Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DE UBERABA
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
CLEIDE APARECIDA MARTINS BARILLARI
A BUSCA DA UNIDADE TEORIA E PRÁTICA:
a formação de professores no contexto do estágio curricular supervisionado
Uberaba - MG
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
CLEIDE APARECIDA MARTINS BARILLARI
A BUSCA DA UNIDADE TEORIA E PRÁTICA:
a formação de professores no contexto do estágio curricular supervisionado
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Educação da Universidade de
Uberaba, como requisito parcial, para a
obtenção do título de Mestre em Educação,
sob a orientação do Prof. Dr. Otaviano Jo
Pereira.
Uberaba - MG
2008
ads:
Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central da UNIUBE
Barillari. Cleide Aparecida Martins
B239b A busca da unidade teoria e prática: a formação de professores no
contexto do estágio curricular supervisionado / Cleide Aparecida Martins
Barillari. - 2008
109 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) -- Universidade de Uberaba. Programa de
Mestrado em Educação, 2008
Orientador: Otaviano José Pereira
1. Professores - Formação. 2.Estágios Supervisionados. 3. Prática de
ensino. I. Universidade de Uberaba. Pro
g
rama de Mestrado em Educa
ç
ão. II.
Obrigada Deus, pelas minhas filhas, pela
minha família e por esta tão sonhada
conquista.
“Necessitamos civilizar nossas teorias, ou seja,
desenvolver nova geração de teorias abertas,
racionais, críticas, reflexivas, autocríticas,
aptas a se auto-reformar.
Necessitamos que se cristalize e se enraíze o
paradigma que permita o conhecimento
complexo”.
(Edgar Morin, 2002)
RESUMO
A busca da unidade na relação teoria e prática tem sido motivo de intensos debates na
academia. Isso nos motivou pesquisar informações sobre o espaço pedagógico ocupado pelo
estágio supervisionado, obrigatório para todos os cursos de formação de professores, por
possibilitar o confronto entre as teorias acadêmicas e as práticas de ensino observadas no
âmbito de uma instituição educacional. A literatura nos possibilitou conhecer importantes
concepções de formação de professores, embora tenha tornado mais evidente que a relação
entre teoria e prática não se apresenta como complementar, demonstrando uma cisão que pode
comprometer a formação docente. Portanto, é válido questionar até que ponto a distância
existente entre a teoria acadêmica e o estágio curricular, como prática de ensino, interfere no
processo de formação docente, trazendo situações de conflito para os sujeitos envolvidos.
Partindo do ponto de vista profissional, nos perguntamos se os sujeitos envolvidos se
“satisfazem” com o que o estágio lhes oferece. Para responder a tais questionamentos, esse
trabalho analisou a cisão na relação entre teoria e prática, tanto do ponto de vista filosófico
quanto pedagógico, expressa por sujeitos egressos do curso de Pedagogia/2006 do Centro de
Ensino Superior de Uberaba (CESUBE), contrastando-a com as teorias sobre formação de
professores, com as concepções dos tipos de profissionais da educação presentes na literatura
atual. O corpus do presente trabalho compõe-se de relatos colhidos em uma palestra,
acompanhada da aplicação de um questionário, tendo como sujeitos os referidos alunos do
curso de Pedagogia, objetivando confrontar a visão desses profissionais ingressantes no
mercado de trabalho com a bibliografia apresentada. Do grupo de 25 pessoas participantes, a
maioria não acredita no estágio como ferramenta importante na sua formação. Acredita mais
na experiência que o cotidiano pode trazer para consolidar essa formação. Também, não
visualizaram, na prática, a unidade entre a teoria e prática no contexto institucional e
educacional, cabendo-nos o trabalho de aglutinar as informações num corpo coeso e racional.
Palavras-chave: formação de professores; relação teoria-prática; estágio supervisionado.
ABSTRACT
The search for the unit in the relation between practice and theory has been the motive of
intense debates in the academy. This search has motivated us to look for information that
taking into consideration the pedagogical space occupied by supervised apprenticeship in
classroom. The supervised stage is obligatory for all courses related to professor’s formation
exactly because it makes possible the confrontation between observed academic theories and
teaching practice in the scope of an educational institution. Theoretical literature enabled us to
learn important conceptions for professor’s formation; although it made more evident that the
relation between practice and theory is not complementary, demonstrating the existence of a
split that may jeopardize teacher’s formation. Facing this fact, it is valid to question how far
can the existing distance between the academic theory and the supervised teaching
apprenticeship, as an educational practice, interferes in the process of teacher’s formation,
raising conflicting situations for the involved subjects. From the professional point of view,
we asked ourselves if the involved subject feels satisfied with the experience that the
supervised teaching apprenticeship offers to them. In an attempt to answer to such
questionings, this work analyzed the split between practice and theory, both in the
pedagogical and philosophical points of view, expressed by subjects egress from the Centro
de Ensino Superior de Uberaba´s (CESUBE) course of Pedagogia/2006, contrasting their
positioning, based on the teacher’s formation theories, with the conceptions of education’s
professionals models present on nowadays literatures. The corpus of this dissertation is
composed by narratives collected during a meeting, followed by the application of a
questionnaire, having as subjects the above referred egresses of CESUBE´s Pedagogia/2006
course, entering in the educational area, objectifying the confrontation of their visions with
the given bibliography. The majority, in a group of 25 people, does not believe that the
supervised teaching was important to their formation. They believe that only the daily
experience and practice can consolidate their formation. Also, they did not visualize, in the
practical teaching provided by the supervised teaching, a unit between practice and theory in
the institutional and educational contexts.
Word-key: formation of professors; theory-practical relation; supervised period of training.
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................................................06
ABSTRACT..............................................................................................................................07
INTRODUÇÃO........................................................................................................................09
CAPÍTULO 1 – CONCEPÇÕES DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA RELAÇÃO
TEORIA E PRÁTICA DE ENSINO........................................................................................23
1.1 – Por dentro da teoria emerge a ação humana como praxis...............................................25
1.2 – A experiência como ponto de partida na formação docente............................................30
1.3 – Ações, práticas e teorias: consciência e racionalização do processo educativo...............38
CAPÍTULO 2 – O PROFESSOR COMO PROTAGONISTA DA SUA PRÓPRIA
FORMAÇÃO: a importância da auto-superação na prática diária da docência.......................48
2.1 – O debate teórico vigente em torno da formação de professores......................................49
2.2 – A escola que precisa encontrar o seu diferencial.............................................................56
2.3 – A formação de professores no Brasil: uma breve reflexão..............................................59
2.4 – Uma breve apreciação do currículo no contexto da formação docente...........................67
CAPÍTULO 3 – OS SABERES E O ESTÁGIO CURRICULAR NO POCESSO DE
FORMAÇÃO DOCENTE........................................................................................................74
3.1 – Os saberes da formação docente se iniciam na formação discente..................................75
3.2 – O estágio curricular supervisionado.................................................................................81
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................97
REFERÊNCIAS......................................................................................................................104
ANEXO...................................................................................................................................107
INTRODUÇÃO
Muitas críticas são direcionadas às pesquisas no âmbito da educação, principalmente
quando se apresentam estruturadas a partir do racionalismo cartesiano e do positivismo de
Augusto Comte. Compreender os fenômenos educacionais não é tarefa fácil, assim como
assinala Martins (2004, p. 85),
[...] quando as ciências humanas se instauraram elas buscaram seu
reconhecimento e sua legitimidade como ciências apoiando-se em
paradigmas então consagrados pelas ciências naturais. Objetividade e
neutralidade são almejadas em direção a um conhecimento positivo da
realidade humana. Buscar nas ciências naturais os meios para garantir a
legitimidade científica fez com que as ciências humanas assumissem os
pressupostos das ciências naturais, incorporando uma perspectiva
epistemológica e, em conseqüência, uma perspectiva metodológica que não
lhe é própria, o que não nos possibilita explicitar os fenômenos humanos em
sua profundidade – em sua complexidade.
Deixar evidente a real complexidade de se pesquisar fenômenos educacionais não é
um exercício de prévia justificativa para as dificuldades enfrentadas nessa trajetória. É, antes
de tudo, a constatação de que os fenômenos educacionais, eminentemente humanos, se
enquadram dentro daqueles que impõem ao pesquisador uma série de vertentes que facilmente
se transformam em armadilhas. A própria história do pensamento ocidental, na sua trajetória,
deixou-se dominar pela idéia de uma realidade imutável, como se esta fosse externa ao sujeito
do conhecimento. Tanto que, após o século XVIII, vê-se firmar duas perspectivas
epistemológicas – o racionalismo e o empirismo – que, apesar das suas diferenças, defendiam
“duas premissas básicas: separação radical entre o sujeito e o objeto do conhecimento; e uma
relação linear isomórfica do conhecimento com a realidade” (GONZÁLEZ REY, 1997). No
século XIX, essas premissas são levadas a cabo pelo positivismo, o qual passa a ser a
referência dominante nas ciências modernas.
Vale a pena citar as características do positivismo, em linhas gerais, pois este requer
a separação total entre o sujeito (pesquisador) e o objeto a ser estudado; a subjetividade e a
afetividade são condenáveis por serem consideradas fontes de erros; o método é
supervalorizado em detrimento da interpretação da teoria; há a visão do método científico
como objetivo e neutro; as variações que acontecem não são no método, mas sim no objeto
estudado, pois o método é apenas um para todas as ciências; o controle sobre a realidade e a
descrição completamente imparcial dos fenômenos se tornam, portanto, objetivos da ciência.
Edgar Morin (2002) defende a idéia de que o conhecimento não acontece somente de
forma “científica”. A percepção permite ao ser humano promover construções e reconstruções
cerebrais nesse processo de busca do conhecimento que pode, sim, incorrer em erros. Mas
acredita que os sentidos e os sentimentos também têm um papel a desempenhar nesse
processo.
De fato, o sentimento, a raiva, o amor e a amizade podem nos cegar. Mas é
preciso dizer que já no mundo mamífero e, sobretudo, no mundo humano, o
desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto
é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa
filosófica ou científica. A afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas
pode também fortalecê-lo. Há estreita relação entre inteligência e
afetividade: a faculdade de raciocinar pode ser diminuída, ou mesmo
destruída, pelo déficit de emoção; o enfraquecimento da capacidade de reagir
emocionalmente pode mesmo estar na raiz de comportamentos irracionais
(MORIN, 2002, p. 20).
Não há dúvidas nessas palavras quanto ao perigo que existe quando se deixa a
emoção ocupar um lugar mais alto do que a razão, pois o próprio Morin (2002) adverte que
aquele que tem a oportunidade de desenvolver o conhecimento científico, tem mais
probabilidades de detectar erros, falhas ou ilusões. Neste caso, apresenta uma visão de que
racionalidade é uma coisa e racionalização, outra. No processo de pesquisa científica, há que
se cercar de cuidados para que não se caia na tentação de promover a racionalização dos fatos
ou fenômenos em detrimento da racionalidade. Essa racionalidade pressupõe a construção de
teorias mais coerentes com a realidade, buscando ressaltar o caráter lógico das mesmas, mas,
ao mesmo tempo, se manter acessível às proposições contrárias, uma vez que esta não se vê
como pronta e acabada, como é o caso de doutrinas que se manifestam na forma de
racionalização. No entanto, quando a racionalidade perde espaço para a racionalização, é
como se a teoria se apresentasse dentro de um sistema lógico perfeito e que não apresentasse
espaço para a argumentação contrária, independentemente de estar fundamentada em bases
parciais ou até mesmo falsas. “A racionalização nutre-se nas mesmas fontes que a
racionalidade, mas constitui uma das fontes mais poderosas de erros e ilusões. Dessa maneira,
uma doutrina que obedece a um modelo mecanicista e determinista para considerar o mundo
não é racional, mas racionalizadora” (MORIN, 2002, p. 23).
A racionalidade está mais aberta ao diálogo com o mundo real, operando um intenso
vai e vem entre a lógica e a visão empírica, possibilitando um debate de idéias e não
propriamente um sistema de idéias, do ponto de vista metodológico. Dentro dessa
racionalidade cabe reconhecer os limites da lógica, do determinismo e do mecaniscismo
(MORIN, 2002).
Na busca de um método que contenha uma maior racionalidade, Martins (2004)
propõe uma perspectiva multirreferencial com o objetivo de abrir espaço para um novo olhar
sobre o humano, principalmente quando se leva em conta a construção de conhecimento sobre
os fenômenos educacionais (humanos). Existem, nas práticas sociais e educacionais,
explicações que aparecem de forma implícita, mas que são perceptíveis nas práticas sociais e,
obviamente, o peso da exigência de uma cientificidade elimina, graças ao positivismo que se
mantém impregnado nos meios acadêmicos.
[...] podemos dizer que essa abordagem é, inicialmente, uma resposta ao
caráter extremamente complexo da prática social e, principalmente, das
práticas educativas. Tal complexidade traz para aqueles que estão envolvidos
com questões educacionais (professores, pedagogos, psicólogos etc) uma
série de dificuldades de leitura e de compreensão sobre as suas próprias
práticas, o que se desdobra em dificuldades de tomar decisões (ARDOINO,
1998c).
A existência de um caráter plural dos fenômenos sociais e, portanto, educacionais,
nos impede de estabelecer um método satisfatório para o bom andamento dos trabalhos de
pesquisa. A tendência, dentro desse processo, é de se promover uma delimitação, muitas
vezes cruel, para se responder a uma determinada questão (hipótese), impedindo, muitas
vezes, o próprio sujeito de explicitar diferentes ângulos de um mesmo objeto. “Então a
multirreferencialidade é antes de tudo o reconhecimento do valor do plural (da pluralidade).
Quer dizer que esse plural vale pelo menos tanto quanto a unidade” (MARTINS, 2004, p. 88).
Não há dúvidas de que os fenômenos educativos apresentam como características a
pluralidade e a heterogeneidade. Ainda assim, apesar de muitas iniciativas e novas
experiências, no Brasil, “ainda aborda o processo educacional como aquele que deve oferecer
um conjunto de experiências que assegure uma espécie de unidade, tendo em vista a
“formação integral do educando” [...]” (MARTINS, 2004, p. 88). Cabe ressaltar que essa
visão também está presente quando se trata da formação de professores no Brasil, um país
que, diga-se de passagem, é caracterizado pela sua grande heterogeneidade e pluralidade; não
nos permite, portanto, imaginar que possa assegurar essa “espécie de unidade” que se busca
na educação nacional. Quando se afirma que o objetivo educacional é “oferecer um conjunto
de experiências” não está sendo levado em conta estas características já descritas.
A educação é entendida, no âmbito da abordagem multirreferencial “como uma
função global, que atravessa o conjunto dos campos das ciências do homem e da sociedade,
interessando tanto ao psicólogo, como ao psicólogo social, ao economista, ao sociólogo, ao
filósofo ou ao historiador etc” (MARTINS, 2004, p. 89). À medida que os fenômenos
educativos são apreendidos enquanto complexidade, torna-se necessário uma abordagem que
atente para essas várias perspectivas, reconhecendo suas recorrências e contradições, de tal
forma que elas não se reduzam umas às outras.
Segundo Martins (2004), Edgar Morin desenvolveu a idéia de complexidade que está
implícita (ou explícita – dependendo da forma que se analisa o contexto) no processo de
reflexão sobre a pluralidade e a heterogeneidade dos fenômenos ligados à educação.
A visão não complexa das ciências humanas, das ciências sociais, implica
pensar que existe uma realidade econômica, por um lado, uma realidade
psicológica, por outro, uma realidade demográfica, mais além etc.
Acreditamos que essas categorias criadas pelas universidades são realidades,
mas esquecemos que, no econômico, por exemplo, estão as necessidades e
os desejos humanos. Por trás do dinheiro, existe todo um mundo de paixões.
[...] A conseqüência da complexidade nos faz compreender que não podemos
escapar jamais à incerteza e que jamais poderemos ter um saber total: “a
totalidade é a não verdade.” (MARTINS, 2004, p. 90-91).
Ao contrário dos métodos cartesiano e positivista, a abordagem multirreferencial
defende a idéia de que o conhecimento se dá na relação intersubjetiva entre sujeito e objeto,
pois, dentro de uma pesquisa, pode existir (e existe) um objeto que é ao mesmo tempo sujeito,
como é o caso da educação, por exemplo. Não se deve esquecer que “a capacidade que o
outro possui sempre de poder desmantelar com suas próprias contra-estratégias aquelas das
quais se sente objeto” (ARDOINO; BARBIER; GUIST-DESPRAIRIES, 1998, p. 68) é uma
realidade que pode confundir o próprio pesquisador e, conseqüentemente, pôr em risco o
trabalho de pesquisa. Isso deixa claro que o pesquisador não tem o controle sobre o objeto de
pesquisa (que se transforma, também, em sujeito da pesquisa), não existindo, portanto, uma
racionalidade determinada.
Pelo exposto, a discussão em torno de métodos acaba sendo pertinente, uma vez que
Marques (2003, p. 76) entende método como sendo “os momentos da explicitação dos
processos de concepção e condução de determinada prática social”. Esse deve se aplicar para
a articulação entre a experiência e o conhecimento teórico, tendo em vista as realizações a que
se propõem os sujeitos, a partir do estabelecimento de seus objetivos.
À medida em que os conhecimentos se desenvolvem, se aprofundam e se
integram em teorias mais complexas, passam eles a exigir, em todos os
estágios, que se combine a cadeia das categorias de análise com a trama das
experiências e da cultura viva dos sujeitos envolvidos. Não pode o
pensamento discursivo das ciências ignorar, nem tentar substituir de todo, o
pensamento vivo, aderente aos modos concretos de percepção da ação em
comum e da intuição coletiva, da razão comunicativa fundamentada na
competência do gênero humano à busca de sua emancipação. (MARQUES,
2003, p. 77).
João Batista Martins (2004) acredita que a perspectiva da multirreferencialidade é
uma possibilidade de superação de uma prática, no âmbito da educação, que tende a legitimar
a razão instrumental através de uma proposta de uma práxis reflexiva que supere a lógica
racionalista e tecnicista. Esse posicionamento nos faz crer que se esta lógica fosse suficiente
para responder às demandas apresentadas pela educação brasileira, estaríamos apenas
recorrendo a manuais e fórmulas prontas, acabadas e autorizadas pelos órgãos competentes,
sem que houvesse necessidade de os meios acadêmicos afirmarem e reafirmarem que a
pesquisa é importante para se buscar novas alternativas para tirar a educação brasileira do
“atraso” em que se encontra, e o processo de formação de professores é um desses aspectos
que tem estado no centro do debate nacional.
O que é melhor ou pior, certo ou errado, são juízos de valor que são formulados por
sujeitos. Segundo Juan Casassus (2002)
1
, quando o assunto é qualidade, e se for no âmbito da
educação,
Sempre existe alguém para formular um juízo de valor. Sempre há alguém
que diga que algo está bom ou ruim. É sempre uma pessoa ou um grupo de
pessoas. Pessoas distintas tendem a formular juízos diferentes, na medida em
que são elas pessoas diferentes. É sempre importante saber quem é o sujeito
que está por detrás da formação do juízo de valor. Sempre existe um sujeito
que exige mais qualidade. A qualidade na educação não existe de maneira
objetiva como existe uma árvore, nem tampouco existe de maneira abstrata.
A qualidade na educação está ligada a um sujeito que a formula. (Tradução
nossa).
No entanto, é essencial que, uma vez estabelecida a busca pela qualidade na
educação, é necessário um exercício de comparação, pois sem um parâmetro, como se pode
determinar se houve ou não avanço da qualidade? Existe uma crescente demanda pela
melhoria da qualidade na educação brasileira e os discursos são de toda ordem. As pesquisas
estão acontecendo nos mais diferentes meios acadêmicos. Ainda, Casassus (2002)
2
explica
que, teoricamente, “se considera que qualidade é o juízo de valor de um determinado usuário
que está satisfeito com o bem ou serviço obtido” (Tradução nossa). Em suma, existe
qualidade na medida em que o serviço prestado, ou bem adquirido, tem a capacidade de
satisfazer as necessidades e as expectativas de quem os procura.
1
Siempre hay um sujeto que formula el juicio de calidade. Siempre hay alguien que dice que esto está bien o
está mal. Es siempre una persona o un grupo de personas. Personas distintas tienden a formular juicios
diferentes en la medida que ellos son personas distintas. Es siempre importante saber quien es el sujeto que está
detrás de la formulación del juicio. Siempre hay un sujeto que sustenta el juicio de calidad. La calidad en
educación no existe de manera objetiva como existe un árbol, como tampoco existe de manera abstracta. La
calidad en educación existe ligada a un sujeto que la formula (CASASSUS, 2002, p. 49).
Na educação não é diferente. Busca-se qualidade para uma melhor formação pessoal,
social e profissional do cidadão. Essa reflexão deve partir, então, da qualidade na formação
docente para que os benefícios sejam extensivos à sociedade. A academia busca pesquisar
novos procedimentos que contribuam para a melhor formação possível do professor. O
professor, por seu turno, tenta atender, na medida das suas possibilidades, a demanda da
comunidade na qual está inserido. Esta apresenta suas peculiaridades e pode ser uma realidade
diferente daquela percebida pelo professor no contexto da sua formação docente.
Neste momento, entra em confronto a relação teoria e prática de ensino. Buscar a
qualidade é obrigação de todo e qualquer profissional, porém, ainda está-se falando de um
contexto caracterizado pela pluralidade e pela heterogeneidade, como já destacado
anteriormente. Dentro dessa linha, atender às demandas da comunidade escolar é dever da
escola e dos profissionais que nela atuam. E quando a teoria não embasa a prática de ensino
mais adequada para a situação? Como fica a relação teoria e prática? E os paradigmas que
precisam ser quebrados? Essa reflexão será ampliada no decorrer deste trabalho.
No debate em torno dos paradigmas que representam o contexto educacional,
Casassus (2002, p. 54) apresenta dois tipos antagônicos: de um lado está o técnico, linear e
racionalista, caracterizado por uma estrutura abstrata, determinada, segura, rígida, homogênea
e unidimensional, dentro de um processo educacional “objetivo”; de outro, está o tipo
holístico, não linear e emotivo, que parte do concreto, do indeterminado, do incerto, do
flexível, do diversificado e multidimensional, num processo educacional “subjetivo”. O
método de pesquisa aqui requer um repensar das condições em que os resultados possam ser
apurados.
O primeiro paradigma citado é, para Juan Casassus (2002, p. 54)
3
aquele que tem
dominado e imperado na educação.
É o paradigma que detém atualmente o poder. Este se traduz pela confiança
nos modelos matemáticos, na confiança na tecnologia, na confiança na
racionalidade. Esta confiança está sendo questionada, pois muitas pessoas
estão perdendo-a. Muitos dos que detêm o poder na gestão têm
compreendido as limitações que se apresentam ao gerir sistemas através de
2
se considera que calidade es el juicio de um usuário respecto de su grado de satisfación
com el bien o el servicio obtenido” (p. 50).
3
Es el paradigma que tiene actualmente el poder. Este se traduce en la confianza en los modelos matemáticos,
en la confianza en la tecnología, en la confianza en la racionalidad. Sin embargo esta confianza está siendo
cuestionada, porque muchas personas han perdido la confianza. Muchos de los que tienen el poder en la gestión
han comprendido las limitaciones que presenta el gestionar sistemas a través de un paradigma exclusivamente
técnico lineal y racionalista. La gestión de una organización se encuentra obstaculizada por innumerables
problemas como son, por ejemplo, los conflitos de interesses, desmotivaciones, rigideces o la incapacidad de
adaptarse a los cambios. (CASASSUS, 2002, p. 54).
um paradigma exclusivamente técnico linear e racional. A gestão de uma
organização encontra inúmeros obstáculos devido aos inúmeros problemas
observados como, por exemplo, os conflitos de interesses, a falta de
motivação, rigidez ou incapacidade de se adaptar às mudanças. (Tradução
nossa).
O autor, numa referência ao segundo paradigma, afirma que este
4
Representa uma coerência que se caracteriza pela compreensão holística dos
fenômenos, pelo reconhecimento do comportamento não linear dos seres
humanos e o que os envolve, e o reconhecimento do fundo emocional da
ação. Por isso, este paradigma emergente se denomina holístico, não linear e
emocional. A dimensão holística vai contra o técnico, o linear contra o não
linear e o racionalista com o emocional (Tradução nossa).
Esta análise paradigmática serve para ilustrar a idéia de que o sujeito deve ocupar o
centro da aprendizagem e participar ativamente da construção do conhecimento. Estes
paradigmas são a representação das diferentes versões do que se espera para o futuro da nossa
sociedade, por isso são muitos e grandes os desafios que a educação tem para enfrentar.
Ainda no debate em torno dos paradigmas, Morin (2002) traz, também, a sua
contribuição por abordar o papel que este desempenha em torno de teorias, doutrinas ou
ideologias. Por isso, “o paradigma instaura relações primordiais que constituem axiomas,
determina conceitos, comanda discursos e/ou teorias” (p. 26). Por estarmos aqui, numa
pesquisa que impõe a necessidade de se abordar a relação teoria e prática, é importante essa
contribuição. Morin (2002) afirma categoricamente que “o grande paradigma do Ocidente”
vem do século XVII, estabelecido por Descartes, e a história contribuiu dando espaço ao
paradigma cartesiano que “separa o sujeito e o objeto, cada qual na esfera própria: a filosofia
e a pesquisa reflexiva, de um lado, a ciência e a pesquisa objetiva, de outro” (p. 26).
Nesse sentido, a dissociação foi ganhando o mundo e se estabelecendo nas mais
diferentes vertentes, tal qual no debate em torno da relação teoria e prática. Assim como ao
longo do tempo determinadas variáveis não poderiam ser avaliadas num só contexto. Os
exemplos são muitos: além da relação teoria e prática, temos sentimento e razão; corpo e
alma; qualidade e quantidade; sujeito e objeto; matéria e espírito; liberdade e determinismo;
existência e essência.
O processo de formação de professores tem estado em discussão por levar em conta
que a sociedade precisa contar com profissionais reflexivos e críticos. Estes, a partir de sua
4
Representa una coherencia que se caracteriza por lá comprensión holística de los fenômenos, por el
reconocimiento del comportamiento no linear de los seres humanos y sus entornos, y del reconocimiento del
fundamento emotivo de la acción. Por esto este paradigma emergente se lo denomina holístico, no linear y
emotivo. La dimensión holística va en contraposición con lo técnico, lo no linear con lo linear y lo racionalista
con lo emotivo (CASASSUS, 2002, p. 54).
atividade profissional crítica, podem repercutir na sociedade influenciando de maneira
positiva na formação de cidadãos também conscientes da sua realidade e que possam
contribuir para uma sociedade melhor exercendo seus papéis com racionalidade e não com
racionalização.
Entendemos que um professor denominado por nós e vários autores aqui
referenciados como “crítico-reflexivo” é aquele capaz de fazer a “leitura”, sempre reparadora,
de sua prática, a partir do cotidiano escolar, desde sua formação inicial. O estágio curricular
supervisionado, antes de ser apenas um conjunto de atividades solicitadas por força da
burocracia acadêmica, torna-se (ou pode se tornar) um momento privilegiado dessa leitura.
Ele permite ao licenciando ir aos fundamentos pedagógicos de uma ação a que é convidado
(às vezes “forçado”) a participar. Quando isso não acontece, isto é, quando há hiatos entre
teoria e prática nesse campo de ação, está na hora de rever o lugar pedagógico do estágio no
contexto de uma formação e no conjunto (não só como “grade curricular”) de um curso,
repensá-lo e recriá-lo. Para Marques (2003, p. 11), “Tanto a Pedagogia, como a qualificação
dos educadores são realidades históricas concretas, que necessitam ser elucidadas em sua
gênese e em seu desenvolvimento, enquanto criadas por homens e mulheres dentre certas
possibilidades e nos conceitos teóricos pelos quais se-lhes amplia e melhor organiza o
entendimento”.
Na medida em que as práticas vão se constituindo e se desenvolvendo, ocorre,
paralelamente, um trabalho de explicar e discutir seus avanços e retrocessos, obstáculos e
dificuldades, fracassos ou êxitos. Nesse caso, a reformulação das práticas passa por uma
revisão de conceitos nos quais se embasam, estimulados pela possibilidade de se articular
novos conceitos a partir de novas teorias que possam explicar as experiências que vão sendo
acumuladas e, muitas vezes, ampliadas no contexto das práticas de ensino. Por isso, esse
processo não pode permanecer fechado em si, pois deve visar uma ampliação dos círculos que
podem ser atendidos por estas “inovações”.
Em tempos de globalização do conhecimento, existe uma ampla bibliografia que
aborda os rumos que a educação tem tomado não só no mundo, mas também no Brasil. As
práticas educacionais e a formação de novos professores é que devem responder
positivamente numa busca de qualidade para a escola brasileira, tanto privada quanto pública
– seja na esfera municipal, estadual ou federal.
Onde está o paradoxo? Existe, hoje em dia, a percepção de que o estágio tem se
prestado ao papel de reprodutor da realidade atual, que é subproduto do passado, ou seja, de
um modelo tradicional exaurido de escola, sob críticas desde os anos oitenta, no mínimo,
orientado por uma classe dominante (CASASSUS, 2002) que, de repente, toma medidas que
possam garantir o status quo. Paralelamente, a melhoria da qualidade da educação nacional
vem passando por uma revisão das práticas de ensino, e o estágio curricular é uma das
importantes ferramentas nesse processo por ser, no nosso entender, o primeiro contato efetivo
entre a teoria e a prática de ensino, um binômio que hoje tem sido alvo de intensos debates.
Por quê? Exatamente pela observação de que a teoria tem estado distante da prática pelo fato
de se considerar que a teoria esteja restrita ao âmbito da academia e esta, por sua vez,
desvinculada das atividades práticas dos professores que atuam no cotidiano escolar. O
binômio teoria e prática, em sua intensa fruição dialética, está na base dessa nossa reflexão
como suporte do pertinente tema do estágio supervisionado na formação inicial. “Uma idéia
ou teoria não deveria ser simplesmente instrumentalizada, nem impor seu veredicto de modo
autoritário; deveria ser relativizada e domesticada. Uma teoria deve ajudar e orientar
estratégias cognitivas que são dirigidas por sujeitos humanos” (MORIN, 2002, p. 29).
Essa abordagem possibilita visualizar um pouco das dificuldades que envolvem o
debate em torno da relação teoria e prática, uma vez que, dentro da educação, este debate
ainda tem espaço para prosseguir. A aparente simplicidade da questão foi ganhando
complexidade na medida em que se avança na busca dos principais referenciais. Estes, ao
mesmo tempo que confirmam a constante busca da unidade entre teoria e prática como uma
relação indissociável, também afirmam existir um certo distanciamento dessa relação na
prática educativa.
O problema vai surgindo, pois, uma vez que o estágio curricular supervisionado é
obrigatório para todos os cursos de formação de professores. Como primeiro contato que os
alunos desses cursos têm com a prática de ensino, nesse momento lhes é possível fazer o
confronto entre as teorias acadêmicas e as práticas de ensino observadas no âmbito de uma
instituição educacional. Nesse sentido, algumas constatações são inevitáveis, como a
existência de uma dicotomia entre teoria acadêmica e prática de ensino que é perceptível. No
entanto, ambos são partes da formação de um todo, ou seja, a formação docente. Também, o
referencial bibliográfico nos possibilitou conhecer importantes concepções de formação de
professores, mas percebe-se que a relação teoria e prática não se apresenta como
complementar, demonstrando uma cisão que pode comprometer essa formação docente. Por
último, observa-se que o estágio curricular supervisionado, não conseguindo fazer a
aproximação entre a teoria e a prática, acaba não sendo utilizado como ferramenta potencial
para a formação de um docente reflexivo e crítico.
A partir dessa constatação, até que ponto a distância existente entre a teoria
acadêmica e o estágio curricular supervisionado como prática de ensino interfere no processo
de formação docente? Se a idéia é demonstrar essa distância, como os sujeitos – discentes – a
expressam? Em que medida as práticas de ensino dos estágios trazem situações conflitivas
para os sujeitos envolvidos? Os sujeitos envolvidos acabam se “acomodando” a uma situação
por falta de alternativas?
Hipoteticamente, podemos supor que: a) a distância na relação entre a
fundamentação teórica e a prática de ensino é, também, percebida pelos discentes e estes, por
sua vez, podem agir de modo a aprofundar essa distância. Não se pode deixar de descartar,
também: b) a possibilidade de os sujeitos envolvidos, dentro das limitações institucionais,
apresentarem uma certa “insatisfação” com o processo e isso se reflete, por exemplo, no
discurso discente mesmo quando questionam o real efeito dos estágios. Essa insatisfação pode
estar pondo em dúvida o perfil do docente idealizado por muitos autores há algum tempo:
Stenhouse (1985), Schön (1983), Alarcão (2001), Giroux (1997), Marcelo Garcia (1992),
Brzezinski (2001), Pimenta (2002), entre outros.
Em tese, a formação de professores requer uma fundamentação teórica que
possibilite ao docente iniciar as suas práticas de ensino com algum embasamento, tendo
consciência de que a pesquisa em torno da sua prática acontecerá no seu dia-a-dia. O processo
de formação continuada deve ser utilizado como uma ferramenta auxiliar na efetivação de
novas práticas de ensino que vão sendo incorporadas no decorrer do enfrentamento de
situações problemas que fazem parte da rotina educacional. Essa realidade possibilita ao
docente a construção de novas práticas que sejam mais compatíveis com o momento histórico
vivido pela educação.
Nessa linha de raciocínio, Tardif (2002) argumenta que,
[...] esse saber é social por ser adquirido no contexto de uma socialização
profissional, onde é incorporado, modificado, adaptado em função dos
momentos e das fases de uma carreira, ao longo de uma história profissional
onde o professor aprende a ensinar fazendo o seu trabalho. Noutras palavras,
o saber dos professores não é um conjunto de conteúdos cognitivos definidos
de uma vez por todas, mas um processo em construção ao longo de uma
carreira profissional na qual o professor aprende progressivamente a dominar
seu ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele e o
interioriza por meio de regras de ação que se tornam parte integrante de sua
“construção prática”. (p. 14).
Se observarmos a proposta que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação traz para a
formação docente, no que diz respeito às práticas de ensino e, mais especificamente o papel
do estágio curricular supervisionado, como prática obrigatória, e os seus objetivos, podemos
perceber uma forte aproximação com os ideais de uma formação ampla do futuro docente,
levando-se em conta todo o contexto social em que está inserido e o próprio contexto da
escola que, também, se quer emancipadora e reflexiva. A lei implica uma prática
contextualizada, em tese, portanto, não apenas uma burocracia acadêmica. Mas o que dizer da
escola que recebe o aluno estagiário? Há escolas e escolas, como sabemos. Uma escola que se
preocupa com esse tipo de postura pode auxiliar no processo de formação de uma docência
reflexiva e crítica, abrindo suas portas para práticas de formação docente que privilegiem o
profissional reflexivo e crítico. Quando, na prática, se tenta reproduzir processos rígidos de
atuação, pode ser um sinal de que tal escola, hipotética apenas, se propõe a ser ainda
reprodutora de uma realidade social que se pretende conservar.
A Lei 9394/96, que dispõe sobre as práticas de ensino, prevê no seu artigo 65 que
essa atividade “deverá envolver ainda diversas dimensões da dinâmica escolar: gestão,
interação de professores, relacionamento escola-comunidade, relações com a família”
(SALAZAR, 1998, p. 36).
Dentro dos objetivos para a formação de professores, deve estar contida a idéia de
uma formação que contemple a fundamentação teórica e a prática de ensino, que transforme o
professor em profissional reflexivo e crítico, capaz de atuar dentro da sua realidade com
consciência e coerência individuais, possibilitando a busca de alternativas para a solução dos
problemas do seu cotidiano, levando-se em conta o contexto socioeconômico em que está
inserido. Os problemas de educação escolar, sabemos, não se circunscrevem apenas no campo
específico da docência. A docência, via de regra, representa um espelho de uma realidade
escolar muito mais complexa. E isso dá a tônica da complexidade da prática de ensino e do
imenso desafio que representa discutir e buscar soluções para a relação teoria e prática.
Uma vez que o estágio é o momento de encontro entre teoria e prática, entre
academia e escola, constatando-se o hiato onde essas relações se distanciam, e tendo a visão
de que há a necessidade dessa reaproximação para promover transformações efetivas na
educação que possam contribuir para um desenvolvimento social mais efetivo, então aparece
aqui uma questão crucial a ser respondida: se ainda existe espaço para o debate em torno
dessa relação entre teoria e prática, isso significa que a questão ainda não está
satisfatoriamente resolvida. Se não está, como os discentes que acabam de deixar a graduação
(Pedagogia) estão vendo essa relação, uma vez que acabam de entrar para o rol dos que estão
aptos a assumir as práticas cotidianas de uma sala de aula? É o que tentaremos saber deles, de
suas falas, depoimentos etc.
Diante do que foi posto, essa pesquisa articula o problema a partir de três momentos:
uma articulação teórica (filosófica e pedagógica) dessa relação, tendo em vista a apropriação
de conhecimento em torno da conceituação que permeia esse debate; em seguida, estabelecer
uma articulação com a lei que a sustenta e ampara e, por fim, uma articulação, também, com
as questões inerentes à própria formação do professor, levando-se em conta o contexto
nacional e a questão curricular.
Nessa articulação observa-se a presença do paradigma da complexidade que aqui já
foi apresentado (por exemplo, em Morin), mas que não será aprofundado por não ocupar a
centralidade da pesquisa. Contudo, aparece aí, em sua multirreferência, uma rápida
abordagem sobre a questão do currículo, nessa terceira articulação. A relação com o currículo,
no contraponto da discussão sobre saberes diferenciados: docentes, discentes, gestores,
comunidade etc., aparece como reflexo do problema e ao mesmo tempo faz a ponte da relação
entre escola (que acolhe o aluno/ex-aluno) e a universidade (“formadora” para atuação nela).
Para tal, buscamos em Adolfo Sanchez Vázques (1977), Jorge Larrosa Bondía
(2002), Anne Marie Chartier (2000) e J. Gimeno Sacristán (1999) o diálogo para o primeiro
capítulo em torno dos conflitos presentes na relação teoria e prática. Essa abordagem aparece
em termos filosóficos e pedagógicos, uma vez que pode nos fornecer uma visão um pouco
mais próxima do debate em torno dessa relação que é apresentada como ponto importante da
formação docente.
No capítulo dois, é possível contar com a contribuição de Jose Domingo Contreras
(2002), Angel Pérez-Gomez (1992), Carlos Marcelo Garcia (1992), Iria Brzezinski, (2001),
Isabel Alarcão (2001), Henry Giroux (1997) e Maurice Tardif (2002) no debate sobre os tipos
característicos de profissionais para a educação, que tem sido uma preocupação presente em
nosso programa. As instituições formadoras de professores devem se preocupar em colocar no
mercado de trabalho profissionais diferenciados, mas que concebam a educação como uma
atividade dinâmica o suficiente para que tanto o docente como a instituição educacional
possam rever os seus próprios procedimentos na sua atuação no cotidiano.
O capítulo terceiro foi elaborado no sentido de trazer o debate para a realidade
brasileira, mostrando uma rápida abordagem do que foi a preocupação com as mudanças no
âmbito da educação nacional e no campo jurídico, a partir da aprovação das Leis de Diretrizes
e Bases para a educação brasileira. Fica evidente a tentativa de buscar novos rumos para
formação de professores visando um salto qualitativo desta, mas que possa, na prática,
contribuir com a sociedade brasileira em seus desafios. Nesse contexto, o diálogo se dá com a
participação de Mário Osório Marques (2003), com a sua crítica em torno do currículo e sua
aplicabilidade, de Selma Garrido Pimenta (2002), com a defesa da idéia de que o profissional
da educação já chega com uma carga de experiência que será incorporada no processo de
formação docente e na atuação do profissional docente, além da análise do papel pedagógico
do estágio curricular como prática de ensino no processo de formação de professores. Esse
capítulo também conta com a importante contribuição de Maurice Tardif (2002), com a idéia
de rotina no processo educacional, sua crítica em torno do currículo e sua aplicabilidade.
No decorrer do desenvolvimento desse trabalho foi possível incorporar a visão de
discentes egressos do curso de Pedagogia, no final de 2006, do Centro de Ensino Superior de
Uberaba – CESUBE. Esta instituição de ensino superior tem como objetivo precípuo a
formação de professores em várias áreas. Foram escolhidos como sujeitos dessa pesquisa os
alunos que concluíram o curso de Pedagogia, em dezembro de 2006, pelo fato de que estes,
uma vez que já não estão mais ligados à instituição, poderiam se sentir mais à vontade para
tratar das questões referentes à sua própria formação e como viram a relação teoria e prática
no contexto dessa formação, levando-se em conta o cumprimento do estágio curricular.
A idéia de incorporar os relatos dos alunos do curso de Pedagogia surgiu de uma
inquietação quanto ao tratamento que estes dispensavam ao estágio curricular de maneira
geral. Numa aula especial proposta como palestra relacionada à formação docente, como parte
das atividades científico-culturais para o referido curso, proferida no dia 14 de dezembro de
2006, foram levantadas algumas questões referentes ao tema estágio curricular e o seu
aproveitamento. Os sujeitos presentes eram alunos que haviam finalizado o curso de
Pedagogia do CESUBE, naquela ocasião. Esse momento, que se deu em sala de aula, os
alunos que participaram do encontro foram previamente convidados e avisados do teor do
encontro. Nessa ocasião, o assunto estágio foi colocado em pauta. No entanto, a primeira
observação foi a de que não havia o interesse da grande maioria em discuti-lo. Muitas
posições foram marcadas por desinteresse pela prática do estágio, vista como uma etapa sem
importância no contexto da formação. Uma das abordagens foi a referência à confecção de
relatórios considerados extensos e “inúteis”, além do fato de que no local do estágio nada se
podia fazer.
Nesse momento, de uma turma de vinte e cinco alunos (formandos), apenas quinze
permaneceram na sala de aula, participando do debate. O assunto não provocou o interesse
destes e, como estava previsto a aplicação de um questionário (ver anexo), tratamos de
executá-lo, com os presentes, mas não em caráter obrigatório, este foi entregue a onze
participantes e somente seis devolveram os mesmos preenchidos. Os demais foram se
retirando, com o compromisso de nos entregar posteriormente, o que não se observou.
A nossa relação com o grupo foi sempre impessoal, haja vista que a escolha da turma
se deu pelo fato de ter sido marcado uma palestra para os que estavam concluindo a
licenciatura. Por participar desse evento, com a turma do curso de Pedagogia, isso nos
motivou mais ainda, pois uma das leituras que estávamos fazendo era a de Mário Osório
Marques (2003), na sua obra Formação do Profissional da Educação, onde este faz suas
análises tendo como referência o curso de Pedagogia.
Ao observar a posição tomada pelo grupo, nos vem a idéia de que não se poderia
esquecer que, na relação entre o mundo da teoria acadêmica e o mundo da prática de ensino,
há o universo do sujeito com sua visão e seu discurso. Este vínculo não pode ser dissociado
para análise por envolver o caráter objetivo da legislação e o caráter subjetivo da prática de
ensino no contexto do estágio curricular obrigatório. Nesse sentido, o levantamento dessas
informações não poderá ser traduzido em números, mas sim em apreciações que se tornaram
importantes dentro do contexto observado pelos discentes, haja vista a pertinência das
intervenções quando relacionadas à bibliografia básica deste trabalho.
Assim, após a coleta dessas informações, foi possível estabelecer uma nova
configuração para essa dissertação. Juntamente com o tratamento bibliográfico de revisão de
literatura com a busca dos autores para o diálogo, foi possível introduzir tais informações.
Além, é claro, de uma etapa de análise documental mais rápida, para buscar o amparo jurídico
(LDB, leis) em seus fundamentos pedagógicos da formação de professores, incorporada a
uma breve discussão sobre currículo e como este veio sendo discutido ao longo dos últimos
tempos.
CAPÍTULO 1 – CONCEPÇÕES DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA RELAÇÃO
TEORIA E PRÁTICA DE ENSINO
A relação teoria e prática sempre teve um grande espaço no debate acadêmico pelo
fato de tratar-se de uma relação muito profunda. Mas por onde passa essa relação? Onde
brotam suas raízes? Por que ainda marcam presença significativa nas academias?
Desde que Hegel anunciou a nova formulação da lógica formal aristotélica em um
novo estágio como lógica dialética e esta como “lógica da realidade” a partir da tríade (tese -
antítese: síntese), e assumindo “o real como racional e o racional como real”, muita água
rolou por baixo da ponte da Filosofia ocidental. A começar pelo impacto imediato de um
pensamento, que abre as portas para uma filosofia crítica de seu próprio caráter idealista,
primeiramente dos hegelianos “de esquerda” e posteriormente marxista.
Quando Aristóteles, na Grécia clássica, fez um “mapeamento” dos conteúdos do
conhecimento humano, então possível, dentro dos parâmetros da Filosofia, apareceu a
necessidade de construir uma “ciência sem um conteúdo específico”, ou seja, uma ciência
cujo conteúdo é sua própria forma – num conjunto de formulações expressas em seus
dezenove silogismos. Em outras palavras, uma ciência da ordenação do pensamento, uma
ciência do logos, ou, uma ciência da lógica, ou, finalmente, uma Lógica. Curiosamente, da
mesma forma que Aristóteles jamais usou a palavra Metafísica
5
, mesmo tendo sido também
seu formulador, Aristóteles jamais usou a palavra Lógica. Lá estava a condição de
possibilidade primeira da compreensão da teoria, ao mesmo tempo que a semente de onde
brotaria e continua florescendo reflexões sobre a mesma. A lógica dialética é uma nova
formulação de pensamento que assume a própria lógica formal num estágio superior,
superando-a sem, contudo, descartá-la.
Nessas raízes aristotélicas está posta, desde então, a possibilidade de formular teorias
(aliás, uma ação eminentemente “contemplativa” para o paradigma da época), o que nos dá a
tônica de que tratar de teoria não é algo novo; data de mais ou menos vinte e cinco séculos de
formulação, simples reprodução ou revisão crítica.
5
A ciência sobre o ser e sua “natureza” e suas possibilidades de apreensão e compreensão.
Assim, a lógica (formal), que tem raízes, tem história. Assumida em novo estágio por
uma nova formulação “epistêmica” no paradigma hegeliano-marxista converte-se, ela mesma,
na lógica da história, no sentido de uma história humana que pensa a si mesma e se
transforma pelo pensamento de seus sujeitos. Vale dizer, o próprio ato de pensar mesmo se
converte em uma forma de ação e não apenas uma teorein, no sentido grego de
“contemplação”. Marx já havia acusado os filósofos burgueses de “contemplar o mundo sem
transformá-lo”, em sua 11ª tese contra Feuerbach, numa daquelas frases de impacto tão
divulgadas nos meios acadêmicos. A também conhecida frase retirada de um discurso de
Lênin é emblemática nesse sentido: “Só uma teoria revolucionária cria uma ação
revolucionária” (PEREIRA, 1984, p. 82).
Henry Lefèbvre, na obra de confronto que se fez necessário entre as duas lógicas (a
formal/aristotélica e a dialética/hegeliana, também chamada de “concreta” pelos marxistas)
nos aponta que “A lógica se funda sobre a história, na medida mesmo em que a história
aparece como inteligível. Se a história geral fosse apenas um caso de anedotas e de violências;
se a história do conhecimento não passasse de uma seqüência caótica de tentativas e de
doutrinas, seria inútil buscar um lógica concreta […]”. (1979, p. 88). Por isso, acrescenta,
ainda dentro de uma visão histórica,
Mas se a história implica uma estrutura; se, na sociedade como no
pensamento, as interações de elementos opostos constituem a estrutura
dialética da história; se o desenvolvimento do homem, de seu poder sobre a
natureza e de sua consciência de si, fornece-nos o movimento do conjunto e
o sentido concreto dessa história, então e simultaneamente a razão torna-se
história e a história torna-se racional. […] A lógica concreta, portanto,
encontra-se ligada a uma concepção científica (racional) da história. A razão,
a lógica, a história, tornam-se simultaneamente concretos e verdadeiros, ao
se tornarem dialéticas. (1979, p. 88-89).
É nesse viés de uma compreensão hegeliano-marxista, no rastro de uma filosofia da
praxis cujo edifício teórico tem seus fundamentos numa lógica dialética e/ou concreta, que
propomos alguns passos da intrincada e não menos complexa relação teoria e prática. Nossa
intenção básica nesse trabalho é visar a uma melhor leitura do trabalho docente e, antes, a
própria formação docente e a sua relação nesse contexto. Nós o faremos mesmo diante do
anunciado esgotamento desse parâmetro de análise em parte e fundamentalmente da
anunciada “crise” de uma era, a do sujeito moderno.
1.1 Por dentro da teoria emerge a ação humana como praxis.
Se, na velha formulação hegeliana, “o real é racional e o racional real”, só temos um
caminho a partir do qual podemos superar o caráter “contemplativo” de uma teoria que não se
contenta em um simples ajuntamento de conceitos dicotômicos. A própria tríade tese mais
antítese que se resulta em síntese, na formulação da lógica dialética ou concreta nos permite
avançar em pari passu nessa relação apenas aparentemente dicotômica. Para tanto, e para
entender a natureza da teoria visando a avançar numa compreensão da praxis, precisamos pôr
em discussão o lugar que a prática ocupa como questão não só eminentemente lógico-formal
em sua formulação como arranjo racional, mas como tradução de uma lógica do real em que o
sujeito pensa a história no marco de sua própria intervenção. Em outras palavras, pensar como
a prática entra na composição da própria elaboração da teoria pelo sujeito, exige de nós
algumas considerações. Vejamos.
O ato de formular teoria é um empreendimento eminentemente humano, mesmo que
hoje cada vez mais se afirma que a natureza “pensa” sua expansão e renovação contínuas
(inscrito em código genético) desde a primeira explosão do universo. Tal ato humano implica
mesmo um privilégio, não no sentido aburguesado de privilégio de classe, de quem pode
“parar” para contemplar o mundo à sua volta sem nele intervir ou ter de “sujar as mãos”.
Não compreendida no sentido usual de um lugar-comum, que a vê como
“contemplação passiva”, o ato de elaborar teoria pode ser visto, por um lado, no campo de
uma epistemologia da ciência moderna como uma ação especulativa que alimenta um
movimento lógico-dedutivo do pensamento e resulta na formulação de equações matemáticas,
axiomas, enunciados e formulações de leis que tendem a dar universalidade a esse sistema de
conhecimento em direção ao domínio da natureza.
Por outro lado, na concepção dialética, que nos interessa mais de perto, a formulação
da tríade hegeliana, anteriormente citada, refere-se a uma compreensão “por dentro” da
realidade, revolvendo-a como um movimento próprio do sujeito presente no mundo, só
possível a partir de uma relação umbilical com a prática e esta com a teoria que a lê; é como
se uma saísse da outra, afirmasse ou negasse a outra, cuja compreensão exige de nós algumas
observações, como veremos.
A primeira observação é que o único fundamento da teoria é a prática, mas essa
primeira observação, aparentemente óbvia, apresenta enormes conseqüências.
Se ninguém, em tese, teoriza “no vazio”, no sentido de pura “contemplação”, não se
trata também da redução da teoria a uma prática imediatista ou a um pragmatismo, que já
implica uma recusa da teoria, no sentido aqui proposto. Pensando do ponto de vista dos
fundamentos daí implícitos, o pano de fundo que a organiza é a própria existência humana
real, que, por sua vez, nunca está pronta, acabada, mas apontada para uma abertura
antropológica do existente para o mundo e esta desdobrando-se numa abertura para si mesmo,
o outro e o Absoluto – neste último caso, mesmo quando o nega.
Nesse sentido, se a existência humana está em permanente construção e o homem
como “existente” – na modernidade o reivindicamos como “sujeito” – como aquele que
teoriza, e tem, diante da prática, seu fundamento, mantém sobre a prática, por princípio, uma
heteronomia.
A segunda observação, do lado inverso, é que a prática, por si só, como prática em si,
prática pela prática – como a prática alienada ou a ação animal – não precisa a priori da
teoria. Ela “não pede” para ser pensada como prática só por ser prática. Isso vale a afirmar
que a prática mantém, sobre a teoria, de saída, uma autonomia. Entretanto, não se trata de uma
autonomia absoluta, por se referir à prática como ação do existente (ou do sujeito). Assim, se
a prática não precisa ser pensada pela teoria, é o existente que quer (ou necessita) pensá-la,
como necessidade intrínseca à sua natureza de ser pensante/agente.
Daí resulta algo curioso: se a teoria mantém diante da prática uma dependência
(heteronomia), só ela pode “jogar luz” sobre a prática, o que torna essa autonomia relativa (da
prática). Isso acontece por se tratar de um empenho eminentemente humano, isto é, do
existente que pode, somente ele, articular o sentido (antropológico) de sua ação.
É nessa relação antinômica, autonomia (relativa) de um lado e heteronomia, de outro,
que se pode falar em práxis, não por conta de um efeito causal e automático e meramente
exterior desse confronto, mas de uma reciprocidade necessária, vazada por uma articulação do
sentido – no limite a função crítico-interpretativa da razão – que só a presença, digamos,
“vigilante” do existente permite. Só assim a prática pode se tornar objetivada pela teoria.
A prática como objetivo da teoria exige um correlacionamento constante
com ela, ou uma consciência da necessidade da prática que deve ser
satisfeita com a ajuda da teoria. Por outro lado, a transformação desta em
instrumento teórico da práxis exige uma alta consciência dos laços que unem
mutuamente a teoria e a prática, sem o que não se poderia entender o
significado prático da primeira. (VÁZQUES, 1977, p. 232-233).
Uma terceira observação é que essa relação é histórica, do ponto de vista finalístico,
em termos de recorte do tempo e histórico-social, do ponto de vista do contexto cultural, com
toda sua “lógica” (ou paradigma próprio) de compreensão. O teórico mexicano Adolfo
Vázques nos auxilia novamente:
O fato de que a prática determine a teoria não apenas como sua fonte -
prática que amplia com suas exigências o horizonte de problemas e soluções
da teoria -, como também como finalidade - como antecipação ideal de uma
prática que ainda não existe -, demonstra, por sua vez, que as relações entre
teoria e prática não podem ser encaradas de maneira simplista ou mecânica,
isto é, como se toda teoria se bastasse de modo direto e imediato na prática.
É evidente que há teorias específicas que não se apresentam em tal relação
com a atividade prática. Mas não nos esqueçamos de que estamos falando
nesse momento das relações entre teoria e práxis no transcurso de um
processo histórico-social que tem seu lado teórico e seu lado prático. Na
verdade a história da teoria (do saber humano em seu conjunto) e da práxis
(das atividades práticas do homem) são abstrações de uma só e verdadeira
história: a história humana (1977, p. 233).
Insistindo um pouco mais no recorte do tempo histórico, ou mais utópico, cumpre
esclarecer um aspecto fundamental. Se nós somos o que fazemos, inclusive no ato de elaborar
teorias, toda vez que o fazemos nós projetamos idealmente a própria prática como prática
“melhorada” pela teoria. É por isso que a teoria, como ação do existente circunscrito no tempo
é, simultaneamente, produção e projeção (portanto, “melhoramento”) de si mesmo.
Vamos a um exemplo. Quando um marceneiro faz (como prática produtiva) uma
cadeira, ele também se faz como marceneiro. Todavia, à frente desse marceneiro está sempre
posta a possibilidade de “uma cadeira melhor que a outra” em direção (num movimento
eminentemente antropológico de produção de experiência, memória, etc.) a uma “cadeira
ideal
6
” sempre. Ora, se ele também se faz como marceneiro, está posta também a
possibilidade do “marceneiro ideal”. Talvez isso deva valer também para o “professor ideal”.
A atividade prática que hoje é fonte da teoria exige, a seu turno, uma prática
que ainda não existe e, desse modo, a teoria (projeto de uma prática
inexistente) determina a prática real e efetiva. (VÁZQUES, 1977, p. 233).
Um outro elemento, ainda nucleado nessa terceira observação, diz respeito à
compreensão dessa relação teoria e prática (tese e antítese) e da práxis (síntese) como parte de
uma totalidade, que diz respeito à história não só na circunscrição no tempo, mas no contexto.
Vejamos: se a práxis é, representa ou significa a prática profunda, a prática humana
por excelência, ou seja, a prática plena de sentido, toda e qualquer compreensão puramente
mecânica ou mesmo desarticulada entre esses dois pólos antinômicos perde o sentido,
principalmente se compreendermos essa relação como complementar em termos apenas
quantitativos. Não se trata, portanto, de “quanto mais teoria melhor prática”. A práxis se torna
o corolário dessa relação desde que entendida e realizada como uma totalidade relacional e é
aí que o “todo” deve ser compreendido como totalidade aberta, porque emerge de uma
abertura ao mundo, como natureza, sociedade e cultura. Hoje se fala muito, e com
propriedade, em holística, mas uma filosofia da práxis entende e assume o holos não como um
conjunto de partes - algo típico da mentalidade cartesiana moderna – ou como antecipação
abstrata, puramente formal, em que nossa teoria vai “encher de conteúdo a realidade”, mesmo
quando inspirada no real. Trata-se de um “todo” que não é “tudo” (mensurável), quando se
trata de compreendê-lo a partir da presença do existente no mundo sócio-histórico, em seu
trabalho de (boa ou má) “reprodução espiritual da realidade”. O pensador tcheco Karel Kosik
em seu extraordinário ensaio Dialética do Concreto nos auxilia:
O ponto de vista da totalidade concreta nada tem de comum com a totalidade
holística, organicista ou neo-romântica, que hipostasia o todo antes das
partes e efetua a mitologização do todo. A dialética não pode entender a
totalidade como um todo já feito e formalizado, que determina as partes,
porquanto à própria determinação da totalidade pertencem a gênese e o
desenvolvimento da totalidade, o que, de um ponto de vista metodológico,
comporta a indagação de como nasce a totalidade e quais são as fontes
internas de seu desenvolvimento e movimento. A totalidade não é um todo já
pronto que se recheia com um conteúdo, com as qualidades das partes ou
com as suas relações; a própria totalidade é que se concretiza e esta
concretização não é apenas criação do conteúdo, mas também criação do
todo. (1976, p. 49-50).
Quando falamos em totalidade concreta supomos que, nela, um movimento humano
natural de abstração permite que o concreto apareça como uma representação dos múltiplos
valores que decorrem da vivência em sociedade, incorporados através das mais variadas
instituições, onde o conhecimento é passível de ser apreendido a partir do real.
Quando utilizamos aqui a expressão “banho de luz” da teoria (fundamentada) na
prática, isto só se torna possível quando este “mergulho” se trata, simultaneamente, de um
“afastamento” de sua imediaticidade para que a totalidade seja apreendida, inclusive em sua
complexidade, ainda que, também, em suas contradições, uma vez que esta não se trata de um
cenário de uma peça de teatro, ou uma espécie de “pano de fundo perfeito”, isto é, em seu
sentido latino de per factum (totalmente acabado). Nesse painel não fixo, mas complexo e
dinâmico de uma totalidade aberta, que a prática cumpre ser melhor compreendida e avaliada.
Essa totalidade aberta na qual o existente investe, objetivamente, em estratégias de
construção de sua própria existência individual (subjetiva) e coletiva (intersubjetiva) - por
mais que se arvore hoje a “crise” do sujeito - só se torna existência real se circunscrita nessa
totalidade concreta como circuito social e no plano de uma “lógica” da cultura. E aqui não
6
O termo ideal não aparece aqui no sentido de idealismo, mas sim no sentido de projeção, ou seja, naquilo que
se busca sempre, sem a determinação de alcançar, mas buscando sempre algo a mais, que é a condição
antropológica da existência humana.
falamos em cultura no sentido acadêmico apenas, mas como concretização simbólica, ou
como “prática simbolizadora” ou ainda, numa “leitura do mundo” (SEVERINO, 1992, p.26).
Trata-se de uma lógica de cultura que, contudo, necessita, da parte do existente, uma
crítica constante, como exercício próprio de sua subjetividade – e, portanto, de sua razão
como perseguidora do sentido – para que seu paradigma sociocultural não se torne engessado
para todo e sempre, como forma de matar a própria subjetividade do existente - como querem
as ideologias, os dogmas, os fanatismos de toda espécie, por exemplo. A crítica da cultura,
portanto, emergida no contexto, é que dá condição de possibilidade ao existente, pela
elaboração da teoria, de afirmar ou negar, de rever, reformular a prática do ponto de vista de
seu valor. “Ao fazer de sua ação uma ação de cultura o homem abre um duplo movimento de
assumir e negar. Assume sua prática (realizando-a) ao mesmo tempo em que a nega como
prática pura ou como ação mecânica ou instintiva” (PEREIRA, 1984, p. 78).
O esforço de entendimento dessa tarefa passa por uma compreensão formal, mas não
se restringe a uma visão linear do “antes” e do “depois”, por conta do que “não serve mais”,
simplesmente. O que há de emergente num paradigma como forma de acumulação e como
“salto de qualidade” dialético, acrescenta, enriquece, mesmo quando substitui dados antigos
por dados novos, na reformulação das práticas. Trata-se de “um processo em que o modo é
fator mais decisivo que o tempo, entendido simplesmente como antes e como depois”
(PEREIRA, 1984, p. 79). Modo contrário seria a substituição do próprio homem, construtor
de si e de seus paradigmas, como ser de raízes. Vale dizer que, olhando para um passado
recente, nos termos aqui postos, o homem “moderno”, que hoje discute a modernidade, seus
efeitos, seu destino, ou mesmo clama pela sua superação, de certa forma não foi substituído
por outro, de natureza diversa, ainda que desdobrando e reinventando sua subjetividade. Em
contrapartida, olhando para o futuro, toda construção utópica, por exemplo, um “manifesto
comunista”, que propôs uma sociedade sem divisão de classes, no fundo é a realização bíblica
da “saudade do paraíso” como proposto no mito de Adão. O que acabamos de dizer tem
profunda relação com o ato pedagógico, se é que a educação é uma prática social, ou sócio-
histórica, inscrita num paradigma. Afinal, a história humana é isso mesmo: salto de qualidade
não significa mudanças da noite para o dia, o que correriam o risco de ser apenas etapistas,
quantitativas, externas. Mas, longe de pensar em adaptações apressadas da educação escolar,
esta tem revelado problemas de engessamento, isto é, quando insiste em não ver como
ultrapassado aquilo que já está historicamente dado, como algo cancelado.
Finalmente, para concluir essa correlação, devemos recorrer a um trabalho de síntese
de Adolfo Vázques, como ilustração enriquecedora para essa parte.
[...] ao falar-se da prática como fundamento e finalidade da teoria, deve-se
entender:
a) que não se trata de uma relação direta e imediata, já que uma teoria pode
surgir - e isso é bastante freqüente na história da ciência – para satisfazer
direta e imediatamente exigências teóricas, isto é, para resolver dificuldades
ou contradições de outra teoria;
b) que, portanto, só em última instância e como parte de um processo
histórico-social – não através de segmentos isolados e rigidamente paralelos
a outros segmentos da prática -, a teoria corresponde a necessidades práticas
e tem sua fonte na prática.
A dependência da teoria em relação à prática, e a existência desta como
últimos fundamentos e finalidade da teoria, evidenciam que a prática –
concebida como uma práxis humana total – tem primazia sobre a teoria; mas
esse seu primado, longe de implicar numa contraposição absoluta à teoria,
pressupõe uma íntima vinculação com ela. (1977, p. 233-234).
Dentro da academia, observa-se o constante debate dentro dessa relação teoria e
prática. No entanto, no processo de formação de professores esse debate fica mais evidente
uma vez que essa relação estará diretamente ligada às atividades socioeducativas que deverão
possibilitar à sociedade um processo de transformação a que esta se propõe. Por isso, as
palavras de Marques (2003) nos obrigam a mais uma importante reflexão, após tantas já
explicitadas.
Teoria e prática se acham intimamente relacionadas e auto-exigentes numa
práxis social/histórica, como tal provocada sempre de novo por horizontes
teóricos que a fazem práxis reflexiva. E a reflexão, por sua vez, não pode
desvincular-se das condições que a possibilitam; de maneira muito própria,
não pode desvincular-se de seus esteios empíricos, que são os seus sujeitos
reais (MARQUES, 2003, p. 10-11).
Se estamos fazendo referência a sujeitos reais, estamos, então, num momento de
pensar e repensar as experiências do cotidiano que irão subsidiar o debate em torno dessa
relação teoria-prática. Por isso, devemos partir para o que há de mais elementar na existência
humana: a experiência.
1.2 A experiência como ponto de partida na formação docente
O processo de formação de professores tem recebido especial atenção nos últimos
tempos graças ao debate em torno da necessidade de se melhorar a qualidade da educação
brasileira. As políticas voltadas para a educação têm sido, de certo modo, eficientes no que
diz respeito à diminuição do número de crianças e jovens que permanecem excluídos do
processo educacional. Segundo estimativas do próprio Ministério da Educação (BRASIL,
2006), cerca de 97% das crianças e jovens estão matriculados no ensino regular. Por isso,
argumenta-se que, em termos quantitativos, a educação brasileira deu um salto significativo.
No entanto, a questão da qualidade do ensino no país tem sido questionada, haja vista os
resultados obtidos pelos estudantes brasileiros quando confrontados com os de outros países,
inclusive aqueles que apresentam situação econômica desvantajosa quando comparada com a
brasileira.
Um dos argumentos para explicar essa realidade tem se centrado na qualificação dos
professores. O discurso geral é de que os professores brasileiros não receberam, ou não
recebem, uma formação adequada para alterar a realidade educacional em termos de
qualidade. O discurso oficial é o de que o setor público tem adotado políticas eficientes no
sentido de levar o maior número possível de crianças para a escola. No entanto, a qualidade
de formação dos professores é questionável e, por isso, um dos principais fatores que se
colocam como obstáculo à melhoria da qualidade dos resultados na educação. Evidentemente,
há de se buscar pesquisar mais sobre essa formação docente, dentro de um contexto teórico
que tenta explicar alguns parâmetros importantes na formação de professores.
Não há dúvidas de que as práticas educativas são concebidas dentro de uma
perspectiva política, tanto que o debate em torno das teorias propostas, tendo em vista os fins
a que se deseja alcançar, recebem críticas de setores ligados à educação, seja em termos
técnicos ou políticos. Mas, as críticas dos agentes envolvidos com a prática docente não são
disponibilizadas nos meios acadêmicos e muito menos dentro dos meios de comunicação
especializados. Dentro do ponto de vista das discussões em torno da educação, o debate
teórico efetivado no âmbito acadêmico tem contado com um espaço maior do que os agentes
ligados às práticas educacionais no cotidiano escolar, ou seja, os professores.
