Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLITICAS PÚBLICAS
MESTRADO EM POLITICAS PÚBLICAS
Luciene Ferreira Mendes de Carvalho
A política de assistência social em Teresina e a proteção social às famílias
inseridas no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI
Teresina – PI
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
LUCIENE FERREIRA MENDES DE CARVALHO
A política de assistência social em Teresina e a proteção social às famílias
inseridas no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Políticas Públicas da Universidade Federal do
Piauí, como exigência para obtenção do título de
Mestra, sob a orientação da Profa. Dra. Antônia
Jesuíta de Lima.
Teresina – PI
2008
ads:
3
Carvalho, Luciene Ferreira Mendes de.
C331p A política de assistência social em Teresina e a proteção
social às famílias inseridas no Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil-PETI. / Luciene Ferreira Mendes de
Carvalho. - Teresina: 2008.
130 fls.
Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) –
Universidade Federal do Piauí, 2008.
Orientadora: Antonia Jesuíta de Lima
l. Proteção Social. 2.Vulnerabilidade Social 3.
Centralidade na Família. 4.Política de Assistência Social.
I. Título.
CDD 361.1
4
LUCIENE FERREIRA MENDES DE CARVALHO
A política de assistência social em Teresina e a proteção social às famílias
inseridas no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Políticas Públicas da Universidade Federal do
Piauí, como exigência para obtenção do título de
Mestre, sob a orientação da Profa. Dra. Antônia
Jesuíta de Lima
Aprovada em:_____/ _____/_______
Banca Examinadora
_____________________________________________________
Profa. Dra. Antônia Jesuíta de Lima – UFPI
Orientadora
_____________________________________________________
Profa. Dra. Maria D’Alva de Macedo Ferreira - UFPI
_____________________________________________________
Prof. Dr. Valeriano Costa - UNICAMP
5
Aos meus pais, Neto e Iêda, pelo amor, pelo
exemplo de vida e pelo incentivo permanente.
6
AGRADECIMENTOS
À Deus, pela força, sabedoria e inspiração;
À minha família, pelo apoio e carinho incondicional;
Ao meu companheiro, pelo estímulo intelectual e afetivo e pela compreensão nos momentos
de ausência;
Aos amigos, pela força nos momentos difíceis e pela constante dedicação em tornar esse
processo prazeroso;
À professora Doutora Antônia Jesuíta de Lima, pela orientação responsável, competente e
inquestionável dedicação no processo de construção da Dissertação;
Aos colegas da 5ª turma do Mestrado em Políticas Públicas, em especial à Magda Núcia,
Osmar Júnior, Emanuelle Chaves e Teresa Matos, pelos momentos de discussão e pelas
valiosas trocas de conhecimento e experiências;
Aos professores do Mestrado, com os quais tive a oportunidade de dialogar teoricamente e
evoluir no processo formativo;
Aos professores Valeriano Costa e Maria D’Alva pela valiosa contribuição na fase do Exame
de Qualificação;
À Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, pelo apoio
institucional e pelas orientações essenciais ao bom desempenho acadêmico;
À Secretária do Mestrado, Neila Palácios pelo carinho e atenção sempre dispensados;
Aos técnicos da Secretaria Municipal do Trabalho, Cidadania e Assistência Social pelo
repasse de informações e documentações fundamentais ao desenvolvimento desta pesquisa;
7
Finalmente, quero agradecer às famílias entrevistadas nessa pesquisa por terem me recebido
de maneira acolhedora em seus lares e dividido comigo suas vivências.
8
RESUMO
A presente Dissertação originou-se das inquietações provenientes do aprofundamento das
condições de risco e vulnerabilidade social nas quais está inserida a maioria das famílias
brasileiras. Neste estudo, examinou-se a proteção social a elas direcionada pela política de
assistência social, com evidência na centralidade familiar. Na análise, caracterizou-se a
proteção social no Brasil, em seus diferentes períodos históricos; buscando compreender a
família como instituição privilegiada nessa proteção, a partir de suas transformações na
contemporaneidade, e perceber os impactos das ações socioassistenciais no contexto familiar,
ou seja, captar em que medida contribuíram para a melhoria das suas condições de vida.
Toma-se como unidade empírica de referência a Secretaria Municipal do Trabalho, Cidadania
e Assistência Social - SEMTCAS, mais especificamente o Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil – PETI. Inicialmente, empreende-se o exame do reordenamento institucional
na direção da implementação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, em Teresina,
e, no momento posterior, procede-se a um mapeamento dos serviços, programas e projetos
que têm a família como foco central de atuação, no período de 2001 a 2007. A investigação
tem como pressuposto que as políticas e programas sociais, a despeito do discurso da
matricialidade sociofamiliar, não contribuem para alterar as condições de pobreza desses
grupos. Os dados produzidos neste processo investigativo evidenciaram as legítimas
demandas e fragilidades das famílias vulnerabilizadas socialmente e demonstraram a sua
potencialidade de criar e recriar estratégias cotidianas de superação das adversidades no
interior de sua complexa e difícil realidade.
Palavras-chaves: Proteção Social. Vulnerabilidade Social. Centralidade na Família. Política de
Assistência Social.
9
ABSTRACT
This Dissertation came from the concerns of the deepening in the dangerous conditions and
social vulnerability which the majority of Brazilian families are inserting. In this study, the
social protection to the Brasilian families was observed directed to the policy of social
assistance, pointing to the family centrality. In the analysis, the social protection in Brazil was
characterized in its diferents historical periods; trying to understand the family as a privileged
institution in this protection, acording to the transformations of the social protection in the
contemporary, and to understand the impacts of social assistance actions in the family context,
in this way, to catch how these actions contributed to the improvement of their living
conditions. The empirical unit of reference is the SEMTCAS( the Municipal Secretary of
Labor, Citizenship and Social Welfare ), more specifically the PETI(A program that tries to
abolish the Child Labor). Firstly, the examination of the institutional restructuring is
attempted towards the implementation of the SUAS(a System of Social Assistance), in
Teresina, after, other procedure was to map the services, programs and projects that have the
family as a central focus of performance in the period 2001 to 2007. The research has as
objective the idea that the social policy and social programmes, in spite of the discourse of
social family centrality, do not contribute to change the poverty conditions of these groups.
The data produced in this investigative process focused on the legitimate demands and
weaknesses of socially vulnerable families and demonstrated the potentiality to create and
recreate everyday strategies to overcome the adversities within the complex and difficult
reality of the families.
Keywords: Social Protection. Social Vulnerability. Family Centrality. Social Welfare Policy.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
1 O SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRO E A POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL........................................................................................................15
1.1. O Sistema Brasileiro de Proteção Social e as respostas do Estado....................................15
1.2. A Expansão das Políticas Sociais e a Consolidação do Sistema Brasileiro de Proteção
Social.........................................................................................................................................25
1.3. Novas bases do Sistema de Proteção Social Brasileiro: as mudanças pós- Constituição de
1988 e a inflexão na política de assistência social....................................................................32
2 A PROTEÇÃO SOCIAL E A FAMÍLIA NA REALIDADE BRASILEIRA................44
2.1. Família: novos formatos e padrões na sociedade contemporânea.....................................44
2.2. A família brasileira na atualidade......................................................................................51
2.3. A família como núcleo central da política de assistência social........................................57
2.4. O SUAS e o reordenamento da política de assistência social em Teresina.......................63
2.5. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI como instrumento de proteção
social às famílias beneficiárias da assistência social................................................................74
2.6. As ações de proteção social às famílias beneficiárias da assistência social em Teresina..79
3 IMPACTOS DA POLÍTICA DE ASSISNCIA SOCIAL SOBRE AS CONDIÇÕES
DE VIDA DAS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS, EM TERESINA, DO PROGRAMA DE
ERRADICAÇÃO DO TEABALHO INFANTIL – PETI....................................................91
3.1. Caracterização das famílias atendidas pelo PETI em Teresina..........................................92
3.2. O impacto do PETI nas condições de vida das famílias beneficiadas.............................100
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................114
REFERÊNCIAS....................................................................................................................119
ANEXOS................................................................................................................................125
11
INTRODUÇÃO
A característica mais marcante da sociedade capitalista, num tempo em que ela se
globaliza para alcançar patamares elevados de prosperidade, é a persistência e o agravamento
da pobreza. Os indicadores sociais evidenciam que ela afeta metade da população mundial e a
cada dia assume maiores proporções.
O contexto mundial, fortemente vincado pela globalização, apresenta tendências
contraditórias, tanto para os países pobres ou periféricos, quanto para os do chamado primeiro
mundo. É que, ao tempo em que avança nas áreas da tecnologia do conhecimento e da
informação, o processo gera e agrava as situações de pobreza, desigualdade e exclusão social.
Segundo Pochmann (2005), um relatório da ONU sobre a situação social do
mundo mostra a continuidade, em escala global, do aumento da quantidade de pobres, que em
2001, por exemplo, eram 2,7 bilhões, enquanto, em 1990, 2,6 milhões de pessoas viviam com
menos de um dólar por dia. Mas a pior constatação é que, além de se confirmar o
aprofundamento da pobreza entre os países subdesenvolvidos, tornam-se crescentes os seus
índices e os de desigualdade social, mesmo nos países desenvolvidos.
A gravidade da condição de pobreza e miséria no Brasil constitui-se em
permanente preocupação e sugere reflexões acerca de suas conseqüências sociais,
especialmente no que concerne à atuação com famílias. Nas últimas décadas, o país vem
impondo uma enorme desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza, que
exclui parte significativa de sua população do acesso a condições mínimas de dignidade e
cidadania.
O Brasil, apesar de situar-se no plano mundial como uma das economias mais
desenvolvidas, figura entre as nações com os maiores índices de desigualdade social. Segundo
dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome-MDS (BRASIL, 2007),
há no país 16.068.253 famílias pobres
1
, com 440.194 no Piauí e 69.661 delas concentradas na
capital, Teresina.
O aprofundamento dessa situação decorre, sobretudo, do direcionamento adotado
pela política econômica intensa que acaba por produzir mudanças substanciais na vida da
população. Consequentemente, agravam-se as condições de sobrevivência das famílias,
distancia-se do ideal de superação do estado de risco e vulnerabilidade social e reafirma-se a
necessidade constante de serviços públicos voltados a esse segmento.
1
Para definir esse número, o MDS utiliza a renda per capita familiar de até R$ 175,00.
12
Assim, a proteção social prestada às famílias vulnerabilizadas constitui-se
importante objeto de discussão e intervenção na realidade brasileira. Essa temática, analisada
a partir de diferentes estudos, como os de Carvalho (2003, 2005), Draibe (2005), Carvalho e
Almeida (2003) e Rosa (2006), sinaliza para a necessidade de reflexões a respeito da
centralidade da família nas políticas sociais na contemporaneidade, especialmente na política
de assistência social.
Revaloriza-se, então, na sociedade e no Estado, uma forte tendência em considerar
a instituição familiar como espaço natural e primeiro de proteção social e importante esfera de
promoção de bem-estar aos seus membros. Desse modo, a família adquire destaque na
formulação e implementação da política de assistência social, principalmente a partir da
implantação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, que elegeu, como eixo
estruturante de suas ações, a matricialidade sociofamiliar.
Conforme BRASIL (2005), essa centralidade, presente no SUAS, traz em sua base
a concepção de que todas as outras necessidades e públicos da assistência social estão, de
alguma maneira, vinculados à família, quer seja no momento de utilização dos programas,
projetos e serviços, quer seja, no início do ciclo que gera a previsão do indivíduo vir a ser alvo
da atenção da política. A família é, assim, o núcleo social básico de acolhida, convívio,
autonomia, sustentabilidade e protagonismo social.
A investigação tem, todavia, como pressuposto a premissa de que, embora se
tenham notado avanços na Política de Assistência Social, em termos de pressupostos e de
ampliação de programas desenvolvidos as famílias permanecem sem a proteção social devida,
tendo em vista que a insuficiência das ações implementadas para alterar as suas condições de
pobreza. Na verdade, a preocupação com o resultado da ação dessa política de assistência
social e as suas repercussões no contexto familiar motivaram o interesse pela temática.
O objetivo deste estudo consiste, pois, em analisar a proteção social às famílias em
situação de risco e vulnerabilidade, através da política de assistência social, particularizando
o exame no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), em Teresina.
Especificamente, realizou-se uma caracterização dos programas, projetos e serviços que as
têm como foco privilegiado de atuação e verificaram-se as suas condições de autonomia em
razão das ações implementadas pelo referido Programa.
Percorrendo diversas etapas, este estudo procura responder aos seguintes
questionamentos: a) a política de assistência social vem respondendo ao objetivo de garantia
dos direitos sociais às famílias, no sentido de superar as condições de risco e vulnerabilidade
social em que se encontram? b) em que medida essas ações contribuíram para a melhoria das
13
suas condições de vida? c) os serviços, programas e projetos implementados têm garantido a
sustentabilidade e autonomia das famílias, conforme a plataforma da Política Nacional de
Assistência Social? Para desenvolver o estudo, trilhou-se um longo caminho, na intenção de
oferecer uma melhor compreensão e discussão acerca do objeto escolhido.
O trabalho de campo teve como referencial empírico a Secretaria Municipal do
Trabalho, Cidadania e Assistência Social (SEMTCAS), órgão responsável pela coordenação
municipal dessa política. Aliás, importa ressaltar que a escolha do período de investigação da
pesquisa, a partir de 2001, deveu-se ao fato de que nesse ano foi implantado, em Teresina, o
PETI, o primeiro programa a apresentar, em sua formulação, o eixo da centralidade na
família.
Feita essa definição temporal, realizou-se uma abordagem documental dos Planos
Plurianuais da SEMTCAS, a fim de identificar e analisar a natureza das ações direcionadas à
família. Foram utilizados ainda alguns documentos essenciais ao processo de análise do
reordenamento institucional ocorrido a partir do SUAS, como novo organograma, relatórios
de gestão, regimento interno e mapas de localização geográfica dos recentes espaços públicos
implantados - os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS).
Em um momento posterior, fizeram-se visitas de campo aos 07 CRAS do
município, a fim de conhecer sua estrutura e funcionamento e perceber a materialidade dos
preceitos da política de assistência social após sua reestruturação. Finalmente, o terceiro
momento se marcou pelas entrevistas com as famílias beneficiárias do PETI.
No município, existem atualmente 16 núcleos de atendimento do Programa, cada
um deles vinculado a um CRAS. Conforme BRASIL (2006), o CRAS se constitui na unidade
efetivadora da referência e contra-referência do usuário na rede socioassistencial do SUAS e
em unidade de referência para os serviços das demais políticas públicas, além de representar a
“porta de entrada” à rede de proteção social básica
.
Cabe ressaltar que a eleição dos sujeitos entrevistados ocorreu a partir dos núcleos
e, na intenção de alcançar uma maior representatividade, optou-se por realizar dezesseis
entrevistas, relacionadas a todos os núcleos de atendimento do PETI. O critério utilizado para
a seleção dos sujeitos foi o tempo de permanência no Programa, sendo preferencialmente
eleitos aqueles cuja inserção se deu desde a implantação do PETI em Teresina, em 2001.
Assim, a partir da visita aos núcleos de funcionamento do Programa, foi possível
selecionar os sujeitos da pesquisa, identificar os endereços residenciais das famílias
beneficiárias, agendar as visitas domiciliares e realizar as entrevistas. Importa destacar ainda
que, como critério para a efetivação das entrevistas, definiu-se que o sujeito entrevistado seria
14
aquele reconhecido e indicado pelos demais membros da família como seu representante, ou
seja, o membro familiar de referência.
A Dissertação resultante da pesquisa está estruturada em três capítulos. No
primeiro, O Sistema de Proteção Social Brasileiro e a Política de Assistência Social, procura-
se delinear a trajetória histórica desse sistema no país, atribuindo características determinantes
ao seu processo de constituição, expansão e consolidação. Nessa fase do trabalho, apresenta-
se o padrão de proteção social construído, inicialmente, por iniciativas governamentais de
regulação trabalhista, sindical e previdenciária e, no momento seguinte, expõe-se a expansão
da cobertura e das estruturas institucionais de proteção social, para, por fim, relatar a
consolidação das bases democráticas desse sistema.
No segundo capítulo, A Proteção Social e a Família na Realidade Brasileira,
efetiva-se uma reflexão teórica sobre os aspectos conceituais da família, evidenciando-lhe o
papel fundamental de instituição protetora, as transformações que enfrentam atualmente e sua
constituição como foco privilegiado das políticas sociais na contemporaneidade, em especial a
de assistência social. Procede-se, ainda, a reflexões acerca das implicações do reordenamento
da política de assistência social, a partir de sua matriz teórica e desenho institucional,
examinando-se também a política de assistência social no município de Teresina e
caracterizando as ações protetivas destinadas às famílias vulnerabilizadas, pondo em destaque
o PETI.
No terceiro capítulo, Impactos da Política de Assistência Social sobre as
Condições de Vida das Famílias Beneficiárias do Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil – PETI em Teresina, realiza-se a caracterização das famílias atendidas pelo Programa
e apresenta-se a análise e interpretação dos dados referentes às entrevistas com elas. Ressalta-
se, nessa etapa do trabalho, a percepção das transformações ocorridas no contexto familiar
após a inclusão no PETI: a identificação das necessidades legítimas das famílias, suas
expectativas, seus anseios, suas fragilidades, suas potencialidades. Outrossim, destaca-se, a
despeito das privações, a capacidade de reinventar alternativas cotidianas de superação das
dificuldades, o que demonstra o seu potencial de instituição base da sociedade.
Evidencia-se ainda sua flexibilidade, revelada na absorção das transformações
macroestruturais de ordem econômica, social e cultural, bem como sua importância como
esfera efetiva de sociabilidade, afeto, transmissão de valores e proteção social. Reafirma-se,
assim, que o reconhecimento da família como objeto de políticas públicas constitui-se um
fator essencial na garantia de objetivos prioritários ao desenvolvimento humano.
15
Desse modo, cabe ao Estado propor políticas públicas fundadas na noção de
direitos de caráter universalista, que assegurem, plenamente, a proteção social familiar.
16
1 O SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRO E A POLÍTICA
DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Já foi largamente demonstrado pela literatura especializada na área de políticas
sociais que a precariedade das condições de vida de milhões de famílias brasileiras é uma
realidade que se deve, especialmente, à falta de cobertura e eficiência do nosso sistema de
proteção social. Não obstante a construção de um desenho institucional e organizacional
consistente, com tendências universalizantes, a intervenção estatal no campo social foi,
historicamente, marcada por um padrão altamente regressivo e excludente, o que tem
aprofundado no país as desigualdades sociais e a pobreza.
Em regra, tal padrão foi atribuído às características autoritárias, paternalistas e
clientelistas do sistema, bem como à centralização política e financeira e à fragmentação
institucional, sem dizer do vínculo contributivo como condição de inclusão social (DRAIBE,
1989). A partir da década de 1990, sob a égide de um novo modelo de proteção social, abre-se
a perspectiva de equacionamento das fortes distorções que transformaram a experiência
brasileira numa das mais injustas na América Latina, porém os dados reiteram que, ao invés
de políticas universais e igualitárias, a trajetória recente das políticas sociais vem sendo
marcada por uma focalização em determinados segmentos e programas assistenciais, de
efeitos igualmente perversos sobre a grande maioria da população brasileira.
O objetivo deste capítulo é discutir os fundamentos históricos, políticos e
ideológicos do sistema de proteção social brasileiro, destacando as características, o padrão e
as tendências atuais. Nesse registro, busca-se explorar o lugar da assistência social nessa
trajetória, o estatuto legal-institucioal e a sua centralidade crescente no escopo das políticas
sociais.
1.1. O Sistema Brasileiro de Proteção Social e as respostas do Estado
Na história da humanidade, a proteção social tornou-se uma prática constante. Nas
mais diversas sociedades, a assistência como solidariedade social aos pobres esteve guiada
pela compreensão de que os mais frágeis e incapacitados deveriam receber ajuda. Segundo Di
Giovanni (1998, p. 9),
17
não existe sociedade humana que não tenha desenvolvido algum sistema de
proteção social. A abundante literatura antropológica, etnográfica,
sociológica, a historiografia das sociedades antiga, moderna e
contemporânea, demonstram e registram formas de solidariedade social que,
atuando de modo extremamente rústico ou com altos níveis de sofisticação
organizacional, têm percorrido, no tempo e no espaço, os grupos sociais,
como um processo recorrente e universal. Assim, esta proteção tem sido
exercida por instituições não-especializadas e plurifuncionais (como a
família, por exemplo), ou então, nas sociedades mais complexas, através de
sistemas específicos que se inscrevem como ramos importantes da divisão
social do trabalho.
Assim, considera-se que a proteção ao outro, a ação social para os pobres, os mais
fragilizados e desprovidos, é tão remota quanto o próprio surgimento de tais situações, sendo
desenvolvida desde a Idade Antiga. Conforme Martinelli (2006), em torno de 3000 a.C., a
assistência social era praticada no mundo antigo pelas confrarias, em especial pelas Confrarias
do Deserto, que já a faziam junto às caravanas. Em seguida, esse trabalho passou a destinar-se
também às populações urbanas assoladas por doenças, abandono e outros males sociais. Nesse
período, a assistência “concretizava-se na esmola esporádica, na visita domiciliar, na
concessão de gêneros alimentícios, roupas, calçados, enfim, em bens materiais indispensáveis
para minorar o sofrimento da pessoas necessitadas” (MARTINELLI, 2006, p.96).
A assistência às pessoas e aos grupos vulnerabilizados socialmente persistem,
como prática, até hoje, mas ao longo da história assumiu formatos diferenciados. Segundo
Martinelli (2006), os judeus prestavam ajuda às viúvas, órfãos e idosos utilizando-se das
visitas domiciliares. Os cristãos agregaram à assistência a dimensão espiritual, tanto que São
Bernardo, Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Domingos e São Paulo se tornaram figuras
da Igreja Católica vinculadas a essa prática, destacando-se ainda Santo Tomás de Aquino, que
organizou a doutrina cristã a partir da caridade e a evidenciou como um dos pilares da fé e um
imperativo de justiça social aos mais humildes. Assim, o discurso cristão predominante
passou a ser fundado na caridade e no amor ao próximo em extrema pobreza.
A rápida expansão do cristianismo para o Ocidente e a sua adoção como religião
oficial do Império Romano possibilitou à Igreja o fortalecimento político, sendo reconhecida
sua intervenção nos assuntos relacionados à assistência material aos desprovidos de condições
materiais e físicas de sobrevivência. A partir das transformações ocorridas nas principais
cidades européias, derivadas do desenvolvimento comercial proliferava-se o número de
pedintes, viúvas, enfermos e crianças sem famílias que perambulavam pelas ruas, e a Igreja
Católica assumiu o monopólio do atendimento assistencial a essa população desamparada.
18
No Brasil, a situação ocorreu de maneira similar, pois a assistência aos mais
pobres também deveu-se à Igreja Católica, seja por meio de ações individuais dos seus fiéis,
seja por suas instituições. Como registram os estudos teóricos, o lento processo de
industrialização e o crescimento dos centros urbanos provocaram a expansão do número de
famílias em situação de miséria, já que era progressivo, a quantidade de trabalhadores que não
conseguiam manter-se nem à sua família apenas com seu salário. Dessa maneira, agregando
às ações individuais de caridade, a Igreja estimulou a fundação de instituições que atendessem
a esses grupos, com o propósito de amenizar a pobreza e contribuir para restabelecer a
harmonia social.
Sob esse aspecto, é possível afirmar que, historicamente, a assistência aos pobres
derivou-se e desenvolveu-se na esfera privada, a partir de iniciativas de natureza moral ou
religiosa, fundadas em pressupostos de filantropia e caridade. Assim, no Brasil, até 1930 o
enfrentamento às situações de fragilidade e carência de alguns indivíduos não era
responsabilidade pública - não se reconhecia a pobreza como expressão da questão social
2
- ,
mas como uma incapacidade dos indivíduos, a quem cabia exclusivamente as
responsabilidades por seus infortúnios. Como dito antes, a assistência aos mais pobres era
marcadamente desenvolvida pelo setor privado, destacando-se a Igreja Católica e suas obras
sociais filantrópicas. Segundo Mestriner (2001, p. 286),
a assistência tem sido entendida há cem anos como forma de ajuda àqueles
sem condições de autoprovimento de suas vidas. Assim, desde as legislações
imperiais foi concebida como amparo social e operada, via de regra, sob a
forma de auxílios e subvenções às organizações que patrocinavam tais ações
de ajuda. Esta é a dimensão da prática assistencial - ou da assistência como
prática – constituída ao longo do tempo pelos mecanismos de benemerência,
filantropia e caridade.
É somente a partir de 1930 que o Estado reconhece a questão social e a assistência
passa a ser absorvida como elemento programático da ação governamental e como
mecanismo político de amortecimento dos conflitos sociais. Para Draibe (1989), foi no
período de 1930 a meados da década de 1970 que se consolidou institucionalmente no país
um sistema de proteção social. Mais especificamente, o período de 1930 a 1943 é definido
como o marco de sua edificação, por estar relacionado às transformações sociais por que
passou o Estado brasileiro e à emergência de um novo padrão de regulação social, o estatal.
2
Segundo Cerqueira Filho (1982), a questão social se afirma no Brasil, como expressão das contradições
antagônicas entre empresariado industrial e operariado, no período pós-1930.
19
Dessa maneira, estruturaram-se as bases do Sistema de Proteção Social brasileiro,
compreendido por Draibe (1989, p. 6) como um Estado de Bem-Estar do tipo Meritocrático-
Particularista, que
parte da premissa de que cada um deve estar em condições de resolver suas
próprias necessidades, com base no seu próprio mérito, seu trabalho, nas
suas diferentes e particulares capacidades (profissional, mas também de
poder político). Reconhece-se, entretanto, a necessidade da intervenção da
política social para corrigir, parcialmente, as grandes distorções que podem
estar sendo geradas pelo mercado ou por desigualdade de oportunidades.
Assim, a pobreza foi, durante muito tempo, reconhecida como disfunção pessoal
dos indivíduos e, por isso, não reconhecida pelo Estado como problema social, sendo, por
conseqüência, secundarizada. Segundo Sposati (1995, p. 41),
no caso brasileiro é possível afirmar, salvo exceções, que até 1930 a
consciência possível em nosso país não apreendia a pobreza enquanto
expressão da questão social. Quando esta se insinuava como questão para o
Estado, era de imediato enquadrada como ‘caso de polícia’ e tratada no
interior de seus aparelhos repressivos.
No período pós-1930, com o reconhecimento da questão social pelo Estado
brasileiro, a proteção social ganha relevância na ação governamental e se constitui importante
mecanismo político de amortecimento dos conflitos sociais. Importa destacar que esse
reconhecimento traduziu-se em intervenção nas áreas trabalhista, sindical e previdenciária
que, segundo Santos (1979), tratou-se de uma forma de responder aos requisitos da
acumulação e da equidade.
Todo esse movimento se devia às mudanças processadas pela crise mundial do
sistema capitalista e às demandas internas por alterações no modelo econômico. A partir de
1930, a sociedade brasileira viveu importantes transformações advindas da aceleração do
processo de urbanização, sem duvidar o progresso da industrialização, na qual a classe
operária expandiu-se e ensejou o crescimento do movimento reivindicatório por proteção no
trabalho.
Contudo, desde 1910, enquanto o processo de industrialização se acelerava, o
operariado já se organizava para obter dos empresários e dos políticos a criação de uma
legislação social no país. Assim, já em 1923 regulamentava-se a Lei Elói Chaves
3
, que criava,
para funcionários, a Caixa de Aposentadoria e Pensão (CAP), que concedia aos trabalhadores
3
Lei nº. 4.682, de 24 de janeiro de 1923 (disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao).
20
associados ajuda médica, aposentadoria, pensões para dependentes e auxílio funerário. Essa
lei beneficiou, de início, apenas os trabalhadores ferroviários, mas três anos depois se
extendeu aos das empresas portuárias e marítimas
4
e, em 1928, aos telegráficos e
radiotelegráficos
5
. Segundo Santos (1979, p.21)
a Caixa de Aposentadoria e Pensão dos Ferroviários se destinava à criação
de um fundo, mediante a contribuição dos empregadores, dos empregados e
do Estado, com o objetivo de garantir parte do fluxo da renda normalmente
auferida pelo empregado, no momento em que ele se desligasse da produção
- por velhice, invalidez ou por tempo de serviço - ou a seus dependentes em
caso de morte, além da assistência médica.
Medeiros (2001) ressalta que as iniciativas estatais surgidas no Brasil, no início
dos anos de 1920, já constituíam um esboço da formação do Welfare State brasileiro, cuja
função era atuar como instrumento de controle dos movimentos de trabalhadores. Sua
estratégia era antecipar algumas demandas para os grupos profissionais de maior influência
política para, com isso, restringir a legitimidade das lideranças laborais nas reivindicações
sociais e limitar a capacidade de mobilização dos trabalhadores em geral.
Inicia-se, assim, um amplo movimento de produção de legislações e de
implementação de ações de proteção trabalhista no país. No período pós-1930, a partir das
reivindicações populares e do interesse político do Estado em conter as manifestações da
classe operária, tem início a estruturação do arcabouço do Sistema Brasileiro de Proteção
Social.
Dessa maneira, o período de 1930 a 1943 é caracterizado, essencialmente, pela
criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) e pela expansão da legislação
trabalhista, consubstanciada, em 1943, na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Dentre
as diversas medidas, ressaltam-se a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
6
,
em 4 de fevereiro de 1931, ao qual seriam atribuídos meios materiais e humanos para a
execução e fiscalização da legislação trabalhista e previdenciária, e a criação da Carteira
Profissional obrigatória para os trabalhadores urbanos
7
, em 21 de março de 1932 (SANTOS,
1979, p. 29).
Cumpre destacar ainda que, paralelamente às CAPs, multiplicam os IAPs, restrito
aos trabalhadores urbanos, surgindo em 1933 o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos
4
Lei nº. 5.109, de 20 de dezembro de 1926 (disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao).
5
Lei nº. 5.485, de 30 de junho de 1928 (disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao).
6
Decreto nº. 19.667, de 04 de fevereiro de 1931(disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao).
7
Decreto nº. 21.175, de 21 de março de 1932 (disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao).
21
Marítimos (IAPM), em 1934 o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários (IAPC)
e dos Bancários (IAPB) e em 1936 o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários
(IAPI). Em 1938, aparece o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Empregados de Carga
(IAPETEC) e atualiza-se organizacionalmente o Instituto de Previdência e Assistência dos
Servidores do Estado (IPASE). As CAPs eram organizadas por empresas e os IAPs por
categorias profissionais, o que evidencia uma maior abrangência.
A esse respeito, convém citar Vieira (2005), para explicitar que a Carta
Constitucional de 1934 foi a primeira a utilizar o termo “previdência”, mas somente em 1946
inseriu-se pioneiramente a expressão “Previdência Social”.
Relacionado aos ganhos trabalhistas, pode ser apontado como medida de
fundamental relevância social a implementação, em 1940, da lei do salário mínimo e, em
1943, a edição da Consolidação das Leis do Trabalho
8
(CLT), que unificou toda a legislação
trabalhista então existente no Brasil, objetivando a regulamentação das relações laborais
individuais e coletivas nela previstas. Evidencia-se ainda, nesse período, a criação, em 1940,
do Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), destinado a oferecer alimentação
adequada e barata aos operários, e o desenvolvimento de diversas campanhas de
sindicalização, sob o patrocínio do Ministério do Trabalho (Mestriner, 2001).
A partir de 1940 surgem o Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (SENAI)
9
e
o Serviço Social da Indústria (SESI)
10
, com o objetivo de organizar organizar escolas de
aprendizagem para industriários e estudar, planejar e executar medidas que contribuissem
para o bem-estar do trabalhador na indústria. Conforme Mestriner (2001),
O SESI, sob a direção e custos do empresariado, logo vai ampliar suas
atividade, complementando serviços não oferecidos pela Previdência Social.
