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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FUNDAMENTOS MODERNOS DAS POESIAS DE ALBERTO DE OLIVEIRA
CAMILLO CAVALCANTI
Rio de Janeiro
2008
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Fundamentos Modernos das Poesias de Alberto de Oliveira
Camillo Cavalcanti
Tese de Doutorado submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Clássicas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ, como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do título de Doutor em Letras
Vernáculas (Literatura Brasileira).
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Martagão Gesteira
Rio de Janeiro
Janeiro de 2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
Cavalcanti, Camillo.
Fundamentos Modernos das Poesias de Alberto de Oliveira/
Camillo Cavalcanti. - Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2008.
ix, 150f..; 29,7 cm.
Orientador: Sérgio Fuzeira Martagão Gesteira
Tese (doutorado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-graduação em
Letras Vernáculas, 2008.
Referências Bibliográficas: f. 126-129.
1. Modernidade na literatura (poesia). 2. Literatura Comparada. 3.
Teoria da Literatura. 4. Hermenêutica. 5. Literatura Brasileira: crítica e
interpretação. 6. Alberto de Oliveira: crítica e interpretação. 7.
Parnasianismo. 8. Romantismo de Jena. 9. Poética. 10. Ecologia. 11.
Memória. 12. Mulher na literatura I. Gesteira, Sérgio Martagão. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em
Letras Vernáculas. III. Título.
Fundamentos Modernos das Poesias de Alberto de Oliveira
Camillo Cavalcanti
Orientador: Professor Doutor Sérgio Martagão Gesteira
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas
(Literatura Brasileira).
Aprovada por:
_________________________________________________
Presidente, Prof. Doutor Sérgio Fuzeira Martagão Gesteira UFRJ
_________________________________________________
Prof. Doutor Antônio Carlos Secchin UFRJ
_________________________________________________
Prof. Doutor Eduardo Mattos Portella UFRJ
_________________________________________________
Profa. Doutora Angélica Maria Santos Soares – UFRJ
_________________________________________________
Prof. Doutor Rafael Sânzio de Azevedo UFCE
_________________________________________________
Prof. Doutor Luiz Edmundo Bouças Coutinho – UFRJ, Suplente
_________________________________________________
Profa. Dra. Rosa Maria de Carvalho Gens UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Janeiro de 2008
Dedico esta obra à Tatiana Fantinatti: amor, carinho e conforto.
Também à minha mãe: berço e criação.
Agradecimentos:
à Angélica Soares, que me tem sido fiel amiga e severa crítica;
a Sérgio Martagão Gesteira, que, sempre contribuindo, me permitiu dizer;
a Manuel Antônio de Castro, um dos faróis da caminhada;
a Luiz Edmundo Bouças Coutinho, que me acolheu no Grupo de Pesquisa do CNPq “Estéticas
de Fim-de-Século”, de importância decisiva para as idéias desta tese;
a Eduardo Portella, árduo debatedor, que veladamente indicou Hölderlin;
a Antônio Carlos Secchin, cuja bibliografia consolidou meu trabalho.
a outros docentes da Faculdade de Letras da UFRJ, que me conheceram e me avaliaram nas
disciplinas de Doutorado, contribuindo, de algum modo, para minha formação: Eucanaã
Ferraz, Rosa Gens, Gilda Santos, além dos já citados.
a Ronaldes de Melo e Souza, austero e benéfico examinador da Qualificação.
à Faculdade de Letras da UFRJ, em especial ao Departamento de Ciência da Literatura;
à Academia Brasileira de Letras, principalmente ao pessoal do Arquivo, sob direção do Sr.
Paulino, pela facilitação à pesquisa de documentos de e sobre Alberto de Oliveira, e ao pessoal
do Petit Trianon, sob a direção do Sr. Luís, pelo acesso à biblioteca de Alberto de Oliveira;
à CAPES, pela bolsa concedida.
Características Parnasianas:
Caso o homem ainda deva encontrar o caminho da proximidade do Ser, terá de aprender
primeiramente a existir no inefável. Terá que conhecer o extravio do público como também a
impotência do privado. Antes de falar, o homem te que deixar-se apelar pelo Ser[,] mesmo
com o risco de, sob um tal apêlo, ter pouco ou ter rarament[e] algo a dizer. Sòmente assim, se
restituirá à palavra a preciosidade de sua Essência e ao homem, a habitação para morar na
Verdade do Ser.
HEIDEGGER
Chegarei ao meu ponto. Afirmo que falta a nossa poesia um centro, como a mitologia o foi
para os antigos, e tudo de essencial em que a arte poética moderna fica a dever à antiga
reside nessas palavras: nós não temos uma mitologia. Acrescento, entretanto, que estamos
próximos de possuir uma, ou melhor: é chegado o momento em que devemos colaborar para
produzi-la. /Pois ela nos virá através do caminho inverso da de outrora, que por toda parte
surgiu como a primeira floração da fantasia juvenil, diretamente unida e formada com o mais
vivo e mais próximo do mundo dos sentidos. A nova mitologia deverá, ao contrário, ser
elaborada a partir do mais profundo do espírito; terá de ser a mais artificial de todas as
obras de arte, pois deve abarcar todo o resto, um novo leito e recipiente para a velha e eterna
fonte primordial da poesia; ao mesmo tempo, o poema infinito, que em si oculta o embrião de
todos os outros poemas. /Vocês bem poderiam rir desse mítico poema, da quase desordem
que resultaria da abundância e congestionamento de tantos versos. Contudo, a mais elevada
beleza, a mais elevada ordem, é, justamente, a do caos, um caos harmônico, um caos que
espera o contato do amor para se desdobrar em um mundo harmônico, um caos como aquele
da poesia e da mitologia antigas. Pois mitologia e poesia são unas e inseparáveis.
SCHLEGEL
Se se quisesse reconduzir a seus princípios a teoria da arte de um mestre tão eminentemente
consciente como Flaubert, a dos parnasianos, ou aquela do círculo de Georg, encontraríamos
entre eles os princípios aqui expostos. Se tivéssemos que formular estes princípios aqui,
teríamos de demonstrar sua origem na filosofia dos primeiros românticos alemães.
BENJAMIM
RESUMO
CAVALCANTI, Camillo. Fundamentos Modernos nas Poesias de Alberto de Oliveira. Rio
de Janeiro, 2007. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira Letras Vernáculas)
Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Essa tese pretende provar fundamentos modernos na poética de Alberto de
Oliveira, por uma minuciosa leitura. Sendo um fenômeno literário muito específico da cultura
brasileira, o Parnasianismo mudou de um esquema francês para uma nova e original poética.
Isso deve ser cuidadosamente considerado, pois o programa do Romantismo de Jena é
realizado pela poética de Alberto de Oliveira, para além das profecias de Schlegel chamadas
de “arte futura”. De fato, a maioria dos parnasianos brasileiros confirma essa realização,
solicitando uma revisão urgente sobre suas particularidades, e talvez sobre o que é chamado de
Parnasianismo brasileiro (se estilo de época é ainda importante atualmente). Cinco aspectos da
poética de Alberto de Oliveira foram considerados fundamentos modernos: relação com o
programa do Romantismo de Jena; ruína e alegoria segundo Walter Benjamim; erotismo como
entre-texto transgressor contra o texto positivista repressor, segundo Eduardo Portella;
Natureza contemplada como um Absoluto nos corpos concretos, segundo Schelling; memória
como uma recriação auto-reflexiva e auto-transformativa da experiência de vida, redefinida no
discurso poético, segundo Bergson, Bachelard e Deleuze.
.
ABSTRACT
CAVALCANTI, Camillo. Fundamentos Modernos nas Poesias de Alberto de Oliveira. Rio
de Janeiro, 2007. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira Letras Vernáculas)
Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
This thesis intends to prove modern fundaments on Alberto de Oliveira’s poetry
through a great reading. Being a literary phenomenon very specific to Brazilian culture,
Parnassianism changed from French frame to a new and original poetry. It must be carefully
considered, because the Jena-Romantic program is realized by Alberto de Oliveira’s poetry,
beyond Schlegel’s prophecies, called “future art”. In fact, most of Brazilian Parnassians
confirms it, claming to an emergence revision about their particularities, and maybe about
what is called “Parnassianism” (if historic poetic-style is still important nowadays). Five
aspects of Alberto de Oliveira’s poetry were considered modern fundaments: relationship with
Jena-Romanticism, according to Schlegel; rune and allegory according to Walter Benjamim;
eroticism as a transgressor entre-texto against positivist texto, according to Eduardo Portella;
Nature contemplated like an Absolute in, on, through concrete bodies, according to Schelling;
memory like an auto-reflexive and auto-transformative re-creation of life’s experience,
redefined in poetic discourse, according to Bergson, Bachelard and Deleuze.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. Preliminares, 10
DESENVOLVIMENTO
2. Formação Literária, 18
2.1. Considerações Metodológicas, 18
2.2. Fontes, Epígrafes, Homenagens, 19
2.3. Impropriedades Críticas, 21
2.4. O Poeta e o Público, 22
3. Vocabulário, Linguagem, Imagística, 25
3.1. Tema Grego, 25
3.2. Tema Natural com Valor Nacional, 26
3.3. Tema das Águas, 31
4. Poética e Metalinguagem, 33
4.1. Situando o Problema, 33
4.2. Auto-reflexão como Índice Moderno: Diferenças com o Sentimentalismo, 34
4.3. Auto-reflexão na Poética de Alberto de Oliveira, 38
4.4. Aprofundamento Hermenêutico: Auto-reflexão e Melancolia, 41
4.5. A Consciência do Autor: Evidência de Auto-reflexão, 44
5. Vínculos com a “Poesia futura”, 46
5.1. A Concepção de Poesia do Romantismo de Jena, 46
5.2. Autonomia da Arte e Afastamento Social, 48
5.3. Arte-pela-arte: Novo Nome, Alguns Acréscimos, 52
5.4. “Arte-Futura” e Mitologia Antigo-grega, 56
6. A Dimensão Ecológica e Ontológica, 64
6.1. Aproximações com Hölderlin, 64
6.2. Iniciação e Utopia em “Chuva de Pólen”, 70
7. Fontes Fluminenses da Memória, 75
7.1. O Problema Teórico entre Vida e Obra, 75
7.2. Vivências Rurais Rememoradas — “Pedra Açu”, 75
7.3. Viagem e Teoria da Memória em “Saudade de Petrópolis”, 78
7.4. Memorialismo-poético Rural em “Plenilúnio de Maio”, 81
7.5. Memória e Ruína em Natália, 85
8. A Presença da Mulher, 89
8.1. Semelhanças e Diferenças com o Sentimentalismo, 89
8.2. Estilística e Emulação Erótica em “Vaso Grego”, 100
8.3. Uma Mulher — “Fantástica”, 108
9. Prenúncios Simbolistas, 112
CONCLUSÃO
10. Romantismo e Modernidade na Obra Poética de Alberto de Oliveira, 118
BIBLIOGRAFIA
Referências, 127
ANEXOS
Anexo 1. Retrospecto Crítico sobre Parnasianismo e Simbolismo no Brasil, 131
Anexo 2. Cronologia da Vida e da Obra de Alberto de Oliveira, 145
Anexo 3. Alberto de Oliveira e sua Época – Verbete, 147
Anexo 4. Bibliografia de Alberto de Oliveira, 150
Anexo 5. Bibliografia sobre Alberto de Oliveira, 151
ÍNDICE
Poemas Estudados de Alberto de Oliveira, 153
9
INTRODUÇÃO
10
1. PRELIMINARES
Alberto de Oliveira nos deixou uma vasta obra poética em quatro séries. Suas Poesias
(1900/1906/1913/1927) foram reduzidas a uma breve e fátua seleta, encarregada de levantar
elementos que confirmem o lugar de líder do Parnasianismo no Brasil e a crítica nacional
nela enxerga vasos e leques numa imensidão de plantas e bichos da natureza fluminense,
paisagem fecunda para um amor intenso que anima meio século de lirismo
1
.
Ainda que jamais tenha renunciado ao culto da forma, i.e., a arte-pela-arte consagrada
no famoso periódico Le Parnasse Contemporain, seus livros Sonetos e Poemas (1885) e
Versos e Rimas (1894) têm sido tratados, desde as antológicas e lúcidas interpretações de um
Araripe Jr. (in: OLIVEIRA, 1978: I, 217-220), Nestor Vítor (1973: I, 357-374) ou José
Veríssimo (1977: II, 153-161), como transição de uma poética que se liberta dos esquemas de
escola para celebrar a natureza e o amor — ambos, com fortes traços memorialísticos.
A carência de material crítico sobre autores consagrados de nossa literatura não tem
reflexo maior do que entre os poetas parnasianos. Deles, talvez Alberto de Oliveira seja o que
menos conta com uma reflexão crítica mais detida sobre sua obra. Parece que alguns verbetes
de manuais de literatura são interpretados como suficientes acerca da obra deste poeta. O mais
notório é que todos os juízos críticos contemporâneos giram em torno de uma desvalorização
consensual: impassibilidade, mediocridade da reflexão estética, reprodução dos objetos
decorativos, realismo comezinho, tom professoral, rotunda solenidade, banalidade rasteira,
simples metrificação da prosa são algumas das observações encontradas na bibliografia mais
prestigiada.
Esta tese de Doutorado pretende evidenciar os aspectos modernos na obra poética de
Alberto de Oliveira. Tal argumento pode parecer estranho, haja vista o preconceito que
1
Da escritura das Canções românticas (1877-78), até a publicação das Poesias, 4ª série (1927) são cinqüenta
anos.
11
oblitera uma leitura mais detida desse poeta, devido a estigmas de um “cânone”
historiográfico-literário mal estruturado, que considera Alberto de Oliveira um “parnasiano”,
rótulo de malogros para uma literatura brasileira esquadrinhada em esquemas críticos
tributários da “idéia modernista”.
Tenho investigado, dentre as manifestações oitocentistas, a poesia representada no
cânone, no intuito de questionar alguns lugares-comuns da história da literatura, bem como
redimensionar seu discurso a partir de novas balizas menos históricas e mais estéticas. Neste
trabalho, focaliza-se a obra poética de Alberto de Oliveira, que “representa”, quer dizer,
“metonimiza” o Parnasianismo (ou pelo menos grande parte dele), um dos pontos mais
problemáticos da historiografia literária do Brasil.
A explicação do problema é bem fácil, uma vez perscrutado seu histórico
2
: a chamada
“Velha Crítica”, carecendo de formação e informação mais sólidas, deixou de herança a
importação, ou quando melhor, uma aclimatação de modelos historiográficos da Europa,
principalmente franceses.
No caso específico do Parnasianismo, a importação de modelos historiográficos
europeus começa a apresentar graves problemas estruturais não experimentados pela crítica
acerca dos estilos anteriores, como Barroco e Romantismo. Isso porque, a partir do fim-de-
século XIX, o Brasil elabora cada vez mais sua própria linguagem, devido, em grande parte,
ao natural crescimento da sociedade, do Estado, das instituições, da soberania, etc. Assim, os
estilos de época deixavam de ser importados para serem aclimatados, até surgir o
Modernismo que foi a aclimatação
3
mais diferencial dos estilos de época europeus, quais
sejam, as vanguardas. Péricles Eugênio da Silva Ramos, dedicando-se em especial a este
2
Sobre os discursos críticos de execração e de exaltação, cf. CAVALCANTI, Camillo. “O Discurso Impostor da
Crítica sobre a Literatura Brasileira do Fim-de-Século XIX”. X Congresso Internacional ABRALIC. UERJ, 2006,
reproduzido, com alterações substanciais e pertinentes, no Anexo 1 deste trabalho, Mesmo tratando também da
recepção crítica do Simbolismo, não impedirá, pelo contrário, ajudará o entendimento do problema crítico no
Brasil sobre o Parnasianismo.
3
cf. ANDRADE, Mário de. O movimento modernista, quando diz: “mas o espírito modernista e as suas modas
foram diretamente importados da Europa”
12
tema, pondera “que o Parnasianismo, no Brasil, não foi o resultado de imitação direta, mas
estava constituído quando lhe aplicaram o nome” (RAMOS, 1967: 13).
O Parnasianismo, portanto, uma vez no meio desse percurso, sofre a tensão entre
importação e aclimatação do modelo historiográfico francês: de um lado, a corrente da “Velha
Crítica”, cujo expoente maior é José Veríssimo, que considera nosso Parnasianismo uma boa
aclimatação de um péssimo estilo francês; de outro, a “Nova Crítica”, em geral modernista,
que, sob a liderança de Mário de Andrade, ajuíza que o Parnasianismo brasileiro é
“macaqueação do almofadismo francês” (apud BRITO, 1971: 257), isto é, uma importação,
quase clonal, de uma estética malograda.
A “Velha Crítica”, filha dos nacionalismos românticos, acreditava que o Brasil era
capaz de converter uma “poesia que acabava na mediocridade abundante e perfeita”
(VERÍSSIMO, 1977: 154), produzida na França, por um decalque brasileiro “subjetivo e
sentimental” (opus cit., p. 157) a condenação do Parnasianismo francês é o ponto de
concordância entre Velha e Nova Críticas. Porém, grandes parnasianos franceses, à medida
que a definição de Parnasianismo seja tomada pela participação no periódico Le Parnasse
Contemporain, foram simbolistas num segundo momento: Baudelaire, não obstante falecido,
serviu de fonte e prenúncio simbolistas; Verlaine e Mallarmé, como disse Balakian (2002),
foram os grandes líderes do primeiro Simbolismo. Assim, na história da literatura francesa, o
Parnasianismo é obliterado em favor do Simbolismo, como se esse fosse o aprimoramento de
uma breve e efêmera fase parnasiana tão-somente experimental e incipiente:
But whether envisaged as guides or as recipients of praise, whether as dynamic
forces or objects of veneration, these four innovators [“Baudelaire, Mallarmé,
Verlaine and Rimbaud”] tend to enlarge the chronological scope of symbolism and
to bring the period known as Parnassian into its history. (CORNELL, 1951: 1)
[Mas quer sejam encarados como guias ou como recebedores de elogio, quer como
forças dinâmicas ou objetos de veneração, esses quatro inovadores, Baudelaire,
Mallarmé, Verlaine e Rimbaud, tendem a alargar o recorte cronológico do
simbolismo e trazer o período conhecido como Parnasianismo para dentro da história
simbolista (traduzi)]
13
Acompanhando não a vaia modernista como também esse juízo francês, a história
da literatura brasileira prorrogou uma execração do Parnasianismo durante todo o século XX,
sem levar em conta que, no Brasil, “o Parnasianismo, como talvez em lugar algum, atingiu
dimensões imperialistas” (MOISÉS, 2001: II, 152). Precisamos nos livrar desse maldizer e
investir na idéia de que nosso Parnasianismo não é “imperialista”, mas adquiriu um relevo
muito maior do que na França, inclusive gerando uma cisão idiossincrática entre a
permanência do programa parnasiano interessado em temas greco-latinos, carnais e
naturais e uma poética simbolista mergulhada em temas siderais, abstratos e
transcendentes. Por isso, o Parnasianismo brasileiro, com todos os seus aspectos
idiossincráticos, reclama urgentemente uma releitura que o despregue dos moldes franceses e
dos preconceitos brasileiros novecentistas, para enxergarmos sua singularidade e excelência
como expressão cultural marcadamente brasileira, após uma transfiguradora aclimatação das
fontes francesas.
Alberto de Oliveira, por ter sido eleito “o maior e mais característico dos parnasianos”,
serve com eficácia a nosso objetivo revisionista, periférico, não obstante, à meta central
quanto à obra de Alberto de Oliveira. Uma crítica que confunde moderno e modernista
fatalmente retaliará o vislumbre de qualquer traço moderno antes do Modernismo, à exceção
de raríssimos exemplos, estudados no final do século XX, desde que a respeito de autores
sem um lugar fixo e bem determinado no cânone, como é o caso da Revisão de Sousândrade,
dos irmãos Campos. Questionar esses lugares-comuns fomentará o desmantelo das
vicissitudes profundamente arraigadas na crítica literária brasileira, pelo menos até o século
XX, desmantelo este ainda maior se, porventura, abordar uma obra parnasiana, vista, como se
sabe, tal uma poética contrária ao super-signo moderno-modernista, que é uma falsa
sinonímia.
14
Ocasionalmente, Alberto de Oliveira completa 150 anos em 2007, data em que minha
jornada de estudos desde a Iniciação Científica até o Doutoramento reclama, enfim, uma
conclusão, ao menos de parte dos estudos.
A modernidade latente na obra de Alberto de Oliveira possui vários aspectos que a
tornam multifacetada, ou melhor, fragmentária, justamente por não haver faces nem fases,
porém, temas intercambiantes. Neste estudo, serão levantados alguns aspectos de suas Poesias
(cuja ordem não implica graus de importância), a fim de, para além dos chavões
condenatórios contra o poeta, se apresentarem fundamentos modernos que redimensionem sua
leitura.
O primeiro fundamento diz respeito ao projeto moderno dos românticos de Jena.
Encaravam eles a obra de arte como medium-de-reflexão, isto é, um “centro vivo de reflexão”,
segundo Walter Benjamim (2002), onde o pensamento, pelo menos duplamente refletido,
transcende infinitamente (conduz o pensante ao infinito, por meio da reflexão de seu próprio
pensamento), conferindo à obra de arte uma essência auto-reflexiva, que reflete não a si,
mas ao sujeito, ao objeto e ao próprio pensamento.
O segundo fundamento incide nas aspirações dos mesmos românticos de Jena sobre
uma arte por fazer, chamada pela crítica de arte-futura, que se deveria ocupar da integração
entre a mitologia antiga e a linguagem moderna, isto é, uma poesia vindoura que superasse a
condição moderna pela incorporação dos referenciais antigos. Esta arte-futura, como se vê, é
a utopia romântica por excelência, tentada ou realizada pelos parnasianos brasileiros, em
especial Alberto de Oliveira. Daí surge um caráter alegórico, que se manifesta na obra de
Alberto de Oliveira de maneira singular. Levando-se em conta o conceito benjaminiano de
ruína, a poesia desse parnasiano brasileiro denuncia a facies hippocratica da história
(BENJAMIM, 1990: 159), pois, através do cadáver da cultura greco-romana, se entrevê a
15
falência de mitos e ritos mortos, numa surpreendente aproximação com Hölderlin, o poeta
dos poetas” (HEIDEGGER, apud WERLE, 2005: 27).
O terceiro fundamento trata do olhar humano sobre a natureza. Na obra de Alberto de
Oliveira, a natureza não é apenas paisagem, mas organismo vivo e germinativo, numa
profunda dialética entre matéria e força transcendente, onde acontece, simultaneamente, a
individualidade e o pertencimento do homem.
O quarto fundamento é a memória, que inaugura uma experiência entrecortada de
lembranças e percepções, refutando a linearidade cronológica da “sucessão de fatos”. Mais
uma vez, o sentido alegórico é convocado; porém, diferentemente de sua eclosão nos temas
gregos, surge do confronto entre o agir e o palco da atuação, entre a infância e dela o rastro
deixado no lugar do acontecimento, resultando numa segunda experienciação da ruína
benjaminiana (a primeira, como dito, resulta do tratamento da mitologia).
O quinto fundamento é o erotismo, que ultraja o sistema moralista sustentado pelo
positivismo e de forma alguma o vivifica. O discurso erótico parnasiano afronta o recato
compulsório da mulher, o cerceamento da liberdade feminina e a interdição do sexo na
sociedade ocidental machista. Transfigurada em nomes de deusas pagãs da Antiguidade, de
cultos mortos, muitas vezes é a mulher citadina, de carne e osso, que desenvolve ativamente
sua sexualidade, interagindo com o sujeito lírico masculino na realização plena do ato
amoroso; este sujeito masculino não outorga, impõe ou determina, senão espera a resposta (o
interesse) da mulher: daí a observação luxuriosa e passiva do corpo e do ser femininos, pelo
olhar erotizante e extasiado do sujeito masculino.
Estes cinco fundamentos serão detalhadamente estudados nos capítulos de
desenvolvimento da tese, cuja conclusão retomará algumas marcações críticas deste trabalho,
a fim de evidenciar o empenho em contribuir para os estudos de literatura brasileira.
16
De forma complementar, ainda um capítulo intitulado “Prenúncios Simbolistas”,
que também evidencia certa modernidade da obra de Alberto de Oliveira: situando-se como
antecipação da poética simbolista, o poema “Prelúdio”, que já traz o sentido prospectivo
desde o título, é comparado à “Antífona”, de Cruz e Souza. Como toda antecipação, o poema
se soma às contribuições de vanguarda, acrescendo, de modo visionário, repertórios inéditos e
incomuns. Adquire, portanto, uma valoração especial devido à sua novidade, evocando a
modernidade pela tradição de ruptura, isto é, o desejo de trazer o novo como valor e com ele
transgredir, operando novos paradigmas. Também se objetiva questionar a disparidade entre a
exaltação a Cruz e Souza e o soterramento de Alberto de Oliveira, quanto a esta mesma
poética místico-extasiante.
17
DESENVOLVIMENTO
18
2. FORMAÇÃO LITERÁRIA
2.1. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
No ensejo de se posicionar o autor escolhido como tema, é habitual traçar um
panorama histórico da época em que ele viveu. O crítico, deste modo, passa a elaborar um
minucioso quadro sintético dos principais fatos de ordem política e econômica, com o
objetivo de elucidar as influências por que passava o autor durante sua formação enquanto
integrante do pacto social.
Esse procedimento, todavia, longe de fornecer um perfil artístico do escritor conforme
as idéias e utopias criadas a partir da leitura que ele fez de outros autores, termina por revelar
elementos exógenos à sua arte, como a situação político-econômica da sua cidade, estado e
país ou dados superficiais de sua vida familiar e profissional. Neste trabalho, apenas haverá
referência à biografia para se desfazerem erros, principalmente quanto ao entendimento da
poesia de Alberto de Oliveira.
Não se sabe quais autores influenciaram sua obra, caso não se consultem os títulos e as
epígrafes de seus poemas ou depoimentos do próprio autor devidamente documentados.
Trilhando esse caminho como o mais adequado para a pesquisa de fontes, pode-se perceber a
formação literária do Príncipe dos Poetas a partir da leitura de sua obra, procedimento este
que tenta evitar a contribuição milionária de todos os erros.
19
2.2. FONTES, EPÍGRAFES, HOMENAGENS
Assim, na obra de Alberto de Oliveira, encontram-se referências a Ferreira de Araújo,
Banville, Henrich Heine, Sainte-Beuve, Gonçalves Crespo e Artur de Oliveira (em
Meridionais); Souza Macedo e Petrarca (em Sonetos e poemas); Raimundo Correia, Valentim
Magalhães, La Barra, Sully Prud'homme (em Versos e rimas); Afonso Celso Jr. (em Por amor
de uma lágrima); Shakespeare e Calderón de la Barca (em Livro de Ema); Mégnin, Antônio
Vieira, Leconte de Lisle e Baudelaire (em Alma livre); Magalhães de Azeredo e Burger (em
Terra Natal); Virgílio (em Alma em flor); Camillo Castelo Branco (em Flores da serra);
Augusto de Lima e Machado de Assis (no pórtico de Poesias, série); Heine e Haydée
4
(em
Céu noturno), Antero de Quental, Antônio Vieira [bis] e Augusto de Lima [bis] (em Sala de
baile); Jorge Jobim, Maria Eugênia Celso
5
, Bedros Tourian, Francisco Villaespesa, Camillo
Castelo Branco [bis], Amado Nervo, e Olavo Bilac (em Alma e céu); Olavo Bilac [bis], Melo
Morais e Índio do Brasil (em Câmara-Ardente); Aluísio de Castro, Medeiros e Albuquerque,
Victor Hugo e José de Morais Silva (em Póstuma), além de um espantoso domínio da cultura
greco-romana (mitologia, poesia, oratória, etc.)
Os depoimentos de Alberto de Oliveira, de outra sorte, indicam fontes
predominantemente brasileiras, principalmente quando de suas primeiras leituras na biblioteca
de Itaboraí, como se entende do trecho de “Começo de vida”:
Decorrem dois anos depois de eu deixar a escola[,] e minha família muda-se para
Itaboraí. Foi na biblioteca pública do município de Joaquim Manoel de Macedo que
começou de formar-se em mim o gosto da leitura, principalmente da leitura de
versos. suspirava saudades da infância deixada no Palmital [de Saquarema],
lendo Casimiro de Abreu e Gonçalves Dias, acendia-se-me a imaginação folheando
Álvares de Azevedo e Varela, corria os olhos por Magalhães e Porto Alegre...
Castro Alves creio não estava ainda publicado ou não o possuía a biblioteca.
(OLIVEIRA, 1979: III, 222)
4
provavelmente personagem da ópera cômica de Daniel Auber, com livreto de Eugène Scribe.
5
talvez apenas cidadã comum, conhecida do poeta.
20
Antes de Itaboraí, os estudos primários lhe deram leitura da mitologia antigo-grega e
de Camões, que, a despeito da administração dos versos nas aulas, tornou-se o poeta mais
admirado por Alberto de Oliveira em nossa língua.
A entrevista concedida a Prudente de Morais, neto, também é bastante esclarecedora
das leituras do grande parnasiano, mormente após o período de formação acadêmica:
Quais foram as influências que o senhor recebeu no começo?
Diversas. Gonçalves Crespo, Teófilo Braga, Junqueiro, Baudelaire, Hugo,
Heine, Co[p]pée, Banville, Sully Prod[']homme... Li também algumas daquelas
epopéias portuguesas... Ulisséia, Málaca Conquistada, Viriato Trágico...
Data daí seu gosto pelos estudos de português?
Não. Esses estudos vêm de 1900 para e foi João Ribeiro quem me
despertou a curiosidade por tais assuntos, quem me educou no gosto dos clássicos.
Naquele tempo, eu não sabia colocar pronomes...
Quais são os seus escritores preferidos?
Dos nossos poetas, Gonçalves Dias, Castro Alves, Fagundes Varela,
principalmente o primeiro, por sua correção de linguagem. Em Varela admiro o
cunho de nossa natureza, que tão se reflete em suas ginas. Em Castro Alves, a
imaginação, os surtos geniais, o vigor...
Dos nossos prosadores, merece-me predileção Machado de Assis, que é também
excelente poeta.
Dos de fora, Calderón, Campoamor, Zorilla, na Espanha; Petrarca e Dante, na
Itália; Shakespeare, Byron, Shelley, Keats e Robert Burns, na Inglaterra; Heine e
principalmente Goethe na Alemanha. (OLIVEIRA, 1979: III, 295-296)
É uma bibliografia invejável seja dito. O maior estímulo para a sua poesia vinha de
José Mariano de Oliveira, seu irmão, poeta também, que incitava o caçula Antônio (nome de
batismo de Alberto), ainda secundarista, a escrever versos como forma de participar do
círculo literário que em sua casa de estudante acontecia, entre gente universitária.
A notícia “Ouvindo o Príncipe dos Poetas Brasileiros” revela mais alguns nomes que
influenciam a formação intelectual e, por isso, o seu estro: “ao lado de Baudelaire, ele ama
Heine, Gautier, Vigny, Musset, Ch[é]nier” (OLIVEIRA, 1979: III, 305).
21
2.3. IMPROPRIEDADES CRÍTICAS
Erro contumaz é acusar o Parnasianismo como exercício poético de uma elite
alienada
6
. Vale a pena mencionar, aliás, a origem humilde do autor de Meridionais, livro com
que se conta a consolidação do estilo parnasiano na obra de Alberto de Oliveira. A família
provinha de Palmital de Saquarema, à época uma porção de terra perdida em matagais, hoje a
urbanizada e turística Região dos Lagos. Conheceu muitas cidades fluminenses na sua
brilhante carreira que o ascendeu das classes menos abastadas para a elite intelectual. Seu pai,
mestre-de-obras, nasceu em Rio Bonito; casou-se e fixou residência em Rio-Mole, perto de
seu nascedouro. Somente através da história do pai é que se pode entender por que a família
de Alberto de Oliveira, saindo do Palmital de Saquarema, se estabelece em Itaboraí antes de
conquistar Niterói. O próprio Alberto de Oliveira é quem confirma suas origens:
Nasci de pais remediados de haveres em um dos mais pobres dos municípios do
Estado do Rio, Saquarema, entre Cabo Frio, Ponta Negra e o mar. [...] Em frente à
casa, estendido e verde, o campo, a fenecer nas vertentes da serra; aos fundos, a
mata virgem. Na vila, depois cidade, a mais de légua daí, aprendi a ler e a escrever.
(OLIVEIRA, 1979: III, 221)
Embora seu único insigne biógrafo (SERPA, 1957: 12) observe “alguns bens de
fortuna” e “vários escravos”, Alberto de Oliveira declara vir “de pais remediados de haveres”.
A versão do poeta é mais coerente com a moradia da Praia de São Domingos (Niterói-RJ): um
barracão, segundo declaração de Antônio Parreiras (apud SERPA, opus cit.: 35-36), ao qual
primeiro chegou José, irmão mais velho do poeta, em 1877, e, meses depois, o próprio
Antônio Mariano, nosso Alberto de Oliveira.
Outro grave equívoco da crítica sobre a personalidade de Alberto de Oliveira diz
respeito à completa abstenção quanto aos problemas de ordem prática, como conseqüência da
fama incorreta, que recaía sobre os parnasianos, de terem sido alheios à vida cotidiana.
6
Otto Maria Carpeaux: “A famosa ‘cultura da forma’ é como um hobby de gente desocupada, embora
preocupada, e não chega a tornar-se séria; só serve para o efeito de lugares-comuns triviais.” (CARPEAUX,
1987: VI, 1425). Cf. anexo 1.
22
Enquanto a pesquisa se concentrava apenas na obra, isto é, na postura do eu-lírico ante o
mundo, não se podia recriminar a observação de um certo afastamento do dia-a-dia, na
preferência pelo intemporal, universal, originário. Entretanto, quando tais constatações são
transferidas, indiscriminadamente, para a vida civil dos poetas parnasianos, principalmente no
caso de Alberto de Oliveira, cabe desfazer esta imensa inverdade. O poeta foi Diretor da
Instrução Pública do Estado, cargo correspondente, hoje, a um Secretário de Estado de
Educação, como informa Phocion Serpa:
Atendendo ao convite do [doutor Joaquim Maurício de Abreu,] novo presidente [do
Estado do Rio de Janeiro], Alberto de Oliveira permanece no posto, e desse jeito a
Instrução blica vai prosseguir sem descontinuidade no seu aparelhamento
técnico administrativo [sic], sem modificações sensíveis que pudessem perturbar a
orientação do seu primeiro Diretor. (SERPA, 1957: 119)
O mérito de primeiro se assentar na cadeira patronada por Cláudio Manuel da Costa na
Academia Brasileira de Letras também deve levar em conta que Alberto de Oliveira venceu as
dificuldades herdadas de sua família "remediada de haveres", numa sociedade capitalista
sustentada pelos interesses das grandes fortunas.
2.4. O POETA E O PÚBLICO
Quando da estréia de Alberto de Oliveira nos jornais do Rio de Janeiro, o editor
Ferreira de Araújo, da Gazeta de Notícias, vislumbrando o talento do grande poeta, convidou-
o para aumentar sua participação no jornal e para a publicação posterior de seus poemas em
forma de livro.
Foi então que o volume de Canções Românticas (1878) chegou às principais livrarias.
O apuro formal do grande mestre parnasiano se afirmava desde então. Entretanto, uma
violenta surpresa quando se sabe que nosso poeta-ourives disse:
23
Dei meus versos a ler ao Fontoura [Xavier], que descobriu dois ou três quebrados e
me falou em tratado de versificação. "Tratado de versificação, que é isso?"
Se
você não conhece metrificação, como faz esses versos?"
"Faço-os de ouvido"
(OLIVEIRA, 1979: III, 295)
A partir dessa declaração, alguns chavões, que não refletem mais do que inverdades,
podem ser desfeitos em favor de uma reformulação de juízos a respeito de Alberto de
Oliveira: onde está o esmero da forma esquadrinhada em normas versificatórias? Não é de
hoje que a crítica nacional se arrisca em palpites, que não encontram, após uma reflexão,
nenhuma sustentação:
[...] Não haveria nisso, no seu caso, ao menos uma sugestão de Shelley?
Por essa época, eu ainda o conhecia Shelley. mais tarde o li, quando
alguém, escrevendo sobre um livro meu, disse: "O senhor Alberto de Oliveira, que
percorre Shelley com mão diurna e noturna..." Foi essa frase que me deu
curiosidade de ler o grande poeta. (OLIVEIRA, 1979: III, 294)
Em 1879, Machado de Assis (1942), consagrado nome das Letras, publica o artigo “A
Nova Geração”, na Revista Brasileira. De importância cabal para a consolidação das novas
tendências poéticas, as palavras de Machado de Assis, respeitadas pelo público leitor, davam
boas-vindas aos jovens poetas, que, em geral, tentavam soluções estéticas para além do
sentimentalismo chavão, desgastado desde os protestos avant la lettre de Álvares de Azevedo
contra o sentimentalismo piegas. Machado cita vários poetas, dentre eles Alberto de Oliveira,
conhecido pelas Canções românticas de um ano atrás. A estratégia de Machado é orquestrar
os poetas segundo o conceito de “Idéia Nova”, que à época se referia aos jovens “anti-
românticos”, fazendo, não obstante, um brevíssimo estudo de fragmentos das obras deles, a
fim de marcar suas particularidades.
A “Batalha do Parnaso”, feita em versos publicados no Diário do Rio de Janeiro, a
essa altura, tinha começado, segundo Manuel Bandeira
7
um ano, cujo desfecho
7
“Em 78 se trava pelas colunas do Diário do Rio de Janeiro a ‘batalha do Parnaso’. Não se entenda aqui
‘Parnaso’ como sinônimo de parnasianismo. A batalha chamou-se do Parnaso porque os golpes se desfechavam
em versos, quase sempre incorretos, na gramática e na metrificação, segundo os cânones parnasianos
posteriores”. (BANDEIRA, 1946: 96-97)
24
conclamará vencedora a “Idéia Nova” contra as “virgens cloróticas” e demais clichês da lira
sentimentalista. Alberto de Oliveira participou dessa “batalha”, defendendo a inovação, como
ele mesmo declara:
Entre 1880 e 1881 [sic, em controvérsia com Bandeira], fizemos no “Diário do Rio
de Janeiroa guerra do parnaso. Aí, acompanhando a reação, publiquei 10 ou 12
trabalhos assinados Lírio Branco e Atta Trol e aí escreveram também Artur de
Oliveira, Artur de Azevedo, F. Xavier e Teófilo Dias. (OLIVEIRA, 1979: III, 293)
Alberto de Oliveira também publica na Gazeta de notícias aliás sua colaboração
nela é assídua. Segundo Phocion Serpa (1957: 85), alguns poemas publicados no jornal foram
aproveitados em Meridionais (1884). Machado de Assis, conhecido pelo seu recato, mais uma
vez se dispõe a falar sobre Alberto de Oliveira, agora em prefácio ao livro. Estava declarada
certa predileção pelo jovem poeta de grande talento, o que concorreu para sua consagração
junto aos leitores.
O valor poético da obra de Alberto de Oliveira foi reconhecido por mais dois outros
grandes críticos, de renome nacional: Araripe Jr., no prefácio a Versos e rimas (1895), e
Nestor Vítor, na monografia Alberto de Oliveira (1906), que atentaram para a dimensão
erótica da obra, até hoje referenciada, consolidando a reputação de excelente poeta.
Do elogio gratuito à prova da excelência existe uma grande distância a ser percorrida.
O presente trabalho pretende apontar um caminho possível, para evidenciar, com propriedade,
a qualidade estética da obra de Alberto de Oliveira, num lugar longe da exaltação e da
condenação, que é o da apreciação crítica.
25
3. VOCABULÁRIO, LINGUAGEM, IMAGÍSTICA
3.1. TEMA GREGO
Pode-se facilmente ratificar que as temáticas predominantes, na obra de Alberto de
Oliveira, formam um tripé: natureza, erotismo, memória (esta, muitas vezes, articulada com
os outros dois). A pesquisa vocabular, englobando, portanto, a temática, demonstra
claramente que o repertório de helenismo, paganismo e até orientalismo ocupa pouco espaço,
considerando-se os outros três relevos mencionados. Como disse Sânzio de Azevedo, com
muita propriedade: “textos assim, porém, acompanhando de perto o Parnasianismo francês,
não são muito comuns na obra do autor, como se pensa” (AZEVEDO, 2004: 470). Por
exemplo, em nível contável, se Por amor de uma lágrima for lido como um só poema de doze
partes, cento e trinta e cinco poemas na Primeira Série de Poesias, englobando Canções
Românticas (1878), Meridionais (1884), Sonetos e poemas (1885) e Versos e Rimas (1894) —
que respondem, segundo a crítica, pelo momento “mais parnasiano” do poeta, no sentido de,
entre outras características, ser o período mais inclinado à mitologia greco-romana. E, de fato,
assim acontece, mas numa ínfima dimensão, ao contrário da habitual caracterização do poeta
pela crítica que, em sua quase totalidade, afirma uma “predominância de temas da cultura
greco-romana”, sentença elaborada de diversas formas segundo a bibliografia. Isto porque,
dos cento e trinta e cinco poemas da “fase” mais parnasiana e pagã da poesia de Alberto de
Oliveira, apenas vinte e três possuem alguma menção a ícones de cultura não-cristã (note-se
que nem todos esses vinte e três poemas trazem a mitologia antigo-grega ou qualquer outra
como tema principal), dentre elas, do Egito Antigo, da Mesopotâmia, do Oriente e da própria
Grécia ou Roma: a) “Aparição nas águas”, de Canções Românticas; b) “Sabor das lágrimas”,
“A volta da galera”, “A uma artista”, “Afrodite”, “Velha página”, “Vida nova”, de
26
Meridionais; c) “A Galera de Cleópatra”, “Estátua”, “Galatéia”, “Manto real”, “Que venha o
inverno desflorindo a entrada”, “Sirinx”, “Lendo os antigos”, “Titânia”, “De volta do circo”,
“A lagarta”, de Sonetos e poemas; d) “Nova Diana”, “A taça de Hafiz”, “A um amigo”, “Jóia
perdida”, “Paganismo”, “O sonho de Titânia”, de Versos e rimas.
Vale destacar que muitos destes poemas apresentam alguma imagem projetada,
adivinhada ou idealizada de culturas antigas de modo incidental, periférico ou breve,
ilustrando um aspecto sensível, o mais das vezes visual, de figuras poéticas coevas do sujeito
lírico qual um hibridismo enriquecedor das imagens, sugestionado pela referência e pela
“reminiscência” do eu-lírico. São exemplos: a) “De volta do circo”, b) “A lagarta” e c) “Nova
Diana”, em que se claramente o lugar periférico das referências a culturas antigas não-
cristãs: a) determinado aspecto dos artistas circenses sugeria certa comparação com ideações
sobre a Antiguidade; b) o motivo grego é aproveitado apenas na primeira das nove partes do
poema para ilustrar como a lagarta é triste; e c) Diana surge, no último exemplo, apenas para
ser ultrapassada por uma nova mulher que nasce, nesses tempos não-antigos e não-pagãos.
3.2. TEMA NATURAL COM VALOR NACIONAL
O vocabulário da obra poética de Alberto de Oliveira indica dois grandes eixos
lexicográficos: o registro culto e o inventário aberto sobre determinantes locais (natureza,
homem e sociedade) da nossa brasilidade. Percebe-se, na expressão poética, fantástica
erudição. Não obstante, sua habilidade na escritura compatibiliza tão grave e impressionante
riqueza vocabular com a musicalidade suave e deleitosa, conseqüência de seus estudos de
métrica, ritmo, rima e demais categorias da versificação. Resulta então um texto fluente e
vigoroso, cuja densidade desperta, no leitor, tênues impressões de exotismo, conjugadas, ora à
exploração de nosso patrimônio histórico ou natural, ora a uma Grécia fantasiada, território
27
utópico, inventivo, mas não restaurador, em termos realistas, da Antiguidade. No primeiro
caso, é notório o encantamento do sujeito frente à exuberância magnífica da vegetação, do
clima, do relevo do Brasil, tomados, de imediato, como referências identitárias, buscando a
formação de paradigmas que nomeiem exclusivamente uma ambientação brasileira. Tal
processo ocorre de modo implícito, sem flâmulas ou estandartes de acirrada militância
nacionalista. A poesia de Alberto é nacional, não nacionalista: com temas nacionais, sem a
pretensão de erguer planos, projetos ou moldes de nacionalidade. Dessa forma, sua poética é
um recolho de signos nacionais, não formatando o que é ser brasileiro em simples e infiel
ideal de artista sobre “a nação”, conceito este já forjado e dessemelhante (porque ideal) ,
sobre a cultura de um povo. Por isso, na obra de Alberto de Oliveira não há fronteiras
fechadas e excludentes, mas sim, o diálogo aberto com outras perspectivas. O natural é
exaltado longe da visão pitoresca e edênica do Brasil. A crítica nacional preferiu esse Éden,
mas a proposta parnasiana ainda constitui opção melhor do que a metáfora idílica do paraíso
terrestre. No segundo caso, quando o poema tematiza a mitologia pagã, eventos ordinários se
transformam em quadros exuberantes, cuja riqueza imagística aparece na minúcia descritiva
feita com uma escolha vocabular refinada e erudita. Inteiramente conciliada com a natureza, a
cena possui muita mobilidade, fugindo, como no soneto “Vaso Grego”, ao retrato e
provocando efeitos dinâmicos nas cirandas de ritmo inter-relacionadas ao movimento que se
entreabre, no nível do conteúdo, pelas ações humanas ou divinas interferentes da e na
natureza, como no poema “O Leque”.
A identidade nacional tem na própria terra brasileira sua expressão mais relevante. A
obra de Alberto de Oliveira dará ênfase à força da natureza brasileira, em sua biodiversidade.
Esse nacionalismo "velado" (ao menos pelo olhar da crítica contemporânea) se encontra
disperso em vários pontos da obra (como percebeu Nestor Vítor), mas é no livro Terra Natal,
escrito em 1901 e publicado em 1905 nas Poesias 2
a
série, que se tem uma preocupação maior
28
sobre esse eixo temático: “como indica o título, todo dedicado à paisagem nacional”
(AZEVEDO, 1977: 17). Tomando como exemplo “O Paraíba” (OLIVEIRA, 1978: II, 179-
191), observa-se a visão hiperbólica sobre a natureza, como revela a estrofe de abertura:
Da serra da Bocaina até São João da Barra
Onde o Atlântico o sorve, onde o rumor bravio
Se lhe abafa da voz
monstro a levar na garra
Troncos, pedras, o que acha em seu percurso
o rio,
Oscilando muitas vezes entre a descrição impressionista e naturalista, o exotismo,
pictórico mas não pitoresco, aparece por entre jogos sinestésicos, explorando elementos
simbólicos que corroboram o trato hiperbólico da terra, um dos expoentes do exotismo:
Traz dos sertões que andou, cânticos e perfumes,
Um ninho, um fruto, um ramo, um leque de palmeira,
E a alma errante e imortal das cousas, em queixumes,
Debruçada a chorar-lhe em cada ribanceira;
Componentes do Simbolismo vêm a enriquecer as imagens de “O Paraíba”:
Traz dos rotos grotões, cuja abóbada agita,
Retumbando-lhe dentro em ímpetos violentos,
A revoada ululante, a sucessiva grita
Dos ecos que lá sopra a buzina dos ventos.
Ao contrário das "mãos pesadas e impuras" (BOSI, 1994: 221), a presença do
Impressionismo mais requintado é inegável:
Curva por sobre o rio a mata informe estende
Quieta os ramos. Rutila o ar, fagulhando em brasas;
Abate, arfando à luz, o corvo negro as asas;
Áscuas na lisa escama o talco vítreo acende
É notória a conciliação entre esse Impressionismo e um Naturalismo que expressa, de
um lado, toda a violência e brutalidade da corrente fluvial; de outro, a surpreendente seca do
rio:
Bóia-lhe à tona podre e desafia a gula
À ave ictiófaga o peixe; a lesma a preguiçosa
E bicéfala cobra, a mole rã nojosa,
A antanha, o sapo vil, tudo ao pé lhe pulula.
29
Por outro lado, diz-se que Alberto de Oliveira não se importava com a realidade sócio-
histórica
8
. Ao contrário, o poeta traz a população ribeirinha, avassalada pelo poder do rio:
Entra, acobarda o medo a quantos dali medem
A cheia, e orando e ao céu levando as mãos erguidas,
Ao céu, por que a terra os bens lhes poupe e as vidas
(Maior bem no perigo) e as águas baixem, pedem.
Abrindo um breve parêntese, para fomentar o ledo engano advertido por
Machado no Instinto de nacionalidade de entender espírito nacionalista como enumerador
de elementos locais, não faltariam subsídios à crítica literária no texto de Alberto de Oliveira:
aguapés, garça, frango d'água, marrecas, mergulhões, irerês (estrofe 7), “não faltando estrofes
com enumeração de topônimos” (AZEVEDO, 1977: 17) como Mundéus, Vermelho, Laje,
Cachoeira, Taquaral, São José, Formoso e Barra Mansa (estrofe 13); etc..
As relações de dominação entre o Rio Paraíba (o dominante) e os ribeirinhos (os
dominados) podem ser aproveitadas numa leitura marxista, pela qual o rio ganha conotações
da elite econômica. Se assim for, note-se, por conseguinte, o viés crítico de Alberto de
Oliveira na preocupação com as configurações sociais das camadas de baixa renda.
Uma noite (dos céus completamente escuros
Trovoava ininterrupta e enorme profundeza)
Num rancho de sapé, desses que mal seguros
Com uns paus e barro e palha edifica a pobreza,
Um pequenino esquife, entre fitas e flores,
Mostrava amortalhado um anjinho. Dois velhos
Rodeiam-no. É um casal de rudes lavradores;
Ele, mudo, a cismar; ela, a rezar de joelhos.
O Rio Paraíba não matou a criança diretamente. Mas, como ele contribui para a
miséria dos pobres (já que sempre destrói, em suas violentas enchentes, o que eles
constroem), é indiretamente responsável pela morte do menino. Essa oscilação se justifica
pelo fato de o Paraíba representar, por um lado, a identidade nacional, pois é elemento de
8
cf. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira, na qual afirma: “sempre se alheou dos problemas
nacionais” (p. 223); cf também CAMPOS, Geir. Alberto de Oliveira (poesia), na coleção “Nossos clássicos”,
ratificando: “em nenhum desses livros, entretanto, há o menor reflexo da efervescência política e social do país”
(p. 12)
30
nossa terra (recurso metonímico que toma o todo pela parte), o Brasil como um todo, sendo
assim incoerente que ele mate uma criança brasileira; por outro lado, as forças econômicas, a
opressão do mais forte (recurso metafórico que personifica o rio como elite econômica),
sendo assim cabível a responsabilidade (indireta que seja) sobre a morte do menino.
Ao final desse dualismo, o rio carrega o garoto morto pela forte correnteza, como se o
estivesse abençoando. Por isso, ele volta parecendo um anjo, porque as águas do Paraíba o
acolheram e o renderam.
Essa dualidade semântica do rio indica, ao mesmo tempo, o poder violento das águas
contra a população (o dominante) e o benefício de nutrir e irrigar naturalmente o solo em
favor dos pobres (identidade nacional). O peso da solidão surge nesse poema justamente
porque o Rio Paraíba não se importa com as preces dos ribeirinhos, mas apenas cumpre sua
natureza, seja para benefício ou suplício dos pobres. Na verdade, o Paraíba também está
imerso num mar de solidão, pois não consegue firmar uma boa relação com os habitantes,
pois até a fauna e a flora são destruídas.
As relações de poder também aparecem em “A Morte do Feitor” e A Fumaça da
Fábrica”, recitada por Alberto de Oliveira na Academia Brasileira de Letras, para a qual
chamava a atenção Jorge Jobim, no prefácio das Poesias escolhidas, de 1933.
31
3.3. TEMA DAS ÁGUAS
O mar é uma figura poética muito presente na obra de Alberto de Oliveira: “Aparição
nas Águas” e “Ondulações”, de Canções românticas, são dedicadas especialmente ao mar.
Como o primeiro poema trata de assunto pagão, a rica imaginação inspira os versos com
balouços marítimos e sensuais, pois, à beira da praia, Vênus, o “Cisne do mar Iônio”, banha-
se por entre vagas verde-azuis e brumas fantasiosas. O mar Iônio se localiza entre Grécia e
Itália, de onde uma deusa fabulosa e lasciva é flagrada às margens marítimas, numa concha
gigante (já que, no poema, ela é “pérola do Amor”), qual uma nave no momento de aportar.
Esse momento de atracação se repete em “A Volta da Galera”, de Meridionais. No mesmo
livro, “Afrodite” é mais uma vez flagrada, desta vez em três sonetos; inclusive, Clítia também
aparece, na confusão imagística entre deusa e mulher, na conformação do sagrado no humano,
do transcendente no condicionado, provocando e indicando o êxtase subjetivo na observação
da beleza feminina. O estilo também contribui para a expressão das vagas e correntes
marítimas, pelas sínqueses propositalmente criadas a fim de acompanhar o ritmo do mar,
monocórdio porém inconstante, abrindo pequenos, médios e largos ressonos.
AFRODITE I
Móvel, festivo, trépido, arrolando,
À clara voz, talvez, da turba iriada,
De sereias de cauda prateada,
Que vão com o vento os carmes concertando,
O mar, — turquesa enorme, iluminada,
Era, ao clamor das águas, murmurando,
Como um bosque pagão de deuses, quando
Rompeu no Oriente o pálio da alvorada.
As estrelas clarearam repentinas,
E logo as vagas são no verde plano
Tocadas de ouro e irradiações divinas;
O oceano estremece, abrem-se as brumas,
E ela aparece nua, à flor do oceano,
Coroada de um círculo de espumas.
(OLIVEIRA, op. cit., III, p. 78)
32
Toda essa ambientação marítima se conjuga ao impulso erótico, pois uma figura
feminina flagrada nas praias, seja deusa, seja mulher. “Junto ao Mar” também apresenta
erotismo desta vez recalcado por se tratar de uma criança protegida e confortada nos
braços de um adulto, que a consola enquanto segreda consigo a súbita comparação entre o
mar e o coração humano. O hibridismo de imagens entre o mar e o coração esboça nesse
soneto a dimensão ecológica claramente vista em outros poemas, como “Magia selvagem” e
“Ao ar livre”, interpretados nos capítulos 6 e 7:
JUNTO AO MAR
Ela, formosa e tímida criança,
Receia o mar, se, vendo-me ao seu lado,
Sente-o quebrar-se movediço, irado,
Sente-o que ora recusa e que ora avança.
— Se houvesse ao menos uma onda mansa!
Mas o vento atropela-as, desatado;
E ela, com um ar de pássaro assustado,
Ela, enrolando no meu braço a trança:
Que medo! exclama, e toda se recosta.
Nisto, de encontro aos farelhões da costa,
Ruge, ribomba, anseia, estala o oceano...
Ah! parece-me um tigre! ela murmura,
Mas do mar aos meus olhos a figura
Faz-me lembrar o coração humano.
(OLIVEIRA, 1978: I, 87)
Com relação a estes últimos poemas citados, a situação muda ligeiramente: não se
atracação; esta, contudo, em Sonetos e poemas, é novamente tema do primeiro poema “A
Galera de Cleópatra”. Todas estas ondulações das águas são epifanias apoteóticas, cuja
magnificência impactante influencia no comportamento de todos os elementos ao seu redor: o
céu se torna esplendoroso, os ventos se atiçam, as águas tremem, o sol se intensifica, todos
oscilando entre uma defesa (ante o espanto da soberania) ou um entusiasmo (ante o rebuliço
da luxúria). Em meio a esse acontecimento, o sujeito lírico percebe e sente o completo assédio
dos corpos naturais e humanos, como “Maré de Equinócio” e “Velas ao Vento”, das Poesias,
4ª série.
33
4. POÉTICA E METALINGUAGEM
4.1. SITUANDO O PROBLEMA
Convém investigar, na obra de Alberto de Oliveira, como se deu a prática da arte-
pela-arte em seus pressupostos franceses bem como em suas variações brasileiras, a fim de
evidenciar que a poesia parnasiana realiza o projeto moderno de Jena longe da
interpretação mais tradicional da crítica —, afirmando clara e rica singularidade. O primeiro
aspecto a ser investigado é a auto-reflexão, que, para os românticos alemães, constituía
fundamento da arte moderna, pois dava à arte uma essência de médium-de-reflexão. De todos
os parnasianos brasileiros, o mais importante para o movimento e paradoxalmente menos
estudado é Alberto de Oliveira. Os motivos são previsíveis: qualquer que seja o torneado, o
argumento central está na indisposição da crítica nacional com o autor. De um rebuscamento
formal muito raro na poesia brasileira até então, o poeta de Saquarema vem servindo de
pretexto para uma barreira de interpretação, cuja arquitetura quase sempre leva o crítico a
tatear tão-somente conjecturas, a respeito de uma poesia ainda por se ler: “já paira
especificamente contra o Parnasianismo o estigma de ser um estilo rejeitado” (SECCHIN,
2004: 492).
34
4.2. AUTO-REFLEXÃO COMO ÍNDICE MODERNO: DIFERENÇAS COM O
SENTIMENTALISMO EXEMPLIFICADO POR ÁLVARES DE AZEVEDO
A poética que circulou pela Europa, lida e aclimatada posteriormente nas Américas,
contrariava as aspirações do Romantismo de Jena. Tome-se como exemplo Álvares de
Azevedo.
A espontaneidade com que Álvares de Azevedo costuma encarar a poesia é muito
particular da feição internacional do Romantismo, adquirida a partir de modelos ingleses e
franceses, que tomaram como românticas as formas tão-somente pré-românticas da klassik de
Weimar, muitas vezes opositora do círculo romântico de Jena:
Goethe e Schiller foram freqüentemente considerados, no estrangeiro, como
“românticos” , como aconteceu na Itália e na França de tal modo, que é
importante reafirmar que nenhum deles pertenceu de forma alguma ao movimento
romântico alemão, quer dizer, não partilharam, pelo contrário, criticaram, as suas
posições teóricas. (D’ANGELO, 1998: 28)
Herder, um dos pré-românticos, considerava que “a língua da poesia vive da expressão
imediata da alma e do sentimento” (apud Lima, 1989: 98). No entanto, o mundo priorizou
uma visão pré-romântica em detrimento da visão romântica mesma do círculo de Jena, cujos
teóricos, como Schlegel e Novalis, entendiam a poesia tal uma construção rebuscada do
pensamento, e não como uma confissão sentimental imediata a arte como medium-de-
reflexão. Sabe-se que a difusão européia do Romantismo deu outra feição às idéias e às fontes
primordiais do círculo de Jena: o sentimentalismo ostensivo da klassik de Weimar, mais
legível do que o complicado programa do idealismo alemão, constituiu fundamento para uma
poesia confessional e espontânea, a contragosto da exigência da romantik de Jena quanto ao
caráter (auto)reflexivo da criação artística. Nas palavras de Walter Benjamim, a teoria
romântica de Schlegel — com ele, Novalis e Schelling — versava que:
"Existe [...] um tipo de pensar[, diz Schlegel,] que produz algo e que, portanto,
possui uma grande semelhança formal com a faculdade criativa que nós atribuímos
ao Eu da natureza e ao Eu-do-mundo. A saber, o poetizar, que de certo modo cria
35
sua própria matéria." Em seus primeiros tempos, ele [Schlegel] designou a arte
como medium-de-reflexão. Em muitas passagens, Novalis também deu a entender
que a estrutura básica da arte é a do medium-de-reflexão. A seguinte proposição:
"A arte da poesia é certamente apenas uma utilização arbitrária e produtiva dos
nossos órgãos
e talvez o pensar seria ele mesmo algo não muito diferente
e,
portanto, pensar e poetar constituíam uma mesma coisa" assemelha-se muito à
sentença schlegeliana. (BENJAMIM, 2002:70-71 passim.)
Bem se sabe como foi cara aos românticos alemães de 1800 a formulação dos três
graus do pensar (cf. opus cit., p. 34-39): os poetas franceses, ingleses (após a primeira década
de Coleridge e Wordsworth) e de outros países optam pela expressão da vivência, daí a
simples e propalada carga sentimental, que, aliada ao pessimismo pós-Revolução Francesa,
resultou no melancólico mal-do-século oitocentista, longe da complicada filosofia da arte
jenense. Nela, verifica-se que “a reflexão propriamente dita, no seu significado pleno, nasce,
no entanto, apenas do segundo grau; no pensar aquele primeiro pensar” (opus cit., p. 35).
O sujeito poético na lírica de Álvares de Azevedo, pelo contrário, crê na imediatez do
fluxo poético, na rápida captação do sentimento, na ausência do médium-de-reflexão
perquirido por Schlegel
9
. Para este, o sentimento é “o ponto de indiferença da reflexão, no
qual esta surge do nada” (opus cit., p. 70). O eu-lírico da obra poética de Álvares de Azevedo,
pelo contrário, não aceitava um segundo pensar (a reflexão) sobre seus versos, valorizando, a
exemplo de Byron e Musset, na esteira da klassik de Weimar, uma expressividade não
refletida, não mediata. Tome-se o Poema do Frade como exemplo. Nele, percebe-se
claramente o credo de Azevedo em não repensar a forma a que se chegou:
Frouxo o verso talvez, pallida a rima
Por este meus delírios cambeteia,
Porem odeio o pó que deixa a lima
E o tedioso emendar que gela a veia!
Quanto a mim é o fogo quem anima
De uma estancia o calor: quando formei-a,
Se a estatua não saiu como pretendo,
Quebro-a
mas nunca seu metal emendo.
(AZEVEDO, 1942: 339)
9
Embora Péricles Eugênio da Silva Ramos tenha evidenciado as correções do poema “A morte e o amor”,
prevalece, na minha opinião, a voz lírico-ficcional, evitando extrapolações biográficas.
36
Este pensamento sobre o fazer poesia entra em profunda discordância com as idéias
dos românticos alemães. É o que se lê neste trecho:
A teoria romântica da obra de arte é a teoria de sua forma. A natureza limitadora
da forma os românticos identificaram com a limitação de toda reflexão finita. A
forma é, então, a expressão objetiva da reflexão à própria obra, que forma sua
essência. Através de sua forma a obra de arte é um centro vivo de reflexão. A
reflexão prática, ou seja, determinada, a autolimitação, constituem a
individualidade e a forma da obra de arte. (BENJAMIM, opus cit., p. 78-79 passim.)
Cilaine Alves, ainda que intente inserir o poeta numa tradição romântica, percebe uma
tentativa de Álvares de Azevedo, embora numa “binômia”, de romper com as balizas do
Romantismo, numa rejeição à convenção que àquela altura de 1850 se fazia desgastada,
rejeição evidente na Segunda Parte da Lyra dos Vinte Annos (1853):
Dissolvida no âmbito da criação poética e passível de ser apreendida apenas na
duração de cada poesia singular, a dualidade de fundamentos estéticos relaciona-
se, de certo modo, com a recusa em adotar as convenções poéticas que
regulamentavam o ato criativo e, ao mesmo tempo, com a necessidade de legitimar,
de forma original, a individualidade poética de Álvares de Azevedo, unificando-a
num projeto próprio. (ALVES, 1998: 70)
Esses méritos da obra de Álvares de Azevedo, como a ironia crítica, trazem para a
literatura brasileira tesouros imensuráveis, embora muitas vezes o autor ilustre o
sentimentalismo padrão obsoleto. Retomando o assunto do programa romântico alemão, a
segunda discordância de Azevedo frente ao círculo de Jena se estabelece quanto à crítica de
arte: o poeta brasileiro recrimina a idéia da reflexão, enquanto os alemães da romantik a ela
condicionam o fazer artístico. Nessa questão, o pensamento que mais influencia os românticos
alemães (de Jena) é formulado por F. Schlegel:
belo e necessário entregar-se totalmente à impressão de uma obra literária [...]
e como que apenas confirmar no detalhe o sentimento com a reflexão, elevando-o
ao pensamento e [...] completando-o." (apud BENJAMIM, opus cit. p. 75; cortes do
autor)
Entretanto, Novalis discordava desse ponto-de-vista:
"Crítica da poesia é um absurdo. é difícil decidir, a única decisão possível, se
algo é ou não poesia.” (opus cit., p. 84)
37
Será por esse viés que Álvares de Azevedo encontrará amparo à sua visão sobre crítica
de poesia. Ainda n' O Poema do Frade, nota-se que o juízo de nosso poeta quanto à crítica de
arte é depreciativo:
A critica é uma bella desgraçada
Que nada cria nem jamais criara;
Tem entranhas de areia regelada;
É a esposa de Abrão, a pobre Sara
Que nunca foi por Anjo fecundada;
Qual a mãe que por ella assassinára
Por sua inveja e vil desesperança
Dos mais santos amores a criança.
(AZEVEDO, opus cit., p. 337)
Bem se que o ponto-de-vista de Schlegel, norteador do Romantismo alemão, está
em profundo conflito com as idéias de Azevedo: isto porque, como explica Costa Lima (opus
cit., p. 98), a teoria schlegeliana permaneceu incompreendida fora do círculo de Jena. Até
mesmo Novalis, talvez mudando de opinião, passou a concordar com Schlegel em a crítica de
arte ser um complemento da arte, como se depreende desta sua proposição: “A autêntica
recensão deveria ser [...] o resultado e a exposição de um experimento filológico e de uma
pesquisa literária” (apud BENJAMIM, opus cit., p. 72). Walter Benjamim explica, com mais
detalhes, esse pensamento de Novalis: “crítica é, então, como que um experimento na obra de
arte, através do qual a reflexão é despertada e ela é levada à consciência e ao conhecimento de
si mesma.” (opus cit., p. 72). Esta disparidade entre os modos de conceber a poesia não
significa carência ou defeito do poeta brasileiro, mas sim, identidade de Álvares de Azevedo
como poeta do Romantismo, estilo que, em nível internacional, priorizou as idéias da klassik,
muitas vezes contrárias às da romantik.
Se a filosofia da arte, pensada pelos românticos de Jena, não se configurou base do
Romantismo francês nem do inglês pós-Colerigde, é fato que encontrou no Parnaso-
Simbolismo de Baudelaire, Verlaine e Mallarmé ensejo de experimentação (LIMA, opus cit.,
p. 103-104); porque “o próprio aparecimento, pela primeira vez, da expressão arte pela arte
está relacionado com os meios românticos alemães” (SILVA, 1973: 83), originando Le
38
Parnasse Contemporain e deste a experiência brasileira diferenciada e inaugural, como se
verá a seguir no capítulo 5.
4.3. AUTO-REFLEXÃO NA POÉTICA DE ALBERTO DE OLIVEIRA
Não obstante a carência de estudos sobre o autor e a necessidade de uma investigação
profunda e detida de sua poesia, alguns versos de Alberto de Oliveira dedicados ao fazer
literário podem, sem grandes complicações, esboçar, por ora, sua concepção de poesia, que
leva em conta a auto-reflexão, como visto, índice moderno. Escolham-se “Recôndito” (da
Série), “Pena Abandonada” (da Série), “A um poeta” [de Céu Noturno] (da Série),
“Agora é tarde para um novo rumo” e “Lira Quebrada” (ambos da Série). O primeiro
pertence a Versos e Rimas, revelando uma profunda discórdia entre o sentimento e a
expressão a que este chegava:
RECÔNDITO
Pena imprestável, quebra-te! adormece,
Lira inútil, a um canto! Arte divina,
Arte do verso, eu te dispenso agora;
Nada exprimes de nós quando a alma cresce,
Como o oceano revolto, à dor que a mina,
À paixão que a solapa e que a devora.
Em momentos como este, quem pudera,
Como o braço de Próspero por cima
Da tormenta, serena e seminua
Sua musa invocar para, severa,
Domar-lhe o gênio, sujeitando à rima
O caos em que flutua?
Em momentos como este, não, não podes,
Lira frágil, abrir teu peito de ouro,
A angústia a nos dizer que nos invade;
As sílabas cantantes que sacodes,
Como pérolas sobre o sorvedouro,
Caem frias demais na tempestade.
Em momentos como este, baldo intento
É crer uma arte exista que conduza
Fora da dor o espírito abatido,
Como crer haja mágico instrumento
Que o coração chagado nos traduza,
Gemido por gemido.
39
Em momentos como este, aras sagradas
Da poesia, meu templo e meu asilo,
Que valeis? Esta imagem fria e calma,
Que eu contemplo, a rezar, de mãos alçadas,
Como insensível, tem o olhar tranqüilo,
E eu tenho o inferno a palpitar-me n'alma.
Em momentos como este, é só consigo
Fechado, como em lôbrega enxovia,
Que o coração se quer, de quando em quando
A revolver-se e a ver, como um castigo,
Que se vai ele mesmo, dia a dia,
Na dor se devorando.
[...]
(OLIVEIRA, 1978: I, 230-231)
Percebe-se nitidamente o descontentamento quanto às limitações da poesia. À primeira
vista, tem-se a impressão de que as queixas se dirigem ao estilo parnasiano; no entanto, a
poesia é "Arte divina/ arte do verso" a de todos os estilos; indaga qual Poeta-Amante
poderia invocar sua musa para que esta lhe domasse o sentimento, serena e seminua.
Num segundo momento, a "Lira frágil" sacode "[a]s sílabas cantantes", que caem
"[c]omo pérolas sobre o sorvedouro". Nutre-se a esperança de que a poesia seja comandada
pela musa (imagisticamente representada em alusão a Próspero, herói shakespeariano), pois
ela domará o gênio do Poeta-Amante, "sujeitando à rima/ o caos em que flutua": o caos será
sujeitado à rima, entendida como metonímia da poesia. Pode-se dizer, então, que poesia
conota uma proposta de organização para o caos, do qual o nosso mundo participa. Eis uma
primeira evidência de auto-reflexão da e na obra. A organização do mundo, como se sabe, é
feita pela linguagem, que, segundo Heidegger, “é o advento do próprio Ser que se clareia e se
esconde” (1967: 45), cuja Essência “é a casa da Verdade do Ser” (opus cit., p. 33), na qual a
“clareira do seré acesa quando “o homem se essencializa”, assim “possui[ndo] o caráter
fundamental de ec-sistência, isto é, da insistência ec-stática na Verdade do Ser” (opus cit., p.
43). A concepção parnasiana privilegia essas instâncias heideggerianas, ao valorizar a poesia,
uso específico ou especial da linguagem, como organização do mundo. O afastamento social,
para Heidegger, é uma defesa do homem contra a reificação impetrada pela publicidade,
40
através do qual o homem se encontrará de novo, justamente nesse indizível a que se refere e
almeja o eu-lírico de “Recôndito”, cujo título ratifica a tendência à introspecção requerida por
Heidegger:
Caso o homem ainda deva encontrar o caminho da proximidade do Ser, terá de
aprender primeiramente a existir no inefável. Terá que conhecer o extravio do
público como também a impotência do privado. Antes de falar, o homem terá que
deixar-se apelar pelo Ser[,] mesmo com o risco de, sob um tal apêlo, ter pouco ou
ter rarament[e] algo a dizer. Sòmente assim, se restituirá à palavra a preciosidade
de sua Essência e ao homem, a habitação para morar na Verdade do Ser.
(HEIDEGGER, 1967: 34)
No poema, o modo parnasiano de fazer poesia é metonímia da própria arte. Ou seja, a
poesia, a arte do verso, é a arte da rima, do metro e do ritmo. Lamenta-se, como se na
quarta estrofe, não existir “mágico instrumento / que o coração chagado nos traduza / gemido
por gemido”, isto é, os foros íntimos, a exemplo da teoria de Heidegger, permanecem
inefáveis.
De uma só vez, as aras sagradas da poesia, talvez ligadas à musa, são templo e asilo do
poeta, lembrando as noções de casa e clareira. A musa está rezando, tranqüila e insensível,
enquanto o sujeito tem “o inferno a palpitar n'alma”, a insatisfação de não alcançar a
expressão poética, nem mesmo o entendimento, de todos esses sentimentos intensos —
assinalando a melancolia da tradução. Eis uma segunda evidência de auto-reflexão. Sobre a
co-relação entre musa e poética, em que os aspectos sentimental e metalingüísticos disputam
o tema central do poema, leia-se Nestor Vítor:
Encontram-se nos Versos e Rimas duas peças, Recôndito e Epitalâmico em que o
poeta se refere à história de um amor infeliz, sempre veladamente embora, com o
grande recato de que nunca se aparta no folhear de suas páginas íntimas. (VÍTOR,
1969: 360b)
41
4.4. APROFUNDAMENTO HERMENÊUTICO: AUTO-REFLEXÃO E MELANCOLIA
Aliás, os desavisados crêem na impassibilidade do poeta, pois é ponto pacífico,
dentre os críticos mais dedicados, que “jamais Alberto de Oliveira suprimiu de sua inspiração
aquela voluptuosa tendência de juventude [...] denunciando o lado contingente e sensual”
(GOMES, 1958: 88) e sua obra não começou entoando Canções românticas?. Não menos
interessante é a leitura de “Pena Abandonada”, do Livro de Ema (que passou da para
Série, quando esta ganhou uma “edição melhorada”). outro poema igualmente sobre “a
pena”, isto é, sobre o fazer poesia, que muito retoma as questões de “Recôndito”: por isso,
não o trouxemos. O poema “Pena Abandonada” reitera a sábia junção entre metalinguagem e
melancolia, cuja bile negra do fracasso vivido e memorado escorre na queixa acerca da
insuficiência de, pelo crivo da linguagem (que não diz todo o sentimento d’alma), lograr a
expressão completamente acertada:
Pena que ao vento vais, pena isolada,
Pena sem vida, que te quer o vento?
Onde irás tu cair? terás da estrada
O pó? terás a luz do firmamento?
É como tu meu vário pensamento:
Amor o leva e, pena abandonada,
Vai onde vai a idéia desejada,
Vai à mercê do amor, que é seu tormento.
A ti, talvez, passando, uma ave leve
No róseo bico, e irás formar seu ninho
E entre penas dormir, pena de neve;
A ele, o pensamento
pena escura,
Quem há de erguer em meio do caminho,
Quando o repele a minha desventura?
(OLIVEIRA: 1978: II, 21)
O sentimento melancólico, diluído em vários versos, predomina no último terceto,
dando um desfecho mais emotivo à longa digressão, meio “teórica”, sobre o mesmo conflito
referido em “Recôndito” entre pensamento e expressão, entre sentimento e tradução verbal.
42
Essa investida outra vez no território íntimo diz respeito a uma continuidade entre os poemas
do Livro de Ema, apontada com grande perspicácia por Afonso Celso, no prefácio:
As quarenta e três composições de que [Livro de Ema] se forma obedecem a uma
idéia comum, subordinam-se a um plano predeterminado, constituem um todo
homogêneo, sendo cada uma delas um episódio, concatenado aos mais do entrecho
geral,
entrecho vago e sutil, mas facilmente apreensível. É simples esse entrecho,
como todas as cousas verdadeiramente belas e grandes. Trata-se de uma visão de
amor, jovem, meiga e linda mulher, idealmente adorada, que a morte de bito
arrebatou. (opus cit., p. 6)
Isto é, para não quedar isolado do restante do livro, esse soneto, afortunadamente, toca
na esfera sentimental, e a partir dela se liga à “idéia em comum”, ao “plano predeterminado”,
ao "todo homogêneo" do livro: a nota emotiva. A melancolia, vazada ferozmente em
“Recôndito”, explodira em comunhão com a raiva de um sujeito que não aceita e não
compreende o fracasso da empresa. Aqui, em “Pena Abandonada”, o obstante, aparece
velada. Em ambos, a bile negra denuncia a existência do recalque, pois o sujeito se fixa ao
objeto de desejo de maneira irresoluta, reprimindo a insatisfação: pois o descontentamento
com a irrealização, sublimado em “Pena Abandonada”, extravasara com fervor desde o
primeiro verso de “Recôndito”, através da exclamação irada o recalque e a raiva em
relação dialética na tessitura da melancolia.
Voltando, então, a atenção para a questão por ora estudada da metapoesia, nota-se que
a mesma incompletude da arte como uso de linguagem preocupa o eu-lírico, reclamante do
mesmo modo que em “Recôndito” quanto à sua dor à sua desventura, para usar uma
palavra do próprio soneto que se intensifica diante do problema lingüístico da inexatidão.
Contudo, neste soneto, um detalhe a mais, muito substancial, com relação ao poema de
Versos e Rimas: o sujeito percebe agora, no Livro de Ema, que “a pena”, isto é, a arte, se
alimenta do “vário pensamento”, da “idéia desejada”, mas tudo isto vive “à mercê do amor,
que é seu tormento”. Isto é, o amor é a verdadeira fonte de inspiração, a força-motriz, a causa
princeps do pensamento, que gera a idéia, que gera a arte. Eis uma terceira evidência de auto-
43
reflexão da obra, isto é, a arte é reflexão a partir de uma idéia, por sua vez a partir do
sentimento; e duplamente autocentrada (auto-refletida) quando metalinguagem (a obra de arte
que fala sobre si mesma). Prosseguindo sua busca por uma concepção de poesia, o sujeito
decide passar sua experiência “A um Poeta”, já em Céu Noturno (não confundir com outro
poema de mesmo título em Alma Livre). Trata-se de uma lamentação sobre a perda daquele
vigor que, para o eu-lírico, estancou nos primeiros versos:
A UM POETA
Não têm seus versos agora,
Que se foi teu claro dia,
O ímpeto, o fogo, a harmonia
De outrora.
A idéia, porém, mais pura,
A idéia aos poucos nascida
De observar a dor e a vida,
Fulgura.
Assim, posto o sol, os rios
Não são mais como eram dantes,
Tornam-se, em vez de brilhantes,
Sombrios.
Mas da noite o céu, com os mundos
Acesos, na água a feri-los,
Torna-os mais, sobre tranqüilos,
Profundos...
(opus cit., p. 388)
Claro está que a mesma problemática com os limites da linguagem é deflagrada, mas,
desta vez, de uma forma muito mais amena. O foco volta a incidir na melancolia como se
vê, é tema reiterativo , que, numa imagem de grande impacto, surge depois do ocaso,
tornando sombrios todos os rios, metáforas dos versos, do ímpeto, do fogo, da harmonia.
44
4.5. A CONSCIÊNCIA DO AUTOR: EVIDÊNCIA DE AUTO-REFLEXÃO
Da produção metapoética de Alberto de Oliveira, o poema mais citado (porém não
igualmente estudado) pertence às Poesias, Série, servindo-lhe de pórtico. Diz-se dele que é
uma redenção do eu-lírico, que se arrepende do rigor formal, mas não encontra força ou
coragem suficientes para descartá-lo; e as palavras de Nestor Vítor “com o grande recato
de que nunca se aparta no folhear de suas páginas íntimas” —, proferidas ainda em 1906,
quanto a essa obstinação, ganham ares proféticos. Eis o poema-pórtico:
Agora é tarde para um novo rumo
Dar ao sequioso espírito; outra via
Não terei de mostrar-lhe e à fantasia
Além desta em que peno e me consumo.
Aí, de sol nascente a sol a prumo,
Deste ao declínio e ao desmaiar do dia,
Tenho ido empós do ideal que me alumia,
A lidar com o que é vão, é sonho, é fumo.
Aí me hei de ficar até cansado
Cair, inda abençoando o doce e amigo
Instrumento em que canto e a alma me encerra;
Abençoando-o por sempre andar comigo
E bem ou mal, aos versos me haver dado
Um raio do esplendor de minha terra.
(idem, 1979: III, 5)
Quando o eu-lírico diz que "[a]í me hei de ficar até cansado/ [c]air" não significa, com
toda segurança, que ele tenha renunciado ao credo da forma, do metro, da rima, do apuro
formal. Isto porque, como visto, o problema com as limitações da linguagem e a
conseqüente indignação contra os enunciados sempre incompletos já eram características
marcantes da metapoesia de Alberto. O eu-lírico na sua obra denuncia a incompletude da arte,
e da arte metonimizada por versificação tradicional, mas não quer dizer que tenha optado pelo
novo credo modernista do verso livre ou reconhecido sua excelência. Talvez, para esse sujeito
cansado, nem a arte do verso austero, nem a arte-libertinagem poderia saciar o desejo e a
necessidade de se fazer poesia, de conseguir exprimir o que acontece em nosso mundo
45
subjetivo, na clareira do Ser, pois o problema não advinha de opção de credos (românticos,
vanguardistas, clássicos), e sim, na própria essência de toda a arte.
A insatisfação do sujeito residia numa problemática muito maior do que a imaginada
rebeldia contra os ditames da arte-pela-arte: trata-se de um protesto, justo e sincero, contra a
violência, a deturpação, o prejuízo que qualquer código impõe ao sentimento na hora de
moldá-lo segundo uma fria convenção, principalmente numa sociedade em que “a linguagem
cai sob a ditadura da publicidade” e “ameaça [a] Essência do homem” (HEIDEGGER, opus
cit., p. 31 e 32). A profunda consciência do autor em A. de Oliveira recorda, em Ramo de
Árvore, a “Lira Quebrada” (1922) em “Recôndito” (1894) após quase 30 anos, sob vaia
modernista, sustendo sua concepção de poesia, ainda que feneça com ela:
LIRA QUEBRADA
Tomando-a onde a deixei dependurada ao vento,
Sinto não ser mais esta a lira de outros dias,
Em que somente a amor votado o pensamento,
Livre e acaso feliz, a descantar me ouvias.
Quebrada vem. Rouqueja apenas um lamento,
As rosas com que, ó Musa, inda há pouco a vestias,
Fanam-se nos festões, soltam-se em desalento,
Vão-se. Ironia ou dor crispa-lhe as cordas frias.
Mas ainda assim lhe escuto um resquício de notas
Perpassar e gemer: corre-lhe as fibras rotas
O fantasma do som que a alma um dia lhe encheu:
Como de um velho sino de bronze espedaçado
Guarda em cada fragmento o fragmento de um brado,
O eco de um hino, a voz de um canto que morreu...
(opus cit., p. 214)
Estabelecendo um diálogo com “Recôndito” indicador de auto-reflexão da obra,
nessa retomada de uma lira que se quebrou em outro momento —, “Lira Quebrada” reitera a
desventura de a palavra não expressar adequadamente o sentimento, que é o mesmo tema de
“Agora é tarde para novo rumo”, interpretado desafortunadamente como o arrependimento do
poeta em manter a poética tradicional. Não é um desgosto pelo Parnasianismo, senão pela
arte.
46
5. VÍNCULOS COM A “POESIA FUTURA”
5.1. A CONCEPÇÃO DE POESIA DO ROMANTISMO DE JENA: CONTRA O
CONFESSIONISMO DO PRÉ-ROMANTISMO DE WEIMAR E A IMITATIO CLÁSSICA
O movimento romântico se constituiu na luta contra a forma clássica, somente quanto
às estéticas imitativas dos modelos gregos, inclusive à cultura helênica e, principalmente, ao
Neoclassicismo e Classicismo francês; pois a Antiguidade Grega, não sendo pastiche de outra
arte, é, na realidade, referência de originalidade — senão a principal — para a “poesia futura”.
Como, em linhas gerais, os românticos-jenenses pretendiam recusar o formalismo enquanto
repetição de cânones desfavorável à criação artística, a imaginação produtiva era substancial
para a autenticidade da obra e acionava o paradigma da liberdade à medida que valorizava a
contribuição original do gênio, indivíduo que justamente se singulariza pela diferença — nele
expressa capaz de inaugurar novas linguagens. Fora do círculo de Jena, segundo o
pensamento do círculo de Weimar, a poesia está intimamente ligada ao sentimento e sua
expressão imediata. Goethe, por exemplo, considera que “quanto mais a alma se levanta em
direção ao sentimento das relações [...], quanto mais esta beleza penetra no âmago do espírito
[...], tanto mais feliz é o artista” (ROSENFELD, 1991: 80); J. G. Hamann, em pensamento
similar, afirma que “o lírico é cronista do coração humano” (opus cit., p. 27). A klassik de
Weimar, pela divergência de concepções teórico-críticas e artísticas com o pensamento da
romantik de Jena, habitualmente se lhe opunha, como explicou Paolo D’Angelo na citada
passagem abaixo transcrita:
na época Goethe e Schiller foram freqüentemente considerados, no estrangeiro,
como ‘românticos’, como aconteceu na Itália e na França de tal modo que é
importante reafirmar que nenhum deles pertenceu de forma alguma ao movimento
romântico alemão, quer dizer, não partilharam, pelo contrário, criticaram, as suas
posições teóricas (D’ANGELO, 1998: 28)
47
Assim, Schlegel representante do próprio Romantismo de Jena diverge dessa
crença, arquitetada pela klassik de Weimar, na poesia como expressão confessional,
generalizada internacionalmente, sobretudo pelos franceses do primeiro quartel do século
XIX. A partir do teórico de Jena, os laços de continuidade entre parnasianos e românticos
ganham mais força. Segundo Costa Lima:
sua eleição da ironia [...] se opõe à poesia vivencial, proclamada pelo Sturm und
Drang e por Herder, consistente em afirmar que “a língua da poesia vive da
expressão imediata da alma e do sentimento” [...] É por isso que a teoria de
Schlegel não se irmana com o que genericamente se entende como a prática
característica do romantismo. Em vez da imediatidade expressiva dos acidentes
biográficos do autor, em vez de o poema ser concebido como a prática sublimadora
dos choques com a vida, privilegia-se o distanciamento, a fusão do exame crítico
com a elaboração poética, a idéia de que o poema é o espaço de uma tensão nunca
resolvida. Tudo isso supõe uma concepção do sujeito poético como distinto do
sujeito empírico, uma concepção do poema como diverso do que nasce do
entusiasmo e, acima de tudo, uma concepção do posicionamento histórico dos
tempos modernos. (LIMA, 1989: 98)
Embora Schlegel represente uma radicalização das idéias dos românticos de Jena
retomados pelo programa parnasiano da arte-pela-arte, não estava ele tão apartado de seus
contemporâneos como considera o teórico brasileiro. Esclarece Aguiar e Silva que a idéia
schlegeliana dialogava com as de outros teóricos ou artistas que também importaram
gravemente para consubstanciar o Romantismo:
O romantismo, ao considerar a poesia e a arte em geral como um conhecimento
específico, e o único susceptível de revelar ao homem o infinito, os mistérios do
sobrenatural e os enigmas da vida, conferia ao fenómeno estético uma justificação
intrínseca e total: uma vez que a arte se vai transformando num valor absoluto e
numa religião, cessa a necessidade de a subordinar a quaisquer outros valores para
fundamentar sua existência. A ideia da obra de arte como um mundo autónomo e
isento de propósitos extrínsecos surge com freqüência em Schelling e Hegel (SILVA,
1973: 83)
Tirante a divergência entre Costa Lima (que singulariza e isola a teoria schlegeliana
dos contemporâneos) e Aguiar e Silva (que aponta a afinidade teórica entre Schlegel,
Schelling e Hegel), percebe-se que, quanto ao cerne da questão, claro está que a autonomia da
arte foi pensada dentre os românticos-jenenses. A “autonomia da arte” dos românticos de Jena
48
e a arte-pela-arte dos parnasianos franceses são idênticas enquanto potência de linguagem,
organização de pensamento e concepção de poesia.
5.2. AUTONOMIA DA ARTE E AFASTAMENTO SOCIAL
A “autonomia da arte” havia entrado na pauta de discussão poética não nos
periódicos franceses Globe, L’Artiste, Le Parnasse Contemporain da segunda metade do
século XIX, mas também, e sobretudo, na revista Athenäum (1798-1800) dos românticos de
Jena
10
: “o próprio aparecimento, pela primeira vez, da expressão arte pela arte está relacionado
com os meios românticos alemães, em especial de Weimar e Jena(SILVA, 1973: 83). Eles
almejavam a uma arte que superasse, simultaneamente, a esfera autobiográfica (a fácil
confissão sentimental) e a convenção clássica (a limitação do sujeito pela tradição).
Observando rudimentos desse comportamento moderno nas obras de Shakespeare, Dante e
outros poetas que pela singularidade destoavam da retórica repetitiva dos clássicos (imitatio),
os jenenses se preocuparam em realizar uma arte-futura que, mesmo em diálogo com a
tradição antigo-grega, se diferençasse por sua originalidade.
Segundo Novalis, a nova mitologia, a nova arte e a nova linguagem eram a “poesia
futura”, que deveria fundar “o poético pura e simplesmente” (apud FRIEDRICH, 1991: 28),
isto é, nas palavras de Schlegel, que também vislumbrava a nova mitologia na prospecção de
uma arte vindoura: “como uma pequena obra de arte, o fragmento deve ser bastante separado
do mundo envolvente e ser pleno em si mesmo, como um ouriço” (apud LIMA, opus cit., p.
103). Desse modo, a arte-pela-arte, fortemente caracterizada como poesia cuja função é ela
10
Sobre a influência das idéias do Romantismo alemão no programa parnasiano, cf. BALTOR, Sabrina.
Dandismo e arte pela arte: o percurso de Théophile Gautier pela literatura alemã. XI Encontro Regional
ABRALIC. USP, 2007. Outras publicações da autora são relevantes ao estudo da arte-pela-arte na França, dentre
eles: Théophile Gautier: esteta. X Encontro Regional ABRALIC. UERJ, 2005; Gautier, Wilde e João do Rio:
estetas. in: COUTINHO, Luiz Edmundo Bouças & MUCCI, Latuf Isaias. Dândis, estetas e sibaritas. Rio de
Janeiro: Confraria do vento, 2006.
49
mesma, retoma a “autonomia da arte” dos românticos de Jena, inserindo-se, por isso, no
legado da “primeira teoria da literatura em bases modernas” (LIMA, op. cit., p. 97):
O poético sobre o qual Schlegel teoriza, a proposta de poesia romântica que
formula não tem outra frente em mira senão a frente poética. A autonomia da arte
aqui pois já significa seu desinvestimento por tudo que não seja ela própria. (LIMA,
opus cit., 103)
É interessante perceber, na obra de Novalis, a fonte de pensamentos como “poeta
impassível”, ainda que este não seja exatamente como o pejorativo aplicado pelos utilitaristas
aos parnasianos:
As novas definições de fantasia e de poesia, documentadas aqui em Rousseau e em
Diderot, consolidam-se no Romantismo da Alemanha, da França e da Inglaterra. O
caminho que eles tomam, a partir daos autores da metade e do fim do século
XIX, pode ser seguido de perto e tem sido descrito muitas vezes. Não é, assim,
necessário repeti-lo aqui. Podemos nos limitar a compilar os sintomas mais
importantes que aparecem nas teorias do Romantismo e que são os sintomas do
poetar moderno. / Precisa-se começar por Novalis. Com o propósito de interpretar
a poesia romântica, traça um conceito da poesia futura, cuja significação total só se
abrange, por sua vez, se ponderado com a prática poética de Baudelaire até o
presente. / Interpreta o sujeito lírico como uma disposição neutra, como uma
totalidade interior que não se prende a uma sensação precisa. No ato poético, a
“ponderação fria” detém o comando. “O poeta é aço puro, duro como uma
pederneira”. A lírica consegue a mistura do heterogêneo, a fosforescência das
transições. Ela é uma “defesa contra a vida habitual”; é uma oposição que canta
contra um mundo dos hábitos. A fantasia ditatorial ministrada pelo poeta mágico é
o “maior bem do espírito”, independente de “estímulos exteriores”. Portanto, sua
linguagem é uma “linguagem autônoma”, sem a finalidade de comunicação:
“ocorre como as fórmulas matemáticas; formam um mundo para si, jogam apenas
consigo mesmas”. Tal linguagem é obscura, às vezes, ao ponto de que o poeta
“não compreende a si próprio”. Trata-se de uma compreensão de poucos iniciados.
(FRIEDRICH, 1991: 27-28, passim.)
Como se vê, o preço de dizer que o Parnasianismo exclui a carga emotiva esem
reafirmá-lo para a estética romântica, tradicionalmente aceita como subjetiva
11
. A
impassibilidade rótulo cunhado pelos antipatizantes da arte-pela-arte encontra seu lugar
apenas na ficção poética, pois o recolhimento do sujeito lírico significava maior concentração
reflexiva, num interesse muito além de uma contribuão social: dizia respeito aos extratos
transcendentais, morais e essenciais que fundam o homem. Sua subjetividade importa mais do
11
Romantismo é estética subjetiva à medida que é auto-reflexiva. Segundo os românticos de Jena, a verdadeira
subjetividade encontra no objeto a dialética fundamental para a existência. Essa condicionante de condenar
Parnasianismo e Romantismo já tinha sido lançada por Afrânio Peixoto (cf. Anexo I), ao vincular a arte-pela-arte
à “Filosofia da composição” de Poe.
50
que sua mera inserção social, pois através de uma mudança mais ampla e radical do ser, os
românticos-jenenses pensavam redimensionar o homem em todos os níveis, inclusive o social.
Heraa do Romantismo de Jena, a “ponderação friae “o poeta aço puro”, como afirmava
Novalis, eram “defesa contra a vida habitual” (FRIEDRICH, 1991: 28). Desse modo, surge o
“afastamento socialatitude mais do sujeito poético que do sujeito biográfico. Nas palavras
de Gautier:
Quant aux utilitaires, utopistes, économistes, saint-simonistes et autres qui lui
demanderont à quoi cela rime, - il répondra : Le premier vers rime avec le second
quand la rime n’est pas mauvaise, et ainsi de suite.
Quanto aos utilitaristas, utópicos, saint-simonistas e outros que lhe perguntarem
com que isso rima, - ele responderá: o primeiro verso rima com o segundo quando a
rima não é ruim, e assim por diante. (apud BALTOR, 2005; trad. da autora)
Certo é que a teoria de Gautier, articulando-se com o idealismo gico do Romantismo
de Jena, pretendia “um completo ‘alheamento’, para conduzir à ‘pátria superior [cuja] operação
consiste em deduzir do conhecido o desconhecido”, como pensava Novalis (FRIEDRICH: opus
cit., p. 29). Tal aspiração, mal lida pela crítica desavisada, foi confundida da esfera teórico-
reflexiva à ação social, sem a devida separação entre biografia e obra. Através dessa aspirão,
Baudelaire buscaum alheamento singular
12
. Até mesmo Arnold Hauser, com seu enfoque
sociológico, soube ponderar a diferença:
A art pour l'art representa, sem dúvida, o mais complexo problema em todo o campo da estética.
Nada expressa tão incisivamente a natureza dualista, espiritualmente dividida da concepção
artística. É a arte seu próprio fim ou apenas um meio para um fim [leia-se fim social]? (HAUSER,
1998: 747)
12
Cf. BAUDELAIRE. Charles. Obras estéticas: filosofia da imaginação criadora, na qual o poeta de As flores
do mal diz: “A poesia, por pouco que se queira descer em si mesmo, interrogar sua alma, recordar suas lembraas de
entusiasmo, o tem outro objetivo senão ela mesma; ela o pode ter outro, e nenhum poema será o grande, o
nobre, o verdadeiramente digno do nome de poema do que aquele que tesido escrito unicamente pelo prazer de
escrever um poema. / o quero dizer que a poesia o enobreça os costumes, que me entendam bem, que seu
resultado final não seja de elevar o homem acima do vel dos interesses vulgares; isso se evidentemente um
absurdo. Digo que, se o poeta perseguiu um objetivo moral, ele diminuiu sua força ptica; e não é imprudente apostar
que sua obra será má.(BAUDELAIRE, 1993, p. 57b). É demais conhecida a passagem desse ensaio sobre as
metades da arte: “trata-se de extrair da moda o que ela pode conter de poético no histórico, de extrair o eterno do
transitório” (opus cit., p. 227), metades estas componentes do belo, “feito de um elemento eterno, invariável [...]
e de um elemento relativo, circunstancial[:] a época, a moda, a moral e a paixão” (opus cit., p. 219). Mas essa
metade extraída do histórico não é propriamente a época, pois, para Baudelaire, “a moda, portanto, deve ser
considerada como um sintoma do gosto do ideal flutuando no cérebro humano acima de tudo o que a vida natural
acumula ali de grosseiro, de terrestre e de imundo”, sendo “uma deformação da natureza” ou “tentativa
permanente e sucessiva de reforma da natureza” (opus cit., p. 245)
51
Esse afastamento social é reclamado no seguinte poema de Alberto de Oliveira:
Tal como douda garça, aos mares! Uma vela!
Uma vela! e é partir. Afronta o horror das vagas
Negras se a noite as cobre e as incha o vento, às pragas
E ao clarão e estridor do raio e da procela.
Nem todo o equóreo abismo, entre as equóreas fragas
Ruindo, urrante e estouraz, com a espuma à fauce e aquela
Luz dos ruivos fuzis como serpentes nela,
Pode o inferno igualar que em teu silêncio esmagas.
Rompe, atira-te ao pego, as sombras lhe devassa
Menores que a do mal que no teu peito engrossas;
Talha os ventos; o oceano, as ondas sulca, e passa...
Talvez longe, entre o sol de estranho clima, ao fundo
Do horizonte, há um deserto em que dormir tu possas,
Sem o incômodo olhar dos homens e do mundo.
(OLIVEIRA, 1978: I, 159)
Buscando metáforas na natureza para seu desassossego, o sujeito lírico equipara o
silêncio de sua resignação pelos olhares censórios, recriminadores, que causam um incômodo
indizível, uma amargura imensurável, tal as ondas do oceano em grave intempérie, tal o
profundo abismo, tal a sinistra escuridão. Esse aspecto da poética de Alberto de Oliveira se
liga intrinsecamente ao repúdio da vida cotidiano-citadina, em prol de uma convivência com a
natureza em sítios rurais ou silvestres, redimensionando o mero afastamento social para a
construção de uma relação ecológica, uma experiência existencial permeada pela memória (cf.
capítulo “Fontes Fluminenses da Memória”).
52
5.3. ARTE-PELA-ARTE: NOVO NOME, ALGUNS ACRÉSCIMOS
5.3.1. “Concupiscentia Oculorum”
Ao recusar o teor sentimentalista característico do Pré-Romantismo, que aliena o
sujeito na ostensividade quase onipresente do si-mesmo, a estética de Alberto de Oliveira
abraça ideais bastante significativos do Romantismo de Jena: a autonomia da arte e a
inovação da mitologia antiga pela linguagem moderna (vista como originalidade), que tanto
importam para o vigor do auto-conhecimento e da auto-reflexão no discurso rico (pois é no
diálogo que um conhece o outro).
Théophile Gautier, por exemplo, foi um dos responsáveis pela vivacidade da auto-
reflexão e da autonomia da arte nas poéticas francesas
13
. Permanece a favor da fantasia, da
imaginação e da liberdade criativa em arte, contra a subserviência a temas sociais. No seu
Prefácio à Mlle. de Maupin, ele deseja consolidar os ideais da arte-pela-arte, uma re-
elaboração da teoria do Romantismo de Jena sobre a arte. Defende a arte inútil (que também
significava uma revolta contra os ditames do Utilitarismo saint-simonista, a moda de literatura
social irradiada por George Sand e Lamartine); critica o cristianismo por sua interminável
busca espiritual; as costas para o sentimentalismo derramado; concebe a arte literária como
amálgama de outras artes (pintura, escultura e música); preocupa-se com a apreensão sensível
das partes física e concreta, material e palpável das coisas. Baudelaire se une a esses ideais,
como reconhece Walter Benjamim: “a poética [sic] da l’art pour l’art penetrou intacta a
paixão estética de As Flores do mal (1989: III, 159). Na ocasião de sua
direção/chefia/redação da revista L'Artiste, Gautier reafirma as idéias do programa da arte-
pela-arte, sustentadas desde seu livro Albertus (1832/33). O manifesto possui um tom
vanguarda-militante, ressaltando que:
13
Cf., além de Piere Martino citado no presente trabalho, BALTOR, Sabrina. Théophile Gautier, esteta. X
Encontro Regional ABRALIC. UERJ, 2005.
53
Propriamente falando, não somos homens de letras... Enamorados, desde meninos,
da estátua, da pintura e da plástica, levamos até o delírio o amor pela arte;
chegados à idade madura, não nos arrependemos, de modo algum, desta bela
loucura: devemos a ela, ontem e hoje, nossos momentos mais felizes: por ela
valemos algo
se é que valemos algo. Outros têm mais ciência, mais
profundidade, mais estilo, mas ninguém ama mais que nós a pintura; deixamos
sempre, vê-se claramente, a literatura pelos quadros e as bibliotecas pelos museus...
A Escritura fala em alguma parte da concupiscência dos olhos, concupiscentia
oculorum: este pecado é nosso pecado, e esperamos que Deus no-lo perdoe. Jamais
houve olho mais ávido que o nosso, e o boêmio de Béranger não pôs em prática
mais conscientemente que nós a divisa: ver é ter. Depois de ter visto, nosso maior
prazer foi transportar à nossa própria arte monumentos, frescos, quadros, estátuas,
baixo-relevos, também arriscando muitas vezes forçar a língua e mudar o
dicionário com a paleta... / Quanto aos nossos princípios, são bastante
conhecidos: cremos na autonomia da arte; a arte para s não é um meio, mas um
fim;
todo artista que se proponha a algo que não seja belo não é artista a nossos
olhos; jamais pudemos compreender a separação da idéia e da forma, como
tampouco compreendemos o corpo sem a alma, ou a alma sem o corpo, pelo menos
em nossa esfera de manifestação;
uma bela forma é uma bela idéia, pois que
seria de uma forma se não exprimisse nada? (apud. MARTINO, 1967: 16; traduzi)
5.3.2. “Concupiscentia Oculorum” e “Ser-Conhecido”
Esse ideal artístico, intercomunicante com a “autonomia da arte” dos românticos de
Jena, parece radicalizar a importância do elemento plástico e pictórico, investigado
originariamente por Lessing (ut pictura poiesis). Aliás, a relação não é com Lessing, mas
também com Schlegel, quanto à maneira de encarar a natureza. Existe uma articulação teórica
que pode ser perquirida para estudar a proximidade entre Gautier e Schlegel, por esse ângulo
de captação das sensações num dado momento subjetivo. Porque, assim, ambos se aproximam
da experiência impressionista, que foi uma experimentação das idéias do Romantismo de
Jena. Walter Benjamim explica que a ânsia de observação, essa concupiscentia oculorum”, é
também forma de apreensão das coisas e dos seres segundo a teoria romântica, pois nela o
sujeito percebe o objeto cognoscível e realiza uma espécie de comunhão sensível entre a
essência de si e a do observado:
[...] todas as unidades no real, fora o absoluto, são apenas relativas. Elas estão tão
pouco fechadas nelas mesmas e privadas de ligação que, antes, podem, via
intensificação de sua reflexão (potenciação, romantização [...]), incorporar mais e
mais ao próprio autoconhecimento outras essências, outros centros de reflexão.
Este modo de representação romântico diz respeito, entretanto, não apenas aos
centros de reflexão individuais e humanos. Não apenas os seres humanos podem
estender seu conhecimento via intensificação do autoconhecimento na reflexão,
54
mas, do mesmo modo, as assim chamadas coisas da natureza o podem. Nelas, o
processo tem uma ligação essencial com aquilo que geralmente é denominado seu
“ser-conhecido”. Nomeadamente, a coisa, na medida em que aumenta a reflexão
em si mesma e abrange em seu autoconhecimento outras essências, irradia sobre
estas seu autoconhecimento originário. Também desta maneira o homem pode se
tornar partícipe daquele autoconhecimento de outras essências; este caminho
coincidirá com o primeiro citado no conhecimento recíproco de duas essências,
que, no fundo, é o autoconhecimento de sua síntese gerada reflexivamente.
Portanto, tudo aquilo que se apresenta ao homem como seu conhecer de uma
essência é o reflexo nele do autoconhecimento do pensar nesta mesma essência. [...]
Esta é a forma mais exata do princípio da teoria romântica do conhecimento do
objeto. (BENJAMIM, 2002: 62-63)
Bem se que este é o modo de apreensão dos objetos entre os parnasianos, pois
acreditam na “descrição” dos objetos como médium-de-reflexão do sujeito (em seu si-
mesmo), cuja observação sempre oscila entre observador e observado, ambos ativos na
incorporação de novas essências, i.e., no conhecimento de novos seres, o que implica
intensificação do autoconhecimento. Em outras palavras, a identificação, no objeto, de sua
emoção é que origina o fascínio do sujeito ante ao objeto, observando, também, neste, a
intuição das essências de outros seres, animando-o, portanto, de “inteligência”.
5.3.3. “Concupiscentia Oculorum” e Natureza
O observado não é necessariamente isolado num único objeto, o que seria próprio de
uma observação reificante. Ao contrário, o “ser conhecido” pode ter dimensões gigantescas,
na tentativa de o sujeito observador sentir aquela intuição das essências de outros seres, cuja
totalidade remeterá ao convívio na e com a natureza. As reverberações dessa natureza vista
em sua plenitude de vida e de geração de vida, em sua “correspondência” consigo
(autoconsciência) e com o infinito (auto-reflexão
14
), ocorrem na poesia de Alberto de
Oliveira, pois é pelo enfoque ecológico, místico e transcendental da natureza que o poema de
Oliveira se funda num discurso originário, em que se percebe o diálogo entre o condicionado
e o incondicionado. Tome-se, como exemplo, o seguinte poema:
14
A auto-reflexão esporula o pensar-do-pensar-do-pensar, até o infinito.
55
MAGIA SELVAGEM
Com ledo rosto e coração festivo,
Seguindo o atalho do regato à beira,
Entro às vezes na selva que peneira
Orvalho e sol, como um dourado crivo.
Fronte ensombrada, aspecto pensativo
De árvores mil, abóbada altaneira
De entrançados festões, — estranho e vivo
Templo, arcadas de sólida madeira;
Pássaros, flores, pétalas ungidas
De orvalho, errantes plumas coloridas,
Rios, penhascos, sol esplendoroso,
Claros de céu radiando em flóreo prisma...
Tudo, ajoelhado e trêmulo, me abisma,
Cego de assombro e extático de gozo.
(OLIVEIRA, 1978: 113)
Essa é uma das eclosões modernas na poética parnasiana: a auto-reflexão. Como bem
disse Benjamim, ocorre numa intrínseca relação antevista pela teoria romântica entre o
sujeito (observador) e o objeto (observado), de modo a romper a diferenciação entre ambos e
a instaurar a reflexão sobre si mesmo em toda projeção subjetiva no objeto (observado), numa
intensa fusão anímica, ou, de forma “retroativa” e até irônica, perceber esse processo se dando
na própria coisa observada (pois a essência do observado é captada pelo sujeito tanto quanto
outras essências atravessam o objeto em sua riqueza originária) — essa dialética é inaugurada,
por exemplo, quando o sujeito afirma que tudo o abisma, palavra esta que significa não a
surpresa extática, mas, sobretudo, a abertura de uma fenda dentro de si, explicada desde a
etimologia (a palavra-raiz é abismo). Por outro lado, é na identificação do si mesmo no objeto
que não é de forma alguma reificado —, através da projeção sensível (“concupiscentia
oculorum”), que o sujeito reflete sobre si mesmo e dissolve a diferença, inaugurando uma
espécie de ironia em sofisticação tal que aponta para a totalidade do real apreendida, de
maneira abrangente, pela subjetividade. Como eu assinalei em outras ocasiões, o espaço
lírico é, portanto, metáfora do território íntimo, não havendo mais distinção fundadora entre
subjetivo e objetivo. A crítica viu nisso apenas um lado da questão: o império das coisas
56
objetivas, sem perceber que, nessa dialética aqui esclarecida, a própria objetividade fora
aglutinada pela subjetividade, e vice-versa i.e., co-incidem-se. Se de fato essa co-
incidência, então se funda a percepção transcendental da natureza, que será a abertura o
abismo inaugural necessária para vigorar a dimensão ecológica da vida, pois a natureza
alcança um entendimento, por parte do homem, enquanto habitação, culto e cultivo, como se
verá a seguir no capítulo 6.
5.4. ARTE-FUTURA E MITOLOGIA ANTIGO-GREGA
Dentre as idéias de Schlegel e Novalis, para construção em fragmentos de uma teoria
poética moderna, a arte-futura ocupa lugar essencial. Os românticos de Jena acreditavam
numa arte por vir, i.e., numa “poesia futura”, sobre a qual eles somente esboçariam os
pressupostos. Demonstrar-se-á, aqui, que a profecia dos teóricos-poetas jenenses sobre a
“poesia futura” pretendeu ser ou foi realizada na obra poética de Alberto de Oliveira. O
retorno à mitologia e a “autonomia da arte” constituirão as duas ligações fundamentais e
essenciais entre a teoria romântica-jenense e a poética parnasiana.
Aliás, Schlegel considerava, segundo Costa Lima, “a produção dos antigos como um
padrão que, sem subordinar o devir aberto à produção dos modernos, deve-lhes importar
como guia” (1989: 99). O filósofo da arte alemão, inclusive, se preocupa em demonstrar como
deve ser feita a aproximação entre linguagem moderna (estrutura, forma) e poesia antigo-
grega (tema, conteúdo):
Chegarei ao meu ponto. Afirmo que falta a nossa poesia um centro, como a
mitologia o foi para os antigos, e tudo de essencial em que a arte poética moderna
fica a dever à antiga reside nessas palavras: nós o temos uma mitologia.
Acrescento, entretanto, que estamos próximos de possuir uma, ou melhor: é
chegado o momento em que devemos colaborar para produzi-la. /Pois ela nos virá
através do caminho inverso da de outrora, que por toda parte surgiu como a
primeira floração da fantasia juvenil, diretamente unida e formada com o mais vivo
e mais próximo do mundo dos sentidos. A nova mitologia deverá, ao contrário, ser
elaborada a partir do mais profundo do espírito; terá de ser a mais artificial de
todas as obras de arte, pois deve abarcar todo o resto, um novo leito e recipiente
57
para a velha e eterna fonte primordial da poesia; ao mesmo tempo, o poema
infinito, que em si oculta o embrião de todos os outros poemas. /Vocês bem
poderiam rir desse mítico poema, da quase desordem que resultaria da abundância
e congestionamento de tantos versos. Contudo, a mais elevada beleza, a mais
elevada ordem, é, justamente, a do caos, um caos harmônico, um caos que só espera
o contato do amor para se desdobrar em um mundo harmônico, um caos como
aquele da poesia e da mitologia antigas. Pois mitologia e poesia são unas e
inseparáveis. (SCHLEGEL, 1994: 51)
O gosto parnasiano pela mitologia e arte clássicas se deve mais a esta articulação com
o círculo de Jena do que a uma ruptura contra os padrões românticos, como a crítica se
acostumou a dizer: “o próprio aparecimento, pela primeira vez, da expressão arte pela arte
está relacionado com os meios românticos alemães” (SILVA, 1973: 83). Talvez esse faustoso
costume resulte de que, sobre a função da arte, Schlegel não influenciou a prática romântica
internacionalmente difundida, pois o modismo da época preferiu acompanhar as idéias da
klassik de Weimar, i.e., dos poetas do Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto). Nesse
sentido, o Romantismo, amaneirado internacionalmente como moda sentimental, abraçou o
ideário pré-romântico do Sturm und Drang e, portanto, esteve na contramão da modernidade
pensada pelos românticos alemães do círculo de Jena: “o que se alcança, sobretudo com
Schlegel, é a primeira teoria da literatura em bases modernas” (LIMA, opus cit., p. 97).
Note-se que o programa estético dos românticos de Jena, portanto, ganha
expressão internacional com a poesia parnasiana, que, pelos motivos gregos, apuros formais e
estrutura autônoma, dialoga com alguns pressupostos da teoria do Romantismo de Jena.
O poeta deve retornar, segundo as idéias de Schlegel, à mitologia e à poesia antigo-
gregas para beber das fontes mais ricas da literatura, nunca podendo objetivar a repetição da
imitatio, isto é, a padronização e a formalização, que cerceavam a imaginação, faculdade do
indivíduo. Ao contrário, essa visita à cultura da Antiguidade serviria de inspiração a uma
poética dos grandes caracteres humanos e divinos:
os grandes teóricos do primeiro romantismo o foram de facto anticlássicos nem
depreciadores da arte antiga, grega em particular, da qual foram muitas vezes,
aliás, eminentes estudiosos e apaixonados apreciadores. Eles não pretenderam de
58
nenhum modo subestimar o clássico a favor do romântico, mas compreender sua
diversidade. (D’ANGELO, 1998: 36; grifo do autor)
Do romântico ficam de fora todas aquelas formas artísticas que, embora colocando-
se cronologicamente depois da arte antiga, entendem seguir-lhe o modelo e voltar a
propor as suas regras. E visto que deste modo se faz uma arte desligada do próprio
mundo, uma arte de fria excogitação e de cansativa repetição, é esta a arte que os
românticos combatiam: não a arte clássica mas a arte do classicismo sobretudo
francês, a arte que segue a doctrine classique, árbitra do bom gosto durante um
século pelo menos, entre Seiscentos e Setecentos, e difundida a partir da França,
sua terra de origem, a quase todas as literaturas europeias. (opus cit., p. 47; grifo
do autor)
Por isso, a autonomia da arte será vinculada também à retomada da literatura antigo-
grega, não para copiá-la repetindo o modelo da imitatio, mas aproveitá-la como substrato para
a imaginação criativa e nela plasmando a transcendentalização exigida pela grande arte, a fim
de, superando o esboço romântico, inaugurar uma arte-futura e uma nova mitologia:
Ao passo que os antigos, do outro lado do fosso, dispunham de uma visão integrada
do mundo, formada pela mitologia, o poeta moderno tem como matéria disponível
apenas o disperso pela História e por sua própria vida. (LIMA, opus cit., p. 100)
[Schlegel] concentra o louvor da mitologia nos seguintes termos: a) sua relevância
consiste em lhe oferecer uma curva que elimina o caráter analítico, linear da razão
previsora, b) assim apresentando um magma homólogo ao caos de nossa natureza,
c) que, então, não é apenas imitado postulação que seria coerente com a poesia
da vivência mas alcança a possibilidade de um controle dinâmico, o da
conformação e reestruturação permanentes, d) mesmo que vivamos fora de uma
atmosfera mitológica, podemos criar um seu substituto provisório graças a um jogo
de agudezas, i.e., através de uma obra poemática ou em prosa governada por
enunciados-relâmpago, penetrantes, sintéticos, mutáveis e intercambiantes, em vez
de descritivos, sentimentais ou analíticos de algum estado ou verdade. (opus cit., p.
101)
59
5.4. A EXTENSÃO DAS IDÉIAS DO ROMANTISMO DE JENA: A POÉTICA PARNASIANA
COMO (TENTATIVA DE) REALIZAÇÃO
5.4.1. Prospecção da arte-futura na estética parnasiana
A articulação de um projeto literário entre as idealizações dos românticos de Jena e as
poéticas parnasianas é verificável, à medida que não repetições da tradição clássica, e sim
re-invenções modernas sobre uma poesia originária. As modernas ambições do Romantismo
de Jena assinalavam para a retomada da poesia antigo-grega:
Em resumo, quando aqueles a quem nós chamamos românticos falam de romântico,
entendem a arte que recusa o modelo clássico e o substitui por uma nova idéia de
poesia, quer esta remonte à Idade Média quer ao período que hoje designamos por
“Renascimento”, quer ainda aos posteriores séculos XVII e XVIII. / [...] Do
romântico ficam de fora todas aquelas formas artísticas que, embora colocando-se
cronologicamente depois da arte antiga, entendem seguir-lhe o modelo e voltar a
propor suas regras (D’ANGELO, 1998: 47)
Contudo, na verdade, os românticos de Jena pensavam o fenômeno literário
despregado de suas determinantes históricas: “apoiado em Winckelmann, Schlegel não
constatava a improcedência do cânone da imitatio, quanto propugnava por uma nova
aproximação dos antigos” (LIMA, 1989: 100), cujo valor imensurável para a criação poética
de todos os tempos residia no fato de que “os antigos [...] dispunham de uma visão integrada
do mundo, formada pela mitologia” (idem, ibidem). D’Angelo também destaca a importância
da literatura antigo-grega para os românticos apenas mudando o enunciado: “a épica, a
tragédia, a lírica antigo-gregas constituem o inesgotável tesouro da arte clássica” (1998: 46).
O pensamento moderno dos românticos de Jena promovia uma reflexão sobre o tempo
originário, dispensando a cronologia. Por isto, a arte moderna, para eles, eclodia em diversos
pontos cronológicos, pois deles não dependiam, e sim, da qualidade poética do trabalho:
O romântico não é a arte da Idade Média e do Renascimento cristão, não é apenas
a arte de Dante e Shakespeare, mas é também, essencialmente aliás, aquela arte
que, ao desenvolver as características da grande arte não clássica e ao levar a cabo
as novas formas e os novos géneros em que ela se exprime, dará vida a uma grande
60
arte futura, capaz de superar a o dissídio entre clássico e romântico.
(D’ANGELO, 1998: 61)
Poder-se-ia pensar a poética de Alberto de Oliveira como arte-futura de superação
desse dissídio? Esta é uma das questões que permeiam o presente trabalho e sobre a qual se
tecem os argumentos a seguir.
5.4.2. Superação do Dissídio entre Antigo e Moderno
No caso de Alberto de Oliveira, a imaginação criativa dotou a obra de intenso erotismo
por entre as figuras poéticas extraídas e relidas da mitologia greco-romana . Este caminho
provocou a fuga dos cânones da imitatio, vencidos por uma força crítica, talvez específica de
nossos parnasianos, que denuncia mitos e ritos mortos, pois a utopia de recuperação copiosa
de uma realidade antigo-grega, a ser vivenciada, é impossível (nada poderá ser exatamente
igual ao que já foi); portanto, adquire fisionomia de ruína (conceito benjaminiano),
convocando o sentido de alegoria. O cadáver arruinado desse extinto sistema de crença pode
ser lido nesse poema de Alberto de Oliveira:
SAUDADE DA ESTÁTUA
Morreste! mas, mulher, o que ora invade
Meu ser inteiro, súbito ferido,
É a saudade do ídolo partido,
Não a vulgar e pálida saudade;
É a saudade do mármore, a ansiedade
De quem contempla um torso, em mudo olvido,
Roto do tempo em fúria ao pulso erguido,
Da estátua em ruína a morta majestade.
Sim! pois inda ajoelhado, a rósea espuma
Beijando dos teus pés, bem que o sabias!
Nunca te amei como se amar costuma;
Nunca! e ainda agora o que me punge e traz
De estranho afeto lágrimas tardias
É um reflexo de mármor, — nada mais.
(OLIVEIRA, 1978: I, 84)
O que o discurso do eu-lírico expressa não é propriamente a “frieza” da estátua, mas,
sobretudo, como se acha nela projetado o sentimento vibrante de admiração ou luxúria: é
61
justamente nessa capacidade de reconhecer a subjetividade projetada no objeto que o sujeito
demonstra seu poder de auto-reflexão. E nisto duplamente auto-referenciado: o sujeito não
se auto-reflete a partir da contemplação do objeto, mas também, principalmente, tem
consciência (denunciadora) dessa auto-reflexão
15
. A resignação ante a morte do ídolo reverte
o repertório greco-pagão, em sua vitalidade clássica, para um discurso da falta, da perda e da
frustração, ocultadas no signo da saudade. Desse modo, o eu-lírico se refere a uma ruína, quer
dizer, a facies hippocratica da história (BENJAMIM, 1990: 159), pois a estátua metonimiza a
mitologia, a fragmentação da ordem unitária/totalizante, e com isto, a problemática de um
indivíduo que, sem referenciais, precisa inaugurá-los à sua maneira, criando idealizações e
fragmentações. “Saudade da Estátua” assinala claramente a criação de um novo discurso, na
vivência da ruína das estátuas e dos cultos greco-pagãos.
5.4.3. Diálogos com um romântico moderno: Hölderlin
Esse sentido de culto extinto não é incidental na poética de Alberto de Oliveira. O
poema “Última Deusa” (cf. capítulo 8) é outro exemplo:
ÚLTIMA DEUSA
Foram-se os deuses, foram-se, em verdade;
Mas das deusas alguma existe, alguma
Que tem teu ar, a tua majestade,
Teu porte e aspecto, que és tu mesma, em suma.
Ao ver-te com esse andar de divindade,
Como cercada de invisível bruma,
A gente à crença antiga se acostuma
E do Olimpo se lembra com saudade.
De lá trouxeste o olhar sereno e garço,
O alvo colo onde, em quedas de ouro tinto,
Rútilo rola o teu cabelo esparso...
Pisas alheia terra... Essa tristeza
Que possuis é de estátua que ora extinto
Sente o culto da forma e da beleza.
(OLIVEIRA: 1978: I, 165)
15
Mais se percebe essa consciência em poemas como “Mármore” (OLIVEIRA, 1978: I, 186), no qual o desejo
projeta até mesmo a animação de uma estátua, enquanto o eu-lírico, guardando ainda alguma sanidade, denuncia
a consciência da auto-reflexão de e entre sujeito/objeto: “Insano extravagar! Insana fantasia!”
62
A poética de Alberto de Oliveira, ao reconhecer o “extinto [...] culto da forma e da
beleza”, visita a poética de Hölderlin, o poeta dos deuses mortos. Por exemplo, no poema
“Heimkunf / an die Verwandten” (“Volta ao lar / aos parentes”), o sujeito reclama, segundo
Heidegger, a falta dos antigos deuses: “denen der heilige Dank lächelnd die Flüchtlinge
bringt” (“para quem o sagrado agradecimento sorridente traz os desertores”) (apud WERLE,
2005: 100-103). Marco Aurélio Werle assim explica esse raciocínio:
O que está oculto nesse verso e domina todo o poema pode ser situado a partir de
dois momentos que teriam sido desenvolvidos por lderlin: “O poema ‘Volta ao
lar’ [diz Heidegger], ‘reflete’ sobre o que o poeta em seu poetizar chama (‘o
sagrado’), e sobre o modo como o poeta deve dizer aquilo que é disposto
poeticamente (‘a preocupação’)”. O poema, portanto, gira em torno da
determinação da figura do poeta, do que ele deve dizer, que é aquilo a que está
submetido, e do como deve exteriorizá-lo, ou seja, do modo como deve posicionar-
se a si mesmo ante o que lhe é dado dizer. O que ele chama é o sagrado que traz
consigo os desertores. Estes são os deuses sumidos da época da escassez. Os deuses
desertores, portanto, têm de ser vistos enquanto tais e não como se não houvesse
nada de diferente com eles, como se nunca tivessem desertado e ainda mantivessem
seu poder de determinação. (WERLE, 2005: 105; grifo do autor)
As considerações se encaixam perfeitamente a uma leitura atenciosa dos dois poemas
referidos de Alberto de Oliveira (“Saudade da Estátua” e “Última Deusa”), pois o sujeito
lírico reconhece a extinção da antiga crença e o enfraquecimento do poder de determinação.
Difícil mesmo é desvelar esses deuses mortos do simples termo “desertores”. Por isso, leia-se
“Die Götter” (“Os deuses”), com tradução espanhola:
Du stiller Aether! immer bewahrst du schön
Die Seele mir im Schmerz, und es adelt slich
Zur Tapferkeit vor deinen Strahlen
Helios! oft die empörte Burst mir.
Ihr guten Götter! arm ist, wer euch nicht kennt,
Im rohen Busen ruhet der Zwist ihm nie,
Und Nacht ist ihm die Welt und keine
Freude gedeihet und kein Gesant ihm.
Nur ihr, mit eurer ewigen Jugend, nährt
In Herzen, die euch lieben, den Kindersinn,
Und lasst in Sorgen und in Irren
Nimmer den Genius sich vertrauern.
[Aether sosegado, siempre conservas plenamente / mi alma en el dolor y en medio
de tus rayos / con decisión mi pecho, oh Helios, / se ennoblece y se eleva hacia ti /
Dioses bondadosos, pobre es quien no os conoce, / en su pecho hosco no descansa
la discordia, / y noche le es el mundo, y ninguna / alegría lo colma y ningún canto. /
Sólo vosotros con vuestra eterna juventud, / nutrís el corazón de quien os ama, su
63
candor / de niño, y en la angustia o en el abandono, / no dejás al genio
desesperarse]
(apud DISANDRO, 1971: 57)
A poética de Hölderlin, de fato, apresenta a preocupação com o sagrado manifesto
na antiga mitologia antigo-grega —, identificando na passagem para o monoteísmo cristão o
ocaso de uma civilização, de uma cultura, de uma linguagem encantadora, diferente, em parte
desconhecida, mágica enfim, transcendental no real. Os deuses são lembrados em sua
magnitude passada, porém hoje ofuscada pelo esquecimento humano. No entanto, eles são
imortais e eternos, porque sempre representarão o sagrado através de uma linguagem
originária. Nessa tensão entre esplendor passado e obliteração presente, a poética de Hölderlin
identifica os deuses helenos, tensão esta que inaugura o sentido alegórico na percepção da
ruína, surgida do desmantelo do símbolo (que estampa) e do vigor da alegoria (que
dimensiona):
La composición se orienta a considerar la total ausencia de los dioses entre los
hombres, lo que supone una “noche”. La abismal distancia pues representa la
polaridad “luz” y “tiniebla”: Hölderlin por lo menos hasta este momento está al
margen de toda forma de mística de la noche: sólo ha sido en la luz e para la luz, un
genio esencialmente apolíneo, caído como Ícaro en el abismo contrario.
(DISANDRO, 2005: 57)
A crítica nacional se acostumou a reduzir a poética moderna ao negativismo e ao
pessimismo, na esteira do mal-do-século, através da leitura de Hugo Friedrich e suas
categorias negativas. Mas a estrutura da lírica moderna extrapola o molde do prefácio de
Cromwell: as formas modernas luminosas esperam um entendimento nas plagas brasileiras:
“Dentro pues de la poesía alemana posterior al barroquismo y neoclasicismo, Hölderlin se
destacaría por su mística helinizante luminosa, y se contrapondría a Novalis, su
contemporáneo, que se orienta por una mística nocturna.” (DISANDRO, 1971: 58). Talvez
por isso, a obra de Alberto de Oliveira, longe da noite, tenha sofrido incompreensões e
aguarda avidamente uma leitura arguta, ensaiada, dentro das atuais possibilidades e
condicionantes históricas, neste trabalho.
64
6. A DIMENSÃO ECOLÓGICA E ONTOLÓGICA
6.1. APROXIMAÇÕES COM HÖLDERLIN
Note-se que aquelas “unidades do real”, referenciadas por Benjamim (cf. item 5.3),
comparecem na obra de Alberto de Oliveira, integrando a natureza cheia de significado,
extremamente rica e dotada de criações divinas, jorrando a transcendência (o sagrado) na
própria concretude (a terra), como se lê no poema abaixo:
AO AR LIVRE
Quando o poeta, alma a que a cisma
Nas asas conduz e leva,
E em si mesma entra e se abisma,
Como uma estrela na treva;
Em sua noite fechada,
Em sua acerba tristeza,
Abre a janela dourada
Que dá para a natureza;
Nela a grande mãe piedosa,
Tudo o recebe em carinhos,
Desde a cerca onde abre a rosa
Ao tronco onde estão os ninhos.
A piedade Deus semeou-a
Da estrela ao verme; da altura
Ao baixo abismo há doçura,
Tudo ama, tudo perdoa.
Tudo, se há mal que dementa,
Se há dor que profunda cala,
Nos socorre e nos alenta,
Nos aconselha e nos fala.
O amor, que até os maus sublima,
Anda por tudo espalhado,
Brilha nos astros, lá em cima,
Canta com as aves do prado;
E o poeta escuta essa eterna
E misteriosa harmonia,
Que enche de assombro a caverna,
E enche de raios o dia;
Escuta, e pasma, e caminha;
Da dor nem resta metade;
Su’alma é como a andorinha
Diante da claridade.
65
Depois, à estrofe incendida
Que escuta por tudo absorto,
Estrofe que diz — conforto,
Diz — esperança, diz — vida;
Su’alma ardente encerrando
Toda extasiada num grito,
O poeta exclama, voltando
Os olhos para o infinito:
“Salve, entre os anjos e as chamas
Que enchem as vastas alturas,
Tu, grande mãe, que nos amas
E as nossas feridas curas,
Quando um de nós, lancinado
Pelos espinhos da dor
Cai soluçante e ajoelhado
Diante do teu amor!”
(OLIVEIRA, 1978: I, 103-4)
Esse poema de Alberto de Oliveira, extraído de Meridionais, traduz uma experiência
transcendental do eu-lírico com a natureza, pois supera a constatação antiga, não obstante
enriquecedora, de um organismo natural vivente. Contudo, o entendimento da transcendência
no corpo natural, capaz de se emaranhar com a transcendência do sujeito ou mesmo despertá-
la, é uma visão privilegiada que os românticos inauguraram, no escape das convenções
classicizantes:
a percepção da natureza ultrapassa[,] então, a idéia de ser ela um organismo
possuidor de vida própria, a qual lhe permitia a prática de atos conscientes, como
aqueles executados pelo homem. [...] / O que viria, portanto, identificar a
concepção romântica da natureza, em sua diferença, era que, ao princípio de
transcendência do Eu, da filosofia de Fichte, [...] veio juntar-se o relacionamento
preconizado por Schelling entre a individualidade própria do homem, com a
individualidade orgânica da natureza. (SOARES, 1989: 36)
De fato, Schelling foi um romântico deveras inclinado às questões da natureza, a ponto
de estabelecer um texto intitulado “Exposição da Idéia Universal da Filosofia em Geral, e da
Filosofia-da-Natureza, como Parte Integrante da Primeira”. Nele, Schelling (1973: 217) parte
da idéia do “absolutamente ideal”, uma abstração totalizante, dada somente pelo “saber
absoluto”, num “absoluto ato-de-conhecimento”. Uma vez totalizante, as diferenças não
prevalecem, de modo que sujeito e objeto se confundem numa unidade; a matéria e a
66
transcendência se unem; corpo e espírito se completam. Se o “absolutamente ideal” se dá num
“absoluto ato-de-conhecimento”, ele é eterno, pois este agir de si-mesmo também é eterno:
Aqui não antes e depois, não um sair do Absoluto para fora de si mesmo ou
passagem ao agir; ele mesmo é esse agir eterno, pois faz parte de sua Idéia que ele
também é imediatamente por seu conceito, sua essência é para ele também forma, e
a forma é essência. (SCHELLING, 1973: 218; grifo na fonte)
Essa transcendência dialoga com o homem à medida que este é uma parte do
Absoluto, e como tal, é também testemunho e prova da dualidade eterna entre matéria e
transcendência, entre finito e infinito, tanto dentro de si quanto em diálogo com o Absoluto (e
no poema de Oliveira, existe uma noite na esfera subjetiva):
As coisas em si, portanto, são as idéias no eterno ato-de-conhecimento e, como as
idéias, no próprio Absoluto, são de novo uma idéia, também todas as coisas são
verdadeiramente e interiormente uma essência [...] / O Absoluto se expande
no particular no ato-de-conhecimento eterno para, na absoluta figuração de sua
infinitude no finito, recolher o próprio finito em si, e esses dois atos são nele um só.
(SCHELLING, 1973: 219; grifo na fonte)
Assim, conclui Angélica Soares:
Com base nessa proposição idealista, desejaram os românticos pôr fim à divisão
entre o animado e o inanimado, entre sujeito e objeto, e até mesmo entre os objetos.
E isto estava bastante coerente com o fascínio da unidade, que nutriu não a
filosofia de Schelling, mas todo o romantismo. / Projetar-se o homem na natureza e
fazê-la simultaneamente projeto para si próprio constituiu-se, assim, como
modalidade de se fazer patente a rejeição do mecanicismo natural. (SOARES, 1989:
37)
Essa integração entre seres, corpos e coisas o finito no infinito e vice-versa
confortará, no poema de Alberto de Oliveira, a dimensão mais privilegiada da natureza, em
que esta se põe num eterno movimento de fragmentar e unir, despertando o homem para a
fusão de sua essência na essência do Absoluto. Deste modo, o homem, por um lado se
individualiza e, por outro, se integra. Ou seja, não se separa nem se dilui definitivamente, pois
o definitivo, aqui, é essa eterna oscilação de sentidos. A primeira estrofe já indica essa
conjunção entre homem e natureza: a cisma conduz o homem à alma poetante (pois é no
questionar e no inconformar-se com as respostas que se entra na dimensão da poiesis), alma
67
que é um abismo-inaugural de um tempo próprio, singular, instaurador da linguagem; e a
metáfora conclui a fusão entre o homem e a sua casa: “como uma estrela na treva”. Sua casa,
também mundo ecologicamente entendido, é habitação, cultuação e cultivo, quer dizer, como
ensina Manuel Antônio de Castro, o seio acolhedor, a reverência ao sagrado nela manifesto (o
milagre e a dádiva da vida) e o lidar com o meio (produzir amistosamente):
Ao cultivar a terra, o homem se realiza possuindo-a. Habitar vem de habere, haver.
A terra cultivada era a habitação do homem, incluído o lugar onde se abrigava.
O homem é essencialmente um projeto. No se projetar e realizar habita a terra.
(CASTRO, 1982: 27)
Nisto consiste o cultuar. Não é o que o homem plantou que passa pela mudança,
tudo se transforma, ele inclusive (criança, jovem, adulto). Admirado diante de tudo
isso, o homem especula. (CASTRO, 1982: 29)
O eu-lírico considera que o homem pode abrir sua janela, para, reciclando a solidão e a
tristeza de seu abismo escuro e vazio, dialogar com a natureza, não somente organismo vivo,
germinativo e soberano, mas corpo divinal: “A piedade Deus semeou-a / Da estrela ao verme;
da altura / Ao baixo abismo doçura, / Tudo ama, tudo perdoa.”. A janela é o abismo
inaugural, que o sujeito permite a si mesmo, como experienciação poética, para conhecer e se
dar a conhecer, simultaneamente, isto é, estar na dispusta entre terra (significante) e mundo
(significado). Essa janela também confirma o entendimento do eu-lírico sobre a diferença
entre o significante e o significado, pois contacta o âmago do ser e a totalidade externa,
entendida como physis, como explica Manuel Antônio de Castro no ensaio “Época e arte”:
mas aí não podemos entender a physis como a soma dos entes (ta onta), mas a
totalidade concreta dos entes, que como totalidade[,] ama verlar-se e, nisso,
consiste a sua verdade, ou seja, a sua aletheia. (CASTRO,
www.travessiapoetica.blogspot.com)
A physis entendida assim é o começo para a manifestação do mito de Cura, traduzido
por Carlos Tannus, no ensaio “Poético-ecologia”, de Manuel Castro:
Enquanto caminhava através de um rio, Cura vê uma lama argilosa e, pensativa,
recolhe-a e começa a dar-lhe figura.
Enquanto meditava no que fizera, Jove interveio. Cura pede-lhe, então, que
lhe infunda um espírito (ao que acabara de moldar) e facilmente o consegue.
Como Cura quisesse impor-lhe por si própria um nome, Jove proibiu-lho,
insistindo em que ele deveria dar-lhe seu próprio nome.
68
Enquanto Cura e Jove discutem, ergue-se ao mesmo tempo a Terra, querendo
dar-lhe seu próprio nome, já que lhe fornecera o corpo.
Tomaram a Saturno como juiz, e este busca ser equânime: “Tu, Jove, porque lhe
deste o espírito, recebê-lo-ás após a morte. Quanto a ti, Terra, porque lhe deste o
corpo, então o receberás. E Cura, porque primeiro lhe deu figura, mantê-lo-á
durante todo o tempo em que ele viver.
Mas, porque há entre vós uma controvérsia sobre o nome dele, chame-se-lhe
homem porque parece ter sido feito do húmus.” (CASTRO, opus cit.)
Neste mesmo ensaio, afirma Manuel Castro que “Cura é uma palavra latina com dois
sentidos fundamentais: o cuidado e o curar ou sanar”. No poema de Alberto de Oliveira, vê-se
claramente a experienciação do sagrado como tempo:
Não nascemos do tempo, nascemos e somos postos no tempo. O nascer, o aparecer
e manifestar-se pressupõe o tempo como clareira de abertura para o aparecimento.
O que é isto o tempo enquanto clareira? É o dar-se e retrair-se do ser, de que nos
fala o fragmento 123 de Heráclito: Physis kryptestai philei: a nascividade excessiva
apropria-se no velar-se. Há um duplo apropriar-se: aquele que consiste no e provém
do genos, e aquele que é mais complexo e profundo e originário: o que nos lança no
abissal apropriar-se enquanto no sermos rio provindo da fonte desaguamos
necessariamente no mar. É o apropriar-se que, para além da vida vivida enquanto
manifestação do genos de cada um, acontece em nós como travessia de
experienciação de procura e cura da nossa proveniência: o apropriar-se do que nos
é próprio, ou seja, o que em nós como vida ama velar-se, ama o retrair-se, ama o
silêncio, ama a plenitude do que somos como o nada de todo ser. (CASTRO, opus
cit.; grifo do autor)
O sujeito simplesmente vivencia, para além de suas querenças ou decisões, e na
experiência com a physis, concilia-se, apropria-se, pois entende que sua vida é um desaguar
necessariamente no mar. Não se trata de uma simples predestinação, mas sim da consciência
de que o ser é como tem que ser. Assim, o homem se realiza numa travessia do sujeito para o
ser, isto é, na Cura o sujeito se esforça por corresponder aos apelos do ser, tentando apropriar-
se do mesmo ser.
Em “Época e arte”, Manuel Antônio de Castro complementa: “é a grande
aventura de tornar ventura sermos o que desde sempre éramos, a grande ventura de nos
apropriarmos do que nos era próprio. Era para sermos.” (opus cit.). Por isso, o sujeito
agradece à grande mãe, reconhecendo que no mito e no mistério, no velar-se e desvelar-se, a
Terra se plenifica, se apropria. A tristeza do homem em consonância com manifestações
míticas, especificamente a de Cura:
69
Portanto, nem Eros nem Cura criam o homem. Este é figurado essencialmente por
Cura e esta nasce de Eros, a dor que unindo cinde para criar. Por isso, a essência
de Cura será tanto o cuidado quanto a dor, o cuidar quanto o curar. (CASTRO,
opus cit.)
Assim, “em sua noite fechada/ em sua acerba tristeza”, o sujeito lírico do poema o
salto, entende que nós, seres humanos, somos impulsionados pelo que “nos lança no abissal
apropriar-se”. Diante desse agir oculto, enigmático e transcendental da Terra, o sujeito lírico
percebe a disputa entre o seu significado mundo e o significante terra, concorrendo
mutuamente: o que sei e o que não sei, o conhecido e o desconhecido: “E o poeta escuta essa
eterna / E misteriosa harmonia, / Que enche de assombro a caverna, / E enche de raios o dia;”.
A Terra sobretudo ama: ama velar-se e desvelar-se, dar-se e retrair-se; através desse
movimento ambíguo de expansão e recolhimento, ela dialoga com o homem: “enquanto
desvelamento e ao mesmo tempo velamento, num jogo amoroso, a verdade da physis é
aletheia”. Por isso, o sujeito “cai soluçante e ajoelhado / diante de teu amor”.
Semelhante aos poemas de Hölderlin estudados no capítulo 5, o poeta, experienciando
toda essa natureza sagrada, de dentro e de fora dele, também vive a diferença entre o que o
chama e o que ele pode dizer, i.e., a diferença entre esse referente mágico, transcendente,
natural e as possibilidades diminutas, limitadas, restritas de dizê-lo. Com razão esse tipo de
poema é criação de um “poeta do poeta”, porque reflete o próprio fazer poético em seu
acontecimento, em sua emanação, digladiando contra as amarras da língua em favor de uma
linguagem mais dinâmica.
Heidegger dirá que, no poema “Volta ao lar” de Hölderlin, “aquilo que alegra é o que
é poetizado” (apud WERLE, 2005: 106), e completa Werle: “o poeta participa da alegria
suprema não de modo direto, por isso mantém-se numa vizinhança para com essa origem”
(opus cit., p. 108). Do mesmo modo, no poema de Alberto de Oliveira, o poeta poetiza a
alegria, que, evidentemente, surge do contato com essa natureza primordial e divina, mas não
se equivale a ela: “e o poeta escuta essa eterna / e misteriosa harmonia”, depois “[...] exclama,
70
voltando / os olhos para o infinito”, expressando essa vizinhança que marca a diferença entre
a alegria sagrada (observada no infinito) e a alegria sentida (irradiada pelos “olhos”). Nas
palavras de Werle, “a alegria não resulta, portanto, de uma definição ou apreensão do sagrado,
tendo em vista que o sagrado permanece retido no mistério do ser” (2005: 108).
6.2. INICIAÇÃO E UTOPIA EM “CHUVA DE PÓLEN”
Aquela dimensão ecológica e ontológica, referida acima, ganha ares iniciáticos uma
vez que o eu-lírico abre esse mundo poético ao leitor. Como exemplo, leia-se “Chuva de
pólen”, escrita em hendecassílabo trocaico, usual no Simbolismo:
Sol de Primavera. Céu lavado e claro.
Entretanto, pasma tu que a vida observas
Das pequenas cousas
entretanto, amigo,
Chove no bosque.
Teu olhar relança àquelas folhas tenras,
E hás de ver caindo, como às voltas, livres,
Gotas mil de chuva
gotas mil de prata,
De prata e de ouro.
E hás de ouvir dispersos, rúmuros, confusos,
Rouquejar em coro, ou trebelhar zunintes,
Mangangás retintos, fulvos maribondos,
Áureas abelhas.
É que já Setembro vai de ramo em ramo,
Desenlaça os brotos, desabrocha as flores,
Abre com um sorriso espátulas, corimbos,
Cachos, umbelas;
Feito aragem, sopra
nas folhagens brinca,
Feito inseto, voa
nas corolas zumbe;
Feito chuva, desce, cai, disperso e leve
Delgado pólen.
São de borco ao vento a vaporar essências
Jarras de alabastro; são suspensas urnas
De variadas cores, de variadas cores
Variados cálices.
São, amigo, as flores, corações à mostra
São as flores
almas neste que respiras
Polvilhar cheiroso volitando esparsas,
Que aí está setembro.
71
Chega-te. Este chão é como ao pé de altares
Distendida alfombra. Vem mais perto. Ajoelha.
Sacerdote excelso aqui de excelso culto
Celebra o ofício.
Quando após rezares, tu lá fora saias,
Valerá por bênção qualquer grão de pólen
Que, entre as flóreas naves, te haja aqui caído
Sobre a cabeça.
(OLIVEIRA, 1978-9: II, 222-3)
Este poema se destaca na obra de Alberto de Oliveira por tratar de um mistério
experienciado, que foi entendido, pela crítica, como simulacro artificial do espírito parnasiano
para perceber o mundo concreto. No poema, a paisagem apresenta um céu sem nuvens
(lavado e claro); entretanto chove. Nesse bosque, encontramos uma chuva de prata e de ouro
caindo das folhas. A flora e a fauna se dividem: de um lado, mangangás, maribondos e
abelhas; de outro, ramos, brotos e flores. Os animais aparecem na terceira estrofe: são tipos de
inseto. Na primavera, as flores desabrocham, abrem-se em formas de espátula, corimbo, cacho
e umbela. O pólen sopra, voa e chove. A natureza se mostra, em sua perfeição, como
organismo vivo e germinativo, útero que nos gera e nos acolhe, pois é nossa habitação.
Num dado momento, percebe-se que a interação entre homem e natureza é uma
condição inerente de estar-no-mundo, porque antes do mundo, existe a Mãe Terra, que,
desvelando-se (porque ama fazê-lo), oferece ao sujeito a percepção inauguradora da realidade.
Ao mesmo tempo individualizado e integrante, ele vive e convive, fundido e confundido com
as outras criações divinas. Por isso, diz que as flores são ao mesmo tempo corações à mostra e
almas volitando esperam, evidentemente, o pólen, porque este põe o homem na dimensão
da natureza. Sabe-se que a polinização é feita pelos insetos (mangangás, maribondos e
abelhas), e que é extremamente difícil a polinização pelo vento. E devemos ter por bênção
qualquer grão de pólen que tenha caído sobre a cabeça: as flores são corações. Realmente, é
raro encontrarmos alguém com quem nos unirmos, como se unem a flor e o grão de pólen.
Assim, a vida se revitaliza e procria.
72
A solidão não se traveste da dificuldade de se fecundar o coração, que pode ser do
leitor ou de um amigo, evocado no poema pelas declinações verbais de segunda pessoa, como
reside na sua própria condição: flor esparsa. A espécie de flor é rara: uma que não conhece a
polinização pelos insetos, pois estes, embora sobrevoando todo o universo poético, não lhe
levam o pólen: as pessoas evitam os insetos ferroados, têm-lhes medo, buscam deles se
desviarem. Embora o eu-lírico aponte ao sujeito uma solução para fugir da solidão, ele
mesmo não sente a necessidade de evitá-la, pois desconhece sua condição; logo, não sabe
determinar-se por falta de consciência de si (auto-conhecimento). A fecundação dessa flor-
amigo ou flor-leitor ocorre na alma e no coração. A felicidade dele, mediante a polinização, é
o motivo do poema. O amigo ou o leitor pasma, porque observa a vida pelas pequenas coisas.
O eu-lírico, que observa a vida em comunhão com a natureza viva e vigorosa, não se
surpreende com a alfombra de pólen, nem tem nenhuma restrição aos insetos; pelo contrário,
caracteriza-os empolgados com a primavera, pois são partícipes da criação divina, por isso,
manifestação do sagrado. O amigo não sabe que costuma evitar a resolução de seu estado de
solidão quando repele os insetos. A solidão da segunda pessoa do discurso, TU, é exatamente
o resultado de sua negação aos mecanismos de purgação e do profundo desconhecimento dos
benefícios que elementos aparentemente perigosos podem proporcionar quando intencionados
a ajudar e, no fundo, preocupados em colaborar para a intensa germinação da Mãe Natureza,
que é a procriação das espécies, louvando o Sagrado nessa oferenda para Sua perpetuação. Os
elementos da paisagem povoam a terra-mistério, que, na verdade, transubstancia-se no
imaginário e no íntimo.
A relação entre o eu-lírico e interlocutor evidencia que o primeiro ensina sobre essa
terra-mistério e o segundo se sente convidado a aprender como vivenciá-la nessa plenitude
sagrada. A solidão ergue a barreira entre o mistério vislumbrado pelo eu-lírico e a observação
desencantadora do amigo/leitor que oblitera o acesso à pujança da Terra, que prescinde da
73
linguagem avassaladora e reificante da razão. A barreira é desfeita quando o interlocutor é
convidado a adentrar aquela terra-mistério. Em nenhum momento o eu-lírico questiona a
solidão: ele a reconhece como catalisador de sua visão e como catarse de seu amigo. Como
este se prejudicava pelo engano de julgar as coisas pela aparência externa sem antes conhecer
o interior, o eu-lírico discerne os conteúdos que as formas trazem internamente, antes de
serem julgadas; e reconhece a fragilidade humana quando diz que as flores são corações à
mostra, necessitando de um pólen que as resgate da solidão. O amigo é tranqüilizado quando
se lhe revela que o sacerdote excelso, Deus, celebra todo esse ofício e cuidaria de administrar
o pólen ideal para o amigo/leitor, desde que se ajoelhasse e rezasse naquele bosque
polinizado, reconhecendo a soberania e a maravilha da obra divina. O tempo natural,
orquestrado por Deus, rege o estado das flores: abertas (primavera), murchas (verão), secas
(outono), ou fechadas (inverno). É mais um motivo de felicidade a anunciação da primavera
brasileira, setembro, porque o amigo encontraria oportunidade de receber o pólen. Leve
conotação nacional transpira nesse momento, sem afobações nacionalistas que amordaçam as
linhas-de-força da arte em ideologias inócuas, se comparadas à plenitude do fazer artístico.
O poema privilegia o enriquecimento das fontes espirituais, no momento em que diz
que esta chuva não é uma chuva comum: é “de prata e de ouro”, metáfora para os polens que
irão fecundar a vida. O eu-lírico é tomado pela força da poesia, por isso é o poeta, que
conhece a terra-mistério. E o poeta é o mestre que a revela ao amigo como meio de conquistar
a felicidade: pela prece, pela bênção e pela providência.
A impressão de encantamento advém do mergulho no seio natural-materno, o
vislumbre de um caráter mágico na convivência com a natureza, causando um efeito que
podemos chamar de “exotismo”, como experienciação com o sagrado. A simplicidade da
paisagem é prova de que a subjetividade comunga desse manancial da natureza, corpo que
testemunha o milagre divino, isto é, a transcendência na matéria. Esta simplicidade significa
74
também que das pequenas coisas é que podemos conhecer as coisas mais complexas, pois
todos os seres são criaturas divinas, e o cuidado em refletir ao máximo sobre vários aspectos
dessa natureza cultuada resulta num cosmos latente, rico e denso, de "variadas cores", em que
a apreensão do “mundo concreto” depende de como sentimos esse organismo sagrado que nos
acolhe.
Nesse aspecto, o afastamento social desempenha um papel fundamental: o eu-lírico,
em gesto fraterno, denuncia o mundo reificante e reificado do interlocutor, apresentando a
dimensão poética da natureza, o humanismo e a solidariedade. Certo é que, por trás da bela
forma de “Chuva de pólen”, tem-se uma preocupação em vivificar a natureza pujante. Por
outro lado, a espiritualização do foro íntimo se através do convite ao leitor, que deverá
identificar semelhante milagre, metaforizado pelo pólen caído sobre a cabeça, isto é, a
interação homem-natureza, representada como uma flor que receberá o pólen, numa perfeita
comunhão entre as dimensões humana e natural do corpo, pois o homem, se possui um corpo
individualizado, ao mesmo tempo pertence à physis, que se vela e desvela no mistério dado à
vida experienciada na tensão/disputa entre terra e mundo.
75
7. FONTES FLUMINENSES DA MEMÓRIA
7.1. O PROBLEMA TEÓRICO ENTRE VIDA E OBRA
A ligação entre vida e obra é uma questão de difícil resolução nos estudos literários.
Se a obra de arte não é uma clonagem da vida de seu autor, por outro lado, como entender o
aparecimento de imagens que são re-presentações (presença apresentada de novo) e ou re-
criações (recriação que cria novamente) de pessoas, lugares e coisas experimentados pelo
autor? Até que ponto os elementos que compõem uma certa obra de arte se emancipam do
real, esfera de sua origem? Ver-se-á, na leitura dos poemas, que o material memorialístico na
poesia (tomando-se como exemplo a obra de Alberto de Oliveira) se transubstancia de fontes
biográficas para imagens estéticas. Embora haja traços comuns entre ambas, percebe-se a
diferença graças à imaginação criativa do artista.
Assim, esse estudo se propõe a estudar tais imagens (emancipadas da biografia do
autor) de forma a munir o debate teórico sobre a questão. Nas Poesias, esses temas remetem
ao itinerário do poeta pelo Estado do Rio de Janeiro.
7.2. VIVÊNCIAS RURAIS REMEMORADAS — “PEDRA AÇU”
Sobre a vivência nos sítios rurais, a obra de Alberto de Oliveira nos presenteia com
várias páginas memorialísticas. Parece que a explicação mais uma vez está na diferenciação
entre vida e obra, pois embora o poeta tenha se convertido em homem urbano, atuante em
jornais da capital, pouco desfruta a cidade, preferindo a vida tranqüila e pacata do campo,
experimentada quando criança, em harmonia com a natureza: daí a re-criação (i.e., recriação
criativa) das lembranças em imagens poéticas. Pode-se tomar “Pedra Açu” como exemplo:
76
Subi da Pedra Açu ao cimo, e de lá pude
Ver toda a Natureza.
Quanta beleza!
Desde Itaboraí com o seu pequeno outeiro
Vi até longe, ao mar, essa planície rude,
Onde nos capinzais
Voa o bico-rateiro
E a garça espalma e agita as asas triunfais.
Vi fazendas com os seus torreões de pedra erguidos,
E casas de vivenda;
Cada fazenda
As estradas e o campo atroando com os gemidos
De seus carros de bois carregados de canas.
Sob um leve vapor,
Senzalas e choupanas
Vi... e as roças de milho, e os laranjais em flor.
E as cercas onde pia o anu-do-brejo, e a mata
Onde a inambu se espanta,
Se esvoaça e canta,
Vi. E os olhos baixando à casa que Elza habita,
Vi a pedra da grota, ouvi mesmo a cascata
Que há naquele lugar,
E a música infinita
Das águas e do vento e das abelhas no ar.
Vi tudo, tudo ouvi. E que desejo imenso
De tudo vendo, vê-la
Também a ela,
Lá embaixo na varanda a me acenar com o lenço!
E tão só para isso, a esbaforir-me de ânsia,
Eu ao cimo subi
Da Açu, de onde à distância
Tanta cousa formosa extasiado vi!
(OLIVEIRA, 1978: II, 220-221)
Como se lê, Itaboraí é re-criação (recriação que cria) a partir da lembrança, num
processo que transfere determinados traços memorialísticos em imagens poéticas. Através
delas, dá-se ênfase à exuberância da natureza local, também re-presentada (apresentada com
nova presença). Os prazeres de ver a amada são amalgamados à sorte de se apreciar tanta
beleza da paisagem rural, contemplada do alto da Pedra. O lugar poético goza de uma riqueza
extraordinária, pela diversidade de acidentes geográficos e engenharia humana: “pequeno
outeiro”, “planície rude”, “capinzais”, “fazendas”, “casas de vivenda”, a “mata”, a “pedra”, a
“cascata”, a “casa de Elza”.
77
A minúcia na descrição inventaria os diversos pontos acima elencados, que são
observados em separado, dando destaque ao que mais participa da carga emotiva. Por isso, a
preocupação do sujeito está direcionada para transmitir essas notas de exotismo nem
fantástico, nem artificial, mas propositalmente inserto na paisagem fluminense. Trata-se de
uma cor-local exótica, mas um modo conterrâneo de olhar.
Assim, esse olhar consiste, em alguns momentos, numa lente de aumento; em outros,
numa visão panorâmica. Na primeira e na segunda estrofes, o extenso panorama da paisagem
cede lugar gradativamente ao olhar minucioso e ampliado de alguns logradouros cuja
multiplicidade/complexidade dos elementos constitutivos justifica um foco ampliado: é o caso
das fazendas e das casas de vivenda. Lá, os carros de boi atravessando sonoramente as
estradas e o campado, por entre pedreiras, dão o mesmo acorde ruidoso que conforma a
natureza ao aproveitamento latifundiário do inventário natural: os canaviais, as roças de milho
e os laranjais são interferências do trabalho humano, ainda que não destrutivo como o
processo urbano. Senzalas e choupanas testificam a pobreza dos trabalhadores rurais.
Portanto, quanto mais o sujeito lírico memorante amplia a lente pela qual essa natureza,
mais descobre nela a potência vital, na relação entre homem e natureza.
Ultrapassando as cercas dessas fazendas, a segunda seara múltipla/complexa de
elementos vários corresponde à natureza em seu estado mais selvagem, pois livre das
transformações mais profundas que o homem outorga (por exemplo, quando organiza uma
fazenda), ela, natureza, é percebida em seus elementos originários: no “mar”, na “planície
rude”, nos “capinzais”, etc. Esta pode ser encarada como a visão panorâmica. Ampliando o
foco, então, aparece a riqueza desse corpo natural multifacetado, na relação emocional do
sujeito com a flora, a fauna, o relevo, o vento, etc.
Não é difícil perceber que essa imagem parece um quadro: naquilo que este traz de
testemunho do que passou fixo, imutável. Tal impressão é acentuada pela forma verbal
78
“vi”, em declinação pretérita. Trata-se, portanto, de uma articulação memorialística.
Sondando a teoria da memória, Bergson propõe o conceito de lembrança-imagem para
designar a materialização da lembrança que de virtual passa ao estado atual —,
deflagrando-se no momento em que a lembrança é invocada pelo dado presente. Nesse
sentido, a lembrança-imagem é devedora da lembrança pura, pois esta se imiscui ao virtual,
ponto de partida para o estado atual da lembrança-imagem. Somente com a passagem do
virtual (onde está a lembrança pura) para o atual é que se dá a lembrança-imagem.
7.3. VIAGEM E TEORIA DA MEMÓRIA EM “SAUDADE DE PETRÓPOLIS”
O sucesso de Alberto de Oliveira nos jornais e nas Meridionais (1884) fez com que o
Governador do Estado (Presidente de Província), José Tomás da Porciúncula, o convocasse
para o cargo de Diretor da Instrução Púbica do Estado, equivalente ao atual Secretário de
Educação, conforme esclarece o capítulo 2.
Devido às revoluções republicanas, a Capital do Estado foi transferida para Petrópolis
cidade em que o poeta permaneceu exercendo o cargo público, até 1897. Por isto,
Petrópolis é, assim como Itaboraí, re-criação (recriação que cria) lida em poemas como
Volubis”, “Alvorada” e “Palmeira da Serra” do Livro de Ema (1892-1897), período em que o
autor esteve na cidade serrana. Porém, sob o crivo poético-memorialístico, ela aparece,
pela primeira vez, em Terra Natal (1900-1901):
SAUDADE DE PETRÓPOLIS
É quando aqui, como em região maldita,
É fogo este ar, e o sol candente frágua,
Que a saudade de vós, tensa e infinita,
Cimo dos Órgãos, me enche os olhos d’água.
Choro por vós, serras de anil, onde a alma
Livre expandi e o coração de poeta,
Afastando-o daqui da intensa calma
E poeira vil desta cidade infecta.
79
Choro por vós, árvores seculares,
Que às trepadeiras suspendendo o véu,
Ides, os braços a alongar aos ares,
Meneando as grimpas, dialogar com o céu.
Plúmbeos penhascos sobrecarregados
De limo e avencas, barrocais floridos,
Estradas mortas, brenhas e valados,
Do azul na extrema capoeirões perdidos,
Choro por vós! Vendo-vos, eu dizia:
— “Da visão vossa vinde encher-me o olhar!
Que alevantados surtos de poesia
Eu aqui sinto com vos contemplar!”
Choro... Não por teu luxo e pompas fátuas,
Bela cidade, cortesã da serra,
Não por teus parques e jardins e estátuas,
Pelos palácios que teu seio encerra;
Choro por vós, céus grandes e profundos,
Onde cem noites me travei, perdido
A olhar na marcha dos acesos mundos,
Arca por arca com o Desconhecido.
Choro por vós, nevoeiros das montanhas,
Neblina esparsa na manhã que ri,
Frígidas águas em que ao sol te banhas,
Grotão ruidoso do Itamarati!
Por vós... Não por teus bailes suntuosos,
Pelo esplendor das opulentas salas,
Cidade cheia no verão de gozos,
De poeira e luzes, de miséria e galas.
Por vós, luares de mármore, serenos,
Noites sem-par de penetrante frio,
Que Junho assopra e assopra Julho, a plenos
Pulmões, a face a arrepiado rio;
Por vós, camélias brancas, e encarnadas,
Dálias, por vós, roxas ou de outra cor,
Azáleas mil e orquídeas variegadas,
Plantas a rir, perpetuamente em flor;
Céu azul! claro sol! virente serra!
Por vós, que amei e em minha dor memoro;
Ó pedaço melhor de minha Terra!
Por vós, por vós... por nada mais eu choro!
(OLIVEIRA, 1978: II, 224-225)
Ao se evocar o que passou, o passado vive no presente, i.e., traz para o momento
atual parte de nossa experiência de vida. No entanto, a forma como se essa passagem, quer
dizer, essa lembrança, não é uma reprodução exata do acontecido, mas uma outra maneira de
olhar para os fatos sucedidos e os ter na medida em que a subjetividade os reformula no
80
próprio processo de memorar. Em outras palavras, a memória modifica o fato acontecido,
para além da interpretação subjetiva dada no momento de percepção. Como diz Bergson:
O que chamo meu presente é minha atitude em face do futuro imediato, é minha ação iminente. Meu
presente é portanto efetivamente sensório-motor. De meu passado, apenas torna-se imagem, e
portanto sensação ao menos nascente, o que é capaz de colaborar com essa ação, de inserir-se nessa
atitude, em uma palavra, de tornar-se útil; mas, tão logo se transforma em imagem, o passado deixa o
estado de lembrança pura e se confunde com uma certa parte de meu presente. A lembrança
atualizada em imagem difere assim profundamente dessa lembrança pura. (BERGSON, 1999:164)
Portanto, o memorialismo poético é uma transubstanciação em terceiro grau, já que: a)
o material memorialístico parte de uma transubstanciação do real para alcançar, através de
fragmentos de memória, uma nova imagem-tempo que inter-relaciona a lembrança pura
(passado) e percepções da consciência (presente); b) arte é, nas palavras de Deleuze, “uma
verdadeira transmutação da matéria” (2003: 45) porque “os signos da arte [em oposição aos
signos mundanos, sensíveis e amorosos] são os únicos imateriais” (idem, p. 37) e por isso “a
arte está para além da memória e recorre ao pensamento puro como faculdade das essências”
(idem, p. 44). Enfim, a arte que trabalha com memorialismo é duplamente transfiguradora do
real, recriando o eixo mundano num segundo grau da memória e mais uma vez num terceiro,
próprio da arte memorialística.
A cidade transubstanciada no poema é exaltada pelos elementos naturais, ao passo que
os aspectos urbanos aparecem em sentenças negativas, pois significam muito menos do que a
paisagem silvestre, porque se referem à “região maldita” da “cidade infecta”, longe que está
do “Cimo dos Órgãos” (alusão à serra do Norte Fluminense).
A solenidade, o tom laudatório e as apóstrofes em torno da cidade serrana colaboram
para que o poema tome emprestadas algumas características da ode (tipo de lírica destinada à
exaltação), se se levar em conta o que diz Angélica Soares (2003: 35) sobre esta forma lírica
fixa: “modernamente ela conserva apenas o estilo solene e grave, próximo da poesia épica”.
A pesquisa de imagens na obra de Alberto de Oliveira indica vários lugares que
serviram de inspiração poética. Dentre eles, não obstante, somente dois temas regionais
81
aparecem sob o domínio da memória: a) Saquarema e todo o circuito entre Rio Bonito e a
Paróquia N.S. de Nazaré (por vezes até mesmo Cabo Frio), abrangendo, pela proximidade, os
temas de Itaboraí; b) Petrópolis e adjacências serranas. Por contraste, diferenciam-se outras
duas partes não propriamente memorialísticas, mas igualmente dedicadas a logradouros
fluminenses: a) Niterói e todo o circuito urbano das capitais, inclusive Rio de Janeiro; b)
logradouros de pouca presença na obra, como Agulhas Negras na Serra da Mantiqueira, sobre
a qual a notícia biográfica mais corrente não contempla, mas o poema “Nuvem”, pertencente
a Flores da Serra (1901-1902), dá testemunho.
Atendo-se apenas aos temas memorialísticos ligados a regiões praieras ou serranas
—, a reiteração de imagens lhes relevo porque, ao longo das quatro séries de poesia, assim
que a memória encontra espaço no território íntimo, os lugares reaparecem diversas vezes. Por
exemplo, a região praieira (Saquarema e adjacências) será tema de vários poemas de cunho
memorialístico, como “Praia Longínqua” de Alma livre, (1898-1901), “O Último Olhar” de
Versos de saudade (1903), “Canto do Semeador” e “A Cigarra da Chácara”, ambos de Sol de
verão (1904).
7.4. MEMORIALISMO-POÉTICO RURAL EM “PLENILÚNIO DE MAIO”
Algumas imagens logram reiterações constantes ao longo da obra: uma delas trata da
“árvore” como imagem da vida, cuja freqüência na poesia de Alberto de Oliveira convidou
Olavo Bilac a citar o poema “A Árvore”, em sua conferência proferida em 28 de abril de
1917, em homenagem “A Alberto de Oliveira”, o mestre parnasiano, compilada nas Últimas
conferências e discursos (1927).
Já entre a Segunda e Terceira Série de Poesias, o julgamento crítico mais corrente
sobre o poeta a impassibilidade não encontra, de maneira alguma, espaço nestes versos
82
tão sentimentais, de um sujeito apaixonado pela terra em que vive. É desse modo que se pode
falar de caráter nacional na poesia de Alberto de Oliveira, pois, fugindo da toponímia da cor-
local, a fruição do espaço regozija o sujeito; e no caso da poesia de Oliveira, mais
especificamente no eixo memorialístico, o universo poético é regional, apreendendo
brasilidade pela experiência fluminense. Não é uma recusa da Pátria Superior (pensada pelos
parnasianos como retomada das reflexões de Novalis
16
), mas sim uma superposição entre o
nacional e o superior, na construção dessa utopia naturista.
Como se vê, um entrelaçamento das fontes memorialísticas com o temário natural
— isto porque, na obra de nosso poeta fluminense, a lembrança convoca todo um espaço rural
ligado à infância. Mas este material lembrado não surge sem estímulos que o sujeito (no caso
da poesia, um sujeito lírico) recolhe da percepção consciente do momento atual (presente).
Nas palavras de Bergson:
Na verdade não percepção que o esteja impregnada de lembranças. Aos dados imediatos e
presentes de nossos sentidos misturamos milhares de detalhes de nossa experiência passada. Na
maioria das vezes, estas lembranças deslocam nossas percepções reais, das quais não retemos então
mais que algumas indicações, simples “signos” destinados a nos trazerem à memória antigas
imagens. (BERGSON, 1999: 30)
Portanto, o passado vem ao presente pelo processo de memorização, como que
convidado pelas percepções atuais. Na poesia de Alberto de Oliveira, tal processo de
lembrança articulado nos foros íntimos do sujeito lírico é aguçado pelo que de
semelhante nas diversas lembranças: as paisagens naturais, que, vistas em sua diversidade,
traçam um itinerário poético de re-presentações (presenças com novas apresentações) da
geografia e do nicho ecológico do Estado do Rio de Janeiro. No entanto, como dito, essa
diversidade de recantos fluminenses encontra uma considerável interseção com todas as
imagens poéticas, por serem estas re-criações (recriações criativas) da fauna e da flora típicas
16
Sobre essa utopia “cívica” de Novalis, leia-se: “O novo modo de escrever poesia provocava um completo
‘alheamento’ para conduzir à ‘pátria superior’.” (FRIEDRICH, 1991: 29). A relação entre esse ideal novalisiano
e a prática parnasiana pode ser acompanhada melhor se a recensão “Novalis e a poesia futura”, de Hugo
Friedrich, for tomada na íntegra.
83
da Mata Atlântica, nas pequenas variações as mesmas que determinam a diversidade
das Serras (da Mantiqueira ou dos Órgãos) ou do Litoral (Saquarema, Maricá, Niterói), pois
essas regiões guardam tanto a sua especificidade que as distinguem das outras vizinhas quanto
a semelhança de uma vegetação mais ou menos comum do Estado do Rio, se se pensar um
referencial como a Mata Atlântica. Com certeza, este é um dos motivos da insistência dos
temas da natureza na obra de Alberto de Oliveira.
“Plenilúnio de Maio” é exemplo de recriação poética das paisagens saquaremenses, ou
seja, da localidade praieira, no qual se percebe a plasticidade característica da poética de
Alberto de Oliveira, logo na primeira das duas partes do poema:
Este luar que se levanta
D’além, das bandas do mar,
E tanta poesia, tanta
Vem com as asas a espalhar,
Dá-me não sei que saudade!
Vou longe com o pensamento,
Lá onde da mocidade
Soltei as rosas ao vento.
Em noite assim — por céu frio
Brilhava este mesmo luar!
Numa barca escura um rio
Desci com alguém a cantar.
Lembram-me os ramos pendidos
Que sobre a água se enlaçavam,
E os abraços repetidos
Que os braços dela me davam.
Lembram-me os cipós com os elos
Floridos, trançados no ar,
E os seus compridos cabelos
Banhados de orvalho e luar.
Lembram-me os dormentes lumes
De seus olhos, e suspensa
A dança dos vagalumes
No escuro da mata imensa.
(OLIVEIRA, 1978: II, 385-386)
A anáfora que inicia as três últimas estrofes ressalta o caráter memorialístico do
poema: “lembram-me”. Observe-se que a escolha desta declinação verbal (em que o fato
memorado conjuga o verbo enquanto o sujeito que rememora aparece como objeto através do
84
clítico) mais relevo ao que se é lembrado, nesta tendência à personificação da imagem,
como se ela pudesse executar ações humanas (das quais um exemplo é a memória). Trata-se,
por isto mesmo, de uma figura poética de muita densidade e riqueza, pois ainda também
assinala uma forte fusão anímica entre o sujeito lírico e o entorno (crivado pela memória).
A presença da mulher, como se assinalou muitas vezes na bibliografia crítica sobre
o poeta, é fundamento do erotismo que se percebe de sua poesia e está a mulher,
passeando de barco com o sujeito. As imagens da mulher e da paisagem se interpenetram num
amálgama em que os braços da amada e os cipós pênseis ganham um paralelo quando se
destaca o erotismo que ambos provocam em seus pares: a amada (metonimizada pelos
braços), abraçando calorosamente o sujeito lírico; a floresta (metonimizada pelos cipós),
penetrando suavemente o rio, nessa primeira parte do poema, e o mar, na segunda parte
transcrita a seguir tudo isto numa forte tendência à indiferenciação de ambas as imagens
(da mulher e da paisagem).
O poema segue, não obstante, descrevendo mais a natureza circundante, na segunda
parte, sugerindo uma comunhão total entre os elementos, que na linguagem erótica significa
cópula. A passagem da primeira para a segunda parte do poema sugere um intervalo, uma
pausa, um repouso, como depois de um ato erótico a dialética da duração. A importância
das fissuras da duração (conceito memorialístico) Bachelard bem explicou:
Assim, num plano particular, no nível de uma função particular, sem nenhuma dúvida é a dialética e
não a continuidade o esquema fundamental. Como diz Rivers, “a alternância entre duas reações
opostas torna indispensável a inibição de uma delas. / Em outras palavras, o jogo contraditório das
funções é uma necessidade funcional. Uma filosofia do repouso deve reconhecer essas dualidades.
Deve manter seu equilíbrio e seu ritmo. Uma atividade particular deve comportar lacunas bem
colocadas e encontrar uma contradição de algum modo homogênea a ela. O repouso, que pode
aceitar atividades contrárias, deve recusar atividades heteróclitas. (BACHELARD, 1988: 34)
Mas o filósofo não tem necessidade de descer a [...] regiões provisoriamente proibidas para aceitar
ao mesmo tempo o pluralismo e o descontínuo temporais. A dificuldade de se manter numa meditação
particular lhe mostra muito bem claramente um tempo feito de acidentes, bem mais perto das
inconseqüências quânticas que das coerências racionais ou das consistências reais. Esse tempo
espiritual não é, a nosso ver, uma simples abstração do tempo vital. Com efeito, o tempo do
pensamento possui uma tal superioridade em relação ao tempo da vida que ele pode por vezes
comandar a ação vital e o repouso vital. (idem, p. 86)
85
Também, os versos da segunda parte, motivados pela cor-local, com toda a ênfase
e toda a pormenorização que lhe é dada parecem corroborar tal interpretação. Se esta
leitura é aceitável, então a mulher também exerce, além da função antropomorfizadora da
natureza, o importante papel de ser a porta (outra figura erótica) para um mundo iniciático,
ainda que a memória seja a primeira instância (prerrogativa) desse processo ascensional.
Cresce o interesse pelo mar no adensamento dessa relação sujeito lírico/natureza, pois a
mulher é tradutora e integrante do universo poético praieiro (re-presentação arte-
memorialística de Saquarema):
Outra vez... Grandioso e lindo
Quadro em que a vista se enleia:
Nascera, do mar saindo,
O globo da lua cheia.
E o mar e as ilhas fronteiras;
Nas ilhas, ao rés do mar,
Sonhando, esguias palmeiras
Imóveis à luz do luar;
E além da ponta onde esbarra
A água em rolos espumantes,
A capelinha da barra
Amada dos navegantes;
O farol que as vagas olha,
Caieiras longe a alvejar,
A praia onde o cardo abrolha,
Alçando os braços ao luar;
Choupanas de pescadores,
Barcos de proa luzente,
Sem remos, sem remadores,
Dormindo na água dormente;
[...]
(OLIVEIRA, 1978: II, 386)
7.5. MEMÓRIA E RUÍNA EM NATÁLIA
Natália (1911) por também se embeber de temas memorialísticos reúne poemas
que transubstanciam, mais uma vez, a região praieira de Saquarema, pertencente a esse
conhecido circuito de infância e adolescência. Este opúsculo se divide em quatro partes (ou
86
poemas longos): “Caminho de Saudade”, “O Rancho da Serra”, “Velha Fazenda” e “Alma
Oceânica”, com destaque para a primeira e a terceira. O tema memorialístico é explícito na
referência a topônimos ou cor-local, e cada parte (ou poema longo) parece versar sobre um ou
mais recantos desse lugar agreste (plantação, alagados, rios, fazendas, praia, etc.), sempre
enquanto re-presentações (presença de nova apresentação) artísticas.
Percebe-se o vínculo emocional do sujeito lírico com as plagas litorâneas, tal como
neste fragmento da primeira parte intitulada “Caminho de Saudade”:
I -
Iam vinte anos desde aquele dia,
Em que com os meus, da terra onde nascera,
Adolescente ainda, eu me partia.
O que não dera então, o que não dera
Ainda hoje por tornar atrás comigo,
Entrar-lhe os campos, ser o mesmo que era!
Lá me ficava com seu tecto amigo
A velha casa, a várzea verde em flores,
E verde em flores o pomar antigo;
E o engenho, a encher aqueles arredores
Com o seu bufido, com o bater pausado
Das pás cantantes dos ventiladores;
Tudo quanto em menino havia amado,
E em que minh’alma nova, a abrir-se, rindo,
Tinha parte de si talvez deixado,
Em vôo, ao pé do rio, às voltas indo,
Em vôo, em cada moita, airada e inquieta,
Qual das asas o pó dourado e lindo
Deixa por onde passa, a borboleta.
(OLIVEIRA, 1978: II, 545)
Note-se que toda a emoção sobre os elementos paisagísticos está associada com
ânimos de infância: sobre “tudo quanto em menino havia amado”. A região praieira é
explicitamente referida no penúltimo fragmento ainda de “Caminho de Saudade”:
IV –
[...]
Vejo ora campos e lavouras, ora
Duas faixas azuis: a da lagoa
E a do mar grosso a rebentar lá fora.
[...]
(idem, p. 549)
87
A cor-local presenteia o ambiente com “campos”, “velha casa”, “várzea verde e em
flores”, “pomar antigo”, “engenho”, da infância do sujeito, re-elaborados, pela memória dele.
É uma lembrança de sua partida, quando adolescente já, desse circuito que liga todos os
distritos de Saquarema (Pontal, Palmital, Paróquia, etc.) para Itaboraí, com reminiscências de
uma vida extremamente interiorana e familiar.
Já em “Velha Fazenda”, terceiro arranjo de poemas, o sujeito percebe a ação do tempo
sobre os elementos paisagísticos, principalmente de sua morada na infância:
I –
Vi na extensão de um vale ermo e profundo,
A que o sol da manhã com a luz feria,
Montão de estroços, desabado mundo,
Roto arcabouço, rota escadaria,
Inúteis rotas máquinas, e em roda
Prostrados muros. Sobre a ruinaria,
— Troféu do excídio, dominando-a toda,
Com férreos dentes a morder o estrago,
Jazia escura desmontada roda.
— “Velho, que vem a ser aquilo?”indago,
Olhando o esbrôo. Respondeu: — “Daquelas
Ruínas no coração a imagem trago. [...]
(OLIVEIRA, 1978: II, 567)
Segundo Walter Benjamim (1990), as alegorias provocam na obra de arte um caráter
de ruína, palavra esta que ele eleva a conceito: a leitura, coberta de melancolia, que o artista
faz do processo histórico enquanto careação, feita pela morte, do humano. profundas
relações entre alegoria, conceituada por Benjamim, e memória, enquanto testemunho da ação
e interpenetração dos tempos. Esse amálgama é notório na obra de Alberto de Oliveira,
principalmente na Terceira Série.
Qual o sentido velado por trás dessa ruína da fazenda? Não é descabido pensar na
passagem do campo para a cidade, passagem esta marcada sobretudo pela perda: o sujeito
poético perde o contato físico com os logradouros agrários, queixando-se da insalubridade do
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ambiente urbano em favor de um panegírico da vida rural. Conta, também, no seu discurso
lírico, que as paisagens naturais transitam entre o passado e o presente, pelo processo de
memória, uma vez sendo seu ambiente familiar de infância.
7.7. À GUISA DE DESFECHO — ABERTO
Este recorte sobre os temas memorialísticos nas 2ª e 3ª Séries de Poesias de Alberto de
Oliveira abre outras leituras possíveis, a depender da profundidade do olhar. Pode-se adiantar,
não obstante, que esse memorialismo desvela um sentido mais profundo para a vida, no qual
se a ação imperdoável do tempo traduzido na alma pela nota singular da saudade
fazendo “tudo, do que foi, mui diferente”, como disse Cláudio Manuel da Costa, patrono da
cadeira de Oliveira na Academia Brasileira de Letras.
que se ressaltar sempre o esforço de um homem que supera os obstáculos da vida,
emergindo da pobreza dos campos da Baixada Litorânea para Chefe de Instrução Pública do
próprio Estado em que nasceu e viveu. Em sua obra poética, por outro lado, percebe-se que o
sujeito lírico não se desvencilha da terra natal, identificada, pelo fenômeno da amplificação,
com a natureza exuberante de lugares tão diferentes. Mas há, por certo, uma preferência pelas
regiões oceânicas — recriações das paisagens naturais que o poeta, na infância, contemplou.
Por isto, as Poesias de Alberto de Oliveira, longe de refutarem o passado de muita
peleja, pelo contrário, resgatam, através da memória, o que de mais humano (e portanto o
que mais significou) nessa história: é tudo que sobrevive ante o choque reificante da cidade —
seja a beleza natural, inspiração para a recriação artística das paisagens fluminenses; seja o
sentimento amoroso ou extasiante, próprio de um sujeito (trasladado para o discurso poético)
que frui imagens de nativos (principalmente familiares e mulheres) e da biodiversidade local.
89
8. A PRESENÇA DA MULHER
8.1. SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS COM O SENTIMENTALISMO
8.1.1. Linhas teóricas
A mulher como objeto de desejo, ocupando no poema o tema central, não é
exclusividade do Romantismo, como se pode chegar a crer pela extensa bibliografia crítica
que se esforça em evidenciar, nos poetas românticos, a configuração da mulher e das relações
afetivas, como se tal assunto pertencesse somente ao estilo romântico.
Pelo contrário, aliás. Os estilos pós-românticos como o Parnasianismo e o Simbolismo
assinalam a presença da mulher e a relação entre masculino e feminino, sinalizando até uma
profundidade maior do erotismo que permitia uma fruição mais intensa entre o sujeito rico e
a amada.
No caso do Parnasianismo, o sujeito sente a necessidade de formular novos
paradigmas de investigação sobre si mesmo e o mundo, erguendo um novo local místico e
ritualístico —, tal um “espelho” (speculum) da realidade concreta (infelizmente entendido
como “artificial”).
A verdade é que, nesta tradução especular, observam-se as imagens não apenas como
elementos pictóricos, mas como partícipes de uma simbólica muito refinada, imersa no
próprio território íntimo do sujeito. O tom confessional perde o fôlego, pois o momento não é
mais tão sôfrego e ébrio, e sim, meditativo e lúcido.
É como se o território íntimo se tornasse o próprio objeto de discussão e sondagem,
tendo na mediação entre realidade e imaginação, entre o objetivo e o ilusório, uma de suas
bases de sustentação. Dessa forma, o sujeito reconhece um mundo altamente imaginário, onde
a subjetividade chega perto do irrepreensível. Portanto, o entorno se confunde com a
90
intimidade, promovendo um jogo simbólico que se camufla dentro dos seres e dos objetos que
traduzem o subjetivo.
Mario Praz também pensa num século XIX como um todo romântico:
A maior parte deste volume se propõe a estudar a literatura romântica (da qual
o decadentismo de fim do século não é mais do que um desenvolvimento) sob um
dos aspectos mais característicos: a sensibilidade erótica. É, portanto, um estudo de
estados de espírito e de particularidades do costume, orientado segundo certos tipos
e motivos que reaparecem com a insistência de mitos gerados no próprio sangue.
Considerada deste ponto de vista, a literatura do século XIX aparece realmente
como um todo único e distinto que as rias fórmulas de romantismo, verismo,
decadentismo etc. tendem a disjuntar. (PRAZ, 1996: 11)
Como ele mesmo percebeu, a mulher é um dos pontos-chave para o estudo deste
período: perversa ou benevolente, ela sempre cerca o sujeito masculino em suas próprias
questões íntimas, pois sendo as mulheres por ele construídas, ganham traços marcantes das
aspirações, medos e pontos de vista dele nelas projetados. Articulando a problemática erótica
e ou sexual vivenciada nas interdições moralistas do século XIX — muitas infelizmente vivas
até hoje a escolha da mulher como tema aproxima românticos e parnasianos, não obstante
guardando algumas e consideráveis diferenças.
8.1.2. Comparações
Referências ao Mundo Antigo contribuem para a configuração da mulher parnasiana,
que se torna, paradoxalmente à atenção carnal, cada vez mais ligada ao delírio sensual, porque
a mulher, embora trazida das nuvens romântico-sentimentais para o palco secular do
Parnasianismo, ainda é representada por matizes divinatórios no imaginário do sujeito.
Mística e diáfana, a figura feminina continua naquele mesmo patamar de exaltação erigido
pelo sentimentalista, mas ela se entrega, quando quiser, aos amores profanos. — daí a
importância do paganismo na poesia parnasiana, pois nele erotismo entre divindades e
adoradores.
91
A liberdade imaginativa, antes ligada à sacralização da mulher como rendição às
interdições sexuais operadas por tabus e preconceitos arraigados na moral do eu-lírico
sentimental, agora transita na subversão dessas barreiras quando o sujeito conhece, toca e
sente o corpo da mulher a relação erótica e sexual se torna possível, saindo do estado de
potência (repousado no desejo nunca vingado) para chegar a um estado de atualização
dinamizado no próprio poder imaginativo.
O mistério rodeia essa mulher enigmática, porque não é ela que é conhecida, mas tão-
somente sua imagem fixada na mente do sujeito lírico. Mesmo assim, constitui uma postura
mais liberal do que a dos poetas sentimentais.
Nesse sentido, tanto o sentimental quanto o parnasiano tiveram a oportunidade de
gozar os prazeres sexuais ainda que nos sonhos e nos delírios, mas será no Parnasianismo que
a relação sexo-afetiva se realiza de modo mais amplo, ainda que limitado ao imaginário. Mas
é no imaginário que se dá, muitas vezes, o primeiro passo em direção à transformação das
mentalidades.
8.1.3. Especificidades parnasianas
A mulher é divinizada, mas de maneira muito mais amena do que nas estéticas
sentimentais. Alberto de Oliveira traz a mulher como ídolo supremo da forma e da beleza em
“Última Deusa”. Essas musas, na representação onírica ou delirante, manifestam aspecto
divinal que cada vez mais se metaforiza no sentido de elogiar, preservar e respeitar a mulher,
pois o acesso carnal começa a ser possível, mesmo que experimentado nas dimensões oníricas
ou imaginativas.
Eis o poema:
ÚLTIMA DEUSA
Foram-se os deuses, foram-se, em verdade;
Mas das deusas alguma existe, alguma
Que tem teu ar, a tua majestade,
Teu porte e aspecto, que és tu mesma, em suma.
92
Ao ver-te com esse andar de divindade,
Como cercada de invisível bruma,
A gente à crença antiga se acostuma
E do Olimpo se lembra com saudade.
De lá trouxeste o olhar sereno e garço,
O alvo colo onde, em quedas de ouro tinto,
Rútilo rola o teu cabelo esparso...
Pisas alheia terra... Essa tristeza
Que possuis é de estátua que ora extinto
Sente o culto da forma e da beleza.
(OLIVEIRA: 1978-79: I, 165)
Identifica-se a ligação com a estética romântica de sublimação da mulher. O corpo
alvo é exaltado, ganhando explicitação da cor do cabelo, percebida afetivamente em tom
laudatório: “em quedas de ouro tinto [...] o teu cabelo esparso”. O soneto atribui
características divinas à mulher, fazendo jus ao título. Dentre outras virtudes, a mulher é dona
de uma majestade e uma divindade, fazendo jus à chave de ouro (o culto da forma e da
beleza). Quanto aos predicados físicos, a mulher traz um olhar sereno e garço, um alvo colo,
um cabelo louro. O caráter níveo cerca a mulher-deusa, através de uma “invisível bruma”,
conferindo, simultaneamente, o mesmo aspecto enigmático, místico e volátil das musas de
Álvares de Azevedo. O elogio da mulher (com a quase inescapável sacralização resultante
desse processo) é o tonus, aliás, do Romantismo, do Parnasianismo e do Simbolismo, mas
será a acessibilidade a ela que marcará as diferenças, i.e., a maneira como o eu-lírico elabora
as relações com o objeto.
A beleza dessa mulher é tão fascinante que ninguém hesita crer em sua origem
olímpica, ainda que a mitologia antigo-grega seja um “culto extinto”. Afinal, seus olhos
esverdeados possuem tom sobre-humano; seus cabelos são fios de ouro, cujo brilho tampouco
se encontra entre os mortais.
No último terceto, ela percebe a descrença nos deuses antigos, que significa não a
perda da fé no politeísmo, mas, principalmente, a ignorância do que sejam a forma perfeita e a
beleza ideal: distanciada do exercício da sexualidade pelas fórmulas românticas, a mulher
93
chega a reclamar suas qualidades físicas e sua capacidade de inter-relação, interditada pelos
românticos.
Extrapolando as referências humanas, a musa sofre a incompreensão dos mortais, que
desconhecem esse parâmetro superior de beleza e sua vontade de interação. Termina
amargando a mais profunda solidão e exclusão, fadada que está ao esquecimento do
helenismo pagão que permitiria sua apoteose. É uma figura feminina bastante problemática,
pois a mulher vem reclamar, nessa metáfora-deusa que transita na chave desterro-alienação-
censura, contra o silêncio e o esquecimento, metaforizados pelo culto extinto.
O sujeito lírico, assaz envolvido com a dimensão da antiga mitologia antigo-grega,
reconhece, ao contrário do grande público ignoto, o vigor dos deuses pagãos, embora
abandonados, na imortalidade esplendorosa. No caso da emulação erótica, a figura de
Afrodite vem representar a força sedutora da mulher, na dialética do transcendental no
concreto, isto é, do infinito no finito:
AFRODITE - III
Clítia, quando tu vens e a mão nervosa,
Fino alabastro, as roupas te desata,
E nua surges e entras n’água, ansiosa,
Dando às vagas o colo que arrebata;
Não sei mulher, que amor que abrasa e mata
É este, ao ver-te a forma primorosa,
Que em suas linhas nítidas retrata
Mármor polido de pagã formosa.
Mas quando o corpo escultural, perfeito,
Molhas na vaga e a coma te flutua
Como em doudo pulsar me estala o peito!
Tremo de zelos e o meu ser recua,
Vendo-te, e vendo o mar que vem desfeito
Lavar-te em beijos, Afrodite nua.
(OLIVEIRA, 1978: I, 78-79)
Por ser deusa, a mulher traz essa dialética entre transcendência e matéria, entre divino
e humano insinuado desde a binomia Afrodite/Clítia de forma potencializada. Assim, a
mulher sai da posição passiva, submissa ou silenciosa para um lugar de ação, ordenação,
94
determinação: torna-se um ser originário que desperta no homem a luxúria e a admiração
dela se principia o acontecimento que encanta e entusiasma o observador. Note-se que a
mulher age livremente, enquanto o sujeito lírico sente, extática e estaticamente, a liberdade
sedutora da mulher em tomar banho nua por livre escolha. Ainda que seja precária a abertura
para sua participação, pois o discurso ainda acontece sob a voz masculina, começa o
redimensionamento do feminino, e, portanto, passa-se de uma figuração idealizada que
corresponde às expectativas do sujeito para uma personificação instauradora da diferença,
pois, em sua autonomia, a mulher não é um compósito de reações convenientes, mas desafio
ao adestramento que o homem deseja. Dialetizando-a, o parnasiano problematiza uma
encruzilhada, pois indaga “por que num altar e como assim santa?”, deixando em aberto as
significações da natureza feminina (conferindo-lhe mais liberdade) ao ponto mesmo de
sucumbir nas contradições das impressões eróticas. É o que freqüentemente acontece, pois o
limite se põe na solicitação pelo envolvimento erótico, sobre o qual o sujeito masculino não
obtém resposta da mulher, senão o silêncio tendencioso e enigmático ou a interdição
provocadora e insinuante, como se lê em “Galatéia”:
GALATÉIA
Foi, rompendo o mirtal de verde manto,
— Morria a tarde, além tonitruosa,
Bóreas soprava — que ela ouviu, maviosa
Soar uma voz, em prolongado encanto.
Dizia a voz: — “Ó deusa, ó cobiçosa
Alva espádua do mármore mais santo,
Não seres minhas!...” E era mais doce o canto,
Quando de pronto a ninfa, de amorosa,
Surge. E com os beiços grossos aplicados
À flauta, um monstro vê cantando. Espreita...
Foge... E ao fugir com os passos apressados:
“Ah! que tão doce música que escuto,
Não coubesse a uma boca mais bem feita
Que a boca de um gigante horrendo e bruto!”
(OLIVEIRA, 1978: I, 147)
95
Importante anotar, de início, que essa deusa é a ninfa pela qual o Ciclope Polifemo se
apaixonou. No poema transcrito, o que predomina é a tendência histérica em negar e velar o
desejo, confundindo o interlocutor num enredo lúdico e enigmático, como manutenção e
agravo da sedução: por parte do sujeito, vê-se que ele provoca a mulher, Galatéia,
admoestando que ela não seja dele, quer dizer, que não interesse erótico nela. Galatéia, por
sua vez, seduzida e curiosa pela mentira desafiadora, decide investigar quem ousa negá-la.
Por sua vez, ela o nega, alegando-lhe feiura. A interdição não se no nível de santidade da
mulher; pelo contrário, este é um dos estratagemas mentirosos para seduzir a mulher, o que
um adorador de Nossa Senhora não faria nesses últimos séculos.
Contudo, algumas soluções que transgridem aos limites da simples observação
luxuriante são lidas em alguns poemas de Alberto de Oliveira, como “Manto Real”, que
lembra “A Cabeleira”, de Baudelaire:
MANTO REAL
Da flava Ceres falta-te ao cabelo
A cor, que o dela havia e os trigos doura;
Tens negra a trança e — deverei dizê-lo —
Melhor te fica que se fosse loura.
Crespa, enredada em serpes, tentadora,
Cheiro-a, louco, febril e ardendo em zelo;
E ela em meus lábios, qual se a noite fora,
Da volúpia infernal me imprime o selo.
Toco-a, aperto-a, desato-a fio a fio,
Estendo-a nos meus ombros, velo ondeante;
Tomo-lhe as pontas, o teu rosto espio:
E entre os claros da trama escura e bela
Creio, vendo-te a luz do olhar radiante,
Ver a réstia de fogo de uma estrela.
(OLIVEIRA, 1978: I, 148)
A leitura do soneto deve extrapolar o nível literal. Assim também é, por exemplo, a
leitura de Ivan Junqueira sobre “Paganismo”, pois assinala que a água do rio azul onde se
banhavam os amantes, é metáfora do ato erótico, “quando o poeta e a sereia celebram,
panteisticamente às águas entrelaçados, a sua sagrada comunhão” (JUNQUEIRA, 1984: 65-
96
66). Ou então: “o poeta cairá ainda na teia de uma ‘formosa caranguejeira’ [...]. Aqui, porém,
o autor não declina de nos confessar sua identidade” (op. cit., p. 61). Semelhante à leitura de
Junqueira, a relação metonímica entre mulher e trança, em “Manto Real”, precisa ser
considerada, como o foi a personificação mulher-caranguejeira.
Se a trança imprime ao sujeito lírico um beijo, ela representa, sem dúvidas, a mulher,
como a parte pelo todo, já que ambas se confundem na metonímia. Desse modo, a mulher
toma, em larga liberdade, a ação, enquanto resta unicamente ao sujeito lírico masculino a
posição passiva de recebimento e sensação. No segundo momento, o sujeito interage com a
mulher, na procura do corpo feminino, desnudando-a pela trança, isto é, a trança como
metonímia. Ele, extasiado, cheira o cabelo dela, trançado e negro, contrastando com sua tez
branca, poetizado intensamente pelo jogo de claro-escuro: “e entre os claros da trama escura e
bela”. Essa antítese cromática, e, por isso, sinestésica, ganha dimensão metafórica quando os
cabelos evocam o céu escuro e os olhos, o brilho da estrela, quer dizer, a réstia de fogo como
clarão de felicidade na imensidão escura.
Considerando que a santidade de “Galatéia” é um recado mentiroso do sujeito lírico no
jogo histérico da sedução e que a iniciativa erótica da mulher não coaduna com a imagem da
Virgem Maria, não cabem as conclusões de Affonso Romano de Sant’Anna quanto à
interdição da mulher na significação-Maria para o significante-Vênus, a qual no
“Parnasianismo [...] se afirma com mais nitidez e reincidência” (SANT’ANNA, 1993: 71) ou
quanto à dominação feminina sobre o homem como instrumento da vontade machista,
conforme se lê no seu ensaio:
Mas embora [os parnasianos] falem muito de nus e Afrodite, no imaginário dos
textos inscreve-se a Virgem Maria com seus imperativos de castidade e sublimação.
Poder-se-ia dizer, por isso, que as mulheres parnasianas retratam sempre uma
realidade bifronte: a Virgem recalca a bacante. O Parnasianismo se insere nesse
quadro de valorização da imagem da mulher. Mas uma valorização sui generis, pois
essa superioridade é ambígua. o lugar da mulher é definido como superior em
relação ao do homem. A mulher é superior, se verá, porque se “submete” ao
homem, que lhe dita as normas. É necessário, portanto, ler nesses textos a sombra
da Virgem Maria atrás de Afrodite e Vênus. Maria mater dolorosa”, de um lado, e
97
Vênus, mãe de Eros e Cupido, amante de Baco e de Marte, de outro. (SANT’ANNA,
1993: 66-72, passim.)
claramente, contra este último ponto, um esforço da estética parnasiana, ainda que
talvez insuficiente, para se compreender o signo mulher tal e qual (e não na projeção
narcísica, utópica e alienada dos desejos do sentimentalista), resultando, por exemplo, na
mulher-enigma que confunde o homem, paradoxalmente contemplada no mesmo estudo de
Sant’Anna. A mulher que atende aos interesses do homem foi construída imageticamente
pelos românticos sentimentais, como reconhecem as próprias teóricas feministas: “nasce a
heroína literária, romântica, sempre pronta a ser o desejo do desejo de seu herói.”
(BRANDÃO, 1989: 17). Aqui está uma radical diferença entre os discursos sentimental-
romântico e parnasiano: tão próximos na exaltação e idealização, não obstante o primeiro
devaneie predominantemente uma mulher obediente e silenciosa, e o segundo lhe a ação,
que é exercício da liberdade. Em se tratando do erotismo, o discurso albertiano é, como se vê,
transgressor, exatamente o oposto do estigma de falocentrismo e elitismo
17
. Por esse prisma, a
poesia parnasiana ganha o mais alto valor literário. Veja-se como ocorre a transgressão do
sistema, com apoio no pensamento de Eduardo Portella:
Enquanto a ciência é, toda ela, uma redução à homogeneidade, a obra de arte se
oferece como um conjunto heterogêneo. Mas heterogêneo precisamente pela força
de atuação da linguagem; cujo desempenho fundamental consiste em promover
permanentemente a abertura do sistema sígnico. [...] O literário não é apenas
discurso, porque origem ao discurso. o fala; faz falar. É o pré-texto
instaurando o entre-texto. (PORTELLA, 1974: 69; grifo do autor)
A transgressão é, para o teórico brasileiro, um ato de liberdade, pois reclama o direito
de ser. Uma vez que a obra de Alberto de Oliveira desestabiliza a decência comezinha do
moralismo hipócrita patriarcal, que no fundo cerceia o homem, se mostra como literatura, na
qual o pré-texto (linguagem) vigora:
17
“A ‘tour d’ivoire’ não se distingue muito da casa burguesa de 1860”; “A famosa ‘cultura da forma’ é como um
hobby de gente desocupada” CARPEAUX, 1987: VI, 1425). Cf. anexo 1.
98
Ficou evidenciado que entendemos por linguagem a estrutura geradora de signos, e
por língua o próprio sistema sígnico. Como o sistema de signos vive
horizontalmente uma vida utilitária e tosca, é preciso que alguma coisa lhe
aconteça, rompa a inércia, ilumine a opacidade. O que estamos denominando
língua, Johannes Pfeiffer chama “a linguagem do comum e cotidiano, isto é, a
linguagem que serve para pôr-nos de acordo uns com os outros, a linguagem da
finalidade e utilidade”. (PORTELLA, 1974: 71; grifo do autor)
Recriando a mulher cuja liberdade transgride e “rompe a inércia”, a poesia albertiana
se diferencia do pensar e agir cotidianos (ngua) o positivismo moralista do fim-de-século
XIX
18
—, pois a mulher participa do ato erótico. Desse modo, a poesia parnasiana (entre-
texto), representada aqui pela obra de Alberto de Oliveira, rompe a inércia da língua (texto):
O que poderíamos ainda fazer [...] é estabelecer uma tensão entre o Signo
(linguagem, pré-texto) e o signo (língua, texto). [...] O entre-texto é uma
desestruturação do texto, levada a efeito pelo vigor originário do pré-texto. [...] /
Em oposição aos signos, o Signo é o mais concentrado modo de ser da realidade.
Nele o real se mostra em si mesmo com plenitude de liberdade. (PORTELLA, 1974:
72; grifo do autor)
Observe-se que o erotismo percebido nos poemas albertianos possui essa força de
desestruturação do texto, este confundido, nas palavras de Eduardo Portella, com a língua e
com o ordinário. Tentando entender a eclosão desse fenômeno literário (segundo Portella, o
entre-texto, que recebe a ação libertadora da linguagem), nota-se que pelo sistema de signos
se constrói o moralismo positivista, contra cujo ideal a poesia albertiana luta como entre-
texto, através do qual a linguagem se manifesta mais plenamente, ousando, nesse caso, a
desestruturação do moralismo incriminador e nocivo em favor do livre exercício da
sexualidade.
18
Cf. June Hahner (apud SANT’ANNA, 1993: 70): “Para os positivistas, a mulher era a base da família, que por
sua vez era a pedra fundamental da sociedade. Ela formava o núcleo moral da sociedade, vivendo basicamente
por meio dos sentimentos, ao contrário do homem.”.
99
8.1.4. A Mulher e o Tema Nacional
Os poemas que oferecem a representação do feminino na obra de Alberto de Oliveira
problematizam a dívida que a mulher tem para reivindicar — às vezes dívida universal, como
a opressão da sexualidade; às vezes nacional, como o genocídio indígena:
QUADRO ANTIGO
Em meio à cerrada mata,
Onde o alto coqueiro esguio
Remira a alongada espata
No mole espelho do rio,
Suave gozo às vezes libo
Na fantasia serena,
Lembrando a filha morena
De alguma guerreira tribo.
......................................................
É a calma de Outubro ardente.
Arqueja o jaguar com sede.
Oh! quem me dera esta rede
Que está de um ramo pendente!
Índia dos bosques em paz,
Que noite na tua coma,
E sob os teus pés que aroma
Nas flores do sassafrás!
Mas que de tão ledos brilhos
Esta paisagem me traça,
Se estão há muito teus filhos
Extintos, cabocla raça!
...............................................
Suave gozo às vezes libo
Na fantasia serena,
Sonho-te, moça morena...
Mas que é feito da tua tribo?
(OLIVEIRA, 1978: I, 28)
Em profundo respeito às características mais humanas, o eu-lírico de Oliveira incita a
denúncia dessa dívida que o homem e a sociedade ainda estão por pagar. No caso do
genocídio indígena, o problema não se liga exclusivamente à mulher, mas, uma vez filha desta
etnia, deve-se observar o protesto oliveiriano contra o extermínio das tribos indígenas. Esse
poema se afirma, pois, como reflexão de nosso projeto de identidade nacional lançado pelos
românticos, que elegeram o índio como um super-herói virtuoso de uma nação edênica, nas
bases do ufanismo. A denúncia do genocídio prepara um terreno muito mais reflexivo do que
100
agressivo, pois a violência do revanchismo não aparece, mas o direito inconteste por justiça
faz com que o leitor tome consciência desses danos e, ponderando as condições herdadas
pelos índios, busque novas formas de convivência para evitar a repetição de erros passados.
A preocupação com a subjetividade indígena flagelada pela violência da exploração
ocidental freia o impulso sexual do amante, que, não obstante lhe reconhecer extrema beleza,
dá atenção maior aos foros íntimos da mulher na incerteza sobre a disposição dela, magoada e
ressentida, para uma relação erótica, principalmente com quem representa, por laços
consangüíneos, o extermínio de sua comunidade primitiva.
8.2. ESTILÍSTICA E EMULAÇÃO ERÓTICA EM “VASO GREGO”
VASO GREGO
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que a suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois... Mas o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás-de lhe ouvir, canora e doce,
Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
(OLIVEIRA, 1978: 144)
Este é o soneto mais famoso (e talvez o menos característico) de Alberto de Oliveira e
do Parnasianismo. Através dele, pode-se entender por que a crítica nacional não ajuizou bem
o momento parnasiano e seu expoente maior.
Por trás de um quadro supérfluo e efêmero do objeto, desvela-se a relação afetiva do
poeta com seu instrumento, a poesia, percebendo exuberância e beleza. Artigo de luxo, o
101
poema sobre objeto antigo-grego revela não o virtuosismo do autor, mas também o poder
criativo do eu-lírico, no qual a psicologia e a emotividade ainda aguardam um estudo mais
elucidativo. Talvez esta pequena parte helênica da poesia de Alberto de Oliveira
(pequeníssima, como já visto) tenha convidado a crítica a formular um juízo impreciso sobre
o realismo da poesia parnasiana, tomando por base uma pretensa falta de subjetivismo.
Ora, o Realismo não exclui a carga emotiva; por isso, não é, e nunca foi, contrário à
estética romântica, ainda mesmo a sentimental. Aspecto perceptível nas mais prístinas artes, o
Realismo se manifesta em várias escolas ao longo do tempo, inclusive no Romantismo, como
bem ressaltou Carmelo Bonet:
El romanticismo, igual que todo ciclo estético, comienza siendo realista, como lo
denuncia el retorno a la naturaleza. Podría verse en este amor a la naturaleza del
romántico, una derivación de su misantropía. Todo el que sufre el áspero roce de
sus semejantes, busca consuelo en la soledad y refugio en la naturaleza, que es más
honrada que el hombre. [...] Por esa efervescencia, el romántico, más que la copia
fotográfica del paisaje, brinda su emoción del paisaje, un paisaje subjetivado,
transfigurado por su espíritu[...] La subjetivación del paisaje no debilita, como
parecería, su fuerza realista. Todo lo contrario, pues el estado de alma es la
realidad por excelencia, la única que no admite sospecha; y si no se desfigura ao
expressarlo, no hay realismo más puro. (BONET, 1958: 15)
El realista
insistimos
copia la realidad sin deformarla. El idealista hace otra
cosa: forja en su espíritu un molde estético y a ese molde somete la realidad
sensible. (BONET, 1958: 19)
Na verdade, é da poesia parnasiana que o Realismo se ausenta, que este se atém à
observação da realidade, enquanto a inspiração em modelos greco-romanos é de caráter
ideativo:
Un largo eclipse sufre el realismo en la era renacentista y neoclásica. La literatura
renacentista, tomada en su conjunto, no encaja dentro del realismo, porque es
literatura de imitación, obra de humanistas
épicos, líricos dramáticos
que
tenían presentes a los grandes maestros de la antigüedad ["El griego, es cierto,
idealizó la figura humana" (p. 10), "El romano... en la épica y en la tragedia se
apartó del realismo" (p. 11)]. En los períodos en que el artista se inspira más en los
modelos antiguos que en la realidad que lo circunda, y en los cuales la fantasía
ocupa el sitio de la observación, el realismo se refugia en los géneros literarios que
le son s favorables: en el cuento, en la novela, en la comedia. [...] / Pocos os
más [depois de Dom Quixote] y cuaja en Francia la escuela neoclásica. El
neoclasicismo es, en términos generales, literatura de observación indirecta, de
imitación de los grandes modelos de la antigüedad grecolatina. [...] ...Malos
tiempos para el realismo. (BONET, 1958: 12-13)
102
Por isso, que se empreender um grande esforço para se desfazerem equívocos,
infelizmente com força de verdade na crítica nacional pelo grau de sua repetência, quanto a
uma equivalência, muito forçada, entre a moderna prosa realista e a poesia parnasiana, e com
eles quase toda a geração do último quartel do século XX.
“Vaso Grego” pode ser visto por um ângulo diferente daquele que o estraçalha como
quinquilharia poética. Por exemplo, não se fala no trabalho com a linguagem nem na
engenharia do poema, mas em contorcionismo verbal e fôrma para a forma. É preciso
entender que o Parnasianismo foi uma reviravolta da poesia romântica, para além da fácil
confissão sentimentalista, em direção à experimentação dos elementos poéticos: língua, arte,
ritual, palavra, ritmo, tema, forma, rima, sujeito lírico, etc.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o momento parnasiano foi a primeira experiência
do novo dentro do próprio novo, isto é, nas palavras de Compagnon, a primeira "traição
moderna"
19
, desde a expiação da ordem teocrática e monarquista pelos ideais do primeiro-
Romantismo
20
.
Os versos do poema em questão desmentem aquele juízo sobre uma ortodoxia clássica
e uma perfeita reprodução mimética do contexto externo (imitatio). Roland Barthes (1974:
141), para quem a poética clássica é “uma prosa decorada de ornamentos ou amputada de
liberdades”, explica que:
A economia da linguagem clássica (Prosa e Poesia) é relacional, vale dizer: nela,
as palavras são o mais possível abstratas, em benefício das relações. Nenhuma
palavra é densa por si mesma; constitui apenas o signo de uma coisa, é muito mais
a via de uma ligação. Longe de mergulhar numa realidade interior consubstancial a
seu desenho, ela se estende, tão logo proferida, a outras palavras, de maneira a
formar uma cadeia superficial de intenções. [...] suas “palavras”, neutralizadas,
ausentadas pelo recurso severo a uma tradição que lhes absorve o frescor, evitam o
acidente sonoro ou semântico que concentraria num ponto o sabor da linguagem e
lhe deteria o movimento inteligente em benefício de uma volúpia mal distribuída.
(BARTHES, 1974: 142)
19
Cf. COMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: UFMG, 1999. Atenção
especial para "Preâmbulo" e "Capítulo I".
20
Cf. HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (p. 661-726)
103
Ver-se-á, nessa recensão, que os signos “Poeta” e “taçaguardam dimensões, ainda
ocultas para a crítica, indicadoras de uma densidade particular e submersas numa fortíssima
realidade interior, na qual a palavra não morre como convenção, mas justamente instaura o
acidente semântico que enriquecerá o poema: uma significação desestabilizadora da cadeia
superficial — o que implicaria, para Barthes, a inovação característica da linguagem moderna.
A esclarecer essa linguagem moderna no poema em questão, observe-se que Wolfgang
Kayser define o verso, em geral, não mais como um enunciado, mas como uma ordenação
melódica:
Ao definir o verso, aludiu-se à necessidade de uma continuação correspondente.
Um verso isolado acorda em nós, por certo, uma vivência rítmica [...]; mas,
segundo a nossa maneira de ver, para o verdadeiro caráter do verso alguma coisa
[...] falta. O que falta é a continuidade de movimento, a repetição. (KAYSER, 1963:
129)
A ordenação melódica do “Vaso grego” permite cirandas de ritmos, que, para além dos
efeitos retóricos, incitam diversos entendimentos, a depender da sintaxe que pelas pausas
muda, graças ao vigor da linguagem que pulsa intensamente. Rompendo com a estrutura
clássica do poema, “Vaso Grego” apresenta estrutura que vinga justamente essa "continuidade
de movimento", na qual os versos, paradoxalmente, se constituem unidades autônomas, mas
encadeadas numa dialética que proporcionará pluralidade de sentidos. A isso, Antonio
Candido e Aderaldo Castelo chamaram de “prosaísmo”, que ao lado do “preciosismo”,
configurariam os "dois defeitos contraditórios" da obra de Alberto de Oliveira (CANDIDO &
CASTELO: 1978, 185).
Cabe lembrar, por outro lado, que “Vaso Grego” pertence a Sonetos e Poemas (1885),
livro em que a Grécia diminui seu domínio como tema, diminuindo com isto a preocupação
com o classicismo e a tratadística versificatória normativa e tradicional.
A sintaxe parnasiana de “Vaso Grego” (e de outros poemas de semelhante estilística)
se estrutura em sintagmas que funcionam como blocos justapostos, dispersos pela acentuação
104
que os obriga a se separarem, adquirindo um sentido enquanto fragmento e outro no contexto
global do poema. A notável autonomia desses blocos ajuda na construção de pensamento, ao
realçar as fronteiras entre sintagmas já anteriormente invertidos (ou seja, em ordem aleatória e
não direta) e ao consolidar uma dinâmica sintático-semântica maior que a redutora ordem
direta do sentimentalismo ou a linearidade mimética do rigor clássico.
Os versos estão, no interior de cada estrofe, tão bem escandidos que facultam sempre o
enjambement, de modo a apresentar somente quatro cesuras de fato, mas não impedindo a
leitura entrecortada. Pelo primeiro caminho, vêem-se quatro blocos independentes, mas
ligados por diversos aspectos semânticos e estruturais, ditados, é claro, pelo próprio contexto.
O descritivismo tão alardeado para este soneto não ultrapassa o primeiro quarteto, à exceção
do oitavo verso. Tomado como exemplo-esquema para confirmar os preconceitos críticos
sobre a escola parnasiana, indica, numa leitura pouco mais detida, a falência desses estatutos
normativos impostos por grande parte da crítica ao Parnasianismo brasileiro.
Este poema não é decorativo como se tem defendido tão consensual e
peremptoriamente. A taça, que representa o estro, deixa de servir aos deuses, como que por
vontade própria, e passa para as mãos de uma figura “monista”, quer seja o homem, quer seja
Deus (judaico-cristão), a depender da ênfase que se a um dos termos do sintagma-imagem
"Poeta de Teos" (teos = deus). É a relação constante entre as naturezas humana e divina, na
mais profunda relação com o humanismo, razão pela qual o poema se colore de certo
antropocentrismo bem dosado e bem discreto. uma reverência imensamente respeitosa,
não à tradição clássica, mas, naquela mesma esteira de exaltação do homem, uma reverência à
capacidade humana de elaborar poesia, que será sempre bela, independentemente da época.
O notório descritivismo dos quartetos, afluindo gradativamente para a carga emotiva,
exerce uma função vital no soneto, e por isto não deveria ser tão menoscabada: a ênfase na
beleza da taça. Este poema, que se justifica desde o título, tem a obrigação de informar a taça,
105
esmiuçando os seus pormenores, a fim de que haja “ponderável ineditismo ou
imprevisibilidade da mensagem”, transmitidos a partir de “afinidades entre os repertórios da
fonte e do destinatário” (KAYSER, loc. cit.), quais sejam, a taça.
A correlação semântica entre “taça” e “copa” se resolve na língua portuguesa, mas,
como Alberto de Oliveira apreciava muito a poesia de língua espanhola, principalmente do
barroco, é muito provável a correlação semântica entre “vaso” e “taça”/“copa”. A
antonomásia visa a evitar a banal repetição vocabular, enriquecendo o soneto através da
atualização de formas quase em desuso, mas harmonicamente dispostas sem ruídos ou
impropriedades de registro. A começar pelo título, que oculta a aproximação entre vaso e
copa/taça, porque, acima dos versos, formando o sintagma “vaso grego”, quer remeter,
aproveitando-se do associacionismo básico e convidativo, primeiramente, aos objetos
decorativos dos ambientes fechados da Grécia Antiga, por exemplo, enormes jarros (vasos)
apensos como enfeite ou arte
21
.
A última estrofe encerra com uma das melhores chaves-de-ouro da poesia em língua
portuguesa: pois assinala a confusão entre as vozes do poeta e da musa/poesia, sintetizando,
como toda chave de ouro, a idéia global do poema. É raro estabelecer a longa pausa que
separa todo o poema de seu desfecho; mais raro é permanecer na mesma cadência, sem
quebras rítmicas tão repugnantes aos nossos ouvidos.
Será mesmo por isso que “Vaso Grego” se firma como um dos poemas mais
antológicos da língua: espaço para a estética pura, o trabalho exaustivo de rebuscamento
formal com vistas a um resultado estético, ao aperfeiçoamento da beleza, ao esgotamento das
possibilidades numa escolha precisa, cuidadosa e paciente em prol do ritmo, do elenco das
imagens, da experiência lingüística, da transmissão de um conteúdo, ainda que não totalmente
explícito — mas em comunhão com uma significação latente.
21
A sugestão veio da foto de enorme jarro (75 cm), pórtico ao capítulo sobre Alberto de Oliveira nas Escolas
literárias no Brasil (JUNQUEIRA org., 2004: 467). Seu tamanho corrobora a leitura do poeta-amplificação.
106
Pode-se fazer um levantamento das imagens desse magnífico poema, a título de se
refutar o contorcionismo verbal como seu único valor. São elas: os deuses, o Poeta de Teos, a
taça, uma segunda pessoa que aparece no primeiro terceto, a antiga lira e Anacreonte, que
pode ser considerado epíteto do Poeta de Teos (Teos = cidade grega).
É válido assinalar que os verbos do primeiro terceto ("admira" e "toca-a") não têm,
como sujeito, os eventos "lavor da taça" ou "ignota voz". Segue a mesma importância a
distinção dos sujeitos das formas verbais do último terceto: no décimo terceiro verso, "fosse",
cujo sujeito (anafórico e não explícito) é “ignota voz”, seguido do predicativo "a encantada
música das cordas [da antiga lira]", e, outra vez, no décimo quarto verso, "fosse", cujo sujeito
é, somente, "essa voz", formando uma frase do vernáculo coloquial moderno "essa voz fosse
de Anacreonte", para indicar uma relação de posse.
O poema, portanto, traz uma sugestão do mágico, do encantatório, do fantástico,
quando se a possibilidade de Anacreonte possuir a taça; mas, considerado nos tempos
modernos (não desmentindo o enunciado), tende a cumprir um papel mais representativo ou
simbólico de ícone exemplar de poeta, que, por litotes, talvez represente, mesmo, o “Poeta de
Teos”, amplificação dos poetas. A taça, então, evidentemente, se manejada e envolta pelo
Poeta, guarda em si a poesia, que é bebida prazerosamente: “matar a sede, saciar o desejo, são
metáforas comuns também na literatura, seja em sentido místico, seja em sentido francamente
erótico” (SANT’ANNA, 1993: 91). Por esse prisma, ela é a musa, que se exprime, com voz
“canora e doce” quando tocada pelo Poeta: eis a nota erótica que se desvela por entre o
contorcionismo sintático, que aqui pode sugerir entrelaçamentos sensuais; por isso, a taça
note-se o verbo tinia, no contato com os dedos do Poeta: “Jung, estudando o símbolo do
vaso, [...] observa que [...] a imagem tinha seu uso na representação mística e erótica da
mulher” (SANT’ANNA, 1993: 92). Provavelmente, por dedução lógica, ele a acariciava
porque o som que a taça/musa emitia poderia ser emitido na fricção dos dedos na taça.
107
Como referendo dessa leitura, surge a imagem “de roxas pétalas colmada”, através da qual a
taça se transubstancia em flor e, como se sabe, essa imagem, pela ênfase nas pétalas e pelo
tratamento ganho com o particípio “colmada”, é bastante evocativa do sexo feminino
22
.
A transposição para os tercetos se afirma por um intervalo de importância fundamental
para a estrutura do poema: se, antes, nos quartetos, os verbos indicavam tempo presente para
as ações do Poeta (e, portanto, terceira pessoa), nos tercetos, ao contrário, justamente marcam
o imperativo da segunda pessoa, que se torna explícita quando aparece, sintaticamente,
através da desinência pessoal na forma verbal “hás”. O intervalo instaurado pelo advérbio
“depois” separa o soneto em dois momentos: o primeiro em que o leitor aprecia a forma
com que o Poeta lida com a taça-poesia-musa; o segundo em que ele se conta de que é um
dos poetas, i.e., um Anacreonte, ou qualquer outra antonomásia que constitui a amplificação
do “Poeta de Teos”, convidado que está a segurar a taça. O verbo “toca-a” se encontra no
imperativo porque na oração reduzida “aproximando-a”, se que o sujeito é o leitor e que
este é sujeito também da oração principal no imperativo, em segunda pessoa. Porque somente
aproximando os ouvidos se ouvirá a “ignota voz” da taça, que é a mesma da lira do poeta,
Anacreonte, acentuando a conexão taça-poesia, por uma nova imagem pela qual novamente
ela se transubstancia: a lira. A partir da inserção do leitor nas imagens do poema, a poesia de
Alberto de Oliveira ganha traços iniciáticos, em que o leitor, tomado como neófito, é chamado
para participar de revelações através das quais ele toma consciência de si, em foros sugeridos
pelo eu-lírico (e evidentemente aceitos graças ao pacto de leitura), mas absolutamente
desconhecidos do próprio leitor, como se verá melhor na leitura do poema a seguir.
22
Affonso R. de Sant’anna não arriscou a imagem do sexo, mas disse: “a mulher é esse vaso que contém outro
vaso” (1993: 91); “a taça é a própria mulher a ser sorvida” (p. 93)
108
8.3. UMA MULHER — “FANTÁSTICA”
8.3.1. A recusa de “realismos” (imitatio das formas reais-externas)
Note-se que a radicalização do interesse pela iniciação a mundos desconhecidos, ainda
que não sobrenaturais, com uma concentração de “observação” especulativa e auto-reflexiva
nos termos jenenses, fomentou, na obra de Alberto de Oliveira, uma tendência fantástica”,
pois aqui aparece um real poético finito e natural como experiência transcendental, mítica ou
exótica, identificando o fantástico no conhecido, a imaginação no real e o infinito no finito
tais diálogos implicam ironia. Aliás, está na base desse processo poético expressar o reflexo
de si mesmo no outro, quer dizer, a subjetividade projetada no objeto a ironia aqui é
inerente; e a distorção da concretude, imanente, fundando um real poético emancipado, um
mundo mundificado. A tentativa de elaborar uma nova mitologia, como a de Alberto de
Oliveira, se afirma bem opositora da estética realista/naturalista (que é, como se sabe, bastante
pregada ao real), devido ao caráter de imaginação poética na re-criação (recriação que cria)
dos temas antigos. Na verdade, a poesia parnasiana se ausenta do Realismo, que este se
atém à observação da “realidade concreta”, enquanto a inspiração em modelos greco-romanos
é de caráter ideativo, como bem ressaltou Carmelo Bonet.
8.3.2. O “fantástico” como natureza encantada em universos poéticos não-realistas
Desse modo, o lugar poético, geralmente extinto ou longínquo Grécia ou Oriente
—, se cobre de fantasia, idealização e imaginação, porque era desconhecido, mítico e
singular; daí o exotismo, que tomava conta das idéias de particular, raro, especial é o
fragmentário entendido em seu aspecto mágico. Dessa linha brotam os poemas históricos e
descritivos, com intuito de experienciar esses elementos regionais e localistas, na sua
dimensão de natureza encantada. Nessa investigação de lugares desconhecidos, observa-se
109
especial interesse na exaltação de tempos heróicos de diversas civilizações (China, Japão,
Egito, Ameríndia, Fenícios, Creta, Grécia, etc.), repensando e recriando os modelos por um
tratamento do tema sob bases modernas (encantamento imaginativo e criativo), para
inaugurar novas mitologias, não obstante mantivesse o diálogo da mitopoesia antigo-grega,
como “Vaso Grego”, “Vaso Chinês”, “A Galera de Cleópatra”, “A Taça de Hafiz”. Nesse
tratamento de linguagem, um grande afastamento das antigas escolas clássicas que
repetiam, segundo os cânones da imitatio, os padrões convencionados do lirismo tradicional.
Colocando-se no tempo originário, vestindo os mitos com linguagem moderna, o parnasiano
então explora as matrizes mitopoéticas de civilizações extintas, exóticas e antigas
procurando, para além de “um exército de deuses e deusas [que] saiu das tumbas para
obsediar as imaginações” (CARPEAUX, 1987: 1426), inspiração para mundificar mundos,
criar em contato com a criação.
8.3.3. A carga fantástica na poética de Alberto de Oliveira
Aponte-se, como exemplo, “Fantástica”— poema estudado por Antonio Candido
(1985), que lhe enfatizou o tonus antigo no espaço lírico.
FANTÁSTICA
Erguido em negro mármor luzidio,
Portas fechadas, num mistério enorme,
Numa terra de reis, mudo e sombrio,
Sono de lendas um palácio dorme.
Torvo, imoto em seu leito, um rio o cinge,
E, à luz dos plenilúnios argentados,
Vê-se em bronze uma antiga e bronca esfinge,
E lamentam-se arbustos encantados.
Dentro, assombro e mudez! quedas figuras
De reis e de rainhas; penduradas
Pelo muro panóplias, armaduras,
Dardos, elmos, punhais, piques, espadas.
E inda ornada de gemas e vestida
De tiros de matiz de ardentes cores,
Uma bela princesa está sem vida
Sobre um toro fantástico de flores.
110
Traz o colo estrelado de diamantes,
Colo mais claro do que a espuma jônia.
E rolam-lhe os cabelos abundantes
Sobre peles nevadas de Issedônia.
Entre o frio esplendor dos artefactos,
Em seu régio vestíbulo de assombros.
Há uma guarda de anões estupefactos,
Com trombetas de ébano nos ombros.
E o silêncio por tudo! nem de um passo
Dão sinal os extensos corredores;
Só a lua, alta noite, um raio baço
Põe da morta no tálamo de flores.
(OLIVEIRA, 1978:67-68)
Mais merecia estudo a feição fantástica desse texto poético. Outra vez, a forma
moderna de encarar a mitologia adquire relevo na originalidade, pois os antigos gregos não
revestiam seus deuses de carga fantástica ; pelo contrário, aproximavam-nos na familiaridade
mundana: “Xenófanes zombava da multidão dos deuses, porque eram iguais aos homens, que
os produziram, em tudo aquilo que é contingente e mau” (HORKHEIMER & ADORNO,
1985: 20-21). Nem todo grego, é certo, zombava dos deuses, mas todos os faziam conviver
com os homens, identificando-os na habitação de um mesmo mundo, com semelhantes
defeitos e virtudes. Aliás, nesse poema, com a rarefação das referências divinais, ocultaram-
se, por efeito, as caracterizações mitológicas, como na poesia de Baudelaire. É notória a falta
de citação explícita sobre qualquer aspecto divino dessa mulher deitada em estranho leito de
flores. O poema indica que ela é uma “princesa [...] sem vida” da Issedônia, prisca e “vaga
região da Antiguidade, para lá da terra dos citas, incluída no território onde está hoje a
Sibéria”, segundo Antonio Candido (1985: 56). No poema, evidentemente, essa entidade é
admirada em seus aspectos transcendentais, pois, ainda morta, é cultuada; e, se cultuada,
ganha rito e tratamento de deusa. A atividade reflexiva, nesse poema, é sutil, mas
secretamente gigantesca: o mistério maior reside no fato de que ela está morta. Como pode
um deus, ser imortal, estar morto? Ainda que se tome a imortalidade dos deuses pela
perenidade do culto, mesmo assim ela jaz “no toro fantástico de flores”, não deixando os
111
anões, por sua vez, de cultuá-la. Mas toda a atmosfera sugere um ritual sagrado em torno
dessa princesa: os anões permanecem com suas “trombetas de ébano”. Em sintaxe poética,
o verso “sono de lendas um palácio dorme” pode e talvez deva ser lido com transitividade
invertida: o sono dorme o palácio, i.e., adormece-o. É substancial que o palácio esteja tomado
dessa aura mística, em caráter passivo, não desempenhando, quiçá, a posição sintática de
sujeito ativo. Aliás, a semântica da transitividade para este verbo, como acusa o dicionário
Aurélio, já é em si passiva: “passar dormindo”; “entregar-se ao sono”. A mitificação da
“princesa” acontece pelos adornos que a enfeitam e distinguem: “ornada de gemas”, “o colo
estrelado de diamantes”. Talvez o próprio palácio possa ser incluído dentre seus adornos, pois
ele se organiza em torno dessa figura régia principal. Nesse sentido, vê-se o próprio castelo
carregado de essência mortuária que emana da princesa morta: aqui jaz uma das dúvidas que
articulam o discurso fantástico: os anões são vivos ou mortos; são criaturas ou adereços? O
fragmento de mais alta carga fantástica é sobre o rio que corta o palácio sob a luz dos
plenilúnios. Aqui, a artificialidade possível a uma imagem poética como esse palácio
extraordinário, possivelmente mortuário, (e por isso alienígena) abandona o espaço lírico,
graças à atmosfera noturna e ao rio penetrante, para que surja a apoteose do fantástico, pois
esse plenilúnio, invadindo o palácio, torna-se parte integrante de sua condição mística, ao
mesmo tempo em que, dialeticamente, o insere na sua amplitude enquanto ambiente. O
mesmo pode-se dizer do rio: fazendo parte de seu percurso a passagem dentro do palácio,
contamina-se de sua atmosfera fantástica ao mesmo tempo em que, inversamente, sendo
maior que o palácio, banha-o de fluidos extraordinários. Aqui, existe a tensão do
extraordinário no ordinário, porque, evidentemente, o mistério transcendental vige no rio.
112
9. PRENÚNCIOS SIMBOLISTAS
Algumas propostas parnasianas inspiraram até mesmo o Simbolismo brasileiro,
provando seu vigor. Sobre essa questão, “Antífona” (Broquéis, 1893), de Cruz e Souza, serve
de exemplo logo a profissão de de quase todo o Simbolismo brasileiro. Porque não se
destacou, ainda, o diálogo, com ela, de “Prelúdio”, poema que abre as famosas Meridionais
(1884), de Alberto de Oliveira. A semelhança se desde o temário e o universo poético:
muitas enumerações de seres fantásticos e ilusórios que se misturam às sugestões do invisível
e às “diafaneidades”, até então associadas, quase exclusivamente, à poesia cruz-e-souzana:
PRELÚDIO
ANTÍFONA
Resplandecentes crianças,
Rimas dispersas em danças,
A volatearem suaves,
Como aves;
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves e de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...
Sonhos que a mirra perfuma,
Quimeras brancas de espuma,
Do aljôfar das alvoradas
Coroadas;
Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...
Wilis, sereias e nixes,
Turquesas, rubins, onixes,
Granadas, berilos, prásios,
Topázios
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
Bandos de fadas errantes,
Chusmas de gênios brilhantes,
Sombras de ignotas Ilírias
Valquírias;
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
Voltai nas asas do Idílio!
Rasgai as nuvens do exílio,
Abri as asas cheirosas
De rosas!
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Dos verdes bosques sombrios,
Dos claros, límpidos rios
Trazei, sagradas redomas,
Aromas!
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
E os sons das lúbricas festas
Que vão troando as florestas,
Onde andam à luz, em bando,
Cantando,
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Náiades, faunos, assombros,
Ninfas de esplêndidos ombros,
Molhando d’água nos veios
Os seios!
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Corda por corda de flores,
Nota por nota de amores,
A lira enfeitai-me, há tanto
Sem canto!
Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...
113
Chegai dos longes Eurotas,
Ó cisnes, íbis, gaivotas,
— Alados lírios de plumas
De espumas!
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
Chegai, ó nuvens rosadas,
Nuvens de seda espalhadas
Na luz vibrante e sonora
Da aurora!
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...
Chegai, ó anjos dispersos,
Ó anjos que encheis meus versos,
Poesia, sombras cheirosas,
De rosas!
(OLIVEIRA, 1978: I, 65-66) (SOUZA, 1923: 67-69)
Um estudo imagístico e lexical pode facilmente, alternando a ordem das estrofes,
demonstrar a proximidade, pela linha espiritualista e mística, desses dois poemas, estudados,
todavia, como pertencentes a dois estilos desconexos Parnasianismo e Simbolismo
embora não o sejam. Ora, em “Prelúdio”, a mirra, através dos sonhos, queima aromas,
esfumaçando, evidentemente, o universo poético. A fumaça, como imagem privilegiada,
desempenha papel igualmente importante em “Antífona”, pois as “virgens e santas” aparecem
quase incorpóreas, em estado volátil e esfumacento. Por sua vez, estas mulheres castas,
presentificadas pelo vapor, se confundem com as “resplandescentes crianças”, “willis, sereias
e nixes”, “fadas errantes” e as Valquírias (eternas virgens do Vahala) do poema albertiano.
Como em “Antiphona” estas mulheres se amalgamam com “brilhos errantes” (cujo adjetivo
aponta para “fadas errantes”) e “mádidas frescuras”, se percebe a co-relação,
respectivamente, com a lista de pedras preciosas e com “espuma”, de “Prelúdio”. Aliás, neste
mesmo poema, “espuma” desencadeia “quimeras brancas”, que aludem, pela cromatografia, a
“formas alvas, brancas, formas claras”, e, pela semântica, à lista de afetações (buscando a
sinestesia e a abstração) da nona estrofe do poema cruz-e-souzano, que, numa estrofe acima, a
oitava, propõe imagens de “carnes de mulher”, com graça e força, banhando-se nas
correntezas róseas e áureas do éter, de lúcida coerência interna, pela reiteração cromática das
“dolências de lírios e de rosas” da segunda estrofe a combinação entre rosa, branco e
amarelo é muito raro, quase unicamente encontrável, na natureza, no rosicler sugerido pelas
114
“alvoradas” de “Prelúdio”; além disso, a proximidade está mais explícita nas estrofes 10 e 11:
“alados lírios de plumas” e “chegai, nuvens rosadas”.
Logo na primeira estrofe de “Antífona”, nota-se a evocação a "Formas" reiteradas
vezes, como meio de se enfatizar um termo que expressará oxímoros irresolutos ao longo de
todo o poema: quais formas possíveis para elementos etéreos, vagos, fluidos? Nessa mesma
esteira, o amálgama pluriforme das entidades ilusórias, impalpáveis e luxuriosas germina no
imaginário do eu-lírico. O componente místico, captado por entre essas substâncias informes,
provoca sensações de êxtase, inspirando a criação poética. Não são os luares, as virgens, os
crepúsculos que o estimulam, mas o inefável dos incensos, o indefinível da música, o brilho
das estrelas virgens e santas, isto é, a parte imaterial, de fato sensível, mas intraduzível, deste
entorno mágico, não menos carregado que “Prelúdio”, com “chusmas de gênios brilhantes” e
“sombras de ignotas Ílírias”. Por ser um poeta simbolista, Cruz e Souza irá apresentar uma
concepção de poesia como meandro de abstrações altamente convulsivo: é o que se nas
quinta, sexta e sétima estrofes: “infinitos espíritos dispersos/ [...]/ fecundai o Mistério desses
versos”; “que fuljam, que na Estrofe se levantem/ [...]/ da alma do verso pelos versos
cantem”; “fecunde e inflame a rima clara e ardente”. Porém “Prelúdio”, antecipando-se,
assumirá também função metalingüística na nona estrofe: “Corda por corda de flores,/ Nota
por nota de amores,/ A lira enfeitai-me, há tanto/ Sem canto!”
Na segunda metade da profissão de de Cruz e Souza, o eu-lírico canaliza, para o
próprio fazer poético, o elenco de seres imateriais, de entidades etéreas, de “formas alvas”,
como é dito no início do poema. Note-se que o universo poético de “Antífona” é um enorme
caos. Quando não vislumbra diretamente figuras abstratas, o foco incide, não obstante, no
caráter abstrato de outras muito imprecisas e fluidas, de modo a enfatizar a imaterialidade de
imagens amontoadas numa comunhão tão orgiástica quanto diáfana: "infinitos espiritos
dispersos/ fecundai o Mistério de meus versos". É visível a organização paradigmática do
115
poema, pois, ainda que o eu-lírico se refira a um amálgama caótico, descreve-o, todavia,
sincopando os períodos em ritmos poéticos e reunindo os elementos em termos resumidores
(“formas”, “todo esse eflúvio”, tudo”). Os agentes claramente acusam uma tripartição do
poema, tomando como referencial o momento metapoético, que figura como intermediário.
Em primeira instância, encontram-se signos do espaço cósmico e da natureza: formas alvas,
vagas, fluidas, cristalinas, que são do Amor, de Virgens e de Santas vaporosas (já sugestão
de sinonímia tríplice), constelarmente puras (no advérbio, primeira referência ao espaço
cósmico, extra-mundano, portanto). Essas formas, adiante, são discriminadas: “incensos”,
“brilhos” “frescuras” e “dolências”, na segunda estrofe; e “músicas”, “harmonias”, “horas”,
“réquiem” da terceira estrofe todos esses elementos se agrupam em nível paradigmático
pela proximidade semântica que logram com o sema genérico “formas”: pela alvura, pela
vagueza e ou pela cristalinidade. Percebe-se que os adjetivos adquirem dupla função: não
provocam a sinestesia típica da estética simbolista, mas fundamentalmente conferem coesão
ao amálgama caótico, que é a razão de “Antífona”: indefiníveis e supremas são não as
“músicas”, mas também as “harmonias”, as “horas” e o “réquiem”; “da cor e do perfume”
promove a mesma circularidade entre os agentes da terceira estrofe e se estende
evidentemente aos da segunda, por exemplo, “incensos”, “brilhos”; estes últimos, por sua vez,
remetem ao “Sol que a Dor da Luz resume”, aludindo, num denso amálgama, “dolências”.
Este processo é reiterativo no poema, não cabendo esmiuçá-lo em todas as conexões. Basta
saber que se trata de um movimento bifásico: busca-se a equivalência e, depois, o
agrupamento.
O eu-lírico da obra de Alberto de Oliveira também percebe o entorno sob uma
perspectiva caótica (cf. os versos estudados no capítulo 4, especialmente "sujeitando à rima/ o
caos em que flutua", do poema “Recôndito”, e sua proximidade com a teoria de Heidegger),
116
mas tenta organizá-lo, ainda que com o "baldo intento" de traduzir os sentimentos através de
imagens poéticas que nem sempre expressam adequadamente o território íntimo.
117
CONCLUSÃO
118
10. ROMANTISMO E MODERNIDADE NA OBRA POÉTICA DE ALBERTO DE
OLIVEIRA
Nas mãos de uma determinada crítica (cf. Anexo 1), o Parnasianismo foi um “estilo
literário” discriminado, através de tabus e preconceitos, por uma crítica ávida de obras
engajadas, cuja ética e pensamento estivessem a serviço de algum bem de razão social, para o
crescimento do indivíduo ou da nação.
O programa parnasiano, também chamado arte-pela-arte, idealizava uma poética
emancipada do contexto social. Esse pensamento-raiz, cerne da convicção parnasiana, de que
a arte articulava muito mais do que representações do cotidiano, advinha da teoria romântica
moderna do Círculo de Jena, através do que Novalis chamava de “linguagem autônoma”
(apud FRIEDRICH, 1991: 28), ratificada por Schlegel como “separado do mundo
envolvente” (apud LIMA, 1989: 103), segundo esclarece o já citado trecho de Aguiar e Silva:
O romantismo, ao considerar a poesia e a arte em geral como um conhecimento
específico, e o único susceptível de revelar ao homem o infinito, os mistérios do
sobrenatural e os enigmas da vida, conferia ao fenómeno estético uma justificação
intrínseca e total: uma vez que a arte se vai transformando num valor absoluto e
numa religião, cessa a necessidade de a subordinar a quaisquer outros valores para
fundamentar sua existência. A ideia da obra de arte como um mundo autónomo e
isento de propósitos extrínsecos surge com freqüência em Schelling e Hegel (SILVA,
1973: 83)
De fato, a idéia transitou pela França através de periódicos literários como L’Artiste,
principalmente pelas mãos de Théophile Gautier, para quem Les fleurs du mal foram
dedicadas: “cremos na autonomia da arte; a arte, para nós não é um meio, mas um fim” (apud
MARTINO, 1967: 16). É claro que Baudelaire também comungava desses ideais: “a poesia
[...] não tem outro fim senão ela mesma” (1993: 57). Alguns poetas abraçaram a causa da
“arte pura”, da “arte descompromissada” e, contra as tendências de engajamento da época, se
reuniram no periódico Le Parnasse Contemporain dedicado exclusivamente à beleza poética:
dentre eles, Théophile Gautier, Théodore de Banville, Charles Baudelaire, Leconte de Lisle,
Paul Verlaine e Stéphane Mallarmé. Se, como diz Walter Benjamim, “a poética da l’art pour
119
l’art penetrou intacta a paixão estética de As Flores do mal” (1989: III, 159), como malfadar a
arte-pela-arte mas glorificar sua expressão artística?
Parece-me que a crítica literária da ou sobre a França fez uma manobra perspicaz:
como grandes parnasianos franceses foram envolvidos pelas tendências simbolistas
Baudelaire em seu post-mortem, Verlaine e Mallarmé —, preferiu-se sumariar o
Parnasianismo como eclosão breve e efêmera, quase uma fase preparatória do Simbolismo
(CORNELL, 1951: i), e, se de resto algo foge a essa redução, é relegado a segundo plano
como poética desimportante. A visão da crítica francesa de fato explica o acontecimento
parnaso-simbolista, mesmo com prevalência do Simbolismo, em prol do engrandecimento da
literatura francesa.
No entanto, essa visão se aplica ao Brasil? E mais: favorece a literatura brasileira?
Devemos questionar esse fluxo de julgamentos porque a poética parnasiana foi experimentada
no Brasil com muito mais intensidade, por meio século (1877-1927). É certo que os três
maiores parnasianos brasileiros não são os três maiores simbolistas. Enquanto na França a
palavra “Parnasse” é formada a partir do periódico Le Parnasse Contemporain para nomear
uma tendência tão esparsa e díspar, ocasional e ligeira, no Brasil a palavra “Parnasianismo”,
ainda que por empréstimo visível e inconteste, objetiva apontar um estilo sólido e não
ocasional, duradouro e não ligeiro, conciso e não esparso, coeso e não díspar.
Observando a longevidade e a especificidade do Parnasianismo brasileiro, uma outra
crítica ousou interromper a execração do Parnasianismo, seja na França, no Brasil ou em
ambos, tratando o assunto com mais rigor técnico e menos afetação: Antônio Soares Amora
(1967), Djacir Menezes (1954), Massaud Moisés (2001) e Stegagno-Picchio (2004). Moisés
teve cuidado na pesquisa, aproveitando material de outras publicações suas para embasar
afirmações não obstante inéditas. Stegagno-Picchio reconhece na perenidade dos parnasianos
brasileiros uma prova cabal de sua qualidade estética.
120
É interessante perceber a valorização que a própria literatura brasileira vem fazendo do
Parnasianismo brasileiro. Nas palavras de Antônio Carlos Secchin:
muito da mais relevante poesia do século XX herdou e desenvolveu, mesmo
envergonhadamente, subsídios da poética parnasiana, tais como a plasticidade do
verso e o distanciamento (ou mascaramento) do poeta frente ao mundo que evoca.
(2004: 497)
Esgotando-se as fontes do primitivismo vanguardista do primeiro Modernismo, poetas
de 1930 como Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Augusto Frederico
Schmidt, essencialmente modernistas, atenuam o belicismo do verso-livre, buscando uma
dialética entre liberdade e fontes ricas tradicionais. Com a estréia da geração de 1945, é
inegável o apelo para preocupações formais austeras, rigorismo estético, hermetismo,
versificação todos valores intercambiantes com o Parnasianismo. O último movimento
poético de relevo na literatura brasileira do século XX, canonizado pela historiografia literária
sem restrições, é o Concretismo, que veio trabalhar a forma até a exaustão da palavra como
grafema aqui parece, enfim, ocorrer o sufocamento do poema pela rigidez formal
(atribuída precipitadamente ao Parnasianismo brasileiro), cuja plurissemia nasce justamente
da desconstrução do signo lingüístico contra o conteúdo dicionarizado e sintático: a palavra
agora é mais visual do que significativa.
O papel do intelectual nos Estudos Literários precisa abranger uma profunda revisão
epistemológica da historiografia literária parece-me uma tarefa urgente, a fim de
potencializar o exercício hermenêutico em busca de novos horizontes. É certo que essa
revisão reclama a re-estruturação dos fundamentos desse método que gradativamente perde
espaço para a interpretação hermenêutica. Em outras palavras, é recusando a linearidade e o
contexto extrínseco que a historiografia encontrará sentido no terceiro milênio, apresentando
as relações entre as poéticas, e não entre biografias. Mas, por ora, essa revisão epistemológica
ocorre num ponto específico: o problema do conceito de Romantismo.
121
Para Habermas, “a arte moderna revela sua essência no romantismo” (2002: 27); isto
quer dizer que o Romantismo acompanha a modernidade. Então, por que a cronologia do
Romantismo, como as historiografias propõem, se esgota em 1842 ou 1846 antes mesmo de a
modernidade desvelar sua vitalidade mais pujante na segunda metade do século XIX? Outro
problema de terminologia diz respeito às próprias manifestações conceituadas como
“românticas”. Nas histórias da literatura, o sentimentalismo — ênfase na expressão imediata e
na confissão íntima é apontado como fundamento romântico. Mas esse é o fundamento do
círculo de Weimar, berço do Pré-Romantismo, que, com seu Sturm und Drang (Tempestade e
Ímpeto), carecia da (auto)reflexão perquirida pelo círculo de Jena, berço do Romantismo, cujo
artista, o gênio, manifesta vontade consciente de tornar linguagem a diferença que nele
fervilha e que dele gera o fragmento, estilhaçando o mundo linear. Se considerarmos assim, a
poesia sentimentalista da Europa Continental é um Pré-Romantismo, pois manifesta como
princípios fundamentais da poesia a tempestade e o ímpeto da klassik de Goethe, e não a auto-
reflexão irônica interligada à transcendência da romantik de Jena.
Habermas tem razão ao constatar o amálgama entre Romantismo e Modernidade, pois
o que se chama “romantismo” na história literária são releituras e reconstruções do Pré-
Romantismo lírico-sentimental de Weimar, consideradas modernas apenas em sentido lato,
i.e. como “iluministas”, “subjetivistas”. O Romantismo, de fato, abrangerá todas as
experiências e utopias dos românticos de Jena, que se entendiam, com razão (e por isso o
acerto de Habermas), românticos e modernos ao mesmo tempo, como sinônimos, i.e.
pertinentes ou inerentes à subjetividade contemporânea. Nesse bojo, o Parnasianismo se
apresenta de forma singular. Segundo Habermas (2002: 26), “o princípio da subjetividade
determina as manifestações da cultura moderna” e surge de três “acontecimentos-chave
históricos [... que] são a Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa”, à medida que o
Parnasianismo está nessa esteira dos acontecimentos, é uma arte moderna e revela sua
122
essência no Romantismo. Nas palavras de Afrânio Peixoto: “Parecia um retorno clássico ao
cultismo. Mas era apenas uma derivação romântica. [...] Edgar Poe (1809-49), o romântico
poeta americano, arvorava, como credo de arte, o ‘culto da beleza’ e a ‘arte pela arte’.”
(1931: 251). Mas o Parnasianismo é bifronte: ao mesmo tempo que desenvolve valores
estéticos experimentados pelos românticos, como a “linguagem autônoma”, percebida em
Poe e teorizada por Novalis, se arrisca num salto do berço moderno para a prospecção “pós-
moderna”. Para Schlegel, a arte romântica, que é a arte moderna, se opõe à linguagem
clássica, inaugurando uma mitologia própria a partir de sua historicidade: o herói moderno, o
gênio. Porém, tanto Schlegel quanto Novalis acreditavam numa arte-futura, “capaz de superar
até o dissídio entre clássico e romântico” (D’ANGELO, 1998: 61). O termo “pós-moderno” se
aplica tanto em nível histórico quanto em nível estético: a arte-futura se origina do
pensamento moderno, quer dizer, historicamente herdeira e esteticamente prospectiva com
relação à experiência moderna — ela é moderna e pós-moderna, a depender do olhar crítico.
Nessa dimensão, o Parnasianismo é a utopia romântica por excelência, ardentemente
desejada pelos modernos. Nas já citadas palavras de Schlegel:
Por que o se erguem, para reviver[,] estas formas magníficas da grande
Antiguidade? Se vocês tentassem, apenas uma vez, observar a velha mitologia, [...]
como tudo lhes apareceria em novo brilho e nova vida! /Mas também as outras
mitologias precisam ser novamente despertadas, segundo a medida de sua
profundidade, sua beleza e sua cultura, para acelerar o surgimento da nova
mitologia. (SCHLEGEL, 1994: 55)
No caso específico do Parnasianismo brasileiro, uma força crítica, talvez específica de
nossos parnasianos, denuncia mitos e ritos mortos, provocando a centelha auto-reflexiva
(irônica) capaz de dotar o poema de criticidade sobre si mesmo, pois essa utopia de
recuperação copiosa de uma realidade greco-antiga imaginada, paradoxalmente, adquire
fisionomia de ruína (conceito benjaminiano) e, portanto, convoca o sentido de alegoria.
Cabe fazer uma síntese das relações romântico-parnasianas, por carecer de ampla
bibliografia. Em síntese, esse trabalho pretendeu mostrar:
123
1 – A necessidade de refletir sobre o lugar da arte-pela-arte na literatura, mormente do Brasil;
2 O programa parnasiano, também chamado arte-pela-arte, perseguia uma poética
emancipada do contexto social, idealizada pelo Romantismo de Jena, através do que Novalis
chamava de “linguagem autônoma” (apud FRIEDRICH, 1991: 28), ratificada por Schlegel
como “separado do mundo envolvente” (apud LIMA, 1989: 103);
3 A crítica literária da ou sobre a França, em manobra perspicaz, redefiniu grandes
parnasianos Baudelaire em seu post-mortem, Verlaine e Mallarmé como os três
mentores simbolistas, reduzindo o Parnasianismo à fase preparatória do Simbolismo ou ao
fracasso de poéticas impassíveis;
4 Essa visão se aplica ao Brasil? E mais: favorece a literatura brasileira? Devemos
questionar esse fluxo de julgamentos porque a poética parnasiana foi experimentada no Brasil
com muito mais intensidade, por mais de meio século (1877-1937);
5 Uma nova crítica brasileira começou recentemente a tratar com mais acuidade o
Parnasianismo brasileiro, com toda sua idiossincrasia, como Massaud Moisés, na USP, e
Antônio Carlos Secchin, na UFRJ e na Academia Brasileira de Letras;
6 A própria literatura brasileira traz o Parnasianismo como questão, pois as tendências
poéticas pós-modernistas preferiram o cuidado formal e a arte desinteressada;
7 O papel do intelectual nos Estudos Literários precisa abranger uma profunda revisão
epistemológica da historiografia literária;
8 Segundo Habermas, “a arte moderna revela sua essência no romantismo” (2002: 27); isto
quer dizer que, se o Parnasianismo é moderno, está sob a égide do Romantismo;
9 Para se adotar essa concepção de Romantismo, é preciso esclarecer que as manifestações
literárias chamadas “românticas” são, na verdade, extensões do Pré-Romantismo;
10 Provar a premissa de Habermas é demonstrar que o Parnasianismo é moderno. E ele é
porque o item 2 dessa síntese é verificável;
124
11 O Parnasianismo extrapola a dimensão moderna, adquirindo feições “pós-modernas”
porque realiza a arte-futura pensada no Romantismo de Jena, “capaz de superar até o dissídio
entre clássico e romântico” (D’ANGELO, 1998: 61). O termo “pós-moderno” se aplica tanto
em nível histórico quanto em nível estético: a arte-futura se origina no pensamento moderno,
quer dizer, historicamente herdeira e esteticamente prospectiva com relação à experiência
moderna. Nessa dimensão, o Parnasianismo é a utopia romântica por excelência,
ardentemente desejada pelos modernos;
12 No caso específico do Parnasianismo brasileiro, a força crítica da auto-reflexão denuncia
mitos e ritos mortos, pois essa utopia, paradoxalmente, adquire fisionomia de ruína (conceito
benjaminiano), e portanto, convoca o sentido de alegoria;
13 – O conceito de Romantismo, mal trabalhado pela historiografia, indica, conforme as
principais bibliografias, as extensões do Pré-Romantismo, quando deveria significar o
nascedouro das idéias modernas do Círculo de Jena, a partir do qual se estabelece um eixo
convergente entre as manifestações modernas precedentes (principalmente dos autores
estudados pelos românticos, como Shakespeare, Dante, etc.) e prospectivas (Parnasianismo e
Simbolismo).
Além disso, foi intento provar que cinco fundamentos, ora conjugados, ora isolados,
sustentam as Poesias de Alberto de Oliveira, ou grande parte delas, como obra moderna:
1 A metalinguagem deflagadora de uma concepção de obra de arte como resultado e origem
de reflexões e auto-reflexões. Daqui começam os nculos com a modernidade pensada pelo
Romantismo de Jena;
2 A realização do projeto dos românticos de Jena, batizado pela crítica como arte-futura ou
“poesia futura”, que deveria promover o diálogo entre a mitologia antiga e a linguagem
moderna, no intento de criar uma nova mitologia. Esta, por sua vez, é plasmada através da
artificialidade profetizada pelos românticos jenenses, não obstante denuncie a facies
125
hippocratica da história, trazendo o cadáver dos cultos greco-pagãos como a ruína de um
mundo e de uma linguagem mortos. Nesse sentido, aproxima-se de Hölderlin.
3 A dimensão ecológica do universo poético, por considerar a natureza mais do que um
organismo vivo, no qual, de fato, a transcendência flui, germina e submerge, percebendo o
infinito (o Absoluto, segundo Schelling) no finito (a Natura naturans, segundo Schelling) e o
finito no infinito. Ou melhor, essa é a abertura necessária para a compreensão de que a
natureza é o corpo sagrado que acolhe o homem, uma vez que ele nela habita.
4 A memória como manifestação de auto-reflexão da obra, encarando a lembrança e a
percepção como acontecimentos internos ao poema, embora com evidentes conexões com a
vivência pessoal do autor. Trazer à lembrança é convocar acontecimentos para uma nova
elaboração, tornando a obra auto-reflexiva;
5 O erotismo situado no entre-texto motivado pela força da linguagem contra a opressão da
língua, isto é, como espaço de liberdade para vencer a inferiorização cientificista da mulher e
a censura positivista ao sexo, resultados do moralismo autoritário como a determinação do
determinismo.
126
BIBLIOGRAFIA
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131
ANEXO 1. Retrospecto Crítico sobre Parnasianismo e Simbolismo no Brasil
A Semana de Arte Moderna, de fevereiro de 1922, apenas consolida o Modernismo,
fruto de um complicado processo iniciado durante os vinte primeiros anos do século XX. O
momento é de gesta: procurava-se a superação de antigos valores, e nisto a afirmação de uma
geração auto-nomeada revolucionária.
Entretanto, a proposta de estudo sobre essa transição do antigo ao recente, na fundação
do Modernismo, revela-se, inadvertidamente, tendenciosa, desde a formulação do seu nome:
Pré-Modernismo, que “foi criado por Tristão de Ataíde para designar o período cultural
brasileiro que vai do princípio do século à Semana de Arte Moderna” (BOSI, 1966: 11). Esta
proposta mostrou-se insuficiente, à medida que “temos poetas ainda parnasianos e ainda
simbolistas, que se limitam a infundir o acento particular [...] nos esquemas consagrados”
(opus cit., p. 14; grifo do autor). Por isto, é o período que vem exigindo da crítica um estudo
mais abrangente e detalhado.
Conquanto tencionasse contar a História do modernismo em alguns volumes, Mário da
Silva Brito logrou publicar o primeiro, com o subtítulo “Antecedentes da Semana de Arte
Moderna”. Partícipe do Modernismo, Brito consolida a visão crítica que permanece sobre a
literatura brasileira do primeiro quartel do século XX: período organizado funcionalmente,
nos estudos literários, para apresentar os esboços modernistas.
Nessa tendência, observa-se o emprego que não submete ao mais denso rigor o
conceito de modernidade. O Modernismo brasileiro tomou para si um diagnóstico que não lhe
é, no fundo, exclusivo. A crítica modernista tendeu a assimilar modernidade e modernismo,
assim tomando o pré-moderno como o pré-modernista. Um poeta como Álvares de Azevedo,
por exemplo, com obra reconhecidamente romântica, é, em outros aspectos, um autor
132
moderno porque “a arte moderna revela sua essência no romantismo[.]” (HABERMAS, 2002:
27).
Além disso, é razoável supor tenha havido um certo dilema modernista: no
descompasso entre aspirações e realizações, o Modernismo afirmou-se estilo novo e
progressista, categorizando escolas literárias anteriores como importação cultural, mas sendo
ele próprio oriundo das vanguardas européias; ao mesmo tempo, ele exalta a cultura brasileira
na sua ambição nacionalista. Essa diretriz modernista atende à demanda do nacionalismo
“pré-modernista”, cujo maior exemplo é Macunaíma (1928), que ouviu as Idéias de Jeca Tatu
(1919), de Monteiro Lobato, e tomou como irmão mais velho Juca Mulato (1917), de Menotti
del Picchia.
O programa modernista sofre, assim, dois problemas estruturais, a partir da articulação
dos conceitos de nacionalismo e de modernidade: rejeitam-se o estrangeiro e o antigo, como
ênfase totalitária e narcísica de si mesmo, mas para encontrar estes mesmos ícones no passado
histórico do país, e ainda usá-los em sua própria produção, como é o caso do aproveitamento
das vanguardas, ícone estrangeiro, e do ufanismo romântico, ícone do antigo.
Esse repúdio às manifestações de nossa literatura, sob o argumento de filiação
eurocêntrica, se concentrou nos estilos imediatamente anteriores ao Modernismo:
Parnasianismo, Simbolismo e Decadentismo. O Modernismo brasileiro acreditou ter
exclusividade nos aspectos modernos, negando modernidade aos estilos finesseculares. Cabe
lembrar o repúdio modernista a quase todos os estilos literários: a) ao romântico-sentimental
no poema “Poética” de Manuel Bandeira: “estou farto do lirismo bem comportado”, “lirismo
namorador, político, raquítico, sifilítico” (BANDEIRA, 1973: 108); b) ao parnasiano,
reduzindo “a formas a forma”, no poema “Os Sapos” do mesmo autor (opus cit., p. 51), ou
substituindo a irreverente e desrespeitosa máquina oswaldiana: “só não se inventou uma
máquina de fazer versos havia o poeta parnasiano” (apud TELLES, 2002: 328); c) ao
133
simbolista no Manifesto Pau-Brasil de Oswald: “a arte voltava para as elites[...] a deformação
através do impressionismo, a fragmentação, o caos voluntário. De Cézanne a Mallarmé,
Rodin e Debussy até agora” (idem, p.328; grifo meu).
Semelhante à Batalha do Parnaso de 1877-79, eclode, no início do século XX, a
Batalha do Moderno, que se devia chamar do Modernismo, em que os intelectuais das letras
se dividem entre simpatizantes e arredios às novas tendências. É o Editorial da Klaxon que o
afirma: “a luta começou em princípios de 1921 pelas colunas do Jornal do Commércio e do
Correio Paulistano(apud TELLES, 2002: 294). Os resistentes giravam em torno de Olavo
Bilac, falecido em 1918, e Monteiro Lobato, até o fim da fase heróica do Modernismo.
O pensamento plasmado na poética logo alcançou a crítica literária. Antes mesmo da
Semana de Arte Moderna, Ronald de Carvalho publicou Pequena história da literatura
brasileira (1919), vista como inovação frente à crítica literária dos antigos Sílvio Romero,
Araripe Jr. e José Veríssimo. Com a ressalva do capítulo sobre os parnasianos, Pequena
história representa, na síntese que ela mesma é, as ambições ensaísticas do Modernismo.
Brito Broca é quem diz:
Crítico do Modernismo foi também Ronald de Carvalho, cujos artigos polêmicos,
dispersos em jornais e revistas, se tornam indispensáveis à compreensão do
movimento. (BROCA & GALANTE, 1963: 45)
que se entender o juízo inicial de Ronald de Carvalho, para observar a corrida
modernista para o repúdio ao Parnasianismo, e com ele disfarçadamente os vizinhos mais
próximos: Simbolismo e Decadentismo. Na Pequena história da literatura brasileira,
Carvalho escreve:
Quem poderá, sem grave injustiça, affirmar que a poesia de Leconte de Lisle ou de
Sully Prudhomme, de Heredia ou de François Coppée é insensível? Através dessa
falsa “impassibilidade escondia-se a eterna aspiração da alma humana pela
belleza. Classicos, romanticos, parnasianos, todos somos feitos da mesma argila,
em todos palpita o mesmo sonho inatingível de finalidade. (CARVALHO, 1929: 314)
A poesia dos chamados parnasianos, por suas qualidades de brilho e encanto, e
tambem por seus pitorescos aspectos descriptivos, [...] exerceu logo immensa
fascinação sobre os nossos poetas[.] (idem, 315)
134
É muito provável que Mário de Andrade não tivesse aplaudido a Pequena história
porque, ao contrário de seus correligionários modernistas, Carvalho não pôs sua crítica a
serviço do programa antiparnasiano do próprio Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Manuel Bandeira, etc.
A partir de então, inicia-se um processo de canonização dos juízos não só de Carvalho,
mas principalmente e até em detrimento deste de todos os fundadores do Modernismo.
Mário de Andrade, ambicionando uma historiografia mais hermenêutica, como provas o
seu livro Aspectos da literatura brasileira (1943), condena o projeto de Ronald de Carvalho,
talvez justamente no ponto em que seu panorama sintético e resumido salta de um episódio
particular dos clamores modernistas e se torna referência: a isenção dos juízos, a não
vinculação a projetos modernistas ou de qualquer outro brio.
Todos sabiam que Mário de Andrade julgava inútil e inócua a poesia parnasiana; e de
seus poetas guardava restrições irreconciliáveis, que, desde os primeiros decênios do século
XX, aparecem na “Carta Aberta a Alberto de Oliveira”, publicada em 1925:
Pois então a gente póde ter direito de só pensar na vaidadinha duma reforma
petreca, sem profissão espiritual, formalista, fazer versos e o esclarecer, não
aconselhar, quando muito, qual [Olavo] Bilac, prégar mas sem agir? Porquê, faça
favor de me dizer: Que fez Bilac de util quando esteve prégando brasileiradas sem
realidade de crítica na Academia daqui? Nada. Foi porquê os senhores
[parnasianos] eram imitadores de França que reagiram contra a fórma
relativamente desleixada dos romanticos. E ainda outro juízo que carece de ser
reformulado: É falso que os nossos poetas anteriores ao Parnasianismo sejam
propriamente desleixados. Os senhores o bem culpados! Esbodegaram com o
lirismo bonito que tinham dentro do coração. Porquê o senhor trocou tanto lirismo,
liederesco como o de nenhum outro poeta brasileiro, por uma poesia de mentira,
que frase complicada, puxa! cada torcedura de sintaxe! Arte pura, desinteressada,
arte artística é fenomeno de apogeu, de decadencia. Nunca teve arte desinteressada
e formal nos povos que principiavam. E os senhores agora se preocupando com
rimas e hemistíquios sem Brasil! E sem amor. E muitas vezes sem nada! Porquê a
existência duma ou de outra poesia do senhor e dos outros lirica de verdade o
perdoa todo mau-exemplo que deram e a quebra de evolução que ficou. Por todo
1920, Alberto de Oliveira, foi uma luta pra nós aqui!... Osvaldo [Oswald de
Andrade] escrevia. Eu contra a geração do senhor. (apud Revista do Instituto de
Estudos Brasileiros, 23, 1981: 96-100, passim.)
135
A militância antiparnasiana, Mário de Andrade a tinha muito, como atesta o estudo
sobre “Mestres do Passado”, publicado em 1921, antes mesmo da Semana de Arte Moderna,
em que se nota o sarcasmo que lhe é peculiar:
E se, infelizmente para a evolução da poesia, a sombra fantasmal dalguns de vós
[parnasianos], trêmula se levanta ainda sobre a terra, em noites foscas de sabat, é
que esses não souberam cumprir com magnificência e bizarria todo o calvário do
seu dever! / [...]stes grandes [...] embora mesquinhos na macaqueação do
almofadismo francês, monótono e gelado! Fôstes nababos da loquacidade e
perdulários da grandeza [...] porque vos faltava cultura (apud BRITO, 1971: 257)
Mesmo em 1940, data em que o Modernismo já estava consolidado, Mário de Andrade
sustenta suas antigas restrições aos parnasianos, com correções tão superficiais quanto
desimportantes, suavizando a costumeira indisposição:
A possível impassibilidade parnasiana foi especialmente uma desconsideração à
fluidez riquíssima da palavra, suas sugestões, suas associações, sua música interior
e vagueza de sentido pessoal. Pregaram e realizaram o emprêgo da palavra exata, a
palavra em seu valor verbal, a palavra concebida como um universo de seu próprio
sentido, enfim, a palavra escultòricamente concebida (ANDRADE, 1972: 10)
A crítica entendeu o recado mário-andradiano dos anos 20 e empreendeu uma história
da literatura que retificasse o capítulo de Carvalho sobre parnasianismo. De tais esforços,
inaugura-se uma tradição crítica sobre a literatura do fim de século XIX, que ainda permanece
em várias histórias da literatura de grande relevo. De todos os que acentuaram suas reservas
antiparnasianas nas cercanias da Semana de Arte Moderna, dois historiadores se destacam por
constarem nas bibliografias do terceiro milênio: nomes influentes do porte de Agrippino
Grieco e Nelson Werneck Sodré.
Colocando-se à parte da questão, Alceu Amoroso Lima segue um caminho menos
ativista, tomando por bússola talvez, pelo menos quanto a essa questão, a “absoluta isenção
nacionalista” que ele mesmo criticou no velho José Veríssimo, cuja História da literatura
brasileira, nas palavras de Brito Broca, “não satisfez muita gente” (opus cit., p. 52), embora
Wilson Martins disso discorde, alegando que o capítulo XV, sobre “O Modernismo” de 1870,
adquiriu “uma representação estereoscópica que normalmente não teria no contexto normal do
136
volume” (MARTINS, 1978-9: VI, 55), isto é, se o autor não tivesse falecido no mês seguinte,
em 1916. Mas sobre a manobra de Amoroso Lima cuja isenção nacionalista se aplica não
ao crítico, mas ao material criticado —, há um artifício inteligente: em seu estudo sobre Olavo
Bilac, por exemplo, para não depreciar diretamente nosso Parnasianismo, condenava o estilo
fundado lá na França, afirmando que os poetas brasileiros não conseguiram se alinhar nos
ditames rígidos da escola (como a impassibilidade), porque “nossos chamados ‘parnasianos’
nunca perderam o lirismo natural, a solicitação dos sentidos, o calor estuante.” (ATHAYDE,
1980: 262). De certa forma, em Veríssimo se pode ler a mesma ressalva aos alegados
deméritos do movimento: “fazendo da perfeição métrica, da riqueza e raridade da rima, das
combinações rítmicas, o critério da poesia, [o parnasianismo] facilitou-a a uma multidão de
sujeitos sem pensamento [...] nem estro [...], poesia que acabava na mediocridade abundante e
perfeita” (VERÍSSIMO, 1977: 154), porém “transplantado ao Brasil, [...] perdeu muito da
impassibilidade [...] da escola em Paris. Contra isso estava a forte tradição do nosso lirismo
sentimental [...] e o nosso temperamento lascivo” (opus cit., p. 156) resultando em que
“parnasianismo brasileiro [...] é [...] não subjetivo e sentimental, mas [sic] falho da
erudição e da força de pensamento dos proceres do parnasianismo francês” (opus cit., p. 157).
O divórcio entre os parnasianismos da França e do Brasil permanece referendado por vozes
ilustres como a de Luciana Stegagno-Picchio, em cuja História da literatura brasileira (1ª
ed., 1972) encontra-se a afirmação de que “[n]o Brasil parnasiano e simbolista, houve uma
geração de [sic] ‘alienados na pátria’, que tomavam seus modelos diretamente da França,
embora adaptando-os sempre à tradição local.” (STEGAGNO-PICCHIO, 2004: 317).
Ainda que Alceu Amoroso Lima, sob pseudônimo de Tristão de Athayde, preferisse
isentar o Parnasianismo brasileiro de sua filiação copiosa à França depreciando o
Parnasianismo francês, mas isentando o brasileiro —, outros, como Agrippino Grieco e
137
Werneck Sodré, acolheram o programa antiparnasiano do Modernismo. De um lado, Grieco
constata que:
[os parnasianos] atrapalhavam-se ao imitar os antigos, uma vez que a Venus de
Milo em que se inspiravam, não tendo braços, exactamente como a nossa lavoura,
não podia ajudal-os a contar os versos pelos dedos. (GRIECO, 1932: 67-68)
Seus poemas eram pretenciosos e imprestaveis como os grandes vidros de
pharmacia. (opus cit., p. 68)
Por outro lado, Nelson Werneck Sodré, em sua História da literatura brasileira,
cujo “subtítulo ‘Seus Fundamentos Econômicos’ talvez fôsse um pouco forçado”, como disse
Broca (opus cit., p. 55) curiosamente mudou o discurso sobre os parnasianos, pois, depois
da segunda edição de 1940, o apreço passa por uma extensa e gradativa revisão que culmina
nos apontamentos censórios da sétima edição. Em 1940, o Parnasianismo é referido como “a
nova poetica, mais fresca, mais livre, mais ampla na sua expansão, buscando novos rythmos e
indicando trilhas novas” (SODRÉ, 1940: 183), porquanto:
O culto da forma chega ao seu apogeu com os parnasianos. Elles dariam, à feitura
do verso, aquella importancia que Bilac enalteceu. Seriam artistas do rythmo. A
penna lhes substituiu o escopro. Atravez dessa meia limitação, elles se revelam,
entretanto, dos maiores poetas que já possuimos. Poucos souberam compor quadros
da natureza como Alberto de Oliveira. Poucos tiveram a profundeza de Raymundo
Corrêa. Poucos foram tão vibrateis e exaltados como Bilac. A tortura da forma, que
era um princípio, o os conduziu à impassibilidade. Ella buscou occultar, apenas,
temperamentos ardentes, contrastando com o vigor dos que se alçavam a
grandiosos arroubos. (SODRÉ, 1940: 184-185)
Note-se o melindre em falar de “culto da forma, porque se tratava, na verdade, de uma
“meia limitação”, tributária do virtuosismo “dos maiores poetas que já possuímos”.
Contudo, na sétima edição de 1982, na esteira das revisões formuladas pelo autor, o
discurso muda radicalmente para a disforia, embora de uma forma absolutamente velada, nas
considerações sobre “os problemas da forma”:
O que distingue, no fundamental, o trabalho literário de outro qualquer trabalho em
que a linguagem é também utilizada, embora não seja o instrumento por excelência,
é o conteúdo. A linguagem é meio apenas. (SODRÉ, 1982: 451)
Não é por acaso que o parnasianismo, na poesia e na prosa, acompanha o apuro de
uma erudição lingüística[...] Na poesia, surge o parnasianismo, procurando uma
técnica seca e rígida, a que a regra se adapta como mordaça, (opus cit., p. 453,
passim.)
138
Como se lê, “a meia limitação” passou a ser “técnica seca e rígida”, qual “mordaça”.
Das três escolas finesseculares do Brasil, Parnasianismo, Simbolismo e Decadentismo, como
se vê, o primeiro sofre perseguição mais acirrada, servindo de metonímia do verbalismo
academicista que caracterizava nossa elite intelectual, como propõe Sodré (opus cit., p. 450).
Parnasianismo no Brasil tornou-se sinônimo de eruditismo pedante e inócuo, porém
característico de várias gerações, como esclarece Lima Barreto, em Triste fim de Policarpo
Quaresma, ao satirizar os títulos intermináveis, inexplicáveis e irrealizáveis das teses de
bacharelado dos acadêmicos brasileiros.
Na atualização desse ideário antiparnasiano, Otto Maria Carpeaux, que por seus
estudos na Europa ganhara enorme prestígio na crítica nacional, endossa as reservas ao
Parnasianismo na sua monumental História da literatura ocidental (1958-66):
[...] o parnasianismo [...] é o reverso de mentalidade utilitarista da época, em
conseqüência de um prosaísmo irremediável. A famosa “cultura da forma” é como
um hobby de gente desocupada, embora preocupada, e não chega a tornar-se séria;
só serve para o efeito de lugares-comuns triviais. (CARPEAUX, 1987: VI, 1425)
Alfredo Bosi confirma os postulados antiparnasianos do Modernismo, geridos,
principalmente, por Mário de Andrade. Em sua História concisa da literatura brasileira, de
1970, que em 2004 logrou quarenta e duas edições, lê-se que em relação ao Parnasianismo:
“na verdade, a teoria do ‘poeta impassível’ era uma chochice que só a mediocridade da
reflexão estética de todo esse período seria capaz de engendrar” (BOSI, 1994: 220). O grande
crítico mantém suas ressalvas em Leitura de poesia: “a relativa pobreza do ideário realista-
parnasiano brasileiro, em boa parte importado da França” (idem, 1996: 236).
O repúdio ao estilo parnasiano é um sinal sobre a necessidade de revalorizar seus
fundamentos estéticos.
Em 1959, Afrânio Coutinho alertava sobre a necessidade de se estudar mais
profundamente a poesia parnasiana porque “é por demais importante entre nós, pela massa de
cultores e pelo alto valor de alguns deles, para não merecer um cuidado especial”
139
(COUTINHO, 1986: IV, 19). Stegagno-Picchio não reiterou a reprovação do Parnasianismo
francês, apartando-se, dessa forma, do julgamento de José Veríssimo que havia influenciado
tanto a corrente crítica de Amoroso Lima quanto a de Mário de Andrade.
Entretanto, antes mesmo dessa legítima reivindicação de Afrânio Coutinho, outras
vozes mantinham o juízo de Ronald de Carvalho sobre as qualidades do Parnasianismo, tanto
na França, quanto no Brasil, i.e., na essência do estilo. Por exemplo, Afrânio Peixoto, ao
lançar algumas Noções de história da literatura brasileira (1931), hesita nas afirmações,
evidenciando o choque ideológico das correntes pró e contra o Parnasianismo:
Os parnasianos eram reaccionarios contra os desmandos romanticos de poesia
pessoal, mudada em lyrismo objetivo, discreto, impessoal. A arte poetica era
resumida por Banville, no seu breve tratado de poetica, capitulo das lincenças, que
apenas consta destas palavras: “Não há”. Nenhuma liberdade contra a métrica, a
syntaxe, a rima. Rima rica. Correcção impeccavel. Impassibilidade. Discreção.
Jules Lemaitre disse, pelos outros: / "Je lime des sonets ingénieux et froids.” /
Parecia um retorno classico ao cultismo. Mas era apenas uma derivação romantica.
E nem era francesa a moda, sinão geral, como todas as modas. Os mesmos males
deviam[,] por toda a parte, produzir a mesma reacção. Edgar Poe (1809-49), o
romantico poeta americano, arvorava, como credo de arte, o “culto da beleza” e
a “arte pela arte”. (PEIXOTO, 1931: 250-251)
Como se vê, existe grande indefinição do crítico sobre o estilo, porque não se sabe
qual o valor, negativo ou positivo, de “nenhuma liberdade contra a métrica, a sintaxe, a rima”,
de uma “correção impecável”, da impassibilidade”, da “discrição”, características, segundo
Peixoto, constituintes do programa parnasiano. Ou seja: o crítico não se posiciona se o
Parnasianismo aparente “retorno clássico ao cultismo”, mas na verdade “derivação
romântica” acertou ou não na sua empreitada da arte-pela-arte. Ele apenas condiciona, na
possível depreciação antiparnasiana, o preço da condenação de algumas bases românticas,
pois o culto da beleza e a arte-pela-arte são enquadrados como derivação romântica.
Nesse proveito, Antônio Soares Amora expõe argumentos favoráveis ao
Parnasianismo, assumindo uma postura de defesa do estilo, como se na sua História da
literatura brasileira, de 1954:
140
O ideal de universalismo artístico conduziu o espírito dêstes poetas à concepção da
realidade objetiva e subjetiva em seus aspectos essenciais e perenes. E essa busca
ansiosa dos valores universais da realidade alargou os horizontes da inspiração
para muito além dos círculos dos temas nacionalistas e do sentimentalismo
individualista, revelando os valores estéticos e morais das civilizações. [...] / O
esteticismo não foi, para êstes poetas, o “culto da forma”, a “arte pela arte”, no
sentido literal que se tem dado erradamente a essas expressões. Se a obra de arte
devia expressar os valores essenciais e perenes da realidade (assim compreendida),
definida e perfeita, sua estilização artística tinha de ser também perfeita[.]
(AMORA, 1967: 77-78)
Esta visão mais independente das diretrizes modernistas (mormente as mário-
andradianas), é escolhida, no mesmo ano da História de Soares Amora, por Djacir Menezes
na sua Evolução do pensamento literário no Brasil; a essa altura, o experimentalismo de 45
pôs em questão o Modernismo. Menezes vê qualidades estéticas no Parnasianismo:
Era exatamente isso que vinha trazer o parnasianismo contra o desordenado
desmazelo romântico: vinha impor a disciplina do bom-senso, a inspiração dentro
do equilíbrio, o ideal estético da forma perfeita, o labor tenaz da expressão bem
cunhada, a linguagem asseada duma arte fora de preconceitos medíocres
polarizada para a beleza como esplendor da Verdade (MENEZES, 1954: 191)
A variação da sensibilidade, que se traduz na atitude em face da vida, como nota
íntima, no parnasianismo, desvela a moderação, a intelectualização coibindo a
exuberância afetiva do romantismo, acompanhada, nos aprimoramentos estilísticos,
da valoriazação da forma. Tudo isso redunda na conceituação da Arte que restringe
sua base social, que se dirige à estesia educada das elites raffinées, amantes da
forma burilada com esmero e finas intenções. (opus cit., p. 193)
Ao juízo de Carpeaux que diz: “esta situação, de rentiers ou então de funcionários
públicos com vencimentos e futuro garantidos, é a condição econômica da arte parnasiana”
(opus cit., VI, p. 1453) —, Menezes lança argumentos frontalmente opostos; explica, em
contrapartida, que:
O romantismo, no seu largo tumulto e com seu arsenal copioso, repercutia no seio
de uma burguesia mercantil que avançava, na crista da onda do industrialismo,
para a direção dos negócios públicos, vencendo a quietação esgotada do
classicismo, que tão bem refletia os ideais da aristocracia feudal. (MENEZES,
1954: 193)
Stegagno-Picchio demonstra leitura desses críticos, e provavelmente pôde formar seu
pensamento mais livre dos condicionamentos herdados do Modernismo brasileiro, já em
1972, em plagas estrangeiras.
141
E se hoje, definida a perspectiva, podemos distinguir as árvores de alto porte,
Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Olavo Bilac, Vicente de Carvalho, dos
humildes arbustos, é justamente o seu empenho formalista que nos impede de
considerar estas últimas como vegetação preterível e sem valor. (STEGAGNO-
PICCHIO, 2004: 308)
Note-se que a autora reconhece o “empenho formalista” como qualidade tão essencial
vista desde os epígonos que impede a desvalorização do estilo parnasiano. Como se vê,
bem diferente de Mário de Andrade que condena o Parnasianismo pelo formalismo. A
tendência historiográfica mais atual, contrariamente às suposições de Carpeaux, tem sido
resgatar o Parnasianismo da amarga depreciação.
Se o objetivo deste trabalho fosse retrucar a postura antiparnasiana do modernismo
com a mesma medida, seria necessária toda a exaltação ao Parnasianismo semelhante à que se
ao Modernismo pelas mãos de Mário de Andrade na “Carta Aberta a Alberto de Oliveira”.
Tal atitude implicaria, por conseguinte, referendar os juízos críticos dos poetas parnasianos.
Cabe então a pergunta: constituindo-se este trabalho em leitura crítica sobre uma das poéticas
de fim de século no Brasil, haveria que sustentar o repúdio do parnasiano ao Simbolismo,
dizendo que o poeta simbolista teria abraçado uma poética disparatada, vertiginosa,
quimérica, e, por isto, ele fora alcunhado, pejorativamente, e com razão, de “nefelibata” (o
habitante das nuvens) pelos ovacionados parnasianos, à época com tanto prestígio?
Mas se almeja outro caminho, fundamentalmente estético. Ademais, a péssima
recepção do Simbolismo no Brasil, pelos poetas que dominavam o cenário literário
(evidentemente os parnasianos), interrompeu o processo histórico idêntico ao da Europa
(principalmente via França), forjando uma história diferente para os estilos literários de fim de
século em nosso país. Talvez o veto ao Simbolismo tenha impedido o desenvolvimento das
vanguardas, cujo sentido militar denunciado pela corrente benjaminiana rendeu trágicas
combinações com o integralismo, pois foi justamente Marinetti, afinado com o fascismo
italiano, o vanguardista que mais ocupou as estantes brasileiras à época.
142
O problema está na forma depreciativa com que é caracterizada a propensão ao
afastamento social, seja na arte-pela-arte dos parnasianos, seja na torre de marfim dos
simbolistas. Além disso, a esteira de características que irá delinear tal ou qual percurso
precisa de uma fisionomia coerente. Afinal, era o parnasiano ou o simbolista do Brasil o
alienado? Ou eram os dois? Ou nem um, nem outro?
Toda essa controvérsia sobre os dois principais movimentos do fim de século XIX não
encontra fácil solução porque não se trata de adotar uma dessas vozes críticas vozes que
até se unem, talvez sem o saber, formando correntes críticas em detrimento das outras. O
caminho é muito sinuoso: uma leitura coerente com o material poético às vezes beberá em
fontes múltiplas; até mesmo precisará de certa ousadia na formulação de um ou outro.
Em primeiro lugar, é necessária uma breve recapitulação, e com ela o apontamento
para uma possível solução. Três problemas foram levantados, introdutoriamente, com relação
a toda a poesia pré-modernista e pós-romântica, i.e., ao Parnasianismo e ao Simbolismo no
Brasil: a) a adoção do termo “Pré-Modernismo” que torna efêmeros os movimentos parnaso-
simbolistas no Brasil; conjuntamente, a impropriedade dos usos de “modernismo”,
“modernidade” e “moderno”; b) um dilema modernista vivido na insolúvel contradição entre
repúdio ao estrangeiro e ao antigo (porém usando vanguardismos); e louvor ao brasileiro
(sendo este, porém, “cópia” do estrangeiro e do antigo); c) uma necessidade de abrir caminhos
para uma nova estética, e nisto a depreciação da poética anterior (parnaso-simbolista) numa
Batalha do Moderno que se deveria chamar Batalha do Modernismo. Quanto ao primeiro
problema, já foi dito que é preciso discernir modernidade e modernismo para se perceber que
o estilo moderno vinga desde o romantismo até as formas contemporâneas. Sobre o dilema
modernista, cabe aos seus críticos se debruçarem na questão. E a recuperação do Parnaso-
simbolismo mereceria seguir o exemplo de Stegagno-Picchio, com base nos argumentos de
Peixoto, Amora, Menezes, Coutinho e Moisés.
143
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Brasil. (3ª ed.). Niterói: EDUFF; Rio de Janeiro: José Olympio: 1986. (vol. 4)
FISCHER, Luís Augusto. Parnasianismo brasileiro: entre ressonância e dissonância. Porto
Alegre: EDIPUCRS: s.d. [2002].
GRIECO, Agrippino. Evolução da poesia brasileira. Rio de Janeiro: Ariel, 1932.
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade: doze lições (trad. Luiz Sérgio
Repa & Rodnei Nascimento). São Paulo: Martins Fontes, 2002.
LIMA, Alceu Amoroso. Quadro sintético da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Agir, 1959.
MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira. São Paulo: Cultrix; EDUSP: 1977-
78. (vol. IV)
MENEZES, Djacir. Evolução do pensamento literário no Brasil. Rio de Janeiro: Org. Simões,
1954.
MOISÉS, Massaud. O simbolismo. São Paulo: Cultrix, 1966.
MURICY, Andrade. Introdução. in: ---. Panorama do movimento simbolista brasileiro. Rio
de Janeiro: Zahar, 1987.
PEIXOTO, Afrânio. Noções de história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: F. Alves,
1931.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira (seus fundamentos econômicos)
(2ª. ed). Rio de Janeiro: José Olympio, 1940.
---. idem. 7ª. ed. São Paulo: DIFEL, 1982.
144
STEGAGNO-PICCHIO, Luciana. História da literatura brasileira (2ª. ed.). Rio de Janeiro:
Academia Brasileira de Letras/ Lacerda/ Nova Aguilar, 2004.
TELLES, Gilberto Mendonça (org.). Vanguarda européia e Modernismo brasileiro (17ª ed.).
Petrópolis: Vozes, 1997.
VERÍSSIMO, José. Estudos de literatura brasileira. São Paulo: EDUSP, 1977. (7 vols.)
145
ANEXO 2. CRONOLOGIA DA VIDA E DA OBRA DE ALBERTO DE OLIVEIRA
1857 – Nasce Antônio Mariano de Oliveira, no Palmital de Saquarema.
1867 O pai José Mariano de Oliveira matricula todos os seus filhos na escola primária da
vila de Saquarema, inclusive Dobi ou Nico, o Antônio.
1869 – Conclui o curso primário.
1871 – Transferência da família para a povoação de Pachecos, no município de Itaboraí/RJ.
com uma biblioteca pública, a cidade contribui para a formação de Antônio, em horas de
leitura: Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e outros poetas românticos.
1872 e 1873 – Primeiros versos.
1874 – Primeiro emprego: guarda-livros em Cabuçu, próximo de Rio Bonito/RJ.
1877 Chegada a Niterói, capital da província fluminense, instalado num barracão da praia
São Domingos. Ingresso na Escola Politécnica. Segundo emprego numa casa comercial.
Ajudado pelo irmão mais velho, deixa o trabalho a fim de aprender com Felisberto de
Carvalho as lições preparatórias para a Escola Normal, formação de professores. Estréia na
Gazeta de Notícias, onde conhece José do Patrocínio e Machado de Assis, prefaciador, amigo
e admirador de sua poesia. Matricula-se no Colégio Aquino.
1878 Estabelecimento do pai José Mariano de Oliveira à rua Diamantina, hoje Marquês do
Paraná, na casa que foi de Antônio Parreiras, amigo de Antônio. Patrocinado pela Gazeta de
Notícias, sai o seu primeiro livro de versos, com o nome literário “Alberto de Oliveira”,
prefaciado por Teófilo Dias em forma de carta a Arthur Barreiros.
1879 Mudança da família para a casa da rua Boa Vista, bairro Santa Rosa, Niterói/RJ.
Alberto e seus irmãos poetas são citados por Machado de Assis no artigo “A Nova Geração”,
publicado na Revista Brasileira.
1880 – Mudança para o bairro Sete-Pontes, em Niterói
1883? Ingresso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, não concluindo, onde conhece
Olavo Bilac.
1883 A família Mariano de Oliveira transfere-se para o bairro Barreto, ainda em Niterói.
Entre os freqüentadores ilustres da casa de Alberto estão Raimundo Correia e Olavo Bilac,
mais tarde alcunhados de “Tríade Parnasiana”.
1884 Mudança de residência da família: Sobradão do bairro Neves, São Gonçalo/RJ.
Diploma-se Farmacêutico, atuando mais tarde na Farmácia do “Velho Granado”. Publicação
de Meridionais, prefaciadas por Machado de Assis.
1885 – Nova residência familiar: “Solar da Engenhoca”, bairro de Niterói. Conhece, sua
pretendida, Conceição, falecida no mesmo ano. Publica Sonetos e poemas.
1889 Abre, em sociedade com Emanuel Karneiro, um colégio secundarista em São
Domingos, Niterói. Transferência da família para o bairro de São Lourenço, na mesma cidade.
1892-1897 – Diretor-Geral da Instrução Pública do Estado.
1894 Mudança do poeta para Petrópolis, acompanhando a mudança da capital, transferida
de Niterói, devido aos motins revolucionários. Publicação de Versos e rimas, prefaciado por
Araripe Jr.
1895 – Escreve Por amor de uma lágrima.
1897 Conclui Livro de Ema, iniciado em 1892. Convidado para a fundação da Academia
Brasileira de Letras, empossado na cadeira número 8.
1899 – Casamento com a viúva Maria da Glória Rebelo, 30.
1900 – Escreve Alma Livre. Publicação de Poesias (edição definitiva).
1901 Mudança de Petrópolis para a famosa casa da rua Abílio, São Cristóvão, bairro da
capital federal, Rio de Janeiro/RJ.
1902 – Conclui Flores da serra.
1903 – Termina Versos de saudade.
146
1904-1911 – Escreve Poesias, 3ª série.
1905 Professor de Literatura e Português do Colégio Pio-Americano. Publicação de
Poesias, 2ª série.
1912 Publica Poesias, série (edição melhorada) e Poesias, série (edição melhorada).
Começa a escrever Poesias, 4ª série.
1913 Publica Poesias, série. Profere conferência “O Culto da Forma na Poesia
Brasileira”, na Biblioteca Nacional.
1914 Demite-se do Colégio Pio-Americano, para assumir a cadeira de literatura da Escola
Dramática e da Escola Normal, dirigida por Coelho Neto.
1915 – Profere conferência “O Culto da Forma na Poesia Brasileira”, em São Paulo.
1917 Homenagem aos 60 anos, recebido por Olavo Bilac, que lhe escuta a resposta. Realiza
a palestra “Fagundes Varela”. Escreve o trabalho crítico “O Soneto Brasileiro”. Profere o
“Discurso de Recepção de Goulart de Andrade”.
1919 – Morre Maria da Glória, sua esposa amada.
1922 Edição comemorativa de Ramo de Árvore, na solenidade da Academia Brasileira de
Letras.
1924 – Assume o lugar de “Príncipe dos Poetas” com a morte de Olavo Bilac (1918), amigo e
discípulo.
1926 Em sua velhice, o poeta cede a casa da rua Abílio às Carmelitas, a pedido de sua
enteada, irmã religiosa.
1927 – Poesias, 4ª série.
1928 – Doação integral de sua biblioteca: 1.164 volumes. O poeta regressa a Petrópolis.
1932 Já em Niterói outra vez, o poeta confia, a Jorge Jobim, alguns inéditos para compor as
Poesias escolhidas.
1935 – Entra no Cenáculo Fluminense de História e Letras.
1937 – Morte.
147
ANEXO 3. ALBERTO DE OLIVEIRA E SUA ÉPOCA – VERBETE
Antônio Mariano de Oliveira (Palmital de Saquarema, 28 de abril de 1857 —
Niterói, 19 de Janeiro de 1937) foi um poeta brasileiro, que adotou o nome literário "Alberto
de Oliveira" no livro de estréia, após várias modificações.
Seu pai era mestre-de-obras. De origem humilde, mantinha-se num barracão em frente
à Praia de São Domingos (Niterói) enquanto estudava, graças ao trabalho de vendedor.
Formou-se em Farmácia e cursou Medicina até o terceiro ano, mediante grande esforço
pessoal, o que lhe rendeu emprego na Drogaria do "Velho Granado". Após a glória literária,
exerceu o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública do Rio de Janeiro (1892-1897),
equivalente ao atual Secretário de Estado de Educação, quando a Capital da Província fora
transferida (1894) de Niterói para Petrópolis, devido às insurreições e revoltas pró e contra a
Proclamação da República. Foi Professor de Português e Literatura no Colégio Pio-
Americano e na Escola Dramática e Escola Normal, dirigida por Coelho Neto.
Participou da famosa "Batalha do Parnaso", ocorrida no Diário de Rio de Janeiro entre
1878 e 1881 contra o pieguismo do Ultra-Romantismo desgastado, junto com Teófilo Dias,
Artur Azevedo e Valentim Magalhães, resgatando as origens do Romantismo dialogadas com
aqueles novos tempos. Reunidos em torno de Artur de Oliveira, num café da Rua do Ouvidor,
eram integrantes da Idéia Nova, ao lado de Fontoura Xavier, Carvalho Jr. e Affonso Celso Jr.,
que lhe prefaciou o Livro de Ema (1a. ed. das Poesias). Inspirados na Arte Moderna da França
feita por Théophile Gautier, Théodore de Banville, Charles Baudelaire e Leconte de Lisle,
os "Tetrarcas" do Parnasianismo —, e, secundariamente, em Sully Prudhome e José-Maria de
Heredia, fizeram todos a maior revolução na poesia brasileira até então, importantíssima para
a consolidação da Modernidade do Brasil, no tocante à literatura, a partir da eleição do Novo
como valor e da Ruptura como sistema, tradição.
148
Envolveu-se com os fundadores da inovadora Gazeta de Notícias, Manuel Carneiro e
Ferreira de Araújo, publicando poemas posteriormente reunidos no livro Canções Românticas
(prefácio de Teófilo Dias) (1878), onde conheceu Machado de Assis, que o citou no famoso
artigo "A Nova Geração" (Revista Brasileira,1879) e lhe prefaciou Meridionais (1884), ainda
financiadas pelo jornal, livro-chave para a Idéia Nova da Nova Geração, mais tarde
referida conceitualmente, "rotulada" ou esquematizada como "estilo parnasiano".
Decorrido apenas um ano, publica Sonetos e poemas (1885), consagrando-se junto ao
público, o que lhe rende um prefácio de Araripe Jr. ao livro seguinte, Versos e rimas (1895),
títulos talvez alusivos a Sonetos e rimas (1880), de Luís Guimarães Jr., também Jovem Poeta,
como eram conhecidos esses revolucionários em prol da poesia autêntica sem os clichês
românticos.
Com Raimundo Correia e Olavo Bilac, formou a tríade mais representativa do
movimento, hoje chamado Parnasianismo, reunida em sua casa no bairro Barreto, Niterói/RJ,
à época capital de província, e depois no seu famoso Solar da Engenhoca, sito à mesma
cidade. Impecável na métrica e correto na forma, sofre uma vaia que parece ainda ecoar desde
a Semana de Arte Moderna de 1922, na voz de críticos literários fiéis à idéia modernista.
Mário de Andrade, rancoroso pela rejeição dos parnasianos ao seu livro parnasiano uma
gota de sangue em cada poema (1917), se empenha em retaliar o velho estilo, cuja principal
vítima era o poeta de Saquarema, como se nos ensaios "Mestres do Passado", publicados
no Jornal do Commercio em 1921 e na "Carta Aberta a Alberto de Oliveira", publicada na
Revista Estética no. 3, em 1925.
Nos últimos anos de sua vida, proferiu conferência "O Culto da Forma na Poesia
Brasileira", (1913, Biblioteca Nacional; 1915, São Paulo). Recebeu Goulart de Andrade na
Academia Brasileira de Letras, em 1917. Foi eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros, pelo
149
Concurso da Revista Fon-Fon (1924), tulo desocupado desde a morte de seu discípulo e
amigo Olavo Bilac, falecido em 1918.
Seus incontáveis versos falam da pujança da natureza fluminense e dos encantos da
mulher brasileira, ambas por vezes permeadas pela memória. Os temas da Grécia Antiga, que
caracterizam o Parnasianismo, formam uma pequena minoria da obra, em torno de 10%.
Foi sócio fundador da Academia Brasileira de Letras, assumindo a Cadeira no. 8, cujo
patrono é Cláudio Manuel da Costa, em 1897.
150
ANEXO 4. BIBLIOGRAFIA DE ALBERTO DE OLIVEIRA
Canções Românticas. Rio de Janeiro: Gazeta de Notícias, 1878.
Meridionais. Rio de Janeiro: Gazeta de Notícias, 1884.
Sonetos e Poemas. Rio de Janeiro: Moreira Maximino, 1885.
Relatório do Diretor da Instrução do Estado do RJ. Assembléia Legislativa, 1893.
Versos e Rimas. Rio de Janeiro: Étoile du Sud, 1895.
Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública. Secretaria dos Negócios do Interior, 1895.
Poesias (edição definitiva). Rio de Janeiro: Garnier, 1900.
Poesias, 2ª série. Rio de Janeiro: Garnier, 1906*.
Páginas de Ouro da Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: Garnier, 1911. (autores brasileiros)
Poesias, 1ª série (edição melhorada). Rio de Janeiro: Garnier, 1912.
Poesias, 2ª série (segunda edição). Rio de Janeiro: Garnier, 1912.
Poesias, 3ª série. Rio de Janeiro: F. Alves, 1913.
Céu, Terra e Mar. Rio de Janeiro: F. Alves, 1914.
O Culto da Forma na Poesia Brasileira. São Paulo: Levi, 1916. (conferência de 1913 e 1915)
Ramo de Árvore. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil, 1922. (opúsculo comemorativo)
Poesias, 4ª série. Rio de Janeiro: F. Alves, 1927.
Os Cem Melhores Sonetos Brasileiros. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1932. (autores brasileiros)
Poesias Escolhidas. Rio de Janeiro: Civ. Bras. 1933.
Póstuma. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1944.
Poesias completas (ed. crítica Marco Aurélio de Mello Reis). Rio de Janeiro: EDUERJ, 1978.
* O livro circulou em 1905, com data de 1906.
151
ANEXO 5. BIBLIOGRAFIA SOBRE ALBERTO DE OLIVEIRA
Livros:
TOR, Nestor. Alberto de Oliveira (ensaio). (incluído em Obra crítica, 2 vols.)
VIANA, Oliveira. Alberto de Oliveira: discurso de posse (recepção de Affonso Taunay). Rio
de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1940.
SERPA, Phocion. Alberto de Oliveira (1857-1957). Rio de Janeiro: Liv. S. José, 1957.
SOUZA, Sávio Soares de. A outra face de Alberto de Oliveira. Rio de Janeiro, 1957 (livreto
da palestra de 21/07/1957 na Prefeitura de Saquarema)
CAMPOS, Geir. Alberto de Oliveira (poesia). Rio de Janeiro: Agir, 1969. (Nossos Clássicos,
32)
ELMO, Elton. A família de Alberto de Oliveira. Rio de Janeiro: Do Autor, 1979.
DANTAS, Olavo. A glória de Alberto de Oliveira. Rio de Janeiro: Do Autor, 1994.
CAVALCANTI, Camillo. Alberto de Oliveira: antologia poética. Rio de Janeiro: Do Autor,
2007.
AZEVEDO, Sanzio de. Os melhores poemas de Alberto de Oliveira. Rio de Janreiro: Global,
2008.
Capítulos de livros:
ASSIS, Machado de. A Nova Geração. Revista Brasileira, 1879. (incluído em Crittica
literaria)
VERÍSSIMO, José. O Parnasianismo no Brasil; O Sr. Alberto de Oliveira. in: ---. Estudos de
literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia/ São Paulo: Edusp, 1977. (2ª e 6ª Séries)
GOMES, Eugênio. Alberto de Oliveira; Alberto de Oliveira e o Simbolismo. in: ---. Visões e
revisões. Rio de Janeiro: INL, 1958.
REIS, Marco Aurélio Mello. Leitura de Alberto de Oliveira. in: OLIVEIRA, Alberto. Poesias
completas (ed. crítica de Marco Aurélio de Mello Reis). Rio de Janeiro: EDUERJ, 1978.
JUNQUEIRA, Ivan. A face erótica de Alberto de Oliveira. in: ---. A sombra de Orfeu. Rio de
Janeiro: Nórdica, 1984.
CANDIDO, Antonio. No coração do silêncio. in: ---. Na sala de aula: cadernos de análise
literária. São Paulo: Ática, 1985.
AZEVEDO, Sanzio de. Alberto de Oliveira: a ortodoxia em questão. in: JUNQUEIRA, Ivan
(org.). Escolas literárias no Brasil. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2004.
152
ÍNDICES
153
POEMAS ESTUDADOS DE ALBERTO DE OLIVEIRA
Capítulo 3
O Paraíba (Terra natal, 2
a
série), 28
Afrodite I (Meridionais, 1
a
série), 31
Junto ao mar (Meridionais, 1
a
série), 32
Capítulo 4
Recôndito (Versos e rimas, 1
a
série), 38
Pena abandonada (Livro de Ema, deslocado da 1
a
para 2
a
série), 41
A um poeta (Céu Noturno, 3
a
série), 43
Agora é tarde para novo rumo (pórtico de Poesias, 4
a
série), 44
Lira quebrada (Ramo de Árvore, 4
a
série), 45
Capítulo 5
Só (Sonetos e poemas, 1
a
série), 51
Magia selvagem (Meridionais, 1
a
série), 55
Saudade da estátua (Meridionais, 1
a
série), 60
Última deusa (Sonetos e poemas, 1
a
série), 61
Capítulo 6
Ao ar livre (Meridionais, 1
a
série), 64
Chuva de pólen (Terra natal, 2
a
série), 70
Capítulo 7
Pedra Açu (Terra natal, 2
a
série), 76
Saudade de Petrópolis (Terra natal, 2
a
série), 78-79
Plenilúnio de maio (Céu noturno, 3
a
série), 83
Caminho de saudade (Natália, 3
a
série), 86
Velha fazenda (Natália, 3
a
série), 87
Capítulo 8
Última deusa (Sonetos e poemas, 1
a
série), 91
Afrodite III (Meridionais, 1
a
série), 93
Galatéia, (Sonetos e poemas, 1
a
série) 94
Manto real (Sonetos e poemas, 1
a
série), 95
Quadro antigo (Canções românticas, 1
a
série), 99
Vaso grego, (Sonetos e poemas, 1
a
série), 100
Fantástica (Meridionais, 1
a
série), 109
Capítulo 9
Prelúdio (Meridionais, 1
a
série), 112
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