Larrosa Bondía (2002) aborda a importância que a experiência tem no contexto
educacional, por acreditar que a qualidade da educação deve levar em conta a experiência
como o ponto de partida para dar significação ao conhecimento. Nas suas próprias palavras:
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o
que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas
coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo
o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. Walter
Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que
caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a
experiência é cada vez mais rara. (p. 21).
Uma vez que as ações permitem aos sujeitos compartilhar conhecimentos e
situações, pode-se observar que os lados envolvidos no processo educacional conseguem
adquirir experiências que são possíveis através de ações individuais que possibilitam uma
prática coletiva que leva um grupo a criar a sua própria cultura. Essa cultura, sendo
transmitida através da narrativa proposta por Benjamin (1985) é o que garante a conservação
de determinadas características próprias dos mais variados grupos existentes. Nessa noção de
narrativa, não basta repassar informações, mas vivenciar aquilo que o narrador transmite
como experiência e fazer com que os que o ouvem sintam como parte da sua própria
experiência.
Avançando nessa abordagem, Larrosa Bondía (2002) assinala a importância de
separar o sentido de experiência proposto por Benjamin do excesso de informações que o
sujeito moderno tem que enfrentar no seu cotidiano. Quando o sujeito passa a opinar sobre os
mais variados assuntos, deixa de lado possibilidades de viver experiências para satisfazer uma
imposição da modernidade que é se mostrar bem informado. A experiência tem que fazer
sentido para os sujeitos envolvidos, já a informação e a opinião advinda desta, servem apenas
para uma satisfação momentânea, muitas vezes meramente profissional. Por isso, afirma,
ainda, que
A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a
experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma
antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar
informados, e toda a retórica destinada a constituir-nos como sujeitos
informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar
nossas possibilidades de experiência. O sujeito da informação sabe muitas
coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa é não
ter bastante informação; cada vez mais sabe mais, cada vez está melhor
informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas
saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”), o
que consegue é que nada lhe aconteça. (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 21).
Para esse autor, é importante salientar que se usa muito o termo “sociedade da
informação” muitas vezes confundida com “sociedade do conhecimento”, numa forma
generalizada de ver a informação como conhecimento e, mais ainda, como se a aprendizagem
fosse um processo de aquisição de informação. Essa abordagem é muito simplista e coloca o
processo de aprendizagem como parte da “sociedade da informação” e, por isso, uma vez que
a informação já está “velha” – no sentido de que novas informações chegam aos indivíduos a
todo instante – pode ser descartada. A aprendizagem, dentro da concepção moderna de
construção de conhecimento, deve ser significativa, portanto, impensável como “coisa” a ser
descartada.
Por isso é importante destacar, também, a visão de Walter Benjamin (1985), quando
este analisa o periodismo da informação como uma forma moderna de “destruir”, ou não dar a
devida importância à experiência dentro do contexto do processo de aprendizagem. “O
periodismo destrói a experiência, sobre isso não há dúvida, e o periodismo não é outra coisa
que a aliança perversa entre a informação e opinião” (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 22). O
sujeito, nesse contexto se forma dentro da consolidação de um processo de informação e
opinião, onde este se exime de construir a sua visão dos fatos, apenas “escolhe” a versão que
possa satisfazer os seus anseios subjetivos, isto é, o processo de manipulação do sujeito.
Nesse contexto, podemos buscar em Marques (2003) uma preocupação com o
verdadeiro papel da educação para se evitar esse processo de manipulação abordado
anteriormente. Para esse autor,
Entendida como interlocução, a educação se cumpre num diálogo de saberes,
não em simples troca de informações [ou opiniões]
7
, nem em mero
assentimento acrítico a proposições alheias, mas na busca do entendimento
compartilhado entre todos os que participem de mesma comunidade de
aspirações, uma comunidade discursiva de argumentação. Interlocução que
se faça de saberes não apenas prévios, os saberes de cada um, sobretudo na
participação de cada um e de todos em reconstrução de que resultem novos
saberes, os saberes de cada específica comunidade em cada diversa situação.
Interlocução que não é simples amálgama de saberes prévios, o trespasse de
uns nos outros; mas é aprender contra o previamente aprendido, negação do
que já se sabe na constituição de novo saber, de saberes outros (MARQUES,
2003, p. 73).
Outro ponto que se faz necessário destacar é a efemeridade da informação no mundo
onde o usual é a justificativa em torno da “falta de tempo”. Tudo tem acontecido numa
velocidade alucinante que não permite ao sujeito vivenciar a experiência, fazendo com que
esta não tenha sentido para si, transformando-a, portanto, em mera informação. Nesse
contexto, surge também a abordagem em torno do trabalho como obstáculo à vivência de
experiências. Existem metas profissionais a serem cumpridas e a qualidade desse
cumprimento está submetida ao tempo que o trabalhador tem para cumprir com o que foi
previamente determinado em termos de objetivos institucionais. Pode-se exemplificar essa
situação através do velho discurso dentro das instituições educacionais quanto ao
cumprimento, muitas vezes obrigatório, de um “programa de ensino”. Uma vez estabelecida
essa obrigatoriedade, os sujeitos envolvidos deixam de lado a possibilidade de vivenciar
experiências para transformar esse momento em processo de transmissão de informações que,
não por acaso, acabam sendo devolvidos, no processo de exame, em determinado período de
tempo. Hoje em dia, é comum os alunos perguntarem aos professores se podem “se desfazer
das folhas do fichário”, como se aquelas informações não fossem mais necessárias e é preciso
abrir espaço para as novas informações que virão.
Numa posição crítica em relação a essa realidade, Larrosa Bondía (2002, p. 24),
observa que
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer
um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que
correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar
mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir,
sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o
juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção
e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece,
aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito,
ter paciência e dar-se tempo e espaço.
Hoje em dia, vive-se a era da ciência e tecnologia e o conhecimento está voltado para
as coisas objetivas e universalmente aceitas e, por isso, carrega um considerável grau de
impessoalidade. O desenvolvimento capitalista contemporâneo tem colocado o conhecimento
no âmbito de mais uma mercadoria a ser comercializada, numa sociedade que apresenta como
objetivo a satisfação de suas necessidades de forma individualizada, deixando de lado o
capital humano que poderia estar sendo acumulado no decorrer do processo envolvendo a
educação. Portanto, a experiência traz consigo o saber da experiência como possibilidade de
experimentar situações inusitadas, mas que sejam significativas para os sujeitos, visto que
cada um tem a sua forma particular de apreender as experiências e, por isso, estas não se
repetem e se encontram no indivíduo, não permitindo a ninguém apreender a experiência do
outro, cada qual tem a sua. Isso não impede que as experiências sejam compartilhadas na vida
em sociedade e, especialmente, no âmbito da educação. As práticas de ensino podem ser
significativas, uma vez que as experiências sejam compartilhadas, dentro de um processo que
possibilite dar sentido para os sujeitos envolvidos, ampliando os ganhos para a esfera coletiva.
Nessa perspectiva da experiência sendo analisada no contexto da educação, Chartier
(2000), por exemplo, apresenta a sua concepção de experiência no âmbito dos fazeres de uma
sala de aula. Dessa forma, relaciona a teoria com a prática como sendo uma reaproximação
entre os saberes produzidos no âmbito da teoria, com a sua utilização na prática docente
cotidiana, chamada pela autora de fazeres ordinários. Essa prática reconhece a experiência
como um importante fator envolvendo as práticas de ensino.
Ora os fazeres ordinários são variáveis ignoradas ou não controladas na
maior parte das situações de pesquisa. São, por outro lado, elementos
essenciais à transmissão do saber-fazer profissional, apesar de colocados no
lugar de uma formação institucionalizada e escolarizada que produz sempre
sua desqualificação ou sua negligência. (CHARTIER, 2000, p. 2).
7
Grifo nosso.
Há uma evidente preocupação dessa autora em analisar a pesquisa acadêmica e a
formação docente como um processo complementar. As pesquisas no meio acadêmico
deveriam servir como fonte de conhecimento para alimentar as práticas educativas em relação
aos saberes que são elaborados a partir das experiências vivenciadas em sala de aula, na
dinâmica da pesquisa-ação do cotidiano educacional. A defesa da interação entre a pesquisa e
a prática docente é essencial para a conquista de uma maior proximidade entre teoria e prática
no contexto em que se quer aprofundar no decorrer dessa pesquisa. Por isso, a contribuição de
autores que advogam na defesa da causa de que “instalar a formação de todos os professores
nas universidades é dar uma chance histórica de reaproximar os lugares onde se elaboram os
saberes e as pessoas encarregadas de sua utilização e de sua difusão, os professores”
CHARTIER, 2000, p.6). No entanto, devemos levar em conta que a realidade educacional
brasileira não contribui para que essa aproximação aconteça nos moldes pensados pela autora.
Mesmo assim, esta afirma que mesmo nos países onde há uma maior tradição de aproximação
entre a teoria e a prática nos moldes aqui explicitados, ainda assim é possível observar a
ocorrência de resistência por parte dos professores e/ou pesquisadores devido a diferentes
motivos, mas que, ao final, comprometem os resultados a que se propunham alcançar.
A experiência parece mostrar que dois públicos contrastantes coexistem nos
estágios de formação contínua. Um, minoritário, está disponível a todas as
aventuras pedagógicas e a inovação é o centro de sua trajetória profissional;
para esses professores familiarizados com os estágios ou com as
universidades de verão, o conteúdo hipotético ou científico das informações
fornecidas é, por vezes, menos importante que o espaço de reflexão que é
assim aberto; e a garantia de pesquisadores é sempre boa porque, hoje, é
desejável inovar no ensino. O outro público, largamente majoritário, não
encontra quase nenhuma resposta às suas questões nos resultados de
pesquisas. Os pesquisadores-formadores e os militantes pedagógicos estão
sempre prontos a acusar a rotina que sobrecarregaria congenitamente a
maioria de seus colegas. Mas a oposição entre prática tradicional e prática
inovadora parece recobrir uma análise de fato simplista: os professores
recusam a inovação seja por convicção ideológica (de acordo com a
conjuntura, esta convicção íntima será amortecida ou aclamada), seja pela
preguiça profissional (acredita-se no ganho de eficácia, mas não se deseja
fazer o investimento de energia que permitiria obtê-la). Essa concepção
voluntarista da prática dá uma imagem extremamente empobrecida da vida
profissional, mas favorável, uma vez que coloca o professor em uma
situação de domínio total na relação que estabelece (julga, escolhe, quer ou
não quer etc.) (CHARTIER, 2000, p. 6).
Quando se avalia a formação docente no seu estágio inicial, ou seja, em termos de
graduação, observa-se que o estágio curricular supervisionado, muitas vezes, antecipa essa
constatação em termos de distanciamento do que a teoria proposta para a formação docente
traz e aquilo que o futuro docente observa nas suas atividades práticas no decorrer do estágio.
A própria Chartier (2000, p. 6) também visualiza essa questão quando aponta que “o saber da
inovação não resiste quase nada aos primeiros contatos com a classe: de volta dos estágios
práticos, os jovens em formação inicial dizem freqüentemente ter descoberto uma realidade de
escola que não pode ser transmitida nem percebida até aquele momento pelos formadores”.
Se levarmos em conta a realidade educacional, inclusive a brasileira, constata-se um
discurso em torno da necessidade de inovação no processo educacional, notadamente na
formação de professores. O debate em torno de inovações das práticas educacionais tem
levado em conta a adequação dessas práticas às novas demandas impostas pelas mudanças
que estão ocorrendo a partir do processo de globalização que se vivencia atualmente. Dentro
desse contexto, as tentativas abortadas, os fracassos, os pequenos avanços (mas avanços), se
tornam comuns, visto que o momento traz a nítida sensação de que se está vivenciando uma
etapa de transição dentro da educação, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Por isso, é
importante buscar, através dos fazeres ordinários de Chartier (2000), inovações práticas no
âmbito do cotidiano escolar que colocam em oposição as práticas tradicionais e as inovadoras.
A pesquisa acadêmica, uma vez que detecta essas ações, se torna o canal de disseminação de
novas teorias em torno da parceria entre pesquisadores/formadores e professores.
Os saberes da prática seriam transmitidos no plano da nova formação
profissional. Nessa perspectiva, tratar-se-ia de encontrar os dispositivos que
pudessem tornar os saberes explícitos para as diversas categorias de
formadores. É necessário, em particular, provocar um curto-circuito nas
representações habituais que ignoram, na sua maioria, que a pedagogia é um
trabalho. Ou seja, dar aula é aproveitar uma intervenção pedagógica em
termos de encargo e trabalho, de gasto de energia (custo das preparações, da
organização, da gestão, do controle), em termos de negociação ou tática não
dedutível de um projeto a priori ou de um programa. A urgência da ação
aproxima as elaborações programáticas à bricolagem e coloca violentamente
em contraste as estratégias didáticas e as improvisações apressadas, o
questionamento teórico dos discursos de formação e os imperativos
pedagógicos do terreno (CHARTIER, 2000, p. 7).
Quando o professor exerce o seu ofício, este o efetua mediante uma realidade
própria, seja ela institucional, social, econômica; com instruções previamente acordadas ou
não; com condições materiais e humanas também diferenciadas, além de uma relação no
âmbito do ambiente de trabalho própria de cada instituição. Mesmo assim, o docente, no
exercício solitário da sua atividade, conta “apenas”
8
com a sua própria experiência, com a sua
prática de ensino e com os conhecimentos teóricos adquiridos, que vão balizar as suas
8
O sentido que se quer dar aqui é que o professor, uma vez em sala de aula, não tem condições de trocar idéias
com outros para tomar as suas decisões imediatas. Essa é uma situação de individualidade profissional e este tem
que contar apenas com o seu conhecimento e a sua experiência previamente adquiridos que serão utilizados
como parâmetros para uma tomada de decisão.
decisões. Nesse sentido, Chartier (2000) chama a atenção para uma realidade que muitas
vezes pode colocar em confronto a posição institucional e a dinâmica pessoal de trabalho do
docente.
Nesse sentido, acredita-se que o processo de inovação das práticas educativas não se
manifesta no período em que está ocorrendo a formação inicial do professor, isto é, no âmbito
da graduação. Nesse momento, o futuro docente inicia um processo de descobertas
progressivo e que orienta o trabalho para que seja algo “racionalmente realizável”
(CHARTIER, 2000). Em outro momento, considerando já a formação continuada de docentes,
é possível que aconteça o processo de inovação, como a possibilidade de se estabelecer
parâmetros entre a teoria adquirida na primeira etapa de formação e a prática pelo exercício
das atividades docentes. Deve-se questionar o pensamento comum de que as atividades
simples são aquelas que estão relacionadas ao que é tradicionalmente trabalhado e que o
processo de renovação requer condições mais complexas de práticas educativas e, por isso,
devem ser efetuadas por profissionais mais formalmente “preparados” para as dificuldades
que o processo possa exigir. Por isso, Chartier (2000, p. 10) argumenta que “a complexidade
do trabalho docente não pode ser posta em evidência e analisada a não ser mediante outros
exames, sobre fenômenos freqüentemente considerados triviais [...]”.
Maurice Tardif também tem a sua argumentação nessa linha de complexidade em
torno do trabalho docente e os seus saberes. Este apresenta uma visão de que
[...] o saber dos professores depende, por um lado, das condições concretas
nas quais o trabalho se realiza e, por outro, da personalidade e da experiência
profissional dos próprios professores. Nessa perspectiva, o saber dos
professores parece estar assentado em transações constantes entre o que eles
são (incluindo as emoções, a cognição, as expectativas, a história pessoal
deles, etc.) e o que fazem. O ser e o agir, ou melhor, o que Eu sou e o que Eu
faço ao ensinar, devem ser vistos aqui como dois pólos separados, mas como
resultados dinâmicos das próprias transações inseridas no processo de
trabalho escolar (TARDIF, 2002, p. 16).
Uma outra contribuição importante a esse argumento é dada por Marques (2003, p.
11), quando este afirma que
Tanto a Pedagogia, como a qualificação dos educadores são realidades
históricas concretas, que necessitam ser elucidadas em sua gênese e em seu
desenvolvimento, enquanto criadas por homens e mulheres dentre certas
possibilidades e nos conceitos teóricos pelos quais se-lhes amplia e melhor
organiza o entendimento.
Mesmo que seja observada a necessidade de se rever as teorias voltadas para a
formação de professores, é importante ter em mente que não se parte do zero como se o que
foi proposto até agora fosse passível de ser descartado. Não importa a linha teórica a ser
privilegiada. A discussão, na verdade, deve girar em torno de uma melhoria na qualidade do
profissional da educação para que se possa colher uma estrutura mais sólida na formação
docente. No entanto, não se deve perder de vista que a profissão de professor é muito mais do
que a execução de um trabalho. Arroyo assim se manifestou em relação a essa visão de si
mesmo do professor:
Problematizar-nos a nós mesmos pode ser um bom começo, sobretudo se nos
leva a desertar das imagens de professor que tanto amamos e odiamos. Que
nos enclausuram, mais do que nos libertam. Porque somos professores.
Somos professoras. Somos, não apenas exercemos a função docente. Poucos
trabalhos e posições sociais podem usar o verbo ser de maneira tão
apropriada. Poucos trabalhos se identificam tanto com a totalidade da vida
pessoal. Os tempos de escola invadem todos os outros tempos. Levamos para
casa as provas e os cadernos, o material didático e a preparação das aulas.
Carregamos angústias e sonhos da escola para casa e de casa para a escola.
Não damos conta de separar esses tempos porque ser professoras e
professores faz parte de nossa vida pessoal. É o outro em nós. (2000, p. 27).
Essa visão de Arroyo (2000) remete o profissional da educação a avaliar os mais
variados contextos e não apenas as teorias aprendidas no decorrer da sua formação no âmbito
da graduação. Esse profissional não é um trabalhador que “separa” a sua vida pessoal da vida
profissional. Não há como o professor se deparar com um problema no contexto da instituição
de ensino, ou que esteja acontecendo com um aluno e, uma vez que foi “dado o sinal” para o
fim da aula, aquele problema ficou para trás e, na turma seguinte, vamos estabelecer uma
nova situação e aquela anterior já “deve” estar esquecida. Esse diferencial profissional está
contido nas relações humanas que são estabelecidas no contexto da prática de ensino.
Complementando essa preocupação explicitada anteriormente, Morin (2002, p. 36)
acrescenta que:
A esse problema universal confronta-se a educação do futuro, pois existe
inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre, de um lado, os
saberes desunidos, divididos, compartimentados e, de outro, as realidades ou
problemas cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais,
transnacionais, globais e planetários.
1.3 Ações, práticas e teorias: consciência e racionalização do processo educativo
O que move a educação e o que a faz funcionar da forma como se concebe, hoje em
dia, está relacionado a ações que interessam à comunidade como um todo. Existe uma
inquietude na sociedade que faz com que muitos esforços sejam canalizados para que a
educação cumpra com seus objetivos que são, ao final, a promoção do desenvolvimento
social, cultural, científico, político, econômico e outros, garantindo a qualidade de vida
desejável a seus membros. Mesmo que as expectativas que são geradas em torno das questões
educacionais não sejam satisfeitas, ainda assim continuam sendo de extrema relevância para
qualquer povo.
A educação é permeada por dimensões diferentes: de um lado estão ações ligadas à
explicação dos fenômenos relacionados à educação, como tentativa de dar respostas às várias
questões que a envolvem. De outro, está a dimensão normativa, pautada pelas regras, normas
e leis estabelecidas no âmbito burocrático do que é definido pelas políticas públicas. Para
Sacristán (1999), dentro da dimensão explicativa, está a relação teoria-prática que é uma
importante abordagem a se estabelecer nesse percurso.
Compreender e guiar a educação são dois componentes básicos entrelaçados
do saber sobre o educativo: as dimensões explicativa e normativa que
concedem ao conhecimento disciplinar sobre a educação, correspondentes ao
saber por que as coisas são como são e ao saber como convém que se
tornem para conseguir finalidades atraentes. A relação teoria-prática é a
abordagem certa para penetrar nessa complicada interação entre o que
sabemos sobre algo e as formas de fazer as coisas para que se assemelhem
aos resultados que consideramos aceitáveis e desejáveis. É uma forma de
penetração declaratória de “entender o que se move”, porque o faz e como o
faz, ou seja, representa indagar acerca do que move a educação. Embora
sendo uma forma de indagação iluminadora foi enriquecida por modos de
compreensão diferentes, que, atrás do triunfo da deusa ciência, assimilaram-
se a um racionalismo um pouco exagerado que concede ao conhecimento
uma espécie de poder milagroso para mover a realidade. (SACRISTÁN,
1999, p. 18).
O processo de formação de professores tem sido debatido no âmbito das reformas
educacionais, levando-se em conta os mais variados fatores. No entanto, deve-se destacar que
a etapa de formação teórica não pode ser dispensada, apesar de muitas reformas proporem a
redução de sua carga horária (como acontece com cursos de licenciatura que tiveram seu
tempo de formação reduzido de quatro para três anos); a relação teoria e prática não é
suprimida. Muito se tem discutido, inclusive, sobre maneiras mais eficientes de melhorar as
atividades práticas no âmbito da formação docente. Mesmo que essa relação seja vista como
algo dissociado, pois, no senso comum, teoria é o que é produzido por teóricos e a prática
efetivada por sujeitos ligados à execução de tarefas. No mercado de trabalho, com a divisão
de tarefas, cabe ao mais graduado as funções de pensar e traçar estratégias para que os que
ocupam postos menos graduados executem aquilo que foi determinado. Em termos de
remuneração, sabe-se que aquele que está na posição mais alta hierarquicamente, ganha mais
pela sua atividade intelectual. É bem provável que, no âmbito da educação, esta visão do
mercado de trabalho não seja muito diferente e isso pode se transformar, também, em fonte de
distanciamento entre os sujeitos ligados às atividades teóricas e práticas.
Quando se analisa os sujeitos do processo educacional é necessário incluir os alunos,
pelo fato de que, de alguma forma, estes participam do processo de tomada de decisões, as
questões relativas às suas próprias expectativas em relação ao futuro, que vêm acompanhadas
de reivindicações, principalmente no que se refere aos currículos, por exemplo. Essa
participação interfere na prática educacional que é produzida no âmbito da instituição de
ensino. Mesmo estando diretamente relacionada à prática no seu cotidiano, a teoria é o
instrumento que leva a racionalidade à essas atividades do cotidiano. Por isso, Sacristán
(1999, p. 21) reafirma categoricamente que “a prática é o que fazem os professores, a teoria é
o que fazem os filósofos, os pensadores e os pesquisadores da educação. Essa suposição é
claramente errônea: nem os primeiros são donos ou criadores de toda a prática, nem os
segundos o são de todo o conhecimento que orienta a educação”.
Nenhum dos agentes estabelecidos nesse processo deve afirmar o que é válido ou não
na educação. Não se deve rejeitar uma teoria por conveniência e nem rejeitar uma prática de
ensino por ser inédita e não constar nos anais pedagógicos. Os dois agentes se complementam
para a solução de determinados problemas, tendo em vista a necessidade de se amparar no
conhecimento sistematizado e, também, naquilo que pode ser constatado como prática
eficiente. No entanto, a realidade tem apresentado um distanciamento entre estes agentes, no
que, para Sacristán (1999) não é salutar para o desenvolvimento de uma educação eficiente.
[...] o que poderia ser um âmbito promissor passa a ser um problema de
desconfiança e de distanciamento que leva a julgar pejorativamente a teoria a
partir da prática, ou a declará-la como pertencente a territórios não próprios
dos práticos. Em certas ocasiões, não é totalmente alheia a essa avaliação
uma dicotomia do pensamento vulgar que diferencia estudo e trabalho,
ligada a uma elementar diferenciação de classes sociais, que chega a
classificar os intelectuais como aqueles que “não trabalham” (e estão acima),
ou, no mínimo, vivem fora da realidade, da realidade daqueles que assim
pensam, que são os que realmente trabalham (e estão abaixo) (p. 23).
A solução desse problema requer cuidados para que não se leve um lado a se sentir
melhor ou pior que o outro. Por isso, tem sido proposto que ocorra uma aproximação maior
entre os interlocutores, que não carreguem consigo conflitos desnecessários, e atividades
conjuntas que possam satisfazer ambas as partes no sentido de buscarem na pesquisa a
solução para as necessidades da prática de ensino. Os sujeitos devem se perceber parte do
processo e, também, parte da solução dos problemas que estão sendo analisados e
pesquisados. Numa ação conjunta, pode-se diminuir o distanciamento e levá-los a uma troca
mais efetiva de experiências que sejam significativas para todos os envolvidos.
Avançando um pouco mais nessa questão, do papel dos sujeitos envolvidos, deve-se
deixar bem claro que Sacristán enfatiza a necessidade de se alertar para a importância que a
teoria crítica tem para o processo de desenvolvimento da educação, e que está relacionado
com as armadilhas a que estão propensos os que estão envolvidos com essa relação teoria-
prática.
A perspectiva da teoria crítica – uma derivação neomarxista – estabelece que
a prática esconde interesses ocultos que obstaculizam a participação em
condições de igualdade dos seres humanos, sendo missão do conhecimento
descobrir essa situação de falseamento. Esta é uma variante da atitude
ilustrada que impõe ao conhecimento teórico a função de ser iluminador das
condições que produzem a realidade, desmascarador das injustiças, das
relações de domínio e de desigualdade, da alienação das pessoas, das
limitações ao desenvolvimento das possibilidades de expansão das
potencialidades humanas. Ao estimular-se e auxiliar a conscientização, os
agentes da prática se desalienam, e a emancipação para uma realidade mais
justa pode começar seu curso. É a função nitidamente política da teoria sobre
a prática perante a qual o teórico e o pesquisador adquirem uma
responsabilidade clara. (SACRISTÁN, 1999, p. 25).
Na verdade, o teórico pode, também, ter um espaço para impor a sua ideologia, de
modo que isso se torne uma verdade para um grupo. Deve-se destacar a importância da teoria
crítica no sentido de ampliar a visão sobre seja qual for o objeto, mas isso implica a liberdade,
por parte do sujeito relacionado à prática, de buscar outras abordagens e não apenas se
satisfazer com aquela que se lhe impõe naquele momento. Esse tipo de situação pode ser mais
uma das que contribuem para o distanciamento entre os sujeitos na relação teoria-prática.
Em outra argumentação, Sacristán faz um paralelo entre a teoria e a prática, onde a
primeira procura na razão a fonte de todo o progresso para a prática, beneficiando os sujeitos
envolvidos com ela, como professores, alunos, familiares e a sociedade como um todo. Deve-
se tomar o cuidado de essa teoria não ser apenas mais uma “receita pronta” de como os
professores devem conduzir as suas atividades práticas. Gimeno Sacristán (1999, p. 26)
acrescenta, ainda que
A prática reproduz o passado e com ele os lastros das ações injustas
cometidas por aqueles que abusam do poder, dos mitos, das amarras; a razão
da teoria pode iluminar as práticas do passado e do presente contribuindo
para olhar um futuro mais promissor. A teoria sustenta o discurso das
possibilidades abertas e do que é bom para o progresso. Os práticos estão
imersos nas limitações do real e, portanto, na reprodução da realidade
vigente. O conhecimento “científico”, as elaborações teóricas inserem-se na
dinâmica ilustradora de progresso, de evolução iluminadora de novas formas
de organização e de ordem, mais avançadas, de compromisso com a
realidade perfectível. O pensamento educativo não tem como função
somente explicar, mas também guiar a prática.
Infelizmente, essa observação serve para ilustrar, quase que perfeitamente, a
realidade da educação brasileira, principalmente, no que diz respeito às relações que são
estabelecidas pelos alunos dos cursos de licenciatura, quando confrontados com as atividades
práticas a serem desenvolvidas no decorrer da sua formação no nível da graduação.
Quando os alunos estão enfrentando a etapa do estágio curricular, é essa a sensação
que é narrada pela grande maioria, ou seja, que as atividades práticas no cotidiano escolar
estão muito distantes daquilo que eles aprendem em termos de teorias no seu curso.
Acreditam que as teorias carregam consigo propostas inovadoras que deveriam ter um espaço,
nas escolas, para serem colocadas em prática. Mas, ao contrário, a prática se mostra
reprodutora de um passado que necessita de uma revisão e, também, de um presente que não
contribui para as transformações qualitativas que a educação brasileira requer.
Cabe ressaltar, também, que os obstáculos são reais quando se trata de levar a teoria
para o âmbito das instituições de ensino, independentemente do estágio de ensino a que se
dedica. Uma vez que a prática que está sendo consolidada no âmbito da instituição de ensino
convém àqueles que a praticam, se torna cada vez mais complicado abrir os espaços para o
debate em torno de novas propostas. Nesse sentido, deve-se destacar a importância dos cursos
de formação continuada para quebrar a resistência de muitos profissionais da educação que se
recusam a adotar novos procedimentos.
A prática educativa está diretamente relacionada às propostas teóricas existentes. Os
professores, muitas vezes, podem fazer a escolha da atividade prática que será desenvolvida
para se alcançar um objetivo determinado. Essa visão da prática foi criada historicamente a
partir da Grécia clássica, como pode ser observado nas palavras a seguir.
Sob a ótica aristotélica, práxis é a ação de realizar o bem, missão da filosofia
prática, guiada pela prudência, que é a capacidade de deliberar bem e de
julgar de maneira conveniente sobre as coisas que podem ser boas e úteis
para o homem. A práxis, diferenciada das artes que se dirigem a fazer coisas,
está guiada por um saber, mas este não pertence nem à ciência, nem à arte
(SACRISTÁN, 1999, p.28).
Relacionando essa concepção de prática com a teoria, é como se, na realidade do seu
cotidiano, o professor tivesse que abrir mão da “realização do bem” para dar espaço a uma
abordagem que é cientificamente aceita, mas que pode não ser a mais indicada para a sua
realidade, seja levando-se em conta aspectos culturais, seja por conveniência institucional ou
pessoal do docente. O que se sabe é que a teoria, muitas vezes, chega ao professor como algo
utópico e impraticável. Uma vez que este já detém a sua prática, que lhe permite alcançar seus
objetivos, então não há mais o que procurar. Afinal, o professor costuma argumentar que vem
fazendo assim há tanto tempo e tem dado certo. Então para quê mudar?
A prática é entendida como a atividade dirigida a fins conscientes, como
ação transformadora de uma realidade; como atividade social historicamente
condicionada, dirigida à transformação do mundo; como a razão que
fundamenta nossos conhecimentos, o critério para estabelecer sua verdade;
como a fonte de conhecimentos verdadeiros; o motivo dos processos de
justificativa do conhecimento. (SACRISTÁN, 1999, p.28).
Por isso, não há necessidade de se preocupar com questões teóricas que, na maioria
das vezes, estão fora do contexto em que o professor está inserido e, portanto, se torna
impraticável. No entanto, há que se levar em conta que “a prática pedagógica, entendida como
uma práxis, envolve a dialética entre o conhecimento e a ação com o objetivo de conseguir
um fim, buscando uma transformação cuja capacidade de mudar o mundo reside na
possibilidade de transformar os outros” (SACRISTÁN, 1999, p.28).
Para se compreender o que move as práticas educativas é necessário analisar as ações
empreendidas pelas pessoas em termos individuais e sociais. Estas ações normalmente são
orientadas visando alcançar algum objetivo. Isso implica entender o que acontece e o papel
dos vários sujeitos que estão inseridos no contexto educacional. No entanto, o indivíduo que
promove uma ação é, também, um ser social, ou até mesmo institucional, que tem a sua
cultura e que exerce atividades que estão relacionadas com o conhecimento e a prática.
Sacristán (1999, p. 30) afirma que “o significado mais imediato de prática educativa refere-se
à atividade que os agentes pessoais desenvolvem, ocupando e dando conteúdo à experiência
de ensinar e educar”. Não há como negar que as ações são empreendidas por indivíduos e não
por instituições. As práticas educativas se encontram nesse espaço onde indivíduos agem, mas
suas ações são expressas através da instituição, que se apropria das ações desses indivíduos
como se fossem suas.
Vinculando nosso argumento à educação institucionalizada, pode-se dizer que
inclusive tampouco todo o tempo da escolarização é preenchido com atividades de interação
entre professores e estudantes; ou que o trabalho do docente incorpora atividades diversas
entre as que são fundamentais relacionadas com os alunos, e, reciprocamente, nem toda a
atividade dos alunos consiste em interagir com os professores. A “prática” que é desenvolvida
nas escolas é ampla em obrigações, assim como o ofício de professor é complexo,
compreendendo outras atividades além de desenvolver ações de ensinar no sentido estrito, isto
é, nem toda prática dos professores é ocupada pelas atividades de ensino, nem tudo no ensino
necessita de professores (SACRISTÁN, 1999, p. 30).
O próprio termo ação já apresenta, por si só, uma complexidade que pode não ser
entendida pelos sujeitos mesmos envolvidos com as atividades educacionais compreendidas
nesse contexto como ações educacionais. Tanto é assim que o próprio Sacristán (1999) trouxe
algumas visões desse termo para que possa ser melhor compreendido. Deve-se levar em conta
que, primeiramente, o termo ação não tem sentido fora do contexto ao qual este se aplica. Por
isso a variedade de interpretações passa pelo sentido do agir como executar alguma atividade,
indo para o âmbito do potencial para tal, até o processo de se tomar a iniciativa em relação a
algo que pode, inclusive, ser novo. O importante é observar que uma vez partindo-se para a
ação, o indivíduo tem a possibilidade de interferir no curso normal das coisas. Uma vez que a
ação é empreendida com um fim pré-estabelecido, tem-se que, especificamente a ação
educativa é uma situação própria do ser humano por visar um resultado esperado ou desejado.