Expande os serviços assistenciais, de educação popular e programas de
‘relações industriais’, procurando atingir o operariado fora das indústrias[...].
Dessa forma, o Estado unifica, organiza e institucionaliza as iniciativas
assistenciais esparsas realizadas pela burguesia industrial, num grande
complexo assistencial, mais centrado na formação, na educação
(MESTRINER, 2001, p. 143).
Após a CLT e os macrorganismos privados, requer evidência a unificação, em
1953, de todas as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) de ferroviários e serviços
públicos na Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados dos Serviços
8
Decreto-lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943 (disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao).
9
Decreto-lei nº. 4.048, de 22 de janeiro de 1942(disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao).
10
Decreto-lei nº. 9.403, de 25 de junho de 1946 (disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao).
22
Públicos (CAPFESP). Após esse período, as únicas medidas legislativas relativas à proteção
social a merecer destaque serão tomadas somente a partir de 1960.
É possível, assim, perceber a maneira limitada que marcou a estruturação do
Sistema de Proteção Social no país, caracterizado pelo acesso restrito de determinadas classes
profissionais dos trabalhadores urbanos, especialmente aquelas profissões reconhecidas pelo
Ministério do Trabalho. Destarte, a fase inicial do Sistema assumiu um caráter desigual e
excludente, pois só reconhecia como cidadãos de direitos aqueles incorporados ao mercado
formal de trabalho. Para compreender a engenharia institucional produzida pelo governo
Vargas na intervenção social na sua fase inicial, Santos (1979, p.75) sugeriu uma reflexão em
torno do conceito de “cidadania regulada”. Consoante o autor,
suas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em
um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de
estratificação ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras,
são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram
localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei.
A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas
profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao conceito de
membro da comunidade. A cidadania está embutida na profissão e os
direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no
processo produtivo, tal como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos,
assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece.
Ora, o aspecto fundamental da cidadania regulada era a segmentação entre os
beneficiários e os não beneficiários dos produtos da política social, tornando-se estes
privilégios de alguns grupos, já que a grande maioria dos trabalhadores encontrava-se
socialmente excluída da ordem social. Melo (1991, p. 271) assevera que
[...] na era do corporativismo orgânico – que se estende, grosso modo, de
1930 a 1945 -, o campo teórico que balizava as decisões de política social se
articulava em torno da idéia de incorporação. A solução encontrada foi a
segmentação e regulação dessa incorporação, cuja apreensão teórica exige o
conceito de cidadania regulada [...]. Nesta, os direitos sociais são conferidos
aos grupos ocupacionais que, por sua vez, são reconhecidos e
regulamentados pelo Estado enquanto demandantes legítimos de direitos.
Dessa forma, é possível compreender o caráter estratificado e regressivo do
Sistema de Proteção Social, que passa a estruturar-se a partir desse desenho institucional em
que a maioria da população sem vínculo trabalhista será excluída de qualquer direito. Ergue-
se, então, um sistema protetivo que funciona para poucos e nem de longe atende aos excluídos
do mercado de trabalho formal.
23
Ademais, importa ressaltar que a organização da classe trabalhadora em sindicatos
e movimentos grevistas estimula a criação de medidas protetivas na tentativa de arrefecer as
reivindicações por melhores salários e adequadas condições de trabalho. Nesse sentido,
conforme Mestriner (2001, p. 90), a situação era mais grave, tendo em vista, conforme a lógica
da proteção, que
mesmo os benefícios outorgados aos trabalhadores formais vêm combinados
com um controle rígido e eficaz das organizações trabalhistas,
principalmente pelo Ministério do Trabalho, que conjugará os efeitos
ideológicos e repressivos e procurará circunscrever as soluções trabalhistas à
ótica dos grupos sociais dominantes. O alvo é forjar o trabalhador
despolitizado, disciplinado e produtivo.
Segundo Faleiros (2000), estrutura-se no país um modelo de proteção fragmentado
em categorias, limitado e desigual na implementação dos benefícios e mais, controlador das
classes trabalhadoras. No entanto e paralelamente, mesmo priorizando os trabalhadores
formais reconhecidos institucionalmente, o Estado não se descuidou totalmente daqueles não
enquadrados, segundo Santos (1979), como pré-cidadãos.
Ao lado do escopo legal institucional nas áreas da acumulação e da equidade,
ergue-se uma estrutura de caráter assistencial desvinculada do estatuto de direito social. Trata-
se de um conjunto de iniciativas de amparo social aos trabalhadores não formais como forma
de reparar o dano causado pela sua exclusão do mercado de trabalho. Desenha-se assim, os
primórdios da assistência social pública de base caritativa e filantrópica, com forte ênfase nas
atividades privadas.
Conforme Mestriner (2001), ocorre nesse período pós -1930 a primeira grande
regulação da assistência social no país: a instalação do Conselho Nacional de Serviço Social
(CNSS), criado em 1938. Segundo Sposati (1995), o Decreto-lei nº. 525 estatui a organização
nacional de Serviço Social como modalidade de serviço público, através do CNSS, junto ao
Ministério da Educação e Saúde.
O CNSS foi a primeira forma de presença da assistência social na burocracia do
Estado brasileiro, ainda que na função subsidiária de subvenção às organizações que
prestavam amparo social. Todavia, destacam-se ainda dois decretos que, segundo Mestriner
(2001), incentivarão a rede de filantropia nesse período: o Decreto-lei nº. 2.024, de 17 de
fevereiro de 1940, que fixava as bases da organização da proteção à maternidade, à infância e
à adolescência em todo o território nacional, e o Decreto-lei nº. 3.200, de 19 de abril de 1941,
que versava sobre a proteção das famílias em situação de miséria.
24
Em 1942, foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA), com o objetivo de
atender as famílias dos pracinhas combatentes da Segunda Guerra Mundial. Inicialmente, o
atendimento foi direcionado à questão materno-infantil, contudo a instituição foi crescendo e
sua proposta de ação atrelou-se ao desenvolvimento econômico e social do país e às
demandas emergentes da população em situação de risco e vulnerabilidade social.
Segundo Rizzini (1995), a linha programática da LBA se constituía de assistência
social, assistência judiciária, atendimento médico-social e materno-infantil, distribuição de
alimentos para gestantes, crianças e nutrizes, assistência integral a crianças, adolescentes e
jovens em creches e abrigos, qualificação e iniciação profissional, liberação de instrumentos
de trabalho, orientação advocatícia para a regularização e registro de entidades, programas
educacionais para o trabalho, geração de renda, projetos de desenvolvimento social local,
assistência ao idoso em asilos e centros de convivência, assistência à pessoa com deficiência,
assistência ao desenvolvimento social e comunitário e programa nacional de voluntariado. A
LBA passou a ser reconhecida como órgão de colaboração com o Estado, estatutariamente
presidida pelas primeiras damas.
Destarte, a instituição se constitui em uma sociedade civil de finalidades não
econômicas, que imprime à assistência social um teor de “boa vontade” e emergencialidade e
estende sua ação às famílias da grande massa não previdenciária, atendendo, por exemplo, na
ocorrência de calamidades.
Acentua Mestriner (2001, p. 109) que essa grande instituição federal de assistência
social se caracterizará pela benemerência estatal e pela mobilização do trabalho civil,
especialmente o feminino e de elite, facilmente articulado pela figura da primeira-dama da
República. A partir de então, o governo passa a estimular o voluntariado e
a intervenção governamental nesse campo dá-se efetivamente pela delegação
de responsabilidade à sociedade civil, mobilizada não só pelo discurso
ideológico governamental, mas também pelas novas teses da Igreja Católica
que, como em todos os momentos críticos, é levada a desempenhar
importante papel de intermediação. Abre-se definitivamente amplo espaço
de intervenção para a Igreja e para o seu movimento laico. A sua ‘força
disciplinadora’ é chamada a colaborar para a estabilidade do novo regime
político e com ele disputará subliminarmente o controle social e ideológico
sobre a sociedade.
Configura-se, dessa forma, o atendimento assistencial aos grupos sem vínculos
trabalhistas, que não se beneficiavam das medidas, paulatinamente expandidas, de proteção ao
trabalhador. Contudo, Mestriner (2001, p. 73) afirma
25
reconhecer a ‘questão social’ e o direito à proteção social, desatrelada do
referencial ‘trabalho’, é quase impossível no pensamento liberal. Ele é o eixo
divisor e agregador, fazendo com que a matriz do pensamento da assistência
social, vista como amparo privado, fique imiscuída neste modo de pensar.
Nesses termos, ainda conforme Mestriner (2001), consolida-se uma forma de
filantropia que tenta combinar ações de educação intelectual, moral, física, saúde e higiene,
amparo social e iniciação ao trabalho, como forma de responder às exigências de relações
sociais disciplinadas que promovam a sincronia entre as massas e as elites. Assim, fica claro
que a atenção prestada aos indivíduos e suas famílias caracterizava-se por ações
assistencialistas, fragmentadas, circunstanciais, paliativas e emergenciais, com feições de
benemerência, paternalismo e filantropia.
Dessa forma, para a grande maioria da população, não integrada via
assalariamento, restava a promessa de incorporação futura (e breve) como trabalhador e a
condição de beneficiário da assistência, o que pressupunha a própria abdicação da cidadania.
Manifesta-se, pois, um dualismo social, no qual o Estado exerce dupla função de regulação
pela concessão de garantias sociais aos trabalhadores formais e por meio de medidas
assistencialistas e filantrópicas aos excluídos do trabalho, este a questão central no que se
refere à proteção social e à assistência social. Conforme Mestriner (2001, p. 105),
criando uma dualização entre a atenção previdenciária e as ações
assistenciais, a legislação faz diferenciar as garantias de direito das práticas
de concessão, construindo uma forma peculiar de reprodução estatal da força
de trabalho. Instalando o primado do trabalho, alija o trabalhador sem
carteira assinada da regulamentação jurídica, reservando-lhe apenas a
caridade e a benesse.
Marcado por características fortemente conservadoras, autoritárias e excludentes, a
ação do Estado ante a provisão da assistência como proteção social dar-se-á pela via do favor
e da casualidade. Aos não trabalhadores impõe-se, necessariamente, a negação do direito a
proteção social.
1.2. A Expansão das Políticas Sociais e a Consolidação do Sistema Brasileiro de Proteção
Social
Alguns autores, como Draibe (1989), concebem o período de 1964 a 1974 como
bastante diverso do citado no item anterior, no que concerne à natureza e ao desenho
26
institucional do Sistema Brasileiro de Proteção Social. Esse período é caracterizado como a
fase de consolidação do sistema, tendo em vista o conjunto de transformações operadas em
sentido institucional e financeiro.
Ainda consoante a Draibe (1989), é nesse momento que efetivamente organizam-
se os sistemas nacionais públicos ou estatalmente regulados na área de bens e serviços sociais
básicos, como educação, saúde, assistência social, previdência e habitação, superando a forma
fragmentada e socialmente seletiva anterior e abrindo espaço para certas tendências
universalizantes, mas, principalmente, para a implementação de políticas de massa, com
cobertura relativamente ampla. Nesse sentido, conforme Vieira (2005), em 1960 a Lei
Orgânica da Previdência Social
11
(LOPS) padronizou o sistema assistencial, ampliando
benefícios, instituindo o auxílio-natalidade, o auxílio-funeral e o auxílio-reclusão e
abrangendo um maior número de segurados, como os empregadores e os profissionais
liberais. A partir da LOPS, ocorreu a uniformização das garantias e a unificação
previdenciária pela integração dos diversos institutos criados anteriormente, caracterizando o
abandono da fragmentação. Contudo, Santos (1979, p. 33) destaca
o conformismo rural, até meados da segunda metade da década de 50, assim
como a dificuldade de organizar as demandas de duas parcelas ponderáveis
da estratificação ocupacional urbana – as empregadas domésticas e os
trabalhadores autônomos –, em razão de sua fragmentação e dispersão,
respondem pelo atraso, ou descuido, da ação protecionista governamental em
relação a elas.
Somente em 1963 é editado o Estatuto do Trabalhador Rural
12
, que institui o
Funrural (Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural). Na visão de Santos
(1979), essa importante medida se deveu à agitação camponesa deflagrada na segunda metade
da década dos anos de 1950, que demandará a atenção do poder público para os problemas da
acumulação e da eqüidade na área rural.
Com a inovação da proteção ao trabalhador rural, Draibe (1994) chama atenção
para a introdução tênue do princípio redistributivo no sistema previdenciário brasileiro,
devido à não exigência de contribuição pelo beneficiário, mas coberta pelos empregadores e
por um percentual da folha de salários dos empregados urbanos. Ressalta, porém, a limitada
proteção a que passou a ter direito o trabalhador rural, quando comparada com a destinada ao
do setor urbano.
11
Lei nº. 3.807, de 26 de setembro de 1960 (disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao).
12
Lei nº. 4.214, de 02 de março de 1963 (disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao).
27
Assim, a integração dos trabalhadores rurais, (em 1971, dos empregados
domésticos, em 1972, e dos autônomos, em 1973) no sistema de previdência social representa
um importante avanço nessa área, tendo em vista a direção assumida rumo à universalização
do atendimento. Após a uniformização legislativa, operou-se a unificação administrativa da
previdência, com a criação, em 1966, do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
Conforme Draibe (1994), com a criação do INPS o regime logra a unificação legal
e institucional e a homogeneização dos benefícios, introduzindo uma ruptura na história
passada de sedimentação de diferenças e privilégios abrigados na previdência. No mesmo
ano, surge o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
13
(FGTS), politicamente apresentado,
segundo Santos (1979) como alternativa ao problema da estabilidade no emprego, o qual
funcionava, a rigor, como contrafação de um seguro-desemprego, inexistente no país.
Nesse período ainda merece destaque a criação, em 1964, da Fundação Nacional
para o Bem-Estar do Menor (FUNABEM), em substituição ao antigo e pouco operante
Serviço de Assistência ao Menor (SAM). Um dos objetivos da FUNABEM era o de formular
e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor, surgindo, a partir daí, as Fundações
Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEM), com a responsabilidade de observarem a
política estabelecida e de executarem, nos Estados, as ações a ela pertinentes.
Nesse quadro de expansão da proteção social, no fim da década de 1960,
verificam-se, segundo Vieira (2005), diversos avanços, dentre os quais que, em 1967, a
Constituição cria o descanso remunerado à gestante antes e depois do parto, o Seguro de
Acidente do Trabalho (SAT), a cargo do empregador, e, no mesmo ano, integrado ao sistema
de previdência social, a aposentadoria da mulher aos 30 anos de trabalho, com salário integral.
Segundo Santos (1979, p. 35),
entre 1967, quando se integra o seguro de acidentes de trabalho ao Instituto
Nacional de Previdência Social, e 1974, quando se cria o Ministério de
Previdência e Assistência Social (MPAS), a evolução legislativa é rápida e
de importância não desprezível. Em 1970, propõe-se e promulga-se o
Programa de Integração Social (PIS).
Em 1971, é implantado o Pró-Rural – Programa de Assistência ao Trabalhador
Rural, sob o qual esse trabalhador obteve direito a vários benefícios, no valor de ½ salário
mínimo. No mesmo ano, cria-se o Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), que
13
Lei nº. 5.107, de 13 de novembro de 1966 (disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao).
28
somente em 1974 passa a ser ministério exclusivo, desvinculado do Trabalho, o Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS). Consoante Mestriner (2001, p. 163),
[...] ao criar o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), como
desmembramento do Ministério do Trabalho e Previdência Social, e, em
1977, o Sistema Nacional de Previdência Social (SINPAS), o governo
estende a cobertura previdenciária à quase totalidade da população urbana e
parte da rural. Por emenda constitucional, disciplina melhor a questão do
custeio do sistema previdenciário, autorizando a criação das contribuições
denominadas ‘sociais’, destinadas ao custeio da parte devida pela União.
Ainda no ano de 1974 um outro importante avanço no campo previdenciário se dá
com a criação da Renda Mensal Vitalícia, no valor de um salário mínimo, que beneficiou os
idosos ou inválidos pobres com mais de 70 anos de idade, concedida apenas àqueles que
tivessem contribuído ao menos durante 12 meses com a Previdência Social. Dessa forma,
percebe-se que, a partir da década de 1970, a Previdência Social passa a sofrer mudanças no
sentido de ampliação da cobertura no atendimento à população, sendo incluídos, mesmo que
pontualmente, na proteção social trabalhadores de diferentes categorias profissionais e
segmentos específicos legitimados pela lógica assistencial da defesa dos pobres inaptos para o
trabalho.
Destaca-se também, nessa fase de consolidação do Sistema Brasileiro de Proteção
Social, a ampliação de programas no campo assistencial, com ênfase na área de alimentação e
nutrição. Com efeito, em 1976, o governo criou um ambicioso projeto de intervenção na área
alimentar, o II Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PRONAN), e posteriormente,
como forma de garantir a estrutura organizacional das ações, criou o Instituto Nacional de
Alimentação e Nutrição (INAN).
Cabe sublinhar, consoante Draibe (1994), que a clientela básica desses programas
era o grupo materno-infantil, ou seja, crianças e jovens até 14 anos, mães, gestantes e nutrizes.
Além disso, os programas atendiam, majoritariamente, à população carente, utilizando como
critérios de elegibilidade a renda.
Indiscutivelmente, a armação institucional na área da política assistencial montada
a partir da LBA, FUNABEM, FEBEM e INAN estruturaram minimamente e atribuíram maior
evidência às ações. Todavia, Draibe (1994) enfatiza que sempre nelas estiveram presentes a
fragmentação institucional, a superposição de competências, a descontinuidade de programas
e a sua utilização política.
Com diversas medidas legais, institucionais e organizacionais, foi-se redesenhando
29
e redensificando a proteção social no Brasil, sob a vigência do regime que se instaurou no país
em 1964. Segundo Draibe (1989, p. 9), nessa época,
define-se o núcleo duro da intervenção social do Estado; arma-se o aparelho
centralizado que suporta tal intervenção; são identificados os fundos e
recursos que apoiarão financeiramente os esquemas de políticas sociais;
definem-se os princípios e mecanismos de operação e, finalmente, as regras
de inclusão/exclusão social que marcam definitivamente o sistema. A
expansão massiva, que se verifica a partir de meados dos anos 70, far-se-á
sob esse padrão organizado desde 1964 e que, já no final dos anos 70,
apresenta indícios de esgotamento e crise (nos seus aspectos organizacionais,
financeiros e sociais).
Destarte, a fase de consolidação do Sistema de Proteção será marcada por extrema
centralização política e financeira, no nível federal, das ações sociais do governo, por uma
gigantesca fragmentação institucional, pela auncia da participação social e política da
população na tomada de decisões, pela manutenção do autofinanciamento do investimento
social, pela privatização dos serviços sociais e pelo uso clientelístico da máquina social
(Draibe, 1989). Aliás, consoante Medeiros (2001), trata-se de características de um Sistema
de Proteção Social sem pretensões de funcionar como mecanismo redistributivo do produto da
economia, tanto que, assim como na fase de surgimento, sua constituição se direciona à
legitimação da ordem política e à defesa dos objetivos estabelecidos pela cúpula do governo e
expressa a falta de poder político dos movimentos de trabalhadores em geral e a ausência de
autonomia da máquina burocrática.
Fica evidente, pois, que o modelo de proteção social implantado no Brasil na
década de 1930 e expandido no pós-64, com a ditadura militar, será marcado por medidas
burocráticas, autoritárias, paternalistas, clientelistas, fragmentárias e assistencialistas,
conferindo-lhe um caráter conservador. Como sintetiza Draibe (2003, p. 67),
são conhecidas as características do sistema brasileiro de proteção social,
construído entre 1930 e aproximadamente os anos de 1970: um sistema
nacional de grandes dimensões e complexidade organizacional, envolvendo
recursos entre 15% e 18% do PIB, integrado por praticamente todos os
programas próprios dos modernos sistemas de proteção social – exceto
seguro-desemprego -, cobrindo grandes clientelas, mas de modo desigual e
muitíssimo insuficiente. Do ponto de vista decisório e de recursos,
combinava uma formidável concentração de poder e recurso no Executivo
federal, com forte fragmentação institucional, porosa feudalização e
balcanização das decisões. Além de desperdícios e ineficiências, seus
programas atendiam mal aos que deles mais necessitavam.
30
Não obstante, o crescimento extremamente forte dos programas, de equipamentos
e, principalmente, dos públicos que passaram a ter formalmente acesso ao sistema, assiste-se,
paradoxalmente à elevação dos graus de pobreza, desigualdade de renda e exclusão social.
Tais distorções devem-se a uma lógica racional de contemplação da acumulação em
detrimento da garantia de políticas sociais fundadas em bases igualitárias. Como afirma
Mestriner (2001, p. 163)
em todas as instituições, os benefícios, programas e projetos são elaborados
em gabinetes, criando-se com o ‘racionalismo técnico’ um ocultamento da
situação de opressão e exploração social em vigor. Na verdade, sob a
aparência redistributiva criam-se novas condições de acumulação capitalista.
Como já exaustivamente exaurido pela literatura especializada, entre a década de
1970 e meados da de 1980, já definidas as medidas aparentemente mais importantes no plano
legal e regulatório da problemática social no Brasil, ocorre um processo de esgotamento do
modelo de acumulação. Com efeito, o de proteção, até então vigente com o colapso do projeto
desenvolvimentista e a eclosão da crise fiscal, tem suas bases de financiamento bastante
comprometidas. Ressalta Draibe (1994, p. 304) que
a partir de 1979, mas principalmente de 1981 em diante, é a crise que põe em
xeque aquele padrão, tanto porque as demandas sociais acrescidas não
encontravam respostas, como porque o próprio padrão de financiamento
sobre o qual se firmou passou a enfrentar restrições crescentes.
Exaurido o modelo de desenvolvimento instaurado pelo regime militar e superada
a fase do chamado "milagre econômico brasileiro", evidenciou-se, entre os anos de 1977 e
1982, o agravamento das condições gerais de vida da população, o que ocasionou o
surgimento de diversos movimentos sociais de reivindicação. Em face do aumento das
demandas sociais, a oferta de bens e serviços públicos revelou-se aquém das necessidades e
ampliou o déficit social.
Entra em crise o sistema de proteção social iniciado em 1930 e consolidado nos
anos de 1970. Draibe (1994) ressalta, porém, que o esgotamento do modelo de bem-estar
erguido sob o regime autoritário vinha-se dando também a partir de outro conjunto de
pressões e forças – as criadas e fortalecidas pelo processo de democratização. Dessa forma, a
autora (
2005, p. 7) menciona que
31
nos anos 80, as políticas sociais integraram a agenda reformista nacional
sob a dupla chave da democratização e a da melhora da sua eficácia e
efetividade. Em boa medida, o acerto de contas com o autoritarismo
supunha um dado reordenamento das políticas sociais que respondesse às
demandas da sociedade por maior equidade ou, se quiser, pelo alargamento
da democracia social. Projetada para o sistema de políticas sociais como um
todo, tal demanda por redução das desigualdades e afirmação dos direitos
sociais adquiriu as concretas conotações de extensão da cobertura dos
programas e efetivação do universalismo das políticas, sistematicamente
propostas e registradas no texto constitucional de 1988.
Destarte, pela primeira vez, na história recente do país, surgia a reivindicação de
democracia política, dotada de um caráter substantivo, através da associação direta entre os
objetivos da restauração democrática e da melhoria na qualidade de vida da população. Mais
que um valor formal, a ânsia por democracia consistia num instrumento importantíssimo para
o enfrentamento das desigualdades sociais brasileiras.
Afinal, como diz Draibe (2003), o Estado desenvolvimentista brasileiro foi exitoso
no impulso à industrialização e na promoção da transformação capitalista da estrutura social,
contudo o fez apoiado em processos sociais violentos e nada inclusivos dos setores populares,
pouco referidos a direitos e à expansão da cidadania, restrito aos assalariados urbanos formais,
à regulação trabalhista e aos benefícios previdenciários. É possível, porém, identificar
iniciativas, a partir de meados da década de 1980, no sentido de combater os problemas
sociais, como a fome, o desemprego e a pobreza.
Nessa fase, em que se estabeleceu como prioridade “o social”, a estratégia política
foi a de tentar implementar um conjunto de medidas para reorganizar o Sistema de Proteção
Social no país. Segundo Fagnani (2005, p. 6),
percebe-se assim, no final dos anos 70 e começo dos 80, a formação de uma
ampla agenda de reformas de cunho desenvolvimentista, democrático e
redistributivo, por pressão de um movimento popular que teve como ponto
alto a campanha pelas eleições diretas em 1983.
Sabe-se, porém, que a
transição democrática foi um pacto conservador, envolvendo setores que
lutavam contra o regime e uma dissidência da Arena, o PFL. Entre 1985-86,
segmentos progressistas do pacto, que passaram a ocupar pastas importantes
da Nova República (Fazenda, Previdência Social, Saúde), tentavam avançar
na implementação dessa agenda de reformas progressistas. Num segundo
momento, em 1987-88, a luta por transformações deslocou-se para a
Assembléia Nacional Constituinte.
Nessa direção, Draibe (1989) destaca que algumas medidas de política econômica
e social foram tomadas entre 1985 e 1988, fundadas no I Plano Nacional de Desenvolvimento
da Nova República (PND/NR), em 1985, e no Plano de Metas, em 1986, que tinham como
32
objetivos implementar estratégias para reformar o país pelo resgate da chamada “dívida
social”, contraída no período ditatorial. Para a autora (2003, p. 69),
em boa medida, o acerto de contas com o autoritarismo supunha um dado
reordenamento das políticas sociais, o qual respondesse às demandas da
sociedade por maior equidade e pelo alargamento da democracia social.
Também a melhora da eficácia das políticas inscreveu-se naquela agenda,
uma vez que se reconhecia ser já significativo o esforço de gasto que o país
realizava na área social em face de seus medíocres resultados. No plano
institucional, objetivos desse teor sustentaram proposições de
descentralização, maior transparência e accountability dos processos
decisórios, acompanhados do reforço da participação social grandes
idéias-força que fechavam o círculo da democratização do Estado.
Em 1987, instalou–se finalmente o Congresso Constituinte, presidido pelo
deputado Ulisses Guimarães. Em 1988, promulgou-se a nova Constituição brasileira,
consagrando o regime presidencialista e consolidando os princípios de reestruturação do
Sistema de Proteção Social no país.
1.3. Novas bases do Sistema de Proteção Social Brasileiro: as mudanças pós-
Constituição de 1988 e a inflexão na política de assistência social
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 tem-se início no país a
construção de um Sistema de Proteção Social fundado na concepção do direito social e
individual e ancorado em princípios fundamentais de liberdade, segurança, bem-estar,
desenvolvimento, igualdade e justiça (BRASIL, 2001). As conquistas adquiridas representam,
sem dúvida, a mais significativa alteração na história da proteção social brasileira. Conforme
Draibe (2003, p. 69),
a Constituição de 1988 consagrou os novos princípios de reestruturação do
sistema de políticas sociais, segundo as orientações valorativas então
hegemônicas: o direito social como fundamento da política; o
comprometimento do Estado com o sistema, projetando um acentuado grau
de provisão estatal pública e o papel complementar do setor privado; a
concepção da seguridade social (e não de seguro) como forma mais
abrangente de proteção e, no plano organizacional, a descentralização e a
participação social como diretrizes do reordenamento institucional do
sistema.
33
Dessa forma, a proteção social no país passou a ser organizada sob novo desenho e
sistemática, com a criação das condições necessárias à coletivização do seguro social, à
ampliação dos direitos da população e ao rompimento com as contributividades que tornavam
restrito o acesso às políticas sociais. Efetivada a reestruturação do modelo de funcionamento
dessas políticas, estabelece-se a ampliação dos serviços não-contributivos e garante-se ao
menos no plano formal, a possibilidade de universalização de acesso a eles. Para Fagnani
(1996, p. 85),
a introdução de capítulo sobre a seguridade social foi saldada como uma das
maiores conquistas do direito social brasileiro. Compreendendo “um
conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social”, a seguridade deveria ser
organizada pelo Poder Público, com base nos seguintes objetivos:
universalidade da cobertura e do atendimento; uniformidade e equivalência
dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e
distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do
valor dos benefícios; equidade na forma de participação no custeio;
diversidade da base de financiamento; e caráter democrático e
descentralizado da gestão administrativa.
O resultado alcançado com a Constituição significou êxito para os integrantes do
amplo movimento de reforma democrática conduzido, anteriormente, pela sociedade civil. As
aspirações de extensão das políticas públicas se concretizaram mediante o estabelecimento de
garantias constitucionais nas mais diversas áreas, como Educação, Saúde, Previdência e
Assistência Social, o que representava apenas o início do desafio de requerer do Estado as
respostas necessárias às legítimas demandas sociais provenientes do modelo econômico e
político instaurado no Brasil. Sobre as conquistas desse período, Fagnani (2005, p. 6) afirma
que
lendo a Carta, a única derrota significativa é a reforma agrária. Ali estava a
maior parte das propostas da agenda reformista, como direitos trabalhistas,
a autonomia sindical e a lei de greve. Na previdência social, a equiparação
dos direitos dos trabalhadores rurais com os urbanos e a vinculação da
aposentadoria com o salário mínimo. Introduziu-se o princípio da
seguridade social e o orçamento da seguridade social. Destacam também a
definição de fontes de financiamento para o seguro-desemprego, a
reorganização da assistência social e a reforma urbana. Os defensores da
escola pública obtiveram boas vitórias, como o reforço à vinculação de
recursos para a educação. O SUS foi outra conquista extraordinária, que
rompeu com a política privatista na saúde que vigorava na ditadura.
34
A extensão dos direitos sociais no país pela modificação da legislação social
vigente tinha um caráter universalista e redistributivo. Consolidar o novo padrão de proteção
social não se constituía, porém, tarefa fácil, pois transformar tais estruturas significava romper
violentamente com a herança histórica conservadora. Como evidencia Draibe (2003, p. 69-
70),
desmontar as estruturas que reproduziam e magnificavam as desigualdades e
introduzir, nas políticas sociais, mecanismos redistributivos fortes teriam
exigido ir muito além do que se logrou alcançar. Trocar efetivamente o rumo
do nosso sistema de proteção social, fazendo-o avançar em direção a um
padrão mais inclusivo de Estado de Bem-Estar, teria exigido o
estabelecimento de uma base mínima comum de benefícios sociais, digna e
decente, a partir da qual, e só aí, as diferenças se manifestariam. Ora, além
de enfrentar interesses muito encastelados, um movimento dessa
envergadura exigiria uma revisão conceitual, melhor dito, cultural profunda,
tanto do que se considerava e se propunha como universalismo, como das
suas traduções programáticas e organizacionais, exatamente para evitar que
por trás e por dentro do universalismo operassem os mesmos férreos
mecanismos reprodutores da desigualdade [...].
Fagnani (2005, p. 6) aponta um segundo aspecto importante a ser considerado na
contenção da expansão dos ideais consubstanciados na Carta Constitucional de 1988.
Segundo o autor,
os anos 90 foram totalmente hostis à Constituição de 88. Desgraçadamente,
ela chegou na contramão do que acontecia no mundo. No plano
internacional, já havia ocorrido a ruptura com os compromissos dos “30
Anos de Ouro” (o pacto keynesiano do pleno emprego, o Welfare State),
fruto da terceira revolução industrial, da reestruturação produtiva e do fim da
guerra fria. No plano ideológico prevalecia o neoliberalismo. E, com a crise
da dívida dos países subdesenvolvidos em 1982, esta agenda neoliberal
passou a ser imposta ao terceiro mundo durante o processo de negociação
com agências multilaterais como FMI e Banco Mundial. No plano interno, o
Brasil sofria com restrições econômicas nada desprezíveis. A crise de 82
levou ao esgotamento do Estado Nacional Desenvolvimentista, que das
décadas de 30 a 80 cumpriu a tarefa de industrialização tardia. Do ponto de
vista político, assiste-se, a partir do Governo Collor, a uma nova
reorganização das forças conservadoras.
