamento, os seus motivos, suas
necessidades. Afirma ainda que:
[...] admitir que o pensamento depende do afeto é fazer pouca coisa,
é preciso ir mais além , passar do estudo metafísico ao estudo
histórico dos fenômenos: é necessário examinar as relações entre o
intelecto e o afeto, e destes, com os signos sociais, evitando
reducionismos e dualismos. (VYGOSTSKY, 1977, p. 343)
Seus estudos sugerem que assim como a cognição, a emoção sofre
uma evolução; na psique humana as emoções “isolam-se cada vez mais do reino
dos instintos e se deslocam para um plano totalmente novo“ (VYGOTSKY, 1998, p.
94). De caráter instintivo no início da vida, a emoção se torna, ao longo da existência
humana, consciente, auto-determinada, num nível simbólico, entrelaçada com os
processos cognitivos. Para a teoria vygotskyniana, ao longo do desenvolvimento
surgem sistemas psicológicos que unem funções separadas em novas
combinações, num complexo processo dialético caracterizado pela metamorfose de
uma forma em outra função no entrelaçamento de fatores externos e internos e
processos adaptativos.
O autor defende a tese de relações dialéticas entre pensamento e
emoção, afirmando que o pensamento “não nasce de outro pensamento, mas da
esfera motivadora de nossa consciência” que tem por trás uma tendência afetiva.
(VYGOTSKY, 1988). “Pensamento não é função da razão e não ocorre sem
emoção.” (SAWAIA, 2000, p.18-19). Admite, assim, que a natureza e o
desenvolvimento das emoções mantêm uma relação muito próxima com o
funcionamento psicológico e as “funções mentais superiores”.
Ao falar em processo de desenvolvimento da criança, segundo
Sawaia (2000, p. 12), a teoria vygotskyniana postula que “o que muda no
desenvolvimento da criança não é tanto as propriedades e estrutura do intelecto e
dos afetos, mas as relações entre eles”; nesse sentido, as mudanças do afeto e do
intelecto são dependentes diretamente da mudança dos seus vínculos, suas
relações interfuncionais e do lugar que ocupam na consciência.
Dessa forma, percebe-se que para o autor a emoção não está
isolada do intelecto, ela abrange as funções psíquicas em seu conjunto e seu papel
na configuração da consciência pode ser entendido a partir da conexão dialética
que estabelece com as demais funções e não por suas qualidades intrínsecas. O
que não significa considerar o homem como capaz de se construir sozinho, pois as
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experiências relacionais e intersubjetivas constituem um importante componente
nesta conexão.
Sawaia (2000) esclarece que Vygotsky não abandona a radicalidade
biológica e a sensibilidade corpórea nem mesmo quando enfatiza a mediação
semiótica na configuração do sistema psíquico. Sua concepção pressupõe um
sujeito de carne e osso, relacional e sócio-histórico, onde as emoções deixam de ser
uma caixa de ressonância de forças sociais, racionais ou orgânicas, bem como não
se configura numa força desencarnada, subsumida na linguagem, mas, sim, em algo
que precisa ser sentido para existir.
Para Oliveira e Rego (2003, p. 20) “a qualidade das emoções sofre
mudanças à medida que o conhecimento conceitual e os processos cognitivos da
criança se desenvolvem”. Apontam ainda que “no decorrer do desenvolvimento as
emoções vão se transformando, se afastando desta origem biológica e se
constituindo como fenômeno histórico e cultural”.
Portanto, nessa teoria a afetividade pode ser entendida como uma
combinação de relações que surgem em conseqüência de vida histórica que adquire
sentidos em relações específicas que permitem o estabelecimento de relações
significativas, sendo seu aparecimento possível somente quando o homem é capaz
de abstrair e conceituar objetos e situações a partir de sua significação.
Em seus estudos, Vygotsky traz importantes contribuições para que
a emoção passe de fenômeno instintivo e negativo para fenômeno propulsor ou
inibidor da autonomia, assumindo que os afetos são inerentes à condição humana e,
por conseqüência, determinam a passagem da heteronomia passional à autonomia
corporal e intelectual considerando sua gênese social e mediada pelos significados.
No entanto, o autor que elabora uma teoria completa e que defende
o estreito entrelaçamento entre afetividade e cognição é Henry Wallon, que traz uma
nova forma de conceber a pessoa, como um todo multifuncional, considerando as
inter-relações entre aspectos cognitivo, motor, afetivo e social desde o nascimento
até as conquistas e adaptações da vida adulta. Segundo o autor, esse processo tem
início, essencialmente, pela emoção, no advento da vida psíquica, sendo que à
medida que estas vão se “refinado” são introduzidos os elementos e motivos de
consciência na conduta do indivíduo. (WALLON, 1986b).
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No início da vida as emoções têm como função garantir a
sobrevivência da espécie, uma vez que desempenham o papel de possibilitar a
satisfação das necessidades básicas. Segundo Wallon (1986a, p.141):
[...] biologicamente a criança principia por não ter meio de ação sobre
as coisas que a rodeiam. É somente no decorrer do segundo ano
que ela consegue locomover-se por conta própria.
[...]
Durante todo este período de imperícia pessoal, a criança não deixa
de ter necessidades ou desejos. É por intermédio das pessoas de
seu meio que ela consegue satisfaze-los. Sua primeira atitude eficaz
pode ser a de desencadeá-los e é inevitável que suas
possibilidades psíquicas do momento estejam orientadas neste
sentido.
Nesse sentido, Dantas (1990) aponta que a função original da
emoção é produzir na mãe o efeito mobilizador do qual depende a sobrevivência do
bebê, sendo esse o recurso biológico peculiar à espécie. Também, desde muito
cedo, a emoção assume a função de adaptação do indivíduo ao meio social. A
mesma autora indica que essa comunicação emocional primitiva permite o contato
com o meio social e cultural, ou seja, com o produto da acumulação histórica.
Henry Wallon aponta que o efeito obtido pelos atos do bebê,
inicialmente espontâneos, vão se tornando cada vez mais intencionais frente às
manifestações emotivas dos adultos, transformando-se em resultados mais ou
menos seguros dos quais se abre um campo de atenção e sagacidade nascente da
criança. Muito rapidamente a criança passa a se orientar pela figura de quem espera
auxílio e as atitudes e gestos de ambos se adaptam às situações vividas (WALLON,
1986c).
Galvão (2003) alerta para o fato de que as interpretações que o
adulto faz das expressões emocionais dos bebês, ou seja, o significado atribuídos a
elas, são intermediadas e determinadas por seus valores, seus parâmetros culturais
e crenças individuais. Nesse sentido, Almeida (1994, p. 29) comenta que o homem
necessita não apenas auto-preservar-se, mas também adaptar-se às variadas e
diversas circunstâncias do meio social e é no convívio social que as emoções,
primitivas e rudimentares, se refinam e tornam-se mais socializadas, num processo
dinâmico em que “uma expressão emocional impulsiona a outra”.
Na teoria walloniana, a emoção é tida como atividade
proprioplástica, isso porque uma de suas principais características é a plasticidade
corporal, que se traduz na possibilidade de esculpir o corpo com seus efeitos e
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torná-los visíveis. Este valor demonstrativo e plástico da emoção vai permitir ao
sujeito “uma primeira forma de consciência de suas próprias disposições”,
concomitantemente, por ser visível ao exterior, “constituem-se no primeiro recurso
de interação com o outro”, isso porque a imperícia da criança em subsistir-se
sozinha “é compensada por sua exuberância expressiva, extremamente eficiente na
relação com as pessoas”. (GALVÃO, 2003, p. 72).
Dessa forma, a emoção está intrinsecamente ligada aos
movimentos, pois eles é que darão vazão às alterações emocionais, havendo então
nos movimentos além de uma dimensão prática de execução das ações, também
uma dimensão afetiva: a de exprimi-las.
Sobre a relação entre movimentos e emoção, Wallon evidencia uma
seqüência genética evolutiva do aspecto motor ao mental, que vai corresponder ao
aparecimento de estruturas nervosas diferentes. De reflexos e impulsivos (0 a 3
meses de idade) os movimentos vão gradualmente se transformando em
involuntários e expressivos (3 a 12 meses), instrumentais (12 a 18meses), em ideo-
movimentos (18 a 36 meses) até alcançar o ato mental ou internalização do seu ato.
Nesse processo, a emoção, sendo um sistema de expressão e não de
representação, tem papel importante até o surgimento da linguagem. (CERISARA,
1997; DANTAS, 1992).
Galvão (2003, p. 75) aponta que desempenhando o papel de
expressar as emoções, as variações tônico-posturais também são produtoras de
estados emocionais, “entre movimento e emoção a relação é reciprocidade”. Se, por
um lado, as alterações corporais expressam variações de estados emocionais, por
outro, também pode provocá-las.
Nesse sentido, Wallon (1986b, p. 145) afirma que “a atividade tônica
é a matéria de que são feitas as emoções”. Essa atividade varia de acordo com a
carga emocional ou dos movimentos, decorrendo então uma classificação das
emoções segundo as diferenças de descargas tônicas que envolvem: hipotônicas
(de tônus reduzido, de escoamento deste como, por exemplo, o medo) e
hipertônicas (que geram tônus, como a ansiedade).
Dessa forma, a atividade tônica funciona num movimento de “vai e
vem”, que permite o entendimento de uma outra característica da emoção: a
labilidade. Em outros termos, a fragilidade da emoção, que está sujeita a mudar de
natureza no decorrer de sua manifestação. Um exemplo é a possibilidade de um
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ataque de riso transformar-se em choro ou vice-versa.
Além da labilidade, os componentes tônico-posturais também
influenciam a durabilidade das manifestações emotivas; uma reação emocional pode
ter sua manifestação prolongada independente do que a provocou, sendo nutrida
por seus próprios efeitos (como por exemplo, uma crise de choro que começa por
um determinado motivo e se prolonga para além dele). Wallon denomina este
fenômeno de “narcisismo emocional” quando experiênciado por adultos. (GALVÃO,
2003). A emoção também pode ser desencadeada aparentemente por acaso, em
situações eventuais, como por exemplo, chorar ao ouvir uma música ou cena de
filme. Isso porque, dada a percepção global que acompanha a vivência emocional,
a tendência de associação entre traços externos à situação, a vivência subjetiva
e o conjunto de componentes que constituem a emoção, numa estreita fusão que
pode ser restabelecida pelo surgimento de qualquer um dos elementos.
Nas palavras de Wallon (1971, p. 83-84):
A sensibilidade da emoção é essencialmente sincrética. Disso resulta
que ela aglutina de maneira, por assim dizer, indissolúvel, tudo aquilo
que dela pode participar e que, dessa maneira, a mais fortuita
circunstância introduzida pelos acontecimentos na emoção torna-se
apta a representá-la ou então provocar o retôrno de seus efeitos.
[...]
Um banal encontro entre um incidente qualquer e uma emoção é
suficiente para que esta se ligue definitivamente ao incidente e para
que a faça renascer ao se auto-reproduzir o encontro, apesar da
diversidade de situações.
Temos então uma outra característica da emoção: a contagiosidade.
Ou seja, a emoção possui a propriedade de transmitir-se; seus efeitos têm o poder
de afetar os outros, o entorno, de exercer influência sobre uma ou um grupo de
pessoas através de “mimetismo ou contrastes afetivos”. O congio possibilita um
tipo de participação mútua com forte valor expressivo, daí a afirmação de que a
emoção é “epidêmica”, uma vez que se nutre do efeito que causa no outro, pois os
processos emocionais podem ser generalizados ao se comunicarem.
Wallon (1971) aponta que “as emoções tendem a realizar, por meio
de manifestações consoantes e contagiosas, uma fusão de sensibilidade entre o
indivíduo e seu entourage”. Segundo Galvão (2005, p. 65), “na ausência de platéia
as crises emocionais tendem a perder sua força”.
A emoção necessita suscitar reações similares ou recíprocas em
outrem e, inversamente, possui sôbre o outro um grande poder de
contágio. Torna-se difícil permanecer indiferente às suas
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manifestações, e não se associar a êsse contágio através de
arrebatamentos do mesmo sentido, complementares ou antagônicos.
As emoções eclodem com larga facilidade e intensidade nas grandes
multidões pois nessa ocasião fica abolida mais facilmente, em cada
um, a noção de individualidade. (WALLON, 1971, p. 91)
Para o autor, em toda emoção existe “uma espécie de narcisismo
inevitável e espontâneo”
9
e seu poder mobilizador pode ser atribuído, em grande
medida, pelas alterações físicas, faciais e posturais que provocam. Indica que a
emoção estabelece uma relação imediata dos indivíduos entre si, independente de
toda relação intelectual. No entanto, quanto mais alto o grau de intelectualidade do
sujeito, mais reduzido e efêmero serão seus efeitos. Desse fato esclarece-se outra
característica da emoção evidenciada por Wallon, a regressividade, que se traduz na
possibilidade de a emoção reduzir seus efeitos frente à atividade cognitiva.
Todo aquêle que observa, reflete ou mesmo imagina, abole em si o
distúrbio emocional. Não nos livramos da emoção tão-sómente por
tê-la reduzida às suas justas proporções, mas bem mais ainda pelo
fato de nos têrmos esforçado em representá-la. A emoção se apaga
mesmo que tenhamos buscado a mais patética representação.
(WALLON, 1971, p. 79)
Em outros termos, a melhor maneira de coibir a expressão
desenfreada da emoção é sujeitar-se à meditação, é entregar-se à reflexão. Dessa
maneira, Dantas (1990) indica que o controle da emoção poderá ser mais eficiente
quanto mais sólido for o desenvolvimento da razão. Um ego bem constituído terá
mais possibilidades de se colocar no lugar do outro e compreender diferentes pontos
de vista. A partir do princípio dialético proposto por Wallon, é possível dizer que
quanto mais elaborada a emoção maior possibilidade de fluir a razão.
Contrariamente a outros pensadores de sua época, Wallon
preconiza que a emoção não é apenas um “coloridoque se apresenta ao agente
cognitivo, mas o próprio formador do sujeito, uma vez que funda as bases para a
emergência da consciência e, conseqüentemente, da inteligência.
As emoções consistem essencialmente em sistemas de atitudes que
correspondem, cada uma, a uma determinada espécie de situação.
Atitudes e ações correspondentes implicam-se mutuamente,
constituindo uma maneira global de reagir de tipo arcaico, freqüente
na criança. Opera-se então uma totalização indivisa entre as
disposições psíquicas, orientadas todas no mesmo sentido, e os
incidentes exteriores. Daqui resulta que, muitas vezes, é a emoção
que o tom do real. Mas, inversamente, os incidentes exteriores
adquirem quase seguramente o poder de a desencadear. Ela é, com
9
(Ibid., p. 90)
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efeito, como que uma espécie de prevenção que depende mais ou
menos do temperamento, dos hábitos do indivíduo. Mas esta
prevenção, focando indistintivamente à sua volta todas as
circunstâncias de fato atualmente reunidas, confere a cada uma,
mesmo fortuita, o poder de fazer ressuscitar mais tarde, como faria o
essencial da situação. (WALLON, 1995, p. 140)
Conclui-se que, na teoria walloniana, o desenvolvimento das
emoções emerge das sutis transformações que ocorrem no relacionamento social
entre o bebê e os adultos, transformações essas que dão origem à afetividade e
que, por sua vez, são responsáveis pela evolução mental da criança. Assim, a
emoção é entendida como função humana que ultrapassa um estado fisiológico; ela
não é uma simples reação a um determinado tipo de estímulo, mas a possibilidade
de interação entre o sujeito e o mundo social, considerando, ainda, que o que
possibilita o acesso da criança ao mundo simbólico são as manifestações afetivas
que vão intermediar suas relações com esse mundo, através dos adultos que a
circundam, afirmando que estamos sujeitos a influências, tanto externas quanto
internas, de ordem biológica e social.
Dessa forma, esta teoria confere primazia ao papel desempenhado
pela emoção na formação da vida psíquica, considerando a emoção como um
amálgama entre o orgânico e o social; e, ao apontar o caráter social da emoção,
ainda afirma que:
As situações com as quais a emoção confunde o indivíduo não são
apenas incidentes materiais, são também relações interindividuais. O
ambiente humano infiltra o meio físico e substitui-se-lhe em grande
parte, sobretudo para a criança. Ora, compete precisamente às
emoções, pela sua orientação psicogenética, realizar estes laços,
que antecipam a intenção e discernimento. (WALLON, 1995, p. 140)
Conclui-se que nossos primeiros sentidos são os sentidos do outro;
e o que garante a predisposição do outro a nos emprestar seus sentidos é a
afetividade. É a afetividade que vai estabelecer a base orgânica do pensamento, que
por sua vez está ligada ao caráter paradoxal das emoções vividas nas relações
interpessoais, principalmente com a mãe, situações que constituem, além de uma
conjuntura de sobrevivência, a primeira condição de desenvolvimento.
Wallon também analisa as emoções e busca compreender o que
elas causam no cotidiano do ser humano. Afirma, ainda, que o significado das
emoções deve ser buscado sobre o meio humano e não sobre o meio físico, visto
que
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[...] as emoções pertencem a um meio diferente do meio puramente
físico; é num outro plano que elas fazem sentir seus efeitos. Sua
natureza resulta expressamente de um traço que lhes é essencial:
sua extrema contagiosidade de indivíduo a indivíduo. Elas implicam
relações interindividuais; dependem de relações coletivas; o meio
que lhes corresponde é o dos seres vivos (WALLON, 1971)
Sobre o contágio da emoção Wallon vai apontar ainda que essa
característica pode ser tanto fator agregador quanto de isolamento, de distinção
quanto de embaralhamento de personalidades:
uma espécie de mimetismo emocional que explica como as
emoções são comunicativas, contagiosas, e como se traduzem
facilmente nas massas por impulsos gregários e pela abolição em
cada indivíduo do seu ponto de vista pessoal, do seu autocontrolo. A
emoção origina os impulsos colectivos, a fusão das consciências
individuais numa alma comum e confusa. É uma espécie de
participação onde se apagam mais ou menos as delimitações que os
indivíduos são por vezes tão ciosos de marcar e de manter entre si.
Responde a uma face psíquica mais primitiva que a tomada de
consciência pela qual a pessoa afirma a sua autonomia. É em
arrebatamentos passionais em que cada um se distingue mal dos
outros e da cena total à qual se misturam os seus apetites, os seus
desejos ou o seu terror que o indivíduo em primeiro lugar se
compreende. (WALLON, 1979, p. 152)
Assim, na elaboração de sua teoria da emoção, Wallon (1986b)
assume dois pontos de partida: um que diz respeito à natureza paradoxal da
emoção, pois a excitação orgânica que acompanha as emoções pode tanto
aumentar o vigor das reações exigidas pela situação ou tornar nossos atos confusos
e gestos menos seguros.
Ainda sobre esta paradoxalidade, cabe salientar a dialética na
relação antagônica e complementar entre emoção e atividade intelectual. A razão
surge da emoção e nutre-se dela, mas a emoção não é capaz de evocar ou
combinar representações, sua atividade exclui qualquer manifestação simbólica.
Nesse sentido, Almeida (2003) aponta que em situações de “temperatura emocional”
elevada a atividade intelectual mantém-se em segundo plano, cedendo aos
caprichos da emoção, pois sempre que esta se manifesta reduz para seus efeitos
todas as disponibilidades do indivíduo.
Envolta nessa onda de sensibilidade protopática, a imagem das
coisas se apaga, chegando a insensibilidade às excitações exteriores
a tal ponto que, por vêzes, nem mesmo as mutilações são mais
sentidas. O outro encolerizado em breve conhece apenas o seu
arrebatamento; esquece os verdadeiros motivos dessa cólera e
perde a noção daquilo que o envolve. O que pode conservar de
idéias e de pensamentos outra coisa não é senão o reflexo mais ou
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menos fantástico de suas veleidades emotivas. Abandonando-se aos
transportes máximos do seu furor, opera-se, então, uma obnubilação
total da percepção e da inteligência. (WALLON, 1971, p. 79)
O poder subjetivo das emoções incompatibiliza-se com a necessária
objetividade das operações intelectuais, pois sempre que as atitudes afetivas
preponderam a perturbação da consciência e obscurecimento do pensamento.
Assim, a emoção será compatível com os interesses e a segurança do indivíduo
se houver um ajuste com o conhecimento e o raciocínio.
Para Dantas (1992, p. 86), “a razão nasce da emoção e vive da sua
morte”, pois não somente a perda de lucidez em situações de emoção intensa,
como o inverso também ocorre, a “transformação” da emoção em atividade
intelectual.
O segundo ponto de partida é o que acompanha as mudanças
funcionais da emoção, considerando-a como parte da genética humana, que tem
seus centros no encéfalo e são reações organizadas. Na teoria walloniana:
O lugar mantido pelas emoções no comportamento da criança, a
influência por elas exercida no comportamento do adulto, mais ou
menos explicitamente ou em surdina, não é, pois, um simples
acidente, uma simples manifestação de desordem. Organizadas têm,
ou tiveram, a sua razão de ser. O momento por elas registrado na
evolução psíquica corresponde ao estágio ocupado por seus centros
no sistema nervoso. O desempenho do seu papel na conduta do
homem parece demonstrado pela relativa autonomia de seus
centros. (WALLON, 1971, p. 74)
Nesse sentido, Wallon entende as emoções, assim como Vygotsky,
numa perspectiva genética e de desenvolvimento, como um sistema dinâmico onde
os componentes desse sistema são vistos como imbricados uns aos outros,
afirmando que as transformações ocorridas no processo de desenvolvimento não se
dão por ampliação, mas por reformulação, onde todas as funções vão encontrando
formas de expressão mais complexas.
[..] estudar o aparecimento sucessivo dos centros e sua hierarquia, é
comprovar, não apenas uma simples estratificação de funções,
independentes umas das outras, mas sim sua mútua independência.
Pois uma fórmula nova de comportamento extrai suas origens de
possibilidades preexistentes e deve, por conseguinte, se constituir às
custas de reações anteriores, organizando-as diferentemente. Dessa
maneira, ela lhes imprime suas próprias direções e a elas se substitui
em suas manifestações, abolindo umas e levando outras para novos
sistemas de relações. Ao mesmo tempo, entra em concorrência com
as anteriores fórmulas de ação e, se não consegue suplantá-las, há o
compromisso ou repercussões recíprocas, a ponto de ser necessário,
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a propósito de cada uma, contar com o conjunto das outras.
(WALLON, 1971, p. 71).
Percebe-se então uma confluência de pontos de vista entre Wallon e
Vygotsky em termos de afetividade, uma vez que ambos apontam o caráter social e
orgânico das manifestações emocionais, bem como da evolução destas para um
nível cada vez mais simbólico, possível somente num ambiente social e cultural, no
qual processos cognitivos e afetivos o se constituindo de forma tua.
Convergem-se também as opiniões dos autores acerca do papel da linguagem como
suporte indispensável para os progressos do pensamento.
Wallon (1986b) explica que para a formação de uma representação
simbólica a interferência de vários fatores (noções, técnicas, linguagem),
inclusive dos sentidos, mas essa formação não é somente uma réplica das
impressões recebidas de outrem ou simples resultado de atitudes; a formação do
intelecto pressupõe interações sociais, e entre os instrumentos indispensáveis para
esta constituição se encontra a linguagem.
Em Vygotsky, a razão tem o papel de controlar os impulsos
emocionais, relacionando-se com a auto-regulação do comportamento; no entanto,
esse papel não pode, nem deve, ser confundido com a idéia de uma razão capaz de
anular ou reprimir os afetos, ao contrário, no processo de desenvolvimento a razão
está a serviço da afetividade, posto que é ferramenta de elaboração e refinamento
dos sentimentos (OLIVEIRA e REGO, 2003).
Em síntese, Wallon e Vygotsky consideram o desenvolvimento
humano como conseqüência de uma dupla história: biológica e social, que envolve
as condições humanas do sujeito e também as sucessivas situações em que se
envolve no decorrer de sua existência e às quais oferece resposta aos estímulos
delas advindos. Não dúvida de que as considerações de Wallon a seguir seriam
plenamente ratificadas por Vygotsky.
As explicações que a criança formula sobre a natureza das coisas
dependem, em grande parte, de seu ambiente. Se suas idéias não
são, evidentemente, as que ela recebeu prontas das pessoas de seu
meio, são, ao menos, o resultado de um esforço para assimilar as
técnicas utilizadas ao seu redor e que são o objeto necessário de sua
atividade: técnica da linguagem falada por aqueles de quem a
criança depende, técnica envolvida nos objetos fabricados que lhe
chegam às mãos e até mesmo técnica intelectual de pensamento e
atos; atos cujos efeitos ela pode sofrer a todo instante, e a cujo
espetáculo ela se liga visivelmente por uma atenção quase mimética.
Sendo que sua atividade própria não pode manifestar-se e exercer-
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se a não ser a propósito destas técnicas, são estas que
necessariamente determinam-lhe os temas. A diferença entre seu
pensamento e o do adulto dá a medida exata da distância entre suas
respectivas possibilidades. (WALLON, 1986a, p. 62)
Cabe dizer que a afetividade é tema presente mesmo em estudos
que possam parecer inusitados para tratá-lo. Jean Piaget, mesmo não considerando
a possibilidade de a afetividade modificar as estruturas da inteligência, não nega a
importância de se pensar a questão, apontando que a afetividade interfere nas
operações intelectuais, estimulando-as ou perturbando-as, podendo causar
acelerações ou atrasos no desenvolvimento intelectual sem, no entanto, crer que
seja possível que a afetividade modifique as estruturas da inteligência; admite ainda
que esta pode intervir nas estruturas da inteligência, que ela é a fonte de
conhecimentos e de operações cognitivas originais. (LAJONQUIERE, 1993)
Assim, a teoria piagetiana também reconhece que a afetividade vai
desempenhar um papel significativo no desenvolvimento humano. Para Souza
(2003, p. 54), “a abordagem de Piaget rompe com a dicotomia
inteligência/afetividade”. Segundo a autora, o pensador suíço tem posição favorável
acerca das “teses da correspondência entre as construções afetivas e cognitivas, ao
longo da vida dos indivíduos e recorre às relações de afetividade, inteligência e vida
social para explicar a gênese da moral”.
Nas palavras de Piaget (1961):
A vida afetiva e a vida cognitiva são inseparáveis, embora distintas.
São inseparáveis, porque qualquer permuta com o meio supõe, ao
mesmo tempo, uma estrutura e uma valorização, sem que por causa
disso sejam menos distintas, porque êstes dois aspectos do
comportamento não se podem reduzir um ao outro. Assim é que não
poderíamos raciocinar, mesmo em matemática pura, sem
experimentar certos sentimentos e, inversamente, não existem
sentimentos que não sejam acompanhados de um mínimo de
compreensão e de discriminação. (p. 26-27)
Souza (2003, p. 57) aponta que para Piaget “a afetividade não se
restringe às emoções e aos sentimentos, mas engloba também as tendências e a
vontade”. Completa ainda que “ao falar do papel da afetividade e da inteligência nas
condutas, retoma a idéia de que toda conduta visa adaptação, sendo que o
desequilíbrio se traduz por uma impressão afetiva particular”.
Em síntese, temos como idéias centrais do pensamento piagetiano
acerca da afetividade os seguintes pressupostos:
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1 Inteligência e afetividade são diferentes em natureza, mas
indissociáveis na conduta concreta da criança, o que significa que
não conduta unicamente afetiva, bem como não existe conduta
unicamente cognitiva;
2 a afetividade interfere constantemente no funcionamento da
inteligência, estimulando-o ou perturbando-o, acelerando-o ou
retardando-o;
3 a afetividade não modifica as estruturas da inteligência, sendo
somente o elemento energético das condutas. (SOUZA, 2003, p. 57)
Enfim, é possível admitir a definição de afetividade como sendo
constituída por significados adquiridos pelo indivíduo nas e pelas relações sociais
que ele estabelece ao longo de sua vida. Assim, a afetividade não permanece
imutável ao longo da trajetória do indivíduo, nem tem características únicas; ela terá
significado diferente para cada pessoa, pois representa as diferentes situações e
experiências vivenciadas em um determinado momento e ambiente social.
Desta forma, não como negar a importância de se pensar as
manifestações emocionais como problema epistemológico legítimo e relevante,
principalmente para o contexto educacional. Nesse propósito, elejo como referencial
teórico sico para discussão e análises as propostas da teoria walloniana, tendo
como pressuposto que, na psicogênese walloniana, o surgimento das emoções
precede a representação e a consciência de si, mais que isso, as emoções
constituem-se em condição sine qua non para o surgimento destas. Assim, nessa
perspectiva, afirma-se que as emoções estão na origem da atividade representativa
e da vida intelectual. Tendo como meta compreender funções e significados da
emoção, a teoria walloniana fornece elementos fundamentais para estudos sobre o
tema.
Isso posto, em seguida apresento os diferentes estágios propostos
por Henri Wallon para compreender o processo de desenvolvimento da criança, os
papéis desempenhados pela emoção e afetividade nessas etapas, bem como as
construções e singularidades decorrentes da dinâmica dialética proposta pelo autor.
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CAPÍTULO 2 FIOS E FUROS: A TRAMA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NA
PSICOGNÉTICA WALLONIANA
“[...] homem, natureza, corpo e idéias são da mesma substância.
Uma substância que cria o mundo e se põe nas suas determinações
de forma, que não existe separação e ruptura entre Deus o mundo,
os homens e a natureza, constituindo um sistema fechado, do qual
nada está fora” (ESPINOSA, 1957 citado por SAWAIA, 2000)
A opção pela teoria walloniana como base teórica deste estudo se
por esta voltar-se fundamentalmente para a investigação da psicogênese
humana, buscando compreender a formação da pessoa e as transformações que
possibilitam as mudanças evolutivas no bebê. Ou seja, compreender o que
possibilita a um recém-nascido, em toda sua imperícia biológica e social,
transformar-se em adulto. (GALVÃO, 2005). É nesse sentido que foi trazida a
metáfora do título, que pretende entender o desenvolvimento humano como a
tecelagem, onde malhas e fios são entrelaçados, todas as partes do todo têm função
específica e estão interligadas, resultando num produto final único.
Contemporâneo de autores como Jean Piaget e Levy S. Vygotsky,
Henri Wallon desenvolve uma teoria original ao descrever o papel da afetividade no
desenvolvimento humano (TRAN-THONG, 1987). A partir do desenvolvimento de
estudos centrados na criança contextualizada, ou seja, tomando-a como ponto de
partida em contextos específicos e não à margem deles, Wallon inaugura uma nova
forma de conceber a motricidade, a afetividade, a inteligência e a gênese humana,
elaborando uma “psicogênese da pessoa completa”, em aspectos de integração e
contexto dos diferentes fatores constitutivos do indivíduo. origem, a partir dessa
concepção, a uma visão do desenvolvimento humano como uma construção
progressiva, gradual, onde diversos domínios afetivo, motor e cognitivo
constituem a pessoa. Esses domínios se alternam em termos de predominância
durante o processo de desenvolvimento de estádios, sem, no entanto deixarem de
estar presentes. “No desenvolvimento da criança, também a sua pessoa se forma, e
as transformações que sofre, freqüentemente desconhecidas, têm uma importância
e um ritmo acentuados”. (WALLON, 1995, p. 201).
Buscando compreender a “pessoa completa”, Henri Wallon cria uma
teoria que ultrapassa a simples explicação do desenvolvimento pautada em delimitar
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com exatidão os passos evolutivos do homem, pois se empenha em apreender esse
processo de constituição do ser humano de uma perspectiva dialética, na qual as
forças que impulsionam a evolução do ser humano estão marcadas por intensos
conflitos de ordem tanto emocional como afetiva, cognitiva e motora. (BASTOS,
2003a)
Na teoria walloniana os conflitos que pontuam o desenvolvimento
infantil são de duas ordens: de origem exógena, quando são conseqüência dos
desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, e de natureza
endógena, quando originados dos efeitos da maturação nervosa. Até que sejam
integradas aos centros responsáveis por seu controle, “as funções recentes ficam
sujeitas a aparecimentos intermitentes e entregues à exercícios de si mesmas, em
atividades desajustadas das circunstâncias exteriores”. (GALVÃO, 2005, p. 42)
Na tarefa de apreender o ser humano, Wallon nega a concepção de
desenvolvimento que o indivíduo como fruto de uma simples justaposição de
fatores e aquisições motoras e cognitivas e o engendra como sendo derivado da
vivência de etapas sucessivas que ocorrem de forma irruptiva, descontínua,
“marcadas por rupturas, retrocessos e reviravoltas“, evoluindo de sistema para
sistema. A sucessão das etapas é uma modificação constante onde as atividades
que predominam num momento são reduzidas ou muitas vezes surpimidas em
outro.
As condições para as configurações específicas de cada etapa são
determinadas por fatores de duas ordens: orgânicos e sociais. Para o autor, tanto o
indivíduo quanto o meio social são componentes inseparáveis de um sistema e,
assim, ambos igualmente influenciam o processo de desenvolvimento. A fisiologia
humana determina o que pode ser o indivíduo, mas é a imersão em grupo social
num dado momento histórico e cultural que propicia ou não a concretização das
“possibilidadesdo ser humano e as características específicas de cada estágio de
desenvolvimento por qual passa, pois as condições orgânicas do ser humano darão
condições deste interagir com o meio físico e social. Mas o meio físico e social
também oferece recursos e exigências para que a adaptação aconteça, numa
evidente relação complementar e recíproca entre orgânico e social. “Deste modo,
na criança, opõem-se e implicam-se mutuamente, fatores de origem biológica e
social”. (WALLON, 1995, p. 49).
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Isso implica dizer que o indivíduo pensante é resultado de
determinantes de duas ordens, o “inconsciente biológico” e o “inconsciente social”,
que operam uma síntese que vai produzir as idiossincrasias do psiquismo. Assim, a
estutura fisiológica do ser humano não é a única responsável por produzir o homem,
visto que a programação orgânica é uma “semiprogramação”, uma vez que não se
realiza apartada do ambiente social. “É nesse sentido que deve ser entendida a
expressão walloniana de que o homem é geneticamente social”. (DANTAS, 1990, p.
31).
Em outros termos, é por um processo de constituição dialético que a
criança irá se formar; seus comportamentos transformam-se e retratam vontades e
necessidades específicos em cada faixa etária. A cada período o
estabelecimento de formas particulares de interação com o ambiente, onde
processos cognitivos e afetivos desenvolvem-se integrados e influenciando-se
reciprocamente: são construídos e se modificam de um período a outro, sofrendo
ainda influência do ambiente cultural e social.
A realização pela criança, do adulto em que deve tornar-se não
segue, pois, um caminho linear, sem bifurcações ou desvios. As
orientações-mestras a que normalmente obedece nem por isso
deixam de representar freqüentes incertezas e hesitações. Mas
quantas outras ocasiões mais fortuitas vêm também obrigá-la a
escolher entre o esforço e a renúncia! Elas surgem do meio das
pessoas e meio das coisas. [...] Os objetos [...] são para ela
incómodo, problema ou ajuda, repelem-na ou atraem-na e modelam
a sua atividade. (WALLON, 1995, p. 31)
A psicogenética proposta por Henri Wallon ainda preconiza a
existência de três leis que regulam o desenvolvimento humano: de alternância
funcional, de sucessão de preponderância funcional e a de diferenciação e
integração das funções.
A primeira lei, de alternância funcional, dá tom ao ritmo do processo
de desenvolvimento. Segundo essa lei, as atividades das funções orientam-se por
duas direções opostas: centrípetas, de absorção, voltada para a construção de si
mesmo, e outra centrífuga, voltada para a elaboração da realidade exterior. No
decorrer do processo de desenvolvimento, essas direções são postas
alternadamente, constituindo assim um movimento cíclico de atividades funcionais.
Assim, escalonam-se diversas funções (elementares e complexas), cujas
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alternâncias vão provocar o crescimento da própria pessoa, de sua forma de
interação com o meio e de seu entendimento acerca dos objetos.
A lei da sucessão de preponderância funcional corresponde ao
movimento inerente ao processo de desenvolvimento em que ora predominam
aspectos motores (no início da vida), ora predominam aspectos afetivos e ora
predominam aspectos cognitivos (estes dois últimos, ao logo de toda vida do
indivíduo). Pinheiro (1995, p. 41) utiliza uma mefora interessante para ilustrar esta
dinâmica, comparando os aspectos alternantes aos pedais de uma bicicleta:
Numa bicicleta em movimento, os pedais nunca estão parados juntos
ao mesmo tempo. Ora um, ora outro está em cima, sendo necessário
que um desça para que o outro possa subir, gerando impulso nessa
alternância para que haja ganho de percurso. Assim é o
funcionamento do indivíduo no dia-a-dia. (p. 41)
Considerando esse movimento, o processo da construção da pessoa
e sua estruturação funcional ao longo de toda sua existência serão organizados por
uma sucessão de momentos dominantemente afetivos ou dominantemente
cognitivos, tendo ainda traços significativos de aspectos motores, não paralelos, mas
integrados.
A terceira lei, da diferenciação e integração das funções, diz respeito
ao fato de que as novas possibilidades, mudanças e transformações alcançadas não
eliminam as conquistas anteriores, mas as integram, subordinando-as a um novo
papel e significação. Advém dessa lei um dos aspectos inovadores desta teoria: a
presença do conflito como fator constitutivo do ser humano, pois é através dele que
“a vida psíquica atinge um equilíbrio novo e reage por meio de novos
enriquecimentos”. (WALLON, 1986b, p. 148).
Entre as diferentes funções (afetivas, motoras e cognitivas) sempre
choque, na medida em que uma precisa ser reduzida ou momentaneamente
suprimida para que a outra possa prevalecer; ao mesmo tempo esse movimento
promove uma colaboração, pois uma função vai enriquecer a outra, sendo os
benefícios integrados no processo de evolução da pessoa como um todo. É nesse
sentido que se afirma que “entre a emoção e a actividade intectual existe a mesma
evolução, o mesmo antagonismo” (WALLON, 1995, p. 143).
Ou seja, as condições para evolução da inteligência têm suas raízes
na afetividade e vice-versa, e é a partir da evolução destes dois componentes e do
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desenrolar de suas funções que depende o processo de constituição da
personalidade da pessoa.
Assim, faz-se importante reafirmar a não linearidade do processo de
desenvolvimento humano na psicogenética walloniana. A afirmação de que a
afetividade vai designar os processos cognitivos não significa que isso ocorre
seqüencial e justapostamente. A anterioridade indica conflito e oposição
permanente; as condutas cognitivas surgem e são subordinadas às afetivas,
alternando-se em fases ora voltadas para si mesmas (centrípetas), ora voltadas para
o mundo externo, humano ou físico (centrífugas), numa elaboração do objetivo sobre
o subjetivo e vice-versa. Nesse sentido, “a evolução se por rompimento e não
por continuidade ou filiação progressiva e organizada”. (DUARTE & GULASSA,
2006, p. 28)
Dessa forma, no estudo do desenvolvimento humano, Henri Wallon
propõe uma seqüência de estágios por quais passa o indivíduo desde o nascimento
até a idade adulta. Em cada um desses estágios há um tipo de atividade dominante
que é fixada pelas aptidões que a criança possui para interatuar como o meio.
Cabe salientar que na obra original de Wallon são propostos seis
estágios, sendo eles: de impusividade motora, emocional, sensório-motor, do
personalismo, do pensamento categorial e da puberdade e adolescência (WALLON,
1976b).
No entanto, tendo em vista que os dois primeiros estágios são
orientados por funções afetivas, neste em outros trabalhos consultados
10
são
apresentados apenas cinco estágios. São eles: impulsivo-emocional (0 a 1 ano);
sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos); do personalismo (3 a 6 anos); categorial (6 a
11 anos), e; da puberdade e da adolescência (11 anos em diante).
Tendo em vista que as idades correspondentes e a modalidade de
ensino equivalente dois últimos estágios estão muito distantes do foco de interesse
da investigação, estes o serão abordados no presente trabalho. Assim, a seguir
os três primeiros estágios são apresentados de forma detalhada.
10
Cf. TRAN-THONG (1987); GALVÃO (2005); MAHONEY e ALMEIDA (2006); entre outros.
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2.1- Estágios de desenvolvimento segundo a psicogenética walloniana
2.1.1- Estágio impulsivo-emocional
O primeiro estágio, definido por Wallon, o impulsivo-emocional,
abarca o período que vai do nascimento até os 12 meses, sendo constituído por dois
momentos distintos: o da impulsividade motora e o emocional; ou seja, “a atividade
do ser está voltada para a atividade interna, a princípio visceral, depois afetiva”
(DANTAS, 1990, p. 9). Segundo Tran-Thong (1987, p. 174) “as primeiras realizações
mentais da criança observam-se nos seus movimentos que são, neste estágio, diz
Wallon, ‘aquilo que pode testemunhar da vida psíquica e a traduz inteiramente’”.
Aqui os movimentos se configuram em simples descargas nicas que se
apresentam em forma de espasmos e reações motoras descoordenadas; essa
inaptidão para resolver as necessidades de sobrevivência deixa a criança numa
situação de total dependência do meio externo.
“No recém-nascido, estabelece-se em primeiro lugar uma alternância
entre o sono, que alguns consideram como um retorno nostálgico à quietude
amniótica, e o apetite alimentar” (WALLON, 1995, p. 112). Neste momento a
atividade do bebê é monopolizada por necessidades fisiológicas primárias
(alimentares ou de sono), necessidades essas que não são automaticamente
atendidas como no período uterino. Esse “tempo de espera” vai gerar ansiedade e
desconforto e essas sensações são exteriorizadas por descargas motoras que não
têm nenhuma outra utilidade além de diminuir o estado de tensão em que o bebê se
encontra.
Assim, a comunicação com o meio se a partir de formas
interativas não-verbais, epidérmica e expressiva, sendo que a única forma de
linguagem disponível neste momento é a corporal, recurso esse que ainda é reflexo.
São esses gestos que irão surtir efeito significativo no ambiente fazendo surgir
intervenções desejáveis ou a não intervenção, tendo início um processo de interação
comunicativa, e de “compreensão mútua” entre a mãe e o bebê, que gerará na
criança as primeiras conexões e associações entre seus gestos espontâneos e as
respostas recebidas a partir deles de base nitidamente afetiva. (WALLON,
1975b).
Ou seja, é a partir de suas reações emocionais e afetivas que a
criança toma consciência, vaga e primitivamente, das situações em que se encontra
envolvida. É por meio de relações de ordem afetiva que será possível o desabrochar
da consciência e o principiar das relações com o mundo objetivo.
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Dessa forma, as ações perdidas no universo nebuloso e
indiferenciado da criança começam por tomar alguns sentidos dos quais emergirão a
sua identidade, por uma espécie de “osmose ambiental” que enriquece sua
sensibilidade criando o que Wallon (
1975b
) chama de “simbiose afetiva”.
No início da vida, o sujeito é indiferenciado, diluído e fundido nos
objetos e situações familiares (“sincretismo subjetivo”); a progressiva construção do
EU depende essencialmente do OUTRO
11
, uma vez que é a partir da relação
dialética EU-OUTRO, que será ao mesmo tempo de acolhimento e oposição, de
complementação e antagonismo, que se constituirá o mundo psíquico do indivíduo.
É possível afirmar que essa interação acompanhará o indivíduo durante toda a sua
existência; no entanto, o seu papel mais importante é desempenhado nos primeiros
anos de vida quando se estabelece o “prelúdio da constituição psíquica”.
Mais ou menos aos seis meses, a criança começa a executar uma
série de atividades repetitivas que são responsáveis pela promoção de
aprendizagens importantes e que prenunciam o estágio posterior: o sensório-motor e
projetivo. Essas atividades são nomeadas de “atividades circulares” e se
caracterizam por movimentos inicialmente causais, mas que gradativamente passam
a ser repetidos pela criança, levando-a a perceber a ligação entre os seus
movimentos e os efeitos que causam nos objetos, promovendo assim o ajustamento
progressivo dos gestos da criança para que os resultados sejam mais úteis e
precisos. (WALLON, 1975b)
Esse será, para a criança, um importante instrumento de
aprendizagem que, apesar de iniciar-se neste estágio, teseu apogeu no estágio
posterior (sensório-motor e projetivo) que, inversamente desse estágio marcado pela
vertente afetiva, será orientado pelo mundo dos objetos, tendo seus efeitos
prolongados pela aquisição de outros dois novos instrumentos: “a marcha e a
palavra”. Assim, por volta dos doze meses, o estágio voltado basicamente para a
11
Na obra de Henri Wallon, ao explicar o processo de indiferenciação do sujeito, o termo OUTRO
também faz referencia a um outro EU, uma bipartição íntima, também chamado de socius, numa
referência a Pierre Janet. Trata-se de um duplo Eu, um complemento que aparece recalcado, ficando
mais evidente nos momentos de incerteza, de reflexão, onde exerce a função de suporte. É também
denominado de Alter e não pode ser confundido com os OUTROS. Para facilitar a distinção Wallon
também adota os termos Je (Eu sujeito) e Moi (Eu - complemento). Cf. WALLON, H. Níveis de
flutuação do eu. In: ______. Objectivos e métodos da Psicologia. Lisboa: Editorial Estampa, 1975, p.
153-172. [publicação original de 1956]
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39
pessoa e de caráter afetivo lugar a um período de caráter fundamentalmente
cognitivo. Para Duarte e Gulassa (2006, p. 29):
A passagem de um estágio a outro pode ser descrita como a
passagem da atividade automática e afetiva para a atividade
relacional, exploratória do mundo externo. [...] as sensibilidades
intero e proprioceptiva, apresentadas pelas reações difusas pelo
corpo, darão espaço para a sensibilidade exteroceptiva, na qual os
movimentos são orientados e localizados respondendo às excitações
do mundo externo.
Nos termos de Tran-Thong (1987, p. 184), “a passagem do estádio
emocional ao sensório-motor e projetivo é uma passagem da atividade tônica,
automática e afetiva, à atividade relacional, que põe a criança em contato com o
mundo exterior dos objetos”.
2.1.2- Estágio sensório-motor e projetivo
Neste estágio, como o próprio nome sugere, a criança volta-se para
a investigação e exploração da realidade exterior, bem como para o
desenvolvimento da função simbólica, início da representação e da linguagem.
Nesta etapa, também vivida em dois momentos, prevalecem as atividades
cognitivas, intelectuais, com aspecto mais objetivo, traduzidas em atos motores e
voltadas para a construção da realidade.
Nessa dupla progressão muitas vezes é difícil a distinção, uma vez
que o ajuste das estruturas motoras ao mundo exterior está ligado ao exercício dos
centros nervosos, mas também tem como segunda condição a representação da
imagem do objeto que pode estar em níveis mais ou menos elevados da
representação perceptiva ou intelectual. (WALLON, 1995, p. 148).
Como o pensamento ainda está se desenvolvendo, a criança precisa
do gesto para se comunicar, a repetição de movimentos vai permitir-lhe
progressivamente uma coordenação tua entre os campos sensoriais e motores,
conferindo sentidos aos seus atos e o ajustamento dos atos aos efeitos desejados,
ou seja, permite-lhe a junção do corpo sentido com o corpo visto.
As atividades circulares iniciadas no estágio anterior evoluem e
promovem o surgimento do ato intencional. A excitação provocada pelos efeitos dos
gestos abre a possibilidade de a intenção preceder a ação. Segundo Wallon trata-se
de uma das atividades preferidas da criança pelo prazer ligado ao fato de produzir
um efeito, existindo assim uma conexão de ordem afetiva entre o ato e o efeito, de
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40
prazer ou desprazer pelo ato repetido. São essas possibilidades práticas que vão
sendo adquiridas que favorecem a conquista de maior independência para
exploração do espaço e objetos que circunda a criança, desenvolvendo assim uma
“inteligência prática ou inteligência das situações”.
A partir do aumento de recursos próprios e da possibilidade de agir
diretamente sobre os objetos, gradativamente o interesse da criança pelo mundo
físico aumenta e as solicitações ao adulto próximo diminuem. Vai então ocupar-se
em “explorar” os objetos em seu campo visual, acompanhá-los, pegá-los, etc.
(TRAN-THONG, 1987).
A possibilidade de se locomover e a conquista dos primeiros
rudimentos da linguagem promovem o alargamento da consciência de si mesma.
“Pode-se dizer que a linguagem é um fator decisivo para o desenvolvimento psíquico
da criança, pois permitirá outra forma de exploração do mundo” (COSTA, 2006, p.
33), isso porque a linguagem possibilita a expressão dos desejos. A permanência e
a objetividade da palavra permitem à criança separar-se de suas motivações
momentâneas, prolongar na lembrança uma experiência, combinar, calcular,
imaginar e sonhar.
Segundo Wallon (1995; 1979), com o andar e o falar (mesmo que
rudimentares), a criança tem a grande oportunidade de ingressar no mundo
simbólico, iniciando nesse momento a “atividade projetiva”. Para Tran-Thong (1997)
essa atividade sintetizada, como as realizações “ideo-motoras” em que as imagens
mentais são projetadas em atos que os provocam e que os esgotam ao mesmo
tempo; no entanto, disso resulta uma figuração motora que tão logo consegue
destacar-se da ação, torna-se representação.
Assim, essa atividade diz respeito ao prelúdio da representação,
cujas condições de surgimento residem na imitação e no simulacro. Esses dois
mecanismos traduzem-se na percepção de uma situação, a estruturação de seus
elementos percebidos num conjunto, mais ou menos coeso, e a reconstrução deste
conjunto.
Cabe dizer que essa imitação não diz respeito à reprodução
imediata e literal dos fatos e situações observados; entre a percepção e a
reprodução dos modelos um período de elaboração que pode ser de horas, dias
ou semanas. Isso porque as impressões vão amadurecendo até originar os
movimentos apropriados, que podem ser reproduzidos de forma completa ou parcial,
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em gestos fortuitos ou planejados, “que assinalam toda aplicação íntima e laboriosa
que dá às peripécias da cena”. (WALLON, 1995, p. 164).
Trata-se então da aurora da função simbólica, mas o gesto ainda
precede a palavra, e “o ato mental projeta-se em atos motores”, pois a criança não é
capaz de imaginar algo sem representá-lo “materialmente”, torná-lo presente ou
substituí-lo gestualmente. Segundo Wallon
12
, a criança “ainda permanece fechada
nas circunstâncias habituais da vida, sem conseguir apreender-se fora delas”.
Interessante salientar que o alvo da imitação por parte da criança
obedece a certos critérios de seleção; a criança “só imita pessoas que exercem
sobre ela uma profunda atracção ou as acções que a cativaram”. Isso porque a
criança ainda não possui uma imagem abstrata dos modelos, bem como “na base de
suas imitações está o amor, a admiração e também a rivalidade. Porque seu desejo
de participação cedo se transforma em desejo de substituição, na maior parte das
vezes até, coexistem estes dois desejos”
13
.
Inicia-se então o processo de organização do pensamento, momento
em que a criança começa a dar significados aos signos e símbolos, tendo na
linguagem a forma de regulação desse processo.
As primeiras perguntas das crianças referem-se aos nomes dos
objectos e aos lugares em que eles se encontram. estão duas
coordenadas primitivas que lhe permitem autenticar-lhes a existência
e a natureza. O nome ajuda a criança a separar o objecto do
conjunto percpetivo em que se insere. Fá-lo permanecer para dar
impressão presente. Permite uni-lo a objectos parecidos: uma
chávena é sempre uma chávena, quaisquer que seja a sua forma,
tamanho e cor. (WALLON, 1975b, p. 136)
Assim, é possível afirmar que são as relações interpessoais e
culturais, através da linguagem, que contribuem decisivamente para a expressão e
constituição da atividade mental, da representação, uma vez que são mediadoras do
processo de ajustamento da relação entre significantes e significados por parte da
criança.
Segundo Dantas (1990), ao longo dessa etapa as coisas deixam de
ser exploradas e manuseadas e se tornam significativas e significantes, ou seja,
adquirem uma dimensão permanente, estável, emancipada da realidade objetiva.
Além disso, as conquistas realizadas, apreensão de objetos, aquisição da fala,
12
(Ibid., p. 193)
13
(Ibid., p. 163)
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42
intencionalidade, capacidade de representação, entre outras, tornarão a criança um
ser individualmente singular e, segundo Wallon (1975b), no período em que se
concretizam estes progressos, o preparo para outro estágio, que lembra o
emotivo, mas que se opõe a ele. No primeiro estágio a criança estava
sincreticamente absorta no ambiente; agora, ela resistirá a ele, para depois tentar
apropriar-se dele.
Nas palavras de Wallon (1979, p. 62): “este estado sensório-motor
não se finda sem que se anuncie o seguinte”. É então que tem início o estágio do
personalismo.
2.1.3- Estágio do personalismo
Por volta dos três anos de idade a criança entra no estágio do
personalismo, que vai durar até mais ou menos os seis anos. Neste momento,
como o próprio nome do estágio sugere, a criança vai construir as bases de sua
personalidade, voltando-se para o seu eu, buscando construir uma consciência de si
e a diferenciação dela com os outros através das relações sociais. Dessa forma,
caracteriza-se não pela atividade cognitiva, mas pelo “drama” que se instala nas
relações interpessoais e que possibilita a construção do EU. (DANTAS, 1990).
No estágio anterior foi adquirida uma imagem corporal unificada, o
que, segundo Bastos e Der (2006, p. 39), “é condição fundamental para a tomada da
consciência de si, para o processo de diferenciação eu-outro”; isso porque, sendo
adepto do materialismo, Wallon não supõe que a essência seja anterior à existência,
ou seja, a construção do eu orgânico precede e é constituição necessária para a
consolidação do eu psíquico.
Assim, neste momento, o ser possui uma “infra-estrutura”
corporal, onde serão acrescentados os elementos que consolidarão a imagem do
EU, a representação. Em função disso, ocorre uma volta da predominância da
vertente afetiva, marcada pela necessidade que a criança tem de receber
reconhecimento.
O desdobramento efetuado entre sua personalidade e a dos outros,
incita a criança a experimentar o poder da sua, utilizando para tanto
tôdas as circunstâncias favoráveis. Com as pessoas passíveis de
caírem sob seu domínio, sobretudo os parentes, mostra-se exigente,
ciumenta, e pretende tornar-se o objeto exclusivo de sua solicitude.
Até mesmo consegue cometer erros ou faltas, de modo intencional, a
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43
fim de ser repreendida e para obter que os demais nela fixem a
atenção. (WALLON, 1971, p. 249)
Para Wallon (1971), o surgimento da noção do ego implica a
oposição a personalidades estranhas à criança, distanciando-se assim daquilo que
não seja ela mesma. Essa é a tarefa marcante desta etapa, a disjunção eu-outro e
“a pessoa entra num período em que a sua necessidade de afirmar, de conquistar
sua autonomia, vai lhe causar, de início, uma série de conflitos” (WALLON, 1995, p.
203), pois seu ponto de vista tornar-se exclusivo, unilateral e até agressivo.
A passagem do estágio anterior para o atual exige a transição de
funções, a subordinação da inteligência para que o domínio afetivo possa emergir e
orientar os processos de desenvolvimento da personalidade. Para Wallon (1971, p.
245), a alternância provoca sempre um novo estado, que se torna o ponto de partida
de um novo ciclo. Assim, “opera-se uma reviravolta assaz violenta, nos modos da
criança e em suas relações com o ambiente”.
A criança descobre a autonomia psíquica e, durante um certo
período, coloca-se contra as outras pessoas; resulta daí uma reverência a si mesmo
e a atenção, muitas vezes ambivalente, para com as pessoas à sua volta. Nesse
sentido, esse estágio será marcado por três momentos distintos, “mas tendo todos
por objecto a independência e o enriquecimento do eu(WALLON, 1975b, p. 137,
grifo do autor). São eles: a oposição, a sedução e a imitação.
O primeiro momento, da oposição, é marcado por uma
contraposição intensa aos demais, muitas vezes sem motivo aparente.
As pessoas do ambiente não passam, em suma, de ocasiões ou
motivos para o sujeito se exprimir e realizar-se. Mas se puder dar-
lhes vida e consciência fora de si, é porque nele fez a distinção do
seu eu e daquilo que é seu comportamento indispensável: esse
estranho essencial que é o outro. A distinção não é como um
decalque abstrato das relações habituais que o sujeito pôde ter com
pessoas reais. Resulta de uma bipartição mais íntima entre dois
termos que não poderiam existir um sem o outro, apesar de ou
porque antagônicos, um que é uma afirmação de identidade consigo
mesmo e outro que resume o que é preciso expulsar desta
identidade para a conservar. (WALLON, 1979, p. 156)
Segundo Wallon (1995, p. 203), “o único fito da vitória é a própria
vitória: vencida por uma vontade mais forte ou pela necessidade, a criança sente
uma dolorosa diminuição do seu ser; vencedora, uma exaltação que pode ser
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inconveniente”. Assim, “suas exigências, os seus caprichos parecem provir mais do
amor-próprio que do prazer cobiçado”.
Esse período, também designado como “fase da recusa e de
reivindicação”, é tido como “extremamente negativo” se comparado com os demais
momentos desse estágio, pois outra característica marcante é o forte sentimento de
posse e atitude de recusa. A criança, como forma de asseverar sua identidade,
proteger sua autonomia recém descoberta e garantir seu ponto de vista de forma
dominante e exclusiva, assume posturas de confronto e extremo negativismo.
A criança, que até então se referia a si própria na terceira pessoa do
singular, passa a usar com freqüência os pronomes eu e mim, mostrando
claramente uma evolução da linguagem e o início da delimitação de si em relação
aos outros de forma irreversível.
A consciência pessoal expressa nos pronomes eu e mim estende-se
também aos objetos que possam concretizar esta nova percepção. O pronome
possessivo “meu” surge em cena com certa regularidade, figurando as lutas que a
criança trava pelos objetos, uma vez que para ela a apropriação do que é do outro é
também a afirmação de si. Assim,
A criança não procura apenas a utilização mas a propriedade das
coisas e muitas vezes a propriedade por si só, a propriedade de
coisas que espontaneamente não teria qualquer desejo. Esta
primeira necessidade de propriedade baseia-se num sentimento de
competição. Trata-se de apropriar-se daquilo que é reconhecido
como pertencente a outrem. Pela violência, pela astúcia, pela
mentira, a criança esforça-se por transformar o teu em meu. fica
satisfeita na medida em que o rapto é flagrante, ou seja, implica uma
diferenciação perfeitamente nítida do meu e do teu. (WALLON, 1979,
p. 154, grifos do autor).
Wallon (1995) afirma que a criança distingue o que é dado do que
é emprestado; compreende que dar o seu brinquedo significa renúncia definitiva, do
mesmo modo que o que foi recebido é seu direito incontestável. Também
reconhece o direito dos outros, mas em situações de partilha procura sempre se
mostrar superior.
Nesse período, a criança parece ser movida por uma comparação
latente entre ela e os outros. Não se aproxima de qualquer criança, mas somente
daquelas que acredita poder usufruir de alguma forma. Sente-se facilmente frustrada
e, vendo outras crianças revelarem uma superioridade qualquer, empenha-se em
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destruir-lhe os efeitos, empenhando-se em perturbar as atividades das crianças mais
hábeis que ela. (WALLON, 1971).
A criança nesta etapa não é somente competitiva, mas também
ciumenta, exige exclusividade na atenção, sendo arrogante e presunçosa. A
constante comparação que faz entre si e os outros a discriminação que faz das
outras pessoas um tom de exigência exagerada, sendo que, muitas vezes, as
relações de valor que imagina predominam sobre a lógica das situações reais. O
desdobramento desta situação é a capacidade de reagir não a situações
presentes, mas também em situações que conserva na memória. (WALLON, 1995).
Começa então a distinguir a realidade de seus devaneios, sendo
fonte de prazer misturar novamente as situações em suas brincadeiras. Isso significa
que a criança não pertence mais unicamente à realidade imediata e concreta, mas
começa a dirigir-se por um plano em que a realidade se remete a noções estáveis e
mais ou menos capazes de reagir a flutuações subjetivas. (WALLON, 1986a)
Nessa fase “uma perda da simplicidade das reações”, ou seja, a
criança começa a aprender a portar-se na frente do outro, a simular uma coisa para
alcançar outra, como por exemplo, oferecer seus brinquedos para se apropriar dos
brinquedos de outras crianças, torna-se capaz de armar manhas, de assumir ares
amistosos junto a outras crianças para tomar posse de seus brinquedos, bem como
a busca permanente de um sentimento de superioridade.
Nessa etapa a criança toma consciência daquilo que pode ou não
pode demonstrar; de que muitas vezes é necessário esconder o que vai em seu
íntimo
14
. Ou seja, ela começa a perceber que também pode ser julgada, o que pode
causar-lhe medo do isolamento, motivo pelo qual essa etapa é também chamada
“idade da timidez”. Mas, a criança também aprende a dissimular situações, posturas
e atitudes que percebe podem desagradar, principalmente os adultos. Por esta
razão pode desenvolver paixões tanto carregadas de angústia como de serenidade,
dependendo do grau de dissimulação e possibilidade de dissipação que o meio irá
lhe proporcionar. (WALLON, 1995)
É nesse momento que o segredo impor-se-á à consciência infantil,
caracterizando este momento com intensa atividade afetiva e moral. Em grande
14
Wallon vai nominar estas mudanças de atitudes frente a sensação de ser observada de
“sentimento de prestance”, que implica basicamente num “vigiar-se” a partir da impressão ou
percepção da presença de outrem a fitá-la. Cf. WALLON, H. A crise da personalidade (três anos).
Afirmação do eu e subjetividade.
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46
medida, é em decorrência dessa situação que Wallon (1979) vai reconhecer esta
como uma etapa decisiva no desenvolvimento da criança. Decisivas também são as
intervenções dos adultos nesse período, pois a inabilidade em lidar com a
arrogância, ansiedade e frustrações típicas da criança nessa etapa pode cunhar
marcas duradouras no comportamento da criança. Segundo o autor, este período é
um período em que atitudes duráveis de insatisfação podem marcar, não de forma
irrevogável, mas de maneira prolongada, o comportamento da criança.
É nesse sentido que Wallon
15
aponta que “é preciso evitar, nesta
idade, magoar a criança nos seus desejos, nas suas necessidades, e evitar
desenvolver nela, em vez de solidariedade, a inveja e o ciúme”.
Acalmada a fase inicial de oposição, que permitiu à criança uma
primeira tomada de consciência de si, surge o período da sedução, também
chamado de “idade da graça” ou “período do encanto”, “o tom agressivo ou
arrogante, torna-se conciliador ou sedutor”
16
.
Segundo Dantas (1992, p. 95), “conquistado na batalha, o eu ainda
frágil precisa da admiração alheia para completar a sua construção, e assim oferece-
se em espetáculo”. Bastos e Der (2006, p. 43) afirmam que a criança “busca ampliar
e enriquecer as possibilidades de sua pessoa pelo movimento de incorporação do
outro, utilizando-se da imitação para isso”.
Segundo Wallon (1971), este é um período narcísico, em que o ego
recém conquistado se contempla; porém, a contemplação necessária não advém
somente de si mesma. A criança sente a necessidade de ser prestigiada, de
mostrar que possui qualidades a serem admiradas, mostra-se no que ela acredita
poder agradar aos outros, para transformar a admiração recebida em admiração a si
mesma. (DANTAS 1990; BASTOS 2003).
A sua pessoa, que antes era um escudo em relação às outras
pessoas, ocupa-se agora, acima de todas as coisas, com a sua
própria realização estética. Este fervor pos si mesma é, aliás,
normalmente acompanhado de conflitos, inquietações e decepções.
A criança pode agradar a si mesma se tiver a sensação de que
agrada aos outros, não se admira a si própria se não se julgar
admirada. (WALLON, 1995, p. 205)
A imitação, nesse estágio, é denominada de “imitação fantasista”, na
qual o interesse de “reprodução” se dirige às pessoas admiradas e com as quais
15
(Ibid., p. 208)
16
(Ibid., p. 64)
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deseja se unir por uma forma de participação efetiva. A criança “procura naqueles
que a rodeiam não mais admiradores, mas modelos”. (WALLON, 1979, p. 64). Ao
procurar assemelhar-se ao modelo, opõe-se às pessoas, distingue-se do próprio
modelo e toma consciência de si própria por meio do outro. Para Dantas (1992, p.
95), a criança “usa o outro que negou ferozmente há pouco como modelo para
ampliação de suas próprias competências”.
É através da imitação que a criança irá realizar o movimento de
interiorização e reaproximação do outro, anteriormente negado. Assim, além de
importante recurso para a consolidação da diferenciação eu-outro, se constitui
também instrumento de intermediação nas relações sociais estabelecidas pela
criança. Para Tran-Thong (1987, p. 220), trata-se de “um salto evolutivo na
personalidade da criança, animada por um desejo de conquista e de possessão, e
duma necessidade de comunhão e submissão”.
Cabe esclarecer que a imitação o é exclusiva dessa etapa, ela
evolui ao longo dos estágios: no momento inicial do estágio sensório-motor ela é
imediata, ou seja, a criança repete gestos que acabaram de ser executados em sua
frente; ainda nesse estágio, no momento projetivo, ela conseguirá organizar
múltiplas dimensões de uma situação e repeti-las após um período de encubação”.
No entanto, é apenas no período do personalismo que a imitação de fato é possível,
uma vez que nesse momento a criança terá condições de organizar a intuição global
das situações e a individualizar as partes, permitindo assim a apreensão das
características e propriedades de fato do modelo a ser imitado, uma vez que
pretende não a simples cópia de gestos, mas a incorporação de papéis e
personagens.
Na busca pela delimitação de sua personalidade, a criança não se
basta mais com suas próprias qualidades e passa a cobiçar as dos outros, num
desejo de “fixá-las” em si mesma. Nesse propósito vai se deparar com interesses,
sentimentos, exigências e decepções relacionados com o lugar que ocupa e as
relações que estabelece no/com o meio e com as possibilidades de expressão que
possui. (BASTOS, 2003).
Segundo Wallon (1995), nesse período “a ligação às pessoas
constitui necessidade inextinguível para a pessoa da criança”. Assim, as relações
da criança com as pessoas com as quais convive o marcadas por influências
recíprocas, podendo ser consideradas como ocasiões ou motivos para ela se
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exprimir. Os sentimentos presentes nesse momento são o ciúme, a rivalidade, a
ansiedade e a frustração, que darão o tom das situações vividas, bem como a
possibilidade de a criança apreender uma existência fora de si, tornando-se possível
a distinção do eu e do outro. Essa distinção é resultante de um desdobramento
íntimo entre termos que são interdependentes e antagônicos: um, que afirma a
identidade de si mesmo e outro, que é preciso expulsar dessa identidade com o
objetivo de confirmá-la.
Para Bastos e Dér (2006, p. 47), “as diferentes fases pelas quais
passa a criança neste estágio têm como objetivo promover a individuação da pessoa
em relação ao seu ambiente (pessoas e objetos)”. No entanto, os progressos desta
etapa não se limitam ao campo afetivo, eles se prolongam para o cognitivo e motor,
ainda que em menor escala. Todos esses avanços vão se refletir, por sua vez, na
expansão da função simbólica, permitindo à criança reagir não somente às
impressões atuais, mas também às imagens representadas mentalmente. No
entanto, a função simbólica exerce-se em si mesma, pois ainda não está
consolidada, o que ocorrerá no estágio seguinte. Até lá, “predominam tanto seu
aspecto lúdico, livre dos objetos de ajustamento às circunstâncias exteriores, quanto
suas formas utilitárias”. A atividade da criança nesse período vai caracterizar-se pelo
que Wallon (1995) chamou de inércia mental:
A criança está totalmente absorvida pelas suas ocupações do
momento e não tem sobre elas nenhum poder de mudança ou
fixação. Daí resultam dois efeitos contrários, mas que podem ser
simultâneos: a perseverança e a instabilidade. A actividade que se
apoderou da criança fechada em si própria, repetindo-se ou
esgotando-se nos seus próprios pormenores, mas sem se estender a
outros domínios a não ser por digressão fortuita ou rotineira. Se se
transforma é por substituição, ou porque, vazia de interesse pela sua
monotonia, deixa o campo livre à que primeiro aparecer, ou porque
uma ligação acidental a faz alienar-se totalmente numa outra ou,
enfim, porque repentinamente cede diante do atractivo de uma
circunstância imprevista, de uma estimulação surpreendente ou
aliciante. Daí o aspecto contraditório da criança, alternativamente
absorvida por aquilo que faz, a ponto de parecer estranha,
insensível, ao ambiente que a rodeia; depois atraída pelos incidentes
mais insignificantes e sem qualquer recordação aparente do
momento anterior. (p. 90-91).
Em síntese, no estágio do personalismo o movimento de
identificação e diferenciação da personalidade se orienta, predominantemente, pela
busca de independência. No entanto, embora busque autonomia, a criança acaba
submetendo-se às influências da quais busca libertar-se, pois a oposição é uma
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submissão invertida, enquanto que a exibição é busca pela aprovação e a imitação,
a submissão a uma interferência estranha. Nas palavras de Wallon (1979, p. 65), “os
primeiros esforços da criança para se distinguir do meio circundante não podem
deixar de lhe fazer sentir até que ponto a sua pessoa está incrustada nela”.
A conquista de uma personalidade ainda em construção supõe a
demarcação dos limites de si e do outro. Para Dantas (1992, p. 95), “a tempestade
do personalismo, se teve um final feliz, permitiu a superação do sincretismo da
pessoa”. Esta é condição fundamental para as novas conquistas do próximo estágio,
o categorial.
No estágio categorial a criança, graças à diferenciação de sua
personalidade e à consolidação da função simbólica, faz importantes avanços no
plano da inteligência. São esses avanços que levam a criança a dirigir-se para
interesses referentes à conquista do conhecimento e do meio, predominando
novamente nessa etapa o aspecto cognitivo.
Esse estágio compreende o período etário que vai dos 6 aos 11
anos. Nesse momento, os sincretismos da pessoa e da inteligência resolver-se-ão
definitivamente dando lugar à “diferenciações” necessárias. A criança continua
aprimorando suas capacidades tanto no plano motor como no afetivo, mas as
características comportamentais são determinadas pelo desenvolvimento intelectual.
Segundo Wallon (1975b), essa pode ser a razão de essa idade corresponder à idade
escolar.
Semelhante desenvolvimento se opera na percepção e no
conhecimento. Entra em cena o que na teoria walloniana denominou-se de
“pensamento categorial”, ou seja, “a capacidade de variar as classificações
conforme as qualidades das coisas, de definir as suas diferentes propriedades e,
segundo a expressão de Piaget, de não mais confundir os seus ‘invariantes’ entre
si”.
O período da escolarização faz com que a criança se depare com
meios e experiências variados, com grupos e interesses distintos. Essa experiência,
além de exercer influências na formação da personalidade, como explicitado
anteriormente, também estimula a organização de seu pensamento em torno de
noções fundamentais acerca da realidade: noções de tempo, espaço e causalidade.
Ao final desse estágio, a criança tem um conhecimento de si
mesma preciso e completo, “a sua adaptação ao meio parece ter se aproximado do
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50
adulto, quando surge o ímpeto pubertário que rompe o equilíbrio de uma forma mais
ou menos súbita e violenta.” (WALLON, 1998
17
apud DÉR, 2005, p. 71). Tem início,
então, o estágio da puberdade e da adolescência, que se dará por volta dos 11
anos.
Como explicitado anteriormente, essas duas últimas etapas do
desenvolvimento compreendem faixas etárias que se distanciam em demasia do
foco de interesse do presente trabalho, bem como as características presentes
nelas; assim, não nos deteremos em maiores detalhes sobre suas dinâmicas.
É importante salientar que as idades propostas nas etapas
apresentadas pela teoria walloniana foram pensadas em um contexto e cultura
específicos, necessitando de uma revisão para os dias atuais; entretanto, para além
dos limites etários, o que de fato merece atenção são as características, interesses e
atividades da criança que predominam em cada um dos estágios propostos, visto
que cada nova configuração gera novos recursos afetivos, cognitivos e motores.
(MAHONEY, 2006)
Sob o prisma das leis de funcionamento propostas por Wallon, os
estágios têm sentido dentro da sucessão temporal proposta, visto que são
gestados pelas atividades do estágio anterior, ou seja, a seqüência de estágios é
responsável pelo engendramento de mudanças nos estágios posteriores ao mesmo
tempo em que sofre as mudanças dos anteriores. Isso devido ao princípio de
alternância funcional entre as formas de atividades, que ora são predominantemente
afetivas e voltadas para a construção de si mesmo (personalidade), ora são
intelectuais, voltadas para o conhecimento do mundo (intelecto). Em outros termos,
as etapas realizam-se em ritmo bifásico de abertura (centrífuga, catabólica,
marcada pelo dispêndio energético e pela elaboração da realidade externa) e
fechamento (anabólica, centrípeta, de acúmulo de energia, voltada para a
construçao do EU).
Os comportamentos que predominam em cada estágio são
determinados pelas habilidades atuais da criança, pois “cada idade da criança é
como um estaleiro onde certos órgãos asseguram a actividade presente, enquanto
edificam massas importantes que terão a sua razão em idades ulteriores”
(WALLON, 1995, p. 50). Na passagem de um estágio de desenvolvimento a outro
17
Não há referência completa desta obra no texto citado.
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deflagram-se “crises” de origem endógena, que dizem respeito a movimentos
reflexos ou “impulsivos” provocadas por situações internas (biológicas ou orgânicas)
de desconforto, geradas pelos efeitos da maturação nervosa e de origem exógena,
quando são relacionadas aos desencontros entre as ações da criança com o mundo
exterior.
Dessa forma, o desenvolvimento é considerado como um processo
inacabado, implicando movimentos constantes, sendo os conflitos que se instalam
nesse processo os elementos que vão afetar as condutas da criança, ou seja, os
propulsores do desenvolvimento desta.
Para Wallon, ao contrário do que postula Piaget, o desenvolvimento
não começa cognitivamente, mas afetivamente; é a afetividade que vai designar os
processos psíquicos que acompanham “as manifestações orgânicas da emoção”
(DANTAS, 1990).
Ao longo deste capítulo pretendi colocar em evidência o caminho do
desenvolvimento humano na ótica walloniana. Neste processo uma sucessão de
predominâncias afetivas, cognitivas e motoras que correspondem às necessidades
infantis e que geram comportamentos, atitudes e reações da criança específicas
para cada momento de interação com as pessoas e com os objetos.
Dessa forma, apresento, a seguir, o caminho metodológico adotado
para o desenvolvimento do presente estudo, bem como os dados obtidos nas
observações realizadas no primeiro semestre do ano de 2008.
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52
CAPÍTULO 3 O ENTRELAÇAR DOS FIOS: ESCOLHENDO O CAMINHO E
TRILHANDO O CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO
“Refletir é olhar a própria ação
de maneira particular e a distância.
É tomar uma certa distância
para melhor julgar o que está fazendo,
Mas aproximar-se o suficiente
para saber o que se fez e o que fará...”
(Pierre Furter)
O objeto de pesquisa escolhido, qual seja, as manifestações afetivo-
emocionais entre crianças em contexto coletivo, impele o conhecimento de causa no
contexto em que estas relações se realizam; neste caso específico optamos por
observar essas manifestações no contexto educativo onde o desenvolvimento do
processo formal de ensino-aprendizagem. Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 48),
“[...] as ações podem ser melhor compreendidas quando o observadas no seu
ambiente habitual de ocorrência. Os locais têm de ser entendidos no contexto da
história das instituições a que pertencem.”
Nas palavras de Wallon (1979, p. 16), “[...] para conhecer o
comportamento da criança é indispensável observá-la nos diferentes campos e nos
diferentes exercícios de sua atividade cotidiana [...]”.
Dessa forma, o presente trabalho insere-se no campo qualitativo da
pesquisa. Esta opção se justifica, pois esta se trata, ainda segundo Bogdan e Biklen
(1994, p. 21), de “uma metodologia que enfatiza a descrição, a indução, a teoria
fundamentada e o estudo das percepções pessoais” e, ainda, porque o interesse da
investigação está em compreender o “modo como diferentes pessoas dão sentido às
suas vidas”.
18
O estudo proposto é de caráter exploratório, tendo como
procedimentos para o levantamento de dados, além da realização de observação
nos ambientes de aprendizagem, também a utilização de entrevistas semi-
estruturadas.
Sobre o recurso da observação, Wallon (1979) aponta esta como
uma experiência necessária quando se pretende o conhecimento infantil, afirmando
18
(Ibid., p. 50).
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53
que: “a observação é um método cujo contributo é dos mais ricos na psicologia da
criança”
19
. Afirma ainda que:
Observar é evidentemente, registrar o que pode ser constatado. Mas
registrar é constatar, é também analisar, é ordenar o real em
fórmulas, e instá-lo de perguntas.
É a observação que permite colocar problemas, mas são os
problemas colocados que tornam possível a observação. (WALLON,
1979, p. 15)
Tendo em vista que o objeto de estudo, manifestações afetivo-
emocionais que ocorrem no contexto educativo nas interações criança-criança,
requer a oportunidade de acompanhar os sujeitos e a situação total de onde são
extraídas as informações, bem como da possibilidade de apreensão de uma
comunicação não-verbal, que é muito importante para a compreensão do problema
eleito, justifica-se a escolha da observação como recurso metodológico básico, pois
tanto do ponto de vista das orientações do referencial teórico-metodológico, quanto
do referencial teórico específico do problema, este é visto como um recurso
fundamental em pesquisas que se pretendem estudos contextualizados.
Os dados obtidos nas observações foram registrados em diários de
campo, redigidos após os encontros com os participantes. Segundo Silva (2003),
essa se revela como uma forma menos intrusiva de coleta de dados, pois permite
diluir parcialmente a presença, muitas vezes constrangedora, do pesquisador. No
entanto, temos ciência de que, como aponta Souza Santos (2006), não é possível
observar um objeto sem interferir nele, nem mesmo imaginar que observador e
observados sairão da mesma forma desta situação. Nesse sentido, essa foi uma
opção que buscou menos garantir o distanciamento do objeto e mais a possibilidade
de estabelecer um contato mais estreito com este.
No que diz respeito à opção pelas entrevistas junto aos profissionais
que atuam diretamente com a criança pequena, estas foram utilizadas como suporte
para finalização do trabalho, pois:
Se desejamos saber como as pessoas se sentem qual sua
experiência interior, o que lembram, como são suas emoções e seus
motivos, quais as razões para agir como o fazem por que não
perguntar a elas? (ALLPORT, 1942
20
apud SELLTIZ, 1972, p. 265)
19
(Ibid. p. 15-16).
20
ALLPORT, G. W. The use of personal documents in psychological science. Bulletin 49, Social
Science Research Council, 1942.
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54
Dessa forma, o caminho metodológico tem nuances do método
etnográfico de investigação, ou seja, a inspiração surge dessa base, pois implicou
na realização de um trabalho focalizado na realidade de forma contextualizada,
mantendo um contato direto com a situação a ser estudada. Segundo Silva (2003), o
trabalho pautado no método etnográfico é um esforço de decifração de várias
camadas de significados.
A busca pelo permanente diálogo com os envolvidos, vendo-os
como interlocutores no trabalho, nos faz afirmar que esta proposta se aproxima da
modalidade de observação participante, pois, segundo Brandão (1984, p. 8), “[...]
se conhece em profundidade alguma coisa da vida da sociedade ou da cultura,
quando através de um envolvimento em alguns casos, um comprometimento
pessoal entre o pesquisador e aquilo, ou aquele, que ele investiga”.
A análise dos dados obtidos a partir das observações e entrevistas
pautou-se na busca da compreensão abrangente das situações reveladas, visando
desvendar os fenômenos e sua manifestação, ou seja, a relação existente entre
eles; pois entendo, assim como Bastos (2003a, p. 28), que:
Não basta observar, é preciso contextualizar as observações, buscar
estabelecer relações entre elas, ampliar a análise para que se possa
compreender melhor os comportamentos inseridos num determinado
contexto e sua influência sobre eles.
O motivo que me levou a perseguir essa linha de investigação é a
pretensão de que o trabalho se concretize em material que além da simples
elaboração de um manual normativo, que se configure num estudo que tenha
ressonâncias práticas e que caminhe rumo ao desenvolvimento de um trabalho
pautado em situações que foram e podem ser vivenciadas pelos atores
educacionais, vislumbrando, em última instância, uma contribuição para a melhoria
da qualidade da educação infantil, reconhecendo a importância do papel dos
profissionais - professor/educador - nessa qualidade.
Assim, tendo como foco as interações entre crianças ocorridas no
interior da Educação Infantil, fui à procura de uma instituição que oferecesse
atendimento a crianças da faixa etária de 0 a 5 anos, ou seja, os atendimentos
denominados creche (0 a 35 meses) e educação infantil (3 a 5 anos), pois pretendia,
num primeiro momento, realizar o estudo com crianças na faixa etária dos 3 aos
cinco anos.
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55
Para tanto, dirigi-me à Secretaria Municipal de Educação (SEDUC),
onde me foram indicadas instituições que atendiam a esses critérios e que estariam
abertas para receber pesquisadores e colaborarem no que fosse necessário.
Em meados do ano de 2007, foi iniciado um processo de observação
assistemática junto a uma sala de pré-escola mista (Pré I e II), mas, tendo em vista
que com o desenrolar da investigação foram emergindo novas questões, o foco da
pesquisa modificou-se - não pretendia mais observar as interações adulto-criança e
criança-criança - optando assim por focar o trabalho apenas nas manifestações
afetivo-emocionais surgidas nas relações criança-criança, mudando também o perfil
dos participantes. Dessa forma, passei a desenvolver, no ano de 2008, a
investigação em um agrupamento de creche numa outra instituição conforme
detalhamento a seguir.
3.1 Primeiras aproximações: descortinando o contexto das interações
Os primeiros contatos com a instituição foram realizados via
telefone, com a diretora da escola, que me pediu que aguardasse o término do
período de adaptação das crianças para iniciar as observações. Respeitando sua
orientação, foi somente na primeira semana do mês de março que fiz minha primeira
visita. A diretora muito gentilmente abriu as portas da instituição para que eu
realizasse ali as observações necessárias para minha pesquisa. O primeiro contato
pessoal foi muito positivo, pois esta se mostrou interessada em meu tema de
pesquisa, visto tê-lo abordado em trabalho de conclusão de um curso de
especialização, apontando ainda que esse é um tema que atrai a atenção de todas
as profissionais da instituição quando discutido nos espaços de formação em
serviço.
Após uma conversa em particular, quando relatei meu interesse pelo
tema da afetividade e das emoções, bem como apresentei mais detalhadamente o
projeto da pesquisa, a diretora me levou para conhecer o espaço sico da escola e
os agrupamentos da creche, que era meu foco de interesse. Apresentou-me às
profissionais responsáveis pelos agrupamentos expondo o propósito de minha
presença e elas não se opuseram à minha tarefa. Nesse mesmo dia fiquei junto
às crianças para que pudéssemos familiarizarmos uns com os outros.
Dessa forma, tendo como propósito investigar as interações infantis,
e a partir do consentimento da direção e das profissionais, iniciei as visitas à
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instituição, que foram realizadas entre os meses de março e junho de 2008 num total
de 24 visitas, numa periodicidade de duas vezes por semana por um tempo médio
de 5 horas diárias (sempre no período da manhã).
Sobre as entrevistas com as educadoras, essas podem ser
qualificadas mais como conversas dirigidas, pois foram realizadas de maneira
bastante informal. Quase no final das observações perguntei às profissionais se não
se importariam em responder algumas perguntas que serviriam para aprimorar
minha tarefa de investigação. A princípio, a conversa seria individual, mas as
profissionais preferiram responder às perguntas todas juntas e isso foi realizado em
cerca de uma hora, no período de descanso das crianças. As perguntas feitas
versaram sobre a formação inicial, o tempo de atuação profissional, razão da
escolha e expectativas sobre a profissão. Cabe salientar mais uma vez que esses
dados não serão objeto de análise detalhada, eles serão utilizados como auxílio para
entender e discutir um pouco das práticas pedagógicas da educação oferecida à
criança pequena nesta unidade escolar.
Isso posto, a seguir apresento a organização e o espaço físico da
instituição, pois, como apontam os Parâmetros Nacionais de Qualidade para
Educação Infantil (BRASIL, 2006a, p. 7), esses são também “uma forma silenciosa
de educar”, não podendo, dessa forma, serem considerados apenas “um cenário
onde se desenvolve a educação”. Cabe, contudo, esclarecer que a “arquiteturado
ambiente não será objeto de análise mais densa deste texto, visto não ser esse o
foco do trabalho.
3.1.1 Organização e espaço físico: primeiras revelações
A Escola Municipal de Educação Infantil e Fundamental (EMEIF)
Profa. Florinda
21
situa-se num bairro da zona sudoeste da cidade de Presidente
Prudente (SP). Esem funcionamento 14 anos e tem capacidade para atender
cerca de 600 crianças distribuídas em duas salas de berçário (I e II), quatro salas de
maternal (I e II), seis salas de pré-escola de período integral, quatro salas de pré-
escola parcial e 4 salas de 1
a.
série do Ensino Fundamental (1
o.
ciclo) .
O prédio onde funciona a escola é composto por três pavilhões. No
primeiro, onde se encontra a entrada principal, no corredor do lado direito, duas
21
Nome fictício.
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57
salas de aula (berçário I e berçário II); ao lado, uma sala adaptada onde funciona a
brinquedoteca, dois banheiros para crianças (um masculino e um feminino), um
bebedouro para adultos, um bebedouro para crianças com seis torneiras e outras
duas salas, onde funcionam um maternal I e um maternal II. Do lado esquerdo do
corredor está a secretaria; logo ao lado, a sala da diretoria, um banheiro para
funcionários, a sala de estimulação, uma sala de vídeo, uma sala de leitura e uma
sala destinada à realização de HTPC (Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo).
Seguindo, ao lado há um corredor com três lances de escada, com cerca de seis
metros, que acesso ao segundo pavilhão; no final do corredor, outras duas salas,
onde funcionam um maternal II e um pré I.
No segundo pavilhão funciona o refeitório, composto por 10 mesas
de madeiras duplas com bancos dos dois lados. Ao fundo, do lado direito, está a
cozinha e, do lado esquerdo, um grande palco; atrás do palco duas salas, a
dispensa e o almoxarifado, e um banheiro. Em frente a este pavilhão uma ampla
área descoberta usada para recreação.
No terceiro pavilhão 8 salas de aula, 2 banheiros, uma sala de
vídeo, uma para HTPC, uma sala para descanso dos funcionários e uma área
coberta para recreação.
Não instalações específicas com brinquedos infantis ou
adaptações para crianças com necessidades especiais.
De forma geral, o prédio é bem conservado e as dependências muito
limpas, o prédio é todo revestido de piso frio. cartazes informativos e figuras
ilustrativas nos corredores, principalmente o de entrada principal. As salas podem
ser identificadas desde os corredores, quando se nas portas figuras coloridas e
os nomes dos agrupamentos, identificados com alfabeto também colorido.
Apesar de estar localizada em uma avenida de razoável tráfego de
veículos, o barulho fica isolado do lado de fora. Quanto ao funcionamento, o horário
de atendimento inicia-se às 07h00min e se encerra às 18h00min, atendendo as
crianças menores de 3 anos em período integral. Em função de questões
trabalhistas, as profissionais têm horário diferenciado de entrada e saída.
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Os critérios utilizados para a formação de grupamentos na unidade
são a faixa etária e também a necessidade de demanda existente
22
, sendo
organizados da seguinte forma:
QUADRO I - Critérios de agrupamentos das crianças e horário de atendimento
23
Modalidade N
o.
de crianças Idade Horário
Berçário I e II 20 0 a 2 anos 07h00min as 18h00min
Maternal I e II 30 2 a 4 anos 07h00min as 18h00min
Pré I 28 4 anos Parcial - 07h30min as 11h30min
Parcial - 13h30min as 17h30min
Integral - 07h30min as 17h30min
Pré II 32 5 anos Parcial - 07h30min as 11h30min
Parcial - 13h30min as 17h30min
Integral - 07h30min as 17h30min
Pré III 32 6 anos Parcial - 07h30min as 11h30min
Parcial - 13h30min as 17h30min
Integral - 07h30min as 17h30min
1ª. série do Ens.
Fundamental
35 7 anos 07h15min as 12h15min
12h30min as 17h30min
Fonte: Plano Diretor para o Triênio 2006-2008
Cabe observar que no documento consultado não está claro o limite
de idade que divide as crianças entre berçário I e II, bem como maternal I e II.
Podemos inferir que de 0 a 1 ano as crianças vão para o agrupamento
berçário I e, a partir desta idade aos 2 anos, no berçário II; a partir dos 2
anos estarão no maternal I e quando completam 3 anos vão para o berçário II.
No entanto, no agrupamento de berçário II, observado neste estudo, havia
crianças com idade superior a prevista, conforme detalhamento mais adiante,
enquadrando-se mais em agrupamento de maternal do que de berçário. É
também importante destacar que não no Plano Diretor da escola um item
específico que trate da relação entre o número de crianças por agrupamento
e o número de professores. Esse é um cálculo que pode ser feito a partir dos
dados contidos no item Recursos Humanos do Plano diretor, onde um
quadro descritivo dos funcionários, suas funções e o setor em que trabalham.
Sobre esse ponto, as normativas da Secretaria Municipal de Educação são:
um profissional para cada cinco crianças de 0 a 2 anos; um profissional para
cada 15 crianças de 2 a 4 anos e um profissional para cada 20 crianças acima
22
Conforme registro do Plano Diretor para o Triênio 2006-2008
23
Cabe observar que este planejamento ainda não foi adequado a exigência legal do Ensino
Fundamental de 9 anos regulamentada pela Lei: n
o.
11.274 de 06 de fevereiro de 2006.
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59
de 4 anos
24
. De acordo com os Parâmetros Nacionais de Qualidade para
Educação Infantil, temos as seguintes normativas:
uma professora ou professor para cada 6 a 8 crianças de 0 a 2
anos;
uma professora ou professor para cada 15 crianças de 3 anos;
uma professora ou professor para cada 20 crianças acima de 4
anos. (BRASIL, 2006b, p. 36)
Dessa forma, feitos os cálculos, e de acordo com as informações da
Secretaria Municipal de Educação, percebe-se que este item atende aos critérios
nacionais de qualidade.
No que diz respeito à sala de atividades ocupada pelo agrupamento
de Berçário II observado, esta tem cerca de 28 metros quadrados. Tendo em vista
que abriga 20 crianças, podemos dizer que está de acordo com os Parâmetros
Nacionais de Qualidade para Educação Infantil (BRASIL, 2006a), que indica para as
salas de atividade um mínimo de espaço de 1,50 m
2
por criança; como apontado,
esta é a segunda sala do lado direito do primeiro pavilhão e pode ser identificada
pelos desenhos na porta.
Ao entrar, um pequeno corredor onde em frente encontra-se uma
pequena cozinha; do lado esquerdo está a porta que acesso ao espaço onde
ficam as crianças. Nesta sala, na parede do lado esquerdo grandes janelas com
vitrôs, protegidas por cortinas enfeitadas com desenhos que dão vista ao corredor
principal; ainda do lado esquerdo um grande espelho na altura das crianças,
quatro pequenas mesas com cadeiras que ficam sempre empilhadas.
Não há prateleiras ou bancadas para guardar os brinquedos das
crianças; estes ficam em cima das mesas em caixas de papelão e estão em sua
maioria sucateados.
Ao fundo, do lado esquerdo, ficam empilhados os colchonetes
utilizados para o descanso. Do lado direito há um armário de aço tipo guarda-roupa
com duas portas; nele ficam guardados alguns pertences das crianças (travesseiro,
lençol, toalha, etc.) das profissionais e também documentos pedagógicos como, por
exemplo, as fichas de acompanhamento do desenvolvimento das crianças.
uma grande porta dupla, também protegida por cortinas
coloridamente desenhadas de flores, que acesso ao solário, uma pequena área
24
Informação obtida verbalmente a partir de contato realizado com uma Orientadora Pedagógica da
rede municipal.
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descoberta da extensão da sala e com cerca de 2 metros de largura. No muro
diversas figuras coloridas desenhadas, são flores, animais e personagens do
desenho animado Bob Esponja. Sobre o espaço do solário, segundo os Parâmetros
Nacionais de Qualidade para Educação Infantil (BRASIL, 2006a), sua dimensão
deve ser compatível com o número de crianças atendidas, sendo recomendado 1,50
m
2
por criança; nesse caso pode-se afirmar o espaço é muito menor do que o
recomendado, visto ter cerca de 16 m
2
dedicados ao atendimento de 20 crianças.
No interior da sala, do lado direito de entrada pelo solário uma
porta que acesso à sala de higienização equipada com cabideiro para toalhas,
uma pia, um chuveiro e uma bancada utilizada para troca de fraldas. Voltando à
sala, ainda deste lado, na parede, vários pinos de madeira afixados em formato
de cabideiro usados para pendurar as mochilas das crianças; cada pino é
identificado por um desenho colorido, feminino ou masculino, o nome da criança e a
data de nascimento. Cabe destacar que esses pinos estão numa altura inacessível
às crianças, sendo de uso exclusivo das profissionais; cabe a elas a tarefa de pegar
ou guardar os utensílios das crianças (roupa, calçados, chupeta e outros). De
acordo com os Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil (BRASIL,
2006a, p. 27) esse arranjo é inadequado, tendo em vista que há nessa diretriz o
apontamento de que “em todos os espaços utilizados pelas crianças os acessórios e
equipamentos devem estar ao alcance destas para sua maior autonomia”.
Na parede deste mesmo lado também uma prateleira onde fica
um radio gravador, muito usado nas atividades ocorridas na sala.
O ambiente da sala é arejado, bem iluminado e todo decorado com
gravuras coloridas de bichos e flores. Todo mobiliário é identificado com o nome
recortado em papel colorido; no entanto, nota-se a escassez de veis na sala, a
falta de mobiliário em tamanho reduzido, bem como o fato de estes estarem
encostados nas paredes, deixando um grande espaço central vazio.
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Figura 1 - Planta baixa da sala do Berçário II B
A observação mais atenta deste cenário nos leva a uma análise
paradoxal, pois, se de um lado considera-se positivo um amplo espaço vazio onde
as crianças possam movimentar-se livremente exercitando a tonicidade muscular e
postural garantindo assim certa autonomia motora; por outro lado, um espaço
carente de objetos restringe a interação das crianças com os parceiros (mais
experientes ou não), limitando assim o seu desenvolvimento social, afetivo,
intelectual e também motor.
Bondioli (2004); Horn (2004) e Barbosa (2006) chamam atenção
para o fato de que o ambiente educativo caracteriza-se pela maneira como o grupo
de profissionais da educação se utiliza dos recursos disponíveis para tornar o
ambiente de vida infantil mais eficaz a partir de seu próprio ponto de vista, de suas
crenças e concepções do que é a infância, o desenvolvimento infantil, o processo
educativo, o papel da educação e do educador.
Nesse sentido, Carvalho e Rubiano (2000) apontam que a atitude de
manter o centro da sala de atividades totalmente desocupado denota uma
concepção de criança pequena que precisa de espaços amplos e vazios para que
possa executar atividades corporais físicas e exercitar habilidades de coordenação
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62
motora global; indica ainda uma forma de atenuar riscos de acidentes e ferimentos.
As autoras apontam que essa postura evidencia um modelo educacional que
percebe a criança como incapaz de envolver-se em atividades com seus pares sem
a mediação de um adulto; um modelo que concebe o desenvolvimento da criança
promovido pelo adulto, onde todas as atividades estão centradas no adulto, sendo
que ele deverá direcionar e orientar a criança o tempo todo.
O estudo de Oliveira e Rosseti-Ferreira (1993), entre outros, aponta
que o desenvolvimento humano ocorre sim na interação adulto-criança, mas não
nesta relação, enfatizando também o valor da interação criança-criança.
Corroborando esta idéia, Carvalho e Rubiano (2000, p. 116) afirmam que a criança
participa ativamente em seu desenvolvimento através de suas relações com o
ambiente, especialmente pelas suas interações com adultos e crianças (coetâneas
ou mais velhas)”.
Nesse sentido, o arranjo espacial ganha especial valor, tendo em
vista que as interações entre as crianças serão distintas em ambientes com arranjos
espaciais diferentes, pois em espaços com arranjo aberto, como no caso do
ambiente observado, as interações entre crianças são menos freqüentes, visto que
têm mais espaço para se “espalhar” pela sala; ao contrário, num espaço de “arranjo
semi-aberto”, com um número maior de móveis e equipamentos as crianças tendem
a aproximarem-se umas das outras e há uma maior interação entre elas.
Ainda nesta linha de pensamento se faz importante resgatar o
postulado da teoria walloniana sobre o papel do meio no desenvolvimento humano;
segundo Wallon (1986d), é estreita a relação entre as interações sociais da criança
e as aprendizagens intermediadas pelo meio. Para o autor, meio é tido como o
campo onde a criança emprega as condutas que dispõe no momento, ao mesmo
tempo em que tira dele os recursos para sua ação, podendo ser esse meio humano
ou físico. É no espaço físico que a criança vai estabelecer relações entre o mundo e
as pessoas, que nada mais é do que o pano de fundo para expressão das emoções,
sendo o espaço reflexo e ao mesmo tempo construtor de relações. (GALVAO, 1995;
HORN, 2004).
Assim, conclui-se que os espaços devem ser acolhedores, mas
também desafiadores, pois o desenvolvimento e a construção do conhecimento
ocorrem de forma mais satisfatória em ambiente participativo, cooperativo, onde haja
estímulos para o esforço próprio de construção de significados; ou seja, para que
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independência e autonomia da criança sejam desenvolvidas é necessário que ela
experiêncie a competência de atos independentes.
Barbosa (2006, p. 124) utilizando as idéias de Gandini (1999)
25
afirma que quanto mais o espaço estiver organizado, estruturado em arranjos, mais
ele será desafiador e auxiliará na autonomia das crianças”. Para Horn (2004), o
cuidado na adequação de móveis e objetos contribui de forma significativa para o
pleno desenvolvimento da criança.
Batista (2001) chama atenção para o fato de que a grande maioria
das crianças pequenas que freqüenta a creche passa nela aproximadamente dez
horas diárias, como é o caso do grupo observado neste estudo, visto que são
atendidas em período integral. Dessa forma, o tempo de convívio com outras
pessoas, objetos e espaços é muito reduzido. Esse dado revela que o tempo-espaço
da creche exerce na vida da criança um papel fundamental e distinto dos demais
tempos e espaços (família, rua, etc.), exigindo que seja pensado, discutido, refletido
e pesquisado.
Para Bondioli (2004), ao se pensar na organização dos tempos e
dos espaços da educação infantil é preciso refletir sobre o tipo de influência que as
atividades propostas, as ocasiões sociais e de interação cotidianas e as situações
de aprendizagem programadas e preparadas têm no desenvolvimento de cada
criança e dos grupos infantis.
3.1.2 A rotina e a formação dos enredos na educação infantil
Durante o período de observação foi possível acompanhar o
agrupamento em diferentes momentos e atividades; este segue uma rotina que
procura conciliar cuidados e atividades, conforme quadro a seguir:
25
Não há referência completa desta obra no texto citado.
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64
QUADRO II - Rotina do Berçário II A
Horário
Segunda Terça Quarta Quinta Sexta
7:00 as 8:00 Recepção Recepção Recepção Recepção Recepção
8:00 as 8:15 Café Café Café Café Café
8:15 as 9:00 Parque Brinquedoteca/
Leitura
Casinha/
Vídeo
Areia II Motoca
9:00 as 10:00 Banho Higienização Banho Banho Higienização
10:00 as 10:30 Almoço Almoço Almoço Almoço Almoço
10:30 as 11:00 Escovação Escovação Escovação Escovação Escovação
11:00 as 13:00 Descanso Descanso Descanso Descanso Descanso
13:00 as 13:30 Lanche Lanche Lanche Lanche Lanche
13:30 as 14:00 Leitura Sala Livre Recreação Sala
14:00 as 15:00 Motoca Parque Brinquedoteca Casinha/ Vídeo Ed. Artística
15:00 as 15:30 Higienização Banho Higienização Higienização Banho
15:30 as 16:00 Jantar Jantar Jantar Jantar Jantar
16:00 as 16:30 Escovação Escovação Escovação Escovação Escovação
16:30 as 17:30 Sala de
vídeo
Sala Sala Sala Brinquedoteca
Fonte: Documento do planejamento da escola - 2008
Diariamente as crianças começam a chegar a partir das 07h00min,
trazidas pelos pais ou empresas especializadas em transporte de crianças.
Chegam sonolentas, algumas até mesmo emburradas; muitas
choram ao se separar do familiar que vêm trazê-las. São deixadas direto na sala
com as profissionais responsáveis; o tratamento dados às crianças pelas
profissionais é ambíguo, ao mesmo tempo em que são recebidas com carinho,
elogios e carregadas no colo também recebem ordens enfáticas para que fiquem
sentadas aguardando as demais crianças e o horário do café. Algumas correm
tresloucadas de um lado a outro da sala, às vezes uma ou outra criança imita a
ação, mas a maioria fica absorta em alguma atividade individual. Creio que esses
são momentos que pouco favorecem o estabelecimento de interações entre as
crianças uma vez que são sempre orientadas a ficarem quietas em seus lugares
aguardando as que ainda não chegaram.
Assim que a maioria das crianças está presente ou quando chega
a hora prevista, as crianças são orientadas a formarem filas duplas para se dirigirem
até o espaço onde é servido o café. Nesse momento de refeição a maioria das
crianças consegue se alimentar sozinha, uma vez que é servida apenas uma fatia de
pão com margarina.
Após o café as crianças são levadas para o espaço específico da
atividade programada para o dia. Por volta das 09h30min, as crianças retornam à
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65
sala para higienização onde as educadoras se revezam, umas se ocupam dessa
atividade, outras preparam os colchonetes para o descanso.
um ritual de sempre cantar músicas antes do almoço indicando a
mudança de atividade. Algumas vezes o cantarolar de pequenas canções ocorre
na chegada para animar a espera. Os momentos em que as crianças ficam na sala
de atividades, em sua maioria, também são animados com música, só que não mais
cantigas e sim músicas populares tocadas no rádio; diferentemente das cantigas, as
músicas estimulam bastante a movimentação das crianças.
Depois da higienização, o grupo volta ao pátio para o almoço, mais
uma vez em fila, aos pares e de mãos dadas. Nessa refeição a maioria das crianças
precisa de auxílio, pois ainda não consegue manipular o talher com destreza.
Na volta para a sala, as crianças são limpas novamente; na sala
tomam chá. Conforme cada criança termina o chá, vai sendo orientada a retirar os
sapatos e se acomodar num colchonete. É freqüente que alguns não queiram
dormir, mas as educadoras deitam-se do lado dos resistentes e todos acabam
dormindo.
Durante o sono as educadoras se revezam para o horário de
almoço.
Na medida em que vão acordando, as crianças permanecem
deitadas, algumas brincando com o companheiro do lado ou mesmo sozinha.
Quando a maioria está acordada, as educadoras começam a verificar as fraldas,
calçá-las e prepará-las para o lanche.
Como apontado anteriormente, as observações foram realizadas
apenas no período da manhã, em somente duas visitas fiquei na instituição até as
crianças acordarem. Dessa maneira não tenho elementos empíricos para descrever
a rotina no período após o descanso, apenas o registro na programação acima
descrita, que é impressa e fica afixada atrás da porta da sala de atividades.
Sobre a rotina na educação infantil é necessário inicialmente
esclarecer que essa é uma estratégia pedagógica necessária no trabalho com
crianças pequenas; deve ser entendida como um ritual que subsídios à criança
para prever a seqüência de atividades a serem desenvolvidas, a desenvolver a
noção de tempo e espaço, além de um elemento estruturante da subjetividade
infantil. (PROENÇA, 2004; BARBOSA, 2006).
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No entanto, a rotina é usualmente vista como condição de garantir o
funcionamento pretensamente harmônico do ambiente, onde todas as crianças
devem fazer o que o adulto determina. Nesse sentido, Batista (2001) aponta que o
tempo da creche é alheio aos sujeitos que nele atuam (adultos e crianças). Esses
sujeitos sofrem de forma diferente a opressão de inserir a rotina no cotidiano e ao
mesmo tempo de vivenciá-la.
Na instituição observada, assim como apontado pela mesma autora,
as atividades não determinam o tempo, mas o contrário. O tempo e o espaço de
cada atividade é pré-definido para serem realizados na ordenação prevista, não
importando se a atividade está sendo significativa para as crianças; o mais
importante é manter a seqüência e garantir a pontualidade dos horários
determinados.
Nesse sentido, tempos e espaços da instituição o organizados
para uma vivência “coletiva”, todas as crianças devem fazer todas as atividades ao
mesmo tempo: devem dormir ao mesmo tempo, estando com sono ou não; devem
comer ao mesmo tempo; devem participar das mesmas atividades ao mesmo
tempo... Devem começar e terminar ao mesmo tempo, assim como fazer, sempre,
“tudo” da mesma forma...
Sobre esta última observação, cabe dizer que a repetição é uma
atividade necessária ao desenvolvimento cognitivo, uma vez que é a partir dela que
se consolidam as funções mentais superiores; esse é um ponto comum em quase
todas as correntes da psicologia (construtivismo, psicanálise, sócio-construtivismo,
etc.). No entanto, essa atividade deve ser regulada pelos tempos e necessidades
das crianças para não cair na repetição automática de ações esvaziadas de sentido.
Com relação à vivência coletiva, com amparo dos preceitos
wallonianos, é possível afirmar que esta vivência é positiva, pois promove a
aprendizagem intelectual e social, além do desenvolvimento da personalidade da
criança e a consciência de si, pois são oferecidas oportunidades de aprender a lidar
com frustrações e limites, fortalecendo o aprendizado da auto-estima e do respeito a
si mesma e ao outro. No entanto, essa vivência precisa garantir espaços para o
desenvolvimento individual saudável, o atendimento de necessidades e desejos com
igualdade de direitos e deveres entre os membros do grupo para que o gere o
conformismo nem tampouco o individualismo exacerbado e a rivalidade. (WALLON,
1979; 1986d).
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É no contato e nas experiências que realizam que as crianças vão
criando suas ações, construindo conceitos, idéias e sua identidade pessoal sobre o
espaço em que vivem e o lugar que ocupam nele. Assim, insistir na homogeneidade
e na uniformidade dos tempos, dos espaços, das atitudes, comportamentos e
linguagens nos ambientes de aprendizagem da educação infantil é tarefa
predestinada ao insucesso, pois esse é um ambiente onde por excelência existe
heterogeneidade, diversidade, multiplicidade de tempos, atitudes, comportamentos e
linguagens. Além do mais, seguir este modelo de “cotidiano” implica esquecer a
condição das crianças de sujeitos, sujeitos estes de emoção, movimento, intelecto e
interações, relegando-as a condição de “autômatos”.
Sobre essa questão Gariboldi (2004, p. 97) sugere que a
organização temporal do cotidiano educativo deve buscar o equilíbrio para três
diferentes situações:
[...] as rotinas não deveriam ocupar a maior parte do dia, as
atividades educativas deveriam garantir uma variedade de
experiências cotidianas, o dia não deveria ser tão rigidamente
estruturado a ponto de não deixar espaço para os interesses
individuais ou então, ao contrário, o dia não deveria ser tão
desprovido de planejamento educativo a ponto de ser
essencialmente caracterizado como uma longa situação de
brincadeira livre de tipo recreativo.
3.1.3 Berçário II B: o caminho das pedras
No ano de 2008 havia dois agrupamentos de berçário II, sendo a
escolha pelo grupo B ocorrida de forma mais ou menos incidental; isso porque
quando aconteceu o primeiro contato com o grupo, as crianças estavam em uma
atividade com brinquedos ao ar livre e a recepção por parte delas me pareceu mais
favorável. Acredito que o clima descontraído de uma atividade ao ar livre fez com
que as crianças não estranhassem de imediato a minha presença; algumas se
aproximaram para mostrar os brinquedos; outras crianças me olharam curiosas,
poucas (especificamente duas) rejeitaram minha aproximação quando me propus a
ajudar no momento de guardar os brinquedos, mas, de forma geral, todas
perceberam minha presença e aceitaram-na sem grandes resistências.
O grupo de crianças observado é formado por 20 crianças, sendo
composto por nove meninas e onze meninos; a idade, no início do período de
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observação, o mês de março de 2008, variava entre 16 e 26 meses conforme
quadro demonstrativo a seguir.
QUADRO III - Composição do Berçário II A
Nome
26
Idade em março de 2008
José Carlos 26 meses
André 24 meses
Ana Maria 24 meses
Rony 24 meses
João Carlos 23 meses
Elis 23 meses
Lena 23 meses
Raissa 23 meses
Raquel A. 23 meses
Gabriela 21 meses
Miguel 21 meses
Daniel 21 meses
Marcelo 20 meses
Luciana 19 meses
Paulo 18 meses
Kauã 17 meses
Mariely 17 meses
Gabriel H. 17 meses
Gabriel V. 16 meses
Raquel T. 16 meses
Fonte: Documento do planejamento da escola - 2008
Num primeiro momento, preocupei-me em me aproximar das
crianças, conversando ou brincando nos vários momentos da rotina diária; cabe
destacar que sempre busquei me colocar nas situações sem impor minha presença;
ou seja, procurava assumir sempre uma postura reservada, esperando que as
crianças me abordassem, que se dirigissem a mim de acordo com seu interesse e
curiosidade.
Isso porque procurei desempenhar o papel de observador-participante,
26
Os nomes são todos fictícios; e, os que estão sublinhados são das crianças escolhidas como focais
para seleção dos dados de observação e análise de condutas e comportamentos.
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ou seja, participar efetivamente da vida cotidiana do grupo para ver e sentir as
situações com que os indivíduos se depararam normalmente e como se
comportaram diante delas. Essa postura também foi adotada no sentido de que no
momento de analisar os comportamentos, condutas e características das crianças,
fosse minimizada a possibilidade de deixar de apreender o sentido que o contexto
teria para os personagens envolvidos. (BECKER, 1994).
Desde o primeiro momento, as crianças, em sua grande maioria,
vinham amim procurando “me explorar”. Creio que esta postura das crianças com
relação à minha pessoa foi facilitada pela minha aparência, pois o que sempre
chamou bastante a atenção das crianças foi meu cabelo, encacheado, que uso
trançado no estilo rastafári, bem como o fato de ter oito pequenos brincos de bolinha
na orelha esquerda. Ainda ia sempre com algumas presilhas no cabelo, um cordão
dourado no pescoço e anéis, o que completava o foco de atenção das crianças.
Nos primeiros contatos com o grupo, meu olhar esteve voltado para
a observação das ações de todas as crianças; foi somente após algumas semanas
que elegemos algumas das crianças como focais, pois havia um “rodízio” grande
delas. Em apenas uma das visitas, quase no final das observações, o grupo
esteve completo. Assim, as crianças escolhidas como foco da observação o foram
primeiro devido à regularidade da presença, estavam presentes em todas as visitas;
também porque, apesar de a teoria walloniana apontar essa idade como sendo a do
estágio sensório-motor e projetivo, essas crianças apresentavam características
da etapa personalista. Essa conclusão é tirada principalmente pelo fato de que todas
as crianças do agrupamento ainda não dominavam totalmente a linguagem oral,
comunicavam-se mais frequentemente com gestos e palavras isoladas; mesmo as
crianças mais desenvolvidas nesse aspecto ainda não formulavam frases completas
com artigos, preposições, etc.; usando as chamadas “pré-frases”, que se configuram
em palavras ordenadas segundo a importância afetiva que a criança lhes
(DELDIME; VERMEULEN, 2004).
De acordo com a teoria walloniana, a linguagem é suporte e
instrumento para os progressos do pensamento e a constituição do “eu”, visto
permitir uma forma mais sofisticada de exploração do mundo físico e simbólico.
Maior autonomia no uso da palavra significa consistência da função simbólica e vice-
versa, uma vez que a fala vai se tornando independente da ação. Segundo Wallon,
quando a criança passa a utilizar o pronome em primeira pessoa tem-se o indício da
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percepção da consciência de si, ou seja, a percepção de um “eu”; dessa forma, o
processo de evolução da linguagem é capaz de revelar as diferentes etapas por que
passam as crianças. (WALLON, 1975c, TRAN-THONG, 1987).
Diante dessas colocações, é importante mencionar que cada registro
escrito foi lido diversas vezes para que fosse confirmado que havia elementos
importantes para a pesquisa, isso porque, segundo Barbosa (2006, p. 33), “o papel
da pesquisa não é o de simplificar posicionando-se a favor ou contra, mas o de olhar
a complexidade da realidade e procurar explicá-la a partir de uma perspectiva”, que
em meu caso é dialética.
Neste exercício, procurei entender os comportamentos e condutas
na seqüência interativa em que se inseriam. Esclareço que não foi eleita como
prioridade do trabalho a resolução de eventuais situações de conflito entre as
crianças por parte do educador, essa é uma análise que não será feita; priorizo
neste estudo os recursos interacionais das crianças, buscando compreender a
dinâmica de suas manifestações.
Dessa forma, a descrição e análise das cenas consideradas
pertinentes para compor este texto serão apresentadas no capítulo a seguir.
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CAPITULO 4 PONTOS DE ALINHAVO: QUANDO AS CRIAAS FAZEM “ARTE”
“E todos os brinquedos se transformam
Em coisas vivas, e um cortejo formam:
Cavalos e soldados e bonecas,
Ursos e pretos, que vêm, vão e tornam,
E palhaços que tocam em rabecas...
E há figuras pequenas e engraçadas
Que brincam e dão saltos e passadas...
Mas vem o dia, e, leve e graciosa,
Pé ante pé, volta ao melhor das fadas
Ao seu longínquo reino cor-de-rosa.”
(Fernando Pessoa)
Na maioria das situações, as manifestações afetivo-emocionais das
crianças são interpretadas de forma negativa, elas são difíceis de serem acolhidas e
o adulto acaba por considerá-las como traquinagem ou “arte”, principalmente se
expressarem alguma agressividade. Para a pedagogia, aparece como uma
anormalidade que deve ser tratada, ou seja, é preciso cuidar da criança travessa ou
“arteira”. No entanto, sob a ótica walloniana de desenvolvimento, as manifestações
emocionais da criança, inclusive as agressivas, são viscerais, são parte constitutiva
da espécie humana, além de serem essenciais para o processo de formação da
personalidade. Nesse sentido, cabe apontar que “patologizar” as reações infantis é
um engano que se comete devido ao fato de que, quando um adulto observa uma
criança, o faz somente a partir de seu ponto de vista, esquecendo-se de que a
criança não está somente brincando ou sendo teimosa, ela está vivendo plenamente
as situações com todas as funções e emoções de que dispõe no momento.
(TARDOS; SZANTO, 2004).
Assim, os recursos expressivos utilizados pela criança na interação
com seus pares e objetos é o elemento colocado em evidência nesse estudo. A
forma dinâmica de a criança se relacionar com o universo físico e social de
significados a sua volta se revela a partir de recursos expressivos motores e afetivo-
emocionais; são esses recursos os instrumentos que comunicam suas intenções e
sentimentos, traduzem sua vida mental e dão suporte ao mesmo tempo para sua
socialização e individualização; sendo essa a tarefa deste capítulo.
Dessa forma, em primeiro lugar, considero pertinente apresentar
brevemente as crianças focais. A descrição das crianças é apresentada
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paralelamente a breves análises, pois nem sempre é simples separar observação e
interpretação. Wallon (1995), ao apontar essa dificuldade nos estudos com crianças,
adverte que observá-las nem sempre é tarefa fácil, uma vez que não como não
lhes emprestar alguma coisa de nossos sentimentos ou intenções. Para o autor “um
movimento não é um movimento, mas aquilo que ele nos parece exprimir”
27
.
4.1 Olhares e dizeres: as crianças focais
José Paulo (26 meses) mora com os pais, tem quatro irmãos, um
dos quais freqüenta esta mesma escola, estando matriculado no pré I; este é seu
segundo ano na instituição. É grande, a maior das crianças, esperto, sempre alegre
e sorridente; no entanto, relaciona-se com as outras crianças com certa violência
dos atos (empurrões e puxões); é trazido para a escola por uma empresa
especializada em transportes e é a única criança deste grupo que vem sozinha do
portão de entrada até a sala de atividades.
Ana Maria (24 meses) mora com os pais, tem apenas um irmão que
está matriculado no pré I nesta mesma escola; este é seu segundo ano na
instituição. É bastante expressiva em relação às outras crianças, repete as palavras
e ações que lhe são direcionadas, bem como sempre é a primeira a atender as
solicitações das educadoras. Segundo as profissionais, tem um humor instável
devido ao casamento instável dos pais; no entanto, o que pude perceber é que se
trata de uma criança extremamente carente de atenção.
Elis (23 meses) mora com a mãe, tem duas irmãs, as duas estão
matriculadas na instituição, uma no pI e outra no berçário I; está na instituição
desde o ano passado. É muito quieta e observadora, na maioria das vezes isola-se
das outras crianças, porém frequentemente se envolve em disputa de brinquedos.
No período de observação o usou a linguagem verbal para além de esporádicos
“não”; porém, tem um olhar muito expressivo. Mostra-se carente de atenção e
carinho, mas não os procura com regularidade, ao contrário, rejeita-os num primeiro
momento. Com grande freqüência vinha para a creche com roupas puídas e o
muito limpas. Na segunda semana de observação apareceu com feridas na cabeça;
segundo as educadoras não era a primeira vez que isso acontecia e que se tratava
27
(Ibid., p. 36)
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de um fungo; na semana seguinte estava com a cabeça raspada, o que fez com que
ficasse ainda mais retraída por várias semanas.
Lena (23 meses) mora com a mãe, tem uma irmã que está
matriculada no pré II nesta mesma instituição, este é seu segundo ano na creche. É
muito agressiva com as outras crianças, teimosa e desobediente, muito
observadora, além de ser capaz de fingir e utilizar esta habilidade com freqüência.
Vinha sempre um tanto mal cuidada, com roupas pouco limpas, despenteada e
algumas vezes cheirando a urina, dando indícios de que ficava sem trocar a fralda.
As educadoras reclamavam de que a mãe não mandava fraldas em número
suficiente.
Gabriela (21 meses) é uma criança temporã, filha única de um
segundo casamento dos pais, tem irmãos bem mais velhos com quem não convive;
este é seu segundo ano na instituição. Sempre muito séria, com olhar desconfiado,
algumas vezes mostra-se indiferente as situações e não gosta de receber ajuda dos
adultos em atividades como descer escadas, comer, tirar o sapato, andar pelo
corredor, etc.; também se recusa “dar as mãos” para outras crianças nos momentos
que se desloca de um lugar para outro. Segundo as educadoras, foi muito difícil sua
adaptação no agrupamento tanto no primeiro como neste segundo ano, pois não
aceitava ficar com “estranhos”. Estava sempre muito bem vestida e limpa.
Luciana (19 meses) é filha de um casal separado, mora com a mãe
e tem um irmão no ensino fundamental; este é o seu segundo ano na instituição É
muito sorridente e simpática, procura “fazer amizade” com todos que se aproximam,
é “falante” e procura repetir tudo o que ouve. Segundo as educadoras, não uma
pessoa que a busque ao final do período com regularidade ou pontualidade.
4.2 Traçando movimentos: as manifestações expressivas
Dentre as situações de rotina registradas, descrevo a seguir uma
seqüência de 15 episódios que tematizam e evidenciam os principais recursos
expressivos das crianças. Cabe salientar que o que denomino aqui de episódios são
excertos de situações maiores, e que para recorte e seleção destes busquei
privilegiar os momentos que apresentavam interação espontânea entre criança-
criança, com ou sem a minha presença na cena. A seqüência dos episódios
transcritos e analisados é exposta de forma espiralada, sendo agrupados adotando
como referenciais as crianças e os recursos expressivos observados. Essa opção se
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deu na tentativa de tentar garantir fidelidade à opção epistemológica assumida, no
caso a dialética, não procurando de forma rígida a regularidade dos dados e nem
tampouco fazendo sua apresentação de forma linear, mesmo correndo o risco de o
texto se apresentar de forma “pouco organizada”.
Episódio 1 - No refeitório: As crianças estão sentadas almoçando
quando algumas luzes são acesas. José Paulo toca em minha mão
e mostra as lâmpadas. Pergunto-lhe: Você esta vendo? São
lâmpadas. Olha pra mim e assente com um movimento da cabeça,
mostra a outra lâmpada ao longe. Digo a ele: aquela está apagada,
esta está acesa. Gabriela que está sentada do outro lado da mesa
presta atenção em minha explicação. José Paulo vai apontando
diversas lâmpadas e vou identificando acesa ou apagada, o que se
repete por certo tempo. Num determinado momento, José Paulo
olha pra Gabriela e aponta a lâmpada; ela ignora. Quando me dirijo
a Gabriela para falar das lâmpadas, ela vira o rosto e finge não estar
prestando atenção. Ao término da refeição Gabriela olha pra mim e
olha para o teto, pergunto: aquela lâmpada está acesa? Olha
novamente para o teto, depois para mim, vira as costas e sai, ao
longe olha pra mim e depois para o teto. (Diário de campo,
27/03/2008)
A atitude de Gabriela em ignorar a mim e a José Paulo pode ser
interpretada como um recurso de defesa, a inibição, uma vez que fingiu não me
notar, bem como fingiu não notar José Paulo tentando chamar sua atenção para as
lâmpadas. Essa é uma manifestação de recusa, que expressa oposição e marca o
prenúncio da etapa personalista, tratando-se de um recurso utilizado para distanciar
alguém de si (TRAN-THONG, 1987). Nesse sentido, Delgado e Miller (2005)
assinalam que as crianças sempre fazem coisas para manter-nos à distância.
Com relação à atitude de JoPaulo pode-se inferir que, além de
ser uma atividade exploratória do mundo objetivo, é também é uma reação circular
com intenção social, uma vez que a repetição é provocada pela percepção da
reação que causa no outro, no caso a minha atitude.
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Episódio 2 - Na brinquedoteca: José Paulo corre de um canto a outro
da sala diversas vezes; uma das educadoras lhe chama a atenção
de que vai se machucar ou derrubar outra criança, mas ele continua,
até que numa esbarrada derruba Mariely, que vem andando pela
sala. É repreendido e colocado de castigo sentado em um canto.
Ana Maria que observa ao longe, quando a educadora sai, vai até
José Paulo e repete os gestos e as expressões de repreensão da
educadora. (Diário de campo 25/03/2008)
Episódio 3 - Na sala de atividades - Na chegada, quando vêm com a
chupeta na boca, as crianças são orientadas a dar a chupeta para
guardá-la na bolsa. Algumas o fazem imediatamente, outras
resistem um pouco, choram, mas depois cedem ou esquecem. Ana
Maria é uma das crianças que entrega a chupeta imediatamente. A
partir disso, mesmo andando pela sala, observa atentamente as
crianças que vão chegando em seguida e se apressa para tirar-lhes
a chupeta. Também se empenha em tirar as chupetas dos
resistentes. (Diário de campo 03/04/2008)
Nos dois episódios acima (2 e 3) tem-se a exemplificação clara da
tese walloniana de que o ser humano tende natural e instintivamente a copiar os
atos de outrem, de experimentar e atribuir-se as ações do outro. É imitando que a
criança se mistura e ao mesmo tempo se diferencia do outro, transformando a si
mesmo e ao seu entorno. Como autora de transformações a criança sente-se capaz
de reconhecer o significado de suas ações em relação ou oposição a outras
possíveis. (WALLON, 1995).
Para Wallon, o ato imitativo é originado no movimento e se como
resultado de uma plasticidade perceptivo-motriz, ou seja, quando a criança se
expressa por meio de seus gestos e posturas, buscando igualar-se ao outro. É
através da observação atenta das pessoas que a atraem que a criança revela
predisposições de se unir a elas. Somente as pessoas que provocam o interesse da
criança levam-na a uma necessidade de aproximação e similaridade com elas, ou
seja, são usadas como modelos; é procurando ser semelhante ao modelo que a
criança opõe-se e distingue-se dele.
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Ë nessa perspectiva que podem ser entendidos os dois episódios a
seguir:
Episódio 4 - Na sala de atividades: Ana Maria chega perto de mim
aponta o anel e diz: ? Mostro e ela coloca no seu dedo.
Respondo: Este não serve; é para quem tem dedo grande. O seu
dedo é pequenininho, o meu é grande (digo comparando os dois
dedos). Olha-me com olhar desconfiado... Assente com a cabeça e
diz: Grande? Concordo com ela. Depois olhando para o anel me
fala: ... E retira do meu dedo indo correndo mostrar para as
educadoras. Volta com o anel no dedo. Senta em meu colo, me olha
e hesita em devolver o anel. Digo a ela mais uma vez que o anel não
serve; com olhar contrariado, hesita mais uma vez e depois me
devolve o anel... Continua por um longo tempo brincando com o anel
no meu dedo, tirando e colocando no seu. (Diário de campo,
08/05/2005)
Essa cena permite perceber certa imposição de autoridade, no
sentido de posse do objeto. Ana Maria devolve o anel, mas fica insistindo em tirar de
meu dedo e colocá-lo no seu, numa atitude que pode ser entendida como “eu te dei,
mas quando quiser de volta eu vou pegá-lo”.
Além disso, há também indícios da manifestação de admiração e
imitação, que também aparecem no episódio a seguir:
Episódio 5 - Na brinquedoteca: Sento-me num dos cantos da sala e
Luciana corre sentar em meu colo. Ana Maria que estava longe
também se aproxima de mim, senta também em meu colo e fica me
olhando; de repente, levanta-se e começa a mexer em meu cabelo,
tenta puxar as tranças, não conseguindo e ante meus apelos de que
isso não seria possível, volta seus esforços para retirar a presilha
que estava em meu cabelo. Luciana sai do colo e começa a disputar
espaço com ela. Retiro a presilha e ambas requisitam que eu a
coloque em seus cabelos. (Diário de campo, 18/03/2007)
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Ana Maria e Luciana tinham verdadeira “fissura” por meu cabelo.
Todos os momentos em que me colocava ao alcance delas, esse era o principal foco
de interesse das duas.
A atitude das duas crianças parece indicar os traços da terceira
etapa personalista, a imitação, momento em que a criança não busca mais
admiração, mas sim substituir a imagem que tem de si por modelos de pessoas que
admira. Segundo a teoria walloniana, a criança passa a não se satisfazer mais com
as próprias qualidades e passa a ambicionar as dos outros, num desejo de “fixá-las”
em si mesma. Para Wallon (1978), não há dúvidas de que a criança tende a realizar-
se em relação aos outros, é nesse sentido que nessa etapa a criança vai tentar unir-
se ao outro que atribui prestígio, admira; desenvolve assim uma necessidade de
aproximação, de assimilação mais íntima, a qual será efetivada por uma espécie de
participação afetiva, que habitualmente vem acompanhada de um sentimento de
inveja.
Expressão similar pode ser observada no episódio a seguir
protagonizado por José Paulo.
Episódio 6 - Na brinquedoteca: rias crianças estão na piscina de
bolinhas, com o movimento espalham várias bolinhas pelo chão.
Estou sentada perto e começo a jogar as bolas espalhadas dentro
da piscina. Daniel primeiro me observa e depois começa a recolher
as bolas e me trazer para que eu jogue na piscina, quando as bolas
do chão acabam começa a pegar de dentro da piscina para
continuar o movimento. Outras crianças (Rony, Miguel, Marcelo e
Mariely - não focais) vão se aproximando e repetindo a ação. José
Paulo percebe a movimentação e se aproxima também, começa a
empurrar as crianças de perto de mim; explico a ele que estamos
brincando e que todos podem fazê-lo juntos; então, começa a
também pegar as bolas da piscina para me trazer, mas corre na
frente das outras crianças, empurra-as para chegar antes das outras
perto de mim. (Diário de campo, 22/04/2008)
Nessa cena, a aproximação das outras crianças parece indicar certo
contágio, a repetição pode ser categorizada como atividade circular para exploração
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da situação e seus efeitos. As atividades circulares (sensações que produzem
movimentos e movimentos que produzem sensações, através da coordenação entre
percepção e situação correspondente) garantem o progresso do reconhecimento do
esquema corporal e da linguagem, possibilitando a diferenciação do mundo físico.
Segundo Wallon (1995; 1978), as atividades circulares se explicam pela lei do efeito,
mas também pelo gosto da repetição, pelo prazer dos atos e a possibilidade de
descobrir novas coisas, cuja perseverança é indispensável para garantir as
aprendizagens. Essa é uma conduta característica do período sensório-motor e
projetivo.
Com relação à atitude de José Paulo, essa indica, além da disputa
do objeto, no caso eu, o ciúme, a tentativa de fazer valer o sentimento de posse e a
competição para chamar minha atenção. Tratam-se de características que se
inserem na etapa personalística que, para Wallon (1995), é o primeiro estágio em
que a criança exerce sua autonomia, fazendo um esforço para se distanciar do meio.
O momento reflete o conflito e o antagonismo nas relações que a criança passa a
estabelecer, pois, se por um lado ela tenta se opor ao meio, por outro, ela percebe o
quanto está sincrética a ele.
Nos episódios a seguir, que têm como protagonista Ana Maria, é
evidenciada outra conduta típica do estágio do personalismo, a simpatia.
Episódio 7 - Na brinquedoteca: Ana Maria está andando pela sala,
aproxima-se de Raquel e fica olhando o brinquedo que ela tem nas
mãos e diz pra ela: dá? Raquel se vira para evitar que ela pegue o
brinquedo. Ana Maria agacha e fica esperando que Raquel se
distraia, me olha de lado e finjo que não estou observando. Quando
sente que ninguém está vendo, tira o brinquedo de Raquel à força,
esta lhe um tapa, ela revida, e Raquel começa a chorar... Ana
Maria fica olhando a colega chorar um pouco e depois oferece a ela
outro brinquedo. (Diário de campo, 13/05/2008)
Episódio 8 - Na sala de atividades: No horário de chegada, André é
trazido pela avó. Ao ser deixado na sala chora bastante, primeiro no
colo de uma das profissionais e depois silenciosamente em um
canto. Ana Maria,
que o observa desde a chegada, vai em sua
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direção e tenta consolá-lo enxugando-lhe as lágrimas e passando a
mão em seu rosto; também tenta pegá-lo no colo, mas ele se
esquiva. (Diário de campo, 06/05/2008)
Nos dois episódios acima é visível o caráter contagioso das
manifestações afetivas a partir do que Wallon (1971) denominou de mimetismo
afetivo, cuja expressão mais refinada é a simpatia. Segundo essa teoria, no
mimetismo afetivo a criança confunde os sentimentos do outro com os seus, sendo
esse processo influenciado pelas reações mímicas e pelas aprendizagens do
ambiente sociocultural em que a criança está inserida. Assim, Ana Maria demonstra
os primeiros traços de altruísmo; ou seja, a simpatia pela dor de Bruno e Raquel.
Esse processo permite à criança examinar e apreender as emoções que
correspondem a si mesma e também ao outro, separando o que lhe diz respeito e o
que não.
Pedrosa (1996) comenta que a simpatia permite à criança colocar-se
no lugar do outro, ou sentir o que o outro sente na perspectiva deste. Segundo
Wallon (1971), esse tipo de relação afetiva é desencadeada pela percepção de
indícios de atitudes e fisionomias, sendo a mímica considerada o elemento que
possibilita a criança esse reconhecimento de si nos outros e dos outros em si
própria. Segundo a teoria walloniana, a simpatia é manifestada quando uma
percepção do eu independente do outro.
Ainda se atentando às expressões faciais, é possível analisar o
episódio a seguir:
Episódio 9 - Na brinquedoteca: Lena se aproxima e senta perto de
Elis que está sentada no chão com uma boneca na o e outros
brinquedos em volta. As duas não conversam, interagem apenas
com olhares. Elis fita Lena e imediatamente recolhe os brinquedos.
Num movimento rápido Lena pega uma bolinha, Elis toma-a de suas
mãos e a coloca entre suas pernas. Lena tenta pegar novamente a
bolinha ou outro brinquedo; Elis se vira de lado para tentar impedi-la.
Lena crava os dedos no braço de Elis; esta faz bico, depois olha
com raiva franzindo a testa, pega a boneca e bate na cabeça de
Lena que começa a chorar... (Diário de campo, 13/05/2008)
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Percebe-se nesse episódio que, mesmo sem verbalizar nenhuma
palavra, as duas crianças se opõem e expressam seus desejos pelas expressões
corporais e faciais. No caso de Elis, as expressões faciais são muito fortes, pois
precisa demonstrar que não deseja compartilhar os brinquedos, o que denota o
sentimento de posse dos objetos e a proteção destes como se fossem de sua
exclusiva propriedade. Suas expressões faciais (fitar a colega, fazer bico e franzir a
testa) demonstram que ela não gosta das atitudes de Lena e essa é a forma que
encontra de repreendê-la, visto que neste momento são os recursos expressivos
que domina.
Para Wallon (1986e), a mímica suscita a sensibilidade postural,
afetiva e emotiva, sendo alimentada por esta sensibilidade que também é
despertada no outro, agindo de forma reflexa; sendo que é “sob a influência do outro
é que ela faz surgir as premissas da consciência, que são os estados afetivos” (p.
42).
Neste episódio, com relação à atitude de Lena, é possível visualizar
mais uma vez a relação entre disputa do objeto e processo de diferenciação do eu
proposta por Wallon (1995). Essa relação é identificada na conduta da criança a
busca pela posse do objeto do outro, o desejo de atentar contra a propriedade do
outro, podendo desfazer-se do objeto tão logo o tenha obtido.
Episódio 10 - Na sala de atividades: As crianças estão fazendo fila
para o almoço. São orientadas a se organizar em fila dupla e pegar
na mão do colega. Gabriela se recusa a pegar na mão de Mariely,
nada verbaliza, mas esconde a o e se vira de lado. José Paulo
não fica parado na fila e também não quer segurar na mão de
ninguém, começa a brincar e se senta no chão. Bruno agacha a seu
lado e passa mão em sua cabeça. José Paulo reage de maneira
brusca e resmunga um o, indicando que é para Bruno tirar a mão
dele... (Diário de campo, 03/04/2008)
A atitude de José Paulo indica a reprovação da atitude de Bruno,
bem como uma forma de distanciá-lo; o mesmo se aplica a Gabriela, que nada
verbaliza, mas comunica-se com gestos bastante expressivos (virar-se, esconder
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mão, franzir a testa). Pode-se notar que os gestos de aproximação das outras
crianças foram recebidos como por Gabriela e José Paulo como agressão, como
contato físico ameaçador, o que denota que ambos estão tentando impor limites em
relação ao colega.
A motricidade (assim como a emoção) tem, na teoria walloniana,
uma função de expressão, entendendo expressão como recurso de intercâmbio,
relação com o outro. Nesse sentido, as reações negativas de Gabriela e José Paulo
ao contato físico sugerem que eles estariam voltando-se contra o que consideram
uma invasão de seus limites territoriais, o que na teoria de Wallon
28
seria o “espaço
afetivo”. Segundo Tran-Thong (1987), esse espaço pode ultrapassar o espaço
postural definido pelo alcance dos gestos; assim, o espaço afetivo seria como um
extravasamento da sensibilidade particular no espaço ambiente; ou seja, a criação
de uma zona defensiva, cuja entrada neste espaço é vista, na forma negativa, como
invasão ou violação de território e, na forma positiva, como uma carícia.
Essa é uma característica que pode ser inferida ao comportamento
de Lena apresentado no episódio a seguir.
Episódio 11 - Na sala de atividades: Estou sentada no chão com as
pernas cruzadas num dos cantos da sala. Lena está sentada no
meio de minhas pernas. Elis chega perto e convido-a para sentar na
minha perna. Lena resmunga contrariada, diz não, franze a testa e
olha para Elis com semblante sério. Digo a ela que espaço para
as duas no colo. Ainda contrariada, deixa que Elis sente na minha
perna, mas começa a esticar o corpo, abre os braços para ocupar
mais espaço, empurra Elis com os pés. Chamo-lhe a atenção para
que espaço, pois as duas cabem no meu colo, porém não me
atende e começa a fazer cara de choro. Elis me olha contrariada,
levanta-se e sai. Lena sorri pra mim com olhar triunfante. (Diário de
campo, 23/06/2008)
Chama atenção neste episódio a forma, de início sutil, que Lena usa
para apossar-se do espaço que considera seu. Inicialmente não quer dividir, depois
28
WALLON, H. La consciencia y la vida subconsciente. Nuevo tratado de Psicología. Buenos Aires:
Kapelusz , 1948
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se mostra convencida a fazê-lo, para aos poucos ir tomando atitudes de garanti-lo só
pra si, reivindicando o resgate do lugar que ocupava e que considera ter sido
tomado por outro.
Lena tenta apropriar-se de um espaço que não é só seu, sinalizando
o que Wallon (1986c) designou de “primeiro desejo de propriedade”, que descreve o
desejo da criança em querer apropriar-se de algo que é reconhecido como não
sendo seu; esse desejo está baseado num sentimento de competição. Fica claro
que Lena não queria desde o princípio dividir o espaço, mas acatou o meu apelo, o
que lhe deu condições de disputar o espaço com Elis. Segundo a teoria walloniana,
o que estava em jogo não era o lugar, mas a disputa baseada na competição deste;
vencer a disputa é uma “necessidade de reconhecer a existência de sua pessoa”.
Analisando o comportamento de Lena, quando Elis abandona o colo
e ela sorri, outro aspecto que pode ser destacado são características do que Wallon
(1971) chamou de comportamento déspota”, que se traduz no prazer que a criança
revela ao ver o outro “derrotado”. Segundo o autor, é um sentimento de
superioridade, mas também de participação, uma vez que não está baseado na
derrota do adversário, mas no sentimento que o adversário tem da derrota. Esse
sentimento não é entendido como cumplicidade, mas como oposição, que se
manifesta gradativamente, podendo ser um sentimento de despotismo ou de
rivalidade.
Lena também já mostra ser capaz de fingir e dissimular sentimentos
e atitudes que podem ser desaprovados pelos adultos. Segundo Wallon (1995), isso
é possível graças à imposição do segredo à consciência infantil, o que indica os
primeiros traços de formação da moral.
Nos dois episódios descritos a seguir é possível visualizar essas
atitudes em situações de disputa de objetos
Episódio 12 - No refeitório: Lena termina de comer sua comida e
começa a olhar dos lados. Presta atenção nos pratos das outras
crianças, mas também nas atitudes das educadoras. Quando se
percebe fora do foco de atenção das profissionais tenta pegar
comida do prato ao lado. É repreendida, faz cara de contrariada,
mas tenta novamente; ao ser repreendida novamente, desta vez
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mais energicamente, sorri com olhar inocente como quem diz:
estava brincando...(Diário de campo, 13/03/2008)
Episódio 13 - Na sala de atividades: Lena se aproxima de Vitória que
está com uma “panelinha” nas mãos. Este é um objeto que Lena
havia abandonado no chão anteriormente. Trocam olhares e Vitória
se vira escondendo o brinquedo. Lena se aproxima e tenta tirar-lhe o
brinquedo das mãos. Vitória chora e cai no chão e Lena arranca-lhe
o brinquedo das mãos e diz: Meu. Ao ser repreendida por uma
educadora, franze a testa, olha para Vitória no chão e depois sorri
com ar inocente. (Diário de campo, 15/05/2008)
Neste último episódio percebe-se também a disputa pelo objeto e a
iniciativa de “fazer valer o desejo próprio”, Lena usa enfaticamente o pronome meu
para reafirmar que o objeto lhe pertence; o uso do pronome possessivo “meu” indica
os traços de uma personalidade egoística, no sentido de estarem sendo traçados os
primeiros indícios do EU.
Na disputa dos objetos, o sentimento de propriedade é manifesto,
pois ter propriedade sobre algo tem significado não de apropriação de algo que
pertence a outro, mas também a afirmação de si mesmo (Wallon, 1995). Lena
reivindica o resgate de algo que ela julga ser seu, que lhe pertence, pois estava de
posse dele anteriormente, tratando-se também por uma disputa de “lugar”, que no
caso não é um lugar físico, mas um objeto.
A sobreposição entre espaço e objeto e o sentimento de propriedade
também podem ser visualizados no episódio a seguir protagonizado por Elis:
Episódio 14 - No solário: Elis me puxa pela mão e começa a mostrar
os desenhos do muro. Começo a nomeá-los: Bob Esponja, Patrick,
uma borboleta, um peixe, etc. Outras crianças se aproximam e me
cercam, começam a apontar outros desenhos para que eu nomeie,
Elis primeiro se afasta, mas depois volta e começa a empurrar as
crianças para que fiquem longe no muro. (Diário de campo,
16/04/2008)
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Nesse episódio, Elis demonstra o sentimento de ciúme, a disputa
pela minha atenção e também o sentimento de posse pelo muro como se tivesse
direitos sobre ele por ter iniciado a brincadeira comigo. Os sentimentos de ciúme, a
posse extensiva aos objetos e as cenas para chamar a atenção dos que estão ao
seu redor são características essenciais para se distinguir dos outros. Nesse
sentido, a criança tem necessidade de mostrar ao colega que o objeto é “seu”, ele
não pode se apossar deste, pois tem “dono”. Essas são manifestações típicas do
período personalista, importantes para o processo de individualização da criança; no
entanto, são possíveis de ocorrência no interior de grupos diversificados. Para
Wallon (1986d), essa é uma etapa inevitável de conflito íntimo entre a criança e os
outros, extremamente necessária para a harmonização das relações sociais
posteriores; por esse motivo a criança se sente estreitamente solitária e sensível à
imagem que os outros têm e que ela mesma tem de si.
Episódio 15 - Na sala de atividades: Chego no horário de entrada e
cinco crianças já estão presentes, dentre elas Luciana. Digo bom dia
às educadoras e depois me dirijo as crianças. Digo cumprimento-as
pelos nomes. Ao dizer “Oi” à Luciana, esta sorri largamente para
mim. (Diário de campo, 17/06/2008)
Esta é uma atitude de reconhecimento que se repetiu em outro
momento de forma muito interessante. Tive que me ausentar por duas semanas por
razões pessoais; quando voltei fui recebida esfuziantemente por Luciana e também
por JoPaulo. Luciana sorriu e me reconheceu prontamente, dirigindo-se a mim
dizendo de forma mansa e graciosaprofessora”...
Considero importante destacar esse episódio, pois freqüentemente
as crianças me chamavam de mãe, fato que também acontece com as profissionais.
Estas se auto-intitulam tia ou se referem a si pelo nome próprio. Sempre que alguma
criança me chamava de mãe, orientava-a que me tratasse como professora. Luciana
e José Paulo muito rapidamente aprenderam a me chamar dessa forma, as outras
crianças precisavam ser lembradas e assim mesmo adotavam esse tratamento.
Interessante foi perceber que, quando queria me desafiar ou mostrar desagrado com
determinada situação, Luciana me chamava de mãe.
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Ocorre então o que Wallon (1986a) nomeou de experimentação da
personalidade recém percebida sobre a do outro. Segundo o autor, no período
personalista, os desdobramentos ocorridos no processo de desenvolvimento da
personalidade incitam a criança a usar circunstâncias favoráveis para dominar, exigir
ou tornar-se objeto de dedicação exclusiva, chegando mesmo “a cometer
intencionalmente erros ou faltas para ser repreendida e manter a atenção voltada
para ela” (p. 58).
4.3 Expressividade infantil: o que é possível depreender?
Sobre as crianças focais cabe apontar que Ana Maria está vivendo
um momento de exibicionismo, que é possível enquadrar no período da graça
descrito pela teoria walloniana. Segundo essa tese, nesse momento é marcante o
narcisismo da criança, que busca admiração e satisfação pessoal, expressando-se
de forma sedutora, elegante e suave a fim de ser aceita pelo outro. Ana Maria está
sempre prestando atenção no comportamento das profissionais para imitar suas
atitudes; na maioria das situações, age com desenvoltura. A teoria ainda aponta
que, se a criança sente-se frustrada em sua necessidade de afirmação, pode
demonstrar timidez; no caso de Ana Maria quando contrariada mostra-se carente e
apresenta comportamentos regressivos como, por exemplo, em vários momentos
tentou abrir minha blusa procurando o peito; em outros momentos chorava e pedia a
chupeta. Percebe-se também em suas atitudes uma leve alternância de
comportamentos característicos do período da graça e o da imitação. É a criança
que mais interage com seus pares, muito esperta e ágil, assim como Luciana faz
uso com regularidade da linguagem oral.
Luciana é uma criança bastante atenciosa, está prestando atenção à
sua volta, mas, diferentemente de Ana Maria, não procura imitar os gestos das
profissionais ou das outras crianças; procura, sim, repetir a linguagem oral; é
bastante esperta e tudo o que é verbalizado na sala procura de alguma forma ecoar.
Nos momentos em que sica é a criança que mais parece desfrutar do
momento, dança e canta alegremente. Nos momentos de observação, assim como
José Paulo, procurou sempre estar próxima a mim. Suas manifestações expressivas
levam a crer que se encontra no período do personalismo.
Lena vive a fase da recusa e da reivindicação, ou seja, não aceita as
imposições que são feitas pelos adultos, em constante atitude negativista. Ë
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extremamente teimosa, desobediente e ciumenta. Está sempre requisitando atenção
exclusiva; quando não o consegue o que almeja age agressivamente com as outras
crianças e também com os adultos; é protagonista de grande parte dos episódios
que retratam recursos de oposição e disputa de objetos.
Elis também vive um momento de recusa e reivindicação; mas suas
atitudes são mais comedidas. Aparentemente tem um temperamento mais dócil; no
entanto, é a criança que demonstra maior mudança brusca de conduta, apesar de
ser um tanto retraída, torna-se agressiva com certa facilidade, mostrando-se
instável. Segundo Wallon (1995), a instabilidade é a característica da inércia mental,
atividade do estágio do personalismo, marcada pela reação indiscriminada aos
estímulos exteriores, furtando-se de qualquer esforço mental; aliada a essa conduta
também pode ocorrer a preservação, em que a criança permanece numa atividade
como se estivesse aderida a ela. Cabe destacar que são essas manifestações os
exercícios funcionais que garantem o surgimento da atenção. Outra explicação para
as mudanças súbitas de comportamentos e atitudes de Elis diz respeito ao conflito
íntimo que a criança vive na etapa personalista; a sensibilidade à imagem de si
percebida por outros e pela própria criança, causa aflições e choques.
Entre Lena e Elis um clima latente de disputa, uma rivalidade
velada. Tem-se a impressão de que ambas, em relação uma a outra, reagem não
somente a impressões presentes, mas também a imagens e representações
elaboradas. As razões para agirem de modo estúpido uma com a outra são mais
consistentes e duráveis. Segundo Wallon (1986a), isso significa que ambas estão
adquirindo a capacidade de reagir de forma adequada, indicando que não
pertencem mais unicamente ao plano concreto, das experiências imediatas; ou seja,
começam a associar idéias e apresentar maior objetividade nas reações e motivos
de ações. No caso de Elis, esse processo está apenas no início; em Lena são traços
já bastante marcantes.
José Paulo, desde o primeiro momento, estabeleceu uma
identificação forte comigo, reagindo de forma agressiva quando não recebia minha
atenção ou outra criança se aproximava de mim. É ágil, pido quando quer algo,
com pleno domínio e coordenação dos movimentos; é também desafiador nas
brincadeiras, usando condutas de oposição a partir de agressão com gestos;
demonstra a afirmação de sua pessoa pela exibição constante diante dos pares. Seu
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comportamento indica várias características da etapa da sedução, segundo
momento da etapa personalista.
Com relação à Gabriela, apesar de suas manifestações expressivas
demonstrarem que se encontra no período sensório-motor e projetivo, pude
perceber que nela se alternam sentimentos ambivalentes de timidez e arrogância,
até mesmo de presunção, características da segunda fase da etapa personalista: a
idade da graça ou da sedução. De acordo com Wallon (1979; 1995), a criança tem
necessidade de ser admirada, de sentir que agrada aos outros. Como apontado
anteriormente, é uma criança muito independente e diferentemente da maioria das
crianças, vem para a instituição sempre muito bem cuidada, o que faz com seja a
criança mais valorizada pelas educadoras, até mesmo admirada pelo seu
desembaraço. Creio que isso reforça sua atitude de manter-se afastada das crianças
e próxima das educadoras, visto que ao ser admirada e aprovada pelos adultos
reconhece-se como capaz. Segundo Wallon (1979), a criança também pode
perceber que pode fracassar, o que gerará inquietações e conflitos, tornando-a
ciumenta e competitiva.
Com relação ao agrupamento de berçário II num todo, percebeu-se
que a maioria das crianças manipula os objetos explorando-os em atividades
circulares, buscando apreendê-los, assim como não brinca com os pares. Grande
parte das interações criança-criança ocorre com disputa de objetos; no entanto, com
exceção de João Pedro, Lena, Elis e Ana Maria (crianças focais), quando o objeto é
afastado da criança a perda de interesse por ele. Isso porque, segundo Wallon,
nessa etapa em que se encontram as crianças (sensório-motor e projetiva), o
movimento é o suporte da representação. Inicialmente, os objetos do mundo são
excitantes que o sujeito pode manipular para apreciar suas características (tato,
audição, visão), pô-los em relação e classificá-los, mormente em atividades
circulares. No entanto, a exploração dos objetos o é de natureza analítica;
constitui-se no reconhecimento de uma estrutura significativa posta em relação a
outras estruturas, inclusive espacialmente. Essas diferentes combinações vão
configurar a chamada inteligência prática ou inteligência das situações, definida pela
formulação de soluções nem verbais, nem mentais, mas intuitivas, a partir das
relações que existem ou podem existir no espaço. Dessa forma, segundo Wallon
(1995), o mais correto seria chamá-la de inteligência espacial.
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Ainda sobre as crianças não focais, cabe dizer que elas pouco
brincavam umas com as outras, nas diferentes situações cotidianas se envolviam
individualmente; percebeu-se ainda a forte presença do movimento e do choro,
também características do período sensório-motor e projetivo.
Com relação ao choro, o que me chamou a atenção é a sua
intensidade; quando choram as crianças pareciam estar mergulhadas num estado
intenso de dor e dilaceramento, como se o fato de terem sido privadas de algo,
objeto ou atenção as tivessem privado de uma parte de si mesmas. Essa
característica corrobora o que a teoria walloniana preconiza como marcante no
estágio sensório motor e projetivo quando aponta que a criança vive a fase de
sociabilidade sincrética; ou seja, a personalidade permanece ligada a um
determinado objeto, pois o eu psíquico ainda está indiferenciado. (WALLON, 1971).
Nesse momento as interações sociais o de natureza
predominantemente afetivo-emocional, quando é preciso haver uma consonância
mínima de gestos e expressões para o encadeamento de ações individuais; há
também uma grande suscetibilidade ao contágio emocional, o que também explica
outra característica desse período observado nas crianças não focais, que diz
respeito à incontinência motora. Com grande freqüência as crianças estão inseridas
numa atmosfera de excitação generalizada e agitação motora; a atividade mais
freqüente é correr de um lado para outro da sala; quando uma criança iniciava esta
atividade, era rapidamente imitada por outras.
Segundo Wallon (1995), a fase sensório-motora e projetiva se
caracteriza pelo movimento constante, pois é dele que a criança apreende o
universo circundante; além disso, o movimento é fonte de impressões agradáveis e
dele deriva a alegria; isso porque, em sua origem, a alegria encontra no tônus
muscular e na atividade postural sua forma de vazão.
Ratificando a afirmação de que a grande maioria das crianças
observadas apresenta um maior número de características típicas do período
sensório-motor e projetivo, são poucas as crianças que exploram o espelho disposto
numa das paredes da sala de atividades. Nesse sentido, notei que somente Luciana
e José Paulo (crianças focais) demonstraram interesse pela própria imagem refletida
no espelho, pois olhavam, tocavam, sorriam; em alguns momentos me levaram para
ver a imagem refletida. Essas atitudes parecem indicar que se encontram no período
determinado por Wallon (1971) como animista, descrito como o momento em que a
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criança brinca e diverte-se com a imagem refletida; no entanto ainda não
reconhecem essa imagem como sendo parte dela mesma. Segundo a teoria
walloniana, a dificuldade de reconhecer numa imagem a contradição de se observar
simultaneamente em dois espaços indica que ainda não estão suficientemente
integrados, um ao outro, a percepção do espaço cinestésico ou pessoal e do espaço
exterior, o dos objetos.
Com relação às crianças focais, o ciúme foi manifestação expressiva
recorrente em todas elas, confirmando-se aqui o postulado walloniano de que o
ciúme, em sua manifestação mais primitiva, pode ser observado já a partir do
primeiro ano de vida. Essa é uma interação essencialmente triádica, quando o
protótipo está numa situação em que o adulto deve “dividir-se” para duas crianças.
Há exemplos nos episódios narrados em que uma criança é alvo de solicitude e uma
segunda observa a cena para em seguida protestar de alguma forma, manifestando
sua frustração por não ser aquela que recebe um afago ou é contemplada.
Embora nesse momento o ciúme reflita e produza um estado de
fusão eu-outro por apresentar um estado ainda mal diferenciado da sensibilidade,
também é responsável por introduzir um contraste emocional que anuncia o início da
individualização. Dessa forma, um conflito constante pela posse” do outro, seja
na imagem de um objeto real ou no sentido figurado de sua personalidade; assim, as
crianças personalistas recorrem a subterfúgios como a mentira, a agressão física, ou
a sedução para apropriar-se de algo que não lhe pertence.
Com relação ao início desse processo de individualização, no grupo
de crianças focais observou-se condutas de “afirmação do eu”, como o uso do
pronome possessivo “meu” e das situações em torno da disputa por um objeto na
tentativa de fazer valer o seu “direito de posse”.
O uso de pronomes possessivos e na primeira pessoa do singular
são características básicas do período de oposição. A oposição, como apontado,
é uma das fases da etapa personalista, voltada para a formação da pessoa, que
deve ser compreendida como o início da afirmação de si, de um “eu” que
gradativamente diferenciar-se-á do “outro”. Segundo Dourado (2005), as relações de
conflito e oposição são momentos em que se evidencia e melhor se visualiza a
importância do outro para a constituição da pessoa.
Em estudo anterior, Pereira (1998) encontrou os recursos de
oposição em crianças de três e quatro anos e o uso dos pronomes “meue “minha”
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e a negação aos pedidos da professora. A pesquisadora definiu as manifestações de
disputa pelo objeto e pelo espaço como forma de “preservação do eu”.
Nascimento (1997) encontrou em sua pesquisa as manifestações de disputa pela
posse do objeto em crianças de 25 a 27 meses. No entanto, a disputa pelo objeto
relatada pela autora, segundo a própria, refere-se não ao objeto em si, mas à
extensão do próprio corpo, indicando que suas condutas apresentam as
características do estágio sensório-motor.
Nessa mesma faixa etária, Bastos (1995) encontrou o sentimento de
propriedade apresentado tanto em situações de disputa de objetos como no cuidado
das crianças ao guardarem os objetos próximos a si mesmas. Fazem uso constante
dos pronomes “meu” e “minha” ao se referir aos objetos, mas não se referem a si
mesmos na primeira pessoa. Segundo a autora, isso denota que ainda não a
tomada de consciência de si, mas fartos indícios do processo de diferenciação
eu-outro.
A conclusão a que se chega é que incidência dessas expressões
está relacionada a inúmeros fatores, dentre eles o contexto em que se dão as
interações, os recursos materiais disponíveis, mas principalmente os recursos
expressivos com os quais as crianças podem contar neste momento, pois é a partir
deles que são dados os significados de posse e uso dos objetos para a faixa etária
em questão.
Diante desta colocação e dos dados obtidos é possível apontar que
as características de oposição ocorrem mais precocemente do que postulam alguns
estudos que se amparam na teoria walloniana, ou seja, fica claro que as
características e os estágios de desenvolvimento importantes para a formação do
ser humano não são demarcados pela idade cronológica, e sim pelas experiências
sociais e afetivas vivenciadas individualmente que irão deflagrar regressões,
conflitos e contradições que propiciem, reformulem e ampliem conceitos e funções.
Assim, o desenvolvimento pressupõe um ritmo único e singular para cada indivíduo,
que não é gradual ou linear, mas descontínuo e instável, não havendo precisão
cronológica para o início ou término de determinadas atividades infantis.
Esse é um dado que corrobora a iia walloniana de que os fatores
orgânicos se configuram numa semiprogramação, sendo necessário considerar
contextos históricos e sociais para avaliar as aquisições próprias do
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desenvolvimento, evidenciando-se também que as conquistas são graduais, mas
também alternantes.
Segundo a teoria walloniana, a criança constrói o significado das
coisas, das pessoas e de si mesmo partilhando situações, construindo afetos e
conhecimentos e diferenciando pontos de vista; assim, as crianças negociam os
significados atribuídos aos outros e os que lhe são atribuídos. Na convivência com
pares da mesma idade há o processo de construção compartilhada da noção de si e
da individualidade dos outros. Em outros termos, o processo de socialização da
criança é também de crescente individualização.
Nesse sentido, os dados reforçam o postulado de que o processo de
desenvolvimento infantil se realiza nas interações, que objetivam não só a satisfação
das necessidades básicas, como também a construção de novas relações sociais,
com o predomínio da emoção sobre as demais atividades. Assim, reitera-se o
importante papel desempenhado pelas instituições de educação infantil no sentido
de garantir que as interações em seu interior se pautem na qualidade, a fim de
ampliar o horizonte da criança e levá-la a transcender sua subjetividade e se inserir
no social.
Os dados também comprovam o quanto as interações constituem
um campo rico de significados, que se intercruzam, complementam-se e apresentam
amplas possibilidades de relações. Buscando apreender as motivações subjacentes
às expressões das crianças, chega-se à conclusão de que em grande parte das
interações, na maioria dos episódios e em situações não relatadas, o fator
desencadeador foram os objetos.
Nesse sentido, também no grupo de crianças não focais a interação
mais significativa foi da criança com os objetos e menos com seus pares; assim,
entende-se que é pelo objeto que a criança vai iniciando a diferenciação entre ela e
o outro. Wallon (1979) afirma que essa diferenciação deve encontrar em si um
conteúdo e é nos objetos que a criança primeiro se identificará na forma do meu e
do teu.
Esses são dados que nos remetem à organização do espaço, ao
ambiente e à sua importância no processo de desenvolvimento infantil. Segundo
Barbosa (2006), o ambiente é um espaço construído, definido nas relações humanas
por ser organizado simbolicamente pelas pessoas responsáveis pelo seu
funcionamento, mas também pelos seus usuários. Ainda segundo a autora, o
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ambiente é fundamental na constituição dos sujeitos por ser um mediador cultural,
tanto em aspectos cognitivos e motores, quanto sociais e afetivos.
Nesse sentido, cabe destacar que a organização do ambiente
observado pouco favorece o desenvolvimento integral das crianças, visto que, além
da ausência de objetos, a disposição do mobiliário o proporciona momentos de
interação das crianças entre si e muito menos com os objetos.
Oliveira e Rosseti-Ferreira (1993) já apontaram o valor e importância
da interação criança-criança para o desenvolvimento infantil, bem como do papel
fundamental que as instituições de educação infantil têm no sentido de que podem
estruturar situações propícias para as interações entre as crianças. Enfatizam ainda
a necessidade de haver situações em que crianças e adultos possam interagir, para
que esses últimos auxiliem a criança a dar significados aos seus gestos, posturas e
verbalizações, permitindo assim que a criança se construa como sujeito
idiosssincrático. Na perspectiva walloniana, a diversidade de relações com
diferentes indivíduos, diferentes meios e grupos possibilita ao indivíduo transformar
e ser transformado, ampliando desenvolvimento, potencializando aprendizagens.
(WALLON, 1986d).
No entanto, apesar das condições do ambiente observado não
serem apropriadas, as crianças interagiam, criavam estratégias de interação e
diálogo, numa espécie de jogo de escapar e resistir. Isso demonstra o quanto as
crianças são competentes e independentes, que estas se constroem e são
construtoras umas das outras em processos de interação mútua. (SARMENTO,
2004).
Assim, neste capítulo, portanto, apresentamos as manifestações
expressivas utilizadas pelas crianças na interação com seus pares a partir dos
indicadores referenciados por Henri Wallon. A análise mostrou, assim como
apontado nos estudos da mesma natureza, que uma metodologia como a utilizada
neste trabalho, que olha para a criança em contexto, conduz o pesquisador a
realmente perceber as sutilezas e expressões infantis, expressões essas que muitas
vezes passam despercebidas no cotidiano da creche. São diversas e múltiplas as
formas de interação da criança e, como apontado, essas são constitutivas do ser
humano. Dessa forma é preciso perceber os sinais emitidos pelas crianças para que
sejam legitimadas.
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É no sentido de pensar em projetos político-pedagógicos que
valorizem a criança como pessoa completa, competente e ativa, realçando a
necessidade de uma proposta educacional que rejeita modelos assistencialistas e
espontâneístas de atendimento á infância e que se recusa a aceitar a impregnação
de ações do ensino fundamental em suas práticas, que serão trazidas as
considerações do capítulo seguinte.
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O “PONTO” FINAL OU DE VOLTA AO COMEÇO?
O essencial é saber ver.
Saber ver sem estar a pensar.
E nem pensar quando se vê,
nem ver quando se pensa.
Mas isso,
isso exige um estudo profundo,
uma aprendizagem do desaprender
(Alberto Caieiro)
A atenção das pesquisas voltadas para a questão das relações
afetivas das crianças, em particular da primeira infância, é fato relativamente
recente, surgindo os primeiros estudos a partir das primeiras décadas do culo XX.
Nesses trabalhos, a tônica dos discursos sempre foi dada pela área da Psicologia,
cuja ênfase recaía sempre na interação e-filho, adulto-criança, onde se
predomina a concepção de criança pequena incapaz de interagir e estabelecer
relações duradouras com os pares da mesma faixa etária. Decorre daí a
importância do papel assumido pela mãe nos primeiros meses de vida e a
caracterização dos profissionais que lidam diretamente com a criança pequena
como “mães substitutas”. (OLIVEIRA; ROSSETI-FERREIRA, 1993).
A partir das últimas décadas do século XX, vários estudos começam
a direcionar o olhar para a dimensão afetiva do comportamento humano, dando
ênfase às interações sociais e ao papel determinante do outro na configuração
idiossincrática e singular dos indivíduos, recuperando e consolidando teorias que se
baseiam numa visão integrada do ser humano (em especial a teoria psicogenética
de Henri Wallon), que consideram a ação humana como inserida em processos
psicológicos culturais e individuais.
Segundo Leite e Tassoni (2002), as preocupações contemporâneas
acerca dos processos de aprendizagem estão muito mais voltadas à qualidade de
suas formas de condução: para o como intervir, em que momento, porque intervir,
quais conseqüências, etc., principalmente no que diz respeito á educação
direcionada às crianças pequenas.
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Sobre a construção de conhecimentos, o desenvolvimento da
criança e o papel da educação infantil, diversos pesquisadores
29
têm contribuído
para a compreensão e discussão da qualidade das creches e pré-escolas no país.
São contribuições que nos colocam, principalmente, diante de questões como a
inexistência de uma proposta educativa adequada para creches e pré-escolas, como
também para os desafios de compreender o desenvolvimento da criança pequena
em contextos coletivos.
Nesse sentido, é importante destacar que a vivência escolar é
indispensável ao desenvolvimento da criança pequena, uma vez que as relações
mantidas no ambiente familiar são irrefutáveis, a necessidade de freqüentar
ambientes menos estruturados e carregados afetivamente se justifica. A família é
uma situação imposta, “diferentemente de outros grupos mais ou menos facultativos,
a família é um grupo natural e necessário” (WALLON, 1979, p. 165), não como
libertar-se ou abstrair-se em seu interior. Segundo Wallon, a criança pertence à
família tanto quanto pertence a si mesma.
Na escola
30
, diferentemente da família, tem-se um espaço mais
diversificado, com uma riqueza maior de relações, que oferece à criança a
oportunidade de convivência com pares da mesma faixa etária, de outras e com
adultos que não possuem o mesmo status que seus pais e parentes próximos. As
relações vividas também são mais livres, até mesmo facultativas, pois, de certa
forma, a criança pode escolher com quem quer interagir, de quem quer ser amigo ou
mesmo se afastar de acordo com seu desejo. Assim, o lugar que ocupa no grupo
depende mais diretamente da criança, do seu comportamento e de suas
preferências. (WEREBE; NADEL-BRULFERT, 1986). Wallon (1979) aponta a
influência dos grupos na evolução do indivíduo, afirmando que eles são importantes
não para a aprendizagem social, mas também para o desenvolvimento da
personalidade da criança e a consciência de si.
Para Wallon (1979), à pré-escola cabe o papel de preparar a
emancipação da criança, reduzir a influência exclusiva da família e promover o seu
29
Com destaque para os trabalhos produzidos nos espaços da ANPED - Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Educação - GT “Educação da criança de 0 a 6 anos”; CINDEDI -
Centro de Investigação sobre Desenvolvimento e Educação Infantil - USP-RP; NUPEIN - Núcleo de
Estudos e Pesquisas na Pequena Infância e
NEE0A6 - Núcleo de Estudos e Pesquisa da Educação
de 0 a 6 anos, ambos da UFSC, entre outros.
30
Cabe salientar que o termo escola é usado no texto no sentido de referendar a educação formal e
não a defesa da escolarização precoce da criança pequena.
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“encontro” com outras crianças da mesma idade. Esclarece que as relações a serem
mantidas entre os pares de crianças e também com os adultos serão muito
elementares, o que ocasiona ser a disciplina deste ambiente diferenciada dos outros
níveis escolares.
Ora, é desta forma que se defende ser a Educação Infantil um
espaço de mediação da inserção social e cultural das crianças ao mundo dos
adultos, mas que tem como foco a criança em si mesma, a diversidade de
capacidades (intelectual, estética, motora, emocional, etc.) e necessidades próprias
desta faixa etária. Dessa forma, não é um apêndice do Ensino Fundamental, é
instância específica com identidade e finalidade própria, finalidade essa de
promoção da criança, de auxílio ao crescimento e desenvolvimento infantil, de
aprendizagem, de construção de conhecimento, de formação integral de seus
atores. Sendo assim, complementar e não substituta das funções que são e devem
ser exercidas pela família.
Dessa forma, a instituição escolar tem seu papel e lugar
assegurados na dinâmica social e principalmente no processo de desenvolvimento
humano, não precisando e nem devendo incorporar de outras instituições o modelo
das relações a serem estabelecidas em seu interior.
É preciso também reconhecer a intencionalidade da atuação
docente nessa modalidade de ensino, uma vez que é necessária ao profissional que
atua diretamente com a criança, no desempenho de sua função, uma aproximação,
mas também um distanciamento do cuidar materno instintivo, dada a especificidade
de sua tarefa. Em outros termos, ao mesmo tempo em que se aproxima, o seu papel
se distancia do de “mãe ao articular as dimensões de cuidado e de educação
necessárias nesta etapa da vida da criança. Essa aproximação e distanciamento são
uma constante na prática da educação infantil e elemento básico na identidade de
seus profissionais, uma vez que, ao integrar outros papéis, estão envoltos por
inúmeras complexidades.
É dessa forma que Wallon (1979, p. 208) afirma ser a escola um
campo privilegiado, e que sua função é tratar da obra mais fundamental de uma
sociedade: a educação das crianças. Afirma ainda ser melhor “a denominação de
escola maternal à de jardim da infância”, pois esta primeira denota bem o “gênero de
cuidados de que precisa ainda a criança”. Também é essa a razão que reafirmo algo
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quase clichê: que não se pode deixar a Educação Infantil se “contaminar” por
cunhos exclusivamente assistencialistas ou escolarizantes.
Nesse sentido, reforça-se como é importante e determinante o papel
desempenhado pela educação infantil na evolução sócio-afetiva da criança, uma vez
que seu desenvolvimento não depende somente de aspectos orgânicos que
precisam ser “cultivados”, mas, principalmente, da qualidade das interações
estabelecidas com o meio físico. É a qualidade dessas relações que possibilitarão o
desenvolvimento dos instrumentos físicos e simbólicos que, por sua vez, permitem a
adaptação ao meio físico e à vida social. Cabe então salientar que qualidade aqui é
entendida como a elaboração de estratégias que darão margem ao desenvolvimento
integral e integrado da criança (BRASIL, 1997).
Como em qualquer outro meio social, na escola existem diferenças,
ocorrem conflitos, e outras situações que provocam os mais variados tipos de
emoções e, diante das colocações acerca dos movimentos por quais passam o
processo de desenvolvimento humano, é certo que a pré-escola é um espaço onde
as emoções são freqüentes.
Em consonância com a teoria walloniana, são as emoções que
conferem à criança competência social desde a tenra idade, visto ser através de sua
manifestação que se estabelecem os processos comunicativos que possibilitam as
trocas sociais que permitem a inserção da criança no universo simbólico e a
percepção de si enquanto sujeito idiossincrático. Nas palavras de Oliveira e Rosseti-
Ferreira (1993), antes do desenvolvimento da linguagem oral, a construção de
significados e a formação da consciência de si se dá através das expressões afetivo-
posturais. As emoções, que vão sendo organizadas em função da influência do
ambiente, promovem a fusão entre a sensibilidade da criança e seus parceiros, num
processo que gradativamente subsidiará a criança a assumir papéis que expressam
as disposições de sua própria sensibilidade. Em cada etapa, segundo Wallon
(1995), coerência e significação próprias, assim como em “cada idade
corresponde um tipo de comportamento e todo comportamento ordena-se em torno
de certas atividades fundamentais”.
Assim, cabe reafirmar que a emoção é uma função humana que
ultrapassa um estado fisiológico, uma vez que é a partir dela que a criança tem
acesso ao universo simbólico do ambiente social e cultural em que se encontra
inserida.
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As manifestações infantis das crianças focais observadas na
investigação sinalizam para condutas de oposição em relação aos pares tais como
disputa de objeto, espaço, propriedade, imposição de desejo, colocação de limites e
cumplicidade. Através desses recursos a criança confronta seu ponto de vista, busca
a posse das coisas, aprende a tirar proveito das situações, defende objetos e
lugares como se fossem propriedades sua. Nesse sentido, as crianças observadas
estão organizando um primeiro esboço de seu EU, mesmo nas condições não muito
adequadas para a rotina de crianças num ambiente coletivo, conforme apontado no
capitulo 3; ou seja, a análise aponta que as condições da creche, no que diz respeito
à organização do tempo-espaço educativo, demonstra que ele é compreendido e
organizado para sujeitos-alunos e não para sujeitos-crianças.
Nesse sentido, faz-se necessário que as propostas pedagógicas
para educação infantil enfatizem a importância das interações entre crianças, visto
que se configurarem em uma das molas propulsoras do desenvolvimento; criem,
intencionalmente, situações que permitam contatos entre grupos variados e
situações interativas que favoreçam o desenvolvimento da autonomia baseando-se
no respeito pelas características próprias da inteligência infantil, bem como nas
necessidades específicas de cada grupo. É preciso, então, uma concepção de
escola infantil como espaço de comunicação e trocas permanentes, onde a
coerência, a unidade dos princípios e as concepções comuns sobre valores
instaurem um relacionamento de confiança, gerando assim criar um clima facilitador
do desenvolvimento, num ambiente acolhedor e aconchegante.
No entanto, cabe o alerta para a necessidade de se relativizar as
colocações acerca da intencionalidade educativa das atividades propostas na creche
e na pré-escola, pois, quando se coloca que toda ação dentro da escola deve ser
educativa, corre-se o risco de promover a perda da espontaneidade natural da
infância e até mesmo de cercear a criança do direito de ficar algum tempo sem fazer
nada dentro da instituição...
Cerisara (2007) e Oliveira (2002) apontam que toda atividade pode
ser realizada enfatizando tanto a dimensão subjetiva (afetiva) quanto à objetiva
(cognitiva); neste sentido, as linguagens expressivas e a atividade lúdica são
particularmente interessantes numa proposta pedagógica que visa o
desenvolvimento integral da pessoa.
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Oliveira (2002) indica que a elaboração de propostas pedagógicas
para educação infantil precisa levar em conta os comportamentos predominantes em
cada idade e o seu objetivo, bem como as prioridades adaptativas da criança para
melhor orientação educativa no sentido de adequar essas possibilidades ao
potencial educativo presente em cada atividade a ser proposta, para não correr o
risco de suprimir formas básicas de expressão da criança. É necessário, ainda, que
os profissionais envolvidos com a educação da infância adotem como atitude
constante refletir sobre o valor das experiências realizadas pelas crianças enquanto
recurso necessário para o domínio de competências consideradas básicas para
obterem sucesso em sua inserção numa sociedade concreta.
Segundo Tardos e Szanto (2004, p. 38), “para que a vida ativa de
uma criança seja satisfatória [...] é necessário que haja dois fatores fundamentais:
que ela tenha liberdade de movimentos e que tenha alguma coisa com que ocupar-
se relacionada com seu desenvolvimento”. Os autores apontam ainda que a
organização do espaço e de atividades em função das necessidades da criança,
bem como o respeito por aquilo que ela faz, proporcionarão o enriquecimento de sua
personalidade, o desenvolvimento da segurança afetiva, a consciência e a sua auto-
estima.
Essa discussão nos remete a apontar novamente o papel dos
educadores de crianças nessa faixa etária. Aos profissionais que lidam com a
criança na primeira infância, seria de grande utilidade recursos teóricos que os
sensibilizassem para os traços expressivos da conduta das crianças - olhar,
entonação da fala, qualidade dos gestos, variações posturais - por meio dos quais
se podem obter indícios dos estados afetivos e sobre diversos aspectos da atividade
cognitiva.
Tomando como referência as profissionais da instituição observada,
cabe apontar que nenhuma delas tem formação específica para atuar junto à criança
pequena. Todas apontaram que, ao prestar o concurso para assumir o cargo de
Auxiliar de Desenvolvimento Infantil
31
, não tinham clareza das funções atribuídas a
ele, bem como não receberam nenhum tipo de formação ou preparo prévio antes de
iniciarem as atividades profissionais.
31
Nomenclatura do município para designar o cargo das profissionais que atuam junto as crianças na
faixa etária de 0 a 3 anos.
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As profissionais ainda declararam estarem satisfeitas com a
profissão; não se vêem como educadoras, mas percebem a importância e
complexidade de sua tarefa, que implica mais que simplesmente prover a criança de
cuidados de higiene, alimentação e conforto. Mostram-se desconfortáveis com a
falta de orientação sobre como lidar corretamente de forma “pedagógica” com as
crianças, declarando que há orientação pedagógica na instituição, mas que esta não
é suficiente, visto não terem uma formação inicial voltada à educação da criança.
Almeida (2006) aponta que o educador precisa conhecer teorias do
desenvolvimento, de aprendizagem, da personalidade e outras que os livros
ensinam; mas, também precisa incorporar estas teorias em suas práticas adotando
atitudes permanentes de investigação, pois o verdadeiro saber advém da prática
enriquecida pelas teorias e/ou vice-versa.
Assim, a simples adoção de manuais compostos de propostas
teóricas não é o suficiente para “dar conta” da complexidade do processo educativo
e de suas “múltiplas facetas”, pois:
A neutralidade, a racionalidade científica, a verdade da ciência são
miragens e, como tal hipnotizam, embaçam, nebulam o olhar crítico
que voltamos para o real. Penso que é preciso desembaçar este
nosso olhar, descristalizar ou despertar nosso falar, na tentativa de
enxergar o real e reapresentá-lo nas suas contradições, na sua
ambigüidade, na sua descontinuidade, rompendo com a postura de
velar métodos e técnicas como quem vela mortos [...] (KRAMER,
1992
32
apud CERISARA , 1997)
Dessa forma, é importante que o profissional encare as teorias como
um conjunto de proposições hipotéticas que podem e devem ser testadas
constantemente, verificadas em confronto com os resultados advindos de situações
concretas. Somente dessa forma os conhecimentos teóricos adquirem relevância e
assumem o seu verdadeiro papel, que é o de auxiliar o professor em sua prática
cotidiana, subsidiando e enriquecendo as suas ações com maior autonomia e
segurança. Nas palavras de Wallon (1979), a formação dos professores não pode
ficar limitada aos livros; deve antes ter como referência inquestionável as
experiências pedagógicas que eles próprios podem realizar, no sentido de adaptar
as orientações dos manuais às condições reais do espírito e natureza da criança
com a qual lida no dia-a-dia.
32
Não há referência completa desta obra no texto citado.
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101
Assim, não um modelo de educação que possa ser transmitido e
que conta da multiplicidade de experiências vividas nos ambientes de
aprendizagem. Essa é uma constatação que naturalmente gera incertezas e
inseguranças, mas pode (e deve) também possibilitar o surgimento de um encontro
com a criação do conhecimento, abrindo novos espaços para a reflexão, a troca e o
desabrochar do perfil do profissional da educação infantil necessário às exigências
postas.
Isso porque os profissionais da educação infantil assumem o papel
de co-responsáveis pela formação da criança, representando figuras fundamentais
no seu processo de desenvolvimento; são modelos de identificação que dão
continuidade a uma primeira relação de objeto iniciada com os pais. Para que essa
relação se desenvolva de forma sadia, é preciso reconhecer as emoções e criar um
espaço de confiabilidade para sua expressão. Viver, aprender e conhecer o mundo
não significa prazer; ao contrário, diz respeito a um enfrentamento constante da
frustração e da falta. Com isso, a agressividade, a incontinência motora, entre
outros, são aspectos inseparáveis do processo. Não se pode desconsiderar a
participação imanente e intrínseca das emoções em cada ato mental, pois se o
adulto rejeita esse lado da criança, rejeita-o enquanto ser humano, correndo o risco
de criar um ambiente em que essas manifestações adquiriram proporções
incontroláveis.
Bondioli (2004) aponta que no trabalho com crianças da educação
infantil é preciso considerá-las como seres afetivos, com necessidades físicas e
emocionais de fortalecimento da auto-estima, de vínculos afetivos, de toques
corporais, de agrados e de muitas atenções para que se sintam especiais e possam
desenvolver plenamente sua personalidade, sendo as crianças formadas (ou
deformadas) do ponto de vista das relações que mantêm com as coisas e com as
pessoas, e não apenas instruídas.
No entanto, enfatizar que as práticas educativas da educação infantil
devem privilegiar a construção do sujeito não significa fazê-lo em detrimento da
construção do conhecimento sobre o mundo. A eliminação deste aspecto da prática
pedagógica da educação infantil representa um retrocesso nos avanços alcançados
com relação à função educativa da creche e da pré-escola; o que implica dizer que
esses objetivos devem estar integrados na proposta pedagógica da instituição.
(OLIVEIRA, 2002).
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Assim, uma educação que pretende olhar para a criança “como
actores sociais de pleno direito e que interpreta os mundos de vida das crianças nas
múltiplas interacções simbólicas que as crianças estabelecem entre si e com os
adultos” (SARMENTO, 2005, p. 18), evidencia a importância de ter consciência das
necessidades sicas da criança pequena e as razões das mudanças de
comportamento em idades e situações diferentes, levando em conta o papel que tais
comportamentos desempenham na vida presente e futura da criança, no que diz
respeito a aquisições cognitivas.
Os Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil
apontam que as crianças inseridas num ambiente que oferece um número
abundante de possibilidades interativas têm o universo pessoal de significados
ampliado. (BRASIL, 2006a). Dessa forma, é necessário que o espaço pedagógico
esteja voltado ao estímulo da curiosidade e imaginação da criança, mas que seja
também incompleto o suficiente para que ela possa se apropriar e transformar este
espaço.
Nesse sentido, a importância da vivência em ambiente institucional
como contributo para o desenvolvimento infantil é apontada por Ramos (2006), que
cita os estudos de Anderson (1989)
33
, Howes (1990)
34
e Belsky e Egebeen (1991)
35
para esclarecer que as crianças que freqüentam creches são mais autônomas,
ativas, comunicativas e sociáveis em relação as que permanecem no ambiente
familiar. Segundo os autores, quando as condições de atendimento oferecidas são
estimulantes e adequadas, as oportunidades de interações entre pares oferecidas
pela creche otimizam de forma significativa o desenvolvimento infantil.
Pesquisas como as de Pereira (1992), Almeida (1994), Bastos
(1995), Duarte (1997), Nascimento (1997), Pereira (1998), Costa (1999) confirmam a
importância de se considerar as implicações afetivas como forma de favorecer o
desenvolvimento global da criança pequena, e principalmente o papel a ser
desempenhado pela Educação Infantil nesse processo.
33
ANDERSON, B. Effects of public day-care center: a logitudinal study. Child Development, v. 62, p.
857-886, 1989.
34
HOWES, C. Can the age of entry into child care and the quality of child care predict adjustment in
kindergarten? Developmental Psychology, v. 26, p. 292-303. 1990
35
BELSKY, J.; EGGEBEEN, D. Early and extensive maternal employment and young children’s
socio-emotional development: national longitudinal survey of youth and child. Marriage family, v. 47,
p. 855-865, 1991.
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103
Mas o número de investigações acerca da temática ainda é
reduzido, necessidade de mais estudos envolvendo crianças na primeira infância
em contextos coletivos, pois a investigação aqui exposta é somente uma das várias
possibilidades de análises e abordagens acerca da amplitude das expressões
infantis e o seu papel na sua evolução.
Os estudos citados alertaram para a necessidade de se incluir a
questão das emoções como tema de reflexão pedagógica, principalmente nos
espaços de formação do profissional que atua junto às crianças. Dessa forma,
apenas reforço esse apontamento, salientando ainda que esse tema precisa ser
incluído com mais freqüência no campo das pesquisas em educação, no sentido de
que seja possível obter mais subsídios acerca dos efeitos da emoção sobre os
indivíduos e nas interações ocorridas no contexto pedagógico, visto ser um assunto
que instrumentaliza de forma significativa a atuação dos profissionais ligados à
educação da criança pequena.
Segundo Wallon (1995, p. 27), “a criança sabe viver a sua
infância. Conhecê-la, cabe ao adulto”. E a pergunta que se faz diante dessa
afirmação é a mesma que deveríamos, nós adultos, pais, cuidadores, professores,
etc., nos fazer: “Mas o que prevalecerá neste conhecimento: o ponto de vista do
adulto ou o da criança?”.
Dessa forma, ao concluir a tarefa a que me propus, cabe dizer que
as idéias que defendo não o originalmente minhas... Eu as tomei emprestadas de
filósofos, roubei-as de poetas, furtei-as de muitos pensadores... Mas as escolhas
são minhas, ninguém mais é responsável por esta jornada e pelo caminho que
decidi trilhar para vivenciá-la. E se você não está de acordo com estas idéias, quais
seriam as que você usaria?
36
.
36
Idéia originalmente contida no livro “O monge e o executivo” de James C. Hunter, numa citação de
Dale Carnegie.
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104
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