Como a educação é um fenômeno estritamente humano, as ações educativas são,
pois, ações humanas num contexto de envolvimento pessoal. Por isso, o futuro docente não
deve prescindir da oportunidade de aproximar-se das situações de cotidiano escolar para
observar de perto aquilo que está tendo a oportunidade de discutir em sala de aula, no âmbito
da sua formação teórica. O estágio curricular permite tal aproximação com as práticas de
ensino no âmbito das ações educativas, onde o docente age de modo a dar sentido às suas
propostas para com os alunos. Uma vez que a instituição de ensino também tem os seus
objetivos, as ações devem ser sincronizadas para que tanto os objetivos docentes quanto os
objetivos institucionais sejam alcançados.
É importante ressaltar que a educação, sendo um fenômeno humano, não pode ser
considerada algo espontâneo na natureza (SACRISTÁN, 1999). As ações educativas devem,
então, ser direcionadas por conter uma variedade muito grande de possibilidades, de caminhos
e de conteúdos na busca das metas priorizadas. Uma vez estabelecidos os objetivos, a
motivação para executar as ações podem ser de cunho pessoal ou coletivo, mas que devem dar
sentido à ação educativa. Isso pode suscitar, na prática, uma série de conflitos entre os sujeitos
envolvidos com tais ações, exatamente pela variedade de razões que podem estar envolvidas
em determinado contexto. “Os propósitos, os motivos e os desejos servem-nos não somente
para explicar as ações detalhadas, mas como estruturas que constituem orientações gerais
estáveis, dão coerência à vida das pessoas, proporcionando o sentido da própria identidade
como estruturas estabilizadas pelo tempo” (SACRISTÁN, 1999, p. 34).
O profissional em educação é aquele que manifesta o desejo e a vontade de agir,
tendo a razão para iluminá-lo e o conhecimento teórico como parâmetro para tal. O agir
docente se torna, portanto, a razão prática, que acaba sendo uma mistura de uma racionalidade
objetiva com a subjetividade (crenças ou motivações) do sujeito envolvido.
A ação dos sujeitos é resultado [...] de dois filtros: os das restrições físicas,
econômicas, sociais, legais e psicológicas que afetam os sujeitos, e o dos
mecanismos internos da escolha e da decisão, isto é, suas crenças e seus
motivos. Essas simples proposições são primordiais e fundamentais para
entender o mundo da ação e da prática. O que sentimos como valioso, e por
isso o que queremos, explica a ação, matiza o valor das crenças e até pode
modificar o pensamento. Nossos motivos têm apoios cognitivos e nossas
crenças têm apoios afetivos. Querer e saber são funções entrelaçadas das
pessoas. Às vezes, pensamos de acordo com os nossos desejos; às vezes, de
acordo com nossos motivos e interesses, evitando dissonâncias entre ambos
os aspectos. A inteligência pode dar coerência aos desejos, discernir sobre as
conseqüências que desencadeiam determinadas ações e estruturá-las como
metas de longo prazo. [...] é a inteligência que prolonga os desejos em planos
que nos seduzem desde longe e dirigem a ação. Há formas de pensar que têm
explicação ou, ao menos, coincidem com certas maneiras de sentir e de
querer, ou vice-versa: uma orientação nos valores assumidos que esteja de
acordo com nossos desejos direciona formas de pensar e conhecer.
(SACRISTÁN, 1999, p. 36).
A questão da subjetividade que envolve a formação docente é observada por
Sacristán (1999), assim como já foi citada, anteriormente, por Arroyo (2000). Não se deve,
pois, dispensar o cientificismo contido na formação docente, por mais críticas que este possa
ter recebido por intelectuais e educadores. A racionalidade contida no rigor da ciência é
necessária e não impede o desenvolvimento das ações educativas. Na verdade, toda ação
educativa deve conter em si os objetivos e instrumentos necessários para a sua concretização.
Isso não implica deixar de lado a afetividade nas relações com os sujeitos envolvidos com a
educação. A ação educativa é, também, uma ação moral, pois os agentes envolvidos carregam
consigo influência da cultura na qual estão inseridos. A instituição educativa, por sua vez,
também, transfere um pouco da sua cultura para a comunidade. Essa troca constante requer
pensar a educação não como mero instrumento ou técnica para se alcançar objetivos. A
educação envolve seres humanos e, como tal, o processo de ensino-aprendizagem é uma
prática moral, exatamente por ter como função levar uma comunidade a um novo patamar de
desenvolvimento nas mais variadas áreas humanas e não apenas a transmissão de
conhecimentos (no sentido de informações) ou de valores morais. Deve ser mais do que isso,
isto é, deve estar intimamente relacionada com a formação humana de cidadãos.
A premissa transcendental de qualquer ciência da cultura não é o fato de que
nós concedamos valor a uma ‘cultura’ determinada ou à cultura em geral,
mas a circunstância de que nós sejamos seres civilizados, dotados de
capacidade e vontade para tomar uma atitude consciente frente ao mundo e
conferir-lhe sentido. Qualquer que seja tal sentido influirá para que, no curso
de nossa vida, nos basearemos nele a fim de julgar determinados fenômenos
de convivência humana e tomar uma atitude significativa (positiva ou
negativa) (SACRISTÁN, 1999, p. 47).
Por maiores que sejam as resistências por parte de professores em relação às teorias
propostas por pesquisadores da educação, não se deve esquecer que a teoria não existe como
regulamentação, mas como um instrumento de pesquisa, qualificação e até de opção para a
prática docente, uma vez que a realidade vem se transformando de forma muito rápida, não
dando tempo aos professores para que possam estar plenamente atualizados em relação a
essas transformações. A participação dos pesquisadores em parceria com os professores
possibilita avançar na relação teoria e prática, para que, uma vez universalmente aceito
determinado procedimento, este possa estar disponível para outros profissionais em outras
localidades. Essa relação permite a troca de informações de forma mais rápida e produtiva,
enquanto a resistência em aceitar novas concepções apenas adia o avanço da sua própria
prática educativa.
O professor é como um artesão, pois somente na prática do cotidiano é que este
estabelece a sua experiência através das ações educativas que são empreendidas em sala de
aula. Essa atividade vai sendo aperfeiçoada na medida em que é exercida e é justamente com
esse pensamento é que se definiu o estágio curricular como o momento em que o docente em
formação estabelece um contato com a prática de ensino. O ambiente onde o futuro professor
irá confrontar o seu conhecimento teórico com as ações educativas é tão importante quanto o
que ele aprende dentro da universidade. Mesmo que o discente não tenha a possibilidade de
tomar a iniciativa quanto às suas próprias ações, por estar num momento de compartilhar (no
âmbito das atividades práticas do estágio) com o professor titular as mais variadas atividades,
esse discente – docente em formação – tem a oportunidade de questionar as teorias (vistas em
seu curso de formação) que se apresentam incoerentes com as práticas (observadas no campo
de estágio).
Havia um tempo em que não existiam cursos para formação de professores, apenas
as moças “bem nascidas” que eram alfabetizadas e que demonstravam aptidão para o
magistério, assumiam postos de professoras. Ali, aprendiam no cotidiano o ofício e davam
seqüência às suas carreiras. O magistério era visto, então, como um dom que deveria ser
aproveitado e, mais que isso, comparado com a maternidade como uma atividade de doação e
entrega extremada ao ofício. Na verdade, ser professora era demonstrar aos alunos todo o
cuidado, carinho e atenção, tal qual uma mãe dispensa aos seus filhos. Uma vez que as escolas
onde atuavam estavam isoladas umas das outras, a prática de ensino acabava sendo definida
única e exclusivamente pela professora. No Brasil, essa situação explica, pelo menos, em
parte, a resistência quanto a novas concepções teóricas para a educação.
Nesse sentido, Sacristán (1999, p. 73) analisa que “a prática é a cristalização coletiva
da experiência histórica das ações, é o resultado da consolidação de padrões de ação
sedimentados em tradições e formas visíveis de desenvolver a atividade. Pode-se adotar o
sentido que também é dado em sociologia ao termo prática: ações sociais rotineiras próprias
de um grupo”. É importante salientar que a prática educativa, uma vez que está intimamente
relacionada com a cultura dessa sociedade, deve manter uma certa coerência, por estar ligada
a padrões e processos históricos que podem contribuir para uma nova etapa ou um novo ciclo
inovador para a educação.
[...] a soma das ações individuais do ensino ou da educação não nos dá uma
determinada realidade prática, pois esta não é explicada somente por elas.
Tampouco a realidade social é esgotada na representação de papéis
preestabelecidos sem que o ator, por seu lado, introduza originalidade nos
mesmos. Não há lugar nem para o idealismo voluntarista, nem para o
materialismo determinista de caráter positivista. É preciso evitar o realismo
da estrutura do objetivismo, [...] sem cair no subjetivismo que ignora a
necessidade e o caráter inapelável do social que está aí e que nos constitui.
As práticas sociais são construídas, ou seja, a prática da educação constitui-
se em si mesma pela continuidade proporcionada pelo “diálogo” entre as
ações presentes e passadas dos indivíduos, do mesmo modo como é
constituído o conhecimento sobre essas práticas. (SACRISTÁN, 1999, p.82).
A partir desse debate, é perfeitamente concebível que a própria formação docente
possibilite ao profissional deixar emergir as suas características próprias que irão apontar as
suas “marcas” no decorrer da sua prática docente. Se esse profissional é criativo, pesquisador,
reflexivo ou crítico, dependerá de todo um contexto social, econômico, político e cultural em
torno das suas práticas cotidianas. Pensando nisso, a abordagem a seguir nos possibilitará
refletir um pouco mais sobre essas questões pertinentes à formação inicial e, inclusive,
continuada.
CAPÍTULO 2 – O PROFESSOR COMO PROTAGONISTA DA SUA PRÓPRIA
FORMAÇÃO: a importância da auto-superação na prática diária da docência
Uma vez postos os fundamentos anteriores, vamos ao protagonista de nosso trabalho:
o professor – mesmo o professor como aluno em formação, na graduação, chamado a atuar na
escola. É muito comum, no decorrer da prática do estágio, os discentes serem “convocados” a
assumir uma sala de aula (muitas vezes pela ausência do seu titular) independentemente de se
apresentarem preparados para isso ou não.
Um professor, já em sua formação inicial, coloca-se, mesmo que às vezes não o
saiba, numa situação que exige dele um desdobramento sobre sua prática nos termos aqui
apresentados. A questão é saber como esse profissional se faz e como pensa e avalia (a partir
da teoria) sua prática, ainda que seja em estado prévio de estágio supervisionado e não (ainda)
uma imersão profissional no cotidiano escolar? Em que condições e contexto sua formação
deve ser compreendida a partir daí e, o que nos interessa, que “estoque pedagógico” o estágio
supervisionado tem para lhe garantir ganhos pedagógicos e profissionais futuros? Em outras
palavras, em que “totalidade concreta” ele se insere? Que “lógica concreta” determina seu
(suposto) apelo reflexivo como condição de possibilidades para o melhoramento de sua ação
pedagógica e, portanto, da escola que o acolhe?
Antes de entrar no debate teórico em torno da formação docente, cabe interpretar
uma importante contribuição de Marques (2003) num contexto investigativo de alta
complexidade por si só e pelos sujeitos envolvidos nas questões ligadas à educação.
[...] ver a educação e a formação/atuação do educador não só como
totalidade histórica, também como situadas no mundo social-humano de que
fazem parte e como relações produzidas por alteridades internas irredutíveis
umas às outras e nunca subsumidas na totalidade, significa colocar-se num
nível teórico em que o concreto das relações abstrai de toda forma social
determinada, nível necessário ao confronto das alteridades em suas
específicas positividades. A reflexão teórica no plano epistêmico exige certa
consistência própria, uma inserção em totalidades mais vastas e o
deslindamento das complexidades internas. Sem esta densidade afirmada no
plano que lhe é próprio, a teoria corre o risco de, no afã de verificar passo a
passo a aplicabilidade de suas abstrações à compreensão das práticas, ser
distorcida pela abstração oposta, que é a dos dados empíricos imediatos.
Necessita a teoria transcender as práticas imediatas e não dobrar-se
simplesmente às condições dadas, para que se possa constituir em revelação
das determinações históricas e capacidade de superá-las na aventura de
novas hipóteses e novos caminhos (MARQUES, 2003, p. 11-12).
É preciso salientar que as determinações históricas estão relacionadas à estrutura da
vida cotidiana (HELLER, 2000), a qual interfere nesse processo de formação de um professor
consciente da sua realidade, uma vez que esse ser histórico surge do cotidiano e é a partir
desse cotidiano que esse ser contribui com a história, pois
A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na
vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua
personalidade. Nela, colocam-se “em funcionamento” todos os seus
sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades
manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias. O fato de que
todas as suas capacidades se coloquem em funcionamento determina
também, naturalmente, que nenhuma delas possa realizar-se, nem de longe,
em toda sua intensidade. (p. 17).
Tendo consciência de que a vida cotidiana é um importante fator a se levar em conta
quando se analisa a formação de professores e o que esperar deste profissional no contexto
social no qual estará apto a atuar. Por isso, existe a abordagem, dentro da educação, voltada
para a formação de professores e que tipo de profissional a educação está necessitando para
avançar na busca dos seus objetivos.
2.1 O debate teórico vigente em torno da formação de professores
A formação de professores requer uma base instrumental que possibilite ao docente
iniciar as suas práticas de ensino com algum conhecimento em termos de concepções teóricas,
tendo consciência de que a pesquisa em torno da sua prática acontecerá no seu dia-a-dia. O
processo de formação continuada deve ser utilizado como uma ferramenta auxiliar na
efetivação de novas práticas de ensino que vão sendo incorporadas no decorrer do
enfrentamento de situações problemas que fazem parte da rotina educacional. Essa realidade
possibilita ao docente a construção de novas práticas que sejam mais compatíveis com o
momento histórico vivido pela educação.
Um ponto importante, no entanto, deve ser salientado aqui. O levantamento
bibliográfico efetivado até então traz uma variedade de autores que propõem suas concepções
de formação de professores que perpassam por universos de formação teórica e prática, que
são imprescindíveis à formação profissional em muitas áreas, especialmente aquelas
relacionadas à educação; além disso, a concepção de formação de um profissional reflexivo
na visão de Schön (1983) e Elliott (1991), que vê o professor como um pesquisador da sua
própria prática, ressaltando que a prática de ensino é a aplicação de um currículo previamente
estabelecido, mas que é “reinventado” de acordo com a realidade e as necessidades que o
cotidiano apresenta; Stenhouse (1985) aprofunda essa análise, trazendo a idéia de que a
atuação do professor é um tipo de arte por ser uma prática que se realiza dentro de atividades
no decorrer da prática de ensino; Perez-Gomes (1992), admite a necessidade de que aconteça
a formação de um profissional reflexivo e crítico sobre as suas próprias ações. Essa visão
crítica dos profissionais da educação na sua prática cotidiana é importante para que o
professor seja o agente que efetivamente participa da transformação da realidade no seu
entorno, como aborda, também, Giroux (1997).
Assim como afirma Marcelo Garcia (1992, p.55), a formação de professores é
permanente, pois não consegue, na fase da graduação, esgotar as discussões. Esta é apenas “a
primeira fase de um longo e diferenciado processo de desenvolvimento profissional”. Essa
etapa de formação do profissional docente é apresentada em termos de teorias que deverão ser
aplicadas na solução dos problemas na medida em que forem surgindo. A prática profissional
é considerada a aplicação de procedimentos e teorias para atingir determinados objetivos.
No entanto, nem sempre o conhecimento teórico é suficiente para a solução dos
problemas que surgem no dia-a-dia da prática docente. Por isso, o professor busca, através da
pesquisa, novos procedimentos na medida em que a teoria não atende às suas necessidades.
Para expandir o seu conhecimento, o docente deve procurar desenvolver a sua capacidade
reflexiva. A base reflexiva permite uma atuação profissional mais dinâmica para se
compreender e buscar as soluções para os problemas que surgem na prática diária da
docência. Isso pode ser observado na medida em que o conhecimento teórico não contribui
para iluminar a prática com sua crítica e sua aplicação, haja vista que, em muitas situações, a
teoria se apresenta como uma abstração da realidade e não consegue alcançá-la.
A atividade prática permite ao futuro docente refletir sobre a realidade na qual está
inserido, assim como confrontar o seu conhecimento teórico com as atividades do dia-a-dia.
Donald Schön (1983) apresenta como profissional reflexivo aquele que consegue lidar com as
situações que não estão previstas nas teorias estudadas, por ter a oportunidade de criar novas
possibilidades de análise e entendimento em relação aos problemas que surgem nos mais
variados contextos.
José Contreras (2002, p. 111) argumenta que “[...] a prática, como diálogo reflexivo
com a situação, é necessariamente também um diálogo com o contexto social no qual está
inserida”.
Apesar de o termo reflexivo ter se generalizado e sido apropriado por vários autores
não significa que se tornou banal ou comum. A prática reflexiva ainda é o que se espera do
docente em termos de atitudes conscientes, guiadas pela coerência entre o que se pensa e as
ações do profissional reflexivo. No entanto, deve-se acrescentar que não basta ao docente ser
reflexivo. Para que este consiga avançar no seu próprio processo de formação é necessário
que se torne um profissional reflexivo e crítico da sua própria realidade.
Angel Pérez-Gomez (1992) também apresenta o seu parecer sobre o profissional
reflexivo e sua importância para a prática docente. Este critica a racionalidade técnica por ver
nesta uma reprodução de vícios, preconceitos e mitos que podem se tornar obstáculos para a
prática docente. No decorrer da prática, o profissional deve estar preparado para refletir sobre
as suas próprias ações. “O êxito do profissional depende da sua capacidade para manejar a
complexidade e resolver problemas práticos, através da integração inteligente e criativa do
conhecimento e da técnica” (CONTRERAS, 2002, p. 102). Essa questão tamm é analisada
por Schön (1983), no que ele chamou de conhecimento prático, como um processo de
reflexão-na-ação.
Stenhouse (1985), por exemplo, avança nessa concepção de docência como uma
prática reflexiva que faz do professor um pesquisador da sua própria realidade. “Para
Stenhouse, o ensino é uma arte, visto que significa a expressão de certos valores e de
determinada busca que se realiza na própria prática do ensino” (CONTRERAS, 2002, p. 114).
Essa proposta traz a visão do docente como um artista que precisa melhorar a sua própria arte
através de um exame crítico das experiências vividas no cotidiano das práticas de ensino
(STENHOUSE, 1985). É necessário, portanto, aceitar que o docente é um profissional
diferenciado pelo seu dinamismo na investigação dos problemas que se apresentam no
cotidiano. Mas essa afirmativa não deve ser vista como uma generalização, pois nem todos os
docentes são investigadores da sua própria prática profissional.
Esse debate se estende em Marcelo Garcia (1992) que traz como um dos pontos
centrais da sua análise a formação de um profissional reflexivo como objetivo para a
formação de professores. Profissionais dotados de habilidades que os possibilitem serem
eficientes na sua prática profissional. O caráter crítico da sua atuação é que faz com que o
profissional seja um pesquisador de novos procedimentos na sua atuação profissional
cotidiana. Se o objetivo é criar uma escola reflexiva e emancipadora, nesta deve conter
profissionais com uma linha de atuação que encaminhe a escola para a compreensão da sua
realidade e a atuação em torno de procedimentos compatíveis com tais objetivos
(BRZEZINSKI, 2001). Muitas teorias da educação defendem “a prática social como ponto de
partida e de chegada da prática educacional e que postulam uma análise dinâmica da relação
sociedade-escola [...]” (p. 66).
É importante salientar ainda que:
Os educadores brasileiros, sintonizados com essas concepções
educacionais identificadas como reflexivas, críticas ou progressistas
(entre elas encontra-se a teoria crítica da totalidade social),
começaram a denunciar por volta dos anos 80 as características
reprodutivas da escola que, aportada no paradigma da racionalidade
tecnicista, procurava perpetuar o sistema desigual e injusto de
distribuição do patrimônio cultural. (BRZEZINSKI, 2001, p. 66).
Esta análise é pertinente pelo fato de que se existe a proposta de uma escola reflexiva
e emancipadora, o caráter crítico deve estar implícito nas suas práticas para a formação de
indivíduos reflexivos e críticos que levem a sociedade a buscar as suas próprias alternativas
para a solução de seus problemas. A escola tem um compromisso social de crítica da
realidade no sentido de promover as mudanças necessárias para a sua melhoria. É importante
que se tenha em mente que o conhecimento possibilita ao ser humano uma postura reflexiva e
crítica diante da sua realidade. No entanto, não devemos esquecer que essa prática acaba se
apresentando como uma ameaça à ordem social e econômica já estabelecida pelos grupos
dominantes que não admitem que seus privilégios sejam atacados.
Em relação ao papel do professor no desafio que o processo de mudança educacional
apresenta, Henry Giroux defende a idéia de que
[...] muitas das recomendações que surgiram no atual debate ignoram o
papel que os professores desempenham na preparação dos aprendizes para
serem cidadãos ativos e críticos, ou então sugerem reformas que ignoram a
inteligência, julgamento e experiência que os professores poderiam oferecer
em tal debate. Quando os professores de fato entram no debate é para serem
objeto de reformas educacionais que os reduzem ao status de técnicos de
alto nível cumprindo ditames e objetivos decididos por especialistas um
tanto afastados da realidade cotidiana da vida em sala de aula. A mensagem
parece ser que os professores não contam quando trata-se de examinar
criticamente a natureza e processo de reforma educacional. (GIROUX,
1997, p. 157).
Na abordagem de Giroux (1997), o professor é um intelectual transformador da
realidade que o cerca. Apesar de ser uma responsabilidade muito grande, o autor argumenta
que mesmo que não se consiga avançar, mas resgatar a esperança de uma sociedade melhor
no futuro já terá sido uma grande contribuição dos professores para essa sociedade. Admite,
ainda, que é uma luta que vale a pena ser travada. Como argumento, Giroux (1997, p. 163)
afirma que
Os intelectuais transformadores precisam desenvolver um discurso que una
a linguagem da crítica e a linguagem da possibilidade, de forma que os
educadores sociais reconheçam que podem promover mudanças. Desta
maneira, eles devem se manifestar contra as injustiças econômicas, políticas
e sociais dentro e fora das escolas. Ao mesmo tempo, eles devem trabalhar
para criar as condições que dêem aos estudantes a oportunidade de
tornarem-se cidadãos que tenham o conhecimento e coragem para lutar a
fim de que o desespero não seja convincente e a esperança seja viável.
Apesar de parecer uma tarefa difícil para os educadores, esta é uma luta que
vale a pena travar. Proceder de outra maneira é negar aos educadores a
chance de assumirem o papel de intelectuais transformadores.
Portanto, dentro da nossa visão de formação de professores, deve estar presente a
formação teórica e prática, que transforme o professor em profissional reflexivo e crítico,
capaz de atuar dentro da sua realidade com consciência e coerência individuais, possibilitando
a busca de alternativas para a solução dos problemas do seu cotidiano, levando-se em conta o
contexto socioeconômico em que está inserido. Por isso, a importante contribuição do
pensamento de Marques em relação ao processo de formação de professores.
Não basta excursionem os educadores em formação por práticas e
experiências diversas, mais próximas possíveis aos espaços em que
posteriormente atuarão. Importa mantenham os próprios cursos ligações
orgânicas sistemáticas com os lugares sociais do exercício da profissão: as
escolas e os sistemas de ensino, numa prática articulada, de que participem
educadores e educandos em continuidade de reflexão, de sistematização e de
teorização, capaz de oferecer, em cada estágio, subsídios para os demais.
Exige-se, da universidade como tal, uma presença ativa de transformação em
todas as áreas para que se qualifiquem os profissionais que nela se formam.
Somente se empenhados em programas institucionais de atuação integrada e
de pesquisa farão os professores e alunos com que, no ensino de sala de aula,
não se debatam e não se questionem meras suposições, mas os desafios das
condições efetivas com que se defrontam os grupos sociais em seus
específicos campos de trabalho. [...] Devem, de modo especial, os cursos de
formação de educadores acompanhar e inserir-se nos movimentos dos
educadores organizados, para que possam construir suas próprias diretrizes
ético-normativas e teórico-práticas. Como responsáveis primeiros pelos
dinamismos da educação por serem quem a faz no cotidiano de suas vidas e
de suas práticas, os educadores necessitam identificar-se consigo mesmos
onde quer que se encontrem (MARQUES, 2003, p. 65-66).
O professor como protagonista da sua própria formação e como responsável direto
pelo dinamismo do seu cotidiano, apresenta seus saberes a partir da sua experiência pessoal e
profissional. Enquanto no exercício das suas atividades docentes, esse profissional vai
desenvolvendo saberes específicos que estão ligados ao seu cotidiano, influenciados, também,
pelo meio em que atua. A experiência faz nascer novos saberes e à medida em que trazem
resultados positivos vão sendo validados por essa experiência. Essa situação é vista por Tardif
(2002) sob a forma de “habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser”. Por isso, esse
autor defende esse processo como sendo a articulação entre os saberes que o professor deve
dominar para que possa criar as condições necessárias para a sua prática docente. Como o
papel do professor não é nada fácil e pouco reconhecido (em termos sociais e financeiros)
pela relevância do espaço que ocupa em termos de objetivos que a sociedade almeja,
deveriam gozar do mesmo prestígio que a comunidade científica ocupa. É nesse sentido que
as palavras de Tardif (2002) se tornam importantes, pois, ao observar
[...] que as diferentes articulações identificadas anteriormente entre a prática
docente e os saberes constituem mediações e mecanismos que submetem
essa prática a saberes que ela não produz nem controla. Levando isso ao
extremo, poderíamos falar aqui de uma relação de alienação entre os
docentes e os saberes. De fato, se as relações dos professores com os saberes
parecem problemáticas, como dizíamos anteriormente, não será porque essas
mesmas relações sempre implicam, no fundo, uma certa distância – social,
institucional, epistemológica – que os separa e os desapropria desses saberes
produzidos, controlados e legitimados por outros? (TARDIF, 2002, p. 41-
42).
Independentemente do tipo de profissional que se forma, se é o “ideal” ou está
distante disso, Tardif (2002) coloca em evidência um problema que existe e, se aparece no
processo de formação docente, ou se essa questão levantada aparece à medida que o professor
se insere no cotidiano da vida escolar, não se pode precisar. Esse trabalho vem confirmar que
esse distanciamento observado entre a prática profissional e a formulação de teorias para a
educação é um fato que existe, apesar de haver uma tendência a negá-lo no dia-a-dia nas
instituições formadoras. Nesse momento, está-se diante de uma questão crucial para essa
pesquisa: evidenciar que ainda existe este distanciamento e que, se ele ocorre, o habitus pode
ser uma das variáveis a serem investigadas no processo de acomodação que o próprio
professor estabelece, uma vez que não lhe cabe se preocupar com a teoria, o seu negócio é a
prática de ensino. As escolas têm, portanto, um papel fundamental nesse processo de
formação docente, uma vez que os profissionais em formação têm um contato direto com as
escolas através da prática do estágio curricular.
Tardif (2002) levanta também as mudanças efetivadas no âmbito da formação de
professores quanto ao processo de “cientifização” e “tecnologização” da pedagogia e das
licenciaturas como pólos de divisão das atividades dentro da educação. É como se o trabalho
intelectual nesse contexto estivesse de um lado e a prática profissional estivesse de outro, ou
seja, “estabelecida entre os corpos de formadores das escolas normais e das universidades, os
quais monopolizam o pólo de produção e legitimação dos saberes científicos e pedagógicos, e
o corpo docente, destinado às tarefas de execução e de aplicação dos saberes” (p. 44).
Quando os docentes são questionados quanto aos saberes profissionais, estes
destacam as suas atividades práticas e suas experiências no âmbito das atividades voltadas
para o cotidiano da educação. Para Tardif (2002), esse é o habitus que permite ao professor
“transformar-se num estilo de ensino, em ‘macetes’ da profissão e até mesmo em traços da
‘personalidade profissional’: eles se manifestam, então, através de um saber-ser e de um
saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano” (p. 49). Nesse sentido,
Tardif (2002) reafirma a sua posição quanto ao papel que a rotina de trabalho tem para a
formação profissional, onde os professores tendem a aplicar as teorias e as técnicas científicas
aprendidas para a solução dos problemas encontrados no cotidiano das práticas de ensino. O
autor reitera, ainda, que
[...] os saberes que servem de base para o ensino, tais como são vistos pelos
professores, não se limitam a conteúdos bem circunscritos que dependem de
um conhecimento especializado. Eles abrangem uma grande diversidade de
objetos, de questões, de problemas que estão relacionados com seu trabalho.
Além disso, não correspondem, ou pelo menos muito pouco, aos
conhecimentos teóricos obtidos na universidade e produzidos pela pesquisa
na área da Educação: para os professores de profissão, a experiência de
trabalho parece ser a fonte privilegiada de seu saber-ensinar. Notemos
também a importância que atribuem a fatores cognitivos: sua personalidade,
talentos diversos, o entusiasmo, a vivacidade, o amor às crianças, etc.
Finalmente, os professores se referem também a conhecimentos sociais
partilhados, conhecimentos esses que possuem em comum com os alunos
enquanto membros de um mesmo mundo social, pelo menos no âmbito da
sala de aula. Nesse mesmo sentido, sua integração e sua participação na vida
cotidiana da escola e dos colegas de trabalho colocam igualmente em
evidência conhecimentos e maneiras de ser coletivos, assim como diversos
conhecimentos do trabalho partilhados entre os pares, notadamente a
respeito dos alunos e dos pais, mas também no que se refere a atividades
pedagógicas, material didático, programas de ensino, etc. (TARDIF, 2002, p.
61).
Seguindo nessa linha de raciocínio do autor, o professor é um profissional que
passou, no mínimo, dezesseis anos no seu local de trabalho antes de iniciar suas atividades
profissionais. O aluno, enquanto discente, aprende a avaliar as propostas e posturas de cada
professor que conviveu ao longo da sua vida acadêmica. Por isso, já carrega consigo algumas
crenças que são parte da sua experiência pessoal. Estas são utilizadas nos momentos em que
precisa solucionar os problemas do seu cotidiano, pois, quando começam a ensinar, acabam
reativando esses “saberes” como parte integrante da sua nova atividade, agora como
profissional docente. Esses saberes são oriundos da própria socialização desse professor que
precisa lançar mão de atitudes que acredita serem as corretas, baseadas nas suas experiências
anteriores.
Portanto, Tardif, assim como outros autores, acredita que
[...] os cinco ou sete primeiros anos da carreira representam um período
crítico de aprendizagem intensa da profissão, período esse que suscita
expectativas e sentimentos fortes, e às vezes contraditórios, nos novos
professores. Esses anos constituem, segundo os autores, um período
realmente importante da história profissional do professor, determinando
inclusive seu futuro e sua relação com o trabalho. (2002, p. 84).
O professor, dentro desse ponto de vista, teria que passar por duas fases: uma
primeira onde ele explora a sua profissão numa sucessão de tentativas e erros que lhe assegura
a possibilidade de ser aceito (ou não) pelo seu círculo de colegas no contexto de uma
instituição de ensino. É nessa fase que muitos não conseguem se encontrar em termos
profissionais e abandonam a profissão, podendo variar de um a três anos de práticas
profissionais. Num segundo momento, vem a fase de estabilização, onde o profissional se
consolida como tal, investindo efetivamente a longo prazo na sua profissão e, pressupõe, um
certo reconhecimento por parte dos seus pares. Essa fase pode durar de três a sete anos e não
é, ainda, a consolidação completa deste como profissional da educação, uma vez que este
processo ocorre de forma natural e, ao longo do tempo, possibilita ao docente marcar uma
trajetória profissional no contexto do exercício da docência (TARDIF, 2002).
2.2 A escola que precisa encontrar o seu diferencial
Quando Brzezinski (2001) faz as suas análises em torno de uma escola reflexiva e
que busca a autonomia, traz algumas considerações acerca das suas práticas para atingir os
seus objetivos.
Entendo que é essa a escola que se quer mais autônoma, mais participativa e
democrática, que produz uma cultura interna própria, constrói
conhecimento de forma coletiva e preocupa-se com a formação contínua
dos seus profissionais; é aquela que sugere ter potencial para transformar-se
em uma escola reflexiva. Tal escola é designada por Alarcão como a
“organização que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão
social e na sua estrutura e se confronta com o desenrolar da sua atividade
num processo simultaneamente avaliativo e formativo”. (p. 68).
O tipo de escola que Brzezinski cita deveria ser aquela escola que se abriria para
receber alunos dos cursos de licenciatura para suas práticas obrigatórias de estágio e
possibilitar-lhes o confronto entre a teoria e as práticas do cotidiano na busca de solução para
os problemas que surgirem. No entanto, nem todos os docentes em formação são
encaminhados para instituições que lhes permitam uma formação reflexiva e crítica
autônoma. Por isso, as práticas de ensino na formação docente são questionáveis do ponto de
vista em que não conseguem formar profissionais reflexivos e críticos, mas apenas
reprodutores de um sistema que lhes é apresentado por conta da obrigatoriedade das
atividades de estágio.