Por esse motivo, ao iniciar-se, no Brasil, a construção de um Sistema de Proteção
Social próximo ao chamado Estado de Bem-Estar Social pela implementação da Constituição
de 1988, defrontava-se o país com o movimento pró-mercado. Afinal, desde os anos de 1980
os países centrais já deparavam uma dinâmica de reformas do Estado e do seu aparato de
Bem-Estar Social, orientadas pelo ideário neoliberal, que defende a absoluta liberdade de
35
mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, aceitável em setores
imprescindíveis e, ainda assim, num grau mínimo.
À medida em que se assiste a significativos avanços institucionais e legais na área
social, a concretização do novo padrão de proteção social será constrangida pela política
macroeconômica. Essa opção trouxe conseqüências graves e praticamente irreversíveis para a
estrutura social brasileira sob todos os aspectos – emprego, condições e relações de trabalho,
padrão de consumo e padrão de vida e proteção social.
Consoante Fagnani (2005), se a Constituição de 1988 enaltece os direitos sociais, a
agenda neoliberal prega o assistencialismo; ao invés de políticas universais, as focalizadas; ao
contrário da seguridade social, sob a idéia de que todos estão dispostos a pagar para que todos
tenham um mínimo, o seguro social, com direito restrito a quem contribui; ao reverso do
Estado interventor, o Estado regulador e a privatização dos serviços públicos. Enfim, não o
Estado do Bem-Estar Social, mas o Estado “mínimo”.
Nessa direção, os direitos sociais consubstanciados na Carta Constitucional
colidiam com a conjuntura econômica da época e com a ideologia neoliberal nela implícita, o
que inevitavelmente ocasionou significativas alterações nos rumos da política social
brasileira. Sobre essas alterações, Fagnani (1999, p. 156) destaca o reformismo dos anos de
1990 e atribui a ele dois momentos importantes: um que vai de 1990 a outubro de 1992 e
outro que se dá entre maio de 1993 a dezembro de 1998. No primeiro,
a estratégia governamental para as políticas sociais é marcada pela
formulação de nova agenda de reformas – visando à revisão constitucional,
prevista para ocorrer em 1993 – e pela mobilização do Executivo federal no
sentido de obstruir a consumação dos novos direitos constitucionais,
sobretudo durante o processamento da legislação complementar. O arsenal
de manobras utilizado contempla: o simples descumprimento das regras
estabelecidas pela Constituição; o veto integral a projetos de lei aprovados
pelo Congresso; a desconsideração dos prazos constitucionais estabelecidos
para o encaminhamento dos projetos de legislação complementar de
responsabilidade do Executivo; a interpretação espúria dos dispositivos
legais; e a descaracterização das propostas, pelo veto parcial a dispositivos
essenciais.
A agenda de reformas sofreu um período de descontinuidade a partir do
impeachment do então presidente, Fernando Collor de Melo. Contudo, segundo Fagnani
(1999), logo em seguida inicia-se a segunda fase reformista, com a gestão de Fernando
Henrique Cardoso no comando do Ministério da Fazenda, no governo do presidente Itamar
Franco, a qual se estende até o ano de 1998, final do primeiro mandato presidencial de FHC.
36
Para Cohn (1999, p. 184), no período posterior a 1994, as iniciativas governamentais na área
social,
chamam de imediato a atenção tanto pela sua diversidade em termos de área
de ação como o seu traço pouco ousado, talvez mesmo tímido e
convencional [...]. Essa ausência de inovação e timidez no modo de se
enfrentar a questão social no Brasil continua sendo determinada pelo traço
característico do país, herança da era desenvolvimentista [...] de contrapor
política econômica à política social [...]. Continua ainda prevalecendo o
ditame absoluto da economia sobre as formas de o país gerir a questão da
pobreza e das desigualdades sociais.
Fagnani (1999) destaca que, apesar do discurso distributivista, o governo federal
conduz, na segunda metade da década, as políticas sociais de forma incompatível com
medidas de ajuste macroeconômico, fazendo que avanços na área social fossem minados por
políticas econômicas. Há, na verdade, extrema incompatibilidade entre o programa de
ajustamento macroeconômico – central e hegemônico – e a estratégia de desenvolvimento
social, uma vez que o ajuste simultaneamente amplia a exclusão e destrói as bases financeiras
e institucionais do Estado, fragilizando-lhe a capacidade de intervenção em geral e, em
particular, no campo das políticas sociais.
Assim, no Brasil, o discurso da reforma consolida-se pelo argumento de que seria
necessário adequar a economia do país às tendências internacionais, com vistas ao
fortalecimento da competitividade global, ao mesmo tempo que se defende a idéia de
substituição do Estado burocrático, ineficiente e perdulário, por um Estado gerencial,
regulador e promotor do desenvolvimento. Na visão de Nogueira (2005, p. 41), a reforma foi
concebida para promover um incremento significativo do desempenho estatal mediante a
introdução de formas inovadoras de gestão e de iniciativas destinadas a romper as amarras do
modelo burocrático, a descentralizar os controles gerenciais e a flexibilizar normas, estruturas
e procedimentos, sem mencionar que trabalharia em prol de uma redução do tamanho do
Estado via políticas de privatização, terceirização e parcerias público-privadas, tendo como
objetivo um Estado mais ágil, menor e mais barato.
A reforma do Estado no Brasil significou, fundamentalmente, a introdução, na
administração pública, da cultura e das técnicas gerenciais modernas. Conforme Cohn (1999),
estabelece-se, a partir daí, na agenda pública, uma comunhão artificial entre reforma
administrativa do Estado e reforma do Estado, que passam a ser tidas como sinônimos.
37
Mas, segundo Draibe (2003, p. 76), as reformas parciais implementadas pelo
governo FHC na área social alteram-lhe a fisionomia. A descentralização, a implantação da
prática da avaliação e a democratização da informação efetivamente se destacam como as
modificações mais visíveis e sistemáticas aplicadas na área. Também a participação social
registra aumento, seja pela institucionalização de conselhos nacionais, seja pela vinculação de
conselhos locais à operação de programas, especialmente os descentralizados, com o objetivo
de estimular o envolvimento e o controle social dos beneficiários e da comunidade. Cohn
(1999, p. 191) pondera acerca de tais avanços, ao dizer que
não resta dúvida de que esses espaços institucionais de participação social
vêm favorecendo, desde 1989, a emergência de novos atores sociais,
multiplicando-se, assim, a possibilidade de construção de novas identidades
sociais. Esse processo, no entanto, senão contraditório, é paradoxal, uma vez
que a maior parte dessas distintas experiências de descentralização, várias
delas incentivadas pelo governo central a partir de 1994, vêm apontando a
iniciativa do Executivo (isto é, dos governos) como decisiva na
implementação dessas formas de participação social.
Nogueira (2005) vai além e diz que elementos fundamentais à consolidação da
democracia, como a participação e a descentralização, passam a ser adaptadas à lógica do
mercado e ao sistema neoliberal. Com efeito, a participação desloca-se da noção de direito à
expressão e organização coletiva para evidenciar um caráter benevolente, sustentado pela
solidariedade e voluntariado, sendo despolitizada, e a descentralização converte-se em
transferência de encargos e responsabilidades para terceiros e não na delegação de poder de
decisão.
De acordo com Fagnani (1999, p. 174), nos anos de 1990 a dissociação entre os
objetivos econômicos e os sociais parece ter chegado a um paroxismo. A marca dessa década
é a convergência da exclusão social, via supressão de direitos, com a fragilização da
capacidade de intervenção do Estado, via políticas sociais. Pode-se dizer que, a despeito
dessas políticas, há a urgência do desafio da superação das condições de pobreza e
desigualdade que vincam a sociedade brasileira.
São inegáveis os avanços institucionais e legais na área social, tendo como
importante marco histórico a Constituição de 1988 e algumas regulamentações promulgadas
no decorrer da década. Entretanto, as iniciativas se chocaram com as tendências de reformas
econômicas e sociais que ocorriam no mundo e que se sustentavam numa ideologia de
orientação neoliberal.
38
Entre a política social e a econômica, o governo privilegiou, inquestionavelmente,
a segunda. As estratégias de desenvolvimento social adotadas evidenciavam-se incoerentes e
inconsistentes, considerando o rumo macroeconômico tomado, e os resultados da escolha
acarretaram o aprofundamento das desigualdades e das indignas condições de vida de um
grande contingente de famílias brasileiras.
O deslocamento de um padrão regressivo para a construção de um modelo
redistributivo de proteção social não se logrou efetivar ante as profundas mudanças que
marcaram a economia e a política social brasileira durante a década de 1990. Sobre o período
recente de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fagnani (2005, p. 6) acrescenta
que
o espectro do desmonte do sistema de proteção social de caráter universal e
igualitário em favor do Estado ‘mínimo’, marcado pela crescente
importância de programas de transferência de renda, continua a rondar os
bastidores do poder no Brasil. Essa percepção apóia-se na constatação do
contínuo e dramático estreitamento das possibilidades de financiamento do
gasto social; no formidável poder, por vezes inacreditável, que as
instituições internacionais de fomento continuam detendo na definição dos
destinos da nação; no conservadorismo das nossas elites políticas e
econômicas, retrógradas e predatórias, sempre vivo e sempre renovado; na
persistente tentação pelo caminho fácil do assistencialismo e seu uso
clientelista e eleitoral, revigorado na atual conjuntura de fragilização política
do governo; e, por último, no retrocesso do movimento social organizado.
De fato, as políticas públicas têm se revelado, atualmente, pouco eficientes para
suplantar a lógica de um sistema essencialmente injusto e desigual. E, embora se reconheça
algum investimento público na área social, no sentido de reverter as disparidades existentes
no país, a proteção social realizada não altera positivamente a situação de vulnerabilidade
enfrentada pela população.
Para Fagnani (1999, p. 173), os constrangimentos ao crescimento econômico
intensificaram a desorganização do mercado de trabalho, ampliando a exclusão e fragilizando
as fontes de financiamento do gasto social. As respostas oficiais à questão do desemprego
mostram-se insuficientes em face da sua dimensão estrutural e os impulsos para
implementação de políticas sociais nacionais e descentralizadas foram minados pela política
econômica.
Ademais, o agravamento das finanças dos estados e municípios ocorreu
simultaneamente ao processo pactuado de transferência de encargos e responsabilidades para
essas instâncias, sobretudo nos setores da saúde, assistência social e educação fundamental. O
39
imperativo do ajuste fiscal reduziu os raios de ação governamental e restringiu as
possibilidades de “reestruturar com eqüidade” os serviços sociais básicos.
Percebe-se, assim, pela análise dos diferentes períodos históricos, marcados por
avanços e retrocessos, e consoante as concepções dos diversos autores pesquisados,
assinalados por diferentes enfoques, que o Brasil carece de um sistema de proteção social
justo e igualitário, que garanta o atendimento às legítimas demandas e reverta o padrão
excludente e regressivo vigente. Anteriormente entendido numa lógica de negação do direito à
proteção social, o referido se realizava de maneira assistencialista, fundado nos valores da
caridade e da solidariedade, ou de forma repressiva, pautado no entendimento da
responsabilidade individual pela condição precária de inserção social.
Em um momento posterior, a partir do reconhecimento da importância da proteção
social à população, o atendimento às demandas sociais passam a ocorrer minimamente,
embora, marcadamente determinado por ações de caráter seletivo, fragmentário e focalista. O
trabalho assume o status de categoria central na lógica da proteção social e se atrela a garantia
de direitos ao vínculo trabalhista, de sorte que a não inserção na sistemática da produção alija
grande parte da população do acesso aos benefícios concedidos.
Dessa forma, as bases do Sistema de Proteção Social passam a delinear
preliminarmente a previdência social brasileira e, simultaneamente, surge a assistência social
de base assistencialista, destinada aos não incorporados pelo trabalho assalariado. Cardoso Jr.
e Jaccoud (2005) acrescentam que, a partir de um projeto de bem-estar baseado no
desenvolvimento da produção econômica nacional e na ampliação do assalariamento, a
proteção social às populações vulneráveis não beneficiadas pelo vínculo trabalhista perdurou
no período de 1930 a 1980, sob as bases da filantropia, realizada predominantemente por
instituições privadas que recebiam o apoio do financiamento público.
Como se vê, a intervenção do Estado no plano da proteção social se deu,
historicamente, de forma complementar ao trabalho filantrópico. O próprio financiamento das
ações era originariamente público, mas as entidades privadas as grandes responsáveis pelo
atendimento prestado à população pobre. Prestada como benesse e favor, a assistência social
vincula-se aos que estão fora da esfera da produção e passa a significar proteção aos
desprovidos de trabalho e renda e agregação dos incapacitados em decorrência de fragilidades
físicas, como idosos ou pessoas com deficiência. Cristaliza-se, desde então, a figura dos
desamparados ou necessitados.
A dualidade da proteção social brasileira manifesta-se fortemente no
direcionamento atribuído às políticas públicas, especialmente a de assistência social, através
40
do traço não universal e estigmatizante. Outrossim, a assistência prestada aos pobres
caracterizou-se no país pelo caráter privado das ações e uma atuação do Estado sempre de
forma fragmentada.
O rompimento com esse tradicionalismo filantrópico nas ações assistenciais será
iniciado apenas com a Constituição Federal de 1988. A Constituição, dita cidadã, proclama a
Seguridade Social como um direito universal e coloca a Assistência Social, juntamente com a
Saúde e a Previdência, nessa composição, atribuindo, um caráter inovador à assistência social,
ao reconhecê-la como direito do cidadão e dever do Estado e ao definir como público-alvo, a
família.
Em junho de 1989, o Legislativo apresenta a primeira proposta de legislar sobre a
assistência social, com autoria do deputado Raimundo Bezerra. Contudo, em setembro do
mesmo ano, através de mensagem ao presidente do Senado, o então presidente da República,
Fernando Collor de Melo, veta integralmente a Lei Orgânica da Assistência Social.
Após muitas discussões e esforços empreendidos por diversas entidades da
categoria profissional, alguns parlamentares e um amplo movimento da sociedade civil,
finalmente a Lei Orgânica da Assistência Social foi sancionada, em 7 de dezembro de 1993,
pelo presidente Itamar Franco. Essa Lei preconiza que a gestão da política e a organização das
ações devem ser articuladas em um sistema descentralizado e participativo, organizado nos
três níveis de gestão governamental, ficando a assistência social como tarefa explicitamente
compartilhada entre os entes federados autônomos.
Assim, a partir da Constituição Federal de 1988 e da LOAS inaugura-se uma nova
era para a assistência social brasileira, estabelecendo-se-a como Política Pública. Dessa
maneira, propõe-se o rompimento com uma tradição assistencialista e meramente
emergencial, no sentido de reconhecê-la como Política de Proteção Social implementada de
forma articulada às demais políticas sociais, visando à garantia de direitos e de condições
dignas de vida à população.
Convém, porém, considerar que dentre as três políticas de Seguridade Social, a
Assistência Social no decorrer dos anos ficou com a menor parte de recursos financeiros e de
estrutura, e desde a aprovação da LOAS aos dias atuais enfrenta o desafio de superação de sua
secundarização para alterar quantitativa e qualitativamente a atenção prestada à população em
situação de pobreza. Uma das evidências dessa focalização nos pobres é a concessão, desde
1996, do Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC) aos idosos e pessoas com
deficiência, comprovadamente incapazes de prover a própria manutenção e não tê-la provida
41
por sua família. Os beneficiários usufruem, de forma não contributiva, de um auxílio
pecuniário mensal no valor de um salário mínimo.
Além do BPC, a LOAS prevê ainda a implementação de programas e projetos de
enfrentamento à pobreza. Assim, a partir de meados da década de 1990, assiste-se à
proliferação das ações direcionadas aos grupos mais fragilizados, especialmente às famílias
pobres, como: o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o Programa Agente
Jovem de Desenvolvimento Social e Humano e o Programa de Combate à Exploração Sexual
de Crianças e Adolescentes.
Nos anos 2000, inaugura-se um novo modelo de intervenção pública no campo da
assistência social, são os programas de transferência de renda. Cria-se, inicialmente, em 2001,
o Bolsa-Escola, vinculado à educação, em 2002 o Bolsa Alimentação, atrelado à saúde e o
Vale-Gás, inserido ao Ministério das Minas e Energia. Em 2004, a área da assistência social é
contemplada com o Bolsa-Família, que posteriormente vai unificar todas as ações
anteriormente mencionadas.
Nesse contexto, com vistas ao fortalecimento e consolidação da assistência social
como direito social e expressão da sua como um pilar do Sistema de Proteção Social
Brasileiro, ressalta-se, ainda, a aprovação da Política Nacional de Assistência Social, em
2004, tendo como fundamentação básica o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
O SUAS regula, em todo o território nacional, a hierarquia, os vínculos e as
responsabilidades do sistema de serviços, benefícios, programas e projetos de assistência
social, tendo como foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o
território como base de organização. Em acordo com a fundamentação do SUAS a proteção
social deve garantir à população beneficiária três tipos de segurança: de sobrevivência
(rendimento e autonomia), de acolhida, de convívio ou vivência familiar. Conforme BRASIL
(2004a, p. 25),
a segurança de rendimento é a garantia de que todos tenham uma forma
monetária de garantir sua sobrevivência, independentemente de suas
limitações para o trabalho ou do desemprego. É o caso de pessoas com
deficiência, idosos, desempregados, famílias numerosas, famílias
desprovidas das condições básicas para sua reprodução social em padrão
digno e cidadã. Por segurança da acolhida, entende-se a provisão de
necessidades humanas que começa com os direitos à alimentação, ao
vestuário e ao abrigo, próprios à vida humana em sociedade. A conquista da
autonomia na provisão dessas necessidades básicas é a orientação desta
segurança da assistência social. Já a segurança da vivência familiar ou a
segurança do convívio é uma das necessidades a ser preenchida pela política
de assistência social. Isto supõe a não aceitação de situações de reclusão, de
42
situações de perda das relações, pois é próprio da natureza humana o
comportamento gregário.
Ao se analisar a proposta do SUAS e as seguranças por ele afiançadas evidencia-se
a prioridade concedida às famílias em situação de vulnerabilidade e risco social, tendo como
meta o desenvolvimento humano e social e os direitos de cidadania. Dessa forma, desde a
década de 1990 mantém-se o direcionamento das ações assistenciais à família pobre e atribui-
se a ela o caráter de centralidade na política nacional de assistência social.
Destaca-se, assim, nesse novo modelo de gestão o eixo estruturante da
matricialidade sociofamiliar. Segundo BRASIL (2004a), a Assistência Social, que se
reestrutura a partir do SUAS, enfoca as vitimizações, fragilidades, vulnerabilidades e riscos
que o indivíduo e suas famílias enfrentam na trajetória de seu ciclo de vida e desenvolve
ações para suprir suas necessidades de reprodução social, desenvolvendo suas capacidades e
aptidões para a convivência familiar e comunitária e promovendo seu protagonismo e
autonomia.
Conforme o desenho do próprio SUAS, essa primazia na atenção às famílias tem
por objetivo consolidar o caráter preventivo de proteção social, no sentido do fortalecimento
dos laços e vínculos sociais de pertencimento entre seus membros e indivíduos, para que,
sejam potencializados capacidades e qualidade de vida, rumo à concretização de direitos
sociais. Assim, a política de assistência social, sob esse novo paradigma, situa a família como
lócus fundamental do processo de consolidação das garantias de vida digna de seus usuários.
Mas cabe questionar até que ponto essas famílias fragilizadas podem constituir-se em
instância co-responsável pela proteção social aos seus membros? Quem são as famílias
brasileiras ? Como vivem? Como estão estruturadas? Como se inserem na sociedade e se
incorporam ao sistema de proteção? São essas as questões que se pretende explorar nos
capítulos seguintes.
43
2. A PROTEÇÃO SOCIAL E A FAMÍLIA NA REALIDADE
BRASILEIRA
Nas sociedades ocidentais, a família vem sendo historicamente reconhecida como
importante instituição de proteção social e alvo da atenção do Estado. Nos últimos tempos,
tem sido crescentemente resgatada nessa função de regulação e na mesma medida assumido
posição destacada no escopo das políticas sociais, especialmente na de assistência social. Tal
evidência suscita uma reflexão sobre a família contemporânea – seus formatos, padrões e
funções -, sem dizer das transformações da sociedade brasileira, que têm repercutido sobre
essa condição de instituição básica de proteção e na ação social do Estado.
Neste capítulo, pretende-se fazer uma abordagem conceitual sobre o tema,
destacando a importância da família como instituição de proteção, as transformações que vem
sofrendo e a condição de foco privilegiado das políticas sociais. Reflete-se, assim, sobre as
clivagens sócio-econômicas e políticas implicadas nessa reorientação da política de
assistência social e de sua matriz teórica e desenho institucional.
O capítulo examina também a política de assistência social no município de
Teresina, caracterizando as ações de proteção social destinadas às famílias vulnerabilizadas,
com destaque para o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil).
2.1. Família: novos formatos e padrões na sociedade contemporânea
Propor qualquer discussão acerca da proteção social às famílias, na
contemporaneidade, implica deparar-se com o grande desafio de compreender seus diversos
conceitos e significados, além de defrontar-se com a necessária apreensão da diversidade de
características e modos de intervir em sua realidade. A família, que vem sendo abordada sob
diversos enfoques e conceitos, instiga debates sobre seu referencial teórico e métodos de
análise, pois, conforme Teruya (2000, p. 1),
as várias tendências sobre a família coexistem e se alimentam
reciprocamente através de diálogos ora amistosos, ora antagônicos,
posicionando os pesquisadores em debates que confrontam teoria/empiria,
análises econômicas/análises culturais, estudos diacrônicos/estudos
44
sincrônicos e abordagens ‘quantitativas’ / abordagens ‘qualitativas’. Estes
debates polêmicos, longe de levarem a uma 'autodestruição' do campo, têm
proporcionado um crescimento ainda maior de todas as áreas envolvidas, ao
rejeitarem modelos simplistas de análise. Todos coincidem, porém, com
ênfases diferentes, na idéia da família como uma instituição mediadora entre
o indivíduo e a sociedade, submetida às condições econômicas, sociais,
culturais e demográficas, mas que também tem, por sua vez, a capacidade de
influir na sociedade. Esta dualidade também tem marcado os estudos sobre a
família.
Assim, investigar a proteção social às famílias em situação de risco e
vulnerabilidade social constitui-se apesar dos estudos um grande desafio, dada a importância
dessas discussões para a promoção da melhoria das condições de vida da população.
Beltrão (1970) destaca que o termo família engloba diferentes tipos de organização
familial: a nuclear ou conjugal, a poligâmica e a extensa. O primeiro modelo, representado
pelas figuras do marido, mulher e filhos, é o mais elementar e universal e, por isso, o mais
conhecido na sociedade ocidental. Já a família poligâmica é aquela constituída por dois ou
mais núcleos conjugais, incluindo vários matrimônios
14
e um genitor (masculino ou feminino)
comum, que os une numa agremiação mais vasta que a nuclear. A extensa, por sua vez, se
compõe de duas ou mais famílias nucleares, formando um grupo familial único, em virtude da
extensão, não da relação conjugal entre marido e mulher, como no tipo poligâmico, mas da
parental entre pais e filhos, isto é, abrange a família nuclear do adulto casado e a de seus pais.
As funções também podem ser interpretadas conforme as atribuições que lhe são
designadas pela sociedade como, consoante Beltrão (1970), as institucionais e as pessoais. As
primeiras referem-se à família e ao matrimônio como instituição social e correspondem à
dimensão biológica (de transmissão da vida humana), econômica (de provisão de bens
materiais), protetora (de segurança contra riscos), cultural (de transmissão de conceitos e valores
sociais), estratificativa (de atribuição do “status” social) e integrativa (de controle social), enquanto as
pessoais reportam à família como grupo social e envolvem aspectos vincados às relações
intrafamiliares, como os laços entre marido e mulher, pais e filhos e irmãos e irmãs.
Importa considerar, ainda, segundo Beltrão (1970), que é através das funções
institucionais que o grupo familial se insere na engrenagem dos outros agrupamentos
(econômicos, culturais, políticos, religiosos, etc.) e, por conseguinte, na sociedade global.
Reciprocamente, é por maio das transformações microssociológicas dessas funções que o
grupo familial experimenta o contragolpe das mudanças macrossociológicas.
14
O autor trabalha com o conceito de matrimônio, postulado por Murdock (1949), que significa um complexo de
hábitos que dizem respeito às relações do casal de adultos, sexualmente associado no interior da família.
45
Destarte, infere-se que, historicamente, a família vem sendo compreendida a partir
das funções que passou a desempenhar, daí que, seu significado evoca a percepção dos seus
papéis e obrigações. Assim, a despeito da importância de suas funções, a família sempre
esteve incluída entre as instituições sociais principais e comumente reconhecida como
instância fundamental de proteção social.
Considerada a “base” da sociedade, ela é responsável, entre outras coisas, pela
reprodução material de seus indivíduos, cuidado com os seus membros e socialização
primária, reconhecendo-se sua relevância, especialmente, quando se a considerar como única
responsável pelo bem-estar de seus integrantes. Segundo Carvalho (2002), ainda que
determinados fenômenos suscitem alguns questionamentos sobre a centralidade e o futuro da
família nas sociedades contemporâneas, suas responsabilidades e suas funções sociais não
parecem ter perdido a importância, notadamente em países que não chegaram a desenvolver
um Estado de Bem-Estar e um sistema de políticas sociais mais consistentes, como é o caso
do Brasil.
Pelos posicionamentos de alguns estudiosos da família, é possível aproximar-se
dos significados e das características que o termo vem adquirindo através dos tempos. Para
Carvalho (2002), o fato de a família ser historicamente determinada e constituída por relações
de parentesco cultural atribuem a ela o status de instituição básica da sociedade, de modo que,
com o desenvolvimento das ciências sociais, há uma extensa análise de suas diversas
configurações e o evidenciamento de sua centralidade em termos de reprodução demográfica
e social, sobrevivência, proteção e socialização dos seus componentes, bem como da
transmissão do capital cultural, do capital econômico, da propriedade do grupo e das relações
de gênero e de solidariedade entre gerações.
Reconhecida, historicamente, como instância de mediação entre o indivíduo e a
sociedade, a família atua como espaço privilegiado de produção e transmissão de valores e
saberes, sendo responsável pela reprodução cotidiana dos seus integrantes, no sentido de
garantir a satisfação de suas necessidades básicas. Aliás, reconhecer a importância da família
para a reprodução das relações essenciais ao desenvolvimento humano tornou-se um
imperativo quase consensual. Para Kaloustian e Ferrari (1994, p.11),
a família é o espaço indispensável para a garantia da sobrevivência e da
proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do
arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. É a família que
propicia os aportes afetivos e, sobretudo, materiais necessários ao
desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Ela desempenha um
papel decisivo na educação formal e informal; é em seu espaço que são
46
absorvidos os valores éticos e morais, e onde se aprofundam os laços de
solidariedade. É também em seu interior que se constroem as marcas entre as
gerações e são observados valores culturais
Sarti (1996) afirma, especificamente acerca das famílias pobres, que elas não são
apenas o elo afetivo mais forte de seus membros, o núcleo da sua sobrevivência material e
espiritual, o instrumento pelo qual viabilizam seu modo de vida, mas também o próprio
substrato de sua identidade social. Sua relevância não é só funcional e seu valor não é
meramente instrumental, mas se refere à sua identidade de ser social e constitui o parâmetro
simbólico que estrutura sua explicação do mundo.
Consoante Carvalho (2005a), a família é, de fato, o primeiro sujeito que referencia
e totaliza a proteção e a socialização dos indivíduos e, independentemente das múltiplas
formas e desenhos que assumiu ao longo da história, permanece como um canal de iniciação e
aprendizado dos afetos e das relações sociais. Contudo, em face das diversas transformações
que caracterizam a sociedade contemporânea, especialmente as de natureza econômica e
social, mudanças também se verificam no desenho e estrutura familiar. Como assinalam
Gomes e Pereira (2005, p. 358),
nos últimos vinte anos, várias mudanças ocorridas no plano socioeconômico-
cultural, pautadas no processo de globalização da economia capitalista, vêm
interferindo na dinâmica e estrutura familiar e possibilitando alterações em
seu padrão tradicional de organização. Assim, não se pode falar de família,
mas de famílias, para que se possa tentar contemplar a diversidade de
relações que convivem na sociedade.
Carvalho e Almeida (2003) advertem, no entanto, que essas mudanças nas
estruturas familiares e a diversidade de tipos ou modelos não se tratam de um processo novo,
pois há muito tempo ocorreu o rompimento com o molde da família nuclear ocidental,
definida pela união do casal (pai e mãe) e filhos. Atualmente, existe um fosso entre esse
modelo e a pluralidade apresentada pela realidade, ou seja, as famílias contemporâneas não se
encaixam em tal padrão. É que, como ressaltam Carvalho e Almeida (2003, p.112),
com o avanço da urbanização, industrialização e modernização dessas
sociedades, ainda que persistam a pequena agricultura camponesa, indústrias
caseiras e empresas domésticas urbanas, atividades econômicas ancoradas
em relações familiares perderam a relevância, já não se podendo caracterizar
a família, em geral, como unidade de produção. O declínio do poder
patriarcal e de princípios e controles religiosos e comunitários mais
tradicionais traduziu-se em mudanças nas relações de gênero, na ampliação
da autonomia dos diversos componentes da família e em um exercício bem
47
mais aberto e livre da sexualidade, dissociada das responsabilidades da
reprodução. A presença de mulheres no mercado de trabalho passou a ser
crescente, assim como a difusão e a utilização de práticas anticoncepcionais
e a fragilização dos laços matrimoniais, com o aumento das separações, dos
divórcios e de novos acordos sexuais.
O conceito de nuclearidade e a instituição casamento, intimamente ligados à
família, passaram por transformações, como, entre outras, o crescimento do número de
separações e divórcios, uniões de homossexuais com adoção de filhos, de uniões consensuais
sucessivas com parceiros diferentes e filhos advindos de outros relacionamentos, de casais
sem filhos por opção, de parceiros em domicílios diferenciados; entre outros. Ou seja, a marca
da família contemporânea é a diversidade.
Nascimento (2006) sublinha que a população e a família brasileiras têm passado
por muitas transformações, acompanhando os acontecimentos históricos, econômicos, sociais
e demográficos do último século. Nas recentes décadas, diferentes mudanças foram
observadas nas condições de reprodução da população, na diminuição da fecundidade e
mortalidade, no aumento da esperança de vida ao nascer, o que proporcionou melhores
condições de vida e saúde, sem mencionar os padrões de relacionamento entre os membros da
família, o papel da mulher dentro e fora do espaço doméstico e o aumento de uniões
consensuais, entre outros.
Segundo Nascimento (2006), a vida familiar no Brasil se modificou para todos os
segmentos da população, fato atestado pelos Censos Demográficos, desde o primeiro, em
1872, ao último, em 2000. Dados cada vez mais desagregados e informações amplamente
detalhadas ajudam a entender um país em franca transformação econômica, social,
demográfica e cultural, que alterou os desenhos e as dinâmicas da família brasileira. Como
expressam Carvalho e Almeida (2003, p. 112-113),
o perfil das famílias brasileiras no início dos anos 2000 expressa as
mencionadas transformações, acentuando tendências detectadas já em
décadas anteriores. Com um decréscimo continuado e persistente, a taxa de
fecundidade total passou de 2,6 filhos por mulher, em 1992, para 2,3 filhos,
em 2001; o tamanho médio das famílias, que alcançava 4,5 pessoas em 1980
e 3,8 em 1992, reduziu-se em 2001 para 3,3 membros, segundo a PNAD. Já
em 1998, o número médio de filhos por família era de 2 no Norte, 1,9 no
Nordeste, 1,5 no Sudeste, 1,4 no Sul, 1,5 no Sudoeste e 1,6 em todo o Brasil,
conforme dados do IBGE/ PNAD, elaborados pelo Dieese (2001:18). Além
disso, dados preliminares do Censo de 2000 evidenciaram um crescimento
das separações, de novas uniões e de casamento não oficiais, com as uniões
consensuais elevando-se dos 18,3% registrados em 1991 para 28,3% do total
de arranjos conjugais. O exercício mais amplo e mais livre da sexualidade
contribuiu para maior incidência da gravidez e da maternidade entre as
48
adolescentes. Quanto aos arranjos familiares, ainda que o casal com filhos
permaneça como o padrão de organização dominante, registra-se ligeira
queda de sua freqüência, paralela a um aumento relativo das famílias
unipessoais e das famílias monoparentais. A freqüência de famílias
monoparentais está associada a um dos fenômenos mais destacados pelo
Censo de 2000 e pelas últimas PNADs: o aumento das responsabilidades das
mulheres, que passaram a responder pela chefia de um em cada quatro
domicílios no Brasil (27,3%, segundo a PNAD 2001). De acordo com os
Censos Demográficos, isso significou um incremento de 37,6% entre 1991 e
2000.
Cabe ressaltar, contudo, que todas essas transformações também se relacionam
diretamente a condicionantes externos como, por exemplo, o projeto de desenvolvimento
econômico mundial, daí que convém proceder a uma síntese de seus determinantes no Brasil,
especialmente na década de 1990, marcada pela crise econômica e social. Para Alencar
(2004), no contexto de crise e mundialização do capital, o Brasil passa a implementar
programas de ajuste estrutural e de estabilização econômica para adequar o país à nova
ordem, colocando em curso políticas macroeconômicas de estabilização e reformas estruturais
liberalizantes centradas na abertura comercial, financeira produtiva e tecnológica, sem dizer
da estabilização monetária ancorada no dólar, da política de privatização, da reforma do
Estado e da desregulamentação do mercado de trabalho. No que se refere a esses aspectos das
mudanças macroeconômicas, Carvalho e Almeida (2003, p. 113) asseveram que
em razão do agravamento da crise econômica e da crise fiscal do Estado e de
grande aceleração do processo inflacionário na década de 90, o padrão e o
ritmo de desenvolvimento do Brasil foram reorientados, com a
implementação de um conjunto de políticas convergentes, recomendadas
pelas agências multilaterais. Denominadas de “ajuste estrutural”, “reformas
estruturais” ou “reformas orientadas para o mercado”, elas envolveram um
programa de estabilização, a realização de uma abertura econômica intensa e
rápida, a implementação de amplo programa de privatizações, ênfase nos
mecanismos do mercado e profunda reformulação do papel do Estado, não
apenas em termos do seu protagonismo econômico e de suas funções
reguladoras como, também, de suas responsabilidades como provedor de
políticas econômicas e sociais .
A evidência de todos esses fatores é importante no sentido de perceber como
contribuíram para o agravamento da questão social brasileira, o que pode ser exemplificado,
entre outros aspectos, pela precarização das condições de trabalho, pela recessão econômica,
pelo aprofundamento das desigualdades sociais e pela fragilização das políticas sociais.
Conforme Alencar (2004, p. 76),
49
durante a década de 1990, no bojo das profundas alterações sociais
econômicas por que passou a sociedade brasileira, aprofundaram-se as
desigualdades sociais, constituindo-se, sob novos parâmetros, a exclusão
social [...]. O processo de modernização conservadora para a reestruturação
do capital tem relegado à margem numerosos contingentes da população em
um processo que conduz a classe trabalhadora para os limites imperativos da
pobreza. É um quadro social que se revela no crescente empobrecimento das
famílias brasileiras, que, cada vez mais, são submetidas a condições de vida
e de trabalho extremamente precárias.
Indiscutivelmente, a família pobre constitui-se numa das instituições mais afetadas
pela crise econômica e social que, na contemporaneidade, o país enfrenta. Paradoxo, essa
família vitimizada é a mesma que, paulatinamente, mas de forma vigorosa, passa a ocupar
posição de destaque e evidência nas ações governamentais como a instituição, por excelência,
de proteção social.
Destarte, ao tempo em que se assiste a esse quadro de maior empobrecimento de
grande parcela da população brasileira, evidencia-se, no discurso da sociedade e do Estado,
uma forte ênfase na instituição familiar, destacando-a como espaço natural de proteção social
a requerer-se como o foco privilegiado no enfrentamento e superação das condições de
pobreza e desigualdade social. Assim, a família, um dos mais antigos e autônomos
promotores informais de bem-estar, ganha, conforme Pereira (2004), centralidade na agenda
das políticas públicas, especialmente na de assistência social, passando a ser alvo especial dos
programas de combate à pobreza e à desigualdade.
Essa alternativa, via família, talvez possa ser justificada pelo argumento de
Carvalho e Almeida (2003, p. 112) de que possui ela uma considerável maleabilidade e
capacidade de adaptação às transformações econômicas, sociais e culturais, sem deixar de
persistir em demonstrar sua relevância, em especial destacadamente, como espaço de
promoção de sociabilidade e socialização primárias, de solidariedade e proteção social.
Todavia, essa realidade da família hodierna tende a apresentar-se mais desafiadora, em
decorrência da insuficiência e fragilização das políticas públicas para esse segmento.
2.2. A família brasileira na atualidade
Nas últimas décadas, a sociedade brasileira enfrentou profundas transformações
demográficas, econômicas e sociais que atingiram e alteraram significativamente a esfera
familiar.
50
Inicialmente, cabe destacar que, a partir dos anos de 1940, com a transição
demográfica, marcada pela queda rápida da mortalidade e, desde o decênio de 1960, com o
declínio da fecundidade, ocorreu uma modificação na composição e no tamanho das famílias
de todas as classes sociais do país. Além disso, de 1950 para cá, com o acelerado processo de
urbanização, seguido da intensa industrialização e do crescimento econômico, houve diversas
mudanças no que respeita aos valores familiares, especialmente na redefinição de papéis da
mulher e sua inserção progressiva no mercado de trabalho.
Ademais, a precária situação sócio-econômica de grande parcela das famílias
brasileiras, aprofundada pela crise econômica contemporânea, tem evidenciado tanto o
desafio das famílias quanto do poder público de estabelecer novas estratégias de melhoria de
suas condições de vida. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –
PNAD (IBGE, 2006), existiam, no referido ano, 21,7 milhões de pessoas em situação de
extrema pobreza no Brasil (os considerados extremamente pobres são os indivíduos que
sobrevivem com renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, atualmente R$ 104,00).
O Piauí, conforme Pochmann e Amorim (2003), se constitui numa das unidades da
federação com os mais elevados índices de pobreza, desigualdade e exclusão social (11% dos
seus municípios estão entre os 100 com maior grau de exclusão social) e Teresina, a capital,
apresenta, dentre eles, o menor índice de exclusão (0.521
15
). Entretanto, quando comparada à
média nacional, ocupa a 1.136º posição, num total de 5.507 colocações.
Dados do IBGE (2006) indicam que, nos últimos dez anos, a chefia feminina na
família aumentou cerca de 35% (de 22,9%, em 1995, para 30,6% em 2005), sendo mais
expressiva entre as idosas (27,5%) como um reflexo da maior expectativa de vida das
mulheres e da maior presença delas em domicílios unipessoais, aqueles compostos por um só
morador. Em relação a 1995, cresceu também a proporção de famílias chefiadas por mulheres
com cônjuge, e em 2005, 28,3% do total das famílias com parentesco tinham chefia feminina,
dentro das quais 18,5% assim permaneciam, apesar da presença do cônjuge. Em 1995, essa
proporção era de 3,5%.
A chefia feminina, porém, ainda é fortemente representada nas famílias em que
não há cônjuge, principalmente no tipo de arranjo familiar no qual todos os filhos têm 14 anos
15
Para interpretar o resultado, é preciso compreender que o índice varia de zero (0.0) a um (1.0) e as piores
condições de vida equivalem a valores próximos a zero, enquanto as melhores situações sociais se
aproximam de um.
51
ou mais de idade. Neste caso, é possível encontrar mães solteiras ou separadas com filhos já
criados ou até mesmo viúvas cujos filhos permanecem em casa por opção ou necessidade.
Acrescente-se ainda que, de 1995 a 2005, a percentagem de famílias chefiadas por mulheres,
com filhos e sem cônjuge, passou de 17,4% para 20,1% no Nordeste. (IBGE, 2006).
Em parte pelo reflexo da maior presença das mulheres no mercado de trabalho e
em parte pela conseqüente redução da fecundidade, o tamanho médio das famílias diminuiu,
no Nordeste, entre 1995 e 2005, de 3,9 para 3,4 componentes. Ainda se observa, em todas as
regiões metropolitanas, que as famílias maiores tinham menor rendimento per capita e as
menores, maiores.
Um aspecto positivo para as famílias brasileiras, nos últimos dez anos, foi a
redução das que vivem com um rendimento per capita de até ½ salário mínimo. Nas chefiadas
por homens, essa redução foi de 3,5% enquanto nas famílias chefiadas por mulheres a redução
foi um pouco maior: 3,8%. No Nordeste, essa queda foi de 3,5% (48,4% para 44,9%), mas o
contingente ainda era expressivo.
O rendimento médio familiar per capita dos 40% mais pobres era de ½ salário
mínimo, enquanto o dos 10% mais ricos ficava em 9,44 ou 19 vezes superior. A situação,
porém, era pior em 1995, quando essa relação era de 23,3.
O índice de Gini
16
do rendimento familiar caiu de 0,559, em 2004, para 0,552, em
2005. Distrito Federal (0,592), Piauí (0,589), Rio Grande do Norte (0,585) e Paraíba (0,569)
tiveram os valores mais elevados. O mais baixo foi o do Amazonas (0,459).
Um outro aspecto importante são as diferenças no padrão de fecundidade entre as
mulheres segundo o rendimento familiar. Em 2005, entre as mais pobres em idade
reprodutiva, cerca de 74% já tinham pelo menos um filho, enquanto que, as com renda
familiar per capita de 2 salários mínimos ou mais, a proporção era de 49,2%.
A taxa de freqüência escolar de crianças de 0 a 6 anos atingiu o nível de 40,3% em
2005, uma variação positiva de 13,3% em relação a 1995. Quanto às crianças de 0 a 3 anos,
em 1995 a freqüência à creche era de 7,6%, passando para 13,3%, em 2005. Apesar do
crescimento, o percentual ainda é baixo, levando-se em consideração que uma parcela cada
vez maior das mulheres está no mercado de trabalho.
O acesso à escola nessa faixa etária era ainda mais restrito nas famílias mais
pobres. Para as crianças de 0 a 3 anos de famílias com rendimento per capita de até ½ salário
mínimo, havia uma taxa de freqüência de 8,6%, bem abaixo da média, enquanto que, para as
16
Medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo valor varia de zero (perfeita igualdade) a um
(desigualdade máxima).
52
crianças daquelas com renda acima de 3 salários mínimos, a taxa era de 35,8%. No caso das
crianças de 4 a 6 anos, a presença escolar era maior e cresceu progressivamente nos últimos
anos, de 53,5%, em 1995, para 72,7%, em 2005, sendo que entre as dessa faixa etária de
famílias com padrão per capita acima de 3 salários mínimos, 95,4% estavam na escola. De
1995 a 2005, também aumentou a escolarização das crianças desse grupo etário mais pobre,
de 41,9% para 64,5%.
Na faixa de 7 a 14 anos, correspondente ao ensino fundamental, a freqüência
escolar estava praticamente universalizada, em toda parte do país, em 2005. Já no grupo de 15
a 17 anos verificou-se uma desigualdade de oportunidades no acesso à escola em todos os
estados, na comparação por faixa de rendimento familiar per capita: entre os 20% mais
pobres, a menor freqüência escolar era observada no Pará (61,3%) e a maior no Tocantins
(87,3%), e entre os mais ricos, a menor estava em Rondônia (75,5%) e a maior no Distrito
Federal (97,5%).
Em 2005, para os jovens de 18 a 24 anos, a freqüência à escola era ainda mais
reduzida, com apenas 31,6%. Nesse caso, o rendimento familiar per capita era um divisor
explícito, fazendo com que a escolarização dos 20% mais pobres fosse quase a metade da dos
20% mais ricos (25,1% contra 48,6%). Além disso, mais da metade dos jovens nessa faixa
etária (51,7%) cursava níveis inferiores ao recomendado para a idade.
À medida que avança a idade, o percentual de jovens que somente estuda diminui,
aumentando os percentuais dos que trabalham e estudam ou somente trabalham. Na faixa de
10 a 15 anos, 85,5% só estudavam, passando para 54,4% na de 16 e 17 anos, 27,6% entre 18 e
19 anos, e 10,5% entre 20 e 24 anos.
Em 2005, havia, no Brasil, 5,4 milhões de pessoas de 5 a 17 anos trabalhando, com
53,9% delas com idade inferior a 16 anos. Já o trabalho infantil nas faixas etárias impróprias
(5 a 15 anos) ocorre principalmente em atividades agrícolas, enquanto no grupo de 16 a 17
anos se dá predominantemente em atividades não-agrícolas. O trabalho agrícola se concentra
no Nordeste (55,2%) e predomina entre os meninos (74,2%), mas as meninas aumentaram a
participação nessa atividade em 1,3% de 1995 para 2005.
Em 2005, 76% das crianças de 10 a 17 anos ocupadas haviam começado a
trabalhar com menos de 15 anos de idade, percentual que, no Piauí, chegava a 94,2%. No
mesmo ano, o número de pessoas com 60 anos ou mais foi superior a 18 milhões ou quase
10% da população brasileira, grupo esse que cresce ano a ano e aumentou em mais de 5
milhões de indivíduos entre 1995 e 2005.
53
Entre os idosos, os maiores índices de crescimento foram das pessoas com 80 anos
de idade ou mais, que somavam 2,4 milhões em 2005. Vale ressaltar que, nessa faixa etária,
há a maior incidência de doenças crônicas, as piores capacidades funcionais e a menor
autonomia, o que, conseqüentemente, exige maior atenção da família e da sociedade. As
mulheres aparecem como maioria nesse grupo, numa razão de 100 para cada 62 homens.
O número de idosos muito pobres, com renda per capita média familiar de até ¼
do salário mínimo, sofreu uma queda expressiva tanto no Nordeste quanto no Sudeste, entre
1995 e 2005. Por outro lado, o número de famílias de idosos com renda per capita superior a
5 salários mínimos manteve-se constante no Sudeste e aumentou no Nordeste. A importância
do idoso na família e na sociedade brasileira também foi observada: em 2005, 65,3% deles
eram considerados pessoas de referência no domicílio.
Merece ainda ressaltar-se os domicílios com serviços públicos de saneamento
completo, ou seja, aqueles com acesso ao abastecimento de água com canalização interna,
ligados à rede geral de esgotamento sanitário e/ou rede pluvial e atendidos por coleta direta de
lixo. Em 2005, 61,1% dos domicílios brasileiros se enquadravam nesse critério, podendo-se
observar, para as grandes regiões, diferenças significativas: na Norte, 8,8% deles tinham
acesso a serviços de saneamento completo, no Nordeste, 34,5%, no Centro-Oeste (36%), no
Sul (80,7%) e no Sudeste (83,4%).
Em 2005, a população economicamente ativa somava 96 milhões de pessoas, das
quais 56,4% eram homens e 43,6%, mulheres. Mas, nos últimos dez anos, a distribuição da
PEA por sexo sofreu uma acentuada mudança, com redução da participação masculina e
aumento da feminina em 3,2%.
A participação da população em idade ativa no mercado de trabalho passou de
61,3%, em 1995, para 62,8%, em 2005. No mesmo período, houve queda, no mercado de
trabalho, de crianças e adolescentes (10 a 14 anos) de 20,4% para 11,5% e, na faixa de 15 a 17
anos, de 50,9% para 41,3%. Já a freqüência escolar deles nessas faixas etárias passou de
89,8% para 97% e de 66,6% para 82%.
Nos mesmos dez anos, houve também uma redução da participação no mercado de
trabalho da população de 65 anos ou mais de idade, principalmente entre os homens, cuja
queda foi de 40,5% para 34,4%. Em 2005, entre as mulheres a taxa de desocupação era de
12,2%, enquanto que entre os homens era de 7,1%, uma diferença de cerca 5%, que era menor
em 1995 (2%), o que reflete uma intensificação da participação feminina no mercado de
trabalho.
54
Em 1995, a desocupação atingia principalmente a população entre 5 e 8 anos de
estudo. Já em 2005, era a população com o ensino médio que encontrava mais dificuldade de
trabalho, sendo certo que, se nos últimos dez anos a escolaridade da força de trabalho
aumentou, essa mudança no perfil da desocupação revela também um mercado mais exigente.
De 1995 a 2005, aumentou, na população ocupada, a participação do emprego com
carteira (em 3,2%) e caiu a do trabalho não remunerado (em 3,6%). Entre as mulheres esses
resultados foram mais significativos: elevação, de 3,7% no emprego com carteira e redução de
4,0% no trabalho não remunerado.
De 1995 a 2005, o rendimento médio da população ocupada sofreu uma queda de
12,7%, mas esse rendimento de 2005, em relação a 2004, cresceu 4,6%. Além disso, houve
aumentos para as categorias que recebiam os menores rendimentos e com as mais baixas taxas
de formalização: os empregados sem carteira e os trabalhadores domésticos. Com efeito, o
rendimento médio daquelas sem carteira se elevou em 5,1%, passando de R$ 466,40, em
1995, para R$ 490,20, em 2005, e, no caso dos domésticos, foi de R$ 358,10 para R$ 401,80,
num incremento de 12,1%. O acréscimo do rendimento nessas categorias foi mais expressivo
entre as mulheres.
Em 1995, entre os ocupados, o rendimento dos 10% mais ricos era 21,2 vezes
maior que o dos 40% mais pobres, relação que já em 2005, passou para 15,8. A região em que
a desigualdade no mercado de trabalho mais se reduziu no período foi o Sul, e entre os
estados ocorreu em Alagoas (8,8%), enquanto que o Piauí teve um aumento de 8,5% na
relação de desigualdade nesse critério.
A taxa de mortalidade infantil caiu quase 32% entre 1995 e 2005 (de 37,9‰
para
25,8‰) e o aumento relativo do número de domicílios com saneamento básico adequado vem
contribuindo para isso. Entre 1995 e 2005, a esperança de vida ao nascer cresceu 3,4 anos,
chegando aos 71,9 anos de idade, ficando as mulheres (de 72,3 para 75,8 anos) em situação
bem mais favorável que os homens (de 64,8 para 68,1 anos). No período, a taxa bruta de
mortalidade decresceu de 6,6‰ para 6,3‰, queda que, aliada à redução da fecundidade,
concorreu para um aumento absoluto e relativo da população idosa.
As mulheres com até 3 anos de estudo chegam a ter, em média, mais que o dobro
do número de filhos das com 8 anos ou mais. Ao considerar a cor ou raça, invariavelmente
são observados, no segmento de mulheres brancas, níveis mais baixos de fecundidade que os
de pretas e pardas.
Finalmente, após essa descrição das principais características da família brasileira
na atualidade, é possível perceber a complexidade de fatores que a permeiam e também
55
compreender as suas dificuldades de, em face das diversas tranformações enfrentadas, manter
o cumprimento de suas funções básicas. Cabe, pois, justificar a necessidade de
direcionamento das ações públicas para esse alvo específico, no sentido de promover-lhe as
potencialidades e garantir a superação de suas problemáticas, o que legitima,
contemporaneamente, a supremacia da atuação do Estado ante a provisão da proteção social.
2.3. A família como núcleo central da política da assistência social
Com a emergência das políticas sociais e a intervenção social estatal, ganha
evidência a responsabilidade pública do Estado para com a sociedade e, consequentemente,
com a família. Isso foi consagrado na legislação de vários países do mundo ocidental, que
passaram pela experiência do Estado de Bem-Estar Social, sendo que, no referente à
legislação mundial, destaca-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada no ano
de 1948, que corroborava esse princípio ao declarar, no artigo 16º, que [...] “a família é o
elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado”
(ONU, 2007).
Por uma superposição de conquistas, adquiridas ao longo da história
contemporânea, a Declaração Universal dos Direitos Humanos acabou por se constituir em
base e fundamento para um verdadeiro direito internacional de natureza humanitária,
influenciando diversas legislações mundiais, inclusive no Brasil. Destarte, a Contituição
Federal de 1988, no artigo 226, explicita que a família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado, e nos artigos 227 e 229 estabelece-a como instituição que deve
compartilhar, com a sociedade e o Estado, a responsabilidade pelo cuidado e proteção dos
seus membros, reconhecimento esse assegurado em legislação complementar, como a Lei
Orgânica da Assistência Social-LOAS (BRASIL, 1993), o Estatuto da Criança e do
Adolescente-ECA (BRASIL, 1990) e o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003).
Atualmente, enfatiza-se cada vez mais a família como eixo central das políticas
sociais, e não por acaso a ONU, conclamou os países a celebrarem o Ano Internacional da
Família (AIF). Essa iniciativa teve como objetivo sensibilizar o público e melhorar a
capacidade institucional das nações no que se referia a enfrentar, por meio de políticas
globais, os graves problemas relacionados à família. Conforme Costa (2005, p.19),
56
os anos internacionais, promovidos pelas Nações Unidas, têm
desempenhado um importante papel no campo dos direitos humanos ao
longo das últimas décadas. Quando governos, organismos internacionais,
organizações não-governamentais e indivíduos se mobilizam ética, social e
politicamente em torno de um determinado tema, os resultados podem ser
traduzidos em termos de avanços nas formas de compreensão, normatização
e enfrentamento dos problemas a ele relacionados.
Na realidade, esse chamamento da ONU refletia o reconhecimento da situação de
pobreza no mundo e a vulnerabilização das condições de vida das famílias, assim como
alertava para os efeitos produzidos pelos processos econômicos e políticos globais sobre as
estruturas social e familiar e a responsabilidade pública para o enfrentamento da problemática.
Tal mobilização, promovida por organismos internacionais, acaba, ainda conforme Costa
(2005), por repercutir no panorama legal, nas políticas públicas e no movimento social dos
países abertos a essa perspectiva.
Conforme Carvalho (2003, p. 17), “[...] há no desenho da política social
contemporânea um particular acento nas microssolidariedades e sociabilidades
sociofamiliares [...]”, de sorte que introduz modalidades de atendimento fundadas na família.
Segundo a autora (2005, p. 270),
a consciência geral de que a pobreza e a desigualdade castigam grande
parcela da população brasileira estão a exigir políticas públicas mais efetivas
e comprometidas com a sua superação. Nesse compromisso, buscam
assegurar uma rede de proteção e de desenvolvimento socioeconômico
voltado às famílias e às comunidades vulnerabilizadas pela pobreza. Os
diversos programas de renda mínima, por exemplo, visam garantir ao grupo
familiar recursos suficientes que permitam uma cesta alimentar e a
manutenção dos filhos na escola, inibindo o trabalho precoce de crianças e
adolescentes.
No caso do Brasil, a partir da década de 1990 ganha relevância, no escopo das
políticas sociais, programas de combate à pobreza que, além de ter como alvo grupos
específicos caracterizados como vulneráveis (idosos, jovens, crianças, pessoas com
deficiência), incorpora como público privilegiado, a família. Tal tendência começa a ser
percebida em iniciativas como o Programa Saúde da Família (PSF), em 1994, o Programa
Bolsa-Escola, em 2001, e os Núcleos de Apoio às Famílias (NAFs), consolidando-se como
princípio fundante da Política de Assistência Social, formulada em 1999, “[...] a centralidade
na família para a concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos”
(BRASIL, 1999, p. 66).
57
O documento destaca ainda que “[...] o grupo familiar e a comunidade são lugares
naturais de proteção e inclusão social, vínculos relacionais para a implementação de projetos
coletivos de melhoria da qualidade de vida [...]” e enfatiza que a “estratégia de implementação
de serviços integrados de atenção à família visa alterar a condição de vida familiar e não
apenas a de seus membros, como uma forma de superar as ações fragmentadas, segmentadas e
setorizadas” (BRASIL, 1999, p. 50). Essa concepção e atuação são reafirmadas na vigente
Política Nacional de Assistência Social, formulada em 2004, no primeiro Governo Lula
(2003-2006), que traz como uma de suas diretrizes “[...] a centralidade na família para a
concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos” e como um de
seus objetivos [...] “assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade
na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 2004a, p. 27).
Nos documentos citados, o Estado reconhece os processos de exclusão sócio-
econômica, política e cultural que afetam as famílias brasileiras e fortalece a lógica de nelas
centralizar as ações da política de assistência social, partindo do pressuposto de que essa
instituição é o espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias,
provedora de cuidados aos seus membros e que, por isso, também requer ser cuidada e
protegida.
[...] A centralidade na família e a superação da focalização, no âmbito da
política de Assistência Social, repousam no pressuposto de que para a
família prevenir, proteger, promover e incluir seus membros é necessário,
em primeiro lugar, garantir condições de sustentabilidade para tal. Nesse
sentido, a formulação da política de Assistência Social é pautada nas
necessidades das famílias, seus membros e dos indivíduos (BRASIL 2004a,
p. 35).
Assim, o Estado reafirma o reconhecimento legal da responsabilidade pública pela
proteção social das famílias pobres, elegendo-as como eixo de atuação e centralização, numa
estratégia de alcance de maiores e melhores resultados na mudança das suas condições de
vida. Na materialização dessa política de assistência foram e vêm sendo implantados, entre
outros, o Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), o Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI) e o Programa Bolsa-Família, neste se encerrando a principal ação
social do Governo Lula.
Ocorre que, ao tempo em que o discurso da centralidade na família ganha
evidência nos documentos oficiais e a ela se dirijam programas, projetos e serviços, as
estatísticas apontam um aumento gradativo do número de famílias em situação de
58
vulnerabilidade social. Em decorrência disso, alguns estudiosos, pouco otimistas, como
Carvalho (2005), afirmam que a política social no Brasil não tem logrado alterar o quadro de
pobreza e exclusão de parcela significativa da população, observando-se, ao contrário, a
ampliação, a cada década, das taxas de desigualdade social, com a concentração de renda em
índices iníquos. Aliás, o cenário não é novo, pois revela a forma conservadora de concepção e
implementação de ações de combate à pobreza e às desigualdades sociais no país.
Como registra a literatura especializada, ao longo da história brasileira o
enfrentamento das desigualdades e da pobreza, tanto pelo Estado quanto pela sociedade, se
deu sob a forma de assistencialismo, ajuda, benevolência, caridade ou favor e sempre tiveram
como bases o paternalismo, o clientelismo e o casuísmo. Na verdade, consoante Sposati
(1991, p. 28),
a trajetória secular da assistência social sedimentou representações sobre ela
como uma política ou prática de segunda classe. Ela traz a marca da benesse
ou do favor distribuídos pela sociedade solidária ou pelo Estado. Talvez por
isso mesmo ela ganha uma marca conservadora.
Não obstante, essa concepção se modificou com a Constituição Federal de 1988,
que atribuiu à assistência social o estatuto de política pública ao integrá-la no contexto da
Seguridade Social, compondo um tripé com a Política de Saúde e a da Previdência Social,
tendo sido regulamentada, posteriormente, em 1993, pela Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS). Segundo Yazbek (2004, p. 13),
a LOAS estabelece uma nova matriz para a Assistência Social brasileira,
iniciando um processo que tem como perspectiva torná-la visível como
política pública e direito dos que dela necessitarem. A inserção na
Seguridade aponta também para seu caráter de política de proteção social
articulada a outras políticas do campo social voltadas para a garantia de
direitos e de condições dignas de vida. Desse modo, a Assistência Social
configura-se como possibilidade de reconhecimento público de legitimidade
das demandas de seus usuários e espaço de ampliação de seu protagonismo.
Assim, com a aprovação da PNAS, em 2004, inicia-se o processo de reformulação
da Política de Assistência Social, com a implantação do Sistema Único da Assistência Social.
O SUAS, a exemplo do Serviço Único de Saúde (SUS), confere à gestão um modelo
descentralizado e participativo, responsável pela regulação e organização em todo o território
nacional das ações sócio-assistenciais, e materializa o conteúdo da LOAS, satisfazendo as
59
exigências da política para a realização dos objetivos e resultados esperados, que devem
consagrar direitos de cidadania e inclusão social.
Tal sistema define, organiza os elementos essenciais e imprescindíveis à execução
da Política de Assistência Social e possibilita a normatização dos padrões nos serviços, a
qualidade no atendimento, os indicadores de avaliação e resultado, a nomenclatura dos
serviços e da rede sócio-assistencial e ainda os eixos estruturantes, dentre os quais a
matricialidade sócio-familiar, que delinea como diretriz o foco na família. De acordo com
BRASIL (2005, p. 19), fundamentar as ações a partir desse eixo significa que
a família é o núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia,
sustentabilidade e protagonismo social;
a defesa do direito à convivência familiar, na proteção de Assistência Social,
supera o conceito de família como unidade econômica e a entende como
núcleo afetivo, vinculado por laços consangüíneos, de aliança ou afinidade,
que circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de
relações de geração e de gênero;
a família deve ser apoiada e ter acesso a condições para responder ao seu
papel no sustento, na guarda e na educação de crianças e adolescentes, bem
como na proteção de seus idosos e portadores de deficiência;
o fortalecimento de possibilidades de convívio, educação e proteção social, na
própria família, não restringe essas responsabilidades públicas para com os
indivíduos e a sociedade;
Evidencia-se, assim, a estratégia do Estado de evocar a centralidade familiar pelo
seu reconhecimento como espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socializações
primárias e provedora de cuidados aos seus membros. Todavia, convém destacar que, a
despeito das funções que a família possa desempenhar, faz-se necessário compreendê-la como
esfera prioritária de atenção e cuidado para, posteriormente, processar proteção aos seus
integrantes, pois, para que a família continue a cumprir com suas funções protetivas é
essencial que o Estado garanta a ela as mínimas condições para tal. Acerca do papel da
família, ressalta Carvalho (2003, p. 15) que
a maior expectativa é de que ela produza cuidados, proteção, aprendizado
dos afetos, construção de identidades e vínculos relacionais de
pertencimento, capazes de promover melhor qualidade de vida aos seus
membros e efetiva inclusão social na comunidade e sociedade em que
vivem. No entanto, estas expectativas são possibilidades, e não garantias. A
60
família vive num contexto que pode ser fortalecedor ou esfacelador de suas
possibilidades e potencialidades.
Carvalho e Almeida (2003) dizem que ao mesmo tempo em que as famílias
encontram-se fragilizadas pelos processos e pelas mudanças da atual realidade e vivenciam
um processo de abandono pelas políticas de segurança social do Estado, vêem crescer,
paradoxalmente, suas responsabilidades como protetora de seus membros. Para Pereira
(2004, p. 40),
o objetivo da política social em relação à família não deve ser o de
pressionar as pessoas para que elas assumam responsabilidades além de suas
forças e de sua alçada, mas o de oferecer-lhes alternativas realistas de
participação cidadã [...]. Para tanto, o Estado tem que se tornar partícipe,
notadamente naquilo que só ele tem como prerrogativa, ou monopólio – a
garantia de direitos.
Dessa forma, justifica-se a execução das políticas públicas e sociais atrelada à
centralidade na família, numa perspectiva de proteção de seus integrantes decorrente do
cuidado garantido a ela pelo Estado. Compreendida nessa lógica, a centralidade na família se
dá como garantia dos direitos sociais, que devem ser efetivados como um dever estatal.
Importa dizer, então, que implementar políticas públicas com centralidade na
família não se trata de desresponsabilizar o Estado de sua função de garantir as ações de
cuidado social, mas resgatar e revalorizar o papel dela como instituição base da sociedade,
merecedora de especial proteção estatal. No entanto, em face das transformações econômicas
e sociais evidenciadas nas últimas décadas, especialmente provocadas por um modelo
econômico que apregoa a redução da função protetiva do Estado como alternativa ao
desenvolvimento, ocorre uma fragilização na implementação de políticas públicas, sendo que,
no concernente ao sistema de proteção social às famílias, o que caracteriza a realidade
brasileira é o distanciamento entre o formatado legalmente e o, que de fato, garantido.
Ao reconhecer e definir como princípio a “centralidade na família”, o Estado
preconiza o redirecionamento das ações sócio-assistenciais e sua concentração nessa esfera,
através de uma ação integral, e reafirma a responsabilidade com a proteção social, em
cumprimento às determinações legais. Entretanto, conforme já tratado, embora a família
ocupe posição de destaque na formulação da Política de Assistência Social como instituição-
alvo do cuidado estatal a realidade social exposta pelos indicadores sociais revela uma maior
61
vulnerabilização das condições de vida de grande parcela desses agrupamentos, sugerindo a
ineficácia de tais políticas públicas.
Essas preocupações fundam-se no pressuposto de que a centralização da política
de assistência social na família pode constituir-se em estratégia importante de combate à
pobreza e às desigualdades, promovendo a melhoria das condições de vida da população
brasileira que vive em situação de risco e vulnerabilidade social. Porém, se não acompanhadas
de outras políticas públicas, somente reforçarão velhas práticas e formas de assistência para
mero alívio da pobreza ou, pior ainda, se constituirão em estratégia de responsabilização da
família como principal agente de segurança social.
2.4. O SUAS e o reordenamento da política de assistência social em Teresina
Em Teresina, o órgão responsável pela gestão plena das ações de Assistência
Social é a Secretaria Municipal do Trabalho, Cidadania e Assistência Social (SEMTCAS),
portanto, cabe a essa Secretaria exercer as funções de planejamento, coordenação, articulação,
acompanhamento, controle e avaliação dessa política pública. Conforme SEMTCAS (2007, p.
1),
a Secretaria Municipal do Trabalho, Cidadania e Assistência Social –
SEMTCAS é o órgão da administração direta, subordinado diretamente ao
chefe do poder executivo municipal que afiança proteção social como direito
de cidadania, preceituados nos artigos 203 e 204 da Constituição Federal,
regulamentados pela Lei Federal 8.742/93 -LOAS.
A SEMTCAS é, assim, a instituição governamental detentora do comando único
da política de assistência social no município de Teresina e integra um sistema
descentralizado e participativo, conforme determina a LOAS. Isso implica, necessariamente,
uma articulação entre as esferas federal, estadual e municipal, pois, consoante essa Lei
(BRASIL, 1993, p. 12). , em seu artigo 11,
as ações das três esferas de governo na área de assistência social realizam-se
de forma articulada, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera
federal e a coordenação e execução dos programas, em suas respectivas
esferas, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
62
Nesse sentido, cabe à SEMTCAS implementar ações socioassistenciais, no município
de Teresina, em consonância com os preceitos definidos legalmente e consubstanciados pelas
normatizações nacionais de coordenação da política. A partir dessas premissas, a SEMTCAS
(2007, p. 1) detém as seguintes competências e finalidades:
Formular e executar, em nível municipal, a política de assistência social,
mediante a operacionalização do Sistema Único de Assistência Social –
SUAS, em articulação com órgãos da administração pública e com entidades
não governamentais;
Implementar a assistência social em Teresina como política de direitos de
proteção social, a ser gerida e operada através de comando único, com ação
descentralizada, considerando as especificidades sócio-territoriais do
município;
Organizar e gerir a rede socioassistencial municipal, composta pela totalidade
dos benefícios, serviços, programas e projetos governamentais e não
governamentais existentes em sua área de abrangência;
Executar, manter e aprimorar os sistemas de informação, monitoramento e
avaliação dos serviços, programas, projetos e benefícios da rede
socioassistencial de âmbito municipal;
Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica
e/ou especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem,
assegurando a centralidade na família e a convivência familiar e comunitária;
Contribuir para a inclusão com equidade dos usuários da assistência social e
grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais
básicos e especiais e possibilitando oportunidades para a conquista de
autonomia, sustentabilidade e protagonismo;
Desenvolver capacidades e meios para conhecer a presença das formas de
vulnerabilidade social, com vistas à promoção de ações de prevenção e
monitoramento de riscos;
Fortalecer a rede socioassistencial, integrando ações de iniciativa do poder
público e da sociedade civil organizada que ofertam e operam benefícios,
serviços, programas e projetos.
63
Vê-se, então, que a política de assistência social em Teresina, na tentativa de
adequar-se às diretrizes nacionais de estruturação da política, passa a reorientar suas ações no
sentido de implementar o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), tendo a família como
matricialidade, incluindo seus membros e indivíduos, considerado o território como base de
organização.
No ano de 2006, seguindo as orientações do Ministério de Desenvolvimento Social
e Combate à Fome, como cumprimento do disposto na Política Nacional de Assistência Social
(PNAS/2004) e na Norma Operacional Básica da Assistência Social (NOB/SUAS), a
SEMTCAS implementou uma reforma administrativa, para redirecionar suas ações
socioassistenciais. A primeira medida foi a dissolução da Secretaria Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente (SEMCAD), cujas atribuições se repassaram para ela.
Em seguida, procedeu-se ao reordenamento institucional, respeitando os objetivos,
definidos pelo BRASIL (2004a, p. 27), de prover serviços, programas, projetos e benefícios
de proteção social básica e ou especial para famílias, indivíduos e grupos que deles
necessitarem; de contribuir com a inclusão e a eqüidade dos usuários e grupos específicos,
ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana
e rural; e, ainda, assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade
na família e garantam a convivência familiar e comunitária. Na nova concepção da política, as
ações socioassistenciais devem afiançar duas formas de proteção: a básica e a especial.
Conforme BRASIL (2004a, p. 27- 31),
a proteção social básica tem como objetivos prevenir situações de risco por
meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento
de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em
situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência
de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou
fragilização de vínculos afetivos - relacionais e de pertencimento social
(discriminações etárias, étnicas, de gênero, ou por deficiências, dentre
outras). [...] A proteção especial é a modalidade de atendimento assistencial
destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco
pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou
psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de
medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre
outras.
Assim, em conformidade com os parâmetros de reestruturação orgânica da política
pública de assistência social, a reforma institucional efetuada na SEMTCAS promoveu a
criação de estruturas administrativas adequadas aos padrões de consolidação do Sistema
64
Único da Assistência Social (SUAS), ampliando e resignificando o atual modelo,
descentralizado e participativo, dessa política. Tais mudanças dotaram a SEMTCAS da
seguinte estrutura organizacional:
I. Administração Geral
1. Secretário (a)
2. Secretário (a) Executivo (a)
II. Órgãos de Assessoramento Direto
1. Gabinete
a) Secretaria Executiva dos Conselhos
2. Gerência de Legislação
3. Gerência de Fundos
III. Órgãos Centrais de Direção e Execução
1. Gerência de Gestão do SUAS
a) Coordenação Técnica de Planejamento
b) Coordenação Técnica de Vigilância Socioassistencial
c) Coordenação Técnica de Gestão da Informação e Dados
d) Coordenação Técnica de Monitoramento e Avaliação
e) Coordenação Técnica de Regulação
f) Coordenação Técnica de Produções Técnicas
2. Gerência de Proteção Social Básica
a) Divisão de Apoio Psicopedagógico e Social
b) Divisão de Apoio Nutricional
c) Divisão de Articulação e Acompanhamento à Rede Socioassistencial
c.1) Centros de Referência da Assistência Social – CRAS
c.1.1) Divisão Técnica dos CRAS
c.1.2) Unidades Básicas de Atendimento Socioassistencial
3. Gerência de Proteção Social Especial
a) Divisão de Média Complexidade
a.1) Centros de Referência Especializados da Assistência Social –
CREAS
a.1.1) Divisão Técnica dos CREAS
a.1.2) Unidades Especializadas de Atendimento Socioassistencial
b) Divisão de Alta Complexidade
65
b.1) Unidades Especializadas de Atendimento Socioassistencial – Alta
Complexidade
4. Gerência de Programas de Renda Mínima e Benefícios
a) Coordenação Técnica de Programas de Renda Mínima
b) Coordenação Técnica de Cadúnico
c) Coordenação Técnica de Gestão de Benefícios
d) Coordenação Técnica de Sistemas
e) Divisão de Benefícios Continuados e Eventuais
e.1) Serviço de BPC
e.2) Serviço de Benefícios Eventuais
5. Gerência de Administração e Finanças
a) Divisão Administrativa
a.1) Serviço de Protocolo
a.2) Serviço de Compras
a.3) Serviço de Almoxarifado e Patrimônio
a.4) Serviço de Transportes
b) Divisão de Manutenção e Serviços Gerais
c) Divisão de Gestão de Pessoas
d) Divisão de Fundos
e) Divisão de Contabilidade
f) Divisão Financeira
f.1) Serviço de Orçamento e Empenho
f.2) Serviço de Pagadoria
IV. Órgãos Colegiados Vinculados à SEMTCAS
1. Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS)
2. Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA)
3. Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CDM)
4. Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa (CMDPI)
5. Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Teresina
(CONADE-TE)
6. Conselhos Tutelares (CT)
A apresentação dessa estrutura possibilita a percepção de alteração de
nomenclatura das unidades administrativas do órgão, em consonância com a nova política,
bem como evidencia a reorganização dos serviços socioassistenciais segundo os parâmetros
66
da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS).
Esclareça-se que a NOB/SUAS disciplina a gestão pública da Política de Assistência Social
no território brasileiro, exercida de modo sistêmico pelos entes federativos, em acordo com a
Constituição de 1988, a LOAS e as legislações complementares a ela aplicáveis (BRASIL,
2005, p. 15).
Cabe destacar também que o município de Teresina, a partir do reordenamento,
adequou-se ao nível de gestão plena proposto pelo SUAS
17
. O Sistema, aliás, prevê quatro
tipos de gestão: dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União e, no caso da
Gestão Municipal, três outros níveis: inicial, básica e plena. A gestão plena
é o nível em que o município tem a gestão total das ações de Assistência
Social [...] O gestor, ao assumir a responsabilidade de organizar a proteção
social básica especial em seu município, deve prevenir situações de risco,
por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, além de
proteger as situações de violação de direitos ocorridas em seu município. Por
isso deve responsabilizar-se pela oferta de programas, projetos e serviços
que fortaleçam vínculos familiares e comunitários, que promovam os
beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e transferência de
renda; que vigiem os direitos violados no território; que potencializem a
função protetiva das famílias e a auto-organização e conquista de autonomia
de seus usuários (BRASIL, 2005, p. 28).
Busca-se a valorização da função protetiva das famílias e evidencia-se o desafio de
operacionalizar a política de assistência social em tal nível de gestão, pois os resultados das
ações devem indubitavelmente promover a emancipação de seus usuários. Convém ressaltar
ainda que o município que adequar-se a gestão plena deve (BRASIL, 2005, p. 29):
a) Atender aos requisitos previstos no art. 30 e seu parágrafo único da LOAS
18
,
incluído pela Lei nº 9.720/98
19
;
b) Alocar e executar recursos financeiros próprios no Fundo de Assistência Social,
como unidade orçamentária, para as ações de Proteção Social Básica e Especial e as provisões
de benefícios eventuais;
c) Estruturar Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), de acordo com
o porte do município, em áreas de maior vulnerabilidade social, para gerenciar e executar
ações de proteção básica no território referenciado, conforme critérios abaixo:
17
Ressalta-se que dos 223 municípios do Piauí, apenas a capital, Teresina, encontra-se na situação de gestão
plena das ações relacionadas à política de assistência social;
18
Trata das condições necessárias ao repasse de recursos aos municípios, aos estados e ao Distrito Federal;
19
Lei que introduziu alterações na LOAS;
67
Pequeno Porte I – mínimo de 1 CRAS para até 2.500 famílias referenciadas;
Pequeno Porte II – mínimo de 1 CRAS para até 3.500 famílias referenciadas;
Médio Porte – mínimo de 2 CRAS, cada um para até 5.000 famílias
referenciadas;
Grande Porte – mínimo de 4 CRAS, cada um para até 5.000 famílias
referenciadas;
Metrópoles – mínimo de 8 CRAS, cada um para até 5.000 famílias
referenciadas;
d) Estruturar a Secretaria Executiva nos Conselhos Municipais de Assistência
Social, com profissional de nível superior;
e) Manter estrutura para recepção, identificação, encaminhamento, orientação e
acompanhamento dos beneficiários do BPC e dos Benefícios Eventuais, com equipe
profissional composta por, no mínimo, um (01) profissional de serviço social;
f) Apresentar Plano de Inserção e Acompanhamento de beneficiários do BPC,
selecionados conforme indicadores de vulnerabilidades, contendo ações, prazos e metas a
serem executadas, articulando-as às ofertas da Assistência Social e as demais políticas
pertinentes, dando cumprimento ainda ao art. 24 da LOAS
20
;
g) Realizar diagnóstico de áreas de vulnerabilidade e risco, a partir de estudos e
pesquisas realizadas por instituições públicas e privadas de notória especialização (conforme a
Lei nº. 8.666, de 21/06/1993)
21
;
h) Cumprir pactos de resultados, com base em indicadores sociais comuns
previamente estabelecidos;
i) Garantir a prioridade de acesso nos serviços da proteção social básica e/ou
especial, de acordo com suas necessidades, às famílias e seus membros beneficiários do
Programa de Transferência de Renda instituído pela Lei nº 10.836/04
22
;
j) Instalar e coordenar o sistema municipal de monitoramento e avaliação das
ações da Assistência Social por nível de proteção básica e especial, em articulação com o
sistema estadual, validado pelo sistema federal;
k) Declarar capacidade instalada na proteção social especial de alta complexidade,
a ser co-financiada pela União e Estados, gradualmente, de acordo com os critérios de
partilha, de transferência e disponibilidade orçamentária e financeira do FNAS;
20
Trata dos programas de assistência social;
21
Estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, compras,
alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
22
Lei de criação do Programa Bolsa Família;
68
l) Estar os Conselhos (CMAS, CMDCA e CT) em pleno funcionamento;
m) Ter, como responsável, na Secretaria Executiva do CMAS, profissional de
nível superior;
n) Gestor do fundo nomeado e lotado na Secretaria Municipal de Assistência
Social ou congênere;
o) Elaborar e executar a política de recursos humanos, com a implantação de
carreira para os servidores públicos que atuem na área da Assistência Social.
Em cumprimento a esses requisitos, o município de Teresina, honrando com suas
responsabilidades em seu eixo de gestão e atendendo ao disposto no item c, incluindo-se na
Unidade de Grande Porte
23
, implanta um total de 07 Centros de Referência da Assistência
Social - CRAS.
O Centro de Referência da Assistência Social – CRAS é uma unidade
pública estatal de base territorial, localizado em áreas de vulnerabilidade
social, que abrange um total de até 1.000 famílias/ano. Executa serviços de
proteção social básica, organiza e coordena a rede de serviços
socioassistenciais locais da política de assistência social (BRASIL, 2004a, p.
29).
Ademais, os CRAS constituem-se em espaços criados especificamente para
representar a unidade de referência da família. Ou seja, esses locais são os pontos referenciais
das famílias na busca de informações, serviços e acolhida, entre outros aspectos, no seu
território de localização.
A idéia do CRAS como espaço vinculado diretamente ao atendimento familial é
tão representativa que em diversos locais são denominados de “Casas das Famílias”, numa
analogia com o lar, que significa para as pessoas uma relação de proximidade, aconchego e
bem-estar. O próprio Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS,
órgão nacional de coordenação da política de assistência social, reconhece essa terminologia e
a utiliza como orientação técnica em seus instrumentos de capacitação. Na verdade, ao
atribuir aos CRAS o status de “Casa da Família” demonstra-se a necessidade de legitimação
da instância familiar como eixo central no atendimento realizado pela política de assistência
social.
23
Municípios com população de 100.001 a 900.000 habitantes.
69
Sendo assim, os CRAS, em Teresina, estão organizados em áreas com grande
concentração de demanda por serviços socioassistenciais - regiões com alto índice de
vulnerabilidade e risco social que se localizam em todas as zonas da cidade. É importante
destacar que tal organização territorial está em total consonância com o princípio da
descentralização e territorialização presente na proposta de consolidação do SUAS. A esse
respeito,
considerando a alta densidade populacional do país e, ao mesmo tempo, seu
alto grau de heterogeneidade e desigualdade socioterritorial presentes entre
os seus 5.561 municípios, a vertente territorial faz-se urgente e necessária na
Política Nacional de Assistência Social. Ou seja, o princípio da
homogeneidade por segmentos na definição de prioridades de serviços,
programas e projetos torna-se insuficiente frente às demandas de uma
realidade marcada pela alta desigualdade social. Exige-se agregar ao
conhecimento da realidade a dinâmica demográfica associada à dinâmica
socioterritorial em curso. Também, considerando que muitos dos resultados
das ações da política de assistência social impactam em outras políticas
sociais e vice-versa, é imperioso construir ações territorialmente definidas,
juntamente com essas políticas (BRASIL, 2004a, p. 37)
Dessa maneira, o princípio da territorialização evidencia que as ações
socioassistenciais devem direcionar-se e vincular-se à qualidade de vida dos cidadãos. É que
importa reconhecer o sujeito como ponto principal da realidade e, de forma mais próxima, a
partir dele, de suas vivências, experiências e histórias de vida, promover uma efetiva ação
pública. Assim,
a situação atual para a construção da política pública de assistência social
precisa levar em conta três vertentes de proteção social: as pessoas, as suas
circunstâncias e dentre elas seu núcleo de apoio primeiro, isto é, a família. A
proteção social exige a capacidade de maior aproximação possível do
cotidiano da vida das pessoas, pois é nele que riscos [e] vulnerabilidades se
constituem (BRASIL, 2004a, p. 11).
Em cumprimento à orientação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS)
e em respeito ao princípio citado, o município de Teresina, através da SEMTCAS, efetuou a
implantação de 07 (sete) Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), localizados em
áreas consideradas de elevada vulnerabilidade e risco social pelas quatro zonas da cidade
(norte, sul, leste e sudeste), de forma a tentar garantir uma cobertura de serviços ampla e
70
uniforme. Como a família é foco prioritário de atendimento, a reorganização da política de
assistência social ocorreu direcionada para esse eixo, devido ao que as alterações podem ser
visivelmente percebidas, a começar pela criação de espaços próprios de acolhida e
atendimento, as estruturas denominadas de “Casas da Família” ou Centros de Referência da
Assistência Social - CRAS.
Como dito anteriormente, esses espaços originaram-se do empenho em resignificar
a instituição familiar e transformá-la em instância principal de atendimento da política de
assistência social. Esta unidade pública estatal constitui-se, assim, em “porta de entrada” dos
usuários à rede de proteção social básica do Sistema Único da Assistência Social – SUAS.
Em acordo com as orientações do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome – MDS, mais especificamente o ambiente do CRAS deve ser acolhedor,
para facilitar a expressão de necessidades e opiniões, com espaço para um atendimento
individual que garanta privacidade e preserve a integridade e a dignidade das famílias, seus
membros e demais indivíduos.
O espaço do CRAS deve ser compatível com os serviços nele ofertados.
Abriga, no mínimo, três ambientes com funções bem definidas: uma
recepção, uma sala ou mais para entrevistas e um salão para reunião com
grupos de famílias, além das áreas convencionais de serviços. Deve ser
maior caso oferte serviços de convívio e socioeducativo para grupos de
crianças, adolescentes, jovens e idosos ou de capacitação e inserção
produtiva, assim como contar com mobiliário compatível com as atividades
a serem ofertadas (BRASIL, 2006, p. 15)
Constatou-se, nesta pesquisa, que no município de Teresina todos os CRAS
cumprem as exigências da nova política no que se refere aos ambientes mínimos necessários
ao atendimento familiar, pois contam, no mínimo, com recepção, uma sala para entrevistas e
um local próprio para reuniões. Segundo as Orientações Técnicas para o Centro de Referência
de Assistência Social,
o trabalho com as famílias, referenciadas no território de abrangência do
CRAS, privilegia a dimensão socioeducativa da política de Assistência
Social na efetivação dos direitos relativos às seguranças sociais afiançadas.
Assim, as ações profissionais relacionadas aos serviços prestados no CRAS
devem provocar impactos na dimensão da subjetividade política dos
usuários, tendo como diretriz central a construção do protagonismo e da
autonomia na garantia dos direitos, com superação das condições de
vulnerabilidade social e potencialidades de riscos (BRASIL, 2006, p. 13).
71
É notável a tentativa de garantir às famílias usuárias dessa política ações de
promoção e emancipação social. Contudo, a investigação constatou uma ineficiente oferta de
serviços socioassistenciais a esse público, uma vez que, durante o período de visitas aos
CRAS, a única ação representativa percebida foi a de cadastramento e recadastramento delas
ao Programa Bolsa-Família, evidenciando-se a subutilização dos espaços físicos para todos os
fins a que foram criados.
O CRAS requer, obrigatoriamente, a previsão de meios de acessibilidade para
pessoas idosas e com deficiência. No entanto, esse aspecto muito ainda precisa ser feito: o
único ponto positivo considerável observado foi a colocação de algumas barras de apoio em
alguns banheiros dos Centros.
De maneira geral e com base na observação realizada nesses espaços de
atendimento prioritário das famílias pobres em Teresina, percebeu-se um investimento de
recursos financeiros no que se refere à aquisição de materiais e equipamentos para dotar os
Centros de infra-estrutura mínima adequada aos seus fins. Em todos os CRAS visitados,
foram identificados aparelho de TV, som e DVD, computador, condicionador de ar,
ventilador, geladeira, freezer, fogão, bebedouro, armários, estantes, mesas, cadeiras, birôs e
considerável quantidade de material permanente e de consumo.
Ademais, conforme BRASIL (2006), o CRAS deve contar com uma equipe
mínima para a execução dos serviços e ações necessariamente nele ofertados, a qual se
comporá por assistente social, psicólogo, auxiliar administrativo, coordenador e estagiários.
Na pesquisa, observou-se que, no município de Teresina, todos os CRAS possuem equipe
integral.
Infere-se, então, que a estrutura física, de recursos materiais e humanos, leva ao
reconhecimento da potencialidade que esses Centros possuem para o atendimento das famílias
usuárias da assistência social. Contudo, uma investigação mais elaborada evidencia a
inexistência e a fragilidade das ações e atividades ofertadas à população e, em última análise,
considera-se salutar expor o distanciamento que o reordenamento da política de assistência
social mantém entre as formulações e elaborações teóricas direcionadas ao segmento familiar
e a sua prática.
72
2.5. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI como instrumento de
proteção social às famílias beneficiárias da assistência social
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI foi criado no Brasil em
1996, pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Segundo BRASIL (2004b), “o
marco inicial do enfrentamento do trabalho infantil ocorreu nos fornos de carvão e na colheita
da erva-mate de 14 municípios do Estado do Mato Grosso do Sul”.
O Programa concebeu como objetivo retirar crianças e adolescentes de sete a
quinze anos de idade do trabalho considerado perigoso, penoso, insalubre e degradante, ou
seja, aquele que coloca em risco a saúde e a segurança, elegendo como prioridade as famílias
com renda per capita de até ½ salário mínimo. Os eixos do Programa são os repasses da
Bolsa Criança Cidadã, a execução da jornada ampliada e o trabalho com as famílias, que se
subdivide em duas naturezas: socioeducativa e de geração de emprego e renda.
Os valores da Bolsa Criança Cidadã e da jornada ampliada são diferenciados
segundo as áreas rural e urbana, sendo de R$25,00 para as primeiras e de R$40,00 para as
segundas e, para os municípios com população abaixo de 250.000 habitantes, de R$25,00,
independente da localização geográfica. Para execução da jornada ampliada, disponibilizam-
se para a área urbana, R$10,00 por criança e adolescente, e, para a rural, R$20,00
24
. Segundo
BRASIL (2002), o PETI busca os seguintes objetivos:
Retirar crianças e adolescentes do trabalho perigoso, penoso, insalubre e
degradante;
Possibilitar o acesso, a permanência e o bom desempenho de crianças e
adolescentes na escola;
Fomentar e incentivar a ampliação do universo de conhecimentos da criança e do
adolescente, por meio de atividades culturais, esportivas, artísticas e de lazer, no
período complementar ao da escola, ou seja, na jornada ampliada;
Proporcionar apoio e orientação às famílias por meio da oferta de ações
sócioeducativas;
Promover e implementar programas e projetos de geração de trabalho e renda para
as famílias.
24
Importa esclarecer que, após a inserção do PETI ao Programa Bolsa Família, esses valores foram alterados e
adequados à lógica de repasse do CADÚNICO.
73
De acordo com a formatação do PETI os critérios de permanência da família como
beneficiária são os seguintes: todos os filhos com menos de 16 anos devem estar preservados,
de qualquer forma de trabalho infantil; a criança ou adolescente participante deverá ter
freqüência escolar mínima de 75% e o mesmo percentual de presença nas atividades propostas
pela jornada ampliada; as famílias beneficiadas deverão participar das atividades
socioeducativas e dos programas e projetos de geração de emprego e renda ofertados. Como
se percebe a partir dos aspectos citados, além das ações direcionadas às crianças e
adolescentes, é previsto também o desenvolvimento de atividades sistemáticas com as
famílias, destacando-se como salutar, para esta pesquisa, o fato inovador de que, apesar de o
Programa almejar a retirada das crianças e dos adolescentes do trabalho infantil, o alvo de
atenção é a família.
a família deve ser trabalhada por meio de ações socioeducativas e de geração
de trabalho e renda que contribuam para o seu processo de emancipação,
para sua promoção e inclusão social, tornando-as protagonistas de seu
próprio desenvolvimento social (BRASIL 2002, p. 4).
Fundamentado nos princípios de autonomia e emancipação, o PETI definiu que as
famílias poderiam nele permanecer pelo prazo máximo de quatro anos, contados da sua
inserção em programas e projetos de geração de trabalho e renda, um tempo necessário para o
grupo atingir um nível de desenvolvimento sócio-econômico satisfatório, que permitisse sua
saída. Segundo BRASIL (2002), para a sustentabilidade das ações com as famílias, o
Programa deu enfoque para a interface com os serviços das demais políticas públicas, via
estabelecimento de um sistema de rede que articulasse o desenvolvimento das seguintas
ações/serviços e programas:
Apoio socioeducativo;
Complementação de renda familiar;
Programas de geração de trabalho e renda;
Programas de socialização e lazer voltados à ampliação e ao fortalecimento de
vínculos relacionais e à convivência comunitária;
Programas que objetivem a ampliação do universo informacional e cultural,
facilitando a participação nas decisões e no destino dos serviços e da comunidade
onde se inserem;
74
Serviços especializados de apoio psicossocial às famílias em situação de extrema
vulnerabilidade, como desemprego, alcoolismo, maus tratos etc., assim como
serviços advocatícios, psicoterapêuticos, entre outros;
Programas culturais que visem oferecer acesso efetivo à cultura e suas diversas
manifestações, desenvolvimento dos talentos artísticos e possibilidades de troca;
Assim, no que se refere à instância familiar e ao desenvolvimento das ações,
BRASIL (2002 , p. 24), estabelece que
a família é considerada núcleo privilegiado de desenvolvimento, socialização
e construção de identidade. Dessa forma, o grupo familiar é incluído no
amplo processo para assegurar a proteção e o desenvolvimento das crianças
e adolescentes, bem como sua permanência fora do mercado de trabalho.
Ao proceder a uma análise do PETI, é possível captar o grau de valorização que a
esfera familiar adquire para fins de implementação de suas ações, desde a concepção da
proposta até a manifestação verbal das próprias famílias atendidas. Contudo, apesar da
uniformização do discurso, percebem-se e compreendem-se as fragilidades existentes no
processo de operacionalização e efetivação da emancipação familiar.
Para um melhor resultado nas ações do PETI, o Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome – MDS passou, a partir do ano de 2004, com as redefinições da
nova Política de Assistência Social, a introduzir alterações significativas na sua metodologia
de implementação. Dentre as mudanças pode ser citada a de que o PETI atenderá às diversas
situações de trabalho de crianças e adolescentes, com idade inferior a 16 anos e a de que a
freqüência mínima da criança e do adolescente nas atividades de ensino regular e nas Ações
Socioeducativas e de Convivência (Jornada Ampliada) terão um percentual mínimo de 85%
da carga horária mensal.
Mas, em meio às diversas mudanças operadas, destaca-se, mais uma vez, a
revalorização da esfera familiar, via Portaria GM/MDS nº. 666, de 28 de dezembro de 2005,
que estabelece a integração entre o PETI e o Programa Bolsa Família. De acordo com a
Portaria, o Programa Bolsa-Família
25
constitui a política intersetorial do Governo Federal
voltada ao enfrentamento da pobreza e ao desenvolvimento das famílias em situação de
vulnerabilidade sócio-econômica, abrangendo, como público-alvo, aquelas com situação de
25
Criado pela Lei n°. 10.836, de 9 de janeiro de 2004.
75
trabalho infantil, sendo que a integração buscou racionalizar a gestão de ambos os programas,
com o incremento da intersetorialidade e da potencialidade das ações governamentais,
evitando-se a fragmentação, a superposição de funções e o desperdício de recursos públicos.
No que se refere aos valores da transferência de renda, foram eles alterados e
uniformizados, conforme os benefícios básicos e variáveis, estabelecidos pelo Programa
Bolsa Família. A diferenciação não ocorre mais por inclusão nos programas, mas pela
condição socioeconômica da família comprovada via cadastramento único. Ou seja, com uma
renda per capita entre R$ 0 a R$ 60,00, tem ela direito ao benefício básico de R$ 58,00, e se
entre R$ 60,01 a R$ 120,00, faz jus ao benefício variável por criança e adolescente na faixa
etária de 0 a 15 anos, num limite de até três filhos, no valor de R$ 18,00 por filho. Importa
destacar que as famílias poderão acumular o benefício básico e variável, se atenderem aos
critérios estabelecidos.
Assim, as questões de duplicidade e concorrência entre o PBF e o PETI são
enfrentadas pela integração, que se tornou um caminho viável para fazer face aos impasses e
propiciar uma maior cobertura do atendimento das crianças e adolescentes em situação de
trabalho no Brasil, seja por meio do PBF, seja do PETI. O redesenho permite o alcance dos
usuários incluídos no Programa Bolsa Família, quanto às ações de enfrentamento ao trabalho
infantil, na medida em que estende às famílias com crianças/adolescentes em situação de
trabalho as Ações Socioeducativas e de Convivência do PETI.
Destaca-se como fundamental, no processo de integração entre PETI e PBF, a
garantia da especificidade e do foco de cada programa, possibilitando que continuem
atingindo os seus principais propósitos. O diferencial é que podem ser potencializados e
universalizados.
No Piauí, o PETI foi implantado em 2001, inicialmente em Teresina e Parnaíba,
estando hoje presente nos 223 municípios do Estado, com aproximadamente 31.000
beneficiários. Na capital, o PETI atende a 2.600 crianças e adolescentes, sendo de destacar
que, após a unificação com o Bolsa-Família, o número de beneficiários aumentou, pois a
lógica implícita em tal estratégia é a da universalização do atendimento.
Nesse sentido, ocorre a ampliação da cobertura do atendimento das crianças e
adolescentes em situação de trabalho, já que todas as famílias inseridas no Programa Bolsa
Família - PBF com crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil devem,
obrigatoriamente, encaminhá-las à Jornada Ampliada do PETI, ou melhor, às Ações
Socioeducativas e de Convivência. Seguindo a lógica da gestão do Sistema Único de
Assistência Social – SUAS, o PETI insere-se na proteção social especial de média
76
complexidade, por tratar-se de uma ação que requer maior estruturação técnico-operacional,
atenção especializada e mais individualizada, caracterizada pelo acompanhamento sistemático
e monitorado.
No entanto, com a integração do PETI ao Programa Bolsa Família, faz-se
necessário que o primeiro contato com as famílias ocorra através da rede de proteção social
básica. A inclusão das famílias no Programa segue a regra de inserção no Cadastramento
Único e, dessa maneira, “a porta de entrada” aos benefícios e serviços socioassistenciais são
os Centros de Referência da Assistência Social – CRAS. Nesse sentido, e conforme a lógica
do SUAS, os CRAS devem ofertar os serviços de acompanhamento sistemático de atenção às
famílias vulnerabilizadas, para garantir a sustentabilidade das ações e o rompimento com o
ciclo de reprodução intergeracional do processo de exclusão social.
Dessa maneira, a organização e estruturação dos 16 Núcleos de Jornada Ampliada
do PETI, em Teresina, estão diretamente vinculadas aos atendimentos e encaminhamentos
realizados através dos 7 CRAS existentes. Cada CRAS responde por uma determinada
quantidade de Núcleos de Jornada Ampliada do PETI, como forma de organizar as
responsabilidades e a prestação dos serviços.
2.6. As ações de proteção social às famílias beneficiárias da assistência social em
Teresina
A assistência social em Teresina caracteriza-se, entre outras coisas, pelo
desenvolvimento de ações direcionadas às famílias. Nesse sentido, empreendeu-se um estudo,
a partir dos Planos Plurianuais de Assistência Social, no sentido de identificar e analisar a
natureza dessas ações, no período que corresponde aos anos de 2001 a 2007. No entanto, os
Planos Plurianuais verificados fazem referência ao período de 2000 a 2009, em decorrência
desses documentos institucionais serem elaborados para quatro anos.
O Plano Plurianual de Assistência Social 2000-2001 do município de Teresina
possui, como objetivo geral, “prestar assistência à criança, adolescente, idoso, portadores de
deficiência, famílias excluídas de oportunidades, bens e serviços, garantindo os mínimos
sociais necessários ao reconhecimento de direitos e ao exercício da cidadania”. Cabe destacar
que, em um de seus objetivos específicos, o Plano almeja “propiciar a melhoria das condições
77
de vida da família em estado de extrema pobreza, migrante e população de rua, visando à
elevação dos níveis de renda familiar e melhoria da qualidade de vida”.
Como forma de garantir o alcance dos objetivos propostos, o Plano apresenta
estratégias de ação por grupo de população-alvo, como criança e adolescente, família, idoso e
pessoas com deficiência. No que se refere especificamente à família, foram definidas as
seguintes estratégias:
Implantar programas de orientação de caráter formativo e preventivo às
famílias, com vistas a minimizar os problemas causados pela desestruturação
familiar;
Desenvolver um programa de renda mínima para famílias que não dispõem de
renda para sua subsistência;
Implantar e implementar núcleos produtivos e de comercialização em parceria
com entidades comunitárias, com vistas à geração de renda;
Desenvolver programas de capacitação profissional às famílias excluídas do
mercado de trabalho;
Desenvolver ações educativas de combate à violência;
Desenvolver trabalhos alternativos de geração de renda familiar;
Implementar programas que assegurem às famílias acesso às políticas sociais
básicas;
Ampliar programas de assistência às famílias envolvidas em casos de violência
doméstica.
Evidencia-se, claramente, o reconhecimento da família como instância prioritária
de ação. Contudo, percebe-se que o planejamento das ações referentes à Política de
Assistência Social é realizado de maneira fragmentada e focalista, uma vez que, ao elegê-las e
direcioná-las por segmento demandatário, privilegia-se a ausência de uma visão universalista
e, consequentemente, expõe-se a desorganização dos serviços a serem ofertados. No que tange
às ações voltadas prioritariamente para o segmento família, o Plano 2000-2001 as sintetiza
assim:
Projeto Moradia Digna;
78
Capacitação Profissional – Implantação de Panificadora e Confeitaria
Comunitária;
Capacitação Profissional – Granja Comunitária;
Projeto de Geração de Emprego e Renda – Sacola na Mão;
Projeto Alternativo de Geração de Renda – Instrumental de Trabalho;
Apoio à Formação de 08 Núcleos Produtivos via Associações
Comunitárias;
Construção e Equipamento de 08 Centros Comunitários;
Projeto Cidadão do Campo – Implantação de 18 hortas e 04 pomares em
04 localidades rurais;
Implantação de 40 ha. de Hortas Comunitárias;
Implantação de Núcleos de Geração de Renda;
Implantação de 30 ha. de Lavouras Comunitárias;
Qualificação Profissional de Representantes das Famílias de Alunos
beneficiados pelo Projeto Bolsa Escola em Teresina;
Implantação de 05 ha. de Hortas Comunitárias para famílias de baixa
renda;
Núcleo de Geração de Renda – Confecção de Calçados;
Fabricação de Produtos de Higiene e Limpeza;
Fabricação de Geléia e Doces Caseiros;
Fabricação de Artefatos de Argila;
Frente de Produção – Confecção Corte e Costura;
Ação Integrante do Projeto Vila-Bairro – Construção de 14 Centros
Comunitários de Treinamento e Produção;
Ação Integrante do Projeto Vila-Bairro – Implantação de 29 Hortas
Comunitárias em Vilas de Teresina;
Artesãos e Micronegociantes Familiares - Pequenas Unidades Fabris;
79
Apoio ao Microempreendedor – Realização de Cursos;
Aprendendo a Construir;
Capacitando para Trabalhar Melhor;
Lagoa do Leste;
Ação Integrante do Projeto Vila-Bairro – Unidades Sanitárias Populares
em Vilas e Favelas de Teresina;
Ação Integrante do Projeto Vila-Bairro – Projeto Minha Casa –
Reassentamento de Famílias e Construção em Regime de Mutirão;
Projeto Morar Legal – Expedição de 500 títulos de aforamento e 1.000
títulos de cessão de uso e posse para famílias residentes em lotes objeto de
desapropriação pela Prefeitura Municipal de Teresina;
Projeto Banco de Terras Municipais – Aquisição de 70 ha. de áreas
urbanizáveis para famílias removidas de locais impróprios à moradia ou
sem teto;
Ação Integrante do Projeto Vila-Bairro – Implantação de lotes urbanizados
de 160m² dotados de infra-estrutura urbana básica;
Ação Integrante do Projeto Vila-Bairro – Distribuição de Filtros em Vilas
de Teresina;
Produção de Cartilhas sobre Violência Doméstica, Drogas, Prostituição
Infantil e Trabalho Infantil;
Vila Verde
Pesquisa / Publicação – Perfil da Mão de Obra Especializada;
Pesquisa / Censo de Vilas e Favelas de Teresina – Atualização.
Conforme verificado, as ações propostas às famílias residentes em Teresina são
variadas, mas podem classificar-se em torno de 05 (cinco) eixos principais, relacionados à
moradia de qualidade, à capacitação e qualificação profissional, à geração de trabalho e renda,
à organização comunitária e à informação e orientação familiar (ver gráfico seguinte).
80
Gráfico 1
Ações Direcionadas às Famílias de Teresina no
período de 2000/2001
Percebe-se a superioridade de iniciativas de apoio às famílias no sentido de
promoção de trabalho e renda. Isso é decorrente, acima de tudo, da tentativa de melhoria das
suas condições financeiras, já que a maioria delas se viu foi afetada pelos reflexos do ajuste
neoliberal no país, em meados da década de 1990, que culminou com o empobrecimento
ainda maior de grande parte da população. Contudo, essas ações de trabalho e renda possuem
um caráter de descontinuidade e fragmentação, conforme se evidencia nos Planos Plurianuais
dos anos subseqüentes.
No segundo eixo prioritário, relacionado à moradia de qualidade, deve ser
mencionado que grande parte dessas ações era integrante do Projeto Vila-Bairro
26
e
necessitavam execução para que se atingissem os resultados estabelecidos em sua formatação.
26
O Projeto Vila-Bairro, executado pela Prefeitura de Teresina desde o ano de 1998, realiza ações de melhoria
habitacional, urbanização, educação ambiental, pavimentação, construção de equipamentos comunitários,
geração de renda e saneamento, e possui como órgãos financiadores o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social - BNDES, o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e o Ministério das Cidades.
23%
14%
45%
6%
9%
3%
Relacionadas à moradia de qualidade
Relacionadas à capacitação e qualificação profissional
Relacionadas à geração de trabalho e renda
Relacionadas a organização comunitária
Relacionadas à informação e orientação familiar
outras
81
Sendo assim, tal eixo progride mediante a adequação de um determinado projeto, não surge,
portanto, como demanda legítima das famílias empobrecidas.
O Plano Plurianual de Assistência Social 2002-2005 do município de Teresina
apresenta, como objetivo geral, “incluir os involuntariamente excluídos nas Políticas Públicas;
criar apoio em situação de vulnerabilidade social e promover a cidadania”. Importa ressaltar,
neste estudo, o objetivo específico de “desenvolver ações integradas que contribuam para o
atendimento das necessidades básicas dos segmentos vulnerabilizados pela pobreza e
exclusão social”. Observa-se, pelo exposto, a preocupação de responder às demandas
prioritárias ao desenvolvimento fundamental dos cidadãos. O Plano traz de inovador, em seu
conteúdo, um conjunto de prioridades a serem seguidas:
Incluir crianças, adolescentes, jovens, idosos, pessoas com deficiência e
famílias nas políticas públicas setoriais;
Criar e ampliar programas de geração de renda para famílias excluídas;
Fortalecer os programas de atendimento aos usuários de drogas;
Ampliar programas de assistência às famílias envolvidas em casos de
violência doméstica;
Investir na capacitação técnica dos profissionais e gestores da assistência
social;
Fortalecer os programas e projetos relativos à discriminação e preconceito
contra a mulher, idoso e pessoas com deficiência;
Fortalecer as parcerias com a sociedade civil;
Promover a cidadania;
Criar apoios em situação de vulnerabilidade social para crianças,
adolescentes, jovens e idosos;
Priorizar a centralidade das ações na família;
As ações prioritárias descritas, em consonância com o Plano Plurianual anterior,
explicitam e reafirmam o reconhecimento da família como instância prioritária. Note-se que,
nesse período, a discussão da centralidade familial já está inserida no planejamento da política
de assistência social e merece destaque, nesse sentido, o PETI, por tratar-se do primeiro
Programa de amplitude nacional a ter a família como categoria fundamental de atuação.
Diferentemente do Plano anterior, o referido documento não apresenta registro de
estratégias de ação por grupo de população-alvo, referindo-se ao fortalecimento da política de
82
assistência social no município e, indistintamente, à organização de sua prestação de serviços
à população beneficiária. As estratégias apontadas no Plano Plurianual 2002-2005 são:
Viabilização de mecanismos de intercâmbio entre as políticas sociais
executadas no município;
Criação de fóruns permanentes para discussão e formulação do
planejamento participativo das ações das políticas sociais;
Organização da Rede Municipal de Assistência Social;
Operacionalização do Plano Municipal de Monitoramento e Avaliação da
Rede de Inclusão e Proteção Social;
Viabilização dos diferentes programas/projetos sociais existentes no
município;
Valorização das ações de avaliação no âmbito dos diversos órgãos
municipais que implementam a Política de Assistência Social em Teresina;
Fortalecimento das ações de geração de emprego, renda e financiamento;
Implementação do Programa de Renda Mínima no município;
Articulação entre os Conselhos de Direitos através de fóruns, debates e
ciclo de palestras;
Articulação de informações e serviços entre Conselhos de Direitos das
Políticas Sociais Públicas, órgãos e entidades que desenvolvem ações de
assistência social;
Fortalecimento de parcerias entre órgãos governamentais para ampliação
das ações implementadas por estes órgãos;
Estímulos a parcerias entre Organizações Governamentais e Organizações
Não-Governamentais;
Garantia da qualidade nos serviços prestados por OGs e ONGs;
Combate ao paralelismo de ações, programas e projetos na área de
assistência social;
Fortalecimento do marketing da política de assistência social em Teresina;
Articulação com outras políticas sociais e macroeconômicas;
Parceria entre o poder público e organização de assistência social da
sociedade civil;
Efetivação de amplos pactos entre poder público e sociedade;
Integração e convergência entre as ações dos três níveis de governo.
83
As estratégias descritas apontam para um modelo de gestão mais organizado e
melhor estruturado da assistência social em Teresina. Surgem, nesse período, aspectos
fundamentais ao desenvolvimento e fortalecimento dessa política pública, como entre outros,
planejamento participativo, organização dos serviços em rede, fortalecimento de parcerias,
articulação entre as diversas políticas, que podem se considerar inovadores.
Tais novidades originam-se e são permanentemente impulsionadas pela
necessidade de adequação aos princípios e diretrizes estabelecidos pela Lei Orgânica da
Assistência Social - LOAS, bem como pelos instrumentos institucionais reguladores dessa
política. Nesse sentido, as ações planejadas para os anos de 2002-2005, segundo o Plano
Plurianual, buscam “assegurar a democratização da gestão, a participação da sociedade, o
controle social das ações assistenciais e a garantia de efetivação dos direitos de cidadania”.
Com base no exposto e a partir das propostas direcionadas para o segmento
vulnerabilizado pela pobreza, em especial as famílias vitimizadas socialmente, o Plano
Plurianual 2002-2005 sistematiza 05 eixos de ação, denominados Programas (Gestão
Administrativa, Administração Superior da Secretaria, Inclusão Social nas Políticas Sociais
Básicas, Apoio Social e Defesa de Direitos de Cidadania de Mulheres, Idosos, Crianças,
Adolescentes e Jovens) A partir deles definiram-se as seguintes ações:
Projeto Cidadão;
Programa de Ação Complementar – PAC;
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI;
Projeto de Capacitação/Qualificação e Requalificação de Famílias e Jovens;
Núcleo de Apoio à Família - NAF;
Ações de Remanejamento e Melhoria das Condições de Vida de Famílias
Vulnerabilizadas pela Pobreza em Ações Emergenciais;
Assistência à Infância e à Família;
Construção de Centro de Integração Social.
Para tomar como base o Plano Plurianual precedente, as ações propostas às
famílias vulnerabilizadas socialmente em Teresina, nesse período, não são tão diversificadas,
aparecem em número reduzido e apresentam eixos de ação totalmente diversos do
planejamento anterior. O próprio Plano ora analisado já define os 05 (cinco) principais pontos
84
de intervenção a serem desenvolvidos, de sorte que as direcionadas às famílias podem ser
classificadas segundo o gráfico abaixo seguinte:
Gráfico 2
Ações Direcionadas às Famílias de Teresina no período de
2002/2005
Fica evidente a supremacia de iniciativas que se refereM às ações de inclusão
social nas políticas sociais básicas. Aliás, dizem elas respeito ao acesso à documentação
básica de cidadania, à assistência familiar pelo atendimento da criança em creches, ao apoio
familiar pelo atendimento à criança ou adolescente em situação de trabalho infantil e à ação
de capacitação familiar pelo atendimento ao jovem.
No eixo apoio social, ressalta-se a implantação do Núcleo de Apoio à Família –
NAF, cujo objetivo é realizar a identificação e articulação dos serviços, projetos e ações que
oferecem atendimento às múltiplas necessidades familiais. Esse projeto posteriormente
transformou-se no Programa de Atenção Integral à Família – PAIF, considerado o principal
Programa de Proteção Social Básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS),
desenvolvido na unidade do Centro de Referência da Assistência Social – CRAS.
Chama-se atenção para o fato de que, nas ações relacionadas à gestão
administrativa e à administração superior da Secretaria, não existe qualquer referência ao
0%
0%
49%
38%
13%
Relacionadas à gestão administrativa
Relacionadas à administração superior da Secretaria
Relacionadas à inclusão social nas políticas sociais básicas
Relacionadas ao apoio social
Relacionadas à defesa de direitos de cidadania
85
segmento familiar. Aliás, é no segundo eixo que se inserem as pesquisas, estudos e algumas
capacitações, embora a família não se constituísse em foco de intervenção.
O Plano Plurianual de Assistência Social 2006-2009 do município de Teresina
apresenta toda uma organização baseada na proposta de reordenamento da política de
assistência social no sentido de implantação e consolidação do Sistema Único da Assistência
Social – SUAS. O documento destaca, como objetivo geral, “implementar as ações da
assistência social como política pública, segundo os pressupostos da territorialização, da
descentralização e da intersetorialidade entre as políticas públicas, efetivadas no âmbito do
Sistema Único da Assistência Social – SUAS como direitos de cidadania e inclusão social”.
Ressalte-se que, dentre os objetivos específicos formulados merece evidência neste
estudo o que se propõe a “assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham
centralidade na família, e que garantam convivência familiar e comunitária”. Nesse Plano,
expõe-se claramente a adequação aos preceitos consubstanciados no SUAS, entre eles a
relevância do princípio da centralidade familiar na execução da política pública de assistência,
e definem-se como eixos prioritários de ação a proteção social básica, a proteção social
especial e o apoio à organização da gestão do sistema. Assim, com base nesses eixos e a partir
do direcionamento de intervenções no segmento familiar, formularam-se as seguintes ações:
Implantação e Manutenção dos Centros de Referência da Assistência Social –
CRAS;
Ações Socioeducativas com Famílias de Crianças de 0 a 6 anos/Ações
Interdisciplinares;
Atendimento Emergencial a Famílias em Situação de Pobreza e sob Riscos
Circunstanciais;
Capacitação de Jovens/Famílias;
Bolsa Família – Apoio Técnico/Cadastramento/Monitoramento;
Inclusão Produtiva em Teresina (Capacitação e Inclusão Produtiva de Famílias
do PETI e Programa Sentinela);
Consoante a análise dos Planos Plurianuais anteriores, percebem-se, nesse
documento, ações direcionadas às famílias bem menos diversificadas e em menor quantidade.
Contudo, cabe compreender que isso decorre de uma organização maior dos serviços,
86
proposta segundo os eixos estruturantes de ação baseados no SUAS. Assim, as ações
classificam-se conforme o gráfico abaixo:
Gráfico 3
Ações Direcionadas às Famílias de Teresina no
período de 2006/2009
Importa perceber que uma quantidade representativa de ações se direciona à
proteção social básica, que no SUAS refere-se às de prevenção de riscos, sendo ofertadas pela
unidade pública estatal de base territorial - os CRAS. No entanto, está ausente do
planejamento o detalhamento das atividades oferecidas às famílias referenciadas.
É necessário atentar ainda para o reduzido percentual de ações da proteção social
especial, bem como para o atraso na implantação do Centro de Referência Especializado da
Assistência Social, direcionado ao atendimento das necessidades oriundas da proteção social
especial de média complexidade. Destarte,
Dentre as principais ações implementadas na área de proteção social especial
destaca-se o PETI, um Programa que se constitui em referência para a presente pesquisa,
tendo em vista o caráter de centralidade familiar atribuído a ele. Por este motivo, faz-se
necessário analisá-lo, no capítulo seguinte.
83%
17%
0%
Relacionadas à proteção social básica
Relacionadas à proteção social especial
Relacionadas ao apoio à organização da gestão do SUAS
87
3. IMPACTOS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SOBRE AS
CONDIÇÕES DE VIDA DAS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS, EM
TERESINA, DO PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO
INFANTIL – PETI
Conforme o exposto no capítulo anterior, a proteção social prestada às famílias em
situação de risco e vulnerabilidade social através da política de assistência social vem se
constituindo, nos últimos anos, em questão central.
Assim, o presente capítulo tem como objetivo analisar os impactos da política de
assistência social nas condições de vida das famílias beneficiárias do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, na cidade de Teresina. Inicialmente, far-se-á uma
caracterização delas, no sentido de melhor compreender a realidade em que estão inseridas e
captar suas legítimas necessidades, anseios e perspectivas.
O critério de seleção dos sujeitos da pesquisa foi o tempo de permanência no
programa, sendo preferencialmente eleitos aqueles cuja inserção ocorreu desde a sua
implantação, em Teresina, em 2001. A partir da visita aos núcleos de funcionamento do PETI
foi possível selecionar as famílias: o critério de escolha do membro da família a ser
entrevistado foi o de ser reconhecido pelos demais membros familiais como o seu
representante no espaço público, que não necessariamente o provedor, mas o referenciado, ou
seja, aquele indivíduo que integra o agrupamento doméstico, é legitimado pelos demais como
seu representante e, independentemente da contribuição financeira, simboliza o seu pilar de
sustentação moral, afetiva e relacional.
Destaca-se ainda que todos os sujeitos da pesquisa foram devidamente orientados a
respeito dos objetivos, procedimentos metodológicos, ausência de riscos, bem como da
garantia de sigilo das informações prestadas e derivadas deste estudo. Os sujeitos assinaram,
em duas vias, um termo de consentimento livre e esclarecido, concordando em participar da
investigação de maneira voluntária e sob a garantia formal da segurança quanto a essa
participação.
Convém ressaltar a disponibilidade das famílias em contribuir com esse estudo e
também referenciar as diversas manifestações de lisonjeio e satisfação pessoal demonstradas
pelos sujeitos durante a realização das visitas domiciliares realizadas pela pesquisadora.
88
3.1. Caracterização das famílias atendidas pelo PETI em Teresina
Partindo da indicação do membro que representa a família, a maioria delas possui
como referência mulheres que são donas de casa, têm faixa etária média de 38 anos e contam
com baixa escolaridade. Essas famílias vivem em áreas periféricas, como vilas e favelas, e
naquelas consideradas de risco, como Dirceu Arcoverde II, Monte Horebe, Santa Maria da
Codipi, Cidade Jardim, Wall Ferraz, Planalto Ininga, Monte Castelo, Vila Bandeirantes, Vila
São Francisco Sul, Vila Irmã Dulce, Promorar, Km 7, Planalto Bela Vista, São Joaquim,
Matadouro e Planalto Uruguai.
Majoritariamente, as famílias são proprietárias da moradia (apenas uma paga
aluguel), todas com espaços reduzidos, em geral deteriorados e, em alguns casos, inacabados.
Tal situação de precariedade pode se evidenciar mais ainda pela habitabilidade de 3 (três)
famílias em áreas consideradas de risco. Tendo que viver em um grotão e presenciar a casa ser
invadida por água de esgoto em certos períodos do ano, a entrevistada 13
27
(2008) relata que
a casa é nossa, inclusive é para a Prefeitura botar lá para o Monsenhor
Chaves, a gente vai ter que sair daqui porque aqui é área de risco. Aqui é
uma grota e estamos cadastrados esperando ser levados para lá. Já foram
algumas pessoas daqui mas faltam quatro famílias[...]Ela disse que era três
meses, mas as famílias que já foram ainda não estão com as casas feitas,
algumas estão incompletas e outros a casa ainda está sendo feita, eles estão
morando só num pedaço. Já foram umas 16 famílias já, falta só quatro pra ir.
Tem duas aí em frente que estão pra sair, mas para sair mesmo só faltam
quatro [...] Aqui é área de risco, quando chove entra água dentro de casa,
muita sujeira, causa muita doença. É isso, o que eu mais quero é uma
moradia melhor.
O discurso, permeado de ansiedade, expõe a difícil realidade da família. Apresenta
as dificuldades do cotidiano, a necessidade de moradia digna e a crítica pela demora no
atendimento, tendo em vista a exposição diária a graves riscos, que atentem contra suas vidas.
Dez famílias estão inseridas em programas habitacionais desenvolvidos pela
Prefeitura Municipal, através das Superintendências de Desenvolvimento Urbano (SDUs).
Trata-se de ações de remoção e assentamento de famílias das áreas de risco, de melhoria
habitacional e de regularização da posse do imóvel. Conforme a pesquisa, esse atendimento à
27
Esclarece-se que a utilização da fala dos entrevistados será citada na forma numérica, no sentido de garantir o
sigilo necessário para a presente pesquisa.
89
demanda habitacional provoca contentamento e eleva a auto-estima dos sujeitos, minorando
suas tensões e contribuindo para uma vida mais saudável.
A minha casa é linda, cheia de plantas e árvores, passou até outro dia no
Arvorecer, liguei para Simone Castro, eu acho a minha casa linda, é porque
na frente tem um jardim imenso, o meu quintal é grande, é uma casa na
avenida, tem muita planta, eu gosto de planta, de areia, crio cachorro, gato,
assim, eu gosto de criar as coisas, a minha casa é arrumadinha[...]Na época
eu ganhei porque eu fiz a inscrição na SDU [...] (Entrevistada 11, 2008).
Como dito anteriormente, uma característica marcante, evidenciada pela pesquisa,
é o fato de os sujeitos de referência constituirem-se, majoritariamente, de mulheres - mães,
avós e irmã. Ao analisar esse aspecto, chama-se atenção para a posição de destaque que a
figura feminina ocupa no processo de organização e gestão do lar, uma vez que, ao serem
apontadas, pelos demais integrantes da família, como membro referenciado, é atribuído a elas
a condição de representante do domicílio e responsável maior pela dinâmica familiar. Os
dados aparecem conforme o gráfico a seguir:
Gráfico 4
Membro de Referência Familiar
Consoante o gráfico, 69 % das famílias possuem as mães como membros de
referência, sendo possível observar a predominância da figura feminina na representação das
famílias, já que funcionam como uma espécie de arrimo familiar. Apreende-se que a mãe
assume papel muito importante no desempenho de responsabilidades nessa instância.
69%
19%
6%
6%
Mãe Avó Pai Irmã
90
O fato de a figura feminina ganhar evidência e tornar-se a peça central no processo
de organização e manutenção da integração familiar é uma das características mais marcantes,
em se tratando das mudanças enfrentadas por essa instância na contemporaneidade. No
decorrer dos tempos, a mulher tem assumido a função de “chefe” da família, arcando
inclusive com a tarefa de sustentação econômica. Nesse sentido, Rosa (2006, p. 8) afirma que
[...] nas últimas décadas, as várias transformações sociais e econômicas
contribuíram para a entrada em massa das mulheres no mercado de
trabalho, transformando as convenções de comportamento social e pessoal,
afetando os padrões e as relações familiares, aumentando a tendência de
famílias chefiadas por mulheres [...].
Os dados da pesquisa corroboram a assertiva, ao constatarem o predomínio de
domicílios chefiados por mulheres, especialmente pelas mães, o que se alinha com a última
verificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acerca do crescimento do
número de famílias monoparentais no país. Assim, conforme Romanelli (2003, p. 78),
[...] seja mediante atividades profissionais produtoras de rendimento, seja
produzindo valores de uso no exercício das tarefas domésticas, seja
gerenciando e administrando os rendimentos e o consumo, percebe-se a
imensa importância dos vários tipos de trabalho materno para a melhoria das
condições de vida da família [...].
Reconhecendo essa realidade, as políticas e programas sociais passaram a
evidenciar a figura feminina na formulação e implementação de ações socioassistenciais,
direcionando as atividades, prioritariamente, a esse público.
Quanto à extensão do grupo familiar, 10 das famílias entrevistadas dispõem de
quantidade de membros superior a cinco pessoas no mesmo lar. A esse respeito, com base nas
últimas pesquisas do IBGE, tem-se de um modo geral, verificado que as famílias em situação
de vulnerabilidade são mais numerosas que as que têm um melhor padrão sócio-econômico.
Tal característica se fundamenta no argumento de que quanto mais elevados os níveis de
renda e instrução, maiores as possibilidades de planejamento familiar.
A extensão do grupo familiar torna-se um fator agravante se forem levados em
conta as insuficientes condições de moradia a que estão submetidos.
Para melhorar as condições lá de casa, era assim, o problema da minha casa,
que é muito, não é bem assim, confortável, e lugar pra eles dormir. Que lá
em casa eu tenho estes netos, porque só em uma cama dorme cinco, a casa é
91
pequena pra o monte de gente e não tem como cada qual ter seu lugar pra
dormir” (Entrevistada 15, 2008).
Ora, uma grande quantidade de pessoas vivendo em um espaço limitado
compromete ainda mais a qualidade de vida do grupo. Para Rosa (2006, p.), a realidade das
famílias vulnerabilizadas é a de que “[...] via de regra, essas famílias moram em habitações
inadequadas, em espaços reduzidos, com várias pessoas convivendo, sem privacidade”.
No que se refere à composição familiar, cabe destacar alguns pontos. Inicialmente,
deve-se considerar a diversidade dos arranjos familiares e o rompimento com o modelo de
família nuclear, composto basicamente por pai, mãe e filhos. Segundo Rosa (2006, p.), “[...]
são grandes as transformações e diversidades [...] nos grupos familiares [de sorte que] nesse
contexto, a [...] nuclear deixa de ser o modelo vigente na sociedade, pois se fazem presentes
novas formas de organização familiar [...]”.
Como mostra a tabela seguinte, das 16 famílias que integraram a pesquisa, apenas
4 reproduzem o modelo tradicional, com pai, mãe e filhos. Ademais, somente 4 não contam
com a presença da mãe, sendo que, em duas dessas, a ausência decorre de abandono, outra por
motivo de falecimento e a quarta por falta de condições financeiras para manter os filhos.
Observa-se, em 3 casos com mãe ausente, que a referência familiar cabe à avó,
enquanto em apenas um caso essa função é atribuída ao pai. Destaca-se, ainda, uma família na
qual a mãe está presente, mas o membro referenciado é uma irmã.
Tabela 1 – Composição e Referência Familiar
Identificação dos
entrevistados
Quantidade de
pessoas que
habitam o
domicílio
Membro de
referência
Composição
familiar
1 7 Avó Avó, avô, filhos e
netos
2 4 Mãe Mãe, padrasto e
filhos
3 4 Mãe Mãe, pai e filhos
4 8 Mãe Mãe e filhos
5 4 Mãe Mãe, padrasto,
filho e enteado
6 5 Mãe Mãe, pai e filhos
7 4 Mãe Mãe e filhos
92
8 7 Pai Pai, filhos e neto
9 6 Mãe Mãe, pai e filhos
10 5 Mãe Mãe e filhos
11 3 Mãe Mãe e filhos
12 8 Irmã Mãe, padrasto,
filhos e netos
13 3 Mãe Mãe, pai e filho
14 6 Mãe Mãe e filhos
15 12 Avó Avó, avô, filhas e
netos
16 6 Avó Avó, filhos e netos
Fonte: Pesquisa Direta. Teresina – PI, 2008.
O fato de a figura da avó assumir a autoridade na ausência materna é uma
tendência contemporânea. Segundo Vitale (2005, p. 94),
as mudanças dos laços familiares e a vulnerabilidade que atinge as famílias
demandam novos papéis, novas exigências para as figuras dos avós,
personagens que ganham relevo tanto nas relações afetivas com os netos
quanto como auxiliares na socialização das crianças ou, ainda, no seu
sustento, mediante suas contribuições financeiras.
Evidencia-se, dessa maneira, a existência dos filhos em todas as famílias
investigadas e a prevalência da mãe em 12 delas. Seguidamente, estão presentes os pais e os
netos, em 5 delas os avós e os padrastos, em três, e os enteados, em uma.
Como demonstrado, é possível perceber os vários arranjos familiares das famílias
entrevistadas: as nucleares, as monoparentais, composta pelos avós e, ainda, as que têm
membros agregados, como os enteados. Dessa maneira, considerar a variedade de formatos
familiares existentes constitui-se em elemento essencial ao processo de formulação e
execução de ações públicas promotoras de bem-estar, destacando Neder (2005) que a
importância de pensar elas de maneira plural está em fortalecer a construção democrática
fundada na tolerância com as diferenças.
Outro aspecto crucial, que caracteriza o cotidiano das famílias inseridas no PETI
em Teresina, é a sobrevivência com baixo rendimento. A pesquisa constatou que a sua renda
média mensal é de R$ 335,00, com a maior renda identificada no valor de R$ 600,00, e a
menor de R$ 48,00. Sublinhe-se que a formação da renda dá-se basicamente pela contribuição
de apenas um membro do grupo.
93
Tomando por base o salário mínimo
28
, 9 entre as 16 famílias investigadas
percebem mensalmente uma renda inferior a um salário mínimo, 5 contam com pouco mais de
um e apenas 2 sobrevivem com um, dado que adensa o quadro de extrema vulnerabilidade a
que estão submetidas. Ademais, se a base for a renda mensal per capita familiar, a situação
torna-se mais dramática, pois dentre as pesquisadas fica em torno de R$ 63,00, a mais alta no
valor de R$ 164,00 e a mais baixa de R$ 12,00. Dessa forma, a partir dos valores per capita
apresentados, é possível classificar, majoritariamente, as famílias investigadas em situação de
extrema pobreza
29
.
No que se refere à situação laboral das 16 famílias pesquisadas, apenas 4 possuem
um membro inserido em trabalho formal, as demais formando a renda domiciliar com
recursos advindos de atividades autônomas e informais. As atividades informais identificadas
na investigação foram sacoleira, quebrador de pedra, ajudante de supermercado, faxineira,
ajudante de pedreiro, auxiliar de mecânico, carregador de caminhão, lavandeira e vigia
noturno, figurando, entre as formais, as de vendedor, motorista e zeladora. Registrou-se,
ainda, um caso de aposentadoria por invalidez.
A crise econômica e fiscal que assolou o país na década de 1990 trouxe como
resultado o aprofundamento dos problemas sociais, devido à adoção de reformas direcionadas
ao mercado. O Estado sofreu reformulações em seu papel de regulador e provedor de políticas
econômicas e sociais e, consequentemente, o setor mais afetado foi, indiscutivelmente, o do
trabalho. Conforme Carvalho e Almeida (2003), a partir dos anos de 1990, paralelamente ao
incremento do desemprego, ocorreu uma deterioração expressiva das condições e da
qualidade da ocupação, com o decréscimo do emprego formal, associado a perda de garantias
trabalhistas e a certa proteção social, de sorte que se ampliou o emprego precarizado e o
número de trabalhadores que, como alternativa ao desemprego e à ausência de renda, passou a
engrossar as fileiras do mercado informal.
A falta de vínculos formais de trabalho reafirma a insegurança e a vulnerabilidade
a que as famílias estão expostas e determina uma condição de precariedade futura. A proteção
social, via garantias trabalhistas, é inexistente para a quase totalidade dos membros das
famílias pesquisadas, o que reforça a constatação de Rosa (2006) segundo a qual o
desemprego ou o trabalho informal percorre cotidianamente a realidade dos grupos
vulnerabilizados. Para a autora, a rede de serviços públicos é precária e a rede de apoio
28
O valor do salário mínimo vigente é de R$ 415,00.
29
O valor per capita considerado para caracterizar a situação de extrema pobreza corresponde ao utilizado pela
PNAD-2006 e equivale a R$104,00 (IBGE, 2006).
94
familiar ou de vizinhança insuficiente para enfrentar a situação de privação em que vivem
esses agrupamentos afetivos.
Importa, ainda, observar a relevância do benefício do PETI no perfil da renda
familiar. Conforme o gráfico seguinte, é possível analisar a representatividade que o valor
pecuniário transferido exerce na composição dos ganhos domiciliares.
Gráfico 5
Representação do Benefício do PETI na Composição da Renda Familiar
0
100
200
300
400
500
600
700
F
a
mília
1
F
amí
l
i
a
2
Falia 3
F
amí
l
i
a
4
Falia 5
F
amí
lia
6
Fa
l
i
a
7
F
a
mília
8
F
a
mília 9
F
amí
l
i
a
1
0
Família 11
F
amí
l
i
a
1
2
Fal
i
a 13
F
amília 14
Fa
l
i
a 15
Família 16
Renda Familiar Bruta Transferência do Programa
Fonte: Pesquisa Direta. Teresina – PI, 2008.
Segundo esses dados, observa-se que, para 3 das famílias entrevistadas, o recurso
proveniente da transferência realizada pelo Programa corresponde à totalidade da renda
domiciliar. Contudo, é necessário acrescentar que, mesmo para as famílias cujo repasse
financeiro não representa proporcionalmente um impacto tão significativo na composição da
renda, existe um reconhecimento e uma valorização da importância dessa ação (o gráfico
permite perceber que quanto maior a renda, menor o impacto do benefício na composição da
receita familiar).
95
Assim, ao realizar a caracterização sócio-econômica das famílias atendidas pelo
PETI em Teresina, objetivou-se conhecer e reconhecer suas legítimas demandas, captar
sensações e identificar limites, fragilidades e potencialidades, no sentido de aproximar-se, ao
máximo, de sua realidade. Ademais, a partir dos depoimentos dos entrevistados, evidencia-se
a unanimidade no reconhecimento da insuficiência de renda para a manutenção das
necessidades familiares básicas.
A entrevistada 4 afirma que a renda “não é suficiente, mas é a que a gente tem e é
a que a gente vai passando. É o que a gente sobrevive, fazendo, como é que se diz, fazendo o
que pode e o que não pode. Porque a que tem que ser usada é esta”
O depoimento expõe a real situação de carência econômica das famílias
pesquisadas, demonstra o descontentamento dos sujeitos com a realidade socioeconômica na
qual estão inseridos e evidencia os esforços que precisam despender para garantir o alcance
dos seus anseios. A entrevistada 16 (2008) manifesta isso ao afirmar que
não é cobrindo o que a gente precisa, anda é longe de cobrir o que a gente
quer [...] e a gente passa cada uma, tem dia que eu fico perdidinha,
perdidinha da cabeça, sem saber, minha filha, porque é por mês que a gente
recebe, aí quando a gente recebe eu fico controlando daqui e dali, é um jogo
de cintura que tem que fazer aqui, pra gente vencer, passa apertadinho, mas
tem gente que não tem nem deste tanto, nem este pra sobreviver [...]. Mas
não dá, não dá, e eu escapo muito porque os meninos no reforço tem
merenda, no colégio tem merenda, é o que me ajuda muito, eles têm
alimentação balanceada porque no colégio as merendas são boas, umas
merendas perfeitas, aí me ajuda muito, muito, muito, porque minha filha
quando eu chegar numa pessoa e dizer me arrume com isto é por que eu tô
aperreada, porque a gente não pode andar ocupando ninguém por nada, a
gente tem que procurar viver, eu não ando incomodando o povo por besteira
não, por necessidade não, porque necessidade todos nós passamos. Mas é
muito apertadinho.
Evidencia-se, na fala da entrevistada, a precariedade das condições de vida das
famílias atendidas pelo Programa. A privação na qual as famílias se inserem determina a
justificativa de ações cada vez mais efetivas de alteração dessa realidade. Por fim, sintetiza-se
um conjunto de características próprias das famílias investigadas, que são o predomínio
da figura feminina, em especial a da mãe, como membro referenciado pela
família;
de famílias extensas, compostas basicamente de cinco membros ou mais;
de uma diversidade de arranjos familiares;
de famílias inseridas em situação de extrema pobreza;
96
da condição de trabalho autônomo e informal das famílias.
3.2. O impacto do PETI nas condições de vida das famílias beneficiadas
Segundo as formulações iniciais do PETI e de seu redesenho a partir do Programa
Bolsa Família, todas as crianças em situação de trabalho infantil devem estar inseridas nas
ações socioeducativas promovidas pelos seus núcleos de atendimento e a família deve receber
uma transferência de renda com valor específico. Ou seja, a universalidade da cobertura
constitui-se em um princípio dessa ação.
A pesquisa constatou o cumprimento dessa cobertura integral, pois todas as
crianças e adolescentes das famílias pesquisadas, excetuando-se as desligadas por critério de
idade, estão integradas ao PETI. No que concerne ao desligamento, identificou-se que das 5
famílias que já sofreram com a exclusão da criança ou adolescente do Programa, apenas 2
foram encaminhadas a outra ação. Por essa razão, destacam ser essa uma fragilidade do
Programa, tendo em vista a interrupção do atendimento sem que esteja garantido o
encaminhamento a outros serviços e sem que a situação de risco e vulnerabilidade haja sido
superada.
Acerca da superação da condição de vulnerabilidade, conforme a formulação do
Programa, a partir da data de inclusão, a família passaria a receber acompanhamento
sistemático, com o desenvolvimento de ações de geração de trabalho e renda até atingir um
considerável grau de autonomia e emancipação que proporcionasse o seu automático
desligamento. O período definido entre a data de entrada e sua possível autonomia não
poderia ser superior a quatro anos. Contudo, segundo a pesquisa, das 16 famílias investigadas,
11 estão inseridas no PETI há mais de quatro anos e metade delas o integra desde a sua
implantação em 2001.
A sustentabilidade familiar constitui-se, pois, em mais uma debilidade do
Programa, devido ao extenso tempo de permanência. Tal informação é de extrema relevância,
uma vez que o não cumprimento dessa premissa sugere a ineficácia na promoção da família e,
contraditoriamente, suporta e fortalece o caráter de tutela e dependência nas ações
socioassistenciais desenvolvidas. Segundo Carvalho (2005, p. 107),
97
[...] as ações hoje são assistencialistas e tutelares, o que precisa ser
erradicado em um projeto político de compromisso ético para com as
famílias brasileiras [...] A complementação da renda familiar é um meio e
não um fim. Portanto, deve estar associada ao conjunto de
programas/serviços oferecidos pela política social com vistas à proteção
social e ao desenvolvimento de condições para auto-sustentação do grupo
familiar. Enquanto meio, supõe um conjunto de ações e um processo que
deve ser acompanhado e supervisionado.
Dessa maneira, torna-se explícito o comprometimento da função promotora de
autonomia das famílias, tão defendida como premissa pela Política Nacional de Assistência
Social e pelos Programas a ela vinculados.
Outro ponto importante, evidenciado por este estudo, é o relacionado à informação
e à formação das famílias acerca da ação na qual estão inseridas. Nesse sentido, ao serem
questionadas sobre o significado do Programa, todas demonstraram compreender a intenção
da retirada das crianças e adolescentes da situação de trabalho infantil. O depoimento da
entrevistada 1 corrobora a afirmativa:
É um programa que o governo oferece, a prefeitura né? é do governo federal,
não é? para ajudar as famílias carentes e de preferência crianças que
trabalhem, o governo não quer que o adolescente trabalhe por conta própria
porque o direito dele é estudar, isto que eu entendo, uma coisa para evitar o
trabalho para a criança” (Entrevistada 1, 2008).
O acesso à informação é pré-requisito básico do atendimento qualitativo da
população em qualquer ação pública. Nesse sentido, oportunizar essa garantia constitui
instrumento essencial à democratização do acesso aos bens e serviços públicos, ao
fortalecimento da participação social e à formação cidadã. Ora, todas as famílias entrevistadas
conhecem o objetivo da ação na qual estão inseridas e lhes reconhecem a importância.
Conforme a entrevistada 14, “o PETI, eu entendo assim, é para tirar as crianças do trabalho
infantil e foi até bom vir pra cá para as crianças estarem na escola, estudando, ter aula de
reforço, o que eu entendo é assim, eu gosto [...]”.
Faz-se, porém, importante destacar que, apesar de compreender os significados do
Programa, percebeu-se que a súbita incorporação do PETI pelo Bolsa Família despertou
incertezas nas famílias quanto à continuidade das ações até então desenvolvidas, gerando o
comprometimento da assimilação das informações sobre os novos procedimentos
implementados. As mudanças nos valores pecuniários recebidos, antes como Bolsa Criança
Cidadã – PETI e atualmente como Bolsa Família, causam dúvidas e questionamentos: os
98
grupos familiares não compreendem as razões da redução ou aumento desses quantitativos. O
depoimento da entrevistada 15 (2008) demonstra isso:
[...]Eu recebo 36. Antes eu recebia 95. Inclusive eu pensei que ia aumentar,
fez foi diminuir, foi cortado em agosto, agosto do ano passado, eu não fui
mesmo lá, entrei em contato com a assistente social daqui que é...a...meu
Deus, como é o nome da menina, a Poliana, eu falei com ela e ela disse que
ia saber o porquê de eu estar recebendo só isto, porque tinha o menino do
PETI que recebia na faixa de 40 reais, e não tinha sido cortado ainda, então
ela disse que tinha alguma coisa errada no meu Bolsa Família, aí ela foi
levou meu dados e disse que estava errado mesmo, mas a partir do mês de
março, ela tinha entrado lá pra mim, e no mês de março eu podia esperar que
ia normalizar. E aí não normalizou, continua vindo os 36,00 [...].
É relevante salientar a importância do repasse de informações às famílias acerca
das mudanças operadas no Programa, como forma de garantir o respeito aos cidadãos e
efetivar a qualidade na oferta dos serviços públicos. Com base nas informações prestadas
sobre os objetivos do PETI, foi possível investigar a existência das situações de trabalho
infantil nos grupamentos familiares pesquisados, a fim de perceber as razões que as levaram a
serem nele inseridas, avaliar o cumprimento dos critérios de inserção e analisar a continuidade
ou não do trabalho infantil nas famílias.
Nesse sentido, 13 famílias afirmaram a ocorrência de trabalho infantil antes da
inclusão no Programa e somente 03 negaram o fato e informaram que a inserção no PETI
decorreu apenas da situação de carência econômica. Ao serem questionados sobre o trabalho
infantil ter sido o motivo de torná-los beneficiários do Programa, os entrevistados respondem,
sobre suas crianças e adolescentes, que
é, ele vendia salgadinho e vendia dindin. Um dia ele andava vendendo com o
tio dele e foi flagrado pela equipe do PETI que vinha num carro, aí elas
pararam e chamaram ele pra perguntar por que ele vendia dindin, salgadinho,
ele falou porque tinha necessidade, que a mãe ganhava pouco e vivia da
ajuda da avó, que vendia uma coisa e outra, aí elas pediram o endereço deles
e eles deram. Com mais de um mês, elas vieram aqui em casa e foi feito uma
inscrição e a gente até pensou que não ia dar certo e com dois meses, cerca
de dois meses, veio uma carta chamando a Noêmia, ela foi, quando chegou
lá, ela recebeu, Noêmia era a minha filha, que morreu num acidente, a mãe
do Romário, fez cinco anos agora que ela morreu [...], aí entraram os dois, o
Romário e o Luan, esse já saiu, porque completou a idade, ficou o Romário.
Ele vendia por esta região aqui do Dirceu, teve uma vez que ele chegou a
sair, foi vender no centro, mas ele achou que era perigoso para ele
(Entrevistada 1, 2008).
99
ele entrou porque a assistente social pegou ele trabalhando aqui na Irmã
Dulce. Ele carregava água para o pessoal, que neste tempo ainda não tinha
água encanada, aí tinha água só numa torneira, a gente pegava água e botava
pra o pessoal pra ganhar dinheiro, aí o pessoal pagava uma coisinha pra ele
(Entrevistada 10, 2008).
A pesquisa revela que a maioria das famílias foi incluída no Programa devido à
situação de trabalho infantil. A descrição das atividades desenvolvidas pelas crianças e
adolescentes e a retomada das informações acerca do processo de inscrição legitimam o
atendimento e demonstram o reconhecimento familiar da problemática. Aliás, mesmo as que
não declararam ter os filhos em situação de trabalho, mostraram um entendimento dos
critérios de inclusão no Programa.
Não trabalhavam. Eles entraram porque a assistente social me chamou e viu
que eu precisava, eu disse pra ela que estava com dificuldade de arrumar
emprego, foi aqui mesmo no NAICA, ela me chamou e foi surgindo umas
vagas, sempre que vai surgindo umas vagas vão procurando os pais que não
tem renda fixa, aí ela me chamou para reunião e foi me explicando direitinho
como seria [...] (Entrevistada 11, 2008).
Ela não trabalhava. Pela manhã ela estudava e à tarde não tinha para onde ir,
e tinha o projeto, eu coloquei ela. Quando foi para ela entrar no PETI, o
pessoal vieram aqui, os meninos do projeto que estavam lá, que estudavam
não tinha renda de nada, quando veio o programa, como o salário da gente é
baixo, as pessoas que tinha renda alta não entravam, mas quem tinha renda
baixa como nós (Entrevistado 9, 2008).
Elas não trabalhavam. Veio uma carta da prefeitura para mim, aí fui onde era
o programa, era para falar com Antonia Rosa, a professora delas, aí, eu até
estranhei, né? Quando a carta chegou, aí eu levei, quando eu cheguei lá, eu
perguntei, aí ela disse que não era nada demais, as suas filhas foram
participadas para o programa PETI. Entraram aí mandaram me chamar para
levar os papéis, os documentos delas (Entrevistado 6, 2008).
O estudo explicita a percepção familiar acerca dos motivos da insuficiência de
renda como garantia para entrada no Programa. Dessa maneira, conforme o desenho do PETI,
as famílias beneficiárias seriam aquelas com crianças e adolescentes em situação de trabalho
infantil, prevalentemente as consideradas em condição de extrema pobreza. Assim, segundo a
lógica do Programa, realizar o atendimento apenas pelo recorte de renda significa operá-lo de
maneira preventiva.
Na verdade, observada a situação de vulnerabilidade social da família, faz-se
necessário garantir-lhe a proteção, antes que os sujeitos exponham-se aos riscos sociais, ou
seja, antes que ocorra a violação de seus direitos e o rompimento de seus laços familiares. No
100
que respeita às situações de trabalho infantil descritas pelas famílias pesquisadas, destacam-se
diversas atividades, como venda ambulante de certos produtos (cheiro verde, salgadinhos,
dindin, algodão doce, etc.), venda de frutas e verduras em mercado público, coleta e venda de
material reciclável (latinhas, plásticos, ferro e garrafas), fabricação de tijolos (olaria), serviços
de jardinagem e capina, carregação de compras em supermercados e de água para
abastecimento de algumas residências. Em alguns casos, também foi citada a atividade de
pedinte.
Acerca das possíveis causas do trabalho infantil, a entrevistada 10 aponta a
necessidade de garantir a condição de alimentação, pois “[...] a gente tinha que trabalhar,
porque se a gente não trabalhasse pra ter aquele, aquele pouquinho pra gente comer, era
perigoso pegar no que é alheio”. A entrevistada 5 (2008), por vez, diz que
nesse tempo eu vivia só com ele nesta casa, só eu e ele. Nós passava tanta
necessidade, tinha dia que nós almoçava na casa de uma irmã minha que
mora no Parque Firmino ou então de um filho meu que mora no Parque
Firmino. À noite nós tomava um gole de café preto porque não tinha nada,
nada o que comer de noite. Aí eu me tacava para o lixão lá perto do Monte
Verde, levava ele junto, aí voltava lá pra meio dia, de tarde, para ele ir ao
colégio, ou quando era de manhã a aula, a gente ia de meio dia pra de tarde.
Nós catava plástico velho, ferro velho e ía vendendo pra ganhar um real,
comprar ao menos uma farinha e uma massa de milho.
Os depoimentos não deixam dúvida sobre a precariedade das condições financeiras
das famílias e expõem a necessidade de complementação da renda, ainda que pela utilização
da mão-de-obra de suas próprias crianças e adolescentes. Percebe-se assim que, movidas pela
necessidade de atender minimamente as condições básicas de subsistência, as famílias em
situação de vulnerabilidade social encontram no trabalho infantil uma alternativa de superação
das dificuldades.
A precarização econômica obriga que a qualquer custo a renda familiar seja
complementada e as crianças e adolescentes inserem-se em atividades laborativas, na grande
maioria dos casos ausentando-se da escola ou empenhando-se na tentativa de conciliar as duas
tarefas. Para Draibe (2005a), “as crianças e adolescentes pobres trabalham ou trabalham e
estudam, mas nem sempre logram conciliar estas atividades, tendendo a permanecer pouco ou
quase nada qualificados”.
A gravidade do exposto repousa na evidência da reprodução da pobreza. O não
acesso à escola e a obrigatoriedade do trabalho precoce retira dessas crianças e adolescentes a
101
possibilidade de ascensão social por meio da educação. Convém, ressaltar que, em alguns
depoimentos, atribui-se como motivação do trabalho infantil uma vontade iminente da própria
criança ou adolescente de atender as suas demandas pessoais, tanto que a entrevistada 7
(2008) declara que o filho trabalhava “porque queria mesmo. Não era pra ajudar, era mesmo
só para brincar com os negócios do vídeo game. Era só pra brincadeira dele mesmo, [...] mas
era só pra vadiar, para brincar”. A entrevistada 13 (2008) afirma que “ele catava as coisas na
rua por vontade própria pra comprar as coisas que ele queria, uma besteira. Ele ia com uns
coleguinhas aqui de perto”.
Essas falas apontam para um aspecto muito importante, que é a valorização do
trabalho como instrumento essencial ao desenvolvimento humano e, por esse motivo,
evidenciam uma manifestação quase que natural acerca do labor infantil. Algumas famílias,
totalmente excluídas do acesso aos bens e serviços da sociedade, reconhecem como única
oportunidade para a melhoria de vida o esforço próprio através do trabalho e, como instância
básica de proteção de seus membros, repassa esses valores para os filhos.
Essa atitude pode ser interpretada como reprodução de um forte traço cultural, que
atribui um valor considerável à tomada de iniciativa, ainda que precoce, no desenvolvimento
de atividades laborais por crianças e adolescentes pobres. A defesa dessa inserção prematura é
justificada culturalmente com as afirmações de que “é melhor estar trabalhando que
roubando” ou “eu trabalhei desde criança e nunca morri”. Com efeito, em meio a limitações
econômicas e culturais, as famílias se obrigam a envolver-se em situações de risco social
ainda maior ao expor seus filhos às mais diversas formas de trabalho infantil e ainda conviver
com o desejo frustrado de oportunizar-lhes o direito a diversão, lazer, saúde e educação, entre
outros.
No desenvolvimento de ações socioeducativas e de geração de emprego e renda às
famílias beneficiárias do PETI, a pesquisa demonstra o descumprimento ao princípio da
centralidade familiar, preconizado como base do Programa e da política de assistência social.
Na realidade, as atividades que as pessoas entrevistadas afirmaram participar são pouco
diversificadas e sem efeito concreto em suas vidas cotidianas, além de se mostrarem
insuficientes e de pouca efetividade. Os serviços ofertados, por sua vez, correspondem
basicamente a reuniões sobre o desempenho das crianças e adolescentes no Programa, cursos
de capacitação e qualificação profissional, festas em datas comemorativas e folclóricas e
palestras.
102
A situação torna-se mais alarmante com a informação de que apenas um ou no
máximo dois membros da família inserem-se nesse processo. Os depoimentos abaixo
comprovam isso:
Aqui na escola sempre participa quando tem reunião, eu participo, nunca
falto, apesar de que ainda não tivemos cursos, assim, seria muito bom, eu
sempre dizia para o diretor, já que eu estou sem fazer nada [...] Eu até
sempre falo para o diretor, que ele deveria ir atrás de uns cursos como corte
e costura ou outras atividades para ocupar mais as mães, até mesmo para as
mães estarem observando sempre os meninos, que realmente tem várias
crianças [...], para estarem mais próximos, já que estão sem fazer nada, ao
invés de ficar dormindo ou assistindo televisão vem pra cá fazer um curso
que a prefeitura possa dar. Eu até já disse pra ele por que o senhor não vai na
Fundação Wall Ferraz, lá oferecem vários cursos, aí ele disse que aqui não
poderia porque aqui não tem a sala adequada, alguma coisa assim”
(Entrevistada 11, 2008).
Outro ponto diz respeito à freqüência desses acontecimentos. A periodicidade é
bem maior nas reuniões, numa média de uma a cada dois meses, além da existência em todos
os núcleos, de atendimento do Programa. No caso dos cursos, a presença é totalmente
irregular com ocorrência identificada em 8 núcleos, ou seja, em metade dos espaços
destinados ao funcionamento do Programa, entretanto foram ofertados apenas uma vez.
Segundo a entrevistada 9 (2008), “acontecem reuniões de vez em quando. Os cursos faz
tempo, nunca mais veio curso. Era bom pra gente se viesse os cursos. Só fiz o curso de
panificação e faz muito tempo. Vai ter mais ou menos seis anos”.
As festividades ocorrem em épocas predefinidas, como dia das mães, dia dos pais
e natal, entre outras, e em apenas 8 locais de atendimento. Já as palestras não tem regularidade
e foram identificadas somente em 2 dos núcleos.
Ainda sobre a participação nas atividades desenvolvidas, houve unanimidade na
resposta das famílias sobre a satisfação com os eventos e atividades. Contudo, alguns
entrevistados ressaltaram que a não participação decorre, na maioria das vezes, da
inadequação de horários propostos, que coincidem com o mesmo em que elas estão
envolvidas com o trabalho.
Fica evidente o contentamento das famílias com às atividades de que participam.
Todavia, percebe-se que a carência de atendimento e de acesso a qualquer tipo de serviço está
tão presente na realidade da população que nem mesmo a interrupção, descontinuidade e
casualidade comprometem essa avaliação positiva. Não surgem críticas, não há exigências por
não estar assimilada a lógica do direito do cidadão de acessar os serviços e do dever do Estado
em promovê-los.
103
Nesse sentido, Carvalho, Barros e Franco (2005) afirmam que dotar as famílias de
meios, sem garantir que possam efetivamente utilizá-los para a satisfação de suas
necessidades, não é uma política eficaz. Assim, tão importante quanto assegurar às famílias
acesso aos meios de que necessitam é dar-lhes a oportunidade de usá-los.
A pesquisa comprova, ainda, que as famílias, de forma unânime, destacaram
mudanças em suas condições de vida, após a inserção no PETI. Importa chamar atenção para
a relevância que atribuem ao recurso financeiro transferido pelo Programa que,
independentemente do valor, representa um ganho efetivo, tendo em vista o seu caráter de
regularidade. O depoimento da entrevistada 1 explicita o afirmado, quando diz que “observei
sim, teve uma grande mudança, melhorou muito, a gente não pegava em dinheiro assim tão
fácil não, é pouco, mas o pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada”.
Percebe-se, a partir da pesquisa, que o acesso a uma renda fixa constitui-se no
principal aspecto evidenciado pelas famílias. O Programa é reconhecido, acima de tudo, pela
segurança financeira que proporciona a essas pessoas, excluídas das condições de trabalho
formal. A entrevistada 2 (2008) apresenta as razões da mudança e enfatiza a ausência de
qualquer outra fonte de estabilidade econômica:
Mudou. Mudou sabe por quê? Porque eu não sou aposentada, eu não sou
pensionista, eu não tenho condições de arrumar um emprego melhor para
ganhar bem, então quando eu pego um dinheiro destes, para mim é uma
benção dada por Deus. Agora quem tem um emprego bom, quem tem
capacidade de se empregar para ganhar bem, quem é aposentado ou
pensionista ganha pouco mas serve e para quem não tem isto? Para mim é
uma benção dada por Deus.
Embora reconheçam a importância do benefício pecuniário na melhoria das
condições financeiras, as famílias pesquisadas destacaram a necessidade do salário
proveniente do trabalho. Segundo a entrevistada 11(2008),
Melhorou. Uma melhora financeira, eu tive uma melhora financeira, só que
eu queria mesmo era meu salário [...]. Eu não quero depender apenas deste
beneficio social do governo, eu me sinto uma pessoa inútil porque eu sou
boa das pernas graças a Deus, psicologicamente também, eu não tenho
nenhuma doença, nenhuma deficiência mental nem nada, então quer dizer,
eu sinto que eu poderia estar trabalhando diariamente [...] e assim não ficar
dependendo, porque eu acho comodismo ficar dependendo do dinheiro do
governo, este dinheiro que ele está pagando para muita gente seria para
outras obras. Poderia fazer outras coisas que precisasse, eu não me sinto bem
por eu receber só estes 94, ajuda muito, mas, para mim, eu teria de estar
trabalhando mesmo. Este dinheiro o governo deveria estar [...] vejo muito
gente usufruindo deste dinheiro pra outras coisas. Então, às vezes eu me
104
revolto e começo a deixar currículo aqui, currículo acolá, às vezes fico
aperreada [...], então, eu digo assim para a minha mãe, na hora que eu
arrumar o meu trabalho, eu quero ter o meu trabalho, e quando eu conseguir
eu vou ser a primeira a entregar meu cartão, não sei se vai ser certo, porque
vai para outra pessoa, porque tem muita gente que precisa e não recebe, e
tem gente que não precisa e recebe. No caso, eu preciso e recebo [...].
Fica clara a indignação da entrevistada tanto por encontrar-se na situação de
dependência do Programa quanto por ser uma pessoa saudável, em idade produtiva e não
conseguir trabalho. Esse depoimento comprova o verdadeiro anseio da família, que é o
trabalho, e contraria os discursos que afirmam a sua acomodação com a situação de
vulnerabilidade, devido à transferência de renda.
Sobre as mudanças observadas, destacam-se também a possibilidade de acesso a
itens essenciais à satisfação das necessidades básicas, antes inviabilizados como carne,
roupas, material de higiene pessoal, material escolar, frutas, verduras, eletrodomésticos, entre
outros. O depoimento da entrevistada 3 (2008) revela isso:
Melhorou com certeza, porque é uma renda a mais. Para mim melhorou
porque eu já tenho o dinheiro de comprar os cadernos, os lápis, umas roupas
dos meninos, já tenho dinheiro pra comprar a mistura dos meninos, a gente
que é adulto acha ruim comer só arroz e feijão, o que dirá eles. Aí, quando
eu vou receber, eu já trago a verdura, uma fruta, acho bom e é certo.
Dessa forma, reconhece-se a importância da transferência de renda como ação do
Programa e sublinha-se a melhoria nas condições de vida das famílias. Nesse aspecto,
Carvalho (2005) assevera que a complementação da renda familiar é ingrediente
indispensável na composição de uma política de proteção.
A pesquisa comprova que, majoritariamente, a mudança foi encarada em sentido
positivo e, em alguns casos, com impacto significativo nas condições de vida familiar. É que
para além dos ganhos financeiros, apontaram os benefícios relacionados ao desempenho
escolar dos filhos e a retirada deles do trabalho infantil. Aliás, a entrevistada 1 afirma, sobre o
filho, que “ele melhorou porque ele nunca nem perdeu um ano, as notas são boas, depois que
ele entrou neste programa, ele nunca foi reprovado. Ele nunca mais voltou a trabalhar, só na
escola”.
Valoriza-se ainda a melhoria no comportamento dos filhos. Conforme a
entrevistada 5, “o Donizete era muito danado, não dava dois ou três dias a mulher me
chamava, e lá com muita luta, muita luta botando ele em regime, realmente ele melhorou mais
um pouco”. Tal mudança de comportamento dos filhos referente a uma maior disciplina,
105
responsabilidade e relacionamento com os demais membros da família foram apontados como
aspectos significativos adquiridos a partir do Programa.
No que concerne à apreciação do Programa, sob a ótica das famílias, os
entrevistados deram destaque para os seguintes aspectos positivos: as ações desenvolvidas
com as famílias, a segurança dos filhos, o auxílio financeiro, a qualificação dos monitores, a
oportunidade de uma educação de qualidade para os filhos, o acesso às informações, a retirada
das crianças e adolescentes da situação de rua e de trabalho infantil e o seu acesso ao reforço
alimentar e escolar e a inclusão em atividades esportivas. Os pontos negativos apontados
foram a falta de organização no cadastramento e recadastramento das famílias, ocasionando
dúvidas quanto aos valores dos benefícios e bloqueio dos cartões, a proibição do trabalho para
os adolescentes de 14 e 15 anos, a ausência de aulas de computação para as crianças e
adolescentes , o descumprimento dos critérios de inclusão no Programa, a distância entre as
residências e os locais de atendimento e a carência de espaços adequados à prática esportiva.
Nas sugestões de mudanças para melhoramento das ações do PETI, propuseram o
aumento do valor do benefício, a universalidade do atendimento, o respeito aos critérios de
elegibilidade, a realização de reuniões mensais com elas, a criação de um uniforme para as
crianças e adolescentes atendidos, o desligamento do Programa somente aos 21 anos, a
diversidade nas ações socioeducativas ofertadas, as visitas domiciliares por assistentes sociais,
a aquisição ou adequação dos espaços físicos destinados ao atendimento.
Vê-se, assim, a potencialidade familiar no sentido de avaliar uma ação a ela
proposta. A vivência cotidiana no Programa oportuniza o conhecimento das virtualidades e
debilidades do atendimento e possibilita a reorientação segundo as sugestões propostas.
Dessa maneira, ressalta-se a importância da participação dos sujeitos durante todo
o processo de formulação, execução e controle das ações públicas. É que, conhecedoras de
suas legítimas necessidades, a família é a instituição merecedora de devida valorização.
Relacionada a essa discussão, Acosta, Vitale e Carvalho (2005) defendem a premência de
introdução das famílias nas políticas públicas, sobretudo no espaço e na cena pública.
É preciso, porém, que possua espaços de escuta e possibilidade de empreender
convivência, articular e realizar projetos familiares e comunitários que respondam a seus
anseios de relações interpessoais, assim como do exercício de cidadania. A tabela abaixo
permite uma melhor visualização da avaliação do Programa pelos sujeitos da pesquisa:
106
Tabela 2 – Avaliação do Programa pelos Beneficiários
Identificação dos
entrevistados
Aspecto positivo Aspecto negativo Sugestão
1 Ações com as
famílias
- Aumentar o valor da
bolsa
2 Segurança dos filhos
-
Aumentar a
capacidade de
atendimento
3
-
-
Incluir os
verdadeiramente
necessitados
4 Ajuda financeira - -
5 - Desorganização do
recadastramento
-
6 Monitores
-
Realizar reuniões
mensais e organizar
um fardamento para
as crianças
7 Ajuda financeira Proibição do trabalho na
idade de 14 e 15 anos
Ser desligado
somente com 21 anos
8 Oportunidade de
educação para os
filhos
Falta de aulas de
computação
Aumentar o valor da
bolsa e diversificar as
ações socioeducativas
9 Acesso as
informações
-
Realizar cursos de
qualificação
sistematicamente
10
Ausência das crianças
em situação de rua
-
Diversificar as ações
socioeducativas
11 Ausência das crianças
em situação de
trabalho
Desrespeito aos
critérios no processo de
inclusão das famílias
Realizar visitas
domiciliares para que
as assistentes sociais
incluam os que estão
no perfil
12 As atividades de
reforço escolar e
esportes
A distância da casa para
o local de atendimento
-
13 Ausência das crianças
em situação de
trabalho
-
-
14 Acesso das crianças
às ações
socioeducativas e de
reforço alimentar
-
Adequar o espaço
físico de atendimento
a melhores condições
15 Oportunidade de
educação para os
filhos
-
Aumentar o valor da
bolsa
16 Ajuda financeira,
segurança dos filhos e
oportunidade de
educação
Ausência de quadra
para a prática de
esportes
Funcionar em local
próprio e adequado as
atividades
Fonte: Pesquisa Direta. Teresina – PI, 2008.
Um outro aspecto relevante no que se refere aos impactos do Programa nas
condições de vida das famílias atendidas é a sua articulação com a rede prestadora de serviços
107
socioassistenciais e as demais políticas públicas. Nesse sentido, os resultados da pesquisa
apontam para uma completa desarticulação, tanto que, dentre as famílias entrevistadas, 14
declararam não ter sido encaminhadas, a partir do PETI, para qualquer outro serviço,
programa ou projeto.
A ausência dessa articulação com as demais políticas públicas compromete os
fundamentos da política de assistência social no que se refere à sustentabilidade das ações
desenvolvidas e ao protagonismo das famílias atendidas, pois assim fica inviável a superação
das condições de vulnerabilidade e a prevenção de riscos potenciais. Segundo Junqueira e
Proença (2005), no trabalho com famílias importa o encaminhamento para a rede de serviços
públicos, com o indispensável esforço de articulação entre programas e serviços dos
diferentes órgãos.
Conforme os dados da pesquisa, a ausência de uma sistemática de
encaminhamento compromete o desenvolvimento das ações e sugere a insuficiência e a
fragilidade do trabalho oferecido às famílias beneficiárias do PETI em Teresina. Nesse
sentido, o determinante é a extrema precariedade desse atendimento, o que caracteriza uma
situação de abandono coletivo por parte do poder público e um descaso no que se refere à
melhoria das condições de vida das famílias em situação de vulnerabilidade e risco social.
Envolvidas em uma dinâmica de frágil proteção e marcadas pela insegurança e
incerteza de sua realidade social, as famílias beneficiárias do PETI pesquisadas apontaram,
como suas maiores necessidades atuais: o trabalho, “o emprego é a necessidade maior [...]”
(Entrevistada1), a moradia, “é um teto só meu e dos meus filhos. Uma casa minha, não dos
outros [...]” (Entrevistada 7), a alimentação, “não faltar o pão de cada dia das minhas filhas, é
só isto que eu quero” (Entrevistada 6), e a vivência da afetividade, “meu marido voltar. A
gente se separou desde fevereiro [emoção da entrevistada]” (Entrevistado 14). Com base nos
dados apreendidos, as necessidades das famílias dizem respeito às condições de moradia
digna, educação de qualidade para os filhos, alimentação suficiente e de qualidade e bom
estado de saúde física e mental.
O retorno do marido ao lar como a principal necessidade, apontada por uma das
entrevistadas, expõe a condição de fragilidade afetiva e emocional a que as famílias estão
submetidas e atribui uma dimensão subjetiva ao processo de satisfação das carências
humanas. A esse respeito, Sawaia (2005) destaca a importância de se eleger o valor afeto na
ação social com famílias pobres, pois as ações comunitárias e políticas públicas se planejam
como se elas não tivessem dores elevadas e sutilezas psicológicas.
108
Outrossim, destacam as famílias o reconhecimento do trabalho e emprego como
aspecto fundamental. Trata-se da manifestação explícita do desejo de prover, por esforço
próprio, as realizações dos anseios individuais e coletivos da instância familiar, sendo
possível verificar a centralidade do trabalho nas perspectivas desses grupos e compreender os
efeitos perversos provocados pela sua negação.
Considera-se, então, que os impactos do Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil - PETI nas condições de vida das famílias beneficiárias são positivos, embora
inexpressivos se em vista a manutenção da precariedade socioeconômica da realidade das
famílias atendidas. Na verdade, essas famílias precisam realizar um esforço cotidiano para a
superação de suas dificuldades e, a despeito da condição de fragilidade à qual estão
submetidas, inventam e reinventam sua dinâmica de vida como meio de tentar manter suas
funções básicas.
Nesse aspecto, a família constitui-se, paradoxalmente, em um instrumento
fundamental de resistência às adversidades, portanto uma instância forte e, por outro lado,
totalmente fragilizada pelas condições de vulnerabilidade e risco ao qual estão expostas.
Segundo Carvalho e Almeida (2003), uma realidade marcada por tantas dificuldades pode
inicialmente dar a impressão de que as famílias estão desetruturadas, ameaçadas, ou até
mesmo, em vias de extinção, porém uma análise mais cuidadosa deixa patente sua
plasticidade, expressa na enorme capacidade de mudança e adaptação às transformações,
econômicas, sociais e culturais, e sua persistente relevância.
Tal relevância pode, mais especificamente, ser determinada pela variedade de
conceitos, formatos, atribuições, sentimentos e valores que caracterizam a família
contemporânea, disse a entrevistada 13 (2008) “que família é importante, por causa da união,
da compreensão, da atenção, para ter uma família completa precisa de carinho, atenção,
compreensão, diálogo [...]”. Desse modo, percebe-se que cada família constrói seu valor e seu
significado e atribui sentido à sua dinâmica de vida, e esse valor, sentido e significado tão
próprios contribuem para justificar a potencialidade dessa instituição na produção e
reprodução dos símbolos societários.
A família me ajuda muito a viver, porque meus filhos para mim são muito
importantes, apesar dos pesares, do que eu passei para criar eles, são muito
importantes para mim. São tão importantes que eu não dei para ninguém.
Meu marido foi embora com outra mulher e eu fiquei com os meus filhos
todos, não fui atrás de nenhum palito de fósforo, sou casada no civil com ele,
em comunhão de bens, eu não fui me rastejar nos pés dele, encarei a vida do
jeito que ela era, lavando roupa, engomando, fazendo comida nas casas, mas
109
criei meus filhos todos, o que eu pude oferecer para eles eu ofereci. Agora
eles estão criados, estão cuidando da vida deles [...] (Entrevistada 2).
O depoimento grifa a família como uma instituição fundamental ao
desenvolvimento do ser humano. Como se evidencia, apesar das dificuldades enfrentadas, o
vínculo afetivo garante a busca de superação das adversidades e contribui com a manutenção
das condições de reprodução.
De forma complementar, os dados identificados pela pesquisa reconhecem o papel
dinâmico e contraditório das famílias e descrevem as principais características a ela
atribuídas: os problemas, o cuidado, a bondade, a proteção, a união, as dificuldades, o amor,
os conflitos, o diálogo, o carinho, a cobrança, a doação, a renúncia, a tolerância, o abandono,
a harmonia, a felicidade, o equilíbrio, os limites, o respeito, as brigas, a compreensão, a
confusão, a atenção, as diferenças, a responsabilidade, a traição, a honestidade, a separação, a
dignidade, a sinceridade, a autoridade, entre outros.
Em face da complexidade do exposto, necessário é reconhecer o desafio que se
estabelece para qualquer política pública que pretenda trabalhar a instância familiar como
eixo prioritário de suas ações.
A pesquisa permite assim compreender que a Política de Assistência Social em
Teresina e a proteção social prestada às famílias inseridas no Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil – PETI – têm alcançado resultados ínfimos e sem impactos significativos
nas condições de vida dos beneficiários. Apesar dos inúmeros esforços empenhados na
tentativa de reordenar e reestruturar essa assistência social na capital, muitas famílias
permanecem em condição de abandono, o que denuncia que as discussões e formulações
teóricas sobre a matricialidade sociofamiliar na política não conseguem, na prática,
materializar-se em ações que atinjam os resultados almejados.
Disso advém famílias protegidas na teoria, mas relegadas na prática. Isso ocorre
porque se acham amparadas e incluídas formalmente em serviços, programas e projetos que,
de fato, não alteram suas condições de vida, irrealizam o direito social e tampouco
promovem-lhes a autonomia.
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória histórica mostra que o sistema de proteção social brasileiro estruturou-
se a partir de diferentes conjunturas e sofreu influências dos mais diversos fatores, internos e
externos. Marcado por um jogo de forças políticas, representadas pelas classes dominante e
operária, entre década de 1930 a meados de 1960, configura-se uma sistemática protetiva
ancorada em intervenções nas áreas trabalhista, sindical e previdenciária, organizada sob um
modelo de proteção fragmentado em categorias, limitado e desigual na implementação dos
benefícios e controlador das classes trabalhadoras.
Ergue-se, paralelamente, uma estrutura de caráter assistencial destinada aos não
inseridos no mercado de trabalho e merecedores de proteção, predominantemente privada,
baseada na caridade e filantropia. A partir de 1964, até meados da década seguinte, ocorre a
consolidação do sistema, tendo em vista o conjunto de transformações operadas em sentido
institucional e financeiro, superando-se a forma fragmentada e seletiva e abrindo-se um maior
espaço para a universalização dos serviços de educação, saúde, assistência social, previdência
e habitação.
Ressalta-se que, entre a década de 1970 e meados da de 1980, com as definições
legais e regulatórias relativas à proteção social, emerge um processo de esgotamento do
modelo de acumulação, instaura-se a crise econômica e fiscal e, consequentemente,
compromete-se as bases dessa proteção. Presencia-se, então, ao agravamento das condições
de vida da população, ao aprofundamento dos graus de pobreza e desigualdade social e ao
surgimento de diversos movimentos de reivindicação.
O marco da proteção social no país ocorre com a promulgação da Constituição
Federal de 1988, que define padrões inovadores para a sociedade, pautados na noção de
direitos e cidadania com vista ao bem-estar coletivo, à justiça e à igualdade. A despeito das
garantias constitucionais, assiste-se, na década de 1990, ao retrocesso das possibilidades
legítimas de proteção, advindo das adequações econômicas, sociais e políticas ao modelo
neoliberal, marcado pela redução do papel do Estado e fortalecimento do mercado.
Como resultado, obteve-se a precarização das condições de vida da maior parte da
população brasileira, uma vez que o Estado, reformado para atender aos interesses
econômicos, não dá conta de responder às necessidades de um grande contingente, que
demandava por amparo social. Nesse contexto, desde a década de 1990 passa a ganhar
relevância, no escopo das políticas sociais, os programas de combate à pobreza que, além de
111
eleger como alvo grupos específicos caracterizados como vulneráveis (idosos, jovens,
crianças, pessoas com deficiência) incorpora, como público privilegiado, a família.
Assim, a presente pesquisa desenvolveu-se a partir das inquietações provenientes
do aprofundamento da situação de risco e vulnerabilidade social que atinge a grande maioria
das famílias brasileiras. Com as transformações operadas pela lógica do processo de
desenvolvimento econômico, intensifica-se a manifestação das expressões da questão social e
explicita-se o limite das políticas sociais tradicionais em responder às crescentes demandas da
população, o que sugere a reflexão acerca dos emergentes desafios para a intervenção pública.
Desse modo, o combate à pobreza assume no Brasil, lugar de destaque na agenda
pública, erigindo-se paralelamente, com o surgimento de políticas e programas destinados a
esse fim, o discurso da centralidade na família como eixo estratégico de atenção. Segundo
Draibe (1998), no contexto brasileiro a retomada da família e das redes sociais como
referência das políticas públicas se justifica como a estratégia mais adequada para
desenvolver programas sociais efetivos de enfrentamento da pobreza.
A política de assistência social, por reconhecer as fortes pressões que as situações
de pobreza, desigualdade e exclusão social geram sobre as famílias, aprofundando ainda mais
suas fragilidades, elege como princípio de suas ações a matricialidade sociofamiliar. Essa
concepção e sua estratégia são firmadas na Política Nacional de Assistência Social, formulada
em 2004, e consubstanciada pela implantação do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), constituindo-se na base de sustentação dos programas, projetos e serviços
socioassistenciais e representando uma possibilidade de superação das condições de privação
social nas quais as famílias estão inseridas.
Conforme BRASIL (2006), o trabalho desenvolvido com as famílias deve
privilegiar a dimensão socioeducativa da política de assistência social e, assim, provocar
impactos na dimensão da subjetividade política dos usuários, rumo à construção do seu
protagonismo e autonomia.
Dentre as constatações emergentes, ao longo do percurso investigativo, merece
destaque a fragilidade no processo de efetivação dos princípios consubstanciados no SUAS.
Assim, na tentativa de adequar-se às diretrizes nacionais de estruturação da política de
assistência social, o gestor dessa política em Teresina procede ao reordenamento institucional,
extinguindo a Secretaria Municipal da Criança e do Adolescente (SEMCAD) e direcionando
todas as ações para a Secretaria Municipal do Trabalho, Cidadania e Assistência Social
(SEMTCAS).
112
Como etapa do reordenamento, cria-se um outro organograma institucional, que
altera as estruturas administrativas e redefine cargos e funções, em acordo com os preceitos
do SUAS. Ocorre, ainda, a adequação do município ao nível de gestão plena da assistência
social, o mais elevado em atendimento.
Em cumprimento aos requisitos exigidos pelo nível de gestão plena, o município
de Teresina procedeu a mais uma etapa do reordenamento: a implantação de sete Centros de
Referência da Assistência Social. O CRAS é definido como unidade pública estatal
responsável pela oferta de serviços continuados de proteção básica às famílias, grupos e
indivíduos em situação de vulnerabilidade social.
A pesquisa constatou que, no município de Teresina, todos os CRAS atendem às
exigências da nova política no que se refere aos ambientes mínimos necessários ao
atendimento familiar. Os espaços apresentam a estrutura mínima para a realização dos
serviços (recepção, sala para entrevistas e local próprio para reuniões), mas a investigação
revelou uma ineficiente oferta de serviços socioassistenciais às famílias. A partir das visitas
aos CRAS, verificou-se como única ação representativa a de cadastramento e recadastramento
delas ao Programa Bolsa Família.
Tomando como base o fundamento de que as ações prestadas nesses espaços
devem promover o protagonismo e a autonomia das famílias atendidas, reconhece-se a sua
ineficiência e subutilização. Assim, em face da quantidade e multiplicidade de demandas
apresentadas pelos grupos familiares em situação de vulnerabilidade social, os CRAS não se
constituem, efetivamente, em lugares de proteção social.
Quanto à análise do planejamento de ações de proteção social prestada às famílias
beneficiárias da assistência social em Teresina, a pesquisa evidenciou que, no período de 2000
a 2001, foram elas propostas em torno de cinco eixos principais: as relacionadas à moradia de
qualidade, à capacitação e qualificação profissional, à geração de trabalho e renda, à
organização comunitária e à informação e orientação familiar. Destaca-se, ainda, que foram
marcadas pela fragmentação e focalização.
No período de 2002 a 2005, as ações foram sistematizadas conforme os seguintes
eixos: Gestão Administrativa, Administração Superior da Secretaria, Inclusão Social nas
Políticas Sociais Básicas, Apoio Social e Defesa de Direitos de Cidadania de Mulheres,
Idosos, Crianças, Adolescentes e Jovens. O planejamento efetuado já aponta para um modelo
de gestão de assistência social, em Teresina, mais organizado e melhor estruturado.
Nesse período, definem-se aspectos fundamentais ao desenvolvimento e
fortalecimento dessa política pública, como planejamento participativo, organização dos
113
serviços em rede, fortalecimento de parcerias, articulação entre as diversas políticas, entre
outros. Esses aspectos podem ser considerados inovadores em relação ao planejamento
anterior.
O planejamento de ações referentes ao período de 2006-2009 apresenta uma
organização baseada na proposta de reordenamento da política específica no sentido de
implantação e consolidação do Sistema Único da Assistência Social – SUAS. Nesse período,
merece evidência o planejamento direcionado à garantia da centralidade na família nas ações
da assistência social.
A partir das constatações provenientes do planejamento da política de assistência
social em Teresina, procedeu-se à análise dos impactos dessa política sobre as condições de
vida das famílias beneficiárias do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).
Como forma de aproximar-se, ao máximo, da realidade em que as famílias estão inseridas e
captar suas legítimas necessidades, anseios e perspectivas, realizou-se, inicialmente, uma
caracterização desses grupos.
O primeiro aspecto considerado referiu ao predomínio da figura feminina,
especialmente a mãe, como membro de referência familiar. O dado serve para demonstrar a
importância do papel materno no desempenho das responsabilidades dessa instância e
reafirma os argumentos acerca da evidência mulher nas mudanças enfrentadas pelo grupo
familiar na contemporaneidade.
Outro ponto revelado no processo de investigação refere-se ao predomínio de
famílias extensas. Essa constatação aproxima-se das últimas pesquisas do IBGE que verificam
que as famílias em situação de vulnerabilidade são mais numerosas que aquelas com um
melhor padrão sócio-econômico.
Predomina, também, a diversidade de arranjos familiares entre os grupos
pesquisados. Esse fato decorre, sobretudo, das várias transformações ocorridas, nos últimos
anos, na esfera familiar.
Chama-se ainda atenção para a prevalência do trabalho autônomo e informal das
famílias investigadas. Majoritariamente, reconhece-se a inserção precarizada no mercado de
trabalho e, consequentemente, o comprometimento das suas condições de proteção social.
Como fator agravante, evidencia-se a extrema pobreza na qual essas famílias se
encontram, o que afeta o atendimento de suas necessidades básicas e a possibilidade de
mudança de vida. A despeito do atendimento delas no PETI, a pesquisa revelou mudanças
inexpressivas no contexto familiar, o mesmo ocorrendo com a ação de transferência de renda :
apesar da relevância a ela atribuída, as ações desenvolvidas não garantem a superação da
114
condição de vulnerabilidade e não promovem o protagonismo e autonomia dos grupos
familiares.
Quanto ao desenvolvimento de ações socioeducativas e de geração de emprego e
renda às famílias beneficiárias do PETI, a pesquisa demonstrou o descumprimento ao
princípio da centralidade familiar, preconizado como base do Programa e da política de
assistência social. A sustentabilidade a partir do atendimento é inexistente e permanecem
óbvios o caráter de tutela e dependência, sem mencionar que a desarticulação das ações com a
rede de prestação de serviços socioassistenciais compromete mais ainda o fundamento
emancipatório.
Por fim, em meio às mais diversas necessidades econômicas, sociais e culturais, o
presente estudo sublinha a potencialidade das famílias em criar e recriar alternativas
cotidianas de garantia da sobrevivência, sociabilidade e proteção. Na verdade, envolvidas em
uma dinâmica de frágil proteção social garantida pelo Estado e marcadas pela insegurança e
incerteza de sua realidade social, os agrupamentos familiares investigados revelaram seus
valores e significados, atribuindo sentido à sua dinâmica de vida e reafirmando o seu
inquestionável potencial.
115
REFERÊNCIAS
ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amália Faller; CARVALHO, Maria do Carmo Brant.
Famílias beneficiadas pelo Programa de Renda Mínima em São José dos Campos/SP:
aproximações avaliativas. In: ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amália Faller (Orgs.).
Família: redes, laços e políticas públicas 2. ed. São Paulo: Cortez: Instituto de Estudos
Especiais – PUC/SP, 2005.
ALENCAR, Mônica Maria Torres de. Transformações econômicas e sociais no Brasil dos
anos 1990 e seu impacto no âmbito da família. In: SALES, Mione Apolinário; MATOS,
Maurílio Castro de; LEAL, Maria Cristina. Política social, família e juventude: uma questão
de direitos. São Paulo. Cortez, 2004.
BELTRÃO, Pedro Calderan. Sociologia da família contemporânea. Petrópolis. Editora
Vozes, 1973.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 7. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2001.
______. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lei nº. 8.069, de 13 de julho de
1990.
______. Estatuto do Idoso. Lei nº. 10.741, de 1 de outubro de 2003.
______. Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Lei nº. 8.742, de 7 de dezembro de
1993.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Orientações Técnicas
para o Centro de Referência de Assistência Social. Brasília. MDS/SNAS, 2006.
BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Bolsa Família.
Disponível em: http://www.mds.gov.br. Acesso em 14 de junho de 2007.
______. Ministério da Previdência e Assistência Social. Política Nacional de Assistência
Social (PNAS). Brasília. MPAS/SEAS, 1999.
______. Ministério da Previdência e Assistência Social. Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil – PETI/Manual de Orientações. Brasília. MPAS/SEAS, 2002.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Política Nacional de
Assistência Social (PNAS). Brasília. MDS/SNAS, 2004a.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Análise Situacional do
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Brasília. MDS/SNAS, 2004b.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Norma Operacional
Básica da Assistência Social (NOB/SUAS). Brasília. MDS/SNAS, 2005.
116
CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de. Família e Pobreza. In: FRANCO, Ângela Maria de
Almeida (Org.). Pobreza e Desigualdades Sociais. Salvador: Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais da Bahia, v.1, p. 117-134, 2002.
CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; ALMEIDA, Paulo Henrique de. Família e Proteção
Social. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v.17, p. 109-122, 2003.
CARVALHO, Maria do Carmo Brant. A priorização da família na agenda da política social.
In: KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (Org.) Família Brasileira: a base de tudo. 7. ed. São
Paulo: Cortez; Brasília-DF: UNICEF, 2005a.
______. Maria do Carmo Brant de. O lugar da família na política social. In: CARVALHO,
Maria do Carmo Brant de (Org.). A Família Contemporânea em Debate. São Paulo: Cortez,
2003.
______. Famílias e Políticas Públicas. In: ACOSTA, Ana Rojas; VITALER, Maria Amália
Faller (Orgs.). Família: redes, laços e políticas públicas 2. ed. São Paulo: Cortez: Instituto de
Estudos Especiais – PUC/SP, 2005b.
CARVALHO, Mirela de; BARROS, Ricardo Paes de; FRANCO, Samuel. Índice de
desenvolvimento da Famíia (IDF). In: ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amália Faller
(Orgs.). Família: redes, laços e políticas públicas 2. ed. São Paulo: Cortez: Instituto de
Estudos Especiais – PUC/SP, 2005.
COHN, Amélia. As políticas Sociais no governo FHC. Tempo Social v.11n. 2. São Paulo,
1999.
COLIN, Denise Ratmann Arruda. Lei Orgânica da Assistência Social Anotada. São Paulo:
Veras, 1999.
COSTA, Antônio Carlos Gomes da. A família como questão social no Brasil. IN:
KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (Org.) Família Brasileira: a base de tudo. 7. ed. São Paulo:
Cortez; Brasília-DF: UNICEF, 2005.
DI GIOVANNI, Geraldo. Sistema de proteção Social: uma introdução conceitual. IN:
OLIVEIRA, Marco Antônio de (Org.) Reforma do Estado e Políticas de Emprego no
Brasil. São Paulo: UNICAMP/IEE, 1998.
DRAIBE, Sônia Miriam. Por um reforço da proteção à família: contribuição à reforma dos
programas de assistência social no Brasil. In: KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (Org.) Família
Brasileira: a base de tudo. 7. ed. São Paulo: Cortez; Brasília-DF: UNICEF, 2005a.
DRAIBE, Sônia Miriam. Brasil 1980-2000: proteção e insegurança sociais em tempos
difíceis. Caderno NEPP/UNICAMP nº. 65. São Paulo, 2005b.
______. A política social no período FHC e o sistema de proteção social. Tempo Social
v.15 n.2. São Paulo, 2003.
______. O Welfare State No Brasil: Características e Perspectivas. ANPOCS – Ciências
Sociais Hoje. São Paulo: Vértice, 1989.
117
______. As políticas sociais do regime militar brasileiro: 1964-84. IN: SOARES, Gláucio Ary
Dillon; D´ARAUJO, Maria Celina (organizadores). 21 Anos de Regime Militar: balanços e
perspectivas. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994.
FAGNANI, Eduardo. Ajuste econômico e financiamento da política social brasileira:
notas sobre o período 1993/981. Economia e Sociedade n. 13. São Paulo, 1999.
______. Entrevista concedida ao Jornal da Unicamp. IN: SUGIMOTO, Luiz. O desmonte do
projeto de Estado social e a distribuição de migalhas. Jornal da UNICAMP. Ed. 301. São
Paulo, 2005.
______. Política Social e pactos conservadores no Brasil 1964/92. Cadernos FUNDAP n.
21. São Paulo, 1996.
FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do estado capitalista. 8. ed. rev. São Paulo:
Cortez, 2000.
GOMES, Mônica Araújo; PEREIRA, Maria Lúcia Duarte. Família em situação de
vulnerabilidade social: uma questão de políticas públicas. Ciência e Saúde Coletiva. Vol. 10.
nº. 2. Rio de Janeiro, 2005.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. Rio de Janeiro, 2003.
______. Síntese de Indicadores Sociais – Rio de Janeiro, 2006.
JACCOUD, Luciana; JR. CARDOSO. José Celso. Políticas Sociais no Brasil: organização,
abrangência e tensões da ação estatal. In: JACCOUD, Luciana (Org.). Questão Social e
Políticas Sociais no Brasil Contemporâneo. Brasília: Ipea, v. 1, p. 181-260, 2005.
JUNQUEIRA, Luci; PROENÇA, Nelson Guimarães. Políticas públicas de atenção à família.
In: ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amália Faller (Orgs.). Família: redes, laços e
políticas públicas 2. ed. São Paulo: Cortez: Instituto de Estudos Especiais – PUC/SP, 2005.
FERRARI, Mário; KALOUSTIAN, Sílvio Manoug. Introdução. In: Família Brasileira: a
base de tudo. 7. ed. São Paulo: Cortez; Brasília-DF: UNICEF, 2005.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. 10. ed. São Paulo:
Cortez, 2006.
MEDEIROS, Marcelo. A Trajetória do Welfare State no Brasil: papel redistributivo das
Políticas Sociais dos anos 1930 aos anos 1990. IPEA. Brasília, 2001.
MELO Marcus André B. C. de. Interesses, atores e a construção histórica na agenda social
do estado no Brasil (1930/90). Ciências Sociais Hoje. São Paulo: Vértice, 1991.
MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a assistência social. São Paulo:
Cortez, 2001.
118
MONTALI, Lília. Família e trabalho na reestruturação produtiva: ausência de políticas de
emprego e deterioração das condições de vida. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São
Paulo, v. 15, n. 42, p. 55-75, 2000.
NASCIMENTO, Arlindo Mello do. População e família brasileira: ontem e hoje. In: XV
Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, Minas Gerais, 2006. Disponível em:
http://www.abep.org.br. Acessado em 12 de agosto de 2007.
NEDER, Gizlene. Ajustando o foco das lentes: um novo olhar sobre a organização das
famílias no Brasil. In: KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (Org.) Família Brasileira: a base de
tudo. 7. ed. São Paulo: Cortez; Brasília-DF: UNICEF, 2005.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da
gestão democrática. 2. ed. São Paulo. Cortez, 2005.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU-BRASIL). Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br. Acesso em: 22 de março de
2007.
PEREIRA, Potyara Amazoneida Pereira. Mudanças estruturais, política social e papel da
família: crítica ao pluralismo de bem-estar. In: SALES, Mione Apolinário; MATOS, Maurílio
Castro de; LEAL, Maria Cristina. Política social, família e juventude: uma questão de
direitos. São Paulo. Cortez, 2004.
POCHMANN, Márcio; AMORIM, Ricardo (Org.). Atlas da Exclusão Social no Brasil. São
Paulo: Cortez, 2003.
______. Novo relatório da ONU mostra que Objetivos do Milênio não estão sendo cumpridos.
Disponível em: http://www.agenciacartamaior.uol.com.br. Acesso em: 31 de agosto de 2005.
PRADO, Danda. O que é família. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
RIZZINI, Ireni; PILOTTI, F. (Org.). A arte de governar crianças: a história das políticas
sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro: Editora
Universitária Santa Úrsula, 1995.
ROMANELLI, Geraldo. Autoridade e poder na família. IN: CARVALHO, Maria do Carmo
Brant de (Org.). A Família Contemporânea em Debate. São Paulo: Cortez, 2003.
ROSA, Elizabete Terezinha Silva. A centralidade da família na política de assistência
social. Congresso Internacional de Pedagogia Social. São Paulo, 2006.
SALES, Mione Apolinário; MATOS, Maurílio Castro de; LEAL, Maria Cristina. Política
social, família e juventude: uma questão de direitos. São Paulo. Cortez, 2004.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e Justiça: a política social na ordem
brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
SARTI, Cynthia Andersen. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres.
Ed. Autores Associados, Campinas, 1996.
119
SAWAIA, Bader B. Família e afetividade: a configuração de uma práxis ético-política,
perigos e oportunidades. IN: ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amalia Faller
(Organizadoras). Família: redes, laços e políticas públicas. São Paulo: Cortez: Instituto de
Estudos Especiais – PUC/SP, 2005.
SEMTCAS. Relatório Sintético das Ações Realizadas. Teresina.PMT/SEMTCAS, 2006.
______. Plano Plurianual de Assistência Social do Município de Teresina – 2000/2001.
Teresina. PMT/SEMTCAS, 1999.
______. Plano Plurianual de Assistência Social do Município de Teresina - 2002/2005.
Teresina. PMT/SEMTCAS, 2001.
______. Plano Plurianual de Assistência Social do Município de Teresina - 2006/2009.
Teresina. PMT/SEMTCAS, 2006.
______. Regimento Interno. Teresina. PMT/SEMTCAS, 2007.
SPOSATI, Aldaíza de Oliveira. Carta–tema: a assistência social no Brasil, 1983-1990. São
Paulo: Cortez, 1991.
______. A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em
análise. 6 ed. São Paulo: Cortez, 1995.
______. A menina LOAS: um processo de construção da Assistência Social. São Paulo:
Cortez, 2004.
TERUYA, Marisa Tayra. A família na historiografia brasileira: bases e perspectivas de
análise. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, Minas Gerais, 2000.
Anais.Disponível em: http://www.abep.nepo
.unicamp.br. Acesso em 22 de setembro de 2007.
VIEIRA, Marcos André Ramos. Manual de Direito Previdenciário. Niterói: Impetus, 2005.
VITALE, Maria Amalia Faller. Avós: velhas e novas figuras da família contemporânea. IN:
ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amalia Faller (Organizadoras). Família: redes, laços
e políticas públicas. São Paulo: Cortez: Instituto de Estudos Especiais – PUC/SP, 2005.
YAZBEK, Maria Carmelita. As ambigüidades da Assistência Social brasileira após dez
anos de LOAS. Serviço Social & Sociedade, n. 77. São Paulo: Cortez, 2004.
120
ANEXOS
121
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo