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MAIRA CRISTINA DE PAULA NASCIMENTO LEITE
A MANIFESTAÇÃO DO MEDO EM TEXTOS DE ALUNOS
DA 8ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada à Universidade
de Franca, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Lingüística.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Antônio Ferreira.
FRANCA
2008
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MAIRA CRISTINA DE PAULA NASCIMENTO LEITE
A MANIFESTAÇÃO DO MEDO EM TEXTOS DE ALUNOS
DA 8ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL
COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA
DE MESTRADO EM LINGÜÍSTICA
Presidente: Prof. Dr. Luiz Antônio Ferreira
Universidade de Franca
Titular 1: Profa. Dra. Vera Lúcia Pereira dos Santos
Universidade de Franca
Titular 2: Profa. Dra. Maria Flávia F. Pereira Bollela
Universidade de Franca
Franca, 06/06/2008
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DEDICO ao Ronaldo, que sempre me ajudou a vencer o medo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, que me deu forças e condições para
chegar até aqui e colocou as pessoas certas no meu caminho;
agradeço à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, pelo
Programa Bolsa Mestrado e à Supervisora Sirley Adelaide Lepri, que, muitas vezes,
orientou-me em relação ao programa;
ao meu orientador, Prof. Dr. Luiz Antônio Ferreira, pela paciência,
compreensão, força e confiança depositada;
à Profa. Dra. Ana Cristina Carmelino e à Profa. Dra. Maria Flávia de
Figueiredo Pereira Bolela, da banca de qualificação, que dispensaram seu tempo
lendo um trabalho ainda apenas esboçado, e deram suas preciosas contribuições.
Obrigada professoras, pelo incentivo;
aos funcionários da Secretaria de pós-graduação, em especial à Ana
Maria pelo atendimento eficaz e amigável;
a toda equipe da E.E. Prof. Luiz Páride Sinelli, direção, professores e
alunos que tão gentilmente nos ajudaram;
aos colegas de curso, pelas trocas, conversas e em especial pelo apoio
e incentivo;
à minha família, meus pais, minhas irmãs, meus avós, minha sogra,
meu sogro, e parentes que sempre torceram por mim;
e, muito especialmente, ao meu esposo Ronaldo Leite e minhas filhas
Laís e Clara pelo apoio incondicional, pelos sonhos partilhados e pelas aflições
divididas. De vocês sempre esperei tudo que tive: amor, dedicação e muita
compreensão. Obrigada por tudo!
Ser feliz
Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do
mundo.
E que posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos
os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um
autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um "não"
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo-as todas, um dia vou construir um castelo...
Fernando Pessoa
RESUMO
LEITE, Maira Cristina de Paula Nascimento. A manifestação do medo em textos
de alunos da 8ª série do ensino fundamental. 2008. 184 f. Dissertação (Mestrado
em Lingüística) – Universidade de Franca, Franca.
Este trabalho tem como base teórica conceitos da Retórica Antiga e re-estudos da
Nova Retórica, e objetiva identificar mecanismos de manifestação do medo em
textos de alunos de 8ª série do ensino fundamental. O corpus de nossa pesquisa é
formado por nove textos feitos por estes alunos. Pretendemos por meio da
associação entre teoria e análise, identificar como o medo se traduz em língua,
como se manifesta retoricamente na produção de nossos alunos e como se
configura em provas retóricas capazes de persuadir um auditório. Além disso,
buscamos também a constituição de um ethos, seja coletivo, seja individual, a partir
das referências fornecidas pelos alunos. Desse modo, poderemos saber um pouco
mais da constituição identitária de nossos alunos e sobre suas formas de expressão
por meio dos textos.
Palavras-chave: retórica; medo; auditório; ethos.
ABSTRACT
LEITE, Maira Cristina de Paula Nascimento. A manifestação do medo em textos
de alunos da 8ª série do ensino fundamental. 2008. 184 f. Dissertação (Mestrado
em Lingüística) – Universidade de Franca, Franca.
The theoretical fundamental principles of this paper are the concepts of the Old
Rhetoric and the re-study of the New Rhetoric. It also aims at identifying the
mechanisms of the fear manifestation in compositions written by eight-graders. The
corpus of our research consists of nine texts written by those students. We intend,
through association between rhetoric and analysis, to identify how fear is translated
into speech, how it is shown rhetorically in our students output and how it is shaped
in rhetorical evidences capable of persuading an audience. Besides that, we look for
the nature of ethos, common or individual, based on the references provided by the
students. There fore, we will know a little bit more of the identity constitution of our
students and about their ways of expression through texts.
Key words: rhetoric, fear, audience, ethos.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................10
1 NOS MEANDROS DA ARGUMENTAÇÃO..................................................15
1.1 O QUE É RETÓRICA?.................................................................................16
1.2 DECLÍNIO DA RETÓRICA ...........................................................................21
1.3 RENASCIMENTO DA RETÓRICA ...............................................................23
1.4 USO DA RETÓRICA ....................................................................................25
1.5 RETÓRICA E PERSUASÃO ........................................................................26
2 OS MOVIMENTOS DAS PAIXÕES..............................................................30
2.1 A RETÓRICA DAS PAIXÕES.......................................................................31
2.2 O MEDO.......................................................................................................34
2.3 O MEDO E SUAS DIVERSAS ACEPÇÕES.................................................36
2.4 O MEDO NA RETÓRICA..............................................................................40
3 ENTRE ETHOS E PATHOS: alguns alunos e o medo..............................45
3.1 CONHECENDO A ESCOLA.........................................................................45
3.2 O RETRATO DA JUVENTUDE NA ESCOLA...............................................46
4 MATERIAL E MÉTODOS.............................................................................56
5 ANÁLISE RETÓRICA..................................................................................60
5.1 CAMINHOS DE UMA ANÁLISE: os subsídios teóricos................................60
5.1.1 Gênero do discurso ......................................................................................61
5.1.2 Argumentos ..................................................................................................63
5.1.3 Provas ..........................................................................................................67
5.1.4 Auditório .......................................................................................................68
5.1.5 Instância .......................................................................................................72
5.1.6 Situação retórica...........................................................................................73
5.1.7 Tema ............................................................................................................73
5.1.8 Problema retórico .........................................................................................74
5.1.9 Tese..............................................................................................................74
5.1.10 Limitações impostas ao retor........................................................................74
5.1.11 Elemento factual...........................................................................................75
5.1.12 Componente específico de interesse............................................................75
6 ANÁLISE DO CORPUS ...............................................................................76
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................96
REFERÊNCIAS.......................................................................................................100
ANEXOS.................................................................................................................105
10
INTRODUÇÃO
O interesse por este trabalho surgiu da vontade primeira de contribuir
para o estudo do texto e do discurso por meio de subsídios teóricos da retórica e,
posteriormente, pelo interesse em desenvolver uma pesquisa sobre as paixões
humanas em situações reais, na escola, com alunos. Pretendíamos, dessa maneira,
desenvolver um trabalho que nos fizesse crescer humana e profissionalmente.
Cremos que a escolha foi acertada: ao escolher os alunos como sujeitos da
pesquisa, envolvemos-nos com suas histórias, com seu dia-a-dia, com seus anseios,
interrogações, respostas inesperadas e interesse crescente. Nossos primeiros
passos, eivados de uma angústia natural que antecede os trabalhos acadêmicos,
traziam questões bem simples, mas altamente complexas, pois das respostas
dependiam todo um trajeto a cumprir: como vamos desenvolver o trabalho? Qual
será o tema? O que vamos estudar? Como se constituirá o corpus, qual a teoria que
utilizaremos? Com que faixa etária de alunos vamos trabalhar? Decidimos que
trabalharíamos com produção de alunos, mas não textos prontos, feitos em
avaliações ou produtos de outras tarefas já realizadas. Optamos por realizar
atividades que teriam como resultado final o corpus de nosso trabalho. Nosso intento
primeiro era o envolvimento sincero, espontâneo e comprometido do alunado. Por
isso, optamos por valermos-nos das aulas expositivo-dialogadas para que alunos se
inteirassem e se interessassem pelo tema escolhido: o medo e as formas de
transmissão, em língua, dessa paixão humana. Era também necessário que
definíssemos alguns critérios para prosseguimento da pesquisa. Optamos por
trabalhar com a paixão do medo, tema recorrente em nossos dias, mostrado pelos
meios de comunicação diuturnamente, sob todas as formas, mas nem sempre
explorado como um elemento interferente na produção do conhecimento do aluno.
Uma discussão aberta, a nosso ver, exigiria sujeitos da pesquisa em boa fase de
amadurecimento. Decidimos, então, realizar este trabalho com alunos de 8ª série do
Ensino Fundamental para que o tema fosse desenvolvido com maior clareza, sem
11
privar os alunos de certas discussões sobre o medo social, que não poderiam ser
tão facilmente trabalhadas com alunos menores.
Se o material produzido, corpus da pesquisa se mostrasse relevante
para nossos propósitos, poderíamos associar teoria e analise para perscrutar como
o medo se traduz em língua, como se comporta retoricamente na produção de
nossos alunos, como se configura em provas retóricas capazes de persuadir um
auditório. Essa associação do universo da doxa, da opinião e de sua constituição
retórica a partir do logos observado norteou nossa constituição analítica.
A princípio, quando dizíamos que iríamos fazer uma análise retórica em
textos de alunos de 8ª série, pensávamos: o que terá de retórico nestes textos?
Porém quando nos debruçamos para procurar, encontramos características do
orador (Ethos), e como isso se manifesta num auditório (Pathos), percebemos que
até mesmo nos textos mais simples, podemos fazer esse tipo de análise. Não
esperamos que nossos alunos produzam textos eloqüentes e com belas palavras,
mas sim, buscamos na simplicidade de suas produções argumentos que
demonstrem suas idéias.
Com as primeiras respostas, iniciamos a tarefa. O trabalho foi realizado
em uma escola estadual de Franca, interior de São Paulo, com 51 alunos de duas
classes de 8ª série do Ensino Fundamental – ciclo II. Esses estudantes participaram
de um total de seis horas aula, nas quais levantaram uma idéia geral sobre o medo;
posteriormente, responderam a um questionário sobre o assunto, leram artigos de
jornais que tratavam de temas relacionados ao medo e à violência na região onde
moram e depois fizeram suas produções, seguindo a proposta de expor seus medos
através de textos de gêneros variados, ou até mesmo por meio de desenhos e
grafites. As produções dos alunos resultaram em 17 textos e 20 desenhos. Nosso
foco de interesse já podia ser observado: a constituição de um ethos coletivo, a partir
das referências fornecidas pelos alunos. Ainda que, de modo parcial, nos limites da
pesquisa, poderíamos saber um pouco mais da constituição identitária de nossos
alunos e sobre as formas de expressão dessa identidade, por meio de depoimentos
sobre uma paixão fundamental no ser humano: o medo.
No plano teórico, atualmente, há uma nova concepção de retórica.
Todas aquelas limitações que eram atribuídas à Retórica Antiga se dissiparam
conforme os estudos do discurso se aprofundaram. Hoje, a retórica ultrapassa os
limites de seu campo de atuação, estando presente também em outras linhas
12
teóricas, se bem que suas origens ainda oferecem inestimáveis possibilidades de
estudo.
Assim, tendo como base teórica conceitos da Retórica Antiga, e re-
estudos da Nova Retórica, tínhamos condições de descrever e analisar a formação
de um determinado ethos, seja coletivo ou individual. A retórica conceitua crê que a
exposição retórica do ethos funciona como um meio para atingir o ouvinte. Os
reflexos se consubstanciam em pathos que, de forma muito simplificada, é a emoção
ou o apelo às paixões. Esses aspectos serão considerados em nossos estudos, para
fazermos um levantamento de como um aluno manifesta, pela produção escrita, seu
ethos juvenil e como é influenciado ou não pelos discursos do mundo sobre o medo
e suas conseqüências. Aí reside o pathos. Esses dois elementos, que se entrelaçam
no instante de produzir um texto, fazem assomar, retoricamente, elementos
identitários que podem ser vistos sob o crivo da teoria da retórica.
Evidentemente, nossa principal preocupação no presente trabalho não
é a busca da verdade absoluta sobre o medo na vida desses alunos, mas sim a
busca das manifestações de medo que eles expressam na superfície de seus textos.
O risco interpretativo precisava ser assumido, pois mostrar e esconder, provocar a
polissemia, discutir posições sociais e enxergar a realidade a partir delas são
características naturais do discurso. A prática discursiva e o evento discursivo
determinam a produção de sentidos, por isso, procuramos, nos limites do possível,
deixar bem clara a situação retórica para que o ato retórico se traduzisse na verdade
daquele instante específico, pleno de envolvimento, acalorado pelas discussões
temáticas. Os produtos escritos são fotografias de um processo de orientação e de
rearticulação sobre um tema, seus efeitos imediatos na ordem do discurso e
produtos sensíveis de uma impressão sobre o mundo. A análise empreendida, pois,
se dá sobre o produto de uma problematização sobre eventos reais da sociedade
contemporânea, filtrados por alunos de faixa etária aproximada, com condições
sócio-econômica muito parecidas, que moram em um mesmo ambiente geográfico e
sofrem as pressões sociais de modo bastante parecido. Cremos que esse fator de
historicidade nos permite uma projeção de ethos, ainda que modesta, muito
aproximada da realidade, já que a condução da pesquisa pretendia associar os
dilemas, entendimentos subjetivos e condições particulares em um bloco que
refletisse modos de manifestar-se e de reagir, por escrito, em situações concretas.
Desse modo, um plano outro poderia se revelar: o ethos social de alunos de oitava
13
série da cidade de Franca, sua força e fraqueza diante de eventos que se implantam
no seio social e têm reflexos no modo de ser, crescer e falar sobre o pathos que os
captura naquela situação específica.
Acreditamos que a grande contribuição de nosso trabalho é justamente
esse olhar retórico sobre um instante social atribulado, sobre a fala de uma
juventude que vivencia instantes passionais bastante significativos quer pela
disseminação da violência, quer pelo medo que essa disseminação pode trazer e
como essa realidade vivida pode, de algum modo, afetar valores e condições de vida
dos jovens pesquisados. A despeito da modéstia do corpus, das limitações da
análise, estamos certos de que será possível mostrar a capacidade destes sujeitos
se manifestarem; e argumentarem, sobre o tema escolhido É um primeiro passo.
Para dá-lo, delimitamos algumas categorias de análise, expostas nos parágrafos a
seguir.
Em nossa análise, consideraremos alguns aspectos básicos para uma
análise retórica: sempre serão considerados um retor (locutor ou orador) e um
auditório (interlocutor ou ouvinte). Ao primeiro, designam-se ações de Ethos (o retor
tem que ganhar a confiança do auditório, tendo como ferramenta a crença à
elevação do caráter. Ao interlocutor são designadas ações de Pathos, capacidade
de confiança no locutor. Entre eles, permeia o Logos, discurso com função
argumentativa e persuasiva.
Ao estabelecer uma análise retórica de texto verificaremos: Quem fala?
(Ethos), Quem ouve? (Pathos), a problemática (motivo central) e argumentos que
compõe o discurso? (Logos).
Além desses conceitos fundamentais para a retórica, analisaremos
também a instância (falha apontada pelo orador), o tema, o problema retórico, seus
antecedentes, a tese, o auditório - que pode ser universal ou particular, as limitações
impostas ao retor, elementos factuais, componente específico de interesse, provas
refutativas e confirmativas, intrínsecas e extrínsecas e os gêneros do discurso
(judiciário, epidíctico ou deliberativo).
Este trabalho, pois, se delimita da seguinte forma: um primeiro capítulo
que fornece um panorama geral dos estudos retóricos; um segundo capítulo que
trata das paixões, primeiro numa visão geral e depois já relacionada à retórica, e
mais especificamente sobre o medo. No terceiro capítulo entre Ethos e Pathos:
alguns alunos e o medo contextualizamos o sujeito de nossa pesquisa. No quarto
14
capítulo, trataremos do material e método, onde será explicado todo o percurso
percorrido para a constituição do corpus de nosso trabalho. No capítulo quinto,
teremos um referencial teórico da análise realizada no trabalho e no sexto capítulo
nossas considerações finais.
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1 NOS MEANDROS DA ARGUMENTAÇÃO
Como o eixo que norteia este trabalho é a retórica do medo em textos
de alunos, parece relevante, de início, situar historicamente a retórica para,
fundamentar teoricamente a análise feita no presente trabalho.
Como referência teórica, buscaremos as idéias de Aristóteles (2003),
Meyer (2003), Mosca (2004), Perelman e Olbrechst-Tyteca (2005) (sobre retórica e
argumentação).
A história nos permite dizer que o nascimento da Retórica, bem como a
Filosofia, aconteceu com o advento da Polis (cidade) e das novas relações sociais
instituídas por ela. Também, historicamente, podemos afirmar que seu nascimento
se deu especialmente no seio do judiciário. Conforme Mosca (2004), a retórica
surgiu devido à luta reivindicatória na defesa de terras da Sicília, que tinham caído
em poder de usurpadores. Isso ocorreu porque, por volta de 465 a.C., com a queda
do tirano Trasíbulo, em Siracusa – Sicília, inúmeras causas para a restituição das
terras retiradas de seus proprietários pelo tirano foram impetradas.
Na Grécia antiga, existiam duas escolas que preparavam o cidadão
para a vida pública da cidade. Os ensinamentos dessas escolas oscilavam entre a
Geometria, a Filosofia e a Retórica. Na escola isocrática, predominava o ensino da
filosofia e da retórica. Na escola platônica, procurava-se mostrar a diferença entre a
Filosofia e a Retórica (REBOUL, 2004).
Apesar da origem da retórica ser judiciária, devido à sua capacidade de
abrangência ela foi avançando para outras teorias, como por exemplo, a Literatura, a
Ragmática Lingüística, a Semiótica Discursiva, a Teoria Geral do Texto e do
Discurso (MOSCA, 2004; REBOUL, 2004).
16
1.1 O QUE É RETÓRICA?
Retórica é ciência? É arte? É jogo? É técnica? Existem vários
conceitos sobre palavra retórica ao longo de sua história.
Porém, antes de qualquer coisa, é preciso considerar que a retórica é
inerente ao ser humano, é por isso que Reboul (2004) faz duas observações
importantes sobre a retórica:
A primeira é que a retórica é anterior à sua história, e mesmo a
qualquer história, pois é inimaginável que seres humanos não tenham utilizado a
linguagem para persuadir. Podemos encontrar retórica entre hindus, chineses,
egípcios e hebreus, porém, apesar disso, em certo sentido, pode-se dizer que a
retórica é uma invenção grega, tanto quanto a geometria, a tragédia, a filosofia. Os
gregos inventaram a técnica retórica, como disciplina, independentemente dos
conteúdos, que possibilitavam defender qualquer causa e qualquer tese. Depois,
inventaram a teoria da retórica, não mais ensinada como uma habilidade útil, mas
como uma reflexão com vistas à compreensão, neste mesmo sentido, foram eles
também responsáveis pela teoria da arte, da literatura e da religião (REBOUL, 2004).
A segunda é que entre os séculos V e IV antes da nossa era, os gregos
elaboraram A retórica, que permaneceu intacta por um longo período, mais
precisamente por dois milênios e meio, de Górgias a Napoleão III. Por isso ainda
hoje, quando se fala em retórica, seja a de um filme ou a do inconsciente, a
referência é sempre feita à retórica dos gregos (REBOUL, 2004).
Para falarmos de retórica, é fundamental que busquemos em suas
origens seus conceitos e seus princípios. Para isso é necessário voltar à Grécia
Antiga, e recorrer aos filósofos gregos, que dedicaram seus estudos em busca de
respostas sobre este tema que, apesar de ser um termo comumente utilizado no dia-
a-dia, não é conhecido em toda sua potencialidade semântica, pois temos uma visão
destorcida do sentido dessa palavra.
Em seu livro Introdução à Retórica, Reboul (2004), postula que para o
senso-comum, retórica é sinônimo de coisa empolada, artificial, enfática,
declamatória, falsa. Há razões para que essa concepção tenha se vinculado ao
discurso não-acadêmico, como procuraremos mostrar a seguir, ao demonstrarmos,
ainda que rapidamente, as diversas acepções adotadas ao longo da história.
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O primeiro conceito referente à retórica ocorreu no período da Grécia
Clássica e foi dado por Córax, discípulo de Empédocles, e Tísias que conceituou a
retórica como a criadora da persuasão (REBOUL, 2004).
Conforme Silva (2006), Córax publicou uma coletânea de exemplos de
uso prático aos cidadãos despojados com o objetivo de simplificar suas
reivindicações na justiça. Por isso concluímos que para eles a capacidade de
convencer do orador é superior à verdade.
Conforme Reboul (2004), Górgias, também discípulo de Empédocles, a
conceitua como o poder de persuadir o outro pelo discurso. Foi Górgias quem fez
uso da retórica a serviço do belo, do literário e da nuance, com sua linguagem
rebuscada – quase poética, a uma retórica não judicial. Sua iniciativa foi tão bem
aceita pelos atenienses que Górgias, após seu discurso, teve que prometer que
voltaria a lhes falar.
Para os sofistas o mais importante na retórica é o poder que o orador
pode exercer em um auditório. A sofística não se preocupa com a verdade, mas sim
utiliza a retórica como um meio de persuadir e de vencer pelo discurso, deixando à
deriva valores morais e éticos. Para eles o que interessa é a eficácia do discurso,
visando vencer o interlocutor e deixá-lo sem réplica. O objetivo principal da retórica
sofista é dominar pela palavra, valorizando o poder e subestimando o saber
(REBOUL, 2004).
Protágoras, também sofista, especialmente preocupado com
gramática, estilo e coerência também voltou sua teoria retórica para o sucesso na
persuasão, deixando de lado a questão da verdade. É Platão, porém, quem mais
incisivamente questiona a moralidade do uso sofístico da retórica. Para ele, o mau
uso que os sofistas faziam da retórica e o modo como eles manipulavam a verdade
era condenável e por isso para ele a retórica era inferior. No Górgias, ele estabelece
uma oposição entre episteme (saber) e doxa (crença) e diz que a retórica preocupa-
se semente com a doxa, que pode ser verdadeira ou falsa, enquanto a episteme é
sempre verdadeira. A partir daí Platão questiona definitivamente a supremacia
retórica no estilo sofista (REBOUL, 2004).
Posteriormente, Isócrates unifica os conceitos e traz para o discurso
retórico a necessidade de estilo, de técnica judiciária, de técnica poética, de ensino e
de filosofia. Isócrates dispensa um grande valor à retórica, para ele, ela é toda a
filosofia. Ele ainda acrescenta que a retórica precisa, antes de tudo, de um objetivo e
18
partindo disso, ela deve buscar meios de alcançá-lo, porém esses meios devem ser
dignos. Dessa forma, ele moraliza a retórica afirmando que ela só é aceitável se
estiver a serviço de uma causa honesta e nobre (REBOUL, 2004).
Isócrates e Platão não compartilhavam das mesmas concepções a
respeito da retórica. Para Platão, a filosofia e a retórica tinham conceitos e
conteúdos diferentes: a retórica ensinava arte do bem falar; a filosofia trabalhava
especialmente as questões relativas à alma. Na visão platônica, a filosofia estava
acima da retórica, e, por pertencer ao plano das idéias, não fazia parte dos logos, do
discurso, pois o discurso tinha as características do orador e suas contingências,
tornando-se local propício para engendrar e planejar as proposições e os
julgamentos que poderiam ser admitidos como verdadeiros, dependendo da
habilidade do orador. Embora na Grécia antiga tenham ocorrido muitos tratados de
retórica, é Aristóteles, discípulo de Platão, em cuja academia passou vinte anos,
quem efetivamente sistematiza a Arte Retórica. Para ele, a retórica não é
simplesmente a arte de persuadir, mas os meios utilizados para persuadir (REBOUL,
2004).
Diz-se que Aristóteles dedicou seus estudos à retórica no intuito de
evidenciar as deficiências e o caráter pouco filosófico dado a esses estudos até
então por Isócrates.
Fonseca (2003), na introdução de Retórica das paixões esclarece que
para Aristóteles, a retórica deve ser acima de tudo uma rigorosa técnica de
argumentar, mas diferente daquela que caracteriza a lógica.
Portanto, durante o período da Grécia antiga, o conceito de retórica foi
alterado à medida que seus estudos foram ampliados. Tanto os filósofos, quanto os
sofistas atribuíram conceitos diferentes para retórica.
Sócrates se posiciona contra aqueles que a usam em proveito próprio.
Discordando dos antigos filósofos e dos sofistas, Sócrates propunha
que, antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer persuadir os outros,
cada um deveria, antes de qualquer coisa, conhecer-se a si mesmo. A expressão
conhece-te a ti mesmo que estava gravada no pórtico do templo de Apoio, patrono
grego da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates (CHAUÍ, 2000).
Meyer (2003), no prefácio da Retórica das paixões, evidencia o fato de
que as respostas apresentadas pelos sofistas e pelos notáveis são respostas
aparentes e que não solucionam o problema colocado no início do discurso.
19
Górgias, pois, a celebra por seu poder; Aristóteles por sua utilidade. Platão a
considera inferior.
As divergências de Platão a respeito da retórica eram evidentes,
quanto a isso, Faria (2006) diz que para Platão a retórica era imoral, e para
Aristóteles nem moral, nem imoral, mas um meio de defender suas idéias fazendo
uso das palavras, ao invés de usar a força física.
Mas as divergências entre os dois pensadores não dizem respeito só
ao mundo da opinião e ao caráter moral, imoral ou neutro da retórica. De acordo
com Fonseca (2003), se Platão restringiu a exploração das paixões, Aristóteles deu
total apoio a estas, exigindo, porém, orientação e comedimento para não se chegar
a exibições dramáticas.
Górgias e Aristóteles admitem (como Isócrates) que a retórica pode se
usada desonestamente (adikôs), o que em nada subtrai o seu valor (REBOUL,
2004). Além disso, Aristóteles se diferencia dos sofistas por compreendê-la de um
modo mais formal. Para os sofistas, um discurso poderia ser proferido em qualquer
local público, já para Aristóteles um discurso deve ser coeso, e rico em silogismos,
implícitos, entre outros.
Conforme Reboul (2004), a retórica apresenta uma flexibilidade que se
enquadra em diversas teorias modernas, e por isso ela contribui para os estudos em
variadas disciplinas, é nesse sentido que dizemos que a retórica não é um jogo, mas
um instrumento de ação social, ela é uma disciplina que tem a importante função de
ajudar em decisões fundamentais, como libertar ou prender, viver, em conflito, ou
viver em paz.
Aristóteles nos ensina que a retórica é extremamente útil, e
imprescindível. Se as pessoas, às vezes, fazem um uso desonesto dela, não
podemos condenar a retórica, mas sim quem dela faz uso (REBOUL, 2004).
A partir dessa nova argumentação, a retórica passa uma idéia mais
profunda e sólida. Para começar, já não a apresenta como poder de dominar, mas
como poder de se defender, o que, de imediato, torna-a legítima. Sinteticamente,
podemos dizer que, enquanto a defesa de Górgias ou de Isócrates consistia em
fazer da retórica um instrumento neutro que só valia pelo uso, Aristóteles lhe confere
um valor positivo, mesmo que relativo. Portanto, dando à retórica um conceito mais
modesto que o dos sofistas, Aristóteles a torna muito mais plausível e eficaz. Entre o
20
tudo dos sofistas e o nada de Platão, a retórica encontra seu lugar e se contenta em
ser alguma coisa, porém de valor definido (REBOUL, 2004).
Aristóteles escreveu três compêndios sobre a retórica (ARISTÓTELES,
2003). No primeiro, demonstra que a retórica não se restringia apenas à arte do bem
falar, da eloqüência, concepção esta ainda comum sobre a retórica. Veja-se, por
exemplo, a definição de retórica no Dicionário Houaiss da língua portuguesa: retórica
s. f. 1 Fil. Ret. a arte da eloqüência, a arte de bem argumentar; arte da palavra 2 p.
ext. Ret. conjunto de regras que constituem a arte do bem dizer, da eloqüência;
oratória. Mesmo considerando a expressão bem argumentar, não há referência ao
aspecto persuasivo do discurso, mas indicações claras sobre a arte da eloqüência e
do bem dizer. Idéia bem compatível com a do senso comum, que designa qualquer
discurso empolado e sem sentido como retórica, que sugere ser a retórica um
amontoado de palavras bonitas e vazias de significados.
A retórica é a arte de argumentar em situações em que a
demonstração não é possível, o que a obriga a passar por noções comuns, que não
são opiniões vulgares, mas aquilo que cada um pode encontrar por seu bom senso,
em domínios nos quais nada seria menos científico do que exigir respostas
científicas. É a arte de explorar tudo o que um caso contém de persuasivo, sempre
que não houver outro recurso senão o debate contraditório (REBOUL, 2004).
A legitimação dos estudos teóricos muito deve à contribuição de
filósofos como o belga Chaim Perelman e o norte-americano Kemeth Burke
Perelman trata a retórica como teoria da comunicação persuasiva, já Burke aponta a
função reparadora da retórica num mundo de variadas facções e de interesses
conflitantes. Para Burke somos seres retóricos devido à necessidade de
identificarmo-nos uns com os outros (HALLIDAY, 1988).
Vejamos abaixo o posicionamento desses filósofos.
Na medida em que a comunicação tenta influenciar uma ou mais pessoas,
orientar-lhes o pensamento, excitar ou acalmar suas emoções, guiar suas
ações, (esta comunicação) pertence ao reino da retórica. A dialética, ou
técnica da controvérsia, está incluída como grande parte deste reino mais
amplo (PERELMAN, 1982 apud HALLIDAY, 1988, p. 122).
“O identificar-se compensa o estar dividido [...] Ponham-se identificação
e divisão ambiguamente juntas, de modo a não se saber onde uma termina e onde a
21
outra começa e temos o característico estímulo à retórica” (BURKE, 1969 apud
HALLIDAY, 1988, p. 123).
1.2 DECLÍNIO DA RETÓRICA
A retórica teve seu período de glória, na Grécia antiga, porém seguido
de uma acelerada decadência, que ocorreu pelo mau uso que se fez de sua prática.
Os sofistas, apesar de terem contribuído com elementos que a enriqueceram,
também foram responsáveis por seu declínio quando estabeleceram que sua
característica fosse de fazer uso do discurso sem se preocupar com a verdade, sem
moral e sem critérios, apenas valorizando a persuasão. Reboul (2004) evidencia
essa posição dos sofistas:
O discurso não pode mais pretender ser verdadeiro, nem mesmo verossímil,
só poderá ser eficaz; em outras palavras, próprio para convencer, que no
caso equivale a vencer, a deixar o interlocutor sem réplica. A finalidade
dessa retórica não é encontrar o verdadeiro, mas dominar através da
palavra; ela já não está devotada ao saber, mas sim ao poder (REBOUL,
2004, p. 10).
Com a sofística, a retórica é soberana, ou seja, está acima até mesmo
da verdade, porém esta soberania será responsável por sua decadência. A sofística
é fatal para a retórica, portanto será preciso desvencilhar uma da outra para que
haja salvação. Conforme mencionado anteriormente, Isócrates propõe uma nova
retórica, por meio de sua moralização, porém Platão faz críticas nesse sentido
dizendo que apesar de Isócrates ter tentado libertar a retórica dos sofistas, ele
acabou deixando as coisas como estavam. Esse impasse se dá devido às
divergências de opiniões entre os dois. A retórica de Aristóteles é bastante próxima
da de Isócrates, porém Aristóteles considera que a retórica está abaixo da filosofia
(REBOUL, 2004).
Após Isócrates e Aristóteles, a retórica se instala na cultura grega como
disciplina fundamental. Além disso, ela, também foi utilizada pelos romanos, e
sobreviveu em Bizâncio, tanto sob o islamismo quanto na Europa Medieval, sempre
com métodos semelhantes (REBOUL, 2004).
22
Conforme Reboul (2004), no século XIX, porém, a retórica passou por
seu maior declínio, e quase se extinguiu. Isso ocorreu durante o cristianismo que
rompeu com a cultura antiga que era caracterizada pelo paganismo, idolatria e
imoralidade. Porém, logo, os cristãos aceitaram a escola romana e sua cultura. Após
o fim do império, a igreja tornou-se guardiã dessa cultura antiga, inclusive da
retórica.
A igreja, apesar de condenar autores pagãos, admite a língua e a
retórica desses autores por duas questões básicas.
A primeira é que a igreja em seu papel missionário e em suas
polêmicas, não podia renunciar à retórica, e nem à língua. Os meios de persuasão e
de comunicação da retórica não poderiam ficar nas mãos de seus adversários.
A segunda razão é que a Bíblia Sagrada, principal livro dos cristãos, é
profundamente retórica.
Para Reboul (2004), o declínio da retórica não ocorreu devido ao
cristianismo, uma vez que a retórica se desenvolveu durante toda a idade média,
tanto na literatura profana, quanto nos discursos religiosos. Após o renascimento, a
retórica voltou às antigas regras. A partir daí, seu ensino se tornou fundamental
durante o período escolar, para os jesuítas, jansenitas e protestantes.
É, nessa fase, no entanto, que se inicia realmente o declínio da
retórica. As novas idéias rompem a ligação entre o argumentativo e o oratório, que
fortalecem e valorizam a retórica (REBOUL, 2004).
Conforme Reboul (2004), esta cisão ocorre a partir do século XVI, com
o humanista Pedro Ramos, porém não existe comprovação de que este fato foi
duradouro; ao contrário, os retóricos que aparecem até o século XIX, continuam
completos, usando a invenção, a disposição e a elocução em seus discursos.
No século XVII, ocorreu uma ruptura também grave com Descartes. Ele
acabou com um dos pontos fortes da retórica, que é a dialética (REBOUL, 2004).
Locke (apud REBOUL, 2004) filósofo inglês, também condenou a
retórica. Na sua concepção ela afasta a verdade, é enganosa e usa artifícios para
induzir o interlocutor a falsas idéias. Locke e Descartes colaboram com o declínio da
retórica, reduzindo-a à arte da mentira e ignorando a dialética.
Reboul (2004) comenta que seu campo de atuação se restringiu aos
debates jurídicos, à política e à pregação até o século XIX. Nesse período, porém,
duas novas linhas de pensamento conduzem ao seu fim.
23
A primeira é o positivismo, que nega a retórica em favor de uma
verdade científica. A segunda linha é o romantismo, que nega a retórica em nome da
sinceridade.
Reboul (2004) menciona que em 1885 o ensino da retórica desaparece
da escola francesa, substituída pela história das literaturas grega, latina e francesa.
1.3 RENASCIMENTO DA RETÓRICA
Mosca (2004) justifica a vitalidade dos estudos retóricos na atualidade,
não só pela solidez e perenidade das idéias de Aristóteles – que admitem a
aceitação da mudança, a alteridade e a consideração da língua como lugar de
confrontos e de subjetividades –, mas também porque a retórica se insere no
exercício da reflexão pessoal, no domínio dos conhecimentos prováveis, no terreno
da verdade e aparência de verdade, da verossimilhança, logo, no espaço em que há
lugar para a sensibilidade, a sedução, o fascínio, as crenças e as paixões. Ademais,
o universo retórico é formado pelo embate de idéias e pela habilidade em manejar o
discurso. E, se argumentar é fruto de uma atividade interativa, vale considerar o
outro como capaz de reagir e de interagir ante as teses e propostas que lhes são
apresentadas.
Portanto, apesar de ter passado por momentos difíceis e de quase
extinção, a retórica ressurge no início dos anos 60 como uma nova concepção, com
algumas inovações, porém, ainda fiel às suas origens. Foi então que acadêmicos da
época devolveram à palavra retórica o seu valor. “As retóricas de hoje – pois é
preciso utilizar o plural a esse respeito – permanecem fiéis ao programa de sua
antecessora clássica: contribuir para constituir uma ciência do discurso dos homens
em sociedade” (KLlNKENBERG, 2004 apud MOSCA, 2004, p. 14).
Nos estudos recentes sobre retórica, temos vários estudiosos que
merecem destaque dos quais citamos os Inauguradores da Nova Retórica, Perelman
e Olbrechets-Tyteca (2005) em seu Tratado da Argumentação, vêem a retórica como
a arte de argumentar, e buscam seus exemplos, na maioria das vezes, em discursos
religiosos, políticos, jurídicos e até mesmo filosóficos. Sua obra é realmente baseada
na teoria do discurso persuasivo, que se insere na grande tradição retórica dos
24
filósofos da Grécia antiga. Perelman e Olbrechets-Tyteca (2005) não se baseiam em
problemas lingüísticos ou literários, mas sim em problemas filosóficos. Já Genette,
Cohen, Barthes e o Grupo Ü (apud REBOUL, 2004), consideram a retórica como
estudo do estilo, e mais particularmente das figuras. Para os primeiros, a retórica
visa a convencer; para os últimos, constitui aquilo que faz do texto um texto literário.
Outros estudiosos também contribuíram para a permanência da Nova
Retórica, como, por exemplo, o cientista Charles Pierce, que defende aspectos
retóricos próximos das idéias expressas por Aristóteles, aplicados à Semiótica.
Outros também, que compartilham de uma visão mais próxima da nossa, contribuem
com aspectos ligados ao discurso, propriamente dito, e à argumentação enquanto
técnica de persuasão, como é o caso de Meyer (2003), cuja proposta tem como
base a negociação entre os indivíduos inseridos em um determinado contexto social,
e é este o conceito que adotaremos no presente trabalho.
Conforme já mencionamos, a Nova Retórica apresenta diferentes
vertentes sobre o conceito de retórica. Mosca (2004) especifica de maneira bastante
objetiva como este conceito é abordado em ambas vertentes. Vejamos:
1. estudo da produção literária, em que a preocupação é a idéia de
ruptura, de inovação, de desvio. Portanto, o que lhe interessa é a
oposição regra/desvio e o cultivo da diferença, cabendo discussões
a esse respeito;
2. estudo da produção persuasiva propriamente dita, da expressão
eficaz, baseada no acordo implícito dos valores e no princípio da
cooperação dos envolvidos no ato comunicativo. Dentro dessas'
condições, parte de uma apologia da norma, do senso comum, da
partilha de princípios e expectativas. É, portanto, a noção de
identidade que consolida o ato de adesão. São os estereótipos, os
lugares comuns que circulam em suas manifestações (MOSCA,
2004).
Tanto na Antiga quanto na Nova Retórica uma característica é
fundamental: conhecer o auditório a que se fala, pois não podemos deixar de levar
em consideração que toda argumentação está inserida em um determinado contexto
no qual o orador deve estar atento. Se o orador respeita e conhece a situação em
que se dá o discurso, e considera elementos externos, ele tem maiores chances de
persuadir o seu auditório.
25
Para Mosca (2004), essa volta às raízes é fundamental para que
aconteça um renascer e uma revitalização dos estudos sobre retórica. Essa postura
deverá ocorrer sempre para que a retórica seja uma constante nos estudos atuais.
1.4 USO DA RETÓRICA
Os estudos atuais de retórica nos revelam que existe uma relação da
retórica com outras áreas de estudo conforme demonstra Mosca (2004, p. 26):
A Retórica – enquanto teoria do discurso persuasivo – confina com várias
disciplinas, delas recebendo subsídios, ao mesmo tempo em que fornece
seu arsenal já milenar, a partir das experiências que o homem tem feito
desde que percebeu a força de seu discurso sobre o outro.
E ainda acrescenta:
[…] a partir dos anos 60, as teorias retóricas modernas representadas,
sobretudo pela teoria argumentativa de Perelman e seus continuadores e
pela Retórica Geral ou Generalizada, do Grupo Ü de Liége (Bélgica), vêm
retomar a velha Retórica e, ao mesmo tempo, renová-la, valendo-se dos
avanços trazidos por diversas disciplinas que se afiguram no nosso século:
a Lingüística, a Semiologia/Semiótica, a Teoria da Informação, a Pragmática
(MOSCA, 2004, p. 18).
Por isso a retórica é extremamente abrangente e flexível, pois ela
aceita a relação com outras teorias, portanto todas as limitações que lhe foram
impostas no passado, foram esquecidas. Atualmente, a retórica atua também em
outros níveis da linguagem, e não apenas no verbal.
Se a limitaram, no passado, à rigidez dos cânones com fórmulas que
nortearam toda a produção e a avaliação de obras concretas, houve, por outro lado,
quem lhe conferisse o estatuto de ciência:
De todas as disciplinas antigas, é a que melhor merece o nome de ciência,
pois a amplidão das observações, a sutileza da análise, a precisão das
definições, o rigor das classificações constituem um estudo sistemático dos
recursos da linguagem, cujo equivalente não se encontra em qualquer dos
outros conhecimentos daquela época (GUIRAUD, apud MOSCA, 2004, p.
19).
26
Outro fator que, na opinião de Mosca (2004), ainda valida a retórica
são as representações, os simulacros de que todos nós fazemos uso em nossos
discursos, nas nossas relações, idéia amparada pelo pensamento aristotélico na
referência sobre verdade e aparência de verdade.
O foco de nosso trabalho será voltado apenas para o campo da
retórica, tendo como referencial teórico conceitos da retórica aristotélica e estudos
da Nova Retórica.
1.5 RETÓRICA E PERSUASÃO
Embora muitos tratados de retórica tenham surgido na Grécia antiga, é
Aristóteles, discípulo de Platão, em cuja academia passou vinte anos, quem
efetivamente sistematiza a Arte Retórica. Para ele, a retórica não se resume à arte
de persuadir, mas aos meios de persuasão específicos de cada caso para o qual é
chamada.
[...] a Retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode
ser capaz de gerar persuasão. Nenhuma outra arte tem essa função, porque
as demais artes têm; sobre o objeto que lhes é próprio, a possibilidade de
instruir e persuadir; por exemplo, a Medicina, sobre o que interessa à saúde
e à doença [...] Mas a retórica parece ser capaz de, por assim dizer, no
concernente a uma dada questão, descobrir o que é próprio para persuadir
(ARISTÓTELES, 1964, p. 33).
A retórica está ligada ao discurso persuasivo, ou ao que um discurso
tem de persuasivo. O que é, pois persuadir? Para Reboul (2004) é fazer com que um
indivíduo acredite em algo. Alguns atribuem sentidos diferentes a persuadir e
convencer, para estes, convencer não é acreditar, mas sim fazer entender. Na visão
de Reboul (2004), a persuasão retórica consiste em levar a crer, o que não significa
necessariamente levar a fazer. Se, acontece o contrário, não é retórica. A persuasão
sempre esteve ligada à retórica. Conforme Mosca (2004), a argumentação e a
retórica são ligadas, e uma não existe sem a outra. Sobre a arte de argumentar e a
retórica como técnica de persuasão vale a pena lembrarmos o que dizem Perelman
e Olbrechst-Tyteca (2005), sobre o objetivo de qualquer argumentação:
27
O objetivo de toda argumentação é procurar aumentar a adesão dos
espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento: uma
argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensividade de
adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação
positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a
ação, que se manifestará no momento oportuno (PERELMAN;
OLBRECHST-TYTECA, 2005, p. 50).
Estão contidas nas idéias de Perelman e Olbrechst-Tyteca (2005),
além da noção do discurso persuasivo que atua sobre o ouvinte pelos logos
(palavra, razão), a do caráter do orador (ethos), que deve estar em afinidade com o
ouvinte, despertando-lhe confiança e ganhando credibilidade ao que vai dizer, e o
movimento das paixões (pathos), reações que o orador desencadeia no ouvinte.
Também para Mosca (2004), as noções de Iogos, ethos e pathos, como elementos
de persuasão de que se utiliza o orador, constam das definições posteriores à
retórica clássica, como instruir (docere), comover (movere) e agradar (delectare).
Sendo assim, as novas retóricas mantêm forte vínculo com as idéias do passado,
visto que se apóiam no caráter interativo e dialógico da linguagem, tanto ontem,
quanto hoje.
Mosca (2004) reafirma essa visão quando diz que para que um
discurso seja persuasivo é necessário que sejam mobilizados todos os recursos
retóricos, a fim de que se crie um efeito de sentido, visando a um determinado
objetivo. Todo discurso é uma construção retórica quando seu objetivo é levar o
destinatário a aderir o seu ponto de vista, por isso a retórica é uma técnica, que
exige planejamento, habilidade, e estratégia.
Para as análises do presente trabalho é interessante ressaltar que, de
acordo com Aristóteles (apud REBOUL, 2004) a retórica utiliza alguns meios para
persuadir, que são por ele denominados provas, conforme mencionado em sua
esquematização. Ethos e Pathos ligados à afetividade e logos à razão. Essas provas
também são denominadas, conforme Mosca (2004), como instruir (docere), comover
(movere) e agradar (delectare).
Em lugar de limitar a retórica à mera palavra bonita e bem colocada,
Aristóteles (apud REBOUL, 2004) referia-se ao grau de objetividade do discurso
(logos), ou seja, à palavra empregada com racionalidade, pois, para o filósofo, a
argumentação demonstrativa devia acontecer através de provas (pisteis), elemento
constituinte essencial do discurso e, portanto, da tarefa do orador para conduzir
racionalmente o que pretendia demonstrar.
28
Incluía-se também como elemento integrante das provas o provocar
emoções no auditório. Seriam essas as provas de caráter subjetivo, também
utilizadas com a intenção de convencer ou de persuadir.
Aristóteles (apud REBOUL, 2004) afirma, no segundo livro dedicado à
retórica, que apenas as provas demonstrativas não seriam suficientes para se obter
a confiança do auditório. E, tendo a retórica como finalidade um julgamento, seria
necessário não só atentar para o discurso, a fim de que fosse demonstrativo e digno
de fé, mas também provocar paixões que, para o pensador, eram todos os
sentimentos que causavam mudanças nas pessoas e faziam diferir seus
julgamentos. Para o pensador, as paixões constituiriam um teclado no qual o bom
orador devia tocar para convencer. Nessas condições, para despertar o pathos, seria
preciso, antes, conhecer o ethos do orador. Observa-se nessa concepção uma
verdadeira dialética passional em que a retórica sempre servia para ajuste das
diferenças, das contestações. O bom orador devia estar atento, se pretendia
persuadir ou convencer. Assim, “para quem se preocupa com o resultado, persuadir
é mais do que convencer […] Em contrapartida, para quem se preocupa com o
caráter racional da adesão, convencer é mais que persuadir” (PERELMAN;
OLBRECHST-TYTECA, 2005, p. 30).
Isto é, o orador deve buscar a interação com o outro, por meio da
harmonia discursiva em que ethos, pathos e Iogos são elementos indissociáveis
para o afiançamento social do discurso.
Para Reboul (2004), o discurso comporta dois aspectos, que
denominamos argumentativo e oratório. A gestualidade, a hipérbole, a antítese são
fatores que contribuem para agradar ou comover, mas são também argumentativas,
pois exprimem o argumento de maneira mais contundente.
Para nosso trabalho é muito importante o posicionamento de Mosca
(2004) sobre a persuasão. Segundo a autora, para se verificar a capacidade de
persuasão de um discurso, ou como acontece a persuasão, é preciso considerar o
contexto e as relações de intersubjetividade existentes entre os envolvidos no
discurso (enunciador e enunciatário). Nesse sentido, Mosca (2004) compartilha com
Meyer (2003) o conceito adotado no presente trabalho.
É essa capacidade de persuadir, de fazer com que o outro acredite no
discurso, que faz da retórica um objeto de estudo moderno. Conforme menciona
Mosca (2004), Aristóteles, ao demonstrar o elo entre retórica e persuasão,
29
desvinculado da noção de verdade, estabelece o fundamento principal para sua
solidificação desde a antiguidade até a modernidade.
Faria (2006) acrescenta que o universo retórico atualiza-se no campo
discursivo, principalmente quando se considera o discurso como ato interativo,
produzido por alguém, em determinado contexto sócio-histórico-cultural, que faz
escolhas – lexicais, sintáticas, estilísticas – para compor seu discurso, visando
sempre ao outro, por sua vez contextualizado, que também faz escolhas ao receber
o discurso. Essas implicações não nos permitem falar em informação sem
intencionalidade, pois todo discurso, implícita ou explicitamente, traz elementos que
visam persuadir, convencer e, portanto, formar opinião.
30
2 OS MOVIMENTOS DAS PAIXÕES
Antes de abordarmos a retórica das paixões, discutiremos a palavra
paixão que, conforme Cardoso (2006) foi vista antes do momento clássico de Platão
e Aristóteles, como uma força misteriosa e avassaladora, intimamente ligada ao
homem, que é dominado por ela.
Entretanto, a paixão no pensamento platônico visa a explicar que o
homem não se preocupa com a razão nele oculta. Se, para Platão, a paixão é o que
retém o homem na ignorância, a razão é o que lhe permite o conhecimento (FARIA,
2006).
Na concepção de Meyer (2003), as paixões visam a explicar que o
indivíduo não se preocupa com a razão nele oculta, por isso, a paixão deixa o
homem cego diante de determinadas situações. Já a razão abre os olhos e faz com
que o indivíduo veja a realidade.
Para Aristóteles as paixões são um recurso que o orador pode utilizar
para convencer o seu auditório.
“As paixões constituem um teclado no qual o bom orador toca para
convencer” (MEYER, 2003, p. 41).
Hoje, associando o termo ao comportamento humano, Chauí (2000)
postula que o passional é aquele que se deixa arrastar por tudo quanto satisfaça
imediatamente seus apetites e desejos, tornando-se escravo deles. Desconhece a
moderação, busca tudo imoderadamente, acabando vítima de si mesmo.
A filósofa ainda acrescenta que ser passional é ser passivo, deixando-
se dominar e conduzir por forças exteriores ao nosso corpo e à nossa alma. Ora, por
natureza, vivemos rodeados por outros seres, mais fortes do que nós, que nos
lideram. Por isso, as paixões não são boas nem más: são naturais. Três são as
paixões originais: alegria, tristeza e desejo. As demais derivam-se dessas. Assim, da
alegria nascem o amor, a devoção, a esperança, a segurança, o contentamento, a
misericórdia, a glória; e da tristeza surgem o ódio, a inveja, o orgulho, o
arrependimento, a modéstia, o medo, o desespero, o pudor; do desejo provêm a
31
gratidão, a cólera, a crueldade, a ambição, o temor, a ousadia, a luxúria, a avareza.
(CHAUÍ, 2000).
Uma paixão triste é aquela que intimida a capacidade de ser e agir de
nosso corpo e de nossa alma; ao contrário, uma paixão alegre potencializa a
capacidade de existir e agir de nosso corpo e de nossa alma (CHAUÍ, 2000).
Não há como limitar o humano ao aspecto racional, pois nele um
princípio ativo e outro passivo estabelecem uma dinâmica de compensação, em que
paixão e ação entram em conflito, ainda que em convivência (FARIA, 2006).
2.1 A RETÓRICA DAS PAIXÕES
A retórica tem uma ferramenta extremamente útil, que faz com que o
discurso chegue até o destinatário com eficácia. Essa ferramenta é a utilização das
paixões para persuadir, emocionar e fazer com que o público se envolva com o
discurso que está sendo proferido. A essa capacidade de persuadir, presente na
retórica,é acrescentado esse toque sutil, porém que faz a diferença no auditório, por
isso a retórica é também conhecida pelo seu poder de persuadir pela emoção
(SILVA, 2006).
Aristóteles, ao retomar os questionamentos platônicos por meio da
dialética ou da retórica, restitui ao logos seu caráter opinativo, de possibilidade, de
provável, e é isso o que o aproxima do terreno das paixões onde estão os conflitos e
opiniões humanas (FARIA, 2006).
A questão passional, no pensamento aristotélico, ao contrário do que
se lhe impunha a restrição platônica, ocupa o lugar em que os homens se enfrentam,
concordam ou discordam consigo mesmos e na interação com o outro, movidos pelo
temor, pela coragem, pela vergonha, pela inveja ou outra paixão – mas, com
certeza, fazendo uso da linguagem (FARIA, 2006).
As paixões na filosofia aristotélica devem ser entendidas como
emoções de caráter transitório e passageiro, provocadas pelo orador naqueles que o
ouvem, com a intenção de atingir seu objetivo, ou seja, a concordância com suas
idéias. Logo, ao se referir às emoções e seu caráter efêmero, melhor seria pensar
em estar e não em ser: a primeira ação reenvia ao princípio de transitoriedade
32
característico do terreno dos sentimentos; a segunda, ao da permanência – e, por
isso, de modo algum se integra ao caráter das emoções. Ademais, os meios de que
se deve servir o orador para acionar as paixões não são apenas os de ordem
objetiva lógica e intelectual, que permitem aproximação às verdades irrefutáveis; são
também os de caráter subjetivo: o ethos, o Iogos e o pathos (FARIA, 2006).
Meyer (1998) argumenta que toda relação retórica consagra uma
distância intelectual, psicológica e social que é circunstancial e que se manifestará
por argumentos ou por sedução.
Breton (1999) defende que a argumentação e se manifesta não apenas
por meio da linguagem verbal, mas também por meio de imagens que os
interlocutores criam no percorrer de suas vidas:
Cada um é precedido de uma espécie de duplo de si mesmo, sua “imagem”.
[...] a construção dessas imagens se torna uma atividade social legitima,
mobilizando todos os recursos de convencer e ampliando por isso mesmo o
território da argumentação, mas, sobretudo da manipulação, que penetra no
diferencial entre a imagem e, a realidade, que deve ser “positivada” pela
imagem (BRETON, 1999, p. 45).
Meyer (2003), no prefácio de Retórica das paixões, postula que as
paixões não são nem meios e nem fins, mas sim respostas à imagem que terceiros
fazem de nós e que, posteriormente, serão chamadas consciência de si.
Existe uma diferença entre as paixões da retórica e as paixões da
ética. A lista é diferente na Ética a Nicômaco e na Retórica de Aristóteles: há 11
paixões na Ética e 14 na Retórica. E a razão disso é a diversidade. Na Ética, temos
a alegria, o desejo ou o pesar, que são estados de alma. Como as paixões refletem
bruscamente nas representações que fazemos dos outros, independente de uma
concepção real ou imaginária, elas operam em nosso psicológico como imagens
mentais, essas vêm acompanhadas de sentimentos como dor e prazer que
conseqüentemente geram mudanças em nossa postura. As 14 paixões presentes na
retórica de Aristóteles são: a cólera, a calma, o amor, o ódio, o temor, a confiança, a
vergonha, a imprudência, o favor, a compaixão, a indignação, a inveja, a emulação e
o desprezo.
Antes de especificarmos as paixões presentes na retórica, é
interessante conhecermos as diferenças apontadas por Reboul (2004) entre razão e
sentimento no âmbito da retórica:
33
Os meios de competência da razão são os argumentos [...] que são de dois
tipos: os que se integram no raciocínio silogístico (entimemas) e os que se
fundam no exemplo [...] o exemplo é mais afetivo que o silogismo; o primeiro
dirige-se de preferência ao grande público, enquanto o segundo visa a um
auditório especializado, como um tribunal (REBOUL, 2004, p. 17).
Os meios que dizem respeito à afetividade são, por um lado o ethos, o
caráter que o orador deve assumir para chamar a atenção e ganhar a
confiança do auditório, e por outro lado o pathos, as tendências, os desejos,
as emoções do auditório das quais o orador poderá tirar partido (REBOUL,
2004, p. 17).
Portanto, pode-se dizer que a capacidade de persuadir pela emoção é
o que, em retórica, denominamos paixões. Para Aristóteles (2003, p. 14), “as
paixões são todos aqueles sentimentos que, causando mudanças nas pessoas,
fazem diferir seus julgamentos [...]”.
Aristóteles (2003) empreendeu um estudo profundo sobre as paixões
em seu livro II da Retórica. Nesse caso, as paixões devem ser entendidas como
situações provisórias criadas pelo orador. Além disso, de acordo com Fonseca
(2003), é necessário considerar as características do orador e suas inclinações a
determinadas paixões.
As paixões são ao mesmo tempo modos de ser (que remetem ao ethos
e determinam um caráter) e respostas a modos de ser (o ajustamento ao outro). Daí
a importância de que as paixões nada têm de interativo, sendo somente estados
afetivos próprios da pessoa como tal (MEYER, 2003).
Conforme Meyer (2003), Aristóteles apresenta um conceito de paixão
um tanto incompatível com o conceito do senso comum - que leigos, provavelmente
não imaginam que pertencem ao campo das paixões sentimentos como favor,
vergonha, impudência, temor, segurança, inveja, indignação, desprezo, amor,
compaixão, emulação, ódio, indignação e desprezo e menos ainda que as paixões
aristotélicas refletem a imagem que temos do outro, seja ela imaginária ou real.
Portanto, podemos dizer que as paixões, ao contrário do pensamento
platônico imposto inicialmente à retórica, ocupam um lugar no qual os homens
podem diminuir suas diferenças interagindo movidos pelas paixões e utilizando como
ferramental principal a capacidade de se comunicar.
Os meios utilizados pelo orador para acionar as paixões são além dos
meios de ordem objetiva, os meios de caráter subjetivo: o ethos, o logos, e o pathos
(FARIA, 2006).
34
Na concepção de Meyer (2003), se as paixões já estão presentes na
filosofia platônica, é Aristóteles que sistematiza os princípios tanto da retórica como
da lógica utilizados para chegar à verdade dos raciocínios dos silogismos e
entinemas. A diferença está no fato de que, para a lógica, o objetivo é a verdade
incontestável, ao passo que para a retórica a verdade pode ser contestada.
Fonseca (2003) postula que Platão reduziu o campo de atuação das
paixões, mas Aristóteles fez o contrário, aprovando-as. Porém, ele alerta que sua
utilização deve ser moderada, evitando exposições dramáticas.
Convém lembrar a noção de paixão (pathos) apresentada por Meyer
(2003). Para ele, existe uma certa ambigüidade por ser inicialmente incerta.
Portanto, nessa perspectiva, pathos seria tudo o que não é o sujeito, e
ao mesmo tempo tudo o que ele é, afirmando assim, a identidade do orador. Na
concepção de Aristóteles, o homem jamais está só, pois está em companhia de
outros e de suas paixões, ou seja, se o eu não tiver a presença do outro com suas
paixões, terá, sem dúvida, a presença de suas próprias paixões. Essa perspectiva é
confirmada por Meyer (2003, p. 32) quando diz:
A paixão não está só na relação com outro e na representação interiorizada
da diferença entre esse outro e nós, mas é o lugar onde se negociam
identidades e diferenças, sendo, então, o momento retórico por excelência,
constituindo-se, portanto, como respostas às inferioridades e às
superioridades.
A paixão é talvez mais que a insanidade. A paixão é o discurso do
próprio indivíduo que se reflete nas relações irrefletidas. Entende-se que ela está
tanto no consciente quanto no inconsciente, na ação e na imaginação, no
sentimento e na razão (REBOUL, 2004).
2.2 O MEDO
Como nosso objetivo principal é verificar como se manifesta a paixão
do medo em produções de aluno, esclarecemos que para este trabalho a categoria
passional do medo, bem como algumas categorias ligadas a esta principal serão
fundamentais para nossa análise.
35
Podemos dizer de modo bem geral que o medo é uma paixão inerente
ao ser humano. Todos têm medo de alguma coisa, e esse sentimento é
fundamental, pois nos protege de inúmeros perigos.
O medo não é privilégio de quem é materialmente menos favorecido –
o que não nega o fato de que, na parcela da população em que a miséria em todas
as suas facetas foi e continua sendo maior, as pessoas são mais suscetíveis a todo
tipo de medo, seja em função da fragilidade das condições materiais de vida, seja
em função da carência afetiva. E essa última, talvez, seja a que mais condiciona as
criaturas a um padrão de comportamento em que impera a falta de autonomia, o
complexo de inferioridade, as mais variadas limitações (FARIA, 2006).
Todavia, na perspectiva de Delumeau (1996), a elite ocidental teve
medo da inversão de hierarquias. Os agentes do medo ou os possíveis subversivos
eram representados pelos boêmios, pelos mendigos, pelos vagabundos que, além
de serem acusados de vetores da Peste, eram consideradas pessoas capazes de
cometer qualquer crime e, por isso, foram repudiados. Quem também complementa
essa visão é Duby (1999), os ricos tiveram medo, medo dos pobres, que se tornaram
muito numerosos e inquietantes.
A situação na sociedade atual não parece muito diferente, haja vista o
modo como se tem tratado as pessoas que se encontram na situação de miséria.
O medo sempre esteve presente na história da humanidade. Na própria
Bíblia sagrada, podemos dizer que desde a criação do homem existe a presença do
medo. Em gênesis, no capítulo três, versículo dez, a serpente, por meio do seu
discurso seduz, e induz Eva a desejar o fruto proibido.
Ferreira (2006, p. 95), descreve muito bem essa passagem bíblica:
“Adão temia. Eva, não. Ao pressentir a presença de Deus, escondeu-se e quando
indagado sobre os porquês de tal ato, revelou que ouvira os passos no jardim e, por
medo, escondera-se para ocultar sua nudez”.
E acrescenta:
Eva não reagiu da mesma forma: quando interrogada sobre as razões de ter
apresentado ao homem o fruto proibido, foi peremptória: A serpente
enganou-me e eu comi [...] Ao proceder dessa forma, Eva, criada para ser
companheira, desviou-se de sua essência e revelou seus predicados. Deu
provas de ser incapaz de suportar a felicidade completa e como
conseqüência, conheceram, ambos, a cólera de Deus e o poder das duas
paixões primeiras: o medo humano e a cólera divina (FERREIRA, 2006, p.
96).
36
Outra passagem bíblica que demonstra o medo é a agonia de Jesus no
Horto das Oliveiras. Podemos observar a presença do medo na fala de Jesus, que
diz: “Pai, se é de teu agrado afasta de mim este cálice! Não se faça, todavia a minha
vontade, mas a tua. Apareceu-lhe um anjo do céu para confortá-lo” (LUCAS 22,42-
43).
Até mesmo Jesus, com toda sua divindade, teve medo no momento de
angústia.
Hoje, os medos da sociedade do século XXI são outros. As pessoas
têm medo da violência, da desigualdade social, da fome e de seres humanos. Não
precisamos ir muito longe para percebermos a presença do medo na sociedade
atual. Basta olharmos nossas casas, nosso bairro. O que está por trás de um portão
eletrônico, de uma cerca elétrica, de um sistema de segurança monitorado? O medo
está presente, é uma constante em nossas vidas.
Mas de que tipo de medo estamos falando? Talvez o medo da violência
seja o mais comum nos dias atuais. Porém, convém lembrar o medo das drogas, o
medo das DSTs, o medo de doenças degenerativas entre outros.
Apesar de o medo fazer parte de nossas vidas, em determinadas
situações, o medo tem se manifestado de maneira avassaladora e é reconhecido
cientificamente como uma patologia denominada síndrome do pânico. Nesses
casos, os indivíduos que têm a síndrome passam a ter medo de tudo, e se isolam
cada vez mais, muitas vezes, não saem nem de seus próprios quartos. O medo
impede a pessoa até mesmo de seguir com sua vida normalmente, tendo muitas
vezes que fazer tratamentos para se livrar da doença.
A sociedade colabora para disseminação do medo. Nossos filhos,
desde pequenos, sabem que é perigoso conversar com desconhecidos, tomar
bebidas que outras pessoas prepararam, ficar sozinho em local afastado entre
outras inúmeras situações que são absolutamente normais em nossa sociedade.
2.3 O MEDO E SUAS DIVERSAS ACEPÇÕES
Em nossos estudos sobre o medo, chamou-nos a atenção o fato de
que essa paixão está presente em diversas teorias, por isso nos interessa saber,
37
ainda que brevemente, sobre sua origem e sua ligação à figura do homem ao longo
da história da humanidade.
Na busca de respostas para a interrogação sobre a origem do medo,
estudiosos têm dado boas contribuições construindo várias teorias. Os estudos
abrangem áreas do saber como a Filosofia, a Historiografia, a Psicologia, a
psicanálise, a psiquiatria, a neurociência e a biologia evolutiva. O presente trabalho
discute o medo conforme é estudado na retórica, porém, seria interessante para
nosso trabalho conhecer como o medo é visto por outras teorias para que tenhamos
um conhecimento mais ampliado do assunto.
Na Grécia antiga, o medo – como mito de panteão dos deuses – é
personificado pela figura de Phóbos, filho de Ares, deus da guerra. Seu irmão
Deimos era a personificação do terror e tanto Phóbos, quanto Deimos
acompanhavam Ares durante as batalhas. Entre os imortais, a família de Phóbos era
a mais odiada, segundo declarações dos próprios avós, Zeus e Hera (BRANDÁO,
1991 apud CARDOSO 2006).
A visão da Psicanálise com relação ao medo, segundo Vanier (2007), é
inaugurada por Freud, o pai da psicanálise. Até então o medo não era visto como
um objeto de estudo dentro do campo da psicanálise. Os alienistas do século XIX
não desconheciam o medo como signo, mas o incluíam em quadros diversos. Freud
revolucionou ao conceituar a angústia, em 1895 como a neurose de angústia
(FREUD, 1895 apud VANIER, 2007).
A angústia tem com o nosso corpo a mais estreita vinculação, como
nos é evidenciado pela etimologia (do latim angustia): designa um mal-estar
psíquico, mas também físico, uma sensação de aperto na região epigástrica, de bolo
na garganta, com palpitações, palidez, impressão de que as pernas vacilam,
dificuldade para respirar, em suma, a angústia afeta o corpo (FREUD, 1895 apud
VANIER, 2007).
Delumeau (1996), em História do medo no Ocidente, faz um relato do
medo e de suas mudanças no decorrer da história. Primeiramente, o autor
demonstra como principal categoria do medo a cólera divina, que se manifestava ao
homem pelo temor do mar, pela figura da mulher, pelo estrangeiro, por meio de
doenças contagiosas, de fenômenos naturais, bruxaria e seguidores do diabo. O
autor, completa que desde os tempos remotos até o século XX, o medo do mar se
manifesta em uma civilização em sua essência terrestre. Apesar dos navegadores
38
se aventurarem mar adentro, eles não tinham domínio sobre as águas; por isso, o
mar era considerado algo desconhecido, misterioso, cheio de mitos e lendas.
Outro fato que despertava medo nas antigas civilizações era o
surgimento da imprensa. Esse novo meio de comunicação inquietava as pessoas
que, na maioria, eram analfabetas e tinham medo do que poderia estar escrito
naquele código para eles sem significado.
Conforme Faria (2006), o medo e a recusa ao novo marcam conflitos
religiosos entre protestantes e católicos entre os séculos XVI e XVII. Os protestantes
eram contra qualquer tipo de inovação. Eles tinham como objetivo livrar a palavra
divina de idolatrias. Já o catolicismo pregava o estabelecimento das regras da Igreja
católica. Nesses conflitos, qualquer força que se sobressaísse era combatida.
Chauí (1987, p. 36), lança o seguinte questionamento: quanto a isso,
por enquanto, o homem conseguiu elaborar a grande pergunta e uma resposta: “Do
que se tem medo? Da morte [...] E de todos os males que possam simbolizá-la,
antecipá-la aos mortais”.
No ensaio de Cassirer (1976, p. 65), o medo primitivo desempenha
papel importante, ele comenta que:
A primeira preocupação do homem foi com a morte, que provoca medo
sempre contemporâneo. Certamente uma das primeiras inquietações do
pensamento primitivo, impresso nas narrativas míticas – interessadas numa
interpretação das origens da natureza cósmica e da vida humana –, foi
responder à questão do medo da morte.
Nessa perspectiva, o medo estava relacionado à morte, gerando o mito
arcaico. Mas o estudioso ressalta que o mais importante no mito “não é o fato do
medo, mas a metamorfose do medo” (CASSIRER, 1976, p. 64), isto é, a mudança
da forma e não sua derrota ou supressão completa. O mito é a primeira forma de
pensar a vida, tendo no horizonte como miragem o medo da morte. Sendo “um
procedimento mental nos quadros da cultura arcaica” (FIKER, 2000, p. 22), o mito foi
a primeira lógica humana e surgiu para vencer o medo da morte, o qual produz uma
infinidade de outros temores, como afirma Freud (19[--], p. 227): “Ante o cadáver da
pessoa amada, o homem primitivo inventou os espíritos, e seu sentimento de culpa
pela satisfação que se misturava a seu pesar, fez que estes espíritos primogênitos
se transformassem em perversos demônios, aos quais deveria temer”. Além, e por
39
causa disso, o homem criou “a teoria da alma, a crença na imortalidade [...] e os
primeiros mandamentos éticos” (FREUD, p. 229).
O tom negativo de Freud, para a reação do homem primitivo diante da
morte, diferencia-se da posição de Cassirer (1976), o qual considera que, mesmo
cheio de terríveis visões e de violentas emoções, o mito dá condições ao homem de
aprender a arte de exprimir e isso significa organizar os seus instintos mais
profundamente enraizados, as suas esperanças e temores. Logo, o medo da morte
impôs ao homem um forte poder de organização. Nesse sentido, o medo que os
homens sentem diverge do experimentado pelos animais, uma vez que o homem
simboliza-o, isto é, dá respostas (organiza o pensamento) diferentes a tal problema.
Cassirer (1976, p. 64) afirma ainda: “Procurar as causas da morte foi
um dos primeiros e mais ansiosos problemas da humanidade. Por toda parte se
encontram mitos da morte – desde as mais baixas até as mais elevadas formas de
civilização humana”.
Portanto, na era protofilosófica, antes de qualquer forma de
racionalismo, o mito primitivo, instigado pelo temor, foi “capaz de levantar e
solucionar o problema [do medo] da morte em uma linguagem acessível à mente
primitiva” (CASSIRER, 1976, p. 65); foi um mestre na infância da raça humana. Com
medo e sem condições de reconciliar-se com o fato de ter de aceitar a destruição de
sua existência pessoal como um fenômeno natural inevitável, o homem primitivo
elabora explicações para tal questão: a morte, ensinava o mito, não significa a
extinção da vida humana; significa apenas uma mudança de forma. Assim, o
pensamento mítico transforma o mistério da morte em uma imagem, e ao sabor
dessa transformação a morte deixa de ser um fato físico terrível e intolerável; torna-
se compreensível e suportável. Com o mito, controla-se o medo, ainda que
provisoriamente.
Poder-se-ia perguntar ao estudioso a propósito dessa última afirmativa:
o medo da morte tornou-se compreensível e suportável? Mas ele mesmo dá uma
resposta ao concluir que “o terror constante para o homem – tanto para o selvagem
primitivo como para o filósofo – tem sido sempre, através dos tempos, o fenômeno
da morte” (CASSIRER, 1976, p. 26). Talvez seja suportável a consciência da morte
do outro, mas a do eu é causa de angústia; mesmo assim, qualquer imagem –
dependendo de sua intensidade sobre a memória – que recorda a morte é causa de
medo e, por conseguinte, motivo de busca de explicação para sua existência. As
40
elucidações do mito e da racionalidade divergem apenas no método e no rigor da
interpretação sobre a morte e seu medo, mas o fim último pretendido tem sido o
mesmo: conhecer para dominá-la.
Cassirer (1976) afirma, finalmente, que o medo não poderá ser nunca
completamente vencido ou suprimido.
Com Cassirer (1976), observa-se que o medo é uma paixão (pathos)
arraigada na animalidade mais arcaica do homem e que está na origem da primeira
forma de pensar. Mas, não só na primeira, pois na Antiguidade e na Renascença, a
razão é desafiada a buscar o saber verdadeiro para libertar o homem do medo. A
paixão do medo primordial é inabalável.
2.4 O MEDO NA RETÓRICA
No livro A retórica das paixões, Aristóteles (2003) aborda a paixão do
medo por meio de dois questionamentos: o que ou a que se teme? Em que
condições se encontra aquele que teme?
Em resposta, poderíamos dizer que tememos aqueles que podem
provocar grandes desgostos ou danos e coisas que podem nos arruinar. Teme-se
ainda, aqueles capazes de desestabilizar o que está finalizado. Além disso, teme-se
o que está próximo e iminente (ARISTÓTELES, 2003).
Na perspectiva de Aristóteles (2003), as pessoas não temem o que
está distante, por isso, apesar de todos os homens saber que vão morrer, não
temem a morte por se tratar de um fato potencialmente distante.
Ainda na visão aristotélica, o emocional das pessoas que têm medo se
altera à medida que o objeto do medo se aproxima. Por meio dessa alteração,
surgem duas novas paixões, o ódio e a cólera. Aristóteles destaca que vítimas de
injustiça podem temer aqueles que têm o poder de cometê-las, e os que sofrem
injustiças, também devem ser temidos, uma vez que estão sempre aguardando o
momento propício para se vingarem. Aqueles que atacam os mais fracos terão os
seus poderes aumentados e, conseqüentemente, também devem ser temidos.
Aqueles que cometeram injustiça devem temer não os que usam de franqueza, ou
aqueles que expressam suas emoções de forma declarada, mas os calmos, os
41
dissimulados e os astutos, que não demonstram sua agressividade e nem
demonstram quando esses sentimentos podem vir à tona. Assim, ficar à mercê
daquele que está em condição de superioridade de segurança também pode gerar
medo do abandono e o medo de ser denunciado (ARISTÓTELES, 2003).
Aquele que pressente o mal, segundo Aristóteles (2003), tem medo.
Aqueles que estão ou parecem estar em prosperidade que, na opinião do filósofo,
são os insolentes, desdenhosos e os temerários – criados pela riqueza, pela força e
pelo poder – e os que sofreram muitos medos e, por isso, se encontram indiferentes
em relação ao futuro.
O medo em oposição à confiança justifica-se pelo distanciamento do
causador do medo e pela proximidade de seus meios de extinção. Seria esse o
causador da confiança, paixão presente nos inexperientes, nos que têm proteção,
seja por nunca enfrentarem situações de risco ocasionadas pelo medo, ou se
enfrentaram não sofreram traumas. Aquele que teme traz sempre consigo a
esperança de se libertar do medo e alcançar seu objetivo (ARISTÓTELES, 2003).
Uma paixão como o medo relaciona-se diretamente com a alteridade.
Assim é que o medo, retoricamente observado, constitui-se em um recurso de que o
orador deve-se valer para tocar e convencer o auditório, uma vez que não somente o
medo, mas as paixões em geral são tudo aquilo que, acompanhado de dor e de
prazer, provoca uma mudança tão especial no espírito que, nesse estado, é tocado
no julgamento que proferirá (CARDOSO, 2006).
Aristóteles (1964) dá apenas uma definição de medo: uma espécie de
pena ou de perturbação causada pela representação [phantasía] de um mal futuro e
suscetível de nos perder ou de nos fazer sentir pena. O filósofo relaciona o medo a
três condicionamentos: o tempo, o poder e a esperança.
O condicionamento referente à temporalidade vem indicado no
conceito do medo, porque o mal que pode causar dano projeta-se no futuro, desde
que seja próximo, quase iminente – afirma Aristóteles (1964). Os males que estão
distantes não metem medo. No entanto, essa temporalidade também está
condicionada à representação, isto é, à imaginação (phantasía), que pode colocar o
medo sempre próximo, presente e não só no futuro real, ou melhor, o futuro pode
tornar-se contemporâneo instantaneamente. Com efeito, “tememos,
necessariamente, só quando pensamos que devemos sofre algum mal” (CARDOSO,
2006, p. 37).
42
O pensamento e a imaginação podem ser provocados por qualquer
imagem, indício ou sinal que fazem recordar o malefício. Os sinais dessas
eventualidades (aquilo que tem poder de destruir e de causar danos), inspiram
temor, pois o que tememos parece estar próximo. De fato, temos medo daquilo que
nos ameaça (ARISTÓTELES, 1964).
É evidente que diante de um aniquilamento real, o medo não fica
atrelado apenas ao julgamento, à imaginação, à suposição, pois já não se está em
presença de sinais somente.
Quanto ao que pode gerar medo pelo poder de que dispõe, destacam-
se os fatores que conferem poder a alguém: o lucro, a independência, a riqueza, as
vitórias e o vigor físico. Só quem tem poder, porquanto dispõe de meios, consegue
ameaçar, e esse poder, advindo das vantagens sobre outrem, causa medo. Como os
favorecidos pelo destino são sempre em menor número, o medo vige no lado da
maioria.
Observa-se que Aristóteles (1964) fez uma alusão a quatro tipos de
indivíduos:
1. os temidos;
2. o nós;
3. as pessoas mais poderosas;
4. os mais fracos.
O segundo, não sendo o mais fraco nem o mais forte, é a referência a
partir da qual se deve medir o medo dos outros, relativamente ao aumento do poder.
O temor, assim, é visto na virtualidade do poder. O indivíduo, no exercício do poder,
consegue intensificar ou neutralizar as forças do medo.
A esperança, que constitui o terceiro condicionamento, diminui o medo,
à medida que o homem domina aquilo que o ameaça, por meio de pactos e acordos
com outros homens. A confiança, que é esperança firme (FERREIRA, 1999), tende a
neutralizar o medo coletivo: a confiança é o contrário do temor, assevera Aristóteles
(1964). O medo existe em face da esperança e junta-se a ela pela temporalidade,
pois a esperança é acompanhada da suposição de que os meios de salvação estão
próximos, enquanto os temíveis ou não existem, ou estão distantes.
Em qualquer um desses condicionamentos (tempo, poder e
esperança), o medo aristotélico pode ser destruído, uma vez que é
inventado/fabricado. Na esteira desse medo, Aristóteles entende que o temor da
43
morte consegue ser minimizado, desde que ela esteja localizada na cadeia natural
do tempo, isto é, distante, depois da juventude e da boa velhice, quando a mente já
não ordena o corpo e este não lhe obedece mais; não sabem da existência um do
outro pelo peso dos longos anos. Corroborando o pensamento de Aristóteles, Mira y
Lopez (1956, p. 53) entende que de nada adianta a imortalidade se não há
identidade no ser, ou seja, de nada serviria ao homem a certeza de saber que o
corpo sobreviveria, se, com isso, não ficasse definido que do mesmo modo o eu que
se une a ele não sobreviveria, reconhecendo-se como de fato o é. “A morte [...] seria
objeto 'de espanto' somente na medida em que a tomamos como sinal de nossa
permanente anulação ou, mais concretamente, de perda de nossa consciência de
auto-existência”.
Por essa reflexão da lógica filosófica, o medo primordial pode ser
controlado. Todavia, queremos destacar que ele é fonte de angústia e não se
condiciona à temporalidade, mas à consciência da finitude. O problema não é
aceitarmos a morte na velhice, como explica Aristóteles, mas a certeza do fim. Assim
é que fazemos a distinção entre o medo primordial e o inventado de que podemos
escapar (CARDOSO, 2006).
A presença de pessoas, coisas e momentos ameaçadores, ou de
qualquer sinal que traz à mente imagens da morte é razão para se ter medo. O
temor, então, não tem como causa apenas os motivos reais ou a presença do real
destruidor, mas é atrelado à memória, possível pela palavra que gera a ação. A
palavra constitui um dos sinais poderosos capazes de ressuscitar o passado,
elaborando Imagens passíveis e se repetirem no futuro (CARDOSO, 2006).
Lê-se ainda no Livro II da Retórica (ARISTÓTELES, 1964) finalmente
teme-se tudo o que acontece ou pode acontecer aos nossos semelhantes que
provoque compaixão. Como se percebe, o temor é um campo de possibilidades,
dentro das quais o filósofo apresenta a forma de o orador utilizar os recursos
próprios do discurso retórico visando à justiça social e ao prazer estético.
O medo em Aristóteles (1964) é concebido somente como uma paixão
destruidora. O filósofo destaca suas mobilidades, trazendo-o a um patamar de
vantagem para o homem.
Ressaltamos o papel do medo no discurso retórico enquanto paixão de
que o orador faz uso para persuadir o auditório.
44
A fim de que o discurso retórico atinja seu objetivo principal, um juízo,
não são suficientes os meios que o tornam demonstrativo e persuasivo, é preciso
recorrer-se às paixões, porque elas, diz o filósofo na Retórica II, (ARISTÓTELES,
1964) são as causas que introduzem mudanças em nossos juízos. Não importa se
as paixões são tristes ou alegres, o que se tem de ter em vista é a formação de um
juízo para a causa levantada pelo discurso. E se for necessário e vantajoso excitar o
temor nos ouvintes, convirá levá-los a acreditar que estão ameaçados.
Como elementos constituintes do discurso retórico, a compaixão e o
temor, bem como todas as outras emoções semelhantes são responsáveis pelas
mudanças no parecer dos ouvintes e pelas conclusões a que chega o próprio juiz.
Na verdade, os fatos são insuficientes para convencer; necessita-se de integração
aos meios demonstrativos e persuasivos dos arranjos para que se alcance o efeito
pretendido. Assim, todos estes acessórios [as paixões ou "o supérfluo"] revestem
grande poder, com discurso (ARISTÓTELES, 1964).
Dentre os arranjos, Aristóteles (1964) destaca o temor como um dos
elementos do discurso retórico, desde que tenha como objetivo persuadir e elaborar
juízo, segundo se está destacando, devido a uma questão complexa, a saber: nem
todos os males são objeto de temor, mas a representação de um mal. Não o mal em
si, mas sua representação determina o objeto do medo. Ressalta-se, com isso, o
medo como um dos princípios estruturais da construção e da manifestação de um
discurso retórico suscetível de fazer o auditório agir. O objetivo desse modelo de
discurso é pragmático: centra-se ao alcance da justiça social, da ordem da cidade.
45
3 ENTRE ETHOS E PATHOS: alguns alunos e o medo
3.1 CONHECENDO A ESCOLA
A escola escolhida para o desenvolvimento deste trabalho fica no
Jardim Martins, um bairro periférico localizado na Zona Oeste do Município de
Franca, interior de São Paulo.
O local foi escolhido por ser o local de trabalho da pesquisadora do
presente trabalho. Essa aproximação facilitou o trabalho, pois a pesquisadora não foi
vista como uma intrusa pelos alunos ou pelos professores. Os professores
concordaram em ceder algumas aulas, obviamente com autorização da direção,
para que pudéssemos explorar o tema de forma motivadora e interessante. Os
alunos não apresentaram nenhum tipo de resistência, muito pelo contrário, foram
participativos e interessados, pois, desde o início, foram informados de que o que
fariam seria usado para um trabalho de mestrado.
Quanto ao ambiente escolar, a escola tem boa estrutura física, e um
ambiente acolhedor apesar de simples.
A partir do ano de 2006, a escola passou a fazer parte do projeto
Escola de Tempo Integral que a SEE implantou em mais de quinhentas escolas em
todo o Estado. Portanto a escola atende uma média de trezentos alunos em período
integral e, no período noturno, apenas 120 alunos do Ensino Médio.
No período integral, a escola atua com alunos de 5ª a 8ª série do
Ensino Fundamental ciclo II, já no período noturno, atende apenas as três séries do
Ensino Médio.
O corpo docente é formado por 12 professores do currículo básico, 12
professores oficineiros (Escola de Tempo Integral), 13 professores do Ensino Médio.
Na parte administrativa, a escola conta com um secretário e dois agentes de
organização escolar, três agentes de limpeza, três merendeiras, dois coordenadores
pedagógicos, vice-diretor e diretor.
46
O horário de funcionamento da escola é das 7h às 16h10. Os alunos
fazem três refeições na escola, sendo café da manhã, almoço e lanche da tarde.
A proposta da Escola de Tempo Integral foi muito bem aceita pela
comunidade. Os alunos têm oportunidade de ter aulas diferenciadas e mais voltadas
para a prática. A proposta das Oficinas curriculares propõe que o aluno aprenda à
partir do lúdico e da vivência de experiências dos conteúdos que durante as aulas do
currículo básico ele aprende, na maioria das vezes, teoricamente. A partir disso o
aluno terá condições de desenvolver uma aprendizagem significativa e de ampliar
seu repertório cultural.
Para nosso trabalho, é importante entender o meio ao qual esses
alunos estão inseridos para que possamos conhecer um pouco mais sobre o nosso
retor e formar teorias sobre seu Ethos.
3.2 OBSERVAÇÕES DE UM RETRATO DA JUVENTUDE NA ESCOLA
Até pouco tempo atrás, quando se pensava em violência havia formas
de expressão da violência que se destacavam como, por exemplo, a guerra, o
preconceito e a criminalidade. Haverá hoje uma naturalização da violência?
Os alunos que participaram de nossa pesquisa, nas várias discussões
que tivemos em relação ao medo, em sua maioria, acreditam que a violência é uma
mola que impulsiona o medo. Ao serem questionados pelo número expressivo de
alunos que têm medo da morte, responderam que a violência os aproxima da morte,
e por estarem inseridos em uma comunidade onde a violência se manifesta de
várias maneiras, faria sentido o medo da morte apontado em nosso questionário. O
que nos incomoda é observar, ainda que empiricamente, que os mesmos sujeitos
que dizem ter medo da morte devido à violência, são também autores de atitudes
violentas.
Percebemos que, atualmente, tem-se tornado muito comum atitudes
violentas entre os alunos. Na escola onde realizamos a pesquisa, percebemos esse
tipo de comportamento entre os alunos. Essa realidade nos remete à uma outra
paixão, que está relacionada de maneira indireta ao medo. Essa paixão é a cólera.
Meyer (2003) comenta que essa paixão é proveniente de um erro de julgamento.
47
Segundo o autor, Aristóteles, diz que aqueles que se julgam superiores – sobretudo
jovens e ricos – são os que em geral provocam cólera. A falta de respeito se dá,
portanto devido ao distanciamento entre os indivíduos. A materialização da cólera é
a violência, é por meio dela que os indivíduos manifestam sua indignação, seu
desprezo, ou qualquer outro sentimento que a tenha gerado. Percebemos que
muitas das atitudes de violência cometidas pelos alunos são para se auto-afirmar.
Percebemos que a violência está no cotidiano dos alunos, em suas
relações com seus pares, com professores, funcionários, coordenadores, diretores e
familiares. Essa atitude é uma tentativa de mostrar superioridade, e de se impor pela
violência e pelo medo.
Nesse sentido, Teixeira (2002) comenta que a violência está no
cotidiano, impregnada no modus operandi da sociedade, nas tramas das relações
sociais mais ou menos íntimas, produzindo novos percursos biográficos e outras
formas de existir. É nesse ambiente cultural que as novas gerações formam sua
identidade, constroem seu modo de pensar, sentir e agir. Para entendermos um
pouco do universo dos sujeitos de nossa pesquisa; é necessário fazermos um breve
estudo do perfil do adolescente.
A adolescência, para o senso comum, é uma fase de muitas
mudanças. Essas mudanças tanto psicológicas (perda da infância), como física
(mudança estrutural do corpo, e alterações hormonais) mexem muito com nossos
adolescentes, que parecem estar em uma constante montanha russa.
Para a Psicologia tradicional, a adolescência é vista como um período
de crise, desequilíbrio e instabilidade. Mesmo que alguns estudiosos defendam a
idéia de que existem diferenças entre adolescentes de diferentes classes sociais, a
crise é identificada em todos (MALAVOLTA, 2005).
Para Aristóteles (2003), os jovens são insolentes, acham-se superiores,
e pensam que desrespeitando, desprezando ou ultrajando estão se mostrando
melhores que os demais.
Com o adiamento da inserção dos jovens no mercado de trabalho, a
escola assume o papel de formadora por um espaço de tempo cada vez maior.
Castro (2007) avalia que o ensino público no Brasil conseguiu ampliar
significativamente a cobertura em todos os níveis de Ensino. Entre 1994 e 2005, a
matrícula no ensino superior dobrou. O ensino médio cresceu a taxas chinesas,
48
variando de 8% a 12% ao ano. O ensino fundamental obrigatório conseguiu,
finalmente, garantir vagas para todas as crianças de 7 a 14 anos.
Esse quadro confirma a visão da nossa sociedade que, atualmente,
exige um nível de formação maior, do que em um passado recente, e essa formação
é adquirida na escola. Além disso, outro fator que colabora com o adiamento desse
jovem no mercado de trabalho é o aumento da expectativa de vida, que prolonga o
tempo do homem no mercado de trabalho.
A adolescência se refere, assim, a este período de latência social
constituída a partir da sociedade capitalista gerada por questões de
ingresso no mercado de trabalho e extensão do período escolar, da
necessidade do preparo técnico (AGUIAR; BOCK; OZELLA, 2002, p. 170).
A contradição básica da adolescência para a psicologia sócio-histórica
é que:
Os jovens apresentam todas as possibilidades de se inserir na sociedade
adulta, em termos cognitivos, afetivos, de capacidade de trabalho e de
reprodução. No entanto, a sociedade adulta pouco a pouco lhes tira a
autorização para esta inserção. O jovem se distancia do mundo do trabalho
e, com isto também das possibilidades de obter autonomia e condições de
sustento. Aumenta o vínculo de dependência do adulto, apesar de já possuir
todas as condições para estar na sociedade de outro modo. É dessa
relação e de sua vivência enquanto contradição que se constituirá grande
parte das características que compõem a adolescência: a rebeldia, a
moratória, a instabilidade, a busca de identidade e os conflitos (AGUIAR;
BOCK; OZELLA, 2002, p. 170).
A partir dos anos 90, o perfil do jovem passa por uma mudança. Ele
não é mais o jovem revolucionário dos anos 60 e 70 e também não é aquele
individualista e apático dos anos 80. Agora, ele se caracteriza pelo individualismo, a
fragmentação, pela violência, desregramento e desvio (ABRAMO, 1997).
Os jovens aparecem como:
Encarnação de todos os dilemas e dificuldades com que a sociedade ela
mesmo tem se enfrentado. E nessa formulação, como encarnação de
impossibilidades, eles nunca podem ser vistos, e ouvidos, e entendidos,
como sujeitos que apresentam suas próprias questões, para além dos
medos e das esperanças dos outros (ABRAMO, 1997, p. 33).
Então, mesmo com a crescente visibilidade, permanecem invisíveis
como sujeitos.
49
Aguiar e Ozella (2005a), em pesquisa ainda não publicada, percebem
que os adolescentes se apropriam da visão socialmente construída, ideológica, do
que é ser adolescente e a assumem como verdadeira, verificando, no entanto, que
essa apropriação é diferente entre as classes sociais e entre os gêneros. Para os
autores, a idéia de crise da adolescência como algo natural cumpre o papel
ideológico de camuflar as verdadeiras razões dos conflitos, banalizando-os.
Os autores percebem diferenças entre os adolescentes das diversas
classes, etnias e gêneros no modo como se apropriam das características que são
mostradas como da adolescência, mas percebem, por outro lado, algumas
semelhanças. Uma questão que aparece para todos, apesar de algumas diferenças,
é a dialética dependência X independência; responsabilidade X irresponsabilidade.
Para a maioria dos adolescentes pesquisados, o aumento da responsabilidade
aparece como a grande mudança ocorrida com o final da adolescência.
O aumento da responsabilidade pressupõe que esse jovem tenha
maior autonomia na tomada de decisões. Porém, essa autonomia pode ser utilizada
pelo adolescente de forma desviada, e pode se tornar um fator de risco. Um dos
riscos é o do envolvimento com o mundo do crime e da violência.
Para Fernandes (2004, p. 261), a violência atua mais na juventude,
pois, o estilo de vida dos adultos é menos aberto a isso. “É na adolescência e na
juventude, período de vida de maior liberdade, que os riscos se acumulam.
Liberdade e risco são duas faces da mesma figura”.
Outro fator que influencia a sociedade a assumir a juventude como
referência de rebeldia e desvio de conduta é a mídia que veicula de maneira
sensacionalista atitudes de violência desses adolescentes.
“Os jovens são associados às imagens de irresponsabilidade,
permissividade, negligência e são vistos como vulneráveis às más influências"
(TEIXEIRA, 2002, p. 160).
Também não podemos deixar de considerar as condições sociais que
produzem a desigualdade e a violência.
Outro fator de polêmica em relação ao adolescente é o Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, aprovado pelo presidente da República em 1999.
Alguns afirmam ser o Estatuto um instrumento eficaz de proteção e controle social,
outros o consideram inaplicável à realidade brasileira. Alguns ainda, acusam a
50
política do ECA de ser responsável pelo aumento da criminalidade juvenil nos
últimos tempos (ADORNO; LIMA; BORDINI, 1999).
Teixeira (2002) comenta sobre a falta de projetos do Estado visando a
uma inserção do jovem na sociedade. Para ele, o jovem, principalmente das classes
mais baixas, é visto como tendo de dar conta de sua própria subsistência, mas não
consegue se inserir no mercado de trabalho.
Então sem trabalho, com uma escola expulsiva, com as exigências de
consumo, com os sentimentos de identificação e valorização pessoal
associados a este consumo impossível pelas estratégias convencionais de
aquisição de bens com a ausência de programas de participação social [...]
ao mesmo tempo, [...] vão se desfazendo as meles de proteção e cuidado
tradicionais e não se constroem novas redes ou, os adolescentes não se
vinculam às redes institucionais mais amplas e convencionais como o
mercado de trabalho, por exemplo. Portanto estão disponíveis para uma
multiplicidade de contatos, experiências sociais, alternativas de vida [...] e,
entre elas, as drogas e a delinqüência, de modo passageiro e duradouro
(TEIXEIRA, 2002, p. 176).
Para Abramo (1997), no Brasil, nunca existiu uma tradição de políticas
públicas voltadas para a juventude, mas há alguns anos, antes de se tornar uma
preocupação governamental, ONGs e associações já se preocupavam com o
assunto e organizaram projetos voltados para essa faixa etária.
Entretanto, os projetos levados a efeito pelas ONGs e associações
destinam-se, na maior parte das vezes, ao atendimento a adolescentes em situação
de desvantagem social ou de risco. Segundo Abramo (1997), esses projetos se
dividem, em sua maioria, em dois grandes blocos, todos eles visando a acabar ou
pelo menos a diminuir as desvantagens de integração social desses adolescentes.
Diante desse cenário, é relevante para fundamentar nosso trabalho,
conhecermos também qual o papel da escola na formação desses jovens e a
relação escola e violência.
Ter uma visão de como o jovem se relaciona com o ambiente escolar
servirá de subsídio para a criação do Ethos dos sujeitos de nossa pesquisa.
Violência e escola – imposição do medo pela força.
A nossa preocupação neste trabalho é fazer uma análise de como o
jovem manifesta a Paixão do medo em seus textos, por isso, é fundamental
traçarmos o perfil desses jovens, conhecer suas angústias, desejos e métodos que
ele próprio cria para se estabelecer em seu grupo e perante a sociedade.
51
A princípio, nosso jovem parece ter claro em sua mente os problemas
da sociedade. Porém, eles parecem não se sentirem parte da sociedade, para
questionarem ou tentarem mudar certas situações.
Os jovens que fazem parte do corpus de nosso trabalho, dentro do
ambiente escolar, mostram-se apáticos, conformados e alheios aos problemas
sociais, entre eles a violência que, segundo os mesmos alunos, é o que os aproxima
do medo.
O que nos questiona é que eles também participam de atos que podem
ser considerados violentos. Muitos desses jovens usam a força física para impor
suas idéias. A pressão psicológica sobre os menores também acontece, porém é
mais sutil. Percebemos que muitos desses alunos tentam impor seu espaço agindo
como se fossem pessoas perigosas. Um fato curioso que demonstra tal atitude é
quando eles vão ser fotografados. Nas poses para fotografia, eles sempre se
colocam de fisionomia séria, às vezes, tentando esconder o rosto com o capuz da
enorme blusa de moletom. Eles impõem medo pela aparência com suas calças
caindo, blusas enormes, blusa de frio (com capuz) independente do clima, chinelo ou
tênis. As meninas que tentam se impor pelo medo também usam o mesmo estilo de
roupas e, às vezes, maquiagem pesada no olhos. Em seus cadernos desenhos que
fazem apologia à violência, é uma constante como, por exemplo, a arma, alguns
também desenham a folha da maconha o que não deixa de ser uma forma de
violência, mesmo que seja contra ele mesmo, no caso do uso de drogas.
Outra forma de violência cometida por esses alunos é a depredação do
patrimônio escolar.
Na escola onde realizamos o presente trabalho nota-se esse tipo de
violência, não em grandes proporções, mas acontece. As cortinas estão rasgadas,
sujas e rabiscadas. As carteiras são constantemente rabiscadas e a limpeza da sala
é insatisfatória, as noções básicas de educação como jogar papel no lixo parece não
fazer parte do cotidiano desses alunos.
A escola é nova, tem apenas três anos de funcionamento, porém já
teve que trocar a maçaneta de todas as salas de aula, pois os alunos as entortaram,
algumas classes têm buracos nas paredes, feitos pelos alunos.
A Equipe gestora da escola em conjunto com o corpo docente tem
desenvolvido projetos de conscientização sobre a manutenção do patrimônio, os
projetos têm dado resultado, mas devem ser realizados durante o ano todo. Além
52
disso, o trabalho de formação do aluno visando a uma educação plena e a
valorização do ser humano é uma constante na escola.
Em pesquisa realizada em 2004 pelo INEP – Instituto Nacional de
Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (PACHECO; ARAÚJO, 2004) em
algumas capitais, com pais de alunos, para avaliar a qualidade da educação pública,
a insegurança e a violência dentro da escola apareceu como uma das críticas à
qualidade de ensino. Segundo essa pesquisa, os pais vêem a escola pública como o
espaço da indisciplina, da transgressão e da desordem, para eles é o espaço em
que a autoridade mais se esvaziou na sociedade.
Os pais entrevistados pedem mais autoridade do diretor, querem um
diretor: pulso forte, rigoroso, exigente e disciplinador. Outras medidas sugeridas
pelos pais para evitar a violência na escola são: um maior distanciamento físico na
convivência de faixas etárias distintas, a instalação de câmaras de vigilância,
controle do acesso, maior rigor na exigência de uniforme, a implantação de
policiamento especial nas cercanias e no próprio interior das escolas.
Charlot (2002) aponta que a violência na escola não é um fenômeno
novo, como aparece na opinião pública; aponta que tal fenômeno teria se
desenvolvido nas décadas de 1980 e 1990. Para ele, o que ocorre é que este
fenômeno tem assumido novas formas. Ele aponta quatro principais mudanças nas
formas da violência na escola na França, que acabam por aumentar a angústia
social perante a escola. Sem esquecer as diferenças culturais e sócio-econômicas
entre Brasil e França, podemos nos apoiar no pensamento de Charlot para ajudar a
clarear a questão da sensação de que o fenômeno da violência na escola é um
fenômeno novo e vem crescendo nos últimos anos.
O autor aponta, em primeiro lugar, que surgiram formas de violências
muito mais graves, como homicídios, estupros e agressões com armas. Esses fatos,
segundo ele são raros, mas dão a impressão de que não há mais limites. Isso cria
uma angústia social frente à escola. E, além do que, os ataques contra professores,
ou insultos dirigidos a eles já não são mais raros, aumentando a angústia social.
Em segundo lugar, para Charlot (2002) a idade dos alunos agressivos
e violentos frente aos adultos está cada vez menor. Professoras de maternal estão
dizendo se defrontarem com crianças violentas de quatro anos. “É a representação
da infância como inocência que é atingida aqui, e os adultos se interrogam hoje
53
sobre qual será o comportamento dessas crianças quando se tomarem
adolescentes” (CHARLOT, 2002, p. 433).
Em quarto lugar, Charlot (2002) fala de um estado de sobressalto que
os docentes e funcionários das escolas estão vivendo, por serem “objeto de atos
repetidos, mínimos, que não são violentos, mas cuja acumulação produz um estado
de sobressalto” (CHARLOT, 2002, p. 433). Uma sensação de que, mesmo quando a
escola está calma, a qualquer minuto essa calma pode ser quebrada.
A questão fundamental é esta: os incidentes violentos se produzem sobre
um fundo de tensão social e escolar; em tal situação, uma simples faísca
que sobrevenha (um conflito, às vezes menor), provoca a explosão (o ato
violento). É preciso, portanto, dedicar-se às fontes dessa tensão
(CHARLOT, 2002, p. 439).
Para Charlot (2002, p. 442), a questão da violência na escola:
Está vinculada ao estado da sociedade, às formas de dominação, à
desigualdade, uma questão que está vinculada também às práticas da
instituição (organização do estabelecimento, regras de vida coletiva,
relações interpessoais, etc.). Mas é também uma questão que está ligada
às práticas de ensino quotidianas que, em último caso, constituem o
coração do reator escolar: é bem raro encontrar alunos violentos entre os
que acham sentido e prazer na escola.
Essa conclusão, para ele, faz com que o professor tenha que lidar com
uma enorme responsabilidade, mas também atribui uma “dignidade profissional, que
os trabalhos sociológicos, estabelecendo uma relação direta entre o social e o
escolar, tendem a retirar dele” (CHARLOT, 2002, p. 442).
No Brasil, podemos perceber não só um aumento da violência na
escola, mas uma mudança no tipo de violência. A pesquisa de Sposito (2001), que
faz uma retomada do histórico de pesquisas ligadas à violência e escola, e de como
o fenômeno foi aparecendo no decorrer do tempo a partir da década de 1980, ajuda-
nos a perceber essas mudanças. A autora percebe que as discussões sobre o tema
da violência, apesar de sempre estarem presentes, cresceram na década de 1980
com o processo de democratização, de um lado porque pode adquirir maior
visibilidade com a abertura política, por outro “tratava-se, naquele momento, de lutar
por uma maior democratização das instituições oficiais – sobretudo os aparelhos de
segurança – resistentes aos novos rumos trilhados pelo pais” (SPOSITO, 2001, p.
54
90). E, além disso, existe uma elevação do debate da violência que decorre da sua
disseminação e diversificação na sociedade civil.
Nesse momento, houve uma demanda da população mais pobre, dos
moradores das periferias dos centros urbanos, por segurança. A mídia assumiu
como espaço de ressonância das denúncias dos problemas que afetavam os
estabelecimentos escolares da periferia, o tom era de expor as condições precárias
dos prédios e dos equipamentos de proteção (SPOSITO, 2001).
Levantamento de Sposito (2001) mostra que pesquisas realizadas
durante os primeiros anos da década de 1980 sobre a concepção de violência na
escola apontam que a violência era contra a escola, principalmente contra o
patrimônio público, a invasão ou depredação do prédio por adolescentes ou jovens
moradores da região aparentemente sem vínculo com a unidade escolar. Assim, as
medidas para lidar com essa violência, eram o maior policiamento das áreas
externas, muros e portões altos, maior iluminação dos pátios e das áreas e externas
e zeladorias. A escola precisava ser protegida das ameaças externas.
Com a democratização, passou-se a buscar um modelo mais
democrático de gestão dos estabelecimentos escolares. “Buscava-se uma instituição
mais aberta, menos autoritária em suas práticas e propiciadora de melhores
condições de permanência dos alunos pobres no sistema formal de ensino”
(SPOSITO, 2001, p. 91).
Na década de 1980 e início de 1990, houve um aumento da
criminalidade e do sentimento de insegurança, e escola passa a sofrer com isto. As
discussões sobre uma escola mais democrática perdem espaço para a discussão da
violência, as depredações e invasões persistem, mas a intensificação do crime
organizado e do tráfico em algumas das grandes cidades brasileira acaba por criar
um clima de insegurança, e a escola sofre com isso (SPOSITO, 2001).
A autora acrescenta ainda que a democratização da escola no
atendimento de estudantes de classes sociais baixas não foi acompanhada de
investimentos na rede nem em formação docente.
Atualmente, pode-se notar um certo interesse da Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo em mudar esse cenário.
Na escola, onde nosso trabalho foi realizado, a equipe gestora, tem
notado um investimento expressivo em equipamentos como computador, máquina
fotográfica, filmadora e recém-chegada a multimídia. Também se percebe
55
investimento na aquisição de material pedagógico. A escola atualmente passa por
reforma como a cobertura da quadra e da construção de um quiosque para leitura e
atividades extra-classe.
Percebemos que, com a disponibilização de verbas para aquisição de
equipamentos, materiais e manutenção do prédio dão aos alunos a certeza de que
são valorizados, e com certeza nota-se um aumento na auto-estima do aluno.
A Secretaria da Educação está ciente em relação à violência no
ambiente escolar da rede pública de ensino. Segundo dados apontados pela SEE,
em 2007, 180 professores foram agredidos nas escolas da rede, em 2006, foram
registradas 217 agressões contra 210 agressões em 2005.
Em pesquisas realizadas pela APEOESP (Sindicato dos Professores
do Ensino Oficial do Estado) apenas 10,6% dos profissionais das escolas públicas
se sentem seguros no trabalho. Não podemos deixar de levar em consideração que
os números de agressões apontadas acima são o que se tem registro, porém com
certeza muitos casos acabam sendo abafados e solucionados dentro da escola.
(ESCOLA..., 2008).
O que é importante ressaltar em relação à violência na escola é que a
escola é um espaço de relações humanas.
Patto (1999) considera a escola como um local privilegiado, pois
apesar de ser (ou exatamente por ser) um lugar de reprodução da desigualdade,
permite ao mesmo tempo, possibilidades de superação.
Debarbieux (2003) concorda com Patto e acrescenta:
Se a escola reflete a sociedade, como se sabe desde os fundadores da
sociologia da educação, aumentando as violências na última, tendem
também a aumentar na primeira. Porém, longe de ser uma instância
passiva, a escola pode amplificar a violência ou contribuir para a construção
da paz na sociedade. (DEBARBIEUX, 2003, p. 8-9).
56
4 MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa foi desenvolvida entre os meses de outubro e dezembro de
2006, com duas classes de 8ª série do Ensino Fundamental, da E.E. Prof. Luiz
Páride Sinelli, escola situada em Franca – Diretoria de Ensino de Franca.
Durante o trabalho realizado com os alunos, em todas as seis aulas,
trabalhamos com as duas classes juntas.
Na primeira aula, com os 51 alunos envolvidos, fizemos um círculo
para facilitar a comunicação e para que todos pudessem interagir. Iniciamos com um
questionamento sobre o que significa a palavra medo, os alunos indicaram como
medo as palavras: terror, pânico, calafrio, arrepio, e o que a gente sente, e depois
perguntamos aos alunos do que eles têm medo, e o resultado foi: política, futuro,
sonho, E.T., polícia, assassinato, escuro, AIDS, fome, fobia, drogas, guerra,
tragédia, depressão, correia, derrota, choque, violência, brigas, seqüestro, suspense,
corrupção, estupro, reunião de pais, síndrome do pânico. Na seqüência utilizamos o
dicionário para definir o significado da palavra em questão e depois associamos o
significado aos termos indicados pelos alunos.
Nessa fase do trabalho, nossa intenção era despertar nos alunos o
interesse pelo tema, por isso escolhemos trabalhar com manifestações de medo.
Na segunda aula, demos continuidade ao tema, discutindo sobre a
pintura do quadro O grito, de E. Munch no qual o pintor manifesta o medo de modo
singular. Os alunos foram apresentados à obra, e fomos discutindo vários aspectos
que manifestavam esse sentimento na obra estudada.
Na aula seguinte, foi entregue aos alunos um questionário solicitando
que eles enumerassem cinco razões fundamentais de que eles mais têm medo.
Após esse levantamento os dados foram tabulados.
Os dados iniciais revelaram 58 motivos diferentes de medo e 236
referências especificadas. O medo da morte (10,17%) e a perda de pessoa querida
(10,17%) manifestaram-se expressivamente no corpus. A esses, somam-se os
medos da derrota (8,05%), do futuro (7,20%) e da violência (5,93%). Conforme
tabela abaixo:
57
Tabela 1 – Referências dos medos dos alunos
Tipos de medo Número de citações % de citações
Morte 24 10,17
Perda de pessoa querida 24 10,17
Derrota 19 8,05
Futuro 17 7,20
Violência 14 5,93
Solidão 11 4,66
Fome 10 4,24
Animais peçonhentos 8 3,39
Drogas 7 2,97
Escuro 7 2,97
Guerra 6 2,54
Fracasso 5 2,12
Estupro 5 2,12
Doenças 5 2,12
AIDS 4 1,69
Reunião de pais 4 1,69
Tragédia 4 1,69
Seqüestro 3 1,27
Inveja 3 1,27
Corrupção 3 1,27
Assassinos 3 1,27
Abelha 3 1,27
Política 2 0,85
Depressão 2 0,85
Polícia 2 0,85
Assombração 2 0,85
Falsidade 2 0,85
Defunto 2 0,85
Não andar 2 0,85
Pânico 2 0,85
Ser humano 2 0,85
Ficar sozinho 2 0,85
Continua
58
Continuação
Tabela 1 – Referências dos medos dos alunos
Tipos de medo Número de citações % de citações
Sobrenatural 2 0,85
Brigas 2 0,85
Mundo 1 0,42
Síndrome do pânico 1 0,42
Maldade 1 0,42
Estripamento 1 0,42
Pai 1 0,42
Cachorro 1 0,42
Do imprevisto 1 0,42
Cemitério 1 0,42
Perder a Fé 1 0,42
Sentimentos 1 0,42
Altura 1 0,42
Não ser o que os outros
desejam
1 0,42
Desconhecido 1 0,42
ET 1 0,42
Intuição 1 0,42
Correia e Chinelo 1 0,42
Sonho 1 0,42
Multidão 1 0,42
Sair de casa 1 0,42
Espelho 1 0,42
Terror 1 0,42
Falta de Dinheiro 1 0,42
Loucura 1 0,42
236
Com as tabulações em mãos, pareceu relevante para o trabalho
conhecer o contexto em que se encontram os sujeitos da pesquisa, por isso foi
realizado um levantamento de casos que envolviam situações de medo nos
arredores da escola, tendo base para seu levantamento o principal jornal da cidade.
59
Foram encontrados diversos casos, inclusive envolvendo alunos da unidade escolar
estudada.
Constatou-se que do período de Fevereiro de 2006 a Dezembro de
2006, foram publicados no jornal Comércio da Franca, principal jornal da cidade, 16
reportagens envolvendo as regiões onde é localizada a escola. Dentre esses casos,
destacamos os mais graves, que foram um assassinato e o outro, uma tentativa de
assassinato. A tentativa de assassinato foi feita por uma menina que estudava na
época do crime, na mesma escola onde está sendo realizada a pesquisa. Este
material foi lido e comentado pelos alunos.
Finalmente, solicitamos que os alunos fizessem uma produção textual
de um gênero de sua preferência, inclusive por meio de grafites e desenhos, mas
que tivessem algo por escrito, onde eles manifestassem seus medos.
Nessa aula, devido ao período de recesso escolar que se aproximava,
o número de alunos presentes foi reduzido para 44. Todos os presentes aceitaram a
proposta e realizaram o trabalho. Tivemos como resultado da atividade 17 textos,
dos quais 14 foram realizados individualmente e três em duplas, vinte desenhos e
grafites, sendo 17 individuais, um em grupo de três e dois em duplas. Esclarecemos
que não foi imposto que a atividade fosse realizada individualmente, mas que
preferíamos esse tipo de trabalho.
Para que nosso trabalho fosse viável, decidimos limitar o número de
textos analisados. Optamos por analisar nove textos que foram selecionados
aleatoriamente para que o trabalho fosse impessoal. Acreditamos que, a partir dessa
escolha, teríamos maiores chances de encontrar na superfície dos textos as
manifestações de medo.
Aristóteles, em sua Retórica das paixões, menciona que a morte não é
uma preocupação para os homens, pois se trata de um fato distante. Os dados
iniciais da pesquisa, porém, revelaram que a maioria dos jovens entrevistados
preocupa-se com a morte. Acreditamos que esta preocupação expressiva esteja
relacionada não só aos crimes citados, mas também a outros casos publicados que
não foram tão graves, mas que podem estar influenciando os sujeitos da pesquisa,
bem como a exposição desses jovens à violência em nossa sociedade.
60
5 ANÁLISE RETÓRICA
5.1 CAMINHOS DE UMA ANÁLISE: os subsídios teóricos
Aristóteles (2003) é reconhecido por sua vasta obra, principalmente
pela sistematização do racionalismo que praticamos em nossa sociedade
atualmente. De sua grandiosa obra, nos interessa para o presente trabalho, sua
esquematização da retórica e sua proposta de análise retórica para fundamentar o
corpus de nosso trabalho.
Assim, pretendemos direcionar a análise dos discursos de nossos
oradores – sujeitos de nossa pesquisa – questionando suas representações
discursivas sobre a instância retórica a partir da qual esses retores pretendem
conduzir seus discursos. Como se compõe a instância, em termos de tema,
problema retórico e antecedentes que subjazem à situação retórica? Como está
colocada a questão que deve conduzir a discussão? A que tipo de auditório se
dirigem, bem como o que pretendem modificar?
Se entendermos que o ato retórico é um ato de comunicação,
haveremos, então, de procurar nesses discursos argumentos, provas e seus tipos
(confirmativas, refutatórias), além de questionar o tipo de gênero discursivo
predominante na argumentação. Ao formular questões como essas, quando nos
dispusermos a escrever, vimos mais chances de sermos entendidos. Todavia,
consideramos também a possibilidade de não enxergarmos em todos os textos
selecionados, para nosso trabalho, respostas para alguns desses questionamentos,
seja porque não dispomos de conhecimento prévio suficiente, seja porque os
discursos não atendem a tanto.
Halliday (1998) comenta que somos seres retóricos: ou seja fazemos
uso da linguagem como instrumento de mudança ou reforço de percepções,
sentimentos, valores, posicionamentos e ações. Quando agimos como seres
retóricos, geralmente estamos respondendo aos ditames de uma situação.
61
Reboul (2004) comenta que Aristóteles integrou a retórica em uma
visão sistemática do mundo, transformando-a em um sistema que já sofreu
complementações de seus sucessores, porém, sem modificar a base proposta por
Aristóteles. Vejamos a proposta aristotélica de análise retórica:
O sistema começa com uma classificação: a retórica é decomposta em
quatro partes, que representam as quatro fases pelas quais passa quem
compõe um discurso, ou pelas quais acredita-se que passe. Na verdade,
essas partes são principalmente os grandes capítulos dos tratados de
retórica.
Quais são elas? Para não criar confusão, manteremos seus nomes
tradicionais, do latim.
A primeira é a invenção (heurésis, em grego), a busca que empreende o
orador de todos os argumentos e de outros meios de persuasão relativos ao
tema de seu discurso.
A segunda é a disposição (taxis), ou seja, a ordenação desses argumentos,
donde resultará a organização interna do discurso, seu plano.
A terceira é a elocução (lexis), que não diz respeito à palavra oral, mas à
redação escrita do discurso, ao estilo. É aí que entram as famosas figuras
de estilo.
A quarta é a ação (hipocrisis), ou seja, a proferição efetiva do discurso
(REBOUL, 2004, p. 44).
Dentro dessa estrutura base, serão trabalhados outros conceitos como:
gênero do discurso, tipos de auditório, tipos de argumentos, conceitos sobre
instância, sua composição e o tema abordado, situação retórica, problema retórico,
tese, elemento factual, componente específico de interesse e as provas. Os
conceitos acima serão considerados para a realização da análise dos textos, por
isso, entendemos ser fundamental explicar cada um dos tópicos para uma melhor
compreensão do trabalho realizado.
5.1.1 Gênero do discurso
Quanto ao gênero do discurso, Aristóteles (2003) classifica a retórica
em três gêneros distintos:
Judiciário: acusa ou defende. Baseia-se no passado, considerando
que seu objetivo maior é exprimir um julgamento, com base em
fatos passados que pretende resolver;
62
Deliberativo: persuade ou dissuade, aconselha ou desaconselha
nas questões relativas à sociedade, como paz ou guerra, impostos
etc.. O gênero deliberativo refere-se sempre ao futuro, pois inspira
decisões e projetos. Os valores abordados nesse gênero são o útil e
o nocivo;
Epidíctico: censura ou elogia. Quanto ao tempo, refere-se ao
presente, pois o orador propõe-se a admiração dos espectadores,
mesmo que utilize argumentos do passado e do futuro. Os valores
explorados pelo gênero são o nobre e o vil, valores distantes do
interesse coletivo.
Segundo Reboul (2004), Aristóteles esclarece que o gênero epidíctico
é o mais escrito dos três.
Ainda conforme Reboul (2004), além disso, Aristóteles demonstra que
os argumentos utilizados em cada discurso são diferentes. Conforme mencionado
abaixo:
O judiciário que dispõe de leis e se dirige a um auditório especializado,
utiliza de preferência raciocínios silogísticos (entimenas), próprios a
esclarecer a causa dos atos. O deliberativo, dirigindo-se a um público mais
móvel e menos culto, prefere argumentar pelo exemplo, que aliás permite
conjecturar o futuro a partir dos fatos passados: Dionísio pede uma guarda;
ora, todos os futuros tiranos conhecidos da historia pediram uma guarda;
logo, Dionísio vai tornar-se tirano. Quanto ao epidíctico, recorre sobretudo à
amplificação, pois os fatos são conhecidos pelo público, e cumpre ao orador
dar-lhes valor, mostrando sua importância e sua nobreza (REBOUL, 2004,
p. 46).
Sobre o gênero epidíctico, Reboul (2004) ainda acrescenta, que esse
tipo de discurso se difere dos outros, por ser essencialmente pedagógico. O autor se
refere também à Perelman e Olbrechts-Tyteca que, em seu Tratado de
argumentação, consideram que este gênero é persuasivo, mas a longo prazo, pois
trata de problemas que não exigem decisões imediatas.
Para Reboul (2004) o mérito de Aristóteles, nesse caso, dá-se por
mostrar que os discursos podem ser classificados conforme o auditório e segundo à
sua finalidade.
63
5.1.2 Argumentos
São dois os meios de provas descritas por Aristóteles:
não-artísticas: são evidências concretas, factuais, como
documentos e testemunhas;
artísticas: são aquelas inventadas pelo orador. Dividem-se em:
lógicas (logos), patéticas (pathos) e éticas (ethos).
Conforme Reboul (2004), determinado o gênero do discurso, a primeira
tarefa do orador é encontrar argumentos.
Aristóteles define três tipos de argumentos, no sentido generalíssimo
de instrumentos de persuadir (pisteis): ethos, pathos que são de ordem afetiva, e
logos, que é racional.
Optamos por fazer um percurso dos conceitos de ethos, pathos e
logos, com base nos estudos retóricos de autores que se amparam nas idéias da
retórica clássica, tendo em vista a importância desses conceitos para o contexto de
nossa pesquisa, por duas razões fundamentais: conhecer como os sujeitos que
contribuíram conosco constroem a imagem de si nos seus discursos e porque
pretendemos verificar como esses oradores fundamentam suas opiniões sobre a
categoria passional do medo.
Ethos
Eggs (2005) fundamenta suas idéias sobre o ethos na teoria
aristotélica, mas também busca respaldo na teoria de Perelman, principalmente nas
referências sobre a adaptação do orador ao auditório, sobre as pessoas e seus atos
sobre o discurso como ato do orador. Para Egss (2005), está implícita nas idéias de
Perelman a noção de que o ethos é inerente à realidade de todo discurso humano,
revelando-se nas escolhas que o orador faz no sistema da língua, na maneira como
organiza essas escolhas no discurso e no modo como se expressa por meio dessas
escolhas. Eis porque, tanto para Egss, como para Perelman, o ethos é parte
constituinte do discurso.
Eis como Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) vêem a importância do
ethos na argumentação:
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De posse de uma linguagem compreendida por seu auditório, um orador só
poderá desenvolver sua argumentação se se ativer às teses admitidas por
seus ouvintes, caso contrário corre o risco de cometer petição de princípios,
Resulta desse fato que toda argumentação depende, tanto para suas
premissas quanto para seu desenvolvimento principalmente, do que é
aceito, do que é reconhecido como verdadeiro, como normal e verossímil,
como válido: desse modo, ela se ancora no social, cuja caracterização
dependerá da natureza do auditório (PERELMAN apud AMOSSY, 2005, p.
123).
De acordo com Parelman (2005), se não consegue o afiançamento
social que lhe garante credibilidade o discurso pode cair no descrédito e não atingir
o objetivo esperado.
Acreditamos ainda que estejam contidas nesses argumentos de
Perelman algumas das razões que levam Amossy a dizer que “o orador constrói sua
própria imagem em função da imagem que ele faz do seu auditório, isto é, das
representações do orador confiável e competente que ele crê ser as do público”
(AMOSSY, 2005, p. 124), e a definição o ethos como o “conjunto de características
que se relacionam à pessoa do orador e à situação na qual esses traços se
manifestam que permitem construir sua imagem” (AMOSSY, 2005, p. 127).
Para Maingueneau (2005) a eficácia do ethos, está vinculada à
enunciação, pois é mediante o que o orador pretende mostrar de si, na sua maneira
de se exprimir, que o ethos se molda. Dessa forma, mesmo vinculado à enunciação,
o ethos não se confunde com a pessoa que produz o enunciado; constitui-se, antes,
como representação do orador, ou seja, o ethos é o sujeito da enunciação enquanto
está enunciando. A instância responsável pelo tom, na enunciação, não coincide
com o autor efetivo da obra, pois seria uma representação do enunciador, mas com
um caráter e uma corporalidade. Ao caráter corresponderiam os traços psicológicos
dessa representação; à corporalidade, a movimentação do corpo no espaço social.
O Ethos é o caráter que o orador assume para inspirar confiança em
seu auditório, pois independentemente dos argumentos lógicos utilizados no
discurso, se o retor não conquistar a confiança de seu auditório não conseguirá
adesão ao discurso (REBOUL, 2004).
Amossy (2005) postula que além das considerações históricas, uma
atualização da noção de ethos como instrumento de análise é encontrada em
teóricos contemporâneos da argumentação, mas a autora também enfatiza o fato de
o orador se adequar ao seu auditório, fazendo uma imagem de si, e
consequentemente construir uma imagem confiável perante seu auditório.
65
Pathos
O pathos é o conjunto de emoções, paixões e sentimentos que o
orador deve suscitar em seu auditório pelo discurso (REBOUL, 2004).
É por meio do pathos que se atinge a emoção do auditório. O orador
poderá utilizar as paixões conforme o tema escolhido, ou o tipo de auditório a que se
dirige. Pela emoção o orador poderá persuadir o seu auditório.
A noção de paixão (pathos) discutida por Meyer (2003) apresenta uma
ambigüidade por ser, em princípio, a voz da contingência, da qualidade que se vai
atribuir ao sujeito e, portanto, está fora dele. O pathos seria, sob esse ponto de vista,
tudo o que não é o sujeito e, ao mesmo tempo, tudo o que ele é. Seria, por outro
lado, a afirmação da identidade. Como afirma o autor, o homem em Aristóteles
jamais está só, pois, além da companhia de outros e de suas paixões, não haveria
lugar onde se pudesse esconder as paixões de cada um. Depreende-se assim que,
se o eu não tiver a companhia do outro com suas paixões, terá, inevitavelmente, a
própria companhia e de suas próprias paixões. Idéia que Meyer (2003) confirma, ao
dizer que a paixão não está só na relação com outro e na representação
interiorizada da diferença entre esse outro e nós, mas é o lugar onde se negociam
identidades e diferenças, sendo, então, o momento retórico por excelência,
constituindo-se, portanto, como respostas às inferioridades e às superioridades.
Compreende-se, assim, que é no campo das paixões que se dão os
conflitos e as diferenças entre os humanos, que devem resolver tais conflitos e
diferenças pelo bom uso do discurso, sem, contudo, deixar-se levar pelo
descomedimento. O que, sem dúvida, deve acontecer pela habilidade do argumentar
na intenção de construir uma identidade onde há diferenças e contestações.
Nos textos de nosso corpus, podemos notar que os alunos utilizam
desse tipo de argumento, explorando situações relacionadas a paixão do medo,
como maneira de persuadir o auditório.
Logos
O logos é derivado da razão. Reboul (2004) comenta que o ethos diz
respeito ao orador, e o pathos ao auditório, o logos diz respeito à argumentação dita
do discurso.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) em seu Tratado da argumentação,
tratam dos vários tipos de argumentos de que um orador pode dispor na
66
organização de seu discurso e que os autores classificam em três categorias: quase-
lógicos, baseados na estrutura do real e os que fundam a estrutura do real. Dentre
os inumeráveis argumentos estudados pelos autores, nessas categorias,
destacamos aqueles expostos a seguir, visando a reconhecê-los em nosso material
de análise.
a) quanto aos argumentos que se fundamentam no ridículo, uma
afirmação é ridícula, na opinião dos autores, se entra em conflito,
sem justificativa, com uma opinião aceita, contraria o princípio da
lógica, embora seja um recurso que permite ao orador contrariar as
manifestações opostas às premissas de seu discurso;
b) argumentos que recorrem à ironia exigem de quem os utiliza
conhecimentos complementares acerca de fatos e normas, bem
como um acordo entre orador e ouvinte, pois a opinião do orador
não pode gerar dúvidas;
c) para ser utilizado na argumentação, o exemplo, na opinião dos
autores, deve usufruir do estatuto de fato, por ser incontestável. Se
o exemplo fundamenta uma regra e deve ser incontestável, a
ilustração tem como função reforçar a adesão ao auditório a uma
regra já conhecida e aceita e, por isso, pode ser duvidosa, embora
deva impressionar;
d) argumentos pragmáticos são aceitos pelo senso comum, porque
não requerem nenhuma justificativa, posto que permitem apreciar
um ato ou acontecimento, conforme suas conseqüências sejam
favoráveis ou desfavoráveis ao que se defende ou contraria;
e) o recurso ao lugar da quantidade na argumentação afirma ser uma
coisa melhor que outra pela quantidade, assegurando, portanto, por
razões quantitativas, a superioridade do que aparece em maior
número de vezes;
f) o argumento de autoridade é de extrema importância, pois, mesmo
que se conteste, seu valor não se pode descartá-lo como
irrelevante, já que o orador, quando assim argumenta, utiliza-se de
atos ou juízos de uma pessoa ou de um grupo de pessoas como
meio de provar uma tese;
g) as definições que servem como técnicas persuasivas são:
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1. as definições normativas que indicam a forma em que se quer
que uma palavra seja utilizada;
2. as definições descritivas que indicam qual o contido conferido a
uma palavra em certo meio, num certo momento;
3. as definições de condensação que indicam elementos essenciais
da definição descrita;
4. as definições complexas, que combinam, de forma variável
elementos das três espécies precedentes (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA 2005).
h) da inclusão da parte com o todo resultam dois grupos de
argumentos: os que incluem as partes no todo, sem considerar
como superior nem o todo nem a parte em que, ambos são tratados
em uma relação de igualdade e os que demonstram a divisão desse
todo em suas partes e pressupõem que a soma das partes deva
reconstituir esse todo.
O universo retórico atualiza-se no campo discursívo, principalmente
quando se considera o discurso como ato interativo, produzido por alguém, em
determinado contexto sócio-histórico-cultural que faz escolhas – lexicais, sintáticas,
estilísticas – para compor seu discurso, visando sempre ao outro, por sua vez
contextualizado, que também faz escolhas ao receber o discurso. Essas implicações
não nos permitem falar em informação sem intencionalidade, pois todo discurso,
implícita ou explicitamente, traz elementos que visam a persuadir, convencer e,
portanto, formar opinião (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005).
5.1.3 Provas
Na realidade, o orador dispõe de dois tipos de provas: as extra-
retóricas e as intra-retóricas. Vamos denominá-las respectivamente extrínsecas e
intrínsecas (REBOUL, 2004).
E esclarece:
68
As provas extrínsecas são apresentadas antes da invenção: testemunhas,
confissões, leis, contratos etc.
As provas intrínsecas são as criadas pelo orador, dependem, pois, de seu
método e de seu talento pessoal, são sua maneira própria de impor seu
relatório (REBOUL, 2004, P. 49-50).
5.1.4 Auditório
Com relação ao auditório, é importante considerar o tipo de auditório, a
quem o retor se manifesta.
Existe uma relação fundamental entre retor e auditório. O primeiro
precisa despertar no segundo o interesse pelo tema do qual tratará. Simplesmente
expor fatos não atrairá o auditório.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 20) postulam:
Os autores de comunicações ou de memórias científicas costumam pensar
que lhes basta relatar certa, experiências, mencionar certos fatos, enunciar
certo número de verdades, para suscitar infalivelmente o interesse de seus
eventuais ouvintes ou leitores. Tal atitude resulta da ilusão, muito difundida
em certos meios racionalistas e científicos, de que os fatos falam por si sós
e imprimem uma marca indelével em todo espírito humano, cuja adesão
forçam, sejam quais forem suas disposições.
Ainda conforme Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), para que uma
argumentação se desenvolva, realmente, é necessário motivar o auditório e
despertar seu interesse e atenção.
Em uma sociedade, em que o impresso, tornado mercadoria, usa a
organização econômica como ferramenta para impor-se à atenção, o fato de que é
preciso ter qualidade para assumir uma posição de retor e ser realmente ouvido, só
aparece quando existe alguma falha nas técnicas de distribuição desses impressos.
Por isso, percebemos mais facilmente uma argumentação quando é desenvolvida
por um orador que se dirige verbalmente a um determinado auditório, do que quando
está presente em um livro disponibilizado para venda. Essa circunstância de ser
ouvido ou não pode ser alterada conforme a situação em que se encontra o orador.
Em determinadas situações, basta que se apresente decentemente vestido, ou que
simplesmente seja responsável por seus atos; em alguns casos, basta que seja
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membro de um grupo. Existem posições que dão ao orador um discurso de
autoridade (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005).
Sobre o auditório, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 21) postulam:
Como definir semelhante auditório? Será a pessoa que o orador interpela
pelo nome? Nem sempre: o deputado que, no Parlamento inglês, deve
dirigir-se ao presidente pode estar procurando convencer não só os que o
ouvem, mas ainda a opinião pública de seu país. Será o conjunto de
pessoas que o orador vê à sua frente quando toma a palavra? Não
necessariamente. Ele pode perfeitamente deixar de lado uma parte delas:
um chefe de governo, num discurso ao Parlamento, pode renunciar de
antemão a convencer os membros da oposição e contentar-se com a
adesão de sua maioria. Por outro lado, quem concede uma entrevista a um
jornalista considera que seu auditório ê constituído mais pelos leitores do
jornal do que pela pessoa que está à sua frente. O segredo das
deliberações, modificando a idéia que o orador tem de seu auditório, pode
transformar os termos de seu discurso. Vê-se imediatamente, por esses
exemplos, quão difícil é determinar, com a ajuda de critérios puramente
materiais, o auditório de quem fala; essa dificuldade é muito maior ainda
quando se trata do auditório do escritor, pois na maioria dos casos, os
leitores não podem ser determinados com exatidão.
Por isso que, em uma análise retórica, parece ser coerente definir o
auditório como o conjunto de pessoas que o orador quer influenciar com sua
argumentação (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005).
O auditório a quem o orador se dirige, influencia diretamente na
maneira do orador se expressar. Quando ele conhece o seu auditório, ele usará o
Pathos para persuadir fazendo com que seu auditório construa uma imagem dele,
um Ethos.
Amossy (2005, p. 122) comenta:
Os antigos designavam pelo termo ethos a construção de uma imagem de si
destinada a garantir o sucesso do empreendimento oratório. Lembrando os
componentes da antiga retórica, Roland Barthes define o ethos como “os
traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importando
sua sinceridade) para causar boa impressão: é o seu jeito […]. O orador
enuncia uma informação e ao mesmo tempo diz: sou isto, não sou aquilo”.
O autor retoma assim as idéias; de Aristóteles, que afirmava em sua
Retórica: “É […] ao caráter moral que o discurso deve, eu diria, quase todo
seu poder de persuasão”.
E acrescenta:
De posse de uma linguagem compreendida por seu auditório, um
orador só poderá desenvolver sua argumentação se se ativer às teses admitidas por
70
seus ouvintes, caso contrário corre o risco de cometer uma petição de princípios.
Resulta desse fato que toda argumentação depende, tanto para suas premissas
quanto para seu desenvolvimento principalmente do que é aceito, do que é
reconhecido como verdadeiro, como normal e verossímil, como válido: desse modo,
ela se ancora no social, cuja caracterização dependerá da natureza do auditório
(PERELMAN apud AMOSSY, 2005, p. 123).
Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), o importante na
argumentação não é saber o que o orador considera verdadeiro ou probatório, mas
qual é o parecer daqueles a quem a argumentação de dirige. E sem dúvida, ao
auditório que cabe o papel principal para determinar a qualidade da argumentação e
o comportamento dos oradores.
E completa: “Há apenas uma regra a esse respeito, que é adaptação
do discurso ao auditório, seja ele qual for: o fundo e a forma de certos argumentos,
apropriados a certas circunstâncias, podem parecer ridículos noutras” (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 28).
Falar sobre o auditório é uma tarefa complicada, existem inúmeros
tipos de auditório. As variações são incontáveis, existem fatores como sexo, religião,
posição social, idade, contexto no qual se está inserido, profissão, enfim vários
fatores que fazem com que cada discurso seja um, fica praticamente impossível uma
classificação e também não é esse o objetivo de nosso trabalho.
Para tornar este estudo mais prático dividiremos o auditório em dois
grupos: auditório particular e auditório universal.
O auditório particular trata-se de algo limitado, a argumentação
ocorrerá apenas com um determinado grupo de pessoas a quem aquele discurso
realmente interessa e faz sentido.
Em relação ao auditório particular, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005,
p. 34) comentam:
Toda argumentação que visa somente a um auditório particular oferece um
inconveniente, o de que o orador, precisamente na medida em que se
adapta ao modo de ver de seus ouvintes, arrisca-se apoiar-se em teses que
são estranhas, ou mesmo francamente opostas, ao que admitem outras
pessoas que não aquelas a que, naquele momento, ele se dirige.
Em nosso trabalho, os textos analisados se direcionam a um auditório
universal, por isso não nos aprofundaremos nesse assunto.
71
O auditório universal é, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca
(2005), formado pela humanidade inteira, ou pelo menos por todos os homens
adultos e normais. Para os autores, o auditório universal tem uma importância
primordial, uma vez que eles consideram uma argumentação direcionada ao
auditório particular sempre precária. Essa idéia fica evidente quando Perelman e
Olbrechts-Tyteca (2005, p. 34-35) dão o exemplo do discurso particular para o
parlamento:
Esse perigo fica aparente quando se trata de um auditório heterogêneo, que
o autor deve decompor para as necessidades de sua argumentação. Isso
porque esse auditório, tal como uma assembléia parlamentar, deve
reagrupar-se em um todo para tomar uma decisão, e nada mais fácil, para o
adversário, do que voltar contra o seu predecessor imprudente todos os
argumentos por ele usados com relação às diversas partes do auditório,
seja opondo-os uns aos outros para mostrar a incompatibilidade deles, seja
apresentando-os àqueles a quem não eram destinados. Daí a fraqueza
relativa dos argumentos que só são aceitos por auditórios particulares e o
valor conferido às opiniões que desfrutam uma aprovação unânime,
especialmente da parte de pessoas ou de grupos que se entendem em
muito poucas coisas.
Uma argumentação dirigida ao auditório universal deve convencer o
leitor do caráter coercivo das razões fornecidas, de sua evidência, de sua validade
intemporal e absoluta, independente das situações locais ou históricas.
Diz-nos Kant (apud PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 35):
“A verdade repousa no acordo com o objeto e, por conseguinte, com relação a tal
objeto, os juízos de qualquer entendimento devem estar de acordo”.
Essa verdade mostrada pelo orador será aceita ou não pelo auditório.
O próprio orador tem que demonstrar sua crença no que está dizendo, tem que se
mostrar convencido de seu próprio discurso, para que não seja posto em dúvida
(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005).
O auditório universal é constituído por cada qual a partir do saber de
seus semelhantes. Assim, cada cultura, cada indivíduo tem sua própria concepção
de auditório universal.
As variações com relação ao auditório são inúmeras, a
conceitualização de um auditório particular e universal não é fechada. Ao mesmo
tempo que se dirige a um auditório particular, pode-se estar atingindo um auditório
universal. A questão é bastante complexa, porém Perelman e Olbrechts-Tyteca
(2005, p. 39), em seu Tratado da argumentação, acreditam que:
72
Os auditórios não são independentes; que são auditórios concretos
particulares que podem impor uma concepção do auditório universal que
lhes é própria; mas, em contra partida , é o auditório universal não definido
que é invocado para julgar da concepção do auditório universal própria de
determinado auditório concreto, para examinar, a um só tempo, o modo
como é composto, quais os indivíduos que, conforme o critério adotado, o
integram e qual a legitimidade desse critério. Pode-se dizer que os
auditórios julgam-se uns aos outros.
5.1.5 Instância
Em nossa análise, um dos tópicos considerados será a instância em
que se encontra a situação retórica.
Bitzer (1980, p. 26), a especifica do seguinte modo: “A instância é uma
imperfeição marcada por um certo grau de urgência […] um obstáculo […] algo a ser
corrigido”.
Composição da instância: na instância consideraremos o contexto
histórico em que o discurso acontece. Nesse caso, a condição social, na qual o
orador está inserido, o local onde ele se encontra, sua maneira de abordar o tema,
ou seja sua identidade (Ethos) terão influência sobre o discurso (BITZER, 1980).
Halliday (1988, p. 124) acrescenta:
Essa instância é composta de um elemento factual, objetivo, e de um
componente de “interesse”. Em outras palavras, somente quando um retor
(orador, escritor, anunciante) “se importa” com determinada situação factual,
ou tem interesse em modificá-la, é que ela contém uma “instância” passível
de ser transformada mediante discurso. Isto porque as situações retóricas
são construções simbólicas da realidade – um composto de realidade
objetiva mais a interpretação de quem as vivencia.
Alguns atos retóricos (como os discursos de posse, as eulogias, as
saudações de aniversário ou despedida) tornam-se padronizados pela
repetitividade das situações retóricas onde eles se fazem desejáveis.
Mesmo assim, cada situação carrega instâncias histórico-temporais únicas.
Por exemplo, um discurso de posse de um governador será marcado pela
sua formação individual (se foi seminarista, formado em direito, ou
pecuarista, ou jogador de futebol), por sua filiação partidária e pelo
momento político. Uma desculpa oficial ou nota de esclarecimento de uma
organização (a necessidade de pedir desculpas é uma das situações
retóricas; mais “universais”) será condicionada à gravidade da instância e às
expectativas do público. Um documento institucional firmando posição sobre
tema controvertido tenderá a tomar a forma que a instituição
tradicionalmente usa para comunicar-se, mas variará de acordo com as
exigências da situação, como é o caso dos sermões, homilias e encíclicas
da Igreja Católica, ao longo dos séculos.
73
5.1.6 Situação retórica
A situação retórica é um complexo de pessoas, eventos e relações que
apresentam uma instância que pode ser atendida, completa ou parcialmente, se um
certo tipo de discurso – introduzido na situação – for capaz de influenciar o
pensamento ou a ação de uma audiência de maneira a acarretar uma modificação
positiva da instância (BITZER, 1980).
Em Atos retóricos, Halliday (1988, p. 124) acrescenta ainda que:
Segundo Bitzer, uma situação genuinamente retórica contém três elementos
que criam para o retor o problema retórico: primeiro, a instância, ou
imperfeição, revestida de certo grau de urgência – algo que é de um modo e
o retor deseja que seja de outro –, seja uma melhoria física ou social, uma
mudança de atitude ou sentimento, um esclarecimento de algo pouco ou
mal compreendido, ou um reforço de laços em perigo de afrouxar-se;
segundo, uma audiência ou público passível de ser influenciado para atuar
na modificação da instância; terceiro, um conjunto de limitações e restrições
(que Bitzer chama de “constraints”) – pessoas, eventos, leis, interesses,
emoções, hábitos que atuam sobre a audiência e o, retor, talhando
caracteristicamente a situação. Cabe ao retor fazer uso criativo dessas
limitações e restrições para que seu ato retórico aumente em probabilidade
de sintonizar-se perfeitamente com a situação.
Antecedentes da situação retórica: são todos aqueles elementos
históricos, políticos e culturais que a instância caracteriza como acontecimento,
como situação retórica (HALLIDAY, 1988).
É preciso reconstituir os elementos históricos, políticos e culturais que
precondicionaram a instância caracterizadora da situação como “situação
retórica”.
As principais fontes de dados para a reconstituição dos antecedentes da
situação retórica são os jornais, as fitas gravadas, documentos e
depoimentos de testemunhas e de participantes. O método histórico é
instrumento valioso nesse proceder (HALLIDAY, 1988, p. 126).
5.1.7 Tema
O tema trata do assunto abordado pelo orador em seu discurso
(HALLIDAY, 1988).
74
5.1.8 Problema retórico
É o problema apontado pelo orador: um desequilíbrio ou imperfeição
que foram percebidos e demonstrados no discurso, como potencialmente
solucionáveis ou transformáveis (HALLIDAY, 1988).
Em relação ao problema retórico, Halliday (1988) postula que precisa-
se conhecer a natureza da instância – que problema, controvérsia, tomada de
posição, desequilíbrio ou imperfeição foram percebidos/definidos pelo retor como
potencialmente solucionáveis ou transformáveis pela mediação de certo tipo de
discurso.
A instância pode estar explícita no próprio texto ou fala, ou implícita nos
argumentos do retor – na maneira como ele/ela constrói simbolicamente a realidade
ao dirigir-se ao seu público.
Nesse aspecto, o orador desempenha papel fundamental, pois é, a
partir de sua habilidade como retor, que ele conseguirá ou não solucionar o
problema retórico.
5.1.9 Tese
Na tese, é levada em consideração a maneira como é colocado o tema.
A tese pode ser abordada em termos gerais e abstratos, ou em termos particulares e
concretos (HALLIDAY, 1988).
5.1.10 Limitações impostas ao retor
As limitações podem ser pessoas, eventos, leis, interesses, emoções,
hábitos que influenciam o auditório e talham caracteristicamente a situação. Quanto
às limitações é Halliday (1988, p. 128) quem exemplifica:
75
Toda mensagem ou ato retórico sofre limitações e restrições que contribuem
para moldar-lhe o conteúdo e a forma. Essas contingências podem ser bem
ou mal usadas pelo retor, contribuindo para a adequação do ato à situação
ou para o seu descompasso. Na fase da avaliação final, esta
adequação/descompasso estará em jogo. Figuram entre as contingências
do ato retórico: a história de vida do retor, a tecnologia disponível para
divulgar a mensagem, a composição (etária, étnica, sócio-econômica) da
audiência, as expectativas do público quanto ao tipo de mensagem, o lugar
do pronunciamento (sala, praça pública, estúdio de TV ou página de jornal)
e o tempo, seja em termos de horário, seja em termos de clima político,
psicológico e social do momento no qual se insere o ato retórico. Por
exemplo, há um discurso “esperado” em situações solenes, como uma
formatura ou tomada de posse, eulogia em velório e saudação de
aniversário, de modo que certo tipo de linguagem ou formato não é bem
aceito em tais ocasiões. Há uma marca individual ou institucional em cada
ato retórico, relacionada com a vivência pessoal e as filiações do retor. Há
contingências jurídicas, éticas ou de costumes, que fazem com que o
discurso se manifeste por um caminho e não por outro. É marcante o peso
da tradição nos documentos contemporâneos da Igreja Católica, como nos
pronunciamentos oficiais da atual rainha da Inglaterra. Retores com D.
Helder Câmara, Juca Chaves, John F. Kennedy e o general De Gaulle
conferiram aos seus atos retóricos, nas mais diversas circunstâncias, a
marca de sua individualidade e de sua formação. Finalmente,. sabemos que
as condições técnicas de. transmissão da mensagem precondicionam sua
linguagem e estilo e que o "clima" do momento impede ou libera certos tipos
de colocações.
5.1.11 Elemento factual
Seria o objetivo concreto que desencadeia a situação retórica, uma
ação que tenha levado o retor ao discurso (HALLIDAY, 1988).
5.1.12 Componente específico de interesse
Trata-se do ponto que o orador quer atingir por meio de seu discurso.
Através do discurso, o orador tem a intenção de persuadir o auditório para modificar
determinada situação, o componente específico de interesse é exatamente esse
conceito que será modificado pelo orador, que fará uso de argumentos para
persuadir o auditório de que sua tese é pertinente (HALLIDAY, 1988).
76
6 ANÁLISE DO CORPUS
Começaremos a análise do corpus de nossa pesquisa com redações
dos alunos de 8ª série do Ensino Fundamental da E.E. Prof. Luiz Páride Sinelli,
escola de tempo integral, situada no bairro jardim Martins, na cidade de Franca.
Nossa análise será baseada em princípios da retórica em torno da categoria
passional do medo. Nas transcrições a seguir manteremos a escrita original dos
textos.
Texto 1:
COMETENDO VIOLÊNCIA SEM SABER
Ei, você aí. Preste bem atenção.
Vamos logo dizer não,
Porque a violência não leva a gente
A nada não, a não ser né
Você sabe só se for no caixão
Seja esperto(a) siga o bom
Caminho e a violência você já saber o que dizer, não!
Violência é uma coisa complicada
Você pode cometê-la
Achando que o que você vai fazer não é nada não!
Então fique atento
Para um conselho de irmão
Você cometer um aborto
É violência então nem pense em fazer isso porque você pode
Estar tirando a vida do seu irmão.
Ser criminado e até
Morrer na prisão!!!
O título do texto em questão é Cometendo violência sem saber. A
instância do texto é o combate à violência e tem uma conexão com o contexto social
no qual o orador está inserido, pois se trata de uma região violenta da Vila São
Sebastião, na cidade de Franca, SP.
O tema explorado no texto é a violência, nesse caso abordada pelo
retor como um fator gerador de problemas maiores como morte, aborto, prisão,
77
fatores que nos mostram que o orador tem como tese termos particulares e
concretos.
O objetivo do retor é convencer de que a violência gera destruição.
Para mostrar isso, fala para um auditório universal, e usa elementos factuais como
violência, morte e aborto para persuadir o auditório.
O retor utiliza provas refutativas quando menciona “A violência não
leva a nada, a não ser ao caixão” e provas confirmativas que nos remetem ao fato
de que a violência gera a morte de culpados e inocentes. O retor se vale, também,
de provas intrínsecas, que envolvem raciocínio e usa o discurso deliberativo.
A imagem que o retor constrói no texto é de superioridade sobre o
auditório. O uso de expressões como “você já sabe o que dizer”, “não” “ei você aí
preste bem atenção” demonstram essa relação. O retor se coloca fora do grupo que
seria capaz de cometer as violências citadas, pode-se inferir sua superioridade no
momento em que ele dita ordens ao auditório na frase “cometer aborto é violência,
então nem pense em fazer isso...”
Pelos traços tanto explícitos, quantos implícitos deixados pelo orador,
percebemos que ele tem valores sociais característico da sociedade cristianizada.
No plano do ethos, reforça a moral vigente e assume um “eu” que
pontifica, dá conselhos, na tentativa de revelar experiência e segurança sobre o
assunto. O retor considera que a vida se dá na concepção se colocando contra o
aborto. O discurso, assim, aponta para valores ideológicos, que sustentam uma
visão de vida anterior ao nascimento, que considera o aborto como um crime
violento contra o ser humano. O produtor, assim, no plano retórico, consagra
convenções discursivas, seguramente herdadas que, por sua vez, traduzido em ato
retórico, consagra o já-estabelecido.
Podemos observar que, logo no princípio, para o retor, medo é
sinônimo de violência. Inverte, assim, a relação causa-conseqüência. Essa postura
pode ser considerada comum, pois diante da violência a que a sociedade se
encontra exposta atualmente, os elementos medo-violência encontram-se arraigados
no seio social. Percebemos que medo e violência são quase sinônimos e isso é
importante retoricamente. O foco da atenção (tema) foi desviado, fato que acarretou
mudança discursiva, criou-se uma alternância entre o evento discursivo e seu tema
primeiro, transformando um no outro, naturalmente.
78
Convém lembrar aqui o que já dissemos anteriormente: “Trata-se do
ponto que o orador quer atingir por meio de seu discurso. Através do discurso, o
orador tem a intenção de persuadir o auditório para modificar determinada situação,
o componente específico de interesse é exatamente esse conceito que será
modificado pelo orador, que fará uso de argumentos para persuadir o auditório de
que sua tese é pertinente”.
Quanto ao Ethos, o orador parece estar ciente do poder da palavra,
pois nota-se que o direito da autoria do discurso lhe conferiu sabedoria que
seguramente não lhe é comum e poderes que efetivamente não tem. Percebemos
um ethos inflado, dono da verdade e de si, seguro, apto a aconselhar, superior ao
auditório, que se posiciona, advoga uma causa, ainda que o tema central esteja
deslocado. Há um discurso social tão introjetado que medo e violência se
consubstanciam e transformam-se em um único vocábulo.
Outro fator interessante em relação ao texto é como o retor usa o
discurso epidíctico para valorizar o medo. Termos como “só se for no caixão”, “fazer
aborto”, “tirar a vida” e “morrer na prisão” amplificam o discurso. Nas entrelinhas, o
retor demonstra seu medo: medo de ser preso, medo de ficar aprisionado, medo da
privação da liberdade.
Há outras formas de moralização: ser violento subverte a ordem social,
torna o indivíduo indigno de conviver com sua própria sociedade. Para evitar isso,
incute medo: você poderá ser preso!
O discurso, ao ressaltar a violência social, destaca o verdadeiro pathos
do retor: medo de privação da liberdade.
Todo orador impõe ao seu discurso limitações que servem para moldar,
seu conteúdo e forma. De acordo com a mensagem que se deseja passar, conforme
o que é ou não interessante informar ao auditório, essas limitações podem contribuir
ou não para a eficácia do discurso. Quando o discurso chega à fase de avaliação
pelo auditório tudo isso estará sendo considerado para que a mensagem se torne
efetiva. Entre essas contingências do ato retórico, consideramos que a história de
vida do retor, os meios utilizados por ele para divulgar sua mensagem, a audiência
levando em consideração idade, etnia, ideologia, situação sócio-econômica, etc., o
ambiente, o tempo, tanto histórico, quanto tempo presente são importantes e devem
ser levados em consideração pelo retor para que seu discurso seja aceito. Em
determinadas situações, esperam-se determinados tipos de discurso. No caso do
79
trabalho que desenvolvemos com esses alunos, é compreensível o tipo de discurso
construído por eles em relação ao tema, pois a convivência dos alunos com essa
paixão está realmente ligada à violência, e talvez por isso, o tema central tenha se
deslocado.
Texto 2:
VIOLÊNCIA ATÉ QUANDO? PARE E PENSE
Violência, até quando?
As pessoas estão com medo
ela está transformando a vida delas,
que não querem morrer cedo.
Nós, paramos e pensamos,
A violência transforma
alegria em tristeza,
calor em frio,
amor em ódio,
união em solidão
perdão em ofensa.
Pensamos que a culpa não é nossa
mas violência leva violência
isso é falta de competência
não saber que os outros querem respeito
Ninguém quer ser tratado desse jeito.
Temos que saber viver,
como se fossemos crianças
e podermos sobreviver
alimentando a mais pura esperança.
De que um dia isso vai passar
pode até demorar
mas Deus prometeu, e vai cumprir.
O título do texto número 2 é Violência até quando? Pare e pense, já no
título, percebe-se que o retor manifesta uma indignação quanto à exposição de toda
a sociedade à violência. A instância do texto é uma manifestação contra a violência.
O medo, citado no corpo do poema, aparece como um elemento secundário. Como
no primeiro texto, as palavras ganham uma espécie de simbiose como se tivessem
equivalência semântica.
A instância é composta pelo contexto social do retor que vive em um
bairro onde brigas, preconceito, violência física e psicológica são comuns. O tema
novamente está deslocado, ao invés de falar do medo como lhe foi proposto, o retor
escolheu a violência, e o problema retórico instaurado pelo orador é a violência
80
como uma geradora de tristeza, ódio, solidão e ofensa. Lembramos que a instância é
um problema percebido pelo retor, que pode ser solucionado pela mediação de certo
tipo de discurso, nesse caso, nosso retor estabelece que a violência é a instância do
texto, o medo para ele é uma conseqüência. O retor desloca o foco de seu discurso
para a causa do problema. Para ele a violência propaga o medo.
Os antecedentes à situação retórica foram os debates sobre o medo e
suas manifestações. O retor utiliza como tese termos gerais e abstratos e se dirige a
um auditório universal.
Existem algumas limitações que foram impostas ao retor, nesse caso,
destacamos limitações econômicas, políticas, pois o retor ainda é imaturo nesse
aspecto, problemas sociais e acesso limitado à educação.
Os elementos factuais são os altos índices de violência e morte
precoce e a intenção do retor é convencer de que podemos vencer a violência
respeitando o próximo.
Como provas confirmativas citamos o trecho: “As pessoas estão com
medo” e como provas refutativas “um dia isso vai passar, pode até demorar mas
Deus prometeu, e vai cumprir”. Além disso, o retor utiliza argumentos patéticos para
persuadir o auditório quando menciona “alegria em tristeza, amor em ódio”.
Acrescentamos ainda, que o gênero do discurso é o deliberativo.
Ao analisarmos o texto, percebemos alguns fatores interessantes em
relação ao Ethos construído pelo retor no presente discurso. Ele inicia o texto,
colocando-se distante do conceito por ele abordado. Nessa parte do discurso, a
estrutura do texto refere-se à 3ª pessoa do plural. A partir da 2ª estrofe, ele se
considera parte do grupo, utilizando a 1ª pessoa do plural, e essa linha é mantida até
o final do texto.
Embora o retor não fale de medo especificamente, mas da violência
ele, permite, pela análise, que se perceba seu ethos: “ela está transformando a vida
delas, que não querem morrer cedo”, assim demonstra o seu medo da morte.
O retor, conhecendo seu auditório, usa também o medo como uma
ferramenta para persuadir. Ele constrói o discurso, direcionando seu auditório
também a sentir medo da reação divina.
Na última estrofe, ele propõe uma ação, que será supostamente
aderida por ele e pelo auditório, notamos nessa parte, o uso do argumento de
81
autoridade, “Deus prometeu e vai cumprir”. Essa é mais uma tentativa de utilizar o
Pathos para convencer o auditório.
O gênero é quase deliberativo: volta-se para o futuro, aconselha,
parece dirigir-se a uma assembléia, destaca o injusto, útil por meio de um raciocínio
indutivo, que termina em uma máxima.
Para o retor a violência é o problema a ser solucionado. Assim como
no texto anterior, o medo é deixado em 2º plano e a violência toma o lugar central
Ninguém quer ser tratado desse jeito”.
O retor conhecendo seu auditório se reveste de uma autoridade
superior a dele, ele se coloca como um representante de Deus, que sabe o que deve
ser feito para reverter a situação “temos que saber viver como se fôssemos crianças
e podermos sobreviver alimentando a mais pura esperança”. Seu auditório formado
por uma sociedade na maioria cristã, será passível desse tipo de argumento. Em
relação ao terceiro aspecto levantado por Bitzer, o mesmo argumento é explorado
pelo retor, pois o discurso divino se torna um discurso de autoridade sobre esse
auditório. O orador usa essa limitação do seu auditório a seu favor, tendo como
objetivo persuadi-los a modificar a instância por ele instalada.
Manter um discurso junto a um auditório, fazê-lo intervir em seu
julgamento e atitudes, para persuadi-lo ou convencê-lo equivale a propor-lhe uma
representação. O medo, aqui, está quase personificado na representação de um
Deus colérico, que castiga, a ameaça divina funciona, retoricamente, como um
exemplo (prova) e o retor parece saber que os elementos da lógica universal
funcionarão bem menos do que um exemplo concreto. Por isso, o raciocínio
demonstrativo passa para um segundo plano.
Enquanto o primeiro sujeito demonstra medo da privação da liberdade,
esse segundo é mais contundente: tem, incluindo-se no auditório, medo da morte.
Esse medo justifica o medo da justiça divina e revela, nos subentendidos, a
necessidade de uma vida também em consonância com os princípios e valores
cristãos.
O retor se vale da memória para domínio dos conteúdos mentais. O
medo, aqui, é fator de persuasão. Perpassa o texto todo, ressalta um ethos que se
projeta no outro, que se insere no auditório, que o considera como um igual: capaz
de lembrar-se da justiça divina e de ter medo da morte se a vida não for vivida de
acordo com os princípios morais e cristãos.
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Texto 3:
MEDO DA VIOLÊNCIA
Milhões de brasileiros não têm teto, não têm lar e no esporte da violência
vão jogar alguns vão para a escola procurando profissão.
enquanto outros fechando a própria tampa do caixão
Se não preocuparem com o futuro concerteza vam chorar porque na estrada
da dor um dia eles vam pasar muitos na ganância e outros na corrupção, e
no dia de amanhã na própria pele sentiram
Esse retor tem medo do futuro, vale-se de metáforas para criar
representações do existir. Como se vê, atrela o futuro aos atos realizados no
presente. Essa é a mesma estratégia de incutir medo. O plano da expressão e o
plano do conteúdo são trabalhados de modo a acumular significados: explicitamente
fala-se da violência, mas tematiza-se o medo pela “estrada da dor” (a situação
aflitiva de brasileiros). Se não fala da moral cristã, atribui ao futuro uma potência
justiceira: os gananciosos e corruptos vão sofrer na pele. Essa é uma atitude
moralista, portanto, mais uma vez, reforçadora dos valores da sociedade cristã que
acredita que o bem será o prêmio para os bons.
O título Medo da violência já abre caminho para a instância do texto
que é a própria violência. Mais uma vez, o retor coloca a violência no lugar do medo.
“Se não preocuparem com o futuro concerteza vam chorar porque na estrada da dor
um dia eles vam pasar muitos na ganância e outros na corrupção, e no dia de
amanhã na própria pele sentiram” (sic). Nesse trecho, é instalada efetivamente a
instância do texto. Podemos perceber como o orador assume um tom apelativo e
ameaçador. Para ele é urgente que seu auditório e ele próprio mudem sua conduta
para que essas conseqüências não se voltem contra eles. No trecho, parece haver
uma certa aflição do retor em relação ao que vai acontecer no futuro.
O ethos criado no texto é de que o orador está inseguro frente a
realidade à qual está exposto. Ele tem medo do que pode acontecer, medo do
futuro, medo da pobreza que pode levar a atos extremos, medo da ganância e da
corrupção, medo da dor, medo de não estar fora da realidade à qual ele se refere. O
tema abordado no texto, a pobreza, instala-se como problema retórico e como uma
válvula de escape para a violência. O retor se coloca em uma posição de conflito,
que podemos observar no trecho: “alguns vão para a escola procurando profissão.
enquanto outros fechando a própria tampa do caixão”.
83
Os antecessores à situação retórica são os mesmos do texto anterior:
a reflexão sobre o medo. Quanto à tese, trata-se de termos particulares e concretos,
dirigidos a um auditório universal.
As limitações impostas ao retor são econômicas, políticas, sociais e
familiares. Porém observa-se também que o retor apesar de suas próprias
limitações, explora as limitações do auditório. Ao expor os conflitos pelos quais
pessoas nessa situação passam, ele deixa o auditório comovido. É como se estas
restrições fossem motivo para a escolha pela transgressão. O retor parece querer
justificar a violência pela pobreza “milhões de brasileiros não têm teto não têm lar, e
no esporte da violência vão jogar”. Os elementos factuais são problemas sociais
como a pobreza, falta de moradia digna para pessoas carentes que são levadas,
segundo o retor, a cometer atos violentos que, algumas vezes, podem ter
conseqüências graves.
O principal interesse do orador é persuadir o auditório de que a
violência não é a solução contra a miséria e as injustiças sociais e para isso ele
incute o medo, os mesmos medos que ele tem ao falar da morte, da ganância e da
corrupção e de suas conseqüências.
As provas refutativas e extrínsecas estão nos trechos: “alguns vão para
a escola procurando profissão”. As provas confirmativas e intrínsecas são
argumentos patéticos como ganância e corrupção e os trechos “no esporte da
violência vão jogar” “fechando a própria tampa do caixão” e “milhões de brasileiros
não têm teto, não têm lar”. O gênero do discurso é o epidictico, o retor censura a
situação de pobreza e a falta de perspectiva para os menos favorecidos
financeiramente.
Nos três textos analisados, os retores se colocam em postura que não
é natural. Estão criando representações autorais: têm o dom da onipotência, tudo
sabem, podem pregar sermões e advertir.
Percebemos três tipos de medo diferentes: medo do futuro, medo da
morte por atos violentos, medo dos efeitos de comportamento imoral. Apesar de o
medo não ter sido o foco principal desses retores, percebemos o medo presente em
seus textos. A violência também é uma constante, e para os três revela-se como a
causadora do medo. Nos três textos, percebemos maneiras diferentes de o retor se
dirigir ao seu auditório; no primeiro texto, o retor se coloca em posição de
conselheiro “fique atento para um conselho de irmão” próximo ao auditório, seguro
84
do que está falando. Já no segundo texto o retor passa a ocupar um papel mais
importante do que simplesmente o de conselheiro, ele passa a ser um mensageiro
divino, seu discurso é superior, pois ele invoca o discurso divino para fundamentar o
seu ato retórico; isso não ocorre no terceiro texto, onde o retor assume um ar de
independência, parece querer resolver o problema por ele mesmo, sem necessitar
de auxílio divino, como no texto anterior.
Texto 4:
VC QUER SOBREVIVER
E o que fazer?
Quando a violência está quase atingindo você
Quando seu mundo não passa de uma prisão
E o que dizer?
Quando você não sabe mais para onde ir
Não sabe mais se vai viver ou se vai morrer
Você quer sobreviver!
Prometa não matar
E sempre saber viver, saber viver
Nesse mundo cruel
Uma parte pode ser você
Tente mudar, é um bom começo
E como agir?
Quando você está diante de um mundo louco
pensa que existe alguma chance de mudar
E o que sentir?
Quando você vê pessoas morrendo por aí
Quer ajudar mais acha que não vai conseguir
Acredite mais em você
Será que alguém vai pensar
que o mundo pode melhorar
Com minhas mãos melhorarei
alguma pequena coisa
O título do texto analisado é Vc quer sobreviver (sic) e a instância do
texto é a impotência das pessoas diante do medo. Essa instância é composta pelo
sentimento de insegurança, questionamentos, situação de instabilidade social frente
à situação de violência na qual nossa sociedade está vivendo.
O tema do texto é sobrevivência e impotência, o que denota medo da
morte e dos mais fortes; mais uma vez o medo da morte se manifesta no texto,
confirmando o que foi demonstrado pelo questionário respondido pelos alunos.
Como problema retórico destacamos os altos índices de violência e poucas
85
possibilidades de melhoria dessa situação. Os antecedentes da situação retórica
foram as discussões sobre o medo, suas causas, os tipos de medo e leituras de
artigos também sobre o mesmo tema. Como nos demais textos, a associação
medo/violência é quase inseparável. O discurso se revela como uma bula, um
compêndio de estratégias a serem seguidas para a manutenção da sobrevivência.
O retor se dirige a um auditório universal e destaca as limitações que
lhe são impostas: econômica, educacional, impotência diante da violência. O Ethos
constituído nos dá a imagem de um retor preocupado com o contexto de violência,
medo e morte a que estamos submetidos, é um orador que questiona a
problemática, mas que tem poucas respostas. O elemento factual presente no texto
é a exposição excessiva à violência, A mídia como agente propagador da
insegurança social, e a falta de perspectiva de reversão do problema. Mais do que
decifrar conteúdos sociais causadores do medo, o retor procura comunhão com seu
auditório. Pretende criar estratégias persuasivas por meio do estabelecimento do
ethos: ainda que modestamente, é possível contribuir para a melhoria do mundo
violento em que vivemos. A condição encontra-se na autoconfiança. Sem metáforas
ou sutilezas, o retor clama por ações individuais e vale-se da lexis poética para
articular seu discurso. Reitera saberes partilhados, mas o discurso deliberativo
empregado mostra-se adequado, pois o retor acentua sua preocupação com a pólis,
com problemas ligados à coletividade, com as decisões tomadas em benefício
público.
As provas refutativas comprovam nossa reflexão do parágrafo anterior:
“vc quer sobreviver”, “saber viver”, “tente mudar que é um bom começo” e “acredite
mais em você”. As provas confirmativas, do mesmo modo, acentuam essa
preocupação com a pólis: “a violência está quase atingindo você”, “você está diante
de um mundo louco” e “você vê pessoas morrendo por aí”.
Como provas intrínsecas encontramos: “Você quer sobreviver” e
“Prometa não matar e sempre saber viver...” Os argumentos utilizados pelo retor são
provas patéticas baseadas na idéia de senso comum. Em nenhum momento é
utilizado discurso de autoridade ou outro meio de argumentação para persuadir.
O texto está estruturado em forma de poema. O orador, no refrão, pede
para que o auditório prometa não se envolver com a violência, mais especificamente
o assassinato. Na seqüência o retor aponta a possibilidade de o auditório também
86
ser responsável pelo problema, nesse ponto, ele usa um argumento de inclusão da
parte.
No trecho: “E o que sentir? Quando você vê pessoas morrendo por aí.
Quer ajudar, mas acha que não vai conseguir”, o retor se demonstra descrente da
possibilidade de mudança. Logo depois, ele acrescenta “Acredite mais em você”,
apesar dessa frase de incentivo, ele encerra o texto dizendo: “Com minhas mãos,
melhorarei alguma pequena coisa”. No momento em que ele teria que propor uma
ação e tentar persuadir o auditório a realizar uma mudança no contexto por ele
mencionado o orador se restringe ao seu pequeno campo de atuação.
O gênero do discurso predominante é o epidíctico. Faz-se apologia da
paz, da força dos pequenos contra a violência que gera o medo. Guardadas as
devidas proporções, o esforço do retor pode ser aproximado do discurso platônico:
não basta conhecer a verdade, é preciso transmiti-la e fazer que os outros a
admitam. A comunicação da verdade, como sabemos, não é considerada tarefa dos
filósofos, mas sim da retórica em suas limitações e potencialidades.
Texto 5:
MEDO
O medo não tem sentido
O medo é nosso inimigo
É que mais nos faz
Procurar um abrigo.
O medo é imprevisível
Na mesma hora que normal
É destacante e invisível
O medo muitas coisas nos faz
Insegurança total
E muitas outras coisas ruins ele nos traz.
Mas devemos ver
O lado bom da vida
Mas cuidado devemos ter
Para não causar uma ferida
Temos que desejar ser
Não uma pessoa odiada
Mas sim uma querida.
Não vamos deixar que o medo
Invada nossas mentes
Por que o medo
É coisa conseqüente
Da cabeça de muita gente
Devemos esquecer isso
87
E bola pra frente.
A instância do texto é a situação de insegurança e é composta pela
instabilidade social em termos de segurança pública a que nossa sociedade está
exposta.
O tema do texto, nesse caso, é o medo propriamente dito que traz em
si um problema retórico: a insegurança que o medo gera nas pessoas. Leve-se em
conta que: os antecedentes da situação retórica foram discussões, leituras e
levantamentos sobre o tema medo; a associação entre as características do medo e
a insegurança que provoca, por certo advém dessas reflexões anteriores ao ato
retórico.
O retor se manifesta para um auditório particular, específico para as
pessoas que sentem medo excessivo. Na constituição de seu ethos, porém, admite
a presença anestesiante do medo. Assim, inclui-se no auditório essa característica
contribui para a realização do texto, ao mesmo tempo em que interfere em sua
composição.
O elemento factual é o medo, a exposição ao crime, falta de
policiamento adequado, falta de estrutura emocional das pessoas. Antes de anunciar
um mundo violento, o retor, em captação interessante do existir, traça os caminhos
do medo pela exposição pessoal a que nos submetemos como seres sociais. Nesse
gesto discursivo, inclui vítimas e bandidos como seres humanos que se digladiam,
expõem-se e, igualmente, não são donos de uma estrutura emocional capaz de
adequar-se às situações de conflito.
O retor pretende mostrar ao seu auditório que o medo é um sentimento
perigoso, que pode fazer mal às pessoas que o têm em excesso. A visão do
auditório para quem pratica o ato retórico é de natureza universal. Todas as pessoas
são consideradas como suporte de uma série de atos e juízos, são objetos de
apreciação e sujeitas aos fenômenos sociais de forma contundente. Alguns têm mais
medo que outros e os primeiros legitimam-se como vítimas indefesas de um sistema
cáustico e perigoso.
As provas refutativas se apresentam nos trechos: “Devemos ver o lado
bom da vida” e “Devemos esquecer isso e bola pra frente”. As provas confirmativas
são: “o medo é nosso inimigo”, “coisas ruins ele nos traz”, “Devemos cuidar para não
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causar uma ferida” e “o medo é coisas conseqüente da cabeça de muita gente”. Os
argumentos são relacionados ao Pathos.
Durante o discurso, nota-se que o retor, nas duas primeiras estrofes,
faz uma censura às pessoas que se deixam dominar pelo medo, nessa parte o
discurso se enquadra no gênero epidíctico. Porém, nas duas últimas estrofes, o
orador aconselha o auditório: “devemos ver o lado bom da vida”, “Não vamos deixar
que o medo invada nossas mentes”, “Bola para frente”, entendemos que, nesses
casos, o discurso se enquadraria no gênero deliberativo. Invoca, pois, as noções de
responsabilidade, mérito e culpabilidade. Ao congregá-las, torna a vítima em seu
próprio algoz. O movimento retórico é o de dissociação do ato e da pessoa, mas a
mensagem é de associação entre estar no mundo e enfrentar o mundo como uma
condição única e inevitável.
Para reforçar essa idéia, o retor utiliza argumento patéticos: “medo é
nosso inimigo”, “muitas outras coisas ruins ele nos traz” e “temos que desejar ser
não uma pessoa odiada, mas uma pessoa querida”.
É interessante o modo como o retor se posiciona em relação ao tema
do discurso: busca persuadir o auditório de que as pessoas têm uma visão
deturpada do medo. Para ele, o modo como as pessoas enfrentam as situações de
medo a que estão expostas faz diferença. Pessoas que estão suscetíveis ao medo e
se deixam dominar por ele são extremamente prejudicadas, enquanto que aqueles
que temem, mas têm autonomia para superar este sentimento, têm mais chances de
viver uma vida melhor.
A vida moral e a vida jurídica, pois, necessitam de um antídoto ao
medo: a coragem. A pessoa, considerando cada uma no auditório particular, é
autosuficiente na visão do retor: capaz de exercer poder sobre si mesmo para
suplantar o mal individual e social que se associa ao ato de ter medo.
Texto 6:
MEDO VIOLÊNCIA E MORTE
Para a gente a violência
não leva a lugar nenhum
mas para os Bandidos
isso é muito comum.
Brigar, assaltar para eles
89
Isso é arrasar mas
Para nós isso é
increnca a caçar.
As vezes os Bandidos
só querem ameaçar
mas olha a confusão que isso pode causa.
“Então Preste atenção
para Violência difa
Sempre um não”.
O retor inicia o texto dissociando os seres em duas classes distintas:
nós e os bandidos. A vida moral é o princípio divisor e sobre ela incidem os juízos de
valor que percorrem o texto. O título do texto em questão é Medo violência e morte,
a instância é o combate à violência e é composta pelo clima de violência existente
na sociedade atualmente. A reação do ato sobre o agente é a condição que modifica
a concepção de pessoa boa e má. Como nos demais textos da amostra, a posição
discursiva do retor é a de conselheiro, um ser sapiente, conhecedor das receitas
para a salvação do homem em situações conflitantes. Como os demais, relembra ao
auditório a sua capacidade de mudar, de alterar o rumo do real sensível.
O tema explorado no texto é o comportamento dos bandidos a
violência, e as diferenças entre eles e pessoas consideradas corretas. O objetivo do
retor é persuadir o auditório a acreditar que ser bandido é ruim, mobilizando as
pessoas a se manifestarem contra o crime, para isso ele fala para um auditório
particular, e usa elementos factuais como violência e morte e, por isso, o problema
retórico é o envolvimento das pessoas no mundo do crime.
Existem algumas limitações impostas ao retor, além daquelas
referentes ao próprio cotidiano no qual o retor se insere, destacamos também o
auditório. Após análise, verificamos que o retor utiliza provas refutativas quando
menciona “As vezes os bandidos só querem ameaçar” e de provas confirmativas nos
trechos: “para a gente a violência não leva a lugar algum, mas para os bandidos isso
é muito comum” e “Brigar, assaltar para eles isso é arrasar”. As provas são
extrínsecas: brigas, confusão, ameaça, encrenca e assalto.
O gênero do discurso é o epidíctico.
A estrutura textual é em forma de poema, com presença de rimas.
Durante todo o discurso o orador expõe as diferenças entre os dois
grupos e encerra o texto chamando a atenção de seu auditório para sua proposta. O
verbo é flexionado no modo imperativo na busca de persuadir seu público.
90
Texto 7:
Somos todos humildes, ajudamos a nação
adolescente consciente não mexe com drogas não!
Vou dizer uma coisa pra você
Se você mexe com droga você põe tudo a perder (pode crê)
Somos adolescente estamos longe do final,
não queremos mexer com drogas
pois não somos imortal.
Eu tinha uma amiga com drogas,
quando abri a porta vejo ela no chão morta!
Esse é um exemplo pra todos desse mundão
ao invés de estragar a vida
tenha paz e amor no coração!!!
O texto número 7 não tem título. A instância do texto é marcada por um
posicionamento contra as drogas. Neste caso, é importante mencionar que o contato
com drogas é de fácil acesso para o retor, uma vez que, no seu bairro é comum o
tráfico de entorpecentes, a instância, portanto, é composta pelo contexto social do
retor. O tema abordado é droga e morte, e o problema retórico é fato de que para o
retor o uso de drogas aproxima a morte. Essa idéia é evidenciada no trecho “Somos
adolescentes estamos longe do final, não queremos mexer com drogas pois não
somos imortal”.
Os antecedentes à situação retórica foram os debates sobre o medo e
suas manifestações. Como o tema explorado pelo retor trata-se de um debate
comum atualmente, entendemos que o discurso é dirigido a um auditório universal.
Existem algumas limitações que foram impostas ao retor, nesse caso
destacamos limitações econômicas, políticas, o próprio retor, e o auditório. Os
elementos factuais são os altos índices de violência e morte precoce, além do
enorme número de adolescentes que têm fácil acesso ao uso de drogas. A intenção
do retor é persuadir o jovem de que o envolvimento com drogas é prejudicial e pode
ser um caminho sem volta. Por isso, percebemos no texto que o retor faz uso de
argumentos éticos e patéticos, que podem ser comprovados nos trechos: “tenha paz
e amor no coração!!!” e “quando abri a porta vejo ela no chão morta”! Nesses
trechos, percebemos a estratégia do orador, que busca persuadir seu auditório,
tanto pela ética pregando o amor, a retidão, a paz, mas também se o argumento
ético falhar, o argumento patético pelo medo da morte pode exercer influência sobre
o auditório.
91
Como provas confirmativas citamos o trecho: “Vejo ela no chão morta”
e “Se você mexe com drogas você põe tudo a perder”. Aqui percebemos o
argumento patético, o retor utiliza a paixão do medo para persuadir o auditório.
No trecho: “somos todos humildes, ajudamos a nação” o retor inicia seu
discurso já construindo um Ethos de retidão e tenta convencer o auditório de que o
jovem consciente tem essas qualidades. Nesse trecho, o retor já dá indícios de que
vai estabelecer uma separação entre o bem e o mal. No final, ele volta a confirmar o
argumento ético de retidão como mencionamos acima.
“Se você mexe com drogas você põe tudo a perder” – aqui o retor tenta
se impor aos jovens transviados, e dita regras de certo ou errado. Assim como nos
outros textos analisados, percebemos a onipotência do retor, que usa a força da
palavra pra se impor.
Mais uma vez, O retor utiliza o Pathos, mais especificamente a paixão
do medo quando diz: “não queremos mexer com drogas pois não somos imortal”,
aqui fica claro o que foi diagnosticado no questionário, o medo da morte se
manifestando no texto do aluno e confirmando o resultado da primeira pesquisa
realizada, o retor deixa transparecer um ethos temeroso pela possibilidade da morte
precoce. Na frase: “somos adolescente estamos longe do final” o conceito de medo
da morte mencionado por Aristóteles (2003), para o orador ser adolescente significa
estar distante da morte, porém fica implícito no texto que o retor considera que a
droga pode antecipar a morte. Temos aí um paradoxo: ao mesmo tempo em que a
morte está distante pelo fato de ser jovem, ela se aproxima se o jovem tiver
envolvimento com drogas.
Para tornar o discurso mais enfático, o retor finaliza dando um
argumento de exemplo de uma pessoa que faleceu devido ao uso de entorpecentes.
No final do texto, o retor se manifesta preocupado com o bem da Polis
quando proclama paz e amor. Quanto ao gênero do discurso, devemos considerar
que o retor tem a intenção de aconselhar seu auditório em relação ao tema, além
disso ele parece se dirigir a uma assembléia dando seu parecer sobre o problema
levantado, portanto classificamos o gênero como deliberativo.
92
Texto 8:
AS TRÊS COISAS FATAIS
A morte é uma
preocupação, um dia
você pode estar rindo,
outro dia, você pode
estar no chão.
O medo todo mundo
tem, criança, jovem
adulto, idoso, tem
gente que não vive sem.
A violência está em
toda parte norte, sul
Leste, oeste e centro oeste.
Notícias de jornal
Arrasa qualquer pessoa
onde o medo da
morte e da violência
é o pior mal.
então pense consciente
para morte, violência e
medo diga não para
não ter preocupação.
O título As três coisas fatais já instalam a instância do texto, que é
composta por três tipos de violência: o medo, a violência e a morte, além de
instância, são também o tema abordado pelo retor. O problema retórico apontado é
que a presença do medo na sociedade gera situações de violência e morte que, de
acordo com o retor, são comuns em toda parte, conforme confirmamos no trecho: “A
violência está em toda parte Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro Oeste”.
Os antecessores à situação retórica são as aulas sobre o medo e as
atividades já citadas em outras análises. Quanto à tese, trata-se de termos
particulares e concretos, dirigidos a um auditório universal.
As limitações impostas ao retor são econômicas, políticas, sociais e
educacionais. O elemento factual é o medo, sendo o componente específico de
interesse o fato de que o medo está em toda parte.
As provas confirmativas e extrínsecas estão no trecho: “Notícias de
jornal arrasa qualquer pessoa” “o medo todo mundo tem” e “a violência está em toda
parte” e como provas refutativas e intrínsecas temos: “a morte é uma preocupação
um dia você pode estar rindo, no outro você pode estar no chão. O gênero do
93
discurso é predominantemente epidictico, pois das cinco estrofes que compõem o
poema, quatro são de censura ao tema, e apenas na última estrofe o retor usa o
gênero deliberativo para aconselhar seu auditório. O orador quer passar a idéia de
que o medo é inerente ao ser humano, como podemos confirmar nos trechos: “medo
todo mundo tem” e “tem gente que não vive sem”.
Na primeira estrofe, ele demonstra por meio de argumentos de
exemplificação que a morte não é um fato distante, pois para ele a violência pode
aproximar a morte, conforme observamos em “um dia você pode estar rindo, outro
dia, você pode estar no chão”.
Na segunda estrofe, o retor faz uma crítica às pessoas que têm medo
exagerado das coisas, quando diz: “tem gente que não vive sem”, marca do gênero
do discurso.
Na terceira estrofe, o retor se baseia em uma noção de senso comum
para dizer que a violência está generalizada: “A violência está em toda parte Norte,
Sul Leste, Oeste e Centro Oeste”.
Na seqüência, ele utiliza o argumento de autoridade, fazendo menção
ao discurso do jornal, “notícias de jornal arrasa qualquer pessoa”, com isso o retor
visa a persuadir o auditório de que o medo e a violência são uma constante na
sociedade atual, e ele usa a voz do jornal para argumentar seu discurso, mostrando
que além dele, outras pessoas também comungam da mesma opinião.
O retor finaliza chamando para a ação: “então pense consciente, para
morte, violência e medo diga não pra não ter preocupação”.
Texto 9:
VIOLÊNCIA E MORTE
É a violência que gera morte
É através dela que sentimos medo
É a violência que nos faz
Morrer mais cedo
A violência é cometida
Do ato ao pensamento
E a morte se aproxima
Bem mais rápido que o próprio tempo.
A violência destrói sonhos,
A morte destrói o amor,
Elas destroem tudo,
94
Deixando apenas a dor.
Pra que cometer atos
Que prejudique alguém,
Pois se respeitarmos,
Seremos respeitados também.
Ao lembrar desta poesia,
Não cometa atos imprudentes,
Pois a morte e a violência
São atos inconseqüentes.
O título Violência e morte já instaura a instância do texto, que é a
violência que, além de instância é também o tema explorado no discurso. O
problema retórico apontado é que a violência é o principal aproximador da morte. Os
antecessores à situação retórica são as aulas sobre o medo e as atividades já
citadas em outras análises. Quanto à tese, trata-se de termos gerais e abstratos,
dirigidos a um auditório universal.
As limitações impostas são as mesmas já estabelecidas nos textos
anteriores, sendo de ordem econômica, política, social e educacional. O elemento
factual é a violência como agente causador da morte, essa idéia é constantemente
levantada pelo retor como podemos observar em: “É a violência que gera a morte” e
em “É a violência que nos faz morrer mais cedo”. O principal interesse do orador é
persuadir o auditório de que a violência é o grande gerador de mortes precoces,
mais uma vez manifesta-se no discurso o medo da morte, e da violência.
As provas confirmativas e intrínsecas estão nos trechos: “A violência
destrói sonhos” “a violência destrói o amor” “elas destroem tudo deixando apenas a
dor”. Novamente o gênero do discurso é predominantemente epidictico, o retor
censura a violência, e refere-se ao tempo presente, características desse gênero,
porém no final seu ethos se modifica e ele aconselha o auditório, nessa estrofe o
discurso se carateriza como deliberativo. O Ethos evidenciado pelo orador é de
proximidade com seu auditório, expondo primeiramente, a situação de violência que
traz como conseqüência a morte precoce. Na segunda estrofe, o retor estabelece
limites ao dizer que a violência ocorre tanto em pensamentos negativos quanto em
atitude inconseqüentes.
Na quarta estrofe, o retor começa a revelar uma nova identidade, de
alguém que questiona, e não que apenas expõe a situação. Ele finaliza o texto
propondo que seu auditório reflita sobre suas ações e não cometa atos de violência.
Outro fator interessante é que o retor constrói uma imagem de coerência e retidão,
95
durante todo o texto ele apenas evidencia e censura o tema, porém, na última
estrofe, ele assume um outro papel, o de conselheiro, e tenta levar o auditório a uma
mudança de postura em relação ao problema retórico. Convém mencionar que o
texto aborda a questão da morte como algo distante, mas que pode ser antecipado
em casos de violência, hipótese que confirma o levantamento feito nos
questionários.
96
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início de nosso trabalho, partimos do princípio de que,
trabalharíamos com textos de alunos e que teríamos como fundamentos teóricos a
retórica ligada à paixão do medo, sentimento inerente ao ser humano e que se
manifesta de diversas maneiras. Falar sobre o medo, às vezes mexe com muitos
sentimentos que ficam guardados dentro de nós, porém, a decisão de trabalhar com
as paixões foi uma decisão muito acertada e que facilitou muito o desenvolvimento
do trabalho com os alunos. Como o medo faz parte da vida, isso fez com que os
alunos se sentissem à vontade, postura que nos abriu as portas, pois tivemos a
chance de explorar o tema. Eles participaram das aulas, envolveram-se, discutiram e
viveram momentos de aprendizado e de troca de vivências. Para nós também foi
uma grande realização, a cada aula descobríamos algo novo e tínhamos novas
idéias para a evolução do trabalho. Esta fase da pesquisa foi muito interessante e foi
o início da parte prática para a realização de todo o trabalho.
O referencial teórico, tendo como base a Retórica Antiga e a Nova
Retórica, possibilitou-nos caminhar em direções muito diferentes do que estamos
acostumados a ver em matéria de trabalhos envolvendo textos de alunos. O olhar da
retórica sobre estes textos abriu-nos um novo caminho. Para o nosso trabalho o
mais importante foram os métodos de persuasão utilizados pelos alunos.
Escolher trabalhar com textos produzidos por alunos de 8ª série do
Ensino Fundamental, e buscar nesse corpus manifestações da paixão do medo era
nossa proposta inicial.
Vimos, porém, no decorrer do trabalho que por meio de nossas
análises, poderíamos, além de encontrar essas manifestações, construir imagens
desse orador.
Trabalhar com textos de alunos de 8ª série, textos crus, sem qualquer
interferência, deixando-os livres para atuar como quisessem se expressar resultou
em um corpus repleto de possibilidades.
97
Em matéria de retórica, poderíamos pensar que um texto de um aluno
desse nível não pudesse conter material para ser analisado, devido à imaturidade
dos sujeitos, o limitado vocabulário, a dificuldade de expor suas idéias. Porém
encontramos na superfície de seus textos e, às vezes, até implícitos, argumentos
variados. Por isso, os textos de nossos alunos são considerados atos retóricos, e
nesse aspecto Halliday (1988) comenta que somos seres retóricos, e para nós a
linguagem é uma ferramenta usada para gerar mudanças de sentimentos, valores e
ações. Quando agimos como seres retóricos, na maioria das vezes, estamos
respondendo a uma determinada situação.
Partindo desse princípio de que somos todos seres retóricos, e que a
todo o momento por meio do discurso, estamos tentando persuadir um determinado
auditório é que buscamos nos textos analisados, como os sujeitos da pesquisa
utilizam a retórica e se manifestam através de seus discursos.
Para que nossa análise fosse completa, era necessário termos uma
noção de como era este retor. E, através de sua realidade, ter ferramentas
necessárias para garimpar em seus textos as manifestações de medo, os recursos
argumentativos, a maneira de se posicionar perante o auditório, e construir seu
Ethos, naquela determinada situação.
Também era importante para nosso trabalho abordarmos o referencial
teórico em relação à retórica. Os estudos da retórica Aristotélica foram essenciais
para nos fundamentar. Conhecer a concepção de retórica, as divergências entre os
estudiosos o declínio da retórica e sua ascensão. Todos estes referenciais teóricos
abordados no trabalho, deram-nos condições de entender a complexidade da
retórica.
No decorrer do trabalho, todos aqueles questionamentos levantados no
início, foram dando lugar a respostas fundamentadas nos estudos retóricos. E o
preconceito de que seria difícil trabalhar a análise retórica em textos de alunos do
ensino fundamental foi superado; pois, apesar de todas as limitações impostas aos
retores, eles conseguem, como dissemos, utilizar recursos persuasivos em seus
discursos.
De modo geral, percebemos em todos os textos analisados a utilização
de argumentos patéticos e éticos. Os retores manifestaram suas convicções, seus
valores e suas crenças, muitas vezes, herdadas da sociedade, que demonstrou seu
caráter e sua identidade. Por meio desses conceitos, temos acesso à constituição do
98
Ethos de nossos retores, e às suas manifestações na superfície do discurso.
Observa-se a construção do ethos coletivo. Na maioria dos textos, os retores se
manifestam usando o mesmo estilo argumentativo, e a maioria dos retores
manifestam o mesmo tipo de medo, o da morte e concorda que se deve combater a
violência. O ethos coletivo também é usado no plano do auditório. O retor pretende
modificar a instância por meio de seu discurso, chamando a atenção do auditório
mediante um ethos coletivo, usando expressões como: “Vamos logo dizer não”, “nós
paramos e pensamos”, “Temos que saber viver”, “devemos ver o lado bom da vida”,
entre outras, que clamam pela resolução do problema instaurado. Outro fator
relevante que pode ser observado nas análises é a questão do poder da palavra.
Aquele que tem a palavra se infla de um poder, que na maioria das vezes não é
verdadeiro. Os alunos, na criação de seus textos, assumem uma autoridade que
ainda não têm. Arvoram-se em conselheiros, psicólogos, sociólogos e conclamam à
luta, como reais combatentes de uma causa.
Maingueneau (2005, p. 16) confirma essa posição do retor quando diz:
“o enunciador deve se conferir, e conferir ao seu destinatário, certo status para
legitimar seu dizer: ele se outorga no discurso uma posição institucional e marca sua
relação com um saber”.
Nos textos que estudamos, esse conceito ficou bastante evidente. Em
todos os textos, uns mais, outros menos, mas em todos, o retor utilizou a palavra
como um argumento da autoridade sobre o auditório, como se o simples fato de
poder fazer uso da palavra lhe conferisse o dom da sabedoria suprema.
Além disso, observamos em vários textos a confusão do retor em
relação ao tema. A todos foi solicitado que escrevessem sobre o medo, porém em
vários textos o retor substitui a palavra medo por outra, que não é sinônima, porém,
o retor a considera como se fosse. É como se as duas palavras se fundissem em
uma só. Na maioria dos textos, a palavra escolhida como equivalente ao medo é a
violência.
O medo da morte, levantado no questionário respondido pelos alunos
no início do trabalho, foi confirmado nos textos.
Aristóteles em sua “Retórica das Paixões” comenta que: “Não se
temem os que estão muitos distantes; assim, todos os homens sabem que vão
morrer, mas, como esse fato não é imediato, não lhes traz nenhuma preocupação”
(ARISTÓTELES, 2003, p. 31).
99
Contrariamente à afirmação do filósofo, em todos os textos existem
manifestações do medo da morte, sempre ligado à situações de violência. Na
maioria dos textos os retores consideram a violência e as drogas como fatores que
os aproximam a morte. Através do corpus do trabalho e considerando o contexto
social do orador, percebemos que essas situações são comuns no seu cotidiano, o
que poderia explicar esse medo. Pois Aristóteles (2003) completa que se, então, o
temor é isso, as coisas que possuem grande capacidade de arruinar, ou de causar
danos e grandes desgostos é que são temíveis. Por isso, até mesmo indícios de tais
coisas são temíveis, porque o que se teme parece estar próximo; é nisso, que reside
o temível, na aproximação do perigo.
Os gêneros escolhidos para a criação dos textos variam entre o
deliberativo, dando conselhos (para evidenciar conhecimento do tema) e o
epidíctico, (na maioria das vezes para censura).
Quanto ao ethos, os retores constroem um ethos sempre inflado, como
donos da verdade, característica típica da adolescência. Os retores manifestam-se
pelo pathos e ethos com intenção de persuadir o auditório a aderir suas premissas.
Através disso, usam também o logos para articular seus textos e materializá-los.
Interessante é que se posicionam, na maioria dos textos, como se estivessem fora
da realidade que estão levantando e demonstram-se amedrontados. Salientamos
que os discursos analisados mostram como os retores enxergaram a paixão do
medo, após um processo de orientação sobre o tema, e que esses resultados são
efeitos imediatos dessa visão manifestados por meio do discurso. Nosso trabalho se
voltou para assuntos contemporâneos em situações concretas. Com isso
acreditamos que pudemos ter acesso a uma parte da identidade desse jovem que,
tantas vezes esconde-se atrás de uma imagem de superioridade, porém, também
vivenciam no plano real, situações passionais intensas e significativas. Percebemos
que, muitas vezes, esse ethos construído nos discursos é também um meio de se
defender das situações de violência e medo à que são freqüentemente expostos.
O discurso, nesse caso, é arma de combate contra um medo real,
efetivo, que não pode ser dizimado no dia-a-dia, mas pode ser o remédio para
alimentar a coragem de superá-lo.
100
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105
ANEXOS
106
ANEXO A – Material utilizado durante as aulas
107
108
109
ANEXO B – Questionários
110
111
112
113
114
115
116
117
118
119
120
121
122
123
124
125
126
ANEXO C – Notícias e jornais locais
127
128
129
130
131
132
133
134
135
136
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
148
ANEXO D – Desenhos e grafites
149
150
151
152
153
154
155
156
157
158
159
160
161
162
163
164
165
166
167
168
ANEXO E – Textos
169
170
171
172
173
174
175
176
177
178
179
180
181
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183
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