A escola que se abre para receber os docentes em formação proporciona-lhes um
encontro com a cultura da comunidade em que está inserida e a sua cultura interna,
possibilitando compreender que a realidade prática da sociedade é o ponto de partida para a
organização da prática pedagógica ao mesmo tempo em que se transforma no seu objetivo
final. Toda a cultura que é construída dentro da escola se espelha na cultura proposta pela
sociedade. A partir de um processo pedagógico reflexivo, a escola transmite parte da sua
cultura também para a sociedade num intenso processo de troca que permite o
desenvolvimento reflexivo e crítico dos profissionais docentes nela inseridos.
Brzezinski (2001) destaca, também, o papel que a escola pública tem, no Brasil, em
termos de funções políticas e sociais, comprometida com a educação de todos e, por isso, com
uma lógica de inclusão que deve permitir a todos os que estão ligados a ela o acesso ao
conhecimento, respeitando as diferenças que são peculiares à sua realidade.
A formação do professor passa por práticas de ensino que vão possibilitar-lhe colocar
em prática os seus conhecimentos teóricos e, além disso, pesquisar sobre práticas mais
adequadas para a solução de problemas. Mas essa possibilidade de formação de um
profissional reflexivo e crítico depende da realidade prática que o futuro docente irá encontrar
para refletir sobre ela. Não há dúvidas de que a função social e política da escola, tanto
pública quanto privada, depende do tipo de profissional que estará atuando nesse sistema. Se
for apenas um reprodutor de um sistema arcaico conservador, as funções descritas acima se
perderão no espaço, que será utilizado apenas para a reprodução de um sistema excludente e,
por isso, socialmente injusto, que caracteriza a sociedade brasileira atualmente.
Nessa investigação, busca-se um resgate das teorias que permeiam a formação
docente e a melhor maneira de trazer para a realidade educacional profissionais com uma
formação mais ampla e com possibilidades de avaliar o seu papel como profissional da
educação que estará exercendo suas atividades dentro de um contexto de busca de
desenvolvimento social, econômico, político e cultural de uma dada comunidade, ou seja, a
comunidade na qual a instituição de ensino está inserida.
A experiência profissional do educador é um importante instrumento de correção de
rumos do processo educacional que busca promover o desenvolvimento de uma sociedade e,
necessariamente, trabalhar para que o abismo da desigualdade social seja fechado através da
disponibilidade de um sistema educacional também justo. Falar em teorias da educação sem
falar das experiências dos profissionais da educação se torna incoerente por serem variáveis
que são intrinsecamente dependentes. Uma se alimenta da outra e vice-versa. Não há como
dissociar prática de teoria. No entanto, se o discurso teórico está carregado de ideologias que
se apresentam como solução para o problema da educação brasileira, na outra ponta estão as
experiências no cotidiano escolar que têm dado certo, mas que não tiveram espaço no debate
teórico da educação. Existe, no Brasil, uma série de professores, nos mais longínquos
municípios, que apresentam práticas educacionais eficientes, mesmo não tendo acesso a
nenhuma teoria “milagrosa”. Nesse sentido, a atuação desse profissional está dentro do que é
abordado por Agnes Heller (2000, p. 29), onde assinala que a “característica dominante da
vida cotidiana é a espontaneidade. É evidente que nem toda atividade cotidiana é espontânea
no mesmo nível, assim como tampouco uma mesma atividade apresenta-se como
identicamente espontânea em situações diversas, nos diversos estágios de aprendizado”. Para
se ter uma idéia, basta folhear as mais variadas publicações ligadas à área da educação para se
encontrar relatos e mais relatos de experiências que deram certo. Talvez seja uma questão de
oportunidade, ou de criatividade... Mas, onde estão as oportunidades? E como ser um
profissional da educação criativo?
Ao abordar a vida cotidiana, Agnes Heller (2000) nos permite visualizar um pouco
melhor essa relação que o professor tem com a sua própria prática e aquilo que podemos
chamar de “resistência” a novas teorias. Este profissional está atuando sobre uma realidade
que lhe possibilita guiar-se pelas suas motivações pessoais, avaliando as possibilidades que
tem de sucesso a partir da realidade vivenciada no seu cotidiano. Como bem frisou a autora,
O pensamento cotidiano orienta-se para a realização de atividades
cotidianas e, nessa medida, é possível falar de unidade imediata de
pensamento e ação na cotidianidade. As idéias necessárias à cotidianidade
jamais se elevam ao plano da teoria, do mesmo modo como a atividade
cotidiana não é praxis. A atividade prática do indivíduo só se eleva ao nível
da praxis quando é atividade humano-genérica consciente; na unidade viva
e muda de particularidade e genericidade, ou seja, na cotidianidade, a
atividade individual não é mais do que uma parte da praxis, da ação total da
humanidade que, construindo a partir do dado, produz algo novo, sem com
isso transformar em novo o já dado. (HELLER, 2000, p. 32).
O professor que vive a sua cotidianidade tem como parâmetro o seu poder de crítica
sobre a sua própria prática. No entanto, Heller afirma que “as formas necessárias da estrutura
do pensamento da vida cotidiana não devem se cristalizar em absolutos, mas têm de deixar ao
indivíduo uma margem de movimento e possibilidades de explicitação” (2000, p 37). Nada
mais coerente do que o profissional da educação manter abertas as portas ao diálogo com
todas as possibilidades que podem surgir tanto da sua prática de ensino quanto da
contribuição que as novas teorias podem trazer à sua vida cotidiana.
O profissional que se abstém de manter uma margem de abertura aos novos
movimentos próprios da educação, acaba se enveredando para uma alienação da vida
cotidiana sem se dar conta disso, pois “a vida cotidiana, de todas as esferas da realidade, é
aquela que mais se presta à alienação” (HELLER, 2000, p. 37). Uma vez que o cotidiano
pode levar o professor a ter uma espécie de “fé” irredutível na sua própria prática, fazendo
aumentar a sua “resistência” quanto a novas possibilidades de avanços rumo a novas práticas
de ensino ou novas teorias da própria educação. Nesse caminho que pode levar à alienação
estão as modernas práticas capitalistas, cujo desenvolvimento tem levado tais contradições
adiante. O fato de se abordar a formação de um profissional crítico e reflexivo da sua própria
prática é uma maneira de formar profissionais não-alienados (conscientes), inclusive, dessa
possibilidade. Por mais paradoxal que possa parecer, o fato de se buscar afastar a
cotidianidade da alienação não é um fenômeno do cotidiano, mas sim um fenômeno
excepcional que tende a levar a cotidianidade para um ambiente de ações morais e políticas.
2.3 A formação de professores no Brasil: uma breve reflexão
Desde o século XIX, a educação brasileira vem sendo discutida e, nesse contexto, foi
inserido, também, o debate em torno de questões ligadas à formação de professores e a
importância dessa formação para os rumos da própria educação, levando-se em conta,
obviamente, os interesses políticos voltados para a sociedade brasileira, seguindo uma
tendência mundial. Vale lembrar que a educação brasileira se mantinha impregnada de
concepções jesuíticas que dominaram o setor por séculos, priorizando interesses da própria
Igreja na formação social dos cidadãos. Nesse período, o Brasil que vivia sob uma
Constituição imperialista, passa a viver sob uma nova Constituição (republicana) que
determina a laicização do Estado e isso requer uma revisão de propostas para a educação.
Até os anos de 1930, não havia no país nenhum tipo de preparação para professores
para o ensino secundário. Os que se ocupavam dessas atividades o faziam pelas suas virtudes
pessoais. Somente em 1931, em 11 de abril, foi aprovado o Decreto n. 19.851, que no seu
artigo 5º, dispunha da obrigatoriedade da criação, dentro da estrutura universitária, de
Faculdade de Educação, Ciências e Letras, mas que não foi cumprida pelas instituições
universitárias, com exceção da Universidade de São Paulo (USP) que criou, em 1939, a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, estruturada em quatro seções que apresentavam,
além da Filosofia, das Ciências e das Letras, a Pedagogia. Os conhecimentos de Didática eram
oferecidos à parte, em um ano após a formação universitária. O objetivo dessa Faculdade era
formar um quadro de professores para atender o ensino secundário e normal. O próprio
Marques (2003) afirma que aos cursos de cunho pedagógicos não eram dispensados
benefícios e nem atenção por serem relegados a uma posição secundária dentro da Instituição
de Ensino Superior (IES).
Basta observar que, até os dias atuais, as IES’s ainda apresentam em seus quadros
professores que se destacam dentro das suas respectivas profissões e, por isso, são convidados
a fazer parte do quadro de professores de determinados cursos, apesar de a legislação requerer
uma formação mínima para as atividades docentes de nível superior. No entanto, ao longo do
tempo essa prática se consolidou, pois o próprio Marques (2003, p. 18) afirma que
“Permaneceu no nível da utopia o Manifesto dos Pioneiros
9
, de 1932, que previa a unificação
do processo de formação de professores para todos os graus do ensino, através da
universidade”.
Num primeiro momento, os professores em exercício não apresentavam habilitação
para o magistério. Segundo Marques (2003), quando, em 1946, foi promulgada a Lei
Orgânica do Ensino Normal, “as Escolas Normais e os Institutos de Educação passavam a ter
em seus currículos uma predominância das matérias de cultura geral sobre as de formação
pedagógica, além de serem consideradas escolas terminais, dificultando-se, assim, o ingresso
posterior no ensino superior” (ROMANELLI, 1983, p. 159). Vale ressaltar que o acesso à
universidade era dificultado pelo próprio currículo estabelecido nessa formação, uma vez que
o processo seletivo para o ingresso nas universidades exigia conhecimentos que não estavam
previstos nesses currículos e sim nos currículos do que era conhecido como científico, ou seja,
uma espécie de segundo grau preparatório para a formação acadêmica.
O processo de formação de professores ganha novo espaço no debate a partir dos
anos 1950, mas somente a partir dos anos de 1970 é que começa a expansão de cursos de
licenciatura pelo país afora. Mas, esse processo evoluía de forma desordenada, de modo que
não satisfazia sequer às necessidades do ensino secundário em termos quantitativos. Nesse
caso, se torna dispensável qualquer referência à qualidade, senão pelos casos isolados de
virtudes pessoais. Estes profissionais assimilavam os conteúdos das suas respectivas áreas de
formação, aprendiam a lidar com métodos considerados eficazes para a época e uma educação
impositiva, dentro dos objetivos políticos e econômicos que marcaram o período dominado
pelos militares no Brasil (MARQUES, 2003).
9
O Manifesto dos Pioneiros foi gerado no âmbito das Conferências Nacionais da Educação que aconteceram a
partir da criação da Associação Brasileira de Educação (ABE), numa tentativa de dar maior autonomia ao debate
em relação à educação. Esse Manifesto se lançava nas lutas por uma reconstrução da educação nacional a partir
de teses gerais como a “laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e co-educação”, enfatizando “aspectos biológicos,
A chegada dos anos 1980 marcou as discussões em torno da abertura política, a
busca de uma democracia, não só para o Brasil, mas para a América Latina como um todo, e,
nesse contexto, abre-se espaço para a discussão em torno da formação docente em todo o
território nacional. O tecnicismo está em cheque e não se admite mais o discurso em torno da
formação técnica no nível do segundo grau, com os cursos profissionalizantes que satisfaziam
os objetivos da expansão capitalista no país até então. Não se deve esquecer que os anos
oitenta foram marcados pela grave crise econômica enfrentada pelos países latino-americanos,
o que reforçava a necessidade de intensificação dos debates em torno dos rumos da educação
brasileira.
A movimentação em torno da luta pela aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) teve seu início em 1947, quando o então Ministro da Educação,
Clemente Mariani, enviou anteprojeto para apreciação dos parlamentares, tendo como
obstáculos manobras promovidas por setores ligados às organizações eclesiásticas. Sabemos
que a aprovação da LDB aconteceu apenas em 1961, num contexto em que “as questões
educacionais perdiam importância, a não ser que fossem colocadas em outros termos: a
educação que valia a pena pensar e fazer era a do povo para a revolução que haveria de vir,
particularmente a educação de adultos e a educação de base” (CUNHA, 1981, p. 34).
Nessa mesma época, a Associação Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924,
estava praticamente neutralizada e desmobilizada pela repressão política, não conseguindo
espaço para se fazer ouvir. Os espaços de discussão da educação brasileira passaram a ser
ocupados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que nos anos de
1970 trazia para o debate questões como a abertura de espaços para as ciências sociais e temas
específicos da educação, nos moldes da ABE que já era considerada extinta. Na seqüência,
surgem outras entidades ligadas à educação, como a Associação Nacional de Educação
(ANDE), o Centro de Estudos, Educação e Sociedade (CEDES), a Associação Nacional de
Pós-Graduação em Educação (ANPED), associações de docentes universitários, Centros
Estaduais de Professores. Estes últimos passaram a ter uma atuação direta nos estados
abrangendo forte presença dos professores da rede pública de ensino, articulando intensos
movimentos da categoria que levaram, inclusive, às muitas greves que marcaram os anos
oitenta e noventa (MARQUES, 2003).
Em 1980, na I Conferência Brasileira de Educação (CBE) é que se abriu
efetivamente, de forma explícita, o debate em torno das questões relacionadas aos cursos de
psicológicos, administrativos e didáticos, [...] [presentes] na estrutura de nossos cursos de formação de
professores (MARQUES, 2003, p. 20).
formação de professores. Para isso, foi criado um Comitê Nacional Pró-Formação do
Educador. No entanto, essa discussão acabou perdendo espaço para as novas articulações em
torno da abertura política e do planejamento para as políticas públicas para a educação a partir
de então. A alta burocracia dentro das universidades partiu para a defesa de novos
posicionamentos político-ideológicos e novas abordagens em torno da educação, num claro
engajamento dos movimentos políticos que haviam sido mais afetados pelo período ditatorial.
Desde a década anterior, as manifestações no âmbito das mudanças para a educação vinham
sofrendo resistências, como fica claro nas palavras de Marques (2003, p. 22-23).
Buscava o MEC, com maior ênfase, através de seminários e encontros de
caráter nacional e regional, o apoio dos educadores posicionados agora, de
maneira crítica, nos seus próprios movimentos. No que diz respeito à
formação do educador, a tendência desde meados da década de 1960
manifesta nos documentos legais era a de reduzir os espaços da formação
pedagógica nos cursos de licenciatura (grifo nosso), junto aos esforços de
alijar da universidade as preocupações de ordem político-pedagógica. Mas,
já em 1975, os princípios norteadores da nova política de estruturação do
sistema de preparação de professores e de especialistas da educação e,
principalmente, o princípio da “integração na base”, através das licenciaturas
de curta duração, e “diversificação na cúpula”, através das licenciaturas
plenas, sofriam, por parte da comunidade científica nacional, reações e
críticas que passavam a integrar as pautas das mais amplas reuniões de
caráter científico. De face a tais reações a que se juntava a mobilização das
escolas formadoras, as resoluções do Conselho Federal, que visavam a
estruturar o novo sistema, foram vetadas pelo Ministro da Educação.
O debate em torno da formação de professores já vem acontecendo, no país, desde os
anos sessenta e continua atualíssimo. Imaginar que a redução de espaços da formação
pedagógica dos futuros professores se coloca como objetivo dentro dessa política formadora
pode ser um dos momentos que marca uma geração de professores conteudistas, mas sem um
preparo mais abrangente para se lidar com o cotidiano da sala de aula. No final do ano de
1979, o então Ministro da Educação, Eduardo Portella, já no último governo militar, enviou
Aviso Ministerial às universidades solicitando que os cursos de licenciatura passassem a ser
prioridade dentro da política universitária. No entanto, esse tipo de “aviso”, não tinha o peso
de lei. Os anos oitenta, então, chegam para marcar um novo posicionamento nos meios
educacionais que foi assim traduzido por Marques (2003, p. 23):
Na década dos anos 80, o acontecimento central da educação brasileira é a
presença coletiva organizada dos professores, em movimento de âmbito
nacional, pela afirmação do caráter profissional do trabalhador em educação
e pela defesa da prioridade das condições de trabalho, do caráter e função
pública dos serviços à educação e da gestão democrática da escola de
qualidade para todos. A partir de então, ganha novo sentido a luta pela
reformulação dos cursos de formação.
Em 1983, em Belo Horizonte, após um período de debates em torno da reformulação
dos cursos de formação de professores, é que foi criada a Comissão Nacional dos Cursos de
Formação do Educador, desenvolvendo discussões em três linhas principais: “base comum
nacional” – “especificidade das licenciaturas na formação do educador” – e “formas de
integração entre as licenciaturas” (MARQUES, 2003). Acreditava-se que, com a divulgação
dos resultados desses debates, através do Documento de Belo Horizonte, em 1983, seriam
criadas as bases para uma efetiva identidade profissional do educador, como aquele que:
- domina determinado conteúdo técnico, científico e pedagógico, onde se
traduza o compromisso ético e político com os interesses da maioria da
população brasileira;
- é capaz de perceber as relações existentes entre as atividades educacionais
e a totalidade das relações sociais, econômicas, políticas e culturais, em que
o processo educacional ocorre, sendo capaz de atuar como agente de
transformação da realidade em que se insere, assumindo, assim, seu
compromisso histórico;
- considera as práticas e teorias núcleo integrador de sua formação, posto que
devem ser trabalhadas de forma a constituírem unidade indissociável, sem
perder de vista o contexto social brasileiro (MARQUES, 2003, p. 24).
Os encontros da nova Comissão foram se sucedendo e, a cada ocasião, documentos
iam sendo formulados e reformulados com o objetivo de buscar uma articulação entre as
licenciaturas através de uma base comum nacional nos respectivos cursos formadores,
levando-se em conta a dimensão profissional, política e da especificidade do conhecimento,
levantando a preocupação com a fundamentação científica na formação docente, oriunda das
universidades e que levem o futuro educador a romper com o senso comum (MARQUES,
2003).
No encontro de 1988, em Brasília, foi proposta a discussão em torno da ampliação de
espaços de formação de professores e, dentro dessa articulação, a sugestão de que as
diferenças na dimensão das práticas dos educadores deveriam ser levadas em conta nas novas
formas de organização. Nesse contexto, no ano seguinte, reiniciaram as discussões em torno
da necessidade de uma Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em
encontro ocorrido em Belo Horizonte. A promulgação da Constituição Federal de 1988,
estabelecendo os limites orçamentários que deveriam ser destinados à educação, foi uma das
motivações para as novas concepções em torno de recursos financeiros; valorização do
profissional da educação, busca da gestão democrática para as escolas e, paralelamente, a
autonomia das universidades, como sustentação de uma base de liberdades acadêmica e
científica visando, acima de tudo, a transformação da sociedade em que a instituição está
inserida.
A década de 1990 inicia-se com mais um encontro, em Belo Horizonte, da Comissão
Nacional dos Cursos de Formação do Educador, onde os temas em questão eram, novamente,
a base comum nacional, como uma espécie de “núcleo essencial da formação do profissional
da educação” (MARQUES, 2003) e o Projeto da nova LDB, cujo texto já havia sido aprovado
pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, em junho de 1990. Dentro do II
Encontro Nacional, a questão da Escola Normal de 2º grau ocupou espaço importante nos
debates, pelo fato de ser considerada como a preparação de um docente que deverá atuar nas
primeiras séries do Ensino Fundamental, reservando-se ao Ensino Superior as demais
habilitações e especializações com vistas à segunda etapa do Ensino Fundamental, nas séries
intermediárias (antigo Ensino Ginasial), e Ensino Médio (antigo Segundo Grau). Nessas
questões propostas, a visão de Mário Osório Marques deixa explícita a sua opinião sobre as
bases do projeto.
A questão da base comum nacional é insuficientemente tratada no texto da
LDB em apreciação, não estando garantida a mesma base para todas as
instâncias formadoras. É de fundamental importância que a base comum
aponte para uma organização curricular baseada em matriz epistemológica
que veja a teoria e a prática pedagógica de forma indissociável e, portanto,
sempre presente, e os estágios curriculares também, ao longo de toda a
formação profissional. É necessário que se garanta o domínio do
conhecimento específico e adequado a cada licenciatura e a cada nível do
ensino, que se assegure o domínio do conhecimento pedagógico, bem como
se garanta a integração entre eles (MARQUES, 2003, p. 27).
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi promulgada somente em
23 de dezembro de 1996, ficando também conhecida como a Lei 9394/96, sem, no entanto,
deixar de sofrer intervenções do poder Executivo, através da participação do então senador
Darcy Ribeiro. Mesmo após a aprovação da lei, muitas dúvidas persistiram e, uma delas,
relacionada ao Curso Normal Superior, que vem sofrendo intervenções até os dias de hoje,
haja vista as deliberações no ano de 2006, não reconhecendo a validade de tal curso, mas
ainda sob apreciação da justiça.
Outras questões foram pontuadas e denunciadas, pela ausência nos debates em torno
das mudanças, consideradas lacunas que têm grande peso na formação docente, tais como a
abordagem dos valores éticos na educação, os problemas políticos de interesse amplo da
sociedade, discussões de caráter epistemológico, o exercício da pesquisa, da investigação e
das experimentações pedagógicas. Há de se questionar, inclusive, a maneira como se pode
garantir o entrosamento entre as disciplinas ligadas a conteúdos específicos e aquelas voltadas
para a formação pedagógica, além, é claro de buscar uma vinculação entre a teoria e a prática
de modo a tentar superar essa dicotomia. Outro ponto destacado diz respeito ao espaço
destinado ao estagiário para garantir a sua presença na comunidade como ponto efetivo da sua
formação.
Em se tratando do estágio curricular, foram promovidos pelo Ministério da
Educação, no decorrer já dos anos oitenta, alguns seminários com o objetivo de dar melhores
bases na formação docente, incluindo-se aí, a participação efetiva da instituição formadora.
Nas licenciaturas, havia a preocupação de articular a teoria e a prática, também os conteúdos e
métodos, numa concepção de saber e de ciência, portanto, pesquisa, com conteúdos
fundamentados na sua origem histórica e a distribuição dessas atividades no decorrer do
curso. Nesse sentido, para Marques (2003, p. 31), “o estágio deve ser visto como um dos
elementos constitutivos do curso, definidor das metodologias no inteiro processo da formação
profissional. Deve ultrapassar a abrangência das práticas do ensino ou de disciplinas isoladas,
bem como superar a desarticulação entre conteúdos específicos e conteúdos pedagógicos”.
A partir dos muitos encontros e seminários sobre formação de professores, Marques
(2003) destaca que a participação de ilustres palestrantes fez nascer uma obra intitulada
Universidade, escola e formação de professores, por Denice Bárbara Catani (et alii, 1987),
que disponibiliza a idéia principal de importantes intelectuais da educação brasileira.
De Florestan Fernandes (1962), vem a abordagem em torno da formação política,
onde o profissional da educação se presta ao papel de
agente da pura e simples transmissão cultural, elemento de mediação na
cadeia interminável da dominação política e cultural, calibrado numa atitude
de neutralidade ética, em que se separam o cidadão, o cientista e o professor,
[...] exige dele, o educador, a redefinição de suas relações com a escola, com
o meio, com os conteúdos do ensino, com os estudantes, numa crítica
reflexiva, que articule a consciência da situação com a ação prática
modificadora (MARQUES, 2003, p. 31).
É necessário refletir sobre estas palavras, com o intuito de repensar o efetivo papel
do educador no mundo de hoje. Isso tem sido feito tanto nos cursos de graduação como nos
cursos de pó-graduação, haja vista a necessidade de se restabelecer a identidade do professor
como um profissional cuja responsabilidade social só tem crescido nos últimos tempos.
Marques (2003, p. 31) vê o professor como “um intelectual orgânico, que entra no
jogo da produção/reprodução da cultura e das forças sociais em luta e que precisa assumir-se
como intelectual produtivo”. Essa afirmativa soa como uma acusação ao profissional docente
como se este não pudesse refletir sobre as suas práticas e o seu papel no contexto social,
estando, portanto, a serviço das “classes dominantes”, usando uma expressão dos críticos do
sistema educacional brasileiro. Também, não acredita nas “possibilidades de a escola deixar
de selecionar e credenciar para a desigualdade social” (MARQUES, 2003, p. 31). Essa
posição é pessimista no que diz respeito ao futuro de um povo que, se não puder contar com a
educação, o que lhe resta como esperança de futuro melhor?
Marques (2003) busca em Catani (1987) uma abordagem que procura ser mais
realista quando afirma que “os educadores necessitam ser educados para passarem de
funcionários da máquina social a educador coletivo, que pense a educação e relativize seus
limites não os aceitando como “objetividade”. Tudo isso sem descurar os métodos e as
técnicas da docência” (p. 32).
Paralelamente a estas posições, surge a preocupação com o papel das instituições
formadoras, onde afirma que
consta que só marginalmente a universidade se ocupa com a formação de
professores, em vez de a ela dedicar-se como a uma de suas tarefas centrais,
em que se colocam como interexigentes a competência técnico-científica e a
competência pedagógica. O licenciado, concebido hoje como um meio-
bacharel com tinturas de pedagogia, precisa ser privilegiado numa formação
específica, em que o aprendizado abstrato surja do aprendizado prático, e
não vice-versa, modificando-se, inclusive, na universidade, a interface
pesquisa-ensino e exigindo-se um docente universitário de novo tipo e o
retorno do professor formado à universidade, para sua recapacitação e para
que possa contribuir à formação dos novos licenciandos. Isto exige que a
universidade valorize, internamente, as atividades de seus docentes até agora
desprestigiados em comparação com as atividades científicas e
administrativas e, externamente, se corresponsabilize pela formulação das
políticas educacionais, pela produção de livros-texto e pelo apoio à escola
pública em trabalho com ela integrado (MARQUES, 2003, p. 32-33).
O autor aponta, ainda, para muitas questões polêmicas relacionadas à formação
docente e que caberia acrescentar que, se de um lado, existe a perspectiva de se analisar como
os alunos encaram o papel do estágio curricular na sua formação, conferindo rigor burocrático
à sua efetivação, de outro, existe uma falha institucional por manter as informações em
relação a esses alunos apenas no âmbito do cumprimento das horas exigidas pela legislação.
As instituições formadoras não costumam acompanhar o desempenho profissional dos seus
ex-alunos e, por isso, não conseguem informações sobre a atuação profissional e,
conseqüentemente, o posicionamento desses alunos após a conclusão do curso de licenciatura
e já como profissionais atuantes. Então, por que as instituições formadoras não se interessam
em saber qual o resultado dos profissionais que ela mesma tem colocado à disposição das
escolas?
Marques (2003) questiona o fato de a educação não ter conseguido gerar o seu
próprio campo de conhecimento, dependendo sempre do ambiente intelectual dominante.
Aponta, também, as dificuldades enfrentadas pelas licenciaturas em criar um ambiente que
seja capaz de transmitir uma “curiosidade renovada em relação ao próprio papel, às
instituições e ao ambiente do ensino, a paixão empenhada e a sensibilidade para as traduções
do saber” (MARQUES, 2003, p. 33-34).
Sugere a presença de disciplinas introdutórias, que articulem conteúdo e
pedagogia. Denuncia a superposição das chamadas Ciências da Educação à
Pedagogia e advoga a elaboração de um projeto robusto para a licenciatura,
em que todos os professores busquem, em conjunto, formas de articulação e
de reordenação e se evitem as antinomias entre professor e educador, entre
educador e pesquisador. Os aspectos negativos acima apontados parecem
dever-se à fragmentação dos estudos pedagógicos.
É importante destacar nessa abordagem a existência de uma distância entre os atores
que ocupam papéis variados na educação. Professores educadores estão de um lado desse
processo onde se considera a prática como fator primordial para os avanços na educação,
enquanto o professor pesquisador está de outro, pesquisando teorias para tomarem o lugar das
práticas existentes. O encontro de ambos e a sintonia nessa relação teoria e prática está dentro
do contexto de análise dessa pesquisa, pois
[...] diagnostica grande distância entre a escola que forma o professor e a
prática em que se deverá ele empenhar, exigente do planejamento em
conjunto, de conhecimentos sólidos, de uma visão consciente e crítica do
mundo, de uma seleção dos conteúdos significativos e dos valores a serem
vivenciados, da atenção ao cotidiano, que permite dele fazer emergir o
extraordinário (MARQUES, 2003, p. 34).
Nesse contexto são apontadas, também, outras questões consideradas pertinentes,
como a relação que a escola tem com a sociedade, levando-se em conta a importante função
mediadora que a educação tem nos rumos do desenvolvimento de qualquer comunidade, não
sendo possível, então, ser exercida fora do contexto social. Nesse caso, devemos ressaltar que
é necessário definir melhor essa articulação entre o saber social produzido e o saber que a
escola propõe aos estudantes. É o caso de analisar a relação teoria e prática, assim como a
relação entre o conteúdo e o método, entre bacharelado e licenciatura, entre as instituições de
educação básica e as universitárias e, não menos importante, o sistema que está formando
professores e o sistema que irá receber tais profissionais.
2.4 Uma breve apreciação do currículo no contexto da formação docente
Não há como dissociar a organização e a condução dos cursos de formação de
professores sem uma visão mais dinâmica do próprio currículo, construído para a articulação
dos conhecimentos e das atividades inerentes à formação profissional. Como os homens
constroem seus saberes? Cada área apresenta as suas especificidades, mas é certo que o
currículo permite a montagem de uma engrenagem que, no decorrer do processo (visto como
um todo), possibilite a construção do conhecimento e da profissionalidade dentro de uma
continuidade que estabeleça pontes confiáveis entre o saber e as experiências vivenciadas.
Desde que o homem se propôs à investigação dos fenômenos, persiste o discurso em
torno do sujeito e do objeto. De forma simplista, o sujeito é aquele que investiga o objeto e
cada ciência apresenta o seu próprio objeto de pesquisa, devidamente caracterizado. Se
consultarmos o dicionário de língua portuguesa, do mais simples ao mais sofisticado e
completo, a tradução do que seja ciência, segue mais ou menos esse mesmo raciocínio. Se a
abordagem partir para a esfera filosófica, surgirá o embate entre o empirismo e o
racionalismo, onde se tem que
Para os empiristas, o objeto determina o conhecimento e respectivas
estruturas; segundo as correntes racionalistas, a razão é autônoma na
determinação das formas do conhecer. E, mesmo quando tentada uma síntese
entre o empirismo e o racionalismo na ciência moderna, fragmenta-se a
racionalidade da teoria e da prática num cientificismo estreito, frente ao qual
à educação compete exclusivamente repassar a outros sujeitos os
conhecimentos já produzidos. O conhecimento é algo que se aprende antes,
para transmitir ou aplicar depois. O currículo não é senão uma listagem de
matérias/conteúdos na perspectiva da acumulação de informações, ou na
perspectiva da disciplina intelectual exigida pelos métodos de investigação
de cada ciência em particular, ambas as perspectivas igualmente colocadas
acima e à parte do mundo, da vida e das relações sociais, ético-políticas
(MARQUES, 2003, p. 67).
As palavras acima conseguiram resumir tudo o que nós estamos questionando no
decorrer desse trabalho. Para começar essa análise, Hegel e a sua dialética são instrumentos
indispensáveis, pois, se há divergência, então há antítese? Significa que se pode questionar?
No decorrer desse período de intensos estudos e análise dos mais variados autores, observou-
se a dialética em torno de acalorados debates. A educação tem sido debatida e as posições em
torno das propostas para a melhoria da sua qualidade não são coincidentes. Se isso será
enriquecedor ou não para o futuro da educação é o que deveremos observar para nos
mantermos atentos aos rumos que serão dados pelas autoridades
Prosseguindo na análise das palavras de Marques (2003), o fato de ser da
competência exclusiva da educação “(re)
10
passar a outros sujeitos os conhecimentos já
produzidos” pode ser interpretado de outra forma. Se alterarmos a frase, tentando dar a ela o
mesmo sentido, pode-se dizer que: é de competência da educação a reprodução de
conhecimentos aos sujeitos. Qual a diferença? Se for levantada a hipótese de que os cursos de
10
Grifo nosso.
formação de professores têm se utilizado das práticas de ensino para formar profissionais que
reproduzam a realidade da educação brasileira, é correto? Vamos adiante: “o conhecimento é
algo que se aprende antes, para transmitir ou aplicar depois”. Observamos aqui que não são
usados termos como construir ou reconstruir, ou, ainda, reformular. Se é correto, então, os
cursos devem passar por uma completa revisão, pois os resultados da educação brasileira têm
sido alarmantemente negativos.
O currículo é a construção do caminho a ser trilhado para que se tome os cuidados
possíveis para que nenhum pré-requisito, na formação do profissional em educação, fique de
fora. Dentro deste estão contidos os fragmentos teóricos e práticos para se transformarem num
somatório que resultará num profissional bem formado, reflexivo, crítico, criativo etc. Será
que é essa a visão do discente? Está solucionado o problema da distância entre a teoria e a
prática? O estágio curricular tem dialogado diretamente com os outros fragmentos? O estágio
curricular tem cumprido os seus objetivos pedagógicos na formação docente? Segundo
Marques (2003, p. 69),
As disciplinas especializadas, à medida que fechadas no soberbo isolamento
de suas técnicas, separam-se de suas origens e fins. Incapacitadas de se
situarem na totalidade do saber onde necessitariam intercomunicar-se,
perdem seu valor de cultura e se alienam das experiências humanas mais
densas. Não bastam agora tentativas de interrelacioná-las numa
interdisciplinaridade que não as questione no âmago dos paradigmas em que
se alicerçam. Impõe-se uma reconstrução de suas bases conceituais em
novos processos de conceituação, assentes não em resultados já desligados
de experiência, mas nos dinamismos vitais da educação exigente de formas
de pensamento co-determinadas pelo que determinam.
Uma vez que essa visão explicitada acima interpreta claramente esse distanciamento
entre a teoria e a prática, no contexto da formação docente, nos faz supor que o próprio
estágio curricular se encontra desvinculado dos conteúdos teóricos das licenciaturas. Uma vez
constatado tal distanciamento, não é possível esperar que os novos profissionais que chegam
para ocupar postos de trabalho na educação estejam preparados para transformar o cotidiano
escolar num processo dinâmico de estabelecimento de pontes entre a teoria e a prática e,
muito menos capazes de promover uma aproximação produtiva entre aqueles profissionais da
educação voltados para a pesquisa, no meio acadêmico, e os profissionais que se encontram
envolvidos com as práticas de ensino no cotidiano escolar. Mário Osório Marques (2003, p.
70), afirma, ainda, que “os conceitos só se tornam relevantes e eficazes em suas articulações
permanentes com as práticas exigentes de uma razão plural em suas múltiplas dimensões”, tal
qual Walter Benjamin, quando afirma (já exposto no primeiro capítulo) que a experiência tem
que fazer sentido para os sujeitos envolvidos num processo, caso contrário, não há a
apropriação dessa experiência para o sujeito, ficando esta apenas no âmbito da informação.
Numa visão de currículo, Marques (2003), acredita que o debate em torno da base
comum nacional para os cursos de licenciatura pode
conceber-se mais como linhas comuns de ação e de reflexão, uma mesma e
generalizada inquietude questionadora, organizando-se o ensino não sob a
ótica das disciplinas de um currículo mínimo, mas na perspectiva de “eixos
curriculares”, como espaços coletivos de discussão e ação, possíveis de
serem desenvolvidos em equipe e de neles se proceder à seleção dos
conteúdos, sem que isto signifique a homogeneização das posições ou a
eliminação das diversidades teóricas e metodológicas. Apontam-se,
explicitamente, como exemplos de eixos articuladores, a relação escola-
sociedade, a construção do conhecimento, a escola pública e a categoria da
cidadania, o cotidiano da escola e da sala de aula, as relações de
alunos/professores no princípio educativo da pesquisa (p. 26).
Nesse aspecto, Marques (2003) se aproxima do pensamento de Edgar Morin (2002),
uma vez que reconhece a existência de uma realidade onde os conteúdos curriculares se
interrelacionam, articulando uma estrutura à outra pelo dinamismo do processo histórico, no
qual a vida se desenrola. Como numa realidade onde o todo é dialético e estruturado e o
conhecimento da realidade não é apenas um acréscimo de informações, ou fatos, ou a noção
de algo (KOSIK, 1976). Para a construção do conhecimento é necessário uma sistematização
do saber escolar que, no atual contexto, não se concretiza mais à base de uma
compartimentalização destes, mas na dinamização dos novos avanços rumo à construção de
conceitos mais abrangentes e articulados entre si dentro das teorias.
Importa superar a visão fragmentada da dinâmica curricular dos cursos, em
que se consideram à parte a função teórica do curso em si e a função prática
reservada ao estágio entendido como objeto de avaliação final ou como
complemento da formação profissional. Os estágios não são elementos
estranho à dinâmica curricular dos cursos, nem podem alienar-se da sua
intrínseca dimensão formativa. Não se podem, em nenhum momento,
separar teoria e prática, como não se podem elas confundir como se não
fossem uma e outra distintas, quer em suas positividades, quer na negação
que fazem uma da outra. Nem a prática é realidade pronta e indeterminada,
nem a teoria é sistema autônomo de idéias. Se a prática é ação
historicamente determinada, produto e produtora, ao mesmo tempo, da
existência social concreta, a teoria não é senão revelação das determinações
históricas da prática, delas inseparável, mas delas distinta e enquanto
negação de realidades postas em separado e acabadas e do esquecimento das
determinações da prática. A teoria nega a prática em seus imediatismos,
assim como a prática nega a teoria desvinculada, exigindo-se ambas em
reciprocidade ao negarem-se uma à outra (MARQUES, 2003, p. 92-93).
Não se pode negar o papel da teoria e da prática no processo educacional, uma vez
que a sua integração, em termos curriculares, se torna importante ponto na formação do
profissional docente, tendo em vista o dinamismo que o currículo deve empreender a essa
formação. As atividades práticas não podem ser artificialmente induzidas ou desvinculadas
dos contextos do cotidiano dos alunos onde, provavelmente, estarão exercendo suas atividades
docentes. Marques (2003) enfatiza a importância da fundamentação do ensino a partir das
experiências e vivências concretizadas no cotidiano desses alunos e, também, dos professores.
Na vida em sociedade, o ser humano estabelece práticas sociais próprias e, também, práticas
sociais que se realizam de forma coletiva, como pode ser observado claramente nas práticas
educativas. Muitos aprendem nos “bancos” da escola através das atitudes de seus próprios
professores mais do que nas aulas “teóricas” de Didática.
“Fazer dessas experiências de vida e de educação objeto de reflexão e estudo,
recolher-lhes as lições, buscar na ciência a iluminação dos problemas que cada qual e todos
enfrentam e tudo isso fazer em situação de reflexão e aprendizagem coletiva deve ser a
preocupação primeira dos cursos, no afã de associar o fazer, o viver e o saber” é um ponto de
análise que Marques (2003, p. 94) se aproxima de outros autores como aqueles já citados
aqui, anteriormente, preocupados, também, com a formação do profissional da educação nas
várias etapas desse processo e no decorrer da sua atuação como profissional-aprendente, que
são a grande maioria dos docentes.
Os alunos dos cursos que formam professores não são seres oriundos diretamente da
Tábula Rasa de John Locke, cujo pressuposto é de que estes chegam como uma folha de
papel em branco e tudo vai passar a acontecer dali em diante. São seres que carregam consigo
uma vivência e experiências do seu meio que podem e deveriam se constituir em matéria-
prima para ser trabalhada de forma crítica nos cursos de formação docente. Este pode ser o
grande estímulo e o desafio para que novas indagações possibilitem novos olhares sobre o
processo de formação. Esse processo requer uma leitura interpretativa da realidade e do
cotidiano desses sujeitos dentro das inevitáveis críticas às ideologias, ao contexto da vida
social e educacional.
Nesse sentido, os cursos que disponibilizam os vínculos com áreas de qualificação
profissional, pesquisas acadêmicas e acesso a programas institucionais, cujas parcerias
possibilitam uma relação teoria e prática já no processo de formação profissional, permite
uma maior aproximação com os desafios das condições efetivas que irão se defrontar no
campo de trabalho. Não basta que fique no âmbito do debate e questionamento acerca da
realidade a ser enfrentada. É de extrema importância o contato com a realidade para, aí sim, a
partir deste, estabelecer um diálogo com as teorias propostas e as práticas observadas. Por
isso, Marques (2003) vê o estágio curricular como um momento de pesquisa, onde o processo
de investigação da realidade será exercido e a atividade profissional se tornará um importante
indicador da realidade a ser observada no contexto da teoria. Nesse confronto, são
estabelecidos os questionamentos sobre as práticas em curso e os rumos possíveis que se
podem imprimir ao processo de formação e posterior atuação profissional.
Dirijam-se os alunos estagiários a seus possíveis campos de atuação
profissional, não com o intuito de neles atuar para modificar algo, mas
impulsionados pela necessidade de melhor conhecê-los, de buscar respostas
às suas indagações sobre eles, de testar suas hipóteses. Busquem eles formas
mais concretas de aprendizagem, uma competência comunicativa ampliada,
as capacidades de observar e refletir, de elaborar suas próprias constatações
e conclusões. Tudo isso não como objeto apenas de relatório conclusivo, mas
como competências que levarão para um desempenho profissional não
subsumido ao imediatismo das circunstâncias (MARQUES, 2003, p. 95).
Esse posicionamento do autor vem destacar a importância e o papel pedagógico que
o estágio assume no processo de formação docente, uma vez que os idealismos devem ser
revistos a partir dessa observação a campo de uma realidade que pode estar sendo gestada
desde décadas e, conhecer essa realidade, é o salto que se deve buscar para uma sólida
formação, no sentido de questionar todas as etapas e não só a de formação inicial no âmbito
da graduação, mas nas possibilidades que se abrem com os cursos de formação continuada em
outra oportunidade. Marques (2003, p. 95), em relação aos reais objetivos do estágio
curricular, ainda acrescenta que
Visam os estágios a eliminar o hiato entre a formação profissional formal e a
vida profissional no sentido de os cursos não se enclausurarem em torre de
marfim e os profissionais não se eximirem das responsabilidades de
repensarem de contínuo e de reorganizarem suas práticas. Por isso, além das
vinculações permanentes dos cursos e dos professores com as organizações
profissionais respectivas, os estágios devem levar os profissionais em
formação a uma efetiva e progressiva inserção no mundo para que se
preparem, não simplesmente para se adaptarem às exigências e demandas
que lhes serão postas, mas como portadores de suas próprias propostas de
trabalho. Os estágios, à medida que devem encaminhar ao exercício da
profissão, devem fazê-lo através de propostas explícitas e fundamentadas de
trabalho, que sirvam de base a que os profissionais iniciantes vejam na
profissão um campo em que tenham as suas próprias iniciativas, não apenas
um mercado onde vendam suas energias.
Não há dúvidas quanto ao processo de formar-se a si mesmo como profissional,
levando-se em conta as suas características pessoais e a disposição para enfrentar uma
realidade que não tem sido fácil nesse país. A educação recebe críticas e vem sendo
bombardeada pela sua atual ineficiência em dotar os estudantes do mínimo necessário para
uma interpretação do mundo em que vivem e do que se lê. Talvez fosse o momento de reaver
algumas hipóteses levantadas para a execução dessa pesquisa. Uma delas diz respeito à
possibilidade de os discentes não perceberem o papel que o estágio tem na sua formação, no
que tange à aproximação da relação teoria e prática. Outra questiona a possibilidade de haver
um processo natural de “insatisfação” quando os sujeitos não são “cobrados” a apresentarem
uma postura mais efetiva diante da possibilidade do que tem a assimilar na prática do estágio.
Existindo, inclusive, a possibilidade de essa insatisfação levar o estagiário a um processo de
“acomodação” pela frustração diante da falta de espaço para as suas próprias práticas no
campo de estágio. É bom relembrar tais hipóteses, principalmente para uma melhor análise
das palavras a seguir.
Através de relatórios e não apenas para constarem, mas para serem lidos e
discutidos e através de outras formas de comunicação, os estágios dos alunos
necessitam perceber-se como ação coletiva, em que se inserem na obra
comum dos educadores, uma obra em que os que principiam se baseiam na
experiência dos que antecederam ao mesmo passo que trazem alento aos
mais antigos e o desafiam a repensarem os próprios caminhos. É nestes
momentos de passagem que a educação se faz mais consciente de si mesma e
reveladora de sua essencialidade, tanto na celebração dos caminhos andados
como na projeção dos passos futuros (MARQUES, 2003, p. 96).
Será que é possível haver uma troca tão positiva como a exposta na citação acima?
Será que os conflitos provenientes de uma não aceitação do “novo”, representado aqui pelo
estagiário, é tomado como desafio para o professor “experiente”? Essa relação estabelecida no
campo de Estágio tem sido assim tão proveitosa para ambas as partes? Os alunos que estão
exercendo a prática de ensino através do estágio estão dispostos a debater e levar as críticas
dos seus relatórios para a sala de aula? Nesse momento Marques acaba nos parecendo muito
mais idealista do que realista. Algumas respostas poderão ser analisadas no próximo capítulo,
cujo teor é exatamente os saberes e o estágio na formação docente e como os discentes
analisam essa relação.
CAPÍTULO 3 – O SABERES E O ESTÁGIO CURRICULAR NO PROCESSO DE
FORMAÇÃO DOCENTE
Uma questão que deve ficar bem clara é que os saberes dos professores devem estar
diretamente relacionados com o trabalho que deverão exercer em sala de aula e, também, pela
relação que deverão estabelecer com a comunidade na qual está inserida a instituição de
ensino da qual faz parte. Por isso, esses saberes estão diretamente relacionados com o trabalho
do professor, pois “o saber do professor traz em si mesmo as marcas do seu trabalho, que ele
não é somente utilizado como um meio no trabalho, mas é produzido e modelado no e pelo
trabalho” (TARDIF, 2002, p. 17).
Outro ponto a se destacar é o fato de os professores, quando questionados em relação
aos seus saberes, identificam tal questão com o “saber-fazer” pessoal, ou seja, com a forma
que este atua no contexto da sua prática docente como os programas, livros e saberes
curriculares, por exemplo. Esses saberes estão pontualmente relacionados à área de atuação
desse professor (matemática, português, ciências, história, etc.), mas também se originam de
questões sociais como a sua experiência pessoal, a escola que o formou, a sua cultura pessoal
e a origem profissional que estabelece a ligação do docente com a sociedade de maneira geral.
A formação do professor é um processo histórico e, portanto, a temporalidade
estabelece as bases para a consolidação da sua formação, uma vez que a experiência do
cotidiano das práticas de ensino são parte integrante da visão que se tem desse profissional.
Nesse caso, Tardif (2002) afirma que “os saberes oriundos da experiência de trabalho
cotidiana parecem constituir o alicerce da prática e da competência profissionais, pois essa
experiência é, para o professor, a condição para a aquisição e produção de seus próprios
saberes profissionais” (p. 21).
Deste ponto de vista, é pertinente chamar a atenção para a questão de como ocorre a
reflexão em torno da maneira com que as relações entre a teoria e a prática são estabelecidas
na formação de professores. Como visto no capítulo anterior, no Brasil ainda vigora a
preocupação com os cursos de formação de professores, enquanto que o debate em outros
países já carrega a idéia de que tipo de profissional a educação necessita para os seus avanços.
Uma vez que não ficou ainda bem claro os motivos que levaram à persistência de uma cisão
nas relações entre a teoria e a prática, não foi possível estabelecer um parâmetro do tipo de
professor a ser formado para atender à realidade brasileira.
Como se verá no decorrer desse capítulo, as atividades teóricas e práticas na
formação docente, até o presente são vistas como dissociadas e, especificamente, a questão da
prática de ensino, nos cursos de formação de professores, do ponto de vista do estágio
curricular, dentro dos saberes docentes, é tida como desnecessária, pela visão que os discentes
têm de que essa prática só será aprendida no decorrer do exercício da docência. Portanto, do
ponto de vista dos estagiários, as práticas de ensino são meras questões burocráticas a serem
cumpridas.
3.1 Os saberes da formação docente se iniciam na formação discente
Pimenta (2002) e Tardif (2002) têm abordado a questão dos saberes docentes e
ambos defendem a idéia de que o profissional docente é aquele profissional que quando chega
a exercer as suas atividades, já teve uma certa experiência com esse ramo, uma vez que já
foram alunos por, no mínimo, dezesseis anos. Isso significa afirmar que o docente carrega a
sua experiência como aluno, o que possibilita a sua própria visão do que seja um bom
professor ou não. Nessa visão, acabam estabelecendo características de seus antigos
professores como aqueles que eram bons, mas não tinham didática; outros eram bons de
didática, mas não tanto nas relações interpessoais; outros, ainda, marcaram determinado
momento das suas vidas e, por isso, foram extremamente significativos, contribuindo para a
sua formação humana. Outros conhecimentos das mais diferentes áreas foram destacados por
Pimenta (2002, p. 20):
Também sabem sobre o ser professor por meio da experiência socialmente
acumulada, as mudanças históricas da profissão, o exercício profissional em
diferentes escolas, a não valorização social e financeira dos professores, as
dificuldades de estar diante de turmas de crianças e jovens turbulentos, em
escolas precárias; sabem um pouco sobre as representações e os estereótipos
que a sociedade tem dos professores, através dos meios de comunicação.
Outros alunos já têm atividade docente. Alguns porque fizeram o magistério
no ensino médio; outros, a maioria, porque são professores a título precário.
Sabem, mas não se identificam como professores, na medida em que olham
o ser professor e a escola do ponto de vista do ser aluno. O desafio, então,
posto aos cursos de formação inicial é o de colaborar no processo de
passagem dos alunos de seu ver o professor como aluno ao seu ver-se como
professor. Isto é, de construir sua identidade de professor. Para o que os
saberes da experiência não bastam.
Dentro dos saberes da docência está o conhecimento, mas não aquele que se reduz a
mera informação, mas o conhecimento que requer o de trabalhar com as informações,
analisando-as, classificando-as e contextualizando-as (PIMENTA, 2002), passando por vários
estágios que permitam a utilização do conhecimento de forma útil de modo a possibilitar um
maior desenvolvimento tanto pessoal quanto social. Por isso, Pimenta enfatiza que “conhecer
significa estar consciente do poder do conhecimento para a produção da vida material, social e
existencial da humanidade” (2002, p. 22). Processo que não é simples e muito menos
instantâneo, portanto, requer tempo, pois a educação é uma complexa forma de humanização
da sociedade. “Enquanto prática social, é realizada por todas as instituições da sociedade”
(PIMENTA, 2002, p. 23).
Não basta que o professor tenha experiência e domine conhecimentos. É necessário
adquirir, também, os saberes pedagógicos e didáticos, apesar de serem vistos, dentro da
formação de professores, como atividades distintas e desarticuladas entre si em termos
curriculares. Uma das propostas é que os saberes pedagógicos sejam construídos a partir das
necessidades encontradas no cotidiano, ou seja, na realidade da prática de ensino, uma vez
que a educação é uma prática social, como já exposto anteriormente. Nesse contexto, é
importante destacar que
Considerar a prática social como o ponto de partida e como o ponto de
chegada possibilitará uma ressignificação dos saberes na formação de
professores. As conseqüências para a formação dos professores são que a
formação inicial só pode se dar a partir da aquisição da experiência dos
formados (ou seja, tomar a prática existente como referência para a
formação) e refletir-se nela. O futuro profissional não pode constituir seu
saber-fazer senão a partir de seu próprio fazer. Não é senão sobre essa base
que o saber, enquanto elaboração teórica, se constitui. Freqüentando os
cursos de formação, os futuros professores poderão adquirir saberes sobre a
educação e sobre a pedagogia, mas não estarão aptos a falar em saberes
pedagógicos. “A especificidade da formação pedagógica, tanto a inicial
como a contínua, não é refletir sobre o que se vai fazer, nem sobre o que se
deve fazer, mas sobre o que se faz”. (Houssaye, 1995: 28) Os profissionais
da educação, em contato com os saberes sobre a educação e sobre a
pedagogia, podem encontrar instrumentos para se interrogarem e
alimentarem suas práticas, confrontando-os. É aí que se produzem saberes
pedagógicos, na ação. Nos cursos de formação tem se praticado o que o
autor chama de “ilusões”: a ilusão do fundamento do saber pedagógico no
saber disciplinar – eu sei o assunto, conseqüentemente, eu sei o fazer da
matéria; a ilusão do saber didático – eu sou especialista da compreensão do
como fazer saber tal ou tal saber disciplinar, portanto, eu posso deduzir o
saber-fazer do saber; ilusão do saber das ciências do homem – eu sou capaz
de compreender como funciona a situação educativa, posso, então, esclarecer
o saber-fazer e suas causas; a ilusão do saber pesquisar – eu sei como fazer
compreender, por meio de tal ou tal instrumento qualitativo e quantitativo,
por isso eu considero que o fazer-saber é um bom meio de descobrir o saber-
fazer, mais ou menos como se a experiência se reduzisse à experimentação; a
ilusão do saber-fazer – na minha classe, eu sei como se faz, por isso eu sou
qualificado para fazer-saber.
A última ilusão (a dos práticos) não é a dominante entre os cientistas da
educação. A estes fica colocada a questão do para que serve seu saber, se
não instrumentaliza a prática. Qual o interesse das ciências da educação para
as práticas? Os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia não geram os
saberes pedagógicos. Estes só se constituem a partir da prática, que os
confronta e os reelabora. Mas os práticos não os geram só com o saber da
prática. As práticas pedagógicas se apresentam nas ciências da educação
com estatuto frágil: reduzem-se a objeto de análise das diversas perspectivas
(história, psicologia etc). É preciso conferir-lhe estatuto epistemológico
(PIMENTA, 2002, p. 25-26).
Como se tem observado, se um professor traz uma nova abordagem sobre a educação
que esteja relacionada apenas com a sua prática de ensino diária, pode até ser muito eficiente,
mas se não está descrita em nenhuma teoria de algum autor de renome não “pode” ser
considerada. Afinal de contas, como diz Pimenta: sem estatuto epistemológico, não há teoria;
se não há teoria, não é aceita na prática. Provavelmente fica restrita ao que “chamam” de
senso comum, como se senso comum não fosse algo a ser considerado. Isso só seria possível
se fosse trabalhada a pesquisa como parte da formação docente, na etapa de formação inicial,
dando subsídios aos futuros professores, para que pudessem estabelecer parâmetros de
pesquisa sobre a sua própria ação (professor pesquisador de Shön & Elliott). No entanto, até
agora não se encontrou nenhuma abordagem dando conta de que foi proposta mudança
curricular com o intuito de preparar o docente para ser, também, pesquisador. Será que
aqueles intelectuais que interferem nas propostas curriculares, que, normalmente, são
intelectuais que “escrevem teorias” bem distante das práticas, que usam os professores, na sua
prática de ensino no cotidiano, como “objetos” das suas pesquisas, estariam de acordo com
esse tipo de formação?
Quando se fala em formação de professores, na verdade incorpora-se nesse discurso
um elevado grau de formação de si mesmo como indivíduo, profissional e ser social. No
trabalho diário, confrontando experiências e práticas é que os professores vão reelaborando
seus saberes, num processo contínuo de reflexão sobre a sua ação e sua reação em relação aos
problemas enfrentados no cotidiano. Esses procedimentos podem avançar, na medida em que
é facultado ao professor o processo de formação contínua, considerando que a formação
docente é um eterno desenvolvimento como destacou Pimenta (2002, p. 29), “produzir a vida
do professor (desenvolvimento pessoal), produzir a profissão docente (desenvolvimento
profissional), produzir a escola (desenvolvimento organizacional)”.
Para Tardif (2002), uma vez que o professor está em sala de aula, este se guia por
dois saberes basicamente.
1) deve conhecer as normas que orientam sua prática; essas normas
correspondem a tudo o que não é objeto ou produto do pensamento
científico, mas interferem na educação, como valores, regras, regulamentos,
finalidades; 2) deve também conhecer as teorias científicas existentes
relativas à educação, à natureza da criança, às leis da aprendizagem e ao
processo de ensino; em tese, essas teorias deverão guiar sua ação, que será
então uma ação técnico-científica, ou seja, uma ação determinada pelo
estado atual do conhecimento científico (p. 164).
Nesse sentido, é importante salientar, ainda que
Nessa concepção, o que distingue a sala de aula de um laboratório, a
educação de uma ciência, a pedagogia de uma tecnologia é apenas uma
diferença de grau e não de natureza. O ensino seria derivado de uma ciência
que ainda não conseguiu controlar totalmente seu ambiente tecnológico, por
razões que dependem não da ciência, mas do estado geral da sociedade,
baseada numa moralidade ultrapassada (TARDIF, 2002, p. 164).
Para a educação, é impensável uma sala de aula como laboratório, uma vez que o
erro cometido por um cientista no laboratório serve como ponto de partida para outras
tentativas. Já no contexto de uma sala de aula, o erro cometido por um professor pode ter
repercussão por muito tempo e, talvez, nem consiga ser resolvido. O papel do professor exige
que este não faça testes, mas que “acerte” sempre, desde a sua primeira tentativa. Lidar com o
ser humano é um constante aprendizado.
Tardif (2002), fundamentando-se em Max Weber (1964) relaciona os saberes a
quatro tipos fundamentais de ação social que pode ser observado nas interações que se
estabelecem no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que se trata de ações humanas.
São elas:
[...] as atividades relacionadas com objetivos, as atividades relacionadas com
valores, as atividades tradicionais e as atividades guiadas por afetos. De
acordo com a tese clássica de Weber, esses diferentes tipos de ação não são
comparáveis entre si. Os dois primeiros seguem racionalidades diferentes,
uma vez que a realização de objetivos e a concretização de valores recorrem
a critérios completamente diferentes, tanto para o ator quanto para qualquer
pessoa que se esforce para compreender seus motivos. Por exemplo, uma
discussão entre professores a respeito do melhor tratamento para tal forma de
dificuldade de aprendizagem envolve critérios científicos e técnicos
susceptíves de justificação empírica: alguns colegas podem criticar tal
tratamento baseados em determinadas informações técnicas. Entretanto, a
discussão muda de direção a partir do momento em que se trata de saber se
esse tratamento deve ser aplicado a um aluno contra a vontade de seus pais
ou então a um aluno cuja reputação social poderia ser abalada por causa
desse mesmo tratamento. Passamos então dos critérios técnicos para o
campo das normas sociais e éticas que não podem ser justificadas por meio
de critérios científicos ou empíricos. Ocorre o mesmo com as ações
tradicionais e afetivas: suas regras de produção e os significados que
assumem para aqueles que as realizam são irredutíveis a uma racionalidade
científica, lógica ou técnica. A importância dessas distinções efetuadas por
Weber reside no fato de revelarem a diversidade das ações sociais: não
somente as pessoas agem por motivos muito diferentes (inclusive em
circunstâncias semelhantes), mas esses motivos não são negociáveis entre si
a partir de uma racionalidade única, por exemplo, de um conhecimento
científico ou técnico (TARDIF, 2002, p. 172).
Deve-se levar em conta que o processo de formação do professor é tão variado e rico
quanto o processo de formação do ser humano. É ele que promove ações e interage com os
seus semelhantes estabelecendo graus de relações que são extremamente complexas. Numa
sala de aula tem-se seres humanos interagindo com propósitos definidos (por parte do
professor) ou não (por parte dos alunos). Uma coisa se depreende até aqui; a subjetividade
presente leva a comportamentos onde ambas as partes tendem a manipular os fenômenos de
acordo com seus interesses. Portanto, não há como dizer que a prática de ensino está baseada
na arte, numa técnica ou simplesmente na interação humana. Na verdade, o trabalho docente
não se refere a um tipo de ação especificamente, ela se apresenta de forma bastante
heterogênea, pois como já especificado anteriormente, essas ações são variadas. O que obriga
os professores a apresentarem uma capacidade de discernimento que lhe possibilite avaliar as
situações e estabelecer a ação mais apropriada para o caso, não esquecendo que a cultura
profissional precisa estar embasada numa ética do ofício de professor. Essa necessidade está
presente pelo fato de que “o objetivo último dos professores é formar pessoas que não
precisem mais de professores porque serão capazes de dar sentido à sua própria vida e à sua
própria ação” (TARDIF, 2002, p. 182).
O mais interessante de se pesquisar sobre os saberes dos professores é quando nos
deparamos com uma questão crucial proposta por Tardif (2002) para ser analisada: “(...) essa
noção de saber não é clara, ainda que quase todo o mundo a utilize sem acanhamento,
inclusive nós” (TARDIF, 2002, p. 184). Realmente, quando o autor parte para os
questionamentos, fica uma dúvida tão cruel que é impossível avançar além destes.
O que entendemos realmente por “saber”? Os profissionais do ensino
desenvolvem e/ou produzem realmente “saberes” oriundos de sua prática?
Se a resposta é positiva, por que, quando, como, de que forma? Trata-se
realmente de “saberes”? Não seriam, antes, crenças, certezas sem
fundamentos, habitus, no sentido de Bourdieu, ou esquemas de ação e de
pensamento interiorizados durante a socialização profissional e até no
transcorrer da história escolar ou familiar dos professores? Se se trata
realmente de “saberes”, como chegar até eles? Bastaria interrogar
professores? Nesse caso, o que se deve considerar como “saber”: suas
representações mentais, suas opiniões, suas percepções, suas razões de agir
ou outros elementos de seu discurso? Seria preferível observá-los? Isso seria
suficiente? O que se deve observar, exatamente? Dever-se-ia fazer a
distinção entre saberes explícitos e implícitos, entre seus saberes durante,
antes e após a ação? Deve-se supor que eles sabem mais do que dizem, que
seu “saber agir” ultrapassa seu “saber pensar”, em suma, que seus saberes
excedem sua consciência ou sua razão? Mas, nesse caso, o que nos autoriza a
chamar tal excesso de “saber”? Desde quando chamamos de “saber” alguma
coisa que fazemos sem precisar pensar ou mesmo sem pensar? Finalmente,
por que damos tanta importância a essa noção de saber? Trata-se de uma
moda, como tantas que existem em ciências sociais e nas ciências da
educação? Não seria preferível e mais honesto falar simplesmente de
“cultura dos professores”, de “habilidades” ou então de “representações
cotidianas” ou “concepções espontâneas”, como fazem os psicossociólogos?
(TARDIF, 2002, p. 184-185).
Como esse não é o problema central dessa pesquisa e o próprio autor adverte que não
há respostas para elas, mas que devem ser questionadas, então acreditamos que não há
nenhuma possibilidade de começar outra linha de investigação nesse momento, correndo-se o
risco de fugir à questão central que nos leva a persistir nessa busca.
Selma Garrido Pimenta (2002) acredita que a sociedade contemporânea tem
necessitado cada vez mais de se preocupar com o processo de formão de professores por
entender que “torna necessário o seu trabalho enquanto mediação nos processos constitutivos
da cidadania dos alunos, para o que concorre a superação do fracasso e das desigualdades
escolares. O que, me parece, impõe a necessidade de repensar a formação de professores” (p.
15). Conclui essa observação dizendo que as pesquisas têm demonstrado que as práticas
pedagógicas não têm estado em consonância com as teorias propostas e, por isso, coloca em
foco não só a formação inicial, no âmbito da graduação, mas também a formação continuada.
O seu pensamento serve para elucidar bem o nosso argumento, pois
Em relação à formação inicial, pesquisas [...] têm demonstrado que os cursos
de formação, ao desenvolverem um currículo formal com conteúdos e
atividades de estágios distanciados da realidade das escolas, numa
perspectiva burocrática e cartorial que não dá conta de captar as contradições
presentes na prática social de educar, pouco têm contribuído para gestar uma
nova identidade do profissional docente. No que se refere à formação
contínua, a prática mais freqüente tem sido a de realizar cursos de suplência
e/ou atualização dos conteúdos de ensino. Esses programas têm se mostrado
pouco eficientes para alterar a prática docente e, conseqüentemente, as
situações de fracasso escolar, por não tomarem a prática docente e
pedagógica escolar nos seus contextos. Ao não as colocar como ponto de
partida e o de chegada da formação, acabam por, tão-somente, ilustrar
individualmente o professor, não lhe possibilitando articular e traduzir os
novos saberes em novas práticas [...] (PIMENTA, 2002, p. 16).
Essa posição de Pimenta demonstra que enquanto se continuar a formar professores
com a preocupação com os conteúdos e, no âmbito da formação continuada, tratar os
professores como incompetentes na arte de se manterem atualizados, então, acreditamos que a
resistência imposta pelos professores vai continuar, uma vez que aquilo que ele está disposto a
discutir e apresentar como sua prática não recebe espaço para tal. A fórmula dos cursos de
formação de levar “pronta a receita” para ser colocada em prática pelos professores continuará
sem adeptos, pois estes acreditam fielmente nas suas próprias práticas por apresentar
resultados que consideram satisfatórios, levando em conta os objetivos traçados por estes.
A própria Pimenta (2002) ainda esclarece que o processo de formação de professores
na sua fase inicial serve para possibilitar uma habilitação devidamente regulamentada para
aqueles que pretendem exercer a docência como profissão, tal qual já se expôs aqui. O que se
espera desses cursos é que transforme alguém interessado no ofício em professor, ou que, no
mínimo, colabore para a atividade docente, pois, para ela,
[...] professorar não é uma atividade burocrática para a qual se adquire
conhecimentos e habilidades técnico-mecânicas. Dada a natureza do trabalho
docente, que é ensinar como contribuição ao processo de humanização dos
alunos historicamente situados, espera-se da licenciatura que desenvolva nos
alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem
permanentemente irem construindo seus saberes-fazeres docentes a partir
das necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes coloca no
cotidiano. Espera-se, pois, que mobilize os conhecimentos da teoria da
educação e da didática necessários à compreensão do ensino como realidade
social, e que desenvolva neles a capacidade de investigar a própria atividade
para, a partir dela, constituírem e transformarem os seus saberes-fazeres
docentes, num processo contínuo de construção de suas identidades como
professores (p. 18).
Diante da impossibilidade de se argumentar em relação aos saberes dos professores,
fica claro que determinadas variáveis relacionadas ao ofício de professor não podem ser
descartadas. Qualquer tipo de profissional no exercício das suas atribuições deve apresentar
determinadas competências e uma delas é a de desenvolver uma capacidade de discernimento
suficiente para saber lidar com os problemas que surgem no cotidiano de uma sala de aula.
Todo profissional deve ter consciência das suas próprias limitações e, nesse caso, buscar
superá-las. Estar atento para a rotina que o exercício profissional impõe, uma vez que é
impossível lidar numa mesma profissão com um cotidiano adverso. E, por fim, saber que
independentemente da subjetividade dos professores, estes são agentes do conhecimento, que
estão inseridos numa realidade de unidade entre a teoria e a prática de ensino e num ambiente
dinâmico intenso que exige tomada de decisões que normalmente são imediatas.
3.2 O estágio curricular supervisionado
Uma das etapas previstas no currículo de formação de professores é exatamente o
estágio supervisionado que, previsto em lei, coloca o futuro docente em contato com a
realidade educacional. Este, por sua vez, se apresenta como obrigatório pela Lei 9.394/96. No
seu artigo 65, prevê as ações práticas para a formação de professores, inseridas no contexto do
cotidiano escolar.
Atualmente, o estágio, como prática de ensino, estabelece que alunos dos cursos de
licenciatura são obrigados a, no mínimo, 300 horas de estágio, considerado essencial para a
formação docente. Essa prática de ensino que consta na lei determina que esta “deverá
envolver ainda diversas dimensões da dinâmica escolar: gestão, interação de professores,
relacionamento escola-comunidade, relações com a família” (Lei 9.394/96).
Se observarmos a proposta que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação traz para a
formação docente, no que diz respeito às práticas de ensino e, mais especificamente o papel
do estágio curricular supervisionado, como prática obrigatória, e os seus objetivos, pode-se
perceber uma forte aproximação com os ideais de uma escola emancipadora e reflexiva. A
escola que se preocupa com esse tipo de postura pode auxiliar no processo de formação de
uma docência reflexiva e crítica, abrindo suas portas para práticas de formação docente que
privilegiem o profissional também reflexivo e crítico.
É importante ressaltar que a proposta, contida na lei que regulamenta a atividade de
estágio, representa um avanço em termos teóricos, por propor o envolvimento entre todas as
partes que compõem o processo educacional: escola, comunidade, família, gestão escolar, no
sentido de que a realidade social seja levada em conta no processo de formação de
professores, levando-os a conhecer as muitas variáveis que estão contidas no universo da
prática de ensino. Na nossa visão, os impasses que envolvem a prática de ensino podem
representar a perda da qualidade de formação do profissional docente, pelo fato de este não
estar conseguindo, através do estágio supervisionado, adquirir essa visão do todo que envolve
o universo, por exemplo, da escola onde o estágio está sendo praticado. Investigar tais
impasses é a chave para compreendermos melhor a situação, ao mesmo tempo em que se pode
apontar algum rumo para essa atividade, de forma que seja mais bem aproveitada.
Esses impasses mencionados estão ligados diretamente ao que se observa como
distanciamento entre teoria e prática de ensino. Pimenta (2001) aponta uma cisão na relação
teoria e prática, mas que esta deve procurar o caminho da unidade. Uma vez que as propostas
para novas práticas estão contidas nas teorias, estas deveriam, necessariamente, estar
disponíveis aos docentes no seu cotidiano. No entanto, é perceptível um hiato que coloca em
pontos antagônicos os sujeitos desse processo, ou seja, pesquisadores de um lado e, de outro,
os professores com as suas práticas de ensino cotidianas. Sendo que, cada qual, apresentando
suas reservas em relação aos outros, se vêem sem a oportunidade de uma interação que possa
beneficiar a todos os sujeitos envolvidos no processo educacional.
O processo de formação de professores depende da abertura de campos de estágio
que estão, na sua maioria, nas escolas públicas. Na prática, o que se observa é que as escolas
da rede privada de ensino tendem a dificultar o acesso de estagiários no seu interior. Isso,
logicamente, é perceptível na prática, pois basta observarmos a quantidade de alunos dos
cursos de licenciatura que procuram por estas instituições e não conseguem abrir espaços para
seus estágios. Já no âmbito da escola pública, existe a manifestação do Conselho Estadual de
Educação de Minas Gerais que regulamenta esta atividade (Parecer 701/2001) nas escolas
públicas, como intermediário desse processo para garantir o campo para os estagiários,
respeitando o disposto na Lei 9.394/96 (art. 65 LDB).
Portanto, a lei que obriga o estudante dos cursos de licenciatura a práticas de ensino,
na forma de estágio curricular, tem interferido nesse processo para garantir espaço aos
estudantes, uma vez que há dificuldades na formação de parcerias entre acadêmicos e
instituições como campo de estágio. Essa situação já demonstra uma relação difícil entre a
teoria e a prática que está sendo abordada nesta pesquisa.
Nas discussões em torno de novas propostas curriculares para a formação de
professores tem estado presente o papel do estágio, visto como um problema cuja solução não
é fácil. O estágio é analisado sob vários enfoques que envolvem as efetivas condições para a
sua realização: carga horária de professores e alunos e, também, as várias concepções em
torno da sua finalidade e real função na formação docente. Pimenta (2001, p. 15) chegou a
afirmar que “[...] uma vez que o Estágio não é práxis. É atividade teórica, preparadora de uma
práxis”, isto é, a possibilidade de aprender através deste para se colocar em prática depois.
No Brasil, os cursos de formação de profissionais para o exercício da docência
exigem apenas o cumprimento do estágio curricular. Nesse caso, pode ter sido criada uma
expectativa quanto aos ganhos em torno da aquisição da prática necessária para atuar numa
sala de aula. O estágio acaba sendo visto como uma parte “prática” da formação docente e as
demais disciplinas como “teóricas” (PIMENTA, 2001).
Concretamente, antes da aprovação da Lei 5692/1971, a formação de professores
para o 1º grau ficava sob a responsabilidade das chamadas “Escolas Normais”. Depois da lei,
as instituições eram vistas como especializadas para a “Habilitação ao Magistério
(PIMENTA, 2001). Como as “Escolas Normais” eram regidas por legislação estadual, tem-se
que “Em Minas Gerais o Decreto 11501/34 colocava como uma das disciplinas do curso a
“Prática Profissional”, que seria realizada nas escolas regulares, e a “Prática Pedagógica” nas
Escolas Normais rurais, além da disciplina de “Metodologia”” (PIMENTA, 2001, p.23).
A diferença na legislação entre os estados só foi revista a partir da Lei Orgânica do
Ensino Normal, em 02 de janeiro de 1946 – Decreto-Lei 8530/46, estabelecendo um currículo
igual para todo o país, cabendo aos estados acrescentar ou desmembrar as disciplinas desse
currículo.
A aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro
de 1961 – Lei 4024/61, não chegou a alterar a formação do professor primário. No decorrer da
década de sessenta, o sentido do conceito de prática presente era o “da prática como imitação
de modelos teóricos existentes” (PIMENTA, 2001, p. 29). Na seqüência, justifica dizendo
que: “A prática docente poderia, pois, ser conhecida através da observação de bons modelos e
da reprodução dos mesmos”.
A busca do professor como profissional acompanhou o processo de urbanização que
levou ao aumento da demanda pela escolaridade primária. Esse quadro se amplia com a
exigência da lei para que ocorresse o exercício legal da profissão, num contexto de
desenvolvimento técnico-organizacional. Durante muito tempo, a prática docente foi vista
como uma ocupação para as “mulheres” bem nascidas (economicamente), onde a sociedade
via essa ocupação apenas como uma extensão das atividades do lar, um papel de mãe e de
esposa, como uma verdadeira “missão”. Mas, a partir de então, surge a necessidade de
estruturar a formação de profissionais para atender à educação, não sendo mais aceita essa
visão de “missão” para “mulheres bem nascidas”. (PIMENTA, 2001).
A preocupação com a prática surge “No 1º Congresso Brasileiro de Ensino Normal,
realizado em 1965 pela Associação Brasileira de Ensino Normal (1965); recomendava-se que
“toda Escola Normal disponha de uma escola primária de aplicação, para a prática constante
de seus alunos” (PIMENTA, 2001, p. 40).
A Lei 5692/71 propôs mudanças na estrutura e no conceito de Ensino Normal,
quando estabeleceu a modificação no ensino primário, secundário e colegial para 1º e 2º
graus, trazendo para este último uma concepção profissionalizante. Novamente a educação se
presta a atender a uma demanda conjuntural de profissionais para o exercício do magistério
(PIMENTA, 2001).
[...] no cap. III – do ensino de 2º grau, art. 22: “O ensino de 2º grau terá três
ou quatro séries anuais, conforme previsto para cada habilitação”. No caso
da habilitação específica ao magistério, poderá ter três anos de duração.
Neste caso, seus egressos poderão lecionar da 1ª a 4ª séries do 1º grau.
Poderá, ainda, ter quatro anos de duração, podendo seus egressos lecionar
em até a 6ª série. E, excepcionalmente, onde não houver professores
habilitados em quantidade suficiente, lecionarão até a 8ª série (PIMENTA,
2001, p. 46).
Nessa nova proposta, foi aprovado o Parecer CFE 349/72, referente à atividade
prática no currículo:
A Didática fundamentará a Metodologia do Ensino, sob o tríplice aspecto de
planejamento, de execução do ato docente-discente e de verificação da
aprendizagem, conduzindo à Prática de Ensino e com ela identificando-se
sob a forma de estágio supervisionado. Deverá a Metodologia responder às
indagações que irão aparecer na Prática de Ensino, do mesmo modo que a
Prática de Ensino tem que respeitar o lastro teórico adquirido da
Metodologia (PIMENTA, 2001, p. 47).
O Parecer diz, ainda, que “A Prática de Ensino deverá ser realizada nas próprias
escolas da comunidade, sob a forma de estágio supervisionado”, acrescentando, a título de
explicação:
Quando dizemos escolas da comunidade, estamos indicando o procedimento
que nos parece o mais aconselhável, isto é, que o estágio seja realizado quer
em escolas da rede oficial, quer da rede particular. Não deverão ser
selecionadas somente escolas que não representam a realidade educacional
do Estado, pois só assim o professorando conhecerá as possibilidades e as
limitações de uma escola real.
Sempre que possível as escolas deverão representar verdadeiro, mas positivo
campo de estágio, para que o futuro mestre receba os exemplos salutares que
lhe servirão de modelo e inspiração na sua atividade docente (PIMENTA,
2001, p. 47-48).
Para Pimenta, esse Parecer 349/72 propõe uma imitação de modelos, como se a
realidade fosse verdadeira e positiva, trazendo a prática como uma atividade reprodutora
daquilo que é considerado positivo dentro de um contexto próprio. Concluindo, o documento
ainda trata o estágio como prática e a Didática como teoria, mantendo uma “dissociação”
entre a teoria e a prática, mesmo em defesa do contrário (PIMENTA, 2001, p. 48).
Com relação à Prática de Ensino, o aluno-mestre, por meio de atividades
diversas de observações diretas, compreenderá a estrutura, a organização e o
funcionamento da escola de primeiro grau e entrará em contato com seu
futuro campo de trabalho. Deverá, ainda, aprender técnicas exploratórias que
lhe permitam identificar e dimensionar os recursos comunitários, bem como
estagiar em instituições que desenvolvam atividades relacionadas com sua
futura habilitação. Poderá ser anterior, concomitante e posterior à Didática,
embora não haja dúvida de que a concomitância tem vantagens sobre as
outras duas, por manter praticamente indissociáveis a teoria e a prática, isto
é, o que se deve fazer e o que realmente se faz.
Um dos argumentos de Selma Garrido Pimenta (2001) está relacionado à clientela
que dominou a Habilitação Magistério nos anos 1980. Concluiu que a maioria dos alunos não
tinha a intenção de exercer o magistério e, também, boa parte desses alunos era proveniente
das classes mais pobres, apresentando deficiência nos campos da “psicologia da
aprendizagem”, da cultura, dos valores humanos e ideais que não eram (ou não são)
explicados pelas teorias observadas nos cursos de formação de professores. Por apresentar tais
deficiências, os alunos passaram a cobrar dos cursos formadores atividades mais práticas,
pois, segundo estes alunos “na prática a teoria é diferente”, onde não conseguem estabelecer
uma relação entre a teoria necessária para embasar a formação profissional, da colocação em
prática de um conjunto de conhecimentos necessários à compreensão dessa mesma prática.
Na seqüência, após analisar uma pesquisa feita pela Secretaria de Educação do
Estado do Paraná, Pimenta (2001, p. 61) destacou o reconhecimento dessas autoridades em
relação à prática de Estágio, “por considerá-la essencial na formação de professores
compromissados com o processo de democratização social”. Os dados apurados indicavam
que havia poucas escolas dispostas a receber estagiários e uma falta de coordenação no
acompanhamento dos estágios devido à grande quantidade de alunos exercendo estas
atividades. Dentro das escolas, os alunos estagiários não eram muito bem recebidos pelos
professores por serem vistos como “intrusos a serviço de alguém” interessados em vigiá-los.
Além dessas dificuldades, foram apuradas distorções em relação às atividades de estágio,
tanto do ponto de vista do tratamento recebido pelo estagiário, quanto pela falta de
compromisso de professores dos cursos de formação com o próprio estágio, por não haver
espaço para o debate em torno das atividades observadas no campo de estágio. Nesse contexto
surge, também, a dificuldade de se estabelecer o fio condutor da relação teoria e prática, pois
os estágios acabam sendo exercidos na forma de etapas fixas de observação, participação e
regência, sendo que no quesito observação, o aluno acaba ficando na condição de mero
visitante. Outro ponto polêmico diz respeito ao fato de o estágio ser transformado em
atividade burocrática de preenchimento de fichas e relatórios. Já dentro da sala de aula, se
tornam auxiliares na correção de cadernos. No que se refere à relação entre as instituições
formadoras e de prática do estágio, estas não estabelecem nenhum tipo de vínculo e, portanto,
não mantêm contato entre si. Por fim, cabe destacar que os alunos dos cursos noturnos, que
normalmente são trabalhadores em outros turnos, apresentam grandes dificuldades para o
cumprimento do estágio, alegando falta de tempo. O que colabora com essas dificuldades é a
ausência de planos de estágio integrados nos seus diversos níveis de execução por todas as
dificuldades aqui apresentadas e levantadas pela pesquisa de Pimenta (2001).
No decorrer da sua pesquisa, Pimenta acrescenta a fala de uma professora que afirma
categoricamente que:
Como esses estágios não acrescentavam nada às alunas, que, por sua vez, já
não estavam muito interessadas, instaurava-se a burla: se na escola houvesse
uma professora que era amiga da mãe etc., esta conseguia as assinaturas
necessárias para comprovar a realização do estágio – inventavam-se fichas
de observação, de participação. Contudo, penso que a aluna ainda assim
poderia aprender algo, estando ali, no meio escolar, olhando..., mas nem isso
era possível, pois ela não tinha qualquer orientação por parte da escola, uma
vez que lhe era exigido apenas o cumprimento burocrático de preencher
fichas, entregar ao professor e ponto. Como o professor coordenador do
estágio não tem tempo para acompanhar... [...] não havia nenhum trabalho
conjunto dos professores, nenhuma interdisciplinaridade, nem discussão de
pólos temáticos (PIMENTA, 2001, p. 63).
Quanto à relação estabelecida com a instituição da prática do estágio, a grande
maioria dos alunos do CESUBE que participou conosco desse trabalho, expressou a sua
insatisfação com a forma pela qual eram tratados. Muitos argumentavam que a situação era
“constrangedora”, pelo menos no início dos trabalhos, pelo fato de os professores com os
quais tinham contato “desconfiarem” da presença dos alunos na “sua” sala de aula. Nesse
caso, foi acrescentada a argumentação de que eles estavam apenas “cumprindo as horas
obrigatórias”, pois para adquirir efetivamente a sua própria prática e manejo de sala de aula,
muitos defenderam a idéia de que somente no dia em que assumissem a “sua” sala de aula é
que poderiam desenvolver essa prática. A justificativa era a de que os professores,
disfarçadamente, estabeleciam atividades para os estagiários que os mantivessem “longe” dos
seus alunos. Por isso, a tão famosa atividade de “correção de cadernos” para que o estagiário
não ficasse sem nenhuma atividade.
Nessa mesma linha de raciocínio e acrescentando a questão da presença dos
estagiários no campo de estágio, AGN
11
argumenta que “Poderia ter sido melhor.
Infelizmente estagiários não são bem vistos nas escolas, pelo menos na que eu participei
(pública). A resistência das professoras atrapalhou um pouco o meu trabalho”. Este discente,
quando questionado quanto à importância do estágio como prática, argumenta que “A prática
tem um papel fundamental na formação de um educador. Sem ela é impossível assumir uma
sala de aula com segurança”. Já para COM, “Sim. Porém muitas vezes não é possível concluí-
lo devido às restrições feitas tanto pela escola quanto pelos próprios professores”. Mas, ao
perguntar se o estágio foi suficiente para sanar as dúvidas relacionadas às práticas de ensino,
AGN respondeu que “Não. Eu creio que foi insuficiente. Poderia ter sido melhor explorado”.
COM segue na mesma linha: “Gostaria de ter observado isso, mas não foi possível”. OS
11
Todas as iniciais em letra maiúscula se referem aos sujeitos que responderam ao questionário proposto em
palestra para o curso de Pedagogia do CESUBE, turma de dezembro/2006. Dessa forma, garante-se o anonimato
do entrevistado.
respondeu que “Não, pois cada escola tem um segmento de normas e o estagiário fica na
expectativa de que tudo irá se concretizar, mas sabemos que isso fica um pouco a desejar
tanto nos diretores, professores e pedagogos. Portanto, cabe a nós, pedagogos, retirarmos o
aproveitável e melhorar os demais aspectos encontrados nos estágios realizados”.
Quanto ao período de estágio, AGN respondeu que “foi bom, mas poderia ter sido
melhor aproveitado em relação aos professores dessas instituições. Nossa presença constrange
e os deixa receosos, com isso não exploramos mais e nem somos explorados
profissionalmente por eles”. GE foi mais contundente ao trazer a sua visão de estágio como
“Totalmente descartável, talvez porque eu o tenha realizado no local de trabalho. Não me
recordo de nada que tenha chamado a minha atenção que fosse realmente útil ao meu
trabalho. Acreditar que o estágio possibilita a relação da teoria com a prática é utópico”.
Outro sujeito informa que “Meu estágio não foi proveitoso para mim. Acho que devido às
dificuldades de chegar perto dos alunos e professores. Na escola escolhida, as alunas do
estágio eram de certa forma excluídas em um canto da escola somente para cumprir horário”
(COM).
Foi perguntado aos sujeitos dessa pesquisa se estes poderiam estabelecer atividades
de iniciativa própria no campo de estágio. As respostas foram as seguintes: “Não. Devido ao
tradicionalismo da escola e “medo” de alguns professores” (COM). “Não, o espaço era
reservado apenas para atividades com os professores da escola e as estabelecidas pelo
estagiário sofriam resistências e desinteresses por parte de professores regentes de turmas”
(OS). “Na escola pública não, na privada sim. Na pública não tivemos abertura para isso, na
particular os funcionários da escola aceitavam mais as sugestões apresentadas por nós”
(AGN). “Não. Fiquei muito mais como observadora” (GE). Já GFV teve um pouco mais de
espaço, pois respondeu “Sim. Neste colégio as estagiárias têm total liberdade e consentimento
por parte da direção para realizar as etapas do estágio”.
Pimenta (2001) se apoiou nos estudos de Vera Candau & Isabel Lelis (1983) sobre a
relação teoria e prática, apresentando duas visões. Uma, dicotômica, destacando que existe
uma “autonomia da teoria em relação à prática e vice-versa” (PIMENTA, 2001, p. 67), ou
seja, cada um tem o seu campo e seu espaço independentemente de o objeto ser o mesmo,
numa clara visão positivista dessas questões. Em outra vertente, as autoras fazem a defesa de
uma visão de unidade nessa relação da teoria com a prática.
Unidade que não é identidade, mas relação simultânea e recíproca de
autonomia e dependência. Teoria e prática são componentes indissociáveis
da “práxis”, definida, conforme Vasquez (1968: 241), citado pelas autoras,
como “atividade teórico-prática, ou seja, tem um lado ideal, teórico, e um
lado material, propriamente prático, com a particularidade de que só
artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do
outro” (PIMENTA, 2001, p. 67).
A Secretaria da Educação do Estado do Paraná (PIMENTA, 2001, p. 71), através de
documento, trouxe para as atividades de Estágio a seguinte proposta: uma pesquisa-ação que
comporte além da identificação e do estudo, uma possibilidade de intervenção no decorrer
desse processo. Elaboração e execução de projetos que englobem atividades variadas
relacionadas como processo de ensino-aprendizagem, incorporando, também, seminários,
palestras, debates, reuniões, cursos de pequena duração que possam ser organizados pelos
estagiários e apresentados aos professores das séries iniciais. Nesse contexto podem ser
desenvolvidas oficinas de material didático e, também, possibilitar a abertura de espaços para
a ação docente e sua atuação em sala de aula.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a docência é eminentemente uma práxis. Para
tanto, Pimenta (2001, p. 83) esclarece que:
A essência da atividade (prática) do professor é o ensino-aprendizagem. Ou
seja, é o conhecimento técnico prático de como garantir que a aprendizagem
se realize como conseqüência da atividade de ensinar. Envolve, portanto, o
conhecimento do objeto, o estabelecimento de finalidades e a intervenção no
objeto para que a realidade (não-aprendizagem) seja transformadora,
enquanto realidade social. Ou seja, a aprendizagem (ou não-aprendizagem)
precisa ser compreendida enquanto determinada em uma realidade histórico-
social.
No decorrer da leitura da relação teoria e prática, os autores (já mencionados)
abordaram-na deixando bem claro que, apesar de esta ser muito próxima, como uma
verdadeira unidade, não era possível deixar de esclarecer que, nos mais variados enfoques
ainda existe uma “distância” entre ambas nessa relação. Em relação à essa preocupação,
Pimenta (2001, p. 92) argumenta que:
A contraposição entre teoria e prática tem se apresentado de várias formas. A
teoria se vê a si mesma como tão onipotente em suas relações com a
realidade que se concebe como práxis, onde a prática é considerada mera
aplicação ou degradação da teoria. A teoria se coloca como autônoma e não
reconhece na práxis possibilidade de enriquecimento de si mesma.
No entanto, há de se esclarecer que essa relação não pode ser concebida
nesses termos, visto que:
[...] a prática não fala por si mesma. Exige uma relação teórica com ela.
Nega-se, portanto, uma concepção empirista da prática. A prática não existe
“sem um mínimo de ingredientes teóricos” (PIMENTA, 2001, p. 93).
Para o que se busca em relação ao estágio supervisionado no contexto do debate em
torno da relação teoria e prática, observa-se uma visão geral de que o estágio não tem sido um
instrumento de unidade dessa relação teoria e prática, uma vez que tem sido pouco utilizado
para esse fim. O seu cumprimento depende de uma série de situações e a mais aparente é a de
que se não houver controle rigoroso sobre essa prática, os alunos em cursos de formação de
professores não levarão a sério a necessidade de se aproveitar esse momento de aprendizagem
para uma preparação para o enfrentamento da realidade de uma sala de aula.
Não há dúvidas que o estágio é uma importante etapa para a formação de
professores. No entanto, a visão de alguns pedagogos recém-formados não é bem essa. GE
expõe seu ponto de vista: “Eu penso que é necessário modificar este estágio, reelaborar.
Assim como está, não fez a menor diferença para mim. A não ser pelo fato de ter que
preencher aquele monte de formulários”. Para PRF,
Os estágios são, sem dúvida, um importante momento na formação do
professor, já que propiciam momentos de contato entre a teoria e a prática.
Considero, entretanto, que o formato dos estágios deva ser repensado,
transformando esse tempo em momentos mais produtivos e mais propícios à
reflexão. Antigamente, nos antigos cursos normais, havia uma escola
primária anexa às escolas normais, onde os alunos praticavam diariamente
junto com professores preparados para recebê-los. Conversando com as
antigas professoras, formadas na década de 1930, pude perceber que esse
modelo parece ter sido bastante eficaz: todas as professoras me disseram
que, ao deixar a escola normal, não tiveram a menor dificuldade em assumir
uma sala de aula. Será que o atual modelo de estágios supervisionados
representa uma evolução em relação a esse antigo modelo? Tenho minhas
dúvidas.
Esta última citação nos remete à importância da rotina para o aprimoramento do
profissional da educação. Nesse sentido, Tardif (2002, p. 101) buscou em Giddens (1987) o
conceito de rotinização “que nos parece pertinente para estabelecer uma associação entre os
saberes, o tempo e o trabalho”. Essa rotina também é considerada um meio de intermediar as
complexas relações do cotidiano e, por isso Tardif (2002) amplia essa sua visão por não
aceitar que
[...] a rotinização do ensino seja apenas uma maneira de controlar os
acontecimentos na sala de aula. Enquanto fenômeno básico da vida social, a
rotinização indica que os atores agem através do tempo, fazendo das suas
próprias atividades recursos para reproduzir (e às vezes modificar) essas
mesmas atividades. No nosso caso, ela demonstra a forte dimensão
sociotemporal do ensino, na medida em que as rotinas se tornam parte
integrante da atividade profissional, constituindo, desse modo, “maneiras de
ser” do professor, seu “estilo”, sua “personalidade profissional”. No entanto,
a menos que o ator se torne um autômato, a rotinização de uma atividade,
isto é, sua estabilização e sua regulação, que possibilitam sua divisão e sua
reprodução no tempo, repousa num controle da ação por parte do professor,
controle esse baseado na aprendizagem e na aquisição temporal de
competências práticas. Ora, a força e a estabilidade desse controle não
podem depender de decisões voluntárias, de escolhas, de projetos, mas sim
da interiorização de regras implícitas de ação adquiridas com e na
experiência. É aqui, a nosso ver, que os saberes da história de vida e os
saberes do trabalho construídos nos primeiros anos da prática profissional
assumem todo o seu sentido, pois formam, justamente, o alicerce das rotinas
de ação e são, ao mesmo tempo, os fundamentos da personalidade do
trabalhador. A organização do tempo escolar em etapas, ciclos e anos, e a da
vida na sala de aula em função das estações do ano ou das festas do
calendário religioso ou civil marcam também, como pontos de referência
coletivos, os saberes dos professores sobre sua prática, as aprendizagens que
os alunos realizam na escola e as relações com os pais e a comunidade em
torno da escola. O estudo de tais regularidades é, portanto, fundamental para
entender a natureza social e a evolução do trabalho docente, pois elas não se
reduzem a formas exteriores ou a simples hábitos, mas estruturam o
significado que os atores atribuem às suas atividades e às relações sociais
que elas desencadeiam (p. 101-102).
Os saberes dos profissionais docentes carregam em si as características do “ser”
humano. Uma vez que o trabalho docente é realizado com seres humanos, é necessário
observar as particularidades inerentes a esse ofício. A rotina possibilita essa visão em linhas
gerais e, também, específicas, uma vez que as particularidades vão sendo expostas pelos
sujeitos no decorrer do processo de ensino-aprendizagem. Talvez seja normal essa visão dos
docentes recém-formados, uma vez que não vivenciaram essa rotinização ainda. Ela só será
possível quando estes assumirem a sala de aula e passarem a vivenciar o cotidiano das
práticas de ensino. Nesse sentido, Tardif volta a contribuir com essa pesquisa quando
argumenta que
[...] os saberes docentes são temporais, plurais e heterogêneos,
personalizados e situados, e que carregam consigo as marcas do seu objeto,
que é o ser humano. Ora, os conhecimentos teóricos construídos pela pesquisa
em ciências da educação, em particular os da pedagogia e da didática que são
ministradas nos cursos de formação para o ensino, não concedem ou
concedem muito pouca legitimidade aos saberes dos professores, saberes
criados e mobilizados através de seu trabalho. Na formação inicial, os saberes
codificados das ciências da educação e os saberes profissionais são vizinhos
mas não se interpenetram nem se interpelam mutuamente (2002, p. 269).
A partir dessas palavras, pode-se compreender melhor algumas respostas obtidas
através dessa pesquisa, quando os sujeitos pesquisados questionam o próprio papel do estágio
e os obstáculos que enfrentam na sua efetivação. Essa realidade tem a ver com a idealização
dos cursos de formação de professores que apresentam um formato segundo o qual os alunos
devem passar alguns anos assistindo aulas cujos conhecimentos propostos se baseiam em
teorias cientificamente aprovadas. Em seguida, devem iniciar o período de estágio para
“aplicar” tais teorias. Quando se formam, passam a atuar diariamente sozinhos em suas salas
de aulas, aprendendo efetivamente o ofício de professor, constatando, na grande maioria das
vezes, que os conhecimentos propostos no curso de graduação não se aplicam às ações
cotidianas para o enfrentamento dos problemas que envolvem a educação que são,
praticamente, diários. Nessa linha de raciocínio, Tardif (2002, p. 271) apresenta sua
preocupação em relação aos modelos de formação de professores, explicitando dois
problemas:
Primeiro problema: ele é idealizado segundo uma lógica disciplinar e não
segundo uma lógica profissional centrada no estudo das tarefas e realidades
do trabalho dos professores. Ora, a lógica disciplinar comporta duas
limitações maiores para a formação profissional: [...] por ser
monodisciplinar, ela é altamente fragmentada e especializada [onde as
disciplinas não têm relação entre si]
12
; [...] a lógica disciplinas é regida por
questões de conhecimento e não por questões de ação. [...].
Segundo problema: esse modelo trata os alunos como espíritos virgens e não
leva em consideração suas crenças e representações anteriores a respeito do
ensino. Ele se limita, na maioria das vezes, a fornecer-lhes conhecimentos
proposicionais, informações, mas sem executar um trabalho profundo sobre
os filtros cognitivos, sociais e afetivos através dos quais os futuros
professores recebem e processam essas informações. [...] Conseqüentemente,
a formação para o magistério tem um impacto pequeno sobre o que pensam,
crêem e sentem os alunos antes de começar. Na verdade, eles terminam sua
formação sem terem sido abalados em suas crenças, e são essas crenças que
vão reatualizar no momento de aprenderem a profissão na prática e serão
habitualmente reforçadas pela socialização na função de professor e pelo
grupo de trabalho nas escolas, a começar pelos pares, os professores
experientes.
Na ocasião em que entrevistamos os alunos do Centro de Ensino Superior de
Uberaba (CESUBE), na busca de informações que pudessem ser dadas pelos próprios
discentes, algumas dessas questões estiveram presentes. Os profissionais egressos dos cursos
de formação de professores deixam escapar, pelas suas palavras, essa “crença” que carregam
consigo, como afirma Tardif. Quando questionam ou criticam as práticas de ensino no período
de preparação, como o caso do estágio curricular, esses profissionais estão demonstrando que
a sua crença na prática docente é maior do que a crença nas teorias propostas no âmbito do
curso de graduação.
É importante observar, ainda, quando Tardif (2002, p. 276) avalia a situação
afirmando que “[...] essa ilusão faz com que exista um abismo enorme entre nossas “teorias
professadas” e nossas “teorias praticadas”. Ou seja, o próprio autor vem colaborar com o
nosso problema de pesquisa, onde a distância entre a teoria e a prática de ensino, observada a
partir do senso comum, foi amplamente confirmada por este e vários outros autores aqui
utilizados. Isso significa que o problema realmente existe e, por isso, “elaboramos teorias do
ensino e da aprendizagem que só são boas para os outros, para nossos alunos e para os
professores. Então, se elas só são boas para os outros e não para nós mesmos, talvez isso seja
12
Grifo nosso.
a prova de que essas teorias não valem nada do ponto de vista da ação profissional, a começar
pela nossa”. (TARDIF, 2002, 276).
Há um pouco de constrangimento em reproduzir essa fala de Tardif, pois nos pareceu
dura demais e que não precisamos ser tão extremistas e jogar fora tudo o que existe de teoria,
mas que pelo menos nos leve a avaliá-las e buscar uma real aplicação para as mesmas.
No decorrer da análise das respostas apresentadas pelo grupo de recém-formados, é
possível trazer de volta ao debate os resultados obtidos por Pimenta (2001) a partir da análise
de documentos de pesquisa efetuada pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná
(destacados anteriormente). Os resultados apresentados nas entrevistas demonstram uma
importante afinidade com o que foi apurado até aqui nesse trabalho. Por isso, devemos levar
em conta que o fenômeno não é localizado e, nesse caso, há de se esperar que medidas sejam
tomadas no sentido de equacionar tais problemas que a formação de professores tem
enfrentado.
Ao se partir para a análise da realidade da formação de professores e a prática que
estes irão estabelecer no seu cotidiano como profissionais da educação, deve-se levar em
conta que a experiência adquirida irá funcionar como uma importante fonte de saber para o
profissional da educação. Tardif (2002) nos faz atentar para o detalhe de que o saber dos
professores não se origina de apenas uma fonte, mas de várias fontes e contextos históricos
também variados. Nesse caso, é mais do que natural o surgimento de conflitos entre os
saberes nessa prática diária. Por isso, o profissional tende a hierarquizar determinados saberes
na medida em que uns são mais aplicados que outros nesse cotidiano da prática de ensino.
Nessa ótica, os saberes oriundos da experiência de trabalho cotidiana
parecem constituir o alicerce da prática e da competência profissionais, pois
essa experiência é, para o professor, a condição para a aquisição e produção
de seus próprios saberes profissionais. Ensinar é mobilizar uma ampla
variedade de saberes, reutilizando-os no trabalho para adaptá-los e
transformá-los pelo e para o trabalho. A experiência de trabalho, portanto, é
apenas um espaço onde o professor aplica saberes, sendo ela mesma saber
do trabalho sobre saberes, em suma: reflexividade, retomada, reprodução,
reiteração daquilo que se sabe naquilo que se sabe fazer, a fim de produzir
sua própria prática profissional (TARDIF, 2002, p. 21).
A importância de estabelecer esse diálogo com Maurice Tardif visa clarear as
possibilidades de respostas dadas pelos sujeitos com os quais estivemos reunidos, uma vez
que a restrição dos pontos de vista dessa relação teoria e prática é, também, um limitador para
as suas respostas dentro dessa discussão. A prática profissional possibilita ao docente interagir
com outros seres humanos que apresentam uma realidade e uma história de vida diferenciada.
Ao analisar essa interação, Tardif (2002, p. 22) questiona os seus efeitos: “em que e como o
fato de trabalhar seres humanos e com seres humanos repercute no trabalhador, em seus
conhecimentos, suas técnicas, sua identidade, sua vivência profissional?”. Sob o paradigma da
influência da sociedade moderna capitalista, as instituições de ensino, sejam públicas ou
privadas, estabeleceram-se como organizações que visavam e ainda visam um “tratamento de
massa e em série” para o ensino, dentro de uma visão de mundo que busca um resultado. Esse
resultado é que não tem sido satisfatório em termos de aproveitamento e rendimento por parte
dos estudantes nas mais variadas etapas. Se fosse localizado o problema do ensino, se tornaria
mais fácil a busca de soluções. No entanto, o problema, além de ser generalizado, incorpora
inclusive a preocupação sobre a formação de profissionais para a educação que atendam uma
demanda pela melhoria na qualidade do ensino brasileiro.
No decorrer da reunião foram introduzidas as questões ligadas aos objetivos dessa
pesquisa. Foi proposta a discussão em torno das teorias que eram vistas no decorrer do curso e
a sua aplicabilidade nas práticas observadas no período do cumprimento do estágio. Nesse
ponto os alunos informaram que, em termos gerais, os professores não se interessavam por
elas, afirmando que “uma coisa é o que você aprende no seu curso, outra coisa é como a
realidade se apresenta”. O comentário geral era o de que não adiantava os alunos aprenderem
as teorias “bonitas” no curso, pois na hora da prática “o professor tem que se virar para
resolver os problemas que vão surgindo”, “não adianta ir procurar na teoria, pois ali não está
escrito nada que se possa aproveitar para o seu dia-a-dia na escola”. Os próprios alunos
argumentavam que essa situação lhes soava um tanto incoerente, pois nas aulas teóricas o
professor tinha sempre uma boa explicação para a realidade da educação nacional, mas no
momento do estágio, não havia espaço para discutir com os professores essas teorias.
Como a atividade docente é um trabalho interativo, os profissionais recém lançados
ao mercado não apresentam essa visão de interação por não ter sido possibilitado, no decorrer
da prática do estágio, uma maior aproximação entre estagiário e alunos. O desejável é que,
dentre as preocupações quanto à reformulação, esteja expressa uma nova articulação
curricular que possibilite um equilíbrio dos mais variados campos do conhecimento na
formação de professores, que estabeleça novas bases para esse processo, além de uma
proximidade maior entre as instituições envolvidas, no sentido de possibilitar ao aluno
estagiário um maior espaço de atuação.
Até agora, a formação para o magistério esteve dominada, sobretudo, pelos
conhecimentos disciplinares, conhecimentos esses produzidos geralmente numa redoma de
vidro, sem nenhuma conexão com a ação profissional, devendo, em seguida, serem aplicados
na prática por meio de estágios ou de outras atividades do gênero. Essa visão disciplinar e
aplicacionista da formação profissional não tem mais sentido hoje em dia, não somente no
campo do ensino, mas também nos outros setores profissionais (TARDIF, 2002, p. 23).
O fato de os alunos verem essa reunião e o debate em torno do papel do estágio na
formação de professores como algo “meramente circunstancial”, fez com que buscássemos
outra forma de consulta aos alunos. Numa outra ocasião, foi aplicado um questionário para
que pudessem dar o seu testemunho em questões mais específicas e direcionadas aos objetivos
desse trabalho.
Uma das respostas que aparece na pesquisa diz respeito a essa preocupação de Tardif
destacada anteriormente. Uma vez questionado sobre o papel do estágio curricular para a sua
formação, AGN responde que “o papel do estágio é dar uma base prática para relacionarmos
com as teorias apresentadas em sala de aula”. Já PRF aprofunda um pouco mais essa visão,
informando que o estágio tem “(...) o papel de colocar o aluno em contato efetivo com a
prática docente, criando situações onde o futuro pedagogo possa relacionar os conhecimentos
teóricos construídos em sala de aula com a prática real das escolas brasileiras, produzindo
uma síntese que irá modificar a teoria inicial”. Em seguida, sendo questionado quanto ao fato
de as atividades práticas possibilitarem ao discente relacionar teoria e prática, estes
responderam: “pude perceber que nem tudo que é ensinado na sala de aula é concretizado nas
escolas. A realidade é bem diferente da teoria” (AGN).
Creio que os estágios foram bastante importantes para mim, já que a cada
situação de ensino-aprendizagem surgida nos locais de prática, eu procurava
relacionar com a teoria e, automaticamente, buscava entendê-las e modificá-
las sob a perspectiva de alguma teoria pedagógica. O ponto falho, a meu ver,
é a dificuldade imposta por algumas escolas (e isso também aconteceu
comigo) para que o estagiário possa utilizar o tempo de estágio para fazer
exercício de reflexão; pela falta de organização dessas atividades, muitas
vezes o estagiário torna-se um mero auxiliar do professor regente, realizando
tarefas que pouco propiciam momentos de reflexão sobre a teoria e a prática
(PRF).
Nesse caso, os discentes até concebem a importância das práticas de ensino em
termos de formação de professores, mas na hora de se fazer a relação teoria e prática, esse
momento não é bem aproveitado. Isso foi confirmado quando questionado acerca da
observação das práticas docentes diárias; se havia a presença das teorias propostas no curso de
Pedagogia. “Não. Infelizmente há muitos professores despreparados e sem motivação. Nem
tudo que aprendemos, vemos na sala de aula” (AGN). Para OS, “A forma de se trabalhar
estava presente apenas na teoria, mas a prática ficou a desejar. Os alunos eram rotulados o
tempo todo pela sua dificuldade em sala de aula”.
Quando o assunto é a formação em termos práticos, através do estágio curricular,
temos respostas que variam devido à atividade do discente. Por exemplo, quando GFV afirma
que “O estágio curricular é uma oportunidade principalmente para quem não trabalha em
escola ou na sala de aula, de colocar em prática os conhecimentos teóricos. O que só
enriquece nossa formação”; OS diz que “Na prática, torna-se bastante diferente em tudo que
aprendemos, mas uma coisa é certa, faço o correto e acredito nas mudanças mesmo que seja
lentamente. O que não pode acontecer é fazer de conta que está mudando para melhor”. Nessa
linha, temos, ainda COM que faz uma afirmativa contundente: “Não analiso através do
estágio e sim da minha vivência com o trabalho. E é sempre possível crescer a cada dia”. Em
termos de aproveitamento das atividades ligadas ao estágio, PRF considera que “Neste caso,
acho que não posso dizer o mesmo. O tempo de estágio foi importante, sem dúvida, para
minha formação, mas poderia ter sido muito melhor. Creio que a falta de preparação das
escolas em acolher estagiários é a grande vilã desse processo. O meu tempo de estágio
poderia ter sido muito melhor aproveitado, o que não aconteceu”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na formação inicial, no contexto da graduação, mais especificamente nos cursos de
licenciatura, os alunos se habituaram a questionar essa relação teoria e prática. É comum o
discente argumentar que “basta, então, colocar aquela teoria (publicada naquele livro ou
artigo) em prática para a solução dos problemas relacionados à educação”? Infelizmente essa
questão não é tão simples assim. Quando se avança nas investigações que permeiam a relação
teoria-prática observa-se que as variáveis envolvidas para a solução dos problemas
educacionais e, também, aqueles que surgem no âmbito da formação dos profissionais da
educação, transcendem as visões e as explicações simplistas oriundas das argumentações,
sejam elas provenientes do senso comum, ou da mais especializada das academias.
Deve-se destacar que dentro dessas variáveis estão contidos os discursos que
envolvem as políticas públicas que dão ênfase à importância da educação, colocando-a como
prioridade máxima nos discursos eleitoreiros. No entanto, na prática, são negados os meios
indispensáveis à colheita de frutos positivos, tendo em vista a realidade da educação
brasileira, levando-se em conta aspectos relacionados, inclusive, com as condições de trabalho
dos professores. As propostas contidas nos projetos político-pedagógicos são impecáveis,
porém, quando colocados em prática, esbarram em obstáculos relacionados tanto às condições
materiais de trabalho, quanto à própria formação do profissional da educação.
Nesse sentido, os professores não podem sair às ruas com faixas clamando por uma
melhor formação profissional. Nenhum professor irá afirmar-se despreparado para as suas
atividades. Mas, o aluno em formação pode exigir e cobrar por mais qualidade. Esse aluno,
que cursa uma licenciatura, no período noturno, após trabalhar por oito, dez, ou mais horas,
também não está com disposição para a superação. “O que interessa é o diploma”. E quando o
assunto é o estágio curricular obrigatório: “vamos procurar um local onde a gente já conhece
alguém que possa “facilitar” o processo, ou seja, de preferência que nem precise ir até o local
de estágio”. É aterrador, mas é verdade e é uma prática mais comum do que se pensa.
Apesar de não ser parte integrante dessa pesquisa, é importante analisar, por
exemplo, o papel fundamental das políticas públicas para a solução dos problemas em questão
e, mais ainda, para a melhoria na qualidade da formação de professores, inclusive, no que se
refere ao distanciamento observado entre a teoria e a prática, no que diz respeito à separação
entre os que apresentam propostas e aqueles que executam o que ficou estabelecido em outro
ambiente, muitas vezes bem distante da instituição educacional. O Conselho Federal de
Educação toma as suas resoluções, publica-as e as escolas “correm” para se adequar às novas
exigências. Os que pensam os projetos e os que os executam estão em realidades tão
diferentes que o resultado é a crescente fragmentação e desarticulação entre os profissionais
da educação, fazendo com que o discurso em relação à base comum nacional se perca no
eterno horizonte das possibilidades nem sempre tangíveis.
O discurso da base comum nacional acabou por se transformar em uma espécie de
sinalização de atenção na esfera da superação dos problemas recorrentes da educação. As
manifestações desses problemas são das mais variadas ordens, passando, novamente, pelo
distanciamento entre teoria e prática; na apresentação de distinção entre os sujeitos como
professores/educadores/especialistas da educação, como se fossem seres que lidassem com
objetos absolutamente distintos; a fragmentação dos saberes, onde cada área se limita àquilo
que se auto-determina; o lugar pedagógico dos estágios curriculares e práticas de ensino que
acabam sendo colocados num plano secundário nos cursos de licenciatura; na distinção entre
o que vem a ser bacharelado e licenciatura; entre departamentos e coordenações; no peso
atribuído à pesquisa (ou na ausência desta), diferentemente das questões administrativas,
como se fosse possível separar as atividades dentro de uma instituição de ensino; como se a
instituição de ensino pudesse ser desvinculada da realidade social, econômica, política etc.; o
próprio distanciamento entre as instituições formadoras de professores do sistema regular de
ensino, ou seja, o ensino superior de um lado e, de outro, os demais graus; a visível separação
entre as dimensões que deveriam se complementar, como a cognitiva, a ética e a política na
formação dos professores; a ausência nos currículos de espaços para as ciências sociais, e
tantas outras considerações que poderiam ser descritas aqui.
Partir para a análise dos pressupostos teórico-metodológicos dentro da concepção de
reformulação dos cursos para a garantia de uma maior dinâmica curricular já tem sido tema de
muitos estudos e pesquisas. Todos argumentam que a atualidade tem cobrado ações no
sentido de um currículo mais compatível com o dinamismo da sociedade contemporânea, mas
que continua sendo construído num ambiente longe de onde as práticas acontecem. Os planos
e programas preestabelecidos, assim como objetivos e métodos, em instâncias em que não
acontece a educação, não facilitam para a busca de uma solução para os muitos problemas da
educação brasileira. Para Marques,
Devem ser consensualmente validados sempre de novo os critérios sobre o
que se tem de ensinar e aprender, quando e como, numa sociedade que se
quer democrática e pluralista, atenta aos valores e interesses de indivíduos e
grupos em igualdade de oportunidades, cônscia das peculiares relações que
mantém os processos da educação e sensível à incorporação em larga escala
dos avanços científicos e tecnológicos (2003, p. 110-111).
Se estamos falando de um país de dimensões continentais, como estabelecer
oportunidades iguais para todos com uma estrutura centralizadora e que determina uma regra
igual e geral para todos, de norte a sul e de leste a oeste? Existe um histórico socioeconômico
e cultural bastante diversificado que impossibilita a hegemonização de uma legislação
educacional inclusiva e de oportunidades. Será que isso não é discutido no âmbito da
burocracia estatal? Se a dinâmica do currículo aqui já enfatizado concebe o conhecimento
como produção histórica, então essas diferenças culturais já impossibilitam a apropriação de
resultados em escala nacional. “Como produção social/histórica, o conhecimento se constrói
na ação e na palavra dos homens que dão sentido às suas relações intersubjetivas e às suas
objetivações sempre reconstruídas no mundo em que vivem e que constituem para viver”
(MARQUES, 2003, p. 111). Nesse sentido, a educação “é a atividade prática em que se
vinculam as gerações entre si no intuito de darem sentido à práxis coletiva em que aliem seus
interesses cognitivos e expressivos a seus interesses emancipatórios de transformação social”
(MARQUES, 2003, p. 111).
Nessa linha de raciocínio, pode-se trazer a visão de Tardif (2002, p. 103), quando diz
que “os fundamentos do ensino são, a um só tempo, existenciais, sociais e pragmáticos”. Os
saberes profissionais de um docente não podem ser vistos como um sistema cognitivo, como
se fosse um computador que processa as informações e que, quando algo acontece “fora do
que foi planejado” deve ser descartado como “errado”. Afinal, se não estava previsto isso ou
aquilo, então não serve para a educação. Se cada realidade se impõe à sua maneira ao
profissional, não há como determinar a priori a teoria adequada para aquela realidade.
[...] os saberes que servem de base ao ensino estão intimamente ligados tanto
ao trabalho quanto à pessoa do trabalhador. Trata-se de saberes ligados ao
labor, de saberes sobre o trabalho, ligados às funções dos professores. E é
através do cumprimento dessas funções que eles são mobilizados, modelados,
adquiridos, como tão bem o demonstram as rotinas e a importância que os
professores dão à experiência. Trata-se, portanto, de saberes práticos ou
operativos e normativos, o que significa dizer que a sua utilização depende de
sua adequação às funções, aos problemas e as situações do trabalho, assim
como aos objetivos educacionais que possuem um valor social. A cognição do
professor é condicionada, portanto, por sua atividade; “ela está a serviço da
ação” (Durand, 1996). Esses saberes também são interativos, pois são
mobilizados e modelados no âmbito de interações entre o professor e os outros
atores educacionais e possuem, portanto, as marcas dessas interações tais
como elas se estruturam nas relações de trabalho. Estão, por exemplo,
impregnadas de normatividade e de afetividade e fazem uso de procedimentos
de interpretação de situações rápidas, instáveis, complexas, etc. (TARDIF,
2002, p. 105-106).
É evidente que os docentes em formação ainda não podem demonstrar as suas
próprias práticas e nem há espaço para isso. Basta que se observe uma das ponderações
contidas na pesquisa com pedagogas recém-formadas, quando afirmam que a sua presença no
estágio é motivo, muitas vezes (e não são poucas), de constrangimento por parte do professor
titular, uma vez que este tem a sua própria maneira de interpretar aquela presença “estranha”
na “sua” sala de aula. É como se o seu espaço sagrado do cotidiano estivesse sendo invadido
por seres completamente estranhos e não futuros colegas de profissão.
Com essa realidade observada, não dá para acreditar em mudanças curriculares,
formação de professores na graduação e outras correntes que querem indicar onde está o
problema da educação brasileira. Se há uma tradição dentro das práticas de ensino que leva o
docente a acreditar na sua experiência, então devemos recomeçar essa pesquisa, ou outra
pesquisa, no campo da formação continuada dos professores. Não se vislumbra no horizonte
possibilidade de mudanças na educação nacional sem que seja levado em conta esse
procedimento. Como bem frisou Tardif (2002, p. 106), “Compreender os saberes dos
professores é compreender, portanto, sua evolução e suas transformações e sedimentações
sucessivas ao longo da história de vida e da carreira, história e carreira essas que remetem a
várias camadas de socialização e de recomeço”. Em outra situação, o mesmo autor (2002, p.
137) adverte que “os saberes oriundos das ciências da educação e das instituições de formação
de professores não podem fornecer aos docentes respostas precisas sobre o ‘como fazer’.”
O trabalho docente é um trabalho diferenciado que não consegue apresentar uma
formação profissional que alcance esse diferencial. Após todos esses levantamentos, não há
como acreditar na possibilidade de mudanças nas graduações, no contexto da formação para a
titulação, porque essa formação não é de professores, é, a nosso ver de profissionais que
querem atuar na docência, mas só conseguirão aprender o ofício o dia em que forem
professores, dentro daquela rotina tratada aqui pelo próprio Tardif, refletirem sobre suas ações
e serem críticos da sua própria prática, como abordaram tantos outros autores; aí sim, no
contexto da formação continuada irá pensar-se como tal e buscar melhores formas de atuar.
Tardif ainda argumenta que “o professor não é um trabalhador que se contenta em
aplicar meios e que se comporta como um agente de uma organização: ele é sujeito de seu
próprio trabalho e ator de sua pedagogia, pois ele quem a modela, quem lhe dá corpo e sentido
no contato com os alunos (negociando, improvisando, adaptando) (2002, p. 149). Certamente
isso coloca a sua formação, também, como uma atividade diferenciada. A questão é que, se
formos analisar o que o capitalismo moderno tem influenciado na educação e seus objetivos
para esse ramo, o ponto de vista dessa análise teria que ser diferente, pois se for apenas para a
manutenção do status quo da dominação de uma classe sobre a outra e a reprodução de um
sistema que mantenha o ser humano o mais alienado possível, então as mudanças não
acontecerão.
Por essas e outras análises é que se pode concluir que a formação inicial não pode ser
vista como o fim de uma etapa, mas sim como começo, pois poderia ser estabelecido para os
cursos de licenciatura a importância da educação para uma sociedade e não apenas os
procedimentos e os objetivos que se deve alcançar. Na verdade o que se alcança formando um
cidadão? Poderia isso ser medido através de notas ou conceitos? Se é uma formação humana,
como determinar se está finalizada? Existe fim para a formação humana? Existe um estado
ideal a ser alcançado? Se a prática de ensino é tão importante, por que a atenção dada ao
espaço pedagógico do estágio curricular é tão pequena?
Somos obrigados a fazer nossas as palavras de Pimenta quando conclui que
Conseqüentemente, trata-se de pensar a formação do professor como um
projeto único englobando a inicial e a contínua. Nesse sentido, a formação
envolve um duplo processo: o de autoformação dos professores, a partir da
reelaboração constante dos saberes que realizam em sua prática,
confrontando suas experiências nos contextos escolares; e de formação nas
instituições escolares onde atuam. Por isso é importante produzir a escola
como espaço de trabalho e formação, o que implica gestão democrática e
práticas curriculares participativas, propiciando a constituição de redes de
formação contínua, cujo primeiro nível é a formação inicial (2002, p. 30).
Com base nessa proposta, fica difícil não mencionar que existe a necessidade de
mudanças, também, na formação dos demais profissionais que atuam nas instituições
educacionais, uma vez que se precisa mudar a visão que muitos têm de que a escola é um
espaço somente do diretor. A formação de todos os profissionais da educação é essencial para
acompanhar as mudanças propostas para a formação de professores. Por que será que se fala
tanto na formação de professores e não se menciona a “formação de supervisores” ou
“formação de diretores”? Será que estes outros profissionais não interferem no processo
educacional?
A presença destes autores já mencionados no desenvolvimento desse trabalho,
ajudaram a explicar muitas questões que devemos destacar pela sua pertinência e importância
no debate atual em torno da formação de professores. Uma delas diz respeito à busca da
unidade em torno da relação teoria e prática que nos parece um “eterno discurso” que tende a
se manter no contexto não só da educação, mas de todas as áreas do conhecimento, pela
necessidade de se organizar melhor o conhecimento dentro de cada uma delas.
Analisando o discurso dos alunos, observamos a persistência do debate trazido por
Sacristán (1999) em torno da coexistência de uma racionalidade objetiva com a subjetividade
dos sujeitos envolvidos tanto no processo de formação docente quanto na prática docente no
cotidiano de uma instituição educacional. Até que ponto a rotinização destacada por Tardif
(2002) influencia nesse processo de “acomodação” em torno dos problemas vividos pela
educação nas mais diferentes esferas? Na visão dos alunos egressos do curso de Pedagogia, a
prática do estágio esbarra nessa rotinização, uma vez que os alunos-estagiários se vêem
impedidos de colocar em prática novas formas de se “fazer” educação. Nesse caso, o melhor é
cumprir as horas estabelecidas pela lei e pela instituição formadora sem criar conflitos com as
instituições que recebem estagiários.
Nesse quadro, persiste uma latente complexidade na relação teoria e prática como
algo que não vai se resolver de modo automático na formação de professores. Enquanto
houver a resistência de um lado em aceitar a proposta do outro e vice-versa (no contexto do
Estágio Curricular pode ser observado pelos depoimentos um antagonismo entre as partes)
essa relação deixa de ter espaço para a busca da sua unidade.
Com essa realidade a ser enfrentada, os alunos estagiários tendem a demonstrar
insatisfação com a prática do Estágio Curricular. Isso ocorre por se verem impedidos de
avançar como protagonistas da sua formação no ambiente das práticas de ensino efetivas, pelo
fato de a teoria que eles trazem para a instituição receptora de estagiários não ser bem vinda
pelos profissionais da mesma.
É importante destacar, ainda, que o problema dessa pesquisa está relacionado à
dicotomia visível entre a teoria construída no âmbito da academia e a prática de ensino no
contexto da instituição educacional. O que se observa é que a pesquisa demonstrou não só a
persistência dessa cisão, como uma sinalização de que o fim desse conflito ainda não pode ser
vislumbrado na realidade atual. É perfeitamente perceptível a distância que separa a academia
da escola, como se ambas não fossem parte de um mesmo contexto, ou seja, a educação
superior é uma e os outros níveis se apresentam em outro patamar.
Isso nos faz lembrar que, no Brasil, a educação de base pública é uma e a privada é
outra. Quando chega ao nível superior, dá-se a inversão: os que freqüentaram a escola privada
(de qualidade) ganham espaço na universidade pública (de qualidade), enquanto o que vem da
escola pública (sem qualidade) precisa enfrentar as universidades privadas (sem qualidade),
estudar à noite, trabalhar para pagar por elas, carregando o estigma do péssimo ensino que
teve à sua disposição. A cadeia que forma professores é muito complexa. Se observarmos que
os jovens oriundos das escolas privadas e, portanto, da classe média, costumam pleitear
cursos concorridos e a procura por cursos de licenciatura cai nessa classe social, enquanto
cresce a procura por alunos das classes mais baixas e que, em tese tiveram uma preparação
comprometida na sua base, então, é longo o percurso para a solução do problema da formação
de professores no país.
Acreditamos que vários diagnósticos já foram apresentados em relação aos
problemas da educação brasileira e, por isso, a nossa intenção não é apenas trazer mais um. É
importante destacar que, na medida em que se aprofunda em tais estudos, ao contrário de se
deparar com supostas soluções, o que nos ocorre é que existe problema com a formação de
professores, existe problema na escola envolvendo professores jovens, que acabam de chegar
dos cursos de formação de professores, e aqueles que já estão na instituição há mais tempo,
existe problema com a política educacional, existe problema com a distância que esses
sujeitos estabeleceram entre si e existe uma pergunta que não pode calar: devemos nos
preocupar em melhorar a formação de professores para colher uma geração de cidadãos mais
bem preparados? Ou devemos preparar melhor a geração que temos para colher, no futuro,
profissionais mais bem preparados e comprometidos com a educação?
A nossa visão é de que as reformas necessárias à melhoria dos cursos de formação de
professores já estão atrasadas, no que se refere à graduação. Em termos de formação
continuada, existem vários projetos, alguns eficientes, outros não, mas existem. Nesse caso, a
formação de professores, no âmbito de uma Instituição de Ensino Superior, relativo às
licenciaturas é que deve ser revista com a máxima urgência, além de estabelecer um currículo
mínimo de formação humana, com disciplinas pertinentes, e não apenas a preocupação
conteudista, como se observa hoje em dia. Existe muito trabalho a se fazer em relação à
formação de professores, também, no que se refere ao papel do estágio curricular
supervisionado como ferramenta eficiente na formação docente. Efetivamente não há como
formar professores fora da escola. Isso tem que ser parte de toda uma proposta pedagógica
que já inclua a parceria com as escolas que possam se tornar campo de estágio para os futuros
docentes.
REFERÊNCIAS
ARDOINO, J., BARBIER, R.,GIUST-DESPRAIRIES, F. (1998). Entrevista com Cornelius
Castoriadis. In BARBOSA, J. G., (coord.). Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São
Carlos: Editora da UFSCar, p. 50-72. Apud MARTINS, João Batista. Contribuições Epistemológicas
da Abordagem Multirreferencial para a Compreensão dos Fenômenos Educacionais. Revista
Brasileira de Educação, n. 26, p. 85-94, (Maio/Jun/jul/Ago), 2004.
ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. 6 ed. Petrópolis, RJ: Editora
Vozes, 2000.
BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In:_____. Magia e Técnica, Arte e Política. Obras
Escolhidas, v. 1. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.114-119.
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação acrescida
de legislação complementar. S.d.
BRZEZINSKI, Iria. Fundamentos Sociológicos, Funções Sociais e Políticas da Escola reflexiva e
Emancipadora: algumas aproximações. In: ALARCÃO, Isabel (Org.). Escola Reflexiva e Nova
Racionalidade. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. p. 63-82.
CANDAU, Vera M. A didática e a formação de educadores: a busca da relevância. Revista Ande. São
Paulo, (6): 37-41, 1983. Apud: PIMENTA, Selma Garrido. O estágio na formação de professores:
unidade teoria e prática? 4 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
CASASSUS, Juan. Câmbios paradigmáticos em educación. Revista Brasileira de Educação, n. 20, p.
48-49, (Maio/Jun/Jul/Ago), 2002.
CATANI, Denice Bárbara et alii. (org.) Universidade, escola e formação de professores. São Paulo:
Brasiliense, 1987. Apud: MARQUES, Mário Osório. Formação do Profissional da Educação. 4 ed.
Ijuí, RS: Ed. Uniijuí, 2003.
CHARTIER, Anne-Marie. Fazeres ordinários da classe: uma aposta para a pesquisa e para a
formação. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 26 n. 2, jul./dez. 2000.
CONTRERAS DOMINGO, José. Modelos de professores: em busca da autonomia. In: ______. A
autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002. p. 87-188.
CUNHA, Luiz Antônio. Organização do Campo Educacional: as Conferências de Educação. In:
Educação e Sociedade, n. 9, maio de 1981. p. 5-48. São Paulo: Cortez. Apud MARQUES, Mário
Osório. Formação do Profissional da Educação. 4 ed. Ijuí, RS: Ed. Uniijuí, 2003.
ELLIOTT, J. Action research for educational change. Milton Keynes, Open University Press.
(Tradução para o Espanhol: El cambio educativo desde la investigación-acción. Madri, Morata, 1993).
Apud: CONTRERAS DOMINGO, Jose. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.
FERNANDES, Florestan. Formação de profissionais e especialistas nas faculdades de filosofia.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, XXXVII (85): 227-33, jan./mar. 1962.
Apud: MARQUES. Mário Osório. Formação do Profissional da Educação. 4 ed. Ijuí, RS: Ed.
Uniijuí, 2003.
FERREIRA, Maria Onete Lopes. A crise dos paradigmas e o marxismo entre os pesquisadores em
trabalho e educação em universidades brasileiras. Revista Brasileira de Educação, n. 21, p. 75-89,
(Set/Out/Nov/Dez), 2002.
GARCIA, Carlos M. A formação de professores: novas perspectivas baseadas na investigação sobre o
pensamento do professor. In: NÓVOA, António. (Org.). Os professores e sua formação. Lisboa:
Dom Quixote, 1992. p. 51-76.
GIROUX, Henry A. Os Professores Como Intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da
aprendizagem. Tradução: Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
GONZÁLEZ REY, F. Epistemologia qualitativa y subjetividad. São Paulo: EDUC, 1997. Apud
MARTINS, João Batista. Contribuições epistemológicas da abordagem multirreferencial para a
compreensão dos fenômenos educacionais. Revista Brasileira de Educação, n. 26, p. 85-94,
(Maio/Jun/jul/Ago), 2002.
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. 6 ed. São Paulo: Paz
e Terra S/A, 2000.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto, 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira
de Educação. Campinas, n. 19, p. 20-28, (Jan/Fev./Mar./Abr.), 2002. Disponível em:
http://www.anped.org.br/revbraseduc.htm
.
LEFÈBVRE, Henry. Lógica formal/lógica dialética. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1979.
MARCELO GARCIA, Carlos. A formação de professores: novas perspectivas baseadas na
investigação sobre o pensamento do professor. In: NÓVOA, António. (Org.). Os professores e sua
formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 51-76.
MARQUES, Mário Osório. A formação do profissional de educação. 4 ed. Ijuí, RS: Ed. Unijuí,
2003.
MARTINS, João Batista. Contribuições epistemológicas da abordagem multirreferencial para a
compreensão dos fenômenos educacionais. Revista Brasileira de Educação, n. 26, p. 85-94,
(Maio/Jun/jul/Ago), 2004.
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez Editora,
2002.
PEREIRA, Otaviano J. O que é teoria. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.
PÉREZ-GOMEZ, Angel. O pensamento prático do professor – a formação do professor como
profissional reflexivo. In: NÓVOA, António. (Org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom
Quixote, 1992. p. 93-114.
PIMENTA, Selma Garrido. O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática? 4 ed.
São Paulo: Cortez, 2001.
PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In:
PIMENTA, Selma Garrido (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 3 ed. São Paulo: Cortez,
2002.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação na Brasil (1930/1973). Petrópolis, RJ: Vozes,
1983. Apud MARQUES, Mário Osório. Formação do Profissional da Educação. 4 ed. Ijuí, RS: Ed.
Uniijuí, 2003.
ROMANO, Roberto. Limites da ação política do professor. In: CATANI, Denice Bárbara (org.)
Universidade, escola e formação de professores. São Paulo: Brasiliense, 1987. Apud: MARQUES,
Mário Osório. Formação do Profissional da Educação. 4 ed. Ijuí, RS: Ed. Uniijuí, 2003.
SACRISTÁN, J. Gimeno. Poderes instáveis em educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
SALAZAR, Aparecida Portilho. Ensino – LEI Nº 9.394/96: estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional e legislação correlata. Uberlândia, MG: UFU, 1998.
SCHÖN, D. A. The reflective practioner. How professionals think in action. Londres: Temple Smith.
Apud: CONTRERAS DOMINGO, Jose. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.
SEVERINO, Antônio J. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1992.
STENHOUSE, L. El professor como tema de investigación y desarrollo. Revista de Educación, n.
277, p. 43-53, 1985. Apud: CONTRERAS DOMINGO, Jose. A autonomia de professores. São
Paulo: Cortez, 2002.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 4 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
VÁSQUEZ, Adolfo Sanchez. Filosofia da práxis. Tradução de Luiz Fernando Cardoso. 2 ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1977.
WEBER, Max. L´éthique protestante et l´esprit du capitalisme. Paris: Plon, 1964. Apud: TARDIF,
Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 4 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
ANEXO
13
UNIVERSIDADE DE UBERABA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Mestranda: Cleide Aparecida Martins Barillari
QUESTIONÁRIO
PARTE I: IDENTIFICAÇÃO
Nome:______________________________________________________________________
Ano de conclusão do curso de Pedagogia:__________________________________________
Instituição de Formação:_______________________________________________________
Cidade/Estado:_______________________________________________________________
Instituição onde efetivou a prática do estágio curricular obrigatório:_____________________
___________________________________________________________________________
Instituição Privada ou Pública:__________________________________________________
Instituição onde Trabalha:______________________________________________________
PARTE II: ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO
1) Qual é o papel do estágio curricular proposto para a sua formação?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2) Até que ponto as atividades que envolveram a prática do seu estágio permitiram-lhe
relacionar a teoria com a prática?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
13
Questionário aplicado aos alunos formados em Pedagogia pelo Centro de Ensino Superior de Uberaba –
CESUBE, em dezembro/2006.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3) No decorrer do estágio, foi possível observar nas práticas docentes diárias a presença das
teorias propostas no seu curso?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4) Como você analisa a sua formação em termos teóricos?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5) Como você analisa a sua formação em termos práticos, através do estágio curricular?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
6) Você considera o estágio, como atividade prática, indispensável na sua formação?
Justifique.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
PARTE III: FORMAÇÃO PROFISSIONAL
1) O cumprimento do estágio foi seguido de debates e apresentação de relatórios sobre as
atividades desenvolvidas? Explique.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2) O estágio foi tratado como um momento de pesquisa acadêmica? Justifique a sua resposta.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3) O estágio trouxe respostas às dúvidas surgidas no âmbito de análise de teorias em sala de
aula? Explique essa relação.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4) O estágio foi suficiente para eliminar as dúvidas relacionadas às práticas docentes
observadas? Explique.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5) Os professores experientes que acompanhavam seu estágio dividiam com você a sua
experiência? Explique.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
6) Você dividia o seu conhecimento teórico (de sala de aula na universidade) com o professor
que o acompanhava no estágio? Explique como se dava.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
7) Era possível no campo de estágio você estabelecer atividades de iniciativa própria?
Explique.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
8) Como você analisa, de forma resumida, o período do seu estágio em termos gerais diante
do que foi argumentado até aqui?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo