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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC
-
SP
Luciana Oliveira Barbosa
A transmissão
dos valores culturais em versões do conto de fadas “A
Bela Adormecida” em diferentes contemporaneidades.
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC
-
SP
Luciana Oliveira Barbosa
A transmissão
dos valores culturais em versões do conto de fadas “A
Bela Adormecida” em diferentes contemporaneidades.
MESTRADO EM LÍNGUA PORT
UGUESA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Língua
Portuguesa,
pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob a orientação
da Professora Doutora Regina Célia
Pagli
uchi da Silveira.
SÃO PAULO
2008
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Banca examinadora
____________________________
____________________________
____________________________
Agradecimentos
À Deus, fonte da vida e razão da minha existência, que com o seu imenso amor,
concedeu
-me força, inteligência e coragem para iniciar, seguir e principalmente para
chegar ao final de mais uma etapa da minha vida.
À Profª. Drª Regina Célia Pagliuchi da Silveira, minha orientadora, pela amizade,
competência, paciência, apoio sincero e inestimável na realização deste trabalho,
tornando
-
se um
exemplo de pessoa e de profissional para minha vida.
À
Prof
ª.
Dr
ª
. Maria Thereza Strongoli que conduziu meus primeiros passos, e mesmo não
estando ao meu lado até o fim, deixou
-
me liçõ
es preciosas.
Aos meus pais, pelo amor e carinho inesgotáveis, sempre me compreendendo e me
apoiando.
Ao meu maior tesouro, meu filho Gabriel, por ser meu companheiro incansável, paciente
e carinhoso, e principalmente, por ser a razão da minha luta e da
minha vida.
Ao meu marido Euclides, por sua compreensão e bondade e por me apoiar e acreditar
em mim em todos os momentos, mesmo nos que nem eu mesmo acreditava.
Aos meus irmãos, por confiarem tanto em mim e na minha capacidade que me
obrigaram a s
er forte até o fim.
À grande amiga Eunice Aguiar pelo apoio, sinceridade e paciência nos momentos mais
difíceis dessa jornada, mostrando
-
me o valor de uma verdadeira amizade.
À querida amiga Déborah Paula, que com o seu olhar diferenciado sobre as coisas
,
mostrou
-
me que é com as diferenças que crescemos e nos tornamos melhores.
À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, pelo apoio financeiro que assegurou
a realização desta pesquisa.
À todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para que esse sonho se
tornasse realidade, minha profunda gratidão.
RESUMO
Esta Dissertação está situada na área da Análise Crítica do Discurso e trata do
exame
de
diferentes versões (original, traduzida, adaptada e recontada) do conto de fadas “A bela
adormecida”, a fim de verificar as mudanças culturais em contemporaneidades diferentes da
dinâmica
cultural do brasileiro , de forma a contribuir para os estudos identitários brasileiros a
partir do discurso. Os objetivos específicos são: confrontar diferentes versões brasileiras do
conto A bela adormecida no Bosque” em busca das diferenças que constroem as histórias de
fadas;
examinar os diferentes papéis sociais presentes nessas versões; focalizar os valores
culturais contidos nos papéis sociais representados pelos personagens e buscar traços culturais
do brasileiro presentes nos valores contidos nos papéis
sociais
em
cada versão , dependendo de
contemporaneidades distintas. Nesse sentido, o procedimento metodológico consiste em
confrontar os conteúdos das diferentes versões e analisar, por episódios, os traços culturais
contidos nos contos. A hipótese que sustenta esta pesquisa considera que os contos de fadas
mantêm relações com a sua versão original, ao mesmo tempo que apresentam mudanças
relativas às representações dos valores atribuídos pela sociedade às personagens, ações e
funções. A hipótese de mostrou adequada, uma vez que o exame das diferentes versões de um
conto nos
propici
ou que
detectássemos valores culturais brasileiros com raízes históricas, a partir
do discurso fundador
eclesiástico
, com seus valores morais que determinam o funcionamento
da
s instituições sociais e a verificação das mudanças culturais a partir da caracterização das
personagens,
de suas
ações
, de suas funções sociais e da interação de pap
éis.
Os resultados
obtidos das análises indicam
que
as diferenças das versões em relação às expressões
enunciadas decorrem da seleção feita pelo autor de cada versão, sendo ela guiada pelos valores
culturais contidos na contemporaneidade das cogniç
ões
sociais
da época de produção da
versão
; que os valores culturais são dinâmicos e a sua mudança decorre do fato de se enfrentar
no dia a dia problemas novos para serem resolvidos,
e ainda que o
mesmo ocorre com os papéis
soci
ais da estrutura da sociedade, pois embora as versões mantenham os mesmos personagens
do conto de Perrault, os valores atribuídos a eles propiciam uma ressemantização para as
relações sociais desses pap
é
is.
Palavras
-
chave:
Conto de fadas, Sociedade, Análise Crítica do Discurso,
Valores
culturais
.
ABSTRACT
This research paper is within the area of Critical Discourse Analysis and deals with
different versions (original, translated, adapted and retold) of the fairy tale Sleeping Beauty. Our
main goal is to observe cultural changes in this fairy tale occurred in the Brazilian context. We
expect to contribute to Brazilian studie
s of identity through discourse.
The specific goals of this work are: to confront different Brazilian versions of the tale
Sleeping Beauty to verify the differences that build the fairy tale; to examine social roles that
appear in these versions; focus on cultural values that emerge from these social roles
represented by the fairy tale’s characters in each version, and, search for traces of the Brazilian
people in those values. Each one of these goals depend on different contexts.
Our methodological procedure consisted in analyzing the content of each version, by
episodes, confronting them. The hypothesis that sustains this research is that fairy tales keep
similarities to its original version and at the same time they bring changes related to the
represent
ation of cultural values attributed by the society to the characters, their roles and to the
actions.
This hypothesis showed to be adequate once the analysis of the different versions allowed
us to realize Brazilian cultural values with historical background, based on an ecclesiastical
discourse, with its moral beliefs that determine the functions of social institutions. It was possible
also to observe cultural changes related to the characters characteristics, to their actions, their
social roles and the i
nteraction among characters.
The analysis results indicate that the differences among the versions are influenced mainly
by cultural values of the social and historical context that surround its production. The cultural
values are dynamic and their change comes from the need to face new problems daily. The
different versions of the fairy tale keep the same characters from the original but they come with
different attributes and that gives a new signification to their social roles.
Keywords: Fairy Tales, S
ociety, Critical Discourse Analysis, cultural values.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
CAP
ÍTULO
1 -
C
onto de fadas
-
“ A bela adormecida no bosque”
e
versões
brasileiras
.
1.1 D
O ORAL AO ESCRITO.................................................................................1
1
1.2
A INFÂNCIA E AS ORIGENS DA LITERATURA INFANTIL...........................1
4
1.3
A LITERATURA INFANTIL EM PORT
UGAL E NO BRASIL...........................
19
1.4 OS CONTOS, CONTOS MARAVILHOSOS, CONTOS DE FADAS E A
CULTURA.............................................................................................................2
5
1.5
AUTORES DAS VERSÕES ANALISADAS E SUAS
CONTEMPORANEIDADES..................................................................................
29
1.
5
.1 Charles Perrault
...........................................................................................3
0
1.
5
.2 Monteiro Lobato
.........
..................................................................................3
1
1.
5
.3 Ana Maria Machado
.....................................................................................3
4
1.
5
.4 K
atia Canton..........................................
.......................................................
36
CAP
ÍTULO
2 - “A bela adormecida no bosque
- fundamentos
teóricos para análise
2.1
FUNDAMENTOS DA TEORIA NARRATIVA...................................................
38
2.1.
1
A narratologia...............................................................................................
39
2.1.2
Outros estudos da narrativa.........................................................................
43
2
.1.3
N
arrativa vivida e narra
tiva contada
............................
...................................4
4
2.
1.4
A narrativa enquanto discurso.....................................................................
....4
5
2.
1.5
Estrutura, modalidade e planos causal e cronológico das narr
ativas
.........
...5
0
2.1.
6
Fundamentos Semiolinguisticos Greimaseanos..........................................
...52
2.1.
7
O esquema narrativo e percurso narrativo
..................................................
...53
2.1.
8
As circunstâncias da enunci
ação ou contexto
..........................................
...
.55
2.2 A ENUNCIAÇÃO......................................................................................
.
.....
..5
5
2.2.1 A enunciação e o enunciado
..................................................................
.....
....
56
2.3
CONTRIBUIÇÕES DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO.............................
....
59
2.
4
O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO............................................................
....6
0
2.5 D
ISCURSO FUNDADOR E DISCURSO MODIFICA
DO...............................
....6
1
2.
6 A VERTENTE SÓCIO-COGNITIVA DA ANÁLISE CRÍTICA DO
DISCURSO................................................................................................
.....
.........
62
2.6.1
O
modelo
de
memória por armazéns e o processamento da informação.
...................................................................................................
......................
........
62
CAP
ÍTULO
3
”A bela adormecida no bosque
Resultados
obtidos das análise de versõe
s
3.1 A VERSÃO ORIGINAL FRANCESA TEXTO BASE DA
PESQUISA.......................................................................................
...
.....................
67
3.2 AS CAPAS DOS LIVROS QUE SÃO VERSÕES DO TEXTO
ORIGINAL......
...................................................................................
....
...................
76
3.2.1. Versão de Charles Perrault
original...........................................................76
3.
2.2
.
Capa da v
ersão de Monteir
o Lobato
, tradução e adaptação.........
...
............
78
3.2.
2
.1 Uma leitura multimodal..................................................
...
.................
78
3.2.
2
.2 O contrato de comunicação.........................................
...
................
..79
3.2.
3
. Capa da v
ersão
Ana Maria Machado, tradução..........................
..
...............
.81
3.2.
3
.1 Uma leitura multimodal....................................................
..
..............
.81
3.2.
3.2 O contrato de comunicação..........
.....................................
..
.............
83
3.2.4
Capa da
v
ersão
de Katia Canton, recontado..................................
..
............
85
3.2.4.
1 Uma leitura multimodal.......................................................
...
.....
......
85
3.2.
4
.2 O contrato de comunicação..............................................
...
.............
87
3.2.5
Capa da versão da Editora Todolivro.....................
...
....................................
88
3.2.5.
1 Uma leitura multimodal............
..............
....
........................................
88
3.2.
5
.2 O contrato de comunicação.................................
...
...........................
90
3.3 AS DIFERENÇAS DE CONTEÚDO E DE ENUNCIAÇÃO DAS DIFERENTES
VERSÕES
.........................
.......................................................................................
91
3.3.1
O
1° episódio: diferentes versões (Machado e Monteiro
Lobato)
................................................................................................
..................
..
91
3.3.2
O
1° episódio: diferentes versões (Canton e a Editora
Todolivro).........................................................................................................
..
.....95
3.3.3
O
2° episódio: diferentes versões (Machado e Monteiro
Lobato)
..................................................................................................................
.96
3.3.4
O
2° episódio: diferentes versões (Canton e a Editora
Todolivro)......................................
.........................................................................104
3.3.5
O
3° episódio: diferentes versões (Machado e Monteiro
Lobato)
..............................................................................................................
....
10
4
3.3.6
O
3° episódio: diferentes versões (Canton e a Editora
Todolivro)..............................................................................................................
109
3.3.7
O
4° episódio: diferentes versões (Machado e Monteiro
Lobato)
..................................................................................................................
11
4
3.3.8
O
4° episódio: diferentes versões (Canton e a Editora
Todolivro).........................................................
.....................................................
1
18
3.3.9
O
5° episódio: diferentes versões (Machado e Monteiro
Lobato)
..................................................................................................................
123
3.3.10
O
5° episódio: diferentes versões (Canton e a Editora
Todolivro)..............................................................................................................
13
1
3.3.11
O
6° episódio: diferentes versões (Machado e Monteiro
Lobato)
............
......................................................................................................
13
5
3.3.12
O
6° episódio: diferentes versões (Canton e a Editora
Todolivro)..............................................................................................................
139
3.3.13
O
7° episódio: diferentes versões (Machado, Monteiro Lobato e
Canton)..................................................................................................................
14
2
3.3.14
O
8° episódio: diferentes versões (Machado, Monteiro Lobato e
Canton
)
..................................................................................................................
1
49
3.3.15
O
9° episódio: diferentes versões (Machado, Monteiro Lobato e
Canton
)
........
..........................................................................................................
15
1
3.3.16
O
10 ° episódio: diferentes versões (Machado, Monteiro Lobato e
Canton
)
..................................................................
................................................
154
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................
16
0
REFÊRENCIAS B
IBLIOGR
Á
FI
CAS
.....................................................................
16
3
ANEXOS
Anexo A.................................................................................................................
1
70
Anexo B.................................................................................................................
17
9
Anexo C.......................................................................................................
.
.........
18
7
Anexo D...............................................................................................................
..19
3
1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Esta dissertação está vinculada à linha de pesquisa Texto e D
iscurso
em
suas variedades oral e escrita e, situada na área da Análise Crítica do Discurso,
com vertente sócio-
cognitiva
. Trata do exame
de
diferentes versões (original,
traduzida, adaptada e recontada) do conto de fadas “A bela adormecida”, a fim de
verificar as mudanças culturais em contemporaneidades diferentes da
dinâmica
cultura
l
do brasileiro
.
Tem
-se por objetivo geral contribuir com
os
estudos i
dentit
ários brasileiros a
partir do discurso.
São objetivos
específicos:
1- Confrontar diferentes versões brasileiras do
conto A bela adormecida no Bosque” em busca das diferenças que constroem as
histórias de fadas; 2- Examinar os diferentes papéis sociais presentes nessas
versões; 3- Focalizar os valores culturais contidos nos papéis sociais representados
pelos personagens do conto em questão, em suas diferentes versões; 4- B
uscar
traços culturais do brasileiro presentes nos valores contidos nos papéis sociais da
histó
ria em
cada versão , dependendo de contemporaneidades distintas.
Do ponto de vista cio-cognitivo, e
nten
de
-se que a cultura pode ser definida
como um conjunto de conhecimentos
sociais,
vistos como formas de representação
avaliativa do mundo que são transmitidos, de geração para geração, a partir do
vivido e do experenciado pelos grupos sociais de uma nação.
Entende
-se também,
conforme a vertente sócio-cognitiva da Análise Crítica do Discurso, que uma
dialética entre o individual e o social, pois o social guia o individual e este modifica
aquele.
Nesse sentido, todas as formas de conhecimento são dinâmicas; logo, a
cultura é dinâmica na sua representaç
ão valorativa.
Nesse
sentido, Silveira
(2000
) propõe que a cultura tem raízes históricas que
propiciam a
construção
de
valores,
normas de conduta e formas de conhecimento
que guiam, pela memória soci
al
, o comportamento das pessoas Por essa
concepção, compreende-se que a sociedade é definida por suas formas de
conhecimento e estas decorrem da projeção de pontos de vistas diferentes que
atendem
a objetivos, interesses e propósitos sociais, e que a sociedade é formada
2
por um conjunto de grupos sociais que se diferenciam entre si pelos seus marcos de
cognição social. Essa diversidade
constrói
um conflito cultural
intergrupal.
Todavia,
para a autora, nessa diversidade uma unidade imaginária construída por
discursos públicos e
institucionalizados,
de forma a se apresentar como uma
coerência interna na memória social
de uma
nação.
Segundo
Silveira
(1998)
, as origens são instauradas
por
um discurso
fundador que contém os valores que guiam as pessoas em suas condutas sociais,
de
modo
a
construírem as suas formas de conhecimento do mundo. Todo discurso
fundador é modificado no tempo. Assim,
o
eixo da
história,
em
sua
cronologia
, é
dinâmico
e em cada mudança
o
vivido e o experenciado
são
modificados para
resolver
problemas novos
. O
saber pré construído
guia a resolução do desconhecido
e com isso
,
dinamicamente
,
é
modificado.
Logo, a cultura é entendida como uma forma dinâmica de
construç
ão de
valores, que guiam e modificam as formas de conhecimento da memória social.
Ainda para a autora, uma das possibilidades de se estudar a cultura é o
exame de enunciados que são repetidos de geração para
geração
, tornando-
se
assim, enunciados clichês.
De maneira mais ampla, clichê é a expressão cristali
z
ada
que nos remete à opinião pública, a um saber partilhado que circula numa
comunidade em um dado momento de sua
história
(Amossy e Rossen, 1982).
Segundo Silveira (2007), os enunciados clichês apresentam-se com vari
áveis
enunciativas
decorrentes tanto do tempo
,
quanto do lugar e podem ser
representados tanto em textos reduzidos (por exemplo: prov
érbios
,
máximas e
aforismo
s)
,
quanto em textos expandidos (como em hinos nacionais e canç
ões
populares).
Justifica
mos
a escolha do tema,
pois
Görög e Seydou (1982:24) afirmam que
"o conto oferece uma espécie de laboratório, no qual se podem observar, ao mesmo
tempo, o reflexo de uma cultura com seus mecanismos internos de funcionamento e
as leis
”.
Como postula
Calame
-Griaule (1970:
25),
o conto popular "impregnado das
realidades culturais (...) constitui um testemunho insubstituível sobre as instituições,
o sistema de valores, a visão do mundo, próprios de uma sociedade. (...)
3
Freqüentemente,
revela
-
se
em evidência nos contos ou mitos a projeção dos
sistemas de parentescos, da cultura material, das instituições religiosas ou políticas".
Justificamos
a escolha dos contos de fadas para o estudo de aspectos
culturais do brasileiro, na medida em que na família e na escola, o conto de fada é
recontado em cada contemporaneidade para as crianças brasileiras, enquanto
clichês enunciativos ou de história e, de acordo com Vygostsky, é um objet
o
mediador da relação entre o indivíduo e o mundo. Assim, por meio das diferentes
versões de um mesmo conto,
é
possível examinar a sociedade e o seu contexto
cultural.
Justifica
mos
a seleção do texto-base “A bela adormecida no bosque” , pois o
conteúdo semântico focaliza a família , que é a primeira instituição social que passa
a guiar, culturalmente, o comportamento infantil.
O
material
selecionado para análise, ou seja, versões brasileiras do conto
A
bela adormecida” pareceu adequado por fazer parte de textos expandidos clichês
,
uma vez que esses contos vêm s
en
do
repetidos
a várias gerações
,
mant
endo
sua
estrutura base, e circulando , não em uma, mas em várias comunidades em
diferentes tempos. Embora os contos de fadas orais tenham sido situados com
origens orientais, não há, ainda, estudos que possam apresentar resultados
adequados para
demonstrá
-
lo
. Os resultados relativos aos contos de fadas
permitiram que os estudiosos os situassem nas diferentes sociedades o
cidentais,
tendo sua origem escrita na Idade Média. Porém, cada cultura modifica o texto-
base
original, a partir do ponto de vista projetado para focalizá
-
lo em seus valores.
Dessa
forma,
a pesquisa realizada busca indicadores culturais em sua
dinâmica
no
eixo da
história
. Todavia, é necessário ressaltar que o texto-
bas
e não
pertence ao patrimônio cultural brasileiro, como discurso fundador, pois
,
ao entrar
no Brasil,
é
versão traduzida que
,
progressivamente
,
vai se modificando.
Acreditamos que o
material
selecionado poderá oferecer possibilidades de
conheciment
o do homem social, de seu contexto sócio-cultural, da sua atuação
nesse contexto, das mudanças que são operadas e que o conto
infantil
é capaz
de revelar. Esses indicadores culturais - as variantes - nos contos, no romance
tradicional, nos provérbios, nas adivinhas, ultrapassam as dimensões da
4
caracterização do contexto social; constituem,
também,
indícios de mudanças
sociais na própria comunidade reprodutora do texto tradicional, como clichê.
Como
afirmou Calame-Griaule (1984:202), o conto popular transmite "através
de um código simbólico, modelos culturais e a visão do mundo própria a
determinada sociedade". Assim, também afirmamos que as diversas formas de
comportamentos sociais e
a estrutura da sociedade estão presentes
em
cada versão
de um conto e que, através da
análise
desses textos, podemos identificá-las e
categorizá
-
las
, encontrando seus intertextos presentes na sociedade que o
s
gerou.
A partir das afirmações apresentadas, enfatizamos a importância da pesquisa
do conto dentro de um aspecto interdisciplinar, com objetivos precisos da recolha de
uma documentação indispensável ao estudo e
resgate
de nossa cultura, buscando
os traços do caráter nacional e local, já que
,
segundo Lyotard (1979
:
41
),
a referência
aos relatos pode parecer que pertence ao tempo passado, mas ela é, na realidade,
sempre contemporânea deste ato.
Um dos pesquisadores e estudiosos das formas de representação do real no
texto literário, no Brasil, é Gilberto Freyre que, com uma equipe de estudantes da
Universidade Federal de Pernambuco e pesquisadores da Fundação Joaquim
Nabuco,
produziu “Heróis e vilões no romance brasileiro”
(1979
),
uma
pesquisa
sobre heróis e vilões
que revelou
serem
essas personagens "expressões de
mudanças ou de características sociais trazidas por tempos socialmente novos e
marcados por ambientes regionais dentro do nacional" . Dessa forma, a pesquisa
realizada propicia
justificar, também, a nossa dissertação.
O problema tratado é de que forma a dinâmica das formas de conheciment
os
culturais
/
sociais
é
manifest
ada
em diferentes versões de um mesmo conto de fadas,
constantemente repetido como clichê, na sociedade
brasileira.
Dessa forma,
buscamos as características que adquiriram essas versões pelo processo de sua
ressemanti
zaçã
o, de forma a situar os diferentes valores culturais atribuídos ao
papel do homem e da mulher e suas relações na instituição da família e do Estado.
O
conto,
em sociedade, implica o contador de
história
s.
Entende
-se que
esse
,
para
as crianças
,
é um d
os
papéis
fundamentais na sua estrutura
social.
Essas
história
s, na pós-modernidade, são contadas e veiculadas por diferentes
canais
(livros, separatas, quadrinhos, programas de televisão, filmes, e programas
5
para computador). Todavia, os contos de fadas são os que mantêm relações mais
remotas com as raízes históricas sociais
brasileiras.
Embora as crianças brasileiras
estejam expostas a programas infantis de
televisão
e ao cinema infantil, a mãe
,
a
professora ou outras pessoas que representam o papel de contador de
história
s
orais , de grande incidência no Brasil, ainda dão preferência aos contos de fadas,
seguindo suas tradições familiares.
A
hipótese
orientadora da pesquisa
é
que os contos de fadas mantê
m
relações com sua versão original como raiz histórica de produção , mas as
suas
diferentes versões, produzidas em outras contemporaneidades,
apresentam
mudanças relativas
às
representações de valores para a apresentação de
personagens, suas funções e ações sociais. Dessa forma, são adequados para
estudos culturais.
O procedimento metodológico adotado é analítico para o
material
selecionado:
A) critérios de seleção do
material
de
análise
:
1- a seleção do texto-
base
“A bela adormecida”, por focalizar a instituição
família e por ser um dos mais contados para crianças brasileiras e sedimentado a
partir da produção cinematográfica de Walt Disney, atualmente presente em famílias
de classe média para cima, com DVDs; 2- A busca do autor , época e versão
original; 3- A investigação , no Brasil, de uma tradução nacional; 4-A pesquisa de
outras versões para o texto
-
base.
b) critérios
analíticos:
1.
confronto de conteúdos entre texto-base e suas
versões;
2.
confronto
enunciativo entre texto-base e suas versões; 3-
análise
text
ual por episódios
nar
rativos; 4. confronto enunciativo e de conteúdo entre os diferentes episódios das
diferentes
versões;
5.
análise
de traços culturais contidos no confronto realizado, a
partir de contemporaneidades diferentes.
Em síntese, esta dissertação busca res
ponder
a seguinte questão: em que
medida os valores culturais brasileiros, de contemporaneidades diferentes, guiam as
versões de um conto de fadas
.
6
C
apítulo 1
C
ONTO DE FADAS
, “ A BELA ADORMECIDA NO BOSQUE “ E
VERSÕES
BRASILEIRAS
.
Este capítulo compreende um conjunto de considerações que objetivam
diferenciar narrativas orais de escritas, pois os contos de fadas, em suas origens,
foram
orais; apresentar origens da litera
tura infantil e o seu papel social ; relacionar a
narrativa com contos infantis e a transmissão da cultura; revisar estudos
de
contos
de fadas; e relacionar o autor da versão original e os demais autores de outras
versões
,
com suas
história
s de vida, a fim de resgatar a contemporaneidade de
produção das versões brasileiras de
A bela adormecida
no bosque “
.
1.1
DO ORAL AO ESCRITO
O ato de contar histórias existe desde os tempos mais remotos e por meio
dele os indivíduos têm
,
ao logo do tempo, armazenado, difundido e perpetuado
conhecimentos e valores, comunicando aos outros indivíduos, de geração em
geração, experiências indispensáveis à
vida.
Em muitos lugares, incluindo certas regiões brasileiras, essas narrativas orais
populares guardam o que sobrou da imensa riqueza de nossas raízes, expressando
nossa identidade,
diversidade
e dinâmica cultural. Enganam-
se
os que pensam que
tendem a desaparecer, que
reaparecem
na
canção que uma mãe sussurra para
ninar seu filho, nas diversas histórias que mães, pais, avós contam para as crianças
muito antes da aprendizagem da leitura ou de uma noção lógica do mundo, para
responder
-
lhes
à
s
q
uestões ingênuas e criativas.
Dessa forma, podemos citar Elíseo (Obra.I:148), que se questiona a
respeito da causa existente em se privilegiar o conto de fadas:
Que causa há hi nas matas espinhosas
7
D
’essa magra e subtil Philosophia
Que emparalharse
outreva cum bom Conto
De fadas, c’o condão de uma varinha?
( Filinto Eliseo
na cart
a “
Defeitos da Philosofia
( Obr. I,
p.
148)
Antes da escrita, todo o conhecimento era difundido oralmente. Meirelles
(1984
:
48
-
49
)
afirma:
“O negro na sua choça, o índio na sua aldeia, o lapão metido no gelo, o
príncipe em seu palácio, o camponês à sua mesa, o homem da cidade em
sua casa....estão contando uns aos outros, o que ouviram contar, o que
lhes vêm de longe, o que serviu a seus antepassados, o que vai servir a
seus netos, nesta marcha da vida.”
Com a invenção da imprensa, essas narrativas orais foram
sedimentadas
através da escrita, e o livro, escrito,
substitui
o contato
direto
e
permanente
, que a
oralidade exige; ainda que o papel do contador de
história
mantenha-
se.
Porém,
ainda é a literatura oral a raiz profunda, pois nem todos abriram livros em sua
infância, mas provavelmente não quem não tenha ouvido uma lenda, uma fábula,
um provérbio, uma adivinhação ou uma cantiga, que, pela repetição, tornam-
se
clichês culturais, seja por conteúdos
,
seja por enunciações.
Nos últimos séculos, no Ocidente,
os
contos tradicionais
orais
foram
assimilados à cultura infantil em grande medida. Ao mesmo tempo, tornaram-se alv
o
de investigação de pesquisadores de diversas áreas de conhecimento.
Verifica
mos
que, apesar dos inúmeros estudos existentes e da imortalização
desses textos através da escrita, ainda existe uma íntima relação entre a
narrativa
escrita e a oral.
8
Quanto
aos contos
orais
, Meirelles
( 1984
:
48)
afirma
que
:
“Não há quem não
possua,
entre suas aquisições da infância, a riqueza
das tradições, recebidas por via oral. Elas precederam os livros, e muitas
vezes os substituír
am. Em certos casos, elas mesmas f
oram o conteúdo
desses livros.
Meireles
(
Ibidem
) ainda nos mostra um pouco da história da escrita e da
leitura
:
“ Transpondo-se a data da invenção da imprensa, chega-se à Idade Média
, aos copistas, aos livros manuscritos, à cultura limitada a um certo número
de privilegiados que sabiam ler . Época das grandes complicações de
histórias vindas de toda parte: cruzados, viajantes mercadores, filósofos,
monges recolhem lendas piedosas, proezas militares, ensinamento
s
morais, aventuras estranhas, casos curiosos e engraçados ocorridos em
lugares exóticos. Recolhem
-
nas
, no oral,
pelo armazenamento
na memória
ou
no
escrito
, pelo armazenamento de publicações
. E da Pérsia, do Egito,
da Índia, da Arábia caminham para longe e espalham-se pelos quatro
cantos do mundo narrativas que se encontram com as de outros povos,
que se reconhecem, às vezes, em suas semelhanças, completam-
se,
acrescentam
-se, confundem-se, refundem-se e continuam,
interminavelmente a
propagar e
circula
r.”
9
Em síntese, do oral ao escrito, os contos de fadas continuam a ter o espaço
de entretenimento de crianças, com o objetivo de guiá
-
las em s
uas condutas sociais.
1.
2
A INFÂNCIA E AS
ORIGENS DA LITERATURA INFANTIL
Ao falar de literatura infantil é necessário p
rime
iramente que se faça uma
breve revisão da história da infância,
pois
é
na infância e na relação da criança com
o
mundo que essa literatura tem seu alicerce.
Ar
s (
1981)
, um dos ma
is
conhecidos historiadores da infância, elaborou uma
his
tória linear sobre o desenvolvimento da noção de
infância
. A literatura sobre a
fam
ília, anterior a Áriès, limitava-se a tratamentos institucionais, com alusões
ocasion
ais às mudanças de modos na sociedade. A juventude e a infância eram
tratadas
monoliticamente. Pouca atenção foi dada à possibilidade de mudança dos
vários estágios dos ciclos de vida ao longo do tempo e ao tratamento, percepção e
experiência dos estágios do desenvolvimento humano, que diferem em várias
sociedades e entre diferentes grupos.
Segundo o autor, na velha sociedade tradicional da Idade Média,
a
duração
da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto a criança ainda
precisava da mãe ou da ama, mas assim que ela adquiria algum desembaraço
físico
,
ela ingressava na vida adulta, passa
ndo
a conviver com os adultos em
suas reuniões, festas, partilhando de seus trabalhos e jogos
.
Essa infância muito
curta fazia com que as crianças, ao completarem cinco ou sete anos,
ingressasse
m no mundo dos adultos
,
sem absolutamente nenhuma transição.
A
criança
era considerada um adulto em pequeno tamanho
.
Quanto
à trans
miss
ão dos valores e dos conhecimentos,
que
o eram
controlados nem assegurados pela família
,
pode
-se dizer que, durante séculos,
foram
apreendidos pela
convi
vência da criança ou do jovem com os adultos
.
A
criança aprendia as coisas que devia saber ajudando
ou vendo
os adulto
s
.
Conforme o autor, o primeiro sentimento que surge em relação à infância é a
“paparicação”
e é reservado à criancinha em seus
primeir
os anos de vida. As
pessoas se divertiam com a criança pequena, engraçadinha, mas como era muito
comum a mortalidade infantil, não se apegavam a ela e também não lamentavam
muito sua morte, pois logo outra criança a substituiria.
10
Nesse período, a f
amília
compunha
-
se
do casal e das crianças que ficavam
em casa
, e tinha
por missã
o
a conservação dos bens materiais, a prática comum de
um ofício
,
a ajuda mútua quotidiana num mundo em que ninguém podia sobreviver
isolado
e ainda, nos casos de crise, a proteção da honra e das
vidas
. Assim, o que
unia a família, diferentemente do pensamento moderno, não era o amor, que at
é
poderia existir, mas não era causa necessária nem para a existência e nem
para
equilíbrio
familiar
.
As trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas, portanto, fora
da
família, na comunidade, e reservada aos enc
ontros, às visitas, às festas.
A partir do século XVII, uma mudança alterou essa formação familiar e essa
visão a respeito da infância e da criança. A primeira face dessa mudança diz
respeito
à formação da família, que então passa a se unir em torno de uma afeição
necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos. Isto gerou uma nova visão da
infância
e os pais passaram a se preocupar mais com a educaç
ão de seus filhos.
Ao mesmo tempo, a
escola substituiu
o exemplo como meio de educação. Isso quer
dizer que a criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida
através do contato com eles.
Essa separação da criança e do adulto deve ser interpretada como uma das
faces do grande movimento de moralização dos homens promovido pelos
reformadores católicos
ou protestantes ligados à Igreja, às leis ou ao Estado.
A família começou, dessa forma, a se organizar em torno da criança e a lhe
dar
importância. A
ssim
,
o apego a e
la
torn
a-
se
muito grande, o que im
poss
ibi
li
t
ou
que ela morresse
sem causar muita dor
e, conseqüentemente, substituir uma criança
morta por outra viva causava pesar. Logo, tornou-se necessário limitar o número de
filhos
para melhor cuidar
dele
s
.
A
conseqüência
de toda essa transformação foi a polarização da vida social
no século XIX, em torno da
família
e da profissão, e o desaparecimento das antigas
relações sociais
.
Foi no século XVII, em meio a essa transição da sociedade, que a Litera
tura
infantil constitui-se como gênero narrativo
1
, que as mudanças na estrutura da
sociedade
também
desencadearam repercussões no âmbito artístico.
1
Entende
-
se por gênero uma c
onstância enunciativa que tem seu privil
é
gio dependendo do contexto histórico.
11
Como até esse século a criança não tinha um espaço afetivo nas relaç
ões
familiares
, n
ão se escrevia
esp
ecificamente para crianças.
A fonte da Literatura infantil, hoje conhecida como "
tradicional
", encontra-
se
na Novelística Popular Medieval que tem suas origens na Índia. Desde essa época,
a palavra impôs-se ao homem como algo mágico, como um poder misterioso que
tanto poderia proteger ou ameaçar, poderia construir ou destruir. São também de
caráter mágico ou fantasioso as narrativas conhecidas hoje como literatura
primordial. Nela foi descoberto o fundo fabuloso das narrativas orientais, que se
forjaram durante séculos a.C., e
difundiram
-
se
por todo o mundo, através da tradição
oral
, embora não haja estudos precisos a respeito dessa quest
ão.
Cecília
Meireles
(1984
:
88
),
apresenta
as diferentes formas de
inserç
ão da
literatura no
mundo
infantil:
“Esse é, pois, o primeiro caso de Literatura Infantil: a redação escrita das
tradições orais [...] .
O segundo caso de Literatura infantil é o dos livros que, escritos para uma
determinada criança, passaram dep
ois a uso geral [...]
O terceiro caso é o dos livros não escritos para as crianças, mas que
vieram a cair nas suas mãos, e dos quais se fizeram depois adaptações,
reduções, visando torná-los mais compreensíveis ou adequados ao
pequeno público.
[...]
E esse é o quarto caso de Literatura infantil: o que se refere às obras
especialmente escritas para a infância.”
12
Baseados
n
esses
quatro casos, verificamos que apenas no último o
aparecimento da Literatura Infantil tem características próprias, pois decorre da
ascensão da família burguesa, do novo "status" concedido à infância na sociedade e
da reorganização da escola. Sua emergência deveu-se, antes de tudo, à sua
associação com a Pedagogia, que as histórias eram elaboradas para se
converterem em instrumento
pedagógico
. Os livros não tinham apenas o objetivo de
entreter
, tinham o objetivo de transmitir conhecimentos e valores necessários ou
oportunos à idade da criança, dando, assim, à literatura infantil três
características:
moral, instrutiva e recreativa. Essas características
estiveram
presentes,
c
oncomitantemente em algumas obras.
Se
, a partir do século XVIII
,
a criança pass
ou
a ser considerada um ser
diferente do adulto, com necessidades e características próprias, também passou a
receber uma educaç
ão especial
,
de modo a prepará
-
la para o futuro
.
Pensando nessa preparação do pe
ns
amento para a vida adulta, houve a
adoç
ão de uma Psicologia da Aprendizagem e surgiu uma literatura pedag
ógica,
para a qual distinção
entre
livros de adultos e de crianç
as
.
A função dessa nova
literatura
era
preparar
a criança para o futuro, indicando-lhe modelos de conduta na
sociedade.
Durante o século XVIII, os padres jesuítas publicaram manuais de civilidade
,
que juntamente com as fábulas e os contos exemplares, pretend
iam
também
influenciar os costumes e ratificar os modelos
.
Surge,
também
,
um
outro ponto de vista sobre a infância que revela a
imagem de uma criança cheia de conflitos, medos, dúvidas e contradições não por
desconhecer a realidade, mas por trazer em si a imagem projetada do
adulto
,
conforme nos revela Zilberman ( 1985
:
18):
"Se a imagem da criança é contraditória, é precisamente porque o
adulto e a sociedade nela projetam, ao mesmo tempo, suas aspirações e
repulsas. A imagem da criança é, assim, o reflexo do que o adulto e a
sociedade pensam de si mesmos. Mas este reflexo não é ilusão; tende, ao
13
contrário, a tornar-se realidade. Com efeito, a representação da criança
assim elaborada transforma-se, pouco a pouco, em realidade da criança.
Esta dirige certas exigências ao adulto e à sociedade, em função de suas
necessidades essenciais"
Um outro ponto de vista que também surgiu diz respeito
ao
desenvolvimento
cognitivo da criança, ou seja,
têm
-
se
por
princí
pio
,
que não se pode
ater
àquilo que
a criança ainda não está capacitada
,
e sim àquilo que ela é capaz de fazer.
Assim, Palo e Oliveira (1986
:
7)
propõem
a respeito da criança:
“Se lhe falta a completa capacidade abstrativa que a capacite para as
complexas redes analítico-conceituais, sobra-lhe espaço para a vasta
mente instintiva, pré-lógica, inclusiva, integral e instantânea que opera
por semelhanças, correspondências entre formas, descobrindo vínculos de
similitude entre elementos que a lógica racional condicionou a separar e a
excluir. Correspondências, sinestesias. Todos os sentidos incluídos.
A literatura, a partir dessa visão, não terá finalidade pedagógica e sim
projetará o
seu
leitor como um ser com desejos e pensamentos próprios, pronto a
descobrir mundos novos que expandam a sua realidade, somando-
se
à
s
experiências, poucas ou muitas, que já fazem parte do seu mundo .
Ainda segundo
as
autoras (
I
bidem
:
11
):
“os projetos mais arrojados de literatura infantil investem, não
escamoteando o literário, nem o facilitando, mas enfrentando sua qualidade
artística e oferecendo os melhores produtos possíveis ao repertório infantil,
14
que tem a competência necessária para traduzi-lo pelo desempenho de
uma leitura múltipla e diversificada
...
Independente
do modo de produção desse livro, ao qual a criança tinha
acesso,
de acordo
com Meireles (1984
:
29
),
a
verdade é que:
“De modo em
suma,
o ”livro infantil” , se bem que dirigido à criança, é de
invenção e intenção do adulto. Transmite os pontos de vista que este
considera mais úteis à formação de seus leitores. E transite-os na
linguagem e no estilo que o adulto igualmente c
adequados à
compreensão e ao gosto do seu público”
Dessa forma, concordamos com Cecília Meirelles que considera Literatura
infantil
os livros que, durante o tempo, as crianças descobriram, preferiram,
incorporaram ao seu mundo, tendo sido escrito para elas ou não. Trata-se, portanto,
do critério do leitor e não do autor.
O certo é que algumas histórias têm resistido ao tempo, seja na Literatura
Infantil
, seja na Literatura Geral, e são
aquelas
capazes de satisfazer as
inquietações
humanas, que não mudam,
pois
se arrastam pelos séculos. Segundo
Meireles:
“Que as crianças gostam de histórias ricas de conteúdo humano, prova
-
o a
escolha que têm feito, através dos tempos, entre livros tão variados
”.
(
Ibidem
:
122
)
1.
3 A
LITERATURA INFANTIL EM PORTUGAL E NO BRASIL
Apesar de afirmarmos que a literatura infantil teve seu início no século XVII,
é
necessário ressaltar que esse início foi para uma pequena minoria, uma vez que a
15
maior parte das crianças
permaneci
am analfabetas em todo o mundo, mesmo nos
países
que foram pioneiros da escolaridade de massas, como a França.
Em plena Revolução Francesa, por exemplo, quando houve a reforma da
instituição pública, em 1801, as autoridades recensearam todas as crianças de
idades compreendidas entre os sete e os onze anos para terem uma idéia acerca
do número de escolas que era necessário construir. As contas foram feitas
ignorando a metade feminina da população. Na metade do séc. XVIII, quinze mil
comunidades francesas ainda não
dispunham de escola primária.
Na mesma época, em Portugal, a maioria das crianças de ambos os sexos
não era alfabetizada, pois considerava-se suficiente para os que se dedicavam a
trabalhos rústicos e fabris, o ensino oral do catecismo ministrado.
Ribei
ro Sanches deixara escrito nas suas «Cartas sobre a educação da
mocidade» que a instrução generalizada não tinha qualquer vantagem e
contribuía para desviar as pessoas dos seus ofícios manuais.
Assim, os escritores existentes nessa época, escreviam para uma
minoria
privilegiada que tinha acesso aos livros: os pequenos aristocratas e os filhos da alta
burguesia.
No Brasil, a instrução dos tempos coloniais era impedimento natural ao uso
de livros, principalmente os voltados à infância. Existiam casos particulares de
leitores
desse gênero, mas a leitura não era uma conquista popular, o que não
mudou por
muito
tempo
.
Em 1882,
aparece
no Brasil
,
As mil e uma noites, traduzida por Carlos
Jansen
, que propiciou
, aqui,
o prestígio
inicial do
conto maravilhos
o oriental.
Em
1896, surge a obra Os Contos da Carochinha de F. P , que prestigia
contos franceses e ingleses.
E
sta obra é uma coletânea de contos selecionados pelo
autor que
compreende
textos originais franceses, traduzidos p
or
ele
, além de
traduções
portuguesas
(cf.
Coelho,
1984
:
260).
Coelho
(
Ibidem)
comenta a manutenção do prestí
gio
oriental para as obras
iniciais de literatura infantil no Brasil, a partir dos textos que compõem os Contos da
Carochinha
:
16
“61 contos populares, morais e proveitosos de rios países, traduzidos e
recolhidos diretamente da tradição local”, - como é dito na abertura. Nessa
coleção contos de Perrault, Grimm e Andersen; bulas; apólogos;
alegorias; contos exemplares; lendas; parábolas; provérbios; contos
jocosos; etc. Uma curiosidade é que nenhum deles tem início com o
clássico “Era Uma vez...”; e também dão grande ênfase ao elemento
oriental
. Por exemplo, A Bela Adormecida no Bosque
,
nesta
tradução/adaptação de F.P., passa
-
se no Oriente
.”
Havia, nas primeiras décadas do século passado, uma insatisfação dos
intelectuais da época com relação à produção literária destinada a crianças no
Brasil.
Monteiro
(1946:
276)
era um dos críticos e fez referência à pobreza de
Literatura Infantil em sua correspondência dirigida a Godofredo Rangel: “Que é que
nossas crianças podem ler? Não vejo nada... É de tal pobreza e tão besta a nossa
literatura infantil, que nada acho para a iniciação de meus
filhos”
.
Essa insatisfação levou Lobato a uma revolução na maneira de escrever para
crianças, em pleno período de confronto entre o tradicional (formas desgastadas
do Romantismo/ Realismo) e o moderno (representado pelo modernismo de 22),
mas essas mudanças
seriam
efetivamente incorporadas pelos escritores infantis
na segunda metade
do século passado.
Segundo C
oelho
(19
85
), a divisão histórico-literária da literatura infantil
brasileira, em seus vários períodos, tem em Monteiro Lobato um marco divisor de
época
, o que viabiliza a seguinte classificação:
-
precursora: período pré
-
loba
tiano (1808
-
1919)
;
-
moderna: período lobatiano (anos 20/70)
;
-
pós
-
moderna: período pós
-
lobatiano (anos 70/...).
Para a autora, a obra infantil de Lobato apresenta as seguintes
caracter
ísticas:
17
- é precursor de uma literatura infantil crítica que se preocupa em debater
temas públicos, normalmente circunscritos ao mundo adulto, de forma a serem
facilme
nte apreendidos pelas crianças
;
- é inovador ao se utilizar do humor para desmistificar uma série de pseudo-
verdades;
- é selecionador do uso de uma linguagem coloquial bem característica da
infância (invenção de palavras).
Segundo Z
ilberman
(1994), a literatura infantil, até Lobato, não apresentava
uma temática nacional, reproduzindo os padrões vindos da Europa. Ele consegue
romper esse círculo, aproveitando nossas tradições folclóricas e seu êxito se deve
aos seguintes fatores:
-
personagens que se repetem em todas as narrativas;
- emprego de crianças como heróis, promovendo imediata identificação com o
leitor;
-
ausência de autoritarismo e de imagens a
dultas repressoras;
- a opinião das crianças personagens é respeitada;
-
a curiosidade e a criatividade são estimuladas.
Conforme
Coelho (1985), excluindo a produção lobatiana, o que permanece
n
a literatura infantil (mesmo na literatura geral) é a preocupa
ção nacionalista.
Coelho (1984) trata da literatura infantil, no Brasil, a partir da década de 30.
Segu
ndo a autora (
I
bid
.
: 199)
:
“na década de 1930, marcada pelo antagonismo entre realismo e fantasia,
a produção dos autores
apresenta
os vários tipos de narrativa: 1)
as
de
pura fantasia (na linha dos clássicos contos maravilhosos); 2) as da
realidade cotidiana (registrando experiência do dia-a-dia, em casa, na
escola ou em férias, bem familiares à criança); 3) as da realidade histórica
18
(exaltando a terra brasileira, episódios nacionais ou brasileiros notáveis)...);
4)
as da realidade mítica (redescobrindo figuras ou lendas folclóricas) e 5)
as do realismo maravilhoso (mostrando o ‘maravilhoso’ como elemento
integrante do Real,
tal como o fazia Lobato).
Na década de 1940, segundo a autora, prolifera uma literatura ligada à
educação pragmática deixa-se de lado o literário para dar lugar ao didático. Tal
“literatura”
visa “eliminar, de sua gramática narrativa, as ‘irrealidades’, o
extraordinário e o maravilhoso que sempre caracterizaram a Literatura Infantil.
Fadas, bruxas, duendes, talismãs, gênios, gigantes, castelos, princesas ou príncipes
encantados, etc., foram sistematicamente combatidos como ‘mentiras’
(Ibid.
:
204)
alegando que tais
hi
stórias, incluindo as de L
obato
, eram prejudiciais à formação da
criança, podendo levar à “perda de sentido do concreto, evasão do real,
distanciamento da realidade
”.
Expandem-se livros documentários e de realismo
cotidiano, todavia isentos de mérito.
Nesse período, bem como na década anterior, o ensino primário era
ressaltado na capacidade de formação do cidadão cooperando “com a
comunidade social e com os ideais cívicos, em função do progresso e da unidade
nacional.”
(
Ibid
.:
203)
Na década de 1950, inicia-se a era da televisão. A autora chama a atenção
para a crise de leitura que então ocorre de maneira geral da criança ao adulto.
Mas também é uma época em que a fantasia (fusão entre real e imaginário) passa a
fazer parte da literatura infantil, que vai aos poucos se desvencilhando do realismo
limitado de antes. E se, a partir dessa década, a literatura em quadrinhos vai virando
sucesso de mercado, também se inicia um movimento em favor da formação do
teatro para crianças, cujas atividades foram desenvolvidas na televisão, inclusive na
década seguinte, ao mesmo tempo em que muitas montagens teatrais e muitos
textos foram criados para tal.
A década de 60, em termos de produção literária infanto-juvenil, foi de
transição, de preparo para a irrupção criativa da década seguinte. Por outro lado,
nos currículos e programas de e graus, a leitura ganha destaque.
Escreve
a
autora
(I
bid.: 212) :
19
“A leitura
, como habilidade formadora básica, é colocada como ponto de
apoio das múltiplas atividades propostas aos aluno
s, durante o processo de
aprendizagem. Inclusive o texto literário passa a servir de ponto de partida
para o estudo da gramática ou da língua em geral. Com isso, se altera pela
base o ensino tradicional, eminentemente teórico.”
Por causa da demanda esco
lar, nos anos 70, a produção literária
se expande
,
instaurando
-se o mercado consumidor de livros infantis, utilizados principalmente
como um auxiliar didático do professor. A literatura dessa década apresenta muitos
aspectos herdados de Lobato.
Nos anos 80, o gênero literário infantil brasileiro havia se firmado em razão
do crescimento do mercado consumidor, sendo que começaram a surgir livrarias
especializadas em livros infantis e um grande n
ú
mero de produções.
Alguns autores atuais seguem
atentos
à mesma preocupação
de
Monteiro
Lobato com a formação infantil e
com
a importância do livro. São eles: Ana Maria
Machado, Ruth Rocha, Lygia Bonjunga, entre outros.
A história da literatura no Brasil das três últimas décadas, para P
ellegrini
(2004), vem marcada por um processo de mercantilização que hoje a torna
totalmente prisioneira do
marketing
, processo que se constitui de estratégias de
divulgação, promoção e vendas do objeto
-
livro. Por esse motivo, a literatura infantil é
uma das áreas editoriais que mais tem se desenvolvido nas últimas décadas.
Estamos vivendo um período em que a literatura vem ganhando cada vez mais
espaço na área acadêmica, nas escolas de Educação Básica, na imprensa e na
preocupação principalmente em torno do gosto pela leitura.
Atualm
ente, os livros infantis são adaptados às necessidades sociais
representadas pelo sistema educativo, independente
mente
de ser
em
realistas
,
20
fantasista
s ou mesmo híbrid
os
. A literatura infantil procura remeter as crianças ao
seu cotidiano, buscando prepar
á-
las
para enfrentar a realidade da vida.
1.4
OS CONTOS , CONTOS MARAVILHOSOS
,
CONTOS DE FADAS E A
CULT
URA.
Contar uma história é uma arte que atravessa os séculos.
O conto é uma forma de expressão, oral ou escrita, cujo conteúdo é capaz de
retratar sua época, a cultura na qual estão inseridos os sonhos e desejos de seus
autores, os sonhos e desejos de seus leitores, conforme a interpretação pessoal do
autor, ao mesmo tempo pode ser atemporal, envolvendo, dando espaço ao leitor
para imaginar, completar, interagir com a história contada.
No início, o papel do contador de histórias não era lúdico, ao contrário, era de
incutir medos.
Segundo Hohlfeldt (1988), o conto de criação popular não continha, em si, o
conhecimento técnico da língua, mas somente as histórias do povo. Por essa razão,
durante longo tempo, permaneceu como domínio exclusivo de um povo sim
ples, que
não pôde registrá
-
lo com a escrita, mas passou
-
o, oralmente, de geração a geração.
O termo conto, com os estudos narrativos, tornou-se complexo, na medida
em que é tratado, pela Teoria Literária, como um gênero literário ou como uma
narrativa
que se desenrola num determinado período de tempo, como o contar oral
ou escrito de uma história.
Nesta dissertação, embora tenhamos como ponto de partida que A bela
adormecida no bosque é um conto oral, no sentido de contar histórias para um
audit
ór
io, as versões pesquisadas são de documentação escrita, podendo ser
analisado tanto pelo seu aspecto escrito, como pelo papel social do contador de
histórias
em uma determinada época.
Muitos são os estudiosos que encontraram nas narrativas orais tradicio
nais
(orais, pois tem como base a oralidade, mas que tem sido estudadas a partir de sua
21
forma escrita)
, e principalmente nos contos
,
um espaço privilegiado para os estudos
inter
disciplinares, como apresenta
Nascimento
(1993
:
251)
:
‘Os trabalhos de Claude Lévi-Strauss sobre os mitos, estendidos aos
contos populares, de Vladimir Propp sobre a morfologia (1928, 1970) e
raízes históricas (1985), de Alan Dundes (1964) e Claude Brémond (1973),
de Denise Paulme (1976, 1980); do grupo de pesquisadoras do Cen
tre
Nacional de la Recherche Scientifique, de Paris, Geneviève Calame-
Griaule, Veronika Görög, Suzane Platiel, Diana Hay-Hulman e Christiane
Seydou (1977, 1980) sobre o conto popular africano; as análises
semióticas de Lotman (1973), Greimas (1966, 1975); de Joseph Courtès
(1976) e Pierre Maranda (1973); de Meletinsky (1970) sobre estrutura e
tipologia; a análise estética de Mihai Pop (1970), Jacobs (1959), Banó
(1984), entre muitos outros, mostram claramente não apenas o interesse
acentuado nessas áreas de estudos, mas a própria estruturação de
algumas disciplinas com base no vasto mat
e
rial narrativo popular.
P
odemos
citar,
no
Brasil,
os estudos de Câmara Cascudo (1944, 1946, 1947,
1972
, 19
76
, 1978, 1980
e outros)
sobre
o folclore nacional e
suas raízes
.
Temos por ponto de partida, nesta dissertação, analisar versões de um
mesmo conto, sendo este visto como um depoimento no tempo, que possui uma
condição de elaboração e que pode ser interpretado em perspectivas diferenciadas
em função do tempo de leitura, permitindo-nos ver modificações estruturais,
ressematização, e reenunciação
.
Sobre o contar
histórias
,
Gotlib (1985
:
12)
propõe
que:
“O contar (do latim
computare
) uma estória, em
princípio,
oralmente, evolui
para o registrar as
estórias,
por escrito. Mas o contar não é simplesmente
um relatar acontecimentos ou ações. Pois relatar implica que o acontecido
seja trazido outra vez, isto
é:
re
(outra
vez) mais latum
(trazido
), que vem
22
de fero
(eu
trago). Por vezes é trazido outra vez por alguém que ou fo
i
testemunha ou teve notícia do acontecido.
Segundo Coelho (
198
4
),
os contos de fadas e os contos maravilhosos são
praticamente iguais em rela
çã
o à
forma,
que os dois pertencem ao universo do
maravilhoso
;
porém
no
vel da
problemática,
por suas posições em relação à vida.
Os primeiros apresentam uma problemática existencial,
cujo
objetivo é a auto -
realização, ligada ao
ideal,
aos valores eternos, ao espírito. Os segundos
têm,
como
ponto principal, uma problemática social, ligada ao sensorial, ao c
oncreto,
à vida
prática.
Como os contos de fadas e outros contos participam da literatura infantil, e
esta tem uma relação com os conhecimentos sociais, um intrínseco liame entre
literatura e cultura.
Os contos de fadas são,
se
gundo
Coelho (198
4:
13
-
14)
“contos com ou sem a presença de fada que têm argumentos que se
desenvolvem dentro da magia feérica (reis, rainhas, príncipes, gênios,
bruxas, gigantes, anões) e têm como eixo gerador uma problemática
existencial (...) ligada à união homem –mulher . (...) são de origem celta,
integrados
no ciclo novelesco arturiano.
Os contos de fadas existem
muitos séculos, inicialmente eram contos
folclóricos da tradição oral e que não se pareciam em nada com histórias infantis,
pois envolviam questões adultas, como sexo e canibalismo. Na modernidade, os
contos foram reformulados a fim de atender a esse novo público infantil, visto que
nem sempre a criança foi reconhecida como tal.
Em relação
à
expansão do conto de fadas, Canton (1994
:
48
-
49),
afirma
que
:
23
“A moda dos contos de fadas declinou com o estouro da
Revolução
Francesa, quando os interesses das classes superiores tiveram de se
defrontar com os das classe
s
inferiores. Ainda assim, a onda dos contos de
fadas na França, que durou do final do século XVII ao final do XVIII, foi
diretamente responsável pelo florescimento do conto de fadas na Europa e
nas Américas a partir do século XIX. Os valores e comportamentos-
padrão
estabelecidos pelos contos de Perrault exerceram e continuam a exercer
poder sobre a forma como lemos e interpretamos contos de fadas hoje em
dia, seja por intermédio das coleções ilustradas para crianças, das versões
cinematográficas de Walt Disney, dos anúncios de televisão ou de outras
utilizações nos veículos de comunicação de massa.
Os con
tos de fadas e suas mais diversas análises são importantes
,
na medida
em que fazem parte da individuação
do ser humano
.
Segundo
Bettelheim
(
1980
:
50):
“o conto de fadas oferece materiais de
fantasia que sugerem à criança, sob forma simbólica, o significado de toda batalha
para conseguir uma auto
-
realizaç
ão, e garante um final feliz.
Além
disso
, o conto de fadas também se estabelece como mediador para a
socialização da criança, orientando-a acerca do funcionamento da vida em
sociedade: a função de cada um, o seu trabalho. Richter e Merkel (
1993
:
28)
consideram que
:
“a atração do conto folclórico para a criança reside [...] na elaboração de
um esboço razoável da sociedade; isto é, cada personagem com seu pap
el
definido em relação às outras e sua posição é designada, no contexto geral
da organização social.
24
O conto de fadas é conhecido, de forma geral, como socialmente universal,
devido a sua tradição oral. E ainda hoje, que dispomos de um grande
númer
o de
publicações que visam ao público infantil, é ainda através da oralidade que
se
estabelece
o primeiro contato da criança com a literatura.
Os pais têm (porque ouviram, ou porque leram) contos de fadas
internalizados e utilizam-se deles sempre que possível ou necessário, pois assim o
fizeram também os seus próprios pais, professores ou adultos que cercaram sua
infância ou adolescência.
Podemos dizer, assim, que o conto de fadas faz parte de uma prática
discursiva que permeia uma grande parte dos grupos sociais. Não podemos afirmar
que todos os grupos os leiam da mesma forma, visto ser a leitura um processo
dinâmico, e a focalização dos pontos mais interessantes
,
para cada grupo, varia
muito
. Embora haja variação interpretativa, a coerência mais global do conto de
fadas
, relativa a personagens e percurso narrativo, tende a um consenso para as
leituras
.
1.5
AUTORES
DAS VERSÕES ANALISADAS
E SUAS CONTEMPORANEIDADES
Neste
item,
apresentamos as biografias dos autores das versões
selecionadas, como
material
de an
á
lise. Entendemos que
situá
-
lo
s
no tempo em que
viveram
, a partir de suas funções e ações, propicia de certo modo, resgatar traços
históricos de suas contemporaneidades.
Na ordem
cronológica,
o texto-base é de Charles Perrault, publicado em
1697, com o
tulo
do livro
Histór
ia
s ou Contos do tempo passado com moralidades
.
A primeira versão brasileira escolhida é a tradução feita do texto base por Monteiro
Lobato publicada em 1948, tendo por
tulo
do livro
Contos de fadas
.
A
Versão de Monteiro Lobato é de Ana Maria Machado, publicada em 2003,
como um livro que tem por tí
itulo
A bela adormecida no bosque
.
A
Versão da Katia Canton é de Kátia Canton, publicada em 2005, como um
conto de um livro que tem por
tulo
Era uma vez ...Perrault
.
25
A
Versão da Editora
Todolivro
é de 2002 , da qual não há indicação do autor
.
T
rata
-se de uma publicação infantil publicada em separata, cada qual com uma
história
.
1.
5.
1
Charles Perrault
Charles Perrault foi um escritor francês do século XVII (1628 1703). Nasceu
em Paris, oriundo de uma família burguesa abastada, e deu início aos seus estudos
em 1637, no colégio de Beauvais, que viria a concluir aos quinze anos, tendo
demonstrado um certo talento para as línguas mortas. Em 1643
,
ingress
ou
no curso
de Direito e, em 1651, com apenas vinte e três anos,
consegu
iu
o seu diploma,
tornando
-
se advogado.
Em 1654, Perrault torn
ou
-se funcionário junto do seu irmão mais velho Pierre,
cobrador geral do reino e, depois de ter publicado uma série de odes dedicadas ao
rei,
torn
ou
-
se assistente de Colbert, o famoso conselheiro de Luís XIV.
Aos poucos
,
seu interesse foi convergindo cada vez mais para a literatura.
Publicou em 1659, os poemas Retrato de Íris” e Retrato da Voz de Íris”, que
abriram as portas para sua nova carreira como poeta oficial da corte de Luís XIV.
Em 1665
,
passou a ser superintendente das obras públicas do reino e, dois
anos mais tarde,
orden
ou
a construção do Observatório Real, de acordo com as
plantas do seu irmão Claude.
Além de escritor,
foi
advogado e trabalhou como superintendente em
algumas obras do rei Luís XIV.
No ano de 1671
,
foi
eleito para a Academia Francesa e no dia da sua
inauguração permitiu ao público presenciar a cerimônia, privilégio continuado ainda
nos nossos dias. Nessa posição, ocupou
-
se da chamada
Querela entre os Antigos e
Modernos
, opondo-se aos escritores que defendiam a soberania da língua grega
clássica. Juntamente com alguns de seus conterrâneos, Perrault
insist
iu
na
importância da língua e da cultura francesas e
tecia
seus textos com valores
culturais de seu
pa
ís.
26
No ano seguinte, é nomeado chanceler da Academia. C
on
trai
u , no mesmo
ano
,
matrimônio com Marie Guichon. Em 1673, nascer a sua primeira criança,
uma filha, e torna-se bibliotecário da mesma Academia. Em 1678, após dar à luz o
seu quarto filho, Marie Perrault morre.
Já idoso, resolveu registrar as histórias que ouvia quando criança de sua mãe
para contá-las aos próprios filhos. O livro, publicado em 11 de janeiro de 1697,
quando contava quase 70 anos, recebeu o nome de Histórias ou contos do tempo
passado com moralidades, mas também era chamado de Contos da Velha e
Contos
da
Cegonha
, ficando, afinal, conhecido como
Contos da mamãe gansa
.
Perrault ficou conhecido como escritor de contos de fadas, porém é bom
lembrar que estes não eram exclusivamente destinados ao público infantil. Não
existia sequer uma separação entre o que era escrito para adultos e o que era feito
para crianças até a passagem do século XVII para o XVIII. A partir desse momento,
muitos escritores começaram a moldar os contos escritos para
at
e
nder
especificamente às crianças, tornando-se veículos de civilização que os valores
contidos nos contos preparava as crianças para seus futuros papéis sociais,
principalmente para tudo que envolvia a noção de
civilité
com o foco voltado para as
boas maneiras, o discurso refinado e a repressão sexual que impunha normas
definidas de conduta.
Os "Contos da mamãe gansa" se constituem de uma coletânea de oito
histórias, posteriormente acrescidas de mais três títulos, ainda que em um
manuscrito de 1695, encontrado em 1953, constassem apenas cinco textos. Os
co
ntos que falam de princesas, bruxas e fadas trazem histórias que habitam até hoje
o imaginário infantil como "A Bela Adormecida", "Chapeuzinho Vermelho",
"Cinderela", dentre outros.
As mais famosas trazem bruxas, princesas e outros seres
mágicos como "A Bela Adormecida", "Chapeuzinho Vermelho", "Cinderela", "O Gato
de Botas", "O Pequeno Polegar", muito populares ainda hoje.
1.5.2
Monteiro Lobato
27
A
respeito de Monteiro Lobato, um dos mais importantes escritores
brasileiros,
Arapiraca (
1996
:43
) nos revela de maneira lúdica e encantadora, um
pouco de seu legado:
“No mundo de Lobato nada faltou. Ele removeu o tempo e o espaço.
Reconstruiu o mundo para seus guris. Levou-os a todas as partes;
conduziu
-os ao s céus, ao mar e às mais longínquas paragens.
T
ransportou
-as às civilizações mais remotas numa viagem até nossos dias
(...). Passeou com eles pela História (...), guiou-os através das religiões
desde o paganismo; através da filosofia de todas as épocas ; das
Literaturas dos países
diferentes; das art
es das ciências, em todas as suas
manifestações (...). Lobato não se esqueceu tabmém do mundo clássico,
cheio de surpresas e peripécias. Não ficou nas fábulas e não se limitou
ao nosso delicioso Sítio do Pica-pau” e ao nosso folclore. Lobato deu às
crianças o seu clima épico, heróico, ora conduzindo-as ao mundo
fantástico da Mitologia grega (...) a obra de Lobato recria e forma o
educando. Ela é síntese, é uma enciclopédica de todas as grandes obras
universais. Esse caráter enciclopédico não é apenas no campo da
recreação, mas no sentido do conhecimento e da cultura
.”
Quanto aos aspectos mais práticos, José Bento Renato Monteiro Lobato
foi
uma das pessoas mais importantes século XX (1882 - 1948). Criado em fazenda,
Monteiro Lobato foi alfabetizado pela mãe Olímpia Augusta Monteiro Lobato e
depois por um professor particular. Aos sete anos, entrou num colégio. Aos onze
anos, em 1893, foi transferido para o Colégio São João Evangelista. mudou seu
nome de José Renato para José Bento,
mesmo nome do pai.
Em 1898, perdeu o pai, José Bento Marcondes Lobato e, no mesmo
ano
,
de
cidiu, pela primeira vez, participar das sessões do Grêmio Literário Álvaro de
Azevedo do Instituto Ciências e Letras. Sua e, tima de uma depressão
profunda, veio a falecer no dia 22 de junho de 1899.
Após completar 17 anos,
foi para
o Paulo
Em 1904
,
diplomou
-se bacharel em Direito e regressou a Taubaté. Em maio
de 1907
,
foi nomeado promotor público em Areias e casou-se com Purezinha, a 28
28
de março de 1908. Exatamente um ano depois nasceu Marta, a primogênita do
casal.
Em 1910
,
associ
ou
-se a um negócio de estradas de ferro e nasceu o seu
segundo filho, Edgar. Viveu no interior e nas cidades pequenas da região,
escrevendo paralelamente para jornais e revistas, como Tribuna de Santos, Gazeta
de Notícias do Rio de Janeiro e Fon-Fon, para onde também mandava caricaturas e
desenhos. Passou a traduzir artigos do
Weekly Times
para o jornal O Estado de São
Paulo, e obras da literatura universal, também enviando artigos para um jornal de
Caçapava.
Em 1912
,
nasceu Guilherme, o seu terceiro filho
.
Em 12 de novembro de 1914, o jornal O Estado de São Paulo publicou o seu
artigo
Velha
Praga
. No mesmo ano, o mesmo jornal publicou um conto daquele que
mais tarde seria o seu primeiro livro,
Urupês
. Sua quarta e última filha, Rute, nasceu
em fevereiro de 1916, quando iniciava colaboração na recém fundada Revista do
Brasil. Era uma publicação nacionalista que agradou em cheio o gosto de Lobato.
Em 1917, mud
ou
-se para São Paulo. No mesmo ano, public
ou
em O Estado
de S. Paulo o artigo A Propósito da Exposição de Malfatti (republicado em 1919 na
coletânea
Idéias de Jeca Tatu, com o título Paranóia ou Mistificação?), que,
crítica
ndo a
pintura
da
moderna, em especial às
da
exposição de Anita Malfati
,
criou
polêmica com poetas e escritores - como Mário de Andrade (1893 - 1945)
,
Oswald de Andrade (1890 - 1954) e Menotti Del Picchia (1892 - 1988), grupo que
realizou a
Semana de Art
e Moderna
em
1922.
Em 1918, Monteiro Lobato comprou a Revista do Brasil e passou a dar
espaço para novos talentos, ao lado de pessoas famosas.
Em 1920, o conto
Os Faroleiros
serviu de argumento para um filme dirigido
pelos cineastas Antonio Leite e Miguel Milani. Meses depois, publicou
Negrinha
e
A Menina do Narizinho Arrebitado
”,
sua primeira obra infantil, que deu origem à
Lúcia, mais conhecida como a Narizinho do Sítio do Pica-pau Amarelo. O livro foi
lançado em dezembro de 1920 visando aproveitar a época de Natal. A capa e os
desenhos eram de Lemmo Lemmi, um famoso ilustrador da época.
A partir daí, Lobato continuou escrevendo livros infantis de sucesso,
especialmente com Narizinho e outros personagens, como Dona Benta, Pedrinho,
29
Tia Nastácia, o boneco de sabugo de milho Visconde de Sabugosa e Emília, a
boneca de pano.
Além disso, por não gostar muito das traduções dos livros europeus para
crianças, e sendo um nacionalista convicto, criou aventuras com personagens bem
ligados à cultura brasileira, recuperando,
inclusive
,
costumes da
roça
e lendas do
folclore.
Mas não parou por aí. Monteiro Lobato pegou essa mistura de personagens
brasileiros e os enriqueceu, '"misturando-os" a personagens da literatura universal,
da mitologia grega, dos quadrinhos e do cinema. Também foi pioneiro na literatura
paradidática, ensinando história, geografia e
matemática, de forma divertida.
A edição de Narizinho arrebitado, em 1920
,
é considerada o marco da
literatura infantil no Brasil, que antes dessa obra apenas tínhamos coletâneas de
contos de origem européia, como a de Alberto Pimentel que foram lançadas no final
do século dezenove. Entres estas, encontramos Contos da Carochinha
(1896),
primeira obra de Literatura Infantil p
ublicada
n
o Brasil.
1.5.3
Ana Maria M
achado
Escritora brasileira nascida em 24 de dezembro de
1941,
em Santa Tereza
RJ.
Começou
su
a carreira como pintora. Estudou no MAM (Museu de Arte
Moderna
do Rio de Janeiro) e fez exposições individuais e coletivas, enquanto fazia
o curso
de Letras na Universidade Federal
, após
desistir do
de Geografia
. O objetivo
era ser pintora mesmo, mas depois de doze anos às voltas com tintas e telas,
resolveu que era hora de parar. Optou por privilegiar as palavras, apesar de
contin
uar pintando até hoje.
Afastada profissionalmente da pintura, Machado passou a trabalhar como
professora em colégios e faculdades, escreveu artigos para a revista
Realidade
e
traduziu textos. Já tinha começado a ditadura, e ela resistia participando de
reuniões
e manifestações. No final do ano de 1969, depois de ser presa e ter diversos amigos
também detidos, a escritora deixou o Brasil e partiu para o exílio. A situação política
mostrou
-
se
insustentável.
30
Na bagagem para a Europa, levava cópias de algumas histórias infantis que
estava escrevendo, a convite da revista
Recreio
. Lutando para sobreviver com seu
filho Rodrigo ainda pequeno, trabalhou como jornalista na revista
Elle
em Paris e na
BBC
de Londres, além de se tornar professora
na
Sor
bonne
. Nesse período, ela
consegu
iu
participar de um seleto grupo de estudantes, cujo mestre era Roland
Barthes, e
termin
ou
sua tese de doutorado em Linguística e Semiologia, sob a sua
orientação. A tese resultou no livro Recado do Nome, que trata da obra de
Guimarães Rosa. Mesmo
ocupada
, Ana não parou de escrever as histórias infantis
que vendia para a Editora Abril.
A volta ao Brasil
aconteceu
no final de 1972, quando começou a trabalhar no
Jornal do Brasil e na Rádio JB - ela foi chefe do setor de Radiojornalismo dessa
empresa
durante sete anos. Escondida por um pseudônimo,
Machado
ganhou o
prêmio João de Barro por ter escrito o livro História Meio ao Contrário, em 1977. O
sucesso foi imenso, gerando muitos livros e prêmios em seguida. Dois anos depois,
ela abriu a Livraria Malasartes com a idéia de ser um espaço para as crianças
poderem ler e encontrar bons livros.
O jornalismo foi abandonado no ano de 1980, para
que,
a partir de então,
a
autora
pudesse se dedicar ao que mais gost
ava
: escrever seus livros, tanto os
voltados para adultos como os para crianças e jovens. Obteve tamanho sucesso
,
que em 1993 ela se tornou
hors
-
concours
dos prêmios da Fundação Nacional do
Livro Infanti
l e Juvenil (FNLIJ). Finalmente, a coroação
: em
2000,
Machado
ganhou o
prêmio Hans Christian Andersen, considerado o prêmio Nobel da literatura infantil
mundial e
, em 2001, a Academia Brasileira de Letras deu-
lhe
o maior prêmio literário
nacional, o Mac
hado de Assis, pelo conjunto da
sua
obra.
Em 2003, após quatro meses de uma campanha trabalhosa, a autora teve a
imensa honra de ser eleita para ocupar a cadeira número 1 da Academia Brasileira
de Letras, substituindo o Dr. Evandro Lins e Silva. Pela primeira vez, um autor com
uma obra significativa para o público infantil havia sido escolhido para a Academia. A
posse aconteceu no dia 29 de agosto de 2003, quando Ana foi recebida pelo
acadêmico Tarcísio Padilha e fez uma linda e afetuosa homenagem ao seu
antecessor.
São 33 anos de carreira, mais de 100 livros publicados no Brasil, e em mais
de 17
países
,
somando mais de dezoito milhões de exemplares vendidos.
31
Hoje, vive no Rio de Janeiro e exerce intensa atividade na promoção da
leitura
e fomento do livro.
1.5.4
Katia Canton
Nascida e criada em São Paulo
,
Canton possui graduação em Comunicação
(Jornalismo) pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1982) e graduação em
jornalismo pela Universidade de São Paulo (1986),
Ela estudou na Aliança Francesa e depois cursou Cours Superière de Nancy.
Estudou, também,
dança moderna em Paris entre junho e outubro de 1984.
Em 1987
,
foi viver em Nova York, trabalhando como jornalista para vários
jornais e revistas, como no Jornal da Ta
rde
, no O Estado de S. Paulo,
no
O
Expresso de Portugal e nas
Revista
s
Isto É
,
Vogue
,
Elle
,
além de revistas norte-
americanas de arte, como a
Art in América
e
Artforum
.
Ainda em Nova York, na New York University, a
autora
fez mestrado e
doutorado em Artes Interdisciplinares tendo como tema da pesquisa arte e contos
de fadas.
Vivendo em Nova York, além de escrever,
Kanton
trabalhou um ano no
departamento de arte
-
educação do MoMA ( Museum of Modern Art).
Após 8 anos, voltou ao Brasil e através de concurso, tornou-se professora e
curadora de arte do Museu de Arte Contemporânea da USP. Junto com a carreira
acadêmica e o trabalho de curadora de exposições e projetos de arte, iniciou a
carreira de escritora de livros in
fanto
-
juvenis,
Recebeu muitos prêmios e recomendações por suas obras, entre eles o
Prêmio Jabuti - Melhor livro infantil ou juvenil, CBL (1997), o Prêmio Malba Tahan
(2003) - Melhor Livro Informativo, Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e o
Prêmio Jabuti 2005 - Lugar, Melhor livro infantil para "Moda, uma História para
crianças", Cosas & Naify.
32
Atualmente é, também, livre
-
docente em Teoria e Crítica de Artes pela
ECA
-
USP
, onde é docente.
Em síntese, embora, no Brasil, a literatura produzida para jovens e
crianças
não seja
a que causa maior preocupação para os autores, a sua produç
ão
tem se desenvolvido e tornado objeto de estudo de especialistas e merecido a
atenção da crítica literária.
33
CAP
ÍTULO
2
“A bela adormecida no bosque
-
fundamentos teóricos para análise
Este capítulo apresenta fundamentos teóricos relativos à narrativa, com
vertente da teoria literária e semiótica greimasiana; a conceitos de texto e discurso;
à
enunciação e enunciado; e a contrato de comunicação / macro atos de fala.
Apresenta, também, fundamentos da vertente sócio-cognitiva da Análise
Crítica do Discurso e do Interacionismo Simbólico.
2.1
FUNDAMENTOS
DA TEORIA NAR
RATIVA
Os primeiros estudos da narrativa começaram a partir da Poética de Aristóteles
,
escritos em torno do ano de 335 a.C. Seus estudos continuam sendo uma obra de
referência para o entendimento da narrativa e suas diferentes contribuições têm
propicia
do uma interdisciplinaridade com os estudos lingüísticos.
Os estudos das narrativas s
ão
designados
Narratologia, que é um termo
traduzido do Francês, introduzido por Todorov na sua
obra
Gramática do Decameron
(1
969).
Segundo Reis e Lopes (1988
)
, a narratologia
é uma área de reflexão teórico
-
metodológica autônoma, centrada na narrativa como modo de representação literária
e não literária, bem como na
análise
dos textos narrativos, e recorre a orientações
teóricas e epistemológicas da teoria semiótica.
Para Bal
(1977
:
5) “ a
narratologia é a
ciência que procura formular a teoria das relações entre texto narrativo, narrativa e
história”. para
Prince
(1982
:
4)
“a narratologia é o estudo da forma e
funcionamento da narrativa” .
34
2.1.1
A
Narratologia
A narratologia não privilegia exclusivamente textos narrativos
literários,
nem
se restringe a textos narrativos verbais, pois visa também ao ci
nema,
à
história
em
quadrinhos,
à narrativa da imprensa
etc.
No que se refere ao estudo da forma e do funcionamento da narrativa, a
narratologia examina o que as narrativas têm de comum entre si e aquilo que as
distingue enquanto narrativas; procura descrever o sistema especifico narrativo
buscando as regras que presidem à produção e processamento dos textos
narrativos.
No que se refere à formulação da teoria das relações entre a teoria das
relações
entre texto narrativo, narrativa e história, a narratologia visa à
s
pr
á
ticas
narrativas, enquanto discursos e gêneros discursivos, de forma a privilegiar as
propriedades modais da narrativa.
No
in
í
cio
, a narratologia pode ser situada nos estudos de
Propp,
cuja reflexão
morfológica
inspirou
outras
reflexões,
interessadas em estabelecer constâncias para
o processo narrativo. Assim, foram tratados os níveis de estruturação das ações e
como estes têm articulação funcional
.
Propp (1984) se propõe a elaborar uma morfologia dos contos maravilho
sos
(incluindo os contos de fadas). Entende-se morfologia como o estudo da forma e a
morfologia do conto como a descrição
de
suas partes constitutivas e as relações
destas partes entre si e com o conjunto.
O autor confrontou uma centena de contos russos e verificou que todos eles
poderiam ser analisados como diferentes atualizações discursivas de um esquema
seqüência formado por 31 categorias fixas ou “funções” da narrativa. Para ele, a
função é a unidade básica da linguagem da narrativa e refere-se às ações que a
constituem.
35
As 31 funções encontradas por Propp são:
1.
D
istanciamento
: um membro da família deixa o lar (o Herói é apresentado);
2.
P
roibição
: uma interdição é feita ao Herói ('não vá lá', 'vá a este lugar');
3.
I
nfração
: a interdição é violada (o
Vilão entra na história);
4.
I
nvestigação
: o Vilão faz uma tentativa de aproximação/reconhecimento (ou
tenta encontrar os filhos, as jóias, ou a vítima interroga o Vilão);
5.
D
elação
: o Vilão consegue informação sobre a vítima;
6.
A
rmadilha
: o Vilão tenta enganar a vítima para tomar posse dela ou de seus
pertences (ou seus filhos); o Vilão está traiçoeiramente disfarçado para tentar ganhar
confiança;
7.
C
onivência
: a vítima deixa-se enganar e acaba ajudando o inimigo
involuntariamente;
8.
C
ulpa
: o Vilão causa algum mal a um membro da família do Herói;
alternativamente, um membro da família deseja ou sente falta de algo (poção
mágica, etc.);
9.
M
ediação
: o infortúnio ou a falta chega ao conhecimento do Herói (ele é
enviado a algum lugar, ouve pedidos de ajuda, etc.);
10.
Co
nsenso
/C
astigo
: o Herói recebe uma sanção ou punição;
11.
P
artida do herói: o Herói sai de casa;
12.
S
ubmissão/provação
: o Herói é testado pelo Ajudante, preparado para seu
aprendizado ou para receber a magia;
13.
R
eação
: o Herói reage ao teste (falha/passa, realiz
a algum feito, etc.);
14.
F
ornecimento de magia: o Herói
adquire
magia ou poderes mágicos;
15.
T
ransferência
: o Herói é transferido ou levado para perto do objeto de sua
busca;
16.
C
onfronto
: o Herói e o Vilão se enfrentam em combate direto;
17.
H
erói assinalado
: ganh
a uma cicatriz, ou marca, ou ferimento
18.
V
itória
sobre o Antagonista
19.
Remoção do castigo/culpa: o infortúnio que o Vilão tinha provocado é
desfeito;
20.
Retorno do herói: (a maior parte da narrativas termina aqui, mas Propp
identifica uma possível continuação)
21.
P
erseguição
: o Herói é perseguido (ou sofre tentativa de assassinato);
36
22.
O herói se salva
, ou é resgatado da perseguição;
23.
O
herói chega incógnito em casa
ou em outro país;
24.
P
retensão do falso herói
, que finge ser o Herói;
25.
P
rovação
: ao Herói é imposto um
dever difícil;
26.
E
xecução do de
ver
: o Herói é bem
-
sucedido;
27.
R
econhecimento do herói
(pela marca/cicatriz que recebeu);
28.
O
Falso Herói é
exposto/desmascarado
;
29.
T
ransfiguração do herói
;
30.
P
unição do antagonista
;
31.
N
úpcias do herói
: o Herói se casa ou ascende
ao trono.
Muitos contos, embora tenham uma origem indefinida, estão ligados a antigas
religiões, em um tempo muito remoto, e chegaram até os nossos dias. Propp (
1997
)
designa terminológicamente forma fundamental aquela que é ligada à origem do
conto
. As outras formas, que atravessam o tempo até chegaram à
contemporaneidade, representam uma forma secund
á
ria, e, ao analisá
-
las, devemos
sempre levar em conta a relação conto/meio, e as transformações que ocorrem
decorrentes dessa
relação.
Assim, segundo Guimarães (2001), essas transformações podem se
materializar por vários mecanismos, sendo
alguns deles:
Por reduções: que representa uma forma fundamental incompleta e
se explica pelo esquecimento;
Por ampliações: a forma fundamental é acrescida e complicada por
detalhes;
Por substituições: transposições, por exemplo, de vocábulos como
moradia por palácio, que seria só para princesas;
Por assimilações: um deslocamento, a substituição incompleta de
uma forma para outra, de sorte que se produz uma fusão de duas formas em uma
só.
O método que Propp aplicou na sua análise das narrativas propiciou
resultados impossíveis de serem generalizados, por ser o
corpus
por ele utilizado,
não apenas demasiado restrito, como também composto de histórias muito
37
semelhante
s, o que impossibilitou que se chegasse a um modelo geral de todas as
narrações.
Contudo os trabalhos relativos à narrativa que se lhe seguiram, não anularam
o desiderato de encontrar uma estrutura.
Mais tarde, Todorov ( 1980)
buscou
construir uma “gramática narrativa”, que
pudesse dar conta da construção formal de narrativas. Os seus resultados
propiciaram
que
o autor postulasse uma gramática narrativa a partir de
categorias
textuais: equilíbrio, desequilíbrio e retomada ao equilíbrio.
Com o pós-estruturalismo, sem perder a sua
especificidade
nem a sua
autonomia metodológica, a narratologia passa a estabelecer relações com outras
áreas de estudo:
- com a
lingüística,
-
com a teoria do texto,
-
com a teoria da comunicação,
- com a
história literária, etc.
Dessa
forma
, Schimidt (1977) refere-
se
a três grandes domínios para
pesquisa narratológica:
-
análise
das técnicas
narrativas;
-
análise
das leis ou regularidades que regem o universo narrativo, ou seja,
uma lógica das ações
, uma lógica das relações possíveis entre personagens;
-
análise
das relações entre unidades da narrativa e a sua manifestação no
disc
urso, pela relação
história
narrativa
discurso.
Com o desenvolvimento da lingüística do texto e do
discurso,
um grande
número de trabalhos produzidos pela narratologia tem contribuições teóricas e de
aplicações
práticas
, voltadas para o discurs
o.
Nessa inter e multidisciplinaridade, é privilegiada uma concepção da narrativa
como ação e
prática
perlocutiva.
Em
síntese,
a narração, como ato de narrar, passa a se constituir como outro
importante campo de reflexão
narratológica,
de forma a tratar desde os mecanismos
formais da enunciação at
é
as
tipologias narrativas.
38
Desse modo, trata-se de abrir caminho para uma concepção da narrativa
como uma
prática
sócio
-
interacional
, para definir a
relação
narrador / narrat
á
rio
.
Para a pragmática narrativa, as categorias narrativas textuais são
Apresentação , Conflito e Resoluç
ão
, e considera, também, que a narração é
realizada por atitudes de valoração (cultura, ideologia, comportamentos ét
icos
etc).
2.1.
2
Outros estudos da narrativa
Lévi
-Strauss (1958), em sua obra Antropologia Estrutural
,
dese
nvolve uma
no
va teoria acerca do mito, seguindo a tendência de o texto ser sujeito a uma
análise estrutural da narrativa. Assim, o autor deu preciosas contribuições. Segundo
ele
, os mitos são temas cujas variações foram pronunciadas através de inúmeras
narrativas que contêm estruturas constantes, básicas e universais através das quais
eles têm sido explicados. Lévi-Strauss entende estas narrativas como linguagens
próprias que podem ser divididas em elementos, os quais ele, em analogia com os
fonemas, intitula de “mitemas”. Dessa fo
rma
, surge o conceito de um tipo de
gramática da narrativa, ou seja, um conjunto de regras existentes sob a superfície da
narrativa.
Assim,
os mitos terão uma vida própria, uma existência coletiva
independente da realidade e da verdade exteriores a
eles
, pois serão possuidores
de uma lógica e verdade
próprias.
Greimas
(1966), em sua obra Semântica Estrutu
ral
aprofunda alguns
conceitos anteriores até a existência de uma gramática universal da narrativa
,
na
tentativa
de explicar o imaginário humano, e
situá
-lo em enunciados que subjazem
aos textos superficializados . Em vez das “funções”
proppeanas
da narrativa, o autor
preocupou
-se em
tratar
a narratividade discursiva situando a noção de “actante”
.
Esse termo é de Tèsniere (
1965
) que propõe que os actantes são os seres ou as
coisas que, a um tulo qualquer e de um modo qualquer, são figurantes que
participam do processo narrativo. Dessa forma, o actante é visto como uma unidade
sint
ática, de caráter puramente formal, sem qualquer investimento semântico e/ ou
ideológico.
Segundo Greimas, o termo actante, também é visto como uma sintaxe
que articula o enunciado elementar em funções, tais como sujeito, objeto, predicado,
39
independen
temente de sua realização por unidades enunciativas. O autor chega a
um modelo composto por três pares de oposição binária: sujeito/objecto;
locutor/destinatário; colaborador/adversário. Dessa forma, os actantes sintáticos
adquirem traços semânticos, diferenciados por valores positivos/negativos:
Sujeito/antisujeito; objeto/antiobjeto; colaborador/adversário . Em um plano mais
superficial, o investimento semântico produz: herói/ vilão. A partir do modelo
actancial foi possível de se entender como o imaginário humano, formado por este
modelo, propicia o investimento semântico, de forma a diferenciar actante/ ator.
Assim, um mesmo ator, no percurso narrativo de uma história, pode representar
act
âncias diferentes; ou, ainda, um mesmo actante ser representado por vários
atores.
Sob esse prisma, a gramática actancial greimaseana apresenta-se como
estruturadora do imagin
ário
e apresenta
as seguintes sintaxes
:
S/O
S/
O/
S
No eixo narrativo esses enunciados são lidos:
Um sujeito (S) instaura um objeto de valor (O). Para que o sujeito entre em
conjunção com o seu objeto de valor
,
ele precisa de um colaborador que o ajude a
vencer o seu adversário
.
O percurso narrativo permite que a história progrida.
2.
1.
3
N
arrativa
vivida e narrativa contada
Com o desenvolvimento dos estudos do discurso, a
análise
da narrativa
apresenta
, como contrib
uição
, a diferença entre
narrativ
a vivida e
narrati
va contada.
A narrativa vivida é relativa à
história
de vidas
como
experiências pessoais; a
narrativa contada é relativa a
história
s que estão situadas nos mundos possíveis
,
que por tradição
,
eram
designadas
ficção.
Com a
pós
-
modernidade
e as
contribuições das ciências da
cognição,
entendeu-se que todas as formas de
conhecimento são formas de representação do mundo e que nelas não diferença
entre o real
/ficcional.
Dessa forma,
entendeu
-se que as representações são relativas
40
ao que acontece no mundo
/
ao
que deveria
/
dever
á
acontecer no mundo
. Dessa
forma, o que
deveria/deverá
acontecer no mundo fica situado nos mundos
possíveis imaginados, embora guiados em sua construção pelo que foi vivido e
ex
perenciado
no mundo.
Van Dijk
(
19
80
b) faz uma
distinção entre
narrativa natural
e
narrativa artificial
,
sendo que as duas constituem exemplos de descrição de ações : a
primeira
se
refere a eventos apresentados como realmente acontecidos
,
e a segunda se refere a
indivíduos e fatos atribuídos a mundos possíveis
.
2.1.
4
A narrativa enquanto
discurso
Genette
(
197
9)
descreve
a narrativa como um produto das relações e
intera
ções dos seus componentes
em
vários níveis e todos os seus aspectos são
encarados como unidades dependentes entre si: o discu
rso
é caracterizado pela
ordem cronológica dos acontecimentos em um texto narrativo; a história, pela
seqüência na qual os acontecimentos realmente ocorrem, e a narração
,
pelo ato de
narrar.
O papel do narrador também é aprofundado nos estudos de Genette,
destacando
-
se a sua dinâmica própria relativa à história
.
Genette
ainda
distingue vários tipos de narrador, mediante o seu lugar na
diegese: narrador autodiegético, isto é, aquele que narra as suas próprias
ex
periências como personagem central dessa história; narrador homodiegético, isto
é, aquele que, não sendo personagem principal da história, narra os acontecimentos
a ela inerentes; narrador heterodiegético, ou seja, aquele que não fazendo parte da
história
, a narra. Para Genette o narrador intradiegético visa a um narratário
também intradiegético, assim como o narrador extradiegético visa a um narratário
extradiegético.
O narratário extradiegético pode identificar-se com o leitor, não se
confundindo
, entre
tanto
, com o leitor real do texto, o
interlocutor
. Entenda-
se
então,
o
interlocutor como o leitor que não é necessariamente aquele a quem o texto está
destinado. O narratário existe ainda que não apareça mencionado no discurso do
41
narrador. O narratário intradiegético é uma personagem concreta podendo ou o
interferir na intriga.
Genette
relaciona cinco funções para o narrador, sendo que todas elas
caminham juntas e nenhuma pode ser excluída. São
elas:
-
comunicativa, que consis
te em dirigir
-
se explicitamente ao narratário;
-
metanarrativa
, observada nos comentários do narrador sobre a
organização do texto;
-
testemunhal
ou
modalizante
, que exprime a relação do narrador com
a história narrada;
-
a
explicativa
, pela qual são dadas ao narratário certas informações
complementares consideradas importantes para a compreensão da história;
-
generalizante
ou
ideológica
, que corresponde a opiniões do narrador,
julgamentos gerais sobre o mundo, a sociedade e as pessoas.
A diferença entre
história
e discurso
es
presente em outros estudiosos da
narrativa.
Eco (2004) retoma a oposição formulada pelos formalistas russos entre
fábula e enredo :
fábula
é o esquema fundamental da narração, a lógica das ações
e
a sintaxe das personagens, o curso de eventos que dizem respeito a objetos
inanimados , ou também a idéias. O enredo, pelo
contr
á
rio
, é a história como de fato
é contada, conforme aparece na superfície, com as suas deslocações temporais,
salto
s para frente e para trás (ou seja, antecipações e flash-back), descrições,
digressões, reflexões parentéticas. Num texto narrativo, o enredo identifica-se com
as estruturas discursivas
.
A palavra enredo, para Mesquita (1986), pode assumir variações de
sentido,
sem nunca perder o sentido essencial de <<arranjo de uma história>>. Por isso, todo
enredo contém uma história
e é corpo de uma narrativa.
Segre (apud Reis e Lopes, 1988) retoma o termo fábula numa acepção
próxima
à dos formalistas russos: um nível de descrição do texto narrativo,
constituído pelos
materiais
antropológicos, temas e motivos que determinadas
estratégias de construção e montagem transformam em intriga.
42
Através dos tempos
,
o enredo foi sendo associado ao mito (do grego mythos:
in
triga ou desenvolvimento factual de uma história), fazendo com que o ouvir/ler
histórias seja uma atividade antropológica
-
social e naturalmente indissociável do ser
humano. Entre o mito, que remete os acontecimentos ao tempo primordial das
origens
, e o romance, introduziu-se na narrativa o tempo da história, que é linear, e
,
pouco a pouco
,
as marcas temporais passam a ordenar os fatos narrados e a
dominar o desconhecido.
Inicialmente,
a sucessão de eventos míticos era o bastante como seqüência
narrat
iva
; porém, nas transformações posteriores, pela perda do engajamento com
um sentido e com uma ordem gerais
vai
-se introduzindo a necessidade do
estabelecimento da relação de causalidade entre um antes e um depois: algo
acontece porque outro fato aco
nteceu antes.
No texto literário, varias técnicas são introduzidas, tais como processos de
encadeamento, justaposição, encaixe de episódios, anulamento de uns,
permanência de outros,
até
que a narrativa se torne um processo de construção da
linguagem.
Segundo Mesquita (1986
),
o enredo pode ser focalizado
como
categoria
estruturante
da narrativa de ficção em prosa,
categor
ia
que compreende tudo o que
compõe o plano de ação, as transformações das situações que se sucedem n
a
ordem/desordem em que as apresenta o discurso que narra.
As formas de narrar, desde o mito até o romance, são igualmente
acompanhadas das formas de const
rução do enredo.
Podemos
dizer que o enredo é estruturado pelo principio lógico da
causalidade e pela lógica temporal. Assim, o sentido de um texto está relacionado
ao enredo: mundo apresentado/ representado/produzido na obra.
A diferença proposta entre
história
e discurso é mantida nos estudos
narrativos,
a fi
m
de se
distinguir o discurso que narra, da forma pela qual se narra.
O discurso que narra compreende a história, a fabula, a matéria narrada que
pode ter existência autônoma e até ser a
nterior
à estruturação da obra literária. O
discurso pelo qual se narra respeita a cronologia
(narra
-se antes o que aconteceu
antes), obedece a ordem
começo,
meio e fim; respeita,
ainda
, o
princ
í
pio
da
causalidade
(os
fatos são ligados pela relação de causa e efeito) e também a
43
verossimilhança
(procura
-se aparência de verdades
,
respeitando-se a logicidade
dos fatos).
Todavia, dependendo
do gênero textual, na superfície enunciada do texto
muitas vezes essa ordem e esse
princ
í
pio
são
desrespeitado
s intencionalmente
como
, por exemplo,
em
história
s de suspense.
Um processo de transformação vem ocorrendo com o enredo, principalmente
no âmbito da chamada literatura culta”, pois nas narrativas de transmissão oral ,
representantes principalmente das manifestações da cultura popular mantêm-
se
praticamente estável.
Nesse sentido, podemos afirmar que a maneira que se narra é uma questão
que relaciona arte/sociedade, arte/público, diferenciando arte “erudita” ou culta” da
arte “ popular”.
De forma geral, para evitar a
complexidade,
n
as narrativas dirigidas ao grande
blico
, as
história
s
populares, feitas para o povo, seguem a linearidade, e a
construção do enredo, quase sempre, procura respeitar a tradição narrativa.
Todavia, ao se tratar da literatura culta, dirigida para um público
de
elite,
a
estruturação do enredo
altera a
linearidade.
O enredo será o produto das relações de interdependência entre a sucessão
e a transformação de situações e de fatos narrados se considerado como a própria
estruturação da narrativa de ficção em prosa.
Logo, o enredo não é a fábula, mas a elaboração estética do que diz a fábula,
mediante uma
instância
narrante.
Sendo assim, a fábula representa um conjunto de vivências de
personagens,
em suas conexões internas, em sua seqüência temporal, causal e o enredo, na obra
literária, é a disposição
construída,
de forma estética,
desse conjunto.
Quanto
à
ação,
no que diz respeito à narrativa tradicional - que tem suas
origens na narrativa oral e que caracteriza a
ficção
do século XIX
(Romantismo
,
Realismo, Naturalismo) a situação inicial geralmente é apresentada por um
equilíbrio entre as personagens. Com o surgimento de um motivo desequilibrador da
situação inicial, começa o processo de transformações que se sucedem
até
a
última
, que const
it
u
irá
o desfecho, que retoma o equilíbrio, daquele desequilíbrio
,
embora em uma situação diferente.
44
A ação será, portanto, o percurso seguido pelas personagens através das
sucessivas sit
uações.
Mesquita
(1986)
lembra
ainda
,
que as funções de herói e de anti-herói não
devem ser confundidas com as de protagonista e de antagonista. O herói é o sujeito
consciente que produz a transformação e recupera o equilíbrio perdido. O anti-
herói
não recupera uma ordem perdida, uma perda, um dano sofrido. Ele acaba derrotado
pelo mundo, ou porque suas forças não são suficientes, ou porque, embora
reconhecendo a degradação do mundo a sua volta, não deseja
mudá
-
lo;
ou porque
não tem consciência do qu
e
acontece a sua volta; ou porque conhece as regras do
jogo dentro do mundo e, longe de querer modificá-las, julga que a saída é jogar o
jogo, tal qual o v
ê
ser jogado.
Uma matéria narrada é disposta, horizontalmente, em unidades
sintagmáticas,
mais ou menos autônomas de sentido, chamadas seqüências. A
reunião
de
rias
seqüências pode ser
designad
a
macro
-
sequ
ência. Cada
seqüência pode ainda compreender micro
-
sequ
ê
ncias.
As seqüências
compõem
-
se
por
episódios, situações, incidentes
que,
trabalhados pelo discurso narrador, constituem um enredo.
Mesquita afirma que, dentro dessa massa chamada de matéria narrada,
encontramos o que se pode chamar de universo representado. Trata-se da
materialidade
do espaço físico em diferentes
situaçõe
s em que são apresentada
s
pelo discurso narrador.
O enredo necessariamente sofrerá, na sua estruturação, conseqüências,
efeitos diversos, a partir dos diversos procedimentos do discurso.
O discurso que narra pode estruturar o enredo por
vários gêneros
, tais como
cartas, diários, crônicas, romances. Embora haja essas variabilidades para a
construção
das personagens e suas
ações,
o discurso que narra constrói também,
um universo que se instaura pelo e no texto, através de uma proximidade com um
determinando
“modelo”
de construção.
Reis e Lopes (1988) tratam o enredo como a intriga. Segundo os autores, a
dicotomia conceitual
bula
/intriga foi retomada pela teoria literária contemporânea
sob designações diversas
(história
/discurso e história/narrativa), porém sempre
mantendo distinções
para a referida dicotomia.
45
A problemática da intriga pode ser focada sob outro ângulo, diretamente
ligado ao conceito de
plot
, termo usado pela teoria
e
crítica
literária anglo
-
americana.
Forster (1937) elaborou uma distinção
entre
story
e
plot
que, embora não seja
totalmente a distinção entre
bula
e intriga proposta pelos formalistas russos,
mant
é
m
com ela algumas afin
idades.
O conceito de
story
compreende a seqüência de eventos temporalmente
ordenados que suscitam no leitor/ouvinte o desejo de saber o que vai acontecer,
desejo manifestado através de interrogações do tipo “e depois?”, “e então ?”. Para
Fors
ter
,
plot
é definido pela particular ênfase à relação causal entre os eventos
narrados, ou seja,
à
configuração lógico
- intelectual da
história
. Assim, por exemplo,
Forster diferencia : “ O rei morreu e em seguida morreu a rainha” –
trata
-se de uma
story
- , de O rei morreu (causa) e depois a rainha morreu de desgosto
(conseqüência)
trata
-
se de um
plot.
2.1.
5
Estrutura, modalidade
e planos causal e cronológico das narrativas
Os estudos da narrativa, progressivamente,
passa
m a apontar para dois
caminhos:
a sua estrutura/
história
e
a
sua
enunciação.
Barthes
(197
7)
busc
ou
o sistema narrativo e
consider
ou
que
havia
um
modelo básico para as narrativas, uma estrutura narrativa à volta da qual todos os
textos narrativos se
constroem
; será objeto da narratologia descrever esta estrutura.
Todavia, introduz na sua teoria a importância de outras vozes que não a do
narrador.
Ainda afirma
que
a escrita não é somente comunicação de uma
mensagem que partiria do autor em direção ao leitor; ela é, especificamente, a
própria voz da leit
ura: no texto
,
o leitor fala.
Com novas contribuições dadas para o estudo da narrativa, surgiram outros
constituintes, essenciais para a coerência da história nos planos causal e
cronológico das narrativas. Assim, através da análise das ligações temp
oral,
espacial
, funcional e transformacional foi demonstrado que as narrativas consistem
uma série de constituintes mínimos, o último dos quais, temporalmente, é uma
46
repetição ou transformação do primeiro. Demonstrou-se ainda, que as
seqüências
mais complexas resultam da conjugação de duas mais simples, da alternação de
unidades numa
seqüência
com unidades de outra, ou de uma mistura, ordenada
destes
modos de combinação.
Segre
(
1999
:
102
) trata da relação entre os acontecimentos reais e
ima
ginários e a
firma
que
:
“ (
...
) a narração é, predominantemente, narração de acontecimentos (
...
)
,
a
realidade é também um ponto de referência para confirmar os conteúdos
narrados, po
is,
(
...
)a cadeia dos acontecimentos narrados (reais ou
imaginários, mas sempre semelhantes ao real) é certamente homóloga à
da narração.
Este
autor
considera que, sem a relação com o real, a compreensão de
qualquer texto seria impossível e que, para narrar um acontecimento, são utilizados
os mesmos estereótipos com que nos entendemos, racionalizamos e contamos os
acontecimentos do
cotidiano
.
Wright
(196
3)
desenvolveu a “teoria da ação”, como processo narrativo e
determinou os elementos condutores da narração, revelando que todos eles estão
ligados através dos nexos temporais e causais que o homem atribui à realidade.
Mais recentemente, a estrutura da história tem sido objeto de tentativas de
descrição.
Pavel
(1986)
desenvolve uma gramática do enredo na q
ual
sublinha a
primazia da ação e da transformação e apresenta um esboço do sistema de
energias, tensões e resistências que constitui o enredo.
De forma semelhante,
Ryan
(
1991
) desenvolveu um modelo inspirado pela
inteligência artificial, que a sua contribuição aos momentos de suspense e de
surpresa, de avanço e de atraso, isto é, aos momentos considerados emblemáticos
da intriga.
47
A
sociolingüística
tem contribuído para que a narrativa passe a ser vista, não
como um produto, mas sim, como um processo social. Essa tendência conduz a
uma vertente pragmática da narrativa
.
Prince
(198
2)
considera
o contexto narrativo
como parte do próprio texto, de forma a relacionar o momento da produção e o
momento da
história
a
seus
contextos de produção.
2.1.
6
Fundamentos Semiolingu
ísticos Greimaseanos
O termo
narrativ
a, a partir de suas diferentes vertentes de estudo, pode ser
entendido de
rias
formas:
a)
A narrativa enquanto enunciado, ou seja, uma estrutura que organiza
,
internamente,
um fragmento de discurso.
b)
A narrativa enquanto conjunto de conteúdos representados por esse
enunciado, ou seja, p
elo
s conjuntos de ações ou seqüências de ações que
manifestam a história.
c)
A narrativa enquanto um modo, ou seja, a narrativa diferenciando
-
se da
lírica e do drama, que desde a Antiguidade vem apresentando hesitações e
oscilações conforme a posição adotada
pelos seus diversos teorizadores.
Os estudos da narrativa, relativos ao enunciado narrativo , diferencia
m
fra
se
de
enunciado narrativo: a frase é uma unidade lingüística, que se define enquanto
regra gramatical
:
SN + SV ( sintagma nominal + sintagma verbal); o enunciado
narrativo é textual e sua função
é organizar as
categorias
narrativas
textuais
em uma
seqüência temporal, em uma organização
interna.
Segundo
Greimas
e Courtes
(1979)
,
o enunciado narrativo
tem relação com a
enunciação. Por oposição à enunciação, entendida como ato narrativo de
linguagem, o enunciado é um estado resultante dela, independente das dimensões
sintáticas frasais. Dessa forma, o enunciado comporta freqüentemente elementos
que remetem à
inst
â
ncia
da enunciação. O enunciado elementar é a frase nuclear
da estrutura do texto. Os autores postulam a
existência
de duas formas de
enunciados elementares:
48
-
enunciados de
<<
estado>>
;
-
enunciados de
<<
fazer
>>
..
Os enunciados de
<<
estado
>>
são articulados por dois termos
contraditórios: junção e disjunção. No enunciado de estado conjuntivo (S/
O)
, o
su
jeito
est
á em conjunção com o seu objeto de valor, instaurado pelo percurso
narrativo.
O enunciado de estado disjuntivo tem o sujeito em disjunção com o seu objeto
de valor, que esta instaurado pelo inicio do percurso narrativo.
Os enunciados de
<<
fazer
>>
m
relação de transitividade, de uma situação
inicial para uma situação final, decorrentes de um fazer transformador. O enunciado
narrativo textual é um enunciado de
<<
fazer
>>
, que agrupa no percurso narrativo
diferentes outros enunciados de
<<
fazer
>>
,
organizados por episódios, sendo que
estes últimos reagrupam enunciados de
<<
estado>>
e de
<<
fazer
>>
da
história
.
Assim
, o enunciado narrativo
, pode ser visualizado
:
Enunci
a
do de
<<
fazer
>>
Sit
uação Inicial
Fazer transformador
Situação final
2.1.
7
O esquema narrativo
e
o
percurso narrativo
Os diferentes estudos narrativos realizados com a estrutura narrativa trazem
como contribuição a descrição do esquema narrativo, por
categorias
e regras de
ordenação.
49
As
categorias
narrativas seguem a seguinte ordenação:
Apresentação
Conflito
Resolução
(
+ ou
-
)
Moral
Uma narrativa simples é organizada pelo esquema indicado acima. Poré
m, há
narrativas complexas, para as quais o esquema indicado é repetido ao ser investido
semanticamente pela
história
.
Progressivamente, as narrativas complexas passam a ser definidas por
encadeamentos de
episódios
diferentes. Cada episó
dio
narrativo é definido pela
ordenação das seguintes categorias: Apresentação, C
onflito
e R
esolução
, seguidas
ou não de Moral. As três primeiras
categorias
são
da
história
. A categoria m
oral
é
opinativa de forma a
agrupar
, pelo investimento semântico, valores sociais,
ideológicos ou culturais. Dessa forma, é possível descrever uma narrativa
de
história
a partir do número de episódios e da forma que os leva, i
sotopicamente
,
a serem
agrupados por uma moral
.
Segundo Greimas e Courtes (1979), um percurso narrativo é uma seqüência
hipotáxica de programas narrativos simples ou complexos, isto é, um encadeamen
to
lógico em que cada percurso narrativo é pressuposto por um outro percurso.
O percurso narrativo comporta tantos papéis actanciais quantos são os
percursos narrativos que o constituem, logo, o conjunto dos
papéis
actanciais de um
percurso narrativo define o actante, sendo este uma virtualidade que engloba um
percurso narrativo.
O percurso narrativo passa a tratar também da disposição linear e ordenada
dos elementos entre os quais se efetua uma progressão
semântica da
história
.
Co
mo foi indicado acima, é possível de se estabelecer na superfície da
narrativa greimasiana, uma relação entre percurso narrativo e
epis
ó
dio
. Assim,
segundo Reis e Lopes
(1988
:
33)
:
50
o episódio é uma entidade narrativa não necessariamente dema
rcada,
exteriormente, de extensão
variável,
na qual se narra uma ação autônoma
em relação à totalidade da sintagmática narrativa, ação essa que
estabelece conexão com o todo em que se insere por meio de um qualquer
fator de redundância”.
Para Haidu (19
83
), os episódios tendem a aparecer em feixes agrupados por
uma isotopia especifica. O seu
fechamento
faz deles o equivalente a uma
seqüência semiótica
com
a presença de uma isotopia unificadora e agrupa-os numa
unidade
intermedi
ár
ia
entre a seqüência e o sintagma total do texto, enunciado
narrativo textual.
2.1.
8
As circunstâncias da enunciação ou contexto
As circunstâncias da enunciação são um importante aspecto a
ser
considerado ao examinarmos a narrativa. Elas dizem respeito às informações
implícitas ou explicitas sobre o emitente, a época, o contexto social do texto e sobre
suposições ou marcas do ato lingüístico
etc.
No texto escrito, as
refer
ê
ncias
às circunstâncias
m
a função de levar
o leitor a atualizar suposições sobre o tipo de texto, ou operações mais complexas
como reconstruir a localização espaço-temporal originária em um texto enunciado
em época distante da do leitor.
2.2
A ENUNCIAÇÃO
51
Benveniste (
1974
:
80)
trata a
enunci
ação como “a colocação em
funcionamento da língua por um ato individual de utilização”, que o autor opõe ao
enunciado,
pois
o ato distingui
-
se de seu
produto.
2.2.1 A enunciação e o enunciado
De
forma geral, a enunciação vem sendo tratada como um ato único que não
se repete, pois
est
á diretamente ligada ao quadro enunciativo: pessoas, tempo e
lugar
. Os enunciados podem se repetir, mas,
a enunciação
é única pois
mudança
de quadro enunciativo de forma a tornar essa repetição, por sua vez, também um
ato único, guiado por uma intenção específica.
No prisma discursivo, enunciado faz referência ao mundo
,
na medida em
que reflete o ato de enunciação que o sustenta. Assim, as pessoas e o tempo do
enunciado são selecionados em relação a sua situação de enunciação; desse modo,
o enunciado possui o valor ilocutório que ele “mostra” por meio da enunciação.
A concepção de enunciação varia dependendo de estar situada na dimensão
discursiva ou na dimensão linguística
.
Se insistirmos na idéia da enunciação como
acontecimento em um tipo de contexto e apreendido na multiplicidade de suas
dimens
ões sociais e psicológicas, operamos primordialmente na dimensão do
discurso. Mas a enunciação pode também ser considerada, em um âmbito
estritamente lingüístico, como um conjunto de operações
subjetivas
constitutivas de
um enunciado
.
Segundo
Culioli
(
1973
), embora a definição benvenisteana da enunciação
privilegie o pólo do enunciador, não se pode esquecer que a enunciação é uma co-
enunciação, que ela é
,
fundamentalmente
,
“acomodação inter
-
subjetiva”
.
Kerbrat
- Orecchioni (1980) rediferentes tratamentos dados à enunciação,
e propõe
diferenciá
-
la
por uma abordagem ampla em relação a uma abordagem
restrita.
Na
abordagem
“ampla”, concepção discursiva, a lingüística da enunciação
“visa a descrever as relações que se tecem entre o enunciado e os diferentes
52
elementos constit
utivos do quadro enunciativo” (
Ibid
.:
30); a lingüística da enunciação
tende, desse modo, a se imbricar com a análise do discurso.
Na
abordagem
“restrita
”, concepção lingüística, para a autora (
Ibid
.:
32)
investigam
-se os procedimentos lingüísticos (shifters, modalizadores, termos
avaliativos etc.) por meio dos quais o locutor imprime sua marca no enunciado,
inscreve
-se na mensagem (implícita ou explicitamente) e se situa em relação a ele
(problema de distância enunciativa)” . Denominam-
se
,
freqüentemente,
marcas
ou
traços enunciativos
as unidades lingüísticas que indicam a remissão do enunciado
à
sua enunciação: pronomes pessoais de primeira pessoa, desinências verbais
,
advérbio
s de tempo, adjetivos afetivos.
Para Kerbr
at
Orecchioni
, todo enunciado é construído pela subjetividade da
enunciação
, de forma a
torná
-
la
um ato único e intencional, que orienta o
enunciatário a construir sentidos, em outros termos, um
<<
fa
zer
>>
do enunciador
que leva a um
<<
fazer
>>
do
enunciatário
.
O sistema da língua é social e
lido
para qualquer membro nativo dessa
língua em qualquer
lugar.
Os estruturalistas
,
ao tratarem do uso da língua como
parole ou fala, entenderam que o enunciador era um codificador, e o enunciatário
um
decodificador,
por serem indivíduos que usam o sistema social imposto da
língua.
Kerbrat-
Orecchioni
crit
i
ca
essa concepção e propõe que o sistema da língua
é o mesmo para todos os enun
ciadores, mas
,
ao enunciar
,
o enunciador
é
um sujeito
de intenções e que procede diferentemente em cada ato enunciativo. Esse ato único
é visto como o ato de escolher unidades lexicais entre todas as que a língua oferece
e regras gramáticas entre tod
as que a gramática da língua estabelece.
A autora diferencia no quadro enunciativo
,
duas grandes situações de
produção
enunciativa:
a informativa ou do relato
,
e a
avaliativa,
da argumentação.
Dessa forma, propõe uma dicotomia entre elemento
s presentes no
enunciado,
resultantes da escolha feita pelo enunciador: elementos não-
axiol
ógicos x elementos
axiológicos. Os elementos não-axiológicos não refletem as intenções e a
subjetividade do enunciador, de forma a construir textos menos subjetivos. Os
elementos axiológicos exprimem a subjetividade enunciativa, de forma a construir
textos mais subjetivos.
53
Os elementos axiológicos são diferenciados em afetivos e avaliativos. Os
afetivos estabelecem relações, a partir dos sentimentos, e os avaliativos, a partir de
opiniões.
Embora haja textos menos subjetivos e textos mais subjetivos, não
objetividade , pois
todos eles são subjetivos.
Nesse sentido, quando se conta
história
s, embora as
história
s sejam
repetidas
,
o ato enunciativo produz mudança
s nas palavras do
texto.
Na interação comunicativa
,
o ato da enunciação pode produzir a retomada
por repetição
de
enunciados
produzidos,
a complementaridade de enunciados
produzidos e a reformulação de
enunciados
numa dimensão intertextual.
Na perspectiva da A
nálise
do
Di
scurso
, a consideração da enunciação é,
evidentemente, central, tendo aparecido desde 1969, no número 13
,
da revista
Langages
- “L’Analyse du discours, em que Dubois
a
consagrou
em um artigo
Énoncé et Énonciati
on
,
ainda que o paradigma estruturalista estivesse implantado
.
Muito rapidamente, diversos fenômenos enunciativos foram estudados: em
particular, os dêiticos pessoais e espacio-
temporai
s (Guespin, 1976), o discurso
citado, a polifonia, as aspas (Authier,
1981
), a ponto de se terem tornado uma das
características das pesquisas francófonas em análise do discurso. Mais
precisamente, as problemáticas ligadas à enunciação são mobilizadas em
dois
níveis que interagem constantemente:
- O nível local das marcações do discurso citado, de reformulações, de
modalidades etc., que permite confrontar diversos posicionamentos ou caracterizar
gêneros do discurso.
- O nível global, em que se define o contexto no interior do qual se
desenvolve o discurso. Nesse nível, pensa
-se em termos de cena de enunciação, de
situação de comunicação, de gênero de discurso. Em se tratando da análise do
discurso, não é possível, efetivamente, contentar-se com uma
definição
estritamente lingüística da enunciação, como colocação em funcionamento
individual da língua.
Além disso, do ponto de vista da A
nálise
do
Discurso, a enunciação é,
fundamentalmente
,
tomada no interdiscurso
.
Funchs
e
Pêcheux
(1975:20)
p
ropõem:
54
“A enunciação equivale a colocar fronteiras entre o que é “selecionado" e,
pouco a pouco, tornado preciso (através do que se constitui o “universo de
discurso”) e o que é rejeitado. Desse modo se acha, pois, desenhado num
mesmo espaço vazio o campo de ‘tudo a que se opõe o que o sujeito
disse’
”.
2.3
C
ONTRIBUIÇÕES DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO.
A psicologia s
ocial
traz
contribuições para os estudos do discurso. A teoria
do interacionismo simbólico da psicologia social toma por base a metáfora teatral ,
segundo a qual a interação comunicativa ocorre em um palco e o quadro
enunciativo
é realizado
por
ações
, a partir da representação de personagens, ou
seja,
pa
péis
sociais.
O interacionismo simbólico é
tratado
por duas grandes vertentes: uma
preocupada
c
om
a estrutura dos
papéis
sociais e a outra com as funções que
estabelecem a interação entre
eles
.
Segundo a vertente da estrutu
r
a dos
papéis
s
ociais, a sociedade se define por
um conjunto de
papéis
representativos dessa sociedade. A vertente que trata das
funções sociais descreve como ocorre a interação social entre os
papéis
da estrutura
social. Dessa forma, os estudos do discurso e do texto recebem uma excelente
contribuição.
Desde que se entende que uma sociedade é definida por um conjunto
de grupos sociais (Cf. van Dijk, 1997), entende-se que cada grupo social é definido
pelo conjunto dos
papéis
escolhidos pelos seus membros para estabelecer a
estrutura social global.
Nesse sentido, o contador de
história
s representa um papel social
que
, n
os
contos de fadas,
interage
com interlocutores crianças, caracterizadas pelo emocional
e p
ela
imaginação,
t
endo
ainda pouco domínio do conjunto de cognições sociais de
seu grupo. Os personagens de um conto de
fadas,
também, representam
papéis
55
sociais,
que contêm avaliações p
ositiva
s ou
negativa
s,
,
por exemplo:
fadas/
bruxas,
heróis/
vilões.
2.
4
O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO
Segundo Charaudeau (1983:54), o contrato de comunicação é um ritual
sócio
-
discursivo constituído pelo conjunto das restrições e liberdades result
antes das
condições de produção e de interpretação do ato de linguagem que codificam tais
práticas
, deixando ao Eu-comunicante uma margem de manobra, dentro da qual el
e
elabora seu
projeto de comu
nicação.
O autor (2004)
afirma
que o contrato de comunicação é uma condição para
que
haja qualquer ato de
comunicação.
Nesse sentido, é o que permite aos
parceiros de uma troca
dialógica
reconhecerem um ao outro
pelos
traços identitários
que os definam como sujeitos desse ato (identidade)
;
e, também, é o que permite
que eles reconheçam o objetivo do ato que os sobredetermina (finalidade)
;
é, ainda,
o que permite que os parceiros entendam o que constitui o objeto temático da troca
(propósito) e que possam considerar a relevância das coerções
materiais
que
determinam esse ato (
circunst
â
ncias
).
Charaudeau (1992) propõe que um contrato de comunicação terá de definir
quais são os
pap
éis
na comunicação, a natureza da comunicação (monolocutiva ou
interlocutiva) e os rituais de abordagem utilizados
.
Para analisarmos um texto e o
seu
contrato de comunicação, é necessário
levar em conta a situaç
ão comunicativa em que o ato de comunicação ocorreu.
Para chegarmos a entender a situação comunicativa, é necessário,
primeiramente
,
conhecer quais são os sujeitos da comunicação.
Charaudeau e Maingueneau (2002) p
ostula
m a existência de dois “eus” e de
dois “tus”: Eu-comunicante, Eu-enunciador, Tu-destinatário, Tu-
interpretante,
denominados também por sujeito comunicante, sujeito enunciador, sujeito
destinatário e sujeito interpretante. O Eu-
comunican
te e o Tu-destinatário são
56
pessoas reais, enquanto o Eu-enunciador e o Tu-interpretante são entidades do
discurso.
No que se refere à produção escrita, lembramos que a formação da
situação
comunicativa
im
plica que o Tu-
destinatário
seja
a imagem que o Eu-
comunicante
tem do Tu-interpretante, em outros termos
,
é uma hipótese formulada pelo Eu-
comunicante sobre quem seja o Tu-
interpretante
e é baseado nessa imagem
formula
da que o eu-comunicante elabora seu projeto de comunicação, sabendo
escolher o
qu
ê , como e por
qu
ê falar algo, objetivando
assim
, o sucesso da
comunicação
. Este será realizado se a imagem projetada corresponder ao Tu-
destinatá
rio.
Logo,
para que o ato de comunicação tenha sucesso, é necessário que o
qu
ê
se diz seja aceito e interpretado pelo outro. Não podemos falar ou escrever o que
quisermos
, nem do modo que quisermos, pois os atos de linguagem estão limitados
por “liberdades e restrições”, ou seja, pelo contrato de comunicação, na medida em
que
ele indica quem pode dizer o quê, a quem, como e pelo uso de qual
variedade
/variação
da língua. A margem de manobra é o espaço dentro de
sses
limites em que o Eu-comunicante pode agir, tendo o cuidado, pois, qualquer
exagero
,
pode ser o causador do fracasso na comunicação.
Segundo
Oliveira (2003), os contratos de comunicação subjacentes aos
gêneros
, literários ou não
,
variam conforme a cultura e o passar do
tempo.
A
mudança de um dos elementos da situação comunicativa ou do contrato de
comunicação existente é o suficiente para que este seja modificado.
2.5
Discurso Fundador e Discurso modificado
Segundo Maingueneau
(2001)
, por haver interdiscursividade na formação
discursiva, faz-se necessário diferenciar o discurso fundador do discurso modificado.
Nesse sentido, um discurso está dialogando com outro discurso que, por sua vez,
dialoga com outro discurso que o antecede. O discurso mais anterior é designado,
pelo autor, discurso fundador.
57
A retomada desse discurso em outro discurso não ocorre por reprodução,
pois sempre haverá uma dinâmica que produz mudanças devido à
enunciação
e/ou
às
informações novas. O autor
desi
gna
esse segundo discurso
, discurso modificado.
No
que
se refere a enunciados
clichês,
estes são retomados de geração a
geração
, a partir do discurso
fundado
r
,
e podem não apresentar a modificação no
en
unciado. Trata-se , segundo Maingueneau (1989), da heterogeneidade mostrada
que repete o enunciado por citação . Todavia,
esses mesmos enunciados clichês, ao
serem retomados, podem apresentar uma modificação enunciativa, que é
designada
,
pelo autor
,
heterogeneidade co
nstitutiva
A
tulo
de
exemplificação,
apresentamos
provérbios brasileiros
:
Heterogeneidade mostrada
:
“ Quem tudo quer tudo perde”, que se repete com
a mesma superfície enunciativa.
Heterogeneidade constitutiva: Devagar se vai ao longe”; “De grão em grão a
galinha enche o papo” ; “ Água mole em pedra dura tanto
bate até
que fura”.
2.
6
A verte
nte sócio
-
cognitiva da an
álise crí
tica do discurso
A
Aná
lise
Crí
tica
do
D
iscurso
é realizada em diferentes países e pode
ser definida pelo compromisso que o analista do discurso assume com o seu
blico
, na medida que aquele tem por objetivo denunciar o controle da mente das
pessoas
pelos discursos públicos.
Entre as diferentes vertentes da
An
á
lise
Cr
í
tica
do Discurso , encontramos a
vertente sócio cognitiva
,
da qual Van Dijk
é seu maior representante.
Este autor tem por base as contribuições dadas pelas ciências da cognição,
das quais seleciona o modelo de memória por armazéns e o processamento da
informação, a partir de papéis sociais que orientam as formas de conhecimento
soc
ial que são avaliativas.
58
2.6.1
O modelo de memória por armazéns e o processamento da
informação
.
Kintsch e van Dijk
(1975
) diferenciam a memória de longo prazo da memória
de médio e curto prazo.
A memória de curto prazo é sensorial e quantitativa. É ela que da entrada à
materialidade
discursiva para o processamento da informação na memória de
trabalho que se situa entre a de curto e a de médio prazo. A informação entrada é
armazenada no
chunk
, unidade quantitativa, que após ser lotada a informação nova
que
est
á
entrando,
perd
e-
se
. Por essa razão, as unidades de memória contidas no
chunk
precisam ser esvaziadas pelo processamento da informação na memória de
trabalho
, a fim de facilitar a entrada de novas inform
ões
.
A memória de trabalho processa a informação de forma a transformar a
materialidade lingüística, ou seja, o que está representado em língua
(ou
em
qualquer outra semiótica), em sentidos.
Estes,
para os autores, o designados
proposições, ou seja, unidades semânticas. Nesse sentido, transforma-se a
superfície textual na base de texto. Dependendo dos conhecimentos já
armazenados na memória de longo prazo do processador e de suas estratégias de
ativação,
o número de proposições varia de um processador para o outro. Por essa
razão, os autores afirmam que uma base de texto é um n-duplo de proposições,
que nenhum texto tem
a
mesma leitura, seja pelo mesmo leitor, seja por leitores
difer
entes.
A memória de longo prazo é o armazém onde se aloca os conhecimentos
processados pelo processador. A memória de longo prazo compreende dois
grandes armazéns: um
social,
designado memória semântica; e um individual,
designado memória episódica.
Cada um desses armazéns arquiva os conheci
men
tos construídos pelo
processador, de forma organizada em sistemas cognitivos. Estes, de forma geral,
são:
conhecimentos de língua, conhecimentos enciclopédicos de mundo e
conhecimentos sócio-
interacionai
s. Os
conhecimentos
de língua compreendem
conhecimentos lexicais e gramaticais; os conhecimentos de mundo compreendem
as formas de representação do que acontece no mundo e os sócio-interacionais, os
59
conhecimentos relativos
às
interações comunicativas, tais como atos de fala,
esquemas textuais, contextos discursivos.
Cada um desses conhecimentos é construído em um esquema memorial que
compreende o
script
e o
frame.
O sc
ript
ordena,
no tempo, as proposições com
sentidos secundários; e o
frame
é uma macrop
roposi
ção
, ou seja, o sentido mais
global atribuído ao
script
. Alem do
script
outras maneiras de organizar as formas
de conhecimento dependendo deles serem descrições de objetos, planos , rituais,
etc.
A memória de longo prazo social armazena em cada um de seus sistemas
(língua, mundo e interação comunicativa) os seus respectivos esquemas
mentais.
A
memória de longo prazo social armazena as formas de conhecimento construídas
em sociedade, principalmente, pelos discursos públicos institucion
ais.
A memória de
longo prazo individual armazena formas de conhecimento construídas a partir de
experiências pessoais com o mundo. Compreender a memória de longo
prazo,
com
o
um
armazém social e um
armazém
individual
, propicia explicar porque
as
pessoas de um mesmo grupo social reagem de formas diferentes frente a um
mesmo
acontecimento
no mundo.
Por essa razão, a A
nálise
C
rítica
do D
iscurso
postula uma dialética entre o
social e o individual: o social guia o individual em suas formas de
conhecimento;
mas,
o individual modifica o
social.
Os
conhecimentos
armazenados na memória social de um grupo só
cio
-
cognitivo de pessoas compreendem o marco das cognições sociais desse grupo.
Van Dijk (1997) discute a diferença proposta pelos filósofos da
linguagem
entre
episteme
e
doxa
. Na filosofia, os conhecimentos epistëmicos são factuais, ou
seja, podem ser conferidos no mundo e, por isso, a eles pode ser atribuído o valor
de verdade/ falsidade. Por exemplo, se alguém disse a árvore do meu jardim está
florida”,
esse conhecimento é factual, pois as pessoas podem ir ao jardim do
enunciador e observar se a árvore está florida ou não, para ,
após
,atribuir um valor
de
verdade/ falsidade
ao dito.
Doxa
é a opinião
pública
. Opinar é atribuir valores
(positivo
/negativo;
útil
/inútil
; agradável/ desagradável; caro/ barato, etc.) a uma forma de conhecimento.
60
Como os valores não são observáveis, n
ão
se pode atribuir a eles valor de verdade
/
falsidade
;
nesse sent
ido,
esses conhecimentos são crenças.
Van
Dijk discute essa diferença e postula que todas as formas de
conhecimento são avaliativas, ainda que factuais. No caso de, por exemplo, alguém
dizer ela é e ou ela é uma boa e” em ambos os enunciados valores.
Para certos grupos sociais
,
o conhecimento de mãe é
<<
o ser que a luz a uma
criança e que por ela tem amor, de forma a projetar perspectivas de realização
pessoal e social para torná-la uma pessoa feliz
>>
; portanto, todas as suas ações
são controladas pela sua função de membro chefe de família que, juntamente ou
não com o pai, propiciará o melhor para seu
filho.
Para outros grupos
sociais,
“mãe”
é
<<
a mulher que dá a luz e que rejeita seu
filho,
abando
nando
-
o para ser destruído
,
na medida em que cancela
seu relacionamento social com ele
>>
.
Assim,
dependendo do grupo social, o enunciado ela é mãe contém uma
forma de representação avaliativa positiva ou negativa << daquela que a luz a
uma criança a partir do seu relacionamento com o filho
>>
, e quando alguém diz “ ela
é uma boa mãe para o grupo social que avalia positivamente a representação
mental de mãe, a avaliação positiva
est
á ampliada. Para o grupo social que
r
epresenta mãe com avaliação negativa,
tal
avaliação negativa
est
á
ampliada.
Logo, para o autor, todas as formas de conhecimento são avaliativas, ou seja,
opinativa. Assim, a memória de longo prazo social armazena opiniões sociais
,
e a
memóri
a de longo prazo individual, opiniões pessoais.
A vertente sócio–cognitiva da Análise C
tica do Di
scurso
postula
a inter-
relação de três categorias analíticas: Sociedade, Cognição e Discurso, pois uma se
define pela
outra.
Segundo Silveira (2006)
,
essas categorias poderiam assim ser conceituadas:
A Sociedade é definida por um
conjunto de grupos sociais. Cada um deles é a
reunião de pessoas que tem o mesmo ponto de vista para olhar o mundo. Este
ponto de vista decorre de objetivos, interesses e propósitos comuns às pessoas que
se reúnem em um mesmo grupo social e, por essa razão, as suas formas de
cognição são sociais enquanto avaliações.
A Cognição é vista como o conjunto de conhecimentos sociais construídos
a
partir do que é vivido e experienciado pelo grupo e relativos ao que ele é, ao que
61
pensa ser e ao que quer ser. As cognições variam de grupo para grupo;logo, um
constante conflito intergrupal.
O Discurso pode ser entendido, tanto como um evento discursivo particular,
quanto como discurso público. Os discursos públicos construídos por instituições
so
ciais são designados , discursos públicos institucionalizados. Segundo van Dijk
(1997), esse discurso é definido por três categorias, a saber: Poder, Controle e
Acesso. Cada uma dessas categorias compreende participantes, suas funções e
suas ações. Dessa forma, o Poder é entendido como conjunto de pessoas
autorizadas a tomar decisões; o Controle é representado por um conjunto de
pessoas que fazem as decisões do Poder serem executadas; e o Acesso é a
materialidade discursiva que atinge o público. Logo, nos discursos públ
icos
institucionalizados, o Poder decide o que será informado ao público. O Controle
coloca em ação as decisões do Poder, de forma a controlar mesmo as express
ões
lingüísticas que terão acesso ao público.
Logo, como o que tem acesso ao público é decidido pelo Poder, há um
conjunto de conhecimentos sociais que são extragrupais e passam a dominar,
ideologicamente, a mente das pessoas.
Dessa forma, os conhecimentos ideológicos são impostos e não apresentam
uma dinamicidade qu
e os conhecimentos culturais têm.
Os conhecimentos sociais que apresentam uma dinâmica em suas avaliações
e que s
ão construídos a partir do vivido e experenciado pelo povo, definem os traços
culturais de um grupo social ou de uma pluralidade de grupos, em uma nação.
Segundo van Dijk (
2003
)
,
as culturas guiam a construção das ideologias.
Estas compreendem valores que são impostos pelas classes dominantes, a fim de
discriminar
socialmente pessoas
;
mas
, as culturas são avaliações contidas em
conhecimentos sociais, passadas de pai para filho, que se apresentam de forma
dinâmica devido ao uso desses conhecimentos
para resolver problemas novos.
Para o autor (1997) , o discurso compreende uma
prática
sócio
-
interacional
que se defin
e
por um esquema mental que contém personagens, suas funções e
suas ações. O discurso, nesse sentido, não se def
in
e
por temas e sim pela maneira
de tratar os temas, dependendo do papel representado pelos personagens de cada
prática
social. É n
o
e pelo discurso que se constrói e transmite as formas de
62
conhecimento humanas. A materialidade discursiva, para o lingüista, é o texto-
produto, ou seja, as formas de representação em língua, lineares, construídas pelo
enunciador.
Em
síntese,
os fundamentos teóricos apresentados neste capítulo da
dissertação orientaram a
realização
de nossas análise que são apresentadas no
capítulo seguinte.
C
APÍTULO
3
A BELA ADORMECIDA NO BOSQUE
” –
RESULTADOS OBTIDOS DAS
ANÁLISE
S DE VERSÕES
Este capítulo apresenta os resultados obtidos das aná
lise
s das versões
selecionad
as. Tais resultados são relativos às análises das capas dos
livros,
d
os
textos
-produtos enunciados, dos papé
is
sociais
,
da
história e
dos
episódios
narrativos.
3.1
A versão original
francesa,
texto base da pesquisa
.
Neste item, apresenta-se o texto original francês de Charles Perrault, como
resultado obtido da busca da primeira versão de A bela adormecida no bosque”.
Esta versão foi tomada como texto-base para as análises realizadas com as
demais versões.
A bela adormecida (texto original em francês)
LA BELLE AU BOIS DORMANT
Il y avoit une fois un roi & une reine qui étoient si fâchés de n’avoir point
d’enfans, si fâchés qu’on ne sçauroit dire. Ils allerent à toutes les eaux du monde
:
vœux, pelerinages, tout fut mis en œuvre, & rien n’y faisoit. Enfin, pourtant, la reine
63
devint grosse, & accoucha d’une fille. On fit un beau Baptême ; on donna pour
maraines à la petite princesse toutes les fées qu’on pust trouver dans le pays (il s’en
trouva sept), afin que, chacune d’elles luy faisant un don, comme c’estoit la
coustume des fées en ce temps-là, la princesse eust, par ce moyen, toutes les
perfections imaginables.
Aprés les ceremonies du baptesme, toute la compagnie revint
au palais du roi,
il y avoit un grand festin pour les fées. On mit devant chacune d’elles un couvert
magnifique, avec un estui d’or massif il y avoit une cuillier, une fourchete & un
couteau de fin or, garnis de diamans & de rubis. Mais, comme chacun prenoit sa
place à table, on vit entrer une vieille fée, qu’on n’avait point priée, parce qu’il y avait
plus de cinquante ans qu’elle n’estoit sortie d’une tour, & qu’on la croyoit morte ou
enchantée.
Le roi lui fit donner un couvert ; mais il n’y eut pas moyen de lui donner un
estuy d’or massif, comme aux autres, parce que l’on n’en avoit fait faire que sept,
pour les sept fées. La vieille crût qu’on la méprisait, & grommela quelques menaces
entre ses dents. Une des jeunes fées, qui se trouva auprés d’elle, l’entendit, &,
jugeant qu’elle pourroit donner quelque fâcheux don à la p&ite princesse, alla, dés
qu’on fut sorti de table, se cacher derriere la tapisserie, afin de parler la derniere, &
de pouvoir réparer, autant qu’il luy seroit possible, le mal qu
e la vieille aurait fait.
Cependant les fées commencerent à faire leurs dons à la princesse. La plus
jeune luy donna pour don qu’elle seroit la plus belle personne du monde ; celle
d’aprés, qu’elle auroit de l’esprit comme un ange ; la troisiéme, qu’elle auroit une
grace admirable à tout ce qu’elle feroit ; la quatriéme, qu’elle danseroit parfaitement
bien
; la cinquiéme, qu’elle chanteroit comme un rossignol ; & la sixiéme, qu’elle
joüeroit de toutes sortes d’instrumens dans la derniere perfection. Le rang de la
vieille fée estant venu, elle dit, en branlant la teste, encore plus de dépit que de
vieillesse, que la princesse se perceroit la main d’un fuseau & qu’elle en mourroit.
Ce terrible don fit fremir toute la compagnie, & il n’y eut personne qui ne
ple
urât. Dans ce moment, la jeune fée sortit de derriere la tapisserie, & dit tout haut
ces paroles
:
«
Rassurez
-vous, roi & reine, vostre fille n’en mourra pas. Il est vrai que je
n’ay pas assez de puissance pour défaire entierement ce que mon ancienne a fait
:
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la princesse se percera la main d’un fuseau ; mais, au lieu d’en mourir, elle tombera
seulement dans un profond sommeil. qui durera cent ans, au bout desquels le fils
d’un roi viendra la réveiller.
»
Le roi, pour tâcher d’éviter le malheur annoncé par la vieille, fit publier aussi
tost un Edit par lequel il deffendoit à toutes personnes de filer au fuseau, ny d’avoir
des fuseaux chez soy, sur peine de la vie.
Au bout de quinze ou seize ans, le roi & la reine estant allez à une de leurs
maisons de plaisance, il arriva que la jeune princesse, courant un jour dans le
château, & montant de chambre en chambre, alla jusqu’au haut du donjon, dans un
p&it gall&as où une bonne vieille estoit seule à filer sa quenoüille. C&te bonne
femme n’avoit point ouï parler d
es deffenses que le roi avoit faites de filer au fuseau.
«
Que faites
-
vous là, ma bonne femme
? dit la princesse.
— Je file, ma belle enfant, luy répondit la vieille, qui ne la connoissoit pas.
Ha ! que cela est joli ! reprit la princesse ; comment faites-
vous
? Donnez-
moy que je voye si j’en ferois bien autant.
»
Elle n’eust pas plutost pris le fuseau, que, comme elle estoit fort vive, un peu
estourdie, & que d’ailleurs l’arrest des fées l’ordonnoit ainsi, elle s’en perça la main &
tomba évanouie.
La bonne vieille, bien embarrassée, crie au secours : on vient de tous costez
;
on j&te de l’eau au visage de la princesse, on la délasse, on luy frappe dans les
mains. on luy frotte les tempes avec de l’eau de la reine de Hongrie ; mais rien ne la
faisoit reven
ir.
Alors le roy, qui estoit monté au bruit, se souvint de la prédiction des fées, &,
jugeant bien qu’il falloit que cela arrivast, puisque les fées l’avoient dit, fit m&tre la
princesse dans le plus bel appartement du palais, sur un lit en broderie d’or &
d’argent. On eût dit d’un ange, tant elleest oit belle : car son évanouissement n’avoit
pas osté les couleurs vives de son teint : ses joues étoient incarnatés, & ses lévres
comme du corail ; elle avoit seulement les yeux fermez, mais on l’entendoit respi
rer
doucement
: ce qui faisoit voir qu’elle n’estoit pas morte.
Le roi ordonna qu’on la laissast dormir en repos, jusqu’à ce que son heure de
se réveiller fust venue. La bonne fée qui luy avoit sauvé la vie en la condamnant à
65
dormir cent ans estoit dans le royaume de Mataquin, à douze mille lieuës de là,
lorsque l’accident arriva à la princesse ; mais elle en fut avertie en un instant par un
p
et
it nain qui avoit des bottes de sept lieues (c’estoit des bottes avec lesquelles on
faisoit sept lieues d’une seule enjambée). La fée partit aussi tost, & on la vit, au bout
d’une heure, arriver dans un chariot tout de feu, traisné par des dragons. Le roi luy
alla presenter la main à la descente du chariot. Elle approuva tout ce qu’il avoit fait
;
mais, comme elle estoit grandement prévoyante, elle pensa que, quand la princesse
viendrait à se réveiller, elle seroit bien embarassée toute seule dans ce vieux
château. Voicy ce qu’elle fit.
Elle toucha de sa baguette tout ce qui estoit dans ce chasteau (hors le roi & la
re
ine)
: gouvernantes, filles-d’honneur, femmes-
de
-chambre, gentils-
hommes,
officiers, maistres d’hostel, cuisiniers, marmitons, galopins, gardes, suisses, pages,
val&s de pied ; elle toucha aussi tous les chevaux qui étoient dans les Ecuries, avec
les palefreniers, les gros mâtins de basse-cour, & la p
et
ite Pouffe, p
et
ite chienne de
la princesse, qui estoit auprés d’elle sur son lit. Dés qu’elle les eust touchez, ils
s’endormirent tous, pour ne se réveiller qu’en mesme temps que leur maistresse, afin
d’estre
tout prests à la servir quand elle en auroit besoin. Les broches mes qui
étoient au feu, toutes pleines de perdrix & de faysans, s’endormirent, & le feu aussi.
Tout cela se fit en un moment
: les fées n’étoient pas longues à leur besogne.
Alors le roi & la reine, aprés avoir baisé leur chere enfant sans qu’elle
s’éveillast, sortirent du chasteau, & firent publier des deffenses à qui que ce soit d’en
approcher. Ces deffenses n’étoient pas necessaires, car il crut dans un quart
d’heure, tout au tour du parc, une si grande quantité de grands arbres & de p
et
its, de
ronces & d’épines entrelassées les unes dans les autres, que beste ny homme n’y
auroit passer ; en sorte qu’on ne voyoit plus que le haut des tours du chasteau,
encore n’estoit-ce que de bien loin. On ne douta point que la fée n’eust encore fait
un tour de son métier, afin que la princesse, pendant qu’elle dormiroit, n’eust rien à
craindre des curieux.
Au bout de cent ans, le fils du roi qui regnoit alors, & qui estoit d’une autre
famille que la princesse endormie, estant allé à la chasse de ce costé-là, demanda
ce que c’estoit que des tours qu’il voyoit au-dessus d’un grand bois fort épais.
Chacun luy répondit selon qu’il en avoit oparler : les uns disoient que c’estoit un
vieux chasteau il revenoit des esprits ; les autres, que tous les sorciers de la
66
contrée y faisoient leur sabbat. La plus commune opinion estoit qu’un ogre y
demeuroit, & que là il emportoit tous les enfans qu’il pouvoit attraper, pour les pouvoir
manger à son aise & sans qu’on le pust suivre, ayant seul le pouvoir de se faire un
passage au travers du bois.
Le prince ne sçavoit qu’en croire, lors qu’un vieux paysan prit la parole & luy
dit
:
« Mon prince, il y a plus de cinquante ans que j’ay ouï dire à mon pere qu’il y
avoit dans ce chasteau une princesse, la plus belle du monde ; qu’elle y devoit
dormir cent ans, & qu’elle serait réveillée par le fils d’un roy, à qui elle estoit
reservée.
»
Le jeune prince, à ce discours, se sentit tout de feu ; il crut, sans balancer,
qu’il m&troit fin à une si belle avanture, &, poussé par l’amour & par la gloire, il
résolut de voir sur le champ ce qui en estoit. A peine s’avança-t-il vers le bois que
tous ces grands arbres, ces ronces & ces épines s’écarterent d’elles
-
mesmes pour le
laisser passer. Il marche vers le chasteau, qu’il voyoit au bout d’une grande avenuë
il entra, &, ce qui le surprit un peu, il vit que personne de ses gens ne l’avoit
suivre, parce que les arbres s’étoient rapprochez dés qu’il avoit esté passé. Il ne
laissa pas de continuer son chemin : un prince jeune & amoureux est toûjours
vaillant. Il entra dans une grande avan-cour, tout ce qu’il vit d’abord estoit capable
de le glacer de crainte. C’estoit un silence affreux : l’image de la mort s’y presentoit
par tout, & ce n’estoit que des corps étendus d’hommes & d’animaux qui paroissoient
morts. Il reconnut pourtant bien, au nez bourgeonné & à la face vermeille des
suisses, qu’ils n’étoient qu’endormis ; & leurs tasses, où il y avoit encore quelques
goutes d
e vin, montroient assez qu’ils s’étoient endormis en beuvant.
Il passe une grande cour pavée de marbre
; il monte l’escalier
; il entre dans la
salle des gardes, qui étoient rangez en haye, la carabine sur l’épaule, & ronflans de
leur mieux. Il traverse plusieurs chambres, pleines de gentils-hommes & de dames,
dormans tous, les uns debout, les autres assis. Il entre dans une chambre toute
dorée, & il voit sur un lit, dont les rideaux étoient ouverts de tous costez, le plus beau
spectacle qu’il eut jamais veu : une princesse qui paroissoit avoir quinze ou seize
ans, & dont l’éclat resplendissant avoit quelque chose de lumineux & de divin. Il
s’approcha en tremblant & en admirant, & se mit à genoux auprés d’elle.
67
Alors, comme la fin de l’enchantement estoit venuë, la princesse s’éveilla, &,
le regardant avec des yeux plus tendres qu’une premiere veuë ne sembloit le
perm
et
tre
:
«
Est
-
ce vous, mon prince
? luy dit
-
elle
; vous vous estes bien fait attendre.
»
Le prince, charmé de ces paroles, & plus encore de la maniere dont elles
étoient dites, ne sçavoit comment luy témoigner sa joye & sa reconnoissance ; il
l’assura qu’il l’aimoit plus que luy-mesme. Ses discours furent mal rangez ; ils en
plûrent davantage : peu d’ éloquence, beaucoup d’amour. Il estoit plus em
barassé
qu’elle, & l’on ne doit pas s’en estonner
: elle avoit eu le temps de songer à ce qu’elle
auroit à luy dire, car il y a apparence (l’histoire n’en dit pourtant rien) que la bonne
fée, pendant un si long sommeil, lui avoit procuré le plaisir des songes agreables.
Enfin, il y avoit quatre heures qu’ils se parloient, & ils ne s’étoient pas encore dit la
moitié des choses qu’ils avoient à se dire.
Cependant tout le palais s’estoit réveillé avec la princesse : chacun songeoit à
faire sa charge ; &, comme ils n’étoient pas tous amoureux, ils mouroient de faim. La
dame d’honneur, pressée comme les autres, s’impatienta, & dit tout haut à la
princesse que la viande estoit servie. Le prince aida la princesse à se lever : elle
estoit tout habillée, & fort magni
fiquement
; mais il se garda bien de luy dire qu’elle
estoit habillée comme ma mere grand & qu’elle avoit un coll& monté ; elle n’en estoit
pas moins belle.
Ils passerent dans un salon de miroirs, & y souperent, servis par les officiers
de la princesse. Les violons & les hautbois joüerent de vieilles pieces, mais
excellentes, quoyqu’il y eut prés de cent ans qu’on ne les joüast plus ; &, aprés
soupé, sans perdre de temps, le grand aumonier les maria dans la chapelle du
chasteau, & la dame-d’honneur leur tira le rideau. Ils dormirent peu : la princesse
n’en avoit pas grand besoin, & le prince la quitta, dès le matin, pour r&ourner à la
ville, où son pere devait estre en peine de luy.
Le prince luy dit qu’en chassant il s’estait perdu dans la forest, & qu’il a
vait
couché dans la hutte d’un charbonnier, qui luy avoit fait manger du pain noir & du
fromage. Le roi, son pere, qui estoit bon-homme, le crut ; mais sa mere n’en fut pas
bien persuadée, &, voyant qu’il alloit presque tous les jours à la chasse, & qu’il
avoit
toûjours une raison en main pour s’excuser quand il avoit couché deux ou trois nuits
68
dehors, elle ne douta plus qu’il n’eut quelque amour&te : car il vêcut avec la
princesse plus de deux ans entiers, & en eut deux enfans, dont le premier, qui fut
une
fille, fut nommée
l’Aurore
, & le second, un fils, qu’on nomma le Jour, parce qu’il
paroissoit encore plus beau que sa sœur.
La reine dit plusieurs fois à son fils, pour le faire expliquer, qu’il falloit se
contenter dans la vie ; mais il n’osa jamais se fier à elle de son secr& : il la craignoit,
quoy qu’il l’aimast, car elle estoit de race ogresse, & le roi ne l’avoit épousée qu’à
cause de ses grands biens. On disoit même tout bas à la cour qu’elle avoit les
inclinations des ogres, & qu’en voyant passer de p&its enfans elle avoit toutes les
peines du monde à se r
et
enir de se j
et
er sur eux : ainsi le prince ne lui voulut jamais
rien dire.
Mais, quand le roy fut mort, ce qui arriva au bout de deux ans, & qu’il se vit le
maistre, il declara publiquement son mariage, & alla en grande ceremonie querir la
reine sa femme dans son chasteau. On luy fit une entrée magnifique dans la ville
capitale, où elle entra au milieu de ses deux enfans.
Quelque temps aprés, le roi alla faire la guerre à l’empereur Cantalabutte,
son
voisin. Il laissa la regence du royaume à la reine sa mere, & luy recommanda fort sa
femme & ses enfans ; il devoit estre à la guerre tout l’esté ; &, dés qu’il fut parti, la
reine
-mere envoya sa bru & ses enfans à une maison de campagne dans les bois,
pour pouvoir plus aisément assouvir son horrible envie. Elle y alla quelques jours
aprés, & dit un soir à son maistre d’hôtel
:
«
Je veux manger demain à mon dîner la p&ite Aurore.
Ah
! Madame, dit le maistre d’hôtel…
Je le veux, dit la reine (& elle le dit d’un ton d’ogresse qui a envie de
manger de la chair fraische), & je la veux manger à la sausse Robert. »
Ce pauvre homme, voyant bien qu’il ne falloit pas se joüer à une ogresse, prit
son grand cousteau, & monta à la chambre de la p&ite Aurore : elle avoit pour lors
quatre ans, & vint en sautant & en riant se j&ter à son col, & luy demander du bon du
bon. Il se mit à pleurer : le couteau luy tomba des mains, & il alla dans la basse-
cour
couper la gorge à un p&it agneau, & luy fit une si bonne sausse que sa maistresse
l’assura qu’elle n’avoit jamais rien mangé de si bon. Il avoit emporté en même temps
69
la p
et
ite Aurore, & l’avoit donnée à sa femme, pour la cacher dans le logement
qu’elle avoit au fond de la basse
-
cour.
Huit jours après, la méchante rei
ne dit à son maistre d’hôtel
:
«
Je veux manger à mon soupé le p
et
it Jour.
»
Il ne répliqua pas, résolu de la tromper comme l’autre fois. Il alla chercher le
p&it Jour, & le trouva avec un p
et
it fleur& à la main, dont il faisoit des armes avec un
gros singe : il n’avoit pourtant que trois ans. Il le porta à sa femme, qui le cacha avec
la p
et
ite Aurore, & donna, à la place du p
et
it Jour, un p
et
it chevreau fort tendre, que
l’ogresse trouva admirablement bon.
Cela estoit fort bien allé jusque là ; mais, un soir, c
et
te méchante reine dit au
maistre d’hôtel
:
«
Je veux manger la reine à la mesme sausse que ses enfans.
»
Ce fut alors que le pauvre maistre d’hôtel desespera de la pouvoir encore
tromper. La jeune reine avoit vingt ans passez, sans compter les cent ans qu’elle
avoit dormi : sa peau estoit un peu dure, quoyque belle & blanche ; & le moyen de
trouver dans la ménagerie une beste aussi dure que cela ? Il prit la résolution, pour
sauver sa vie, de couper la gorge à la reine, & monta dans sa chambre dans
l’
intention de n’en pas faire à deux fois. Il s’excitoit à la fureur, & entra, le poignard à
la main, dans la chambre de la jeune reine ; il ne voulut pourtant point la surprendre,
& il luy dit avec beaucoup de respect l’ordre qu’il avoit receu de la reine
-m
ere.
« Faites vostre devoir, luy dit-elle en luy tendant le col ; executez l’ordre qu’on
vous a donné ; j’irai revoir mes enfans, mes pauvres enfans, que j’ay tant aimez !
»
Car elle les croyoit morts, depuis qu’on les avoit enlevez sans luy rien dire.
« Non, non, Madame, lui répondit le pauvre maistre d’hôtel tout attendri, vous
ne mourrez point, & vous ne laisserez pas d’aller revoir vos chers enfans ; mais ce
sera chez moy, je les ay cachez, & je tromperay encore la reine, en luy faisant
manger une je
une biche en vostre place.
»
Il la mena aussitost à sa chambre, où, la laissant embrasser ses enfans &
pleurer avec eux, il alla accommoder une biche, que la reine mangea à son soupé,
avec le me app
et
it que si c’eut esté la jeune reine. Elle estoit bien contente de sa
70
cruauté & elle se préparoit à dire au roy, à son r
et
our, que des loups enragez avoient
mangé la reine sa femme & ses deux enfans.
Un soir qu’elle rodoit, à son ordinaire, dans les cours & basses-cours du
chasteau, pour y halener quelque viande fraische, elle entendit, dans une salle
basse, le p
et
it Jour, qui pleuroit parce que la reine sa mere le vouloit faire foü&ter, à
cause qu’il avoit esté méchant ; & elle entendit aussi la p
et
ite Aurore, qui demandoit
pardon pour son frere. L’ogresse reconnut la voix de la reine & de ses enfans, &,
furieuse d’avoir esté trompée, elle commanda, dés le lendemain matin, avec une voix
épouventable qui faisoit trembler tout le monde, qu’on apportast au milieu de la cour
une grande cuve, qu’elle fit remplir de crapaux, de viperes, de couleuvres & de
serpens, pour y faire j
et
ter la reine & ses enfans, le maistre d’hotel, sa femme & sa
servante
; elle avoit donné ordre de les amener les mains liées derriere le dos.
Ils étoient là, & les bourreaux se preparoient à les j
et
ter dans la cuve, lorsque
le roi, qu’on n’attendoit pas si tost, entra dans la cour, à cheval : il estoit venu, en
poste & demanda, tout estonné, ce que vouloit dire c
et
horrible spectacle. Personne
n’osoit l’en instruire, quand l’ogresse, enragée de voir ce qu’elle voyoit, se j
et
a elle-
mesme la teste la premiere dans la cuve, & fut devorée en un instant par les vilaines
bestes qu’elle y avoit fait m
et
tre. Le roi ne laissa pas d’en estre fasché : elle estoit sa
mere
; mais il s’en consola bientost avec sa belle femme & ses enfans.
MORALITÉ
Attendre quelque temps pour avoir un époux
Riche, bien-fait, galant & doux,
La chose est assez naturelle :
Mais l’attendre cent ans, & toûjours en dormant,
On ne trouve plus de femelle
Qui dormist si tranquillemen
t.
La fable semble encor vouloir nous faire entendre
Que souvent de l’hymen les agreables nœuds,
Pour estre differez, n’en sont pas moins heureux,
& qu’on ne perd rien pour attendre.
71
Mais le sexe avec tant d’ardeur
Aspire à la foy conjugale
Que je n’ay pas la force ny le cœur
De luy prescher c
et
te morale.
3.
2 A
s capas dos livros
que são versões do texto original
Os resultados obtidos das análises das capas dos livros serão a
presentados
,
a partir de uma
vertente
sóc
io
-
semiótica da
Aná
lise
C
rítica
do
Discurso
e do conceito
de contrato de
comunicação,
proposto por Charaudeau (
1983).
A vertente sóci
o-
semiótica
,
segundo Fairclough e Wodak (
2000)
,
ocupa
-
se
do
caráter multi-
semiótico
pres
ente na maior parte dos textos da sociedade
contemporânea e explora métodos de
análise
aplicáveis às imagens visuais,
fotográficas, televisivas ou artísticas, assim como a relação existente entre a
linguagem e as imagens.
Kress e van Leeuwen (
apud
Fairclough e Wodak
,
2
000)
investigam o valor
das categorias da lingüística sistêmica em textos multimodais. Segundo esses
autores
, as categorias textuais sistêmicas “dado” x “novo” propiciam analisar as
figuras: por vezes o “dado” aparece a esquerda e o “novo “a direita ; por vezes o
velho
" e o
novo
são analisáveis em uma mesma imagem a partir do conhecido e
do
modificado.
Segundo Charaudeau (1983)
,
o contrato de comunicação é um ritual sócio-
discursivo
,
que é a condição para que haja qualquer ato de comunicação, de forma
a propiciar que os interlocutores reconheçam um ao outro com seus traços
identitários que os definem como sujeitos do ato de comunicação e, também,
reconheçam qual o objetivo desse ato, a partir dos rituais de abordagem utilizad
os
.
72
Orientados por essa base teórica, os resultados obtidos das análises
das
capas dos livros
indicam que
:
3.2.1 Versão
de Charles Perrault
-
Original
Não foi possível realizar uma leitura multimodal da capa do livro de Charles
Perrault, por essa razão, não podemos apresentar o levantamento dos valores
culturais da época
.
O contrato de comunicação pode ser estabelecido a partir de uma
reconstrução histórica da data da publicação 1697 e do conteúdo dessa publ
icação.
No que se refere ao conteúdo, as histórias recolhidas por Charles Perrault eram
contadas desde o século XIV. Embora não haja indicação, provavelmente, o autor as
modificou; no seu livro não especificação de quem é o autor de cada conto nem
qual
a versão original. Assim sendo, no que se refere ao conto A bela adormecida
no bosque”, O Eu-comunicante elabora uma imagem do seu Tu-
destinatário,
como
sendo
uma pessoa de um grupo social elitista , pois na época de Charles Perrault,
século XVII, pouco
s franceses sabiam ler, sendo a leitura privil
é
gio da elite do Poder.
No século XIV, o autor original da história elabora uma imagem para o seu Tu
destinatário, tendo por hipótese os valores culturais atribuídos à família na época.
Uma família valorizada com aspectos negativos cuja função é a rejeição da prole.
No século XIV, ainda, o Eu-enunciador representa o papel social daquele que causa
medo ao contar uma história.
Por essa razão o Eu-
enunciador
, em seu contrato comunicativo, tem a
liberdade de criar histórias para assustar o Tu-interpretante, sendo que o Tu-
destinatário são as pessoas da corte francesa. Logo, a presença de uma fada e
de uma avó ogressa são aceitáveis na sociedade francesa do séc. XIV.
Perrault mant
é
m esses pap
é
is na estrutura
social francesa do século XVII.
O Eu-enunciador é o contador de histórias e o Tu-interpretante são as
pessoas que gostam de ouvir histórias. Essas entidades do discurso, como práticas
sócio
-
interacional
,
caracterizam as atividades sociais das pessoas do
século
XVII.
No que se refere à moral que compõe o conto verifica
-
se
que:
73
-
nas cognições sociais femininas
,
tanto do século XIV
,
quanto do séc XVII, o
valor cultural positivo atribuído a “esposo” é relativo à riqueza, cortesia , galanteria e
doçura.
No
que se refere ao séc XIV, a figura valorizada positivamente da
futura
espos
a é a que espera o objeto amado, não importa por quanto tempo , mesmo
que seja por cem anos, e a candidata
à
esposa
fique
dormindo
tranqüilamente
à
espera.
No século XVII mo
dificaç
ão
no papel da mulher sonhadora em relação ao
tempo e à situação da
espera
. Essa mudança é apresentada, no texto, com a
inserção no texto do adversativo “mas”
,
seguido de “não se encontram mais
mulheres que durmam tão tranqüilamente”. Tal inserção é uma modificação de
Charles Perrault, guiada pelos traços culturais de sua época. Por essa razão, ele
termina o texto de sua moral afirmando que felicidade na espera, pois não se
perde nada por esperar, mas o sexo tem aspirações ardorosas para o encontr
o
conjugal e ele não tem a força nem o sentimento para impor a moral anterior à sua
época.
Nesse sentido, ocorre o discurso modificado em relação ao discurso fundado
r
que situa Charles Perrault como modificador de uma ver
são original do século XIV.
3.2.2
Versão de Monteiro Lobato
, tradução
e adaptação
Embora a versão 1 seja de Perrault , não tivemos acesso à capa de seu livro.
E, por essa razão, iniciamos
a leitura multi
-
modal
com a versão de Monteiro Lobato
,
que é a tradução do conto “ A bela ado
rmecida
no bosque
”.
3.
2.2
.1
Uma leitura multi
-
modal
74
A capa do livro de Monteiro Lobato focaliza a figura do personagem central
do
c
onto
O g
ato de botas”. O gato está vestido como um personagem de
“romance
de capa e espada”, tipo mosqueteiro.
O “dado” são as
roupas,
a capa, a espada, o chapéu com plumas, o colarinho
e a
gravata.
O “novo” é a mudança da cabeça do mosqueteiro pela cabeça de um
gato, com olhos grandes e amendoados e a boca em forma de sorriso. O “novo”
compreende
,
ainda
,
o gato de botas
, mosqueteiro
com esporas.
Na versão de Monteiro Lobato, deu-
se
preferência para expor na capa a
figura visual do gato de botas e não a da bela adormecida no bosque. O autor
apresenta como
tulo
Contos de Fadas, modificando o
tulo
da versão 1
,
que tem
por título original
Contos da Mamãe Ganso
.
Na versão 1, original, o conto do gato de botas está ancorado em valores
positivos atribuídos ao colaborador gato
,
para que o sapateiro pobre possa
entrar
em conjunção com seu objeto de valor
:
a princesa, filha do rei.
Monteiro
Lobato,
ao modificar o título da obra
original,
em
Conto
s de fadas
,
interfere
no gênero
discursivo
, na medida em que o conto
O
gato
de botasnão
mant
é
m
identidade com fadas e bruxas e, dessa fo
rma
, ressemantiza a designação
“c
ontos de fadas”
incorporando nela
o conteúdo
<<
contos infantis fantásticos
>>.
75
O fundo da capa é violeta e a figura do gato de botas contrasta com o fundo
pelas
cores
laranja,
ouro,
preto,
vermelho,
cinza,
bege,
branco
e
amarelo.
Por serem tons pastéis, as cores não produzem realce para a figura do gato
de botas, em relação ao
fundo.
Monteiro Lobato mantém o nome do autor, Perrault , e modifica o título do
livro
A fim de que os leitores possam reconhecer Monteiro Lobato como autor do
texto,
na capa está escrito: Tradução e adaptação de Monteiro Lobato.
3
.2.2.2
O
contrato de comunicação
Quando se fala de literatura clássica
infantil,
de se imaginar contratos de
com
unicação conservadores, principalmente pelo fato de que as histórias foram
colhidas do campo oral em outros países e foram traduzidas para o
português.
Ao
optar por esse tipo de texto, o
eu
-comunicante tem d
e
se adequar a muitas
restrições
e poucas liberdades, ou seja, margens de manobras estreitas, que se
encontra preso a um texto-
base.
Dessa forma, é dentro desse espaço limitado que o
autor tem de se mover.
Margem de manobra estreita, contudo, não significa necessariamente
co
ntrato estático, pois, como vimos, ao mudar qualquer um dos elementos do
contrato de comunicação, haverá
alteração no contrato
.
Na capa do livro,
lemos
“Tradução e adapt
ão
”.
Essa inserção , em relaçã
o
ao texto original, é uma estratégia discursiva que deixa o autor entre o aumento d
e
sua
liberdade para
ad
a
ptar
textos e a sua limitação por apenas traduzi-
los
. Logo,
o
autor apresenta a
tradução
; apresenta-o também como adaptação, para se proteger
de
crítica
s
relativas às mudanç
as
realizadas, normalmente lexicais, nos textos da
obra
original
.
Podemos concluir que o Eu-comunicante, tendo consciência de que
a
tradução de uma outra língua nem sempre encontra palavras correlatas na nossa
língua e que é necessário algum tipo de
adaptaç
ão
e acertos para que o sentido se
complete, avisa o leitor sobre eventuais
diferenças.
Deve
-
se levar em conta aqui que
o
Tu-
interpretante
final, será, normalmente,
criança
. Nessa época, a segunda língua
76
ensinada no Brasil era o francês e os leitores poderiam já ter
tido
contato com a
obra
original. Dessa forma, ao ler a versão brasileira de Monteiro Lobato, esse leitor
poderia confrontar as vers
ões e detectar as diferenças.
Em síntese, podemos dizer que a seleção da figura do gato de botas vestida
como um personagem de capa e espada estabelece uma interação com a presença
da cultura francesa no Brasil, na época; e o contrato de comunicação estabelece-
se
por uma estratégia de chamar a atenção tanto de meninos, pela figura do gato de
botas espadachim, e de meninas
,
pelo
tulo
contos de fadas. O pouco realce devido
ao contraste de cores da figura e fundo da capa faz com que as meninas privilegie
m
a leitura do livro pelo
tulo
, pois este
interaciona
-
se
com os conhecimentos sociais
femininos infantis. Da mesma forma, o gato de botas como espadachim, interaciona-
se com os conhecimentos sociais infantis masculinos no contexto sócio-histórico da
época da publicação
, de forma a a
trair os meninos à leitura do livro.
O contrato do Eu-enunciador com o Tu-interpretante, entidades do discurso
(Monteiro Lobato e leitor menino/menina ) é estabelecido com o fator aceitabilidade
que
constrói um acordo com as cognições sociais dos meninos e das meninas para
que
eles
queiram ler o livro.
3.
2.3
A versão traduzida de Ana Maria Machado
Ao se confrontar a capa da versão de Machado com a capa da versão de
Monteiro Lobato
, enco
ntramos diferenças.
3.
2.3
.1 Uma leitura multi
-
modal
77
A capa do livro de Machado estampa uma cena em que a personagem da
Bela Adormecida no Bosque
está
dormindo
.
Dessa forma, diferencia
-
se da capa do
livro de Monteiro Lobato, que estampa a figura do gato de bo
tas.
A versão de
Machado também se diferencia da versão de Monteiro Lobato,
pois enquanto
a esta
cont
é
m
contos de Perrault , o livro da versão de Machado apresenta apenas o
conto da
“ A
Bela adormecida
no Bosque
O livro da versão da
Machado
apresenta em sua capa a personagem
principal do conto, a princesa, no momento em que está adormecida. A focalização
da imagem é na cor branca: um moça vestida de branco, coberta com roupas de
cama
e travesseiro branco. A cor branca
con
trasta
com o fundo escuro, em tons de
marrom, verde escuro e preto, de forma a confundir vegetaç
ão com parede e dossel
da cama.
O “dado” é uma moça adormecida na cama. O “novo” é o fato desta moça
não pertencer ao século XXI, pois
a retomada de uma figura
clichê
que
representa uma bela
moça adormecida no século XI
V,
na
Fran
ça
.
78
Essa
retomada
é estratégica e pode ser explicada por valores culturais
presentes na atual contemporaneidade brasileira. Anteriormente e ainda hoje
velho”
é representado com valor negativo e “
novo” com valor positivo
; po
r exemplo: VELHO
MUNDO / NOVO MUNDO. Em nossa contemporaneidade,
uma modificação
relativa
à diferença entre velho/antigo”. Situados no passado distante, “velho” é
avaliado com valor negativo, como em: “coisas velhas, homem velho
”;
antigo”
é
avaliado com valor positivo, como em
custo
de objetos de antiguidades
vendidos em
lojas ou feiras especializadas.
Os valores culturais, apresentados acima, guiam a construção da capa da
versão de Machado
, de forma a estabelecer um contrato entre Ana Maria Machado e
o público infantil feminino, para querer ler o livro A bela adormecida no bosque”
.
Dessa forma, a figura estampada na capa retoma clichês representados como “o
antigo” e que caracterizam o século XIV: a cama em dossel, os travesseiros, os
lençóis, o aspecto da f
isionomia feminina e
sua postura
ao dormir.
Esta capa é construída com uma duplicidade de figuras e fundos
caracterizados pelas cores. A focalização no branco tem por figura uma linda moça
adormecida e por fundo, o
s travesseiros e
lençóis
.
A focalização na cor escura tem por figura o dossel da cama e por fundo, a
floresta
.
Em relação à capa do livro, a pintura da bela adormecida em sua cama , em
um quarto onde se confunde vegetação e paredes é a figura que se projeta em um
fundo rosa , que mantém identidade com crianças do sexo feminino em nossa
contemporaneidade.
A cor rosa, culturalmente, está relacionada a meninas, e é representada com
valor positivo.
O título do livro
da
versão de Machado decorre da seleção de um conto A
bela adormecida no bosque” entre os demais contos publicados no livro de Perrault.
Abaixo do título, centrado, está o nome de Charles Perrault, escrito em rosa escuro,
mantendo a identidade feminina e infantil para os interlocutores / leitores. Dessa
forma,
estabelece
-
se o seguinte
contrato:
Ana Maria Machado
-
Eu
-
comunicante e Tu
-
destinatário
-
leitores
/meninas, de forma a se estabelecer que a autora escreve
contos
para meninas. Logo abaixo, em letras menores, porém no mesmo tom rosa
79
escur
o,
está escrito:“Tradução de Ana Maria Machado”. Embora o rosa escuro
realce com a cor branca da figura da Bela Adormecida, em relação ao conjunto de
cores da capa, não é o realce maior.
Na parte inferior da capa, temos informações a respeito do livro. Ele faz parte
de uma coleção de livros da qual é o volume 4 Clássico universal - série, cujo
autor é Charles Perrault.
3.
2.3
.2. O contrato de comunicação
O contrato de comunicação apresentado na capa da versão de Machado é
mais restrito do que a da versão de Monteiro Lobato, pois na capa do livro dele foi
inserida palavra adaptação”, possibilitando modificações. Para Ana Maria
Machado o contrato é feito com a palavra “tradução“ o que não a autoriza a
modificações do enredo, nem da enunciação.
Em síntese, pelo que a capa traz representado em língua, a publicação fica
autorizada
, pois ela é apresentada por um número dentro de uma série e essa série
é designada Clássicos Universais” de forma a incorporar uma nova semia para
Charles Perrault e sua obra Contos da mamãe Gansa, avaliando-a como a obra que
cont
é
m contos que são clássicos e que são para um auditório universal. A autora, ao
dar a voz e responsabilidade ao autor do texto-base, faz com que o contrato de
comunicação se mantenha em sua fo
rma mais conservadora.
No que se refere à prática sócio-interacional discursiva, esta é designada
“contar histórias”. O Eu-
enunciador
- contador de histórias, tanto na versão
original
,
quanto na de Monteiro Lobato e na de Machado, é Charles Perrault. O tu-
interpretante são os interlocutores discursivos. Na primeira versão, o Tu-
interpretante são os adultos que viviam na corte francesa, no século X
VII
.
Na
v
ersão
de Monteiro Lobato, o Tu-interpretante são crianças de ambos os sexos. Na v
ersão
da
Machado, o Tu
-
interpretante são crianças meninas.
O contrato do Eu-enunciador com o Tu-interpretante, entidades do discurso
(Ana Maria Machado e leitor/
meninas)
, é estabelecido com o fator aceitabilidade que
80
constrói
um acordo com as cognições sociais das meninas para que elas queiram
ler o livro.
Assim
, como a versão de Monteiro Lobato, essa obra é traduzida,
enfrentando o grande número de restrições e pequena margem de manobras; mas,
ao contrário da anterior, o tamanho da letra indica o lugar de onde a tradutora fala,
que tem menor importância que o autor, pois o nome de Charles Perrault é maior . A
tradutora dá
voz e
a responsabilidade pelo texto ao autor original.
3.
2.4
A v
ersão
recontada
por K
atia Canton
81
A capa da
v
ersão
de Kátia Canton
dif
ere das capas das versões anteriores.
3.
2.4
.1 Uma leitura multi
-
modal
A capa do livro de Kátia Canton difere-
se
das
capas das
outras
versões
apresentada
s, principalmente, por não ter nenhuma figura ou imagem que faç
a
refer
ê
ncia
ao
s
contos
de Perrault
. O “dado” é o nome de Perrault em letras grandes
,
em cores diferentes, que ele é autor conhecido de contos infantis. O
novo”
é
a
foto
diminuída
de Perrault
inse
rida ao lado direito e sobre o título Era uma vez
Perraul
t
; assim, refere
-
se
a
o
dado
, porém de uma forma nova.
“N
ovo
, também,
é
a inserção de
“Era uma vez”
,
escrita
com letras cursivas,
mostrando uma informalidade e uma aproximação com o leitor infantil. Ao se unir
“Era uma vez Perrault” remete-
se
a Perrault,
o
velho
nas capas anteriores
,
ressemantizando
-o como um personagem de conto infantil. Por isso, a
representação em língua que inicia os textos de história “Era uma vez” passa a ser
selecionada como parte do título da v
ersão
de
Canton
.
O
novo
vem
ainda
representado em língua por recontado por Katia Canton” abaixo do nome Perrault
,
em letras menores.
O conjunto de enunciados está disposto em três linhas horizontais
sobrepostas formando uma figura que se projeta em primeiro plano. A parte superior
e inferior dessa
figura retangular tem o fundo em cor preta e as letras em cor branca,
produzindo realce
para “Era uma vez, recontado por Kátia Canton”.
O encaixe da fotografia de Perrault, à direita do re
tângulo
, está inserida nas
duas últimas letras escritas Era uma v
ez
”. A parte central desse retângulo tem o
fundo azul claro, onde está projetado o nome de Perrault, sendo que cada letra é de
uma cor e apenas as duas ultimas
,
onde se encaixa a figura de Perrault de cor
escura (o L em cor preta e o T em cor violeta), de forma a diminuir o realce da letra
no retângulo para propiciar destaque à imagem de Perrault.
O fundo da capa é
colorid
o
,
com
cor
predominantemente vermelha, como
sangue.
82
O retângulo com expressões lingüísticas vem na parte inferior da capa,
estabelecendo uma orientação de leitura, ou seja, a localização da base do livro.
Na parte superior da capa, quas
e at
é o meio, com exceção do lado esquerdo,
aproximando
-se do retângulo com expressões lingüística, estão projetadas figuras
semelhantes a rosáceas que podem ser vistas em
análise
s microscópicas de
sangue
. Dessa forma, as imagens e as cores sugerem para os interlocutores
retomar Perrault, dando a ele vida.
O conjunto representado na capa é manifestado por cores azuis e rosa, que
são relativas a meninos e meninas, embora haja também outras cores para realçar
as letras do nome Perrault e que sã
o retomadas nas rosáceas da parte superior.
O conjunto das cores verde, amarelo, azul e branco são representativos da
bandeira nacional brasileira e a elas são somadas as cores rosa, laranja, preto e
violeta
das letras e das rosáceas que se projetam sobre a cor vermelha do fundo
como o sangue , a vida.
3.
2.4
.2
O contrato de comunicação
Em relação ao contrato
comunicativo,
a seleção do verbo recontar atualizada
no particípio passado, estabelece com o leitor um contrato
flexível,
no qual a autora
se autoriza a modificar o
texto
-base original. Sem romper com o contrato de
comunicação reservado aos contos de fadas, a autora se coloca no papel de
contadora de
história
s através do RECONTADO POR KATIA CANTON”, fazendo
com que se estabeleça uma relação de proximidade com o leitor, implicitamente
recuperando a tradição oral de trocar experiências através do “contar”.
A derivação com o prefixo
Re
sugere uma retomada no presente de um
pas
sado
próximo, anterior à mídia áudio-visual
,
quando os contos de fada
participavam com freqüência
das práticas sócio-interacionais comunicativas infantis
.
Hoje
,
os contos de fada são práticas minoritárias para nossas crianças que
estão
mais
freqüente
mente expostas a
filmes e desenhos
animados pela televisão.
83
Logo
, há uma situação temporal que expressa a contemporaneidade atual da
publicação.
Utiliza
-se aqui o ritual de abordagem na capa do
livro:
“Era uma vez...” dando
ao leitor uma indicação quanto ao tipo de texto que será apresentado a seguir,
como que se dissesse A partir daqui você lerá um conto de fadas, porém haverá
elementos diferentes pois eu estou contando do meu jeito “
Conta
r / recontar implica uma liberdade, garante ao contador uma ampla
margem de manobra, permitindo assim, que o Eu-comunicante amplie ou reduza o
texto
-b
ase
, modificando
-
o ou não.
Dessa forma , Katia Canton representa ao mesmo tempo o papel de
Eu
-
enunciador e de Eu
-
comunicante.
Podemos concluir que
o
Eu-
co
municante
tem consciência de que os contos
de fadas fazem parte
de uma literatura considerada
clássica”
. Contá
-
los, estabelece
um
contrato de comunicação rígido
em
que a liberdade
criativa
é pequena. Kátia
Canton estabelece um contrato de comunicação que a protege para modificar um
texto
clássico, logo, a autora se apresenta como a que tem liberdade para criar
, sem
que com isso mude
totalmente
a estrutura do texto
original.
3.
2.5
A versão
da
Editora Todolivro
84
A capa desta versão difere das demais analisadas.
3.
2.5.
1 Uma leitura multi
-
modal
A capa é apresentada com um fundo rosa e com figuras em dois planos
distintos. No canto direito, na parte de baixo está o logotipo da editora
Todolivro
.
Sobre esse fundo, ocupando a maior parte do espaço da capa, está
estampado
a
figura de uma moça para representar a Bela Adormecida. Esta moça é
representada com os valores étnicos ideológicos positivos , que privilegiam a raça
ariana
: olhos verdes, pele branca, cabelos loiros, magra, com estatura proporcional
ao peso.
85
A moça está vestida com vestido de princesa, que em as mangas bufantes
rosa e a saia rosa. O corpete é violeta, moldurado embaixo por um cinto rosa escuro
e essa cor se repete no decote em V, formando o arremate e também, na
gargantilha e nos brincos. Sobre a cabeça uma coroa pequena, de princesa, de
cor rosa. A postura da princesa é de
delicadeza,
com os olhos voltados
para
o fora
da capa, dando a entender que olha para o leitor, suas mãos estão uma sobre a
outra e juntamente com um sorriso, mostrando dentes muito alvos, constr
ói
uma
postura de alegria e encantamento.
Dessa forma,
constr
ói
-
se
um acordo com as cognições sociais infantis que
foram transmitidas em filmes Walt Disney, de forma a atribuir um valor positivo
à
princesa que é Bela , mas não está adormecida.
O fundo é apresentado em perspectivas diferentes. Num primeiro plano, situa
-
se a princesa e em um segundo plano situa-se a figura de uma mulher para
representar uma fada madrinha, uma vez que segura com delicadeza uma varinha
de condão, cercado por estrelinhas.
À
figura que representa a fada, também
são
a
tribuídos alguns valores étnicos ideológicos positivos,
que privilegiam a raça ariana,
como
olhos verdes, pele branca, cabelos loiros, porém diferentemente da princesa a
fada madrinha não é magra, ela é representada com corpo gordinho, e rosto bem
além das proporções padrão, para contrastar com a Bela Adormecida, que esta é
jovem e a outra mais velha.
Na parte superior da capa, à esquerda, lê-se “A Bela Adormecida”, sendo que
a palavra “ Bela” tem destaque tanto pela iluminação , quanto pelo tamanho.
Ainda na parte superior, à direita, tem-se um fai
ch
o de cor roxa, que acaba
em um círculo amarelo-ouro, com estrelas, onde se lê “Classic Star”, indicando uma
coleção.
O
dad
o”
é apresentado pelas cognições sociais infantis que foram
construídas
no e pelo discurso cinematográfico. O “novo” é a representação da
Bela, muito viva e alegre com o cancelamento da floresta tenebrosa e do sono da
princesa imposto pelo castigo da fada m
á.
Os valores positivos são atribuídos à relação da princesa com a beleza, a
juventude e a magreza. Logo, foram realçados os valores positivos culturais
dos
jovens e atribuído um valor negativo de diferenciação jovem/velho.
86
3.
2.5.2 –
O contrato de comunicação
Em relação ao contrato comunicativo, não indicação do
Eu
-comunicante, pois não uma pessoa real que conte a história, que foram
cancelados os nomes de Perrault e do tradutor. No que se refere ao contrato
enunciativo, o Eu-
enunciador
é o contador de histórias
,
e o Tu-interpretante é o
leitor
-
menina
.
O Eu-comunicante constr
ói
para o seu Tu-interpretante a imagem feminina
inf
antil, pois s
ão as meninas que em nossa atualidade se interessam por histórias de
princesas de forma a atribuir a essas hist
órias valores culturais positivos.
O contrato de comunicação perde as
restrições
pelo cancelamento do autor
original e do tradutor-autor desta versão. Dessa forma, estabelece-se na relação
uma liberdade de modificar o texto
-
base.
Em síntese, a leituras m
ultimod
ais das capas das diferentes versões
analisadas, indicam que uma relação entre o visual e o lingüístico importante
para relacionar o “dado“ e o novo”
.
Nesta
relação,
situa
-
se
o contexto social
contemporâneo da época de cada publicação. Essa variação, de uma versão para
outra, é representada por
figura/fundo,
cores/realce, figuras/não
figuras,
personagens/não personagens
.
É no texto multimodal que o contrato comunicativo se estabelece nas capas
dos livros analisados.
A análise do contrato comunicativo indica que o papel representado de
contador de história é um papel social na estrutura da sociedade brasileira atual e
que
este pode ser representado por um ator-autor, por um ator-tradutor, por um
autor
-
adaptador de um texto original ou por um autor
-
recontador do texto original
.
3.3.
As difere
nças de conteúdo e de enunciação das diferentes versões
87
Os resultados obtidos das diferenças existentes entre conteúdos e
enunciações são apresentados seguindo a ordem dos episódios e o confronto entre
as versões
,
tendo por ponto de partida as datas de
publicaç
ão
.
Estes resultados
podem
ser apresentados
por
quadro
s.
Como a versão
de
Machado é a
traduç
ão
do texto-base original, com poucas
modificações enunciativas, será apresentada como ponto de partida para o
confronto das demais versões.
3.3.1
O
1°
episó
dio:
diferentes versões (
Machado e Monteiro Lobato)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
Episódio
Versão
de
Machado
Versão de Monteiro Lobato
Apresentação
Era uma vez um rei e uma rainha...
Era uma vez um rei e uma rainha...
Conflito
...que viviam muito tristes porque não
conseguiam ter filhos. Tão tristes que não
nem para explicar. Foram a tudo
quanto era estação de águas, fizeram
tratamentos, promessas, peregrinações,
recorreram a um monte de simpatias.
Tentaram tudo o que estava ao seu
alcance. E não adiantava nada.
...sempre
tão aborrecidos de não terem
filhos, que dava até dó. Iam passar
temporadas em estações de águas
minerais; faziam promessas; empregavam
todos os meios de ter filhos, mas sem
nenhum resultado.
Resolução
Até que, finalmente, a rainha engravidou e
teve uma filha.
Certo ano, porém, tudo mudou e a rainha
teve uma filha. Foi enorme sua alegria.
Quanto aos papéis sociais:
No primeiro episódio, ocorre a
apresentação
d
os
personagens
rei-
rainha”
que
na
Apresentação
representam o seguintes papéis sociais:
88
-
Na Instituiç
ão
Família
os papéis de marido e mulher;
-
Na Instituição
Estado
os papéis de rei
-r
ainha;
O Conflito inicia-se com uma quebra de expectativa guiada pelas cogniç
ões
sociais:
-
marido e mulher têm filhos;
Nesse sentido, os papéis de pai-mãe da estrutura social familiar não
puderam ser escolhidos.
A representação da família, com pais e filhos, tem origens históricas
bíblicas,
que se mant
é
m pelo cristianismo, até hoje, como discurso fundado
r.
O discurso modificado é relativo ao número de filhos e a inclusão da não
consangüinidade pela adoção.
Na instituição família os papéis são pai-mãe-filhos. Estes papéis não puderam
ser representados de forma a criar um conflito com as cognições sociai
s.
Os casais que não
m
filhos sentem-se excluídos e são levados a diversos
meios para alcançar tal intuito. É muito arraigado o discurso bíblico do "crescei e
multiplicai
-
vos"
disseminad
o pela Igreja, que com base nas idéias de Althusser
(2001)
, é considerada um dos principais aparelhos ideológicos de Estado e contribui
intensamente no processo de reprodução ideológica do Cristianismo. Sua ideologia
funciona pela conjunção de certas idéias dominantes, com que procura influenciar os
grupos
sociais de uma determinada comunidade, utilizando-se de um discurso
institucional religioso de grande influência. Assim, quando um casal opta pela não
concepção ou não consegue ter filhos, é visto pela sociedade como desobedientes à
ordem de Deus ou castigados por Ele. Essa idéia é também fortalecida pela escola,
quando aprendemos que o ciclo da vida é “Nascer, crescer, reproduzir e morrer".
-
Na instituição
E
stado os papéis são: rei
rainha
príncipe
/ princesa.
Estes pap
éis t
ê
m valor positivo em uma e
strutura monárquica estatal
, o papel
do príncipe é representado
pela
continuidade da estrutura política: herdeiro do reino
,
das riquezas e das conquistas realizadas pela família real ao longo dos anos ou
89
séculos.
O conflito decorre de não haver um personagem para representar esse
papel, de forma a colocar a manutenção do Poder em jogo.
Tanto
na instituição Família quanto na instituição Estado, os papéis de pai-
m
ãe
-filho(filha) e rei-
rainha
-principe( princesa), passam a ser representados. Como
todos eles, nas cognições sociais, recebem valores positivos em suas
funções
e
ações
, temos essa valorização positiva, representada em língua : foi enorme sua
alegria”.
Quanto as
diferenças e as similitudes enun
ciativas:
a)
V
ersão
de
Machado
: Era uma vez um rei e uma rainha que viviam muito
tristes
porque não
conseguiam ter
filhos.
Tão tristes que não dá nem para explicar.
Versão de Monteiro Lobato
:
Era uma vez um rei e uma rainha
,
sempre
tão
aborrecidos de não terem
filhos,
que dava até dó.
Na versão
de
Machado, atribui-
se
valor positivo aos sentimentos pessoais e
ignora
-
se
os alheios, portanto, são recuperados os valores contidos na memória
individual
.
na versão de Monteiro Lobato, o valor positivo é dado para o que os
outros
pensam.
O que essa diferença traz representada em língua é que n
a
contemporaneidade da obra de Monteiro lobato existia uma
preocupação
com
que a
sociedade pensa de um individuo
,
representa
ndo
-o
valorativamente
.
Nesse sentido, não se conseguir dizer
/
dava até
,
são expressões
lingüísticas que contêm traços culturais na medida em que,
focaliza
-se na versão de
Machado os sentimentos individuais, que são indizíveis , quando adquirem grandes
dimensões; na versão de Monteiro Lobato, são focalizadas as formas de
representação social, pois são essas que causam aborrecimentos individuais, em
conflitos intra-grupais, de forma a causar dó para os observadores da si
tuação
individual.
90
b)
Versão
de
Machado
: Até que
, finalmente
, a rainha engravidou e teve uma filha
.
Versão de Monteiro Lobato
:
Certo ano
,
porém,
tudo mudou e a rainha teve uma
filha.
Outra diferença enunciativa importante encontrada nesse episódio é a
seleção
, na versão de Machado,
de
finalmente
” que introduz numa progressão
aspectiva verbal, o término da infertilidade para o início da gravidez da rainha
.
Dessa forma, temos:
Situação Inicia
l
-
A infertilidade da rainha
Fazer transformado
r –
a gravidez da rainha
Situação final
ter uma filha
.
Na versão
de
Monteiro Lobato , ocorre a utilização
de
“p
orém
, conjunção
ad
versativa
,
que estabelece uma diferença entre a S
ituação
I
nicial
- não ter filhos/
S
ituação
F
inal
-
ter uma filha.
Outra diferença importante é como a seleção lexical modifica o foco dado na
maternidade. P
ara
Machado
(que traduz Perrault), o foco é dado na
gestação
e
na
versão de Monteiro Lobato,
na
concepção
. Em outros
termos,
o que Monteiro
Lobato
traz
representado em língua, é que a
mul
her é mãe quando a criança
nasce com
vida
, isso reflete o contexto cultural e econômico brasileiro, que na
primeira metade do século 20, a mortalidade infantil era imensa, pois a área da
medicina e da farmacologia era pouco desenvolvida. As primeiras faculdades de
medicina
aparecem no primeiro quartel do
séc
. XX, como a faculdade do Brasil, na
praia vermelha no Rio de Janeiro.
Na
versão de
Monteiro
Lobato
, ainda a inserção das expressões
lingüísticas
tudo mudou , porque o que está representado em língua são duas
situa
ções
diferentes
: situa
ção
inicial / situa
ção
final, sem o foco dado no fazer
transformador
.
também
, a
inserção
de “foi enorme sua alegria” , que expressa
91
uma avalia
ção
positiva para o fato d
e
a rainha tornar-
se
mãe
ou
, mais ainda,
confirmando
o que foi indicado acima, o
fato de a criança ter nascido com vida.
Apresenta
-se a seguir um gráfico que confronta a versão de Canton com a
versão da editora
Todolivro
, pa
ra o primeiro epis
ódio.
3.3.2
O
1°
episódio:
Versão da
Canton
x
Versão
da Editora Todolivro
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
Episódio
Versão da Katia Canton
Versão da Editora
Todolivro
Apresentação
Era uma vez uma rainha ...
Ø
Conflito
que não conseguia ter filhos. Era reza dali,
chá acolá e...nada.
Ø
Resolução
Até que um dia ela finalmente engravidou.
Nove meses depois, nasceu uma
menininha linda, sorridente e com as
bochechinhas rosadas. Rainha, rei e o
reino inteiro eram alegria.Todo mundo
comemorava.
Quando a princesa Aurora nasceu....
Quanto aos papéis sociais:
diferenças, para o primeiro episódio das quatro versões analisadas.
Nas
versões de Machado e Monteiro Lobato está enunciado: “ Era uma vez um rei e uma
rainha” , na versão de Canton: Era uma vez uma rainha”, e na ultima versão não
ocorre esse episódio,que foi cancelado, de forma a reduzir o texto expandido.
Visualizando, temos:
a)
Versão
de
Machado
:
Era uma vez um rei e uma rainha
Versão
de Monteiro Lobato
:
Era uma vez um rei e uma rainha
92
Versão
de Canton
:
Era uma v
ez uma rainha
Versão
da Editora
Todolivro
:
Ø
Enquanto as versões de Mach
ado
e de Monteiro Lobato apresentam um
casal, a v
ersão
de
Canton apresenta somente a mulher, uma rainha, tentando ter
filho,
sem haver explicitação do marido e de suas expectativas
.
O papel social da
mãe, assim é modificado
,
na medida em que recai sobre a mulher
<<
a
responsabilidade da formação da família pela
concepção
, criação, educação e
segurança dos filhos>>. Na nossa sociedade
atual,
é comum vermos a
responsabilidade sobre os filhos recair somente sobre a
mãe,
a
começar com
a
própria prevenção da maternidade. Esse papel é relevante na estrutura social
familiar e por essa raz
ão
temos muitos programas de planejamento familiar , que,
em sua maioria
são
voltados
e freqüentado
s
apenas por mulheres.
Em síntese, as diferenças de versões do 1° episódio representam valores e
condutas sociais de momentos diferentes no Brasil, com uma dinâmica dos valores
culturais.
A versão da E
ditora
Todolivro,
por cancelar o 1° episódio, estabelece um
contrato comunicativo com o Tu-destinatário –criança. O Eu-comunicante elabora a
imagem do Tu-destinatário e segundo a hipótese do Eu-
comunican
te, a questão da
fertilidade familiar não deve estar inserida nas cognições sociais infantis
.
3.3.3
O
2°
episódio:
Diferentes versõe
s ( Machado e Monteiro Lobato)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
Episódio
Versão
de
Machado
Versão d
e
Monteiro Lobato
93
Apresentação
Dá pra imaginar a festança que fizeram
para o batizado. E escolheram para
madrinhas da princesinha todas as fadas
que conseguiram encontrar no reino
(acharam sete), para que cada uma lhe
desse de presente algum dom
maravilhoso, como era o costume das
fadas naquele tempo, Graças a isso, a
princesa ficaria com todas as perfeições
imagináveis.Depois da cerimônia do
batismo, todos os convidados foram para
o palácio do rei, onde haveria um grande
banquete para as fadas.
Diante de cada uma delas foi posto um
brin
de : um estojo de ouro maciço, com
talhers magníficos - uma colher, um garfo
e uma faca do mais fino ouro, guarnecidos
de diamantes e rubis.
O batismo virou uma festa sem igual e
todas as fadas do país (eram sete)
receberam convite para servirem de
madrinh
as da preciosa criança.Depois das
cerimônias do batismo, realizado numa
catedral, os convidados voltaram ao palácio
do rei para assistir ao grande banquete
oferecido às fadas.Diante de cada uma foi
colocado um talher maravilhoso, de ouro
finíssimo, guarnec
ido de diamantes e rubis.
Conflito
Mas enquanto cada convidado se dirigia a
seu lugar e se sentava à mesa, entrou
uma velha fada que não tinha sido
chamada, porque havia mais de cinqüenta
anos que não saía de sua torre e todos
achavam que ela tinha morrido ou sido
encantada. O rei logo
ordenou que preparassem também um
lugar para ela, com seus talheres. Mas
não era possível lhe darem um estojo de
ouro maciço, como as outras tinham
ganho, porque os brindes haviam sido
feitos de encomenda e havia sete, para
as sete fadas.
A velha achou que estava sendo
desprezada e ficou resmungando uma
porção de
ameaças,
com a boca meio
fechada.
Mas assim que tomaram assento apareceu
na sala uma fada velha que não tinha sido
convidada porque fazia cinqüenta anos
que se metera numa torre sem sair uma
vez, de modo que toda a gente a julgava
morta ou encantada. O Rei mandou pôr na
mesa mais um talher, infelizmente os
talheres de ouro eram sete, não sendo
possível dar a fada velha um talher igual ao
das outras. Era tão essa velha fada que
se pôs de cara feia a resmungar.
Resolução
Uma das jovens fadas, como estava bem
perto dela, ouviu aquilo e achou que era
bem possível que a velha pretendesse dar
algum presente ruim à princesinha. Por
isso, quando todos se levantaram da
mesa, foi se esconder atrás de uma
grande tapeçaria pendurada na parede do
palácio. Desse modo, seria a última a falar
e talvez pudesse tentar consertar um
pouco algum mal que a velha viesse a
causar.
Uma das fadas moças viu aquilo e calculou
logo que para vingar-se ela iria desejar
qualquer coisa ruim para a princesinha.E
logo que o banquete terminou e todos se
levantaram, correu na frente para esconder
-
se atrás da porta do quarto da linda criança.
Desse modo viria ela falar por último, e
poderia desejar à princesinha um dom que
destruísse, ou pelo menos diminuísse, o
mal que a fada velha pudesse ter em mente
fazer.
Quanto aos papéis sociais:
No segundo episódio, além da apresentação de novos papéis sociais
:
as
fada
s
madrinhas, temos a apresentação de um ritual inserido tanto no tempo de
94
produção da primeira obra , mantido na obra de Ana Maria Machado, quanto no
tempo de produção
da
obra de Monteiro Lobato
(1948) : O batismo.
O Batismo Cristão Infantil
,
faz parte de crenças ideológicas eclesiásticas que
compõem os conhecimentos sociais de grupos católicos. O valor positiv
o
atribuído
ao batismo decorre do cancelamento
do pecado
original praticado por Adão e Eva
, o
que os levou a expulsão do
Paraíso.
Os cristãos católicos acreditam que uma
criança ao ser batizada fica
excluída
do pecado original e, por essa razão, realizam
festas após o batismo da criança.
Um batizado católico é realizado com os seguintes participantes: o padre, os
pais, os padrinhos e a criança.
Para participarem d
o
ritual do batismo são escolhidas pessoas consideradas
pelos pais da criança como amigos e bons exemplos sociais. Para padrinhos, as
versões analisadas indicam que houve um
a mudança cultural do papel:
C
ontemporaneidade
1:
proteção do afilhado
Contemporaneidade 2
:
pessoa exemplar para o afilhado
Contemporaneidade
3:
ser a mãe do afilhado na falta dos pais
consangüíneos
O resultado obtido das análises do papel de padrinhos i
ndica
que, em todas
as versões do conto analisado, ocorre o papel da madrinha que pode ser
representado por várias pessoas ao mesmo tempo: “madrinhas”.
Fa
da
“, etimologicamente vem do latim fatum
(destino
, felicidade, oráculo) e é
ela
(ou
são elas) que nos contos de fadas interferem nos destinos da
s
personagens.
É o elemento mágico que une o real ao sobrenatural, sendo aquele submisso a
esse. São as
fadas
-
madrinha
as responsáveis por indicar o melhor caminho a
seguir
, proteger e na falta da mãe, cuidar da criança. Nesse sentido, o convite às
fadas para serem madrinhas da princesa é representado com valor positivo, pois
significa a busca dos pais pela proteção e pela felicidade
,
já que esses
não
dependem
d
o humano e sim do divino, do sobrenatural.
A diferença existente entre os conhecimentos sociais de fada-
madrinha
/
‘‘madrinha’’ decorre do conflito da representação das fadas pois essas têm o poder
95
de
estabelecer
o destino dos afilhados, ao passo que as madrinhas têm o dever de
cu
idar dos afilhados.
Quanto as
diferenças e as similitudes enunciativas:
diferença entre a versão original e a versão
de
Machado, como
também diferença entre
a versão de Machado e de
Monteiro
Lobato
.
a)
Vers
ão
Original
de Perrault
: “On fit un beau Baptême ( Fizeram um belo
Batismo
)
;
Versão
de
Machado
:
Dá pra imaginar a festança que fize
ram para o batizado
”.
Versão d
e
Monteiro Lobato
:
O batismo virou uma festa sem igual
...
Na versão
original
de Perrault, a palavra Batismo é escrita com letra
maiúscula de forma a atribuir um nome próprio ao primeiro sacrament
o recebido pela
criança, como ritual da religião católica cristã, que o considera como o momento em
que se perde o pecado original . Na v
ersão
de
Machado, utiliza-se o batizado” -
particípio de batizar, e o foco não está na cerimônia, no ritual e sim na festa feita
para
comemorar o ritual.
Na
versão de Monteiro Lobato, o batismo é escrito com
letra minúscula, e explicado pela realização de uma festa, numa relação de causa e
conseqüência, sendo a causa ”foi enorme sua alegria” e sendo a conseqüência o
batismo
vir
ou
uma festa sem igual” , em que enuncia o realce de uma festa
espec
ífica de batismo pelo fato dos pais serem reis e terem poder em relação aos
demais batismos, que são festejados com a família e amigos íntimos, como
bito
na cultura católica brasileira.
b)
Versão
de
Machado: E escolheram para madrinhas da princesinha
todas as
fadas que conseguiram encontrar no reino (acharam sete), para que cada uma lhe
96
desse de presente algum dom maravilhoso, como era o costume das fadas naquele
tempo,
Versão de Monteiro Lobato
:
O batismo virou uma festa sem igual e todas as
fadas do país (eram sete) receberam convite para servirem de madrinhas da
preciosa criança.
Uma das diferenças encontradas na apresentação do episódio é que na
v
ersão
de
Machado, está representado em língua que o hábito da família real era
convidar para madrinha as fadas, com interesse nos dons dados por elas a seus
afilhados, pois a crença na época é que as perfeições são dons recebidos do
sobrenatural,
de fora para dentro e não nascem com a criança. A relação
entre
predestinador/predestinado
recebe, culturalmente, valores altamente positivos
,
devido as crenças. A versão de Monteiro Lobato cancela a predestinação das fadas
e as perfeições que v
êm
da exterioridade para a interioridade da criança. Existe o
convite dos pais para que as fadas sejam madrinhas, mas o que é cancelado é o
interesse no que elas têm a oferecer. A v
ersão d
e
Monteiro Lob
ato
insere a palavra
preciosa
para adjetivar
criança
que, na v
ersão
de
Machado, é chamada de
“pequena princesa”. Essa substituição enunciativa modifica o texto-base, pois a filha
de reis, consanguineamente é princesa. Na versão de Monteiro Lobato, a criança é
avaliada
positivamente e representada em língua por
preciosa
como conseqüência
do esforço feito pelos reis para terem uma filha. A diferença consiste em
representar, na França, a criança pelo papel dos governantes do Estado (rei);
e,
no
Brasil, representar a criança com o
papel
que ela representa na estrutura familiar,
avaliada
positivamente,
como desejada, amada.
A versão de Monteiro Lobato não
focaliza
a relação
pred
estinador
/predestinado, como uma relação que é
prestigiada
na interação dos
demais
papéis. A relação
fada
-
madrinha
e “preciosa criança afilhada”
é
representada
, tendo por foco o poder real dos pais
que
se realizam social
e
pol
iticamente com o nascimento da filha
.
97
c)
Versão
de
Machado: todas as fadas que conseguiram encontrar no
rei
no
(acharam sete)...
Versão de Monteiro Lobato: todas as fadas do
país
(eram sete) receberam
convite...
A diferença encontrada nesse trecho é que, na
Versão
de
Machado, o lugar-
cenário
da história é denominado
reino
”, visto ser um texto francês e a época de
produção do texto foi durante a
monarquia
,
que teve
duração até
1793
. A versão
de
Monteiro
Lobato
designa o
lugar
-
cenário
da história como
país
,
já que n
o momento
da produção da obra, no Brasil, não se
tinha
mais
a monarquia como forma de
governo e o país procurava consolidar uma identidade nacional que o diferenciasse
de Portugal.
Outra
diferença enunciativa existente nesse trecho é que, na v
ersão
de
Machado, não se encerra a possibilidade de existirem outras fadas no reino
enquanto
,
na
Versão de Monteiro Lobato, a afirmação de que no reino havia
sete fadas. Tanto no primeiro caso, quanto no segundo, esse esquecimento
desencadeia o conflito principal da trama.
Sob o aspecto cultural, o que essa diferença enunciativa revela é
a
focalização de
velho
,
velhice
”.
O velho, representado com valor negativo quando não tem participação
social
e
fica recluso é marginalizado e
esquecido.
Os velhos se sentem atormentados
pelos espectros da exclusão e sentimentos de isolamento, e isso lhes causa
sofrimento constante.
Fora o
desprezo,
ainda
fica evidenciado no texto um tratamento diferenciado
para o
velho
”, de uma maneira negativa, o que contribue para que a “velha fada”
sinta inveja das
fadas mais jovens
”.
Segundo Zimmerman (1999
:
36
):
98
existem duas soluções aos invejosos: “Uma é a de arrebatar para si
aquilo que é do outro, quer por meios violentos de voracidade, ou, o que é
mais comum, por meio de uma sagacidade maquiavélica. A outra solução é
a de privar o outro da posse do algo idealizado e cobiçado, o que
comumente é feito por meio de um maciço denegrimento daquele”.
E
m
A
Bela
Adormecida no Bosque
,
a “f
ada
velha e reclusa”
,
que não foi
convidada para a festa, sente inveja das demais
,
por
elas terem sido. Como a
pequena princesa” é representada como um ser desprotegido e que precisa da
proteção do sobrenatural para ser feliz, é ela que se torna objeto de vingança da
fada velha; dessa forma a fada velha atinge o rei e a rainha, que se esqueceram de
convidá
-
la
, e das
demais
fadas, que tanto zelo e virtudes desejaram à Bela
Adormecida.
É
a forma de solução apresentada por Zimmerman de “
p
rivar o outro da
posse de algo idealizado e cobiçado”.
d)
Versão
de
Machado
:
A velha achou que estava sendo desprezada
e ficou
resmungando uma porção de ameaças, com a boca meio fechada.
Versão de Monteiro Lobato: Era tão essa velha fada
que se pôs de cara feia
a resmungar.
A diferença consiste nas forma de representação da fada que o f
oi
convidada
: na v
ersão
de
Machado, é representada com sentimentos humanos de
vingança
em relação à ação de outra pessoa que a desagradou
.
A
versão de
Monteiro Lobato, ela é represent
ada
com
características pessoais intrínsecas e que
são avaliadas negativamente na dimensão cultural das nossas
cognições
sociais.
Trata
-
se,
portanto, de “a maldade”
c
omo uma
enunciação
valorativa
.
99
e)
Versão
de
Machado
: ...entrou uma velha fada que não tinha sido chamada,
porq
ue havia mais de cinqüenta anos que
não saía de sua torre
...
Versão de Monteiro Lobato
: ... uma fada velha que não tinha sido convidada
porque já fazia cinqüenta anos que
se metera numa torre
...
A diferença enunciativa consiste
em
a f
ada
ter se metido numa torre há
cinqüenta anos/ a fada não sair da torre cinqüenta anos. Na v
ersão
de
Machado
a fada não sai, mas é sujeito deliberativo para sair. Na versão de Monteiro Lobato,
”a fada se metera numa torre”
re
presenta o sujeito que se esconde e se fecha para
não ser visto. Ambas as versões representam o
velho
com valor negativo atribuído
ao fato de ser
anti
-social.
Na
v
ersão
de
Machado, “o velho”
é
representado como
agente
de sua decisão, mas, pelo fato de se tornar recluso , o anti-social também
recebe valor negativo. O “velho” é representado em ambas as versões,
ideologicamente, como excluído do social .Na versão de Monteiro Lobato
,
é um
acontecimento
,
a velhice
,
que o leva a se excluir do social, ainda que não queira;
nesse sentido, o velho recebe valor cultural negativo pois deixa de ser sujeito e é
anti
-
social, por ser marginalizado , ideologicamente, na sociedade.
f)
Versão
de
Machado: ...A velha achou que estava sendo desprezada e ficou
resmungando uma porção de ameaças
...
Versão de Monteiro Lobato: Era tão essa velha fada que se pôs de cara
feia a resmungar.
Na
v
ersão
de
Machado, a fada é representada com o valor negativo de quem
tem o poder de ameaçar. Na
v
ersão de Monteiro Lobato
,
a fada é representada com
o valor negativo de quem se queixa, por ser má . Nesse sentido , na versão de
Monteiro Lobato, a figura feminina não é representada com o poder de ameaçar
alguém e é
culturalmente
avaliada
de forma negativa pela maldade e de forma
positiva
pela bondade.
100
3.3.4
O
2°
episódio:
Diferentes versões (Canton e
Edi
tora Todolivro)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
Episódio
Versão d
e
Canton
Versão da Editora
Todolivro
Ø Ø
Nas versões 3 e 4
,
partes do 2
°
episódio foram canceladas. A principal parte
cancelada é a que trata da astú
cia
s da “jovem fada” em perceber que a”velha fada“
faria algum mal
à
princesinha
. As partes restantes foram inseridas no próximo
episódio.
3.3.5
O 3
°
episódio:
Diferentes versões ( Machado e Monteiro Lobato)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
Episódio
Versão
de
Machado
Versão de Monteiro Lobato
Apresentação
Em seguida, as fadas começaram a fazer
seus dons, dizendo os presentes que
davam à princesa.
A mais jovem lhe deu o dom da beleza,
prometendo que ela seria a pessoa mais
bonita do mundo.
A segunda prometeu que ela seria
inteligente e espirituosa com
o um anjo.
A terceira, que ela teria uma graça
admirável em tudo o que fizesse.
A quarta disse que a moça dançaria
admiravelmente bem.
A quinta, que ela cantaria como um
rouxinol.
A sexta, que ela seria capaz de tocar
qualquer instrumento com perfeição.
Logo depois começou o desfile das fadas
diante do berço da recém-nascida. A ma
is
moça de todas desejou que ela tivesse a
bondade dum anjo; a segunda desejou
que ela tivesse tôdas as graças possíveis;
a terceira desejou que dançasse com
perfeição; a quarta desejou que fôsse a
princesa mais bela do mundo; a quinta
desejou que cantass
e como um rouxinol; a
sexta desejou que tocasse
maravilhosamente bem tôda a sorte de
instrumentos musicais.
101
Conflito
Quando chegou a vez da fada velha, ela
sacudiu a cabeça - muito mais por despeito
do que por velhice - e disse que a princesa
furaria a mão com um fuso e morreria por
causa disso. Esse dom terrível
fez todos tremerem, e não houve quem não
chorasse.
Por fim chegou a vez da fada velha, que
se aproximou com cara de quem está a
torcer
-se de despeito e declarou que a
princesa espetaria a mão numa roca de
fiar e disso morreria. Êsse terrível vaticínio
causou tamanha tristeza que todos se
puseram a chorar.
Resolução
A jovem fada saiu de seu esconderijo, atrás
da tapeçaria, e disse estas palavras, bem
alto:
- Fiquem tranqüilos, senhor rei e senhora
rainha. Sua filha não vai morrer por causa
disso. É verdade que eu não tenho poder
suficiente para desmanchar completamente
a ameaça de uma fada mais velha do que
eu. A princesa vai mesmo furar a mão no
fuso de uma roca. Mas em vez de morrer,
ela simplesmente cairá num sono profundo,
que vai durar cem anos. que no fim
desse tempo, o filho de um rei virá salvá
-
la.
Nisto a jovem fada, que se escondera
atrás da porta, surgiu e disse em voz alta,
dirigindo
-se ao rei e à rainha: -
Sossegai, majestades, que a princesinha
não morrerá. Embora eu não tenha poder
bastante para destruir o mau voto da
minha idosa colega, posso modificá-lo em
parte. A princesa espetará a mão numa
roca de fiar, mas em vez de morrer cairá
em sono profundo por cem anos. Ao fim
dêsse tempo o filho dum rei virá despertá-
la.
Quanto aos papéis sociais
:
Uma diferença importante encontrada nesse episódio é referente
as
qualidades ou dons desejados,
nas diferentes versões,
à princesinha:
Versão Original
La plus jeune luy donna pour don qu’elle seroit la plus belle personne du monde
celle d’aprés, qu’elle auroit de l’esprit comme un ange
la troisiéme, qu’elle auroit une grace admirable à tout ce qu’elle feroit
la qua
triéme, qu’elle danseroit parfaitement bien
la cinquiéme, qu’elle chanteroit comme un rossignol
& la sixiéme, qu’elle joüeroit de toutes sortes d’instrumens dans la derniere
perfection.
Versão
de
Machado
Versão de Monteiro Lobato
Beleza
Bondade
Inteligência e ser espirituosa
Todas as graças possíveis
102
Graça
Perfeição na dança
Perfeição na dança,
Beleza;
Perfeição no Canto
Perfeição no canto;
Perfeição em tocar qualquer
instrumento.
Perfeição em tocar toda sorte de
instrumentos
.
Uma qualidade não existente no
texto
original
foi incluída na
ve
rsão
de
Machado
:
“a
i
nteligência
. Essa é uma importante diferença, principalmente
temporal, que a v
ersão
de
Machado foi traduzida em 2001, na
contemporaneidade
,
qu
ando vários valores foram modificados, principalmente os
que dizem respeito aos papéis sociais e as qualidades que os caracterizam para
serem exercidos pelas mulheres. Na nossa sociedade e contexto histórico, para uma
mulher “inteligência” é a capacidade de se relacionar em diversos grupos sociais,
exercendo vários papéis sociais, dependendo de seu nível de escolaridade
,
privilegiando o alto nível, o que se contrapõe ao estereótipo da “
mulher
”, cujos
papéis antes estavam restritos ao de
filha
(
quando
solteira),
“mãe, dona de casa e
esposa
”. A principal característica desses papéis sociais era ser protegida por um
homem (pai e irmãos, quando solteira e marido, quando casada).
Na
v
ersão
de
Machado, podemos verificar que a “inteligência” , c
omo
quali
dade feminina, foi acrescen
tada pela autora , mas apenas a palavra
foi inserid
a
,
pois as atitudes da Bela Adormecida” não mudam com relação ao texto-base, ou
seja, o percurso narrativo desse personagem continua o
mesmo d
o texto de Perrault.
A
principa
l diferença encontrada na versão de Monteiro Lobato é a primeira
qualidade a ser atribuída a recém - nascida : “a bondade”. A bondade de um anjo,
como deve ser a mulher na sociedade:
bondosa
,
generosa, mas principalmente não
ser rebelde, pois isso descaracterizaria a bondade a ela oferecida. A submissão
feminina está intimamente ligada a essa idéia de bondade, e é essa submissão, um
dos
valores mais positivos para representar as mulheres nos contos de fadas, e que
se mantém na versão de Monteiro Lobato.
Na versão de Monteiro Lobato há a hierarquização da
bondade
em relação à
beleza
”. Na contemporaneidade de Monteiro Lobato, segundo as cognições sociais,
103
a mulher é a que desde o período colonial do Brasil e mesmo no da República,
casava por conveniência econômica, quase sempre com parentes, para reforçar os
laços familiares, mas, especialmente para preservar o patrimônio da família. Não
importava tanto ser bela, que o casamento seria arranjado pelas famílias. O futuro
noivo entenderia tal situação e a aceitaria, fosse ela bela ou não. A mulher, sem
alternativa, casava-se com quem sua família escolhesse. Assim, a
bondade
desejada
à
mulher é
relativa à obediência. A alusão
à
bondade dum anjo”, também
remonta o discurso fundador, religi
oso,
no qual “as esposas devem ser submissas a
seus maridos”.
A segunda fada “desejou que ela tivesse todas as graças possíveis”.
Essas
expressões lingüísticas representam valores culturais das cognições sociais do início
do século XX, onde as pessoas para serem felizes precisavam receber “graças” do
sobrenatural.
A quarta
fada
desejou que fosse a princesa mais bela do mundo; nesse
sentido a beleza também é representada como um presente, uma graça recebida.
Quanto as
diferenças e as similitudes enunciativas:
a) Versão de Machado
:
“...É verdade que eu não tenho poder suficiente para
desmanchar completamente a ameaça de uma
fada mais velha
d
o que eu...
Versão de Monteiro Lobato
:
“ ...Embora eu não tenha poder bastante para
destruir o mau voto da
minha idosa colega
, posso modificá
-
lo em parte...
Tanto na
Versão
de
Machado, como na Versão de Monteiro Lobato
,
o voto
da
“fada mais velha” não pode ser desfeito por uma “fada mais jovem”
.
Apesar de,
“velho”
ser
representad
o pelo valor negativo, de forma extra-
grupal
, grupos
sociais que representam o “velho“ com valor positivo atribuído à sabedoria,
decorrente de sua experiência de vida. Nas versões analisadas, com exceção da
Editora
Todolivro
,
o “velho” é representado de forma negativa pelas suas
dificuldades de interação social, mas com valor positivo na medida em que a ele é
atribuído um poder que os “jovens” não tê
m a capacidade de anular.
104
Esse recorte social vem acompanhado de locuções diferenciadas para tr
atar
cada grupo de pessoas da mesma idade: Na França,
designava
-se correntemente
como velho (
Vieux
) ou velhote (
Viellard
) os indivíduos que o detinham
status
social; enquanto os que possuíam eram, em geral, designados idosos (
Personne
âgée
). No Brasil, analisa Peixoto (1998), a conotação negativa do vocábulo velho
seguiu um processo semelhante ao da França, porém em período mais recente. Os
documentos oficiais publicados antes dos anos 60 denominavam as pessoas
pertencentes à faixa etária de 60 anos (...) simplesmente de velhas (...). Segundo
essa autora, foi no final da década que certos documentos oficiais e a maioria das
análises sobre a velhice recuperaram a noção de "idoso".
Segundo
Câmara
Cascudo
(2001: 722),
existe
realmente uma dicotomia no
personagem da velha:
Entidade maléfica ou grotesca, que intervinha nas estórias para a função
malévola de perturbar a felicidade ou dificultar a conquista legitima de
alguma coisa. Como permanência da velha das tradições da Europa,
misteriosa e cheia de poder, simbolizando segredos, a morte, a treva, o
inverno, reaparece em algumas superstições. (...) Mas há o lado simpático.
Certas
orações,
remédios, cuidados valem muito mais se feitos por mão
de gente velha. Outrora somente uma velha podia lavar e engomar os
panos do alta-mor, onde est
á
o Santíssimo Sacramento, e os necessários
para a celebração da missa. A primeira canja para o primeiro parto de uma
mulher devia ser preparada por o de velha que tivesse netos assim
como o primeiro banho.(....) Bênção ou maldição de velha são de efeito
seguro
Os resultados obtidos das análises indicam que a dicotomia apresentada por
Câmara Cascudo é relativa ao conflito de marcos de cognição so
ciais diferentes
que
variam devido a seus objetivos, interesses e propósitos, dependendo de cada grupo,
105
para a atribuição de valores positivos e negativos. Essa dicotomia de valores,
também, pode ser vista a partir das representações culturais dos papéis sociais em
cada marco de cognição inter
-
grupal
3.3.6
O 3
°
episódio:
Diferentes versões (Canton e Editora Todolivro)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
Episódio
Versão d
e
Canton
Versão da Editora
Todolivro
Apresentação
Quando a princesa completou um ano seus
pais organizaram uma grande festa.
Convidaram todas as fadas do reino para
serem madrinhas, abençoar a menina e
dar
-
lhe os mais belos e admirados dons.
a
cerimônia, cada fada madrinha ocupava
um lugar à mesa, era servida com as mais
deliciosas comidas postas em pratos de
prata e cristal e ganhava um estojo de ouro
contendo talheres cravejados de diamantes.
Antes de tomar seu lugar à mesa, cada fada
madri
nha anunciava seus votos.
Fada Aquarela desejou à menina uma vida
muito colorida.
Fada Carinho determinou que ela fosse
delicada e gen
til.
Fada Espelho , que fosse bela como uma
deusa.
Fada Solidária anunciou que ela seria
muito caridosa.
Fada dos Livros, que ela seria
extremamente in
teligente.
Fada do Tempo disse que ela seria
paciente.
E a Fada Sorridente previu que ela seria
bem alegre.
Quando a princesa Aurora nasceu, o Rei e
a Rainha fizeram uma festa para o seu
batizado e convidaram todas as fadas do
reino.Cada fada presenteou a princesa
com um dom: Beleza, Bondade, Alegria,
Inteligência e Amor.
106
Conflito
Todas estavam à mesa com a rainha e o
rei, quando de repente uma surpresa nada
agradável aconteceu. Era a Fada
Enfadonha, que tinha ficado trancada em
seu castelo por mais de quarenta anos. Por
isso, ninguém mais se lembrava dela. Nem
mesmo de convidá-la para o batismo.
Enfadonha entrou de supetão pelo salão
com uma cara de poucos amigos. Pior.
Estava desgostosa e desejava vingança
por ter sido esquecida. Olhou para todos
com seu rosto amargurado e através das
grossas lentes de seus óculos, encarou
aqueles que comiam e bebiam alegremente
e anunciou seu voto cruel:
- Quando completar dezoito anos , a
princ
esa vai se picar numa agulha de
costura e morrerá - proferiu essas horríveis
palavras e retirou-se imediatamente. O rei e
a rainha quase desmaiaram.
Ficaram tristes, amedrontados.
De repente, apareceu a bruxa Malévola,
furiosa por não ter sido convidada para a
festa. Disse para a rainha: - quando a
princesa completar quinze anos espertara
o dedo no fuso de uma roca e morrerá!
Resolução
As outras fadas procuraram amenizar o
mal
-estar. Sorridente, sem saber bem o que
fazer, tentou esboçar um sorriso. Cari
nho
deu um abraço na rainha. Solidária pediu
ajuda à Fada dos Livros.
- Vamos encontrar um feitiço para anular
esse último voto
-
sugeriu.
Dos Livros procurou em todas as páginas
de seu Caderno de Magia, mas não
encontrou nada. - Voto de Fada mais velha
e experiente é muito difícil de anular -
concluiu.
A Fada do Tempo, enfim, explico
u:
-
Não podemos acabar com esse voto, mas,
com o tempo, posso amenizar o que ela
previu. Ao fazer dezoito anos, a princesa
picará o dedo numa agulha de costura e
não morrerá, mas cairá num sono profundo
por 99 anos. Só um príncipe apaixonado
poderá fazê
-
la despertar.
A fada Flora que ainda não havia dado o
seu presente conseguiu modificar o feitiço
de Malévola dizendo:
- A princesa não morrerá, dormirá um
sono profundo até que o beijo de um
príncipe a despe
rte.
Quanto as
diferenças e as similitudes enunciativas:
a)
Versão d
e
Machad
o
: Dá pra imaginar
a festança que fizeram
para o batizado
.
Versão de Monteiro Lobato
:
O batismo virou uma festa
sem igual
...
107
Versã
o de Canton: Quando a princesa completou um ano
seus pais
organizaram
uma grande festa
...
Versão da Editora
Todolivro
: Quando a princesa Aurora
nasceu
, o Rei e a
Rainha fizeram
uma festa para o seu batizado
Na
Versão
de
Canton
,
o batizado é cancelado. A cerimônia é cancelada e é
trocada por uma festa de aniversário de um ano da princesa. O que está
representado em língua é o costume do brasileiro em comemorar o aniversário,
principalmente de um ano da criança
(o
primeiro aniversário).
A
Versão da Editora
Todolivro
mantém a relação festa batizado
,
relativa a
Versão da Ana Maria Machado
.
b)
Versão
de
Machado
:
...
en
trou
uma
velha fada
que não tinha sido
chamada...
Versão de Monteiro Lobato: ...
apareceu
na sala uma fada velha
que não
tinha sido convidada...
Versão
de
Canton: “Todas já estavam à mesa com a rainha e o rei, quando
de repente
uma
surpresa nada agradável aconteceu
. Era
a Fada Enfadonha
...
Versão da Editora
Todolivro
:
“De repente, apareceu a bruxa Malévola,
furiosa
por não ter sido
convidada para a festa
.”
Nas versões de Machado e de Monteiro Lobato, as fadas eram
representada
s apenas pela
caracterização
jovem
-moça / velha. Na versão d
e
1
08
Canton,
todas as fadas recebem um nome próprio,
que representam em língua a
sua
principal característica
social
.
O que esta mudança traz representado em língua é a atribuição de valores
positivos/negativos às características que diferenciam a pessoa na sociedade, tanto
que, ao mesmo tempo em que as fadas jovens ( nas versões anteriores) recebem
nomes como Aquarela, Carinho, Espelho, Solidária, dos Livros e do Tempo, a fada,
que nas primeira
s
versões foi denominada
fada velha
ou
velha fada
, na
v
ersão da
Katia Canton
é chamada de
Fada Enfadonha
.
Segundo
Aurélio
(19
86
) , o verbete “ enfadonho” contém as seguintes
definiçõe
s:
Enfadonho .
[De
enfado +
onho]
.
Adj
. 1. Que enfada, cansa, aborrece; cansativo,
aborrecido, maçante, fatidioso. 2 . Que enfada, incomoda, molesta; incômodo,
molesto
.
Na
Versão da Editora
Todolivro
, a designação
fada
é substituída pela
bruxa
”. Retratada na sua faceta negativa e freqüentemente associada à força
perversa do poder, a imagem da bruxa é geralmente descrita com valores negativos
em dissonância face a determinados padrões culturais
positivos
da beleza
sica
e
portadora de uma indumentária específica, na qual predominam valores cromáticos
e simbólicos associados à cor negra. Como se não bastasse ser “bruxa”, o autor da
vers
ão ainda a caracteriza aumentando a carga negativa do valor atribuído: bruxa
Malévola”
O que esta substituição (fada velha – bruxa) representa em língua é a
facilitação para a criança. Enquanto nas outras versões a criança é levada a
entender que fada boa e que fada má, ou que a fada pode ser boa e agir de
forma quando contrariada, na versão da Editor
a
Todolivro
busca-se uma
dicotomia em relação
à
designação deixando bem claro a relação bem / mal.
109
c)
Versão
de
Machado: ... e disse que a princesa furaria a mão com um fuso...
Passaram-
se uns
quinze ou deze
s
seis anos
.
Versão de Monteiro Lobato: ... e declarou que a princesa espetaria a mão
numa roca de fiar e disso morreria. ...
Ali pelos
quinze ou dezesseis anos
, porém...
Versão
de
Canton
:
Quando completar dezoito anos ,
a princesa vai se picar
numa agulha de costura e mo
rrerá...
Versão da Editora
Todolivro
: ...quando a princesa completar quinze anos
espertar
á
o dedo no fuso de uma roca e morrerá!
A diferença está marcada no tempo determinado para a realização do voto da
“bruxa Mal
évola”
(fada velha). Nas duas primeiras versões não é a fada que marca
o tempo do acontecimento. Ela
profetiza
que a princesa fure a mão , mas não
determina temporalmente quando isso acontecerá. Nas duas primeiras versões
analisadas
, o tempo é de aproximadamente 15 ou 16 anos. Na v
ersão
de
Canton a
própria fada determina o tempo da realização do voto: ao completar dezoito anos.
Na
Versão da Editora
Todolivro
, também é a fada que determina , mas
recupera
-
se
das
primeiras v
ers
ões
,
a idade de
15 anos.
O que estas diferenças trazem representado em língua é a diferença na idade
com que as mulheres se casam
(ou
estão preparadas para o casamento). As duas
primeiras versões fazem referê
ncia
a um tempo mais distante , quando a mulher se
casava cedo, com o auxílio de arranjos feitos pelos pais. No Brasil, as famílias mais
ricas uniam fortunas com o casamento dos filhos e
as
famílias mais pobres com o
casamento dos filhos deixavam de te
r a responsabilidade de
sustentá
-
los
,
pois eram
muitos filhos e difícil de mantê-los todos, por muito tempo. Dessa forma, a mulher
brasileira até a década de 50 do s
éc XX, casava
-
se cedo.
Na versão de Canton, temos uma idade mais avançada
(18
anos) que revela
a tendência moderna dos jovens casarem-
se
cada vez mais tarde. Refere-
se
,
também
,
à maioridade civil e penal, em que os jovens são responsáveis, perante a
lei, por seus pró
prios atos.
A
versão da Editora
Todolivro
mantém a média da idade da versão original,
apesar de ser contemporânea, pois conforme analisado na capa do livro e do
110
contrato de comunicação, sua estrutura é modificada
principalmente
com a intenção
de
torná
-la menor (
resumo) e mais fácil.
3.3.7
O
4°
episódio:
Diferentes versões (Machado e Monteiro Lobato)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
4
°
Episódio
Versão
de
Machado
Versão de Monteiro Loba
to
Apresentação
Tentando evitar que se cumprisse a
desgraça anunciada pela velha, o rei
imediatamente mandou
publica
r um decreto,
proibindo toda e qualquer pessoa de fiar com
rocas e fusos, ou de ter em casa qualquer
roca ou fuso, sob pena de ser condenada à
morte.
O pai da princesinha, entretanto, quis ver
se contrariava o mau voto da fada velha e
ordenou a publicação duma lei que
proibisse no seu reino, sob pena de morte,
o uso de rocas de fiar. As rocas
desapareceram e a princesinha foi
crescend
o sossegada.
Conflito
Passaram
-se uns quinze ou dezeseis anos.
Um dia, o rei e a rainha foram a uma de suas
casas de campo, onde eles costumavam
apenas passar temporadas. Animada com o
novo ambiente, a jovem princesa saiu
correndo pelo castelo, indo de quarto em
quarto.Acabou chegando a uma saleta
pequenina, no alto de uma torre, onde
encontrou uma velha, sozinha, fiando, diante
de uma roca.
A pobre mulher não ouvira falar de todas as
proibições que o rei tinha feito, para evitar
que se fiasse ou usassem fusos.
- O que é que a senhora está fazendo?
Perguntou a princesa.
- Estou fiando, minha filha - responde a
velha, que não a conhecia.
- Puxa, que beleza! - disse a princesa. -
Como é que se fia? Deixe eu ver se
consigo...
Num instante estava segurando o fuso.E
como era um pouco sem jeito - e além de
tudo, um desejo de fada mandava isso
acontecer
- furou a mão com o fuso e caiu
desmaiada
A boa velha, sem saber o que fazer, gritou
por socorro. Veio gente de tudo quanto é
lado. Jogaram água no rosto da princesa.
Afrouxaram os cordões do corpete dela.
Deram tapinhas em suas mãos. Ficcionaram
suas têmporas com água perfumada da
Rainha da Hungria. Mas não adiantou. Nada
fazia a moça voltar a si.
Ali pelos quinze ou dezesseis anos,
porém, indo o rei e a rainha passar uma
temporada num antigo castelo, aconteceu
que a menina se pôs a percorrer todos os
recantos com grande curiosidade.Também
subiu a uma tôrre, no alto da qual
encontrou uma água furtada onde viu uma
velha a fiar na roca.
Essa velha morava ali havia anos e anos,
sem nunca pôr o nariz fora, de modo que
nada ouvira falar da lei proibitiva do uso
das rocas.
- Que está fazendo aqui, senhora
velhinha?
Perguntou
a princesa.
- Estou fiando, minha bela menina,
respondeu a velha.
-
Oh,
como é interessante! Exclamou a
menina. Explique-me isto. Deixe-me fiar
um bocadinho.
A velha deixou-a fazer e como a
princesinha não tivesse prática e fôsse um
tanto estouvada, logo espetou o dedo e
caiu adormecida.
A pobre velha ficou tonta e gritou pedindo
socorro; veio gente de todos os lados;
borrifaram água no rosto da menina,
deram
-lhe palmadas na mão,
desapertaram
-lhe o corpete, esfregaram-
lhe as têmporas com água da rainha da
Hungria (que
era a água de Colônia
daquele tempo); mas nada fêz a menina
voltar a si.
111
Resolução
Então o rei, que subira correndo ao ouvir
todo aquele alvoroço, lembrou-se das
previsões das fadas. Compreendeu que
acontecera o que tinha de acontecer, que
as fadas haviam predito assim. Mandou
então que a princesa fosse levada para o
mais belo aposento do palácio, e que a
deitasse numa cama forrada de tecidos
bordados a ouro e prata.
A moça era tão bonita que parecia um anjo.
O desmaio não lhe tirara as cores vivas do
rosto. Continuava com as faces rosadas e
seus lábios pareciam de coral. Simpl
esmente
tinha os olhos fechados. Mas era possível
ouvir que ressonava suavemente, o que
provava que não estava morta.
O rei mandou que a deixassem dormir
sossegada, aque chegasse a hora de seu
despertar.
A boa fada que lhe salvara a vida,
condenando
-a a dormir cem anos, estava no
reino de Mataquin, a doze mil léguas de
distância, quando ocorreu o acidente com a
princesa.
Mas imediatamente foi avisada por um
anãozinho que tinha botas de sete léguas
(eram botas com as quais cada passada
fazia com que a pessoa percorresse sete
léguas. Assim que soube do acontecido, a
fada partiu e daí a uma hora estava
chegando, numa carruagem de fogo, puxada
Então veio o rei e lemb
rou
-se da predição
da velha fada. Não havia remédio; tinha de
conformar
-se e deu ordem para que a
pusessem no mais belo aposento do
castelo, sôbre um leito de ouro e prata.
Ficou a menina que parecia um anjo do
céu, porque o desmaio não lhe tirara as
côre
s do rosto, nem o coral dos lábios -
que conservara os olhos fechados,
embora respirando suavemente. Isso
demonstrava que apenas dormia um longo
sono.
O rei deu ordem para que a deixassem
dormir em sôssego até que o momento do
seu despertar chegasse.
A
boa fada, que a salvara da morte em
troca de cem anos de sono, estava
vivendo no país de Mataquim, a doze mil
léguas
dali;
mesmo assim foi avisada naquele mesmo
instante por um anãozinho dono de umas
botas de sete léguas. E veio ver a
princesinha; veio num carro de fogo
puxado por dois dragões de asas.
O rei foi recebê-la à porta do castelo e
acompanhou
-a. A boa fada aprovou tudo
quanto tinha sido feito, e, como fôsse
muito previdente, lembrou-se de que
quando a princesa acordasse dali a cem
anos havia
de ficar muito embaraçada de
ver
-se sozinha naquele imenso castelo, e
112
por dragões.
O rei lhe deu a mão para ajudá-la a descer
da carruagem. Ela aprovou tudo o que tinha
sido feito por ele. Mas como era muito
previdente, pensou que a princesa, quando
chegasse a hora de acordar, ia
se sentir mal,
sozinha num castelo velho. Então teve uma
idéia.
Foi tocando com sua varinha mágica todos
os que estavam no castelo (menos o rei e a
ra
inha): governantas, damas de companhia,
criadas de quarto, fidalgos, oficiais,
mordomos, cozinheiros, copeiros,
mensageiros, ajudantes, guardas, porteiros,
criados.
Tocou também os cavalos que estavam nas
estrebarias, e os palafreneiros que cuidavam
deles
. E mais os grandes cães de caça, os
mastins, que estavam no pátio, assim como
a pequena Bolota, a cadelinha da princesa,
que estava pertinho dela, na cama.
Assim que a varinha mágica da fada os
tocava, iam todos adormecendo, para
acordar com a princes
a,
a fim de que
estivessem todos prontos para
servi
-
la
quando ela precisasse
.
As tortas que estavam no forno cheias de
perdizes e de faisões também dormiram. O
fogo também. E tudo aconteceu num
instante. As fadas são assim: não precisam
de tempo para fazer seu trabalho
Então o rei e a rainha, depois de beijarem a
filha querida sem que ela despertasse,
saíram do castelo e mandaram publicar um
decreto proibindo qualquer um de se
aproximar de lá.
Mas essa proibição nem era necessária,
porque em quinze minutos cresceu em volta
um bosque fechado, com tamanha
quantidade de árvore e arbustos, e tantas
trepadeiras cheias de espinhos entrelaçadas
umas nas outras, que ninguém poderia
conseguir passar - nem homem nem animal.
muito de longe é que dava para ver
o
alto das torres do castelo, apo
nta
ndo no
meio daquele bosque cerrado.
Ninguém
duvidou que isso foi mais um cuidado da
fada, para que a princesa ficasse protegida
enquanto dormia e não houvesse nada a
temer de eventuais curiosos.
então z o seguinte.
Tocou com a sua varinha mágica tôdas as
pessoas que estavam por -
governantas, damas de honra, gentis-
homens, oficiais, cozinheiros, copeiros,
jardineiros, cocheiros, guardas, soldados,
moços de recados e mais
criadagem;
e também todos os cavalos que viu nas
estrebarias e todos os cães, inclusive a
cahorrinha Pufle, que era a mimosa da
princesa e não lhe saía ao da cama.
Ao mais leve toque de vara mágica todo
s
adormeciam para despertarem cem
anos depois, justamente no instante em
que a princesa fizesse o mesmo.
Dêsse modo poderiam
servi
-
la
por essa
ocasião como se nada houvesse
acontecido.
Na cozinha os cozinheiros estavam
assando ao espêto perdizes e fais
ões
- e
adormeceram na posição em que se
achavam. Até as chamas do fogo ficaram
paradinhas no ar.
Então o rei e a rainha deixaram o castelo e
proibiram
sob pena de morte que
alguém
se aproximasse daquelas paragens.
Isso
, aliás, não era necessário, porque e
m
menos de meia hora nasceu e cresceu em
redor do castelo um bosque de
espinheiros tão entrançados não havia no
mundo quem o pudesse atravessar.
Tão cerrado ficou o tapume q
u
e do castelo
apareciam as tôrres em cima. Todos
perceberam que se tratava de mais uma
precaução da fada boa, desejosa de
resguardar a sua protegida de qualquer
curiosidade humana.
Quanto aos papéis sociais:
diferenças no 4° episódio das versões analisadas. A primeira diferença
encontrada refere
-
se
ao
s
pap
éis sociais
de pai
e
m
ãe
.
Nes
t
e episódio , podemos analisar algumas das características
destes papéis.
113
Os dois textos, apesar de pertencerem a contemporaneidades diferen
tes,
remontam um tempo passado. o pai vai acudir a filha e é ele o responsável por
todas as atitudes para mantê
-
la confortável.
Uma das características dos
papéis
sociais do homem (marido /pai) é o de
protetor
, que recebe valor cultural positivo. Ele deve zelar pela família, porém,
vemos aqui que mesmo sendo um rei (Estado) , tendo status social, o homem
somente tem poder
na dimensão
human
a
. Ele está
à
mercê do sobrenatural
e o que
cabe a ele é garantir que, no futuro, sua herdeira mantenha o status social, e para
tanto
,
ele cerca a princesa de cui
dados.
À fada cabe cuidar do futuro da princesa, garantindo o seu destino, para
que
um homem esteja no lugar do pai, pois nessa visão romântica, a mulher tem sempre
que ser protegida por um homem. Pela realização do desejo bom da fada ( que um
príncipe
acorde a princesa em 100 anos), o futuro e a continuidade da família é
garantida
.
Quanto às
diferenças e as similitudes enunciativas:
a)
Versão
de
Machado:
“A pobre mulher
não ouvira falar de todas as proibições
que o
rei tinha feito
, para evitar que se fiasse ou usassem fusos.
Versão de Monteiro Lobato: “Essa velha
morava ali havia anos e anos, s
em
nunca pôr o nariz fora, de modo que nada ouvira falar da lei proibitiva do uso das
rocas
Novamente
, encontramos uma diferença enunciativa que representa em
língua, a marginalização do
velho
”, como valor social negativo
.
Na
v
ersão
de
Machado
a “velha”
é
representada
por “pobre mulher” por não sa
ber o que acontece
na sociedade
;
logo
,
a ela é atribuído valor negativo pela “ desinformação”
. Na
v
ersão
de Monteiro Lobato , a
mulher
velha”
é designada somente por
velha”,
114
seqüenciando
-a a sem nunca pôr o nariz fora”,
essa
característica
é representada
de forma negativa para o velho, pois o seu papel social é de recluso
,
já que não tem
mais um papel ativo na sociedade, é exclu
ído,
e,
se retira do convívio social.
b)
Versão
de
Machado
:
A
boa velha, sem saber o que fazer
,
gritou por socorro.
Versão de Monteiro Lobato
:
A
pobre velha
ficou tonta e gritou pedindo socorro
A v
ersão
de
Machado, que representou na diferença anterior a mulher pela
informação / desinformação,
a
representa
, nesse segundo trecho, pelos sentimentos
por ela manifestados, quando ocorre o mal destinado à princesa. A versão de
Monteiro Lobato insiste na representação pela idade, e pela falta de ações rápidas,
que também é uma caracter
ística do papel social do velho e recebe valor negativo.
3.3.8
O
4°
episódio:
Diferentes versões (Canton e Editora Todolivro)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
Episódio
Versão
de
Canton
Versão da Editora
Todolivro
Apresentação
Rei e rainha, como pais zelosos, fizeram o
que puderam para proteger a menina.
Mandaram espalhar pelo reino placas
enormes que diziam:
AQUI E
PROIBIDO USAR AGULHAS
E ROCAS PARA COSTURA
E ninguém se atrevia a desobedecer
-
lhes.
O rei ordenou que todas as rocas do reino
fossem
destruídas
e pediu que as fadas
protegessem a princesa. A princesa
crescia feliz, cada vez mais bela e
amorosa.
115
Conflito
Quando a linda princesa completou dezoito
anos, e claro que algo estranho lhe
aconteceu. Um dia ela passeava pelo
bosque quando avistou uma casinha ao
longe. O local era pequeno, todo de
madeira, e tinha dois andares. A princesa
encontrou a porta fechada e, como tinha
sede, bateu. Ninguém veio atender.
Ela bateu novamente e ouviu uma voz bem
fraquinha que dizia:
- Estou aqui em cima. O que quer?
- Estou com sede. Gostaria de um copo
d’água
respondeu a princesa.
A porta então se abriu e a voz gritou de
cima:
- Estou costurando. Você pode ir `a cozinha
e pegar a água que esta no jarro de barro
anunciou.
Costurar? O que será isso?” , pensou a
princesa.
A moca não sabia, porque nunca
tinha visto. E a senhora, de cima, parecia
pertencer a outro reino. Nem conhecia a
proibição que o rei tinha feito por aquelas
passagens.
- Posso ver? perguntou curiosa a menina.
A mulher deixou. A menina quis mais.
- Posso tentar? A mulher consentiu.
E, como previsto, assim que a princesa
espetou o dedo, imediatamente caiu num
sono profundo.
No dia do seu aniversario de quinze anos
ela resolveu dar um passeio sozinha.
Andando pelo palácio, encontrou uma
escada que a levava para a velha torre,
subiu e encontrou uma roca.
Aproximou
-se curiosa e ao tocá-la ,
espetou seu dedo no fuso da roca e caiu
n° sono profundo.
Resolução
Quando o rei e a rainha ficam sabendo,
desesperaram
-
se.
Nos esperávamos por isso argu
mentou
a Fada Espelho, que se lembrou da profecia
feita durante o batismo.
Agora nos resta cuidar para que ela
repouse bem tranqüila
até
que seu príncipe
chegue para
acordá
-
la
.
A Fada então tocou sua varinha nos
empregados da corte e colocou todos num
sono profundo, junto com a princesa, para
que, quando ela acordasse, não estivesse
sozinha.
No mesmo instante todos no castelo
adormeceram.
Com o tempo uma imensa floresta
cresceu ao redor do castelo.
Quanto aos papéis sociais:
A primeira diferença encontrada é em relação aos papéis sociais de pai e
mãe. Na v
ersão
de
Canton é focalizado o poder real que está cancelado na versão
de Monteiro Lobato, para o papel de pai. A
mãe
-
rainha
e o
pai
-
rei
dividem a
s
tarefa
s
e o papel da mãe que antes era a protegida” é modificado para a protetora do
filho”.
116
Na
Versão
da Editora
Todolivro
, o rei ordena a destruição das rocas , mas os
cuidados com a filha são entregues nas mãos das fadas. O papel de
protetor, passa
a ser das fadas, que transitam tanto no mundo humano quanto no sobrenatural,
mas não deixam de representar o feminino. O homem só age enquanto pode usar o
poder e a força (ordena a destruição), mas a preocupação com a proteção é
cancelada.
Nas versões
de
Machado e de Monteiro Lobato, a princesa encontra o fuso
dentro do castel
o onde
foi passar
uma
temporada com seus pais, dessa forma, o
papel social da filha é representado pela submissão à companhia familiar, com valor
cultural positivo.
Na
v
ersão
de
Canton, a princesa vai dar um passeio na floresta,
encon
tra uma casinha, sente sede, bate na porta, entra e encontra uma mulher
costurando
. Após
,
ocorre o predestinado acidente. Dessa forma, o papel de filha é
representado
pela
liberdade de se conduzir sozinha em espaço público. Essa
mudança
apresenta
, ainda que de forma não muito nítida, uma nova concepção
dos
valores e características do papel social de filha . Trata-
se
de representar a
mulher jovem como a que tem acesso ao espaço p
úblico
sem a companhia de um
homem
ou de familiares. Porém, no enredo, a liberdade atribuída ao papel de filha
recebe valor negativo, pois
é ela a causadora do predestinado acidente.
O que a autora-
contadora
traz
representado em língua é a liberdade que a
mulher adquiriu e que se manifesta na contemporaneidade.
Os resultados obtidos dos confrontos da versões indicam que diferentes
cara
cterizações para representar o papel da mulher na sociedade:
Caracterizações relativas
Caracterizações relativas
ao passado remoto
ao passado próximo
Mulher
protegida
pela família
Mulher protegendo
Mulher
ambiente privado
Mulher ambiente público
Mulher sempre acompanhada
Mulher sozinha
117
Mulher curiosa (
em sua casa)
Mulher com atitudes livres e
corajosas
(sozinha
no bosque, bate à porta de
uma casa estranha, entra para beber
água)
Quanto às
diferenças e as similitudes enunciativas
:
Como o quadro apresentado acima indica, a versão da Editora Todolivro
apresenta espaços enunciativos lacunosos, em relação à versão de Canton, de
forma a reduzir o texto a ser lido pelas crianças
.
a)
Versão
de
Machado: ... proibindo toda e qualquer pessoa de fiar com rocas
e fusos, ou de ter em casa qualquer roca ou fuso, sob pena de ser condenada à
morte
...
Versão de Monteiro Lobato:
...
e ordenou a publicação duma lei que
proibisse no seu reino,
sob pena de morte
, o uso de rocas de fiar.
Versão
de
Canton: “Mandaram espalhar pelo reino placas enormes que
diziam:
AQUI
É
PROIBIDO USAR AGULHAS
E ROCAS PARA COSTURA
E ninguém se atrevia a desobedecer
-
lhes.
Versão da Editora
Todolivro
: “O rei ordenou que todas as rocas do reino
fossem destruídas e pediu que as fadas protegessem a princesa.
Na versão de Machado e na versão de Monteiro Lobato, proibição de se
usar rocas de fiar no reino. A diferença consiste
em
que
, na versão de Machado,
118
julgamento e condenação à morte e na versão de Monteiro Lobato, sem julgamento,
já há condenação
Na versão de Ca
nton a proibição é enunciada por placas
enormes
, de forma a
implicar
que as pessoas do reino, todas
elas,
são alfabetizadas.
Na versão da Editora Todolivro a ordenação é relativa à destruição de todas
ass rocas do reino, sendo que houve desobediência a essa ordenação, pois a
princesa furou o dedo em uma roca.
Verificamos que nas versões de um passado mais remoto, a seleção das
expressões
“sob pena de morte” ou ”sob pena de ser condenado à
morte
”. N
as
duas ultimas versões, com passado mais próximo, essas
expressões
foram
canceladas, pois juridicamente, no Brasil, e
stá
proibida a pena de morte como
castigo para o descumprimento de decretos ou leis.
b)
Versão de Machado: - O que é que a senhora está fazendo? Perguntou a
princesa.
-
Estou fiando
, minha filha
-
responde a velha, que não a conhecia.
Versão
de Monteiro Lobato: “- Que está fazendo aqui, senhora velhinha?
Perguntou a princesa
.
-
Estou fiando
, minha bela menina, respondeu a velha.
Versão de Canton: - Estou costurando. Você pode ir `a cozinha e pegar a
água
que
está
no jarro
de barro
anunciou.
“ Costurar
? O que será isso?”
, pensou a princesa.
Versão da Editora
Todolivro
:
“Andando pelo palácio, encontrou uma escada
que a levava para a velha torre, subiu e lá encontrou uma roca.
119
diferença
entre
fiar / costurar (fiando/costurando)
:
“Fiar” é com a roca e
costurar” é com agulha e linha. No momento de produção da versão de Canton
,
em
relaç
ão
aos momentos de produção das demais versões, verifica-se que a diferen
ça
está na seleção da palavra costurar, pois na época da publicação do livro, o ato de
fiar já era
praticamente
inexistente.
Na última versão, foi cancelado o papel da velha que fia ou costura. E é a
princesa que encontra a roca.
É interessante observar que “fiar”
praticamente
desaparece do uso real da
língua no Brasil, embora “costurar” tenha sido mantido. Entendemos que esse
cancelamento decorre da industrialização no Brasil. O nosso processo de
indus
trialização ocorre entre 1930 e 1956 e teve início com a Revolução de 30 que
produziu mudanças no plano da política interna brasileira por adotar uma política
industrializante e
de
investimentos na infra-
estrutura
de produção. Dessa forma,
aparecem as “ máquinas de costura”, no mercado
.
3.3.9
O 5
°
episódio:
D
if
erentes versões
(Machado e Monteiro Lobato).
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
5°
Episódio
Versão de Machado
Versão de Monteiro Lobato
120
Apresentação
Depois que se passaram cem anos, o rei
qu
e reinava por era de outra família,
sem parentesco com a princesa
adormecida.
Um dia, o filho desse rei foi caçar para
aquelas bandas e perguntou que torres
seriam aquelas, que se avistavam de longe,
saindo do meio de um bosque tão espesso.
Cada um lhe dava uma resposta diferente,
de acordo com o que tinha ouvido dizer. Um
dizia que era um velho castelo mal-
assombrado. Outro, que era um ponto onde
se reuniam as feiticeiras da região.
A opinião mais comum era a de que se
tratava da morada de um gigante, um ogre
que levava para todas as crianças que
conseguia pegar, para poder devorá-las à
vontade
sem que ninguém conseguisse
segui
-lo, porque ele conseguia abrir uma
passagem no meio dos espinheiros do
bosque.
O príncipe não sabia em que acredit
ar.
Mas, então, um velho camponês pediu
licença e lhe disse:
- Meu príncipe, mais de cinqüenta anos
eu ouvi meu pai dizer que nesse castelo
havia uma princesa. A mais bela do mundo.
Ele também disse que ela estava
condenada a dormir cem anos, e que s
eria
despertada por um filho de rei, a quem
estaria reservada.
Ao completarem-se os cem anos o filho do
rei que por êsse tempo se achava no trono
foi um dia caçar naquelas bandas, e ao
ver as tôrres em cima do cerrado de
espinheiros perguntou o
que era.
Ninguém soube responder com certeza.
Um disse que era um velho castelo
assombrado; outro disse que naquele
ponto tôdas as feiticeiras dos arredores se
reuniam nos seus sabás.
A opinião mais espalhada era a dos que
afirmavam ser ali o antro dum terrível ogre
ou papão, monstro que furtava crianças
pelos arredores e ia devorá-las com
todo o sossêgo. Só esse papão sabia o
meio de atravessar a muralha de
espinhos.
O príncipe estava tonto de tantas
explicações diferente, quando um velho
campo
nês tomou a palavra e disse:
- Meu príncipe, cinqüenta anos ouvi de
meus pais que dentro do castelo cercado
pelos espinheiros está adormecida a
princesa mais bela do mundo, a qual
voltará à vida se fôr despertada por um
filho de rei
-
e que com ele
se casaria.
121
Conflito
Ouvindo isso, o jovem príncipe sentiu que
alguma coisa o aquecia por dentro. Não
hesitou em crer que estava destinado a
terminar aquela aventura tão bela.
Impulsionado pelo amor e pelo desejo de
glória, resolveu ir até lá ver o qu
e havia.
Mal começou a avançar pelo bosque e
todas aquelas árvores imensas, aquelas
moitas e aqueles espinhos foram se
afastando, por conta própria, para deixá-
lo
passar. E ele foi caminhando em direção
ao castelo, que distinguia ao fim da grande
aveni
da por onde entrava.
Uma coisa o surpreendeu um pouco:
reparou que nenhuma das pessoas que
estavam com ele conseguia segui-lo, por
que as árvores se fechavam novamente
logo que ele passava.
Mas nem por isso ele deixou de prosseguir
em seu caminho. Um príncipe jovem e
apaixonado é sempre corajoso.
Entrou num grande pátio externo, onde tudo
o que via era capaz de fazer qualquer um
gelar de medo -num silêncio assustador, a
imagem da morte se apresentava por toda
parte, que se viam corpos estendido
s,
de homens e de animais, todos parecendo
mortos.
No entanto, dava para ver, pela cara
vermelha dos porteiros, que eles
estavam dormindo.
As taças, onde ainda havia algumas gostas
de vinho, mostravam que muitos deles
haviam dormido enquanto bebiam.
O príncipe seguiu adiante. Passou por um
imenso pátio pavimentado de mármores,
subiu a escadaria, entrou na sala dos
guardas
- todos enfileirados, com as
carabinas nos ombros, roncando, `a
vontade.
Atravessou várias salas, repletas de nobres
e de damas, todos adormecidos - uns de
pé, outros sentados.
Ao ouvir tais palavras o príncipe sentiu
palpitar o coração; qualquer coisa lhe dizia
que era êle o destinado a despertar a bela
princesa adormecida - e imediatamente
pôs o seu cavalo de rumo para o
mist
erioso bosque de espinheiros.
Ao chegar lá, as árvores até então
cerradíssimas, abriram-se para lhe dar
caminho e êle pôde encaminhar-se para o
castelo com a maior facilidade.
Em certo ponto deteve-se, olhou para
traz
e viu que os espinheiros se ha
viam
fechado novamente, impedindo que os
homens de sua comitiva o
acompanhassem.
Isso não lhe meteu mêdo. Continuou a
caminhar, porque era valente e estava
com o coração cheio de amor.
Chegou; entrou - e o quadro que viu era
de fazer tremer de mêdo a outro menos
bravo.
Por toda partes, corpos estirados pelo
chão e recobertos de teias de aranha,
como se tivesse havido uma grande
matança.
Pôde, entretanto, verificar que não eram
cadáveres, e sim corpos de pessoas
adormecidas.
Logo na entrada viu os guardas suíços,
ainda com copos de vinho na mão, porque
êsses guardas estavam bebendo no
momento em que a fada os adormeceu.
O príncipe atravessou um grande pátio
ladrilhado de mármore; subiu por uma
escadaria; penetrou na sala da guarda,
onde viu os soldados dispostos em duas
fileiras, de baionetas ao ombro, roncando.
Todas as mais salas e compartimentos
que atravessou estavam igualmente
cheios de fidalgos e damas e serviçais
adormecidos, uns de pé, outros sentados.
122
Resolução Resolução
Finalmente, entrou num quarto todo
dourado onde viu, numa cama, com as
cortinas abertas de todos os lados, o mais
belo espetáculo que jamais seus olhos
tinham contemplado: uma princesa que
parecia ter quinze o dezesseis anos, e cujo
brilho fulgurante tinha algo de luminoso e
divi
no.
Aproximou
-se, trêmulo de admiração e
ajoelhou
-se junto a ela.
Então, como o encantamento chegara ao
fim, a princesa despertou.
Olhando
-o com o olhar mais terno que uma
primeira vista podia permitir, perguntou:
.- É você, meu príncipe? Levei muito tempo
à sua espera.
Encantado com essas palavras, e mais
ainda com a maneira pela qual elas foram
ditas, o príncipe ficou sem saber como
poderia dar uma prova de sua alegria e
reconhecimento.
E garantiu que a amava mais do que a si
mesmo.
Seus discursos podiam ser mal
arrumados
,
mas por isso mesmo agradaram ainda
mais.Pouca eloqüência e muito amor.
Estava anda mais embaraçado do que ela,
o que não é de espantar: ela tivera muito
tempo para imaginar o que deveria dizer a
ele, pois tudo indica (embora a história não
diga nada a respeito) que a boa fada, no
decorrer de um sono tão comprido,
procurara garantir o prazer de sonhos
agraváveis.
Enfim, os dois tinham conversado umas
quatro horas e ainda não haviam dito nem a
metade das coisas que tinham a dizer um
ao outro.
Enquanto isso, todo o palácio havia
acordado junto com a princesa. Cada um
procurava cumprir suas tarefas e, como
nenhum deles estava apaixonado, morriam
de fome.
A dama de honra, apressada como os
outros, perdeu a paciência e acab
ou
dizendo à princesa, em voz alta, que a
carne estava servida.
O príncipe ajudou a princesa a se levantar.
Ela estava magnificamente vestida. Mas ele
teve o cuidado de não lhe dizer que ela
estava com roupas parecidas com as da
avó dele, com aquele tipo de gola, tão fora
de moda. Nem por isso estava menos bela.
Afinal, numa câmara riquíssima, tôda de
ouro finamente lavrado, viu sobre um leito,
de cortina entreabertas, um quadro de
maravilhosa beleza: uma jovem donzela
de quinze para dezesseis anos, cujo rosto
resplandecia como um sol.
O príncipe
aproximou
-se, trêmulo de
comoção, e ajoelhou-se ao lado dela, num
enlêvo.
Foi o bastante para que o encantamento
se quebrasse e a bela adormecida abrisse
os olhos.
Abriu os olhos, e com voz trêmula de
ternura disse ao príncipe:
.- És tu, meu príncipe? Oh, como se fêz
esperado!
Encantado com estas palavras, e mais
ainda com o tom amoroso com que foram
ditas, ficou o príncipe sem saber como
demonstrar a sua felicidade; por fim
declarou à donzela que a amava mais do
que a si mesmo.
Mas atrapalhou-se ao dizer isso, porque
êsses amores repentinos atrapalham as
criaturas.
Já com a princesa se dava o contrário;
como havia tido cem anos de
adormecimento para, nos sonhos,
preparar as frases para aquele desfecho,
falou que nem um livro aberto
Durou quatro horas aquêle colóquio
amoroso
- e êles não disseram nem
metade do que tinham a dizer.
Nesse meio tempo todos os serviçais do
palácio também saíram do longo sono de
cem anos e como não estivessem
tomados de amor, como a princesa e o
príncipe, trataram de atender ao
estômago, que lhes doía de fome.
A mesa foi posta, e a primeira dama de
honra veio dar parte à princesa de que o
jantar estava servido.
O príncipe deu a mão à bela adormecida e
conduziu
-a ao salão, sem, entretanto dar-
lhe a perceber que ela estava vestida à
moda de um século atrás, o que,
entretanto , em nada diminuía a sua
resplandecente beleza
.
123
Passaram em seguida ao Salão dos
Espelhos, onde jantaram, servidos pelos
criados da princesa.
Os violinistas e tocadores de oboé
executaram umas músicas antigas mas
excelentes, embora fizesse quase uns
cem anos que ninguém tocava aquilo.
Depois do jantar, sem perder tempo, o
capelão realizou o casamento deles na
capela do castelo.
E a dama de honra fechou as cortinas do
leito.
Os dois dormiram pouco. A princesa
não tinha mesmo muita necessidade de
sono.
No salão dos espelhos estava servido o
jantar, com todos os lacaios do palácio
nos seus lugares.
Violinos e flautas tocaram músicas de que
nin
guém mais se lembrava por serem de
cem anos passados.
Findo o jantar o sacerdote do palácio
realizou o casamento na capela real.
Em seguida os amorosos se recolheram
aos seus aposentos.
Está claro que nessa noite só dormiu o
príncipe, porque a princesa estava farta e
refarta de um século inteiro de sono.
Quanto aos papéis sociais:
-
masculinos
:
jovem príncipe
,
velho camponês
, guardas do palácio, nobres
.
O príncipe
,
mesmo jovem, nas duas versões, está no espaço público, livre de
companhias
, pois ele tem a liberdade de ir e vir que não é atribuída aos papéis
femininos da época (
solteira
ou casada). Ao se confrontar os papéis femininos e
masculinos de “velho, velha”, verificamos que o “velho” é representado com valor
positivo devido à sua “sabedoria”; o papel da “velha” é representado, na maior parte
das vezes,
com valor negativo
devido à sua “reclusão”, “ ignorância”.
Há, também, diferenças de caracterização para o papel de jovem príncipe”:
as versões mais antigas trazem-no representado como “apaixonado e sempre
corajoso, valente”. As versões mais recentes trazem o “príncipe” representado pela
valentia e “ com o coração cheio de amor”
Nesse sentido, a focalização é dada no jovem príncipe e no velho camponês
que são representados como sujeitos de <<fazeres>>.
Os “nobres” e os guardas” são representados como sendo a companh
ia
para as pessoas da realeza e que
,
nesse episódio, não podem acompanhá-las e/ou
guard
á-
las
,
pois estão dormindo.
Os serviçais são hierarquizados pelos guardas suíços na versão de Monteiro
Lobat
o, que recebem avaliação positiva, pois nas cognições sociais o
conhecimento
de “guardas su
iços
que zelam pela segurança do papa no vaticano.
Dessa forma, se estabelece uma similitude entre princesa e papa , pelo prestígio”.
Em
síntese
, podemos dizer que os papéis masculinos são hierarquizados em
124
“herói-príncipe” e “ sabedoria-
velho
camponês” . Em uma hierarquia mais baixa
encontramos os papéis s
ociais
relativos à proteção do palácio: proteção espiritual
sacerdote e proteção física
-
guardas.
-
femininos
: jovem princesa adormecida, que se transforma em jovem princesa
despertada pelo príncipe.
Embora haja outros papéis femininos como o de “damas”, o foco é dado no
papel da jovem princesa. Esta é representada como <<incapaz>> de modificar uma
pr
edestinação, portanto é representada como submissa e inerte, que recebe valor
positivo
. O <<fazer>> é atribuído ao jovem príncipe, papel
masculino.
É
a beleza da
princesa
e sua atitude amorosa, que o seduz, tornando-o apaixonado. Há, também,
uma hierarquia nos papéis femininos. No cume, está a princesa; mais abaixo, a
dama de honra. Em Machado, há apenas uma dama de honra. Em Monteiro Lobato,
várias damas de honra, sendo que “a primeira dama de honra”
é
que está mais
próxima à princesa.
Ocorre ainda o papel do “ogre”, ao qual é atribuído valor negativo por comer
pessoas”. Todavia, neste episódio esse papel não tem representação feminina ou
masculina.
Quanto às diferenças e as similitudes enunciativas:
a)
Versão
da Machado
:
... Um príncipe
jovem e apaixonado é sempre corajoso
Versão de Monteiro Lobato
:
“Continuou a caminhar, porque era valente
e
estava já com o coração cheio de amor
...
Na versão de Machado, como
verificado
em outros papéis sociais, a
juventude recebe valor positivo para a representação do príncipe. A coragem está
ligada ao fato do príncipe ser jovem e apaixonado. Ela é a conseqüência da
125
juventude e da paixão , enquanto na versão de Monteiro Lobato , a valentia é
inerente ao príncipe.
b)
Versão
da Machado: : Finalmente, entrou num quarto todo dourado onde viu,
numa cama, com as cortinas abertas de todos os lados, o mais belo espetáculo que
jamais seus olhos tinham conte
mplado:
uma princesa que
parecia ter quinze ou
dezesseis anos, e cujo brilho fulgurante tinha algo de luminoso e divino. A
proximou
-
se, trêmulo de admiração e ajoelhou
-
se junto a ela.
Versão de Monteiro Lobato: Afinal, numa câmara riquíssima, tôda de ouro
finamente lavrado, viu sobre um leito, de cortina entreabertas, um quadro de
maravilhosa beleza: uma jovem donzela
de quinze para dezesseis anos, cujo rosto
resplandecia como um sol.
O príncipe aproximou-se, trêmulo de comoção, e ajoelhou-
se
ao lado dela,
num enlêvo.
Na versão de Machado, a princesa é representada por um
brilho
luminoso e
divino
e na versão de Monteiro
Lo
bato
, ela é representada por maravilhosa beleza.
Essas diferenças decorrem das mudanças de valores culturais
,
no Brasil
.
Na versão
de Machado há a designação de “
princesa
” e na de Monteiro Lobato ocorre a
designação “jovem donzela, de quinze para dezesseis anos”,. Na versão de
Machado a representação está focalizada em
“princesa”
, ou seja , no papel social
ligado ao Estado e ao status que esse papel representa, na versão de Monteiro
Lobato a representação está na “jovem virgem”
, nos interesses pessoais do príncipe
e na relação homem/mulher.
c)
Versão de Machado: “Impulsionado pelo amor e pelo desejo de glória,
resolveu ir até lá ver o que havia. “
126
Versão de Monteiro Lobato
:
qualquer coisa lhe dizia que era êle o destinado
a despertar a bela princesa adormecida
-
e imediatamente pôs o seu cavalo de rumo
para o misterioso bosque de espinheiros.”
Na versão de Machado
,
o príncipe é representado como herói que por si
próprio
se constroe como herói, pois tem ambição de glórias. Na versão de Monteiro
Lobato,
o
príncipe
é o herói predestinado, const
ruí
do pelo destino que a fada traçou
para ele, sendo corajoso
.
Em Machado, o valor positivo é atribu
ído
ao próprio
querer do príncipe, que realiza com valentia a sua ambição. Em Monteiro Lobato, o
valor positivo
é atribuído à coragem de executar o seu destino.
O
amor
,
na versão de Machado
,
decorre da beleza da princesa, que é
anunciada ao príncipe, que impulsionado pelo desejo de glória, deseja terminar a
aventura, e é esse desejo aventureiro que salva a princesa. Na versão de Monteiro
Lobato
, é o amor que salva
.
Esse amor decorre do destino, por isso existia.
Na
nossa atualidade, a crença do amor
pré
-destinado é modificada por alma gêmea,
par perfeito
”.
d)
Versão de Machado: “Os violinistas e tocadores de oboé executaram umas
músicas antigas mas excelentes, embora fizesse quase uns cem anos que
ninguém tocava aquilo.”
Versão de Monteiro Lobato: ”Violinos e flautas tocaram músicas de que
ninguém mais se lembrava por serem de cem
anos passados
.”
Na versão de Machado as músicas são representadas como antigas, e a
elas
é atribuído valor
positivo,
pois continuam sendo excelentes, mesmo pass
ado
s
100 anos. Na versão de Monteiro Lobato, as músicas são representadas como
127
velhas, de 100 anos passados, e recebe
de
valor negativo que
ninguém
mais se
lembra delas.
e)
Versão de Machado:
Os
dois dormiram pouco. A princesa não tinha mesmo
muita necessidade de sono.”
Versão de Monteiro Lobato:
Está claro que nessa noite só dormiu o príncipe,
porque a princesa estava farta e refarta de um século inteiro de sono.”
Na versão de Machado, o casal em noite de núpcias é avaliado positivamente
pelo fato do companheirismo, com comunhão de ações. Na versão de Monteiro
Lobato,
o casal em noite de núpcias é avaliado positivamente pela presença
física,
pois as suas ações são diferentes: o príncipe dorme e a princesa fica acordada. Na
atualidade brasileira, um casal em noite de núpcias é avaliado positivamente pelo
casamento
;
nesse sentido, liberdade de ações, pois eles já se conhecem
sexualmente, e
, normalmente,
é isso que os motivou ao casam
ento.
3.3.10
.
O 5
°
episódio:
Diferentes versões
(
Canton e Editora Todolivro).
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
Episódio
Versão
da
Canton
Versão da Editora
Todolivro
Apresentação
Certo dia,
um belo moço cavalgava ao lado
de seu melhor amigo, que lhe contou a
seguinte
hist
ó
ria:
Diz a lenda que aqui vivi uma linda princesa
que caiu num sono profundo por 99 anos.
Ela será acordada pela presença de um
nobre príncipe que cairá de amo
res por sua
beleza.
Muitos anos depois um
príncipe
de um
pais vizinho que ouvira falar da historia da
bela adormecida, resolveu
então
encontrar
este castelo.
128
Conflito
O outro jovem, que era de fato um príncipe,
achou aquela historia muito co
movente.
Ficou intrigado, encantado. Sonhou com a
possibilidade de ser o herói daquela lenda.
E então resolveu entrar naquele lugar frio,
escuro e assombroso.
Seu encantamento era maior do que o
medo.
Não havia duvida de que ele era o príncipe
previsto pela Fada do Tempo.
O moço penetrou uma densa folhagem,
cavalgando com energia, `a noite, sem
medo e sem esperar. Quando avistou o
palácio, agora em ruínas, escancarou a
porta e entrou. Viu todos aqueles
empregados, imóveis, dormindo de pe, feito
estatuas. `A medida que foi chegando perto
do quarto da princesa, seu coração
começou a disparar:
Corajoso, o
príncipe
atravessou a floresta
e achou o castelo .Entrou, e espantado viu
que todos dormiam ,
até
os animais.
Resolução
Entrou! E viu aquela linda moca deitada em
sua cama, recoberta por um lençol de seda
branca , os cabelos longos e cacheados e
a pele muito alva e quase não se conteve
de emoção ! O coração, a essa altura,
parecia querer saltar
-
lhe pela boca.
Foi ele se aproximar, que a princesa
começou a bocejar. Depois , lentamente,
espreguiçou
-
se
.
Acordo
u.
-E você, meu príncipe, que veio me
acordar?
Ele estava mais acanhado do que a
princesa, que sorria satisfeita. Afinal, não se
pode comprovar, ma
s
é bem possível que
durante
todos os anos em que dormira, a
Fada do Tempo tenha feito a moca sonhar
os mais belos sonhos, preparando-a para
conversar com seu príncipe.
Enquanto ela se apresentava ao
príncipe
,
os empregados foram acordando e
retomando suas atividades; logo sentiram
fome, uma vez que
não
estavam
apaixonados como a princesa.
Subiu a escada da torre e encontrou a
princesa. Em uma cam
a
de ouro, dormia a
mais linda jove
m
que ele tinha visto .
O
príncipe
ficou apaixonado e
aproximando
-se dela, beijou-a. No mesmo
instante a princesa aurora despertou e
com ela todo o reino. Poucos dias depois
a princesa aurora e o
príncipe
se casaram
e foram felizes para sempre.
O quadro apresentado indica que estas duas
ú
ltimas versões têm enunciação
reduzida em relação
às
duas primeiras a
presentadas.
Quanto aos papéis sociais:
Os papéis sociais apresentados focalizam
,
em ambas as vers
ões
,
o
pr
íncipe.
A
diferença
consiste em que, na estrutura social da versão de
Can
ton, outros
papéis,
como: o melhor amigo do príncipe e a Fada do Tempo. Na ultima versão
ocorre
, apenas a representação do príncipe como “príncipe de um país vizinho
”.
Em
129
ambas as versões a Bela Adormecida é representada como objeto de curiosidade e
de desejo
, que
move as ações do príncipe.
Na versão de Canton
,
o pr
íncipe
cavalga ao lado de seu melhor amigo que
lhe conta a história da princesa adormecida. Na versão da Editora
Todolivro
,
é um
príncipe de um país vizinho que ouviu alguém contar a história da Bela A
dormecida.
D
es
ta forma
,
o valor positivo atribuído à sabedoria do velho camponês, está
cancelado. Em Canton, a princesa será acordada pela presença de um nobre
príncipe que se apaixona pela sua
beleza.
Na versão da Editora
Todolivro
, o príncipe
torna
-se curioso ao ouvir falar da história da Bela Adormecida e é isso que o leva a
tentar encontrar este castelo. Logo, o valor positivo atribuído ao príncipe é relativo à
sua “curiosidade”.
Na versão de
Canton
, está cancelada a comitiva que acompanha o príncipe,
presente nas versões anteriores. O príncipe é acompanhado apenas de seu melhor
amigo
. N
a versão da Editora
Todolivro
, o
príncipe
está só. Esse resultado indica que
nas versões mais atuais, o valor positivo é atribuído ao
<<
querer do príncipe
>>
,
que
não precisa de corte, nem de comitiva que o acompanhe
,
para real
izar suas
ações
.
O
valor positivo é atribuído à “independência” do sujeito.
Na versão de
Canton
,
o príncipe é caracterizado pela curiosidade e
encantamento que recebem valor positivo, pois é isso que o move a enfrentar a
floresta, o abandono e a
inércia
das pessoas que dormem: seu encantamento era
maior do que o medo”. Na versão da Editora
Todolivro
, o príncipe é caracterizado
pela coragem que recebe valor positivo.
Na versão de Canton
,
o destino é traçado pela Fada do Tempo e, por isso, o
príncipe cumpre o seu destino com “energia, sem medo e sem esperar”. Essa
representação em
língua
está cancelada na versão da Editora Todolivro
.
Nesse episódio houve, ainda, o cancelamento do papel social do velho, como
transmissor da cultura do povo. Esse papel tem sido substituído pelos livros, onde
registram
-se toda a história, o passado, a cultura do povo. No episódio, o velho
camponês é substituído pelo melhor amigo, e não nenhuma citação com
referência
à idade, mas podemos concluir ser um jovem como o príncipe,
representando que a transmissão da cultura não pertence mais, exclusivamente, ao
papel social das pessoas mais velhas.
130
Quanto às diferenças e as similitudes enunciativas:
a)
Versão de Machado
: “O príncipe não sabia em que acreditar. Mas, então,
um
velho camponês p
ediu licença e lhe disse...
Versão de Monteiro Lobato
:
“O príncipe estava tonto de tantas explicações
diferente
s
, quando um
velho camponês
tomou a palavra e disse...
Versão
de
Canton
:
Ce
rto dia, um belo moço cavalgava
ao lado de seu melhor
amigo
, que lhe contou a seguinte hist
ó
ria...
Versão da Editora
Todolivro
:
“Muitos anos depois um príncipe de um paí
s
vi
zinho que ouvira falar da hist
ór
ia da bela adormecida, resolveu então en
contrar
este castelo.
Na versão de Canton, o príncipe é caracterizado pela emoção que o leva a se
aproximar da princesa adormecida
:
”Foi ele se aproximar, que a princesa
começou a bocejar”
Na versão da
Editora
Todolivro
, o príncipe se apaixona pelo que e por
isso,
aproxima-se e beija a princesa. È o beijo que desperta a
princesa.
Essas
diferenças são relativas a valores culturais de forma a atribuir valor positivo à
proximidade do homem e da mulher, que na versão de Ca
nton
, é o que causa o
amor entre os dois. Na versão da editora
Todolivro
,
é o beijo que causa o amor,
despertando
-o.
Na versão de Canton são explicitadas as diferentes ações, focalizadas no
despertar da princesa. Na versão da Editora, essas
ações
estão canceladas e o
casamento é o
término da história, encerrando o quinto episódio.
131
3.3.11
-
O 6
°
episódio:
Diferentes versões
(
Machado e Monteiro Lobato).
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
6
°
Episódio
Versão de Machado
Versã
o de Monteiro Lobato
Apresentação
E o príncipe a deixou de manhã bem cedo,
para voltar à cidade, onde seu pai devia
estar preocupadíssimo por sua causa.
O príncipe contou a ele que, enquanto
caçava, tinha se perdido na floresta e que
havia dormido em casa de um carvoeiro
que lhe dera pão preto e queijo para
comer.
O rei, seu pai, que era um homem
bondoso, acreditou. Mas a mãe, não ficou
muito convencida. E quando viu que
quase todos os dias ele saía para caçar, e
que sempre tinha uma boa desculpa pra
expli
car porque tinha dormido duas ou três
noites fora de casa, não duvidou mais que
ele tinha arranjado alguma namoradinha.
Ele viveu mais de dois anos inteiros dessa
forma com a princesa, e os dois tiveram
dois filhos. A primeira, uma menina, se
chamou Aurora. O segundo foi um menino
e deram a ele o nome de Dia, porque era
ainda mais bonito do que a irmã.
De manhã o príncipe saltou da cama e
tratou de voltar à cidade, onde o rei seu pai
devia estar inquieto da sua ausência.
Lá chegando contou ao rei que se tin
ha
perdido na floresta e que dormira na
cabana dum lenhador, havendo ceado pão
negro e queijo de leite de cabra.
O rei acreditou; mas a rainha, que era muito
mais esperta, passou a desconfiar dos
passeios diários que desde essa ocasião o
príncipe fazia para os lados do bosque dos
espinheiros, passeios muito compridos e
sempre com a história de perder-se na
mata e dormir em casa de lenhadores.
Ela desconfiou. E tinha razão para isso,
porque durava dois anos a tal vida de
caçadas e perdimentos.
Nesse espaço de tempo a bela adormecida
teve dois filhos, uma menina de nome "
Aurora" e um menino de nome " Dia", cada
qual mais lindo que o outro.
Conflito
Várias vezes a rainha disse ao filho que na
vida a gente deve procurar ser feliz - para
ver se ele abria e lhe fazia confidência.
Mas ele nunca ousou confiar a ela seu
segredo.É que , embora a amasse, o
príncipe a temia, pois ela era uma ogresa,
da raça dos ogros, e o rei havia casado
com ela por causa de seus bens.
Chegavam a murmurar na corte, bem em
seg
redo, que a rainha tinha tendências de
ogro e que, quando crianças pequenas
passavam à sua frente, ela precisava fazer
muito esforço para se conter e não se
lançar sobre elas. Por isso, o príncipe
jamais quis dizer coisa alguma a ela.
A rainha tentou fazer o seu amado filho
contar o sêgredo daqueles mistérios; êle ,
porém, não se animou a tanto, porque essa
rainha era da raça dos ogres e o rei só
casara com ela por causa das suas
grandes riquezas.
Diziam mesmo na côrte que o sangue ogre
que lhe corria nas veias era tão forte que
ela não podia passar perto duma criança
sem sentir ímpetos de devorá-la. O príncipe
sabia disso, e para evitar calamidades
nada contou do castelo do sono.
132
Resolução
Mas quando o rei morreu - o que
aconteceu depois de dois anos
-
o príncipe
subiu ao trono. Então anunciou
publicamente se casamento e foi numa
cerimônia solene buscar a nova rainha, lá
em seu castelo no bosque. E prepararam
para ela uma acolhida magnífica na
capital, onde ela fez uma entrada triunfal,
na companhia das
duas crianças.
Algum tempo depois o velho rei morreu e o
príncipe foi elevado ao trono; então
declarou
publicamente
o seu casamento
com a bela adormecida e com grande
acompanhamento trouxe a espôsa para o
palácio real, onde começaram a viver muito
felizes
.
O quadro apresentado indica que estas duas últimas versões têm enunciação
reduzida em relação às duas primeiras apresentadas.
Quanto aos papéis sociais:
No que se refere aos papéis sociais, em ambas as versões eles são os
mesmos para a estrutura social:
Tempo
1:
rei
-
rainha
-
pr
í
ncipe
;
Tempo
2:
príncipe
-
pai vira rei
;
Bela
adormecida
-mãe
vira rainha
;
Aurora e Dia viram príncipes
.
A diferença consiste nas caracterizações atribuídas a esses papéis. Na
versão de Machado
,
o valor positivo é atribuído à bondade do rei. Na versão de
Monteiro Lobato
,
o valor positivo é atribuído à ingenuidade do rei.
O papel da rainha também é caracterizado de formas diferentes:
Na versão de Machado, a rainha recebe valor negativo pela “desconfiança”;
na versão de Mo
nteiro Lobato, a rainha recebe valor positivo pela “esperteza”.
Em ambas as versões, o papel da sogra recebe valor negativo, pois é
representado como <<quem controla e destró
i
>>
, igual
“ogre”.
Todavia, no que se refere ao papel familiar de mãe, o cancelamento do
valor negativo atribuído à destruição vital do
“ogre”
, pois a rainha não devorou seu
filho. Porém, a família é representada apenas pelos papéis: pai-
mãe
-filho. A relação
entre avós e netos está exclu
ída dos papéis familiares.
133
Na versão de Machado diferença para a caracterização de filho-filha: O
filho é mais bonito que a filha, atribuindo
-
se valor positivo ao homem, o que faz parte
de cognições sociais com o traço cultural do machismo.
Na versão de Monteiro Lobato, o machismo está cancelado: o filho e a filha
são
”cada qual mais lindo que o outro”, indicando assim
,
a ascensão do prestí
gio
feminino pela beleza.
Quanto às diferença
s e similitudes enunciativas:
A similitude existente em ambas as versões é o fato d
e
a mãe do príncipe ser
“ogressa” , o que se torna a causa para que o príncipe minta a respeito de seu
casamento e da existência de dois filhos, privando o rei e a rainha de representarem
os papéis de avós.
a)
Versão
de Machado
:
O rei,
seu pai, que era um homem bondoso, acreditou.
Mas a mãe
não ficou muito convencida.
Versão de Monteiro Lobato
:
“O rei acreditou; mas a rainha, que era muito
mais esperta, passou a desconfiar dos passeios diários que desde essa ocasião o
príncipe fazia para os lados do bo
sque dos espinheiros
...
Na versão de Machado , o rei acredita no filho por ser bondoso , na versão de
Monteiro Lobato, o rei acredita no filho por não ser tão esperto quanto a rainha.
Assim, o papel social de pai, na primeira versão, é caracterizado pela bondade com
o filho. Na segunda versão , o papel social de pai é caracterizado pela falta
da
mesma esperteza da mãe. O que essa diferença representa em língua, é que nas
cognições sociais das contemporaneidades do séc
XVI
e
XVII,
a função do homem
não era cuidar dos filhos. A função do homem estava fora de casa e
competia
à
mulher
, de
nt
ro de
casa,
cuidar do filho. O filho saía de casa q
uan
do crescido, por
134
isso a mãe conhecia melhor o filho do que o pai. Por essa razão
,
era mais
fác
il
o pai
acreditar nessa menti
r
a do que a mãe
.
b)
Versão de Machado
:
Ele viveu mais de dois anos inteiros dessa forma com a
princesa, e os dois tiveram dois filhos. A primeira, uma menina, se chamou Aurora.
O segundo foi um menino e deram a ele o nome de Dia, porque era ainda mais
bonito do que a irmã.
Versão de Monteiro Lobato: Nesse espaço de tempo a bela adormecida teve
dois filhos, uma menina de nome " Aurora" e um menino de nome " Dia", cada qual
mais lindo que o outro.
A diferença encontrada representa, em língua, a responsabilidade da mulher
na concepção e
nos
cuidados com os filhos. Esse segmento demonstra que essa
característica cultural foi, progressivamente, se incorporando às cognições sociais e
existe até nossos dias.
c)
Ver
são de Machado
: o rei havia casado com ela por causa dos seus
bens...”
Versão de Monteiro
Lobato
: “o rei casara com ela por causa das suas
grandes riquezas...
A versão de Monteiro Lobato intensifica e explicita o que seja
m
“bens”. Em
ambas as versões, todavia, há valor positivo atribuído à posse de riquezas, a valores
materiais.
135
d)
Versão de Machado
:
“...foi numa
cerimônia
solene buscar a rainha (...) E
preparam para ela uma acolhida magnífica na capital, onde ela fez uma entrada
triunfal na companhia das duas crianças.
Versão de Monteiro Lobato: ”
...
com grande acompanhamento trouxe a esposa
para o palácio real, onde começaram a viver muito felize
s
”.
A versão de Machado privilegia o ritual de entrada da rainha por uma
cerimônia
triunfal e
magnífica.
A rainha vem acompanhada de suas duas crianças.
Dessa forma, atribuí-se valor positivo à
cerimônia
de posse de um cargo, assim
como
, valor positivo à presença física conjunta da família “pais-filhos”. Na versão de
Monteiro Lobato o valor positivo é atribuído à relação “marido-
mulher”, para os quais
,
quando estão unidos,
é atribuído o valor positivo da “
felicidade”
.
3.3.12
-
O 6
°
episódio:
diferentes versões
(Canton e Editora Todolivro)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelo seguinte
quadro:
6°
Episódio
Versão de Canton
Versão da Editora
Todolivro
Apresentação
Quanto à princesa, ela se casou com
seu príncipe e teve dois filhos, o
menino foi chamado Dia; e a menina,
Aurora. Am
bos eram lindos.
Ø
136
Conflito
não
sabia a
moça
que a rainha ,
mãe
de seu esposo, tinha uma
característica
nada
agradável
: era uma
ogra .
Você
sabe o que é um ogro? É
um ser come criancinhas! Um
horror!
Pois esse era o desejo secreto
daquela rainha!
Ø
Resolução
Nesse
caso,
uma história que
parecia ter acabado com um final feliz
para sempre ainda apresentou outras
surpresas...
Ø
O quadro apresenta as diferenças existentes entre a versão de Canton e a
versão da Editora
Todolivro
. Essa mesma diferença existe em relação a ultima
versão e à
s duas primeiras.
Na versão de Canton, é no sexto episódio
que
ocorre o papel social
da
sogra
que é caracterizada pelo valor negativo de ogro” de forma a ser caracterizado por
aquele que produz horror e
que
pode ser dividido por duas relações sociais
distintas
, no que se refere ao casal (marido- mulher)
:
mãe da
mulher
ou mãe do
marido
. Existe uma organização hierárquica nos contos de fadas que justifica essa
diferenciação
:
Pai
Mãe
Filho
Filha
Esse é o retrato da família patriarcal que não foi absolutamente alterado, mas
sim, constantemente reafirmado e enfatizado, durante o tempo, chegando até
nossos dias, fazen
do
parte de cognições sociais com o traço cultural do machismo.
137
A mãe do príncipe (
marido)
é caracterizada como esperta, desconfiada. O
filho, para proteger a família de sua maldade, não conta a ela sobre o casamento e
os filhos.
A literatura define a relação sogra-nora (Rossi, 1994) como uma relação
interpessoal que ocorre dentro do casamento, no qual se configuram e se
estabelecem, formalmente, os papéis destas duas mulheres.
No
texto,
ratifica-se o estereótipo da sogra mãe do
marido
. A mãe do
pr
íncipe é designada por ogra, ogressa, papona, diaba. Esse modo de representar a
sogra demonstra um preconceito que é relatado por Leitão (1988) da seguinte
forma: o sogro é visto como um segundo pai, um amigo; a sogra, é vista como "a
velha chata, linguaruda, que sempre mete o nariz onde não é chamada". A sogra é
avaliada negativamente, e o estereótipo se tornou um mito, pois, em
muitas
cultura, a ela está associada uma imagem de pessoa inoportuna, que deve ser
suportada por qualquer pessoa em alg
um momento de sua vida.
A relação entre sogra / genro, normalmente é vista de forma muito mais
amena que a relação sogra / nora, pois nesta
,
a nora é vista como rival, como
aquela que “rouba o filho”, que é o objeto de amor da mãe. Na história, podemos
notar a diferença, pois o papel da sogra do príncipe é cancelado, enquanto a sogra
da princesa é apresentada como de uma raça capaz de comer seus próprios netos,
e uma pessoa de quem o próprio filho esconde a família para protegê
-la.
Na Versão da Editora
Todolivro
, o papel da sogra é cancelado, juntamente
com todos os episódios que aparecem após o despertar da princesa e de seu
casamento com o príncipe.
Na atualidade, não esse como
muitos
outros
contos
, aparecem de forma
muito reduzidas em relação ao original. Um grande exemplo disso são os desenhos
animados de Walt Disney, que subtraem passagens consideradas mais fortes com o
objetivo de não assustar ou chocar as crianças, “evitando” o conflito. Os contos, no
original
, podem chocar alguns adultos, que esses os vêem sob uma lógica
adulta
e não sob a fantasia da criança. Escondendo a dor, a perda, a violência dos contos,
esconde
-se o que de mais verdadeiro nessas histórias. O conto não deve ser
138
feito de imagens boas, pois não deve ser uma fuga para as crianças se esconderem
em um mundo de faz de conta. Mas, conter as passagens de medo, angústia,
vingança
,
como um meio da criança simbolizar seus próprios conflitos.
No que se refere à categoria
resolução
na versão de Canton, existe um
comentár
io que leva o leitor a ler os demais episódios. Porém, esse comentário
indica que a resolução desse episódio é um final infeliz.
3.3.13
-
O
7° episódio: Diferentes versões
(Machado
, Monteiro Lobato e
Canton)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelos quadros a
seguir
e neste episódio haverá o confronto de três versões, a versão de Machado, a
versão de Monteiro Lobato e de Ca
nton
, pois o
s
episódios:
7, 8,9 e 10 estão
cancelado
s
na versão da Editora
Todolivro
.
7
°
Episódio
Vers
ão de Machado
Versão de Monteiro Lobato
Apresentação
Algum tempo depois, o rei entrou em
guerra contra o imperador Cantonalvo, seu
vizinho. Entregou a regência do reino à
sua mãe, e lhe recomendou muito que
cuidasse de sua mulher e seus filhos.
Deveria ficar o
verão todo na guerra.
Um ano mais tarde o novo rei teve de fazer
guerra a um rei vizinho, e ao sair deixou a
regência entregue à rainha
-
mãe, muito lhe
recomendando a jovem espôsa e os
filhinhos.
139
Conflito
Mal ele partiu do palácio, a rainha-
mãe
enviou a nora e os netos a uma casa de
campo na floresta, para lá poder satisfazer
seu horrível desejo com mais facilidade.
Uma noite, disse ao chefe dos mordomos:
- Amanhã no jantar eu quero comer a
pequena Aurora.
.- Ah, senhora....- suspirou o chefe dos
mordomos.
.- Eu quero! - disse a rainha, no tom de
voz de uma ogresa que quer comer carne
fresca.
- E quero com um molho bem
gostoso.
O pobre homem logo viu que não podia
enfrentar uma ogressa. Então pegou o
facão e subiu até o quarto da pequena
Aurora.
A
menina estava com quatro anos e veio
correndo e saltitando, toda risonha, se
pendurar no pescoço dele e perguntar se
tinha alguma bala para ela.
Mas assim que êle virou as costas a rainha
-
mãe enviou a nora e os meninos para uma
casa de campo situada no meio da floresta,
bem longe, onde ela, rainha, pudesse dar
largas ao seu apetite de bruxa, filha de ogre
comedor de crianças, ou Papão.
Era Papona, a diaba.
Logo que os teve instalados lá, ordenou ao
seu cozinheiro:
- Quero amanha ao jantar comer a
pequenina Aurora.
- Ah, senhora! Exclamou o pobre
cozinheiro, atarantado. Não faça isso...
- Quero e quero e quero, gritou a rainha no
tom feroz das Paponas, e explicou de que
modo queria que se assasse a menina, e
com que môlho.
O cozinheiro viu que nada mais lhe restava
senão obedecer, e tomando um faca muito
grande subiu ao quarto da pequena Aurora,
que tinha então quatro anos.
Assim que o viu, a menina pulou-lhe ao
pescoço, pedindo-lhe bombons e mais
coisas gostosas.
Resolução
O homem começou a chorar e deixou cair
o facão. Depois, recolheu
-
o e desceu até o
quintal onde matou um cordeirinho e o
preparou com um molho tão delicioso que
a senhora disse que jamais havia comido
algo tão gostoso em toda a vida.
Enquanto isso, o chefe dos mordomos
tinha tratado de tirar a pequena Aurora do
castelo e a entregara à sua mulher, para
que a menina ficasse guardada na casinha
deles, no fundo do quintal.
O triste cozinheiro caiu em pranto; por fim
desceu ao quintal e matou um carneirinho,
que preparou como se fôsse a menina. A
Papona comeu-o, certa de que estava
comendo a netinha - e lambeu os beiços,
confessando que jamais comera petisco
que valesse aquêle.
Enquanto isso o bom cozinheiro corria a
esconder a menina Aurora em sua própria
casa, num caixão lá no fundo
do galinheiro.
7°
Episódio
Versão
de
Canton
Ver
são da Editora
Todolivro
Apresentação
Eis que um dia o príncipe foi lutar numa
guerra e teve de deixar a esposa e os
filhos por alguns meses em casa.
Recomendou a mãe que se comportasse
e que
até
ajudasse a cuidar de sua
família. Ela prometeu de pés juntos que o
faria,
Ø
140
Conflito
M
as
, tão logo ele se afastou, o sangue de
ogra começou a esquentar. O desejo de
comer criancinhas foi ficando grande,
maior, enorme...Então ela ordenou a seu
empregado:
-
Fa
ç
a
um Molho Robert, que hoje vou
comer minha neta, Aurora.
Esse típico molho francês era a
especialidade do rapaz. A rainha era uma
ogra, sim, mas uma ogra chique. Sabia o
que era bom. O Molho Robert e
tradicional na Franca desde o
Renascimento e se prepara assim:
Receita do Molho Robert
Ingredientes
· 2 colheres de sopa de manteiga
· 1 colher de sopa de farinha de trigo
· 3 colheres de sopa de caldo de carne
· 1 colher de
sopa de mostarda
· sal e pimenta a gosto
Modo de fazer
Coloque a manteiga para derreter numa
panela e adicione a farinha. Uma vez
dourada, despeje o caldo e tempere com
sal e pimenta. Deixe cozinhar por 15
minutos e, antes de servir, misture a
mostarda
, mexendo bem. Usar em
carnes.
O molho pronto, ela então esbravejou:
- dentro e traga a menina para
cozinharmos.
Ø
Resolução
O pobre ficou desesperado. Sabia que
não se podia brincar com uma ogra, mas
simplesmente não tinha coragem de tirar
a vida
de uma linda e indefesa menininha.
Matou então um carneirinho e cozinhou-
o
com seu maravilhoso molho.
Escondeu Aurora no quintal de sua casa
e capricho no prato.
Ø
Quanto aos papéis sociais:
Em
relação aos papéis
sociais,
nesse episódio ocorrem os segu
intes:
-
a rainha
-
mãe do
príncipe,
agora desempenha o papel de
rainha
-
regente
.
A partir do momento em que a rainha recebe o
poder,
ela pode satisfazer
seus desejos. A importância do poder e suas conseqüências podem ser vistas em
dois momentos da hist
ória
: quando o rei morre e o príncipe torna-se rei, ele ganha o
141
status e o poder
,
e,
assim, traz toda a família para morar com ele. Existe o respeito
pelo poder e pela autoridade que ele representa. A rainha, quando regente, recebe
o poder para mandar (
a nora e os netos para a casa de campo) e para satisfazer os
seus desejos sem ser questionada e quando o é, dá ordens e tem de ser obedecida.
- dona da casa e
empregado,
que são investidos semanticamente na versão
de
Machado como rainha
-mã
e regente e che
fe dos mordomos.
Na versão de M
onteiro
Lobato,
os papéis sociais são investidos
semanticamente
por
Papona e cozinheiro e na versão de Canton o investimento
semântico é rainha-mãe e empregado. Porém, em todas as versões os valores
negativos atribuídos, com o investimento semântico, são relativos ao papel de sogra
e avó do cônjuge masculino. Em nossa atualidade o papel de
sogra,
mãe
do marido,
mantém a avaliação negativa e é representado nas cognições sociais do grupo de
noras com valor negativo de
destr
uição, autoridade excessiva e manipulação”
.
Quanto às
diferenças e as similitudes enunciativas
:
a)
Versão de Machado: “Algum tempo depois, o rei entrou em guerra contra o
imperador Cantonalvo,
seu vizinho
.”
Versão de Monteiro Lobato: “Um ano mais tarde o novo rei teve de fazer
guerra a um rei vizinho
...”
Versão de Canton: “
Eis que um dia o príncipe foi lutar numa guerra...”
Nesta diferença enunciativa, o v
alor
é atribuído àquele com o qual se luta, de
forma a atribuir a quem enfrenta a luta, va
lor
positivo.
Na versão de Machado, o
valor atribuído ao rei é a valentia, pois o opositor do marido da bela adormecida é
um imperador designado “
Cantonalvo
”. O imperador diferencia-se de rei por ter
142
conquistado para si várias regiões geográficas ampliando seu reino, sendo assim,
mais poderoso que um rei. Na versão de Monteiro Lobato
é
“fazer guerra a um rei
vizinho
”,
de forma a apresentar o opositor da luta no mesmo nível do lutador (a
mbos
são reis
).
Na versão de
Canton,
o valor positivo relativo a lutar não é relativo ao
opositor e sim
à
necessidade de manutenção nacional.
b)
Vers
ão de Machado
“ deveria ficar
o verão todo na guerra
”.
Versão de Monteiro Lobato
: Ø
Versão de Canton
: Ø
Na versão de Machado, está explicitada uma estação do ano para determinar
o período da guerra. Na versão de Monteiro Lobato e na de Ca
nton
, essa
explicitação está cancelada. O que essa explicitação traz representado em língua, é
a preocupação, num passado remoto (séc. XVII), com as estações do ano, pois as
mesmas
serviam de base para quase todas as atividades. O cancelamento dessa
explicitação mostra, que num passado mais recente e nos dias atuais, a
preocupação com as estações do ano não são mais tão primordiais, que com a
tecnologia, podem
-
se fazer muitas cois
as, independente do tempo e da estação.
c)
Versão de Machado
: “
satisfazer seu horrível desejo com mais facilidade.”
Versão de Monteiro Lobato: “onde ela, rainha, pudesse dar largas ao seu
apetite de bruxa, filha de ogre comedor de crianças, ou
Papão.
Era Papona, a diaba.”
Versão de Canton: o sangue de ogra começou a esquentar. O desejo de
comer criancinhas foi ficando
grande, maior , enorme...”
143
Na versão de Monteiro Lobato
,
diferença para caracterização da rainha-
mãe, por meio de expansão de “ogressa”, intensificando-se o “terror”, pois ela é
“bruxa, filha de Ogre, comedor de crianças, Papona
e,
assim, atribuindo-
se
ainda
mais
valor negativo à sogra da princesa. Nesse sentido, estabelece-se valor
negativo para
filha de ogre, comed
or de crianças, ou Papão” com
o “
bruxa”.
Embora
bruxa
e “ogre”, pelos conhecimentos sociais de grupos escolarizados, não
convivam nos mesmos mundos possíveis, o autor os situa como correspondentes.
Na versão de Machado o foco é dado em “seu horrível desejo com mais facilidade”.
Na versão de Monteiro Lobato o foco é dado na paternidade de “ogre” que tem filha
“bruxa”, portanto na família. A versão de Monteiro Lobato explicita o que seja “ogre”:
comedor de crianças, ou Papão. Era papona, a diaba”.
d)
Ver
são de Machado: “- Eu quero! - disse a rainha, no tom de voz de uma
ogresa que quer comer carne fresca.
-
E quero com um molho bem gostoso.
Versão de Monteiro Lobato: “- Quero e quero e quero, gritou a rainha no tom
feroz das Paponas, e explicou de que modo queria que se assasse a menina, e com
que môlho.
Versão de Canton:
Faça
um Molho Robert, que hoje vou comer minha neta,
Aurora.
Esse típico molho francês era a especialidade do rapaz. A rainha era uma
ogra, sim, mas uma ogra chique. Sabia o que era bom. O Molho Robert e tradicional
na Franca desde o Renascimento e se prepara assim:
R
eceita do Molho Robert
Nas duas primeiras versões, é de responsabilidade do cozinheiro ou
mordomo preparar o prato
. Na versão de Monteiro Lobato, a rainha diz “c
om que tipo
de molho ela quer“, mas ela não especifica nome e nem a receita, que é o que
acontece na versão de Canton
.
As duas primeira
s
versões remontam um passado
do início do século XX, no Brasil,
que
embora houvesse a abolição da
144
escravatura, c
ompetia às negras a tarefa de cozinhar para seus senhores
.
Em nossa
atualidade, houve uma mudança nos valores culturais de forma a guiar a esposa a
saber
cozinhar, conhecendo receitas requintadas de
chef
de cozinha francês,
“Robert”. A diferença consiste
,
portanto
, em que nas duas primeiras vers
ões
, a
rainha delega ao cozinheiro a escolha de fazer o melhor prato com o melhor molho.
Na versão de Canton, a rainha sabe cozinhar e dá a receita e ordem de execuç
ão ao
cozinheiro.
A utilização da receita do Molho Robert atribui valor positivo à culinária
francesa de forma a
representá
-
la
como a mais prestigiada
, no Brasil.
e) Versão de Machado
:
guardada na
casinha deles, no fundo do quintal
.”
;
Versão de Monteiro Lobato
: Aurora em sua própria casa, num caixão no
fundo do galinheiro.
Versão de Canton:
...n
o quintal de sua casa
...”
Na versão de
Machado
, o esconderijo escolhido é “na casinha deles, no
fundo do quintal”, onde se representa o papel do empregado em relação ao patrão.
Todavia, há
a noção de propriedade privada
,
pois
,
para se entrar no lar de
alguém,
é
necessário ter liberdade de vasculhar o quintal. Na versão de Monteiro Lobato, o
esconderijo
escolhido foi “um caixão no fundo do galinheiro”, que representa em
língua as cognições s
ociais
c
orrespondente
s
ao contexto social de produção de
Monteiro Lobato, que viveu em fazendas cafeicultoras do Vale do Paraíba,
e
o
galinheiro é valorizado de forma negativa pelo
péssimo
odor e pela sujeira, devido à
defecação das galinhas. Por essa razão, é inserido o sentido de repulsa ao
lugar,
de
forma a tornar o esconderijo seguro. Na versão de Canton, o esconderijo é o quintal
de sua casa. Por se tratar de uma versão mais recente, é atribuído um valor positivo
à propriedade privada que, juridic
amen
te
, impede invasões ou buscas. Estas
podem ser autorizadas pela lei.
Logo, há modificações dos valores culturais.
145
3.3.14
O
8
°
episódio:
Diferentes versões
(Machado, Monteiro Lobato e Canton)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelos seguintes
quadro
s
:
8
°
Episódio
Ve
rsão de Machado
Versão de Monteiro Lobato
Apresentação
Daí a oito dias, a rainha malvada disse ao chefe
dos mordomos:
Oito dias depois a rainha Papona disse de
novo ao cozinheiro:
Conflito
- Hoje no jantar eu quero comer o pequeno
Dia....”
.- Quero hoje à ceia ter na mesa o segundo
menino,
Resolução
Dessa vez ele nem respondeu, porque tinha
resol
vido fazer a mesma coisa que tinha feito da
outra vez para enganá-la. Foi pegar o pequeno
Dia e o encontrou de florete na mão, brincando
de lutar espada com um macaquinho. tinha
três anos. O homem o levou para sua mulher,
que o escondeu em casa com a pe
quena
Aurora. No lugar do menino, o mordomo serviu
um cabritinho bem macio, que a ogresa achou
admiravelmente bom.
e dessa vez o cozinheiro nada replicou
porque sabia como fazer as coisas. Foi
procurar o menino, então com três anos
apenas e muito espert
inho.
Encontrou
-
o
de espadinha de pau na mão, esgrimindo
com um macaco manso. Levou
-
o para junto
da sua irmãzinha Aurora e em lugar dêle
matou outro cordeiro.A Papona comeu mais
êsse cordeiro pensando que fôsse o
netinho e ainda o achou melhor que a
netinh
a.
8°
Episódio
Versão de Canton
Versão da Editora Todolivro
Apresentação
A ogra comeu tudo e lambeu cada restinho.
Sentia
-se feliz em sua ogritude maligna,
mas ainda não estava totalmente satisfeita.
Ø
Conflito
Resolveu também comer o menino, Dia.
- Prepare mais Molho Robert, dessa vez
com cebola. Agora vou comer meu neto.
Ø
146
Resolução
Na hora de buscá-lo, o empregado
novamente comoveu-se. O menininho tinha
apenas três anos e era tão belo e cheio de
vida.... O empregado matou então um
cabritinho, escondeu Dia no quintal com
Aurora e fez o prato, caprichando no molho
e na apresentação.
- Hummm, esta uma delicia exclamou a
ogra.
Ø
Quanto às diferenças e as similitudes enunciativas:
a)
Versão de Machado
: “
Foi pegar o pequeno Dia (...) Só tinha trê
s anos”
Versão de Monteiro Lobato: Foi procurar o menino, então com três anos
apenas e já muito espertinho
Versão de Canton: “O menininho tinha apenas três anos e era tão belo e
cheio de vida....”
Na versão de Monteiro Lobato é atribuído valor positivo à esperteza do
menino. Essa característica não é explicitada na versão de Ana Maria Machado.
Essa caracterização é resultado da diferenciação e valorização da infância que
ocorreu a partir do século XVIII. Na versão de Canton, é atribuído valor positivo
à
beleza
e
à
vivacidade,
como representação das mudanças culturais mais atuais,
em
que
se
cultua a beleza e se tem como um dos objetivos a procura da
eterna”
juventude.
b)
Versão de Machado
:
“Daí a oito dias
,
a rainha malvada disse ao chefe dos
mordomos
-
Hoje no jantar eu quero comer o pequeno Dia....”
147
Versão de Monteiro Lobato: “Oito dias depois
a rainha Papona
disse de novo
ao cozinheiro
.:
-
Quero hoje à ceia ter na mesa o segundo menino,
Versão de Canton
:
“A ogra comeu tudo e lambeu cada restinho. Sentia-
se
feliz em sua ogritude maligna, mas ainda não estava totalmente satisfeita. Resolveu
também comer o menino, Dia
-
Prepare mais Molho Robert, dessa vez com cebola. Agora vou comer meu neto.
Na versão de Machado
,
a representação é relativa à idade, enquanto que n
a
versão de Monteiro Lobato é relativo ao sexo, que no passado
“m
enino
era
usado para os dois gêneros; logo, ocorre “o segundo menino”. Na versão de
Canton, ocorre: “comer o menino, Dia” que é retomado como neto, em uma
explicitação familiar
,
de forma modificar as relações atuais, afetivas, entre
avó
-
neto” para atribuir a ogresa valor negativo. Dessa forma,
construa
-
se
uma relevância
cultural com as cognições sociais extra grupais em relação
à
família.
3.3.15
O 9° episódio: Diferentes versões (Machado, Monteiro Lobato e
Canton)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelos seguintes
quadro
s
:
9°
Episódio
Versão de Machado
Versão de Monteiro Lobato
Apresentação
Até aí, tudo estava dando certo. Mas, uma
noite, a rainha malvada anunciou ao chefe
dos mordomos:
Tudo acabaria bem, se o apetite da terrível
Papona se contentasse com isso. Dias
depois, entretanto, ela ordenou ao
cozinheiro:
148
Conflito
- Vou querer comer a rainha, preparada
nesse mesmo molho gostoso em que você
fez os filhos dela.
Então o homem ficou desesperado, vendo
que dessa vez ia ser muito difícil enganar
a rainha-mãe. A jovem rainha já tinha
passado dos vinte anos, sem contar os
cem anos que tinha d
ormido.
Sua carne era um pouco dura, apesar de
bonita e clara. Como é que ele ia
encontrar entre os animais de criação do
quintal um bicho com a carne tão dura?
Para salvar a própria vida, então resolveu
que ia mesmo cortar a garganta da rainha
e subiu até os aposentos dela, com a
intenção de não errar e não precisar dar
dois golpes. Com o punhal na mão,
entrou no quarto da jovem.
Mas não queria surpreendê-la nem fazer
nada à traição e, com muito respeito,
transmitiu a ela a ordem que havia
recebido d
a rainha
-
mãe.
.- Cumpra seu dever - disse ela, esticando
o pescoço - e execute a ordem que
recebeu. Assim irei rever meus filhos,
meus filhinhos queridos que eu sempre
amei tanto.
Ela achava que eles estavam mortos,
porque tinham sido levados de junto d
ela
sem que ninguém lhe dissesse nada.
.- Quero agora comer a rainha, com o
mesmo môlho que você preparou para os
meninos assados.
O pobre cozinheiro ficou atrapalhadíssimo.
A rainha estava nos vinte anos, e como
tivesse vivido a dormir um século, tinha na
realidade cento e vinte anos.
Ora, era natural que estivesse com a carne
bastante dura
-
e como descobrir um animal
de carne dura assim?
Pensou, pensou, pensou e por fim resolveu
cumprir as ordens recebidas.
Subiu ao quarto da rainha, de faca na mão,
falando sozinho para animar
-
se.
Mas não quis matá-la de surpresa. Antes
de erguer a faca explicou-lhe que eram
ordens da rainha regente.
- Mate, mate duma vez! Gritou-lhe a pobre
bela adormecida, apresentando-lhe o
pescoço alvíssimo. Dêsse modo irei juntar-
me aos meus queridos filhinhos, o
cruelmente destruídos.
Elas estava certa de que os meninos
tinham sido mortos e comidos pela Papona.
Resolução
- Não, não, minha senhora - respondeu o
pobre mordomo, enternecido. - A senhora
não vai morrer. Também não vai deixar de
ver seus filhinhos, mas vai encontrá-
los
em minha casa, onde eles estão
escondidos.
Vou enganar a rainha de novo, dando uma
corça para ela comer em seu lugar.
Em seguida, conduziu a jovem rainha até
seu quarto, onde a deixou, abraçada aos
filhos e chorando com eles.
Depois tratou de caçar uma corça, que a
rainha comeu no jantar, com o molho de
sempre e o mesmo apetite com que teria
devorado a nora.
.- Não, minha senhora, respondeu o
cozinheiro enternecido. Nem a senhora
morr
erá, nem os seus filhinhos morreram -
e contou como os havia salvado e onde os
conservava escondidos.
Explicou que mataria uma veada e a
prepararia de modo que a Papona não
percebesse a troca.
Momentos depois estava a rainha reunida
aos dois meninos e a abraçá-los e a beijá-
los como só as mães sabem fazer.
Enquanto isso o bom cozinheiro preparava
uma grande veada, que a Papona comeu
com grande prazer, certeza de que estava
comendo a rainha.
9°
Episódio
Versão
de
Canton
Versão da
Editora
Todolivro
Apresentação
Agora só falta comer minha nora.
Ø
149
Conflito
A princesa também? Ela já tinha 22 anos,
sem contar os 99 que passara dormindo.
Mas a ogra teimou mesmo assim.
Ø
Resolução
O empregado pensou numa carne
parec
ida com a dela. Escolheu uma corça
, matou
-
a, cozinhou
-
a em Molho Robert e
serviu `a rainha.
Ø
Quanto às
diferenças e as similitudes enunciativas
:
a)
Versão de Machado
:
“Até aí, tudo estava dando certo. Mas, uma noite, a
rainha malvada anunciou ao chef
e dos mordomos
...”
Versão de Monteiro Lobato
:”
Tudo acabaria bem, se o apetite da terrível
Papona se contentasse com isso. Dias depois, entretanto, ela ordenou ao
cozinheiro:
Versão de Canton
:
Agora só falta comer minha nora”
Na versão de Machado a rainha regente é designada por rainha malvada, ou
seja, apesar de ela ser ogresa, ela ainda é tratada por rainha, a focalização ainda
está no traço humano e no papel social que ela representa: rainha, atribuindo um
valor negativo, aumentado pelo adjetivo malvada” . Na versão de Lobato, a
focalização está no não-humano, a designação é Papona e ela é movida pelo seu
apetite. A versão de Canton anula qualquer designação dada à rainha.
O que está representado em língua na versão de Lobato, é que somente é
aceitável a idéia de um ser comendo um ser humano se o primeiro for algum tipo de
monstro ou animal. Se lembrarmos que a visão da infância foi se modificando depois
do séc. XVII, podemos afirmar que essa mudança visa a uma noção de civilidade a
ser apresentada para as crianças leitoras.
b)
Versão de Machado:
“Para salvar a própria vida, então resolveu que ia
mesmo cortar a garganta da rainha”
150
Versão de Monteiro Lobato
:”
Pensou, pensou, pensou e por fim resolveu
cumprir as ordens recebidas
V
ersão de Canton
:
ØØ
A diferença encontrada nesse episódio é referente ao motivo que leva uma pessoa a
tirar a vida de outra. Na primeira versão, o mordomo mataria a rainha, para salvar a
sua vida. O individual prevalece. Na segunda versão, o cozinheiro mataria a rainha
pois tinha que cumprir ordens e como não tem alternativa, que é subordinado,
resolve matá-la. Na versão de Canton, é anulada essa dúvida entre matar ou não
matar a rainha. O cozinheiro recebe a ordem e sequer pensa em cumpri-la, ele
pensa numa forma de enganar a rainha. O que está representado em língua, é que
na versão de Canton, não existe motivo algum que faça uma pessoa de bem matar
outra.
3.3.16
O 10 ° episódio: Diferentes versões (Machado, Monteiro Lobato e
Canton)
Os resultados obtidos das análises podem ser apresentados pelos seguintes
quadro
s
:
10
°
Episódio
Versão de Machado
Versão de Monteiro Lobato
151
Apresentação
Toda contente com sua crueldade, ela
pretendia dizer ao rei, quando ele
voltasse, que os lobos enraivecidos tinham
comido a mulher dele e seus dois filhos.
Mas uma tarde, quando ela caminhava
pelos jardins e quintais do castelo, como
costumava fazer, para escolher algum
animal cuja carne fresca pudesse comer,
ouviu que de dentro de uma sala baixa
vi
nha a voz do pequeno Dia, chorando
porque a e queria bater nele, que se
comportara
mal.
E ouviu também a pequena Aurora,
pedindo perdão para o irmão.
Comeu e ficou a pensar no que diria ao rei
seu filho quando retornasse da guerra. O
melhor seria deitar a culpa nos lôbos
famintos, que em grandes bandos
percorriam aquelas matas.
Uma noite, porém, em que ela descera ao
pátio da casa de campo a fim de farejar
alguma carne fresca, ouviu em certo
ponto um chorinho de criança.Era o menino
Dia, que fizera uma travessura e fôra
castigado por sua mãe
.
Também ouviu a voz de Aurora pedindo à
rainha que perdoasse ao irmãozinho.
Conflito
A ogresa reconheceu a voz da rainha e
dos filhos e, furiosa por ter sido enganada,
deu ordens com uma voz aterrorizante,
que
fez todo mundo tremer. Mandou que
no dia seguinte de manhã trouxessem um
tonel imenso pra o meio do pátio, cheio de
sapos, víboras, cobras e serpentes, para
que dentro fossem jogados a rainha e
seus filhos, o chefe dos mordomos, sua
mulher e sua criada.
Deu ordem para que todos fossem
lançados dentro com as mãos
amarradas atrás das costas.
A Papona ficou furiosa de ter sido lograda
e a grande berros ordenou que trouxessem
para o pátio uma enorme tina cheia de
sapos e lagartos e cobras, na qual f
ôssem
lançados os meninos, a rainha e o
cozinheiro que desobedecera as suas
ordens, e a mulher dêle e mais sua criada.
Todos deveriam ser trazidos para ali de
mãos amarradas.
Resolução
E assim, na hora marcada, estavam
eles.
Os carrascos se preparavam para
jogar todos dentro do tonel quando o rei,
que não era esperado tão cedo, entrou a
cavalo no pátio. A guerra tinha acabado e
ele tinha vindo a galope, sem parar nem
para descansar, mudando de cavalos pelo
caminho.
Espantadíssimo, perguntou: - o que quer
dizer este horrível espetáculo? Ninguém
ousou responder e explicar.
Mas a ogresa, furiosa com essa volta
inesperada, pulou de cabeça dentro do
tonel e foi instantan
eamen
te devorada
pelos bichos venenosos que ela mesma
mandara colocar lá dentro.
O rei ficou um pouco triste - afinal, era a
mãe dele. Mas num instante se consolou
com a mulher e os filhos.
Estavam reunidos em redor da tina dos
bichos horrendos aquelas pobres vítimas, à
espera dum sinal da Papona, quando se
ouviu um tropel. Era o rei que chegava da
guerra.Entrou no pátio e ficou assombrado
com o que viu, mas ninguém teve coragem
de lhe explicar coisa nenhuma.
A Papona, então, vendo-se perdida, atirou-
se à tina de ponta cabeça e num instante
foi devorada pela bicharia faminta
.
O rei não deixou de ficar triste, porque
afinal de contas a Papona era sua mãe,
mas no mesmo instante consolou-se no
amor e carinho da bela adormecida e das
duas encantadoras crianças.
E daí por diante viveram na mais completa
felicidade.
152
10
°
Episódi
o
Versão de Canton
Versão da Editora
Todolivro
Apresentação
A esfomeada parecia feliz da vida agora.
tinha decidido contar ao príncipe que
sua esposa e filhos tinham sido devorados
por lobos selvagens.Passeava pelas ruas
rindo sozinha, até que escutou algo
estranho. Reconheceu, muito brava, a voz
de Aurora e Dia, que brigavam baixinho,
enquanto a mãe bronqueava com eles
pela falta de modos dos dois.
Ø
Conflito
“Ah, era tudo mentira, então? Eles vão
ver”, pensou.
Chamou outro empregado, mandou que
ele
preparasse uma enorme tina cheia d
cobras venenosas, sapos e escorpiões,
para jogar os três lá dentro, de uma
vez.
Ø
Resolução
Quando tudo parecia pronto, ela ouviu a
voz do filho. Ele voltara da viagem mais
cedo. Percebendo que nada sairia do jeito
que havia planejado, a ogra, num instante
de impulsividade, jogou-se, ela mesma,
dentro da tina. Rapidamente foi comida
pelas cobras.
O príncipe não deixou de ficar triste, afinal,
tratava
-se de sua mãe, mas logo se
confortou ao lado dos filhos e da bela
es
posa.
Ø
Quanto aos papéis sociais:
No que se refere aos papéis sociais, as três versões mantêm a mesma
estrutura social, ou seja,
marido
-
esposa
-filhos como membros de uma
família
e a
sogra paterna como destruidora
,
e que quando não pode destruir a fa
mília
constituída pelo filho, destr
ói
-
se a si própria.
Quanto às diferenças e as similitudes enunciativas:
153
a)
Versão de Machado:
Toda contente com sua crueldade, ela pretendia dizer
ao rei, quando ele voltasse, que os lobos enraivecidos tinham comido a mulher dele
e seus dois filhos.
Versão de Monteiro Lobato
:”
Comeu e ficou a pensar no que diria ao rei seu
filho quando retornasse da guerra. O melhor seria deitar a culpa nos lôbos famintos,
que em grandes bandos percorriam aquelas matas.
Versão de Canton: “Quando tudo parecia pronto, ela ouviu a voz do filho. Ele
voltara da viagem mais cedo. Percebendo que nada sairia do jeito que havia
planejado, a ogra, num instante de impulsividade, jogou-se, ela mesma, dentro da
tina
Na versão de Machado a focalização é dada na crueldade da rainha-
regente
que a faz feliz por isso. Na versão de Monteiro Lobato a
focalização
é dada na
rainha por ter satisfeito a sua fome, enquanto que na versão de Canto, a focalização
é na gula
, pois utiliza
-
se
esfomeada”.
b) Versão de Machado:
...
Os carrascos se preparavam para jogar todos dentro
do tonel
...”
Versão de Monteiro Lobato
:”...
aquelas pobres vítimas, à espera dum sinal da
Papona,
...”
Versão de Canton
: “
Quando tudo parecia pronto, ela o
uviu a voz do filho.
...”
A diferença é relativa à inserção de um papel social que ressemantiza a
rainha regente, a avó e a ogressa, em juiz. É o poder sobre a vida e a morte dos
seus subordinados
(família
ou
não)
.
Esse papel é cancelado na versão de
Canton
154
c)
Versão de Machado:
Mas a ogresa, furiosa com essa volta inesperada, pulou
de cabeça dentro
do tonel e foi instantaneamente devorada pelos bichos venenosos
que ela mesma mandara colocar lá dentro.”
Versão de Monteiro Lobato
:”
A Papona, então, vendo-se perdida, atirou-se à
tina de ponta cabeça e num instante foi devorada pela bicharia faminta
.”
Versão de Canton
:
“Percebendo que nada sairia do jeito que havia planejado,
a ogra, num instante de impulsividade, jogou-se, ela mesma, dentro da tina.
Rapidamente foi comida pelas cobras.
diferenças para se focalizar a atitude da ogresa ao se atirar na tina. Na
versão de Machado, o foco é dado na fúria, sendo que esta produz suicídi
o.
Na
versão de Monteiro Lobato a focalização é dada no fato dela ficar perdida e saber
que seria punida e para não perder a autoridade suicida-
se.
Na versão de Canton a
focalização
é dada na impulsividade que causa o suicí
dio.
Resumindo, a pessoa
furiosa faz qualquer coisa, inclusiva matar a si mesmo, na segunda versão, verifica-
se que o suicídio é visto como uma fuga, pois o que mais importa é a autoridade e o
que os outros pensam a respeito e é melhor morrer a perder isso e na terceira,
verifica
-se que nem a fúria, nem a opinião alheia é motivo para matar-se, a pessoa
só comete esse ato, se estiver fora de si, se não pensar, por impulso.
d)
Versão de
Machado:
...
quando o rei, que não era esperado tão cedo, entrou
a cavalo no pátio. A guerra tinha acabado e ele tinha vindo a galope, sem parar nem
para descansar,
mudando de cavalos pelo caminho.
155
Versão de Monteiro Lobato
:
quando se ouviu um tropel. Era o rei que chegava
da guerra.
Versão de Canton
:
Ele voltara da viagem mais cedo.
Na versão de Machado a carga semântica de guerra” é muito grande, pois
segundo as cognições sociais, guerrear era comum na Europa, em um passado
remoto
( condição de produção do original traduzido por Machado), e era em seu
próprio reino que o rei buscava segurança e descanso. Na segunda versão, a carga
semântica
diminui,
pois no Brasil, a guerra nunca se tornou uma prática, então,
utiliza
-se a palavra “guerra”, mas não especificações a respeito do retorno. Na
versão de Canton, “guerra” é substituída por “viagem”, revelando que o motivo do
afastamento do príncipe não é o foco, e sim seu retorno para junto de sua família e a
resolução do conflito ge
rado por essa ausência.
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término desta dissertação, revemos nossos objetivos, verific
amos
a
hipótese e
apresentamos
novas perspectivas para dar continuidade a investigação
realizada.
Dessa forma, retomamos nossos objetivos:
Acreditamos que os resultados obtidos de nossa pesquisa possam contribuir
com os estudos identitários brasileiros, na medida em que estes foram situados na
área do discurso. De forma geral, como sabemos, os estudos identitários brasileiros,
vem sendo desenvolvidos na área da Etnia, da Antropologia e da História,
participando,
assim
,
das Ciências sociais. Em nossa pesquisa, os traços culturais do
brasileiro foram situados em textos
lingüísticos
de forma a privilegiar os grupos
sociais,
suas cognições e as formas de representação lingüística no e pelo discurso.
No que se refere ao primeiro objetivo especifico, encontramos a versão
original do conto “A bela adormecida no Bosque” e algumas de suas vers
ões
brasileiras, produzidas em tempos históricos diferentes, a
saber:
Texto original de Charles Perrault, em francês, a sua tradução brasileira de
Ana Maria Machado e suas versões de Monteiro Lobato, Canton e a da Editora
Todolivro
.
Quanto ao segundo objetivo
específico:
examinar os diferentes papéis sociais
presentes nessas versões, acreditamos ter cumprido
esse
objetivo na medida em
que foram levantados os papé
is
socia
is das diferentes versões, tendo por critério o
epis
ódio narrativo onde eles se situam.
Dessa
forma,
foram encontrados papé
is
sociais relativos ao Estado e à
F
amília.
No que se refere ao terceiro objetivo especí
fico
: focalizar os valores culturais
contidos nos papéis sociais representados pelos personagens do conto em questão,
em suas diferentes versões”, acreditamos, também, ter cumprido esse objetivo e os
resultados obtidos propiciaram situar a dinâmica de valores culturais brasileiros, no
tempo.
Essa dinâmica também decorre da mudança das cognições sociais inter e
extra
-
grupais
157
No que se refere ao quarto objetivo
especí
fico
: buscar traços culturais do
brasileiro presentes nos valores contidos nos papéis sociais da história de cada
versão , dependendo de contemporaneidades distintas, a
cred
itamos, ainda, ter
cumprido esse objetivo pois os traços culturais do brasileiro foram tratados no grupo
familiar, no grupo de poder e nas relações jurídicas. Verificamos o valor positivo
atribuído à família como
sendo
o mais
genérico
.
Embora em três versões tenha
ocorrido o valor negativo atribuído à sogra paterna, a versão mais atual cancela essa
negatividade, de forma a serem atribuídos apenas valores culturais positivos
à
família, ao heroísmo e a autoridade do Estado. O traço cultural relativo à mulher
sempre é positivo como valor : a que espera cem anos para cumprir o seu destino; a
que
é submissa ao marido que a mantém afastada do reino por dois anos com seus
filhos e à atitudes da sogra.
À
mulher ainda é atribuído valor positivo cultural à sua
beleza
, dedicação
e
afetividade.
As diferenças indicadas nas análises propiciam qu
e
nós entendamos que os
valores culturais são dinâmicos e a sua mudança decorre do fato de se enfrentar no
dia a dia problemas novos para serem resolvidos, no plano do que é vivido e
experenciado pelos difere
ntes grupos sociais.
O mesmo ocorre com os papéis soci
a
is da estrutura da sociedade.
Embora as
versões mantenham os mesmos personagens do conto de Perrault, os valores
atribuídos a eles propiciam uma ressemantização para as relações sociais desses
pap
é
is.
Na ultima versão
analisada,
estão cancelados os episódios relativos à
representação negativa da avó paterna, de forma a
inseri
-
la
como um papel
representado
positivamente
nas relações familiares
sociais.
Em síntese, os resultados obtidos das análises indicam que as diferenças das
versões em relação às expressões enunciadas decorrem da seleção feita pelo autor
de cada versão, sendo ela guiada pelos valores culturais contidos na
contemporaneidade das cogniç
ões
sociais
da ép
oca de produção da versão.
A hipótese orientadora desta dissertação mostrou-se adequada, pois
os
contos de fadas
exam
i
nados
propiciaram
que nós detectássemos valores culturais
brasileiros com raízes históricas, a partir do discurso fundador
eclesiástico
, com seus
valor
es morais que determinam o funcionamento das instituições sociais. As
158
diferentes versões produzidas em tempos diferentes propiciaram-
nos
a verificação
das mudanças culturais a partir da caracterização das personagens, das ações
praticadas por
eles,
de sua
s funções sociais
e da interação de pap
éi
s.
A pesquisa realizada propiciou o levantamento de traços culturais das raízes
históricas brasileiras e a sua dinâmica de modificaç
ões em épocas diferentes. Assim,
é adequado tratar os estudos culturais pelo discurso, com a seleção de contos de
fadas.
Esta dissertação não se quer um trabalho concluso. Ela buscou abrir novas
perspectivas para o estudo de traços culturais do brasileiro, e, em seu término,
indicamos novos caminhos que possam dar continuidade aos resultados obtidos at
é
aqui
.
Assim, faz-se necessário saber quais contos de fadas povoam com maior
freqüências
às
cognições sociais infantis e se esses variam de grupo social para
grupo social; quais contos de fadas são preferidos e selecionados instituciona
lmente
para construir
cognições
soci
ais no mundo infantil; verificar o valor social atribuído
aos
contos de fadas e aos contos folclóricos brasileiros e em que medida esses
últimos tem merecido a
atenção
de nossas instituições.
A análise deste material pr
opiciar
á estabelecer como os traços culturais do
brasileiro variam em cada grupo social e quais traços culturais são extra-
grup
ais
,
devido a
conhecimentos
institucionalizados
públicos
.
Assim sendo, seria possível conferir e progredir nossos resultados
,
a
presentados nesta
dissertação,
com novas pesquisas.
Faz
-se necessário, estudar, discursivamente, a cultura brasileira. A cultura é
quem povoa nossas mentes, representando nosso passado, modifica
ndo
-se no
nosso presente e ativando nosso imaginário para proj
etar nosso futuro.
159
REFER
Ê
NCIAS BIBLIOGR
Á
FICAS
AMOSSY
, Ruth e
ROSSEN,
Elisheva. Le discours. du cliché, Société d’Éditions
d’Enseignement Supérieur,
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0
ANEXOS
ANEXO A - A BELA ADORMECIDA NO BOSQUE tradução Ana Maria
Machado
Era uma vez um rei e uma rainha que viviam muito tristes porque não
conseguiam ter filhos. Tão tristes que não nem para explicar. Foram a tudo
quanto era estação de águas, fizeram tratamentos, promessas, peregrinações,
recorreram a um monte de simpatias. Tentaram tudo o que estava ao seu alcance. E
não adiantava nada .
Até que, finalmente, a rainha engravidou e teve uma filha. pra imaginar a
festança que fizeram para o batizado. E escolheram para madrinhas da princesinha
todas as fadas que conseguiram encontrar no reino (acharam sete), para que cada
uma lhe desse de presente algum dom maravilhoso, como era o costume das fadas
naquele tempo, Graças a isso, a princesa ficaria com todas as perfeições
imagináveis.
Depois da cerimônia do batismo, todos os convidados foram para o palácio do
rei, onde haveria um grande banquete para as fadas. Diante de cada uma delas foi
posto um brinde: um estojo de outro maciço , com talheres
ma
gníficos
- uma colher,
um garfo e uma faca do mais fino ouro, guarnecidos de diamantes e rubis.
Mas enquanto cada convidado se dirigia a seu lugar e se sentava à mesa,
entrou uma velha fada que não tinha sido chamada, porque havia mais de
cinqüenta
anos que não saía de sua torre e todos achavam que ela tinha morrido ou sido
encantada.
O rei logo ordenou que preparassem também um lugar para ela, com seus
talheres. Mas não era possível lhe darem um estojo de ouro maciço, como as outras
tinham ganho, porque os brindes haviam sido feitos de encomenda e havia sete,
para as sete fadas. A velha achou
que
estava sendo desprezada e ficou
resmungando uma porção de ameaças, com a boca meio fechada.
Uma das jovens fadas, como estava bem perto dela, ouviu aquilo e ach
ou que
era bem possível que a velha pretendesse dar algum presente ruim à princesinha.
Por isso, quando todos se levantaram da mesa, foi se esconder atrás de uma grande
tapeçaria pendurada na parede do palácio.
1
Desse modo, seria a última a falar e talvez pudesse tentar consertar um pouco
algum mal que a velha viesse a causar.
Em seguida, as fadas começaram a fazer seus dons, dizendo os presentes
que davam à princesa. A mais jovem lhe deu o dom da beleza, prometendo que ela
seria a pessoa mais bonita do mu
ndo.
A segunda prometeu que ela seria inteligente
e espirituosa como um anjo. A terceira, que ela teria uma graça admirável em tudo o
que fizesse.
A quarta disse que a moça dançaria admiravelmente bem.
A quinta, que
ela cantaria como um rouxinol. A sexta, que ela seria capaz de tocar qualquer
instrumento com perfeição. Quando chegou a vez da fada velha, ela sacudiu a
cabeça
- muito mais por despeito do que por velhice - e disse que a princesa furaria
a mão com um fuso e morreria por causa disso.
Esse dom terrível fez todos tremerem, e não houve quem não chorasse. A
jovem fada saiu de seu esconderijo, atrás da tapeçaria, e disse estas palavras, bem
alto:
- Fiquem
tranqüilos
, senhor rei e senhora rainha. Sua filha não vai morrer por causa
disso.
É verdade que eu não tenho poder suficiente para desmanchar
completamente a ameaça de uma fada mais velha do que eu.
A princesa vai mesmo furar a mão no fuso de uma roca. Mas em vez de morrer, ela
simplesmente cairá num sono profundo, que vai durar cem anos. que no fim
desse tempo, o filho de um rei virá salvá
-
la.
Tentando evitar que se cumprisse a desgraça anunciada pela velha, o rei
imediatamente mandou publicar um decreto, proibindo toda e qualquer pessoa de
fiar com rocas e fusos, ou de ter em casa qualquer roca ou fuso, sob pena de ser
condenada à morte.
Passaram-
se uns quinze ou deze
s
seis anos.
Um dia, o rei e a rainha foram a uma de suas casas de campo, onde eles
costumavam apenas passar temporadas. Animada com o novo ambiente, a jovem
princesa saiu correndo pelo castelo, indo de quarto em quarto. Acabou chegando a
uma saleta pequenina, no alto de uma torre, onde encontrou uma velha, sozinha,
fiando, diante de uma roca. A pobre mulher não ouvira falar de todas as proibições
que o rei tinha feito, para evita
r que se fiasse ou usassem fusos.
-
O que é que a senhora está fazendo?
-
p
erguntou a princesa.
-
Estou fiando, minha filha
-
responde
u
a velha, que não a conhecia.
2
- Puxa, que beleza! - disse a princesa. - Como é que se fia? Deixe eu ver se
consigo...
Nu
m instante estava segurando o fuso.E como era um pouco sem jeito - e
além de tudo, um desejo de fada mandava isso acontecer - furou a mão com o fuso
e caiu desmaiada
A boa velha, sem saber o que fazer, gritou por socorro. Veio gente de tudo
quanto é lado. Jogaram água no rosto da princesa. Afrouxaram os cordões do
corpete dela. Deram tapinhas em suas mãos. Ficcionaram suas têmporas com água
perfumada da Rainha da
H
ungria. Mas não adiantou. Nada fazia a moça voltar a si.
Então o rei, que subira correndo ao ouvir todo aquele alvoroço, lembrou-se das
previsões das fadas. Compreendeu que acontecera o que tinha de acontecer, que
as fadas haviam predito assim. Mandou então que a princesa fosse levada para o
mais belo aposento do palácio, e que a deitasse numa cama forrada de tecidos
bordados a ouro e prata.
A moça era tão bonita que parecia um anjo. O desmaio não lhe tirara as cores
vivas do rosto. Continuava com as faces rosadas e seus lábios pareciam de coral.
Simplesmente tinha os olhos fechados. Mas era possível ouvir que ressonava
suavemente, o que provava que não estava morta.
O rei então mandou que a deixassem dormir sossegada, até que chegasse a hora
de seu despertar. A boa fada que lhe salvara a vida, condenando-a a dormir cem
anos, estava no reino de Mataquin, a doze mil léguas de distância, quando ocorreu
o acidente com a princesa. Mas imediatamente foi avisada por um anãozinho que
tinha botas de sete léguas (eram botas com as quais cada passada fazia com que a
pessoa percorresse sete léguas
).
A
ssim que soube do acontecido, a fada partiu e daí a uma hora estava
chegando, numa carruagem de fogo, puxada por dragões. O rei lhe deu a mão para
ajudá
-la a descer da carruagem. Ela aprovou tudo o que tinha sido feito por ele. Mas
como era muito previdente, pensou que a princesa, quando chegasse a hora de
acordar, ias se sentir mal, sozinha num castelo velho. Então teve uma idéia.
Foi tocando com sua varinha mágica todos os que estavam no castelo
(m
enos o rei e a rainha): governantas, damas de companhia, criadas de quarto,
fidalgos, oficiais, mordomos, cozinheiros, copeiros, mensageiros, ajudantes,
guardas, porteiros, criados. Tocou também os cavalos que estavam nas estrebarias,
e os palafreneiros que cuidavam deles. E mais os grandes cães de caça, os ma
stins,
3
que estavam no pátio, assim como a
pequena
Bolota, a cadelinha da princesa, que
estava pertinho dela, na cama.
Assim que a varinha mágica da fada os tocava, iam todos adormecendo, para
acordar com a princesa, a fim de que estivessem todos prontos para
servi
-
la
quando ela precisasse
.
As tortas que
estavam
no forno cheias de
perdizes
e de
faisões também dormiram. O fogo também.
E tudo aconteceu num instante. As fadas são assim: não precisam de tempo
para fazer seu trabalho
.
Então o rei e a rainha, depois de beijarem a filha querida sem que ela
despertasse, saíram do castelo e mandaram publicar um decreto proibindo qualquer
um de se aproximar de lá. Mas essa proibição nem era necessária, porque em
quinze minutos cresceu em volta um bosque fechado, com tamanha quantidade de
árvore
e arbustos, e tantas trepadeiras cheias de espinhos entrelaçadas umas nas
outras, que ninguém poderia conseguir passar
-
nem homem nem animal.
muito de longe é que dava para ver o alto das torres do castelo,
apontando
n
o
meio daquele bosque cerrado.
Ninguém
duvidou que isso foi mais um cuidado da
fada, para que a princesa ficasse protegida enquanto dormia e não houvesse nada
a temer de eventuais curiosos.
Depois que se passaram cem anos, o rei que reinava por era de outra
família, sem parentesco com a princesa adormecida. Um dia, o filho desse rei foi
caçar para aquelas bandas e perguntou que torres seriam aquelas, que se
avistavam de longe, saindo do meio de um bosque tão espesso.
Cada um lhe dava uma resposta diferente, de acordo com o que tinha ouvido
dizer. Um dizia que era um velho castelo mal-assombrado. Outro, que era um ponto
onde se reuniam as feiticeiras da região.
A opinião mais comum era a de que se tratava da morada de um gigante, um ogre
que levava para todas as crianças que conseguia pegar, para poder devorá-las à
bondade sem que ninguém conseguisse segui
-
lo, porque só ele conseguia abrir uma
passagem no meio dos espinheiros do bosque.
O príncipe não sabia em que acreditar. Mas, então, um velho
ca
mponês
pediu
licença e lhe disse:
- Meu príncipe, mais de cinqüenta anos eu ouvi meu pai dizer que nesse castelo
havia uma princesa. A mais bela do mundo. Ele também disse que ela estava
4
condenada a dormir cem anos, e que seria despertada por um filho de rei, a quem
estaria reservada.
Ouvindo isso, o jovem príncipe sentiu que alguma coisa o aquecia por dentro.
Não hesitou em crer que estava destinado a terminar aquela aventura tão bela.
Impulsionado pelo amor e pelo desejo de glória, resolveu ir até ver o que havia.
Mal começou a avançar pelo bosque e todas aquelas árvores imensas, aquelas
moitas e aqueles espinhos foram se afastando, por conta pró
pria
, para deixá-
lo
passar. E ele foi caminhando em direção ao castelo, que distinguia ao fim da grande
avenida por onde entrava. Uma coisa o surpreendeu um pouco: reparou que
nenhuma das pessoas que estavam com ele conseguia segui-lo, por que as árvores
se fechavam novamente logo que ele passava.
Mas nem por isso ele deixou de prosseguir em seu caminho. Um príncipe
jovem e apaixonado é sempre corajoso.
Entrou num grande pátio externo, onde tudo o que via era capaz de fazer
qualquer um gelar de medo - num silêncio assustador, a imagem da morte se
apresentava por toda parte, que se viam corpos estendidos, de homens e de
animais, todos parecendo mortos. No entanto, dava para ver, pela cara vermelha
dos porteiros, que eles estavam dormindo. As taças, onde ainda havia algumas
gostas de vinho, mostravam que muitos deles haviam dormido enquanto bebiam.
O príncipe seguiu adiante. Passou por um imenso pátio pavimentado de
mármores, subiu a escadaria, entrou na sala dos guardas - todos enfileirados, com
as carabinas nos ombros, roncando, `a vontade. Atravessou várias salas, repletas
de nobres e de damas, tod
os adormecidos
-
uns de pé, outros sentados.
Finalmente, entrou num quarto todo dourado onde viu, numa cama, com as
cortinas abertas de todos os lados, o mais belo espetáculo que jamais seus olhos
tinham contemplado: uma
princesa
que parecia ter quinze o dezesseis anos, e cujo
brilho fulgurante tinha algo de luminoso e divino.
Aproximou
-
se, trêmulo de admiração e ajoelhou
-
se junto a ela.
Então, como o encantamento chegara ao fim, a princesa despertou. Olhando-
o com o olhar mais terno que uma primeira vista
podia permitir, perguntou:
-
É você, meu príncipe? Levei muito tempo à sua espera.
Encantado com essas palavras, e mais ainda com a maneira pela qual elas
foram ditas, o príncipe ficou sem saber como poderia dar uma prova de sua alegria e
reconhecimento. E garantiu que a amava mais do que a si mesmo. Seus discursos
5
podiam ser mal arruados, mas por isso mesmo agradaram ainda mais.Pouca
eloqüência e muito amor. Estava anda mais embaraçado do que ela, o que não é de
espantar: ela tivera muito tempo para imaginar o que deveria dizer a ele, pois tudo
indica ( embora a história não diga nada a respeito ) que a boa fada, no decorrer de
um sono tão comprido, procurara garantir o prazer de sonhos agrad
áveis.
Enfim, os
dois já tinham conversado umas quatro horas e ainda não haviam dito nem a
metade das cois
as que tinham a dizer um ao outro.
Enquanto isso, todo o palácio havia acordado junto com a princesa. Cada um
procurava cumprir suas tarefas e, como nenhum deles estava apaixonado, morriam
de fome. A dama de honra, apressada como os outros, perdeu a paciência e acabou
dizendo à princesa, em voz alta, que a carne estava servida. O príncipe ajudou a
princesa a se levantar. Ela estava magnificamente vestida. Mas ele teve o cuidad
o
de não lhe dizer que ela estava com roupas parecidas com as da avó dele, com
aquele tipo de gola, tão fora de moda. Nem por isso estava menos bela.
Passaram em seguida ao Salão dos Espelhos, onde jantaram, servidos pelos
criados da princesa. Os violinistas e tocadores de oboé executaram umas mús
icas
antigas mas excelentes, embora já fizesse quase uns cem anos que ninguém tocava
aquilo. Depois do jantar, sem perder tempo, o capelão realizou o casamento deles
na capela do castelo.
E a dama de honra fechou as cortinas do leito.
Os dois dormiram pouco. A princesa não tinha mesmo muita necessidade de
sono.
E o príncipe a deixou de manhã bem cedo, para voltar à cidade, onde seu pai
devia estar preocupadíssimo por sua causa.
O príncipe contou a ele que, enquanto caçava, tinha se perdido na floresta e
que
havia dormido em casa de um carvoeiro que lhe dera pão preto e queijo para
comer.
O rei, seu pai, que era um homem bondoso, acreditou. Mas a mãe, não ficou
muito convencida. E quando viu que quase todos os dias ele saía para caçar, e que
sempre tinha uma boa desculpa pra explicar porque tinha dormido duas ou três
noites fora de casa, não duvidou mais que ele tinha arranjado alguma namoradinha.
Ele viveu mais de dois anos inteiros dessa forma com a princesa, e os dois
tiveram dois filhos. A primeira, uma menina, se chamou Aurora. O segundo foi um
menino e deram a ele o nome de Dia, porque era ainda mais bonito do que a irmã.
Várias vezes a rainha disse ao filho que na vida a gente deve procurar ser
feliz
-
para ver se ele abria e lhe fazia confidência. Mas ele nunca ousou confiar a ela
seu segredo.
É
que , embora a amasse, o príncipe a temia, pois ela era uma ogresa,
6
da raça dos ogros, e o rei só havia casado com ela por causa de seus bens.
Chegavam a murmurar na corte, bem em segredo, que a rainha tinha tendências de
ogro e que, quando crianças pequenas passavam à sua frente, ela precisava fazer
muito esforço para se conter e não se lançar sobre elas. Por isso, o príncipe jamais
quis dizer coisa alguma a ela.
Mas quando o rei morreu - o que aconteceu depois de dois anos - o príncipe
subiu ao trono. Então anunciou publicamente se casamento e foi numa cerimônia
solene buscar a nova rainha, em seu castelo no bosque. E prepararam para ela
uma acolhida magnífica na capital, onde ela fez uma entrada triunfal, na
companhia
das duas crianças.
Algum tempo depois, o rei entrou em guerra contra o imperador Cantonalvo,
seu vizinho. Entregou a regência do reino à sua mãe, e lhe recomendou muito que
cuidasse de sua mulher e seus filhos. Deveria ficar o verão todo na guerr
a.
Mal ele partiu do palácio, a rainha-mãe enviou a nora e os netos a uma casa
de campo na floresta, para poder satisfazer seu horrível desejo com mais
facilidade. Uma noite, disse ao chefe dos mordomos:
-
Amanhã no jantar eu quero comer a pequena Auror
a.
-
Ah, senhora....
-
suspirou o chefe dos mordomos.
- Eu quero! - disse a rainha, no tom de voz de uma ogresa que quer comer carne
fresca
.
-
E quero com um molho bem gostoso.
O pobre homem logo viu que não podia enfrentar uma ogressa. Então pegou
o facão e subiu até o quarto da pequena Aurora. A menina estava com quatro anos
e veio correndo e saltitando, toda risonha, se pendurar no pescoço dele e perguntar
se tinha alguma bala para ela. O homem começou a chorar e deixou cair o facão.
Depois, recolheu-
o
e desceu até o quintal onde matou um cordeirinho e o preparou
com um molho tão delicioso que a senhora disse que jamais havia comido algo tão
gostoso em toda a vida.
Enquanto isso, o chefe dos mordomos tinha tratado de tirar a pequena
Aurora do castelo e a entregara à sua mulher, para que a menina ficasse guardada
na casinha deles, no fundo do quintal.
Daí a oito dias, a rainha malvada disse ao chefe dos mordomos:
-
Hoje no jantar e
u quero comer o pequeno Dia.
Dessa vez ele nem respondeu, porque tinha resolvido fazer a mesma coisa
que tinha feito da outra vez para enganá-la. Foi pegar o pequeno Dia e o encontrou
7
de florete na o, brincando de lutar espada com um macaquinho. tinha três
anos. O homem o levou para sua mulher, que o escondeu em casa com a pequena
Aurora. No lugar do menino, o mordomo serviu um cabritinho bem macio, que a
ogresa achou admiravelmente bom.
Até aí, tudo estava dando certo. Mas, uma noite, a rainha malvada anunciou
ao chefe dos mordomos:
- Vou querer comer a rainha, preparada nesse mesmo molho gostoso em que
você fez os filhos dela.
Então o homem ficou desesperado, vendo que dessa vez ia ser muito difícil
enganar a rainha-mãe. A jovem rainha tinha passado dos vinte anos, sem contar
os cem anos que tinha dormido. Sua carne era um pouco dura, apesar de bonita e
clara. Como é que ele ia encontrar entre os animais de criação do quintal um bicho
com a carne tão dura?
Para salvar a própria vida, então resolveu que ia mesmo cortar a garganta da
rainha
e subiu até os aposentos dela, com a intenção de não errar e não precisar
dar dois golpes. Com o punhal na mão, entrou no quarto da jovem.
Mas não queria surpreendê-la nem fazer nada à traição e, com muito respeito,
transmitiu a ela a ordem que havia recebido da rainha
-
mãe.
- Cumpra seu dever - disse ela, esticando o pescoço - e execute a ordem que
recebeu. Assim irei rever meus filhos, meus filhinhos queridos que eu sempre amei
tanto.
Ela achava que eles estavam mortos, porque tinham sido levados de junto
dela sem que ninguém lhe
dissesse nada.
- Não, não, minha senhora - respondeu o pobre mordomo, enternecido. - A
senhora não vai morrer. Também não vai deixar de ver seus filhinhos, mas vai
encontrá
-los em minha casa, onde eles estão escondidos. Vou enganar a rainha de
novo, dando
uma corça para ela comer em seu lugar.
Em seguida, conduziu a jovem rainha até seu quarto, onde a deixou,
abraçada aos filhos e chorando com eles. Depois tratou de caçar uma corça, que a
rainha comeu no jantar, com o molho de sempre e o mesmo apetite com que teria
devorado a nora. Toda contente com sua crueldade, ela pretendia dizer ao rei,
quando ele voltasse, que os lobos enraivecidos tinham comido a mulher dele e seus
dois filhos.
8
Mas uma tarde, quando ela caminhava pelos jardins e quintais do castelo,
como costumava fazer, para escolher algum animal cuja carne fresca pudesse
comer, ouviu que de dentro de uma sala vaixa vinha a voz do pequeno Dia,
chorando porque a mãe queria bater nele, que se comportara mal.E ouviu também a
pequena Aurora, pedindo perd
ão para o irmão. A ogresa reconheceu a voz da rainha
e dos filhos e, furiosa por ter sido enganada, deu ordens com uma voz aterrorizante,
que fez todo mundo tremer.
Mandou que no dia seguinte de manhã trouxessem um tonel imenso pra o
meio do pátio, cheio de sapos, víboras, cobras e serpentes, para que dentro
fossem jogados a rainha e seus filhos, o chefe dos mordomos, sua mulher e sua
criada. Deu ordem para que todos fossem lançados dentro com as mãos
amarradas atrás das costas.
E assim, na hora mar
cada, lá estavam eles. Os carrascos se preparavam para
jogar todos dentro do tonel quando o rei, que não era esperado tão cedo, entrou a
cavalo no pátio. A guerra tinha acabado e ele tinha vindo a galope, sem parar nem
para descansar, mudando de cavalos pe
lo caminho. Espantadíssimo, perguntou:
-
O
que quer dizer este horrível espetáculo?
Ninguém ousou responder e explicar.
Mas a ogresa, furiosa com essa volta inesperada, pulou de cabeça dentro do
tonel e foi instantaneamente devorada pelos bichos venenosos que ela mesma
mandara colocar lá dentro.
O rei ficou um pouco triste - afinal, era a mãe dele. Mas num instante se consolou
com a mulher e os filhos.
9
ANEXO B - A BELA ADORMECIDA Tradução e adaptação Monteiro
Lobato
Era uma vez um rei e uma
rainha,
sempre tão a
borrecidos de não terem filhos
que dava até dó. Iam passar temporadas em estações de águas minerais; faziam
promessas; empregavam todos os meios de ter filhos, mas sem nenhum resultado.
Certo ano, porém, tudo mudou e a rainha teve uma filha. Foi enorme sua alegria.
O
batismo virou uma festa sem igual e tôdas as fadas do país (eram sete) receberam
convite para servirem de madrinhas da preciosa criança.
Depois das cerimônias do batismo, realizado numa catedral, os convidados
voltaram ao palácio do rei para assistir ao grande banquete oferecido às fadas.
Diante de cada uma foi colocado um talher maravilhoso, de ouro finíssimo,
guarnecido de diamantes e rubis. Mas assim que tomaram assento apareceu na sala
uma fada velha que não tinha sido convidada porque fazia cinqüenta anos
qu
e se
metera numa tôrre sem sair uma vez, de modo que tôda a gente a julgava morta
ou encantada. O rei mandou pôr na mesa mais um talher; infelizmente os talheres de
ouro eram sete, não sendo possível dar à fada velha um talher igual ao das
outras.
Era tão essa velha fada que se pôs de cara feia a resmungar. Uma das
fadas moças viu aquilo e calculou logo que para vingar-se ela iria desejar qualquer
coisa ruim para a princesinha. E logo que o banquete terminou e todos se
levantaram
, correu na frente para esconder-se atrás da porta do quarto da linda
criança. Dêsse modo viria ela a falar por último, e poderia desejar à princesinha um
dom que destruísse , ou pelo menos diminuísse, o mal que a fada velha pudesse ter
em mente fazer.
Logo depois começou o desfile das fadas diante do berço da recém-
nascida.
A mais moça de todas desejou que ela tivesse a bondade dum anjo; a segunda
desejou que ela tivesse tôdas as graças possíveis; a terceira desejou que dançasse
com
perfeição; a quarta desejou que fôsse a princesa mais bela do mundo; a quinta
desejou que ela cantasse como um rouxinol; a sexta desejou que tocasse
maravilhosamente bem tôda a sorte de instrumentos musicais. Por fim chegou a vez
10
da fada velha, que se aproximou com cara de quem está a torcer-se de despeito e
declarou que a princesa espetaria a mão numa roca de fiar e disso morreria.
Êsse terrível vaticínio causou tamanha tristeza que todos se puseram a
chorar. Nisto a jovem fada, que se escondera atrás da porta, surgiu e disse em voz
alta, dirigindo
-
se ao rei e à rainha:
-
Sossegai, majestades, que a princesinha não morrerá. Embora eu não tenha
poder bastante para destruir o mau voto da minha idosa colega, posso modificá-
lo
em parte. A princesa espetará a mão numa roca de fiar, mas em vez de morrer cairá
em sono profundo por cem anos. Ao fim dêsse tempo o filho dum rei virá despertá
-
la.
O pai da princesinha, entretanto, quis ver se contrariava o mau voto da fada
velha e ordenou a publicação duma lei que proibisse no seu reino, sob pena de
morte, o uso de rocas de fiar. As rocas desapareceram e a princesinha foi crescendo
sossegada.
Ali pelos quinze ou dezesseis anos, porém, indo o rei e a rainha passar uma
temporada num antigo castelo, aconteceu que a menina se pôs a percorrer todos os
recantos com grande curiosidade. Também subiu a uma tôrre, no alto da qual
encontrou uma água furtada onde viu uma velha a fiar na roca. Essa velha morava
ali havia anos e anos, sem nunca pôr o nariz fora, de modo que nada ouvira falar da
lei proibitiva do uso das rocas.
-
Que está fazendo aqui, senhora velhinha? perguntou a princesa.
-
Estou fiando, minha bela menina, respondeu a velha.
- Oh, como é interessante! Exclamou a menina. Explique-me isto. Deixe-
me
fiar um bocadinho.
A velha deixou-a fazer e como a princesinha não tivesse prática e fôsse um
tanto estouvada, logo espetou o dedo e caiu adormecida.
A pobre velha ficou tonta e gritou pedindo socorro; veio gente de todos os
lados; borrifaram água no rosto da menina, deram-lhe palmadas na mão,
desapertaram
-lhe o corpete, esfregaram-lhe as têmporas com água da rainha da
Hungria (
que era a água de Colônia daquele tempo); mas nada fêz a menina voltar a
si.
11
Então veio o rei e lembrou-se da predição da velha fada. Não havia remédi
o;
tinha de conformar-se e deu ordem para que a pusessem no mais belo aposento do
castelo, sôbre um leito de ouro e prata. Ficou a menina que parecia um anjo do céu,
porque o desmaio não lhe tirara as côres do rosto, nem o coral dos lábios - que
conserv
ara os olhos fechados, embora respirando suavemente. Isso demonstrava
que apenas dormia um longo sono.
O rei deu ordem para que a deixassem dormir em sôssego até que o
momento do seu despertar chegasse.A boa fada, que a salvara da morte em troca
de cem anos de sono, estava vivendo no país de Mataquim, a doze mil léguas
dali;mesmo assim foi avisada naquele mesmo instante por um anãozinho dono de
umas botas de sete léguas. E veio ver a princesinha; veio num carro de fogo puxado
por dois dragões de asas. O rei foi recebê-la à porta do castelo e acompanhou-a. A
boa fada aprovou tudo quanto tinha sido feito, e, como fôsse muito previdente,
lembrou
-se de que quando a princesa acordasse dali a cem anos havia de ficar
muito embaraçada de ver-se sozinha naquele imenso castelo, e então fêz o
seguinte.Tocou com a sua varinha mágica tôdas as pessoas que estavam por -
governantas, damas de honra, gentis-homens, oficiais, cozinheiros, copeiros,
jardineiros, cocheiros, guardas, soldados, moços de recados e mais criadagem; e
também todos os cavalos que viu nas estrebarias e todos os cães, inclusive a
cahorrinha Pufle, que era a mimosa da princesa e não lhe saía ao pé da cama.
Ao mais leve toque de vara mágica todos adormeciam para despertarem
cem anos depois, justamente no instante em que a princesa fizesse o mesmo.
Dêsse modo poderiam servi-la por essa ocasião como se nada houvesse
acontecido. Na cozinha os cozinheiros estavam assando ao espêto perdizes e
faisões
- e adormeceram na posição em que se achavam. Até as chamas do fogo
ficaram paradinhas no ar.
Então o rei e a rainha deixaram o castelo e proibiram sob pena de morte que
alguém se aproximasse daquelas paragens. Isso aliás não era necessário, porque
em menos de meia hora nasceu e cresceu em redor do castelo um bosque de
espinheiros tão entrançados que não havia no mundo quem o pudesse atravessar.
Tão cerrado ficou o tapume que do castelo apareciam as tôrres em cima.
Todos perceberam que se tratava de mais uma precaução da fada boa, desejosa de
resguardar a
sua protegida de qualquer curiosidade humana.
12
Ao completarem-se os cem anos o filho do rei que por êsse tempo se achava
no trono foi um dia caçar naquelas bandas, e ao ver as tôrres em cima do cerrado de
espinheiros perguntou o que era. Ninguém soube responder com certeza. Um disse
que era um velho castelo assombrado; outro disse que naquele ponto tôdas as
feiticeiras dos arredores se reuniam nos seus sabás.
A opinião mais espalhada era a dos que afirmavam ser ali o antro dum terrível ogre
ou papão, monstro que furtava crianças pelos arredores e ia devorá-las com todo
o sossêgo. Só esse papão sabia o meio de atravessar a muralha de espinhos.
O príncipe estava tonto de tantas explicações diferente, quando um velho
camponês tomou a palavra e disse:
- Meu príncipe, cinqüenta anos ouvi de meus pais que dentro do castelo
cercado pelos espinheiros está adormecida a princesa mais bela do mundo, a qual
só voltará à vida se fôr despertada por um filho de rei
-
e que com êle se casaria.
Ao ouvir tais palavras o príncipe sentiu palpitar o coração; qualquer coisa lhe
dizia que era êle o destinado a despertar a bela princesa adormecida - e
imediatamente pôs o seu cavalo de rumo para o misterioso bosque de espinheiros.
Ao chegar lá, as árvores até então cerradíssi
mas, abriram
-
se para lhe dar caminho e
êle pôde encaminhar
-
se para o castelo com a maior facilidade.
Em certo ponto deteve-se, olhou para trás e viu que os espinheiros se
haviam fechado novamente, impedindo que os homens de sua comitiva o
acompanhassem. Isso não lhe meteu mêdo. Continuou a caminhar, porque era
valente e estava já com o coração cheio de amor.
Chegou; entrou - e o quadro que viu era de fazer tremer de mêdo a outro
menos bravo. Por tôda parte, corpos estirados pelo chão e recobertos de teias
de
aranha, como se tivesse havido uma grande matança. Pôde, entretanto, verificar que
não eram cadáveres, e sim corpos de pessoas adormecidas.
Logo na entrada viu os guardas suíços, ainda com copos de vinho na o, porque
êsses guardas estavam bebendo no m
omento em que a fada os adormeceu.
O príncipe atravessou um grande pátio ladrilhado de mármore; subiu por uma
escadaria; penetrou na sala da guarda, onde viu os soldados dispostos em duas
fileiras, de baionetas ao ombro, roncando. Todas as mais salas e com
partimentos
que atravessou estavam igualmente cheios de fidalgos e damas e serviçais
13
adormecidos, uns de pé, outros sentados. Afinal, numa câmara riquíssima, tôda de
ouro finamente lavrado, viu sobre um leito, de cortina entreabertas, um quadro de
maravilh
osa beleza: uma jovem donzela de quinze para dezesseis anos, cujo rosto
resplandecia como um sol.
O príncipe aproximou-se, trêmulo de comoção, e ajoelhou-se ao lado dela,
num enlêvo. Foi o bastante para que o encantamento se quebrasse e a bela
adormecida
abrisse os olhos.Abriu os olhos, e com voz trêmula de ternura disse ao
príncipe:
-
És tu, meu príncipe? Oh, como se fêz esperado!
Encantado com estas palavras, e mais ainda com o tom amoroso com que
foram ditas, ficou o príncipe sem saber como demonstrar a sua felicidade; por fim
declarou à donzela que a amava mais do que a si mesmo.Mas atrapalhou-se ao
dizer isso, porque êsses amores repentinos atrapalham as criaturas.Já com a
princesa se dava o contrário; como havia tido cem anos de adormecimento para, no
s
sonhos, preparar as frases para aquele desfecho, falou que nem um livro aberto.
Durou quatro horas aquêle colóquio amoroso - e êles não disseram nem metade do
que tinham a dizer.
Nesse meio tempo todos os serviçais do palácio também saíram do longo
sono
de cem anos e como não estivessem tomados de amor, como a princesa e o
príncipe, trataram de atender ao estômago, que lhes doía de fome. A mesa foi posta,
e a primeira dama de honra veio dar parte à princesa de que o jantar estava servido.
O príncipe deu a mão à bela adormecida e conduziu-a ao salão, sem entretanto dar-
lhe a perceber que ela estava vestida à moda de um século atrás, o que, entretanto
, em nada diminuía a sua resplandecente beleza.
No salão dos espelhos estava servido o jantar, com todos os lacaios do
palácio nos seus lugares. Violinos e flautas tocaram músicas de que ninguém mais
se lembrava por serem de cem anos passados.Findo o jantar o sacerdote do palácio
realizou o casamento na capela real. Em seguida os amorosos se recolheram aos
seus
aposentos. Está claro que nessa noite dormiu o príncipe, porque a princesa
estava farta e refarta de um século inteiro de sono. De manhã o príncipe saltou da
cama e tratou de voltar à cidade, onde o rei seu pai devia estar inquieto da sua
ausência.
14
chegando contou ao rei que se tinha perdido na floresta e que dormira na
cabana dum lenhador, havendo ceado pão negro e queijo de leite de cabra.
O rei acreditou; mas a rainha, que era muito mais esperta, passou a desconfiar dos
passeios diários que desde essa ocasião o príncipe fazia para os lados do bosque
dos espinheiros, passeios muito compridos e sempre com a história de perder-se na
mata e dormir em casa de lenhadores.Ela desconfiou. E tinha razão para isso,
porque durava dois anos a tal vida de caçadas e perdimentos. Nesse espaço de
tempo a bela adormecida teve dois filhos, uma menina de nome " Aurora" e um
menino de nome " Dia", cada qual mais lindo que o outro.
A rainha tentou fazer o seu amado filho contar o sêgredo daqueles mistérios;
êle , por
ém, não se animou a tanto, porque essa rainha era da raça dos ogres e o rei
casara com ela por causa das suas grandes riquezas.
Diziam mesmo na côrte que o sangue ogre que lhe corria nas veias era tão forte que
ela não podia passar perto duma criança sem sentir ímpetos de devorá-la. O
príncipe sabia disso, e para evitar calamidades nada contou do castelo do sono.
Algum tempo depois o velho rei morreu e o príncipe foi elevado ao trono;
então declarou publicamente o seu casamento com a bela adormecida e c
om
grande acompanhamento trouxe a espôsa para o palácio real, onde começaram a
viver muito felizes.
Um ano mais tarde o novo rei teve de fazer guerra a um rei vizinho, e ao sair
deixou a regência entregue à rainha-mãe, muito lhe recomendando a jovem espôsa
e os filhinhos. Mas assim que êle virou as costas a rainha-mãe enviou a nora e os
meninos para uma casa de campo situada no meio da floresta, bem longe, onde ela,
rainha, pudesse dar largas ao seu apetite de bruxa, filha de ogre comedor de
crianças, ou Papão. Era Papona, a diaba. Logo que os teve instalados lá, ordenou
ao seu cozinheiro:
-
Quero amanha ao jantar comer a pequenina Aurora.
-
Ah, senhora! Exclamou o pobre cozinheiro, atarantado. Não faça isso...
-
Quero e quero e quero, gritou a rainha no to
m feroz das Paponas, e explicou
de que modo queria que se assasse a menina, e com que môlho.
O cozinheiro viu que nada mais lhe restava senão obedecer, e tomando um
faca muito grande subiu ao quarto da pequena Aurora, que tinha então quatro anos.
15
Assim que o viu, a menina pulou-lhe ao pescoço, pedindo-lhe bombons e mais
coisas gostosas. O triste cozinheiro caiu em pranto; por fim desceu ao quintal e
matou um carneirinho, que preparou como se fôsse a menina. A Papona comeu-
o,
certa de que estava comendo a
netinha
- e lambeu os beiços, confessando que
jamais comera petisco que valesse aquêle.
Enquanto isso o bom cozinheiro corria a esconder a menina Aurora em sua
própria casa, num caixão lá no fundo do galinheiro.
Oito dias depois a rainha Papona disse de n
ovo ao cozinheiro:
- Quero hoje à ceia ter na mesa o segundo menino, e dessa vez o cozinheiro
nada replicou porque sabia como fazer as coisas. Foi procurar o menino, então com
três anos apenas e muito espertinho. Encontrou-o de espadinha de pau na mão,
esgrimindo com um macaco manso. Levou-o para junto da sua irmãzinha Aurora e
em lugar dêle matou outro cordeiro.A Papona comeu mais êsse cordeiro pensando
que fôsse o netinho e ainda o achou melhor que a netinha.
Tudo acabaria bem, se o apetite da terrível Papona se contentasse com isso.
Dias depois, entretanto, ela ordenou ao cozinheiro:
- Quero agora comer a rainha, com o mesmo môlho que você preparou para
os meninos assados.
O pobre cozinheiro ficou atrapalhadíssimo. A rainha estava nos vinte anos,
e
como tivesse vivido a dormir um século, tinha na realidade cento e vinte anos. Ora,
era natural que estivesse com a carne bastante dura - e como descobrir um animal
de carne dura assim? Pensou, pensou, pensou e por fim resolveu cumprir as ordens
recebidas.
Subiu ao quarto da rainha, de faca na mão, falando sòzinho para animar-
se. Mas não quis matá-la de surpresa. Antes de erguer a faca explicou-lhe que eram
ordens da rainha regente.
- Mate, mate duma vez! Gritou-lhe a pobre bela adormecida, apresentando-
lh
e o pescoço alvíssimo. Dêsse modo irei juntar-me aos meus queridos filhinhos, tão
cruelmente destruídos.
Ela estava certa de que os meninos tinham sido mortos e comidos pela
Papona.
16
.- Não, minha senhora, respondeu o cozinheiro enternecido. Nem a senhora
morrerá, nem os seus filhinhos morreram - e contou como os havia salvado e onde
os conservava escondidos. Explicou que mataria uma veada e a prepararia de
modo que a Papona não percebesse a troca.
Momentos depois estava a rainha reunida aos dois meninos e a abraçá-los e
a beijá-los como as mães sabem fazer. Enquanto isso o bom cozinheiro
preparava uma grande veada, que a Papona comeu com grande prazer, certeza de
que estava comendo a rainha. Comeu e ficou a pensar no que diria ao rei seu filho
quando retornasse da guerra. O melhor seria deitar a culpa nos lôbos famintos, que
em grandes bandos percorriam aquelas matas.
Uma noite, porém, em que ela descera ao pátio da casa de campo a fim de
farejar alguma carne fresca, ouviu em certo ponto um chorinho de criança.Era o
menino Dia, que fizera uma travessura e fôra castigado por sua mãe
Também ouviu a voz de Aurora pedindo à rainha que perdoasse ao irmãozinho.
A Papona ficou furiosa de ter sido lograda e a grande berros ordenou que
trouxessem para o pátio uma enorme tina cheia de sapos e lagartos e cobras, na
qual fôssem lançados os meninos, a rainha e o cozinheiro que desobedecera as
suas ordens, e a mulher dêle e mais sua criada. Todos deveriam ser trazidos para ali
de mãos amarradas.
Estavam já reunidos em redor da tina dos bichos horrendos aquelas pobres
vítimas, à espera dum sinal da Papona, quando se ouviu um tropel. Era o rei que
chegava da guerra.Entrou no pátio e ficou assombrado com o que viu, mas ninguém
teve coragem de lhe explicar coisa nenhu
ma.
A Papona, então, vendo-se perdida,
atirou
-
se à tina de ponta cabeça e num instante foi devorada pela bicharia faminta.
O rei não deixou de ficar triste, porque afinal de contas a Papona era sua
mãe, mas no mesmo instante consolou-se no amor e carinho da bela adormecida e
das duas encantadoras crianças. E daí por diante viveram na mais completa
felicidade.
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ANEXO C - A BELA ADORMECIDA NO BOS
QUE
recontado por Katia
Canton.
Era uma vez uma rainha que não conseguia ter filhos.
Era reza dali, chá aco
lá e...nada.
Até que um dia ela finalmente engravidou.
Nove meses depois, nasceu uma menininha linda, sorridente e com as
bochechinhas rosadas. Rainha, rei e o reino inteiro eram só alegria.
Todo mundo comemorava.
Quando a princesa completou um ano, seus pais organizaram uma grande
festa.
Convidaram todas as fadas do reino para serem madrinhas, abençoar a
menina e dar
-
lhe os mais belos e admirados dons.
Na cerimônia, cada fada madrinha ocupava um lugar à
mesa,
era servida com
as mais deliciosas comidas postas em pratos de prata e cristal e ganhava um estojo
de ouro contendo talheres cravejados de diamantes.
Antes de tomar seu lugar à mesa, cada fada madrinha anunciava seus votos.
Fada Aquarela desejou à menina uma vida muito colorida.
Fada Carinho det
erminou que ela fosse delicada e gentil.
Fada Espelho, que fosse bela como uma deusa.
Fada Solidária anunciou que ela seria muito caridosa.
Fada dos Livros, que ela seria extremamente inteligente.
Fada do Tempo disse que ela seria paciente.
E a Fada Sorri
dente previu que ela seria bem alegre.
Toda
s estavam à mesa com a rainha e o rei, quando de repente uma
surpresa nada agradável aconteceu. Era a Fada Enfadonha
,
que tinha ficado
trancada em seu castelo por mais de quarenta anos. Por isso, ninguém mais s
e
lembrava dela. Nem mesmo de convidá
-
la para o batismo.
Enfadonha entrou de supetão pelo salão com uma cara de poucos amigos.
Pior. Estava desgostosa e desejava vingança por ter sido esquecida. Olhou para
todos com seu rosto amargurado e através das grossas lentes de seus óculos,
encarou aqueles que comiam e bebiam alegremente e anunciou seu voto
cruel:
18
- Quando completar dezoito anos, a princesa vai se picar numa agulha de
costura e morrer
á –
proferiu essas horríveis palavras e retirou
-
se imediatamente.
O rei e a rainha quase desmaiaram. Ficaram tristes, amedrontados. As outras
fadas procuraram amenizar o mal-estar. Sorridente, sem saber bem o que fazer,
tentou esboçar um sorriso. Carinho deu um abraço na rainha. Solidária pediu ajuda à
Fada dos Livros.
-
Vamos encontrar um feitiço para anular esse
ú
ltimo voto
sugeriu.
Dos Livros procurou em todas as páginas de seu
Caderno de Magia
, mas não
encontrou nada. Voto de Fada mais velha e experiente é muito difícil de anular
concluiu.
A Fada do
Tempo,
enfim,
explicou:
- Não podemos acabar com esse voto, mas, com o tempo, posso amenizar o
que ela previu. Ao fazer dezoito
anos,
a princesa picará o dedo numa agulha de
costura e não morrera, mas cairá num sono profundo por 99 anos. um príncipe
apaixonado pode
rá fazê
-
la despertar.
Rei e rainha, como pais zelosos, fizeram o que puderam para proteger a
menina.
Mandaram espalhar pelo reino placas enormes que diziam:
E ninguém se atrevia a desobedecer
-
lhes.
Quando a linda princesa completou dezoito anos, é claro que algo estranho
lhe aconteceu. Um dia ela passeava pelo bosque quando avistou uma casinha ao
longe. O local era pequeno, todo de madeira, e tinha dois andares. A princesa
encontrou a porta fechada e, como tinha sede, bateu. Ninguém veio atender.
Ela bateu novamente e ouviu uma voz bem fraquinha que dizia:
- Estou aqui em cima. O que quer?
-
Estou com sede. Gostaria de um copo d’água
respondeu a princesa.
A porta então se abriu e a voz gritou lá de cima:
-
Estou costurando. Você pode ir
à cozinha e
pegar a água que est
á
no jarro de
barro
anunciou.
“ Costurar? O que será isso?” , pensou a princesa.
AQUI E PROIBIDO USAR AGULHAS
E ROCAS
PARA COSTURA
19
A moca não sabia, porque nunca tinha visto. E a senhora, de cima, parecia
pertencer a outro reino. Nem conhecia a proibição que o rei tinha feito por aquelas
passagens.
-
Posso ver?
perguntou curiosa a menina.
A mulher deixou. A menina quis mais.
- Posso tentar?
A mulher consentiu.
E, como previsto, assim que a princesa espetou o dedo, imediatamente caiu num
sono profundo.
Quando o rei e a rainha ficam s
abendo, desesperaram-
se.
- Nós esperávamos por isso –
argumentou a Fada Espelho, que se lembrou da
profecia feita durante o batismo. Agora nos resta cuidar para que ela repouse
bem tranqüila
até
que seu príncipe chegue para
acordá
-
la
.
A Fada então tocou sua varinha nos empregados da corte e colocou todos num
sono profundo, junto com a princesa, para que, quando ela acordasse, não estivesse
sozinha.
O tempo passou e uma vegetação espessa foi crescendo em volta do palácio.
Tudo virou uma espécie de
floresta, um bosque escuro e silencioso.
Parecia mal
-
assombrado.
Certo dia, um belo moço cavalgava ao lado de seu melhor amigo, que lhe contou
a seguinte hist
ó
ria:
-
Diz
a
lenda que aqui vivi
a
uma linda princesa que caiu num sono profundo por
99 anos. Ela será acordada pela presença de um nobre príncipe que ca
irá
de
amores por sua beleza.
O outro jovem, que era de fato um príncipe, achou aquela história muito
comovente. Ficou intrigado, encantado. Sonhou com a possibilidade de ser o herói
daquela lend
a. E então resolveu entrar naquele lugar frio, escuro e assombroso.
Seu encantamento era maior do que o medo.
Não havia d
úvida de que ele era o príncipe previsto pela Fada do Tempo.
O moço penetrou uma densa folhagem, cavalgando com energia, à noite, sem
medo e sem esperar. Quando avistou o palácio, agora em ruínas, escancarou a
porta e entrou. Viu todos aqueles empregados, imóveis, dormindo de pé, feito
est
átuas. À medida que foi chegando perto do quarto da princesa, seu coração
começou a disparar:
20
Entrou! E viu aquela linda moça deitada em sua cama, recoberta por um
lençol de seda
branca,
os cabelos longos e cacheados e a pele muito alva e
quase não se conteve de
emoção!
O coração, a essa altura, parecia querer saltar-
lhe pela boca.
Foi ele se aproximar, que a princesa começou a bocejar.
Depois,
lentamente, espreguiçou
-
se.
Acordou.
você, meu príncipe, que veio me acordar?
Ele estava mais acanhado do que a princesa, que sorria satisfeita. Afinal, não se
pode comprovar, ma
s
é bem possível que durante todos os anos em que dormira, a
Fada do Tempo tenha feito a mo
ç
a sonhar os mais belos sonhos, preparando
-
a para
conversar com seu príncipe.
Quanto à princesa, ela se casou com seu príncipe e teve dois filhos, o menino
foi chamado Dia
; e a menina, Aurora. Ambos eram lindos.
não sabia a moça que a rainha, mãe de seu esposo, tinha uma
característica nada agradável: era uma ogra.
Você sabe o que é um ogro? É um ser que como criancinhas! Um horror!
Pois esse era
o desejo secreto da
quela rainha!
Nesse caso, uma história que parecia ter acabado com um final feliz para
sempre ainda apresentou outras surpresas...
Eis que um dia o príncipe foi lutar numa guerra e teve de deixar a esposa e os
filhos por alguns meses em casa.
Recomendo
u
à mãe que se comportasse e que
até
ajudasse a cuidar de sua
família. Ela prometeu de pés juntos que o faria, mas tão logo ele se afastou, o
sangue de ogra começou a esquentar. O desejo de comer criancinhas foi ficando
grande, maior, enorme...
Então e
la ordenou a seu empregado:
- Faca um Molho Robert, que hoje vou comer minha neta, Aurora.
Esse típico molho francês era a especialidade do rapaz. A rainha era uma
ogra, sim, mas uma ogra chique. Sabia o que era bom. O Molho Robert
é
tradicional
na Fran
ç
a
desde o Renascimento e se prepara assim:
Receita do Molho Robert
21
Ingredientes
2 colheres de sopa de manteiga
1 colher de sopa de farinha de trigo
3 colheres de sopa de caldo de carne
1 colher de sopa de mostarda
sal e pimenta a gosto
Modo de fazer
Coloq
ue a manteiga para derreter numa panela e adicione a farinha. Uma vez
dourada, despeje o caldo e tempere com sal e pimenta. Deixe cozinhar por 15 minutos
e, antes de servir, misture a mostarda, mexendo bem. Usar em carnes.
O molho pronto, ela então e
sbravejou:
- Vá lá dentro e traga a menina para cozinharmos.
O pobre
empregado
ficou desesperado. Sabia que não se podia brincar com
uma ogra, mas simplesmente não tinha coragem de tirar a vida de uma linda e
indefesa menininha. Matou então um carneirinho e cozinhou-o com seu maravilhoso
molho.
Escondeu Aurora no quintal de sua casa e capricho no prato.
A ogra comeu tudo e lambeu cada restinho. Sentia-se feliz em sua ogritude
maligna, mas ainda não estava totalmente satisfeita. Resolveu também comer o
me
nino, Dia.
- Prepare mais Molho Robert, dessa vez com cebola. Agora vou comer meu
neto.
Na hora de buscá-lo, o empregado novamente comoveu-se. O menininho
tinha apenas três anos e era tão belo e cheio de vida.... O empregado matou então
um cabritinho
,
esc
ondeu Dia no quintal com Aurora e fez o prato, caprichando no
molho e na apresentação.
- Hummm, está uma delí
cia
exclamou a ogra. Agora falta comer
minha nora.
22
A princesa também? Ela tinha 22 anos, sem contar os 99 que passara
dormindo.
Mas a ogra teimou mesmo assim.
O empregado pensou numa carne parecida com a dela. Escolheu uma corça,
matou
-
a, cozinhou
-
a em Molho Robert e serviu
à
rainha.
A esfomeada parecia feliz da vida agora. tinha decidido contar ao príncipe
que su
a esposa e
seus
filhos tinham sido devorados por lobos selvagens.
Passeava pelas ruas rindo sozinha, até que escutou algo estranho.
Reconheceu, muito brava, a voz de Aurora e Dia, que brigavam baixinho, enquanto
a mãe bronqueava com eles pela falta de m
odos dos dois.
“Ah, era tudo mentira, então? Eles vão ver”, pensou.
Chamou outro empregado, mandou que ele preparasse uma enorme tina
cheia d
e
cobras venenosas, sapos e escorpiões, para jogar os três lá dentro, de uma
só vez.
Quando tudo parecia pronto, ela ouviu a voz do filho. Ele voltara da viagem
mais cedo. Percebendo que nada sairia do jeito que havia planejado, a ogra, num
instante de impulsividade, jogou-se, ela mesma, dentro da tina. Rapidamente foi
comida pelas cobras.
O príncipe não deixou de ficar triste, afinal, tratava-se de sua e, mas logo
se confortou ao lado dos filhos e da bela esposa.
23
ANEXO D
-
A BELA ADORMECIDA
(
Editora Todolivro
)
Quando a princesa Aurora nasceu, o Rei e a Rainha fizeram uma festa para o
seu bati
zado e convidaram todas as fadas do reino.
Cada fada presenteou a princesa com um dom: Beleza, Bondade, Alegria,
Inteligência e Amor.
De repente, apareceu a bruxa Malévola, furiosa por não ter sido convidada
para a festa.
Disse para a rainha:
-
Quando
a princesa completar quinze anos espetará o dedo no fuso de uma
roca e morrer
á.
A fada Flora que ainda não havia dado o seu presente, conseguiu modificar o
feitiço de
M
alévola dizendo:
- A princesa não morrerá, dormirá um sono profundo até que o beijo de um
príncipe a desperte.
O rei ordenou que todas as rocas do reino fossem destruídas e pediu que as
fadas protegessem a princesa.
A princesa crescia feliz, cada vez mais bela e amorosa.
No dia do seu aniversário de quinze anos ela resolveu dar um passeio
sozinha.
Andando pelo palácio, encontrou uma escada que a levava para a velha torre,
subiu e lá encontrou uma roca.
Aproximou
-
se curiosa e ao tocá
-la , espetou seu dedo no fuso da roca e caiu
n
um
sono profundo.
No mesmo instante todos no castelo ador
meceram.
Com o tempo uma imensa floresta cresceu ao redor do castelo.
Muitos anos depois, um príncipe de um país vizinho que ouvira falar da
história da Bela Adormecida,
resolveu então encontrar este castelo.
Corajoso
, o príncipe atravessou a floresta e achou o castelo. Entrou, e
espantado viu que todos
dormiam,
até os animais.
Subiu a escada da torre e encontrou a princesa.
Em uma cama de outro, dormia a mais linda jovem que ele tinha visto.
O príncipe ficou apaixonado e aproximando-
se dela, beij
ou
-
a.
24
No mesmo instante, a princesa Aurora despertou e com ela todo o
reino.
Poucos dias
depois,
a
princesa Aurora e o príncipe se casaram e foram felizes para
sempre.
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